O QUE � IMAGIN�RIO
editora brasiliense
Fran�ois Laplantine Liana Trindade
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INTRODU��O
Vivemos na atualidade a busca de novos caminhos que possam conduzir � compreens�o e � supera��o da realidade. A imagina��o tornou-se o caminho poss�vel que nos permite n�o apenas atingir o real, como tamb�m vislumbrar as coisas que possam vir a tornar-se realidade. Embora as sociedades ocidentais tenham, nas �ltimas d�cadas, privilegiado as imagens como forma de conhecimento e de comunica��o social, esse fen�meno que utiliza as imagens televisivas ou computadorizadas n�o trouxe consigo a emerg�ncia de um imagin�rio mais rico ou complexo. As imagens padronizadas n�o conseguiram construir, atrav�s de seus recursos simb�licos, qualquer universo do imagin�rio social que pudesse superar as antigas narrativas orais, o teatro das ruas e os rituais sagrados e profanos que fizeram parte durante s�culos da composi��o do imagin�rio social. Por�m, o imagin�rio n�o foi derrotado no confronto com a racionalidade das imagens massific
adas, produzidas para o consumo f�cil, encontrando-se presente cada vez mais nas fantasias, e projetos, nas idealiza��es dos indiv�duos e em outras express�es simb�licas, religiosas ou leigas, que traduzem e constroem as suas emo��es em um novo contexto imaginativo. Neste trabalho, indicaremos inicialmente os principais conceitos extra�dos de diversas teorias sociais e filos�ficas sobre s�mbolos, imagens e imagin�rio. Destacaremos as distin��es conceituais significativas encontradas entre ideologia, imagin�rio e s�mbolo, os quais consideramos como categorias distintas, embora alguns autores queiram torn�-las coincidentes. Trataremos tamb�m dos s�mbolos configurados na constru��o dos deuses e analisaremos os g�neros do imagin�rio como o extraordin�rio, o maravilhoso e o fant�stico na literatura. Nos cap�tulos finais, examinaremos as express�es e g�neros do imagin�rio enquanto processo de produ��o de conhecimento, i
nterpreta��o, reflex�o e desejo, que antecipa a realiza��o de um projeto social, prof�tico ou ut�pico. O imagin�rio em liberdade, que rompe os limites do real, consiste na explos�o que propicia o in�cio de uma nova �poca ou apenas o tempo ef�mero e extraordin�rio de uma festa; quest�es que ser�o abordadas no decurso de nossas an�lises.
A IMAGEM, A ID�IA, O S�MBOLO
Imagens s�o constru��es baseadas nas informa��es obtidas pelas experi�ncias visuais anteriores. N�s produzimos imagens porque as informa��es envolvidas em nosso pensamento s�o sempre de natureza perceptiva. Imagens n�o s�o coisas concretas mas s�o criadas como parte do ato de pensar. Assim a imagem que temos de um objeto n�o � o pr�prio objeto, mas uma faceta do que n�s sabemos sobre esse objeto
externo. N�o concebemos as imagens como passivas, pois de qualquer maneira constituem-se a forma como, em momentos diversos, percebemos a vida social, a natureza e as pessoas que nos circundam: constru�das no universo mental, superp�em-se, alteram-se, transformam-se. Por exemplo, a imagem que fazemos de uma pessoa que conhecemos na atualidade ou no passado de nossa exist�ncia, n�o corresponde ao que ela � para si, ou para outrem que tamb�m a tenha conhecido, pois sempre � uma imagem marcada pelos sentimentos e experi�ncias que tivemos em rela��o a ela. Atribu�mos a essa pessoa qualidades f�sicas ou morais que, embora ela possa em parte possuir, s�o aumentadas ou denegridas, mut�veis, transformadas e plenas de significados que lhe fornecemos no percurso de nossas experi�ncias e lembran�as vividas e concebidas nos encontros e desencontros que com ela estabelecemos. Qual �, portanto, a realidade dessa pessoa ou dos objetos sociais e naturais (
f�sicos) que nos circundam? A realidade consiste no fato de que essa pessoa, os objetos sociais (outras pessoas) e o. mundo da natureza existem em si mesmos, independentes da nossa presen�a e dos significados que atribu�mos a todos eles. Os objetos existem no mundo da sociedade e da natureza com caracter�sticas f�sicas e sociais espec�ficas, definidas pelas suas experi�ncias hist�ricas, pelas condi��es ecol�gicas e pelos seus contextos socioculturais. Essa exist�ncia em si mesma, das coisas e dos homens, faz com que a realidade seja algo dado a ser percebido e interpretado. Por outro lado, a realidade, como ambiente social e natural que se faz presente em sua concretude independentemente da nossa percep��o, difere do real.
O real � a interpreta��o que os homens atribuem � realidade. O real existe a partir das id�ias, dos signos e dos s�mbolos que s�o atribu�dos � realidade percebida. As id�ias s�o representa��es mentais de coisas concretas ou abstratas. Essas representa��es nem sempre s�o s�mbolos, pois como as imagens podem ser apenas sinais ou signos de refer�ncia, as representa��es aparecem referidas aos dados concretos da realidade percebida. Quando, por exemplo, queremos localizar um determinado endere�o, podemos nos orientar atrav�s de imagens (�cones), como ruas e estabelecimentos comerciais que anteriormente conhecemos, para nortear a nossa busca. Nesse caso, as imagens mentais s�o apenas pontos referenciais sem significado, a n�o ser aquele do qual nos servimos para mentalmente vislumbrar o caminho a ser futuramente seguido. Charles S. Peirce define icone -- termo tamb�m utilizado como sin�nimo das imagens sagradas bizantinas -- com
o imagem mental ou concreta carac-terizada por uma rela��o de uni�o com o referente. Segundo essa defini��o, �cone � um signo determinado pelo seu objeto, em virtude de sua natureza interna. Ainda segundo Peirce, a imagem como �cone difere e se op�e ao s�mbolo, � medida que o s�mbolo � convencional, enquanto a imagem, n�o o �, devido � sua identidade com o objeto. Nessa perspectiva, o autor define s�mbolo como um signo que � determinado pelo seu objeto din�mico somente no contexto em que ele � interpretado (Dictionaire encyclopedique des sciences du language, p�gina 115). O car�ter convencional coloca o s�mbolo no interior do funcionamento social com todas as suas am-
big�idades, seu car�ter sincr�tico, polissem�ntico, que caracterizam o movimento unit�rio e afetivo de todos os indiv�duos de uma cultura sobre uma mesma figura sint�tica. O que interessa mais � metodologia estrutural, seja essa an�lise antropol�gica (L�vi-Strauss), psicanal�tica (Jacques Lacan) ou semi�tica, � o car�ter substitutivo, convencional ou relacionai do s�mbolo. Nesse caso, o s�mbolo prevalece sobre a imagem, � medida que, enquanto a imagem est� mais diretamente identificada ao seu objeto referente -- embora n�o seja a sua reprodu��o, mas a representa��o do objeto --, o s�mbolo ultrapassa o seu referente e cont�m, atrav�s de seus est�mulos afetivos, meios para agir, mobilizar os homens e atuar segundo suas pr�prias regras normativas (relacionai ou de substitui��o). Tanto a imagem como o s�mbolo constituem representa��es. Essas n�o significam substitui��es puras dos objetos apresentados na per
cep��o, mas s�o, antes, reapresenta��es,.ou seja, a apresenta��o do objeto percebido de outra forma, atribuindo-lhe significados diferentes, mas sempre limitados pelo pr�prio objeto que � dado a perceber. � necess�rio examinar a natureza mesma da rela��o social na qual a representa��o, > como imagem ou s�mbolo, ir� atuar. Assim, por exemplo, a raposa n�o � sistematicamente o s�mbolo da ast�cia. Ela pode ser simplesmente um animal astuto. O fato de ser culturalmente considerada como um animal astuto constitui um s�mbolo, uma conven��o ou um atributo que esse animal adquire, fornecido por determinados grupos. Os homens, atrav�s de suas experi�ncias sociais com esse animal, notadamente os ca�adores, ao perceber a sua agilidade, a sua dificuldade em aprision�-lo, as artimanhas de suas fugas e esconderijos, logo passam a atribuir o significado de ast�cia � raposa, em oposi��o a outros animais que n�o possuam essas
propriedades. Essa maneira de nomear o mundo atribuindo-lhe qualidades � diversa das representa��es simb�licas. O s�mbolo � um sistema que n�o substitui qualquer sentido, mas pode efetivamente conter uma pluralidade de interpreta��es. A cruz significa o Cristo. Ela n�o o substitui, mas � uma parcela dele, ou seja, � o Cristo que se significa na cruz e n�o o inverso. Em termos ling��sticos e da quest�o do todo reapresentado na parte, Cristo est� inteiramente presente nesse objeto. Assim tamb�m, o machado de Xang� faz presente para os seus adeptos a divindade Xang�. Essa divindade est� no machado. Segundo a concep��o dos adeptos, a imagem da divindade ou os seus ornamentos e rel�quias s�o interpretados como a presen�a dessa divindade no conv�vio dos homens. � nesse sentido que todos os objetos sacralizados, as rel�quias adoradas pelos cat�licos, assim como tudo aquilo que � designado pelo termo fetiche nas sociedade
s primitivas, consistem na consubstancia��o das entidades m�ticas e n�o somente em alegorias. Os recursos da linguagem, como a met�fora e a meton�mia utilizadas nas express�es po�ticas e nas religiosas, n�o s�o apenas estruturas formais de discursos ou substitui��es de uma situa��o ou objeto da realidade estabelecida, seja em tempos passados ou presentes, por uma situa��o sacralizada (ritual) ou pela divindade, mas s�o tamb�m a reatualiza��o dessa situa��o ou objeto. Em outros termos, a epifania, que significa a manifesta��o do sagrado, � efetuada atrav�s de ora��es, encantamentos, imagens materiais e rel�quias. Tudo depende em definitivo da natureza do reconhecimento ou da identifica��o, ou seja, da intencionalidade dos atores em uma dada situa��o sociocultural, no interior da qual as imagens operam. Esses conceitos encontram-se presentes nas metodologias e hermen�uticas (teorias das interpreta��es) fen
omenologicas e cognitivas, quando o enfoque � dado nos significados que os homens, ao n�vel consciente de suas motiva��es, interesses e inten��es, atribuem �s imagens mentais ou concretas. Os homens atribuem
significados aos objetos. A id�ia como representa��o mental de uma coisa concreta ou abstrata � considerada como o elemento consciente do universo simb�lico. Essa abordagem sobre os conceitos difere da escola antropol�gica e filos�fica substancialista, representada por Gilbert Durand, Paul Ricoeur e Mircea Eliade, e tamb�m da psicologia anal�tica de C. G. Jung. As teorias substancialistas constituem a continuidade da tradi��o neoplat�nica, nas quais a id�ia � mais dif�cil, a menos verbaliz�vel do universo simb�lico. Segundo a perspectiva neoplat�nica, as imagens e o imagin�rio s�o sin�nimos do simb�lico, pois as imagens s�o formas que cont�m sentidos afetivos universais ou arquet�picos, cujas explica��es remetem a estruturas do inconsciente (Jung, Campbell), ou mesmo �s estruturas biops�quicas e sociais da esp�cie humana (Durand). Embora considerem que o n�vel consciente emerge do inconsciente, as especificidades h
ist�ricas e socioculturais est�o relegadas a um segundo plano da an�lise. Em conseq��ncia, as imagens e a sua din�mica, o imagin�rio, s�o identificadas aos s�mbolos. Os s�mbolos d�o o que falar,
escreve Paul Ricoeur, � medida que neles existem os mesmos sentidos que os homens ir�o redescobrir. Sendo o inconsciente deposit�rio dos significados, cabe aos homens a descoberta de sua revela��o atrav�s das formas em que essas imagens se expressam e se manifestam.Toda imagem �, portanto, uma epifania, uma manifesta��o do sagrado. Conseq�entemente, toda e qualquer imagem, ao mesmo tempo produto e produtora do imagin�rio, passa a ter o car�ter de sagrado, devido � sua universalidade e � sua emerg�ncia do inconsciente. Nesses te�ricos, a indiferencia��o conceituai entre imagens e s�mbolos encontra bloqueios anal�ticos que conduzem aos impedimentos no conhecimento das diferentes culturas que passam a ser reduzidas � universalidade de seus fen�menos sociais. Os agentes das constru��es m�ticas tornam-se impessoais e ahist�ricos. Esses te�ricos relegam, portanto, a um segundo plano a diversidade de sentido existente no imagin=
1rio das diferentes culturas. A an�lise fundamentada na psicologia anal�tica de Jung e, de maneira diferenciada, o estruturalismo partem da premissa do inconsciente coletivo -- e n�o dos homens -- como doador de significados em situa��es hist�ricas e culturais definidas e como fornecedor de significados ao universo em que vive e concebe.
Quando o s�mbolo � constitutivo de todo fen�meno e as imagens s�o, portanto, s�mbolos recorrentes e redundantes, o novo e o diverso adquirem sempre o mesmo sentido de eterno retorno �s origens do pensamento �nico da esp�cie humana. Como Mircea Eliade, Durand acredita encontrar a perman�ncia dos s�mbolos arquet�picos na modernidade das sociedades industriais contempor�neas. Nessas sociedades modernas, subsiste a continuidade das grandes imagens m�ticas nos objetos mais comuns do cotidiano, como os deuses do Olimpo grego. Por exemplo, o objeto de limpeza desinfetante de amon�aco Ajax n�o � sen�o o simples substituto do sonho de �caro ou o Deus do vulc�o (Ajax). As colunas centrais das resid�ncias ou ruas s�o os eixos do mundo que verticalizam a comunica��o entre a terra e o cosmo. Os locais geogr�ficos, como o centro origin�rio de qualquer cidade, constituem, sem que os pr�prios construtores saibam de forma consciente, o ponto
de origem que repete e reproduz as dire��es percorridas pela humanidade e para onde convergem em sua busca de retorno � sua origem primordial. Os astros
de cinema seriam os deuses do Olimpo contempor�neo. Se a id�ia de aspira��es e sentimentos comuns exprimese atrav�s de uma imagem ou figura, essa imagem desempenha o papel de significante, como esquema indutor, cont�nuo, podendo emergir em qualquer sociedade, n�o importando a sua hist�ria. Para Durand, fundamentando-se em Jung, a mat�ria primeira, ou seja a imagem (Bild na etimologia alem�), est� contida no inconsciente do qual emana o sentido (sinn). Nesses termos, o s�mbolo (sinn Bild) � unificado a partir de pares opostos (consciente e inconsciente, sentido e imagem) e permite, fora da l�ngua, o sentido de existir. Dado o seu car�ter sincr�tico, o s�mbolo, para os autores de tradi��o neoplatonica, fala por si mesmo e conduz os homens � reminisc�ncia de um sentido primordial que � constitutivo da imagem simb�lica. Examinaremos, nesses esbo�os, as duas grandes correntes do pensamento filos�fico e antropol�gico e as suas cis
�es conceituais. Em resumo, de um lado encontramos as diferentes teorias funcionalistas, estruturalistas, hermen�uticas, fenomenol�gicas e cognitivistas que enfatizam o n�vel consciente sobre o inconsciente e nas quais imagem, imagin�rio e s�mbolo diferem segundo as rela��es que estabelecem entre os termos, e n�o segundo as substitui��es. E, nas quais, ainda, os s�mbolos s�o esquemas de a��es intencionais produzidas nas intera��es entre os homens em uma dada situa��o social ou no interior do texto de um discurso. De outro lado, imagin�rio e s�mbolo s�o sin�nimos que emergem do inconsciente universal, doador de significados e, ao mesmo tempo, irredut�vel aos significados hist�ricos e culturais que os homens atribuem a esses s�mbolos. A psican�lise freudiana, embora tamb�m fundamentada na no��o de inconsciente, considera os s�mbolos e o imagin�rio a partir dos significados contidos na hist�ria individual e colet
iva. Os indiv�duos produzem seus sonhos coletivos (mitos) e sonhos pessoais utilizando imagens que s�o registros transfigurados e sublimados de suas experi�ncias individuais. A partir dessas considera��es te�ricas, examinaremos de forma mais espec�fica as caracter�sticas e os significados do imagin�rio.
O IMAGIN�RIO, A IDEOLOGIA E A ILUS�O
Estabelecemos como premissa inicial que, ao contr�rio das filia��es neoplat�nicas, notadamente aquelas das quais prov�m a psicologia anal�tica junguiana, existem diferencia��es e rela��es entre o s�mbolo e o imagin�rio. O simb�lico comporta um componente racional real e representa o real ou tudo aquilo que � indispens�vel para os homens agirem ou pensarem. O simb�lico se faz presente em toda a vida social, na situa��o familiar, econ�mica, religiosa, pol�tica etc. Embora n�o esgotem todas as experi�ncias sociais, pois em muitos casos essas s�o regidas por signos, os s�mbolos mobilizam de maneira afetiva as a��es humanas e legitimam essas a��es. A vida social � imposs�vel, portanto, fora de uma rede simb�lica. Enquanto os signos est�o diretamente referidos aos objetos, formas, imagens concretas ou abstratas que apontam para uma dire��o �nica e conhecida, os s�m-bolos s�o polissem�nticos e polivalentes,
aparando-se tamb�m no referencial significante que lhes propicia os sentidos, os quais cont�m significa��es afetivas e s�o mobilizadores dos comportamentos sociais. A efic�cia dos s�mbolos consiste nesse car�ter mob�lizador e promotor das experi�ncias cotidianas: os s�mbolos permitem a cura
de doen�as psicossom�ticas e fazem emergir emo��es como raiva, viol�ncia, nostalgia e euforia. Quando juramos perante a bandeira nacional ou rasgamos em protesto essa mesma bandeira, manifestamos os sentimentos de respeito ou revolta em rela��o � p�tria e, conforme esses nossos atos, seremos, pelos nossos compatriotas, reconhecidos como cidad�os ou banidos por eles. Encontramos no simb�lico um sistema de valores subjacentes, hist�ricos ou ideais referidos aos objetos ou institui��es consideradas. As institui��es sociais n�o se reduzem ao simb�lico, mas podem existir apenas no simb�lico. Cada organiza��o da vida social � constitu�da por uma rede simb�lica: o t�tulo de propriedade � o signo do direito de posse dessa propriedade, da mesma forma que a folha de pagamento � o signo do direito do assalariado receber uma quantidade estabelecida em dinheiro pelo seu trabalho. Na institui��o de ensino, em uma sala de aula, o esp
a�o existente entre a mesa do professor e as cadeiras dos alunos marca simbolicamente a autoridade, o afastamento diferenciado do mestre em rela��o a seus alunos. Esse n�o � apenas um signo do poder hier�rquico, mas � simb�lico � medida que evoca os sentimentos de domina��o, autoritarismo, cren�a na superioridade de um saber sobre os demais e nas normas reguladoras da obedi�ncia, da aceita��o e do afastamento dos alunos em rela��o ao professor. As experi�ncias cotidianas, e n�o apenas as religiosas, s�o permeadas por ritos. As homenagens a fatos hist�ricos e m�ticos, os anivers�rios, vel�rios, cortejos f�nebres, casamentos e batizados religiosos s�o rituais de reatualiza��o dos acontecimentos passados e de passagem de uma etapa da exist�ncia humana para outra. Esses rituais diferem das simples cerim�nias � medida que marcam em suas performances, as atitudes, sentimentos e mudan�as significativas na vida social d
os homens. Essas marcas de comportamentos e os sentimentos de continuidade ou de mudan�a no cotidiano, que s�o significativas para os participantes, s�o vividos e concebidos atrav�s dos s�mbolos contidos nesses rituais. O imagin�rio, como mobilizador e evocador de imagens, utiliza o simb�lico para exprimir-se e existir e, por sua vez, o simb�lico pressup�e a capacidade imagin�ria. A institui��o, conforme assinala Castoriadis, � uma rede simb�lica definida socialmente, que cont�m os componentes organizador e do imagin�rio. O conceito de imagin�rio em Karl Marx explica, atrav�s da no��o de aliena��o, a autonomia das institui��es econ�micas ou religiosas como produtos independentes das a��es humanas, expressando as contradi��es reais entre o produtor e o produto que passa a ser reificado. O imagin�rio seria, ent�o, a solu��o fantasiosa das contradi��es reais. Portanto, o imagin�rio fornece � institui�=
3o o seu car�ter de autonomia em rela��o � sociedade e aos homens que produzem. Por�m, � esse atributo de autonomia da institui��o que permite a continuidade de sua exist�ncia. Conforme faz notar Luk�cs, a consci�ncia dos capitalistas, ao mitificarem as rela��es reais dos homens com o produto ou institui��o por eles produzidos, � a condi��o
do funcionamento adequado da economia capitalista. As leis s� podem se realizar utilizar do as ilus�es dos indiv�duos. O imagin�rio, portanto, de maneira geral, � a faculdade origin�ria de p�r ou dar-se, sob a forma de apresenta��o de uma coisa, ou fazer aparecer uma imagem e uma rela��o que n�o s�o dadas diretamente na percep��o. Ao contr�rio de Castoriadis, que afirma ser o imagin�rio a capacidade de "produzir" uma imagem que n�o � e nunca foi dada na percep��o, consideramos que a imagem � formada a partir de um apoio real na percep��o, mas que no imagin�rio o est�mulo perceptual � transfigurado e deslocado, criando novas rela��es inexistentes no real. O imagin�rio faz parte da representa��o como tradu��o mental de uma realidade exterior percebida, mas apenas ocupa uma fra��o do campo da representa��o, � medida que ultrapassa um processo mental que vai al�m da representa��o intelectual ou co
gnitiva. A representa��o imagin�ria est� carregada de afetividade e de emo��es criadoras e po�ticas. A diferen�a entre o imagin�rio e a ideologia � que, embora ambos fa�am parte do dom�nio das representa��es, referidas ao
processo.de abstra��o, a ideologia est� investida por uma concep��o de mundo que, ao pretender impor � representa��o um sentido definido, perverte tanto o real material quanto esse outro real perverte o imagin�rio. A ideologia � uma esp�cie de ast�cia, uma justifica��o ou imposi��o do vivido, aceito como tal. Como elabora��o secund�ria do imagin�rio, constitui-se como um pensamento selvagem (conforme os significados definidos por L�vi-Strauss), mas pervertido. Quando, por exemplo, o clero medieval expressa a estrutura da sociedade terrestre atrav�s das ins�gnias do poder real e pontificial, n�o apenas descreve a exist�ncia da sociedade em si mesma, mas destaca atrav�s das imagen
s, como a de suas espadas, a hierarquia do poder espiritual sobre o temporal; imp�e, � sociedade representada, s�mbolos destinados a separar os cl�rigos dos leigos e a estabelecer entre eles a superioridade dos primeiros sobre os demais: a espada espiritual � superior � espada temporal. Embora as representa��es art�sticas na pintura utilizem o material do imagin�rio, existem, como no caso das obras religiosas, imagens do inferno punitivo, das almas penadas e do c�u iluminado e beatificante, com o prop�sito de combater os v�cios em nome da ideologia crist�. Encontra-se na ideologia, como no imagin�rio, uma filia��o no real, mas no imagin�rio n�o h� uma imposi��o de sentidos na representa��o do social, dirigida a interesses de grupos ou classes sociais. Conforme formula G. Bachelard em O are os sonhos, um ser privado da fun��o do irreal � um neur�tico, tanto como o ser privado da fun��o do real (p�gina 7). Bachelard
examina nessa obra a iman�ncia do imagin�rio no real e o trajeto cont�nuo do real ao imagin�rio. Para construir o processo do imagin�rio � preciso mobilizar as imagens primeiras, como dos homens, cidades, animais e flores conhecidas, libertar-se delas e modific�-las. Como processo criador, o imagin�rio re-constr�i ou transforma o real. N�o se trata, contudo, da modifica��o da realidade, que
consiste no fato f�sico em si mesmo, como a trajet�ria natural dos astros, mas trata-se do real que constitui a representa��o, ou seja, a tradu��o mental dessa realidade exterior. O imagin�rio, ao libertar-se do real que s�o as imagens primeiras, pode inventar, fingir, improvisar, estabelecer correla��es entre os objetos de maneira improv�vel e sintetizar ou fundir essas imagens. O processo do imagin�rio constitui-se da rela��o entre o sujeito e o objeto que percorre desde o real, que aparece ao sujeito figurado em imagens, at� a representa��o poss�vel do real. Esse poss�vel real consiste na potencialidade, no conjunto de todas as condi��es contidas virtualmente em algo. Nesse sentido, o imagin�rio n�o apenas previne situa��es futuras, como em sua atividade antecipat�ria orientase para um porvir n�o suspeitado, n�o previsto. A determina��o deste futuro virtual � acometida por uma imagina��o transgressora do pre
sente dirigida � consecu��o de um poss�vel n�o realiz�vel no presente, mas que pode vir a ser real no futuro. J�lio Verne transgrediu atrav�s do imagin�rio as possibilidades t�cnicas de seu s�culo e construiu o poss�vel real do futuro: o submarino ou a viagem a�rea que permite conhecer o mundo em oitenta dias. Em suma, o imagin�rio n�o � a nega��o total do real, mas ap�ia-se no real para transfigur�-lo e desloc�-lo, criando novas rela��es no aparente real. A nega��o do real, na qual est� contida a concep��o de loucura e ilus�o, n�o tem nada a ver com o conceito de imagin�rio, pois encontram-se no imagin�rio, mesmo atrav�s da transfigura��o do real, componentes que possibilitam aos homens a identifica��o e a percep��o do universo real. Para ilustrar e apoiar essa tese, encontramos no her�i universal dom Quixote o paradigma exemplar da diferencia��o entre ilus�o, loucura e imagin�rio. Migue
l de Cervantes destaca no in�cio de sua obra Dom Quixote que o personagem vive o imagin�rio de uma �poca passada, o per�odo medieval. A imagina��o do her�i � plena de tudo aquilo que ele havia lido nos livros de cavalaria: encantamentos, querelas, desafios, batalhas, amor cort�s e extravag�ncias imposs�veis, que faziam parte dos c�digos do conhecimento e do ethos medieval. Por�m, dom Quixote n�o apenas sonha, ele vive o real do cotidiano, mas o interpreta atrav�s dos c�digos de uma concep��o de mundo historicamente superada. Na sua imagina��o, a nobre donzela, para a qual dedica o seu amor cort�s, � encantada pelo feiticeiro que a transforma em uma mulher do povo, sendo encontrada na taverna. Ele luta contra o moinho de vento que lhe aparece atrav�s da percep��o real com a apar�ncia mesma de moinho, mas que em sua ess�ncia trata-se de um drag�o transformado em moinho. A decad�ncia final do her�i ocorre quando se ins
taura a ambig�idade de discursos, em que os outros personagens entram no jogo do imagin�rio sem o conhecimento pr�vio das suas regras e dos c�digos do discurso medieval. Estabelecem a confus�o e a ilus�o quando afirmam ter visso Dulcin�ia vestida como nobre e n�o encantada, ou ainda, ter vivido no c�u ou visto o drag�o encantado. Nessa fase final do romance, instaura-se o dom�nio do ilus�rio que conduz � decad�ncia e � morte
do her�i. O ilus�rio op�e-se ao imagin�rio e conduz � degrada��o da imagina��o e do real. A ilus�o caracteriza-se essencialmente pela imprecis�o, ambig�idade, confus�o de discursos, perda da l�gica interna do imagin�rio, codificado atrav�s da coer�ncia de um discurso pr�tico e do jogo de deslocamentos e transfigura��es, que tem como fundamento �ltimo o real de um passado ou de um futuro. Existe a ilus�o quando o objeto do desejo � indefinido ou quando � negado qualquer objeto preciso que fa�a parte do dom�nio do real ou do imagin�rio contextualizado. O exemplo de um imagin�rio ilus�rio ou impreciso nos � fornecido pela hero�na de Gustave Flaubert, madame Bovary, cujos sonhos n�o est�o apenas na constitui��o de um mundo imagin�rio, mas no incessante rep�dio a toda a realidade precisa e tang�vel. Essa imagina��o ilus�ria, que contraria qualquer forma de realidade pensada, � sempre vaga, fluida,
indefinida e intraduz�vel, n�o constituindo o imagin�rio propriamente dito. O imagin�rio liter�rio e art�stico: a fic��o, o maravilhoso e o fant�tico Se existe um g�nero liter�rio, e mais geralmente art�stico, que possa ser qualificado de maravilhoso (literalmente, aquilo que nos torna maravilhados), ele pode ser localizado: -- Seja nas sociedades tradicionais (ou nas camadas tradicionais da nossa sociedade) que inventaram o que se chama de contos populares -- que apresentam rainhas e reis, fadas, coelhos brancos, dem�nios, duendes e drag�es em florestas ou castelos; -- Seja nas sociedades contempor�neas sob a forma de um mundo ao contr�rio, quer dizer, do contr�rio daquilo que vivemos, no que � preciso chamar, por falta de uma express�o melhor, de realidade. O maravilhoso � a face noturna da exist�ncia, � o universo do sonho e da magia que procedam ambos a transforma��es e metamorfoses (a alquimia das coisas e dos seres) que s
eriam absolutamente imposs�veis na vida cotidiana. O melhor exemplo me parece ser o de Alice no pa�s das maravilhas, de Lewis Carroll. Alice cresce, cresce, "mede agora mais de dois metros e setenta e cinco". Ela deixa rolar "hectolitros de l�grimas" nas quais ela tem medo de se afogar. Depois ela encolhe, "n�o mede mais do que oito cent�metros". O que ela vive � um conto de fadas: o rei e a rainha de copas s�o cartas de baralho que voam pelos ares. Um grande bicho-de-seda azul ordena-lhe que recite o poema "Estais velho, pai William"... N�o h� mais nenhuma seq��ncia causai que nos permita prever o que vai acontecer. O espa�o � um espa�o fora do espa�o, e o tempo, um tempo fora do tempo, isso �, um tempo m�tico. Lewis Carroll: "aconteceu semana que vem".
Da Viagem de Gulliver de Swift ao Senhor dos an�is de Tolkien, passando por Alicee Do outro lado do espelho de Lewis Carroll, � relativamente f�cil identificarmos essa forma de imagin�rio. Estamos frente a narrativas homog�neas, hist�rias que aqueles que detestam o maravilhoso qualificam em geral de "sobrenaturais ou absurdas, mas formadas por uma continuidade de significa��es e tendo sua pr�pria coer�ncia. Aquele que l� ou
escuta essas hist�rias -- j� que se trata muitas vezes de tradi��es orais -- adere totalmente �quilo que l� ou escuta, pelo menos durante o tempo da leitura ou da audi��o. N�o p�e em quest�o o que est� escrito ou o que est� sendo contado. Como escreve Jean-Paul Sartre, "se estou invertido em um mundo invertido, tudo me parece direito". O fant�stico, ao contr�rio do maravilhoso, sup�e por um lado a intrus�o de um elemento desconcertante na trama da vida cotidiana acordada, e por outro uma suspens�o do julgamento, quer dizer uma hesita��o sobre o que acabou de acontecer. Um ser humano que vivia uma vida tranq�ila desaparece de um dia para o outro e n�o � encontrado. Um vidente prev� um tremor de terra ou um inc�ndio, e sua previs�o se revela exata. Anuncia-se na televis�o que discos voadores foram vistos por v�rias testemunhas dignas de f�. No universo racional no qual n�s fomos educados desde a primeira inf�ncia, es
ses fen�menos s�o acontecimentos estranhos, ou mesmo estrangeiros, que n�o parecem obedecer �s leis naturais que regem a explica��o do mundo. O fant�stico � a intrus�o incr�vel de um dom�nio no outro, "um esc�ndalo, uma ruptura", como escreve Roger Caillois, "uma irrup��o ins�lita, muitas vezes insuport�vel, no mundo real".
Ali�s, o fant�stico sup�e uma incerteza entre duas formas de explica��o: uma explica��o em termos de alucina��o, individual ou coletiva, de ilus�o da imagina��o ou mesmo da loucura dos homens; uma explica��o que confirma a realidade do acontecimento estranho que n�o pode encontrar explica��o dentro dos padr�es conhecidos. Ora, essa incerteza, tanto para o her�i (real ou fict�cio) como para o leitor, n�o poder� nunca ser elucidada, a n�o ser pela pr�pria sa�da do fant�stico, seja em dire��o ao maravilhoso, seja em dire��o � ci�ncia. Enquanto o imagin�rio do maravilhoso se situa deliberadamente no interior do sobrenatural, vive -- ou cria -- um mundo encantado ao qual aderimos, o fant�stico sup�e, como mostra bem Todorov, uma oscila��o e uma hesita��o sem fim entre o real e o sobrenatural, entre o que diz respeito a fen�menos naturais, logo f�sicos, que podem ou poder�o "um dia ser explicados",
e hip�teses metaf�sicas. A literatura fant�stica � o g�nero por excel�ncia da modernidade. Surge no s�culo XIX, particularmente no romantismo da Fran�a e da Alemanha, triunfa no continente americano, continente da modernidade (ou pelo menos dos movimentos "modernistas"), ao norte com Edgar Poe e ao sul, na Argentina, com escritores como Borges, Cort�zar e Bioy Casares. Ao conto maravilhoso se op�e a novela fant�stica, o romance policial, a hist�ria ou o filme de fic��o cient�fica. S�o g�neros urbanos por excel�ncia, que se desenrolam n�o mais na floresta mas na cidade, e sobretudo na cidade grande (particularmente Buenos Aires). Enfim, n�o nos parece poss�vel falar do fant�stico sem sublinhar a influ�ncia do escritor maior da modernidade: Franz Kafka, que, entre os primeiros, aboliu no Ocidente as fronteiras entre o sonho e a realidade, e criou no leitor uma perplexidade e um espanto permanentes.
O PROFETISMO, A POSSESS�O E A UTOPIA
O profeta � aquele que anuncia o messias e o messianismo. Trata-se de um movimento social em
que as pessoas, em torno do profeta, seguem a promessa por ele enunciada de um mundo que est� prestes a terminar para fazer surgir o para�so perdido. O messias profetiza o futuro que ser�, segundo o mito, o renascer de um passado primordial. Ele afirma que o milagre � a prova de que isso efetivamente ocorrer�. A l�gica prof�tica segue o tempo da espera e os ind�cios de um universo social em decad�ncia, no qual os valores e as normas sociais perderam seu sentido existencial para aqueles que seguem o princ�pio da esperan�a, de um mundo que vir� a ser, como no tempo primitivo da virtude e da bonan�a. O profeta regula a hist�ria ao anunciar o seu fim. Por sua vez, o possesso escapa do compromisso de exalta��o dessa l�gica da espera. Atrav�s da possess�o de esp�ritos em seu corpo, realiza no presente o futuro anunciado. Na express�o vivida por seu corpo, regula a hist�ria, tornando-a presente, atualizando o passado e o futuro. J� a uto
pia, segundo Fran�ois Laplantine, � a constru��o matem�tica da cidade perfeita, uma constru��o submissa aos imperativos de uma planifica�ao absoluta que tudo prev� e tudo controla, n�o tolerando a m�nima fantasia, impondo a racionaliza��o do comportamento e regulando as id�ias e os atos de seus adeptos. A hist�ria, nesse caso, tender� para um final racionalizador ao se construir o mito de uma sociedade acabada, perfeita, sem doen�as, males e mist�rios, na qual o curandeiro, o profeta e o possesso n�o existir�o. Essas tr�s vias do imagin�rio pretendem p�r fim � hist�ria, mas se fundamentam em mitos que afloram paradoxalmente na hist�ria: a confronta��o incessante entre o utopista e o n�o-utopista, o possesso e o seu exorcista, o crente e aquele que n�o cr� em nada. Existe, portanto, uma l�gica interna nas vias do imagin�rio, na constru��o de suas organiza��es e discursos e no confronto hist�rico de su
as cren�as.
O imagin�rio na fabrica��o dos deuses
Atrav�s do imagin�rio, o homem, como define H. Bergson, "� uma m�quina de fabricar deuses". A isso acrescentamos que o homem em si mesmo � fant�stico, � medida que manifesta a faculdade humana de transcender o humano. Ao construir os deuses, o homem toma como refer�ncia uma realidade dada que caleidoscopicamente reordena, reestrutura e recria. Nesse processo, o imagin�rio tem como refer�ncia o real, dando-lhe outros sentidos fornecidos pelo material simb�lico que utiliza. Nas religi�es afro-brasileiras, como a umbanda, os exus e a Pomba Gira s�o esp�ritos de malandros, delinq�entes e prostitutas que em vida foram seres an�nimos e ao morrerem tornaram-se her�is: Pomba Gira Cigana, Maria Padilha, Pomba Gira Mulambo foram prostitutas ciganas de classe m�dia. Aquelas que viveram no baixo meretr�cio tornaram-se deusas e s�o cultuadas, resgatando para a vida social a virtude da sexualidade.
A id�ia de marginalidade social constitui a representa��o mental de um comportamento e situa��o concretos da no��o abstrata de n�o corresponder e n�o pertencer aos objetos socialmente idealizados pela sociedade referida. Os s�mbolos s�o constru�dos a partir dessa id�ia nuclear de (no caso) marginalidade social. Utilizando como mat�ria-prima essas representa��es simb�licas, os homens constr�em no processo do imagin�rio os deuses consubstancializados, que passam a existir no cotidiano de suas experi�ncias sociais. Assim, partindo do real, os deuses transformam-se e reestruturam a realidade social.
No mundo real do cosmo imagin�rio, os adeptos vivem, concebem e produzem atrav�s do culto as suas rela��es com os deuses e a interfer�ncia desses deuses em suas experi�ncias cotidianas. No plano ideol�gico, os adeptos podem impor, atrav�s de uma elabora��o secund�ria, determinados aspectos dessa divindade. Assim, atribuem-lhes, de maneira seletiva, as qualidades que correspondam aos valores que interessam ao grupo social dominante e que devem ser transmitidas para os adeptos. A constru��o da divindade � realizada no imagin�rio coletivo. Este imagin�rio caracteriza-se por uma cria��o limitada e definida pelo sistema religioso e social. � medida que s�o colocados para a sociedade novos fen�menos e problemas, criam-se novos deuses ou reinterpretam-se as divindades tradicionais. As cria��es de novos deuses s�o feitas pelas rela��es entre as tradi��es religiosas e socioculturais e a reinterpreta��o dessas tradi��es. D
essa maneira, segundo os c�digos do pante�o umbandista, constitu�do pelos exus, caboclos e pretosvelhos, os personagens hist�ricos duque de Caxias, dom Sebasti�o, rei Lu�s da Fran�a e, mais atualmente, Tancredo Neves tornaram-se caboclos. Isso devido �s caracter�sticas guerreiras e de a��o social combativa que s�o atribu�das aos caboclos e que s�o an�logas �s qualidades desses her�is hist�ricos. A hist�ria faz o mito. Como, muitas vezes, s�o consideradas como a hist�ria dos povos dominados, essas transposi��es s�o poss�veis atrav�s do recurso ling��stico da analogia e da met�fora. Negros como Felisberto de Cabinda e Jos� Jac� foram escravos mortos pela pol�cia e tornaram-se pre-tosvelhos. Introduzidos nessa categoria de esp�ritos dos antepassados dos africanos escravos, passaram a ser incorporados pelos seus fi�is durante o ritual de possess�o. O mesmo ocorreu com Maria D'Aruanda e M�e Conga, que, no in EDcio do s�culo XIX, em S�o Paulo, ficaram conhecidas como quitandeiras que no mercado davam receitas e convidavam os clientes, atrav�s de artif�cios, para os cultos africanos clandestinos. Descobertas, foram presas e mortas. Atualmente, s�o esp�ritos conhecidos na umbanda como as pretas-velhas M�e Conga e M�e D'Aruanda.
O espiritismo kardecista integrou em seu pante�o de entidades medi�nicas os personagens da hist�ria francesa Maria Antonieta, Lu�s XVI e Napole�o, e os artistas Victor Hugo, Renoir, Manet e Monet. A Fran�a foi sempre considerada pela classe m�dia brasileira como a fonte civilizat�ria de nossa forma��o intelectual. Portanto, para uma religiosidade urbana francesa como o kardecismo, suas entidades espirituais foram constru�das no imagin�rio coletivo brasileiro, como figuras divinizadas,
representativas dessa cultura europ�ia. As lutas entre os crist�os e os mouros s�o ritualizadas nas dan�as e nos personagens, como os caboclos turcos no culto denominado Tambor de Mina, no Maranh�o e no Par�, em cujas narrativas, estudadas por Mundicarmmo Ferretti, casaram-se com mulheres ind�genas e caboclas e participaram na guerra do Paraguai. Her�is, como Ant�nio Conselheiro e padre C�cero, s�o cultuados pela religiosidade popular cat�lica. O negro Jo�o Camargo, que edificou a sua igreja na cidade de Sorocaba (estado de S�o Paulo) reunindo de forma sincr�tica os componentes do catolicismo, da tradi��o africana Banto e do espiritismo esot�rico, � cultuado, ap�s a sua morte no inicio deste s�culo, como entidade espiritual na umbanda e em mesas brancas do espiritismo kardecista. O personagem de exist�ncia hist�rica e m�tica conde de Saint-Germain, conhecido como pol�tico e defensor da monarquia francesa durante o s�culo XVI
II, � tido como imortal. Atravessa os s�culos e surge na atualidade nos cultos esot�ricos brasileiros, onde � visto por seus adeptos. Muitos tamb�m dizem t�-lo visto na cidade de S�o Paulo. Em Campinas (estado de S�o Paulo) h� um culto com rezas e ora��es cat�licas em torno do t�mulo de Jandira, uma prostituta assassinada nessa cidade. Como santa, ela redime os pecadores e revela o mart�rio das v�timas da viol�ncia social. O imagin�rio rompe com as fronteiras do tempo e do espa�o e, em sua l�gica pr�pria, as divindades s�o constru�das a partir da revela��o das qualidades que simbolizam. Nesse sentido, s�o divindades substantivas (seres humanos divinizados) que corporificam id�ias, valores e qualidades significativas para a coletividade que as constr�em. N�o h�, portanto, nessa rela��o de produ��o de deuses, distin��o entre a ess�ncia da divindade, como ser existente e participante da vida social, e a no E7�o de estar no mundo dos mortais. Tamb�m o ser divinizado � a s�ntese e a presen�a dos atributos que eles cont�m. Assim, substantivo e qualidade, a met�fora ling��stica e o real, a sua exist�ncia material hist�rica e o conte�do de suas representa��es, ou seja, a forma significante e o significado, s�o compreendidos sem rupturas ou distin��es de uma l�gica formal. Eles s�o no real toda a id�ia que representam: combate social, virtude her�ica, marginalidade social, mart�rio e viol�ncia. Os deuses re�nem a sua exist�ncia hist�rica passada com a reatualiza��o m�tica de sua continuidade existencial no presente, configurando a promessa e o princ�pio da esperan�a projetada no futuro terreno ou extraterreno. Essa correla��o din�mica entre hist�ria e mito permeia toda a constru��o dos deuses. Eles s�o antepassados divinizados ou indiv�duos que continuam na exist�ncia terrena, atravessando a morte e o na
scimento da convers�o espiritual, atrav�s do ritual de passagem. H� uma diferen�a a ser detectada entre a constru��o de santos e de deuses no imagin�rio, limitada pelos sistemas religiosos, e a constru��o de acontecimentos e de seres produzidos no universo do
fant�stico e do maravilhoso. A realidade fant�stica retratada na literatura da Am�rica Latina consiste de situa��es sociais, acontecimentos ou pessoas que inserem no universo social conhecido um elemento estranho. Ocorre o fant�stico quando, no contexto de normas estabelecidas, s�lidas e controladas por leis naturais, irrompe o ins�lito e o inadmiss�vel na legalidade objetiva. � uma altera��o da concatena��o determinada dos fen�menos pela apari��o de uma rela��o intrusa. Os acontecimentos ou os indiv�duos que passam por experi�ncias estranhas s�o percebidos como pertencentes ao mundo do incerto. A figura metaf�rica, nesse caso, torna-se concreta, consubstancializando-se como real: a mulher que � queimada pela chama da paix�o, ou a que � bondosa como um anjo, parece aos outros ter asas e levitar. Pessoas choram l�grimas de sangue. Os s�mbolos s�o deslocados de um contexto situacional do qual pertencem para outros descon
hecidos. O fant�stico sempre reconstr�i a realidade dada, assim como os s�mbolos contextualizados em sistemas sociais, religiosos ou profanos definidos, para desloc�-los propondo outra realidade, sujeita a outras regras e a normas diferentes. O fant�stico � caracterizado pela vacila��o e indetermina��o de indiv�duos e acontecimentos, desenvolvendo-se no cotidiano presente. O fant�stico � o mundo ao rev�s, tratando da percep��o particular do acontecimento e da sua repercuss�o no indiv�duo que o presencia ou sofre a sua a��o. Por exemplo, a literatura latino-americana coloca o personagem ou o leitor ante a incerteza: ilus�o dos sentidos e leis objetivas convivem ao mesmo tempo ou, ainda, acontecimentos ocorrem efetivamente alterando a realidade. Aqui levantamos a hip�tese, principalmente a partir da obra de J�lio Cort�zar, de que os escritores latino-americanos, intelectuais da classe m�dia que escreveram seus trabalhos em Pari
s, ao construir as imagens de suas culturas populares de origem, as conceberam de maneira fant�stica. A realidade latinoamericana � incompreens�vel, amb�gua, arbitr�ria e ins�lita para a perspectiva do indiv�duo europeizado.
Jean-Paul Sartre em Les mots et les choses mostra que a realidade humana, em seus v�rios aspectos, conduz os indiv�duos � sensa��o de viver em um mundo fant�stico. O autor nos remete � leitura de Franz Kafka que tem como centro de sua tem�tica o homem que se torna fant�stico. O exemplo mais indicativo do fant�stico no mundo cotidiano encontra-se na viv�ncia da burocracia, em que a lei n�o tem fecundidade, significa��o ou conte�do, mas, n�o obstante, impera sobre as a��es humanas. Segundo Sartre, a viv�ncia da burocracia consiste no destino da trag�dia humana que se esconde sob o absurdo. Consideramos que Kafka transmite essa sensa��o, por ele sentida quando exercia a fun��o p�blica: o autor se sente como se fosse uma barata. Em seu A metamorfose, o personagem metamorfoseia-se, em uma manh� habitual de seu rotineiro cotidiano, em barata.
O IMAGIN�RIO EM LIBERDADE
Se n�o conseguimos ver no movimento surrealista franc�s ou no movimento modernista brasileiro
nada mais do que um grito de revolta de alguns intelectuais buscando escandalizar seus contempor�neos, condenamo-nos a n�o entender nada da crise intensa que abala a sociedade mundial nos anos 1920. Condenamo-nos, igualmente, a n�o perceber o quanto permanecem problem�ticas e incertas as rela��es entre o que os ocidentais -- mas somente os ocidentais -- chamam de realidade e imagin�rio. O surrealismo participa certamente da grande aventura rom�ntica, � qual ali�s p�e um termo. Ele � o resultado de uma evolu��o que come�a no final do s�culo XVIII, com William Blake, H�lderlin e Novalis, e prossegue no s�culo XIX com Baudelaire e Arthur Rimbaud. Mas para que a vontade desse �ltimo de "mudar a vida" procedendo a um "desregramento de todos os sentidos" suscitasse um tal entusiasmo, foi preciso que se produzisse na Europa um acontecimento maior: a Primeira Guerra Mundial, que revelou com clareza a fal�ncia da ci�ncia, da raz�o e da civil
iza��o ocidental como um todo, a qual, com Andr� Breton, Paul Eluard, Benjamin P�ret (influenciado pelo Brasil) e, antes deles, Tristan Tzara, o fundador do movimento dada -- cujo significado � exatamente nada --, volta-se contra si mesma. Os autores que acabam de ser citados come�am a levantar uma suspeita em rela��o a um "real" transviado (porque ins�pido e, sobretudo, portador de morte e n�o mais de vida), de uma religi�o mistificadora, de uma moral alienante, de uma "ci�ncia" tir�nica, n�o apenas redutora mas destruidora da complexidade humana, de uma literatura acomodada na ret�rica, em suma, de uma cultura hip�crita e vaidosa, imersa na lama das conven��es. Contra vinte s�culos de opress�o crist� e cinco s�culos de mutila��o cartesiana, eles preconizam a destrui��o total dos valores e a libera��o do desejo e do imagin�rio. A sua revolta n�o � mais propriamente rom�ntica, mas existencial. Eles t�m horror
das boas maneiras, do bom gosto, do bom senso, das "belas artes", do desabafo sentimental dos literatos. Eles se voltam contra o trabalho, a Igreja, a p�tria. Em Paris, de sua janela, Michel Leiris vocifera: "Abaixo a Fran�a!". Quanto a Andr� Breton, vai ao encontro de Trotsky e Diego Rivera, no M�xico, para levar sua contribui��o � revolu��o comunista internacional. O surrealismo �, sem d�vida nenhuma, o movimento pol�tico mais radical do s�culo XX. N�o se limita, ali�s, a um �nico dom�nio da cultura porque se remete igualmente � l�ngua, ao teatro (Antonin Artaud), ao cinema (Luiz Bunuel), � pintura (Salvador Dali). Ele inverte o estatuto rec�proco da imagem -- tida como subalterna ou mesmo suspeita na modernidade, ou seja, na ocidentalidade -- e do conceito, da noite e do dia, do autocontrole e da possess�o, do adulto e da crian�a. J� Tzara expressa seu rep�dio a uma obra de arte pensada, estimando que"o pensamento se faz n
a boca". Contra a onipot�ncia da raz�o, os surrealistas op�em a onipot�ncia do inconsciente, �nico a n�o mentir. Em uma f�ria de destrui��o -- e, no que diz respeito a Breton, de exclus�o progressiva da maioria dos membros do pr�prio grupo surrealista -- eles preconizam a explora��o do que � o inverso da l�gica: o sonho, a loucura,
a alucina��o. � como escreve Louis Arag�n: "o v�cio chamado surrealismo � a utiliza��o desregrada e passional do t�xico imagem". O homem dedica mais da metade de sua exist�ncia ao sono. Quando dorme, sonha, e � nesse momento que produz tesouros. Os surrealistas s�o revoltados que querem mudar as rela��es entre a arte e o real, a imagina��o e a raz�o e, assim fazendo, mudar o mundo. Eles n�o procuram tanto uma fuga da realidade, mas a condena��o de sua vers�o s�rdida para se atingir aquilo que chamam de uma "surrealidade", esse "ponto do esp�rito do qual a vida e a morte, o real e o imagin�rio, o em cima e o embaixo deixam de ser percebidos contraditoriamente" (Andr� Breton). Pela explora��o dos "sonos hipn�ticos", assim como da "escrita autom�tica", o poeta toma consci�ncia de sua aptid�o demiurgica de criar por imagens um universo novo. Retomando a id�ia dos Cantos de Maldororem que a poesia deve ser feita por t
odos e n�o por um s�, Breton estima que "� espec�fico do surrealismo o fato de ter proclamado a igualdade total de todos os seres humanos normais diante da mensagem subliminar, de ter constantemente afirmado que essa mensagem constitui um patrim�nio comum do qual s� depende de cada um reivindicar a sua parte". Tornando-se "vidente" no sentido rimbaudiano, ele desperta em si as faculdades adormecidas que lhe permitem criar uma realidade finalmente aut�ntica. O homem, "esse sonhador definitivo" (Breton), busca, experimenta, faz brotar aproxima��es inusitadas entre as palavras e as imagens, assim como combina��es desconcertantes, rela��es estranhas, colagens grotescas. Ele se aventura naquilo que foi desprezado pelos rom�nticos: a fei�ra. Ele se lan�a no roman noir, inventa novos m�todos (como a paran�ia-cr�tica de Dali). Seguindo Rimbaud e Lautr�amont, mas tamb�m Alfred Jarry, inventor da "pataf �sica" (o que n�o quer dizer nada, c
omo dada, mas que questiona atrav�s do humor as pretens�es derris�rias da metaf�sica), ele demonstra que as contradi��es s�o vitalizantes. Essa aspira��o a uma liberdade integral do imagin�rio -- quer dizer da cria��o do esp�rito -- que n�o se imp�e nenhum limite, expressa-se na reabilita��o de valores tais como o acaso, o jogo, a farsa, a gratuidade. J� no Manifesto dada, Tzara escreve: "Pegue um jornal, pegue tesouras, escolha um artigo, corte-o, corte a seguir cada palavra, coloque-as em um saco, agite..." A famosa semana de arte moderna de 1922, em S�o Paulo, eclode em um contexto bem diverso daquele que deu origem ao surrealismo parisiense. Trata-se aqui da contracomemora��o do primeiro centen�rio da independ�ncia do Brasil. Enquanto o movimento franc�s, ostensivamente dirigido contra a pr�pria id�ia de p�tria, � decididamente internacional ou mesmo internacionalista, o movimento brasileiro, por sua vez, busca fund
ar a na��o brasileira em um ato de ruptura em rela��o � Europa.
Um grupo de jovens escritores (Oswald e M�rio de Andrade) aos quais se somam pintores (Tarsila do
Amaral, E. Di Cavalcanti), escultores (Victor Brecheret) e m�sicos (HeitorVilla-Lobos) festejam a seu modo esse anivers�rio. Reunidos no Teatro Municipal de S�o Paulo, rasgam simbolicamente um livro de Cam�es (considerado ent�o como o mestre incontestado da l�ngua portuguesa) e declaram em subst�ncia que � preciso acabar com o passado colonial do Brasil e com a depend�ncia cultural da
linguagem, da arte e de todas as formas de express�o social de um pa�s cujo corpo se encontra na Am�rica, mas cuja alma permanece forjada na Europa. A originalidade do modernismo brasileiro, contrariamente aos modernistas hispano-americanos dos anos 1880-1890, � o de ser uma revolu��o est�tica radical insepar�vel de uma pesquisa social, que vai dar nascimento � sociologia brasileira. � o primeiro ato de uma tomada de consci�ncia coletiva, mais exatamente de uma busca, ao mesmo tempo, l�rica e cr�tica da identidade brasileira, ao assumir seus diferentes componentes e, entre eles em particular, o ind�gena. A revolta modernista se expressa em um ato de ruptura, tanto em rela��o ao estrangeiro (� a �poca em que a cidade de S�o Paulo se encontra submersa pelas ondas migrat�rias europ�ias) quanto ao velho Brasil colonial. Ela consiste em harmonizar, finalmente, a arte e a sociedade que se tornara industrial e urbana. Essa explos�o come�
a por interm�dio da pintura que parte em busca de temas nacionais inspirados particularmente pela Amaz�nia e Minas Gerais, mas sobretudo pelo pr�prio s�mbolo do mundo moderno: a cidade. Em 1917, organiza-se uma exposi��o de telas de Anita Malfatti que, em fun��o de suas liberdades expressionistas e fauvistas, provoca um verdadeiro esc�ndalo. Tarsila do Amaral pinta uma negra com l�bios grossos e seios enormes, assim como paisagens prolet�rias de S�o Paulo. Di Cavalcanti expressa a sensualidade da mulher brasileira, em especial da mulata. � ele quem primeiro percebe que "o Brasil � um dos pa�ses mais femininos do mundo". O que separa os modernistas de S�o Paulo dos surrealistas de Paris �, sobretudo, o car�ter "antropof�gico" dos primeiros. � sabido que os Tupis-guarani devoravam seus inimigos acreditando que se alimentavam com as qualidades de suas v�timas. Tomando-os como exemplo, os antrop�fagos paulistas da segunda d�cada do s
�culo XX procuram devorar os estrangeiros (os europeus em particular) para se apropriar de suas for�as vitais. A cultura europ�ia (sobretudo a pintura) � devorada, assim como a cidade grande moderna -- S�o Paulo -- devora os imigrantes que chegam para fazer deles brasileiros. Partindo da barb�rie ind�gena como fonte de identidade nacional, a antropofagia cultural busca p�r fim aos modos de importa��o. Ela afirma sua capacidade de integrar, ou melhor, de se alimentar de elementos vindos do estrangeiro, chamados a se tornar ingredientes de uma cultura nacional de exporta��o. E consegue isso. Por um lado, transmutando profundamente, isso �, "abrasileirando" os novos imigrantes. Por outro, partindo, a exemplo dos bandeirantes, para a conquista de novos territ�rios, mas dessa vez europeus. Logo em 1923, Villa-Lobos, Tarsila do Amaral, Di Cavalcanti, Oswald de Andrade recebem em Paris uma acolhida entusiasta. As rela��es (nutritivas) entre o Brasil
e a Europa, e particularmente a Fran�a, s�o na verdade infinitamente mais complexas. A maioria dos escritores e artistas que acabam de ser citados faz viagens pela Europa. Alguns devem sua forma��o � pr�pria Europa, outros a� nasceram. S�o profundamente influenciados pelo Manifesto futurista de Marinetti, o canibalismo dada de Francis Picabia, a poesia de Guillame Apollina�re. Em 1923, no pr�prio ano em que o grupo surrealista est� se constituindo em torno
de Breton, Oswald trava amizade em Paris com Blaise Cendrars e Tarsila estuda na capital francesa com Andr� Lothe e Fernand L�ger. O epicentro que � o fermento de suas id�ias, ou mais exatamente da sua revolta ("concretista"), situa-se incontestavelmente em Paris. Mas, dessa vez, n�s n�o estamos mais em um processo de depend�ncia, como na �poca do romantismo no Brasil. Os modelos da escola de Paris s�o utilizados para libertar o pa�s das modas importadas da Europa. O que equivale dizer que a Fran�a age sobre os modernistas de S�o Paulo como revelador da cultura brasileira. Ela lhes permite expressar sua brasilidade, ao repensar a Amaz�nia, ao redescobrir o barroco de Minas Gerais para onde eles viajam com Blaise Cendrars, enquanto os franceses (Cendrars, Benjamin P�ret, Darius Milhaud) v�o progressivamente se deixar transformar pelo Brasil. Acima das diferen�as que separam os surrealistas parisienses e os modernistas de S�o Paulo, uma mesma v
ontade de provoca��o e de ruptura os re�ne. Eles pertencem � mesma fam�lia espiritual. Partem ambos para a guerra contra a ret�rica, a eloq��ncia, a tagarelice, a literatura distinta e pretensiosa e procuram subverter n�o somente a cultura, mas a sociedade. Os brasileiros v�o, a nosso ver, mais longe que os franceses na radicalidade da empreitada que consiste em restituir todos os direitos do imagin�rio. H� sempre algo de afetado na obra de Breton, que d� provas, ali�s, na organiza��o do movimento surrealista, de um grande dogmatismo. O Manifesto antropof�gico, de Oswald de Andrade, fornece mostras de uma liberdade e de uma aptid�o para a cria��o de imagens ainda maior que o Manifesto surrealista, de Andr� Breton. Tudo acontece como se o surrealismo, imaginado na Fran�a, estivesse com alguns anos de intervalo se realizando no Brasil nessa intensa fermenta��o e transbordamento do imagin�rio que permanece um fen�meno rar�ss
imo na hist�ria de uma sociedade. Os modernistas substituem a l�gica � francesa pelo instinto, o metaf�sico pelo concreto ("n�s somos todos concretistas", diz Oswald de Andrade), a composi��o pelo grito, o pensamento pelo corpo, os sentimentos pela sensa��o. Em suma, nada de mais surrealista. Mas se compararmos os franceses dessa �poca a seus equivalentes brasileiros, os primeiros parecem quase temerosos. Falta-lhes aud�cia na transmuta��o imagin�ria da realidade. J� Macuna�ma, esse �ndio de pele negra e de olhos azuis inventado por M�rio de Andrade e que � o s�mbolo comp�sito de uma na��o "sem car�ter", vai at� o fim de seus desejos. Faz a apologia do furor, do canibalismo e do comunismo sexual. Percorrendo a floresta virgem, ele mata sem querer a sua m�e. Seduz a rainha das amazonas que lhe d� um talism� que ele perde e que cai nas m�os de um paulista. Parte, com os irm�os, em busca desse talism� e se transforma
em constela��o.
COMPREENDER E SONHAR
A hist�ria que contaremos acontece em Paris em 26 de dezembro de 1934. Em um caf� da Place Blanche, uma parte do grupo surrealista est� reunida e discute muito em tomo de pequenas sementes trazidas por um deles do M�xico. Todos t�m os olhos fixos nos gr�os, quando alguns desses come�am a... pular! Milagre? Mist�rio? Manifesta��o ins�lita? Quebra da ordem do real? De que se trata?
Os dois protagonistas da discuss�o que, como veremos, vai degenerar em briga rapidamente, s�o Andr� Breton e Roger Caillois. Do primeiro j� falamos. Quanto ao outro, � preciso lembrar que foi tradutor de Jorge Luis Borges e contribuiu para tornar a literatura latino-americana conhecida na Fran�a, particularmente a obra de Jorge Amado. Roger Caillois, ent�o, j� que � dele que falamos, prop�e que se abra um desses curiosos gr�os. Mas imediatamente, Breton se zanga: n�o, de jeito nenhum! Existem v�rias vers�es da continua��o dessa hist�ria, aparentemente das mais banais. Caillois teria sido exclu�do do movimento surrealista por Breton, ou se afastou espontaneamente, como afirma em um texto de 1975, ou seja, quarenta e um anos depois -- o que prova que o assunto ainda o preocupava. Se contamos essa hist�ria, � porque ela nos parece reveladora de duas atitudes e talvez mesmo de duas fam�lias de esp�rito e, em todo caso, de dois tipos de
rea��o perante o ins�lito e o incr�vel. A primeira consiste em compreender e explicar aquilo que se qualifica em geral, por falta de palavra melhor, de "irracional". Nunca a intelig�ncia, e particularmente a intelig�ncia cient�fica, deve desistir diante daquilo que parece, � primeira vista, inexplic�vel. �, por exemplo, a atitude da psican�lise, e particularmente a de Sigmund Freud, seu fundador, em rela��o aos sonhos: procurar e encontrar uma l�gica para a sua interpreta��o. A segunda, pelo contr�rio, � uma atitude que podemos qualificar de m�gica, mas tamb�m de po�tica. Para Andr� Breton, que denuncia o "olhar gelado do etn�logo", a beleza deve ser "convulsiva": deve atingir o imagin�rio e transtornar todo o ser humano. A racionalidade moderna consiste, em v�rios aspectos, no abandono do princ�pio de analogia (a palavra mais bonita em uma l�ngua, escreve Breton, � a palavra "como") para a ado��o do princ�pio de
casualidade: a explica��o a todo custo daquilo que n�o compreendemos, mas que pode levar ao risco maior de um mundo desencantado. O que Caillois reivindicava n�o era em absoluto a dissolu��o do imagin�rio em uma explica��o definitiva, mas o equil�brio -- no��o francesa por excel�ncia -- entre a raz�o e a imagina��o, a ci�ncia e a poesia. Ele deixou o movimento surrealista ou foi exclu�do dele -- n�o importa aqui -- porque julgou que esse movimento estava renunciando � sua ambi��o (a do conhecimento) para degenerar em jogos de sal�o. J� Andr� Breton qualificava essa posi��o de "antil�rica". O que ele queria era resgatar todos os direitos e restituir toda a dignidade � arte, � magia, enfim �s faculdades criativas e imagin�rias desprezadas pela sociedade ocidental. Acreditamos que essa tens�o n�o existe unicamente entre aquilo que cham�vamos mais acima de duas fam�lias de esp�rito. Parece-nos que ela perp
assa cada um de n�s.
O realismo m�gico
As reflex�es precedentes devem ser encaradas como s�o: proposi��es provis�rias que permitem que nos orientemos na floresta espessa -- ou floresta transformada em cidade ou labirinto -- do imagin�rio. Mas existem (particularmente na Am�rica Latina, e talvez entre as sociedades da Am�rica Latina e do Brasil) problemas de fronteira e uma confus�o de limites n�o somente entre o maravilhoso e o fant�stico, mas entre o real e o imagin�rio. Jorge Luis Borges: "a realidade se confundia com o sonho. Melhor dizendo, o real era uma virtualidade do sonho". Alejo Carpentier: "quanto mais um acontecimento lhe parecer� inveross�mil, mais voc� poder� ter certeza que ele � exato". Jo�o Guimar�es Rosa: "o que nunca se viu, aqui se v�". A pr�pria realidade da Am�rica Latina parece �s vezes ultrapassar a fic��o se apresentando como ins�lita e incr�vel. Assim como escreve Gabriel Garcia Marques, "o descomedimento faz parte da nossa realidade".
Consultamos, certa vez, em S�o Paulo, uma curandeira descendente de �ndios Xavante. Ela entra em transe e come�a a "incorporar" o "esp�rito" de Mestre Philippe, o taumaturgo lion�s que, nos anos 1890, recebia doentes em casa, antes de se tornar conselheiro do tsar Nicolau II, na corte da R�ssia. A curandeira mant�m um contato direto e cotidiano com ele, que lhe dita f�rmulas homeop�ticas. Voltando, como dir�amos, � raz�o, ela nos entrega uma receita que acaba de redigir em estado "medi�nico", prescrevendo as preciosas dilui��es infinitesimais que nos s�o necess�rias, assim como o endere�o de uma farm�cia que fabrica produtos homeop�ticos. Outro dia em Porto Alegre, convidados a participar de uma sess�o chamada de "materializa��o de esp�ritos", presenciamos durante uma hora, na escurid�o absoluta, uma confus�o indescrit�vel. Quadros pendurados na parede, assim como crucifixos fracamente iluminados, despregam-se, atravessa
m a sala e caem no ch�o. Objetos diversos colocados sobre uma mesa (vasos, livros, discos) v�o para o ch�o, enquanto assistimos a fen�menos de "oferendas" (surgem rosas). Uma leve brisa pode ser sentida assim como m�os que acariciam os cabelos dos participantes. Enfim, os "m�diuns materializadores", sentados em poltronas, s�o projetados de uma ponta a outra da sala. A realidade e a fic��o confundidas se manifestam tamb�m na escolha de nomes para os filhos. Dessa forma, no Nordeste brasileiro podemos encontrar pessoas que se chamam Chave de Bronze, Dinossauro, �ter Sulf�rico, Magn�sia Bisurada, Pif Paf, Lan�a Perfume, C�lica de Jesus, V�tor Hugo da Encarna��o, Martin Luther dos Santos. Um funcion�rio da prefeitura de Garanhuns chamou seus dois filhos de John Kennedy e Robert Kennedy. Um certo Kuroki Bezerra de Menezes chamou cinco de seus filhos de Kilza, K�tia, Keila, K�nia, Kadja. O campe�o no g�nero �, sem d�vida, Jer�nim
o Ribeiro Rosado, habitante de Mossor�. Foi pai de 21 filhos dos quais quinze receberam, respectivamente, o nome de Terceiro, Sexto, S�timo, Oitavo, Nono, D�cimo, D�cimo Primeiro,
D�cimo Segundo, D�cimo Terceiro, D�cimo Quarto, D�cimo Quinto, D�cimo Sexto, D�cimo Nono, Vig�simo, Vig�simo Primeiro. Encontramos (igualmente no Nordeste) um rio de �gua fervente que vai dar no oceano. Vimos em Bel�m guar�s que, de tanto comer camar�o, ficam com cor de camar�o. S�o camar�es voadores. Em Comodoro Rivadavia, no sul da Argentina, o vento havia um dia levado pelos ares um circo inteiro. No dia seguinte, pescadores traziam nas redes tigres, le�es e girafas.
Descobrindo a Am�rica, os primeiros conquistadores ficaram literalmente abismados. Percebemos bem ao ler o Di�rio de Crist�v�o Colombo, que � a primeira narrativa mitol�gica americana, descrevendo plantas fabulosas e seres fant�sticos. Todos insistem: n�s nunca hav�amos visto algo semelhante, n�o se parece com nada que voc� conhece. Cortez n�o sabe como expressar "a grandeza, as estranhas e maravilhosas coisas dessa terra", "coisas que mesmo mal descritas, tenho certeza que ser�o t�o admir�veis que n�o se poder� acreditar nelas, porque n�s que as vemos com nossos pr�prios olhos, n�o podemos, no nosso esp�rito, compreend�-las". J� Bernal Diaz dei Castillo, pergunta "se tudo aquilo que v�amos n�o era um sonho". E � medida que avan�am -- pensamos por exemplo em Gaspar de Carjaval, o histori�grafo da miss�o comandada por Orellana que descobre o Amazonas e a Amaz�nia, um rio que � um mar, uma floresta sem fim -- o fant E1stico ultrapassa a realidade. Recomendamos ao leitor essa experi�ncia -- sempre atual -- do fant�stico amaz�nico, acrescentando, entretanto, que n�o se passa ileso por ela. Quem nunca encontrou o leito do rio-mar inundado de luz ou de chuva, segundo os dias, segundo as horas, transbordante de entulhos, de cip�s, de �rvores gigantes desenraizadas vindo a toda velocidade em sua dire��o, amea�ando a gaiola que o leva at� Manaus, quem nunca freq�entou a noite amaz�nica n�o sabe at� onde a natureza pode chegar em suas possibilidades. A natureza e tamb�m os homens. O absurdo, o paradoxo e o incr�vel est�o no cora��o do continente latino-americano, mas tamb�m da hist�ria latino-americana propriamente dita. E isso acontece logo no come�o dessa hist�ria. Na chegada de Cortez, a popula��o mexicana era de 25 milh�es de habitantes, mais ou menos. Cento e trinta anos depois, ela est� reduzida a um milh�o e meio de pessoas. Bernal
Diaz dei Castillo, no in�cio, d� o t�tulo de Hist�ria da conquista da Nova Espanha � sua cr�nica. Depois, � medida que escreve, pondera: o leitor n�o vai acreditar, vai pensar que n�o se trata da hist�ria do que aconteceu l�, mas de uma obra de vem". A bela Rem�dios, que desaparece e da qual nunca mais se encontrar� vest�gios, n�o �, de fato, um caso isolado. Durante a ditadura argentina, milhares de pessoas "desapareceram". Sem explica��es. Sem raz�es.
Um grande n�mero (para n�o dizer a maioria) de escritores latino-americanos dedicou pelo menos um de seus romances � figura do ditador sanguin�rio e grotesco, "�nico personagem mitol�gico", segundo Garcia M�rques, "que a Am�rica Latina produziu". Ast�rias, O senhor presidente; Juan Rulfo, Pedro P�ramo; Alejo Carpentier, O recurso ao m�todo; Roa Bastos, Eu, o supremo; Mario Vargas Llosa, Conversas na catedral; Carlos Fuentes, Artemio Cruz, que � o prot�tipo do caudillo; Garcia Marques, O outono do patriarca, "uma s�ntese de todos os ditadores latino-americanos".
Se � pelo par�dico e o grotesco que essas obras nos convidam a entrar na realidade das sociedades da Am�rica Latina, � porque a pr�pria realidade � grotesca e tende a parodiar a si mesma. Lendo-as, mergulhamos nos meandros do s�rdido e do ign�bil. Ambiente de pesadelo. Comportamentos delirantes. Despotismo exacerbado. Brutalidade megaloman�aca. Corrup��o e suspeita generalizadas. Derrocada e decomposi��o da sociedade. O ditador parece dotado de todas as abje��es do mundo. Mas esses livros se inspiram em tiranias reais, em figuras sinistras de torturadores psicopatas que nada t�m de imagin�rios. N�o s�o apenas as narrativas fabulosas que s�o extraordin�rias e extravagantes e muitas vezes, para n�s, incr�veis, mas a pr�pria realidade que se apresenta como uma realidade alucinada. Realismo, hiper-realismo, surrealismo das tiranias por si mesmas desmedidas e fazendo apelo a uma escrita do desmedido (mas tamb�m da extrema concis�
o). Na Am�rica Latina, nas fronteiras do geol�gico, do bot�nico, do zool�gico, do clim�tico, do psicol�gico e do cultural, a realidade das paisagens e dos homens � mais extravagante que em outros lugares. Mais do que em outros lugares, as coisas parecem levadas ao extremo, tanto no espl�ndido quanto no horror. O luxo � mais ostentado. A riqueza e a pobreza s�o mais fortes. V�rios cineastas estrangeiros (S. Eisenstein, Bunuel) tentaram exagerar. Mas n�o � certeza que a realidade n�o os tenha alcan�ado. Compreendemos, nessas condi��es, que o surrealismo iria encontrar na Am�rica Latina o seu continente predileto. O que uns chamam de "realismo m�gico" (Ast�rias) ou "realismo alucinado" (Caillois), outros de "realismo maravilhoso" (Carpentier), ou ainda de"realismo m�tico" (Octavio Paz), s�o na verdade v�rias maneiras de se designar o que na Europa chamamos de surrealismo, que "encontramos em estado bruto, latente, onipresente em tud
o que � latino-americano" (Carpentier). E o modelo, se existir modelo, deve ser procurado na arte das civiliza��es pr�-coloniais que introduziram o sonho no cora��o da vida, n�o fazendo nenhuma diferen�a entre o que consideramos noturno e diurno. Assim, diz Ast�rias: "Meu realismo � m�gico porque ele se assemelha um pouco ao sonho tal como o concebiam os surrealistas. Tal como o concebiam tamb�m os ma�as em seus textos sagrados. Lendo-os, me dei conta que existe uma realidade criada pela imagina��o e que se reveste de tantos detalhes que se torna ela tamb�m t�o "real" quanto a outra". Ou, mais categ�rico ainda: "A Guatemala � um pa�s surrealista". Quantas diferen�as, no entanto, entre a vis�o de uns e de outros. Os surrealistas europeus procuram fugir de sua civiliza��o enquanto os surrealistas latino-americanos (e tamb�m, sob v�rios aspectos, os modernistas brasileiros) procuram reencontr�-la. Os primeiros se deixam sedu
zir pela fuga e exotismo, enquanto para os segundos o estranho, o irreal e o fant�stico constituem o que todos eles chamam de "nossa realidade". Os surrealistas parisienses se atribuem uma miss�o a longo prazo: romper com o modo de pensar europeu, enquanto esse mesmo projeto se encontra em parte realizado
na Am�rica Latina e no Caribe. Finalmente, os primeiros sonham, pensam e imaginam o que os segundos est�o vivendo. E essa diferen�a de ponto de vista vai logo levar a um certo n�mero de malentendidos.
O primeiro diz respeito ao senso de humor muito particular que encontramos na Am�rica Latina e que Octavio Paz resume assim: "fascina��o muito hisp�nica pelo grotesco e monstruoso, pelos extremos e pelos c�mulos". Nenhum lugar foi reservado para esse humor latino na Antologia do humor negro de Andr� Breton que, ali�s, na sua fun��o de chefe do movimento surrealista, deu provas de t�o pouco humor. Breton, te�rico da fantasia, mas com tanta seriedade. Na capa de um exemplar do livro de Breton, Anthologie de l'humour noir, Julio Cort�zar riscou algumas palavras: "Andr� noir, Anthologie de l 'humour Breton". Humor ent�o, mas at� o fim, e muito mais forte. Na fic��o. Mas tamb�m na realidade.
No M�xico, o partido no poder desde a revolu��o de 1910 se chama PRI: Partido Revolucion�rio Institucional. Seu nome soa como uma piada. O M�xico � um dos pa�ses mais cat�licos do mundo, mas o ensino religioso � teoricamente proibido, mesmo nas escolas religiosas. Na outra ponta do continente, uma radialista de nome Eva Duarte se eleva, pelo casamento, � presid�ncia da Rep�blica. Torna-se Eva Per�n, a mulher mais adorada de toda a Argentina. N�o freq�entando os meios pol�ticos, mas sobretudo sendo jovem demais na �poca, n�o tivemos nunca a ocasi�o de nos relacionar com Eva Per�n. Em compensa��o, n�s a encontramos muito recentemente enquanto "esp�rito desencarnado" em Fortaleza. Hoje, Eva Per�n n�o � mais argentina, mas brasileira. Faz -- n�s ouvimos -- um diagn�stico muito sombrio sobre a evolu��o social e pol�tica do Brasil. Mas afirma, assim mesmo, que em breve um salvador -- que de acordo com sua descri��o
parece com um irm�o de Juan Per�n -- vai aparecer. Em 1974, quando morre o general argentino, � sua terceira esposa, Isabel, que o sucede na presid�ncia da Rep�blica. Antiga dan�arina de cabar�, convoca um not�rio terrorista, Jos� Lopes Rega, especialista em seq�estras, espolia��es e outros delitos de direito comum, e lhe confia o minist�rio do Bem-Estar Social. Em 1991, o presidente Carlos Menem pro�be a entrada no Pal�cio Presidencial de Buenos Aires de sua mulher, que passa a fazer oposi��o ao regime. No mesmo ano, as aventuras extraconjugais do presidente Fernando Colior de Mello s�o manchetes nos jornais e televis�es brasileiros, enquanto Rosane, sua mulher, posa para as c�meras e para os fot�grafos, saia bem levantada, deixando aparecer a calcinha branca. Voltemos ao surrealismo propriamente dito, ou seja, ao movimento que tem esse nome. Os latino-americanos n�o t�m exatamente a mesma vis�o que os franceses. Ast�rias:
"Creio que o surrealismo franc�s � muito intelectual, enquanto em meus livros, o surrealismo adquire um car�ter completamente m�gico, completamente diferente. N�o � uma atitude intelectual, mas uma atitude vital, existencial. � a do �ndio que com uma mentalidade primitiva e infantil, mistura o real e o imagin�rio, o real e o sonho. Tudo -- homens, paisagens e coisas -- banha em um clima surrealista, de loucuras e
imagens justapostas (...). Meus livros parecem com as pinturas murais do M�xico nas quais tudo se mistura: camponeses, lebres, arcebispos, aventureiros, mulheres de m� vida, assim como nossa natureza, vastas plan�cies e florestas imensas onde n�s n�o somos nada al�m de pobres seres perdidos". Ainda Ast�rias: "Enquanto hispano-americanos, n�s somos iconoclastas de nascimento. A viol�ncia tel�rica de nosso continente nos inculcou o charme da destrui��o e o surrealismo matou nossa sede juvenil de quebrar tudo para partir para novas conquistas. Entretanto, acredito que o surrealismo que atribuem a certas obras minhas se remete menos a influ�ncias francesas que ao esp�rito que anima as obras primitivas maias. Encontramos no Popolvuh e nos Anais dos Xahil, por exemplo, aquilo que poder�amos chamar de surrealismo l�cido, vegetal, anterior a tudo que nos � conhecido". Alejo Carpentier vai bem mais longe. Ele faz quest�o n�o somente de se distanci
ar das tend�ncias did�ticas dos surrealistas franceses, muito refrat�rios ao senso de fantasia e de humor latino-americano, mas recrimina neles uma "burocratiza��o do sonho", quer dizer, uma explora��o do maravilhoso: "de tanto querer criar o maravilhoso a qualquer pre�o, os taumaturgos tornam-se burocratas". Em suma, o maravilhoso latino-americano n�o � a magia no sentido de Breton. "A sensa��o do maravilhoso", escreveu ainda Carpentier, "pressup�e uma f�, isso, claro, independentemente de qualquer op��o religiosa e uma liga��o constante com nossa terra e nossa hist�ria". A Am�rica � a terra dos mitos, a terra daqueles que pertencem �quilo que Vasconcelos chama de "ra�a c�smica". Surrealismo, sim, quer dizer at� o fim, e mais profundamente surrealista, ent�o, quer dizer americano. O pr�logo do Reino desse mundo, de Carpentier, encerra-se com estas palavras: "Mas o que � a hist�ria da Am�rica inteira se n�o for um
a cr�nica do 'real maravilhoso'?". O que � uma maneira de sugerir que a pr�pria exist�ncia pode ser considerada como uma fic��o e que a vida � um romance. Borges vai ainda mais longe, estimando que a realidade � uma ilus�o, e a fic��o, a realidade, � qual n�s podemos todos ter acesso pela leitura: Shakespeare n�o � somente Shakespeare, mas todos os homens. E, lendo Shakespeare, n�s nos tornamos Shakespeare.
EXISTE UM IMAGIN�RIO CIENTIFICO?
O que caracteriza as sociedades modernas e, sem d�vida, o pr�prio esp�rito do que chamamos de modernidade � o dualismo. O homem da modernidade aparece como um ser n�o apenas dividido, mas assumindo a divis�o. De um lado, a subjetividade e, do outro, a objetividade. De um lado a paix�o, do outro a raz�o. De um lado a produ��o de imagens ligadas � afetividade, do outro a concep��o de id�ias, elaboradas pela intelig�ncia. De um lado a embriagues do imagin�rio que festeja, do outro a sobriedade da ci�ncia que trabalha. � pelo menos uma dessas representa��es dominantes que uma
grande parte daqueles que foram formados no cadinho do Ocidente ou que foram ocidentalizados tem das fun��es respectivas da ci�ncia e da arte. A primeira descobriria verdades com esfor�o, enquanto a segunda criaria alegremente ilus�es. Tudo o que est�, ent�o, do lado do imagin�rio pertenceria � categoria da fantasia, do capricho, da dispers�o, da evas�o (fugir do mundo), da confus�o, mas tamb�m do prazer (dar prazer e se dar o prazer), enquanto a racionalidade, conquistada em luta contra nossas faculdades (tidas como falsificadoras) da intui��o e vis�o, teria como preocupa��o abarcar a realidade, isto �, aderir ao mundo. Esse conceito de uma ci�ncia livre de qualquer subjetividade, estimando que n�o pode existir mito na ci�ncia nem ci�ncia no mito, � evidentemente n�o apenas uma mitologia mas uma mistifica��o. Vamos, ent�o-, voltar seriamente (sem, no entanto, esquecer que o homem que se dedica ao trabalho faz tamb�m p
arte de uma esp�cie l�dica) � pergunta colocada por esse cap�tulo que, na nossa opini�o, cont�m dois aspectos: 1) as imagens que os homens e mulheres da nossa �poca t�m da ci�ncia (elas n�o se remetem todas, como veremos a seguir, ao sentido da purifica��o positivista que acaba de ser evocado); e 2) o papel da imagem e do imagin�rio no pr�prio processo cient�fico. 1) A fic��o liter�ria precede muitas vezes a realidade das descobertas cient�ficas e de suas aplica��es t�cnicas. � s� evocar as obras de antecipa��o de J�lio Verne, por exemplo, Cem mil l�guas submarinas (1883), que precedeu (influenciou?) a constru��o de submarinos, ou ainda, Admir�vel mundo novo, de Aldous Huxiey (1932), que teve, muito antes da hora, a intui��o dos "beb�s de proveta". Antes de ser pensadas por cientistas, muitas inven��es foram primeiro imaginadas por escritores ou poetas. O fato j� � suficientemente conhecido para que
n�o insistamos nele aqui. Em compensa��o, gostar�amos de insistir no processo, por assim dizer, inverso: os sonhos e utopias forjados a partir de imagens que se pode ter da ci�ncia. Vamos tomar o exemplo do imagin�rio religioso, que pode ser considerado como um imenso laborat�rio de s�mbolos e mitos, ao qual apelamos para inventar novas rela��es com o que chamamos, em geral -- por falta de palavra melhor --, de sagrado. O que aparece hoje � que um n�mero crescente de express�es religiosas de nossas sociedades est� se recompondo a partir de um imagin�rio cient�fico e tecnol�gico, buscando conjugar segundo os casos a religi�o e a f�sica (no movimento esp�rita), a religi�o e a psicologia (nas formas "novas" de psicoterapia), a religi�o e a medicina (como na Igreja da Cientologia), a religi�o e a inform�tica (os m�rmons), a religi�o e a conquista espacial (o movimento raeliano).
O imagin�rio cient�fico (e o imagin�rio num�rico especialmente) parece-nos irrigar uma parte n�o desprez�vel da modernidade religiosa da nossa �poca, que se reconstitui ao tomar contato com as descobertas mais recentes da f�sica qu�ntica, das t�cnicas m�dicas de reanima��o ou ainda das telecomunica��es reinterpretadas por interm�dio da fic��o cient�fica e do cinema fant�stico: os "poderes do esp�rito", a "telepatia", a "vida depois
da morte". 2) O processo cient�fico, da mesma forma que o processo liter�rio, e mais precisamente romanesco, consiste em fazer variar os pontos de vista. Um mesmo fen�meno pode ser estudado e analisado de maneiras diferentes. � a raz�o pela qual existem diferentes modalidades cient�ficas e � por ela sobretudo que a ci�ncia n�o parou de evoluir ao longo da hist�ria. � a utiliza��o desse princ�pio de varia��es, ou mais precisamente, de inven��o de varia��es novas -- chamadas de hip�teses, que devem ser confirmadas ou negadas pelos fatos -- que separa o trabalho do pesquisador cient�fico daquele do t�cnico que, por sua vez, aplica os resultados (sempre provis�rios) da pesquisa, executa e repete as opera��es. A ci�ncia como a arte, ali�s, n�o busca copiar a realidade e descrever o mundo tal como �, mas elaborar sistemas simb�licos para apreci�-lo. Ela n�o � uma atividade de reprodu��o do real, quer dizer a im
ita��o de algo que seria anterior ou exterior ao pr�prio ato da descoberta, mas da produ��o de experi�ncias que ser�o organizadas e reunidas, compostas e recompostas em um texto (por exemplo, um artigo em uma revista cient�fica) que ele mesmo organiza a partir de outros textos. Fora o fato que um certo n�mero de pensadores teve intui��es e ilumina��es sonhando (come�ando por Descartes, um dos fundadores, junto com Newton, do m�todo cient�fico), a pesquisa, a experimenta��o, a an�lise cient�fica procedem incontestavelmente da imagina��o: fazem existir algo que n�o existia antes, ou criam rela��es entre duas realidades at� ent�o percebidas como distintas. Da mesma forma que em suas respectivas �pocas Rodin, C�zanne e Picasso inventam novos meios de ver -- e tamb�m de conhecer -- que ser�o, � bom lembrar, rejeitados pela maioria de seus contempor�neos como"n�o realista", em um processo id�ntico, Einstein, Pla
nk e Heisenberg inventam novas maneiras de perceber e compreender a natureza (a teoria da relatividade), que nos desconcertam ainda hoje, como nos desconcerta a inven��o da psican�lise por Freud. A teoria da relatividade nos introduz � compreens�o de um universo, n�o mais de tr�s, mas de quatro dimens�es, no qual o espa�o se dobra, se deforma, o tempo pode ralentar, se acelerar e mesmo voltar para tr�s. As revolu��es cient�ficas podem ser tidas como compar�veis �s revolu��es art�sticas: longe de imitar a realidade, elas prop�em novos quadros de refer�ncia, novos sistemas de s�mbolos que ser�o freq�entemente ajustados por equipes de pesquisadores, mas podendo tamb�m ser abandonados por novas interpreta��es. Claro, o laborat�rio do cientista que pesquisa n�o � o orat�rio de um monge que reza ou o ateli� de um pintor. A ci�ncia n�o � o lugar de uma liberdade total, pois as experi�ncias devem sempre ser desenv
olvidas sob um controle escrupuloso. � preciso, no entanto, lembrar que toda ci�ncia � humana, quer dizer, elaborada
por seres humanos. E estes �ltimos, ao inv�s de renunciar �s imagens em benef�cio de conceitos (� o estere�tipo de um pensamento cient�fico que seria n�o figurativo), sempre lan�aram m�o de uma atividade de representa��o visual: a formaliza��o gr�fica, o esquema explicativo, a imagem num�rica.
CONCLUS�ES
O conceito de representa��o engloba toda a tradu��o e interpreta��o mental de uma realidade
exterior percebida. A representa��o est� ligada ao processo de abstra��o e a id�ia � uma representa��o mental que se configura em imagens que temos de uma coisa concreta ou abstrata. Assim, a imagem se constitui como representa��o configurativa da id�ia traduzida em conceitos sobre a coisa exterior dada. A representa��o de uma institui��o acad�mica, como a universidade, � a id�ia de universidade em que se processa os conceitos que temos de universidade e que se figura em imagens mobilizadoras. O imagin�rio faz parte do campo de representa��es, mas n�o � uma tradu��o reprodutora ou uma transposi��o de imagens. Para evocar uma universidade imagin�ria n�o recorremos a conceitos sobre universidade, mas � hist�ria, � literatura e aos valores efetivos que a ela atribu�mos. Essa institui��o consiste n�o apenas da representa��o que temos de universidade, mas ao aspecto contido nas narrativas hist�ricas so
bre as origens da constru��o do saber institu�do e aquilo que foi idealizado como sendo uma universidade mais os nossos sentimentos, valores, emo��es e expectativas que temos em rela��o a ela. O imagin�rio ocupa um lugar na representa��o, por�m ultrapassa a representa��o intelectual. Os s�mbolos constituem-se de aspectos formais (significantes) e de conte�dos (significados). Esses s�o polissem�nticos e, embora sejam conduzidos pelos significantes, ultrapassam-nos adquirindo sentidos prospectivos. O imagin�rio � constru�do e expresso atrav�s de s�mbolos. O car�ter afetivo contido no imagin�rio o faz diferir do conceito de imagina��o, pois essa tamb�m se encontra no processo do conhecimento cient�fico que estabelece, atrav�s de imagens mobilizadoras, correla��es entre os conceitos atrav�s de procedimentos intelectuais elaborados, expressos em signos. Enquanto o imagin�rio consiste na utiliza��o, forma��o
e express�o de s�mbolos, a imagina��o cient�fica � limitada pela raz�o conceituai e encontra a sua adequa��o expressiva nos signos. Estes, ao contr�rio dos s�mbolos, est�o diretamente relacionados aos seus significantes que os remetem a dire��es �nicas definidas com significados limitados ao campo da representa��o formal. Imagin�rio n�o significa, por�m, aus�ncia da raz�o, mas apenas a exclus�o de racioc�nios demonstr�veis e prov�veis, os quais constituem o fundamento da imagina��o cient�fica. A raz�o encontra-se no imagin�rio e no sentido da l�gica interna, que n�o � contr�ria ao real, mas que, como um caleidosc�pio, recria, reconstr�i, reordena e reestrutura, criando uma outra l�gica que desafia a l�gica formal. Nesse sentido, o imagin�rio � um processo cognitivo no qual a afetividade est� contida, traduzindo uma maneira espec�fica de perceber o mundo, de alterar a ordem da realidade. O
imagin�rio possui um compromisso com o real e n�o com a realidade. A realidade consiste nas coisas, na natureza, e em si mesmo o real � interpreta��o, � a representa��o que os homens atribuem �s coisas e � natureza. Seria, portanto, a participa��o ou a inten��o com as quais os homens de maneira subjetiva ou objetiva se relacionam com a realidade, atribuindo-lhe significados. Se o imagin�rio recria
e reordena a realidade, encontra-se no campo da interpreta��o e da representa��o, ou seja, do real. Quando distinguimos no imagin�rio o universo da fantasia no qual se encontram o maravilhoso e o fant�stico, n�o pretendemos tra�ar divis�rias ou dicotomias nos processos ps�quicos, mas apenas enfatizar com nomes diversos as diferen�as em grau dessas distintas atividades do imagin�rio A produ��o de deuses no imagin�rio segue o discurso de um real estabelecido pelas interpreta��es religiosas, da mesma maneira que as a��es de dom Quixote seguem os c�digos das representa��es medievais. A fantasia n�o prop�e apenas outra realidade na qual os objetos est�o sujeitos �s suas novas regras e normas, mas tamb�m ultrapassa as representa��es sistematizadas pela sociedade, criando outro real. N�o deixa de ser real, porque n�o � ilus�o ou loucura, mas uma outra forma de conhecer, perceber, interpretar e representar a realidade.
Possui uma l�gica pr�pria compartilhada pela coletividade, que desafia a descren�a na exist�ncia de seres extraordin�rios e nas experi�ncias ins�litas.
INDICA��ES PARA LEITURA
O leitor que quiser mais informa��es sobre esse assunto poder� encontrar nas s�ries da cole��o Primeiros Passos os t�tulos que tratam das tem�ticas vinculadas ao imagin�rio, como magia, mito, religi�o, umbanda, astrologia, candombl�, vampiro e espiritismo. O livro Aprender etnopsiquiatria (Brasiliense, 1994) de Fran�ois Laplantine examina a quest�o do imagin�rio referida �s concep��es sobre doen�a ps�quica em diferentes contextos socioculturais. As obras de G. Bachelard que tratam dos quatro diferentes elementos da natureza -- ar, fogo, �gua e terra -- abordam as evoca��es inspiradas pelas experi�ncias e percep��es desses elementos. No livro O ar e os sonhos (Martins Fontes, 1994) Bachelard relata, utilizando textos liter�rios de prosa e poesia, as interpreta��es evocadas pela percep��o do movimento contido no ar, que conduz � imagina��o do ascender ou da queda, o v�o libertador e a vertigem do vendaval. Em a
A Psican�lise do fogo, (Martins Fontes) traduz os simbolismos do fogo, existentes desde as primeiras experi�ncias do homem com esse elemento, vital para a exist�ncia da vida cultural. Disc�pulo de Bachelard, Gilbert Durand constr�i sua teoria do imagin�rio, marcadamente influenciada pela psicologia anal�tica de Jung. Em sua obra principal "As estruturas antropol�gicas do imagin�rio (Presen�a, Lisboa, 1989), Durand formula os pressupostos b�sicos de sua teoria sobre a imagina��o simb�lica como constru��o cultural que emerge das estruturas do inconsciente humano. Roger Caillois em sua obra Acercamientos a Io imaginario (Fondo de Cultura Econ�mica,
M�xico, 1989), aborda os v�rios estudos realizados pelo movimento surrealista que coloca o imagin�rio como quest�o central da experi�ncia humana. Em rela��o aos temas que tratam das produ��es do imagin�rio como o fant�stico, o extraordin�rio e o maravilhoso, recomendamos a leitura de T. Todorov, Introdu��o � literatura fant�stica (Perspectiva, 1992).
Sobre os autores
Fran�ois Laplantine � professor de Etnologia na Universidade de Lyon II, na Fran�a. � autor de A etnopsiquiatria (�ditions Universitaires, 1973), As tr�s vozes do imagin�rio: o messianismo, a possess�o e a utopia (�ditions Universitaires, 1974), A cultura do psi ou o desmoronamento dos mitos (Pr�vat, 1975), A filosofia e a viol�ncia (Presses Universitaires de France, 1976), Doen�as mentais e terap�uticas tradicionais na �frica negra (�ditions Universitaires, 1976), A medicina popular na Fran�a rural hoje (�ditions Universitaires, 1978), Um vidente na cidade: estudo antropol�gico do gabinete de consultas de um vidente contempor�neo (�ditions Payot, 1985) e Antropologia da doen�a (�ditions Payot, 1986). Na Brasiliense, publicou: Aprender antropologia (1988), Medicinas paralelas (1989, em colabora��o com Paul-Louis Rabeyron), e Aprender etnopsiquiatria (1994). Liana Maria S�lvia Trindade � professora livre-docente de antropolog
ia na Universidade de S�o Paulo (USP) e diretora de pesquisa da Associa��o Brasileira de Etnopsiquiatria. Publicou As ra�zes ideol�gicas das teorias sociais (cole��o Ensaios, Ed. �tica, 1980), Exu, s�mbolo e poder (cole��o Religi�o e Sociedades, Ed. Faculdade de Filosofia, Letras e Ci�ncias Humanas da USP, 1985) e Exu, poder e perigo (Ed. �cone, 1987), e o artigo "Le Rire de Exu e Ia col�re des dieux", no livro La col�re et le sacr� (Pierre Levequ�, Silvia Carvalho e Liana Trindade (orgs.), Ed. Presses Universitaires FrancComtoises, 1995).
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