5 a E d i �� �� o
Direitos Autorais Adquiridos para:
L. OREN EDITORA E DISTRIBUIDORA DE LIVROS LTDA.
Rua Coriolano, 301 ��� ��gua Branca ��� S��o Paulo
1980
LEITURA ESTRITAMENTE PROIBIDA A MENORES
Aos leitores a d u l t o s :
Pede-se a gentileza de n �� o e n t r e g a r esta
obra n a s m �� o s d e menores.
C a p a :
M��RIO D��CIO CAPELOSSI
D I R E I T O S ADQUIRIDOS POR:
L. OREN ��� Editora e Distribuidora de Livros L t d a .
Impresso no Brasil
LEIA POR FAVOR
LEITOR, falarei com voc�� em p a l a v r a s b e m simples.
A n t e s de voc�� come��ar a ler este livro, quero preveni-lo
de u m a coisa. A est��ria �� a m a i s s��rdida que pode existir.
�� d e p r i m e n t e , n o j e n t a e f��tida.
O m e u conselho seria; n �� o a leia. Voc�� vai p e n s a r .
E n t �� o p o r q u e a Adelaide deixou t u d o isso vir a t �� n��s se n �� o
q u e r que a c o n h e �� a m o s .
Digamos. Eu explico. Aconselho voc�� a ler e no final,
voc�� ficar�� a r r a s a d o . L o g i c a m e n t e , n �� o vai me c u l p a r , pois
j �� e s t �� prevenido.
J u r o que n �� o queria levar a o c o n h e c i m e n t o p��blico t a n t a
viscosidade, m a s j�� estou c a n s a d a d a s pessoas m e d i r e m a
m i n h a m o r a l , conforme o que escrevo.
E x i s t e m pessoas que t e m u m a vida r e p u g n a n t e , envol-
ta em t o n e l a d a s de dinheiro, e todos a a c r e d i t a m de m o r a l
sadia.
Vou m o s t r a r a voc�� u m a dessas pessoas. Seu n o m e ? ��
i n �� t i l a d v e r t i r que n �� o direi o seu n o m e : m a s se a l g u �� m a
reconhecer a t r a v �� s destas p �� g i n a s , eu ficarei c o n t e n t �� s s i m a .
Sei q u e p a r a ela, ver seu esp��rito, s u a a l m a descoberta aos
olhos de m i l h a r e s de seres h u m a n o s �� indiferente, p o r q u e
na realidade ela �� u m a a r a n h a n e g r a e viscosa, que rodopia-
va s u s t e n t a d a pelas teias do dem��nio e ca��a em c i m a de seu
pobre filho, a g a r r a n d o - o e a p e r t a n d o - o com s u a s p e r n a s
�� m i d a s e peludas e sugando-o com a q u e l a boca b r a s a n t e a t ��
v��-lo t o m b a r .
Eu fiz t u d o p a r a evitar q u e Antonio Cl��udio tombasse.
Mas ela s u a m �� e C a r m e m M e n d o n �� a de B r a g a n �� a , hoje ba-
ronesa sei l�� de que m e r d a , vem. dizer que sou u m a desclas-
sificada, e que m a t e i o seu filho.
��� 5 ���
N��o �� m a t a r , assim de a p o n t a r u m a a r m a e a t i r a r , diz
q u e eu o m a t e i m o r a l m e n t e . Que fiz com q u e ele,, se a p a i -
xonasse por m i m e depois q u a n d o o vi louco de paix��o, pro-
pus-lhe; ou c a s a r ou s e p a r a r . Ai ele se m a t o u . Pobre ba-
ronesa C a r m e m d e C a s t r o .
N��o a d i a n t a o seu t��tulo, o seu dinheiro, as s u a s r o u p a s
finas, as s u a s j��ias, e os mil perfumes que voc�� usa. Hoje,
todos v��o sentir o fedor que exala por o n d e voc�� passa. Vin-
g a n �� a ? Sim, sra. B a r o n e s a C a r m e m .
��� VINGAN��A.
A p r e n d i c o m voc�� e a s u a a l t a classe, ser vingativa,
ouviu bem? M a s n �� o c a l u n i a d o r a . Aqui n e s t a s p �� g i n a s vou
m o s t r a r a verdade. A g r a n d e verdade. Voc�� �� a assassina.
Eu sou g e n t i n h a desclassificada, v�� l�� que assim seja,
n a s u a e n a concep����o d a a l t a sociedade, p o r q u e a s pessoas
q u e me c o n h e c e m e que s��o r e a l m e n t e de m o r a l sadia, sabem
q u e l�� d e n t r o sou p u r a . N��o p u d e p a r t i c i p a r do g r a n d e bai-
le, porque sou Adelaide Carraro, a escritora que c o n t a a
verdade.
P u x a baronesa, como foi bom voc�� me t i r a r da lista, n �� o
q u e r i a ficar fedendo r e a l m e n t e .
Desculpe-me, m e u s queridos, esse desabafo, e por favor,
n �� o pesem a m i n h a m o r a l t e n d o n o o u t r o p r a t o d a b a l a n �� a
a realidade de m e u s livros, e t a m b �� m perdoem-me pelas hor-
rorosas h o r a s , que p a s s a r a m lendo Carni��a.
Eu t a m b �� m , fiquei assim como voc��. Eu t a m b �� m senti
l�� d e n t r o t u d o doer, e n q u a n t o m o s t r a v a o t r i s t e destino de
m e u a d o r a d o Antonio Cl��udio.
Depois de tudo, fiquei um a n o c h o r a n d o , sem. a c r e d i t a r
que n u n c a m a i s iria v��-lo. Ainda hoje, e n q u a n t o escrevo,
l �� g r i m a s de tristeza e s a u d a d e e s q u e n t a m a m i n h a face,
m a l d i g o t e r nascido vinte anos a n t e s dele.
P a r a finalizar vou dizer u m a coisa ��� sinto que sou igual
ao J��lio Ribeiro, n �� o gosto de controv��rsias, fujo como covar-
de de brigas, i n t r i g a s e discuss��es; m a s provocada, eu l e v a n t o
a luva que me a t i r a r e m , e aceito as a r m a s . N��o sou u m a
g r a n d e advers��ria, pois sou pobre, fraca fisicamente e t e n h o
o o m b r o direito, quebrado, m a s q u a n d o vejo que a espada ��
c u r t a , dou um passo a frente.
Adelaide C a r r a r o
S��o Paulo, 2 2 / 1 1 / 7 2
��� 6 ���
C A P �� T U L O 1
��� Sabe Adelaide, vou realizar a m a i s fabulosa festa q u e
j a m a i s a l g u �� m possa ter i m a g i n a d o , e m h o m e n a g e m a o ses-
q u i c e n t e n �� r i o da nossa I n d e p e n d �� n c i a . Vai ser a festa q u e
f a r �� com que a M a r q u e s a de S a n t o s se revire no t �� m u l o .
Q u e m assim falava e r a C l a r i n h a , u m a nova a m i g a . Cla-
r i n h a �� da nossa elite: Super-rica.
E s t a m o s s e n t a d a s n u m imenso t e r r a �� o n a s u a m a n s �� o
no b a i r r o do Morumbi. N��o vou descrever t u d o o q u e existe
de luxuoso e belo ao m e u redor, p o r q u e �� enjoativo. A i n d a
m a i s q u e acabei de sair do P r o n t o Socorro da S a n t a Casa de
Miseric��rdia, o n d e fui a pedido de u m a d a s freiras. Vejo
n e s t e m o m e n t o o rosto da i r m �� , jovem e lindo, e o rosto da
C l a r i n h a t a m b �� m jovem e lindo. A i r m �� .
* * *
��� Olhe, Adelaide, pedi p a r a voc�� n o s visitar (todos me
p e d e m a j u d a , sem saber que e u sou u m a das pessoas q u e
m a i s n e c e s s i t a m d e apoio. T e n h o u m a vida d u r a . L u t a n -
do por todos os lados com inimigos g r a t u i t o s q u e na s o m b r a
t e n t a m m e a p u n h a l a r . M a s deixa isso p r a l �� ) , porque voc��
j�� passou pelo nosso P r o n t o Socorro aquele d i a . . . A i r m ��
ficou m a i s v e r m e l h a e meio sem g r a �� a .
��� J�� me lembro i r m �� , o dia em que bebi o veneno.
A i r m �� deu um sorrizinho e esfregou as m �� o s .
��� Pois ��, Adelaide, n a q u e l e dia, eu me l e m b r o que os
d o e n t e s g e m e r a m a noite t o d a de frio, e a i n d a g e m e m por-
q u e n �� o temos m a i s cobertores.
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E r a verdade o que a i r m �� falava. No P r o n t o Socorro
da S a n t a Casa falta t u d o . No m o m e n t o que a i r m �� fala-
va, estava e m cima d e u m a m a c a u m a m o c i n h a completa-
m e n t e n u a . T i n h a sido a t r o p e l a d a . O s ferimentos n �� o e r a m
graves, m a s ela chorava. Vi um e s t u d a n t e de medicina pas-
sar, p a r a r p e r t o da m a c a , alisar a cabe��a da mo��a e
p e r g u n t a r :
��� E s t �� doendo m u i t o ?
As l �� g r i m a s escorriam pelas t �� m p o r a s n a q u e l e rosto que
se t o r n a v a escarlate.
��� N��o, respondeu a mo��a.
��� E n t �� o porque voc�� est�� c h o r a n d o ?
��� Estou com v e r g o n h a .
O p l a n t o n i s t a veio a t �� n��s.
��� I r m �� , seria poss��vel a r r a n j a r a l g u m a coisa p a r a cobrir
a jovem?
��� Infelizmente n �� o temos, n e m um t r a p o sobrando,
m e u filho.
��� N��o �� poss��vel, i r m �� !
Todos os dias �� a m e s m a coisa, djsse-lhe a i r m �� . O
jovem saiu, a i r m �� c o n t i n u o u :
��� Voc�� j�� i m a g i n o u , Adelaide, q u a n t o s doentes passam
por esse P r o n t o Socorro por dia?
��� J�� sei i r m �� . A s e n h o r a n e m precisa falar. J�� passei
por a q u i e t a m b �� m s e n t i e vi q u e a q u i falta t u d o .
��� Adelaide, se voc�� pedisse p a r a todos os seus amigos
q u e t r o u x e s s e m ao nosso P r o n t o Socorro um len��ol, um co-
bertor, u m r e t a l h o d e m o r i m , u m peda��o d e algod��ozinho,
q u a l q u e r coisa serve.
* * *
��� Das paredes cair��o m e t r o s e m e t r o s de r e n d a s , seda.
p u r a e veludos franceses, Adelaide.
��� 8 ���
O r o s t o de C l a r i n h a cobriu o da i r m �� . S�� em c o r t i n a s
g a s t a r e i m a i s de c e m milh��es. O c h �� o do p a r q u e s e r �� t o d o
revestido de m �� r m o r e C a r r a r a e n t r e m e a d o de c r i s t a l fosfo��
rescente e . . .
. . . Meu p e n s a m e n t o corria longe. N��o m e i n t e r e s s a v a
a festa de Clarinha. E s�� voltou q u a n d o a ouvi dizer:
��� �� Adelaide, pensei em convid��-la m a s . . . Olhei firme
p a r a C l a r i n h a . . .
��� M a s . . . ? !
M a s a B a r o n e s a de C a s t r o �� m i n h a m a i o r a m i g a e a
festa �� t a m b �� m em h o m e n a g e m a s u a volta �� sociedade.
��� Dai? A B a r o n e s a de C a s t r o �� C a r m e m M e n d o n �� a
de B r a g a n �� a .
Q u a s e pulei da cadeira, o cora����o p a r e c i a q u e r e r s a l t a r
d e m e u peito, m a s fiz u m t r e m e n d o esfor��o p a r a m e t r a n -
quilizar e fiquei ouvindo Clara falar.
��� Pois ��, C a r m e m disse:
��� Mas a q u e l a desclassificada no nosso meio, C l a r i n h a ?
Isso �� um a b s u r d o , se ela vier n �� o c o n t e comigo, n �� o vou
vestir um Pierre C a r d i n , e u s a r b r i l h a n t e s e esmeraldas, p a r a
me m i s t u r a r �� g e n t i n h a .
��� Mas que filha da p u t a ��� disse por e n t r e - d e n t e s .
C l a r i n h a riu.
��� F i l h a da p u t a m e s m o , Adelaide. Voc�� n �� o precisa-
va n e m c o m e n t a r pois eu sei de q u a n t o ela precisou de voc��
q u a n d o voc��s e r a m a m i g a s .
��� S i n c e r a m e n t e , C l a r i n h a , eu n �� o gostaria de falar sobre
Carmem, o que me t r a z a q u i �� m u i t o s��rio. S��rio m e s m o .
O P r o n t o Socorro d a S a n t . . . C l a r i n h a i n t e r r o m p e u .
��� E se eu lhe dissesse que ela a n d a falando a todo o
m u n d o que foi voc�� que m a t o u o filho dela?
Gelei. Fiquei o l h a n d o p a r a C l a r i n h a . T u d o come��ou a
girar a m i n h a volta. C l a r i n h a da m a i s a l t a sociedade do
m u n d o . C l a r i n h a que a p a r e c e n a s revistas d o m u n d o s e n t a d a
��� 9 ���
a o l a d o d e Onassis n o M a x i m ' s , d e Nixon n a Casa B r a n c a
e da R a i n h a da I n g l a t e r r a no B u c k i n g h a n , de G a r r a s t a z u
Medici no Alvorada, C l a r i n h a ao lado de J a c q u e l i n e K e n n e d y
n u m m i n �� s c u l o biquini e m S a i n t Tropez. C l a r i n h a a j a t o ,
em iates e navios. C l a r i n h a , a c i d a d �� de p r i m e i r a classe
d a bola c h a m a d a m u n d o , estava a �� n a m i n h a frente m e jul-
g a n d o u m a assassina. O e n g r a �� a d o �� que n e s t e i m e n s o
Brasil a i n d a h�� selvas virgens, a estenderem-se em colinas
c h a m a d a s c h a p a d �� e s e v��rzeas infind��veis.
��� O q u e voc�� me diz h e m , Adelaide?
��� Que a a����o civilizadora a i n d a n �� o p e n e t r o u em iates,
j a t o s , navios e p a l �� c i o s . . .
��� Voc�� bebeu?
Sacudi a cabe��a.
��� Bebeu?
��� E u ! ! ?
��� Ironizou.
��� N��o, e u . . . P e r g u n t o se voc�� m a t o u o Antonio Cl��u-
dio e vem voc�� falar em selvas, civiliza����o e . . . Bebeu ou
n �� o bebeu?
��� Eu n �� o . Deve ser o seu subconsciente.
��� N��o estou falando ao seu subconsciente. Estou fa-
zendo u m a p e r g u n t a direta ao seu consciente. A b a r o n e s a
�� da m a i s a l t a classe. E a a l t a classe n �� o m e n t e .
Arregalei os olhos.
��� Agora n �� o e n t e n d o porque a m o r t e de A n t o n i o Cl��u-
dio, j u r i d i c a m e n t e foi c a u s a suic��dio t��pico, se a C a r m e m diz
que foi voc��. . .
Levantei-me b r u s c a m e n t e , aquela conversa me enojava
e sa�� correndo como doida. Passei o g r a n d e p o r t �� o e parei
no meio da r u a . Olhei p a r a todos os lados sem saber p a r a
onde seguir. O porteiro me olhava com ar a s s u s t a d o . E n -
fiei as m �� o s nos bolsos do casaco e segui. Andei, andei, andei.
Cheguei em frente ao c a s a r �� o . Segurei f i r m e m e n t e as g r a d e s
n e g r a s e enferrujadas do g r a n d e port��o. Meu olhar seguiu
��� 10 ���
a l a r g a a l a m e d a que se perdia vestida de verde. Depois da-
quela curva eu sabia o que veria. S a b i a t a m b �� m que n e s t a
h o r a n a s ��rvores a t r �� s d o c a s a r �� o o s p �� s s a r o s chilreavam.
Sabia t a m b �� m que ali �� esquerda da a l a m e d a o g r a m a d o
de veludo e m o l d u r a v a a piscina azul. Do lado direito o g r a n -
de lago todo rodeado de sebes de j a s m i n s e madressilvas.
Mais al��m, q u a s e p e r t o da casa as cores vivas dos m i l h a r e s
de roseiras. Depois a casa, a b r a �� a d a pelos g r a n d e s carvalhos,
era n a q u e l e t e m p o d e u m rosa-claro rodeada d e s a c a d a s d e
ferro batido, b e m p i n t a d o s de um b r a n c o p r a t e a d o . Abri o
p o r t �� o que r a n g e u n a s dobradi��as e n f e r r u j a d a s pelo t e m p o .
T u d o a b a n d o n a d o , c h u t e i os galinhos e folhas que a b a r r o t a -
v a m o c a m i n h o . O m a t o crescia por todos os lados. E n c a -
m i n h e i - m e p a r a o c a s a r �� o . Levantei o bra��o, a p a n h e i um
g a l h o d e u m a ��rvore, m a s ele p a r t i u - s e e s p a l h a n d o n o a r
u m perfume vago d e p a u pobre. Prestei m a i s a t e n �� �� o . A s
p l a n t a s e s t a v a m secando. N��o sei porque pensei q u e se
poderia renov��-las. Renov��-las! Renov��-las. P r a que, C h e -
guei na p o r t a �� frente, forcei a m a �� a n e t a . F e c h a d a . Espiei
a t r a v �� s dos vidros. L�� d e n t r o todos os m��veis cobertos com
p a n o s brancos. Rodeei a casa, acariciei as t r e p a d e i r a s q u e
se e n t r a n h a v a m n a s paredes. Quis e n t r a r no bosque, m a s o
cip�� entrela��ava-se n a s ��rvores impedindo-me. Se eu tivesse
u m a faca! Voltei n o v a m e n t e p a r a a frente da casa. Olhei
p a r a todos os lados. T u d o era sil��ncio. Andei a t �� o lago.
Os galinhos secos se q u e b r a v a m aos m e u s p��s. Aquele b a r u -
l h i n h o me causava arrepios. Meus Deus, como t u d o estava
a b a n d o n a d o ! Sentei-me n a g r a m a . S e n t i q u e a s costas m e
doiam. Deitei-me e com os bra��os cruzados sob a cabe��a,
fiquei o l h a n d o a m a n s �� o que p a r e c i a t �� o l �� g u b r e assim co-
b e r t a pelo cair da t a r d e . U m a leve brisa come��ou a b a l a n �� a r
a s p l a n t a s que m e rodeavam, t r a z e n d o u m perfume forte d e
rosas. Rosas, rosas, r o s a s . . .
O h ! Antonio Cl��udio! Que dor profunda me a p e r t a o
cora����o q u a n d o voc�� vem �� m i n h a m e n t e todo coberto de
rosas. Rosas v e r m e l h a s que foram a p a n h a d a s ao desabro-
c h a r e m . Sabe porque eu sei? Reparei bem, m u i t o bem, pois,
fiquei vinte e q u a t r o h o r a s sem despregar os olhos do seu
rosto e notei que as rosas se a b r i a m aos poucos e s u a s p �� t a -
las a v e l u d a d a s a f a g a v a m s u a s m �� o s b r a n c a s como cera.
Q u a n t a s rosas vi desfolharem-se e espalharem-se por seu
��� 11 ���
rosto lindo e suave que estava esculpido pela m o r t e . Anto-
n i o Cl��udio, seria eu m e s m a c a u s a d o r a de s u a m o r t e ? N��o,
n �� o , n �� o . Mil vezes n �� o . Q u a l q u e r m u l h e r , t e n h o certeza
absoluta, c o m a m e n t e sadia teria agido como eu agi. M a s ,
se eu tivesse concordado com voc��, m i n h a pobre c r i a n �� a , esta-
r i a voc�� a g o r a d e n t r o de u m a g a v e t a de c i m e n t o cinzento e
fria? E s t a r i a o u n �� o e s t a r i a ? Apertei a s t �� m p o r a s com a s
m �� o s geladas. Meu Deus, m e u Deus! Q u a n t o s c a m i n h o s
t r i s t e s o S e n h o r faz a g e n t e percorrer. Debrucei-me na g r a -
ma e chorei. Como deveria t e r procedido? Qual seria o
certo? Esfreguei m e u rosto n a g r a m a m o r n a como n a q u e l e
fim de t a r d e .
��� 12 ���
C A P �� T U L O 2
A voz era alegre e suave. Eu voltava vinte anos.
��� D o n a Adelaide, pode levantar-se, a c r i a n �� a nasceu.
Lembro-me que n �� o deixei a e m p r e g a d a t e r m i n a r , corri como
louca m e a r r a n h a n d o nos galhos das p l a n t a s floridas, verdes
e b e m c u i d a d a s . Subi a escadaria e e n t r e i no g r a n d e sal��o
(que a g o r a estava e m b r u l h a d o de panos) i l u m i n a d o de sol
e o r n a m e n t a d o com m i l h a r e s de flores que se a b r a �� a v a m
ao colorido dos m��veis de seda e veludo. De dois em dois
d e g r a u s subi a e n o r m e escadaria de m �� r m o r e rosa, a t a p e t a d o
d e pel��cia b r a n c a . Pel��cia b r a n c a ? Subia o l h a n d o p a r a
m e u s p��s q u e s e a f u n d a v a m n a pel��cia b r a n c a . P o r q u e
c a r g a s d ' �� g u a C a r m e m n �� o u s a v a u m a c��r diferente. Pel��cia
b r a n c a . Parei sem f��lego n a p o r t a d o q u a r t o . Respirei u m a s
vezes p r o f u n d a m e n t e , girei a m a �� a n e t a e entrei. C a r m e m
n u n c a estivera t �� o bela como n a q u e l e dia. Olhou-me e indi-
cou-me com a cabe��a um ber��o coberto de r e n d a s e tule.
T u d o azul, rodeado por m u i t a gente, inclusive os criados da
casa.
��� Deixe a Adelaide ver o m e u filhinho. Adelaide ��
m i n h a m e l h o r a m i g a , e n �� s a p o s t a m o s q u e se Antonio
Cl��udio nascesse hoje, dia do anivers��rio de Adelaide, ir��amos
c o m e m o r a r com a m a i o r festa. Q u a n t o s a n o s voc�� faz hoje? ���
D o ber��o m e u o l h a r voltou p a r a C a r m e m :
��� Vinte anos.
Dei a l g u n s passos e a b r i o c o r t i n a d o .
��� Oh! q u e lindo. J u r o C a r m e m �� o beb�� m a i s lindo q u e
vi a t �� hoje.
��� Mentirosa!
��� 13 ���
��� J u r o , j u r o . Estendi m i n h a m �� o e alisei os seus c a -
belinhos de seda c a s t a n h o s . Ele m e x e u a c a b e c i n h a e seus
labiosinhos s e a b r i r a m como n u m sorriso.
��� Ele riu, d o n a Carmem, disse u m a das e m p r e g a d a s .
R i u p a r a Adelaide.
Todos que e s t a v a m n o q u a r t o r i r a m alto.
��� Voc�� j�� viu um beb�� de a p e n a s u m a h o r a rir? N��o
seja b u r r a , ��� disse C a r m e m ��� A e m p r e g a d a se torceu t o d a
e n v e r g o n h a d a . Como todos ca��oassem, ela saiu do q u a r t o .
Mas ela n �� o m e n t i a . O bebezinho r i r a p a r a m i m .
Carlos e n t r o u s e g u r a n d o um len��o com o q u a l l i m p a v a
o suor da testa. Foi a t �� o leito e beijou C a r m e m no rosto.
Tirou do bolso um estojo de veludo azul e depositou-o n a s
m �� o s da m u l h e r . Olhou p a r a o ber��o.
��� Que o r g u l h o sinto de voc��, m e u a m o r ! E correu
p e g a n d o o m e n i n o nos bra��os. Beijou-o e x c l a m a n d o :
��� Meu Antonio Cl��udio! Meu filhinho! O m e n i n o co-
m e �� o u a c h o r a r . Carlos levou-o a t �� C a r m e m .
��� Pega-o querida, a c h o que ele j�� e s t �� com fome.
C a r m e m n e m parecia ouvir, abria a c a i x i n h a de veludo
e rindo l e v a n t a v a ao ar um colar de p��rolas e b r i l h a n t e s .
��� S��o lindos, ou n �� o s��o, g e n t e . O riso de todos se
m i s t u r a v a ao choro sentido do beb��.
��� C a r m e m ��� g r i t a v a o pai ��� d�� de m a m a r a c r i a n �� a .
��� Olhe, s��o t r �� s p��rolas e t r �� s b r i l h a n t e s , tr��s p��rolas
e t r �� s b r i l h a n t e s . Deve valer u m a f o r t u n a .
Carlos depositou a c r i a n �� a que c o n t i n u a v a a b e r r a r no
ber��o e p e g a n d o a j��ia disse:
��� c l a r o que vale u m a f o r t u n a . S��o b r i l h a n t e s pur��ssi-
mos. P a g u e i por essa pulseira a b a g a t e l a de um m i l h �� o de
cruzeiros. Assim m e s m o p o r q u e a j o a l h e r i a �� de um g r a n d e
amigo, s e n �� o . . . Notem bem, como �� d e s e n h a d a . �� um
a r t e f a t o de um valor art��stico inigual��vel. Ele me disse q u e
foi feito p a r a ser oferecido �� R a i n h a da I n g l a t e r r a , m a s de-
pois se resolveu d a r �� R a i n h a �� g u a s m a r i n h a s que s��o b e m
��� 14 ���
m a i s brasileiras, e n t �� o se g u a r d o u esse bracelete p a r a a I m -
peratriz da P��rsia, F a r a h Diba, m a s eu convenci o m e u a m i g o
a vender-me. E a�� est��. Nem p a r a a I n g l a t e r r a n e m p a r a
o Ir��. P a r a a m �� e de m e u filho.
Carlos c o n t i n u a v a a falar e o beb�� a c h o r a r .
F u i a t �� o ber��o e o peguei, a p e r t a n d o - o com c a r i n h o n o s
m e u s bra��os. Ele p a r o u i m e d i a t a m e n t e e foi a�� que Carlos
resolveu lembrar-se dele. Chegou a t �� o n d e eu estava.
��� D��-me o beb��, Adelaide, com todo esse p r o b l e m a do
colar a t �� esqueci de que m e u filho e s t �� com fome. Levou-o
at�� C a r m e m .
��� D��-lhe de comer. Vamos, m e u bem, nosso filhinho
est�� l o u q u i n h o p a r a m a m a r .
C a r m e m abaixou os olhos p a r a a fina camisola e levan-
tou-os a d m i r a d a p a r a o m a r i d o e disse a s s u s t a d a .
��� D a r de m a m a r ?
��� Claro.
��� No m e u seio?!
��� Sim.
��� Voc�� e s t �� louco.
Todos se v o l t a r a m p a r a o casal.
��� Louco, m a s porque?
��� O r a Carlos, voc�� quis o filho, a�� o t e m . Mas n �� o v��
cair na asneira de p e n s a r que eu vou a m a m e n t a r a c r i a n �� a
e ficar depois com d u a s m u x i l a s p e n d u r a d a s .
Carlos n �� o sabia o que dizer. Peguei o m e n i n o de seus
bra��os e n q u a n t o ele falava p a r a as pessoas.
��� �� preciso que s a i a m agora, C a r m e m est�� m u i t o
c a n s a d a .
Q u a n d o ficamos a s��s Carlos pegou no colar ��� Se voc��
n �� o der "de m a m a r �� crian��a, o colar n �� o ser�� seu. ��� Mas
C a r m e m p u l o u feito um a n i m a l , a g a r r o u a c a i x i n h a aper-
��� 15 ���
t a n d o - a c o n t r a os seios de onde escorria um leite b r a n c o e
saud��vel.
��� O colar �� m e u . Eu n �� o vou a m a m e n t �� - l o porque n��o
t e n h o leite.
Carlos ficou l��vido.
��� Como n �� o tem, leite?! Olhe p a r a a s u a camisola.
Sei e concordo que t o d a a p r e o c u p a �� �� o da m u l h e r vaidosa ��
o f��sico, depois do p a r t o , m a s c h e g a r a e s s e p o n t o . .
C a r m e m levou a m �� o �� t e s t a e come��ou a c h o r a r .
��� Oh! C h a m e o Dr., estou me s e n t i n d o t �� o m a l . Acho
que vou m o r r e r . N��o se pode c o n t r a r i a r m u l h e r a l g u m a
depois do p a r t o . C h a m e m o m��dico, c h a m e m o m��dico.
Carlos a b r i u a p o r t a e gritou ��s e m p r e g a d a s que vieram
c o r r e n d o . Como o beb�� recome��asse a c h o r a r e n i n g u �� m
p a r e c i a v��r, peguei-o e o levei p a r a a cozinha. Josefa a co-
z i n h e i r a r a s p a v a a tigela onde b a t e r a ovos p a r a a g e m a d a
da Carmem. Q u a n d o entrei com o beb�� g r i t a n d o , ela veio
correndo e disse:
��� Virgem, o coitadinho e s t �� m o r r e n d o de fome. Mas
p o r q u e a s e n h o r a o tirou do q u a r t o ? Virgem Nossa S e n h o r a !
se a dona C a r m e m souber!
��� Olhe, Zefa, a C a r m e m e s t �� sem leite e e x a u s t a . Eia
n �� o pode c u i d a r a g o r a do m e n i n o ; n��s d u a s temos que in-
v e n t a r a l g u m a coisa p a r a ele se a l i m e n t a r .
��� Vamos d a r leite.
��� Mas leite de v a c a ? !
Ela p e n s o u u m pouco.
��� N��o. Vou m a n d a r o chofer c o m p r a r u m a m a m a d e i r a
e u m a l a t a de Nestog��nio. Espera a��, volto j��.
Eu fiquei na cozinha a n d a n d o de l�� p a r a c�� com a crian-
��a que n �� o p a r a v a de g r i t a r . O que fazer? Peguei um
g u a r d a n a p o , molhei-o na �� g u a , passei no a �� �� c a r e coloquei
na b o q u i n h a do m e n i n o . Ele c h u p a v a , c h u p a v a q u i e t i n h o .
Q u a n d o o leite chegou, Zefa p r e p a r o u a m a m a d e i r a que An-
tonio m a m o u n u m m i n u t o . A�� come��ou a vomitar e com
��� 16 ���
o esfor��o ficava v e r m e l h i n h o . Zefa come��ou a c h o r a r . Eu
t a m b �� m n �� o sabia o que fazer. Zefa fez r a p i d a m e n t e um
c h a de camomila. Mas, d a r como? L a v a m o s a m a m a d e i r a
e o bico. A n t o n i o Cl��udio c a m o u todo o c h �� . Dai a l g u n s
s e g u n d o s come��ou a v o m i t a r i m p r e g n a n d o t u d o com um
cheiro forte de leite azedo. Zefa come��ou a c h o r a r e g r i t a r .
��� Valha-me Nossa S e n h o r a Aparecida, a c r i a n �� a vai
morrer. E u b e m que disse p a r a dona C a r m e m , n �� o j o g a r
e n q u a n t o estava esperando. M u l h e r de b a r r i g a n �� o pode
e s t a r s e n t a d a dia e noite. A c r i a n �� a fica espremida l�� d e n t r o
e depois nasce com e s t �� m a g o dobrado. A s e n h o r a e s t �� vendo?
Viu no q u e deu jogar dia e noite, viu, v i u . . .
��� Chega, Zefa. Isto �� tolice. Vamos raciocinar. Co-
n h e �� o u m m o n t e d e c r i a n �� a s rec��m-nascidas q u e t o m a m leite
em p�� e est��o fortes, g o r d i n h a s e coradas. Deve h a v e r a l g u m
erro. O leite e a �� g u a est��o na m e d i d a exata. Deixe pensar.
��� �� est��mago dobrado mesmo, o pobrezinho se formou
n u m a b a r r i g a q u e estava s e m p r e espremida. Assim, o l h a
dona Adelaide ��� Zefa sentou n u m a cadeira e dobrou o corpo
p a r a frente ��� Assim ��� Assim, assim. Olhe como a b a r r i g a
da g e n t e fica d o b r a d a .
��� Ora, Zefa ��� falei b a l a n �� a n d o o beb�� ��� o m e l h o r ��
a g e n t e m a n d a r c o m p r a r o u t r o bico. O beb�� t e m que fazer
for��a p a r a c h u p a r , assim o leite ir�� saindo aos poucos. O
b u r a c o dessa c h u p e t a est�� m u i t o g r a n d e .
O chofer saiu em d i s p a r a d a e logo m a i s Antonio Cl��u-
dio m a m a v a t r a n q �� i l a m e n t e . T o m a v a t u d o . O chofer, Zefa
e eu ficamos apreensivos olhando-o. Os m i n u t o s foram p a s -
s a n d o e o m e n i n o d o r m i a p l �� c i d a m e n t e . Sorri p a r a os dois
e disse baixinho.
��� Seremos os m e l h o r e s amigos de Antonio Cl��udio, pois
o salvamos de m o r r e r de fome. Zefa e Chico me o l h a r a m
assustados. P a r e c i a m a d i v i n h a r que t a m b �� m eles r o l a r i a m
p a r a a m o r t e n a s p e q u e n i n a s m �� o s que agora e s t a v a m fe-
c h a d a s q u a l dois bot��es de rosa. T a m b �� m eles r o l a r i a m
p a r a a m o r t e ? T a m b �� m eles por que? Eles r o l a r i a m p a r a a
m o r t e n a s m �� o s de A n t o n i o Cl��udio. O chofer se afastou
q u a n d o levantei-me com a c r i a n �� a nos bra��os e me dirigi
p a r a os aposentos de C a r m e m , levando d i a n t e de m e u s olhos
��� 17 ���
a express��o l o n g �� n q u a e t r �� g i c a de seu rosto, essa m e s m a
express��o que m a i s t a r d e lhe m a r c o u o s e m b l a n t e n a h o r a
que eu o a c o m p a n h a v a d e n t r o de u m a a m b u l �� n c i a t o d o
e n s a n g u e n t a d o .
Q u a n d o entrei n o q u a r t o , C a r m e m estava e m c o m p a i n h a
de um jovem todo vestido de b r a n c o e n e m me olhou. E s t a v a
t r e m e n d a m e n t e nervosa e dizia:
��� Foi u m a l o u c u r a eu t e r imposto ao m e u corpo essa
deforma����o. Isso me revolta. Ter esse filho, s�� vai me pri-
v a r de m e u s jogos de b u r a c o , de m e u s passeios de iate, de
m i n h a s viagens pelo m u n d o e de t a n t a s coisas q u e adoro.
Agora Carlos q u e r t a m b �� m fazer que m e u s lindos seios se-
j a m s u g a d o s a t �� m u r c h a r e m . O senhor j�� p e n s o u d o u t o r ?
M i n h a p r �� x i m a viagem ser�� e m Saint-Tropez.
C a r m e m se desencostou um pouco dos travesseiros e n -
voltos em sedas e r e n d a s e o l h a n d o fixamente p a r a o jovem
falou:
��� O s e n h o r sabe qual �� a a t u a l m o d a em Saint-Tropez
doutor?
��� O m��dico sacudiu a cabe��a.
��� Nudez. Todos os h o m e n s e m u l h e r e s em p��lo. T o d o s
n �� s . E eu terei q u e a n d a r n u a com os peitos b a l a n �� a n d o
por c a u s a desse m e r d i n h a . Seu o l h a r se dirigiu p a r a o ber��o
onde Antonio Cl��udio d o r m i a com a a u r �� o l a de cabelos cas-
t a n h o s b r i l h a n d o n o seu r o s t i n h o corado.
��� Mas q u e bobagem m i n h a s e n h o r a , hoje em dia j��
existem mil e u m a m a n e i r a s p a r a as m u l h e r e s se t o r n a r e m
perfeitas. N a d a a s deformar��. U m a p l a s t i c a z i n h a q u a l q u e r
e os seios voltar��o a serem firmes e eretos.
M a s o ar de e s c a r n i n h o se a c e n t o u m a i s e m a i s n a q u e l e
belo rosto que se voltou p a r a m i m .
��� E s t �� ouvindo, Adelaide. Voc�� e s t �� de prova q u e eu
n u n c a quis ter filhos. O doutor a q u i est�� me convencendo
a d a r o peito ao A n t o n i o Cl��udio. Eu n �� o darei. Prefiro
que ele tire o leite de um jeito q u a l q u e r . N��o estou p a r a
e s t r a g a r m e u corpo.
��� 18 ���
Neste m o m e n t o senti que a m i n h a estima por C a r m e m ,
p r i n c i p i a r a a apodrecer. Nossa amizade j�� d u r a r a cinco
anos desde o dia em que ela quase perecera afogada em Co-
p a c a b a n a . Eu vi ao longe, subindo e descendo n a s cristas
das g r a n d e s o n d a s u m a coisa p r e t a e e s t r a n h a . Corri p a r a
o salva-vidas. A p r a i a toda em p��, n e r v o s a m e n t e assistia a
l u t a do jovem e musculoso salva-vidas q u e com g r a n d e difi-
culdade t e n t a v a se a p r o x i m a r d a q u e l a coisa que n i n g u �� m
distinguia. G e n t e ? Animal? Objeto? Hoje via q u e e r a
um objeto. Q u a n d o o salva-vidas se a p r o x i m a v a a o n d a a
afastava. No m o m e n t o que o jovem conseguiu a g a r r �� - l a o
pessoal vibrou em p a l m a s e gritos de alegria. Q u a n d o o
salva-vidas v i n h a se a p r o x i m a n d o a l g u m a s pessoas inclusive
eu, t �� n h a m o s l �� g r i m a s escorrendo pelo rosto, q u a n d o vimos
que a q u e l a coisa era u m a m o c i n h a com fisionomia esver-
deada. A m a s s a g e m no peito fez que ela voltasse n o v a m e n t e
p a r a o sol b r i l h a n t e e o c��u azul. Eu estava ajoelhada
j u n t o ao salva-vidas q u a n d o ele lhe falou:
��� O u �� a g a r o t a . Voc�� deve a s u a vida a essa jovem.
Ela sorriu.
��� Meu n o m e �� Carmem. Sou filha de F r a n c i s c o F e r r a r i .
Olhou p a r a o salva-vidas.
��� Meu pai �� milion��rio, vou m a n d a r ele lhe p a g a r a
m i n h a vida. ��� Virou-se p a r a m i m . ��� A voc�� t a m b �� m . Hoje
n �� o , pois ele viajou no seu j a t o p a r a c o m p r a r t e r r a s em
Paris. Aqui no Brasil t e m u m a d��zia de f��bricas.
Pensei ��� C o m p r a r t e r r a s em Paris. Teria P a r i s , a q u e l a
m i n �� s c u l a cidade t e r r a s p a r a serem vendidas?
Desde aquele dia t o r n a m o - n o s a m i g a s insepar��veis. Hoje
ela �� C a r m e m M e n d o n �� a de B r a g a n �� a , c a s a d a c o m um rico
i n d u s t r i a l p a u l i s t a e m �� e de A n t o n i o Cl��udio F e r r a r i Men-
don��a de B r a g a n �� a .
M��e. M��e. M��e.
M i n h a voz saiu fria.
��� Acho q u e ele n �� o precisar�� de seu leite, C a r m e m .
E s t �� b e m a l i m e n t a d o com leite em p��.
��� 19 ���
C a r m e m vibrou de alegria.
��� Viu doutor, leite em p�� e voc��s me m a r t i r i z a n d o .
M��dico, pai, m �� e , hoje in��til. ��� A�� falou s e m p a r a r . ��� Temos
t u d o artificial. Se o s �� m e m do m a r i d o a p r e s e n t a r a u s �� n c i a
de espermatoz��ide, vai-se a um b a n c o de s �� m e n s e se sub-
m e t e a i n s e m i n a �� �� o . Se n �� o d e r m o s de m a m a r , a�� t e m o s
m a r a v i l h o s o leite e m p��. P r �� q u e m��dico p e d i a t r a , h e m
d o u t o r ? ��� C a r m e m ria, ria sem p a r a r , e repetia ��� m��dico,
m��dico p r �� que serve m��dico se existe leite ��m p��. Agora
posso d o r m i r t r a n q u i l a , foi ��timo Carlos n �� o c h a m a r o "con-
selho de fam��lia'" p a r a d e b a t e r o p r o b l e m a " m a m a r " como
fez com o problema " a b o r t o " . Nesse dia m e u m a r i d o con-
vocou t r �� s m e m b r o s da fam��lia, m e u tio que �� bispo, Dom
Marcos Nogueira Metter, m e u av��, Vitor M e n d o n �� a de Bra-
g a n �� a , livre-docente de Cl��nica Obst��trica da F a c u l d a d e de
Medicina da Uniyersidade de Sevilha e m e u p r i m o Caio D��cio
Rodrigues M e n d o n �� a , ginocologista. E u s e n t a d a n a frente
dos q u a t r o s . O Bispo, o Livre-Docente, o Ginecologista e
Carlos o play-boy de ouro, como �� conhecido, discut��amos a
v i n d a ou a m o r t e do feto que crescia em m i n h a s e n t r a n h a s . . .
��� Se voc�� o tivesse m a t a d o d e n t r o de s u a b a r r i g a .
Carmem, seria u m m a l ; m a s m a t �� - l o aos poucos, a r r a n c a r
dia a dia um p e d a c i n h o de s u a a l m a de seu cora����o, foi
abomin��vel, execr��vel, s��rdido. Por f i m . . .
N��o sei b e m q u e m l e v a n t o u a d��vida, Antonio Cl��udio
n �� o se suicidara. C a r m e m M e n d o n �� a de B r a g a n �� a foi levada
aos' t r i b u n a i s . Eu a via s e n t a d a na p r i m e i r a fila, o advogado
de defesa g r i t a r :
��� Viola-se a honra e a dignidade de uma distinta se-
nhora da mais alta sociedade, jogando-se-lhe as mais horr��-
veis suspeitas, do hediondo crime, que s�� os b��rbaros pode-
riam cometer. Matar um filho. Matar um filho, senhores
jurados. Essa m��e que a�� est��, foi m��e amant��ssima. Desde
que o pobre jovem Cl��udio abriu os olhos para esse mundo,
ela o amamentou, o acalentou e ninou. Nos seus primeiros
vagidos, ela lhe estendeu os seios intumecidos de leite e ele
sugou naquele l��quido branco e forte, a vida que agora em
not��cias escandalosas da Imprensa falada e escrita e televisio-
nada, estimulada, muitas vezes, pela pr��pria pol��cia, a quem
��� 20 ���
deveria competir a prote����o de uma senhora, jovem e fr��gil,
querem que acreditemos ela lhe tirou. Tirou senhores ju-
rados, a vida que essa digna dama de nossa sociedade lutou
para lhe dar. Quando todos achavam que seria uma loucura,
privar a alta classe de sua presen��a, nem se fora por alguns
meses e depois de formar aquele lindo corpo com a gesta����o,
a nossa dama n��o hesitou e revoltada com as id��ias profanas
fez com que em um dia, trinta de julho, dia azul e amarelo
brilhante, onde tudo era flores e colorido seu filhinho viesse
ao mundo. Quando todos queriam que ela praticasse o
aborto...
* * *
E u o p t a v a pelo aborto. S e n t i a - m e t r e m e n d a m e n t e m a l ,
com t o n t u r a s , enjoos e moleza em todo o corpo. E s t a v a
emagrecendo e p e r d e n d o as formas. M i n h a decis��o e r a de-
finitiva. O aborto. Meu tio veio com a lorota:
��� N��o h�� a m e n o r d��vida que C a r m e m est�� i n s e g u r a
p e r a n t e a perspectiva de g e r a r um filho. N �� o sei se voc��,
m i n h a filha, foi p r e p a r a d a psicologicamente p a r a ser m �� e .
Que voc�� est�� com m e d o �� ineg��vel, m a s eu sou c o n t r a o
aborto. Deus deu a voc�� e ao seu m a r i d o essa g r a n d e feli-
cidade. Q u a n t a s m u l h e r e s q u e l u t a m sem cessar p a r a t e r e m
filhos. E as vezes p e r d e m o m a r i d o a m a d o , o lar, t u d o por
serem est��reis. T e n h a o seu filho, C a r m e m , e q u e D e u s a
aben��oe.
Meu av��.
��� O espermatoz��ide assim q u e p e n e t r a no �� t e r o j�� ��
um ser h u m a n o . Ele est�� protegido pelas leis do universo,
pelo direito civil e p e n a l e j�� t e m a l m a . Como m��dico, a c h o
que devemos fazer viver e n �� o destruir. Apesar disso o
a b o r t o t r a z ser��ssimas conseq����ncias p a r a a s a �� d e . Eu como
m��dico sou c o n t r a o aborto.
��� Mas vov�� ��� r e t r u q u e i . O s e n h o r sabe que nos E s t a -
dos Unidos o a b o r t o �� legalizado e l�� existe o controle em
cl��nicas especializadas e a p a r e l h a d a s com todos os recursos
modernos. Eu poderia t i r a r a c r i a n �� a l��.
��� M a s m e s m o assim o risco �� s��rio. Se voc�� m a t a um
��� 21 ���
ser q u e Deus est�� lhe confiando, ele pode lhe t i r a r a vida
m e s m o que voc�� esteja m a t a n d o esse m e s m o ser n a s m a i s
m o d e r n a s condi����es t��cnicas e higi��nicas. M i n h a filha eu
considero o a b o r t o um assassinato.
Meu p r i m o :
��� Se o a b o r t o �� considerado um crime, crime m a i o r ��
cometido q u a n d o n �� o se q u e r um filho e faz��-lo vir ao m u n -
do. Sou f r a n c a m e n t e a favor de C a r m e m . E l a t e m esse
direito. P a r a ela vale a c e n s u r a do meio em que vive. Car-
m e m �� u m a linda m u l h e r . Acha que a m a t e r n i d a d e lhe
t r a r �� flacidez, varizes, a l a r g a m e n t o vaginal e um m u n d o de
coisas.
t ��� I
M e u m a r i d o l e v a n t o u e quase agrediu D��cio.
��� Se a v a g i n a de m i n h a m u l h e r se t o r n a r l a r g a s�� a
m i m diz respeito. Ela n �� o vai t i r a r o filho. Eu quero essa
c r i a n �� a . E voc�� D��cio �� um ginecologista de m e r d a , q u e r
t r a z e r m a i s p r o b l e m a s , m a i s complica����es.
��� C a l m a pessoal. Meu av�� levantou-se e s e g u r o u Car-
los pelo bra��o. Calma, C a r m e m �� u m a jovem corajosa, sei
q u e t e r �� o beb��, a i n d a m a i s que j�� e s t �� no q u a r t o m �� s . E
p r a t i c a r o a b o r t o neste per��odo �� u m a agress��o psicol��gica.
A s a �� d e m e n t a l �� m u i t o i m p o r t a n t e p a r a u m a jovem de
p r i m e i r a classe, n �� o �� m i n h a filha? Meu av�� ironizava.
C a r m e m r i u :
��� G r a �� a s a Deus a g o r a com o leite em p�� e com a
Adelaide servindo de b a b �� , n �� o terei mais problemas. Vou
d o r m i r doutor, pois estou e x a u s t a .
22 ���
C A P �� T U L O 3
Josefa deixou de ser cozinheira e ficou sendo a b a b �� de
A n t o n i o Cl��udio. E r a u m a m u l h e r p a c i e n t e e boa, penso
m e s m o q u e a m e l h o r b a b �� do m u n d o , e a d o r a v a o m e n i n o .
A l g u n s d i a s depois comprei um c a c h o r r i n h o de pel��cia e
voltei a visitar C a r m e m . E r a b e m cedo q u a n d o cheguei.
D a s j a n e l a s a b e r t a s p e n d i a m r o u p a s de c a m a s e almofadas.
As e m p r e g a d a s l i m p a v a m t u d o e n e m n o t a v a m a m i n h a pre-
s e n �� a . Zefa v i n h a descendo a escadaria. Me dirigi a ela:
��� Como vai a C a r m e m ?
��� Ela saiu.
��� S a i u ? !
��� ��. Passou a noite fora. N��o voltou a t �� agora.
��� Nem telefonou?
��� N��o.
��� E o m e n i n o ?
��� E s t �� no ber��o. Pode subir. Ele e s t �� um a m o r .
��� Como est�� se a l i m e n t a n d o ?
��� Muito bem.. T o m a t o d a s as m a m a d e i r a s a t �� o fim.
C a r m e m v i n h a c h e g a n d o .
��� Ol��, Adelaide. G a n h e i u m a f o r t u n a no jogo de bu-
r a c o . F i q u e �� v o n t a d e , estou m o r r e n d o de pressa. Vou
t o m a r um b a n h o , d e s c a n s a r um pouco e z��z p a r a o jogo.
O h ! Adoro jogar.
��� 23 ���
��� Vou ver Antonio Cl��udio, disse-lhe.
I a e n t r a n d o n o q u a r t o d e C a r m e m .
��� Ele n �� o e s t �� a�� querida, d o r m e com a Zefa.
Tirei A n t o n i o Cl��udio do ber��o e passei com ele pelo
g r a n d e terra��o, de o n d e poderia, se estendesse os bra��os,
a l c a n �� a r as g r a n d e s ��rvores cobertas dos primeiros brotos.
A n t e o n a s c i m e n t o daqueles t e n r o s b r o t i n h o s e a con-
t e m p l a �� �� o do beb��, t �� o coradinho, t �� o bonito, t �� o p e q u e n i -
no, d o m i n o u - m e u m a tal emo����o que senti que �� s l �� g r i m a s
desciam c��leres pela m i n h a face e p i n g a v a u m a por u m a
nos cabelinhos de seda. Ele a b r i u os olhos verdes que fais-
c a v a m como e s m e r a l d a c o n t r a a luz do sol.
Ele fez um m u c h o c h o e eu cobri com a m �� o o sol. Abriu
a b o q u i n h a n u m riso d e s d e n t a d o . Deitei-o n u m a l m o f a d �� o
azul que estava n u m c a n t o do t e r r a �� o e fui b u s c a r o cachor-
rinho. Apertei a b a r r i g u i n h a e o a u - a u fez o beb�� esticar
as m �� o z i n h a s .
��� Nossa m �� e ! D o n a Adelaide, ele j�� estende os braci-
n h o s . C o m o �� esperto.
O c a c h o r r i n h o foi o b r i n q u e d o predileto de Antonio
Cl��udio d u r a n t e t o d a a s u a vida. Recordo-me q u e no dia
que ele c o m p l e t a v a 20 anos eu comprei-lhe u m a m i n i a t u r a
d o s "Os L u s �� a d a s " . E r a u m livrinho que ele s e m p r e desejara.
P e r t e n c i a a um h o m e m que n �� o o vendia por pre��o n e n h u m .
Esse h o m e m c o n t r a �� r a a tuberculose e eu conseguira i n t e r -
n��-lo n u m S a n a t �� r i o do Governo em C a m p o s do J o r d �� o pois
ele era p a u p �� r r i m o . S u a �� n i c a f o r t u n a era os dois c e n t �� m e -
tros de l a r g u r a por dois de c o m p r i m e n t o de seu L u s �� a d a s .
Mandei coloc��-lo na estufa e o levei ao Antonio Cl��udio. Seus
olhos verdes se e n c h e r a m de l �� g r i m a s . Beijou o livrinho e
s e g u r a n d o em m i n h a m �� o fixou-me os olhos e disse bai-
x i n h o :
��� Adelaide, q u a l q u e r dia se n �� o acontecer o que desejo
vou ouv��-la falar.
A l m a m i n h a
Gentil q u e p a r t i s t e s
��� 24 ���
T �� o cedo d e s t a vida d e s c o n t e n t e
R e p o u s a n o c��u e t e r n a m e n t e
E eu a q u i fiquei na t e r r a
Bem triste.
P u x e i m i n h a m �� o de e n t r e as s u a s e ia virar-me p a r a
sair q u a n d o ele a a p e r t o u e me fez subir correndo as esca-
darias.
��� V e n h a . Vou m o s t r a r - l h e o m e u m a i s lindo, m a i s
a d o r a d o , m a i s a g r a d �� v e l presente.
Ele a b r i u a p o r t a sem l a r g a r a m i n h a m �� o . Q u a s e
a r r a s t a n d o - m e , a r r a n c o u o travesseiro da c a m a e s u r g i u u m a
coisa suja e sem forma.
Antonio Cl��udio soltou m i n h a m �� o e pegou n a q u e l a
coisinha com todo o cuidado.
��� Olhe Adelaide, voc�� n �� o sabe o que �� isto.
Olhei, olhei e respondi:
��� N��o! n �� o sei.
��� N��o?! Ele sorriu.
O c a c h o r r i n h o que voc�� me deu, q u a n d o eu t i n h a a l g u n s
dias. N��o precisa o l h a r com esse ar de e s p a n t o , ele me acom-
p a n h o u s e m p r e e s e m p r e ficou debaixo de m e u travesseiro.
Viajou comigo p a r a os Estados Unidos, R��ssia, F r a n �� a , etc.
N �� o respondi n a d a , pois, n a q u e l e m o m e n t o a l g u m a coi-
sa me a p e r t a v a a g a r g a n t a , q u e i m a n d o - m e como fogo. O h !
A n t o n i o Cl��udio, que dor n �� o teria tido a m i n h a a l m a se t i -
vesse pressentido que voc�� a n d a v a t �� o p e r t o da m o r t e . J u r o
q u e t e r i a concordado com t u d o o que voc�� p r e t e n d i a . T e r i a
m a n d a d o p a r a o inferno t u d o o que n o s pudesse s e p a r a r .
E r a r a r o o dia que n �� o visitava o m e n i n o . Q u a n d o me
via, v i n h a correndo, correndo com os b r a c i n h o s a b e r t o s e
seus l��bios se a b r i a m n u m sorriso lindo m o s t r a n d o os d e n -
t i n h o s desiguais. Assim com as m i n h a s visitas, o c a r i n h o
de Zefa, a c o m p a n h i a de Chico e as a u s �� n c i a s dos pais, An-
tonio Cl��udio foi crescendo e me c h a m a n d o de Adi. Sorri
��� 25 ���
l e m b r a n d o o dia que ele come��ou a falar. Apesar de j�� t e r
visto c e n t e n a s de c r i a n �� a s b a l b u c i a r e m as p r i m e i r a s pala-
vras, fiquei inebriada d i a n t e de Antonio Cl��udio, q u a n d o
o fiz falar.
��� Diga Adelaide.
��� Adi.
��� Ora. Adi n �� o . Adelaide.
��� Adi.
��� Agora diga m a m �� e .
��� Adi.
��� P a p a i .
��� Adi.
Zefa ria ��s b a n d e i r a s .
��� T�� vendo? Ele s�� fala o n o m e de q u e m ele gosta?
Vamos fale Zefa.
��� Adi.
��� Chico.
��� Adi.
N��o sei porque estremeci, ao ouv��-lo falar s�� m e u n o m e .
E a p e s a r do s��bito p r e s s e n t i m e n t o q u e n a q u e l e i n s t a n t e
perpassou pelo m e u esp��rito, s e n t i u m a o n d a de alegria inva-
d i r - m e e a r r a n q u e i a c r i a n �� a dos bra��os de Zefa e apertei-a
c o n t r a o cora����o m u r m u r a n d o :
��� Meu amor, m e u anjo, m e u a m o r z i n h o .
T e r i a m essas p a l a v r a s ficado no subconsciente da c r i a n -
��a? Mas ele t i n h a a p e n a s dezoito meses.
��� 26 ���
C A P �� T U L O 4
Todos o s anos C a r m e m promovia u m a festinha n o a n i -
vers��rio do m e n i n o . Eu s e m p r e estava p r e s e n t e , pois e r a
t a m b �� m o m e u anivers��rio e n u n c a faltava o m e u bolo com
velinhas e t u d o . At�� que um dia. Revejo t u d o como se
tivesse sido o n t e m : a g r a n d e m e s a g u a r n e c i d a de cristais e
p r a t a r i a , p r e p a r a d a p a r a o oitavo anivers��rio do m e n i n o e
p a r a os m e u s vinte e oito anos. Como e r a c o s t u m e , da
escadaria que ficava n o f u n d o d o g r a n d e sal��o A n t o n i o
Cl��udio descia s o l e n e m e n t e ao som da m u s i c a de p a r a b �� n s .
Q u a n d o c h e g a v a n o s �� l t i m o s d e g r a u s , o l h a v a p a r a todos o s
lados e q u a n d o me via estendia as m �� o z i n h a s e nos dirig��a-
mos p a r a a m e s a sob as p a l m a s de todos. Ele a g i a assim,
porque a p e s a r de oferecer as festas car��ssimas C a r m e m
n u n c a esteve p r e s e n t e e m n e n h u m anivers��rio. N o meio
daquele m u n d o de g e n t e e s t r a n h a , era n a t u r a l q u e a c r i a n �� a
p r o c u r a s s e um e n t e amigo. E essa pessoa a m i g a e r a eu.
Pois bem, nesse dia cheguei alegre c o m a caixa de " C i e n t i s t a
M o d e r n o " que A n t o n i o Cl��udio desejava. Dei o e m b r u l h o
p a r a Chico g u a r d a r . Nesse dia n �� o encontrei o sorriso de
d e n t e s alvos e bonitos de Chico.
��� O m e n i n o est�� e s t r a n h o , d o n a Adelaide. Passou o
dia todo t r a n c a d o n o q u a r t o .
E r g u i p a r a a s j a n e l a s d o q u a r t o d o m e n i n o u m o l h a r
ansioso.
��� Acho que a s e n h o r a o f a r �� descer, pois, j�� c h e g a r a m
todos os convidados. E sabe da m a i o r ? Agora Chico ria.
O Dr. Carlos e d o n a C a r m e m est��o em casa. V��o assistir
�� festa.
Abracei Chico. Ele a t �� se assustou.
��� 27 ���
��� Mas �� maravilhoso, Chico. Maravilhoso. Os pais
presentes. Que felicidade p a r a Antonio Cl��udio.
L a r g u e i Chico e corri em dire����o �� casa. Subi os de-
g r a u s de m �� r m o r e e a b r i a p o r t a . Ele v i n h a descendo as
escadas. A o r q u e s t r a tocava a l t o .
Ele p a r o u indeciso no meio da escada. Olhou p a r a os
pais. Seus olhos e s t a v a m emoldurados de m a n c h a s arroxea-
das. O r o s t o p��lido se desviou dos pais e das i n �� m e r a s
pessoas q u e o a g u a r d a v a m , e se virava �� p r o c u r a de a l g u m a
coisa. Me escondi r a p i d a m e n t e . Depois seus gritos.
��� N��o q u e r o bolo, n �� o q u e r o festa, n �� o quero bal��es
coloridos, n �� o quero n a d a . Dirigiu-se p a r a os pais. Voc��s
est��o ouvindo? N��o q u e r o n a d a , n a d a . Fez m e n �� �� o d e
correr escada a c i m a , m a s C a r m e m o p u x o u e ele p e r d e n d o
o equil��brio rolou o resto dos d e g r a u s e caiu aos m e u s p��s,
pois, eu j�� t i n h a corrido p a r a acalm��-lo. No meio do c��rculo
d a s pessoas que n o s o l h a v a m a s s u s t a d a s , ajudei-o a levan-
tar-se e a j o e l h a d a p a r a ficar da s u a a l t u r a enxuguei-lhe as
l �� g r i m a s com a b a r r a de m e u longo vestido azul de seda-pura.
��� Levante-se, Adelaide.
A voz de C a r m e m era fria. Sem me l e v a n t a r , olhei-a.
��� P a r a que.
P a r a n �� o precisar ficar assim baixa como voc��
est�� e ��.
��� N��o estou e n t e n d e n d o . Simulei um sorriso.
��� Voc�� e s t �� i n d u z i n d o o m e u filhinho a me desobedecer.
Levantei d e u m salto. Ela c o n t i n u o u :
��� Meu Toni, n �� o saiu do q u a r t o o dia inteiro p o r q u e
eu lhe disse q u e voc�� n �� o viria �� festa. Pedi p a r a o m e u
criado telefonar-lhe p a r a voc�� n �� o comparecer e voc�� e s t ��
a q u i .
Antonio Cl��udio s e g u r a v a a m i n h a m �� o , a p e r t a n d o - a
com t o d a a for��a de seus oito anos.
��� N��o recebi n e n h u m recado. E se vim �� festa foi por-
��� 28 ���
que em oito a n o s de vida Antonio Cl��udio conheceu u m a
m �� e Zefa, um p a i Chico e u m a a m i g a Adelaide C a r r a r o .
��� Como se atreve a . . .
��� A o que, C a r m e m ?
Ela seguiu o m e u olhar, que estava fixos n a q u e l a coisa
que volteava o seu pesco��o. Depois nossos olhos se encon-
t r a r a m , eu disse ir��nica:
��� S��o t r �� s p��rolas, t r �� s b r i l h a n t e s , t r �� s p��rolas, t r �� s
b r i l h a n t e s . E �� u m a j��ia car��ssima, C a r m e m . Mas n �� o lhe
p e r t e n c e . Voc�� n �� o aceitou a troca.
C a r m e m r i u , u m riso debochado.
��� N��o v�� voc�� q u e r e r lev��-lo e rodear u m a l a t a de
leite em p��.
��� Voc�� sabe que leite m a t e r n o n e m um cientista pode
p r e p a r a r , n �� C a r m e m .
��� Vamos, vamos, c r i a n �� a d a . Todo m u n d o p a r a a mesa.
Carlos passou o bra��o em volta dos ombros do m e n i n o e pros-
seguiu, elevando m a i s a voz ��� Vamos. M��sica, g e n t e , todo
m u n d o c a n t a n d o . Virei-me sem o l h a r p a r a n i n g u �� m e sai
com passos apressados. Atravessei a a l a m e d a esplendida-
m e n t e florida, e e n t r e i no c a m i n h o que descia do t e r r a �� o
e ia a t �� o lago. Seguia esse c a m i n h o s e n t i n d o o cora����o
p e s a r como c h u m b o .
A p a n h a v a das touceiras u m a ou o u t r a flor p e r f u m a d a ,
a e s m a g a v a j o g a n d o seus restos p a r a o ar. Cheguei a t �� a
beira do lago e inclinando-me um pouco me vi refletida na
�� g u a d o u r a d a de luar. A lua l�� d e n t r o se movia delicada-
m e n t e fazendo o lago se m o v i m e n t a r . L u a a n d a n d o , lago se
m o v i m e n t a n d o . Passei a m �� o pela testa. Do o u t r o lado um
g r a m a d a verde e um m o n t e de frondosas ��rvores. Contornei
o lago e n r o s c a n d o o vestido nos tufos d a s az��leas floridas
q u e e s t a v a m em todos os lados. Deitei na g r a m a a v e l u d a d a
e com os bra��os servindo de travesseiro fiquei ouvindo a m �� -
sica que v i n h a l�� da m a n s �� o . Ao m e u redor t u d o era calmo.
Olhei p a r a a lua. S u a luz me ofuscou a vista. Fechei os
olhos. Depois de a l g u n s m i n u t o s os t o r n e i a abrir. Seria
��� 29 ���
a p e n a s u m p r o d u t o d e m i n h a i m a g i n a �� �� o ? O n d e e s t a r i a a
l u a ? Fixei m e u s olhos n a p e q u e n a figura q u e estava ali n a
m i n h a frente. E n g r a �� a d o como a s c e n a s s e r e p e t e m . P a r e -
cia-me e s t a r no iate, l�� na I l h a Bela (1) com a s o m b r a do
governador cobrindo-me i n t e i r i n h a . Fiz u m t r e m e n d o esfor��o
e voltei a realidade.
��� A n t o n i o Cl��udio! O que voc�� e s t �� fazendo a q u i ?
Gritei, l e v a n t a n d o - m e d e u m salto.
��� Q u e r o ficar c o m voc��. A custo ele r e p r i m i a as
l �� g r i m a s .
Fiz um esfor��o p a r a n �� o tom��-lo nos bra��os, pois, vi
que j u n t o dele m e u cora����o se a b r i a em t e r n u r a .
��� �� m e l h o r voc�� voltar p a r a a festa. S u a m �� e e s t ��
m u i t o nervosa.
��� N��o volto. Q u e r o i r - m e e m b o r a com voc��. Ele me fez
cair da escada. Olhe como me m a c h u c o u . Mostrou-me o
bra��o esfolado.
P o b r e c r i a n �� a , se ele soubesse o q u a n t o ela iria m a c h u -
c��-lo e como!
N o v a m e n t e fiquei ajoelhada em s u a frente.
��� Ela n �� o fez por querer, m e u bem. E depois voc�� e s t ��
crescendo. E s t �� quase u m h o m e n z i n h o e n �� o vai d a r g r a n d e
i m p o r t �� n c i a a pequenos a r r a n h �� e s como este.
Ele sorriu.
��� Voc�� a c h a que falta m u i t o p a r a eu me t o r n a r um
h o m e m ?
Fiquei d e s c o n c e r t a d a com a p e r g u n t a . S i n c e r a m e n t e n �� o
sabia responder, q u a n d o �� q u e o h o m e m �� h o m e m . Cinco
a n o s depois Antonio Cl��udio m e d a r i a u m a resposta q u e m e
chocou. Mas c h e g a r e m o s l��. Agora ele c o n t i n u a v a ali d i a n t e
de m i m .
��� Quero me t o r n a r logo h o m e m p a r a t o m a r c o n t a de
voc��.
(1) Dolivro: "Eu e o Governador"
��� 30 ���
��� A h ! exclamei. S e r �� maravilhoso. E n t �� o vou e s p e r a r
voc�� ficar um h o m �� o a s s i m e viveremos feliz p a r a o r e s t o
da vida.
Ele se a t i r o u c o n t r a m i m , q u a s e me d e r r u b a n d o e aper-
t a n d o o m e u pesco��o com seus bra��os g r i t o u :
��� J u r a , j u r a q u e voc�� q u e r ? Voc�� q u e r q u e eu c u i d e
de voc��?
M a l d i t a h o r a que p r o n u n c i e i t a i s p a l a v r a s .
��� Agora v�� p a r a a festa m e u bem.
��� Meu anjo. Gosto de ouv��-la dizer s e m p r e m e u a n j o .
Sorri.
��� Ok. Meu anjo. V�� p a r a a festa, v��.
Um e s t r a n h o t r e m o r c o n t r a i u a fisionomia do m e n i n o .
��� V e n h a t a m b �� m .
��� N��o, m e u anjo, eu prefiro ficar a q u i . J�� ia p a r a casa.
��� N��o, n �� o , ��� r e t r u c o u Antonio Cl��udio q u a s e gri-
t a n d o . ��� N��o v��. Quero q u e voc�� fique comigo.
��� Voc�� sabe q u e isso n �� o �� poss��vel m e u bem. Vamos
eu o levo a t �� a p o r t a .
J �� avistava a c r i a n �� a d a e m t r e m e n d a a l g a z a r r a q u a n -
d o senti s u a m �� o z i n h a t r e m e r e n t r e a s m i n h a s .
��� Ainda n �� o se foi, a m i g a Adelaide?
��� Estava l�� no lago, C a r m e m . Q u a n d o avistei A n t o -
nio Cl��udio e resolvi traz��-lo de volta a festa.
C a r m e m estava em c o m p a n h i a de um jovem m o r e n o e
a l t o a q u e m se dirigiu:
��� Alberto, leve o T o n i e o t r a n q u e no q u a r t o .
Antonio Cl��udio l e v a n t o u a cabe��a e vi q u e seus olhos
e s t a v a m cheios de l �� g r i m a s , m a s conseguiu falar:
��� Desculpe-me, m a m �� e , se fiz a l g u m a coisa e r r a d a .
M a s . . . n �� o sei o q u e fiz.
��� 31 -
��� Desobedeceu-me.
��� N��o e n t e n d o no q u e , m a m �� e .
��� Pedi a voc�� p a r a n �� o sair do sal��o de festas.
��� Mas eu vi Adelaide sair, e precisava falar com ela.
C a r m e m r i u .
��� F a l a r ? e falar o que?
��� Assunto nosso.
Um ar de s u r p r e s a cobriu o rosto de C a r m e m .
��� Q u e r dizer que voc�� u m a c r i a n �� a t e m a s s u n t o s p a r -
t i c u l a r e s a t r a t a r com u m a d u l t o . Muito bem. C a r m e m
cruzou os bra��os e come��ou a b a t e r com a p o n t a do p�� no
c h �� o , n u m b a r u l h i n h o i r r i t a n t e .
��� Eu n �� o sou c r i a n �� a . J�� t e n h o oito a n o s . E sei m u i -
to b e m a q u e m devo c o n t a r o q u e me vai a q u i no cora����o.
Mas C a r m e m n e m parecia ouvir, com a fisionomia ines-
pressiva e o o l h a r fixo na c r i a n �� a m u r m u r a v a m e t �� l i c a -
m e n t e :
��� N��o �� m a i s c r i a n �� a . N��o �� m a i s c r i a n �� a .
Se a d i a n t o u p a r a ele em passos lentos e com as m �� o s
estendidas; A n t o n i o Cl��udio se a f a s t a v a espalhando-se no
r o s t i n h o p��lido u m t r e m o r d e medo.
Meu cora����o se e s m a g a v a . O que estaria a c o n t e c e n d o ?
C a r m e m e s t a r i a louca? Deus, se eu pudesse n a q u e l e ins-
t a n t e compreender, j u r o que t e r i a levado o m e u pobre anjo
p a r a b e m longe. Mas n a q u e l e m o m e n t o s �� e m u m a coisa
pensava. E r a era a m �� e e Antonio Cl��udio a desobedecera.
Via n e m sei com que olhos que C a r m e m a l c a n �� a r a o m e n i -
no e a p e r t a n d o - o f o r t e m e n t e nos bra��os o beijava desenfrea-
d a m e n t e . Ele se debatia, fazendo um e n o r m e esfor��o p a r a
se desprender. A�� C a r m e m come��ou a espanc��-lo. Batia-lhe
com t a p a s e socos por todos os lados.
��� 32 ���
Essa digna m��e que a�� est��, Srs. Jurados, nunca levan-
tou sua branca e sedosa m��o para bater em seu filhinho.
Carmem estava sentada no banco dos r��us. Seu rosto
sorridente n��o parava. Qualquer outra pessoa estaria pres-
tada por depress��o, medo, vergonha ou sei l�� o que. Mas
ela! Para a fina e esvoa��ante mulher de primeira classe o
seu julgamento s�� tinha um significado. Um desafio. O
resultado a interessava. A interessava muito, parecia adivi-
nhar o veredicto. Ali��s, sabia o veredicto que se d�� aos
milion��rios.
Em meio ��s cenas de intensa agita����o, sua m��o bran-
ca com unhas bem tratadas e vermelhas, levantava-se a
todos os instantes para cumprimentar as amigas que che-
gavam.
Suas m��os, continuava o advogado de defesa, nunca se
encostaram no seu adorado filhinho, sen��o para acarici��-lo.
E agora que ela teve a infelicidade de ser arrastada a um
inqu��rito policial, sem ter praticado delito algum, querem
lazer dessa pobre mulher uma assassina, meus Srs.
Querem lev��-la �� mais torpe avilta����o, arrastar a sua
honra, espezinhar a sua dignidade de m��e. Oh! Meus ca-
ros jurados. Vos que sois, pais, podereis compreender que um
nome granjeado a custo de muitos sacrificios, como �� do
nosso dign��ssimo dr. Carlos Mendon��a de Bragan��a, n��o pode
ser assim arrastado na lama da imaginada acusa����o, sem
nenhuma considera����o da opini��o publica! Amanha essa
suave mulher ao sair daqui como "Culpada", ficar�� para
sempre marcada com ferro em brasa e tamb��m sorver�� em
toda a sua vida, os jales amargos como fel da injusti��a.
Carmem Mendon��a de Bragan��a, est�� sendo v��tima...
* * *
��� L a r g u e o m e n i n o C a r m e m , pelo a m o r de Deus! gri-
t a v a Alberto, t e n t a n d o faz��-la l a r g a r a c r i a n �� a . Mas os
tapas e socos c o n t i n u a v a m .
Corri em aux��lio de Alberto e depois de a l g u n s m i n u -
tos, conseguimos domin��-la. Ofegante, a b r a c e i Antonio
Cl��udio.
Um solu��o breve sacudiu o peito do menino e seu rosti-
nho p��lido cobriu-se de uma dor profunda e com voz entre-
cortada falou, olhando-me:
��� Mas por que Adi, por que ela faz assim comigo? Que
foi que eu fiz?
N��o tive tempo de responder, pois, j�� est��vamos rodea-
dos de convidados. As m��ozinhas frias do menino aperta-
vam-me o bra��o. Ele olhou-me mais uma vez e voltando-se
saiu correndo com a m��o apertando os l��bios entreabertos.
Fiz mens��o de segu��-lo, mas fui agarrada por Carmem q u e
gritava: ��� Saia daqui, sua suja. Voc�� est�� fazendo com que
m e u filho perca o amor que deve sentir por sua m��e.
Nunca mais voc�� entrar�� nesta casa. Nunca mais. E
c o m ar de superioridade, me mostrou o port��o da rua.
* * *
Dias depois, algu��m me chamava ao telefone. Levan-
tei a vista do livro e olhei interrogativamente a empregada.
��� Diz que se chama Carlos.
��� Que Carlos?
��� Carlos Mendon��a de Bragan��a.
Meu cora����o deu u m pulo.
��� Diga q u e n �� o estou.
��� Ele diz que o m e n i n o est�� m u i t o doente.
��� N��o posso fazer n a d a . N �� o sou m��e, n �� o sou pai
n �� o . . . peguei o fone.
��� O que ele t e m ?
��� S a u d a d e s . O m��dico e s t �� apreensivo. S�� voc�� poder��
fazer a l g u m a coisa.
��� Mas Carlos, a C a r m e m ?
Ela concordou. Voc�� poder�� vir agora Adelaide?
��� 34 ���
C A P �� T U L O 5
O p o r t �� o se a b r i u s u a v e m e n t e e o sorriso de P e d r o z o
porteiro foi acolhedor.
F u i a n d a n d o em dire����o �� casa, p i s a n d o n a s m i m o s a s
que cresciam de espa��o a espa��o no c h �� o p e d r e g u l h a d o da
aldeia. U m a b r i s a leve e s u a v e fazia os tufos de flores j o g a r
o seu s u a v e p e r f u m e pelo ar d o u r a d o de sol. O lago r e t r a t a v a
as m i l cores d a s flores q u e o cercavam.
D a s g r a n d e s ��rvores o t r i n a d o dos p �� s s a r o s c o r t a v a m o
sil��ncio da t a r d e t��pida. O l h a v a p a r a todos os lados e sen-
t i a - m e feliz. Felic��ssima, p o r q u e t i n h a voltado a ver t u d o
aquilo. Seria a bela n a t u r e z a que me deixava assim feliz?
N��o, e u t i n h a certeza q u e n �� o , q u e t u d o , t u d o s e r e s u m i a
nele, n a m i n h a c r i a n �� a , n o m e u . . . n o m e u . . .
Coloquei a m �� o na m a �� a n e t a da p o r t a e fui abrindo-a
l e n t a m e n t e . Da escurid��o do hall, s u r g i u a figura o p r i m i d a
de Carlos.
��� Seja b e m vinda, Adelaide.
Segurei a s u a m �� o .
��� E ele?
��� S u b a , por favor.
��� E C a r m e m ?
��� Ela e s t �� viajando.
��� Viajando?
��� Sim. P a r a Saint-Tropez.
��� 35 ���
��� M a s . . . Carlos, o m e n i n o ?
��� Voc�� sabe como ela ��. Por favor v�� v��-lo.
��� J�� subo. Q u a n d o ela viajou?
��� F a z u m a h o r a . Esperei o avi��o l e v a n t a r v��o e a��
l h e telefonei.
* * *
Ele estava deitado, os olhos fechados e s e g u r a n d o as
cobertas n a a l t u r a d o queixo.
A m u d a n �� a era vis��vel. Seu rosto estava esverdeado e
encovado. Seus cabelos de seda e m a r a n h a d o s e sem c��r.
Contemplando-o, s e n t i q u e a s l �� g r i m a s faziam for��a p a r a
s a i r e m d e m e u s olhos. Sentei-me e m u m a cadeira que
a r r a s t e i p a r a b e m j u n t o dele e m u r m u r e i seu n o m e .
��� Antonio Cl��udio.
Vi seus c��lios t r e m u l a r e m , m a s ele n �� o a b r i u os olhos.
��� Voc�� e s t �� d o r m i n d o ?
��� N��o.
��� Por que?
��� N��o me p e r g u n t e .
��� Voc�� sabe m u i t o b e m p o r q u e n �� o vim.
Vamos a b r a os olhos.
��� N��o.
��� Meu anjo, a b r a os olhos.
S e u s c��lios c o n t i n u a v a m a t r e m e r . Vi seu c o r p i n h o
estremecer debaixo d a s cobertas, m a s ele p e r m a n e c e u com
os olhos fechados.
��� M u i t o bem- Aqui estou n o v a m e n t e , p r o n t a a reco-
m e �� a r t u d o . Leite em p��. C a c h o r r i n h o s de pel��cia, passeios
pelo p a r q u e . Aulas de c a r r o . Voc�� vai c o n t i n u a r a g u i a r
o m e u carro, n �� o vai?
��� 36 ���
��� Mas, c o m ela por p e r t o ?
��� Ela q u e m ?
��� Voc�� sabe.
��� J u r o q u e n �� o .
��� Sabe, sabe sim.
E u n �� o e s t a v a e n t e n d e n d o . A n t o n i o Cl��udio estava t �� o
diferente. Ela p o r p e r t o . Ela p o r . . . Estremeci. Fiz a
p e r g u n t a p a r a receber u m n �� o .
��� S u a m �� e ?
��� ��.
Caiu e n t r e n �� s u m longo sil��ncio.
��� Ela e s t �� viajando.
O verde de seus olhos t i n h a um brilho e s t r a n h o , que logo
s e e n c h e r a m d e alegria. E r g u e u - s e d e u m �� m p e t o m a s t a l -
vez por e s t a r m u i t o fraco, caiu de costas n o s travesseiros,
com a respira����o ofegante, c o m o se estivesse sufocando.
Corri p a r a c h a m a r o Carlos, m a s ao colocar a m �� o na
m a �� a n e t a , ouvi s u a vozinha:
��� N��o A d i . . . j�� passou.
Voltei p a r a a cadeira e p e g a n d o s u a s m �� o z i n h a s , aper-
tei-as e n t r e as m i n h a s . Sorri e passei u m a d a s m �� o s pela
s u a t e s t a b a n h a d a d e suor.
��� Eu a odeio.
M i n h a m �� o ficou p a r a d a n a s u a cabe��a. S e n t i u m aper-
t o n a g a r g a n t a , i a falar algo m a s n �� o consegui.
Seria poss��vel que o m e n i n o me odiasse s�� porque fora
o b r i g a d a a me a f a s t a r de s u a c o m p a n h i a ? Seria poss��vel
q u e e u m e e n g a n a r a e q u e Antonio Cl��udio t i n h a m a u s sen-
t i m e n t o s a m e u respeito? Seria v i n g a n �� a ? Oito a n o s , len-
do no seu esp��rito, no seu �� n t i m o , s�� coisas l i n d a s e sadias,
e a g o r a . . .
Sorriu.
��� 37 ���
��� N��o se assuste t a n t o Adi. Voc�� eu a m o . Amo m u i t o ,
m u i t o .
S e u s b r a c i n h o s em t o r n o de m e u pesco��o e s u a s l �� g r i -
m a s m o l h a n d o a s m i n h a s faces.
Desprendi d e l i c a d a m e n t e s u a s m �� o s e o fiz apoiar-se
no travesseiro. E n x u g u e i seus olhos e disse c o m t e r n u r a :
��� A n t o n i o Cl��udio, o que a c o n t e c e u ?
S e n t i seu corpo t r e m e r e seu rosto se voltou p a r a o lado.
Sem m e o l h a r falou t r i s t e :
��� N u n c a m a i s me p e r g u n t e isto Adi. N u n c a mais. De
r e p e n t e a p o r t a se a b r i u e o Carlos e n t r o u .
��� Ol��! m e u filho.
Ele p e r m a n e c e u im��vel.
��� S u a m �� e viajou.
Ele c o n t i n u o u p a r a d o .
Carlos sentou-se na c a m a e falou:
��� Adelaide ficar�� com voc�� m e u filho.
Ele sentou-se r a p i d a m e n t e .
��� F i c a r �� p a r a s e m p r e ?
��� A l g u m t e m p o m e u b e m , a t �� voc�� ficar forte.
��� G o s t a r i a que ela ficasse p a r a sempre. Seus olhos
n o s m e u s e r a m suplicantes.
��� Ficarei a t �� q u a n d o voc�� quiser, m e u anjo.
Ele riu e fez m e n s �� o de levantar-se o u t r a vez, m a s como
d a p r i m e i r a ele n �� o conseguiu l e v a n t a r . Olhei p a r a Carlos
significativamente.
��� Preciso falar-lhe em p a r t i c u l a r ��� voltei p a r a Cl��u-
dio, ele j�� estava deitado, m a i s p��lido do q u e n u n c a . F a -
lei-lhe m e i g a m e n t e . Volto j��. F i q u e b e m q u i e t i n h o .
Seu a r era c a r r a n c u d o .
��� 38 ���
��� N��o fico sozinho. Voc�� pode n �� o voltar.
Ajeitei as cobertas a t �� seu pesco��o e sorri.
��� O b r i g a d a pela confian��a. Se eu soubesse que um ga-
r o t i n h o d e lindos olhos verdes n �� o a c r e d i t a v a e m m i m , n �� o
teria l a r g a d o todos os m e u s afazeres, n �� o deixaria os m e u s
divertimentos p a r a correr j u n t o dele.
Lembro-me de seu sorriso meio alegre.
��� Pode ir, Adi, m a s se voc�� n �� o voltar j u r o que m o r r o .
��� Que brincadeira boba. N��o fale em m o r t e . Pode
confiar, volto l��. E p a r a q u e voc�� possa ficar m a i s sosse-
gado, conversarei com seu p a i a�� no t e r r a �� o .
��� Adoro voc��, Adi.
��� Eu t a m b �� m te adoro, joguei-lhe um beijo com as
p o n t a s dos dedos.
E n c o s t a d o n o m u r o p e r t o d a s grades e s m a l t a d a s d e
b r a n c o , olhei p a r a Carlos q u e t i n h a os olhos fixos n a q u e l e
p o n t o q u e a b r a n g e o infinito. Carlos era um belo h o m e m .
Alto, forte, cabe��a perfeita, cobertas de cabelos grisalhos,
rosto de pele l i m p a onde sobressaiam os dentes iguais e al-
v��ssimos. D e n t e s q u e pouco deixavam ver u l t i m a m e n t e , pois,
t i n h a r e p a r a d o n o s dias que se s e g u i r a m que r a r a m e n t e ele
sorria. Neste dia seu s e m b l a n t e era t r i s t e e q u a n d o lhe fiz
a p e r g u n t a estremeceu.
��� F i n a l m e n t e , o q u e acontece n e s t a c a s a Carlos?
S e n t i q u e ele v i n h a de longe. S a c u d i u a cabe��a p a r a
voltar e me olhou, n a t u r a l m e n t e .
��� Que eu saiba, n a d a .
Mordi os l��bios.
��� N a d a ? Voc�� t e m coragem de dizer n a d a ?
S u a s m �� o s a p e r t a r a m o gradil a t �� as j u n t a s ficarem
b r a n c a s .
��� Eu t a m b �� m n �� o sei. Voltei hoje da E u r o p a e encon-
trei o m e n i n o desse jeito. E s t o u t r e m e n d a m e n t e p r e o c u p a d o
c o m o aspecto de m e u filho.
��� 39 ���
Desde q u e cheguei estou lhe fazendo esta p e r g u n t a .
��� O q u e a c o n t e c e u ? Mas ele ficou o t e m p o todo com
o rosto virado p a r a o lado sem me dirigir um o l h a r siquer.
��� Foi q u a n d o a Zefa l e m b r o u - m e que o m e n i n o lhe
q u e r i a m u i t o , Adelaide. Q u a n d o eu l h e telefonei e voc��
m a n d o u dizer que n �� o estava, senti u m e s t r a n g u l a m e n t o n a
g a r g a n t a . Sei que n �� o t i n h a o direito de insistir, m a s eu
gosto m u i t o do m e n i n o , apesar de n �� o poder ficar ao seu
lado, assistindo-o como um pai. Voc�� sabe dos m e u s n e -
g��cios . . .
Carlos falava e falava s e m p r e e eu fiquei p e n s a n d o que
ele n �� o t i n h a personalidade. Sabia que a m a v a desespera-
d a m e n t e C a r m e m . Assisti m u i t a s de s u a s b r i c a s . Ele que-
r i a q u e C a r m e m largasse o jogo, parasse de beber e fosse
m �� e . Fosse m �� e . Mas C a r m e m n �� o ligava. Carlos n e m
p a r e c i a existir n a q u e l a m a n s �� o . T a m b �� m pouco ele p e r m a -
necia no Brasil, a m a i o r Darte do t e m p o . passava no ex-
terior. Ali��s, as pessoas que podem c o m p r a r revistas o viam
m a i s f r e q u e n t e m e n t e . pois. ele estava s e m p r e com a cara
g r u d a d a n a s p a g i n a s d a s revistas e m c o m p a n h i a das m a i s
a l t a s personalidades do m u n d o social.
��� ��, Carlos, deve t e r acontecido a l g u m a coisa grav��s-
s i m a p a r a o p o b r e z i n h o ficar t �� o m a l .
��� �� verdade, qualquer leigo pode n o t a r , ele sofreu um
a b a l o terr��vel. A l g u m a coisa t r �� g i c a .
��� M a s o que poderia ser?
��� S�� voc�� poder�� descobrir. Pe��o-lhe, Adelaide, fique
com o m e n i n o a t �� ele m e l h o r a r . Eu p a g a r e i o que voc��
pedir.
��� Vou pedir u m a licen��a no S a n a t �� r i o onde t r a b a l h o .
Depois virei t o d a s as t a r d e s , p o r q u e t r a b a l h o no per��odo da
m a n h �� .
��� Mas. com u m a condi����o.
��� Q u a l ?
��� N��o se falar em dinheiro. F a r e i t u d o o que estiver
ao m e u alcance. M a s s�� u m a coisa n �� o poderei fazer.
��� 40 ���
��� O que? Seu o l h a r e r a assustado.
��� Saber o que houve.
��� Por que? O m e n i n o confia em voc��. Ele lhe c o n t a r �� .
��� N��o sei, n �� o . J�� lhe p e r g u n t e i e ele disse-me p a r a
n u n c a m a i s lhe p e r g u n t a r , n u n c a m a i s .
��� Voc�� t e m jeito de lidar com c r i a n �� a , Adelaide, sei
q u e ele lhe c o n t a r �� .
��� Vou t e n t a r . . . Seguiu-se um longo sil��ncio. Do
e m a r a n h a d o d e t r e p a d e i r a s s a �� a m p i a d i n h o s fracos d e a l g u m
filhote de p a s s a r i n h o . Carlos i n t e r r o m p e u o sil��ncio.
��� Voc�� e s t �� ouvindo?
��� Deve ser a l g u m filhote de p a s s a r i n h o .
��� Parece doente.
Os galhos da g r a n d e e velha ��rvore t o c a v a m q u a s e o
terra��o. E r a a ��rvore preferida de Antonio Cl��udio, pois,
estava toda envolvida n u m tipo de t r e p a d e i r a que facilita-
v a m s u a s subidas e descidas. Q u a n d o n �� o q u e r i a ver n i n -
g u �� m , em vez de a t r a v e s s a r o g r a n d e " h a l l " e subir as esca-
darias, subia pela ��rvore, s e m p r e fazia isso.
��� S u b a pela m i n h a ��rvore, Adi, assim n i n g u �� m a v e r ��
e nos poderemos ficar sossegados.
Q u a n t a s vezes s u b i �� q u e l a ��rvore, a t �� q u e u m dia, j ��
mo��o, empalidecendo disse-me em voz baixa, quase i n a u -
d��vel:
��� �� que as vezes gosto de ficar a s��s comigo m e s m o .
P o r i s s o . . .
��� N��o subirei mais, j u r o .
Mas eu sabia o p o r q u e e n �� o p u d e fazer n a d a .
Carlos esticando as m �� o s e p r o c u r a n d o e n t r e as folhas
e os cip��s, a c h o u o p a s s a r i n h o . Com o p a s s a r i n h o na m �� o
examinava-o e alisava-lhe com a p o n t a do dedo a c a b e c i n h a
sem p e n a . Mais a l g u n s p i a d i n h o s e o sil��ncio.
��� 41 ���
��� E s t �� vendo, Adelaide? N��o p u d e fazer n a d a p a r a
salv��-lo.
��� De que teria morrido?
��� A b a n d o n o . N��o sei p o r q u e falei, �� pai t e m neg��-
cios i m p o r t a n t i s s i m o s a t r a t a r e a m��e t e m o sistema n e r -
voso a b a l a d o , porque a t e n s �� o proveniente da vida conjugal
lhe �� penosa ainda m a i s que o filho lhe estragou os seios e
a barriga.
Ele m e olhou d e m o r a d a m e n t e d o m i n a d o por u m a esp��-
cie de vertigem.
��� T �� o pouco voc�� poderia ter feito p a r a salv��-lo, Car-
los, t �� o pouco, s o m e n t e isto. Afast��-lo da m �� e .
Q u a n d o Carlos olhou p a r a o rel��gio, eu disse:
��� Q u a n t o t e m p o C a r m e m ficar�� viajando?
��� T a m b �� m n �� o sei. Como e s t a v a lhe c o n t a n d o logo
q u e cheguei, e n c o n t r e i C a r m e m com as m a l a s p r o n t a s e o
m e n i n o doente. E s t �� claro q u e eu n �� o consenti essa viagem,
fiz-lhe ver que como m �� e ela t i n h a deveres a c u m p r i r , pelo
m e n o s a g o r a que o m e n i n o estava d o e n t e e ela me disse:
��� Q u e m t e m a posi����o que eu t e n h o , s�� t e m um dever
a c u m p r i r : �� com a sociedade. Q u a n t o ao m e n i n o , sendo
filho dos M e n d o n �� a s de B r a g a n �� a , deve t e r u m a dezena de
preceptores. N��o nasci p a r a lavar fraldas, p a r a p r e p a r a r
m a m a d e i r a s , p a r a d a r b a n h o em c r i a n �� a s e p a s s a r a noite
em claro por c a u s a de dor de b a r r i g a e sei l�� m a i s o que. E
t e m mais, Antonio Cl��udio n �� o est�� doente, �� m u i t o m a n h o -
so. Vamos. Se voc�� n �� o me levar p a r a o aeroporto, c h a m a -
rei Alberto e t a m b �� m n �� o saberei dizer q u a n t o t e m p o vou
ficar por l��. Talvez a vida toda.
* * *
Essa m��e que a�� est��, Srs. Jurados, m��e que nunca
abandonou o seu filho, est�� sendo v��tima da mais torpe in-
justi��a. Para isso explicarei direitinho aos Srs. Jurados, que
a Pol��cia T��cnica s�� compareceu depois de vinte dias ��
resid��ncia dos Mendon��a de Bragan��a. A acusada foi sub-
��� 42 ���
metida a todas as experi��ncias. A T��cnica fez a sra. Carmem
colocar a arma numa posi����o averiguadamente errada, a
nove cent��metros al��m do real orificio de entrada da bala
que matou Antonio Cl��udio. Vejam e entendam, Srs. Jurados,
a T��cnica entendeu a express��o "a um dedo do externo"
como sendo um dedo de comprimento, quando tudo signifi-
cou "um dedo de largura". Nessa falsa posi����o, efetiva-
mente nem Carmem, nem pessoa alguma poderia manejar a
arma. Entretanto, nas elucidativas experi��ncias do dia da
morte do jovem Antonio Cl��udio Mendon��a de Bragan��a,
determinadas por este Juizo de Direito, n��s pr��prios pude-
mos manejar perfeita e facilmente a arma, colocando-a sob
as vistas do perito m��dico-legista, em dire����o ao terceiro
espa��o intercostal, a direita do externo, que foi onde na real
verdade se deu a entrada do proj��til. Como poderia a T��cni-
ca reconstruir os fatos, se nada viu? Se nada examinou na
hora do suic��dio? Sua presen��a, ali��s, era desnecess��ria,
porque era grande e certa a evid��ncia do Suic��dio. As con-
clus��es sacadas pela T��cnica, vinte dias depois do aconteci-
mento, e atrav��s de seus apressados laudos periciais, que se
destru��ram por eles pr��prios, pelas comprovadas realidades
m��dico-legais, que advieram de ��ltima hora. Foi essa im-
press��o de ��ltima hora, n��o fortalecida pela verdade, que
caiu sobre essa c��ndida criatura, as mais graves acusa����es.
Os Srs. Jurados j�� imaginaram que essa digna Sra., acostu-
mada a ser retratada nas mais luxuosas revistas do mundo,
com a legenda da mais elegante, v�� agora seu retrato sair
com a legenda "assassina". Ponham-se no seu lugar Srs.
Ela com essa beleza, esse porte de rainha, ela que nasceu
no turbilh��o das riquezas e que cresceu para brilhar nos
grandes sal��es dos pal��cios, est�� a�� humilde, sem ter no olhar
um vislumbre sequer de rancor. Essa m��e a��, n��o pode ser
uma assassina. Ter�� que sair daqui, querida e respeitada
pela sua fam��lia e pelo povo. Ter�� que ler novamente no
seu retrato, a mais linda, a mais bondosa e n��o a assassina.
N��o tem a T��cnica como nunca teve, elementos verda-
deiramente seguros para confirmar a acusa����o contra Car-
mem Mendon��a de Bragan��a.
A sucess��o de laudos veio demonstrar que a T��cnica
est�� errada. Por��m, longe de consertar os erros que mos-
traremos um a um, aos dignos e nobres Srs. Jurados.
��� 43 ���
A T��cnica Policial, embaralhou tudo para que se fique
no "Assassinado". E tem mais. Combateu as conclus��es
cient��ficas do nosso Estado. A T��cnica n��o viu nada. Ali��s,
viu somente o buraco da bala no gradil de madeira da escada
que liga a copa com a adega, onde o saudoso jovem p��s
termo �� vida.
A T��cnica, Srs. Jurados, n��o viu o corpo do suicida, pois,
como j�� disse, ela s�� apareceu vinte dias depois, quando
algu��m telefonou �� Policia dizendo que Carmem Mendon��a
de Bragan��a era a assassina de seu pr��prio filho, Antonio
Cl��udio Mendon��a de Bragan��a. A T��cnica tamb��m n��o viu
o blus��o de l�� queimado em consequ��ncia do proj��til, assim
como n��o viu nenhum objeto quebrado no local e nenhum
vest��gio de luta. Tamb��m n��o se procedeu exame nenhum
de impress��es digitais. Ent��o, meus caros Jurados, como
�� poss��vel que a T��cnica elabore com seguran��a os seus
laudos de assassina?
* * *
��� Ent��o Adelaide, vou confiar o menino a voc��. In-
felizmente n��o poderei ficar no Brasil. Voltarei dentro de
alguns dias.
��� Mas, voc�� vai viajar hoje? Nem acabou de chegar?
��� E o que posso fazer? Sou obrigado a cuidar do fu-
turo de meu filho? Se eu largar os neg��cios, voc�� imaginou?
��� Mas ele est�� doente, precisa mais de voc�� agora,
Carlos.
��� Ele ficar�� com voc��. Tenho uma reuni��o importan-
t��ssima em Bras��lia. �� sobre a exporta����o de madeira de
minhas matas. N��o posso faltar de jeito nenhum.
��� Bem Carlos, se voc�� acha que isso �� mais importante.
��� 44 ���
C A P �� T U L O 6
Voltamos p a r a o q u a r t o do m e n i n o e e n c o n t r a m o s Zefa.
��� D o n a Adelaide, a b r a �� o u - m e sorrindo. G r a �� a s a
D e u s a s e n h o r a voltou, s�� assim essa pobre c r i a n �� a t e r ��
sossego.
Zefa logo levou a m �� o �� boca e ficou v e r m e l h a . Carlos
n �� o p a r e c e u ouvir, seguiu a t �� o leito o n d e debaixo da fin��s-
s i m a colcha de brocado a z u l o corpinho do filho era q u a s e
invis��vel.
��� Voc�� deve e s t a r c o n t e n t �� s s i m o com a Adelaide a q u i
n �� o �� m e u bem. Pois ela ficar�� um t e m p �� o com voc��.
Infelizmente preciso viajar.
Antonio Cl��udio sem h e s i t a r respondeu:
��� Sim, p a p a i . Muito feliz. Feliz m e s m o . Pode viajar
sossegado. Seus olhos e m o l d u r a d o s de p r e t o se f i x a r a m em
m i m e disse:
��� Voc�� se l e m b r a , Adi, de um c a c h o r r i n h o de pel��cia
q u e voc�� me deu q u a n d o eu nasci?
Ele riu.
��� Pois e n t �� o q u a n d o eu t i n h a dezoito meses. Ela o
escondeu. P o r favor ache-o p a r a m i m .
��� Espere um pouco filhinho, vou me despedir de voc��
agora. Beijou o m e n i n o na t e s t a . L e v a n t o u o polegar e me
piscou. Passou a m �� o no o m b r o de Zefa e saiu.
V�� p r o c u r a r o m e u c��ozinho, Adi.
��� 45 ���
��� Voc�� fica sozinho? Pois g o s t a r i a que Zefa viesse
comigo.
��� Fico, m a s n �� o demore m u i t o . E s t o u com fome.
Zefa a r r e g a l o u os olhos.
��� F o m e ? V a l h a - m e m e u B o m J e s u s de P i r a p o r a , este
m e n i n o h �� dias q u e n �� o come.
��� E n t �� o p r i m e i r o a comida, disse-lhe s e n t a n d o na c a m a .
��� P r i m e i r o o c a c h o r r i n h o .
��� N��o p r i m . . .
��� Se o c a c h o r r i n h o n �� o a p a r e c e r n �� o como.
��� Ok. Vamos Zefa.
S a i m o s do q u a r t o e no largo corredor a g o r a c o m p l e t a -
m e n t e escuro, pois t o d a s as c o r t i n a s e s t a v a m c e r r a d a s , Zefa
m e segredou:
��� Eu sei o n d e ela jogou o cachorro. E s t �� todo r a s g a -
do e f a l t a um m o n t e de p a l h a . A s e n h o r a m e s m o vai ver
c o m o ele e s t �� m u r c h o .
��� M a s p o r que ela fez isto?
��� P o r q u e o m e n i n o vivia com o b r i n q u e d o . N �� o o lar-
g a v a n e m p a r a i r a a u l a . T e m v e r d a d e i r a a d o r a �� �� o p o r
esse c a c h o r r i n h o . M a s ela t i n h a c i �� m e s d a s e n h o r a , d o n a
Adelaide. Disse que a s e n h o r a r o u b o u o a m o r do m e n i n o ,
q u e deveria ser dela.
��� E n t �� o vamos b u s c a r o b r i n q u e d o .
* * *
No p o r �� o no meio de mil coisas velhas, Zefa foi a t �� um
c a n t o e pegou debaixo de um acolchoado o c a c h o r r i n h o t o d o
r a s g a d o e sem um dos olhos.
Zefa a r r a n j o u l i n h a e a g u l h a e eu sentei-me, n �� o me
l e m b r o no q u e , e comecei a c o s t u r a r . Zefa sentou-se na m i -
n h a frente n u m a c a n a s t r a d e t a m p a a r r e d o n d a d a , d e o n d e
escorregava t o d a h o r a e come��ou a falar.
��� 46 ���
��� A s e n h o r a viu s��, d o n a Adelaide, como o pobrezinho
est��? Desde aquele dia do anivers��rio q u e o m e n i n o vive
n u m a t r e m e n d a agonia. Levantei os olhos p a r a Zefa.
��� M a s o que a c o n t e c e u ? !
��� Sei l��. Acho que a d o n a C a r m e m �� louca. At�� a q u e -
le dia n u n c a ligou p a r a o m e n i n o , de r e p e n t e p a r o u de j o g a r
e p a s s a v a a m a i o r p a r t e do t e m p o com o filho t r a n c a d a no
q u a r t o . Eu o ouvia c h o r a r e g r i t a r . . .
��� Mas, g r a n d e Deus, Zefa, q u e acontecia? Por q u e
voc�� n �� o e n t r a v a n o q u a r t o . . .
��� Ela o t r a n c a v a , d o n a Adelaide, e q u a n d o eu ia c u i d a r
do m e n i n o o e n c o n t r a v a ofegante e o rosto vermelho como
um. p i m e n t �� o . Eu n �� o podia n e m p a s s a r o sab��o no corpo
dele que ele p u l a v a de d��r.
��� No corpo?! Por que ele e s t �� m a c h u c a d o ? !
��� Acho que n �� o me expliquei b e m d o n a Adelaide, o
p i n t i n h o dele e s t �� deste t a m a n h o . Zefa encostou os pole-
gares e os indicadores.
Fiquei o l h a n d o feito u m a boba p a r a Zefa, sem saber o
que falar. A�� foi l e m b r a r q u e no dia da festa de anivers��-
rio, q u a n d o A n t o n i o Cl��udio disse q u e j �� n �� o e r a c r i a n �� a ,
n o o l h a r d e C a r m e m p e r p a s s o u u m lampejo d e exita����o.
A g a r r o u o filho feito u m a louca e o beijou lascivamente.
N �� o podia dialogar c o m ela sobre esse a s s u n t o , ela e r a
bondosa e compreensiva m a s . . . O m e l h o r seria falar com
o Carlos. M a s ele j�� t i n h a p a r t i d o . O que fazer? Seria
C a r m e m capaz d e t a m a n h a m o n s t r u o s i d a d e ? !
��� A s e n h o r a viu como ele e s t �� fraco e m a g r i n h o . ��
a s o m b r a do q u e foi. N �� o b r i n c a m a i s no p a r q u e , n �� o ri,
n �� o come.
��� N �� o come?! Vamos l�� Zefa. Vou esperar o m e n i n o
ficar b e m forte, a�� terei u m a conversa s��ria c o m ele. Vou
p e r g u n t a r - l h e o que existe, e n t �� o n �� s iremos a t �� a pol��cia
se for preciso. A g o r a v�� Zefa, v�� p r e p a r a r a l g u m a coisa b e m
gostosa p a r a a n o s s a c r i a n �� a . Virei o c a c h o r r i n h o de l��
p a r a c��. Dei m a i s u n s p o n t o s e estava perfeito, s�� faltava
��� 47 ���
o olho. B e m vamos ver o que Antonio Cl��udio diz de t e r
u m c a c h o r r i n h o cego.
E n t r e i no q u a r t o e ele olhou logo p a r a as m i n h a s m �� o s
e deu um grito:
��� Oba, oba, o m e u c a c h o r r i n h o .
Dei-lhe o b r i n q u e d o . Ele o a p e r t o u j u n t o ao cora����o e
o beijou m u i t a s vezes.
��� Olhe b e m p a r a ele, Cl��udio.
��� N��o �� assim q u e eu gosto de ser c h a m a d o por voc��.
Ele sorriu. Vamos ver se voc�� se l e m b r a ?
��� M a s eu j�� o c h a m e i de m e u anjo, hoje e voc�� n e m
ligou.
��� Mas eu estava triste.
��� Agora?
��� Agora estou s u p e r alegre.
��� E n t �� o o senhor vai comer t u d o o que a Zefa a c a b a
d e t r a z e r .
��� Cl��udio p a r e c i a n �� o me ouvir. O l h a v a o cachorri-
n h o e g r i t o u :
��� O q u e ela fez com o m e u c a c h o r r i n h o . Nem late
m a i s .
��� C a l m a , m e u anjo. A m a n h �� vou c o m p r a r o olho e
c o s t u r a r t u d o direitinho, ou se voc�� preferir eu c o m p r o
u m novo.
��� N��o, n �� o Adi; quero esse.
��� E n t �� o vamos escolher um n o m e p a r a ele.
��� T a m b �� m n �� o quero. Ele �� o m e u c a c h o r r i n h o sem
n o m e . S a b e por que?
��� C o m a p r i m e i r o e depois voc�� me c o n t a .
Coloquei um travesseiro na frente de Cl��udio e Zefa p��s
a b a n d e j a . Molhei o miolo de p �� o na g e m a e dei ao m e -
��� 48 ���
n i n o que engoliu como se em seco, piscando sem p a r a r os
c��lios de seda. T o m a v a leite aos golinhos, me o l h a n d o sem
p a r a r .
Q u a n d o acabou pegou na bandeja e dando-a a Ze��a
s o r r i u .
��� Nem um farelinho de p��o na c a m a , viu Zeta?
��� Voc�� �� um m e n i n o m a i s educado do m u n d o . Por
isso vou fazer um bolo de a b a c a x i p a r a o j a n t a r .
��� De chocolate t a m b �� m .
��� De chocolate t a m b �� m . Vou come��ar j��. Zefa desceu
e Antonio Cl��udio falou:
��� Sabe o que eu t i n h a v o n t a d e de fazer agora?
��� O que?
��� P u l a r na c a m a e d a r h u r r a s de alegria, por voc��
e s t a r a q u i comigo.
��� E por que n �� o d �� ?
��� P o r q u e doi. Olhou-me r��pido como se tivesse a r r e -
p e n d i d o de falar.
��� Doi o que, m e u anjo?
��� Ele ficou vermelho.
��� N��o doi n a d a , Adi.
��� Voc�� diz s e m p r e que �� m e u amigo e a g o r a e s t ��
m e n t i n d o ?
Abaixou a c a b e c i n h a e vi l �� g r i m a s ca��rem pela s u a face
p �� l i d a .
��� Desculpe-me, querido. N��o vamos m a i s falar em dor.
��� P u x e i as cobertas. Vamos levante. I r e m o s d a r u m a volta
pelo j a r d i m .
��� Me d�� as roupas, Adi; e saia por favor e n q u a n t o eu
m e visto.
��� Mas eu s e m p r e ajudei-o a vestir-se, a i n d a m a i s a g o r a
q u e voc�� est�� t �� o f r a q u i n h o .
��� 49 ���
Ouvi o p u l s a r de seu cora����o e p a r e c e u - m e que todo o
s a n g u e de seu corpo afluiu p a r a o seu rosto.
��� N��o, n �� o se preocupe Adi, j�� estou com for��as sufi-
cientes p a r a vestir-me, r e s p o n d e u - m e com voz fraca e o queixo
t r �� m u l o . E depois voc�� estava h a b i t u a d a a a j u d a r u m a
crian��a.
��� Ah! disse-lhe sorrindo. Agora est�� d i a n t e de m i m
u m senhor. Brinquei fazendo-lhe u m a rever��ncia. E n t �� o
com licen��a, voltarei q u a n d o V. Excia. o r d e n a r .
��� N��o b r i n q u e , Adi, estou louco p a r a ir logo p a r a o
p a r q u e .
��� T�� bom, grite q u a n d o estiver p r o n t o .
Da�� a l g u n s m i n u t o s , o seu c h a m a d o .
Hoje eu diria que a q u e l a dor que senti foi u m a p r o f u n -
da p u n h a l a d a no cora����o, vendo-o a r c a d o s u a n d o com os
bra��os cruzados s e g u r a n d o a b a r r i g a .
��� Adi, eu n �� o a g u e n t o de d��r.
Corri p a r a ele.
��� Mas o que foi? Ser�� q u e o ovo e o leite.
��� N��o, n �� o foi. Ajude-me a deitar.
J �� deitado parecia melhor.
��� Querido, se voc�� n �� o me disser onde doi, eu n �� o
poderei ajud��-lo.
Ele e n t r e a b r i u os l��bios n u m sorriso triste.
��� H�� coisas q u e n �� o se c o n t a m a m u l h e r e s .
��� Ent��o c h a m a r e i um m��dico.
��� J�� melhorei. Podemos ir ao p a r q u e .
��� Ent��o o levarei no colo.
Desci a e s c a d a r i a com ele g r u d a d o ao m e u pesco��o.
��� Em q u e lugar do p a r q u e voc�� quer ficar?
��� 50 ���
��� P e r t o do lago. M a s espere um pouco, Adi. Q u e r o
o c a c h o r r i n h o .
��� Meu anjo e se eu pedisse p a r a deix��-lo l�� no q u a r t o
pelo m e n o s a g o r a ? O que voc�� responderia?
��� E n t �� o vamos fingir que ele e s t �� doente, n �� ?
��� Isso m e s m o . O c a c h o r r i n h o e s t �� doente.
Depositei-o na g r a n i a v e r d i n h a e ele deitou-se.
��� Adi, s e n t e a q u i p e r t o . Ou melhor, v a m o s p a r a de-
baixo d a q u e l a ��rvore. Como se c h a m a m e s m o aquela ��rvore,
Adi?
��� Olmo.
��� Gosto de me s e n t a r l��, p o r q u e os galhos p e n d e n t e s
e estufadinhos da ��rvore, f o r m a m u m a esp��cie de r a n c h o ,
onde a g e n t e pode ficar escondida sem que n i n g u �� m , v e n h a
n o s e n c o m o d a r .
��� F i q u e por e n q u a n t o aqui, m e u anjo. Vou pedir p a r a
o Chico t r a z e r u m a cadeira de pregui��a, pois l�� debaixo ��
t e r r a p u r a e n �� o t e m l u g a r p r a voc�� deitar. L�� �� m u i t o
��mido.
��� E n t �� o ficamos a q u i m e s m o .
Os olhos de Cl��udio se desviaram p a r a o c��u e ele falou:
��� Sabe Adi, a est��ria que inventei do m e u c a c h o r r i n h o ?
��� H��, voc�� ia me c o n t a r , n �� o �� m e s m o ?
��� Sabe? a est��ria �� assim:
* * *
Havia u m c a c h o r r i n h o , m u i t o rico. Rico s �� n �� o . Mi-
lion��rio. E levava um n o m e i m p o r t a n t �� s s i m o . Mas ele vi-
via triste e s�� n u m g r a n d e pal��cio, a p e s a r de e s t a r rodeado
de dezenas de empregados. Os pais do c a c h o r r i n h o s e m p r e
a n d a v a m m u i t o ocupados. O c a c h o r r i n h o t i n h a inveja dos
outros c a c h o r r i n h o s que ficavam j u n t o dos pais. E n t �� o o
c a c h o r r i n h o saiu pelo m u n d o e n u n c a disse o n o m e dele
��� 51 ���
p r a n i n g u �� m , preferia n �� o t e r n o m e d o q u e , t e r n o m e s ��
p a r a m o s t r a r a todos q u e era i m p o r t a n t e , q u a n d o no fundo,
ele se s e n t i a insignificante, como o m e n o r dos insetos.
Ap��s u m a breve p a u s a , a c r e s c e n t o u .
M a s , esse n o m e , talvez a l g u m dia, v�� se a j u n t a r a um
o u t r o n o m e e o c a c h o r r i n h o s e r �� feliz.
Fiquei o l h a n d o o m e n i n o que com aquele a r z i n h o in-
g �� n u o r e t r u c o u :
��� Voc�� e n t e n d e u , Adi, o que h�� no fundo dessa est��ria?
��� Ah, sim, Cl��udio, as vezes me deixava p a s m a d a . D i z i a
coisas, que eu ficava a m a t u t a r por v��rios dias. Seria o
m e n i n o d o t a d o d e u m a m e n t a l i d a d e superior?
Eu sabia que a est��ria se referia a ele m e s m o , m a s n �� o
q u i s e n t r a r em d e t a l h e s , p o r q u e com isso sabia que ia faz��-lo
sofrer, por isso disse:
��� Olhe aqui, Cl��udio. Em vez de falarmos em coisas
tristes, v a m o s i n v e n t a r a l g u m a coisa p a r a n o s divertirmos.
J�� sei. Estendi-lhe a m �� o .
V e n h a , vamos a t �� onde est�� o j a r d i n e i r o , v a m o s d a r u m a
e s p i a d i n h a no q u e ele est�� fazendo.
F i r m e m e n t e apertei-lhe a m �� o p a r a ajud��-lo a levan-
tar-se. No seu o l h a r vi a q u e l a o n d a de confian��a que n u n c a
se dissipou, n e m no m o m e n t o que estava m o r r e n d o .
��� Antonio Cl��udio. Meu querido anjo. Q u a n t a s a u -
d a d e s s i n t o daqueles dias. L e m b r o t �� o bem d a t e r r a f o f a ,
onde voc��, a p e r t a n d o os l��bios fingindo n �� o sentir dor,
p l a n t o u d e s a j e i t a d a m e n t e u m a m u d i n h a , n e m sei de que flor.
Voc�� de joelhos na t e r r a , seguia as i n s t r u �� �� e s do bondoso
h o m e m . Depois seu r o s t i n h o s o r r i d e n t e voltou-se p a r a m i m .
��� J�� sei p l a n t a r , Adi. Agora v e n h a voc�� t a m b �� m . Eu
a ensino. Ajoelhei-me r a s g a n d o as m e i a s de seda.
��� Deixe as m e i a s , Adi. S i n t a como �� b a c a n a p l a n t a r .
Assim n �� o . F a �� a primeiro u m b u r a q u i n h o com este dedo.
L e v a n t o u a m �� o z i n h a e n l a m e a d a e m o s t r o u - m e o indicador.
Agora p e g u e a m u d a , enfie no b u r a q u i n h o , c a l q u e a t e r r a
��� 52 ���
em volta d a s ra��zes, a t �� ela ficar em p��. Mas �� preciso que
fique firme, h e m Adi. S e n �� o q u a l q u e r v e n t i n h o a d e r r u b a .
P l a n t a m o s u m a fileira i n t e i r i n h a a t �� Antonio Cl��udio
resolver s e g u r a r o cordel.
��� Eu seguro d a q u i e voc�� vai l�� no fim do c a n t e i r o ,
Adi. ��� E s t i c a m o s o cord��o, que era p a r a a fileira d a s p l a n t a s
ficar r e t i n h a . P l a n t e a g o r a , Pedro.
Logo n a s p r i m e i r a s m u d a s o m e n i n o p u x a v a o cord��o
p a r a o lado e ria divertido q u a n d o o j a r d i n e i r o dizia.
��� Se o s e n h o r n �� o o deixar reto, essa p l a n t i n h a vai
crescer fora da fila e a t r a p a l h a r �� t u d o . Cl��udio a c h a r a
gra��a, em ser c h a m a d o sr.
O cord��o v i n h a n o v a m e n t e p a r a o l u g a r e s u a g a r g a -
l h a d a s o n o r a se espalhava pelo p a r q u e . De seu r o s t i n h o
b a n h a d o de sol b r o t a v a o suor que escorria p i n g a n d o na
ex-alva camisa.
T e r m i n a d o o canteiro ele o c o n t e m p l a v a e e s t u f a n d o o
peito disse:
��� B o m t r a b a l h o , Adi. Q u a n d o esse c a n t e i r o ficar flo-
rido, as flores s e r �� o p a r a voc��. E s t �� ouvindo, P e d r o . As
p r i m e i r a s flores ser��o p a r a a m i n h a Adi. Todo i l u m i n a d o
de alegria, fez m e n s �� o de vir a t �� onde eu estava m a s levando
a m �� o �� vir��lia soltou um g r i t o de d��r.
Corri p a r a ele e o a m p a r e i nos bra��os.
��� O que foi, m e u anjo? Diga, diga. �� a t e r c e i r a vez
q u e voc�� g r i t a de d��r e n �� o q u e r dizer n a d a . F a l e vamos.
Como �� q u e eu posso c u i d a r dessa d��r se n �� o sei o n d e d��i?
Apertou com a m �� o z i n h a a b e r t a os olhos e m o r d i a os
l��bios sem poder falar. Quis carreg��-lo m a s estava t �� o n e r -
vosa que a s p e r n a s n �� o obedeciam.
��� Pedro, corra c h a m a r o Chico, por favor.
Assim que P e d r o saiu, Cl��udio pediu p a r a deit��-lo e sem
e n c o n t r a r u m l u g a r melhor, deitei-o sobre a s p l a n t i n h a s q u e
se e n f i a r a m na t e r r a fofa.
��� 53 ���
��� Oh! Adi eu pensei em reg��-las amanh��.
��� Amanh�� n��s a replantaremos.
Chico chegava assustado com Pedro em seu alcance.
Pegou o menino nos bra��os e pelo caminho tapado dos
lados por in��meras plantas floridas foi andando em dire����o
ao casar��o.
Fui seguindo-os e n��o sei como enrolava o cordel do
jardineiro. Enrolava-o e o desenrolava, enrolava e o desen-
rolava, ��s vezes limpando-o quando ele vinha cheio de gra-
vetos grudados. Olhava Chico e bendizia aos c��us, por ele
ser um rapaz alto e forte.
Quantas vezes mais tarde essa for��a se mediu as de
Antonio Cl��udio at�� que...
Agora ele subia os primeiros degraus da escadaria e
voltando-se perguntou:
��� Onde devo lev��-lo?
��� No quarto.
J�� na cama, Cl��udio parou de gemer e fixando o chofer:
��� Voc�� �� meu amigo, hem Chico? Espero que quando
crescer fique assim forte como voc��.
Os dentes brancos de Chico sobressa��ram no rosto de
pele escura emoldurado de cabelos negros e lisos. Quantas
vezes ele se zangava quando eu dizia que ele era mamelu-
co. De que tribo voc�� �� mesmo? Ele zangado. N��o sou
��ndio, n��o.
��� Claro que voc�� vai ser fort��o. Mas para isso �� pre-
ciso comer bastante e fazer muitos exerc��cios. E tamb��m
��s vezes ir ao m��dico.
Antonio Cl��udio virou a cabe��a para o lado e para reter
o novo grito de d��r contraiu-se de tal maneira as faces que
se tornaram de cera.
��� O neg��cio �� chamar o m��dico, mesmo. V�� Chico,
telefone para o doutor.
��� 54 ���
Antonio Cl��udio n u m esfor��o t r e m e n d o levantou-se e
apoiando-se na beira da c a m a d e u a l g u n s passos e gritou
p e r d e n d o o equil��brio e caindo no c h �� o .
��� N��o c h a m e o m��dico, Adi. N��o c h a m e o m��dico.
E u j �� sarei.
��� C l �� u d i o . . . Cl��udio, m a s o q u e e s t �� acontecendo c o m
voc��? Pelo a m o r de D e u s , diga m e u anjo, diga.
Zefa e n t r o u c o m um copo de �� g u a e um comprimido.
��� �� p a r a p a s s a r a d��r, d o n a Adelaide. D o n a C a r m e m
s e m p r e m a n d a eu lhe d a r q u a n d o vem a crise.
Antonio Cl��udio t o m o u o c o m p r i m i d o e s e g u r a n d o na
m i n h a m �� o . Adormeceu.
Levantei-me e sem perceber e s t a v a d e b r u �� a d a no gra-
dil do t e r r a �� o com a m e n t e a g i r a r em voluptuoso roda-
m o i n h o , t e n t a n d o b u s c a r l �� n o p o n t o profundo d o c��rculo
a resposta p a r a t u d o o q u e estava acontecendo.
��� D o n a Adelaide.
Com os t �� m p a n o s z u m b i n d o e a vertigem d a n �� a n d o
d i a n t e de m e u s olhos, fiz um t r e m e n d o esfor��o p a r a me con-
c e n t r a r n a a l t a figura ali n a m i n h a frente.
��� O q u e �� Chico.
��� A Zefa sabe t u d o o que aconteceu. Virou-se p a r a
t r �� s e fazendo um sinal com a m �� o fez c o m q u e Zefa se
aproximasse. Ela vai lhe c o n t a r , t i n t i m por t i n t i m . E n q u a n t o
isso eu fico c o m o m e n i n o .
Chico e n t r o u no q u a r t o e fechou a p o r t a .
��� A s e n h o r a n �� o q u e r primeiro se lavar e t r o c a r essa
r o u p a t o d a suja d e t e r r a ?
Passei a m �� o pelo cabelo.
��� N��o, Zefa. Gostaria de saber logo o que se passa
n e s t a casa, p a r a poder t r a t a r do m e n i n o . Voc�� sabe, Carlos
implorou p a r a que eu ficasse c o m o Cl��udio. Mas pelo
jeito, a responsabilidade que aceitei e s t �� al��m de m i n h a s
��� 55 ���
for��as. Sinceramente n��o sei como agir. A crian��a est��
passando mal. Sente dores horr��veis. Ele n��o quer que eu
o examine, n��o quer falar sobre o assunto. Qualquer leigo
v�� que ele est�� com uma infec����o grav��ssima. S�� encostar
nele sente-se que est�� queimando de febre. Voc�� sabe o
que h��? Ent��o vamos l�� Zefa, por favor conte-me tudo.
Quem sabe poderemos ajud��-lo.
Sentamos no banco de pedra do terra��o.
��� Sei que a senhora vai ficar chocada. Eu at�� hoje n��o
acredito no que vi. Tremo s�� em pensar, mas farei o poss��vel
para contar tudo; igualzinho como contei para o Chico.
��� 5 6 ���
C A P �� T U L O 7
Como se eu estivesse sentindo a g o r a os calafrios, a
sufoca����o e as aceleradas a p r e s s a d a s do cora����o, fiquei
ouvindo Zefa.
Ela r e s u m i u assim. Na m a n h �� s e g u i n t e �� festa, e s t a v a
d a n d o b a n h o no m e n i n o . Q u a n d o C a r m e m e n t r o u e disse:
��� Pode deixar que eu m e s m a o lavo, Zefa.
Dei-lhe o s a b o n e t e e me afastei um pouco. Ele n e m
parecia sentir a m i n h a presen��a. Ia p a s s a n d o a m �� o pelo
corpo do m e n i n o e falando:
��� Que pele sedosa, q u e c��r linda! N u n c a vi c��r igual.
Rosa m i s t u r a d a com mel. Pele c��r-de-rosa com mel. Alisa-
va-lhe os ombros.
Q u a n d o passou-lhe as m �� o s pelo corpo o m e n i n o con-
t r a i u o a b d o m e m e ela como que e m b r i a g a d a sorriu-lhe.
��� Ah! j�� sinto que n �� o �� m a i s crian��a. J�� s e n t e coisas
q u e n t i n h a s a correr pelo seu corpinho. N��o sente m e u
bem?
��� Sinto c��cegas m a m �� e .
��� C��cegas?!
P a r e c i a que C a r m e m voltava de m u i t o longe. Ficou
o l h a n d o Cl��udio com os olhos arregalados, como que decep-
cionada.
��� Mas voc��, m e u bem, deve s e n t i r o u t r a s coisas. O n t e m
n �� o m e disse que n �� o era m a i s c r i a n �� a ?
��� 57 ���
Cl��udio disse orgulhoso:
��� E n �� o sou m e s m o ? J�� fiz oito anos. Na escola q u e m
t e m oito a n o s j �� �� considerado u m h o m �� o deste t a m a n h o .
C a r m e m riu.
��� Ah! Meu bem, m e u bem. Mas q u a n d o os m e n i n o s
dizem q u e s��o h o m e n s , s�� f a l a m em t a m a n h o ?
��� N��o.
C a r m e m ajoelhou-se no box, m o l h a n d o o seu neglig�� de
d a m a s c o . Seus olhos r e v i r a v a m n a s ��rbitas. E o que dizem
a mais, m e u bem, conte, c o n t e logo.
Os olhos ing��nuos, do m e n i n o , e r a m m a r c a n t e s no seu
r o s t i n h o corado pelo vapor da �� g u a .
��� Dizem t a m b �� m , que q u e m j�� �� um h o m �� o de oito
a n o s pode e n t r a r n o q u a d r o d e futebol.
C a r m e m fez um m u x o x o e a b r a �� a n d o - o disse:
��� O h ! m e u querido! Voc�� a t �� me d�� vertigem. Va-
m o s , v a m o s l�� p a r a o q u a r t o , q u e vou lhe e n s i n a r o que ��
ser u m h o m �� o deste t a m a n h o .
��� M a s eu quero que Zefa me e n x u g u e e me vista.
A voz de C a r m e m e r a fria.
��� Voc�� deve obedecer-me, s e n �� o . . . O n t e m a n o i t e . . .
Voc�� n �� o gostou, n �� o ?
F r a q u e j a n t e o m e n i n o r e s p o n d e u :
��� N��o, m a m �� e . N��o quero a p a n h a r m a i s .
��� E n t �� o vai me obedecer em t u d o n �� o ��?
��� Sim, m a m �� e .
��� Ah! Agora sim. Vamos Zefa. M a n d e servir o caf��
n o m e u q u a r t o . T a m b �� m o m i n g a u d e Antonio Cl��udio.
��� N��o, n �� o . De a g o r a em d i a n t e ele t o m a r �� um
break-fast.
��� B r i q u e o q u e d o n a C a r m e m ?
��� 58 ���
��� O r a s u a idiota. T r a g a ovos, t o u c i n h o defumado,
t o r r a d a s , f r u t a s , leite, m a n t e i g a , azeitonas. Isso �� um
break-fast.
��� Mas isso eu p r e p a r o todos os dias p a r a a s e n h o r a e
t i n h a u m o u t r o n o m e .
��� E s t �� bem, Zefa, n �� o a d i a n t a dialogar com g e n t e
i g n o r a n t e , sirva t u d o no q u a r t o . -
Q u a n d o Zefa voltou com o l a n c h e ouviu pequenos ge-
midos que v i n h a m a t r a v �� s d a p o r t a fechada. E r a m gemidos
de c r i a n �� a . Abriu a p o r t a . C a r m e m sentou-se r a p i d a m e n t e
na c a m a e e r g u e u o o l h a r p a r a a e m p r e g a d a . De a g o r a
e m d i a n t e , b a t a a n t e s d e e n t r a r .
Zefa colocou t u d o n a m e s i n h a e l a n �� a n d o u m o l h a r a o
m e n i n o q u e e s t a v a n �� d e b r u �� a d o n a c a m a saiu d o q u a r t o .
Zefa p a r o u de falar, tirou um c a d e r n i n h o do bolso e disse:
��� Agora a s e n h o r a pode ler o que encontrei no q u a r t o
da p a t r o a e s a b e r �� coisas horr��veis. N��o t e n h o c o r a g e m de
c o n t i n u a r .
P e n s a n d o em Cl��udio, peguei o caderno e fui lendo o
que C a r m e m escrevera.
* * *
F u i a t �� a j a n e l a e com o o l h a r perdido no p a r q u e fiquei
m a t u t a n d o p o r q u e depois d e t a n t o s a n o s sem s e n t i r p r a z e r
sexual estava a g o r a b r a s a n t e n o s bra��os de m e u filho. S i m
farei t u d o , t u d o com ele. M a s t e m q u e ser b e m escondido
pois essa e m p r e g a d a �� m u i t o esperta. Ele t a m b �� m t e m q u e
a p r e n d e r se n �� o o i n s t r u i r em coisa de sexo, ele p o d e r �� sofrer
m a i s t a r d e .
Voltei-me e fui a t �� j u n t o do m e u filho e alisando-lhe os
cabelos, falei:
��� T o m e o leite, m e u bem.
Cl��udio pegou o copo e com as m �� o z i n h a s t r �� m u l a s sor-
veu o leite aos golinhos.
��� �� delicioso, n �� o ��?
��� 59 ���
��� Sim, m a m �� e .
E s t a v a n u m a terr��vel exita����o; m a s t i n h a que m e en-
volver em a s t �� c i a , sen��o poderia por t u d o a perder.
T e r m i n a n d o o l a n c h e , peguei m e u filho pela m �� o e deli-
c a d a m e n t e lhe disse:
��� Sabe, m e u bem.. H�� m u i t a s coisas que os m e n i n o s
fazem na escola, m a s n �� o q u e r e m que os pais fiquem sa-
bendo. Voc�� pode me c o n t a r t u d i n h o sem susto q u e eu n �� o
o castigarei e n e m c o n t a r e i n a d a p a r a o seu pai.
Ele me olhou com um o l h a r de s u r p r e s a e perplexidade.
��� N��o e n t e n d o , m a m �� e .
��� Deite-se, m e u bem. Vou lhe explicar direitinho.
Assim voc�� c o m p r e e n d e r �� . Meu filho deitou.
��� O que voc�� s e n t i u a q u e l a h o r a que lhe a p e r t e i o
p i n t i n h o ?
��� S e n t i m u i t a d��r.
��� Foi por isso q u e voc�� gemeu.
��� Foi.
��� Bem, se voc�� fosse m e s m o um h o m �� o , gemeria de
prazer e n �� o de d��r.
��� Ah!
��� Vamos ver. Os m e n i n o s l�� da escola n u n c a fizeram
isso? Coloquei seu p e q u e n o p��nis na m i n h a boca q u e n t e
e o suguei d e l i c a d a m e n t e , e n q u a n t o sentia d e n t r o de m i m
agita����es q u e m e levavam a s r �� i a s d a loucura. F u i escorre-
g a n d o da c a m a sem larg��-lo e s e g u r a n d o - m e nos parafusos
met��licos q u e s e g u r a v a m o estrado, consegui n u m a s��rie de
m o v i m e n t o s s e n t i r s u b i t a m e n t e , u m a misteriosa m u d a n �� a s e
operar em m e u s sentidos. Mil bocas p a r e c i a m a r r a n c a r as
ra��zes d e m e u �� n t i m o fazendo-me p e n e t r a r n u m m u n d o dife-
r e n t e onde a infus��o do p r a z e r era de se e s t r a �� a l h a r . A
vista t u r v a , os olhos retesados e os uivos de a n i m a l que
q u e r i a m sair d e m i n h a g a r g a n t a e que n u m t r e m e n d o esfor-
��o eu conseguia d o m i n a r , me levar a m o v i m e n t a r os d e n t e s
��� 60 ���
e eu m o r d i a , m a s t i g a v a , t r i t u r a v a q u a l q u e r coisa que t i n h a
na boca. Gritos terriveis c o r t a r a m o ar, e como se tivesse
a c a b a d o d e l u t a r com u m m o n s t r o , e u cai e x a u s t a n o c h �� o
ouvindo as b a t i d a s fortes cada vez m a i s fortes na p o r t a .
Levantei-me c a m b a l e a n d o e fui a t �� a p o r t a .
��� O que aconteceu, d o n a C a r m e m ? Todos os e m p r e g a -
dos e s t a v a m de p�� no corredor d i a n t e da p o r t a semi a b e r t a .
E r a m como espectros p��lidos, m u d o s com os olhos a r r e g a -
lados.
��� N��o foi n a d a , g e n t e . Meu filho n �� o quis comer todo
o l a n c h e e eu lhe dei u m a s . p a l m a d a s . Zefa quis e n t r a r ,
m a i s eu forcei a p o r t a e a fechei com d u a s voltas na fe-
c h a d u r a .
Meu filho p e r m a n e c i a deitado com as l �� g r i m a s a desce-
r e m dos dois lados da face e me o l h a v a com um olhar estra-
n h o o n d e parecia p e r g u n t a r .
��� O que �� t u d o isso? Por que voc�� me m a c h u c o u t a n t o ?
��� E n t �� o m e u bem os m e n i n o s l�� do seu col��gio n u n c a
fazem essas coisas com voc��?
Ele piscando os olhos.
��� N��o, m a m �� e .
��� O h ! m e u bem, a claridade �� exaustiva p a r a os seus
olhos. Vou c e r r a r as cortinas. P r o n t o a g o r a ficaremos m a i s
sossegados. Voc�� gosta da p e n u m b r a n �� o e?
��� N��o. Gosto de sol. Quero ir b r i n c a r l�� fora. Dei-
xe-me ir por favor.
F u i a t �� o leito com passos macios e p a s s a n d o a m �� o
pela cabe��a dele falei:
��� N��o e s t �� com medo de m i m , n �� o �� verdade?
Ele n a d a respondeu.
��� E s t o u a espera de u m a resposta, m e u filho, voc�� s��
fica de olhos p r e g a d o s no t e t o , v a m o s , responda, a l g u m a
coisa.
��� N��o.
��� 61 ���
��� ��timo! q u e r o q u e voc�� converse comigo, como f a r i a
c o m q u a l q u e r o u t r o m e n i n o d a escola.
��� N��o sei o que falar, m a m �� e .
��� E s t �� bem. S e u rosto e s t �� todo m o l h a d o e vermelho,
v�� lavar-se, vista-se e v a m o s d a r um passeio.
Ele levantou-se e m a n c a n d o foi a t �� o b a n h e i r o . Ouvi
a �� g u a a correr e ele voltou a r r a s t a n d o os p��s.
��� E s t �� s e n t i n d o a l g u m a d��r?
��� Sim.
��� Onde?
��� Aqui.
Mostrou o p e q u e n o p��nis i n c h a d o e vermelho.
��� Vou p a s s a r u m a p o m a d i n h a e logo vai ficar c u r a d o .
Seja um bom m e n i n o e vista a r o u p i n h a e n �� o diga n a d a a
Zefa, que eu o ensinei a evitar q u e os m e n i n o s m a l v a d o s do
col��gio fa��am essas coisas horr��veis com voc��. Eu o m a -
c h u q u e i p a r a voc�� a p r e n d e r q u e u m h o m �� o t a m b �� m sem-
p r e e s t �� sujeito a c e r t a s coisas. Virei a p �� g i n a e n �� o h a v i a
m a i s n a d a escrito.
Um g r a n d e sil��ncio caiu sobre a luxuosa m a n s �� o .
N��o sei descrever o que estava s e n t i n d o . Meu c��rebro
vazio. C o m p l e t a m e n t e vazio. Fiquei o l h a n d o Zefa, meio
a p a l e r m a d a . Acho m e s m o que e s t a v a com c a r a de q u e m vai
d e s m a i a r . S e n t i Zefa p e g a r m i n h a s m �� o s e friccionar os
pulsos. Um t r e m o r convulso s a c u d i u - m e dos p��s �� cabe��a.
S e n t i que d e l �� b e m d o fundo d e m i n h a a l m a v i n h a subin-
d o u m grito q u e e u consegui refrear m a s q u e s e t o r n a r a m
solu��os. Com a s d u a s m �� o s n o rosto c h o r a v a s e m p a r a r .
Zefa veio com um c a l m a n t e . Depois de a l g u n s m i n u t o s
falei:
��� Zefa vou come��ar a ler de novo. Acho que C a r m e m
e s t �� escrevendo a l g u m conto. A l g u m a est��ria de t e r r o r .
��� Nem precisa, d o n a Adelaide, �� a est��ria dela m e s m o .
Olhei p a r a ela i n t e r r o g a t i v a m e n t e .
��� 62 ���
��� D o n a C a r m e m se t r a n c a v a h o r a s no q u a r t o c o m o
m e n i n o . Ali��s, q u e n �� o e r a nesse q u a r t o . Ela m a n d o u r e -
formar um q u a r t i n h o l�� no sot��o e q u a s e todos os dias ia
p a r a l�� levando o Cl��udio. A s e n h o r a conhece o sot��o?
��� N��o, Zefa.
��� �� b e m d i s t a n t e . L�� pode acontecer o q u e for q u e
a g e n t e n �� o escuta. Eu estou a p a r do que havia, p o r q u e
t o m a v a c o n t a d o m e n i n o , ali��s t o m o c o n t a d o C l a u d i n h o .
Q u a n d o via que ela levava o m e n i n o p a r a o sot��o ficava no
q u a r t o debaixo. A�� ouvia o m e n i n o g e m e r e g r i t a r . Ele
s e m p r e sa��a de l�� com os olhos no f u n d o e em volta t u d o
preto. Ele corria p a r a os m e u s bra��os e ao abra����-lo s e n t i a
que ele estava m o l h a d i n h o de suor.
��� Mas n �� o �� poss��vel, Zefa. Isso �� execr��vel, a b d o m i n �� -
vel �� o fim do m u n d o . Essa m u l h e r devia de ser esfolada
viva. Carlos precisa saber disso.
��� E q u e m vai c o n t a r d o n a Adelaide.
��� Eu.
��� E a s e n h o r a a c h a que ele vai a c r e d i t a r ? �� a t �� c a p a z
de p e n s a r q u e a s e n h o r a e s t �� louca. Lembra-se bem q u e
n e m a s e n h o r a quis a c r e d i t a r .
��� Vou falar c o m Antonio Cl��udio. Ele m e s m o c o n t a -
r�� t u d o ao pai. �� isso m e s m o . Vou j�� a n t e s que perca a
coragem.
Encontrei-o deitado de costas e falando a l e g r e m e n t e
p a r a Chico.
��� J�� sei p l a n t a r e fazer canteiros. A m a n h �� pego um
m o n t �� o de m u d i n h a s l�� na estufa e ensino voc��. Voltou-se
p a r a m i m ��� N��o �� m e s m o , Adi, que sei p l a n t a r ?
��� Claro. E como vai a d��r?
��� J�� passou.
��� �� t i m o , e n t �� o n �� s poderemos conversar sossegados.
S e n t o u r��pido.
��� Vamos falar de p l a n t a �� �� o ?
��� 63 ���
��� N��o. Assunto p a r t i c u l a r e bem s��rio.
Chico b a t e u as m �� o s nos joelhos.
��� E s t �� bem. N��o p r e c i s a m me m a n d a r embora. J��
estou indo.
Cl��udio caiu n a g a r g a l h a d a .
��� Bem, b e m m e u anjo. Deite-se assim. Agora o u �� a
com a t e n �� �� o .
��� N��o vai q u e r e r me convencer a ser e x a m i n a d o por
um m��dico, n�� Adi. Voc�� j�� viu coisa m a i s c h a t a . Estetos-
c��pio, apalpa����es e b a t i d i n h a s pelo corpo todo. Se voc�� q u e r
saber de u m a coisa, j�� sarei.
Seus olhos inocentes f u l g u r a r a m . Seus l��bios grossos
e rosados se c o n t r a �� r a m n u m m u x o x o .
V��, Adi. M��dico, n �� o .
��� N��o �� m��dico. Escute Antonio Cl��udio, eu o conhe��o
d e s d e . . .
��� Desde que eu t i n h a u n s m i n u t o s de vida.
��� Isso m e s m o . Sei que voc�� me t e m na conta de u m a
g r a n d e a m i g a ou posso dizer, m e s m o sua s e g u n d a m �� e .
O sorriso que t i n h a na b o q u i n h a m o r r e u . P u x o u as
cobertas, cobriu a cabe��a. S u a voz veio abafada.
��� Pode c o n t i n u a r Adi, m a s por favor n �� o fale essa
p a l a v r a .
��� Que p a l a v r a ?
Descobriu de chofre a cabe��a e gritou ficando vermelho,
fazendo engrossar as veias do pesco��o.
��� M��e, m �� e , m �� e .
Virou-se de b r u �� o e come��ou a chorar.
Zefa e n t r o u e disse:
��� Que �� isso? Ora, um h o m e n z i n h o c h o r a n d o .
Puxei Zefa p a r a um c a n t o .
��� 64 ���
��� N��o a d i a n t a , Zefa. N��o t e n h o coragem de tocar no
a s s u n t o , ele n e m q u e r ouvir falar a p a l a v r a m �� e .
��� N u n c a saberemos o que se passou no sot��o.
��� Penso ao c o n t r �� r i o , dona Adelaide. D o n a C a r m e m
escrevia t o d a s as noites n u m c a d e r n o vermelho com a c a p a
grossa. Vou p r o c u r a r e se e n c o n t r a r . . .
��� Ser�� ��timo. Agora m a n d e o Chico ir c o m p r a r um
antibi��tico. Dizem que de m��dico e louco t o d o m u n d o t e m
um pouco, e n t �� o vamos e n t r a r em a����o como m��dico ��
l��gico.
Nos dias que se s e g u i r a m ele p i o r o u . Q u e i m a v a em fe-
bre e c h o r a v a de d��r. N��o queria m��dico de jeito n e n h u m .
Um dia tive u m a id��ia. C h a m e i um m��dico a m i g o e expli-
quei a s i t u a �� �� o do m e n i n o e ele a m e u pedido receitou u m a
inje����o p a r a dormir.
Fervi a seringa e a depositei no criado m u d o , onde ele
pudesse ver e n q u a n t o o m��dico ficava do lado de fora.
Cl��udio t i n h a h o r r o r d e t o m a r inje����o. D a inje����o p a r a
m i m seus olhos b r i l h a n t e s n �� o p a r a v a m , os l��bios e n t r e a -
bertos e secos, as m �� o z i n h a s se a b r i n d o e fechando nervo-
s a m e n t e .
��� J �� sei, Adi.
��� Sabe o que?
��� Voc�� vai me aplicar a inje����o.
��� �� p a r a o seu bem.
��� Acho que n �� o vou q u e r e r ��� Seu m a g r o corpinho se
a g i t a v a debaixo dos cobertores.
Sentei-me na c a m a e peguei s u a s escaldantes m��os.
Bem j�� que voc�� gosta t a n t o de est��rias e me contou a do
c a c h o r r i n h o , vou lhe c o n t a r u m a . Se voc�� p r o m e t e r que
depois de a ouvir e se gostar dela, t o m a a inje����o?
��� Bem, Adi, se eu gostar.
��� E n t �� o a p e r t e a m i n h a m �� o . E s t �� apostado, t �� ?
��� 65 ���
Ele firmou seus olhinhos nos m e u s e a p e r t a n d o a mi-
n h a m �� o disse com voz fraca:
��� T��.
��� Vou come��ar como t o d a s as est��rias come��am.
E r a u m a vez um m e n i n o de oito a n o s e u m a m o �� a de
vinte e oito anos. Voc�� est�� vendo logicamente que ela era
vinte anos m a i s velha do que o m e n i n o . E n t �� o o m e n i n o
lhe prop��s um jogo. Um assim do tipo de bola ao cesto.
Os dois, o m e n i n o e a m o �� a e m p e n h a r a m - s e ferozmente
n u m a s��rie de jogadas em que a bola era a r r e m e s s a d a com
velocidade em t o d a s as dire����es, p a r a cair c e r t i n h a na cesta.
L o g i c a m e n t e t i n h a m o u t r o s jogadores que q u e r i a m e s t r a g a r
o jogo, m a s os dois jogadores, o m e n i n o e a mo��a, e r a m
��geis e inteligentes. Os outros j o g a v a m com p r �� t i c a e m a -
l��cia. Os o u t r o s e s t a v a m vencendo porque o m e n i n o come-
��ou a enfraquecer e j�� faltava a velocidade que o impedia
de defender o seu setor. Cabia p o r t a n t o a mo��a c o m p e n s a r
essa defici��ncia, e s t i m u l a n d o o m e n i n o . Pegava-lhe na m �� o
e o fazia correr com ela. Q u a n d o ele ca��a, ela o pegava e
corria com ele no colo. U m a h o r a o m e n i n o caiu e m a c h u -
cou o joelho. Por m a i s que a m o �� a fizesse, ele n �� o quis ser
t r a t a d o . N��o sei porque ele q u e r i a ser derrotado. Por m a i s
que a mo��a gritasse, esbravejasse, p e r m a n e c i a caido no ch��o.
Os outros e s t a v a m fortes e sob um i n t e n s o a t a q u e iam. jogar
a bola no cesto p a r a g a n h a r a p a r t i d a , pois faltava s�� um
ponto, q u a n d o a mo��a m o s t r o u ao m e n i n o a salva����o.
Cl��udio p��lido seguiu o m e u o l h a r a t �� a seringa.
Continuei.
O m e n i n o t o m o u o rem��dio que odiava que o m��dico
t i n h a ali bem em. frente aos seus olhos e n u m t r e m e n d o
esfor��o levantou-se e a g a r r o u no ar a bola que v i n h a com
a velocidade de u m a bala. O m e n i n o vencera o jogo. A
assist��ncia levantou v i b r a n t e , sacudindo no ar m i l h a r e s de
len��os coloridos e g r i t a n d o que o m e n i n o era um verdadeiro
h o m e n z i n h o e m u i t o corajoso.
Um longo sil��ncio caiu no q u a r t o . Ele se m e x e u inquie-
to e soltando um longo suspiro disse:
- 66 ���
��� Eu tamb��m sou corajoso, pode aplicar a inje����o, Adi.
Apertei os l��bios para conseguir reter as l��grimas que
teimosas queriam saltar de meus olhos. S�� eu sabia o quanto
de receio e horror estava coberto aquele pequeno cora����o,
mas ele confiava em mim e tanto quanto ele, sentia a pi-
cada e s�� n��o mordi o indicador dobrado como ele fez
porque estava aplicando a inje����o. Uns minutos a mais e
ele dormia respirando suavemente pela boquinha entreaberta.
Quando o m��dico tirou-lhe a cal��a do pijama para o
examinar, virei o rosto para que ele n��o notasse o quanto
fiquei chocada. O p��nis estava terrivelmente inchado e
roxo, o ventre e as coxas cheias de marcas de mordidas e em
cada virilha um enorme caro��o.
O m��dico apertou e disse.
��� Os g��nglios linf��ticos da virilha est��o obstruidos.
Depois virou-se e olhou-me como se n��o me visse.
��� Finalmente, que monstro fez isto?
��� Bem, T��rcio, ficou combinado que voc�� nada me per-
guntaria. A fam��lia de Antonio Cl��udio �� poderosa. O pai
dele �� uma das maiores fortunas do mundo. O dinheiro
dele compra o que ele desejar. Se a gente abrir a boca agora
pode estragar o futuro da crian��a.
Hoje fico pensando. Por que n��o levei tudo ao conheci-
mento da pol��cia? Maldita hora aquela que me fez conti-
nuar ali parada obrigando o meu amigo Dr. T��rcio a ficar
calado. Mas juro, juro que n��o foi por covardia, ou medo,
que o poderoso Carlos Mendon��a de Bragan��a pudesse me
jogar no fundo de um c��rcere, por crime de inj��ria e cal��-
nia que logicamente ele compraria, como comprou... bem
mas chegaremos l��. Lembro-me t��o bem que T��rcio disse:
��� Est�� bem, Adelaide. J�� que voc�� acha que �� para o
bem da crian��a eu me calo. Mas se essa coisa monstruosa
continuar.
��� N��o vai continuar, T��rcio. Eu defenderei o menino
de uhnas e dentes.
De unhas e dentes. Como era inocente e boba. Ima-
gina que com vinte e oito anos ainda acreditava que o
��� 67 ���
dinheiro n �� o era t u d o , que o d i n h e i r o n �� o conseguia desin-
t e g r a r a m o r a l e o esp��rito d a s pessoas. O h ! Adelaide idiota,
besta, b u r r a , q u e m t e m d i n h e i r o est�� a r m a d o com todas a s
a r m a s poss��veis.
T��rcio a c h o u q u e o antibi��tico era o ideal, m a s p a r a o
m e n i n o m e l h o r a r seria necess��rio faz��-lo e n t r a r em o u t r o
m u n d o .
Lancei u m o l h a r d e esguelha p a r a T��rcio, p e r g u n t a n d o
a m i m m e s m a se ele estaria r e g u l a n d o bem.
��� Aconteceu a l g u m a coisa, Adelaide?
��� N��o, n �� o houve n a d a , �� que a g o r a estou compreen-
d e n d o e infelizmente n �� o poderei t i r a r o m e n i n o daqui.
��� Esse pal��cio �� o suficiente p a r a se p r e p a r a r mil m u n -
do d e n t r o dele, Adelaide. Essa c r i a n �� a que ali est��, t e m
q u e esquecer o que se passou com ela. Ela est�� horrivel-
m e n t e m a c h u c a d a e com u m a grav��ssima infec����o, m a s t u d o
isso ela s u p e r a . Mas a m e n t e d e n t r o dela deve existir algo
t��trico, pois voc�� pode r e p a r a r que se a g i t a o t e m p o todo
falando e g r i t a n d o .
De fato Cl��udio b a l a n �� a v a a cabe��a p a r a os lados n u m
sono i n t r a q u i l o .
��� Bem caro doutor, vou f o r m a r um m u n d o colorido e
risonho onde ele vai se sentir as mil m a r a v i l h a s .
��� Acho que ele �� um m e n i n o caprichoso e a u t o r i t �� r i o ,
pois deve ser excessivamente m i m a d o . Voc�� t e r �� um. g r a n d e
t r a b a l h o p a r a restituir-lhe a s a �� d e m e n t a l .
��� P u r o e n g a n o . Os pais d e l e . . .
��� Os pais dele?
��� Nada, ia falar besteira. Agora lhe p e r g u n t o u m a
coisa, T��rcio. Dizem que as c r i a n �� a s n �� o t e m for��a p a r a
sofrer e q u e p e r d e m a no����o dos sofrimentos r a p i d a m e n t e .
O que voc�� me diz? Digamos A n t o n i o Cl��udio esquecer��
com o t e m p o o que se passou c o m ele?
��� O excesso de sofrimento, a c h o que �� um fio c o n t �� n u o
na m e n t e de q u a l q u e r pessoa. Se esse m e n i n o ( n �� o sei o
��� 68 ���
que se passou) sofreu o que imagino, penso que j a m a i s
esquecer��.
Se T��rcio soubesse r e a l m e n t e o que se p a s s a r a .
Logo que o m��dico saiu, c h a m e i Zefa p a r a ficar com o
m e n i n o e fui com o Chico a t �� u m a c a s i n h a que ficava ocul-
t a e n t r e a s ��rvores d o g r a n d e bosque, n u m a clareira que
c h a m �� v a m o s o beco sem sa��da, pois, ela estava rodeada de
u m a vegeta����o m u i t o cerrada. Chico a b r i u u m c a m i n h o -
zinho e infiltramo-nos no m a t o , p a s s a m o s p a r a o largo q u e
t i n h a e m frente d a casa.
��� Que tal Chico? Aqui poderemos cu n �� o c o n s t r u i r
um m u n d o azul p a r a o nosso Cl��udio.
Um t r e m o r e s t r a n h o c o n t r a i u a fisionomia de Chico.
Sem responder come��ou a a n d a r a t �� a p o r t a da c a s i n h a e
a abriu.
Corri a t r �� s dele.
��� O que foi Chico? Nem. gostou da id��ia?
��� Claro. T u d o ser�� maravilhoso se c o n s e g u i r m o s . . .
��� Se conseguirmos?
��� Cur��-lo.
��� P u x a como voc�� �� pessimista. P e n s a m e n t o positivo,
Chico. E porque n �� o h a v e r �� a m o s de cur��-lo.
��� P o r q u e ele passou pela pior coisa do m u n d o . I m a -
gina, a i n d a t e m c o r a g e m de dizer-se m �� e .
��� Mas ele esquecer��. Disse-lhe, t r e m e n d o e sentindo
u m a coisa esquisita n a g a r g a n t a , como s e u m a m �� o g i g a n t e
a tivesse a p e r t a n d o .
��� At�� a s e n h o r a sabe que isto n �� o acontecer��. Ele
est�� por demais a s s u s t a d o . E r a m gritos, gritos todos os dias.
Chico a p e r t o u as m �� o s c o n t r a o rosto e e n t r o u r �� p i d o na
s a l i n h a p a r a eu n �� o ver as l �� g r i m a s escorrendo pelos seus
olhos.
��� 69 ���
Ouvi correr ��gua em algum lugar que depois vi que era
o banheiro e Chico voltou num sorriso disfar��ado.
��� Ent��o, Chico, vamos pelo menos tentar, n��.
��� Claro, dona Adelaide.
��� 70 ���
C A P �� T U L O 8
Antonio Cl��udio acordou no dia seguinte. Eu e s t a v a
de p�� em frente a s u a c a m a de bra��os cruzados e sorrindo.
Ele olhou em volta, p e r g u n t a n d o :
��� Onde estou, Adi?
��� No reino e n c a n t a d o .
Um leve sorriso perpassou pelos seus l��bios e s u a voz
saiu d��bil.
��� E onde est��o os g��nios e as fadas?
��� �� s�� eu d a r um t o q u e com a v a r i n h a m �� g i c a e esses
seres todos poderosos vir��o p a r a nos fazer viver um m u n d o
de m a r a v i l h a s .
��� Mas eles n �� o existem, Adi.
��� Mas a g e n t e pode fazer de c o n t a .
��� J�� n �� o posso fazer de conta. R e t r u c o u t r i s t e m e n t e .
��� Por q u e , m e u anjo?
��� N��o sou do t e m p o de princesas, de reis, d a s est��rias
de fadas e de Deus.
��� E de q u e t e m p o voc�� ��?
��� J �� n �� o sei.
Virou o rosto p a r a o c a n t o . P r o c u r e i distra��-lo e l h e
disse r i n d o :
��� Ah! e n t �� o e s t �� a c h a n d o q u e sou u m a v e l h i n h a . Pois
��� 71 ���
no m e u t e m p o de crian��a, q u a n d o eu t i n h a a s u a idade,
essas est��rias e r a m as m i n h a s delicias. As fadas s u r g i a m
como s��mbolos de gra��a, b o n d a d e e t e r n u r a . Eu c h o r a v a
porque queria viver nos pal��cios com todo aquele luxo e
vestir-me r i c a m e n t e como as lindas princesas. E t i n h a um
t r e m e n d o medo do castigo de Deus.
��� Mas hoje em dia a g e n t e n �� o acredita nisso, Adi.
M i n h a i m a g i n a �� �� o e s t �� i m p r e g n a d a de coisas p r e t a s , feias
e pavorosas. Vejo velhas b r u x a s , h o m e n s m e d o n h o s com
sacos n a s costas. S��o f a n t a s i a s da inf��ncia de hoje. Ou
m e l h o r de m i n h a inf��ncia.
Fiquei t �� o i m p r e s s i o n a d a com o que Antonio Cl��udio
a c a b a r a de dizer que corri p a r a ele e pegando-o nos bra��os,
levei-o p a r a o meio do bosque. Fi-lo s e n t a r n u m banco de
p e d r a s e ajoelhei-me em sua frente, segurando-lhe as m �� o s
e disse-lhe.
��� Meu anjo, n �� o quero fortificar a s u a i m a g i n a �� �� o
com coisas f a n t �� s t i c a s do m u n d o dos sonhos, dos g��nios, de
fadas, de g i g a n t e s ou de coisas assim. Mas voc�� e s t �� p o r
demais ligado a coisas de a d u l t o s . Vou lhe pedir u m a coisa.
Seu o l h a r era u m pouco a s s u s t a d o . Dei u m a s p a l m a -
d i n h a s e m s u a m �� o .
��� F i q u e t r a n q u i l o , n �� o �� n a d a de rem��dios e n e m in-
je����es. Voc�� vai agir como u m a c r i a n �� a que ��. Vai fazer
um esfor��o e a c r e d i t a r que existe P a p a i Noel, que existe
fada que b a t e n d o com s u a v a r i n h a m �� g i c a a p a r e c e t u d o o
que desejar. Vai a c r e d i t a r nos castigos de Deus e n u m m o n t e
de coisas que as c r i a n �� a s a c r e d i t a m .
S e n t i que ele estava d o m i n a d o por forte t e n s �� o nervosa,
pelas s u a s m �� o s que a p e r t a v a m a m i n h a f o r t e m e n t e .
Depois ele foi l a r g a n d o , passou a l �� n g u a pelos l��bios
ressequidos, olhou em volta.
Eu esperava a resposta com o cora����o aos pulos. Tinha
certeza que se ele aceitasse, talvez ele pudesse vir a ser um
menino, depois u m mo��o, depois u m homem. Casaria, teria
filhos e seus filhos e n c o n t r a r i a m a porta da inf��ncia aberta.
Ele saberia que a mente se i n c u m b i r i a de avan��ar por si
��� 72 ���
m e s m a e que no t e m p o certo t o d a s essas fantasias n��o se
realizariam e n �� o existiriam.
Ele se ajeitou melhor no banco e falou:
��� Q u a n t o s dias a g e n t e t e m que ficar no m u n d o d a s
crian��as?
��� Q u a n t o s dias voc�� quiser.
��� E n t �� o eu quero a t �� , a t �� . . .
��� At��?
��� At�� voc�� ficar comigo.
N��o sei porque senti um calafrio correr peia espinha,
aquele frio que faz a g e n t e a t �� c o n t r a i r os omoplatas.
��� E s t �� bem. E n t �� o vamos come��ar agora, disse-lhe
soltando suas m �� o z i n h a s . Rodei em volta, p r o c u r a n d o algo.
N��o sabia o que era. Talvez ma p o r t a onde eu pudesse
e n t r a r n a q u e l e m u n d o infantil que eu queria m o s t r a r ao
m e n i n o e n �� o o conhecia. P o r q u e eu t a m b �� m n �� o tivera
inf��ncia. Todo m u n d o conhece como vivi em crian��a, pelo
m e u livro "Eu M a t a r i a o Presidente". Pois bem, o que tive
de m e u na inf��ncia foi os m o m e n t o s de devaneios onde mi-
n h a m e n t e m e levava p a r a a s fadas, princesas, etc. Agora
eu p r o c u r a v a levar u m a c r i a n �� a p a r a o m u n d o da c r i a n �� a
e n �� o sabia como.
��� E s t �� p r o c u r a n d o a v a r i n h a m �� g i c a , Adi. Voc�� a quer
b a t e r p a r a que a p a r e �� a m coisas bonitas, n �� o ��?
B a t i com a m �� o na testa.
��� �� isso m e s m o .
��� Pode deixar que vou a c h a r a v a r i n h a , Adi.
Ele levantou e precisou se f i r m a r no b a n c o p a r a n �� o
cair. Senti que estava com medo de d a r o u t r o passo e t a m -
b �� m sei como ele deveria e s t a r se sentindo. F r a c o , com
as vistas t u r v a s e a q u e l a moleza n a s p e r n a s . Mas n �� o me
movi.
��� Voc�� precisa distra��-lo Adelaide, sacud��-lo, a voz de
T��rcio invadiu o bosque.
��� 73 ���
��� Puxa, estou tonto. Mas trarei a varinha para voc��,
Adi.
Morri de pena enquanto ele andava de pernas abertas
e gemendo. Pensei em lev��-lo novamente para a cama,
quando sua vozinha veio do fundo do bosque:
��� Achei, Adi. Achei.
Corri para ele que levantava no ar uma vara comprida
e seca.
��� Essa serve, �� s�� tirar os galhos.
Enquanto eu limpava a vara, ele sentou devagarinho
numa pedra e com o queixo apoiado nas m��os ficou a
tagarelar.
��� Deixe que eu bato.
Ele batendo a vara no ar e numa exclama����o de deli-
ciosa alegria gritando:
��� Varinha, varinha, varinha. Como �� o resto, Adi?
��� M��gica, minha. Desejo que... E a�� voc�� faz o
pedido.
��� Varinha m��gica, quero, quero que a Adi fique sem-
pre comigo e nunca mais me leve para aquela casona que
odeio.
Um pesado sil��ncio caiu em tudo. Parece coisa de ro-
mance. Mas n��o se ouviu por um momento nem o canto
dos p��ssaros, nem o leve sacudir da brisa nem o murm��rio
da min��scula fonte que se formava um pequeno lago t��o
perto de onde est��vamos.
Ele no ch��o, branco como cera, levantou a m��o tinta
de sangue.
��� Eu pedi a varinha, para voc�� n��o me deixar voltar
para casa Adi.
O que eu podia fazer, minha pobre crian��a.
* * *
��� 74 ���
S u a m �� o z i n h a s u s t i n h a a v a r i n h a no ar e seu o l h a r e r a
interrogativo.
��� E n t �� o , Adi?
��� Bem, Cl��udio, isso n �� o vai depender da v a r a m �� g i -
ca. Eu ficarei com voc��, q u a n t o t e m p o , s�� s e u s p a i s p e r m i -
tirem. Agora combinei com voc��, pedir coisas de c r i a n �� a .
��� Mas isto �� coisa de crian��a, Adi. A c r i a n �� a q u e e s t ��
se afogand o ped e socorro.
��� Todo m u n d o que e s t �� se afogando pede socorro, m e u
anjo. E a pessoa q u e vai socorr��-la, tira-o da �� g u a e depois
o q u a s e afogado t e m q u e a n d a r c o m s u a s p r �� p r i a s p e r n a s .
��� J �� e n t e n d i , Adi. P e n s o u u m pouco. E n t �� o vou pedir
�� v a r i n h a , deixe ver. Q u e a Adi me leia u m a est��ria.
E u sabia q u e preferia i r pescar n o lago, o u p l a n t a r
flores ou m e s m o a p a n h a r p e d r a s p a r a f o r m a r coisas. M a s a
d��r n �� o o deixaria a n d a r .
P a s s a m o s a m a n h �� na clareira e Zefa v i n h a u m a vez
ou o u t r a t r a z e r suco de f r u t a s ou q u a l q u e r guloseima e
Chico t r a z i a as li����es que ia b u s c a r no col��gio.
A m e d i d a que os dias i a m p a s s a n d o , ele ia m e l h o r a n d o
sensivelmente.
Logo de m a n h �� p u l a v a da c a m a e a b r i n d o a j a n e l i n h a
subia n a m i n h a c a m a e g r i t a v a :
��� Acorde Adi. Vamos p a r a o nosso Reino E n c a n t a d o .
T o d a s a s m a n h �� s ele t o m a v a dois ovos q u e n t e s , u m
copo de leite e c o m grossa fatia de p �� o e m a n t e i g a n a s m �� o s
�� a m o s a n d a n d o bosque a d e n t r o . O sol i l u m i n a n d o t u d o ,
avivando m a i s o colorido da m i n h a e s p e r a n �� a de q u e a
c r i a n �� a q u e p u l a v a ali ao m e u lado esquecesse a m o n s t r u o -
sidade q u e estava d e n t r o do esp��rito da d a m a da a l t a socie-
d a d e m u n d i a l . S u a m �� e .
S u a m �� e , ( e n q u a n t o ele a p a n h a v a u m a fl��r a q u i , o u t r a
a l i , o u corria p a r a p e g a r a l g u m a a b e l h a q u e z u m b i a ) , e u
ficava m a t u t a n d o o que era r e a l m e n t e ser m �� e . E u t i n h a
u m a a m i g a que m e dizia s e m p r e que c e r t a s m u l h e r e s a c h a -
��� 75 ���
v a m que ser m �� e e r a s �� a b r i r a s p e r n a s d u a s vezes. U m a
vez p a r a o p��nis e n t r a r e a o u t r a p a r a a c r i a n �� a sair, Ade-
laide, depois sai se o r g u l h a n d o que como m u l h e r estava
realizada. T i n h a casado e t i n h a posto u m filho n o m u n d o .
Mas m �� e p a r a m i m �� a q u e l a que d�� ao filho todos os
elementos p u r o s e sadios p a r a o seu r e l a c i o n a m e n t o f u t u r o
d e n t r o d o m u n d o .
��� T o m a , Adi. O b u q u �� de flores v e r m e l h a s . ��� Sabe
por que os galinhos delas s��o tortos? ��� P o r q u e s��o flores
d a q u e l a t r e p a d e i r a ali.
Passei a m �� o pelos seus cabelos b r i l h a n t e s e e s c a l d a n t e s
do sol.
Neste m o m e n t o por u m f a r f a l h a r d e m a t o a p a r e c e u
Zefa, ��� com u m a e n o r m e cesta de vime na m �� o . O m e n i -
no correu p a r a ela e d a n d o um salto enla��ou-lhe o pesco��o
com os dois b r a c i n h o s e o do beijo deixou o rosto da e m p r e -
g a d a todo l a m b u s a d o d e m a n t e i g a .
��� Zefa, Zefa, j�� sei o q u e t e m d e n t r o desta cesta. P a s -
t��is, frango assado, t o r t a de p a l m i t o e refrigerantes p a r a o
m e u pique-nique.
��� E x a t a m e n t e e vou p u x a r as o r e l h a s de Chico.
S u a r i s a d a cristalina.
��� Zefa me deu u m a p i s c a d i n h a .
��� Q u e dia m a r a v i l h o s o h e m , d o n a Adelaide.
O a m �� v e l sorriso da Zefa, seus brincos de argola de
ouro, seus cabelos lisos e pretos caindo pelas costas, o corpo
jovem e b e m feito e ela m o r t a .
Apertei a fronte com a m �� o . No m e u c��rebro ferve em
evolu����o e s t o n t e a n t e t u d o o q u e q u e r o que voc��, leitor
amigo, saiba. Por isso as vezes vou l�� na frente, volto p a r a
t r �� s , ou fico no meio.
Nem sei se voc��s v��o e n t e n d e r este livro. M a s a revolta
�� t �� o g r a n d e que vou escrevendo t u d o , s e m m e d i r concor-
d �� n c i a de frases, a c e n t u a �� �� e s , etc. Bem, deixe eu voltar
h�� doze a n o s , no meio do florido bosque.
��� 76 ���
��� Maravilhoso �� apelido, Zefa, respondi rindo. Voc��
quer vir com a gente?
��� Obrigada, dona Adelaide, �� que amanh��... a m��e...
Botei o indicador nos l��bios.
Zefa compreendeu. N��o se falava no amanh�� por
enquanto.
��� A sra. vai fazer o pique-nique no Horto Florestal?
��� N��o, Zefa. Vamos em Atibaia, no s��tio de um amigo.
Mas algu��m ainda precisa ver, se Chico me empresta um
carro.
��� Venha comigo, exclamou Zefa.
Com uma m��o segurando a de Zefa e a outra a de
Claudinho, entramos por uma trilha estreita, muito bem
cuidada tendo as margens cheinhas de violetas em flor,
Cl��udio ria dizendo:
��� Olhe o trenzinho, sai da frente minha gente, aqui
vai o trenzinho... Chuf... Chuf... Chuf... Piui...
Piui... piuiiiii.
Meu cora����o transbordava de alegria, e quase beijei
Zefa quando vi na rua Chico encostado no carro, sorrindo.
��� 77 ���
C A P �� T U L O 9
Embora o sol brilhasse ofuscando os olhos da gente, o
ar em Atibaia mantinha-se frio, um ventinho chato entrava
pelos buracos de minha blusa azul de "croch��", enquanto
corria pelos campos com Claudinho em meu encal��o em
dire����o ao lago. Paramos no lugar mais alto e respirando
aos solavancos lhe mostrei as montanhas ao longe.
��� L�� no cume daqueles montes moram as fadas. O
vento levantando os seus cabelos, os seus olhos se apertando
pelo ofuscar do sol, sua boca se abrindo para tomar f��lego
e sua vozinha pelo infinito.
��� Como elas est��o longe da gente, hem Adi.
��� Mas �� s�� bater a varinha.
��� Puxa esquecemos a varinha. Bem que eu me lem-
brei e me esqueci de lembrar, quero dizer...
Nossa risada se desvanecendo com o vento que zumia
num choro triste e l�� embaixo o lago de ��guas azuis cerca-
do de capim verde onde uma ��nica e frondosa ��rvore fazia
uma sombra escura.
��� J�� que esquecemos a varinha, vamos usar essa
mesma do anzol.
��� Mas essa �� muito comprida, Adi.
��� �� melhor comprida, assim as fadas escutam melhor.
Pe��a logo antes que elas resolvam ir atender as crian��as l��
de S��o Paulo.
Ele gritando cheio de risos.
��� 78 ���
. . . Fada. Fada. Quero que voc�� ponha um monte de
peixes no lado para a Adi, e eu pescarmos todinhos. Pronto
Adi, o lago j�� deve estar lotado.
��� Sei l��, meu anjo, me disseram que com o dia muito
claro, n��o se deve pescar. Entretanto, vamos l��.
Descemos o morro e logo entramos num capinzal alto
e cerrado, que ro��ava o nosso rosto, fazendo Claudinho rir
alto.
��� Como faz c��cegas, Adi. Puxa, o capim prende toda
hora a linha, espere, espere, me ajude Adi, e o ganchinho.
Enrolei a linha na vara enquanto ele reclamava.
��� Por que voc�� n��o mandou o Chico comprar varas que
tem carretilhas?
��� Nem pensei nisso. Pra falar a verdade �� a segunda
vez que pesco na minha vida.
��� Voc�� gosta de pescar, hein Adi?
��� Bem gostar eu n��o gosto muito, mas como voc�� disse
que vai me ensinar.
��� Claro que vou.
��� Ent��o passe na frente eu levo sua vara. Sendo mais
alta posso lev��-la sem problemas.
Ele abrindo o capim com os bracinhos esticados e
dizendo:
��� Estou afastando o capim para voc�� passar Adi,
assim ele n��o arranhar�� o seu rosto.
��� Voc�� �� maravilhoso, meu anjo.
De repente, achamonos em plena campina. Era um
descampado que parecia formado e tratado pela m��o do ho-
mem, que se estendia ao longe indo terminar no lago.
Corremos de m��os dadas e paramos.
��� �� aqui o local, Claudinho.
Ele com ar s��rio:
��� 79 ���
��� Bem, em primeiro l u g a r vamos p e g a r m i n h o c a s .
Abriu a caixa de a p e t r e c h o s . D e u - m e u m a p a z i n h a e pegou
a o u t r a . Nos dois c a v o u c a n d o a t e r r a e a m i n h o c a p u l a n d o
t o d a enrolada. Ele p e g a n d o o b i c h i n h o , pondo-o na p a l m a
d a m �� o , p r e n d e u c u i d a d o s a m e n t e n o anzol.
��� Essa �� a s u a , Adi.
P r e p a r o u a dele. P e g o u - m e pela m �� o , e p u l a n d o alegre
n o g r a m a d o a v e l u d a d o onde a s touceiras d e florzinhas azuis
e d o u r a d o s e r a m a b u n d a n t e s .
Mais a l g u n s passos e um b a r r a n c o onde me sentei c o m
a s p e r n a s p e n d u r a d a s . E u sabia como s e pescava, m a i s
deixei-o dar as a u l a s como ele queria, pois se s e n t i a impor-
t a n t e e alegre. E s t a v a se s e n t i n d o c r i a n �� a , e r a isso que eu
desejava.
��� P r o n t o , Adi, a g o r a vou j o g a r o anzol na �� g u a . P r o n -
to a g o r a p e g u e a v a r a e q u a n d o s e n t i r beliscar p u x e com
for��a. A g o r a vou a r r a n j a r u m l u g a r p a r a m i m .
��� N �� o se afaste m u i t o , C l a u d i n h o .
��� N��o, n �� o , Adi. Esticou a m �� o z i n h a ao sol. Vou
ficar ali n a q u e l e o u t r o b a r r a n q u i n h o .
Ele a n d a n d o d e cal��as a r r e g a �� a d a s onde a p a r e c i a m a s
b o t a s p r e t a s que eu c o m p r a r a no dia a n t e r i o r . Ele f i r m a n -
do o p�� p a r a s e n t a r - s e no l u g a r em q u e logo s e n t o u ; era
firme. Depois m a n e j a n d o s u a v a r a , fazendo a l i n h a descrever
n o a r e s t r a n h a s c u r v a s .
Eu s e n t i a os peixes beliscarem a isca, sabia t a m b �� m
que ela j�� n��o existia, pois pelas beliscadas senti q u e o lago
e s t a v a a p i n h a d i n h o d e peixes. C a r p a s , t r u t a s sei l �� q u e
peixes, s e r i a m . A v a r a p a r a d a n a s m i n h a s m �� o s e a �� g u a
r e b r i l h a n d o ao sol q u e c o m seu calor fazia escorregar suor
pelo m e u rosto. B a t i a levemente c o m o s c a l c a n h a r e s n o
m u s g o verde que se infiltrava por todo o b a r r a n c o . L�� na
frente a ��rvore solit��ria, o c a m p o c��r de rosa era u m a i m e n -
sid��o que se p e r d i a no infinito, a u m e n t a v a m a i s a solid��o
e a tristeza que come��ou a crescer d e n t r o de m i n h a a l m a .
Meus olhos se v o l t a r a m p a r a o m e n i n o que a g o r a de p��
segurava f i r m e m e n t e a v a r a que se vergava ao peso de um
��� 80 ���
grande peixe que raivosamente pulava de um lado para
outro em estouvadas investidas e em seguida mergulhava
com tal viol��ncia que parecia que ia arrebentar a linha. Ele
lutava desesperadamente, firmando os p��s e jogando o tronco
e cabe��a para tr��s.
Ele com a cabe��a e o tronco para tr��s e na m��o o pu-
nhal. Tudo na minha cabe��a girou. Onde estaria o anzol,
o lago, as flores, o campo verdejante e a ��rvore solit��ria?
Peguei o len��o e enxuguei o suor do rosto.
Ela com a cabe��a e tronco para tr��s, olhava desafiante
para o povo que lotava o sal��o do j��ri, sentada no banco dos
r��us. Estava linda, t��o linda como se fosse a um coquetel
ou a uma reuni��o social. O rosto bem maquilado, os cabe-
los arrumados com arte, sobressaiam a todos os penteados
das mulheres que estavam presentes. Vestido caro e j��ias.
Por duas vezes nossos olhos se encontraram e ela repu-
xou os l��bios num rieto de nojo. S�� eu e a T��cnica sabia-
mos que ela era a assassina.
O advogado de defesa continuava a mostrar que a
T��cnica estava errada. Abria os bra��os e passava pela sala.
Sim, srs. jurados. Est�� escrito em nosso "Tratado da
Responsabilidade Criminal", no volume terceiro, p��gina mil,
cento e um, que a per��cia, como qualquer outro testemunho,
�� uma prova pessoal. A justi��a que pune jamais poder��
fundir-se em uma certeza exclusivamente individual. O pe-
rito �� um consulente do juiz. A palavra da Pol��cia T��cnica
�� sempre a palavra de testemunha especial e se a T��cnica
diz que �� crime sem provas, vamos process��-la por perj��rio.
Digo-lhes agora quais s��o os crit��rios objetivos de avalia����o
da per��cia.
1.��
A "incredibilidade" das afirma����es retira a f��, no
testemunho pericial; a inverosimilhan��a diminui a f��; o teste-
munho pericial ter�� tanto mais valor quanto menos a ma-
t��ria de suas atesta����es se presta a enganos; o perito n��o
pode, com suas atesta����es, inspirar, nas coisas afirmadas,
��� 81 ���
mais f�� do que aquela que tem ele pr��prio. O conte��do da
per��cia tem tanto mais valor, quanto menos for dubitativo,
e vice-versa, se um perito cai em contradi����o, no contexto
de sua pr��pria certeza, n��o pode inspirar aos outros a cer-
teza das coisas afirmadas. O testemunho pericial, enquanto
�� em si contradit��rio, perder�� portanto, mais ou menos a f��,
segundo a natureza das afirma����es, entre as quais tem lugar
a contradi����o.
E assim eles, os belos advogados de defesa, falando,
falando. Levantando e descendo os bra��os, ora um, ora
outro.
Como podem, os srs. jurados, permitirem que afirma-
tivas inseguras levem uma jovem m��e inocente a uma cela
infecta da Penitenci��ria?
Podem estar certos, os srs. jurados: que ser�� mais um
erro judici��rio como o caso dos Irm��os Naves e do caso
Dreifus.
Ora pois. H��verei de convencer aos srs. jurados que n��o
se leva assim para a cadeia uma bela mulher ainda mais
inocente, s�� porque a T��cnica, mostrou uns laudos dubita-
tivos, a T��cnica, n��o reconhece a realidade evidente dos
erros, esquecendo-se de que �� ruim o parecer que n��o pode
mudar-se. A T��cnica se contradiz, porque, primeiro, ela nega
de modo absoluto, que a arma que vitimou Antonio Cl��udio
Mendon��a de Bragan��a, pode produzir esfuma��amento.
No laudo seguinte, j�� ela admite que existe esse esfu-
ma��amento. Confunde a presen��a do esfuma��amento como
sendo suspeita de assassinato, esquecendo-se que os trata-
distas de Medicina legal que, un��nimes, dizem que esse
esfuma��amento tem todas as caracter��sticas do suic��dio.
E o que voc��s me dizem da medida da m��o da v��tima?
Est�� tudo errado, principalmente a medida da m��o da
v��tima. A T��cnica, erradissimamente, coloca oito cent��me-
tros al��m do que os m��dicos legistas verificaram do orif��cio
da entrada do proj��til. A T��cnica inventa uma luta entre
m��e e filho, quando essa mulher que a�� est�� era m��e amiga,
e nunca sequer nem em pensamento brigou com o seu ente
��� 82 ���
m a i s querido, seu e n t e idolatrado, seu e n t e adorado, seu
filho.
P o r isso, srs. j u r a d o s , p r e s t e m b e m a t e n �� �� o , pois agora
m o s t r a r e i aos srs. q u e a T��cnica faz a v��tima a m p a r a r a
a r m a , q u e lhe �� a p o n t a d a pela m �� e , com os dedos, polegar
e indicador, e n c e n a �� �� o essa que os m��dicos legistas c h a m a m
de incr��vel.
��� Incr��vel, Adi. Peguei um peixe deste t a m a n h o . Ele
n a m i n h a frente com o s b r a c i n h o s esticados. Corra, corra,
v e n h a ver. Oh! Adi, q u e beleza!
F a l a v a ofegante.
��� O h , q u e peix��o, vou pedir p r a Zefa p r e p a r a r ele
p a r a n��s. Mas t a m b �� m o Chico, a Zefa p o d e m comer.
P u x a v a - m e , pela m �� o , q u a s e m e fazendo cair n a �� g u a .
��� V e n h a , v e n h a .
��� Venha, v e n h a .
O peixe se retorcendo no c h �� o e seus olhos c i n t i l a n t e s
n o s m e u s .
��� N��o �� maravilhoso? Voc�� n e m i m a g i n a como tive
que l u t a r com ele. Q u a s e m o r r i de susto, pois o m e s m o me
p u x a v a t a n t o q u e pensei q u e fosse cair n a �� g u a .
As b o t a s e n l a m e a d a s , as cal��as e n c h a r c a d a s , o rosto
v e r m e l h o coberto de suor. N��o, eu n �� o iria m a n d �� - l o t r o c a r
de r o u p a , ele e s t a v a t �� o feliz.
Ele l a n �� o u u m o l h a r p a r a o n d e e u estivera s e n t a d a .
��� Voc�� n �� o pescou n e n h u m , Adi.
Sorri.
��� N��o l h e disse que n �� o sei pescar? Bem, a g o r a vamos
comer, estou m o r t a de fome.
��� Q u e r o comer a q u i , j u n t o do rio.
Olhei p a r a o b r u t o m o r r �� o que t e r i a que subir. Atra-
vessar o capinzal que cortava o rosto da g e n t e p a r a ir bus-
��� 83 ���
c a r a cesta. Ele p a r e c e u a d i v i n h a r os m e u s p e n s a m e n t o s ,
pois q u a n d o o vi j�� subia o m o r r o g r i t a n d o :
��� Vou b u s c a r a cesta.
A t o a l h a b r a n q u i n h a , na relva a v e l u d a d a , recebia as
i g u a r i a s que ele ia colocando sem p a r a r de falar.
��� E s t o u com u m a fome de lobo. Vou comer todo esse
frango e deixar os ossos b r a n q u i n h o s .
De fato ele estava com fome, u m a fome que a m u i t o
n �� o r e c l a m a v a e deixou os ossos peladinhos.
��� P u x a . Adi! como as fadas foram boazinhas, me de-
r a m o peix��o e me s e g u r a r a m na h o r a em que eu ia cair.
Sabe, Adi, eu estava c o m u m a b a i t a v o n t a d e de pedir p a r a
voc�� me socorrer, pois a todos os m o m e n t o s j�� me via den-
t r o d a �� g u a m o r r e n d o afogado, m a s fiquei com v e r g o n h a
p o r q u e voc�� disse q u e c a d a um deve a n d a r com os seus p r �� -
prios p��s, e n t �� o eu me lembrei das fadas e b a t i a v a r a de
pescar com peixe e t u d o , elas vieram. A fada era linda.
U m a m o �� a m u i t o linda, b e m alta, com u m lindo vestido
b r a n c o , b e m a r m a d o , todo bordado de estrelas azuis de o n d e
s a e m fa��scas cor de luz. Quero dizer, assim cor do sol. E l a
t i n h a os cabelos, b e m loiros e compridos e na cabe��a u m a
coroa c h e i a de p e d r a s c i n t i l a n t e s .
��� Essa fada �� parecida com aquela da est��ria que lhe
contei.
��� Pois �� Adi. E n q u a n t o eu l u t a v a com o peixe, eu
fiquei p e n s a n d o n a q u e l a est��ria e a�� fiquei corajoso.
Ele falava, falava, falava. Teria esquecido?
A m e n t e dele t i n h a que ficar s e m p r e ocupada, em coisas
agrad��veis. A voz de T��rcio estava ali.
Acabou d e comer a r r a n c a n d o u m m o n t e d e c a p i m lim-
p o u as m �� o s . A�� saiu correndo e veio a r r a s t a n d o o e n o r m e
peixe pelo rabo, falando:
��� Acho que ele era a a . . . p a r o u com olhos a r r e g a -
lados e m o r d e u os l��bios.
��� 84 ���
Pensei que ele estivesse s e n t i n d o aquelas m e s m a s dores.
Corri e ajoelhei-me segurando-lhe as m �� o s .
��� O que foi Cl��udio, o q u e est�� s e n t i n d o , s��o as dores,
fale, fale.
Seu l��bio inferior t r e m e u .
��� N��o �� n a d a , �� que eu pensei que ela ��� indicou o
peixe ��� tivesse deixado l�� no fundo do lago um m o n t e
d e filhinhos, pensei que ela fosse a . . . a . . .
Compreendi. Ele n �� o queria p r o n u n c i a r o n o m e m �� e .
Mas eu q u e r i a q u e ele falasse p a r a esquecer t u d o de u m a
vez.
��� Ora, m e u anjo, ela n �� o �� a m �� e de todos, se fosse
a fada n �� o ia deixar que voc�� pegasse.
��� E se a g e n t e p e r g u n t a r p r a fada? ��, �� isso mesmo.
Voc�� vai p e r g u n t a r p r a fada.
Vamos, grite b e m alto o l h a n d o l�� p r o m o r r o . A sua voz.
��� F a d a , fada, esse peixe a q u i �� . . . a . . . a .
Seu o l h a r no m e u com sinais de medo.
B a t i e m s u a m �� o z i n h a .
��� Vamos falar j u n t o s t �� .
��� T �� .
Nossas vozes se m i s t u r a n d o .
��� F a d a , fada, esse peixe a q u i �� (apertei s u a m �� o , e
sorri) a m �� e de todos?
Ele sorriu.
��� Agora voc�� sozinho. Vamos.
��� E n t �� o a p e r t e a m i n h a m �� o .
��� F a d a , F a d a , esse peixe a q u i �� a m �� e de todos?
Ele se jogou n o s m e u s bra��os e ca��mos na g r a m a rindo.
Ele a r r a n c a n d o c a p i m e me a t i r a n d o no rosto (eu fingindo)
q u e e s t a v a cega. Seu riso cristalino. Depois ele deitado a
s o m b r a d a solit��ria ��rvore.
��� N��o q u e r o deitar, Adi, j u r o que n �� o estou cansado.
��� Mas �� h o r a de s u a cesta. O m��dico a c h a que voc��
t e m que ir se r e c u p e r a n d o devagar.
Esticou os l��bios n u m m u x o x o , e c a r r a n c u d o se deitou
n a g r a m a m a c i a .
��� Chi, q u e c a r a , vai a s s u s t a r a t �� as filhas das fadas.
Olhe como e s t �� a s u a c a r a . Eu e n c h i a a boca de ar, esti-
c a n d o a s bochechas.
Ele virou o rosto e espremendo-o c o n t r a a g r a m a , p a r a
eu n �� o ver q u e estava m o r r e n d o de rir. Fiz c��cegas em
s u a s costas e ele virou-se de chofre, d a n d o vas��o ao riso q u e
se espalhou pelo l a n g o r da t a r d e m o r n a e d o u r a d a .
Tirei-lhe as botas e fui a t �� o lago, p a r a lav��-las. Com
um peda��o de p a u tirei a l a m a e lavei-as com a l g u m a s
folhas l a r g a s m o l h a d a s n a �� g u a b a r r e n t a daquele lado d o
lago.
Limpei as b o t a s por fora. Q u a n d o voltei ele d o r m i a p r o -
f u n d a m e n t e . S e n t e i em sil��ncio p e r t o dele, e fiquei c o n t e m -
p l a n d o o seu rosto c o r a d i n h o . Depois deitei de costa e
com os bra��os cruzados debaixo da cabe��a a c o m p a n h e i o
s a l t a r dos p a s s a r i n h o s n o s galhos da frondosa copa, o u v i n d o
o seu c a n t a r doce e embalador. Fechei os olhos e p r o c u r e i
d o r m i r t a m b �� m , m a s o c��rebro v i r a n d o e r e v i r a n d o em mil
p e n s a m e n t o s n �� o permitia, pois ele t a m b �� m n �� o compreen-
dia como u m a c r i a n �� a milion��ria, pudesse viver assim s��,
e indefesa.
Eu t a m b �� m , n �� o compreendia, porque a afei����o a essa
c r i a n �� a , crescia dia a dia, d e n t r o de m e u esp��rito, e n c h e n -
do-me de t e r n u r a e de u m a e s t r a n h a . piedade. S i n c e r a m e n t e
n �� o sabia explicar o u m e l h o r n �� o h a v e r i a explica����o.
O q u e aconteceria f u t u r a m e n t e ? Teria eu for��as p a r a
c o n t i n u a r como p r o t e t o r a d e u m a c r i a n �� a , m e m b r o d e u m a
e n o r m e e t r a d i c i o n a l fam��lia, o n d e se m i s t u r a v a m g e n t e
i m p o r t a n t e d e nosso m u n d o pol��tico-social. M a s q u e m era
e u ?
��� 86 ���
A b a r r e i r a e n o r m e na m i n h a frente feito de governado-
res, m i n i s t r o s , milion��rios e m a i s forte a i n d a cercada de
bispos e p a d r e s .
��� Meu i r m �� o o governador do E s t a d o da ou,
m e u tio Bispo de �� C a r m e m j o g a n d o as m �� o s leves
e b e m t r a t a d a s pelo ar, e soltando baforadas de cinza azu-
l a d a que se esvaecia, pela luxuosa sala. C a r m e m , que diabo
a c o n t e c e r a a q u e l a m u l h e r d e g��nio i r r a c i o n a l com s u a s
d i �� r i a s venetas cheias de explos��es e c��lera? P o r q u e ela
h a v i a feito t u d o aquilo? N��o, n �� o devia m e infiltrar e m
t a m a n h a m o n s t r u o s i d a d e , t i n h a que desaparecer, sen��o ficaria
m a l u c a .
E n q u a n t o pudesse faria t u d o p a r a impedir que algo d e
m a l acontecesse ao m e n i n o , que d o r m i a com a fisionomia in-
q u i e t a , q u e de q u a n d o em q u a n d o se c o n t r a i a fazendo q u e
s e u s l��bios abertos saisse um d��bil gemido.
T i n h a que p a r a r de pensar. Levantei e fui em dire����o
a o m o r r o verdejante. Subi com c e r t a dificuldade m a c h u -
c a n d o os p��s descal��os, em mil coisas.
L�� b e m no alto, abri os bra��os s e n t i n d o o vento m o r n o
c o n t r a a o m e u rosto, e s p a l h a n d o n o ar, m e u s cabelos e m a -
r a n h a d o s . Fiquei b r i n c a n d o com o vento, a t �� q u e m e u s olhos,
c a i r a m n a q u e l e fr��gil corpinho, ca��do l�� na sombra. Ele ca��do
a o s m e u s p��s s a n g r a n d o .
Apertei o rosto n a s m �� o s s u a d a s . Q u a n d o as tirei, vi
q u e ele v i n h a correndo. Subia o m o r r o escorregando no
c a p i m e se a g a r r a n d o n a s touceiras.
��� P u x a como dormi!
Olhei p a r a o sol que j�� come��ava a se esconder a t r �� s
d o s m o n t e s .
��� Veja, Adi, a g o r a n �� o podemos m a i s pescar, reclamou
t r i s t e .
��� C a l m a , C l a u d i n h o , o m u n d o n �� o se a c a b o u a i n d a .
H a v e r �� m i l h a r e s d e dias, onde u m m e n i n o poder�� pescar
q u a n d o quiser. Agora t e m o s que voltar, pois n �� o gosto de
g u i a r a noite n a s e s t r a d a s , com aquela g e n t e c h a t a p o n d o
o s far��is n a c a r a d a g e n t e .
��� 87 ���
* * *
Era b e m t a r d e q u a n d o c h e g a m o s . Deixei o c a r r o na
r u a e e n t r e i pelo p o r t �� o z i n h o dos fundos.
Ele alegre p u l a n d o na m i n h a frente s e g u r a n d o o peixe
pelo rabo, fazendo f a r f a l h a r as folhas do bosque. Se escondia
e r e a p a r e c i a n a s n e g r a s s o m b r a s das ��rvores s e m p r e r i n d o
falando alto.
Logo a c a s i n h a i l u m i n a d a a p a r e c e u . Zefa, s o r r i d e n t e
a b r i u a p o r t a , e vimos a m e s a p r e p a r a d a p a r a o j a n t a r c o m
flores e t u d o .
Cl��udio, dando-lhe o peixe p a r a ser p r e p a r a d o p a r a o
almo��o do dia s e g u i n t e , e lhe c o n t a n d o a pescaria. I n v e n t a v a
coisas que levava Zefa rir a t �� as l �� g r i m a s . Ali estava o
verdadeiro Antonio Cl��udio M e n d o n �� a de B r a g a n �� a . Alegre,
vivo, t a g a r e l a e espirituoso.
Zefa t a m b �� m estava alegre e me segredou e n q u a n t o
Cl��udio lavava as m �� o s longe da g e n t e .
��� Oh! d o n a Adelaide. G r a �� a s a Deus ele e s t �� v o l t a n d o
a ser o q u e era. Como voltou c o n t e n t e . A sra. deve lev��-lo
m a i s vezes a p a s s e a r no c a m p o .
��� O pr��ximo passeio ser�� na p r a i a , Zefa. Vou lev��-lo
a t �� S��o Sebasti��o. Ele vai se divertir e m u i t o . J�� sei q u e
o ar p u r o lhe faz bem. Se voc�� visse como ele c o m e u !
Pensei que fosse estourar, Zefa.
��� Oh, seu m a l a n d r o , e s c u t a n d o o que a g e n t e e s t a v a
faiando, h e m ?
Zefa o a b r a �� o u d a n d o - l h e u m a p a l m a d i n h a no seu
traseiro.
* * *
Eu conhecia as i n �� m e r a s p r o p r i e d a d e s que os pais de
Cl��udio possuiam e s p a l h a d a s pelo Brasil, pelo m u n d o . Lo-
g i c a m e n t e n �� o podia ir com ele p a r a o exterior p o r q u e n �� o
t i n h a a u t o r i z a �� �� o de seus pais, e m u i t o m e n o s d i n h e i r o .
T a m b �� m a c h a v a que ele devia conhecer o u t r o s l u g a r e s , s e m
��� 88 ���
coisas luxuosas. Ele por s u a vez come��ava a ter h o r r o r ao
dinheiro e dizia que j�� estava a s s u s t a d o com a h e r a n �� a q u e
receberia u m dia.
Vendo que o m e n i n o se s e n t i a b e m ao ar livre, pedi ao
Chico, p a r a m a n d a r colocar u m a m e s a e b a n c o s ou cadeiras
na clareira q u e ficava j u n t o ao lago e l�� a l m o �� a v a m o s e pas-
s a m o s a m a i o r p a r t e do dia. Ele m e s m o deu a id��ia b e m
i n f a n t i l o que m u i t o me alegrou.
��� Adi, v a m o s c a t a r b a s t a n t e p e d r a s de cores b e m lin-
d a s e c e r c a r t o d a a clareira (era u m a clareira de oito por
seis m e t r o s , m a s p a r a ele t �� o p e q u e n o devia ser e n o r m e ) .
��� E n t �� o m �� o s �� obra, Cl��udio.
S u a i m a g i n a �� �� o iluminou-se.
��� Eu sei onde t e m um m o n t e de cristal da rocha, e
g r a n i t o s coloridos e p e d r a s cobertas de m u s g o v e r d i n h o e
p e d r a s com f o r m a t o de b i c h i n h o e um m o n t e de o u t r a s
coisas.
A�� p a s s �� v a m o s os dias a p r o c u r a r dessas coisinhas que
ele a c h a v a u m a m a r a v i l h a . C a d a u m a que e n c o n t r a v a p u l a -
va de alegria, e ia correndo lav��-las. Depois de toda c e r c a d a
ele quis p l a n t a r m u d i n h a s de flores.
Ele p l a n t a v a e eu lia est��rias.
Um dia ele disse.
��� Adi, hoje vai me deixar um pouco sozinho l�� no nosso
n i n h o (era a c l a r e i r a ) . Quero lhe fazer u m a s u r p r e s a .
��� Claro, querido. Q u a n d o voc�� me pede p a r a ficar so-
zinho, eu fico m u i t o c o n t e n t e , pois o s i n t o um m e n i n o co-
rajoso e sei q u e vai crescer sabendo e n f r e n t a r t u d o sozinho.
Ele me d a n d o um beijo e me l a m b u z a n d o de q u a l q u e r
coisa que comia, saiu correndo pelo a t a l h o que levava ao
j a r d i n e i r o .
Zefa chegou logo em seguida.
��� Onde e s t �� o T o n i n h o , d o n a Adelaide.
��� Penso q u e est�� com o jardineiro. P o r q u e ?
��� 89 ���
��� O seu pai quer falar com ele.
��� Ele j�� voltou?
��� N��o, pelo telefone.
��� E a g o r a ?
��� Vou a t �� o j a r d i n e i r o .
��� N��o, Zefa, ele foi t �� o c o n t e n t e dizendo que ia me
fazer u m a s u r p r e s a . P o r favor diga ao Carlos p a r a deixar o
n �� m e r o do telefone o n d e ele est��, m a i s t a r d e ligarei.
��� Pois n �� o , d o n a Adelaide.
Zefa, c o r r e n d o por o u t r o a t a l h o em dire����o �� m a n s �� o .
Q u a n t o s a n o s depois assisti a m e s m a cena. Cl��udio
c a m b a l e a n d o pelo a t a l h o era dire����o ao j a r d i n e i r o e Zefa
c o r r e n d o pelo a t a l h o em dire����o �� m a n s �� o . Depois o grito
horr��vel de Zefa e o sil��ncio cobrindo t u d o .
��� P r o n t o , Adi, pode vir, agora. P u x a n d o - m e pela m �� o ,
e m p u r r a n d o a vegeta����o, ��amos em dire����o �� clareira.
A e n t r a d a da clareira estava t a p a d a , com u m a esp��cie
de p o r t a , n �� o lembro de que.
��� Pode t i r a r a p o r t a Dito.
Aquela coisa a l t a sendo a f a s t a d a e ele o l h a n d o p a r a
m i m m o s t r a n d o , todos o s d e n t i n h o s .
Pode olhar, Adi.
Olhei ��� C e n t e n a s de vasinhos de violetas, amores-per-
feitos, ger��nios e o u t r a s flores e s t a v a m dispostas c o m cui-
d a d o em c i m a das p e d r a s , c e r c a v a m t o d a a clareira como
u m colar d a s m a i s v a r i a d a s flores.
��� Oh! Anjo q u e m a r a v i l h a ! Voc�� �� um a m o r . O
m e n i n o m a i s lindo d o m u n d o .
��� Eu ajudei o Dito p l a n t a r . F a z um t e m p �� o ��� q u e
p l a n t a m o s e eu disse ao Dito q u e no dia q u e as flores sa��s-
sem n��s ir��amos fazer isso. V e n h a vou lhe dizendo o n o m e
d a s flores.
��� 90 ���
Fingindo n��o conhecer nenhuma iamos a passos lentos
rodeando tudo e ele ria contente com os meus Hos! de
espanto, achando tudo maravilhoso.
��� Muito bem, meu anjo, gostei muit��ssimo.
��� Gostou mesmo, Adi?
Apertei-o em meus bra��os.
��� Muito, muito. Agora estamos no paraiso.
N��o, Adi. Estamos no Reino Encantado. Eu sou
um pr��ncipe e voc�� uma princesa.
��� Sou muito velha para ser princesa �� melhor eu ser
a fada.
��� N��o, se voc�� n��o for a princesa eu n��o brinco mais.
��� Mas a princesa tem que casar com o pr��ncipe, e voc��
n��o vai querer, que um pr��ncipe de oito anos, case com uma
princesa de vinte e oito anos.
��� Mas ele casa, Adi.
��� Ora, anjo, �� melhor a gente inventar outros perso-
nagens.
��� Ent��o n��o brinco mais.
��� Telefone dona Adelaide. A voz de Zefa, no ar. �� o
dr. Carlos. Ele disse que n��o pode dar o telefone de onde
est��, porque se torna dif��cil a liga����o.
Ele largando de minha m��o e olhando-me com os olhos
arregalados e passando a l��ngua pelo l��bio superior como
sempre fazia, quando estava com medo.
Coloquei a m��o em seu ombro e senti que seu cora����o-
zinho disparava.
��� Zefa, diga-lhe que espere um pouco.
��� Ele est�� falando da Inglaterra, acho que n��o d�� pra
esperar.
N��s dois ca��mos na gargalhada. Antonio Cl��udio pro-
longou a sua por segundos que eu ouvia mesmo de longe
enquanto corria para atender o telefone.
��� 91 ���
Ouvi a voz de Carlos como um a u t �� m a t o . Depois virei
p a r a Zefa q u e estava a t r �� s de m i m , e a p e r t a n d o as m �� o s g��-
lidas e s e n t i n d o o c��rebro oco e a t o r d o a d o e a q u e l a f u n d u r a
n o est��mago, balbuciei:
��� Eles v o l t a m a m a n h �� .
A e x c l a m a �� �� o a b a f a d a de Zefa e seus olhos d e s m e s u r a -
d a m e n t e abertos.
��� E a g o r a , d o n a Adelaide?
Apertei os l��bios.
��� T e m o s que traz��-lo p a r a c�� e lhe c o n t a r .
��� Vai ser d u r o . Pobre c r i a n �� a . Se a g e n t e pudesse
ajud��-la. Vou c h a m a r o Chico.
��� N��o, Zefa, j�� sei o q u e fazer. Levo o Cl��udio p a r a a
p r a i a . Deixo com voc�� o endere��o. Q u a n d o o dr. Carlos
chegar, voc�� diz q u e eu preciso falar com ele u r g e n t e . Vamos
c o m e �� a r a g u e r r a , Zefa.
N��o sei com que c a r a estava, m a s q u a n d o Cl��udio me
viu, t o d a a alegria daqueles dias, apagou-se-lhe do olhar. E
e m b o r a me visse sorrindo, seus olhos e n c h e r a m - s e de l��gri-
m a s e correndo a b r a �� o u - m e e desatou a c h o r a r .
��� C l a u d i n h o , vamos n��s a r r u m a r . Vou lev��-lo p a r a a
p r a i a .
Ele se d e s p r e n d e u r �� p i d o e afastando-se um pouco ga-
guejou:
��� O h ! Adi, Adi, Adi.
D u r a n t e m u i t o t e m p o n �� o pode sen��o repetir m e u nome,
m a s aos poucos, aos a r r a n c o s , come��ou a falar da praia, de
luz, de sol, de �� g u a , de peixes, e um m u n d o de coisas.
S e n t a d a no meio dos vasinhos de flores eu o ouvia r i n d o
m a s com o cora����o p e s a n d o t o n e l a d a s .
T i n h a que come��ar a faz��-lo voltar �� realidade.
��� V�� l�� no seu q u a r t o e escolha a l g u m a s r o u p a s . Vamos
p a s s a r a l g u n s dias em S��o Sebasti��o.
��� 9 2 ���
Ele p a r a d o , m u d o .
��� Vamos, m e u anjo, voc�� precisa a g o r a sair do m u n d o
das fadas e e n t r a r no m u n d o real, n u m lindo h o t e l cheio de
p l a n t a s floridas e voc�� N��o vou lhe c o n t a r , a g o r a
como �� o hotel. F a �� o q u e s t �� o q u e voc�� veja t o d a a s u a
beleza pessoalmente. Agora v��.
Ele p a r a d o e m u d o .
��� O que ��, Cl��udio?
��� N �� o quero e n t r a r n a q u e l a casa.
��� M a s . . . m a s . N��o t i n h a p a l a v r a s p a r a faz��-lo com-
p r e e n d e r que isso n �� o poderia acontecer. Eu o t i r a r a de l��
e a g o r a eu t e r i a que faz��-lo voltar sem mago��-lo.
Ele n �� o esquecera. T u d o e s t a v a a p e n a s coberto c o m
cinzas m o r n a s . Agora as b r a s a s v e r m e l h a s e vivas e s t a v a m
fazendo com q u e o ar se enchesse de e s t r e l i n h a s .
M u n d o de fadas t i n h a q u e ser o seu m u n d o . L�� ele se
s e n t i a feliz, s e g u r o e despreocupado. Nesse m �� s q u e passou
neste m u n d o , fez as li����es t �� o perfeitas q u e q u a n d o Chico
as levou p a r a a professora, ela ficou a d m i r a d a .
��� M a s se o m e n i n o e s t a v a fraco e doente, como �� q u e
pode escrever com t a n t a firmeza e s e g u r a n �� a . E t e m m a i s ,
t u d o e s t �� t �� o claro! C a d a vez q u e lhe m u d o as li����es fico
p r e o c u p a d a , pois acho-as dif��ceis, p o r q u e n �� o a explicamos,
e o sr. v��, t u d o certo, limpo e b e m c a p r i c h a d o . Que diabo
aconteceu a o C l a u d i n h o . Ele a n d a v a t �� o e s t r a n h o .
Como h a v i a de tir��-lo daquele m u n d o . Devia ou n �� o .
Meu c��rebro a r d i a . Aindo iria me m e t e r em m u i t a s compli-
ca����es.
U m a vida jovem estava em jogo. U m a pessoa fraca e
sem a r m a s l u t a v a c o n t r a u m a e s q u a d r a d e avi��es (os m a i s
m o d e r n o s ) , c o n t r a u m a d e navios t a m b �� m dos m a i s m o d e r -
nos. L u t a v a c o n t r a t a n q u e s , m e t r a l h a d o r a s e milh��es de
soldados. Venceria?
��� E se eu e n t r a r com voc��?
��� 93 ���
Sabia q u e s o m e n t e eu, conseguiria faz��-lo e n t r a r n a -
q u e l a casa, m a s e u t i n h a q u e d a r u m jeito d e pelo m e n o s
fazer c o m que ele e n t r a s s e no p a t a m a r sozinho.
��� E n t �� o vamos fazer u m a coisa. Voc�� e n t r a pela p o r t a
da frente e eu subo pela ��rvore. Q u e m e n t r a r no q u a r t o pri-
m e i r o g a n h a , g a n h a .
��� Um sorvete deste t a m a n h o , gritou ele.
��� Aceita a a p o s t a .
��� Aceito.
Corremos por e n t r e as ��rvores do bosque, g a n h a m o s o
g r a m a d o v e r d i n h o , e n c o n t r a m o s as cercas floridas, n o s des-
viamos d a s roseiras d e s a b r o c h a n d o , pisamos n o s cascalhos
b a r u l h e n t o s , s e n t i m o s o calor a r d e n t e das c e r �� m i c a s colori-
d a s . Ele subia de dois em dois os d e g r a u s da escadaria.
P a r o u , h e s i t a n t e no p a t a m a r v i r a n d o o rosto p a r a o m e u lado.
Dei u m a p i s c a d i n h a e corri p a r a a ��rvore, c o m e �� a n d o
a galg��-lo.
Olhei p a r a ele que virava devagar a m a �� a n e t a .
��� Vamos Cl��udio. O sorvete e s t �� geladinho, e s p e r a n d o
p o r voc��.
Abriu a p o r t a . Demorei o m a i s possivel, a b r a �� a n d o de-
v a g a r o t r o n c o e p i s a n d o n e s t e ou aquele g a l h o indo-
l e n t e m e n t e . De r e p e n t e n a s g r a d e s de ferro o seu r o s t i n h o
vermelho.
��� G a n h e i , Adi. G a n h e i o sorvete.
��� 94 ���
C A P �� T U L O 1 0
Cl��udio sabia onde era S �� o Sebasti��o, pois s e m p r e ia ��
p r o p r i e d a d e d e seus pais n a I l h a Bela, o n d e t i n h a m t a m b �� m ,
u m luxuoso iate q u e c o r t a v a a s �� g u a s a z u l a d a s d a I l h a , lo-
t a d o de convidados escolhidos a dedo. S e m p r e ele r e c l a m a v a
q u a n d o t i n h a q u e a c o m p a n h a r o s pais aos fins d e s e m a n a
na I l h a , pois preferia ficar c o m Zefa e Chico.
��� Eles s�� j o g a m e bebem, Adi. Eu n �� o t e n h o com q u e m
conversar.
M a s a g o r a ele n �� o via a h o r a de c h e g a r �� p r a i a . Ao
m e u lado n o c a r r o , como n u m a m �� g i c a , s u a fisionomia s e
modificou o p e r a n d o n o seu estado d e esp��rito u m a a l e g r i a
c o n t a g i a n t e , fazendo com q u e o sofrimento q u e a l g u n s mi-
n u t o s p a s s a r a fossem t o t a l m e n t e esquecidos. T a g a r e l a v a ,
sobre u m a m o n t e de coisas. Abria e fechava o vidro. Apon-
t a v a t u d o o que via de i n t e r e s s a n t e .
��� Olhe l��, Adi, u m a vaca com o b e z e r r i n h o m a m a n d o .
O l h e a q u e l a flor g r a n d o n a . Veja os b a n d o s de p a s s a r i n h o s .
P o r q u e eles est��o voando t �� o baixo?
E sem esperar resposta, j�� a p o n t a v a p a r a o u t r a coisa.
M a s e u n �� o lhe d a v a t a n t a a t e n �� �� o , estava a b s o r t a n o s
m e u s p e n s a m e n t o s .
U m a coisa e s t r a n h a m o r d i a l�� d e n t r o , n �� o sei se o esp��-
rito ou a a l m a . T i n h a u m a v o n t a d e louca de c h o r a r . C h e -
g a m o s no hotel. Ele ficou e n c a n t a d o , pois o h o t e l �� u m a
casa c o m u m , n a f r e n t e e m a i s a t r �� s d e u m a l p e n d r e g r a n d e
vai-se descendo por e s c a d i n h a s esculpidas n a r o c h a , com a s
��� 95 ���
l a t e r a i s cheias de p l a n t a s floridas e g a n h a - s e a p r a i a c o m
a r e i a fina e b r a n q u i n h a e l�� do o u t r o lado da B a �� a avista-se
a I l h a Bela.
C l a u d i n h o desceu e s u b i u n e m sei q u a n t a s vezes. Co-
m e �� o u a p a n h a n d o flores e j�� com um p e q u e n o b u q u e z i n h o
o l h a v a o g e r e n t e do hotel q u e lhe dizia.
��� �� proibido a p a n h a r flores, m e n i n o .
��� S��o p a r a a Adi.
Comecei a rir. S��o p a r a Adi, como se a Adi fosse algo
s o b r e n a t u r a l , que t u d o lhe era p e r m i t i d o .
Ele, o l h a n d o do g e r e n t e p a r a m i m , com os l��bios �� m i -
dos e os olhos l u m i n o s o s e s e g u r a v a com as d u a s m �� o s as
flores. E s t a v a maravilhoso como um q u a d r o de Renoir. Eu
n �� o podia c o n t e r o riso vendo-o t �� o sem jeito b o q u i a b e r t o
e c a d a vez m a i s afogueado. A�� C l a u d i n h o a p e r t o u os l��bios
e empertigando-se exclamou:
��� Eu pegarei as flores.
O g e r e n t e me o l h a n d o :
��� Dessa vez eu t a m b �� m ajudo a oferecer as flores a
s u a m �� e , m a s n �� o pode h a v e r o u t r a vez. E s t �� b e m ?
S e n t i s i m u l t a n e a m e n t e o n d a s de calor e de frio percor-
r e r - m e o corpo, q u a n d o via express��o de s u r p r e s a , de incer-
teza e de q u a s e m e d o que se espalhou pelo seu r o s t i n h o .
Oh! m e u Deus o q u e se passava na a l m a d a q u e l a
c r i a n �� a ? !
O g e r e n t e n e m percebeu a e s t r a n h a m u d a n �� a q u e se
operava n o m e n i n o , foi saindo p a r a a t e n d e r u m a m e n i n a
a l t a e m a g r a com os cabelos loiros e compridos e s p a r r a m a -
dos n a s costas. N��o sei p o r q u e eu p r e s t a v a t a n t a a t e n �� �� o
�� m e n i n a . J �� sabia. H o r a s m a i s t a r d e e n q u a n t o Cl��udio
d o r m i a fui a t �� o segu��o e l�� e n c o n t r e i enfiada em um m i -
cro-biquini s e n t a d a n u m a p o l t r o n a m a s t i g a n d o chicletes.
Lia u m a revista e u m a vez ou o u t r a , a b a i x a v a e r e l a n -
ceava a vista pelos g r u p i n h o s de pessoas que se f o r m a v a m
a q u i e ali no vasto sal��o. De r e p e n t e me olhou e sorriu.
��� 96 ���
��� Onde est�� o seu filho?
��� N��o �� meu filho.
��� Ah! pensei que fosse, apesar dele ser loiro e de olhos
verdes. Mas as vezes o filho puxa o pai.
��� Ele �� filho de um amigo. Est�� dormindo.
��� �� uma gracinha. Voc�� vai ficar muitos dias por
aqui?
��� Alguns.
��� Ent��o terei oportunidade de brincar com ele. O hotel
est�� chato, pois n��o tem nenhuma crian��a.
Ela falava. Eu ouvia e pensava, que ela seria uma
��tima companheira para Cl��udio, assim ele n��o ficava t��o
agarrado a mim.
��� Quantos anos ele tem?
��� Oito.
��� Eu tenho dez, mas todos me d��o mais. Olhe, o me-
nino vem para c��.
Virei-me de sopet��o. Vinha bocejando.
��� Uf, como dormi.
��� Claudinho essa menina. Como �� seu nome?
��� Vera.
��� Pois bem. Vera est�� muito s��. Gostaria de ter com-
panhia. O que voc�� acha?
Balan��ando o corpo sem saber o que dizer, p��s-se a olhar
de sobrolho franzido as pessoas que estavam por perto. Mas
a menina sem o menor acanhamento j�� o puxava pela m��o
e corriam escadas a baixo. Ele lan��ando olhares para tr��s
e eu lhe abanando a m��o num adeuzinho.
Apanhei um livro e desci tamb��m. Escolhi uma som-
bra, fiz um monte de areia, encostei a cabe��a e abri o livro,
mas n��o pude ler, pois n��o existe nada mais barulhento
��� 97 ���
que o mar se misturando as vozes e gritos de gente, tudo
parecia entrar pelo meu ouvido e se alojar no meu c��rebro.
Quando esse barulho cessava um pouco eram montes de
areia que vinha do ar jogado pela m��o de algu��m com aque-
las picadinhas chat��rrimas entrando pelos meus olhos. Dei-
xei o livro e sentando-me, procurei-o, apertando os olhos
naquela pureza de luz, que se misturava as ondas brancas
nos ofuscando a vista. Depois de algum tempo e j�� com os
olhos ardendo devisei-os ali bem perto. Como era alegre
v��-lo, ele pr��prio crian��a a mostrar para outra crian��a as
suas fa��anhas na ��gua. Pelo seu jeito acho que ensinava
a menina a pescar, pois fazia gestos como se atirasse a
linha ao mar, depois levantava os bra��os como se j�� tivesse
pegado um peixe. A menina de bra��os cruzados, pisando
com um p�� sobre o outro, ficava a observ��-lo, atenciosa-
mente. Depois ele olhando ao redor, me viu e correndo
para mim com as faces afogueadas, os l��bios vermelhos e
com a m��o afastando o cabelo da testa, se atirou na areia
e rolando de l�� pra c�� disse:
��� �� menina chata, eu ensino, ensino, ela a pescar e
ela n��o aprende. Parou, ficou de bru��os com os cotovelos
apoiados na areia e levantando o rosto suado exclamou:
��� Sabe o que ela disse, Adi. Que se ela tivesse uma
vara de pescar, ela tiraria o fio e pularia corda. Hurrah!
Como �� burra! Imagina. Pular com linha de pescar.
��� N��o fale assim, meu anjo, ela foi t��o gentil.
��� Gentil uma conversa fiada. S�� ficou mascando chi-
cletes e morreu de medo de entrar no fundo. Ah! Adi, pre-
firo brincar com voc��.
Olhei para ele com os olhos arregalados.
��� O que ��, Adi?
��� Puxa, s�� uns minutos que voc�� ficou com a menina
e vem um palavreado.
��� ��, s��o essas meninas modernas que deixam a gente
assim.
Ri at�� as l��grimas.
��� 98 ���
Ele me fixava dominado por uma exagerada onda de
alegria que o fez levantar-se, pegar punhados de terra e
jogar para o ar, onde a mesma se espalhando iam cair nas
pessoas que o olhavam carrancudas.
��� Cl��udio, n��o fa��a isso.
��� Fa��o sim.
O punhado de areia me acertou nas pernas.
Levantei-me e ele saiu correndo. Eu o perseguindo pela
praia sem fim. Ele entrando no mar e se defendendo com
a ��gua que me atingia aos montes. Sua gargalhada crista-
lina encobrindo o marulhar das ondas.
O sol ia se escondendo espalhando o dourado de seus
raios por toda a praia, montes, ��rvores, casas e mar quando
resolvemos subir as escadarias para jantarmos.
Lavado, bem vestido, os cabelos cuidadosamente pentea-
dos, o rosto vermelho, os olhos brilhantes, ele jantava feliz
ouvindo o barulho das ondas.
Depois algu��m sugeriu jogar t��mbola. Um coro de
aplausos acolheu o convite. Algu��m correndo pegou as car-
teias, outros pedindo feij��o para marcar, algu��m mexendo
o saco com n��meros, as mesas sendo empurradas, em fi-
leiras, serviram para todos sentarem �� sua volta. Cl��udio
foi escolhido para cantar os n��meros e o fazia animad��ssi-
mo, e quando um grito de "bate" se ouvia no ar, ele dava
pulos de alegria.
Coitadinho, se ele soubesse que as sombras de pesadelo
que se emboscavam a sua espera, estavam t��o pr��ximas.
Mas naquela noite suas explos��es de riso eram cont��-
nuas. Ele sorvia a alegria do momento com intensidade.
L�� de fora vinha o rumor do vento batendo nas ��rvores e
os lamentos das ondas sempre iguais.
Jogamos com a noite vindo ao nosso encontro r��pida e
escura.
��� Creio que �� hora de dormir, Cl��udio.
Como se ele adivinhasse que seria a ��ltima noite que
passar��amos juntos n��o obedeceu.
��� 9 9 ���
��� Ora, Adi. Deixe eu aproveitar essa noite. Nunca fiz
parte de jogo algum. Ah! deixe, Adi.
N��o tive coragem de negar e jogamos at�� bem tarde.
Quando entramos no quarto ele ainda comentava o jogo.
Foi tirando a roupa devagar.
��� Puxa, Adi, nunca me diverti tanto na minha vida.
Amanh�� a gente joga outra vez.
��� Sim.
��� E depois de amanh��?
��� Tamb��m. Mas agora deite-se.
Atirou-se debaixo das cobertas e minutos depois ador-
mecia.
Acordei com a claridade dos d��beis raios do sol nascente
entrando pela janela, anunciando um dos dias, mais tristes
de minha vida.
Ele dormia com as m��os juntas as quais serviam de
travesseiro. Ressonava suavemente com os longos c��lios a
tremularem na face linda e tranq��ila.
Atravessei o quarto bem devagar, para ir ao banheiro,
quando ele abriu os olhos, e sentou r��pido na cama. Olhou
pela janela o dia azul e amarelo e gritou:
��� Vamos, para o mar, Adi, a ��gua deve estar uma
del��cia.
* * *
Fizemos o sinal da cruz para entrarmos no mar. De
m��os dadas, levant��vamos e solt��vamos as pernas n'��gua
a dentro. Depois ficamos parados com as ondas mansinhas
fazendo c��cegas nos nossos joelhos.
Ele sorvia profundamente aquele ar puro e gostoso.
Como n��o sei nadar, sa�� do mar e fiquei olhando em volta
para ver se divisava algum banhista, caso acontecesse algu-
ma coisa. E a coisa aconteceu. O jovem veio em minha
dire����o e n��o sei porque meu cora����o come��ou a acelerar
rapidamente. Lembro que eu fazia o poss��vel para afastar
��� 100 ���
o cabelo do rosto mas o vento forte teimava em espalh��-lho
pelos olhos, e o fazia entrar na boca.
A claridade ofuscante, o sol brasante, o rugido forte do
vento e o mon��tono marulhar do mar. Ele gritou e eu ouvi
como que de longe.
��� A sra. �� dona Adelaide?
Ele apertando os olhos e gritando:
��� O dr. Carlos Bragan��a de Mendon��a veio buscar o
menino.
O engra��ado �� como nessa hora o esp��rito da gente se
porta t��o estranhamente.
Eu olhando para o mar e a minha voz infantil vinda do
fundo do meu cerebelo entrou pelo meu c��rebro e veio para
a garganta.
Onda vai, onda vem. L�� na praia marulhar, salta aqui
corre ali sempre sem cessar.
De quem seria esta can����o ��� Casemiro de Abreu. N��o,
n��o era ou era. Ele saltando daqui e dali sem cessar.
��� Oh! mo��a. Estou falando com a sra.
��� Sei, sei ��� Escute, fa��a-me um favor. Fique aqui um
pouco. O menino acabou de entrar na ��gua. Se eu o tirar
agora, ficar�� muito triste. Vou falar com o pai dele.
��� A sra. avisa o gerente?
��� Aviso. Mas olhe toma muito cuidado.
��� Eu sei nadar dona, pode ir descansada.
Subi a rocha cheia de degraus e sem responder aos in��-
meros cumprimentos que me eram dirigidos pelas pessoas
que tinham jogado t��mbola com a gente na noite anterior,
entrei como uma louca no hotel. Avistei o gerente e corri
para ele.
��� O dr. Carlos?
��� Ele deve estar l�� fora no carro.
No carro quatro homens fumavam. Entre eles o tio
m��dico de Carmem, que me olhou com cara de poucos
amigos.
��� O dr. Carlos?
Nem sei quem respondeu.
��� Ele foi buscar o Claudinho, pois vai lev��-lo para a
Inglaterra hoje.
Uma esp��cie de vertigem me entorpeceu, deixando-me
oca e atordoada, brotando l�� do fundo do est��mago, aquela
n��usea que me faria vomitar alguns minutos mais tarde.
Como se aquilo custasse, um esfor��o infinito, desci as
escadarias esculpidas na rocha sentindo as pernas pesar to-
neladas e com o cora����o martelando forte vi o rapaz que a
pouco deixara, vir andando sozinho de cabe��a baixa chutan-
do monotamente a areia. Uma exclama����o abafada saiu de
seus l��bios quando me viu e entrou na n��voa cinzenta que
estava diante de meus olhos.
��� -O homem o levou a for��a, sra. Ele esperneou, gritou,
se arrastou na areia, gritando por um nome, por um nome.
��� Adi?
��� Sim, gritando por Adi.
O barulho do mar e do vento se encontraram saltando
por todo o infinito naquele rugido de mil monstros se
devorando.
Fiz um tremendo esfor��o e ofegante como se algu��m me
apertasse a garganta para me sufocar, subi cambaleante as
escadas cortadas na rocha e fui at�� o sal��o.
��� O gerente veio ao meu encontro.
��� O que foi, mo��a?! Est�� se sentindo mal.
Segurei a cabe��a com as m��os em brasa.
��� Onde est�� o menino?
��� O pai disse que vai lev��-lo para uma longa viagem
pois a m��e dele chora de saudades.
Bra��os me levando para o quarto, e eu vomitando.
Quando cheguei em S��o Paulo, liguei para a mans��o,
Zefa me dizendo que a fam��lia do menino principalmente o
Bispo, achavam que ele n��o podia passar muito tempo com
gentinha.
��� 102 ���
C A P �� T U L O 1 1
Idade de Cristo. Trinta e tr��s anos. Resolvi oferecer
um jantar aos amigos. Como o apartamento fosse muito pe-
queno, uma amiga me emprestou a casa l�� no Horto Flo-
restal. O telhado era todo gramado com uma piscina oval de
��guas azuis, rodeada de cadeiras de pregui��a, mesinhas e ca-
deiras comuns. Como a volta �� desprovida de qualquer grade
n��o se permite a entrada de crian��as. A turma j�� tinha
jantado e agora dan��avam na sala e espalhados pelo
jardim. Eu subi at�� a piscina e sentando em uma espre-
gui��adeira alisei o vestido branco de j��rsei franc��s e apertei
mais o cinto de pedras azuis.
��� Idade de Cristo, e vestida de Filha de Maria. Lem-
brava a voz de uma de minhas amigas, e isso me fazia rir.
��� Claro, respondi. Aposto que voc�� est�� morrendo de
inveja por n��o ter ganho um corte de tecido estrangeiro do
general.
Fechei os olhos e ca�� naquela calma que h�� muito n��o
sentia.
��� Ol��.
Abri os olhos e fui logo falando:
��� Voc�� n��o sabe que n��o pode entrar crian��as aqui?
Voc��... voc��... n��o... sab...
As l��grimas escorriam abundantes pelas minhas t��mpo-
ras molhando os meus cabelos.
Ali parado na minha frente, com um ramo de rosas na
m��o, sua voz saindo fraca, bem fraca.
��� 103 ���
��� Feliz anivers��rio, Adi.
��� Feliz anivers��rio, meu anjo.
Falei mas senti que a voz n��o era minha. Senti tam-
b��m que estava dura de emo����o, sem poder sequer me mover
na cadeira. Estaria sonhando?
Antonio Cl��udio, ali. Eu o olhava. Estava alto. A
cal��a muito justa mostrava que suas pernas tinham se estica-
do, tornando-se compridas e magras. Seu rosto adquirira
fei����es mais firmes e uma express��o de intenso madureci-
mento, cobria o seu semblante p��lido e triste.
Ele est�� um homem, pensei.
Mas ser�� ele mesmo?!
Levantei-me. Estava bem mais alto do que eu. Um
tremor convulso sacudiu o meu bra��o quando o estiquei para
toc��-lo.
��� Meu Deus, gritei. �� voc�� mesmo Antonio Cl��udio?!
Nos meus bra��os, senti que seu corpo tremia inteirinho.
Afastei-o rindo por entre as l��grimas. Puxei-o de volta para
os meus bra��os e apertei-o de encontro ao cora����o.
��� N��o, oh, Deus do c��u! n��o era ilus��o. Apertava em
meus bra��os o meu querido. A crian��a que adorava. Tal-
vez mas de que um filho se algum dia o tivesse. Eu o fiz
sentar-se em uma cadeira na minha frente e sentando-me na
outra, peguei as rosas amassadas de suas m��os, depositei-as
no ch��o e pegando as suas m��os entre as minhas fiz-lhe um
mont��o de perguntas.
Ele falava da Inglaterra, com voz calma sem sorrir. En-
quanto ele puxava as palavras l�� do fundo de seu ser, eu o
analisava. Ele tinha os ombros um pouco curvado para a
frente como se alguma coisa muito pesada estivesse for��ando
as suas costas.
Seus cabelos estavam compridos e emaranhados. Uso
da Inglaterra. Quanto mais emaranhados e sujos, mais char-
me destilavam. Sua fisionomia n��o mais apoiada pelo ar
lindo e infantil. E os olhos outrora t��o brilhantes, estavam
��� 104 ���
envolvidos por olheiras escuras, opacas onde dan��ava um ar
resignado, consumido. O que fizeram de meu Antonio
Cl��udio?
O que se passara nestes cinco anos? Que ruinas fizeram
brotar naquele cora����ozinho em flor?!
Oh! Meu Deus! se eu pudesse adivinhar.
��� E foi assim, Adi. Estudei em um bom col��gio, sei
falar o Ingl��s e o Franc��s.
��� Voc�� estava interno?
��� Sua voz saiu melanc��lica e de seu peito exalou um
suspiro triste.
��� N��o.
Sil��ncio.
Eu fingia alegria, quando dentro estava arrasada, mas-
sacrada, quebrada, sem coragem de perguntar o resto.
Sabia que atr��s daqueles olhos ba��os e cansados deveria
existir alguma coisa de macabra.
Depois vim a saber e hoje sei que desde que o mundo
�� mundo nunca vi coisa mais s��rdida, repugnante. Era pior
do que um cad��ver humano em decomposi����o, com os mi-
lhares de verme roendo suas carnes negras e podres.
��� Voc�� conheceu a Rainha, viu passar na carruagem
alguma vez?
��� N��o, Adi. Eu ia do Pal��cio, para o col��gio, do col��gio
para o Pal��cio.
��� Pal��cio?
��� ��. Eles compraram um pal��cio rodeado de imenso
e grande parque.
��� Eles?! N��o devia perguntar, pois eu sabia que eles
eram seus pais.
Sil��ncio.
��� 105 ���
��� Oh! ent��o voc�� se divertiu muito correndo pelo gra-
mado florido pulando na ��gua do lago, apanhando flores.
Num s��bito impulso ele se levantou da cadeira e cor-
rendo para a sa��da, dobrou o bra��o na parede, encostou a
cabe��a, levantou o outro bra��o e com a m��o fechada dava
murros na parede gritando.
��� N��o me pergunte nada mais nada, pelo amor de
Deus.
Fui para junto dele e coloquei a m��o no seu ombro.
��� Antonio Cl��udio, prometo n��o perguntar nada, nada
mesmo, mas se acalme por favor.
Virou-se com as l��grimas a escorrer pelo rosto.
��� Sen��o estrago a sua festa, n��o ��? Gritou.
Era a primeira de uma s��rie de vezes que agiria assim.
Fiquei desconcertada por uns segundos, mas depois
readquirindo aquela for��a que gra��as a Deus nunca me faltou
nos momentos tristes de minha vida, disse-lhe com bravura.
��� Gostaria que voc�� soubesse, que o maior, o melhor
presente que ganhei hoje foram aquelas rosas ali.
Enxugou as faces com a palma da m��o e disse sem
sorrir.
��� ��, se o dono das rosas n��o as trouxesse, as rosas n��o
estariam ali. Isso quer dizer que a melhor coisa que voc��
ganhou hoje fui eu.
��� Voc�� �� bem inteligente, respondi sorrindo, hoje foi
voc��. �� a melhor coisa que ganhei.
Ele caiu de joelhos no ch��o e segurando minhas m��os
firmemente, exclamou s��rio e compenetrado.
��� Jura, Adi, jura que voc�� est�� falando a verdade.
��� N��o preciso jurar. Sofri horrores estes cinco anos
sem saber, o que era feito de voc��. Hoje vendo-o vivo,
apesar de um pouco triste, sinto-me felic��ssima. Voc�� foi
o maior e o melhor presente de anivers��rio.
��� 106 ���
Ele beijou as m i n h a s m �� o s , u m a ap��s a o u t r a .
��� Eu t e n h o u m a coisa a q u i d e n t r o me sufocando, Adi.
Preciso revelar a voc��, m a s s�� o farei se voc�� me deixar
ficar com voc��. E u n �� o q u e r o m a i s voltar p a r a casa.
Vendo-me indecisa e x c l a m o u c o m voz triste.
��� E n t �� o n �� o sou a "coisa", m e l h o r p a r a voc��. Voc��
e s t �� m e n t i n d o .
Larguei-o ajoelhado e fui a t �� a beira da piscina. M i n h a
i m a g e m l�� embaixo logo teve c o m p a n h i a . Ele.
��� Voc�� e s t �� l i n d a Adi. Q u a n d o a vi hoje p a r e c i a ver,
a q u e l a f a d a do dia q u e fomos pescar l�� em Atibaia. Voc��
se l e m b r a ? F a z cinco a n o s .
Sorri e puxei-o p a r a m i m . Apertei s u a cabe��a c o n t r a
o m e u cora����o e lembrei os dias todos que p a s s a m o s t �� o
felizes.
Ele se d e s p r e n d e u e c o m um lev��ssimo sorriso p e r p a s -
s a n d o pelos seus l��bios ressecados falou meio alegre:
��� Os v a s i n h o s de flores est��o no m e s m o l u g a r . Logo
que c h e g a m o s o n t e m , corri p a r a o nosso c a n t i n h o . E s t ��
t u d o como a n t e s . O h ! q u e s a u d a d e s m e deu.
��� Voc��s v o l t a r a m o n t e m ?
��� Sim. Olhou p a r a o c h �� o .
��� S e u s p a i s t a m b �� m ?
��� Sim.
L e v a n t o u a vista fez um sinal de a s s e n t i m e n t o .
��� E como voc�� me descobriu?
Li s u r p r e s a em seus olhos.
��� Eu a descobriria em q u a l q u e r l u g a r .
S e n t i u m a s o m b r a d e sorriso aflorar e m m e u s l��bios.
Um g r u p o alegre i n v a d i u a piscina, com copos e g a r r a -
fas n a m �� o , n u m a fra����o d e segundos, t o d a s a s cadeiras
��� 107 ���
foram ocupadas e junto delas alguns se acocoraram e con-
versavam e bebiam animados.
Uma das amigas olhou bem para Cl��udio e exclamou:
��� Ol��... Ol��... quem �� o "boy"? Seu namorado?
Enquanto eu dizia para a amiga, com ironia:
��� �� namorado. Ele com treze anos e eu com trinta e
tr��s anos. Voc�� �� uma gran Olhei assustada para
Cl��udio que gargalhava cristalinamente como anos atr��s.
Cl��udio riu dobrando-se para a frente e quando levan-
tou a cabe��a vi que l��grimas e riso se misturavam.
Foi a ��ltima vez que o vi rir nos sete anos que se
seguiram.
Ele mastigando a risada.
��� Viu, Adi. Viu s��?
��� O que?
��� Uma vez eu lhe pedi para ser a princesa, enquanto
eu seria o pr��ncipe e voc�� achou ruim, pois era muito velha
para um pr��ncipe de oito anos.
��� Que atrapalhada, n��o entendi nada.
��� N��o entendeu porque n��o quis.
��� Francamente, Cl��udio...
��� T��, Adi. Gostaria de saber se posso ficar com voc��.
��� Sem avisar os seus pais! Eu n��o acho certo.
��� Eu avisei Zefa.
��� O que voc�� disse a ela.
��� Se algu��m perguntasse por mim, que estaria com voc��.
N��o sei porque uma coisa estranha me comprimiu o
cora����o.
��� Bem por hoje voc�� pode. J�� �� bem tarde para crian-
��a andar por a��. Mais o diabo �� que n��o sei onde v��o p��-lo
��� 108 ���
p a r a dormir, pois a t �� a g r a m a q u e pisamos e s t a r �� o c u p a d a
d a q u i a l g u m a s h o r a s . A t u r m a resolveu d o r m i r a q u i .
��� D u r m o com voc��.
E n t �� o v e n h a ver o n d e vou d o r m i r . Abri a p o r t a do
q u a r t i n h o d a e m p r e g a d a , o n d e s �� cabia u m a p e q u e n a c a m a .
��� Olhe Cl��udio, este �� o m e u pal��cio. Um p e q u e n o c��-
m o d o com u m a c a m i n h a s o m e n t e .
��� Eu d u r m o n o s p��s, como q u a n d o era deste t a m a -
n h i n h o .
��� T�� bom, C l a u d i n h o .
B a t i n a c a m a . Hoje n �� s a p a r t i l h a r e m o s j u n t o s . . .
M a s o sr. vai se d e i t a r j �� . . . E s t �� com fome?
��� N��o, Adi. Deito-me a g o r a como voc�� sugeriu pois
estou m u i t o c a n s a d o .
��� Antes v a m o s t o m a r um copo de leite e d a r u m a
escovada nestes cabel��es.
Arranjei-lhe um palet�� de p i j a m a , e ele meteu-se na
c a m a .
��� Volto j �� . D u r m a b e m , m e u anjo.
Q u a n d o i a virar-me, ele s e g u r o u m i n h a m �� o .
��� Adi, obrigado. Voc�� n �� o i m a g i n a o b e m que e s t �� me
fazendo. Seus olhos e s t a v a m rasos d ' �� g u a .
Mil p e r g u n t a s r e m e x e r a m o m e u c��rebro, m a s eu t i n h a
p r o m e t i d o n �� o formul��-las.
Q u a n d o a casa se cobriu de sil��ncio, e n t r e i no q u a r t i n h o .
��� Pode a c e n d e r a luz, Adi.
��� Voc�� a i n d a n �� o d o r m i u ?
��� N��o.
��� Por que?
��� 109 ���
��� E s t o u feliz demais. L e v a n t o u o corpo de lado e
a p o i a n d o o cotovelo na c a m a c o n t i n u o u .
��� S a b e o q u e eu estava l e m b r a n d o ?
��� N��o.
��� Q u a n d o e u fiz u m a n o voc�� m e d e u u m c a c h o r r i n h o .
Q u a n d o fiz dois a n o s voc�� me d e u um c a r r o de corda, q u a n -
d o t r �� s u m m a c a q u i n h o , q u a t r o , u m rel��gio, cinco, p a t i n s ,
seis um a n e l , sete, um p a l h a c i n h o . Q u a n d o fiz oito a n o s o
cofre q u e toca m �� s i c a . Oito p r e s e n t e s e t e n h o todos.
��� M a s como voc�� pode se l e m b r a r de t u d o , t �� o b e m ?
Ele brincou.
��� P o r q u e sou inteligente. E essa intelig��ncia t o d a
adveio de m i n h a conviv��ncia com voc��.
Dei-lhe u m t a p i n h a n o rosto.
��� P u x a saco.
Desabotoei a saia e a deixei cair aos m e u s p��s. Ia desa-
b o t o a r a blusa n a s costas q u a n d o os m e u s olhos c a i r a m n o s
dele.
U m a e x t r a o r d i n �� r i a timidez, u m s e n t i m e n t o d e v e r g o n h a
me correu pelo s a n g u e .
O s seus olhos e r a m d e h o m e m . Meu anjo j �� u m h o -
m e m . N �� o e r a m a i s a c r i a n �� a que me via despir s e m p r e e
e m q u e e u d a v a b a n h o .
��� Vire o rosto.
��� P r �� que Adi. Eu s e m p r e vi voc�� t i r a r a r o u p a .
��� M a s o t e m p o passou e vejo que agi m a l . N��o devia
ficar n u a na frente de uma c r i a n �� a . Ali��s que n u n c a fiquei,
pois voc�� s e m p r e virava o rosto.
Ele co��ou a n u c a e virou o rosto.
Depois me enfiei no meio das cobertas, estendi o bra��o
e a p a g u e i a luz.
Ele se m e x e u .
��� Durma, Antonio Cl��udio.
Aos poucos senti o seu corpo relaxar e ouvi seu ressonar
agitado.
Estiquei as pernas que se colaram junto ao seu corpi-
nho, e o senti s�� ossos.
* * *
Ossos s��?! A m��e n��o o tratava?! Como podem os
srs. jurados acreditar em peritos que n��o exercem fun����es
judicantes, principalmente quando as per��cias perdem a sua
credibilidade, pelo embate de um laudo contra outro, por
contradi����es, incertezas e desacordo com as atesta����es tes-
temunhais. Esta �� a verdade. Tudo �� desarmonia, tudo ��
conflito. Os peritos criminais se enganam e pretendem que
prevale��am os seus enganos.
Como admitir que um simples fato de uma extremosa
m��e ficar a maior parte do dia trancada no seu quarto ensi-
nando-lhe as li����es;do col��gio, j�� que ele estava com notas
ruins, serem interpretadas de modo que ele o jovem morto
estivesse sendo castigado, porque gritava histericamente
quando essa generosa m��e que largava os clubes, as festas,
os passeios, lhe ministrava as li����es, logicamente com um
pouco de energia pois queria que o filho fosse um bom aluno.
Levantava os bra��os para o ar e parava em frente aos
jurados. Quais dos srs. a�� sentados, n��o querem ver s�� notas
azuis no boletim de seu filho?
Quais dos srs. n��o ralha com o filho quando ele n��o
quer estudar as li����es? Ora, caros jurados, todos n��s que
somos pais, compreendemos o desespero dessa jovem m��e
que s�� queria o bem para o seu filhinho. O que �� de pior no
erro, �� que a T��cnica exibe um papel escrito, por uma em-
nregada, dizendo que era uma carta deixada por essa mes-
ma empregada �� pol��cia, dizendo que Carmem Bragan��a de
Mendonca, era uma s��dica que se trancava com a crian��a
para terem rela����es sexuais... Oh! meus caros srs. Uma
carta, uma carta, que n��o tem nem assinatura, ou melhor,
tem uma assinatura ileg��vel. Podem os srs. observar. O
_ 111 _
papel escrito passava de m��o em m��o. Quem foi capaz de
ler o nome da assinante?
Ningu��m? Ningu��m, srs. jurados, ningu��m Foi por
isso, que o Supremo Tribunal Federal, j�� se manifestou, in-
cr��dulo antes laudos t��o negativos. O ministro Nilton
Umbelino, a maior autoridade em Direito Penal do Brasil,
afirmou:
��� Os peritos v��o e vem em seu laudo. H�� contradi����o
no pr��prio laudo da Pol��cia T��cnica, que j�� admitiu a possi-
bilidade de suic��dio.
��� Est�� a��, srs., longe de servir a verdade, embandeira a
T��cnica a sua superioridade pessoal de suas opini��es, pon-
tificando em tom de inerrabilidade. Despreza as circunst��n-
cias important��ssimas �� indaga����o judici��ria, como o encon-
tro da arma com as impress��es digitais do jovem Antonio
Cl��udio Bragan��a de Mendon��a. Se a T��cnica tivesse com-
parecido no dia e na hora, veria que essa nobre e digna sra.
da nossa sociedade, estava toda ensaboada e enrolada na
toalha, pois quando ouviu o tiro saiu do banho correndo para
a adega onde o jovem tinha se suicidado.
Despreza tamb��m, o fato, de dona Carmem Bragan��a de
Mendon��a, haver imediatamente tomado todas as provid��n-
cias e exigido de imediato a presen��a da autoridade policial.
Todos que compareceram ao local viram o bra��o esquer-
do do jovem, inerte e o local do chamuscamento, no blus��o,
revelando ter sido o tiro desfechado a queima roupa; o esfu-
ma��amento nos dedos polegar e indicador, �� sinal evidente
de suic��dio.
Tudo, tudo mostra que �� suic��dio, mas a T��cnica quer
tirar a coisa mais importante, mais cara de uma cidad��; a
Liberdade.
��� Eu q u e r o liberdade, voc�� me tirou t o d a a liberdade.
Acendi a luz r a p i d a m e n t e e com o cora����o aos pulos
olhei Cl��udio, s e n t a d o na c a m a c o m as m �� o s t a t e a n d o o ar,
com os olhos e s b u g a l h a d o s g r i t a n d o .
E m p u r r e i as cobertas com os p��s, e de um salto e s t a v a
ao seu lado s e g u r a n d o - l h e as m �� o s .
��� 112 ���
��� Antonio Cl��udio, Antonio Cl��udio, exclamei aflita.
Ele passou a m �� o pela t e s t a p i n g a n t e de suor e meio
a c o r d a d o disse.
��� E ela n �� o q u e r q u e eu saia do q u a r t o . Q u e r ficar
me c h u p a n d o o dia inteiro. E l a . . .
Acordou d e u m a vez. Com u m arrepio p e r p a s s a n d o
pela m i n h a e s p i n h a , procurei acalm��-lo.
��� O que foi, Adi?
��� Voc�� s o n h o u m e u bem.
Ele nervoso.
��� Eu falei? Eu disse a l g u m a coisa? Pegou-me pelos
bra��os e s a c u d i u - m e . Fale, Adi. O que eu falei?
U m a e s t r a n h a fraqueza m e invadiu. Oh! Deus, Deus,
como podia ser. Ela era s u a m �� e .
Ele c o n t i n u a v a .
��� Ande, Adi, fale comigo.
Desprendi-me de s u a s m �� o s e fazendo-o recostar n o s
travesseiros, passei-lhe as m �� o s pelos cabelos.
��� Voc�� n �� o falou n a d a , m e u anjo. S�� gritou.
Relaxou os m��sculos.
��� Oh! ��� Passou as m �� o s pela testa e t r e m i a b a t e n d o
o queixo.
Molhei a m i n h a saia na �� g u a do t a n q u e , pois n �� o via
t o a l h a e n e m p a n o s e passei-lhe pela fronte e pesco��o.
��� Foi um pesadelo, n �� o foi, Adi?
��� E r a um pesadelo, anjo, a g o r a p r o c u r e dormir.
��� Desculpe-me de t��-la acordado.
��� Eu a i n d a n �� o t i n h a pegado no sono.
��� Por que?
��� T a n t a coisa.
��� 113 ���
Se ele pudesse ler no m e u �� n t i m o , veria no obscuro r e -
cesso d e m i n h a consci��ncia, formar-se l e n t a m e n t e como u m a
p e q u e n a n u v e m q u e estivesse recebendo r a p i d a m e n t e o
vapor da t e r r a e ia crescendo, crescendo a t �� ficar n e g r a e
rolando, r i s c a d a d e fa��scas d e raios cair n u m estrondo d e
e n s u r d e c e r o m u n d o . Assim ia crescendo o m e u ��dio por
C a r m e m .
��� Cl��udio, se voc�� confiasse em m i m .
Ele s u s p i r o u triste.
��� Eu confio em voc��, Adi. Exclamou em t o m preo-
c u p a d o .
��� Voc�� sabe que n �� o �� verdade, anjo.
��� P o r favor Adi, gaguejou c o m voz enrouquecida. N��o
c o n t i n u e nessa conversa. T a m p o u o rosto com as m �� o s e
come��ou a c h o r a r .
��� O r a , m e u querido, falei-lhe b r a n d a m e n t e . P a r a que
c h o r a r . Perdoa-me, e u j u r o q u e n �� o tocarei m a i s e m a s s u n t o
a l g u m q u e possa mago��-lo. Vamos dormir. T �� ?
E n x u g o u os olhos com a p o n t a do len��ol.
��� Deite-se perto de m i m , Adi.
��� Espere, deixe p��r a saia a�� fora p a r a secar. S e n �� o
a m a n h �� . . .
Deitei-me j u n t o dele e a s u a cabe��a veio apoiar-se no
m e u ombro.
Um fundo suspiro escapou de seu peito. Rodeei-o com
os dois bra��os como q u a n d o ele t i n h a dois anos e a p e r t a n -
do-o c o n t r a o peito esperei q u e ele dormisse.
Depois l e n t a m e n t e tirei os bra��os e fixei o teto. N��o sei
se sonhei. At�� hoje a c h o q u e n �� o , talvez seja um p r o d u t o
de m i n h a i m a g i n a �� �� o , m a s o certo �� que l�� no teto, eu vi
Antonio Cl��udio, j�� mo��o, cego, a n d a r c a m b a l e a n t e , com as
m �� o s esticadas p a r a a frente t a t e a n d o por todos os lados.
Vi que no fim do c a m i n h o existia um abismo n e g r o e fundo.
Ele estava p e r t o , b e m p e r t o . Ouvi u m a g a r g a l h a d a d e m u -
��� 114 ���
lher. L�� atr��s do jovem estavam dois olhos, belos e cru��is
que zombavam do mo��o. Depois uma m��o branca surgiu
e quis segur��-lo mas a gargalhada retumbou pelo caminho
e sua voz sinistra cortou o ar.
��� N��o tente salv��-lo, misera criatura, ele est�� na arma-
dilha, na armadilha da morte, ele jamais fugir��.
Seus olhos voltaram para os meus que os fechei rapi-
damente, pois tinham um brilho t��o forte que quase me
cegaram.
Quando os abri tudo havia desaparecido.
��� 115 ���
C A P �� T U L O 1 2
Voltei p a r a o a p a r t a m e n t o na Major Sert��rio, 190, com
Cl��udio. Ele estava s e n t a d o no t a p e t e s u r r a d o b r i n c a v a com
a m i n h a c a c h o r r i n h a , Tueide. F u i a t �� o q u a r t o e voltei
com cinco p a c o t i n h o s .
��� Cl��udio.
Ele l e v a n t o u a cabe��a.
��� Tome. Ele estendeu a m �� o surpreendido.
��� Seu p r e s e n t e dos nove anos, dos dez, dos onze, dos
treze.
Ele correu um o l h a r pelos pacotes, que e s t a v a m encar-
reirados no c h �� o , e depois, fixando n o s m e u s olhos, a b r i u a
boca, m a s n e m um som saiu de s u a g a r g a n t a e dos l��bios,
e n t r e abertos o n d e parecia existir um fio de sorriso. Ficou
m a r c a d o e escondido o q u e ele sentiu n a q u e l a h o r a .
Come��ou a b r i r os pacotes e q u a n d o chegou n a q u e l e dos
treze a n o s , voltou p a r a m i m os olhos e se n �� o me e n g a n o
corei ligeiramente. Com o livro " E u e o Governador", na
m �� o . E pela p r i m e i r a vez eu n o t a r a n a q u e l e o l h a r que co-
n h e c i a desde os primeiros m i n u t o s que se a b r i r a m , p a r a o
m u n d o u m a o n d a de ironia. Largou o livro no c h �� o e foi
a t �� a janela. Eu fui t a m b �� m .
��� U��, n �� o gostou do presente. F u i eu q u e escrevi.
Sabe q u e ele �� um "best-seler" e e s t �� em primeiro l u g a r de
v e n d a g e m no Brasil.
Ele a p e r t o u os l��bios.
��� 116 ���
��� E u j �� o li.
��� M a s . . . Agora era eu que corava. U m a t o r r e n t e de
d��vidas r o l a r a m pelo m e u intimo. P o r q u e c a r g a s d ' �� g u a ,
fui d a r um livro proibido a ele. E depois no livro e s p u n h a
um peda��o de m i n h a vida, junco a um h o m e m casado. O
que ele estaria p e n s a n d o a m e u respeito. E n q u a n t o o olhava,
senti-me e s t r a n h a e deprimida.
E n t �� o , q u a n d o ele se virou, fiquei gelada de susto.
��� �� um livro porco, porco, como ela. Eu r a s g u e i aquelas
p �� g i n a s que eu li, pegou o livro do c h �� o e furioso come��ou
a rasg��-lo, e a g o r a rasgo esse e todos os que me c h e g a r e m
�� s m i n h a s m �� o s . Ele t r e m i a .
A e m p r e g a d a e n t r o u e p e r g u n t o u :
��� Q u e foi, d o n a Adelaide?
Cruzei os bra��os e o l h a n d o p a r a ele falei ir��nica:
��� N a d a , querida, a p e n a s u m h o m e m a g i n d o como u m a
c r i a n c i n h a .
Ele p a r o u com o resto do livro no ar, m a s o l h a n d o como
se n �� o n o s conhecesse.
Q u a n t a s vezes m a i s t a r d e os vi assim? At�� perdi a
conta.
Nisso a c a m p a i n h a ressoou por todo o a p a r t a m e n t o .
Dolores a b r i u a p o r t a e Zefa b r a n c a como um defunto
e n t r o u , e x c l a m a n d o :
��� Eles veem p a r a c��.
��� Eles q u e m Zefa?
��� Os comiss��rios de menores.
Olhei p a r a Cl��udio, e o a m p a r e i pois pensei q u e ele
fosse desmaiar. Zefa esfregando as m �� o s , s u a n d o foi expli-
c a n d o :
��� Cl��udio m a n d o u eu falar q u e t i n h a vindo p a r a c��,
E u falei. Eles vieram o n t e m , m a s e n c o n t r a r a m t u d o fechado.
��� 117 ���
Ouvi dona Carmem telefonar para o juizado e dizer que
a sra. estava corrompendo o menino.
Peguei um taxi e vim correndo. �� melhor a sra. mandar
ele voltar para casa.
Senti a garganta secando.
��� Eu n��o vou, falei.
Seu olhar tornou-se sombrio.
Zefa o sacudiu.
��� Ent��o voc�� prefere ver a dona Adelaide, presa? Voc��
n��o sabe que sua m��e �� capaz de tudo?
Ele aprumou o corpo.
��� Isso ela n��o far��.
Zefa quase hist��rica.
��� Como n��o far��, se j�� fez?
��� Eu n��o volto para aquela casa.
��� E quer ficar aonde, continuou ela com aspereza.
Seus olhos eram suplicantes. Morri de pena.
��� O que eu posso fazer, meu anjo? A barreira �� a do
dinheiro, de muito dinheiro. Eu teria imenso prazer que
voc�� ficasse aqui. Sei ou melhor sinto o que se passa em
seu esp��rito mas ela �� sua m��e e ele �� seu pai.
Foi mortal o sil��ncio, que se abaixou entre n��s.
Depois Zefa disse.
��� Eu vou indo, dona Adelaide. �� melhor eu ir sozinha
para evitar mais encrencas.
��� Pode deixar Zefa, eu o levo.
Ela me olhou como se visse um fantasma, e saiu
correndo.
Foi um custo convencer o menino. S�� depois que lhe
prometi ir todos os dias visit��-lo e que iria pedir ao Carlos
para Chico, dormir em seu quarto, ele concordou.
��� 118 ���
C A P �� T U L O 1 3
Agora est��vamos parados nos primeiros degraus que nos
levariam �� grande e dourada porta da frente. Um vento,
morno e suave fazia farfalhar todas as ��rvores que estavam
por perto e que jogavam sombras amarronzadas pelo p��tio
todinho gramado de verde. Folhas grandes e secas, passa-
vam devagar fazendo c��cegas nas minhas pernas. Vi que
ele olhava para a ��rvore que chegava at�� o terra��o e que
muitas vezes subimos para entrarmos em seu quarto.
Balancei a cabe��a negativamente. E com o indicador
em riste apontei a porta.
Abri a porta. Um bafo quente de tapetes grossos de
pel��cia passou por n��s e se perdeu l�� fora. O grande lustre
de cristal pendurado com correntes prateadas tintilou bem
em cima os rumores de violentas altera����es. A voz de Car-
mem, violenta e brutal e de Carlos r��spida e fria.
Ouvimos um estrondo atr��s de n��s. A porta batia. Ele
apertou a minha m��o apavorado. A porta do sal��o se abriu
e ela surgiu, linda como um sol, num longo dourado negli-
g�� rodeado de plumas tamb��m amarelas. Os cabelos
amarelos, compridos e brilhantes. Os grandes c��lios negros
rodeavam os grandes olhos esverdeados. Pele acetinada e
grossos l��bios pintados de rosa cintilante. Mas agora
reparava uma coisa que nunca vira naquele rosto. O ar de
prostituta barata.
Agarrou o bra��o magro do menino, marcando-o com suas
unhas afiadas e o arrastou para o sal��o gritando.
��� Ah! ent��o voltou?
��� 119 ���
Seu rosto se tornou extremamente p��lido e o l��bio infe-
rior tremia pendendo como se tivesse inchado.
��� Esteve com aquela vagabunda, n��o ��? No m��nimo
foderam a noite toda.
Mil campainhas no meu c��rebro e Carlos com ar apa-
vorado impedindo a minha entrada na sala.
Cl��udio parecia ter perdido a no����o de tudo, por fim,
balbuciou, engolindo o l��bio de baixo e cravando os dentes
at�� sangrar.
��� Cale-se.
��� Calar-me. Calar-me.
Com brutal arranco tirou-lhe os pacotes do bra��o e os
atirou pelo sal��o indo espatifar-se contra as sedas e veludos
dos m��veis.
Lembro-me que um dos brinquedos de corda caiu bem
perto de mim e de Carlos e n��o sei se a corda estava trava-
da ou sei l�� como o claudicante arrastar das botas grossei-
ras do astronauta foi s�� o que se ouviu por um segundo indo
depois cair com a perna torta perto do menino que o olhou
com um aspecto m��sero e indescrit��vel.
��� Bah! escarneceu Carmem, dando um ponta p�� no bo-
neco. Andou at�� onde estavam os outros brinquedos come��ou
a pis��-los feito uma louca, com um filete de baba escorrendo
pelo canto da boca.
��� N��o admito que tenhas brinquedos. Cravou o olhar
no menino. Est�� tremendo? Ent��o voc�� pensou que poderia
fugir de mim?
Carmem partiu para Cl��udio, com uma atitude amea-
��adora, falava com a boca espumante.
��� Costumo esmagar como insetos quem me faz de boba.
Uma for��a estranha se apoderou de mim. Empurrei
Carlos e gritando:
��� Louca, louca, louca. Fiquei na frente do menino.
Face a face. Seus olhos opacos e eu gritando.
��� 120 ���
��� Q u e m �� que voc�� vai e s m a g a r como um inseto?
Levantei a cabe��a, b e m alta. Talvez ela tivesse lido no
m e u rosto o h o r r o r e a r e p u l s a que eu s e n t i a pela g r a n d e
d a m a da nossa a l t a sociedade; pois p a r o u l��vida.
S e n t i que A n t o n i o Cl��udio se despreendeu de m i n h a s
m �� o s e me e m p u r r a n d o p a r a t r �� s e n f r e n t o u a m �� e . Os dois
frente a frente.
Ela sorriu. Um riso a a r d e r de loucura. Ai falou:
��� Ela n �� o vai tir��-lo de m i m . Afastou o o l h a r fixo
e d i s t a n t e e prosseguiu como q u e a falar consigo m e s m a .
Voc�� �� um m e n i n o af��vel, faz t u d o direitinho, m a s h�� m u i t a
coisa q u e posso lhe e n s i n a r . . . F a l t a pouco p a r a voc��
descobrir o g r a n d e mist��rio. O mist��rio da procria����o. O
esperma.
��� M a s p r i m e i r o q u e r o t e r a alegria de ver essa sujeita
e n t r e a s grades. J �� telefonei p a r a m e u advogado. Ela s e r ��
processada como c o r r u p t o r a de menores. Q u e r o v��-la no
fundo de um c��rcere ou eu m e s m a a e s m a g a r e i se ela p e n s a r
em lev��-lo, ou separ��-lo de m i m . Ela t e m q u e deixar de
espionar m e u filho.
Fiquei de lado, pois s e n t i o corpo de Cl��udio t r e m e r
e d a q u e l a posi����o p u d e ver a c o n t r a �� �� o de s u a fei����es e o
��dio crescendo em seu rosto.
��� Cale a boca ��� berrou n u m uivo prolongado. N �� o
m e c h a m e d e filho, s u a p o r c a . . . v a g a b u n d a , m a l u c a dos
diabos. E u n �� o preciso a p r e n d e r segredo m a i s n e n h u m .
Voc�� j �� m e e n s i n o u t u d o . Agora, j �� sou u m homem.. T r a n s -
t o r n a d o , t r e m e n d a m e n t e p��lido, s u a voz sa��a com dificuldade
e t i r a n d o o p��nis exibiu-o c o n t i n u a n d o . Dele j�� sai esperma,
m a s ele n �� o s e r �� seu, n u n c a m a i s ele e n t r a r �� nessa b u c e t a
i m u n d a s u a . . .
Com a vista t u r v a , senti que um g r i t o rouco saiu de
m i n h a g a r g a n t a e o a m p a r e i , com a p o n t a dos dedos. O
c h o q u e d a q u e l a c e n a libertou os m e u s m �� s c u l o s paralisados,
d a n d o - m e for��as p a r a fugir. Girei nos c a l c a n h a r e s e de-
satei a correr. Desci as escadas e n t o r t a n d o os sapatos, e
q u a n d o a n d a v a aos trombolh��es, pela al��ia florida, cheia de
��� 121 ���
pedregulhos; amaldi��oei quem tinha inventado sapatos de
salto alto.
Erguia-me a cada tombo, provocados pela saia muito
justa, que me prendia os joelhos e nem sentia os mesmos
sangrarem. Sinceramente, n��o sentia coisa alguma. S��
sentia um imenso desejo de estar o mais rapidamente fora
dali, joguei os sapatos longe e parei para tomar f��lego. Olhei
para tr��s e o vi, lan��ar-se escada abaixo, e pela al��ia florida
de pedregulho precipitava-se para junto de mim.
��� Oh, Adi... Adi.
Virei-lhe as costas e a passos largos alcancei a rua e o
meu carro.
Abri a porta e ia entrar quando bruscamente ele fechou
e se encostou na mesma.
Saia da��, Antonio Cl��udio.
��� N��o antes de lhe dizer o que sinto aqui dentro. Mos-
trou o lugar do cora����o. L�� na festa eu lhe disse que tinha
uma coisa aqui dentro que me sufocava e que ia lhe contar.
��� Eu n��o quero saber de mais nada. Mais nada, est��
entendendo? gritei.
Ele me olhou com aquela express��o, de quando se arran-
ca das m��os de uma crian��a o seu brinquedo querido.
Mas n��o calou.
��� Sabe o que ��? Eu a amo.
Falava arquejante. N��o �� amor de crian��a. �� amor
de homem, amor verdadeiro. Fez um esfor��o para pegar as
minhas m��os que eu rapidamente as escondi nas costas.
Seus olhos brilhavam.
��� Adi, pelo amor de Deus, acredite-me. Eu quero casar
com voc��.
Eu queria interromp��-lo, mas estava t��o esquisita que
a voz nem me saia, e como um aut��mato ou boba, fiquei
ouvindo cada vez mais certa de que ele estava enlouque-
cendo.
��� 122 ���
Eu sou rico, Adi. Meu av�� acaba de me deixar uma
imensa fortuna. Vamos para a Europa, para a Am��rica do
Norte, para a ��ndia, para onde voc�� quiser.
Ajuntou as m��os, como para uma prece, e continuou:
��� Case-se comigo, e me salve Adi. Leve-me para longe
daqui, por favor.
Minha voz saiu rouca.
��� Voc�� est�� louco?
��� Se voc�� n��o me acudir eu enlouquecerei.
Empurrei-o.
��� Largue a porta, Cl��udio.
��� S�� depois que voc�� me prometer se casar comigo.
��� N��o fale besteira, menino, e saia dai.
Cerrou os dentes e gritou::
��� Adi, eu a amo. Juro que n��o posso viver sem voc��.
N��o sei o que se passou dentro de mim. Lembro t��o
bem de minha m��o se erguendo e a bofetada estourando no
seu rosto.
Ele se afastando com a m��o aberta na face vermelha,
depois ficou como que paralisado olhando-me fixamente e
apesar dele pronunciar baixinho ouvi o que disse.
��� Voc�� �� uma covarde. Disse a Zefa, que eu ia come��ar
a guerra e agora me abandonou. Voc�� disse que precisamos
jogar outra vez aquele jogo de bola ao cesto.
L��grimas corriam-lhe pela face.
��� 123 ���
C A P �� T U L O 1 4
Passei a tarde toda dizendo a mim mesma que eu fora
formid��vel. Que significavam uma bofetada e umas poucas
l��grimas de uma quase crian��a em face de um futuro riso-
nho, que o esperava, com uma jovem esposa filhos, e um lar
sadio? Tudo era transit��rio.
Como me enganei, meu Deus!
N��o tinha passado um m��s daquela horrivel cena quan-
do a campainha do meu apartamento tocou. Dolores foi
abrir.
Ouvi vozes e Carlos entrou na cozinha onde estava almo-
��ando. S�� me lembro que na hora que o vi, o guardanapo
se tornou uma bola na minha m��o de tanto eu o amarfanhar.
Olhei o s��mbolo da eleg��ncia brasileira, Dr. Carlos Mendon��a
de Bragan��a, cabelos cortados, barbeado, rigorosamente bem
engomado, gravata no melhor colarinho, bom gosto. Gestos
finos e comedidos, o perfeito cavalheiro.
Dr. Carlos Mendon��a de Bragan��a, o "play boy" de ouro,
estava ali, com os ombros caidos, descabelados, com a fisio-
nomia desprovida da linha firme de homem de fino trato,
tinha agora a aureolar o seu rosto um tra��o de profundo
abatimento.
Onde estava a express��o arrogante de seus olhos que
todo mundo conhecia? Das mil e uma fotos coloridas de
revistas e jornais?
��� O que voc�� quer, Carlos? Gente importante n��o
visita gentinha.
��� 124 ���
Um rictus de amargor lhe contraiu os l��bios. Caiu sen-
tado em uma cadeira e mexendo a boca ouvi a sua voz como
viesse de longe, muito longe.
��� Ele est�� morrendo.
Senti que o sangue todo fugiu de minhas veias.
��� Ele sofreu um tremendo abalo com a bofetada que
voc�� lhe deu.
Ia abrir a boca para falar quando ele continuou.
��� N��o a culpo, Adelaide. Sei de toda a trag��dia que
desabou no meu lar, mas eu nada posso fazer. N��o posso
tomar nem uma medida contra ela, sem acarretar tremendo
abalo aos meus neg��cios e mesmo ao menino. Voc�� j�� pen-
sou a publicidade que se faria em torno do caso?! Meu
Deus! Nem �� bom pensar! Que futuro ele teria?
Sorri com ironia.
��� Ele quem? Os neg��cios ou Claudinho?
Sil��ncio.
E 6e voc�� n��o pode fazer nada, imagine eu.
��� Voc�� pode salv��-lo, Adelaide, como da outra vez.
Com um aperto no cora����o respondi:
��� Salv��-lo para que Carlos, para voc�� e Carmem ati-
r��-lo no abismo? Que pai �� voc��? Pode estar certo se
dependesse de mim j�� teria lhe dado uma corda onde voc��
e ela pudessem se enforcar.
��� E juro que eu me enforcaria.
��� Ent��o n��o entendo mais nada.
Apertei a cabe��a com as m��os.
��� Carlos, Claudinho tem que aprender a viver sem mim.
Ele ficou cinco anos na Inglaterra...
Ele colocou sua m��o ardente sobre a minha.
��� Se voc�� soubesse como passou esses anos. Escre-
via-lhe todos os dias, mas Carmem pagava a empregada que
��� 125 ���
levava as cartas ao correio para entregar-lhe qualquer
correspond��ncia do menino.
��� N��o sei como voc�� permitia.
��� Ela tem um ci��me doentio dele. E depois, se eu
a acusar ningu��m vai acreditar. Depois o esc��ndalo. A
sociedade. Os neg��cios. O nome dos Mendon��a de Bragan��a.
Um pesado sil��ncio caiu entre n��s interrompido por
mim. Tive vontade de cuspir-lhe mas...
��� Vou lhe fazer uma proposta, Carlos.
Olhou-me interrogativamente.
��� S�� irei �� sua casa, se depois que ele sarar, voc�� o
mandar para algum col��gio interno.
��� Aceito.
��� E a outra. N��o quero ver Carmem.
��� Mas como faremos?
��� N��o se preocupe, eu sei como fazer.
* * *
Depois de algum tempo que Carlos havia sa��do, telefo-
nei para Zefa. E quando eu subi �� grande ��rvore e bati na
porta envidra��ada que dava para o quarto de Cl��udio, ela
abriu.
Abracei-a.
��� Mais uma vez estou aqui, Zefa. Falava com os dois
bra��os passados em seu corpo, mas com os olhos fixos nele
que dormia.
��� Puxa como ele est�� diferente.
��� Foi a febre, dona Adelaide, e acho que ela lhe deu
alguma coisa diferente pois naquele dia, assim que a sra.
saiu, n��s corremos para ele que estava de bru��os no ch��o
e dando murros com as m��os fechadas na terra, ela fez
Chico lev��-lo para o quarto dela. Depois de algum tempo
��� 126 ���
ela me chamou e eu estranhei o menino, porque ele estava
alegre, falava sem parar. Fiquei horrorizada, quando ele me
olhou com os olhos bem vermelhos e come��ou a me xingar.
Zefa se sentou, na beira da cama e chorando continuou:
��� Imagine a sra., ele me xingando. O meu menino
me xingando, e dizendo bobagens. Se a sra. visse o que ele
falava.
��� E ela?
��� Ela o repreendia.
��� Ou fingia repreender.
��� Eu acho que a sra. tem raz��o. Zefa ficou vermelha.
��� Continue, Zefa. A gente precisa saber para ver o que
pode fazer.
��� Bem, dona Adelaide, eu sa�� e fechei a porta, mas
tinha-me esquecido de apanhar a chave da adega, pois a
dona Carmem tinha pedido uma bebida, e com o menino
daquele jeito me fizera at�� esquecer da chave. Eu estava
t��o desligada que nem bati na porta. Zefa parou e mordeu
as juntas brancas do indicador dobrado. De suas faces as
l��grimas escorriam abundantes. Largou de morder o dedo
e caiu num choro convulso. Depois...
��� Acho que vou me embora. Estou pensando em arran-
jar outro emprego. Aqui acabei de crer, s��o todos loucos.
Eu n��o conseguia articular um som. Juro que j�� n��o
me interessava saber o resto. Mas Zefa interpretando o meu
sil��ncio como um pedido de prosseguimento, continuou:
��� Quando entrei eles nem me viram, estavam na cama
e ela dizia:
��� ��, de fato, voc�� j�� tem esperma.
Agarrei a chave na penumbra e com ela veio um vidri-
nho, que dona Carmem, procurou como uma louca. Eu
fiquei com medo de falar que tinha pegado o vidrinho sem
querer por isso o escondi para mostrar para a sra.
��� 127 ���
Sentia as m��os geladas e pegajosas, e um suor frio, as
pernas amolecendo e a cadeira a um quil��metro de dist��ncia.
Quantos passos dei at�� ela? Uns mil? Quando a gente
recebe t��o profunda punhalada no esp��rito que parte do c��-
cebro, nos atinge e faz que as pernas n��o obede��am. Coman-
daria o c��rebro as pernas. N��o, o c��rebro comanda at�� os
bra��os. E as pernas s��o comandadas por quem? Pela espi-
nha? N��o �� pelo l��quido que corre dentro dela. O l��quido
que l��quido. Como era mesmo o nome dele. Esperma, esper-
ma, esperma. Confundia tudo. Estaria ficando louca. Zefa
chorava e Cl��udio se retorcia na cama. Cai na cadeira, e
olhei pela janela as grandes folhas das ��rvores que acabara
de subir lan��ar-se ao leve vento que brincava l�� fora. Era
s�� descer por ela. Sim, era isso mesmo iria embora de uma
vez.
Segurando-me pelas paredes, como se tivesse cem anos,
ia saindo devagar.
��� Adi, Adi, Adi. ��� Meu nome aos gritos entravam pelo
meu c��rebro e arrancando daquele nevoeiro me trouxe ��
realidade.
Zefa enxugando o suor do rosto dele e dizendo.
��� Ela est�� aqui meu bem, est�� aqui.
Ele jogando a cabe��a para a direita e para a esquerda.
Olhei mais uma vez para a ��rvore. E depois meus olhos
pousaram nele.
Arvore, Ele, Arvore, Ele, ��rvore.
Ele nos meus bra��os com a boquinha desdentada aberta
ao mundo, gritando de fome.
��� O bico da chupeta est�� muito grande. Corra Chico
compre outro. Puxa, ele tomou toda a mamadeira, olhe
como dorme sossegado.
Se n��o fosse voc�� e Chico, Zefa, acho que ele teria
morrido de fome.
��� E a sra. tamb��m, dona Adelaide.
��� 128 ���
��� Arvore?
��� Adi.
��� Estou aqui, meu anjo.
Apertei a sua m��o escaldante, e olhei para a Zefa e falei
baixinho.
��� N��o podemos abandon��-lo, Zefa. Ele precisa de n��s.
Minha voz veio de treze anos.
O bico da chupeta est�� muito grande, Zefa. Vamos
comprar outro.
Ela entendeu e enxugando os olhos vermelhos e inchados,
colocou de leve a m��o em cima da minha que apertava a
do menino.
��� N��o irei embora, dona Adelaide. A sra. tem raz��o
ele precisa de n��s. Vou buscar aquele rem��dio, que ela deu
pr�� ele. A sra. d�� uma olhadinha. Volto j��.
��� Onde ela est��?
��� Saiu para jogar. Desde que o menino ficou desse jeito
ela n��o para mais em casa, joga dia e noite.
Joga dia e noite, como podem os srs. jurados acreditarem
que uma jovem m��e, pode largar o filho doente nos esterto-
res da morte, e ficar vinte e quatro horas jogando. Riem,
riem, srs. Pois ��. Ningu��m fica jogando sem parar dias e
noites.
Vem o cansa��o. A fome e outras coisas necess��rias ao
corpo humano.
Olhem, srs. jurados, fixem bem os olhos lindos e lumi-
nosos dessa jovem m��e. E agora me digam o que leram
neles? Eu lhes direi.
��� Eles est��o pedindo, pelas chagas de Cristo, que pen-
sem bem muito bem, pois todos est��o enganados. Ela n��o
matou o filho que adorava. Ela n��o matou lhes digo eu, e
tamb��m o maior nome do Direito Penal Brasileiro, Minstro
Humberto Souza de Aguiar. Vou mostrar para os srs. esses
pap��is. Vejam na decis��o do "habeas-corpus" n.�� 40843.
��� 129 ���
Vejam os srs. o "Habeas-corpus", que tem o nome de Carmem
Bragan��a de Mendon��a, est�� firmado com a assinatura do
Sr. Ministro Humberto Souza de Aguiar e se l�� o seguinte:
HA UMA GRANDE CONTRADI����O ENTRE O LAUDO
DA POLICIA T��CNICA E DO GABINETE M��DICO LEGAL;
A CONTRADI����O EXISTE NAS PER��CIAS DOS DOIS
LADOS, OS DA POL��CIA T��CNICA, JA ADMITEM A
POSSIBILIDADE DO SUIC��DIO.
AGORA, VOU MOSTRAR AOS SRS. A ADVERT��NCIA
DE SUA EXCEL��NCIA, O MINISTRO MARIO RIBAS DA
SILVA.
N��O PERMITIREI QUE SE PUNA UMA INOCENTE,
COM TODOS ESSES ERROS BEM VIS��VEIS, QUE NOS
MOSTRA A POL��CIA T��CNICA E O GABINETE M��DICO
LEGAL. ESSE JOGO DE LAUDO CONTRA LAUDO N��O
VAI LEVAR NINGU��M PARA A CADEIA.
POIS Al ESTA, SRS. JURADOS, A JOVEM MAE
CARMEM MENDON��A DE BRAGAN��A, DIZ QUE ��
INOCENTE.
S. EXCIA O MINISTRO DO DIREITO PENAL BRA-
SILEIRO, DIZ QUE ELA �� INOCENTE, S. EXCIA O
MINISTRO MARIO RD3AS DA SILVA DIZ QUE ELA ��
INOCENTE, MEU COLEGA DR. M��RCIO DE OLIVEIRA, E
EU AFIRMAMOS QUE ELA ESTA INOCENTE. ENT��O
QUEM ACHA QUE ELA �� UMA ASSASSINA? QUEM,
SRS. JURADOS? A T��CNICA? OS T��CNICOS. ORA OS
T��CNICOS SOMENTE AS ERRADAS T��CNICAS. S��
ELA NOS SEUS ENGANOS ACHAM QUE ELA �� UMA
ASSASSINA;
��� Eu tamb��m acho... Carmem Mendon��a de Bragan��a
�� uma assassina. Eu a vi matar o filho. As T��cnicas est��o
certas.
Um sil��ncio de morte.
Aplausos, assovios ressoaram pelo recinto. As marteladas.
O sil��ncio, sil��ncio. Os cochichos dos advogados de defesa. O
sorriso nos de acusa����o. Os olhos arregalados dos jurados.
O rosto l��vido de Carmem.
��� E u a c h o que ela �� u m a a s s a s s i n a e o povo t a m b �� m
a c h a . E s t e n d i o m e u b r a �� o por sobre as pessoas q u e l o t a v a m
o j �� r i .
P a l m a s , e m a i s p a l m a s , gritos risonhos, e n c o b r i r a m nova-
m e n t e as m a r t e l a d a s e os gritos de sil��ncio.
Depois o u t r o pesado sil��ncio, q u a n d o eu era conduzida
p a r a fora do s a l �� o e n t r e dois soldados. E a b a r r e i r a do
d i n h e i r o se fortificavam m a i s e mais.
Zefa voltou c o m u m vidro p e q u e n o o n d e d a n �� a v a m
a l g u m a s b o l i n h a s v e r m e l h a s . Virei o vidrinho e n t r e os dedos.
Os comprimidos me p a r e c e r a m de v i t a m i n a s . G u a r d e i o
vidro no bolso da cal��a "Lee".
Fiquei a l g u m a s h o r a s com Cl��udio.
O m��dico o assistiu m a s ele c o n t i n u o u em estado de
estupor profundo. E r a a s e g u n d a vez que ele ficava assim,
t r a u m a t i z a d o .
* * *
Q u a n d o cheguei n o m e u a p a r t a m e n t o , peguei a m i n h a
c a c h o r r i n h a no colo, dei-lhe um m u n d o de beijos e a coloquei
no ch��o. Ela estava alegre e s a l t i t a n t e . Tirei a cal��a " L e e "
e a depositei no encosto da cadeira e fui t o m a r b a n h o . E n -
saboei as p e r n a s e passei a gilete de baixo p r �� c i m a a t �� ficar
Enrolei-me r a p i d a m e n t e na t o a l h a e abri a p o r t a , Dolo-
res com a m i n h a c a c h o r r i n h a m a l nos bra��os, o l h a n d o p a r a
o vidrinho a b e r t o no c h �� o rodeado de bolinhas vermelhas,
sem um pelo. Passei um creme n u t r i t i v o pelo corpo. Enfiei
os cabelos d e n t r o da touca de b a n h o . Liguei o chuveiro, e a
�� g u a ia escorregando pelo m e u corpo gorduroso. Passei o
s a b o n e t e e a �� g u a c o n t i n u o u . De r e p e n t e o grito de Dolores.
Deve ser veneno.
Agarrei o a n i m a l z i n h o e corri p a r a o elevador. A�� senti
q u e estava sem r o u p a . Voltei e n e m sei o que vesti.
Sorte que o veterin��rio e r a no Largo do Arouche, b e m
perto da Major Sert��rio, onde m o r a v a .
��� 131 ���
O dr. Danilo com o comprimido na p a l m a da m �� o .
��� �� Seconal, Adelaide. N��o se preocupe, ela vai d o r m i r
m u i t o t e m p o , pois esta b o l i n h a t �� o p e q u e n a �� u m b a r b i t �� r i c o
poderoso, u s a d o p a r a ins��nia.
Voltei p a r a casa e fiquei p e n s a n d o que se C a r m e m
tivesse dado, o rem��dio p a r a o m e n i n o d o r m i r por que c a r g a s
d ' �� g u a , ele fez todo aquele esc��ndalo, como Zefa, havia me
c o n t a d o , q u a n d o devia e s t a r d o r m i n d o .
Seconal. T e r i a m a i s a l g u m a utilidade? Peguei o dicio-
n �� r i o . N a d a . P r o c u r e i n a enciclop��dia. Nada. S e c o n a l . . .
Liguei p a r a o m e u m��dico p s i q u i a t r a .
��� Dr. Wilson, gostaria de saber p a r a que serve o Seco-
n a l , a l �� m de fazer a g e n t e dormir.
��� Bem, Adelaide, o Seconal, �� usado p a r a dormir, m a s
t o m a d o e m doses excessivas podem m a t a r . R e c e n t e m e n t e ,
ele e n t r o u no m u n d o das drogas e se igualou a h e r o �� n a e a
a n f e t a m i n a s .
T o m a n d o u m c o m p r i m i n d o ele produz u m a coisa diferen-
te, u m a sonol��ncia m �� r b i d a q u e d u r a cerca d e u m a h o r a .
��� Dr. Wilson, existe a l g u �� m que se vicia no Seconal?
��� M u i t a s .
��� Existe u m a possibilidade de u m a pessoa n �� o ser
viciada e t o m a n d o Seconal ficar agressiva.
��� Claro, pois o Seconal afeta as transmiss��es do siste-
m a nervoso c e n t r a l . I n t e r f e r e n a s fun����es cerebrais provo-
c a n d o agressividade.
��� B a r b a r i d a d e ! O sr. t e m certeza?
Ele riu.
��� �� a m i n h a fun����o, n�� Adelaide. Voc�� sabe q u a n t o s
viciados em Seconal, j�� t r a t e i ? U m a c e n t e n a . E t e m mais.
P a r a se livrar do Seconal o viciado sofre m u i t o m a i s do q u e
se fosse viciado em h e r o �� n a , m a c o n h a , LSD, a n f e t a m i n a s , etc.
�� um t r a t a m e n t o t r i s t e e doloroso.
��� 132 ���
��� E s t �� bem, dr. Wilson. T c h a u e obrigada.
��� S e m p r e as ordens, Adelaide.
Coloquei o fone no g a n c h o e fiquei o l h a n d o p a r a a l g u m a
coisa b e m l�� longe que foi crescendo na m i n h a frente. Agora
via t �� o n��tido, t �� o perfeito.
C a r m e m vendo q u e o m e n i n o j�� n �� o era t �� o m e n i n o e
que n �� o s e s u b m e t e r i a m a i s aos seus caprichos, apelou p a r a
a droga. C a r m e m viciando o m e n i n o .
M a s em q u e m u n d o estaria Deus, q u e n��o via isso?!
M i n h a cabe��a girava.
Telefonei p a r a o Dr. Tercio. Falei, falei sobre o Seconal.
Ele confirmou. Liguei p a r a um m o n t e de m��dicos, co-
nhecidos. Sim, sim, sim, todos c o n f i r m a r a m , �� u m a d r o g a
a t e r r a d o r a .
Apertei o est��mago. Ele a r d i a como brasa. Acho q u e
estou c o m u m a ��lcera nervosa. E q u e t e m ��lcera nervosa,
uff, m i l vezes u m a ��lcera nervosa, do que ser viciada em
Seconal. B a t i a m �� o na testa. Acho que estou ficando louca.
��lcera. Seconal. �� a g o r a o q u e fazer? N��o podia p a r a r em
p a r t e a l g u m a . A n d a v a de l�� p r a c��, pela s a l i n h a sem des-
p r e g a r os olhos da c a c h o r r i n h a que d o r m i a . Coloquei a m �� o
no seu cora����o. Ele batia. Sorri. Q u a n d o vi q u e estava
sorrindo, fechei logo a cara. Sorria, q u a n d o ela estava a r r a s -
tando-o p a r a o abismo.
Apertei a cabe��a com as m �� o s e c o n t i n u e i a a n d a r .
Olhei pela j a n e l a o pr��dio em frente, no d��cimo segundo
a n d a r u m jovem m e olhava.
Fechei a cortina. O telefone tocou. Atendi.
��� Q u e m e s t �� falando �� a pessoa que estava no t e r r a �� o
do pr��dio em frente.
��� Ah!
��� E s c u t e voc�� e s t �� doente ou t o m o u bolinha.
Desliguei n u m estouro.
��� 133 ���
��� F i l h o da p u t a . Se ele soubesse.
Liguei p a r a Zefa.
��� Como vai ele.
��� Um pouco melhor. A febre e s t �� a b a i x a n d o .
��� Voc�� disse que estive a��.
��� N��o a d i a n t a falar. Ele n �� o ouve. O m��dico falou
q u e e s t �� em estado de n �� o sei o q u e . . .
��� L e t a r g i a .
��� Isso m e s m o .
��� E n t �� o �� o Seconal. Vai ver que ele e s t �� drogado.
��� O que a s r a . disse?
��� Nada, Z e f a . . . Olhe, Zefa, n �� o l a r g u e o m e n i n o de
jeito n e n h u m . Q u a n d o voc�� tiver que sair pe��a ao Chico
p a r a ficar com ele.
��� O que aconteceu?
Zefa era u m a m o �� a inteligente. Lia m u i t o e estava a
p a r de t u d o , por isso lhe expliquei a m i n h a conversa com
os m��dicos.
��� Eu j�� estava desconfiada, d o n a Adelaide, e Chico,
logo que lhe m o s t r e i o vidro disse.
��� Deve ser bolinha. O q u e a sra. vai fazer agora.
O que ia fazer. Ri a t �� as l �� g r i m a s q u a n d o lembrei que
u m a e m p r e g a d a dom��stica, u m chofer e u m a funcion��ria p �� -
blica e s t a v a m q u e r e n d o salvar o filho de u m a d a s m a i s ricas
fam��lias do Brasil, das n o j e n t a s g a r r a s da s u a m �� e podre.
Q u e m �� r a m o s n��s? T r �� s pobres c r i a t u r a s q u e com u m a
s�� p a t a d a d a q u e l a s feras ir��amos a c a b a r nossas vidas no
fundo d e u m c��rcere.
Mas n �� o nos a c o v a r d a m o s . E s p e r a m o s a t e m p e s t a d e e
nos envolvemos nela..
Ou melhor, eu fui ao e n c o n t r o da t e m p e s t a d e .
��� 134 ���
C A P �� T U L O 1 5
P a r e i o m e u c a r r o n o l a r g o d i a n t e d a f a c h a d a d a igreja.
Subi as escadas, m o l h e i o indicador e o m �� d i o na �� g u a b e n t a
que v i n h a �� s g o t i n h a s d e u m vidro p e n d u r a d o n u m c a n t o d a
e n t r a d a . Ajoelhei, fiz o sinal da cruz, s e n t i n d o o m o l h a d i n h o
da �� g u a , e fui a t �� a sacristia.
O p a d r e l e v a n t o u a cabe��a.
��� Que deseja.
��� O Bispo.
��� J�� m a r c o u a u d i �� n c i a .
��� N��o.
��� Ele n �� o r e c e b e . . .
��� Q u a l q u e r pessoa.
S�� q u e m m a r c o u . ��� Falei c��nica.
��� Diga-lhe q u e C a r m e m M e n d o n �� a de B r a g a n �� a deseja
lhe falar.
��� Oh! desculpe-me, s i m pode e n t r a r . �� na �� l t i m a sala.
E n t r e i na sala. E n g r a �� a d o e r a a p r i m e i r a vez q u e via
um Bispo e um P a d r e , j o g a n d o b a r a l h o e c o m um c��lice de
bebida p o r p e r t o .
O Bispo p a r o u , o l h a n d o - m e a s s o m b r a d o com o leque de
c a r t a s na m �� o e franzindo o sobrolho p e r g u n t o u com voz
seca.
��� 135 ���
��� Q u e m �� a sra.
��� Meu n o m e �� Adelaide C a r r a r o .
��� Ah!! ��� J�� a conhe��o. Que deseja e q u e m a deixou
e n t r a r .
��� Eu disse que era C a r m e m M e n d o n �� a de B r a g a n �� a .
Ele depositou a s c a r t a s n a m e s a .
��� O que deseja?
Preciso lhe falar a s��s. �� grave.
O p a d r e pediu licen��a e saiu.
Ele me olhou f r i a m e n t e .
��� Pode falar, esticou as p e r n a s e colocou os p��s na
o u t r a cadeira.
Pensei que fosse convidada a s e n t a r .
E n q u a n t o ele se ajeitava, revolvi a m e m �� r i a p a r a lem-
b r a r como e r a m e s m o que a g e n t e se dirigia a Bispo. O
neg��cio era c h a m a r de Bispo m e s m o .
��� B e m , Bispo, as p a l a v r a s m o r r i a m a t r �� s de m e u s
l��bios. B e m , Bispo. �� a respeito de A n t o n i o Cl��udio. Ele
e m p u r r o u as c a r t a s . O sr. j�� ouviu a l g u m a coisa a respeito
dele com a . . . a . . . M��e.
O sil��ncio do��a n o s ouvidos.
Um sorriso e s t r a n h o aflorou em seus l��bios. Os m �� s c u -
los de s u a face se c o n t r a i r a m .
Apesar do t r e m e n d o esfor��o por falar indiferente, o
queixo t r e m e u .
��� N �� o a e n t e n d o .
��� Vou ser m a i s clara, E m i n �� n c i a . Ah! pensei, sem
q u e r e r descobrira. E m i n �� n c i a �� t �� t u l o honor��fico de Cardeais.
��� Quero dizer Bispo.
��� A sra. e s t �� m u i t o nervosa. E m b r u l h a t u d o . Talvez o
q u e v�� falar s e j a m mexericos e mexericos s��o coisas que s��
i n t e r e s s a m a imbecis.
��� 136 ���
Filho de uma puta de Bispo.
As minhas faces repuxaram num rictus de raiva.
��� Se s��o mexericos ou n��o, eles est��o matando uma
crian��a e se o sr. n��o tomar provid��ncias eu levarei o caso
�� pol��cia.
Sua fisionomia endureceu. A pausa foi longa. Ele girou
uma carta entre os dedos. Olhou-me com ar intrigado.
A sra. se promoveu com esc��ndalo, dona Adelaide, mas
n��o o far�� com a minha fam��lia que tem um nome honrado
a zelar. Gostaria que a sra. se retirasse se n��o quer...
Olhei-o ir��nica.
��� Se n��o quer?
��� Que chame os criados ou a pol��cia.
Sorri sarcasticamente.
Para enchorar-me da casa de Deus?
��� Pe��o que saia.
��� Um momento, Bispo. N��o v�� pensar o sr. que com
essas amea��as estou concordando com o lance de xeque-mate
dos vencidos. Ainda n��o joguei a esponja no tablado. Per-
corri o comprido corredor e me achei na igreja. Do meu peito
saiu um. profundo suspiro e olhando para aquela tranauili-
dade de penumbra de santos e flores, ajoelhei-me no ��ltimo
banco e desatei a chorar.
* * *
No dia seguinte subi a al��ia de pedregulhos mais anima-
da, pois nada acontecera de mal para a minha cachorrinha,
e como no dia anterior entrei na mans��o pela ��rvore.
Zefa estava sentada em uma cadeira lendo um livro,
quando me viu veio correndo abrir a janela sorrindo.
��� Sabe dona Adelaide, hoje de manh�� ele abriu os olhos
e me reconheceu. Mas depois virou o rosto para o lado e
est�� assim at�� agora.
��� 137 ���
F u i a t �� a c a m a e fiquei c o n t e m p l a n d o - o . Pobre A n t o n i o
Cl��udio, o q u e fizera p a r a sofrer t a n t o !
Que a r m a d i l h a horr��vel lhe a r m a r a o destino. Ser��amos
Zefa, Chico, eu, capaz de d e s a r m �� - l a ?
Zefa me t i r o u do devaneio?
��� S a b e dona Adelaide, o Bispo, tio de d o n a C a r m e m ,
telefonou diversas vezes p a r a c�� hoje.
Meu cora����o pulou. Talvez os telefonemas do Bispo,
ossem o a f r o u x a m e n t o da a r m a d i l h a .
��� E da��, Zefa, c o n t e t u d o direitinho, pois o n t e m fui
falar com ele e sem querer me ouvir ele me botou p r �� fora
da igreja. Quero dizer p r �� fora do sal��o.
Peguei as d u a s m �� o s de Zefa, v e n h a a q u i fora assim
n �� o o e n c o m o d a r e m o s .
E n c o s t a d a n a g r a d e d e ferro e s m a l t a d a d e b r a n c o
e x c l a m o u :
��� F u i eu que a t e n d i o telefone. Ele c h a m o u a p a t r o a ,
m a s como ela n �� o estava, c h a m e i o dr. Carlos. Eu ouvi o
dr. Carlos dizer q u e fora ele, q u e m t i n h a ido b u s c a r a sra.,
e q u e o m e n i n o iria p a r a os E s t a d o s Unidos, depois de c u r a d o .
As d u a s de m �� o s d a d a s e p u l a n d o feito bobas n u m a
esp��cie de corrupio.
A l g u n s dias m a i s t a r d e como C a r m e m estivesse viajando,
e n t r e i pela p o r t a da frente e s u b i correndo a sinuosa e m a c i a
escadaria. E n t r e i d e v a g a r no q u a r t o , e o m e n i n o n �� o estava
n a c a m a .
Ouvi vozes n o t e r r a �� o . F u i d a r u m a espiadinha. Ele
b e m a g a s a l h a d o s e n t a d o em u m a p o l t r o n a , m o s t r a v a a Zefa,
que s e n t a d a em frente alegre e t a g a r e l a sorria sem p a r a r .
��� E s t �� vendo, Zefa, ela �� b e m m a i s velha do q u e ele
e v��o se casar. Pode ver, ele n �� o �� q u a l q u e r p o r c a r i a , �� o
filho do A r m a d o r Grego, n �� o sei se voc�� j�� ouviu falar.
Zefa b a l a n �� a v a a cabe��a em sinal negativo.
��� Pois �� a Adi �� boba. N��s p o d e r �� a m o s nos c a s a r , eu
��� 138 ���
pegaria a heran��a de meu av�� e ��amos morar na Europa, ela
escolheria o lugar... Voc�� mostra para ela essa reportagem,
t��?
��� Mostro, meu bem, mais eu acho que ela tem raz��o,
Voc�� �� muito crian��a. S��o vinte anos de diferen��a. Voc�� j��
pensou? Vinte anos.
��� Mas a idade n��o importa, Zefa. O que importa, Zefa,
�� a compreens��o espiritual.
O sil��ncio caiu por todo o casar��o. O tic-tac do rel��gio
parecia que ia derrubar o quarto. Ent��o ele ainda continuava
com aquelas id��ias.
Zefa falava tantas coisas para demov��-lo, mas ele toda-
via, mantinha-se firme e argumentava como um pequeno
doutor.
��� Vou lhe explicar, Zefa, como �� o esp��rito que vale. L��
na Inglaterra, conheci um mo��o, tem hoje uns dezoito anos.
�� cego. �� cego desde deixe ver, desde os quatorze anos. Quem
cuida dele �� a esposa. Sabe quantos anos ela tem? Quarenta.
Vinte e dois anos mais que ele. Eles se apaixonaram.
As palavras saiam de sua boca com verdadeiro ardor.
��� Quando ela veio como sua enfermeira. Oh! Zefa, Zefa,
se ela me aceitasse seria maravilhoso? O primeiro amor,
quantos falam no primeiro amor, pois eu estou nessa fase.
Sinto aqui dentro do peito uma sensa����o, violent��ssima.
Quase morri de alegria, quando consultei o meu sub-consciente
e ele me afirmou que eu a amo, a amo, Zefa, juro que a
amo. Voc�� tem que me ajudar. Pegou as m��os de Zefa, e
quase ca��a da cadeira. Voc�� �� a minha m��e, Zefa, voc��
como m��e tem que ver o seu filho feliz. Agora, Zefa, estava
olhando para ele assustada e brotaram l��grimas nos seus
olhos que escorriam de mansinho pelas suas faces morenas
e lindas. E ele com voz triste surprenedido pelas l��grimas
dela.
��� Desculpe-me, Zefa. N��o quero v��-la chorar. Eu
mesmo falarei com a Adi.
Senti uma coisa ruim girar l�� dentro do est��mago e
um amargor secar a l��ngua. Nervos.
Apenas nervos trazem esses sintomas. Era isso que
sempre ouvia do m��dico. Mas agora eu sabia que eram
sintomas de receio e vergonha. Mas vergonha. Engra��ado.
Eu me sentia envergonhada de saber que um menino me
amava, me amava, bah, isso tudo eram coisas forjadas, pela
sua imagina����o. O neg��cio era faz��-lo viajar logo. Assim
ele esqueceria essas bobagens todas.
Desci as escadas e subi pela ��rvore.
Logo que ele me viu, um acentuado rubor lhe atingiu
as faces.
Fingi n��o ver como estava emocionado, fui o mais natural
poss��vel.
��� Oi, gente.
��� Oh! dona Adelaide, que susto. A sra. parece um
gato, sobe sem fazer o m��nimo ru��do.
Ri.
��� Gato n��o, Zefa. Gata. E por falar em gato, como
vai esse gatinho?
Olhei rindo para ele.
��� Ent��o j�� conhece a gente ou n��o?
��� Claro, Adi, que conversa.
��� Ah! que conversa! Ent��o fui eu que fiquei todos
esses dias, ali deitado fingindo n��o conhecer ningu��m, em
estado de, de... de. De que mesmo, hem Zefa? Que nome
o m��dico disse. ��� Let��rgico, Adi. Ele falou s��rio.
Zefa estava estranha. Embora me tratasse com cordiali-
dade, como fazia sempre, notei-lhe na fisionomia um tremor
diferente. Eu sabia que tudo era por que ela se achava
respons��vel, por aquilo que pensava ser um segredo. O amor
do menino por mim, O dia todo senti que ela queria me
contar, mas n��o tinha coragem. At�� que na hora do almo��o.
��� Zefa.
��� O que �� dona Adelaide.
��� 140 ���
��� Voc�� j�� almo��ou?
��� J�� sim, sra.
��� Gostaria que me fizesse compainha, enquanto almo-
��o. Detesto comer sozinha. A comida demora pr�� descer.
��� Mas a sra., n��o vai almo��ar com Claudinho?
��� Ele come��ou a dormir agora. N��o conv��m acord��-lo.
Dorme como um anjo, depois de me ter feito ler uma re-
portagem de uma manequim que vai se casar com o filho de
Onassis.
Encaminhamo-nos para a sala de jantar e sentamo-nos
a mesa sobre a qual a copeira j�� tinha deixado o almo��o.
Enquanto comia continuei falando sobre a reportagem.
��� Estou admirada de Claudinho se interessar tanto por
coisas vulgares, como esse caso. Ele que odeia coisas da
sociedade. �� estranho, n��?
Perscrutei o rosto de Zefa. Estava louquinha para saber
o que ela pensava sobre esse "amor" de Cl��udio por mim.
��� E estranho mesmo, dona Adelaide. Ela cruzava e
descruzava as m��os que estavam em cima da mesa.
��� Imagine voc��, falei rindo. Ele inventou agora, que
o casal para ser feliz a mulher tem que ser mais velha do
que o homem, uns mil anos. Estiquei minha m��o e a fiz
correr no ar.
Ela me olhava com ar perplexo e disse s��ria:
��� N��o �� caso para rir, dona Adelaide. Ele est��... est��
apaixonado pela sra.
Eu esperava que ela dissesse isso, mas agora ouvindo-a
tudo soou t��o estranho que senti que as minhas faces esta-
vam vermelhas como brasa.
��� N��o precisa ficar vermelha. �� natural.
��� Natural o que, Zefa. Ent��o voc�� n��o entende que ele
enfiou esse "amor" na cabe��a, porque tem medo de enfrentar
a vida. Tem medo de enfrentar a m��e, o pai, a sociedade e o
��� 141 ���
m u n d o . Ele q u e r ficar a g a r r a d o a m i m porque toda a vida
fiz papel d e . . . d e . . . talvez d e m �� e .
��� Eu n �� o acho, d o n a Adelaide. C o n t i n u a v a a c r u z a r e
d e s c r u z a r a s m �� o s . S �� t e n h o u m p e n s a m e n t o . C a s a n d o com
ele a sra o salvar��.
R i a t �� a s l �� g r i m a s .
Hoje n �� o sei se agi b e m ou m a l . M a s se existe m e s m o o
m u n d o dos esp��ritos, ele j�� me perdoou, pois sabe agora q u e
e u . . . b e m v a m o s s e g u i r a est��ria, o destino, a vida, e a
m o r t e .
��� Ora, Zefa, q u a n d o ele a c o r d a r vou faz��-lo e n f r e n t a r a
realidade. C a s a r com u m a velha, onde j�� se viu. Coma esse
p��ozinho, v��, Zefa.
Ela e m p u r r o u o p��o, p a r a a frente e saiu c h o r a n d o e
dizendo:
��� Oh! Meu Deus, o que ser�� que n o s espera.
P o b r e Zefa, revejo o rosto dela como se a tivesse a q u i
b e m na m i n h a frente como aquele dia. E t e n h o a i m p r e s s �� o
q u e se esticar a m i n h a m �� o a l c a n �� a r e i as s u a s b r a n c a s com
a s p a l m a s grossas.
Subi e fiquei s e n t a d a em u m a p o l t r o n a o l h a n d o o garo-
to que d o r m i a com a fisionomia que, pouco a pouco, foi desa-
parecendo. e eu vi s u r g i r Diva, m i n h a a m i g a do livro " E u e
o Governador".
Diva de n e g r o , que se a p r o x i m a v a de m i m rindo e disse:
��� Case com ele, s u a b u r r a . S�� assim voc�� poder�� se
v i n g a r de todos aqueles que a m a l t r a t a r a m . Voc��. Adelaide,
n u n c a soube aproveitar n e m u m a das o p o r t u n i d a d e s q u e
Deus, lhe m a n d o u .
M a n d o u - l h e o governador da m a i s rica cidade da Am��-
rica L a t i n a , m a n d o u u m dos h o m e n s m a i s ricos d o Brasil,
Ulisses. M a n d o u - l h e u m m o n t e d e coisas p a r a t o r n �� - l a rica
e voc�� com essa frescura de se g u i a r s e m p r e pelo cora����o
e s t �� na m e r d a . Aproveite m e n i n a pegue logo o b r a s �� o dos
M e n d o n �� a de B r a g a n �� a . Vamos o que e s t �� esperando? Vamos,
��� 142 ���
vamos. Apertei os olhos com o polegar e o indicador. Q u a n d o
os a b r i ela h a v i a desaparecido.
* * *
Alucina����o?! Realidade?! Sei l��. Mas o certo �� q u e
fiquei m u i t o t e m p o com Diva, na m i n h a m e n t e , e assim
comecei a r e p a r a r (coisa que n u n c a me passou pela m e n t e ) ,
n a c a s a dos M e n d o n �� a s .
Todos os c��modos que conhecia da casa f o r a m p a s s a n d o
como n u m filme, n o m e u sub-consciente.
No p a r q u e da casa o lago com os cisnes. A piscina rodea-
da de mosaicos, o g r a m a d o , o bosque, as flores, as e s t �� t u a s
b r a n c a s , as de bronze, as de p r a t a , j o g a d a s por t o d o o i m e n s o
j a r d i m .
Na p o r t a do pal��cio pregado o b r a s �� o da fam��lia. J u r o
q u e n e m sei o q u e r e p r e s e n t a .
Logo que se a b r e a p o r t a o i m e n s o " h a l l " t o p a m o s com
a r m a d u r a s de a��o em t a m a n h o n a t u r a l . As salas de visitas
e o g r a n d e sal��o, t o d a s decoradas com pe��as e s t r a n g e i r a s ,
desde os t a p e t e s a t �� os m��veis.
Os q u a r t o s e a p a r t a m e n t o s t a m b �� m com t a p e �� a r i a s , cor-
t i n a s e m��veis estrangeiros. Em t o d a s as depend��ncias da
casa, inclusive na piscina, m �� s i c a a m b i e n t e . Q u a d r o s de
Renoir, Delacroix, G a u g u i n . Na adega, m a r c a s t o d a s impor-
t a d a s . At�� a comida que a c a b a r a de comer era p r e p a r a d a
c o m coisas i m p o r t a d a s .
Depois v i n h a a i n d �� s t r i a de vidro e cristal, a de m �� r -
m o r e e g r a n i t o , a de papel. A f��brica de tecidos e a de
cal��ados. As fazendas de gado, e de caf��. Os cavalos
p u r o - s a n g u e . E u n u n c a sequer t o c a r a e m u m p u r o - s a n g u e ,
seria a h e r d e i r a de t u d o . Adelaide B e r n i n i C a r r a r o de Men-
don��a de B r a g a n �� a .
��� Adi, s u a m �� o s e g u r a n d o o m e u bra��o e ele sorrindo.
��� O n o m e soa b e m , n �� o soa?
��� Q u e n o m e ?
��� Adelaide B e r n i n i C a r r a r o M e n d o n �� a de B r a g a n �� a .
��� 143 ���
��� Voc�� est�� biruta, Cl��udio.
��� Voc�� acabou de falar, Adi.
��� Acho que sonhei.
��� N��o era sonho n��o, no fundo voc�� sabe que �� isso
que vai acontecer.
Apertei os l��bios e fiquei olhando, nada, sem saber como
come��ar.
Depois me concentrei e fui buscar-me l�� no fundo, bem
fundo de meu esp��rito e disse com brandura:
��� Sente-se, Cl��udio.
Ele sentando-se.
��� Que cara, Adi!
��� Bem, Cl��udio, voc�� disse que n��o �� mais crian��a...
��� E n��o sou.
��� Est�� bem. Ent��o vamos fazer um teste.
��� Se voc�� n��o for mais crian��a, vai me entender di-
reitinho.
��� Que teste?
Arregalou os olhos.
��� Voc�� disse que me ama.
��� Outro dia, hoje, amanh�� e sempre
��� N��o estou brincando.
��� Nem eu.
��� Bem...
��� Bem o que, Adi.
��� Deixe eu falar.
��� Ent��o fala.
��� Preciso pensar.
��� 144 ���
��� Q u e m p e n s a n �� o e s t �� sendo sincera.
��� C l �� u d i o . . . gritei.
��� J�� vai p a r t i r p a r a o t a p a na c a r a ?
Passei a m �� o pela testa.
��� E s t �� s u a n d o , Adi. Deixe eu e n x u g a r a s u a testa.
Pulei.
��� N��o, n �� o . Eu m e s m a fa��o isso.
��� E s t �� com m e d o de m i m , Adi? S u a voz era ir��nica e
m e i g a a o m e s m o t e m p o .
Andei a t �� o t e r r a �� o e coloquei as m �� o s na g r a d e .
��� Fiz u m a p e r g u n t a , Adi.
Apertei a g r a d e a t �� as j u n t a s ficarem b r a n c a s , p a r a
conter-me.
��� J�� sei, voc�� me a m a e n �� o q u e r d a r o b r a �� o a torcer.
Virei-me de chofre e o encarei.
��� Como voc�� pode ser t �� o presun��oso, garoto. Ainda
o n t e m lhe t r o q u e i os cueros.
��� E v i d e n t e m e n t e ��� contorceu os l��bios n u m sorriso de
ironia. ��� E n t �� o voc�� viu que n �� o sou m a i s um g a r o t o .
��� Antonio Cl��udio ��� gritei ��� Quero respeito, ouviu?
Respeito.
��� Q u e m n �� o a e s t �� respeitando? Se voc�� c o m e �� a r a
g r i t a r assim, os criados v��o p e n s a r o u t r a s coisas.
��� Eles que p e n s e m o que quiserem, m a s n �� o vou a d m i -
t i r m a i s essa conversa d e a m o r e . . .
��� Mas, Adi. Foi voc�� que p e r g u n t o u .
��� E n t �� o v a m o s c o n t i n u a r -a nossa conversa direito.
��� T�� bem, Adi, sou todo ouvidos, m a s se for p a r a voc��
falar q u e n �� o me a m a e n �� o vai se c a s a r comigo, n �� o q u e r o
ouvir n a d a .
��� 145 ���
��� Voc�� vai me ouvir, Cl��udio, sen��o vou embora e juro
que nunca mais apare��o.
Ele levantou da cadeira, sentou na cama e jogando o
corpo para tr��s ficou apoiado nos cotovelos balan��ando uma
das pernas.
��� Estou ouvindo, Adi.
��� Isso que voc�� sente por mim, n��o �� amor que pre-
cisa existir entre marido e mulher.
Sua voz era ir��nica.
��� E que amor ��?
��� �� aquele amor com que Deus pretendeu iluminar o
mundo, de amarmos uns aos outros, que algumas pessoas
seguem outras...
��� Outras?
��� Bem, existem pessoas que j�� s��o formadas de ��dio e
desconhecem essa esp��cie de amor.
��� Bem, deixe ver se entendi direito. Sentou-se imperti-
gado e debochando foi inumerando nos dedos.
��� Primeiro o que sinto por voc�� n��o �� amor de marido
e mulher. Segundo, �� o amor que Cristo espalhou pelo
mundo e que s�� algumas pessoas agarraram. Terceiro amo
voc�� como um pr��ximo. Estou certo?
��� Est��.
Ele levantou e come��ou a andar pelo quarto. Depois
parou bem na minha frente. Cruzou os bra��os e falou s��rio:
��� Ent��o, Adi, voc�� acha que esse abrasamento que cre-
pita dentro de mim tem que se tornar labaredas e das laba-
redas fuma��a e a fuma��a fugindo em espirais ser espalhada
ou melhor repartida por toda a humanidade? Assim? Fale
Adi, �� assim?
��� ��, ��, ��.
��� Ah, ��� apertou os l��bios e balan��ou a cabe��a. Ent��o
o meu amor est�� todinho repartido e o que dou �� minha
futura mulher, m��e de meus filhos?
��� 146 ���
��� D�� amor.
��� Que amor?
��� O outro amor.
��� Ent��o ele est�� dado.
Rangeu os dentes de raiva.
��� Ele est�� dado e voc�� n��o quer aceitar.
Apertei-o pelos bra��os e o sacudi.
��� Mas voc�� n��o sente esse amor por mim., Cl��udio,
pense, raciocine. Voc�� sente o outro amor.
��� O da fuma��a?
��� Estou vendo que com voc�� n��o se pode conversar.
��� Eu tamb��m.,
��� Ent��o vamos parar com esse assunto. Vou pedir a
Zefa, ou melhor eu mesma arrumo as suas roupas, pois voc��
vai com o seu pai para os Estados Unidos.
Andei at�� o guarda-roupa e comecei a por algumas pe��as
sobre a cama.
Ele olhava sem nada dizer. Com os bra��os cruzados e
batendo o p��, n��o tirava os olhos de mim. Depois sua voz
veio como se viesse do fundo de um abismo.
��� Eu n��o vou, Adi.
Parei de mexer nas coisas e me virei r��pida.
��� O que voc�� disse?
��� Que n��o vou.
��� Porque?
��� Porque eu a amo e n��o posso ficar longe de voc��.
Veio at�� onde eu estava. E tentou agarrar a minha m��o.
Olhei-o por um minuto perplexa e depois recuei para
fugir daquele rosto p��lido. As batidas de seu cora����o se
ouviram a metros de dist��ncia.
��� 147 ���
P o r fim ele r o m p e u em solu��os. C h o r a v a p a r a d o cobrin-
do o rosto c o m as m �� o s . Cheguei a t �� onde ele estava.
��� Meu anjo, m e u anjo, eu s e m p r e disse a voc�� p a r a
e n f r e n t a r a vida s e n t i n d o o v e n t o frio a �� o i t a r de frente o
seu rosto. P o r favor, n �� o chore. Seja corajoso. P e g u e a
v a r a d e pescar, j o g u e o corpo p a r a t r �� s , finque o s p��s n o '
c h �� o , l e v a n t e a cabe��a e l u t e com o peixe g r a n d e q u e o q u e r
d e r r u b a r .
L u t e , Cl��udio. N��o deixe que u m a Adelaide q u a l q u e r ,
e s t r a g u e o seu f u t u r o . L u t e c o m o g r a n d e peixe. L u t e .
* * *
Ele viajou depois de eu t e r p r o m e t i d o que q u a n d o ele
fosse m a i o r de i d a d e �� a m o s discutir o a s s u n t o n o v a m e n t e .
Com o p a s s a r dos dias, as c a r t a s dele i a m c h e g a n d o de
Nova York. Depois p a r a r a m .
B e m pensei. As l a b a r e d a s , c r e p i t a n t e s , q u e i n c e d i a v a m
o seu cora����o de a m o r por m i m , j�� n �� o existiam.
O nosso a m o r t e m q u e ser como d u a s flamas q u e se m i s -
t u r a m , p a r a que n o m e s m o fogo p o s s a m a r d e r e t e r n a m e n t e .
��� J u r o Adi, q u e voc�� e eu somos as d u a s m e t a d e s da
m e s m a a l m a . N��o m e interessa o inv��lucro c a r n a l , m a s sim
o ��xtase espiritualizado de nossas a l m a s , etc.
Ri q u a n d o sete anos depois, relia a c a r t a de Cl��udio.
U m a vez ou o u t r a , Zefa e Chico me visitavam na R u a Major
Sert��rio, depois t a m b �� m s u m i r a m . Passei u m a esponja e m
c i m a do passado M e n d o n �� a de B r a g a n �� a . Apesar da s a u d a d e
do m e n i n o a b r a s a r o m e u cora����o. E assim passei a c u i d a r
d e m i n h a vida, m a s . . .
C A P �� T U L O 1 6
E r a u m a m a n h �� fria e triste. Vesti u m c o n j u n t o d e
veludo azul e sem p i n t u r a sa�� p a r a c o m p r a r um j o r n a l .
E n c o n t r e i u m a a m i g a q u e exclamou:
��� Que bicho a m o r d e u p a r a e n c o n t r �� - l a a essa h o r a
n a r u a ?
E r a m e s m o dif��cil eu sair de m a n h �� . Penso m e s m o q u e
d u r a n t e os dez a n o s q u e morei na Major Sert��rio, e r a a
s e g u n d a vez q u e a n d a v a a t r �� s de a l g u m a coisa a n t e s do
almo��o. Mas aquele dia, q u a l q u e r coisa me p u x a v a p a r a a
r u a . Ela e eu a n d a n d o e ele vindo de frente.
��� P u x a , voc�� viu que p �� o ! Adelaide?
��� Vi.
Ela olhou p a r a t r �� s . Dei-lhe u m a cotovelada.
��� Chi, j�� v e m voc��, com a est��ria de que n �� o se deve
olhar p a r a t r �� s , p o r q u e o s h o m e n s v��o p e n s a r p a t a t i p a t a t a .
Comprei o j o r n a l . Voltamos. Ele estava p a r a d o na
esquina. P a s s a m o s . Seu sorriso era de dentes b r a n c o s e
iguais. S u a figura a l t a e elegante, era u m a m a n c h a colorida
na r u a Rego F r e i t a s , esquina de Major Sert��rio.
Os cabelos b e m cortados e s t a v a m um pouco m a i s escuros,
nos olhos verdes dan��avam, fulgura����es p r a t e a d a s .
��� Al��, Adi.
Meu cora����o, veio a t �� a g a r g a n t a e m e u s olhos se en-
c h e r a m de l �� g r i m a s . J u r o que n �� o consegui falar e como
��� 149 ���
hipnotizada senti a m��o dele sobre o meu bra��o e fomos para
o apartamento, ouvindo a voz de minha amiga misturada ao
barulho dos carros num chau.
Ele sentou no sof�� velho, e n��o brincou com a cachor-
rinha como sempre fazia quando l�� ia. Permanecemos num
estranho sil��ncio. Eu o via como um estranho, bem vestido,
bem tratado, m��os finas, unhas polidas. Enfim ele ali sentado
bem mostrava o rico herdeiro da fabulosa fortuna dos Men-
don��as de Bragan��a.
Nem sabia como trat��-lo, ele pareceu adivinhar os meus
pensamentos.
��� Eu sou o mesmo, Adi, pode me tratar de meu anjo
que me deixar�� muito feliz.
��� N��o sei, Cl��udio, sinto em voc�� uma coisa diferente.
Nem parece mais que nos conhecemos. N��o �� assim de corpo,
rosto, que estou falando, �� de alguma coisa mais importante,
penso que �� coisa do esp��rito. De voc�� irradia algo diferente.
��� Bobagem, Adi... Voc�� sabe que meu pai morreu.
��� Todo mundo sabe. A televis��o, o r��dio, e os jornais,
s�� falaram nisso.
��� Voltei para o testamento... Sou o ��nico herdeiro.
��� Mas, mas...
��� Eles eram casados com separa����o de bem.
Foi como uma ducha fria. N��o sei porque o pensamento,
veio trazendo ela ali na minha frente e mostrando o ��dio,
que cobria �� seu rosto.
��� E ela? ��� Perguntei com voz tr��mula: Como aceitou
a not��cia?
��� Como uma jararaca.
Como uma jararaca, srs. jurados, Jararaca, o srs., est��o
cansados de saber. �� uma cobra crotal��deo e muito veneno-
sa. Ela virou uma jararaca, quando soube, que a fortuna do
marido, era exclusivamente do filho e foi a�� que come��ou a
destru��-lo.
��� 150 ���
Ah! se soubessem, os srs., como tudo se passou. Essa
jovem e bondosa m��e, vendo o filho enterrado nos intorpe-
centes, fez tudo, tudo, para tir��-lo daquele mundo esfuma-
��ante e vazio.
Ela nunca ligou para dinheiro. Sempre dizia que o di-
nheiro n��o �� a felicidade. Felicidade �� ver seu filho sorri-
dente e feliz. Sempre sonhou v��-lo casado, com uma jovem
de esp��rito sadio para 'formarem um lar, onde imperasse a
paz e a tranquilidade, aureolado de filhos.
��� Oh! srs. jurados, como puderam querer imputar a
essa fr��gil mulher, que mais parece um arcanjo de Rafael.
Eu sorri, pois de fato, todos se enganavam a respeito
de Carmem. Aquele dia lembro-me t��o bem, quando o carro
parou na entrada do j��ri, uma verdadeira multid��o rodeou-a,
rostos curiosos se colavam nos vidros e levou um temp��o para
os guardas poderem desobstruir o caminho para ela (maqui-
lagem suave, cabelos soltos e anelados, vestido preto plissado,
com cara inocente) passar. Ouvi muitas pessoas falarem
que ela tinha cara de anjo. ��� Coitadinha, olhem at�� parece
um anjo. Os fot��grafos, as c��maras de T.V, os rep��rteres,
microfones bem perto de sua boca bem pintada e com os
dentes brilhantes.
Eu entrei de peruca curta e loira e de ��culos escuros,
com a identidade de uma amiga, que era mais ou menos
assim Depois do que acontecera comigo a ordem foi n��o me
deixarem entrar no recinto do j��ri. E assim fantasiada de
Alice de Almeida, estava eu ali ouvindo o advogado de defe-
sa, gritar os erros da T��cnica, "que insistia que a grande
dama, de primeira classe, de nossa sociedade Carmem Bra-
gan��a de Mendon��a, era uma assassina", era a m��o direita
de Antonio Cl��udio.
Imaginem os srs. a T��cnica disse que tirou medidas da
m��o do cadaver e as mensura����es de sua m��o direita da face
palmar, acusaram os seguintes resultados:
Comprimento, cento e oitenta mil��metros; polegar oiten-
ta e cinco mms; indicador, noventa mms; m��dio noventa e
seis mms; m��nimo sessenta e cinco mms. Pois bem, srs. ju-
rados, meu nobre colega de defesa e eu pedimos a exuma-
����o do c a d �� v e r de onde foi decepada a m �� o (ele foi a t �� a
s u a m e s a e p e g a n d o um e m b r u l h o a r r a n c o u o papel e le-
v a n t a n d o b e m a l t o o fraco) q u e a q u i est��. L�� d e n t r o no
meio de um l��quido t r a n s p a r e n t e a m �� o d a n �� a v a .
A m �� o longa, b r a n c a de dedos afilados com u n h a s q u a -
d r a d i n h a s . Ela p e q u e n a como um bot��o de rosa, s e g u r a n d o
o m e u indicador. E l a com o l��pis rabiscando as p r i m e i r a s
letras, ela c o r t a n d o o bolo de anivers��rio, ela a p e r t a n d o o
ter��o no dia de s u a p r i m e i r a c o m u n h �� o , ela c o r t a n d o os
bolos de seus anivers��rios, ela a p e r t a n d o a m i n h a m �� o , e . . .
ela s e g u r a n d o firme o p u n h a l .
Ela sozinha d e n t r o d e u m vidro ali n a m i n h a frente.
Ser�� que a g e n t e pode m e d i r a dor? Se pudesse, essa teria
sido a m a i o r dor de t o d a a m i n h a vida. Ali estava a d u p l a
m o r t e daquele n e n e z i n h o q u e com a l g u m a s h o r a s d e vida,
lhe dei a m a m a d e i r a , c o m u m furo m u i t o g r a n d e n a c h u p e -
t a . E n g r a �� a d o como n a s g r a n d e s dores a g e n t e p e n s a n a s
coisas, m a i s p e q u e n a s . P e q u e n a s ? Mas s e u m g r a n d e j �� r i ,
com os advogados m a i s i m p o r t a n t e s , com os j u r a d o s m a i s
i m p o r t a n t e s com a lota����o de g e n t e de p r i m e i r a , a assassina
t o d a a n j a d a , a m �� o do cad��ver e o furo da c h u p e t a e o m e u
grito como na repeti����o de u m a agonia. E m u i t o s gritos de
m u l h e r e s e m u i t o s ohs! de h o m e n s , e o pesado sil��ncio e o
juiz o r d e n a n d o q u e era dispens��vel c e n a t �� o c h o c a n t e .
Ela impass��vel c o m um meio sorriso p e r p a s s a n d o pelos
l��bios, ficou vendo o advogado de defesa e m b r u l h a r a m �� o e
a l g u �� m sair com ela.
Ele se voltou p a r a os j u r a d o s , e a b r i n d o os bra��os con-
t i n u o u :
��� V i r a m os srs., caros j u r a d o s , a m �� o direita do jovem
Antonio Cl��udio B r a g a n �� a de Mendon��a, que m a n d e i levar
p a r a o Laborat��rio de A n a t o m i a Patol��gica, onde estava. Ela
se a c h a conservada em formol, a 10%. E sabem o que acon-
teceu, srs. j u r a d o s , a m �� o do jovem cresceu. Riu. ��� Cresceu
srs. j u r a d o s , pois o u t r o s m��dicos legistas, t i r a r a m as medi-
d a s e como n �� o coincidiram com as da T��cnica, ela disse
que a m �� o cresceu.
Mostro agora aos srs. essas declara����es dos m��dicos m a i s
famosos e que declararam que a m��o n��o cresceria, onde
quer que fosse ela conservada.
Todos errados, pois as medidas que n��o foram medidas,
apresentadas pela T��cnica. Outro erro. Se o sr., meu caro
jurado, atira, n��o o faz usando s�� o indicador. Na verdade,
tamb��m se atira, as vezes com maior firmeza, com o dedo
m��dio. Pois ��, a T��cnica, s�� fez experi��ncias com o indicador.
Depois, quando foi pedido um exame do m��dio, ela disse que
poderia acontecer que a v��tima de um suic��dio, que estivesse
habituada a atirar com o dedo m��dio, esticando para a fren-
te o polegar e o indicador, e se o indicador ultrapassar o
comprimento do tambor, ent��o teria um esfuma��amento no
lado palmar, da por����o excedente.
Puro engano. Mandamos fazer experi��ncias bal��sticas
feitas pelo not��vel Prof. Dr. Herculano Souza de Castro, da
Escola de Pol��cia, e ficou comprovado, que n��o �� quest��o do
comprimento dos dedos, que produz esfuma��amento, e que
este se processa em fun����o do fen��meno de reflu��ncia das
part��culas s��lidas em combust��o.
Vejam: seguro assim o rev��lver, e uma parte das part��-
culas em combust��o refluem e podem vir pelo teto da arma
e alcan��ar o indicador e o polegar.
A T��cnica ignorava isto. Agora, caros jurados, vou le-
v��-los ao mais grave erro da T��cnica, essa T��cnica, que quer
levar �� cadeia essa jovem e bela m��e.
��� Ent��o voltemos para a entrada do proj��til, onde a
T��cnica errou uns oito cent��metros. Ela em vez de na re-
constitui����o do suic��dio fazer experi��ncias com um homem
segurando a arma que seria justo, pois os homens tem a
m��o diferente da mulher, o fez com a acusada. Mas feche-
mos esse par��ntese e vamos ao que nos interessa agora.
��� A posi����o da localiza����o do orif��cio, n��o �� real, isto
aqui assinado pelo Prof. M��dico Legista, Dr. Ferreira Filho.
A posi����o �� for��ada, pois examinei o externo do cad��ver e
verifiquei que o buraco de entrada est�� �� altura do segundo
espa��o, intercostal, junto a linha m��dia externai, e portanto
oito cent��metros aproximadamente mais para dentro.
��� 153 ���
Eu via aquele fio comprido de m e n t i r a s ser tecido pelo
dinheiro, e f o r m a r a q u e l a c a m a d a e grossa q u e n i n g u �� m ,
n e m m e s m o a T��cnica, q u e estava a b s o l u t a m e n t e c e r t a po-
deria t r a n s p a s s a r e n �� o t r a n s p a s s o u .
Ele falou sobre o u t r o s erros. E no fim, m o s t r o u aos p r e -
s e n t e s q u e n �� o a c o n h e c i a m q u e a bela C a r m e m , n a d a t i n h a
da fam��lia das crotal��deas.
��� P u x a , Adi, como voc�� esta quieta. At�� parece que
n �� o gostou d e m e ver.
��� N �� o diga isso, Cl��udio. E s t o u b a s t a n t e feliz, com a
s u a volta, feliz como n u n c a , m a s com todo esse dinheiro,
n �� o sei n �� o . Meu sexto s e n t i d o . . .
��� O q u e ele e s t �� dizendo, h e m Adi?
��� Bobagens.
E u n �� o q u e r i a q u e ele soubesse q u e u m e s t r a n h o pres-
s e n t i m e n t o m e a p e r t a v a o cora����o. C a r m e m n �� o era m u l h e r
q u e ia deixar a g r a n d e , a i m e n s a f o r t u n a p a r a o filho. Q u e m
seria o herdeiro se a l g u m a coisa acontecesse a ele?
��� S a b e Adi, vim a q u i p a r a c o n t i n u a r m o s aquela con-
versa de sete anos a t r �� s .
��� Que conversa?!
��� Voc�� esqueceu?
��� Sete a n o s , �� um m o n t e de t e m p o , n�� Cl��udio.
��� P a r a m i m , n �� o . Lembro como se ela tivesse passado
h �� a l g u m a s h o r a s .
J �� t i n h a m e despido daquela c o u r a �� a d e c o n s t r a n g i -
m e n t o e convers��vamos, como nos bons tempos.
��� E quais foram as m i n h a s �� l t i m a s p a l a v r a s ? R e t r u q u e i
rindo.
Ele me o l h a n d o fixamente.
��� P e g u e a v a r a de pescar, jogue o corpo p a r a t r �� s , fin-
q u e os p��s no c h �� o , levante a cabe��a e l u t e com o peixe
g r a n d e q u e o q u e r d e r r u b a r .
��� 154 ���
Levantei a m �� o e tapei-lhe a boca, com os olhos cheios
de l �� g r i m a s e c o m voz t r �� m u l a continuei.
��� L u t e , Cl��udio. N��o deixe que u m a Adelaide q u a l q u e r ,
e s t r a g u e o seu futuro. L u t e com o g r a n d e peixe. L u t e .
Tirei a m �� o , e olhos n o s olhos, ficamos cobertos pelo
sil��ncio. Depois.
��� Voc�� l u t o u e venceu. J�� �� um h o m e m respons��vel,
u m h o . . .
��� U m h o m e m que precisa d a m u l h e r a m a d a . U m h o -
m e m que ficou sete anos, n a m o r a n d o com a s m u l h e r e s m a i s
lindas, e m a i s c��lebres do m u n d o .
Um h o m e m q u e r a i n h a s e princesas v i n h a m oferecer s u a s
filhas em b a n d e j a de ouro. E isso �� v e r d a d e i r a m e n t e verda-
de, pois frequentei o pal��cio da I n g l a t e r r a , de M��naco, da
H o l a n d a e a Casa B r a n c a , etc. E s t a v a , os dois mil e qui-
n h e n t o s e vinte dias q u e passei longe de voc�� afogado em
m u l h e r e s . P a r e i de escrever p a r a ver se a esquecia, j�� q u e
voc�� fez t a n t a q u e s t �� o de me d e s d e n h a r .
M a s n �� o consegui esquecer. S�� sei que a u m e n t o u den-
t r o de m i m a certeza de que a a m o , e a a m o m a i s do que
t u d o no m u n d o . N��o �� a m o r que devemos ter com o pr��ximo,
como voc�� s e m p r e dizia. E um a m o r que eu enxergo, limpo e
p u r o m a s que me fez a c e n d e r as c h a m a s do sexo.
��� Quero-a p a r a m i n h a m u l h e r , m �� e de m e u s filhos.
��� M a s . . .
��� N��o existe m a s n e m u m , Adelaide, eu vim aqui p a r a
faz��-la resolver u m a vez por toda a nossa s i t u a �� �� o . Em u m a
c a r t a voc�� salientou a s u a tuberculose.
Voc�� j�� foi tuberculosa, como m u i t o s o foram e hoje
vivem u m a vida n o r m a l . O que pode me i n t e r e s s a r t a m b �� m
que voc�� t e m q u a t r o costelas a menos.
��� Oh! Adi, q u a n t a criancice. Eu n �� o sou D a n t e p a r a
c a n t a r e m estrofes i m o r t a i s m e u a m o r , m a s q u e r o que voc��
se s i n t a no m e s m o p l a n o q u e Beatriz.
��� B e m . . .
��� N��o quero q u e voc�� fale, Adi, t e n h o m e d o de ouv��-la
agora. Pelo seu jeito, j�� sei q u e as s u a s id��ias s��o as m e s m a s ,
m a s j u r o que vou demov��-la. N��o sei como, m a s voc�� ser��
m i n h a . S e r �� a m i n h a esposa.
Pegou as m i n h a s m��os, e n u m esfor��o fez com que o
sof�� se aproximasse da m i n h a poltrona.
Seus olhos e r a m lindos, e s u a s m �� o s a r d e n t e s . Ele era
um h o m e m e eu u m a m u l h e r . Q u a l q u e r coisa vinda de s u a s
m �� o s m e l a n �� a r a m n u m a vertigem d e desejo.
Seu s e m b l a n t e foi se t o r n a n d o r��gido e ansioso. As p u -
pilas incediavam-se fixas nos m e u s l��bios e n t r e a b e r t o s e
com os d e n t e s cerrados, nossas bocas se c h a m a v a m eletri-
z a n t e s e eu j�� n e m sabia q u a i s e r a m as b a t i d a s de m e u co-
ra����o. S e n t i a seu h �� l i t o q u e n t e , m i n h a cabe��a girava. Seus
olhos se f e c h a r a m . Eu fechei os m e u s .
E o vi c a m i n h a n d o p a r a m i m , nos seus primeiros passos
vacilantes, com as p e r n i n h a s t r �� p e g a s e t o r t a s . Dei um pulo
d a poltrona. Seu a r d e e s p a n t o era t �� o m a r c a n t e , m a s m e s m o
assim, consegui dizer:
��� T e n h o q u a r e n t a anos. Meu anjo. E p a r a q u a r e n t a
anos, sem ilus��es, sem sonhos, sem for��a de um primeiro
amor. Voc�� precisa a c a b a r de u m a vez por t o d a s de q u e r e r
casar com u m a velha. Voc�� deve p e n s a r que t e m que a c o r d a r
sorrindo e e n c o n t r a r no seu a m a n h e c e r frescura, gra��a, e
u m a j u v e n t u d e , e cor de rosa e a c e t i n a d a que voc�� possa
c o n t e m p l a r e s o n h a r com os m a i s belos ideais.
��� M i n h a s c a r n e s est��o caladas, Cl��udio e e u . . .
��� Ora, Adi, n �� o me v e n h a com contra-senso, eu j�� senti
m u i t o s a m o r e s o u t o n a i s , e lhe g a r a n t o que s��o os m a i s q u e n -
tes. S��o os q u e s a b e m cercar a g e n t e e nos envolver g r a n -
des l a b a r e d a s de um fogo c r e p i t a n t e que n o s eletriza e logo
somos a v i d a m e n t e devorados.
��� M a s com t u d o isso, n �� o aceito casar com um mo��o
de vinte a n o s . N��o estou louca ainda.
Ele ficou me o l h a n d o sem saber o q u e dizer. Esfregava
as m �� o s e a n d a v a l�� p r �� c�� na s a l i n h a , alto, elegante, fino.
��� 156 ���
E u c o n t e m p l a n d o - o s �� t i n h a u m p e n s a m e n t o . N��o
e s t r a g a r o seu f u t u r o , pois Cl��udio t i n h a raz��o. As c a r n e s do
o u t o n o s��o m a i s a r d e n t e s , m a i s poderosas m a i s terriveis. As
m i n h a s g r i t a v a m alto, v i b r a n t e s e l a t e j a n t e s . T i n h a v o n t a d e
de correr p a r a o espelho e ficar n u a me c o n t e m p l a n d o , m a s
eu j�� sabia que o m e u corpo era o m e s m o de vinte anos.
As varizes, a celulite, a flacidez, n �� o p a s s a r a m por m i m .
S e n t i a q u e m e u s seios a i n d a e s t a v a m no p l a n o da flo-
r a �� �� o , pois e r a m com o m a i s p e q u e n o t o q u e de desejo, o
c o n d u t o r de v i b r a n t e s e eletrizantes o n d a s q u e n t e s de prazer,
q u e se e s p a l h a v a m por todo o m e u corpo i n d o m o r r e r no
sexo, q u e como uma flor, se fechava ��vida e s u g a n t e no a m o r .
Eu s e m p r e i m a g i n a v a que na m e i a idade ia tecer o a m o r
de c e n t e l h a s espirituais m a s n �� o conseguia. O a m o r , t i n h a
que ser t e r r e s t r e , m a s n �� o c o m p a r t i l h a d o , c o m u m a q u a s e
c r i a n �� a e m a i s q u a s e um filho.
��� Antonio Cl��udio ��� Ele p a r o u de a n d a r ��� Voc�� n u n c a .
seria feliz.
��� N u n c a seria porque j�� sou um desgra��ado. J�� vivo
h �� m u i t o t e m p o a n d a n d o , sobre u m a crosta d e podrid��o.
Pensei d a r um passo p a r a um local s��lido e limpo j u n t o
com voc��. M a s . . .
��� M a s ? . . .
��� M a s j�� q u e voc�� n �� o me q u e r eu sei o que irei fazer.
C h a u , Adi. Pelo m e n o s a p a r e �� a l �� n a m a n s �� o . Agora m o r o
s��. Ali��s com Zefa, Chico e as o u t r a s vinte e m p r e g a d a s .
Se voc�� tivesse resolvido o c o n t r �� r i o ia vender a m a n s �� o e
c o m p r a r u m a o u t r a m e n o r . . .
Esperou com o o l h a r s u p l i c a n t e e vendo-me calada saiu
cabisbaixo.
��� 157 ���
C A P �� T U L O 1 7
Os dias p a s s a v a m e eu s�� p e n s a v a em Cl��udio. N��o h a v i a
m a i s d��vida. Eu t a m b �� m o a m a v a , e j�� n �� o t i n h a v e r g o n h a
de a c e i t a r esse a m o r . Mas ele n u n c a saberia. D e n t r o de
m i m m a r t e l a a q u e l a coisa que dizia q u e j u v e n t u d e s�� �� feliz
com j u v e n t u d e . Como me enganei.
Mas q u a n t o m a i s crescia o a m o r q u e s e n t i a d e n t r o de
m i m , m a i s p r o c u r a v a m e afastar. N��o t i n h a c o r a g e m d e
visit��-lo e m e s m o de lhe telefonar.
Sabia que n u n c a poderia me casar com ele. Ele t i n h a
o direito de ser feliz.
��� Mas ele ser�� feliz, com voc��, Adelaide. M a n d e ��
m e r d a essas falas de seu cora����o que deve r e n u n c i a r e case.
M i n h a a m i g a fumava, ali, no sof�� onde dias a t r �� s , q u a s e
n o s beijamos. Sabe de u m a coisa. O h o m e m e s t �� m e s m o
n a d a n d o e m dinheiro.
Voc�� com t a n t o dinheiro, vai se t o r n a r formosa.
Analisemos. Q u e m t e m d i n h e i r o t e m pl��stica, t e m t r a -
t a m e n t o de pele, t r a t a m e n t o do corpo, boa a l i m e n t a �� �� o , etc.
Vai rejuvenecer os vinte a n o s de diferen��a, j�� viu a l g u m a
m u l h e r d a nossa sociedade, p a r e c e r velha. Elas est��o t o d a s
b e i r a n d o os c i n q u e n t a , m i n h a filha, e t e m c a d a a m a n t e d e s t e
t a m a n h o . Q u a l q u e r m u l h e r q u e s e preze s u a boba, e n t r a
no dinheiro, desconhecendo a p o r t a .
��� Voc�� n �� o viu a J a q u e l i n e , que deslavada, Casa c o m
um velho, horr��vel, b a r r i g u d o , c o m os olhos e s b u g a l h a d o s
s�� por dinheiro.
��� 158 ���
Deu-me u m a cotovelada.
��� V��, Adelaide, voc�� a c h a que aquele l��, a i n d a d�� no
couro. Claro que n �� o . . �� dinheiro, filha. Dinheiro hoje em
dia pia alto. O t e u a i n d a �� broto, bonito e rico. Voc�� n �� o
a c h a que e s t �� escolhendo m u i t o ? Se ele faz o favor de c a s a r
com voc�� �� p o r q u e n i n g u �� m a q u i s . . .
Vera b a t e u na boca e a r r e g a l o u os olhos.
��� Pelo a m o r de Deus, desculpe-me, Adelaide. P u x a
como sou b u r r a , digo cada a s n e i r a .
��� N��o precisa se desculpar, querida, eu farei o favor
de n �� o me casar, c o m Antonio Cl��udio M e n d o n �� a de Bra-
g a n �� a .
Antonio Cl��udio M e n d o n �� a de B r a g a n �� a ? Pois n �� o . Um
m o m e n t i n h o .
Com o toque da c a m p a i n h a Vera e eu, emudecemos.
��� �� ele, Adelaide. Ser�� que ouviu o que falamos.
A e m p r e g a d a veio a t �� onde e s t �� v a m o s com u m a e n o r m e
corbelhe de orqu��deas e bot��es de rosas.
��� O m e n i n o da floricultura, disse q u e foi o sr. A n t o n i o
Cl��udio, q u e m a n d o u .
Respirei fundo.
��� P u x a , pensei q u e fosse ele.
Peguei o c a r t �� o e li. P a r a b �� n s , o r q u �� d e a s e rosas a g u a r -
d a m essa noite. ��� Seu anjo.
Passei o c a r t �� o p a r a Vera, e dei um pulo, corri p a r a o
q u a r t o e comecei a me vestir. Vera veio c o r r e n d o .
��� O q u e a c o n t e c e u ?
��� Hoje �� dia de nosso anivers��rio. N��o te contei, m a s
ele faz a n o s j u n t o comigo. Resolvi hoje ir a t �� a m a n s �� o , e
levar-lhe um p r e s e n t e , s�� que t e n h o que ir a t �� C a m p o s de
J o r d �� o , b u s c a r o que ele s e m p r e desejou. Vamos comigo,
Vera.
��� 159 ���
��� Mas C a m p o s �� t �� o longe.
��� Se a e s t r a d a estiver boa, faremos t u d o em sete h o r a s .
Ela a r r e g a l o u os olhos.
��� I d a e volta?
��� I d a e volta.
��� Com que c a r r o .
��� Meu Corcel.
* * *
Corria a c e n t o e sessenta, r o d a s n e m p a r e c i a m t o c a r o
c h �� o . Vera gritava, e o p o n t e i r o ia p a r a cento e q u a r e n t a .
E m S��o Jos�� dos Campos, e n t r e i e m u m a c o n t r a m �� o .
O g u a r d a apitou, e me fez voltar de m a r c h a r��.
��� P a r e a��.
Com o papel e a c a n e t a , ele ia come��ar a escrever.
D o c u m e n t o s .
Olhou a c a r t a , e sorriu.
��� Adelaide C a r r a r o . Que prazer, m i n h a m u l h e r �� s u a
f��, ela a d o r a os seus livros.
E n q u a n t o ele ia falando, eu ia p u x a n d o d e v a g a r a mi-
n h a c a r t a d e s u a s m �� o s . Coloquei-a n o p o r t a luvas.
��� Hoje �� o dia de nosso anivers��rio, seu g u a r d a , e vou
indo b u s c a r o p r e s e n t e dele.
Sa�� como o diabo sai q u a n d o v�� u m a cruz, com Vera
r e c l a m a n d o .
��� P u x a , n �� o p a r a m o s , n e m p a r a t o m a r u m cafezinho.
F i n g i n d o n �� o a ouvir, e n t r e i na e s t r a d a , e comecei as
c u r v a s , p a r a s u b i r a Serra. Os p n e u s g u i n c h a v a m , �� o c a r r o
p u l a v a como u m c a n g u r u nos b u r a c o s . Logo m a i s u m aviso.
A d u z e n t o s m e t r o s conserto. E n t r a m o s pelo desvio, l a m a ,
b u r a c o s , n u v e n s de poeira.
��� 160 ���
��� Filho da p u t a , de prefeito. Que e s t r a d a de m e r d a .
Se eu soubesse que o seu carro estava sem os amortecedores,
e q u e a e s t r a d a estava em t �� o p��ssimas condi����s, j u r o q u e
n �� o teria v i n d o . . .
O c a r r o c o n t i n u a v a aos solavancos cobertos pelas l a m e n -
ta����es d e V e r a . . . P u x a , m i n h a b u n d a e s t �� a r d e n d o , e m i n h a
cabe��a doendo. B a t o p a r a cima e p a r a baixo, s e m p a r a r .
E voc�� a i n d a t e m coragem de dizer, que p a s s a m t u r i s t a s
por aqui?
��� E p a s s a m mesmo. Vamos, Vera, n �� o seja t �� o c h a t a .
Logo que voc�� b o t a r os olhos em C a m p o s de J o r d �� o , vai
esquecer esses soquinhos.
��� Soquinhos? Bendito seja D e u s ! Logo que c h e g a r q u e -
ro �� e s t r a n g u l a r esse Prefeito. N��o sei como p o d e m b o t a r ,
um asno desse, como Prefeito. Ele foi escolhido por votos?
��� Claro, voc�� e s t �� e x a g e r a n d o . Voc�� desconhece o q u e
o Prefeito, j�� fez, pela cidade. �� um l u t a d o r .
��� L u t a d o r ? ! Deve ser de box.
��� Chi, Vera, n �� o queira, e m b r u l h a r as coisas. Ele ��
l u t a d o r d e t r a b a l h o . Apesar d e t o m a r c o n t a d a cidade, a i n d a
visita seus clientes.
��� Clientes?!!
��� ��, ��, ��. Vera, ele �� m��dico.
��� P u x a , pela c a r a da e s t r a d a pensei que fossem clientes
de r o u p a s feitas.
At�� ri.
��� N��o, querida. O dr. Jos�� Carlos P a d o v a m , �� m��dico e
por sinal um g r a n d e profissional. Se a g e n t e tiver t e m p o ,
faz u m a visitinha p r �� e l e . . . T��. Agora, fique q u i e t i n h a ,
por u n s m o m e n t o s , pois preciso p r e s t a r a t e n �� �� o n a e s t r a d a .
T e m m u i t a s curvas.
��� E o q u e fico fazendo se n �� o conversar.
��� Ora, Vera, e n t r e no m u n d o que ladeia a e s t r a d a .
M o n t a n h a s , ��rvores de mil tonalidades de verdes, riozinhos
��� 161 ���
l��mpidos e cristalinas, troncos secos cobertos de r e n d a de
m u s g o , f l o r e s , p e d r a s , a n i m a i s , c a s i n h a s , terreiros, planices,
c a s c a t i n h a s , p �� s s a r o s . Enfim, u m m u n d o novo e maravilhoso.
��� S�� vejo m a t o , p�� e b u n d a d a s no b a n c o .
Sorri e segui c a l a d a , v a r a n d o o s e r p e n t e a m e n t o .
Atravessei a l i n h a do b o n d i n h o e e n t r a m o s na cidade.
P a r e i o c a r r o no j a r d i m da Vila Abern��ssia, sai e esticando
os m �� s c u l o s , gritei.
��� Apresento-lhe C a m p o s de J o r d �� o , Vera. Girei sobre
os c a l c a n h a r e s c o m os bra��os estendidos. A cidade, m a i s
l i n d a d o m u n d o . U m para��so d e m a r f i m , escondido e n t r e a s
m o n t a n h a s .
Ela saiu e o l h a n d o , p a r a os lados, p e r g u n t o u feito boba.
��� O n d e est�� a cidade?
Tive v o n t a d e de e s t r a n g u l �� - l a .
��� T �� , t �� , Vera. V a m o s comer. Voc�� disse q u e e s t �� com
o e s t �� m a g o r o n c a n d o de fome. V a m o s l��, v a m o s comer. T e m
g e n t e , q u e s �� p e n s a n a b a r r i g a . S i n c e r a m e n t e , n �� o sei como
vivem.
C h e g a m o s a Capivari, s e n t a m o s n u m a m e s i n h a , n a cal-
�� a d a do r e s t a u r a n t e Nevada, e ela comia as g a r f a d a s e n q u a n -
to eu m e x i a a comida sem v o n t a d e a l g u m a de comer.
��� Credo Adelaide, coma. F i c a ai ciscando. A g e n t e a t ��
p e r d e o apetite.
Comecei a comer p e n s a n d o , q u a n t a s coisas lindas, m a -
ravilhosas, d e s l u m b r a n t e s g r i t a v a a bela cidade e Vera p e n -
sava, em comer.
L i m p o u os l��bios com o g u a r d a n a p o . P r o n t o , vamos
b u s c a r o t �� o falado p r e s e n t e .
Procurei a casa de um casal m e u amigo,, Angelina n o s
recebeu alegre como sempre.
��� O que a t r a z em Campos, Adelaide. Q u a n t o t e m p o .
E n q u a n t o Vera se deliciava com f r u t a s cristalizadas, de
��� 162 ���
C a m p o s de J o r d �� o , eu fui com Angelina a t �� o q u a r t o e l h e
expliquei.
��� Vim falar com voc�� sobre o livrinho.
��� Que livrinho.
��� Onde e s t �� o G u i m a r �� e s ?
��� Na s a l a da frente. Esse m e u m a r i d o . E s c u t a o r u �� d o
de visitas e n e m aparece. Vou c h a m �� - l o . Espere ai.
Segurei-a pelo b r a �� o .
��� N��o, n �� o . . Eu explico p a r a voc�� m e s m o . O G u i m a r �� e s ,
disse-me u m a vez, que me d a r i a o livrinho. L u s �� a d a s .
��� Disse?! A c a r a de e s p a n t o dela me gelou.
I m a g i n a , pensei se ele resolve n �� o vender ou d a r .
��� F a l o u sim. �� indispens��vel q u e o leve hoje, Angelina.
H�� treze a n o s , q u e p r o m e t i esse livrinho a um jovem. Hoje
ele faz vinte a n o s . T e n h o que l h e d a r o livro. Voc�� pode
pedir t u d o o q u e quiser, o G u i m a r �� e s t a m b �� m .
��� P o r m i m , voc�� pode levar a t �� agora. Vamos a t �� l��.
Foi u m c u s t o faz��-lo concordar. Angelina ajudou t a n t o .
Quase desisti q u a n d o G u i m a r �� e s , me estendeu o livrinho c o m
os olhos cheios de l �� g r i m a s . As m e s m a s l �� g r i m a s q u e vi
q u a n d o o devolvi depois da t r a g �� d i a . Mas aquele dia, a q u e l a
h o r a ele c h o r a v a de t r i s t e z a ao d a r - m e o livro e eu c h o r a v a
de alegria ao receb��-lo.
Enfiei o livrinho no bolsinho de m i n h a blusa azul e
gritei p a r a Vera.
��� Vit��ria, querida. Vamos.
Ela s e n t a d a ao m e u lado.
��� Que vit��ria.
��� O presente.
��� Ele o deu.
��� Deu.
��� E q u a n d o a g e n t e v e m busc��-lo.
��� Ri a t �� as l �� g r i m a s .
��� P o r q u e est�� rindo, parece u m a t o n t a .
��� O p r e s e n t e e s t �� a q u i comigo.
Ela olhou a t r �� s no carro, no c h �� o e falou.
��� E s t �� no p o r t a - m a l a s ?
��� Que p o r t a - m a l a s ?
��� E n t �� o onde e s t �� essa p o r r a , que n �� o vejo.
Parei o c a r r o e tirei os L u s i a d a s do bolsinho que lhe p u s
b e m d i a n t e do n a r i z .
��� Olhe o p r e s e n t e .
Os olhos b e m a r r e g a l a d o s e a boca a b e r t a , a t �� que con-
seguiu dizer:
��� M a s t o d a essa correria, por c a u s a disso a��.
��� Isso a q u i m e u b e m e um Lusiadas, com o a u t �� g r a f o
do pr��prio a u t o r , e com d a t a de 1556.
��� Q u e m foi esse a��.
A b a i x a n d o d e v a g a r o livrinho, ia falar-lhe u m a s boas,
m a s senti e m t e m p o q u e Vera n �� o estava b r i n c a n d o . E l a
r e a l m e n t e n �� o s a b i a q u e m era o m a i o r p o e t a p o r t u g u �� s ,
Luiz Vaz de Cam��es.
G u a r d e i n o v a m e n t e o L u s i a d a s . N��o podia perder t e m p o .
Vamos p a r a S��o P a u l o , Vera.
��� M a s eu gostaria de c o n h e c e r o Prefeito.
��� Mas hoje �� domingo, e a P r e f e i t u r a est�� fechada.
��� O r a , ele n �� o t e m casa?
O Prefeito t i n h a m u d a d o de Vila Abern��ssia, p a r a Vila
Capivari.
��� Ele e s t �� m o r a n d o n u m a casa q u e se c h a m a P o u s a d a
d a Serra, disse-me u m m o r a d o r .
��� 164 ���
P r o c u r a m o s a casa indicada. A e m p r e g a d a m u l a t a sim-
p �� t i c a disse que ele n �� o estava.
��� Vai ver que se precisa m a r c a r a u d i �� n c i a em t �� o pr��s-
p e r a cidade p a r a se falar com ele. Na cidade m a i s populosa
da S��o Paulo. At�� se ouve o z u m b i n d o das moscas.
��� N��o seja a m a r g a , Vera, o h o m e m �� legal, fala com
todo m u n d o .
��� T a m b �� m , r e t r u c o u ironica, como n �� o falaria m o r a n d o
n u m l u g a r com meia d��zia de pessoas.
��� Olhe, Vera, hoje n �� o posso lev��-la conhecer a m a r a -
vilha escondida que existe nessa cidade, estou com u m a t r e -
m e n d a pressa. Mas assim que voc�� o desejar, viremos p a r a
p a s s a r u n s dias. Agora vamos descer a Serra.
Q u a n d o p a s s a m o s pela frente do c i n e m a vi o carro c o m
c h a p a b r a n c a c o m S. Excia.
��� Olhe o dr. Jos�� Carlos P a d o v a m , Vera.
Ela n �� o quis descer do c a r r o . At�� hoje, t e m , esnobes
preconceitos. O h o m e m t e m q u e ser cavalheiro, e t c , etc.
Deixei-a falando sozinha e fui a t �� o c h a p a b r a n c a .
��� Lembra-se de m i m , Prefeito.
��� Adelaide C a r r a r o . E n t r a .
Sentei-me p e r t o dele e fiquei ouvindo-o falar da cidade.
�� u m h o m e m d e fala b r i l h a n t e , u m desses r a r o s h o m e n s q u e
s e m a n t �� m s e m p r e e m e s t a d o d e exalta����o. Dos m i n u t o s
q u e estivemos conversando, incendiou-lhe a i m a g i n a �� �� o em
mil modos de r e f o r m a r a cidade. P e n a q u e esse jovem P r e -
feito n �� o t e n h a c a r t a b r a n c a p a r a agir conforme fervilha o
seu c��rebro. T e n h o certeza que t e r �� a m o s l u g a r e s de poderosa
beleza, p a r a m o s t r a r a o m u n d o , l �� e m C a m p o s d o J o r d �� o .
��� Sim Vera, ao m u n d o . As id��ias dele s��o obras, fan-
t �� s t i c a s . M a s ele 'tem q u e seguir em r i t m o de croquis. As
violentas exalta����es d a s cores, ficam s �� n a . . .
��� Cuca do Prefeito.
��� �� m a i s o u m e n o s assim.
- - 165 ���
C A P �� T U L O 1 8
O mordomo abriu a porta e entrei no grande sal��o de
festas. Meu corpo oscilou e quase cai sufocada por ver tanta
beleza. O sal��o fora disposto como um grande jardim de
rosas, e orqu��deas, em caminhos ladeados de plantas raras de
um metro de altura e cobertas de rosas.
Outro caminho com as mesmas plantas, mas coberto de
orqu��deas. Os caminhos eram cheios de curvas e termina-
vam todos numa esp��cie de altar formado de bal��es de
rosas onde vi um enorme embrulho quadrado envolto em
papel branco e entrela��ado de fita bordada �� m��o de rosa e
azul.
��� Que �� isso, Santo Deus! ser�� que entrei no para��so.
O mordomo riu.
Coisas do menino. Desculpe-me, sra. eu pensei que ele
estivesse aqui, acho que est�� no sal��o de jantar.
��� Eu nem reconheci o sal��o. Estava fantasticamente
decorado.
��� De uma coisa me lembro bem. Falei ao mordomo.
��� Mas a toalha da mesa, parece tecida em fios de prata.
��� A sra. acertou.
��� Fios de prata?!! Mas quem conseguiu fazer uma
coisa dessas.
��� S��o coisas do patr��ozinho.
A toalha formava lindos desenhos, caindo pelo ch��o, ata-
��� 166 ���
p e t a d o de veludo da P��rsia. O servi��o de j a n t a r era o que
C a r m e m g u a r d a v a a sete chaves, pois era t o d i n h o de ouro.
Agora ele estava ali, em cima da p r a t a , rindo com seu brilho
a m a r e l o . D a s p a r e d e s p e n d i a m obras d e a r t e .
O p a t r �� o z i n h o m a n d o u vir um decorador da P��rsia.
��� O que? E n t �� o a festa vai ser p a r a reis, r a i n h a s , e
p r i n c e s a s . . .
��� �� p a r a voc��, Adi. �� o reino de fadas.
Virei-me. Apertei o cora����o p a r a ele n �� o sair v o a n d o .
Vestido de p r e t o . N �� o sei porque eu t r e m i a t a n t o . O rosto
p��lido como cera. Eu comecei a e n x u g a r o suor da t e s t a .
Os cabelos sem cor definida. As m i n h a s p e r n a s b a m b e a r a m .
M��os b r a n c a s . P a r e c i a um defunto. A n u c a come��ou a a r d e r .
F e c h e i os olhos. N��o sei se gritei ou n �� o , m a s a m i n h a voz
eu ouvia de e n c o n t r o ao ouro da baixela que titilava.
��� Tire essa r o u p a p r e t a , tire essa r o u p a p r e t a , pelo
a m o r de Deus!
Ele me s a c u d i u e exclamou:
��� Adi, Adi, o que foi? Que r o u p a p r e t a ? Abra os olhos.
��� N��o, n �� o quero v��-lo vestido assim. V�� por Deus, t r o u -
c a r esse t e r n o essa camisa. N��o sei p o r q u e voc�� foi escolher
essa cor horr��vel.
��� Adi, a b r a os olhos, s u a voz era suave. Eu n �� o estou
vestido de p r e t o .
Com um arrepio correndo pelo dorso, a b r i os olhos. E
a q u e l a q u e i m a d u r a n a g a r g a n t a foi a u m e n t a n d o . M a s afinal
o q u e se p a s s a r a comigo. Antonio Cl��udio, ali na m i n h a
frente d e n t r o de u m a cal��a m u i t o j u s t a de h e l a n c a cinza e
u m a camisa d e m a l h a b r a n c a a b e r t a n o peito e d e m a n g a s
c u r t a s . Rosto alegre e corado e m �� o s grossas e m o r e n a s .
Apertei os olhos com o polegar e o indicador.
��� Oh! Cl��udio, a c h o q u e os m e u s nervos est��o d e m a s i a -
d a m e n t e tensos. E s t o u a t �� t e n d o vis��es. P u x a q u e coisa
horr��vel. G r a �� a s a Deus, passou. N��o lhe quis falar da vis��o.
��� 167 ���
O m o r d o m o j�� v i n h a com u m a b a n d e j a cheia de copos
de bebidas. Peguei um e virei t u d o de u m a vez. O calor da
bebida me t r o u x e u m a inexplic��vel t r i s t e z a e como se n u n -
ca m a i s o fosse ver vivo, me atirei em seus bra��os e chorei
pela p r i m e i r a vez em s u a frente.
A m p a r a d a em seus bra��os, fortes e ouvindo a s u a voz
b a i x i n h a p r o c u r a n d o me a c a l m a r pensei em revelar todo o
g r a n d e a m o r que s e n t i a por ele. Mas seria u m crime, p r e n -
d��-lo a m i m . Mas, O h ! ��� D e u s se eu soubesse que um m �� s
depois a t �� t r i c a vis��o seria real, j u r o que n u n c a o teria dei-
xado. Ele e n x u g o u os m e u s olhos e de seus l��bios n �� o p a r a -
v a m as p a l a v r a s de a m o r , e consolo. L e m b r o que me afastei,
e lhe e n t r e g u e i o livrinho.
��� Adi! N��o �� poss��vel, o n d e diabo voc�� desenterrou isso.
Sorri.
��� Segredo.
Ele beijou o livrinho.
��� Agora venha ver u m a coisa Adi. De m �� o s d a d a s su-
bimos as escadarias. E n t r a m o s em seu q u a r t o , ele correu p a r a
a c a m a e t i r o u debaixo do travesseiro, u m a coisa s u j a e
disforme.
��� Conhece?
��� N��o.
��� O c a c h o r r i n h o . Aquele a m a r e l i n h o . Que voc�� me d e u
q u a n d o e u era u m bebezinho. Ele m e a c o m p a n h o u pelo m u n -
do. Depois de voc�� �� a coisa que eu m a i s a m o .
Fiz m e n �� �� o de p e g a r o brinquedo, m a s ele empalideceu
e falou:
��� N��o o pegue, Adi.
��� P o r q u e ? !
��� A l g u m dia voc�� saber��.
��� Bem, se �� assim.
��� Desculpe-me, sim?
��� 168 ���
��� Ora.
Ele colocou o velho e sujo c a c h o r r i n h o debaixo do t r a -
vesseiros e p e g a n d o - m e pela m �� o , descemos as escadarias aos
pulos.
��� O n d e e s t �� Zefa, Cl��udio?
��� Espere e ver��. Vamos j a n t a r .
��� ��� *
Na g r a n d e m e s a ele me indicou o l u g a r na cabeceira
e t o m o u o da o u t r a p o n t a . Olhei i n t e r r o g a t i v a m e n t e , p a r a
o u t r o s dois l u g a r e s a r r u m a d o s . Ele sorriu e tocou um
sininho.
Podem e n t r a r .
Chico e Zefa, rindo t o m a r a m os lugares.
��� Eu estava emocionad��ssima e foi um custo p a r a c o n t e r
a s l �� g r i m a s .
O som de u m a o r q u e s t r a escondida v i n h a a t �� n��s, com
u m a s��rie de m �� s i c a s de W a g n e r , Chopin e Mozart. E s t �� v a -
mos felizes.
Os e m p r e g a d o s servindo, Zefa e Chico, um pouco a c a n h a -
dos no come��o, m a i s depois r i a m e t a m b o r i l a v a m na m e s a
com os dedos a m �� s i c a que conheciam.
Dos olhos de Antonio Cl��udio, s a i a m c h a m a s a r d e n t e s
que a t r a v e s s a v a m a m e s a e escaldavam o m e u cora����o. N �� o
sei se era a bebida e n u v i a n d o o m e u c��rebro, m a s eu j��
estava decidida a esquecer os vinte anos de diferen��a.
T u d o era m �� s i c a , flores, ouro, p r a t a , bebidas, i g u a r i a s e
os q u a t r o e r a m a p r �� p r i a personifica����o da alegria.
Q u a n d o A n t o n i o Cl��udio pediu p a r a b r i n d a r m o s o nosso
anivers��rio, l e v a n t a m o s todos e n o s r e u n i m o s de t a �� a s na
m �� o . L e v a n t a m o s e e n c o s t a m o s as q u a t r o e ai um gelo me
percorreu toda, e u m a dor me a p e r t o u o cora����o.
Talvez j�� a m i n h a a l m a adivinhasse que essas t r �� s cria-
t u r a s e s t a v a m c a m i n h a n d o p a r a o m u n d o d e o n d e n u n c a
��� 169 ���
m a i s se volta. E t u d o come��ou n e s t a m e s m a noite, q u a n d o
findo o j a n t a r Cl��udio n o s fez p a s s a r p a r a o sal��o de festa.
L �� n o a l t a r a g o r a s e via u m e n o r m e bolo todo espetado por
u m a m i r �� a d e d e velas acesas.
��� Q u e m c h e g a r primeiro ao bolo leva o p r e s e n t e , q u e
e s t �� d e n t r o . C a d a q u a l t o m o u por u m c a m i n h o , e corremos
por aquele l a b i r i n t o de flores s e m e n c o n t r a r o fim. As vezes
n o s e n c o n t r �� v a m o s no m e s m o c a m i n h o e a b r a �� a n d o - n o s
c a �� a m o s n a g a r g a l h a d a . Como n �� o t i n h a s a �� d a m e s m o ,
Cl��udio e Chico, r e t i r a r a m a l g u n s vasos de p l a n t a s e n o s
e n c o n t r a m o s frente ao bolo.
��� N i n g u �� m vai g a n h a r o p r e s e n t e . Zefa falava r i n d o .
��� Esperem, esperem, a voz de Cl��udio, de e n c o n t r o c o m
a m �� s i c a q u e se ouvia m e l h o r ali n a q u e l e sal��o. Chico v��
l�� e pe��a p a r a o m a e s t r o t o c a r a m �� s i c a de anivers��rio.
A m �� s i c a e n c h e u o ar e n �� s dois a s s o p r a m o s as mil velas
e r �� a m o s felizes.
��� E s t o u c a n s a d o , Adi, e m e l h o r pedir as fadas p a r a n o s
a j u d a r .
��� Zefa �� u m a fada, e Chico �� . . .
��� F a d o ��� g r i t o u Antonio.
Todos a s s o p r a n d o as velas e q u a n d o restou s�� fumaceira,
Chico foi correndo a b r i r as j a n e l a s , pois disse q u e e s t a v a
c h e i r a n d o a defunto.
N �� o sei p o r q u e , q u a n d o e u p a r a v a u m p o u q u i n h o d e
falar o u b r i n c a r m e vestia d e u m a e s t r a n h a a n g �� s t i a . E u
fazia t u d o p a r a n �� o p a r a r . E q u a n d o c o r t a m o s o bolo c o m
u m a m �� o e m c i m a d a o u t r a , Zefa gritou que d a v a a z a r .
E u ca�� n a risada.
��� Que a z a r pode d a r Zefa, se j�� e n c o n t r a m o s a feli-
cidade. Voc��, n �� o e s t �� vendo como Cl��udio e s t �� feliz?
Ele r i u e p e g a n d o no p a c o t �� o exclamou:
��� A m i n h a felicidade, ser�� completa na h o r a q u e voc��
colocar isso que e s t �� a q u i d e n t r o .
��� 170 ���
Abri a caixa e t i n h a o u t r a caixa e foi assim a q u e l a brin-
cadeira de caixa d e n t r o de caixa, q u e cheguei a um estojinho
b r a n c o . P a r e i e olhei p a r a Cl��udio sem c o r a g e m de a b r i r .
Seus olhos e r a m i m p a c i e n t e s , e s u a l �� n g u a p a s s a n d o
pelos l��bios, como s e m p r e fazia q u a n d o e s t a v a nervoso.
Abri.
Um pesado sil��ncio, caiu no e n o r m e sal��o de festa. Acho
q u e os m��sicos est��o t r o c a n d o a p a r t i t u r a , pensei. Zefa me
o l h a v a a p e r t a n d o os l��bios e ele me o l h a v a sorrindo. Um
sorriso q u e foi m o r r e n d o aos poucos q u a n d o ele viu eu lhe
estender a s d u a s a l i a n �� a s .
��� Voc�� j�� sabe a m i n h a decis��o, A n t o n i o Cl��udio. Eu
n u n c a , n u n c a porei u m a a l i a n �� a oferecida por voc�� n o m e u
dedo. J�� lhe m o s t r e i cem vezes a b a r r e i r a , q u e n o s separa.
J�� lhe falei m a i s de mil vezes, que c a s a n d o - m e com voc��,
estou e s t r a g a n d o o seu f u t u r o . T o m e as a l i a n �� a s , Cl��udio,
e pelo a m o r de Deus, a r r a n j e u m a m o �� a de s u a i d a d e e
case. N��o q u e i r a c a r r e g a r o resto de s u a vida u m a velha por
esposa.
Chega dessa criancice de q u e e s t �� a p a i x o n a d o por m i m .
Ele estava p��lido como um c a d �� v e r e estendeu as m �� o s t r �� -
m u l a s como se quisesse impedir a m i n h a saida. Eu me diri-
gindo p a r a a s a i d a e ele g r i t a n d o .
Na p o r t a de saida, e n c o n t r e i C a r m e m . P a r a m o s como
d u a s rivais. E l a r e s p i r a n d o fundo e eu t r i s t e e t r �� p e g a . O l h a -
mo-nos. S e u s olhos e r a m c h a m a s de ��dio e s u a voz e s p u m a n t e .
��� Voc�� n �� o o r o u b a r �� de m i m , e s t �� ouvindo s u a v i r a l a t a ,
n e m sei p a r a isso for preciso m a t �� - l o . Voc�� n �� o vai p e n s a r
q u e c h e g a r �� a p e g a r um v i n t �� m de nossa f o r t u n a . A f o r t u n a
t o d a �� m i n h a , m i n h a , s u a vaca, s u a v a g a b u n d a .
Meus olhos d e i x a r a m os seus e desci as escadarias cor-
r e n d o , a c o m p a n h a d a pelos sons tristes d a " M a r c h a F �� n e b r e . "
Passei pelo g r a n d e p o r t �� o r e l u z e n t e e ouvi o porteiro fa-
lar p a r a um colega. A d o n a C a r m e m �� t �� o nervosa, parece
m e s m o u m a louca.
Ela �� louca ou muito nervosa. Ora, srs. jurados. Uma
mulher que responde a duzentas perguntas na policia, con-
servando uma calma absoluta, sem fumar, sem cair em con-
tradi����o, sem as m��nimas rea����es psicol��gicas pode ser uma
louca? Tamb��m ela n��o �� uma assassina, pois facilitou todos
os meios para as investiga����es.
Logo ao suic��dio do filho, ela foi que telefonou para a
R��dio Patrulha, que compareceu a sua mans��o. A R��dio Pa-
trulha, n.�� 28. Ela sujeitou-se a todas as imaginosas provas
da Policia T��cnica. Deixou-se fotografar como exigia a T��c-
nica. N��o reclamou das posi����es engendradas pela pol��cia.
Toda pol��cia de S��o Paulo, T��cnica ou Jur��dica, teve a sua
entrada franqueada em sua casa para as experi��ncias que
quisessem. Ent��o, os srs. acham que um assassino fica cara
a cara com a pol��cia sem se denunciar?
Um culpado n��o auxilia a pol��cia e muito menos con-
serva intacto o local onde se deu a trag��dia como fez a
nossa Carmem Bragan��a de Mendon��a. Pergunto. Uma
mulher culpada prestaria tanto aux��lio �� Justi��a.
N��o. Pois essa mulher �� absolutamente inocente. Nem
um tribunal poder�� conden��-la, depois que tomaram conhe-
cimento dos erros da T��cnica, como os juizes not��veis do
nosso Minist��rio Federal, e da justi��a Nacional. Porque
querem condenar essa suave mulher, porque, srs. Jurados.
S�� porque ela teve a felicidade de ser rica e poderosa?
Confio nos srs. porque os ricos e poderosos tamb��m
merecem justi��a.
MULUNGU �� ��TIMO PARA DOR
DE CABE��A DE ORIGEM
NERVOSA; ENXAQUECA
��� 172 -
C A P �� T U L O 1 9
Depois da festa, fiquei alguns dias sem ter not��cias de
Antonio Cl��udio. Mas um dia Zefa, entrou afobada no meu
apartamento. Eram seis horas.
��� Dona Adelaide, venha correndo pelo amor de Deus.
��� Que foi Zefa, fale logo criatura.
��� Ele foi preso.
��� Ele quem?
��� Antonio Cl��udio.
��� Mas a esta hora. O que ele fez?
��� N��o, ele saiu ontem e s�� agora, Chico o descobriu.
Est�� l�� no D . I .
��� Mas, mas Zefa, o que ele fez.
��� T��xicos.
��� Santo Deus!
Zefa tinha o semblante coberto de ��dio.
��� Foi ela que voltou a dar-lhe.
Levantei-me e segurando as m��os da empregada.
��� Ela, voc�� est�� sonhando. Como ela pode domin��-lo
agora. Ele j�� est�� um homem.
��� Foi no dia da festa. Assim que a sra. saiu ela chegou.
Ele estava desesperado. N��o ligava para nada. Ela mandou
que eu e Chico aos gritos f��ssemos para o inferno. Saimos
��� 173 ���
do sal��o e q u a n d o eu a vi subir, fui ao seu encalce, b e m
d e v a g a r i n h o e vi q u e ela foi b u s c a r um o u t r o d a q u e l e vi-
d r i n h o .
Ele t o m o u a bebida que ela l h e d e u e logo m a i s e s t a v a m
r i n d o e f a l a n d o a l t o . Ela d o r m i u na m a n s �� o e desde esse
dia ele m u d o u c o m p l e t a m e n t e . O n t e m �� noite c h a m o u Chico,
e l h e o r d e n o u q u e limpasse um dos c a r r o s . Na h o r a de s a i r
ele resolveu q u e Chico devia a c o m p a n h �� - l o . Chico g u i o u a t ��
p e r t o d a Rodovi��ria e e s p e r a r a m . Q u a n d o u m ��nibus d a B a h i a
v i n h a c h e g a n d o o p a t r �� o z i n h o m a n d o u ele descer e foi g u i a n -
do, p a r e l h a n d o com o ��nibus. A l g u �� m de u m a j a n e l a deu-lhe
u m p a c o t e .
Ele a p a n h o u o Chico, e r i n d o falou m o s t r a n d o o pacote
de h e r o i n a . Chico, n �� o quis a c r e d i t a r , ele e n t �� o disse �� p a r a
�� m a m �� e . E r a a p r i m e i r a vez q u e Chico o ouvia falar esse
n o m e , a�� o Chico ficou p e n s a n d o em j o g a r o p a c o t e fora,
m a s n �� o teve n e m u m a o p o r t u n i d a d e .
Q u a n d o c h e g a r a m ele vestiu um " s m o k e " , e falou que ia
j a n t a r fora.
F i c a m o s preocupados, p o r q u e ele n u n c a p a s s a a noite
fora. Chico telefonou p a r a u m a m i g o d e Cl��udio e . . .
��� Amigo?!
��� Sim, a g o r a ele t e m um m o n t e de amigos e ele disse
que Cl��udio e m a i s dois e s t a v a m presos.
* * *
C h e g a m o s ao D e p a r t a m e n t o de Investiga����es, e c u t u q u e i
Zefa. T r �� s baldes, t r �� s p a n o s e t r �� s rodos e r a m m a n e j a d o s
p o r t r �� s jovens vestidos a rigor, que l i m p a v a m o g r a n d e h a l l .
Q u a n d o ele m e viu cruzou o s bra��os n a p o n t a d o cabo d o
rodo e com um sorriso ir��nico b r i l h a n d o n o s l��bios, gritou.
��� Ol��, q u a r e n t a a n o s , veio assistir �� decad��ncia dos vin-
te? E n t �� o pode ficar de c a m a r o t e , q u e a g r a n d e t r a g �� d i a
vai come��ar. E em primeiro l u g a r ��� s e u rosto a d q u i r i u um
ar de raiva ��� sa��a daqui, sa��a d a q u i . G r i t o u b a t e n d o com o
rodo no c h �� o .
��� 174 ���
��� Vou falar com o delegado. Depois saio.
Ele se p��s na minha frente.
��� N��o vai falar com ningu��m. Eu sei muito bem cuidar
de mim. J�� sei andar com os meus pr��prios p��s. Ouviu?
��� Na lama?
Gritou insolente.
��� Na lama que voc�� me atirou.
��� Da lama que eu quero tir��-lo.
��� Deixe como est��. N��o d�� mais um passo sen��o...
��� Sen��o...
��� Eu lhe meto esse rodo na cabe��a.
Frente a frente, tremendo como dois inimigos.
Zefa me puxou. Mas dei um safan��o, eu me despedi e
virando as costas ia me dirigir para a sala do delegado, quan-
do senti a dor aguda no ombro direito.
Virei-me segurando o local da dor com a m��o esquerda
e falei baixo.
��� Foram vinte anos perdidos, n��o foram, Cl��udio? Ima-
gine se eu tivesse me casado com voc��.
Ele voltou a ser o meu Antonio Cl��udio, e disse timida-
mente.
��� Se voc�� tivesse casado comigo, ou se casar, isso n��o
acontecer�� mais.
��� Cada um tem que andar, com suas pr��prias pernas
num caminho limpo Cl��udio, n��o v�� esperar que eu fique a
vida toda varrendo o seu caminho. Essa �� a ��ltima vez que
obede��o a chamados da Zefa e de Chico. Se algum dia voc��
se portar como um homem, eu voltarei a ser sua amiga. Hoje
vou lev��-lo para casa. Hoje s�� est�� ouvindo.
No c a r r o ele me disse:
��� Perdoe-me.
��� 175 ���
��� J�� esqueci.
��� Pensei que voc�� n��o voltasse mais.
��� Vou ficar um tempo longe de voc��. Quero ver se voc��
cria ju��zo.
��� E depois?
��� Depois...
��� N��o sabe o que falar, n�� Adi.
Apertei a cabe��a nas m��os.
��� Cl��udio o que foi que fiz de errado?
��� Errado?!
��� Sim.
��� Porque?
��� Eu s�� quis ajudar um nenezinho a n��o morrer de
fome e aconteceu tudo isso.
��� Antes voc�� tivesse deixado o bico da chupeta bem
grande.
Olhei-o r��pido.
��� Quem lhe contou.
��� Fui eu, dona Adelaide, ele precisava saber a esp��cie
de...
��� M��e que tenho. Que trocou o bico do seio cheio de
leite, por um colar de diamantes e quando agarrou o colar
n��o quis dar de mamar ao filho. E se fosse s�� isso.
Ningu��m falou mais nada. Quando chegamos na man-
s��o ele foi para o banho, e eu fui para a clareira no meio
do bosque e me sentei no banco de pedra. Os vasinhos a
minha volta estavam carregadas de flores de todas as cores.
Logo depois chegou a Zefa, com uma bandeja e me serviu
caf��, leite com p��o e manteiga.
��� N��o como manteiga, Zefa.
��� Ela parecia n��o me ouvir. Olhou de soslaio para todos
��� 176 ���
os lados e cautelosamente me entregou um papel dobrado,
dizendo baixinho.
��� Eu o achei dentro do cachorrinho que a sra. deu
para ele.
Senti uma quentura na garganta e n��o aceitei o papel.
��� N��o, Zefa. N��o posso ler isso, Cl��udio outro dia n��o
quis que eu pegasse nem no cachorrinho.
��� Mas �� horr��vel o que est�� escrito. A sra. nem faz
uma id��ia. Eu s�� estou lhe mostrando, porque talvez com
isso conseguiremos salv��-lo dos t��xicos. Lendo, a sra., vai
saber o que ele sofreu.
Meus olhares se voltaram para a casona.
��� Eu fico vigiando, se ele aparecer eu aviso.
Relutando peguei o papel. Eram umas tr��s folhas gran-
des escritas com a sua letrinha redonda.
* * *
Hoje fiz doze anos. Estou na Inglaterra, morrendo de
saudades do meu Brasil, da Adi, da Zefa e de Chico. Esses
tr��s s��o os meus melhores amigos. N��o gosto daqui e nem
do que se passa comigo. Estou escrevendo isso porque con-
versei com um menino do col��gio e ele disse que era tudo
mentira de minha m��e. Que sexo se revela por si mesmo
que n��o �� preciso ningu��m ficar chupando a gente, para que
a gente vibre.
Mas ela me enganou, falou-me no dia que fiz oito anos
que se eu n��o a deixasse chupar o meu penis, eu virava
um pederasta. Ai me explicou o que era isso. Todos os dias,
ela me abra��ava e ficava esfregando a sua "coisa" em mim,
at�� que de seus l��bios saiam uns gritos agudos e ai come��ava
a morder o meu sexo. Fiquei muito doente, por causa disso.
O meu p��nis inchou e fiquei todo marcado de manchas roxas.
Os meus amigos me trataram, mas eu nada lhes contei.
Sarei e meu pai me trouxe para a Europa. Na primeira noite,
j�� tudo come��ou. Ai ela queria que eu ejaculasse, mais eu
��� 177 ���
n��o tinha esperma. Ent��o ela ficava mexendo no meu p��nis
de baixo para cima at�� que saiam gotas de sangue. Ent��o
ela ficava muito nervosa e me chamava de veado.
��� Voc�� vai ser um veado. Isso n��o vou consentir. Eu
vou ensin��-lo como voc�� tem que se portar quando for ho-
mem, e se casar, n��o deixar que o seu lar desmorone por
causa de sexo. N��o vou quer��-lo igual ao seu pai, o "play
boy" de merda, que n��o consegue nem satisfazer a mulher.
Depois ficava mais calma e tentava me explicar que s��
conseguia se realizar comigo.
��� Seja bonzinho, meu bem. Hoje vou comprar uma
coisa que n��o vai mais machuc��-lo.
Quando chegou a noite ela trouxe a coisa. Era um
grande p��nis movido a pilha.
Ela se deitava e me puxava para a cama, tirava as mi-
nhas roupas e me obrigava a tirar as dela. Depois me amas-
sava em seus bra��os.
��� Olhe, meu bem. Quando eu gritar voc�� pega o apare-
lho que est�� ai no criado mudo, e enfie no meio das minhas
pernas. Voc�� vai ver a mam��e, n��o o machucar�� mais.
Ela come��ava a me apertar e se esfregar freneticamente,
em todo o meu corpo. Gritava, se retorcia tf depois implorava.
��� Agora!... Agora... meu bem, pegue o aparelho.
Eu fazia o que ela me mandava, ela ent��o gritava.
��� Afunde mais! Mais forte! Eu morro!... Mais, mexe
mais forte. Assim, vou desmaiar!... Ai, ai, ai.
Depois ela caia para o lado e dizia.
��� V�� brincar.
Mal eu come��ava a fazer funcionar o meu trenzinho, ela
gritava.
��� Venha c��.
Ai eu ficava sentado na cama enquanto ela come��ava
tudo de novo.
��� 178 ���
��� N��o posso mais, sinto um ardor correndo pelas veias.
Quero voc�� perto de mim. ��� Novamente, apertava-me, ma-
chucava-me, mordia-me, cora os olhos arregalados, os cantos
da boca espumante e se revolvia sobre mim. Esfregava a va-
gina no meio de minhas pernas numa tremenda rapidez;
fazendo me soltar gritos de dor.
Quanto mais eu gritava, mais se espalhavam no ar as
suas espantosas gargalhadas. A cama tremia e rangia com
o movimento de seu corpo sobre o meu. N��o sei porque n��o
gozo. Estou fren��tica, furiosa, ardente.
��� Mexa-se, sua besta, pegue o aparelho fa��a qualquer
coisa.
Eu n��o sabia o que fazer. E ent��o era espancado, mor-
dido e amassado.
Sa�� da Inglaterra com treze anos, trazendo para o Brasil,
aquela lembran��a de horror e de repugn��ncia.
��� * *
Fiz dezoito anos. Estou novamente na Inglaterra. Ela
sabe muito bem como me possuir. Mandou me buscar nos
Estados Unidos, dizendo que estava passando muito mal, e
que meu pai tamb��m ia morrer.
Encontrei-a deitada na grande cama chorando, contor-
cendo-se e revolvendo-se desesperadamente. Quando me viu,
levantou de um salto e com os cabelos emaranhados no ar
correu e se atirou em meus bra��os. Eu recuei de prop��sito,
e ela se esborrachou no ch��o.
��� Ent��o, n��o est�� doente? Mas que est��ria �� essa? Que
pretende? Que deseja? For��ar-me mais uma vez a seus
imundos desejos? Quer violentar-me, conspurcar-me? Ah,
isso jamais!
Virei as costas e me dirigi para a porta. Senti uma pi-
cada na n��dega, passei a m��o e vi que era uma agulha de
inje����o. Quando acordei, estava junto de mim, uma linda
jovem. Puxou a cadeira mais perto e disse sorrindo:
��� Sua m��e aprendeu a aplicar inje����o na Africa. Foi
��� 179 ���
num Safari. Quando ela via algum bicho que lhe interessava,
atirava o rem��dio e o animal dormia. A�� ela o comprava. O
��ltimo que ela comprou foi um enorme macaco, tipo do
orangotango.
��� Voc�� n��o quer saber para que ela queria o macaco?
Meio tonto respondi:
��� N��o. Coisas dela n��o revolvo e n��o gosto que nin-
gu��m o fa��a.
��� Sei, sei, mas �� interessante, que voc�� saiba que sua
m��e �� hist��rica. Dizem que comprou o macaco para fazer
certas coisas.
Levantei-me sentindo a cabe��a pesada.
��� N��o quero saber de intrigas. Quero sair daqui
quanto antes.
Mas enquanto eu fazia um tremendo esfor��o, para andar,
com as pernas bambas, ela foi se despindo e falou.
��� Pare um momento.
Parei.
��� Gostaria que me ajudasse a despir.
��� Pra que?
��� Ora pra que. Olhou-me de frente. Eu sou virgem sabe.
��� E dai?
��� Dai? Ent��o �� verdade o que a sua m��e disse. Voc��
�� pederasta.
Senti o rosto ficar vermelho.
��� Que timidez. Homens corarem j�� era. Com os meus
dezoito anos, nunca vi disso.
��� Eu sou diferente.
��� Incesto?
��� Incesto?
��� 180 ���
��� Cale-se.
��� Ent��o qual �� a diferen��a.
��� Ela veio se aproximando. ��� Deixe eu sentir, que a
sua m��e �� uma mentirosa.
Desabotou a minha camisa e encostou os seios impi-
nados, fazendo com que os bicos enrijados bricassem com os
pelos de meu peito.
Levava-os para cima para baixo, para a direita e para
a esquerda. Enquanto assim procedia enfiou a m��os por
entre as minhas cal��as e apertou o meu sexo adormecido.
��� ��, a sua m��e tem raz��o, a sua impossibilidade fusca
�� gritante.
��� N��o �� toda carne que me interessa.
��� Mas para um verdadeiro homem, toda mulher ��
mulher.
��� S�� quando tem diante de si uma verdadeira mulher.
��� E eu o que sou?
��� Voc�� �� uma virgem, prostituta. Se �� que �� virgem
mesmo.
��� Voc�� �� rid��culo. ��� Jovem, forte, corado e de pinto
mole.. N��o adianta vir com lenga lenga, voc�� n��o funciona
mesmo.
Talvez fosse pelo efeito da inje����o, comecei a suar, e
sentir arrepios de frio. Com a cabe��a dando voltas procurei
tateando at�� encontrar a cama e nela me joguei.
Ela correu para mim.
��� Que tem? Meu Deus, meu Deus.
Atirou-se nua sobre mim, a sua boca ardente passeava
pelo meu corpo. Arrancou a minha roupa e agarrou-se a
mim, enla��ando-me com os bra��os e pernas.
Enquanto esfregava seu sexo no meu, meu est��mago,
contraia-se em n��useas fazendo-me gemer sem cessar. E no
meio desses gemidos senti que na sua boca ��vida e quente
��� 181 ���
a carne triunfava. Meu p��nis se robustecia dominante pro-
curando j�� macho no cio, quebrar, forte rijo, aquela barreira
mole �� ��mida.
Agora era eu o atacante. Com todo o peso de meu corpo
deitei-me sobre ela, e sem me incomodar com os seus gritos,
afundei-me inteiro de uma s�� vez.
��� Deixe-me! Deixe-me, seu louco.
O sexo j�� n��o obedecia, ele entrava e saia em estocadas
r��pidas e profundas e o meu sangue agitado fazia com que
a mordesse toda.
Eu estava no cio. Eu era o macho no cio. Quando nossas
l��nguas se cruzaram ardentes eu senti que a bola amarga
que balan��ava no est��mago, ia subindo, subindo e em con-
tra����es violentas fazendo que carnes ficassem por um mo-
mento parado nas carnes para dar evas��o a biles, esverdea-
da e amarga, que em golfadas quentes e espumosas cobrissem
a vasta cabeleira sedosa que estava na minha frente. Uma
golfada, duas golfadas, tr��s golfadas de biles, e o sexo re-
come��ou firme e triunfante em uma estocada, duas esto-
cadas, tr��s estocadas e no esperma que se arrancou de mim
deixei ir um peda��o de minha vida e extenuado sai de dentro
dela e cai para o lado.
��� Oh! voc�� �� maravilhoso! N��o deixe que o meu corpo
fique longe do seu. Eu o amo. Voc�� n��o sabe quem eu sou.
Mas vou lhe contar tudo sobre a minha vida. Eu sou muito
rica e filha de uma fam��lia que respeta a constitui����o da
fam��lia, pelo casamento legal, e que a noiva seja virgem. Mas
eu tenho id��ias mais avan��adas, e encontrei o apoio em sua
m��e. Eu a conheci aqui na Inglaterra. Eu tamb��m sou bra-
sileira, e essa fam��lia que acabei de lhe falar �� do Brasil.
Aqui na Inglaterra, n��o existem esses preconceitos bestas.
L�� no Brasil, ficar com o sexo em fogo �� ser animal, desa-
juste psicol��gico e desarranjo org��nico, por isso vim morar
em um pa��s "pr�� frenteques", e quis um brasileiro para me
deflorar. Sua m��e o chamou. Sei que ela o enganou, que
estava doente. Mas quero que confie em mim. Agora vou
preparar-lhe um rem��dio, logo voc�� estar�� bom.
Eu confiei e o rem��dio era droga, e logo mais eu estava
��� 182 ���
me retorcendo e ondulando sobre um corpo que me enla��ava
e apertava-me fortemente. Sentia o tremor da cama e o ran-
ger do estrado de ferro. O sexo delirava na exalta����o de
outro sexo, e quando esgotado e quase desmaiado, eu ca��a
,
im��vel, para o lado, o corpo arremessava-se por cima de mim
e deitada, sentada de c��coras n a s mais l��bricas posturas,
fazia o sexo entumecer e triunfante varar a quentura da-
quelas carnes. Um outro corpo pulou e numa luta fren��tica,
com unhas e dentes queria arrancar o corpo de cima de
mim.
As duas lutaram, aquela que estava em cima de mica
venceu e continuava ardente de lux��ria, multiplicar os de-
sejos de minha carne. Eu ouvia como de longe a gritar.
��� Querido... Me foda... mais... Seja s�� meu. Dei-
te-se por cima de mim... Assim... Agora enfie tudo...
Mais depressa... Oh! agora... agora... ago...ra.
O grito atravessou aquela letargia sonhador e fez a
carne se tornar gelo.
Ela �� a sua m��e. �� a sua m��e que est�� em cima de voc��.
Amassei os pap��is e r a n g e n d o os d e n t e s joguei-os longe.
D e b r u c e i a cabe��a escaldante, na mesa e o frio do m �� r m o r e
a refrescou um pouco, ai fiquei p e n s a n d o que t u d o aquilo
n �� o estava escrito. N��o era poss��vel t a m a n h a b a r b a r i d a d e ,
t a m a n h a i m u n d i c e , t a m a n h a sordidez. L �� n o m e u �� n t i m o
q u e r i a e n c o n t r a r a l g u m a coisa q u e pudesse justificar a q u e l a
m o n s t r u o s i d a d e . N��o, eu devia e s t a r louca, n a d a daquilo
e s t a v a escrito. F u i c a m b a l e a n d o , pego a b o l i n h a a m a s s a d a e
l e v a n d o - a a t �� a m e s a alisei-a e dei m a i s u m a lida.
O u t r a vez joguei-a no c h �� o , e com os p��s amassei-a a t ��
v��-la reduzida a u m a m a s s a disforme e suja.
Zefa veio correndo, q u a n d o ouviu m e u s solu��os.
E n a q u e l a m a n h �� azul e d o u r a d a , com o vento farfalhan-
d o levemente a s folhas das ��rvores que n o s r o d e a v a m , Zefa
e eu c h o r a m o s a b r a �� a d a s a m o r t e da a l m a de A n t o n i o Cl��udio.
��� 183 ���
C A P �� T U L O 2 0
N i n g u �� m m a i s o s e g u r a v a . Ele corria velozmente p a r a
aquele abismo que m u i t a s vezes vi d i a n t e de m i m .
Chico, Zefa e eu faz��amos t u d o p a r a faz��-lo p a r a r , m a s
pobre C l a u d i n h o , ele a g o r a vivia n a q u e l a letargia s o n h a d o r a
dos t��xicos, t r e m e n d o a g i t a d o e nervoso.
U m dia q u a n d o cheguei, encontrei-o n o j a r d i m , meio
c a m b a l e a n t e , com os olhos injetados.
N u m l i n g u a j a r diferente e x c l a m o u :
��� E s c u t e a q u i , Adi. Seria legal que voc�� n �� o subisse
m a i s pela ��rvore.
��� P o r q u e ?
��� P o r q u e ? revirou os olhos vermelhos. P o r q u e q u e r o
p o r r a . Agora t e n h o novos amigos.
��� Amigos, que f u m a m m a c o n h a , e se f u r a m com he-
roina e s e . . .
��� Voc�� n �� o t e m n a d a com a m i n h a vida, respondeu aos
gritos.
��� Voc�� sabe que e s t �� fichado na pol��cia?
��� �� que e n g r a �� a d o . �� m e s m o e n g r a �� a d o . Um Mendon-
��a de B r a g a n �� a , fichado na pol��cia. Legal, pacas. Depois
ficava p a r a d o e logo m a i s recome��ava os gritos a n d a n d o
tr��pego pelo p a r q u e .
��� Os M e n d o n �� a s de B r a g a n �� a q u e se fodam, esses fi-
lhos da p u t a . P o r q u e fui n a s c e r n u m a fam��lia de loucos?
��� 184 ���
Olhava em s u a volta e corria p a r a o q u a r t o onde se t r a n c a v a .
Os novos amigos ai c o m e �� a r a m a c h e g a r em carros aber-
tos fazendo o maior e s t a r d a l h a �� o . Logo m a i s do q u a r t o
v i n h a m �� s i c a t �� o a l t a que l�� da clareira se ouvia.
C a r m e m ��s vezes v i n h a se r e u n i r ��quele g r u p o e e n t �� o
e n t r e m �� e e filho explodia as m a i s violentas discuss��es.
Um dia estava na clareira, q u a n d o Zefa chegou correndo.
��� D o n a Adelaide, a policia e s t �� a��.
��� Pol��cia?!
��� ��, �� aquele carro p r e t o e b r a n c o .
��� Os policiais v i n h a m pela al��ia florida. P a r a m o s .
��� A sra. �� a m �� e do jovem Antonio Cl��udio?
N��o sei p o r q u e m e n t i . Talvez com m e d o de q u e eles
n �� o falassem se soubessem que eu n �� o era da fam��lia.
��� Sou.
E s t e n d e r a m - m e um papel, onde li, p a r a ele se a p r e s e n t a r
n a pol��cia.
Posso saber o que aconteceu.
��� S�� na pol��cia.
O advogado foi e depois fiquei s a b e n d o que ele e os a m i -
gos a n d a v a m falsificando a s s i n a t u r a de m��dicos p a r a com-
p r a r e m barbit��ricos e t a m b �� m era a c u s a d o de ser t r a f i c a n t e
de t��xicos.
* * *
A t a r d e caia q u a n d o ele veio vindo pelo c a m i n h o z i n h o
coberto de s o m b r a s a u r e o l a d a s de d o u r a d o do sol poente.
Ele t a m b �� m parecia u m a s o m b r a a n d a n t e . Descal��o,
cal��as a m a r r o t a d a s e camisa a b e r t a , com os p u n h o s desabo-
toados que b a l a n �� a v a m e s t r a n h a m e n t e n a q u e l e espa��o o n d e
a luz m o r r i a .
Ele veio a t �� onde eu estava. Olhou-me com os olhos
vermelhos e injetados.
��� 185 ���
��� Zefa disse q u e voc�� queria falar comigo. Pegou um
v a s i n h o de c i m a da m e s a e o espatifou no c h �� o e e s m a g o u
as flores retorcendo os dedos dos p��s.
Respirei fundo e falei com u m a v o n t a d e louca de c h o r a r .
��� Meu anjo. C h a m e i um p s i q u i a t r a .
Como se tivesse sendo ligado �� eletricidade, t r e m i a . M a s
depois gritou b a t e n d o com o s p u n h o s n a m e s a .
��� N��o me c h a m e de m e u anjo e enfie esse p s i q u i a t r a
n o c��.
T o m a d o de u m a f��ria selvagem come��ou a q u e b r a r todos
os vasinhos.
Zefa veio correndo. Ele a olhou e foi c a m b a l e a n t e p a r a
o seu lado. Mas n �� o conseguiu c h e g a r a t �� onde ela estava.
Passou o bra��o em t o r n o de u m a ��rvore e jogou a cabe��a
p a r a t r �� s r e s p i r a n d o fundo. Momentos depois, come��ou a
cuspir a b r a n c a e s p u m a q u e se formava em s u a boca.
Zefa m a n d e o Chico p r e p a r a r o carro. Vou sair. Vou
sair assim. Assim como estou.
Levantei-me e Zefa correu p a r a ela.
��� Pelo a m o r de Deus p a t r �� o z i n h o , n �� o fa��a isso o sr.
vai se m a t a r .
Ela t e m raz��o, Cl��udio, voc�� n �� o est�� em condi����es
de guiar.
Seu rosto estava c a r r a n c u d o .
��� Cale a boca. ��� N i n g u �� m pediu a sua opini��o. V�� Zefa.
��� Mas, p a t r �� o z i n h o . . .
��� Se voc�� n �� o vai, vou eu.
Ele n u m correr de l�� p r a c��, como um b��bedo se diri-
g i n d o p a r a o j a r d i m onde estava o carro, e ela correndo p a r a
a m a n s �� o . Talvez p a r a avisar Chico. De r e p e n t e seu g r i t o
a g u d o e o forte frear do carro. Q u a n d o eu cheguei, ele fazia
m a r c h a - r �� e saiu n u m a d i s p a r a d a , com Chico, p��lido a o s e u
lado.
��� 186 ���
Zefa caida com a cabe��a coberta de s a n g u e . N��o me
lembro q u e m a levou p a r a o P r o n t o Socorro. E n e m q u e m me
deu a not��cia de s u a m o r t e . Mas me lembro b e m q u a n d o
h o r a s m a i s t a r d e a l g u �� m telefonou, q u e Antonio Cl��udio,
em a l t a velocidade, t i n h a batido n u m a camionete, e depois
p e r d e n d o o controle, espatifou o c a r r o de e n c o n t r o ao m u r o
de u m a casa. T a m b �� m me lembro, da express��o dos olhos
de Chico, q u a n d o eu o a c o m p a n h a v a p a r a o hospital.
Chico e Zefa c o m e �� a r a m , no m e s m o dia a viagem, p a r a
esse c a m i n h o desconhecido, que n �� o se volta m a i s .
* * *
Por a l g u m t e m p o u m m i l a g r e parecia t e r acontecido.
Ele se m a t r i c u l o u no c u r s i n h o . Queria ser m��dico. A noite
ficava e s t u d a n d o . Voltava a ser o m e n i n o q u e um dia e n -
t r o u comigo n o reino das fadas. E u i a todas a s noites n a
m a n s �� o , e ficava s e n t a d a lendo ou escrevendo e n q u a n t o ele
estudava.
Antes de come��ar a e s t u d a r , ria b a t e n d o com a r �� g u a
no ar e dizia:
��� F a d a s , fazei que eu a p r e n d a logo, pois preciso ser
um m��dico o m a i s depressa poss��vel, pois existe u m a pessoa
que tem. complexo de idade. �� um preconceito a b s u r d o ,
m i n h a boa fada, pois ela quer deixar envelhecer o seu corpo
de meia idade q u a n d o ele est�� envolto em vagalh��es de b r a -
sas. Com a r �� g u a no ar e os olhos em m i m ele ia falando,
falando.
��� Desse jeito, voc�� n �� o vai me c u r a r n u n c a , pois n �� o
e s t �� e s t u d a n d o .
Ele abaixava a r �� g u a e rindo a b r i a o livro.
��� 187 ���
C A P �� T U L O 2 1
Mas um dia. O ��ltimo. Q u a n d o entrei e comecei a subir
o s primeiros d e g r a u s d a b r a n c a escadaria senti u m a sensa-
����o e s t r a n h a de medo. Medo de e n t r a r n a q u e l a casa que a
v i n t e a n o s frequentava. E r a a p r i m e i r a vez que isso acon-
tecia. Medo. Medo, de que? Sacudi a cabe��a e de dois em
dois os d e g r a u s subi as escadarias.
A p r i m e i r a coisa q u e eu s e m p r e fazia q u a n d o e n t r a v a
era p e r g u n t a r ao m o r d o m o como ele h a v i a passado o dia.
Agora ali p a r a d a no meio do comprido e escuro " h a l l " , eu
estava i m a g i n a n d o onde estaria o m o r d o m o e no q u e esta-
r i a pisando. E r a u m a coisa d u r a . Dei u m passo p a r a m e
livrar d a q u e l a coisa, e pisei em m a i s coisas. Tateei no escu-
ro em b u s c a da a r m a d u r a , e r a l��, p e r t o dela q u e estava o
c o m u t a d o r da luz. O n d e estaria a a r m a d u r a ? Dei um t r o -
pe����o, e me equilibrei com as m �� o s na parede. A r r a s t a n d o
os p��s, no assoalho, cheguei �� luz e a acendi.
S a n t o D e u s ! O q u e t e r i a acontecido! Os livros, c a d e r n o s
e c a n e t a s de Cl��udio, r a s g a d o s e espalhados pelo " h a l l " . A
a r m a d u r a caida cresceu como u m g i g a n t e , d i a n t e d e m e u s
olhos esbugalhados. P r o c u r e i os empregados. N e n h u m , a r r e -
pio, correndo pelo m e u corpo, voltei p a r a o sol do p a r q u e
e desci as escadarias.
Correndo e correndo, alcancei a casa dos e m p r e g a d o s .
E s t a v a m sentados n a s a l i n h a como que petrificados.
��� O que aconteceu, gritei, o n d e e s t �� o m e n i n o .
O m o r d o m o m u d o u a posi����o dos p��s, que e s t a v a m c r u -
zados e l a n c e a n d o o o l h a r pela c a r r e i r a de g e n t e s e n t a d a
falou:
��� 188 ���
��� N��s resolvemos a b a n d o n a r o servi��o. N��o ficaremos
a q u i n e m mais u m m i n u t o . S �� a g u a r d a m o s o nosso p a g a -
m e n t o . Ela e s t �� l�� d e n t r o fazendo as c o n t a s .
��� Ela sim. A m �� e do mo��o.
��� Mas, m a s porque?
��� Eles s��o loucos.
��� M a s p o r q u e , m e u Deus, fale h o m e m .
A cozinheira respondeu, era u m a p r e t a gorda e m u i t o
s i m p �� t i c a . M i n h a g r a n d e a m i g a . E n x u g o u os olhos ex-
c l a m o u :
��� Sabe, d o n a Adelaide. Ela veio g r i t a n d o , b a t e n d o as
p o r t a s e dizendo que era d o n a de t u d o isto a q u i , e que n e m
u m dos e m p r e g a d o s deviam ficar, p o r q u e n �� o era n e n h u m
a r r a n j a d o por ela. Depois dissolveu q u a t r o comprimidos
vermelhos n a bebida d o m e n i n o . E r a bolinha.
��� Como �� que voc�� sabe q u e ele bebeu e que e r a
bolinha.
��� N��s e s t a m o s cansados de ver t��xicos, d o n a Adelaide.
J�� c o n h e c e m o s q u a s e todos. No q u a r t o do m e n i n o est�� cheio,
t e m u m a variedade t r e m e n d a .
��� Sim, sim, Am��lia, m a s onde e s t �� ele?
��� Sei l��. E s t �� l�� d e n t r o com ela. Eles b r i g a r a m t a n t o ,
t a n t o U m a h o r a s e a g a r r a r a m , e q u e b r a r a m u m m u n d o d e
coisas. Ela jogou os c a d e r n o s e livros dele pela casa e gritou
q u e ele n �� o ficar�� com t o d a a f o r t u n a .
��� F o r t u n a , dinheiro. Voltei p a r a a m a n s �� o . E n t r e i no-
v a m e n t e no h a l l e fiquei a escuta. Nada. P u t a m e r d a . P o r q u e
existem casas t �� o g r a n d e s ? Andei p�� a n t e p��, pelo corredor.
Onde ir procur��-los. Nos vinte q u a r t o s , n a s dezenas de salas
n o s��t��o, nos a p a r t a m e n t o s , n a cozinha, n a copa, n a dis-
pensa, no por��o. Onde. A casa, me parecia u m a cidade.
Come��aria pelo por��o. Desci as escadas e o e n o r m e sa-
l��o, frio me fez retroceder. E s t a v a m o r r e n d o de medo. S��-
bito r u m o r e s de violenta alterca����o. Com o cora����o p u l a n d o ,
voltei a descer as escadas e g u i a d a s pelas vozes, me encontrei
��� 189 ���
na adega, excessivamente i l u m i n a d a , pela luz de m e r c �� r i o
que v i n h a de todos os lados. Q u a n t a s e q u a n t a s vezes, de-
pois, de t u d o acontecer, d o r m i n d o ou a c o r d a d a , vi e ouvi
t u d o n o v a m e n t e ?
Ele de p��, e x t r e m a m e n t e p��lido, enlouquecido pelos com-
primidos de Seconal, deixava t r a n s b o r d a r o ��dio q u e estava
g u a r d a d o h �� vinte a n o s , b r a n d i n d o o p u n h a l que rebrilhava.
��� P u t a , v a g a b u n d a . Atreveu-se o u t r a vez a se m e t e r
comigo, e e n t r a r em m i n h a casa? Voc�� vai ver a g o r a u m a
coisa. Vou pica-la como se pica u m a cobra venenosa, u m a
j a r a r a c a . D a v a passos, c a m b a l e a n t e s , com os olhos desvaira-
dos e a boca se c o n t r a i n d o c o n v u l s a m e n t e , d e i x a n d o e n t r e v e r
nos c a n t o s u m a b a b a espumosa.
Ela p u l a n d o e se livrando de s u a s investidas, com o
rosto e m p a p a d o de suor e com o corpo t r e m e n d o .
��� Antonio Cl��udio.
Meu grito foi um grito m u d o . Pensei em c h a m a r os
criados m a s a s p e r n a s p e s a v a m toneladas.
��� Vamos, Cl��udio, l a r g u e o p u n h a l . Voc�� t e m q u e con-
vir que a f o r t u n a �� m i n h a . F u i eu que a g u e n t e i aquele ver-
m e , esses a n o s , j�� lhe falei mil vezes que ele n �� o era um ho-
m e m n o r m a l . F u i eu q u e a g u e n t e i o seu corpo n o j e n t o em
cima d o m e u , m a r t e l a n d o , m a r t e l a n d o s e m n u n c a m e fazer
gozar. Eu o odiava. Ele quis se v i n g a r de m i m , deixando
t u d o p a r a voc��. M a s voc�� vai a s s i n a r esses pap��is onde e s t ��
declarado q u e a f o r t u n a �� m i n h a , m i n h a s o m e n t e m i n h a .
��� Voc�� �� pior q u e o diabo. N��o pense que c o n t i n u a me
d o m i n a n d o . Ria ��s g a r g a l h a d a s . ��� Ah! E n t �� o voc�� q u e r o
d i n h e i r o s�� p a r a voc��? Quer? Voc�� o t e r �� depois q u e eu
enfiar esse p u n h a l , a t �� o cabo nessa s u a guela.
Ia se a p r o x i m a n d o de C a r m e m . Ela falou por e n t r e
dentes.
��� E x p e r i m e n t e .
Ela c o n t o r n a n d o as b a r r i c a s cheias de bebidas, q u e r i a
c h e g a r a t �� a s u a bolsa que estava a dois d e g r a u s abaixo dos
q u e e u estava, n a p r e t a escada.
��� 190 ���
��� E x p e r i m e n t a r n �� o , eu vou executar. Voc�� n �� o me
e n g a n a e n e m me pisa m a i s . Essa bebida e n v e n e n a d a , pelos
t��xicos, q u e voc�� disse q u e era um brinde de um inocente
M a r t i n e , p a r a nossa despedida eterna, foi a �� l t i m a m e n t i r a .
Foi a �� l t i m a , a �� l t i m a . Ele c a m b a l e a v a .
Ela alcan��ou a bolsa, q u e eu s��, me a b a i x a n d o poderia
peg��-la, m a s que n �� o o fiz pois n u n c a pensei q u e . . .
O grito selvagem que p a r t i u de seus l��bios, fez Antonio
Cl��udio, ficar est��tico, por um m o m e n t o , o l h a n d o o rev��lver,
que apareceu na m �� o de C a r m e m . E s t a com os olhos flame-
j a n t e s esticou a m �� o e disse t r i u n f a n t e .
��� Sou m a i s esperta do que voc��, heim, filhinho. Sem-
pre fui m a i s esperta. N��o c o n t a v a com isso, c o n t a v a . Agora
�� s�� p u x a r o gatilho. S u a g a r g a l h a d a do��a t u d o l�� no c��rebro.
Gritei o u t r a vez o n o m e dele. Mas p a r a eles s�� existia
��dio. N u m s e g u n d o Cl��udio a t i r o u p a r a longe o p u n h a l e
jogou-se em cima dela. Os dois r o l a r a m pelo c h �� o e ele le-
v a n t o u com o rev��lver na m �� o e um filete de s a n g u e lhe
escorrendo pelo c a n t o do l��bio p e n d e n t e . Depois a r f a n d o
p e n o s a m e n t e eu vi t e n t a n d o a i n d a s e g u r a r o corrim��o da
escada, m a s estava vencido. Caiu com meio corpo encostado
n o s d e g r a u s b e m abaixo de m e u s p��s sem l a r g a r o rev��lver.
Quis correr p a r a ele ��� M i n h a s p e r n a s pesavam t o n e -
l a d a s ��� C a r m e m vendo-o desmaiado se a p r o x i m o u devaga-
r i n h o e pondo a s u a m �� o em cima da m �� o dele na m e s m a
posi����o q u e segurava o rev��lver e a p o n t a n d o ao cora����o,
acionou o gatilho.
Com o i m p a c t o da bala seus olhos se a b r i r a m e um
verdor r e s p l a n d e c e n t e de surpresa chegou a t �� os m e u s q u e
foram se fechando m o l e m e n t e .
Q u a n d o os a b r i n o v a m e n t e , ela subia aos gritos c h a m a n -
do os empregados, n e m s e n t i u a m i n h a presen��a.
��� Meu filho se suicidou, c h a m e m a pol��cia, m e u filho
se suicidou.
* * *
O martelinho do juiz batendo, toc-toc e sua voz enchendo
o recinto.
��� 191 ���
Considerando tudo o mais, que dos autos consta; a de-
n��ncia de crime. De fato n��o havia motivo para tanto.
* * *
E ouvi sua voz d��bil.
��� Voc�� disse que n��o ia me deixar voltar para aquela
casona.
Carmem Mendon��a de Bragan��a foi considerada INO-
CENTE.
* ��� *
Inocente. Sentei-me na grama e olhei as estrelas que
tremulavam no c��u.
J�� devia ser bem tarde. Levantei e sacudi os gravetos
que grudavam no meu casaco. Desci a passos lentos o ca-
minho de cascalho, coberto de mato e mais uma vez o ranger
do velho e enferrujado port��o ficou para tr��s.
* ��� *
No dia seguinte fui assistir �� entrada das pessoas de
primeira classe ao grande baile. Enquanto elas entravam co-
bertas de j��ias e envoltas em rendas, peles e sedas eu ficava
imaginando que n��o era aceita naquele meio, simplesmente
porque tinha escrito livros que denunciavam seu viver s��r-
dido. No Eu e o Governador, quis mostrar o problema do
ex-tuberculoso pobre. Na Fal��ncia das Elites, o poder do
dinheiro, no Gente, a falha de amor ao pr��ximo n o . . .
"Flashs", "flashs", "flashs".
Ela vinha descendo do enorme Mercedes negro. Estava
deslumbrante e sorria para os "flashs", das m��quinas que
bem perto do seu rosto se misturavam ao rebrilho do colar
que volteava o seu pesco��o, formado de tr��s p��rolas, tr��s
brilhantes, tr��s p��rolas, tr��s brilhantes.
Carniça conta a história de uma dama da alta sociedade. Adelaide torna-se sua amiga. Ela chama-se Carmem Mendonça. É uma história surpreendente que envolve incesto.
Ficou órfã aos quatro anos e foi viver em um orfanato na cidade
Seu primeiro texto que chegou ao conhecimento público foi a crônica Mãe, que lhe rendeu um prêmio aos treze anos de idade.Nunca se casou, mas adotou 2 crianças.
Adelaide Carraro deixou uma obra bastante extensa, com mais de quarenta edições, tendo mais de dois milhões de exemplares vendidos, entre eles O estudante, O estudante II, O Estudante III, Meu professor, meu herói e Eu e o governador. Este último é o seu texto mais polêmico, referente à descrição de um suposto romance com Jânio Quadros em seu período como governador de São Paulo. Outro livro polêmico da autora é "O Passado Ainda Dói", cujo tema é sua breve passagem como repórter da TV S, de São Paulo, emissora do SBT. Adelaide Carraro faleceu aos 55 anos de idade, vítima de câncer, e deixou como legado, 46 livros publicados.
Seus livros foram lançados pelas editoras Livraria Exposição do Livro, L'Oren, Global, Gama e Farma Livros. Sua grande rival, no mundo literário, era a escritora Cassandra Rios, cujos livros eram publicados pela Editora Record.
https://pt.wikipedia.org/wiki/Adelaide_Carraro
Lançamento :
a)https://groups.google.com/forum/?hl=pt-BR#!forum/solivroscomsinopses
b)http://groups.google.com.br/group/bons_amigos?hl=pt-br
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