OLHO MAGICO (4 s��ries)
Amarela ��� autor: Ricardo Veronese
Azul ��� autor: Bruno Altman
Verde ��� autor: Eduardo Rosso
Vermelha ��� autor: Marcelo Francis
KARINA (4 s��ries)
Amarela ��� autor: Ricardo Veronese
Azul ��� autor: Eliane Guerreiro
Verde ��� autor: Vic Lester
Vermelha ��� autor: Marcelo Francis
CORAL (4 s��ries)
Amarela ��� autor: t C��lio Santana
Azul ��� autor: Eliane Guerreiro
Verde ��� autor: Eduardo Rosso
Vermelha ��� autor: Bruno Altman
RELA����ES ��NTIMAS
Carlos Aquino
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mec��nico, sem a expressa autoriza����o do detentor do copyright
CAPITULO 1
O ��LBUM
Geraldo virou a chave e abriu a porta. Um ato simples
e que fazia todos os dias. Mas que naquele momento tinha
uma significa����o maior. Porque estava entrando no apar-
tamento que acabara de comprar, depois de enfrentar in��-
meros problemas.
At�� que enfim estava naquele apartamento que lhe
pertencia. A caminhada que o fizera chegar at�� ele havia
sido dura, cheia de atribula����es. Mas tudo aquilo final-
mente tinha um final feliz.
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Era solteiro e n��o pretendia casar-se. Casar para qu��?
Para ter problemas maiores? Para colocar no mundo outros
seres humanos para sofrer?
Sabia que isso era uma atitude derrotista, mas era
a sua verdade. E gostava de ser fiel a si mesmo.
Al��m disso, achava o casamento uma institui����o ul-
trapassada. Mesmo que seu ponto de vista fosse discut��vel,
n��o estava com disposi����o de mud��-lo. N��o queria casar-se
e pronto.
Algumas pessoas de sua fam��lia, parentes relativamen-
te pr��ximos, tios e primos ��� seus pais j�� haviam morrido
��� costumavam fazer tentativas de meterem-se em sua
vida. Viviam perguntando por que n��o casava.
Mas ficavam s�� nas tentativas. Porque ele n��o admi-
tia, mas n��o admitia mesmo, que ningu��m dissesse como
deveria viver.
Assim, permaneceria solteiro pelo resto da vida. Teria
as mulheres que quisesse, quando quisesse, sem nenhum
v��nculo a n��o ser o desejo do momento. A vida era transi-
t��ria demais, e os amores, tamb��m.
Comprara aquele apartamento de dois quartos, apenas
para seu pr��prio conforto. Um pouco grande demais para
uma pessoa s��. Antes possu��a um conjugado. Sua via-
crucis come��ara justamente quando resolvera vend��-lo e
adquirir um apartamento maior.
Nunca pensara que fosse ter tantos aborrecimentos.
Para come��ar, a fim de n��o ter muito trabalho, entregara
a responsabilidade de suas transa����es imobili��rias a um
corretor.
Mas dera um tremendo azar. O tal corretor n��o tinha
uma qualidade t��o valiosa: a honestidade. E depois de
querer pass��-lo para tr��s de diversas maneiras, Geraldo
despachara-o e decidira fazer tudo sozinho.
Marinheiro de primeira viagem, viu-se �� beira do de-
sespero. Colocara an��ncios nos jornais para vender seu
im��vel. Esteve �� disposi����o de in��meros candidatos �� com-
pra de seu conjugado. Alguns pareciam que apenas que-
6
riam se divertir. Olhavam o apartamento, ficavam de apa-
recer e sumiam.
Depois de mais de um m��s, fechou neg��cio. Enquanto
isso, olhava outros an��ncios, procurando o que queria com-
prar. Desejava continuar na Zona Sul. N��o que morresse
de amores por Copacabana, Ipanema, Botafogo ou Leblon.
N��o se incomodava at�� de morar num sub��rbio distante.
Mas devido ao seu trabalho e �� vida �� qual se acostumara,
o ideal mesmo era permanecer vivendo num dos quatro
bairros, perto de tudo e com todas as facilidades de acesso.
Levara quase oito meses, desde que dera o primeiro
passo procurando o tal corretor desonesto at�� a realiza����o,
por conta pr��pria, da venda e compra dos apartamentos.
Oito meses de muito trabalho, des��nimo e chatea����o.
Por momentos, quase desistira e se conformara em con-
tinuar no seu pequeno conjugado. Depois de muitos anos
ali morando, j�� se sentia como um pequeno p��ssaro preso
a uma gaiola.
N��o suportava mais entrar em casa e n��o ter por
onde andar. Da porta at�� a janela, eram apenas alguns
passos. Por isso adiava sempre o momento de voltar para
casa e s�� chegava mesmo na hora de dormir.
Agora n��o, apesar de todos os sacrif��cios, valera a
pena. Tinha um lugar decente, de v��rios aposentos rela-
tivamente amplos, mais do que necess��rios ao conforto
a que se achava com direito.
Pagara um pre��o muito caro, em todos os sentidos.
Al��m do trabalho insano para chegar ao final dos ne-
g��cios.
Empregara todo o dinheiro adquirido com a venda do
seu conjugado, mais as suas economias da Caderneta de
Poupan��a, a venda de todas as suas a����es, o saldo que
tinha no Banco.
E ainda teria que passar dois anos pagando uma al-
t��ssima presta����o, que, no entanto, n��o o amedrontava,
pois trabalhava em dois empregos e ganhava muito bem
para uma pessoa s��.
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Valera a pena tanto sacrif��cio? No momento n��o es-
tava muito seguro disso. Mas a longo prazo, valera. Um
dia, se n��o morresse cedo, ficaria velho. Teria ent��o a se-
guran��a de possuir um bom im��vel, al��m de duas aposen-
tadorias. Seria um coroa enxuto e relativamente rico, po-
dendo ter uma velhice tranq��ila.
Par�� aquele apartamento traria as mulheres que de-
sejasse. Iria usufruir de muitos prazeres ainda durante v��-
rios anos. Aos trinta e cinco anos de idade, estava no apo-
geu de suas for��as e com muito tempo pela frente.
Poucos homens de sua idade, que tivessem vindo do
nada como ele, conseguiriam atrav��s do pr��prio esfor��o,
chegar ��quela situa����o.
No entanto, naquele momento, sentia-se apenas can-
sado. Olhou, com des��nimo, as paredes nuas, a mesa e
duas cadeiras jogadas na sala de qualquer maneira. Per-
correu os outros aposentos.
Uma cama no quarto. As roupas jogadas em cima dela.
No outro quarto, os caixotes cheios de livros. Na cozinha,
a geladeira. Mais nada.
N��o compraria outros m��veis durante algum tempo.
N��o queria mais saber de sacrif��cios. O que dispunha dava
muito bem para o gasto. Principalmente porque o apar-
tamento tinha diversos arm��rios embutidos onde arruma-
ria suas roupas, livros, etc.
Novamente sentiu-se desanimado ao pensar em ter
que arrumar aquilo tudo. Muniu-se de todo o ��nimo de
que foi capaz e voltou ao primeiro quarto, onde estavam
as roupas em cima da cama.
Come��ou a coloc��-las no arm��rio. Pelo menos isso. Os
livros que estavam nos caixotes no outro quarto ficariam
para outra ocasi��o. J�� chegava o trabalho que tivera na-
quele dia, ao providenciar a mudan��a daqueles poucos
m��veis.
Ao colocar a ��ltima roupa num dos compartimentos
do arm��rio embutido, viu no fundo, num canto, dois li-
vros, dois enormes volumes. Deveria ter sido esquecido pelo
antigo morador.
8
Pegou os volumes e abriu o primeiro. Tratava-se de
um velho ��lbum de fotografias. Curioso, sentou-se na cama
ainda desforrada e come��ou a folhe��-lo.
As primeiras fotos tinham um tom amarelecido pelo
tempo. Todas estavam datadas, a tinta, embaixo. A foto
de uma garotinha iniciava o ��lbum, com os dizeres escri-
tos em letra arredondada:
"Eu, com alguns meses de vida".
A seguir, vinha uma menina j�� maiorzinha, com um
la��o de fita no cabelo:
"No dia do meu anivers��rio, quando completei dois
anos".
E assim por diante.
A garota aos quatro, seis, oito, dez anos de idade.
Acompanhada pelos pais ou sozinha ou com outras pes-
soas.
Aos quinze, j�� era um deslumbramento. Apesar da
m�� qualidade da foto, da moda antiquada, Geraldo n��o
p��de conter seu entusiasmo pela beleza da adolescente.
E reconheceu nela, a mulher que lhe vendera o apar-
tamento. Como era mesmo o nome dela? Lembrou-se: Fer-
nanda. Vira-a apenas uma vez, no cart��rio, no dia em que
assinara a escritura.
(Ela, ao contr��rio dele, tinha entregue todo o traba-
lho de venda a uma ag��ncia imobili��ria.)
Recordava perfeitamente que ficara impressionado
com sua beleza. Era uma mulher que aparentava pouco
mais de trinta anos, elegant��ssima, e muito, mas muito
bonita.
Largou o ��lbum de lado e abriu o outro livro que,
como desconfiara, tratava-se de um di��rio. Queria se cer-
tificar do nome, que n��o constava do ��lbum. E de fato,
no di��rio, verificou que ela se chamava mesmo -Fernanda.
Mas por que deixara os dois livros ali? N��o os queria'
mais? Certamente havia esquecido. Devia procur��-la para
devolv��-los? Mas ser�� que a encontraria? Talvez. Era s��
dirigir-se �� imobili��ria, que lhe daria o endere��o da cliente.
9
No entanto, desejava antes ler tudo. Queria conhecer
a vida daquela mulher. Pegou de novo o ��lbum e conti-
nuou do ponto em que o deixara.
Fernanda aos dezoito anos.
Fernanda num grupo de pessoas.
Fernanda com um rapaz.
Fernanda com outro rapaz.
Fernanda em todas as fases e de todas as maneiras.
Menos nua. (Que pena!)
Na praia. (Que pernas!)
De vestido de baile.
De cal��as compridas.
Novamente de biqu��ni. (Que corpo!)
Leu atentamente as datas, as legendas escritas a m��o
embaixo de cada fotografia.
Fernanda num barco.
Fernanda na pra��a.
Fernanda s��ria, sorrindo, dando uma gargalhada.
Feliz, infeliz, alegre, triste.
Momentos de vida fixados pela c��mara fotogr��fica
para todo o sempre.
At�� que algu��m resolvesse destruir.
Sua curiosidade aumentava cada vez mais.
Chegou �� ��ltima foto.
Fechou o ��lbum.
Era um s��bado.
N��o tinha planejado nenhum programa espec��fico, de-
vido ��s atribula����es da mudan��a.
Sentia-se bastante cansado e viu que ali estava a sua
distra����o para aquela noite.
10
No entanto, precisava comer alguma coisa. Estava com
fome. N��o tinha nada em casa. N��o dera tempo de com-
prar. A geladeira estava vazia.
A contragosto desceu e foi at�� o restaurante mais
pr��ximo. Comeu rapidamente e voltou para casa, ansioso.
Tinha necessidade de descobrir aquela vida. A vida de
Fernanda. Que deixara jogada num canto de um arm��rio
embutido.
Por que aquele interesse t��o grande pela vida de uma
mulher que mal conhecia? Ou melhor, nem mesmo co-
nhecia? Ele a vira apenas uma s�� vez de maneira r��pida
e muito formal.
Estaria apaixonado?
Riu do pensamento.
Saiu do restaurante.
Tomou a dire����o de casa.
Entrou de novo no apartamento, como se uma aven-
tura o esperasse ali.
Uma grande aventura.
A aventura de descobrir uma vida.
Deitou-se comodamente na cama.
Pegou primeiro no ��lbum.
Voltou a olhar as fotos.
Uma delas, parecia que falava.
Justamente, Fernanda com quinze anos.
Ficou algum tempo com aquela p��gina aberta.
Os olhos de Fernanda.
A boca.
O nariz bem-feito.
Uma flor nos cabelos.
(Seria moda na ��poca?)
11
Aquela flor j�� murchara, n��o mais existia h�� muito
tempo.
Mas ali, na foto, apesar de meio esmaecida pelo tempo,
ainda estava viva. Tanto quanto Fernanda.
O ��lbum foi posto de lado.
E Geraldo finalmente come��ou a ler o di��rio ou a his-
t��ria de uma v i d a , . .
12
CAPITULO 2
RETALHOS DE LEMBRAN��AS
"Como ocorre com todas as pessoas, n��o me lembra
direito quando realmente comecei a tomar conhecimento
de que existia. Nem mesmo sei com seguran��a qual a mi-
nha mais antiga recorda����o.
Como todo mundo, tinha um pai e uma m��e, Jacinto
e Lourdes. E um irm��o, Vanderlei.
Este era muito mais velho do que eu. Mais precisa-
mente onze anos. Na verdade, meus pais n��o esperavam
mais ter filhos, quando eu lhes fiz uma surpresa, vindo
13
ao mundo, linda e maravilhosa. Muitas vezes, j�� grande,
�� l��gico, brincava com minha m��e a esse respeito e ela
n��o me dava colher-de-ch��.
��� Linda e maravilhosa? Pois sim. Voc�� parecia um
passarinho. Muito magrinha, a cabe��a um pouco grande,
dois olhos enormes. Para lhe dizer a verdade, voc�� dava a
impress��o de s�� ter olhos.
Assim, na verdade, eu n��o era uma bela represen-
tante do sexo feminino quando nasci. E s�� costumava fa-
zer esse tipo de coment��rio com minha m��e, quando es-
tava na casa dos vinte anos. A��, sem falsa mod��stia, j�� era
uma mo��a bonita.
Mas em pequena, n��o era nada disso. Ali��s, dizem que
as pessoas quando s��o bonitas em crian��a, ficam feias ao
tornarem-se adultas. E vice-versa. N��o sei bem onde ouvi
isso.
Mas a verdade �� que �� medida que eu crescia aumen-
tava meus atributos f��sicos. (S�� entre os doze e os qua-
torze anos me senti mais feia do aue nunca. Crescera de-
mais. Mas aos quinze j�� estava adquirindo minha melhor
forma.)
Deixando de lado as quest��es de apar��ncia, vamos aos
fatos. Eu era muito t��mida. Praticamente filha ��nica, so-
zinha, pois meu irm��o bem mais velho que eu, n��o se
preocupava em ocupar-se da irm��zinha que chegara atra-
sada.
As amigas eram poucas. Talvez devido ao meu tempe-
ramento arredio. Preferia ficar em casa, brincando com
minhas bonecas ou com minhas casinhas de armar.
Dava margens �� minha imagina����o. (Sempre fui uma
sonhadora. E o que seria da gente se n��o sonhasse? Se ti-
vesse que aguentar a realidade nua e crua, sem uma fuga?
Entre elas a fuga da imagina����o, da fantasia?)
Assim, fazia minhas casinhas de brinquedo. Vestia e
desvestia as bonecas com as roupas que minha m��e fazia
para elas, incansavelmente. Inventava que elas iam a fes-
tas maravilhosas e dan��avam, d a n �� a v a m . . .
14
Apesar de ter bonecas de lou��a muito bonitas, gostava
mais das bonecas de pano, chamadas por muitos de bru-
xas de pano. Tinha uma baiana lind��ssima, de rosto, bra��os
e corpo pretos, vestida com a roupa t��pica das baianas,
cheia de colares e pulseiras de pequenas contas douradas.
Esqueci de dizer que nasci numa cidade pequena. E
peguei uma ��poca cheia de preconceitos, a d��cada de 50.
Principalmente em minha cidade.
Tive uma educa����o rigorosa e muito religiosa. Duran-
te algum tempo, estive semi-interna num col��gio de frei-
ras. Justamente quando fiz o gin��sio, quando minha curio-
sidade pelo mundo aumentava.
Passei no exame de admiss��o para o gin��sio com onze
anos. E me vi semi-interna, indo para o col��gio de manh��
cedo e s�� voltando no fim da tarde.
N��o me esque��o nunca daqueles muros altos que se-
paravam os dois mundos. O do col��gio, onde me sentia
numa esp��cie de pris��o, e o da rua, onde as coisas eram
coloridas e, no meu entender, livres.
Chorava muito certos dias para me levantar e me
arrumar para ir para as aulas. Sentia uma esp��cie de an-
gustia (naquela epoca eu n��o sabia se se dava este nome
aquela coisa meio vaga que me apertava o cora����o e me
enchia de tristeza).
Ia a pulso para o col��gio. N��o que n��o fosse uma
aluna aplicada. Muito pelo contr��rio. Tinha sempre ��timas
notas e meu comportamento era o melhor poss��vel, talvez
devido a minha timidez. N��o ousava nem de longe fazer
metade do que a maioria de minhas colegas faziam.
Sentia uma saudade imensa de casa, como se esti-
vesse condenada a nunca mais voltar. Saudade de meu
pai, de minha m��e, de minhas bonecas (sim, mesmo aos
onze anos, guardava algumas, as mais queridas, com mui-
to carinho), e at�� de meu irm��o, que quase nunca via
(por estas alturas dos acontecimentos, ele j�� tinha desco-
berto a vida pelos bares e pelas ruas escuras);
Mas o fim da tarde chegava e eu estava de volta. As
horas no col��gio no entanto custavam tanto a passar!
15
(Mais tarde eu verificaria com tristeza que o tempo passa
muito mais depressa do que seria desej��vel.)
Eu era t��o ing��nua, mas t��o ing��nua mesmo, que mi-
nhas colegas ou debochavam abertamente ou ent��o n��o
acreditavam, chamando-me de sonsa. Mas realmente eu
n��o sabia nada, da vida, mas nada mesmo.
Demorei bastante para descobrir como as crian��as vi-
nham ao mundo. E quando Vera, uma colega mais sabida,
me contou, gritei irritada:
��� Mentira!
Vera deu uma gargalhada:
��� E como voc�� pensa que os meninos nascem?
��� Sei l �� . . .
��� Pois �� exatamente assim como lhe disse.
��� N��o acredito.
��� S�� existe esta maneira, Fernanda. Ainda n��o in-
ventaram o u t r a . . .
��� Quer dizer que meus pais fazem isso que voc��
contou?
Mas claro, eles n��o s��o diferentes das outras pes-
soas.
Para mim, foi uma grande decep����o. Mesmo porque,
Vera, com sua excessiva "sabedoria" em quest��es de sexo
para a idade (era apenas um ano mais velha do que e u ) ,
teve um imenso prazer em me contar com todos os deta-
lhes como se "fabricavam" os beb��s.
Achei tudo muito sujo.
Ent��o, meus pais tamb��m faziam "aquilo"?
Vera me explicou que "aquilo", desde que as pessoas
fossem casadas, n��o tinha a menor import��ncia. Era acei-
to pela sociedade, a religi��o n��o condenava.
Mesmo assim, custei a me acostumar com a id��ia.
Alguns retalhos de lembran��as surgiram na minha ca-
be��a.
Com o fato "misterioso" de uma costureira que aju-
dava minha m��e. (Minha m��e bordava para fora, era con-
ceituad��ssima em seu setor e tinha uma ajudante.)
Esta ajudante, Iracema, um dia apareceu gr��vida.
16
E n��o era casada.
E a barriga come��ou a crescer,
A crescer cada vez mais, cada vez mais, at�� que n��o
p��de esconder dos outros.
Vi Iracema chorando.
Ouvi murm��rios. Conversas dela e minha m��e que
eram cortadas assim que eu me aproximava.
Recordei tamb��m uma hist��ria estranha, que n��o sa-
bia direito a origem, nem onde exatamente a tinha ouvido.
Era a hist��ria de uma mo��a que de repente aparecera
gr��vida sem ser casada (a grande vergonha da ��poca e
do lugar).
Ela se justificara, dizendo que dormira com a cal��a
do rapaz debaixo do travesseiro. Assim, "apanhara" a gra-videz.
Realmente uma hist��ria muito estranha. Fant��stica.
Uma esp��cie de lenda. Ou conto de fadas com final infe-
liz. Com uma justificativa mais estranha ainda do que o
epis��dio em si (que na verdade n��o tinha nada de es-
tranho, pois eram muitas as mo��as que de repente, sem
se casarem, "pegavam" filhos).
E agora vinha Vera e esclarecia tudo. Desvendava mis-
t��rios insond��veis, desmistificava lendas e destru��a minha
inoc��ncia.
��� E por que se faz isso?
��� Antes de mais nada porque �� gostoso.
��� Como voc�� sabe?
��� N��o sei, mas imagino ��� respondia Vera com ar
malicioso.
��� Deve doer muito.
��� Se doesse tanto, as pessoas n��o faziam.
��� Mas por que tem que ser assim?
��� Porque �� assim.
E Vera n��o disse mais nada. Cansada talvez se minha
insuport��vel ingenuidade. E eu fiquei com a cabe��a cheia
de fantasias, de inquietudes
Eu tamb��m iria fazer a mesma coisa quando cres-
cesse mais?
17
Mais tarde, vi que a vida era assim porque era assim.
A lei da natureza.
Que todos seguem.
Sem exce����o.
De uma maneira ou de outra. (As outras maneiras de
fazer amor, vim a saber mais tarde, ainda eram mais con-
den��veis e terr��veis na minha concep����o.)
Mas a vida era assim.
E pronto.
A partir da��, insidiosamente, passei a me interessar
mais pelos rapazes. Pelo que os rapazes tinham de dife-
rente da gente.
Foi por essa ��poca que uma piada corria de boca em
boca e esteve muito em moda entre minhas companheiras.
Era a hist��ria de um garoto, cujo pai perguntou se
queria um boneco ou uma boneca de chocolate. O menino
respondeu sem hesitar que preferia o boneco e disso n��o
abria m��o.
O pai perguntou interessado:
��� Mas por qu��?
Respondeu o garoto:
��� Porque o boneco tem um pedacinho a m a i s . . .
E era esse pedacinho a mais que aos poucos foi me
transformando numa grande curiosa. At�� a conversa es-
clarecedora (e ao mesmo tempo um tanto traumatizante
de Vera), nunca me ligara na tal diferen��a.
Foi ent��o que aconteceu um epis��dio que n��o gosto
muito de me lembrar, apesar de ainda hoje me deixar um
tanto excitada (talvez mais do que na ��poca em que acon-
teceu, quando fiquei mais assustada do que propriamente
excitada).
Era um m��s de janeiro.
Pleno ver��o.
(Na verdade n��o havia grandes diferen��as entre o ve-
r��o e as outras esta����es na minha terra. Sempre fazia
calor e o inverno n��o chegava nem a ser frio.)
18
O tempo estava abafado.
N��o me lembro por que motivo entrei repentinamente
no quarto do meu irm��o.
(Eu j�� estava com treze anos, ele com vinte e quatro.)
Ao entrar, deparei com Vanderlei completamente des-
pido (ele estava trocando de roupa).
Meu irm��o gritou, ao mesmo tempo que me deu as
costas:
��� Saia daqui, menina. N��o viu a porta encostada?
Voc�� est�� maluca, entrando assim sem avisar?
Apesar de sua girada r��pida, deu para eu v��-lo de
frente.
Consegui balbuciar:
��� Desculpe.
E sa�� do quarto de Vanderlei o mais rapidamente pos-
s��vel.
Mas a imagem dele completamente despido nunca me
saiu da cabe��a.
Meu irm��o eram um belo rapaz. Praticava esportes,
tinha um corpo musculoso. Mil namoradas espalhadas pela
cidade. O verdadeiro e t��pico mach��o.
E agora eu o vira na intimidade. Conhecera-o comple-
tamente.
O epis��dio, que a princ��pio me assustara, depois me
povoou os sonhos. Mas tamb��m tive pesadelos. Como por
exemplo, aquele em que ele me procurou na calada da
noite em minha cama. Acordei suada e querendo gritar.
Mas percebi que Vanderlei n��o estava ao meu lado. Tudo
n��o passara de um sonho.
Acordada ou dormindo, a imagem me perseguiu cons-
tantemente durante v��rios anos. Um misto de medo e de
desejo.
19
(E me martirizava demais com isso. Como pensar nes-
tas coisas t��o feias? Deveria ter visto qualquer outro ho-
mem nu, que n��o tivesse nenhum parentesco comigo, mas
nunca meu irm��o. Maldisse minha sorte de ter entrado
naquele quarto naquele momento.)
Mas os meses passaram.
A imagem foi esmaecendo.
Eu tinha certeza de que. aquele fato s�� seria mesmo
esquecido quando visse outro homem nu. E inevitavelmen-
te o compararia a meu irm��o.
Aquilo se transformou no meu grande segredo.
N��o contei nada a ningu��m.
N��o tive coragem."
* * *
Geraldo parou de ler.
N��o se tratava propriamente de um di��rio. E sim de
um desabafo. (O que dava no mesmo.) Fernanda contava
a hist��ria de sua vida, os epis��dios mais marcantes. Como
se quisesse botar para fora os fantasmas.
Deitado na cama, de sunga, Geraldo teve vontade de
retroagir no tempo e no espa��o.
Naquele momento desejou possuir Fernanda aos treze
anos. Com sua carne jovem, suave. Sua pureza. Torn��-la
impura. Fazer com que conhecesse logo todos os prazeres
do sexo.
Naquele tempo, ele devia ter uns quinze anos.
J�� andava ��s voltas com suas primeiras experi��ncias
sexuais.
Mas muito distante de Fernanda.
Nascera e se criara no Rio.
Tinha havido um grande desencontro entre os dois.
20
Retornou �� leitura, mais interessado do que nunca.
A hist��ria lhe prometia lances muito interessantes.
Se o in��cio daquela vida era t��o fascinante, o resto
prometia sensa����es ainda maiores.
21
CAPITULO 3
A PROFESSORA DE PIANO
"N��o me lembro bem de onde partiu a decis��o.
Se foi de mim mesma, de meu pai ou de minha m��e.
Mas o fato �� que foi resolvido que eu devia estudar
piano.
Estava no ��ltimo ano ginasial e n��o mais em regime
de semi-internato. (Meus pais acharam que era uma bo-
bagem, uma despesa a mais, sem nenhuma utilidade. Eu
era uma garota acomodada, de bons princ��pios. N��o havia
22
necessidade de ficar o dia inteiro encerrada dentro de um
col��gio de freiras.)
Como ia dizendo, comecei a estudar piano, a ter aulas
particulares com D. Ros��ngela. De certo modo, fiquei sa-
tisfeita. N��o que quisesse ser pianista. Mas era uma boa
coisa aprender a tocar, ter um conhecimento mais ��ntimo
com a m��sica.
D. Ros��ngela era uma mulher alta, forte, bonita. Um
pouco grandalhona para o tipo brasileiro. Descendente de
europeus, n��o sei bem se de austr��acos, suecos ou ingle-
ses. S�� sei que foi parar naquela pequena cidade do Nor-
deste.
E que era professora de piano, casada e muito bonita
dentro do seu tipo. Enorme, de grandes quadris, coxas mui-
to grossas, peitos volumosos. Alva, cabelos louros, dentes
perfeitos.
E sempre sorrindo. Muito jovial, alegre, comunicativa.
Uma pessoa extremamente agrad��vel, de bem com a vida.
Viera morar perto de nossa casa h�� pouco tempo. Di-
ziam que antes vivia em Salvador. Muito civilizada, ves-
tia-se com requinte e maquilava-se muito, a boca extrema-
mente vermelha, r��mel nos olhos, etc.
Ah, ia me esquecendo! E se perfumava muito. Quando
passava deixava atr��s de si um aroma maravilhoso, sem
d��vida de perfume franc��s, car��ssimo.
N��o cheguei a saber sua idade exata naquela ��poca.
Devia andar pelos trinta e oito anos. (E eu achava que era
bastante velha para toda aquela pintura e toda aquela
alegria.)
(As vezes me pergunto por onde anda Ros��ngela.
Deve estar com cinq��enta e tantos anos, quase sessenta.
Envelheceu. Onde estar�� morando? Continua alegre? N��o
creio. Ainda vive? Engra��ado, como as pessoas se v��o, de-
saparecem no tempo e no espa��o! Quantos rostos que nun-
ca mais vi! Existir��o ainda?)
Mas acho melhor parar com este meu ataque de nos-
talgia e ir ao que interessa. Ou seja, dona Ros��ngela na-
quele tempo em que a conheci.
23
Era uma mulher fascinante, n��o havia d��vidas.
Tinha v��rios alunos e alunas de piano. Dava aulas
particulares, mas acho que n��o porque precisasse de di-
nheiro. Talvez para se ocupar, enquanto o marido traba-
lhava.
Este, pelo que eu sabia, ganhava muito bem. Era alto
funcion��rio de um Banco (fora transferido para a ag��ncia
de minha cidade, onde ocupava um cargo de chefia).
NO primeiro dia, me recebeu com sua amabilidade ha-
bitual:
��� V o c �� j�� tem alguma no����o de m��sica?
��� N��o, Dona Ros��ngela.
Ela deu uma gargalhada:
��� Em primeiro lugar vou "lhe pedir uma coisa. Nunca
me chame de dona Ros��ngela. Ros��ngela, simplesmente.
Afinal, n��o sou t��o velha assim.
Eu tamb��m ri, meio encabulada.
As aulas eram agrad��veis. Ros��ngela estava sempre
bem-humorada. Fazia das aulas uma esp��cie de brinca-
deira, Ao lado de li����es chatas e repetidas, aquele d��-r��-mi
sem fim, ela, para amenizar a monotonia, sentava-se ao
piano e tocava alguma m��sica. Misturava cl��ssicos com
can����es populares. Tudo se transformava ent��o numa
grande alegria.
Pensei que gostaria de ser como Ros��ngela. Uma mu-
lher cheia de vida, descontra��da. O contr��rio de mim, uma
jovem excessivamente inibida e tensa (talvez por isso que
tenha havido a tal decis��o de me fazer aprender piano,
para me desenvolver um pouco, me tornar mais. comunica-
tiva com os outros).
De fato, isso aconteceu.
Ao contr��rio do que ocorria com as aulas do col��gio,
as de piano se transformaram no meu maior divertimento.
At�� aquela data n��o tinha namorados.
(Fiz sempre as coisas bem mais tarde do que a maio-
ria das outras mo��as.)
Mas aquelas horas alegres tiveram pouca dura����o. Os
meus sonhos de, me tornar pianista foram desfeitos. Mi-
24
nh��s aulas foram cortadas antes mesmo de aprender di-
reito a tocar a m��sica mais simples.
Creio que n��o chegou a durar um ano.
Tudo por causa da maneira de ser de Ros��ngela.
Aos poucos, a cidade come��ou a falar.
Falava-se cada vez mais.
Eu ouvia os coment��rios. E desejava ardentemente que
n��o chegassem aos ouvidos de meus pais. Sabia qual seria
a rea����o.
De fato, demoraram a tomar conhecimento dos tais
coment��rios. Meu pai quase s�� fazia trabalhar, minha m��e
vivia bordando o tempo todo. N��o participavam da vida
social. E, por natureza, n��o tinham como h��bito, muito
comum entre os outros habitantes da cidade, se preocupa-
rem com a vida alheia.
Mas os coment��rios se avolumaram de tal maneira,
que n��o puderam deixar de chegar aos ouvidos deles.
Antes, por��m, eu j�� sabia de algumas coisas.
E uma vez, tive um impacto mais ou menos seme-
lhante ao que experimentara ao entrar no quarto de meu .
irm��o dois anos antes e v��-lo nu.
Foi numa tarde tranq��ila, como ali��s eram todas. as
tardes de minha cidade. Sa�� de casa para a. costumeira
aula de piano. S�� que sa�� bem mais cedo do que a hora
habitual (ao contr��rio das aulas do col��gio, ��s quais sem-
pre chegava em cima da hora ou mesmo um pouco atra-
sada, ��s de piano me esfor��ava para n��o atrasar nem.um
segundo).
Dessa maneira, cheguei �� casa de Ros��ngela quinze
minutos antes da hora. Ela veio abrir a porta. Notei que
seu sorriso n��o foi t��o natural como sempre. Mas n��o po-
dia desconfiar qual o motivo disso. Talvez fosse pura im-
press��o.
Meio sem jeito, Ros��ngela me fez entrar.
��� Acho que cheguei um pouco cedo ��� disse timida-
mente.
��� N��o tem import��ncia.
Ros��ngela j�� recobrara sua habitual desenvoltura.
25
Mandou que eu ficasse �� vontade e pediu que esperasse um
pouco, enquanto ia at�� o quarto. S�� ent��o notei que ela
estava com o robe entreaberto e sem suti��, deixando ver
um peda��o de seio e sua pele alva e macia.
Da sala, quando Ros��ngela abriu a porta do quarto,
divisei um homem l�� dentro, sem camisa, com o peito ca-
beludo. Mas foi uma quest��o de segundos, porque logo
ap��s a porta foi fechada por Ros��ngela. Ouvi vozes que
falavam baixinho.
O homem que estava l�� dentro, eu tinha certeza, n��o
era seu marido. Eu o conhecia. Aquele que vira sem camisa
no quarto era outro. Compreendi ent��o que tudo que se
falava sobre Ros��ngela era verdade.
Senti-me envergonhada de ter chegado cedo demais
para a aula e t��-la surpreendido. Ros��ngela simplesmente
acabara de ir para a cama com um de seus amantes.
O fasc��nio que sentia por ela, em vez de diminuir,
aumentou. A contragosto, vi que eu a invejava, que queria
ser assim tamb��m. Me torturei com este pensamento e
tamb��m com o fato de ter criado uma situa����o embara��osa
para minha professora de piano.
Alguns minutos depois ela voltou. O homem devia ter
acabado de se vestir e ter sa��do por outra porta. (Era uma
casa grande, o quarto onde ele se encontrava dava para
um p��tio, de onde podia alcan��ar a rua, sem ter que pas-
sar obrigatoriamente pela sala. Assim, n��o o vi mais. Mas
seu rosto e seu peito cabeludo, apesar de ter vislumbrado
t��o rapidamente, ficaram na minha mem��ria.)
Ros��ngela aproximou-se de mim, sorridente. Parecia
n��o ligar para o contratempo. Eu, no entanto, estava em-
bara��ada.
Depois, em conversa com Vera, que continuava minha
amiga e estava a par de todos os acontecimentos consi-
derados escabrosos, me disse:
��� Sua professora de piano �� fogo.
��� O que est�� querendo dizer?
��� N��o se fa��a de mais inocente do que ��, Fernanda.
Ent��o n��o sabe do que falam?
26
��� Mais ou menos.
��� Todo mundo sabe. A cidade inteira sabe. Ela faz
tudo na vista de todo mundo. Dizem at�� que o marido
tamb��m sabe de tudo e n��o se importa. Acho que isso j��
�� exagero. A vizinhan��a toda v�� os homens que entram e
saem da casa de Ros��ngela. E diz que ela varia mais de
homem do que de vestido. E olhe que �� uma mulher que
tem muitos vestidos. Voc�� nunca a viu com algu��m quan-
do vai estudar piano?
Eu menti:
��� N��o, nunca.
��� N��o �� que eu seja moralista. Voc�� sabe disso. Mas
n��o posso conceber que sua m��e deixe voc�� estudar com
aquela mulher. Voc�� pode receber p��ssimas influ��ncias.
(Olhei para Vera. Talvez as "p��ssimas influ��ncias" de
que estava falando eu as recebesse dela.)
Vera continuou:
��� De certa forma, para ser mesmo sincera, eu a in-
vejo. Deve ser uma vida deslumbrante, ter os homens que
quer e n��o ter aborrecimentos com isso, uma vez que o
marido �� t��o "compreensivo". Nem todo mundo tem sorte.
Claro que poucos dias depois, minhas aulas de piano
acabaram. Os coment��rios chegaram finalmente aos ouvi-
dos de meus pais e a primeira provid��ncia foi me afastar
da professora.
Ros��ngela sabia o motivo por que eu n��o continuaria
a estudar com ela. Talvez tenha pensado at�� que fora eu
mesma quem contara que vira um homem em sua casa.
Eu quis desfazer esta impress��o:
��� Eu gostaria de continuar com as aulas.
��� Mas seus pais n��o querem, n��o ��?
��� ��.
��� Esta resolu����o deles foi porque voc�� contou alguma
coisa a meu respeito?
��� N��o, juro que n��o. Jamais falaria algo que pu-
desse interromper estas aulas de que gosto tanto.
27
Eu estava sendo absolutamente sincera. E Ros��ngela
compreendia que eu n��o estava fingindo.
��� Eu sabia que n��o tinha sido voc��. Desculpe. Tenho
plena consci��ncia do motivo por que seus pais n��o querem
que venha mais a minha casa. Esta cidade �� pequena de-
mais para mim. E muito mesquinha. Ningu��m tem nada
para fazer a n��o ser falar mal dos outros. Talvez porque
tenham vontade de fazer tudo o que eu fa��o e n��o t��m
coragem. Ou fazem, mas escondido. Detesto hipocrisia. Mas
n��o tem import��ncia.
Algumas semanas depois, estava em casa sozinha, len-
do um livro, quando Vanderlei chegou da rua. Vendo que
n��o tinha mais ningu��m em casa a n��o ser a empregada
que estava l�� na cozinha e sem, portanto, poder nos ouvir,
ele.me fez uma revela����o surpreendente:
Felizmente voc�� n��o est�� mais estudando piano.
��� Por que? O que voc�� tem com isso?
��� Aquela mulher �� o pr��prio dem��nio. Sabe que at��
eu estive l�� esta semana?
��� Voc�� adora contar vantagem.
Ele nem ligou para o que eu disse e continuou:
��� Ros��ngela h�� muito tempo que vivia me olhando
com interesse. Eu ainda n��o tinha ido at�� sua casa, por-
que voc�� estudava com ela. Mas agora, vendo que nada
me impedia, me aproximei e foi exatamente como eu espe-
rava. . .
Vanderlei concluiu, c��nico:
��� Que mulher! Um neg��cio, de louco. A melhor que
eu j�� tive na cama. Acho que vou ficar " f r e g u �� s " . . .
Tive raiva de meu irm��o. Voltei a ler meu livro e n��o
lhe dei aten����o.
Ele n��o voltou a me falar no assunto.
Poucos meses depois, Ros��ngela mudou-se da cidade.
28
Soube que o marido fora de novo transferido para
outro lugar (talvez influenciado por ela que n��o suportava
mais viver ali).
"Nunca mais tive not��cias de Ros��ngela."
29
C A P �� T U L O 4
EXPERI��NCIA DESASTROSA
"Quase sempre, �� quase uma regra, as pessoas t��m
uma lembran��a muito agrad��vel do primeiro namorado e
o relembram com saudade. Comigo n��o posso dizer a mes-
ma coisa.
Todas as vezes que me lembro de Jair, procuro esque-
cer o mais depressa poss��vel, pensando imediatamente nas
mais variadas coisas, a fim de que sua figura saia de minha
mente.
30
N��o tenho a m��nima id��ia porque comecei a namo-
r��-lo. Talvez pelo fato de nunca ter tido nenhum antes
e ele ter sido um tanto ou quanto insistente.
Jair era o tipo do homem de que eu n��o gostava.
Em todos os sentidos.
Baixinho.
Magro.
Rosto encovado.
Um bigode para afirmar a masculinidade.
(Tamb��m acho que ele insistiu tanto comigo, porque
as outras garotas da cidade n��o o queriam.)
Tornava-se absolutamente imposs��vel am��-lo.
N��o era apenas seu aspecto f��sico que desagradava.
A sua personalidade era negativa.
Achava-se bonito. (Por incr��vel que pare��a.)
Tinha um car��ter bastante duvidoso.
Tomava pileques hom��ricos.
Estava sempre no cabar�� freq��entado por meu irm��o.
S�� que Jair era um freq��entador bem mais ass��duo. (Eu
achava que era sua ��nica sa��da, porque somente sendo
paga uma mulher poderia entregar-se a ele.)
Provavelmente devia estar sempre com doen��as ven��-
reas (naquela ��poca eu n��o sabia exatamente o que era
isso. Mas ouvia falar).
De prostituta em prostituta, de pileque em pileque,
estudava (fizera vestibular para a Faculdade de Direito,
e passara, claro, porque sempre fora conhecido como o rei -
da "cola"). Nos intervalos procurava arranjar uma namo-
rada, sendo desprezado sempre. Mas uma ou outra ca��a
em sua armadilha e eu fui uma delas.
Dizem que todos n��s temos alguma mancha negra em
nossa vida. Negra e quase, sempre secreta. Pelo menos fa-
zemos o poss��vel para esconder de todos. A mancha negra
de minha vida, que at�� hoje me envergonha, foi ter namo-
rado Jair.
Vendo-me num baile, na casa de uma amiga) convi-
dou-me para dan��ar. N��o pude recusar. (Minha timidez
sempre me levava ��s piores situa����es.)
31
Tamb��m por timidez n��o soube desvencilhar-me dele
e Jair passou o baile inteiro dan��ando comigo, apesar de
meus fracos protestos de cansa��o.
Enquanto dan����vamos e dan����vamos, ele me "cantou"
de todas as maneiras. (Isso at�� que ele sabia fazer bem,
uma de suas poucas qualidades.) Disse que eu era linda,
a mo��a mais bonita da festa, talvez at�� da cidade.
No seu entusiasmo crescente, afirmou que n��o havia
concorrentes para. mim. Confessou-se terrivelmente apaixo-
nado h�� bastante, tempo, apenas n��o tivera ainda, at��
aquele momento, oportunidade de se declarar.
Ap��s a declara����o, me vi envolvida como numa es-
p��cie de torvelinho. Era como se tivesse ca��do numa ca-
choeira e n��o pudesse me salvar.
Envolvida por sua l��bia, sem a desinibi����o necess��ria
para cortar suas inten����es, deixei que marcasse um en-
contro comigo para o dia seguinte.
E Jair n��o me largou mais.
Claro que fui objeto de goza����o da parte de Vera e
algumas outras colegas.
��� Lamento o seu gosto ��� disse Vera com grande
franqueza.
��� Mas eu n��o gosto dele.
��� E por que est�� namorando?
��� �� ele que insiste.
��� Bem, pelo menos Jair �� um bocado homem.
��� Como assim?
��� Ora, Fernanda, l�� vem voc�� com sua doce e eterna
inoc��ncia. Todo mundo sabe que ele vive no cabar�� todas
as noites e j�� foi para a cama com todas as mulheres de
l��. Inclusive, a gente nota, mesmo vendo-o vestido, que ele
�� muito bem dotado.
��� Bem dotado?!
��� N��o me fa��a perder a paci��ncia, Fernanda. Voc��
sabe muito bem o que quero dizer.
Quase cortei rela����es com Vera. Mas n��o o fiz, tam-
b��m por timidez e medo. Se Vera era t��o terr��vel como
amiga, quanto mais como inimiga.
32
Pensei em acabar imediatamente meu nascente namo-
ro com Jair. Mas n��o consegui. Novamente a minha falta
de coragem estava me levando por caminhos que n��o que-
ria trilhar.
E assim, come��amos a ir ao cinema juntos.
A passear �� beira-mar.
A andar pela pra��a da Matriz.
A conversar na porta de minha casa.
Verdade seja dita: ele procurava agradar-me de todas
as maneiras poss��veis.
Deu-me o primeiro beijo na boca, n u m vesp��ral no
Cinema Vit��ria. Reagi, n��o correspondi direito. Mas ele
continuou com seus l��bios colados aos meus durante al-
gum tempo.
Aquilo estragou o filme. Voltei para casa chateada e
muda. Jair compreendeu meu aborrecimento.
E s�� ousou dar o segundo beijo uma semana depois.
De alguma maneira, ele me fascinava, n��o posso negar,
Suas aventuras amorosas com as "mulheres da vida'',
sua grande experi��ncia sexual, as coisas que Vera falou
a seu respeito, tudo isso, mesmo que eu lutasse contra, me
atra��am.
Nos filmes que assist��amos, aproveitando o escuro da
sala de proje����o, ele colocava o bra��o por cima de meus
ombros, me abra��ava, roubava-me beijos.
Aos poucos foi aumentando sua ousadia.
Pegava-me na coxa, como se fosse por acaso.
Acariciava-me os bra��os, o p e s c o �� o . . .
Abra��ava-me cada vez mais forte.
Uma noite, no port��o de minha casa, na hora de des-
pedir-se, ele me agarrou de repente, me beijou com for��a,
encostando seu corpo em mim.
Quase tive uma vertigem.
Uma sensa����o desagrad��vel e ao mesmo tempo agra-
d��vel.
Empurrei-o de leve.
Ele foi embora.
Mas tinha conseguido seu objetivo.
33
Fez a c e n d e r e m mim uma chama, ainda pequena ��
verdade, mas que n��o deixava de ser uma chama de de-
sejo.
Passei ent��o, pela primeira vez, a querer ter um ho-
mem (n��o propriamente Jair). Um homem que me pos-
su��sse e a quem eu pudesse me entregar.
Mas isso, de acordo com minha, educa����o, s�� com o
casamento.
Ent��o, pensei que urgia me casar. Quanto antes, me-
lhor.
N��o com Jair.
Com outro homem qualquer.
Mas quem?
Havia alguns rapazes que me interessavam.
Mas como aproximar-me deles? N��o cabia a mim to-
m a r a iniciativa. Naquela ��poca as mulheres deixavam
que os homens a conquistassem, nunca o contr��rio. No
meu caso, ent��o, com minha inibi����o, n��o havia outro
jeito a n��o ser esperar que os rapazes me porcurassem.
E agora que estava namorando o Jair, mais dif��cil se
tornava arrumar outro namorado.
Ent��o, resolvi que romperia com ele na primeira opor-
tunidade. Precisava no entanto, de um motivo.
Este apareceu.
Foi numa noite, em que mais uma vez, est��vamos na
porta de minha casa, conversando.
Ele me abra��ou.
Procurei afast��-lo delicadamente.
Ele for��ou o abra��o mais ainda:
- Voc�� me deixa louco.
��� S e continuar, vou ficar aborrecida.
��� Que �� isso, meu bem? Estou apaixonado. Vivo mor-
rendo de desejo por voc��.
Ent��o, ele me beijou, colocou a m��o por dentro do
meu vestido e pegou no meu seio.
De s��bito, tomei consci��ncia da situa����o. Revoltei-me
34
comigo mesma e com meu parceiro. Empurrei-o com for��a,-
quase chorando e disse:
��� Suma da minha frente. N��o sou uma daquelas mu-
lheres com as quais est�� acostumado. Sou uma mo��a de
fam��lia. O que est�� pretendendo fazer comigo?
E entrei em casa aos prantos.
Minha m��e viu o meu estado:
��� O que aconteceu?
��� Briguei com Jair.
��� Foi uma briga s��ria?
��� Ser��ssima.
��� B e m . . . todos os namoros terminam, quando n��o.
d��o em casamento. Para dizer a verdade, n��o sei o que
voc�� viu neste rapaz. Talvez at�� tenha sido bom.
Tranquei-me em meu quarto, chorando.
Ouvi meu pai, que n��o me vira entrar, perguntar a
minha m��e:
��� O que houve com ela?
��� Terminou com o namorado.
Chorei bastante. Muito mesmo. N��o por ter terminado
com Jair. Aquela fora uma oportunidade ��nica de me ver
livre dele. Mas por estar me acabando de desejo de entre-
gar-me ao primeiro homem que aparecesse e saber que n��o
tinha coragem para tanto. Antes precisava casar.
Jair procurou uma reaproxima����o, recome��ar o na-
moro.
Mas n��o deixei.
Demonstrei-lhe que ficara profundamente ofendida;.
Ao mesmo tempo morria de medo que ele espalhasse
o epis��dio vergonhoso e que este chegasse ao conhecimento
de meu irm��o (mais tarde, racio��inando melhor, compreendi
que todos sem d��vida n��o acreditariam se ele contasse.
Pensariam que eu acabara o namoro justamente por Jair
ter querido avan��ar o sinal).
Esta foi minha primeira experi��ncia em mat��ria de
amor (se �� que se pode chamar assim o tal epis��dio). De-
sastrosa. Talvez at�� repugnante.
E passei um longo per��odo sem outro namorado.
35
Eu j�� n��o me achava t��o feia como quando mais nova.
Mesmo assim, n��o gozava de muita popularidade entre os
rapazes. Talvez eu os afastasse inconscientemente, devido
�� minha falta total de comunicabilidade.
Jair, depois de muitas tentativas, tamb��m desistiu de
me reconquistar.
(E sua namorada seguinte, para meu espanto, foi jus-
tamente Vera. Imagino o que n��o f i z e r a m . . . )
36
C A P I T U L O 5
UM HOMEM CASADO
"Um encontro inesperado numa rua qualquer, num
dia qualquer, me fez o cora����o pulsar com mais for��a.
Caminhava distra��da, quando senti dois olhos pregados
em mim.
N��o era nenhum dos rapazes de minha idade.
Um homem de mais de quarenta anos, sem d��vida.
Olhei-o tamb��m.
O rosto n��o me era totalmente estranho.
Achei-o inclusive bonito. Muito bonito.
37
Moreno. Queimado de praia.
Talvez nem morasse naquela cidade.
Mas eu j�� o vira.
Isso tinha certeza.
Em que lugar?
Me esforcei para descobrir.
Nada.
Ele parou mais adiante e ficou me olhando.
Continuei andando, devagar, trocando as pernas, en-
cabulada.
Tive vontade de voltar, passar novamente por ele. Mas
n��o tive a aud��cia: apenas olhei para tr��s. (Foi quando
descobri que tinha parado.)
Foi a conta.
O estranho me acompanhou.
Andei mais duas quadras.
Sentia que estava sendo seguida.
Finalmente ele se acercou de mim.
(Descobri de onde o conhecia. Como n��o me lembrara
logo? Da casa de Ros��ngela, alguns anos antes. Ele tinha
sido justamente o homem que eu vislumbrara no quarto,
sem camisa, com o peito cabeludo. Vira?o por um segundo.
Por mais talvez. Mas n��o o esquecera.)
O homem me abordou.
Falou qualquer coisa que n��o me lembro direito, a
fim de puxar conversa.
Respondi tamb��m qualquer coisa.
Mas n��o prestava muita aten����o �� conversa e, sim,
em analisar seu aspecto f��sico nos m��nimos detalhes.
A pele bem morena. Os poros um pouco dilatados. Al-
gumas rugas um tanto profundas.
Dentes alv��ssimos. Nariz afilado. Boca bonita.
Olhos castanho-esverdeados, penetrantes, emoldurados
por pestanas espessas.
Vestia uma camisa branca (lembro-me muito bem). A
cal��a era azul-marinho.
O branco lhe acentuava a pele bronzeada.
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Os pelos do t��rax apareciam por entre a camisa en-
treaberta.
Os cabelos nas t��mporas estavam brancos. (Creio que
quando o vi pela primeira vez no quarto de Ros��ngela, ain-
da n��o tinha os cabelos grisalhos.)
Aquilo dava-lhe um charme ainda maior.
A vontade de conhec��-lo melhor fez com que minha
timidez diminu��sse bastante.
Minutos depois, est��vamos conversando como se j�� nos
conhec��ssemos h�� muito tempo (e na verdade eu j�� o co-
nhecia).
Arrisquei:
��� Eu j�� lhe c o n h e �� o . . .
��� De onde?
��� Posso mesmo dizer?
��� Claro que pode.
��� Eu o vi uma ��nica vez.
��� Quando?
��� H�� mais de dois anos.
��� Onde?
��� Em casa de minha professora de piano.
��� A Ros��ngela?
��� Ela mesmo. Eu cheguei na aula um pouco antes
da h o r a . . .
��� Ah, j�� me l e m b r o . . . Ent��o voc�� era aquela ga-
rota?
Sorri e afirmei com a cabe��a.
��� Voc�� cresceu muito.
Continuei sorrindo.
��� O tempo passa ��� disse ele. ��� Onde anda Ros��n-
gela?
��� Foi embora daqui.
��� Era uma mulher extraordin��ria.
��� Voc�� tamb��m n��o mora aqui, n��o ��?
��� Como sabe?
��� Nunca mais o vi. - Esta cidade �� muito pequena
para a gente ficar sem ver uma pessoa durante muito-
tempo.
39
��� Realmente n��o vivo aqui. Venho de vez em quando,
de f��rias.
��� De onde voc�� ��?
��� De Recife.
��� E deixa uma cidade t��o bonita para vir passar as
f��rias neste lugarzinho?
��� Gosto daqui. �� mais calmo. E tem garotas lindas!
Como voc��!
Ele sorriu. Eu me encabulei.
��� Ainda n��o lhe disse meu nome?
��� N��o.
��� Edmundo.
��� Fernanda.
Ambos rimos.
��� Voc�� �� casado?
��� Por que quer saber?
��� Pela sua resposta, sei que ��.
��� Tem alguma import��ncia?
��� Claro que tem.
(Estava decepcionada. O romance que poderia ter com
Edmundo j�� morrera antes mesmo de come��ar. O que era
uma pena.)
��� Mas podemos nos encontrar.
��� Para qu��?
��� Para conversarmos. Afinal, o fato de ser casado n��o
quer dizer que tenha alguma doen��a contagiosa.
��� �� que n��o fica bem uma mo��a de fam��lia se encon-
trar com homens casados.
��� Mas ningu��m aqui sabe disso. Se �� dos outros que
tem medo, pode ficar descansada.
(Mas n��o era dos outros que eu tinha receio. Tinha
medo de mim mesma, de Edmundo, de n��o resistir aos seus
encantos.)
��� Vamos �� praia amanh��?
��� N��o posso.
��� Por qu��?
��� Eu estudo.
��� Quando pode?
40
��� No s��bado.
��� S��bado est�� muito longe.
��� O que se h�� de fazer?
��� Podemos nos encontrar amanh�� depois de sua aula
em algum lugar qualquer?
��� N��o s e i . . .
��� Por que a d��vida?
��� Voc�� sabe.
��� Porque sou casado?
��� Isso mesmo.
��� Bobagem sua. Prometo que n��o vou lhe fazer ne-
nhum mal.
Novamente me encabulei.
Nos encontramos dois dias depois.
Fomos ao cinema juntos.
Sess��o das quatro da tarde (eu estudava pela manh��).
N��o me lembro mais qual era o filme (afinal, j�� faz
tanto tempo!).
Ele aconchegou-se na cadeira, encostou a perna na
minha no decorrer da proje����o.
Deixei. O contato me era profundamente agrad��vel.
Mais tarde, passou os bra��os pelos meus ombros.
Senti-me protegida (apesar de saber que devia me
sentir justamente o contr��rio).
Sua m��o acariciou-me o bra��o.
Depois, tocou-me levemente o seio.
Tive vontade de abandonar-me em seus bra��os e dei-
xar que fizesse de mim o que quisesse.
Ele parecia compreender o que se passava pela minha
cabe��a e beijou-me na face.
Antes do filme terminar, beijou-me na boca.
Correspondi com entusiasmo (o que nunca fizera com
Jair).
Sa��mos do cinema.
��� Aonde vamos?
��� N��o tenho a menor id��ia.
Fomos a uma confeitaria que ficava numa esquina da
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pra��a principal da cidade. Tomamos sorvete. De morango.
Repetimos.
Ele apontou para o outro lado da pra��a.
��� Estou hospedado naquele hotel.
Estremeci (estaria Edmundo fazendo um convite? N��o
sabia que era um convite inaceit��vel? Que eu n��o poderia
entrar naquele hotel junto com ele? Muito menos em seu
quarto? Mesmo que fosse um homem solteiro? Quanto mais
sendo casado? Tive inveja de sua mulher, tive raiva de
minha vida, tive vontade de me l i b e r t a r . . . ) .
��� Voc�� ficou -t��o s �� r i a . . .
��� Foi?
��� Foi. Porque eu falei no hotel. J�� sei. Pensou que
era um convite. E �� realmente um convite. Gostaria muito
que fosse l��. Mas n��o vou insistir. Sei que n��o pode ir. Ou
n��o quer. O que d�� quase no mesmo. Afinal (e ele sorriu,
um tanto c��nico), eu sou um homem casado.
Me fale de sua mulher.
��� Para qu��?
��� Tenho curiosidade em saber como ��.
��� Estou casado h�� tantos a n o s . . . tenho a impress��o
de que j�� nasci casado. Fiz esta bobagem muito cedo. Te-
nho filhos grandes. Voc�� me pede que lhe diga como ��
Nilza. Sabe que n��o sei? Me acostumei tanto com seu rosto
que n��o consigo descrev��-lo. Mesmo me esfor��ando. �� uma
mulher comum. Um pouco mais jovem do que eu. Mas
talvez pare��a mais velha. Sabe como ��, as mulheres cuidam
da casa, dos filhos, esquecem de si mesmas. �� como um
m��vel qualquer que eu tenho em casa. Se me perguntar
como �� -a mesa de minha sala de jantar, n��o sei lhe dizer.
O mesmo acontece com Nilza.
��� Ent��o ela se chama Nilza. O nome �� bonito.
Durante aquelas f��rias de Edmundo, tornei a v��-lo v��-
rias vezes. Mas n��o fui ao seu quarto de hotel. Me mantive
firme, sabe Deus como! Foi preciso muita for��a de von-
tade.
Nessa mesma ocasi��o, Vanderlei estava noivo e com o
casamento marcado. Eu sentia um certo ci��me de sua
42
noiva, Fab��ola, tamb��m inveja (o que demonstrava que
eu tinha um certo desejo incestuoso, desde que vira meu
irm��o despido por acaso).
Infelizmente, chegava o momento de Edmundo ir em-
bora. Nossa despedida foi um tanto ou quanto melanc��lica.
Eu sentia uma esp��cie de saudade de uma coisa que afinal
n��o acontecera. N��o tivera coragem de ser possu��da por
Edmundo.
Mas era quase como se tivesse sido, pois vontade n��o
me faltava. Torno a repetir: o que me faltara fora co-
ragem.
��� Eu volto no ano que Vem..
��� O que adianta?
��� N��o quer me ver de novo?
��� Voc�� vai continuar casado.
��� O que eu posso fazer?
Ele deu adeus, de longe, j�� perto do hotel para onde
se dirigia a fim de pegar as malas. Eu fiquei do outro lado
da pra��a, louca para correr e cair em seus bra��os, entre-
gar-me a ele, aproveitar os ��ltimos minutos de sua perma-
n��ncia na cidade.
Respondi ao aceno.
Edmundo entrou no hotel. Fiquei feito uma pateta,
parada na esquina, sufocando os solu��os. Tinha uma vaga
impress��o de que n��o mais o veria.,
(E por que queria tanto v��-lo no ano seguinte, se eu
mesma afirmava que de nada adiantava?)
* * *
Chegou o dia do casamento de Vanderlei. Acordei
agressiva, com raiva de tudo e de todos. Fab��ola, sua noiva,
era uma mo��a de sorte e. eu a invejava.
Assisti ao casamento com um ar indiferente, mal po-
dendo disfar��ar minha raiva. A festa que se seguiu me foi
mais penosa ainda. E �� noite, quando me. deitei para dor-
mir, n��o pude afastar o pensamento que me dominava, e
imaginava meu irm��o na cama com Fab��ola.
43
Os meses passaram.
Eu n��o conseguia esquecer Edmundo.
Ent��o aconteceu uma coisa que viria transformar ra-
dicalmente minha vida."
44
C A P �� T U L O 6
A MUDAN��A
"Meu tio Otac��lio, que morava no Rio de Janeiro, con-
seguiu que meu pai, que era funcion��rio p��blico federal,
fosse transferido para a Cidade Maravilhosa.
Era a realiza����o de um sonho que chegava um pouco
atrasado. Mas "antes tarde do que nunca". E, afinal de
contas, meu pai ainda era relativamente jovem (casara-se
muito cedo e mal entrara na casa dos quarenta).
Houve uma forte press��o para que n��o viaj��ssemos.
Minha m��e e todos os outros parentes acharam a mudan��a
45
uma loucura. Mas o fato �� que pouco tempo depois me vi
subindo a escadinha do avi��o com meus pais rumo �� gran-
de cidade.
Vanderlei, que j�� estava casado, permaneceu na nossa
terra.
Para mim, aquilo significava uma altera����o total em
minha vida. Apesar de n��o morrer de amores pela minha
cidade, senti o cora����o apertado quando entrei no avi��o.
Tive vontade de chorar, e at�� de Vera, que eu detestava,
passei a ter saudades.
Como viveria no Rio de Janeiro sem conhecer nin-
gu��m? T��o t��mida, quanto tempo levaria para fazer novas
amizades?
Minha m��e, ao contr��rio de mim, exteriorizava seu
desgosto pela mudan��a. Tamb��m achava, e com maiores
raz��es do que eu, que n��o conseguiria se adaptar �� nova
vida. J�� n��o era mais jovem. Ia se sentir mais desambien-
-tada ainda.
Havia tamb��m, no meu ��ntimo, uma outra saudade.
Era irremedi��vel.
Edmundo.
Nunca mais o veria.
Havia perdido de vista para sempre o homem que ama-
va (ou pensava amar).
Talvez aauela fosse a ��nica maneira de n��o me tornar
sua amante, pois sabia que no ano seguinte, quando ele
me procurasse, eu n��o resistiria mais.
Arrependi-me ent��o amargamente de n��o ter ido para
seu quarto de hotel. De n��o ter aproveitado com todas as
for��as aquele m��s de f��rias que ele passou l��.
Por outro lado, tamb��m achava que se o tivesse feito,
estaria agora mais triste do que nunca em n��o tornar a
v��-lo.
Edmundo, como Ros��ngela minha professora de pia-
no, tamb��m se perderia no tempo e no espa��o. Nunca mais
teria not��cias dele, nunca mais veria o rosto (e o corpo)
t��o querido e desejado.
46
Afundei-me na poltrona do avi��o e tamb��m na minha
ang��stia. Recordei detalhadamente cada momento que pas-
sara ao seu lado. As pequenas concess��es que fizera em
nossos encontros.
Os beijos e abra��os.
A m��o de Edmundo acariciando meus seios.
Pouco mais do que isso.
O que me esperava no Rio?
Encontraria algu��m que me fizesse vibrar de novo com.
tanta intensidade?
Como eu era ing��nua naquela �� p o c a . . .
N��o tinha consci��ncia de que o tempo vai apagando
indistintamente tudo. As imagens que ficam para tr��s v��o
se esvaindo. De vez em quando a gente as recorda. Depois
outras imagens mais recentes e talvez mais fortes tomam-
lhe o lugar.
A vida �� uma bobagem t��o g r a n d e ! . . .
Coisas ��s quais damos tanta import��ncia no momento
em que acontecem, passam a n��o ter valor nenhum, pouco
depois. Claro que Edmundo teve import��ncia em minha
vida, mas n��o havia necessidade de tanto sofrimento de
minha parte, ao ter certeza de que nunca mais o veria.
Quantos sofrimentos a gente podia evitar se conse-
guisse ver as coisas com um certo distanciamento. Afinal,
Edmundo n��o representava quase nada para mim. Nem
f��sica, nem espiritualmente.
Eu n��o estava apaixonada por ele, vim a compreender
mais tarde. E muito menos o amava. Se o amasse, teria
me entregado, por mais medo que tivesse. O amor faz a
mais covarde das criaturas demonstrar uma coragem nun-
ca antes imaginada.
O que sentia por Edmundo era um fasc��nio decorren-
te do fato de saber que fora amante de minha professora
de piano, para mim uma personalidade incr��vel, com a qual
gostaria de me parecer.
E tamb��m tratava-se, �� l��gico, de uni homem bonito,
que me atra��a sem d��vida. Mas o que tem isso a ver com
amor?
47
Nada.
N��o tive medo da viagem de avi��o (a primeira que
fazia). Pelo contr��rio. Achei ��tima. Almocei, tomei refri-
gerantes, li revistas, olhei as paisagens pela janelinha. No
meio da viagem j�� estava menos angustiada e quase alegre.
Todo jovem gosta de aventura.
E eu estava come��ando a viver a minha.
Iria conhecer novos rostos.
Encontraria o homem (ou os homens) de minha vida.
Finalmente, chegamos ao Rio.
Otac��lio, meu tio, nos esperava no Aeroporto. Conhe-
cia-o s�� de fotografias. Era simp��tico, extrovertido. E me
agradou imediatamente com seu primeiro coment��rio:
��� Nunca pensei que voc�� pudesse ser t��o bonita!
Sorri imensamente feliz. E esta frase me deu uma se-
guran��a enorme. Ele parecia absolutamente sincero. Me
achava mesmo muito bonita. Minhas inseguran��as come-
��avam a diminuir.
Mas os primeiros tempos na nova cidade n��o foram
particularmente divertidos.
Desambientada, custei a me adaptar com a sua imen-
sid��o. Tinha medo de andar sozinha. Demorei a aprender
a conhecer as ruas. Fomos morar em Copacabana, "a praia
mais linda do mundo".
Nos primeiros meses, mantive correspond��ncia com al-
gumas pessoas de minha terra. Depois, as cartas foram
rareando, �� medida que eu fazia novas amizades aqui.
J�� conclu��ra o gin��sio.
No Rio comecei a fazer o segundo grau. Nem sei mes-
mo por qu��, uma vez que na verdade n��o tinha uma voca-
����o determinada para nada.
Os estudos ajudaram a ampliar o c��rculo de meus rela-
cionamentos. (No edif��cio em que morava, quase n��o v��a-
mos os vizinhos, a n��o ser uma vez ou outra no elevador.
Ou na portaria. Foi uma das coisas que mais estranhei,
pois em minha cidade todo mundo se conhecia, se visitava.)
No entanto, entre os jovens colegas, a camaradagem
se tornava mais f��cil.
48
Ouvia as conversas das outras mo��as. Passei a parti-
cipar delas. Nunca revelei meu grande segredo, ou seja,
que permanecia virgem. No meio que freq��entava agora
isso era uma vergonha. Justamente o contr��rio do que
acontecia na minha terra.
Tinha um medo pavoroso que descobrissem isso. Seria
motivo de deboche por parte de todos."
* * *
A campainha da porta tocou e Geraldo teve raiva.
N��o queria interromper a leitura que tanto o interessava.
O barulho irritante da campainha continuava sem parar.
N��o teve outro jeito sen��o deixar o di��rio de Fernanda
de lado e ir atender, apesar de ter quase a certeza de que
estavam tocando por engano. Afinal, mudara-se naquele
dia, n��o dera ainda seu novo endere��o para ningu��m.
Depois que se levantou para ir at�� a porta, arrepen-
deu-se de ter deixado sua leitura. Que tocassem, at�� de-
sistir. N��o estava esperando ningu��m.
Mas agora que j�� estava de p��, quase junto �� porta,
resolveu abrir para ver quem era o importuno.
Era uma importuna. Uma garota de menos de vinte
anos. Bonitinha.
Teve uma surpresa e pensou divertido: "Quem me
mandou este presente?"
A jovem perguntou:
��� Orlando est��?
��� Orlando? Aqui n��o mora ningu��m com este nome.
��� N��o?!
��� N��o.
��� Tem certeza?
��� Tenho.
Ele olhou-a de cima a baixo.
A garota fez o mesmo.
Geraldo lembrou-se de que estava seminu.
Ela falou:
��� Mas n��o �� poss��vel! O endere��o �� este.
49
��� Voc�� est�� enganada. S�� se era o antigo morador,
uma vez que me mudei hoje.
��� Ou ent��o eu anotei o endere��o errado. Desculpe.
��� N��o tem import��ncia.
A jovem afastou-se em dire����o ao elevador.
Geraldo permaneceu na porta, olhando-a.
At�� que era uma boa perguntar se em vez do Orlando
que ela procurava, ele n��o serviria como substituto. Sor-
riu com a id��ia. Mas o elevador chegou. A garota entrou
sem olhar de novo para ele.
O rapaz fechou a porta.
Perdera uma oportunidade.
Mas n��o perdeu tempo se lastimando.
Voltou para a cama e retomou a leitura do di��rio.
50
C A P �� T U L O 7
O MEDO
Logo que comecei a estudar no Rio de Janeiro, um
rapaz chamado Maur��cio me chamou a aten����o. Ele. na-
morava uma colega, Elba. Mas assim que me Viu pela pri-
meira vez, me olhou com insist��ncia.
Fiquei amiga de Elba, que foi quem me apresentou
ao Maur��cio.
Com o tempo fiz amizade com o rapaz, que dava sem-
pre um jeito de me encontrar no col��gio longe da vista de
Elba.
51
Foi assim que come��amos a namorar, apesar do meu
sentimento de culpa, por estar traindo minha nova amiga.
Uma noite sa�� com Maur��cio. Ele quis levar-me logo
ao seu apartamento. Sabia o que me esperava. Relutei.
��� Por que n��o vamos ao cinema?
��� N��o est�� passando nenhum filme bom.
��� Est�� sim ��� e indiquei um que estava sendo exi-
bido no Cinema Art-Pal��cio.
��� L�� em casa a gente pode se divertir muito mais.
��� Mas eu estou louca para ver este filme.
��� Est�� bem. Vamos. Depois a gente vai l�� para casa.
Fomos ao cinema.
Maur��cio colocou logo o bra��o por cima de minhas
costas. Beijou-me na boca v��rias vezes. Colocou a l��ngua
entre meus l��bios. Tudo sem a menor cerim��nia, como
se fossem as coisas mais naturais do mundo.
Vi que n��o tinha sa��da.
E sabia exatamente o que me aguardava no aparta-
mento, quando cheg��ssemos l��.
Desejei que o filme n��o acabasse nunca.
Mas duas horas depois terminou.
E n��o tive outro jeito a n��o ser acompanh��-lo.
Entramos no apartamento.
Maur��cio foi logo dizendo:
��� Pode ficar �� vontade.
Permaneci em p��, ereta, sem saber o que fazer.
Ele riu:
��� O que est�� fazendo a�� no meio da sala?
Eu me sentei no sof��.
Ele come��ou imediatamente a p��r-se �� vontade.
Tirou a camisa. Jogou-a em cima de uma cadeira.
Depois o sapato. -
Em seguida a cal��a, que tamb��m foi atirada sobre a
cadeira, de qualquer maneira.
Olhei-o de cueca.
��� Vai ficar a�� assim?
��� Assim como?
��� N��o vai tirar a roupa?
52
Para meu pr��prio espanto me vi respondendo?
��� N��o.
��� N��o?!
Maur��cio estava verdadeiramente espantado. Logo em
seguida recobrou o bom humor:
��� Como voc�� consegue fazer toda vestida? Alguma
coisa tem que tirar.
��� Fazer o qu��?
Ele arregalou os olhos.
E tirou a sunga.
��� Est�� querendo fazer hora comigo? ��� perguntou-me
s��rio.
��� N��o.
��� Ent��o?
Fiquei calada.
Ele aproximou-se:
��� J�� sei. �� t��mida. Nem havia me lembrado disso.
Vou ajudar a perder esta timidez.
E come��ou a tirar meu vestido.
Eu parecia uma coisa morta, deixando que ele me
despisse sem fazer qualquer movimento.
Me vi s�� de calcinhas e cruzei os bra��os, na tentativa
de cobrir meus seios. Morria de vergonha.
Ele me beijou.
Depois falou:
��� Voc�� �� t��mida demais.
Consegui dizer:
��� Eu n��o quero.
��� N��o quer?
��� N��o.
��� Por qu��?
��� Porque n��o estou com vontade.
��� Quer dizer que me fez assistir ��quele filme chato,
esperar esse tempo todo e depois resolve me dizer sim-
plesmente que n��o quer nada comigo?
Ele agarrou-me, deitou-me �� for��a no sof�� e ficou por
cima de mim.
��� O que h�� com voc��?
53
Ele puxou a calcinha e eu fiquei completamente nua.
Aquele contato era agrad��vel.
Por um momento, vi que ia ceder.
Mas me deu um p��nico terr��vel.
Empurrei-o, dizendo:
��� N��o.
��� O que �� que est�� havendo, Fernanda?
Lembrei-me, n��o ser como, de uma boa desculpa:
��� N��o quero fazer isso. Sou amiga de Elba. E voc��
gosta dela.
��� E da��?- Desde o in��cio que voc�� sabe disso.
��� Mas agora vi que n��o devo agir deste modo.
Ele come��ou a impacientar-se:
��� Logo agora, que eu estou e x c i t a d o . . .
Ent��o veio por cima de mim.
��� N��o, Maur��cio, saia de cima de mim!
��� Deixa, Fernanda. Que bobagem!
Foi quando deixei escapar o meu segredo, como ��l-
timo recurso:
��� Eu sou virgem.
Maur��cio me olhou incr��dulo:
��� N��o acredito.
��� �� verdade.
��� E n��o est�� querendo mesmo?
��� N��o.
Ele se levantou:
��� Ent��o, est�� bem. N��o vou for��ar.
Comecei a me vestir, envergonhad��ssima. De tudo, de
minha virgindade, do papel��o que estava fazendo. Nunca
mais Maur��cio iria querer saber de mim.
. Ele continuou nu, andando de um lado para outro.
Pegou um cigarro, acendeu. Abriu a geladeira. Tirou um
refrigerante.
��� �� o fim da picada.
��� O qu��?
��� Voc�� me fazer uma dessa.
��� N��o tenho culpa.
54
��� Tem sim. �� virgem porque quer. N��o quer mesmo
que eu seja o primeiro?
��� N��o.
(Na verdade eu estava com uma vontade enorme de
deixar que me possu��sse, mas o medo era maior do que
tudo.)
Acabei de me vestir.
Ia saindo, quando Maur��cio falou:
��� Quando resolver fazer, pode me procurar. Mas c o -
mente se estiver a fim mesmo. N��o gosto de perder tempo.
��� Desculpe ter estragado sua noite.
Ele n��o respondeu.
��� Tchau!
Abri a porta e sa��.
Voltei para casa me sentindo uma pessoa completa-
mente in��til. Tinha que me decidir um dia. Por que n��o
realizara logo o que mais cedo ou mais tarde, fatalmente,
teria que fazer?
E por que n��o com Maur��cio? Um rapaz bonito, sau-
d��vel? Por causa de Elba? Isso n��o era bem a verdade.
S�� pode ter sido Maur��cio quem espalhou.
Mas o fato �� que todo mundo no col��gio ficou sabendo
que eu era virgem.
Fui alvo de muitas goza����es.
Muitos rapazes se dirigiam a mim para anunciar:
��� Quando quiser perder a virgindade �� s�� me avisar.
E me davam seus telefones.
Nunca vi tanto homem sol��cito.
Todos estavam prestimosos, querendo me prestar este
favor.
Mas ainda demorei algum tempo at�� decidir p��r um
fim ��quela minha condi����o.
Elba n��o tinha ido �� aula.
Maur��cio chegou perto de mim, na hora de sairmos.
��� Ent��o, continua intacta?
N��o respondi.
��� Vamos l�� para o apartamento?
55
��� Vamos.
Ele" sorriu vitorioso.
Est��vamos despidos sobre a cama. Maur��cio me bei-
java inteirinha, da cabe��a aos p��s.
��� Como conseguiu se manter virgem at�� esta idade?
Voc�� j�� est�� com dezenove anos, n��o ��?
��� ��. - -
��� Como aguentou? Sabe que faz mal �� sa��de?
Depois destes breves coment��rios, ele n��o falou mais.
Apenas agiu.
E como agiu!
Excitou-me e provocou-me de todas as maneiras.
Eu estava louca de desejo. Ansiava para que chegasse
logo o momento em que ele me possu��sse.
Mas ainda demorou alguns minutos.
Fez-me ficar de bru��os.
Deitou-se por cima de mim.
Ele beijou minha orelha.
Eu estava quase desesperada.
N��o suportei e disse:
��� Vamos logo. N��o ag��ento mais.
Senti uma dor excitante e um sentimento de prazer
profundo.
Uma vertigem.
Agarrei-o com ps bra��os.
N��o demorou muito e chegamos ao mesmo tempo ao
cl��max das sensa����es.
56
Passaram-se alguns segundos antes que ele falasse al-
guma coisa:
��� Viu como foi bom?
Permaneci em sil��ncio.
��� N��o v�� me dizer que n��o gostou.
��� Gostei.
��� Pronto. Tudo t��o simples! E voc�� adiando tanto.
N��o sabe que na vida n��o se pode perder tempo? Nunca
mais vai recuperar o tempo que passou evitando esses
prazeres.
��� Voc�� mora aqui? ��� perguntei querendo desviar o
assunto.
��� N��o, este apartamento �� somente para fazer pro-
grama.
Despedi-me de Maur��cio sentindo-me liberta de um
grande peso. N��o estava com remorsos nem com nenhuma
esp��cie de arrependimento.
Fora realmente muito bom.
Nos encontramos muitas outras vezes.
Ele deixava de ver Elba para ficar comigo.
Claro que ela terminou descobrindo.
N��o foi t��o agressiva quanto eu esperava:
��� Quer dizer que est�� querendo tomar o Maur��cio
de m i m . . .
��� Quem lhe falou isso?
��� Eu sei de tudo, Fernanda. N��o precisa negar.
N��o tive o que dizer. Abaixei a cabe��a.
57
Ela continuou:
��� Mas Maur��cio vai continuar comigo. Ele �� gamado
por mim. Voe�� �� apenas uma aventura passageira.
No entanto, n��o foi Maur��cio quem resolveu terminar
comigo.
Fui eu.
58
C A P �� T U L O 8
O SUBSTITUTO
"Algumas semanas depois, arranjei um substituto.
Desta vez um homem casado, Arnaldo, com dois filhos.
(Foi uma esp��cie de proje����o e compensa����o pelo
Edmundo que eu n��o tivera. Se n��o havia mais nenhuma
possibilidade de voltar a encontr��-lo, a solu����o mais l��gica
seria conseguir algu��m que se assemelhasse a ele.)
Mas Arnaldo s�� se parecia com Edmundo neste sen-
tido, de ser casado e com dois filhos. No aspecto f��sico e
no car��ter era completamente diferente. Inclusive, logo
59
que o vi, n��o sabia de seu estado civil. Quando soube, a
atra����o aumentou.
Foi numa festa.
Arnaldo estava perto de mim. Come��amos a conver-
sar. Sa��mos da festa antes que acabasse.
Ainda l��, ele me disse:
��� Eu sou casado.
��� N��o faz muita diferen��a ��� respondi, lembrando-me
de Edmundo e num certo sentido achando que a aventura
seria mais excitante.
��� E tenho dois filhos.
Deixei escapar sem querer:
��� Edmundo tamb��m.
��� Quem �� Edmundo?
��� Deixa pra l��.
��� Quero saber. Estou curioso.
��� Um cara que conheci h�� muito tempo.
��� Continua encontrando-se com ele?
��� N��o.
��� Mas n��o o esqueceu.
��� De certa forma.
A mulher de Arnaldo n��o estava no Rio. Passava as
f��rias com as crian��as em Petr��polis. Fomos para sua casa.
Arnaldo n��o tinha chegado ainda aos quarenta anos.
Era um homem tamb��m bonito, mas n��o t��o fascinante
quanto Edmundo. Ao contr��rio deste, n��o parecia um
aventureiro, um conquistador.
Era mesmo o tipo cl��ssico do homem casado, com seus
trinta e oito anos, nem alto, nem baixo, magro, alvo, e
cabelos castanhos claros.
Tinha uma pele bonita e sem rugas.
Gostei de Arnaldo. Ele me inspirava uma ternura que
n��o experimentara com nenhum outro. Era realmente o
homem ideal para o casamento. Sexualmente tamb��m n��o
me trouxe nenhuma novidade. Um cara certinho, que fa-
zia as coisas como mandava o figurino.
Mas nem por isso era mon��tono. Talvez porque deixa-
va transparecer uma delicadeza, uma esp��cie de respeito
60
por mim. Tratou-me sempre como um ser humano, n��o
como um objeto.
Sua finalidade n��o era fazer com que ele e eu sent��s-
semos os mesmos prazeres na cama.
N��o.
Tratava-me com um carinho especial (que talvez n��o
tivesse com a esposa).
Durante um m��s fomos felizes.
Felizes mesmo.
A mulher longe. A empregada viajara com ela. O apar-
tamento livre.
Todas as noites eu ia para l��. Fazia o jantar (muito
mal, pois quase n��o sabia cozinhar). Divertia-me com isso.
Arnaldo achava ��timas as comidas que eu fazia.
Dava-me presentes.
N��o coisas caras.
Uma bijuteria.
Um isqueiro.
Um chaveiro.
Um vidro de perfume.
Uma caixa de bombons.
Foi uma verdadeira lua-de-mel sem casamento.
A ��nica coisa que me chateava era que eu n��o podia
dormir em seu apartamento. (E como gostaria de t��-lo
feito. De passar a noite toda abra��ados, enquanto dormia.
Como ele me dava uma sensa����o de tranq��ilidade!...)
Mas n��o podia passar a noite fora. Assim, chegava na
casa dele ��s sete horas da noite e ficava at�� meia-noite no
m��ximo. Precisava voltar para" casa, sen��o meus pais acha-
riam ruim e n��o me dariam sossego.
Ali��s, o fato de ter passado quase um m��s saindo dia-
riamente e voltando depois da meia-noite, j�� dera alguns
problemas. Mas eu arranjara uma boa desculpa. Um curso
de f��rias que inventara.
Aos s��bados e domingos dizia que ia para a casa de
alguma colega, ou a um cinema, ou a uma festinha.
Aqueles quase trinta dias passaram muito r��pidos..
O que escrever sobre um per��odo feliz?
61
N��o existe muito o que se dizer,
A gente esquece, com o tempo (a desgra��a, as coisas
ruins, n��o se esquece nunca).
Quase n��o me lembro de detalhes de Arnaldo comigo
na cama. A recorda����o que tenho dele �� como um todo.
Um todo harmonioso- que me proporcionou uma das me-
lhores fases (talvez a melhor) de minha vida.
Isso no que diz respeito ��quele m��s.
Porque depois, as coisas n��o correram t��o bem assim.
A mulher de Arnaldo voltou das f��rias com os filhos.
Na v��spera dela chegar, notei alguma tristeza na voz
de Arnaldo:
��� Amanh�� ela vai chegar,
��� Eu sei. -
��� E tudo muda; com rela����o a n��s dois.
��� Sei disso tamb��m.
��� N��o a enganei desde o primeiro instante.
��� Voc�� n��o tem o que justificar.
��� Mas sinto uma esp��cie de obriga����o de faz��-lo.
��� Por qu��?
��� N��o tenho nenhum sentimento de culpa diante de
minha mulher, apesar de n��o lhe ser sistematicamente in-
fiel. Posso mesmo dizer que quase nunca a tra��. Talvez
esta minha maneira de ser n��o seja bem uma virtude,
mas apenas comodismo. Acho que a infidelidade d�� muito
trabalho. E aborrecimentos. Contigo foi diferente. Vi que
n��o teria aborrecimentos. No entanto, agora me sinto um
pouco culpado em rela����o a voc��.
��� N��o h�� nenhuma raz��o para isso.
��� Talvez seja porque n��o gostaria que a gente se se-
parasse ou que ficasse se encontrando apenas uma vez ou
outra, ��s carreiras, com hora marcada.
(Mais um presente que Arnaldo me dava. A sua ma-
neira de me dizer que me amava. E realmente tenho cer-
teza de que me amou. Talvez mais do que eu a ele. O que
aconteceu comigo foi apenas um apego acima do normal,
pelo. fato de que, com ele, sentia seguran��a).
Ent��o Arnaldo me abra��ou. Era como se fosse nossa
62
��ltima noite. (O que na realidade n��o foi.) Mas parecia
uma despedida.
Eu acariciava seu corpo como se quisesse dizer que era
s�� meu, de mais ningu��m. Ele me penetrou eom mais do-
��ura do que das outras vezes.
Enquanto fazia movimentos dentro de mim, com seu
rosto colado ao meu, observei seus olhos transparentes, de
uma pureza quase infantil. Tinham uma express��o de
amor t��o grande, como nunca mais encontrei; E ao mesmo
tempo estavam tristes. -
(O amor �� uma coisa triste? Creio que sim. A gente
se apega demais ao ser amado, n��o se sente, completa, sem
ele. Teme perder, teme que �� tempo passe, teme a morte.
Uma sucess��o de temores. Peio menos este �� meu ponto
de vista.)
Atingimos o auge das sensa����es em tempo simultaneo.
Depois, encolhi-me de encontro ao seu corpo e ador-
meci. Arnaldo acariciava-me os cabelos, o que fez com que
dormisse logo. Acordei quase ��s duas horas da madrugada.
Assustei-me. O que iriam dizer meus pais?
Nossos corpos estavam entrela��ados. Eu parecia n��o
querer larg��-lo. Talvez porque no dia seguinte ele j�� n��o
fosse exclusivamente meu.
Ao me levantar da cama, me lembrei de um fato es-
tranho: por que Arnaldo n��o ia ao encontro da mulher
nos fins de semana? Era estranho.
Perguntei-lhe.
Ele esclareceu:
��� N��o me dou bem com meus sogros. E ela est�� na
casa dos pais.
N��o pedi mais esclarecimentos.
Eu tinha que me levantar e me vestir o mais depressa
poss��vel. Urgia chegar em casa.
Arnaldo me olhava, deitado na cama, triste.
��� Voc�� tamb��m dormiu?
��� N��o. N��o queria perder nem um minuto desta
noite.
��� E por que n��o me acordou mais cedo?
63
��� Quis prolongar a felicidade que sentia em ter voc��
junto de mim. Amanh�� n��o vou ter mais.
Chegou a nora de despedir-me.
Beijei-o na boca.
Telefone para o meu trabalho.
��� Est�� bem.
��� Todos os dias.
��� Prometo.
Mais um beijo e eu sa�� correndo para casa.
Claro que, como eu esperava, encontrei meus pais acor-
dados.
��� Estava quase' louca ��� foi logo dizendo minha m��e.
��� Por qu��?
��� Mais de duas da madrugada.
��� J�� cheguei outras vezes esta hora.
��� Mas s�� aos s��bados. E sempre me avisa quando
vai a alguma festa. Hoje, dia de semana, o que estava
fazendo na rua?
��� Depois do curso, fiquei conversando com algumas
colegas, num bar. Esqueci da hora,
��� E eu que j�� estava pensando nas piores coisas. Por
que n��o telefonou?
��� N��o esperei que fosse demorar tanto.
Fui dormir sem ligar muito para as reclama����es. Ju-
rei que n��o faria mais aquilo. (Ali��s, no dia seguinte nem
iria mais ao tal "curso". S�� na cama me lembrei que de-
veria ter dito que o "curso de f��rias" terminara.)
O que' me preocupava mesmo era que n��o veria mais
Arnalda diariamente.
E nos dias subseq��entes sofri mais do que esperava.
Tinha uma saudade enorme dele.
��s vezes pensava em ir at�� sua casa, peg��-lo por um
bra��o, dizer �� mulher dele que Arnaldo era meu, s�� meu.
Mas claro que nunca faria isso.
Telefonava-lhe diariamente, como prometera.
E passamos a nos encontrar uma vez por semana.
Num motel.
Com hora marcada para sair.
64
Ele n��o podia demorar muito.
Tinha vontade de ter Arnaldo s�� para mim. E sentia
um ci��me terr��vel de sua mulher. Enquanto ele estava na
cama com ela, eu, sozinha em meu quarto, passava muito
tempo para conseguir adormecer.
Ao mesmo tempo, n��o queria lhe pedir o imposs��vel.
Que largasse a esposa e ficasse comigo. Mesmo porque, se
ele assim agisse, eu ficaria com um drama de consci��ncia.
Seus filhos ainda eram pequenos (oito e cinco anos). N��o
me via como uma "destruidora de lares". Sentiria remor-
sos pelo resto de minha vida.
Era uma situa����o insustent��vel.
��� Tenho sofrido muito.
��� N��o me fale nisso.
��� N��o tenho com quem falar.
��� Eu nunca lhe enganei.
��� N��o estou lhe culpando.
��� Mas me sinto culpado.
��� Talvez fosse melhor a gente n��o se encontrar mais.
��� T a l v e z . . .
��� Mas vai ser t��o d i f �� c i l . . .
��� V a i . . .
A decis��o de terminar com aquela situa����o demorou
a chegar. Nem eu nem Arnaldo t��nhamos coragem de nos
separar. E sofr��amos.
Eu raciocinava: �� melhor acabar tudo, sofrer bastante
de uma vez, mas com o tempo esquecer. Melhor do que
continuar sofrendo eternamente 'dentro de uma. situa����o
insol��vel.
Foi por esta ��poca que conheci Djalma,
Apeguei-me a ele como a uma t��bua de salva����o.
Djalma iria fazer com que eu tivesse coragem de ter-
minar com Arnaldo.
Antes mesmo de ir para a cama com Djalma, anunciei
minha resolu����o a Arnaldo.
��� Hoje �� o ��ltimo dia que o encontro.
��� Voc�� �� mais corajosa do que eu.
��� Pode ser.
65
��� Arranjou outro?
��� Arranjei. Mas n��o tive nada com ele ainda. S�� sei
que pode fazer com que eu o esque��a.
��� Solteiro?
��� Sim.
��� Jovem?
��� ��.
��� Fico feliz em saber que encontrou algu��m que pos-
sa lhe dar o que n��o posso.
Nos beijamos.
Fizemos amor duas vezes seguidas.
Arnaldo passou da hora de ir para casa. (Exatamente
como eu, quando cheguei mais de duas horas da madru-
gada e encontrei meus pais aflitos.)
Avisei:
Temos que ir. N��o por mim. Por voc��,
��� �� . . . est�� tarde.
��� Sua mulher vai brigar.
��� N��o. N��o costuma fazer isso.
��� Ent��o, est�� preocupada.
��� Ela �� uma pessoa muito esportiva. Encara tudo
com otimismo. N��o se preocupa por bobagem. Vai pensar
que tive algum problema para resolver e por isso cheguei
com duas horas de atraso.
��� Uma mulher ideal.
��� N��o tenho queixas.
Tomamos o carro. Arnaldo deixou-me na porta do meu
edif��cio. Fiquei olhando seu autom��vel desaparecer na dis-
t��ncia.
S�� ent��o entrei no meu pr��dio.
Mais um cap��tulo de minha vida estava encerrado.
66
(Estaria mesmo? Eu n��o voltaria para os bra��os de
Arnaldo? N��o podia prever o futuro. E achei melhor n��o
pensar nisso e concentrar-me em Djalma. Afinal, tinha ter-
minado o romance com Arnaldo. Tinha de esquec��-lo. N��o
podia ficar enchendo a cabe��a de suposi����es sobre uma
poss��vel volta.)"
67
C A P I T U L O 9
UM FIO SOLTO NO AR
"Djalma era um rapaz de vinte e poucos anos. Quei-
mado de praia, vivendo o dia-a-dia, sem planos para o
futuro. Tamb��m sem ambi����es. Portava-se como se ainda
fosse um adolescente e n��o queria saber o que podia acon-
tecer amanh��.
O que lhe importava era o hoje.
68
Ele n��o me deu aborrecimentos.
Viv��amos despreocupados, como se o tempo n��o esti-
vesse passando e como se n��s nunca f��ssemos nos encon-
trar numa encruzilhada, tendo que optar por algum ca-
minho.
Na cama, era excelente.
N��o era propriamente um sujeito er��tico. (No meu
entender as pessoas muito er��ticas, sensuais, t��m qualquer
coisa de doentias, de neur��ticas.)
Gostei: er��tico-neur��tico.
As duas palavras, com as mesmas cinco letras finai*
designam duas coisas que est��o interligadas.
Observei que as pessoas muito saud��veis, n��o t��m uma
carga muito grande de erotismo. Gastam suas energias em
esportes e mil outras coisas que lhes despertam o mesmo
interesse.
Tamb��m quem leva o sexo muito a s��rio, n��o �� legal.
E muito menos quem faz do sexo uma coisa proibida.
O ideal, como. todos sabem, �� o equil��brio: sexo com
amor, em por����es iguais. Dif��cil de encontrar. Um estado
de plenitude que nem todos experimentam, ou quando ex-
perimentam n��o t��m a no����o disso, a n��o ser depois.
(Creio que tive isso com Arnaldo. Mas foi t��o r��pi-
d o ! . . . )
Mas, como estava falando, com Djalma o neg��cio era
69
muito n�� base d�� esportividade, sem ser nada programado.
Acontecia quando tinha que acontecer.
E sempre com a maior alegria.
Brinc��vamos na cama, como duas crian��as.
O apartamento que utiliz��vamos era emprestado.
Tratava-se na verdade da "gar��onni��re" do seu pai,
que lhe dava a chave freq��entemente para utiliz��-la (nun-
ca conheci o pai de Djalma, mas pelo que ele me contava,
devia ser uma edi����o mais velha do filho, em todos os sen-
tidos) .
Ele me dava belisc��es (de leve, n��o chegava a doer),
fazia-me c��cegas, eu ria sem parar, embol��vamos pelo ta-
pete.
At�� nossas brigas eram engra��adas.
Uma vez discutimos num bar.
Ele pegou o a��ucareiro e come��ou a jogar a����car em
mim. Paguei na mesma moeda: peguei outro a��ucareiro e
fiz o mesmo com ele.
Claro que chamamos a aten����o de todo mundo. Sa��-
mos de l��, debaixo de piadas (alguns rapazes se oferece-
ram para me limparem com a l��ngua, disseram que eu era
doce e gostosa). Djalma ouviu as piadas sem demonstrar
o menor aborrecimento.
Felizmente est��vamos perto da "gar��onni��re" de seu
70
pai e t��nhamos a chave. Fomos para l��. Ao entrarmos,
ca��mos na gargalhada.
E pusemos em pr��tica a sugest��o de um dos "piadis-
tas". Come��amos a nos lamber mutuamente, a fim de lim-
parmos nossos respectivos corpos do a����car. Ficamos mais
pegajosos ainda.
Nunca fiz um amor t��o doce no sentido literal do ter-
mo. (Que n��o tinha nada a ver com a do��ura espiritual
de Djalma.) ��ramos praticamente dois biscoitos confei-
tados.
Depois de fazermos os "exerc��cios" do amor tomamos
um bom banho.
E durante muito tempo comentamos esta nossa aven-
tura.
De tudo que me aconteceu neste per��odo em que es-
tive com o Djalma, este foi o epis��dio mais marcante, no
que diz respeito ao nosso romance propriamente dito."
* * *
"Uma trag��dia me aguardava numa esquina pr��xima.
N��o tive antes a menor intui����o de que estava a beira
de um abismo, que algo de terr��vel iria me acontecer. Jus-
tamente na ��poca dourada de um amor t��o inconseq��ente
e alegre.
Meus pais resolveram passar o fim de semana em um
s��tio perto de Teres��polis, pertencente a uns amigos. Eu
me recusei a ir.
71
��� O que vai ficar fazendo no Rio? ��� perguntou mi-
nha m��e depois de tentar me convencer de todas as ma-
neiras.
��� O que vou fazer l��? ��� respondi com outra per-
gunta.
��� N��o vou deixar voc�� aqui sozinha.
��� Por que n��o?
��� Era s�� o-que f a l t a v a . . .
��� Mas mam��e, eu fui uma vez com voc��s e fiquei o
tempo todo chatead��ssima. N��o tinha ningu��m l�� da mi-
nha idade com quem pudesse me distrair. Passei o tempo
todo lendo. Assim, �� muito melhor ler aqui no Rio mesmo,
sem ter que viajar. Pelo menos poderei pegar uma praia.
No fim, terminei ficando, apesar dos protestos veemen-
tes de meus pais.
O s��bado e o domingo, Djalma passou comigo. Dormiu
l�� em casa. Fomos �� praia, onde ficamos o dia inteiro
(nem almo��amos). A noite, comemos sandu��ches na rua.
Fomos ao cinema. Voltamos para casa com algumas gar-
rafas de cerveja.
Entrei primeiro no edif��cio, sozinha, ele entrou de-
pois. Para despistar o porteiro. Deixei a porta do aparta-
mento s�� encostada e pedi a Djalma que tomasse cuidado
para os vizinhos n��o o surpreenderem entrando.
N��o queria que meus pais soubessem de nossa farra.
72
E como nos divertimos! (Tivemos o cuidado de n��o fa-
zer muito barulho.)
Ele passou a noite comigo. -
No dia seguinte, o domingo, praia outra vez.
L�� pelas sete horas da noite, ele se mandou. Meus
pais tinham ficado de chegar ��s oito."
Eram nove e meia e nada.
Dez horas.
Onze.
Meia-noite.
E eles n��o chegavam.
Vi televis��o, ouvi discos, me deitei.
Apesar de preocupada, adormeci, cansada pelo excesso
de sol e mar.
Acordei no meio da noite. Tive a curiosidade de olhar
as horas.
Tr��s da madrugada.
Pelo jeito, meus pais ainda n��o haviam chegado.
Resolvi me levantar e verificar. Eu poderia estar no
mais profundo sono e n��o ter ouvido a chegada deles. Tal-
vez estivessem j�� dormindo no outro quarto.
Fui at�� l�� e n��o os vi.
Preocupada, voltei a me deitar.
73
Pensei em telefonar para o s��tio, mas desisti. ��quela
hora, eu iria assustar todo mundo.
Teriam deixado para vir na segunda-feira?
Mas meu pai teria que ir para o trabalho.
E eles n��o haviam dito que chegariam no domingo de
noite, por volta das oito horas?
Passei muito tempo acordada. Pensei em v��rias hip��-
teses. Inclusive nas piores.
Mas afastei os maus pensamentos. N��o queria atrair
desgra��as. E vencida pelo cansa��o adormeci de novo, acor-
dando ��s dez horas da manh��.
Eles ainda n��o tinham voltado.
Telefonei ent��o para o s��tio.
Me informaram que haviam sa��do de l�� no fim da
tarde de domingo.
Aflita, compreendi que alguma trag��dia tinha acon-
tecido.
E de fato acontecera.
Eles haviam sofrido um desastre.
O carro em que vinham dera uma batida num ��nibus.
E eles tinham morrido.
Este meu encontro com a morte, o primeiro, n��o po-
deria ter sido mais terr��vel. Por todos os motivos: pelo
74
inesperado, pela viol��ncia e por ter perdido de uma s�� vez
meu pai e minha m��e.
Fiquei num estado lastim��vel.
Me senti como um fio solto no ar.
Um vazio enorme.
Desamparada.
Meu tio foi quem tomou todas as provid��ncias (logo
depois que eu ligara para o s��tio, telefonara para ele).
Procurou tamb��m me dar todo o apoio poss��vel.
N��o quis ir para sua casa, preferi ficar onde estava,
at�� decidir o que fazer.
��� Voc�� n��o quer voltar para nossa terra? ��� pergun-
tou tio Otac��lio.
��� N��o s e i . . . ainda n��o pensei nisso.
(Pesei os pr��s e os contras e vi que n��o queria voltar.
Para qu��? Estava acostumada com o Rio. J�� tinha meu
ambiente formado. Teria que passar por todo um processo
de readapta����o, numa fase t��o dif��cil. N��o, n��o queria
voltar.)
Al��m de tudo isso, que tipo de vida poderia levar l��?
Tinha meu irm��o casado, e s��. Minhas amigas. tamb��m
j�� deviam estar casadas, uma vez que l�� �� esta a ��nica
coisa que se tem para fazer. Casar e ter filhos. Me sentiria
completamente desambientada.
Aqui eu tinha meu tio, que de certa forma represen-
75
tava uma seguran��a, um elo familiar. N��o estava t��o so-
zinha assim. Depois, n��o poderia levar esse mesmo tipo de
vida na minha terra. Seria vista com maus olhos.
Financeiramente, minha situa����o n��o era ruim. Havia
a pens��o de meu pai. Tinha aquele apartamento. Dentro
de dois meses terminaria o segundo grau. N��o pretendia
continuar estudando.
Arranjaria um emprego, o que n��o seria dif��cil. Meu
tio Otac��lio tinha conhecimentos e bastante prest��gio para
me arrumar um ��timo trabalho.
Durante este per��odo, Djalma afastou-se de mim.
Sei que n��o foi por maldade.
�� que a morte n��o tinha nada a ver com ele.
Djalma n��o sabia o que fazer nem o que me dizer. E
eu n��o servia para sua companhia naqueles primeiros me-
ses depois da trag��dia.
Como poderia brincar com ele, despreocupada, na
cama?
Foi um per��odo dif��cil. E tamb��m muito triste.
Quinze dias depois do que tinha acontecido, lembrei-me
de ligar para Arnaldo. Era uma pessoa com quem gostaria
de conversar. Disse-lhe por telefone o que ocorrera e que
precisava de algu��m com quem desabafar.
Ele se mostrou o mesmo de sempre.
N��o reatamos o romance.
76
Mas me encontrou, ofereceu-se para me ajudar n o .
que lhe fosse poss��vel. Chorei muito em seu ombro.
Nos encontramos muitas vezes.
Mas n��o fizemos amor.
Ele me respeitava demais. Por isso nem de longe su-
geriu. Mas eu sabia que poder��amos ir para a cama, se eu
quisesse.
Dois meses depois, conclu�� meus estudos.
J�� estava com um excelente emprego garantido, que
meu tio arranjara.
Foi quando comecei a trabalhar.
E o trabalho para mim, na ��poca, foi uma ��tima te-
rapia.
Passei seis meses sem ter um namorado.
Concentrei-me no servi��o.
Fiz novas amizades no emprego, com mulheres e com
homens, mas apenas amizades. N��o estava apta ainda a
ter um novo romance.
Meu irm��o me escreveu v��rias vezes, pedindo para que
voltasse. De todas as vezes, respondi dizendo que agradecia
muito seu convite, mas que n��o aceitaria.
Aos poucos fui me recuperando do golpe.
E comecei a procurar refazer minha vida.
Foi quando iniciei a minha busca: encontrar algu��m
7 7
que fosse s�� meu. Algu��m com quem pudesse passar o resto
de minha vida. (A gente sempre continua com os valores
que adquire na inf��ncia, mesmo que tenha passado por
muitos descaminhos.)
Passei a querer casar e ter filhos.
Achava que isso era um processo de amadurecimento."
78
C A P I T U L O 1 0
A BUSCA
"Durante dez anos tive in��meros casos.
Mas sempre com os homens errados.
Talvez porque queria com uma ansiedade muito gran-
de encontrar o certo. -
Por isso metia os p��s pelas m��os e escolhia exatamen-
te o oposto.
Ou talvez por falta de sorte mesmo: s�� me deparava
com quem n��o devia.
7 9
Conheci os mais variados tipos de homens.
Num certo sentido, n��o lastimo.
Deu-me experi��ncia, muita experi��ncia mesmo.
Aprendi muito, talvez at�� demais.
Mas nunca �� demais o que se aprende.
Sofri, tive decep����es.
Como todo mundo.
N��o sou uma exce����o.
O encontro definitivo, aquele que eu tanto procurava
n��o vinha.
J�� estava at�� desistindo.
Com trinta anos, era uma mulher bonita, mas com
uma vida, digamos, descosida.
N��o havia nenhuma coer��ncia em minha vida no sen-
tido amoroso e at�� em qualquer outro sentido. O que vim
fazer no Rio de Janeiro? Nasci num lugar pequeno, tive
uma forma����o puritana, era terrivelmente t��mida e nunca
sonhei com a cidade grande, como a maioria das pessoas.
Minha vinda para o Rio foi uma coisa absurda. Uma
mudan��a total de ambiente.
A morte de meus pais, brutal, repentina.
Outra guinada de cento e oitenta graus.
Nunca consegui me equilibrar direito. Quando estava
me adaptando a uma situa����o, vinha um novo golpe.
Os homens de minha vida tamb��m foram absoluta-
mente incoerentes. Desde Jair e Edmundo at�� os ��ltimos.
Depois de dez anos da morte de meus pais, me trans-
formara numa mulher amarga, c��nica e, por que n��o di-
zer, desbochada. Antes, nunca falara um palavr��o. Nada
mais restava daquela mocinha t �� m i d a . . .
Quanto ao meu aspecto f��sico, este melhorava a cada
80
dia. �� falta de um amor verdadeiro, de alguma coisa mais
espiritual, me apeguei a tudo que fosse material: Al��m .de
querer possuir bens, melhorar financeiramente,, tamb��m
cuidava do meu f��sico o mais que podia.
Andava sempre muito bem vestida e maquilada, pois
sabia que isso me abria todas as portas. Alem disso, tive
sorte, neste sentido. Meus tra��os, antes um pouco indefi-
nidos, ganharam for��a com o tempo. Me tornei realmente
uma mulher de chamar aten����o em qualquer lugar por
onde passasse.
N��o podia (e isso continua acontecendo) andar, um
quarteir��o sem que v��rios homens me olhassem.
A tal ponto me acostumei com este fato, que passei
a temer a velhice.
O que ser�� de mim quando n��o for mais t��o bonita?
��� pensava aterrorizada.
Sem ter ningu��m, pensava numa velhice solit��ria. E
cada vez mais voltava para aquele velho sonho de toda
provinciana: casar e ter filhos.
N��o queria atingir a velhice sozinha.
E continuava a minha busca.
Confesso que j�� andava um tanto cansada.
Quase dez anos procurando.
Encontrei ent��o um sujeito, Adriano, quando estava
perto de completar trinta e dois anos.. Ele devia andar pe-
los cinq��enta.
Ainda bonito, esportivo, corado, cabelos grisalhos. Ti-
nha um andar engra��ado, com um balan��o que lembrava
algu��m que estivesse sempre dentro de um navio.
Pensei imediatamente: deve ter sido marinheiro.
E aquilo me fascinou muito.
81
Vinha preencher alguns dos meus sonhos de inf��ncia.
Lera v��rios livros sobre piratas e achava a vida deles um
neg��cio sensacional. Adriano me lembrava um pirata apo-
sentado (apesar de ainda estar em plena forma).
Uma outra coisa, n��o t��o sonhadora nem ut��pica,
tamb��m me impressionava muito a respeito dos marinhei-
ros. N��o podia v��-los na rua, quando algum navio estran-
geiro aportava. Eles andavam pela cidade, sempre em du-
pla ou em grupos, e tamb��m quase sempre acompanhados
de prostitutas.
Invejava-as. Queria ser uma delas. Pegar um mari-
nheiro daqueles na Pra��a Mau��, lev��-lo para um hotel s��r-
dido, receber o pagamento em d��lar. ��s vezes pensava em
me fazer de prostituta e ter uma aventura destas. Mas mi-
nha desinibi����o n��o chegara ainda a tanto.
Assim, contentei-me com Adriano, que parecia apenas
um homem do mar.
Em nosso primeiro encontro tive tamb��m a primeira
decep����o.
Jant��vamos num restaurante qualquer.
Ele se mostrava extremamente agrad��vel, risonho,
contando piadas. N��o parecia ser encucado de modo algum.
No meio da conversa quis saber de seu passado.
Ele me contou, sem rodeios.
A medida que desfiava sua biografia, absolutamente
comum, minha decep����o aumentava. Alto funcion��rio p��-
blico, prestes a pedir aposentadoria (come��ara a traba-
lhar muito cedo), de fam��lia relativamente rica, desqui-
tado, sem filhos, morava em Copacabana. Adorava ir a
boates, bebia muita cerveja. S��. N��o me falou nada mais
do que isso.
82
Perguntei, ainda com esperan��a de que estivesse me
escondendo alguma coisa:
��� Voc�� nunca foi marinheiro?
Ele deu uma gargalhada:
��� N��o. Por que perguntou isso?
��� Pensei que tivesse sido.
Ele continuou rindo, como se eu tivesse contado al-
guma piada:
��� Na verdade, nunca viajei num navio. Onde e como
voc�� teve esta id��ia?
Procurei me mostrar tamb��m divertida:
��� Por causa do seu andar. Esse balan��o que voc�� tem
no corpo.
Adriano achou engra��ad��ssimo. Mas, n��o, nunca tinha
sido marinheiro. Ainda assim, com esta primeira decep����o,
resolvi levar o caso adiante. Naquela noite fui para seu
apartamento.
Ele possu��a um f��sico avantajado, musculoso, os p��los
do corpo tamb��m grisalhos. Era um belo exemplar de ho-
mem, apesar de cinq��ent��o.
Apesar de seu passado sem grandes aventuras, pen-
sei que afinal encontrara algu��m com quem pudesse me
estabilizar emocionalmente.
Era bom de cama. O mesmo fogo de qualquer homem
que tivesse apenas trinta anos. E parecia gostar de mim.
Estava livre sentimentalmente. N��o tinha outras
amantes. Pelo menos foi o que me disse. E acho que era
verdade.
Naquela primeira noite me fez vibrar. At�� esqueci que
nunca havia sido marinheiro.
Ele sabia como satisfazer a uma mulher na cama. Co-
83.
nhecia todas as t��cnicas, todas as posi����es. Era um aut��n-
tico professor na arte de fazer erotismo.
Me fizera ter sensa����es nunca experimentadas antes.
O ��xito e o del��rio fizeram parte dos exerc��cios finais.
Eu parecia que ia desmaiar.
O cl��max chegou."
* * *
"Sa�� do apartamento de meu novo amante, pressen-
tindo que Adriano seria mais do que um caso passageiro.
Passamos a nos encontrar com assiduidade,
��amos a bares, boates, restaurantes, praia, cinemas,
teatros.
Apesar de seu g��nio alegre, gostava muito de ouvir
m��sicas de fossa. Dan����vamos colados, de rostos encosta-
dos, como se fazia antigamente. No melhor estilo da d��-
cada de 50.
Tamb��m gostava daquilo. Fazia um pouco o meu g��-
nero.
At�� que um dia ele prop��s:
��� Por que n��o moramos juntos?
Fiquei contente:
��� Voc�� quer?
��� Claro.
Comecei a p��r obje����es:
��� Ser�� que vai dar certo?
��� Creio que sim.
��� N��o acha que dev��amos esperar mais um pouco?
��� Para qu��?
��� Para nos conhecermos melhor.
84
��� Podemos nos conhecer melhor e mais depressa, mo-
rando juntos.
Apesar de estar desejando mesmo viver com Adriano
ainda quis colocar empecilhos:
��� E se n��o der certo?
��� A gente se separa.
��� Voc�� v�� solu����o para tudo.
��� Por isso que me conservo t��o bem.
Realmente ele era uma prova viva de sua maneira de
encarar a vida. Pelo menos julguei assim.
Mas, na verdade, eu n��o conhecia direito Adriano.
Aquela velha hist��ria de dormir juntos, acordar jun-
tos, ver-se todos os dias, usar o mesmo banheiro. As coisas
s��o completamente diferentes.
E comigo e Adriano aconteceu o que geralmente ocor-
re com quase todos os casais.
Fomos mesmo morar juntos na semana seguinte (nos
conhec��amos apenas h�� um m��s e meio). Ou melhor, fui
viver em seu apartamento. Combinamos que eu alugaria
o meu por uma temporada e iria para o dele.
(De qualquer modo, pensei em sair lucrando. Mais
uma fonte de renda. Um dinheirinho extra de vez em quan-
do, mesmo quando n��o se. precisa, n��o faz. mal a nin-
gu��m.)
Levei apenas minhas roupas e objetos pessoais, in-
clusive, �� claro, este di��rio (meu apartamento foi alugado
mobiliado, portanto, um pouco mais caro).
Aos poucos, no entanto, sem que eu sentisse, nosso
relacionamento foi se alterando. Pequenos detalhes, coisas,
m��nimas, discuss��ezinhas, bobagens. Mas que ia deterio-
rando nossa liga����o.
85
Senti que n��o era a mesma coisa ser amante de um
homem, cada qual na sua casa, e viver junto com ele.
Certa noite ��amos a um jantar.
��� Voc�� ainda n��o est�� pronta?
��� N��o.
��� N��o sabia que demorava tanto a se vestir.
��� Pois agora ficou sabendo.
��� Eu j�� estou pronto.
��� Eu ainda vou me maquilar.
E levei mais de quarenta minutos no espelho (a base,
o batom, os c��lios posti��os, a sombra nos olhos, enfim todos
"os mil detalhes que me transformavam numa mulher-
espet��culo).
Ele, sentado numa poltrona da sala, lia um jornal.
��� Estamos com. quase uma hora de atraso.
��� N��o tem import��ncia.
��� N��o gosto de chegar tarde a esses lugares.
��� Todos v��o chegar. Chato �� a gente aparecer cedo
demais.
��� N��o acho..
��� Eu acho.
��� Nisso, temos opini��es diferentes.
��� Gostaria que concord��ssemos em tudo?
Para minha surpresa, ele respondeu:
��� Gostaria.
��� Eu n��o.
��� Por qu��? N��o gosta de viver em paz?
��� Seria mon��tono.
��� Voc�� pensa assim?
��� Se continuar falando o tempo todo, Adriano, vou
atrasar mais ainda. Acabei de colocar um c��lio de maneira
86
diferente do outro. N��o sei fazer duas coisas ao mesmo
tempo. Fazer a maquilagem e conversar paralelamente ��
como cantar e assobiar de uma s�� vez.
Ele calou-se.
Finalmente fiquei pronta.
E vi Adriano mal-humorado pela primeira vez em
minha vida.
O jantar foi chat��ssimo (ou pelo menos n��s o acha-
mos). E voltamos para casa amolados. Em vez de diver-
timento, tivemos aborrecimento.
Em casa, deitamo-nos na mesma cama, como sempre,
mas cada um virou-se para seu lado. Como dois inimigos.
A cama, naquela noite, n��o parecia o lugar de fazermos
amor, mas um campo de batalha.
E muitas outras noites parecidas se sucederiam.
Cheguei em casa com um enorme embrulho. F u i para
o quarto, vesti o novo vestido que comprara e que achara
uma maravilha.
Com ele, voltei para a sala e perguntei a Adriano:
��� Gostou?
Ele falou sem o menor entusiasmo:
��� �� bonito.
��� S�� isso? �� lind��ssimo!
��� Quanto custou?
Eu disse o pre��o. Adriano respondeu:
��� Como tem coragem de comprar um tro��o desses
t��o caro?
Me queimei:
��� N��o �� caro. Al��m disso, paguei com meu dinheiro.
��� N��o gostei da resposta.
��� Disse a verdade.
87
E come��amos mais uma discuss��o.
Quando ele queria dormir tarde, eu queria dormir cedo.
Quando Adriano resolvia acordar cedo, eu preferia ficar
a cama at�� o meio-dia.
No fim de quatro meses, n��o concord��vamos com qua-
se nada.
At�� que o vi com outra na rua. Em casa comentei:
��� Quem era aquela mulher que estava contigo?
��� Onde?
��� Na Rua Almirante Barroso.
��� Uma conhecida.
��� S�� isso?
��� Est�� com ci��mes?
��� Voc�� tamb��m n��o tem ci��mes de mim?
(Esqueci de dizer que Adriano era ciument��ssimo. Pi-
cava uma fera porque todos os homens me olhavam. Dizia
que eu me vestia e me pintava tanto, porque era ninfo-
man��aca e queria dormir com todos os homens do mundo.)
��� Voc�� vive dizendo que sou ninfoman��aca, mas acho
que o termo seria mais apropriado a voc��. N��o pode ver
mulher.
��� Queria que eu gostasse de homem?
��� Queria que gostasse de mim.
Como estivesse com culpa no cart��rio, Adriano aproxi-
mou-se e me abra��ou. Come��ou a me beijar. N��o continuei
a discuss��o. Talvez porque j�� estivesse cansada de tudo
aquilo. Era mais. f��cil, e mais c��modo, fazer as pazes.
Depois o vi com uma outra mulher. Chegou at�� a pas-
sar muitas noites fora. Eu j�� tinha compreendido que n��o
dava certo morarmos juntos. Faltava uma coisa essencial
entre n��s dois: amor.
88
Havia apenas sexo, mais nada.
Desde o princ��pio.
Arrependi-me de ter ido morar com ele. A ��nica coisa
que me confortava era que meu apartamento tinha sido
alugado apenas por seis meses. Mais um pouco e o teria
de volta. N��o continuaria com Adriano.
Mas n��o lhe disse nada.
Estava disposta a me vingar. N��o arranjando um
outro, sendo-lhe infiel. Com isso, estava apenas me igua-
lando a ele. N��o. Iria somente lhe fazer uma surpresa.
E fiz.
S�� na v��spera do meu inquilino me entregar a chave,
anunciei minha inten����o:
��� Amanh�� vou embora.
��� Para onde?
��� Para meu apartamento.
��� E o inquilino?
��� O contrato acaba amanh��.
��� Vai me deixar?
��� Vou.
��� Por qu��?
��� Porque n��o d�� certo.
��� O que n��o d�� certo?
��� Vivermos juntos.
��� N��o gosta de mim?
��� Acho que pelo menos numa coisa combinamos:
gosto tanto quanto voc�� de mim.
Adriano tentou me possuir naquela noite, quando fo-
mos para a cama:
��� N��o acredito que v�� me deixar.
Me abra��ou e come��ou a me acariciar. Eu estava mais
fria do que um "iceberg". N��o sentia a menor sensa����o.
��� Por que n��o quer?
��� N��o estou com vontade.
��� Mas eu estou.
��� A�� �� que est�� o problema. Cada um tem vontade
de fazer as coisas em ocasi��es diferentes.
Ele ainda tentou me excitar. N��o o empurrei. Deixei
que me tirasse a calcinha, que me beijasse as partes er��-
genas, que me devorasse com a l��ngua, que me beijasse os
seios, e pesco��o, a boca.
Continuei como uma est��tua.
De pedra.
Ele me olhou nos olhos.
N��o desviei a vista.
Encarei-o.
��� N��o significo nada para voc��?
��� N��o- vamos continuar representando a com��dia,
Adriano. �� melhor terminarmos antes que vire trag��dia.
E ele desistiu.
Virou-se para o outro lado.
Acendeu um cigarro.
Custou a adormecer.
Eu tamb��m.
No dia seguinte, fui ver o estado do apartamento. O
inquilino deixara tudo em ordem. N��o havia o que recla-
mar. Nem precisava de limpeza. Peguei meu carro e trouxe
minhas malas com as roupas, durante o dia (pedira no
trabalho p��ra faltar).
Quando Adriano voltou para seu apartamento, n��o
me encontrou mais.
90
Nunca tive um rompimento t��o frio.
Fiquei satisfeita comigo mesma e com minha atitude.
N��o gostava quando perdia a calma. Me envergonhava,
sempre que fazia cenas. Era muito melhor assim. N��o deu
certo, n��o deu. Cada um para seu lado. Sem maiores dra-
mas.
Em meu apartamento, senti-me outra vez livre.
Livre para dormir a hora que quisesse, para fazer o
que bem entendesse. Apesar de cansada, depois de j�� estar
na cama, olhei as horas. Faltavam trinta minutos para as
dez. Peguei o jornal e verifiquei os filmes que estavam pas-
sando. Me arrumei correndo (o que nunca conseguia fa-
zer) e fui ao cinema mais pr��ximo.
O filme era bom.
Voltei para casa satisfeita.
Estava livre de Adriano e novamente em disponibili-
dade.
Quem viria a seguir?"
91
C A P I T U L O 1 1
DI��RIO INTIMO
23 de fevereiro.
"Hoje sa�� do trabalho um pouco mais cansada do que
de costume. Andei alguns passos em dire����o ao local onde
deixara meu carro. No caminho meu olhar cruzou com o
de um rapaz.
Parei e olhei para tr��s.
Ele tamb��m tinha parado e olhado.
Sorriu. .
92
Virei-me e estava disposta a seguir em frente. Por que
desviar meu caminho por causa de um desconhecido?
Mas n��o se tratava de um desconhecido qualquer.
N��o fora apenas uma troca de olhares.
Tive certeza de que aquele era o encontro definitivo,
com o qual tanto sonhava.
Virei-me de novo para tr��s e vi que o rapaz tinha tor-
nado a andar.
Irritei-me comigo mesma. Por que n��o esperara que
viesse ao meu encontro? Agora, ele desistira.
Mas n��o me dei por vencida.
Acompanhei-o. Fiz exatamente o contr��rio do que sem-
pre acontece. (No meu caso, a mulher �� que seguia o ho-
mem, embora isso seja comum nos dias atuais.)
Ele virou-se outra vez e viu que eu o acompanhava.
Sorriu de novo.
Parou e me esperou.
Quando passei ao seu lado, ele disse:
��� Oi!
Respondi:
��� Oi!
Foi assim que tudo come��ou comigo e Francisco. Com
um simples "oi!".
Ele ia tamb��m para Copacabana. Estava de carro.
Convidou-me para irmos juntos.
��� N��o posso.
��� Por qu��?
��� Porque tamb��m tenho meu carro. Est�� logo ali,
mais adiante.
��� Por que n��o seguimos em nossos respectivos auto-
m��veis, lado a lado?
93
E assim fizemos.
Fui buscar meu carro. Francisco pegou o dele.
No meio do tr��nsito louco do Rio, tentamos fazer o
percurso at�� a Zona Sul como hav��amos combinado. Olh��-
vamos quase o tempo inteiro um para o outro, sorridentes,
durante todo o caminho. N��o sei como n��o provocamos um
desastre.
��� Onde voc�� mora? ��� ele perguntou l�� do seu auto-
m��vel.
Gritei para me fazer ouvir:
��� Na Rua Joaquim Nabuco.
��� E eu na S�� Ferreira.
��� Somos quase vizinhos.
��� Vamos pela Avenida Atl��ntica? Assim paramos
n u m daqueles bares do cal��ad��o e tomamos um chope.
��� N��o gosto de chope.
��� A gente toma outra coisa qualquer.
Alcan��amos a Avenida Atl��ntica e cumprimos o que
combinamos.
No bar eu tomei chope para acompanh��-lo. Agora eu
fazia quest��o de fazer isso (engra��ado, com Adriano n��o
agia desta maneira. O que �� o amor! Faz a gente fazer o
que o outro quer sem se sentir obrigada).
��� Tome outra coisa. Voc�� mesma disse que n��o gosta
de chope.
��� Me deu vontade agora.
E realmente me dera vontade. N��o estava mentindo.
Conversamos durante horas. Esquecemos do tempo. De
tudo..
Quantos chopes tomei, n��o me lembro. Seria dif��cil
94
contar. Amanh�� talvez eu pergunte a Francisco. Foi ele
quem pagou a conta. Deve saber.
Nos despedimos, mais ou menos ��s onze da noite.
Ele seguiu para sua casa e eu vim para a minha.
Estou agora aqui sentada, diante deste di��rio, escre-
vendo. Num estado de plenitude. Com um sorriso de Gio-
conda nos l��bios.
Foi ��timo ele n��o ter me proposto dormirmos juntos
logo hoje.
�� melhor aguardar. Nem sempre �� bom fazermos hoje
o que podemos fazer amanh��. Afinal, esta expectativa,
esta vontade, tudo vai aumentar. E amanh��, ou daqui a
alguns dias, quando finalmente acontecer, vou achar mui-
to melhor.
Acho que encontrei o que queria.
Gostaria de todos os dias me sentar diante deste di��-
rio e escrever tudo de significativo; No entanto, nunca con-
segui faz��-lo. Hoje �� a primeira vez.
Em geral escrevo as coisas muito depois que aconte-
ceram. Hoje foi a ��nica vez que tive a disposi����o de me.
sentar e contar exatamente o que aconteceu nas ��ltimas
horas.
Talvez para nunca me esquecer da data.
E se eu n��o me encontrar de novo com Francisco?
Mas claro que vou encontr��-lo.
Muitas e muitas vezes."
* * *
"Naquela noite de 23 de fevereiro, depois que larguei
o di��rio, me deitei logo a seguir. Comecei a me acariciar,
95
a alisar minha pr��pria pele, meus seios. Coisa que n��o
fazia desde a ��poca de adolescente.
Fechei os olhos e deixei minha m��o percorrer todos
os recantos do meu corpo, indiscriminadamente. Como se
fosse a m��o de Francisco.
Estava excitad��ssima.
Imaginei Francisco por cima de mim.
* * *
"Claro que o encontrei muitas e muitas outras vezes.
N��o pod��amos viver um sem o outro.
Ainda n��o o descrevi. Pois bem: Francisco estava com
trinta e quatro anos (mais ou menos da minha idade, por-
tanto) . Olhos pretos, pele clara, barba cerrada. Um ar ho-
nesto e um sorriso meio c��nico (talvez por causa de seu
bigode).
Sempre tive uma queda por homens de bigode (e no
entanto foram poucos assim que me levaram para a cama).
Achava atraente e na minha opini��o d�� um ar meio sem-
vergonha ao homem. Isso me atrai mesmo.
No entanto, Francisco era um rapaz muito s��rio.
At�� um tanto t��mido.
Bem situado na vida. Uma vida normal. Alguns ca-
sos. Algumas mulheres. Nenhuma que o prendesse defini-
tivamente. Tinha apartamento pr��prio. Um s��tio, autom��-
vel, um excelente emprego.
Antes mesmo de irmos para a cama (e j�� nos conhe-
c��amos h�� tr��s semanas), ele me perguntou:
��� Quer casar comigo?
Eu n��o queria outra coisa:
��� Mas, cl��ro, Francisco.
96
��� Eu a amo, Fernanda.
��� Eu tamb��m o amo.
N��o achei precipitado o pedido de casamento. Desde
o in��cio, desde o momento em que nossos olhares se cruza-
ram na Avenida Rio Branco, na cidade, naquele dia 23 de
fevereiro, que eu vi que hav��amos nascido um para o. outro.-
Exatamente como nos romances.
N��s est��vamos vivendo na vida real o nosso romance.
Naquela noite fui para seu apartamento.
Como tinha come��ado a gostar de chope, bebemos v��-
rios antes num barzinho modesto.
Ele comentou:
��� E voc�� dizia que n��o gostava de chope. Estava me
enganando?
��� N��o. Passei a gostar a partir do nosso primeiro en-
contro.
E era a pura verdade. Estava adorando tudo que Fran-
cisco gostava. -
Entramos no seu apartamento.
��� Aqui n��o tem chope.
��� O que tem?
��� U��sque.
��� Vamos tomar.
��� N��o tem medo de misturar bebida?
��� N��o.
��� E se ficar de pileque?
��� A seu lado n��o tem import��ncia.
��� Amanh�� vai acordar com dor de cabe��a.
��� N��o vou.
��� Como pode saber?
��� Tenho certeza.
97
��� E se estiver enganada?
��� N��o faz mal. N��o �� uma dorzinha de cabe��a �� toa
que vai me impedir de hoje tomar u��sque contigo at�� n��o
ag��entar mais.
Come��amos a beber.
Na eletrola tocava uma m��sica de Judy Garland.
��� Voc�� gosta de discos antigos?
��� Muito.
E ele come��ou a me mostrar sua cole����o. Havia ver-
dadeiras raridades. M��sicas de todos os g��neros. Tamb��m
coisas novas. Sucessos recentes.
��� Puxa! Por que nunca me convidou para ouvir seus
discos?
��� Porque n��o queria usar nenhum pretexto para voc��
vir aqui.
��� Usou ��m.
��� Qual?
��� O pedido de casamento.
��� Isso n��o foi um pretexto. �� o que eu realmente
quero.
��� Eu sei. Estou brincando.
E me beijei com Francisco. Um beijo muito longo.
Fomos para seu quarto. Agora era uma m��sica de
Elvis Presley que tocava na eletrola.
Deitamos na cama. A m��o de Francisco come��ou a
percorrer meu corpo por todos os recantos (parecia at��
que estava fazendo o mesmo roteiro que eu mesma fizera
com minha pr��pria m��o, sozinha em meu quarto. O amor
tem coincid��ncias t��o estranhas!...)
Francisco acariciou-me nas partes excitantes, enquan-
98
to me beijava. Senti c��cegas, principalmente por causa, do
contato do seu bigode.
Todo o meu lado rom��ntico estava em plena ebuli����o.
Tanto quanto o er��tico. Parecia que no teto do quarto es-
tava vendo uma lua imensa, cercada de milhares de es-
trelas. N��o temi ficar rid��cula ao dizer:
��� Estou t��o feliz, que o teto est�� me parecendo um
c��u estrelado com uma lua i m e n s a . . .
Ele perguntou:
��� Quer ver a lua de verdade?
E levantou-se, como num sonho. Seu apartamento fi-
cava no ��ltimo andar. Abriu a janela. Da cama pude avis-
tar realmente a lua. As estrelas piscavam em sua volta.
Admirei o corpo de Francisco, nu, voltando ao meu en-
contro na cama. Como o amei naquela noite! (E continuo
amando-o muito.)
Deitou-se de novo ao meu lado.
Olh��vamos a lua, enquanto nos beij��vamos, nos abra-
����vamos, nos acarici��vamos, num longo pre��mbulo antes
de consumarmos o ato.
E tudo transcorreu naturalmente.
Francisco se enfiou em mim e assim ficou, por um
instante, parado, ampliando ao m��ximo aquele momento.
O primeiro momento em que estava dentro do meu corpo.
* * *
"Nosso casamento aconteceu tr��s meses depois.
N��o tive receio da conviv��ncia di��ria, apesar de mi-
nha experi��ncia anterior com Adriano. Tamb��m conhecia
Francisco h�� pouco tempo. Mas tinha certeza de que com
ele tudo daria certo.
99
Havia realmente encontrado o homem definitivo. Ti-
nha bastante experi��ncia para saber distinguir. N��o foram
poucos os que me levaram para a cama.
Fui absolutamente sincera com Francisco desde o
in��cio. Sobre meus casos anteriores falei por alto, porque
ele mesmo n��o queria tomar conhecimento deles. Apenas
quis ser franca, apesar de um certo pudor (afinal n��o te-
ria coragem de contar tudo em detalhes, mas desejava ser
honesta).
��� Sua vida come��ou no dia em que me conheceu
ele me disse. ��� S�� daquela data em diante �� que me inte-
ressa. O resto �� o passado. �� o caminho que voc�� percor-
reu at�� me achar.
Nunca ouvi coisa t��o maravilhosa em minha vida (n��o
restava d��vidas, apesar de todo o cinismo e desinibi����o
adquiridos, eu permanecia com a mesma ess��ncia dos meus
verdes- anos).
Foi um casamento simples, com uma festa discreta.
Apenas os pais e parentes mais pr��ximos de Francisco, meu
tio Otac��lio, algumas colegas de trabalho mais ��ntimas.
Passamos a lua-de-mel em Bariloche. Nunca antes ti-
nha visto neve em toda a minha vida e achei tudo um
barato. Levei alguns tombos aprendendo a esquiar (ter-
minei n��o aprendendo).
Atir��vamos neve um no outro e nunca sent��amos frio
(o calor do nosso amor e de nossos corpos era suficiente,
mesmo que n��o estiv��ssemos devidamente agasalhados).
Finalmente, voltamos para o Rio.
Eu continuei a escrever esta esp��cie de di��rio.
Mas agora sinto que ele n��o tem mais raz��o de ser.
N��o existe mais motivo para manter este apartamen-
100
to. Discuti com Francisco se devia alug��-lo ou vend��-lo.
Terminei chegando �� conclus��o de que devia vender. A f i -
nal, n��o desejo mais lembrar nada do passado.
Levei diversos homens para o apartamento. Ele foi
palco de muitos sofrimentos meus.
Era melhor me desfazer de tudo. Agora era. uma pes-
soa nova, com uma nova vida, um novo futuro.
Meu tio interessou-se por alguns m��veis. Dei-os de
presente a ele. O que sobrou vendi. Entreguei ent��o a
transa����o da venda do apartamento a uma imobili��ria.
Pensei em destruir este di��rio. Afinal, estava acaban-
do com todo o passado. N��o havia mais raz��o da exist��ncia
dele. Mas quando peguei para destru��-lo, tive pena.
Fiquei com o di��rio nas m��os durante algum tempo,
sem saber o que fazer. Cheguei a acender um f��sforo, a
fim de queim��-lo.
Foi quando tive a id��ia de deix��-lo "esquecido" den-
tro de um dos arm��rios. Por que n��o?
Achei a id��ia divertida.
Afinal, o di��rio tinha sido muito bom. Desabafei. Tive
nele um companheiro nas horas de. solid��o. Fiz minha an��-
lise, sem precisar pagar a um psicanalista.
Agora estou escrevendo nele pela ��ltima vez. Quem o
encontrar, talvez o jogue na lixeira. Se algu��m tiver curio-
sidade de ler, n��o me importa muito. N��o h�� nada de que
possa me envergonhar. Afinal, �� a minha vida. N��o tenho
vergonha dela.
Poderia entregar a Francisco, mas ele n��o quer saber
nada sobre meu passado amoroso. E acho que tem raz��o..
Quanto ao ��lbum de fotografias, tamb��m n��o me in-
teressa. Tenho um outro, que pertencia a meus pais, onde
101
est��o todos os meus retratos da inf��ncia e adolesc��ncia.
Neste, existem fotos minhas com alguns dos "namorados"
que n��o quero mais lembrar.
Deixo-o tamb��m esquecido no arm��rio."
102
C A P I T U L O 1 2
PRESEN��A DE FERNANDA
Geraldo terminou de ler o di��rio de Fernanda incri-
velmente fascinado. Se n��o fosse exagero dizer, qualquer
pessoa poderia afirmar que ele estava apaixonado por ela.
Nem se lembrou de olhar as horas. Estava quase ama-
nhecendo. Pegou no ��lbum de fotografias e come��ou a
olh��-las de novo. Procurou unir cada foto que via, com al-
gum trecho do que lera.
103
Sentiu-se como se tivesse tido rela����es ��ntimas com
Fernanda. Afinal, a conhecia melhor do que Francisco,
seu pr��prio marido, o homem que ela amava.
O desejo de encontr��-la era imperioso.
Se pudesse, naquele mesmo dia.
Mas isso era imposs��vel.
Apagou a luz e procurou dormir.
No domingo, acordou bem tarde.
A lembran��a de Fernanda ressurgiu n��tida. Tinha at��
a impress��o de que ao abrir a porta de um aposento qual-
quer do apartamento, a encontraria.
Decidiu que no dia seguinte, iria at�� a imobili��ria
que tratara da venda do apartamento para Fernanda. Sem
d��vida, sabiam o endere��o dela. Procuraria Fernanda a
pretexto de entregar-lhe o ��lbum e o di��rio.
De fato, na segunda-feira, no intervalo do almo��o,
foi �� procura do endere��o em que estava t��o interessado.
Disse que fora a pessoa que comprara o apartamento. En-
c o n t r a r a um objeto de valor num dos arm��rios e preten-
dia devolver a quem pertencia.
Deram-lhe o endere��o.
Geraldo pensou qual a melhor hora para ir at�� l��.
N��o queria encontrar-se c o m o marido de Fernanda. N��o
sabia tamb��m se ela continuava trabalhando ou estaria
em casa.
Depois concluiu que o melhor seria telefonar.
E assim fez, no fim daquela tarde. Fernanda estava
em casa e veio atender.
��� Al��! Eu quero falar com D. Fernanda.
��� �� ela quem est�� falando.
104
��� Aqui �� Geraldo, o rapaz que lhe comprou o apar-
tamento.
��� O que aconteceu? Algum problema?
��� N��o.
��� Como soube do meu telefone?
��� Estive na imobili��ria. �� o seguinte: encontrei um
��lbum e um di��rio em um dos arm��rios e, como acho que
a senhora os esqueceu, queria devolv��-los.
Fernanda demorou algum tempo para responder:
��� N��o tenho nenhum interesse em t��-los de volta.
Devo t��-los esquecido porque n��o tem nenhuma impor-
t��ncia para mim.
��� O que devo fazer ent��o?
��� Pode jogar fora.
��� Tem certeza de que n��o os quer de volta? N��o- me
custa nada levar at�� a�� ��� insistiu Geraldo.
��� N��o, n��o os quero mais. Muito obrigada por sua
gentileza. At�� logo.
��� At�� logo.
Fernanda desligou, impedindo Geraldo de continuar
insistindo. -
Como fazer para conseguir uma aproxima����o daquela
mulher que tanto o impressionara? O pretexto de entre-
gar-lhe de volta os dois volumes falhara. Geraldo sabia, que
ela n��o os havia esquecido. Estava escrito no di��rio. Sem
d��vida, Fernanda pensara que ele n��o o tivesse lido.
Depois que desligou o telefone, Fernanda ficou amo-
lada. Deveria ter destru��do tudo. Fora uma bobagem ter-
tido pena de faze-lo. E agora aquele desconhecido a quem
vendera o apartamento tomava conhecimento do fiel tes-
105
temunho do seu passado. Havia o perigo de ele ser um
chato e ficar a perturb��-la.
N��o se lembrara de que a imobili��ria tinha seu en-
dere��o.
Enfim, o que estava feito estava feito. N��o iria pre-
ocupar-se por bobagem. Se o tal sujeito ficasse sabendo
de sua vida, pouco importava. N��o mais o encontraria. Se
fosse um mau-car��ter, que resolvesse ler tudo que estava
escrito e procurasse Francisco pensando que com isso po-
deria prejudic��-la, tamb��m perderia o tempo.
N��o havia maiores raz��es para continuar pensando no
tal telefonema.
* * *
A tentativa frustrada de aproxima����o a Fernanda
fez com que aumentasse o desejo de Geraldo pela mulher.
Naquela mesma noite tornou a abrir o di��rio, folhe��-lo,
ler novamente alguns trechos.
Virou tamb��m as p��ginas do ��lbum. Tornou a v��-la
em suas diferentes fases da vida. As fotos dela com alguns
de seus c a s o s . . .
Teve ci��mes. E ficou surpreso consigo mesmo pelo
absurdo do sentimento. Que direito tinha de ter ci��mes?
De Francisco, ent��o, nem se fala. Este agora era o dono
de Fernanda, devia estar possuindo-a naquele mesmo mo-
mento em que ele, no apartamento quase sem m��veis,
olhava aquelas fotografias.
Haveria uma maneira de possuir Fernanda.
Nada no mundo era imposs��vel.
E Geraldo dava tratos �� cabe��a para ver se descobria
106
um modo de conquist��-la. Por que desejar tanto aquela
mulher? Um desejo insensato. Praticamente n��o a conhe-
cia. Suas "rela����es ��ntimas" com ela tinham sido apenas
atrav��s do que lera sobre sua vida.
Com o passar dos dias, a vontade de Geraldo n��o di-
minuiu de intensidade. Como encontr��-la? Por "acaso"?
For��ar um encontro? Rondar seu edif��cio? Descobrir a que
horas sa��a e voltava para casa?
E para que tanto trabalho, se a pr��pria Fernanda con-
fessava em seu di��rio que encontrara finalmente o "gran-
de amor de sua vida"?
Geraldo riu. Era vivido o bastante para n��o acreditar
naquele excesso de romantismo.
Fernanda, apesar de se confessar uma pessoa expe-
riente, permanecia uma rom��ntica incur��vel. Geraldo, pelo
contr��rio, aprendera que nenhum amor era eterno, que as
coisas s��o mut��veis, que o ser humano era sujeito a todos
os tipos de fraquezas.
Fernanda seria dele um dia. Disso n��o abria m��o.
De fato, rondou o pr��dio onde ela morava algumas
vezes.
Mas nunca a viu.
A vida continuava. O trabalho, outras garotas que j��
conhecia e que iam a seu apartamento, algumas novas que
viera a conhecer. Tudo isso fez com que a fixa����o em Fer-
nanda fosse diminuindo.
O ��lbum e o di��rio, no entanto, n��o foram jogados
fora. Deixou-os no mesmo canto do arm��rio. De vez em
quando os pegava, folheava-os e guardava-os de novo.
Na ��poca de suas f��rias, andava pela Avenida Copa-
cabana, distra��do. A presen��a de Fernanda j�� n��o era t��o
107
forte. Haviam passado muitos meses. Na verdade quase n��o
se lembrava mais dela. Arquivara-a em algum canto de
seu subconsciente.
Mas, de repente, a viu.
Fernanda passou ao seu lado. Nem o olhou. Claro que
n��o o reconhecera. Vira-o apenas uma vez, no dia da assi-
natura da escritura do apartamento. Mas j�� se passara
bastante tempo.
Geraldo, no entanto, a reconheceu imediatamente, cla-
ro. Afinal, ela representava muito para ele, desde que lera
seu di��rio.
Decidiu acompanh��-la.
Viu quando Fernanda entrou numa loja para fazer
compras.
Entrou atr��s.
A oportunidade chegara quando n��o mais esperava.
Pensou num monte de c o i s a . Ela continuaria ainda
t��o apaixonada pelo marido? Seria fiel a ele? Mesmo que
fosse, n��o poderia deixar de ser?
Por sorte, era uma loja de artigos masculinos.
Enquanto Fernanda pedia para ver algumas camisas,
Geraldo fez o mesmo.
Sem d��vida, ela ia comprar para dar de presente ao
marido, pensou. Mas tamb��m havia a possibilidade de ser
para um amante.
Geraldo escolheu tamb��m uma camisa igual �� que
Fernanda resolvera comprar. Ela notou o fato e o olhou.
Ele a fixou. Fernanda dirigiu-se �� Caixa para pagar. Ge-
raldo tamb��m.
Pouco depois, a mulher saiu da loja com seu embru-
lho, sendo seguida por Geraldo.
108
Ela entrou na Rua Bar��o de Ipanema e encaminhou-se
para a Avenida Atl��ntica. Geraldo acompanhou-a. Mais
adiante, Fernanda olhou para ver se o importuno conti-
nuava seguindo-a. Ao verificar que sim, apressou o passo.
Geraldo tamb��m.
Estavam pr��ximos j�� da Rua S�� Ferreira, onde ela.
morava. Geraldo compreendeu que n��o podia demorar mais
para alcan����-la e abord��-la.
Quando estava quase ao seu lado, Fernanda virou-se
e perguntou, de maneira um tanto agressiva:
��� Pode me dizer por que est�� me seguindo?
��� Por que quer saber?
��� Tenho este direito.
��� Como notou que eu a estava seguindo?
��� N��o era para notar? Entrou na mesma loja que
e u . . .
Geraldo cortou:
��� Mera coincid��ncia.
Fernanda fez uma express��o de aborrecimento:
��� Comprou uma camisa exatamente igual �� que eu
comprei.
��� Uma prova de que temos o mesmo bom gosto.
��� N��o costumo conversar, com desconhecidos, n��o es-
tou gostando de sua atitude e fa��a o favor de n��o me se-
guir mais. Sou uma mulher casada....
��� Eu sei disso.
��� Ent��o? O que est�� pensando?
��� N��o tenho muito o que pensar a seu respeito, uma
vez que sei de tudo. N��o est�� lembrada de mim?
��� Este papo �� muito antigo. N��o o conhe��o, nunca
o vi na minha vida.
109
��� Tem uma mem��ria fraca. Eu comprei seu aparta-
mento. Quis devolver seu d i �� r i o . . .
Desta vez foi Fernanda quem cortou a frase:
��� Ent��o foi o senhor?! O que est�� querendo agora?
Ele come��ou a falar depressa, a fim de n��o ser in-
terrompido :
��� Conversar contigo. A respeito de sua vida: Li seu
di��rio. Confesso que fiquei muito impressionado. Posso
mesmo dizer que tenho intimidade c o n t i g o . . .
Por mais que ela quisesse disfar��ar, n��o conseguiu.
Estava realmente perturbada:
��� Isso j�� faz bastante tempo.
��� Nem tanto.
��� N��o jogou o di��rio fora?
��� N��o.
��� Por qu��?
��� Guardei de recorda����o.
Ela notou o tom c��nico e resolveu acabar com a con-
versa :
��� O senhor est�� me importunando. Desista de qual-
quer aproxima����o. Se leu realmente meu di��rio, deve estar
sabendo que amo meu marido, que n��o estou querendo
aventuras com ningu��m. E n��o me acompanhe mais.
Fernanda seguiu em dire����o ao pr��dio em que mo-
rava e n��o se virou para ver se Geraldo a seguia.
Este ficou parado, olhando-a.
Apesar de tudo, tinha sido um come��o.
Levaria Fernanda de qualquer jeito para a cama, qual-
quer dia.
110
A obsess��o voltou maior do que antes.
�� noite, Isaura, uma garota com quem marcara um
programa, chegou em sua casa, exatamente na hora com-
binada.
��� Voc�� �� pontual!
��� Nem sempre. Vamos a algum lugar?
��� N��o estou a fim.
��� Est�� a fim de qu��, ent��o?
��� De t r a n s a r . . .
Ela riu:
��� Que ��timo! Eu tamb��m.
��� Mas n��o contigo.
Isaura surpreendeu-se:
��� Est�� maluco?
��� N��o.
��� Se n��o quer transar comigo, por que me chamou
para vir at�� aqui?
��� Mudei de opini��o depois.
A jovem demonstrou claramente que estava chateada
com aquilo e disposta a dizer alguns desaforos a Geraldo,
mas este lembrou-se imediatamente que poderia tornar' a
noite divertida, mesmo com Isaura, e disse:
��� Estou brincando contigo.
Ela sorriu meio sem gra��a:
���- Que brincadeira mais besta.
��� Posso lhe revelar uma coisa, desta vez a s��rio?
��� O que ��?
��� Eu estou apaixonado.
��� N��o por mim, certamente.
��� Infelizmente, n��o.
��� Por que infelizmente?
111
��� Por que se fosse por voc��, estava tudo bem. Voc��
est�� junto de mim, �� minha disposi����o.
��� E a outra?
��� N��o sei como fazer para traze-la at�� aqui.
��� �� t��o simples! �� s�� convidar. Ela n��o �� diferente
das outras.
��� Ela �� casada.
��� E da��?
��� Gosta do marido.
��� E da��?
��� �� fiel.
��� Ningu��m �� fiel.
��� Tamb��m tenho a mesma opini��o. Mas acho que
ela ��.
��� N��o venha com este papo de amor imposs��vel, Ge-
raldo. Isso n��o existe mais.
���- Eu tamb��m julgava assim.
Isaura j�� passara at�� a se interessar pelo problema de
Geraldo. Afinal, n��o estava apaixonada por ele, tanto fa-
zia que gostasse de outra ou n��o. Viera fazer um programa
com o rapaz, como-fazia com tantos outros.
��� Voc�� tentou convenc��-la?
��� Tentei.
��� Quando?
��� H�� alguns meses atr��s procurei uma aproxima����o
e n��o deu.
��� E voc�� desistiu?
��� Hoje a encontrei por acaso e tamb��m n��o deu em
nada;
��� Fa��a mais algumas tentativas cara, se est�� t��o a
fim. Ela vai terminar aceitando.
112
��� Voc�� acha mesmo?
��� Mas claro.
Geraldo abra��ou Isaura:
��� Voc�� �� uma garota muito legal.
Ela se abra��ou a ele:
��� Enquanto sua "doce amada" n��o se decide, vamos
aproveitar a noite?
E foram para a cama.
Quando Geraldo penetrou em Isaura, esta comentou:
��� Como �� o nome da tal mulher?
��� Que mulher?
��� A tal por quem est�� gamado.
��� Fernanda.
��� Ela n��o sabe o que est�� perdendo...
Geraldo riu orgulhoso:
��� Quer prestar aten����o no que est�� fazendo?
* * *
Enquanto isso, em casa, Fernanda assistia �� televis��o.
Francisco n��o estava no Rio. Viajara a neg��cios. Devia vol-
tar dentro de uma semana.
Pouco depois que se casara, o marido convencera-a a
deixar de trabalhar. Naquela tarde, sem ter o que fazer,
fora comprar uma camisa para dar-lhe de presente; De
vez em quando, gostava de adquirir alguma coisa para
ele. Adorava ver sua express��o de garoto curioso, quando
abria o embrulho.
Enquanto via o programa na tev��, pensava no encon-
tro que tivera com o tal sujeito que lhe comprara p apar-
tamento. J�� tinha at�� esquecido que ele uma vez lhe tele-
fonara falando sobre o ��lbum e o di��rio. Afinal fazia quase
um ano.
N��o mais pensara no assunto e ele desaparecera. N��o
esperava que ele ficasse interessado em conquist��-la.
No entanto, a contragosto, reconheceu que ele era um
homem bonito. E que a atra��a. Quis afastar o pensamento.
Amava Francisco, era absolutamente fiel ao marido, con-
seguira estabilidade emocional. N��o era mais uma garota
sem ju��zo, e sim uma mulher de mais de trinta anos, feliz
e realizada.
Mas por que raz��o o rosto do desconhecido n��o lhe
sa��a da cabe��a?
* * *
��� Se eu fosse voc��, continuava insistindo.
��� Com que?
��� Com a tal mulher.
Geraldo riu e olhou para sua companheira de cama:
��� Est�� mais interessada do que eu, em resolver meu
problema.
��� Gosto de ajudar os amigos, dar apoio moral.
��� N��o fica com ci��mes?
Isaura acendeu um cigarro:
��� N��o. Por que teria ci��mes de voc��? A gente apenas
transa de vez em quando, numa boa, e s��. Nada mais do
que isso.
��� Quer dizer que devo insistir.
��� Claro. Depois me conta, t�� legal?
��� ��� ���
114
De f��rias e morando perto de Fernanda, Geraldo se-
guiu os conselhos de Isaura. Passou a rondar novamente
seu edif��cio, diversas vezes por dia, em horas diferentes.
Uma manh�� a viu saindo para a praia. Correu at�� em casa,
vestiu um cal����o de banho e rumou tamb��m para a praia.
Avistou-a de longe e aproximou-se, "por acaso".
��� Oi!
Fernanda levantou a vista e n��o respondeu.
Geraldo sentou-se ao seu lado, na areia, sem a menor
cerim��nia. Afinal, a praia era p��blica. O m��ximo que po-
dia acontecer era Fernanda levantar-se e ir para outro
lugar. Mas ela n��o o fez.
Ele puxou conversa. Fernanda n��o lhe respondia. Per-
manecia com os olhos cerrados e o rosto voltado para o
sol, ignorando-o completamente.
Enquanto falava, ele observava-lhe melhor o corpo, a
pele dourada. Teve uma vontade irrefre��vel de come��ar a
pegar-lhe, apalpar-lhe os seios, abra����-la...
Continuou seu mon��logo, falando tudo o que lhe vi-
nha �� cabe��a. Teve uma certa consci��ncia de que estava
mais ou menos bancando o palha��o. Contou piadas e ele
mesmo riu sozinho.
Discorreu sobre o tempo, o mar, as pessoas que pas-
savam, cinema, m��sica, literatura; Disse alguns palavr��es,
tentou enfim tudo para ver se conseguia alguma rea����o da
mulher.
Mas ela continuava impass��vel. Finalmente, Fernanda
levantou-se e foi em dire����o �� ��gua. Geraldo fez o mesmo.
Ela saiu do mar, depois de alguns mergulhos. E ele
tamb��m saiu, sentando-se na areia, ao seu lado.
Fernanda n��o se conteve e falou pela primeira vez:
115
��� Sabe a quantas horas est�� falando sem parar?
Geraldo olhou o rel��gio:
��� Exatamente uma hora e vinte e cinco minutos.
��� N��o est�� cansado?
��� N��o.
��� O que pretende de mim?
��� Voc�� sabe.
Ela o olhou. Viu o corpo do rapaz, a sunga diminuta,
a masculinidade se destacando. (N��o, n��o podia sentir de-
sejo por outro homem. Amava Francisco. Odiou aquele su-
jeito que teimava em conquist��-la.)
��� Me deixe em paz.
��� N��o acha que j�� abusou demais de minha pa-
ci��ncia?
��� Para dizer a verdade, acho, sim. Mas quando quero
uma coisa n��o sossego enquanto n��o consigo.
Fernanda levantou-se.
��� J�� vai embora?
��� J��. E n��o me acompanhe. Nunca lhe ensinaram que
a liberdade de cada um termina onde come��a a do outro?
��� Ensinaram, mas eu n��o aprendi.
Ela andou em dire����o ao cal��ad��o. Geraldo n��o a se-
guiu. Sentiu-se rid��culo e recordou o monte de besteiras que
havia dito.
* * *
Eram dez horas da noite.
Geraldo estava pronto para sair e dar uma volta pelos
bares.
Quando se dirigia para a porta do apartamento, olhou
para o telefone e teve uma id��ia.
116
Procurou o n��mero no caderninho de endere��os.
Talvez aquilo n��o adiantasse nada. Provavelmente o
marido de Fernanda estava em casa. Mesmo assim, discou.
Uma voz feminina atendeu. A pr��pria Fernanda.
��� Al��! Aqui quem est�� falando �� Geraldo.
��� N��o conhe��o nenhum Geraldo.
��� Devia conhecer pela voz. Passei muito tempo hoje
de manh��, ao seu lado, falando sem parar.
Ao contr��rio do que Geraldo esperava, Fernanda n��o
desligou o telefone imediatamente:
��� Voc�� n��o �� f��cil!
Ele notou que pela primeira vez ela o tratava de "vo-
c��". Conseguira marcar um ponto.
Deduziu tamb��m outra coisa: talvez o marido de Fer-
nanda n��o estivesse em casa. Resolveu prolongar o papo:
��� O que vai fazer esta noite?
��� Voc�� n��o desistiu ainda?
��� N��o. Nem vou desistir. Seu marido n��o est�� a��?
��� Vou desligar o telefone e, por favor, n��o ligue de
novo.
Ele ouviu o barulho do fone no gancho. Ainda n��o
tinha sido daquela vez. Fernanda era dura na queda. Mas
ele tamb��m n��o desistiria com facilidade.
Continuou o cerco ininterrupto por mais tr��s dias..
Viu-a outra vez na praia. Novamente se aproximou. Fer-
nanda dignou-se a lhe responder e ele n��o ficou quase o
tempo todo falando sozinho como da outra vez. Sem que-
rer, ela deu a entender que Francisco n��o estava no Rio.
Ele aproveitou a deixa:
��� Como foi mesmo que voc�� disse? Que seu marido
chega segunda-feira? Ent��o ele n��o est�� aqui?
117
A mulher viu que cometera um erro. Mas agora era
tarde:
��� N��o.
��� E como voc�� preenche o tempo sozinha?
��� Tenho v��rias coisas em que me ocupar.
��� A solid��o �� uma coisa triste.
��� Mas n��o estou solit��ria. Trata-se apenas de uma
viagem r��pida.
Ela deu-se conta de que estava dando satisfa����es a
Geraldo. Cada vez se tornaria mais dif��cil ver-se livre dele.
Chegou a hora de voltar para casa. Geraldo acompa-
nhou-a at�� a porta do seu edif��cio.
��� Amanh�� lhe espero na praia ��� disse o rapaz.
Fernanda n��o respondeu, resolvida que estava de n��o
ir �� praia durante muitos dias.
N��o poderia voltar a encontrar aquele homem. Sentia
a aproxima����o do perigo. E precisava escapar de qualquer
jeito.
Geraldo foi para casa satisfeito. Compreendera que era
apenas uma quest��o de tempo. Fernanda seria dele. Mas
logo raciocinou que n��o podia esperar muito.
J�� era sexta-feira. Francisco voltaria na segunda. Ti-
nha apenas dois dias para conseguir seu objetivo. Depois,
seria muito mais dif��cil.
Assim, naquela noite, logo cedo, por volta das sete
horas, telefonou:
��� Al��! Como vai?
��� Voc�� de novo?
��� Eu mesmo.
��� Por f a v o r . . .
��� Vamos nos encontrar logo mais?
118
��� N��o posso.
��� Pode sim. Prefere ficar sozinha em vez de aprovei-
tar o tempo comigo?
��� Prefiro.
��� N��o sabe que se vive uma s�� vez?
��� Sei.
��� Ent��o? Precisa aproveitar todas as oportunidades.
��� Penso de outra forma. Como s�� se vive uma vez,
n��o vou estragar minha vida sem nenhum motivo.
��� Vamos a um cinema.
��� N��o.
��� Ao teatro.
��� Tamb��m n��o.
��� A uma boate.
��� Muito menos.
��� O que devo fazer?
��� Nada. Ficar em casa. Em paz.
E de novo Fernanda desligou o telefone.
Geraldo saiu de casa e foi a um restaurante qualquer.
Jantou sozinho, coisa que odiava fazer. Numa noite de s e x :
ta-feira, podia estar muito bem acompanhado. Mulher era
o que n��o lhe faltava. Mas ele estava ocupando todo o seu
tempo atr��s de uma coisa imposs��vel.
Comeu sem apetite. Colocava o garfo na boca, masti-
gava a comida, mas n��o sentia gosto de nada.
Tinha que conseguir uma maneira de dobrar Fer-
nanda.
Olhava as coisas e pessoas a seu redor.
Um casal jantava numa mesa pr��xima. Os dois n��o
se falavam. Pareciam ilustres desconhecidos. Mas as alian-
119
��as nas respectivas m��os esquerdas denunciavam que eram
casados. Por isso que n��o tinham assunto.
Tr��s rapazes, numa outra mesa, comiam e bebiam. Es-
tavam alegres. Falavam muito.
Um outro casal, mais adiante, desta vez de namora-
dos, sem d��vida, sorriam. Olhavam-se apaixonados e co-
miam com prazer, enquanto conversavam animadamente.
Mais adiante ainda, um senhor idoso comia sozinho.
Triste. Como ele. Geraldo viu no velho sua pr��pria ima-
gem dentro de uns trinta anos. Era assim que provavel-
mente terminaria: vagando pelos restaurantes e ruas da
cidade, sozinho, carregando o peso dos anos e da solid��o.
Nunca se preocupara com a solid��o. Por que estes pen-
samentos agora? Estaria come��ando a envelhecer?
Ou era tudo por causa de Fernanda? Por n��o conse-
guir satisfazer seu desejo?
Terminou de jantar. Pagou a conta e saiu.
De barriga cheia, sentiu-se mais deprimido ainda.
O que fazer?
Olhou as horas.
Oito e pouco.
Ainda estava cedo.
E se fosse at�� a casa de Fernanda? Ela estava sozi-
n h a . . .
Mas podia ter visitas.
N��o custava arriscar.
Precisava dar o golpe definitivo.
Teria que usar toda a sua ousadia.
E para isso, precisava de ajuda.
Foi at�� um bar e pediu uma dose de u��sque.
120
Dentro de meia hora, no m��ximo, a bebida, teria lhe
dado a disposi����o necess��ria para fazer o que pretendia.
"Esta noite ou nunca", pensou.
Teria que possuir Fernanda naquela noite de qualquer
jeito.
Estava bebendo sua segunda dose de u��sque, quando..
L��cio, um colega de trabalho, passou pela cal��ada e o avis-
tou. Entrou no bar e sentou-se ao seu lado:
��� Na boa-vida, hem?!
��� Por favor, n��o me venha falar de servi��o. Estou de
f��rias.
Geraldo ficara amolado com a s��bita presen��a do co-.
lega. Estava planejando detalhadamente como agiria quan-
do chegasse ao apartamento de Fernanda. Queria ficar so-
zinho para melhor pensar.
��� Bebendo sozinho? N��o tem companhia? Onde est��o
as garotas? N��o faz mais o mesmo sucesso de antigamente?
Ele respondia ao amigo com monoss��labos. L��cio era
o tipo do cara chato, que quando grudava n��o tinha como
se desvencilhar dele. Sorriu ao pensar que Fernanda devia
pensar a mesma coisa a seu respeito.
Geraldo demorou-se mais tempo do que o necess��rio
no bar. E tamb��m bebera mais do que pretendia. Tudo
por causa de L��cio e sua conversa idiota. Resolveu ent��o .
chamar o gar��om e pagar a conta.
Despediu-se do amigo:
��� Agora vou me mandar. Tenho um encontro ��s nove
e meia.
O outro tamb��m saiu do bar, mas cada um tomou uma.
dire����o diferente.
121
Geraldo se encaminhou resoluto para o edif��cio onde
Fernanda morava. Passos r��pidos, decididos.
A medida que se aproximava, no entanto, os passos
tornaram-se menos r��pidos e ele menos seguro.
Como terminaria aquilo tudo?
Viu-se em frente ao pr��dio.
Entrou na portaria.
Esperou o elevador.
Apertou o bot��o que indicava o oitavo andar.
Desceu do elevador e tocou a campainha do aparta-
mento 801.
Demoraram a atender.
Tocou de novo. Lembrou-se de ficar numa posi����o que
n��o dava para Fernanda v��-lo atrav��s do olho-m��gico. Sa-
bendo quem era, n��o abriria a porta.
Finalmente a porta foi aberta.
Mas n��o era Fernanda.
Uma garota ainda jovem o atendeu.
Ele compreendeu que se tratava da empregada e per-
guntou:
��� Dona Fernanda est��?
��� Quem quer falar com ela?
��� Diga que �� o Geraldo.
��� Um momento.
A empregada foi at�� o interior do apartamento, vol-
tando pouco depois:
��� Fa��a o favor de entrar.
Geraldo viu-se logo depois no enorme "living" do apar-
tamento. Sentou-se no sof��. A empregada disse:
��� Dona Fernanda j�� vem.
E retirou-se.
122
Sozinho, Geraldo observou o ambiente. As poltronas,
o sof��, as paredes e o tapete, tudo branco. Alguns quadros
abstratos, uma escultura, tamb��m de estilo moderno, num
canto.
Teve receio que a cinza de seu cigarro ca��sse sobre o
tapete muito alvo. Procurou apressado um cinzeiro. Fer-
nanda entrou naquele momento.
Olhou-o s��ria:
��� Boa noite.
��� Tudo bem?
��� Estava, at�� h�� poucos instantes, antes de voc��
chegar.
��� �� assim que me recebe?
��� Como queria que fosse? Deixei que entrasse, por-
que n��o sabia qual seria sua rea����o se me negasse a re-
ceb��-lo e n��o estou querendo esc��ndalos.
��� Pensa que eu seria capaz disso?
��� Penso. Quando Francisco chegar segunda-feira vou
p��-lo a par do que est�� acontecendo. Foi tamb��m por isso
que deixei que entrasse. Para ficar sabendo que estou dis-
posta a acabar com esta sua atitude absolutamente incon-
veniente.
Sob o efeito da bebida, Geraldo era capaz realmente
de tudo. Viu que palavras de nada adiantavam com Fer-
nanda. Assim, levantou-se e abra��ou-a, tentando beij��-la!
Tudo com a rapidez de um gato, sem dar tempo da mu-
lher preparar nenhuma defesa.
Colou os l��bios nos dela, que o empurrou com for��a,
conseguindo afast��-lo:
��� N��o estou sozinha aqui. Lembre-se da empregada.
��� Por que n��o vamos at�� l�� em casa? Afinal, o apar-
123
tamento j�� foi seu. Pode recordar os velhos tempos em
que morou l��.-
Ele tentou apr��ximar-se de novo e ela amea��ou:
��� Vou .terminar sendo for��ada a chamar a pol��cia.
��� N��o precisa chegar a esse extremo. N��o quero lhe
comprometer. Vou embora numa boa. Mas fico l�� em casa
-lhe aguardando. N��o se esque��a. Vou estar lhe esperando.
A qualquer hora da noite que decidir pode ir me encon-
trar. L�� n��o tem porteiro �� noite, como voc�� sabe. Tome
a chave da portaria.
E Geraldo jogou-a sobre a mesinha.
Sorriu e retirou-se.
Fernanda fechou a porta do apartamento.
Voltou para o "living" e olhou a chave.
* * *
Ao passar pela banca de jornais, Geraldo lembrou-se
de comprar algumas revistas. Teria uma longa noite de
espera. Comprou cigarros tamb��m. Bebida tinha o sufi-
ciente.
Entrou em casa, com disposi����o para aguard��-la. Para
que n��o sentisse ansiedade demais e para que o tempo pas-
sasse mais depressa, ligou a televis��o. Colocou v��rios discos
na eletrola. Pegou uma garrafa de cerveja, um copo e sen-
tou-se numa poltrona onde come��ou a folhear as revistas
coloridas, com fotos de mulheres nuas.
Assistia �� televis��o, ouvia discos, via revistas e bebia,
tudo ao mesmo tempo.
Os minutos passaram at�� completarem uma hora de
espera.
124
Nada de Fernanda.
��� Deve estar indecisa ��� pensou. ��� Coloquei-lhe um
problema na consci��ncia. Sei que est�� tentando desespe-
radamente resistir �� tenta����o. Ela est�� louquinha para vir
tenho certeza. Talvez apenas demore um pouco.
No fim da segunda hora de espera, esta certeza n��o
era t��o grande. Pelo contr��rio. J�� estava cheio do barulho
da televis��o e da eletrola. N��o ag��entava mais folhear as
mesmas revistas (sim, porque ler mesmo ele n��o conse-
guia, n��o podia concentrar-se em nada).
Sempre que uma garrafa esvaziava, ia buscar outra.
Sa��ra do apartamento de Fernanda, mais ou menos ��s
dez horas. J�� era meia-noite.
E nada de Fernanda aparecer.
Resolveu telefonar.
Tinha que ser naquela noite.
Ou nunca mais.
Ouviu o telefone tocar uma, duas, quatro, oito, quin-
ze, vinte vezes. Ningu��m atendeu. Desistiu.
Fernanda devia estar dormindo. Mas como conseguira
adormecer, sabendo que havia um homem �� sua espera?
Certamente estava acordada, mas recusava-se a atender.
Parecia estar vendo-a, ao lado do telefone, ouvindo-o tocar
incessantemente.
Talvez Fernanda fosse muito mais forte do que ima-
ginava.
Foi a�� que ouviu a campainha de seu apartamento
tocar, misturada com o barulho da televis��o e da eletrola
que continuavam ligadas.
Deu um salto da poltrona.
Era Fernanda.
125
Tinha vencido.
Ninguem mais o procuraria ��quela hora. Ningu��m
mais a n��o ser os moradores do pr��dio.
Vizinho nenhum o visitaria quase de madrugada.
S�� podia ser Fernanda. Ela tinha a chave da portaria
que ��quela hora j�� estava fechada.
Estava de sunga e teve uma id��ia diab��lica. Tirou-a
rapidamente e foi abrir a porta completamente nu. Queria
provocar impacto.
Era mesmo Fernanda.
Ela entrou sem dizer nada e sem demonstrar que no-
tara que ele estava sem roupa.
��� At�� que enfim! ��� exclamou Geraldo.
Abra��ou Fernanda, que n��o ofereceu a m��nima resis-
t��ncia.
Ela tamb��m havia bebido.
Os h��litos se encontraram.
Ele come��ou a despi-la.
Fernanda n��o sabia se aquilo estava realmente acon-
tecendo. Sentia-se confusa, sob o efeito do u��sque puro
que tomara em grandes doses. Estava em seu antigo apar-
tamento, junto com um homem que n��o era seu marido.
Teve peha de Francisco e um pouco de nojo de si mesma.
Mas o desejo era mais forte.
Foram para a cama.
Geraldo beijou-lhe o corpo ainda magn��fico.
Fernanda pensava que tinha realmente voltado ao
passado. N��o era a Fernanda de agora, bem comportada,
com um marido a quem amava. Era a Fernanda de alguns
anos atr��s em busca de um amor definitivo. �� procura
126
de um homem certo e entregando-se a todos que apa-
reciam.
Os dois corpos estremeceram, para depois se Separa-
rem para lados diferentes da cama.
Uma l��grima escorreu-lhe pela face. Procurou enxu-
g��-la rapidamente, envergonhada n��o do que fizera, m��s
do seu remorso e sentimentalismo.
Geraldo n��o notou, n��o a estava olhando naquele mo-
mento.
Ela levantou-se, vestiu-se, meio cambaleante.
Ele continuou deitado.
J�� pronta, Fernanda olhou o homem despido.
Saiu do apartamento, deixando a chave da portaria
em cima de um m��vel qualquer (por dentro podia-se abrir
a porta sem precisar da chave).
Caminhou em dire����o de sua casa.
N��o queria mais pensar no motivo por que fizera
aquilo.
Para que arranjar desculpas, justificativas?
Tinha feito. S�� isso.
N��o fora forte o suficiente.
Tinha certeza de que amava Francisco.
E por que fora at�� o apartamento encontrar Geraldo?
Lembrou-se do ��lbum e do di��rio.
Eles eram os culpados?
Haveria algum culpado?
N��o, n��o voltaria outra vez a fazer o que fizera.
Preferia morrer a ir novamente ��quele apartamento.
Preferia tudo, menos trair Francisco de novo.
Mas ser�� que pensaria sempre do mesmo modo?
127
Ou apenas naquele momento?
Chegou ao seu edif��cio.
Entrou.
* * *
Geraldo permanecia deitado nu em sua cama.
Adormecera.
A televis��o continuava ligada.
FIM
128
---------- Forwarded message ---------
De: Bons Amigos lançamentos
De: Bons Amigos lançamentos
O Grupo Bons Amigos em parceria com o grupo Solivros com sinopses tem a satisfação de lançar hoje mais um livro digital para atender aos deficientes visuais.
Relações ìntimas - Carlos Aquino
Geraldo é um rapaz de trinta anos que depois de muitos anos economizando consegue comprar seu apartamento num bairro classe média alta do Rio de Janeiro.
Sobre o autor:
Escritor, jornalista e ator, Carlos Aquino nasceu em Sergipe, mas foi para o Rio de Janeiro ainda adolescente.Trabalhou em filmes e peças de teatro, mas finalmente descobriu que sua verdadeira vocação era escrever, passando a dedicar-se à literatura. Sua estréia foi com o romance: Verão no Rio" em 1973. Com seu.estilo vigoroso e moderno, colocando sempre uma dose de verdade em seus personagens, ele foi no século passado na década de 70 e 80 um dos escritores de mais prestigio junto ao público. Detalhes sobre sua morte leia em : https://www.terra.com.br/istoegente/79/tributo/index.htm
Lançamento :
a)https://groups.google.com/forum/?hl=pt-BR#!forum/solivroscomsinopses
b)http://groups.google.com.br/group/bons_amigos?hl=pt-br
Este e-book representa uma contribuição do grupo Bons Amigos para aqueles que necessitam de obras digitais como é o caso dos deficientes visuais e como forma de acesso e divulgação para todos.
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