Desafios Te�ricos e Subs�dios Did�ticos para Pais e Educadores.
Cole��o Sexualidade e Educa��o
Apresentamos a Cole��o intitulada Sexualidade e Educa��o aos pais e educadores, buscando contribuir para o debate fecundo e exigente da reflex�o sobre Sexualidade
na sociedade brasileira atual e dos desafios postos para a pesquisa e a��o de educadores sobre este importante e complexo tema, muitas vezes silenciado em nossa
recente tradi��o pedag�gica.
Nesta Cole��o destacaremos estudos sobre Sexualidade da Crian�a e Educa��o, como � o caso da presente obra, seguidos de outras perspectivas de pesquisas e publica��es
sobre Sexualidade e Educa��o do Adolescente, Sexualidade e Condi��o de Mulher, Sexualidade e Terceira Idade, Sexualidade e Homoer�tica, Tend�ncias e Vertentes da
Educa��o Sexual no Brasil, al�m de outros t�picos pertinentes que suscitarem debate e forem reclamados para a instrumenta��o te�rico-pr�tica de educadores e pais
sensibilizados com uma intencionalidade emancipat�ria, cr�tica e humanista do tema.
Esperamos a boa acolhida dos pa�s e educadores, com suas cr�ticas e sugest�es, e a permanente avalia��o de nossas pr�prias convic��es e viv�ncias, para superarmos
juntos a tradi��o repressiva e negativista do corpo, bem como fazer a cr�tica do consumismo e permissivismo desumanizador compulsivo que brutaliza sentimentos e
atitudes pela massifica��o do sexo.
Prof. Dr. C�sar Nunes
C�SAR NUNES
Licenciado em Filosofia, Mestre e Doutor em Educa��o pela
UNICAMP
Professor Titular da Faculdade de Educa��o da Pontif�cia
Universidade
Cat�lica de Campinas -
PUCCAMP.
Professor Colaborador do Curso de Especializa��o em Educa��o Sexual e do Mestrado em Educa��o e Cultura da Universidade do Estado de Santa Catarina - UDESC.
Membro Fundador do Grupo de Assessoria e Estudos em Educa��o Sexual - GAES
EDNA SILVA
Licenciada em Pedagogia pela Universidade do Estado de Santa Catarina UDESC.
Especialista em EDUCA��O SEXUAL pela Universidade do Estado de Santa Catarina- UDESC.
Mestranda em Educa��o na Pontif�cia Universidade Cat�lica de Campinas PUCCAMP.
Monitora do Centro de Filosofia - Educa��o para o Pensar SC.
Membro Fundador do Grupo de Assessoria e Estudos em
Educa��o Sexual- GAES.
MANIFESTA��ES DA SEXUALIDADE DA CRIAN�A
Editora S�culo XXI
Proibida a reprodu��o total ou parcial.
Dedico este livro �s crian�as que, pela obriga��o precoce do trabalho e pela insensibilidade da sociedade onde vivem, n�o t�m tido direito � inf�ncia...
Dedico este trabalho aos meus tantos e queridos alunos e alunas que permaneceram aprendizes da vida...
C�sar Nunes.
APRESENTA��O
A sexualidade � uma das mais profundas express�es da condi��o humana. Durante muito tempo a discuss�o sobre sexo e sexualidade foi duramente reprimida. Conceitos
e preconceitos somavam-se ao rol de argumentos supostamente controladores das pr�ticas e express�es do desejo sexual. Ao contr�rio, o nosso tempo foi fecundo em
debater a sexualidade e apresent�-la publicamente. As mudan�as comportamentais e simb�licas vivenciadas pelas gera��es p�s-guerra, materializadas em in�meras mudan�as
sociais e institucionais que envolveram desde o controle artificial da natalidade at� novas identidades pol�ticas e econ�micas da presen�a da mulher na sociedade,
criaram as bases de uma nova compreens�o e viv�ncia da sexualidade. Podemos afirmar at� que houve uma mudan�a radical do papel social da express�o da sexualidade.
In�meros estudiosos debru�aram-se sobre a an�lise desta quest�o e suas implica��es. Desde o pioneirismo de S.FREUD, passando por toda a massifica��o dos debates
sobre a capacidade humana e o prazer protagonizada por W. REICH, acrescidas das an�lises que buscavam relacionar as interpreta��es mais originais da Psican�lise
com os constructos hist�rico-anal�ticos do Marxismo, propostos tanto por E. FROMM quanto por H. MARCUSE, nos anos 60 e d�cada de 70, suplementados ainda pela ferocidade
cr�tica de M.F0UCAULT, no limiar dos anos 80 em nossa recente tradi��o de debate sobre o assunto, afirmando ser a sexualidade hoje uma das mais expressivas malhas
do poder e da domina��o social, vivemos uma perplexidade sobre a dimens�o sexual e seus atributos e manifesta��es. Os discursos e significa��es desta explos�o da
sexualidade, na sociedade contempor�nea, dever�o ocupar nossas reflex�es e preocupa��es �ticas, sociais, pol�ticas e pedag�gicas. As abordagens sobre a tem�tica
da sexualidade quase sempre definem a "revolu��o sexual" destes anos recentes como marcos de novas id�ias e atitudes frente ao tema. N�o se trata de aceitar a id�ia
de que hoje temos uma compreens�o mais adequada da sexualidade. Temos tido uma descompress�o das falas e das pr�ticas que muitas vezes, tem sido tanto mais autorit�ria
e impositiva quanto a sexualidade considerada tradicional. Da� nossa inten��o em desalojar os resqu�cios de voluntarismo e superficialidade para buscar circunscrever
o tema e abord�-lo em suas m�ltiplas dimens�es.
Este livro quer debater pedagogicamente as manifesta��es da Sexualidade da Crian�a. N�o significa que tenhamos uma vis�o estanque da sexualidade, dividindo-a
tradicionalmente em express�es et�rias e unilateralmente separadas. Para nossa compreens�o a sexualidade � uma manifesta��o ontol�gica da condi��o humana, isto �,
a sexualidade faz parte da pr�pria constitui��o intr�nseca do que seja o ser humano. Torna-se assim uma das mais privilegiadas dimens�es de sua manifesta��o subjetiva,
hist�rica e social.
Principiamos por abordar a sexualidade da Crian�a. Esta escolha nasceu da necessidade pedag�gica de registramos formas de socializar atitudes emancipat�rias
frente � manifesta��o curiosa e l�dica da sexualidade na inf�ncia, contrastante com a opacidade da tradi��o escolar em compreend�-la e abord�-la de maneira humanizada
e socialmente educativa. A condi��o da crian�a num pa�s marcado por tantas contradi��es autorit�rias, oriundas de sua tradi��o colonial e sua trajet�ria de depend�ncia
cultural e pol�tica de centros do medievalismo e das concep��es mais retr�gradas sobre a mesma n�o � tarefa f�cil de ser estudada. Somente agora, no limiar da d�cada
de 90, vimos constituir um n�cleo jur�dico, resultado de uma longa empreitada de debates e her�icas apologias da cidadania da crian�a, consubstanciada no Estatuto
da Crian�a e do Adolescente, promulgado em 1990.
Isto nos impulsiona a aprofundar a discuss�o sobre a condi��o da crian�a buscando ampliar os reducionismos hist�ricos e a estreiteza de muitas das apresenta��es,
no senso comum, das conflituosas dimens�es de seu desejo e constru��o subjetiva de sua sexualidade entre as exig�ncias dos pap�is sexuais cristalizados e os apelos
de sua genu�na idiossincrasia.
Assim, buscamos metodologicamente envolver dois p�los de um desafiador debate : a express�o social da sexualidade e a condi��o da crian�a. A este horizonte
juntamos uma terceira inten��o, a de abordar essas rela��es na din�mica pedag�gica, isto �, na esfera da educa��o, dom�stica e escolar. Queremos que o presente texto
seja lido e discutido pelos pais, educadores, professores, agentes sociais, como um instrumento de emancipa��o e encaminhamento de novas significa��es e atitudes
frente � sexualidade infantil e seu desvendamento.
Foi por esta raz�o que escolhemos a palavra "manifesta��o, manifesta��es", que aqui tomamos no sentido de "express�o, esclarecimento, demonstra��o, revela��o".
Trata-se de buscar entend�-la como express�o e revela��o da condi��o humana em plenitude, espa�o h�brido entre a mais sagrada express�o da subjetividade do desejo
e a mais expressiva exig�ncia relacional vivida em sociedade.
Se as p�ginas seguintes puderem descortinar estas inten��es teremos realizado nossos desejos de propor esta discuss�o aberta sobre a sexualidade das crian�as
e as formas sociais de sua visibilidade e viv�ncia. Caso isto n�o seja poss�vel realizar-se a contento, pelas raz�es de at�vicas heran�as de sil�ncios e medos, teremos
ao menos socializado nossas utopias... E isto, cremos, pode ser uma aut�ntica raz�o de escrever e submeter o que escrevemos ao debate p�blico e pedag�gico. Al�m
de emprestar as mais s�lidas e profundas raz�es aos nossos anseios de viver e buscar refletir sobre a din�mica, dram�tica e maravilhosa, do fen�meno sempre inesgot�vel
que � o espet�culo da vida.
INTRODU��O
O prop�sito deste livro � o de apresentar as manifesta��es da sexualidade da crian�a de uma maneira humanista, reflexiva e cr�tica. Trata-se de uma intencionalidade
de falar e refletir sobre um assunto que n�o � comumente abordado pelas produ��es acad�micas e pedag�gicas. Estamos sendo desafiados a entrar num campo onde comumente
perdura a incompreens�o e o descaso, no tocante aos estudos sobre a sexualidade infantil, embora vivamos numa sociedade que freq�entemente representa e concebe a
inf�ncia como um per�odo feliz e prazeiroso da vida. Nossa �poca, j� definida como a "era das comunica��es" e o tempo da m�dia, vista e aceita como a sociedade da
imagem e das significa��es consumistas, fugazes como o espoucar dos flashes virtuais, louva e aplaude um dos seus mais sagrados �cones, que se materializa em quase
um mito, representado no conceito de uma "inf�ncia feliz", construindo uma identidade fetichista que sustenta toda uma rede tanto de invencionices diletantes quanto
de fant�sticas supersti��es e preconceitos.
Exemplo cl�ssico desta afirma��o � o carrossel de promo��es que marca a agenda do consumismo centralizada na promo��o e comemora��es do aguardado dia
da crian�a, anualmente celebrado com festas e pompas, a este dia e seu
sentido sempre agregando e associando valores de consumo, supostas imagens de felicidade, representa��es de um id�lico estado de gra�a e leveza direcionadas � inf�ncia,
aos quais somam-se os conceitos mais remotos que conservam da inf�ncia os mais c�ndidos retratos de uma rom�ntica inoc�ncia.
Todavia, sabemos que nem sempre foi assim. � certo que crian�as sempre existiram, mas os conceitos, concep��es, conhecimento e pap�is institucionais e �ticos
sobre os contornos e realidade deste per�odo da vida sempre tiveram diferentes interpreta��es daquela que hoje possu�mos. Costuma-se dizer que a pedagogia moderna
redescobriu a inf�ncia, a partir de J. J. ROUSSEAU, fil�sofo franc�s que viveu de 1712 a 1778, na Europa iluminista moderna. 0 seu livro denominado Em�lio ou da
Educa��o, publicado em 1762, � tido como um marco inaugural novo e original na concep��o ocidental moderna sobre a crian�a, com seu naturalismo pedag�gico como suporte
e firme determina��o pol�tica de afirmar ser a educa��o uma proposi��o singular de constantes pr�ticas de liberdade.
De l� para c� pesquisadores de diversas �reas do conhecimento procuram abordar e conceituar a inf�ncia, sempre redescobrindo algo ou apresentando t�picos que
complementam, inovam, buscam avan�ar na determina��o de uma suposta natureza da inf�ncia e suas peculiaridades ps�quicas e pedag�gicas. Alguns apontam uma radical
rela��o entre as viv�ncias da inf�ncia e a identidade adulta. Afirmam a causalidade dos comportamentos e tipologias do adulto na din�mica da crian�a e sua viv�ncia
intra-familiar. O que pretenda-se ver compreendido no adulto dever� ser buscado na esteira de sua constru��o durante sua inf�ncia, quase sempre vivida no nodal id�lio
da fam�lia patriarcal ocidental.
Outros autores relativizam esta polaridade mas insistem na import�ncia fundamental deste per�odo de vida, que mais significado existencial e ontol�gico possui
do que a mera contabilidade cronol�gica que lhe empresta identidade.
� necess�rio considerar que apesar da exuberante concep��o rousseauniana da inf�ncia, nossa tradi��o cultural foi constru�da sobre outro enfoque, de inspira��o
medieval, pr�pria da vis�o de mundo restauracionista trazida pelos Jesu�tas, que se reproduziram aqui, na empreitada mercantil-salvacionista que aliou o expansionismo
mar�timo portugu�s e os interesses proselitistas cat�licos. Os valores medievais da Contra-Reforma estiveram superpostos aos elementos culturais que marcaram nossa
matriz colonial. A exalta��o da ordem, do poder, da fam�lia patriarcal, do catolicismo e da cultura da Cristandade sempre reservaram um papel espec�fico de nega��o
e consequentemente de viol�ncia institucional contra a figura da mulher e da crian�a em particular. N�o � estranho hoje afirmar que a matriz colonial escravocrata
reduzia a fun��o da crian�a e da mulher, juntando, a este n�cleo os idosos e os considerados inv�lidos, numa alus�o aos portadores de defici�ncias, ao mesmo tratamento
reservado aos escravos.
Nossas tradi��es pedag�gicas e institucionais, sobretudo centradas na fam�lia e na escola, sempre enfocaram a inf�ncia sobre elementos negativos, autorit�rios
e restritivos. O senso comum, carregado de preconceitos consagra ainda hoje express�es como "� de pequenino que se torce o pepino" e outras sempre retratando uma
imagina��o coletiva de que, pela ordem e austeridade, se "corrigiria" ou modelaria a crian�a adequada, obediente e ordeira. Express�es como "o Educador modela a
crian�a como o barro nas m�os do oleiro" ou ainda as afirma��es categ�ricas incansavelmente repetidas de que "� preciso lapidar com a educa��o a natureza m� e bruta",
estas s�o figuras de linguagem ou met�foras que revelam o estofo
da cultura, e que aparecem em constantes lugares comuns, desvendando a forte liga��o conceitual que perdura em nossas institui��es, vinculando os pressupostos causais
entre repress�o e educa��o das crian�as.
Suspeitamos que muitas das id�ias, imagens e concep��es destes educadores retratam lugares comuns da tradi��o cultural e institucional brasileira, com poucas
possibilidades de uma efetiva compreens�o cient�fica e racional da inf�ncia e de suas especificidades.
O trabalho te�rico e pr�tico que apresentamos , que pretende ser anal�tico e cr�tico nas considera��es sobre as formas cotidianas de vivenciar e compreender
a sexualidade das crian�as, ao mesmo tempo tem a inten��o de buscar superar um mero criticismo de modo a constituir-se, outrossim , num trabalho org�nico, isto �,
capaz de propor novas pr�ticas e novas metodologias de atua��o pedag�gica frente � quest�o e seu encaminhamento na esfera de a��o dos educadores. 0 motivo fundamental
que nos moveu a procurar investigar o discurso e as concep��es vigentes no senso comum sobre a crian�a foi o de compreender que, para a a��o pedag�gica na escola
e frente ao desafio da rela��o crian�a-adulto na dimens�o escolar, requer-se uma s�lida concep��o cient�fica, que � muito mais do que um simples "gostar de crian�as",
tal qual preconizam os adeptos do simplismo, da superficialidade e do senso comum .
A investiga��o criteriosa sobre as manifesta��es da sexualidade infantil s� poder�o ser compreendidas quando pusermos nosso olhar de pesquisadores nos dados
de bastidores da realidade, nas causas estruturais que lhes emprestam sustenta��o e base, que se consubstanciam nos dados da hist�ria e na lenta e �rdua constru��o
social dos conceitos, institui��es e pr�ticas.
CAP�TULO I - ELEMENTOS HIST�RICOS E SOCIAIS PARA COMPREENDER A SEXUALIDADE E A DESCOBERTA PSICO-PEDAG�GICA DA INF�NCIA.
"Querer bem a um filho n�o significa obrig�-lo a viver com nossas verdades. Querer bem a um filho significa ajud�-lo a crescer, ajud�-lo a crescer sem nossas
mentiras."
Dante Ramon Ledesma
O estudo que propomos realizar quer primordialmente sensibilizar pais e educadores sobre a beleza, naturalidade, originalidade e grandeza da condi��o infantil
e sua multiplicidade de significados. Longe de inserir-se no processo de produ��o social e econ�mico, a crian�a, em nossa tradi��o familiar e institucional escolar,
bem como na sociedade e cultura como um todo, permanece uma inc�gnita, uma grande indaga��o, um desafio e um enigma para nossas pobres convic��es e potencialidades
cr�ticas e reflexivas. Notadamente n�o somos tribut�rios de uma cultura que valorize a crian�a em suas express�es e propriedades.
� certo que n�o queremos cair no simplismo ou na casu�stica dos fatos, mas at� o mais inusitado senso comum revela este deslocamento que o adulto faz com rela��o
� crian�a e seu mundo pr�prio. N�o temos desenvolvido uma conceitua��o �ticopedag�gica que revele a crian�a em suas habilidades, peculiaridades e marcas distintas.
A l�gica que pesa sobre as manifesta��es da identidade infantil s�o as mesmas que prevalecem no duro e competitivo mundo do trabalho e da disputa material pela sobreviv�ncia.
A l�gica da disciplina e do trabalho contrasta com a gratuidade e a espontaneidade com que a inf�ncia manifesta-se no mundo da cultura, forjando ferrenho enfrentamento
com as condi��es dadas e prontas do espectro social e seus tent�culos institucionais que radicam-se na fam�lia atingindo a escola e todas as demais esferas do corpo
social. A aquisi��o da linguagem, a imposi��o dos pap�is sexuais, a cristaliza��o dos comportamentos disciplinares e capacidade de produ��o s�o os principais elementos
do "ethos" educacional que constru�mos e continuamente reproduzimos. Retrato desta realidade � a curiosa e freq�ente indaga��o que fazemos �s nossas crian�as : "
O que voc� vai ser quando crescer ? "
Parece-nos que n�o h� identidade no ser infantil, que a crian�a s� alcan�ar� o estatuto de ser, nesta l�gica, ao definir a t�o reclamada identidade profissional,
porque esta � a resposta esperada, no mundo do trabalho e da produ��o. Esta tem sido a forma tradicional de compreender e tratar, em nossa cultura, a crian�a e seu
mundo. Reducionismos estanques e delimita��es de import�ncia e valoriza��o a partir de sua identifica��o com o mundo adulto marcam a trajet�ria da crian�a e as dificuldades
em circunscrever suas identidades pr�prias, capacidades e potencialidades. Isto requer de todos os que assumem responsabilidades institucionais, afetivas, sociais
e pedag�gicas, que preocupem-se em apurar sua sensibilidade para compreender a crian�a e seu tempo, a inf�ncia, em novas coordenadas antropol�gicas e educacionais.
A inf�ncia, em sua singularidade, acontece independentemente do reconhecimento que se possa ter de suas dimens�es. � a parte da vida em que se d�o as primeiras
cogni��es do mundo e das rela��es que, a partir do ambiente e do sujeito, possam acontecer. Entendemos ser esta a caracter�stica mais particular desta fase de nossas
vidas. Hoje sabemos que a partir das rela��es estabelecidas com o mundo no per�odo da inf�ncia depender�o, em grande parte, as muitas outras que acontecer�o em etapas
posteriores da vida de cada um de n�s.
A alegria e o deslumbramento observados na crian�a s�o pr�prios das emo��es de suas descobertas. Por isso � essencial que n�o a privemos da possibilidade de experiencia��o
plena de viver as suas pr�prias conquistas, apesar das dificuldades reais ou imagin�rias que possam surgir. Vencer as dificuldades por si s� gera na crian�a o orgulho
e a seguran�a de que � poss�vel continuar a buscar novos conhecimentos. Portanto, sujar-se, chorar, sentir dor, machucar-se e at� frustrar-se por n�o conseguir algo,
s�o acontecimentos importantes que a partir da inf�ncia contribuir�o para a constru��o de um adulto capaz de encaminhar seus pr�prios conflitos e de buscar suas
realiza��es. N�o basta que tenhamos afei��o pela crian�a, � preciso respeitar sua inf�ncia.
A inf�ncia � o espa�o das descobertas e de necessidades tantas que comprometem o adulto a participar da satisfa��o destas como colaborador sens�vel do desenvolvimento
deste novo ser. A crian�a � um "ser em cria��o", um ser que come�ou seu desenvolvimento, e n�o um ser j� completo ou acabado do qual possa e deva ser exigido complei��es
de suposta perfei��o. E, talvez, mais ainda que o adolescente e o adulto, seja a crian�a o sinal forte de evolu��o e o maior signo de novas possibilidades humanas.
A crian�a � a pr�pria significa��o de criar, combinar e recombinar estas possibilidades de humaniza��o. � poss�vel que a grande dificuldade encontrada por este ser
em seu desenvolvimento seja a luta por um espa�o no mundo, notadamente o mundo adulto em que vive. � comum percebermos adultos exigindo das crian�as um comportamento
que reflita supostas maturidades e seguran�as, muitas vezes exigindo destas o que os pr�prios adultos ainda n�o alcan�aram. N�o estamos querendo, manique�stamente,
acusar o adulto e seu mundo constituido, culpabilizando-o de pr�ticas de repress�o e perversidade; ao contr�rio, um dos nossos objetivos mais prementes e claros,
neste livro, � mostrar que este comportamento foi historicamente constru�do, portanto capaz de ser igualmente mudado.
Ainda estamos re-significando nosso entendimento a respeito da crian�a. Por isso � importante que tenhamos consci�ncia de que podemos imprimir um sentido de
desenvolvimento e aperfei�oamento em nossa rela��o com esta. A crian�a representa a inova��o do ser e se estiver em conformidade com a inf�ncia, poder� representar
a pr�pria renova��o da humanidade. Uma vez que o desenvolvimento do homem � processual e cont�nuo, entenderemos melhor esta continuidade � medida que relembrarmos
e valorizarmos a crian�a que fomos, com as dificuldades e facilidades que vivenciamos. Ent�o, aprender a crian�a e respeit�-la � uma das mais aut�nticas demonstra��es
de civilidade.
1. CONCEITO DE INF�NCIA NA CULTURA E PEDAGOGIA : DA LIBERDADE MEDIEVAL AOS CONTROLES INSTITUCIONAIS MODERNOS.
Procuraremos, nesta parte inicial do presente trabalho, apresentar alguns n�cleos reflexivos sobre a tem�tica da Crian�a, recentemente publicados nos estudos
hist�ricos de Educa��o e �reas correlatas , sobre a descoberta pedag�gica e os conceitos dominantes sobre inf�ncia e seus desdobramentos institucionais, familiares
e escolares.
Na reflex�o hist�rica e pedag�gica sobre a inf�ncia pesquisamos fundamentalmente o texto de PHILIPPE ARI�S (1981) (1) "Hist�ria Social da Crian�a e da Fam�lia".
Ali pudemos ver que a concep��o de inf�ncia sempre foi ligada aos modelos de sociedade, e que n�o houve sempre uma brutal ruptura entre o mundo adulto e o mundo
reservado � crian�a. Em diferentes per�odos hist�ricos e em controversas formas de organizar a vida econ�mica e social prevaleceram distintas concep��es sobre o
mundo infantil. Desta concep��o dominante em cada �poca, com suas matizes pol�ticas e pedag�gicas, decorria uma pr�tica social, institucional, familiar e escolar.
O que nos permite dizer que as concep��es atuais da crian�a, suas caracter�sticas e seu mundo, s�o frutos de movimentos conceituais, filos�ficos e pedag�gicos, que
tornaram-se hegem�nicos em nossas formas de viver e pensar.
Na Idade M�dia, por exemplo, a partir dos relatos de ARI�S,P (1981) , os autores empregam sobre inf�ncia e crian�a uma terminologia puramente verbal: inf�ncia
e puerilidade, o mundo da puer�cia, pueri aetate era distinto da "primeira inf�ncia", contrastando-se com os quadros e etapas da juventude e adolesc�ncia,
velhice e senilidade. Estes esquemas de defini��o cronol�gica e suas manifesta��es t�picas eram chamados de "idades da vida". A idade da vida , durante alguns per�odos
da Alta Idade M�dia, era definida por uma liga��o aos 12 signos do zod�aco relacionando assim as idades da vida com um dos temas mais populares da �poca. No S�culo
IX a vida era dividida em etapas bem delimitadas correspondendo a tipologias idiossincr�ticas peculiares que agregavam os modos de atividade, tipos f�sicos, as fun��es
e modos de vestir de cada per�odo. N�o prevalecia uma estreita defini��o biol�gica, mas acentuava-se a caracteriza��o das fun��es sociais vivenciadas na sociedade
medieval.
A tipologia mais comum, que permaneceu intocada no per�odo que vai do s�culo XVI ao s�culo XVIII, propondo diferencia��es s�cio-culturais, mant�m as meras express�es
que pareciam designar somente a separa��o entre pequenas crian�as e adolescentes, notadamente. Ainda nesta �poca o adolescente era considerado uma crian�a, sendo
somente no s�culo XVIII redescoberto e valorizado como um tempo pr�prio, onde todos gostariam de chegar e esperavam demorar em passar por esta idade, pois a idade
dos velhos, senes aetate, confusamente mesclada ao mundo dos adultos, era marcada por desmesurado desprezo, sendo esta �poca medieval considerada como centrada no
tempo dos jovens, iuvene aetate ou iuvenilia.
ARI�S (1981) identifica, em termos gerais, os dois sentimentos de inf�ncia de que temos falado at� aqui. Chega a classificar estes sentimentos sociais representados
em duas
vertentes : aquela marcada pela "paparica��o" que limitava-se � idade bem tenra da crian�a, ou seja, um curto per�odo da inf�ncia. O outro, mais efetivo que era
a tomada de consci�ncia e da fraqueza da inf�ncia que levou os adultos a preservarem o primeiro sentimento e fortalecerem o segundo. ARI�S avalia que foi importante
neste sentido a colabora��o dos legistas, padres e moralistas, e que, sem eles, a inf�ncia talvez ainda n�o tivesse ultrapassado os limites do seu sentido c�mico,
belo e gentil.
Para os estudos da hist�ria da crian�a tomaremos como ponto de partida a sociedade medieval onde o sentimento de inf�ncia n�o existia. Mas isso n�o significa
que as crian�as n�o eram importantes ou que eram relegadas a �ltimo plano pelas fam�lias. Falta de sentimento de inf�ncia n�o quer dizer falta de afei��o. Quer significar
sim, a falta de consci�ncia da situa��o infantil e , por identifica��o remota, da juventude e do jovem em particular.
Nos s�culos anteriores, marcadamente os s�culos XII e XIII, n�o se afirmava, na iconografia da �poca, a representa��o positiva da id�ia de um "ser crian�a".
At� mesmo as est�tuas eram ornamentadas com o corpo de adultos, somente a iconografia profana reserva inscri��es sobre as "idades da vida" destacando a crian�a.
ARI�S afirma:
"Mas foi sobretudo no s�culo XIV que esta iconografia fixou seus tra�os essenciais, que permaneceram quase inalterados at� o s�culo XVIII;( ...) primeiro, a idade
dos brinquedos: as crian�as brincam com um cavalo de pau, uma boneca, um pequeno moinho ou p�ssaros amarrados. Depois, a idade da escola: os meninos aprendem a ler
ou seguram um livro e um estojo; as
meninas aprendem a fiar. "1
Somente por volta do s�culo XIII surgiram os �cones de simboliza��o peculiar de alguns tipos de crian�as um pouco mais pr�ximo do sentido moderno; o primeiro
tipo de representa��o era notadamente religioso, onde as crian�as eram concebidas como um anjo com apar�ncia de rapaz, o que tempos depois manteve-se como modelo
na iconografia religiosa de representa��o do Menino Jesus ou Nossa Senhora Menina; dando lugar a outro modelo, que apareceu na fase g�tica, a crian�a nua.
Na fase g�tica a crian�a j� aparece nua nas telas, por�m assexuada. Um dado curioso � que em telas de retrato de fam�lia onde apareciam as figuras do pai e
m�e , juntamente com seus filhos, as crian�as que j� haviam morrido tamb�m eram representadas no retrato, por�m em tamanho bem reduzido em rela��o aos demais. A
arte italiana contribuiu bastante com a representa��o da imagem da crian�a. Podemos dizer que a hist�ria da arte em geral colaborou bastante para com os estudos
contempor�neos da inf�ncia, resgatando a hist�ria da crian�a atrav�s da iconografia.
Estas representa��es vinculavam ao tipo da crian�a uma identidade de pureza angelical e identifica��o com a alma, sempre infantilmente significada, ao ponto
de acreditar-se que o moribundo exalava uma crian�a pela boca numa representa��o simb�lica da partida da alma, como na concep��o uma crian�a nua, que vinda pelos
ares, penetraria pela boca da mulher. A crian�a passou a ser valorizada surgindo retratos e pinturas considerando a diferencia��o entre as que estavam vivas e as
que estavam mortas. Passou a ser considerada como detentora de sentimentos, j� que o �ndice de mortalidade era alto e, de uma certa forma, as crian�as n�o tinham
nenhuma import�ncia social proeminente, o
que explicaria o cuidado emergente em preocupa��es com higiene e vacina��o que come�am a aparecer t�o somente nestes s�culos finais da Idade M�dia, revelando uma
mudan�a lenta na indiferen�a anterior para com a mesma.
No S�culo XVII, destacam-se nos estudos de ARIES a percep��o do surgimento de novos conceitos sobre a crian�a a partir de seus trajes. 0 traje era bem
definido para as idades infantis, onde a crian�a bem pequena usava vestido sem guias (esp�cie de al�a que funcionava como "r�deas") e depois, com o avan�o da idade,
passava a vestir-se com vestimentas que continham as ditas guias, ap�s esta etapa eram vestidos com adere�os que continham gola, quer nos vestidos curtos e compridos
que marcavam as varia��es entre meninos e meninas. Ocorria somente entre os meninos a diferencia��o de trajes. Al�m do que os meninos possu�am duas fitas largas
presas ao vestido atr�s dos ombros, vestido aberto na frente e preso por bot�es, observando com isso na origem do traje infantil havia um "arca�smo a sobreviv�ncia
da t�nica longa."(2)
Assim partindo do s�culo XIV em que a crian�a se vestia como os adultos, chegando ao traje especializado da inf�ncia que hoje nos � familiar, conservavam o
antigo modo de vida que n�o separava as crian�as dos adultos, nem atrav�s do traje, nem do trabalho, nem dos jogos e brincadeiras. No s�culo XVIII, aos 07 anos era
geralmente a data fixada pela literatura moralista e pedag�gica deste s�culo para a crian�a entrar na escola ou come�ar a trabalhar, exig�ncias feitas tanto � menina
quanto ao menino. As brincadeiras revelam que n�o havia separa��o entre as meninas e meninos e que podiam usufruir de todas as formas de brinquedos, brincavam todos
de boneca, balan�o, marionetes e outros jogos, n�o havia discrimina��o moderna entre meninos e meninas, ambos usavam o mesmo traje, o mesmo vestido, tinham as mesmas
orienta��es l�dicas e institucionais. A inf�ncia tornava-se o reposit�rio dos costumes abandonados pelos adultos, isto �, era um per�odo saudado como "feliz", que
mereceria toda a preserva��o dos adultos que n�o podiam mais partilhar dele.
A crian�a nua ou putto, no dizer de ARIES, surge representada somente a partir do s�culo XVI, como uma "revivesc�ncia do Eros Helen�stico",(2) segundo sua express�o.
N�o havia restri��es sobre as informa��es e exposi��o familiar ou social do seu sexo e os adultos brincavam com a identidade genital das crian�as sem reservas. Os
adultos divertiam-se com brincadeiras referindo-se �s identidades sexuais das crian�as e aos cinco anos lhes eram explicado como os beb�s eram concebidos.
Ao contr�rio da posi��o aberta e sem censuras entre o mundo adulto e infantil e a pr�tica tolerante da exposi��o genital das crian�as , a partir do fim do S�culo
XVI, fundamentada nos textos de GERSON(3), que representa a tradi��o repressora que tomava corpo desde o s�culo XV, difundia-se uma concep��o que passou a isolar
as crian�as que dormiam juntas, controlando e impedindo os pais desta conviv�ncia; estes j� n�o podiam beijar as crian�as e nem uma crian�a tocar a outra, mantendo
a id�ia de que a crian�a vivia sob o estigma do pecado, que passa a ser associado ao mundo infantil em decorr�ncia da "natureza m�" atribu�da � crian�a e ao pr�prio
homem, na doutrina deste moralista cat�lico. Quanto ao comportamento infantil, entendido na perspectiva moral do s�c. XV, tivemos este curioso registro de um estudioso
pioneiro da inf�ncia e de suas pr�ticas sexuais. Estamos nos referindo a GERSON que estudou o comportamento de crian�as de 10 a 12 anos de idade, com o objetivo
de ajudar os confessores a despertarem em seus penitentes um sentimento
de culpa por seus delitos. Em seus estudos sobre a crian�a do s�c. XV, GERSON constatou que a masturba��o e a ere��o sem ejacula��o eram pr�prios das crian�as at�
mais ou menos 12 anos de idade. Para GERSON a masturba��o tirava a virgindade da crian�a e era uma falha de comportamento que deveria ser confessada para ser punida.
Nos estudos de ARI�S (1981) encontramos destaque para as seguintes id�ias de GERSON sobre a educa��o das crian�as:
"Dever-se-� falar-lhes sobriamente utilizando apenas palavras castas. Dever-se-� evitar que as crian�as se beijem, se toquem com as m�os com as m�os nuas ou se olhem
durante as brincadeiras figerem oculi in lorum decore. Dever-se-� evitar a promiscuidade entre pequenos e grandes, ao menos na cama: os pueri capaces dali, puellae,
juvenes, n�o devem dormir na mesma cama com pessoas mais velhas, mesmo que sejam do mesmo sexo". E mais (..)."a crian�a n�o deve deixar que outros a toquem ou beijem,
e, se o fizer deve sempre se confessar (..)".(3)
A literatura moral e pedag�gica do s�culo XVII muitas vezes cita tamb�m trechos do Evangelho em que Jesus faz alus�o �s crian�as, tendo a cerim�nia da Primeira
Comunh�o tornado se manifesta��o de maior sentimento religioso expressivo da inf�ncia entre o S�culo XVII e o fim do S�culo XIX.
N�o existia a consci�ncia da particularidade infantil no sentimento da inf�ncia, este fato come�ou a mudar com a preocupa��o em rela��o ao vestu�rio das crian�as;
estas tornam-se fonte de relaxamento e distra��o para o adulto, ocorrendo ainda a preocupa��o com as boas maneiras e com a educa��o social. A partir disso tudo a
crian�a passa a ser vista de outra forma.
Desde o s�culo XIII os col�gios eram asilos, fundados por doadores, para estudantes pobres. Os bolsistas e recolhidos viviam em comunidade, segundo estatutos
que inspiravam-se em regras Mon�sticas. O col�gio tornou-se uma institui��o essencial da sociedade. A educa��o das crian�as, tema inaugurado neste per�odo, passou
a ser respons�vel pelas novas concep��es destas e tamb�m tornou-se a causa de muitas novas preocupa��es disciplinares e pedag�gicas. Esta pr�tica come�ou a dividir
a popula��o escolar em grupos de uma suposta mesma capacidade �taria, que eram selecionados e colocados sob a dire��o de um mesmo mestre. Esse processo correspondeu
a uma necessidade ainda nova de adaptar o ensino do mestre ao n�vel do aluno. As escolas foram concebidas de maneira nova, segregando meninas e meninos, institucionalmente
separadas, isolando as crian�as novas das velhas, os ricos dos pobres; isso fez com que resultasse uma nova rela��o social e institucional, nestes espa�os.
Entre o fim da Idade M�dia e os S�culos XVI e XVII houve uma radical mudan�a na pedagogia familiar e social, a crian�a havia conquistado um lugar junto a seus
pais, lugar este que n�o poderia ter ocupado no tempo em que o costume mandava que fosse confiado a estranhos. A crian�a tornou-se um elemento indispens�vel da vida
cotidiana, al�m do que a vida familiar se estendeu a quase toda a sociedade, marcada por in�meras festas e diversificados la�os de congra�amento. ARI�S, todavia,
n�o deixa de registrar que o sentimento da inf�ncia n�o fora assumido de maneira igualit�ria entre a identifica��o de meninos e meninas. Afirma
"O sentimento de inf�ncia beneficiou primeiro meninos, enquanto as meninas persistiram por mais tempo no modo de vida tradicional que as confundia com os adultos:
seremos levados a observar mais de uma vez esse atraso das mulheres em adotar as formas vis�veis da civiliza��o moderna, essencialmente masculina." (4)
O movimento de ascens�o da escola e da fam�lia retraiu os jogos e festas sociais. A fam�lia tornou-se uma sociedade fechada onde seus membros gostam de permanecer,
e que � evocada com prazer e se estendeu � medida que a sociabilidade se retraiu, o que leva a crer que o sentimento da fam�lia e a sociabilidade n�o eram compat�veis.
A partir do fim do S�culo XVI, a escola toma o lugar do aprendizado como meio de educa��o. No S�culo XVII multiplicam-se as escolas para meninos e meninas,
a educa��o � uma prova da nova import�ncia conferida � crian�a. BADINTER (1985) se fundamenta em ARI�S (1981) ao dizer que o desejo de educa��o e instru��o � sinal
de interesse pela crian�a. � verdade que a burguesia considera o saber como um meio de promo��o social, mas n�o compartilhamos que tenha havido uma mudan�a institucional
t�o ison�mica.
A fam�lia assumiu uma fun��o moral e espiritual, onde os pais deveriam preparar todos os filhos para a vida - meninos ou meninas; a escola tornou-se cada vez
mais disciplinar e rigorosa, as escolas de caridade eram freq�entadas pelas crian�as ricas, com o tempo as fam�lias burguesas n�o aceitaram mais este ecletismo social,
reagindo contra a miscigena��o de crian�as pobres e aristocratas, isso fez com que o sistema de ensino prim�rio se tornasse popular. 0 que era anteriormente, no
auge da Idade M�dia, representado como um dado natural, ricos e pobres viverem em comunidade, passou a ter uma justaposi��o de desigualdade, onde a nova sociedade
burguesa e classista se isola, formando-se novos meios de separar e dividir geograficamente os ricos e pobres, onde cada qual seja segregado em seu suposto espa�o
"natural".
As representa��es da "M�e" e do "Pai", figuras estruturais da fam�lia, seguem este modelo e din�mica de segrega��o e divis�o de poder. O pai � figura-chave
da ordem medieval. Seu poder � representado pela identifica��o com a autoridade divina e suas ra�zes podem ser encontradas no "p�trio poder", desde a Roma Antiga.
Todas essas disposi��es evidenciam a aten��o dada � autoridade paterna. Vital para a manuten��o de uma sociedade hierarquizada, em que a obedi�ncia era a primeira
virtude, o poder paterno deveria ser mantido a qualquer pre�o. N�o se pode afirmar que houvesse uma valoriza��o igualit�ria da figura da m�e e mesmo que fosse destacada
a fun��o da maternidade. Entendemos, como ARI�S, que o sentimento de inf�ncia e a maternidade como identidade "natural" da Mulher s�o temas da Modernidade, particularmente
desenvolvidos pela s�ntese de J.J. ROUSSEAU. A aus�ncia do amor como valor familiar e social s� aparece e toma corpo institucional no per�odo de nossa hist�ria que
antecede � metade do S�culo XVIII. N�o se trata por�m de negar a exist�ncia do amor antes de determinada �poca, o que seria absurdo. Mas � preciso admitir que esse
sentimento n�o tinha a posi��o nem a import�ncia que hoje lhe s�o conferidas; associando o amor � id�ia de passividade, de enfraquecimento e efemeridade e n�o �
id�ia de compreens�o do outro. No lugar da ternura, � o medo que dominava todas as rela��es familiares .
Compreender a crian�a e a imagem que dela fazia a sociedade como um todo, sua condi��o como crian�a antes de 1760, eis o que o estudo de PHILIPPE ARI�S (1981)
nos proporcionou. Mostrou que foi necess�rio uma longa evolu��o para o sentimento da inf�ncia realmente se arraigasse nas mentalidades; concluindo assim que a partir
do in�cio do S�culo XVII, os adultos modificam sua concep��o da inf�ncia e lhe concedem uma aten��o nova, que n�o lhe manifestavam antes. Essa aten��o dada � crian�a
n�o significa que lhe recome�a um lugar t�o privilegiado na fam�lia que fa�a dela seu centro.
ARI�S tamb�m teve o cuidado de observar que a fam�lia do S�culo XVII, embora diferente da medieval, ainda n�o � o que ele chama de fam�lia moderna, caracterizada
pela ternura. Assim ROUSSEAU, com a publica��o do cl�ssico Emilio em 1762, escreveu o tratado pedag�gico que caracterizou as novas id�ias sobre a crian�a e sua educa��o,
dando um verdadeiro impulso inicial � fam�lia moderna, isto �, a fam�lia fundada no amor materno; que assume, como tema, a refer�ncia da nova ordem familiar.
Se formos buscar as ra�zes do sentimento de nega��o da crian�a e conseq�ente avers�o aos seus modos, buscando compreender o alcance destas concep��es e sua matriz,
teremos que recuar at� SANTO AGOSTINHO. Uma de suas principais e mais contundentes afirma��es diz:
"( ..) a inf�ncia � o mais forte testemunho de uma condena��o lan�ada contra a totalidade dos homens, pois ela evidencia como a natureza humana corrompida se precipita
para o mal". (5)
ARI�S afirma que n�o havia nenhum sentimento da especificidade da inf�ncia at� o s�culo XVIII. Este autor, todavia, n�o afirma que o aperecimento do sentimento
de inf�ncia seja a constata��o de uma afei��o ou desafeto pela crian�a. Ao contr�rio, afirma que sua tese de que a modernidade "descobre" a inf�ncia e a crian�a
reside na constata��o de seu surgimento como uma tem�tica espec�fica, pedag�gica e social. Podemos dizer que n�o havia um sentimento espec�fico mas j� havia muitas
institui��es e mecanismos morais e preconceitos, como o pensamento de SANTO AGOSTINHO retrata. Este te�logo e fil�sofo do Cristianismo medieval, de larga influ�ncia
na Teologia Cat�lica dos s�culos V e seguintes, consagra, sobre a inf�ncia e a sexualidade, de maneira particular, uma concep��o negativista e absente�sta.
Segundo BOSSUET - "A inf�ncia � a vida de um animal" e FRANCISCO DE SALES diz: "n�o s� em nosso nascimento, mas ainda durante nossa inf�ncia, somos como animais
de raz�o, de palavras e de discernimento". A compara��o entre o mundo animal e a condi��o infantil � freq�ente entre os te�logos e pedagogos da Antig�idade e Idade
M�dia. PORT ROYAL recomenda que se isole a crian�a pequena e que se desconfie de sua espontaneidade. DESCARTES,R., no s�culo XVII, afirma
"a inf�ncia � antes de mais nada fraqueza do esp�rito, per�odo da vida em que a faculdade de conhecer, o entendimento, est� sob a total depend�ncia do corpo"(4).
A crian�a n�o tem outro pensamento sen�o as impress�es suscitadas pelo corpo, segundo os doutores e pedagogos na cristandade nascente. Os te�logos misturam
seus conceitos doutrin�rios com pressupostos psicol�gicos e morais. A imagem da crian�a e da inf�ncia surge como um amontoado de impress�es negativistas, conectado
pelo reino das sensa��es e pecados.
Confus�es e fantasias marcam a configura��o da crian�a na Teologia e Pedagogia Crist�. Para estes, o feto j� pensa, mas esse pensamento n�o passa de um am�lgama
de id�ias confusas. Desprovida de discernimento e de cr�tica, a alma infantil se deixa guiar pelas sensa��es de prazer e de dor: est� condenada ao erro perp�tuo.
� preciso, portanto, livrar-se da inf�ncia como um mal. 0 fato de todo homem ter sido antes necessariamente crian�a � que constitui a causa de seus erros. A crian�a
n�o s� � desprovida de discernimento, n�o s� � dirigida pelas sensa��es como, al�m disso, � banhada pela atmosfera abomin�vel das falsas opini�es.
Os educadores e pregadores crist�os desencadeiam um duro combate ao conceito de crian�a e de inf�ncia : � preciso nada menos do que toda uma vida para eliminar
esses maus h�bitos. Os autores medievais e os modernos, antes de ROUSSEAU, consolidam um conjunto de teses e representa��es negativistas sobre a natureza humana
e a inf�ncia em particular. Em sua maioria, os homens est�o condenados, pela falta de car�ter e de intelig�ncia, a permanecer presos � sua inf�ncia. Que ascese n�o
foi necess�ria ao pr�prio DESCARTES, quantas ang�stias n�o teve de enfrentar para livrar-se de seus maus h�bitos e de sua inf�ncia! A maioria dos homens, por�m,
est� sujeita � fraqueza de sua vontade. Ora, a cada momento de desaten��o, o homem est� amea�ado de recair na ilus�o e na confian�a espont�nea concedida �s apar�ncias
sens�veis.
Durante muito tempo, o primeiro sinal da rejei��o do filho estava na recusa materna em dar-lhe o seio, sobretudo numa �poca em que esse gesto significava uma
possibilidade muito maior de sobreviv�ncia para a crian�a. BADINTER ( 1985) afirma que o costume institucionalizado de recusar a amamenta��o, at� por conceb�-la
como uma atitude desumana, representada como pr�pria dos animais, portanto, instintiva, fundamenta uma das mais
negativas concep��es sobre a crian�a e a maternidade.
No S�culo XVIII o envio das crian�as para a casa de amas se estende por todas as camadas da sociedade urbana. Dos mais pobres aos mais ricos, nas pequenas
ou grandes cidades, a entrega dos filhos aos exclusivos cuidados de uma ama � um fen�meno generalizado. O leque social das crian�as entregues a amas abria-se muito,
indo da burguesia �s classes populares, do conselheiro da corte aos trabalhadores. Apenas a nobreza e a alta burguesia quase n�o estavam representadas, pois essas
fam�lias preferiam o sistema de contratar amas de leite � domic�lio. Mas a literatura especializada e a historiografia dispon�vel aponta para o costume generalizado
de apartarem as crian�as de suas m�es, nos s�culos de emerg�ncia da Modernidade.
Assim para os casais mais pobres da sociedade, o filho chega a ser uma amea�a a pr�pria sobreviv�ncia dos pais. N�o lhes resta, portanto, outra escolha sen�o
livrarem-se dele. Seja abandonando-o num orfanato, o que n�o lhe d� grandes possibilidades de sobreviv�ncia, seja entregando-o � ama menos exigente poss�vel, o que
tamb�m n�o lhe aumenta muito a probabilidade de viver. As altas taxas de mortalidades destas �pocas evocam o abandono e a situa��o de desamparo reservada �s crian�as
neste per�odo, fruto da ignor�ncia e supersti��o.
A crian�a ficava aos cuidados das amas, quer domiciliares quer aquelas que acolhiam as crian�as em suas improvisadas casas, geralmente na periferia dos n�cleos
urbanos, em condi��es altamente prec�rias. Recebiam ali uma atendimento higi�nico e alimentar esdr�xulo, os cuidados eram desumanos, os pais se desinteressavam com
a sorte dos seus filhos distantes. 0 desinteresse n�o � apan�gio exclusivo dos desamparados mostrando que esse desinteresse pela crian�a atingia todas as classes
da sociedade. A verdade � que quando a crian�a voltava ao lar paterno, estava freq�entemente estropiada, malformado, raqu�tica, at� mesmo gravemente doente. Com
a lenta difus�o do costume de amamentar as crian�as pelas pr�prias m�es, rupturas e descompassos passam a existir entre a fam�lia e as institui��es escolares e assistenciais
vigentes.
Em s�ntese, as crian�as que as m�es conservam e amamentam morrem duas vezes menos do que aquelas que ela pr�pria entrega a uma ama de leite, mostrando tamb�m
que a morte n�o est� reservada �s crian�as pobres. Podemos concluir que a escolariza��o da inf�ncia corresponde a um novo padr�o de tratamento institucional e que
seus motivos s�o de ordem econ�mica e social.
A longa an�lise hist�rica que empreendemos nos permite concluir que o amor materno n�o constitui um sentimento inerente � condi��o de mulher, ele n�o � um determinante
inatista, mas algo que se adquire, que � socialmente constru�do e refor�ado. Dessa maneira, como todos os sentimentos humanos, ele vai de acordo com as flutua��es
s�cio-econ�micas da hist�ria. 0 amor materno n�o � um sentimento nato, ele n�o faz parte intr�nseca da natureza feminina: � um sentimento que se desenvolve ao ritmo
e exig�ncia das varia��es s�cio-econ�micas da hist�ria, e pode existir, ou n�o, dependendo da �poca e das circunst�ncias materiais em que vivem as m�es. Assim, como
todos os sentimentos humanos, o amor materno pode ser incerto, fr�gil e imperfeito, sendo marcado pelas mesmas contradi��es que evocam todos os demais sentimentos
e identidades de todos os homens.
Buscamos identificar as matrizes que conformam os s�mbolos e valores de cada �poca. A pergunta que permaneceu calada em nossa investiga��o � a de buscar saber,
tal como se deu na concep��o da inf�ncia em cada �poca, os sentimentos
e qualidades atribu�dos � inf�ncia, de modo a revelar a forma de viver, pensar e organizar a sociedade e suas institui��es. Disto decorre que a concep��o de inf�ncia
que temos resulta de um longo processo cultural e institucional. A sua investiga��o nos permite desvendar os modelos de domina��o e poder que est�o na base da sociedade.
Vimos caminhando pelo terreno da hist�ria e da constru��o social dos conceitos. Constatamos que o ideal moralizador de GERSON foi revolucion�rio e avan�ado
para a �poca uma vez que at� ent�o, nenhuma outra pessoas formulara id�ias t�o fortes e r�gidas quanto � normatiza��o do comportamento infantil. Esta perspectiva
moralizadora e restritiva teve influ�ncias em toda a doutrina crist� do fim do s�c. XVII.
A partir do final do s�c. XVI a inf�ncia adquirira uma significa��o de estado de fraqueza e inoc�ncia associados ao reflexo da pureza divina, o que colocava
a educa��o na situa��o de primeira obriga��o humana. As fam�lias come�avam a preocupar-se com a forma��o de seus filhos. Esta nova significa��o da inf�ncia difere
da fase anterior ao s�c. XVI, onde a inf�ncia era quase ignorada e considerada um per�odo de transi��o curto e sem import�ncia.
Apesar das id�ias de GERSON sobre o s�culo XV, a crian�a europ�ia do s�c. XVI e in�cio do s�c. XVII vivia com muita express�o e gra�a a sua sexualidade, porque
tamb�m era tratada desta forma gratificante e afirmativa pelos adultos. Vimos que era comum os pais exibirem os �rg�os genitais de seus filhos � parentes, �s visitas
que recebiam em suas casas e aos pr�prios vizinhos. As brincadeiras de tocar os corpos das crian�as, inclusive seus �rg�os genitais eram freq�entes e aceitas com
naturalidade.
O costume comum de exibir e brincar com o sexo das crian�as que foi aos poucos perdendo for�a, no ruir da Idade M�dia e limiar da Modernidade, sobretudo na
Inglaterra e na Fran�a, particularmente ap�s a ruptura pol�tica e moral imposta pela era vitoriana, ocorrida na segunda metade do s�culo XVII, continuou como pr�tica
carinhosa nas sociedades mu�ulmanas at� nossos dias. Todos estes quadros mostram-nos a dist�ncia de nossas pr�ticas para com estas institui��es e viv�ncias.
Afirmamos que a postura assumida diante da sexualidade varia muito de acordo com a sociedade, sua cultura, seu contexto hist�rico e ideol�gico. Existem comunidades
de configura��o social e cultural diversa da nossa que guardam diferentes pr�ticas institucionais de inicia��o e informa��o sobre corpo e sexualidade. Alguns dos
remanescentes povos-�ndios brasileiros e tantas sociedades orientais, por exemplo, que em geral encaram de maneira muito menos repressora a sexualidade humana.
Destacamos o fato, amplamente relatado por ARI�S (1981) de que at� os sete anos de idade a crian�a crescia livre de regras morais e de compromissos sociais,
na fam�lia medieval. Com esta idade come�ava a educa��o propriamente dita. At� meados do s�c. XVII os adultos se permitiam tudo diante das crian�as. Palavras grosseiras,
a pr�pria pr�tica de atos sexuais, situa��es de brigas, etc, tudo era visto e assistido pelas crian�as. N�o havia a preocupa��o em "separar" ou "esconder" as coisas
do mundo adulto da realidade da crian�a. Ela fazia parte intr�nseca deste.
As crian�as desta �poca ouviam e viam tudo at� porque a arquitetura at� ent�o n�o permitia privacidade nem para adultos nem para crian�as. As casas do in�cio
do s�culo XVII tinham suas pe�as interdependentes. Eram ao mesmo tempo o centro social das comunidades, uma vez que ainda n�o existiam os "caf�s" e "clubes" p�blicos.
Era comum o h�bito de mobiliarem suas casas com camas enormes e desmont�veis onde toda fam�lia dormia junta por causa do frio e de n�o existir o "quarto do casal",
que s� veio a ser habitual ap�s a reforma moral vitoriana no final do s�c. XVII. Na mesma sala que se recebiam as visitas, dormia-se, ali realizava-se o trabalho
artesanal, etc... Por este motivo as camas e mesas eram desmont�veis e os pertences guardados em ba�s que facilitavam a remo��o.
As vestimentas infantis tamb�m merecem destaque neste momento de se falar da hist�ria da inf�ncia. Se no s�c. XIII as crian�as eram vestidas tal qual os adultos,
usando inclusive perucas e sapatos de salto, com a evolu��o da significa��o desta fase da vida do ser humano, j� no s�c. XV era h�bito vestir as crian�as, particularmente
os meninos e �s vezes tamb�m as meninas, com uns vestid�es largos e compridos, semelhantes a uma batina. Estas batinas eram as primeiras roupas depois dos cueiros.
As meninas quase sempre eram vestidas como mulheres adultas. Se j� havia certa liberdade para as crian�as nesta �poca, com certeza n�o era na maneira de vestir e
movimentar-se. Imaginem crian�as correndo e brincando usando vestidos compridos com babados e rendas. Somente ao final do s�c. XVIII � que o traje das crian�as tornou-se
mais apropriado e permitiu que as crian�as ficassem mais � vontade. Aos quatro ou cinco anos deixavam de usar vestidos com gola, para usarem saiotes mais curtos.
Antes desta idade, pelas vestes, era dif�cil distinguir os meninos das meninas.
Em nossas pesquisas a respeito deste assunto do traje das crian�as, quase todas as refer�ncias eram sobre crian�as de fam�lias abastadas ou da corte. As informa��es
que encontramos sobre o traje de crian�as de fam�lias humildes � que usavam roupas que ganhavam (o que demonstrava algum sentimento) ou que compravam em lojas de
roupas usadas.
Na Fran�a medieval, por exemplo, os trajes eram um patrim�nio importante de cada pessoa, e eram inclu�dos no invent�rio ap�s a morte, no caso dos nobres. Vestir-se
bem na �poca, era como ter um bom carro hoje. Esta pequena evolu��o do traje infantil quer significar tamb�m uma maior aten��o � crian�a neste per�odo.
Para pesquisar a configura��o da inf�ncia da Idade M�dia at� o s�culo XVII os estudiosos enfrentam a grande dificuldade de falta de informa��es registradas
na historiografia oficial. Estas dificuldades nos permitem uma leitura sobre o grau de import�ncia desta fase da vida dos homens neste per�odo da hist�ria. Parece
que n�o era interessante a preocupa��o em registrar algo sobre este "curto per�odo de transi��o". � poss�vel que a import�ncia da inf�ncia estivesse diretamente
ligada a sua dura��o, que por sinal era muito curta.
No per�odo medieval e mantido inconteste at� o s�c. XVII, era muito comum o casamento aos 12,13 ou 19 anos, sendo que as meninas casavam-se mais cedo que os
meninos. Aos 15 anos uma menina que n�o tivesse casado gerava um problema para ela pr�pria e para a fam�lia. Quase sempre o casamento era um trato feito entre os
pais quando as crian�as eram ainda muito pequenas. Depois do casamento j� se cobrava dos esposos, sem d�vidas, todas as atitudes de adulto. Os meninos que optavam
pelo servi�o militar tamb�m ingressavam cedo nesta �rdua carreira, geralmente aos 13 ou 14 anos.
Em geral os adultos n�o se mostravam apegados �s crian�as. Existe um dado importante que n�o justifica o desapego mas talvez possa ajudar a entender este fato.
� que na �poca era muito alta a taxa de mortalidade infantil em toda Europa, o que perdurou at� o final do s�culo XVII por doen�as infectocontagiosas, febres, diarr�ias,
entre outras epidemias... A alta taxa de mortalidade n�o tinha como causa apenas a morte "natural" por doen�as. Entenderemos melhor esta quest�o com estas considera��es
de ARI�S (1981), � respeito do s�culo XVII, comparando duas atitudes e culturas sexuais:
"a vida da crian�a era ent�o considerada com a mesma ambig�idade com que hoje se considera a do feto, com a diferen�a de que o infant�cidio era abafado no sil�ncio,
enquanto o aborto � reivindicado em voz alta - mas esta � toda a diferen�a entre uma civiliza��o de segredo e uma civiliza��o da exibi��o". (6)
Antes do s�c. XVI a crian�a era considerada como um ser d�bil, no sentido de n�o possuir for�a, al�m de ser considerada irracional. Contudo n�o sofria o fluxo
de influ�ncia moral das gera��es mais velhas que n�o preocupavam-se em govern�-las ou em reprimi-Ias. Acreditamos que essas crian�as viviam mais livres, considerando
os limites deste conceito para a �poca. Merece nossa aten��o a extrema prodigalidade do espa�o social para com suas crian�as.
At� o s�c. XVI, como se pode ver em textos e documentos pictogr�ficos, al�m de ilustra��es feitas em telas ou filmes �picos, as crian�as andavam misturadas
com os adultos e com eles participavam de festas bailes, trabalhos e reuni�es, sempre correndo e dando saltos no ambiente supostamente reservado aos neg�cios do
adulto. As crian�as participavam das festas comunit�rias, junto com os adultos, at� ao amanhecer. Nesta fase da hist�ria, os limites entre inf�ncia e adolesc�ncia
eram incertos e mal percebidos; portanto � prov�vel que, quando se fala de crian�as aqui, se quer tamb�m falar de adolescentes.
Ao final do s�c. XVI come�aram a existir algumas festas para crian�as e adolescentes mas estas �ltimas eram muito raras. E foram estas outras que deram origem,
segundo ARI�S (1981), � famosa festa que sobreviveu at� hoje na Am�rica Anglo-Sax�nica com o nome de "Halloween", a festa do dia das bruxas. Nestas festas de adultos,
nas quais todas as crian�as podiam participar, estas aprendiam muito cedo a dan�ar. Em toda a Europa eram comuns as festas e bailes � fantasia. Acredita-se que o
carnaval, que atravessou o oceano e atingiu a �frica, teve origem na Europa desta �poca. Segundo Ari�s (1981).
"Tudo indica que a circuncis�o e a apresenta��o da virgem no templo eram tratadas nos s�culos XVI e XVII como festas infantis, as �nicas festas religiosas da inf�ncia
antes da celebra��o solene da primeira comunh�o". (7)
O sentimento predominante pela inf�ncia , nesta �poca, era de que a crian�a era uma coisa "engra�adinha", uma esp�cie de "ser ex�tico" e angelical. Este sentimento
simb�lico n�o deixava com que percebessem a crian�a como um processo, como um sujeito de uma hist�ria pr�pria em cont�nua forma��o.
A partir do s�c. XVII, com a grande reforma cat�lica na Fran�a e a implanta��o do puritanismo protestante na Inglaterra, juntamente com novas posturas legais
impostas pela rainha Vit�ria, que decodificou a moral da �poca, surgem novas id�ias e conceitos sobre a inf�ncia. No final do s�c. XVII j� se observara o come�o
de uma separa��o entre o mundo da crian�a e o mundo do adulto. Separa��o irrevers�vel que veio crescendo at� o final do s�c. XIX e que est� fazendo parte estrutural,
ainda hoje, dos fundamentos institucionais da sociedade ocidental.
Com as informa��es que apresent�remos a seguir, queremos dar no��es da pouca import�ncia que tinha a crian�a para a sociedade, mesmo no s�culo XVII. De acordo
com estudos de ARI�S, o uso corrente da express�o "jeune enfanf', at� o s�c. XVI, que queria significar jovem crian�a foi quase que totalmente substitu�do pela express�o
"petit enfanf', que queria significar crian�a pequena ou criancinha. Mais tarde, j� se adotaria uma express�o como crian�a pequena para crian�as j� bem ativas e
desenvolvidas. Para as crian�as de poucos meses s� se encontraria termo ou denomina��o comum no s�c. XIX com a palavra "baby' que a l�ngua francesa tomou emprestado
da l�ngua inglesa, e at� os s�culos XVI e XVII significaria crian�a em idade escolar. De l� para c�, com a palavra francesa "b�b�" a criancinha bem pequena recebeu
uma denomina��o comum, o que representou uma grande conquista em termos de identidade, se comparamos com os per�odos anteriores em que n�o existia sequer esta denomina��o
comum.
Parece que at� aqui, pelo menos por hora, j� se tinha resolvido o problema da denomina��o que abriria um ensaio para a separa��o ou classifica��o das fases
da inf�ncia. Ainda restava a adolesc�ncia. At� o final do s�c. XIX, n�o se sabia ainda quais as fronteiras aproximadas entre a inf�ncia e a adolesc�ncia, apesar
de ser claro o que era juventude, que at� essa �poca, significava a "for�a do homem jovem".
Somente com a valiosa contribui��o dos estudos de SIGMUND FREUD ( 1856-1939 ) j� no s�culo XIX, e suas consequentes implica��es na Pedagogia e Psicologia do
S�culo XX, � que a adolesc�ncia pode mais efetivamente se definir entre o sentimento da inf�ncia e a suposta maturidade do adulto. E foi assim que a adolesc�ncia
passou a ser a idade mais observada, analisada, aquela considerada mais preocupante pelos pais e educadores, a idade mais controvertida, odiada e amada do s�c. XX,
onde a crian�a quer logo se tornar adolescente e o adulto, de maneira geral, deseja continuar adolescente.
2. PEQUENAS HIST�RIAS DOS BRINQUEDOS E BRINCADEIRAS DE CRIAN�A.
Afirmamos que o mundo do trabalho s� atingiu o valor fundamental que tem hoje em nossa sociedade por obra do capitalismo, desde h� um s�culo ou pouco mais.
Na sociedade medieval, da qual estamos tratando at� aqui, os homens dedicavam ao trabalho muito menos tempo do que dedicam hoje e tamb�m n�o concebiam o trabalho
como algo que "dignifica" o homem. A sociedade era fundada nas rela��es de servid�o e vassalagem. A terra era a riqueza e garantia de poder, mas as for�as produtivas
e as t�cnicas de produ��o eram muito pouco desenvolvidas, permanecendo por muito tempo extremamente rudimentares, deixando o homem muito mais dependente das condi��es
da natureza do que imaginamos. Por esse motivo, entre outras causas econ�mico-sociais, tinham mais tempo para se dedicarem a jogos e competi��es , principalmente
os homens de linhagem nobre.
Nos s�culos XVII e XVIII, j� na prepara��o para o s�culo XIX, que seria o s�culo que ARI�S assinala como o s�culo da inf�ncia, pela sua nova significa��o, a
sociedade estruturou e reestruturou alguns jogos e brincadeiras que at� hoje ainda conservamos.
Os brinquedos mais comuns, que serviam � primeira inf�ncia, eram predominantemente bonecos; meninos e meninas brincavam com bonecas, sem problemas de identifica��o
r�gida com os pap�is sexuais ou algum tipo de preconceito. Miniaturas de casas, cavalo de pau, bola, pe�o e cata-vento eram os jogos mais populares. O balan�o, assim
como o teatro de marionetes, tamb�m eram brinquedos de �poca.
Pela liberdade que tinham as crian�as tornavam-se precoces e aos quatro ou cinco anos j� se iniciavam nos jogos de arco, dados e cartas. Participavam ent�o
de jogos e brincadeiras com adultos. At� o final do s�culo XVII n�o era poss�vel notar uma diferencia��o clara entre brincadeira de adulto e brincadeira de crian�a.
Somente a partir deste per�odo � que surge a id�ia de que os nobres deveriam evitar misturar-se aos plebeus. E assim, neste momento da hist�ria, acontece o in�cio
de uma separa��o de classes sociais e dentro delas a separa��o dos mundos adulto e infantil como j� hav�amos comentado antes. O que pode parecer � alguns uma justa
medida organizativa � muito mais uma ordem do tipo "separar para governar", oriunda fundamentalmente da pol�tica da Igreja, juntamente com o Estado, o que vem a
confirmar-se mais tarde.
Quem nos ajuda a entender melhor esta quest�o � FOUCAULT.M (1984) em a Hist�ria da Sexualidade- Volume I "a vontade de saber".(8) Dir�amos que, influenciados
por pedagogos, humanistas, m�dicos iluministas e alguns nacionalistas a sociedade faz uma separa��o social, atrav�s dos jogos. FOUCAULT aponta que a emergente sociedade
moderna, atrav�s de alguns dispositivos estruturais, acabou por restringir as pr�ticas sexuais e impor a realiza��o da repress�o em novas teias de poder, consubstanciados
na sanha discursiva e na predisposi��o para a confiss�o.
Neste momento, atrav�s dos jogos, legitimando sua separa��o, estrutura-se tamb�m uma literatura pedag�gica infantil moralizante e diferente da literatura para
adultos. A outra parte da divis�o: para adultos plebeus: cartas, dados e as pancadarias de rua. Aos adultos nobres, em lugar dos dados e cartas, existem os jogos
de equita��o, os torneios e jogos de argola, arco, al�m da cavalaria e para substituir a pancadaria de rua, os clubes de gin�stica, que culminaria no "esporte" preferido
da burguesia do s�c. XIX. Uma adequada sociologia dos jogos e do esporte medieval nos permitiria afirmar que os jogos esportivos s�o uma tentativa da Igreja de diminuir
os jogos de azar entre os jovens e civilizar o ideal b�lico e guerreiro b�rbaro.
Quanto � atitude de estabelecer jogos apropriados para crian�as, isto denota sem d�vida, uma preocupa��o com o desenvolvimento f�sico e ps�quico, ou muito mais,
uma preocupa��o de ordem moral e educativa, da crian�a que at� ent�o n�o se mostrava t�o forte socialmente. Contudo n�o se pode deixar de perceber uma correla��o
entre duas novidades para a sociedade que foram: o sentimento de inf�ncia e o sentimento de classes. Os jogos e brincadeiras de crian�a circunscreveram um mundo
espec�fico, tornando-se a forma de delimitar as "coisas de crian�a" e as coisas pr�prias do adulto, revestidas de sisudez e divergentes padr�es de valoriza��o social.
Atrav�s desta delimita��o do mundo infantil FOUCAULT afirma dar-se a implanta��o perversa das estrat�gias de disposi��o controladora do saber e poder sobre
a sexualidade, a partir do s�culo XVIII, sobretudo no tocante � pedagogiza��o do sexo da crian�a. Destaca
"(..) dupla afirma��o, de que todas as crian�as se dedicam ou s�o suscet�veis de se dedicar a uma atividade sexual, e de que tal atividade sexual, sendo indevida,
ao mesmo tempo "natural" e "contra a natureza", traz consigo perigos f�sicos e morais, coletivos e individuais; as crian�as s�o definidas como seres sexuais "liminares",
ao mesmo tempo aqu�m e j� no sexo, sobre uma perigosa linha de demarca��o; os pais, as fam�lias, os educadores, os m�dicos e, mais tarde, os psic�logos, todos devem
se encarregar continuamente desse germe sexual precioso e arriscado, perigoso e em perigo( ...)"9
3. A ESCOLA: UMA INSTITUI��O FORMAL DE SEGREGA��O E CONTROLE.
As sociedades europ�ias do s�c. XIII contavam com os col�gios para auxiliar no processo de educa��o de seus jovens. Por�m o sentido do col�gio at� ent�o eram
apenas alojamentos para estudantes pobres e eram em sua grande maioria fundados e mantidos por doa��es. MANACORDA,M.(10) faz um bom retrato da situa��o dos col�gios,
declarando-os como um lugar de plebeus, com regras estatu�rias, feitas para reis. Por isso, talvez n�o tenham caminhado bem enquanto moradia. Os col�gios passaram
a ser lugar de estudos somente no s�culo XV.
Os ingleses apresentavam um costume curioso para instru�rem suas crian�as. At� os seis ou sete anos estas eram mantidas em casa dos pais. Ap�s esta idade eram
enviadas � casas de outras pessoas onde permaneciam por um per�odo de sete a nove anos, para aprenderem algum of�cio. Tanto meninos quanto meninas eram enviados
a outras fam�lias enquanto a fam�lia que os enviou recebia outras crian�as. Essa atitude com as crian�as, de valorizar mais a tradi��o que a afei��o, denota a falta
de apego entre as fam�lias inglesas do s�c. XV.
A popula��o escolar passou a ser dividida segundo o grau de conhecimento dos estudantes. Cada grupo era dirigido por um mestre e estudavam numa mesma regi�o.
Contudo ainda n�o se tinha a�, uma caracter�stica de classe escolar freq�entando uma mesma sala como � hoje o sistema de nosso modelo atual.
Nos col�gios eram estudados conte�dos sobre arte e literatura. No s�c. XVI, os col�gios ampliaram seu recrutamento, o que antes era privil�gio de poucos cl�rigos
letrados, tornou-se poss�vel a um n�mero crescente de leigos, nobres e burgueses e, mais tarde, tornou-se acess�vel � filhos de fam�lias populares com o objetivo
de formar mestres para colaborarem com a forma��o de novos religiosos. O col�gio se tornara ent�o uma necessidade social. Quanto mais o tempo passava mais forte
ficava esta rela��o de depend�ncia.
N�o se pode precisar com exatid�o mas segundo estudos de ARI�S, at� metade do s�c. XVII era comum a considera��o de que a primeira inf�ncia era um per�odo considerado
at� os 05 ou 06 anos de idade. Na realidade, este per�odo era quase toda a inf�ncia porque depois disso j� se cobrava uma outra postura da crian�a (cobrava-se uma
postura de adulto), como j� enfatizamos no presente trabalho. Assim, aos 07 anos o menino deixava a fam�lia e ingressava no col�gio. Quando falamos de meninos estudantes,
estamos nos referindo as crian�as do sexo masculino. A escola para meninas (leigos) s� aconteceu bem depois, sendo um cap�tulo � parte na Hist�ria da Educa��o Moderna.
No final do s�c. XVIII a idade escolar passa a exigir nove anos de idade, para aprender gram�tica. Em virtude disso passou a ser comum que as crian�as ficassem
fora das escolas at� aos 09 ou 10 anos. A idade para o per�odo escolar foi retardada. Pelo que se alegava, a crian�a at� essa idade era fraca e incapaz se aprender
o que se ensina nos col�gios.
Ent�o isso nos permitiu chegar � conclus�o que a emancipa��o da escola contribuiu grandemente para aumentar o per�odo da inf�ncia. � medida que as crian�as
ficavam mais tempo fora da escola, retardando a idade para a exig�ncia de seu ingresso, continuavam vivendo sua inf�ncia com mais intensidade. No caso das crian�as
do sexo feminino que n�o freq�entavam os col�gios a situa��o era um pouco diferente, porque estas continuavam casando aos 12 ou 13 anos. A �nica educa��o que recebiam
era a aprendizagem dom�stica. Mais tarde passaram a
ser enviadas pelas fam�lias aos conventos que eram destinados � instru��o exclusivamente religiosa. Nas classes populares a inf�ncia continuava sendo curta at� porque
para estas n�o havia escola. Sobrava-lhes uma "entrada" precoce no mundo do trabalho servil.
Os crit�rios para organizar os grupos de estudantes no s�c. XVIII ainda continuavam sendo o grau de conhecimento e n�o a idade como � hoje. Nos col�gios medievais
era comum ver misturados, estudantes de 10 anos com outros de 18 e at� de 05 anos. N�o havia distin��o et�ria r�gida. Somente no in�cio do s�c. XIX � que se separou
efetivamente os homens de mais de 20 anos dos demais. Alguns pesquisadores de Hist�ria da Educa��o chamaram a isto "separa��o dos barbudos". Um outro fator decisivo
para a separa��o desta categoria de estudantes seria a difus�o (entre a burguesia) do ensino superior, as universidades ou grandes escolas, que se tornaram fortes
e acess�veis no final do s�c. XIX. Como vemos, a escola teve um papel decisivo para a separa��o da inf�ncia e adolesc�ncia a partir da rela��o entre inf�ncia e idade
escolar e seus per�odos. Durante os s�culos XVIII e XIX a dura��o do per�odo escolar era de 04 a 05 anos, no m�nimo.
O mestre-escola dos s�culos XV e XVI tinha como miss�o, pela ordem da import�ncia, o seguinte programa: formar as almas, inculcar virtudes, educar e instruir.
Ou seja, primeiro formar, entendendo por esta dimens�o o conjunto de valores e comportamentos �ticos exigidos pela doutrina��o crist�, depois informar. Por esta
ordem, comportamental e objetivamente perseguidos ao longo da hist�ria da educa��o formal at� aqui, percebe-se que estes col�gios eram em sua grande maioria ligados
� ordem religiosa e, em sua maioria cat�licos, como era cat�lica a ordem ideol�gica medieval que se estendeu al�m deste per�odo.
� importante ressaltar que no conjunto de todas essas
mudan�as que ocorreram na escola, no final do s�culo XVIII e in�cio do s�c. XIX, houve o que poder�amos chamar hoje de divis�o social do ensino. Nota-se que coexistem
um ensino para os aristocratas e burgueses e outro para o povo, divis�o dualista que marca o in�cio de toda educa��o moderna. A disciplina escolar tamb�m pode ser
deslocada como t�o rude quanto a dos soldados e criados, e t�o discriminat�ria quanto o tratamento social reservado aos mendigos. Na realidade a disciplina escolar
origin�ria � uma mescla entre a disciplina religiosa e militar. Era preciso se comportar "muito bem" para ser privado da aplica��o das san��es da disciplina.
Uma outra institui��o que colaborou para a distin��o entre a inf�ncia e a adolesc�ncia foi o ex�rcito. No final do s�c. XVIII e durante todo o s�culo XIX, o
alistamento dos rapazes no ex�rcito caracterizou a adolesc�ncia no sentido de responsabilidade e compromisso social. Contudo no s�culo XVIII encontravam-se oficiais
com 14 anos, por exemplo. Esses meninos quase sempre ingressavam no ex�rcito sem passar pelo col�gio. Na sociedade ocidental pelo que se tem visto, s�o as institui��es
que organizam as classes de idade.
A consci�ncia que temos da inf�ncia hoje � conseq��ncia de todos estes acontecimentos hist�ricos que marcaram a inf�ncia, a fam�lia e o sistema de educa��o
ocidental. Hoje algumas ci�ncias se concentram nos problemas da inf�ncia e aos poucos t�m conseguido intepret�-los e decifr�-los. Estamos nos referindo � Psicologia,
� Pediatria e � Psican�lise, que representam uma nova e significativa p�gina da hist�ria da inf�ncia que ainda pode ter muita coisa a ser revelada.
4. FREUD E A SEXUALIDADE PRIMORDIAL DA CRIAN�A.
S. FREUD, em um de seus mais famosos artigos, intitulado "O esclarecimento sexual da crian�a"- (carta aberta ao Dr. M. F�rt, datada de 1907), declara o seguinte
sobre a seriedade de lidar com a educa��o infantil abrangendo a sexualidade:
"Considero um avan�o muito significativo na educa��o infantil que na Fran�a o Estado tenha introduzido; em lugar do catecismo, um manual que d� � crian�a as primeiras
no��es de sua situa��o como cidad�o e dos deveres �ticos que dever� assumir mais tarde. No entanto, essa educa��o elementar continuar� com s�rias defici�ncias enquanto
n�o abranger o campo da sexualidade. Esta � uma lacuna que deveria merecer a aten��o dos educadores e reformadores. Nos pa�ses onde colocaram a educa��o das crian�as
total ou parcialmente nas m�os do clero ser�, naturalmente, imposs�vel levantar o problema. Um sacerdote nunca admitir� que os homens e os animais tenham a mesma
natureza, pois n�o pode abdicar da imortalidade da alma, que lhe � necess�ria como base de seus preceitos morais. Mais uma vez vemos aqui a insensatez de colocar
um �nico remendo de seda num casaco esfarrapado, isto �, a impossibilidade de efetuar uma reforma isolada sem alterar as bases de todo o sistema. "(11)
Estas considera��es de FREUD deixam bem claro a import�ncia de se adotar uma atitude deliberada, politicamente coerente, diante da sexualidade infantil no sentido
de formar adultos conscientes de si, para chegarem � consci�ncia do mundo. Para FREUD a auto-consci�ncia parte da consci�ncia de seu pr�prio corpo e de sua pr�pria
sexualidade. O texto paradigm�tico de FREUD revela a preocupa��o deste estudioso da sexualidade tanto com rela��o aos pressupostos de todo discurso formador da sexualidade,
conquanto para este ele seja fundamento de toda a educa��o, como tamb�m dos agentes que devem apresentar este conte�do. FREUD abomina a educa��o sexual clerical
e critica a impossibilidade desta ser realizada de maneira neutra, pelos seus pr�prios fundamentos, assumindo aqui a id�ia de que a forma��o moral e a informa��o
cient�fica dever�o fazer parte do mesmo corte epistemol�gico, que alia a capacidade pedag�gica � vis�o de mundo.
Fica dif�cil sustentar uma suposta neutralidade informativa no sentido educativo formal ou informal, � medida em que os adultos sentem medo ou indisposi��o
diante das manifesta��es da sexualidade infantil. Os adultos fazem algumas exig�ncias �s crian�as que realmente as tornam inseguras e confusas. Para exemplificar,
querem os adultos que as crian�as confiem cegamente nas gera��es mais velhas quando dizem para as crian�as: "eu quero o seu bem", "eu sei o que fa�o". Como � f�cil
de constatar, os adultos n�o t�m se preocupado muito com os exemplos que oferecem �s crian�as para que elas possam construir seus modelos. Em alguns casos mais extremos
temos o que passamos a chamar de "engenharia comportamental". Queremos dizer que freq�entemente pais e educadores idealizam um modelo de crian�a e exigem que a crian�a
o siga de forma absoluta.
Dir�amos que tudo isso acontece basicamente porque as posturas do adulto e da crian�a frente ao prazer s�o muito diferentes. Normalmente o adulto age como se
s� ele tivesse direito ao exerc�cio da sexualidade, negando criminosamente a sexualidade infantil e tamb�m a do adolescente. Na maioria das vezes, os adultos que
pensam e agem desta forma, sentem uma esp�cie de p�nico quando alguma crian�a revela um certo entendimento e seguran�a � respeito de sua sexualidade. N�o � dif�cil
constatar, atrav�s de leituras e observa��es di�rias, que n�o � s� o prazer da sexualidade da crian�a que � socialmente negado, mas tamb�m a sexualidade e o prazer
do adolescente e da mulher.
Prevalece o elo controlador entre educa��o e sexualidade infantil, na realidade o que se percebe tristemente hoje � que os educadores e pais trabalham para
que a crian�a se comporte como um adulto. Ainda hoje, tamb�m por esse motivo, podemos afirmar que subsiste a nega��o da inf�ncia. N�o fosse talvez pelo consumo de
bens que a inf�ncia � capaz de gerar hoje, j� ter�amos uma pol�tica muito mais s�ria em torno de quest�es como o controle de natalidade e por outro lado, em contrapartida,
a inf�ncia seria possivelmente um per�odo bem mais curto na vida dos homens, a exemplo da inf�ncia da Idade M�dia. Vivemos em um tempo em que a educa��o e a import�ncia
da inf�ncia e adolesc�ncia est�o diretamente ligados a seu poder de consumo.
Quanto ao desenvolvimento da sexualidade infantil, estamos fazendo muito pouco para que, pelo menos, a crian�a aprenda a ler e assumir seu pr�prio corpo. O
corpo que � ela pr�pria, constitui seu ser, que vai vivenci�-lo pelo resto da vida e que dever� ser um instrumento de trabalho e prazer. O perigo ali�s, est� em
negar este �ltimo. Freq�entemente vemos atribu�da � sexualidade, uma significa��o de zona proibida para crian�as. Muitas vezes o sexo � a linha divis�ria entre a
"menoridade" e a maioridade como se somente os maiores e juridicamente emancipados tivessem sexo e fossem potenciais agentes sexuais.
N�o � necess�rio que se despeje um caminh�o de informa��es � crian�a. Por�m o que n�o pode ser justo � n�o satisfazer suas curiosidades com franqueza � medida
que elas forem surgindo. � importante conversar com as crian�as numa linguagem que elas dominem e que possam entender. Quanto a esta quest�o, ROUSSEAU j� havia frisado
o seguinte:
"(..) tomando o partido ao responder, que o fa�amos com a maior simplicidade, sem mist�rio, sem embara�os (..) � melhor impor sil�ncio que responder mentindo" :
(12)
Enfim, � necess�rio ter respeito � sexualidade infantil, o que significa respeitar a crian�a como um ser humano completo em capacidade de amar. Apesar de suas
outras limita��es ou imcompletudes, que dever�o ser buscadas generosamente, ela lida com a liberdade de maneira mais significativa do que a maioria dos adultos.
A sexualidade infantil � muito mais aut�ntica porque as crian�as em geral n�o precisam provar nada a ningu�m e tamb�m n�o est�o preocupadas com os padr�es de
"normalidade" que a sociedade imp�e aos adultos.
Reprimir a sexualidade da crian�a � reprimir seu corpo, que se constitui na base real de seu pr�prio ser, sua rela��o consigo mesma e sua personalidade. Porque
afinal, n�o existe uma separa��o entre a sexualidade infantil e a sexualidade adulta. Existe sim uma liga��o �nica e uma continuidade entre elas, ou seja, s�o insepar�veis
e conseq�entes.
A contribui��o dos estudos de SIGMUND FREUD foi decisiva para que hoje reconhecessemos a sexualidade infantil. At� a eclos�o do fant�stico pensamento de FREUD
n�o se admitia que existisse na crian�a o que ele chamou de impulso sexual. No m�ximo se admitia que durante o per�odo de puberdade o jovem come�asse a se interessar
pelas chamadas "coisas sexuais". Em seus estudos FREUD considerou a sexualidade infantil desde o nascimento da crian�a (a primeira inf�ncia que nomeou "pr�-hist�ria
do indiv�duo"). FREUD foi o primeiro a considerar com naturalidade os atos e efeitos sexuais das crian�as como a ere��o, masturba��o e mesmo simula��es sexuais.
A contribui��o de FREUD � muito vasta e profunda para que nos ocupemos aqui. Limitaremos nossa investiga��o a destacar as bases deste pensamento e a import�ncia
reservada � crian�a em seu m�todo, denominado psicanal�tico. O curioso fen�meno da "Amn�sia Infantil" que acontece � maioria dos indiv�duos ou � todos, uma esp�cie
de falta de mem�ria sobre os seis ou oito primeiros anos de vida n�o se configura numa a��o casual. Sobre o que vivemos nestes anos s� nos ficam algumas impress�es
incompletas sem lembrarmos o que foi que aconteceu realmente. O que � estranho, pois sabemos que � nessa fase da vida que tendemos a viver com mais intensidade o
amor e o ci�me e outras paix�es que agitam nossas vidas fortemente neste per�odo. No entanto, segundo FREUD, ter�amos raz�es para acreditar que este � o per�odo
em que a mem�ria tem sua maior capacidade de registrar e de reproduzir as impress�es.. Por�m estas impress�es "esquecidas" gravam tra�os profundos em nossa alma
que s�o decisivos para nosso desenvolvimento posteriormente. Logo, podemos concluir que estas impress�es n�o est�o desaparecidas em nossa psiqu�, apenas esquecidas
numa esp�cie de "Amn�sia An�loga".
Para FREUD a amn�sia infantil cria uma esp�cie de "pr�-hist�ria" onde est� oculta a base informativa e sensitiva do in�cio da vida sexual, o que colabora para
que n�o se considere a import�ncia destes per�odos da inf�ncia para o desenvolvimento da vida sexual do indiv�duo. E lembra
"Desde 1896 notei a import�ncia dos primeiros anos de vida na produ��o de certos fen�menos essenciais dependentes da vida sexual, e jamais deixei de chamar a aten��o
para este dado". (13)
Um outro per�odo importante para a sexualidade infantil � o "Per�odo de Lat�ncia". Por�m sabemos que este per�odo pode ter algumas interrup��es. Parece que
FREUD n�o tinha d�vidas que ao nascer a crian�a trazia consigo o que ele chamou de "germes de movimentos sexuais" que passam a evoluir com o desenvolvimento da crian�a,
at� que em algum per�odo da inf�ncia sofram repress�es progressivas com algumas interrup��es pelo pr�prio desenvolvimento particular do indiv�duo. Vejam esta afirma��o:
"Nada de certo se pode dizer sobre a regularidade e periodicidade das oscila��es deste desenvolvimento, mas parece que a vida sexual da crian�a, por volta do terceiro
ou quarto ano, j� se manifesta de uma forma que a torna acess�vel � observa��o". (14)
Ent�o o per�odo de lat�ncia, como vemos, pode ser total ou parcial e � nesta fase de lat�ncia que se constituem as for�as ps�quicas que mais tarde poder�o representar
um obst�culo aos impulsos sexuais. E a� que aparecem as "inibi��es sexuais" limitando for�as como o desgosto, as aspira��es morais, o pudor e as aspira��es est�ticas:
"Esta evolu��o condicionada pelo organismo � fixada pela hereditariedade, pode �s vezes produzir-se sem qualquer interven��o da educa��o. Para permanecer nos seus
limites, dever� esta limitar-se a reconhecer tra�os do que � organicamente pr�-formado, aprofund�-lo e depur�-lo". (15)
Nestas considera��es gerais, fazendo par�nteses sobre estes estudos, � importante que se diga que o que at� FREUD chamou-se, definiu-se simplesmente de puberdade,
talvez n�o seja mais do que uma outra parte da pr�pria puberdade que se apresenta no meio do segundo dec�nio da vida do homem. Considera-se que a inf�ncia v� do
nascimento at� esta fase a que nos referimos acima, que poderia ser considerada uma fase intermedi�ria da puberdade. FREUD destaca dois pontos culminantes do desenvolvimento
dos �rg�os sexuais da crian�a. Um no come�o do per�odo embrion�rio e a eclos�o da vida sexual entre o terceiro e o quarto ano de vida.
Voltando � quest�o das inibi��es sexuais, temos um marco conceitual do pensamento de FREUD consistente no processo ps�quico da "sublima��o". Este processo �
importante para o desenvolvimento individual e suas origens s�o do per�odo de lat�ncia sexual da crian�a. Na sublima��o, as tend�ncias sexuais da crian�a s�o totalmente
ou em parte, desviadas do seu uso pr�prio e empregados em outros fins.
Estas transforma��es da sexualidade infantil que tentamos descrever querem significar que a crian�a � um ser em desenvolvimento e que � preciso observ�-la e
respeit�-la. O que se v� com freq��ncia s�o adultos perseguindo as crian�as que manifestam estas atitudes sexuais, como se estas express�es do desenvolvimento sexual
da crian�a fossem v�cios. Quando isso acontece, pode ficar seriamente prejudicada a forma��o da personalidade e a capacidade de viv�ncia da sexualidade do indiv�duo.
5. AS VIV�NCIAS SEXUAIS DA CRIAN�A : O REMENDO DE S�DA E O CASACO DE FARRAPOS.
Do terceiro para o quarto ano de idade a crian�a apresenta uma curiosidade incontrol�vel de tudo saber e perguntar. � nesta fase que come�a a se ligar em assuntos
Sexuais com grande interesse. Ela formula algumas teorias a partir das suas pr�prias curiosidades que s�o fundamentalmente resumidas em tr�s vertentes. � neste per�odo
que em geral come�am a apresentar curiosidade pelo �rg�o genital das outras crian�as. Para os meninos � muito complicado aceitar o fato de que as meninas n�o possuam
p�nis. Justamente porque seu �rg�o genital � a refer�ncia:
"(. ..) a hip�tese de um s� e mesmo aparelho genital (do �rg�o masculino em todos os homens) � a primeira das teorias sexuais infantis (...). A rapariguinha, pelo
contr�rio, n�o se recusa a aceitar e a reconhecer a exist�ncia de um sexo diferente do seu, uma vez que ela viu o �rg�o genital do rapaz: est� sujeita ao desejo
do p�nis que a leva ao desejo, t�o importante mais tarde de ser por sua vez um rapaz". (16)
N�o entraremos aqui no tema da discuss�o de g�nero nem dos limites patriarcais do pensamento freudiano. Limitaremos a expor alguns eixos de suas observa��es
pioneiras sobre a sexualidade das crian�as. Para este, a outra grande curiosidade � sobre a rela��o sexual dos pais ou de outros adultos. Quando FREUD escreveu sobre
esta curiosidade, deu o nome de "Concep��o S�dica das Rela��es Sexuais". Freq�entemente os pais, acreditando que as crian�as n�o entenderiam e por isso n�o se interessariam
em observar o ato sexual, deixavam-na a vontade e elas presenciam o que passa a lhes preocupar no sentido de procurarem compreender o que v�em.
Normalmente ent�o, passam a interpretar o fato como uma esp�cie de mau trato ou medi��o de for�as, compreendendo como um ato s�dico. Com a ajuda da Psican�lise
viu-se que essa impress�o acontecida na primeira inf�ncia, colaborava para o deslocamento s�dico do fim sexual, posteriormente
"A solu��o que habitualmente chegam � uma uni�o que se cumpriria no momento da mic��o ou da defeca��o". (17)
A terceira curiosidade b�sica � a respeito das "Teorias Sobre o Nascimento". as crian�as formulam muitas explica��es te�ricas para entender o nascimento. FREUD
relatou algumas que observou:
"Supunham que as crian�as nasciam do seio, ou que saiam do ventre por uma incis�o, ou que o umbigo se abria para as deixar passar, "ou ainda", a crian�a nasce quando
se comeu alguma coisa de especial (como nos contos de fada) e as crian�as nascem pelo intestino, como quando se vai defecar". (18)
Nos escritos iniciais de FREUD ele afirma que esta � a primeira curiosidade das crian�as: De onde v�m os beb�s? ROUSSEAU tamb�m apresentou sua preocupa��o a
respeito desta curiosidade infantil e formulou um pensamento bem mais ousado que FREUD (e antes dele) em "O Em�lio" onde declarou o seguinte sobre o assunto
"Como se fazem as crian�as? Pergunta embara�ante que ocorre assaz naturalmente as crian�as e cuja resposta indiscreta ou prudente decide por vezes de seus costumes
e da sua sa�de para o resto da vida. A maneira mais curta que uma m�e imagina para se desobrigar, sem enganar o filho, � impor-lhe o sil�ncio... � o segredo das
pessoas casadas, lhe dir�: as crian�as n�o devem ser t�o curiosas. Eis o que resolve muito bem o problema da m�e: mas que saiba que despeitado com o arde desprezo,
o menino(a) n�o ter� mais um minuto de descanso enquanto n�o tiver descoberto o segredo das pessoas casadas e n�o tardar� em descobri-lo".(19)
Estas coordenadas psico-pedag�gicas apontam para a necessidade de revestirmos nossos olhares das mesmas atitudes cient�ficas e met�dicas destes educadores,
de modo a n�o reduzir nossos pontos de vista sobre a crian�a e suas curiosidades e viv�ncias sexuais ao simplismo do senso comum e quando muito, ao suposto bom gosto
de nosso voluntarismo.
6. A CRIAN�A E A INF�NCIA NO BRASIL
N�o h� no Brasil uma consolidada tradi��o de pesquisa sobre a quest�o da crian�a. Relegada ao n�vel dos escravos, desde o per�odo colonial, e mantida longe
da cultura social adulta, a crian�a brasileira tem uma hist�ria marcada pelo sil�ncio e pela viol�ncia, real e simb�lica. A modernidade n�o trouxe avan�os para a
posi��o social da crian�a e para a eleva��o da compreens�o de seu papel.
Os jesu�tas foram os primeiros a criar um espa�o institucional, bem definido e rigidamente delimitado, para o tratamento das crian�as brasileiras, que eram
predominantemente formadas pelos filhos dos �ndios, que aqui viviam como que num para�so, senhores nativos das terras e das �guas, onde corriam livres desfrutando
uma liberdade jamais experimentada por estes que vieram catequiz�-los ou ensin�-los o "bem", atrav�s de castigos f�sicos e proibi��es morais.
A psicologia infantil no Brasil teve como base esta id�ia de doutrina��o "messi�nica" trazida pelos jesu�tas. Todo esse trabalho e valoriza��o da crian�a tinha
por objetivo que a crian�a despertasse para a f�, para as coisas n�o demon�acas (era via de regra, como os jesu�tas encaravam a cultura ind�gena) que despertassem
para as coisas do "bem", identificadas como a tradi��o cat�lica e etno-europ�ia conquistadora..
Para os Jesu�tas a inf�ncia era o momento oportuno para a assimila��o das regras de disciplina e da f�. Os jesu�tas trouxeram da Europa a id�ia de inf�ncia
santa inspirada na iconografia inf�ncia do menino Jesus. Compreendiam mesmo os �ndios adultos, considerados como crian�as que, mantidos e sedimentados pela ingenuidade,
podiam ser salvos e santificar-se, pelo caminho natural, e pela f� cat�lica. Por isso acreditaram na catequiza��o e na convers�o dos indiozinhos, em primeiro lugar,
como caminho para atingir a tribo e toda a sociedade ind�gena.
Uma das primeiras atitudes dos jesu�tas foi vestir os meninos com roupas de algod�o, tecidas por mo�as �ndias.
"Os Jesus tropicais andavam t�o despidos quanto aqueles outros que as madonas do Renascimento sustentavam nos bra�os" (20)
Os corpos dos �ndios (crian�as e adultos), que viviam permanentemente em festas, pintados e enfeitados com penas e conchas, exibindo toda for�a e sa�de em sua
pl�stica caracter�stica, estes corpos eram para os jesu�tas, que honravam o pensamento de Santo In�cio de Loyola e Santo Agostinho, nada mais que "esterco" ou coisa
in�til que aprisionava e oprimia a alma. A pastoral da carne e a mais aguda e repressiva da sexualidade, pr�pria da tradi��o cat�lica, restaurava-se no pensamento
de Anchieta e seus disc�pulos.
E era essa a nova id�ia de corpo que pregavam aos �ndios. Era preciso castigar o corpo para purificar a alma - incentivavam a auto-flagela��o. Os indiozinhos,
antes da coloniza��o e missionarismo, tinham todo o dia para o lazer e a explora��o l�dica da natureza, passaram a ter lazer em horas determinadas pelos jesu�tas,
ou seja, depois das rezas, cantos e tarefas da casa de meninos onde passaram a morar para serem educados. Primeiro o trabalho depois o lazer. O lazer das crian�as
�ndias tamb�m sofreu algumas mudan�as. Aprenderam com grande
habilidade jogos de argolas e de bolas trazidas de Portugal. Mas as crian�as conservaram tamb�m com muita for�a, os costumes de nadar nos rios, dan�as e cantos de
suas tribos.
Nas casas de meninos, onde ficavam com os jesu�tas, aprendiam a l�ngua portuguesa e gram�tica atrav�s da did�tica consagrada de um m�todo de perguntas e respostas
que eram decoradas pelos indiozinhos. Os meninos tamb�m aprendiam as obriga��es da religi�o. Em pouco tempo estavam confessando (toda semana), cantando e rezando
em latim, mesmo sem entenderem o que estavam dizendo. Os mais fervorosos, com freq��ncia, se auto-flagelavam para se livrarem da "pregui�a" do �dio ou de outras
paix�es.
Para esses ensinamentos repressivos sobre a educa��o da crian�a, pr�prios da cultura europ�ia, tiveram as crian�as que negar sua cultura, assumindo formas t�o
diferentes e agressivos
� cultura ind�gena; os jesu�tas aplicavam a "pedagogia do medo".
Atribu�am aos pecados a causa das epidemias (talvez trazidas aos �ndios pelos pr�prios brancos) e os fen�menos naturais como muita seca ou muita chuva. Por
isso era comum imporem aos meninos �ndios sacrif�cios f�sicos. Dias inteiros de ora��es, canto dos anjos (formavam corais com as crian�as) ou prociss�es at� que
o mal sanasse. As casas onde moravam eram constru�das a partir de doa��es e os pr�prios meninos e seus pais ajudavam a levant�-las. Todos os meninos ca�avam e pescavam
para o sustento da casa, uma vez que os jesu�tas n�o tinham como sustent�-los.
Freq�entemente aplicavam-se castigos aos meninos que n�o queriam participar das atividades escolares. Esses castigos muitas vezes faziam com que os meninos
fugissem das escolas, pois na cultura ind�gena n�o tinha-se o h�bito de bater nem falar alto comas crian�as. "Qualquer resist�ncia f�sica e cultural parecia sempre
aos olhos dos jesu�tas como tenta��o demon�aca, como assombra��o ou vis�o terr�vel" (21)
A educa��o dos meninos �ndios pelos jesu�tas encerrava-se no momento em que os meninos atingiam a puberdade. Ent�o eram mandados para junto de seus pais, onde
deveriam seguir sua vida normalmente, "seguindo os costumes da tribo". Para ilustrar vejamos:
"A puberdade aos olhos dos poderes catequistas � a idade perigosa e ingrata na qual as ra�zes falam mais alto (...). A puberdade marca por fim a expuls�o do para�so
prometido pelos jesu�tas, onde na realidade eles n�o queriam ter nada mais do que crian�as d�ceis e obedientes. Assinala-se ent�o o abandono do jardim de inf�ncia,
onde a crian�a fosse �papel branco', `tabula rasa', cera a ser moldada pelos padr�es da cristandade ocidental (...)"(22)
O s�culo XVII abre um novo arquivo na hist�ria da educa��o brasileira com o ensino b�sico atrav�s das escolas dominicais. Este h�bito ainda pode ser observado
em algumas religi�es crist�s, no per�odo de doutrina��o ou catequese para crian�as que se preparam para receber alguns sacramentos, ou as formas iniciais do credo
religioso. Como vemos a inf�ncia brasileira viveu a partir do descobrimento uma nova fase muito diferente do que tinha vivido at� ent�o.
Parece que a preocupa��o com a instru��o, em detrimento da forma��o, passa a ser mais forte � medida em que algumas institui��es se v�em na obriga��o de assumirem
responsabilidades com rela��o a crian�a. Foi o que aconteceu tamb�m em outros pa�ses como na Fran�a e Inglaterra por exemplo, a partir do final do s�culo XVI.
Os meninos de engenho abandonados durante o ciclo da coloniza��o agr�cola canavieira do Nordeste retratam as mazelas de abandono e desamparo, associando-se
aos carvoeiros, aos "respingadores" de Minas Gerais, aos "meninos do pastoreio" nos campos, os catadores de arroz, os "menores", que tornaram-se os antepassados
dos meninos-oper�rios das f�bricas rudes paulistas do in�cio deste s�culo e que s�o as matrizes dos meninos de rua, ou dos "trombadinhas", "pixotes" e outros tantos
exclu�dos e massacrados. N�o � poss�vel contar aqui as p�ginas da sociedade brasileira, marcadas pela repress�o e pela exclus�o da maioria das crian�as, marginalizadas
de todas as formas de humaniza��o e condi��es de educa��o e trabalho com dignidade.
Ainda hoje assistimos ao desvario e viol�ncia contra as crian�as. Apesar de termos constitu�do uma das mais avan�adas legisla��es recentes sobre os direitos
da Crian�a e do Adolescente, materializados no Estatuto da Crian�a e do Adolescente, promulgado em 1990, estamos longe de resgatar a hist�ria social da exclus�o
e marginaliza��o da crian�a brasileira, particularmente das legi�es daquelas que s�o oriundas das camadas mais pobres de nossa sociedade.
O fato de estarmos alinhavando aqui este registro tem a inten��o de despertar pais e educadores para uma nova atitude frente �s crian�as e adolescentes, construindo,
atrav�s de realiza��es espec�ficas, uma nova cultura sobre a educa��o e assist�ncia � Crian�a no Brasil. Um dos mais combativos intelectuais brasileiros, � prop�sito
da viol�ncia institucional que se pratica contra as legi�es de crian�as brasileiras, no n�cleo dos grandes centros urbanos, assim clamava, em veemente apelo:
"... Crian�a � coisa s�ria. A crian�a � o princ�pio sem fim. O fim da Crian�a � o princ�pio do Fim. Quando uma sociedade deixa matar as crian�as � porque come�ou
seu suic�dio como sociedade. Quando n�o as ama � porque deixou de se reconhecer como humanidade. Afinal, a crian�a � o que fui em mm e em meus filhos, enquanto eu
e humanidade. Ela como princ�pio � a promessa de tudo. � minha obra livre de mim. Se n�o vejo na crian�a, uma crian�a, � porque algu�m a violentou antes e o que
vejo � o que sobrou de tudo que lhe foi tirado. Mas essa que vejo na rua, sem pai, sem m�e, sem casa, cama e comida, essa que vive a solid�o das noites sem gente
por perto, � um grito, � um espanto. Diante dela o mundo deveria parar para come�ar um novo encontro, porque a crian�a � o princ�pio sem fim e o seu fim � o fim
de todos n�s..." Herbert de Souza, ( Rio de Janeiro, Candel�ria: 1994)
Estas palavras ressoam longe em nossas mentes e cora��es, a nos encorajar a investigar a arqueologia do sil�ncio e a apresentar as raz�es de nossas escolhas
de lutas e esperan�as para conquistar a cidadania plena de nossas Crian�as, �nica base de uma sociedade digna e igualit�ria.
CAP�TULO II - AS MANIFESTA��ES DA SEXUALIDADE DA CRIAN�A E AS PRINCIPAIS ABORDAGENS DO DESENVOLVIMENTO PSICOSSEXUAL INFANTIL.
Nossa compreens�o primordial fundamenta-se na id�ia de que a sexualidade n�o � uma "parte" ou "complemento" da condi��o humana. N�o se trata de uma dimens�o
secund�ria, vinculada �s demais habilidades e potencialidades humanas. Ao contr�rio, entendemos que a sexualidade � uma marca �nica do homem, uma caracter�stica
somente desenvolvida e presente na condi��o cultural e hist�rica do homem. O homem � um ser sexuado. Assim, tudo o que faz ou realiza envolve esta sua dimens�o de
"ser sexuado", isto �, de constituir uma sexualidade, uma significa��o e viv�ncia da mesma, diversamente da determina��o instintiva e primariamente animal e reprodutiva.
A sexualidade transcende � considera��o meramente biol�gica, centrada na reprodu��o e nas capacidades instintivas.
Na condi��o �tico-ontol�gica do homem isto n�o se d� desta maneira. A Sexualidade � a pr�pria viv�ncia e significa��o do sexo, para al�m do determinismo naturalista;
isto �, j� carrega dentro de si a intencionalidade e a escolha, que a tornam uma dimens�o humana, dial�gica, cultural. N�o h� como subtrair-se a esta condi��o. Ela
est� presente desde a surgimento ou organiza��o da cultura humana. Como seres sexuados somos tamb�m sexualizados, isto �, envolvidos com a din�mica e caracter�sticas
de nossa sexualidade. A primeira de nossas identidades existenciais foi exatamente aquela que de n�s nossos pais disseram: "� homem!", ou ainda, "� menina!" Esta
considera��o nos remete para a situa��o paradoxal, de que a nossa primeira identidade, proclamada e esperada, tenha sido aquela vinculada � sexualidade, ainda que
constitu�da ao redor da marca genital. � estranho reconhecer que, atrav�s de caminhos que devem ser entendidos no resgate hist�rico-cr�tico de nossa cultura, esta
identidade primeira venha a ser negada e calada t�o barbaramente, no tocante ao sexo e sexualidade da crian�a.
Gostar�amos, ent�o, de diferenciar inicialmente o conceito de "sexo" e "sexualidade". � poss�vel entender sexo como a marca biol�gica, a caracteriza��o genital
e natural, constitu�da a partir da aquisi��o evolutiva da esp�cie humana enquanto animal. J� a sexualidade � um conceito cultural, constitu�do pela qualidade, pela
significa��o do sexo. Nesta defini��o, somente a esp�cie humana ostentaria uma sexualidade, uma qualidade cultural e significativa do sexo. Falaremos, portanto,
da sexualidade infantil, da constru��o cultural de uma significa��o pessoal e hibridamente social da marca genital. N�o reduziremos nossa compreens�o da sexualidade
humana a uma manifesta��o instintiva. ,Ali�s, falar em dimens�o instintiva ou reduzir a esfera da sexualidade humana a uma mera dimens�o animal, natural ou reprodutiva
� precisamente tirar dela sua dimens�o mais cara e significativa, at� mesmo sua espiritualidade.
Tratar de sexualidade na escola requer o alicerce de uma concep��o cient�fica e humanista desta sexualidade, superando o senso comum, que � o n�vel prim�rio
do conhecimento social. Somente por uma abordagem hist�rica e cultural sobre a constru��o da sexualidade humana, fundamentada por uma rigorosa compreens�o cient�fica
do desenvolvimento psicossexual da crian�a poderemos analisar as manifesta��es da sexualidade infantil na escola.
Entre as dificuldades abordadas pelos professores, que destacamos em nossa experi�ncia como educadores e como interlocutores em in�meros movimentos de forma��o
de professores e agentes de educa��o sexual, na quest�o da sexualidade, a maioria aponta a aus�ncia de fundamentos cient�ficos na an�lise destes comportamentos,
baseando-se sempre nos elementos mais conservadores e tradicionais de uma cultura repressiva e negativista do sexo e suas dimens�es, refor�ada pela fam�lia, pela
religi�o e pela pr�pria escola. Alguns professores, em muitas pesquisas e contatos sobre as manifesta��es da sexualidade infantil, apontaram a dificuldade pessoal
em compreender a complexidade da sexualidade humana, reclamando da falta de conte�dos e dos resqu�cios de uma educa��o repressora que acaba dificultando o esclarecimento
das quest�es e situa��es que envolvem o sexo.
Outros depoimentos e an�lises, colhidos nos muitos cursos e palestras ministradas, v�o ainda mais longe. Falam da repress�o da pr�pria sexualidade, reconhecendo
a complexidade cultural e hist�rica da quest�o, presente em todas as pessoas e consequentemente tamb�m nos grandes questionamentos dos professores e professoras,
apontando ainda a atitude ostensiva e patrulhadora dos pais sobre a sexualidade. Chamamos de "atitude patrulhadora", evidentemente, n�o aquela atitude respons�vel
e articulada, integrada e co-participante, exigidas de pais e educadores conscientes de seu papel formador. Entendemos aqui o "patrulhamento" como aquela atitude
de delegar fun��es informativas e descritivas para a Escola e, ao mesmo tempo, agir de maneira intimidat�ria para com quaisquer eventuais cr�ticas e a��es dos professores
que n�o estejam dentro na normatividade patriarcal vigente.
Todas estas dificuldades redundam na omiss�o e no abandono de uma reflex�o sobre a sexualidade de maneira humana, cr�tica, hist�rica e cient�fica. N�o apontamos
este abandono como uma culpabilidade institucional dos professores. Entendemos que a pol�tica de forma��o de professores em nosso pa�s, centrada na determina��o
de produzir t�cnicos e legi�es de trabalhadores alienados, busca subtrair dos professores a capacidade de uma cultura global que d� conta de uma interpreta��o cient�fica
da realidade. As causas desta expropria��o do conhecimento e da aus�ncia de uma pol�tica curricular que contemple a sexualidade ou ainda as dimens�es pedag�gicas
correlatas a esta, devem ser buscadas na esfera da determina��o pol�tica da escola e de suas formas hist�ricas fundamentais.
Este ensaio te�rico procura proporcionar um momento de reflex�o e instrumentalizar pais e educadores para a busca de uma forma e consci�ncia destas dificuldades
estruturais e viabilizar propostas no sentido de resgatar um discurso afetuoso e significativo sobre a sexualidade humana. Temos clareza que um trabalho, uma reflex�o,
um texto desta natureza, por si s�, n�o altera magicamente uma concep��o milenar nem supera condicionamentos educacionais j� arraigados. Limita-se a uma fecunda
sensibiliza��o que pode desencadear processos de mudan�a e de reeduca��o das nossas pr�prias convic��es.
Como tarefa preliminar apontamos as principais manifesta��es da sexualidade infantil na escola, marcadas dominantemente pela ansiedade, pelo medo, pela repress�o,
ignor�ncia e preconceito. A curiosidade das crian�as, n�o satisfeita pela educa��o dom�stica e estimulada por uma mentalidade
permissivista e objetual, presente em nossa sociedade, transforma-se em um comportamento ansioso e inseguro, mesclado de medo, exibicionismo e repress�o.
Buscaremos apresentar aqui quais s�o as caracter�sticas mais presentes do comportamento infantil, na idade escolar, com o objetivo de tipificar algumas situa��es
e proporcionar possibilidades reflexivas e atitudinais sobre as ricas e complexas manifesta��es desta sexualidade na Escola ou unidades educacionais. � claro que
n�o temos a pretens�o de rotular as interven��es dos educadores na din�mica da sexualidade da crian�a e suas viv�ncias e representa��es. Muitas situa��es h�o de
requerer o equil�brio e o bom senso, para al�m das pr�prias convic��es, de modo a entender a sexualidade como uma dimens�o humana, natural, espont�nea, carregada
de sentido e gratifica��o para a crian�a.
1. AS MANIFESTA��ES DA SEXUALIDADE DAS CRIAN�AS NA VIV�NCIA ESCOLAR.
Uma das principais situa��es vivenciadas pelos educadores na observa��o das manifesta��es da sexualidade das crian�as configura a pr�tica da manipula��o dos
�rg�os sexuais. Durante as primeiras fases do desenvolvimento sexual infantil a descoberta do pr�prio corpo e a explora��o de suas m�ltiplas possibilidades e caracter�sticas
constitui um mundo pr�prio para a crian�a. A manipula��o dos org�os sexuais, que cristaliza-se ao redor dos 03 ou 04 anos, � uma das mais intensas descobertas infantis.
A manipula��o dos �rg�os genitais proporciona intensa experi�ncia de prazer para a crian�a. N�o se trata ainda de uma busca intencional, da� ser absolutamente rid�culo
e descabido
reprimi-Ia como "masturba��o" ou perversidade.
A manipula��o obedece a impulsos biol�gicos e ps�quicos que satisfazem as crian�as e lhes proporcionam uma apropria��o sensorial de seu corpo e suas potencialidades.
Trata-se de uma pr�tica que pode apresentar se como circunstancial ou passageira como pode ainda estruturar-se de maneira mais observ�vel entre os meninos, pelas
caracter�sticas culturais e educacionais de maior permissividade e estimula��o de expressidade social da sexualidade masculina, contrapondo-se aos eficientes mecanismos
de repress�o das meninas. � mais difuso entre as meninas, que podem manifestar se no toque genital ou no auxilio de objetos, brinquedos, posi��es que provoquem est�mulos
prazerosos. Aos 04 anos � mais freq�ente esta manipula��o genital tornar-se social e impulsiva. A despeito de todas as conota��es preconceituosas, esta descoberta
dos �rg�os genitais n�o se configura numa suposta "masturba��o", como j� dissemos e procuramos refor�ar. � uma explora��o prazerosa de sensa��es corporais, um fen�meno
universal, inconsciente, inofensivo e deve ser compreendido como uma descoberta do pr�prio corpo e suas sensa��es.
Os educadores sensibilizados com a naturalidade deste processo acompanhar�o estas experi�ncias de explora��o corporal sem reprimi-la, buscando supervisionar
suas formas de modo a n�o provocar sequelas corporais ou ps�quicas. O cuidado que devem ostentar resulta da possibilidade de machucaduras ou a introdu��o de objetos
cortantes ou pass�veis de ferimentos f�sicos. N�o se trata de um patrulhamento nem invas�o deste id�lico jogo infantil. Requer-se a aten��o e a educa��o para a expressividade
reservada de seus jogos erotizantes e apropriadores.
A atitude das crian�as em reter a urina � uma outra situa��o freq�ente e facilmente observ�vel. � mais presente aos 03 anos, manifestando-se tamb�m at� aos
04 anos, tanto entre meninos como entre meninas. Corresponde a um tipo de est�mulo e satisfa��o, entre o prazer f�sico derivado das pr�ticas de contra��o muscular
e aquela estimula��o prazeirosa provocada sobre os �rg�os sexuais com a reten��o da urina. N�o h� nada de conden�vel nesta pr�tica, observando-se os princ�pios da
higiene e da educa��o social. Esta "brincadeira" n�o caracteriza uma perversidade ou desvio. � uma simples rela��o de controle sobre o corpo, que a crian�a experimenta.
Dever� ser acompanhada pelos adultos e refor�ada numa dimens�o educacional emancipat�ria e n�o repressiva.
Evidentemente acreditamos que a educa��o formal haver� de adequar a crian�a para a satisfa��o de suas necessidades fisiol�gicas dentro dos c�nones sociais.
Diferentes pedagogias encontram formas de encaminhar seus processos educacionais e sociais. O que recomendamos � n�o considerar estes jogos de descobertas e explora��es
corporais como regress�es infantilistas ou "desvios".
Uma das mais comuns manifesta��es de viv�ncias afetivo-sexuais traduz-se nos jogos que envolvem a descoberta e a pr�tica do beijo. A crian�a, particularmente
estimulada por uma cultura pr�pria da m�dia, expl�cita ou de maneira mais acanhada, sente-se atra�da pela simbologia e cultivo social do beijo, como um s�mbolo idealizado
e m�tico. Sabemos que o beijo � uma express�o cultural de carinho, afeto e amor que n�o se refere exclusivamente ao aspecto sexual/genital. As origens culturais
da pr�tica de beijar est�o intimamente ligadas �s etapas de humaniza��o das rela��es sociais. Alguns autores encontram as ra�zes expressivas do ato de beijar nas
t�cnicas primitivas de alimenta��o das crian�as e dos velhos que, em sociedade tribais e ci�nicas , n�o poderiam triturar os alimentos para absorv�-los, pela aus�ncia
e car�ncia da denti��o. Os homens � mulheres mascavam, ent�o, os alimentos, para deposita-los na boca dos que n�o possu�am os recursos dent�rios.
Recentemente, no modelo consumista p�s-guerra, o beijo foi despido do seu car�ter mais amplo para reduzir-se a um ritual sexual, principalmente na ideologia
hollywoodiana. Um belo filme italiano , dirigido por G.Tornattore, intitulado Cinema Paradiso, retrata esta magia do beijo nas produ��es cinematogr�ficas dos anos
50, quase que como uma sublima��o do ato sexual, assumindo o papel de "gran finale" dos id�lios amorosos de massa, contados pelo cinema. Assim, no imagin�rio infantil,
alimentado pelos meios de comunica��o social, o beijo � um "ritual sexual". H� in�meros convites e pr�ticas de beijos, sempre como imita��o da TV atrav�s de suas
in�meras novelas, que surgem nos jogos infantis com a din�mica de convites como: "Vamos beijar na boca? Vamos dar um beijo de amor ?"
Referem as professoras de diversos cursos e largo atendimento e experi�ncias de conviv�ncia com crian�as que muitas relatam beijar o espelho, numa s�ntese de
narcisismo e imita��o, por volta dos 04-05 anos. N�o se trata de nenhuma conduta conden�vel. O beijo deve ser resgatado em sua dimens�o de afeto e carinho. Fugindo
dos estere�tipos que envolvem viol�ncia ou submiss�o o beijo � uma saud�vel troca de profundos sentimentos humanos. � claro que a atitude de submeter para extorquir
carinhos, que n�o s�o muito comuns entre as crian�as, devem ser compreendidas muito mais como car�ncias afetivas do que como viol�ncia, real ou simb�lica.
Outra situa��o notadamente comum na escola e nas unidades de educa��o infantil refere-se ao namoro. Muitos relatos demonstram que , por volta dos 05
aos 10 anos, muitas crian�as indiquem e verbalizem no grupo o fato de estarem "namorando" este ou aquela outra crian�a. Nos anivers�rios � muito comum seguir-se
aos tradicionais aplausos e ao canto do "parab�ns a voc� " uma vers�o j� consagrada de continuidade mel�dica pr�pria que indaga "com quem ser� , com quem ser� que
tal crian�a vai casar..."
Este � um jogo carregado de emo��es para as crian�as. Os namoros infantis tomam for�a por volta dos 08 e 09 anos. Dependem, em grande parte, do ambiente mais
ou menos tolerante para com estes jogos. Podem acontecer no limite da clandestinidade, quando trata-se de ambientes repressivos. Mas sempre h� um irrequieto manifestar-se
de identifica��es simb�licas amorosas entre meninos e meninas nestes per�odos.
A crian�a n�o vive realisticamente um namoro propriamente dito. � um pseudo-namoro, tamb�m baseado nos c�digos de imita��es da TV e nos estere�tipos do momento.
� quase sempre acompanhado por um sentimento j� anteriormente constru�do, quase que estereotipado, de representa��o social da beleza e vigor, da for�a e lideran�a.
Somos defensores da tese de que, como pais e educadores, devemos aproveitar tais rela��es e jogos emocionais (05 - 06 anos) para uma .reflex�o cr�tica sobre os pap�is
sexuais. Buscar desenvolver formas de equil�brio valorativo entre meninos e meninas, destacar as caracter�sticas igualit�rias de um e outro, chamar a aten��o para
com as qualidades de todas as crian�as neste simb�lico processo de sedu��o � um salutar empreendimento pedag�gico e humano. Solidifica a auto-estima, consolida identidades
pessoais e prepara para o exigente jogo da afetividade humana, sempre exuberante.
Nesta idade ainda h� uma forte inclina��o para os jogos greg�rios. Coincide tamb�m com o auge do "complexo de �dipo", relatado pela Psican�lise cl�ssica. A
compreens�o mais aprofundada destes dispositivos explicativos da cristaliza��o dos pap�is sexuais dever� ser buscada em jornadas de estudo e leituras mais apropriadas.
N�o se trata imediatamente 'de objeto de nossa an�lise no presente livro. Recomendamos outrossim que os educadores atentem para o fato de que estes dever�o ter clareza
sobre a natureza positiva e afirmativa destas manifesta��es e refor�ar sentimentos de solidariedade, igualdade e afetividade entre as crian�as, de maneira natural
e respeitosa entre os sexos.
Uma forma peculiar de curiosidade das crian�as constitui uma atitude espec�fica que denominamos observacionismo. Esta atitude quer tipificar aquela ansiedade
em ver, apalpar, conhecer as identidades sexuais/genitais de outrem, meninos e meninas. In�meras pr�ticas de observacionismo s�o relatadas, principalmente pelo modelo
patriarcal que privilegia uma maior express�o dos meninos. Assim, espiar as meninas no banheiro, espiar a cor da calcinha, levantar as saias, procurar ver os genitais
do outro (a) etc entre 04 e 06 anos, s�o freq�entemente denunciados como atividades observacionistas e curiosas. Tais pr�ticas, se s�o muito freq�entes, devem sensibilizar
o educador a mostrar �s crian�as a forma, fun��o e significa��o dos �rg�os sexuais, de maneira serena, segura e clara, com subs�dios fundamentados. Muitas manifesta��es
sugerem uma ansiedade de saber, que um programa seguro de conversas, textos, fotos e figuras tende a resolver com tranq�ilidade, dentro de um planejamento adequado
de interven��o educacional.
N�o temos d�vida de que todas as formas de curiosidade ou explora��o do corpo do outro, � revelia de seu sujeito, deve ser adequadamente coibida e reorientada.
O conhecer o corpo e o viver as gratifica��es que potencialmente nos proporciona em sua express�o social deve ser uma experi�ncia subjetiva fundamental para a personalidade
emancipada.
O exibicionismo/fetichismo � uma das manifesta��es que mais apresentam pr�ticas de incompreens�o e repress�o social. Entendemos por fetichismo uma determinada
atitude de cristalizar a curiosidade sobre os �rg�os genitais e suas representa��es. H�. uma certa fixa��o em desenh�-los e nome�-los publicamente. Aparece tamb�m
por volta dos 07 - 08 anos a fetichiza��o do p�nis ou da vulva/vagina � seus correlatos simb�licos, (calcinha, cuecas, "camisinhas"), ou, outros s�mbolos genitais.
As pr�ticas exibicionistas revelam ansiedade e satisfa��o em provocar espanto ou pol�mica, quer no grupo social ou na comunidade normativa. Uma atua��o pedag�gica
segura tende a diminuir tais impulsos. As conversas sexuais, em grupo ou em particular, quase sempre reproduzem outros universos de informa��o, muitas vezes de larga
influ�ncia sobre a crian�a e seu mundo. N�o se trata de reprimir a express�o fetichista mas de buscar dar-lhe uma significa��o mais apropriada, exaltando os caracteres
de subjetividade humana que encerram.
O ciclo e as mitologias sobre o fen�meno do nascimento configura uma outra coordenada pedag�gica de atua��o na escola. H� uma curiosidade muito grande (04-06
anos) sobre o ciclo da vida ou a mec�nica do nascimento. Respeitando o car�ter mitol�gico da consci�ncia infantil deveremos construir formas de relatar o nascimento
das crian�as, nos seus limites e contornos, com uma significa��o humanista, pessoal e subjetiva. Nossa cultura n�o desenvolveu muitas formas de abordar o fen�meno
da vida, particularmente pela pesada heran�a patriarcal-religiosa repressiva que herdou dos modelos culturais hegem�nicos. Temos tido dificuldades em abordar a quest�o
da vida e da morte sem recorrer aos lugares comuns pr�prios da religi�o e do senso comum. Isto requer, em primeira inst�ncia, uma sensibiliza��o e uma produ��o pluralista,
art�stica e pedag�gica, de novos subs�dios para a interven��o significativa na forma��o da crian�a.
Novos recursos �udio-visuais, devidamente acompanhados de explica��o e programa��o, auxiliam muito nesta quest�o. H� uma car�ncia muito grande de uma linguagem
e de figuras simb�licas significativas para tratar das quest�es da vida e da morte, coordenadas humanas fundamentais. Somente uma etapa de avan�o cultural e eleva��o
�tica poder� engendrar novas formas de tratar tais quest�es. � preciso fazer uma cr�tica das atuais formas de abordar estes assuntos.
Em s�ntese, tais s�o as manifesta��es mais freq�entes da sexualidade infantil reprimida e negada pela educa��o dom�stica e social. Nosso papel de educador �
o de interferir, no limite de nossa compet�ncia, na cr�tica aos modelos repressivos/ permissivos para a constru��o de uma sexualidade humanizada, er�tica e l�dica,
s� poss�vel numa rela��o de confian�a e afeto.
Partindo destas premissas, de que a sexualidade � uma das dimens�es fundamentais da condi��o humana e que, pela pr�pria import�ncia, influi em todos os demais
aspectos psicossociais da forma��o da crian�a � que podemos formular um projeto de educa��o sexual. A reflex�o sobre a sexualidade infantil, conquanto seja a apropria��o
mesma das formas de estar e ser-no-mundo, � um processo difuso e ainda muito indefinido, abrangendo a considera��o das primeiras formas de conhecimento do mundo
e do pr�prio corpo, sendo portanto, neste per�odo privilegiado o tempo no qual a sociedade, atrav�s das suas institui��es b�sicas, internaliza san��es, normas, proibi��es,
interditos e medos sobre o novo ser.
A crian�a nasce sem inibi��es corporais e mentais. Ao evoluir no crescimento uterino tem uma intensa experi�ncia de prazer, plenitude e totalidade que sofre
ao nascer uma ruptura dram�tica, contudo maravilhosa. Mover-se-� na vida, pelo princ�pio do "prazer" e pela busca da satisfa��o e sensa��es agrad�veis, princ�pios
sobre os quais foi gestada.
Hoje, mais do que nunca, h� necessidade de uma educa��o sexual revolucion�ria. Tanto para fazer a cr�tica dos modelos tradicionais, impostos pela educa��o formal,
como para poder fazer frente � industrializa��o, consumo e objetualiza��o do sexo e do corpo, presentes na cultura consumista e sexista atual. A este discurso sobre
sexo corresponde uma aliena��o do sentimento e desagrega��o do afeto e do desejo, produzidos pela massifica��o da sociedade contempor�nea.
2. FUNDAMENTOS TE�RICOS PARA COMPREENDER AS ETAPAS DO DESENVOLVIMENTO PSICOSSEXUAL DAS CRIAN�AS: A CONTRIBUI��O DE FREUD E PIAGET.
J� afirmamos que somos seres sexuados e historicamente condicionados. H� diversas formas de compreender as etapas da sexualidade infantil. A interpreta��o mais comumente
difundida � a freudiana, referindo aos estudos pioneiros do m�dico-neurologista austr�aco, considerado o "pai da Psican�lise", SIGMUND FREUD (1856-1939), conforme
vimos no cap�tulo anterior.
Esta concep��o ou "ci�ncia nova", numa an�lise de seus impactos na Hist�ria da Ci�ncia Moderna, revolucionou profundamente a Pedagogia e as Ci�ncias Humanas
como um todo. Seus estudos partem da concep��o evolucionista da educa��o e constitui��o da psiqu� humana. FREUD produz uma forma de an�lise que define as
diversas fases de cristaliza��o e difus�o da "libido", energia ps�quica e corporal vital prim�ria, origem de todas as etapas posteriores do desenvolvimento psicossexual.
FREUD relata algumas fases ou etapas que seriam universalmente vivenciadas, aqui sumariamente descritas e apontadas.
A fase oral - de curta dura��o, 'por volta de 01 ano, quando a crian�a encontra satisfa��o e prazer na boca. Nesta fase h� uma grande satisfa��o libidinosa
em todas as atividades (morder, sorrir, chorar, sugar) oriundas na atividade oral. FREUD afirma que estas atividades s�o primariamente sensoriais e que a satisfa��o
encontrada nesta a��o cristaliza-se a partir da "libido", entendida como energia ps�quica que perpassa toda a educa��o social da crian�a. O pensamento freudiano
sempre "explica" as causas destas rea��es e sua simbologia dentro dos c�nones da Neurologia e suas posteriores metodologias terap�uticopsicanal�ticas.
A fase anal (01 - 03 anos), per�odo de internaliza��o e educa��o das normas de controle do intestino, onde a crian�a sente prazer em produzir as fezes e urina.
A fase anal inicia-se ao final do primeiro ano de vida, sendo dif�cil experienci�-la antes, e consolida durante o segundo ano. A satisfa��o libidinosa n�o �, nesta
fase, puramente neurol�gica ou sensorial, mas ultrapassa este plano das sensa��es, ainda que o contenha, para situar-se nas primeiras express�es de gratifica��o
simb�lico-social da crian�a em cumprir com as exig�ncias maternas da higiene e controle met�dico e adequado do esf�ncter, atrav�s da padroniza��o de suas necessidades
fisiol�gicas.
A fase f�lica (03 - 06 anos), coincide com a descoberta dos �rg�os sexuais, manipula��o e prazer neste exerc�cio, das diferen�as sexuais e do afloramento da
quest�o edipiana. FREUD aponta aqui a �poca das descobertas das diferen�as genitais, onde o menino seria diferentemente identificado com a sociedade patriarcal atrav�s
da descoberta do "p�nis" e sua simbologia e a menina experimentaria a "castra��o" simb�lica, geradora de ansiedade, a base das sublima��es, pela descoberta da "aus�ncia"
do "p�nis". � uma fase de intensos id�lios e jogos sexuais. Durante sua viv�ncia realiza-se o auge da resolu��o, ou n�o, da quest�o edipiana, tema central da psican�lise
freudiana.
O per�odo de lat�ncia (06 - 09 anos ), onde o impulso sexual sofre diminui��o ocorrendo maior �nfase nos aspectos de sociabilidade, gregarismo e descobertas
intelectuais. FREUD aponta uma "distens�o", talvez causada pelo excesso de energia ps�quica empreendida na quest�o do id�lio edipiano e uma retomada dos jogos de
regras, al�m da vibrante internaliza��o de diferen�as sexuais e pap�is sociais.
A fase genital - que se inicia por volta dos 10 anos, passando por transforma��es corporais, biol�gicas, afetivas e sociais que culminam na adolesc�ncia. �
um per�odo de maturidade ps�quica e organiza��o das estruturas da psiqu�, anteriormente consolidadas em experi�ncias de tens�o entre o "princ�pio do prazer" e o
"princ�pio da realidade", identificado no trabalho.
Cada uma destas fases, aqui sumariamente relatadas, evoca caracter�sticas sexuais e afetivas marcantes, que determinam comportamentos e express�es grupais pr�prias.
� necess�rio aprofundar o estudo destas manifesta��es para n�o cair num simplismo anal�tico, pr�prio do senso comum.
Al�m desta compreens�o temos buscado o aux�lio do modelo interpretativo PIAGETIANO, centrado nas id�ias e estudos de JEAN PIAGET (1896-1980) que analisa os
diversos est�gios evolutivos, no campo cognitivo, afetivo e comportamental da crian�a, buscando superar tamb�m uma an�lise e observa��o imediatista e senso-comum.
PIAGET estudou as manifesta��es da intelig�ncia e afetividade da crian�a dando origem a muitas tend�ncias e concep��es pedag�gicas reunidas sob o conceito atual
do "construtivismo". � preciso aprofundar as diversas interpreta��es sobre estes fundamentos PIAGETIANOS. Vejamos sumariamente as esferas e contornos dos per�odos
evolutivos da crian�a na vis�o de PIAGET.
O per�odo sens�rio-motor - PIAGET define este per�odo inicial de constru��o da intelig�ncia e afetividade sens�rio-motora (0 - 02 anos) como marcados profundamente
pela depend�ncia da m�e e pela indiferencia��o da crian�a com rela��o ao mundo e � m�e propriamente dita. � um tempo marcado pela completa rela��o de continuidade
com a m�e e pelas capacidades assimilativas dos est�mulos do ambiente, constituindo a base da afetividade egoc�ntrica e das primeiras sensa��es de rela��o com o
mundo f�sico e social. A educa��o formal e dom�stica seria um universo de trocas e descobertas com a crian�a ativa.
PIAGET afirma predominar os fen�menos da imita��o, que tendem a ser difusos e gerais at� adquirirem contornos de intencionalidade. N�o se trata de uma imita��o
desarticulada de sentido, ao contr�rio, � uma forma de apropria��o de habilidades sensoriais frente ao mundo e seu pr�prio corpo
" Por outra parte, a crian�a dessa fase aprende a imitar os movimentos de outrem an�logos aos seus movimentos conhecidos e vis�veis. Imita, assim, todos os gestos,
com exclus�o dos gestos novos para ela ou dos gestos cujo equivalente pr�prio permanece fora do campo de sua percep��o visual. "(23)
Com esta afirma��o compreendemos que a imita��o sensorial e, posteriormente, a imita��o intencional e estimulada, representa papel fundamental na constitui��o
da intelig�ncia e afetividade da crian�a. N�o se trata de uma afetividade ainda baseada em escolhas carregadas de sentido, visto que s�o marcadas diretamente pelas
respostas de satisfa��o �s necessidades sensoriais b�sicas do seu desenvolvimento.
"... parece que a crian�a dessa fase � capaz de imitar todos os movimentos das m�os que ela executa espontaneamente, por mero interesse nesses movimentos, com exclus�o
daqueles que est�o insertos em totalidades mais complexas e que seria necess�rio diferenciar a t�tulo de esquemas independentes para poder copi�-los". (24)
A perspectiva PIAGETIANA acentua a imita��o e a franca intensifica��o da estimula��o sensorial e motora. A crian�a aprender� o movimento das m�os e suas correla��es
com a intencionalidade humana em tocar e apreender as coisas. Sua curiosidade manifestar-se-� na din�mica de tocar e pegar as coisas que estiverem ao seu alcance.
Assim, a estimula��o corporal e f�sica da corporeidade da crian�a ocupa lugar proeminente no processo educacional emancipat�rio. A simples representa��o de afei��o
� crian�a, de maneira verbal e institucional, n�o lhe fornece meios para tomar sentido em sua identidade corporal e humana. Sentir-se-� amada � medida que for tocada,
estimulada, acariciada e puder conseguir registrar estas experi�ncias como gratificantes para sua realidade como pessoa. PIAGET aponta para a necessidade de experimenta��o
que a crian�a desencadeia em seus gestos e atitudes. O fato de perseguir constantemente as coisas a faz acumular erros e frustra��es com rela��o ao seu intento,
mas que s�o a forma de sua identifica��o e assimila��o. Fixa nos movimentos dos adultos que lhe cercam a crian�a haver� de assimilar suas principais formas de educa��o
corporal. Esta atividade de descoberta est� sujeita ao erro e � possibilidade de
frustra��o:
"Tais erros parecem extremamente instrutivos. Com efeito, n�o � poss�vel considerar-se a percep��o visual do movimento dos olhos de outrem como um sinal que
deflagra os esquemas da m�o ou da boca do sujeito, pois nenhum v�nculo de contiguidade espacial ou temporal imp�s � crian�a essa aproxima��o: o erro deve, portanto,
ser inteiramente levado � conta da analogia. Quando o sujeito v� os olhos de outrem fecharem e abrirem, ele assimila esse espet�culo, n�o ao esquema visual relativo
� boca de outrem, naturalmente, mas a um esquema global, em parte visual mas, sobretudo, t�til-cinest�sico, de "abrir e fechar qualquer coisa". Ora, esse esquema
motor corresponde, essencialmente, no pr�prio corpo da crian�a, aos movimentos da m�o e aos da boca, sendo estes �ltimos invis�veis mas j� conhecidos por imita��o;
portanto, s�o esses os �rg�os que o sujeito acionar� para responder � silicita��o do movimento dos olhos de outrem. Em resumo o erro constitui uma confus�o, se quisermos,
mas inteligente: � a assimila��o do modelo a um esquema an�logo suscet�vel de traduzir o visual em cinest�sico". (25)
PIAGET define fases distintas a serem vencidas pelas crian�as neste per�odo sens�rio -motor. � a execu��o din�mica da passagem da observa��o sensorial e emp�rica,
centrada no sujeito e incapaz de descentralizar de sua realidade egoc�ntrica, para as primeiras formas de simbolismo e abstra��o. O fen�meno do egocentrismo e a
indiferencia��o, a quest�o da entroniza��o no mundo moral e seus correlatos institucionais e educacionais, tudo isso passa a ser interresse para o pesquisador em
Educa��o para assegurar a reflex�o cr�tica sobre esta fase da evolu��o afetiva e cognitiva da crian�a.
"Com efeito, o egocentrismo infantil �, essencialmente, um fen�meno de indiferencia��o : confus�o do ponto de vista pr�prio com o de outrem, ou da a��o das coisas
e pessoas com a atividade pr�pria do sujeito. Assim definido, o egocentrismo tanto � sugestibilidade e absor��o inconsciente do eu no grupo (..) quanto ignor�ncia
do ponto de vista dos outros e absor��o inconsciente do grupo no eu; e, nos dois casos, � essencialmente inconsciente, na medida em que �, justamente, a express�o
de indissocia��o". (p�g.96).
Aqueles que buscarem uma atitude pedag�gica dentro dos pressupostos de PIAGET haver�o de privilegiar a imita��o e destacar todas as formas de transmiss�o de
informa��es culturais sobre a pedagogia pr�tica atualmente em curso e sua triste realidade.
"( ...) por uma parte, a imita��o como um simples prolongamento das acomoda��es do sujeito � intelig�ncia sens�rio-motora; e, por outra parte, a imagem mental nascente
como uma imita��o interiorizada. No n�vel da intelig�ncia verbal e representativa, que examinamos agora, a primeira quest�o resume-se, ent�o, a saber em que se converteu
a intelig�ncia sens�rio motora; transformou-se inteiramente em pensamento conceptual, sob a influ�ncia da linguagem e do interc�mbio social, ou subsistiu em estado
independente, conservando algo da sua forma inicial, em algum plano inferior do sistema de condutas ( tal como os reflexos, as percep��es e os h�bitos, que tamb�m
aparecem muito antes da intelig�ncia verbal mas subsistem durante a vida inteira, na pr�pria base da hierarquia das a��es) ?"(26)
Estas coordenadas do pensamento de PIAGET para esta fase destacam a imita��o e a indiferencia��o, como
processos cognitivos e afetivos fundamentais. As crian�as n�o guardam ainda a esperada autonomia em todas as suas potencialidades de ser e estar no mundo. A principal
contribui��o, de todas as in�meras conceitua��es de PIAGET sobre o processo de assimila��o de aprendizagem da crian�a e sua acomoda��o comportamental, reside no
conceito de egocentrismo. O egocentrismo n�o constitui uma intencionalidade ego�sta, pass�vel de condena��o moral e educacional, mas sim na incapacidade de descentralizar
de sua pr�pria condi��o e assumir o lugar ou a realidade de outrem.
O per�odo intuitivo ou simb�lico - (02 - 07 anos) Para PIAGET este per�odo seria marcado pela evolu��o do egocentrismo � heteronomia. De uma afetividade egoc�ntrica,
material, exclusivista e possessiva a crian�a evoluiria para uma afetividade marcada por trocas e regras. H� um per�odo inicial de anomia e de recusa das conven��es
sociais, que se imp�e sobre a crian�a na din�mica da educa��o formal. Para PIAGET o crescimento da intelig�ncia e da afetividade consiste na supera��o da atitude
egoc�ntrica intelectual e afetiva. Neste per�odo haveria a assimila��o do jogo, que se traduz em diversas formas de sociabiliza��o e condensa diferentes inicia��es
no mundo simb�lico.
"Enfim, com a socializa��o da crian�a, o jogo adota regras ou adapta cada vez mais a imagina��o simb�lica aos dados da realidade, sob a forma de constru��o ainda
espont�nea mas imitando o real; sob essas duas formas, o s�mbolo de assimila��o individual cede assim o passo, quer � regra coletiva, quer ao s�mbolo representativo
ou objetivo, quer aos dois reunidos. " (27)
PIAGET aponta a realidade do jogo como entroniza��o e inicia��o ao mundo simb�lico, por conseguinte, ao mundo social. Reconhece que � um jogo marcadamente de
reprodu��o das regras sociais vigentes, um processo de enquadramento. GUATTARI, F. afirma que o processo escolar, l�dico ou autorit�rio, supostamente democr�tico
e gratificante ou ainda repressivo e impositivo, � sempre um ritual de inicia��o ao mundo do trabalho.
Neste sentido, faz sentido perguntar, quando aparecem os jogos e quais s�o sua principais express�es sobre a quest�o da sexualidade e afetividade.
"Quando t�m in�cio os exerc�cios l�dicos? (...) o jogo j� parece duplicar uma parte de suas condutas adaptativas. Mas prolonga estas �ltimas de maneira t�o cont�nua
e indistinta que n�o � poss�vel afirmar onde come�a exatamente e essa quest�o de fronteira cria de imediato um problema que interessa a toda e qualquer interpreta��o
dos jogos ulteriores". (28)
PIAGET destaca que os jogos sens�rio-motores s�o explora��es de sensa��es sem uma intencionalidade precisa, ao passo que os jogos simb�licos passam a internalizar
esquemas de heteronomia e a articular regras e valores que devem ser assumidos pelo grupo. No tocante � sexualidade, n�o h� grandes diverg�ncias dos processos de
estudo do desenvolvimento psicossexual da crian�a entre as teorias de FREUD e PIAGET. Embora partam de premissas e m�todos distintos, estas duas concep��es guardam
similaridades na identifica��o dos processos greg�rios da crian�a.
"Enfim, aos jogos simb�licos sobrep�emse, no curso do desenvolvimento, uma terceira grande categoria, que � a dos jogos com regras. Ao inv�s do s�mbolo, a regra
sup�e, necess�riamente, rela��es sociais ou interindividuais. Um simples ritual sens�rio-motor, como o de caminhar ao longo de uma veda��o de madeira (..) n�o constitui
uma regra (...) A regra � uma regularidade imposta pelo grupo, e de tal sorte que a sua viola��o representa uma falta. Ora, se v�rios jogos regulados s�o
comuns �s crian�as e aos adultos, um grande n�mero deles, por�m, � especificamente infantil, transmitindo-se de gera��o em gera��o sem a interven��o de uma press�o
adulta". (29)
O pesquisador sobrep�e suas concep��es te�ricas ao crivo da observa��o criteriosa, com a finalidade de organizar modelos interpretativos que forne�am elementos
para uma an�lise adequada das etapas de forma��o das no��es afetivas e cognitivas da crian�a.
(...) " Exerc�cio, s�mbolo e regra, tais parecem ser as tr�s fases sucessivas que caracterizam as grandes classes de jogos, do ponto de vista de suas estruturas
mentais. Onde situar, ent�o,os jogos de constru��o ou de cria��o, propriamente ditas? Querendo construir uma classifica��o gen�tica baseada na evolu��o das estruturas,esses
jogos n�o caracterizam uma fase entre as outras mas assinalam uma transforma��o interna na no��o de s�mbolo, no sentido da representa��o adaptada". (30)
O educador PIAGET,J. aponta para a perspectiva de que neste per�odo as crian�as viver�o o mundo simb�lico dos adultos atrav�s dos jogos. Cristaliza-se aqui
a lideran�a e a submiss�o de grupo, que muitas vezes deve ser melhor abordada, em termos te�ricos e observa��es pr�ticas, para compreender a din�mica da sociabiliza��o
infantil.
PIAGET desperta para a representa��o simb�lica do jogo e a inicia��o do processo de subjetiva��o da crian�a atrav�s da internaliza��o dos jogos imitativos e
da pr�pria avalia��o interna e subjetiva da realidade vivida.
"No fundo, a crian�a n�o tem imagina��o e aquela que o senso comum lhe atribui reduz-se � incoer�ncia e, sobretudo, � assimila��o subjetiva de que suas transposi��es
s�o testemunho. O elemento imitativo de seu jogo (portanto, o aspecto simbolizante dos seus s�mbolos) � compar�vel aos desenhos dessa idade: c�pia do real mas por
uma justaposi��o de alus�es sem representa��o adequada. Quanto ao conte�do (ao simbolizado), � a pr�pria vida da crian�a: assim como o jogo de exerc�cio reproduz
por assimila��o funcional de cada uma das novas aquisi��es do sujeito, tamb�m o jogo de "imagina��o" reproduz todo o vivido mas por representa��es simb�licas; e,
nos dois casos, essa reprodu��o �, sobretudo, afirma��o doeu por prazer de exercer seus poderes e de reviver as experi�ncias fugitivas. Em particular, os personagens
fict�cios que o jogo permite � crian�a dar-se por seus companheiros s� adquirem exist�ncia na medida em que servem de ouvintes ben�volos ou de espelho para o eu.
A sua inven��o supre aquilo que no adulto ser� o pensamento interior em suas formas formas residuais egoc�ntricas (divaga��o), assim como o mon�logo dos sujeitos
dessa idade equivale ao que, mais tarde, ser� a linguagem interior. Sem d�vida, esses companheiros m�ticos herdam tamb�m algo da atividade moralizadora dos pais,
mas na medida em que se trata, precisamente, de incorpor�-la mais agradavelmente do que na realidade. "(31)
Se durante este per�odo a crian�a ultrapassa a fase da explora��o sensorial para experimentar a apropria��o subjetiva da realidade, internalizando regras e
s�mbolos, torna-se de particular import�ncia a informa��o adequada e suficiente das curiosidades sobre o corpo, os pap�is sexuais e a viv�ncia do afeto. As explica��es
sobre a diferencia��o entre os sexos j� � poss�vel de ser apresentada de maneira igualit�ria e ison�mica.
" Dos quatro aos sete anos, em m�dia, os jogos simb�licos, de que acabamos de descrever as principais formas no seu per�odo de apogeu, come�am declinando. N�o significa
isso, sem d�vida, que diminuam em n�mero nem, sobretudo, em intensidade efetiva; mas, ao aproximar-se ainda mais do real, o s�mbolo acaba perdendo o seu car�ter
de forma��o l�dica para se avizinhar de uma simples representa��o imitativa da realidade".(32)
O que vale assinalar � que a conviv�ncia em grupos de estimula��o cr�tica e de ambientes onde sejam praticadas as significa��es de afeto e solidariedade entre
os sexos haver�o de marcar profundamente a inculca��o dos pap�is sexuais, sejam os tradicionais revistos, sejam novas proje��es pol�ticas e �ticas para a viv�ncia
social de homens e mulheres. As crian�as que puderem contar com a fam�lia e a escola articuladas numa esfera de promo��o de valores igualit�rios e de informa��es
adequadas contar�o com uma �tica sexual fundamentada no respeito aos sexos e suas manifesta��es sociais. A passagem do egocentrismo e sua supera��o pode dar lugar
a rela��es de coopera��o, solidariedade e reciprocidade.
" Mas poder-se-ia tamb�m dizer que a sequ�ncia nas id�ias deriva dos progressos da socializa��o: a� est�o, uma vez mais, os dois aspectos de um mesmo desenvolvimento
e � interessante notar esse c�rculo de aquisi��es sociais e mentais no dom�nio do simbolismo l�dico, tal como se pode assinal�-lo incessantemente no da representa��o
adaptada. Nos dois casos, h� passagem do egocentrismo inicial para a reciprocidade, gra�as a uma dupla coordena��o nas rela��es inter�ndividuais e nas representa��es
correlativas. Mas, no que diz respeito ao simbolismo l�d�co, convir� notar que todo o progresso da socializa��o culmina, n�o num refor�o do simbolismo, mas na sua
transforma��o, mais ou menos r�pida, no sentido da imita��o objetiva do real". (33)
Assim, atrav�s de um processo instigante e desafiador, a internaliza��o de regras alcan�a o significado de uma solidifica��o social do "ethos" dominante. Os
processos de sociabiliza��o familiar e escolar ampliam e marcam as diretrizes do modo padr�o de viv�ncia da vida adulta. � deste modo que afirmamos que nenhuma forma
de "atalho" pedag�gico h� entre o mundo adolescente e adulto. N�o conseguiremos criar a predisposi��o para o di�logo, para a atitude de "ouvir" em nossos adolescentes
e jovens se n�o tivermos constru�do uma segura sensibiliza��o fidedigna na inf�ncia.
PIAGET afirma
"(. ..) a crian�a de sete anos abandona o jogo egoc�ntrico das crian�as mais pequenas, em proveito de uma aplica��o efetiva de regras e do esp�rito de coopera��o
entre os jogadores. O mesmo se aplica, naturalmente, aos jogos simb�licos coletivos, nos quais se observa, dos sete aos dez e onze anos, uma coordena��o cada vez
mais estreita dos pap�is e um total florescimento da socializa��o que desabrochara no n�vel precedente. Foi o que podemos observar, com J. , L. e T. , nos jogos
de " fam�lia ", de bonecas ou cenas de teatro de que falamos abaixo (..) parece chegar ao fim como pr�prio final da inf�ncia, ao passo que o
jogo de regras, ignorado das crian�as pequenas, durar� at� a idade adulta. (..) S�o quase os �nicos que subsistem no adulto. Ora estando esses jogos socializados
e disciplinados, precisamente em virtude da regra, poder-se
� indagar se n�o ser�o as mesmas causas que explicam, simultaneamente, tanto o decl�nio do jogo infantil nas suas formas espec�ficas de exerc�cio e, depois, principalmente,
de s�mbolo fict�cio, com o desenvolvimento dos jogos de regras, na medida em que s�o essencialmente sociais". (34)
Com tais diretrizes PIAGET acentua as manifesta��es da curiosidade infantil e o desenvolvimento processual de seu pensamento e afetividade, que s�o apresentadas
como evolu��es das matrizes de continuidade e indiferencia��o, do egocentrismo intelectual e afetivo para a coopera��o, autonomia e reciprocidade.
O per�odo das opera��es concretas - (07 - 12 anos) do concreto ao l�gico. Corresponde a um processo de maior capacidade intelectiva, superando a consci�ncia
mitol�gica e fragment�ria anterior, para a aquisi��o de condi��es cognitivas do racioc�nio comparativo, linear, dedutivo e concreto. Na esfera afetiva corresponde
ao sentimento greg�rio relatado por FREUD, centrado nas regras coletivas, jogos de submiss�o e identidade e nega��o da alteridade. Tal processo de nega��o afirma
uma oposi��o moment�nea entre meninos e meninas e uma disputa social por suas identifica��es tradicionais.
Um debate sub-liminar acontece entre o pensamento de PIAGET e FREUD. Partindo da no��o de "s�mbolo" os dois autores iniciam uma reflex�o, sobre as premissas
e as bases epistemol�gicas que lhes sustentam em �reas t�o distintas, constituindo um debate enriquecedor e eloquente.
PIAGET afirma a seguinte tese sobre FREUD
"Ora, por um reencontro interessante, o sentido da palavra "s�mbolo" do qual a ling��stica saussuriana definiu o alcance, acontece coincidir com aquele do qual se
serviram as diferentes escolas ditas "psicanal�ticas": uma imagem que comporta uma significa��o ao mesmo tempo distinta do seu conte�do imediato e tal que existe
uma semelhan�a mais ou menos direta entre o significante e o significado. Mas ao s�mbolo consciente, isto �, do qual a significa��o � transparente para o pr�prio
sujeito (por exemplo, o desenho simb�lico do qual se servir� um jornal para enganar a censura governamental), FREUD acrescentou o s�mbolo inconsciente, isto �,
a significa��o oculta para o pr�prio sujeito. Como disseram os psicanalistas ingleses, existem ent�o duas esp�cies de s�mbolos: as "met�foras" e as "cript�foras".
Sob o nome de "pensamento simb�lico", FREUD, JUNG e muitos outros descrevem ent�o uma forma de pensamento independente dos signos verbais e oposta mesmo, por sua
estrutura e funcionamento, ao pensamento racional que utiliza os signos . Ademais � um pensamento do qual se sublinhou a natureza individual e mesmo �ntima, por
oposi��o ao pensamento socializado, porque ele se manifesta sobretudo no sonho
e no devaneio, donde a no��o de "autismo". Suas ra�zes, por fim, seriam essencialmente "inconscientes" (...)".(35)
Seu di�olgo continua cr�tico e propositivo:
"Quanto �s preocupa��es relativas aos pais e aos irm�os e irm�s, basta colecionar e comprovar entre eles todos os jogos que simbolizam estes personagens para
constatar quanto o pormenor desse simbolizmo � revelador de tend�ncias e sentimentos, dos quais uma boa parte escapa � consci�ncia clara da crian�a pela raz�o muito
simples de que eles n�o s�o quase nunca postos em quest�o. S�o primeiramente as identifica��es com a m�e (ter um marido, filhos, cri�-los etc.) ou o pai, os irm�os
mais velhos ou os mais novos. Ora, se n�o existe a�, aparentemente, mais que uma pura reprodu��o da realidade ambiente, observa-se na realidade uma multid�o de sentimentos
contradit�rios, de liga��o ou de resist�ncia, da submiss�o ou de independ�ncia, de desejo de atrair para si um dos pais ou de ci�me, de necessidade de igualar os
grandes, de mudar de ambiente etc. ". (36)
" O pai, ao contr�rio, � objeto de sentimentos ambivalentes: � amado, mas � freq�entemente aborrecido e desembara�ar-se dele n�o acarreta conseq��ncias, enquanto
que uma revolta contra a m�e mexe com muito mais coisas. Deve-se notar, em rela��o a isso, a s�bia dosagem que o simbolismo realiza entre a agressividade e o seu
oposto. � sobretudo interessante observar quanto a atitude para com o pai varia quando os pais se acham reunidos ou quando ele se acha sozinho e tamb�m isso se nota
a todo instante no jogo. Em resumo cada um dos personagens do meio ambiente da crian�a ocasiona, em suas rela��es com ela, uma esp�cie de esquemas "afetivos"; isto
�, de resumos ou moldes dos diversos sentimentos sucessivos que esse personagem provoca, e s�o esses esquemas que determinam os principais s�mbolos secund�rios,
como determinar�o muitas vezes, no futuro, certas simpatias ou antipatias dif�ceis de explicar de outro modo, a n�o ser por uma assimila��o inconsciente com modos
de comportamento passados". (37)
"(..) problema de nascimento dos beb�s perturbar� as crian�as, �s quais uma educa��o absurda recusa a verdade. Essa perturba��o ultrapassar� ent�o inconscientemente
aquilo que dela conhece o pr�prio sujeito. Mas mesmo em sujeitos que, como aqueles dos quais citamos aqui as observa��es, n�o tiveram jamais a menor ocasi�o de considerar
a quest�o como tabu, constata-se que o interesse pelo nascimento ocasiona todo um simbolismo l�dico. Antes de haver encontrado a solu��o, a crian�a simboliza diversas
possibilidades fantasiosas e, ap�s a descoberta, brinca de gravidez, mas acrescenta freq�entemente a isso novas fantasias ou as antigas readaptadas, as quais, mostram
umas e outras, o quanto esse dom�nio ultrapassa em interesse a moldura de um simples problema de intelig�ncia causal". (38)
Estas observa��es aparecem dentro das categorias pr�prias do pensamento de FREUD, a quem PIAGET acrescenta cr�ticas e an�lises:
"Por fim, pode-se distinguir os sonhos que constituem a simples tradu��o simb�lica de um est�mulo org�nico atual, como, por exemplo, o sonho de regador, ligado a
mic��o, ou o outro, de comer uma pedra, que exprime um peso no est�mago. Encontra-se freq�entemente nos meninos sonhos de ere��o : assim � o sonho de U., que , v�
uma longa vagem crescer desmesuradamente numa bacia". (39)
"(..) dupla que Freud tirou suas hip�teses sobre o simbolismo em geral. O sonho � sempre realiza��o de um desejo, mas o conte�do aparente dos sonhos oculta um "conte�do
latente", do qual n�o � mais que a "transposi��o" simb�lica. Essa transposi��o � devida a uma censura que prov�m, ela pr�pria, da consci�ncia do sujeito, assim como
seu "superego", ou interiorizar�o da a��o dos pais. O conte�do latente � efetivamente censurado porque � formado de tend�ncias "reprimidas": ao fim, portanto, o
sonho � a realiza��o simb�lica de um desejo reprimido."(40)
Nos parece que PIAGET aponta uma cr�tica aos m�todos interpretativos freudianos, considerados metaf�sicos e distantes da metodologia adotada por PIAGET e seus pressupostos
epistemol�gicos empiristas.
" Somos assim determinados por todo nosso passado e, em particular, pela hierarquia das tend�ncias infantis seriadas segundo as fases do desenvolvimento "sexual"
: fase oral, depois a anal, narcisismo, depois escolha do objeto (por volta do fim do primeiro ano) e tend�ncias edipianas; por fim, transfer�ncia de afetividade
para um n�mero cada vez maior de novos personagens. Um s�mbolo, portanto, nunca � simples e h� sempre "polissimbolismo", pelo fato das significa��es m�ltiplas que
resultam deste encaixe de tend�ncias e de conflitos". (41)
O que pretendemos com esta vasta colet�nea de textos extra�dos de PIAGET � relacionar a proximidade entre ambos e a relativa aproxima��o te�rica buscada pelo
educador franc�s. Ao compreender as fases de transposi��o psicossexual e afetiva da crian�a, FREUD contribuiu para uma nova perpectiva pedag�gica e institucional,
conforme destaca PIAGET.
"Os dois fatos fundamentais descobertos pelo FREUDISMO s�o, o primeiro, que a afetividade infantil passa por fases bem caracterizadas, e o outro, que existe uma
continuidade subjacente, ou seja, que em cada n�vel o sujeito assimila inconscientemente as situa��es afetivas atuais �s situa��es anteriores e mesmo �s mais antigas".
(42)
J.PIAGET reconhece que tal desenvolvimento psicossexual realiza-se por incorpora��es de experi�ncias e viv�ncias, de modo a consolidar uma din�mica afetiva
que marca a pr�pria personalidade da pessoa humana. O reconhecimento educacional destes processos e fases traz importantes diretrizes educacionais para agentes e
educadores, no tocante � sexualidade. Requer que sejam compreendidas as etapas de curiosidade e os jogos simb�licos de descoberta do corpo e gratifica��es afetivas
grupais. N�o nos permite uma abordagem senso-comum da crian�a e seus comportamentos, numa a��o educacional classificat�ria e normativa, represara e muitas vezes
desenformada de seu alcance e conseq��ncias. Ao analisar tal atitude ou outra de uma crian�a, sobre suas curiosidades e descobertas de sua sexualidade e afetividade,
� necess�rio comparar tal manifesta��o com aquelas apontadas pela base pedag�gico-cient�fica, antes de sair classificando e rotulando de "normais ou anormais" tais
atos e seus agentes, produzindo ansiedades e medos sem raz�o.
O per�odo das opera��es abstratas - (12 anos/ adolesc�ncia) Coincide com o reconhecimento da alteridade e fundamenta��o da personalidade. Seria o per�odo da
maturidade cognitiva, marcada pela capacidade abstrata de um racioc�nio hipot�tico dedutivo, cient�fico e impessoal, superando ainda a atitude egoc�ntrica e a necessidade
da concretude. No campo afetivo estaria presente a possibilidade de rela��es de solidariedade e coopera��o, etapa madura de um amor fecundo, diferente e solid�rio.
Seria a fase de consolida��o de um longo per�odo de maturidade afetiva e predisposi��o intelectual.
"A intelig�ncia passa tamb�m por fases e elas correspondem mesmo, em suas grandes linhas, �s de desenvolvimento afetivo. Por exemplo, a suc��o desempenha um papel
t�o grande na organiza��o dos esquemas sens�rio-motor primitivos (espa�o bucal etc.) quanto na afetividade da crian�a de peito. O "narcisismo" (com a condi��o, bem
entendido, de a� ver um narcisismo sem Narciso, isto �, sem a consci�ncia do eu) corresponde �quele egocentrismo radical do primeiro ano, durante o qual o universo
e o eu se confundem, na falta de objetos permanentes exteriores. Ao n�vel da "escolha do objeto" afetivo correspondem a constru��o do objeto substancial e
a organiza��o do espa�o externo . Ao plano da transfer�ncia da afetividade para outras pessoas correspondente, enfim, o in�cio da socializa��o do pensamento. Por
outro lado toda a an�lise gen�tica do pensamento mostra a assimila��o permanente dos dados atuais aos esquemas anteriores e aos da atividade propriamente dita, consistindo
o processo da intelig�ncia numa descentraliza��o progressiva dessa assimila��o e os erros se reduzindo , ao contr�rio, a uma fixa��o inconsciente �quilo que se poderia
chamar de "complexos" intelectuais reprimidos . (43)
Desta maneira, podemos afirmar que a concep��o PIAGETIANA pode tornar-se um valioso instrumento de qualifica��o pedag�gica, de modo a fornecer subs�dios para
a compreens�o da din�mica processual da afetividade e inlectualidade da crian�a e suas correla��es com a mundo social e institucional.
3. A SEXUALIDADE E A EDUCA��O: T�PICOS PARA A CONSTRU��O DE UM PROJETO INSTITUCIONAL DE INTERVEN��O PEDAG�GICA
Vimos que sem o desenvolvimento natural da sexualidade n�o existe possibilidade de uma forma��o sadia ou adequada. Isto requer um cuidado especial nosso ao
interferir no processo
formativo da crian�a. A medida que a crian�a cresce e adquire a curiosidade de assimilar o mundo e a condi��o humana, cultural e socialmente, estrutura-se o universo
institucional de descobertas e informa��es sobre o mundo e dentro dele a conduta sexual de cada novo ser. Este processo, chamado de sociabiliza��o da crian�a, d�-s�
prioritariamente em 3 fases:
Elementar: do nascimento aos 03 anos de idade : per�odo centrado na descoberta sensorial de seu corpo e na experimenta��o de sensa��es concretas, na identifica��o
da estrutura parental e nas formas l�dicas de aquisi��o da linguagem. dom�stica: dos 03 aos 06 anos , caracterizado pela cristaliza��o dos pap�issociais,
atrav�s das descobertas das diferen�as genitais de g�nero e na supera��o do id�lio familiar pela entroniza��o no universo social mais amplo da pr�-escola.
comunit�ria ou social: Dos 06/07 anos em diante. Configura a entrada da crian�a nas demais institui��es, al�m da fam�lia e da escola, e de todas as exig�ncias
de ordem comportamental e social que passam a pesar sobre esta.
Neste processo todo, como vimos, a sexualidade infantil recebe significa��es e condicionamentos hist�ricos e direcionados. Quando a crian�a encontra-se frente
ao adulto e ao mundo encontra-se plenamente, com todas suas dimens�es. Negar-lhe a forma��o sadia da sexualidade � negar-lhe um elemento fundamental do ser. Toda
educa��o � portanto sexual, seja ela reprodutiva, castradora ou libertadora. N�o h� possibilidade de compreendermos uma educa��o integral da crian�a alijando a dimens�o
sexual. Ela acontecer� sempre, quer pelo nosso esfor�o institucional de interferir e dar-lhe um significado novo, quer pela aus�ncia de um discurso positivo, o que
remete a crian�a a uma educa��o perversa presente no sub-mundo das rela��es
institucionais.
4. A CRIAN�A, A ESCOLA E A SEXUALIDADE.
Tentaremos aqui delinear algumas situa��es espec�ficas da manifesta��o da sexualidade emergente da crian�a na realidade institucional das unidades educacionais
que tratam da crian�a, a pr�-escola e as escolas de educa��o Infantil. Muitas destas situa��es ser�o facilmente encaminhadas por uma predisposi��o serena e natural
do educador frente � rica expressividade sexual e afetiva da crian�a. N�o encontramos crian�as somente curiosas em nossas institui��es escolares, sobre elas j� pesa,
desde as primeiras formas de aquisi��o da linguagem e cultura; modelos e preconceitos milenares, radicados nas estruturas patriarcais e repressivas da sociedade
que vivemos. Consideremos que nossas crian�as s�o ansiosas para saber, e compreender esta ansiedade e uma atitude pedag�gica fundamental.
a) A descoberta do sexo: Entre os 02 e 03 anos a crian�a "descobre" seu sexo, numa maneira metodol�gica de dizer, configurando uma descoberta simb�lica e significativa
e n�o uma mera constata��o emp�rica e sensorial, e nesta descoberta dever� tomar consci�ncia da significa��o das diferen�as sexuais entre meninos e meninas e suas
respectivas formas sociais. Esta descoberta est� associada a "satisfa��o" no menino, devido � valoriza��o do "ph�los" e � "car�ncia" e "castra��o" da menina, inculcando-lhe
freq�entemente um 'sentimento de aus�ncia e ansiedade', devido �s estruturas culturais de nossa sociedade.
Ao chegar, portanto, � pr�-escola, a crian�a j� traz a socializa��o elementar e dom�stica e muito de seu comportamento frente � sexualidade j� se ressente do
condicionamento, da forma e atitude dos pais frente � quest�o.
Ao entrar no mundo da escola a crian�a v� aumentar a dimens�o de seu pr�prio mundo e ampliar o espectro dos interlocutores de sua forma��o. V� a si e a outros,
meninos e meninas, que n�o s�o os de sua casa e nem fazem parte de seu conv�vio familiar, com o qual esteve em rela��o direta at� ent�o, e encontra-se frente � figura
da "professora"; que assimilar� como uma institui��o de poder e influ�ncias no mesmo grau de seus pais.
As express�es dominantes da sexualidade infantil durante esta fase s�o a viv�ncia da situa��o edipiana ou "romance familiar" e a manipula��o mec�nica dos �rg�os
sexuais, j� abordados acima. As proibi��es, san��es e medos que surgem nesta fase podem comprometer a naturalidade de todo o processo psicossexual. Muitas atitudes
repressivas e inadequadas s�o conden�veis frente � crian�a que descobre seu sexo, principalmente a amea�a de mutila��o e castra��o.
A melhor orienta��o sexual nesta fase � a de tratar com naturalidade estas express�es infantis, proporcionando as crian�as as respostas �s suas perguntas e
trabalhando em sua forma��o social, afetiva e intelectual. Quando as crian�as perguntam sobre a diferen�a entre os sexos deve-se responder com naturalidade e de
maneira compreensiva e acess�vel, evitando exemplos de diminui��o, castigo ou doen�a. A verdadeira educa��o sexual quer resgatar um conceito positivo da sexualidade
que nossa cultura perdeu, como pudemos ver atrav�s da recupera��o hist�rica dos principais modelos da sexualidade ocidental.(44)
A aus�ncia de uma fala natural sobre a sexualidade, tanto dos pais como dos professores, vai gerar na crian�a a "ansiedade" de saber que o far� buscar em outras
fontes, nem sempre as mais recomend�veis desde os primeiros anos. Vimos claramente que o enfoque moralista e repressivo, que condena a curiosidade infantil sobre
a sexualidade, � exatamente o motor e causa da ansiedade.
A quest�o dos preconceitos, pervers�es, banaliza��es e viol�ncia que envolve a sexualidade n�o tem origem na crian�a, mas no mundo e sociedade onde esta crian�a
vive e, quase sempre, � v�tima e presa f�cil. Uma cultura de nega��o da sexualidade e uma acentuada estimula��o pornogr�fica est�o presentes em nossa sociedade e
s�o respons�veis por muitas das "informa��es" que as crian�as e adolescentes recebem.
b) As quest�es fundamentais: Dos 04 aos 06 anos, numa primeira fase que prossegue no per�odo escolar, a crian�a formular� suas principais quest�es sobre a
mec�nica da sexualidade. Surgir�o quest�es como de "de onde vim", "como nascem os beb�s", "o que � morte" e freq�entemente indaga��es espont�neas sobre a sexualidade
dos pais ou mesmo dos professores. A associa��o com a sexualidade dos animais tem sido um recurso para as primeiras perguntas, mas n�o podemos deixar de dizer a
verdade com naturalidade e seguran�a, buscando formas humanizadas e carregadas de sentido para apresentar a sexualidade e suas caracter�sticas.
Grande parte do sucesso das informa��es sexuais exigidas para uma orienta��o humanizada depende do grau de confian�a e qualidade mantido com a crian�a no cotidiano
escolar. Esta qualidade deve ser cultivada desde seu nascimento, mantida pela fam�lia e articulada com a escola que pretende ser emancipat�ria e cr�tica das viv�ncias
tradicionais.
Muitas vezes o discurso de muitos educadores parece ser libertador e natural mas suas atitudes s�o castradoras e incoerentes. Al�m do vigor da manifesta��o
da sexualidade natural da crian�a hoje existem muitos agentes estimuladores de uma sexualidade consumista e j� comprometida com os pap�is tradicionais atrav�s, principalmente
da propaganda e dos meios de comunica��o, que a crian�a repete por um comportamento imitativo. A curiosidade infantil deste per�odo pode resumir-se a algumas atitudes.
1) Explora��o manual dos �rg�os sexuais: pode ser observada em dimens�o pessoal ou realizadas em grupo. H� uma grande curiosidade na observa��o dos �rg�os genitais
pr�prios ou de outros colegas. Brincar de "papai" e "mam�e" etc". Aos 03-04 anos isso � muito freq�ente. Mais tarde a crian�a tender� a fazer desenhos e figuras
humanas com caracteres sexuais destacados, simbolizando tamb�m uma curiosidade maior sobre a quest�o. � preciso considerar que tais desenhos, ou mesmo a manipula��o
dos �rg�os genitais, � absolutamente normal e inofensiva.
2) Observacionismo - espiar os outros no banheiro, em casa ou por baixo da mesa ou cadeiras. J� abordamos estas caracter�sticas na escola e acentuamos que tais
atitudes revelam a curiosidade ansiosa. A atitude pedag�gica recomendada � a de abrir um di�logo franco com a crian�a, com as caracter�sticas de seu pensamento e
suas habilidades cognitivas e afetivas.
3) Conversas sexuais em grupo - freq�entemente repetindo informa��es desencontradas, fantasias ou imitando conversas "ouvidas" no mundo desinformado dos bastidores
sociais. Estas conversas revelam que a curiosidade da crian�a tem gravitado ao redor das informa��es sobre sexualidade. � necess�rio que o adulto perceba que a crian�a
sempre, ou quase sempre, repercute as conversas que ouve ou que lhe s�o estimuladas pela viv�ncia do grupo onde atua e desenvolve-se. Recomenda-se que tais educadores
possam acompanhar estes espa�os e propor di�logos francos para com a crian�a, subsidiar-lhe com materiais did�ticos que retratem o corpo e a sexualidade de maneira
adequada, com coer�ncia e serenidade.
4) Emprego de palavras supostamente obscenas - estas palavras revelam muito mais o prazer do interdito e a vingan�a impessoal das san��es impostas, do que o
conhecimento e alcance do sentido propriamente sexual do que se fala ou se expressa. A crian�a quase sempre desconhece o sentido pleno das palavras que freq�entemente
repete. Estas palavras variam muito de padr�o cultural e social. Hoje a m�dia, particularmente a televis�o, atinge com grande influ�ncia a linguagem das crian�as
e o padr�o de toler�ncia � mais amplo do que algumas d�cadas atr�s. � preciso compreender que a crian�a precisa ter confian�a e convencimento dos limites, explicar-lhe
a diferen�a entre a possibilidade de express�o dom�stica e social, de modo a n�o confundir-lhe e n�o atuar somente na dire��o de reprimir sua express�o, sem que
esta seja sujeito da sua pr�pria a��o.
5) Bilhetes e desenhos sexuais - que manifestam curiosidade e afirma��o social, geralmente fruto da ansiedade do saber. Aos 07-08 anos estes desenhos acentuam
caracteres sexuais. Em todas as fases, desenhar e moldar figuras e representa��es de pessoas ou animais com caracteres genitais � absolutamente natural e saud�vel.
0 anormal seria o contr�rio, representar figuras sem a identidade genital, o que revela uma precoce repress�o ou medo frente a estas caracter�sticas. Estes desenhos
s�o sinais de uma grande curiosidade do grupo sobre os temas envolventes da sexualidade e corporeidade. H� hoje excelentes livros e textos, bem como indica��es did�ticas
de situa��es que visem esclarecer as crian�as e construir com estes uma outra "�tica", um olhar humanizado da sexualidade. A excita��o com rela��o ao saber sobre
sexo, a exposi��o dos genitais, revela sobretudo, uma sintom�tica ansiedade, que dever� serenamente ser abordada como uma din�mica pr�pria, pelo educador cr�tico
e preparado.
6) Encontros clandestinos - geralmente liderados por uma crian�a mais velha. Exibi��o coletiva ou conversas sobre sexo. E necess�rio um acompanhamento seguro
da din�mica dos jogos e brincadeiras das crian�as, sem cair numa atitude patrulhadora ou repressiva. Tais jogos em nada apontam as chamadas "perversidades" ou sev�cias.
Devem ser encarados da mesma maneira como os demais jogos de gregarismo e pautados por estrat�gias de lideran�a e agrupamento.
7) Exibicionismo - exibi��o dos �rg�os sexuais, geralmente mais freq�ente nos meninos, que cause espanto, prazer e medo. � tamb�m um jogo que tem mais significado
sem entendermos a "vontade" de chamar a aten��o do grupo ou dos adultos. Quase sempre � uma a��o reproduzindo outro universo de viv�ncia e significa��o. Aos educadores
cabe sempre conversar, explicar muitas vezes o espa�o social e seus limites,de modo a fazer a crian�a compreender que a corporeidade � uma dimens�o �ntegra e pessoal
e sua exposi��o banal n�o retrata liberdade ou quaisquer valores semelhantes. Educar a crian�a significa dar-lhe, sem nenhum tipo de repress�o, os limites sociais
e institucionais, de modo que os compreenda e assimile de maneira pessoal e subjetiva
8) Gestos obscenos - gesticula��o aprendida � muitas vezes incompreens�vel. H� muitas controv�rsias sobre o fundamento destes jogos e express�es. O grupo sempre
tem formas de exclus�o e segrega��o de desafetos e m�ltiplas formas de indicar seus conflitos e intrigas. H� que se explicar o sentido das coisas ditas e representadas
e coerentemente evitar as express�es que indiquem diminui��o, desprezo, acentuando supostos "defeitos" e particularidades. O educador deve ser e estar firme em sua
conduta, angariando o respeito dos alunos sob seus cuidados pela coer�ncia em tratar a todos com igualdade e exigir destes a mesma forma.
Estas manifesta��es s�o perfeitamente normais dentro do nosso modelo social educativo. Cremos que uma correta orienta��o da sexualidade infantil, na medida
das expectativas, diminuiria consideravelmente estas manifesta��es angustiadas e fragmentadas.
A maior parte dos educadores, por�m, trata estas manifesta��es como atos de indisciplina, mal�cia e maldade, reprimindo e recalcando esta ansiedade, sem resolv�-la,
mas, pelo contr�rio, aumentando sua intensidade.
Falta-nos contudo, uma adequada linguagem para abordar de maneira positiva a quest�o da sexualidade, pois julgamos insuficiente tanto a linguagem de "baixo
cal�o" do senso comum como a linguagem ausente � descritiva dos c�rculos cient�ficos. Construir uma linguagem humanizada para abordar a fecunda riqueza da sexualidade
humana passa por adquirir uma firme serenidade frente ao universo verbal ansioso vigente na sociedade atual, n�o para aderir a ele, mas para alter�-lo. Isto sup�e
uma profunda pesquisa hist�rica-cultural e psico-social, capaz de dar um suporte cient�fico e psicol�gico aos educadores que aceitam o desafio de educar a pessoa
plenamente.
CAP�TULO III - SUBS�DIOS TE�RICOS E PROPOSTAS DID�TICAS PARA UMA ATUA��O PEDAG�GICA EMANCIPAT�RIA FRENTE �S MANIFESTA��ES DA SEXUALIDADE DA CRIAN�A
NA ESCOLA.
1. PRESSUPOSTOS B�SICOS PARA UMA "EDUCA��O SEXUAL" NA ESCOLA
Al�m de ser necess�rio resgatar a sexualidade humana positiva, integral, afetiva e plena � preciso que o educador possa fazer a cr�tica dos pap�is tradicionais
e de suas convic��es ideol�gicas. Exige-se o rigor das pesquisas hist�ricas e cient�ficas.
Toda educa��o sexual implica numa reeduca��o da pr�pria sexualidade. S� transmitimos com seguran�a aqueles conceitos e valores que nos convencem. Os que nos
ouvem e conhecem nossas atitudes, aprendem o envolvimento (e o esp�rito) que nos impulsiona a tratar da sexualidade humana. N�o se faz educa��o sexual de maneira
dogm�tica e doutrin�ria. Nem todavia pode-se sustentar um projeto de educa��o sexual sobre o voluntarismo espontane�sta, mesmo aquele carregado de boas inten��es
e altru�smo. A vontade deve ser o motor das pr�ticas transformadoras mas esta somente completa-se com a consci�ncia cr�tica, que deve ser sistematicamente buscada
pela ci�ncia e pelo trabalho intelectual de pesquisa e aprofundamento.
Isto requer algumas atitudes fundamentais, tais como:
Estar em contato com bibliografia e publica��es sobre o assunto;
dominar com naturalidade uma linguagem b�sica sobre a quest�o;
aproveitar os pr�prios "incidentes" e manifesta��es infantis para um di�logo franco;
sensibilizar os pais;
possuir subs�dios e recursos metodol�gicos;
atualizar-se freq�entemente em c�rculos alimentadores de uma reflex�o critica sobre o tema;
envolver todos os segmentos da escola na reflex�o sobre o assunto, com suas pertin�ncias e especificidades.
2. PRINCIPAIS FASES DE UM PROJETO DE EDUCA��O SEXUAL PARA UMA ABORDAGEM NA ESCOLA: A SENSIBILIZA��O CR�TICA.
Uma abordagem de educa��o sexual escolar requer, a priori , o reconhecimento das possibilidades e os limites da apresenta��o da sexualidade na institui��o-escola.
Trata-se de ter clareza de que n�o esgotamos a reflex�o sobre sexualidade numa apresenta��o informativa ou did�tica. Nossa premissa b�sica, perseguida em todo este
trabalho, � a de que a sexualidade � uma dimens�o humana fundamentalmente constitu�da a partir das rela��es que empreendemos com o mundo natural e a cultura, desde
suas matrizes institucionais presentes na fam�lia e em todas as express�es da sociedade.
Partimos da id�ia b�sica, como um "ethos" fundante da atitude de ousarmos pleitear o papel de educadores, de que n�o podemos reduzir a "sexualidade" a um campo
frio, distante, extr�nseco e objetual, ou mesmo imprimir-lhe uma mera identidade discursiva e formal, sem perscrutar as grandes indaga��es de sentido, as grandes
perspectivas de significa��o existencial e direcionamente �tico da vida humana. Isto sup�e, como atitude decorrente desta aprecia��o de globalidade e reconhecimento
da grandeza do universo a que nos predispomos investigar, a serenidade e a toler�ncia em reconhecer os limites e admirar-se deste misterioso processo de humaniza��o.
S� � poss�vel empreender tal estudo e desejar construir as coordenadas pedag�gicas para uma abordagem educacional da sexualidade se tivermos claro, como educadores,
que n�o h� uma educa��o sexual pronta e acabada, e que os esfor�os para produz�-la implicam constantemente num reexame permanentemente cr�tico da pr�pria sexualidade,
a partir de um "ethos" que intenta o di�logo, a escuta, a troca, sem modismos meramente cat�rticos ou reducionismos voluntaristas.
Torna-se, portanto, descabido plenamente o conceito de que seja poss�vel olhar a sexualidade de maneira departamental e burocr�tica, regida por informa��es
t�cnicas e coordenadas normativas. As tr�s �ltimas d�cadas tem demonstrado que as iniciativas de uma "educa��o sexual" meramente normativa, estreitamente informativa
e centrada na perspectiva biologista, ou ainda aquela que tencionava uma a��o descompressiva de pr�ticas e linguagens desprovida de uma vis�o �tica e uma abordagem
de globalidade tem redundado em fracassos e inconsol�veis perdas de energia humana e recursos sociais duramente engendrados.
A abordagem da sexualidade numa propositura reducionista, formal, curricular e restritiva, calcada em no��es higienistas e m�dicas tem mostrado seus limites
para uma mudan�a �tico-comportamental de cunho emancipat�rio, capaz de inferir responsabilidades sobre seus desdobramentos e conseq��ncias. No��es de biologia, anatomia
humana, compara��es entre reprodu��o animal e o fen�meno humano de nascer revelam as incompreens�es e desencontros de uma mentalidade fria e cartorial, retrato desfocado
de uma sociedade mec�nica e deserotizada.
A investiga��o cr�tica e a perspectiva de perseguir uma significa��o essencialmente humana , portanto hist�rica, para a apresenta��o da sexualidade exige uma
supera��o do senso comum e das no��es por este reproduzidas e introjetadas exaustivamente. Os educadores n�o poder�o restringir-se a uma
motiva��o voluntarista e emocional sobre o tema. Dever�o buscar sempre os recursos infind�veis e desafiadores da pesquisa cient�fica. Entendemos aqui a "ci�ncia"
no sentido de uma investiga��o met�dica e criteriosa sobre determinada dimens�o da realidade. A Ci�ncia, definida como a organiza��o criteriosa da curiosidade humana
sobre determinado objeto n�o se reduz a um dogmatismo, mas tamb�m n�o se confunde com a superficialidade. A curiosidade que se pretende para a investiga��o cient�fica
da sexualidade n�o se identifica com uma curiosidade diletante e ex�tica, ou ainda uma pr�tica de novidadismos e informa��es desconexas. A ci�ncia, vista como pr�tica
da discuss�o criteriosa e do rigor investigativo s� se realiza plenamente no ideal da pluralidade e na constante suspeita sobre seus pr�prios constructos e conclus�es.
� assim que vislumbramos o dever-ser da inten��o de uma Educa��o Sexual emancipat�ria:
" Parece, pois, que uma educa��o sexual n�o pode prescindir, inicialmente, de um questionamento cr�tico das no��es sexuais correntes. Porque, decididamente,
n�o se trata de ensinar a sexualidade, mas de preparar as condi��es em desenvolv�-la em seu contexto pessoal, de cri�-la. E n�o se prepara condi��es, sen�o em uma
perspectiva criativa, de dar condi��es a uma elabora��o pessoal. �, ent�o, o sentido criador mesmo que dever� ser a meta de uma educa��o sexual. Afinal, a sexualidade
� um modo de express�o, liga-se estreitamente � sensibilidade constituindo, com ela, essa atividade essencialmente humana que � o erotismo."(45)
Esta premissa ontol�gica e �tica fundamenta todas as iniciativas de apresentar a sexualidade humana numa dimens�o pedag�gica e educacional. Significa afirmar
que a Educa��o Sexual � a constru��o do erotismo, isto �, a capacidade de relacionar-se com o mundo da natureza e com os demais seres humanos de maneira singular
e subjetiva. As potencialidades afetivas e as dimens�es de encontro e significa��o desta realizam a distin��o humana de poder usufruir, com a gratuidade do desejo,
as densidades relacionais do erotismo. Educa��o Sexual , assim pensada, significa buscar criar as condi��es para uma apropria��o er�tica da exist�ncia, um convite
amoroso a uma singular express�o prazeirosa e gratificante de seu ser no mundo.
Assim, aqueles que pretendem apresentar a sexualidade na perspectiva institucional escolar dever�o, em primeiro lugar, escandir os apelos de controle e domina��o,
normatividade repressiva e arbitrariedades hist�ricas calcadas no preconceito e na nega��o do desejo e afetividade. A condi��o humana, nesta perspectiva de sentido,
espelha o apan�gio de poder realizar, com o sentido da escolha, a pr�pria dignifica��o do corpo e suas m�ltiplas formas de doa��o, plenitude, encontro, conquistas
e expropria��es.
A sensualidade n�o significa aqui um sentido derivado da "pastoral da carne", de base crist� e centrada no dual�smo grecojudaico do corpo e alma. N�o se trata
de acreditar que a mera proposi��o desta quest�o seja capaz de exorcizar s�culos de catequese e de introje��o de valores preconceituosos e castradores. Significa,
outrossim, assumir esta heran�a cultural e decifr�-la, na desafiadora raia da ci�ncia e da cultura, como um enigma soteriol�gico, onde a exist�ncia da subjetividade
e da pr�pria humanidade consubstanciam uma �nica e s�frega indaga��o : Decifra-me ou eu te devoro!
Ao abordar a sexualidade humana neste horizonte de valores, somos tomados, como pessoas e como educadores, da mais sacrossanta responsabilidade, a de poder
contribuir com a emancipa��o pessoal e, no n�cleo desta experi�ncia, projetar aquilo que desejamos utopicamente para toda a humanidade, a saber, a viv�ncia plena
da dignifica��o er�tica do corpo e da originalidade de cada ser no mundo.
3. A CURIOSIDADE E ANSIEDADE DA CRIAN�A.
A curiosidade da crian�a � sempre definida e relatada, em nossa tradi��o educacional, como uma virtude essencial para a apropria��o de todas as infinitas e
m�ltiplas possibilidades de exist�ncia de cada novo ser. Afirma-se que � pelo exerc�cio met�dico desta curiosidade de saber que a crian�a investiga e assimila o
mundo e as realidades que este encerra e possibilita, para sua inser��o original na cultura. As ci�ncias da educa��o afirmam ser fundamental para o pleno desenvolvimento
da crian�a e sua adequada capacidade de integrar-se no todo social, o est�mulo pedag�gico e especulativo, a ser realizado pelo mundo constitu�do, de modo a refor�ar
e sistematizar este impulso natural de querer saber e descobrir o ser das coisas e do mundo.
O mundo passa a ser, ent�o, uma realidade a ser descoberta, apropriada e incorporada ao seu referencial de valores e possibilidades de identifica��es e usufruto.
Todavia, se em muitos campos da a��o humana a educa��o formal e informal permite e estimula o exerc�cio natural deste impulso de saber, curioso e investigativo,
o mesmo n�o se d� desta maneira no tocante � sexualidade e �s descobertas das din�micas dimens�es de suas correla��es de sentido e viv�ncias. A hist�ria de nossa
cultura dominante, calcada nos modelos hegem�nicos de valores e comportamentos padronizados, regidos por princ�pios �tico-morais pr�-estabelecidos, n�o tem sido
tolerante para com as manifesta��es da curiosidade infantil sobre sexo e sexualidade.
Trata-se de uma ruptura hist�rica, fortemente centrada na tradi��o ocidental repressiva, e que encontra seus fundamentos na no��o crist� de pecado e suas express�es
de controle e normatividade decorrentes de toda uma cultura. As id�ias de pecado, pr�prias da cosmovis�o judaico-crist� e massificadas pela intensa catequese civilizat�ria
da Igreja durante a Idade M�dia foram refor�adas pelas determina��es cient�fico-morais decorrentes do cientificismo burgu�s triunfante nos s�culos XVIII e XIX e
da cristaliza��o das tradi��es luteranas e protestantes que lhes conferiram um estatuto moral e �tico novo, no limiar da sociedade moderna.
Ou seja, a concep��o de pecado, fortemente arraigada em nossa cultura, associa a sexualidade ao mundo condenat�rio da devassid�o e da lux�ria, produzindo assim
uma esp�cie de controle da mesma, de modo a supostamente inibir sua express�o e mitigar sua for�a mal�fica. Vale dizer que desta compreens�o surge uma eficiente
pedagogia que se traduz na atitude de n�o falar de sexo nem mesmo numa dimens�o informativa, a pretexto de estar "incentivando" a manifesta��o de uma natureza intr�nsecamente
m� e carregada da possibilidade de "perder-se". Subjaz aqui uma no��o predeterminista configurada na assertiva de que toda curiosidade sobre sexo seja perversa e
pass�vel de censura.
Assim, se em todos os campos de a��o humana a curiosidade, com as diversas formas de defini-Ia como n�cleo fundante de todo interesse e capacidade humana de
conhecer o mundo e as coisas, no campo da sexualidade temos a antinomia de pensar em reprim�-la sob o pretexto de que sua manifesta��o seria mal�fica e condenat�ria
.
As teorias pedag�gicas contempor�neas afirmam hoje coisas muito distantes destas. Concluem que a crian�a age de maneira intuitiva e sensorial na din�mica descoberta
de sua corporeidade e das formas sociais de sua express�o. A mesma curiosidade que estimula o apropriar-se da linguagem, do mundo da cultura e dos comportamentos
socialmente aceitos, engendra a satisfa��o dos desejos e o encontro com possibilidades gratificantes de apropriar-se subjetivamente, com todas as potencialidades
de aprender e usufruir do ser do mundo das coisas e das pessoas.
Esta paradoxal delimita��o social e cultural acaba por inibir a curiosidade infantil sobre sexo e consider�-la pass�vel de segredos e controles. A crian�a assimila,
tanto pela din�mica da informa��o verbal, insuficiente e empobrecida, quanto pelo conjunto de castigos e puni��es arrolados como conseq��ncias de supostos "desvios"
do padr�o de enquadramento. As institui��es sociais e seus pap�is, as pr�ticas gerais de transmiss�o da linguagem e dos pap�is sexuais materializam-se em exig�ncias
formais ao redor do n�cleo de poder central de nossa sociedade : a fam�lia patriarcal monog�mica e produtiva.
Quando a crian�a chega � escola esta j� traz em sua constitui��o moral e cultural uma educa��o sexual elementar, pr�pria da socializa��o dom�stica dos primeiros
atributos sociais humanos. No campo das informa��es sobre sexo e sexualidade a fam�lia nuclear dom�stica anula a curiosidade infantil e excita a "ansiedade de saber".
Definimos esta "ansiedade" como uma deturpa��o da curiosidade, uma sofreguid�o, uma curiosidade deformada de sua finalidade primeira, uma envergonhada estimula��o
heur�stica embasada na ilus�o do mist�rio e no torpor excitante do desconhecido. N�o � raro vermos nossos filhos e alunos, que se mant�m ativos na assimila��o da
cultura que criamos, manifestarem "risinhos", gestos de vergonha, ironias, recolhimentos corporais nervosos quando abordamos as informa��es e debates sobre assuntos
e temas correlatos � sexualidade. Apresentam uma certa "indisposi��o" corporal para com o tema e suas express�es, fortuitamente manifestas em sua gestu�lia social.
Muitos adultos definem estas indisposi��es como se fossem intencionais e j� ostentassem um valor pr�-estabelecido. Acusam ser express�es de "mal�cia", numa conden�vel
pr�tica unilateral de ju�zos apressados e sem fundamentos cabais.
N�s n�o temos educado crian�as para a viv�ncia plena da curiosidade sobre sua corporeidade e sexualidade. Temos, outrossim, produzido crian�as ansiosas por
saber, estimuladas por um "n�o sei o qu�" , um espectro inomin�vel carregado de fantasias sensacionais que associam o medo � curiosidade perversa, aliam os c�digos
dos interditos, do "maldito", o que n�o se pode dizer bem, ou "bendizer", construindo um imagin�rio que insufla a aventura e o medo, carrega o atraente e mant�m
o risco do repressivo e castrador, que excita as falas e agu�a os ouvidos para o torpor do que n�o se entende e "n�o se sabe por qu�" , pois se n�o se � sujeito
nem mesmo das tantas perguntas quanto mais ser� poss�vel s�-lo das possibilidades de respostas.
4. AS ATITUDES DOS PAIS E EDUCADORES FRENTE � SEXUALIDADE DAS CRIAN�AS.
Seria considerada didaticamente poss�vel uma separa��o metodol�gica das principais a��es, atos e atitudes dos pais e dos educadores frente �s manifesta��es
da sexualidade das crian�as. Entendemos aqui o termo "atitude" como um conjunto intencional de atos ou a��es, fundados em concep��es e valores preliminares que os
justificam e legitimam, muito al�m dos estreitos limites da facticidade dos meros atos casu�sticos, presos a uma pragm�tica do existir. As atitudes inferem horizontes
de sentido e raz�es causais que perscrutam sua conformidade e lhes fornecem possibilidades de in�meras interpreta��es.
Poder�amos elencar as principais atitudes dos pais, calcadas sobre as primeiras manifesta��es da sexualidade de seus filhos e, com um pouco mais de criteriosa
observa��o, lograr tipificar as atitudes dominantes da pr�tica destes educadores. As responsabilidades institucionais respectivas poderiam diferenciar os contornos
destas interven��es, separando supostamente o alcance da interven��o fundante dos pais na personalidade das crian�as e o car�ter casual do seu conv�vio com o mundo
escolar e consequentemente com o universo de influ�ncia dos mestres e professores.
Mas, se fossemos considerar seu suporte e suas especificidades estruturais, comparadas � luz das finalidades globais dos processos civilizat�rios e educacionais
destas institui��es sociais, as duas realidades seriam pass�veis de serem agrupadas na mesma matriz social e hist�rica, visto que a mesma sociedade engendra as institui��es
e determina, em sua intencionalidade final, os atributos e prerrogativas que circunscrevem o pr�prio ser dos pais e dos seus mais diretos sucessores, os educadores.
Pais e educadores est�o unidos pela mesma responsabilidade social de gerar, preparar, enquadrar e habilitar as novas gera��es ao conv�vio e reprodu��o material
e simb�lica do grupo social a que pertencem. Nesta sua responsabilidade institucional � que radicam as formas de supostas alian�as entre o saber sexual transmitido
pela fam�lia e aquelas informa��es e padr�es de refor�o exigidos pela escola em sua conforma��o com as finalidades mais complexas da constru��o social de
comportamentos delimitados.
A tipologia das atitudes, aqui descritas e buscadas, n�o quer ser uma mera defini��o modelar, fixista, estereotipada, que pudesse rotular as principais manifesta��es
idiossincr�ticas tanto de pais e educadores numa vala comum ou ainda definir estreitamente sua potencialidade de produzir padr�es �tico-comportamentais e garantir
suas vincula��es org�nicas. Quer outrossim, qualificar estas atitudes e esclarecer seu movimento de constru��o social de modo a dar conta de sua arbitrariedade e
precariedade hist�rica, o que livra exatamente as pessoas e suas possibilidades de interven��o no mundo, do determinismo paralizante e c�tico ou ainda seja capaz
de abrir ut�picas experi�ncias, facultando-nos o privil�gio de pensarmos v�rias e novas perspectivas de viv�ncia social e afetiva.
O prop�sito de juntar a��es e descrever suas fundamenta��es quer aqui sensibilizar a todos, pais e educadores, para a realidade e consci�ncia de que somos todos
tribut�rios de uma determinada viv�ncia cultural e constru��o social, sem neutralidade e com muito pouca originalidade, e n�o ser� no campo do voluntarismo e nas
inten��es idealistas que seremos capazes de superar as atuais formas de compreender a sexualidade e as express�es sociais e subjetivas do amor, em n�s pr�prios e
em nossas crian�as, sem um recurso ao messianismo consolador ou a formas ex�ticas de sua poss�vel exist�ncia ou suposi��o.
5. A ATITUDE AUTORIT�RIA E REPRESSIVA.
A atitude autorit�ria e repressiva dos pais e educadores frente �s manifesta��es da sexualidade das crian�as caracteriza-se sobretudo pela potencialidade de
viol�ncia simb�lica e domina��o. Seus fundamentos s�o o senso comum, a moral vigente e a rigidez dos pap�is sexuais tradicionais. Exterioriza-se no dogmatismo dos
modelos patriarcais e solidifica-se por inculca��es ideol�gicas e exig�ncias institucionais de adequa��o e vigil�ncia. Os pais tomam como horizonte de responsabilidade
parental a tarefa de construir o homem, o proto-patriarca dominante, o filho "macho" segundo os moldes da educa��o formal e informal internalizada atrav�s dos gestos
e reprodu��es de pap�is socialmente intoc�veis reservados ao homem.
A mulher � educada para as fun��es de reprodu��o do lar e das tarefas dom�sticas. Suas caracter�sticas e atributos s�o determinados em raz�o da maternidade
e da possibilidade do casamento monog�mico e do exerc�cio ordenado de suas express�es de desejo na l�gica da adequa��o ao mundo masculino e depend�ncia deste para
a efetiva e reclamada complementaridade.
Considera-se o determinismo religioso ou sua variante, o determinismo naturalista, afirmando que os atuais tipos de viv�ncia da sexualidade s�o explic�veis
pelo recurso a uma suposta vontade de Deus ou a um des�gnio da natureza e, neste artif�cio ideol�gico que lhes esconde a raz�o hist�rica e pol�tica destas constru��es
eximindo-os, ao mesmo tempo, do desafio de propor forma igualit�rias de a��o, apaziguando a viol�ncia real e desigual da condi��o apreendida de homem e de mulher
numa suposta complementaridade espont�nea e sabiamente articulada.
O menino � sempre representado com as caracter�sticas do mundo masculino; atividade, racionalidade, curiosidade, coragem, determina��o e soberania. Ao mundo
feminino emprestam os supostos caracteres "naturais" de docilidade, intui��o, afetividade, fragilidade e gra�a. Bastaria uma simples compara��o para que as caracter�sticas
ativas de um p�lo complementasse as outras passividades de outro. Todavia, na realidade, isto n�o se d� desta maneira. A ci�ncia antrop�logica e a educa��o, a sociologia
e a hist�ria j� construiram estudos e pesquisas que retratam a condi��o de homem e de mulher, em culturas distintas das nossas e t�o eficientes quanto estas, a saber,
onde os pap�is sexuais dominantes, como estes foram produzidos a partir de processos sociais, econ�micos e pol�ticos bem determinados. N�o nascemos homens e mulheres
com tais e tais caracter�sticas e outras car�ncias. Somos constitu�dos homens e mulheres por for�a dos determinantes econ�micos e sociais e pelos poderosos processos
de inculca��o ideol�gica e cultural.
O "ser mais" de homens e mulheres n�o reside em educar para o aceite de um determinado tipo de caracter�stica preconcebida, ao qual dever�amos sempre recorrer para
estereotipar e enquadrar nossa identidade.
Nosso "ser mais", de homens e mulheres livres, estaria precisamente na nega��o desta complementarida
de como dada e pronta, onde seja poss�vel ver o menino tornar-se mais pleno ao assimilar a intui��o, a afetividade e a ternura do processo hist�rico de constru��o
da mulher como suas manifesta��es, sem medos e reducionismos; e seja permitida � mulher apropriar-se dos valores de autonomia, coragem, racionalidade e soberania
que foram historicamente atribu�dos ao homem mas que s�o, hipot�tica e isonomicamente, constru��es e riquezas de todo o g�nero e condi��o humana, a saber, a marca
indel�vel de nossas diferen�as frente ao mundo instintivo e natural, unicamente diferenciado pela diversidade instintivo-genital, constitu�ndo-se o apan�gio de nossa
forma plena de existir.
6. A ATITUDE OMISSA, AUSENTE E PERMISSIVA.
Caracteriza-se por uma compreens�o equivocada da sexualidade da crian�a e por uma concep��o desfocada da import�ncia e significado da a��o dos pais sobre a
constru��o desta sexualidade. Trata-se de um conjunto de a��es que pautam-se essencialmente pela nega��o da sexualidade infantil. Esta nega��o muitas vezes n�o se
traduz em pr�ticas visivelmente repressivas, como fazem aqueles que fundamentam suas pr�ticas na concep��o conservadora vigente. Os pais e educadores deste segundo
grupo, metodologicamente reunidos, acatam as manifesta��es da sexualidade infantil, desde que n�o tenham nenhuma interven��o e responsabilidade direta sobre estas.
Deixam seus filhos e alunos � merc� da curiosidade diletante, n�o desenvolvem habilidades de linguagem nem situa��es did�ticas para abordar as descobertas corporais
e as manifesta��es do desejo de suas crian�as. Omitem-se no mais crasso sil�ncio, muitas vezes obsequioso, afirmando que o assunto � demasiado complexo e n�o se
encontram preparados para abordar a quest�o. Quando as crian�as apresentam algumas das principais indaga��es, quando estas manifestam claramente suas curiosidades
sexuais e interpelam seus interlocutores, quer pelas palavras ou ainda pelas situa��es de viv�ncia no cotidiano da fam�lia ou da escola, perguntando sobre os grandes
problemas referentes � din�mica da vida, o nascimento, a quest�o da morte e as causas das diferen�as sexuais entre meninos e meninas; ou ainda quando as mesmas crian�as
s�o flagradas e vistas em gratificantes jogos de descobertas da sua sexualidade, no grupo escolar ou familiar, tais educadores e pais preferem fazer de conta que
n�o v�em, embora muitas vezes sejam incapazes de disfar�ar a indisposi��o que lhes toma o corpo e a conforma a atitude. N�o podemos afirmar que tais atos e reservas
sejam culp�veis, n�o se trata aqui de fazer tribunais, mas de buscar entender e socializar este entendimento como uma premissa pol�tico-pedag�gica, de que a crian�a
necessita de diretrizes, anseia por crit�rios de informa��o e significa��o sobre sua sexualidade e corporeidade em constru��o.
A atitude de deixar que uma suposta naturalidade "brote" do corpo e que as informa��es essenciais ser�o magicamente carreadas para a psiqu� infantil com o decorrer
do tempo e das etapas de sua constitui��o � possuir uma vis�o fant�stica e determinista da inf�ncia e suas contradi��es, pois as crian�as ser�o aquilo que puderem
ser, � medida em que a a��o de pais e educadores buscarem proporcionar possibilidades de escolhas emancipat�rias e informa��es conseq�entes, radicadas em diretrizes
�ticas e significados carregados de testemunho e afetividade. A informa��o fria ou a constatada aus�ncia de possibilidades de abordagens n�o exime os pais da responsabilidade
de serem co-construtores da sexualidade de seus filhos, n�o em sua genuinidade pr�pria, mas na potencialidade de viv�ncias gratificantes que estas poder�o adquirir
em sua forma��o e humaniza��o social.
A cren�a de que as manifesta��es sexuais das crian�as obedecem a uma ordem natural das coisas n�o � de todo descabida. O que reputamos ser omiss�o � acreditar
que os pais
e educadores nada tem a acrescentar, dado que estes s�o os porta-estandartes da cultura e n�cleos basilares da institui��o social. Deixar a curiosidade da crian�a
� deriva significa reconhecer uma atitude ausente dos pais, marcada pela fuga das perguntas, pela indisposi��o e desassossego em ver uma crian�a descobrindo e explorando
sua corporeidade, sentindo-se aturdido em descobri-la em pleno processo de manipula��o genital prazeirosa, por exemplo, o que � dada vez mais freq�ente de ser visto,
se n�o quisermos o subterf�gio da hipocrisia .
Muitos adultos reconhecem sua incapacidade em enfrentar tais situa��es mas tal reconhecimento, ainda que merit�rio, se n�o for acompanhado por uma atitude de
super�-lo como impedimento, reduzir-se somente uma constata��o inoperante. A atitude pedag�gica que decorre deste reconhecimento exige um intento pragm�tico em buscar
instrumentos cient�ficos e habilidades psico-institucionais de modo a permitir a serenidade ao observar a crian�a apropriando-se de sua corporeidade desejante e
desejosa, ou que seja poss�vel encontr�-la numa explora��o natural de suas possibilidades corporais. A atitude contr�ria permite inferir um adulto com car�ncias
de conhecimentos e sujeito de necessidades especiais de forma��o psicossossexual para tratar com a crian�a e instru�-la naquilo que lhe competir.
Os educadores que evitam abordar a discuss�o sobre a sexualidade infantil, que n�o buscam informa��es para seu aperfei�oamento e que nada desenvolvem para adquirir
uma habilidade did�tica para trabalhar o assunto est�o radicados na omiss�o e na irresponsabilidade, pois o descurar da sexualidade significa abdicar da educa��o
integral d� crian�a, t�o reclamada por todos os educadores tidos como progressistas e que possuam alguma dimens�o de responsabilidade �tica sobre sua fun��o social
e educacional.
A pr�tica de reprimir, de inibir, de escamotear e esconder a express�o e a curiosidade da crian�a � respons�vel pela maioria das crises e contradi��es dos conflitos
emocionais e sexuais de nossos adolescentes. Todavia, na �tica educa��o sexual emancipat�ria, entre estes dois universos de viv�ncias e descobertas, n�o h� atalhos.
N�o h� plausibilidade educacional em esperar um suposto tempo de matura��o para abordar a sexualidade das crian�as, acreditando que "quando chegar o tempo" ser�o
criadas as condi��es de di�logo e informa��o sobre o universo sexual e afetivo. � o mundo adulto a esfera institucional que deve oferecer esta alternativa e abrir
esta perspectiva pedag�gica. N�o ser� poss�vel falar com resson�ncia e respeito sobre sexualidade, amor, gratuidade e prazer ao adolescente se n�o foram constru�das
as pontes e suportes na inf�ncia. N�o � poss�vel acreditar que o acesso ao adolescente ser� f�cil e natural se durante todos os conflitos emocionais e afetivos de
crian�a o pai ou educador manteve-se ausente, reticente, relutante e indiferente.
Assim, a omiss�o alienada, o n�o saber adequado sobre as curiosas viv�ncias das crian�as e suas descobertas s� pode ser superado por uma consci�ncia cr�tica
e cient�fica desta sexualidade. Isto requer disposi��o e disciplina para informar-se e adquirir habilidades de linguagem e abordagem de situa��es. J� a omiss�o consciente,
aquela que tem consci�ncia de que n�o domina ou se possui os instrumentais para a educa��o sexual infantil e adolescente, deve ser duramente questionada. N�o se
trata de passivamente aguardar que algo misteriosamente eficaz fa�a aquilo que nos compete como pais e educadores, a saber, conhecer e respeitar profundamente a
din�mica de apropria��o do corpo e suas manifesta��es subjetivas e sociais na inf�ncia. Desconhecer, omitir-se, tornar-se ausente, n�o tem sido uma atitude educacional
conseq�ente. As perguntas de crian�a nunca ficam sem respostas, pois se as crian�as perceberem, pela forma com que relacionam-se com seus pais e educadores, como
s�o consideradas suas indaga��es e viv�ncias afetivo-sexuais, com seus pais ou com todos os demais interlocutores, suspeitando ou concluindo que n�o foram satisfeitos
em sua curiosidade e
questionamento, certamente buscar�o outros universos e outros interlocutores, nem sempre os mais recomend�veis.
Esta considera��o pode parecer arbitr�ria mas n�o quer compactuar com a omiss�o. Requer educadores sensibilizados e instru�dos, tolerantes e habilitados a tratar
a crian�a sob a confian�a e a liberdade, elementos estruturais de uma �tica de humaniza��o e dignidade sexual.
7. A ATITUDE DILETANTE E EX�TICA
Talvez seja dif�cil tentar definir a natureza desta atua��o diletante e esot�rica frente � sexualidade das crian�as, protagonizada por pais e educadores. Entendemos
por "diletante" aquela curiosidade inconseq�ente, sem uma determina��o estrutural, pontuada por casu�smos e detalhismos superficiais e meramente pl�sticos. Isto
significa que aqueles que pautam-se por esta forma de a��o enfocam a sexualidade das crian�as como um mundo m�gico e ex�tico, carregado de fantasias e caracter�sticas
curiosas, buscadas na compara��o ecl�tica com mundos fant�sticos oriundos dos mundos instintivos e animal.
Estes educadores e pais v�em a sexualidade da crian�a como uma virtuose pass�vel de investiga��o m�gica e informa��o curiosa. Quase sempre falam da sexualidade
das crian�as atrav�s de met�foras comparativas e analogias retiradas da similaridade com os animais e de mundos fantasiosos como a mitologia e a irrealidade. No
estofo desta interpreta��o reside a concep��o de um desabrochar angelical e ex�tico da sexualidade infantil. Nomes fantasiosos s�o usados para a defini��o das caracter�sticas
sexuais de meninos e meninas, entrando por um universo de exotismo e simbologia. As crian�as s�o vistas sempre como manifesta��es de uma suposta inoc�ncia pueril
e infantilizada. Tomam formas de um insconsciente m�gico e mitol�gico, onde a sexualidade � vista como que despida de suas dimens�es de medos e dores. H� uma certa
sublima��o da sexualidade genital e apresenta-se a descoberta da crian�a neste campo de maneira idealista e fant�stica. Esta imaterialidade faz com que os pais sempre
acreditem que seus filhos permanecem infantis e pueris. N�o admitem as perdas que decorrem de toda conquista, ou as contradi��es que envolvem toda maturidade e todo
processo de crescimento. O acento nas caracter�sticas jocosas e infantis da sexualidade das crian�as congela a percep��o do mundo real e obscurece uma perspectiva
de responsabilidade dos pais na constru��o destas sexualidades.
Assim, torna-se esta atitude um idealismo educacional, remetendo-se a sexualidade infantil a um universo de sentido mitol�gico e fant�stico. Tal atitude n�o
considera a crian�a como din�mica e capaz de enfrentar todas as dimens�es e potencialidades da viv�ncia plena de suas caracter�sticas sexuais. Comparada aos mitos,
descarnada, privada do real, a sexualidade destas crian�as � concebida e enfocada na esfera da dessexualiza��o. Constru�da sobre a conceitua��o do conflito entre
normalidade e anormalidade a sexualidade infantil aqui compreendida n�o ultrapassa a esfera da curiosidade impessoal e ex�tica.
8. A ATITUDE DELEGANTE E PATRULHADORA
Configurar esta atitude sup�e considerar a d�ade pais-educadores. Significa entender que a constru��o da sexualidade infantil perpassa toda a din�mica social
e cultural, desde a aquisi��o da linguagem, atrav�s dos meios de cristaliza��o dos pap�is sexuais e sobretudo, pela promo��o do modelo familiar patriarcal heterodoxo
padr�o. Assim , a efici�ncia da educa��o sexual conservadora sup�e uma fina articula��o e sintonia entre os mundos institucionais da fam�lia e da escola. � certo
que reserva responsabilidades respectivas bem definidas, mas sempre contabiliza uma integra��o entre as esferas de educar/aprender para a sexualidade procriativa
dominante.
Todavia, ainda que haja esta reciprocidade institucional, a tradi��o conservadora inibiu o papel da fam�lia da educa��o discursiva sobre sexualidade. A fam�lia
tradicional patriarcal � altamente eficiente na cristaliza��o e vigil�ncia dos pap�is sexuais hegem�micos. Atrav�s de jogos de cristaliza��o comportamental e aguda
vigil�ncia expressiva das crian�as, a fam�lia passa as responsabilidades e preconceitos do modelo dominante.
Com a eclos�o da complexa rede de valores e padr�es de informa��o da sociedade de massas a fam�lia viu-se inibida em seu papel proeminente de enquadramento
sexual. As informa��es b�sicas e os meios institucionais de conviv�ncia e explora��o sexual permitidos aos jovens, adolescentes e crian�as passaram a ser delegada
� escola. Isto provocou certa resist�ncia de grupos mais conservadores, particularmente em nosso pa�s, quando surgiram as mais importantes iniciativas de uma educa��o
sexual escolar institucional, notadamente contextualizadas nos anos 80.
Foi precisamente esta r�pida mudan�a de perspectiva que fundamentou esta atitude definida como "delegante", oriunda do verbo "delegar". Os pais, em sua maioria,
delegam � escola e aos educadores a tarefa de falar de sexo e conformar a sexualidade dominante de seus filhos. N�o buscam mais os meios de discutir a quest�o e
reafirmam sempre o papel da escola em conduzir este processo informativo e de cristaliza��o comportamental.
No entanto, apesar de parecer haver sintonia entre a expectativa da fam�lia para com a escola, no tocante � sexualidade e seus discursos, n�o acontece t�o claramente
esta identifica��o. Ao mesmo tempo que delegam esta fun��o os pais assumem outra, a de ser as patrulhas constitu�das e basilares da moral vigente, a de ser patrulhadores
do discurso normativo oficial. Caso a escola como institui��o, ainda que investida de supostas autonomias, ou alguns professores em particular, ostentem discursos
e posturas deslocados do modelo dominante ou at� que venham a questionar publicamente os r�gidos valores sociais hegem�nicos, os pais, como que acordados do aparente
imobilismo delegante, reagem em cadeia, mobilizando os circuitos do poder e da burocracia para excluir o discurso considerado intruso e restaurar a reclamada e consagrada
ordem, atrav�s do expurgo patrulhador, altamente eficiente e qualificado por s�culos de pr�ticas de vigil�ncia e puni��o.
Esta atitude tanto revela a univocidade entre a escola e a fam�lia na constru��o da sexualidade dominante como tamb�m exp�e as fissuras entre estes dois p�los
da moral vigente. N�o significa que defendamos um div�rcio institucional entre tais universos sociais, ao contr�rio, reconhecemos que deve haver entre a escola e
a fam�lia uma mutualidade e reciprocidade, sem todavia ser um mero alinhamento na dire��o de uma mesma produ��o de poder e reprodu��o de teias de domina��o. Na configura��o
de uma sexualidade emancipat�ria a fam�lia e a escola teriam que ser compreendidas em outros pap�is sociais e por outras perspectivas que n�o sejam a de reproduzir
as pr�ticas sociais de poder de enquadramento comportamental. Teriam que ser uma outra fam�lia e uma outra escola, a ser constru�da em um "ethos" libertador de uma
outra sociedade.
9. A ATITUDE HUMANISTA E EMANCIPAT�RIA.
Uma atitude s� pode ser humanizadora � medida em que objetivar a independ�ncia plena do ser humano, ainda que de maneira gradual. A emancipa��o passa pelo esclarecimento,
pelo entendimento dos contextos e desejos vivenciados ou vivenci�veis. A crian�a ou o adulto esclarecidos de suas potencialidades e possibilidades est�o mais pr�ximos
da autonomia e do direito de lutar pela liberdade. Talvez a exig�ncia de atitudes humanistas e emancipat�rias na educa��o nunca tenha sido maior do que nesses tempos
de in�cio do terceiro mil�nio, onde o primado da tecnocracia tende a devorar o humanismo e a confundir a emancipa��o com o deleite do consumismo.
Quando falamos em "humanismo" reportamo-nos ao conceito cl�ssico constitu�do a partir do Renascimento, que consiste em resgatar o que h� de mais pr�prio no
ser humano, a saber, as caracter�sticas de afetividade, emo��o, busca da completude e do prazer, a comunica��o verbal, al�m da possibilidade de sonhar e contar com
a raz�o conformada pela intui��o e emotividade.
As futuras gera��es estar�o cada vez mais povoadas de informa��es e ter�o a disponibilidade de complexos recursos t�cnicos e cient�ficos sobre o mundo, nem
sempre acompanhados de no��es de sentido e como viver nele. O que pode ser muito bom � medida que n�o esquecerem de que cada qual tamb�m � um "mundo" pessoal de
desejos, sentimentos, de sonhos e de necessidade de afetividade e de prazeres, que n�o podem ser desencorajados nem esquecidos. Do contr�rio estar�amos caminhando
para a priva��o do humanismo. Por este motivo � importante que haja um alerta constante sobre os par�metros e c�digos de procedimentos sociais que dizem respeito
direta ou indiretamente � educa��o e forma��o do ser humano. Para conquistar esta forma��o humana qualificada necess�rio se faz cultivar a originalidade e criatividade
de cada pessoa, nesta apropria��o. A criatividade � importante para que se possa discernir a consci�ncia que se quer impor a partir da educa��o ampla do indiv�duo
e da sociedade.
Educar integralmente a crian�a exige a responsabilidade e o cuidado de considerar todas as suas dimens�es e trabalhar para que nenhuma delas fique de fora do
seu processo de desenvolvimento. Sendo a sexualidade uma dimens�o ontol�gica do ser humano, jamais poderemos deixar de contempl�-la neste processo de educa��o. A
hist�ria tem mostrado que uma educa��o fragment�ria resulta na forma��o de cidad�os inseguros, fr�geis e angustiados em rela��o a si pr�prios e aos outros, nas din�micas
rela��es que estabelecem em sua vida. A educa��o fragment�ria em rela��o � sexualidade, � quase sempre marcada por formas sutis de controle do desejo e da pr�tica
da proibi��o, ou mesmo caracterizada por uma for�osa sublima��o do prazer, atitude esta que configura-se como uma das mais l�dimas express�es do que entendemos por
repress�o sexual. Sobre este modelo repressivo de administrar a sexualidade, FOUCAULT,M. nos apresenta duas categorias fundamentais que estabelecem as bases do discurso
sobre a sexualidade no Ocidente. A dicotomia entre a "Ars Erotica" e a "Scientia Sexualis" fornecem, historicamente, as variantes interpretativas da repress�o discursiva
sobre a sexualidade nos �ltimos dois s�culos. Vejamos o que afirma o pensador FOUCAULT
"Existem, historicamente, dois grandes procedimentos para produzir a
verdade do sexo. Por um lado as sociedades - e elas foram numerosas: China, Jap�o, a India, Roma, as na��es �rabes-mul�umanas - que se dotaram de uma "ars erotica".
(...) Dessa forma constitui-se um saber, que deve permanecer secreto, n�o em fun��o de uma suspeita de inf�mia que marque seu objeto, por�m pela necessidade de mant�-lo
na maior discri��o, pois segundo a tradi��o, perderia sua virtude ao ser divulgado. (...)Os efeitos dessa arte magistral, bem mais generoso do que faria supor a
aridez de suas receitas, devem transfigurar aquele sobre quem recaem seus privil�gios: dom�nio absoluto do corpo, gozo excepcional, esquecimento do tempo e dos limites,
elixir da longa vida, ex�lio da morte e de suas amea�as. Nossa civiliza��o, pelo menos � primeira vista, n�o possui "ars erotica". Em compensa��o � a �nica, sem
d�vida, a praticar uma "scientia sexualis". Ou melhor, s� a nossa desenvolveu, no decorrer dos s�culos, para dizer a verdade do sexo, procedimentos que se ordenam,
quanto ao essencial, em fun��o de uma forma de poder- saber rigorosamente oposta � arte das inicia��es e ao segredo magistral, que � a confiss�o". (46)
A perspectiva da confiss�o leiga que se estabelece nos div�s e nos consult�rios, nos p�lpitos e nas pra�as, nos programas de TV e nas cartas de consultas sentimentais
, nas cr�nicas de pornografia expl�cita e nas prateleiras de erotismo mercen�rio n�o escapam da firme espada cr�tica de FOUCAULT. Mesmo disfar�ado da aridez da informa��o,
as escolas e os ministros da sexualidade confessanda esperam, das crian�as e adolescentes o abrir de sua culpa, o exorcizar de suas idiossincrasias er�ticas, pela
via da ci�ncia a deleitar-se na tessitura da inquisi��o moralista e moralizante .
A concep��o emancipat�ria dever� portanto , ser cient�fica, cr�tica, criativa, e ao mesmo tempo cultural e politicamente aberta e livre. A cr�tica hist�rica
dos pap�is sexuais nos permite dizer que s� � poss�vel criar uma concep��o ampla da sexualidade nas crian�as e jovens por aqueles que acreditam na liberdade, a liberdade
dos homens e das pessoas assumirem com plenitude seu papel �nico de sujeitos. Partimos da quest�o de que � preciso considerar a determina��o pol�tica que os pr�prios
pais e educadores trazem sobre o mundo, a sexualidade e a sociedade. A cl�ssica quest�o: "quem educa o educador?" - embora n�o seja imediatamente objeto de nossa
an�lise, merece ser premissa fundamental para empreender tal proposta educacional.
Fazemos educa��o sexual n�o para a repress�o controladora ou para o est�mulo irrespons�vel, muito menos para a nega��o s�rdida, fazemos educa��o sexual porque
os homens t�m na sexualidade uma dimens�o ontol�gica irredut�vel. A sexualidade � uma dimens�o humana fundamental, que n�o pode jamais ser negada ou anulada sem
deixar sequelas �ticas e priva��es existenciais; nenhuma sublima��o de poder compensa
o fracasso sexual, nem est�tico, nem econ�mico, pois a sexualidade � a dimens�o h�brida do desejo e da sociedade, dos afetos e paix�es, das realiza��es e das incompletudes
vivenciadas, talvez uma das formas mais claras das utopias existenciais e pol�ticas.
Ao mesmo tempo um projeto pedag�gico de educa��o sexual emancipat�rio dever� ter em conta uma articula��o profunda entre o n�cleo familiar e a interven��o escolar,
n�o a substitui��o imediata do papel da fam�lia, mas ao mesmo tempo a cren�a na co-responsabilidade, a coloca��o de palavras de ordem com a solidariedade e a igualdade
sobre sexo, deveria n�o somente inferir na crian�a, mas deve ter vincula��es org�nicas com a fam�lia e a comunidade, de modo a desencadear a eleva��o da compreens�o
da sexualidade, n�o vista como prevarica��o , pecado ou permissivismo, mas vista serena e claramente como uma forma de viver o sexo e suas contradi��es. � visto
que � preciso n�o romantizar as rela��es sexuais afetivas em todos os n�veis, considerando sempre os devidos cuidados pedag�gicos que envolvem a capacidade de entendimento
de nossos interlocutores para tornar transparente que o desejar, o amor e a viv�ncia da sexualidade carrega tamb�m in�meras perdas e danos.
Sim, � preciso que eduquemos nossas crian�as para as perdas que a vida encerra, ensinemos aos nossos adolescentes a enfrentar e conviver com as frustra��es
que fazem parte do existir. Ainda � plenamente atual o texto do eminente te�rico da educa��o Jean Jacques ROUSSEAU, na sua obra "EMILIO", onde firma que "�
preciso educar para a dor, pois a dor � um componente da vida humana", (47) nos m�ltiplos sentidos desta palavra. Estas considera��es sobre os projetos emancipat�rios,
muito mais do que delinear metodologicamente tal projeto, devem ou podem constituirem-se como pressupostos filos�ficos, pol�ticos e antropol�gicos de uma interven��o
emancipat�ria da apresenta��o pedag�gica da sexualidade infantil e adolescente. Os educadores conscientes deste papel secund�rio, pela ordem, de interven��o na constru��o
antropol�gica da sexualidade podem fiar-se, n�o somente na sua potencialidade ou onipot�ncia, mas na sua qualidade.
Nossas crian�as e nossos alunos dever�o nos ouvir, se a rela��o que tivermos com estas for anteriormente qualitativa. N�o sustentamos uma interven��o emancipat�ria
sobre as crian�as se n�o tivermos uma atitude de coer�ncia entre nossas palavras e a��es. S� assim seremos fiadores de uma vis�o da sexualidade mais pr�xima de um
ideal humanista e solid�rio, se anteriormente j� tivermos constru�do com as crian�as esta vis�o conscientizadora, nas m�ltiplas exig�ncias da vida social.
10. T�PICOS PARA UMA ESTRAT�GIA DE ABORDAGEM CR�TICA E EMANCIPAT�RIA DA SEXUALIDADE DA CRIAN�A NA ESCOLA.
1� FASE: Sensibiliza��o hist�rica e cient�fica para a quest�o. Clareza nos objetivos do projeto, relev�ncia de suas justificativas, fundamentos te�ricos claros e
determinados, prop�sitos humanistas e cient�ficos precisos.
. cr�tica dos modelos tradicionais;
. cr�tica da sexualidade consumista;
. planejamento adequado da din�mica do projeto na unidade;
. envolvimento de todas as inst�ncias escolares e pr�ticas de uma cultura democr�tica sobre a quest�o.
ESTRAT�GIAS:
. Reuni�es com professores
. Reuni�es com pais Forma��o de professores
. Levantamento de subs�dios
22 FASE: Forma��o e desenvolvimento do projeto.
No desenrolar do projeto a educa��o sexual poder� ser privilegiadamente tratada em alguns momentos de interven��o institucional. � preciso ressaltar por�m,
que a educa��o sexual d�-se de uma maneira global em todas as situa��es institucionais da escola e sociedade. As aulas informativas s�o momentos mas n�o podem ser
reducionisticamente entendidas como �nico espa�o de "educa��o sexual".
Os educadores dever�o:
apresentar sempre uma explica��o s�ria e acess�vel sobre as principais quest�es
estar atento as manifesta��es da sexualidade e n�o perder as oportunidades de abordar a quest�o
criar subs�dios, desenhos, est�rias, jogos que envolvam a sexualidade
considerar sempre e com escr�pulos a dimens�o existencial das crian�as e adolescentes, respeitando seus limites e transmitindo serena seguran�a e naturalidade.
3� FASE: Interdisciplinariedade / Continuidade
A educa��o sexual escolar s� acontece de maneira satisfat�ria quando toda a escola a assume como responsabilidade conjunta, como dimens�o b�sica e fundamental
do processo humano e educativo. Este envolvimento geral da escola � importante para que se possa desenvolver um trabalho cont�nuo, s�rio e aprofundado, onde todo
o corpo docente e administrativo estejam empenhados cada vez mais a falarem a mesma linguagem no tocante aos objetivos e processos do trabalho em educa��o sexual.
N�o h� educa��o sexual voluntarista, j� dissemos isto. Contudo � necess�rio compreender que educa��o sexual n�o se resume a um conjunto de informa��es m�dicobiol�gicas
que, com frequ�ncia, tratam da quest�o como algo impessoal dividindo o corpo em "aparelhos" e alcan�ando no m�ximo a mec�nica das doen�as, fisiologia e anatomia
dos �rg�os sexuais sem necess�riamente diferenciar o homem do animal. Tampouco a compreens�o resume-se �s pr�ticas terap�utico-descompressivas que muito dificilmente
fazem perceber na sexualidade uma significa��o pol�tica, econ�mica e ideol�gica, entendida como um conjunto de atividades e posturas, subjetividade e alteridade,
resultantes das rela��es sociais . Empreender a educa��o sexual � criar oportunidades para a forma��o integral do cidad�o, numa viv�ncia gratificante e respons�vel
de sua inalien�vel capacidade humana de desejar e ser desejado, amar e ser amado .
CONSIDERA��ES FINAIS
Ao final deste livro, no qual buscamos socializar uma experi�ncia de reflex�o te�rica e algumas perspectivas de atua��o pedag�gica sobre situa��es de viv�ncias
pr�ticas diante das manifesta��es da sexualidade da crian�a, na escola e na esfera da fam�lia, tomamos a liberdade de intentar destacar t�picos que consideramos
relevantes, tanto para avan�ar adiante daquilo que julgamos ter contribu�do, quanto para qualificar e consolidar as utopias que porventura comungarmos nesta empreitada
desafiadora de abordar a sexualidade infantil como eixo ontol�gico estrutural do processo social de humaniza��o.
A primeira quest�o que nos parece essencial � a de reconhecer que todo o processo de educa��o familiar e social j� traz em si uma determinada educa��o
sexual da crian�a, com sua grade de valores e concep��es pr�-definidas. N�o h� novidade nesta afirma��o. Achar que n�o se deve dar uma educa��o sexual expl�cita
para a crian�a sob o preconceituoso pretexto de que ela nada recebe ou nenhuma informa��o deveria despertar precocemente seu saber configura, no m�nimo, uma atitude
ing�nua. A educa��o sexual de matriz conservadora e reprodutora dos pap�is sexuais dominantes, a saber, aquela que "educa" o menino para as fun��es de poder e mando,
segundo os crit�rios do patriarcalismo vigente e, por outro lado, "conforma" a express�o comportamental da menina para as finalidades de adequa��o e reprodu��o do
papel de "m�e" e suas variantes � altamente eficiente e eficaz em suas pr�ticas de vigil�ncia e controle.
N�o abordar a sexualidade da crian�a como uma interven��o intencional, supostamente diferenciada do padr�o comum, questionando seus pressupostos e apresentando
organicamente possibilidades de sua supera��o, a partir da cr�tica fundamentada dos pap�is tradicionais por pr�ticas mais igualit�rias e plenificantes, significa
capitular diante da realidade reprodutivista das institui��es sociais familiares, escolares, pol�ticas e sociais. Os pais e educadores que n�o compreendem que sua
tarefa � a de questionar o atual modelo de educa��o sexual repressivo e enquadrador e motivar as crian�as para uma apropria��o gratificante e respons�vel do seu
mundo subjetivo e social, sujeitos de seu desejo e das viv�ncias do prazer e do afeto deixam espa�o e contribuem, quer pelo imobilismo ou pela inconsci�ncia, para
que a ditadura do ambiente, com suas pr�ticas consumistas, preconceituosas e injustas, consolidem as mentalidades e express�es tradicionais da sexualidade de nossas
crian�as. Ao deixar correr as pr�ticas de desinforma��o, ao permitir a reprodu��o das apresenta��es fragment�rias de dados biol�gicos e curiosidades desconexas sobre
sexo e sexualidade, ao compactuar com as viv�ncias ansiosas marcadas pelo medo, pela pesada heran�a dos preconceitos de "pecado e culpa" a sociedade atual abandona
a utopia de construir homens e mulheres mais plenos e conscientes de seus afetos, configurando em toda esta din�mica, a realidade da omiss�o e o tr�gico reproduzir
do senso comum.
N�o h� o diletantismo da escolha no mesmo grau de abstra��o ou voluntarismo. O dilema est� posto ; ou educamos nossas crian�as, num esfor�o humano e institucional
gigantesco de questionar o senso comum e ousar propor pr�ticas e significa��es emancipat�rias ou assumimos que nossa atua��o como pais e educadores significa t�o
somente o refor�o do conservadorismo e a perman�ncia e continuidade do tradicionalismo.
Por outro lado, � preciso afirmar que as manifesta��es da sexualidade da crian�a ocorrem em situa��es reais de exist�ncia, com motiva��es subjetivas e coordenadas
circunstanciais de classes e os determinantes da historicidade. N�o h� uma crian�a abstrata, modelar, na qual reconhe�amos todas -as demais express�es do ser crian�a,
em diferentes universos sociais e condi��es de exist�ncia social. As contribui��es que extra�mos das s�nteses dos grandes pioneiros deste estudo, S.FREUD e J. PIAGET
n�o s�o, nesta considera��o, coordenadas tipol�gicas doutrin�rias, mas sim constru��es exemplares e convites a abordagens mais aprofundadas e criteriosas sobre o
tema. Esperamos que educadores e pais compreendam que n�o � poss�vel abordar a sexualidade da crian�a somente com as boas inten��es do cotidiano, a import�ncia da
concep��o emancipat�ria e as conseq��ncias de uma reflex�o divergente do padr�o comum requerem uma fundamenta��o cient�fica para n�o cometermos avalia��es pontuais
calcadas no preconceito e na tradi��o patriarcal, de tr�gica heran�a e atualidade. A refer�ncia a este autores passa a ser um convite a buscar mais e mais, como
uma utopia pol�tica permanentemente desafiadora, de tencionar estudar a sexualidade humana em suas m�ltiplas manifesta��es culturais e subjetivas. N�o nos permite,
quando instrumentalizados pela ci�ncia e motivados pela paix�o libert�ria e transformadora, esta abordagem instigante o deleite irrespons�vel do voluntarismo nem
o imobilismo da consci�ncia cabal de nossas supostas incapacidades.
Nem tampouco nos permite o pessimismo. A atitude de questionar duramente as coisas e criticar as bases de nossas culturais opress�es e amarras n�o s�o pessimistas
e m�rbidas, apesar de duras e rudes em sua criticidade. Ao contr�rio, s�o proposituras, de convite, s�o pactos de alian�as, s�o apelos de solidariedade, instigando-nos
a darmos as m�os e olharmos para horizontes comuns, onde a firmeza de alguns e sua destreza em lidar com seus medos e trag�dias seja o apoio e o suporte dos que
ainda vivenciam a leveza de n�o alcan�ar plenamente a dureza do solo. S� pode falar da sexualidade humana aqueles que sabem nutrir esperan�as de amor, em suas plur�vocas
manifesta��es.
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Gov. Celso Ramos-SC, Monografia de Especializa��o em Ed. Sexual, Florian�polis(SC) UDESC.
NOTAS
(1) ARI�S. P. Hist�ria Social da Crian�a e da Fam�lia. Ed. Guanabara, RJ, 1981.
1 ARI�S,R op. cit. pg. 39.
(2) ARI �S, P, op cit, p. 75. 0 conceito de arca�smo retrata o pouco caso dado � inf�ncia, j� que estes trajes j� haviam sido abandonados pelos adultos h� muito
tempo. Parece-nos que havia uma atitude de "zelo" em conservar tais trajes, ao menos reservados �s crian�as.
2 IDEM pg. 62.
(3) GERSON, escritor e estudioso de Moral, que em 1706 escreve DE CONFESSIONE MOLLICEI, um Tratado sobre Moral que insere os conceitos de pecado e maldade da natureza
humana atribu�dos � inf�ncia, o que n�o fazia parte da conceitua��o anteriormente difundida.
3 ARI�S,P. op. cit. pg ....
4 IDEM, pg 81.
5 BADINTER,E. Um Amor Conquistado, Ed. Nova Fronteira, Janeiro, 1985, pg 35.
(4) Estas cita��es est�o presentes no livro de BADINTER, E. Um Amor Conquistado. O Mito do Amor Materno. Editora Nova Fronteira, trad. Waltensir Dutra, Rio de Janeiro,
1985. Resgatamos algumas das principais cita��es das p. 35-42 que tratam da Teologia Crist�.
6 AR�ES,P. op.CIP.PG 198.
7 IDEM, pg 131.
8 FOUCAULT M. Hist�ria da Sexualidade, Vol I, Rio de Janeiro, Graal, 1984.
9 IDEM, pg 99.
10 MANACORDA.M: Hist�ria da Educa��o : Da Antiguidade aos Nossos Dias, S�o Paulo, Editora Cortez, 1992.
11 FREUD,S. citado in OBRAS PSICOL�GICAS COMPLETAS DE S. FREUD. , Vol. IX, Ed Standard Bras, Rio de Janeiro 1975.
12 ROUSSEAU,J.J 1992, Em�lio ou Da Educa��o, Bertrand Brasil, pg 52.
13 FREUD,.S. op.cit, pg 88. 14 IDEM, pg 90.
15 IBIDEM, pg 91. 16 IBIDEM, pg 119. 17 IBIDEM, pg 120. 18 IDEM, pg 120.
19 ROUSSEAU,J.J. op.cit, pg 223.
20 PRIORE,Mary Hist�ria da Crian�a no Brasil,
Paulo, 1991, pg 20. 21 IDEM, pg 22.
22 IBIDEM, pg 23.
23 PIAGETJ. A Forma��o do S�mbolo na Crian�a,
Editora, Rio de Janeiro, 1995, pg. 38.
24 IDEM, pg. 41.
25 IBIDEM, pg 63.
26 IDEM, pg 98.
27 IDEM, pg 116.
28 IDEM, pg 118-119.
29 IDEM, 147-148.
30 IDEM, pg'148.
31 IDEM, pg 170.
32 IDEM, pg 175.
33 IDEM, pg 179. 34 113 1 DEM, pg.180,187. 35 IBIDEM, pg 218.
36 IBIDEM,pg 225.
37 IDEM, pg 226.
38 IDEM, pg 226-227.
39 IDEM, pg 232.
40 PIAGETJ. op.cit, pg 236.
41 IDEM, pg 236-237.
42 IDEM, pg 237.
43 IDEM, pg 238.
44 NUNES,C.A. Desvendando
Campinas, 1987.
45 VASCONCELOS,N. Os Dogmatismos Sexuais, Editora Paz e Terra, Rio de Janeiro, 1973, p.30.1
46 FOUCAULT M. Hist�ria da Sexualidade, Rio de Janeiro, Ed. Graal, 1984, p.57.
47 ROUSSEAU,J.J. citado por STAROBINSKI, J. A Transpar�ncia E o Obst�culo, S�o Paulo, Ed.Companhia das Letras, 1991, p.37.
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