domingo, 23 de setembro de 2018 By: Fred

{clube-do-e-livro} LIVRO DO BONI EM TXT

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Copyright � 2011 desta edi��o, Casa da Palavra
Copyright � 2011 Jos� Bonif�cio de Oliveira Sobrinho
Todos os direitos reservados e protegidos pela Lei 9.610, de 19.2.1998.
� proibida a reprodu��o total ou parcial sem a expressa anu�ncia da editora.
DIRE��O EDITORIAL: Martha Ribas, Ana Cecilia Impellizieri Martins, Pascoal Soto
DIRE��O GR�FICA: Thais Marques
COORDENA��O DE PRODU��O: Cristiane de Andrade Reis
PRODU��O EDITORIAL: Debora Fleck, Marina Boscato Bigarella
ASSISTENTE EDITORIAL: Juliana Teixeira, Juliana Cubeiro
PESQUISA ICONOGR�FICA: Renata Santos
DESIGN DE CAPA: Marcelo Martinez | Laborat�rio Secreto
FOTO DE CAPA: Ant�nio Guerreiro
TRATAMENTO DE IMAGEM (CAPA): Vitor Manes
REVIS�O: M�nica Surrage
CIP-BRASIL. CATALOGA��O-NA-FONTE
SINDICATO NACIONAL DOS EDITORES DE LIVROS, RJ
O51l
Oliveira Sobrinho, J. B. de (Jos� Bonif�cio), 1935O
livro do Boni / Jos� Bonif�cio de Oliveira Sobrinho. - Rio de Janeiro: Casa da Palavra, 2011.
Inclui bibliografia
ISBN 9788577342297
1. Oliveira Sobrinho, J. B. de (Jos� Bonif�cio), 1935-. 2. Comunica��o - Brasil. 3. Televis�o - Brasil. I. T�tulo.
11-7682. CDD: 302.209
CDU: 316.77(09)
CASA DA PALAVRA PRODU��O EDITORIAL
Av. Cal�geras, 6, sala 1.001 Rio de Janeiro 20030-070
21.2222-3167 21.2224-7461 divulga@casadapalavra.com.br
www.casadapalavra.com.br



Dedicat�ria


� MINHA M�E, Joaquina Fernandes de Oliveira, a meu pai, Orlando
de Oliveira, o Ca�ula, � minha Vov� Nicota e � Due�a Pura.


� Lou, minha mulher, sempre paciente e minha fonte de inspira��o.


Aos meus filhos:
Boninho, competente diretor de televis�o;
Gigi, a grande educadora da fam�lia;
Diogo, campe�o de TI e mestre de marketing;
Bruno, ecologista de plant�o.


Ao meu irm�o Guga e ao brother Jorge Adib.


Aos amigos e companheiros de aventura (In memoriam):


Abelardo Barbosa
Armando Nogueira
Ary Nogueira
Augusto C�sar Vanucci
Borjalo
Cassiano Gabus Mendes
Dina Sfat
Dercy Gon�alves
Dermival Costa Lima
Dias Gomes
Edson Leite



Edwaldo Pacote

Edwaldo Pacote

Janete Clair

Jo�o Carlos Magaldi

Jo�o Saad

Jos� Scatena

Jos� Octavio de Castro Neves

Jos� Ulisses Arce

Julio G. Atlas

Manoel de N�brega

Marcos L�zaro

Maur�cio Sirotsky

Murilo Leite

Paulo Gracindo

Paulo Machado de Carvalho Filho

Paulo Montenegro

Paulo Ubiratan

R�gis Cardoso

Renato Pacote

Reali Jr.

Roberto Corte Real

Roberto Marinho

Rodolfo Lima Martensen

S�rgio Cardoso

Te�filo de Barros Filho

T�lio de Lemos

Walter Avancini

Walter Clark

Walter George Durst

Walter Silva


Agradecimentos


Ao meu mais antigo amigo, o Ricardo Amaral, que, mais que incentivar,
me obrigou a escrever este livro. Al�m do mais saiu correndo
atr�s de todos os problemas desde a confec��o at� o lan�amento.
Trabalhou mais do que se o livro fosse dele.

� minha editora Martha Ribas, que estimulou, contestou, compreendeu
e ajudou nos m�nimos detalhes, ensinando-me como se deve
fazer um livro, alimentando ideias com o mesmo carinho com que
alimentava o seu beb� rec�m-nascido.

Ao Carlos Alberto Vizeu, amigo e entusiasta do livro, pelo aux�lio
inestim�vel na pesquisa e pelas cr�ticas sempre pertinentes ao longo
do trabalho.

� Ione Nascimento que desde de a primeira letra acompanhou o
que eu escrevia, sugerindo fatos e for�ando minha mem�ria a trabalhar.


� Christina Leite, minha secret�ria, pela paci�ncia que tem comigo
sempre e, em especial, durante o per�odo de gesta��o deste trabalho.



Ao Hans Donner que mais uma vez se aproxima de mim
para me presentear com seu trabalho de designer, encontrando
uma solu��o perfeita para a capa do livro.

Ao Hans Donner que mais uma vez se aproxima de mim
para me presentear com seu trabalho de designer, encontrando
uma solu��o perfeita para a capa do livro.
delo
como eu.

� Silvia Fiuza pela revis�o de datas e nomes e sugest�es l�cidas
para que o livro fosse fiel aos acontecimentos narrados.

Ao meu querido pessoal do CEDOC da Rede Globo, especialmente
� Laura Martins e Clarinha Landolfi, pelo trabalho
intenso e r�pido para complementar o livro.

Ao genial soci�logo italiano Domenico De Masi pelo generoso
pref�cio.

� Regina Duarte, Tony Ramos, Fausto Silva, Chico Anysio
e Joe Wallach pelos depoimentos que me emocionaram e envaideceram.


Aos autores brasileiros de televis�o, os mais criativos do
mundo, e aos diretores que transformam seus textos em realidade.


A todos os que tornaram poss�vel esta humilde homenagem
� televis�o e aos seus profissionais.


Pref�cio


Domenico De Masi

�Todos llevamos un grano de locura,
Sin el cual es imprudente vivir.�

Federico Garcia Lorca

BONI NASCEU EM 1935, OITO ANOS depois de Fritz Lang filmar Metro-
polis e um ano antes de Charlie Chaplin filmar Tempos modernos.
Naquela �poca somente os Estados Unidos, a Inglaterra e mais alguns
poucos pa�ses do mundo eram industrializados. Todo o resto do
planeta, inclusive o Brasil, continuava sendo basicamente rural.

Ainda em meados do s�culo XX, os jovens do Rio e de S�o Paulo
sonhavam com um emprego nas f�bricas, nos bancos ou, quem sabe,
almejavam tornar-se empreendedores no promissor mercado da ind�stria
automobil�stica. Boni, por sua vez, llevaba dentro un grano
de locura: sentia-se atra�do pelo r�dio e pela televis�o: em um mundo
ainda pr�-industrial, j� desejava uma vida p�s-industrial.

Na Floren�a dos M�dici, era natural que um g�nio como Michelangelo
se tornasse um grande escultor. Na Urbino dos Montefeltro,
era natural que um g�nio como Rafael se tornasse um grande pintor.
Mas fica dif�cil entender como um jovem nascido em Osasco no
ano de 1935 tenha conseguido tornar-se este incr�vel especialista em
m�dia. Nem todos os loucos conseguem levar a bom termo a pr�pria
loucura. Filho de um dentista e de uma psic�loga, neto de um av�


que perdera tudo no jogo, Boni conseguiu realizar seus prop�sitos
mesmo tendo ficado �rf�o com apenas 7 anos: ainda crian�a
ficou apaixonado pelo r�dio; na adolesc�ncia, ficou totalmente
fascinado pela televis�o, e esses dois amores, transformados
em on�vora loucura, o acompanharam pelo resto da vida
como um dem�nio insano.

Enfeiti�ado por esse dem�nio interior, ainda crian�a Boni
ficava encantado diante do r�dio; j� adolescente conseguiu
meter-se primeiro no mundo dos jornais e do r�dio, e mais tarde
no universo da televis�o. Aos 32 anos, quando entrou na
Globo, Boni j� tinha experimentado o r�dio, as ag�ncias de publicidade
e quase todas as emissoras de TV, foi diretor art�stico
e de programa��o, dirigiu o jornal Tribuna de Osasco e uma
produtora de discos que tamb�m realizava filmes publicit�rios.
Na Globo, come�ou primeiro como diretor de programa��o
e produ��o; a� tornou-se superintendente de programa��o
e produ��o, ficando encarregado da programa��o, produ��o,
engenharia, jornalismo e comunica��o; foi finalmente nomeado
vice-presidente, respons�vel por toda a parte operacional da
empresa.

Se for verdade que os meios de comunica��o de massa s�o

o s�mbolo da sociedade p�s-industrial, Boni � uma testemunha
preciosa da transforma��o p�s-industrial do Brasil e do mundo.
Com apenas 16 anos, em um pa�s ainda rural, sonhava em
trabalhar no r�dio, e conseguiu. A� sonhou em trabalhar na televis�o,
e conseguiu. Finalmente, sonhou em tornar-se o mais
importante executivo do Brasil, talvez do mundo, no setor da
m�dia, e tamb�m conseguiu. Para um soci�logo como eu, que
h� trinta anos estuda a sociedade p�s-industrial, Boni representa
uma monstruosa obra-prima, t�o interessante do ponto de
vista cient�fico quanto poderia ser, para um astr�nomo, a pas

sagem de um cometa extremamente raro. Diante deste extraordin�rio
achado s� posso exclamar a palavra que Ricardo Amaral
repetia ao assistir a um show de Gilbert B�caud: �SEN-SACIONAL�.


A autobiografia de Boni � um verdadeiro tesouro de informa��es
acerca de como nasce e se consolida a sociedade midi�tica
em um pa�s como o Brasil. Para compreendermos ainda
melhor o alcance hist�rico desse fato, vem � minha mente a sagaz
introdu��o de Alberto Moravia para as obras do Marqu�s
de Sade: �A mente de Sade n�o � nem um pouco misteriosa;
podemos ver na p�gina como funciona, da mesma forma que,
ao abrirmos a caixa de um rel�gio, podemos acompanhar o
movimento dos mecanismos.� Com a mesma facilidade, o leitor
deste livro do Boni logo se d� conta de como funciona a sua
mente obcecada pelo dem�nio da m�dia. Moravia prossegue
afirmando que na psicologia de Sade fica patente �uma estranha
soldagem de partes normalmente long�nquas umas das outras,
algo assim como um sistema digestivo em que o est�mago
foi amputado e o intestino fica ligado diretamente ao es�fago�.
Em Sade, a raz�o estava ligada diretamente � sexualidade. Em
Boni, a capacidade empresarial est� diretamente ligada ao furor
criativo.

Mas o sucesso da televis�o brasileira tamb�m se deve a outro
milagre: enquanto Boni enriquecia a sua experi�ncia empresarial
em jornais, r�dios e televisoras de alcance limitado,
um personagem extraordin�rio � Roberto Marinho � amadurecia
a sua experi�ncia de empreendedor genial justamente no
campo da televis�o. �Roberto Pisani Marinho � escreve Boni

� era um homem preparado, fino, educado, amante da m�sica,

da pintura e das artes em geral, mas, sobretudo... sagaz.� Pedro
Bial, que escreveu uma biografia de Roberto Marinho, diz
dele: �Quando jovem procurou a companhia dos mais velhos.
Quando velho deu o poder aos mais jovens.�

O milagre aconteceu em mar�o de 1967, quando estes dois
g�nios � o empreendedor e o executivo � conflu�ram na mesma
empresa, levando-a a uma marcha triunfal que durou trinta
anos.

A televis�o deu os primeiros passos nos Estados Unidos, como
desdobramento do cinema e como rede nacional. No Brasil,
nasceu muitos anos mais tarde como alternativa ao r�dio,
ao teatro, ao circo e como emissora local, mas, gra�as � Globo,
tornou-se uma rede nacional provedora de sonhos para telespectadores
do mundo inteiro. Minha m�e, que morreu aos 90
anos numa pequena aldeia do sul da It�lia, nunca assistia � televis�o,
com uma �nica exce��o: acompanhava pontualmente
todos os cap�tulos de Escrava Isaura.

Georges Braque dizia: �Amo a emo��o que corrige a regra�.
Juan Gris respondia: �Eu amo a regra que corrige a emo��o�.
A genialidade do Boni consiste em possuir, ao mesmo tempo,
a emo��o da fantasia e a racionalidade da regra: �Quem quer
ser criativo � ele escreve � n�o pode ter medo de errar. Quem
quer ser eficiente, n�o pode tolerar o erro�.

Mas Boni tamb�m possui a obsess�o pela intoler�ncia e a
natural predisposi��o para o trabalho em grupo: �Sempre fui
um intolerante: no r�dio, na publicidade, nas emissoras em que
trabalhei antes da Globo e, principalmente, na Globo. Na minha
escalada, fui me juntando a outros �intolerantes� maravilhosos
que trabalharam diretamente comigo�.


Impenitente inovador, Boni aderiu de pronto a todas as novidades
tecnol�gicas � da FM ao videotape, dos sat�lites �
banda larga � proporcionadas pelo progresso; utilizou modelos
matem�ticos para definir os pre�os a serem cobrados, o sistema
automatizado para demarcar os espa�os publicit�rios, o modelo
de comercializa��o baseado em m�ltiplas vari�veis, as pesquisas
de mercado e as de cunho psicossociol�gico: todas ideias
propostas pelos seus excelentes colaboradores, mas aceitas
e valorizadas por ele.

Como programador, incentivou o entretenimento, as reportagens
esportivas, a informa��o, os programas para a inf�ncia
e a juventude, a m�sica e a teledramaturgia.

Como diretor, sempre acreditou firmemente que a televis�o
� um trabalho coletivo, que precisa de uma atmosfera de entusiasmo,
compet�ncia e criatividade, que precisa de toler�ncia
para o primeiro erro cometido por um colaborador, mas de absoluta
intoler�ncia em rela��o ao segundo.

Sou um soci�logo, e os soci�logos sempre acusaram a televis�o
de manipular as massas para induzi-las � obedi�ncia durante
os regimes ditatoriais e lev�-las ao consumismo durante
os tempos de democracia capitalista.

Boni nos assegura que a Globo nunca foi c�mplice da ditadura:
�Se algu�m pensa que o dr. Roberto foi subserviente aos
militares ou que tirou algum proveito pessoal com a ditadura
est� absolutamente enganado. (...) Ele acreditava piamente
que o �nico regime que servia para o Brasil era a democracia,
do ponto de vista pol�tico, e a economia de mercado, do ponto
de vista econ�mico.(...) Como empres�rio, nunca fez qualquer
restri��o � ideologia dos seus funcion�rios, escolhendo-os pelo
talento e pela capacidade.�


Ainda sobre o problema da manipula��o consumista, neste
livro fica claro que ao longo de toda a sua carreira, Boni e
sua equipe, foram estimulados por uma f�ria monoman�aca
para entender os desejos e as necessidades do mercado, para
modific�-los e exacerb�-los por meio da publicidade: para gerar
dinheiro, para dar lucro � sua empresa e aos anunciantes.

Essa miss�o acarretou competitividade, a��es predat�rias,
golpes mortais nos concorrentes, lutas sem quartel. �Qual vida...
corrida� comenta Boni, citando Garcia Lorca. Walter
Clark diz: �Temos que gastar mais para ganhar mais�. Chacrinha
pautou a sua vida pessoal pelo slogan: �Eu n�o vim aqui
para explicar, vim para confundir�, e na vida profissional sempre
foi fiel � sua frase emblem�tica: �Quem n�o se comunica
se trumbica�. Gl�ria Magadan, por sua vez, costumava dizer:
�Meu of�cio � provocar evas�o�.

H� o bastante para ser eticamente condenado por parte de
um j�ri de soci�logos e moralistas. Mas quem poderia explorar
at� o fim a alma humana e as suas motiva��es mais profundas?
Boni est� claramente ciente da for�a magn�tica exercida pela
televis�o sobre a massa dos telespectadores comuns; est� claramente
ciente da contribui��o que deu, de forma determinante,
ao processo de moderniza��o do Brasil. Em um cap�tulo do
livro Boni conta: �No dia 1� de janeiro de 1971, eu e a minha
fam�lia, o Tarc�sio e a Gl�ria, o Ibrahim Sued, o Luiz Borgerth
e alguns amigos fomos participar da prociss�o mar�tima
do Senhor dos Navegantes, em Salvador (...) Eram mais de mil
barcos no mar e o dia estava lindo e ensolarado (...) Quando
perceberam que o Tarc�sio Meira estava em uma das embarca��es,
as pessoas do barco ao lado come�aram a entoar a m�sica
de abertura de Irm�os Coragem e a coisa foi passando de
barco em barco. De repente, mais de tr�s mil barcos e de trin



ta mil pessoas cantavam, no mar de Salvador, a uma s� voz:
�Irm�os � preciso coragem...�. O Tarc�sio desandou a chorar.
Eu tamb�m ca� em prantos. Milhares de embarca��es tentavam
se aproximar da nossa atirando flores e jogando beijos. Quase
morremos de emo��o�.

ta mil pessoas cantavam, no mar de Salvador, a uma s� voz:
�Irm�os � preciso coragem...�. O Tarc�sio desandou a chorar.
Eu tamb�m ca� em prantos. Milhares de embarca��es tentavam
se aproximar da nossa atirando flores e jogando beijos. Quase
morremos de emo��o�.
sabilidade
social de quem a gerencia.

Boni conta que na sua inf�ncia, �Eu deixava a janela, queficava ao lado da minha cama, semiaberta. � noite, quando
todos dormiam, eu a abria silenciosamente e ficava olhando

o c�u, tentando entender a vida e sonhando com o que faria
quando de l� sa�sse. Repetia isso todas as noites, por anos�.
Agora Boni tem todo o tempo do mundo para admirar novamente
as estrelas durante a noite e tem toda a madura sabedoria
necess�ria para fazer o balan�o da vida com que sonhava e da
vida que viveu. Afinal de contas, cada um de n�s tem o direito
de cultivar o grano de locura que traz no cora��o, sin el cual
es imprudente vivir.

Boni, em alguns
cap�tulos pessoais


Regina Duarte

PENSO NO BONI E EM MINHAS LEMBRAN�AS abre-se o ano de 1968.

Cap�tulo 1

Estou no ar em hor�rio nobre na TV Excelsior fazendo Pom-Pom
de Ivani Ribeiro na novela Dez vidas. Rec�m-casada, h� quatro meses
sem receber sal�rio, tenho presta��es de apartamento, geladeira,
fog�o, cama, mesa e banho, tudo atrasado, tudo indo por �gua abaixo.
Assustada, me sentindo no fundo do po�o, recebo um telefonema
do Guimar�es, da Globo de S�o Paulo, dizendo que o Boni (da
Globo do Rio) me chama para uma conversa na sede paulista. Era
um teatro velho que ficava ali na pra�a General Os�rio da avenida
S�o Jo�o, onde eu j� tinha estado antes para receber o Trof�u Imprensa
do Silvio Santos, da TVS, como revela��o do ano por Malu,
meu personagem em A deusa vencida de Ivani Ribeiro com dire��o
de Walter Avancini, em 1966.

Numa salinha ex�gua, bem mequetrefe, Boni diz que gosta do meu
trabalho, me pergunta quanto estou ganhando, me oferece o dobro e
me prop�e um contrato de dois anos pra gravar na Globo Rio, co



me�ando dentro de 15 dias, a novela V�u de noiva, de Janete
Clair, com dire��o de Daniel Filho. Tudo isso bem r�pido, como
era o jeito urgente que sempre teve para lidar com as coisas.
Taquic�rdica de emo��o, ainda balbucio: �Mas... e a novela?
O meu contrato?�. E Boni, muito s�rio, quase bravo: �Que
contrato? Voc� n�o recebe seu sal�rio h� quatro meses, minha
filha! Que contrato?!�

Foi como se no mar revolto da tempestade, em que eu me
encontrava, ele tivesse me estendido uma prancha de surfe bem
grande em que eu podia me agarrar. Mais que isso: um bote a
motor e capota com direito a colete salva-vidas e fone de ouvido
tocando �... rumo, estradas, curvas, s� despedidas, por entre
len�os brancos de partida, em cada curva, sem ter voc� vou
mais s�...�. Leila Diniz, de um dia para o outro passou a ser,
na Excelsior, a Pom-Pom! E eu me tornei Andr�a, apaixonada
pelo piloto de automobilismo vivido por Claudio Marzo, na
Globo.

Cap�tulo 2

A mem�ria abre, aleat�ria, outra pasta e Boni aceita ir l� em
casa (honraria!) para uma noitada de conversa e brincadeiras.
Era Copacabana ainda. Somos ent�o quatro casais empolgados
com o jogo de formar palavras com dadinhos de letras arremessados
na mesa. Em um minuto, marcado na ampulheta, o
grupo que compusesse o maior n�mero de palavras com aquelas
letras ganhava os pontos. Boni e eu, em times advers�rios,
fazemos sucesso. Bons tempos.

Cap�tulo 3

Boni e Lou convidam eu e minha fam�lia para um fim de
semana, um r�veillon, em sua casa de Angra dos Reis. Promo



vem um encontro com Armando Nogueira e me sinto presenteada
com um curso de sabedoria condensado em tr�s dias e tr�s
noites que passam voando. Dias de sal, sol e mar que deixam
gravados para sempre na mente e no cora��o a generosidade,

o humor inteligente, a vis�o l�cida e abrangente do mundo em
que vivemos, o amor � vida, � boa mesa, o culto �s amizades,
a paix�o pelo exerc�cio de aprender e informar, entreter, propor
e curtir o riso, a reflex�o e... a l�grima. Boni se confirmou
para mim, naqueles dias, para al�m do chefe, o sentimental, o
humano, o pai de fam�lia, o nutriente provedor de todos n�s.
Cap�tulo 4

Boni tinha uma plaquinha em sua mesa com a frase THINK
BOLD. Meu sonho foi sempre levar a s�rio a proposta, n�o podia,
afinal, decepcionar meu �dolo. Reuni�o com ele tinha que
ser marcada com no m�nimo 15 dias de anteced�ncia. Poderia
durar 15 minutos ou horas. Eu escrevia todas as minhas d�vidas,
cr�ticas, meus anseios em papeizinhos numerados que tirava
da bolsa e ficava ali, meio disfar�ando e lendo, nervosa.
Sabia que n�o havia tempo a perder. Ele falava depressa, impunha
um ritmo acelerado � conversa, perguntava de supet�o,
exigia agilidade na exposi��o de qualquer argumento. Comigo
foi sempre muito gentil, atento, sorridente, carinhoso. Mas eu
sabia de hist�rias horripilantes, de broncas hom�ricas que ele
dava em profissionais de todas as �reas (com direito tamb�m
a memorandos malignos); isso sem falar nas demiss�es sum�rias,
nos a�oites humilhantes � la Steve Jobs (fala-se muito, �
verdade!), a qualquer hora do dia ou da noite, mas especialmente
nas reuni�es de pauta das segundas-feiras. Da�, eu sempre
entrava na sala dele com as m�os geladas, suor na testa e
a garganta seca. Dez minutos depois ele conseguia me descon



trair e eu abria, como no confession�rio, no div� do analista,
como no bar com meu melhor amigo, toda a minha hist�ria.

trair e eu abria, como no confession�rio, no div� do analista,
como no bar com meu melhor amigo, toda a minha hist�ria.

Boni nunca deixou de abra�ar qualquer (qualquer!) funcion�rio
v�tima de doen�a, acidente ou perda de parente pr�ximo.
Ele se solidarizava � no sentido lato da palavra �, dando apoio
moral, afetivo, financeiro e tudo mais que se fizesse necess�rio
pelo tempo que fosse. Mais de uma vez vi seus olhos transbordarem
de l�grimas ao se referir a um companheiro envelhecido,
adoentado, em crise.

Cap�tulo 6

Boni � capaz de montar a equipe certa para levar ao telespectador
de todas as classes a obra que atende ao desejo, preenche
a car�ncia do p�blico em cada momento hist�rico. Sabe
arquitetar o mais afinado enfoque est�tico, t�cnico e �tico. Quer
sempre um degrau a mais na busca de cada emocionada e/ou
racional proposta art�stica/jornal�stica. Consegue ser mercadol�gico,
antropol�gico, pol�tico, provocador, acess�vel e arrojado,
tudo junto.

Cap�tulo 7

Quando penso em l�der que estimula o livre pensar, o livre
criar, a livre express�o, lembro do que Boni me disse quando
Del Rangel e eu gravamos o piloto da s�rie Retrato de mulher

� Era uma vez, Leila, de autoria de Doc Comparato. Liguei para
ele e contei: �Ficou bem forte. Voc� vai ver que tem uma
aud�cia ali, uma coisa meio maldita, repara.� Depois de ver,
ele me ligou dizendo que tinha gostado, que o seriado estava

aprovado para a grade do ano seguinte e concluiu assim: �Eu
n�o esperava outra coisa de voc�.� A gente riu muito.

aprovado para a grade do ano seguinte e concluiu assim: �Eu
n�o esperava outra coisa de voc�.� A gente riu muito.

Meu querido Boni:

Pela aten��o e cuidados, pelo apoio incondicional ao longo
de mais de trinta anos, por todos os est�mulos que fizeram dos
meus sonhos de criatividade e da minha vontade irrefre�vel de
ser atriz uma realidade bem-sucedida � minha gratid�o.

N�o existem palavras que possam abrigar todo o sentido de
sua fundamental import�ncia em minha trajet�ria art�stica e
pessoal.

Sem os personagens e textos propostos, sem a confian�a em
mim depositada, que teria feito eu da minha voca��o? Do meu
hist�rico de boa mo�a disciplinada, da minha garra e paix�o
por interpretar outras vidas? Pouco, eu sei. E sei tamb�m que
existe, na hist�ria da TV brasileira, a era Boni. A Era de Ouro,
a Renascen�a do fazer televis�o no Brasil. N�o h� quem n�o
saiba, no nosso meio, na nossa classe, nos n�cleos de interessados
em comunica��o, que existe, at� aqui, a era a.B. e a era

d.B. � s� ligar no canal Viva e ver: sua obra est� toda l�, sucessos
de ontem, de hoje... de sempre!
E eu, privilegiada, podendo fazer parte, viver de perto tudo
isso.
Sua for�a criativa, sua capacidade de realiza��o, seu humor,
sua sensibilidade e aud�cia, sua obsessiva busca de perfei��o
fazem com que minha admira��o por voc� seja incomensur�vel,
Mestre.

Muito carinho tamb�m, sempre,
Regina Duarte



Entrando no ar


CRIAR EXPECTATIVAS � PRODUZIR FRUSTRA��ES. N�o esperem deste livro
nenhuma informa��o bomb�stica ou a revela��o de segredos dos
bastidores ou das empresas, at� hoje ocultos. Nada disso. Tamb�m
n�o � uma autobiografia, uma vez que, a exce��o do cap�tulo �A inf�ncia
e a fam�lia�, narro apenas minhas experi�ncias profissionais,
limitando-me aos fatos dos quais participei ou testemunhei, sem pretender
fazer um relato abrangente da hist�ria do r�dio, da publicidade
e da televis�o.

Portanto, este livro � uma colet�nea de epis�dios, alguns com informa��es
importantes e outras curiosas, registradas durante minha
trajet�ria por diversas �reas da comunica��o em mais de 60 anos de
atua��o e n�o apenas sobre a minha passagem na Rede Globo. Em
alguns desses epis�dios, tomei a liberdade de incluir depoimentos de
companheiros que participaram ativamente da minha vida profissional.
Dentro dos limites da mem�ria, e de acordo com informa��es
pesquisadas, procurei me aproximar o m�ximo poss�vel de datas, nomes,
locais e da veracidade dos acontecimentos, mas este n�o � o
principal objetivo deste livro e alguma discrep�ncia poder� ocorrer.

Realizar tudo, ou parte do que sonhei, s� foi poss�vel com a parceria
dos amigos e dos profissionais, todos de alt�ssimo valor, que
comigo trabalharam no aprimoramento da comunica��o no Brasil e
na implanta��o de uma televis�o de qualidade, reconhecida em todo

o mundo. Por todos os lugares que passei e em todos os cargos onde

atuei nunca deixei de participar intensamente de todos os acontecimentos.
Mas tamb�m nunca fiz nada sozinho. Portanto, o
que este livro pretende ser � uma homenagem carinhosa a todos
os profissionais da nossa televis�o.

A todos, mesmo os que, por limita��es naturais, n�o puderam
ser citados, o meu muito obrigado.


A inf�ncia e a fam�lia


NASCI EM OSASCO, EM 1935, em uma casa geminada, na rua da Esta��o,
77 A. Esse nome foi uma imposi��o popular, pois ali ficava
a esta��o de trem da linha Sorocabana. Com isso, me livrei de ter
nascido na rua Gl�ria dos Runfadores, nome antigo e pomposo, dado
porque ali passavam os garbosos desfiles militares que partiam do
quartel de Quita�na, duas esta��es depois de Osasco, naquela �poca
uma obscura e desconhecida vila, no sub�rbio da cidade de S�o
Paulo. Sempre que me perguntavam onde nasci, confundiam Osasco
com a cidade de Osaka, no Jap�o:

� Nasceu em Osasco??? No Jap�o?
Na verdade, Osasco tem origem italiana e possui o mesmo nome
de uma cidade do Piemonte, � beira do rio P�, onde nasceu Antonio
Agu, fundador da cidade paulista. Mas se n�o sou japon�s, tampouco
sou italiano. Minha fam�lia por parte de m�e � toda espanhola e, por
parte de pai, metade espanhola e metade portuguesa. Mistura dos
Fernandes Prado, da minha m�e, e dos Toledo e Oliveira, do meu
pai. Isa�as, meu av� espanhol, era um intelectual antifranquista e um
negociante mais para artista. Meteu-se a ser dono de cinema e se deu
mal. Importou vinhos quando ningu�m bebia vinho no Brasil e acabou
bebendo o seu pr�prio neg�cio. Minha av�, Maria Purificaci�n,
Due�a Pura, mulher de fibra e destemida para o trabalho, segurou
a barra da fam�lia vendendo roupas como mascate e montando lojinhas
de armarinho em Presidente Altino e Santos. Francisco Ca



etano, meu av� paterno, gostava de jogo e, jogando, perdeu toda
a grana de minha av� Ana Carolina de Toledo, uma criatura
invej�vel, educada na Europa e que, al�m de escrever bem em
espanhol, portugu�s e franc�s, tinha uma caligrafia que parecia
impressa em uma gr�fica. Seu apelido era Dona Nicota, e
ela montava a cavalo e atirava muito bem. Obrigou os filhos
a se alistarem no Ex�rcito de S�o Paulo, durante a Revolu��o
Constitucionalista de 1932. Terminado o confronto, agentes federais
quiseram fazer uma revista em sua casa. Dona Nicota os
deixou � vontade e foi para o quarto de casal, onde havia armas
escondidas. Trancou-se e armou-se de uma espingarda de ca�a.
Quando os agentes bateram na porta, ela abriu de arma em
punho, engatilhada e apontada para eles.

� Aqui n�o! Esse � o meu quarto. O �nico homem que entra
aqui � o meu marido. Para tr�s! Se derem mais um passo, eu
atiro.
Os agentes ficaram sem rea��o. N�o sabiam se ela atiraria e
resolveram n�o arriscar.

� Minha senhora, � s� uma olhada r�pida.
� Que olhada nada. N�o permito que minha intimidade seja
violada.
� A senhora tem mais armas a� no quarto?
� A arma que eu tenho aqui � s� esta. E n�o � de guerra, �
de ca�ar perdiz. Somente esta, mais nenhuma... garanto.
Eles acreditaram e se foram. Minhas av�s tinham, em comum,
a coragem e a arte de cozinhar. Aprendi com elas que,
para cozinhar, era preciso ter as duas coisas.

Meu pai e tio Reynaldo eram dentistas. Na casa da rua da
Esta��o moravam minha av� Ana Carolina e meu tio Reynaldo,
que era solteiro; l� tamb�m funcionavam o consult�rio dos
dois e o laborat�rio de pr�tese. A casinha do meu cachorro Ne



gus e o meu triciclo ficavam na garagem junto com o carro do
meu tio, um Hudson movido a g�s de carv�o (gasog�nio). Nos
fundos, ficava o meu campinho de futebol e, na sala, havia um
possante r�dio de ondas m�dias e curtas no qual eu vivia grudado.
� claro que eu passava mais tempo l� do que na minha
casa.

Meu tio, al�m de dentista, era um apaixonado por pol�tica
e me arrastava com ele em algumas madrugadas para colocar
cartazes de propaganda em postes e muros. Ali�s, foi Reynaldo
de Oliveira que promoveu o movimento autonomista que deu
a Osasco o status de cidade. Foi ele tamb�m que me ensinou a
ler e escrever.

Em 1939, quando todos falavam da Segunda Guerra Mundial
e o r�dio s� transmitia not�cias do conflito, fiquei curioso
e queria saber tudo o que estava acontecendo. Tio Reynaldo
montou na sala de jantar um imenso mapa-m�ndi, de dois por
tr�s metros, comprou alfinetes de bolinha e, de manh�, quando
chegavam os jornais, me ensinava a ler as not�cias e atualiz�vamos,
no mapa, as posi��es dos aliados e do eixo. Um ano depois
eu estava fazendo isso sozinho. Da� para escrever foi um
pulo.

A vida na casa-consult�rio era ativa e agrad�vel. Meu tio
atendia os clientes das sete da manh� �s sete da noite e meu pai,
durante o dia, fazia pr�teses. Eu ficava ao lado dele. Aprendia
a usar o ma�arico para fundir ouro usado em pontes e piv�s,
preparava o paladon e dava polimento nas dentaduras. �s sete
da noite, meu pai assumia o consult�rio, muitas vezes assistido
pela minha m�e, que se metia a dentista s� de v�-lo trabalhar.
Jeitosa e revelando sua voca��o para a psicologia, que veio a
estudar mais tarde, dona Kina era a preferida das crian�as.


�s dez da noite meu pai parava tudo, dispensava clientes,
passava a m�o em seu viol�o e ia para os bares e serestas, onde
ficava at� altas horas da madrugada. Ao chegar, me acordava e
esparramava na minha cama bombons e chocolates, que trazia
em um saco amassado de papel. Nunca faltava o Diamante Negro,
meu preferido. Quando minha m�e amea�ava uma bronca,
ele, como em um truque de m�gica, tirava do ar uma flor,
uma bela ma�� vermelha ou um pequeno mimo que a encantava.
Ela ria e me dizia que pressentia sempre quando ele estava
chegando, independentemente da hora que fosse.

Aos s�bados e domingos, ia com a viola para programas de
calouros, onde sempre se deu mal como cantor. Como era bom
de viol�o, foi aconselhado a desistir de cantar e passou a ganhar
dinheiro como acompanhante de outros calouros, na R�dio
Cultura de S�o Paulo. Quando n�o havia mais o risco de
ser gongado, ou buzinado, ele n�o tinha mais medo de passar
vergonha e me levava para assistir aos programas. Eu ficava
sentadinho na cabine de controle, fascinado com os bot�es e
com os roteiros dos programas que, ent�o, comecei a colecionar.
O r�dio entrou direto na minha veia.

Com o apelido de Ca�ula, integrou o conjunto Chor�es de
Presidente Altino, com Jos� do Patroc�nio, o Z� Carioca, An�bal
Augusto Sardinha, o Garoto, e, ainda, o pai do genial escritor
Jo�o Ant�nio, que tocava bandolim e tinha uma padaria
onde eles ensaiavam e se apresentavam nos churrascos das tardes
de domingo. Passou tamb�m pelo Regional do Rago, onde
usava o que aprendeu como calouro e era o acompanhante
preferido dos novatos. A arte dele era encontrar rapidamente o
�tom� do candidato e, mais do que acompanhar, �perseguia� as
perip�cias dos cantores inexperientes. No livro Vou te contar,
de Walter Silva, o Pica-pau, Rago faz o seguinte coment�rio


sobre o meu pai: �M�sico ex�mio, melhor como acompanhante
do que solista.�

sobre o meu pai: �M�sico ex�mio, melhor como acompanhante
do que solista.�
sado
debaixo do bra�o ou vice-versa. Depois da vit�ria, caiu
um p� d��gua e, mesmo assim, ele foi comemorar com os amigos.
Minha m�e o encontrou em um posto m�dico com um
p�ster do �Corinthians campe�o�, publicado na Gazeta Esportiva.
A gripe virou pneumonia e a pneumonia, tuberculose. A
estreptomicina, antibi�tico espec�fico para a tuberculose, ainda
n�o havia sido descoberta. Com o f�gado baleado pelo consumo
de �lcool e a resist�ncia baixa pelas noites mal dormidas, a
progress�o da enfermidade foi r�pida. Em 1943, foi internado
em car�ter de urg�ncia na Santa Casa de Miseric�rdia. Minha
m�e, cheia de esperan�a, foi visit�-lo algumas vezes e, finalmente,
recebeu uma not�cia-surpresa: meu pai havia recebido
alta e deveria ser tratado em um sanat�rio ou submetido a uma
cirurgia. Comunicaram do hospital que ela deveria lev�-lo para
casa. Era setembro e minha m�e faria anivers�rio em outubro.
Ficou radiante. Era o presente que queria. Lembro-me dela se
arrumando e colocando o melhor vestido para ir ao encontro
do meu pai.

Na casa da minha av�, onde eu os aguardava, o ambiente era
de festa. Minha m�e demorou muito para voltar, aumentando
a expectativa. De repente, entrou em casa sozinha e chorando


copiosamente. Abra�ou-me e, quase sem voz, sussurrou: �Seu
pai morreu.�

copiosamente. Abra�ou-me e, quase sem voz, sussurrou: �Seu
pai morreu.�
as.
N�o tive coragem de voltar para a casa da minha av�, onde
seria o vel�rio. Tive medo de v�-lo.

Meu pai morreu aos 33 anos de idade. Eu tinha 7 anos e o
Guga, meu irm�o, 2. Minha m�e iria completar 28 anos. Ela escrevia
poemas, bordava, ajudava no consult�rio e n�o tinha recursos
financeiros para sobreviver � morte do meu pai. Eu, que
era rei mimado no col�gio de freiras de Osasco, fui parar no
Grupo Escolar Marechal Bittencourt, uma escola p�blica onde
ningu�m dava bola para ningu�m.

Tentei ajudar a fam�lia, como faziam meus amigos de futebol,
indo engraxar sapatos na esta��o de trem. Arranjei uma
caixinha de madeira, comprei graxa, escova e fui para l�. Logo
de cara, sujei a meia de um cliente e fui expulso da turma.

Ainda bem que, para meu consolo, eu tinha uma namoradinha,
dessas que as fam�lias decidem que a gente vai namorar.
Ela era meiga e, melhor, filha de um dos donos do �nico cinema
local. Dele, ganhei um passe livre para todas as sess�es
com direito a ver montagens dos filmes na cabine de proje��o.
Muitos anos depois, quando vi Cinema Paradiso, quase morri.
As colunas, a boca de proje��o e todas as caracter�sticas do Cine
Osasco eram parecidas com as do filme do Tornatore; at� o
projecionista tinha o jeit�o do Alfredo. Eu ia ao cinema quase
todos os dias.


� noite, o Reynaldo me levava para o largo da Esta��o e eu,
em p� em um caixote, dissertava sobre os acontecimentos do
dia no front, como um Rep�rter Esso local. Quando terminou
a guerra, me embrulharam numa bandeira do Brasil, me levaram
para as casas dos pracinhas de Osasco que haviam ido para
a It�lia e, em cada uma, me mandavam fazer um discurso. Eu
n�o sabia o que dizer, mas pelo fato de ser crian�a, conseguia
arrancar emo��o.

Quando completei o prim�rio fui internado no Liceu Cora��o
de Jesus, onde minha m�e arranjou uma vaga gratuita com
Porf�rio da Paz, pol�tico influente na �poca, amigo de amigos
do meu pai. Passei alguns anos l� e foi uma experi�ncia de vida
fant�stica. Para pagar os estudos, tinha a obriga��o de abrir

o dormit�rio, verificar se estava tudo em ordem e fechar as dezenas
de janelas existentes. Eu deixava a janela, que ficava aolado da minha cama, semiaberta. � noite, quando todos dormiam,
eu a abria silenciosamente e ficava olhando o c�u, tentando
entender a vida e sonhando com o que faria quando de l�
sa�sse. Repetia isso todas as noites, por anos.

,
Reynaldo e Odovaldo e o pai Orlando (ao centro)













































Dona Kina, como chamavam a minha m�e, estava tratando de ganhar
a vida. Vendia aos familiares de rec�m-falecidos quadros pintados
baseados em uma fotografia do ente querido, fornecida pela
fam�lia. Ela ia �s missas do interior, conseguia o endere�o do finado,
se apresentava como uma amiga que vinha trazer uma mensagem
de conforto e sapecava a venda de uma homenagem p�stuma. E n�o
deixava para depois: argumentava que teria de ser naquele momento,
pois mais tarde o morto seria esquecido. Nesse tempo, dona Kina,
muito justamente, cuidava do Guga, filho menor e mais necessitado
de cuidados. Depois, ele tamb�m foi parar em um internato em Piracicaba.


Passamos tamb�m por Lins, onde minha m�e montou uma biblioteca
particular, a Difus�o Cultural Linense, algo parecido com as
videolocadoras de hoje, mas que alugava livros. Eu ia ao col�gio e
fazia tamb�m o atendimento dos clientes. Morria de vergonha quando
n�o sabia responder uma pergunta sobre algum livro. Comecei a
ler tudo furiosamente e, quando n�o era poss�vel, lia pelo menos as
orelhas. Para mim foi muito �til, mas a biblioteca deu com os burros
n��gua.

Aos 13 anos, dona Kina ganhou um concurso de literatura do jornal
O Estado de S. Paulo, que publicou um conto escrito por ela e sua
foto com a legenda �Esperan�a do Brasil�. Aos 63 anos, finalmente
resolveu seguir sua verdadeira voca��o e ingressou na universidade,
diplomando-se duas vezes: uma como administradora e outra como
psic�loga cl�nica.

Foi para os Estados Unidos e especializou-se em neurolingu�stica
e terapia de fam�lia pela ITAA (International Transactional Analysis
Association), em Oakland, Calif�rnia. Tornou-se membro efetivo do
Institute of Psychorientology de Laredo, no Texas. Exerceu a profiss�o
at� os 82 anos e s� parou porque a proibi de trabalhar. Escreveu


e publicou livros sobre psicologia, tais como Voo de Eros, no
qual aborda o comportamento sexual, e Psiu, quem � voc�?,
uma colet�nea dos pensamentos de Freud, Jung, Lacan e os
dela mesma. Poeta sens�vel, escreveu in�meros poemas e foi
tamb�m presidente da AJEB (Associa��o das Jornalistas e Escritoras
Brasileiras).

Aos 95 anos de idade, conta com uma legi�o de admiradores,
entre parentes, amigos e clientes eternamente gratos.
Al�m, � claro, da gratid�o e da admira��o que eu e o Guga temos
por ela.


Quem tem tio vai ao Rio


SE QUEM TEM BOCA VAI A ROMA, quem tem tio vai ao Rio. Em 1949,
minha m�e casou-se de novo e decidiu morar no Rio de Janeiro. Eu
tinha 14 anos e, para mim, foi ouro sobre azul. No Rio, a minha tia
Sandra Branca, cantora, tinha um programa s� dela na R�dio Continental
e era casada com o Jos� Pontes de Medeiros, um dos Quatro
Ases e um Coringa. Al�m disso, toda a fam�lia da tia Artemia, minha
tia-av�, curtia o ambiente de r�dio. Eu adorava ir para a casa dela,
em Santa Teresa, para ouvir hist�rias sobre os bastidores do r�dio carioca.
Meu tio Jos� Gonz�lez Fern�ndez, o Z�ito, montou a Editora
Assump��o e suas primeiras edi��es foram livros de Dias Gomes e
de Nelson Rodrigues, este sob o pseud�nimo de Suzana Flag. O Dias
Gomes era diretor-geral da R�dio Clube do Brasil e pedi ao meu
tio que nos apresentasse, pois queria aprender a ser nada mais nada
menos que diretor de uma emissora de r�dio.

O Dias, coitado, topou, e eu o enlouqueci. Prefiro deixar que ele
d� sua vers�o de como as coisas aconteceram. No livro Apenas um
subversivo, ele conta:

Por essa �poca fui procurado pelo editor de meu primeiro romance, o Jos� Fern�ndez,
que me trazia um adolescente de seus 14 ou 15 anos.

� � meu sobrinho, diz que quer ser diretor. E est� curioso de saber como se dirige
uma emissora de r�dio.

Expliquei que n�o tinha tempo para ensinar, mas ele, o garoto, podia vir todos
os dias e ficar me observando, assim acabaria aprendendo.

Da� em diante, diariamente, durante o tempo em que permanecia na r�dio,
eu tinha o �aprendiz de diretor� me seguindo, me acompanhando. Se eu ia ao
est�dio, ele ia atr�s, se ia ao palco, ele me seguia, se permanecia em minha sala
despachando, ele se sentava no sof� � minha frente e n�o tirava os olhos de mim,
n�o perdia um s� dos meus movimentos, uma s� palavra. Era a minha sombra.
�s vezes, andando na rua, eu imaginava que tinha algu�m me seguindo, voltava-
me, n�o via ningu�m, aquilo j� estava se tornando uma paranoia. Chamei o Fernandes
e supliquei.

� Por Deus, me leve esse garoto, ele est� me deixando maluco.
Dezessete anos depois, esse mesmo garoto me contrataria para trabalhar na
TV Globo: era Jos� Bonif�cio de Oliveira Sobrinho, o Boni. Havia se transformado
num din�mico executivo, cujo talento seria amplamente reconhecido como
principal art�fice da fa�anha de colocar a Rede Globo entre as quatro maiores
redes de televis�o do mundo.

O que o Dias n�o contou � que ele me mandou para a escola
de r�dio da prefeitura do Rio de Janeiro, instalada na R�dio
Roquette Pinto e dirigida por Berliet Jr., importante homem
de r�dio na �poca. L�, me deixaram fazer de tudo: ser locutor,
apresentador, escrever textos, operar a mesa de controle e at�
escolher m�sicas para sonoplastia. N�o era exatamente o que
eu queria. Sabia que se tratava de um aprendizado, mas eu sonhava
mais alto e tinha pressa. Quando o C�sar de Alencar programava
os Quatro Ases e um Coringa, l� ia eu para a R�dio
Nacional junto com meu tio adotivo, o Jos� Pontes, e ficava
transitando pelo bar da Nacional, olhando as celebridades que
admirava.

Desde os tempos em que ia com meu pai ao audit�rio da R�dio
Cultura, em S�o Paulo, decidi que era com isso que queria
trabalhar. O pioneiro do moderno r�dio brasileiro foi o Ademar
Cas�, pai do Geraldo Cas� e av� da Regina Cas�. Quando co



me�ou, no Brasil, o r�dio era um ve�culo amador e sem gra�a.
O locutor da �poca, por exemplo, anunciava:

me�ou, no Brasil, o r�dio era um ve�culo amador e sem gra�a.
O locutor da �poca, por exemplo, anunciava:
E agora, com voc�s, Carmen Miranda!
A Carmen entrava, era aplaudida por um pequeno audit�rio,
os m�sicos entravam, sentavam-se e, enquanto todos se preparavam
para o n�mero musical, havia um longo sil�ncio no ar.
O ouvinte n�o tinha a menor ideia do que estava acontecendo.
De repente, o n�mero musical come�ava. O Ademar Cas�,
que come�ou como vendedor de r�dios a domic�lio, sacou que
aquilo n�o podia ser assim. Pegou um aparelho de ondas curtas
e come�ou a ouvir as emissoras dos Estados Unidos e de
outros pa�ses. Descobriu que n�o havia buracos, que era tudo
ligado, e criou o Programa Cas�, implantando em nosso r�dio

o ritmo. De certa forma, o esp�rito dele est� presente, at� hoje,
no r�dio e na televis�o brasileira.
Em S�o Paulo, desde os anos 1930, se fazia um r�dio de primeira
qualidade, melhor e mais s�rio que o do Rio. O r�dio
paulista sempre foi mais inteligente. Brilharam por l� nomes
como Octavio Gabus Mendes � pai do Cassiano �, Oswaldo
Moles, T�lio de Lemos, J�lio Atlas, Nicolau Tuma, Blota J�nior,
Vicente Leporace, Nh� Totico, Raul Duarte, Oduvaldo Vianna,
Amaral Gurgel, Ivani Ribeiro, Sarita Campos, C�sar Ladeira,
Saint Clair Lopes, Murilo Antunes Alves, Aur�lio Campos,
Pedro Lu�s, Edson Leite, Geraldo Jos� de Almeida, Henrique
Lobo, Adoniran Barbosa, Pagano Sobrinho, Isaurinha Garcia,
Z� Fid�lis e, posteriormente, Ronald Golias, Walter Foster,
Manoel de N�brega, Walter Silva e tantos outros. J� em
mat�ria de popularidade, a R�dio Nacional do Rio era o m�ximo.
Fundada em 1936, sucedeu a R�dio Philips, sob o controle
do jornal A Noite. Em 1940, foi estatizada por Get�lio
Vargas e incorporada ao patrim�nio da Uni�o, para servir aos


interesses do governo. Nos anos 1940, come�ou a crescer baseada
em programas populares, mas de qualidade, como o Rep�rter
Esso, apresentado por Heron Domingues; Um milh�o
de melodias, criado e produzido por Jos� Mauro, Haroldo Barbosa
e Paulo Tapaj�s; Nada al�m de dois minutos e Obrigado,
Doutor, do m�dico, apresentador e escritor Paulo Roberto;
PRK-30, dos g�nios Lauro Borges e Castro Barbosa; Balan�a
mas n�o cai, de Max Nunes e Haroldo Barbosa, e tamb�m novelas
inesquec�veis sob a responsabilidade de Floriano Faissal.

Nos anos 1950, a R�dio Nacional era o mais importante ve�culo
de comunica��o do pa�s, mas o r�dio brasileiro sempre
contou com emissoras importantes em todas as capitais. R�dios
como Jornal do Commercio e R�dio Clube de Pernambuco,
de Recife, mantinham orquestras completas mediante contrato.
A R�dio Jornal do Com�rcio foi montada com o que existia
de mais moderno em transmissores de r�dio e ostentava o
slogan �Pernambuco falando para o mundo�. No sul, a R�dio
Farroupilha e a R�dio Ga�cha, de Porto Alegre, tinham uma
rede de emissoras em todo o estado do Rio Grande do Sul e
deram espa�o para algumas de nossas mais lindas vozes, como
a do inigual�vel Heron Domingues. Ali�s, em mat�ria de vozes,
o r�dio brasileiro foi pr�digo. Cito algumas delas: Carlos
Frias, Lu�s Jatob�, C�sar Ladeira, Reinaldo Dias Leme, Humberto
Mar�al, Antonio Pimentel e tamb�m um nome da nova
gera��o, Ferreira Martins.

No Rio de Janeiro, uma outra tia, a tia Nair, era fanzoca de
audit�rio e, sabendo que eu adorava r�dio, me levava ao Teatro
Carlos Gomes para assistir O trem da alegria, da R�dio Globo,
com o famoso �Trio de osso�, assim conhecido pela magreza
de seus componentes: Lamartine Babo, Heber de B�scoli e
Yara Salles. Com a minha lind�ssima tia Sandra Branca, eu ia


� R�dio Continental. Em 1950, me apaixonei pelo trabalho de
Carlos Palut, � frente dos Comandos Continental, que considero
a base do jornalismo radiof�nico e televisivo brasileiros.

Nesse tempo, eu estudava de manh�, no col�gio Piedade;
� tarde, trabalhava no M�ier, como auxiliar de prot�tico, e �
noite praticava na Roquette Pinto. Foi l� que recebi uma visita
inesperada. Tratava-se de publicit�rios trabalhando para a
Toddy do Brasil que necessitavam de um jovem para escrever

o texto de um programa dedicado aos adolescentes. Achei apenas
interessante. Mas quando me disseram que seria um programa
de audit�rio, e na R�dio Nacional, dei um pulo e topei
na hora, mesmo com um cach� muito pequeno. O programa era
semanal, se n�o me engano, nas tardes de quinta-feira. Al�m
de escrever textos, eu me escalava para alguns pap�is nos quadros
do programa. Pegar um script e interpretar no audit�rio da
R�dio Nacional, onde assistia a meus �dolos, era emocionante.
Em 18 de setembro de 1950, inaugurava-se a TV Tupi de
S�o Paulo. Minha cabe�a voltou-se para a televis�o e eu s�
pensava em retornar � capital paulista. Minha m�e tamb�m
queria isso, por conta de desaven�as entre o meu padrasto e
eu. Ele era contador e trabalhava para v�rias empresas no Rio.
Chamava-se Ed e era um chato de galocha. Um dia, dei uma
sacaneada nele: pelas suas costas, fingi que ia espremer um pano
de ch�o molhado bem na sua cabe�a e ele, ao perceber minha
manobra, saiu procurando um rev�lver para me matar. S�
n�o morri porque fugi antes que ele encontrasse a arma. N�o
sei se atiraria, mas, na d�vida, como eu era bom de corrida, me
mandei e n�o voltei nem para fazer as malas. O epis�dio definiu
o retorno da fam�lia a S�o Paulo. L� eu mataria tr�s coelhos

� e n�o dois � com uma cajadada s�. Iria acompanhar os pri

meiros passos da televis�o, trabalhar em alguma emissora de
r�dio e ficar com a fam�lia.

meiros passos da televis�o, trabalhar em alguma emissora de
r�dio e ficar com a fam�lia.
rida,
a mais generosa com a fam�lia, a mais engra�ada e, por
tudo isso, a mais importante. Ela trabalhava duro como propriet�ria
de um sal�o de cabeleireiros, na avenida Pompeia, chamado
Instituto de Beleza Avenida e, com seu temperamento
alegre e comunicativo, transformava as clientes em verdadeiras
amigas do peito. Perguntei-lhe se conhecia algu�m envolvido
com r�dio ou televis�o. De cara, respondeu que de televis�o
n�o conhecia ningu�m, mas sim de r�dio e de publicidade. De
r�dio, conhecia dona Dalila, esposa do grande radialista Manoel
de N�brega; e da publicidade, dona Arminda, casada com o
genial Rodolfo Lima Martensen, com quem eu viria a trabalhar
mais tarde.

Embora a R�dio Nacional de S�o Paulo n�o estivesse diretamente
ligada � Nacional do Rio, nos corredores da r�dio,
no edif�cio de A Noite, na pra�a Mau�, diziam que o N�brega
era um dos pilares da R�dio Nacional de S�o Paulo. Optei por
procur�-lo. O empreendimento seria t�o importante que Dermival
Costa Lima sairia da TV Tupi para voltar ao r�dio e ser
diretor art�stico da R�dio Nacional paulista. Pedi � tia Marina
que falasse com dona Dalila para que eu conseguisse marcar
um encontro com o N�brega.

Levei para ele meus textos ainda amadores. Al�m de algumas
cr�ticas, ele, mestre em escrever humor, me ensinou alguns
truques para melhorar a minha escrita e me prop�s que
fosse seu assistente. Mas, para que eu pudesse trabalhar, teria
que esperar at� que ele me arranjasse uma salinha na R�dio Nacional.
O dinheiro n�o seria muito, mas ele tentaria um sal�rio


melhor com o tempo. N�o pensei duas vezes: voltei para S�o
Paulo.


TV
chuvisco


1951. ENQUANTO AGUARDAVA O IN�CIO do trabalho com o Manoel de
N�brega, ficamos morando � eu, minha m�e e o Guga � no sobradinho
onde funcionava o Instituto de Beleza da tia Marina, na avenida
Pompeia. Compartilh�vamos o segundo andar com ela e outras tias
e primas que tamb�m trabalhavam no sal�o. Minha m�e tinha uma
amiga com quem jogava cartas e que possu�a um televisor, coisa rar�ssima.
� noite, me enfiava na casa dessa amiga e ficava de olhos
grudados na telinha. Eram apenas algumas horas de transmiss�o. Eu
assistia a tudo e, quando acabava a programa��o, ainda ficava horas
�assistindo a chuvisco�: pontos brancos que se moviam na tela
acompanhados de um chiado insuport�vel. Muitas vezes era despertado
pela dona da casa, pois havia adormecido no sof�, com o televisor
ligado, sonhando com o que fazer na televis�o. Voltava para casa
tarde da noite, ou na madrugada, incomodando a mulherada.

Embora minha m�e contribu�sse com algum dinheiro e o Guga at�
ajudasse na limpeza do sal�o, tia Marina, muito triste, nos avisou que
n�o poder�amos morar com ela eternamente. Al�m de dividirmos os
dois quartos existentes, est�vamos tamb�m compartilhando as camas
e impedindo o descanso adequado da mulherada. O mais importante
� que eu, com 16 anos, e o Guga, com 11, j� �ramos grandinhos o
suficiente para tirar a liberdade delas.

Nesse momento, o N�brega me chamou. Minha m�e, voltando �
experi�ncia de lidar com o outro mundo, arranjou um emprego na


Organiza��o de Luto S�o Geraldo, no largo Padre P�ricles, em
Perdizes, onde poder�amos morar. No andar superior havia um
�nico quarto e colocamos l� tr�s camas. A localiza��o era privilegiada.
Em frente t�nhamos o Cine Esmeralda e para pegar
uma sess�o era s� atravessar a avenida General Os�rio. A R�dio
Nacional, onde eu trabalhava com o N�brega, ficava na rua
24 de Maio e eu podia ir de bonde at� a avenida Ipiranga com
a S�o Jo�o, o que me permitia economizar uns trocados. Pela
manh�, minha m�e fazia o atendimento e organizava o neg�ciode venda de funerais. � tarde, quando eu voltava do trabalho,
assumia a loja com ajuda do Guga. Em meio aos caix�es de
defunto e entre a encomenda de um enterro e outro, escrevia
os meus quadrinhos humor�sticos para o Programa Manoel de
N�brega. Bem cedo, de manh�, com os quadros em uma pasta,
ia para a emissora, onde encontrava sempre o locutor Eli Lacerda
que, sabendo que eu n�o tinha grana, me pagava um caf�
refor�ado na Salada Paulista, com direito a um sandu�che de
fil� � milanesa.

O N�brega foi muito importante para mim. Sem ele eu n�o
teria dado a partida. No in�cio eu organizava os textos dele que
seriam os quadros de humor do dia. Conferia tudo e mandava
para o mime�grafo. Era encarregado de confirmar a presen�a
do elenco e, tamb�m, de receber alguns credores de uma empresa
de cinema que o N�brega havia criado e n�o dera certo.
Ele, sempre �tico, n�o regateava. Aparecia credor, pagava
em dinheiro, na hora, sem chiar. Depois de algum tempo trabalhando
juntos, quando faltava algum texto no programa, ele
escolhia no arquivo um quadro antigo e me pedia para reescrever,
atualizando os di�logos. Depois, adquirindo confian�a,
me deixou encarregado de dois quadros que ele havia criado
e ficamos eu, o M�rio Santos e o N�brega com todos os hu



mor�sticos do programa. Peguei bem o estilo dele, de tal forma
que n�o sab�amos mais o que ele tinha escrito e o que era
meu. Por conta disso, tivemos algumas discuss�es sobre o que
era de quem e quem assinava a autoria. Uma bobagem minha,
uma vez que o criador dos tipos e dos quadros era ele e eu s�
estava seguindo a mesma linha. Na verdade, o N�brega batalhou
muito para transferir o contrato que eu tinha com ele para
a responsabilidade da R�dio Nacional de S�o Paulo, mas o bonach�o
Costa Lima, diretor art�stico, vinha sempre com a velha
conversa:

� Espera um pouco, menino, agora n�o tem verba.
Essa situa��o durou mais de um ano e me incomodava. Eu
estava nervoso, pois me sentia patinando no mesmo lugar. Precisava
de dinheiro, mas n�o me sentia no direito de incomodar

o N�brega. Ele era muito af�vel comigo. Quase todo dia me levava
para almo�ar em sua casa, onde discut�amos como tinha
sido o programa e o que dever�amos fazer para melhorar. Dona
Dalila e o Carlos Alberto tamb�m eram extremamente gentis e
atenciosos.
Mesmo assim, com a situa��o apertada, eu pensava em voltar
para o Rio, onde j� havia sido inaugurada a TV Tupi carioca.
Al�m disso, imaginava que talvez o Dias Gomes pudesse
me ajudar de novo. Uma tarde, quando estava na discoteca da
r�dio escolhendo m�sicas com o Ricardo Macedo, recebi um
telefonema inesperado. Era a secret�ria de Te�filo de Barros
Filho, o todo-poderoso diretor art�stico das Emissoras Associadas
em S�o Paulo e monstro sagrado da �poca. Naquele tempo
eu j� era Boni, em casa, mas no r�dio usava Oliveira Sobrinho.

� Sr. Oliveira Sobrinho? O dr. Te�filo quer falar com o senhor.
Vou pass�-lo.
Ele entrou na linha e foi breve.


� �
no Sumar�, �s seis da tarde?
Pensando que era trote, respondi titubeante:

� Posso... posso.
� Ent�o, at� amanh�. Mas, por favor, n�o mencione a ningu�m
esse telefonema. Nem a� na r�dio nem na sua casa, por
favor. Mantenha o encontro em absoluto sigilo.
Achei estranho, muito estranho. Tinha toda cara de que era
trote. Desliguei e fui correndo procurar o n�mero da Tupi de
S�o Paulo na lista telef�nica. Liguei para a telefonista e pedi
para falar com a secret�ria do dr. Te�filo. Quando ela atendeu,
percebi que a voz era a mesma de antes:

� Aqui � Oliveira Sobrinho. Gostaria, por favor, de confirmar
o encontro com dr. Te�filo.
Ela confirmou. E recomendou:

� Ele � muito pontual. Esteja aqui quinze minutos antes.
N�o falei com ningu�m e cheguei meia hora antes. Esperei
alguns minutos e entrei na sala da diretoria. L�, o Te�filo, um
gordinho bem falante, culto e simp�tico, foi logo me dizendo:

� Queremos que voc� venha para c�. Sabemos quanto voc�
ganha e oferecemos um contrato que paga seis vezes mais. Mas
olha bem, tem uma coisa: s� vale se voc� assinar agora, sem
falar com o pessoal da Nacional. Se souberem, v�o querer pagar
mais para segurar voc�. E n�s n�o queremos leil�o.
Eu levei um susto e perguntei:

� Agora? Tem que ser agora?
� Agora. Sem falar com ningu�m.
Fiquei pensando. Como assinar sem falar com o N�brega?
Perguntei:
� Nem pelo telefone eu posso falar com o N�brega?
� N�o. � pegar ou largar.

Toda minha situa��o passou pela cabe�a e, enquanto revia
tudo, fiquei parado sem responder.

Toda minha situa��o passou pela cabe�a e, enquanto revia
tudo, fiquei parado sem responder.

� Voc� � um diamante que precisa ser lapidado. E aqui temos
uma coisa que eles n�o t�m: a televis�o. Precisamos de
gente jovem. O Cassiano, nosso diretor da TV Tupi, � apenas
um pouco mais velho que voc�. O contrato de dois anos est�datilografado. � s� assinar.
N�o pensei mais. Nem li direito o contrato. Assinei. Por
conta do dinheiro futuro tomei um t�xi e fui para a casa do N�brega
comunicar a ele e pedir que compreendesse. Ele ficou
fulo de raiva e, muito justamente, fugindo do controle emocional
e da educa��o que lhe eram caracter�sticos, me chamou de
ingrato e, aos palavr�es, me botou na rua. Demorou muito para
voltarmos a nos falar. At� hoje sou grato a ele e tenho um
especial carinho pelo Carlos Alberto de N�brega, que comigo
compartilhou os ensinamentos de seu pai.

No day after, fui � Tupi saber quais eram as minhas obriga��es.
Eles iriam lan�ar um programa chamado Caravana da
alegria, para concorrer com o programa do N�brega, no mesmo
hor�rio, apresentado diretamente do Cine O�sis, na pra�a
J�lio Mesquita, e comandado por J. Silvestre. Eu seria o redator
de cinco quadros humor�sticos di�rios. Queriam alguma
coisa no mesmo g�nero da concorrente. A� � que fui entender

o empenho deles e o porqu� de tanto mist�rio. Assumi a tarefa
do r�dio, mas quis conhecer o Cassiano Gabus Mendes. Fui
levado at� ele, que, muito simp�tico e sem rodeios, me recomendou
que eu aprendesse televis�o frequentando os est�dios
e me aproximando dos profissionais. No momento oportuno,
me chamaria. Perguntou se tinha um aparelho de televis�o e eu

ri respondendo que n�o. Ele disse que a empresa me emprestaria
um para levar para casa, me entregou uma requisi��o para
preencher, rubricou o documento e me mandou pegar o televisor
no almoxarifado. Pediu que eu assistisse a tudo o que fosse
poss�vel. Contei que via at� chuvisco. E ele brincou:

� Temos ainda muitos programas piores que chuvisco.

Nossa pr�xima atra��o


COMECEI NA TUPI NO FINAL DO ANO DE 1952. Ela estava meio esvaziada
porque a R�dio Nacional, de onde eu acabara de sair, havia levado

o Costa Lima, a Sarita Campos, a Yara Lins e mais de quarenta pessoas
de uma s� vez. Mas Caravana da alegria, na R�dio Tupi, fazia
sucesso. O p�blico do Cine O�sis ria dos meus quadros e, finalmente,
eu estava voando sozinho.
Antes da entrada do p�blico, us�vamos a sala de espera do cinema
para ensaiar. Um dia, apareceu no ensaio um senhor elegante, vestido
impecavelmente, cabelos alinhados, rel�gio de ouro e com jeito
e perfume de quem acabara de sair do banho. Era o important�ssimo
Fernando Severino, primeiro diretor comercial da televis�o brasileira.
Veio falar comigo sobre um projeto para a loja de departamentos
Sears. Queria que eu escrevesse uma com�dia de situa��o que seria
exibida na TV Tupi, tr�s vezes por semana, �s 20h30, logo depois do
Rep�rter Esso. O quadro teria a obriga��o de terminar sempre com
um produto da Sears. Ou seja, tratava-se de um comercial de 15 minutos
disfar�ado de com�dia. Para isso, a empresa iria disponibilizar
os produtos que deveria veicular e as datas para essa promo��o. Pensei
logo em uma fam�lia, quando ainda n�o existia esse modelo na
televis�o brasileira e o All in the Family nem havia aparecido na televis�o
americana. Pedi ao Fernando que me ajudasse a falar com o
Cassiano para compor um bom elenco. Falamos. Cassiano me ofereceu
o que tinha de melhor no humor: Walter Stuart, Adriano Stuart,


Conchita Stuart, Araken Saldanha, Sonia Maria Dorce e a maravilhosa
Maria Vidal. Com esse elenco, deveria chamar-se
Fam�lia Stuart, mas ficou sendo mesmo a Fam�lia Sears. A fam�lia
Stuart viera do circo e o Walter, al�m de comandar o Circo
Bombril, fazia uma piada di�ria em A bola do dia. Mais tarde,
o Adriano se revelaria um grande diretor de humor, vindo
a trabalhar na Globo. O programa Fam�lia Sears deveria durar
quatro semanas, mas, gra�as aos bons resultados de venda da
loja, acabou permanecendo no ar por quatro meses.

Hoje considero que entregar aquele projeto nas m�os de um
menino inexperiente, de 17 anos de idade, foi um ato de coragem
do Fernando Severino e, ao mesmo tempo, uma doce
irresponsabilidade. Encontrei com ele um pouco antes do seu
falecimento e disse-lhe que o considerava o inventor do chamado
merchandising na televis�o brasileira. Ele riu muito e foi
fulminante:

� Eu??? Que nada. Os inventores foram os contrarregras da
Tupi que, em troca de uma propina, colocavam em cena geladeiras,
liquidificadores, televisores e tudo mais, sempre com o
nome dos produtos escandalosamente � vista. N�o por acaso,
o merchandising nos Estados Unidos tem o nome de product
placement.
O Fam�lia Sears teve o m�rito de me fazer despertar para
uma outra vis�o do r�dio e da televis�o, pois, apesar de saber
que os patrocinadores e os an�ncios eram as fontes de receita
das emissoras, eu at� ent�o pensava somente em entretenimento.
A partir desse programa, aprendi que r�dio e televis�o eram
ve�culos de publicidade e que o entretenimento era importante
apenas para conquistar maior p�blico para ver e ouvir as mensagens
publicit�rias.


Por ser jovem demais, al�m desse seriado, tive poucas oportunidades
naquela �poca. Pediram-me, por exemplo, para dar
um jeito no Clube do papai noel, programa infantojuvenil de
Homero Silva, oriundo do r�dio e que precisava se tornar mais
televisivo. No r�dio, o Clube havia revelado gente do quilate
de Lia Borges de Aguiar, do maestro Erlon Chaves e do fant�stico
Walter Avancini. Foi um dos primeiros programas da
televis�o e, quando cheguei, j� estava completando o segundo
ano no ar. Queriam alguma coisa mais moderna e n�o aquelas
apresenta��es do tipo �vamos ouvir� e �acabamos de ouvir�.
Decidi fazer, aos domingos pela manh�, par�dias dos filmes
em cartaz nos cinemas, como Quo Vadis, por exemplo. Contava
com gente de talento, como Nelson Genari, Terezinha Gazano,
Flavio Pedroso e Ant�nio Coelho.

Queria tamb�m aparecer no v�deo e n�o s� escrever. Descobri
que a maior parte das escala��es para segundos pap�is
se decidiam no famoso bar do Jord�o, ao lado do audit�rio, no
Sumar�. Gra�as ao amigo M�rio Tupinamb�, o genial P�ricles
Leal me escalou como ator para fazer um capanga do Falc�o
Negro chamado P� de coelho.

Certa vez, no mais importante programa da �poca, o TV de
Vanguarda, fui escalado para fazer uma ponta. O t�tulo do epis�dio
era �O maestro�, e contava a hist�ria de um menino-prod�gio
sequestrado na v�spera do concerto de gala que seria regido
por ele. Eu entrava somente no final, interpretando um
rep�rter que desvendava o crime. No ch�o da casa do empres�rio,
encontraria a gravata borboleta do smoking do maestro,
provando que o empres�rio havia preparado uma farsa para
promover o seu contratado. A atra��o era ao vivo, como tudo
na �poca. Entrei e n�o encontrei nada no ch�o. Gravata nenhuma.



Comecei, por minha conta, a revirar m�veis, cadeiras e sof�s
at� que o Cassiano, que dirigia o programa, cortou o som dos
est�dios e ordenou:

Comecei, por minha conta, a revirar m�veis, cadeiras e sof�s
at� que o Cassiano, que dirigia o programa, cortou o som dos
est�dios e ordenou:
Abaixa e pega a gravata no p� da c�mera.
Eu olhei ao meu redor, vi a maldita gravata, peguei-a, exibi
para a c�mera e disse a minha primeira e �ltima frase na carreira
de ator dram�tico:

� Aqui est� a prova. N�o houve sequestro. Foi tudo um golpe
promocional.
Subiu a m�sica, rodaram os cr�ditos e eu rodei junto. Na sa�da,
o Cassiano estava desolado.

� T� certo, a gravata n�o estava l�, mas a destrui��o do cen�rio
foi de matar de rir. � melhor voc� pensar s� em humor,
t� bom?
O M�rio Tupinamb� e o P�ricles me confortaram contando
alguns incidentes muito piores. Uma das melhores atrizes da
casa deveria terminar um teleteatro dando um tiro na cabe�a.
Tiros de p�lvora seca, quando dados de perto, n�o saem do rev�lver
para n�o queimar o ator ou atriz. Havia, nos prim�rdios
da TV, um cartucho em uma caixa de madeira que era detonado
por um prego com uma martelada do contrarregra. A
atriz, se n�o me engano, Lia Borges de Aguiar, no desfecho de
um epis�dio de Contador de hist�rias, colocou o rev�lver na
t�mpora e apertou o gatilho. O respons�vel deu a martelada na
espoleta e nada de tiro. Desesperada, a atriz jogou o rev�lver
fora, foi at� a penteadeira, pegou um pente, escondeu entre as
m�os e gritou:

� Vou me matar com esta faca.
Quando fingia que enterrava o pente no peito, o respons�vel
pelo tiro, sem perceber o que acontecia, deu uma nova martelada
e �puuum�, o tiro saiu. A loucura foi que a hero�na acabou


morrendo esfaqueada com um pente ao estampido de um tiro
de rev�lver.

morrendo esfaqueada com um pente ao estampido de um tiro
de rev�lver.
ses
est�dios � uma em frente � outra � ficariam abertas para
que uma carro�a, puxada a cavalo, atravessasse por elas, transportando
o ator, ferido em uma batalha. A carro�a era pequena
e o Jaime ficou com uma perna pendurada de fora. O cavalo,
ao passar de um est�dio para o outro, se espantou e acabou disparando.
A perna do Jaime bateu na porta do est�dio e sofreu
uma fratura. Tudo ao vivo. Ele precisava ser retirado de l� para
ser socorrido. Entregaram uma maleta de m�dico a um figurante
forte, j� vestido com trajes de �poca, e o diretor Cassiano
Gabus Mendes o instruiu:

� V� l�, escute o cora��o e diga: �Est� morto.�
Outros figurantes entrariam e, juntos, removeriam o Jaime.
O que faria o papel de m�dico entrou, abriu a maleta, colocou o
estetosc�pio no ouvido e, em seguida, auscultou o cora��o do
ator. Como achou sua frase curta, resolveu improvisar e soltou:
�Est� morto. Como��o cerebral.�

H� outra vers�o que diz que o figurante, antes de pronunciar
a senten�a, teria auscultado o c�rebro do Jaime. N�o importa.
O fato � que todos nos est�dios ca�ram na gargalhada, inclusive

o defunto.
Coisas assim n�o eram t�o frequentes, mas h� muitas hist�rias
curiosas que v�o surgindo conforme escrevo estes cap�tulos
e recorro � mem�ria. Como ningu�m me ensinava nada, eu
observava tudo. Os cen�rios, em sua maioria, eram terr�veis,
pesados, teatrais e mal-acabados, cheios de emendas e quase
sempre salvos pela ilumina��o ou pela falta de defini��o das


primeiras c�meras. O som tamb�m era deficiente, especialmente
quando era usado o boom � um microfone suspenso por
um bra�o met�lico m�vel. Quando n�o captava bem o som,
o operador baixava o boom e muitas vezes acontecia de essa
maravilha contempor�nea aparecer na R�ssia no meio de uma
adapta��o de Dostoi�vski, ou no Egito, bem no seio de Cle�patra,
ao lado da v�bora.

� claro que esse n�o era o dia a dia. O n�vel do conte�do,
apesar dos parcos recursos, era alt�ssimo. Como poucas resid�ncias
possu�am um aparelho de TV, a maioria dos programas
era endere�ada � classe social AAA. Tanto que uma das pe�as
de estreia da Tupi foi Hamlet, de Shakespeare, com Lima Duarte
no papel do pr�ncipe. Lembra o Lima que o grande poeta
paulista Guilherme de Almeida escreveu em sua coluna de jornal:
�O Hamlet do Chateaubriand esteve pat�tico, mas n�o foi
rid�culo.�

� procura de grandes espet�culos, Cassiano, Walter George
Durst, T�lio de Lemos e Sillas Roberg reuniam-se em um cinema,
alugado pela Tupi, para ver os melhores filmes de todos os
tempos e adapt�-los para serem realizados nos est�dios, com
elenco e dire��o de primeira linha. At� Antunes Filho passou
por l�. Luiz Galon respondia pelo Grande Teatro Tupi e P�ricles
Leal pelo Contador de hist�rias. A eles se deve muito
do que aprendemos e somos hoje, na televis�o, no campo da
teledramaturgia. E olha que fazer tudo aquilo ao vivo n�o era
brincadeira. Quando a televis�o brasileira completou quarenta
anos, eu, na Rede Globo, quis fazer uma homenagem ao Cassiano
e ao TV de Vanguarda realizando, ao vivo, um dos textos
levados ao ar por aquele programa. Chamei o Paulo Ubiratan
para executar o projeto e ele levou um susto.


� �
ca��es,
entradas e sa�das dos cen�rios. � loucura. Desista.
Pensei bem e resolvi n�o arriscar. Poderia ser uma cat�strofe.
Aquilo s� foi poss�vel, no passado, porque n�o havia outro
jeito... tinha que ser.

Atualmente, parecemos mais com o cinema do que com a
televis�o. Mas a Tupi de S�o Paulo foi, praticamente, pioneira
em tudo que se faz at� hoje. A primeira novela, ainda que em
tr�s dias por semana, come�ou na Tupi. Todos sabemos que
Vida Alves e Walter Foster deram o primeiro beijo da televis�o
brasileira, mas poucos sabem que ela, al�m de brilhante atriz,
� a fundadora e a respons�vel pela Pr�-TV, que cultiva com
amor e carinho toda a maravilhosa mem�ria da Tupi e da televis�o
brasileira. Em seu livro TV Tupi, uma linda hist�ria de
amor, Vida, melhor que ningu�m, narra a trajet�ria da TV Tupi,
contando seus momentos de gl�ria. Trata-se de um levantamento
minucioso e verdadeiro, o mais completo entre tudo o
que j� foi publicado sobre o assunto. O fato � que a TV Tupi
foi precursora nos mais diversos g�neros de programas.

Uma das empresas cooptadas por Assis Chateubriand e que
permitiu a implanta��o da televis�o no Brasil foi a Ant�rtica.
Aos s�bados, o Cassiano e o T�lio de Lemos produziam um
senhor espet�culo musical chamado Ant�rtica no mundo dos
sons, utilizando os est�dios da TV e o palco da R�dio Tupi.
Nele, montava-se a imponente Grande Orquestra Tupi, regida
ora pelo maestro Rafael Pugliesi, ora pelo maestro Georges
Henry, com a maioria dos arranjos de autoria de Luiz Arruda
Paes. Nos est�dios, v�rias c�meras eram usadas para ilustra��es
visuais do texto e das m�sicas. T�lio chegou a usar
Guilherme de Almeida para declamar poemas no programa.


Eu, que era funcion�rio, n�o perdia uma apresenta��o e,
al�m de admirador, tornei-me amigo do T�lio. O talk show
tamb�m come�ou na Tupi, comandado por Lia Aguiar e com

Eu, que era funcion�rio, n�o perdia uma apresenta��o e,
al�m de admirador, tornei-me amigo do T�lio. O talk show
tamb�m come�ou na Tupi, comandado por Lia Aguiar e com
tinas
Maizena, tamb�m era muito bom e de uma simpatia a toda
prova.
Futebol tamb�m nunca faltou na Tupi, nem que fosse � for�a
como, por exemplo, no Parque Ant�rtica, quando a emissora
derrubou a cortina de bambu que havia sido levantada para
impedir a vis�o das c�meras, ou quando realizou transmiss�es
consideradas imposs�veis e que superavam os limites das dist�ncias
que a tecnologia existente permitia. No telejornalismo,
havia Dalm�cio Jord�o, no Rep�rter Esso; Roberto Corte Real,
no Mappin Movietone; Maur�cio Loureiro Gama, como comentarista,
al�m das reportagens audaciosas de Carlos Spera e
Jos� Carlos de Moraes, o Tico-Tico. O Grande jornal falado
Tupi, de Coripheu Azevedo Marques, em raz�o dos poucos recursos
existentes, n�o tinha, claro, a agilidade dos telejornais
atuais, mas apresentava conte�do e an�lise dos fatos.

Em 1952, foi ao ar a primeira vers�o do S�tio do Picapau
Amarelo, produzido e escrito por J�lio Gouveia e Tatiana Belinky,
com L�cia Lambertini e Edi Cerri. At� o h�bito de anunciar
o programa seguinte, chamado de Nossa pr�xima atra��o,
� uma cria��o da TV Tupi. Ao contr�rio do que se faz atualmente,
tornando os intervalos mais din�micos, no in�cio da televis�o
era preciso esticar o intervalo para dar tempo de montar

o programa seguinte, ajustar equipamentos etc. Quem encontrou
a solu��o para isso foi o M�rio Fanucchi, criador do simp�tico
Curumim (�ndio pequeno) que passou a ser a marca da

Tupi e virou o personagem que anunciava a pr�xima atra��o.
O indiozinho aparecia em situa��es humor�sticas anunciando

Tupi e virou o personagem que anunciava a pr�xima atra��o.
O indiozinho aparecia em situa��es humor�sticas anunciando

Um piano ao cair da tarde


NOS CORREDORES DA TUPI conheci o Roberto Corte Real, o homem
da gravatinha borboleta, jornalista e apresentador do Mappin Movietone.
Ele havia sido locutor da Voz da Am�rica, morado nos Estados
Unidos e, no Brasil, era o diretor art�stico da CBS discos. Roberto
era brilhante e viria a comprovar isso no final dos anos 1950 e
in�cio dos 1960, quando lan�aria nomes como Roberto Carlos, Maysa,
Agostinho dos Santos e Lana Bittencourt. Em uma conversa, ele
me contou que era amigo do Aloysio de Oliveira e do Z� Carioca do
Bando da Lua. Na mesma hora eu disse a ele que o Z� Carioca havia
tocado junto com meu pai mas que hav�amos perdido o contato.
Um dia, � noite, fomos tomar uns drinques na casa do Roberto. Ele
fez uma liga��o para Los Angeles e me colocou no telefone com o
Z� Carioca. Foi uma emo��o indescrit�vel falar com o Z�, famoso no
mundo inteiro e conhecido nos Estados Unidos como Carioca Joe.
Lembramos dos tempos magros de Osasco e Presidente Altino e do
velho conjunto musical no qual meu pai e ele tocavam juntos. Da�
para frente, o Roberto resolveu virar uma esp�cie de substituto do
meu pai. Em 1953, ele me contou, no escrit�rio da CBS, na Liberdade,
que iria apresentar o Mappin Movietone na TV Paulista. Segundo
coment�rios, a TV Tupi assumira o compromisso com a McCann
Erickson � ag�ncia de publicidade que tinha a conta da Esso � de que
retiraria do ar os programas Telenot�cias Panair e Mappin Movieto



ne para lan�ar na televis�o o consagrado notici�rio de r�dio Rep�rter
Esso, o que efetivamente ocorreu em 17 de junho daquele
ano.

A TV Paulista, montada com subscri��o p�blica de a��es
pelo deputado Ortiz Monteiro, havia sido inaugurada em mar�o
de 1952. O in�cio da Paulista se mostrava promissor. Foi
l� que come�ou o Circo do Arrelia e por ali passaram companhias
teatrais como as de Nicette Bruno e de Cacilda Becker.
O Teledrama da Paulista e o A pra�a da alegria, do N�brega,
tamb�m marcaram �poca no Canal 5 de S�o Paulo. Os est�dios,
que ficavam no edif�cio Li�ge, na avenida Paulista, eram
t�o pequenos que quando a emissora saiu do pr�dio montaram
l� uma modesta tinturaria. Em 1954, a TV Paulista entrou em
crise. As poucas coisas boas que ela possu�a tinham sido levadas
para a ent�o rec�m-inaugurada TV Record. O Roberto, que
era apenas apresentador, foi convidado a ser o diretor art�stico
da Paulista. Ele achava que poderia salv�-la e me convidou para
trabalhar como seu assistente. Eu sabia que era uma louca
aventura, mas havia uma atra��o irresist�vel para quem estava
ansioso por ter liberdade. Eu poderia fazer de tudo, mexer em
tudo, experimentar de tudo. N�o havia mais elenco, nada, somente
o pessoal t�cnico e operacional. Nem dinheiro havia. A
minha meta era aprender e fui com o Roberto Corte Real para

o desconhecido. L�, encontrei dois profissionais que me acompanhariam
in�meras vezes em v�rias emissoras por onde passei:
o Antonino Seabra e o Luiz Nardini. A turma da TV Record
havia treinado na TV Paulista e muitos visitavam o Canal
5 com frequ�ncia. Um deles era o Nilton Travesso, dono de um
refinamento �mpar e um dos profissionais que mais inova��es
trouxe para a televis�o brasileira.

Para que se tenha uma ideia da precariedade e da pobreza da
Paulista, os dois primeiros programas que conseguimos colocar
no ar foram O prato do dia � uma esp�cie de A bola do dia,
da Tupi, mas sem cen�rio � e Um piano ao cair da tarde. Em
O prato do dia o comediante Renato Corte Real, irm�o do Roberto,
colocava a cabe�a sobre um prato e contava uma piada
de sua autoria. No est�dio, havia um belo piano, sobra dos primeiros
investimentos e, �s seis da tarde, apresent�vamos duas
m�sicas executadas pelos maiores pianistas populares do mundo,
selecionados pelo sens�vel sonoplasta Vicente Dias Vieira.
O locutor apresentava: �Hoje, em cartaz, Robledo.� E, no dia
seguinte: �Hoje, em cartaz, Peter Kreuder� e, assim, pianistas
nacionais e internacionais desfilavam pelo programa. O som
era o original de um disco do pianista anunciado mas, no v�deo,
aparecia algu�m bem-vestido, fingindo tocar o piano, sem
que a c�mera mostrasse as m�os, � claro. Cada dia sentava um
funcion�rio diante do instrumento. Eu fui muitos pianistas diferentes
e o pr�prio Roberto, v�rios outros. Quando telefonavam
dizendo que o Robledo da semana anterior n�o era o mesmo
Robledo daquela semana, a telefonista tinha ordem de dizer:


� N�o, n�o � o pianista verdadeiro. � apenas uma homenagem.
Nessa �poca, um dos poucos corretores da Paulista era o
Luiz Guimar�es, locutor de bel�ssima voz que, por isso mesmo,
foi convidado a fazer o personagem principal do seriado O Invis�vel,
uma vers�o televisiva de O Sombra. Quando a Organiza��o
Victor Costa comprou a TV Paulista, o Guimar�es assumiu
a produ��o comercial da emissora, e quando a Globo ficou
com o Canal 5, ele passou a assistente do Montoro, em seguida


foi meu assistente e, finalmente, diretor nacional de programa��o
da Globo.

Outra curiosidade � que na TV Paulista s� existiam tr�s c�meras
e n�o havia o que se chama de telecine, equipamento para
proje��o de filmes. L�, o filme passava na parede, dentro de
um t�nel de madeira, e era captado por uma c�mera comum.
Existia, por incr�vel que pare�a, diretor de TV para os filmes,
que eram mutilados. Quando aparecia uma cena empolgante, o
diretor se entusiasmava e mandava a c�mera se aproximar para
pegar melhor o centro da a��o. Um desastre.

Outro incidente aconteceu em um programa meu. N�o t�nhamos
o equipamento boom, uma haste telesc�pica que se
distendia ou encolhia, levantava ou baixava, para movimentar
os microfones. Nossos microfones ficavam no pedestal, quando
usados no ch�o, ou ent�o na ponta de um sarrafo de madeira,
quando usados por cima dos atores. Os cen�rios eram pregados
ao lado de corredores a�reos (catwalk), por onde andava
o operador de microfone, para captar o som. Em um quadro
musical, Romeu, com um ala�de, cantava para Julieta, que estava
no alto de uma sacada, vista por uma c�mera no ch�o, para
dar impress�o de mais altura. Romeu, ajoelhado, era visto por
uma c�mera colocada no alto, de modo a aumentar a dist�ncia
entre os dois. De repente, o sarrafo do microfone bateu na parte
da sacada, que foi abaixo com a Julieta e tudo. Foi feito um
corte r�pido para a c�mera de cima, na tentativa de salvar a cena,
mas o que se viu foi o Romeu, com a sua viola, fugindo �s
pressas do cen�rio.

Na verdade, tudo era um caos, exceto o Bate-papo com
Silveira Sampaio. O Roberto, muito amigo do Silveira,
convenceu-o a ir para l�, e como o programa era bastante simples
n�o houve complica��o. Mas isso n�o durou muito e ele


logo foi trabalhar na TV Rio e depois na Record. No domingo,
assumi o hor�rio que viria a ser, no futuro, o primeiro sucesso
do Silvio Santos. Fui apresentador do Clube dos novos valores,
com alguns dos artistas vindos do Clube do papai noel, especialmente
a Terezinha Gazano, que lamentavelmente n�o seguiu
a carreira de cantora. Com um repert�rio que mesclava can��es
italianas e jazz, teria sido uma Zizi Possi. Da minha parte,
aprendi como n�o se apresenta um programa e desisti logo. O
Clube ia ao ar depois do futebol. E, nesse campo, t�nhamos um
dos melhores narradores esportivos de todos os tempos: o Moacyr
Pacheco Torres.

Era quase imposs�vel receber algum pagamento na TV
Paulista, mas me tornei amigo do grande Nabor Merchioratto,
caixa da emissora. Os sal�rios eram pagos em pneus, casimiras,
televisores, geladeiras e coisas assim, nas quais eu n�o tinha
o menor interesse. Mas o Nabor me arranjava passagens do
Expresso Brasileiro que eu vendia com facilidade, �s sextas-
feiras, quando a demanda para ir a Santos aumentava. O Roberto,
que sem querer havia me colocado nessa fria, arranjou
um dinheirinho para mim na ag�ncia de not�cias World Press,
mas a quantia era absolutamente insuficiente e o trabalho, burocr�tico.
Depois ele me apresentou ao Jos� Scatena, um dos
meus grandes mestres, fundador da RGE, uma das primeiras
empresas do Brasil especializada em grava��o de jingles, como
s�o chamadas as mensagens comerciais contadas. Na RGE
eu ganharia um cach� para escrever alguns textos para capas
de discos e poderia faturar mais uns trocados se algum trabalho
extra aparecesse.

Em 1955, transitavam pela gravadora produtores e diretores
dos departamentos de r�dio e TV das mais importantes ag�ncias
de publicidade e comecei a gostar do assunto. L� trabalha



vam medalh�es do jingle, como Victor Dag�, os irm�os Mau-
geri, Lauro Muller e o Passarinho. Aprendi muito com os maestros
que atuavam na �rea de produ��o de comerciais cantados,
como o Ruben Perez � o Pocho �, o Erlon Chaves e o Ca�ulinha;
e com os operadores de som, como o Henrique Cardia
e o St�lio Carlini. L� t�nhamos tamb�m um trio de cantoras
composto por Lourdinha Pereira, Rosa Pardini e Cl�a Simone.
As vozes masculinas do coral eram dos Titulares do Ritmo,
sob o comando do Chico. Eu aproveitava a proximidade deles
e fazia, de vez em quando um freela, jarg�o da publicidade que
vem da palavra inglesa freelancer, ou seja, um trabalho ou texto
publicit�rio independente. A RGE ficava no mesmo pr�dio
da R�dio Bandeirantes � na rua Paula Souza, zona do Mercado
Paulista �, onde nesse tempo brilhavam: Oswaldo Molles,
criador do RB-55; grandes homens de r�dio como J�lio Atlas
e Henrique Lobo; e o maestro S�lvio Mazzucca. Os mandachuvas
Edson Leite, Murilo Leite e Alberto Saad faziam uma revolu��o
no r�dio.

Foi nessa �poca que me tornei muito amigo do Walter Silva,

o cronista de m�sica popular brasileira conhecido como Pica-
Pau. Ele foi, para mim, uma importante fonte de saber na �rea
da MPB e um companheiro leal desinteressado. Casou-se com
a minha querida amiga D�a Silva, que trabalhava na RGE e hoje
� uma talentosa artista pl�stica. Nas �pocas magras, quando
sa�amos para assistir a algum show e jant�vamos tarde, eu ainda
ia tomar um drinque na casa deles, e fic�vamos at� altas horas
da madrugada ouvindo as novidades musicais do mercado
e discutindo os novos talentos.
Walter Silva, com seu Pick-up do Pica-Pau na R�dio Bandeirantes,
seus shows do Teatro Paramount, suas cr�nicas e livros
sobre a MPB, foi um baluarte da defesa da qualidade e da


autenticidade na m�sica popular brasileira. Grande Walter Silva.
Ao lado desses amigos, e com a ajuda do Scatena e do Roberto
Corte Real, eu conseguia pegar algumas encomendas da
R�dio Bandeirantes para redigir textos comerciais e de algumas
ag�ncias de propaganda para dirigir a grava��o de textos
e jingles. Juntando tudo dava para ir tocando, mas ainda estava
fora do que realmente me interessava: a televis�o.

Eu e o Roberto Corte Real estivemos, de alguma maneira,
sempre pr�ximos, ligados pela m�sica, pela publicidade, pela
televis�o e por uma sincera e duradoura amizade que me trouxe
muitos conhecimentos. Fizemos v�rias viagens internacionais
para tratar de neg�cios. Visitamos est�dios de televis�o
em Los Angeles e em Nova York. Al�m da paix�o pela m�sica
e pelo jornalismo, o Roberto cultivava tamb�m um humor fino
e oportuno, caracter�stica da fam�lia Corte Real.

Uma noite, em Los Angeles, fomos jantar na casa de um milion�rio,
amigo do Z� Carioca, que tinha mania de colecionar
carnes de anos especiais, guardadas a uma temperatura abaixo
de cinquenta graus. Para se ter uma ideia da riqueza do anfitri�o,
ele morava no topo de uma colina e seu vizinho de rua,
bem mais abaixo, era o Johnny Mathis. Havia carne guardada
durante mais de trinta anos. Os convidados entravam em um
imenso freezer e escolhiam, � vontade, o ano da pe�a que desejavam
comer: 1945, 1950, e assim por diante. O Roberto, na
sa�da, comentou:

� Foi a primeira vez que comi um churrasco de m�mia.
Nas viagens com ele, conheci muitas figuras importantes da
ind�stria do disco, do cinema e da televis�o. Onde quer que estiv�ssemos,
sempre faz�amos uma pausa nos trabalhos para um
happy hour em um piano-bar, a fim de matar a saudade dos velhos
tempos. Aos primeiros acordes de cada m�sica, lembr�va



mos das hist�rias da TV Paulista ou de alguma passagem engra�ada
do nosso quebra-galho: Um piano ao cair da tarde.


Nosso c�u tem cinco estrelas


NO IN�CIO DE 1955, CONTINU�VAMOS na Organiza��o de Luto S�o Geraldo,
morando e trabalhando l�. Sem trocadilho, as coisas estavam
pretas. Eu, perdido, n�o sabia que caminho tomar. Foi o Scatena
quem me fez dar uma guinada do r�dio e da televis�o para a publicidade,
al�m de se oferecer para falar com o Rodolfo Lima Martensen
e arranjar uma entrevista para mim.

� O Rodolfo � um mestre perfeito. Fundou a Escola Superior de
Propaganda e vai ser um passaporte para voc�.
Entretanto, lembrei-me que minha tia Marina havia mencionado
que conhecia dona Arminda, casada com o Rodolfo. Avaliei que a
apresenta��o do Scatena poderia ser muito formal e menos forte do
que o pedido de uma mulher. Liguei para minha tia e pedi que falasse
com a dona Arminda. Tia Marina, como sempre, na jogada. Devia
tanto a ela que, quando fui para a Globo, dei-lhe o cargo de chefe das
cabeleireiras em S�o Paulo, n�o s� por gratid�o mas porque era mesmo
uma mulher fora de s�rie. Dona Arminda marcou um encontro
com o Lima para mim e prefiro que ele mesmo conte essa hist�ria.
Em seu livro O desafio de quatro santos, ele narra:

Nossos programas eram os de maior audi�ncia em todo o Brasil, mas com o advento
da televis�o, a Lintas � uma ag�ncia de propaganda � era obrigada a entrar de armas e
bagagens no intrincado e enganoso mundo do show business. Quem seria capaz de comandar,
para mim, uma opera��o t�o complexa? J� havia feito v�rias tentativas, mas


constatara que n�o era f�cil encontrar algu�m que aliasse ao talento criativo de
um diretor de teatro a capacidade administrativa de um empres�rio, pronto para
controlar criaturas t�o temperamentais quanto os astros e estrelas com quem t�nhamos
de lidar (e depender) na televis�o.

Surpreendentemente, foi minha mulher quem, sem saber, ajudou a resolver
esse problema, uma das solu��es mais brilhantes da minha carreira, a decis�o
que veio a dar ao Brasil um dos valores mais inquestion�veis da televis�o mundial.
O processo come�ou durante um tranquilo jantar em fam�lia. Minha mulher
perguntou-me de mansinho:

� Voc� n�o teria, na Lintas, um lugar para um rapaz talentoso que est� sendo
muito mal aproveitado no r�dio?
� Quem � ele?
� � sobrinho de uma amiga minha.
� E o que ele faz?
� N�o sei exatamente. Mas escreve para o programa do Manoel de N�brega.
Dizem que tem muito jeito para a coisa. Voc� n�o quer entrevist�-lo?
� Qual � a idade dele? Voc� sabe?
� Acho que tem menos de 20 anos.
� Ah, que pena! � muito mo�o para o que eu estava pensando.
� Mas... custa entrevistar?
� N�o. N�o custa. Voc� tem raz�o. Mande o rapazinho falar comigo depois
de amanh�.
Dois dias depois � est�vamos nos �ltimos dias de dezembro de 1955 � Mura
Fischman, a ent�o subgerente da Lintas, veio � minha sala e anunciou:

� Tem a� um rapaz que insiste em falar com voc�. Diz que � apresentado da
Arminda e que voc� j� sabe do que se trata. Tem uma cara e uma conversa �timas.
O mo�o foi introduzido em minha sala e quando lhe perguntei o que sabia
sobre r�dio e televis�o, respondeu-me de maneira t�o l�cida e objetiva que fez
com que eu me levantasse, sa�sse detr�s de minha mesa, sentasse a seu lado num
sof� e pass�ssemos a trocar ideias sobre o assunto como se f�ssemos velhos
colegas. Nossos conceitos de qualidade coincidiam surpreendentemente, nosso
respeito pelo p�blico era id�ntico, nossos princ�pios de trabalho tinham a mesma
base. Sem d�vida nenhuma, estava diante de um rapaz fora de s�rie, exatamente
o homem que eu procurava! Meu �nico m�rito, naquela hora, foi detectar o
talento e a profundidade de pensamento daquele mo�o desconhecido que tinha


em minha frente. Contratei-o imediatamente. Quando saiu de minha sala, j� estava
nomeado Chefe do Departamento de R�dio e Televis�o da Lintas do Brasil.
Chamava-se Jos� Bonif�cio de Oliveira Sobrinho. Boni, para os �ntimos.

Boni, essa gl�ria nacional que deu � Rede Globo de Televis�o o mais elevado
padr�o de televis�o do mundo, o que valeu a ele o Pr�mio Salute 1979, trabalhou
tr�s anos comigo. De 1956 a 1958. Foram tr�s anos de muita inova��o e
arrojadas realiza��es. Sua capacidade de trabalho era t�o grande quanto o poder
de cria��o. Aprimorou n�o s� o entretenimento que coloc�vamos no ar, como
tamb�m a propaganda no r�dio e na televis�o. Defendia seu trabalho com unhas
e dentes, porque estava seguro do que fazia. Brigava com os clientes e n�o tinha
papas na l�ngua para mandar um diretor da Lever �quele lugar, se ele n�o fosse
capaz de bem avaliar um trabalho seu.

Terminada a conversa, o Rodolfo foi mostrar a minha sala
e me apresentou aos principais profissionais da Lintas. Pediu
que eu chegasse cedo porque me passaria as tarefas da minha
�rea. O primeiro trabalho que tive na ag�ncia em nada se parecia
com o esperado. A Escola Superior de Propaganda, fundada
pelo Rodolfo, havia recebido o �bilhete azul� de Pietro Maria
Bardi e estava se mudando �s pressas para outro local, no
mesmo pr�dio da rua 7 de Abril, em S�o Paulo, cedido a baixo
custo pelos Di�rios Associados e com m�veis doados pela
Editora Abril. Tudo seria feito em noventa dias. E n�s, da Lintas,
fomos convocados pelo Rodolfo e pela Mura para ajudar
a montar os m�veis nas salas de aula. Entendi, naquele momento,
a grandeza e a preocupa��o do Martensen com a qualidade.
A ESP viria a se tornar depois essa fant�stica organiza��o
de ensino que � a ESPM (Escola Superior de Propaganda e
Marketing), uma das melhores � se n�o a melhor � institui��esdo g�nero em todo o mundo. � oportuno lembrar alguns nomes
importantes dessa escola, entre os que j� se foram, como o
pr�prio Rodolfo, Renato Castelo Branco, Otto Scherb, Geraldo
Santos e Luiz Celso Piratininga. E, entre os que continuam na


batalha, � imprescind�vel o registro de nomes como Armando
Ferrentini, Francisco Gracioso, Ivan Pinto e Jos� Roberto Whitaker
Penteado Filho.

Depois da miss�o inicial, v�rios e maravilhosos desafios
surgiram na Lintas. O Rodolfo me deu ampla liberdade e deixou
que eu tentasse caminhos inovadores. Meu primeiro jingle,
em 1955, foi para a pasta Lever SR, com base no sucesso
de �Rock around the clock�, usando o estilo rock� n� roll.

Com o Pocho, fiz um jingle cl�ssico da Lever: �As mulheres
mais bonitas usam sabonete Lever...�, gravado pelo Almir Ribeiro;
criei a campanha de lan�amento do Rinso no r�dio e na
TV; e, com o Pl�nio Toni, desenvolvi o projeto de venda de sab�o
em p� para quem n�o tinha m�quina de lavar: a Quinzena
de brancura Rinso, ganhadora do Marketing Report da Unilever,
em Londres. A Quinzena acontecia de cidade em cidade
do interior e tinha como apoio um filme comercial de dois minutos,
com Adoniran Barbosa e Maria Vidal, que �, at� hoje,
o recordista de c�pias para exibi��o em cinema. Fiz tamb�m o
lan�amento do sab�o em p� Omo no r�dio e na TV e, com C�sar
Alencar, o Festival Rinso, na Quinta da Boa Vista, com um
retorno de quinhentas mil tampinhas do produto. Compramos
para a Lever e produzi os comerciais que anunciavam a pr�xima
atra��o nas emissoras de TV em todo o Brasil. Rodolfo e
eu criamos e lan�amos o Lever no espa�o.

O Rodolfo me deu tamb�m a oportunidade de conhecer quase
todo o Brasil. Comecei pelo estado de S�o Paulo. Havia
uma necessidade de penetra��o do sofisticado sabonete Lever
(hoje, Lux) nas classes mais baixas e criei um formato chamado
�Caixa de pedidos Lever�, que transmitia pedidos musicais
com ofertas para amigos, namorados etc. Essas ofertas s�
poderiam ser feitas usando o envolt�rio do sabonete Lever. O


programa era transmitido diariamente, de segunda a sexta-feira,
nas principais emissoras do interior de S�o Paulo. A autoriza��o
de publicidade n�o permitia que as emissoras aceitassem
pedidos e ofertas musicais sob pagamento, o que era um h�bito
naquele tempo. Criamos um concurso entre as emissoras para
premiar as que conseguissem maior quantidade de envolt�rios.
Castelar, da empresa Nestor Macedo, seu Radico, o pessoal
da Pereira de Souza e outros representantes de r�dio dobravam
nossa premia��o estimulando ainda mais a competi��o entre as
emissoras.

No Rio de Janeiro, Henrique For�is, o Almirante, representava
a Lintas no programa de r�dio Levertimentos, criado pelo
Rodolfo para combater a Eucalol e a Palmolive. Minha miss�o
era produzir textos publicit�rios que se encaixassem no programa,
sem que fosse necess�rio ter intervalos comerciais. Do
programa, participavam Ant�nio Carlos Pires, pai da Gl�riaPires, os irm�os Walter e Ema D��vila, Z� Trindade, Nancy
Wanderley e o magistral Chico Anysio, que gostava dos meus
textos de propaganda e me dizia que eram, �s vezes, mais engra�ados
que o pr�prio programa. Mas, no r�dio brasileiro, talvez
nunca tenha existido nada melhor e mais engra�ado que
a PRK-30, de Lauro Borges e Castro Barbosa. A PRK-30 era
uma emissora clandestina que invadia as ondas da R�dio Nacional.
Era �de mijar de rir� � �nica express�o capaz de definir
corretamente o programa. O texto era do Lauro Borges e a
interpreta��o, dele e do Castro Barbosa. A Lintas contratou a
PRK-30 para a Lever. O programa era gravado e corria o Brasil
em fita, mas o lan�amento, em cada cidade, era ao vivo e eu
assumi a responsabilidade pela log�stica e pela produ��o. As
viagens foram deliciosas. Pessoalmente, o Lauro era t�o engra�ado
quanto ao microfone.


Nas cidades visitadas, quando jant�vamos, ele costumava
gritar para o gar�om:

Nas cidades visitadas, quando jant�vamos, ele costumava
gritar para o gar�om:
Quer chupar os meus nabos, por favor?
Quando o gar�om se aproximava achando aquilo estranho,
o Lauro mudava a frase:
� Quer me arranjar guardanapos, por favor?
Um dia, no Hotel da Bahia, em Salvador, ele se deu mal. O
gar�om veio correndo, n�o perguntou nada e disse logo:

� Quer que chupe seus nabos? Chupo sim, senhor. O sr. � o
Lauro Borges, o maior g�nio do humor brasileiro. Minha fam�lia
n�o perde um s� programa seu e, em sua homenagem, at�
chupo seus nabos.
O Lauro levantou, abra�ou o gar�om e, sem jeito, pediu desculpas
pela brincadeira. No final, o rapaz trouxe sobremesas e
licores, por conta dele, para festejar o encontro.

Em Porto Alegre, reunimos cinco mil pessoas no audit�rio
Ara�jo Viana. Um pouco antes do show, passe�vamos pela rua
da Praia e o Lauro quis fazer a barba. O barbeiro colocou uma
toalhinha quente no rosto dele, passou espuma, afiou a navalha
e quando come�ou a fazer a barba, o Lauro deu um pulo da cadeira
e gritou:

� Para! Para! Voc� n�o est� cortando a minha barba. Com
essa navalha sem fio e cheia de dentes est� puxando minha barba
para fora. Olha s� como eu fiquei mais barbudo.
O pior � que era verdade. Entre locais com barba e outros
com buracos, feitos pela l�mina defeituosa, dava impress�o
que a barba tinha crescido. Ainda bem que encontramos outro
�F�garo� que consertou o estrago.

Essa viagem a Porto Alegre foi consequ�ncia da amizade
que eu havia feito com um dos maiores e mais fascinantes personagens
da minha vida, o querido Maur�cio Sirotsky. Meses


antes, estive na R�dio Ga�cha, no edif�cio Uni�o, na Borges de
Medeiros, em Porto Alegre, para fazer uma inspe��o de m�dia,
ou seja, conferir se o que a Lintas estava pagando era, efetivamente,
irradiado. O Maur�cio estava assumindo a dire��o comercial
da emissora que pertencia ao Frederico Ballv�. Era comum
nessas visitas que os diretores tentassem esconder alguma
irregularidade e convidassem para um jantar ou uma sa�da
noturna a pretexto de rela��es p�blicas. O Maur�cio foi exatamente
o oposto. Confessou que tudo andava mal, que estava
organizando a r�dio e iria abrir uma linha de cr�dito para usarmos
de gra�a a t�tulo de compensa��o. E cumpriu tudo. Nossa
amizade estendeu-se firme e forte at� a sua morte.

A entrada da Lintas na televis�o se deu de forma espetacular.
Embora Nossa pr�xima atra��o tivesse sido criada na TV
Tupi, conseguimos negociar e comprar a primeira posi��o dos
intervalos comerciais em quase todas as emissoras de televis�o
no Brasil, mesmo as que n�o pertenciam aos Di�rios Associados.
No Rio, usamos a Tupi do Rio e a TV Rio. Como
era delicado sincronizar o som gravado com as imagens, fui
a quase todas as emissoras para treinar os operadores. Na TV
Rio, o diretor comercial Cerqueira Leite me apresentou a seu
jovem e promissor assistente, encarregado do mercado carioca
e do qual, imediatamente, me tornei amigo. Seu nome: Walter
Clark Bueno.

Voltando ao Rodolfo, quero registrar que tenho um imenso
carinho e uma eterna gratid�o pela ajuda que recebi de dona
Arminda, uma das figuras mais bem-humoradas que conheci e,
certamente, respons�vel pela felicidade permanente estampada
no rosto do marido. O Rodolfo me ensinou muito mais que
propaganda: me ensinou sobre �tica, sobre a vida. Eu n�o teria
feito nada do que fiz se n�o tivesse passado pela Lintas. Nunca


esqueci de um teste que o Rudi, como o cham�vamos, aplicava
e que tive de preencher antes que ele me atendesse. Chamava-
se �Nosso c�u tem cinco estrelas� e servia de triagem para definir
em qual �rea o candidato ao emprego se encaixava: cria��o,
m�dia, atendimento, planejamento ou administra��o. Eu
preenchi o formul�rio, mas ele nunca comentou nada comigo.
Na campanha de Omo, o Rudi queria uma voz com o registro
de �baixo profundo� para gravar �Ooooommoooooo�. Tentei
um cantor do Municipal, tentei o T�lio de Lemos e, no final,
pedi ao Rudi que ele mesmo gravasse. Ele havia sido locutor
e diretor da R�dio Sociedade do Rio Grande, no Rio Grande
do Sul, e tinha um senhor vozeir�o. Sem pensar duas vezes, se
prontificou a gravar e fomos para o est�dio da RGE, que ficava
pertinho da Lintas. Ele entrou no est�dio e gravou de primeira.
Foi o material que usamos na campanha do Omo no r�dio e na
televis�o. Quase ningu�m sabe que a voz que marcou o produto
era a do Rodolfo Lima Martensen. Quando volt�vamos da
RGE para a Lintas, lembrei-me do teste �Nosso c�u tem cinco
estrelas� e fiz uma piadinha, cumprimentando-o pela grava��o:

� Puxa, Rodolfo, se o nosso c�u tem cinco estrelas, voc�
brinca nas cinco.
Ele lembrou do meu teste inicial e me devolveu o agrado:

� N�s brincamos.
E o Rodolfo acrescentou:
Os publicit�rios brasileiros s�o polivalentes. Nessa sua nova
profiss�o voc� vai encontrar gente muito especial.

E eu encontrei mesmo. Os pioneiros da nova publicidade
brasileira Alex Periscinoto, Roberto Duailibi, Francesc Petit,
Jos� Zaragoza e Julio Ribeiro. Os mega publicit�rios Nizan
Guanaes e Washington Olivetto. E os da nova gera��o Marcelo
Serpa e Fabio Fernandes.


Lever no espa�o


AS AG�NCIAS BRASILEIRAS DE PROPAGANDA e os grandes anunciantes
do Brasil mantinham departamentos especializados em produ��o de
entretenimento para suprir as emissoras de r�dio com programas
competitivos ou, simplesmente, para controlar a qualidade dos programas
que patrocinavam. Era o caso da Colgate-Palmolive, da Sidney
Ross e da Lever � esta contava com uma ag�ncia pr�pria, a
Lintas, sigla para Lever International Advertising System. A entrada
dessas empresas na televis�o seguiu o mesmo esquema do r�dio: a
interven��o na produ��o.

Em 1957, a Lever, que come�ou na televis�o com comerciais, cobrava
da Lintas alguma produ��o que marcasse o in�cio da sua participa��o
na TV. A Lintas trouxe a Orquestra Sinf�nica de Nova York,
cuja apresenta��o foi transmitida pela TV Tupi de S�o Paulo, mas
a Lever queria algo novo, menos elitista. Rodolfo e eu ficamos com

o pedido do cliente na cabe�a, at� que surgiu uma ideia, baseada no
que Orson Welles havia feito na r�dio americana com A guerra dos
mundos, de H.G. Wells.
Para relembrar essa hist�ria, vale a pena ler os depoimentos do
Rodolfo Lima Martensen, extra�dos de seu livro O desafio de quatro
santos:

Um dia, Boni e eu resolvemos fazer uma loucura: propusemos � Lever o patroc�nio
de um programa de fic��o cient�fica, interplanet�rio, na televis�o. Seria o ingresso da


Lever na TV e ele deveria ser espetacular. O cliente topou e n�s partimos para
a briga. O show se intitulava Lever no espa�o. O que se seguiu, ent�o, foi um
dos mais arrojados projetos jamais perpetrados na televis�o brasileira. Uma verdadeira
loucura espacial!

E era mesmo. O primeiro passo foi encontrar algu�m que tivesse
um bom texto e fosse capaz de desenvolver a nossa proposta.
Encomendamos o projeto a alguns escritores, mas eles
n�o eram de televis�o e desconheciam a linguagem do ve�culo
e as limita��es t�cnicas existentes. N�o havia videotape eo
programa teria que ir ao ar ao vivo, com todos os riscos que
isso envolvia. Volto ao relato do Rodolfo:

Acontece que a ambiciosa hist�ria que Boni e eu invent�ramos apresentava
in�meras oportunidades de erros e imperfei��es. Tratava-se de mostrar, em voo
espacial e em terra, um disco voador vindo de um planeta onde s� se falava a
verdade e que, por isso, chama-se Ver�nia. A nave era tripulada e trazia uma
mensagem de advert�ncia � Terra: os homens deveriam parar com suas experi�ncias
at�micas, pois elas punham em perigo o equil�brio de todo o sistema solar.


Eu soube que o M�rio Fanucchi gostava do assunto, tinha
um pequeno est�dio e uma c�mera que daria para fazer alguns
efeitos especiais. Convidei-o para escrever o programa. Fanucchi
leu a sinopse, fez sugest�es e aceitou. Mostramos ao Cassiano
Gabus Mendes, que resolveu entrar de corpo e alma no
projeto. Nos est�dios do Sumar�, constru�mos um fundo infinito
para efeitos e um gigantesco disco voador. No elenco, Henrique
Martins, Lima Duarte, Dion�sio Azevedo, F�bio Cardoso
e os estreantes em televis�o Rafael Golombek e Beatriz Segall,
que, muito tempo depois, na Globo, personificaria a maior vil�
da televis�o brasileira, a terr�vel Odete Roitman. A dire��o


geral do Lever no espa�o ficou a cargo do pr�prio Cassiano;
� frente da dire��o de TV estava o Antonino Seabra e na sonoplastia,
o Darcy Cavalheiro. Cabia a mim coordenar toda a
equipe e a produ��o.

Pretend�amos que, no primeiro cap�tulo, os telespectadores
acreditassem que era verdade o que estavam vendo at� descobrirem
que se tratava de fic��o. Para isso, preparamos uma
campanha sem precedentes, como nos conta o Rodolfo:

O lan�amento do programa foi sensacional, constituindo-se de teasers (provoca��es)
que criavam grande expectativa em torno do hor�rio, o mais nobre
de todos, �s oito da noite. O suspense foi engendrado atrav�s da simula��o de
interfer�ncias na programa��o normal da emissora. Primeiramente, essas interfer�ncias
foram feitas apenas no �udio, onde uma voz m�scula, mas tranquila e
suave, se sobrepunha ao programa que estivesse sendo transmitido no momento,
fosse musical, teleteatro, notici�rio, humorismo ou propaganda. A interfer�ncia
se iniciava, pontualmente, �s vinte horas, com um assobio agud�ssimo de alta
frequ�ncia que terminava modulando a voz macia do �veruniano� a dominar totalmente
o que estivesse sendo irradiado pela emissora:

� Amigos do planeta Terra. Estamos tentando comunica��o. Tentando comunica��o...
Um notici�rio preparado pela Lintas apareceu em toda a imprensa de S�o
Paulo anunciando: �Estranhas interfer�ncias no Canal 3�; �Vozes do espa�o da
televis�o�; �De onde vir� a interfer�ncia do Canal 3?� Cassiano Gabus Mendes,
respons�vel pelo truque perfeito que simulava as interfer�ncias, dava entrevistas
aos jornais e afirmava ser totalmente imposs�vel impedir a intromiss�o daquela
possante onda nas transmiss�es normais da Tupi.

Nos jornais e na revista O Cruzeiro o assunto tamb�m era
tratado como fato real. No dia prometido para o contato com a
Terra, a audi�ncia da Tupi chegou aos 60%. Houve correria em
S�o Paulo e nas cidades vizinhas. Rodolfo e eu, Orson Welles
caboclos, t�nhamos conseguido o que quer�amos nessa pri



meira fase. Mas, durante a trajet�ria do programa, o sofrimento
n�o foi pequeno. Em um dos cap�tulos, o foguete dos nossos
her�is seria acelerado para assumir a velocidade da luz. O Fanucchi
fez uma maquete e filmou, mas o encarregado da proje��o
colocou o filme ao contr�rio no projetor. O piloto da nave
era o F�bio Cardoso, que comandou:

� Para frente, � velocidade da luz!
E o que se viu foi o foguete voando para tr�s a toda velocidade,
engolindo fuma�a e raios de luz. O Antonino avisou ao
F�bio Cardoso o que estava acontecendo, cortou para a imagem
da cabine da nave, e o F�bio passou a m�o na testa, consertando:


� Para evitar uma colis�o com um asteroide tivemos que fazer
uma manobra a r�. Agora... para frente! � velocidade da
luz!
A� sim o foguete partiu, sumindo no espa�o. Em outra ocasi�o,
houve um problema com a roupa do F�bio. Os uniformes
dos nossos astronautas eram de pl�stico cinza claro, estofados
por dentro para simular que estavam cheios de ar. Um dos atores
sentou numa poltrona da cabine da nave e n�o viu, nem
sentiu, que a roupa ficara presa em um parafuso. Ao se levantar
para dar uma ordem, o pl�stico se rasgou e ele quase ficou
de bunda de fora.

Por�m, o pior mesmo aconteceu com o Lima Duarte. Capturado
pelos inimigos, ele era jogado em um fosso de jacar�s.
O fosso teria jacar�s empalhados e um verdadeiro, dopado, semiacordado,
para dar alguma veracidade � tomada de c�mera.
Havia no meio do est�dio um fosso para v�rios aproveitamentos
cenogr�ficos. Tinha meio metro de profundidade e cerca de
quatro metros quadrados. Para caber no fosso, a produ��o solicitou
ao Instituto Butantan um jacar� de um metro e meio e


t�cnicos para anestesiar o bicho. No lugar do Lima, a queda no
fosso seria feita por um dubl�. Tudo perfeito. Mas acabou que
ele mesmo quis fazer a cena. Quando foi jogado no fosso, o
jacar�, que estava apenas meio sonolento, arregalou os olhos
e partiu para cima dele, que imediatamente pulou para fora. O
jacar� pulou atr�s e quase destruiu todo o est�dio dando rabanadas,
at� ser recapturado pelos t�cnicos. Felizmente, ningu�m
se feriu. Na correria, as c�meras rodopiavam pelo ar, o que,
no dia seguinte, valeu muitos aplausos pela realidade da cena.
Quando tudo se acalmou, o t�cnico do Butantan explicou que
havia outros jacar�s mais mansos, de tamanhos diferentes, mas
esse de metro e meio, solicitado pela produ��o, era fooooogo.

Por conta dessa hist�ria, j� na Globo, quando eu via um
pedido muito espec�fico para qualquer coisa, sempre alertava:
�Por favor, n�o me pe�am jacar� a metro.�

O programa Lever no espa�o mexeu com gente de todo tipo
e, no auge de sua popularidade, o Rodolfo recebeu, na Lintas,
um telefonema muito estranho, como ele mesmo relata:

Provinha de um grupo religioso de inspira��o hindu, que tinha sua sede em
Resende, no Estado do Rio. A seita estava muito em evid�ncia na �poca, pois a
revista Manchete havia feito uma reportagem completa no local onde se concentravam
seus adeptos. A pessoa que me telefonou dizia-se representante do primaz
da seita e pedia minha presen�a a uma reuni�o que teriam no dia seguinte
em S�o Paulo, no apartamento de um dos membros da religi�o, no largo Padre
P�ricles, nas Perdizes. Informava-me � para meu espanto � que essa assembleia
tinha sido convocada em raz�o do programa Lever no espa�o e que o primaz viria
a S�o Paulo, exclusivamente para conhecer os respons�veis pelo programa.

Ele me contou sobre o telefonema e achei que dever�amos ir
� tal assembleia. Volto � narrativa do livro:


Quando fomos recepcionados no apartamento das Perdizes, levamos um
choque. L� estavam uns vinte monges, todos de cinza, cerimoniosamente em p�,
bra�os cruzados e cabe�as baixas. Esperavam-nos em semic�rculo, num ambiente
de profundo respeito. Fomos recebidos por uma bonita mo�a de fei��es muito
suaves, que nos conduziu at� a sala principal. Ela, tamb�m, vestia uma longa t�nica
cor de cinza, que lhe ca�a muito bem moldando-lhe as formas. No centro
da sala, destacando-se do grupo, estava um homem de longas barbas grisalhas
e que nos recebeu com um olhar meigo, estendendo-nos ambos os bra�os. Havia
uma vibra��o m�stica na sala quando a mocinha anunciou que aquele era o
Mestre Superior de sua seita, e que ali viera para nos conhecer. O di�logo que se
estabeleceu entre mim e aquela criatura de apar�ncia extraterrena ficou t�o bem
gravado em minha mem�ria que posso reproduzi-lo aqui com toda fidelidade. O
monge foi o primeiro a falar:

� Sentimo-nos honrados pelos senhores terem aceito o nosso convite e comparecido
a esta assembleia. Acredito que sejam os respons�veis pelas mensagens
simb�licas do programa.
� Sim, meu senhor (eu estava realmente embara�ado e notei que Boni
esfor�ava-se para n�o estourar numa gargalhada). N�s somos da ag�ncia de publicidade
que idealizou e produz o Lever no espa�o. Se os senhores tiverem alguma
cr�tica, � a n�s mesmos que devem faz�-la.
� Cr�tica?! Quem somos n�s para critic�-los?! Pelo contr�rio. Quer�amos
conhec�-los pessoalmente porque entendemos a mensagem e gostar�amos de ter
mais alguma orienta��o sobre como proceder para salvar nossa pobre Terra da
destrui��o.
Nessa hora a coisa come�ou a ficar s�ria. Boni e eu nos entreolhamos e percebemos
que est�vamos tratando com fan�ticos religiosos, que haviam levado a
s�rio o nosso despretensioso programa de fic��o cient�fica. Boni apressou-se em
dizer:

� Cavalheiros, me desculpem, mas os senhores levaram muito a s�rio um
simples programa de entretenimento. Lever no espa�o n�o � nada disso que os
senhores est�o pensando.
Vim no socorro do colega e complementei:

� O principal objetivo desse programa � o de vender sabonete. N�o nos confundam
com mensageiros extraterrestres, porque somos simples publicit�rios
em busca de audi�ncia para passarmos nossos apelos de vendas.

Um bondoso e compreensivo sorriso estampou-se no rosto do primaz e em
todos os membros daquela incr�vel assembleia. O mestre aproximou-se de n�s,
colocou amistosamente a m�o sobre nossos ombros e falou brandamente:

Um bondoso e compreensivo sorriso estampou-se no rosto do primaz e em
todos os membros daquela incr�vel assembleia. O mestre aproximou-se de n�s,
colocou amistosamente a m�o sobre nossos ombros e falou brandamente:
Vendendo sabonete? Isso � que os senhores pensam. Na verdade, est�o
vendendo coisa muito mais valiosa. Est�o vendendo a paz entre os homens e a
harmonia entre os planetas. Os senhores n�o estavam conscientes, mas fiquem
certos agora de que s�o seres privilegiados, escolhidos e guiados por entidades
superiores para mostrarem, atrav�s de um programa de televis�o, o nosso �nico
caminho da salva��o.
Seguiram-se c�nticos e rituais de agradecimento, com os
membros da seita curvando-se � nossa frente como se f�ssemos
deuses. Entregaram-nos de presente duas batas cinzas, para
nosso espanto, do nosso tamanho exato. E olha que o Rodolfo
era grande.

O primaz, acompanhado da linda recepcionista, nos levou
at� a porta. E eu quis agrad�-lo.

� Senhor primaz, se o sr. tiver alguma mensagem ou algo
que queira colocar no programa, me ligue, por favor.
� Obrigado, meu jovem. N�o ser� necess�rio ligar. Agora
nossas mentes est�o sincronizadas para sempre.
Quando entramos no t�xi para voltar, n�o conseguimos trocar
uma palavra. O Rodolfo teve um acesso de riso e n�o era
capaz de completar uma s� frase.

Disse a ele:

� Fica calmo. Agora somos de outro planeta.
O Rodolfo era mesmo de outro planeta. Nada o abalava. Quando
estava muito mal, hospitalizado, com c�ncer de pr�stata,
eu disse � dona Arminda que queria visit�-lo, mas ela respondeu
que ele estava t�o debilitado que n�o queria ser visto por
ningu�m daquele jeito.


E partiu sem que eu pudesse lhe dar um �ltimo e grande
abra�o.


Plantando
lasanha


NO FINAL DE 1957, GANHEI DA LINTAS, al�m de uma boa gratifica��o,
uma viagem a Washington, Nova York e Londres. Em Washington
faria um est�gio na emissora local da NBC-T; em Nova York, conheceria
a J.W. Thompson, que tinha a conta da Lever nos Estados
Unidos, e em Londres visitaria a Unilever e veria a produ��o de filmes
e document�rios feitos para a empresa. Era minha primeira viagem
internacional e mandei fazer, sob medida, dois ternos de tropical
ingl�s, na cor cinza, � claro, para entrar no padr�o dos publicit�rios
da Madison Avenue. A viagem foi magn�fica. Comecei por
Londres, com uma r�pida estada de uma semana. Fiz tudo o que um
turista faz, al�m de assistir a toneladas de filmes e ver campanhas
do mundo inteiro feitas para os produtos Lever. De Londres fui para
Nova York, onde, al�m de acompanhar a realiza��o de filmes publicit�rios
na JWT, conheci o extraordin�rio publicit�rio brasileiro Armando
Sarmento, ent�o presidente da McCann Erickson nos Estados
Unidos, o primeiro brasileiro a atingir uma posi��o t�o importante
na publicidade mundial. Ele montou para mim, a pedido do Rodolfo,
um programa de visitas a produtoras de comerciais para cinema e
televis�o e aos est�dios de onde eram transmitidos os grandes shows
ao vivo da televis�o americana.

Depois, passei um m�s em Washington acompanhando a produ��o
de telejornais e programas pol�ticos. Desde 1956 o jornal da
NBC era apresentado de duas cidades: Nova York e Washington. L�,


o apresentador de telejornal � chamado de anchor, ou seja,
aquele que � a �ncora do programa. A tradi��o era ter, no principal
telejornal, apenas um �ncora, mas a NBC inovou com o
�Huntley-Brinkley Report�. Em Nova York ficava o anchor
Chet Huntley, e em Washington, o anchor David Brinkley. Em
raz�o da grande participa��o de Washington no telejornal, havia
muita atividade na WNBC local, o que me permitia uma
boa observa��o do trabalho deles.
Na �poca, irrompeu uma guerra de campanhas publicit�rias
entre a CBS e a NBC. O jornalista Walter Cronkite, apresentador
do telejornal da CBS, era respeitado n�o s� por sua imparcialidade,
mas por ter viajado o mundo inteiro como rep�rter.
A CBS fez an�ncios de p�gina inteira nos jornais para combater
a entrada dos novos apresentadores da concorrente. Em
uma grande foto, Walter Cronkite aparecia sentado em uma
confort�vel poltrona com os p�s cruzados, em primeir�ssimo
plano, sobre uma mesa, onde havia um globo terrestre. Embaixo
da foto, o t�tulo do an�ncio: �Estes p�s j� viajaram o mundo
todo.� A NBC respondeu tamb�m com p�gina inteira, usando
uma foto dos rostos de Huntley e Brinkley quase grudados,
com a provoca��o: �N�s achamos que duas cabe�as pensam
melhor.�

De Washington, fui novamente para Nova York e de l� para
S�o Paulo. Trouxe um televisor importado e um som de �alta
fidelidade� para colocar no apartamento que aluguei para mim,
minha m�e e o Guga, na avenida Rio Branco. Como nos ensinou
Shakespeare, em Romeu e Julieta, � no auge da felicidade
que ocorrem as trag�dias. Ao chegar na madrugada, soube
que a minha av� Ana Carolina, a Nicota, estava internada. Tomei
um banho, um caf� e fui para a Lapa, de S�o Paulo, onde
ficava o hospital. Eu era louco por ela. Pedi o n�mero do quar



to e entrei correndo para v�-la. O quarto estava vazio. Chamei
a enfermeira e perguntei para onde minha av� havia sido transferida,
e ela respondeu:

� Faleceu agora h� pouco. Acabou de ser removida para o
necrot�rio.
N�o dava para acreditar. Um pouco antes e eu a teria encontrado
ainda com vida. N�o consegui me despedir nem pude
agradecer todo o carinho que ela me deu. Tomei as provid�ncias
para o sepultamento, aluguei um carro f�nebre e fui
com o corpo para Osasco, devastado pela dor e arrependido de
ter viajado. At� hoje sofro muito com isso. A dor da perda de
algu�m que se ama loucamente n�o passa nunca. Acompanha-
nos at� o nosso �ltimo suspiro.

Apesar de tudo, era preciso voltar ao trabalho. Vale mencionar
que na Lintas fiz grandes amigos, como o diretor de arte
e hoje pintor Laerte Agnelli; Pl�nio Toni, um apaixonado por
cinema; Edmilson Moura, dono de um texto brilhante; e pessoas
especiais como Gerald Wilda, Natale Neto, Mura Fischman,
Wanderley Fucciolo e Joaquim Alves, um anjo de bondade.
O Laerte e o Joaquim, esp�ritas convictos, me ajudaram
a encontrar consolo para a minha tristeza. O Laerte depois faria
in�meros trabalhos comigo, na Varig, na RGE, na Multi e
na Alc�ntara. Eu, o Pl�nio e o Moura n�o dispens�vamos uma
boa comida. O Jo�o Carlos Magaldi, que tamb�m era bom de
garfo, se juntou ao grupo.

O apartamento que aluguei ficava perto da Lintas e quase ao
lado da churrascaria Guaciara, de propriedade da fam�lia Ferrari,
dos restaurateurs Massimo e Ven�ncio. J� naquele tempo
a m�e deles tinha, nos fundos, um dos melhores restaurantes
italianos de S�o Paulo. A culin�ria da cidade tamb�m deve
muito � fam�lia Fasano, sempre empenhada em servir o me



lhor, em todos os estabelecimentos que teve. Comecei a acompanhar
a trajet�ria deles na Bar�o de Itapetininga, tomando
cerveja importada com o melhor amendoim do pa�s. Sempre
gostei de comer e beber bem, e tamb�m devo muito � fam�lia
Fasano. Os comes e bebes costumavam fazer parte da rotina do
pessoal de cria��o e atendimento das ag�ncias, pois era o momento
de acertar diverg�ncias e at� descobrir um bom tema oudesenvolver uma ideia conjunta para alguma campanha. � tarde,
ao sair do trabalho, pass�vamos no bar do Luiz para tomar
uns chopes. Eu era frequentador ass�duo do Da Giovanni, na
Bas�lio da Gama, onde ia para comer um ravioloni ou um coelho.
Ao lado, ficava o Cadoro, com seu bolito misto, cortado
e servido com maestria pelo �tico. No Da Giovanni tornei-me
amigo do Braz, ma�tre e sommelier, grande figura, at� hoje em
servi�o no Jardim de Napoli. O Braz � um ser humano especial,
gentil, educado e um conhecedor em�rito de vinhos. O Jardim,
ainda no viaduto Maria Paula, passou a ser minha casa desde
que abriu. Fui um dos primeiros a conhecer o famoso polpettone.
Os donos eram os Buonerba: Salvador, Toninho, Adolfo e
Get�lio, que � como se fossem da minha fam�lia.

Um dia, estava jantando e tive uma pequena discuss�o com
um cliente que mexeu com a minha noiva. Ele e seus amigos
de mesa haviam bebido muito e resolveram me esperar na sa�da
para me dar uma surra. Eram muitos. Por sugest�o do Toninho,
fiquei no restaurante at� fechar, mas eles continuaram
esperando por mim. Na hora de sair todos os gar�ons se muniram
de garrafas vazias e desceram junto comigo para me proteger.
O Toninho me colocou no carro dele e me deixou em
casa, s�o e salvo. Nunca esqueci do epis�dio. A primeira vez
em que cada um dos meus filhos saiu para comer fora foi no
Jardim de Napoli. Mesmo morando atualmente no Rio, sem



pre passo meu anivers�rio l�. Quando montei um restaurante
na capital carioca, importei uma m�quina italiana de fazer macarr�o.
Meu pessoal nunca conseguiu us�-la e eu acabei dando-
a para o Toninho Buonerba, que descobriu como fazer com ela
um incr�vel tortiglione que casou maravilhosamente bem com

o polpettone da casa.
Outro lugar imperd�vel era o Por�o do Afonso, na rua Santo
Ant�nio, no Bexiga, onde se comia a melhor perna de cabrito
do planeta e a inesquec�vel alcachofra all�inferno. As �tias�,
como carinhosamente as cham�vamos, eram as donas e cozinheiras
do Afonso. Tinham m�os divinas. Abriam alguns buracos
nas pernas do cabrito e l� enfiavam pimenta vermelha
curtida e manjeric�o. Assavam no forno a lenha, com fogo baixo,
lentamente, por seis horas. Regavam constantemente com
azeite virgem, dourando as batatas que acompanhavam o prato.
As alcachofras eram cozidas no vapor, cuidadosamente limpas
por dentro e recheadas com uma pasta de miolo de p�o, aliche
italiano picado, pimentas vermelhas frescas sem as sementes e
peda�os do pr�prio fundo da alcachofra. Depois de molhadas
no azeite e esquentadas rapidamente ao forno, iam para a mesa
cheirosas e fumegantes. Pura poesia.

A Cantina Capuano, ao lado do Teatro Brasileiro de Com�dia,
com seu cl�ssico fusilli, era ponto de encontro de artistas
e publicit�rios, assim como o Gigetto. Mas a Costela de Ouro,
do Darcy da Varig, ao lado do aeroporto de Congonhas, valia
qualquer viagem. Ali�s, eu viajava muito. Nos fins de semana,
ia para a casa de minha av� Due�a Pura, em Santos, ou da minha
tia Tereza, em S�o Jos� dos Campos. Logo que cheguei a
S�o Paulo, enquanto aguardava o chamado do N�brega, pensei
em cursar eletr�nica no ITA. Passei um tempo estudando em
S�o Jos� dos Campos, onde ganhei o apelido de Patriarca, por


me chamar Jos� Bonif�cio. Para a gl�ria do ITA, o N�brega
me chamou antes que eu tentasse o vestibular. Desse modo, essa
institui��o de excel�ncia livrou-se de ter um aluno como eu.
Em 1958, na volta a S�o Jos� dos Campos, j� n�o era mais

o Patriarca, mas sim o Rei do Sabonete, pois a minha mudan�a
de padr�o financeiro era vis�vel. Adorava ir para o Rio encontrar
o pessoal do r�dio. Quando comecei na Lintas, o limite de
minha di�ria dava para ficar no Hotel Guanabara, na avenida
Presidente Vargas, muito c�modo por ser perto das r�dios Nacional
e Mayrink Veiga. Depois de dois anos, o valor da di�ria
aumentou e passei a me hospedar no Ouro Verde, que tinha um
restaurante sensacional onde eu almo�ava com o Walter Clark.
A vida estava melhor.
Como tinha amigos na TV Tupi de S�o Paulo, sempre que
poss�vel eu dava uma passada por l�. Ia muito � casa do Darcy
Cavalheiro, dono de uma kombi que servia ao grupo de amigos
para aventuras nos fins de semana. Em uma dessas viagens,
Luiz Galon, Walter Stuart e Darcy foram conhecer um s�tio em
Juquitib�, perto de S�o Paulo, e resolveram compr�-lo. Vieram
me procurar junto com o corretor de im�veis que os havia levado
at� l�. O homem desatou a falar sobre a propriedade:

� � um para�so, cortado por um belo rio e com terras ricas
para cultivar. N�o h� casa principal, mas a casa de caseiro � t�o
grande que, com uma pequena obra, d� para fazer cinco quartos.
Sem entender, comentei:

� Cinco quartos, que beleza. Tr�s para voc�s e dois para os
h�spedes. Legal.
� N�o � esclareceu o Walter Stuart �, um quarto para cada
um. Precisamos de dois s�cios e um deles � voc�.

O corretor abriu uma pasta com fotos do local e uma planilha
de custos para compra e obras. A cota era puxada. Antes de
assinar eu queria ver o s�tio e saber quem era o outro s�cio. A
resposta veio com o Galon:

� Para o outro s�cio, n�s estamos pensando no Lima Duarte.
Eu achei �timo e insisti em ver a �rea:
� E quando a gente vai ver o s�tio?
� Ver n�o vai dar tempo. Temos que fechar hoje e o prazopara pagar termina amanh�. � pegar ou largar. Pelo pre�o e pela
beleza nunca vai existir nada igual.
O Darcy arrematou:

� O Lima est� nos esperando. Vamos no bar do Jord�o e fechamos
tudo.
O Lima topou e eu acabei topando tamb�m. Demos os nossos
cheques. Os outros tr�s j� haviam pagado as cotas deles.
No domingo seguinte, o corretor nos levou a Juquitib� para
tomar posse. A escritura seria passada na outra semana. O local
era de dif�cil acesso. O carro chegou at� um ponto e depois tivemos
que nos embrenhar no mato por uma trilha. Havia um
rio extenso que precisava ser cruzado numa fr�gil ponte de cordas.
O corretor explicou:

� � a primeira obra. Est� or�ado.
Chegamos � casa do caseiro. Uma merda. Apenas uma cozinha
e uma sala grande que tamb�m servia de quarto. N�o compensava
ser reformada. Hav�amos levado carne, espetos, carv�o,
arroz e material para fazer um churrasco ao ar livre. Antes
que pud�ssemos acender o carv�o, caiu um p� d��gua monumental
e corremos para a casinha. Havia uma meia d�zia de
redes na sala e nos sentamos para esperar a chuva passar. O
problema � que o teto estava cheio de goteiras e chovia mais


dentro do que fora da casa. Est�vamos desolados e o Lima resolveu
puxar prosa com o caseiro:

� Que � que a gente pode plantar aqui?
� Tudo, n�. Aqui, plantou, d�.
� D� tomate?
� O����. Como d�...
� Milho, cenoura, ab�bora, feij�o e arroz?
� D�. D� tudo.
O Lima pensou, co�ou a careca e soltou:
� E lasanha? Lasanha d�?
� Se plant�, d� � respondeu prontamente o caseiro.
O fato � que nunca mais voltamos ao s�tio. N�o achamos
mais o corretor. No telefone que t�nhamos ningu�m atendia. O
Darcy mandou um despachante ao registro de im�veis de Juquitib�
e descobrimos que a �rea era uma reserva florestal. O
despachante foi at� l� e n�o havia caseiro algum. Tempos depois,
lembrando dessa hist�ria em um almo�o com o Lima Duarte,
ele concluiu:

� Plantaram foi um golpe na gente.

N�o � mesmo uma tenta��o?


AS GAROTAS-PROPAGANDA NASCERAM em 1951 na Tupi de S�o Paulo.
A primeira foi a bela e sensual morena Rosa Maria. Ela trabalhava
para a Marcel Modas, que criou um quadro no intervalo comercial
chamado �A tenta��o do dia� e terminava sempre com a mesma frase:
�N�o � mesmo uma tenta��o?�

No Rio de Janeiro a primeira foi a Aid�e Miranda. Depois veio a
Neide Aparecida, bela e eternamente jovem, que dizia �Toooooonelux�
como se fosse um �goooool� sem gritar, mais feminino e gracioso.
Uma enxurrada de garotas apareceram na televis�o, como Ana
Maria, Idalina de Oliveira, Meire Nogueira, Wilma Chandler, Clarisse
Amaral e at� atrizes de grande porte, como Vida Alves, que fez
para mim comerciais de Rinso, e Odete Lara, que entrou para a televis�o
e para o cinema pela porta da publicidade. At� mesmo um
leigo pode imaginar as dificuldades pelas quais passavam os anunciantes
nacionais, j� que cada cidade e cada emissora, em todos os
lugares onde havia televis�o, tinham suas pr�prias garotas, uma diferente
da outra. Como produzir e dirigir essas meninas de forma a
unificar e garantir que a mensagem publicit�ria fosse a mesma emtodo o pa�s e tivesse a mesma efic�cia? � importante considerar que
no come�o a televis�o contava com uma audi�ncia muito pequena e,
quase sempre, o custo de produ��o de um comercial era mais caro
que a pr�pria veicula��o. Isso explica, por exemplo, os comerciais
ao vivo com seis minutos de dura��o, dirigidos pelo Geraldo Cas�


para a loja O Rei da Voz, no Noite de gala do Medina. A alternativa
das garotas-propaganda eram os slides ou GT, ou seja,
imagens paradas usando fotos ou desenhos, acompanhadas de
m�sica e texto previamente gravado ou com locutor de cabine.
Como os tempos dos comerciais n�o eram r�gidos, mas sim
aproximados, a f�rmula de se utilizar locutor de cabine permitia
que ele esperasse a troca de imagem para ler o texto. O
sincronismo ficava mais f�cil, mas n�o havia controle das inflex�es,
�nfases e inten��es do texto. Isso ficava por conta de
cada locutor, em cada hor�rio, em cada emissora. O recurso
era de uma pobreza total. Por outro lado, produzir em filme era
coisa amador�stica e implicava correr o risco de ter uma imagem
borrada e um som inintelig�vel.

O paralelo com os Estados Unidos � inevit�vel. L�, as
garotas-propaganda, em intervalos comerciais, eram coisa rara.
Elas s� apareciam para anunciar grandes programas e atra��es
nacionais. Tamb�m na propaganda a forte ind�stria cinematogr�fica
norte-americana fez diferen�a, pois os comerciais filmados
come�aram junto com a televis�o.

Caio Domingues, em um depoimento ao Carlos Alberto Vizeu,
afirma que na J.W. Thompson ele produziu o primeiro filme
publicit�rio no Brasil. Segundo o Caio, era um comercial
de dois minutos para a Ford do Brasil e foi rodado em 1952, na
Vera Cruz, sob supervis�o de um produtor americano.

Na Lintas, o primeiro filme que fizemos para televis�o foi o
Flocos Lux, rodado em 1957, no Rio de Janeiro, na Cine Castro.
O modelo foi a nossa miss Brasil Adalgisa Colombo e o
filme foi feito em 16mm. Apesar de todos os cuidados, importantes
detalhes n�o ficavam vis�veis na telinha e o som, por ser
�tico, era distorcido e variava de emissora para emissora.


Em 1958, apareceram duas produtoras em S�o Paulo: a Magison
e a Lynce filmes. A Magison, de Gilberto Martins, optou
pela f�rmula das garotas-propaganda. Como ele era um ex�mio
jinglista, filmava as cantoras exibindo os produtos anunciados.
Fez sucesso com comerciais para a Toddy e a Gessy. A Lynce
optou por um caminho mais dif�cil, por�m, mais duradouro.
Sob o comando de Cesar Memolo Jr. e a competente produ��o
do ga�cho Sadi Scalante, reuniu profissionais do cinema
de longa-metragem, como Roberto Santos � que havia sido assistente
de dire��o de Nelson Pereira dos Santos em Rio, quarenta
graus � e tamb�m Galileu Garcia, Agostinho Pereira e o
fot�grafo ingl�s Chick Fowle, vindos da Vera Cruz. O Chick
era o diretor t�cnico da Lynce e fora trazido pelo Cavalcanti
especialmente para fotografar O cangaceiro, do diretor Lima
Barreto. Ele vinha do GPO Film Unit � o centro de produ��o
do correio da Inglaterra �, dirigido pelo Grieson. Em 1936, o
Chick j� era festejado pela fotografia do document�rio Night
Mail. Ao que tudo indicava, ter�amos a qualidade de que necessitavam
as ag�ncias e os anunciantes. Mas os cineastas em
quest�o, bons de cinema, continuavam com a mentalidade do
longa-metragem e da tela grande, n�o tinham a menor intimidade
com a propaganda e desprezavam os detalhes. O Cesar
Memolo, bonach�o e bem-humorado, ria quando o cham�vamos
de Pizza Amaral em decorr�ncia de um comercial que ele
havia dirigido para esse produto. No comercial cantado, a atriz
Maria Vidal colocava uma pizza crua no forno e depois, sem
luva ou pano, metia de novo a m�o no forno e retirava, sem
se queimar, a escaldante Pizza Amaral. Eu gozava o Cesar por
causa desse filme e ele costuma dizer que acabei com a carreira
dele de diretor de filmes publicit�rios, pois nunca mais quis
dirigir nada.


A primeira tentativa que fiz com a Lynce foi o filme Quinzena
de brancura Rinso, para a Lintas, destinado ao cinema, filmado
em 35mm e dirigido por mim. Os enquadramentos eram
para tela grande e o resultado t�cnico de som e de imagem foi
excelente. Isso, no entanto, n�o afastou meu medo dos filmes
para televis�o.

O fato � que precis�vamos melhorar a qualidade do filme
publicit�rio no Brasil e eu pressionava as produtoras para atingir
um n�vel de qualidade no m�nimo aceit�vel.

Quem me apoiava nisso era o Jo�o Carlos Magaldi, contatoda Lynce. �quela altura, os filmes produzidos nos Estados
Unidos e na Inglaterra j� eram em cores e, nesses pa�ses, uma
linguagem publicit�ria j� havia sido definida. Eu trazia todos
os filmes premiados no exterior e os exibia para roteiristas,
produtores e diretores.

O Magaldi insistia que a minha participa��o nesse processo
seria fundamental para mudar a mentalidade das produtoras
e queria que eu fosse para a Lynce. Jant�vamos juntos com
frequ�ncia, e a cada jantar ele vinha com a mesma conversa:

� Falta roteiro, falta diretor, falta conceito, falta laborat�rio,
falta cobran�a de qualidade. Me ajuda.
Quando n�o era isso, ele lan�ava outro argumento:

� Vai ficar fazendo roteiro a vida toda para sab�o e sabonete?
Um dia, j� de saco cheio, decidi:

� T� bem, Magaldi. Eu gosto de desafios. Vou trabalhar na
Lynce.
Na noite seguinte, pedi para conversar com o Rodolfo em
sua casa, na Pompeia. Ele me recebeu para jantar e, esperto como
era, perguntou:

� Aconteceu alguma coisa?

Expliquei a ele a dificuldade que est�vamos tendo para fazer
comerciais profissionais destinados � televis�o e comentei que
queria me envolver nisso. Com a serenidade de sempre, o Rodolfo
escutou tudo atento e me disse:

� Eu fico triste, mas entendo. N�o acho que a produ��o de
comerciais seja o caminho correto para voc�, mas uma passagem
por l� n�o lhe far� mal.
A Lynce foi uma pedreira. A primeira coisa que fizemos foi
mudar o nome para Lynx, modernizando-o. Comecei a escrever
roteiros para v�rias ag�ncias e clientes. Era preciso ensinar
como fazer um storyboard, criar a rotina de aprova��o de modelos,
figurinos, penteados e todos os detalhes. Obrigar os diretores,
produtores e montadores a se reunirem no final do expediente
para analisar os produtos que seriam entregues. Criamos
um neologismo: �refa��o.� Quando havia um defeito t�nhamos
que refazer o trabalho antes mesmo de mostrar para os clientes.
E, mesmo assim, sempre havia mais alguma corre��o pedida
pela ag�ncia ou pelo pr�prio cliente. Come�amos a criar
uma cultura de qualidade. Foi mais r�pido conseguir isso no
desenho animado. Sem cen�rios reais, atores e figurinos, tudo
ficava mais f�cil. O Ruy Perotti Barbosa, um dos pioneiros da
anima��o, fazia parte do grupo e o desenho animado permitia
um controle melhor dos contrastes e a garantia de uma imagem
mais limpa. Por isso, al�m de filmes com pessoas reais fizemos
muitos desenhos animados. Existem dois comerciais da �poca,
com roteiro e produ��o meus, dos quais gosto at� hoje, pela
simplicidade. Um foi para o conhaque Napoleon e outro para

o desodorante Mum. Ambos feitos com o Laerte Agnelli. No
primeiro, em 15 segundos, um pequeno Napole�o, com a m�o
direita escondida sob a farda, andava na borda do v�deo e para

va no centro. Enquanto a c�mera se aproximava dele, o locutor
perguntava:

va no centro. Enquanto a c�mera se aproximava dele, o locutor
perguntava:
Conhaque, hein, Napole�o?
E o Napole�o tirava a m�o do casaco exibindo a garrafa do
produto e dizendo:

� Conhaque... s� Napoleon.
No outro, em 30 segundos, um simp�tico astronauta, com
fei��es absolutamente normais, sa�a de um disco voador. Uma
linda mocinha batia no capacete dele, dizendo:

� Pode tirar o capacete, aqui na Terra n�s usamos desodorante
Mum.
O astronauta, estranhando, reagia:

� Hum???
� Hum, n�o, Mum � completava a mo�a.
Sucediam-se imagens do produto com um jingle de minha
autoria: �Desodorante Mum, uma aplica��o. Vinte e quatro horas
de prote��o.�

Tamb�m � dessa �poca a produ��o de um filme marcante
para os f�sforos Fiat Lux, cujo desafio foi aceito pelo Chick
Fowle e pelo Ruy Perotti. Eu n�o gostava nem um pouco do
roteiro, mas fiz, com o maestro Ruben Perez, o Pocho, a trilha
sonora, como queria o cliente, baseada no tema musical do
filme A ponte do Rio Kwai. Acompanhei as filmagens quadro
a quadro, por dias e noites. Na metade do trabalho, um enorme
reboco caiu do pr�dio vizinho, em constru��o, destruindo
parcialmente o cen�rio. O Chick chorava, mas o Cesar ria, pois
n�o havia nada a fazer sen�o montar todo o cen�rio de novo
para dar continuidade ao que j� havia sido filmado. Est�vamos
fazendo um filme por dia e revolucionando o filme publicit�rio
no Brasil. Como nem os computadores nem a computa��o
gr�fica estavam dispon�veis, us�vamos recursos de trucagem e


table-top de modo a fazer um desfile de moda virtual para o
lan�amento da revista Manequim, da editora Abril. Eles queriam
algo mais avan�ado. Fui pessoalmente ouvir o que desejava

o Roberto Civita, rec�m-chegado dos Estados Unidos, e conseguimos
um resultado dentro dos padr�es que ele estava acostumado
a ver por l�. Nessa mesma �poca, o Cl�vis Hazar, diretor
de propaganda da Varig, em S�o Paulo, chamou o Magaldi e
fizemos uma sequ�ncia de filmes para a companhia a�rea. Como
us�vamos muito os est�dios da RGE, para melhorar a qualidade
de som, o Jos� Scatena acabou se associando ao Cesar
Memolo Jr. Eu costurei o acordo e a Lynx virou RGE-Lynx
Film. Mas a parceria n�o durou muito. Como a Lynx n�o pagava
mais para usar os est�dios da RGE, foi ficando cada vez
mais dif�cil arranjar hor�rio para encaixar as produ��es de �udio.
Por outro lado, o Scatena estava embalado com o sucesso
da RGE Discos e quis cair fora da sociedade. Eu o acompanhei
e fui tamb�m para a RGE Discos, sem abandonar os trabalhos
para a Varig. O Magaldi foi para a Alc�ntara Machado; depois,
com o Carlito Maia, criou a inovadora Prosperi-Magaldi
& Maia, respons�vel pelo lan�amento da Jovem Guarda. Mais
tarde, mudou para a Shell e, de l�, para a Globo, onde deu uma
li��o de como deve se comunicar um ve�culo de comunica��o.
A Lynx continuou firme e forte. Produziu quase trinta mil
filmes comerciais, tendo doado seu extenso acervo para ser
preservado pela Rede Globo. Aos poucos, as produtoras foram
evoluindo: a Jota Filmes, de Jack Dehselein, foi um modelo de
qualidade; a Blimp, do meu irm�o Guga, n�o s� deu banho de
produ��o, mas foi tamb�m respons�vel pela cria��o e realiza��o
do Globo Shell, precursor do Globo Rep�rter; a Casablanca
acreditou e investiu no mercado de acabamento. Muitas outras
surgiram e inovaram at� chegarem ao magn�fico n�vel que


hoje ostenta a produ��o publicit�ria brasileira. Na �rea de computa��o
gr�fica, o Brasil � �top de linha�. Considerando os comerciais
produzidos atualmente, fica claro que nada devemos
ao resto do mundo.

Um detalhe curioso � que, mesmo com tanta tecnologia, os
Estados Unidos deram uma guinada muito singular. H� uma
tend�ncia recente da volta das garotas-propaganda. Ser� a falta,
�s vezes, de uma conversa descontra�da e sedutora de uma
linda mulher?

� N�o � mesmo uma tenta��o?

Corinthians 0 � Maysa 10


O JOS� SCATENA, OU Z� BALA, como era conhecido pela sua inquieta��o,
que ia desde a capacidade de decidir neg�cios enquanto andava
nos corredores da empresa at� bater recordes de velocidade em pleno
tr�nsito de S�o Paulo, era um italiano caipira ou um caipira italiano,
af�vel, amigo e que, com sua simpatia, conquistava qualquer um no
primeiro encontro. Al�m de Z� Bala, n�s o cham�vamos, para sacanear,
de Richard, por sua semelhan�a com o ator Richard Burton.

O Z� foi pioneiro em tudo o que se meteu. Foi chefe de r�dio e
TV da Standard Propaganda e montou a primeira produtora independente
para produzir e distribuir programas de r�dio em todo o Brasil.
Produziu e gravou O Vingador e ainda interpretou, na s�rie, o personagem
�ndio Kalunga. O programa era gravado em um disco de
alum�nio forrado por uma fina pel�cula de acetato. Se houvesse um
erro era necess�rio achar o sulco onde o programa parou e, cuidadosamente,
continuar daquele ponto em diante, emendando no sulco do
disco. Uma loucura.

O Vingador era um faroeste com muitos tiros, e a p�lvora seca
exalava um cheiro t�o forte que provocava alergia no elenco. Assim,
os tiros eram dados fora do est�dio, na escada do edif�cio, com a porta
do est�dio entreaberta para acompanhar o texto. Um dia, na hora
dos tiros, dois gar�ons desciam as escadas para servir cafezinho e
se depararam com o Jos� Scatena com um tr�s oit�o na m�o, sentado
nos degraus e disparando adoidado. Pensando que era para valer,


deixaram cair as bandejas e se jogaram no ch�o, com as m�os
na cabe�a, se rendendo. Para n�o interromper a grava��o, o Jos�
Scatena, com o rev�lver de p�lvora seca, continuava atirando
enquanto fazia sinal de sil�ncio para os gar�ons:

� Shhhhhiuuuuu!
S� depois que acabou de gravar o cap�tulo � que ele deu uma
explica��o aos rapazes, ainda tr�mulos de medo. Depois correu
para ouvir se o ru�do das bandejas e a queda dos dois teria atrapalhado
a grava��o. Constatou que tinha conseguido um efeito
sensacional de ricochetes e corpos caindo. Os gar�ons n�o
foram contratados, mas as bandejas passaram a fazer parte do
tiroteio.

Em 1947, Scatena montou a primeira produtora e gravadora
de comerciais em S�o Paulo, a RGE (R�dio Grava��es Especializadas),
nome dado pelo publicit�rio Jo�o D�ria. Na �poca,
as ag�ncias paulistas tinham que ir ao Rio para fazer as grava��es
de suas mensagens publicit�rias e, rapidamente, a RGE
tomou conta do mercado local, tornando-se, em pouco tempo,
a maior e mais importante empresa do g�nero em todo o Brasil.


Em 1954, fez a sua primeira incurs�o no mercado de discosde m�sica. O compositor Lauro D��vila apresentou a ideia de
gravar o hino �Salve o Corinthians�. O Scatena ouviu, mas como
o hino era em tom menor, ficou em d�vida se gravaria ou
n�o. Quando o Corinthians chegou � final contra o Palmeiras
e poderia ser o campe�o do quarto centen�rio de S�o Paulo,
ele decidiu correr o risco. Chamou o Maestro Sylvio Mazzucca,
convocou o conjunto vocal Os Titulares do Ritmo e gravou

o hino. O Mazzuca, palmeirense doente, regia a orquestra aos
palavr�es.
O coro cantava:


��.
E o Mazzuca xingava:
� Salve a puta que o pariu!!!
O coro cantava:
� O campe�o dos campe�es...
E o Mazzuca emendava:
� V�o se foder no domingo!
Para o Corinthians, bastava um empate; o �tim�o� sagrou-se
campe�o, para a alegria do Scatena. Ele havia feito cinquenta
mil c�pias e colocado, no Pacaembu, caminh�es com alto-falantes
e faixas anunciando o hino, para vender na sa�da do jogo.
Mas, no final, quando os port�es foram abertos, os torcedores
passaram direto sem ouvir o hino nem comprar nada. Correndo
e agitando bandeiras, atropelaram os vendedores e pisotearam
os discos. Foram embora. Fez-se o sil�ncio. Na pra�a
restaram faixas rasgadas, discos quebrados e um clima de desola��o.
Somente quinhentas c�pias foram vendidas. O preju�zo
foi enorme, mas a mosca azul da gravadora musical havia
mordido o Scatena. Nessa �poca, o engenheiro de som Luiz
Lara Campos, o patinho, havia abastecido a RGE com a �ltima
gera��o de equipamentos estereof�nicos. O Lara era um g�nio
e uma de suas inven��es, o hot stylus � uma agulha quente para
gravar matrizes �, foi adotada pelas gravadoras de todo o mundo.
Com essa parafern�lia � disposi��o, o meu amigo Roberto
Corte Real, diretor da gravadora CBS, for�ou a barra com o
Scatena e ele partiu para a RGE Discos. O primeiro LP foi o
Panorama musical, com Simonetti e sua orquestra.

Um fiasco. Os violinos do Simonetti n�o conseguiram encobrir
a desafinada paisagem da capa e um repert�rio totalmente
fora do tom. Mas o Scatena n�o era homem de esmorecer
e partiu para uma linha alternativa. Deslocou suas m�quinas


Ampex para o Teatro Cultura Art�stica, onde se realizava o Primeiro
Festival de Jazz de S�o Paulo. Gravou, ao vivo, o not�vel
conjunto do pianista Dick Farney, com Cas� no sax, Xu Vianna
no baixo e Rubinho na bateria. O produto era muito bom,
mas de interesse de um p�blico reduzido. O Roberto Corte Real
aproveitou o evento e trouxe o Z� Carioca, de Los Angeles,
para assistir ao Festival. O Z� nada tinha com o jazz, mas
decidiu passar uma temporada no Brasil. Ele gostava de um
bom papo na madrugada e de tomar umas e outras, que chamava
de �enchimentos de rabo�. Z� Carioca tamb�m era antigo
companheiro de Alceb�ades Monjardim, e sa�am juntos todas
as noites. Um dia, o Monjardim levou o Z� para ouvir sua filha
cantar e ele ficou doidinho com a cantora. Era a Maysa Matarazzo.
Depois, o Z� quis levar o Roberto Corte Real, que reagia:


� N�o vou perder tempo com uma riquinha metida a cantora.
O Z� Carioca tanto insistiu que formamos um grupo e fomos
para a audi��o: o Z�, o Roberto, o Jacques Netter, eu e o
Walter Silva. Maysa abriu a boca e calou a do Roberto. Era
uma cantora com muita personalidade e uma int�rprete refinad�ssima.
Suas composi��es tamb�m eram excelentes. O Roberto
se apaixonou e a convidou para gravar um �demo� nos est�dios
da RGE. O Scatena tamb�m ficou vidrado na Maysa, mas
como o Roberto era diretor art�stico da CBS, levou a grava��o
para Evandro Ribeiro, o diretor geral, aprovar o lan�amento da
novata. O Evandro gostou, mas achou que Maysa n�o iria vender
disco e argumentou:

� Com esse repert�rio desconhecido, n�o vai.
O Roberto, contrariado, insistiu:
� Ela � �tima. Vai dar um bom disco.
Ao que o Evandro contra argumentou:

��
Era o santo do Scatena funcionando. Roberto levou a Maysa
para a RGE. Ela estava gr�vida e s� concordou em assinar o
contrato e gravar depois que o Jaiminho � o nosso fant�stico
diretor Jayme Monjardim � nascesse. Com medo de que algu�m
roubasse a Maysa da RGE, o franc�s Jacques Netter, s�cio
e amigo do Roberto e do Scatena, bolou um jeito de conseguir
o contrato. Faria uma recep��o, na casa do Jos� Scatena,
em homenagem � Maysa, com a presen�a de diretores da gravadora.
Levaria um contrato prontinho com uma cl�usula dizendo
que ela gravaria quando quisesse e, no momento oportuno,
diria que o contrato estava como ela havia pedido. Para a
recep��o, o Roberto mandou um convite preso a um buqu� de
flores com a inscri��o �Convite para ouvir Maysa�. Ela chegou
depois do jantar, n�o aceitou nenhuma bebida e cantou apenas
a m�sica �Ou�a�. Pediu desculpas, mencionando a gravidez,
e disse que estava cansada. Quando ia se retirando, o Jacques
puxou o contrato e disse:

� Olha, vamos aproveitar para assinar. Tem uma cl�usula
que garante que voc� s� grava quando quiser.
A Maysa deu um beijo no rosto dele e nem tocou no contrato.


� Para mim est� fechado, mas s� assino depois. Boa noite.
Dito e feito. Depois do parto, ela assinou, doando os direitos
autorais e de int�rprete para o Hospital do C�ncer. Todos n�s
da RGE nos envolvemos com o projeto, acreditando firmemente
que representaria a decolagem da gravadora. O repert�rio
era composto somente por m�sicas da Maysa. O maestro
Rafael Pugliesi, mestre de arranjar para cordas, foi escolhido
por ela e pelo Simonetti. Como o Andr� Matarazzo, marido da
cantora, n�o queria que a foto dela aparecesse na capa do dis



co, foi usado um cart�o parecido com o convite feito para a
reuni�o na casa do Scatena.

co, foi usado um cart�o parecido com o convite feito para a
reuni�o na casa do Scatena.
cou
uma correria para aumentar a prensagem do disco. Depois
veio mais um LP, apenas com o nome Maysa, um segundo volume
do Convite para ouvir Maysa, depois o Maysa � Maysa...
� Maysa, � Maysa! e assim por diante. O Jos� Scatena a acompanhava
pessoalmente em quase todas as apresenta��es que ela
fazia pelo Brasil. Com a visibilidade adquirida pela RGE, o
maestro Simonetti emplacou � disco que eu gosto, volume 1
e volume 2. Agostinho dos Santos, que estava na Polydor, foi
para a RGE. E tamb�m Leny Eversong, Walter Wanderley e
Elza Laranjeira, mulher do Agostinho, Miltinho, Helena de Lima,
Ruben Perez, Renato de Oliveira e Zimbo Trio. Em 1958,
quando o Scatena fez 40 anos, invadi a casa dele com Simonetti
e Orquestra. Alugamos um �nibus, descemos em sil�ncio e o
Simonetti atacou o Parab�ns para voc� no meio da rua. Nesse
ano eu conheci o Juca Chaves e o Ricardo Amaral. Em 1960,
produzi e lancei o LP As duas faces de Juca Chaves, uma face
s� com modinhas, onde se destacava a lind�ssima �Ana Maria�
e a outra s� com s�tiras, com dois destaques: um para o Juscelino,
com �Presidente Bossa Nova� e outro para o Ricardo
Amaral, com �Telhados da Augusta�, cuja letra dizia �A exemplo
de Ricardo Amaral, sou um gato social, um bichano respeitado
nos telhados...� e por a� afora. Eu e o Juca fizemos um
coquetel de lan�amento inusitado. O convite dizia �Nas escadarias
do Viaduto do Ch�, no terceiro degrau, do lado esquerdo
de quem sobe�.


A RGE cresceu e passou a fazer acordos internacionais, um
dos quais incluiu o pegajoso Pat Boone, que vendia horrores.
O Scatena n�o se descuidava da qualidade e n�o abria m�o de
projetos sofisticados. Em 1959, lan�amos uma s�rie de prosa e
poesia com obras de Guilherme de Almeida, Cassiano Ricardo
e Paulo Bomfim e capas magn�ficas do Laerte Agnelli, que foi
trabalhar comigo na RGE para melhorar o padr�o gr�fico da
gravadora. Tamb�m foram assinados contratos para representar
selos de jazz e de m�sica cl�ssica.

Em 1960, a orquestra do Simonetti ficou t�o popular que
passou a ser a campe� de bailes em S�o Paulo e a mais cara
entre todas as orquestras de m�sica dan�ante. Por essa raz�o, o�lvaro de Moya, diretor art�stico da TV Excelsior, convidou o
maestro Simonetti para fazer um show na televis�o. O Jacques
Netter ficou entusiasmado, contaminando o Scatena, e eu fui
convocado para trabalhar no projeto. Simonetti e eu pensamos
que n�o poderia ser apenas uma apresenta��o musical. T�nhamos
na banda algumas figuras naturalmente engra�adas, como

o Edgar, da guitarra, e o t�mido Capacete, do contrabaixo. Pensamos
ent�o em intercalar m�sica e humor feito pelos pr�prios
integrantes da orquestra. O formato foi levado pelo Jacques ao�lvaro de Moya, que o aprovou com entusiasmo e me chamou
para acertar o meu cach�.
O Moya sempre foi um profissional incr�vel, com grande
sensibilidade e apurado gosto est�tico. Rei absoluto no campo
das hist�rias em quadrinhos, conhecedor de cinema, trabalhou
na Tupi com o Costa Lima e depois na TV Paulista, no tempo
da OVC. Sempre teve um grande prest�gio junto � classe art�stica,
gra�as � sua simplicidade e ousadia. A primeira fase da
Excelsior foi marcada pela qualidade e sofistica��o: filmes do
novo cinema franc�s, entrevistas ao vivo com Sartre e Simone


de Beauvoir, Vinicius de Moraes, Jorge Amado e o que tinha
de melhor na vida pol�tica e cultural do pa�s. Ele tamb�m lan�ou,
com o Manoel Carlos, a s�rie Brasil 60, apresentada pela
Bibi Ferreira por muitos anos, e deu vida ao Teatro psicod�lico
e est�vamos iniciando o Simonetti show.

Como sempre n�o havia muito dinheiro, mas aceitei o desafio
assim mesmo e parti para os roteiros e para a dire��o
do Simonetti show. No primeiro programa, apareci vestido de
cangaceiro, com uma faca entre os dentes, enquanto o locutor
anunciava: �Este � o nosso querido e sempre carinhoso diretor.�
Fizemos mis�ria. Em um arranjo para samba da abertura
de Guilherme Tell, havia um intermin�vel solo de clarineta
feito de prop�sito. Enquanto durava o solo, coloquei toda a
orquestra para jogar baralho. Em um dos finais, criticado por
muita gente como anticl�max, o Simonetti fez um arranjo em
jazz para �Nana nen�m�. No auge do swing, virava uma melodiosa
can��o para dormir e ele, ao piano, bocejava, tirava uma
dentadura falsa da boca, colocava dentro de um copo de �gua
e ca�a no sono. Em seguida os m�sicos, progressivamente, iam
parando de tocar e dormiam tamb�m. Os letreiros de encerramento
foram apresentados ao som de roncos ensurdecedores e

o programa terminou com o palco escurecendo.
Fizemos m�sica popular brasileira, m�sica americana, �peras,
operetas e tivemos grandes convidados. O programa era
trabalhoso porque todos os arranjos dependiam das encena��es
que ir�amos fazer. Um dia, peguei uma gripe fort�ssima que
me afetou a garganta e os pulm�es. N�o dava para sair de casa
nem pensar em reuni�es ou escrever. Conseguiram um substituto
para mim, mas eu teria de conhec�-lo e aprov�-lo. Era

o J� Soares. Digo sempre que conheci o J� na cama, o que �
absolutamente verdadeiro. As ideias dele eram �timas e deci

di deixar o programa definitivamente a seu cargo. Fiquei com
saudades, mas estava enrolado com outras frentes de trabalho
abertas. Continuei acompanhando o programa e ele ficou muito
melhor na m�o do J�. Depois n�s tivemos momentos maravilhosos
na Globo.

Nosso Simonetti faleceu aos 54 anos, na It�lia, vitimado por
um acidente anest�sico quando fazia uma simples opera��o de
retirada das am�gdalas. Scatena, o Z� Bala, n�o parou. Foi presidente
da Associa��o Brasileira de Produtores Fonogr�ficos e
depois se mudou para Santos, no litoral Paulista, onde se formou
em Psicologia aos 70 anos. Foi fundador e reitor da Universidade
da Terceira Idade. Quando completou 80 anos, para
n�o perder o costume, levei de surpresa a Orquestra do Sylvio
Mazzucca para tocar na festa dele.

Visitei v�rias vezes o Scatena em Santos. Em maio de 2011,
ele foi internado e eu fui v�-lo. Disse a ele que estava escrevendo
justamente este cap�tulo do meu livro e que o t�tulo seria
�Corinthians 0 X Maysa 10�. Ele sorriu e me pediu com voz
fraca e tr�mula:

� O livro n�o vai dar para esperar. Me manda logo o cap�tulo.
N�o deu tempo. O intr�pido Z� Bala partiu alguns dias depois,
aos 93 anos.


Varig, Varig, Varig


O DIRETOR DE PROPAGANDA DA VARIG, em S�o Paulo, Cl�vis Hazar,
chamou o Magaldi da Lynx Film e comunicou a ele que a empresa
havia decidido entrar na televis�o e concentrar nesse ve�culo a sua
verba publicit�ria. Para isso, precisava de cria��o, produ��o e orienta��o
de m�dia. O Magaldi me chamou e eu fui conversar com o Cl�vis,
que se tornou um dos meus melhores amigos. A primeira encomenda
era promover a venda de passagens para destinos tur�sticos,
com descontos e parcelamentos em quatro vezes, sem juros. O Cl�vis
pediu que utiliz�ssemos o �tucano turista�, um boneco simp�tico
criado pelo g�nio catal�o Francesc Petit.

Chamei o Dag�, apelido do Victor Dagostino, e trabalhamos em
um jingle de trinta segundos que serviria para televis�o e para o r�dio.
Como o primeiro destino a ser promovido seria Salvador, pensamos
na m�sica Tabuleiro da bahiana, do Ary Barroso, e o Dag�
comp�s com uma melodia parecida. O jingle se chamava O que �
que a Varig tem?

O que � que a Varig tem?
Mais conforto que ningu�m.
Tem pratos deliciosos... tem.
Tem vinhos generosos... tem.
Tem desconto e financiamento
Para o seu pagamento...
Tem na Varig..... Tem... tem... tem.



Levamos a prova do jingle e um storyboard para o Cl�vis,
que adorou a ideia e avisou que mandaria o material para Porto
Alegre. Aguardamos e a resposta veio negativa. Ruben Berta,

Levamos a prova do jingle e um storyboard para o Cl�vis,
que adorou a ideia e avisou que mandaria o material para Porto
Alegre. Aguardamos e a resposta veio negativa. Ruben Berta,
am
a credibilidade da empresa. O nosso jingle nunca foi ao ar.
Eles queriam um texto feito por locutor e o mais objetivo poss�vel.
Aceitamos a proposta e transformamos a letra da m�sica
em texto. Usamos na abertura o tema �Volare�, sugerido pelo
Maugeri Neto. No final, substitu� o �Tem... tem... tem� do jingle
n�o aprovado por �Varig... Varig... Varig�.
Pedi ao Laerte Agnelli que criasse dois letreiros de fontes
bem diferentes e terminasse com o logotipo da Varig. Eu e o
Dag� fizemos v�rios testes com diferentes melodias, porque
�tem� era uma nota musical s� e �Varig�, tr�s notas. Escolhemos
uma, sincronizamos com as fam�lias de letras escolhidas
pelo Laerte e surgiu o �Varig... Varig... Varig�. Passamos a
usar essa assinatura em todas as campanhas de r�dio e televis�o.


Foi um sucesso. Uma marca lembrada cinquenta anos depois
de sua cria��o. Ruben Berta quis me conhecer e discutir
comigo algumas estrat�gias de comunica��o da empresa. Havia,
naquele momento, uma proposta da DAC (Diretoria de
Aeron�utica Civil), a ANAC da �poca, de criar um zoneamento
para a avia��o comercial brasileira. N�o haveria mais linhas
a�reas nacionais e cada empresa operaria uma regi�o. As conex�es,
para voos nacionais, seriam feitas de uma empresa para
outra em determinadas cidades. O presidente Berta, da Varig,
iria participar do programa Falando francamente, de Arnaldo
Nogueira, da TV Tupi do Rio, e queria minha assessoria para
saber como se comportar no debate sobre o projeto. Expliquei
que, provavelmente, os debatedores iriam falar de forma dis



cursiva e sem imagens. Para ser convincente, ele deveria usar
um arsenal visual, com gr�ficos, mapas e cartazes com n�meros
estat�sticos. Ele n�o deu muita bola. S� me pediu que estudasse
o projeto e lesse a defesa que faria na TV e na imprensa.
Eu li tudo, mas nunca mais se falou no assunto. Apenas um dia
antes do tal programa ele me chamou para v�-lo no escrit�rio
da Varig no Rio de Janeiro, na rua Santa Luzia, pedindo que
eu levasse o plano de zoneamento, o texto dele e um diretor de
arte. Fui at� l� e levei o Laerte. Ele nos entregou uma papelada
com anota��es sobre o projeto e disse:

� Escolha os dados que achar mais interessantes e fa�a o que
quiser. Quero tudo para hoje, sem falta.
Avisou que poder�amos usar a sala dele para preparar o material.
Ponderei:

� A gente vai para S�o Paulo, faz isso no est�dio e voltamos
aqui amanh� ao meio-dia com tudo pronto.
� N�o... N�o... quero ver hoje. Vou ensaiar a apresenta��o
amanh� cedo. Voc�s fazem tudo aqui.
Precis�vamos de cartolina, canetas especiais, pinc�is, tintas
e o diabo a quatro. Resolvemos sair para comprar o material e
vimos que a porta estava trancada a chave. Peguei o telefone e
falei com a secret�ria que, sem jeito, explicou:

� O seu Berta levou a chave. N�o quer que os senhores saiam
sem terminar o trabalho. Tenho ordens para comprar tudo
o que for preciso.
Pombas. Est�vamos em c�rcere privado. O Laerte fez uma
lista do que deveria ser comprado, exagerando na quantidade,
pois nem sab�amos direito o que far�amos. Passamos a lista por
baixo da porta e pedimos que ela providenciasse tamb�m um
lanche para n�s. A secret�ria informou que havia sandu�ches,
frutas e refrigerantes � vontade, no frigobar do Berta. O mate



rial que pedimos, ela iria comprar e passar da janela dela para
a nossa, por fora do pr�dio. Isso era demais. Pedi que ligasse
para o Berta. Ela me disse que ele teria um almo�o, mas n�o
sabia onde. O Berta s� voltou � noitinha. Estava tudo pronto,
obviamente dentro dos recursos que t�nhamos. Ele examinou e
aprovou o que fizemos, mas tirou um rabisco de dentro da gaveta.


� Est� faltando um final bomb�stico. Passem a limpo este
texto: �N�s inventamos a avia��o. A DAC quer inventar o desastre
da avia��o.�
O Laerte foi embora. Eu tive que dormir no Rio. No dia seguinte,
ensaiamos no escrit�rio. � noite, acompanhei o Berta
no programa, ao vivo, transmitido dos est�dios da Urca. Coloquei
os cartazes em um cavalete, acertei com o diretor do programa
um enquadramento que me permitisse tir�-los, um a um,
sem que a minha m�o aparecesse. Como previa, os outros convidados
se limitaram a falar. O Berta deu um show e enterrou
definitivamente o projeto de regionaliza��o.

Ruben Berta era uma lenda na Varig. Come�ou em um pequeno
cargo administrativo em 1927, quando a empresa foi
fundada por Otto Meyer. A sigla Varig significava �Via��o
A�rea Rio Grandense�, mas como todos os pilotos e principais
fundadores eram alem�es, ganhou novo significado: Vinte
Alem�es Reunidos Iludindo Ga�chos. A liga��o com o Berta
foi importante para o nosso relacionamento com a Varig. Toda
a propaganda era centralizada no sul e havia gente competente
por l�, como o Acauan e o diretor de arte, Nelson Jungblut,
com quem passamos a conviver bem.

Para atender � Varig n�o bastava mais pensar somente em
r�dio e televis�o e, ent�o, montei uma pequena ag�ncia de cria��o,
chamada BEL (Boni, Edmilson Vianna e Laerte Agnelli).


A primeira miss�o da nova empresa foi a de participar da concorr�ncia
do lan�amento da Ponte A�rea. A Varig, a Vasp e a
Cruzeiro estavam apanhando da Real nos voos Rio-S�o Paulo.
As tr�s resolveram criar um cons�rcio para enfrentar a concorrente.
A Varig, no trajeto Rio-S�o Paulo, operava com os
Convair 340, usados e velhos; a Cruzeiro tamb�m utilizava o
Convair 340; e a Vasp, o YS 11 (o Samurai). J� a Real tinha os
Convair 440, novinhos em folha. Era quantidade contra qualidade.
Haveria uma campanha �nica de lan�amento da Ponte
A�rea a ser escolhida entre tr�s ag�ncias. Os cachorros grandes,
CIN, do Samuel Vilmar, e Esquire, do Fernando Barbosa
Lima, concorriam com a minha min�scula BEL.

A apresenta��o das campanhas foi feita no Rio. A Esquire
apresentou bel�ssimos e sofisticados an�ncios de jornal com
fotos maravilhosas do Rio e de S�o Paulo e foco no incremento
do turismo entre as duas pra�as. O Samuel focou na facilidade
de embarcar sem reserva e na frequ�ncia de voos, tamb�m dando
�nfase nos jornais. N�o concordei com nenhum dos dois. A
meu ver, o pre�o da passagem era o grande apelo. As nossas
passagens deveriam ser substancialmente mais baratas e o ve�culo
principal seria a televis�o. Se a Ponte A�rea n�o conseguisse
tomar passageiros da Real, ter�amos que aumentar o tr�fego
de usu�rios entre Rio e S�o Paulo, com custos mais baixos
para os usu�rios. Seria um posicionamento de varejo. Os representantes
das empresas a�reas concordaram e n�s ficamos com

o lan�amento da Ponte A�rea. A campanha foi um sucesso e
obrigou a Real a lan�ar a Super Ponte e baixar o pre�o de suas
passagens. Mesmo com equipamento superior, a Real perdeu
participa��o no mercado.
Mais tarde, os Electra, da Varig, dominariam o tr�fego Rio-
S�o Paulo por muitos anos e se tornariam s�mbolos hist�ricos


do transporte a�reo entre as duas principais cidades brasileiras.
O Electra tamb�m foi lan�ado por n�s. A hist�ria do avi�o da
Lockheed n�o era boa. V�rios acidentes nos Estados Unidos,
devido ao rompimento das asas, deram m� fama � aeronave.
Sem me referir ao passado, acrescentei um dois, em romano,
ao nome e inventei um avi�o que nunca existiu: o Electra II.

do transporte a�reo entre as duas principais cidades brasileiras.
O Electra tamb�m foi lan�ado por n�s. A hist�ria do avi�o da
Lockheed n�o era boa. V�rios acidentes nos Estados Unidos,
devido ao rompimento das asas, deram m� fama � aeronave.
Sem me referir ao passado, acrescentei um dois, em romano,
ao nome e inventei um avi�o que nunca existiu: o Electra II.
cial
para tocar a bordo e presentear os passageiros. Com m�sica
popular brasileira e arranjos instrumentais, lan�amos pela
RGE os �lbuns Brasil a jato e Samba 707, usando a orquestra
do Simonetti e depois a do Erlon Chaves. Pouco antes da chegada
dos Boeing 707, a secret�ria do Ruben Berta me telefonou
e disse que ele queria que eu fosse ao Rio. Pedi a ela:

� Me passa ele no telefone, por favor.
Ela passou e eu disse:
� Olha, eu vou, mas, por favor, o senhor vai ter que deixar a
chave da sala na minha m�o.
� N�o, n�o � disse ele. � N�o se preocupe. Quero que conhe�a
um amigo.
Fui. O amigo dele, que depois se tornaria um irm�o para
mim, era o Herbert Richers. Ele tinha um cinejornal que era
exibido antes dos filmes em quase todos os cinemas do Brasil.
O Berta me contou que o Herbert havia proposto fazer um document�rio
sobre o Boeing 707 e queria que o acompanhasse
at� Seattle, onde o novo avi�o da Varig estava sendo finalizado
e testado. Ver�amos o avi�o no hangar recebendo poltronas,
sendo pintado, etc. Ter�amos um jato para acompanhar os testes
e filmar�amos a nova aeronave em pleno voo. Achei uma
oportunidade sensacional e parti com a equipe do Herbert pa



ra l�. Ele era um fot�grafo incr�vel, com uma vis�o jornal�stica
�mpar. A Boeing montou um pequeno avi�o sem a porta lateral
e n�s, o trip� e a c�mera, ser�amos amarrados com cordas. S�
havia um problema: sem a porta n�o poder�amos subir muito
e o nosso avi�o n�o tinha como acompanhar a velocidade do

ra l�. Ele era um fot�grafo incr�vel, com uma vis�o jornal�stica
�mpar. A Boeing montou um pequeno avi�o sem a porta lateral
e n�s, o trip� e a c�mera, ser�amos amarrados com cordas. S�
havia um problema: sem a porta n�o poder�amos subir muito
e o nosso avi�o n�o tinha como acompanhar a velocidade do
Escolher�amos uma paisagem de fundo e, nesse ponto, voar�amos
em c�rculo. O 707 passaria v�rias vezes por perto, se
aproximando o m�ximo poss�vel e fazendo diversas manobras.
Escolhemos como fundo as bel�ssimas montanhas geladas da
regi�o. As impressionantes imagens obtidas pelo Herbert foram
usadas no document�rio e, por cortesia dele, nos comerciais
de televis�o da Varig. Anos depois, ele me ensinou a pilotar
barcos, me assessorou na compra do meu primeiro barco,
me socorreu cedendo seus est�dios quando ocorreu um inc�ndio
na TV Globo, me fez s�cio do Iate Clube do Rio de Janeiro
e do G�vea Golf Club. Juntos, criamos a Prociss�o de Barcos
de Angra dos Reis. O Herbert esteve comigo nos churrascos de
Angra e nos almo�os da Confraria de Vinhos, mesmo de cadeira
de rodas, at� morrer, deixando um amargo e doloroso v�cuo
na vida de seus amigos.
Na Varig, o Cl�vis Hazar abriu para mim um cr�dito ilimitado
de confian�a. Juntos fizemos v�rios filmes experimentais,
usando o movimento de letras criado pelo Norman McLaren
e at� celuloide raspado com buril. Film�vamos muito em Porto
Alegre, porque na escola de comiss�rios da Varig havia um
avi�o cortado ao meio que permitia a coloca��o de c�meras e
refletores. Um desses filmes foi O sono que atravessa as Am�ricas,
no qual vend�amos a sa�da noturna do Rio e a chegada
a Nova York, pela manh�. Uma linda e esguia mulher deveria
jantar, tomar vinhos e se esticar para dormir, quase sonhando,
nas alturas. Os modelos seriam contratados em Porto Ale



gre pela Varig, que conhecia as necessidades do filme. Quando
cheguei, vi que nenhuma das mo�as escolhidas serviria para

o que eu havia planejado. Mas o funcion�rio encarregado dos
modelos me disse:
� Temos uma mo�a assim como o senhor quer. J� fotografamos
com ela. Ela n�o veio porque a fam�lia � muito conservadora,
queria saber de detalhes. Talvez o senhor indo l�, a gente
resolva.
Pegamos um t�xi e fomos at� a casa da mo�a. L� chegando,
levei um susto: ela era linda e preenchia, em tudo, nossos mais
exigentes desejos. Seu nome: Lucia Curia. Consegui que a fam�lia
autorizasse sua participa��o. O comercial de televis�o ficou
uma gra�a e, muitos anos depois, em um jantar na casa do
embaixador Moreira Salles, com quem ela se casou, levei o filme
de presente.

Em 1960, eu j� estava na Multi e tinha assumido um compromisso
de exclusividade com meu chefe, Jorge Adib. Frilas
nunca mais. Mas o Cl�vis Hazar me ligou e pediu ajuda. Disse
que a Varig queria fazer uma mensagem de Natal que fosse
simples, bonita e muito po�tica. E n�o sabia a quem recorrer.
Consultei o Jorge, que me liberou para ajudar o Cl�vis.

� Tudo bem, mas s� essa, por favor.
Expliquei ao Cl�vis que teria de ser algo musical, que m�sica
era coisa t�pica de Natal e lembrei a ele que, no passado, o
Berta n�o queria ter mensagens cantadas. No entanto, poder�amos
arriscar. Como estava em cima hora, ter�amos que correr e
faturar os custos, caso a mensagem n�o fosse aprovada. O Cl�vis
achou razo�vel e autorizou:

� Ok, vamos arriscar com m�sica.
Meu amigo Caetano Zama, m�sico brasileiro que acabara
de chegar dos Estados Unidos, estava duro e sem emprego.


Eu queria uma coisa nova, arejada, que fugisse dos padr�es de
sempre. Perguntei se ele seria capaz de fazer um jingle:

Eu queria uma coisa nova, arejada, que fugisse dos padr�es de
sempre. Perguntei se ele seria capaz de fazer um jingle:
Voc� me faria um jingle para a Varig?
� Jingle? Que � isso?
Expliquei que era um comercial cantado e que eu n�o queria
saber de m�sicas natalinas, sinos, corais e coisas piegas. O Caetano
entendeu e me pediu algumas dicas para a letra. Escrevi
uns versos a t�tulo de orienta��o:

Estrela das Am�ricas, no c�u azul,
iluminando de norte a sul.
Papai Noel voando a jato pelo c�u,
trazendo um Natal de felicidade
e um Ano-Novo cheio de prosperidade.


Disse-lhe que poderia mexer � vontade nas palavras e pedi
que encerrasse com o j� existente �Varig... Varig... Varig�. Para
minha surpresa, no dia seguinte, o Zama apareceu com o viol�o
e cantou o jingle. Ele havia acertado em cheio. A melodia
era um primor e, como letra, usou na �ntegra o que escrevi
para o briefing, acrescentando algumas frases necess�rias para
completar a m�sica. Quanto �s imagens, eu j� estava com uma
ideia na cabe�a. Para n�o repetir �rvores de Natal, Papai Noel
etc., pensei em colocar a letra no v�deo, marcada, nota a nota,
pela estrela da Varig.

Partimos para a grava��o do �udio e levamos o material para

o Cl�vis, que o aprovou entusiasmado e ligou para o Berta dizendo
que a m�sica e a letra estavam lindas. Ele reagiu mal,
mas aceitou ouvir. Para n�o correr o risco de n�o ser aprovado,
achei melhor fazer o filme e levar o produto pronto. O Laerte
Agnelli preparou o storyboard. O Cesar Memolo Jr. gostou

tanto que, sem pagamento ou or�amento, resolveu correr o risco
de filmar a mensagem. O Ruy Perotti fez as marca��es das
s�labas musicais e partiu para a anima��o. Trabalhamos dia e
noite e conseguimos filmar e revelar a tempo de exibir na televis�o.
Sugeri ao Cl�vis que fosse ao Rio, pessoalmente, mostrar
o filme ao Ruben Berta. Ele foi e voltou comemorando:

� Emplacamos! Emplacamos nosso primeiro jingle!
Foi a abertura necess�ria para outros sucessos da Varig, como
�Seu Cabral� e �Urashima Taro�, criados pelo Arquimedes
Messina, que incluiu com muita habilidade a nossa assinatura:
�Varig... Varig... Varig.�

Gra�as � qualidade t�cnica, ao servi�o de bordo, ao treinamento
de seus funcion�rios e � qualidade de sua comunica��o,
a Varig deixou saudades em quem nela trabalhou e em todos
os usu�rios da avia��o brasileira. A morte prematura de Ruben
Berta, aos 59 anos, abalou a empresa. No entanto, as gl�rias da
Varig e o respeito pelo Brasil que ela ajudou a criar no exterior
jamais ser�o esquecidos.


O Real Madrid


EM MEADOS DE 1960 O SCATENA ME perguntou se eu conhecia o Jorge
Adib, da Multi Propaganda. Eu j� tinha ouvido falar no Jorge como
um dos mais importantes profissionais de r�dio, da Colgate-Palmolive,
especialista em novelas, uma vez que havia sido um extraordin�rio
radioator da R�dio S�o Paulo. O Scatena me pediu para sentar e
explicou:

� A Multi usa muito a Magison, do Gilberto Martins, e eu quero
entrar na Multi. Encontrei o Jorge Adib e ele quer uma prova para
um jingle, para o sabonete Gessy. Quer alguma coisa sofisticada. Como
voc� tem uma experi�ncia da Lever, pensei que poderia juntar a
turma de criadores e produzir esse jingle.
Scatena me deu o material e o briefing que o Jorge havia passado
para ele e eu chamei o pessoal de cria��o da RGE, mas todo mundo
pulou fora, dizendo:

� Esse tro�o de sabonete n�o d� para ser sofisticado.
Pensei na cria��o de uma melodia mais elaborada, com modula��es,
na linha do jazz. Ruben Perez, o Pocho, fazia todos os arranjos
populares da RGE, mas em seu �ltimo LP havia a faixa �On the Street
Where You Live�, do musical My Fair Lady, que era um primor
de estilo jazz�stico. Decidi ent�o tirar fora os tradicionais jinglistas e
fiz, em casa, uma letra muito simples, e chamei o Pocho para music�-
la. Saiu um jingle lindo e com balan�o de Big Band:


Mais espuma
Mais perfume
Mais beleza
Gessy... Gessy... Gessy.
Sabonete Gessy.


Fui lev�-lo pessoalmente e aproveitei para conhecer o Jorge.
Ele botou no equipamento de som, ouviu e abriu um sorriso,
comentando:

� Moderninho, hein?
� Foi a encomenda que o Scatena fez.
� Sensacional. Parab�ns. Vou levar ao cliente e ligo para voc�.
O Jorge me ofereceu um caf�, me mostrou a campanha do
creme dental Gessy e pediu que tamb�m pensasse em um jingle
para o produto. Come�amos a bater papo e eu estava diante
daquele que seria o meu melhor amigo. O Jorge tem uma simpatia
cativante que conquista amigos � primeira vista. Foi uma
tarde agrad�vel. No dia seguinte, ele me ligou:

� O sabonete Gessy foi aprovado com louvor. Me traga o
creme dental e vamos falar.
Gravei o �Creme Dental Gessy� e levei. O Jorge adorou de
novo. Repetimos o cafezinho e, para minha surpresa, ele me
fez uma pergunta franca e embara�osa para quem o via apenas
pela segunda vez:

� Quanto voc� ganha?
� Ganha, como? � perguntei.
� Com tudo o que voc� faz. RGE, Lynx, Varig, freelance...
somando tudo, quanto?
Disse-lhe que precisava somar e pedi que me explicasse por
que queria saber. Ele, com olhar maroto, fez mist�rio.

� Me diz o quanto voc� ganha e eu digo por que quero saber.

Ele me deu uma folha de papel, somei aproximadamente o
que estava ganhando e entreguei a ele sem entender o que queria.


� Quero que voc� venha trabalhar comigo. Quero que seja
o respons�vel por toda a cria��o de r�dio, televis�o e cinema.
Venha aqui amanh�.
Voltei. Primeiro, o Jorge me disse que o jingle do creme
dental tamb�m estava aprovado e, depois, partiu para a proposta:


� Consegui arranjar verba para pagar a m�dia do que voc�
ganha.
� Que � isso Jorge? Que vantagem eu levo?
Com a voz mansa e um sorriso permanente, ele sempre foi
um mestre nas negocia��es:

� Voc� vai ter uma renda garantida. E n�o foi f�cil aprovar
esse sal�rio.
� N�o d�, Jorge, fiz uma estimativa pela m�dia. Tem m�s
que ganho mais... E vou ficar preso com hor�rio e nem sei
quanto trabalho vou ter.
� Menos trabalho e mais tranquilidade. Vai ser bom.
� Jorge, melhora um pouquinho isso.
� Estamos no final do ano. Em janeiro eu prometo que melhoro.
Fechado?
Era dif�cil dizer n�o para o convincente Jorge Adib.

� Fechado, mas eu quero uma garantia de melhora em janeiro.
� Dou minha palavra.
� Ok, mas preciso de um diretor de arte. Gostaria de trazer
o Laerte Agnelli.
� Manda o Laerte aqui, mas n�o vem junto. Voc� j� me tomou
todo o dinheiro que eu tinha.

O Laerte foi contratado e ganhamos tamb�m o Divo Dacol,
que j� estava na Multi, para ajudar no departamento.

O Laerte foi contratado e ganhamos tamb�m o Divo Dacol,
que j� estava na Multi, para ajudar no departamento.
mindo
o compromisso de que n�o seria aumentado para evitar
parecer que estava me pagando bem apenas para elevar o pr�prio
sal�rio. Esse Jorge Adib sempre foi assim, irrepreens�vel
com quest�es �ticas.

Localizada em uma confort�vel casa da rua Albuquerque
Lins, com um ambiente de trabalho extraordin�rio, a Multi era
um verdadeiro Butant� lotado de cobras da publicidade, a come�ar
pelo pr�prio David Monteiro. L� estavam, al�m do Jorge,
Abel Guimar�es, Alfredo do Carmo, Ricardo Ramos, Jorge
Medauar, Milton Claro, Enrico Camerini, Antonio de Jesus e
Sergio de Andrade, o Arapu�. Dizia-se que a Multi era o Real
Madrid da publicidade, porque na �poca o time espanhol era o
mais rico em estrelas.

A minha primeira miss�o foi a de substituir os slides que estavam
no ar no comercial Est� na hora de dormir, dos cobertores
Parahyba. O Jorge Adib havia tido a brilhante ideia de
comprar a can��o da TV Tupi, cria��o do M�rio Fanucchi e
do Erlon Chaves, para usar como comercial. Mandou fazer, na
Magison, uma nova grava��o da melodia, com a cantora Rosa
Pardini. O som estava lindo, mas a mensagem era exibida na
televis�o com horrorosos quadros parados. Ter�amos que criar
um filme. A primeira coisa que pensei foi que era triste mandar


um menino ir dormir sozinho, solit�rio. Peguei o Laerte e criamos
irm�ozinhos para o bonequinho Parahyba e fizemos um
desenho animado com uma nova trilha sonora, mais r�pida, arranjada
pelo pr�prio autor, o maestro Erlon Chaves. O filme
foi produzido pela Lynx com anima��o do Ruy Perotti e se tornou
um marco na propaganda brasileira.

Em seguida, fui consertar um filme Renault-Gordini, produzido
pela Jota Filmes, com uma bela fotografia, mas que havia
sido recusado pelo cliente. Era apenas uma quest�o de edi��o
e invers�o do texto de locu��o para deixar a mensagem
publicit�ria mais clara. Criamos outro filme para o Gordini; o
personagem era um cientista maluco que queria inventar um
carro barato e perfeito. Mas o carro que ele imaginou j� existia:
era o Gordini. Fizemos a campanha dos caldos Knorr, em
que eu mesmo gravei a voz da galinha, cacarejando: �Knorr �
melhor�; e, para a Cica, o extrato de tomate Elefante, azeitonas
Espanholas e ervilhas. Fizemos sabonete Solis para a Gessy,
al�m de v�rios filmes para sabonete e creme dental Gessy.
Criamos e produzimos o lan�amento do Aero Willys, para
a Willys Overland, e, depois, o conta-gotas de gasolina para o
Renault Dauphine. Fizemos Detefon e cera Cachopa.

No Primeiro Festival do Filme Publicit�rio no Brasil, ganhamos
21 pr�mios entre os trinta comerciais vencedores. E s� n�o
ganhamos mais porque o Jorge Adib era do j�ri e, para ser elegante,
votava contra os nossos filmes. Em raz�o desse sucesso,

o Alex Periscinoto me convidou para ir trabalhar na Alc�ntara
Machado. O mais engra�ado � que tamb�m recebi uma proposta
da CIN, que teria dado � Multi, no passado, informa��es negativas
sobre o meu temperamento. Ao Alex, a quem eu admirava,
disse que ficava honrado com o convite, mas que estava
feliz na Multi.

Na CIN, o pr�prio Ant�nio Nogueira falou comigo e argumentou:


� L� na Multi voc� se reporta ao Jorge Adib, que � chefe de
departamento. Aqui, voc� vai se reportar direto aos donos.
� � por isso mesmo que eu vou ficar l�. Prefiro me reportar
ao Jorge Adib � respondi.
Nossos comerciais para a televis�o tinham grande visibilidade
por causa da dose de entretenimento e porque ningu�m
era capaz de comprar melhor o espa�o comercial que o Jorge
Adib. Ele conseguia coloca��es privilegiadas a pre�os baratos,

o que permitia um grande volume de exibi��es. Quando houve
a limita��o de dura��o dos intervalos por lei, a vantagem da
Multi em termos de qualidade dos comerciais e habilidade de
compra do Jorge ficou mais evidente.
Al�m dos comerciais em intervalos, n�s control�vamos tr�s
programas: na Record, o Gessy 21.30, que lan�ou o Tarc�sio
Meira como gal� e era dirigido pelo amig�o Nilton Travesso;
na Tupi, t�nhamos o Al�, Do�ura!, do Cassiano Gabus Mendes,
com Eva Wilma e John Herbert, e ainda o Tr�s � demais, uma
com�dia com Walter D��vila, Zeloni e Terezinha Austreg�silo,
mulher do J� Soares. O J� sempre ia entregar o texto ao Jorge
Adib na sua possante motocicleta. Eu n�o gostava do programa,
n�o pelo texto, mas pela falta de liga entre os tr�s principais
atores.

De qualquer forma, tudo na Multi corria bem, menos a rela��o
com o Garner, diretor da Willys. Prepotente e orgulhoso
de sua qualidade de norte-americano, colocava-se sempre num
patamar superior. Ele s� queria o �bvio. Gostava de informa��o
e detestava cria��o. Confundia propaganda com manual de
instru��es de uso do produto. N�o queria uma pe�a publicit�ria,
queria um samba-enredo. Detestava emo��o. Enguicei v�



rias vezes com ele at� que resolvi sair da Multi antes de ser
despedido. Mandei meu pedido de demiss�o ao Jorge, numacarta, da qual destaco apenas um par�grafo: �� muito cedo para
o conformismo. Sou mo�o demais para acomodar-me. Algu�m
tem que dizer n�o. Tenho vontade de continuar dizendo
n�o, por muito tempo, e sempre que tiver raz�es para isso. Renuncio
mesmo.�


E agora, Jos�?


O ALEX PERISCINOTO H� MUITO HAVIA ME convidado para ir para a Alc�ntara
Machado, e eu achei que era uma boa. Na ag�ncia, por conta
da inquieta��o do Alex Periscinoto, sempre houve uma procura
constante por novas formas de criar publicidade e isso abria mais espa�o
para o meu trabalho. O Alex tem um lugar especial na hist�ria
da nossa atividade: foi ele que iniciou a moderniza��o da publicidade
brasileira. Come�ou a ralar ajudando nos trabalhos dom�sticos
caseiros. Aos 8 anos foi parar em uma f�brica de biscoitos. Depois
tentou ser barbeiro. Se amolou e n�o ficou afiado na profiss�o. Em
um a�ougue foi ser entregador de carne, pedalando uma superbicicleta.
Foi limpador de teares na tecelagem Matarazzo onde, vendo o
trabalho das tecel�s, se apaixonou pelo desenho, pelas formas, pelas
cores e pelo movimento. Come�ou a desenhar furiosamente. Aos 17
anos, tentou a McCann Erickson. Levou seus desenhos de flores e
recebeu um sonoro n�o.

� O sr. nunca vai ser publicit�rio. N�o tem jeito nem talento.
Ledo engano. Pouco tempo se passou e o Alex estava criando
an�ncios inovadores para a Sears. O sucesso foi t�o grande que ele
foi contratado pelo concorrente Mappin. Saiu de l� e foi para a Standard
Propaganda, onde trabalhou com os cobras da �poca. Decepcionado
com a ditadura do texto sobre a imagem, voltou para o Mappin,
onde tinha mais liberdade. Em 1958, foi para Nova York ver de perto
como eram feitas as ousadas campanhas da loja Ohrbach�s e se apai



xonou pelo trabalho da DDB (Doyle, Dane and Bernbach), que
promovia uma revolu��o mundial na publicidade. Quando foi
trabalhar na pequena Alc�ntara Machado, em 1960, tentou implantar
o mesmo sistema da DDB, com duplas de cria��o e
contato mais intenso entre a cria��o e o cliente. Enfrentou a resist�ncia
do Otto Scherb, que era um extraordin�rio publicit�rio,
mas r�gido e conservador. Achava as ideias do Alex caras
e desnecess�rias. Percebi, logo ao chegar, que havia um conflito
dentro da ag�ncia. N�o tinha visto isso antes, nem na Multi
nem na Lintas, mas j� era tarde. Eu estava l� e tratei de resolver
o que competia a mim. O primeiro comercial que fiz na Alc�ntara
foi para o �Sal�o da Crian�a�. Usei o palha�o Carequinha
na trilha sonora, um desenho animado baseado no circo e
brinquedos infantis. O filme � exibido at� hoje nos sites da publicidade
dos velhos tempos. Foram feitos muitos filmes para
a Anderson Clayton e para a Volkswagen. O trabalho andava,
mas eu estava no meio do tiroteio entre o Alex e o Otto, sem
ter nada a ver com aquilo.

Por falar em tiroteio, o Alex e eu fizemos um filme, no final
do ano, para exibi��o interna na festa de Natal da empresa. N�s
dois vestidos de caub�is. Ele contava a hist�ria de um tio que
era padre, de quem havia recebido uma garrucha como heran�a.
Depois disparava a garrucha, perfurando a tampa de margarina
da Anderson Clayton, que servia de alvo, representando
todos os nossos clientes. O Alex se divertiu. O humor e a presen�a
de esp�rito s�o duas caracter�sticas da sua personalidade.

Ainda no Mappin, em um dia de chuva, ele deu carona para
uma colega de trabalho, loura e linda. O carro estava com a janela
do carona quebrada e o vidro n�o subia mais que a metade.
A colega sentou na frente e, para evitar se molhar, foi chegando
cada vez mais perto do Alex. Para complicar, em um si



nal da rua Augusta, ele se deparou com o Sabi�o, seu cunhado,
engra�ado e fofoqueiro ao extremo. O Sabi�o, no meio da chuva,
protegido por um jornal, pedia carona. O Alex fingiu que
n�o viu e acelerou. A mo�a, percebendo a situa��o, se prontificou
a ir com o Alex e explicar tudo � esposa dele.

� Vou l� e explico que n�o est�vamos fazendo nada demais.
O Alex nem quis pensar nisso. Deixou a mo�a em casa e
voltou a toda para o Mappin. Pegou um manequim de gesso,
novinho, botou nele uma peruca loira, colocou a seu lado no
banco do carona e, chegando em casa, se explicou:

� Oi, meu amor, demorei muito porque fui � f�brica de manequins
comprar um para o Mappin. Novo, parece real. Voc�
podia dar a sua opini�o?
Levou a mulher at� o carro. Ela gostou do manequim e o
ajudou a colocar no porta-malas. Jantaram e foram para a casa
do cunhado Sabi�o, onde uma cartada de buraco estava programada.
O Sabi�o n�o aguentou e dedurou o Alex:

� Vi o Alex, na rua Augusta, com uma loura sensacional.
Me negou carona e fugiu com ela.
A mulher do Alex ficou uma arara com o irm�o.

� Voc� � um linguarudo. Era um manequim. Eu vi e ajudei
a tirar do carro.
O Sabi�o engoliu a hist�ria por cinco anos. Um dia, a s�s
com o Alex, numa pescaria depois de alguns tragos, n�o se
conteve. Olhou-o de cima a baixo e gritou:

� Manequim � a puta que o pariu!
Apesar de gostar do jeit�o descontra�do do Alex e estar mais
ligado a ele, fui convidado pelo Pl�nio Toni para jantar com o
Otto Scherb. Os dois me comunicaram que estavam de sa�da
da Alc�ntara e que o cliente Volkswagen iria com eles para a
nova ag�ncia. O Sergio Toni, um redator fora de s�rie, tamb�m


iria junto e mais um diretor de arte escolhido pelo Otto. Queriam
que eu fosse e levasse o Laerte Agnelli. Todos n�s ser�amos
s�cios, al�m de receber um sal�rio igual ao que a Alc�ntara
nos pagava. Embora fosse amigo do Pl�nio desde os tempos
da Lintas, n�o tinha muita liga��o com o Otto e a princ�pio relutei.
O Pl�nio me fez um apelo extremo:

� A Alc�ntara sem o Otto vai ficar � deriva. � ele que segura
a administra��o. O Z� Alc�ntara nem vem � ag�ncia e o Alex
� um artista. J� alugamos uma casa no Pacaembu, compramos
m�veis, equipamentos... gastamos uma grana preta. Voc� n�o
pode me deixar na m�o.
Acabei concordando. Falei com o Laerte, que tamb�m n�o
via o neg�cio com entusiasmo, mas assinamos o contrato social
e fundamos a Proeme.

Em poucos meses, percebi que havia entrado em uma canoa
furada. O conflito da Alc�ntara se repetia na Proeme, de uma
forma mais grave, porque o Otto era o s�cio majorit�rio. Centralizador,
queria fazer tudo sozinho, dava palpite e interferia
em todas as �reas. N�o se tratava de contestar a capacidade dele,
mas era imposs�vel conviver com aquele estilo. Para mim
n�o dava, estava muito dif�cil. Foi quando o Alex me convidou
para um almo�o e me prop�s o retorno � Alc�ntara. Em raz�o
de um bom trabalho que ele fizera para a �rea institucional da
Volkswagen, toda a conta do cliente tamb�m estava voltando.
Deixei para tr�s o que tinha a receber e at� as minhas a��es da
Proeme.

O Enio Mainardi compraria a ag�ncia algum tempo depois.
E tocou o neg�cio com a sua habitual compet�ncia. Ali�s, o
Enio foi um dos mais completos publicit�rios que j� vi. A intelig�ncia
dele era viva e transbordante. Conheci muita gente
fascinante na profiss�o, mas raros t�o avan�ados no tempo co



mo o Enio. Criou, entre tantas coisas geniais, o famoso slogan:
�Tostines vende mais porque � fresquinho ou � fresquinho porque
vende mais?�

Mais tarde, na Globo, tentei transform�-lo em apresentador
de televis�o. Fizemos um piloto de um programa sobre comportamento.
Ele se saiu magnificamente bem, mas o meu pessoal
pisou na bola e n�o conseguiu acertar o formato. Uma pena.
Existem algumas coisas inexplic�veis na vida.

Inexplic�veis, tamb�m, foram as minhas duas passagens pela
Alc�ntara. R�pidas demais. Desde o tempo em que eu frequentava
a R�dio Bandeirantes, na Paula Souza, o Edson Leite
me dizia:

� Te prepara, quando vier a TV Bandeirantes, n�s vamos
trabalhar juntos.
Eu estava acabando de montar minha sala na Alc�ntara
quando recebi a visita dele, el�trico como sempre.

� Sa� da R�dio Bandeirantes e estou na TV Excelsior. O
Moya pediu demiss�o e eu preciso de voc� agora.
� Espera a�, Edson. N�o d�. O Z� Alc�ntara Machado e o
Alex v�o pensar que eu sou doido. Nem cheguei... j� estou
saindo.
� Esquece. Passei na sala do Z� e j� falei com o Alex. Pega
o palet� e vem comigo.
� Que palet�? Eu n�o uso palet�.
� Pega o bon�, os pap�is, o que for e vamos almo�ar.
Deixei o Edson na minha sala e fui at� a sala do Alex. Ele
ria:

� O Edson veio pedir o teu passe. Como � que a gente diz
n�o para ele?

Depois fui at� a sala do Z� Alc�ntara. Quando entrei, dei decara com o �lvaro de Moya, visivelmente de pilequinho, coisa
que eu nunca havia visto antes.

Depois fui at� a sala do Z� Alc�ntara. Quando entrei, dei decara com o �lvaro de Moya, visivelmente de pilequinho, coisa
que eu nunca havia visto antes.
Oi, Moya.
� Oi, Boni. Vim avisar ao Z� que deixei a TV Excelsior.
Aquele pessoal da R�dio Bandeirantes entrou l� e eu estou fora.
Se voc� quiser pode trabalhar l�.
Eu j� estava dentro, mas constrangido, perguntei:

� �? E com quem eu falo?
Grosseiramente, tamb�m coisa rara no Moya, ele respondeu:
� Passa l�. Quem passa pelo corredor eles contratam.
Nem respondi. Era evidente que ele estava magoado com a
situa��o. Preocupado com a possibilidade de um encontro entre
o Edson e o Moya, sa� sem dizer ao Z� Alc�ntara o que tinha
ido fazer na sala dele. Tempos depois, no restaurante Massimo,
o Moya me pediu desculpas. Mas eu gostava dele e o admirava
tanto, que entendi o que havia acontecido e, portanto, o
pedido de desculpas era desnecess�rio.

Peguei o Edson, entramos em um carro da TV Excelsior que
nos esperava, e fomos almo�ar no Gigetto. O restaurante era
perto, mas o carro n�o andava e o Edson n�o parava de falar
contando como era o Simonsen, como havia sido o convite para
ele etc. etc. Eu n�o falava nada. Voltei aos 15 anos de idade
e lembrei-me de todas as dificuldades pelas quais havia passado
no r�dio e na televis�o. Eu j� tinha meu lugar na publicidade,
com estabilidade e fama. Era uma quest�o de tempo at�
montar uma ag�ncia minha ou ser s�cio de alguma outra. Pensava
que estava adiando o sonho de ser dono para voltar � m�quina
de fazer doidos. Estava, novamente, me metendo em encrenca
e perguntava a mim mesmo: e agora, Jos�?
































Voc� tamb�m est� no 9


A HIST�RIA DA EXCELSIOR TEM DUAS FASES: a do �lvaro de Moya, que
chamo de fase da qualidade; e a do Edson Leite, que chamo de fase
da popularidade. Como j� falamos da fase do Moya, vamos � fase
da popularidade. O Edson nasceu com a comunica��o no sangue.
O Mosquito el�trico, como era conhecido, era agitado, r�pido e possu�a
uma incr�vel vis�o de futuro. N�o era um estrategista, longe disso,
mas um intuitivo e ousado profissional de r�dio e depois da televis�o.
No r�dio, ao lado do Murilo Leite e do Alberto Saad, fez
uma revolu��o colocando a R�dio Bandeirantes em destaque n�o s�
na cidade de S�o Paulo, mas em todo o Brasil. No esporte, especialmente,
a Bandeirantes foi mais importante e mais longe que a R�dio
Nacional do Rio de Janeiro, n�o s� em cobertura, mas, principalmente,
em comercializa��o por meio da cadeia verde-amarela, norte-sul
do pa�s, concebida pelo Edson. Criador de bord�es como �o tempo
passa�, ele foi um dos mais populares narradores esportivos do pa�s.
Naquela �poca, o �nico p�reo para ele era o Pedro Luiz. Um na Bandeirantes
e o outro na Panamericana. O terceiro era o Geraldo Jos�
de Almeida, na Record. Edson fazia uma dupla perfeita com M�rio
Moraes, um dos mais l�cidos e inteligentes comentaristas que j� ou


vi.
Sobre suas enroladas aventuras amorosas, h� lendas para se encher
um livro inteiro. Dizem que quem gerenciava suas namoradas
era uma das telefonistas da R�dio Bandeirantes, que ficou t�o �ntima


e tinha tanta informa��o sobre ele que acabou se tornando sua
mulher. Edson casou-se 14 vezes. O mais folcl�rico desses casamentos
ocorreu na Argentina, com uma das mais populares
apresentadoras de Buenos Aires, apelidada La Gata por sua beleza
e sensualidade. O Edson se enamorou e quis traz�-la para

o Brasil, mas a fam�lia s� concordava em entregar a mo�a de
papel passado, com casamento legal. Como ele j� era casado,
isso parecia imposs�vel. Mas n�o para o Edson. Ele arranjou
atores obscuros de televis�o para interpretarem o juiz de paz e
o padre, alugou roupas para paramentar o padre, comprou livros
para o falso juiz, contratou um coro de igreja e uma orquestra
de violinos. Montou uma superfesta na casa da La Gata,
casou-se de mentirinha e levou a argentina para S�o Paulo.
Ele ainda estava na R�dio Bandeirantes quando convidou
La Gata para ir ao Pacaembu assisti-lo narrar um jogo do Corinthians.
Quando chegou com o seu carr�o no estacionamento,
foi informado que a sua verdadeira esposa estava dentro da
cabine de transmiss�o da r�dio para dar um flagrante nele. La
Gata ouviu a conversa, mas n�o entendeu bem o que estava
acontecendo e perguntou:
� Que sucede?
� Nada... nada... Est�o informando que eres invitada para
assistir ao jogo diretamente da Tribuna de Honra.
Era uma tremenda conversa fiada para que ele pudesse chegar
sozinho � cabine. O problema � que La Gata n�o havia sido
convidada coisa alguma e ele, pessoalmente, teria que ir furando
as barreiras at� conseguir coloc�-la na Tribuna. Foi uma
correria. Sem ingresso e sem convite, ele teve que usar o seu
prest�gio pessoal para levar La Gata para um local distante da
cabine. Enquanto fazia isso, o jogo come�ou e o comentarista
M�rio Moraes teve que iniciar a narra��o. Explicou que n�o


era locutor, que o Edson se atrasara e foi contando o que se
passava, no estilo de coment�rio. Quando o Corinthians avan�ou
e marcou um gol, o M�rio precisou narrar e comentar a
jogada. Nessa altura, chegou o Edson e cochichou no ouvido
dele:

� Como est� o jogo?
� O Baltazar acaba de marcar um gol de cabe�a. Corinthians
um a zero.
O Edson, que era muito pretensioso, pegou o microfone e
inventou uma jogada:

� Boa tarde, esportistas do Brasil. Bola com Luizinho, Luizinho
para Cl�udio. Avan�a o Corinthians. Cruza Cl�udio, sobe
Baltazar. Cabeceia. Goooooooool. Corinthians um a zero.
O M�rio, que j� havia narrado o lance, calmo e sereno, disse
no ouvido do Edson:

� Agora est� dois a zero.
E o Edson emendou:
� Um a zero para o Corinthians, conforme os senhores acabaram
de ouvir na repeti��o do belo gol de Baltazar.
Estava inventado o replay no r�dio. O Edson era muito r�pido.
No in�cio de 1963, quando ele foi � Alc�ntara Machado e me
levou para o almo�o no Gigetto, eu j� estava contratado, sem
ter tido a chance de dizer sim ou n�o. O m�nimo que eu queria
saber era o que faria e quanto ganharia. Mas n�o houve jeito.
Pedimos a comida e o Edson quase n�o tocou nela. A primeira
revela��o foi bomb�stica:

� Assumi com o Simonsen o compromisso de botar o Canal
9 em primeiro lugar em 180 dias.
E da� seguiu falando sem parar. Contou que havia trazido
alguns argentinos para trabalhar, como o Tito de Miglio, o Pa



dilla e o Borda. A primeira etapa seria montar um cast de dramaturgia,
pois a meta era produzir um grande volume de programas
para preencher a grade de uma rede. Perguntei se havia
uma lista, um plano, qual a verba e que tamanho deveria ter esse
cast. Ele n�o tinha isso muito claro, mas me disse:

� Tudo o que puder. Autores, atores, diretores. Quero todo
mundo.
Havia, naquela �poca, um conv�nio patronal acertado entre
as emissoras. Pelo conv�nio, uma emissora ficava proibida de
tirar um artista da outra e tamb�m n�o aceitaria os que tivessem
sa�do por vontade pr�pria. Foi minha primeira preocupa��o.


� E o conv�nio, Edson? As outras emissoras n�o v�o nos
pressionar?
� Que se danem. O conv�nio foi pro espa�o. Manda bala.
Precisamos de bons nomes. J� encomendei para a MPM uma
campanha de imprensa e cartazes de rua com o tema �Fulano
tamb�m est� no 9�, sugerido pelo Mario Regis Vita.
A Excelsior se apertava no Teatro de Cultura Art�stica, com
apenas um palco-audit�rio e um est�dio subterr�neo improvisado.
Eu n�o queria saber o que far�amos no futuro, mas sim
naquele momento.

� Bem, Boni, vamos tocando. � melhor errar depressa que
acertar devagar. Precisamos criar, imediatamente, uns bonequinhos
para a emissora. Pensei em um casalzinho de irm�os.
Quero dar a hora certa, o tempo e a temperatura, nos intervalos.
� Est� bem. Isso � simples. Quero saber se j� tem algu�m
pensando em programa e na programa��o. E onde vamos produzir?
� Estou tentando alugar a Vera Cruz ou a Maristela.
� Bom, isso vai demorar...

� � tar
alguma coisa existente. Chame o pessoal dos filmes e veja
umas s�ries americanas para a gente comprar. Fala tamb�m
com o Luiz Carlos R�o, nosso advogado. Ele tem a lista das
pessoas j� contratadas. E o que voc� precisar contratar, ele tem
os contratos padr�o. Dinheiro n�o falta.
� �timo. Aproveitando, como fica o meu sal�rio?
� J� falei com o Alberto Saad. Acerta tudo com ele.
Nem tomamos um cafezinho. Ele me levou ao Teatro Cultura
Art�stica, que ficava em frente ao restaurante, e fomos direto
para a sala do Alberto, onde me deixou, dizendo:

� Estou indo para o Rio. V� tudo com ele.
O Alberto sempre foi mais tranquilo e me falou:
� Olha, o Edson n�o me disse nada sobre o seu sal�rio, mas
voc� tira o que quiser. Assina um vale e depois, quando acertar,
a gente rasga.
� Tudo bem, Alberto, preciso saber quanto posso gastar com
os bonequinhos, vinhetas etc. J� vou trabalhar nisso amanh�. E
tem essa hist�ria das contrata��es. Como � isso? Qual a verba?
� Sobre o bonequinho, vai tocando. O que der, deu. Contrata��o,
voc� fala com o Edson e depois comigo para a gente n�o
ter disparidade entre um sal�rio e outro. N�o h� or�amento ainda,
mas vai em frente.
� Onde eu fico? Tem uma sala?
� Volta amanh� que eu arranjo. Aproveita e passa na Vemag.
Fiz uma permuta de carros com eles e reservei uma Vemaguet
para voc�. Passa hoje, sen�o algu�m pega o seu carro.
Fui para a Alc�ntara Machado falar com o Z� Alc�ntara e
recolher meus objetos pessoais. Depois peguei o meu fusca e
passei na Vemag. Uma Vemaguet branca, zero, j� estava � minha
espera com licen�a provis�ria. Deixei o meu carro na gara



gem deles e fui para casa. Aturdido. Pela manh�, sa�ra de fusca
para trabalhar na Alc�ntara Machado, e � noitinha chegava de
Vemaguet e estava trabalhando na Excelsior.

gem deles e fui para casa. Aturdido. Pela manh�, sa�ra de fusca
para trabalhar na Alc�ntara Machado, e � noitinha chegava de
Vemaguet e estava trabalhando na Excelsior.
nista,
famoso na �poca, que fazia o �rg�o imitar a voz humana
e o Pocho achou que poder�amos us�-lo para assinar as vinhetas,
com o �rg�o falando: �Canaaaaal Nooove�. Mandei ele ir
em frente.

� Estou atolado. Grave uma prova e me mostre assim que
puder.
Fui rodar a emissora. O chefe da �rea de videotape, Arlindo
Partiti, um sujeito fin�ssimo e inteligente, me disse que o Moya
havia deixado alguns pilotos de programas e me perguntou se
eu queria v�-los. Vi todos e gostei particularmente de um que
era atrevido e inovador: Teatro 63. Tratava-se de um projeto
do Walter George Durst, do T�lio de Lemos e do Roberto Pal-
mari, que mostrava os autores entrevistando uma pessoa real,
mascarada para n�o revelar a identidade, seguida da encena��o
da vida dessa pessoa, baseada na entrevista. Sobre esse programa,
retirei do livro do Moya, Gloria in Excelsior, duas cita��es:
uma dele pr�prio e outra do Walter George Durst.

Conta o Moya:

Eles gravaram o piloto e decidi mostrar para o Wallinho, pois achava que
aquele n�o era um programa que o Edson Leite iria gostar. Era popular, mas n�o
popularesco... Boni assumiu a dire��o art�stica e colocou o programa no ar.


O Walter Durst conta toda a hist�ria do projeto e finaliza:
�Foi o programa mais importante da minha vida.�

O Walter Durst conta toda a hist�ria do projeto e finaliza:
�Foi o programa mais importante da minha vida.�
jeto
deixado pelo Moya, o Teatro 63 serviu de pretexto para
a contrata��o de profissionais de qualidade. Os dois primeiros
nomes contratados foram Rosamaria Murtinho e Mauro Mendon�a.
Outros, como Tarc�sio Meira e Gl�ria Menezes, viriam
depois, para a forma��o do grande cast, que ficaria na geladeira
por algum tempo. O Brasil 63, apresentado por Bibi Ferreira,
criado pelo Moya e pelo Manoel Carlos, j� fazia sucesso
desde a estreia, em 1960. Renovamos o programa com cen�rios
modernos e arejados do Federico Padilla, rec�m-chegado
da Argentina. O Edson me ligou pedindo para avaliar duas
s�ries m�dicas, o Dr. Kildare eo Ben Casey, e escolher uma
delas. Como gostava do assunto, levei os pilotos para ver em
casa e decidi comprar as duas, porque se uma delas fosse para
outra emissora poderia matar a nossa. T�nhamos um acervo de
longas-metragens, bem selecionados pelo Orpheu Gregori, que
dava para quebrar o galho por algum tempo. O Z� Vasconcellos
havia sido contratado pelo Edson e tinha uma s�rie pronta:
O descobrimento do Brasil. Passamos a disputar alguns direitos
esportivos. Para encher lingui�a, pusemos no ar o Show do
meio-dia. Aos domingos, � noite, passamos a veicular um humor�stico
com os comediantes dispon�veis, que eram obrigados
a levar os pr�prios textos, porque ainda n�o t�nhamos redatores
de humor.

Isso tudo ocorreu em uma ou duas semanas.


O Laerte Agnelli me ligou e j� tinha criado os bonequinhos.
O Pocho estava com as provas das vinhetas musicais. Marquei
com o Edson e ele aprovou tudo.

O Laerte Agnelli me ligou e j� tinha criado os bonequinhos.
O Pocho estava com as provas das vinhetas musicais. Marquei
com o Edson e ele aprovou tudo.
Est� �timo. Mas vamos botar um nome nos bonequinhos.
� Jo�ozinho e Maria � sugeri.
� N�o... n�o. Muito comum. Paulinho e Ritinha.
� Comuns tamb�m. Mas est� ok, vou produzir.
Eram quatro vinhetas diferentes, com letras e m�sicas diferentes,
todas com a mesma assinatura: �Canaall Noooove.�
Partimos para a anima��o entregue � Lynx, para ser feita pelo
Ruy Perotti. T�nhamos pressa e conseguimos os quatro filmes
em trinta dias. A hora, o tempo e a temperatura eram informados
pelo locutor de cabine e, nos ensaios, t�nhamos problemas.
Eu precisava de uma pessoa de inteira confian�a para
ajustar aquela opera��o e atuar como coordenador geral dos
hor�rios da grade. Chamei o Solano Ribeiro, que, por ser meu
amigo, foi para a Excelsior sem saber exatamente o que iria fazer.
Colocamos as vinhetas no ar e, com a coordena��o dele,
tudo funcionou perfeitamente. Aquilo foi percebido pelo telespectador
como um diferencial. O Solano ficou como coordenador
da programa��o ao vivo. Mais tarde, seria apresentador do
Show do meio-dia para, em seguida, fazer o primeiro Festival
da Can��o, ainda na Excelsior, e todos os outros da TV Record.
Solano tamb�m foi o respons�vel por v�rias edi��es do
FIC, o Festival Internacional da Can��o, na Rede Globo. Seu
papel na m�sica popular brasileira � important�ssimo, al�m de
unanimemente reconhecido. E ele n�o desiste. At� hoje continua
batalhando pela qualidade e pela renova��o da MPB e est�
sempre � procura de talentos t�o bons quanto os que ele lan�ou
nos seus festivais.


Quem se dava bem com o Wallinho Simonsen � filho do
M�rio Simonsen, dono da Excelsior � era outro amigo meu,
o Ricardo Amaral. Sabedor do gosto europeu do Wallinho, o
Ricardo vendeu para ele uma apresenta��o do cantor franc�s
Gilbert B�caud, que seria transmitida, ao vivo, do teatro Paramount,
em S�o Paulo. A Excelsior ainda n�o tinha equipamentos
de primeira linha. As c�meras funcionavam com um ventilador
ao lado para evitar aquecimento. Os aparelhos de micro-
ondas tamb�m eram velhos. O Juan Fuminaya, um profissional
briguento pela qualidade, tentava de tudo, mas a liga��o com o
teatro n�o ficou pronta at� minutos antes da entrada do B�caud
em cena. A imagem ia e voltava. Eu e o Ricardo nos entreolh�vamos,
preparados para o pior. E ele, por telefone, foi segurando
a entrada do cantor at� que a transmiss�o ficou perfeita.
Liberamos o pessoal do teatro para come�ar o show que, com
a energia do B�caud, foi, como diz o Amaral: �sen-sa-cio-nal.�
Alguns dias antes, o Edson Leite, ao saber que o Wallinho havia
comprado a apresenta��o do B�caud, ficou chatead�ssimo
e saiu dando entrevistas dizendo que iria viajar e, pessoalmente,
contrataria e traria o Sinatra, a Sophia Loren e outros do
mesmo quilate. Disse a mim que o B�caud era de elite e um
desconhecido. N�o gostava nada da amizade do Amaral com

o Wallinho. Mas, terminada a transmiss�o, ligou entusiasmado
me pedindo para cumprimentar o Amaral e dizer a ele que havia
adorado o show. Cumprimentei o Amaral e acrescentei:
� Agora, voc� tamb�m est� no 9.

A noite de S�o Bartolomeu


O EDSON TINHA QUALIDADES INEG�VEIS. Em compensa��o, era rico
em defeitos. Viajava muito e desmarcava reuni�es com frequ�ncia.
Tomava decis�es sozinho e esquecia de comunicar aos companheiros.
Ou, quando comunicava, tratava-se de fato consumado. Contratou,
sem consultar ningu�m, o J. Silvestre, para fazer o Price is right,
um programa que girava em torno de acertar o pre�o de uma determinada
mercadoria ou objeto. Disse a ele que n�o concordava:

� Edson, isso n�o vai funcionar no Brasil. Ningu�m sabe o pre�o
de coisa alguma e aqui programas de perguntas e respostas s� funcionam
quando t�m um conte�do humano e emocional.
Ele ouvia, mas devolvia o problema. Pediu que eu fosse ao Rio
conversar com o Jota. Fui, mas n�o adiantou nada. O J. Silvestre
comprou os direitos do programa e a sua pr�pria ag�ncia de publicidade
j� havia vendido o patroc�nio para um cliente. E o pior � que
n�o t�nhamos est�dios para produzi-lo, nem em S�o Paulo nem no
Rio. Provisoriamente, a Excelsior estava no velho pr�dio da TV Tupi,
na avenida Venezuela.

� Calma � dizia ele. � N�s vamos ter mais est�dios.
Em uma viagem � Argentina, o Edson viu uma novela que fazia
sucesso e resolveu compr�-la. Era a 2-5499 � Ocupado, um texto
p�ssimo e brega. Chamou o Tito Di Miglio, argentino como a novela,
e mandou produzir. Eu s� soube dessa decis�o pelo pr�prio Tito. O
produto era ruim demais e fez sucesso nas costas do Tarc�sio Meira


e da Gl�ria Menezes. Ainda bem que s� estreou quando eu n�o
estava mais l�. Inicialmente, era exibida �s segundas, quartas e
sextas. Depois, passou a ser veiculada de segunda a sexta-feira,
tornando-se a primeira novela di�ria da televis�o brasileira
e uma das piores j� exibidas por aqui.

Outra decis�o tomada sem meu conhecimento foi a cria��o
de vinhetas e de bonequinhos para a Excelsior do Rio. O Edson
era muito afetivo e nunca dizia n�o para os amigos. Uma qualidade,
mas um complicador dos diabos. Como o Miguel Gustavo,
o mais popular e um dos melhores jinglistas do Brasil, era
muito amigo seu, ele concordou que as vinhetas do Rio fossem
feitas pelo Miguel e autorizou a cria��o de um Paulinho e
de uma Ritinha, diferentes dos usados em S�o Paulo. Quando
soube, reclamei:

� Olha, Edson, combinamos que ir�amos fazer uma rede nacional
de televis�o. S�o Paulo n�o pode ter uma vinheta musical
e o Rio, outra; nem podemos ter um bonequinho em S�o
Paulo e outro no Rio.
� � verdade... mas o pessoal do Rio j� foi fazendo e est� tudo
pronto.
� Mas n�o deveria ter o pessoal do Rio e o pessoal de S�o
Paulo. Os bonecos e as vinhetas s�o uma marca. Nunca vi uma
empresa com duas marcas diferentes.
� S�o parecidas. Depois a gente unifica.
O Canal 2 estava para ser inaugurado, mas eu j� sentia que
eles n�o tinham o menor esp�rito de rede e queriam ser independentes
para tomar decis�es. A bem da verdade, o Edson
n�o alimentava isso, nem estava confort�vel com a situa��o. O
Alberto Saad havia posto o Fel�cio Maluhy na Excelsior Rio e

o Edson tinha o Miguel Gustavo, mas o Edson e o Fel�cio n�o
rezavam pela mesma cartilha. Entre uma viagem e outra do Ed

son, tentei sentar com ele para tornar a grade de programa��o
do Rio unificada com a de S�o Paulo. Mas ele reagiu:

son, tentei sentar com ele para tornar a grade de programa��o
do Rio unificada com a de S�o Paulo. Mas ele reagiu:
Um dia vai ser assim, mas agora n�o vai dar. Primeiro tenho
que acertar algumas coisas l�. Cuida do que a gente tem e
deixa o futuro comigo.
Curiosamente, a independ�ncia da TV Excelsior do Rio em
rela��o � TV Excelsior de S�o Paulo, que eu tanto temia, foi
proclamada com a ajuda do meu querido amigo Ricardo Amaral.
Em uma ponte a�rea Rio-S�o Paulo, ele encontrou por acaso
com uma amiga, a atriz e vedete Rose Rondelli. Rose era
casada com o Chico Anysio, que a esperava no aeroporto de
Congonhas, em S�o Paulo. O Chico morava no Pacaembu e
ofereceu carona ao Ricardo, que morava perto, em Perdizes.
No caminho, o Ricardo, entusiasmado com a TV Excelsior, de
propriedade do seu grande amigo Wallinho Simonsen, jogou
uma cantada no Chico, que vibrou com a possibilidade de deixar
a TV Rio, onde estava. O Ricardo ligou para o Wallinho e
eles marcaram um almo�o com o Chico para o dia seguinte na
H�pica Paulista, onde o Wallinho jogava polo.

No almo�o, Chico convenceu Wallinho a contratar alguns
comediantes que trabalhavam no seu programa. O Wallinho
combinou, ent�o, como seriam feitas as contrata��es e o Ricardo
Amaral partiu para o Rio, em nome do Wallinho, levando
junto o Jos� Carlos R�o, advogado da Excelsior. Alugaram
su�tes no anexo do Copacabana Palace, com secret�rias, m�quinas
de escrever, cont�nuos etc. O Fel�cio Maluhy e o Miguel
Gustavo foram mandados pelo Wallinho para participar
da opera��o. O Carlos Manga fez a lista de contratados, que foi
crescendo � medida que era levantada a possibilidade de outros
programas serem produzidos. Eram setenta nomes e n�o
apenas �alguns�, como Chico Anysio havia pedido. Formou-se


uma fila para a assinatura dos contratos e cada um que era chamado
dizia o quanto queria ganhar. Sem discuss�o, os contratos
iam sendo datilografados e assinados. Vararam a madrugada
contratando gente. Esvaziaram a TV Rio, dirigida pelo Walter
Clark, que acordou com meia d�zia de pessoas no elenco
inteiro da emissora. Ele ligou para mim quase chorando. Tive
que jurar que n�o sabia de nada, e n�o sabia mesmo. Foi o que
chamo de �A noite de S�o Bartolomeu�, aquela em que o mafioso
Al Capone liquidou com todos os inimigos de uma s� vez
e que tem esse nome porque foi na noite de S�o Bartolomeu
que ocorreu o massacre dos protestantes na Fran�a, em 1572.
N�o que eu fosse contra a contrata��o do Chico, do Manga e
de todo aquele pessoal, mas, na calada da madrugada, escondido,
era inaceit�vel. Supondo que o Edson havia participado de
tudo, reclamei com ele, o que deu origem a um longo bate-boca.
At� hoje n�o sei se � verdade ou n�o, mas ele negou enfaticamente
que soubesse de algo:

� Estou puto da vida. Pensei que estavam contratando somente
o Chico e o Manga. N�o tomei parte. Foi uma decis�o
do Wallinho. O Ricardo Amaral, igual fez com o B�caud, vendeu
essas contrata��es diretamente para ele.
� Mas vai ser tudo assim? Sem nenhum planejamento, sem
estrat�gia, sem or�amento?
� Boni, isso aqui n�o � uma ag�ncia de publicidade. Tem
que ser na base do risco.
� O planejamento � para reduzir o risco.
� Detesto esse seu neg�cio. Sou intuitivo e tenho me dado
muito bem assim. Vou fazer tudo que est� na minha cabe�a. E
voc� tem que aprender a engolir sapo.

� � lo,
agora outro no Rio. N�o temos onde produzir e o faturamento
n�o cobre nem a metade das despesas.
� Isso � problema meu e n�o seu. Vou fazer do meu jeito. Se
voc� n�o quiser assim � s� me avisar e ir embora.
O Edson n�o sabia que com um espanhol n�o se lida assim.
Se bater um p�, o espanhol bate dois. E eu tinha o �mpeto dos
meus 27 anos. Para espanto dele, eu disse:

� Pois j� estou avisando. O seu jeito n�o me serve. O seu
gosto n�o me serve. Voc� n�o me serve. Vou embora.
Ele ficou im�vel, mas com os olhos esbugalhados.

� Estou com a cabe�a quente. D� para conversar?
Virei as costas e fui embora, sem responder. N�o avisei aningu�m que estava deixando a empresa. � noite, o Reynaldo
Boury e o Laurino Salvador apareceram na minha casa, com
um grupo grande de funcion�rios me pedindo para voltar. Disseram
que haviam encontrado com o Jos� Carlos R�o, na casa
do Wallinho, e que ele queria uma reuni�o comigo no dia seguinte.
Eu sabia que n�o daria em nada, mas fui para cumprir
tabela.

Na verdade, o problema n�o era com o Edson, mas com a
minha situa��o de absoluta falta de autoridade, al�m de n�o ter
resposta para as condi��es de trabalho que precisavam ser criadas.
Depois da minha sa�da, ele realmente alugou est�dios em
S�o Paulo e comprou o Teatro Ast�ria no Rio, o que permitiu a
produ��o de programas como Times Square e novelas do porte
de A mo�a que veio de longe, Reden��o e A muralha. S� depois
que sa� da Excelsior � que fui entender por que o Edson
tinha tanta pressa e o porqu� de alguns mist�rios que ocultou.
O M�rio Wallace Simonsen era dono da Wasin, bra�o internacional
da Comal (Companhia Paulista e Comercial de Caf�), a


maior empresa de comercializa��o de caf� do mundo. Tamb�m
era dono da Panair do Brasil. Contra ele havia a acusa��o de ter
recebido do governo Jo�o Goulart uma s�rie de favorecimentos
ilegais e benesses fiscais no meganeg�cio de exporta��o de caf�.
Em troca, a Excelsior deveria ser a base de sustenta��o popular
do governo Jango. Outra hip�tese que corria era a de que

o pr�prio Simonsen precisava criar um instrumento p�blico de
comunica��o para se defender dos inimigos pol�ticos e comerciais.
Isso explicaria a necessidade da Excelsior crescer r�pido
e o porqu� do aporte de dinheiro na empresa a fundo perdido.
O deputado federal Herbert Levy, dono do Banco da Am�rica,
aproveitando-se de sua qualidade de parlamentar, instalou
a CPI do caf�, objetivando defender os interesses de seus clientes
internacionais, concorrentes do Simonsen e integrantes
do cartel ABCD (Andr� & Cia, Bunge & Born, Continental e
Dreyfus).
Em 1964, os militares tomaram o poder. No Rio de Janeiro,
Carlos Lacerda capitaneou a campanha contra Simonsen e o
Carlos Manga foi nomeado interventor federal na Excelsior do
Rio. Em S�o Paulo, ensaiava-se a cria��o de uma Funda��o de
funcion�rios, liderada por Bibi Ferreira, para assumir a empresa.
Sob a alega��o de desvio de dinheiro pela Comal, as a��es
de Simonsen foram sequestradas pelo Contel, �rg�o do governo
que, na �poca, controlava a comunica��o, pondo fim a essa
expectativa. Os Di�rios Associados, com sede de dinheiro
e de vingan�a, cederam espa�o para intensificar a campanha
de Herbert Levy contra o Grupo Simonsen. Os advogados de
Simonsen, entre eles o Prof. Vicente R�o e o brilhante Saulo
Ramos, posteriormente ministro da Justi�a, conseguiram que o
Supremo Tribunal Federal declarasse absolutamente falsas todas
as acusa��es de Herbert Levy, da CPI, do Minist�rio P�



blico e dos Di�rios Associados. Como relata Saulo Ramos, em
seu livro C�digo da vida: �Simonsen ganhou, mas n�o levou:

blico e dos Di�rios Associados. Como relata Saulo Ramos, em
seu livro C�digo da vida: �Simonsen ganhou, mas n�o levou:
O prest�gio financeiro de Simonsen, no exterior, havia sido
abalado pelas difama��es e estrangulamento do cr�dito. A Panair
foi liquidada sem que at� hoje se saiba, comprovadamente,
a raz�o. M�rio Wallace Simonsen, deprimido, morreu em
Paris.

Com o principal acusado morto, Wallinho conseguiu, por
hereditariedade, recuperar a posse das a��es que estavam
sequestradas. A Excelsior, a partir desse momento, passou a
ser uma empresa comum, dependendo exclusivamente de seu
desempenho comercial, como ve�culo de publicidade. Mas os
custos n�o foram planejados para uma opera��o dessa natureza
e superavam os resultados de vendas. Os profissionais, com
pagamentos atrasados, foram deixando a empresa. A concorr�ncia
se reorganizou e surgiu a Globo no mercado. O Edson
n�o se abateu e foi em frente. Ficou, juntamente com Alberto
Saad, com parte das a��es da Excelsior, enquanto o Grupo Folha
comprava o controle acion�rio. O aumento de capital, o estilo
de administra��o e o desconhecimento, pela Folha, da natureza
do ve�culo fizeram com que o Edson e o Alberto sa�ssem
definitivamente da empresa. A arrancada da TV Excelsior
durou de 1963 a 1967, ou seja, apenas quatro anos. Depois,
arrastou-se at� 1970, quando a empresa, sufocada pelos custos
e pela inadimpl�ncia no pagamento de impostos, teve a fal�ncia
requerida e saiu do ar.

Apesar dessas confus�es da Excelsior, n�o se pode deixar de
reconhecer o belo trabalho feito pelo Edson Leite. Por l� passaram
quase todos os mais importantes artistas e profissionais
brasileiros daquela gera��o e o Edson deu in�meras contribui



��es para o desenvolvimento da nossa televis�o. A mais importante
delas foi, sem d�vida, libertar a classe art�stica do jugo
do conv�nio patronal.


Na
zona
do
mercado


QUANDO ENCERREI A REUNI�O de despedida da Excelsior, me esperavam
na sa�da o T�lio de Lemos, o Walter George Durst e o Alberto
Maluf, que era engenheiro da TV Excelsior e da TV Bandeirantes.
T�lio e Walter estavam desolados, pois receavam que o Teatro 63
fosse cortado da programa��o e tinham muitos planos que n�o sairiam
do papel. O Alberto Maluf acompanhou, pacientemente, o bate-
papo na cal�ada da rua Nestor Pestana e me pediu para entrar no seu
carro:

� Deixa o teu a� e vem comigo.
Entrei e ele me levou para um velho e conhecido endere�o meu:
a rua Paula Souza, onde ficavam a RGE e a Bandeirantes, na zona
do Mercado Central de S�o Paulo. Fomos at� a sala do Murilo Leite
que, apesar do sobrenome, n�o era parente do Edson. O Murilo foi
tamb�m para a TV Excelsior, com o Alberto Saad e o Edson Leite,
mas ficou apenas 24 horas l� e voltou, convencido por um �nico argumento
do Jo�o Saad, propriet�rio e presidente da R�dio e TV Bandeirantes:


� L� ser�o tr�s e o Edson vai comandar. Se voc� ficar aqui, ser� o
�nico no comando.
A TV Bandeirantes, hoje Band por sugest�o do Enio Mainardi, estava
construindo o seu pr�dio no Morumbi e os equipamentos j� estavam
l�, encaixotados, � espera do t�rmino da obra. O Alberto Maluf
foi para a sala de espera e me deixou com o Murilo.


� �
sior?
� Nunca fiquei sabendo. N�o importa, quero saber quanto
tempo falta para a TV entrar no ar.
� N�o sei. Voc� tem que avaliar como anda a constru��o do
pr�dio e temos que falar com o Jo�o Saad.
No mesmo dia, fui com o Alberto Maluf e o Murilo conhecer
o pr�dio da TV, em constru��o no Morumbi. Vi que necessitava
de algumas altera��es e passei minhas sugest�es ao
Murilo. As cabines de controle estavam no terceiro andar, distantes
demais dos est�dios. Na r�dio, s� havia est�dios para locu��o.
Faltava um para gravar vinhetas, no qual coubesse, pelo
menos, uma orquestra m�dia. N�o havia uma �rea de recep��o
de mat�rias para o jornalismo que tivesse espa�o suficiente
para atender uma emissora de grande porte. Murilo e Alberto
concordaram e convocaram uma reuni�o, para o dia seguinte,
com o arquiteto e a construtora. A reuni�o foi no escrit�rio do
Jo�o, na avenida Ipiranga, sede da imobili�ria Aricanduva. Figura
�mpar, ele me recebeu como se me conhecesse h� anos,
com simpatia e carinho.

� Bem-vindo. N�o te conhecia, mas sempre falamos que voc�
viria para a nossa televis�o.
Tocamos a reuni�o. Todos consideraram corretas as minhas
sugest�es, mas a quest�o mais importante era o tempo. O respons�vel
pela constru��o olhou para o Jo�o, como se quebrasse
um segredo, e revelou:

� Estamos indo devagar de acordo com o cronograma f�sico-
financeiro. Vamos tocando � medida que entra algum dinheiro.
Nesse ritmo, precisaremos de tr�s ou quatro anos.
Quis saber se essa era a posi��o do Jo�o.


� � dos
e pagos. A constru��o a gente vai tocando como pode.
Expliquei a ele que o mercado era din�mico. Que pod�amos
planejar uma estrutura para a televis�o e pensar como ela se
posicionaria, mas para definir uma estrat�gia era cedo demais.
O Murilo fez uma sugest�o:

� A r�dio precisa ser reestruturada, inclusive para melhorar
a lucratividade. Voc� poderia fazer isso e depois a gente vai
avaliando o que vai acontecer na televis�o. Fazemos assim?
� Fazemos. Mas fico livre para sair a hora que quiser. N�o
quero ficar na geladeira esperando tr�s ou quatro anos.
O Jo�o e o Murilo concordaram e acertaram meu sal�rio.
Quando cheguei em casa havia um recado do Walter Clark. Liguei
de volta e ele me convidou para uma festa:

� Gordinho, s�bado estou fazendo o relan�amento da TV
Rio. Soube que voc� saiu da�. Vem aqui para a gente conversar.
� Olha, acertei com a Bandeirantes, mas posso passar o fim
de semana no Rio.
� Vem hoje. Vou providenciar o hotel.
Avisei ao Murilo, explicando que iria dar um apoio ao Walter.
Peguei uma ponte a�rea. Jantamos na sexta e no s�bado
foi o lan�amento do Esquema 63, da TV Rio. Passamos o fim
de semana conversando e analisando o que estava acontecendo
com a televis�o brasileira. Vimos n�meros do IBOPE e fizemos
especula��es sobre o futuro.

� Esse compromisso com a Bandeirantes n�o d� para cancelar?
� Agora n�o d�. O pessoal de l� me recebeu no colo. Assumi
um compromisso e vou cumprir.

Em 1963 o r�dio era todo AM, o mais simples dos sistemas
de radiodifus�o. Era a faixa mais usada e at� os r�dios dos
autom�veis j� vinham, de f�brica, com AM e, alguns, com ondas
curtas. Mais tarde, a FM passaria a ser a faixa principal.
Naquela �poca, a R�dio Imprensa, no Rio, fazia os primeiros
testes em FM. A frequ�ncia da Bandeirantes era AM e operava
em 860 kHz com um bom transmissor, mas j� superado. A
primeira provid�ncia foi atualiz�-lo. Chamei nosso engenheiro
Latufi Aurani e quis saber se era preciso trocar o equipamento.
Ele me sugeriu a substitui��o de algumas partes e a compra de
um equipamento para auxiliar na modula��o. Lan�amos, ent�o,
o Simetra Sound, que trouxe uma melhora substancial no
sinal da r�dio. Contratei o S�rgio Andrade, o genial Arapu�,
para renovarmos o RB-55, ou seja, os intervalos comerciais.
Outro g�nio do r�dio, o H�lio Ribeiro, al�m de participar do
RB, trouxe in�meras contribui��es para a Bandeirantes. Aproveitei
alguns programas existentes, como O trabuco, do Vicente
Leporace, e o Telefone pedindo bis, do Enzo de Almeida
Passos. Lancei o Humberto Mar�al, que era locutor comercial,
transformando-o em apresentador.

O produtor e discotec�rio Ricardo Macedo deu uma rejuvenescida
na programa��o musical. Com a ajuda do Jo�o D�ria,
fizemos campanhas de jornais e cartazes de rua dando �nfase
ao futebol com o �scratch do r�dio�. Em vez de noticiar e
tornar caricatos os acontecimentos policiais, criei o Patrulha
Bandeirantes, primeiro programa de r�dio que dramatizava as
ocorr�ncias, aproveitando o cast remanescente da R�dio Bandeirantes.
O Arapu� assumiu a reda��o e entreguei a responsabilidade
de produ��o ao Clodoaldo Jos�, um profissional meticuloso
que garantiu o sucesso do programa. O Clodoaldo � pai
do narrador esportivo Cl�ber Machado, da TV Globo. O Pa



trulha, al�m de pioneiro na dramatiza��o do cotidiano, foi um
tiro de canh�o aumentando as audi�ncias dos programas que
iam ao ar antes e depois.

trulha, al�m de pioneiro na dramatiza��o do cotidiano, foi um
tiro de canh�o aumentando as audi�ncias dos programas que
iam ao ar antes e depois.
dificando
as letras, gravava uma nova vers�o falando da R�dio
Bandeirantes, exatamente com o mesmo arranjo do original.
Essas vers�es podiam ser ouvidas em todos os intervalos
comerciais da r�dio. Era uma surpresa que despertava a curiosidade
do p�blico e entupia a caixa postal da emissora com
cartas aplaudindo a iniciativa e sugerindo m�sicas para serem
utilizadas. A r�dio virou uma coqueluche e assumiu a lideran�a
absoluta em S�o Paulo.

Dei for�a total ao jornalista Alexandre Kadunc e renovamos

o radiojornal Titulares da not�cia, que passou a ser indispens�vel
e ter a maior credibilidade no r�dio paulista. Transpira��o
conta muito, mas sorte tamb�m ajuda. O Kadunc era ligado
em m�sica. O nome Titulares da not�cia veio dos Titulares
do Ritmo e a abertura das edi��es do programa era feita com
o canto do Uirapuru. Ele descobriu que a cantora Elis Regina,
com 19 anos, havia sido contratada para o Noite de gala da TV
Rio e chegaria de �nibus de Porto Alegre, acompanhada pelo
pai. Pediu ajuda da R�dio Guanabara que, desde cedo, colocou
uma unidade m�vel de reportagem na rodovi�ria carioca. A revolu��o,
golpe militar ou contrarrevolu��o estava marcada para
ocorrer nos primeiros dias de abril, mas o general Ol�mpio
Mour�o Filho, depois conhecido como �vaca fardada�, resolveu
antecipar a data e marchou com as tropas de Juiz de Fora
para o Rio, �s tr�s da manh� do dia 31 de mar�o de 1964, exa

tamente quando chegaria a Elis. O Kadunc, de madrugada, foi
informado da movimenta��o militar. Ligou para a R�dio Guanabara
e achou o rep�rter encarregado da mat�ria da Elis Regina.


� Que horas voc�s v�o sair para esperar a Elis?
� Vamos sair �s sete.
� Pois esque�am a Elis e vamos j� para a rodovia Rio-Juiz
de Fora.
A Guanabara e a Bandeirantes foram as primeiras a encontrar
com as tropas de Minas. O Kadunc acionou toda a cadeia
verde-amarela e a r�dio ficou � disposi��o do jornalismo para
interromper a programa��o quando fosse necess�rio. Conseguimos
um contato via telex com um operador no Pal�cio do
Planalto e ele nos transmitia not�cias da Granja do Torto, onde
estava o presidente Jo�o Goulart. A R�dio Bandeirantes acompanhou,
por 72 horas seguidas, tudo o que acontecia em Bras�lia,
Rio, S�o Paulo e Porto Alegre.

A lideran�a da R�dio Bandeirantes consolidou-se de tal forma
que, para desespero dos concorrentes, permaneceu anos
nessa posi��o.

Esse trabalho s� foi poss�vel com a colabora��o do veterano
homem de r�dio J�lio Atlas e o apoio incondicional de Samir
Razuk. Almo��vamos quase todos os dias no restaurante liban�s
Tia Vict�ria para afinar nossa estrat�gia. O J�lio Atlas dizia
que eu e o Samir dev�amos ser como um quibe cru: a for�a
da carne para criar, ligada pelos temperos dos bons neg�cios.
O Samir, jovem diretor comercial da Bandeirantes, conseguiu
que ag�ncias e anunciantes alterassem patroc�nio, mudassem
de hor�rio e se integrassem � nova proposta. Com o crescimento
da audi�ncia e o trabalho do Samir, a lucratividade da Bandeirantes
dobrou. O Jo�o Saad mantinha a empresa como uma


fam�lia, o que era muito agrad�vel. As festas de S�o Jo�o, na
Bandeirantes, eram as festas do �Seu� Jo�o. Belos tempos.

fam�lia, o que era muito agrad�vel. As festas de S�o Jo�o, na
Bandeirantes, eram as festas do �Seu� Jo�o. Belos tempos.
mercial
da TV Rio em S�o Paulo. Em um dos jantares, o Walter
me cobrou:

� Ouvi no hotel a R�dio Bandeirantes. Est� pronta. Parece
televis�o. Me ajuda no Rio e depois voc� volta.
� Vou falar com o Murilo. Acho que a r�dio est� mesmo em
voo de cruzeiro.
O ano de 1964 estava se encerrando. Conversei com o Murilo
e depois com o Jo�o. Convenci-os de que ir para a TV Rio
seria um bom exerc�cio para mim e que eu voltaria quando fosse
necess�rio.


O
Oo
de
nascer


EST�VAMOS NA V�SPERA DO NATAL DE 1964. Assim que sa� da reuni�o
com o Jo�o Saad e o Murilo Leite, liguei para o Walter Clark, no
Rio:

� Walter, tudo resolvido. Mas s� posso ir ao Rio depois das festas,
em janeiro.
� �timo. Prefiro ir a S�o Paulo hoje mesmo para a gente ir adiantando
algumas coisas. Vamos jantar na casa do Montoro. Te aviso
assim que chegar.
� Ok, estou na r�dio, me liga.
Almocei com o Arapa e com o Clodoaldo Jos� para distribuir as
responsabilidades na r�dio, durante a minha aus�ncia. Voltei para
minha sala e resolvi adiantar o servi�o. Lembrei-me que a novela de
r�dio de maior sucesso havia sido O direito de nascer. A chamada
�carpintaria�, ou seja, a maneira de narrar as hist�rias das novelas,
vinha do r�dio. Sabia que o autor, F�lix Caignet, era cubano e vivia
no M�xico. Quem tinha boas rela��es com os mexicanos era o Roberto
Corte Real. Quando estive no pa�s, ele me apresentou ao Alfredo
Gil, editor musical e l�der do conjunto Los Panchos. Liguei para

o Roberto:
� Roberto, voc� tem a� o telefone do Alfredo Gil?
Ele n�o o tinha � m�o, mas me ligou logo depois e me deu os n�meros
do escrit�rio e da casa do Alfredo. Fiz algumas tentativas e
consegui falar com ele:


� � c�
precisa localizar para mim um cubano chamado F�lix Caignet,
que escreveu a novela de r�dio O direito de nascer. Tem
como fazer isso?
O Alfredo n�o sabia de quem se tratava, mas se prontificou
a procurar para mim.

� Vou ligar para alguns amigos do Telesistema. Eles v�o
achar o cara.
Demorou apenas algumas horas e ele me deu o telefone do
Caignet e um n�mero de telex. O telex era um dinossauro comparado
com o e-mail de hoje, mas funcionava. Passei um telex
para facilitar o entendimento por telefone, dizendo quem
eu era, o que era a TV Rio e que quer�amos comprar os direitos
para adaptar a obra dele para a televis�o. Ele me pediu que fal�ssemos
por telefone. Liguei e o F�lix me explicou:

� O problema s�o os impostos. Sou cubano e metade do dinheiro
vai ficar com o governo mexicano. Eu fa�o um contrato
por um pre�o e voc� me paga o resto por fora em dinheiro vivo.
� Quanto?
� Seis mil d�lares. Mil no contrato. Cinco mil na m�o. Por
esse valor, te dou O direito de nascer e mais duas novelas.
� Fechado. Quer que eu mande o contrato daqui ou voc�
prefere fazer o documento?
� Meu agente faz. Chama-se Ladr�n Guevara.
� Ladr�n... Ladr�n?
� Si... si. No te preocupes. Ele vai mandar o contrato por telex.
Se estiver tudo bem, manda o dinheiro vivo. S� vou assinar
o contrato depois de receber tudo. Voc� tem trinta dias para
pagar e, at� l�, n�o aceito oferta de ningu�m.
� Posso ficar tranquilo? Est� fechado?

��
O Walter s� chegou � noite. Ele parecia excitado quando fomos
jantar na casa do Montoro, e apelou para a velha t�tica:

� Tenho boas e m�s not�cias. Come�o por onde?
� Prefiro saber primeiro as m�s.
� O dinheiro anda curto e estamos com problemas de pagamentos,
dificuldades de pe�as de reposi��o para as c�meras,
videotapes e tudo o mais.
� E tem alguma boa?
� Tem. O Chico Anysio est� pensando em voltar. O Manga,
depois da revolu��o de mar�o, assumiu a dire��o geral da Excelsior
do Rio e n�o tem tempo de dar ao Chico a aten��o que
ele esperava. O problema � que preciso arranjar um patrocinador.
Perguntei ao Walter se ele se lembrava do sucesso de O direito
de nascer, na R�dio Nacional do Rio de Janeiro. Ele sabia
de tudo e achou uma boa.

� Pode ser uma porrada na audi�ncia. Mas quem tem os direitos
do Direito?
� N�s. N�s temos os direitos, Walter.
O jantar estava pronto e fomos � mesa. Expliquei ao Walter
o que havia ocorrido e que t�nhamos de fechar a opera��o. Ele
lembrou que precisar�amos da TV Record para produzir e eu
ponderei:
� Primeiro vamos assinar e pagar o autor. Depois a gente fala
com a Record. E vamos precisar de mais op��es, porque at�
comprar, traduzir e adaptar leva tempo.
O Walter concordou e informou o que sobrou na TV Rio:

� S� n�o mexeram no jornalismo e no esporte. O resto se
foi... at� quem estava, por acaso, passando na porta do Copa.

Jantamos e come�amos a pensar em outros textos para novelas
e poss�veis contrata��es. Enquanto isso o Walter prosseguiria
as negocia��es com o Chico.

Dois dias depois, me apresentei na TV Rio. O Walter estava
feliz, pois havia conseguido verba e acertado a volta do ChicoAnysio. Ele e o Moacyr �reas, representante do Pipa Amaral,
dono da TV Rio, me levaram para conhecer a emissora. Come�amos
pelo palco. Tinha um p�-direito de apenas cinco metros
livres, por�m precis�vamos de mais para competir com a grandiosidade
do Ast�ria da Excelsior. O cen�grafo e iluminador
Peter Gasper sugeriu rebaixar o piso para o n�vel do ch�o da
plateia e refazer o grid de ilumina��o. Autorizamos a obra. De
resto, n�o havia muito o que fazer.

As c�meras Dumont eram t�o velhas que nem podiam ser
desligadas, pois n�o voltariam mais a funcionar. O primeiro
passo era montar uma grade de programa��o e, no mesmo dia,
depois do expediente, fomos para o Lido, onde morava o Walter
Clark, e varamos a madrugada tentando montar a grade
e relacionando o que seria indispens�vel para sobrevivermos.
Decidimos que t�nhamos de tocar paralelamente as novelas e
os shows.

No dia seguinte, tomei as provid�ncias para fazer o contrato
de O direito de nascer, comuniquei ao autor e fui ao apartamento
do Chico para ver se, al�m do programa dele, teria alguma
sugest�o. Ele tinha uma ideia anti Times Square:o Pra�a
Onze, que lan�ar�amos em 1965. O Chico Anysio Show ficaria
para depois porque ele ainda estava montando o elenco
de apoio. Para concretizar o Pra�a Onze, Chico iria conversar
com o Jo�o Roberto Kelly e, se ele topasse sair da Excelsior,
eu negociaria sua ida para a TV Rio. Tudo correu como planejado
e o Kelly topou a proposta. O Pra�a Onze, com dire��o


do Luiz Haroldo e supervisionado pelo Elano de Paula, irm�o
do Chico Anysio, foi um sucesso. A marcha-rancho do Kelly
e do Chico para a abertura do programa acabou sendo gravada
pela Dalva de Oliveira e explodiu no carnaval de 1965, quando

do Luiz Haroldo e supervisionado pelo Elano de Paula, irm�o
do Chico Anysio, foi um sucesso. A marcha-rancho do Kelly
e do Chico para a abertura do programa acabou sendo gravada
pela Dalva de Oliveira e explodiu no carnaval de 1965, quando
seguimento
ao trabalho cir�rgico de contrata��es, fui � casa da
Dercy Gon�alves. Nos entendemos t�o bem que ela resolveu
trocar a Excelsior pela TV Rio.
Nelson Rodrigues era amic�ssimo do Walter Clark e escreveu
para n�s uma novela, O desconhecido, que deveria ser gravada
no Rio. Ele j� havia feito antes A morta sem espelho. Suas
novelas nunca fizeram muito sucesso. Um dia, ele me fez uma
confiss�o curiosa:

� Eu n�o posso escrever esse neg�cio. Eu conto tudo o que
est� acontecendo e, na novela, quem quer escrever a hist�ria �
quem est� em casa. N�o � o cap�tulo que interessa, mas o que
as pessoas pensam que vai acontecer no dia seguinte. N�o sei
fazer isso.
Sempre pensei muito nessas palavras dele. Para o segundo
hor�rio de novelas, escolhi um texto de r�dio de Oduvaldo Vianna
(o pai), intitulado Ren�ncia, que foi aceito para ser produzido
e gravado em S�o Paulo. Foi estrelado por Francisco
Cuoco e Irina Greco. Nessa �poca, criei e produzi o mascote
da TV Rio, um bonequinho malandro que, com um pandeiro
na m�o, sambava e cantava: �TV Rio, Guanabara, Brasil.�

O jornalismo e o esporte, com Heron Domingues, L�o Batista,
Armando Nogueira, Nelson Rodrigues e Jo�o Saldanha,
prosseguiam com o seu prest�gio. As coisas estavam se ajeitando,
mas o contrato de O direito de nascer trouxe complica��es,
pois a contabilidade da TV Rio n�o tinha como efetuar o pagamento
por fora. S� poderia pagar o que havia sido legalmen



te estipulado. Conversei com o Walter e resolvemos completar
do nosso bolso a diferen�a. A Dercy Gon�alves, ao assinar o
contrato com a TV Rio, incluiu duas passagens de ida e volta
ao exterior. Perguntei se servia o M�xico e ela, que queria
ir para um lugar diferente, achou �timo. Walter e eu juntamos
nossas economias e entregamos cinco mil d�lares em dinheiro
para ela e o namorado, David Raw, levarem ao F�lix Caignet,
al�m do contrato oficial para ele assinar, como relata Dercy em
seu livro Dercy de cabo a rabo. Quando chegou ao M�xico, a
Dercy me ligou:

� Boni, tudo resolvido.
� Pagou o Caignet?
� Paguei, porra! Encontrei com o Ladr�n e com o F�lix. Ele
me entregou uma mala cheia de papel para levar para voc�s.
Que coisa... cinco mil d�lares por uma mala xexelenta e um
monte de papel velho. Eu, hein?! N�o � � toa que o cara se chama
Ladr�n.
Eram os textos das tr�s novelas. Quando chegaram aqui, um
novo problema: a TV Record se recusava a continuar produzindo
novelas e detestou a ideia de gravar O direito de nascer.
Ficamos doidos, n�o pelo dinheiro pago, mas porque sab�amosque iria funcionar. Fui a S�o Paulo com o Moacyr �reas, de
trem noturno, para falarmos cedo com o Paulinho Machado de
Carvalho. Ele era de uma simpatia total, mas foi irredut�vel.

� N�o d�. N�o quero saber disso. N�o � a nossa praia. N�o
adianta insistir.
Ligamos para o Walter Clark, no Rio, contando que a nossa
miss�o havia fracassado. Ele estava decepcionado.

� E agora, o que fazemos?
� Vou tentar vender a ideia para a Lintas.

Recorri ao meu velho amigo e professor Rodolfo Lima Martensen.
Mostrei a sinopse. Uma produ��o e um elenco bem escolhidos
poderiam parar o pa�s. Seria um grande sucesso para
a Lever. O Rodolfo concordou, mas tinha d�vidas:

� E como � que a gente resolve isso?
� Voc�s ficam com os direitos nacionais. Quem produzir
tem que entregar, no Rio de Janeiro, para a TV Rio exibir.
� E quem vai produzir?
� S� a Tupi pode produzir.
O Rodolfo co�ou a cabe�a e me disse:
� Vou falar com o Fernando Severino.
Depois ele me ligou, dizendo que o Fernando havia topado,
mas precisar�amos resolver duas coisas: ver se o Cassiano queria
produzir e convencer a Tupi do Rio a abrir m�o da exibi��o.

Fui encontrar o Cassiano, levando a mala de textos velhos.
Ele me pediu 15 dias para estudar a proposta, mas eu insisti:

� Cassiano, me ajuda. Tenho que resolver isso at� amanh�.
� Est� bem, volta amanh� � tarde.
Voltei e ele me confidenciou:
� Vai ser um estouro. Vou arranjar um adaptador e um diretor,
mas voc� fala com o Rog�rio para liberar o Rio para a TV
Rio. Rog�rio Severino, diretor comercial da Tupi do Rio, era
irm�o do Fernando Severino, diretor da TV Tupi de S�o Paulo.
Voltei � Lintas e, junto com o Rodolfo, conversei com o Rog�rio
Severino, que, em considera��o ao Rodolfo, iria consultar
a Tupi do Rio. Feita a consulta, nos informou que poder�amos
ir em frente.

O Cassiano assumiu toda a responsabilidade pela produ��o
da novela. Fez uma rigorosa sele��o de elenco. Isaura Bruno
ficou com o papel de mam�e Dolores, e Guy Loup com o de
Isabel Cristina. O sucesso da novela fez com que a Guy Loup


trocasse seu nome real e assumisse o de Isabel Cristina. A irm�
Helena ficou com a Nathalia Timberg, e o ator que interpretaria
o Albertinho Limonta foi escolhido por meio de um concurso
do patrocinador Lever, em que venceu o Amilton Fernandes.
A adapta��o do texto foi entregue para Thalma de Oliveira
e Teixeira Filho. A dire��o ficou com Lima Duarte e Jos�
Parisi, que tamb�m interpretou o personagem Dom Rafael. A
novela estreou em 7 de dezembro de 1964, matou a pau a Excelsior
e deu um ano de lideran�a � TV Rio. O que vinha antes
e depois de O direito de nascer tamb�m dava uma audi�ncia
elevada. At� os Salmos de David, uma chatice sem precedentes,
exibido colado com o in�cio do cap�tulo do dia, conseguia
a mesma audi�ncia da novela. O �ltimo cap�tulo, ideia do Walter,
foi apresentado ao vivo, direto do Maracan�zinho.

Pouco antes do lan�amento de O direito de nascer, o Chico
Anysio se sentiu inseguro na TV Rio porque perdia em audi�ncia
para o Times Square da TV Excelsior, programa afinal que
era dele mesmo, derivado de uma ideia original sua chamada
Love Street. Mas isso o atormentava e o Edson Leite, prometendo
mundos e fundos que jamais seriam cumpridos, o levou
de volta para a Excelsior. O mesmo aconteceu a Dercy, que
tamb�m pulou fora depois que, durante uma grava��o, uma
m�quina defeituosa de fazer fuma�a provocou uma alergia violenta
nela. Verdade ou mentira, ela acabou indo parar no hospital.
Mas em tudo isso havia o dedo do Carlos Manga.

Na realidade, o Manga sempre foi um guerreiro. Trabalhar
ao lado dele, como aliado, d� gosto. T�-lo como advers�rio n�o
� das melhores coisas da vida. Fiquei sabendo depois que o
Chico e a Dercy voltaram para a Excelsior porque o Manga
se envolveu pessoalmente no caso. Quando fui visit�-la na cl�nica
S�o Vicente minha entrada no quarto foi dificultada por


alguns minutos. Tempo suficiente para esconder o Manga, no
banheiro, com o novo contrato da Dercy j� assinado com a Excelsior.
Ele mesmo me contou isso depois e morremos de rir.

O Kelly, o Ant�nio Maria e eu sa�mos muitas vezes juntos.
O Maria escrevia quadrinhos para o Noites cariocas e era extremamente
espirituoso. Uma vez, li e reprovei um texto dele
tr�s vezes. Na quarta vez, ele levou o texto em m�os e reclamou:


� Fica com este. Pior eu n�o sei fazer.
Nessa �poca, estreitei e fortaleci meus la�os de amizade com
Walter Clark, Jos� Octavio de Castro Neves, Jos� Ulisses Arce,
Clemente Neto, Armando Nogueira, Paulo Cesar Ferreira,
C�cero de Carvalho, Arnaldo Artilheiro, Helmar S�rgio e Jo�o
Roberto Kelly. Quem me socorria nos apuros t�cnicos era o
Adilson Pontes Malta, amigo e irm�o, que, posteriormente, trabalharia
comigo durante d�cadas na Rede Globo.

O que d� pra rir, d� pra chorar. A TV Rio atrasava os pagamentos
e n�o corrigia os valores pela infla��o, que j� andava
na casa dos 40%. Pressionado pela situa��o financeira e pela
dist�ncia da fam�lia, que continuava em S�o Paulo, n�o pude
usufruir do sucesso das minhas iniciativas e sa� antes do final
do ano. Atendendo a um novo aceno do Murilo e do Jo�o Saad,
voltei para preparar a TV Bandeirantes.


Se
cair
na
rede...


EM 1942, O R�DIO, NOS ESTADOS UNIDOS, j� tinha duas redes nacionais,
a NBC e a CBS. No in�cio dos anos 1940, mais duas redes estavam
em opera��o: a ABC e o RMS � Sistema M�ltiplo de R�dio. A
televis�o por l� seguiu o modelo. Em 1946, a NBC-TV iniciou suas
transmiss�es em rede para alguns estados, usando cabos coaxiais e
enlaces de micro-ondas. Em 1951, as maiores redes de televis�o j�
transmitiam para todo o pa�s, coast to coast, com enlaces de micro-
ondas cobrindo todo o territ�rio norte-americano e, mais tarde, seriam
substitu�das pelo sat�lite.

Em 1956, o videotape estava � disposi��o das emissoras americanas,
mas l� ele n�o teve nenhum papel na distribui��o de conte�dos,
sendo usado apenas para gravar e editar programas. Quando estive
nos Estados Unidos, em 1957, percebi que n�o haveria outra possibilidade
para a televis�o brasileira que n�o fosse o uso do conceito de
rede. E, � claro, outros profissionais tamb�m enxergaram isso. Portanto,
� rid�culo pensar que algu�m no Brasil inventou a rede de televis�o.
Como dizia o velho e saudoso Dorival Caymmi: �Nem eu,
nem ningu�m.�

Televis�o em rede, por aqui, na acep��o da palavra, s� passou
a existir em 1969, com a entrada em opera��o da rede terrestre de
micro-ondas da antiga estatal Embratel. Antes disso, havia apenas
conglomerados de esta��es de televis�o, inicialmente com as emissoras
exibindo programa��es locais. Nos anos 1960, com o advento


do videotape, as emissoras passaram a ter programas nacionais,
mas n�o uma grade nacional de programa��o on-line,
ou seja, simult�nea. Nenhum programa tinha condi��o de ser
transmitido nacionalmente, ao vivo, de forma regular. Havia
algumas transmiss�es espor�dicas em rede, restritas a Rio e
S�o Paulo. Fora isso, normalmente, era tudo gravado e as fitas
de videotape viajavam pelo pa�s, de uma cidade para outra. O
que passava no Rio, ou em S�o Paulo, era exibido com dias, semanas
ou meses de atraso, dependendo da dist�ncia a ser percorrida
pelas fitas. N�o se tratava de rede porque os anunciantes
n�o podiam programar seus comerciais, em um mesmo programa,
em um mesmo dia, em um mesmo hor�rio. Poderiam,
no m�ximo, ter o comercial de patroc�nio inserido em um programa
ou novela que viajava junto com o videotape. J� o jornalismo
era produzido localmente, com not�cias locais, nacionais
e internacionais, mas n�o transmitidas de forma simult�nea e
direta para as v�rias emissoras do pa�s. Das vantagens da exibi��o
em rede, o sistema de tr�fego de videotapes s� aproveitava
duas: a dilui��o dos custos de produ��o pela exibi��o do produto
em muitas emissoras e a possibilidade de algum controle
da grade de programa��o das emissoras afiliadas.

Outra balela que existe sobre a televis�o brasileira � a que
atribui a cria��o da grade a uma emissora ou a alguma pessoa.
Nada disso. A grade existe desde que a televis�o norte-americana
entrou no ar e, no Brasil, nos anos 1940, n�o havia emissora
de r�dio que n�o tivesse a sua grade. N�o apenas grade
vertical, pois as novelas j� existiam e eram exibidas diariamente,
em diversos hor�rios como, por exemplo, na R�dio Nacional
do Rio de Janeiro e na R�dio S�o Paulo. Havia tamb�m
programas di�rios de audit�rio: R�dio sequ�ncia G3, na Tupi
do Rio; Segunda frente sonora, na Difusora de S�o Paulo; Nh�


Totico, na R�dio Am�rica de S�o Paulo. Na Mayrink Veiga, t�nhamos
a linha de humor�sticos e Ademar Cas�, j� havia sido
pioneiro na programa��o horizontal.

Um ano depois de sua inaugura��o, a TV Tupi de S�o Paulo
j� operava com uma grade. Era predominantemente vertical
porque n�o existiam est�dios para produzir a quantidade de
programas necess�rios para criar uma grade horizontal, mas logo
apareceram O S�tio do Picapau Amarelo, Falc�o negro, Rep�rter
Esso e Al�, do�ura!, todos di�rios. Boa ou ruim, completa
ou restrita, havia uma grade.

Ao voltar para a Bandeirantes, minha primeira e �nica preocupa��o
era a de definir a estrat�gia da empresa: ter�amos
que nos preparar para ser uma rede. Essa defini��o demandava
iniciar a��es que iriam do dimensionamento da estrutura de
produ��o ao desenho da grade de programa��o; da montagem
da emissora de S�o Paulo � costura de acordos nacionais com
emissoras de todo o pa�s. O Silas Roberg e o Amar�lio Nic�as
trabalharam comigo no planejamento da infraestrutura necess�ria
para produzir, mas faltava solucionar a quest�o da distribui��o.


A Bandeirantes n�o tinha canal no Rio. A concess�o do Canal
7 s� viria a ocorrer no final dos anos 1970, por meio de
um decreto executivo do presidente Geisel. Como em 1965 n�o
se contava com isso, era preciso uma solu��o. A Globo, que
na �poca ainda n�o tinha canal em S�o Paulo, seria inaugurada
no Rio. Procurei o Mauro Salles, diretor de jornalismo da
TV Globo e ele marcou um encontro com o dr. Roberto Marinho,
que me recebeu em seu escrit�rio, na sede de O Globo.
Os est�dios da Bandeirantes eram bem maiores que os da Globo
e eu levei fotos que impressionaram o dr. Roberto. Ele se
disp�s a conversar com o Jo�o Saad e me apresentou ao Abdon


Torres, diretor art�stico da Globo, que me mostrou o que estava
comprando de filmes internacionais e a grade da programa��o
inicial. Tudo estava bem adiantado, pois em poucos meses
a emissora entraria no ar. O Abdon era falante, entusiasmado
e educado. Conversamos v�rias vezes para tentar compatibilizar
uma programa��o ou, ao menos, comprarmos juntos os filmes
e s�ries que seriam necess�rios. Mas nem sempre as ideias
coincidiam, pois faltava a ele experi�ncia pr�tica.

O dr. Roberto marcou um dia para a reuni�o com o Jo�o e
pediu que lev�ssemos uma proposta de como seria o acordo
entre Bandeirantes e Globo. Levamos o rascunho de um acordo
operacional. O dr. Roberto leu e comentou:

� Bom, � isso mesmo.
Nos retiramos. Ele e o Jo�o Saad ficaram a s�s por algumas
horas e depois se despediram cordialmente. Eu estava ansioso
para saber o que havia sido acertado. No carro, o Jo�o me explicou
que a proposta do dr. Roberto seria repetir com a TV
Bandeirantes o mesmo acordo que o grupo Time-Life havia
feito com a TV Globo. Isso seria essencial para fechar o neg�cio.
O Jo�o n�o se sentiu confort�vel.

� O que eles fizeram com o Time-Life n�o � acordo. � uma
sociedade disfar�ada. N�o gosto de s�cio e especialmente s�cio
americano. Eles entram de mansinho e querem mandar em
tudo. Quando voc� acorda, j� te comeram por uma perna.
Insisti com o Jo�o, mais uma vez, argumentando que sem o
Rio seria dif�cil montar a nossa rede e que, sem rede, n�s n�o
ter�amos a menor chance. Ele me disse que iria tentar conseguir
um canal para o Rio e me liberou para negociar alguns
produtos com a Globo, sem acordo nenhum.

Em 26 de abril de 1965 era inaugurada a TV Globo do Rio
Janeiro, Canal 4, tendo como s�mbolo um cata-vento formado


pela repeti��o do n�mero 4. Apenas alguns programas conseguiram
um relativo sucesso, como o seriado americano Superman
e os infantis Uni duni t� e Capit�o Furac�o. A emissora
tinha os melhores equipamentos de est�dio mas nenhuma unidade
m�vel para externas. Cheguei a ver um jogo de futebol
na Globo que foi transmitido com uma hora de atraso, pois era
feito em filme e precisava ser revelado para ser montado e exibido.
Os resultados de audi�ncia foram muito abaixo do esperado
e, al�m disso, o dr. Roberto n�o gostou do fato de o Abdon
Torres ter registrado em seu nome alguns t�tulos e formatos
de programas. Demitiu-o prontamente.

O Mauro Salles passou a acumular o jornalismo e a dire��o
art�stica. Meses depois, me chamou para um drinque em S�o
Paulo. Confidenciou que estava finalizando para o dr. Roberto
a compra da TV Paulista, Canal 5, e ajudando em v�rios outros
neg�cios. N�o queria ficar com o jornalismo e a dire��o art�stica
e precisava de mais profissionais. Perguntou se eu aceitaria
um encontro com o dr. Roberto.

� Ele gostou de voc�. N�o custa nada ter uma conversa.
Expliquei que eu estava tranquilo na Bandeirantes, mas concordei
que a compra do Canal 5 de S�o Paulo era um complicador
para n�s. O Mauro insistiu e me levou ao dr. Roberto,
que, como era do seu estilo, perguntou mais do que falou:

� Como est� indo a Bandeirantes?
Respondi que a emissora ia devagar e teria de esperar mais
uns dois anos para entrar no ar. Ele sorriu feliz.

� Vamos entrar em S�o Paulo antes deles. O Mauro contou
que estamos fechando a compra do Canal 5?
Titubeei. N�o quis comprometer o Mauro e preferi dizer que
n�o sabia.


� �
Levei um susto. J� viria de novo aquela conversa de que S�o
Paulo � uma coisa e o Rio � outra. Tudo de novo... n�o.

� N�o, dr. Roberto, por dois motivos: primeiro, porque o diretor
art�stico deve ser da rede e n�o de S�o Paulo. Segundo,
porque quero mais que isso. Na Bandeirantes, estou envolvido
com todo o planejamento da empresa.
O dr. Roberto n�o percebia bem o que eu queria dizer e me
olhava com certa desconfian�a. O Mauro interveio e me ajudou.


� Dr. Roberto, o Boni � um profissional experiente de r�dio
e televis�o, j� foi dono de ag�ncia de publicidade e produtora
de filmes. Tem essa cara de garoto, mas � um empres�rio.
Lembro-me muito bem do dr. Roberto contemplando demoradamente
as pr�prias m�os como se estivesse examinando as
unhas. Pensou um pouco, olhou para o Mauro e me fez uma
pergunta marota:

� Voc� seria capaz de se integrar a um grupo que j� existe?
Aceitaria trabalhar com o meu pessoal?
Pensando no Walter Clark e nos outros companheiros, arrisquei:


� O senhor precisa de muitos profissionais. Se quiser, posso
tentar montar um time completo para tocar a Globo.
Ele reagiu:

� N�o... n�o. Nem pensar. Teria que ser com o meu pessoal,
com pessoas de minha total confian�a.
Lembrei-me do clima amador que vira na Globo. Para discutir
a compra de filmes ou algumas a��es conjuntas entre a
Globo e a Bandeirantes, fui v�rias vezes ao Jardim Bot�nico.
Pedi ao Abdon para falar com o Rubens Amaral, diretor geral


da emissora, e ele marcou com a secret�ria do Rubens. Esperei
na sala umas duas ou tr�s vezes, mas ele n�o me atendeu. Passava
apressado, elegantemente vestido, fingia que n�o me via,
mesmo sabendo que eu estava l� e que o assunto era de interesse
comum. H� alguns anos, com a Globo no �pice do sucesso,
nos encontramos no Gattopardo, do Ricardo Amaral, e o Rubens
me cumprimentou efusivamente.

� Que belo trabalho voc�s fizeram na TV Globo. Parab�ns!
Registrado o epis�dio, volto � reuni�o com o dr. Roberto.
Fui taxativo.

� Dr. Roberto, eles podem ser de sua confian�a, mas n�o s�o
do ramo. Com eles, n�o d�.
Ele se levantou subitamente, como de h�bito quando queria
encerrar uma conversa, e me despachou com duas palavras:

� Que pena!
Aproveitei e fiz uma �ltima pergunta:
� O neg�cio de S�o Paulo � segredo?
� N�o... n�o. Ano que vem estaremos no ar no Canal 5.
Fui embora para S�o Paulo. Procurei o Jo�o Saad e contei
que o dr. Roberto Marinho estava finalizando a compra da TV
Paulista. Para minha surpresa, ele j� sabia e n�o havia me falado
nada.

� N�o falei porque ainda est�o negociando. Mas vamos ter
que nos arranjar de outro jeito.
Que jeito? Sem ter a resposta, fui para a minha sala. A �nica
sa�da seria uma aproxima��o maior com o Walter Clark e, explorando
as diverg�ncias entre a TV Record e a TV Rio, tentar
vender alguma coisa para a TV Rio, especialmente novelas que
poder�amos produzir em S�o Paulo e que era um g�nero que a
Record n�o tinha interesse em produzir. N�o era o ideal, mas


quebraria um galho. Fisgar a TV Rio passou a ser o meu objetivo.


Se cair na rede, � peixe.


Turbul�ncia
no
ar


NAS MADRUGADAS DA BANDEIRANTES, t�nhamos alguns apresentadores
especiais, como o Altemar Dutra e o Moacyr Franco. O Moacyr
era um velho e querido amigo que conheci na R�dio Clube de Ribeir�o
Preto, PRA-7. A Lintas adquiriu para a Lever o direito dos
textos de Levertimentos � de Haroldo Barbosa e S�rgio Porto �, que
eram aproveitados em algumas capitais do Brasil, em emissoras que
mantinham um elenco local. O da PRA-7 era do padr�o do Rio e S�o
Paulo. Al�m do Moacyr Franco, atuava l� o fant�stico Rog�rio Cardoso.


O Moacyr reunia todas as qualidades de um showman: cantava
muito bem, era comediante, bom redator, comunicativo e carism�tico.
J� estava aliciando-o para a TV Bandeirantes, quando ele me pediu
que dirigisse seu show na TV Excelsior. Propus uma permuta:

� Quando seu contrato acaba?
� N�o sei, mas est� no fim.
� Vou dirigir o seu programa, mas, na renova��o do contrato, voc�
se compromete a ouvir primeiro a proposta da Bandeirantes.
Fechamos assim e l� fui eu dirigir o Moacyr Franco Show na Excelsior
de S�o Paulo. O Moacyr sempre diz que eu inventei o ch�o na
televis�o. E � verdade. Entre outras coisas, inventei os cen�rios com
pisos brilhantes, sem emendas e limpos. Minha implic�ncia com piso
de televis�o era antiga. Na TV Record, em um programa da Multi
Propaganda, para a Gessy, em algumas cenas de uma pe�a de �poca,


apareciam pontas de cigarro com filtro, tipicamente modernas.
Fiz uma carta � dire��o da emissora, que, para minha surpresa,
respondeu que a responsabilidade do piso era dos servi�os gerais
e que eu estava me metendo em um problema interno de
limpeza que nada tinha a ver com televis�o. N�o acreditei. Se
as pontas de cigarro apareciam no cen�rio e eram captadas pela
c�mera, � claro que o problema era art�stico e n�o apenas de
limpeza. Fui falar com o Paulinho, que me deu raz�o e riu:

� Esse pessoal, s� matando. Eles querem tirar sempre o deles
da reta. Vou criar uma norma determinando que os pisos
dos cen�rios t�m que estar sempre limpos.
No Moacyr Franco, como se tratava de um show, usei o
que era poss�vel na �poca: f�rmica branca. Coloquei uma das
c�meras bem baixa, rente ao piso, para dar profundidade. A
imagem na televis�o parecia de uma superprodu��o americana.
Al�m de ensaiar com o Moacyr e com o elenco, antes do programa
ir ao ar, ensaiava as m�sicas com o audit�rio, que tinha
as letras na m�o e cantava em massa junto com o Moacyr. O
Guto, filho dele, e hoje grande profissional de televis�o, trazia
humor e ternura ao programa. Consegui, no consulado do Canad�,
alguns filmes do Norman McLaren. Eu os copiava e os
montava de novo, sincronizando-os com as letras das m�sicas;
com um truque feito de cartolina, colocava o Moacyr no centro
do v�deo. Deixou de ser um programa de audit�rio televisionado
e passou a ser um show de televis�o.

O Moacyr, que sempre deu ibope, passou a ter mais audi�ncia
ainda e houve uma correria das emissoras atr�s da gente.
Os acontecimentos come�aram a se precipitar de forma alucinante.
A TV Excelsior queria renovar logo o contrato, mas a
Record fez uma oferta duplicando o sal�rio dele. Eu n�o iria,
porque a Bandeirantes achava que o Moacyr estava tomando


muito do meu tempo. Apesar disso, fui com ele ao Paulinho de
Carvalho. Mesmo contratado pela Excelsior, o Moacyr assinou
com a Record. O Paulinho assumiu o problema, alegando que
na �Noite de S�o Bartolomeu� estavam todos contratados pela
TV Rio-TV Record e nenhum contrato foi respeitado pela
TV Excelsior. Parodiando a promo��o �Quanto vale uma crian�a?�,
comandada pelo Moacyr, a TV Excelsior fez um an�ncio
com o t�tulo �Quanto vale uma assinatura?�, no qual ele era
chamado de estelionat�rio.

Para evitar o confronto com a imprensa, o Moacyr aceitou
participar de um festival de m�sica em Punta del Este, e exigiu
passagens e hotel para toda a equipe. Ele me incluiu na lista e
aceitei o convite. Foi a mais est�pida decis�o da minha vida.
A empresa a�rea era a CAUSA (Compa��a Aeron�utica Uruguaya
S.A.). Os avi�es ca�am aos peda�os, com cadeiras quebradas,
cintos de seguran�a sem funcionar, algumas janelas rachadas
por dentro e coladas com fita adesiva. O Moacyr, ao
entrar na aeronave, amea�ou voltar e s� n�o o fez porque a situa��o
que deix�vamos para tr�s era ainda pior. N�o sabemos
como, mas a geringon�a decolou. Descemos em Montevid�u e,
para irmos at� Punta, pegamos um �nibus cujo estado n�o era
melhor que o do avi�o. Pelo menos, est�vamos no ch�o. O hotel
era uma trag�dia e o festival conseguia ser pior que o avi�o,

o �nibus e o hotel. S� era aceit�vel porque precis�vamos sumir
de S�o Paulo e do Rio. Parecia que a tempestade tinha passado
quando, na volta, em Montevid�u, pegamos uma outra tormenta
para valer. O nosso avi�o tinha ficado retido em Buenos
Aires por conta do mau tempo, e havia mais passageiros esperando
do que lugares no aeroporto.
Nada para comer. Para beber, s� �gua. Choro de crian�a, reclama��o,
trovoada. Nenhuma informa��o da empresa nem do


aeroporto. Depois de horas de espera, embarcamos de volta em
um avi�o da CAUSA. De tanto que ele sacudia, passamos a
chamar a companhia de Cabritos A�reos Uruguaios S.A. Na
chegada ao Brasil, mais problemas. Malas extraviadas e outras
atrasadas, que viriam em um voo seguinte. Uma semana miser�vel.
Fui para casa descansar, morto de sono e de raiva. N�o
consegui nem deitar: era o Walter Clark no telefone.

� Est� sentado? Eu e o Montoro sa�mos da TV Rio. Assinamos
com a Globo. Precisamos de voc�. V� at� a casa do Montoro
que ele te conta tudo.
Eu j� estava de cuecas. Sonolento, me vesti e disse ao Montoro
que n�o conseguia dirigir. Pedi que mandasse o motorista
dele me apanhar. Encontrei-o excitad�ssimo. Ele come�ou
dizendo que havia um novo representante do Time-Life no
Brasil, chamado Joseph Wallach, com quem negociou. Contou
que o tal Wallach precisava de um diretor comercial para a TV
Globo de S�o Paulo e chegou ao nome dele por informa��es de
ag�ncias e anunciantes. O Roberto Montoro era o diretor comercial
da TV Rio, em S�o Paulo, e poderia ser chamado, realmente,
de um campe�o de vendas. Perguntei:

� E o Walter Clark?
� Vou te contar. Aconteceu tudo muito r�pido. Expliquei ao
Wallach que eu s� iria se o Walter Clark fosse tamb�m. Eu ficaria
em S�o Paulo e ele no Rio. O Wallach conheceu o Walter,
gostou do jeito dele e estamos contratados. O Walter quer
falar com voc� com urg�ncia.
Eu estava morto. Disse ao Montoro que estava feliz com a
not�cia, que tinha todo interesse em conversar, mas precisava
dormir. Pedi que avisasse ao Walter que eu s� iria no dia seguinte.
Fui para casa e ca� na cama de roupa e tudo. Apaguei.


Acordei novinho em folha. Me meti em uma banheira quente,
preparando-me para ir ao Rio. Quando pensei que o pesadelo
havia terminado, o Moacyr Franco me ligou pedindo que
fosse acompanh�-lo aos Di�rios Associados, na rua 7 de Abril,
em S�o Paulo. Havia uma nova proposta para ele. Me recusei
a ir.

� N�o, Moacyr, chega! Agora voc� vai cumprir o contrato
da TV Record.
Ele argumentou:

� Olha, � um neg�cio grande. A TV Tupi vai fazer a maior
rede de televis�o do Brasil. Temos que ir at� l�. Eles querem
falar com voc� tamb�m.
� Quando isso, Moacyr? Amanh�... depois... quando?
� Agora, Boni. O Edmundo Monteiro e o Cassiano Gabus
Mendes est�o esperando a gente l�. Agora.
Quis contar sobre a Globo, mas n�o houve jeito. O Moacyr
estava nervoso e apressado. N�o parava de xingar.

� Puta que o pariu!
Fui com ele ao encontro com o Edmundo Monteiro. Moacyr
entrou e me pediram para esperar. Demorou um temp�o. Ele
apareceu com uma cara de macaco travesso e anunciou:

� Assinei com eles.
O palavr�o veio de novo.
� Puta que o pariu!
O Cassiano me chamou. Eu entrei na sala e ele me sentou
em frente ao Edmundo Monteiro. Cansado e confuso, eu j� estava
chamando-o de Edmundo Montoro. Ele era um dos mais
importantes cond�minos do Di�rios Associados e autoridade
m�xima em S�o Paulo. Iniciou um discurso:

� Voc� sabe que essa liga��o da TV Record com a TV Rio
� uma coisa esp�ria. Eles jamais se entender�o. A Globo est�

engatinhando. E voc� sabe tamb�m que a TV Bandeirantes n�o
vai conseguir montar a rede deles. N�s vamos juntar todas as
emissoras associadas e criar um centro nacional de produ��o
chamado Telecentro, que ser� dirigido por voc�, no Rio, e pelo
Cassiano, em S�o Paulo.

engatinhando. E voc� sabe tamb�m que a TV Bandeirantes n�o
vai conseguir montar a rede deles. N�s vamos juntar todas as
emissoras associadas e criar um centro nacional de produ��o
chamado Telecentro, que ser� dirigido por voc�, no Rio, e pelo
Cassiano, em S�o Paulo.
Eu??? Mas eu s� vim acompanhar o Moacyr.
O Cassiano, a quem eu devia a ajuda em O direito de nascer,
disse:

� Preciso de voc� nessa parada. Temos Chico Anysio, Bibi
Ferreira, Fl�vio Cavalcanti, Moacyr Franco, e em S�o Paulo...
Falou uma dezena de nomes e completou:

� Quem te indicou foi o Chico Anysio. Perguntaram minha
opini�o e aprovei inteiramente.
Fui sincero com o Cassiano:

� O Walter Clark e o Montoro acertaram com a Globo. Saindo
daqui vou ter que ir ao Rio falar com o Walter.
O Cassiano, intrigado, olhou para o Edmundo e voltou-se
para mim.

� Tudo bem. Mas voc� j� disse isso ao Moacyr Franco?
� N�o, porque ele n�o me deu tempo. Mas vou dizer agora.
Chamei o Moacyr e contei a hist�ria da Globo. Ele me fez
um apelo.

� Sem voc� eu n�o vou. Voc� n�o me disse nada e eu assinei.
Pede um tempo pro Walter e vem comigo para a Tupi.
� Vou falar com ele.
O Cassiano sabia o quanto eu e o Walter �ramos amigos,
mas me pediu para considerar:

� Deixa a Globo pra l�. Nosso tamanho � muito maior que o
deles. Fale com o Walter. A gente espera dois, tr�s dias.
Olhei para o Moacyr e lembrei:


� � nha
e n�o quero ficar mal. Depois da briga com a TV Excelsior,
n�o d� para comprar outra. Voc� tem que sair bem disso.
� Concordo, Boni, vamos l�.
O Moacyr ligou para o Paulinho. Disse que tinha voltado de
viagem e queria falar com ele urgente. Fomos para l� e come�ou
a maior sess�o de mentiras que eu j� presenciei na vida.
Dizia o Moacyr:

� Bom, Paulinho, como o Boni n�o vem, eu tenho medo de
quem vai dirigir o meu programa.
E o Paulinho:

� Quem voc� quiser. O Nilton Travesso, o Tuta... se o Boni
quiser, tudo bem.
E eu:

� Fala logo, Moacyr. Conta pro Paulinho.
E mais ladainha do Moacyr.
� Bom, voc� sabe que n�o sei fazer programa de est�dio.
� N�o tem problema, faz no teatro.
� Mas o teatro de voc�s n�o tem altura para cen�rios.
� Tem. O Nilton j� montou at� dois andares l�.
E eu entrei de novo na conversa.
� Fala logo, Moacyr. Conta pro Paulinho.
� Bom, Paulinho, n�o confio no pessoal da Record para o tipo
de programa que sei fazer.
� Moacyr, eu re�no todo mundo. Dou ordens. Vou acompanhar
os primeiros programas pessoalmente. Sem problema.
� �? E a TV Rio? Vai passar no Rio?
� Vai, Moacyr. Est� tudo certo.
Eu n�o aguentei mais e falei:

� �
O Paulinho co�ou a careca, abriu a gaveta, pegou o contrato
com todas as c�pias e rasgou ao meio. Entregou metade ao
Moacyr e metade a mim. Tirou os �culos, passou a m�o no rosto
e reclamou:

� Pombas, Moacyr, por que n�o falou logo?
� Desculpe, Paulinho, � que eu n�o sei mentir.
A gargalhada foi geral.
Fomos embora. Peguei o voo para o Rio e fui direto encontrar
o Walter. Pedi a ele um ano para cuidar do Moacyr e tentar
montar o Telecentro da Tupi. Ele ficou chateado, mas compreendeu.
Fez com que eu prometesse que era um ano s� e eu
assumi esse compromisso. O Walter me apresentou � maravilhosa
figura do Borjalo, que iria cuidar das coisas nesse per�odo.
Seria um bom tempo tamb�m para eles avaliarem a situa��o
financeira, o quadro de funcion�rios e montarem uma
organiza��o interna. N�o pude conhecer o Joe Wallach dessa
vez, pois ele estava indo visitar a TV Paulista. Voltei para S�o
Paulo e fui conversar primeiro com o Jo�o Saad e com o Murilo
Leite. Contei o caso do Moacyr com a Record, falei sobre o
convite da Globo e da proposta do Telecentro, que me pagaria
dez vezes mais do que eu ganhava na Bandeirantes. Argumentei
que a TV Bandeirantes n�o tinha ainda planejamento estrat�gico,
data de estreia, nem havia perspectiva de montagem de
uma rede. Pedi que me deixassem livre para n�o perder a oportunidade.


O Jo�o Saad reconheceu a situa��o, mas fez uma �ltima tentativa:


� Ano que vem eu entro no ar, mesmo sem rede.

Eu sabia que se o Jo�o decidisse, entraria mesmo no ar. Mas,
at� aquele momento, n�o havia aprovado nenhum dos v�rios
or�amentos feitos e jamais revelado quanto poder�amos investir.
Acostumado com o r�dio, ele n�o tinha a menor ideia de
quanto custaria e quanto tempo levaria para colocar uma televis�o
no ar. Ia protelando, aguardando o pr�dio ficar pronto e
n�o deixava a gente fazer nada.

� Estamos atrasados. Se voc� quiser entrar mesmo no ar, pare
de esperar e comece j�. E prepare-se, porque televis�o custa
caro.
Mais tarde, sempre que o encontrava, ele me dizia que quando
ia dormir e punha a cabe�a no travesseiro, pensava no quanto
estava gastando e lembrava da minha frase. Era um homem
de personalidade rara, marcada pelo carinho e generosidade
com seus pares e funcion�rios. Transformava a empresa em
uma fam�lia. Quando a R�dio Bandeirantes foi para o pr�dio do
Morumbi, ele me deu um terreno perto da emissora para que
eu constru�sse a minha casa. Como eu estava saindo, quis devolver,
mas ele n�o aceitou:

� Fica com ele. Quem sabe, um dia voc� volta... depois que
passar essa turbul�ncia.

O
Oo


DESDE 1940, QUANDO SEU IMP�RIO come�ou a crescer, Assis Chateaubriand
preocupava-se com a continuidade de sua obra. Em setembro
de 1959, em S�o Paulo, assinou o documento que passaria a reger as
empresas Associadas: jornais, revistas, r�dios e emissoras de televis�o
que faziam parte do maior conglomerado de m�dia j� existente
no Brasil.

Inspirado em um modelo franc�s, o condom�nio acion�rio visava
impedir que os herdeiros diretos de Chateaubriand assumissem a empresa.
As a��es do condom�nio eram divididas entre os operadores
de cada parte do Brasil, proporcionalmente ao tamanho de cada
mercado. Eram capitanias, mas n�o heredit�rias, excluindo a fam�lia
dos cond�minos da heran�a. O cond�mino que viesse a morrer seria
substitu�do por outro indicado pelos demais membros. O modelo se
revelou um desastre porque, n�o podendo deixar nada para os seus
herdeiros, os cond�minos se preocupavam em obter todo lucro em
vida e usufruir do prest�gio enquanto estavam no poder. Havia diferen�as
de conduta entre eles; alguns eram mais escrupulosos e viam

o grupo de forma mais abrangente, mas a maioria cuidava de seus
interesses particulares. Se politicamente era imposs�vel estabelecer
apenas uma linha editorial e unificar o modo de operar, fazia sentido,
do ponto de vista econ�mico, ter uma pol�tica empresarial centralizada,
agindo em bloco para a redu��o de custos de produ��o e
diluindo esses custos entre todas as Emissoras Associadas. Tamb�m

era interessante aproveitar o poder da compra centralizada de
filmes e direitos para reduzir os valores de aquisi��o. Com base
nesse princ�pio, os cond�minos Jo�o Calmon, do Rio, e Edmundo
Monteiro, de S�o Paulo, decidiram criar o Telecentro.

Chico Anysio foi convidado pelo Calmon para ser o diretor
e come�ou a fazer as contrata��es. Preocupado com seu programa,
preferiu que a dire��o ficasse com outro profissional e
me indicou para o cargo. A primeira coisa que fiz foi encontrar
com o Chico para me inteirar das contrata��es e ver o que ele
tinha pensado. Depois me reuni com o Cassiano Gabus Mendes,
em S�o Paulo. No primeiro momento, fizemos um planejamento
do que poder�amos produzir em termos de novelas,
shows e todo o entretenimento e preparamos uma estimativa
de custos. Foi programada uma reuni�o mensal, em S�o Paulo,
para decidirmos a compra de filmes de longa-metragem, de s�ries,
de direitos esportivos e de espet�culos nacionais e internacionais.
A cada tr�s meses seria feita uma avalia��o de desempenho
e dos custos. A administra��o seria independente em cada
um dos polos de produ��o.

Parti para o Rio, onde almocei no Albamar com o velho
amigo P�ricles Leal e com os mais novos parceiros: Ary Nogueira
e Nereu Bastos. Combinamos que eu voltaria a S�o Paulo
para uma reuni�o com o Cassiano e que, no dia seguinte, nos
reunir�amos para tra�ar planos. Do restaurante, fui direto para

o aeroporto e, no avi�o, fui examinando a rela��o de contratados
do Chico Anysio. Na lista, o pr�prio Chico, Bibi Ferreira,
Fl�vio Cavalcanti, Moacyr Franco, Rog�rio Cardoso e um time
de mulheres de primeira linha. J� estavam na Tupi L�cio Mauro,
Arlete Salles, Santa Cruz e os maestros Cip� e Ivan Paulo.
Como autores, al�m do Chico, estavam contratados: Leon
Eliachar, Hilton Marques, Arnaud Rodrigues e Robertinho Sil

veira. Como diretores, os experientes Daniel Filho, Antonino
Seabra, Jo�o Lor�do e Eduardo Sidney. O core�grafo era Gilberto
Motta, que vinha do Times Square.

Em S�o Paulo, o Cassiano come�aria a remontar o elenco
perdido para a Excelsior. Na Tupi, ficaram: Eva Wilma, Lima
Duarte, Luis Gustavo, S�rgio Cardoso, H�lio Souto e outros
que mantinham uma liga��o de amizade com o Cassiano. Estava
no ar O pre�o de uma vida, com S�rgio Cardoso e N�vea
Maria, dirigida por Henrique Martins. As novelas seguintes,
por sugest�o do Cassiano, seriam: Somos todos irm�os, de Benedito
Ruy Barbosa, baseada no livro A vingan�a do judeu,e
Ar� misteriosa, adapta��o da pe�a circense que seria escrita
pelo Geraldo Vietri. Estava nos planos trazer imediatamente
de volta a Rosamaria Murtinho para contracenar com o S�rgio
Cardoso na novela do Benedito. Nathalia Timberg foi contratada
para atuar em Ar� misteriosa junto com Luis Gustavo que,
mais tarde, fez o inovador Beto Rockfeller.

Acertadas essas primeiras provid�ncias, eu teria apenas que
resolver uma pend�ncia em S�o Paulo: o maestro Erlon Chaves
e eu est�vamos produzindo, para a Varig, um �lbum de m�sicas
instrumentais brasileiras, o Brasil a jato. Antes de voltar
para o Rio, queria combinar como dar�amos continuidade a esse
projeto. Fui � casa do Erlon, no Sumar�, distante duas quadras
da Tupi.

� Estou indo para o Rio montar o Telecentro. Como a gente
faz para terminar o LP da Varig?
� Me leva, estou louco para ir ao Rio. Termino os arranjos
l�, volto para gravar e depois a gente trabalha junto.
Achei a ideia boa e disse ao Erlon:

� Vou hoje de ponte a�rea. Mando o bilhete e te espero l�
amanh� para a gente liquidar isso.

� �
Pegamos o trem noturno S�o Paulo-Rio, o Vera Cruz, sentamos
no bar do restaurante e decidimos o repert�rio do disco
da Varig. O Erlon havia levado uma escaleta, instrumento de
sopro com teclas de piano, e algumas partituras em branco para
anotar as melodias. Fizemos a abertura do Moacyr Franco
Show e vinhetas para os programas do Telecentro.

Ao chegarmos, fomos direto da Central do Brasil para o
Cassino da Urca, onde estava instalada a TV Tupi do Rio.

Trabalhar no Cassino da Urca tinha um lado m�gico. Aberto
em 1936, o espa�o apresentou grandes atra��es nacionais e internacionais.
Carmen Miranda cantou l� de 1936 a 1940. Walt
Disney, em pessoa, foi ao show da Carmen com o Bando da
Lua e os levou para Hollywood. Na Urca, eu, o Ary Nogueira,

o Nereu e o P�ricles visitamos os sal�es de jogos do cassino
transformados em est�dios da Tupi, em 1954, e nos concentramos
no grill room onde os grandes shows do passado eram
apresentados.
O palco havia sido planejado, em 1936, pelos franceses, e
dispunha de plataformas m�veis e elevadores que permitiam
subir em cena desde um cantor at� uma orquestra inteira. Tudo
estava parado, sem funcionar. Decidimos recuperar o grill room,
restaurando-o como no original.

As c�meras eram velhas, mas bem conservadas. Ali�s, toda
a parte eletr�nica da Tupi, mesmo com mais de 15 anos, era
extremamente bem cuidada, gra�as � paix�o pela qualidade do
Pier Giorgio Pagliari, o Pagliarinho, que herdou do pai o amor
pelo perfeccionismo e foi meu principal aliado na conquista de
um padr�o t�cnico para o Telecentro. Outros expoentes da engenharia
de televis�o tamb�m estavam l�, como o Benarroch e


o Balthazar. Se t�nhamos material humano de primeira, faltava
uma lente zoom � para fazer aproxima��es e recuos � e microfones
modernos para boa capta��o de som. O Cassiano me emprestou
uma lente zoom de vareta, hoje considerada jur�ssica.
Daniel Filho e eu co�amos o bolso e compramos microfones
Electro-Voice de fita, especiais para voz humana, e microfones
a condensador Neumann-Telefunken, pr�prios para orquestra.
Acumulei a dire��o do Telecentro com a do Moacyr Franco
Show. No terceiro programa, o IBOPE registrou um honroso
segundo lugar e, no quinto, j� est�vamos em primeiro e totalmente
em voo de cruzeiro, quando passei o comando para o
Antonino Seabra. O Daniel Filho dirigia o Chico Anysio, que
tamb�m assumiu a lideran�a do hor�rio. A meu pedido, o Daniel
passou a dirigir a Bibi Ferreira. Os outros programas � como
Fl�vio Cavalcanti,a Brasa da casa, I Love L�cio e Black
and White � tamb�m conquistaram posi��es de destaque em
todo o pa�s. No Black and White, participei da cria��o de todos
os quadros: m�sicas, arranjos, figurinos e cenografia. Pela
primeira vez uma cortina de boca de cena, em pl�stico grosso
transparente e imitando cristal, foi usada na televis�o. Adotei a
m�sica M�scara negra, do Z� K�ti, para a abertura. Marquei o
primeiro programa junto com o Jo�o Lor�do, que o conduziu
de forma impec�vel. A novela do Benedito estourou em audi�ncia,
mas teve seu hor�rio alterado pela censura, sucumbindo
�s press�es do Centro Israelita Brasileiro Bene Herzl do Rio
de Janeiro, que agiu de forma preconceituosa e radical contra
a novela. Mesmo assim, mantivemos um bom patamar de
audi�ncia. Nessa �poca, o Cassiano produziu O amor tem cara
de mulher, com Eva Wilma, e Cal�nia, com S�rgio Cardoso e
Fernanda Montenegro.


Conseguimos montar, sob o comando do maestro Cip�, a
melhor orquestra que a televis�o brasileira j� teve. Para se ter
uma ideia do n�vel dos m�sicos, o nosso baterista era o monstro
sagrado Wilson das Neves. O apoio do pessoal da Tupi
foi total. N�o esque�o do discurso carinhoso da Arlete Salles
ao me receber. O Ary Nogueira foi uma revela��o em termos
de planejamento e controle, um facilitador no relacionamento
com as equipes. Tanto que, em 1968, levei-o para gerenciar
o jornalismo da Globo. P�ricles Leal foi um torcedor extremado
pelo nosso sucesso. Outra figura �mpar no processo foi

o Almeida Castro: sincero na exposi��o de problemas da empresa,
aliava sua experi�ncia nos Associados ao conhecimento
das emissoras internacionais e, embora n�o estivesse diretamente
envolvido com o projeto, estava sempre � nossa disposi��o,
apoiando o Telecentro. Apesar das defici�ncias de est�dio
e de equipamento, no Rio de Janeiro, parecia que estava tudo
perfeito e que nada poderia dar errado.

O
Oe


MAGRINHO, BAIXINHO, SIMP�TICO. Ele ria com os olhos. Um sorriso
maroto e sarc�stico por tr�s dos �culos mi�dos de fundo de garrafa.
Tinha uma gagueira diferente, engasgava no in�cio e depois soltava
a frase inteira sem gaguejar. Assim era o Nereu Bastos, diretor administrativo
do Telecentro. Nereu havia sido linotipista do Jornal do
Norte, onde sofrera um acidente, perdendo alguns dedos da m�o direita.
Quando falava, batia com os dedos inexistentes na mesa e, enquanto
ouvia o interlocutor, costumava assobiar baixo. Era o homem
de absoluta confian�a de Jo�o Calmon e foi eleito cond�mino controlador
da TV Borborema, em Campina Grande, na Para�ba. Era de
uma intelig�ncia aguda e um negociador como nunca vi igual. Dele,
contam-se muitas hist�rias, com diferentes vers�es nas quais os
personagens reais mudam dependendo de quem � o narrador. Existe
uma com o L�cio Mauro que eu j� ouvi contada como se tivesse
acontecido com o Ded� Santana.

O Nereu Bastos e o Almeida Castro resolveram fazer uma sele��o
de talentos nordestinos e trouxeram para a Tupi, de uma s� vez, nomes
como Renato Arag�o, L�cio Mauro e Jos� Santa Cruz. Veio
muito mais gente e ganhando sal�rios elevados para justificar a mudan�a
para o Rio. Dizem que o L�cio Mauro comprou um apartamento
e, como estava havia meses sem receber o sal�rio, procurou o
Nereu, quase suplicando.


� � nhas
economias na compra desse apartamento. E agora n�o tenho
como pagar. Me ajuda, pelo amor de Deus. Eu n�o posso
perder esse apartamento.
O Nereu ouviu com o seu cl�ssico assobio e retrucou:

� Te.. te.. tem gente que perde a m�e. Como � que voc� n�o
pode perder um apartamento?
A vers�o que teria acontecido com o Ded� Santana n�o �
muito diferente. Conta-se que o Jo�o Lor�do, o Renato Arag�o
e outros entraram na sala do Nereu e pediram um reajuste de
sal�rio para o Ded�. O Lor�do disse:

� Temos que arranjar um aumento para o Ded�. Sen�o ele
vai embora e n�s n�o podemos perd�-lo.
A resposta seria a mesma da vers�o do L�cio Mauro:

� Te... te... tem gente que perde a m�e. Como � que n�o podemos
perder o Ded�?
Nas hist�rias seguintes, eu estava junto e garanto que s� h�
uma vers�o. O Antonino Seabra, dirigindo o Moacyr Franco
Show, queria fazer um programa especial no dia do anivers�rio
do Moacyr. Fez uma lista de atra��es e me pediu que fosse
junto com ele defender o elenco. O Antonino foi logo dizendo:

� Dr. Nereu, o Boni conseguiu autoriza��o da TV Record
para trazermos o Roberto Carlos e a Elis Regina.
O Nereu pegou a lista e come�ou a ler os pre�os dos cantores.


� Roberto Carlos, cem mil cruzeiros. Elis Regina, oitenta
mil. Jerry Adriani, cinquenta mil...
Parou. Pensou. E batendo com os dedos na mesa, disse ao
Antonino:

� Ra... rapaz... mu... mu... muito caro. Bota a� uns gatos pingados
para cantar de gra�a e, no final do programa, manda o

Moacyr dizer assim: �Participaram do programa de hoje: Roberto
Carlos, Elis Regina, Jerry Adriani� e vai inventando nomes.
A� o cara de casa vai pensar: �Puxa... perdi.� Na semana
seguinte, vai todo mundo ligar e o Moacyr vai dar uma audi�ncia
danada.

Em outra oportunidade, o cen�grafo Mauro Monteiro entregou
a ele uma lista de materiais para fazer um cen�rio para o
Fl�vio Cavalcanti. O Nereu leu lentamente:

� Vi... vinte placas de compensado, trinta metros de veludo,
cinquenta metros de sarrafos...
Parou, assobiou e, olhando para o Mauro, perguntou:

� Pra que isso tudo, rapaz? J� viu algu�m na sua casa ligando
a televis�o para ver o compensado da TV Rio ou o veludo
da TV Excelsior? E quem te disse que sarrafo d� ibope?
O Mauro, sem jeito, tentou vender outro item para ele:

� Est� bem, dr. Nereu, eu me viro. Mas, pelo menos, libera
os tubos de n�on.
� Ne... ne... n�on? Se n�on desse audi�ncia, rapaz, tinha um
mont�o de gente na frente da padaria.
Na Urca n�o havia um lugar para as equipes almo�arem
e perd�amos muito tempo interrompendo as grava��es para o
pessoal ir comer em Copacabana. Tinha o Sol e Mar e a Churrascaria
Cruzeiro, em Botafogo. Pedi ao Nereu que conseguisse
uma permuta para a turma almo�ar. Um dia, ele me chamou:

� Rapaz, consegui a permuta do restaurante.
� Na churrascaria e no Sol e Mar?
� N�o, rapaz. No Bar dos Pescadores, na Barra da Tijuca.
� Mas, Nereu, n�o adianta nada. � longe demais. Ningu�m
vai at� l�.
� Melhor, meu filho. A gente economiza a permuta.

Em um quadro sobre a Disneyl�ndia, precis�vamos de sete
an�es para acompanhar a Branca de Neve. Ele achou caro:

Em um quadro sobre a Disneyl�ndia, precis�vamos de sete
an�es para acompanhar a Branca de Neve. Ele achou caro:
Tem an�o demais. Bota dois e chega. An�o � tudo igual.
Eles entram em cena, saem, trocam de roupa e voltam. N�o
precisa ser sete. Ningu�m vai ficar contando an�o na TV.
Certa vez arranjei um amigo que fornecia f�rmica e, um dia,
cansado de esperar o pagamento, ele me contou que nunca tinha
recebido um s� centavo. Reclamei com o Nereu e ele cinicamente
me disse:

� O teu amigo n�o conhece a gente, n�o? Aqui n�o se paga
nada. Diz para ele que aqui o calote � uma institui��o.
Na verdade, o Nereu fazia das tripas cora��o para manter o
Telecentro. E conviver com ele foi um grande aprendizado.


N�o me leve a mal, hoje � carnaval


APESAR DO SUCESSO NACIONAL E DA rapidez com que os bons resultados
foram conseguidos, o Telecentro padecia de um erro b�sico: o
dinheiro faturado pelos departamentos comerciais do Rio de Janeiro
e de S�o Paulo era enviado diretamente para cada emissora em todo

o Brasil; e o dinheiro dos anunciantes nacionais era rateado de acordo
com o tamanho do mercado e tamb�m enviado diretamente para
as emissoras. De modo a garantir a produ��o do Telecentro, cada
uma das Emissoras Associadas deveria pagar uma cota mensal, com
um valor proporcional � sua import�ncia. O problema � que s� quatro
das emissoras pagavam em dia suas cotas: a TV Tupi (S�o Paulo
e Rio), a TV Itacolomi (Belo Horizonte) e a TV Bras�lia (Bras�lia).
As outras pagavam com atraso ou simplesmente n�o pagavam nada.
Para fechar a folha de pagamento de sal�rios, a TV Tupi de S�o Paulo
e a do Rio eram obrigadas a aumentar as suas contribui��es. Mesmo
diante dessas dificuldades, as Emissoras Associadas lideravam
em quase todo o pa�s, com os shows e as novelas produzidas pelo Telecentro.
O futuro era promissor. Pena que os recursos de produ��o
estavam se tornando escassos e os sal�rios come�avam a atrasar. Eu
mesmo fiquei tr�s meses sem receber. Ao chegar � Urca, tinha um
Mercedes-Benz, mas ele foi logo trocado por um fusquinha.

O Moacyr Franco estava querendo sair, atra�do por uma
oferta da TV Rio e pela promessa de sal�rios em dia, garantidos
por um patrocinador. O Chico Anysio estava faturando
muito dinheiro viajando pelo Brasil com seus shows e pensava
em dar um tempo da televis�o. O clima no Telecentro era de
des�nimo e, no Rio, a TV Globo, que tinha uma boa audi�ncia
no hor�rio diurno e na novela Eu compro essa mulher, come�ou
a ganhar pontos tamb�m na linha de shows e no domingo,
com a Dercy Gon�alves. Em janeiro, a Dercy Gon�alves me
procurou dizendo que queria deixar a TV Globo porque tudo
l� era amador e ela se sentia abandonada. A primeira coisa que
fiz foi avisar ao Walter Clark que ela estava insatisfeita e queria
sair da Globo. Depois fiz a Dercy entender que n�s ir�amos
repetir o que havia acontecido no passado, quando ela se assustou
com os parcos recursos da TV Rio e voltou para a Excelsior.
Trabalhar na Urca era uma pedreira, e se ela fosse para o
Telecentro certamente n�o se conformaria com sal�rios atrasados
e acabaria voltando para a Globo. A Dercy concordou em
ficar na emissora, mas foi procurar o Walter para acelerar a minha
ida. Ele sempre me convidava para jantar e me pressionava
para come�armos logo a trabalhar no projeto da t�o sonhada
rede. Eu repetia que cumpriria o meu contrato com a Tupi e,
em seguida, o compromisso com ele. Faltava pouco.

Ainda em janeiro, fui chamado pelo Edmundo Monteiro e
pelo Cassiano para uma conversa em S�o Paulo. Eles souberam
que eu n�o renovaria meu contrato e iria embora. Contei
que estava com sal�rios atrasados, com d�vidas e havia vendido
at� o meu carro. O Edmundo me prop�s pagar meus sal�rios
atrasados e eu passaria a ser funcion�rio da Tupi de S�o Paulo.
Expliquei que isso n�o resolveria, pois o problema era de todo

o elenco e n�o apenas meu. Disse a eles que o Telecentro es

tava se desmantelando. Edmundo me pediu que procurasse o
Calmon, pois tinha certeza que juntos encontrar�amos uma solu��o.


Voltei para a Urca. Era uma sexta-feira e o Nereu me pediu
que fosse ao apartamento do Calmon no s�bado pela manh�,
pois ele queria falar comigo. Disse ao Calmon que ter�amos
que modificar o processo de faturamento, descontando a verba
de produ��o antes de remeter o dinheiro para as emissoras. Ele
respondeu que seria imposs�vel fazer dessa forma, devido aos
estatutos dos Associados. Perguntei se havia outra solu��o. Ele
disse que iria pensar e que eu voltasse l� no s�bado seguinte.

� Dr. Calmon, s�bado que vem � carnaval!
� S� trabalho em casa aos s�bados pela manh�. No carnaval
� ainda mais sossegado. Vem aqui no s�bado.
O carnaval n�o era uma produ��o do Telecentro mas sim da
TV Tupi do Rio. Logo, poderia encontrar o Calmon sem problemas.
Ele me recebeu e contou que conversara com Edmundo
Monteiro e Paulo Cabral, diretores comerciais do Rio e de
S�o Paulo, e n�o haviam encontrado nenhum caminho. Recebendo
muito carinho do Walter e da Dercy e sem solu��o para

o Telecentro, ou mesmo qualquer perspectiva de que a situa��o
pudesse ser mudada, informei ao Jo�o Calmon que no dia 17
de mar�o de 1967 terminaria meu contrato e eu iria para a Globo,
sem mais discuss�o. Ele estava em plena campanha contra
o dr. Roberto Marinho e usava os jornais e a televis�o para
combater o acordo da Globo com o Time-Life. Disse que eu
estava fazendo uma besteira, pois havia uma CPI que declararia
ilegal esse acordo e a Globo iria se dar muito mal. Respondi
que n�o acreditava nisso. Ele, ent�o, fez um coment�rio sobre
a minha sa�da, referindo-se � invas�o da Fran�a, na Segunda

Guerra Mundial, quando os franceses raspavam a cabe�a dos
compatriotas que aderiam aos nazistas:

Guerra Mundial, quando os franceses raspavam a cabe�a dos
compatriotas que aderiam aos nazistas:
Voc� � um colaboracionista. Deveria ter sua cabe�a raspada.
A compara��o n�o se aplicava ao meu caso. A marcha-rancho
�M�scara negra�, que utilizei na abertura do nosso programa
Black and White, era o hino do carnaval de 1967. Aproveitei
o refr�o da m�sica e dei uma de Chacrinha:

� Dr. Calmon, n�o me leve a mal... hoje � Carnaval. A sua
careca... � raspada ou � natural?

Bravura
ind�mita


EM 1966, LOGO QUE CHEGUEI AO Rio para assumir o Telecentro da Tupi,
o Walter Clark me ligou pedindo que recebesse o gringo do Time-
Life. Eu morava em um modesto apartamento da rua Jangadeiros e
foi l� que recebi a visita do Joe Wallach. Falando mansinho, com
um olhar penetrante e inquieto, o Joe era bem diferente dos americanos
que eu havia conhecido: muito calmo, nada pretensioso, inspirava
confian�a. Mal acabara de chegar e j� demonstrava um jeit�o
de brasileiro. Conversamos em ingl�s e portugu�s. Ele queria saber o
que eu pensava da televis�o, no mundo e no Brasil. Nossa conversa
fluiu e nos tornamos amigos imediatamente. Retribu� a visita, indo
ao apartamento onde ele vivia provisoriamente, na rua Rainha Elizabeth,
em Copacabana. Era um apartamento alugado e mobiliado de
uma forma muito esquisita pelo propriet�rio. R�amos muito da decora��o.
Ao se mudar para a Nascimento Silva, em Ipanema, fez um
almo�o para meia d�zia de amigos mais �ntimos da Globo e eu, mesmo
na Tupi, fui convidado. Combin�vamos de ir juntos a S�o Paulo,
a trabalho: eu para a TV Tupi e ele para a TV Globo. Depois nos
encontr�vamos para jantar, ouvir m�sica ao vivo e falar sobre televis�o.


No in�cio de 1967, ainda no Telecentro, fui convidado pelo Joe,
Walter Clark e Z� Octavio de Castro Neves para ir a Porto Alegre.
Eles iriam negociar com a TV Ga�cha a afilia��o � Rede Globo. Eu
era amigo do Maur�cio Sirotsky Sobrinho desde 1955, quando ainda


trabalhava na Lintas. Al�m disso, conhecia bem a cidade, onde
estive v�rias vezes. O Walter, sabendo disso, teve a ideia de
me convidar para ir junto. � claro que, como concorrente, n�o
participaria das negocia��es.

trabalhava na Lintas. Al�m disso, conhecia bem a cidade, onde
estive v�rias vezes. O Walter, sabendo disso, teve a ideia de
me convidar para ir junto. � claro que, como concorrente, n�o
participaria das negocia��es.
gos
amigos da Varig e voltei � noite, a tempo de pegar o tradicional
churrasco oferecido pelo Maur�cio e pilotado pelo Ant�nio,
um churrasqueiro gordo e simp�tico, imbat�vel com os espetos.
Se algu�m falasse que grelha era melhor, porque os espetos
furavam a carne, o Ant�nio berrava:

� � que esses guris n�o sabem passar um espeto. Eu passo
um espeto em um ovo, sem quebrar, tch�!
Ap�s o churrasco, fomos descansar e, no dia seguinte, um
carro com motorista nos levou a um passeio pela cidade. Eu e

o Joe fomos nesse carro e o Walter foi no carro do Z� Octavio.
Dali partimos para a Serra Ga�cha onde, em Caxias, nos esperava
uma massa caseira. No roteiro, casas de colonos italianos
que produziam salames e copas artesanais deliciosos, vinho de
col�nia e can��es tradicionais da It�lia. Alguns colonos ainda
falavam um portugu�s misturado com dialetos de suas regi�es
de origem. Fizemos uma parada em Novo Hamburgo e liberamos
o motorista para um lanche. O Joe e eu fomos passear pela
cidade, fazendo um desafio musical.
Ele cantava muito bem e tinha uma voz espetacular, ao estilo
Louis Armstrong, al�m de conhecer todas as letras e m�



sicas do jazz e do pop americano. Cantava uma m�sica e eu
tinha que matar o t�tulo. Em seguida, era a minha vez de cantar
e dele dizer qual era a m�sica. Passamos horas fazendo isso,
enquanto and�vamos pela cidade. De repente, percebemos
um tumulto e vimos a pol�cia levando presos o Walter Clark
e o Z� Octavio. Os dois haviam pegado a chave do carro com

o motorista. Z� no carro dele e o Walter, no carro cedido pela
TV Ga�cha, come�aram a fazer um racha na pracinha de Novo
Hamburgo. O delegado, em pessoa, os levou para a cadeia. O
Walter pedia ao Joe que usasse o seu peso de cidad�o americano
para solt�-lo. Mas o delegado, um alem�o dur�o, estava se
lixando para isso. Tentei argumentar:
� Doutor, o senhor tem raz�o, foi uma imprud�ncia, mas n�o
aconteceu nada.
� Quem vai decidir isso � o juiz.
� Onde est� o juiz? � perguntei.
� Em Caxias. J� pedi a presen�a dele, mas ele s� vem � noite.
Usei a TV Ga�cha, dizendo que �ramos amigos do Maur�cio.
N�o colou.

� Pois manda ele vir aqui.
� N�o d� para o senhor falar com ele pelo telefone?
� O telefone da delegacia est� quebrado e eu n�o vou sair
daqui.
N�o havia telefone celular e nem o telefone do Maur�cio eu
tinha. O motorista me deu o n�mero e fui a uma padaria para
ligar. Era tarde e ele s� chegou ao anoitecer, junto com o Fernando
Ernesto Corr�a, figura querida, dono de uma simpatia s�
compar�vel � do pr�prio Maur�cio. O delegado era amigo do
Maur�cio e soltou o Walter e o Z� Octavio. Eu ensaiei uma reclama��o
com o delegado:


��
� �... mas eu n�o te conhe�o. Tua palavra, pra mim, n�o vale
nada.
Perdemos a massa em Caxias. Voltamos para o Rio. O Z�
Octavio ria para dentro, balan�ando o corpo, como era de seu
estilo. O Walter voltou acabrunhado, apesar de trazer assinado

o acordo com a TV Ga�cha. Os Sirotsky haviam negociado o
controle da empresa com o grupo Simonsen, da TV Excelsior,
em 1963. Maur�cio contou que ele e o irm�o, Jayme Sirotsky, o
grande Jaime, haviam firmado um pacto de retomar esse controle,
o que s� ocorreu em 1968 e representou o in�cio efetivo
dessa pot�ncia que � a RBS. Enquanto estive na Globo, o Maur�cio
Sirotsky me apoiou integralmente e n�o raras as vezes tomou
um avi�o de Porto Alegre para o Rio e veio defender as
minhas ideias. Os Sirotsky � Jayme, Nelson, Pedro e D. Ione �
s�o �pessoas queridas�, como dizzen os ga�chos, e fazem parte
da minha vida profissional e pessoal.
O epis�dio de Novo Hamburgo, embora desagrad�vel, teve

o m�rito de ampliar o conhecimento e refor�ar as afinidades
com Joe Wallach. Mais de um ano depois, foi lan�ada no Brasil
a primeira vers�o do filme Bravura ind�mita.
Um dia, na Globo, Joe me perguntou:

� Voc� j� foi ver True Grit?
True Grit era o nome do filme em ingl�s.
� Fui. Eu adoro o John Wayne.
� Puxa, voc� viu que o delegado parecia aquele de Novo
Hamburgo?
E parecia mesmo. O de Novo Hamburgo era tamb�m grandalh�o,
rude e mal-humorado. Para ser o Rooster Cogburn s�
faltava beber e ser caolho.


,
S�rgio Porto e Rodolfo Lima Martersen



























Chegando � Globo


EM FEVEREIRO DE 1967, A TV GLOBO exibia os cap�tulos finais das
novelas O sheik de Agadir, de Gl�ria Magadan, e O rei dos ciganos,
de Moys�s Weltman. No dia 20 daquele m�s, estrearia A rainha louca
e, no dia seguinte, A sombra de Rebecca, ambas escritas pela Gl�ria
Magadan.

Logo ap�s o carnaval, comuniquei ao Walter e ao Joe que, em
trinta dias, estaria � disposi��o da Globo. O Walter, em um domingo,
fez um almo�o de boas-vindas na casa dele. O papo foi informal e
sobre v�rios assuntos. Pedi a ele que assumisse o compromisso de
nunca mais lan�ar duas novelas simultaneamente e que aprov�ssemos
a contrata��o de novos autores, o que deveria ser feito logo ap�s
a minha posse. Assim, evitar�amos o risco de ter em m�os duas novelas
do mesmo autor e nos livrar�amos da depend�ncia que a Globo
tinha com Gl�ria Magadan. Ele defendeu muito a Gl�ria mas me deu
raz�o, pedindo apenas que agisse com calma pois n�o queria perder
a �nica autora e diretora do departamento de novelas.

A cubana Gl�ria Magadan, nascida Maria Magdalena Iturrioz y
Placencia, come�ou no r�dio, em Havana. Devido ao seu sucesso,
passou a ser diretora do departamento de novelas da Colgate-Palmolive,
em Miami, para toda a Am�rica Latina e, mais tarde, diretora de
programas para a Am�rica Latina e Canad�. Na �poca em que ela entrou
para a Globo, tinha 47 anos, embora aparentasse muito mais. O
Walter me contou que havia contratado a Gl�ria por dois anos, com


op��o de mais dois, e que o primeiro contrato terminaria em
janeiro de 1968. Mas, no desespero, � procura de talentos, o
Walter havia prometido um casamento eterno dela com a Globo.
Al�m da conversa sobre novelas, tecemos considera��es
gerais sobre o panorama da televis�o, o mercado publicit�rio,
solu��es para S�o Paulo e de que modo poder�amos refor�ar
nossa programa��o. No papo, comentei que estava pensando
em levar para a Globo o Chico Anysio e o Daniel Filho, mas o
Joe me pediu que protelasse a decis�o.

� Vamos deixar para depois, amigo. N�o temos dinheiro no
momento.
A maior preocupa��o do Joe Wallach era a de sempre enfatizar
que precisar�amos trabalhar com muito planejamento.
A televis�o brasileira vivia de impulsos. Gastavam-se fortunas
para tirar um artista de uma emissora e, logo depois, outra
emissora pagava ainda mais e levava o contratado. A inseguran�a
era total e as emissoras n�o suportavam os custos. O Joe
falava apenas um pouco de portugu�s, mas tinha, na ponta da
l�ngua, as palavras exatas para descrever o ambiente da TV
brasileira:

� S�o loucos. Todos loucos.
Ele sempre teve raz�o nessa batalha por austeridade e planejamento,
mas no come�o n�o era f�cil. Havia uma diferen�a
b�sica entre a televis�o americana e a brasileira. A televis�o
americana cresceu apoiada na produ��o da ind�stria de cinema,
usando n�o s� os produtos concebidos para televis�o, como
s�ries e miniss�ries, mas todo o acervo de longas-metragens
e o talento de artistas e t�cnicos dispon�veis em abund�ncia,
criados por essa poderosa ind�stria. Na pr�tica, a televis�o
americana s� produzia jornalismo e alguns programas do
g�nero game show. O restante era produzido pelas majors, ou


seja, as grandes companhias produtoras de cinema. A televis�o
americana sempre foi, fundamentalmente, uma exibidora.
J� a nossa televis�o veio do r�dio, do teatro e do circo. Como
n�o t�nhamos ind�stria cinematogr�fica para produzir, tivemos
que formar nossos profissionais e, al�m de simples exibidora,
a TV precisou se tornar, compulsoriamente, produtora de seus
programas. S� que n�o havia onde buscar novos profissionais.
Com a falta de astros e estrelas, o �nico jeito era investir para
produzir e, quando necess�rio, disputar a peso de ouro os poucos
talentos existentes no mercado. O querido amigo Ricardo
Amaral costumava dizer que quem quisesse montar um bom
restaurante teria que tirar dos restaurantes concorrentes os cozinheiros,
ma�tres e gar�ons. Ele dizia:

� Vai l�, paga mais e tira.
O Walter Clark defendia uma linha de a��o:
� Temos que gastar mais para ganhar mais.
O Arce dizia:
� Show business � investimento, n�o or�amento.
O Z� Octavio, com sua intelig�ncia e humor, tinha uma vis�o
pragm�tica sobre o assunto:

� Or�amento pressup�e receita e despesa. Como ainda n�o
h� receita, n�o h� or�amento.
A verdade � que sem dinheiro n�o se faz nada. Pensei que
fosse chegar � Globo e contar logo com algum dinheiro dispon�vel
para investir. Mas nada. Peguei mais uma pedreira na
minha vida. O dinheiro inicialmente aportado pelo Time-Life
foi gasto de forma errada e, em 1966, os gringos fecharam
totalmente a torneira. Eu, que tinha a viv�ncia de ag�ncias de
publicidade e fui dono de empresas, sempre lutei para implantar
planejamento na televis�o. Sob o meu ponto de vista, precisar�amos
ter alguns expoentes do mercado e tentar descobrir


e treinar gente nova. Para isso, algum investimento novo seria
vital, sen�o, nunca sair�amos do lugar em que est�vamos e jamais
ser�amos uma rede nacional. A aplica��o dos conceitos
do Joe Wallach, todos v�lidos, demandaria tempo e a TV Globo,
depois dos trope�os iniciais, tinha que come�ar com alguma
coisa nova e com velocidade.

No dia 19, segunda-feira, eu j� estava trabalhando na Globo,
mas s� assinaria o contrato no dia 22, diretamente com o dr.
Roberto Marinho. Como eles n�o poderiam pagar o que eu estava
ganhando no Telecentro, o Joe Wallach me prop�s uma
retirada m�nima mensal at� que a emissora come�asse a ser lucrativa
e, a partir da�, eu passaria a ter uma participa��o j� estabelecida
no contrato. Essa retirada seria a metade do que eu
ganhava. Eu acreditava que a situa��o melhoraria logo, mas estava
com a grana curta, devido aos sal�rios atrasados da Tupi,
parte dos quais recebi em notas promiss�rias de clientes e n�o
conseguia descontar em nenhum banco. O Armando Nogueira
resolveu o problema me levando ao Jos� Luiz Magalh�es Lins,
ent�o presidente do Banco Nacional de Minas Gerais, que ficou
com as promiss�rias e creditou o dinheiro na minha conta.
O Jos� Luiz sempre foi mais que um banqueiro: intelectual,
culto, amante das artes, conhecedor de pol�tica e de neg�cios,
gostava de conversar sobre os rumos do pa�s e do mundo,
al�m de ser extremamente prestativo. Com os meus problemas
financeiros equacionados, mergulhei fundo nos problemas da
Globo e s� voltei � tona, para respirar, 31 anos depois.

Outra pedra no nosso caminho eram os est�dios. A TV Globo
foi planejada pelo dr. Roberto para ser uma continua��o do
jornal O Globo. Os t�cnicos do Time-Life, que ajudaram na
concep��o do pr�dio, nunca pensaram em uma rede, mas apenas
em uma emissora local que s� faria jornalismo, seguindo


o modelo das emissoras deles, todas localizadas em cidades do
interior dos Estados Unidos. Os est�dios eram m�nimos e o audit�rio,
preparado para debates, tinha um p�-direito muito baixo,
inviabilizando qualquer programa de outro g�nero. O pr�dio
constru�do especialmente para televis�o fazia supor que teria
condi��es ideais de trabalho, mas quando chegava pr�ximo
do almo�o ou se parava as grava��es ou se parava o restaurante.
A cozinha ficava no terceiro andar e os est�dios em
baixo. Quando algu�m na cozinha batia um bife, o som entrava
nos microfones de todos os est�dios. Ningu�m, nem eu, poderia
imaginar que, durante trinta anos, produzir�amos naquele
espa�o acanhando as novelas de maior sucesso do pa�s e ainda
as exportar�amos para o resto do mundo. Fizemos milagres.
Al�m dos est�dios min�sculos, havia poucas salas para trabalho.
Eram exageradamente grandes e luxuosas, mas em n�mero
insuficiente para uma emissora de televis�o. A primeira
provid�ncia foi montar um centro de comando. Escolhi uma
sala grande, onde eu, Borjalo e Renato Pacote trabalhar�amos
juntos para facilitar a comunica��o e agilizar decis�es. E t�nhamos
uma �nica secret�ria, para os tr�s. Trabalhamos nesta
mesma sala at� 1971, quando deu para gastar com uma reforma.
Aos poucos, o Renato Pacote foi absorvendo os ensinamentos
do Joe e fomos modificando o jeito de or�ar, incluindo
n�o s� os custos diretos, como era h�bito, mais os indiretos e
todo overhead da opera��o. Al�m dessa tarefa, o Renato negociava
os contratos dos artistas. Uma opera��o delicada que ele
realizou com �xito. O Pacote passou tamb�m a cuidar do meu
or�amento pessoal e fez das tripas cora��o para equilibrar minhas
parcas finan�as, nos primeiros anos de vacas magras. Depois,
ele trouxe para me assessorar o Edwaldo Pacote, que se


tornou meu anjo protetor. Devo muito ao Renato e ao Edwaldo
Pacote.

tornou meu anjo protetor. Devo muito ao Renato e ao Edwaldo
Pacote.
vel
e uma criatividade absurda, escrevia com um texto enxuto
e palavras precisas e era um l�der amado por todos os que
trabalhavam com ele. Um ser humano e um profissional com
uma sensibilidade muito acima da m�dia. Adorava fazer comida
mineira em sua casa e dizia:

� Tirante arroz com ovo, a melhor coisa do mundo � mui�.
O Mauro Borja Lopes criou logotipos, criou os bonecos falantes,
criou a �zebrinha�, participou da cria��o de programas
como o Mister Show que lan�ou o Topo Gigio, Fa�a humor,
n�o fa�a a guerra, Viva o Gordo, Crian�a Esperan�a e foi supervisor
de texto de quase todas as novelas produzidas pela
Globo. O Joe Wallach, com a sua do�ura de sempre, abria a
porta de nossa sala e nos saudava:

� Bom dia, como est�o hoje os mosqueteiros?
E �ramos mosqueteiros mesmo.
Os tr�s lutando para impor normas, padr�es e qualidade.

Daniel Filho na cova dos le�es


A SEGUNDA TAREFA NA GLOBO ERA COMPLICADA. Teria que resolver
uma encrenca que eu mesmo criara. Antes do final do ano, quando
eu ainda n�o estava na empresa, o Walter Clark me convidou para
almo�ar e me entregou a sinopse de duas novelas.

� Boni, essas duas novelas estar�o no ar quando voc� vier trabalhar
com a gente. D� uma olhada para n�o reclamar depois.
Tratava-se de adapta��es feitas pela Gl�ria Magadan: uma era inspirada
na �pera Madame Butterfly, misturada com o romance Rebecca,
de Daphne du Maurier. Chamava-se A sombra de Rebecca e seria
estrelada por Carlos Alberto e Yon� Magalh�es. Embora de gosto
meio duvidoso, considerei poss�vel de ser feita. Na sinopse de A
sombra de Rebecca n�o havia o harakiri feminino, inventado pela
Gl�ria Magadan, uma vez que no Jap�o essa � uma pr�tica samurai
executada apenas por homens. As mulheres n�o se desmancham nem
na hora da morte. O suic�dio delas deve ser elegante e o harakiri s�
pode ser praticado com autoriza��o masculina. Mas a Gl�ria n�o se
rendeu � cultura nip�nica:

� Que se dane. Um dia uma mulher louca resolveu cometer harakiri
e pronto.
A outra novela, A rainha louca, baseada no romance Mem�rias de
um m�dico, de Alexandre Dumas, ambientada na Fran�a no s�culo
XVIII, relatava o ambiente pr�-revolu��o e as vidas de Lu�s XVI e
Maria Antonieta. Havia in�meras batalhas, centenas de extras e, pelo


linguajar e figurinos de �poca, cheirava mais a com�dia do que
a drama. Gravar cenas na Fran�a seria extremamente dif�cil e
muito caro. Sugeri que a trama fosse deslocada para outro local
e outra �poca. A Gl�ria estudou v�rias possibilidades e prop�s
que a ambienta��o se desse no M�xico do s�culo XIX, durante
a interven��o francesa no pa�s, o que permitiria gravar algumas
cenas por l� e daria mais liberdade, j� que a hist�ria n�o era
t�o conhecida quanto a Revolu��o Francesa. Achei que assim
seria poss�vel. Entreguei o parecer ao Walter Clark e a Gl�ria
adorou a minha interven��o, abandonando a ideia original.
A novela foi extremamente bem produzida, mas ia muito mal
de audi�ncia. Quando cheguei, a Gl�ria quis atribuir a culpa a
mim:

� Se fosse a Maria Antonieta, teria dado certo.
Disse a ela que n�o concordava e repeti que teria sido imposs�vel
tentar reproduzir aquela �poca. Para fazer um diagn�stico
racional, no mesmo dia, assisti a alguns cap�tulos.
Eram terrivelmente chatos e arrastados. O Ziembinski dava �
novela um ritmo lento e pesado. Em alguns momentos chegava
a ser dark. Soube que ele estava doente e cansado. Apesar
de todo o respeito que tinha pelo Zimba, precisava substitu�-lo.
O diretor Walter Campos, naquele momento assistente de dire��o,
assumiu a novela, mas nada mudou. Era o momento de
recorrer ao Daniel Filho. Falei com o Joe e consegui a verba
necess�ria. Al�m de ter um carinho especial pelo amigo que
havia trabalhado comigo no Telecentro, eu sabia que ele era
essencial para os meus planos. Contratei-o, sem que a Gl�ria
soubesse, como se ele fosse trabalhar na linha de shows. E n�o
disse a ele que iria dirigir a novela nem que substituiria o Ziembinski.
Se dissesse, ele n�o aceitaria. Pedi ajuda ao Borjalo
e ao Pacote, que eram bons de bico, para convencer a Gl�ria de


que o Daniel era a �nica sa�da e que eles falariam comigo para
que eu o liberasse. Com ela tudo tinha que ser assim. Mesmo
a contragosto ela aceitou. Arranjei uma quarta mesa para

o Daniel, na minha sala, junto com o Borjalo e o Pacote. Os
tr�s mosqueteiros viraram quatro. Mas o Daniel n�o esquentou
a cadeira. No primeiro dia, eu tinha uma surpresa para ele:
� Daniel, voc� quer dirigir uma novela?
� Nunca dirigi, mas a gente tenta.
� Vai dar certo. Voc� precisa assumir a dire��o de A rainha
louca.
Fiz o comunicado, justificando cuidadosamente a sa�da do
Zimba e garantindo que ele ficaria na emissora e permaneceria
como ator na novela. Seria apenas para alivi�-lo; de fato, ele
ficou na Globo por muitos anos. Mas, mesmo com a promessa
de n�o demiti-lo, o elenco me mandou um abaixo-assinado
protestando. O Daniel me procurou nervoso:

� Porra! Um abaixo-assinado! Eles nem me conhecem e j�
fazem um abaixo-assinado. Vou virar bucha de canh�o.
� Claro que n�o. Vou pessoalmente apresentar voc� ao elenco
com o aval da Gl�ria.
� Boni, olha l�... Voc� vai me atirar aos le�es?
� N�o, n�o vou. Eu fico ao seu lado durante toda a grava��o.
O encontro com o elenco e o in�cio da grava��o estavam
marcados para as dez da noite, mas eu me compliquei todo e
me atrasei. O Daniel teve que come�ar a gravar, e quando cheguei
j� estava tudo em paz. Interrompi a grava��o, me desculpei
pelo atraso e apresentei-o formalmente. N�o houve nenhuma
rea��o contr�ria e o trabalho foi retomado. No dia seguinte,
ele me contou que recebeu apoio do Amilton Fernandes, o Albertinho
Limonta:


� �
N�o foi necess�rio. Logo nas primeiras cenas, o Daniel conquistou
o elenco. O ritmo da novela passou a ser �gil e audi�ncia
cresceu muito, o que nos obrigou a esticar os 160 cap�tulos
previstos para 215.

O Daniel havia domado os le�es, provando que eu estava
certo quanto ao seu talento. Ele j� era artista na barriga da m�e,
a cantora e atriz argentina Mar�a Irma L�pez, conhecida como
Mary Daniel. O pai, Juan Daniel Ferrer, catal�o de Barcelona,
era um ex�mio cantor e dono do circo Atl�ntico. O Daniel estreou
no circo aos 6 anos de idade e n�o parou mais. Fez teatro
de revista e at� pontas nos filmes do Mazzaropi. Em uma cena
com o Agildo Ribeiro � que o Daniel relata em seu primeiro
livro, Antes que me esque�am �, recebeu instru��es do diretor
Eur�pedes Ramos:

� Voc�s dois fiquem ali atr�s daquela touceira de capim e
quando eu der ordem saiam e olhem ao longe, para o horizonte...
para o infinito.
O Daniel encafifou com aquilo e disse para o Agildo:

� Porra, Agildo, isso vai ficar esquisito. Como � que se olha
�ao longe�? Vamos p�r a m�o na testa, ficar na ponta do p�?
Como � que a gente faz isso?
O Agildo n�o se manifestou. Inconformado, o Daniel foi
perguntar ao diretor:

� Seu Eur�pedes, como � que se olha �ao longe�?
O Eur�pedes lan�ou um olhar fulminante de desd�m para o
Daniel e comentou alto para que todos do elenco ouvissem:


� �
Uma coisa que poucos sabem � que o Daniel foi o Visconde
de Sabugosa, do S�tio do Picapau Amarelo, na Tupi do Rio.
Dos pap�is secund�rios, ele passou, com destaque, para o Cinema
Novo brasileiro. Como ator, fez Os cafajestes (1962) �
filme que marcou uma nova era no nosso cinema � e Boca de
ouro (1963). Passou pela TV Excelsior, onde fez os bonequinhos
com a Dorinha Duval, e foi para o Telecentro, levado pelo
Chico Anysio. No Telecentro, eu adotei o pai do Daniel, o Juan
Daniel, como meu assistente de produ��o, e ele me tratava como
se eu tamb�m fosse seu filho. Em 1967, levei o Daniel para
a Globo e o Juan Daniel foi junto. O Daniel dedicou ao Cassiano
Gabus Mendes e a mim o seu livro O circo eletr�nico:
fazendo TV no Brasil. Um gesto de carinho acompanhado de
uma declara��o que me comove: �Boni � um excelente produtor.
No exterior podemos compar�-lo a David O. Selznick ou
a Darryl Zanuck.� Como eles foram os dois maiores do mundo,
me senti em boa companhia. Eu retribuo afirmando, sem
exagero, que o Daniel Filho se daria muito bem em Hollywood
e declaro, com todas as letras, que ele foi na televis�o o meu
maior e mais importante parceiro art�stico. Nunca demoramos
muito para saber o que fazer. Fal�vamos quase por telepatia.
Brigamos duas vezes por coisas sem import�ncia, mas nossa
amizade jamais foi abalada. Logo depois das brigas, eu chamava
o Juan Daniel Ferrer � pai do Daniel e meu pai afetivo � e
mandava um bilhetinho maroto para o Daniel:

� Seu viado, preciso de voc�.
O Daniel nunca demorou mais que alguns segundos paraatender os meus pedidos de colabora��o. � aquele amigo incondicional.
As minhas hist�rias com ele e as realiza��es dele


na Globo, por serem muitas, est�o em quase todos os cap�tulos
deste livro. O Daniel implantou a moderna novela na Globo e
deu a ela a forma que persiste at� hoje. Implantou os seriados,
as s�ries brasileiras e cuidou de toda dramaturgia da emissora
al�m de contribuir com especiais, programas musicais e de humor.
Logo depois que eu sa� da emissora, ele saiu tamb�m e foi
ser o diretor art�stico da Globo Filmes. Hoje, com sua empresa
Lereby Produ��es, � o mais bem-sucedido produtor e diretor
do cinema brasileiro na atualidade.

O Daniel se saiu muito bem da cova dos le�es.


Vai
dar
certo


A GLOBO, NO RIO, AL�M DAS DUAS novelas di�rias, exibia apenas os
seguintes programas: Dercy espetacular, Uni duni t�, Capit�o Furac�o,
Telecatch Montilla, TVo -TV1 e Noite de gala, que estava
em final de contrato. De segunda a sexta, �s dez da noite, uma linha
de filmes de longa-metragem era apresentada por C�lia Biar, sempre
acompanhada do seu gato angor� Z� Roberto. Tinha sido uma ideia
do Walter para aproveitar o acervo da Globo. Os telejornais eram
apenas locais. Era preciso melhorar todos os nossos produtos e criar
novos, que tivessem um apelo nacional, para substitu�-los. Fora
os desafios mais complexos que envolviam o objetivo estrat�gico de
montar uma rede brasileira de televis�o, l�der nacional de audi�ncia.

A fim de gerenciarmos nossas atividades, nos reun�amos todas as
segundas-feiras, pela manh�: Walter, Joe, Arce, Z� Octavio, eu e algum
convidado cujo assunto estivesse em pauta. No in�cio, o processo
era desordenado, pouco produtivo e tenso. Depois da minha dupla
passagem pela TV Tupi e tamb�m pelas emissoras TV Paulista,
TV Excelsior, TV Rio e R�dio Bandeirantes, al�m de tr�s ag�ncias
de publicidade, fiz um juramento para mim mesmo: �Brigas, nunca
mais.� Doce ilus�o. Onde h� mais de uma pessoa respons�vel pelas
decis�es finais, n�o tem como n�o haver briga.

Na Globo, o verdadeiro telecatch n�o acontecia no ar, mas sim
nas reuni�es. A vantagem, pelo menos no in�cio, � que a briga era
por ideias. N�o existia vaidade, nem escaramu�as ou trai��es. A por



rada comia solta entre amigos. Havia transpar�ncia nas coloca��es,
respeito m�tuo e, o mais importante, confian�a de cada
um de n�s nos outros parceiros. Al�m da amizade, havia uma
raz�o para isso: nenhum de n�s poderia resolver os problemas
sozinho. A Globo, ao contr�rio do que parecia, era um intrincado
quebra-cabe�as do qual cada um de n�s tinha algumas pe�as.
Sem nos juntarmos n�o haveria solu��o. Cada um ficou
respons�vel por uma �rea. O problema mais complexo era administrar
a rela��o do dr. Roberto com o Time-Life, tarefa para

o nosso Joe Wallach.
Segundo o Joe nos relatava, e recentemente publicou em seu
livro Meu cap�tulo na TV Globo, o pessoal do Time-Life queria
garantias de recebimento do que haviam investido e documentos
assegurando a corre��o da infla��o, que era brutal na
�poca, e queriam lucros, � claro. A comunica��o entre a empresa
americana e o dr. Roberto Marinho estava totalmente interrompida
e o Joe precisava restabelec�-la para definir a situa��o.
A Globo havia parado de receber dinheiro do Time-Life e
as d�vidas foram se acumulando, colocando a emissora e todo

o nosso projeto em risco. Como o Joe Wallach revelou tamb�m
em seu livro, o dr. Roberto, em 1967, conseguiu emprestado
com o Jos� Magalh�es Lins, do Banco Nacional, a import�ncia
de 400 milh�es de cruzeiros e obteve um outro empr�stimo, do
Walther Moreira Salles, do Unibanco, de valor menor. O dinheiro
daria para uma meia sola na Globo, nada mais.
E, assim, enquanto o problema com os �gringos� caminhava
paralelamente, n�s t�nhamos que concentrar nossos esfor�os
para dar continuidade aos nossos planos.

Para profissionalizar nossas reuni�es, e torn�-las mais efetivas,
criou-se, mais tarde, um Comit� Executivo, composto pelo
Joe, Walter, Arce, eu e Luiz Eduardo Borgerth, como secre



t�rio. As brigas n�o cessaram, mas as decis�es e a��es passaram
a fazer parte de uma ata. O engra�ado � que o Comit� se
dividiu. Joe e eu, de um lado e Walter e Arce, do outro. Eu,
com meus impulsos, e o Joe, com sua serenidade e objetividade,
form�vamos uma dupla que ganhava quase todas as paradas.
Conseguimos, assim, estabelecer prioridades. Como eram
poucas emissoras na rede, abastec�amos os afiliados com a programa��o
que t�nhamos e vend�amos novelas e programas isolados
para os n�o afiliados que quisessem comprar. Eu lembrava
sempre ao Comit� os problemas de n�o recebimento das
cotas das Emissoras Associadas, que havia inviabilizado o Telecentro
da Tupi. Aos poucos, Joe, Walter, Arce e Z� Octavio
montaram um contrato de afilia��o a fim de garantir dinheiro
para a produ��o.

Gra�as a esse planejamento, atualmente, o modelo de neg�cio
da Globo � perfeito. Do ponto de vista operacional, t�nhamos
que otimizar procedimentos e comprar equipamentos adequados
para o que pretend�amos produzir. A bem da verdade, a
�nica coisa de qualidade que encontramos na Globo foram os
equipamentos eletr�nicos. Poucos, mas bons. Do primeiro ao
�ltimo dia em que trabalhei na Globo, briguei muito por mais
equipamentos e, consequentemente, mais modernos.

Nos est�dios, fomos fazendo das tripas cora��o para aproveitar
o espa�o reduzido no Jardim Bot�nico. Isso foi resolvido
porque t�nhamos os melhores cen�grafos do pa�s. Nossas primeiras
cidades cenogr�ficas pareciam cen�rios mesmo e n�o
cidades reais, mas o M�rio Monteiro, chefe da cenografia, e eu
fomos para Hollywood visitar os principais est�dios para ver
como a coisa era feita. O M�rio pegou logo todos os segredos
e, hoje, n�o devemos nada a eles. Com o crescimento da produ��o
e sem espa�o para armazenar cen�rios, tivemos que alugar


uma garagem distante dos est�dios e manter caminh�es circulando,
dia e noite, para permitir a troca di�ria de cen�rios de
uma produ��o por outra. O Luis Sang�s era o respons�vel por
essa opera��o. Por falta de espa�o para armazenar, roupas precisavam
ser reformadas e algumas, doadas.

Sem est�dios em S�o Paulo, t�nhamos que fazer com que o
Rio produzisse mais programas e mais rapidamente. T�nhamos
que mudar alguns procedimentos operacionais. O general Lauro
Medeiros era um competente engenheiro, mas o que sabia
de televis�o era by the book. Assim, adotou o procedimento
americano de �TD� (diretor t�cnico) para atuar como cortador
de imagens. Ningu�m que n�o fosse treinado e certificado pela
engenharia poderia ficar na mesa de corte. Era um problema.
C�meras e outros equipamentos s� podiam sair do est�dio com
ordem direta dele. Na verdade, a mentalidade da Globo estava
presa � ideia original de uma emissora local voltada para o
jornalismo de est�dio, com c�meras de filme na rua. Alguns
procedimentos da Globo eram t�o r�gidos como os de um quartel
militar. Outros eram amadores. Por incr�vel que pare�a, as
aberturas de novelas eram gravadas novamente todos os dias,
antes da grava��o do cap�tulo, perdendo-se um tempo enorme
com isso. Eram utilizadas cenas dos cap�tulos anteriores ou fotos
mais o t�tulo da novela, e os nomes do autor, do diretor e
do elenco eram superpostos. Passei a fazer aberturas fixas, inseridas
na edi��o, o que representou um salto de qualidade e
uma economia no tempo de grava��o. Inicialmente, as aberturas
eram criadas pelo Borjalo, por mim e pelos diretores, como

o Daniel Filho, que criou muitas.
Certos problemas eram art�sticos, por�m, os mais frequentes,
eram de procedimentos da engenharia. Sempre contei com
a ajuda do engenheiro Fiuza e, depois, com a do Oswaldo Leo



nardo, para estabelecermos uma rotina de manuten��o preventiva
e para convencermos o general Lauro da necessidade de
eliminar algumas regras que representavam um entrave para a
produ��o. O general Lauro, adoentado e idoso, acabou saindo
em 1968 e o Walter trouxe o coronel Brito, da TV Rio. Ele era
mais flex�vel que o general Lauro, mas n�o era um homem de
opera��es. Demorou para que nos entend�ssemos. Reconhe�o
que eu era um chato e que pressionava muito a engenharia. O
Brito se considerava protegido do Walter Clark e se apoiava
nele. Depois de v�rios enfrentamentos comigo, tivemos uma
batalha final para aquisi��o de novos gravadores de videotape
para a Globo.

Em 1963, o Adilson Pontes Malta, com 22 anos de idade,
era um t�cnico em eletr�nica que quebrava meus galhos na TV
Rio. O Brito trouxe o Adilson para a Globo em 1968. O Adilson
me ajudava a encontrar solu��es adequadas para a �rea,
sem que o Brito soubesse. No caso dos gravadores de v�deo o
Brito queria comprar as m�quinas trogloditas da RCA, ligeiramente
mais baratas. Se adot�ssemos a solu��o do Brito, inviabilizar�amos
a Globo. Sab�amos que a RCA n�o fabricaria
mais suas m�quinas obsoletas, como de fato ocorreu, e eu bati

o p�. Decidi pela Ampex, muito superiores e mais confi�veis.
O Brito, com a minha decis�o, se demitiu.
Em 1976, nomeei o Adilson como Diretor Geral da Central
Globo de Engenharia. O Adilson tinha pouco mais que 30
anos, vis�o perfeita do mercado de tecnologia, paix�o pela
qualidade e uma experi�ncia operacional que nos fazia falta.
Como n�o ostentava um diploma de engenheiro, o liberei pelas
manh�s para estudar engenharia de opera��es, exatamente o
que precis�vamos. Ele se formou e com o Adilson no comando,
tudo come�ou a fluir na Engenharia, que passou a ser su



bordinada � minha �rea, colocando assim um ponto final nos
atritos entre os t�cnicos e produtores.

bordinada � minha �rea, colocando assim um ponto final nos
atritos entre os t�cnicos e produtores.

o Joe Wallach, em quem confiava, chamando-o para almo�ar
ou despachar com ele, na rua Irineu Marinho, no pr�dio de O
Globo. Raramente se dirigia diretamente ao Walter, a mim ou
a outros companheiros. Quando queria discutir algum assunto
com algu�m, pedia que o Joe estivesse junto e era quase sempre
em um almo�o frugal, no escrit�rio do dr. Roberto, no jornal
O Globo. Nos primeiros anos, para saber como andavam
as coisas na TV Globo, dr. Roberto costumava, � tardinha, antes
do anoitecer, passar na emissora, no Jardim Bot�nico. Mas
nunca para decis�es. S� para perguntas.
Na Globo que encontramos, todo mundo trabalhava como
no jornal: de palet� e gravata. A chefe dos servi�os gerais era a
Tatiana Mem�ria, amiga do dr. Roberto. Era uma mulher elegante,
sofisticada e eficiente. Mas, extremamente fiel �s determina��es
do dr. Roberto, era r�gida demais. Com ela, as bailarinas
n�o podiam sair dos camarins e ir para o palco sem usar
um roup�o por cima das roupas de cena. Acabei com isso e liberei
os artistas para virem trabalhar com a roupa que quisessem.
Dona Tatiana, como a cham�vamos, acabou saindo sem
que eu saiba exatamente por que. O dr. Roberto, em uma de
suas visitas, ao passar pelos corredores e est�dios, deparou-se
com um ambiente diferente do que estava acostumado: Daniel
Filho de sand�lias e bermuda; alguns cabeludos usando batas
que mais pareciam camisolas e eu mesmo usando cal�as largas
e camisas soltas, bem no estilo hippie. Ele me chamou at� a
sua sala, que, ali�s, pouco usava:

� Boni, o que � isso? O que faz esse pessoal de pijama andando
pela emissora?

Quando ele falou em pijama, caiu a ficha e respondi:

Quando ele falou em pijama, caiu a ficha e respondi:
Exatamente, dr. Roberto. Est�o de pijama porque dormem
aqui.
� Dormem aqui?
� Dormem, dr. Roberto. Estamos tocando a Globo a todo vapor.
N�o deixo eles irem para casa. Tem que trabalhar e dormir
aqui.
� Que coisa... e voc� acha que isso vai dar certo?
� Vai, dr. Roberto. Tenha paci�ncia. Vai dar certo.




,
Pacote, Armando Nogueira e Clemente Neto



O
Oo
de
neg�cio


O MODELO DE NEG�CIO DA TELEVIS�O brasileira � �nico. Difere do
modelo norte-americano, embora ambos tenham a mesma origem: o
r�dio. Nos Estados Unidos, em 1928, j� existiam duas redes nacionais
de r�dio: a NBC e a CBS. Nos anos 1940 estavam em opera��o
quatro grupos: NBC, CBS, ABC e Sistema M�ltiplo de R�dio, todos
organizados em forma de redes nacionais. Somente nos anos 1950 �
que as r�dios regionais e locais tiveram um papel importante na radiocomunica��o
americana e conseguiram se sustentar com as receitas
de seus pr�prios mercados.

No Brasil a hist�ria do r�dio � diferente. As emissoras foram implantadas
nas capitais, como emissoras locais, sem o objetivo de se
tornarem redes nacionais ou regionais. Os nomes de algumas emissoras
instaladas nos anos 1920 j� definem o modelo: R�dio Sociedade
do Rio de Janeiro, R�dio Clube de Pernambuco, R�dio Sociedade
Educadora Paulista, R�dio Clube Ribeir�o Preto, R�dio Sociedade
Riograndense, R�dio Clube Paranaense. A R�dio Nacional do Rio
de Janeiro, criada em 1936, tornou-se, nos anos 1940, uma emissora
que tinha audi�ncia em quase todo o territ�rio nacional, mas n�o se
organizou como rede, embora essa hip�tese fosse tecnicamente vi�vel.
Assim, a R�dio Nacional do Rio de Janeiro, mesmo ouvida nacionalmente,
n�o penetrava em capitais como S�o Paulo, Curitiba e
Porto Alegre, e n�o se aproveitou de seu potencial de comercializa



��o. Esse quadro estimulou a cria��o de centenas de emissoras
locais com programa��o de baixo custo produzida localmente.

��o. Esse quadro estimulou a cria��o de centenas de emissoras
locais com programa��o de baixo custo produzida localmente.
leira
seguiu o modelo de transmiss�es locais, n�o s� pela aus�ncia
de meios t�cnicos de retransmiss�o e tamb�m pela inexist�ncia
de meios de grava��o, tais como o videotape, mas,
basicamente, por ter herdado a cultura do r�dio. Mesmo depois
do advento das grava��es de v�deo, houve resist�ncia � montagem
das redes, em raz�o de pouca percep��o do mercado e de
interesses pol�ticos e econ�micos locais. O espa�o publicit�rio
era comercializado diretamente pelas emissoras ou por meio de
representantes.

Em 1955, cinco anos depois da implanta��o da televis�o no
Brasil, eu estava na Lintas e o Walter Clark na TV Rio e n�s
nos encontr�vamos com frequ�ncia. O assunto era sempre a televis�o
e o modelo de neg�cio brasileiro. Em 1957, ao voltar
do meu est�gio nos Estados Unidos, estava claro para mim que
a opera��o em rede era o �nico caminho poss�vel para melhorar
a produ��o, permitir o aumento dos investimentos em tecnologia
e diluir os custos, oferecendo �s ag�ncias e aos anunciantes
um ve�culo audiovisual de abrang�ncia nacional. Em
1963, quando fui trabalhar com o Walter na TV Rio, o videotape
j� estava em uso por aqui e, de forma t�nue, havia um esbo�o
de rede com a produ��o do Rio e de S�o Paulo sendo distribu�da
para outras pra�as do pa�s. Os poucos programas exibidos
nacionalmente obedeciam ao sistema de tr�fego de fitas
de videotape. Eram transmitidos � medida que chegavam a cada
cidade, e as emissoras apresentavam-nos em dias e hor�rios
diferentes. N�o havia obriga��o de fidelidade entre as emissoras
de uma mesma rede, que podiam comprar programas de diferentes
fontes produtoras. Mas a produ��o de programas tam



b�m n�o obedecia a nenhum crit�rio de rede e produzia-se o
que dava para ser produzido, dependendo muito mais dos talentos
dispon�veis, sem qualquer inten��o de organizar uma rede,
exatamente por falta de um planejamento estrat�gico para
criar um modelo de neg�cio.

Ainda em 1963, o Walter e eu tentamos convencer a TV Record
de que, juntos, poder�amos montar uma rede nacional, a
partir do Rio e de S�o Paulo, com interc�mbio de programas,
planejamento de produ��o e comercializa��o que nos levasse
a montar a primeira rede de televis�o no Brasil. O superintendente
da TV Rio, Moacyr �reas, viajou comigo para um encontro
com o Paulinho de Carvalho, da TV Record, que descartou
totalmente essa hip�tese, justificando que cada pra�a tinha
caracter�sticas pr�prias e seria melhor que cada um continuasse
a produzir o que achasse mais adequado para o seu mercado,
permutando os programas que viessem a interessar as
duas emissoras. Nossos argumentos n�o conseguiram demov�-
lo. Em minha pasta estava tamb�m o contrato da compra dos
direitos de O direito de nascer e o Paulinho, novamente, n�o
mostrou nenhum interesse pelo projeto, o que nos obrigou a
prosseguir por outros caminhos. O Edson Leite conseguiu andar
um pouco mais porque a TV Excelsior de S�o Paulo e a do
Rio eram dos mesmos donos, mas n�o houve uma estrat�gia
nacional de produ��o, programa��o e comercializa��o.

Em 1966, os Associados tentaram montar uma rede nacional
criando o Telecentro, mas algumas emissoras do grupo n�o pagaram
suas cotas. Na Globo, a busca de modelo foi incessante
desde o dia da minha chegada e, enquanto �amos tocando o dia
a dia, o assunto era discutido entre o Joe, o Walter, o Arce, o
Z� Octavio, o Luiz Eduardo Borgerth e eu. N�o se tratava apenas
da preocupa��o em ter programas nacionais e recursos para


a produ��o, mas de criar uma nova forma de comercializar nacionalmente
e servir o mercado publicit�rio de forma mais eficiente.
E o indispens�vel para isso era fazer uma programa��o
de qualidade, atra��es constantes, informa��o, servi�o e responsabilidade
social. A quest�o da programa��o come�ou a ser
resolvida na Globo com a implanta��o das diversas centrais,
em 1969, e com a inaugura��o da rede nacional de micro-ondas
constru�da pelo governo militar com o objetivo de integrar

o Brasil. No in�cio, esses custos da rede eram insuport�veis comercialmente,
fazendo com que a distribui��o de programas
fosse progressiva, em rede, para todo o territ�rio brasileiro. Os
programas ao vivo eram transmitidos em rede, mas os enlatados,
como novelas e outros pr�-gravados, rodavam o pa�s em
fitas de videotape, at� a chegada da televis�o em cores, quando
os custos de distribui��o da Embratel foram rebaixados como
forma de incentivo. A partir da�, a maioria dos programas passou
a ser exibida simultaneamente, obedecendo o mesmo dia
e o mesmo hor�rio. As vendas nacionais, realizadas de forma
centralizada, garantiram que parte do faturamento fosse retida
para cobrir custos.
Um das primeiras inova��es da Comercializa��o da Globo
foi a introdu��o do comercial �rotativo� criado pelo Ulisses
Alvares Arce. O Jos� Octavio de Castro Neves, que tinha mania
de estudar matem�tica em livros franceses, criou modelos
de corre��o autom�tica da tabela de pre�os que foram usados
por muito tempo. Outro passo decisivo da Central Globo de
Comercializa��o foi a implanta��o do SISCOM, um sofisticado
processo de reserva e autoriza��o de veicula��o, totalmente
informatizado, que facilitava as reservas de espa�os comerciais
de rede e locais. A participa��o das afiliadas nas receitas da
rede variava de empresa para empresa, mas, em m�dia, a di



vis�o era de 50% para a rede e 50% para a afiliada. O rateio
por emissora baseava-se em fatores como: popula��o atingida,
PIB, renda per capita, faturamento local e audi�ncia. Havia
obriga��o de fidelidade e da entrega � Globo da exclusividade
nacional de vendas. As emissoras locais e regionais comercializavam,
diretamente, espa�os reservados pela rede para o mercado
local e para a regi�o. O modelo desenvolvido pela Globo,
aplicado com sucesso no Brasil h� mais de quarenta anos,
� tamb�m utilizado por outras redes. Ele foi produto de ideias
do nosso Comit� Executivo, com a participa��o de toda a �rea
de comercializa��o, chefiada na �poca pelo Arce, com a participa��o
indispens�vel do Jos� Octavio de Castro Neves.

Em 1978, depois da sa�da do Walter, o Arce e o Jos� Octavio
foram substitu�dos. Nesse mesmo ano foi criada a APOIO,
sob o comando do velho amigo da Multi, Jorge Adib, que deixou
a CBS para criar o bra�o de merchandising da Globo. Em
pouco espa�o de tempo o Jorge criou as bases desse novo neg�cio,
conseguindo atingir uma performance acima de qualquer
expectativa. Mais tarde o Jorge Adib assumiu a Divis�o
Internacional de Vendas que estava com o Luiz Borgerth e o
Jos� Roberto Felippelli, dando o impulso que transformou as
vendas de produtos Globo no gigante que � hoje. O Felippelli,
sozinho e heroicamente, conseguiu vender para a It�lia as
nossas primeiras produ��es exportadas e depois montou o escrit�rio
de vendas em Londres. O Jos� Roberto Felippelli foi o
pioneiro, o Jorge Adib fez a expans�o e o Ricardo Scalamandr�
consolidou a Divis�o Internacional. O Jorge Adib, enquanto
trabalhava na CBS e depois na Globo, sempre foi usado por
mim como um consultor de novelas. E, como j� relatei no passado,
nunca coloquei uma novela no ar sem ouvir o Jorge Adib.


O modelo de neg�cio adotado pela Globo � basicamente o
inicial, mas vem sendo atualizado constantemente desde sua
cria��o e recebeu, no decorrer dos anos, importantes contribui��es
de Nonato Pinheiro, Jos� Luiz Franchini, Yves Alves,
Ricardo Scalamandr�, Dion�sio Poli, Antonio Athayde e,
especialmente, do Evandro Guimar�es, em rela��o �s afiliadas,
quando foi fortalecido o relacionamento com as emissoras
da rede e implantadas regras eficientes de funcionamento para
aquele setor. Boa parte da melhoria do relacionamento da �rea
comercial com a produ��o e programa��o se deve ao Ricardo
Scalamandr�, que promoveu, pela primeira vez, um amplo entendimento
entre a �rea de comercializa��o com todas as �reas
da empresa, abrindo as portas para uma coopera��o m�ltipla e
prof�cua.

Mais tarde, com Oct�vio Florisbal no comando da comercializa��o,
a integra��o foi total e o entendimento tornou-se uma
rotina em benef�cio da opera��o e das estrat�gias de programa��o
e vendas, o que permitiu um crescimento constante e seguro
do faturamento da Globo. Em sua mais recente vers�o, o
modelo de neg�cio foi aperfei�oado e a �rea de vendas teve a
sua estrutura revista e renovada pelo diretor geral de comercializa��o,
Willy Haas, com a participa��o do Marcelo Duarte,
Anco Marcio Saraiva e, Gilberto Leifert. O Marcelo Duarte,
seguindo os passos do Jorge Adib, ampliou os horizontes
do chamado merchandising dando nova dimens�o �s parcerias
da Globo com os clientes e eventos e coloca��o de produtos
no entretenimento. A Claudia Quaresma codificou o relacionamento
com as afiliadas, tornando mais f�cil a elimina��o
de d�vidas e simplificando o funcionamento operacional. Tudo
sob a perfeita reg�ncia do virtuoso maestro Oct�vio Florisbal.
O Oct�vio tem uma carreira s�lida, iniciada na Thompson em


1969, depois passando pela Lintas, na �rea de planejamento,
seguida de uma ascens�o vertiginosa na Globo, onde, em 1982
assumiu a dire��o de marketing e, em 1991, a superintend�ncia
de comercializa��o. Oct�vio Florisbal, desde 2002, � diretor
geral da Rede Globo.


A carne assada da Dercy


COM AS NOVELAS DEVIDAMENTE ENCAMINHADAS, fui cuidar da Dercy,
como havia prometido. Muita gente sabe, mas conv�m repetir alguns
detalhes da vida dessa mulher de talento e coragem. Com base em
hist�rias que ela me contou e no relato que fez a Maria Adelaide
Amaral para o livro Dercy de cabo a rabo, fiz um resumo de uma vida
intensa, de muitas lutas e muito sucesso. Dercy nasceu em Santa
Maria Madalena, no estado do Rio, no dia 23 de junho de 1905, mas
s� foi registrada em 1907. Seu pai, um alfaiate, apaixonou-se pela
mulher de um amigo, tamb�m alfaiate, o que ocasionou uma briga
enorme quando ela estava com pouco mais de 1 ano. Sua m�e foi
agredida, teve um dedo quebrado e fugiu de casa, deixando a garotinha
Dercy com o pai. Para sobreviver, foi trabalhar como dom�stica
no Rio de Janeiro. Voltou para visitar os filhos em 1912; logo,
Dercy praticamente s� conheceu a m�e quando tinha 5 anos de idade.
Percebendo que estava tudo bem com as crian�as, dona Margarida
voltou ao trabalho por necessidade absoluta, mas, segundo Dercy,
ela amava demais os filhos, tanto que tentou se matar quando Rubens,
o primog�nito, morreu afogado em um rio de Madalena.

Em 1917, aos 10 anos, Dercy perdeu a m�e vitimada pela gripe
espanhola. Ao completar 16 anos, passou por Santa Maria Madalena
uma companhia de teatro chamada Maria Castro. Dercy se encantou
pela companhia e, especialmente, pelo cantor Eug�nio Pascoal. Um
dia, viu o grupo subindo pela rua onde morava, calculou o tempo em


que chegariam perto e, no exato momento, abriu a janela da casa,
como se fossem cortinas de um palco, e come�ou a cantar
�Cicatrizes�, uma can��o de grande sucesso na �poca. A companhia
parou, ouviu e aplaudiu. O Pascoal a cumprimentou:

� Que voz bonita! Voc� n�o gostaria de ser artista?
Dercy, j� artista, fez um beicinho e soltou a cl�ssica resposta:


� Papai n�o deixa.
Naquele dia, a companhia foi para Maca�. Dois dias depois,
Dercy fez uma rifa de um corte de casimira inexistente. Como

o pai era alfaiate, ningu�m desconfiou que a rifa era falsa. Com
o dinheiro, planejou uma fuga. � noite, arrumou a cama com
um casac�o coberto por len��is que davam a impress�o de que
ela estava l� dormindo. Foi at� a esta��o, onde o trem para Maca�
sairia pela manh�. Havia uma favela ao lado e os c�es come�aram
a latir. Dercy escondeu-se sob um vag�o abandonado.
De manh�, esgueirou-se entre os passageiros e embarcou
no trem, mas foi vista por um parente, que avisou ao pai que
ela estava fugindo.
� Dercy? Fugindo? Que nada... ela est� em casa dormindo.
Foi verificar, deu de cara com o casac�o e partiu de carro para
Maca�. Chegou antes da Dercy. Quando ela desceu do trem
e viu o pai com dois policiais, tentou correr, mas foi pega e foram
todos para a delegacia. Dercy tentou enganar o delegado
dizendo:

� Pai? Esse cara n�o � meu pai. Nunca vi ele na minha vida.
A tentativa n�o deu certo e ela voltou para Madalena. Somente
aos 21 anos, j� maior de idade, conseguiu sair de l� e foi
direto atr�s da companhia Maria Castro. Procurou pelo Pascoal,
que a levou � dona Maria. Teve que se ajoelhar e pedir para
ficar com o grupo. Aos poucos, foi revelando o seu talento. Um


dia, Pascoal a pediu em casamento e Dercy aceitou. Na noite
de n�pcias, ainda virgem, usava uma camisola feita de saco de
estopa com a inscri��o: �Ind�stria brasileira. Arroz de primeira.�
A calcinha era tamb�m aproveitamento de saco de arroz.
De sexo ela n�o sabia nada. O m�ximo que experimentara na
vida tinha sido um beijo de seu primeiro namorado. Na primeira
rela��o com Pascoal, quando come�ou a sangrar, gritou:

� Est� me esfaqueando! Est� me esfaqueando!
Correu at� a delegacia para pedir socorro. Pascoal foi atr�s
e explicou a situa��o. Todos na delegacia morreram de rir e
Dercy voltou acabrunhada para casa. Ela e Pascoal continuaram
a viver juntos, mas como se fossem apenas irm�os. Sexo
entre os dois, nunca mais. Maria Castro adoeceu e decidiu fechar
a companhia. Com o nome de Os Pascoalinos, Dercy e
Pascoal foram correr o interior, mambembando de cidade em
cidade.

Certa vez, em Niter�i, onde viviam, souberam que havia testes
para o teatro Casa de Caboclo, na Pra�a Tiradentes, no Rio
de Janeiro. Aprovados no teste, estrearam no espet�culo Minha
terra. Dercy estava doente, com um foco de tuberculose
no pulm�o, mas precisava trabalhar. Embora seu nome nem figurasse
nos cartazes, o jornal Correio da Manh� publicou sua
foto e ela, imediatamente, mandou para Madalena. Os astros
do espet�culo eram Jararaca e Ratinho, uma das mais criativas
duplas de humoristas do Brasil. Eram t�o importantes que a
atriz Durvalina Duarte preparava o n�mero deles, entrando em
cena apenas para apresent�-los. O telefone tocava e ela atendia.

� Est� l�?
E continuava falando, para a plateia:
� Sabem quem chegou? Jararaca e Ratinho!

Os dois entravam e, com s�tiras pol�ticas e sociais, arrasavam.
Um dia pediram para a Dercy substituir Durvalina Duarte
e anunciar a dupla. Dercy ficou uma arara.

� N�o vou entrar s� para atender um telefone.
Pensou bem e, mesmo achando um desaforo, entrou em cena.
Quando o telefone tocou, ela atendeu:

� Est� l�?
E continuou, sem anunciar ningu�m.
� N�o � a Durvalina, n�o. �Somos� eu que est� aqui.
A plateia caiu na gargalhada. Dercy n�o sabia o que fazer
e deu uma cusparada no ch�o. Como seus dentes eram separados,
a cusparada saiu como um esguicho. Voou, passou por
cima do fosso da orquestra e foi parar bem no meio da careca
de um espectador. A casa veio abaixo de tanto rir. O pr�prio
�alvo� se mijou de rir, limpando a careca. Nos bastidores, todo
mundo ouvia a plateia delirando, mas sem saber o que estava
acontecendo. Jararaca e Ratinho foram dar uma espiada para
ver quem estava fazendo a casa morrer de rir. Duque, o mandachuva
do teatro, adorou:

� Voc� tem que fazer sempre esse quadro.
A cusparada revelou a veia c�mica da Dercy, mas, na vida
real, as coisas iam mal. Estava tuberculosa. Teve a sorte de conhecer
Ademar Martins, um empres�rio de caf�, que se apaixonou
por ela e a internou em um sanat�rio. Seis meses depois
teve alta e logo ficou gr�vida de Ademar, pai da Dercimar, sua
�nica filha. Com a morte dele, casou-se com Danilo Bastos.

A estrela da Dercy voltou a brilhar quando ela foi trabalhar
com Walter Pinto, que estava iniciando a carreira como produtor
teatral. Ele percebeu o potencial da atriz e, a partir de
ent�o, o crescimento da carreira dela foi mete�rico. Passou a
ser o primeiro nome no teatro de revista. Trabalhou em algu



mas companhias de teatro, mas logo se tornou adaptadora de
pe�as, diretora e produtora de seus espet�culos, que, durante
anos, lotaram os teatros de todo o Brasil. No cinema, contracenou
com os maiores comediantes da �poca, como Oscarito e
Grande Otelo.

Na televis�o, foi o nome mais importante da TV Excelsior,
onde atuou em Dercy beaucoup, com pe�as de seu repert�rio,
e participou de Vov� Deville. Ela pressionou muito o Walter
Clark com o objetivo de acelerar a minha ida para a Globo.
Quando cheguei l�, a Dercy fazia um enorme sucesso com o
Dercy com�dias, na sexta, e o Dercy espetacular, aos domingos,
mas tinha problemas com a produ��o e com a dire��o dos
dois programas. O Com�dia vivia com problemas de censura,
que acabaram inviabilizando-o. O formato do Dercy espetacular
havia sido sugerido pelo Walter e ele prometeu que iria,
pessoalmente, dirigir o programa. Esteve presente na estreia e
nunca mais apareceu. N�o era a praia dele. A dire��o do programa
ficou a cargo do Bruno Neto, uma figura simp�tica, que
atuava e dirigia bem. Mas o pessoal da Globo era muito amador
e eu precisava de um capataz para tocar o programa. Chamei
o Jo�o Lor�do e montamos uma equipe de produ��o para
dar seguran�a � Dercy. Fomos levando os dois programas ao
mesmo tempo, mas em julho tivemos que cancelar o Dercy com�dias,
que foi substitu�do pelo Dercy de verdade, com dois
�pauteiros� cedidos pelo jornalismo da Globo. O Jo�o tamb�m
montava o roteiro e participava da pauta de reportagens. Um
dia, o Hilton Gomes nos ofereceu uma mat�ria sobre um sujeito
que fora abduzido por um disco voador. Fomos at� a casa
do cara: Hilton, Jo�o Lor�do, Dercy e eu. Sentamos na sala de
estar e ele, em um gravador daqueles de fita, mostrou a conversa
que teve com o suposto ET em pleno disco voador. Logo


percebi que a voz do sujeito abduzido e a do ET era a mesma e
que ele, com um len�o ou outro filtro, fazia a voz do alien�gena.
Perguntei:

� U�, o ET fala portugu�s?
� Fala qualquer l�ngua do mundo. Ele mentaliza o que a gente
fala e responde na nossa l�ngua.
Diante da fraude, agradeci e nos levantamos para sair, quando
ele nos interrompeu.

� Um momento. Me d� um momento que eu quero mostrar
uma coisa.
Cedemos. Ele apagou as luzes e ouvimos umas batidas no
ch�o e certa luminosidade em um canto, que parecia vir de uma
dessas pequenas lanternas de bolso. O sujeito perguntou:

� Est�o vendo alguma coisa?
Eu n�o via nada al�m de uma luz e disse:
� Nada. S� uma luz.
Para minha surpresa, o Hilton Gomes falou:
� Estou vendo um homem de barba branca, cabelos brancos,
uma bata branca e um cajado.
O sujeito gritou:

� � Deus! � Deus!
A Dercy se levantou e mandou ver.
� Acendam j� essa luz! Deus n�o ia aparecer onde eu estou,
porra!
Foi um rebuli�o. O sujeito acendeu a luz e a Dercy me puxou
pela m�o, j� saindo pela porta.

� Puta que o pariu. Tomam meu tempo para uma merda dessas.
Dois outros casos aconteceram nos programas dela. Um foi
com a Coca-Cola, grande cliente da Globo. A Dercy, falando
de si mesma, revelou no ar:


��
Outro foi com o Banco Nacional de Habita��o, BNH.
Vendeu-se uma campanha para o BNH em que os artistas emitiam
opini�es positivas sobre o financiamento da casa pr�pria,
e a Dercy confundiu BNH com BCG, vacina para tuberculose:

� Olha, eu n�o acredito nesse BNH. N�o adianta porra nenhuma.
Fiquei tuberculosa com BNH e tudo. Essas coisas que
o governo d� de gra�a n�o funcionam. BNH � uma merda.
No dia seguinte, nos postos do BNH, havia filas de pessoas
querendo receber de volta o sinal que haviam dado e ao qual
teriam direito em caso de desist�ncia. A Globo precisou explicar
nos telejornais que a Dercy havia feito uma confus�o.

A Globo e eu devemos muito � Dercy. Quando a TV Paulista
foi tomada pelo fogo, em S�o Paulo, ela estava no Rio e
pegou um avi�o para fazer um programa improvisado, na garagem
do pr�dio, em frente ao audit�rio da rua das Palmeiras.
Deu �nimo para todo o elenco que estava em S�o Paulo e registrou
uma audi�ncia sem precedentes.

Por sua naturalidade e brasilidade, foi v�tima do preconceito
de algumas velhas senhoras de militares que voltaram a censura
para cima dela, de tal forma que seus programas foram inviabilizados.
N�o podia mais fazer programa ao vivo e, quando
gravado, era totalmente mutilado, resultando em uma dura��o
t�o pequena que n�o podia ser exibido. Dercy saiu do ar
e da Globo. Mais tarde, voltou e seu brilho continuou no Jogo
da Velha do Faust�o e, depois, em Que rei sou eu?, novela de
Cassiano Gabus Mendes, em que ela esteve hil�ria. Foi um dos
maiores sucessos da hist�ria do hor�rio das sete da noite.

Quando come�amos a trabalhar juntos na Globo, eu ia para
a casa dela com o Jo�o Lor�do, sempre � noitinha. Da cozinha,
vinha o perfume da �carne assada da Dercy�, que depois virou


�carne assada do Boni�. Era uma coisa m�gica, feita somente
com �gua, alho e cebola e mais nenhum mist�rio. Um dia, ao
sair da reuni�o, vi que meu fusca, que deixara estacionado na
porta, havia sido roubado. A Dercy riu.

�carne assada do Boni�. Era uma coisa m�gica, feita somente
com �gua, alho e cebola e mais nenhum mist�rio. Um dia, ao
sair da reuni�o, vi que meu fusca, que deixara estacionado na
porta, havia sido roubado. A Dercy riu.
Paulista boboca, n�o tem trava? Deixa que o seguro paga.
N�o tinha seguro. O Lor�do me deixou em casa, de t�xi. No
dia seguinte, fui despertado por um vendedor de uma revenda
Volkswagen, com um carro zero:

� Dona Dercy Gon�alves mandou entregar para o senhor.
Pouco antes de ela morrer, a Dercimar me disse que a m�e ia
de t�xi visitar as amigas e jogar bingo, que ela adorava. Mandei
de presente um carro zerinho para ela.

At� perto dos 100 anos a Dercy mandava mensalmente a minha
carne assada. Quando ela faleceu, postei um texto, em meu
blog, com o t�tulo: �O boato da morte de Dercy.�

Uma mulher como a Dercy n�o morre nunca.


Quem n�o se comunica se
trumbica


O PERNAMBUCANO ABELARDO BARBOSA estudou anatomia no Recife,
mas se tornou baterista. Engajou-se em um conjunto musical e, tocando
em um navio, conseguiu vir parar no Rio de Janeiro. Em 1943,
arranjou um hor�rio na R�dio Clube de Niter�i, que funcionava numa
pequena ch�cara, conhecida como chacrinha. L�, lan�ou um programa
chamado O Rei Momo na Chacrinha, que virou Cassino da
Chacrinha e depois Cassino do Chacrinha. Se antes era chamado de
O louco de Niter�i, passou a ser conhecido como Chacrinha. Eu o
ouvi algumas vezes na R�dio Tamoio, do Rio, nos anos 1950. Em
1963, cruzei com ele na TV Rio, mas convivemos por pouco tempo.
Um dia me convidou para comer uma galinha de cabidela no seu pequeno
apartamento, na rua Bolivar, em Copacabana. Mesmo sem nenhuma
intimidade com ele, aceitei o convite. O prato foi preparado
com perfei��o por sua esposa, dona Florinda e, mais tarde, passou a
ser o prato oficial de nossos encontros dominicais na casa da fam�lia
Barbosa.

Nos primeiros dias da Globo, voltamos a falar no Chacrinha. O
Walter Clark se revelava preocupado com o crescimento da TV Rio.
N�o era uma amea�a; apenas o programa do Chacrinha e o do Roberto
Carlos davam boa audi�ncia. Mas o Walter n�o esquecia o trauma
de 1963, quando perdeu praticamente todo o seu elenco para a TV


Excelsior. Dar um troco no Manga, que comandou a opera��o,
sempre esteve na cabe�a dele.

Excelsior. Dar um troco no Manga, que comandou a opera��o,
sempre esteve na cabe�a dele.
gan�a,
mas o processo predat�rio criado pela TV Rio, que dava
de gra�a o hor�rio para qualquer anunciante que quisesse produzir
um programa na emissora. Uma das bandeiras dele sempre
foi a moraliza��o da comercializa��o na TV. Defendia que,
enquanto as emissoras n�o entendessem o valor do seu espa�o
comercial, n�o haveria como estabelecer um modelo de neg�cio
sustent�vel para o ve�culo. E, por isso, achava que dev�amos
dar um golpe mortal na TV Rio antes de prosseguirmos
com nossos objetivos. Na verdade, a TV Rio n�o tinha muita
coisa que nos interessasse. O Roberto Carlos era contratado da
TV Record, em S�o Paulo, e n�o poder�amos pensar nele para
atuar somente no Rio. Sobraram, por exclus�o, o Chacrinha
e o Festival Internacional da Can��o. A decis�o de tentar trazer
o festival foi un�nime. O Walter ficou encarregado de negociar
isso com o Augusto Marzag�o, a prefeitura e o governo
do estado do Rio. J� a possibilidade de contratar o Chacrinha
despertou uma acalorada discuss�o. O Walter reafirmava
a sua tese de que alguns investimentos eram necess�rios para
fazer a Globo decolar. O Joe Wallach era contra, argumentando,
com toda raz�o, que pagar fortunas para os artistas, al�m de
simplesmente transferir dinheiro dos anunciantes para o bolso
deles, estimularia a infidelidade e aumentaria os custos. Fiquei
entre a cruz e a espada, mas concordava que precis�vamos de
alguns nomes para dar a partida.

Minha conviv�ncia com o Chacrinha, na TV Rio, havia sido
muito curta, mas o suficiente para constatar que ele tinha personalidade
forte e era teimoso. Sabia que daria audi�ncia, mas
temia n�o poder control�-lo. O dr. Roberto, consultado, n�o via


com bons olhos a contrata��o. Eu era muito amigo do Paulo
Montenegro e do Jos� Perigault, as duas pessoas mais importantes
do IBOPE e tamb�m muito pr�ximos do Chacrinha. Resolvi
consult�-los para saber mais sobre ele e se aceitaria melhorar
o n�vel do programa. O Perigault achava que poderia ser
feito, mas eu teria que conquistar a confian�a do Chacrinha.
O Paulo Montenegro, arguto observador, com aquele seu olhar
malicioso, me disse francamente:

� Dif�cil, Boni... Muito dif�cil. O Chacrinha s� confia nele
mesmo.
Na Globo, sucediam-se as reuni�es sobre a contrata��o, mas
n�o se chegava a um acordo. O Joe Wallach, coerente, era contra
e defendia seu ponto de vista de ir devagar e sem fazer loucuras.
Depois da conversa com o Perigault e com o Paulo Montenegro,
comecei a pensar que poderia ser interessante trazer o
Chacrinha e investir na melhoria do programa dele.

O Walter se comprometeu com o Joe a n�o realizar nenhuma
outra aquisi��o desse porte e disse que tentar�amos fazer as
coisas com cuidado. O Joe, a contragosto, cedeu. Conversamos
longamente com o Chacrinha sobre o nosso desejo de subir o
n�vel do programa e sobre a necessidade de, inicialmente, fazer
a Discoteca ea Buzina ao vivo, no Rio e em S�o Paulo.
Ele concordou com tudo, especialmente com a nossa proposta
de melhorar o n�vel das atra��es. Havia ainda alguns problemas.
A Casas da Banha, tradicional patrocinadora do Chacrinha,
queria garantir a exclusividade do patroc�nio, e o Chacrinha,
com medo de atrasos no sal�rio, queria receber diretamente
do anunciante, coisa que feria a pol�tica da Globo. Depois
de uma longa queda de bra�o, o Walter o convenceu de que a
melhor forma seria assinar com a Globo e dar a primeira op��o
de patroc�nio, no Rio, ao Ven�ncio Veloso, das Casas da


Banha. Em caso de dificuldades com a Globo, ele garantiria o
pagamento. O contrato foi assinado.

Banha. Em caso de dificuldades com a Globo, ele garantiria o
pagamento. O contrato foi assinado.

� O Boni quer melhorar o n�vel, mas a Globo tem � que ser
mais popular.
Mais de cem cachorros concorreram ao pr�mio e o vencedor
tinha sete mil pulgas. A rua Pacheco Le�o, no Jardim Bot�nico,
amanheceu com faixas: �Querem manter a Pacheco Le�o?
Acabem com o Chacrinha!�

O pr�dio novo da Globo ficou cheio de pulgas. O coronel
Paiva Chaves, chefe dos Servi�os Gerais, como era do seu feitio,
reclamou educadamente:

� Desculpe, mas o senhor n�o pode fazer isso aqui na Globo.
O Chacrinha, que n�o o conhecia, retrucou:
� Quem � o senhor? O que faz aqui?
� Eu sou o coronel Paiva Chaves e, entre outras coisas, sou
o chefe dos Servi�os gerais.
� �timo. Estou falando com a pessoa certa. Cada um na sua
fun��o. Eu fa�o programas. O senhor dedetiza, t� bom?
O pr�dio da Globo era um orgulho para o dr. Roberto e ele
ficou dias sem pisar l� at� sumirem com todas as pulgas.
O Walter, ao assinar o contrato do Chacrinha, presenteou-

o com uma buzina de ouro, mas quando soube das pulgas, foi
ao banheiro e vomitou. Tivemos que discutir novamente com
o Chacrinha o que ele podia e o que n�o podia fazer na Globo.
O Paulo Montenegro, do IBOPE, tinha raz�o: aquele pernambucano
n�o era f�cil. Foram anos de sacrif�cio acompa



nhando os problemas que ele tinha com o som do audit�rio.
Quarta e domingo, no Rio; quinta e s�bado em S�o Paulo. Todas
as semanas. Nossa amizade pessoal cresceu muito, mas,
profissionalmente, nunca chegamos a um entendimento pleno.
O meu objetivo era transform�-lo em �dolo nacional, aceito
tamb�m em S�o Paulo e assistido por todas as classes. Nunca
quis mexer e n�o seria louco de mexer no personagem Chacrinha.
Melhorei cen�rios, luz, figurinos, mas patin�vamos nas
atra��es sempre destinadas �s camadas mais baixas da popula��o
televisiva.

O ibope era a raz�o da vida do Chacrinha. Ele me enlouquecia
ao receber os resultados de audi�ncia do seu programa e
me ligava para discutir o ibope de todos os programas da Globo.
Um inferno. Eu vivia jantando com o Paulo Montenegro e

o Perigault para tirar as d�vidas do Chacrinha e discutir os resultados
de pesquisa. Por certo tempo, ele mandou fotografar
as casas pesquisadas para conferir de que classe eram e depois
colocou o filho Jorge Barbosa, com uma equipe, para acompanhar
os pesquisadores do IBOPE e fiscaliz�-los.
Em 1970, o Chacrinha contratou o ITAPE (Instituto T�cnico
de An�lises de Pesquisa e Estudos), rec�m-fundado pelo Homero
Icaza S�nchez, pois queria entender melhor os n�meros
de audi�ncia. Ficou fascinado ao descobrir o comportamento
das diferentes classes sociais. Ele, que sempre foi escravo do
ibope, come�ava, gra�as ao Homero, a ser especialista.

Pensei que seria pior para mim, mas foi a� que consegui algumas
vit�rias, fazendo com que melhorasse o n�vel das atra��es
e inserisse apresenta��es internacionais na Discoteca.A
audi�ncia do Chacrinha, na TV Globo do Rio, era excelente
desde o come�o, mas, em S�o Paulo, sua lideran�a foi conquistada
somente depois de dois anos de trabalho.


No final de 1969, com a inaugura��o da rede nacional de
micro-ondas, o programa passou a ser transmitido ao vivo para
todo o Brasil e a audi�ncia em todas as pra�as come�ou a crescer.
Com a chegada do movimento Tropicalista, artistas como
Caetano, Gil, Beth�nia e os Novos Baianos substitu�ram as
atra��es popularescas do programa. A m�sica �Aquele abra�o�,
de Gilberto Gil, saudando o Velho Guerreiro, o consagrou
definitivamente, e o reconhecimento deste fen�meno por
cientistas sociais e por estudiosos de comunica��o deu um novo
status ao Chacrinha. No norte, os resultados eram ainda
mais expressivos e at� surpreendentes. Numa noite em homenagem
ao Tropicalismo, fizemos uma pesquisa especial em
Salvador, e o programa alcan�ou 100% de ibope. As classes
mais elevadas come�aram a curtir o Chacrinha. Beki Klabin foi
convidada e aceitou ser jurada do programa. O Uajdi Moreira,
um dos produtores, foi encarregado de fazer semanalmente
uma lista de socialites e o Chacrinha mandava um �al�� para
Carmen Mayrink Veiga, Lourdes Cat�o, Teresa Souza Campos,
como v�rios apresentadores fazem hoje. As crian�as tamb�m
se apaixonaram por ele. O �dolo nacional existia plenamente
e estava a todo vapor.

Em 1971, aconteceu o lament�vel acidente com o Jos� Renato,
o Nanato, seu filho, que ficou parapl�gico. No ar, a performance
do Velho Guerreiro n�o foi afetada, mas nos bastidores
o clima ficou pesado. Ele nunca mais foi o mesmo. Dei a
ele todo o apoio que pude, visitei o Nanato e at� importei medicamentos
especiais do exterior.

Um outro acontecimento desagrad�vel foi a volta da discuss�o
sobre o �jab��, termo utilizado no jarg�o de r�dio e televis�o
para denominar uma esp�cie de suborno. Aumentaram as
den�ncias de que a produ��o do programa estaria cobrando das


gravadoras de discos para escalar os artistas. E tamb�m que o
Chacrinha s� selecionava para os programas da Globo aqueles
que fossem de gra�a nos seus shows pelo interior do Brasil.
Em uma entrevista ao Pasquim, em 1969, ele admitiu que
isso acontecia. Para mim, alegou que suas declara��es foram
deturpadas. No entanto, em 1971, alguns artistas falavam publicamente
do caso em jornais e revistas. Quis tirar a hist�ria
a limpo diretamente com ele. Tivemos uma reuni�o, a portas
fechadas, e ele negou tudo. Eu, calmamente, conclu�:

� Se voc� n�o tem culpa, melhor. Podemos investigar sem
medo.
O Chacrinha se alterou dizendo que eu o chamara de ladr�o.
Subiu o tom de voz para dizer que n�o cobrava nada de ningu�m
e que os artistas que iam aos shows particulares dele
compareciam de gra�a para se promover. Come�ou a gritar:

� N�o sou ladr�o. N�o sou ladr�o.
Ia expuls�-lo da sala, mas ele, percebendo que tinha exagerado,
pediu desculpas. Aceitei, mas continuei a investiga��o.
Infelizmente, n�o foi poss�vel esclarecer nada, visto que gravadoras
e artistas, por n�o terem provas ou por receio, se recusaram
a cooperar. Desde o dia em que tivemos essa discuss�o,
n�o compareci mais aos seus programas como fazia habitualmente.
Ele me procurou algumas vezes tentando consertar a
situa��o, alegando estar muito nervoso. E estava mesmo. Para
entrar em cena animado, discutia com todos os seus assistentes
e produtores e, com o intuito de subir a adrenalina, se
movimentava freneticamente pelos corredores. Em casa, tomava
calmantes fort�ssimos e s� dormia � base de son�feros. Entretanto,
sua pior fase psicol�gica veio com a concorr�ncia do
Fl�vio Cavalcanti. O Chacrinha se desesperou e o Fl�vio tamb�m.
Os dois desataram a fazer loucuras. Seu Sete da Lira, en



tidade recebida por dona Cacilda, uma suposta m�dium, era
disputado pelos dois apresentadores, que n�o se furtavam a beber
cacha�a no gargalo da mesma garrafa onde Seu Sete babava.
Fora isso, teve at� cena digna de filme policial. Um menino
de 12 anos, no Paran�, dirigiu uma locomotiva levando-a ao
seu destino, pois seu pai, maquinista do trem, tivera um problema.
O garoto virou manchete em todos os grandes jornais
da Brasil. O Fl�vio mandou busc�-lo para contar a hist�ria em
seu programa. Chacrinha ficou possesso, iria perder feio para o
Fl�vio. O Uajdi Moreira descobriu que o garoto vinha do Paran�,
de �nibus, com a fam�lia. Montou uma barreira na via Dutra,
sequestrou-os e os levou para o programa do Chacrinha.

Outro caso foi o do �suicida� que todos os domingos falava
com o Fl�vio Cavalcanti. Tal qual a Sherazade das Mil e uma
noites, o Fl�vio conseguia fazer com que o ato final da morte
fosse transferido sempre para a semana seguinte. O rep�rter
Odilon Coutinho descobriu que era tudo falso e que o suposto
suicida era um ator obscuro. Deu a ele uma grana e o rapaz
confessou tudo no programa do Chacrinha. Ao t�rmino do programa,
fomos jantar e tentei convenc�-lo de que o Fl�vio Cavalcanti
estava desmoralizado, que era melhor esquecer o �inimigo�
e fazer seu trabalho. Al�m do mais, o Fl�vio s� incomodava
no Rio de Janeiro.

Foi um deus nos acuda. O Chacrinha achou que eu estava
me metendo no programa dele e tivemos que transferir a conversa
para o dia seguinte. Fui claro. Disse a ele que n�o admitiria
a volta � breguice, n�o aceitaria a explora��o da desgra�a
alheia nem permitiria shows de valoriza��o da crendice popular,
como o ocorrido com o Seu Sete da Lira. Havia tolerado
at� o limite essa �guerra� est�pida contra o Fl�vio Cavalcanti.
Falei do quanto o admirava, lembrei os momentos de gl�ria


que teve quando melhorou o n�vel do programa e ele, aparentemente,
concordou comigo. Mas para a equipe, para os filhos,
para os amigos comuns e at� para o Walter Clark, passou a reclamar
da minha interfer�ncia e a dizer que eu queria transformar
seu programa em um show americano. N�o era nada disso.
Eu queria apenas voltar aos bons tempos do pr�prio Chacrinha.
Tanto que, em mar�o de 1972, com o advento da televis�o
em cores, escolhi o programa dele como o primeiro da linha
de shows a ser transmitido colorido, n�o s� pelas cores que j�
eram do programa, mas tamb�m como uma homenagem � sua
figura.

N�o sei se houve alguma intriga, mas, apesar da amizade
que t�nhamos, nosso relacionamento profissional come�ou a ir
de mal a pior. Ele passou a atrasar, de prop�sito, o encerramento
de seus programas, prejudicando a novela, �s quartas-feiras,
e os filmes de domingo. Pedi que me ajudasse n�o ultrapassando
o hor�rio �s quartas e concedi uma toler�ncia de dez minutos
aos domingos. Ele solicitou que eu mandasse isso por escrito,
mas me recusei, explicando que a toler�ncia n�o era regra,
portanto, n�o poderia ser oficializada. �s quartas, ele at� obedecia,
mas aos domingos sempre ultrapassava o combinado.
Um dia, est�vamos jantando e ele me prometeu que n�o passaria
mais das 22h10. Novamente, lembrei que o hor�rio era �s
22h, como constava do contrato, e repeti que a toler�ncia n�o
podia ser transformada em novo hor�rio oficial.

Em um domingo de dezembro de 1972, o Chacrinha come�ou
a esticar o programa por conta de uma entrevista intermin�vel
com o Juca Chaves, que fazia acusa��es � televis�o de
maneira geral. Mandei acelerar. Encerrada a entrevista, fiquei
sabendo que haveria mais duas ou tr�s atra��es e que ele estouraria
o hor�rio. Eram 22h04. Pedi ao Jorge Barbosa, filho dele


e um dos produtores, que desse ordem para encerrar �s 22h10,
pois cortaria se passasse um minuto. Recebi de volta um recado:


� O Chacrinha mandou dizer que n�o tem previs�o para terminar.
Achei a resposta malcriada e tirei imediatamente o programa
do ar. O Chacrinha quebrou tudo no est�dio e subiu possesso,
sem camisa, at� a minha sala, gritando:

� Vou embora! Vou embora! N�o apare�o mais aqui.
� Pois v�! Pego seu dinheiro e vou investir em programas
melhores.
No dia seguinte, dois advogados dele estavam na portaria do
pr�dio querendo que eu os recebesse. Autorizei que subissem �
minha sala e, enquanto esperavam, pedi a presen�a do Joe e do
Walter para testemunhar a conversa. Os advogados informaram
que o Chacrinha s� ficaria mediante um pedido formal de
desculpas, feito por mim. Expliquei que poder�amos conversar
tranquilamente, e direto com ele, mas estava fora de cogita��o
qualquer pedido de desculpas. Ao contr�rio, seria fundamental
um compromisso do Chacrinha em cumprir os hor�rios estabelecidos
no contrato, sem mais toler�ncia. Um deles se levantou:


� Se voc�s querem assim, n�s vamos ter que entrar na justi�a
e voc�s v�o perder o Chacrinha e muito dinheiro.
O Joe e o Walter foram absolutamente solid�rios comigo. O
Joe, com seu acento americano, protestou:

� Que isso? Voc�s est�o nos amea�ando?
O Walter completou:
� A Globo n�o � apenas o Chacrinha.
Em tom pretensioso, um dos advogados retrucou:

� �
Os advogados foram embora. A justi�a declarou as duas
partes sucumbidas, ou seja, ambas contribu�ram para a rescis�o
do contrato e ningu�m teve que pagar nada a ningu�m.

Na mesma noite em que ocorreu o epis�dio fatal, o Chacrinha
foi jantar na churrascaria A Carreta e l� estavam, por acaso,
o Fl�vio Cavalcanti e a diretoria da TV Tupi. Ele contou o
que havia acontecido e foi convidado a ir negociar seu contrato.
Na mesma semana, estreou na Tupi. Tivemos que improvisar
nossa programa��o para preencher o buraco deixado, no
hor�rio nobre, �s quartas e aos domingos.

Na quarta-feira, provisoriamente, colocamos no ar o Globo
de Ouro, dirigido por Augusto C�sar Vanucci, para depois lan�armos
a s�rie Kung Fu. O primeiro programa Globo de Ouro
perdeu por d�cimos no Rio, mas ganhou do Chacrinha em
todo o Brasil. O Kung Fu, no entanto, arrasou com ele. Dona
Florinda costumava ver, ao mesmo tempo, em dois televisores,

o programa do Chacrinha e o do concorrente. Anotava sempre
as atra��es e tudo o que acontecia nos dois, minuto a minuto.
Soube por amigos que o Chacrinha, ao chegar em casa, ap�s
perder para o Kung Fu, quis analisar a audi�ncia e pediu as
anota��es da Florinda:
21h � Um homem caminha no deserto com uma mala velha.
Ele � o Kung Fu.

21h05 � Um s�bio chin�s d� conselho ao Kung Fu, dizendo:
�Gafanhoto...�

21h10 � O Kung Fu parece fraco e � humilhado pelos bandidos.
Mas quando se irrita, salta e, com os p�s, atinge o rosto
de tr�s bandidos nocauteando-os ao mesmo tempo.


Chacrinha, acostumado a ver nomes de cantores, m�gicos e
comediantes, perguntou � mulher:

Chacrinha, acostumado a ver nomes de cantores, m�gicos e
comediantes, perguntou � mulher:
Quem cantou? Que horas cantou?
� Abelardo, ningu�m cantou.
Ele picou o papel em pedacinhos:
� Chega! Chega! Como � que eu posso concorrer com uma
coisa dessa?
Aos domingos, lan�amos o S� o amor constr�i, que focalizava
a import�ncia do amor na vida e na carreira de personalidades
de destaque, usando depoimentos de familiares, amigos
e colegas. Era dirigido por Carlos Alberto Loffler e apresentado
por Marisa Raja Gabaglia. O programa sempre ganhou
do Chacrinha, mas oscilava dependendo do nome do homenageado.
Ficou algumas semanas no ar e nos permitiu formatar,
produzir e estrear o Fant�stico, no dia 5 de agosto de 1973. O
programa registrou �ndices superiores aos do tempo do Chacrinha
e ainda qualificou a audi�ncia, valorizando o hor�rio.
O Velho Guerreiro passou por v�rias outras emissoras. N�o se
deu bem na Tupi, foi melhor na Bandeirantes, mas sem o mesmo
brilho que tinha na Globo. Na Bandeirantes, cheguei a emprestar
uma lente para ele fazer o programa.

Do dinheiro que pagar�amos a ele, destinei uma parte para
refor�ar a Central Globo de Jornalismo e outra para, finalmente,
contratar o Chico Anysio. Havia muito tempo que queria
lev�-lo para trabalhar comigo.

Por um lado, fiquei feliz, mas, por outro, estava muito abatido
por ter brigado com um amigo extraordin�rio e um parceiro
incr�vel. Evolu�mos juntos na estrat�gia de conquistar os
diferentes p�blicos no pa�s, e sua sa�da deixou um vazio em todos
que conviveram cinco anos com ele. Foi um momento de
profunda tristeza. Passamos v�rios anos brigados. Muito tempo


depois, o Jorge Adib ofereceu um jantar e, sem me avisar, convidou
o Chacrinha. Terminamos a noite no escrit�rio do Jorge,
eu e o Chacrinha, a s�s. Ele chorou todas as m�goas, reclamou
da minha aus�ncia nos �ltimos programas que fez na Globo,
admitiu que estava me provocando por causa disso e voltamos
a nos falar. Meu carinho por toda a fam�lia Barbosa nunca mudou.
O Jorge, o Leleco, o Nanato e a Florinda n�o deixaram de
ser meus amigos. Florinda foi a respons�vel pela volta do Chacrinha
� TV Globo. Promovia muitos jantares, me colocava a
s�s com ele e pedia:

� Cuida do meu velho.
Como as coisas n�o andavam, um dia nos provocou:
� Como �? Voc�s n�o v�o falar da volta para a Globo?
Era um domingo. Disse ao Chacrinha que nossa programa��o
estava completa, mas que adoraria t�-lo aos s�bados � tarde,
com duas horas de dura��o. Pensei que ele n�o aceitaria.
Mas ele topou entusiasmado e nos abra�amos chorando. No
dia seguinte, assinamos o contrato. Dessa vez, ele ficou dez
anos, mantendo �ndices de audi�ncia que, at� hoje, naquele
mesmo hor�rio, jamais se repetiram. Nunca mais tivemos qualquer
problema.

Nossa rela��o profissional amadureceu e a amizade se consolidou
de uma forma incr�vel. Posso dizer que fazia parte da
fam�lia dele. Em 1987, fui escolhido para entregar seu diploma
de Doutor Honoris Causa, como professor de comunica��o,
oferecido pelo Ronald Levinsohn, da UniverCidade. Fiz
um discurso reconhecendo sua criatividade, sua brilhante intui��o
e a capacidade de estar sempre antenado, como um potente
receptor de r�dio, operando todas as ondas e frequ�ncias, sintonizado
com todos os acontecimentos art�sticos do pa�s. Fico


muito emocionado ao lembrar do grande amigo e da genialidade
do Chacrinha.

Ele pautou sua vida pessoal pelo slogan �Eu n�o vim aqui
para explicar, vim para confundir� e na vida profissional sempre
foi fiel � sua frase emblem�tica: �Quem n�o se comunica
se trumbica.�


Um
terremoto
chamado
Janete


MESMO ANTES DE IR PARA A TV GLOBO, tinha certeza de que com um
�nico autor, por melhor que fosse, n�o seria poss�vel estabelecer uma
linha cont�nua e com v�rias novelas di�rias. Afirmei isso ao ser contratado
e continuei insistindo na mesma tecla com o Walter Clark e
com a Gl�ria Magadan.

O Walter concordava plenamente comigo, mas a Gl�ria se comprometeu
em formar uma dezena de autores em dois anos. Alegava
que era f�cil, mais barato e que seria capaz de fazer isso porque realizara
o mesmo em todos os pa�ses e empresas em que havia trabalhado.
Nunca acreditei nessa possibilidade e pedi ao Daniel Filho que
fizesse algumas sondagens ao mesmo tempo que eu. A Gl�ria, que
adorava segredos e suspenses nas novelas e tamb�m na vida real,
afirmava estar formando v�rios autores e disse que nos surpreenderia.
O primeiro no qual apostou foi o Emiliano Queiroz. Uma curiosidade,
que poucos sabem, � que ela escrevia suas novelas em espanhol
e seu assistente, Ricardo de Luca, as traduzia para o portugu�s.

Emiliano Queiroz era um excelente ator, mas n�o tinha nenhuma
experi�ncia pr�via como autor, logo, seria muito dif�cil conseguir segurar
uma novela. A Gl�ria garantiu que ela e o Ricardo iriam acompanhar
de perto o trabalho do Emiliano e, juntos, apresentaram o projeto
de Anast�cia, a mulher sem destino. A princ�pio achei interessante.
Pensei que a trama fosse a mesma do filme Anast�cia, a princesa
esquecida (1956), para mim, um filme inesquec�vel, estrelado


pela minha eterna paix�o Ingrid Bergman. O filme se passava
em Paris, em 1923, e contava a hist�ria de Anna Anderson,
que dizia ser �a princesa Anast�cia�, �nica sobrevivente ap�s
a execu��o de seu pai, Nicolau II, e de toda sua fam�lia. Parte
da hist�ria era fic��o e o resto baseava-se em fatos reais. Havia
uma heran�a a ser recebida e o filme explorava um mist�rio
intrigante, at� hoje n�o esclarecido devidamente: Anna Anderson
era falsa e oportunista ou era verdadeiramente a filha de
Nicolau II, o �ltimo czar da R�ssia?

Exibi meu conhecimento sobre o filme, mas a Gl�ria jogou
um balde de �gua fria nos meus sonhos com La Bergman. Ela
achava que havia o perigo de ser considerado pl�gio, o que
jamais ocorreria por se tratar de um fato hist�rico. Na verdade,
ela queria explorar o tema de uma forma mais fantasiosa,
baseada no folhetim franc�s A Toutinegra do Moinho, de �mile
de Richebourg. A hist�ria, inteiramente ficcional, se passava
na R�ssia, no tempo dos czares, alguns anos antes da revolu��o
de 1917. Era poss�vel reproduzir a Paris de 1923 em est�dio,
utilizando-se apenas cen�rios de interiores. Mas e os pal�cios
da R�ssia? A floresta certamente n�o poderia ser a nossa mata
tropical! Como far�amos? Onde? De que forma? Ela lan�ou
um argumento in�dito:

� Atores... atores. S�o mais baratos do que cen�rios. Vamos
ter grandes atores e fazer figurinos lind�ssimos.
A hist�ria do folhetim era prim�ria. N�o passava de um
Jo�o e Maria. Uma pobre menina foi abandonada na floresta,
sendo criada por um lenhador. Mais tarde, descobriu-se que ela
era filha bastarda de Nicolau II. Para n�o ser morta, buscou ref�gio
em uma ilha vulc�nica da Martinica.

Li a sinopse e alguns cap�tulos e pedi ao Daniel que tamb�m
lesse, sem que a Gl�ria soubesse. Concordamos que n�o havia


o menor interesse para o p�blico brasileiro. O verdadeiro mist�rio
de Anast�cia me parecia mais interessante, tanto que al�m
do filme de 1956, a hist�ria mereceu uma s�rie da NBC, nos
anos 1980, e, nos 1990, um desenho animado da Fox. Mas a
Gl�ria achava que a vers�o por ela escolhida tinha mais apelo.
Levantei os custos de figurino e de um elenco de sessenta pessoas:
era invi�vel. Comuniquei � Gl�ria que n�o faria a novela
e ela foi se queixar ao Walter Clark. Ele me contou que o argumento
dela era que eu vivia pedindo novos autores e quando
ela finalmente descobriu um autor promissor como Emiliano
Queiroz eu resolvi arranjar algum problema. Levou bel�ssimos
desenhos de figurinos, se n�o me engano feitos pelo Arlindo
Rodrigues, que era mesmo um imenso talento. O Walter me
pediu paci�ncia, pois se a Gl�ria fosse embora, em vez de um
�nico autor ficar�amos sem nenhum. Ele tinha raz�o. Eu j� estava
com uns nomes na cabe�a para refor�ar o time de autores,
mas, sem a aprova��o da Magadan, n�o poder�amos prosseguir
nas negocia��es. A novela foi produzida apesar do custo absurdo.
Em menos de um m�s, os �ndices que t�nhamos no hor�rio
despencaram.
Diziam que o Emiliano, bom cora��o, foi criando mais pap�is
para atender amigos desempregados. N�o sei se � verdade,
mas a novela estava com mais de cem personagens e ningu�m
sabia quem era quem. O diretor era o Henrique Martins, o Alem�o,
nome dado pela apar�ncia e por ter nascido na Alemanha.
Ele sempre foi competente como ator e diretor. Tinha uma hist�ria
brilhante na Tupi e havia dirigido os primeiros sucessos
da Globo, como Eu compro essa mulher e O sheik de Agadir.
Estava desesperado e achava que dever�amos encerrar logo a
Anast�cia. Precis�vamos de tempo para produzir uma novela
substituta e o caminho era salvar e n�o substituir a hist�ria que


j� estava no ar. Eu e o Daniel t�nhamos em mira alguns autores,
como a Janete Clair, a Ivani Ribeiro, o Benedito Ruy Barbosa,

j� estava no ar. Eu e o Daniel t�nhamos em mira alguns autores,
como a Janete Clair, a Ivani Ribeiro, o Benedito Ruy Barbosa,
sa
aposta na Janete. Pedi ao Daniel que fizesse uma sondagem
com ela. O problema era como resolver�amos isso com a Gl�ria
Magadan. Por uma feliz coincid�ncia, o Emiliano Queiroz
tamb�m pensou na Janete para ajud�-lo e, numa atitude de sincera
humildade, a apresentou � Gl�ria. Elas conversaram e a
Gl�ria aceitou sua participa��o. Foi um al�vio para mim e para
o Daniel. Ter�amos a Janete sem criar nenhum conflito. Ela leu
o livro, descobriu que havia a men��o de um maremoto � que
nunca ser�amos capazes de produzir na televis�o �, e sentenciou:
� Terremoto. Terremoto d� para fazer. Matamos todos. S�
deixamos quatro personagens. Coloco mais uma meia d�zia de
atores e encerro a novela com 120 cap�tulos. Se voc�s aceitarem,
eu topo. Caso contr�rio, fico � disposi��o e volto quando
voc�s tiverem outro trabalho para mim.
Ela disse isso em uma reuni�o em que est�vamos eu, o Daniel
Filho e o Emiliano. Ter�amos que convencer a Gl�ria Magadan.
Eu temia pela rea��o dela, mas fui surpreendido:

� Gostei, � isso que temos que fazer. Adorei o terremoto.
Nos encontros com a Janete, eu pensava no Dias Gomes para
ser mais um de nossos autores de novela, mas fiquei meio
sem jeito de falar com ela sobre isso, certo de que o Dias n�o
toparia voltar ao g�nero depois de tantos sucessos teatrais, liter�rios
e cinematogr�ficos, inclusive com a Palma de Ouro em
Cannes ganha por O pagador de promessas. Resolvi arriscar e
perguntei:


��
� Olha, Boni, est� precisando trabalhar. N�o diga isso a ele,
mas se tiver alguma coisa, chame o Dias.
No momento s� t�nhamos um projeto para ele, a adapta��o
de A ponte dos suspiros, mais um texto apelativo de �poca, escolhido
pela Gl�ria Magadan. O Dias topou a proposta, desde
que usasse um pseud�nimo. O Walter Clark entrou na minha
sala quando est�vamos negociando e sugeriu Stela Calderon,
nome que aprovamos e que o Dias adotou nesse trabalho.

J� na semana seguinte, os textos da Janete para Anast�cia
estavam no ar. A terra sacudiu e a Janete salvou a Globo de um
desastre. Em um cap�tulo, morreram 108 personagens. A Leila
Diniz passou a fazer dois pap�is: m�e Anast�cia e sua filha.
O personagem do Henrique Martins cresceu e ele ficou apenas
com a dire��o geral, passando a dire��o para o R�gis Cardoso,
que assumia assim, pela primeira vez, a responsabilidade total
por uma novela.

O terremoto deu o que falar. Em todos os intervalos comerciais,
faz�amos promo��o da novela exibindo as cenas. Anast�cia
come�ou a recuperar os �ndices. N�o chegou a ser um
sucesso, mas manteve uma bel�ssima audi�ncia. Conseguimos
ainda que a Janete esticasse um pouco mais a trama, que fechou
com 125 cap�tulos e um resultado superior ao in�cio desastrado.


Terminada a novela, a Gl�ria Magadan teve um desentendimento
com o Henrique Martins e o demitiu sem consultar ningu�m.
Quis saber o motivo, mas ela alegou que era pessoal. Eu
reagi:

� Voc� n�o pode demitir ningu�m sem motivo.
Ela foi preparada e tirou uma papelada do bolso. Era o contrato
que ela havia assinado com o Walter.


��
Peguei o contrato, li e fiquei sem gra�a. As cl�usulas sublinhadas
lhe concediam os direitos leoninos. Entre outros o de
escolher todos os textos para os hor�rios de novelas da Globo;
escolher autor, diretor e elenco; contratar e demitir, livremente,
todos os funcion�rios ligados ao departamento de novelas.
Eu n�o sabia disso e fui consultar o Walter. Relatei o caso do
Henrique e o meu espanto com os direitos extraordin�rios da
Gl�ria Magadan, sobre os quais n�o fora informado. O Walter
n�o se perturbou:

� Se eu n�o desse essas condi��es � Gl�ria, ela n�o viria para
a Globo. Voc� sabe, �s vezes a gente tem que fazer concess�es.
� Est� certo. Mas o que a gente faz agora?
� Concordo que esse contrato � uma merda, mas vamos
cumprir o que est� escrito. S� temos a Gl�ria.
� Agora temos a Janete. Ela foi muito bem e deu um jeito
em Anast�cia.
� � cedo. Vamos esperar um pouco mais.
Nesse meio tempo o R�gis me procurou para fazer um apelo
pelo Henrique, nosso amigo de muitos anos. Contei a ele os
poderes que o contrato dava a Gl�ria e sugeri que falasse com

o Walter. A Gl�ria, ao saber disso, quis a cabe�a do R�gis tamb�m.
S� consegui segur�-lo mandando-o para S�o Paulo, de
modo que ficasse ao lado do Geraldo Cas�, diretor art�stico que
eu havia mandado para l�. O Henrique, infelizmente, n�o deu
para segurar, e ele achou que apoiei a Gl�ria Magadan por precisar
mais dela do que dele. Nunca consegui saber qual foi e
como foi o desentendimento entre os dois. Recentemente ouvi
uma vers�o de que a Gl�ria havia convidado o Henrique para
uma festa na casa dela. Quando ele chegou, deparou-se com

ela em trajes �ntimos, com uma ta�a de champagne na m�o, e
foi surpreendido porque era o �nico convidado. O Henrique teria
dado meia-volta e ido embora, o que provocou a ira da Gl�ria
Magadan contra ele.

Leila Diniz n�o sumiu no terremoto, mas, solid�ria ao Henrique
Martins, sumiu da Globo. Os dois foram para a TV Excelsior.
Pouco tempo depois, ela quis voltar. A empresa, seguindo
a linha de n�o aceitar a volta de quem sai sem motivo
da emissora, n�o aprovou o seu retorno. Admito at� que a Leila
possa ter pensado que houve algo mais que uma simples raz�o
administrativa, mas n�o houve.

Uma intoler�ncia pol�tica ou moral da Globo n�o faria sentido.
L� trabalharam, em posi��o de destaque: Dias Gomes, M�rio
Lago, Gianfrancesco Guarnieri, Oduvaldo Vianna Filho, o
Vianninha, Jorge Amado, Ferreira Gullar, Paulo Francis, enfim,
jornalistas, artistas, cantores e m�sicos das mais variadas
vis�es pol�ticas e de diferentes comportamentos sociais, sem
que sofressem qualquer restri��o.

Tamb�m atribu�ram � Janete Clair a frase �N�o trabalho
com prostituta�, que ela jamais pronunciou em rela��o � Leila.
Primeiro, por que n�o era o estilo da Janete. Segundo, por que
certamente teria problemas familiares com o liberal Dias Gomes.
A evid�ncia de que nada aconteceu � que, seis meses depois
de sua sa�da da Globo, Leila Diniz estrelou a novela Acorrentados,
de Janete Clair, na TV Rio. Franca e sem papas na
l�ngua, certamente ela n�o aceitaria trabalhar em um texto da
Janete se o fato tivesse realmente ocorrido.

Quanto ao Emiliano Queiroz, saiu ileso do abalo s�smico.
Nunca o considerei respons�vel pelo insucesso de Anast�cia.
Foram muitos e diversos fatores reunidos. Sempre o respeitei,
pela sinceridade, pelo car�ter e pelo imenso talento que mos



trou em tantos personagens marcantes que interpretou e consagrou
na TV Globo.

Os metereologistas constumam dar nomes aos furac�es.
Mas o nosso terremoto tamb�m tinha um nome: Janete Clair.
Anast�cia foi apenas o epicentro desse terremoto. N�o dependiamos
mais exclusivamente da Gl�ria Magadan. A Janete
Clair abalou toda a estrutura de novelas da Globo e deu a mim
e ao Daniel Filho a seguran�a necess�ria para enfrentarmos os
problemas que t�nhamos.


Arriba!
Tarc�sio
y
Gl�ria


EM S�O PAULO, O PRINCIPAL MERCADO, est�vamos andando para tr�s,
uma vez que Anast�cia e O homem proibido n�o repetiram os bons
�ndices de audi�ncia de O sheik de Agadir e A rainha louca. Era preciso
partir para a briga na arena paulista. Nossas novelas precisavam
de atores cujos rostos fossem familiares e tivessem empatia com o
p�blico de l�. A primeira investida foi no casal Tarc�sio Meira e Gl�ria
Menezes. O casal j� havia facilitado, para a TV Excelsior, a entrada
no mercado de novelas e poderia repetir isso para n�s. A Gl�ria
Magadan concordou, mas insistia em �poca, em escape e fuga da realidade.
Ela dizia:

� Meu of�cio � provocar evas�o.
O Daniel, a Janete e eu conseguimos que ela avan�asse alguns
s�culos e surgiu a ideia de produzirmos Sangue e areia, de Blasco
Iba�ez, adaptado pela Janete Clair, o que nos dava uma grande seguran�a
quanto ao texto e � carpintaria. Dividi as a��es entre a Janete,

o Daniel Filho e o Renato Pacote. A Janete iniciou imediatamente a
adapta��o. O Renato foi para S�o Paulo tentar contratar o Tarc�sio e
a Gl�ria, que eu sabia que n�o estavam muito felizes na Excelsior, j�
em estado terminal. De qualquer forma, o encontro teria que ser em
lugar discreto. O Renato os levou para jantar na Cantina Capuano, no
Bexiga, perto de onde existira, no passado, o famoso Nick-Bar, point
dos artistas bo�mios de S�o Paulo e tamb�m o TBC (Teatro Brasileiro
de Com�dia) de Franco Zampari. De madrugada o Renato Pacote

me ligou dizendo que tudo havia corrido bem e que o Tarc�sio
e a Gl�ria viriam ao Rio para finalizar as condi��es, j� prontos
para assinar o contrato. Pulei de alegria, pois confiava que
os dois ajudariam a Globo a galgar as posi��es que quer�amos.
Assinamos o contrato e, inicialmente, eles permaneceriam em
S�o Paulo e nos dariam tr�s dias por semana no Rio. O Daniel
foi para o M�xico. L� poder�amos gravar as cenas de tourada
e n�o precisar�amos ir � Espanha. Pedi apoio ao Telesistema
Mexicano, precursor da Televisa, e o Daniel foi examinar o
que dava e o que n�o dava para fazer. Do M�xico, ele me ligou
decepcionado, pois n�o era �poca de touradas, que s� viriam a
ocorrer a partir de dezembro, quando a novela j� deveria estar
sendo exibida. A solu��o encontrada foi deixar o Daniel assistindo
centenas de fitas de videotape e escolhendo as cenas que
poder�amos usar com toureiros que, � dist�ncia, fossem parecidos
com o Tarc�sio. Com as trajes de lidia (roupas de luta)
e os chap�us de toreador isso n�o era muito dif�cil. O Daniel
selecionou as cenas e teve a ideia de comprar alguns trajes aut�nticos,
bem parecidos com os que existiam nas imagens escolhidas
por ele. Faz�-los aqui seria imposs�vel pelo custo. Os
usados sairiam mais em conta e pareceriam mais aut�nticos.

Outra sacada do Daniel foi ter observado que os aprendizes
de toureiro treinavam com touros falsos, com seus chifres
montados em um carrinho de m�o, com uma roda de bicicleta.
Colocando uma c�mera no carrinho poder�amos ter a imagem
subjetiva das arremetidas e recuos dos touros. O ator Jos� Fernandes
foi preparado para guiar o carrinho com manobras e velocidades
que parecessem as de um touro real. No terra�o da
Globo, montamos um trecho de arquibancada e cobrimos o piso
de areia, para realizar as cenas de arena. Fruto do casamento
perfeito entre autora e diretor, Sangue e areia obteve um suces



so surpreendente e passou a liderar a audi�ncia no Rio e tamb�m
em S�o Paulo.

Al�m dessa novela da Janete Clair, o Daniel dirigia tamb�m
O homem proibido, da Gl�ria Magadan, que ia bem no Rio,
mas fracassou em S�o Paulo. A Gl�ria, morrendo de inveja, foi
se queixar comigo de que o Daniel tinha abandonado sua novela
e s� cuidava da novela da Janete. A presen�a da nova autora
e de novos atores, sobre os quais ela n�o tinha ascend�ncia,
a levaram � loucura. Tarc�sio e Gl�ria conquistaram com
sua simpatia os colegas do Rio de Janeiro e, de imediato, passaram
a ser solicitados para comparecer a festas e jantares da
sociedade carioca. Gl�ria Menezes estava deslumbrante como
Do�a Sol e Tarc�sio Meira era de uma eleg�ncia �mpar como
Juan Gallardo.

La Magadan come�ou a agir de forma estranha. Primeiro
quis mudar o texto de Sangue e areia, fazendo com que o toureiro
Juan Gallardo (Tarc�sio) arrancasse os pr�prios olhos e
n�o Do�a Sol (Gl�ria Menezes), como constava na hist�ria original.
A Janete Clair e o Daniel n�o concordaram e eu n�o deixei
a Magadan mexer no texto. Mais tarde, ela passou na minha
sala e, em seguida, foi falar com o Walter Clark. Queria o
Daniel s� na novela dela. Eu resisti, mas o Walter, de novo, me
pediu para aguentar um pouco mais. O Daniel quase morreu de
tristeza, mas, para me ajudar, fez o sacrif�cio e concordou em
deixar Sangue e areia. Eu precisava de outro diretor e s� tinha

o R�gis Cardoso, com quem a Gl�ria Magadan havia brigado.
Argumentei com ela:
� Est� bem. O Daniel fica no O homem proibido, mas o R�gis
Cardoso � a �nica op��o para Sangue e areia.

Creio que ela achou que o R�gis iria se dar mal, prejudicando
a novela da Janete, e aceitou o retorno dele. Mas ele acabou
indo muito bem e concluiu a novela com sucesso.

A guerra Boni x Magadan, iniciada na A rainha louca, engrossada
com Anast�cia e aquecida com O homem proibido,
amea�ava destruir o que ainda estava apenas come�ando. Dei
a sinopse de A gata de vison para o Daniel ler. A hist�ria se
passava nos anos 1930 e fora escrita para enaltecer o charme
e a beleza da Yon� Magalh�es. A Yon� at� que merecia, mas

o projeto era furado. O Daniel ponderou que o cinema havia
esgotado o assunto e, em pouco tempo e com compet�ncia, o
seriado Os intoc�veis tinha explorado o tema. Quando a Magadan
descobriu que ele teve acesso ao seu texto e n�o aprovou a
trama, bateu o p� e fez valer o que estava escrito no contrato.
A gata foi produzida tendo no elenco Yon� Magalh�es, Tarc�sio
Meira e Geraldo Del Rey. Foi um fracasso total. Magadan
aprontou com o Tarc�sio Meira e resolveu minimizar seu personagem
dando �nfase a um ator da sua patota, o Milton Rodrigues.
O Tarc�sio me procurou e pediu para sair. De modo a
proteg�-lo, tive que aceitar. Em um final de cap�tulo, sem maiores
explica��es, o personagem dele desceu de um trem e desapareceu.
Na festa de lan�amento de uma novela, enquanto dan�ava
com o Daniel Filho, a Gl�ria Magadan meteu a l�ngua no ouvido
dele e depois deu uma mordida �� la Mike Tyson� em sua
orelha. Para evitar conflito, ele fez que n�o percebeu, soltou-se
dela, inventou uma coreografia, come�ou a dan�ar � sua frente
para, depois, rodopiando, sumir no meio dos convidados. Passou
a noite inteira atr�s das colunas do Golden Room, se esquivando.
Creio que as tentativas de prejudicar o Tarc�sio se


devessem a esse atrevimento da Gl�ria Magadan, que s� gostava
de quem a bajulasse ou aceitasse seus ass�dios.

Em outubro de 1968, t�nhamos que escolher os textos de duas
novas novelas para serem lan�adas em janeiro de 1969, uma
no dia 5 e outra no dia 7. O Walter me gozou:

� U�... n�o � voc� que n�o queria estrear duas novelas ao
mesmo tempo?
Era. Mas o drama continuava o mesmo: a escolha de textos,
autores, elenco e diretores ficava nas m�os da Gl�ria. E ela s�
queria novela de �poca. Dentre as novelas j� escritas pela Janete
Clair para o r�dio, escolheu o texto Rosa Malena, rebatizado
como Rosa rebelde. A outra novela a pr�pria Gl�ria escreveria.
Alegando preocupa��o com a censura, fez uma adapta��o de
Moulin Rouge, tendo Toulouse-Lautrec como um dos personagens,
em uma nova loucura chamada A �ltima valsa. O Daniel
Filho, obrigado a dirigir a trama, n�o aguentou e me avisou
que s� faria algum trabalho da Magadan se ela n�o falasse com
ele. Nenhuma das duas novelas emplacou. A Rosa aguentava
melhor, mesmo concorrendo com a inovadora Beto Rockfeller,
da TV Tupi. J� A �ltima valsa foi um desastre total.

Perdi a paci�ncia de vez. N�o suportava mais ter que me
submeter aos caprichos da Gl�ria e n�o estava feliz com o �erra
e acerta� das novelas. Na �poca de Anast�cia, quando ela usou

o contrato para fazer valer seus direitos, pedi uma c�pia do documento
ao departamento pessoal e a partir de ent�o resolvi
deix�-la pendurada no quadro de avisos atr�s da minha mesa
de trabalho. Lia e relia o contrato todos os dias, at� descobrir
que n�o havia nenhuma cl�usula referente ao n�mero de cap�tulos
que uma novela deveria ter e, muito menos, especificando
que a Gl�ria teria o direito de determinar isso. Consultei o
departamento jur�dico e pedi um parecer por escrito. Eles con

firmaram em um documento que, como essa quest�o estava explicitada
no contrato, o direito era da empresa e n�o da Gl�ria.
Respirei aliviado e a chamei para uma conversa:

� Voc� acha, realmente, que n�s temos que seguir � risca o
contrato ou ser� que podemos nos entender melhor pensando
juntos?
� Bom, Boni, j� trabalhei em diversas empresas multinacionais
e em v�rios lugares do mundo. E seguir o contrato � sempre
melhor.
� Pois ent�o, pelo contrato, voc� tem o poder de colocar no
ar uma novela, mas eu tenho um poder maior: o de tirar uma
novela do ar quando a Globo quiser, com o n�mero de cap�tulos
que a Globo quiser. E j� estou comunicando a voc� que vou
encerrar A �ltima valsa daqui a duas semanas, com 103 cap�tulos.
� uma decis�o final.
Entreguei o parecer do departamento jur�dico para que ela
lesse e disse que ficasse � vontade para consultar seus advogados.
Depois de ler, ela ficou branca. Os advogados dela confirmaram
os nossos direitos. � noite, chorando muito, me pediu
que fosse com o Pacote at� sua casa. Ela queria fazer um acordo.
Morri de pena, mas n�o tinha como conviver mais com a
Gl�ria Magadan. Era um tormento. Fui duro com ela e me retirei,
mas o Renato ficou. T�nhamos, mais ou menos, ensaiado
uma estrat�gia � triste, mas necess�ria. O Pacote executou
a parte dele:

� O Boni n�o pode falar assim com voc�. Amanh� voc� faz
uma carta de demiss�o e joga na mesa dele. Duvido que tenha
coragem de aceitar.
Ele sabia que eu aceitaria e, de madrugada, ligou para a minha
casa e me convenceu a prosseguir com o jogo.


� � presa
n�o pode ficar dependendo dos interesses da Magadan.
Vamos acabar com isso. � agora ou nunca.
Pela manh�, liguei para o Walter e para o Joe e comuniquei
minha decis�o de demiti-la. Ambos concordaram. O Walter,
em agradecimento ao trabalho inicial da Gl�ria, decidiu pagar,
como pr�mio, o valor integral do contrato dela. Cheguei mais
cedo na emissora, passei pelo est�dio onde o Daniel gravava e

o chamei:
� Daniel, vou deixar a Gl�ria Magadan ir embora. Voc�, o
R�gis, a Janete Clair e o Dias Gomes seguram essa peteca?
� Acho que a gente segura... Claro que a gente segura!
Pouco depois a Gl�ria entrou na minha sala e jogou a carta
de demiss�o na minha mesa. Eu li o conte�do e em seguida dobrei
o papel.

� A senhora tem certeza do que est� me pedindo?
Ela foi firme.
� Tenho certeza.
� Pois bem, eu aceito sua demiss�o.
Ela se surpreendeu.
� E o Walter sabe disso?
� J� sabe, Gl�ria. E est� esperando por voc� na sala para
acerto de contas e para as despedidas.
Levantei-me, dei o bra�o para ela e a levei at� a porta do
Walter.
�Qual vida... corrida.� Lembrei-me de Federico Garc�a Lorca.
N�o eram �cinco de la tarde�, mas �s dez horas da manh�,
em punto. A Gl�ria Magadan deixava a arena mortalmente ferida,
como o toureiro Ignacio S�nchez Mej�as. Como ele n�o
percebeu o tempo passar e, por vaidade, quis ir al�m de suas
reais possibilidades.


Ela n�o era m� pessoa e conhecia o seu of�cio. Seu erro era
n�o abrir m�o das ideias nas quais acreditava e achar que sabia
mais que todo mundo. De qualquer forma, ter partido do zero,
sem o trabalho da Gl�ria, teria sido muito mais dif�cil. Mandei
flores, em reconhecimento por ela ter aberto o caminho para
n�s.


Acorda que est� pegando fogo


A TV PAULISTA, CANAL 5 DE S�O PAULO, entrou no ar em 1952. Tr�s
anos depois, em 1955, foi comprada pela Organiza��o Victor Costa,
propriet�ria da R�dio Nacional de S�o Paulo. Nessa gest�o exibiu
v�rios programas de sucesso, como Teleteatro tr�s le�es,a Pra�a da
alegria, de Manoel de N�brega, O mundo � das mulheres, com Hebe
Camargo, a Cadeira de barbeiro, do incr�vel Alo�sio Silva Ara�jo, e
at� uma vers�o televisiva da PRK-30, com o pr�prio Lauro Borges e

o Daniel Guimar�es.
Em 1966, a TV Paulista foi adquirida pelo dr. Roberto Marinho,
incluindo as concess�es de Bauru e Recife. O diretor superintendente
Roberto Montoro, contratado, como j� vimos, pelo Joe Wallach,
achava que S�o Paulo, principal mercado de televis�o, deveria usar
as novelas do Rio, mas tinha necessidade de uma programa��o pr�pria.
O Walter, o Joe e eu tent�vamos demov�-lo dessa posi��o, mostrando
que, aos poucos, ter�amos produtos que atingiriam o gosto
m�dio nacional. Mas o Montoro insistia na produ��o local de shows,
como o Baile da saudade, com Francisco Petr�nio, Na cama com o
Juca, com Juca Chaves, e outros. No final de 1967, o Joe e o Walter
me pediram para ir a S�o Paulo com a miss�o de substituir esses
programas e armar uma grade compat�vel com a do Rio. O C�lio
Pereira, o Galo, protegido do Walter, havia sido enviado para l� e estava
tentando convencer o Montoro, sem �xito. O Luiz Guimar�es,
homem de confian�a do Montoro, resistia ao C�lio e recebeu ordens


para resistir tamb�m � minha a��o. Cheguei a pedir a cabe�a do
Guimar�es, mas, felizmente, acabei descobrindo nele um grande
profissional, que apenas cumpria o que o Montoro ordenava.
De qualquer forma, o Montoro n�o arredou p� de manter a
sua programa��o com o velho conceito de que S�o Paulo e Rio
tinham gostos diferentes. Eu n�o consegui persuadi-lo do contr�rio.


Retornei ao Rio e mandei o Arnaldo Artilheiro e o Clemente
Neto, que trabalharam comigo na TV Rio, tentarem ajudar o
C�lio a fazer a cabe�a do Montoro ou, pelo menos, melhorar o
que era feito em S�o Paulo. Em 1968, logo nos primeiros dias
do ano, o Walter Clark entrou na minha sala assustado:

� Boni, temos que ir para S�o Paulo, imediatamente. Houve
uma briga violenta entre o Clemente e o Montoro.
Embora os recursos da Globo fossem parcos, o Walter, pela
emerg�ncia, alugou um jatinho e fomos ao encontro do Clemente,
que nos esperava no aeroporto de Congonhas. Estava
transtornado. Com os olhos vermelhos e esbugalhados, contou

o que havia ocorrido:
� N�o aguentei mais. O Montoro era contra tudo. Chamei o
Artilheiro e entramos � for�a na sala dele. T�nhamos que iluminar
o esp�rito daquele cara.
No carro, nos contou os detalhes: Aurora, secret�ria do
Montoro, ficava com a chave da sala, trancando a porta por
fora, e s� abria para quem o chefe autorizasse. O Clemente e

o Artilheiro tentaram conversar com o Montoro, mas n�o receberam
permiss�o para entrar. A secret�ria disse que ele n�o
estava. Ent�o, tomaram a bolsa da Aurora, pegaram a chave,
abriram a fechadura e entraram chutando a porta. O Montoro
de fato n�o estava l� dentro. Eles pegaram os pap�is de cima
da mesa, abriram as gavetas e foram jogando pela janela tudo

o que viam. A Aurora pediu socorro ao Montoro, que chegou
gritando.
o que viam. A Aurora pediu socorro ao Montoro, que chegou
gritando.
Fora. Fora. Na minha sala ningu�m entra sem permiss�o.
Os dois n�o deram a menor bola para o que ele dizia e seguiram
com a a��o, arrancando todas as cortinas da sala da diretoria
e abrindo todas as janelas, enquanto o Clemente gritava:

� Luz! Luz! Acabou-se a caveira de burro.
Quando eu e o Walter chegamos � rua das Palmeiras, onde
ficava a TV Paulista, o Montoro espumava. Achava que eu havia
ordenado aquilo e exp�s a situa��o nos seguintes termos:
�Ou o Boni ou eu.� Falamos com o dr. Roberto, que disse ao
Walter:

� Se � assim, o Montoro sai e o Boni fica.
Conduzimos o Montoro ao telefone e, antes que o dr. Roberto
falasse alguma coisa, ele se acalmou e explicou que j� havia
cumprido sua miss�o, que era hora de cuidar de seus pr�prios
neg�cios e pediu demiss�o. Apesar das diverg�ncias existentes,
� importante reconhecer que o Montoro sempre foi um
grande profissional. Competente e inteligente, criou a rede R�dio
Mulher e, mais tarde, a Rede Mulher de TV. Al�m disso,
foi bem-sucedido em diversos empreendimentos. Ele era um
talento; foi uma pena que uma grande amizade tenha terminado
dessa maneira.

Com a sa�da do Montoro, ganhei um problema e tanto. Tive
que ficar fazendo �pingue-pongue� entre o Rio e S�o Paulo e
vivia pendurado na ponte a�rea. Levei o experiente Geraldo
Cas� para me ajudar em S�o Paulo e contratei o Carlos Vergueiro
e o Renato Correa de Castro, a fim de rejuvenescer o time
paulista. O C�lio e o Artilheiro voltaram para o Rio. O C�lio
passou a ser o respons�vel pela venda de programas avulsos
da Globo para emissoras que ainda n�o eram afiliadas. Mandei


o Clemente Neto para Belo Horizonte, como diretor de programa��o
da TV Globo Minas, que estava para entrar no ar no
m�s seguinte. O Canal 12, de Belo Horizonte, pertencia � TV
Rio e, em 1967, foi adquirido pelo dr. Roberto Marinho, passando
a se chamar TV Globo Minas, a partir da inaugura��o
em 5 de fevereiro de 1968. Al�m de Belo Horizonte, possu�a
mais duas geradoras, uma em Juiz de Fora e outra em Conselheiro
Lafaiete. Com a ida do Clemente para l�, o Renato Pacote
passou a ir com frequ�ncia a S�o Paulo, para me ajudar
a implantar na cidade a programa��o do Rio. Luiz Guimar�es,
o Guima, era paciente e met�dico. Passou a ser o meu bra�o
direito. O inimigo de outrora se tornaria um dos melhores amigos
de toda a vida. Come�amos um trabalho intenso em S�o
Paulo e a empresa deve � for�a de vontade dele grande parte
do �xito nessa empreitada.
Se o Rio estava ruim, em S�o Paulo faltava tudo. Faltava
principalmente a imagem do Canal 5, pois o transmissor da TV
Paulista, de 5kW, estava velho e n�o cobria v�rios bairros. Em
pouco tempo, a Globo do Rio atingiu o primeiro lugar na m�dia,
perdendo em alguns hor�rios e ganhando em outros, mas
sempre liderando. A TV Paulista estava em quinto lugar e andava
um pouco para frente e um pouco para tr�s. Um novo
transmissor, fabricado no Brasil pela Maxwell, foi comprado
para S�o Paulo. Deveria operar com 10kW mas, na verdade,
n�o dava mais que 2kW. Para completar o desastre, nossa engenharia
resolveu seguir uma ideia do engenheiro Alberto Maluf,
da TV Bandeirantes, e colocou o transmissor no Pico do
Jaragu�. O sinal da TV Paulista sumiu da cidade de um dia para
o outro. A TV Record iria para o mesmo caminho, mas o
Antonio Augusto Amaral de Carvalho, o Tuta, sacou que era
besteira e conseguiu um ponto perfeito na avenida Paulista. O


engenheiro Baldwin, do Time-Life, foi a S�o Paulo e descobriu
que havia a necessidade de girar a antena de transmiss�o,
que estava ligeiramente fora do lugar, o que foi feito sem muito
resultado. Foram comprados transmissores novos da RCA
e a qualidade melhorou substancialmente, mas ainda ficamos
com problemas. O transmissor estava muito distante da cidade
de S�o Paulo e o sinal, refletido em seus edif�cios, gerava uma
quantidade brutal de fantasmas. Baldwin, cr�tico em rela��o ao
projeto, repetia:

� Power is not the solution [Pot�ncia n�o � a solu��o].
Somente 15 anos depois, ao deixarmos o Jaragu� e irmos
para a avenida Paulista, � que conseguimos uma cobertura
eficiente em S�o Paulo. Com todos esses problemas, t�nhamos
um desafio gigantesco pela frente.

A primeira iniciativa foi nos debru�armos sobre a quest�o
da promo��o. Peguei um spray e grafitei todas as paredes das
salas do Cas� e do Vergueiro com palavras como: promover �
chamar � demonstrar � informar � insistir. O volume de promo��o
era t�o grande que o telespectador, mesmo o que apenas
passasse pelo Canal 5, iria ver algum an�ncio de alguma atra��o
da TV Paulista. Havia um bom acervo de filmes de longa-
metragem na Globo, e comprei mais uma centena de reprises
a baixo custo. O hor�rio nobre era muito concorrido devido �
briga entre a Tupi, a Record e a Excelsior. Decidi, ent�o, criar
um h�bito vespertino para n�s: a Sess�o da tarde. Bat�amos
firme na promo��o de cada filme que seria exibido. Com essa
programa��o e com a faixa infantil denominada Z�s tr�s,
uma tradi��o do Canal 5, assumimos a lideran�a do hor�rio da
tarde. A exemplo do que o Walter fez no Rio, montamos uma
Sess�o das dez em S�o Paulo. Assim, t�nhamos, pelo menos,
alguns espa�os para promover as novelas, os shows e os noti



ci�rios. Quando uma emissora n�o tem audi�ncia � dif�cil promover
seus pr�prios programas pela falta do que chamamos
internamente de �alto-falante� ou �trombone�. Logo, � preciso
encontrar sa�das para isso, sem as quais, mesmo com boas
atra��es, nenhuma emissora consegue decolar.

Silvio Santos nos ajudou muito veiculando algumas chamadas
em seu programa, que era l�der absoluto de audi�ncia. OCarlos Vasques e o �talo, do Holiday on Ice, precisavam de
promo��o e queriam trocar espa�o na televis�o por cartazes
de rua. Fizemos esse contrato e nosso poder de comunica��o
aumentou bastante. Alguns programas eram feitos ao vivo no
Rio e, na mesma semana, em S�o Paulo, como, por exemplo,
Dercy, Chacrinha e Telecatch. J� o Balan�a mas n�o cai chegava
em S�o Paulo gravado. Comprei alguns especiais musicais,
como o Tijuana Brass, e consegui furar a TV Record
comprando o Festival di Sanremo, cujo vencedor naquele ano
foi o Roberto Carlos. Exibimos o festival em videotape, garantindo
o primeiro lugar no hor�rio.

Em uma sa�da noturna encontrei, no bar La Licorne, o Marcos
Laz�ro, um polon�s criado na Argentina e que foi o maior
empres�rio de artistas e cantores que j� existiu no Brasil. Posteriormente,
dedicou-se � produ��o e comercializa��o de eventos
esportivos. Ele comentou sobre um boneco chamado Topo
Gigio, que fazia sucesso na It�lia e j� tinha ido at� no programa
do Ed Sullivan, nos Estados Unidos. No dia seguinte, me levou
um v�deo do ratinho italiano, que era de espuma sint�tica e animado
por v�rias pessoas vestidas de preto usando varetas invis�veis.
Marcos vendia todos os seus artistas para a TV Record,
por isso perguntei:

� E a TV Record? N�o quis comprar?

� �
A princ�pio, parecia que o Paulinho Machado de Carvalho
estava certo, pois o v�deo mostrava um programa inteiro somente
com o boneco. Mas achei que, se colocado como um
quadro, dentro de um programa de variedades, � noite, seria
um sucesso. Comprei o rato. Todo mundo torceu o nariz, menos
o Borjalo, que resolveu adaptar os textos para o portugu�s.
Com a ajuda do Augusto C�sar Vanucci, criamos o Mister
show e decidimos que o parceiro do Topo Gigio seria o
Agildo Ribeiro. Em um m�s est�vamos em primeiro lugar no
hor�rio, no Rio e em S�o Paulo. Ali�s, al�m do Silvio Santos,
j� t�nhamos tr�s programas entre os dez mais vistos em S�o
Paulo: Mister Show, com o Topo Gigio, Dercy e Chacrinha.
Os outros seis programas estavam divididos entre a TV Tupi, a
TV Excelsior e a TV Record.

As coisas come�avam a andar bem, salvo as novelas e a �rea
financeira. O Jos� Octavio de Castro Neves havia sido nomeado
diretor regional de S�o Paulo quando o Montoro saiu, mas
fez um monte de bobagens, aumentou os custos com assessores
in�teis, pegou dinheiro emprestado no caixa da empresa e
comprou cavalos e at� um carro Jaguar, com o aval da emissora.
O Z� era sofisticado, genial e se divertia fazendo essas
coisas. No lugar dele, quem assumiu a dire��o regional foi o
Luiz Eduardo Borghert, advogado formado na Universidade de
Columbia e um companheiro maravilhoso. Demitiu um bando
de gente, pegou dinheiro emprestado com o Silvio Santos, sem
que o dr. Roberto soubesse, e passou a pagar em dia a folha de
funcion�rios e a liquidar as d�vidas com fornecedores.


Foi nessa �poca que apareceu na minha vida a amiga Mar�lia
Gabriela. Eu estava na minha sala em S�o Paulo quando a minha
secret�ria aflita entrou correndo. Havia uma mulher querendo
falar comigo a qualquer custo e dizia que n�o iria embora
enquanto eu n�o a atendesse. Eu ia instruindo a secret�ria
para mandar a mulher procurar o Luiz Guimar�es, quando
a mulher, atr�s da secret�ria, entrou junto na sala. Era a Gaby.
Me pediu uns minutos e falando sem parar, desfilou o seu curr�culo:


� Sou jornalista, rep�rter, apresentadora, escrevo, sou atriz,
canto e... dan�o.
Al�m de tudo, garantia que tinha disposi��o para qualquer
miss�o jornal�stica. Que tinha disposi��o estava provado. Gostei
da Mar�lia e a mandei para o departamento de jornalismo
j� contratada e pronta para come�ar. A Mar�lia me deu muitas
alegrias como rep�rter, tornou-se uma entrevistadora �nica noseu g�nero e uma grande apresentadora. � a maior figura feminina
do telejornalismo brasileiro.

Com a guerrilha movida por mim, pelo Luiz Guimar�es, Geraldo
Cas�, Durval Hon�rio e Eduardo Lafon, rapidamente o
Canal 5 de S�o Paulo passou de quinto lugar para segundo. O
problema continuava a ser as nossas novelas, que n�o emplacavam
em S�o Paulo. Na competi��o, t�nhamos um osso duro
de roer: o S�rgio Cardoso, que explodia em todas as novelas
do Geraldo Vietri, na TV Tupi. Tir�-lo de l� era vital. Para
demonstrar versatilidade, ele tinha o prazer de fazer v�rios pap�is
em uma mesma hist�ria. Na Globo j� havia se dado mal
em O santo mesti�o, v�tima de um texto horroroso da Gl�ria
Magadan. O sonho dele, dessa vez, era fazer tr�s pap�is em A
cabana do Pai Tom�s e convenceu seu patrocinador habitual
de que o projeto seria um marco. Realmente foi, mas negati



vo. Primeiro porque o p�blico n�o tinha o menor interesse na
hist�ria, depois porque houve uma onda de protestos, liderada
pelo Pl�nio Marcos, pois parecia demonstrar preconceito com
os atores negros. Mas n�o era nada disso. Claro que era poss�vel
encontrar um ator negro para fazer o Pai Tom�s, mas o
S�rgio queria provar que seria capaz de enfrentar esse desafio.
Por outro lado, ele propiciou a contrata��o de dezenas de atores
negros para o projeto. Para n�s era a �nica oportunidade de
contar com ele. Outra quest�o que o S�rgio exp�s � que s� iria
para a Globo se grav�ssemos as novelas dele em S�o Paulo. O
Borgherth, para ajudar, topou o desafio e n�s constru�mos um
est�dio, bem razo�vel, no s�t�o do pr�dio da rua das Palmeiras.
A novela estreou no dia 7 de julho de 1969, com bons �ndices
de audi�ncia. Alguns dias depois, exatamente no domingo, dia
13 de julho, eu estava almo�ando no meu restaurante preferido
de S�o Paulo, o Jardim de Napoli, quando o Toninho Buonerba,
um dos donos, me disse que havia um telefonema muito
importante para mim. Gelei. Pensei que havia ocorrido alguma
coisa com a fam�lia. Levantei-me e fui atender. O grande amigo
Adolpho, que estava no caixa, me passou o telefone. Era o
Luiz Guimar�es me informando que a TV Record estava pegando
fogo. Pedi a ele que ligasse para o Paulinho de Carvalho
e se colocasse � disposi��o. Como n�o havia nada a fazer, continuei
comendo meu polpetonne e tomando meu vinho Ama-
rone, servido carinhosamente, como de h�bito, pelo sommelier
Braz. Depois do almo�o, e de uma bela grappa, fui para casa
�jiboiar�. Dormi com a ideia do inc�ndio na cabe�a. De repente,
a minha empregada entrou no quarto e disse:

� Seu Boni, acorda que t� pegando fogo na televis�o.
Achando que ela estava se referindo � TV Record, reclamei:

� �
dormir.
Aflita, ela continuou:

� N�o, seu Boni, � a Globo... A Globo daqui.
Levantei meio tonto e liguei para o Guima, que estava desolado:


� Queimou tudo, Boni, tudo!
� Vou me vestir e vou para l� ver o que est� acontecendo.
� N�o adianta. Est� tudo isolado. H� perigo de desabamento
do pr�dio.
� Algu�m ferido? Salvamos alguma coisa?
O Guima relatou que todos estavam bem e que o Adilson
Pontes Malta, com a ajuda de uns funcion�rios que estavam na
emissora, tinha conseguido salvar alguns equipamentos. Pedi
ao Guima que fosse com o pessoal da engenharia e da produ��o
para a minha casa.

Uma das primeiras coisas que o Walter, o Joe e eu hav�amos
decidido em nossas reuni�es, no Rio, foi comprar nos Estados
Unidos micro-ondas velhos, usados pelo ex�rcito e colocados
em leil�o. Com isso, hav�amos refor�ado a liga��o Rio-S�o
Paulo. Por outro lado, os transmissores da TV Paulista ficavam
distantes do pr�dio incendiado. Essas condi��es permitiram
que o Canal 5 n�o sa�sse do ar, entrando em rede com a Globo
do Rio.

Em frente ao pr�dio que havia sido queimado, t�nhamos escrit�rios
da R�dio Nacional e uma garagem que transformei
em audit�rio para o Telecatch. Decidimos montar, no local dos
escrit�rios, uma central de exibi��o com o que havia sobrado
do equipamento e mais algum material que chegou do Rio
� noite. Planejamos desmontar o ring, transformando o lugar
em um palco-audit�rio. Pedimos aos bombeiros permiss�o pa



ra trabalhar na �rea. A equipe de engenharia, sob o comando
do Adilson, varou a madrugada, e pela manh� j� est�vamos fazendo
a reportagem do inc�ndio e exibindo a programa��o normal.
No domingo seguinte, o Silvio Santos fez o programa dele,
normalmente, no local improvisado. Pedi � Dercy que fosse
para S�o Paulo e, depois do Silvio, emendamos com um programa
dela, ao vivo, diretamente dos escombros, guiada pelos
bombeiros.

Receb�amos, desde o inc�ndio, amea�as an�nimas de que o
novo local tamb�m seria atacado e incendiado. Por via das d�vidas,
comprei armas e muni��o e distribu� para todos os funcion�rios,
al�m de conseguir um porte provis�rio para eles e eu
comandava as opera��es no Controle Mestre com o rev�lver
em punho. Contratamos seguran�as para trabalhar 24 horas por
dia e montamos tr�s brigadas de inc�ndio para atuar em turnos
de oito horas. O Walter, o Joe e o coronel Wilson Brito foram
informados. N�o havia voos de carreira naquele hor�rio e um
jatinho da L�der teria que sair de S�o Paulo para busc�-los no
Rio. Como teriam que convocar a tripula��o, essa opera��o duraria
horas. Decidiram pegar o Mercedes velho do Joe Wallach
e o C�lio Pereira foi dirigindo o carro. Chegaram em S�o Paulo
na madrugada. A exibi��o de programas e de intervalos comerciais
estava garantida, mas precis�vamos de um lugar para
gravar A cabana do Pai Tom�s. Pedimos ajuda ao Jo�o Saad,
da TV Bandeirantes. Marcamos uma visita e eu, o Walter e

o Joe fomos encontr�-lo no Morumbi. Com seu cavalheirismo
de sempre, ele concordou em ceder um est�dio pedindo apenas
alguns dias para que o Rui Viotti, diretor de produ��o, pudesse
remanejar a programa��o da Bandeirantes. Nessa visita a
diretoria deles nos humilhou. Deu uma exibi��o de como cuidar
da seguran�a e nos deixou com complexo de inferioridade

diante do modernismo dos controles de acesso e da organiza��o
das brigadas de inc�ndio que garantiam a impossibilidade
de acontecer algo parecido na emissora do Morumbi. Tr�s dias
depois a TV Bandeirantes tamb�m estava pegando fogo. Foi
totalmente destru�da. O inc�ndio, ainda mais violento do que o
nosso, teve origem em v�rios e diferentes pontos do majestoso
e nov�ssimo pr�dio deles.

A quem interessava isso? Por que tr�s emissoras na mesma
semana? Algumas fontes diziam que os inc�ndios haviam sido
obra de uma fac��o de esquerda com o objetivo de protestar
contra a ditadura. Outras, que era um plano da OBAN (Opera��o
Bandeirante), grupo de extrema direita, a fim de culpar
e colocar os �rg�os de comunica��o contra a esquerda. Nunca
foi poss�vel apurar como ocorreram os inc�ndios nas tr�s emissoras,
em menos de uma semana. O mist�rio permanece at� hoje.















O
Oo
est�
voando


O INC�NDIO DA TV PAULISTA, al�m de consumir a �rea t�cnica e o audit�rio,
destruiu todos os cen�rios e toda a roupa de �poca da novela
A cabana do Pai Tom�s.

O Joe Wallach queria aproveitar o fato para transferir, de uma vez,
toda a produ��o para o Rio, o que fazia sentido do ponto de vista
econ�mico, mas n�o era t�o simples assim de se realizar. O Chacrinha,
a Dercy eo Telecatch j� haviam cumprido sua miss�o de conquistar
o p�blico paulista. Seus programas estavam implantados com
sucesso na programa��o de S�o Paulo e poderiam, sem qualquer problema,
ser transmitidos, ao vivo, diretamente do Rio, a exemplo do
Balan�a mas n�o cai, que mesmo produzido nos est�dios cariocas
era sucesso em S�o Paulo. N�s t�nhamos uma rota permanente Rio-
S�o Paulo e, desde mar�o de 1969, a Embratel havia disponibilizado

o tronco sul de enlaces de micro-ondas, o que garantia a confiabilidade
da opera��o.
Com rela��o � novela, tudo era mais complicado. T�nhamos que
convencer o S�rgio Cardoso e o elenco, todos morando em S�o Paulo,
a se transferirem para hot�is no Rio de Janeiro. E ainda era preciso
conseguir encaixar A cabana nos est�dios da Globo no Jardim
Bot�nico, que estavam abarrotados com outras novelas. O Carlos Zara,
ent�o diretor de produ��o da TV Excelsior, nos ofereceu um est�dio
para gravarmos a novela. Havia outras op��es de est�dios particulares.
O Walter e eu pens�vamos que A cabana deveria ser fina



lizada em S�o Paulo devido �s dificuldades de transfer�ncia
para o Rio. Como s� a novela ficaria na cidade, o Joe Wallach
come�ou a concordar comigo e com o Walter, mas quis ouvir

lizada em S�o Paulo devido �s dificuldades de transfer�ncia
para o Rio. Como s� a novela ficaria na cidade, o Joe Wallach
come�ou a concordar comigo e com o Walter, mas quis ouvir
r�amos
concentrar toda a produ��o no Rio.
J� que era para centralizar, sentei-me com o Joe e criamos as
centrais que atuariam em todas as emissoras da Globo: a Central
Globo de Programa��o e Produ��o, entregue ao Borjalo,
a Central Globo de Jornalismo, entregue ao Armando Nogueira,
a Central Globo de Engenharia, entregue ao Wilson Brito,
a Central Globo de Administra��o, entregue ao Octacilio Pereira,
e a Central Globo de Comercializa��o, entregue ao Jos�
Octavio de Castro Neves. Mudamos tamb�m a nomenclatura
dos cargos que exerc�amos, passando o comando a ter o Walter
como diretor geral, o Joe como superintendente executivo, o
Arce como superintendente de comercializa��o e eu como superintendente
de programa��o e produ��o, tendo subordinados
� minha �rea a programa��o, a produ��o, a engenharia, o jornalismo
e o departamento de comunica��o, dirigido pelo Magaldi.
Essa nova estrutura foi aprovada pelo dr. Roberto. Os
nomes foram mudando e algumas altera��es foram feitas com

o tempo.
Decidida essa reforma que atendia a todos n�s, passei a agir
para consolidar o processo de centraliza��o. Primeiro fui � casa
do S�rgio Cardoso para convenc�-lo a deixar S�o Paulo, o
que era, verdadeiramente, miss�o quase imposs�vel. Ele relutou
e queria parar de gravar. A novela j� n�o ia bem e poder�amos,
segundo ele, culpar o inc�ndio pela interrup��o. Usei a
m�xima the show must go on e ele topou continuar, mas com
a condi��o de que n�o iria de forma alguma para um hotel e
sim para um apartamento perto da praia. Convenci-o a encarar


um hotel por trinta dias, enquanto ach�vamos esse apartamento.
Com o apoio dele, reuni o elenco no audit�rio da garagem
e pedi a colabora��o de todos. A aceita��o foi un�nime. Como
havia apenas cerca de dez cap�tulos gravados na frente da
exibi��o, t�nhamos que recome�ar logo. Os figurinos e os cen�rios
foram redesenhados e refeitos em 72 horas. O problema
era onde gravar, e a �nica solu��o era esticar a novela Rosa
rebelde e adiar a nova produ��o, que come�aria a ser gravada
em uma semana. Fiz uma reuni�o com o Daniel Filho, a Janete
Clair, o Tarc�sio Meira e a Gl�ria Menezes e todos se mostraram
muito sol�citos. Sem a colabora��o decisiva dos quatro, e
tamb�m dos cen�grafos e figurinistas da TV Globo do Rio, a
opera��o de transfer�ncia de A cabana do Pai Tom�s teria sido
invi�vel.

Alugamos um �nibus especial de turismo e conseguimos
apartamentos em diferentes hot�is do Rio de Janeiro. Providenciei
passagem de avi�o para o S�rgio, mas ele preferiu ser
solid�rio com os colegas e foi no mesmo �nibus. Embarquei
pessoalmente todo mundo que partiu para o Rio �de mala e
cuia� e fui, com o Adilson Ponte Malta e o Luiz Borgerth,
cuidar da remontagem do Canal 5. Encontramos um pequeno
cinema chamado Miami, na pra�a Marechal Deodoro, 340, e
conseguimos alug�-lo. Fui com o Silvio Santos examinar o audit�rio
e, com algumas modifica��es, ele concordou em transmitir
o seu programa de l�. Paralelamente outro problema nos
atingia. O contrato do Silvio Santos havia terminado e a renova��o
foi dura e penosa, pois est�vamos fragilizados pela situa��o
provocada pelo inc�ndio. Mas tudo deu certo, renovamos
com o Silvio e at� encontramos uma �rea, nos fundos do cine
Miami, onde montamos em alguns dias uma central de exibi��o
de programas e comerciais, com projeto do engenheiro


Nelson Bonfati. No terceiro andar, na parte da frente do cinema,
algumas salas foram aproveitadas para instalar o Borgerth,

o Luiz Guimar�es e um espa�o para reuni�es que eu, como visitante,
ocuparia.
Trabalh�vamos a todo vapor e no ar parecia que estava tudo
normal e nada havia acontecido. A promo��o, com o inc�ndio

� sem trocadilhos �, ficou mais quente ainda. Com o advento
dos sat�lites de comunica��o, t�nhamos um apelo extra. O
amigo, rep�rter e apresentador Hilton Gomes foi o primeiro a
aparecer em uma transmiss�o internacional, via sat�lite, para o
Brasil. Direto da It�lia, em frente ao Coliseu, ele havia inaugurado
em 28 de fevereiro de 1969 a esta��o brasileira de comunica��o
via sat�lite, montada em Itabora�, no estado do Rio. No
dia 3 de mar�o foi a vez de Luiz Jatob� entrevistar os astronautas
da Apollo 9, ao vivo, do Cabo Canaveral. No dia 16 de julho,
tamb�m ao vivo, diretamente do Cabo Canaveral, o Hilton
Gomes transmitiu o lan�amento da Apollo 11. Essa sequ�ncia
de transmiss�es ao vivo, via sat�lite, deu excelentes �ndices de
audi�ncia no Rio e, o mais importante, nos levou � lideran�a
em alguns hor�rios em S�o Paulo.
Est�vamos nos consolidando como a emissora pioneira em
transmiss�es internacionais diretas e, tamb�m, como aquela
que cobria mais e melhor a miss�o espacial. Exatamente no
dia 20 de julho de 1969, um domingo, a Globo, em rede com
outras emissoras de televis�o, transmitiu sem interrup��o as
imagens da miss�o Apollo 11, tripulada por Neil Armstrong,
Edwin Aldrin Jr. e Michael Collins. O homem dava o seu primeiro
passo na superf�cie da Lua, e tudo foi mostrado ao vivo,
com a narra��o de Hilton Gomes, Heron Domingues, Gontijo
Teodoro e Rubens Amaral. As imagens eram t�o perfeitas e
a qualidade do som dos di�logos, t�o clara que at� hoje mui



ta gente pensa que a NASA falsificou o evento. Como a nossa
transmiss�o foi feita logo depois do programa Silvio Santos,
t�nhamos certeza de que nossa audi�ncia seria maior. O fato �
que, no dia seguinte, quando chegou o ibope na TV Paulista,
Canal 5, todos est�vamos nervosos � espera dos resultados. Os
boletins da pesquisa do IBOPE de sexta e s�bado eram entregues
somente na segunda-feira junto com a medi��o de audi�ncia
de domingo, o que aumentava a nossa expectativa. O Luiz
Guimar�es sempre era o primeiro a ver o ibope e ficava �filando�
os n�meros como se estivesse vendo as cartas, em um jogo
de baralho.

Ele fumava cachimbo e, no pr�dio que pegou fogo, mantinha
sobre sua mesa de trabalho uma elegante caixa inglesa
de madeira, onde colocava seus pacotes de fumo importado. A
caixa virou cinza no inc�ndio. Quando mudamos para o cine
Miami, ele foi at� uma casa de ferragens e comprou um penico
branco, de �gata, para substituir a caixa de estima��o. O penico
passou a ser o s�mbolo da nossa emissora em S�o Paulo. No
dia 21 de julho de 1969, o Guimar�es, como sempre, foi o primeiro
a ver o boletim do IBOPE do fim de semana. Come�ou
pelo domingo. Festejou. T�nhamos ganhado n�o s� no hor�rio
do Silvio, que era habitual, mas tamb�m em todos os hor�rios
do dia. Passou para o s�bado. Ganhamos por pouco, mas era
nossa primeira vit�ria na m�dia de um dia inteiro. Foi para a
sexta e ao constatar que �ramos l�deres absolutos na sexta, no
s�bado e no domingo, deu um grito:

� O penico est� voando.
Desceu pelas escadas e saiu correndo pela pra�a Marechal
Deodoro, com o penico na cabe�a, gritando para o espanto de
todos os transeuntes:

� O penico est� voando! O penico est� voando!

No dia seguinte, sem as transmiss�es da miss�o Apollo 11,
tem�amos que os �ndices desabassem. Na verdade ca�ram muito
pouco, mas mostravam que t�nhamos um lastro em S�o Paulo
e que o caminho da lideran�a estava tra�ado. Analisando
com cuidado os n�meros do IBOPE, me dei conta de que a
nossa emissora ainda figurava como TV Paulista, embora no
ar j� a cham�ssemos de TV Globo S�o Paulo. Liguei para o
Paulo Montenegro e pedi a altera��o para TV Globo. Ele me
disse que n�o havia problema, que eu poderia p�r o nome que
quisesse, bastando mandar uma carta para o IBOPE. Preparei
a carta, pensei um pouco e depois rasguei. Sem consultar ningu�m,
nem no Rio nem em S�o Paulo, fiz uma nova carta dizendo
que deveria constar, nas duas pra�as, o nome Rede Globo.
N�o havia nenhuma emissora que usasse, no Brasil, a palavra
Rede, e a Globo foi a primeira a fazer isso. Fui para o
Rio, pedi ao Borjalo que criasse uma logomarca usando o nome
Rede Globo e levei a minha ideia ao comit� executivo. Todos
aprovaram.

Daquele dia em diante, passamos a adotar a nomenclatura
Rede Globo. O nome marcou a nossa ascens�o nacional. O
Luiz Guimar�es tinha raz�o: o penico estava voando.


Armando Nogueira e o Jornal
Nacional


TENHO LIDO MUITAS BOBAGENS sobre a hist�ria do Jornal Nacional.
Todas imprecisas e confusas. Algumas enaltecem o Armando Nogueira,
seu suposto criador, e outras, como a do livro O campe�o de
audi�ncia, do Walter Clark, afirmam que o Armando era contra o
JN.

Em primeiro lugar, precisamos entender que na televis�o toda
obra � coletiva. Cada projeto exige a participa��o de muitos profissionais
de diferentes �reas. O segundo ponto � que a televis�o brasileira
nasceu muito depois da televis�o americana e, portanto, nasceram
l� fora quase todas as ideias e solu��es para a televis�o. N�o que
a televis�o brasileira seja uma c�pia da americana. N�o �. Mas eles
equacionaram muitos problemas antes de n�s e superaram v�rios desafios
que s� enfrentamos muito mais tarde, como, por exemplo, a
implanta��o de um telejornal de rede.

Como aconteceu e como foi tomada a decis�o de lan�ar o Jornal
Nacional? A ideia n�o nasceu de repente nem por acaso. E n�o pertence
exclusivamente a ningu�m. Fazer um telejornal de rede era assunto
recorrente nas conversas do comit� executivo da Globo, ou seja,
entre o Walter, o Joe, o Arce e eu. O tema tamb�m era discutido
com os afiliados e voltava � tona todas as vezes que viaj�vamos e assist�amos
aos telejornais americanos de rede. Era um sonho meu e do


Walter e apenas aguard�vamos uma oportunidade para p�r o
projeto em pr�tica. Isso ocorreu quando a Embratel montou sua
rede nacional de micro-ondas, com enlaces em quase todo o
territ�rio brasileiro, trazendo qualidade e confiabilidade.

Walter e apenas aguard�vamos uma oportunidade para p�r o
projeto em pr�tica. Isso ocorreu quando a Embratel montou sua
rede nacional de micro-ondas, com enlaces em quase todo o
territ�rio brasileiro, trazendo qualidade e confiabilidade.
tros
aspectos fundamentais: era preciso conseguir dinheiro para
pagar o custo da transmiss�o � pois a Embratel, para se ressarcir
do investimento feito na rede, cobrava pre�os extorsivos
pelo minuto usado � e convencer os afiliados a substituir o telejornal
local, que dava prest�gio �s suas emissoras, por um telejornal
de rede que, em tese, s� daria prest�gio � Globo.

Um dia, quando eu, o Arce, o Borjalo, o Otto Lara Resende,

o Magaldi e o Armando Nogueira almo��vamos na sala da diretoria
da Globo, o assunto telejornal de rede veio novamente
� baila. O Arce queria saber por que n�o cri�vamos logo o t�o
sonhado produto e o Armando explicou de forma simples e
concisa, como era seu estilo:
� N�o h� dinheiro e as afiliadas n�o v�o querer.
O Arce, diretor comercial da Globo, podia ter muitos defeitos,
mas possu�a uma grande qualidade: adorava desafios. E
lan�ou um para o Armando:

� Ponham no ar que eu vendo em uma semana.
O Armando ponderou:
� Posso at� fazer um or�amento, mas vai sair caro. E vamos
ter que resolver problemas t�cnicos e acertar o uso do espa�o
com todos os afiliados.
O Arce n�o desistiu:

� Vamos falar com o Walter e o Joe. Um telejornal de rede �
um prato cheio para o mercado publicit�rio. Ponham no ar que
eu vendo, e com muito lucro.

Todos concordaram com isso e o Armando ficou de verificar
os custos. Uma semana depois, o �nico n�mero que ele
conseguiu apurar foi o do custo da Embratel. O resto era uma
estimativa, pois dependia de uma discuss�o com os afiliados,
pessoal, equipamentos, etc. Passamos os n�meros para o Joe
estudar e, dias depois, no comit�, ele achou que dever�amos
correr o risco e colocar o jornal no ar para tentar vender. Chamamos
o Armando na sala e o Walter deu um prazo de trinta
dias para a estreia. O Armando chiou:

� Isso n�o � assim. Temos que ver como fazer.
O Walter concordou:
� Est� bem. Marque voc� a data.
Esse argumento acalmou o Armando. Sa�mos dali para trabalhar
no projeto. O Joe, por raz�es �ticas, sempre quis dist�ncia
de jornalismo e conte�do, mas, entusiasmado, ficou encarregado
de informar o dr. Roberto sobre a nossa decis�o. Voltou
com a resposta de que ele estava muito feliz e entregava em
nossas m�os o comando da opera��o.

O Armando e a Alice-Maria, nossa principal editora, ficaram
com a miss�o de criar e formatar o telejornal. A Alice-
Maria iria tamb�m examinar as condi��es operacionais com a
Embratel. Eu definiria com o Armando os objetivos para facilitar
a cria��o e o formato e providenciaria os cen�rios, o logotipo
e a abertura. O nome Jornal Nacional aconteceu normalmente,
pois era assim que nos refer�amos ao projeto. O Walter
e o Arce negociariam com as emissoras afiliadas. E foi a� que o
processo ficou mais dif�cil do que sup�nhamos. A maioria dos
afiliados queria manter seu telejornal local no hor�rio, cedendo
apenas 15 minutos para o JN, exibindo antes as not�cias locais
com seus apresentadores. Al�m disso, cada emissora queria
que as suas not�cias, quando aproveitadas no JN, fossem ao


vivo e narradas pelo apresentador local. Isso era imposs�vel. O
corte de uma pra�a para outra teria que ser feito pela Embratel,
que n�o aceitou essa incumb�ncia por ser uma mera transportadora
de sinais. Armando e eu defend�amos que o processo de
recebimento de not�cias deveria seguir o j� testado nos Estados
Unidos, onde as mat�rias eram enviadas pelas emissoras
que compunham a rede, selecionadas por uma editoria nacional,
editadas e narradas pelo anchorman [apresentador] nacional.
N�o abr�amos m�o dessa f�rmula, mas alguns afiliados
teimavam em n�o aceitar. O Armando resistia e s� topava tocar

o projeto se fosse obedecido o conceito que n�s conhec�amos
de sobra e se houvesse algum refor�o de equipamento.
O Walter e o Arce entendiam que o Armando era contra o
JN. N�o era nada disso. Armando e eu quer�amos apenas levar

o projeto a s�rio. E nossa tese prevaleceu. Os afiliados concordaram
em fazer uma experi�ncia. Eu j� havia estagiado nos Estados
Unidos e realizado muitas viagens para l� e sentei com o
Armando, que tamb�m conhecia os jornais de rede americanos,
e definimos que nosso telejornal deveria ser rico em imagens,
com o maior uso poss�vel de sonoras, como os telejornais americanos;
deveria ter uma linguagem nacional e um ritmo mais
vivo e brilhante do que os telejornais da �poca. Armando concordou,
mas imp�s uma condi��o: havia a necessidade de mais
equipamento sonoro nas nossas emissoras e nas afiliadas e eu
deveria assumir um compromisso com ele para lutar por isso.
Prometi a ele que iria conseguir o que era necess�rio. Liberei
verba para a compra de mais tr�s c�meras sonoras, uma para
cada pra�a nossa na �poca, Rio, S�o Paulo e Belo Horizonte,
e liguei para o Maur�cio Sirotsky, da TV Ga�cha, e para outros
afiliados pedindo refor�o dessas c�meras. Naquele tempo
ainda eram as pesadas Auricom, com gravador de �udio sepa

rado, e n�o havia recomenda��o para se comprar muitas, pois
seriam substitu�das em 1970 pelas CP (Cinema Products) mais
leves e confi�veis. O Armando reuniu-se com a Alice-Maria,

rado, e n�o havia recomenda��o para se comprar muitas, pois
seriam substitu�das em 1970 pelas CP (Cinema Products) mais
leves e confi�veis. O Armando reuniu-se com a Alice-Maria,
tava
com poucas imagens, raramente exibia mat�rias com som
e o texto era �Gutenberg� puro. A �ltima not�cia era sempre a
mais forte do dia. O formato bolado pela CGJ, pelo Armando,
Alice-Maria e equipe, era o oposto disso e ainda foi criado um
�Boa-noite�, no qual as not�cias mais amenas ou curiosas davam
um tom leve ao encerramento. Estava tudo bem planejado,
mas faltava transformar o sonho em realidade.
De todos os est�dios da Globo, apenas tr�s estavam sendo
usados. E a cenografia fazia das tripas cora��o para acomodar
l� as nossas novelas. O audit�rio era usado diariamente. Ter�amos
que abrigar o JN nos mesmos mirrados est�dios onde
faz�amos o jornal local. Conseguimos mais algum espa�o, suficiente
apenas para uma pequena bancada e um painel despojado.
Fizemos um fundo cinza claro, em que o logotipo criado
pelo Borjalo foi aplicado v�rias vezes, em baixo-relevo. O
Joaquim Tr�s Rios bolou uma anima��o de alguns segundos
que abriria uma sequ�ncia de imagens do dia. A trilha sonora
foi encomendada a um maestro e s� foi entregue na manh� em
que o jornal seria lan�ado. Detestei o resultado e pedi socorro
ao Ant�nio Faya, sonoplasta da Globo e um dos melhores do
Brasil. Ele me apareceu com um LP do Frank De Vol, chamado
The happening, e foi me mostrando as faixas. Escolhi uma
delas e ele foi correndo editar de modo que desse o tempo ne



cess�rio para a abertura. O tema sofreu muitos arranjos depois,
mas continua sendo at� hoje a abertura do Jornal Nacional.

cess�rio para a abertura. O tema sofreu muitos arranjos depois,
mas continua sendo at� hoje a abertura do Jornal Nacional.
bimento
de mat�rias, a grava��o, a sele��o e a edi��o do que
seria exibido. O detalhista Armando Nogueira, no comando de
tudo, ficou com uma tremenda dor de barriga. Pouco antes de o
JN entrar no ar, foi at� a minha sala me mostrar a lista das mat�rias
do dia e aproveitou para usar o banheiro. Como n�o sa�a
mais, eu, que estava apenas ansioso, passei a ficar nervoso. No
est�dio o Hilton Gomes, agitado como sempre, andava de um
lado para o outro revendo o texto, mas estava firme devido �
sua larga experi�ncia profissional. O Cid Moreira parecia tranquilo,
como se nada estivesse acontecendo, e, sentado, marcava
as suas falas. Na hora de ir ao ar, nos acotovelamos no min�sculo
controle. O Jornal Nacional nascia em um momento
dram�tico, meses depois da promulga��o do Ato Institucional
n�mero 5, que havia fechado o Congresso Nacional. A manchete
do dia era sobre o estado de sa�de do presidente Costa
e Silva, mas n�o foi ao ar por proibi��o do SNI, sendo substitu�da
por um comunicado oficial do governo. O mundo inteiro
estava na edi��o inaugural: China, Estados Unidos, L�bia, Paquist�o.
Os destaques do Brasil eram o aumento da gasolina, o
depoimento do Garrincha sobre o acidente que matou a m�e de
Elza Soares, as obras de alargamento da praia de Copacabana


e o gol do Pel�, de n�mero 979, garantindo nossa vaga na Copa
de 1970, no M�xico. Mesmo censurado, o JN era din�mico.
Ao terminar a edi��o, um grito de al�vio do Armando:

� O Boeing decolou!
Ao diretor de TV Alfredo Marsillac, o Armando deu o roteiro
da edi��o hist�rica, com o texto �E o Boeing decolou�,
assinado por ele. Sa�mos dali fazendo festa e fomos ligar para
os principais afiliados para ver como havia chegado a transmiss�o
em todos os cantos do Brasil aonde a rede da Embratel
chegava. Havia uma euforia generalizada. Tudo ocorreu com
perfei��o. Recebi um telefonema do Cassiano Gabus Mendes,
da TV Tupi, dando os cumprimentos pela transmiss�o:

� Parab�ns! Tenho minhas d�vidas se isso vai funcionar,
mas foi um grande passo.
Para mim, al�m de representar o in�cio oficial da rede, o
mais importante � que hav�amos caminhado decisivamente no
sentido da presta��o de servi�o. Com o Jornal Nacional no ar,
est�vamos dando o pontap� inicial para ir al�m do entretenimento.


O sucesso foi t�o grande e imediato que no dia seguinte o
Banco Nacional, identificando uma possibilidade de associar a
sua marca ao Jornal Nacional, quis patrocinar o JN em todo
Brasil e pagar todos os custos. Ai ocorreu um novo problema
com o Armando. Ele tinha medo de que um produto jornal�stico
ficasse comprometido com o nome do patrocinador e causasse
suspeitas de influ�ncia. T�nhamos experi�ncia passadas
com o Esso e Ultragaz que usavam seus nomes at� atr�s do
apresentador. Foi garantido pelo Arce que jamais usar�amos a
marca do patrocinador em cen�rios, vinhetas e abertura. E garantiu
ainda que a caracter�stica de patroc�nio entraria somente
antes do jornal. Mesmo torcendo o nariz, o Armando achou


que dessa forma daria para aceitar e na semana seguinte o JN
estava patrocinado nacionalmente como o Arce havia previsto
no almo�o. O JN tinha apenas 15 minutos e era precedido pelos
telejornais locais. Nas nossas pra�as eram L�vio Carneiro,
em S�o Paulo, o Oliveira Duarte, em Belo Horizonte e depois
Heitor Ribeiro em Bras�lia. No Rio, a primeira parte era apresentada
pelos mesmos Cid Moreira e Hilton Gomes, integrando
com o segmento nacional. Em pouco mais de um ano o JN
acabou com o Rep�rter Esso, que deixou o ar em dezembro de
1970.

Em 1971, o Armando entrou na minha sala e anunciou que

o Hilton Gomes estava de sa�da da Globo, pois havia recebido
uma proposta irrecus�vel da TV Rio. A emissora tinha planos
de colocar no ar o primeiro telejornal em cores da televis�o
brasileira.
Fui almo�ar com o Armando, no Antonio�s, e decidimos que

o JN entraria em cores antes da TV Rio. Com a ajuda do Adilson
Pontes Malta e do Fernando Bittencourt, arrancamos duas
c�meras coloridas retiradas de algum lugar da emissora e entramos
na frente de todas as concorrentes, trabalhando no est�dio
com apenas duas c�meras coloridas para os apresentadores
e exibindo as mat�rias nacionais em preto e branco e as internacionais
em cores. O Armando indicou o Ronaldo Rosas para
substituir o Hilton, mas um ano depois a TV Rio levou o Rosas
tamb�m. Era uma quarta-feira e ele iria embora na sexta. Precis�vamos
de um substituto com urg�ncia. O Clemente Neto me
pediu que ouvisse um locutor na R�dio Jornal do Brasil, que
tinha uma voz linda e uma narra��o perfeita. Gostei muito do
que ouvi. O operador de c�mera e meu amigo Helmar S�rgio
se ofereceu para busc�-lo, uma vez que tinha amigos na R�dio
Jornal do Brasil. Foi at� l� e voltou com o rapaz.

� �
� Tem boa apar�ncia? Como � mesmo o nome dele?
� � um boa-pinta. O nome � S�rgio Chapelin.
Ele entrou e, depois de alguns minutos, chamei o Armando
para conhec�-lo. O Armando aprovou e chamou a Alice-Maria,
que tamb�m gostou do rapaz. Ele foi contratado na hora. Avisou
que n�o tinha experi�ncia de v�deo e precisava se adaptar.
O Armando lhe deu um susto:

� Pois vamos come�ar essa adapta��o j�. Voc� entra no ar
em quatro dias.
Na segunda-feira, Chapelin fez sua estreia, com total seguran�a
e absoluto sucesso. A dupla Cid Moreira e S�rgio Chapelin
ficou como titular do JN por mais de dez anos. Heron Domingues,
do famoso Rep�rter Esso da R�dio Nacional, apresentava
o jornal aos s�bados, com a categoria de sempre. No
in�cio o JN recebia mat�rias internacionais via a�rea que chegavam
defasadas e quase n�o tinham utilidade. Em 1973 a Globo
fez um contrato com a UPI (United Press Internacional) e

o JN passou a receber todo o notici�rio internacional via sat�lite.
Foi uma revolu��o t�o grande quanto a entrada no ar do
JN. Essa conquista estimulou o Armando Nogueira e a Alice-
Maria, ent�o diretora de Telejornais da Central Globo de Jornalismo,
a instalar nossa primeira sucursal internacional. Como
n�o poderia deixar de ser, a primeira cidade escolhida foi
Nova York. O jornalista H�lio Costa foi contratado como nosso
primeiro chefe da sucursal e para fazer reportagens para o
Fant�stico. A segunda sucursal a ser montada foi a de Londres.
Eu adorava Paris e pensei em ter, pelo menos, um correspondente
l�, mandando equipamento de Londres ou alugando
em Paris quando necess�rio. Combinei com o Armando a

contrata��o do Reali Jr. e fui jantar com ele em Paris. O Reali
Jr., muito leal, concordou em ficar � disposi��o da Globo desde
que pudesse continuar servindo ao jornal O Estado de S.
Paulo, o que n�o era poss�vel dentro da pol�tica de exclusividade
da Globo. Ofereci ao Realinho condi��es excepcionais,
mas ele manteve sua fidelidade ao jornal que o havia levado
para �as margens do Sena�, como ele gostava de abrir suas cr�nicas.
O Reali foi um grande amigo, com que aprendi a pol�tica
europeia. Tamb�m discut�amos sobre restaurantes, queijos
e vinhos. Sua perda mudou a cara de Paris. Para substitu�-lo,
ele indicou o Roberto D�Avila, um rep�rter e entrevistador de
primeir�ssima linha, que foi contratado, mas encontrou resist�ncias
na Globo. Eu n�o sei at� hoje se o Armando n�o gostou
de n�o ser consultado ou ficou enciumando da grande amizade
que eu e o Roberto D�Avila passamos a cultivar. Nesse
mesmo ano o jornalista Julio De Lamare criou dentro da Central
de Jornalismo a Divis�o de Esportes, que s� ganharia for�a
em 1974, quando acabou o programa Dois minutos com Jo�o
Saldanha e incorporamos esses minutos ao JN. Mesmo assim
eu queria priorizar a informa��o e pedia para evitar entrevistas
com jogadores, habituados a falat�rios sem fim. T�nhamos
agora 17 minutos para o JN e o Armando queria 30 minutos,
incluindo os comerciais, para expandir o esporte e a cobertura
internacional, sem afetar o que j� t�nhamos na �rea nacional.
Propus ao Comit� Executivo tirar o ap�ndice local de 15 minutos,
separando-o do JN e exibindo os telejornais das pra�as
�s 19 horas, entre as novelas da seis e das sete. A estrat�gia foi
levada as afiliadas e houve no in�cio uma gritaria geral, mas a
proposta emplacou. Foi tamb�m nessa �poca que o Armando e
a Alice instalaram a sucursal de Londres e contrataram correspondentes
em Washington e Buenos Aires. A atividade do JN


e do jornalismo da Globo em geral foi afetada pela censura oficial
e, muitas vezes, por press�es internas. Em 1983 a empresa
teve problemas com a campanha Diretas J� e em 1989, com a
campanha Fernando Collor. Como sequela desse segundo epis�dio
o Armando Nogueira acabou deixando a empresa e o Alberico
de Souza Cruz assumiu a Central Globo de Jornalismo,
de 1990 a 1995, tendo dado continuidade � performance de audi�ncia
do JN em todo o Brasil. Em 1995 foi substitu�do pelo
Evandro Carlos de Andrade. Os apresentadores Cid Moreira
e S�rgio Chapelin foram substitu�dos pela Lillian Witte Fibe
e por William Bonner. O William Bonner foi uma descoberta
da Lou, minha mulher, muito tempo antes de assumir o JN. Eu
precisava de um apresentador para S�o Paulo. Com seu olho
cl�nico, a Lou viu o Bonner na Bandeirantes. Eu o trouxe para
a Globo. Inicialmente o Bonner apresentou a terceira edi��o
do SPTV e logo passou para a segunda edi��o. Mais tarde veio
para o Rio, onde assumiu o JN como apresentador e depois como
seu editor-chefe. A Lillian Witte Fibe ficou pouco tempo e
saiu. F�tima Bernandes, esposa do Bonner, assumiu o lugar de
Lillian na apresenta��o do JN.

A cl�ssica frase �parece que foi ontem� n�o sai da minha
cabe�a. Em setembro de 2014, o JN comemora 45 anos. Cada
vez que ou�o os acordes da abertura, meu cora��o ainda bate
acelerado e lembro emocionado do Armando Nogueira. Meu
amig�o. Ele monitorava todos os shows de teatro e bares em
que houvesse uma apresenta��o ao vivo de MPB ou jazz e me
tirava de casa para assistir com ele. Era uma rotina. Quando
viaj�vamos a servi�o ou lazer, frequent�vamos juntos os bares
de jazz de Nova York ou Paris. Depois da morte do Armando
fiquei perdido e sem outro amigo que amasse tanto a m�sica
como ele. O Armando passava todos os finais de ano em minha


casa, com a minha fam�lia. Tocava sua gaitinha e me pedia
sempre que acrescentasse a ceia de r�veillon um bife � bourguignon
que eu mesmo fazia. Quando ele saiu da Globo eu
pensei em sair junto e ele me disse:

� Eu posso sair. Tu n�o. Eu estava na Globo. Tu �s a Globo.

que
Amorim




















cio
Vaz, Borjalo


Globo: o maior �ndice de produ��o
pr�pria do mundo


COM O AVC DO GENERAL COSTA E SILVA, o general Garrastazu M�dici
assumiu a presid�ncia em 19 de outubro de 1969, nomeando o
ga�cho Higino Corsetti para o Minist�rio das Comunica��es. O ministro
Corsetti se interessava pela televis�o e convocou reuni�es com
as emissoras, representadas pelos seus acionistas e principais executivos.
A ABERT (Associa��o Brasileira de Emissoras de R�dio e Televis�o)
� criada em 1962 para lutar contra os vetos de Jo�o Goulart
ao C�digo Brasileiro de Telecomunica��es-tamb�m foi convocada.

Al�m da censura, do SNI e da Pol�cia Federal, tivemos que passar
a conviver tamb�m com as ideias pessoais de um ministro. A sorte
� que ele era af�vel e disposto a dialogar. Na primeira reuni�o, no
in�cio de 1970, eu estive presente e ele introduziu tr�s assuntos que
eram absolutamente contradit�rios. Anunciou que o governo iria implantar
a televis�o em cores e estava finalizando estudos para definir

o sistema, disse que queria a melhoria da qualidade geral da televis�o
e nos informou, paradoxalmente, que havia um projeto para determinar
uma quantidade m�nima de programas nacionais in�ditos e
que as exibi��es em rede, ou em videotape, s� seriam computadas
quando da primeira vez que fossem ao ar na emissora que as gerasse.
Alegou estar sendo pressionado pelos sindicatos locais, que queriam
a produ��o em suas �reas, em todo o Brasil.

O ministro disse que cabia a n�s encontrar uma solu��o e se
retirou, nos deixando com seus assessores. A televis�o em cores
era uma amea�a �s nossas finan�as, que come�avam a se
equilibrar. Na quest�o relativa � melhoria dos programas, foram
apresentadas as reclama��es da censura. No caso da Globo,
o problema se limitava a tr�s programas. Um deles era O
homem do sapato branco, que j� estava na programa��o quando
eu cheguei e n�o havia o que discutir. O contrato se encerrava
em mar�o e j� hav�amos informado aos respons�veis que
ele n�o seria renovado e que o programa estava cancelado. O
outro era o Dercy de verdade, objeto de censura constante n�o
em raz�o de palavr�es, pois era de entrevistas e n�o de teatro,
mas porque a Dercy dizia coisas que os militares n�o queriam
ouvir. Ela atingia 60 pontos no IBOPE, mas ter�amos mesmo
que sacrificar o programa. Proibido de ser exibido ao vivo, ele
era gravado com folga de noventa minutos, dos quais, depois
da tesoura da censura, sobravam vinte ou trinta minutos apenas.
Dessa forma n�o daria para prosseguir e em junho havia
a previs�o de encerrar a exibi��o do programa. O terceiro era

o Chacrinha e o problema alegado era rid�culo. Tratava-se dos
�ngulos de c�mera quando enquadravam as bailarinas e do tamanho
de saiotes e biqu�nis. Eu disse que a quest�o de �ngulos
de c�mera poderia ser resolvida naquele instante, mas o cumprimento
das saias n�o dava para ser solucionado, porque eu
n�o havia levado minha fita m�trica. Todo mundo riu, inclusive
os assessores do ministro. Completei dizendo que n�o dever�amos
discutir uma coisa t�o sem import�ncia e que era melhor
deixar o Chacrinha resolver isso com os censores. Ali�s,
mesmo depois que saiu da Globo, ele passou a vida toda discutindo
com a censura o tamanho das roupas das Chacretes.
Quando foi criado o Conselho Superior de Censura, o pr�prio

Abelardo Barbosa preparou um documento hist�rico, apresentado
ao vivo em seu programa e levado ao Conselho pelo Ricardo
Cravo Albin e apresentado ao vivo pelo Chacrinha. A
quest�o delicada era o videotape. Sem o videotape e sem a rede,
os recursos para melhorar a qualidade n�o existiriam. E
considerar como programa in�dito somente a primeira exibi��o
de cada produto seria, na pr�tica, o fim da rede nacional
de televis�o. Isso iria acontecer meses depois que o pr�prio governo
havia disponibilizado a rede de micro-ondas. N�o dava
para entender. Na �poca, ningu�m entendeu. Ser� que eles estavam
arrependidos de ter viabilizado que as informa��es e o
entretenimento cobrissem todo o pa�s? Seria medo da censura
n�o conseguir manter o controle sobre todo o conte�do das
emissoras? Seria uma tentativa de dividir para poder governar?
Ou era apenas uma espada de D�mocles sobre nossas cabe�as
para colaborarmos com a implanta��o da TV em cores?

Ficamos perplexos, � procura de argumentos. E achamos
melhor aguardar um documento oficial do governo. Mas o
Paulo C�sar Ferreira, nesse momento fazendo parte da Assex
(Assessoria do Conselho Executivo da Globo) achou que dever�amos
fazer imediatamente um documento seguindo a linha
de que �o ataque � a melhor defesa�.

N�o havia mesmo raz�o para a press�o do minist�rio. Como
sou, e sempre fui, detalhista, lembrei-me que um assessor do
minist�rio havia se referido a desenterrar um projeto de lei do
governo J�nio Quadros, de 1961. Imediatamente, pedi para levantarem
tudo que fosse poss�vel sobre o que acontecia na televis�o
nos anos 1960. Solicitei ao Paulo C�sar que corresse
atr�s dessas refer�ncias. Conseguimos todas as revistas de programa��o
da �poca. Tranquei-me na sala com ele e montamos
um quadro, no qual se via que os produtos importados ame



ricanos, especialmente as s�ries, ocupavam quase 70% do hor�rio
nobre no passado. Nas revistas do tipo guia de programa��o
constavam, nas diversas emissoras, Bonanza, Os Intoc�veis,
Dr. Kildare, Ben Casey, Combate, Al�m da imagina��o,
Lassie, Rin-tin-tin, Volantes audazes, Rota 66, S�culo XX,
T�nel do tempo, Bat Masterson, Paladino do Oeste, A feiticeira,
Jeannie � um g�nio, Super-Homem, Batman, O fugitivo,
Gunsmoke etc. A partir de 1963, com o sucesso das novelas da
Excelsior e da Tupi, dos festivais da Record e mais tarde com a
entrada da Globo no mercado, o panorama havia mudado. Progressivamente
vinha ocorrendo um aumento da programa��o
brasileira. E com a competi��o a qualidade tamb�m estava melhorando.


O problema maior � que o minist�rio ainda olhava para a TV
como se estiv�ssemos no in�cio dos anos 1960. Precis�vamos
demonstrar isso, mas n�o seria f�cil convencer pessoas que n�o
eram da �rea. O Paulo C�sar e eu trabalhamos das primeiras
horas da manh� at� o fim da noite, sem atender ningu�m nem
ver outra coisa. Redigimos um documento mostrando o que havia
acontecido de 1960 para 1970. Argumentamos que a qualidade
tinha melhorado muito e s� poderia melhorar mais com
recursos financeiros. Que a �nica maneira de obter esses recursos
era produzir para distribui��o nacional e que os investimentos
feitos seriam muito maiores do que as emissoras locais
teriam capacidade para fazer, gerando mais empregos que prec�rias
produ��es locais. Alertamos que as emissoras do interior,
localmente, iriam entupir os hor�rios com amadores que se
apresentariam de gra�a e que todo o esfor�o feito at� ent�o para
profissionalizar a nossa produ��o seria jogado no lixo. Significaria,
portanto, a morte da televis�o como ind�stria. Fizemos
uma exposi��o mostrando que o caminho seria incentivar


a produ��o nacional e n�o dificult�-la. E o importante era que
f�ssemos melhores que os importados para competir no nosso
mercado, com investimentos que pudessem ser dilu�dos na
rede em todo o pa�s. Enfatizamos que, dessa forma, a melhoria
do padr�o da televis�o viria automaticamente. Cunhamos
e propusemos a express�o �origem nacional�, que seria uma
meta a ser atingida pelas emissoras em troca da desist�ncia de
uma portaria, decreto-lei ou qualquer outra medida para intervir
no mercado. Acrescentamos que a Globo j� havia atingindo
um �ndice de nacionaliza��o na rede, no hor�rio nobre, superior
a 70%, o que significava que j� t�nhamos invertido a
propor��o que a televis�o americana detinha em meados dos
anos 1960. E a nossa estrat�gia, sempre violentamente estimulada
pelo Jo�o Carlos Magaldi, era crescer ainda mais. Usando
um quadro, mostramos que os telejornais locais, e tamb�m os
programas locais, estavam no limite m�ximo da capacidade de
produ��o de quase todas as emissoras do Brasil e esse volume
atendia perfeitamente � preserva��o da cultura local e regional.
O minist�rio estudou o documento e deve ter concordado com
nossos argumentos, porque nunca mais voltou a esse assunto.
Como quem cala consente, eles devem ter mandado os sindicalistas
�s favas.

O uso dos recursos de grava��o e p�s-produ��o, como edi��o,
trucagem de imagens, efeitos especiais, mixagem de som
e corre��o de cores, permitiu a melhoria da qualidade da produ��o
de todos os g�neros, e a exibi��o em rede forneceu o suporte
financeiro para o aumento de programas de �origem nacional�,
abrindo um mercado de trabalho como jamais se imaginou.
A Globo chegou a ter 95% de �ndice de programa��o
brasileira e � a emissora que possui o maior n�mero de horas
de produ��o pr�pria em todo o mundo.


Janete, Regina e Cuoco


BETO ROCKFELLER (1968), DA TV TUPI, foi o divisor de �guas da novela
no Brasil. Criada por Cassiano Gabus Mendes, escrita por Br�ulio
Pedroso, dirigida pelo Lima Duarte e com o Luis Gustavo (o Tat�)
no papel de Beto, que na realidade era baseado no pr�prio Luis
Gustavo. N�o foi a primeira a ter a a��o passada na �poca atual, visto
que v�rias das primeiras novelas da televis�o, muito antes de serem
di�rias, j� eram contempor�neas. Tamb�m n�o foi um sucesso
nacional, tendo o seu melhor desempenho em S�o Paulo. Mas foi,
sem d�vida, a primeira com di�logos coloquiais e aproveitou-se de
um momento especial em que a sociedade brasileira, sob o peso da
ditadura, fazia uma reavalia��o de seus valores. O anti-her�i Beto se
encaixava perfeitamente no clima reinante no final dos anos 1960.
A novela foi esticada e durou mais de um ano, perdendo a for�a no
final. Devido � exaust�o, o autor Br�ulio Pedroso foi substitu�do �s
pressas por Walter Avancini e a novela ficou arrastada no final. Consequentemente,
Luis Gustavo, Pl�nio Marcos e Lima Duarte foram
obrigados a improvisar cenas inteiras para encher lingui�a ou simplesmente
para ocupar o lugar do texto que nem sempre chegava a
tempo. De qualquer forma, Beto Rockfeller fez hist�ria e representou

o in�cio da moderniza��o da telenovela brasileira.
Assim que o Beto come�ou, o Daniel Filho me trouxe a proposta
de fazer uma novela moderna escrita por Janete Clair, que havia sido
recusada pela Gl�ria Magadan v�rias vezes. A novela era baseada


em um hist�ria que a Janete j� havia testado na R�dio Nacional,
mas estava recheada de fatos e situa��es atuais. Na sinopse
trazida por ele, o principal personagem era um piloto de carros
de corrida. Protestei:

� Daniel, n�o d�. Pela primeira vez a Magadan estava certa.
Automobilismo � coisa para homem e o grande p�blico de novela
s�o as mulheres.
O Daniel, com seu jeitinho manso e matreiro, argumentou:

� N�o se assuste. O automobilismo � s� pano de fundo. �
uma novela rom�ntica... muito rom�ntica.
Desconfiado, levei a sinopse para casa e li durante a noite.
Era �tima. O automobilismo era abordado discretamente e, como
o Emerson Fittipaldi iniciava sua carreira na Europa, t�nhamos
um bom gancho promocional. O t�tulo era Vende-se um
v�u de noiva e eu propus usar s� V�u de noiva. A Janete e o Daniel
concordaram. O piloto de carros Marcelo Montserrat seria
interpretado por Cl�udio Marzo. O Cl�udio j� estava na Globo;
junto com Carlos Alberto era um dos dois gal�s da casa. Bonito,
elegante, sereno e jovem, al�m de um senhor ator, parecia
perfeito para o papel. Mas n�o t�nhamos no elenco algu�m que
pudesse fazer a Andr�ia, descrita pela Janete como uma jovem
sonhadora, meiga e prestes a se casar. Passamos em revista os
elencos da Tupi e da Excelsior e surgiu o nome da Regina Duarte.
Fui incumbido de fazer uma tentativa de lev�-la para a
Globo. Ela fora descoberta pelo Walter Avancini, em 1965, e
sua primeira novela havia sido A deusa vencida, na TV Excelsior,
seguida de in�meros sucessos. O Luiz Guimar�es conseguiu
fazer contato com ela e marcamos um encontro em S�o
Paulo, na sala que eu tinha na rua das Palmeiras, antes do inc�ndio.



A Regina tinha uma beleza serena e um olhar penetrante.
Com seus dentes alvos, sorria discretamente e irradiava simpatia,
falando baixo, de forma simples e cativante. Era a Andr�ia
sonhada por n�s. De cara levei um balde de �gua fria. A Regina
me disse que n�o podia ir para o Rio, pois estava fazendo
um curso de comunica��o na USP e queria ser jornalista al�m
de atriz. Acrescentou que havia acabado de se casar e estava
terminando de montar sua casa. Eu insisti. Mostrei a sinopse
e falei dos planos futuros da Globo. Enquanto tom�vamos um
caf�, ela deu uma lida no texto e gostou do personagem. Pensou
e sorriu, e com aquele ar de preocupa��o permanente, que
� uma de suas caracter�sticas, me disse:

� Gostei, mas n�o d�. Eu ainda tenho contrato com a TV Excelsior
por muito tempo.
Eu sabia que os sal�rios da Excelsior estavam atrasados e
n�o tive d�vidas na hora de apelar para isso.

� Voc� est� recebendo em dia?
� N�o, Boni. J� faz quatro meses que eles n�o me pagam.
� Ent�o, Regina, esse contrato n�o vale mais nada. Larga tudo
e vem para a Globo
� N�o d�. Como � que eu vou largar uma novela no meio?
Eu nunca fiz isso.
Regina estava fazendo o personagem Pom-Pom em Dez vidas,
novela sobre a Inconfid�ncia Mineira. Pom-Pom se vestia
de homem para participar da pol�tica, coisa proibida para as
mulheres naquela �poca. Eu disse a ela:

� Pom-Pom est� usando um disfarce e n�o � o personagemprincipal. � f�cil substituir. Avisa logo � TV Excelsior e vem
com a gente.
� Bom. Eu vou tentar. N�o prometo, mas vou tentar.

Devido ao atraso de pagamento da Excelsior, a Regina estava
devendo presta��es de m�veis, geladeira, fog�o e muito
mais. Ficou t�o excitada e nervosa com a nossa proposta que
teve uma febre de quarenta graus e, no dia seguinte, n�o apareceu
na TV Excelsior para gravar. Ligaram da produ��o para
ela e a Regina explicou que estava muito mal. Disse que al�m
de seu sal�rio estar atrasado, havia recebido uma proposta da
Globo e n�o sabia nem quando e nem se voltaria a gravar na
Excelsior. Substitu�ram-na e ela foi me procurar.

� Olha, Boni. Para ir, eu preciso de duas passagens semanais.
Como te falei, estou rec�m-casada. Meu marido precisa ir
comigo. Mesmo morando em S�o Paulo, preciso de um lugar
para ficar no Rio. E, desculpe, n�o quero come�ar criando dificuldades,
mas tamb�m preciso de algum dinheiro adiantado
para pagar minhas contas.
� Sem problema, Regina.
� Fechado?
� Fechado.
C�us. Meu sonho estava realizado. Comuniquei ao Daniel,
ao Borjalo e ao Renato Pacote que t�nhamos a Regina. Foi uma
festa. Com Tarc�sio, Gl�ria, Paulo Gracindo, S�rgio Cardoso,
Dina Sfat, Cl�udio Marzo e agora a Regina Duarte, j� t�nhamos
um belo cast para dar peso a nossa teledramaturgia. O Daniel
comandou a produ��o no Rio, preparou as externas no aut�dromo
de Interlagos em S�o Paulo e marcou as datas para gravar.
Uma semana depois a Regina j� estava vestida de balconista
da Sears, gravando com a minha amiga Suzana de Moraes, filha
do Vinicius. Nessa semana aconteceu o inc�ndio em S�o
Paulo e tivemos que suspender os trabalhos com V�u de noiva
para abrigar, no Rio, A cabana do Pai Tom�s. Mas o adiamento
acabou favorecendo a nova produ��o. O Daniel ganhou


tempo e corrigiu alguns problemas nas externas. Um intermedi�rio
disse ao Jo�o Paulo de Carvalho que montaria uma corrida
especialmente para as nossas grava��es, mas falhou e n�o
aconteceu nada. O Daniel teve que fazer v�rias tomadas com

o piloto Jos� Carlos Pace dublando o Cl�udio Marzo e depois
editou com cenas de Silverstone, onde apareciam Emerson Fittipaldi
e Jack Stewart.
Tinha ficado bom, mas ele ainda aprimorou o resultado.
Com o desgaste do Beto Rockfeller nos cap�tulos finais, a nossa
novela acabou estreando em 14 de outubro de 1969, �s 20h, e
s� pegou pela frente um m�s e meio do Beto, que terminou em
30 de novembro. Acreditamos em V�u de noiva e lan�amos a
novela com toda for�a, incluindo divulga��o em jornais e revistas,
cartazes de rua, chamadas no r�dio, na televis�o e inauguramos
as festas de lan�amento. O tema da campanha era baseado
na atualidade e diz�amos: em V�u de noiva tudo acontece
como na vida real. O slogan era: A novela verdade. T�nhamos
an�ncios especiais marcando a contrata��o da Regina, com o
tema �S� a Andr�ia de V�u de noiva poderia trazer a Regina
Duarte para a Globo�.

V�u de Noiva estourou em audi�ncia no Rio. A dupla Regina
Duarte e Cl�udio Marzo funcionou perfeitamente e se formaria
muitas vezes de novo. A novela pegou, de cara, em todo o Brasil.
Em S�o Paulo, ganhava por pouco, mas ganhava, e disparou
em audi�ncia assim que acabou a novela da TV Tupi.

Al�m da modernidade do tema, V�u de noiva apresentava
n�veis de produ��o at� ent�o nunca vistos em telenovelas. E tinha
a vantagem de ter di�logos tamb�m coloquiais, mas muito
bem elaborados e distante dos di�logos improvisados do Beto.
Outro pioneirismo de V�u de noiva foi iniciar a s�rie Quem
matou? quando assassinamos o personagem Luciano, interpre



tado pelo Geraldo Del Rey, que deixou a Globo no meio da
novela para ir trabalhar na TV Tupi.

tado pelo Geraldo Del Rey, que deixou a Globo no meio da
novela para ir trabalhar na TV Tupi.
cas:
Tarc�sio Meira e Gl�ria Menezes; Cl�udio Marzo e Regina
Duarte. E mais: Cl�udio Cavalcanti, Emiliano Queiroz, L�cia
Alves e Gilberto Martinho. Pela primeira vez, na Globo, construir�amos
uma cidade cenogr�fica, que foi montada na Barra
da Tijuca. Alguns atores e o diretor Daniel Filho tiveram que
gravar, ao mesmo tempo, o final de V�u de noiva e o in�cio de
Irm�os Coragem. Uma acabou no dia 6 de junho de 1970 e a
outra estreou dois dias depois, em 8 de junho de 1970. A novela
misturava ambi��o, desejo de ascens�o social, pol�tica e
futebol. Pela primeira vez, o p�blico masculino estava acompanhando
dia a dia uma novela. O bangue-bangue criado pela
Janete Clair dava �ndices de audi�ncia superiores aos da Copa
do Mundo de 1970, no M�xico, e chegou a bater os n�meros
da final It�lia x Brasil. Nenhuma novela, de nenhuma emissora
brasileira, havia conseguido �ndices t�o altos. O Daniel, com
sucesso, dividiu a dire��o com o Reynaldo Boury e o Milton
Gon�alves.

Havia um clima de alegria nos bastidores, e apenas o Tarc�sio
Meira estava incomodado, porque demorava muito para ele
encontrar o sonhado diamante que mudaria a trajet�ria do seu
personagem. Mas o Tarc�sio se surpreenderia mais tarde. No
dia 1o de janeiro de 1971, eu e a minha fam�lia, o Tarc�sio e
a Gl�ria, o Ibrahim Sued, o Luiz Borgerth e alguns amigos fomos
participar da prociss�o mar�tima do Senhor dos Navegan



tes, em Salvador, a convite do Alberto Maluf e do David Raw,
da TV Aratu. Eram mais de mil barcos no mar e o dia estava
lindo e ensolarado. Os barcos iam navegando e todos cantavam
hinos religiosos, como �Queremos Deus�. Quando perceberam
que o Tarc�sio Meira estava em uma das embarca��es, as pessoas
do barco ao lado come�aram a entoar a m�sica de abertura
de Irm�os Coragem e a coisa foi passando de barco em
barco. De repente, mais de tr�s mil barcos e trinta mil pessoas
cantavam, no mar de Salvador, a uma s� voz: �Irm�o, � preciso
coragem...�

O Tarc�sio desandou a chorar. Eu tamb�m ca� em prantos.
Milhares de embarca��es tentavam se aproximar da nossa, atirando
flores e jogando beijos. Quase morremos de emo��o.
Nesse dia, percebi que a Rede Globo realmente existia. Estava
de p�. Nunca tinha visto, em toda a minha vida profissional,
uma manifesta��o t�o grande e t�o espont�nea como aquela. E
essa consagra��o se repetiu em todo o pa�s. A Janete Clair teve
que esticar a novela, que acabou com 328 cap�tulos. Com o sucesso
de V�u de Noiva e Irm�os Coragem a Regina deixou de
ter a imagem da Excelsior e virou a cara da Globo.

Para Selva de pedra, cujo t�tulo, por acaso, � meu, o Daniel
sugeriu uma nova dupla: Regina Duarte e Francisco Cuoco. Eu
j� havia trabalhado com o Cuoco em outras emissoras, como
na novela Ren�ncia e em outros projetos, e sempre tive por ele

o maior respeito e muita admira��o pessoal e profissional. A
Regina e o Cuoco se entregaram tanto aos seus personagens
que tudo parecia real. O Walter Avancini foi para a Globo e
assumiu a dire��o de Selva de pedra. A novela ganhou uma
for�a como eu nunca tinha visto na televis�o. No Rio de Janeiro,
o cap�tulo 152 registrou 100% de share no IBOPE, o que
significa que todos os aparelhos de televis�o ligados naquele

dia e naquele momento estavam sintonizados na Globo, e os
telespectadores assistiam ao cap�tulo em que o personagem de
Regina Duarte, que usava uma falsa identidade, era desmascarado.
A Janete Clair deu v�rias contribui��es em outros hor�rios,
com argumentos como o de Jogo da vida (1981), de Silvio
de Abreu, e criou autores como Gilberto Braga que, genial,
levantou voo solo muito cedo. A conviv�ncia com a Janete
sempre foi franca e cordial. Mesmo no auge do sucesso ela
gostava de discutir suas propostas e adorava receber palpites e
conselhos. Era, essencialmente, uma pessoa meiga e amorosa.
Formou com o Daniel Filho uma dupla imbat�vel. Como a Janete
e o marido Dias Gomes escreviam em casa, ela se metia
nas novelas dele e ele se metia nas dela. Ela era uma excelente
dona de casa e escrevia suas novelas enquanto dava uma olhada
na comida que estava no fog�o e, ao mesmo tempo, cuidava
de outros afazeres dom�sticos. A Janete tinha uma identifica��o
total com o povo brasileiro, talvez por sua origem humilde.
Filha do imigrante liban�s Salim Emmer e da costureira
Carolina Stocco, ela nasceu em Conquista, Minas Gerais, em
1925, e foi registrada como Jenete, devido ao sotaque dif�cil de
seu pai. Ainda garotinha escrevia contos de fadas, j� revelando
seu talento para o sonho e a fantasia. Aos 16 anos ingressou
como radioatriz nas emissoras Tupi e Difusora, que operavam
em conjunto, em S�o Paulo. Por sugest�o do grande radialista
Octavio Gabus Mendes, pai do Cassiano, ela adotou o Clair no
lugar de Stocco Emmer, seu sobrenome verdadeiro. O Clair vinha
de �Clair de Lune�, de Debussy, m�sica que Janete adorava.
Nos corredores da r�dio conheceu Dias Gomes, com quem
se casou em 1950. Mais tarde, para ajudar no or�amento da fam�lia,
passou tamb�m a escrever programas e novelas radiof�



nicas. No r�dio, em S�o Paulo e no Rio, escreveu mais de trinta
novelas.

nicas. No r�dio, em S�o Paulo e no Rio, escreveu mais de trinta
novelas.
nero,
mas a Janete deixou a sua marca de forma t�o profunda
que se confunde com a pr�pria hist�ria da empresa e com a hist�ria
da telenovela brasileira. Perdemos a Janete em 1983. Seus
ensinamentos ficar�o para sempre balizando todo e qualquer
autor que queira se aventurar no g�nero. Pouco antes de ser internada
no hospital, ela foi at� a minha sala levando a Gl�ria
Perez e me disse:

� A Gl�ria � a minha sucessora.
Todas as vezes que vejo uma foto da Janete Clair olho bem
nos seus olhos e sinto que ela est� me passando uma mensagem
de afeto e carinho. Com a Regina Duarte iniciei uma amizade
que foi se solidificando. �s vezes o casal Duarte ia para
a minha casa de Angra e particip�vamos de jogos de palavras,
War, etc. Eu e a Regina sempre fomos os melhores. Ela trilhou
uma brilhante carreira na Globo, n�o s� vivendo a tradicional
�mocinha�, mas interpretando tamb�m personagens fortes, como
em Dibuk, o dem�nio e a hist�rica Malu de Malu mulher.

Muitas pessoas carregam r�tulos pomposos e nem sempre
merecidos. Mas a Janete Clair e a Regina Duarte, n�o. A Regina,
com Minha doce namorada, se tornaria eternamente a �namoradinha
do Brasil�. A Janete, com um sucesso atr�s do outro,
foi de fato a �maga� das oito horas ou simplesmente a �senhora
das oito�. O Cuoco arrasou com o Carl�o de Pecado capital
e est� at� hoje firme e forte defendendo pap�is dram�ticos
e c�micos, gra�as � sua grande versatilidade.

Quanta saudade dessa �poca e quanto carinho por esses amigos.



Os festivais... do Solano ao fim


do FIC


EM 1963, QUANDO FUI PARA A TV EXCELSIOR, com o Edson Leite, precisava
de um coordenador geral de minha absoluta confian�a. Convidei
o Solano Ribeiro. Ele pertenceu ao conjunto musical The Avallons
e tinha grande sensibilidade musical, era ator e dono de uma vis�o
pol�tica e social apurada. Al�m de ser um organizador nato. Frequent�vamos
os bares da moda em S�o Paulo, como o Lancaster, o
Ju�o Sebasti�o Bar, o Cave e o restaurante La Gratin�e, na rua Bento
Freitas, onde, nas madrugadas, com�amos uma soupe � l�oignon, cercados
por uma mistura de mulheres da vida e artistas. Ao convid�-lo,
senti que aceitou para me ajudar, pois pensava em voos mais altos.

Quando sa� da Excelsior e fui para a TV Rio, quis levar o Solano,
mas ele n�o topou sair de S�o Paulo. Ficou na TV Excelsior e, em
1965, criou, produziu e dirigiu o primeiro dos grandes festivais: o 1o
Festival Nacional da M�sica Popular Brasileira. Ainda nos temposdo �lvaro de Moya, a TV Excelsior abriu espa�o para a m�sica popular
brasileira de qualidade e, por isso mesmo, era um bom ve�culo
para o lan�amento de um festival. Com v�rios especiais e a s�rie de
programas Brasil 60...61...63..., produzidos com extremo bom gosto
pelo Manoel Carlos, que sempre esteve presente nos melhores momentos
da televis�o, a TV Excelsior guardava uma liga��o afetiva
com a MPB.


O primeiro acerto do Solano foi se livrar da influ�ncia das
gravadoras, assegurando a independ�ncia do festival. Mas o
patrocinador Rhodia, por meio de seu representante, o L�vio
Rangan, quase joga tudo por terra ao tentar conquistar os jurados.
O Walter Silva denunciou a manobra e o clima de liberdade
foi restabelecido, resultando na vit�ria de �Arrast�o�, can��o
de Edu Lobo e Vinicius de Moraes, interpretada por Elis
Regina, eleita melhor int�rprete. Com o sucesso, a TV Excelsior
vendeu o festival seguinte, novamente, para a Rhodia. Ao
saber disso, Solano pediu demiss�o.

Marcos L�zaro levou o Solano para a TV Record, onde ele
realizou o 2o Festival Nacional da MPB, em junho de 1966. O
festival foi denominado �segundo� n�o porque o primeiro fora
feito na Excelsior, mas por ter ocorrido anteriormente, na pr�pria
Record, um outro festival. A TV Globo, no Rio, retransmitiu
o festival da Record. Nessa edi��o de 1966, houve a famosa
disputa entre �A banda�, de Chico Buarque, defendida pela
Nara Le�o e pelo pr�prio Chico, e �Disparada�, do Geraldo
Vandr� e Theo de Barros, defendida por Jair Rodrigues. Ainda,
de quebra, tinha Caetano Veloso, com �O dia� e Gilberto
Gil, com �Ensaio geral�. A guerra entre �A banda� e �Disparada�
come�ou nos bares de S�o Paulo � onde as torcidas bebiam
e discutiam qual delas venceria �, passou para o audit�rio do
Teatro Record e tomou conta dos jornais e revistas de todo o
pa�s. Segundo Zuza Homem de Mello, em seu livro A era dos
festivais � uma par�bola, o j�ri concederia a vit�ria para �A
banda� por sete a cinco, mas o Chico, sempre elegante, se recusaria
a receber o pr�mio caso fosse o vencedor. Acabou dando
empate para o bem de todos e felicidade geral da na��o.

O sucesso dos festivais da Excelsior e da Record levaram

o Augusto Marzag�o a convencer o ent�o governador do Rio,

Negr�o de Lima, a promover algo semelhante na cidade, acrescentando
� competi��o nacional uma segunda fase com concorrentes
internacionais. Nasceu o FIC (Festival Internacional
da Can��o), realizado no Maracan�zinho, gin�sio anexo ao
Maracan�, e transmitido pela TV Rio, em outubro de 1966. A
abertura do festival era com �O hino do FIC�, composi��o do
maestro Erlon Chaves, e com o trof�u Galo de ouro, criado pelo
g�nio Ziraldo. A can��o vencedora foi �Saveiros�, de Dorival
Caymmi e Nelson Motta, interpretada por Nana Caymmi.
A repercuss�o foi apenas no Rio de Janeiro, e n�s, da Globo,
nos oferecemos para transmitir o 2o FIC (1967) para todo do
Brasil.

O Walter Clark conseguiu levar o FIC para a Globo, negociando
com o Marzag�o e tendo o apoio do dr. Roberto Marinho
junto ao governador Negr�o de Lima. O Walter se apaixonou
pelo FIC e passou a se envolver diretamente com o projeto.
Paiva Chaves assumiu o planejamento e o or�amento. Para cobrir
os altos custos, o Ulisses Arce criou cem cotas diferentes
de patroc�nio. No terra�o superior da Globo, havia uma imagem
de Santa Clara, padroeira da televis�o, e, a cada cota vendida,
a c�pia da autoriza��o de patroc�nio era colocada dentro
da imagem oca da santa. Quando as cem cotas foram vendidas,
Santa Clara passou a ser chamada de �Santa Cota�.

Para furar o festival da Record, que aconteceria em outubro
de 1967, antecipamos a data do FIC para setembro. Eu respondia
pela transmiss�o, o Marzag�o pela produ��o, o Hilton Gomes
pela dire��o e apresenta��o e o Walter Lacet pela dire��o
de TV. A fase nacional foi um sucesso, revelando um dos
maiores compositores e cantores do Brasil, Milton Nascimento,
que concorreu com �Travessia�, dele e do Fernando Brant.
O FIC nacional foi vencido por �Apareceu a Margarida�, de


Guarabyra, defendida pelo Grupo Manifesto; em segundo lugar
ficou �Travessia� e, em terceiro, a linda e rom�ntica �Carolina�,
de Chico Buarque. J� a fase internacional do FIC, em
todas as edi��es, n�o teve qualquer import�ncia, por conta da
m� qualidade das m�sicas inscritas e pela falta de representatividade
dos int�rpretes, em sua maioria cantores inexpressivos,
nem sequer conhecidos em seus pa�ses de origem ou que nem
mesmo pertenciam aos pa�ses que representavam. Uma farsa.
Por esse motivo, prefiro me ater somente � fase nacional de cada
um dos sete festivais.

O festival da Record de 1967 aconteceu um m�s depois do
nosso e talvez tenha sido o melhor de todos os festivais. Musicalmente,
apresentava joias como �Alegria, alegria�, de Caetano
Veloso, com o seu famoso refr�o: �Por que, n�o?�, e �Domingo
no parque�, de Gilberto Gil, engenhosamente arranjada
pelo maestro Rog�rio Duprat, reunindo uma orquestra de cordas
e os instrumentos el�tricos de Os Mutantes. Foi nesse festival
que o S�rgio Ricardo quebrou o viol�o e o arremessou na
plateia, ap�s ser insistentemente vaiado com �Beto bom de bola�.
O vencedor foi o maravilhoso e erudito �Ponteio�, de Edu
Lobo e Capinan.

Em setembro de 1968, a terceira edi��o do FIC contou com
a colabora��o do Renato Correa de Castro, ex-assistente do Solano
Ribeiro e meu velho amigo, que contratei para me auxiliar
na promo��o do Canal 5 em S�o Paulo. Renat�o, como o cham�vamos
devido ao peso avantajado, conseguiu que o Solano
desse uma m�ozinha e apareceram bons inscritos na eliminat�ria
de S�o Paulo: Geraldo Vandr�, com �Pra n�o dizer quen�o falei das flores�; Caetano Veloso, com �� proibido proibir�,
inspirado no slogan dos estudantes franceses �Il est interdit
d�interdire�, e Gilberto Gil, com �Quest�o de ordem�. A


eliminat�ria paulista aconteceu no TUCA (Teatro da Universidade
Cat�lica). As m�sicas de Gil e Caetano eram experimentais.
Gil, ousado, n�o foi compreendido e Caetano foi vaiadologo aos primeiros acordes de �� proibido proibir�. Ele encerrava
a sua can��o com versos de Fernando Pessoa, mas foi impedido
de chegar ao fim devido ao barulho ensurdecedor da
vaia e pelos objetos jogados no palco. N�o teve medo e se defendeu
corajosamente:

� Mas � isso que � a juventude que diz que quer tomar o poder?
(...) Voc�s n�o est�o entendendo nada, nada, nada! Absolutamente
nada!!!
E por a� afora... fez um belo manifesto. Na sa�da, cercado
por um bando de jovens enfurecidos que amea�avam agredi-
lo, ele dizia, perplexo:

� Que � isso? Eu sou apenas um artista!
Foi uma terr�vel noite de viol�ncia e intoler�ncia. Apesar de
tudo, Caetano foi classificado para as finais no Rio. Geraldo
Vandr� tamb�m passou para as finais. O Maracan�zinho, devido
� ac�stica deficiente e pelo tamanho do palco e da plateia,
favorecia can��es grandiloquentes e orquestra��es bomb�sticas,
diferente do tom intimista dado pelo teatro Record aos
seus festivais. Mas o Vandr� conquistou o est�dio, acompanhado
apenas pelo seu viol�o. O p�blico ouvia em sil�ncio, aplaudia
e depois come�ava a cantar com ele. Os militares chiaram,
queriam que ele fosse eliminado e n�o chegasse a final. Isso
n�o constava de nenhum regulamento e convencemos os porta-
vozes que nos amea�avam de que era melhor n�o intervir. O
p�blico e a imprensa cairiam em cima. N�o houve, na verdade,
mais nenhuma press�o. Vandr� ficou em segundo lugar sem
qualquer interfer�ncia, mesmo porque ficar com o primeiro ou

o segundo lugar n�o fazia mais diferen�a, pois o recado dele

estava dado. Mas era dif�cil convencer a imprensa e o p�blico
de que a Globo n�o foi for�ada a mudar o resultado. Eu,
no comando da transmiss�o, mas n�o do festival, tinha certeza
de que o Vandr� n�o perderia. Mas a can��o �Sabi��, sofisticada
composi��o de Tom Jobim e Chico Buarque, tinha fortes
admiradores no j�ri e foi a vencedora. O j�ri internacional referendou
essa escolha, dando tamb�m, nessa fase, o primeiro
lugar para �Sabi��. A vit�ria na fase nacional valeu, ao Tom e
ao Chico, uma profunda vaia, a maior e a mais injusta que eu
j� vi. Eles pagaram o pato porque Vandr� n�o ganhou e pelo
clima pol�tico que viv�amos, o que, paradoxalmente, tamb�m
era repudiado por eles.

Em novembro de 1968, o quarto Festival da TV Record n�o
foi l� grandes coisas. Tom Z� brilhou e venceu com �S�o, S�o
Paulo, meu amor�, mas a melhor can��o foi �Divino maravilhoso�,
de Caetano Veloso e Gilberto Gil. O Solano Ribeiro
deixou a TV Record e, com sua sa�da, o Festival de 1969, realizado
pelo Rizzo, marcou o fim dos festivais da Record.

O FIC de 1969 da Globo foi pobre, salvo por dois eventos:
em primeiro lugar, a vit�ria da can��o �Luciana�, m�sica comercial
de Edmundo Souto e Paulinho Tapaj�s, cantada por
Evinha. �Luciana�, adorada pelo p�blico brasileiro no Maracan�zinho,
desde a primeira apresenta��o, curiosamente, tamb�m
ganhou a fase internacional; em segundo, e mais importante,
a presen�a do Simonal como presidente do j�ri e encarregado
de um dos shows de encerramento. Ele entrou e n�o teve para
mais ningu�m. Conquistou e comandou cerca de trinta mil
pessoas, que n�o queriam deix�-lo sair do palco. Simonal havia
feito um contrato com a Shell, que o repassou para a Globo.
Sua presen�a, a partir daquele momento, se tornou imprescind�vel
na fase internacional e nos festivais seguintes. Acontece


que, por conta do seu sucesso, a Globo acabou usando todas as
apresenta��es dele e precis�vamos ampliar o contrato. Fomos
almo�ar no Nino�s: Simonal, Walter Clark, Jo�o Carlos Magaldi
e eu. Na verdade, quer�amos apenas mais uma atua��o extra
dele e pagar�amos o mesmo pre�o unit�rio das anteriores.

O Simonal, como diz o Chico Anysio, n�o queria ser �o rei
da cocada preta�. Ele, simplesmente, era. Quis dobrar o pre�o
do cach� e deu uma esnobada no Walter Clark, dizendo:

� Eu n�o preciso da TV Globo. Voc�s � que precisam de
mim.
O Walter se levantou, deu as costas para o Simonal e foi embora
sem se despedir. N�s continuamos o almo�o, mas o Simonal,
no auge do sucesso e alucinado pelo vil metal, n�o arredou
p� de suas pretens�es. Ficamos de pensar no assunto, ir�amos
para a Globo confabular com o Walter e ligar�amos mais tarde.
O Walter n�o aceitou a exig�ncia do Simonal. Quando ele ligou,
n�s o dispensamos do Festival de 1970. Ele foi ao programa
Fl�vio Cavalcanti, na TV Tupi, e desancou a Globo, alegando
que n�s o dispensamos porque ach�vamos que ele n�o
gostava de fazer televis�o. Mais tarde, atendendo a um pedido
da Shell, ele foi perdoado e entrou no Som Livre exporta��o.
Logo depois, ocorreu o infausto epis�dio no qual, a pedido do
Simonal, o seu contador Raphael Viviani, suspeito de roubo,
foi agredido e torturado com choques pelo pessoal do odiado e
apavorante DOPS (Departamento de Ordem Pol�tica e Social).
A partir da�, a imprensa caiu em cima dele e O Pasquim publicou
uma charge acusando-o de ser dedo-duro.

Viviani processou Simonal, mas o advogado de defesa do
cantor declarou que seu cliente sairia bem do processo porque
era �assim com os homens�, ou seja, ligado � ditadura. No entanto,
Simonal foi condenado e tudo conspirava contra ele: o


racismo, por ser negro e pern�stico; a inveja, por ser rico e fazer
sucesso; o exibicionismo, porque era metido e boquirroto;
e o clima pol�tico, porque, sendo dedo-duro ou n�o, ficou marcado
como simpatizante da ditadura. E mais: ele era relativamente
distante do grupo de compositores e cantores da �poca
e, consequentemente, ficou sem apoio. N�o houve um boicote
declarado, mas ningu�m queria trabalhar com ele, nem os produtores
e diretores de programas de televis�o, nem os pr�prios
colegas. O excelente document�rio Simonal: Ningu�m sabe o
duro que dei, de Claudio Manoel, Micael Langer e Calvito Leal,
aprofunda essa triste e intrincada hist�ria.

O FIC de 1970 reacendeu as esperan�as com o surgimento
de Ivan Lins e de Luiz Gonzaga Jr., o Gonzaguinha. Era a ascens�o
do MAU (Movimento Art�stico Universit�rio). Nesse
FIC, o Erlon Chaves, seguindo uma ideia renovadora do Andr�
Midani, criou uma �can��o happening� chamada �Eu tamb�m
quero Mocot��. Erlon a encenava cercado de quarenta louras
que o cortejavam enquanto ele as beijava. Ele anunciou que, a
cada beijo dado, queria que as mulheres de casa se sentissem
igualmente beijadas. Houve uma explos�o de racismo de algumas
senhoras de generais e, terminada a transmiss�o da final�ssima
do FIC, eu e o Erlon fomos convidados a ir at� a Pol�cia
Federal para esclarecer quais eram as nossas inten��es. Depois
de um ch� de cadeira, cada um de n�s foi ouvido separadamente.
Declarei ser o respons�vel pela transmiss�o, mas esclareci
que cada concorrente montava seu n�mero musical do jeito
que quisesse. Perguntaram por que n�o filmamos mais de longe
e por que n�o cortamos o som quando o Erlon falava. Disse

o que achava da encena��o, que era divertida, criativa, inofensiva
e que eu n�o era censor de coisa nenhuma. N�o gostaram
da minha opini�o, me deram um esporro, mas me liberaram,

justificando que me dispensavam porque sen�o o dr. Roberto
Marinho acabaria chegando l� em minutos.

justificando que me dispensavam porque sen�o o dr. Roberto
Marinho acabaria chegando l� em minutos.
terrompido.
Fui para casa, avisei ao Walter Clark e ao Marzag�o,
para que tomassem provid�ncias. Sabendo que o Simonal
era amigo do Erlon, avisei a ele tamb�m. Mas n�o teve jeito:

o Erlon ficou cinco dias l�. Embora n�o tenha sido maltratado,
lhe recomendaram que fosse embora do Brasil. O Erlon n�o
foi, mas sofreu demais e quase morreu de tristeza porque ficou
proibido de exercer suas atividades profissionais em todo o territ�rio
nacional por trinta dias.
Meses depois do FIC de 1970, o Solano estava voltando do
exterior e resolvi lan�ar com ele um musical chamado Som
Livre, no qual os grandes astros faziam suas apresenta��es e
apresentavam novos cantores que estavam surgindo. O Magaldi
vendeu o Som Livre exporta��o para a Shell, que quis colocar
os seus contratados: Simonal e Elis Regina. A Globo aceitou
contra a vontade do Solano. O Simonal falava mal da Globo
pelos corredores e a estrel�ssima Elis Regina �jantou� todo
mundo, tomando conta do programa. Morria o esp�rito democr�tico
sugerido pelo t�tulo Som Livre e o programa virou mais
um musical igual aos milhares existentes nas emissoras.

O FIC de 1971 foi o pior e o mais dif�cil de todos. Para superar
a decad�ncia da qualidade das m�sicas, a dire��o do festival
fez um novo regulamento criando os concorrentes convidados.
A maioria dos grandes compositores aceitou o convite e
33 can��es foram inscritas, mas 25 foram vetadas pela censura
do governo militar. Guttemberg Guarabyra, apesar de contratado
da Globo para neutralizar os esquerdistas mais radicais, arti



culou um boicote ao festival, com a ades�o de todos os compositores
convidados. A Globo fez um apelo � censura sob a alega��o
de que, sem as melhores m�sicas, n�o seria poss�vel fazer
o festival. Foi convocado um encontro entre censura, compositores
e a Globo a fim de negociar uma libera��o. Considero
que a Globo cometeu um erro ao participar desse assunto,
pois o embate era apenas entre a censura e os compositores. O
Walter Clark, acreditando que eles fossem mesmo liberar as letras,
mandou um representante da emissora para acompanhar a
reuni�o. Ledo engano. N�o se chegou a nenhum acordo e houve
um desgaste desnecess�rio para a empresa que, al�m de tudo,
se viu obrigada a realizar o Festival de qualquer jeito. O
Marzag�o, esperto, pulou fora. Tivemos que sair catando m�sicas
a esmo e o n�vel nacional do FIC nunca foi t�o baixo.

Ap�s o fiasco de 1971, parecia dif�cil realizar mais um Festival,
mas quase todos na Globo entendiam que isso seria uma
derrota para a empresa. Como eu sabia que a �nica reconcilia��o
vi�vel com os compositores seria ter um respons�vel em
quem eles confiassem, indiquei o Solano para realizar o 7o
FIC, em 1972. Ele exigiu que a escolha e convoca��o do j�ri
de sele��o das m�sicas e do j�ri do Festival fossem exclusivamente
dele, sem interfer�ncia de ningu�m, e a Globo concordou.
O Solano assumiu a parte nacional e o Jos� Octavio
de Castro Neves, a parte internacional, antes t�o comprometida
pela falta de crit�rio do Marzag�o. Pedi ao Augusto C�sar Vanucci
que assumisse a dire��o. Seria o primeiro Festival transmitido
em cores. O Brasil havia desenvolvido um sistema h�brido
chamado PAL-M, que provocou muitos atrasos para a
nossa televis�o. O governo militar tentava conseguir uma reserva
de mercado na Am�rica Latina para obter royalties do
sistema e da venda de receptores de TV. De cara, liberaram


todas as m�sicas sem qualquer censura, mas a Pol�cia Federal
convocou para uma reuni�o o Solano, respons�vel pelo Festival,
o Augusto C�sar Vanucci, que dirigia a transmiss�o, e

o Jo�o Luiz Albuquerque, assessor de imprensa. Fizeram as
mais rid�culas recomenda��es com rela��o a roupas e enquadramentos,
pedindo cuidado com roupas transparentes e proibindo
closes nas mulheres para evitar que os seios fossem valorizados
pelas cores. E com gestos obscenos, acrescentaram:
� Cuidado. Com as cores os seios ficam muito mais... voluptuosos.
Como amea�a velada, lembraram ao Vannucci o epis�dio de
1970, ocorrido com o �Mocot��. Era uma loucura moralista,
mas, por n�o ser objetiva, dava para driblar os censores.

O FIC de 1972 corria bem e, quando parecia que recuperar�amos
o prest�gio e a credibilidade dos festivais da Globo, o
Walter Clark nos avisou que os militares haviam procurado o
dr. Roberto Marinho e queriam o afastamento imediato da Nara
Le�o, colocada pelo Solano como presidente do j�ri. Alegavam
que ela havia atacado os militares em uma declara��o �
imprensa. O Solano n�o concordou e quis se demitir. O Z� Octavio
conseguiu contornar a situa��o e o Solano prop�s a cria��o
de um novo j�ri, convidando as figuras internacionais j�
presentes no Brasil para que compusessem um j�ri misto com
brasileiros, o que disfar�aria a sa�da da Nara. O tiro saiu pela
culatra. Toda a imprensa, sem perceber que o alvo era a Nara,
achou que a Globo havia mudado o j�ri para que a vencedora
fosse a Maria Alcina, com �Fio Maravilha�. O Roberto Freire,
um dos jurados destitu�dos, estava enfurecido. Figura brilhante,
ele gostava de uns tragos e, mais para l� do que para c�,
tentou invadir o palco para ler um manifesto protestando contra
a Globo. Foi agarrado pelos seguran�as. O Walter Clark,


ao saber disso, decidiu que o apresentador Murilo N�ri deveria
ler, no ar, o texto do Roberto Freire. Quando parecia que
os �nimos haviam se acalmado e o Festival se aproximava de
seu desfecho, o Walter quis saber do Solano em que p� estava
a apura��o dos votos e foi informado de que a vencedora
do j�ri oficial era a concorrente americana �Nobody Calls me
Prophet�, interpretada por David Clayton-Thomas, ex-vocalista
do Blood, Sweat and Tear. Por sua vez, o j�ri popular escolheu
a can��o �Aeternum�, do grupo italiano Formula Tre.
O Walter se desesperou e ordenou ao Solano que alterasse, na
marra, o resultado do j�ri popular, dando a vit�ria a �Fio Maravilha�,
interpretada por Maria Alcina.

� V� l�, troque o resultado. Afinal, � o j�ri popular e ningu�m
vai saber.
O Solano, evidentemente, se recusou.

� � uma ordem e voc� tem que obedecer.
O Solano retrucou:
� Obede�o enquanto for seu funcion�rio e, a partir deste instante,
n�o sou mais.
Para rimar, o Solano se demitiu e mandou o Walter � puta
que o pariu. Saiu dos bastidores e foi sentar no meio da galera
do est�dio. Gra�as � atitude do Solano, o resultado n�o foi mudado.
As can��es vencedoras foram mesmo a americana, no
j�ri oficial, e a italiana, no j�ri popular. O grande perdedor foi

o FIC que, diante de tantos acontecimentos nebulosos, teve,
ali, seu fim decretado.
A Globo realizou outros festivais, mas o g�nero estava esgotado.
Mesmo assim, em 1975, no festival Abertura, revelou

o Djavan e resgatou a Clementina de Jesus, h� muito esquecida.
Em 1985, novamente com o Solano, foi realizado o Festival
dos Festivais para comemorar os vinte anos da TV Globo.

Vencido por Tet� Esp�ndola, com Escrito nas estrelas, o evento
trouxe para o cen�rio musical nomes como Leila Pinheiro,
Oswaldo Montenegro, Cid Campos e Em�lio Santiago.

Depois do festival, na sala de almo�o da diretoria da Globo,
para onde levei o Solano, o Magaldi, nosso diretor de comunica��o,
fez uma observa��o infeliz:

� Que fracasso, hein? N�o vi nenhum Gil, nenhum Caetano...
s� gente desconhecida.
E o Solano respondeu na bucha:

� Festival � para os seus netos, n�o para voc�.

In the end of the world


QUANDO CHEGUEI � GLOBO, o contrato Time-Life ainda estava em
discuss�o. O Joe e o Walter j� haviam prestado seus depoimentos na
CPI, em Bras�lia, e o governo prosseguia com as investiga��es. Em
1968, finalmente, o acordo foi considerado legal sob todos os aspectos.
Em seu recente livro, Meu cap�tulo na TV Globo, o Joe Wallach
faz uma extensa explana��o sobre o assunto, anexando todos os documentos
do governo que atestam a legalidade do contrato. Com todos
os acordos aprovados, calando a boca dos acusadores, a quest�o
deixou de ser legal e passou a ser meramente um assunto comercial
entre o dr. Roberto Marinho e o Time-Life. As not�cias que t�nhamos
sobre esse embate eram trazidas pelo Joe Wallach de forma discreta
e com pouca frequ�ncia. �s vezes, algu�m do Time-Life dava um
pulo aqui no Brasil e t�nhamos que �fazer sala�, como no caso do
Weston Pullen, chefe da divis�o de televis�o do grupo. Ele era um
gordo bonach�o que gostava de comer e beber. E bebia muito. Tinha
um �timo papo, confraternizava com a gente e n�o se mostrava
preocupado com a situa��o, pois considerava que o Time-Life n�o
compreendia bem essas coisas de televis�o que nunca acontecem do
dia para a noite. Insistia em mais investimentos porque identificava
a presen�a deles, aqui, como uma oportunidade �nica. Acabou sendo
demitido. O engenheiro James Baldwin tamb�m veio ao Brasil, especialmente
para nos ajudar no caso dos transmissores do Canal 5,
em S�o Paulo.


Logo depois do inc�ndio da emissora de S�o Paulo, quem
veio foi o Barry Zorthian, um arm�nio s�rio, fechad�o e malcriado.
O Joe o levou para um tour nos escombros na TV Paulista
e ele ficou desolado, pois se quando tudo andava bem o
Time-Life n�o recebia de volta o seu capital principal, nem os
lucros esperados, a partir daquele momento seria ainda pior.
Assustado, o Barry Zorthian acuou o Joe:

� Ponha na sua cabe�a um letreiro bem grande para n�o esquecer:
money. N�s queremos money!
E o Joe, que tinha servido no Ex�rcito americano, na Pol�nia,
bateu contin�ncia gozando o Zorthian:

� Yeeees, siiiiir!
O inc�ndio travou muitos dos nossos planos, mas, gra�as
a uma provid�ncia tomada exclusivamente pelo Luiz Eduardo
Borgerth, t�nhamos feito um seguro pesado contra fogo e com
a garantia de lucros cessantes. N�o fosse isso, ter�amos que come�ar
tudo de novo. Est�vamos operando no cine Miami com

o que sobrara do inc�ndio e mais algum equipamento que o coronel
Brito havia transferido rapidamente do Rio, mas que precisaria
ser devolvido. O seguro foi investido na renova��o dos
equipamentos de S�o Paulo e pudemos melhorar as condi��es
t�cnicas, que passaram a superar o que t�nhamos antes do sinistro.
No Rio, as coisas tamb�m caminhavam bem. O dr. Roberto,
com parte do dinheiro do empr�stimo obtido, comprou as
emissoras de Belo Horizonte, Conselheiro Lafaiete e Bras�lia,
pertencentes ao Pipa Amaral, da TV Rio. Junto com a compra,
veio tamb�m uma unidade m�vel da TV Rio: um �nibus novo,
despido de equipamentos, mas prontinho para ser montado.
Em um s�bado, est�vamos eu, o Walter Clark, o C�lio Pereira,

o Nonato Pinheiro, o Z� Octavio, o Borjalo e o Clemente Neto

almo�ando no Antonio�s � um pequeno bistr� de vinte lugares
�, point e f�rum de discuss�o de artistas, intelectuais e jornalistas.
O Antonio�s era fruto de uma dissid�ncia do restaurante
Nino�s, de propriedade dos espanh�is Manolo e Florentino.
Fiz a primeira reforma do Antonio�s com um projeto do M�rio
Monteiro e, depois, faz�amos uma por ano. Um dos frequentadores
ass�duos do restaurante era o Vinicius de Moraes. Havia
tamb�m um fregu�s desconhecido que todas as noites sentava
sozinho em uma pequena mesa e tomava seu uisquinho at� altas
horas da madrugada. Um belo dia, o Vinicius, com pena do
sujeito, mandou oferecer um drinque em nome do grupo e o
solit�rio aceitou. Depois ofereceu mais alguns e acabou convidando
o estranho para sentar com o grupo, perguntando:

� Desculpe, meu amigo, o senhor � t�o simp�tico, mas o que
faz aqui todas as noites sozinho?
O sujeito titubeou e confessou:

� Olha, Vinicius, eu sou coronel do SNI e venho aqui ouvir
as conversas de voc�s. E olha que eu estou adorando.
Houve uma confraterniza��o, o coronel se enturmou, e toda
sexta-feira passou a oferecer em sua casa um almo�o para os
esquerdistas. Coisas do Antonio�s... coisas do Brasil.

Outra figura que vivia de plant�o por l� era o Roniquito, o
Ronald Chevalier. Ele, que dizia ler Freud em alem�o, n�o perdoava
ningu�m. Um dia, perguntou ao Fernando Sabino:

� Sabino, me diga com franqueza, quem � melhor: voc� ou
o Nelson Rodrigues?
Sabendo que vinha pedrada do outro lado, o Sabino foi humilde:


� Ora, Roniquito, o Nelson � melhor, muito melhor do que
eu.
E, para surpresa do Sabino, o Roniquito retrucou:


� �
Foi para o Antonio�s, onde degust�vamos nossa feijoada,
que o Alpheu Azevedo ligou para avisar que o �nibus que compramos
da TV Rio havia chegado e estava na garagem da Globo.
A �nica unidade m�vel da Globo estava em S�o Paulo e
era um caminh�o velho que, em 1952, havia inaugurado a TV
Paulista. Pela sua antiguidade e obsolesc�ncia, n�s o cham�vamos
de Globossauro. Ter uma unidade m�vel era um desejo
de todos. Quando recebemos o aviso, o Nonato Pinheiro teve a
ideia de buscar o ve�culo para ser batizado na porta do Antonio�s.


Partimos para a Globo, no Jardim Bot�nico � o Nonato, o
C�lio Pereira, o Clemente Neto e eu �, para buscar o novo brinquedinho.
Entramos na �rea de figurinos e nos vestimos com
as roupas que encontramos. Eu coloquei o traje do pr�ncipe indiano
da novela Damian, o justiceiro e subi no teto do �nibus
acompanhado do Clemente e do Nonato. O C�lio assumiu o
volante e voltamos para o Antonio�s. O Chacrinha mantinha na
rua Von Martius, onde ficava o audit�rio da Globo, um cabo
de a�o esticado de um ponto a outro da rua, para n�meros de
equilibrismo. Eu n�o vi o cabo e seria provavelmente degolado
se o Nonato n�o desse um grito me avisando. Ele salvou a minha
vida. Passado o susto, fomos para a frente do restaurante,
onde o Walter e o grande Manolo � um dos s�cios do Antonio�s
� quebraram uma champanhe no para-choque do ve�culo,
inaugurando a primeira unidade m�vel da TV Globo do Rio.

A produ��o ganhou um refor�o e passamos a concentrar
nossas aten��es na rede de emissoras pr�prias e afiliadas. No
comit� executivo decidimos montar e inaugurar, em tempo recorde
e com data marcada, a TV Globo Bras�lia e a TV Globo


Nordeste. Fizemos um cronograma e essa miss�o, entregue ao
Walter Clark, foi cumprida rigorosamente.

Nordeste. Fizemos um cronograma e essa miss�o, entregue ao
Walter Clark, foi cumprida rigorosamente.
quela
�poca presidente do Time-Life, o Joe Wallach, o Walter
Clark e o Luiz Eduardo Borgerth, que foi para auxiliar o Walter
no ingl�s. Eu e o Z� Octavio fomos, de quebra, s� para passear
e testar alguns restaurantes. No dia anterior ao encontro, o
Joe ofereceu um coquetel na sua su�te, no hotel Sherry Netherlands,
e convidou o Barry Zorthian. Seria uma pr�via do que o
Heiskell queria saber. A certa altura, o Zorthian perguntou ao
Walter, em ingl�s, quando dar�amos lucro:

� When are you expecting some profit?
Naquele ano havia, pela primeira vez, uma expectativa de
lucro, mas o Walter, nervoso, se atrapalhou no ingl�s, trocando
year por world e, para espanto do Barry Zorthian, sapecou:

� In the end of the world.
Ou seja, no fim do mundo.

Chico Anysio � um show


EU CONHECI O CHICO ANYSIO na R�dio Mayrink Veiga, no final dos
anos 1950. Com o tempo, nos tornamos amigos e at� dividimos um
apartamento em 1966. Na �poca em que o conheci, Henrique For�is,

o Almirante � a maior patente do r�dio �, era o representante de RTV
da Lintas no Rio de Janeiro e, como eu havia assumido a chefia do
departamento, ia todas as ter�as-feiras para uma reuni�o no Rio e para
assistir ao programa Levertimentos, do Haroldo Barbosa e do S�rgio
Porto. N�o sabia direito quem era o Chico, mas o Haroldo Barbosa
me disse que ele seria, em pouco tempo, inevitavelmente, o maior
humorista do Brasil. Redator, ator, locutor, dublador, comentarista
esportivo, compositor e artista pl�stico, o Chico � mesmo completo.
A velha hist�ria �se o Chico tivesse nascido nos Estados Unidos seria
um dos maiores do mundo� pode ser repetida � exaust�o, por ser
absolutamente verdadeira. Nascido em Maranguape, no Cear�, em
12 de abril de 1931, chegou ao Rio em 1939.
O Chico entrou no r�dio por causa de um t�nis. O time de futebol
dele iria jogar no Fluminense, que alugava o campo, mas l� era obrigat�rio
jogar descal�o para n�o estragar a grama. Na �ltima hora mudaram
para o campo do Alian�a, de terra, onde para jogar era preciso
usar t�nis. Chico foi para casa buscar o cal�ado e deu de cara com
sua irm�, Lupe Gigliotti, saindo para fazer um teste na R�dio Guanabara.


� Teste para trabalhar no r�dio? Posso ir tamb�m?

��
Desistiu do jogo e foi com a irm�. Fez o teste e passou como
ator e locutor. Depois descobriram que ele era um grande imitador
de vozes e, de gal� de radionovelas, virou humorista. Haroldo
Barbosa, primeiro a acreditar no Chico, levou a sua descoberta
para a R�dio Mayrink Veiga, onde ele passou a criar
tipos e escrever textos humor�sticos. Em 1957, o Haroldo levou
o Chico para a TV Rio, para interpretar um tio nordestino
da Ema D��vila em A� vem dona Isaura. Como nesse tempo
n�o havia exclusividade, ele tamb�m aparecia na TV Tupi
em Espet�culos Tonelux. Em 1959, Castro Barbosa, parceiro
do Lauro Borges em PRK-30, criou na TV Rio o programa S�
tem tant�, que se passava em um hosp�cio. Mas como s� tinha
mesmo o Chico Anysio, o programa virou Chico total.

Chico tem uma import�ncia na hist�ria da TV Rio e na carreira
do Walter Clark maior do que se imagina. A R�dio Mayrink
Veiga havia chegado � lideran�a do hor�rio nobre com
uma faixa de programas humor�sticos, um a cada dia. Partindo
do princ�pio que isso funcionaria tamb�m na televis�o, Chico
convenceu o Walter a tentar a mesma estrat�gia, e a TV Rio
assumiu a lideran�a com programas como A cidade se diverte,
O riso � o limite, Noites cariocas e outros. Em 1960, o Chico
Anysio fez uma revolu��o na TV com o Chico Anysio Show.
Carlos Manga, tarimbado diretor de cinema, aplicou a t�cnica
de montagem de filmes, editando o programa em videotape,
cortando, pela primeira vez no Brasil, as fitas de v�deo e
possibilitando o encontro entre diversos personagens do Chico
e, tamb�m, do pr�prio Chico com seus personagens. O importante
� que, al�m dessa inova��o, o programa era mesmo um
show e estourou de audi�ncia em todo o pa�s, fazendo daquelas
noites um momento quase obrigat�rio de se ver televis�o. Mais


tarde o Chico seria, sem querer, o piv� da chamada �Noite de
S�o Bartolomeu�, quando todo o elenco da TV Rio foi para a
TV Excelsior.

tarde o Chico seria, sem querer, o piv� da chamada �Noite de
S�o Bartolomeu�, quando todo o elenco da TV Rio foi para a
TV Excelsior.
r�es,
por um ano. Todo o cuidado era pouco para evitar o encontro
acidental entre as nossas namoradas, pois, algumas vezes,
poderiam ser as mesmas. Em 1967, fui para a Globo, que
estava quase falida, visto que o Time-Life havia fechado a torneirinha
do dinheiro. Em 1968, pensamos no Chico Anysio para
1969, mas ele estava comprometido com o teatro no Rio
e com turn�s por todo o Brasil e n�o t�nhamos dinheiro para
montar um elenco de apoio para ele. No final de 1969, ele
me procurou com um diretor do supermercado Disco. O cliente
queria fazer com ele um especial mensal, a partir de mar�o
de 1970. Eu disse ao pessoal do Disco que n�o poderia haver
troca com espa�o comercial, mas que eu faria um or�amento
de produ��o sem o custo do Chico e eles teriam que pagar isso
e mais o valor integral do hor�rio no Rio. Consultei o Walter
e o Joe. Os dois admiravam o Chico, mas n�o queriam que o
pagamento fosse feito diretamente a ele pelo Disco. Eu queria

o Chico de qualquer forma e argumentei:
� Eles n�o est�o pedindo nada por isso. Pagam o valor de
tabela e todo o custo de produ��o, s� descontando o valor do
Chico. S�o dez programas. Depois a gente contrata ele diretamente.
Mesmo torcendo o nariz, aceitaram a contrata��o do Chico
por interm�dio do Disco e foi criado o Chico Anysio especial,
um formato bolado por ele mesmo, no qual aparecia de cara


limpa, em externas, em v�rios lugares do Rio, e inventava piadas
na hora. A dire��o era do Daniel Filho e depois do Marlos
Andreucci. Quando vi o primeiro programa, disse ao Chico:

� Voc� vai inovar de novo.
O programa era moderno e conquistou uma boa audi�ncia,
mas o trabalho era muito grande e o Chico tinha compromissos
agendados anteriormente. S� foi poss�vel fazer sete programas
e depois tivemos que completar o contrato com reprises. Em
janeiro de 1972, chamei-o e tentei propor um contrato de exclusividade,
embora n�o pud�ssemos competir com o que ele
ganhava nos shows. Por estar com muitas datas tomadas para
espet�culos, apenas consegui que se comprometesse com um
programa quinzenal, o Chico em quadrinhos. N�o havia contrato.
Tudo foi combinado de boca e era um meio caminho entre
o que eu podia gastar e o tempo de que o Chico dispunha.
Dirigido pelo Jo�o Lor�do, o programa foi bem e durou at�
setembro de 1972, quando o Chico pediu para parar por estar
com a agenda cheia de compromissos, em todo o Brasil, at� o
final do ano.

Em um domingo, 3 de dezembro de 1972, briguei com o
Chacrinha. Ele deixou a Globo e eu fiquei com verba para realizar
dois novos programas semanais. Um seria, obviamente, o
Chico Anysio. Logo na segunda-feira liguei para ele, que estava
fora cumprindo sua agenda de shows.





























� �
� E o que voc� est� pensando em fazer?
� Quero fazer um programa semanal e quero voltar com seus tipos
geniais.
� Pois � exatamente o que eu quero.
� Bom, temos que ver sal�rio, contrato etc.
� O sal�rio voc� determina. O contrato voc� assina por mim. Quando
eu come�o?
� Ontem. Quero estrear em trinta dias. D�?
� Tem que dar. Depois de amanh� estou a�.
Na quarta-feira, 6 de dezembro de 1973, ele chegou com o projeto
do Chico City, uma cidade nordestina onde caberiam todos os seus
tipos e mais os novos que ele viria a criar. Os personagens do Chico
s�o mais de duzentos. Um n�o tem nada a ver com o outro, em carne,
osso e alma. E mesmo sem fazer tipo, se apresentando de cara limpa,
com sua voz bem colocada e com um ritmo de narra��o perfeito,
Chico Anysio � imbat�vel. Quando precisei dele no Fant�stico,o
Chico tornou-se a principal atra��o do programa, narrando de forma
impec�vel as aventuras do Azambuja, com mon�logos do Marcos
C�sar, um dos mais brilhantes escritores de humor do Brasil. N�o �
preciso narrar a trajet�ria de sucesso do Chico na Globo e em outras
emissoras, mas vale lembrar o curioso programa Linguinha X Mr.
Yes, ap�s o Jornal Nacional e dava mais audi�ncia que o pr�prio jornal,
e tamb�m a eterna Escolinha do Professor Raimundo, que tive
a ideia de colocar no ar diariamente, de segunda a sexta, e, de forma
surpreendente, levantou os �ndices do hor�rio.

O Chico ia muito � minha sala para fazer sugest�es sobre toda a
programa��o da Globo e para pedir muitas coisas, jamais para ele
mas sempre para os colegas. Foi ele quem, em 1972, enviou uma


carta ao Caetano Veloso e ao Gilberto Gil, convocando os dois
para retornarem do ex�lio em Londres.

carta ao Caetano Veloso e ao Gilberto Gil, convocando os dois
para retornarem do ex�lio em Londres.
g�ncia,
sensibilidade e talento. � mais que um irm�o. � aquele
amigo escolhido a dedo e que, mesmo � dist�ncia, sabemos
que nos quer bem e que � algu�m com quem sempre se poder�
contar.

Aos 80 anos de idade, ap�s enfrentar galhardamente quatro
meses de hospital, saiu direto para o est�dio de grava��o. O
Chico Anysio � um show.


Viva
o
J�!


CONHECI O J� SOARES NA CAMA.

� uma hist�ria que repito sempre, porque � verdadeira. Em 1960,
eu escrevia para a TV Excelsior o programa Simonetti Show, cujo
formato eu e o maestro Simonetti criamos. No auge do programa,
peguei uma gripe de matar. Todas as chamadas vias a�reas superiores
estavam com um engarrafamento maior que o da marginal Tiet�.
�Mortinho da Silva�, n�o podia pensar em outra coisa a n�o ser em
salvar a minha vida.

Para salvar o programa, o Jacques Netter e o Simonetti descobriram
o J� Soares. Ele j� havia feito cinema, teatro e televis�o, mas eu
precisava passar para ele a linha do programa, que era o nonsense total,
e ver se tinha esp�rito para isso. O J� foi at� o meu apartamento
e eu o recebi deitado, debaixo das cobertas, tomando um ch� de mel
e lim�o. Literalmente, o conheci na cama.

A conversa n�o demorou muito � para evitar que eu transferisse o
meu estado gripal para ele �, mas adorei conhec�-lo e o aprovei como
o novo autor do Simonetti Show. O J� era t�o melhor que eu que,
depois de alguns programas, passei o bast�o, definitivamente, para
ele. Nesse ano fui trabalhar na Multi Propaganda, com o Jorge Adib,
que havia comprado um programa na Tupi chamado Tr�s � demais,
estrelado pela Teresa Austreg�silo, esposa do J�, que era contratado
da TV Record e escrevia o texto para o Jorge, por baixo do pano.
Uma vez por semana, uma moto adentrava o p�tio da Multi e a gen



te j� sabia que era o J�, indo entregar o texto do programa. Casualmente,
nos encontr�vamos pela noite paulista, na Bai�ca,
no Cave, no Ju�o Sebasti�o Bar ou em algum bar de jazz, que

o J� frequentava com o seu bong�. Ele estava sempre saindo
de um teatro. Tenho para mim que essa sempre foi sua grandepaix�o, embora ele tenha se dedicado mais � televis�o. �s vezes,
� noite, jant�vamos juntos com alguns amigos e o J� nos
matava de rir contando as mais engra�adas hist�rias reais que
ele colecionava. Fora das c�meras, ainda � mais engra�ado e
solto do que se imagina. Uma das hist�rias que eu pedia que
ele repetisse sempre era a da Paix�o de Cristo argentina. Essa
loucura fica melhor contada pelo pr�prio:
O Simonetti, o Reynaldo Zangrandi e o Jacques Netter tinham uma empresa
de shows. Pibernat e fam�lia faziam, h� anos, o espet�culo da Paix�o de Cristo
na Semana Santa. Ele era �timo ator, mas a vinda ao Brasil foi uma jogada para
faturar uma graninha, porque Pibernat, o Cristo, j� tinha uns 60 anos, era careca
e gordo. Quando o Simonetti e o Reynaldo Zangrandi, desconfiados do entusiasmo
do Jacques Netter que dizia:

� S� um pouco gordo...
Perguntaram:
� Gordo como?
Ele respondeu:
� Assim como o J�... uns 120 quilos.
Foi o pren�ncio do desastre. O Jacques ainda argumentou:
� N�o tem problema. Quem sobe na cruz � um dubl� magro.
Na estreia, logo no in�cio, Pibernat caiu num buraco no palco montado no
Est�dio do Pacaembu. Quebrou um bra�o e uma perna. Nosso Nilton Travesso
amenizou o preju�zo, fazendo uma montagem para televis�o no est�dio da Record,
onde um ator fazia o papel do Cristo � se n�o me engano o M�rcio Moreira
�, sem falar nada, sem abrir a boca. Ele s� fazia as marcas, junto ao resto do
elenco, por sinal bastante bom. Um foco de luz, como uma aur�ola, banhava o
rosto de Jesus, enquanto Pibernat, de cadeira de rodas na sala de cortes, dizia


o texto com sua voz bela e grave reverberando pelo est�dio. Ficou lindamente
surrealista. Milagre! O talento do Nilton salvou a Sexta-Feira Santa.
o texto com sua voz bela e grave reverberando pelo est�dio. Ficou lindamente
surrealista. Milagre! O talento do Nilton salvou a Sexta-Feira Santa.
to
de N�brega, o Fam�lia Trapo. Conta o Nilton Travesso que
eles decidiam o tema e faziam um roteiro numerando as cenas.
Cada um escolhia as cenas que preferia e ia para casa escrever.
Depois, juntavam tudo. E o pior � que dava certo. Foi um
sucesso danado, com o Golias, o Zeloni e a Renata Fronzi, e
projetou o J� como ator e autor de televis�o. No final de 1968,
quis contrat�-lo para a Globo e tivemos um encontro na rua das
Palmeiras, em S�o Paulo. Festejamos o reencontro, lembramos
velhas hist�rias, mas no final veio uma surpresa:

� Ent�o, J�, come�amos em janeiro?
� Come�amos. No fim deste m�s eu termino meu contrato.
� J� mandou o aviso legal para o Paulinho (Paulo Machado
de Carvalho Filho)?
� N�o. Ele disse que era desnecess�rio. Bastava avisar de
boca.
Morri de rir.

� Duvido que o Paulinho deixe voc� sair.
O J� foi na TV Record pedir para sair. E, dito e feito, ouviu
um sonoro n�o do Paulinho:

� N�o, J�, voc� n�o entendeu. Quando voc� quer ficar n�o
precisa avisar. Mas, para sair � preciso um aviso de noventa dias.
Tivemos que esperar. Em julho de 1969, assinei com o J�
um contrato de gaveta para o ano seguinte e ele, em vez de noventa
dias, mandou um aviso para a TV Record 180 dias antes
do final do contrato. O J� me pediu um m�s de f�rias, mas
voltamos mesmo a trabalhar no novo projeto depois do carna



val de 1970. Eu queria um programa de humor com uma nova
cara. Tinha um nome pronto na cabe�a: Fa�a humor, n�o fa�a
a guerra. Hav�amos contratado tamb�m o Renato Corte Real
e o inclu�mos no projeto. As reuni�es se sucederam com o
Augusto C�sar Vanucci, o J�, o Renato, o Haroldo Barbosa, o
Max Nunes e o Jo�o Lor�do. Ficou pronto e escolhi o hor�rio
de 20h30, �s sextas-feiras, anteriormente ocupado pela Dercy
Gon�alves. A Dercy era um fen�meno e dava 60% de audi�ncia.
Todos achavam que eu estava louco. Quando o Fa�a humor
foi ao ar, atingiu 70% e eu gozei todo mundo. O dr. Roberto
Marinho me mandou flores dizendo que ele e a dona Ruth,
sua esposa na �poca, estavam orgulhosos da TV Globo. O melhor
� que tamb�m em S�o Paulo o Fa�a humor deu o maior
pico de audi�ncia, naquele tempo, da linha de shows.

Outros diretores passaram pelo programa, como o Carlos
Alberto Loffler e o Mauricio Sherman, e a atra��o ficou quase
tr�s anos no ar, com absoluto sucesso. Foi seguida, sempre no
mesmo n�vel, por Satiricom, que durou mais tr�s anos, e depois
pelo Planeta dos homens, que seguiu liderando por cinco anos.
Em 1981 o J� me perguntou se n�o estava na hora de ele ter um
show somente dele. E estava. Sempre contando com a criatividade
do Max Nunes, desta vez acompanhado do Hilton Marques,
do Afonso Brand�o e do Jos� Mauro, lan�amos o Viva o
Gordo. O t�tulo foi dado por mim e a dire��o foi entregue ao
Cecil Thir�. Mais tarde, Luiz Fernando Ver�ssimo levou a sua
colabora��o para o programa. O Viva o Gordo era uma festa:
ali o Max Nunes e sua equipe de autores puderam exercer toda
sua criatividade. O J� arrasou na composi��o de personagens,
tantos e t�o bons que n�o d� para relacionar nem destacar apenas
alguns. Um deles, o capit�o Gay, poderia trazer problemas,
pois, na verdade, havia em Bras�lia um militar do governo cha



mado coronel Gay. Decidi correr o risco e autorizei colocar o
personagem no ar, pois era muito engra�ado e n�o comprometia
ningu�m. Ficamos sabendo depois que quem mais se divertia
com o personagem era o pr�prio coronel Gay. As aberturas
tamb�m eram um show � parte. Hans Donner matou a pau,
com a cria��o de pe�as maravilhosas; a minha favorita era a
abertura em que foram usadas imagens reais de pessoas famosas,
do mundo todo, com o J� entrando em cena e interferindo
na a��o. De matar de rir.

J� estudou em Lausanne, na Su��a, porque pensava em ser
diplomata. Aprendeu v�rias l�nguas e adquiriu uma s�lida forma��o
cultural, o que o fez manter sempre um p� no teatro,
como autor, ator e diretor. Em 2006, recebeu o Pr�mio Qualidade
Brasil de dire��o teatral, por Ricardo III, de Shakespeare.
Como escritor produziu livros sensacionais, como O astronauta
sem regime, O Xang� de Baker Street, O homem que matou
Get�lio Vargas e Assassinato na Academia Brasileira de
Letras. No cinema, atuou em uma s�rie de filmes desde 1958,
brilhando em O homem do Sputnik (1959), do Carlos Manga,
Pluft, o fantasminha (1965), no pr�prio O Xang� de Baker
Street (2001) e fez tamb�m uma participa��o especial�ssima no
filme S�bado (1995), de Ugo Giorgetti.

No final de 1987 o J� amadureceu a ideia de criar um talk
show nos moldes dos programas americanos de fim de noite.
J� hav�amos ensaiado isso na Globo, com o pr�prio J�, no programa
Globo gente (1973), com texto do Manoel Carlos e dire��o
do Haroldo Costa. Era apenas um programa por m�s e
por l� passaram Gilberto Gil, Caetano Veloso, Gal, os contratados
da Globo e at� os sobreviventes do acidente a�reo dos
Andes que tiveram que praticar antropofagia. O J� queria fazer
um talk show de segunda a sexta, o que seria poss�vel, mas


tamb�m queria a garantia de que entrasse no ar, no m�ximo, �s
23h30. Na Globo, isso era invi�vel e eu argumentei:

tamb�m queria a garantia de que entrasse no ar, no m�ximo, �s
23h30. Na Globo, isso era invi�vel e eu argumentei:
Quem manda no hor�rio da Globo � a Globo. A �ltima que
quis mandar no hor�rio foi a Gl�ria Magadan e voc� sabe no
que deu. Al�m do mais, tem dia que temos futebol, h� a possibilidade
de eventos e eu n�o posso garantir isso.
Em toda a minha hist�ria de dirigente de televis�o, jamais
assinei um contrato que n�o pudesse cumprir. Poderia ter concordado
com ele e t�-lo enrolado depois, mas n�o � do meu
temperamento. O J� estava apaixonado pela ideia e nos deixou.
Foi para o SBT, onde lan�ou dois programas: o Veja o Gordo
eo J� Soares onze e meia, que logo ganhou o apelido de �J�
a qualquer hora�, porque daria para contar nos dedos os dias
em que ele entrou, realmente, no hor�rio, conforme previsto no
contrato.

Fiquei magoad�ssimo com o J� e com o Max Nunes porque,
al�m de n�o querer perd�-los, tinha com eles uma profunda rela��o
de amizade e me senti tra�do. Gritei, fiz amea�as, mas
prevaleceu o carinho que sempre tive pelos dois. Por�m, profissionalmente,
comprei a briga. Criei a sess�o de cinema Tela
quente, que incinerou o Veja o Gordo, fazendo com que o
programa sa�sse do ar. Acho que o J� at� gostou, pois ficou
s� com o seu programa de entrevistas e construiu uma carreira
brilhante de 12 anos no SBT. No ano 2000, voltou para a Globo,
com o Programa do J�, e mant�m o seu prest�gio quando
se prepara para as bodas de prata de seu sempre atraente e agrad�vel
programa, reafirmando a voca��o do Jos� Soares para a
diplomacia, enquanto refor�a o talento do J� como humorista
e apresentador.

Viva o J�.


Ridendo Castigat Mores


� RINDO QUE SE CORRIGEM OS COSTUMES. Esta � a tradu��o ao p� da letra
da frase atribu�da ao poeta franc�s Jean de Santeuil (163o-1697)
e, para alguns, criada por Voltaire (1694-1778). O sentido � o que
importa. O riso � sempre uma forma forte de cr�tica. Ridicularizar
os costumes, a moral e o autoritarismo � a melhor maneira de mudar

o estabelecido. E o humor brasileiro sempre foi bom nisso. Cr�ticas
e s�tiras nunca poupam os governantes, os pol�ticos e a sociedade,
mesmo nos tempos mais bicudos da ditadura. Alguns dos mestres
do humor espont�neo e, ao mesmo tempo, c�ustico, s�o: Apar�cio
Torelly, o �Bar�o de Itarar��, e J. Carlos, ambos da Revista Careta
(1908 a 1960); Mill�r Fernandes; Jaguar; Ziraldo; Henfil; mais recentemente,
os irm�os Caruso; Aroeira; o saudoso Redi; e, ainda, a
Casseta Popular e o Planeta Di�rio.
No r�dio, tivemos figuras como Silvino Neto, Z� Fidelis, Pagano
Sobrinho, Jararaca e Ratinho, Alvarenga e Ranchinho e Alo�sio Silva
Ara�jo, com o seu Cadeira de barbeiro. Eles eram os habituais suspeitos
em atentar, humoristicamente, contra os governos. Na porta
das emissoras onde trabalhavam ficava sempre um cambur�o para
recolher esses indiv�duos ao xadrez, ao menor sinal de goza��o com
as autoridades. Alguns j� iam fazer os seus programas com uma maleta
pronta para dormir na cadeia e ver o sol nascer quadrado. Na
televis�o, o humor foi mais policiado, mas, nem por isso, menos importante.
Chico Anysio, com seus tipos, aparentemente inocentes, fa



zia uma an�lise inteligente da sociedade. O Ronald Golias com

zia uma an�lise inteligente da sociedade. O Ronald Golias com
no,
Berta Loran, Sonia Mamede, Santa Cruz, Mussum, Ankito
e Tutuca foram guerreiros da guerra santa do humor. H� um
grupo de mulheres que, sozinhas, ganhariam qualquer batalha
contra os conservadores. Minhas favoritas: Regina Cas�, Fernanda
Torres, Debora Bloch, Andr�a Beltr�o, Claudia Jimenez,
Ingrid Guimar�es e Heloisa Periss�. E n�o � s� em com�dia
que se pode atacar os costumes e o falso moralismo. Mesmo
na novela, Dias Gomes, por exemplo, lutou contra a censura
em todos os seus trabalhos e, com habilidade, conseguiu
engan�-la v�rias vezes.
Nesta linha, Max Nunes e Haroldo Barbosa desenvolveram
uma prof�cua parceria por muitos anos. Eles j� estavam na Globo
quando cheguei l�. Um present�o. Se n�o estivessem, eu teria
que correr atr�s deles. Os dois haviam escrito alguns dos
mais importantes programas humor�sticos do r�dio e da televis�o
e criado tipos caricatos que viraram refer�ncia no pa�s,
de norte a sul. O Haroldo Barbosa era a versatilidade em pessoa.
Escrevia textos para programas dram�ticos, humor�sticos
e musicais. Junto com o Jos� Mauro, lan�ou na R�dio Nacional

o programa Um milh�o de melodias, da Coca-Cola. O Haroldo
tinha um curioso conceito sobre programas de r�dio e televis�o:
� Olha, voc� pode fazer novela, humor�stico, musical, seja
l� o que for. Pode ser popular ou sofisticado. Mas para fazer
sucesso tem que ter o chamado �elemento calhorda�. Se for decidir
se vai produzir o programa ou n�o, procure o �elemento
calhorda�. Se n�o tiver... n�o vai dar certo.

Ele tamb�m era cr�tico de turfe e compositor, tendo escrito
can��es de sucesso, gravadas pelos maiores cantores brasileiros.
E ainda era um cozinheiro de m�o cheia. Nos peixes, sempre
foi imbat�vel. Fomos muitas vezes juntos para Cabo Frio e
and�vamos de casa em casa dos amigos, de pandeiro e tamborim
a tiracolo, fazendo um sambinha.

O Max Nunes criou o Balan�a mas n�o cai, na R�dio Nacional
do Rio de Janeiro, na d�cada de 1950. Em 1968, o Balan�a
estreou na TV Globo, com dire��o de Augusto C�sar Vanucci
e L�cio Mauro. Repetiu o sucesso do r�dio. No Balan�a
da Globo pudemos reunir o Paulo Gracindo (o primo rico) e

o Brand�o Filho (o primo pobre), al�m de recriar muitos tipos
de sucesso. Quando acabou na Globo, o programa foi copiado
na Tupi, que usou o mesmo t�tulo, sem autoriza��o. O Max se
queixava:
� Bateram a minha carteira.
Al�m de criador, redator e compositor, o Max Nunes � m�dico
cardiologista. E por amar a profiss�o, ainda a exercia at�
pouco tempo. Ele mesmo conta alguns casos que atendeu. Em
um plant�o de domingo, no Instituto Canning, onde trabalhava,
recebeu uma chamada de um caso urgente de enfarte. Imediatamente
embarcou na ambul�ncia e rumou para o endere�o. Ao
chegar, foi informado que o enfartado estava no quarto andar
e que o elevador estava quebrado. Mesmo com 70 anos, encarou
a escadaria e chegou esbaforido no quarto. Respirando com
dificuldade, tirou uma inje��o da maleta, apertou o �mbolo e
olhou bem na ponta da agulha para ver se o l�quido sa�a. Repentinamente,
viu milh�es de agulhas e apagou. Quando acordou,
estava deitado na cama do paciente, que, de p�, ao lado
dele, perguntou:

� O senhor est� bem, doutor?

Nesses plant�es, o Max aprendeu muita coisa. Um diagn�stico
simples de fazer, por exemplo, � o de pedra no rim. Diz
ele:

� Voc� entra no quarto. Se o paciente estiver em cima da cama,
pode ser qualquer coisa. Mas, se estiver debaixo da cama,
� pedra no rim.
No �ltimo inc�ndio da Globo do Rio, quando fomos examinar
os estragos, guiados pelos bombeiros, ele veio atr�s de
mim, se meteu em buracos, pisou em po�as de �gua e se sujou
todo. Perguntei:

� Max, que � que voc� est� fazendo aqui, grudado em mim?
� Sei l� o tamanho do susto que voc� vai levar. Se enfartar,
eu estou aqui.
Falando ou escrevendo, o Max, sem trocadilho, � o m�ximo.
Na Globo, com o Haroldo Barbosa e outros parceiros, fez Bairro
feliz, TV0-TV1, A grande fam�lia e Balan�a mas n�o cai.
Depois vieram Fa�a humor, n�o fa�a a guerra, Satiricom e
Planeta dos homens. Fora isso, foi ele quem criou o formato
do Viva o Gordo e praticamente todos os tipos do J� Soares.

O Haroldo faleceu em 1979 e deixou a filha, Maria Carmem
Barbosa, como herdeira de seus dotes art�sticos. O Max, acostumado
a viver em dupla, fechou uma nova parceira com o Hilton
Marques e foi para o SBT, onde assumiu, a posi��o de uma
esp�cie de alter ego do J�, no programa J� Soares onze emeia.
Voltou com o J� para a Globo, onde est� at� hoje. Mas sua especialidade
mesmo � o cora��o, tanto na cardiologia quanto na
vida pessoal. O cora��o dele � grande e acolhedor, e l� cabem
todos os amigos.

Com a sa�da do Max e do J� Soares da Globo, eu quis dar
uma renovada no humor. Havia assistido a um show do Casseta
& Planeta no Canec�o que era, ao mesmo tempo, de uma


anarquia total e de um profissionalismo perfeito. Eles estavam
prontos para a televis�o. Eram redatores, int�rpretes e m�sicos.
Ainda me lembro do refr�o de uma par�dia do Bussunda:

anarquia total e de um profissionalismo perfeito. Eles estavam
prontos para a televis�o. Eram redatores, int�rpretes e m�sicos.
Ainda me lembro do refr�o de uma par�dia do Bussunda:
.
Eu me fudi. Sou carta fora do baralho.


Mandei contrat�-los imediatamente. Fizemos algumas reuni�es
com o Borjalo e o Daniel Filho, e consideramos que
deveriam come�ar redigindo para depois terem um programa
pr�prio. Jog�-los no ar direto seria uma temeridade. Nasceu,
assim, o TV Pirata, com um time de autores pra valer: Hubert,
Bussunda, Cl�udio Manoel, Marcelo Madureira, Reinaldo, H�lio
de La Pe�a, Pedro Cardoso, Mauro Rasi, Luis Fernando Ver�ssimo,
Vicente Pereira, Patr�cia Travassos, Beto Silva e o roteirista
Cl�udio Paiva. No programa, havia quadros memor�veis,
como o Casal telejornal, com Regina Cas� e Luiz Fernando
Guimar�es; o Barbosa, do Ney Latorraca; o Tonh�o, da
Cl�udia Raia, criado pelo Bussunda; e os Super-her�is, com o
Marco Nanini fazendo um super-homem velho e combalido.

Tamb�m brilhavam no programa os sempre geniais D�bora
Bloch, Diogo Vilela, Guilherme Karan, Maria Zilda Bethlem
e Cristina Pereira. Com a censura mais branda, o TV Pirata
avan�ou muito no humor pol�tico e social. Esteve no ar de junho
de 1988 a julho de 1990 e, depois, de abril a dezembro de
1992.

Logo no in�cio, quando estavam simultaneamente no ar a
novela Vale tudo eo TV Pirata, aconteceu um dos epis�dios
mais engra�ados entre mim e o dr. Roberto. Da forma como
ele me chamava eu j� sabia se era problema ou se n�o era importante.
Quando a coisa era feia, ele dizia: �Boni, sobe aqui


na minha sala, por favor�. Quando se tratava de alguma amenidade,
a frase era diferente: �Boni, tais ocupado a�? D� para
subir?�

Um dia, ele me chamou, nervoso. Estava irritado e,
referindo-se � novela Vale tudo, comentou:

� Olha, o cardeal Dom Eug�nio me ligou. Disse que aquela
�galinha� da Gl�ria Pires, da novela Vale tudo, � uma mau-car�ter
danada e por isso n�o pode casar na Igreja. Vamos cortar
isso.
Vale lembrar que o dr. Roberto se referia aos personagens
pelo nome de seus int�rpretes, pois n�o guardava os nomes dos
personagens. Eu engoli em seco, suspirei e dei um conselho a
ele:

� Olha, o senhor liga para o cardeal e diz a ele que a Igreja
s� exige que o casamento seja �nico e indissol�vel, mas n�o
fala nada sobre car�ter. E se agora tudo mudou, diga a ele que
se um mau-car�ter n�o pode casar na Igreja, � claro que o bom
car�ter pode. Ent�o exija dele que permita que o senhor, que �
bom car�ter, case de novo na Igreja.
� Bela ideia, vou jogar isso em cima dele.
Pelo sim, pelo n�o, fui ver com o Daniel como estava o casamento
da Maria de F�tima na Igreja.

� J� foi, Boni, casou na semana passada.
Quando eu me preparava para informar ao dr. Roberto, ele �
que me ligou rindo:

� Tais ocupado a�? D� para subir?
N�o entendi por que ele estava rindo, mas subi.
� Boni, falei com o cardeal. Ele achou o nosso argumento
interessante, mas n�o era da novela que ele falava. N�o era a
�galinha� da Gl�ria Pires. Era uma galinha de verdade que casou
na igreja, de v�u e grinalda, no TV Pirata.

Bom, s� restou rir. Com a confus�o feita pelo dr. Roberto, o
casamento da galinha de verdade tamb�m j� tinha ido ao ar.

Bom, s� restou rir. Com a confus�o feita pelo dr. Roberto, o
casamento da galinha de verdade tamb�m j� tinha ido ao ar.
mente,
participaram tamb�m de um programa experimental
chamado D�ris para maiores. Na minha opini�o, estavam maduros
para entrar no ar, com a cara deles mesmos, e assumir
um programa exclusivamente deles. Considerei que precisavam
de assunto para cumprir os cinquenta minutos de programa
e tinha que ser assunto de conhecimento do grande p�blico.
Programei, ent�o, o Casseta & Planeta, urgente! para ser mensal
dentro da �Ter�a nobre�. Sabia que o dr. Roberto iria torcer

o nariz e que ter�amos reclama��es, mas no dia 28 de abril de
1992 o programa foi ao ar. Na manh� seguinte, eu estava tenso,
� espera de tr�s rea��es: a do IBOPE, a do CAT (Centro de
Atendimento dos Telespectadores) e, obviamente, a do dr. Roberto.
O IBOPE marcou acima de trinta pontos de audi�ncia, ou
seja, acima do esperado para a estreia de um grupo desconhecido.
No CAT, nenhuma reclama��o, indicando ampla aceita��o
do p�blico. De posse desses dados, encarei o dr. Roberto.

� O p�blico gostou, dr. Roberto, e o senhor?
� Bom, eu acho pesado. Vai ser sempre assim?
� N�o, quando eles se soltarem vai ser um pouquinho pior.
O Casseta e Planeta, urgente conquistou o hor�rio e tinha
uma freguesia fixa. Depois que sa� da Globo, considerei um
erro transformar em semanal um programa do estilo deles. A
televis�o brasileira � cheia de mesmices e a �Ter�a nobre� e a
�Sexta super� davam alguma variedade � programa��o, al�m
de dar tempo para se fazer um programa mais elaborado, sem
cair no lugar-comum.


A Com�dia da vida privada, do Guel Arraes, tamb�m era
mensal e, por isso mesmo, de grande qualidade. Com textos de
Jo�o e Adriana Falc�o, Pedro Cardoso, Nelson Nadotti, Jorge
Furtado e Luis Fernando Verissimo, o programa era moderno
e instigante. O Guel � caprichoso e tem a m�o exata para a dire��o
de com�dias. Sob a dire��o dele e do Belis�rio Franco,
a Regina Cas�, aut�ntica rainha descendente da fam�lia Cas� �
filha do Geraldo e neta do pioneiro Ademar Cas� �, fez uma
dupla sensacional com o Luiz Fernando Guimar�es no Programa
legal, primeira experi�ncia em se fazer humor misturado
com document�rio e fic��o. Na �poca, a Regina e o Luiz
Fernando foram expulsos da C�mara e impedidos de entrar no
Senado, porque os pol�ticos temiam uma �desmoraliza��o das
institui��es�. O Brasil legal foi outra cria��o do N�cleo Guel
Arraes. O programa era apresentado somente pela Regina Cas�
e fazia um levantamento dos costumes de boa parte do Brasil.

O Sai de baixo cumpriu o papel de trazer � tona o ambiente
das fam�lias paulistas falidas. O programa foi proposto pelo
Daniel Filho, baseado numa sugest�o do Luis Gustavo, o Tat�,
cuja contribui��o para a televis�o brasileira � muito maior do
que se imagina. Lembro do meu tempo de iniciante na Tupi,
onde, pelos corredores, j� se respeitava a figura do Tat� como
um palpiteiro de sucesso em algumas decis�es e ideias do
Cassiano. O espanhol Tat� sempre foi assim. Cheio de talento,
cheio de ideias, mas contribuindo de longe. Quando o Daniel
me prop�s voltar a produzir um sitcom, sugeriu tamb�m
a ideia de fazer em S�o Paulo e com p�blico. Eu aprovei na
hora e dei o nome de Sai de baixo para o show. Sugeri que o
personagem Caco Antibes fosse feito pelo Miguel Falabella e

o Daniel gostou, mas me pediu para convencer o Miguel. Liguei
para ele, que j� fazia parte da equipe de redatores e ado

rou a ideia. Ali�s, ele � o mais polivalente da televis�o: autor
de humor�sticos e novelas, diretor, ator e produtor. O primeiro
programa foi gravado e, quando assisti, vi que a fam�lia estava
pobre, mal vestida e que o cen�rio era quase o de um corti�o,
escuro e com m�veis antigos. Com conhecimento de causa,
expliquei ao Daniel e ao M�rio Monteiro que paulista �fica pobre,
mas n�o perde a pose�. E tudo foi mudado e regravado. O
Luis, Gustavo, como sempre, deu seu show particular. O Falabella...
nem se fala. O Tom Cavalcante fez mis�ria. A Claudia
Jimenez, minha querida Claudia Jimenez, matava de rir a cada
epis�dio. A Aracy Balabanian � um caso cl�ssico na televis�o:
onde participa deixa sua marca indel�vel. A Marisa Orth desfilou
seu charme e seu humor.

Rir � bom, at� quando rimos de n�s mesmos.


Plim, plim por Plim, plim


A TELEVIS�O � UM NEG�CIO COMPLICADO. Especialmente no Brasil,
onde � produtora, al�m de meramente exibidora, como em outros
pa�ses do mundo. Da� decorre que, praticamente, toda obra de televis�o
� obra coletiva. Raramente alguma coisa acontece a partir de uma
decis�o isolada. Mas h� coisas que t�m que ser colocadas em pr�tica,
sem depender de muita conversa. A partir de 1969, tomei algumas
decis�es isoladas, sem muitas consultas, para mudar ou aprimorar
rapidamente alguns procedimentos. Nas novelas e especiais, por
exemplo, obriguei, por meio de um longo memorando, que todas as
c�meras trabalhassem travadas e que os eventuais movimentos fossem
estudados e marcados cuidadosamente, usando uma linguagem
mais pr�xima do cinema. Naquele tempo, mesmo depois de 19 anos
de exist�ncia da televis�o brasileira, as c�meras ainda eram soltas e
acompanhavam os movimentos de corpo e de rosto dos atores, numa
agita��o que dava enjoo em quem assistia de casa e, al�m do mais,
n�o permitia uma leitura adequada das inten��es dos autores e diretores.


Ainda no campo da aproxima��o com o cinema, eu sempre procurava
uma solu��o para as cenas externas, restritas �s aberturas das
novelas, mas absolutamente necess�rias para dar mais realidade ao
produto, tirando as cenas dos est�dios. Acompanhei o lan�amento,
pela Ampex, do VR-3000, um gravador de v�deo port�til, quadruplex,
com fita de duas polegadas e com a mesma qualidade de um


gravador de est�dio. Era um prot�tipo e s� foi comercializado
em 1970. Nesse ano, a Globo deu seu primeiro lucro, possibilitando
alguns investimentos. Em 1971, com a cumplicidade do
Joe Wallach e do Adilson Pontes Malta, comprei duas m�quinas
port�teis de grava��o de v�deo, que, na verdade, eram duplamente
pesadas. O equipamento pesava trinta quilos e custou
45 mil d�lares, na �poca. Como a televis�o americana estava
baseada na ind�stria cinematogr�fica, o gravador de v�deo, para
os americanos, s� interessava para o jornalismo e para eventos.
Coloquei os VR-3000 para gravar externas das novelas e
a Globo foi a pioneira no mundo no chamado EFP (Electronic
Field Production). No ano seguinte, comprei mais duas. Demos
um salto � frente da concorr�ncia. Mais tarde, os VR-3000
foram substitu�dos pelos U-MATIC, da Sony, com uma polegada.
Ainda em 1971, comprei um equipamento chamado teleprompter,
para o jornalismo. O teleprompter era um aparelho
que se colocava embaixo da c�mera, quase na altura das lentes,
permitindo que os apresentadores de telejornais lessem o texto
como se estivessem olhando para o telespectador. Durante
a montagem dos teleprompters, os jogos de espelho, que projetavam
o texto, foram esquecidos e os locutores tiveram que
ficar olhando para cima, revelando o branco dos olhos. Ficou
muito pior do que era antes. Quando descobrimos o problema,

o defeito foi sanado.
Em 1976, chegaram os gravadores menores para utiliza��o
em jornalismo e come�amos a implantar o ENG (Electronic
News Gathering) nas emissoras da Globo. O Armando Nogueira,
eu e a Alice-Maria enfrentamos uma luta contra os cinegrafistas
do jornalismo. Acostumados com c�meras de cinema,
eles n�o confiavam na eletr�nica e iam para as reportagens
com os dois equipamentos, por medida de seguran�a.


No Rio de Janeiro, progressivamente, fomos diminuindo o tamanho
do tanque qu�mico de revela��o at� acabarmos com o
uso de filmes. Em S�o Paulo, a resist�ncia era maior e, em
1985, nove anos ap�s a introdu��o das c�meras eletr�nicas, alguns
cinegrafistas ainda teimavam em usar as c�meras de filmar
Auricom. Um dia, mandei comprar botas de borracha, luvas
e umas marretas. Peguei alguns funcion�rios, entramos no
tanque e destru�mos tudo.

� Pronto. Agora se virem. N�o h� mais laborat�rio. S� podemos
usar equipamentos eletr�nicos.
A primeira vez em que o ENG foi usado direto e ao vivo
aconteceu em junho de 1977 e tamb�m deu problema. A rep�rter
Gl�ria Maria e o cinegrafista Roberto Padula foram fazer a
cobertura de um engarrafamento na avenida Brasil, no final da
tarde, e o equipamento de ilumina��o deu pane. O Padula improvisou,
iluminando o local com os far�is do carro de reportagem.
A Gl�ria Maria teve que ficar de joelhos para receber a
luz, mas fez a reportagem como se estivesse em p�, e o telespectador
nada percebeu.

O som sempre foi outra preocupa��o minha. Durante muito
tempo, ningu�m dava muita bola para isso na televis�o e diziam
que o que eu queria era um �luxo oriental� desnecess�rio.
Mas n�o era. O som precisa ser levado t�o em conta quanto a
imagem. Cobrei e batalhei pela qualidade do som, n�o s� investindo
em equipamentos sofisticados, mas tamb�m na prepara��o
de operadores e editores de som. Na �rea de musicais,
proibi terminantemente as dublagens. Todos os n�meros musicais
teriam que ser feitos com som direto dos cantores, com

o acompanhamento musical ao vivo ou, no m�ximo, em playback,
procedimento pelo qual se grava a orquestra ou conjunto,

mas n�o o cantor, que obrigatoriamente usa a sua voz para permitir
a transmiss�o de calor e emo��o para o p�blico.

Na �rea de esportes, em toda a televis�o brasileira, os narradores
esportivos faziam eles mesmos os comerciais dos patrocinadores
durante a transmiss�o, os chamados textos-foguete.
Era uma pr�tica importada do r�dio que resultava em muitos
problemas: em primeiro lugar, o �tico, pela mistura de informa��o
com comercializa��o; em seguida, o da qualidade da
publicidade, pois os textos lidos por diferentes narradores � em
todo o pa�s � n�o tinham a mesma inflex�o e �nfase, comprometendo
a mensagem; por �ltimo, o problema financeiro, porque
os narradores queriam ganhar das ag�ncias de publicidade
para ler os textos, o que causava uma promiscuidade e abria
precedentes. Acabei com isso, criando uma �deixa�, como, por
exemplo, �Globo e voc�: tudo a ver�, depois da qual o texto
comercial entrava gravado, aprovado pela ag�ncia de publicidade
e permitindo a inser��o no v�deo de pequenas anima��es
do produto anunciado.

Na �rea de exibi��o, ainda na �poca dos arcaicos telecines,
passei a obrigar os operadores a usarem luvas brancas, fornecidas
pela empresa, evitando o aparecimento, no ar, de manchas
de gorduras, impress�es digitais, riscos e sujeira nos filmes de
cinema e de publicidade � ou mesmo nos slides. Enquanto os
filmes foram utilizados, essa pequena regrinha de limpeza deu
um grande diferencial aos comerciais e filmes da Globo. Us�vamos
os filmes comerciais poucas vezes, transferindo-os para
uma faixa plana de videotape, chamada faixa de seguran�a, e
nossa qualidade e confiabilidade eram superiores �s das outras
emissoras. Mas a solu��o final s� chegou com as m�quinas rob�ticas
da Ampex, as ACR-25, em meados dos anos 1970.


O �plim, plim� tamb�m � uma dessas decis�es isoladas.
Desde a �poca em que eu trabalhava na Lintas, perseguia mensagens
curtas que pudessem marcar um produto com a maior
s�ntese poss�vel. Na Lintas, criei a melodia �Brancura Rinso�,
para duas palavras apenas e, depois, �Ooomooo�, com uma
�nica palavra. Mais tarde, tive a ideia de assinar os comercias
da Varig com uma frase musical f�cil de ser memorizada e,
com o Victor Dag�, criei o �Varig, Varig, Varig�. Na televis�o,
me incomodava a inser��o de um intervalo comercial em um
filme de longa-metragem, que havia sido produzido para ser
exibido no cinema, sem interrup��o. Os montadores das emissoras
de televis�o, pensando que estavam prestando algum servi�o
� empresa, escolhiam os momentos mais emocionantes,
ou o auge da a��o, para interromper o filme, deixando o telespectador
irritado com a emissora e com �dio do anunciante.
Resolvi separar os filmes dos comerciais e mandei bala, sem
consultar a Central Globo de Comercializa��o. Com o Borjalo,
criei uma vinheta, ainda em preto e branco, com um diafragma
que se fechava para entrar os comerciais e depois se abria para
voltar ao filme. Nessa vinheta havia um som de �bip-bip�. O
grande designer Saul Bass, quando esteve no Brasil e visitou a
Globo, nos cumprimentou pela ideia, dizendo:

� � a coisa mais �tica que j� vi na TV.
Na era Hans Donner, quando ele prop�s uma nova vinheta,
percebi que o �bip-bip� n�o combinava com a modernidade
dele e n�o tinha personalidade para marcar a Globo. Imaginei
que o som deveria ser eletr�nico e caracter�stico. Ouvi dezenas
de op��es e, enfim, escolhi o que foi proposto pelo m�sico
Luiz Paulo Simas. O �plim, plim� pegou, ajudou a definir o
que era filme e o que era comercial e ainda virou uma marca


da Globo. � a melhor s�ntese que consegui realizar na minha
carreira publicit�ria.

da Globo. � a melhor s�ntese que consegui realizar na minha
carreira publicit�ria.

o Final. O objetivo era identificar o filme e em que ponto ele
estava, orientando o espectador que chegasse no meio da exibi��o.
Nos Estados Unidos, no entretenimento e no jornalismo, a
identifica��o � uma coisa obsessiva. E correta. Televis�o n�o �
sala de cinema. O telespectador chega para ver e sai a qualquer
hora. Se n�o sabe o que est� assistindo, vai procurar outro canal.


Plim! Plim!


O Globo Rep�rter e o Fant�sti


co


A PROPOSTA DE UM PROGRAMA sobre temas importantes nacionais e
internacionais foi do Jo�o Carlos Magaldi, que trouxe recursos da
Shell para o projeto, que passou a se chamar Globo Shell especial e
cuja produ��o foi entregue � Blimp Filmes, do meu irm�o Guga. Esse
programa era exibido uma vez por m�s, �s 23h30 e, terminado o
contrato com a Shell, daria origem ao Globo Rep�rter. Moacyr Masson
assumiu a dire��o, Paulo Gil Soares e Luiz Lobo, a produ��o e o
Dib Lufti, a dire��o de fotografia. Depois de idas e vindas do programa,
de mudan�as de estilo e hor�rio, nasceu em 3 de abril de 1973 o
Globo Rep�rter, um programa semanal de jornalismo investigativo
e de grandes reportagens nacionais e internacionais. Em agosto do
mesmo ano nasceria o Fant�stico.

Com a sa�da do Chacrinha, o hor�rio do domingo � noite, provisoriamente,
foi ocupado pelo programa S� o amor constr�i, apresentado
pelo Heron Domingues, com reportagens de Marisa Raja Gaba-
glia e dirigido por Carlos Alberto Loffler. O programa era montado
com base em uma entrevista com uma figura importante do meio art�stico,
pol�tico ou social, para quem o amor tivesse desempenhado
um papel fundamental. V�rias personalidades passaram pelo programa
e as maiores audi�ncias registradas foram com as participa��es
de Francisco Cuoco, na �poca no auge de Selva de pedra, e de Nel



son Gon�alves, relatando como se salvou da depend�ncia de
drogas. O programa era editado, sob minha supervis�o, nas
noites de s�bado. Era, invariavelmente, o dia em que o Boninho,
naquela �poca com 12 anos, ficava comigo. Como eu tinha
que trabalhar, ele ia tamb�m para a TV Globo e varava a
madrugada vendo a edi��o e muitas vezes dormia numa cadeira
da sala de videotape. O programa S� o amor constr�i havia
sido colocado no ar �s pressas e come�amos a pensar em como
substitu�-lo. Eu e o Borjalo jant�vamos juntos todos os domingos
e nos vinha sempre � cabe�a a ideia de uma revista dominical.
Mas eu n�o queria apenas um programa de reportagens
com n�meros musicais entremeados e sim alguma coisa
que reunisse tudo o que a televis�o fazia, com not�cias, reportagens,
m�sica, humor, circo, dramaturgia e curiosidades. Enfim,
um mosaico com todas as pe�as costuradas entre si para
formar uma unidade. Anotei isso em um memorando e chamei

o projeto de �O show da vida�. Convoquei todas as centrais
da Globo para participar da elabora��o do programa, com o
Borjalo pela Central Globo de Produ��o, o Armando Nogueira
pela Central Globo de Jornalismo e o Magaldi pela Central
Globo de Comunica��o, al�m das cabe�as pensantes da emissora,
como Daniel Filho, Augusto Cesar Vanucci, Manoel Carlos,
Alice-Maria, Jos� Itamar de Freitas, Paulo Gil Soares, Jo�o
Lor�do, Nilton Travesso, Mauricio Sherman, Walter George
Durst, Mi�le, Ronaldo B�scoli e Guto Gra�a Mello. De quebra
convidei o Guga, meu irm�o, para participar do grupo. Na
primeira reuni�o tinha tanta gente que tivemos de montar um
semic�rculo com mais de trinta cadeiras. Depois que expus o
projeto, o B�scoli, sentado ao fundo, exclamou:
� Isso � fant�stico!

Mesmo antes de termos o programa, o Borjalo pegou a ideia
do B�scoli e arrematou:

Mesmo antes de termos o programa, o Borjalo pegou a ideia
do B�scoli e arrematou:
Fant�stico. Esse � o nome do programa.
Eu achei boa a ideia, mas gostava do t�tulo de trabalho do
projeto, que eu chamava de �Show da vida�. O B�scoli batizou
definitivamente o programa, sugerindo unir as duas coisas:
Fant�stico � o show da vida. Curiosamente, depois do t�tulo
� que come�amos a definir quais os profissionais de cada �rea
que ficariam respons�veis pelos diferentes segmentos do programa.
A Alice-Maria, do jornalismo, ficaria com o notici�rio
do domingo no mundo, com uma grande reportagem semanal
e, no JN, criaria algumas mat�rias cujo desfecho desembocaria
no domingo. Maur�cio Sherman ficaria com os musicais que,
obrigatoriamente, teriam uma hist�ria ligada � data de exibi��o
de cada programa. O humor seria defendido pelo Chico Anysio,
rec�m-chegado � emissora, de cara limpa, com mon�logos
escritos pelo Marcos Cesar. O Chico desenvolveu o personagem
Azambuja, a ess�ncia da malandragem carioca. Para criar
fidelidade, o personagem seria fixo, com hist�rias novas a cada
semana, divididas em quatro apari��es por programa. O Luiz
Lobo e o Luis Edgar de Andrade iriam buscar mat�rias sobre a
vit�ria de algum ser humano sobre um determinado problema.
O Paulo Gil procuraria em todas as televis�es do mundo fatos
curiosos ou comemora��es que tivessem algum sentido jornal�stico
ou, no m�nimo, pl�stico, e ficaria encarregado das reportagens
especiais. O Jos� Itamar responderia pela �rea de pesquisa
cient�fica, buscando t�cnicas e produtos que pudessem
melhorar a vida humana. O Daniel se encarregaria de fornecer
semanalmente uma p�lula de dramaturgia. O Ciro Jos�, do esporte,
levantaria todos os acontecimentos da �rea para a narra��o
do L�o Batista. O Guto Gra�a Mello iria compor o tema


da abertura, que seria realizada pelo Augusto Cesar Vanucci.
O Walter George Durst sugeriu que o lema do programa, para
orientar todos os quadros, fosse a esperan�a. O Manoel Carlos
costuraria todas as atra��es com um texto e n�o ter�amos apresentadores
fixos, de modo a fugir do lugar-comum, fazendo rod�zio
entre os nossos artistas que gravariam cabe�as para cada
quadro e seriam uma surpresa a cada semana. Os narradores fixos
ficariam apenas com o notici�rio do dia e seriam o S�rgio
Chapelin e o Cid Moreira.

Parecia tudo perfeito. O �nico problema foi levantado pelo
Armando Nogueira, que temia que n�o houvesse not�cias suficientes
no domingo e que todas as grandes mat�rias tivessem
se esgotado ao longo dos diversos telejornais da Globo, durante
a semana, e durante o rec�m-lan�ado Globo Rep�rter. Pediu
um tempo para estudar o assunto. Marcamos uma nova reuni�o
dali a dez dias, para avaliar as contribui��es. O Armando foi o
primeiro a falar, confirmando os seus temores de que n�o haveria
material jornal�stico para o Fant�stico da forma como eu
esperava e que a contribui��o do jornalismo teria que se limitar
a um breve boletim de not�cias e ao esporte. O Guga, meu irm�o,
de posse de uma revista Manchete, daquela semana, contestou
o Armando, mostrando que nenhuma das mat�rias publicadas
na revista havia sido mostrada em qualquer programa
jornal�stico da Globo. O Armando folheou a revista e argumentou:


� Bom. Isso n�o � not�cia. � um outro tipo de mat�ria. Vou
ver se d� para ter alguma coisa nessa linha, toda a semana.
A provoca��o do Guga foi decisiva. Na reuni�o seguinte, o
Armando e a Alice-Maria levaram uma pauta de reportagens
que era tudo de que precis�vamos. Estava selado o casamento
da Central Globo de Jornalismo com a Central Globo de Pro



du��o. O Guto levou a abertura e eu pedi ao B�scoli uma letra,
mas ele n�o quis fazer.

du��o. O Guto levou a abertura e eu pedi ao B�scoli uma letra,
mas ele n�o quis fazer.
Voc� � que sabe tudo que o programa vai ter. Acho que s�
voc� pode fazer.
Levei a melodia do Guto para casa e fiz a letra. Ele preparou
os arranjos. Pedi ao genial Aloysio de Oliveira para cuidar da
produ��o musical, e ele dirigiu pessoalmente a grava��o da orquestra
e do coral. Bolei a primeira abertura visual baseada nas
m�scaras e figuras do carnaval de Veneza, combinadas com
alguns figurinos do espet�culo Pippin, da Broadway. Muitos
anos depois o Cirque du Soleil exploraria o mesmo fil�o. Fiz
um roteiro, discutindo cena por cena, com o Augusto Cesar
Vanucci, o Juan Carlos Berardi, core�grafo, e com o Carlos
S�rensen, figurinista. O Guga contribuiu tamb�m com a filmagem
de um sol que deveria se encaixar no ventre de uma bailarina
como se fosse uma crian�a tomando vida. O Cyro del Nero
e o Nilton Nunes criaram a primeira marca do Fant�stico. Em
1980, o Hans criou a nova marca e iniciou uma s�rie antol�gica
de aberturas para o programa, aplaudidas e admiradas em todo

o mundo. O primeiro programa foi ao ar no dia 5 de agosto de
1973, marcando uma audi�ncia recorde no domingo � noite e
parando o pa�s, como se fosse um �ltimo cap�tulo de novela.
As atra��es mais importantes foram: uma reportagem completa
sobre a Carmen Miranda, que havia falecido em Hollywood,
no dia 5 de agosto de 1955, ou seja, exatamente 18 anos antes.
A reportagem inclu�a musicais da Carmen e foi a Mar�lia P�ra
quem reviveu um dos sucessos da pequena not�vel. Na mesma
data em 1962 havia falecido a Marilyn Monroe, e a Sandra
Br�a reviveu o mito de Hollywood naquele primeiro programa.
O Chico Anysio apresentou, dividida em quatro partes, a primeira
hist�ria do personagem Azambuja. O esporte, al�m dos

resultados da rodada, mostrou, ao vivo, o craque da sele��o de
1970, Tost�o, recebendo o laudo m�dico que o impediria de jogar
futebol para o resto da vida, devido a um problema no globo
ocular. Foi mostrado o maior espet�culo de motocicleta do
mundo, gravado na Disneyl�ndia, e, ao vivo, o show de Sergio
Mendes, diretamente do Central Park, em Nova York. Cidinha
Campos estreou na Globo apresentando uma reportagem sobre
as t�cnicas de congelamento humano (criogenics) que estavam
na moda para preservar corpos de pessoas importantes. Segundo
se acreditava, elas voltariam � vida quando fossem encontradas
solu��es para as doen�as de que morreram. Uma dessas
pessoas, especulava-se, seria o Walt Disney. A Cidinha faria
outras grandes mat�rias at� se desentender com a Central
Globo de Jornalismo. Lembro que almocei com o Manoel Carlos
e com a Cidinha � que naquele tempo eram casados � no
restaurante Antonio�s, pouco tempo antes de o programa estrear,
quando os contratei. Ningu�m conseguiu costurar t�o bem

o Fant�stico e com tanta humanidade quanto o Manoel Carlos,
mantendo o programa no ar em um estado permanente de
emo��o. No per�odo em que dirigiu o programa, tratou de fortalecer
o jornalismo, que foi crescendo aos poucos.
Em 1974 o H�lio Costa, que era o produtor das mat�rias
internacionais desde o in�cio, passou tamb�m a apresentar as
suas reportagens, que viraram marca registrada do programa.
Com sua compet�ncia e sobriedade, fez uma s�rie de trabalhos,
sempre no mais alto padr�o, muitas vezes superior aos melhores
rep�rteres do mundo. Lembro de reportagens emocionantes,
como �O menino da bolha� e �A guerra em El Salvador�;
as curiosas, como aquela sobre o grito de Johnny Weissmuller,

o eterno Tarz�; as cient�ficas, como o �Marca-passo cerebral�.
Al�m dessas, � imposs�vel esquecer o furo hist�rico obtido pe

lo H�lio ao entrevistar o senador Edward Kennedy sobre o assassinato
do irm�o, assunto sobre o qual ele n�o falava com
nenhum rep�rter. Para completar, a iniciativa contrariava o governo
brasileiro, que havia considerado o senador americano
persona non grata e tinha proibido sua apari��o na televis�o,
por conta das cr�ticas que ele fazia ao regime militar. O H�lio
conseguiu a entrevista com a condi��o imposta pelos assessores
de Kennedy de que s� falariam sobre liberdade e direitos
humanos. Antes de iniciar a mat�ria, o H�lio arriscou:

� Como � que vamos falar de liberdade se eu n�o tenho liberdade
para fazer minhas perguntas?
O Senador refletiu e concordou:

� Est� bem, pode perguntar o que quiser.
E o H�lio:
� Podemos falar sobre o assassinato de seu irm�o?
Kennedy olhou para os assessores e disse que sim. Quando
a mat�ria chegou na Globo, dr. Roberto quis ver antes de ser
exibida e aprovou, pedindo ao Armando Nogueira que cumprimentasse
o H�lio pela habilidade.

Na �rea de entretenimento, o Fant�stico apresentou m�gicos,
desafios loucos e muita m�sica. O programa foi o lan�ador
dos clipes no Brasil, criados e produzidos por nossas equipes.
O Cyro del Nero fez uma produ��o gr�fica para �Gita�,
do Raul Seixas, e o Nilton Travesso criou o primeiro clipe em
externas da televis�o brasileira, com o Ney Matogrosso inaugurando
uma s�rie sensacional, que inclui uma grava��o sui
generis do Charles Aznavour interpretando �She�, sentado em
uma poltrona velha, colocada em um vag�o de carga, dentro
de um trem Rio-S�o Paulo. Com alguns centavos o Nilton Travesso
montou uma geringon�a para fazer playbacks e dublagens
em loca��es, constitu�da de um gravador dom�stico e um


alto-falante corneta tipo de campanha pol�tica. Gravava tudo e
na edi��o consertava os sincronismos de v�deo e �udio. Houve
tamb�m uma fase incr�vel de clipes musicais criados, dirigidos
e produzidos pelo Nilton Travesso, em parceria com o artista
pl�stico Juarez Machado. Um momento refinado da mais pura
modernidade.

alto-falante corneta tipo de campanha pol�tica. Gravava tudo e
na edi��o consertava os sincronismos de v�deo e �udio. Houve
tamb�m uma fase incr�vel de clipes musicais criados, dirigidos
e produzidos pelo Nilton Travesso, em parceria com o artista
pl�stico Juarez Machado. Um momento refinado da mais pura
modernidade.
ordin�ria,
abrindo portas para novos talentos e homenageando
os maiores nomes da MPB. No esporte, marcou �poca durante

o tempo da loteria esportiva, com a zebrinha criada pelo Borja-
lo. Uma das fases de maior audi�ncia e de melhor qualidade do
programa foi quando esteve sob o comando de Jos� Itamar de
Freitas, um parceiro amigo, batalhador, criativo e competente.
O Fant�stico foi o primeiro show do g�nero em todo o mundo.
O Sixty Minutes, anterior ao nosso programa, era apenas
jornal�stico. O Twenty Twenty veio muito depois. O formato e

o t�tulo do Fant�stico foram vendidos para mais de sessenta
pa�ses e plagiados com o mesmo nome na It�lia e na Espanha.
O programa recebeu os mais importantes pr�mios da televis�o.
O Fant�stico era fant�stico. E ainda h� lugar para um grande
programa, com o formato de magazine, na televis�o brasileira.


Anos de chumbo e TV em cores


OS PRIMEIROS TESTES PARA TRANSMISS�O em cores ocorreram em meados
dos anos 1960. A Excelsior transmitiu um Moacyr Franco s�
com uma c�mera colorida e a Tupi exibiu um cap�tulo do seriado
Bonanza em cores. Mas foi s�. Como n�o existia nenhum padr�o
definido, esses testes s� tiveram import�ncia promocional. Quando

o governo militar decidiu que a televis�o brasileira teria que passar
a transmitir em cores, havia tr�s sistemas para serem escolhidos: o
americano NTSC (National Television System Committee) que, por
usar um bot�o de controle da cor e outro para regular o matiz, era
chamado nos Estados Unidos de �Never Twice Same Color�, o franc�s
SECAM (S�quentiel Couleur Avec M�moire) e o alem�o PAL
(Phase Alternating Line). O problema � que o sistema brasileiro deveria
ser compat�vel com os televisores que estavam no mercado, em
preto e branco, que recebiam imagens de 525 linhas, o chamado padr�o
M. A televis�o americana operava com 525 linhas, mas o sistema
de cor era ultrapassado e os sistemas franc�s e alem�o operavam
com 625 linhas. Os alem�es, enxergando as dimens�es do nosso
mercado, desenvolveram, com engenheiros militares brasileiros, liderados
por Alcione Fernandes de Almeida Jr., um PAL-M de 525
para ficar compat�vel com os nossos aparelhos em preto e branco. O
governo militar, empenhado na tarefa de promover o �Brasil grande�
e o �milagre econ�mico�, atacou o problema de duas maneiras:
primeiro, de acordo com a megalomania reinante, � que passaram a

pensar que seria poss�vel criar uma reserva de mercado para o
Brasil na Am�rica Latina; segundo, adotando o PAL-M e, assim,
permitindo a implanta��o mais r�pida da televis�o em cores,
porque a transmiss�o colorida poderia ser feita sem necessidade
de substituir os transmissores em preto e branco existentes.


Desse modo, o sistema PAL-M praticamente foi imposto
pelo governo � iniciativa privada. Em uma reuni�o em Bras�lia,
da qual fiz parte, fomos amea�ados de cassa��o do canal caso
n�o cumpr�ssemos os prazos estabelecidos pelo Minist�rio das
Comunica��es para inaugura��o ou n�o cumpr�ssemos uma
cota m�nima obrigat�ria de produ��o em cores para todas as
emissoras.

Em 1970, as emissoras em pool testaram o sistema PALM,
transmitindo a Copa do Mundo do M�xico, em cores, vista
somente pelos poucos que possu�am televisores coloridos, de
fabrica��o americana, com uma adapta��o da linha de retardo
(delay line) para poder receber o sinal PAL-M. Os anunciantes
da Copa se reuniram e promoveram um concurso para cria��o
do hino da Copa. Dizem � n�o sei se � verdade ou folclore �
que o Miguel estava desesperado, sem encontrar uma melodia
para participar do concurso e que o meu velho amigo e trombonista
Raul de Barros sugeriu o tema musical. O Miguel fez a
letra, entregou no minuto final da inscri��o e acabou ganhando
o concurso. De qualquer forma, s� o Miguel Gustavo consta
como autor da canc�o �Pra frente Brasil�. O governo militar
incorporou o refr�o �Noventa milh�es em a��o� que passou a
ter conota��o com o �Brasil grande�.

O importante � que o teste do PAL-M funcionou. Na verdade
o sistema de transmiss�o era bom. A Embratel, dominada
pelos militares, preparou toda sua rede para trafegar o sinal em


PAL-M, o que nos obrigou a produzir tamb�m no padr�o PAL


M. O problema � que n�o havia desenvolvimentos internacionais
para a fabrica��o de equipamentos no sistema adotado,
como c�meras, videotape e tudo o mais. O pre�o dos equipamentos,
feitos sob encomenda, inclu�a o custo do desenvolvimento
e eram proibitivos e demorados. Mesmo assim as emissoras
foram coagidas a iniciar as transmiss�es em cores e obrigadas
a fazer investimentos superiores � sua capacidade.
O Minist�rio das Comunica��es, com medo de deixar brecha
para a entrada do NTSC, n�o liberava a compra de equipamentos
de produ��o nesse sistema, que eram mais baratos por
serem produzidos em linha e que poderiam ser convertidos para
transmiss�o em PAL-M. Do ponto de vista atual o sistema
de PAL-M teria sido um acerto se n�o houvesse essa atitude
absurda e sem sentido. Demorou muitos anos para que ocorresse
essa libera��o de equipamentos em NTSC, reduzindo investimentos
e custos operacionais. Somente depois da exist�ncia
da SET (Sociedade Brasileira de Engenharia de Televis�o),
fundada pelo engenheiro Adilson Pontes Malta, em 1988, �
que o problema foi resolvido.

Voltando a 1972, no dia 13 de fevereiro, foi feita a primeira
transmiss�o em cores da televis�o brasileira, com a Festa da
Uva, diretamente de Caxias do Sul, porque somente a TV Difusora
de Porto Alegre estava em condi��es de realizar uma
externa em cores. No dia 31 de mar�o do mesmo ano foi inaugurada
oficialmente a televis�o em cores no Brasil. Cada emissora
fez o que foi poss�vel. A Globo produziu um Caso especial
chamado Meu primeiro baile. O primeiro evento transmitido
depois da inaugura��o oficial foi o Grande Pr�mio Brasil,
direto do Jockey Club do Rio de Janeiro. O primeiro programa


regular �ao vivo e em cores� da Globo foi a Discoteca do Chacrinha.


O Brasil, em setembro de 2011, possui mais de 54 milh�es
de aparelhos de televis�o, cobrindo 98,6% dos lares. Quase
quarenta anos depois ainda existem televisores em preto e
branco no pa�s. Quanto tempo levar� para que o sistema digital
seja totalmente implantado? Com a entrada do Brasil, em 2 de
dezembro de 2007, na era digital, o sepultamento do sinal anal�gico
est� previsto para 29 de junho de 2016. Mas eu imagino
que haver�, necessariamente, uma prorroga��o desse prazo para
evitar que milh�es de brasileiros fiquem sem ver televis�o.
O nosso sistema digital, o ISDB-TB, ao contr�rio do PAL-M,
foi exclusivamente uma op��o tecnol�gica, e �, exatamente, o
mesmo sistema japon�s com um processo de compress�o de
imagens mais avan�ado, o MPEG-4 (Moving Picture Experts
Group � 4), enquanto os nip�nicos usam o MPEG-2. O ISDBTB
� um sistema robusto, capaz de transmitir HD via terrestre,
compat�vel com o modelo de neg�cio da televis�o brasileira.
A implanta��o do sistema, no entanto, peca at� hoje por falta
de legisla��o adequada para multiprograma��o e engatinha no
campo da interatividade. Mas, pelo menos, nada � imposto como
nos anos de chumbo. Quem comanda � o mercado.


Dias, Gracindo e Lima � Os
Bem-Amados


A primeira novela em cores da televis�o brasileira foi O Bem-Amado.
Pensando em um ambiente rico em cores, logo me veio � cabe�a
a Bahia. Convoquei o baiano Dias Gomes e pedi uma hist�ria. Ele
me apresentou uma sinopse baseada em um fato real ocorrido no Esp�rito
Santo, onde um prefeito havia sido eleito prometendo construir
um cemit�rio. Era a hist�ria de Odorico Paragua�u, prefeito de Sucupira
� microcosmo do Brasil �, empenhado em concluir sua obra
m�xima: o cemit�rio da cidade. Dias poderia adaptar esse texto, come�ando
em Salvador e depois continuando a hist�ria no interior da
Bahia. Adorei a proposta e autorizei a produ��o. A novela O Bem-
Amado estreou no dia 24 de janeiro de 1973. Para interpretar o Odorico
Paragua�u foi escalado o Paulo Gracindo. Embora fosse carioca,
vivera em Alagoas quando crian�a e se considerava alagoano. Queria
ser ator desde cedo, mas foi proibido pelo pai e s� tentou a vida
art�stica depois que ele faleceu. Nasceu Pel�pidas Guimar�es Brand�o
Gracindo. Sua empregada o chamava de Seu Envelope e outros
se referiam a ele como Pen�lope, Petr�polis e Z� Lopes. Adotou o
nome art�stico de Paulo Gracindo. Fez sucesso no teatro e depois no
r�dio, como apresentador, autor, ator e comediante, tendo comandado
v�rios programas e personificado o famoso primo rico do Balan�a
mas n�o cai. O Odorico talvez tenha sido sua cria��o m�xima na


televis�o. Paulo havia feito o bicheiro Tuc�o em Bandeira 2,
que j� era uma obra-prima de interpreta��o. Deu um banho
tamb�m com o coronel Ramirez, de Gabriela; brilhou em v�rios
especiais, como Quincas Berro d��gua, em diversas novelas
e em dezenas de filmes de cinema, mas o Odorico realmente
superou tudo o que fez. Para o personagem Zeca Diabo foi escolhido
o Lima Duarte. Seria uma participa��o especial, j� que

o personagem morreria logo no in�cio da novela. Quando viu
os primeiros cap�tulos, o Dias decidiu reescrever toda a hist�ria,
perpetuando o Lima Duarte na novela e, por consequ�ncia,
na Globo.
Lima Duarte, cujo nome verdadeiro � Ariclenes Ven�ncio
Martins, nasceu em Sacramento, Minas Gerais. Saiu de l� em
um caminh�o carregado de mangas para se tornar um dos melhores
sonoplastas do r�dio brasileiro e a figura s�mbolo da
nossa televis�o. Fez de tudo na pioneira TV Tupi, de S�o Paulo.
De Hamlet de Shakespeare no TV de Vanguarda ao Contador
de hist�rias do P�ricles do Amaral, da dire��o correta de O
direito de nascer � dire��o inovadora de Beto Rockfeller. Sempre
se mostrou soberbo em todos os momentos em que foi convocado
como ator para a televis�o e para o cinema: uma verdadeira
lenda nacional. Em O Bem-Amado, criou um Zeca Diabo
inacredit�vel, que s� seria superado pelo seu Sinhozinho Malta
de Roque Santeiro.

A novela O Bem-Amado, dirigida pelo Regis Cardoso, foi
uma coqueluche e durou 178 cap�tulos. Tipos fascinantes criados
pelo Dias Gomes tornaram-se inesquec�veis, como o Dirceu
Borboleta, interpretado pelo Emiliano Queiroz, a delegada
machona Donana Medrado, da Zilka Sallaberry, as fant�sticas
irm�s Cajazeira, de Ida Gomes, Dorinha Duval e Dirce Migliaccio.
Quando terminou, a novela deixou tanta saudade que,


em 1980, o Odorico e o Zeca Diabo tiveram que voltar em um
programa semanal que permaneceu no ar com pleno sucesso
por quatro anos seguidos. Ter um texto da qualidade que o Dias
Gomes apresentava e com atores do n�vel de Paulo Gracindo
e Lima Duarte � uma conjun��o quase imposs�vel de se repetir.

Alfredo de Freitas Dias Gomes, o Dias Gomes, foi parar
na televis�o porque todas as portas estavam fechadas para ele.
Acusado de comunista, foi demitido da R�dio Nacional do Rio
de Janeiro e estava desempregado quando o contratamos. Come�ou
envergonhado, usando o pseud�nimo Stela Calderon
para adaptar, sob as ordens de Gl�ria Magadan, A ponte dos
suspiros. Se n�o fosse pelo seu bom humor, teria morrido de
humilha��o. Mas logo partiu para Ver�o vermelho, Assim na
Terra como no c�u, Bandeira 2, O Espig�o, Sinal de alerta, O
Bem-Amado, Mandala, Araponga, Saramandaia e Roque Santeiro.
Tornou-se uma das mais importantes figuras da televis�o
brasileira, repetindo o sucesso que havia feito no r�dio, no cinema
e no teatro. Aos 15 anos escreveu a sua primeira pe�a
teatral Acom�dia dos moralistas. Nos anos 1950 deu uma nova
cara � R�dio Clube do Brasil, como diretor art�stico da emissora,
e era o meu modelo de diretor e meu �dolo como escritor. O
Dias adaptou para o r�dio mais de quinhentas obras liter�rias,

o que lhe valeu uma grande bagagem cultural. Publicou mais
de vinte livros. Foi eleito para a Academia Brasileira de Letras
e ocupou a cadeira 21, a mesma que hoje � ocupada pelo Paulo
Coelho. Em 1960 escreveu o seu maior sucesso teatral: O
pagador de promessas. Adaptado para o cinema e dirigido pelo
Anselmo Duarte, viria a ser a primeira produ��o brasileira a
conquistar a Palma de Ouro no Festival de Cannes. O Dias era
meu vizinho, no condom�nio em que mor�vamos em S�o Conrado,
no Rio de Janeiro. Eu morava no 15o andar e ele no 14o.

Na madrugada de 18 de maio de 1999 recebi um telefonema da
governanta dele, que chorava.

Na madrugada de 18 de maio de 1999 recebi um telefonema da
governanta dele, que chorava.
Boni, o Dias morreu.
Pensei que era um enfarte ou algo semelhante, uma vez que
ele era cardiopata.

� Estou descendo imediatamente.
� N�o, Boni, n�o foi aqui. Foi um acidente de carro em S�o
Paulo.
Ela me contou o que havia ocorrido e eu localizei a Bernadeth,
ent�o esposa do Dias, em um hospital em S�o Paulo. Estava
com escoria��es e abalada com a morte do marido, mas
fora de perigo. Parecia que uma gigantesca m�o apertava meu
cora��o. N�o havia mais nada a fazer.

O Dias, com sua vis�o cr�tica e talento inigual�vel, faz uma
falta danada para os amigos e para a televis�o brasileira.























A censura e o milagre de Roque


Santeiro


APAR�CIO TORELLY, O BAR�O DE ITARAR�, jornalista e humorista, foi

o primeiro, no Brasil, a usar o humor para criticar os pol�ticos e a sociedade.
Tinha uma coluna no jornal carioca A Noite, de Irineu Marinho,
e, com o sucesso, lan�ou seu pr�prio jornal, um seman�rio de
humor chamado A Manha, que usava o mesmo logotipo de A Manh�,
apenas sem o til. O slogan de A Manha era: �Quem n�o chora, n�o
mama.�
O Apar�cio foi o primeiro a ser punido fisicamente pelas suas piadas
e coment�rios humor�sticos. Em 1932, durante o governo provis�rio,
com Get�lio Vargas no poder, policiais militares invadiram
a reda��o do jornal e deram uma tremenda surra nele. Sem perder o
humor e depois de apanhar muito, ele colocou na porta da reda��o:
�Entre... sem bater.�

Em 1939, Get�lio criou o DIP (Departamento de Imprensa e Propaganda)
com dupla fun��o: censurar os opositores e promover o governo.
Da� para frente, a censura no Brasil teve v�rias fases e diferentes
objetivos: atingir a imprensa, o teatro, o r�dio e todos os ve�culos
de comunica��o. Com o fim do Estado Novo, quando se pensava
que a censura acabaria, foi criado pelo Ministro da Justi�a, Jos�
Linhares, o SCDP (Servi�o de Censura de Divers�es P�blicas), subordinado
diretamente ao chefe da Pol�cia Federal. O foco saiu da


pol�tica e concentrou-se nos costumes. A partir de 31 de mar�o
de 1964, com a instala��o da ditadura militar no pa�s, a censura
pol�tica voltou e a censura de costumes recrudesceu. No in�cio,
como a censura n�o estava aparelhada nem havia diretrizes claras
do que censurar, eles censuravam tudo, especialmente no
entretenimento. Muitas vezes censuravam por medo de perder

o emprego, porque ainda n�o haviam censurado nada.
Na Globo, um dos primeiros programas a sofrer com a censura
foi o Dercy com�dias. Para tentar resolver esse problema,
a Dercy sugeriu a contrata��o de Luiz Ottati, chefe aposentado
da censura no Rio, que ajudava a passar pela censura as pe�as
teatrais que ela apresentava em todo o Brasil. A fun��o do
Ottati era orientar a produ��o da Dercy para entender objetivamente
o que a censura estava querendo e como poder�amos
driblar os censores. Mas, como ela fugia do texto e improvisava,
seu programa era cortado e mutilado pelos censores de tal
forma que teve de sair do ar.

O trabalho do Ottati foi desviado para outros programas de
entretenimento e, especialmente, para sinopses de novelas. O
trabalho dele era o de �pentear� as sinopses antes de serem
submetidas � censura. �Pentear�, no jarg�o da televis�o, significava
disfar�ar alguns aspectos do texto para obter aprova��o
da censura. T�nhamos tamb�m dois homens que nos representavam
nas discuss�es com a censura: o Duarte Franco no Rio,
que era coordenador de televis�o; e o Guy Cunha, em Bras�lia,
diretor de TV e de programa��o. Esse grupo n�o tinha autoridade
para cortar uma s� palavra de qualquer texto e se limitava
a encontrar sa�das quando a censura implicava com alguma
coisa.

Diferente de textos de jornais, revistas ou r�dio, a televis�o
constru�a cen�rios e fabricava roupas por meio de investimen



tos alt�ssimos que n�o podiam ser jogados fora por determina��es
da censura. Assim, era preciso conseguir a aprova��o
de uma produ��o para um determinado hor�rio e ir negociando,
no decorrer da hist�ria, eventuais cortes nos textos. Essa
postura da empresa foi confundida com a cria��o de uma censura
interna, mas isso jamais existiu. Ao contr�rio. Fomos os
primeiros a usar o Conselho Superior de Censura. Quando foi
criado pelo Ministro da Justi�a Petr�nio Portela, no final dos
anos 1970, pedi ao Otto Lara Resende que fosse o representante
da televis�o nessa luta. O Otto, adoentado, n�o aceitou e eu
recorri ao Ricardo Cravo Albin, que representou a televis�o e
a sociedade civil por quase uma d�cada. Do livro Driblando a
censura, do Ricardo, transcrevo a miss�o que dei a ele quando
mandei um bilhete convidando-o para uma tarefa de alto risco:

O convite que te fa�o em nome da Globo n�o � f�cil e pode ser mal compreendido.
Mas � fundamental para a defesa da liberdade de express�o (...). Trata-
se da representa��o da sociedade civil para lutar contra a cretinice dessa censura
que nos tumultua e nos castra. Voc� vai lutar, nas barbas do inimigo, dentro do
Conselho institu�do pelo Ministro da Justi�a e que j� est� funcionando h� dois
meses ao lado da sala do Petr�nio Portela.

A partir de 1979, o Ricardo fez um trabalho que eliminou
muitos cortes nos programas e novelas, liberou sinopses e centenas
de letras de m�sicas brasileiras. Se no entretenimento a
censura foi dram�tica, no que se referia ao jornalismo ela foi
mortal. O Jornal Nacional nasceu censurado, pois, no dia da
estreia, t�nhamos uma reportagem completa feita pela TV Ga�cha,
no sul, sobre o derrame do Costa e Silva e s� pudemos
dar no ar uma nota oficial. Quando o embaixador americano
Charles Elbrick foi sequestrado e depois libertado em troca de
15 presos, a Globo obteve os nomes de todos, mas foi proibida


de divulg�-los. Houve tamb�m a proibi��o do pronunciamento
do Papa Paulo VI, da missa de s�timo dia do Jo�o Goulart,
de not�cias sobre cassa��o de mandatos, suspens�o de diretos
pol�ticos e at� epidemia de meningite. O filme feito pelo jornalismo
da Globo sobre a morte de Lamarca foi confiscado por
agentes militares na sala de montagem da emissora. A censura
ocorria de diversas maneiras, dependendo da gravidade, variando
de instru��es diretas ao dr. Roberto Marinho, comunicados
oficiais, memorandos ou a presen�a de agentes do SNI
(Servi�o Nacional de Informa��o) e da Pol�cia Federal.

Um dia um agente foi ver uma mat�ria que iria ao ar no JN e
chegou atrasado. Queria que o jornal o esperasse ver a mat�ria,
mas o programa j� estava no ar e ele queria saber como fazia
para examinar o assunto. O Armando Nogueira mostrou para
ele um bot�o na mesa de corte e disse:

� Est� vendo aquele bot�o ali? Aperta quando quiser tirar alguma
coisa do ar.
O agente grudou o olho na tela, mas n�o teve coragem de
tocar no bot�o. Durante os chamados anos de chumbo, os apresentadores
de telejornais precisavam ter cuidado com as express�es
e as falas, pois qualquer detalhe poderia ser interpretado
como cr�tica ou ironia ao regime militar.

Em 1977, a editora Alice-Maria e o chefe de reda��o Luis
Edgar de Andrade, acusados de serem comunistas, foram intimados
a depor no DOPS (Departamento de Ordem Pol�tica e
Social). O dr. Roberto Marinho fez quest�o de lev�-los at� o
local e fez os agentes do DOPS saberem que ele foi pessoalmente
deixar os dois para depor. Eles foram interrogados e retornaram
� emissora. Tivemos muitos golpes duros no jornalismo
com um volume incalcul�vel de comunicados oficiais e
interven��es informais. O entretenimento, especialmente o g�



nero novela, foi objeto de interfer�ncia permanente em todas as
emissoras e mais ainda na Globo, por conta da audi�ncia maior.
Um dos guardi�es dos valores pol�ticos e morais do Brasil
foi o chefe da censura Romero Lago que, na verdade, era
um impostor chamado Hermelindo Ramires de Godoy, procurado
por ter cometido quatro assassinatos. Ele havia obtido
uma identidade falsa no Paraguai, gra�as �s suas liga��es com

o presidente Alfredo Stroessner, e fora colocado no posto pelo
general Riograndino Kruel, que ignorava a vida pregressa do
censor.
No Servi�o de Censura de Divers�es P�blicas, os anos de
chumbo foram marcados pela arrog�ncia do general Nilo Canepa
e pela m�o pesada da Solange Hernandes como chefe do
departamento. Inteligente, esperta e bem preparada, ela foi a
dama de ferro da censura. Sacava tudo e encontrava at� pelo
em ovo. Mas assim mesmo era melhor conversar com ela,
que era objetiva, do que com os despreparados que me fizeram
trinta cortes em um s� cap�tulo de O Bem-Amado para retirar
a palavra �coron�� toda vez que era pronunciada, porque poderia
ser confundida com a patente militar �coronel�. Cismaram
com essa besteira, mas deixaram no ar a abertura musical
de Vinicius de Moraes, cuja letra dizia: �Estamos trancados
no paiol de p�lvora ... olhos vedados no paiol de p�lvora.� S�
perceberam o sentido e proibiram o tema muito tempo depois.
At� o comportado Roberto Carlos foi v�tima da censura. Em
um dos especiais de Natal, um coronel achou que as atitudes
de uma bailarina, no fundo do programa, eram inconvenientes
e queria que regrav�ssemos a cena. O Roberto Carlos j� estava
fora e o Borjalo explicou que isso era imposs�vel. E o que o
coronel sugeriu:


� � berto
e deixa tocar a can��o.
O Borjalo, que n�o tinha papas na l�ngua, deitou e rolou:

� Parab�ns, cononel... Parab�ns. O senhor acaba de inventar
o r�dio.
Mas a pancada maior foi a censura de Roque Santeiro.A
novela de Dias Gomes havia sido baseada na pe�a de teatro
O ber�o do her�i, do pr�prio Dias, proibida pela censura em
1965. A pe�a original contava a hist�ria do cabo Jorge, do
ex�rcito brasileiro, homenageado e declarado her�i por ter
morrido em a��o, ao tentar salvar seu comandante, na Segunda
Guerra Mundial. Dezessete anos depois o cabo Jorge retorna e
se descobre que ele n�o era her�i coisa nenhuma, mas sim um
desertor que fugira da guerra. A mensagem do Dias era: o tempo
dos her�is j� passou. Em 1975, lembrando que o tema era
bom, o Dias retirou da pe�a todas as conota��es militares, inclusive
a farda do cabo Jorge, transformando o personagem em
um milagreiro que vira m�rtir ao morrer, defendendo a cidade
contra o bandido Navalhada. A cidade explora o mito e todos
vivem �s custas do falso her�i.

A sinopse foi mandada para a censura junto com vinte cap�tulos
escritos, como era exigido na �poca, tendo sido aprovada
para as 20h, conforme of�cio do chefe da censura, sr. Rog�rio
Nunes, em 4 de julho de 1975. Iniciamos a produ��o com
Francisco Cuoco no papel de Roque, Lima Duarte como o Sinhozinho
Malta e Betty Faria como a vi�va Porcina, a que foi
sem nunca ter sido. Foram gravados 36 cap�tulos. A novela estrearia
no dia 27 de agosto. No dia 20 houve uma reviravolta
e a censura, depois de assistir aos cap�tulos gravados, oficiou
a Rede Globo que o Roque Santeiro s� poderia ser exibido �s
22h, assim mesmo com cortes que, a meu ver, destruiriam a


obra e impediriam a sua compreens�o. Come�amos a agir de
duas formas: tentar ajustar a novela �s exig�ncias da censura
e ver se era poss�vel liberar Gabriela, que estava �s 22h, para
mais cedo, permitindo uma invers�o. Gabriela iria para as 20h
e Roque ficaria �s 22h. O pedido foi negado pela censura. Est�vamos
amea�ados de ficar sem a novela das oito, sem entender
por que e o que estavam censurando. Pedi ao dr. Roberto
Marinho que falasse, pessoalmente, com o Ministro da Justi�a,
Armando Falc�o, mas o dr. Roberto me contou que estavam
estremecidos e n�o queria pedir nenhum favor a ele. Na v�spera
da estreia programada e sem solu��o � vista, pedi ao Daniel
Filho que preparasse a novela Selva de pedra, com Francisco
Cuoco e Regina Duarte, para ser compactada e exibida no hor�rio
caso n�o houvesse uma solu��o. Depois do almo�o o dr.
Roberto me convocou � sala dele e, sempre em tom baixo, me
chamou a aten��o:

� Voc� colocou a empresa em risco.
N�o aceitei a acusa��o. Disse que estava perplexo e queria
que ele visse alguns cap�tulos comigo. Ele concordou. Vimos

o primeiro e alguns trechos de outros. Ele tamb�m ficou perplexo
e irritado com a censura.
� Desculpe. Voc� n�o tem culpa. N�o sei o que esses sujeitos
est�o querendo. O que poder�amos fazer?
Nem precisei pensar. Arrisquei uma sugest�o:

� Dr. Roberto, estamos sendo censurados h� muito tempo. E
os nossos telespectadores n�o sabem disso. Vamos denunciar
a censura. Vamos contar que a censura existe e que est�o nos
proibindo de exibir a novela.
Na mesma hora ele passou a m�o no telefone e chamou o
Armando Nogueira. Encomendou um editorial contando a hist�ria
e revelando para vinte milh�es de pessoas que est�vamos


sob censura. O editorial foi feito pelo Armando e pela Alice-
Maria e ficou pronto para ser lido no dia seguinte, quando a
novela deveria estrear, caso a proibi��o para as 20h persistisse.
Nossos funcion�rios credenciados para tratar com a censura
tentaram at� o �ltimo minuto, antes do JN, uma solu��o negociada,
mas sem nenhum �xito. Liguei para o dr. Roberto e pedi
uma confirma��o:

� Vamos com o editorial?
� Claro. Vamos a qualquer risco.
Era a primeira vez que faz�amos isso. Um milagre do Roque
Santeiro. Eu estava morrendo de dor de cabe�a e fui para a cl�nica
S�o Vicente, onde o dr. Nunjo Finkel me deu um calmante
e eu fui dormir.

N�o vi a Selva, mas no dia seguinte acordei cedo e fui atr�s
do Homero S�nchez para saber do ibope da reprise. Quando
soube que a audi�ncia estava acima de 50%, fiquei aliviado,
embora ainda n�o conseguisse entender o que havia ocorrido e
nem o porqu� da mudan�a brusca da censura, liberando e depois
proibindo. O mist�rio foi esclarecido quando soubemos
por meio de um agente do governo que um telefonema do Dias
Gomes ao Nelson Werneck Sodr� havia sido grampeado. O
grampo do Nelson, mesmo sem qualquer autoriza��o da Justi�a,
era permanente. Nesse telefonema o Dias comentava que

o Roque era o Ber�o do her�i sem farda. Os servi�os de informa��o
do governo ordenaram que a censura inviabilizasse a
exibi��o, sem proibi-la ostensivamente. Ficamos sabendo tamb�m
que o Ministro Armando Falc�o se divertia no CPOR por
ter causado um problema para o dr. Roberto e para n�s, profissionais
dos quais ele sempre teve inveja. No ano seguinte,
repetiram a dose do Roque proibindo, para qualquer hor�rio, a
novela Despedida de casado. Comecei a ter suores noturnos e

procurei meu endocrinologista, dr. Geraldo Medeiros. Ele me
encaminhou para um ultrasson com o dr. Eduardo Tomimori
que, ap�s me examinar, disse:

procurei meu endocrinologista, dr. Geraldo Medeiros. Ele me
encaminhou para um ultrasson com o dr. Eduardo Tomimori
que, ap�s me examinar, disse:
Boni, voc� n�o tem mais tireoide. A Globo comeu.
� E o que eu fa�o?
� Tem que pescar, arranjar um riozinho com um barulhinho
e pescar.
� Mas dr. Eduardo, trabalho feito um louco. No fim de semana
quero tomar vinho, cerveja, comer, farrear.
E o dr. Tomimori, com a sua paci�ncia nip�nica, me esclareceu:


� N�o, n�o � pescar no fim de semana. � pescar pro resto da
vida.
Com a censura em a��o, n�o deu para ir pescar. O Conselho
Superior de Censura, que parecia uma solu��o, tinha por objetivo
apenas �dourar a p�lula�. Ainda bem que o tiro saiu pela
culatra e o Conselho, que foi imaginado pela censura como
�decorativo�, come�ou a funcionar de fato. Tanto que, mais
tarde, Abi-Ackel tentou aumentar o n�mero de conselheiros
para garantir o controle do CSC, sem resultado, porque a bancada
anticensura havia se fortalecido. Em 1985, fizemos Roque
Santeiro. Na estreia, dr. Roberto me convidou para assistir
ao cap�tulo na sala dele. Rimos muito com a Regina Duarte e o
Lima Duarte. Depois ele comentou:

� N�o havia mesmo nada a censurar. Cumprimente a todos.
E, discretamente, deixou uma l�grima rolar.
Nesse mesmo ano, tive um almo�o com o presidente Sarney
e com o Marco Maciel. Falei sobre a nossa amarga conviv�ncia
com a censura e mostrei para ele a tremenda burocracia que a
televis�o vivia para liberar as nossas produ��es. Pouco tempo
depois, o presidente Sarney me ligou dizendo que tinha uma


boa not�cia e me perguntou se eu queria ir a Bras�lia ou poderia
ser por telefone.

boa not�cia e me perguntou se eu queria ir a Bras�lia ou poderia
ser por telefone.
Se � boa, d� por telefone mesmo.
� O ministro Fernando Lyra chamou o Coriolano Fagundes
para acabar com o SCDP e assinou hoje uma portaria acabando
com aqueles procedimentos complicados e transferindo a responsabilidade
do que vai ao ar para as emissoras.
No almo�o da diretoria da Globo comuniquei aos companheiros
a not�cia que havia recebido. O Otto Lara lembrou:

� � hora de botar para fora todo o material censurado.
O Daniel Filho, que almo�ava conosco, deu um pulo.
� Roque Santeiro... Vamos fazer o Roque Santeiro.
Mal terminou o almo�o, o Daniel apareceu na minha sala dizendo
que o Dias estava revisando o texto para atualizar a novela
e que ele iria consultar o elenco original para ver quem
gostaria de fazer o papel programado para 1975. Cuoco e Betty
Faria preferiram n�o fazer. O Wilker topou fazer o Roque e a
Regina s� aceitou a vi�va Porcina com a condi��o de fazer alguma
coisa bem diferente. E fez uma Porcina maravilhosa e
inesquec�vel na hist�ria da nossa televis�o. O Lima j� estava
com mil ideias de como melhorar o seu Sinhozinho Malta e inventou
as pulseiras e o jeito de cachorrinho carente. A novela
Roque Santeiro teve seus 36 cap�tulos iniciais revistos pelo
Dias e da� para frente o Aguinaldo Silva assumiu, com a colabora��o
de Marcilio Moraes e Joaquim Assis. A dire��o foi do
Paulo Ubiratan, Jayme Monjardim, Gonzaga Blota e Marcos
Paulo. O sucesso foi total e a novela registrava m�dias de 90%
de audi�ncia. A abertura do Hans Donner, com boias-frias, carros,
caminh�es e motos andando sobre folhas, tamb�m foi um
marco. A trilha musical fez um sucesso t�o grande que a Som
Livre teve que dividir a parte nacional em dois volumes, dis



pensando a trilha internacional. No cap�tulo 163, fui procurado
pelo Dias, que queria fechar a sua obra, dando a ela o destino
que ele havia proposto. Foi dif�cil tir�-la das m�os do Aguinaldo,
que havia acertado em cheio e tinha todo o direito de concluir
o projeto. Como o sofrimento do Dias era muito grande,
contei com a ajuda e a compreens�o do Aguinaldo. Fizemos
uma transi��o a oito m�os, bem r�pida, e o Dias escreveu os
cap�tulos finais. A ideia de parafrasear o final de Casablanca
foi do Daniel Filho, comprada por mim imediatamente. O �ltimo
cap�tulo atingiu, no Rio e em S�o Paulo, um pico de 100%
de participa��o na audi�ncia, fen�meno apenas registrado na
televis�o brasileira por Roque Santeiro e Selva de pedra.

N�o foi f�cil sobreviver � censura. E a Globo foi, pela sua
audi�ncia e penetra��o em todo o Brasil, o ve�culo mais censurado
pela ditadura militar. A censura � uma erva daninha que
cresce mais r�pido que a infla��o. Quando ouvi, em 2011, vinte
e tr�s anos ap�s a Constituinte de 88, que est�o querendo
proibir a campanha da lingerie Hope, com a deslumbrante Gisele
B�ndchen, me perguntei:

� U�, as senhoras da Vila Maria ainda est�o vivas?

Onde h� fuma�a, h� fogo: a sa�


da do Walter Clark


O GRANDE INC�NDIO QUE ATINGIU A TV GLOBO, no Rio, foi em 1976.
O J� Soares estava na emissora ajudando a salvar fitas de videotape,
quando um rep�rter de jornal perguntou a ele:

� Se o senhor fosse o chefe dos bombeiros, o que mandaria tirar
primeiro do pr�dio?
O J� nem pensou:

� O fogo!
O primeiro inc�ndio havia ocorrido em 1971. Tudo come�ou no
est�dio A, onde se localizava o audit�rio, logo depois de uma grava��o
do Moacyr Franco Show. O fogo, de pequenas propor��es, foi
dominado, mas a fuma�a provocou muitos estragos, inclusive com a
interdi��o tempor�ria daquele est�dio e a perda de muitas fitas de videotape.
Walter, Joe e eu est�vamos em S�o Paulo e informei a eles:

� O Rio pegou fogo.
Conseguimos embarcar correndo em um avi�o da Ponte A�rea,
gra�as a gentileza de um comandante que dispensou alguns funcion�rios
da empresa que vinham para o Rio e nos colocou na cabine
de comando. O controle mestre n�o foi atingido e a emissora continuou
no ar, mas tivemos que, provisoriamente, gravar os shows no
Teatro F�nix, na rua Lineu de Paula Machado, adaptando o teatro em
48 horas. Foi o dr. Roberto que conseguiu o F�nix por empr�stimo


e mais tarde a TV Globo acabou comprando o im�vel por press�o
do Joe Wallach. A solu��o do F�nix, que parecia tempor�ria,
acabou durando 24 anos. Nesse per�odo, convivemos com
todas as dificuldades poss�veis e imagin�veis. Para a quantidade
de luz necess�ria para televis�o, o ar-condicionado no palco
e na plateia era prec�rio. N�o t�nhamos salas de ensaios nem de
reuni�es, o que nos obrigou a alugar ou comprar casas em torno
do teatro. Os shows s� sa�ram de l� quando o Projac ficou
pronto, em 1995. Em contrapartida, ganhei, depois de quatro
anos na Globo, o meu primeiro est�dio de tamanho razo�vel:
700 m2. Quando decidimos ficar no F�nix, quebramos a estrutura
de concreto da plateia do est�dio A, nivelando o piso, e o
que servia para programas de audit�rio virou o local de grava��es
das novelas das 20h. Enfim... um est�dio a mais.

Em 1976 foi diferente. Est�vamos todos no Rio. O fogo come�ou
no controle mestre de rede no terceiro andar. No in�cio,
parecia coisa pequena, mas o fogo se alastrou rapidamente para
os andares de baixo, onde ficavam as �reas t�cnicas e as m�quinas
de grava��o e etdi��o. Os coordenadores avisaram imediatamente
os operadores de transmissores no Rio, ordenando
que entrassem em rede com a emissora de S�o Paulo. T�nhamos
sempre, em S�o Paulo, um backup de todos os programas
gravados para separar a rede quando conveniente ou para
emerg�ncias. Assim, n�o ficamos fora do ar nem um segundo.
A Alice-Maria, do jornalismo, partiu para S�o Paulo com os
apresentadores do Jornal Nacional, levando um filme do inc�ndio
para ser revelado l�, de onde o nosso principal telejornal
seria transmitido. Uma opera��o de gente grande que teve
que ser mantida por longo tempo. Convoquei todas as centrais
sob minha responsabilidade e come�amos a nos preparar para
voltar ao ar, direto do Rio. Enquanto isso o Walter Clark fazia


show para a m�dia, comandando o resgate do acervo de fitas
de videotape. Depois do primeiro inc�ndio, temendo um novo
sinistro, n�s hav�amos transformado a portaria principal da rua
Von Martius, no Rio, no arquivo de fitas, o que permitiu salvar
quase tudo o que t�nhamos. O problema era decidir como continuar
operando.

Por sorte, um ano antes hav�amos comprado um pr�dio residencial
na rua Lopes Quintas, 303, atr�s dos est�dios da Globo,
no Jardim Bot�nico, no Rio. Transformado em escrit�rios
da Globo e pintado de prata por Hans Donner, o pr�dio ganhou
o apelido de V�nus Platinada. No mesmo dia do inc�ndio,
arrancamos todos os carros da garagem do V�nus Platinada
e montamos l�, na madrugada, um novo controle mestre e
v�rias ilhas de edi��o. Removemos as m�quinas enfuma�adas
do pr�dio antigo e o Adilson Pontes Malta e sua equipe, com
aux�lio de ultrassom, usado para limpar joias, recuperaram pe�a
por pe�a dos equipamentos. Alguns est�dios ficaram com

o material ac�stico danificado e fomos salvos pelos amigos da
Herbert Richers, que cederam seus est�dios, no bairro da Usina,
para continuarmos a produzir nossos programas. O Herbert
nem quis negociar:
� Venham para c�. Usem tudo o que eu tenho e depois a
gente v� como fica.
Aproveitando as unidades m�veis, voltamos a produzir imediatamente
nos est�dios do Herbert. Com os equipamentos salvos,
passamos a editar no por�o da V�nus e nenhum programa
deixou de ir ao ar. Internamente, cham�vamos a opera��o de
TV Garagem.

O dr. Roberto Marinho quis saber como havia ocorrido
aquele milagre e me pediu um relat�rio, que fiz com c�pia para

o Walter Clark e o Joe Wallach. O Walter, que n�o participou

da opera��o nem tomou conhecimento dela, n�o gostou. No
dia seguinte, promoveu uma missa de A��o de Gra�as por nenhum
funcion�rio ter se ferido. Colocou um comunicado em
todos os quadros de avisos da emissora, ligou para o amigo Arce
e para o Joe, mas n�o ligou para mim. N�o fui � missa e cobrei
dele:

� Walter, por que voc� n�o me convidou para a missa?
� U�, voc� n�o iria. Voc� n�o � cat�lico.
O inc�ndio foi um marco em nosso relacionamento. A partir
dali, o distanciamento entre n�s aumentou e s� nos v�amos formalmente.
Walter tinha alergia � minha forma objetiva de trabalhar.
Em 1971, come�amos a operar em rede on-line e, para
que tudo desse certo, criei uma s�rie de regras operacionais,
pois precis�vamos ser r�gidos com a programa��o. O Walter
n�o concordava muito, mas como vivia ausente da emissora,
tive que implementar as medidas do jeito que era poss�vel na
�poca.

Em 1977, dez anos ap�s eu ter chegado � Globo, o Walter
foi demitido pelo dr. Roberto Marinho, repentinamente. O dr.
Roberto vinha cismando com o comportamento dele dentro e
fora da empresa, principalmente em rela��o ao abuso de �lcool
e, segundo alguns, drogas. Eu tenho uma vis�o muito pessoal
do assunto, mas ela n�o foi devidamente explorada para explicar
esse comportamento do Walter. Para mim, ele foi v�tima
de um temperamento extremamente sens�vel e de uma vaidade
sem limites, que o levaram ao alcoolismo. Essas caracter�sticas
faziam dele uma pessoa fr�gil e o descontrole aumentou com
algumas atitudes da empresa que o feriram muito. Uma delas,
em 1976, foi a troca de afiliados no Paran�. Os militares queriam
liquidar com o Paulo Pimentel e o anular politicamente. Ele
era um excelente afiliado da Globo e um pol�tico liberal que vi



nha conquistando uma lideran�a nacional, o que o transformava
em uma pedra no sapato dos militares. O dr. Roberto cedeu
�s press�es e cancelou o contrato do Paulo Pimentel transferindo
a programa��o da Globo para a TV Paranaense, dos s�cios
Francisco de Melo Cunha e Lemanski. O Walter quis se demitir,
mas o Joe o segurou.

Depois desse epis�dio, o Walter, l� pela hora do almo�o, j�
n�o se apresentava em condi��es de trabalhar. Mas foi em um
jantar em Bras�lia que aconteceu a gota d��gua. O Walter tomou
o maior porre da vida dele e saiu ofendendo os generais,
suas esposas, assessores e pol�ticos, aprontando um verdadeiro
�rebu�. Depois disso, negociou sua sa�da por interm�dio do
Joe Wallach, para que parecesse um pedido de demiss�o e n�o
um bilhete azul. O Otto Lara Resende redigiu duas cartas: uma
do Walter pedindo para sair e outra do dr. Roberto aceitando

o pedido. N�o tive nada a ver com a sa�da do Walter, n�o estava
presente em Bras�lia e nem suspeitava do que estivesse
ocorrendo l�. Quando foi formalizada a demiss�o, o desagrad�vel
foi que o Walter esperava que eu sa�sse com ele, mas
eu n�o podia fazer isso, pois, nesse per�odo, j� havia estabelecido
uma parceria intensa com o Joe Wallach e estava comprometido
com todos companheiros que tirei de outras emissoras
e trouxe para a Globo, como Daniel Filho, Janete Clair,
Dias Gomes, Tarc�sio Meira, Gl�ria Menezes, Regina Duarte,
Francisco Cuoco, S�rgio Cardoso, Mauro Mendon�a, Rosamaria
Murtinho, Ivani Ribeiro, Roberto Carlos, Chico Anysio e J�
Soares, s� para citar alguns. No jornalismo, Armando e eu t�nhamos
constru�do uma s�lida amizade e desenvolv�amos um
trabalho conjunto que crescia a passos largos. Na engenharia,
estavam o Adilson, o Benarroch, o Balthazar, o J�lio Braga e
o Ant�nio Castro Oliveira, todos jogando no mesmo time. Na

comunica��o, o Jo�o Carlos Magaldi e o Gustavo Bragan�a.
Sair, sem ter para onde ir, e largar essa turma, nem pensar. O
que eu poderia tentar era segurar a demiss�o do Walter, e tentei.


Fui � casa do dr. Roberto Marinho, no Cosme Velho, acompanhado
pelo Joe Wallach. Fiz um apelo a ele,
comprometendo-me a intervir na vida do Walter a fim de
control�-lo. O dr. Roberto foi irredut�vel. Sa�mos de l� com a
incumb�ncia de tocar a emissora e de neutralizar qualquer foco
de resist�ncia � sa�da do Walter. N�o houve nenhum. Ao contr�rio
do que o Walter relatou, nem um funcion�rio se preocupou
com isso. Apenas a c�pula da empresa foi � casa do Walter
para dar conforto a ele. Eu fui com o Armando Nogueira e fomos
mal recebidos. Os outros ficaram l�, mas, no dia seguinte,
nem mesmo os seus amigos mais pr�ximos, como o Arce e o
Jos� Octavio, deixaram a empresa.

O Clemente Neto, esse sim, era amigo incondicional do
Walter. Foi meu assistente e me deixou para ir trabalhar na
Bandeirantes junto com o Walter. Na �poca em que o Walter
estava doente e sem dinheiro, o Clemente me colocava em contato
com ele para que eu emprestasse algum recurso ou pagasse
despesas m�dicas.

Eu nunca deixei de reconhecer a import�ncia do Walter na
cria��o da Rede Globo e quero enfatizar que ele foi o ponto de
partida para tudo.

Na verdade, sempre tivemos uma rela��o carinhosa, mas havia
entre n�s um abismo em nossos estilos de vida e de comando.
Os atritos geravam uma fuma�a constante. E onde h� fuma�a,
h� fogo.














Hans Donner, o mago e seu uni


verso


ESSE FOI O T�TULO DO ENREDO DA ESCOLA de samba Mocidade Alegre,
de S�o Paulo, que, em 1997, homenageou o meu amigo Hans Donner.
Mais que um designer, o Hans � realmente um mago. Seus trabalhos
para a televis�o, seus m�veis e a cria��o do revolucion�rio
medidor de tempo chamado Time Dimension revelam um ser humano
especial, sens�vel e com uma vis�o de futuro extraordin�ria.

O Hans � austr�aco e chegou ao Brasil com 26 anos de idade, �
procura de emprego. O fot�grafo David Drew Zingg o apresentou ao
Walter Clark, ent�o diretor geral da Globo, que adorou o trabalho
dele e o contratou. Mas foi um contrato de boca. E boca fechada. O
Walter n�o comunicou a ningu�m nem comentou nada sobre o Hans.
Simplesmente esqueceu-se do assunto. O Hans viajou de volta paraa �ustria e, em um guardanapo do avi�o, j� foi desenhando a marca
que proporia � Globo. Chegando na �ustria, desenvolveu a aplica��o
da nova identidade na papelaria da empresa, nos carros, nas
unidades m�veis, em tudo, enfim, e ficou aguardando os documentos
que nunca chegaram. Em 1975, oito meses depois, retornou ao Brasil
e recorreu ao David para ser novamente recebido e ver o que estava
acontecendo. Embora o David Zigg, em depoimento ao Her�doto
Barbeiro, tenha dito que eu e o Walter hav�amos contratado o Hans,
isso n�o aconteceu. Eu s� vi o trabalho do Hans quando ele voltou.


Para me certificar disso, conferi a hist�ria com o pr�prio Hans.
O Walter me convidou e a mais algumas pessoas para ver o
material na moviola do jornalismo:

Para me certificar disso, conferi a hist�ria com o pr�prio Hans.
O Walter me convidou e a mais algumas pessoas para ver o
material na moviola do jornalismo:
Boni, eu tenho um presente para voc�. Venha ver um trabalho
que voc� vai adorar.
Foi uma grande satisfa��o. O Hans era tudo o que eu precisava
e sonhava. Naquele tempo, nossas marcas e aberturas
eram desenvolvidas dentro da casa, pelo Borjalo, por mim, pelo
Daniel e algumas eram encomendadas ao Ciro Del Nero.
A maioria dos logotipos, no entanto, eram criados pelo Nilton
Nunes, que mais tarde viria a ser o mais importante parceiro
de cria��o do Hans. Na moviola, mostrando seus trabalhos, o
Hans n�o falava uma palavra de portugu�s e estava dizendo a
todos, em ingl�s, que para fazer o que ele estava propondo precisava
de dinheiro para investir em equipamentos. Mencionava
coisas como a filmadora Oxyberry, estranha para o grupo, mas
familiar para mim, uma vez que eu tinha sido s�cio de produtora.
Perguntei para o Hans:

� How much?
Ele n�o tinha or�amentos nem planos, s� ideias. Mas me explicou
tudo o que precisava e foi a partir da� que ficamos amigos.
Concordei, de fato, em contrat�-lo, o que facilitou as coisas
para o Walter, que n�o sabia como lidar com um compromisso
assumido na minha �rea, sem me consultar. Se o Hans
fosse ruim, ter�amos uma encrenca, mas como ele era pra l� de
bom, estava tudo maravilhosamente resolvido. Nosso trabalho
era t�o harmonioso que decid�amos tudo muito rapidamente e,
assim, a Globo, que j� era l�der de audi�ncia havia cinco anos,
passou finalmente a brilhar com a moldura dada pelo Hans ao
nosso conte�do. O casamento entre a Globo e o Hans foi perfeito,
daqueles em que um � feito para o outro. Assim tamb�m


foi o casamento do Hans com o Nilton Nunes. Quando o Hans
ia come�ar, eu disse ao Nilton:

foi o casamento do Hans com o Nilton Nunes. Quando o Hans
ia come�ar, eu disse ao Nilton:
Companheiro, vem a� um gringo que � fera do design. Voc�
aprende tudo o que puder com ele e ensina o que voc� sabe
que � o nosso universo da televis�o.
Os dois viraram unha e carne. Ali�s, o Hans sempre foi pr�digo
em distribuir amizade e ensinamentos. Outra conviv�ncia
enriquecedora foi a do Hans com a Ruth Reis, a pequena Ruth,
gigante do design, � altura do mestre. Al�m da compet�ncia,
sempre me impressionou a emotividade do Hans. Ele � mais
brasileiro que qualquer um de n�s, de cora��o mole, sentimental
e chor�o.

Um dia, fui ao anivers�rio dele, em um s�tio perto do Rio.
Na piscina nadavam os dois filhinhos dele com a Val�ria Valenssa,
nossa eterna Globeleza. O Hans me levou at� a borda e,
falando em paternidade art�stica, disse aos filhos:

� Este � o Boni, o meu pai.
E os garotos, me olhando assustados, perguntaram:
� U�, o vov� n�o tinha morrido?
Mesmo falando um bom portugu�s, o Hans nunca perdeu o
sotaque e isso �s vezes causava alguns mal-entendidos lingu�sticos.
Um dia, a Marluce, chegando � Globo, entrou na minha
sala e perguntou:

� Boni, � verdade que voc� vai fazer uma novela chamada
Porra, amor?
Era Por amor, mas ela havia se encontrado no corredor com

o Hans e, ao perguntar em que ele estava trabalhando, ouviu:
� Na aberturrra de Porrrramor.
Nos primeiros anos, para evitar isso, fal�vamos em ingl�s.
Compramos a sonhada Oxyberry para ele trabalhar. Mas o
grande salto veio mesmo da eletr�nica, quando o nosso enge



nheiro Jos� Dias aproximou o Hans do New York Institute of
Technology. Mais tarde, Dias contratou matem�ticos e programadores
da Pacific Data Image, de S�o Francisco, e o Hans p�de
dar asas � sua f�rtil imagina��o. A import�ncia do Jos� Dias
nessa conquista � muito grande. A partir da�, o Hans foi crescendo.
Seus trabalhos s�o tantos e t�o bons que � dif�cil list�-
los. A come�ar pela marca da Globo e pela cria��o da fonte
tipogr�fica Globoface, adotada como padr�o da empresa. Durante
todo o tempo em que trabalhei com ele, n�o vi nenhum
trabalho bom ou razo�vel. Eram sempre espetaculares e surpreendentes.
Alguns se tornaram mais populares, como a abertura
do Planeta dos homens, em que a bailarina Wilma Dias
sa�a da banana; e outros, mais sofisticados, como toda a s�rie
feita para o Fant�stico, destacando-se aquele em que a Isadora
Ribeiro se revela saindo da �gua. Tamb�m vale lembrar a abertura
de O salvador da p�tria, uma verdadeira obra de arte. Ele
tamb�m imprimiu muito humor �s aberturas, como em Ti-titi;
Viva o Gordo, que mesclava personalidades da �poca com
interfer�ncias do J�; no Chico Anysio Show; em v�rias Copas
do Mundo; nas Olimp�adas; e na novela O dono do mundo, em
que usou cenas de Chaplin em O grande ditador. Isso sem falar
na obra mais simples e perfeita que � o nosso �plim, plim�.

O mundo inteiro j� tirou o chap�u para Hans Donner, considerado
o maior designer da televis�o. Universidades, centros
culturais e ag�ncias de publicidade abriram suas portas para
ver e ouvir o �mago do universo�. Todos n�s da Globo, orgulhosos
dos nossos produtos, temos que agradecer a ele pelo
status que deu � nossa emissora e � nossa produ��o.


Novela ou novelo? As �25 mais�


UM DIA PERGUNTARAM � JANETE CLAIR o que era novela. Ela n�o titubeou:


� Novela, como o pr�prio nome diz, � um novelo que vai se desenrolando
aos poucos.
Tempos depois, jantando com o Gilberto Braga no restaurante Daniel,
em Nova York, eu o apresentei ao chef Daniel Boulud:

� Mon ami, Gilberto Braga, est un grand auteur br�silien.
Mas o Gilberto n�o gostou e corrigiu:
� Pardon. Moi, je ne suis pas un auteur. Je suis simplement un
�crivain de feuilleton.
Mesmo sendo autor de obras como Anos dourados e Anos rebeldes,
entendi que o Gilberto quis se definir como autor de folhetim.
Outro fato curioso aconteceu com o Aguinaldo Silva quando escrevia
Tieta. Uma senhora o acusou de plagiar uma ideia sua: a de
ter uma novela dentro da novela, como acontecia com as �rolinhas�
do coronel Artur da Tapitanga, para quem, todos os dias, a �rolinha�
Imaculada contava uma hist�ria, em cap�tulos, criando um suspense
para o dia seguinte. O Aguinaldo morreu de rir e argumentou:

� Olha, minha senhora, eu tamb�m li As mil e uma noites.
Talvez a hist�ria contada por Sherazade para o sult�o Shariar, em
forma de cap�tulos di�rios, possa ser considerada como a primeira
forma de novela em todo o mundo. No Brasil, a novela di�ria surgiu
primeiro no r�dio, e em 1963 apareceu na televis�o, quando Edson


Leite lan�ou 2-5499 ocupado. No entanto, foi O direito de nascer
que consolidou definitivamente o g�nero na televis�o e Beto
Rockfeller que trouxe a novela para a nossa realidade. Mas
a novela brasileira como � conhecida hoje nasceu e foi se aprimorando
na TV Globo. A abund�ncia de cenas externas, a din�mica,
a interpreta��o naturalista, as hist�rias paralelas, o ritmo
de edi��o, as trilhas sonoras modernas e as aberturas criativas
modificaram totalmente o �produto novela�, concedendo-
lhe nobreza e espetaculosidade.

Para que se consiga diluir os investimentos em cen�rios, figurinos,
elenco e outros custos diretos e indiretos de produ��o,
uma novela precisa ficar no ar por aproximadamente 180 cap�tulos,
ou seja, cerca de sete a oito meses. Retirar uma novela do
ar � arcar com um preju�zo imenso, al�m da consequente correria
para que se produza uma substituta. Por isso, o processo decis�rio
� lento e sofrido. Quando nos livramos das imposi��es
da Gl�ria Magadan, come�amos a abrir o c�rculo de discuss�es
sobre o que produzir. Inicialmente, o Daniel Filho, o Borjalo, a
Janete e eu discut�amos as ideias que os autores entregavam ao
Daniel, ent�o chefe do departamento. Extraoficialmente, sempre
gostei de ouvir opini�es diversas dentro da casa, como, por
exemplo, do Durval Hon�rio e do Paulo Ubiratan. Ao chegar
� Globo, o M�rio L�cio Vaz passou a fazer parte desse grupo.
Em uma segunda etapa, com a contrata��o de Homero Icaza
S�nchez para o cargo de analista de pesquisas, passamos a contar
com leitores que treinamos e, pela primeira vez, t�nhamos
relat�rios oficiais do departamento de pesquisas sobre as chances
de sucesso de cada uma das propostas analisadas. Houve
uma �poca que, por sugest�o do Dias Gomes, criamos um grupo
de autores que deveria ler e opinar sobre novelas e os reu



nimos na �Casa de cria��o Janete Clair�, mas essa tentativa de
produzir textos coletivamente n�o deu certo.

nimos na �Casa de cria��o Janete Clair�, mas essa tentativa de
produzir textos coletivamente n�o deu certo.
des
acompanham cada uma das produ��es selecionadas.

HOR�RIO DAS 18h:

1. Escrava Isaura (1976 � Gilberto Braga)
� A novela foi um sucesso no Brasil e incrementou as vendas
da Globo em todo o mundo. Na Pol�nia, a emissora local fez
um concurso para encontrar s�sias de Luc�lia Santos e Rubens
de Falco. Apareceram 8 mil candidatos. Em Cuba, na hora
da Escrava Isaura, Fidel Castro teve que suspender o racionamento
de luz para o pa�s assistir � novela. Na China, Luc�lia
Santos recebeu o trof�u de melhor atriz, concedido pela
primeira vez a uma personalidade estrangeira.
2. Mulheres de areia (1993 � Ivani Ribeiro)
� Em 1973, a novela Mulheres de areia foi apresentada pela
primeira vez na TV Tupi. Vinte anos depois, foi novamente
produzida, pela Globo, incluindo o texto de Espantalho, da
mesma autora. Gl�ria Pires interpretou as g�meas Ruth e Raquel,
que na Tupi foram vividas por Eva Wilma. Na R�ssia,
era t�o popular que o presidente Boris Yeltsin programou o �ltimo
cap�tulo para o dia das elei��es, a fim de impedir que os
eleitores viajassem, for�ando-os a ficar em Moscou para votar.

3. 3.
� O tema da insemina��o artificial fervia no mundo. Pedi �
Gl�ria Perez para fazer uma novela sobre esse assunto. Ela deu
um show ao pedir consultoria a tr�s ju�zes para dar embasamento
� quest�o jur�dica entre o casal e a m�e biol�gica. Utilizou,
tamb�m, o Centro de Reprodu��o Humana, introduzindo
elementos real�sticos nunca usados no hor�rio.
4. A gata comeu (1985 � Ivani Ribeiro com a colabora��o
de Marilu Saldanha)
� Os textos sempre criativos e consistentes da Ivani Ribeiro
davam bons remakes e, na verdade, foram os �nicos que nunca
deram errado. A gata comeu foi o t�tulo que dei para a nova
vers�o de O Barba Azul, feita na TV Tupi em 1974. A novela
foi o ponto alto da com�dia rom�ntica e teve, em m�dia, 52
pontos de audi�ncia e cerca de 75% de share.
5. Para�so (1982 � Benedito Ruy Barbosa)
� A hist�ria da paix�o entre o Filho do Diabo e Santinha.
Uma cidade inteira acredita que o �coisa ruim�, preso numa
garrafinha, concede poderes extraordin�rios ao pai do gal�. O
diabinho da garrafa voltaria mais tarde em Renascer. Destaque
para Elo�sa Mafalda vivendo uma beata fan�tica.
HOR�RIO DAS 19h:

1. Guerra dos sexos (1983 � Silvio de Abreu)
� A novela de Silvio de Abreu foi escrita com a colabora��o
de Carlos Lombardi, que, mais tarde, viria renovar a linguagem
das telenovelas. Guerra dos sexos modificou totalmente o estilo
das 19h e a considero um marco importante no g�nero.

Dentre outros atores, estavam no elenco: Fernanda Montenegro,
Paulo Autran, Gl�ria Menezes e Tarc�sio Meira.

2.
A viagem (1994 � Ivani Ribeiro)
� A novela A viagem foi inicialmente produzida pela TV Tupi,
em 1975. Quase vinte anos depois notamos que o tema � o
espiritismo � estava ainda muito atual e achamos que despertaria
grande interesse no p�blico. Era um tema ousado, com ambienta��es
que poderiam ficar rid�culas, o que exigiu cuidados
especiais do diretor Wolf Maya. O C�u foi ambientado em um
buc�lico campo de golfe e o Vale dos suicidas em uma pedreira
desativada. A novela registrou o maior ibope em todos os
tempos.
3.
Que rei sou eu? (1989 � Cassiano Gabus Mendes)
� Em 1977, pedi ao Daniel Filho que sondasse o Cassiano
Gabus Mendes sobre a possibilidade de ele escrever uma novela
para o hor�rio das 20h. O Cassiano prop�s um �capa e espada�,
engra�ado e tamb�m uma chanchada pol�tica. N�o topei
por dois motivos: Roque Santeiro tinha sido proibido e uma
com�dia chanchada �s 20h seria uma temeridade. Em 1988, o
Cassiano voltou � carga. Aproveitando a extin��o da censura,
resolvi arriscar. Quando li a sinopse liguei para ele exultante:
� Adorei. Quero dar o t�tulo para a sua novela e j� tenho a
letra da m�sica de abertura. Vamos cham�-la de Que rei sou
eu? Topa?
� Maravilha. Vamos nessa.
Com o Grupo Luni, fiz um rap para a abertura chamado
�Rap do rei�.


Vale mencionar os figurinos de Marco Aur�lio e a constru��o
da cidade de Avilan, onde hoje � o Projac, feita por M�rio
Monteiro, Alfredo Pereira e Luiz Ant�nio Caliguri.

4. Pigmali�o 70 (1970 � Vicente Sesso)
� Incluo Pigmali�o 70 na lista pelos seguintes motivos: foi
a primeira com�dia rom�ntica do hor�rio, o primeiro grande
acerto do S�rgio Cardoso na Globo, e a estreia de Susana Vieira.
A Betty Faria foi premiada por seu desempenho como Sandra.
O Silvio Santos interpretou o papel dele mesmo, em uma
apari��o especial. O corte de cabelo da T�nia Carrero virou
moda em todos os sal�es de beleza do pa�s, sendo batizado de
�corte Pigmali�o�.
5. Um sonho a mais (1985 � Daniel M�s e depois Lauro Cesar
Muniz)
� A novela come�ou mal, mas acabou batendo recordes de
audi�ncia quando o Lauro C�sar Muniz assumiu o comando.
O extraordin�rio Ney Latorraca se divertiu fazendo o personagem
Volpone, inspirado na pe�a hom�nima do autor ingl�s
Ben Jonson, contempor�neo de Shakespeare. Volpone vem ao
Brasil disfar�ado de moribundo, fingindo ter uma doen�a contagiosa
que o obriga a viver em uma bolha de pl�stico. Ele tenta
esclarecer o assassinato de seu sogro, do qual � o principal
suspeito. Para despistar os inimigos, o personagem faz uso dos
mais variados disfarces, o que permitiu a Ney Latorraca mostrar
toda sua versatilidade como ator.
HOR�RIO DAS 20h:

1. Roque Santeiro (1985 � Dias Gomes e Aguinaldo Silva)

� �
cia
da hist�ria das telenovelas, mantendo uma m�dia de 67%
do primeiro ao �ltimo cap�tulo, que deu picos de 100%. E olha
que estamos falando de �ndice de audi�ncia e n�o de participa��o
(share). Bons tempos.
2.
Irm�os Coragem (1970 � Janete Clair)
� Foi a novela que projetou a Globo nacionalmente, permitindo
que a emissora, a partir de ent�o, mantivesse o dom�nio
total da televis�o brasileira. Janete misturou aventura, pol�tica,
problemas sociais e futebol, levando, pela primeira vez, o
p�blico masculino a ver novelas. Foi nessa �poca que assistir
a novelas se tornou um h�bito comum independente de sexo,
idade, classe econ�mica e cultura, como � at� hoje. A produ��o
teve 328 cap�tulos e foi a segunda mais longa da Globo.
3.
Selva de pedra (1972 � Janete Clair)
�Texto baseado na obra An American Tragedy, de Theodore
Dreiser. Daniel Filho e eu sentimos desde o primeiro minuto
que seria um sucesso. A novela marcou o encontro entre Francisco
Cuoco (Cristiano) e Regina Duarte (Simone), que, apaixonados
pelos seus personagens, se entregaram de corpo e alma
� interpreta��o. A antagonista Fernanda, vivida pela Dina
Sfat marcou um dos melhores momentos da teledramaturgia e
mexeu com todo o pa�s. A novela registrou as estreias de Kadu
Moliterno e de Gl�ria Pires � filha do genial comediante
Antonio Carlos Pires �, com apenas 8 anos de idade. O g�nio
Walter Avancini assumiu a novela e, no cap�tulo 152, conseguiu
registrar pela primeira vez picos de 100% de audi�ncia na

televis�o. Em 1975, um compacto de Selva de pedra foi reprisado
devido � proibi��o de Roque Santeiro, e segurou a audi�ncia
como se fosse uma produ��o in�dita. Em 1986, no remake
com Tony Ramos e Fernanda Torres, o sucesso se repetiu.

4.
Pecado capital (1975 � Janete Clair)
� Com a censura � novela Roque Santeiro, chamamos a Janete
�s pressas, para escrever uma hist�ria usando o elenco que
tinha ficado dispon�vel. Ela estava escrevendo Bravo, que entregou
para seu assistente, Gilberto Braga, embora continuasse
a supervisionar o texto enquanto escrevia a nova novela. O Daniel
Filho, ao receber a sinopse, me procurou acabrunhado:
� N�o d�, Boni, � outra Selva de pedra, com o mesmo Cuoco
e a Betty Faria vai fazer o que est� fazendo a Regina Duarte.
E o pior � que isso est� no ar.
A proposta da Janete chamava-se O medo e, embora bem estruturada,
era exatamente o que o Daniel dizia. N�o t�nhamos
outra alternativa e dei uma empurrada nele:

� Mexe nisso. Vira tudo de cabe�a para baixo. Voc� sabe fazer.
Ele estava triste, mas no dia seguinte voltou alegrinho:

� Encontrei a solu��o. Vou fazer um Carl�o sacana e n�o
bonzinho como a Janete escreveu. E vou fazer uma Lucinha
meio moleque, meio louquinha.
Essa jogada do Daniel deu uma virada t�o espetacular em
Pecado capital que a novela se tornou um dos maiores sucessos
da Globo.

5.
Dancin� days (1978 � Gilberto Braga)
� Est�vamos trabalhando em uma proposta da Janete Clair
chamada A prisioneira, que seria escrita pelo Gilberto Braga e

teria um restaurante de luxo como um dos principais ambientes.
O filme Saturday Night Fever havia sido lan�ado em Nova
York e decidimos que uma discoteca entraria no lugar do restaurante.
Naquele momento, come�ava a fazer sucesso no Rio

o grupo As Fren�ticas, criado pelo Nelson Motta, que montou
um disco club chamado Frenetic Dancing Days. O Daniel me
procurou para pensarmos em algum nome que lembrasse esse
t�tulo, mas em portugu�s, temendo que o grande p�blico rejeitasse
o uso de um idioma estrangeiro. Sugeri que fosse em ingl�s
mesmo, apenas reduzindo a palavra dancing � pois poderia
ser pronunciada erradamente como �danc�ngui� �, e ficou
Dancin� days. As roupas criadas por Mar�lia Carneiro e as meias
coloridas de S�nia Braga viraram coqueluche na �poca.
6.Tieta (1989 � Aguinaldo Silva, com a colabora��o de Ana
Maria Moretzsohn e Ricardo Linhares)

� Baseada no livro Tieta do Agreste, de Jorge Amado. O curioso
dessa novela � que os direitos autorais para televis�o haviam
sido adquiridos pela Betty Faria, apaixonada pelo personagem.
Foi um sucesso estrondoso. Na abertura, Hans Donner
� auxiliado pela computa��o gr�fica do Jos� Dias � fez com
que folhas, �rvores e pedras se retorcessem at� virar o corpo de
Isadora Ribeiro. Assim que ficaram prontos os primeiros cap�tulos,
o diretor Paulo Ubiratan me chamou entusiasmado: �Boni,
� s� colocar no ar e correr para o abra�o.�
7.
Vale tudo (1988 � Gilberto Braga, Aguinaldo Silva e Leonor
Bass�res)
� Est�vamos comemorando o fim da censura pr�via. Pela
primeira vez, a teledramaturgia foi fundo ao tratar de problemas
de car�ter, honestidade, ambi��o, alcoolismo, cigarro e

homossexualismo feminino. A Gl�ria Pires viveu uma Maria
de F�tima com tanta realidade que tive medo que ficasse presa
ao tipo, mas ela, com sua compet�ncia, tirou isso de letra. Raquel,
a m�e, vivida por Regina Duarte, era a s�ntese do sofrimento
e da perplexidade. Regina, vendendo sandu�ches na
praia, era inacredit�vel. A Beatriz Segall, a certa altura, tomou
conta da trama e a morte de seu personagem fez todo o pa�s
perguntar: �Quem matou Odette Roitman?�

8.
O astro (1977 � Janete Clair)
� Novela baseada na hist�ria real do ministro do bem-estar
da Argentina, Luiz Lopez Rega, um bruxo que teve muita influ�ncia
sobre o presidente Per�n. Cuoco assumiu completamente
o Herculano Quintanilha. O turbante, caracter�stica do
personagem, foi ideia do Daniel Filho, que improvisou, cortando
a barra da cal�a de um figurante e armando o turbante
com agulhas. Ficou horr�vel. Quando vi, odiei. Mas o Daniel
n�o me contou que era obra dele e tentou me vender que o turbante
era malfeito de prop�sito. N�o engoli, mandei fazer um
novo e regravar tudo. Com o suspense �Quem matou Salom�o
Ayala?�, O astro parou o pa�s e mereceu at� um coment�rio
do Carlos Drummond de Andrade, em sua coluna no Jornal do
Brasil: �Agora que O astro acabou vamos cuidar da vida, que
o Brasil est� l� fora esperando.�
9.
Renascer (1993 � Benedito Ruy Barbosa, com a colabora��o
de Edimara e Edilene Barbosa)
� Novela bem estruturada pelo Benedito, com uma primeira
fase primorosa e dirigida com maestria pelo Luiz Fernando
Carvalho. O in�cio era t�o forte que tivemos que reduzir o n�mero
de cap�tulos, pois haveria possibilidade de rejei��o da

segunda parte da novela. Fernanda Montenegro fez uma bel�ssima
participa��o especial com sua Jacutinga, e Maria Luisa
Mendon�a � a hermafrodita Buba � deu ao seu personagem
uma for�a incomum. Renascer marcou a volta de Benedito
Ruy Barbosa � Globo, de onde havia sa�do para fazer Pantanal,
na TV Manchete. O Herval Rossano tinha convencido o
Daniel Filho de que era imposs�vel produzir a hist�ria devido
�s enchentes da �poca e aos custos elevados de produ��o, mas
a Manchete decidiu arriscar e obteve um grande �xito.

10. A pr�xima v�tima (1995 � Silvio de Abreu, com a colabora��o
de Maria Adelaide Amaral e Alcides Nogueira)
� O Silvio de Abreu deitou e rolou. A novela � um plot policial
recheado de paix�es, trai��es, casamentos entre diferentes
classes e idades, rela��es homossexuais, discuss�o sobre preconceito
racial, tudo inserido em uma caixa de surpresas sobre
quem seria a pr�xima v�tima e com uma interroga��o maior:
�Quem � o assassino?� Essa revela��o foi feita na �ltima hora,
com tr�s desfechos gravados pouco antes da novela ser transmitida.
A pr�xima v�tima teve a dire��o do Jorge Fernando.
HOR�RIO DAS 22h

1. O Bem-Amado (1973 � Dias Gomes)
� Primeira novela em cores da televis�o brasileira. A hist�ria
se baseava em um fato acontecido no Esp�rito Santo, onde um
candidato se elegeu prefeito com a promessa de construir o cemit�rio
da cidade � que enterrava seus mortos na cidade vizinha.
Dias Gomes transformou a cidade de Sucupira em microcosmo
do Brasil. Personagens inesquec�veis desfilaram por l�.

2.
Gabriela (1975 � Walter George Durst)
� A novela, baseada no livro Gabriela, cravo e canela, de
Jorge Amado, foi proposta pelo Walter Avancini, que deu �
produ��o um ritmo e um tempo diferente do que se via na televis�o
e, ao mesmo tempo, extraiu do elenco representa��es
que se tornaram hist�ricas. A escolha da atriz para viver a personagem
principal era nossa maior preocupa��o. Quebramos a
cabe�a muito tempo at� que o Daniel Filho sugeriu o nome da
S�nia Braga. Muita gente a achava clara demais, mas o Jorge
Amado, por telefone, me disse que Gabriela chegou em Ilh�us
como retirante do nordeste e que, na cabe�a dele, era uma mesti�a.
Perguntei ao Jorge se ele receberia a S�nia Braga e ela foi
at� Salvador com o Edwaldo Pacote. De l�, me telefonaram e
colocaram o Jorge Amado na linha: �A S�nia est� aprovada.
Aprovad�ssima.�
Em Gabriela eu tive uma pequena dificuldade com o Avancini.
Ele contratou um professor de pros�dia para ensinar o
elenco falar �baian�s�. Fui contra e lembrei a ele que Elizabeth
Taylor, em Cle�patra, n�o falava �eg�pcio� e nem tinha qualquer
acento, assim como outros autores em centenas de filmes.
O limite que eu aceitaria seria a sonoridade do falar baiano. Ele
me retrucou dizendo que a Bahia ia chiar. Disse a ele: �N�o estamos
fazendo Gabriela s� para a Bahia, mas para o Brasil.�

3.
Bandeira 2 (1971� Dias Gomes)
� A dire��o foi de Daniel Filho e depois de Walter Campos.
A novela contava a hist�ria da disputa dos pontos de bicho, nos
sub�rbios cariocas. Inicialmente, Tuc�o seria vivido por S�rgio
Cardoso. Quando o S�rgio chegou de Portugal, foi me visitar
com uma caracteriza��o de bicheiro, que ele mesmo imaginara.
Um rid�culo sem limites. Convidei-o para almo�ar e falei

que era melhor pensarmos bem sobre a hip�tese de ele fazer
esse papel, deixando o assunto em aberto. Foi a minha salva��o.
Depois do almo�o, o Daniel e o Dias foram me dizer que
queriam o Paulo Gracindo para o Tuc�o e que seria imposs�vel
fazer a novela com o S�rgio Cardoso. Estavam preparados para
pedir demiss�o se eu insistisse no S�rgio. Mas como j� haviaresolvido o problema, concordei: ��timo. O Paulo � perfeito.�
Eles se entreolharam e foram embora felizes.

Em Bandeira 2 a censura perseguiu o Dias do come�o ao
fim e acabou exigindo a morte de Tuc�o, que n�s negociamos,
empurrando para o �ltimo cap�tulo. O jornal popular Luta Democr�tica
publicou uma manchete de primeira p�gina que dizia:
�Morre Tuc�o.� Espalhou-se pela cidade um boato de que
Paulo Gracindo havia morrido. Na hora da grava��o do enterro
fict�cio, compareceram, espontaneamente, mais de mil pessoas,
que se acotovelaram no cemit�rio junto com atores e figurantes.
A sepultura do Tuc�o era de n�mero 66. No dia seguinte,
por coincid�ncia, no jogo do bicho deu �macaco� na cabe�a.


4.
Saramandaia (1976 � Dias Gomes)
� Incurs�o do Dias Gomes no chamado realismo fant�stico
de Arturo Pietri e Gabriel Garc�a M�rquez. Havia certo receio
por parte da equipe porque a produ��o era complicada, mas bati
o martelo. A trama era baseada na disputa para a troca de
nome do vilarejo Bole-Bole, no interior da Bahia. Inconformados
com o nome, alguns queriam mudar para Saramandaia, e
um plebiscito foi convocado para se chegar a uma decis�o. O
coronel Zico Rosado (Castro Gonzaga) vivia com um len�o no
nariz, de onde sa�am formigas de forma abundante; Dona Redonda
(Wilza Carla) explodiu de tanto comer; Marcina (S�nia

Braga) era t�o fogosa que o calor de seu corpo provocava inc�ndios
reais; Prof. Arist�bulo (Ary Fontoura) se transformava
em lobisomem nas noites de quinta para sexta-feira e seu Cazuza
(Rafael de Carvalho), quando emocionado, ficava, literalmente,
com o �cora��o na boca�. No final, Jo�o Gib�o (Juca de
Oliveira) voava ap�s um discurso sobre liberdade, que passou
despercebido pela censura. A dire��o de arte e os figurinos de
Kalma Murtinho foram inovadores e criativos.

5.
Os ossos do bar�o (1973 � Jorge Andrade)
� A novela era a fus�o de duas obras teatrais de Jorge Andrade:
A escada e Os ossos do bar�o. Narrava a decad�ncia
da aristocracia rural paulista � abalada pela crise econ�mica de
1929 � e a ascens�o socioecon�mica dos imigrantes, devido ao
progresso industrial do estado. As atua��es de Paulo Gracindo
� como o bar�o falido � e de Lima Duarte � como o industrial
bem-sucedido � foram brilhantes e de uma profundidade como
n�o se v� mais nas produ��es atuais. Havia um clima permanente
de ternura que se contrapunha � amargura. O curioso
nessa hist�ria � que o Otello Zeloni interpretou, com sucesso,
o papel do industrial italiano no teatro. O Jorge Andrade queria
que ele tamb�m fizesse o papel na televis�o, mas ele n�o estava
bem e faleceu no decorrer da novela.
Bem, a� est�o as minhas �25 mais�, de 1967 a 1998. Participei
intensamente de todas as novelas que produzimos e senti
deixar de fora dessa sele��o algumas obras como O Cafona e
O Rebu, de Br�ulio Pedroso; O salvador da p�tria, de Lauro
Cesar Muniz, onde a Mait� Proen�a estava no auge; Baila comigo,
do Manoel Carlos, com o show do Tony Ramos vivendo
os g�meos id�nticos; e Hist�ria de amor, do mesmo Maneco.


Gosto muito de uma obra do Dias que n�o deu para incluir: O
espig�o. At� hoje, todo grande pr�dio que surge � chamado de
�espig�o� e quem batizou a novela com esse nome foi o arquiteto
Marcos Vasconcelos. Se escolher 25 novelas � dif�cil,
imagine fazer a listagem de todos os que contribu�ram para que
a telenovela brasileira se tornasse uma refer�ncia na televis�o
mundial. Mas os principais art�fices aparecem em quase todos
os cap�tulos deste livro.

Al�m dos autores, atores e atrizes, tiveram um papel de destaque
na hist�ria das novelas da Globo: Daniel Filho, Borja-
lo, M�rio L�cio Vaz, Walter Avancini, Paulo Ubiratan, Roberto
Talma, R�gis Cardoso, Wolf Maya, Dennis Carvalho, Jorge
Fernando, Marcos Paulo e Ricardo Waddington. E � evidente
que houve uma grande contribui��o dos diretores, como
Luis Fernando de Carvalho, Reynaldo Boury, Gonzaga Blota,
Milton Gon�alves, Herval Rossano, Jos� Carlos Pieri, Carlos
Magalh�es, Fl�vio Collatrelo, Ign�cio Coqueiro, Rog�rio
Gomes, Alexandre Avancini, Mauro Mendon�a Filho, Marcelo
Travesso, Maur�cio Farias, Marcos Schechtman e o primeiro
diretor de novelas da Globo, Henrique Martins. Os produtores
que mais atuaram, de acordo com a minha mem�ria, foram:
Ruy Mattos, Ary Grandinetti, Eduardo Figueira, Moacyr
Deriqu�m, C�sar Lino, Italo Granato, Mariano Gatti, Cerqueira
Leite, Antonio Chaves, Evaldo Lemos, Jos� Roberto Sanseverino
e Manoel Martins, hoje diretor de entretenimento da Rede
Globo.

Uma curiosidade envolve a transmiss�o de novelas aos s�bados.
Inicialmente elas eram diurnas e com a frequ�ncia de
tr�s vezes por semana. A novela de segunda a sexta come�ou
na Excelsior em 1963 e a novela de segunda a s�bado foi lan�ada
na Globo. N�o por estrat�gia, mas para resolver problemas


na cobertura do carnaval. Em 1971, no dia 21 de fevereiro, um
domingo, caiu um temporal de ver�o no Rio e os enlaces de
transmiss�o da Globo come�aram a pifar. Eu era diretor de TV
da transmiss�o geral do carnaval, estava no morro do Sumar�
e cortava, de l�, para todas as atra��es que t�nhamos. Pass�vamos
no Sumar� de dois a tr�s dias, direto. O operador de c�mera
Helmar S�rgio mostrava tomadas diurnas da cidade l� do
alto, mas � noite e chovendo era imposs�vel. A chuva aumentou.
Ca�am raios por todos os lados e foram saindo do ar todos
os nossos pontos de transmiss�o, um a um. S� ficou a avenida
Presidente Vargas e havia uma expectativa para a entrada
do Salgueiro, que trazia o enredo �Festa para um rei negro�,
assinado pelos quatro maiores carnavalescos da hist�ria: Pamplona,
Maria Augusta, Arlindo Rodrigues e Jo�osinho Trinta.
S� restava o est�dio do Jardim Bot�nico e a Presidente Vargas.
Repentinamente o �Globossauro� da TV Paulista, um carro
antigo que fazia a transmiss�o, pegou fogo e n�o havia nada
no est�dio que pudesse ser exibido at� que o problema fosse
sanado. Embora fosse domingo, mandei colocar no ar o cap�tulo
in�dito de segunda-feira da novela Irm�os Coragem. No
dia seguinte, ao receber o ibope, vimos que as transmiss�es do
carnaval estavam dando 18 pontos de audi�ncia e quando a novela
entrou no ar, mesmo sem promo��o, come�amos a crescer
e chegamos a 60 pontos. Conclu� que se a novela funcionava
no domingo, funcionaria tamb�m no s�bado. E a partir da� as
novelas das 18h, das 19h e das 20h passaram a ser transmitidas
tamb�m aos s�bados.

� claro que poder�amos contar mais hist�rias sobre as novelas,
lembrar de v�rias outras produ��es e fazer justi�a a in�meros
profissionais que n�o foram citados, mas isso � tarefa para
um livro inteiro s� sobre o assunto, e Mauro Alencar j� fez isso


muito bem em seu livro A Hollywood brasileira � panorama
da telenovela no Brasil.












































a
Moreira em Que rei sou eu?










































Os anos dourados das miniss�


ries


DE TODAS AS MINISS�RIES produzidas na Globo, na minha gest�o, escolhi
dez. Elas est�o apresentadas pela ordem de import�ncia, segundo
a minha opini�o:

1. Anos dourados
1986 � Gilberto Braga

� Passada na Tijuca, no Rio de Janeiro, conta a hist�ria de amor
entre uma normalista e um �cachorrinho matriculado�, como eram
chamados os estudantes do Col�gio Militar. Ambientada no final dos
anos 1950, durante o governo Juscelino Kubitschek, per�odo em que
o Brasil vivia um clima de esperan�a e euforia. Al�m da Malu Mader
e do Felipe Camargo, o elenco contou com Betty Faria, N�vea Maria,
Jos� de Abreu e Taumaturgo Ferreira � no papel de um paquerador
inspirado no ator James Dean. A trilha sonora foi montada pelo Gilberto
Braga e pelo Paulo C�sar Saraceni para ser usada valorizando
as situa��es sem pertencer especificamente a um personagem, como
era de costume. A dire��o geral foi de Roberto Talma.
2. Anos rebeldes
1992 � Gilberto Braga, com a colabora��o de S�rgio Marques


� �
gir
do pa�s, marcou a miniss�rie. Por coincid�ncia, durante a
exibi��o de Anos rebeldes, ocorreram as manifesta��es de rua
pelos �caras pintadas� exigindo o impeachment de Fernando
Collor. Os protestos dos estudantes contra o regime ditatorial,
em Anos rebeldes, ajudaram a engrossar essas manifesta��es
de rua. A miniss�rie foi dirigida por Dennis Carvalho, Silvio
Tendler e Ivan Zettel.
3.
O tempo e o vento
1985 � Doc Comparato e Regina Braga (Baseada na trilogia
O continente, de �rico Ver�ssimo)

� O tempo e o vento conta a epopeia da forma��o do estado
do Rio Grande do Sul. As externas foram feitas em uma monumental
cidade cenogr�fica constru�da por M�rio Monteiro,
seguindo � risca a descri��o de �rico Ver�ssimo. As cenas de
campo e de batalha foram gravadas em fazendas do Rio Grande
do Sul. O roteiro do Doc era perfeito e a dire��o de Paulo
Jos�, Denise Saraceni e Walter Campos completou com brilhoa obra de �rico Ver�ssimo.
4.
Anarquistas, gra�as a Deus
1984 � Walter George Durst

� Baseada no livro hom�nimo de Z�lia Gattai, esposa de Jorge
Amado, a miniss�rie se passa nos anos 1920 e relata a chegada
dos imigrantes italianos a S�o Paulo depois da Primeira
Guerra Mundial. Foi enriquecida com fragmentos de filmes ca

seiros da �poca, alguns nacionais e outros vindos da It�lia. Um
dos pontos altos eram os carros de �poca que foram conseguidos
para a grava��o. Anarquistas, gra�as a Deus seria uma novela
das 18h, mas, ao ler os textos, vimos que havia uma hist�ria
central e decidimos transform�-la em miniss�rie das 22h.
Na �poca, a produ��o alavancou as vendas do livro de Z�lia
Gattai, que foram multiplicadas em 15 vezes. Anarquistas foi
dirigida por Walter Avancini, Hugo Barreto e Silvio Francisco,
com dire��o de arte de Lila B�scoli.

5.
Engra�adinha, seus amores e seus pecados
1995 � Adapta��o da obra de Nelson Rodrigues, por Leopoldo
Serran, com a colabora��o de Carlos Gerbase

� O Carlos Manga, na �poca, era o respons�vel pela �rea
de miniss�ries e me prop�s realizar a Engra�adinha. Disse a
ele: �N�o d�, Manga, Nelson Rodrigues n�o d�. Ou vai ficar
mutilado ou vamos ter problemas�. Mas ele insistiu: �Eu garanto.
Fa�o forte, mas dentro de limites. Cada cena que eu tiver
receio, trago para voc� ver.� E assim foi feito. Sem qualquer
problema. Entre os testes apresentados pelo Manga, escolhi
a Alessandra Negrini para fazer a �Engra�adinha� jovem.
O elenco, encabe�ado pela Cl�udia Raia, esteve perfeito, e a
dire��o de Denise Saraceni e Johnny Jardim, com produ��o e
supervis�o de Carlos Manga, conseguiu dar a todo o elenco um
tom s�brio e firme que deu profundidade � interpreta��o.
6.
O primo Bas�lio
1988 � Gilberto Braga e Leonor Bass�res

� Baseado no romance de E�a de Queir�s, a miniss�rie se
passa em Lisboa, no final do s�culo XIX. O dr. Roberto Marinho,
que conhecia o romance de frente para tr�s e de tr�s para

frente, nos chamou � Daniel Filho e eu � � sala dele: �Daniel,
isso � muito forte para a televis�o. Tem cenas perigosas comoa de uma �suc��o vaginal�. � preciso muito cuidado.�

frente, nos chamou � Daniel Filho e eu � � sala dele: �Daniel,
isso � muito forte para a televis�o. Tem cenas perigosas comoa de uma �suc��o vaginal�. � preciso muito cuidado.�
tica
para a televis�o, sem cortar nada do original. Para mim, o
Tony Ramos, reagindo com sofrimento e perplexidade ao descobrir
que sua amada esposa Lu�sa (Giulia Gam) o traiu com

o primo Bas�lio (Marcos Paulo), fez a mais perfeita cena de
introspec��o que eu j� vi na televis�o. Os cen�rios de M�rio
Monteiro, os figurinos de Beth Filipecki e a dire��o de arte de
Cristina M�dicis foram perfeitos.
7.
Grande Sert�o: Veredas
1985 � Walter George Durst

� Uma obra-prima a adapta��o de Durst, com roteiro final
e dire��o de Walter Avancini, para o livro de Jo�o Guimar�es
Rosa. Para dar realidade � vers�o televisiva, o Avancini localizou
um vilarejo no interior de Minas chamado Pared�o de Minas
e levou para l� uma equipe de trezentos profissionais envolvidos
na produ��o. Todas as cenas foram gravadas em loca��o.
Zero de est�dio. O drama pungente de Riobaldo, vivido
por Tony Ramos, se arrasta desde o assassinato de seu l�der at�
a morte do seu melhor companheiro, Diadorim, uma mulher
que se disfar�ara de homem para vingar a morte do pai, Joca
Ramiro. Diadorim foi magistralmente interpretada por Bruna
Lombardi. Tarc�sio Meira, vivendo Herm�genes, estava soberbo.
Avancini n�o fez nenhuma concess�o, inclusive no uso da
linguagem dos jagun�os, mantida aut�ntica do come�o ao fim.































8.
Desejo
1990 � Gl�ria Perez, com a colabora��o de Margareth Martins

� Baseada na vida do grande escritor Euclides da Cunha, narrada
atrav�s de fatos pesquisados por Margareth Martins, a miniss�rie teve
um roteiro feliz de Gl�ria Perez, por onde flui amor, �dio, trai��o
e morte. A trag�dia se abate duas vezes sobre a fam�lia Cunha.
Quando Euclides da Cunha parte para matar Dilermando de Assis,
amante de sua mulher, o que acontece � o inverso. Dilermando mata
Euclides e depois, quando Euclides da Cunha Filho tenta matar
Dilermando, � tamb�m morto por ele. A dupla absolvi��o de Dilermando
consagrou o advogado Evaristo de Moraes. No decorrer dos
cap�tulos finais, Gl�ria analisa as quest�es jur�dicas, a imprensa e as
rela��es familiares destru�das pela chamada �Trag�dia da Piedade�.
A fam�lia de Ana e Dilermando de Assis questionou algumas cenas
e coloca��es, enquanto a fam�lia de Euclides da Cunha aprovou totalmente.
Dire��o impec�vel de Wolf Maya e Denise Saraceni.
9.
Rabo de saia
1984 � Walter George Durst, Jos� Antonio de Souza e Tairone
Feitosa

� Rabo de saia foi baseada na obra Pens�o Riso da Noite, de Jos�
Cond�. A hist�ria se passa nos anos 1920 e conta as perip�cias do
caixeiro-viajante Ezequias, o Quequ�, que � casado, ao mesmo tempo,
com tr�s mulheres diferentes: uma em Pernambuco, outra em
Alagoas e a terceira em Sergipe. O Quequ� de Ney Latorraca � um
dos personagens inesquec�veis da televis�o brasileira. Com roteiro
final e dire��o de Walter Avancini, Rabo de saia saiu do contexto
habitual das miniss�ries. O maravilhoso cen�grafo Ir�nio Maia fez
cen�rios incr�veis que caracterizavam precisamente cada estado, apesar
das semelhan�as culturais entre eles.

10.
O pagador de promessas
1988 � Dias Gomes

� Parodiando o pr�prio Dias Gomes ao descrever sua vi�va
Porcina, podemos dizer que a miniss�rie O pagador de promessas
foi... sem nunca ter sido. Prevista para 12 cap�tulos,
acabou com apenas 8. Embora muitos registros atribuam � censura
os cortes aos quatro cap�tulos, isso aconteceu apenas em
parte. Os problemas maiores foram internos e eu participei intensamente
deles. O Dias Gomes sempre teve uma preocupa��o
ecol�gica e em rela��o � explora��o imobili�ria, assunto
que ele abordou em 1974 em O espig�o. Em 1988, o Dias
acrescentou a O pagador temas como a especula��o imobili�ria
e a explora��o da terra pelos latifundi�rios, que n�o constavam
da vers�o original. Quem engui�ou com isso foi o dr. Roberto
Marinho que, pressionado por amigos, queria suspender
a exibi��o da miniss�rie. Pedi socorro ao Roberto Irineu Marinho,
que entendeu que a Globo n�o poderia fazer isso e ajudou
a resolver a quest�o. Conseguimos negociar com o dr. Roberto
a elimina��o dos quatro cap�tulos adicionados, voltando � vers�o
original. O dr. Roberto chegou a escrever em O Globo que
o Dias, ao alterar sua obra premiada, havia tra�do o pr�prio Dias.
Um sufoco. N�o pod�amos perder o trabalho feito com tanto
capricho e gravado por dois meses em Monte Santo e Salvador.
O Jos� Mayer, que fez o papel de Z� do Burro, ficou
um m�s no interior da Bahia, convivendo e cuidando do animal
que gravaria com ele. Uma exig�ncia da diretora detalhista
Tizuka Yamasaki. As tramas foram encerradas normalmente,
mas O pagador ficou com gosto amargo de comida queimada.
O Dias quis sair, mas conseguimos segur�-lo.

Entre as miniss�ries, estas s�o, pelo conte�do, realiza��o e
pol�mica que causaram, as que considero as �dez mais�. Entretanto,
n�o quero deixar de mencionar algumas outras das quais
gostei muito: Lampi�o e Maria Bonita, a primeira das miniss�ries,
escrita por Aguinaldo Silva e Doc Comparato e realizada
por Paulo Afonso Grisolli e Lu�s Ant�nio Pi�; Agosto, de
Rubem Fonseca, adaptada pelo pr�prio Rubem Fonseca com
Jorge Furtado e Giba Assis Brasil e realizada por Paulo Jos�,
Denise Saraceni e Jorge Henrique Fonseca, com supervis�o
do Carlos Manga; Quem ama n�o mata, de Euclydes Marinho
com Daniel Filho, escrita por Euclydes Marinho, Denise Bandeira
e T�nia Lamarca, e dirigida por Daniel Filho; Incidente
em Antares, de �rico Ver�ssimo, adaptada por Nelson Nadotti
e Charles Peixoto e dirigida por Paulo Jos� com a supervis�o
do Manga; Hilda Furac�o, adaptada por Gl�ria Perez do romance
de Roberto Drummond, e dirigida por Maur�cio Farias e
Luciano Sabino, com supervis�o de Wolf Maya, e As noivas de
Copacabana, do Dias Gomes, Ferreira Gullar e Marcilio Moraes,
realizada pelo Roberto Farias, com uma grande atua��o
do Miguel Falabella. Eu citaria ainda, pelo trabalho da Gl�ria
Pires, o Memorial de Maria Moura e, pelo esfor�o de produ��o
de Paulo Afonso Grisolli, a Tenda dos milagres.


Come�ar de novo


A TELEDRAMATURGIA SEMPRE FOI � n�o s� pela quantidade, mas tamb�m
pela qualidade � um dos pontos mais fortes da Globo. Nessa
linha, meus produtos preferidos eram as miniss�ries e os seriados.
Em 1972, come�amos a produzir A grande fam�lia, uma cria��o do
Max Nunes, no estilo da s�rie norte-americana All in the Family. Em
1974, quando o Oduvaldo Vianna Filho (Vianninha) e o Armando
Costa assumiram a reda��o, foi adicionado conte�do social e pol�tico
ao programa. A s�rie voltou em 2001 com um elenco super refor�ado,
do qual pontificam astros como Marco Nanini, Pedro Cardoso �
indicado para o Emmy de melhor ator em 2008 �, Marieta Severo e
Laura Cardoso. Uma curiosidade � que foi a Betty Faria que deu nome
ao seriado.

Em 1978, estabilizada a produ��o, depois do inc�ndio de 1976,
t�nhamos que partir para uma renova��o mais profunda na programa��o.
Os est�dios do Jardim Bot�nico foram recuperados e estavam
novinhos. Poder�amos devolver o local que o Herbert nos cedera
gentilmente, mas achei que seria um desperd�cio. J� com algumas
ideias na cabe�a, convidei o Daniel Filho para passar um fim de semana
em Angra.

Est�vamos em outubro, e em abril t�nhamos colocado no ar o seriado
Ciranda cirandinha, baseado em um �Caso especial� escrito
pelo Paulo Mendes Campos. Ciranda cirandinha havia conquistado


o p�blico e a cr�tica. Foram produzidos apenas sete epis�dios
� o suficiente para indicar que a s�rie brasileira seria um caminho.
S�bado � noite, depois de um belo churrasco e um bom vinho,
fomos fumar um charuto e tomar um licor na praia. Esperei
o Daniel relaxar e, ap�s uma baforada, joguei a isca:

� Daniel, se n�s fizemos Ciranda cirandinha, podemos fazer
outros seriados.
� N�o d�, Boni. N�o temos autores, diretores nem recursos
para gravar em loca��es.
� E se as nossas s�ries ficassem mais em cima da emo��o do
que da a��o?
� Bom, a� daria. Podemos tentar mais uma.
� Uma n�o. Preciso de quatro por semana.
� Porra... Quatro???
� Quatro, Daniel, vamos aproveitar os est�dios do Herbert
Richers. Vamos tentar.
� Eu topo... topo. Mas estou tenso. Quantos cap�tulos cada?
� De 32 a 39 cada.
� N�o vai dar.
� Precisa dar.
� E para quando �?
� Mar�o ou, no m�ximo, abril.
� Cinco meses? N�o d�... N�o d�.
� Vamos dar uma virada. Eu ajudo em tudo. Vamos, Daniel.
� Isso � uma loucura. Posso pensar at� segunda-feira?
Na segunda, logo pela manh�, nos reunimos em minha sala.
O Daniel estava calmo e conformado.

� Vamos tentar fazer, Boni. Miss�o aceita.
Coloquei � disposi��o dele todos os autores da casa e tamb�m
disse que ele poderia trazer gente de fora. Ele se reuniu


com uma senhora equipe de autores. Em uma semana apresentou
o projeto. Tr�s s�ries e mais um especial semanal. O Dias
Gomes havia indicado para um �Caso especial� o romance
Jorge, um brasileiro, de Oswaldo Fran�a Jr. O texto estava em
produ��o para ir ao ar em janeiro e serviria de modelo para um
seriado com uma dupla de caminhoneiros � vivida por Ant�nio
Fagundes e St�nio Garcia � que viajaria por todo o pa�s.
N�s aprovamos a ideia e batizei o programa de Carga pesada.
O Fagundes e o St�nio criaram os personagens Pedro e Bino
com tanta riqueza de detalhes que faziam a gente esquecer os
atores e sentir como se os dois fossem caminhoneiros de verdade.
A equipe de escritores inclu�a o pr�prio Dias e mais Gianfrancesco
Guarnieri, Walter George Durst, Carlos Queiroz
Telles e P�ricles Leal. Para a segunda s�rie, pensamos em um
policial. Mas sem her�i nem viol�ncia. Os casos seriam abordados
do ponto de vista humano, por um jornalista experiente
e rodado na profiss�o. Para trabalhar a hist�ria e desenvolver

o personagem, contratamos o jornalista Aguinaldo Silva que,
assim, estreava na televis�o. A s�rie seria Plant�o de pol�cia,
estrelada pelo Hugo Carvana no papel de Waldomiro Pena. Os
autores escolhidos foram o Aguinaldo, o Ant�nio Carlos Fontoura,
o Leopoldo Serran, o Br�ulio Pedroso e o Ivan �ngelo.
Pensamos tamb�m em uma s�rie que se chamaria Aplauso, na
qual usar�amos textos j� escritos para o teatro, devido � escassez
de autores para alimentar mais um seriado original. O quarto
produto seria uma s�rie sobre a nova mulher, rec�m-emancipada,
que seria interpretada por Regina Duarte. O grupo pensou
em uma com�dia baseada no filme Uma mulher descasada,
de Paul Mazursky, e que levaria o nome de Malu mulher. O
Daniel n�o fazia muita f�, mas tocou o projeto em frente. Quando
me levou o primeiro programa prontinho, gelei. Estava

uma tristeza. Chamava-se Dedos ligeiros e mostrava a Regina
Duarte, rec�m-separada, disputando um concurso no programa
Silvio Santos, concorrendo a uma grana e ao t�tulo de �a mais
veloz datil�grafa�. Surtei:

uma tristeza. Chamava-se Dedos ligeiros e mostrava a Regina
Duarte, rec�m-separada, disputando um concurso no programa
Silvio Santos, concorrendo a uma grana e ao t�tulo de �a mais
veloz datil�grafa�. Surtei:
Daniel, n�o � nada disso. Quem vai assistir a uma bobagem
dessas?
� Merda! Temos oito textos assim.
� Lixo. Vamos jogar no lixo.
� Gra�as a Deus! Eu n�o estava acreditando nisso. Agorasenti. Voc� quer chumbo grosso. � isso?
� �, Daniel, porrada. Discuss�o pra valer sobre a nova mulher.
Drama. Como voc� mesmo disse: chumbo grosso!
Ele saiu da minha sala e, com suas origens espanholas, pegou
o touro � unha e mandou refazer tudo. Tivemos que adiar
em um m�s as estreias, mas valeu a pena. O sucesso de todos
os seriados foi acima do esperado e Malu foi o que alcan�ou
maior audi�ncia. Mais tarde, outros seriados viriam, como
Amizade colorida (1981), estrelado pelo Ant�nio Fagundes, e
Arma��o ilimitada (1985). Este apresentava uma proposta inteiramente
inovadora, do Kadu Moliterno e do Andr� de Biase;
era escrito por Ant�nio Calmon, Euclydes Marinho, Patr�cia
Travassos e meu amig�o Nelson Motta, e no elenco estavam
Kadu Moliterno, Andr� de Biase, Andr�a Beltr�o e Jonas Torres
nos pap�is principais. A dire��o era do Guel Arraes, que j�
naquele tempo mostrava seu enorme talento para o humor.

Mais tarde, na d�cada de 1990, o Daniel ensaiou outras s�ries,
como A justiceira � interrompida pela gravidez de Malu
Mader � e Mulher, uma ideia minha de colocar m�dicas mulheres
tratando de mulheres. O seriado contava a hist�ria de
duas m�dicas que trabalhavam em uma pequena cl�nica, cen�rio
escolhido para evitar assuntos cl�ssicos dos grandes hos



pitais, como acidentes, emerg�ncias etc. Eva Wilma e Patr�cia
Pillar eram as protagonistas. Para dar uma nova linguagem a
esse seriado, contratamos o roteirista, produtor e diretor americano
Lynn Mamet, que trabalhou com Doc Comparato, �lvaro
Ramos, Antonio Calmon e Elizabeth Jhin.

A partir de 1979, as s�ries brasileiras deram uma nova cara
para a Globo, e toda vez que Malu mulher come�ava, eu renascia
ao ouvir a Simone cantar a can��o de Ivan Lins: �Come�ar
de novo e contar comigo. Vai valer a pena...�


Gl�ria,
Malu,
Fagundes
e
Tony


ESTE CAP�TULO TAMB�M PODERIA se chamar: �� favor reservar.�

Alguns autores n�o conseguem viver sem determinados atores ou
atrizes. A corrida atr�s de Gl�ria Pires � incr�vel. O Cassiano Gabus
Mendes, com toda sua experi�ncia, achava a Gl�ria o mais perfeito
produto da televis�o. E olha que ele trabalhou com a Eva Wilma, que
� uma das minhas atrizes favoritas. A Glorinha, como a chamamos, �
filha do grande comediante Ant�nio Carlos Pires, meu amigo desde a
R�dio Mayrink Veiga, no Rio, onde ele fazia o �infelizinho�, um cidad�o
brasileiro cansado de tanto sofrer. Com 5 anos de idade a Gl�ria
Pires estreou na TV Excelsior em A pequena �rf�. Na Globo, seu
primeiro papel de destaque foi em Dancin� days, o que lhe valeu um
convite para ser a protagonista de Cabocla. Na miniss�rie O tempo e

o vento, fez uma forte e segura Ana Terra. Arrasou como a Maria de
F�tima de Vale tudo e, depois, deixou todo mundo fascinado com as
g�meas Ruth e Raquel, de Mulheres de areia. Fez um trabalho incr�vel
em Memorial de Maria Moura e, em seguida, brilhou em O rei
do gado, participando de cenas verdadeiramente antol�gicas ao lado
do grande Raul Cortez. Gl�ria Pires, com seu jeitinho de menina, �
m�e das atrizes Antonia Pires e Cl�o Pires.
A Malu Mader � a favorita do Gilberto Braga. Um ano antes de
entrar no ar, ele j� pede que a reservem para ele. E isso vem desde a
miniss�rie Anos dourados. Do Gilberto, a Malu fez tamb�m O dono
do mundo, Anos rebeldes e Celebridade. Ela come�ou a carreira ar



t�stica no Tablado, de Maria Clara Machado, e estreou na Globo
em Eu prometo. Fez um enorme sucesso em Fera radical e
em diversos programas �Caso Especial� e ainda na s�rie A vida
como ela �, de Nelson Rodrigues, apresentada no Fant�stico.
Do Nelson ela fez, no teatro, a remontagem de Vestido de noiva,
aplaudida pelo p�blico e pela cr�tica. Pouco antes de ficar
gr�vida protagonizou, na Globo, o seriado A justiceira, interrompido
pela gravidez.

O Antonio Fagundes, pela desenvoltura e densidade que d�aos seus personagens, � um dos atores mais disputados. � muito
dif�cil, quase imposs�vel, que o Benedito Ruy Barbosa n�o
escolha o Fagundes para seus trabalhos de f�lego, tais como
Renascer e O rei do gado. E � necess�rio acertar os ponteiros
com o Aguinaldo Silva, que tamb�m o requisita sempre e com
anteced�ncia. O Manoel Carlos � outro que gosta muito dele.
O Fagundes estreou na Globo em 1976, em Saramandaia, do
Dias Gomes, vindo de sucessos da TV Tupi, como a novela
Mulheres de areia, da Ivani Ribeiro. Na Globo, participou do
remake de A viagem, da Ivani; de Dancin� days; da Rainha da
sucata e de A pr�xima v�tima, entre v�rios outros sucessos. Fez
um maravilhoso trabalho como o Pedro, de Carga pesada. Depois,
quando eu n�o estava mais na Globo, deu um banho como
o Juvenal Antena na novela Duas caras, do Aguinaldo Silva.


O Tony Ramos est� no topo da lista de todos os autores, e o
S�lvio de Abreu sempre o quer em suas novelas. J� na TV Tupi
de S�o Paulo era um dos atores favoritos do Cassiano Gabus
Mendes, da Ivani Ribeiro e do Geraldo Vietri. Quando saiu da
Tupi, o Tony chegou � Globo como se tivesse nascido na emissora.
� o queridinho de todo mundo, pela simplicidade e pelo
carinho com que trata os colegas e toda a equipe de produ��o.


Brilhante ator, � um modelo de educa��o. Um de seus primeiros
pap�is foi na primeira vers�o de O astro, novela na qual
protagonizou algo in�dito na televis�o: uma cena de nu frontal.
Fez in�meras novelas, como Pai her�i, Chega mais, Rainha
da sucata, A pr�xima v�tima, Baila comigo � onde interpretou
os g�meos id�nticos, sem qualquer maquiagem, usando apenas
gestos e maneira de falar para diferenci�-los. O Tony vai da
com�dia �s cenas mais intensas, como nos seriados Primo Bas�lio
e Grande Sert�o: Veredas. Quando fizemos o remake de
Selva de pedra, ele conseguiu repetir o �xito da primeira vers�o,
interpretando um Cristiano diferente e impec�vel. Grande
Tony Ramos em todos os sentidos: ator, diretor, poeta, amigo
e patriarca de uma fam�lia encantadora.

Se eu fosse autor de dramaturgia na Globo teria tamb�m os
meus �v�cios� de elenco. Entre as mulheres, por exemplo, nunca
deixaria faltar a Fernanda Montenegro, a Regina Duarte, a
Gl�ria Menezes, a Gl�ria Pires, a T�nia Carrero, a Yon� Magalh�es,
a Mait� Proen�a, a Carolina Ferraz, a Cl�udia Abreu,
a Eva Wilma, a Renata Sorrah, a Patricia Pillar, a Laura Cardoso,
a Eva Todor, a Nivea Maria, a Christiane Torloni, a Aracy
Balabanian, a Arlete Salles, a Mar�lia P�ra e a minha amiga
Susana Vieira, que sempre d� um toque de grandeza aos personagens
que faz.

Eu, pessoalmente, tenho orgulho de ter ajudado a abrir esse
mercado para os nossos artistas. Eles s�o o ponto alto e o diferencial
de qualidade da teledramaturgia brasileira.


De
fora
para
dentro


SEMPRE DEFENDI E DEFENDO A NECESSIDADE de se buscar contribui��o
de autores de fora da televis�o para renovar a nossa produ��o e influenciar
os autores que rotineiramente trabalham somente no nosso
ve�culo. N�o que os da televis�o n�o sejam capazes de superar a superficialidade
de um folhetim, mas uma inje��o de literatura e dramaturgia,
vinda de autores externos, diversifica e enriquece o conte�do
televisivo. Uma boa parte das novelas das 18h foi baseada em
obras de autores e livros consagrados. No hor�rio das 22h tivemos
adapta��es como Gabriela e Os ossos do bar�o. As miniss�ries usaram
farto material adaptado para a televis�o, mas, nos meus registros,
tenho alguns especiais de teledramaturgia baseados na nossa literatura
que considero perfeitos como concep��o e realiza��o. Um
deles � o Morte e vida severina, poema dram�tico de Jo�o Cabral de
Melo Neto que narra a trajet�ria de um homem que migra da caatinga
para tentar a vida na cidade grande e encontra a morte. Foi musicado
pelo Chico Buarque e dirigido pelo Walter Avancini. Ganhou

o Pr�mio Ondas, na Espanha, e o Emmy Internacional, nos Estados
Unidos, como especial de 1981.
Em 1983, o Aguinaldo Silva adaptou a pe�a Otelo, de William
Shakespeare, ambientando-a em uma escola de samba do Rio de Janeiro,
e o Paulo Afonso Grisolli fez um bel�ssimo trabalho de dire��o.
O Grisoli j� havia feito outro Shakespeare, em 1980, com uma
adapta��o livre de Romeu e Julieta realizada pelo Walter George


Durst. Fazendo um flashback, vale lembrar o Ciranda, cirandinha,
produzido em 1977, com texto de Paulo Mendes Campos
e dire��o de Paulo Jos�. Um sucesso que originou uma s�rie
com o mesmo nome e acabou provocando o lan�amento das
s�ries brasileiras em 1978.

Baseado em uma pe�a teatral de Sch. An-Ski, o Domingos
Oliveira fez uma extraordin�ria adapta��o de Dibuk, o dem�nio,
e a Regina Duarte exorbitou em talento com uma interpreta��o
ousada e emocionante. Outro trabalho de destaque � a
adapta��o que Oswaldo Fran�a Jr. fez para a televis�o do seu
romance Jorge, um brasileiro, inspirando a s�rie Carga pesada.
Al�m do texto do Oswaldo Fran�a Jr., a realiza��o do Paulo
Jos� era de um realismo impressionante.

Em 1993, o Guel Arraes fez uma adapta��o l�rica de Lisbela
e o prisioneiro, de Osman Lins, com a colabora��o de Pedro
Cardoso e Jorge Furtado. O trabalho de televis�o ficou t�o bom
que virou filme. No mesmo ano, Manoel Carlos reuniu dois
contos de M�rio de Andrade no especial O besouro e a rosa,
em que o Marco Nanini fazia o pr�prio M�rio de Andrade, narrador
da hist�ria. A cenografia foi pontuada por refer�ncias �
Semana de Arte Moderna. Um trabalho de arte e sensibilidade.
Tamb�m baseado em M�rio de Andrade, o Roberto Santos
adaptou O po�o, um trabalho com a qualidade que o Roberto
imprimia em tudo o que fazia para o cinema e a televis�o.

H� um especial que eu diria que � especial�ssimo: o Meu
primeiro baile. Foi o primeiro programa de teledramaturgia
gravado em cores. Adaptado por Janete Clair a partir do filme
franc�s Un carnet de bal, de Jacques Pr�vert, foi dirigido pelo
Daniel Filho e marcou um momento de grande emo��o para
todos n�s que est�vamos exultantes pela era da televis�o em
cores que se iniciava.


No ano 2000, quando eu n�o estava mais na Globo, o Guel
Arraes emplacou uma boa sequ�ncia de adapta��es em Brava
gente. No per�odo de 31 anos em que atuei ativamente na emissora,
tivemos a coragem de fazer tantas adapta��es de autores
nacionais e internacionais que, para evitar cita��es vagas, resolvi
elaborar uma lista em ordem alfab�tica dos trabalhos que
fizemos com textos liter�rios. Considero um registro importante.
Vale dar uma olhadinha:

Agatha Christie
Alberto Dines
Alexandre Dumas Filho
Andr� Roussin
An�bal Machado
Anton Tchekhov
Antonio Callado
Ariano Suassuna
Arthur Hailey
Arthur Miller
Artur Azevedo
Ben Johnson
Bernardo �lis
Bernardo Guimar�es
Carlos Heitor Cony
Carolina de Jesus
Carolina Nabuco
Cesare Zavatini
Charles Dickens
Clarice Lispector
Cornell Woolrich
E�a de Queir�s



Edson Magalh�es�rico Ver�ssimo
Eugene O�neill
Eur�pedes
Franz Kafka
Gianfrancesco Guarnieri
Guimar�es Rosa
Harriet Beecher Stowe
H�lio Porto
Henrik Ibsen
Jeronymo Monteiro
Jo�o Ubaldo Ribeiro
Joaquim Fel�cio dos Santos
Joaquim Manuel de Macedo
John Millington Synge
John Steinbeck
Jorge Amado
Jos� C�ndido de Carvalho
Jos� Conde
Jos� de Alencar
Jos� Lins do Rego
Leopoldo Serran
Lewis Carroll
Lillian Hellmann
Lima Barreto
Lindolfo Rocha
Lucio Cardoso
Luis Fernando Verissimo
Lygia Fagundes Telles
Machado de Assis
Marcos Rey


Maria Clara Machado
Maria Dezonne Pacheco Fernandes
Maria Jose Dupr�
M�rio de Andrade
M�rio Palm�rio
Mark Twain
Martins Pena
Menotti Del Picchia
Michel Zevaco
Mill�r Fernandes
Moacyr Scliar
Moli�re
Monteiro Lobato
Naum Alves de Souza
Nelson Rodrigues
Nikolai Gogol
Oduvaldo Vianna Filho (Vianninha)
Origenes Lessa
Osman Lins
Osvaldo Fran�a Junior
Paddy Chayesfsky
Pedro Bloch
Rachel de Queiroz
Raul Pompeia
Ribeiro Couto
Roberto Drummond
Rubem Fonseca
Salatiel Coelho
S�rgio Porto
Silveira Sampaio
Teixeira Filho


Ugo Betti
Valeriano Felix dos Santos
Vicente Blasco Iba�ez
Viriato Correia
Visconde de Taunay
William Jacobs
William Shakespeare
Zelia Gattai


Deu curto-circuito na bab� ele


tr�nica?


CRIAN�A N�O TEM PODER AQUISITIVO, portanto, n�o � um consumidor
direto e n�o tem poder decis�rio sobre as compras. No m�ximo, pede
alguma coisa que deseja ou repete comerciais que viu na televis�o,
influenciando pais e respons�veis. Para os ve�culos de publicidade, o
que conta � o cliente. Como n�o existem muitos anunciantes interessados
no p�blico infantil, h� cada vez menos programas para crian�as.
Uma pena. O engra�ado � que no come�o da televis�o as emissoras
e os anunciantes se preocupavam mais com esse p�blico. Para
come�ar, todas as emissoras que foram sendo inauguradas tiveram
seus �circos�. Na Tupi de S�o Paulo, o Grande circo, com o Walter
Stuart no comando, e mais o Fuzarca e Torresmo. Na Paulista e
depois na TV Record, o Circo do Arrelia, com o Walter Seyssel, o
Pimentinha, e, no Rio, o Circo do Carequinha. Em 1952, a TV Tupi
de S�o Paulo levava ao ar, semanalmente em hor�rio nobre, O S�tio
do Picapau Amarelo, de Monteiro Lobato, com produ��o e dire��o
do casal Tatiana Belinky e J�lio Gouveia. O programa era excelente.
A L�cia Lambertini fazia uma Em�lia com uma empatia tamanha que
bastaria s� ela para o programa fazer sucesso. O Pedrinho era interpretado
pelo Davi Jos�, um talento. Edy Cerri fazia uma Narizinho
apaixonante.


No Rio, a TV Tupi apresentava o S�tio tamb�m ao vivo e
teve, ainda nos anos 1950, um dos mais importantes programas
destinados �s crian�as, o Teatrinho Troll, concebido pelo
Almeida Castro, produzido e dirigido pelo F�bio Sabag. Na
TV Tupi de S�o Paulo, o S�tio ficou 13 anos no ar, voltando a
ser apresentado em 1967, dessa vez pela TV Bandeirantes. Em
1977, resolvi produzi-lo na Globo, entregando a responsabilidade
a Geraldo Cas�, Edwaldo Pacote e Mauricio Sherman. O
Pacote conseguiu que o Dori Caymmi fizesse a trilha e o Do-
ri arrancou do Gilberto Gil uma abertura musical que marcou
tanto que foi usada em todas as vers�es posteriores e, certamente,
tamb�m ser� utilizada nas que vierem a ser apresentadas
no futuro. Para n�o ficar apenas no entretenimento, o S�tio
da Globo contou com um time de psic�logas e pedagogas,
utilizando o conte�do do programa para passar conhecimentos
gerais, conceitos de higiene e no��es de civilidade.

A TV Globo, quando come�ou em 1965, fa�a-se justi�a ao
Abdon Torres, tamb�m pensou em uma linha infantil, com o
Uni duni t�, apresentado pela tia Fernanda, e o Capit�o Furac�o,
do H�lio Tys, apresentado pelo Pietro M�rio, que, al�m de
desenhos animados, trazia muitos conselhos e dicas �teis para
as crian�as. Havia tamb�m o Capit�o Aza na TV Rio. A TV
Record chegou a ter uma aventura infantil di�ria, O Capit�o 7,
e a Tupi comprou o primeiro filme nacional de aventuras, O
vigilante rodovi�rio. Havia muitos programas importados que
n�o menciono, n�o s� devido � quantidade, mas porque quero
me concentrar no produto nacional.

Depois de 1967, quando fui para a Globo, mantive o Uni
duni t� por algum tempo e passei tamb�m a produzir uma vers�o
paulista. No come�o de 1972, fui com o Joe Wallach a Nova
York e adquirimos os direitos do Sesame Street, da CTW


(Children�s Television Workshop). Como n�o t�nhamos onde
produzir, contei com o entusiasmo do Cl�udio Petraglia,
que n�o s� colocou a TV Cultura de S�o Paulo � nossa disposi��o,
mas tamb�m assumiu pessoalmente a responsabilidade
pelo projeto. O Edwaldo Pacote foi nomeado nosso delegado
e a dire��o foi entregue ao Milton Gon�alves e ao David
Grimberg. Para acertar detalhes de produ��o, viajei com

o Cl�udio para o M�xico, onde se produzia um Sesame Street
adaptado. Passeando pelas ruas, disse a ele que a tradu��o do
t�tulo, ao p� da letra � Rua S�samo �, n�o tinha romantismo
nem esp�rito brasileiro e sugeri Vila S�samo. O Cl�udio topou
e a CTW tamb�m. O programa ficou cinco anos no ar, com
sucesso, mas come�ou a ser atacado pelos patrulheiros de esquerda,
que achavam que est�vamos moldando nossas crian�as
com padr�es americanos. Os anunciantes come�aram a sair do
projeto e decidi produzir, na Globo, O S�tio do Picapau Amarelo.
O S�tio teve muitas vers�es na Globo sempre com �xito.
Em 1972, lan�amos mais um sucesso do g�nero infantojuvenil,
o Shazan, Xerife & cia, do Walther Negr�o, Adriano Stuart
e Sylvan Paezzo, aproveitando o sucesso dos personagens
da novela Primeiro amor. O programa era exibido, inicialmente,
uma vez por semana e, depois, de segunda a sexta-feira. O
Paulo Jos�, sempre perfeito no que faz, e o impec�vel Fl�vio
Migliaccio fizeram um seriado diferente com ingredientes de
circo e surrealismo, onde o terceiro personagem era um ve�culo
chamado �camicleta�, uma mistura de caminh�o com bicicleta.
O talento e a experi�ncia do Adriano Stuart conseguiram
extrair do seriado humor e emo��o.

Em 1975, produzimos a primeira novela em cores para crian�as:
Pluft, o fantasminha, de Maria Clara Machado, com dire��o
do Geraldo Cas� e supervis�o do Edwaldo Pacote. A no



vela teve apenas trinta cap�tulos e foi exibida �s 17h30. Em
1978, produzimos Kika e Xuxu, de Luis Fernando Verissimo,
com Clarice Piovesan e St�nio Garcia, e arte do Juarez Machado.
Depois foi a vez do Vinicius para crian�as (1980), da obra
infantil de Vinicius de Moraes, adaptada por Ronaldo B�scoli,
dirigida pelo Augusto C�sar Vanucci e exibida �s 21h, em hor�rio
nobre, portanto. No ano seguinte, repetimos a dose com
uma nova produ��o e outra hist�ria do Vinicius. Fizemos o
Pirlimpimpim, 1 e 2, com dire��o de Paulo Netto, tamb�m no
hor�rio nobre. E em seguida, Bal�o m�gico, Plunct, plact, zuuum,
1 e 2. Montamos a Turma do Perer�, do Ziraldo, Tiradentes,
nosso her�i, do Federico Padilla, e Uma aventura no corpo
humano, do Augusto C�sar Vanucci.

Em 1979, a Globo participou ativamente do Ano Internacional
da Crian�a e, em 1980, o dr. Roberto Marinho recebeu o
reconhecimento da Unicef por esse apoio. Em 1986, quando

o Renato Arag�o estava comemorando vinte anos da exist�ncia
de Os Trapalh�es, o Jo�o Carlos Magaldi teve a ideia de
arrecadar dinheiro para investir em projetos sociais endere�ados
a crian�as. Levamos o projeto ao dr. Roberto Marinho, que
imp�s uma condi��o: a TV Globo poderia realizar a promo��o,
mas n�o poderia receber nem tocar em um s� centavo. O
Magaldi se reuniu com a Unicef e depois com as companhias
telef�nicas e bancos, dando vida ao Crian�a Esperan�a. At�
2008, a campanha j� havia arrecadado 190 milh�es de reais.
Mais importante do que o valor material foram as campanhas
de esclarecimento e conscientiza��o na Constituinte de 1988:
o grupo Crian�a Esperan�a colocou em pauta v�rias quest�es
para serem votadas e conseguiu aprovar muitas propostas. O
Projeto Crian�a Esperan�a, considerado modelo pela ONU, foi

exportado para mais de cem pa�ses em todo o mundo e deu ao
Renato Arag�o o t�tulo de Embaixador Mundial da Unicef.




















O Renato estreou na Globo em 1977, com o seu programa Os Trapalh�es.
O programa exibia um humor muito abrangente, mas, aos
poucos, foi se concentrando nas crian�as, coisa que o Renato j� fazia
em seus filmes de longa-metragem. O nosso entendimento foi muito
r�pido e depois de dois almo�os, em um restaurante do Rio, ele estava
contratado. O S�rgio Murad, mais conhecido como Beto Carrero,
deu um apoio muito grande para a consolida��o de nossa amizade e
para o crescimento do Renato e de seu programa dentro da Globo.

O Renato � uma pessoa tranquila, bom car�ter, cultiva a simplicidade
e nasceu para fazer rir. De trapalh�o ele n�o tem nada. Fundou
sua empresa de cinema assim que chegou � Globo e, al�m de seu talento
histri�nico, � um empres�rio completo e bem-sucedido. Sem o
seu carisma, o Crian�a Esperan�a n�o ganharia a dimens�o que tem
hoje.

Com o tempo, os programas infantis foram rareando e, atualmente,
est�o praticamente restritos a desenhos animados importados, alinhavados
com apresentadores no estilo �vamos ver� e �acabamos de
assistir�. Em 1986, parte do hor�rio da manh� estava ocupado pelo
TV Mulher mas a equipe se desentendeu e o programa acabou. M�rio
L�cio Vaz e eu decidimos retornar ao p�blico infantil. Eu e o M�rio
pensamos na Xuxa, que estava ent�o na TV Manchete.

A Xuxa foi descoberta pelo Mauricio Sherman. Ali�s, desde o in�cio
da televis�o no Brasil que o Sherman, al�m de excelente diretor,
mostrou ter um olho cl�nico perfeito para descobrir novos talentos.
Os primeiros contatos com a Xuxa foram confusos, porque o Daniel,
enrolado com a dramaturgia e com os musicais, deu um ch� de
cadeira nela, que, zangada, foi embora. Depois, com a ajuda do M�rio
L�cio, retomei a conversa. Ela fazia quest�o que seu programa se
chamasse Programa da Xuxa e a gente, desde a sa�da do Chacrinha,
estava evitando programas com nomes dos apresentadores. Precis�



vamos encontrar uma solu��o para arranjar um nome menos
�possessivo�. Pensei algum tempo e, um dia, liguei para ela:

vamos encontrar uma solu��o para arranjar um nome menos
�possessivo�. Pensei algum tempo e, um dia, liguei para ela:
Al�, Xuxa, j� temos o nome como voc� queria. Um tanto
estranho, mas acho divertido. Xou da Xuxa. Show com �X�, de
Xuxa.
Ela adorou, foi conversar comigo e fechamos o contrato. A
Xuxa estreou e marcou �ndices jamais vistos naquele hor�rio.
No in�cio, o Paulo Netto produzia e dirigia. Em seguida, a Marlene
Mattos assumiu sozinha o programa. Mais tarde, outras
vers�es � com outros nomes � foram criadas e dirigidas por diversos
profissionais. A Xuxa, com seu ar de menina sonhadora
e levada, teve o m�rito de levar para a televis�o o p�blico infantil
feminino.

Em 1992, ela foi me procurar, alegando estar exausta e dizendo
que n�o poderia mais fazer um programa di�rio, de segunda
a sexta. Estava no auge, mas queria parar no fim do ano.
Achei uma pena, mas n�o teve outro jeito.

Eu n�o queria outra apresentadora ou outro apresentador para
substitu�-la e encomendei ao meu filho Boninho um programa
que fosse baseado em uma caricatura da televis�o, uma esp�cie
de PRK-30 do r�dio, mas feita com bonecos. O Boninho
criou o projeto TV Colosso, uma emissora de televis�o gerenciada
e apresentada por cachorros. Os bonecos eram excelentes,
com bons personagens e texto inteligente. Estreou em 1993,
com um sucesso total, ficou no ar por tr�s anos e ainda rendeu
algumas reprises. A Manchete, com o danadinho do Sherman,
havia descoberto a Ang�lica e n�s a levamos para a Globo e,
em 1996, lan�amos seu primeiro programa na emissora: o Angel
Mix, no qual havia de tudo e, em especial, uma novelinha
sobre uma ag�ncia que empresariava artistas, a Ca�a Talentos.
A Ang�lica � uma comunicadora completa, sabe lidar com cri



an�as e adultos, tem ritmo para comandar game shows, � boa
entrevistadora e excelente atriz. Assim, repetimos a audi�ncia
conquistada no hor�rio desde a chegada da Xuxa.

an�as e adultos, tem ritmo para comandar game shows, � boa
entrevistadora e excelente atriz. Assim, repetimos a audi�ncia
conquistada no hor�rio desde a chegada da Xuxa.
tamente
aceit�vel que a televis�o mantenha programas infantis
de puro entretenimento, mas sinto falta de algo mais. A TVE
do Rio e a Cultura de S�o Paulo deram algumas contribui��es
importantes, como: Plim-Plim, o m�gico do papel, com o Gu-
alba Pessanha, na TVE, em 1975; A Turma do Lambe-Lambe,
do Daniel Azulay, na TVE e na TV Bandeirantes, na d�cada de
1980; O mundo da Lua, do Fl�vio de Souza, na TVE, no in�cio
dos anos 1990 e, principalmente, o Castelo R�-Tim-Bum, tamb�m
do Fl�vio de Souza, com dire��o do Cao Hamburger, de
1994 a 1997, na TV Cultura de S�o Paulo, nos bons tempos do
Roberto Muylaert. O Co-co-ri-c� defende-se bem na televis�o
, infestada de desenhos importados.

Com tantos canais a cabo e via sat�lite, transmitindo toneladas
de lixo estrangeiro, n�o seria hora das redes abertas deixarem
esse tipo de produto apenas para o s�bado, quando n�o
h� aula? Assim fazem as emissoras americanas. E n�o d� para
aproveitar a rica literatura infantil brasileira e produzir uma
meia d�zia de especiais por ano? Creio que � poss�vel.

Ou deu curto-circuito na bab� eletr�nica?


Emo��es eu vivi


DAS HIST�RIAS QUE VIVI NA TELEVIS�O, uma das mais importantes para
mim � a que estabeleceu uma forte liga��o entre o Roberto Carlos,
a Globo e os telespectadores de todo o Brasil. Tenho uma admira��o
especial pelo Roberto. Nossas vidas sempre estiveram pr�ximas,
embora raramente nos cruz�ssemos. No final dos anos 1950 e in�cio
da d�cada de 1960, o meu amigo e pai sobressalente, Roberto Corte
Real, s� falava no Roberto Carlos. Ele o havia levado da gravadora
Polygram para a CBS discos, onde era o diretor art�stico. Em 1960, a
CBS lan�ou um disco em 78 rota��es com Roberto Carlos com duas
m�sicas do Carlos Imperial: �Can��o do amor nenhum� e �Brotinho
sem ju�zo�. Em 1961, saiu o primeiro �lbum dele pela CBS, chamado
Louco por voc�, com 12 faixas, das quais 8 eram vers�es. O primeiro
LP de Roberto Carlos com cara de Roberto Carlos foi lan�ado em
1963, trazendo o �Parei na contram�o�, de Roberto e Erasmo Carlos,
e apenas duas vers�es, uma delas de �Splish splash�, que deu nome
ao �lbum. Depois veio o � proibido fumar, que j� saiu com uma edi��o
em espanhol: Roberto Carlos canta a la juventud.

O Carlos Imperial, no Rio, e o Enzo de Almeida Passos, em S�o
Paulo, foram bases importantes para o lan�amento do Roberto. O Enzo
tinha um programa na R�dio Bandeirantes, desde 1959, que se
chamava Festival de brotos e era transmitido do min�sculo audit�rio
da r�dio, na rua Paula Souza. Em 1963, o programa cresceu e passou
a ser transmitido a cada semana de um cinema diferente da cidade.


Nessa �poca, eu era diretor de programa��o da r�dio e o Enzo
me procurou para pedir uma verba maior pois queria alugar o
Cine Piratininga, no Br�s, com capacidade para cinco mil pessoas.
Eu pulei:

� Pombas! Estamos alugando cinemas de 500 a 600 lugares.
Por que cinco mil?
Ele estava exultante e explicou:

� Consegui o Roberto Carlos. Cinco mil lugares para ele �
pouco.
Era o Roberto Carlos do qual o Roberto Corte Real falava
sempre. Eu aprovei, mas n�o levei muita f�. No domingo, peguei
meu carro e fui para o Br�s. O tr�nsito estava um inferno
e, vendo que chegaria atrasado, pedi socorro a um guarda de
tr�nsito, mostrando minha carteira de diretor da r�dio.

� Olha, amigo, eu tenho um show no Cine Piratininga e preciso
chegar l�. O senhor pode me ajudar?
O cara pegou a carteira e riu:

� Ent�o o senhor � o culpado dessa confus�o? O Br�s est�
parado. H� centenas de carros, caravanas de �nibus... um inferno.
Com muita dificuldade, e aux�lio do guarda, cheguei l�. O
Roberto Carlos havia lotado o cinema e tinha o dobro de gente
do lado de fora tentando entrar. Foi preciso chamar policiamento
de emerg�ncia, pois a multid�o queria botar abaixo as
portas do cinema. Foi a� que senti a for�a e o carisma do Roberto.
Em 1965, com um projeto da ag�ncia Prosperi, Magaldi
& Maia, ele passou a comandar o Jovem Guarda e assumiu para
sempre o trono de Rei, por vontade expl�cita dos s�ditos. Ele
repetiria esse sucesso tamb�m na TV Rio.

Em 1973, o Marcos L�zaro me procurou para ver se eu tinha
interesse em levar o Roberto Carlos para a Globo. Mas o Ro



berto queria tempo livre para os shows e pretendia fazer somente
um especial por ano. Negociei uma apari��o mensal dele
em um programa da Globo e mais o especial. Em 1974, fizemos
o primeiro, logo no come�o do ano.

Foi uma correria. Antes mesmo de terminar a edi��o, o programa
foi vendido e tivemos que colocar a promo��o no ar.
Quando cheguei em casa, o Roberto havia deixado mais de
vinte recados para mim. Liguei para ele e percebi que estava
muito nervoso.

� Bicho, venderam meu programa para uma marca de cerveja
e eu n�o fa�o propaganda nem de �lcool nem de cigarro.
Voc� sabe disso e est� no contrato.
Estava mesmo, s� que o departamento comercial n�o tinha
lido. Liguei para o Yves Alves, ent�o diretor da Central Globo
de Comercializa��o, e resolvemos o problema cancelando o
patroc�nio da cervejaria. S� que n�o daria tempo para vender
de novo e o programa foi ao ar apenas com os an�ncios do intervalo.
O Roberto agradeceu a minha a��o r�pida e, quando
ficou sabendo que n�o ter�amos patroc�nio, mandou o Marcos
L�zaro me avisar que, para compensar, ele faria outro no fim
do ano mesmo sem ter essa obriga��o. Seria pr�ximo do Natal,
quando costumava lan�ar seu novo disco. Liguei para ele:

� Gostei da ideia e vamos fazer disso uma tradi��o.
� Fazer dois especiais por ano n�o d�.
� N�o. Tradi��o de fazer o especial na �poca do Natal.
Partimos para a produ��o, acertando as datas para lan�ar o
�lbum do ano a tempo de vender durante as festas. O Roberto
colaborou de todas as formas poss�veis e, realmente, at� hoje
n�o existe fim de ano sem o programa dele.


Em 1976, recebi a miss�o de convidar o Tom Jobim para
participar do especial de fim de ano do Rei. Fomos tomar um
chope e ouvi do Tom uma confiss�o:

Em 1976, recebi a miss�o de convidar o Tom Jobim para
participar do especial de fim de ano do Rei. Fomos tomar um
chope e ouvi do Tom uma confiss�o:
Eu vou. O Roberto canta muito. Eu adoraria que ele gravasse
um �lbum s� com as minhas can��es rom�nticas.
Naquele ano, os dois fizeram um lindo dueto interpretando
�L�gia�. Recentemente, o Roberto Carlos e o Caetano Veloso
arrasaram fazendo uma homenagem ao Tom Jobim. Ele teria
ficado muito feliz ouvindo as interpreta��es dos dois. Magn�ficas.


Em 1982, o Guga de Oliveira, meu irm�o, produziu um megaespecial
para o Roberto Carlos gravado na Vera Cruz, em
S�o Paulo. O Carlito Maia prop�s que a figura folcl�rica de
Papai Noel fosse substitu�da pelo humano e terno Carlitos. E,
aproveitando esse tema, a homenagem a Chaplin foi um dos
pontos altos do programa.

Vannucci, Talma, Legey, Lacet, Jorge Fernando, Sherman
e v�rios outros diretores da Globo se revezaram na realiza��o
dos especiais do Roberto. E, ano ap�s ano, todos disputavam a
indica��o para comandar esse tradicional espet�culo. Os sucessos
das composi��es do Roberto, suas interpreta��es memor�veis,
seus shows, filmes e empreendimentos s�o t�o conhecidos
que � desnecess�rio relacionar tudo que esse grande artista
j� fez.

Artista � parte, o ser humano Roberto Carlos � especial�ssimo.
Amigo de seus amigos. Sens�vel. Forte e fr�gil ao mesmo
tempo. Arrasado com a perda da sua Maria Rita, ele ficou um
tempo enorme sem sair de casa. A Lou e eu o convidamos para
um encontro com alguns poucos amigos em Angra e ele, depois
desse per�odo, saiu de casa pela primeira vez para atender
ao nosso convite. Cercamos o Roberto de prote��o para que


ningu�m o incomodasse, mas os meus funcion�rios n�o resistiram
e quiseram, pelo menos, tirar fotos com o Rei. Pacientemente,
e com simplicidade, ele posou com todos, um de cada
vez. Ficamos at� tarde degustando um Vega Sicilia, o vinho
preferido dele, e falando sobre a vida. Sentimos que percebeu

o quanto gost�vamos dele e recebeu com prazer o nosso carinho.
Anos depois, quando a Vanguarda � nossa rede de emissoras
de televis�o no interior de S�o Paulo � completou cinco
anos, em 2008, fizemos uma pesquisa entre as ag�ncias de publicidade,
anunciantes e autoridades locais para saber quem
eles gostariam de ver para comemorar o nosso anivers�rio. Deu
Roberto na cabe�a. Sozinho. Disparado. Mas n�s �ramos pequenos
demais para bancar um show do Rei. De todo modo,
resolvi tentar. Liguei para o Dody Sirena e pedi para ele conseguir
com o Roberto alguma coisa que estivesse ao nosso alcance.
O Dody me disse que ele estava gravando, mas que conversaria
com ele e voltaria com um n�mero. Para minha surpresa,
o Roberto mesmo me ligou de volta e me deu de presente o
show inteiro, com orquestra, cen�rios, luz e tudo mais. E nem
aceitou o transporte que oferecemos.

A generosidade do Roberto nunca tem fim. No show em comemora��o
a seus cinquenta anos de carreira, no Ibirapuera e,
depois, no Radio City Music Hall, em Nova York, recebi dele
a primeira rosa, uma rosa branca especial.

No carnaval de 2011, na homenagem feita a ele pela Beija-
Flor, eu estava no carro de seus amigos, junto com o Erasmo, a
Wanderl�a, o Tim�teo, a Gisela e o Ricardo Amaral, que, para
quem n�o sabe, foi o criador da express�o �Jovem Guarda�
em sua coluna no jornal Augusta News, de S�o Paulo. O t�tulo


usado no programa Jovem Guarda foi cedido, gentilmente, pelo
Amaral para o programa do Roberto.

Salve o Rei Roberto Carlos! Uma criatura fora de s�rie.
Com o profissional e o amigo, foram tantos os momentos...
tantas emo��es que eu vivi.


Um chopinho com o Tom Jobim


AS CAN��ES DAS TRILHAS SONORAS das novelas, miniss�ries e s�ries
da Globo embalaram sonhos e amores de milh�es de telespectadores.
Tivemos, na Globo, quatro fases distintas de produ��o de trilhas para
novelas. A primeira, com o Nelson Motta, na Philips, foi pac�fica e
de alt�ssima qualidade. A segunda ocorreu com a cria��o da Som Livre
e come�ou de forma desastrada. Logo na primeira novela de que
a Som Livre assumiria a produ��o, o respons�vel pela trilha, o Eust�quio
Sena, entrou na minha sala e pedi que ele me desse as op��es
para a trilha. Ele me retornou agressivo:

� Est� tudo pronto. Eu s� trouxe para mostrar. Agora n�s fazemos
a trilha, escolhemos as m�sicas e voc�s n�o se metem mais.
A primeira coisa que fiz foi botar o sujeito para fora da minha sala.
A segunda foi ligar para o Jo�o Ara�jo, s�cio e presidente da Som
Livre. Ele n�o estava. Tinha viajado para Paris com o Jos� Oct�vio
de Castro Neves, que o havia levado para a empresa. Eu mal conhecia
o Jo�o. Liguei para o hotel e, como ele n�o estava, deixei um recado:


� Volte imediatamente para o Brasil sen�o eu volto para a Philips.
N�o demorou muito e ele me retornou. Contei o problema e ele
me disse que mandaria outro produtor, mas que estava fazendo as
malas para voltar. Implorava para eu ter paci�ncia, pois estava ten



tando conseguir um voo. Enquanto isso, mandou um produtor
novo que sugeriu v�rias m�sicas como op��o para a trilha e
n�s fizemos a escolha em paz. Tudo certo. Logo depois, recebi
um novo telefonema do Jo�o:

tando conseguir um voo. Enquanto isso, mandou um produtor
novo que sugeriu v�rias m�sicas como op��o para a trilha e
n�s fizemos a escolha em paz. Tudo certo. Logo depois, recebi
um novo telefonema do Jo�o:
Olha, estou indo pro aeroporto. Amanh� cedo eu estou a�.
Disse a ele que estava tudo resolvido, que ficasse em Paris,
e dei ainda alguns nomes e endere�os de restaurantes, para ele
curtir.

� Mas j� estou de malas prontas.
� Desarrume.
O Jo�o ficou por l� e n�s montamos a trilha sem problemas.
Da� por diante, a conviv�ncia com a Som Livre passou a ser
excelente e ele se tornou um dos meus melhores amigos. O
Jo�o Ara�jo, conhecedor do mercado, com bom gosto musical
e compet�ncia administrativa, implantou a Som Livre e fez dela
a maior gravadora brasileira na �poca, apesar do in�cio tumultuado.
Mais tarde, a terceira fase ocorreu com a chegada
do Guto Gra�a Mello � Som Livre e � Globo. Experimentamos
uma era brilhante. Depois, com o Mariozinho Rocha, tivemos
a fase que se estende at� hoje, tamb�m de alt�ssimo n�vel.

Brigamos muito com todos os produtores, especialmente
com rela��o �s aberturas, pois n�o era f�cil enfiar na cabe�a de
m�sicos talentosos que havia a necessidade de combinar som e
imagem, al�m de atender, em cada caso, a um direcionamento
art�stico paralelo a uma estrat�gia de marketing. Eles, �s vezes,
garimpavam coisas excelentes, mas n�s j� hav�amos pensado
nas imagens ou t�nhamos interesse em atingir uma determinada
classe social, nem sempre entendiam exatamente qual era o
nosso alvo. E era mesmo um pouco dif�cil de entender. Na �era
Mariozinho Rocha�, ele me surpreendeu levando, antes do prazo,
uma m�sica para a abertura de uma novela. Eu ouvi e apro



vei. Quando o Hans mostrou o v�deo com a m�sica, detestei o
resultado. O M�rio me disse:

vei. Quando o Hans mostrou o v�deo com a m�sica, detestei o
resultado. O M�rio me disse:
Mas voc� havia aprovado na semana passada.
N�o tive d�vidas:
� T� vendo como essa m�sica � uma merda? � a segunda
vez que ou�o e j� n�o gosto.
Essa guerra de aberturas e trilhas s� n�o aconteceu na primeira
fase porque est�vamos todos deslumbrados, querendo
que tudo transcorresse sem acidentes de percurso. A nossa primeira
trilha sonora foi para a novela V�u de noiva, produzida
a partir de um acordo com o Andr� Midani, ent�o presidente
da Philips. O Nelson Motta foi o produtor e o tema de amor
�Teletema� era ouvido com emo��o, sublinhando as cenas rom�nticas
de Regina Duarte e Cl�udio Marzo. A abertura �Azimuth�,
de Marcos Valle e Noveli, era um primor de criatividade.
A can��o �Irene�, de Caetano Veloso, n�o foi escrita para
V�u de noiva, mas o Daniel trocou o nome da personagem da
Betty Faria para Irene, acrescentando a ela uma risada gostosa.
A segunda trilha tamb�m foi feita pelo Nelson, ainda na Philips.
A abertura de Nonato Buzar, cantada por Jair Rodrigues,
no estilo �Disparada�, pegou em todo o Brasil. Da� para frente,
come�ou a �fase Som Livre� e passamos a ter duas trilhas por
novela, uma nacional e outra internacional.

Quem n�o se lembra das cenas apaixonadas de Regina Duarte
e Francisco Cuoco, em Selva de pedra, ao som de �Rockand-
Roll Lullaby�, de B. J. Thomas? E quem n�o recorda as
aberturas cantadas pela Rita Lee? �Flagra�, utilizada em Final
feliz, e os sucessos �Baila comigo� e �Chega mais�, que deram
nomes a essas novelas. E os instrumentais? O brilhante trompetista
M�rcio Montarroyos, a meu pedido, gravou dois solos
magn�ficos de flugelhorn: um, com a inesquec�vel can��o de


Pixinguinha para a novela Carinhoso; e outro, com um tema
de S�rgio Mendes, escrito especialmente para Os gigantes.O
Osmar Milito � um amigo querido e um pianista fora de s�rie.
Eu sempre o acompanhei em todas as casas noturnas em que
trabalhou e foi ele que me apresentou ao M�rcio Montarroyos
e sugeriu o �Carinhoso� para a abertura da novela. O maestro
J�lio Medaglia produziu uma trilha italiana para Anarquistas,
gra�as a Deus e uma regional para Rabo de saia. As duas
s�o um primor. No estilo instrumental, o Roger Henri tamb�m
fez um trabalho sofisticado em Desejo. A trilha inteira de Roque
Santeiro � para sair dan�ando: �Ah, isso aqui est� bom demais...�
Eu mesmo me meti a letrista e fiz algumas aberturas
de �ltima hora, mas apenas para quebrar um galho, sair do sufoco,
como, por exemplo: Fant�stico, Tieta e Que rei sou eu?.

Nas miniss�ries, a abertura de O Bem-Amado, de Vinicius
de Moraes e Toquinho, dizia �Estamos trancados em um paiol
de p�lvora...� e acabou sendo proibida pela censura. Em Pecado
capital, como acumulou o trabalho depois da censura de
Roque Santeiro eu pedi ajuda ao Nelsinho Motta, mas, na correria,
a proposta musical que veio n�o estava de acordo com
ideia do Daniel. Voltei ao Guto Gra�a Mello. Mesmo sobrecarregado,
ele conseguiu o material, mas foi me avisando:

� Olha, � um samba e eu sei que samba � proibido em aberturas.
Pura desinforma��o. Era aquela hist�ria de �ouvi dizer�.
Samba jamais foi proibido, apenas nunca foi proposto. Muito
antes, a novela Carinhoso havia usado o chorinho de Pixinguinha.
Se chorinho podia, samba podia tamb�m. Disse ao Guto:

� Para de conversa fiada e mostra logo isso a�.
















o
Nogueira









Uma beleza. O Guto havia conseguido que o Paulinho da Viola
escrevesse um samba original para a abertura, com uma letra que dizia:
�Dinheiro na m�o � vendaval. � vendaval. Na vida de um sonhador.�
Caiu como uma luva para a trama da novela e permitiu a cria��o
de imagens perfeitamente sincronizadas com a m�sica. Uma proeza
art�stica do Guto que ajudou a novela e foi um sucesso de vendas.
O grupo Azymuth tamb�m estava na trilha do Pecado, com a �Mel�
da Cu�ca�, que pontuou a novela. Os irm�os Marcos e Paulo S�rgio
Valle compuseram preciosidades para as novelas, como o �Tema de
Renata�, para Assim na terra como no c�u, e a abertura de Pigmali�o
70, moderna at� hoje. O F�bio Jr. comp�s para o seriado Ciranda,
cirandinha a m�sica �Pai� que, mais tarde, seria a abertura de Pai
her�i. Linda e inesquec�vel. Come�ando a lembrar, ao acaso, a gente
n�o para mais. A Elis Regina cantando �Fascina��o� em O casar�o
me arrepia at� hoje.

A ideia de usar o t�tulo Est�pido cupido, nome da vers�o de Cely
Campello para o Stupid Cupid, foi para proporcionar um revival dos
sucessos musicais dos anos 1960. Os produtores das trilhas foram t�o
felizes que mais de um milh�o de c�pias foram vendidas pela primeira
vez. Para mim, a trilha produzida pelo Guto Gra�a Mello para Gabriela
� uma das melhores da nossa hist�ria de trilhas sonoras. Dorival
Caymmi escreveu a abertura, cantada pela Gal Costa, e o Do-
ri Caymmi escreveu �Alegre menina�, uma obra-prima musical sobre
um poema de Jorge Amado, interpretada pelo iniciante Djavan.
Aconteceu em Gabriela um fato curioso. Uma das m�sicas chegou
sem a ficha de autores e sem endere�o do remetente, mas precis�vamos
de autoriza��o para us�-la na miniss�rie e no disco. Era t�o boa
que mandei colocar assim mesmo e transmiti um texto, nas emissoras
do Sistema Globo de R�dio, pedindo que a cantora e os autores
entrassem em contato com a TV Globo. Foi muito peito e bota peito


nisso. A cantora era a Faf� de Bel�m e quando ouviu nossa
mensagem em um r�dio de t�xi, come�ou a gritar: �Sou eu, sou
eu!� Ela foi ao nosso encontro e regularizamos com ela e com
os autores as quest�es de autoriza��o e direitos.

nisso. A cantora era a Faf� de Bel�m e quando ouviu nossa
mensagem em um r�dio de t�xi, come�ou a gritar: �Sou eu, sou
eu!� Ela foi ao nosso encontro e regularizamos com ela e com
os autores as quest�es de autoriza��o e direitos.
tro,
que usou a alucinada e linda can��o �Bijuterias�, de Jo�o
Bosco. Um casamento perfeito entre m�sica e hist�ria. Das
aberturas encomendadas, al�m de Pecado capital, n�o se pode
deixar de mencionar o arrasador sucesso �Dancin� days�, do
Nelson Motta e Ruban Barra. Na linha infantojuvenil, duas
melodias n�o podem deixar de ser lembradas: o �Hey, Shazan�,
do Antonio Carlos, Jocafi e I. Tavares, gravada pelo Osmar
Milito e Quarteto Forma, foi uma explos�o nacional; e a
pintura musical feita pelo Gilberto Gil para abrir O S�tio do Picapau
Amarelo. Ali�s, a bel�ssima can��o do Gil, �Amarra o
teu arado a uma estrela�, recebeu um arranjo novo e permitiu
a confec��o de um dos mais criativos v�deos do Hans Donner
para a novela O salvador da p�tria.

E � bom lembrar que, na televis�o, a m�sica tamb�m � importante
como pe�a promocional. Como �Hoje � um novo dia�,
usada sempre no final do ano, composta por Marcos Valle e
Nelson Motta.

Quem tamb�m deu uma grande contribui��o musical para
a Globo foi o Tom Jobim. Eu costumava almo�ar na churrascaria
Plataforma, no Rio, quase todos os dias e, muitas vezes,
com ele. Quando n�o est�vamos juntos, acab�vamos sentandona mesma mesa, no final, para o pen�ltimo chopinho. �s vezes,
eu levava um vinho, que n�o era a bebida do Tom, mas
ele experimentava. Tomava o chope, virava o copo vazio para
baixo, para limpar bem, e pedia:

� Bota um pouquinho aqui na minha latinha.

Recebi, da produ��o de Brilhante, a incumb�ncia de conseguir
que o Tom Jobim compusesse a abertura. Pedi e ele aceitou.
Mas a m�sica n�o sa�a e o Hans Donner estava desesperado
para concluir o v�deo de abertura. Levei o Tom para casa,
entupi ele de churrasco e vinho e, no dia seguinte, a abertura
nasceu: �Luiza.�

O Tom sempre me dizia que n�o sabia escrever m�sica para
mulher loura. O principal personagem de Brilhante era a Vera
Fischer, uma loura cl�ssica. Para fazer a m�sica, o Tom se
defendeu na letra, dizendo: �Que eu sei que embaixo dessa neve
mora um cora��o.� Sem saber disso, o Daniel Filho cortou

o cabelo da Vera bem curtinho e pintou-o de preto gra�na. O
Tom ficou cabreiro porque a letra dizia uma coisa que n�o tinha
rela��o com o personagem, embora �Luiza� seja uma das
mais belas composi��es dele, com letra sofisticada e m�sica de
complexas harmonias.
O Tom comp�s tamb�m, a meu pedido, o tema de abertura
de Anos dourados. Ele pediu a letra para o Chico Buarque, mas
como o Chico atrasou, entramos no ar com uma abertura instrumental.
Mas temos que tirar o chap�u para o Chico porque
a letra ficou um primor.

Outro chopinho com o Tom foi para pedir que ele escrevesse
a abertura de O tempo e o vento, miniss�rie baseada na obra
de �rico Verissimo que contava a epopeia da cria��o do estado
do Rio Grande do Sul. Ele me surpreendeu:

� Boni, a abertura eu n�o fa�o. S� se for a trilha toda. Uma
trilha somente com m�sicas minhas.
� U�, Tom, isso � ouro sobre azul. Voc� faz?
� Fa�o. Meu pai era ga�cho de S�o Gabriel. E eu quero fazer
essa homenagem a ele.

Foi um dos mais ricos trabalhos de sua extensa obra. A trilha
era densa, profunda e bela, com dez can��es in�ditas e apenas
uma tradicionalista, necess�ria para a produ��o. O Tom ia pessoalmente
�s edi��es da miniss�rie, para ajudar a sincronizar
a m�sica, e dei a ele um crach� permanente de funcion�rio da
Globo, permitindo sua livre entrada na hora em que quisesse.
Muitas vezes ele ia me pegar para um papo ou para o almo�o.
Nunca cobrou nada pelas m�sicas que comp�s para n�s. Em
troca, um dia, me pediu uma simples antena parab�lica, para
assistir � TV. A sua casa no Jardim Bot�nico ficava debaixo
do �sovaco do Cristo�, como ele gostava de dizer, n�o pegava
nenhum sinal de televis�o e ele gostava da Sess�o coruja e
adorava ver seus trabalhos no ar.

O Tom foi uma das pessoas mais cultas, mais simples e mais
carinhosas que conheci. Tinha mania de consultar dicion�rios

� em portugu�s, ingl�s, espanhol etc. � para checar qualquer
palavra ou fato que suscitasse alguma d�vida. Ele ia para casa
e voltava com explica��es completas e esclarecedoras. Hoje,
seria um internauta heavy. Fomos vizinhos em Nova York e tenho
orgulho de ter sido feito pelo Roberto Talma e Luiz Gleiser
� na �poca em que eu estava na Globo �, o especial Antonio
brasileiro. Assisti a pr�-edi��o no videotape e sugeri inverter
o roteiro, o que foi realizado com a concord�ncia do Talma e
do Gleiser. Antonio brasileiro ganhou o Emmy Internacional
como o melhor musical de 1987.
O nosso Tom Jobim, muito cedo, montou na asa de um urubu
gereba e voou para o infinito, deixando �rf�os os amigos, a
cultura e a m�sica brasileira.


Globeleza


A PALAVRA �GLOBELEZA� � UMA CRIA��O do escritor, poeta e letrista
Aldir Blanc. Em 1992, o Magaldi e eu organizamos um concurso
com o objetivo de criar um hino da Globo para o de carnaval 1993.
Foi vencedor um belo samba do Jorge Arag�o. Mas, entre os concorrentes,
havia outro samba cujo letrista era o Aldir e que usava a palavra
�Globeleza�. Pedi para negociarem com ele os direitos e adotamos
a express�o como marca do carnaval e nome da garota �Globeleza�.
Pedimos ao Jorge Arag�o autoriza��o para mexer na letra e,
no trecho do samba que dizia �Eu t� no ar, ai que beleza�, mudamos
para �T� no ar, t� Globeleza� e tudo se encaixou com perfei��o.

Minha liga��o com os desfiles de escolas de samba tem origem
em 1949, quando eu estava chegando ao Rio. Ao ver o Imp�rio Serrano
passar na avenida Presidente Vargas, com �Exalta��o a Tiradentes�,
me apaixonei. Era um samba de arrepiar, do Mano D�cio da
Viola, Penteado e Estanislau Silva, cujo refr�o dizia:

Joaquim Jos� da Silva Xavier
Morreu a 21 de abril
Pela Independ�ncia do Brasil
Foi tra�do e n�o traiu jamais,
A Inconfid�ncia de Minas Gerais.



Em 1963, j� trabalhando na transmiss�o do carnaval, na TV
Rio, me deslumbrei com �Chica da Silva�, do Salgueiro. Fernando
Pamplona e Arlindo Rodrigues deram uma impressionante
virada no carnaval. Naquele tempo eu era um admirador
distante e ainda n�o tinha consci�ncia do que representava uma
escola de samba, nem da import�ncia dessa manifesta��o popular.
S� via e gostava. Em 1968, na Globo, conheci o cen�grafo
e carnavalesco Arlindo Rodrigues e pedi para ele decorar
uma coberturinha que eu havia alugado. O Arlindo falava com
entusiasmo das escolas de samba. Eu conhecia pouco sobre o
assunto � sabia que havia quesitos e coisas assim, mas barrac�o,
para mim, era sin�nimo de improviso, um quebra-galho
que eu n�o entendia exatamente o que era. Somente em 1973
� que o Arlindo me arrastou para ver um barrac�o de verdade.
Por volta de agosto desse ano, eu e o R�gis Cardoso quer�amos
que ele fizesse os cen�rios e figurinos de Os ossos do bar�o

� que acabaram sendo feitos, e muito bem feitos, pelo Paulo
Dunlop e pela Mar�lia Carneiro. O Arlindo me pediu desculpas,
mas alegou que n�o poderia fazer o trabalho porque estava
atarefado com a produ��o do enredo �A festa do Divino�, da
Mocidade Independente de Padre Miguel, para o carnaval de
1974. Fiquei uma arara e quis demiti-lo:
� Olha, Arlindo, tudo bem, entendo que voc� gosta de carnaval,
mas a Globo � prioridade e voc� tem que deixar o carnaval
pra l�.
Ele me levou ao barrac�o da Mocidade Independente e me
deu uma aula sobre o tema: falou sobre o uso criativo de materiais,
a organiza��o das alas, a ordem dos desfiles; mostrou
desenhos, projetos, fantasias e mais uma parafern�lia de guerra.
Quando terminou, eu disse:


� �
Sa� na escola com a camiseta de �Diretoria� � nessa �poca
s� havia uma d�zia dessas camisetas e n�o quinhentas como
nos dias de hoje. O samba, puxado por Elza Soares e Ney Vianna,
levantou a avenida Presidente Ant�nio Carlos, onde foi
feito o desfile daquele ano. O Salgueiro ganhou com o maravilhoso
enredo �O rei da Fran�a na Ilha da Assombra��o�, do
Jo�osinho Trinta, e o Arlindo conseguiu um quinto lugar, elevando
a Mocidade de categoria. Dizia-se que a Mocidade era
uma �bateria que tinha uma escola�, mas, a partir desse carnaval,
a escola passou a ser a �que tinha a melhor bateria�.

Comecei a participar dos ensaios e das discuss�es sobre enredo
e coloquei o Edwaldo Pacote como meu representante para
ajudar a escola. Tirei o Arlindo dos trabalhos do final e do
in�cio do ano. A partir desse momento, a Globo, que at� ent�o
se concentrava nos bailes de carnaval, passou a se dedicar
� transmiss�o do desfile das escolas de samba. Posso afirmar
que o Arlindo � o respons�vel por isso.

Em 1975, a Mocidade subiu para o quarto lugar e, em 1976,
para o terceiro, com �M�e Menininha do Gantois�, sugerido
pelo baiano Edwaldo Pacote. A bateria da Mocidade, inteira,
entrou de cabe�a raspada. Em 1977, o Arlindo foi para a Vila
e voltou em 1978, mas foi em 1979 que fomos campe�es com

o �Descobrimento do Brasil�. Depois do desfile, o Arlindo estava
aborrecido com alguns acontecimentos dentro da escola e
resolveu dar um tempo.
Em 1983, o governador Leonel Brizola decidiu pela constru��o
do Samb�dromo. O soci�logo e apaixonado pela educa��o
Darcy Ribeiro era um homem extrovertido, preparado, mas
confuso. Ele inventou duas coisas malucas no carnaval: uma


foi a pra�a da Apoteose, projetada a seu pedido e que, na cabe�a
dele, permitiria que cada escola desse uma volta no final,
fazendo um c�rculo e passando por dentro dela mesma � coisa
que nunca aconteceu �, num desconhecimento total do que �
uma escola de samba, com seus carros aleg�ricos, alas e bateria;
a outra inven��o foi o Super Campeonato, que s� existiu
uma vez porque n�o fazia nenhum sentido. Nas reuni�es preliminares,
fui contra essas propostas e come�ou a se criar um
ambiente delicado de entendimento entre o Darcy, representado
pelo Carlos Imperial, e a Globo. Por outro lado, o governo,
com o Samb�dromo na m�o, assumiu a negocia��o dos direitos
de transmiss�o anteriormente discutidos com a Associa��o
das Escolas de Samba. A coisa foi engrossando e, pressionado,
achei uma sa�da: combinei com o Moys�s Weltman, da Manchete,
que ele compraria o carnaval sozinho e depois repassaria
a minha parte. Esse compromisso foi assumido pedra e cal, depois
dele ter consultado o Adolfo Bloch. Uma vez assinado o
contrato, no entanto, o Weltman n�o me atendia mais e o Bloch
n�o respondia nenhum telefonema do dr. Roberto Marinho.
Como a Globo havia ajudado a Manchete a receber as concess�es
dos seus canais, inclusive fazendo, de gra�a, o projeto t�cnico
para o Minist�rio das Comunica��es. O dr. Roberto declarou
guerra ao Adolfo Bloch.

Ficamos fora do carnaval. No Rio, a Manchete deitou e rolou
na audi�ncia, mas no resto do Brasil, sem carnaval, a programa��o
da Globo cresceu em rela��o aos anos anteriores. Essa
� a verdade completa da hist�ria. O Brizola, de forma demag�gica,
tentou inventar que a Globo quis boicotar o Samb�dromo.
Uma infantilidade. N�o ir�amos perder o evento por causa
disso. Quanto � Manchete, foi para ela uma �vit�ria de Pirro�.
Cutucou o le�o com vara curta. N�s, que �ramos aliados de



les, passamos a consider�-los inimigos e, como a caracter�stica
da Globo foi sempre de um �corredor de fundo, de longa dist�ncia�,
a Manchete sofreu muito com o n�o cumprimento do
acordo. Sem di�logo com o Brizola, procurei o Castor de Andrade,
o Anisio Abra�o David, o Capit�o Guimar�es e o Luizinho
Drumond, pedindo ajuda �s escolas. O Castor, devido �s
minhas rela��es com a Mocidade Independente, foi categ�rico:


� Ou a Globo volta a transmitir os desfiles ou vamos desfilar
em Niter�i.
N�o foi por esse motivo que foi fundada a LIESA (Liga Independente
das Escolas de Samba), pois a retomada da negocia��o
do carnaval era o objetivo principal. Juntou a fome com a
vontade de comer. A LIESA foi fundada e passamos a ter uma
arma para enfrentar o Brizola. Ele me recebeu em seu apartamento
em Copacabana e eu levei o documento de funda��o assinado
por 12 das maiores escolas. Ele espumava de �dio, mas
ligou para o Marcelo Alencar, ent�o prefeito, e pediu que me
recebesse junto com a diretoria da rec�m-fundada LIESA. Fomos
ao alto da Tijuca e o quarteto Castor, Anisio, Guimar�es
e Luizinho negociou a retomada dos direitos, o processo de organiza��o
e o controle de uma festa que, legitimamente, pertence
�s escolas de samba e n�o ao poder p�blico.

A pedido do Castor de Andrade e do Paulinho de Andrade,
voltei a frequentar os ensaios e fui v�rias vezes jurado na escolha
de sambas-enredo para a escola. Em 1989, na Lagoa, no
apartamento do Paulinho, o g�nio Renato Lage prop�s fazer
uma homenagem ao Arlindo Rodrigues e ao Fernando Pinto.
Achei a ideia sensacional, mas pedi a ele que estudasse uma
maneira de fazer isso olhando para frente, para o futuro. Assim
nasceu o �Vira, virou, a Mocidade chegou�. No dia do desfile,


na concentra��o, passei a Mocidade em revista do come�o ao
fim e cumprimentei o Renato:

na concentra��o, passei a Mocidade em revista do come�o ao
fim e cumprimentei o Renato:
Est� no papo, voc� ganhou o carnaval.
N�o deu outra. Ele ganhou de novo em 1991, com �Chu�,
chu�, as �guas v�o rolar�. E, por um triz, n�o emplacou um
tricampeonato com �Sonhar n�o custa nada�. Com a morte do
Castor de Andrade e, depois, do Paulinho, fiquei fora do carnaval.
O Renato foi brilhar no Salgueiro. Com a rela��o de carinho
que sempre tive com o Anisio Abra�o, mesmo sendo Mocidade
de cora��o, me aproximei da Beija-Flor, onde todos os
anos rendo minhas homenagens � comiss�o de carnaval presidida
pelo mestre La�la. O trabalho feito pelo Anisio e por seu
irm�o Davi, em Nova Igua�u, em prol da comunidade, � de tirar
o chap�u. O Jaider, da Grande Rio, � outra figura �mpar que
briga pela qualidade e persegue seu t�tulo acreditando sempre
na supera��o. Em Caxias, construiu a maior e melhor quadra
de todas as escolas e inventou os ensaios na zona sul do Rio de
Janeiro. O Capit�o Guimar�es, sempre tranquilo e low profile,
foi o grande mentor e articulador da LIESA e � outra personalidade
a quem os amigos e o carnaval muito devem.

A LIESA deu uma nova dimens�o ao desfile das escolas
de samba. Disciplinou o tamanho das escolas, os hor�rios dos
desfiles, o julgamento, a venda de ingressos, a produ��o de
CD�s e, finalmente, conseguiu que fosse constru�da a Cidade
do Samba, retirando as escolas de barrac�es infectos e improvisados.
Podem dizer que o carnaval se profissionalizou. E
da�? Como qualquer entretenimento no mundo, os esportes, as
olimp�adas, o futebol, tudo, enfim, necessita de planejamento
e organiza��o. Os diretores da LIESA fizeram um trabalho que
deu uma nova dimens�o ao evento. O Jorginho Castanheira,
atual presidente, � um profissional respons�vel e brilhante ad



ministrador. O carnaval com a LIESA abandonou o amadorismo,
mas jamais deixou de ser movido a paix�o.

E � esse o clima que ainda vigora na Globo. Carnaval �
LIESA... Carnaval � Globeleza.








e
M�rio Gomes



























� ta�a na ra�a, Brasil


POR INCR�VEL QUE PARE�A, AT� QUASE os anos 1970, as transmiss�es
esportivas, o carnaval e grandes eventos em locais abertos eram
transmitidos livremente pelas emissoras, sem qualquer pagamento de
direitos. O futebol, por exemplo, era transmitido para o pr�prio local
da partida e n�o havia nenhuma restri��o a isso. Lembro de um jogono velho est�dio do Palestra, na �gua Branca, em S�o Paulo, no qual
os dirigentes do Palmeiras mandaram fazer uma cortina de bambu
para impedir que a TV Tupi fizesse a transmiss�o. O rep�rter Jos�
Carlos de Moraes, conhecido como Tico-Tico, recebeu instru��es do
Cassiano Gabus Mendes e, com aux�lio de alguns companheiros da
emissora, botou a cortina abaixo e conseguiu que o jogo fosse transmitido.
No dia seguinte, alguns jornais estamparam na primeira p�gina:
�Tico-Tico derruba o bambuzal do Periquito.� O Palmeiras na
�poca ainda n�o tinha o porco como mascote, e sim um simp�tico
periquitinho verde.

Havia uma briga danada entre a Tupi de S�o Paulo e a Record para
ver quem conseguia transmitir de mais longe. Uma chegava a Santos,
a outra a Campinas e a guerra continuava. A TV Record tentou
transmitir do Rio e n�o conseguiu. A Tupi publicou um an�ncio que
dizia: �Estamos organizando uma prociss�o para buscar a imagem da
TV Record que ficou em Aparecida.� Mas a Record conseguiu antes
da Tupi, e o narrador e rep�rter S�lvio Luiz deu uma esnobada passeando
pelo Posto 6, onde ficava a TV Rio, antes da transmiss�o do


jogo Brasil x It�lia. A Record publicou sua propaganda: �Quinhentos
quil�metros na frente.� Depois, a Tupi deu o troco,
fazendo Rio-S�o Paulo, ida e volta, e comemorou: �Seus quinhentos
mais quinhentos.� O chamado direito de arena s� foi
regulamentado em 1973 e, da� em diante, tudo ficou diferente
no futebol. Em 1993, a Lei Zico complementou essa quest�o.

O Pel� foi outro batalhador pelos direitos dos atletas. Eu o
conheci por interm�dio do Edson Leite, em 1963, quando fui
gravar com ele um testemunho para a TV Excelsior. Nos tornamos
amigos e muitas vezes o Pel� foi a Angra participar do
meu churrasco. E eu fui assar carne para ele nos Estados Unidos,
nos Hamptons, quando fiquei hospedado na casa da Xuxa.
O Pel� � aquela figura meiga que n�o sabe dizer n�o. Em Nova
York, jant�vamos com um grupo de amigos, quando o restaurante
inteiro foi pedir aut�grafo para ele, que atendia todo
mundo. Aquilo acabava com ele e destru�a o nosso jantar. Uma
hora eu dei um basta e proibi os aut�grafos. Assumi, de mentirinha,
que era empres�rio do Pel� e fui acabando com a fila,
falando duro em ingl�s:

� Desculpe, eu sou mr. Boni, empres�rio do Pel� e, por favor,
chega de aut�grafos por hoje. Nada mais. Nada mais.
Um dia, encontrei com um dos americanos em outro restaurante
e ele foi me pedir aut�grafo, para ele e para um amigo.
Eu n�o me lembrava de onde o conhecia, mas ele me apresentou
ao amigo:

� Este � mr. Boni, o famoso empres�rio do Pel�.
N�o expliquei nada. Dei o aut�grafo e ainda desenhei uma
bandeira do Brasil, com uma bola de futebol no meio.
Al�m de comentarista, o Pel� fez muitas coisas na Globo.
Juntos, produzimos programas e document�rios. Creio que n�o
h� outro atleta brasileiro com tantos pr�mios. O lindo gol do


Pel� no torneio Rio-S�o Paulo, em 1961, inspirou o ent�o radialista
Joelmir Beting a criar a express�o �gol de placa� que
est� at� hoje no Maracan�, com os dizeres: �Neste est�dio Pel�
marcou no dia 5 de mar�o de 1961 o gol mais bonito de sua
carreira, dando origem � express�o �gol de placa�.�

O Joelmir n�o previa, mas o seu �gol de placa� foi definitivamente
incorporado ao futebol. Em 1980, o Pel� foi eleito o
atleta do s�culo, pela revista francesa L��quipe. Em 1981, foi
disputado um amistoso Brasil x Fran�a para a entrega do pr�mio
e o Jo�o Havelange me convidou para assistir � partida. O
Jo�o sempre foi muito carinhoso comigo e, nas Copas do Mundo,
me mandava ingressos especial�ssimos. Respeito e admiro
muito o que ele fez pelo futebol brasileiro e pelo esporte em
geral em nosso pa�s. Um dia, almo�ando com o dr. Roberto, o
Jo�o disse que a Copa do Mundo de 2010 ou a de 2014 seria,
provavelmente, no Brasil. O dr. Roberto ficou entusiasmado.

� Se for em 2010, eu quero estar na tribuna com voc�.
A F�rmula 1 tamb�m me traz recorda��es marcantes. Lembro
muito do Luiz Eduardo Borgerth, do Julinho Delamare, do
Antonio Scavone e do Ayrton Senna, � claro.

Recordo como se fosse hoje a entrada da Globo no automobilismo.
O Emerson Fittipaldi ingressara na L�tus, em 1970,
assumindo a posi��o de segundo piloto. O primeiro piloto, Jochen
Rindt, morreu em um acidente em Monza. O Borgerth,
diretor da Globo em S�o Paulo, o Julinho Delamare, diretor do
departamento de esportes da Central de Jornalismo, e o Scavone
resolveram apostar na carreira do Emerson, que j� havia
brilhado na F�rmula 3, na Inglaterra. O Arce, o Jos� Octavio,
o grande Nonato Pinheiro e o Magaldi identificaram ali
uma grande oportunidade de neg�cios e se juntaram ao time
de entusiastas pela F�rmula 1. Em 1972, eles conseguiram fa



zer uma prova no Brasil, mas sem validade para o t�tulo. Nesse
ano, Emerson, aos 25 anos, tornou-se o mais jovem campe�o
da hist�ria. Em 1973, a F�rmula 1 veio oficialmente para

o Brasil. Com a ascens�o do Emerson, foram realizadas duas
provas no pa�s em 1974: uma em Interlagos e outra em Bras�lia.
Em 10 de julho de 1973, o Julinho e o Scavone partiram
para Paris e, de l�, iriam para Genebra, onde o nosso correspondente
Janos Lengel os esperava para assinar os contratos de
realiza��o da prova de F�rmula 1 no Brasil. Nunca chegaram.
O avi�o sofreu um inc�ndio e os dois morreram em um pouso
for�ado pr�ximo a Orly. Foi uma tristeza. O Julinho era amado
por todos pela sua cultura esportiva e pelo seu estilo calmo
e tranquilo de conviver com colegas e amigos. O Scavone era
um talento empresarial respeitado por todos. A Globo ficou de
luto, mas tivemos que realizar a transmiss�o de 1974, da qual
fiquei encarregado. Havia apenas tr�s c�meras: uma ficava na
reta, outra em cima da torre da caixa d��gua de Interlagos e outra
na chegada. A da caixa d��gua ia dando voltas para acompanhar
todo o circuito e, quando chegava em um determinado
ponto, a c�mera tinha que sair do ar porque era preciso libertar
o operador que ficava todo enrolado no cabo. Naquele tempo,
a narra��o era feita de dentro da unidade de transmiss�o e o
narrador Luciano do Valle ajudava na produ��o, na coloca��o
de legendas e informa��es sobre dist�ncia entre os correntes e
em outras tarefas. Tudo era improvisado. Para mostrar a pista,
foi preciso amarrar no cap� de um carro, com uma c�mera
na m�o, o meu assistente de produ��o, o Arnaldo Artilheiro

� campe�o de jud�, com dois metros de altura. S� ele aguentava
o peso de uma c�mera de v�deo, enorme naquela �poca.
O gravador ia dentro do carro. Gravamos em uma brecha dos

treinos, porque precis�vamos de p�blico nas arquibancadas para
as imagens n�o ficarem frias. Quando vimos o tape, quase
matei o Artilheiro: o brutamontes tinha o ded�o do p� do tamanho
do meu p� inteiro. Quando havia uma curva para a direita,
no canto da imagem aparecia o ded�o dele e, quando virava
para esquerda, o ded�o aparecia no outro canto. Era um show
de ded�o e n�o poder�amos gravar de novo porque n�o haveria
tempo. Tivemos que copiar fazendo uma m�scara de modo
a eliminar o ded�o do Artilheiro. Para preencher o espa�o negro,
colocamos letreiros indicando em que parte da pista est�vamos.
Todo mundo achou que a m�scara era de prop�sito e
recebemos cumprimentos pelo trabalho.

As transmiss�es foram evoluindo � medida que os equipamentos
foram se tornando mais leves e sofisticados. O Aloysio
Legey assumiu a dire��o e, pacientemente, fez um estudo de
posicionamento de c�meras que se tornou permanente em Interlagos.
Mais tarde, introduzimos o segundo corte e tamb�m

o helic�ptero para que pud�ssemos mostrar os outros pelot�es
e n�o somente quem estava na frente. As c�meras dentro dos
carros foram desenvolvidas pelo Bernie Ecclestone. Fiz uma
grande amizade com o Bernie e com o Tamas Rohonyl, seu representante
no Brasil e respons�vel pela implanta��o da F1 em
mais de uma dezena de pa�ses. Quando chegava ao Rio, o Bernie
jantava na minha casa e, depois da transmiss�o, eu e o Legey
�amos chorar os erros cometidos, em um tradicional churrasco
de �lavagem de culpa�, tamb�m na minha casa.
Em 1988, come�ou a era de vit�rias do Ayrton Senna. O Legey
teve a ideia de fazer uma trilha sonora para a transmiss�o
e o maestro Eduardo Souto criou o �Tema da vit�ria�, que passou
a ser o prefixo do Ayrton. Uma noite, jantei no Fasano com

o Emerson, o Piquet e o Ayrton. Eles queriam levar o Senna

para a F�rmula Indy, mas essa tentativa aconteceu logo depois
que o Piquet havia sofrido um acidente que atingiu seus p�s. O
Ayrton repetia:

para a F�rmula Indy, mas essa tentativa aconteceu logo depois
que o Piquet havia sofrido um acidente que atingiu seus p�s. O
Ayrton repetia:
N�o vou, n�o vou. Quero ficar com os meus pezinhos inteiros.
O Ayrton era introspectivo, calado e n�o bebia. Quando acabava
o campeonato, ele costumava ir para sua casa em Angra
e eu o levava para comer uma carne na minha casa. Aos poucos,
eu ia empurrando uma grappa para ele, que come�ava a
contar piadas. Era um ex�mio contador de piadas e, como n�o
bebia, bastavam duas grappas para ele ficar mais engra�ado
que o Chico Anysio. Um dia, ele deu um show fenomenal e,
se sentindo mais pra l� do que pra c�, quis parar no auge das
hist�rias. Eu disse a ele:

� Vamos brincar de ventr�loquo. Eu te seguro e voc� manda
ver o repert�rio.
� Mas sem grappa.
� Sem grappa.
Foi uma noite incr�vel. O Ayrton era um amor. Tirava fotos
com todo mundo e n�o tinha a menor banca. O Diogo, meu filho,
era vidrado nele e colecionava alguns capacetes de corrida
autografados. Quando aconteceu o acidente em Imola, o Diogo
ficou doente.

Sempre tive grande admira��o pelo pessoal do esporte e conheci
muitos deles de perto. Cito aqui os que considero representantes
de todos aqueles que projetaram o nome do Brasil no
mundo: a Hort�ncia e o Oscar Schmidt, do basquete; a Isabel e

o Bernard, do v�lei; o Pel�, o Ronaldo, o Ronaldinho, o Cac� e
o Zico, do futebol; o Eder Jofre e o Pop�, do boxe; o Emerson,
o Piquet, o Ayrton e o Barrichello, da F�rmula 1; o Guga, do
t�nis, e o C�sar Cielo, da nata��o.

O departamento de esportes da Central Globo de Jornalismo
foi crescendo, aos poucos, sob o comando de chefes competentes
como o Julio De Lamare, o Leonardo Gryner � que montou
a primeira estrutura operacional do departamento �, o Pedro
Lu�s, o Ciro Jos� e o Luiz Fernando Lima na era atual. Assim
que a Globo teve verba para comprar equipamentos, me
envolvi pessoalmente em projetos e investi em tecnologia para
conseguir realizar as melhores transmiss�es de todo e qualquer
tipo de esporte. Criei o Esporte espetacular, que inicialmente
transmitia document�rios aos s�bados. Fui a quase todas
as Olimp�adas e Copas do Mundo, com meus amigos Armando
Nogueira, Ciro Jos� e S�rgio Mendes. Sempre incentivei a
transmiss�o de esportes diversificados. Por isso, muita gente
diz que n�o gosto de futebol. Mas como eu seria um apaixonado
sofredor corintiano se n�o gostasse de futebol? O que eu
n�o gosto � de jogo ruim, de preencher hor�rios preciosos com
jogos med�ocres ou entre times inexpressivos. Acho que tudo
precisa ter uma medida.

Gosto tanto de futebol que encomendei ao compositor Tavi-
to, em 1964, o tema de futebol da Globo, que at� hoje est� noar. Mexi no meio da letra e troquei o verso final por �� ta�a na
ra�a, Brasil�.


Dos musicais da Globo ao Sinatra
de Itaparica


A GLOBO SEMPRE TEVE UMA LIGA��O profunda com a m�sica. N�o s�
nas novelas ou em programas de linha como o Fant�stico eo Globo
de ouro, mas tamb�m em projetos como o Grandes nomes, produzido
pelo Guto Gra�a Mello e pelo Daniel Filho e dirigido pelo Daniel.
Por l� passaram Simone, Caetano Veloso, �ngela Maria, Jorge
Ben Jor, Paulinho da Viola, Gilberto Gil, Elis Regina, Rita Lee,
Gal Costa, Gonzaguinha, Ney Matogrosso, Agnaldo Tim�teo e at�

o Jo�o Gilberto � que se apresentou sem atrasar, sem reclamar de
nada e ainda levou a Bebel Gilberto para participar de seu especial.
Tamb�m � do Daniel Filho, com a participa��o do Nelson Motta, a
concep��o de Chico e Caetano, uma s�rie de programas com os dois
artistas, exibida de abril a dezembro de 1986, com dire��o do Roberto
Talma. O meu compadre e grande amigo S�rgio Mendes mereceu
dois excelentes especiais feitos pela Globo. Um, em 1975, chamava-
se S�rgio Mendes, a viagem, era apresentado pelo Blota Jr. � o grande
apresentador de S�o Paulo � e dirigido pelo Augusto C�sar Vanucci.
O outro, o S�rgio Mendes especial, era escrito pelo Miele e
pelo B�scoli e tamb�m contava com a dire��o do Vannucci. Nos dois
especiais desfilaram os mais importantes nomes da m�sica brasileira.
O S�rgio participou tamb�m da estreia do Fant�stico, com um show
direto do Central Park, em Nova York. Al�m de compadre, ele � meu

parceiro de vinho e viagens. No mundo inteiro, � reverenciado
como um dos mais brilhantes nomes do cen�rio musical internacional.
A comadre Gracinha Leporace n�o poderia ter outro
nome: � gracinha mesmo. A Globo produziu tamb�m o Festival
Internacional da Can��o e outros grandes eventos musicais,
como o Som Livre exporta��o, com a presen�a de 100 mil pessoas
no Anhembi, em S�o Paulo, transformado em um excelente
document�rio pelo Guga, meu irm�o.

A Globo ousou tamb�m nos musicais montados, exibindo
n�o s� o canto e a m�sica, mas a coreografia, cen�rios, figurinos,
talentos exuberantes e grandes diretores. S�o exemplos
disso: o Sandra & Miele, da Sandra Br�a e do Luiz Carlos
Miele; o Brasil pandeiro, da Betty Faria, e o N�o fuja da Raia,
da Cl�udia Raia.

O dr. Roberto apreciava todo tipo de m�sica, mas a sua verdadeira
paix�o era a m�sica cl�ssica. Por isso, desde a inaugura��o
da Globo, o Concertos para a juventude era transmitido
semanalmente, aos domingos pela manh�. Mais tarde, chegamos
a ter o Concertos internacionais, exibido em hor�rio nobre,
uma vez por m�s.

Na �rea de atra��es internacionais, o Rock in Rio tamb�m
contou com o apoio da Globo para ser viabilizado. Em 1986,
depois que o Roberto Medina concebeu o projeto, nos procurou
para que o ajud�ssemos na sua realiza��o. Sem a transfer�ncia
de dinheiro dos anunciantes da Globo para o evento, o
Rock in Rio n�o teria sa�do do papel. Adorei a ideia � que poderia
aproximar a Globo de um p�blico espec�fico � e, junto
com o Medina, levei a proposta ao departamento comercial da
empresa. No in�cio encontramos resist�ncia, mas depois que o
Roberto fez uma excelente apresenta��o, foi selada uma duradoura
parceria para a realiza��o do projeto. Uma das mais for



tes raz�es para confiar no esp�rito empreendedor dele era o fato
de ter conseguido trazer o Sinatra, em 1980, para cantar no
Rio de Janeiro.

A vinda do Sinatra foi uma dessas apostas do Medina que tinha
tudo para dar errado. Nunca um show dessa propor��o havia
sido feito no Maracan�. O M�rio Monteiro e o Abel Gomes
montaram um palco em forma de estrela, totalmente descoberto
no centro do gramado, para permitir a vis�o de qualquer
ponto do Maracan� e facilitar o trabalho de ilumina��o concebido
pelo Peter Gasper. Foram colocados canh�es de luz em
toda a cobertura do est�dio, dirigidos para o centro. Os canh�es
eram t�o pesados que tiveram de ser colocados por helic�pteros.
O Medina, sempre ambicioso e cuidadoso, havia contratado
a maior empresa de som de Los Angeles, a A-1, e foi preciso
um Boeing para trazer todo o equipamento. O cen�rio atrasou
e o som s� p�de ser montado na �ltima hora. Como chovia,
n�o foi poss�vel passar o som com a orquestra para n�o molhar
os violinos � que ficariam desafinados �, nem inutilizar os microfones.
Corria o boato de que o show seria adiado. Mas isso
era imposs�vel, porque o Frank Sinatra n�o tinha mais data para
ficar no Brasil. Se n�o acontecesse o show, os ingressos teriam
que ser reembolsados e o Sinatra receberia de qualquer forma
o pagamento. Seria um caos. S� havia duas coisas a fazer:
a primeira era rezar para que parasse de chover e a segunda,
como a venda de ingressos estava esgotada, era convencer os
portadores de bilhete a comparecerem para que o est�dio n�o
ficasse vazio, caso a maldita chuva parasse. O Roberto Medina
e eu nos reunimos e decidimos correr o risco de informar pela
televis�o, e por todas as emissoras de r�dio do Sistema Globo,
que haveria o show. Bancamos essa parada e fomos os primeiros
a chegar ao Maracan�. Est�vamos com o cora��o na boca


e os olhos grudados no c�u. O Sinatra, profissional, foi para o
est�dio, mas deixou claro que com chuva n�o entraria no palco,
mesmo porque nem haveria como ter orquestra e som. O tempo
passava e, para aumentar nossa esperan�a, as nuvens tamb�m
passavam. A nossa mensagem havia funcionado e o est�dio estava
completamente lotado. Faltavam alguns minutos. De repente,
entre as nuvens, surgiu uma lua promissora. O Aloysio
Legey, ao meu lado, gritou:

� Olha a lua! Olha a lua!
Imediatamente, ele correu para a unidade m�vel de transmiss�o,
enquanto eu � que estava l� apenas como diretor da
Globo � resolvi agir e pedi para o maestro americano Vincent
�Vinnie� Falcone entrar com os m�sicos. Mandei nossos contrarregras
descobrirem os microfones, as partituras e as cadeiras,
que estavam protegidos com pl�sticos. Os m�sicos entraram
e tomaram seus lugares. C�meras, som, luz... tudo pronto.
S� faltava o Sinatra. Eu estava na entrada do palco, quando o
Medina chegou desesperado:

� O Sinatra est� com medo da chuva. Est� l� com o manager
dele e diz que n�o entra. Eu disse a ele que voc� suspenderia o
show se voltasse a chover. Vem comigo. Ele quer uma garantia.
Sabendo que ele era do signo de sagit�rio, fui at� l� e apelei,
dizendo em ingl�s:

� Mr. Sinatra, eu tamb�m sou sagitariano e dou minha palavra
que paro o show no primeiro pingo de �gua que cair. Palavra
de sagitariano.
Ele se levantou e o Medina se enganchou no bra�o dele, partindo
para o palco. Fui na frente, pela passarela descoberta. Nada
de chuva. Quando percebi que ele estava no point of no return,
chamei o Peter Gasper no r�dio:


��
O Medina, quase empurrando o Sinatra, colocou-o em cena.
O maestro Falcone atacou com a orquestra e o cantor entrou
saltitando. Naquele momento come�ava o maior show da carreira
dele e o maior torcicolo da nossa vida, pois, at� o final,
eu e o Medina ficamos com os olhos pregados no c�u como se
f�ssemos da artilharia antia�rea. N�o houve ataque. Nem bombas,
nem respingos. Tudo terminou em paz. O Sinatra estava
radiante. Creio que se tivesse chovido no meio do espet�culo
ele continuaria no palco at� sem orquestra.

O mais engra�ado da passagem do Sinatra pelo Brasil foi a
ida dele a Salvador, na Bahia, para descansar alguns dias em
Itaparica. Chegando l�, em uma noite, levaram-no, inc�gnito,
para assistir a um show de m�sica nordestina. Dizem que ele se
entusiasmou e, sem revelar quem era, resolveu dar uma �canja�.
Passou a m�o no microfone, solfejou com o sanfoneiro
e cantou �My Way�. Muito aplaudido, continuou depois com
�Strangers in the Night�. Quando ia cantar a terceira can��o,
come�ou a ser vaiado e foi interrompido. As pessoas gritavam:

� Chega, chega. Queremos ax�.
� Fora, gringo!
E o Sinatra supostamente teria sa�do de fininho, direto para
o hotel. Mas toda essa hist�ria n�o passa de boato. O fato � que
alguns empres�rios, chateados com a recusa do �Blue Eyes�
em fazer uma apresenta��o na Bahia, levaram a grande Licia
F�bio, a Luiza Olivetto e o Guilherme Val�ncia a inventarem
essa vingan�a. Na verdade, o cantor jamais passou por aquelas
bandas e nunca houve nem show para valer nem �canja� alguma.

O Sinatra n�o estourou em Itaparica.


A volta das garotas-propaganda
e o filme publicit�rio


QUANDO SE PENSAVA QUE AS garotas-propaganda j� tinham dado
adeus � televis�o, elas voltaram a atacar. A diferen�a dos anos 1970
para c� � que agora elas est�o travestidas de mega-stars. N�o que sejam
uma novidade absoluta, porque o Chacrinha sempre vendeu bacalhau.
Mas eu n�o me lembro do Jota Silvestre nem do Fl�vio Cavalcanti
se esgoelando para vender algum produto, nem me recordo
de v�-los com frequ�ncia em filmes comerciais de televis�o. Mas est�
na cabe�a de todos n�s que o Silvio Santos, o maior comunicador
de todos os tempos, foi tamb�m o maior garoto-propaganda da hist�ria
da televis�o.

O Silvio Santos, que quando jovem vendia canetas nas barcas Rio-
Niter�i, foi o primeiro profissional brasileiro que chegou a ser dono
de uma rede de televis�o. Ele vendeu de tudo: carn�s do ba�, mega-
sena, aplica��es no seu banco, cosm�ticos e at� os filmes e programas
que exibia. Quando n�o o fez pessoalmente, usou a sua rede de
televis�o para faz�-lo, e o SBT praticamente foi sustentado pelos neg�cios
do patr�o. L�, o Gugu tamb�m foi um garoto-propaganda ativo
e vendedor, assim como a Hebe. Al�m de um cantinho acolhedor
no seu sof� para receber os convidados, ela usou a sua irradiante simpatia
para vender de tudo. E continua vendendo. A Hebe � uma li��o
para todos n�s. Atualmente as superm�quinas de venda s�o o Fausto
Silva, a Ana Maria Braga e o Luciano Huck. A diferen�a entre eles e
as garotas do passado � que por tr�s de suas mensagens est�o publi



cit�rios de alto gabarito encontrando mecanismos eficientes de
persuas�o.

cit�rios de alto gabarito encontrando mecanismos eficientes de
persuas�o.
nicos,
as garotas-propaganda se viravam sem a ajuda de profissionais
experientes, demonstrando seus artigos de venda com
textos que mais pareciam reclames. Algumas viviam nos corredores
das emissoras � espera de um publicit�rio aflito com
um texto na m�o � procura de quem o levasse para o v�deo.
Outros tinham o privil�gio de ter exclusividade com seus anunciantes
e se identificavam com o produto que vendiam. E vendiam
mesmo. Depois, os filmes � mal-iluminados, mal revelados
e com som quase inintelig�vel � foram recebendo investimentos
e se aperfei�oaram. Ao chegar � Globo, procurei tomar
todas as provid�ncias necess�rias para exibir com qualidade e
proteger os comerciais, pois afinal a televis�o � rigorosamente
um ve�culo de publicidade.

O grande Petit, da DPZ, em um artigo na Folha de S. Paulo,
foi al�m, lembrando que a qualidade da Globo ajudou muito a
criar um ambiente favor�vel � melhoria dos comerciais de TV.

A qualidade do filme publicit�rio brasileiro � reconhecida
internacionalmente. Em 1972, com o filme Pingo, produzido
pela Blimp � e dirigido pelo meu irm�o Guga �, o Washington
Olivetto ganhou seu primeiro Le�o de Bronze, em Cannes. Em
1974, ele ganhou o primeiro Le�o de Ouro para o Brasil, com o
filme Homem com mais de 40 anos. O curioso � que o Olivetto
ganhou, no mesmo ano, o primeiro e o segundo lugar no festival.
O segundo foi com um filme para o Bamerindus, usandoum pseud�nimo, pois fez o trabalho �na moita�. � o primeiro
caso de ghost lion na hist�ria. Em 2009, o megapublicit�rio Nizan
Guanaes ganhou, pela quarta vez, o Le�o de Ouro como a
melhor ag�ncia de publicidade de todo o mundo. E ganhamos


muitos e muitos outros Le�es. O engra�ado � que quando chegamos
no auge da produ��o, com os publicit�rios brasileiros
pagando excesso de bagagem com suas malas abarrotadas de
Le�es e outros trof�us, acabamos voltando �s nossas garotas-
propaganda.

Fausto Silva, rep�rter de campo, amante do r�dio e conhecedor
da hist�ria dos ve�culos de comunica��o, foi levado para a
Globo por mim, depois de passar pela TV Bandeirantes, onde
fazia o Perdidos na noite. Chegou de mansinho, como quem
n�o queria muita coisa, mas logo se revelou um comunicador
com uma for�a de vendas incr�vel. Hoje vende ao vivo em seu
programa e tamb�m o que quiser em comerciais filmados. Como
ele mesmo diria, �n�o se fazem mais Faustos como antigamente�.
O Fausto � especial. Est� sempre preocupado com
os amigos, com a sa�de da gente e d� um carinho especial aos
mais velhos, como sempre fez com a Dercy Gon�alves. Re�ne
em sua casa todos os seus colaboradores e homenageia comfrequ�ncia aqueles que abriram o caminho que ele trilha. � t�o
bom fazendo o seu programa quanto vendendo produtos. As
qualidades dele como ser humano leal e generoso parecem ser
transparentes, o que lhe confere uma credibilidade sem paralelo
na televis�o. Quer vender? Chama o Fausto.

Quem vai pelo mesmo caminho � o �genro ideal das telespectadoras�,
o bom-mo�o e grande amigo Luciano Huck. N�o
h� um tipo de produto especial nem um determinado p�blico
que se queira atingir para o qual o Huck n�o seja recomendado.
Ele fala com todas as classes com a mesma facilidade. Dirige-
se a homens, mulheres e crian�as. Vende o simples e o sofisticado.
� um verdadeiro fen�meno. A outra supermega garota-
propaganda do s�culo XXI � a Ana Maria Braga. � assustadora.
Vende uma coisa com a m�o esquerda e outra com a direita.


N�o entendo como ela n�o se atrapalha dentro da loja virtual
que est� na sua cabe�a.

N�o entendo como ela n�o se atrapalha dentro da loja virtual
que est� na sua cabe�a.
tape,
de boa cria��o, oportunos, bem realizados, bem dirigidos
e corretamente programados pelos �m�dias�. Incluir aqui
todos os que eu gosto seria imposs�vel. Mas lembro de alguns
sem esfor�o: A baratinha, da Rodox; o Beba com modera��o,
da Seagram; o Viemos aqui para beber ou conversar?, da Ant�rctica;
o Limpol, do Garoto Bombril; o Vandalismo do orelh�o,
da Telesp; o Homezinho azul, dos cotonetes da Johnson;

o Bonita camisa, Fernandinho, da USTop; o do Luiz Fernando
Guimar�es para a Caixa Econ�mica; o baixinho da Kaiser;
o Hitler da Folha de S. Paulo;o Primeiro suti�, da Valis�re;
os cachorrinhos dos amortecedores Cofap; o casal Unibanco; o
Pipoca com guaran�; o Alain Delon da Brastemp; as formigas
do som da Philco; os mam�feros da Parmalat.
G�nios � parte, � necess�rio reconhecer o poder do ve�culo
televis�o, hoje turbinado com a qualidade digital de imagem, o
tamanho das telas e o som de alt�ssima qualidade. Com tanta
demanda sobre as nossas novas garotas-propaganda, n�o duvidem
se a Ana Maria Braga come�ar a vender carros e aparelhos
de barbear ou se o Fausto se meter a dar conselhos dom�sticos
e o Luciano Huck come�ar a promover lingerie.

N�o seria, de novo... uma tenta��o?


Homero Icaza S�nchez � o
�bruxo�


FAZER TELEVIS�O � F�CIL. Comunicar � dif�cil.

Criar cen�rios, iluminar, cortar, gravar, editar e coisas assim s�o
fundamentais e importantes na realiza��o de um programa, uma novela,
um evento ou um telejornal. Mas todas elas, mesmo que bem
executadas, n�o fazem um bom programa. Algumas pessoas costumam
dizer que isso � forma e o que vale � o conte�do. � muito mais
que isso. A forma interfere no conte�do. A Gestalt, a psicologia da
forma, nos ensina isso. Comunicar � trabalhar conte�do e forma. Um
pode valorizar o outro ou, simplesmente, destruir. Um dos elos preliminares
da teoria da comunica��o � composto pela rela��o entre a
mensagem, o meio e quem recebe a mensagem. A comunica��o perfeita
s� se d� se a mensagem for clara, se o meio for usado corretamente
e se houver resposta do destinat�rio. McLuhan dizia que o
meio era a mensagem. Pierre Bourdieu, em um ensaio ut�pico, defendeu
que todo meio interfere e modifica a mensagem. A efici�ncia
da comunica��o s� pode ser avaliada pela medi��o constante da
resposta. E � a� que entra o arsenal de pesquisas. As quantitativas de
audi�ncia e de comportamento, atrav�s da medi��o instant�nea. As
pesquisas qualitativas de rea��o e motiva��o, feitas por interm�dio
de group discussion (grupo de discuss�o) e de t�cnicas de investiga��o
indiretas. Todas elas dependendo de uma an�lise e interpreta��o


dos resultados. Qualquer um que queira trabalhar com comunica��o
tem que estar atento ao usu�rio final. E o mais importante
� acumular conhecimentos para saber como e com quem
est� falando e de que maneira quem recebe est� reagindo.

Na televis�o, essa preocupa��o acontece quase sempre a
posteriori, o que amplia o n�mero de ru�dos no processo. Cada
inten��o de comunicar merece um estudo pr�vio, partindo do
conhecimento do comportamento da audi�ncia. N�o apenas de
como tornar real um projeto, mas como criar um produto adequado
para cada tipo de p�blico e, principalmente, qual produto
desenvolver. Com a minha forma��o de publicit�rio, sempre
dei muito valor �s pesquisas e sempre as usei em todas as empresas
pelas quais passei. Minha amizade com o Paulo Montenegro
e com o Perigault, diretores do IBOPE, era anterior �
TV Globo e fruto do meu respeito pela ci�ncia da pesquisa e
do meu interesse em aprender, cada vez mais, sobre o comportamento
do mercado de audi�ncia. Eu costumava jantar uma
ou duas vezes por semana com os dois para enriquecer meus
conhecimentos e arrancar deles mais alguns dados que as pesquisas
n�o revelavam. Cansados desse meu ass�dio, me indicaram
o Homero Icaza S�nchez para fazer, profissionalmente,

o acompanhamento que eu queria.
O Homero, panamenho como o Perigault, veio para o Brasil
estudar Direito, gra�as a uma bolsa de estudos que conquistou
com um primeiro lugar. Depois de formado, devido ao seu brilhantismo,
tornou-se embaixador de seu pa�s. Poeta, publicou
tr�s livros, em espanhol: Primeros poemas (1947), editado por
Manuel Bandeira, Poemas para Cuerda (1956) e Un solo de
amor (1979). Foi rep�rter especial da revista O Cruzeiro, pela
qual entrevistou uma dezena de chefes de Estado na Am�rica
Latina e tamb�m o pintor mexicano David Siqueiros. Em 1968,


deu uma guinada e fundou o Instituto T�cnico de An�lises de
Pesquisa e Estudos (ITAPE), dedicado ao exame da comunica��o
de massa. O Chacrinha foi um de seus primeiros clientes,
em 1970. Nesse ano, almocei com ele, o Paulo Montenegro e o
Perigault no restaurante Antonio�s. O almo�o durou tr�s horas
e a identifica��o entre n�s foi imediata. Ouvi dele o que esperava
ouvir:

� As pesquisas mostram o que aconteceu. Servem para a
�rea comercial calcular o custo por mil espectadores e vender
an�ncios. Mas n�o garantem o julgamento do que est� acontecendo
nem mostram o caminho a seguir.
Entusiasmado, mas querendo ter o Homero com exclusividade,
perguntei:

� Quanto vale o ITAPE?
� Olha, Boni, vale muito e n�o vale nada. N�o est� � venda.
� Mas o ITAPE faria um contrato de exclusividade com a
Globo?
� Fa�o e garanto a minha presen�a como pessoa f�sica. S�
tenho um compromisso que preciso cumprir. Durante tr�s anos
tenho que dar aulas de comunica��o na UFRJ.
Topei. Contratei o Homero e ele criou, na Globo, o departamento
de an�lise de pesquisas. Coloquei � disposi��o do departamento
dele toda a verba necess�ria para fazer estudos sociol�gicos,
pesquisas de h�bitos e tend�ncias, pesquisas comportamentais,
fluxo de tr�fego, hor�rios de sair e voltar para
casa e at� h�bitos sexuais. Um dia, pedi a ele que investigasse

o porqu� da queda da audi�ncia nos s�bados � noite. Depois de
uma semana ele voltou com n�meros:
� Nesse hor�rio o pessoal est� transando em casa.
Com o tempo, o Homero criou um painel de pesquisa composto
por telespectadores do Rio e de S�o Paulo e dava respos



tas imediatas �s minhas quest�es. Mais tarde, montou um grupo
de leitores para ler e opinar sobre as sinopses de novelas e
programas que estavam em estudos para serem feitos ou n�o.
Nas reuni�es de cria��o, ele participava at� de detalhes como

o tempo em que uma legenda de identifica��o ficaria no ar. Fizemos
juntos os trilhos de cada programa e novela, para controlar
o desempenho hist�rico dos produtos e premiar os respons�veis
por seus resultados. Trilho � uma faixa de 10 pontos
que vai da audi�ncia m�nima que um programa deve ter � audi�ncia
m�xima desejada pela emissora para aquele determinado
programa. Outro ponto foi a implanta��o de pesquisas qualitativas
autom�ticas. Estabelecemos a rotina das sess�es de discuss�o
de grupo sobre as novelas, automaticamente, nos cap�tulos
18 e 36, independente do sucesso ou n�o. O Homero foi
tamb�m um batalhador pela evolu��o das pesquisas di�rias de
audi�ncia. O IBOPE respondeu com compet�ncia as demandas
do mercado publicit�rio e gra�as ao trabalho do Carlos Augusto
Montenegro oferece atualmente � televis�o brasileira e a outros
mercados resultados �on-line�, com seguran�a e qualidade
que atra�ram as aten��es das maiores empresas de pesquisas do
mundo.
Houve uma interrup��o dos trabalhos do Homero entre 1983
e 1989. Em 1982, ele detectou a tentativa da empresa Proconsult,
associada com o SNI, de fraudar as elei��es para o governo
do Rio de Janeiro. Ligou para o Brizola, relatou as irregularidades
e insinuou que a Globo tinha conhecimento disso.
Como a linha telef�nica do Brizola estava grampeada, a grava��o
chegou � emissora e, terminadas as elei��es, o Homero
teve que se demitir. Seis anos depois, consegui que o dr. Roberto
e o Roberto Irineu concordassem com a volta dele e nosso
trabalho prosseguiu at� a minha sa�da. O Homero continu



ou na Globo at� a sua morte prematura, aos 86 anos, em 2011.
Um dia, fui no hospital visit�-lo e falava com a Mirian S�nchez,
sua mulher e seu anjo da guarda, sobre uma pesquisa que
eu precisava fazer na cidade de S�o Paulo. O assunto era com
ela, tamb�m especialista em pesquisa. Enquanto discut�amos
alguns detalhes, ele, doente e dormindo, gritou da cama:

� A amostra est� errada! A amostra est� errada!
O Homero era um grande amigo, um cientista social que tudo
estudava, mas n�o adivinhava nada. Ser� para todos n�s,
eternamente, o nosso �bruxo�. Mas um bruxo poeta, sens�vel,
inteligente e, sobretudo, um bruxo amigo.


Sem medo de errar


EM 1967, QUANDO COMECEI A TRABALHAR na Globo, o dr. Roberto era
um jovem de 62 anos de idade, o Joe tinha 43, o Arce, 40, eu, 31 e o
Walter, 30.

Havia uma conjun��o de for�as. O dr. Roberto tinha a concess�o
do Rio e havia comprado a de S�o Paulo. O Walter entendia de programa��o,
de mercado e era um vendedor nato. O Joe havia lutado
na guerra, estudado administra��o e gerenciado a NBC de San Diego.
O Arce era publicit�rio, idealista e tamb�m vendedor, como o
Walter. Eu havia passado pelo r�dio, por ag�ncias de publicidade e
quase todas as emissoras de televis�o � como diretor art�stico e de
produ��o �, havia sido dono do jornal Tribuna de Osasco e de gravadora
de disco e produtora de filmes.

O grupo se complementava, mas creio que o que nos unia, de forma
amb�gua, era o fracasso. O dr. Roberto, sozinho, fez uma aposta
alta na televis�o e nada deu certo. Como n�o podia mais errar, tinha
pavor do fracasso. A miss�o do Joe, como segundo representante do
Time-Life, era espinhosa. O primeiro enviado havia fracassado, e ele
n�o podia repetir essa situa��o. J� o Walter, eu e o Arce est�vamos
acostumados com empres�rios de televis�o desvairados e empresasdespreparadas. �ramos jovens e n�o havia o que temer. Pod�amos
arriscar tudo, sem medo do fracasso. No entanto, havia entre n�s a
consci�ncia de que ou a Globo dava certo, e seria um sucesso, ou ter�amos
que mudar de ramo, porque existiriam poucas oportunidades


novas no mercado. Ador�vamos o desafio, mas t�nhamos que
lutar com todas as nossas for�as e usar tudo o que sab�amos.
A meu ver, � preciso que se entenda que fracassar faz parte de
qualquer jogo. E o fracasso � um passo decisivo para o sucesso.


Baseado nessa premissa, sempre tentei passar para meus
companheiros de trabalho que a minha opini�o jamais se referia
� pessoa que estava executando alguma tarefa � nem ao
conjunto de tarefas que o profissional havia executado �, mas
era somente um julgamento espec�fico sobre determinado trabalho.


Um produto ruim, sofr�vel ou um desastre nunca significou
para mim que quem o tivesse produzido fosse igualmente ruim,
sofr�vel ou um desastre. S� considerava irrecuper�vel quem
persistia no erro. Isso me dava o direito de dizer �isto est� uma
merda�, sem, no entanto, dizer: �voc� � um merda.� A maioria
das pessoas entendia essa posi��o e assim pod�amos arriscar e
corrigir os erros, sem deixar de estimular a cria��o.

O Daniel Filho n�o tinha medo de errar. Um dia me prop�s
fazer uma novela chamada Espelho m�gico, do Lauro Cesar
Muniz. Para mim estava claro que seria um desastre, mas deixei
que ele fizesse. Era um hino de amor � televis�o, dizia o
Daniel. Foi um tremendo fracasso, mas nunca reclamei nem
gritei com ningu�m, pois achava v�lida a tentativa.

Quem sempre procurava sarna para se co�ar era o Walter
Avancini. Ele gostava de fazer o que todos acham imposs�vel
de ser feito. E sempre surpreendia pela qualidade e pelo material
acima dos padr�es que trazia. Ele era meu �coringa� quando
eu queria dar um salto para cima. Pelo seu destemor, errou
algumas vezes, mas acertou em cheio na maior parte delas. Quando
a TV Tupi estava no leito de morte, em plena UTI, ele


me procurou dizendo que sairia da Globo para ser o diretor art�stico
da emissora onde havia nascido. Disse para ele que n�o
haveria a menor chance. Mas ele insistiu. O Walter era um demolidor
e eu, sabendo disso, aconselhei-o a montar uma programa��o
antes de sair jogando fora tudo o que estava no ar.
Tamb�m ofereci mais dinheiro para que ficasse, mas ele foi irredut�vel:


� Preciso fazer o que eu quero. Posso errar, Boni, mas tenho
que tentar.
N�o deu certo, como eu previra. Eu j� havia sa�do da Globo,
mas pedi ao Daniel Filho que trouxesse o Walter de volta. E o
Daniel fez isso. Se o Avancini tivesse medo de errar, n�o seria

o grande diretor e realizador que foi.
Pequenos erros, desde que nunca mais repetidos, s�o uma
boa forma de aprendizado. Como o que aconteceu certa vez
com o Galv�o Bueno, que, narrando uma prova da F�rmula 1,
atrapalhou-se e informou que um determinado corredor havia
assumido a lideran�a da prova quando, na verdade, o piloto estava
na frente, mas uma volta atrasado. O Galv�o pensou que
levaria um esporro e seria demitido. Veio se desculpar. A resposta
foi simples:

� N�o h� problema. Fa�a o dever de casa estudando mais o
assunto que voc� domina e nunca mais deixe isso acontecer.
Tamb�m em uma corrida de F�rmula 1, o Legey inventou
de colocar uma c�mera para mostrar o combust�vel entrando
no tanque do carro no pit stop. Um carro parou no box e ele,
ansioso para usar a c�mera, anunciou que ia cortar para ela. Eu,
que supervisionava a transmiss�o, vi pelo monitor que a corrida
ia se decidir e que o corte nos impediria de mostrar o momento
mais importante da prova. Gritei:

� N�o! N�o!

Mas ele, teimoso, cortou e n�s fizemos a pior transmiss�o
da hist�ria, por um simples detalhe. Fiquei uma arara com ele,
mas percebi que jamais deveria t�-lo deixado colocar aquela
c�mera in�til. Ou seja, eu tamb�m era culpado e me limitei a
dizer:

Mas ele, teimoso, cortou e n�s fizemos a pior transmiss�o
da hist�ria, por um simples detalhe. Fiquei uma arara com ele,
mas percebi que jamais deveria t�-lo deixado colocar aquela
c�mera in�til. Ou seja, eu tamb�m era culpado e me limitei a
dizer:
Puta merda, nos ferramos.
Certa vez, o Talma me prop�s realizar uma s�rie chamada
Contos de terrir, que faria humor com os contos de terror. Como
eu adorava os filmes de Roger Corman, topei. Deveria se
chamar Contos de chorar. Rapidamente tirei o programa do ar
e o Talma, desolado, concordou que havia errado a m�o. Eu o
consolei:

� Erramos juntos, amigo.
O que n�o tolerava mesmo era quando se repetia algum erro
ou, pior, quando queriam me convencer que uma porcaria estava
boa. Joguei no lixo muitos cap�tulos de novelas, s�ries e
programas, sem ficar furioso. Mas quando me traziam um programa
chato, defeituoso e queriam me vender como �timo, eu
chiava. Um dia me apresentaram uma droga, argumentando:

� Est� redondinho... redondinho.
Eu assisti atento e respondi:
� Quer saber de verdade o que � redondinho?
� N�o, n�o. J� entendi. Vamos refazer o programa.
Erros operacionais, por serem mec�nicos e nada terem a ver
com tentativa de criatividade, tamb�m me deixavam mal. Em
S�o Paulo, na primeira sede, onde tudo era improvisado, havia
uma grande parede de eucatex na sala de controle do jornalismo.
Est�vamos lutando para melhorar a qualidade dos telejornais
de l�, mas o apresentador anunciou um acidente de �nibus
e entrou, no lugar, uma entrevista pol�tica. A falha foi corrigida
no ar. Em seguida, foi anunciada uma mat�ria sobre vaci



na��o infantil, mas foi exibida uma reportagem esportiva. Dei
um tremendo pontap� na parede de eucatex, que furou. Fiquei
com a perna presa no buraco, sem conseguir tir�-la at� o fim
do telejornal, quando, finalmente, os carpinteiros puderam entrar
na sala para me libertar.

Outro que n�o tinha medo de errar era o Nilton Travesso.
Quando pensamos em fazer o TV Mulher, o programa tinha
mais dificuldades do que solu��es. T�nhamos como ponto de
apoio apenas a Mar�lia Gabriela. N�o havia estrutura suficiente
no jornalismo para produzir imagens e reportagens para um
programa que era di�rio. Mas o departamento comercial precisava
de um hor�rio a mais para atender a demanda de anunciantes
interessados no p�blico feminino. O jeito foi trabalhar
com cronistas que falassem diretamente com esse p�blico. O
Nilton foi garimpar e contratou o Ney Gon�alves Dias, que como
advogado poderia apresentar o programa e falar dos direitos
das mulheres. Conseguiu tamb�m o Clodovil, que comentava
sobre moda e criava roupas especialmente para as telespectadoras.
Descobriu a Marta Suplicy, hoje expoente da pol�tica,
e, depois de algum tempo, acrescentou o Henfil em apari��es
geniais. O programa foi um sucesso tremendo e fez hist�ria.
Mas teve seus problemas. N�o havia espa�o para a montagem
de cen�rios no reduzido palco do nosso teatro da pra�a Marechal
Deodoro, em S�o Paulo, e as bancadas dos apresentadores
tinham que ser leves e desmont�veis para serem removidas diariamente
e dar lugar a outros programas. Um dia, em pleno ar,

o Ney deu um murro na mesa. Desmontou tudo, a mesa veio
abaixo e ele se esborrachou no ch�o. Ningu�m levou bronca.
Sab�amos do risco que est�vamos correndo.
Eu consagrei o direito ao erro quando se procurava o novo,
mas estabeleci regras para puni��o e demiss�o imediata em re



la��o ao desleixo, � falta de aten��o e � repeti��o de falhas.
Briguei com os amigos mais pr�ximos. Briguei com o Daniel,
com o Armando e com o Adilson, em separado, e com os tr�s
juntos, de uma s� vez. Briguei com o Avancini e com o M�rioLucio Vaz. �s vezes posso ter exagerado e me penitencio por
isso com todos os companheiros. Alguns memorandos podem
ter sido duros demais, mas foram necess�rios para construir a
empresa que fizemos juntos. Creio, no entanto, que a ideia de
julgar o trabalho feito � e n�o as pessoas que o fizeram � acabou
sendo bem percebida por todos, tornando-se uma filosofia
dentro da Globo.

Quem quer ser criativo n�o pode ter medo de errar. Quem
quer ser eficiente n�o pode tolerar o erro.

Sou muito procurado por jovens que querem ingressar na
carreira de comunica��o e, mais especificamente, em televis�o.
No nosso tempo n�o havia escolas nem cursos e o conhecimento
sobre o assunto era emp�rico. Hoje existe uma base
te�rica robusta e tamb�m boas escolas. O conselho �: estudar.
Quanto mais conhecimento, melhor. Mas o que vale mesmo �

o talento. Quem acha que tem deve tentar. Sem medo.

O padr�o Globo de qualidade


Essa express�o n�o nasceu dentro da Globo, como muitos pensam.
Ela foi sendo usada pela imprensa e n�s acabamos assimilando o r�tulo.
Embora muitos atribuam a mim a cria��o desse padr�o � como

o pr�prio Walter Clark em entrevista � Veja e em seu livro O campe�o
de audi�ncia �, e tamb�m os meus amigos Joe Wallach e Daniel
Filho. Na verdade o padr�o Globo de qualidade n�o foi criado
por ningu�m, mas resultou de uma exig�ncia comum a quase todos
os funcion�rios da empresa em todos os escal�es. A mentalidade da
toler�ncia zero se implantou na empresa de forma autom�tica e n�o
imposta. E toler�ncia zero n�o significa que tudo seja perfeito, mas
que se busca a perfei��o. Para mim, n�o h� busca de perfei��o quando
se tem qualquer tipo de toler�ncia. � preciso querer 100% para
conseguir 80 ou 90%. Sempre fui um intolerante: no r�dio, na publicidade,
nas emissoras em que trabalhei antes da Globo e, principalmente,
na Globo.
Comecei como diretor de programa��o e produ��o, passei a superintendente
de programa��o e produ��o, respondendo pela programa��o,
produ��o, engenharia, jornalismo e comunica��o, e depois
fui nomeado vice-presidente respons�vel por toda a parte operacional.
Na minha escalada, fui me juntando a outros �intolerantes�
maravilhosos que trabalharam diretamente comigo. Para come�ar, o
Roberto Buzzoni, que havia come�ado em 1970 na �rea comercial e
depois foi diretor de programa��o em Bras�lia e Belo Horizonte. Em


1982, eu o nomeei diretor nacional de programa��o. Um chato
preocupado com qualidade e precis�o de informa��o. Seu grupo
tamb�m era composto de intolerantes, como o Durval Hon�rio,
seu assistente, hoje diretor de qualidade, e o Francisco
Panessa, que cuidava da promo��o e depois foi substitu�do pelo
perfeccionista Roberto de Almeida, hoje bra�o direito do
Buzzoni. Mais intolerante que o Luiz Guimar�es, imposs�vel.
O Luiz respondeu pela �rea de programa��o e produ��o de S�o
Paulo e tamb�m pela programa��o nacional, rubricando diariamente
folha por folha do roteiro de programa��o e de comercial
quando ainda n�o t�nhamos recursos de inform�tica. Um
profissional como poucos. Na produ��o, o mineiro Borjalo era
t�o enjoado que se algu�m n�o quisesse refazer tudo o que tinha
feito, era melhor n�o falar com ele. Ele descobriria erros
que ningu�m tinha visto e de conota��es psicol�gicas que ningu�m
havia percebido.

Chatinho e intolerante ao extremo era o Daniel Filho. Ele
seria capaz de demitir a si mesmo, com memorando e tudo,
se descobrisse que tinha sido relapso em alguma quest�o. Pegava
firme e brigava pelo que queria com muita paix�o. Por
ser intolerante, brigou comigo duas vezes, mas sempre voltou
com muita determina��o para continuar realizando os nossos
sonhos comuns. Em 1983, o Borjalo convidou para ser seu assistente
o M�rio L�cio Vaz, um intolerante de estilo diferente:
aquele que sabe que o desastre vai acontecer, avisa todo mundo
e fica uma arara quando n�o � ouvido. Em 1991, o Daniel
Filho, exausto, resolveu tirar um ano sab�tico da Globo e foi
substitu�do pelo M�rio L�cio Vaz, que revelou um outro lado
da sua personalidade. Leal ao extremo, al�m de cuidadoso,
mostrou ser um especialista em rela��es estremecidas, apaziguando
todas as ansiedades que pintavam na �rea. Em raz�o


de uma promessa, s� se vestia de branco. Se fosse mulher seria
uma enfermeira dedicada, ao estilo de Florence Nightingale.
Quando chegou � Globo, ele estava vindo da TV Rio, onde,
al�m de assistente do Carlos Manga, era diretor de TV. Conta

o Manga que v�rias vezes surpreendeu o M�rio descal�o, cortando
no switcher com os dedos do p�. Durante os anos em que
foi o diretor da Central Globo de Produ��o, manteve o grau de
exig�ncia que eu esperava e deu uma contribui��o importante
para a emissora, o que lhe valeu a nomea��o de diretor art�stico
da Rede Globo, onde permanece at� hoje como consultor de
qualidade.
Diretores absolutamente intolerantes e com um n�vel elevado
de exig�ncia de qualidade foram important�ssimos na
conquista do nosso padr�o. Al�m do Daniel Filho, foram intolerantes,
no mais alto grau, o grande artes�o Walter Avancini e

o audacioso e sempre inquieto Paulo Ubiratan. S�o da mesma
estirpe o Dennis Carvalho, o Wolf Maya, o Jorge Fernando, o
Guel Arraes, o Jayme Monjardim, o Marcos Paulo, o Ricardo
Waddington e o Reynaldo Boury, entre outros. Nos programas
Caso especial e Aplauso, al�m dos trabalhos do Avancini, mais
tr�s nomes da mais alta exig�ncia art�stica contribu�ram para a
qualidade dessas realiza��es: Paulo Jos�, Domingos de Oliveira
e Paulo Afonso Grisolli. Ainda na dramaturgia, fiquei muito
grato ao Carlos Manga quando em um momento de renascimento
das miniss�ries entreguei a ele essa responsabilidade
e ele respondeu com produtos de alt�ssima qualidade, como
Agosto, Engra�adinha: seus amores e seus pecados e Memorial
de Maria Moura. Pioneiro no cinema, o Manga foi um mestre
para todos n�s, sempre correndo atr�s do novo e do melhor.
Na linha de shows, entre os que perseguiam o padr�o de
qualidade, tenho que destacar o extraordin�rio Augusto C�sar


Vanucci, o Jo�o Lor�do, o Carlos Alberto Loffler, o L�cio
Mauro, o Walter Lacet e o Aloysio Legey, polivalente nas
transmiss�es de eventos e da F�rmula 1. O Nilton Travesso
sempre imp�s bom gosto em todas as �reas pelas quais passou.
Ainda na produ��o, tivemos a colabora��o de mestres da intoler�ncia
na cenografia e na dire��o de arte, como o M�rio
Monteiro, o Mauro Monteiro, o Raul Travassos, o Paulo Dunlop,
o Gilberto Vigna e o grande Abel Gomes, o homem das
instala��es gigantes do Rock in Rio, dos eventos e da �rvore
de Natal da Lagoa. O cen�grafo e figurinista Arlindo Rodrigues
era caso de pol�cia com a sua exig�ncia est�tica. Trazido
da Argentina pelo Edson Leite para a Excelsior, o Federico Padilla
foi comigo para a Globo e era um pr�ncipe de bom gosto.
De cen�grafo, virou professor de cenografia na empresa. A
Lila B�scoli ainda n�o trabalhava na Globo, mas quando encontrava
comigo, reclamava de lou�as, copos, talheres, len��is
e tudo mais. Chegou contratada para consertar a produ��o de
arte e levou junto a Tiza de Oliveira. O Sorensen sabia tudo de
roupas para shows e o Juan Carlo Berardi era um core�grafo
criativo, mas um d�spota disciplinador. Os produtores j� foram
citados, mas o Manoel Martins, o Edson Pimentel, o Eduardo
Figueiras, o Ary Grandinetti e o Ruy Mattos merecem replay.

No jornalismo, o Armando Nogueira era chamado de �nen�m
dod�i�. Queria ver tudo, saber de tudo, cuidar das macro
e das m�nimas v�rgulas e se lamentava quando as coisas n�o
sa�am como queria. A Alice-Maria conseguia super�-lo em
exig�ncia e no amor pelos detalhes. Na engenharia, o chat�ssimo
sagitariano Adilson Pontes Malta modificou todos os conceitos
operacionais da televis�o, acabando com a briga entre
engenheiros e artistas. S� pensava em melhorar e facilitar o trabalho
de produ��o, sendo, sem a menor d�vida, uma das mais


importantes pe�as na cria��o do padr�o Globo de qualidade,
al�m de autor de toda a proposta do Projac, um dos maiores
centros de produ��o de televis�o do mundo. O Adilson fechou
comigo e trabalhamos juntos n�o s� para atender a produ��o,
mas tamb�m para expandir a nossa pr�pria rede de transmiss�o,
especialmente na conquista do interior de S�o Paulo. Como
bom perfeccionista, o Adilson se cercou de em�ritos intolerantes.


O Fernando Bittencourt sempre foi um profissional estudioso
e atualizado, � frente de seu tempo. Um talento te�rico e
pr�tico que nunca aceitou solu��es inadequadas ou improvisadas.
Meigo, doce, gentil e prestativo, n�o abria m�o do caminho
certo... nem � bordoada. Ele escolheu, defendeu e foi a
mais importante figura na implanta��o do sistema brasileiro de
televis�o digital. O Jos� Dias, um inventor nato, estava sempre
� procura daquilo que ningu�m sabia o que era. Inventou
as primeiras m�quinas de exibir comerciais em VT, os DIGs,
criou a computa��o gr�fica no Brasil e, por consequ�ncia, o
�tirateima�. Implantou os cen�rios virtuais, os efeitos especiais
eletr�nicos e agora � o m�gico da terceira dimens�o. Sempre
resistiu � importa��o de tecnologias caras, pois queria encontrar
seus pr�prios caminhos. V� ser intolerante assim no inferno...
O Dias � um profissional apaixonante. O Pagliarinho, P�er
Giorgio Pagliari, � um garimpeiro � procura de uma imagem
de ouro e um ourives que as transforma em joias. Bernaroch e
Balthazar colocavam no pared�o qualquer um que fosse menos
exigente. O Julinho Braga, nos transmissores, e o Ant�nio Castro
Oliveira, nas antenas, eram mestres da perfei��o. O Fi�za,

o intolerante quieto, calmo e culto, trazia sempre uma colabora��o
importante no momento exato. O Nelson Faria era um
guardi�o da qualidade das grava��es em est�dios e depois foi

o chefe da engenharia do Projac, hoje comandado pelo querido
e competente amigo Raymundo Barros. Isso tudo sem contar o
mal humorado e eficiente Alpheu Azevedo nas opera��es.
o chefe da engenharia do Projac, hoje comandado pelo querido
e competente amigo Raymundo Barros. Isso tudo sem contar o
mal humorado e eficiente Alpheu Azevedo nas opera��es.
di.
J� era intolerante na Lynx Filmes, onde nos conhecemos,
continuou sendo na Alc�ntara Machado, na sua pr�pria ag�ncia
de publicidade � a Prosperi, Magaldi & Maia �, na Shell
e na Globo. O Magaldi n�o queria tudo, mas apenas se contentava
com o melhor. Foi o criador do Globo Shell, que deu
origem ao Globo Rep�rter, foi o incentivador do aumento do
�ndice de produ��o nacional, apoiou os festivais de m�sica brasileira,
implantou o Telecurso segundo grau, foi presidente da
Funda��o Roberto Marinho e idealizador do Crian�a Esperan�a,
al�m de ter mantido a comunica��o da Rede Globo dentro
dos mais altos padr�es da �rea. Ao lado dele, sempre estava o
Gustavo Bragan�a. O pr�prio S�rgio Toni, outro exigente, passou
por l�. No time do Hans Donner, destaco a Ruth Reis e o
Nilton Nunes.

O Homero Icaza S�nchez era �bruxo�, uma condi��o superior
a qualquer mortal intolerante. O padr�o Globo de qualidade
estava no subconsciente de todos. Existe algu�m mais intolerante
com a qualidade do pr�prio trabalho do que o Peter Gasper?
O Peter � um g�nio. De cen�grafo, passou a iluminador e
levou a ilumina��o de televis�o ao estado da arte. Hoje, entrou
no mundo da arte e � um artista pl�stico da luz.

O �padr�o� n�o � meu: � do Antonio Faya na sonoplastia, do
Russo do boom, dos operadores de c�mera, como o Z� Mario,
o Solano, o Moacyr, o Galocha, o Jeroslav, o Vicente Burger, o
Marco Aur�lio Bagno, o Helmar Sergio, o Artilheiro, o Paulo
Netto e o Aloysio Legey. Muitos se tornaram diretores de TV,
diretores de programas e de n�cleos.


O padr�o de qualidade estava tamb�m na cabe�a dos respons�veis
pela maquiagem, como o Eric Rzepecki; da Zenilda
Barbosa, do guarda-roupa; do grande Chris, da chapelaria; e
do chefe da oficina de costura, Carlos Gil, que amou a Globo
e morreu aos 101 anos de idade, sem nunca esquecer de me
enviar flores no meu anivers�rio.

Quero concentrar nas figuras mais humildes da Globo o meu
agradecimento pelo n�vel que atingimos. O padr�o Globo de
qualidade, muito mais do que se viu no v�deo, nas telas dos televisores,
� a hist�ria de um grande amor de todos na empresa
pelo que est�vamos fazendo e fizemos de fato. O julgamento
final fica com o p�blico. Se conseguimos o reconhecimento
desse trabalho e fomos premiados com a express�o padr�o
Globo de qualidade, foi o p�blico o juiz soberano.


Meu cap�tulo com o Joe Wallach


NA PRIMAVERA DE 2011, O JOE WALLACH lan�ou o livro Meu cap�tulo
na TV Globo, no qual narra sua f�rtil passagem pela emissora. Na
contracapa do livro, foi publicado um texto meu que quero usar como
abertura deste cap�tulo, por ser a s�ntese do meu pensamento sobre
ele:

Sem o Joe Wallach teria sido imposs�vel fazer a Rede Globo. Ele foi o catalisador, o
am�lgama e o algod�o entre cristais. Sem a habilidade e a do�ura do Joe, a rela��o entre
os profissionais e o dr. Roberto Marinho poderia ter se rompido. Da mesma forma, os
atritos entre os diversos profissionais teriam me levado a sair da Globo se n�o fosse a
interven��o sempre l�cida e oportuna do Joe Wallach. Ele nos ensinou a ter os p�s no
ch�o e participou ativamente da modelagem de todas as �reas da Rede Globo. Foi meu
grande parceiro.

De 1967 a 1977, trabalhamos juntos, limpando e reorganizando a
compra de direitos de filmes, implantando or�amento, negociando,
comprando equipamentos e criando uma mentalidade de planejamento
estrat�gico na empresa.

Alguns atritos eram inevit�veis e o Joe era sempre um bom mediador.
Um dia, entrei na sala do Ulisses Arce, o superintendente comercial,
e ele estava assistindo ao filme O poderoso chef�o, que ir�amos


exibir no ano seguinte. O Arce tinha tiras de papel na m�o e
enfiava no rolo de filmes � medida que a proje��o ia correndo.
Quando entrei, ele parou, desligando o projetor. Eu perguntei:

exibir no ano seguinte. O Arce tinha tiras de papel na m�o e
enfiava no rolo de filmes � medida que a proje��o ia correndo.
Quando entrei, ele parou, desligando o projetor. Eu perguntei:
Que � que voc� estava fazendo?
� Estou procurando pontos no filme para fazer merchandising.
� Como assim?
� Bom... por exemplo... vejo o Marlon Brando fumando um
charuto, eu marco e depois vou tentar vender para a Suerdieck.
� N�o entendi.
� Na hora que ele fuma, eu coloco uma legenda embaixo:
�Fume charutos Suerdieck.�
N�o aguentei e morri de rir.

� �, Arce, ningu�m vai comprar isso. E, se comprar, vamos
presos. A Paramount vai nos processar, o diretor, o Marlon
Brando e todo mundo vai nos processar. Isso n�o � merchandising
e n�o existe.
Ele se levantou, arrancou o rolo de filmes e jogou no ch�o.

� Merda! Voc� quer mandar em tudo nesta empresa.
Eu ri. Virei as costas e fui para a minha sala. Pouco depois,
apareceu o Walter Clark dizendo que eu n�o podia rir do Arce,
que eu estava tirando o est�mulo dele de criar e que eu n�o
devia ter ido espionar o que ele estava fazendo. Era coisa de
crian�a, mas, no momento, n�o entendi assim. Sa� da sala e fui
para casa. Mal cheguei e o Joe estava ligando:

� �, amigo, isso � uma bobagem. Est� tudo bem. Vamos almo�ar
com o Walter e o Arce e eles v�o se desculpar.
Essas atitudes carinhosas do Joe se repetiriam v�rias vezes.
Mas, nem por isso, ele deixava de enfrentar diretamente os
problemas que apareciam.


Algumas vezes, n�s dois corremos por fora, tomando decis�es
sobre o futuro, enquanto o comit� se preocupava muito
com o dia a dia. Em 1973, peguei o Joe, o Dion�sio Poli e o
Adilson e fui mostrar a eles o potencial do interior do estado
de S�o Paulo �ao vivo�. Teoricamente, todos sabiam da import�ncia
desse mercado, mas somente eu, o Ernesto Amazonas
e o Luiz Eduardo Borgerth conhec�amos de perto essa mina
de prosperidade. O Ernesto Amazonas e eu programamos
uma s�rie de visitas �s cidades de Campinas, Ribeir�o Preto,
S�o Jos� do Rio Preto, Presidente Prudente, Sorocaba, Mar�lia,
Ourinhos, Santos, Piracicaba e Bauru � onde seu Bueno,
pai do Walter, era o nosso diretor. Os jatinhos eram raros e,
por isso, alug�vamos avi�es teco-teco para as viagens. �s vezes
dois, para caber todo mundo. O Joe ficou entusiasmado e
pisou fundo no acelerador. Esse grupo, liderado pelo Ernesto
Amazonas, fez um plano ambicioso de colocar o sinal da
Globo em mais de quatrocentos munic�pios do estado de S�o
Paulo. Arrematamos micro-ondas usados pelo ex�rcito americano
e pelas companhias telef�nicas, descobertos pelo Joseph
Keiserman, a pre�os baix�ssimos, nos Estados Unidos. Em alguns
casos, usamos repetidores em UHF nacionais para completar
enlaces, mas t�nhamos que investir nos transmissores.
Em uma feira da NAB (National Association of Broadcasters)
em Chicago, compramos em um s� dia um pacote de transmissores
para essa regi�o, em contrato assinado no peito pelo Joe,
sem maiores discuss�es com o comit� ou com o dr. Roberto. O
Walter Sampaio, ent�o diretor de importa��o da Globo, tratou
de obter as licen�as de admiss�o tempor�ria do equipamento e
agilizou o processo, possibilitando a instala��o no tempo previsto.
Em v�rios momentos, ele conseguiu tramitar documentos
com rapidez para evitar a interrup��o dos trabalhos de pro



du��o e de transmiss�o da Globo. O Ernesto Amazonas fez um
brilhante trabalho de implanta��o do projeto, organizando tudo
e negociando os terrenos com as autoridades locais, montando
torres e cumprindo rigorosamente o cronograma de instala��es.
O Adilson cuidou dos projetos t�cnicos, das licen�as de
opera��o e, com sua equipe, montou tudo em dois anos. Uma
fa�anha. O mercado do interior de S�o Paulo � hoje o segundo
do pa�s, logo depois da capital, e em pouco tempo ser� o
primeiro mercado, gra�as � crescente regionaliza��o da propaganda
de televis�o.

Baixinho, calmo e �gil, o Joe Wallach devia ser comandante
do corpo de bombeiros. Nos tr�s inc�ndios pelos quais passamos
ele conseguiu um belo rescaldo. Em S�o Paulo, al�m de
brigar pela centraliza��o da produ��o, pressionou o seguro para
conseguirmos remodelar a emissora. No primeiro inc�ndio,
no Rio, fez com que o dr. Roberto comprasse o Teatro F�nix e,
depois, o pr�dio da V�nus Platinada; e, no segundo, renovamos
todos os est�dios. Mas, mesmo com a volta da produ��o para o
Jardim Bot�nico, mantivemos os est�dios do Herbert Richers
e alugamos a Cin�dia, aumentando a nossa capacidade de produ��o.


O Walter Clark saiu da Globo em 1977. De 1977 a 1980, eu
e o Joe ficamos sozinhos. O dr. Roberto passou a almo�ar de
forma mais frequente na sala dele e n�s, ou pelo menos um de
n�s dois, almo��vamos quase todos os dias com ele.

A �poca era muito prof�cua, tranquila e sem diverg�ncias,
por isso me surpreendi quando o Joe decidiu ir embora, em
1980. Fui o �ltimo a saber. S� soube quando o fato j� estava
consumado, talvez porque o dr. Roberto n�o acreditasse que
ele fosse mesmo embora e tivesse deixado para me comunicar
na �ltima hora. O Joe alegava que queria estar mais pr�ximo


da fam�lia, queria cuidar de seus problemas cardiol�gicos e estudar
filosofia, para procurar a resposta a uma pergunta que o
atormentava: �Qual o sentido da vida?� Dif�cil, mas ele foi tentar.
Envolveu-se de forma brilhante na implementa��o de um
segundo canal de l�ngua espanhola, nos Estados Unidos, foi
estudar na UCLA (Universidade da Calif�rnia) e viajar pelo
mundo.

Em 1991, 11 anos depois, voltou ao Brasil. Queria iniciar o
servi�o de televis�o por assinatura e tinha uma teoria de que
a maneira mais r�pida e mais barata seria via sat�lite. Com a
ajuda do Maur�cio Antunes, conseguimos a permiss�o para implantar
esse servi�o com a nossa empresa Horizonte Comunica��es
Ltda. A Globo, por interm�dio da Globopar, entrou no
projeto financiando 60% e adotamos o nome Globosat. Ser�amos
os primeiros em sat�lite, uma vez que a Editora Abril j�
havia iniciado a opera��o via MMDS. Em fins de 1991, entramos
no ar com quatro canais, cujos nomes foram dados por
mim: Telecine, para cinema; Multishow, para musicais e eventos;
Top Sport, depois mudado para Sportv; e GNT (Globo
News Television), a princ�pio, um canal de document�rios e,
posteriormente, com o crescimento do mercado, voltado para
not�cias. Como o GNT se fixou, apareceu a necessidade de se
criar um canal exclusivamente de not�cias e ent�o surgiu a Globo
News, fazendo com que o primeiro objetivo do GNT � que
hoje opera como canal feminino � fosse deixado de lado.

A verdade � que o Joe e eu colocamos quatro canais 24 horas
no ar, sem que houvesse um s� assinante. Uma ousadia. O
Buzzoni, o Boninho e o Gleiser batalharam para montar grades
de programa��o, sem dinheiro ou a pre�o de banana. Em 1992,
a Globo resolveu partir para a distribui��o via cabo, transformando
a Globosat em uma programadora. Os investimentos


para cavar ruas e conectar resid�ncias eram brutais e n�s � o
Joe e eu � ficar�amos dilu�dos com uma participa��o m�nima,
uma vez que n�o ter�amos capital para participar desse salto.
Ser�amos t�o insignificantes que resolvemos sair. Para tocar a
nova empresa, foi contratado o Antonio Athayde, que, mais
tarde, passou pela Central Globo de Comercializa��o e por outros
cargos na empresa. Hoje, o Brasil tem mais de 11 milh�es
de assinantes, de diversas operadoras, como a NET (terrestre)
e a Sky (via sat�lite), al�m de servi�os de MMDS e telefonia.
Com a entrada cada vez mais forte das operadoras na distribui��o
de sinais de televis�o, acredita-se que em cinco anos esse
n�mero poder� dobrar.

O Joe, com a sua encantadora Doreen, volta sempre ao Brasil,
mas muito menos vezes do que n�s, seus amigos, gostar�amos.
De vez em quando, vou a Los Angeles visit�-lo ou nos
encontramos em Las Vegas, na feira de equipamentos de televis�o.


Se ainda houver alguma oportunidade, adoraria voltar a trabalhar
com ele e escrever novos cap�tulos na nossa hist�ria.
Qual Di�genes, o Joe dispensou o poder e as conven��es e,
com sua lanterna, vagueia pelo mundo � procura de �um verdadeiro
homem�, ou seja, segue tentando achar o significado
da vida.


A fam�lia Marinho


NINGU�M FAZ SUCESSO POR ACASO. O jornalista e empres�rio Roberto
Pisani Marinho era um homem preparado, fino, educado, amante
da m�sica, da pintura e das artes em geral, mas, sobretudo... sagaz.
Membro da Academia Brasileira de Letras, com uma viv�ncia, conhecimento
e prest�gio invej�veis, ele era chamado por todos de �dr.
Roberto�. Por isso, neste e em outros cap�tulos do meu livro, a maior
parte das vezes ele � citado, carinhosamente, apenas como �dr. Roberto�.


Se algu�m pensa que o dr. Roberto foi subserviente aos militares
ou que tirou algum proveito pessoal com a ditadura est� absolutamente
enganado.

Em 1964, O Globo e todos os jornais mais importantes do pa�s � o
Jornal do Brasil, O Estado de S. Paulo ea Folha � apoiaram a chamada
Revolu��o Redentora. Nesse per�odo, o dr. Roberto era tratado
por alguns detratores como o general civil da Revolu��o, mas n�o se
incomodava. Ele acreditava piamente que o �nico regime que servia
para o Brasil era a democracia, do ponto de vista pol�tico, e a economia
de mercado, do ponto de vista econ�mico. Nunca imaginou
uma ditadura de longo prazo e se surpreendeu com a promulga��o
do Ato Institucional no 5 e com o fechamento do Congresso. Como
empres�rio, nunca fez qualquer restri��o � ideologia de seus funcion�rios,
escolhendo-os pelo talento e pela capacidade. Costumava dizer:
�Nos meus comunistas mando eu.� Pela Globo passaram alguns


dos mais ilustres subversivos, cultuados e admirados pelo dr.
Roberto. Ele tinha um especial carinho pela obra e pelos textos
do Ferreira Gullar, adorava as espertezas do Dias Gomes para
driblar a censura e chegou a emprestar dinheiro para o M�rio
Lago quando ele se atreveu a pedir uma grana para saldar uma
d�vida. O dr. Roberto fez um cheque e disse:

dos mais ilustres subversivos, cultuados e admirados pelo dr.
Roberto. Ele tinha um especial carinho pela obra e pelos textos
do Ferreira Gullar, adorava as espertezas do Dias Gomes para
driblar a censura e chegou a emprestar dinheiro para o M�rio
Lago quando ele se atreveu a pedir uma grana para saldar uma
d�vida. O dr. Roberto fez um cheque e disse:
Se os comunistas assumirem o poder, pe�a para me enforcarem
com uma corda de seda... bem fininha.
Ele tamb�m tinha uma grande capacidade de entender e esquecer
desafetos. Um dos exemplos � o Paulo Francis, que fez
as mais duras cr�ticas e as mais baixas ofensas que algu�m poderia
fazer a um homem do porte do dr. Roberto. Um dia, o
Armando e eu fomos consultar o dr. Roberto sobre uma poss�vel
ida do Paulo Francis para a Globo. Ele estranhou:

� U�... Ele aceita?
Ao que o Armando respondeu:
� Aceita, dr. Roberto.
� Que bom. Se aceita, quer dizer que ele n�o pensa mais o
que pensava da gente. Pode contratar.
Nunca � demais repetir que a Globo jamais recebeu concess�es
de canais dos militares. Dos canais que foram concedidos,
nenhum deles foi na �poca da ditadura. O canal 4, da Globo,
foi concedido pelo presidente Eurico Dutra, em 1951, ap�s
parecer favor�vel da Comiss�o T�cnica de R�dio. Em 1953, o
presidente Get�lio Vargas, de forma arbitr�ria, revogou a concess�o.
Em julho de 1957, em um jantar, o dr. Roberto contou
a hist�ria ao presidente Juscelino Kubitschek, que, dizem,
deu ordens para reabrir o processo, em um guardanapo. Finalmente,
em dezembro de 1957, a concess�o retornou � Globo.
Uma outra concess�o foi outorgada pelo presidente Jo�o Goulart,
em 1962, para Bras�lia, e nenhuma outra nos foi dada. To



das as demais geradoras da Rede Globo foram adquiridas pelo
dr. Roberto � parte do Grupo Victor Costa e parte do Grupo
Jo�o Batista Amaral. Em 1978, depois do caso Roque Santeiro
e de Despedida de casado, mesmo contra a vontade do dr. Roberto,
solicitamos canais em Jo�o Pessoa e Curitiba que foram,
simplesmente, negados pelo governo militar, sem qualquer explica��o.


O meu conv�vio com o dr. Roberto sempre foi cordial, af�vel
e respeitoso. Quando cheguei � Globo, dessa vez para ficar,
ele fez piada:

� Que parto, hein? Demorou mais de tr�s anos.
Um dia ele me ligou e pediu uma informa��o sobre a minha
�rea que eu n�o tinha. Disse a ele que iria apurar e ele me ensinou
um truque engra�ad�ssimo:

� Quando for comigo, seja sincero. Mas quando for gente
de fora diga: �O neg�cio � o seguinte...� e desligue o telefone
enquanto estiver falando. Depois, n�o se fa�a de encontradi�o,
apure, ligue de volta e diga: �Como eu estava dizendo quando
caiu a linha, o neg�cio � o seguinte...�
Uma das curiosidades sobre o dr. Roberto � que ele tinha
uma mem�ria prodigiosa, mas esquecia de pequenas coisas e
andava cheio de bilhetinhos no bolso. Come�ava a remexer a
papelada e, �s vezes, n�o achava o que queria. Em cada bolso
havia sempre um monte de anota��es. Um de seus esquecimentos
era que eu detestava usar rel�gio de pulso. Todo final
de ano ele vinha com a mesma conversa:

� Boni, vi que n�o tens rel�gio. Vou te dar um de presente.
Sem usar rel�gio, fiz uma cole��o de Piaget, Cartier, Patek
Philipe e continuei sem usar, ganhando sempre mais um.
Ele nunca interferiu no meu trabalho e me recebia em sua
casa como se eu fosse da fam�lia. Sempre consegu�amos che



gar a um ponto de converg�ncia. Quando as coisas ficavam
muito ruins ele me dizia:

gar a um ponto de converg�ncia. Quando as coisas ficavam
muito ruins ele me dizia:
Temos um temperamento dif�cil. Vamos evitar falar. D�
as suas raz�es por carta.
Um dia, ele perdeu a paci�ncia com o Magaldi e eu fui � sala
dele para tentar consertar o desentendimento. Era assunto s�rio
e ele n�o quis conversar, mas me pediu para ir v�-lo no jornal
O Globo, no dia seguinte.

� V� l�. A gente almo�a. Mas n�o esque�a a cartinha.
Fui. Ele leu a carta e ficou tudo resolvido. Muitas vezes me
pedia para escrever uma carta endere�ada a ele, justificando
um acontecimento ou defendendo algum programa. E eu perguntava:


� Por que a carta, dr. Roberto? O senhor n�o reclamou de
nada disso.
� �. Mas est�o reclamando comigo e faz de conta que eu reclamei
com voc�.
At� para cobrar, ele tinha senso de humor. Um redator do
jornalismo contrariou explicitamente uma ordem do dr. Roberto
e ele mandou o Armando Nogueira demitir o funcion�rio.
Esperando que o dr. Roberto esquecesse o epis�dio, o Armando
n�o o demitiu. O dr. Roberto encontrou com o Armando no
corredor do d�cimo andar e perguntou:

� E aquele seu funcion�rio? Soube que ainda est� trabalhando.
Mande logo embora sen�o vamos ter que subir o n�vel das
demiss�es.
Na sa�da do Walter Clark da empresa, ele estava transtornado
e recebeu a mim e ao Joe Wallach, no Cosme Velho. Pedi
uma chance para o Walter, mas ele foi duro e objetivo:


� �
O Joe interferiu dizendo que ningu�m queria sair, est�vamos
apenas tentando salvar o Walter e o dr. Roberto disse:

� Vamos � nos salvar. O Walter n�o tem mais salva��o.
Dr. Roberto era calmo e tinha uma paci�ncia de chin�s, mas,
mesmo assim, tivemos alguns atritos. Em 1975, tivemos um
r�pido desentendimento quando o Roque Santeiro foi proibido
pela censura.

Outro caso foi a demiss�o do Homero S�nchez, logo depois
do caso Proconsult. Eu acredito que a Globo foi ludibriada no
processo pelo TRE (Tribunal Regional Eleitoral) � que havia
contratado a Proconsult para processar os dados da apura��o.
O TRE garantiu que divulgaria os resultados com maior rapidez
do que era costume. A Globo optou por n�o fazer uma apura��o
paralela, e sim usar a que estava sendo feito pelo jornal
O Globo. A economia era brutal. N�o sei at� hoje se havia ou
n�o qualquer outro tipo de interesse ou conhecimento da empresa
sobre as verdadeiras inten��es da Proconsult. O fato �
que nenhum profissional da dire��o, ou da Central de Jornalismo,
recebeu qualquer orienta��o suspeita. Um dos problemas
foi que a decis�o de n�o fazer apura��o paralela nos levou a
depender dos resultados de O Globo, que eram lentos. O jornal
apurava a elei��o como um todo e a televis�o s� tinha interesse
nas elei��es majorit�rias. Al�m disso, os n�meros oficiais
que chegavam eram apenas do interior do estado, onde Moreira
Franco dominava. Isso era parte da estrat�gia dos militares
para ganhar tempo e conseguir manipular as urnas da cidade
do Rio de Janeiro. Em um determinado momento, tivemos que
interromper o fornecimento de resultados da apura��o porque


os n�meros n�o eram confi�veis. A Globo e O Globo n�o tinham,
e nunca tiveram, a menor rela��o com a Proconsult, mas
quando o Homero ligou para o Brizola, acabou envolvendo a
Globo. O dr. Roberto e o Roberto Irineu n�o aceitaram as explica��es
do Homero. Tentei defend�-lo e a temperatura subiu.
N�o tive como segur�-lo.

Em 1983, a coisa foi pior. Depois que o deputado Dante de
Oliveira apresentou emenda ao Congresso, prevendo elei��es
diretas, come�ou a campanha das Diretas J�, que durou quatro
meses at� que a emenda fosse votada. O dr. Roberto temia
que as manifesta��es populares se tornassem descontroladas e
que houvesse um novo endurecimento por parte dos militares.
Mas isso n�o fazia sentido. Aos poucos, ele foi revelando que
nunca esteve sob uma press�o t�o intensa e sob amea�a di�ria
de cassa��o da concess�o da Globo. Eu nunca o vi t�o nervoso
quanto nessa �poca. O pior � que as emissoras de menor audi�ncia,
como a Bandeirantes, tamb�m cobriam timidamente o
movimento at� o com�cio da Pra�a da S�. Por�m, como a Globo
tinha mais visibilidade, seu prest�gio foi abalado. Eu, o Armando
e a Alice discutimos muito com o dr. Roberto e eu fiz a
derradeira tentativa para entramos na cobertura dos com�cios,
argumentando que o jornalismo vinha acompanhando todas as
not�cias e n�o havia nenhuma raz�o para recuar. Ele concordou
apenas com as transmiss�es locais e proibiu a cobertura nos telejornais
e nos programas de rede. Na reda��o, tristes e envergonhados,
todos choravam. O com�cio da pra�a da S�, no dia
25 de janeiro de 1984, foi mostrado como uma festa, embora o
rep�rter Ernesto Paglia tenha dito, com todas as letras, qual era
o objetivo do movimento.

Na metade da campanha, o Roberto Irineu nos salvou, propondo
ao dr. Roberto montar um controle na sala dele, Roberto


Irineu, que assumiria pessoalmente a responsabilidade pelo
que iria ao ar. Gra�as ao Roberto entramos nas Diretas J�, atrasados,
mas entramos. Nessa �poca, est�vamos na sala dele em
plena transmiss�o de um dos com�cios quando um helic�ptero
militar, armado at� os dentes, parou em frente � janela. Sab�amos
que n�o iriam atirar e era apenas uma atitude de intimida��o.
O Roberto Irineu pediu que continu�ssemos trabalhando
normalmente, fazendo de conta que nada estava acontecendo.
Foram embora minutos depois. Desse ponto em diante, a cobertura
da Globo foi intensificada, passando a ocupar todos os
telejornais e, em alguns momentos, todo o tempo das edi��es
do Jornal da Globo e do Jornal Nacional. A partir da entrada
do Roberto Irineu, fizemos uma cobertura completa das manifesta��es
e colocamos no ar um volume de informa��o muito
superior ao das outras emissoras. No final, faltaram 22 votos
para a emenda Dante de Oliveira ser aprovada por dois ter�os
do Congresso.

Outro momento dif�cil foi a edi��o do debate para presidente,
em 1989. A audi�ncia havia sido total e uma enquete, feita
imediatamente ap�s o debate, indicou a vit�ria expressiva do
Collor. Os pr�prios correligion�rios do Lula achavam que ele
tinha ido mal, mas mesmo assim moveram uma a��o no Tribunal
Superior Eleitoral contra a edi��o do debate. N�o havia
necessidade de edi��o para refor�ar a posi��o do Collor. A edi��o
do Jornal Hoje, no dia seguinte, dava igualdade aos candidatos,
o que n�o correspondia � realidade. O dr. Roberto n�o se
satisfez e mandou fazer uma nova edi��o para o JN. Tenho para
mim que foram mais realistas que o rei e favoreceram exageradamente
o Collor. In�til, visto que o debate havia registrado
66% de audi�ncia no pool de emissoras e o JN registrou 61%,

o que n�o mudaria a opini�o de quem havia assistido ao deba

te na �ntegra. Mas a interven��o foi desastrosa. Eu declarei �
Folha de S. Paulo que n�o havia concordado com o procedimento.
Ao mesmo jornal, o dr. Roberto respondeu que eu n�o
entendia nada de pol�tica e s� entendia de televis�o. No dia seguinte,
eu o procurei e, para evitar conflito, fui logo brincando:

� Obrigado, o senhor disse � Folha que eu s� entendo de televis�o.
T� bom. Pelo menos, n�o perdi o emprego.
Ele riu, como sempre, mas n�o perdoou o Armando Nogueira
por estar em Angra do Reis, longe da empresa, logo no dia
posterior ao debate. Ele me disse que, se o Armando estivesse
presente, o assunto poderia ter sido mais bem avaliado e a
edi��o feita com mais crit�rio. O Armando estava cansado dos
embates com dr. Roberto e, a partir daquele momento, deixou
de discutir qualquer assunto. Quando era chamado pelo dr. Roberto
Marinho, ele n�o argumentava mais nada. Cumpria ordens
e silenciava. Come�ou a tentar negociar com a empresa a
sua ida para o departamento de esportes ou para uma diretoria
que n�o tivesse rela��o com o jornalismo, mas n�o houve um
ponto de converg�ncia e, em abril de 1990, o Armando fez um
acordo e deixou a empresa, depois de 24 anos de servi�os inestim�veis.
De qualquer forma, o epis�dio atingiu a Globo, que,
a partir dessa p�ssima experi�ncia, resolveu adotar a pol�tica
de n�o mais editar os debates, o que � correto considerando a
subjetividade da quest�o.

Houve tamb�m mais um lance complicado, logo depois da
sa�da do Joe Wallach. Na carta de despedida do Joe, em que
ele inclu�a sugest�es para serem aplicadas, havia uma em que
ele recomendava que seu cargo n�o tivesse um substituto. Mas

o dr. Roberto Marinho, ouvindo seu amigo Jos� Luiz Magalh�es
Lins, contratou o jovem economista Miguel Pires Gon�alves
para ocupar a superintend�ncia administrativa. O advo

gado Miguel Lins, a pedido do Jos� Luiz, me convidou para
um vinho na casa dele e me contou que o dr. Roberto havia pedido
ao Jos� Luiz algu�m com um perfil autorit�rio, capaz de
me controlar administrativamente com �uma torqu�s na minha
orelha� � express�o usada pelo dr. Roberto, segundo o relato
do Jos� Luiz ao Miguel Lins. Mas o Miguel me disse que o
objetivo da conversa era atender um pedido do Jos� Luiz, para
que eu recebesse com boa vontade o Miguel Pires Gon�alves,
pois ele chegaria mansinho, pronto para colaborar comigo.
Perguntei se isso era confidencial e ele s� me fez uma restri��o:
�S� n�o relate essa nossa conversa para o dr. Roberto.�
Meus pares � Armando, Adilson, Borjalo, Daniel, Magaldi e
Pacote � queriam saber como ficariam as coisas hier�rquica e
politicamente com a chegada do novo funcion�rio. Eu os acalmei,
afirmando que o Miguel Pires chegaria domado. Mas n�o
foi bem assim. Jovem demais e inexperiente, ele reclamou, como
se tivesse algum direito para isso, de eu ter dito aos meus
companheiros que as coisas j� estavam acertadas e que nada ia
mudar. E n�o havia mesmo nada a mudar, porque tudo ia muito
bem.

O Miguel n�o conhecia televis�o, mas chegou logo se metendo.
Procurei o Jo�o Saad e preparei meu grupo para deixarmos
a Globo. S� n�o sa� porque o Jo�o n�o entendeu minha
proposta. Eu queria, como garantia para superar eventuais desaven�as,
que ele me desse uma pequena emissora da Rede
Bandeirantes. Com isso, se brig�ssemos, ele iria pensar duas
vezes na minha sa�da. Mas ele me prop�s um pedacinho de cada
uma e isso n�o atingia o objetivo principal. Se ele tivesse
entendido, eu teria ido. O dr. Roberto, sabendo de minhas conversas
com a Rede Bandeirantes, me chamou e me nomeou
vice-presidente da empresa, encarregado de todas as opera



��es. Naquele momento, os dois vice-presidentes eram o Roberto
Irineu e o Jo�o Roberto Marinho. Dessa forma, o Miguel
ficava uma posi��o abaixo da minha. O dr. Roberto, achando
gra�a, me disse que o Jo�o Roberto havia perguntado a ele por
que eu tinha sido nomeado vice-presidente de opera��es. Ele
me contou:

� Disse ao Jo�o que voc� merecia.
O engra�ado dessa hist�ria � que o Miguel ficou na Globo
16 anos e levamos uns quatro para parar de nos estranhar. Ele
� competente, culto e tem uma extraordin�ria vis�o de futuro.
Acabamos construindo uma amizade sincera e s�lida. Hoje, �
um dos meus melhores amigos.

Uma das lutas que tive na Globo, desde 1968, conforme
consta da ata de uma reuni�o do comit� executivo, foi a de
conseguir um espa�o profissional para produzir. Com os inc�ndios,
fomos criando uma centena de endere�os, dificultando a
comunica��o e onerando o produto. Finalmente, com o apoio
do Roberto Irineu e do Jo�o Roberto, conseguimos encontrar
um terreno em Curicica e partir para a constru��o do Projac.
Os est�dios reclamados em 1968 s� come�aram a ser considerados
em 1984. A meu pedido, o dr. Roberto delegou ao engenheiro
Adilson Pontes Malta a responsabilidade pelos estudos
e conceitua��o do novo complexo de produ��o da Globo.
Depois de marchas e contramarchas, finalmente, em 1990, os
arquitetos Ant�nio Guimar�es e M�rcio Tomassini de Oliveira,
da Sociedade Brasileira de Projetos, entregaram a primeira
proposta. O Jo�o Roberto Marinho, usando a experi�ncia na
constru��o da nova gr�fica do jornal O Globo, aproveitou de l�
v�rios profissionais e o Roberto Irineu obteve recursos para a
obra. Em 1995, o Projac foi inaugurado. O Roberto Irineu preparou
uma emocionante surpresa para o dr. Roberto, que en



trou no primeiro est�dio de bra�os dados com dona Lily Marinho,
ao som de sua �ria preferida: �Nessun Dorma�, da �pera
Turandot, cantada por Caruso. Eu entreguei a claquete comemorativa
da primeira grava��o ao dr. Roberto, que bateu a
claquete dando a primeira ordem de �luzes, c�mera, a��o� no
Projac. Do livro Roberto Marinho, de Pedro Bial, extra� um pequeno
trecho que revela a grandeza do dr. Roberto: �Quando
jovem procurou a companhia dos mais velhos. Quando velho
deu poder aos mais jovens�. E foi assim mesmo, ele jamais deu
palpites na nossa estrat�gia de programa��o, nunca interferiu
na grade e, sempre que podia, demonstrava sua satisfa��o pelo
nosso trabalho.

Com o passar do tempo, o Roberto Irineu foi assumindo as
fun��es do pai. O conv�vio com ele tamb�m era tranquilo, mas
eu sentia falta do cuidado e do carinho especial do dr. Roberto.
Tive apenas dois momentos delicados com o Roberto Irineu:
um, quando me recusei a participar do projeto Telemontecarlo,
na It�lia; outro, na minha sa�da da Globo. Mas os dois
foram bem solucionados. Em rela��o ao projeto, fiz um relat�rio
mostrando que o neg�cio n�o tinha a menor chance de
ser bem-sucedido e que o preju�zo seria grande. Pensei que o
Roberto Irineu fosse guardar essa hist�ria para sempre, mas,
quando voltou, me disse com honestidade:

� N�o est�vamos preparados para aquilo.
A minha sa�da, em 1998, se deu porque novas pessoas entraram
na Globo e o baixo grau de conhecimento delas em rela��o
a televis�o era assustador. Eventualmente, podiam ser pessoas
interessantes, amigas e at� competentes em outras �reas,
mas n�o eram do ramo da televis�o. N�o dava para conviver
com elas. Seria enfarto, na certa. Se n�o tiv�ssemos montado
uma m�quina eficiente e superpreparada, o desastre da Globo


teria sido inevit�vel. Por outro lado, eu achava justo e leg�timo
que os propriet�rios implantassem uma nova maneira de operar
a empresa e que a minha sa�da seria boa para eles e tamb�m
para mim. Combinamos que trocar�amos cartas civilizadas e,
no dia seguinte, fui surpreendido com uma mat�ria vil e infame
no Globo, sem a menor considera��o pela contribui��o que
dei � empresa. Uma coisa infantil e vergonhosa, dizendo que
eu havia sido rebaixado, quando, na verdade, eu estava saindo.
Mas, depois, o Roberto Irineu, com sua capacidade de reverter
situa��es mal resolvidas, encontrou-se comigo na casa do dr.
Roberto e esclareceu:

� Estava com a cabe�a quente.
Essas s�o coisas do passado. Passei 31 anos na opera��o da
Globo e, depois, mais quatro como consultor, sem ser consultado
para nada. O Joe passou 14 anos l� e o Walter, 11 anos.
Para mim, o que valeu � que a Globo est� a�, firme e forte. Digo
sempre: a prova de que confio na empresa � que sou afiliado
dela. Valeram os momentos carinhosos que vivi com o dr. Roberto.
Embora eu e o Roberto Irineu n�o tenhamos afinado totalmente
as nossas a��es profissionais, o relacionamento pessoal
sempre foi encantador. Lembro com saudades de nossos
encontros no exterior, nossos fins de semana em Angra, nossos
momentos de comidinhas gourmet e nossos vinhos.

O Jo�o Roberto, respons�vel pelo O Globo e pelas rela��es
institucionais da empresa, sempre foi atencioso e objetivo. Nos
demos muito bem no per�odo em que esteve na Globo. O Jos�
Roberto Marinho, presidente da Funda��o Roberto Marinho,
sempre foi boa pra�a. Durante muito tempo, entr�vamos
na quadra da minha casa, diariamente, para uma partida de v�lei
�s seis da manh�.

O resumo da �pera � que valeu a pena.


O que conta em qualquer empreendimento � o sucesso. E,
da minha parte, tenho a certeza e a tranquilidade de que deixei
a marca do sucesso como minha contribui��o � Rede Globo.














A Rede Vanguarda


A REDE VANGUARDA PERTENCE ao meu primo Roberto Buzzoni e aos
meus filhos, mas l� eu sou o palpiteiro-mor, com direito � palavra final.
A Vanguarda � a minha maior divers�o, a alegria da minha vida
profissional e tem a mais bonita e mais moderna identidade visual do
Brasil.

Ganhamos a geradora de Taubat� vencendo uma concorr�ncia do
Minist�rio das Comunica��es. Adquirimos, em 2003, a geradora de
S�o Jos� dos Campos, que pertencia � Rede Globo, e demos in�cio
� Rede Vanguarda, composta por duas geradoras e 18 repetidoras. A
Rede foi inaugurada no dia 21 de agosto de 2003, pelo ministro Miro
Teixeira e pelo governador de S�o Paulo, Geraldo Alckmin. Hoje,
tem 53 canais, cobrindo mais de 2,5 milh�es de espectadores, em 46
munic�pios do Vale do Para�ba, Vale Hist�rico, Litoral Norte Paulista,
Serra da Mantiqueira e regi�o Bragantina.

Desde junho de 2010, as geradoras de S�o Jos� dos Campos e
Taubat� operam com sinal digital e em alta defini��o. At� o final de
2013, antes da Copa do Mundo, a Vanguarda estar� com 90% da sua
rede operando com sinal digital e HD. No final de 2011, seremos a
�nica afiliada da Globo a transmitir toda sua programa��o local e todos
os seus telejornais locais em alta defini��o. Fomos os pioneiros
na ado��o da nova tecnologia da Sony � de c�meras externas com
cart�o de mem�ria �, e os primeiros a usar os mais novos equipamentos
para est�dios e unidades m�veis. Eu deixo o primo Buzzoni


inteiramente maluco, porque investimos na Rede Vanguarda
tudo o que ganhamos. Agora, por exemplo, estamos construindo
a nova sede de S�o Jos� dos Campos e vamos transferir a
sede de Taubat� para um novo e moderno edif�cio.

Segundo uma pesquisa do IBOPE realizada em outubro de
2011, a Vanguarda tem 55% de participa��o na audi�ncia do
mercado, ou seja, 23% a mais que todas as concorrentes somadas.
Dos cinquenta programas mais vistos, 45 s�o nossos. O
PIB do nosso mercado � de R$ 56,8 bilh�es, maior que o de
pa�ses como Panam�, El Salvador, Bol�via e Paraguai. A renda
per capita anual da regi�o � de R$ 22.200, 38% maior que
a m�dia brasileira. Outro dado importante � o que se refere �regionaliza��o da propaganda no Brasil. O IPC � �ndice de Potencial
de Consumo � mostra que, em 2001, havia um potencial
de consumo no interior do Brasil de 62% contra 38% nas capitais.
Em 2010, esse �ndice no interior passou para 65% contra
35% das capitais.

Nos seus oito anos de exist�ncia, a Vanguarda investiu aproximadamente
R$ 30 milh�es em programas de interesse social,
apoiando a��es assistenciais, educativas, esportivas e ecol�gicas
em toda a regi�o. Nosso programa Terra: vida ou morte ganhou
o primeiro lugar da Associa��o Brasileira de Munic�pios,
na categoria de programas ecol�gicos, vencendo a TV Globo e
a TV Record.

A Vanguarda foi eleita duas vezes pela revista Propaganda
a melhor emissora regional do Brasil. O VNews � nosso jornal
eletr�nico na internet � � mais lido que os jornais impressos da
�rea, por isso dizemos que � o jornal de maior circula��o na regi�o.


A empresa � administrada profissionalmente por um grupo
gestor, composto por: Irany Castro, coordenadora geral; Tere



zinha de Almeida, no jornalismo; Val�rio Luiz Fernandes, na
programa��o e promo��o; Sandro Sereno, na engenharia; Luiz
Carlos de Carvalho, na comercializa��o, e Carlos Alberto Vizeu,
que faz a interface com os acionistas. A Ruth Reis, uma
das maiores designers do Brasil, criou a logomarca da Vanguarda
em 2003 e fez uma nova vers�o para 2012. Ela responde
pela programa��o visual da empresa, a Lia Regina, pela cenografia,
o Walbercy Ribas pela �rea de anima��o e o Ferreira
Martins � a voz da Vanguarda.

Nos escrit�rios do Rio a equipe conta com a Christina Leite,
Sergio Schechner, Dario Carneiro e Fl�vio Marinho.

A MZB do Marcos Bordini nos d� consultoria na administra��o.


Acabamos de criar, recentemente, uma nova empresa: a
Vanguarda Multicast. Separada da Rede Vanguarda, ela vai se
dedicar � produ��o de conte�dos especiais para outras m�dias,
� formata��o dos conte�dos existentes e vai cuidar, especialmente,
das redes sociais, das m�dias sociais e da opera��o com
aplicativos m�veis.

A Vanguarda foi eleita pela Academia Brasileira de Marketing,
pela terceira vez, a melhor TV Regional do Brasil,
ganhando nessa categoria, o pr�mio �Ve�culos de Comunica��o
2011� instituido pela Revista Propaganda, da editora Refer�ncia.


Nossa miss�o � servir a regi�o com os olhos voltados para o
mundo. Nosso slogan: �Vanguarda, aqui � o seu lugar.�


A TV aberta tem futuro?


CLARO QUE TEM. SeMPRE OUVI que o r�dio acabaria com os jornais,
que o cinema acabaria com o teatro, que a televis�o acabaria com o
r�dio e que a internet seria um m�ssil que destruiria isso tudo de uma
s� vez. Nada disso aconteceu. A verdade � que nada morre. Tudo se
transforma.

Dos meios de comunica��o que conhecemos o mais cr�tico � o jornal.
Primeiro por usar papel, pois, mesmo que seja oriundo de reflorestamento,
o solo e a �gua n�o deixam de ser usados. E, depois, porque
necessita de transporte que consome combust�vel e � altamente
poluidor. O terceiro ponto � que, por enquanto, a internet � gutemberguiana
e o uso do conte�do dos jornais on-line � simples e sem
controle. No in�cio, eles abriram seu conte�do para a internet e agora
come�aram a rever a posi��o e a cobrar pelo fornecimento de not�cias
e informa��es.

A televis�o, cada vez mais, vai assumir o papel de distribui��o.
A tecnologia digital proporcionou um salto qualitativo, com imagens
em alta defini��o e rela��o de aspecto 16x9, propor��o semelhante
�s das telas de cinema. O som passou a ter configura��es ilimitadas.
O aumento do tamanho das telas foi brutal e, apesar de j� existirem
no mercado telas maiores do que cem polegadas, esse tamanho vai
continuar crescendo. E se houve melhora na recep��o dos sinais de
televis�o pelo ar, pelo cabo e por sat�lite, melhorou ainda mais a capta��o
de imagens e sons, em est�dio ou externas, aperfei�oados por


incont�veis recursos de p�s-produ��o. Essas conquistas colocam
o ve�culo em condi��es muito favor�veis de competi��o
com o cinema e com os monitores de computador. Os pr�prios
receptores de televis�o usam tecnologia mista e podem receber
televis�o e sinais dos computadores. Depois, tudo o que for
poss�vel ser visto ir� para o cat�logo do VOD (Video on demand)
e sair� das grades de programa��o, que ir�o para o espa�o.
Os gerenciadores de programa��o j� permitem acesso f�cil
e imediato a um leque impressionante de conte�dos, em especial
acervo de filmes e s�ries de televis�o. No You Tube, j� encontramos
praticamente tudo, at� canais espec�ficos de conte�do
organizados como se fossem emissoras. O n�mero de acessos
ao site chega a tr�s bilh�es de visualiza��es por dia e os
conte�dos mais antigos s�o os mais acessados. O caminho da
televis�o aberta, a meu ver, ser�, prioritariamente, o da not�cia
imediata, ao vivo, substituindo os telejornais burocr�ticos para
os quais ainda s�o guardadas as informa��es que j� deviam ter
sido transmitidas no ato. O esporte, direto, ganhar� mais espa�o.
Os eventos ser�o disputados entre as emissoras. A luta se
travar� entre enlatados e programas ao vivo. A televis�o aberta
no Brasil ter� sobrevida gra�as ao seu produto particular que,
mesmo em menor escala, continuar� a ser consumido: a novela.
Podendo at� ser disponibilizado na web, mas de gra�a, porque
a conta da produ��o precisa ser paga por algu�m e os usu�rios
dever�o �co�ar� o bolso ou ver na aberta, que � livre. �
importante considerar a entrada das �teles� na distribui��o de
sinais de televis�o, o que, al�m de ampliar o universo de assinantes,
ir� acelerar a implanta��o da banda larga. Isso aumentar�
a velocidade de tr�fego da internet, hoje baix�ssimo, promovendo
mais facilidades para a TV Educativa, para os pro



gramas da TV Escola e outros que ir�o surgir apoiados nas novas
tecnologias.

Onde est� o futuro? J� entrou pela nossa porta. A internet
mostra quase tudo o que voc� quer ver, onde voc� estiver, na
hora que voc� quiser. Os grandes provedores de not�cias � os
jornais e as revistas � j� migraram ou est�o migrando para a
internet e, agora, cobram pelos seus servi�os. As redes sociais
continuar�o crescendo, revelando, cada vez mais, um suic�dio
coletivo da privacidade. � importante considerar que elas s�o
anteriores � internet e sempre existiram dentro da comunica��o.
A internet proporcionou a multiplica��o espantosa dessas
redes. Entende-se por rede social aquilo que cham�vamos, no
in�cio da internet, de sites de relacionamentos, onde os participantes
obrigatoriamente se relacionam, embora s� se interessem
por si mesmos e por seus grupos. O Facebook eo Orkut
s�o exemplos dessas redes. A rede do Facebook conta em novembro
de 2011 com 900 milh�es de membros. As m�dias sociais
mais abrangentes s�o est�veis e confi�veis, pelo conte�doordenado e por serem endere�adas a grupos de maior porte. �

o que cham�vamos, antigamente, de novas m�dias. Os exemplos
s�o os blogs e miniblogs, como o twitter, que sozinho tem
mais de 150 milh�es de usu�rios. Interagir nas m�dias sociais
� o comum, mas n�o h� obriga��o de relacionamento. Correndo
por fora, crescem os aplicativos m�veis de uso simplificado
nos smartphones, tablets e smart tvs. Esses aplicativos, lan�ados
a cada dia e em permanente evolu��o, s�o ferramentas indispens�veis
e cada vez mais irresist�veis. O mercado de games
teve um crescimento vertiginoso com os aplicativos m�veis.
Apesar de tudo, nossa televis�o aberta continuar� tendo o
seu lugar ao sol. As emissoras que n�o sa�rem da mesmice
v�o morrer. Sobreviver�o as que tiverem conte�do interessan



te, dando �nfase �s transmiss�es ao vivo e diretas. Os canais de
TV aberta poder�o se mesclar no turbilh�o de novidades que
ainda est�o por vir, mesmo que de uma maneira totalmente diferente
de como s�o em nossos dias, ter�o uma visibilidade assegurada.


O importante � que a televis�o aberta � que tem a concess�o
de usar o espectro, que � um bem p�blico � tenha consci�ncia
de sua responsabilidade social, que se preocupe sempre em elevar
o n�vel de suas atra��es e n�o insista em sublocar os seus
espa�os, o que � ilegal. E que, al�m do entretenimento, informe
e preste servi�os � comunidade e � na��o. Assim, com certeza,
a TV aberta ainda ter� pela frente um longo futuro.

Multibrasil Download -www.multibrasil.net














LIVRO DO BONI

Formato: Livro

Autor:

OLIVEIRA SOBRINHO, JOSE BONIFACIO DE

Idioma: PORTUGUES

Editora: CASA DA PALAVRA

Assunto: BIOGRAFIAS/AUTOBIOGRAFIAS/DIÁRIOS/MEMÓRIAS/CARTAS

Sinopse|:


Este livro reúne uma série de histórias profissionais e pessoais de José Bonifácio de Oliveira Sobrinho, que têm como protagonistas alguns nomes da comunicação do país - seja na publicidade, no rádio e na televisão. Autores como Janete Clair e Dias Gomes, humoristas como Chico Anysio e Jô Soares, e atores como Tarcísio Meira, Glória Menezes, Regina Duarte e Tony Ramos, além de jornalistas e diretores, acompanham as histórias de Boni, que refaz, nessa obra, a trajetória percorrida desde a sua infância até a TV Globo, onde se notabilizou.

Número de páginas: 352

 


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1) Livros:

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