Copyright: ANNE MATHER
T��tulo original: " R A C H E L TREVELLYAN"
Publicado originalmente em 1974 pela
Mills & Boon Ltd.. Londres, Inglaterra
Tradu����o: DIOGO BORGES
Copyright para a l��ngua portuguesa: 1982
ABRIL S.A. CULTURAL E INDUSTRIAL
Caixa Postal 2372 ��� S��o Paulo
Composto e impresso em oficinas pr��prias
Foto da capa: KEYSTONE
CAPITULO I
Sentia-se cansado, muito cansado. A estrada que atravessava a
Cornualha n��o era absolutamente o que imaginava, ap��s ter percorrido as
compridas estradas de seu pa��s, onde o tr��nsito era, em geral, desafogado.
Aqui s�� conseguia avan��ar com grande dificuldade. J�� passava das oito, a
escurid��o havia tombado e, para aumentar ainda mais as dificuldades, um
nevoeiro vindo do mar diminu��a a visibilidade, mesmo que ele recorresse
a far��is potentes. Al��m disso, uma sucess��o de subidas ��ngremes, das
quais se avistavam abismos perigosos, obrigavam-no a manter marcha
lenta e exigiam toda a sua concentra����o.
De vez em quando, pensava que era um tolo e que n��o deveria ter
concordado em empreender semelhante viagem naquela ��poca do ano.
Apesar de ser primavera em seu pa��s, o inverno ainda se fazia presente no
sul da Inglaterra. Sua m��e, entretanto, mostrara-se t��o persuasiva que ele
n��o tivera coragem de dizer-lhe n��o. Pelo visto a fam��lia de Malcolm
Trevellyan fora muito bondosa para com ela, no passado, e, agora que
Malcolm se encontrava doente, nada mais natural que ela tentasse
retribuir semelhante bondade de alguma forma. H�� muito n��o via sua m��e
t��o agitada em rela����o a algo e por isso havia concordado em atender a
seus desejos, que deviam ser realizados com urg��ncia.
Compreendeu tamb��m que, a despeito da quase total adapta����o de sua
m��e ao modo portugu��s de viver, desde a morte do marido, h�� dois anos,
ela algumas vezes sentia-se s�� e carente de conversar com algu��m de seu
pa��s.
Consultou o rel��gio e imaginou que n��o deveria estar muito longe de
Mawvry. Sua m��e dissera-lhe que a localidade ficava a uns dezesseis
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quil��metros de Penzance, mas, naquelas estradas e sob aquelas condi����es,
a dist��ncia parecia-lhe muito maior.
P��s-se a pensar nas provid��ncias que havia tomado a fim de transferir
Malcolm Trevellyan para Mendao. Trevellyan n��o era jovem e, al��m
disso, estava com um problema de sa��de. H�� dois meses tivera um ataque
grave de trombose, que o deixara parcialmente paralisado e, em
conseq����ncia, incapaz de andar. Era, por��m, capaz de acomodar-se na
parte de tr��s de um carro e, por isso, seu luxuoso autom��vel o fora
esperar no aeroporto de Londres. No dia seguinte estariam de regresso a
Londres, tomariam o avi��o para Lisboa e chegariam a Mendao no fim da
tarde. Tudo muito simples, portanto. Ele n��o queria permanecer por mais
tempo. Tinha suas raz��es para querer voltar para sua propriedade o mais
breve poss��vel. Uma vez na Quinta dos Martins, Malcolm Trevellyan n��o
precisaria de mais nada, pois sua m��e tomaria provid��ncias nesse sentido.
De repente, em meio ao nevoeiro, leu claramente a palavra " M a w v r y "
inscrita em uma tabuleta. Suspirou, aliviado, pois finalmente havia
chegado. Tudo o que lhe restava a fazer agora era localizar a casa de
Malcolm Trevellyan.
A aldeia era pequena e, quando estacionou o carro na pracinha e saiu, a
maresia invadiu suas narinas. Devia estar muito perto do mar. mas.
naquele momento, o nevoeiro ocultava tudo.
Do outro lado da pra��a, um luminoso indicava um bar. que. pelo visto,
devia contar com boa clientela, a julgar pelo barulho. Decidiu que era
muito mais f��cil indagar l�� onde era a casa de Malcolm Trevellyan e tirou
um casaco do banco de tr��s do carro. Vestiu-o e atravessou a pra��a,
puxando a gola para cima. Tremia de frio. Mesmo no rigor do inverno.
Mendao n��o era assim e ele pensou com saudades na beleza barroca da
quinta, no vale espl��ndido em que ela se situava e no azul profundo do
mar que banhava o litoral, n��o muito longe de l��. Achou que teria sido
muito mais f��cil n��o ter vindo. Poderia ter mandado Alonso Dias ou Jo��o
de Almeida. Sua m��e, por um estranho capricho, teimou que ele fizesse a
viagem. Com isso, talvez quisesse demonstrar a Malcolm Trevellyan que
seu convite era pessoal.
O barulho na atmosfera esfuma��ada do bar diminuiu quase
imediatamente assim que ele abriu a porta. Sentiu uma onda de
curiosidade tomar conta da sala e percebeu algo que se avizinhava da
hostilidade.
Foi at�� o balc��o e ficou parado. Era alto e moreno, mais alto e moreno
do que a maior parte daqueles homens. Falando ingl��s com leve sotaque,
indagou:
��� Por favor, sabe qual o endere��o do sr. Malcolm Trevellyan?
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O dono do bar parou de enxugar um copo, e ele seria capaz de jurar
que a hostilidade �� sua volta aumentava.
��� E quem �� o senhor?
��� Meu nome n��o tem import��ncia e n��o haver�� de querer dizer nada
para o senhor. Preciso encontrar-me com o sr. Trevellyan e, como o
tempo l�� fora est�� muito feio, achei que talvez... ��� O povo daqui n��o
gosta de dar informa����es a estranhos... ��� comentou um homem �� sua
direita, com o rosto todo enrugado.
Ele fez o poss��vel para se controlar.
��� Asseguro-lhe que os motivos que me levam a procurar o sr.
Trevellyan s��o perfeitamente respeit��veis. Ele est�� �� minha espera, mas o
nevoeiro dificulta tudo... -
O dono do bar olhou �� sua volta, contemplando aqueles rostos tomados
pela curiosidade, e pareceu chegar a uma decis��o.
��� Veio pela estrada de Penzance?
��� Creio que sim.
��� Pois ent��o passou pela casa dos Trevellyan. Fica a uns dois
quil��metros daqui e d�� para o mar.
��� Fico-lhe muito grato. Obrigado.
Inclinou a cabe��a e preparava-se para sair, quando foi barrado por um
jovem pescador.
��� O que h�� de querer com o velho Trevellyan? ��� perguntou, com
agressividade. ��� Tem certeza de que n��o �� Rachel quem deseja ver?
��� Rachel? Acho que n��o conhe��o ningu��m com esse nome.
��� E diz que conhece Malcolm Trevellyan? Como pode conhec��-lo e
n��o conhecer Rachel?
��� Posso saber quem �� Rachel? ��� Come��ava a sentir-se pouco ��
vontade.
��� Devo dizer-lhe? ��� perguntou o rapaz, olhando para seus amigos.
��� Deixe-o em paz, Bart ��� disse um homem de meia-idade. ��� Talvez
ele tenha vindo a neg��cios. Quem sabe n��o conhece mesmo Rachel.
��� N��o, por favor, quero um esclarecimento. Quem �� Rachel?
��� �� a mulher dele, �� claro! N��o sabia?
��� Devo dizer-lhe que n��o.
��� Bart! ��� O homem puxou Bart pela manga. ��� Deixe isso para l��.
N��o �� assunto que lhe diga respeito.
��� N��o ��? N��o �� mesmo? Voc�� n��o se importa com o que possa
acontecer com Rachel?
��� Claro que me importo...
Ele n��o se disp��s a ouvir mais nada. Deixou para tr��s aquele grupo de
fisionomias hostis, chegou at�� a porta e enfrentou o ar g��lido. Naquele
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momento, o frio era um al��vio, infinitamente prefer��vel �� temperatura
abafada do bar.
Enquanto caminhava em dire����o ao carro, n��o conseguia parar de
pensar na informa����o que acabara de receber. Malcolm Trevellyan era
casado! Nunca havia feito a menor men����o ao fato. Na correspond��ncia
de Trevellyan com sua m��e, jamais havia tocado no assunto. Pelo
contr��rio, lembrava-se dos coment��rios da m��e, referindo-se a Trevellyan
como um solteir��o convicto. H�� quatro anos, quando ela e seu pai
visitaram a Inglaterra, ele com certeza n��o tinha mulher.
A sensa����o de mal-estar aumentou. O que significava tudo aquilo? Ser��
que Trevellyan havia se casado com alguma vi��va pelo fato de sentir-se
s��? E se assim fosse, porque n��o comunicara a ningu��m? Ou esperava
que eles soubessem? Imaginava que o convite que havia recebido inclu��a
igualmente sua mulher?
Balan��ou a cabe��a e entrou no carro. Qual seria a rea����o de sua m��e,
caso a situa����o fosse realmente aquela? Haveria de querer outra mulher na
quinta? O convite que fizera a Trevellyan era aberto, mas, se ele tinha
uma esposa...
E qual seria o interesse do jovem pescador em tudo aquilo? Por que
eram t��o hostis, ao ouvirem a simples men����o ao nome de Trevellyan?
Seria acaso poss��vel que Bart fosse o filho daquela desconhecida Rachel?
Subitamente, sentiu-se irado. Fazia frio, ele estava cansado, era um
estrangeiro em um pa��s desconhecido e agora arrependia-se por n��o ter
reservado um quarto em um hotel de Penzance, marcando a viagem de
volta para da�� a dois dias.
Deixando para tr��s a pra��a da aldeia, retomou a estrada de Penzance. O
nevoeiro havia diminu��do ligeiramente e ele guiava devagar, procurando
um port��o ou alguma indica����o de que existia uma casa na beira da
estrada.
Encontrou-a com alguma facilidade. N��o havia outras resid��ncias, na
regi��o e ele entrou por uma alameda estreita, em dire����o a uma casa,
cujas janelas iluminadas eram agora claramente vis��veis. Parou o carro e
saltou, contemplando a fachada de pedra. N��o era uma edifica����o grande,
mas, estando parcialmente oculta pelo nevoeiro, havia nela algo de
amea��ador. Deixou de lado aquela sensa����o desconfort��vel, subiu os
degraus que levavam �� porta de entrada e bateu.
O sil��ncio foi t��o longo que ele voltou a bater. Ouviu passos que se
aproximavam e aguardou com alguma irrita����o que a porta fosse aberta.
Meus Deus!, pensou impaciente. Ser�� que j�� n��o me esperavam, por
ser t��o tarde?
Na carta que escrevera, sua m��e havia declarado com precis��o a data e
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a hora em que deveria chegar. S�� porque tinha se atrasado um pouco mais
do que o previsto, isso n��o justificava que houvessem desistido de
aguard��-lo e que se recusassem a abrir a porta. Mas, por que estaria
pensando no plural?
A porta abriu-se subitamente e ele viu-se diante de uma jovem. A
primeira impress��o que teve dela foi provocada pelos reflexos dourados
de seus cabelos muito loiros, que emolduravam um rosto de um oval
perfeito. Era de estatura m��dia, mas muito esbelta, o que a fazia parecer
ainda menor. Usava jeans muito justos, que aderiam ao corpo como se
fossem uma segunda pele. Nem era preciso dizer que a apar��ncia da
garota teria deixado sua m��e e as amigas horrorizadas. O su��ter revelava
seios arredondados e pequenos e pulsos muito finos. Quem seria aquela
criatura? Ela parecia ter uns dezoito anos, mas ele n��o tinha certeza. Teria Malcolm Trevellyan uma filha, al��m de uma esposa?
��� Sim? O que o senhor deseja?
Ele se inclinou cortesmente, mas arrependeu-se logo em seguida de ter
feito aquele gesto. No entanto, o sangue portugu��s corria com mais for��a
em suas veias do que o sangue ingl��s e, para ele, comportar-se com
cortesia havia se tornado uma segunda natureza.
��� Gostaria de ver o sr. Malcolm Trevellyan, senhorita. Sou Lu��s
Martins, marqu��s de Mendao!
A mo��a encarou-o durante um breve momento, como se n��o estivesse
entendendo. Era evidente que n��o tinha a menor id��ia de quem ele era ou
de que estivessem �� sua espera, e ele sentiu-se mais tranq��ilo. Ela, com
toda a certeza, n��o deveria ser da fam��lia, pois, caso contr��rio, teria
sabido. Come��ava a pensar que Malcolm Trevellyan tinha escondido
muita coisa de sua m��e.
��� Quer fazer o favor de entrar?
A garota p��s-se de lado, sem procurar disfar��ar o desagrado que sentia,
e Lu��s entrou para o vest��bulo estreito. Havia um tapete no ch��o,
esgar��ado em algumas partes e, apesar de tudo estar na mais perfeita
ordem, o conforto n��o era l�� dos maiores. Certamente Malcolm
Trevellyan merecia um ambiente mais acolhedor, a fim de poder melhor
convalescer.
A jovem fechou a porta e indicou que ele deveria passar para uma sala
�� direita.
��� Espere um momento, por favor, e avisarei Malcolm de sua
presen��a.
��� Obrigado.
Lu��s entrou na sala de visitas e olhou em torno com interesse. Notou
que era raramente usada. Havia nela algo de glacial e pouco acolhedor.
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Alguns objetos enfeitavam a lareira e, como colecionador de
antig��idades, ele examinou-os com aten����o. N��o havia nada, por��m,
digno de interesse e ele sentou-se em uma cadeira, �� espera. Um rel��gio
bateu as horas: nove e meia. Estava viajando desde manh��. N��o era de
estranhar, portanto, que come��asse a se sentir irritado e impaciente.
A porta abriu-se subitamente e ele, voltando-se, ficou a contemplar a
mo��a que o atendera. Ela o encarava com curiosidade e preocupa����o e ele
sentiu-se intrigado. Quis imaginar o que ela fazia naquela casa em horas
t��o tardias. Parecia tamb��m saber muito pouco a respeito dos neg��cios do
dono da propriedade.
Agora que a via melhor, constatava que era um pouco mais velha do
que ele imaginara inicialmente. Tinha talvez vinte ou vinte e um anos.
Estava vestida muito �� vontade e era um exemplo t��pico de jovem
emancipada. Quais seriam as rea����es de sua m��e, se a visse? As garotas
portuguesas n��o tinham permiss��o para se trajar daquele jeito e recebiam
uma educa����o muito r��gida. Vestiam-se de modo muito conservador.
Mantinham uma certa dist��ncia, um ar de mist��rio que s�� podia ser
desvendado por aqueles que se tornariam seus maridos. Lu��s achava que
havia ainda em seu pa��s uma influ��ncia moura muito evidente,
respons��vel pelo fato de as mulheres viverem segregadas antes e ap��s o
casamento.
��� Por favor, queira me seguir... ��� convidou a jovem.
Foram para um aposento nos fundos da casa. Lu��s imaginou que,
durante o dia, dele via-se provavelmente o mar. Naquele momento, as
cortinas estavam cerradas e a ��nica luz vinha de um abajur ao lado de
uma grande cama de casal, a pe��a principal de todo o quarto. A lenha
queimava na lareira e dela emanava muito calor. Recostado em v��rios
travesseiros, no meio da cama, via-se uma figura de pijama que fitava
Lu��s com seus olhos muito azuis.
Malcolm Travellyan devia ter uns cinq��enta anos, mas parecia mais
velho. Cabelos ralos coroavam um rosto prematuramente enrugado e,
embora parecesse ter sido um homem robusto, sua pele tornara-se fl��cida.
Lu��s contemplou a mo��a, que havia permanecido parada na soleira da
porta quando ele entrou no quarto. Notando que ela n��o fazia a menor
men����o de sair, perguntou:
��� Como vai o senhor? Meu nome �� Lu��s Martins. Estava �� minha
espera?
��� Claro, claro! Entre. ��� Malcolm Trevellyan mostrava-se acolhedor
e sua voz era forte e autorit��ria. ��� Fez boa viagem? Chegou mais tarde
do que eu esperava, mas acho que o tempo n��o deve ter ajudado. Que
frio, n��o? Creio que n��o est�� acostumado.
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��� N��o, de fato. Como est�� passando?
��� Logo ficarei bom. Acho que tenho que ir com calma... ��� Indicou
as pernas. ��� N��o h�� muito que eu possa fazer no momento.
��� Sinto muito. Tenho certeza de que apreciar�� bastante o clima de
Mendao.
Lu��s ouviu a mo��a respirar fundo e subitamente Malcolm pareceu
lembrar-se de que ela se encontrava l��.
��� N��o fique parada a��, Rachel! V�� preparar ch�� e alguns sandu��ches
para nosso h��spede. Garanto que deve estar com fome, depois de viajar o
dia inteiro!
Lu��s mal conseguia acreditar no que ouvia. Trevellyan havia chamado a
garota de Rachel. Rachel! No bar da aldeia, o jovem pescador referira-se
com rancor �� mulher de Trevellyan e dissera aquele mesmo nome. Era
imposs��vel que aquela garota fosse a esposa de Trevellyan! Sentiu-se mal,
s�� de pensar naquilo.
Olhou �� sua volta, por��m ela n��o se encontrava mais l��. Mais uma vez
desejou que Jo��o ou Alonso estivessem ali, em seu lugar. N��o queria
tomar parte naquilo.
Mas agora estava comprometido e sentiu-se obrigado a fazer a
inevit��vel pergunta.
��� Esta jovem �� parente sua?
��� Acho que se pode dizer que sim. Precisamos conversar a respeito
dela.
Lu��s cruzou as m��os por detr��s das costas. Era sua postura favorita e,
naquele momento, n��o sentia vontade de se sentar.
Malcolm Trevellyan parecia ter compreendido que Lu��s estava �� espera
de uma explica����o e, suspirando, declarou:
��� Rachel �� minha mulher.
��� �� mesmo?
��� Por favor, deixe-me explicar.
��� O senhor n��o explicou a situa����o a minha m��e.
��� Sim, eu sei e sinto muito, mas n��o havia como. Preciso conversar
com voc��, discutir a situa����o, explicar as circunst��ncias...
��� Que circunst��ncias?
��� Rachel e eu estamos casados h�� tr��s anos. Ela s�� tinha dezoito anos
naquele momento e seu pai acabara de morrer. N��o tenho por que julgar
as pessoas, mas Rachel era um verdadeiro tormento para o pai. Pobre
homem, n��o sabia como lidar com ela! �� um artista e talvez at�� mesmo
em seu pa��s voc�� possa ter uma id��ia de como os artistas s��o. Gostam de
ter de si mesmos a imagem de indiv��duos que levam uma vida livre. Por
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vida livre entenda-se amor livre e, a partir da��, voc�� pode ter uma id��ia de seus ideais...
��� O que o senhor est�� tentando me dizer?
��� N��o �� n a d a f��cil... Rachel �� minha mulher e eu a amo, mas nem
sempre a compreendo.
��� Prossiga! .
��� Muito bem. No momento em que seu pai morreu, Rachel estava
gr��vida. O pai da crian��a a havia abandonado e ela encontrava-se
inteiramente s��. O pai de Rachel e eu sempre fomos amigos e n��o
suportei v��-la em semelhante situa����o. Pedi-a em casamento, com a
condi����o de que ela pudesse continuar a pintar, e ela aceitou.
Infelizmente, a gravidez n��o foi adiante e ela acabou perdendo a crian��a.
��� Percebo. E n��o p��de falar a respeito de tudo isso com minha m��e?
��� Mas como era poss��vel? Tais coisas n��o se escrevem em uma
carta...
��� Talvez n��o... E o que espera que ela fa��a agora?
��� Rachel me conhece. Conhece minhas prefer��ncias e minhas
implic��ncias e cuidou de mim. �� sua maneira. N��o gostaria de deix��-la
sozinha aqui, �� merc�� de suas fraquezas.
��� Est�� sugerindo que sua esposa nos acompanhe a Mendao?
��� Seria t��o penoso assim para voc�� e para sua m��e? Prometo-lhe que
ela n��o causar�� problemas.
Lu��s teria sido capaz de rir daquela situa����o, se ela n��o fosse t��o s��ria.
Como �� que Trevellyan poderia ter a pretens��o de controlar sua mulher,
deitado em uma cama ou at�� mesmo sentado em uma cadeira de rodas? A
n��o ser que os anos de casamento tivessem atenuado nela a rebeli��o ou
destru��do aqueles ��mpetos incontrol��veis que tinham causado
anteriormente tamanha infelicidade. Respirou fundo. Depois de tudo que
tinha ouvido, a id��ia de que aquela garota era casada com Malcolm
Trevellyan o fazia sentir-se mal. N��o conseguia imaginar por qu��. Aquilo
nada tinha a ver com ele.
��� Ao chegar, pareceu-me mais do que evidente que a sra. Trevellyan
ignorava as raz��es de minha presen��a.
��� Eu sei, eu sei. Ainda n��o falei de meus planos a ela.
��� Por que n��o?
��� Como era poss��vel? Nem sequer sabia se voc�� ou sua m��e
permitiriam que ela me acompanhasse.
��� Percebo...
Ouviram-se passos no corredor e a jovem entrou no quarto, carregando
uma bandeja. O primeiro impulso de Lu��s foi tirar a bandeja de suas
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m��os, mas colocou-se polidamente de lado e permitiu que ela a
depositasse sobre o criado-mudo, ao lado da cama.
��� Permita que os apresente. Esta �� minha esposa, Rachel. Rachel,
este �� o filho de um grande amigo meu, o sr. Martins.
��� O sr. Martins apresentou-se, quando atendi a porta ��� declarou
Rachel, sem a menor express��o na voz.
��� �� s�� o que voc�� tem a dizer?
Lu��s percebeu o olhar que ambos trocavam e constatou que havia nele
grande animosidade. Sentiu-se mal com aquela situa����o constrangedora.
A mo��a parecia ter ficado irritada com o tom de desprezo com que seu
marido havia se dirigido a ela.
��� O que ele est�� fazendo aqui, Malcolm? ��� perguntou, um pouco
exaltada. ��� O que ele quis dizer, quando falou a respeito de um clima
mais ameno? O que est�� acontecendo?
Trevellyan olhou ansioso para Lu��s, pedindo socorro, e este, resignado,
disse:
��� Talvez n��o saiba, senhora, que a fam��lia de seu marido cuidou de
minha m��e h�� muitos anos, quando ela ficou ��rf��. Mais tarde, ela
desposou um portugu��s, meu pai, mas manteve correspond��ncia com a
fam��lia Trevellyan. Decorridos muitos anos, visitou a Inglaterra
juntamente com meu pai e voltou a se encontrar com seu marido.
��� N��o sabia. E da��?
Lu��s mordeu os l��bios. N��o estava acostumado a ser tratado naquele
tom, principalmente por uma criatura daquela idade.
��� Naturalmente, quando seu marido ficou doente, minha m��e
preocupou-se com ele Devo confessar-lhe que ela n��o sabia que ele havia
se casado, mas, mesmo assim, sugeriu ao sr. Trevellyan que ele fosse a
Portugal, passar algumas semanas em nossa propriedade, em Mendao.
��� Sei... Por que foi que voc�� n��o me contou, Malcom?
��� N��o tinha certeza em rela����o ao que estava combinado... N��o
queria que voc�� alimentasse falsas esperan��as...
��� Falsas esperan��as? Voc�� est�� querendo dizer que eu posso ficar
aqui?
��� N��o, n��o �� a isto que me refiro! Simplesmente quis dizer que n��o
queria criar expectativas em rela����o a esta temporada em Portugal, a
menos que tivesse certeza de que voc�� seria bem recebida l��.
��� F��rias em Portugal! N��o quero ir para Portugal!
��� Certamente n��o permitir�� que seu marido, um homem doente, viaje
sem receber sua assist��ncia, n��o �� mesmo? ��� indagou Lu��s, intimamente
indignado.
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��� Sinto muito se lhe pare��o ingrata mas garanto-lhe que meu marido
n��o necessita de minhas aten����es.
��� Rachel! ��� Trevellyan estava furioso. ��� Pare imediatamente com
isto! Se o sr. Martins ignorar essa sua atitude t��o desagrad��vel,
naturalmente voc�� me acompanhar�� a Portugal!
Rachel mal conseguia disfar��ar as emo����es que se apoderavam de sua
pessoa. A c��lera a tornava atraente e, sem querer, Lu��s sentiu certa pena
dela. Sua conduta no passado j�� n��o era mais digna de censura, a partir do
momento em que consentira em tornar-se a esposa de um homem t��o
velho quanto Malcolm Trevellyan.
Refletindo melhor, Lu��s achou que ela n��o tinha sido obrigada a se
casar com ele. Uma garota que tivesse mais seguran��a e mais coragem em
suas convic����es, teria encontrado uma solu����o e maneiras de se sustentar,
bem como �� crian��a que iria nascer. N��o, Rachel Trevellyan adotara a
solu����o mais f��cil, para enfrentar a situa����o complexa em que se
encontrava e, agora, revoltava-se contra a pessoa que mais a havia
ajudado. Lu��s sentiu que o desprezo substitu��a a compaix��o. Rachel
Trevellyan n��o merecia absolutamente nada.
��� Vamos, Rachel. Sirva ch�� ao sr. Martins e pare de se comportar
como uma crian��a mimada ��� ordenou Malcolm.
Por um momento, Lu��s pensou que ela iria recusar, mas logo obedeceu
e encheu duas x��caras. Voltando-se para ele, indagou:
��� Leite e a����car?
��� Obrigado, somente a����car.
��� Sente-se, Lu��s, por favor.
Malcolm indicou uma cadeira e, apesar de n��o ser h��bito de Lu��s
sentar-se na presen��a de uma mulher que estivesse em p��, acomodou-se
em uma cadeira de vime, ao lado da cama.
Rachel serviu o ch�� do marido, acrescentou leite e a����car, mexeu e
passou-lhe a x��cara. Havia tamb��m sandu��ches na bandeja, por��m Lu��s
recusou. Havia almo��ado bem tarde, a caminho, e, apesar de apreciar
jantar em horas avan��adas, quando se encontrava em Portugal, n��o lhe
agradava a id��ia de comer sandu��ches. Na realidade, teria preferido
hospedar-se em um hotel, apesar de Malcolm, na correspond��ncia com
sua m��e, sugerir que ele poderia passar a noite na casa. Agora era muito
tarde, o nevoeiro n��o se dissipara e, diante da falta de acomoda����es na
vizinhan��a, n��o lhe restava alternativa.
Rachel parecia estar a ponto de deix��-ios, quando seu marido indagou:
��� Muito bem, Lu��s. O que decidiu? E a que conclus��es chegou, no
que diz respeito a Rachel?
Que pergunta mais dif��cil... A que conclus��es havia chegado? Lu��s
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colocou a x��cara na bandeja. Nunca havia esperado ter de tomar
semelhante decis��o. Se, para isso, tivesse de contactar sua m��e e discutir
o assunto com ela, criaria para a marquesa de Mendao uma preocupa����o
desnecess��ria. Afinal de contas, ela n��o poderia desfazer o convite,
��quela altura dos acontecimentos, mesmo levando em conta que as
circunst��ncias se haviam alterado. Apesar de ele saber muito bem quais
seriam as rea����es dela diante de uma jovem como Rachel Trevellyan,
havia muito pouco a fazer sem que Malcolm ficasse decepcionado.
Al��m do mais, l�� em Mendao existiam outras pessoas a quem devia
levar em considera����o...
��� �� ��bvio que o sr. Martins n��o deseja que eu o acompanhe a
Portugal, Malcolm ��� observou Rachel, parada junto �� porta. ��� Por que
n��o posso ficar aqui? Que mal haveria nisso?
Lu��s levantou-se. Aquela atitude irritava-o mais do que se ela tivesse
manifestado interesse em acompanh��-los. Em seu pa��s as mulheres n��o
discutiam com os homens. Eram suaves e femininas, totalmente
submissas sob todos os aspectos. Rachel Trevellyan exprimia-se sem
demonstrar o menor respeito, assumindo uma responsabilidade por seus
atos que n��o ficava bem em uma jovem, e muito menos em uma mulher
casada.
��� J�� pensei no assunto ��� disse Lu��s, dirigindo-se a Malcolm ���, e,
naturalmente, minha m��e gostaria de estender o convite a sua mulher.
Rachel esbo��ou uma rea����o, mas Lu��s ignorou-a, n��o tirando os olhos
de Malcolm. Este n��o disfar��ou a gratid��o que sentia.
��� Obrigado, �� muita delicadeza de sua parte. Quando Rachel se
acostumar com a id��ia, ela tamb��m ficar�� agradecida, n��o �� mesmo,
Rachel?
Eles se olharam de modo estranho e Lu��s notou que Rachel estremecia.
��� Quando �� que devemos viajar? ��� perguntou ela, sem disfar��ar o
des��nimo que sentia. ��� Ainda n��o tomei nenhuma provid��ncia. Como
fa��o com o passaporte?
��� Est�� se esquecendo, Rachel, de que viajou para o exterior com seu
pai um ano antes de ele morrer? Seu passaporte ainda �� v��lido.
��� Mas preciso de tempo...
��� Por qu��?
��� H�� certos detalhes a serem acertados...
��� Que detalhes?
��� Tanta coisa...
��� Rachel, tudo o que precisa fazer �� arrumar as malas. Partiremos
amanh�� de manh��.
��� N��o!
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��� Sim. Naturalmente, o sr. Martins passar�� a noite conosco...
��� N��o �� necess��rio! ��� disse Lu��s, sentindo-se pouco �� vontade.
Posso ficar em um hotel...
��� Que bobagem! �� claro que ficar�� aqui! �� o m��nimo que podemos
fazer, n��o �� mesmo, Rachel?
��� Voc�� �� quem sabe... ��� Ela n��o poderia ter-se exprimido com
maior reserva.
Lu��s procurou controlar-se. Desejava que j�� fosse de manh��. N��o tinha
a menor vontade de passar a noite naquela casa, pois era evidente que
Rachel Trevellyan ficara muito magoada. N��o poderia, no entanto,
recusar o convite, sem ofender Malcolm.
��� Vou arrumar o quarto ��� comunicou Rachel.
��� Isso mesmo. Avise-nos quando ficar pronto. O sr. Martins com
toda a certeza sente-se cansado, ap��s viajar o dia inteiro.
Na aus��ncia de Rachel, Malcolm indagou sobre a marquesa de
Mendao. Durante alguns momentos, Lu��s finalmente sentiu-se �� vontade
Tranq��ilizava-o falar sobre sua m��e. Pelo menos em rela����o a esse
assunto n��o havia meias-palavras ou mal-��ntendidos. Tirou o casaco e
sentou-se, acendendo um charuto.
Quando Rachel voltou, Lu��s sentia-se infinitamente menos tenso,
apesar de notar que a atmosfera mudou no momento em que ela entrou.
��� O quarto est�� pronto ��� anunciou, e Lu��s levantou-se.
��� Pois, ent��o, desejo-lhe boa-noite ��� disse Malcolm, aparentemente
indiferente �� atitude de sua mulher. ��� A que horas deseja que partamos?
��� Sugiro que seja o mais cedo poss��vel. Boa noite.
��� Boa noite ��� disse Malcolm, com um sorriso que Lu��s julgou
ligeiramente malicioso. Saiu do quarto em companhia de Rachel, sem
dizer mais nada.
Subiram a escada e foram para um quarto que dava para a frente da
casa. As outras partes da resid��ncia estavam frias, em compara����o com o
calor quase desagrad��vel reinante no quarto de Malcolm, mas Lu��s notou
que Rachel havia acendido um aquecedor el��trico no c��modo que lhe era
destinada.
Era um aposento grande, com pouca mob��lia, contendo apenas uma
cama, um guarda-roupa e uma esp��cie de lavat��rio. Ao lado da cama,
havia um pequeno tapete, imaculadamente limpo como tudo mais.
��� Coloquei uma bolsa de ��gua quente sob as cobertas. N��o precisa de
mais nada? ��� indagou Rachel, permanecendo parada diante da porta.
Lu��s pensou na mala trancada no carro, mas sacudiu a cabe��a. Seus
olhos se cruzaram. Nunca havia visto olhos t��o verdes, encimados por
pestanas t��o negras e compridas, que quase chegavam a colocar os outros
16
tra��os em segundo plano. A sensa����o de mal-estar voltou e ele n��o soube
explicar por qu��.
Algo lhe dizia que devia desistir imediatamente de seus projetos e n��o
levar Malcolm e sua mulher para Mendao. Era, por��m, uma atitude
rid��cula. Estava permitindo que a preocupa����o o deixasse inseguro. Que
mal poderia haver em oferecer hospitalidade aos Trevellyan por umas
duas semanas? Talvez a marquesa n��o apreciasse a presen��a de Rachel,
reparasse em seu modo de vestir, mas aquilo poderia ser contornado. Com
toda a educa����o inglesa que recebera, os quarenta anos que a m��e havia
passado em Portugal tornaram-na uma criatura tipicamente portuguesa,
em seu modo de encarar a vida.
E se acaso Am��lia considerasse inconveniente hospedar uma jovem,
sobretudo casada, naquelas semanas que antecediam seu casamento, ent��o
poderia tomar provid��ncias e alojar o casal em alguma outra resid��ncia da
enorme quinta.
Compreendeu subitamente que estava encarando Rachel havia muito
tempo e que, diante da insist��ncia de seu olhar, ela ficara muito
ruborizada.
��� Obrigado. Tenho tudo de que preciso. Dormirei com todo o
conforto.
Havia certa frieza no tom com que ele se exprimia, mas nada podia
fazer. Algo naquela mo��a o perturbava e aquilo era uma experi��ncia nova
para ele. Normalmente, costumava estar em pleno controle de suas
rea����es.
��� Muito bem. Ent��o... boa noite.
��� Boa noite.
Lu��s fez um gesto breve com a cabe��a e a porta se fechou. Depois que
Rachel saiu, certificou-se de que lhe seria dif��cil afast��-la de seus
pensamentos...
17
CAP��TULO II
Assim que deixaram o litoral, a estrada atravessou vales f��rteis,
densamente cultivados, cheios de ��rvores e arbustos em flor, recendendo
fortemente a eucalipto e lim��o. Rachel viu planta����es de figos,
amendoeiras, extensos parreirais e centenas de p��s de primavera em plena
florada. Tudo aquilo lhe parecia novo e estimulante e n��o conseguia
abafar a excita����o que se apoderava de todo o seu ser. Sentia uma
necessidade absurda de pegar os pinc��is e tentar transferir para a tela toda a beleza e o colorido da paisagem. Estava em Portugal, a terra daquele
homem moreno e esbelto, sentado a seu lado, na dire����o da luxuosa
limusine prateada. Era o pa��s natal daquele aristocrata, amigo inesperado
de Malcolm, e que a olhava com evidente desprezo.
Mordeu os l��bios e estremeceu, a despeito do calor do dia, que a havia
for��ado a tirar o casaco. Seu marido, vencido pela temperatura, dormia no
banco de tr��s do carro, mas Lu��s Martins, marqu��s de Mendao, parecia
totalmente indiferente ao clima.
Rachel olhou-o disfar��adamente. Sua concentra����o estava toda na
estrada e, durante alguns momentos, conseguiu estud��-lo sem ser
observada. Quem diria que, em menos de vinte e quatro horas, sua vida
mudaria t��o completamente? Na v��spera, �� tarde, entregara-se totalmente
�� pintura, tentando terminar o retrato de uma das crian��as da aldeia,
enquanto Malcolm dormia. Percebeu nele uma certa excita����o que n��o
conseguia explicar. No entanto, na noite ^anterior, quando abriu a porta e
viu aquele estrangeiro moreno, pressentiu que ele, de certa forma, era
respons��vel por toda aquela modifica����o. Mesmo naquele momento, n��o
conseguiu desconfiar que Malcolm pretendia lev��-la em sua companhia.
18
Desde que adoecera, seu marido agia como um fan��tico, em suas
tentativas de mant��-la afastada das pessoas que conhecia, mas, agora, ela
acreditava que suas m��os estavam atadas. Como ele devia ter rido consigo
mesmo, ao pensar que aquilo que, segundo ela imaginava, os manteria em
Mawvry, junto a seus amigos, junto ��s pessoas a quem estava ligada, era
exatamente o fator que lhe proporcionaria os meios para se distanciarem
de l��...
O carro parou lentamente, diante de uma ponte estreita, sob a qual
corria um riacho de ��guas cantantes. Salgueiros enormes e muito copados
inclinavam seus ramos em dire����o ��s ��guas, formando verdadeiros t��neis
de sombra. Gramados suaves como veludo eram um convite ao
relaxamento nas margens do riacho. Rachel sentiu vontade de sair do
carro e mergulhar os p��s nas ��guas. Suspirou, atraindo a aten����o do
homem a seu lado.
��� Est�� cansada? ��� ele indagou polidamente, mas com certa
impaci��ncia.
��� N��o, cansada n��o.
��� Ent��o, o que foi?
��� Estava pensando em como seria delicioso banhar os p��s naquele
riacho que acabamos de deixar para tr��s.
Os dedos longos e queimados de sol apertaram a dire����o com mais
for��a, mas Lu��s n��o fez coment��rio algum. As m��os dele s��o muito
atraentes, ela pensou e seus olhos de artista puseram-se a apreciar o
comprimento e o formato. A despeito do fato de serem m��os que, na
realidade, deveriam ter trabalhado muito pouco, possu��am ainda assim
uma for��a e um vigor evidentes. Gostaria de toc��-las, de sentir sua textura
e formato, de pint��-las...
Voltou bruscamente �� realidade. Era um verdadeiro absurdo pensar em
pintar qualquer parte do corpo do marqu��s de Mendao. E por que haveria
de querer faz��-lo? Contemplou seu marido, que dormia tranq��ilamente.
Ainda bem que ele n��o estava a par de seus pensamentos insensatos.
Afundou-se no banco do carro e, com um gesto displicente, ajeitou os
cabelos. Sua atitude chamou a aten����o de Lu��s Martins, que comentou:
��� Como seu marido parece estar dormindo no momento, talvez seja
uma boa ocasi��o para esclarecer certos pontos.
��� Que pontos?
��� Em primeiro lugar, prefiro que se lembre de chamar-me de senhor,
toda vez que se dirigir a mim. Isto n��o tem tanta import��ncia para mim,
minha senhora, mas acontece que minha m��e adota os velhos costumes
portugueses, que, como deve saber, s��o muito r��gidos. Por outro lado,
19
parece-me que nosso relacionamento deve se dar nas bases mais formais
poss��veis, n��o acha?
��� Acreditava que sua m��e fosse inglesa, senhor.
��� E era, ali��s ��, apesar de ultimamente ter adotado a nacionalidade
portuguesa. No entanto, os costumes de meu pa��s sempre foram os
costumes que ela praticou.
��� Pois n��o. ��� Rachel exprimia-se com secura.
��� Em segundo lugar, sua... apar��ncia, senhora.
��� Minha apar��ncia? ��� Rachel olhou para ele, muito surpreendida.
��� Sim, senhora, sua apar��ncia. �� evidente que n��o presta muita
aten����o na maneira como se veste, mas, em Portugal, as mulheres de
classe n��o costumam usar cal��as compridas, a n��o ser em ocasi��es muito
raras. Aderem a certos princ��pios. Um simples vestido ou talvez saia e
blusa s��o considerados muito mais adequados. Consegue reconhecer este
fato, senhora?
Rachel sentiu-se indignada. N��o era seu desejo ter vindo para Portugal
e agora aquele homem ousava criticar seus modos e suas roupas. Afinal
de contas, quem ele pensava que era?
Controlando o tremor em sua voz, disse:
��� Sinto muito, mas n��o concordo, senhor. Para mim, cal��as s��o o que
existe de mais confort��vel.
Os olhos negros de Lu��s enfrentaram os dela e ele n��o conseguiu
disfar��ar a ira que sentia. A tens��o estampava-se em seus l��bios e ela
achou que, mesmo encolerizado, ele era o homem mais
perturbadoramente atraente que jamais havia conhecido. N��o era apenas
bonit��o; teria sido um insulto usar um termo t��o vulgar para descrever
seus tra��os fortes, as ma����s salientes, os olhos fundos, os l��bios
bem-feitos e sensuais. A alvura de sua camisa contrastava com a pele
tostada de sol e os cabelos ondulados e muito negros. Que mulher n��o
teria profunda consci��ncia de sua extrema masculinidade, mesmo sendo
casada?
��� Quer dizer, ent��o, que pretende opor-se a mim, senhora?
��� N��o �� minha inten����o desrespeit��-lo, m��s, no que concerne a
minhas roupas, penso que sou a pessoa mais qualificada para julgar aquilo
que devo ou n��o usar.
��� Pois n��o... Talvez eu tenha feito a abordagem errada. Talvez
devesse abordar o assunto com seu marido, solicitando a ele que o
discutisse com a senhora.
��� Isto �� uma amea��a ou uma sugest��o? ��� ela indagou, com o rosto
pegando fogo.
��� O que quer dizer com isso?
20
��� Certamente deve ter ficado evidente para o senhor que sou uma
esposa obediente, n��o?
��� N��o deseja que eu mencione este assunto com seu marido?
��� E acaso meus desejos importam?
��� Receio que n��o compreendo aonde quer chegar, senhora.
��� Pela primeira vez concordamos. N��o compreende mesmo.
Rachel apertou os l��bios, a fim de impedir que eles tremessem.
��� Diga-me o que est�� achando de Mendao ��� ele disse, mudando t��o
subitamente de assunto que a deixou espantada durante alguns instantes.
��� Este �� o vale do rio Meigo, onde se situa nossa aldeia.
��� �� muito belo tudo aqui, mas, sem d��vida, o senhor n��o desconhece
este fato. �� propriet��rio destas terras?
��� A terra pertence a todos n��s. Trabalhamos para ela, lavramos o
solo, semeamos, colhemos. Nenhum homem pode declarar-se propriet��rio
de algo que significa o meio de subsist��ncia para tanta gente. Os dias da
escravid��o acabaram, senhora. Estas pessoas s��o livres. Aqui em Mendao
todos os homens s��o tratados como iguais.
A quinta dos Martins surgiu aos olhos de Rachel escondida por uma
verdadeira cortina de ��rvores. Lembrava-lhe a muralha vegetal que havia
crescido em torno do castelo da Bela Adormecida. E, de fato, a quinta, ��
primeira vista, parecia um castelinho.
Aninhada entre o arvoredo, possu��a dezenas de pequenas torres e tinha
uma apar��ncia de conto de fadas.
Rachel, cheia de admira����o, sentou-se muito ereta, totalmente absorta
pela paisagem, esquecendo-se por alguns momentos dos motivos que a
levavam at�� l��.
��� Gosta de minha casa, senhora?
��� Oh, sim, sim! �� extraordinariamente bela!
��� A fam��lia de meu pai mora aqui h�� v��rias gera����es. Naturalmente,
em per��odos mais recentes a quinta foi modernizada, mas n��o a ponto de
destruir suas caracter��sticas.
O carro parou na frente de degraus de pedra que levavam a uma estrada
em forma de arco. Toda a resid��ncia era rodeada por uma enorme
varanda. No p��tio, havia uma fonte que n��o parava de murmurar e foi a
primeira coisa que Rachel notou, quando desceu do carro.
Lu��s, com sua polidez de sempre, havia dado a volta, a fim de ajud��-la
a descer, mas ela observou:
��� Sinto muito. N��o estou acostumada a que abram as portas para
mim.
Lu��s mal conseguiu disfar��ar a contrariedade que aquele coment��rio
21
despertava nele. Mas, nesse momento, um velho surgiu no topo da
escada.
��� Senhor marqu��s! Estimo muito v��-lo de novo!
��� Boa tarde, M��rio ��� disse Lu��s, sorrindo.
Rachel desviou o olhar daquela cena de cordialidade e, aproximando-se
do carro, disse:
��� Malcolm! Malcolm! J�� chegamos �� quinta.
��� Como ��? O que foi que voc�� disse? ��� perguntou seu marido,
abrindo os olhos com dificuldade.
��� Chegamos a Mendao, Malcolm. Como se sente?
��� Com licen��a...
Lu��s estava por detr��s dela e carregava a cadeira de rodas dobr��vel, que
estava guardada na mala do carro. Rachel deu um passo atr��s e quase
bateu a cabe��a no teto do carro. Sentia-se nervosa, agora que haviam
chegado, e a id��ia de ser apresentada �� velha marquesa deixava-a
intimidada, depois de tudo o que Lu��s Martins lhe dissera.
M��rio, obedecendo ��s ordens de Lu��s, trouxe a cadeira para perto do
carro. O marqu��s tirou Malcolm do banco de tr��s e acomodou-o. Em
seguida, ele e M��rio levaram a cadeira at�� o ��ltimo degrau. Malcolm
trajava um terno azul-marinho e devia estar sentindo tanto calor quanto
Rachel. Ela seguiu o pequeno cortejo, fazendo o poss��vel para n��o se
sentir a intrusa que tinha a certeza de ser.
Olhou �� sua volta com redobrado interesse, quando entraram no
vest��bulo. Toda a sua sensibilidade art��stica agu��ou-se, ao contemplar a
magnific��ncia do ambiente: colunas lavradas, uma escadaria barroca, a
galeria que percorria todo o primeiro andar... Havia nas janelas cortinas
de seda de um belo tom rosado e, sobre uma mesa com tampo de
m��rmore, um enorme vaso continha flores vermelhas em profus��o,
enfeitando o ambiente. Pequenas estatuetas de santos encontravam-se nos
nichos das janelas, real��ando o fato de que aquele era um lar
verdadeiramente cat��lico, enquanto que, �� direita e �� esquerda, portas em
arco davam para outras pe��as decoradas com grande requinte.
Rachel enganou-se, ao imaginar que a marquesa de Mendao iria ao
encontro deles no vest��bulo. Ao contr��rio, ��quela hora da tarde, quando
as sombras come��avam a cair e um certo frescor invadia o ar, a quinta
mostrava-se t��o silenciosa quanto um convento e a ��nica criatura que
apareceu foi uma mulher usando saia negra e avental branco. Era, sem
d��vida, uma das empregadas.
Saudou Lu��s com grande efus��o e encarou Rachel e Malcolm com
curiosidade. Era evidente que n��o esperava dois h��spedes, mas sua
express��o n��o demonstrava censura, apenas certa expectativa.
22
Lu��s exprimiu-se em portugu��s, explicando, pelo visto, que o sr.
Trevellyan tinha trazido sua esposa com ele. Rachel julgou reconhecer
algumas palavras, mas a maior parte de que se dizia era incompreens��vel
para ela.
A mulher, que se chamava Lu��sa, fez sinal com a cabe��a e deu uma
resposta que aparentemente agradou a seu patr��o, pois ele sorriu.
Voltando-se para Rachel e o marido, Lu��s falou em ingl��s:
��� Lu��sa comunicou-me que preparou um quarto para o senhor no
andar t��rreo. Nas atuais circunst��ncias, achamos prefer��vel que n��o
enfrentasse escadas. N��o custar�� nada arranjar um quarto para sua esposa,
ao lado do seu.
��� Tenho certeza de que n��o h�� necessidade de providenciar um quarto
especialmente para Rachel. �� claro que ela ficar�� comigo. ��� Ao dizer
tais palavras, Malcolm agarrava-se nervosamente �� cadeira de rodas, mas
sua express��o n��o demonstrava a tens��o que sentia.
Rachel notou uma express��o de irrita����o aflorar ao rosto de Lu��s e ela
mesma ficou muito vermelha. Tinha a sensa����o de que Malcolm falava de
prop��sito, como se quisesse chocar o rapaz. Por qu��? Que raz��es teria
para isso? Quando ainda estavam na Inglaterra, mostrara-se ansioso em
concordar com tudo o que Lu��s dissera. S�� podia presumir que, uma vez
em Portugal, seu marido sentia-se inteiramente �� vontade e n��o tinha mais
motivos para comportar-se com subservi��ncia. Aquele era o homem com
quem estava acostumada a lidar.
��� Mesmo assim prepararemos um outro quarto. �� poss��vel que sua
esposa queira ter um quarto �� disposi����o dela embora compartilhando seus
aposentos.
��� Muito bem ��� disse Malcolm, esbo��ando um gesto de indiferen��a.
Olhou �� sua volta e indagou: ��� Onde est�� Joanna?
��� Sem d��vida descansa, senhor ��� disse Lu��s, contrariado diante de
tamanha intimidade. ��� Lu��sa lhe mostrar�� suas "acomoda����es. Poderemos
encontrar-nos mais tarde na biblioteca, antes do jantar.
��� Est�� certo. Por favor, conduza minha cadeira, Rachel. Prefiro que
voc�� o fa��a.
Lu��sa foi �� frente deles, tomando o corredor da esquerda, enquanto
M��rio desaparecia, indo em busca da bagagem. Ao longo das paredes do
corredor, havia austeros retratos a ��leo dos antepassados de Lu��s, e
Rachel achou que o atual marqu��s era muito mais bonito do que seus
antecessores.
Lu��sa parou diante de portas duplas e, abrindo-as com um gesto teatral,
anunciou:
23
��� C�� est��o seus aposentos. S��o satisfat��rios?
Malcolm n��o disse nada, olhando �� sua volta sem demonstrar o menor
interesse, mas Rachel n��o conseguiu conter o entusiasmo que sentia.
��� �� mais do que satisfat��rio! Obrigada, Lu��sa. Tenho certeza de que
ficaremos muito bem instalados.
Lu��sa sorriu e seus dentes muito alvos contrastavam com a pele
morena.
��� Que bom! Ali est�� o quarto!
Rachel olhou para a pe��a ao lado e constatou que era quase t��o grande
quanto a sala. Um tapete creme cobria o ch��o e a coberta da enorme cama
de casal era em tons de violeta. Ao lado havia um banheiro decorado em
tons de lil��s e rosa. Rachel sentiu-se encantada com a beleza da
decora����o.
Malcolm aguardava com impaci��ncia e seus dedos tamborilavam nos
bra��os da cadeira de rodas. M��rio chegou com a bagagem, mas, quando
Lu��sa ofereceu-se para desfaz��-la Malcolm mostrou-se grosseiro. '
��� N��o h�� a menor necessidade. Minha mulher �� perfeitamente capaz
de fazer isso. Al��m do mais, n��o quero ver ningu��m mexendo em minhas
coisas. Pode ir.
Despediu os dois criados, sem sequer uma palavra de agradecimento, e
Rachel sentiu-se terrivelmente constrangida. ��quela altura, era de se
supor que j�� estivesse acostumada com as atitudes do marido, mas n��o era
o caso. Imaginava que ele se dominaria e demonstraria certa cordialidade
para com as pessoas que o hospedavam, mas enganava-se.
��� Diga-me uma coisa: o que voc�� pretende, flertando com aquele
portugu��s, desde que saltamos no aeroporto? ��� perguntou Malcolm, com
insol��ncia, depois que M��rio e Lu��sa se retiraram.
��� O qu��?!
��� N��o finja que n��o sabe do que estou falando. Acaso imagina que
dormi o tempo todo?
��� Eu... naturalmente presumi que voc�� estava cansado. Rachel
sentiu-se chocada demais e n��o conseguia responder �� altura.
��� Pois n��o estava cansado, n��o. Pelo menos n��o t��o cansado quanto
voc�� imagina.
Rachel tentou recordar o que ela e Lu��s haviam conversado durante a
viagem. Falaram a respeito de suas roupas, �� claro, mas principalmente
discutiram. Malcolm n��o tinha por que imaginar que o marqu��s de
Mendao pensasse nela em outros termos que n��o como a esposa de um
amigo de sua m��e... a n��o ser naquele momento, em que se aproximavam
do riacho...
��� Acho que sua imagina����o est�� funcionando em excesso, Malcolm.
24
O sr. Martins e eu falamos muito pouco, desde que viemos do aeroporto,
e, como voc�� j�� deve ter notado, ele me olha com certo desprezo. N��o
consigo entender o que o leva a acusar-me de flertar com ele!
��� Mas sente-se atra��da por ele, n��o �� mesmo?
��� Claro que n��o! N��o me sindo atra��da por homem algum!
��� Muito bem, cuide para que seja sempre assim, pois, caso contr��rio,
voc�� me paga...
��� Por favor, Malcolm! J�� lhe disse que n��o precisa se preocupar
comigo!
��� Bem... acho que voc�� tem raz��o. Em todo caso, um homem como
Martins n��o olharia para algu��m como voc��, mesmo sem...
Interrompeu-se de repente e Rachel ficou intrigada.
��� Mesmo sem o qu��, Malcolm? O que foi que voc�� andou lhe
dizendo?
��� Umas tantas coisas...
��� Como foi que lhe explicou nosso casamento? O fato de desposar
algu��m t��o mais jovem do que voc�� dificilmente melhora sua imagem.
��� H�� modos de se tirar o melhor partido de qualquer situa����o...
Agora me tire estas roupas ��� ordenou Malcolm, afrouxando a gravata e
desabotoando a camisa. ��� Estou quase assado.
��� O que vai usar hoje �� noite para o jantar?
��� Sei l��... Talvez nem v�� jantar com eles. Posso fingir que estou
cansado, depois de uma viagem t��o longa!
��� N��o est�� esperando que eu v�� jantar com eles sozinha, n��o ��
mesmo?
��� N��o! �� claro que n��o! Ficar�� em minha companhia, como a esposa
dedicada que ��. N��o a trouxe a Mendao para se divertir, Rachel.
��� E me trouxe exatamente por qu��, Malcolm?
A esta altura, Rachel havia empurrado a cadeira de rodas para junto da
cama e ajudava Malcolm a se acomodar.
��� Voc�� �� minha mulher, Rachel. N��o se esque��a de que me pertence.
N��o ia deix��-la sozinha em Mawvry!
��� E por que n��o?
��� N��o sou cego, Rachel. J�� notei o jeito como os homens olham para
voc��. Aquele tal de Bart Thomas, por exemplo...
��� N��o estou interessada no jeito como os homens me encaram! Voc��
devia saber disto.
��� Hum... Isso �� o que voc�� me diz. Mas como �� que posso saber o
que acontece dentro de sua cabe��a?
Rachel reprimiu um suspiro e come��ou a ajud��-lo a se despir.
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��� Eu n��o o deixarei, Malcolm, por mais que tenha me sentido tentada
a faz��-lo. Fiz-lhe uma promessa e pretendo mant��-la...
��� Promessas! Promessas! ��� Malcolm deitou-se e procurou o conforto
dos travesseiros macios. ��� J�� ouvi isso antes. Acontece que �� minha
mulher, Rachel, e mais ningu��m por�� as m��os em voc��, est�� me ouvindo
bem?
��� Ningu��m mais haver�� de querer... ��� ela declarou, disfar��ando a
dor que sentia.
��� O que quer dizer com isso?
��� Nada.
��� Pois ent��o ou��a isto: aonde eu for, voc�� ir�� atr��s. Estamos
entendidos?
��� Ent��o, por que foi que voc�� n��o me preveniu em rela����o a esta
viagem? Por que fez tamanho segredo?
��� N��o queria que as coisas n��o dessem certo. Tinha vontade de vir
aqui. Joanna tem certas obriga����es para comigo. Se tivesse de falar a seu
respeito com ela... teria sido dif��cil, muito dif��cil. As mulheres
portuguesas n��o s��o como as inglesas. Possuem um c��digo de ��tica muito
r��gido. Um homem de minha idade casando com uma garota de dezoito
anos! Ela n��o veria a menor raz��o para isso.
��� Mas essa mulher �� inglesa! E, em todo caso, como �� que voc��
poder�� dar uma explica����o satisfat��ria? Dizendo a verdade?
��� Joanna mora h�� tanto tempo em Portugal que acabou se tornando
como eles. Pude observar este fato h�� quatro anos, quando ela foi ��
Inglaterra. Ela e Raul compareceram ao enterro de minha m��e. Era o
velho marqu��s, pai de Lu��s. Parecia-se com o filho: frio, arrogante,
consciente de sua import��ncia!
��� Mas isso ainda n��o explica...
��� Esque��a-se do assunto, Rachel.
��� Mas por que voc�� n��o me comunicou nada?
��� Se eu lhe contasse o que tinha planejado, como �� que voc�� reagiria?
Estaria preparada para ver este homem chegar e descobrir quem voc�� era?
26
CAP��TULO III
Quando Rachel voltou para o quarto, uns vinte minutos mais tarde, e
falou com seu marido, n��o obteve resposta alguma. A respira����o ruidosa
indicava que ele havia dormido. Foi para a sala de estar, tomando o maior
cuidado para n��o acord��-lo, e fechou a porta.
Sentia-se mais animada e muito mais repousada. Havia aberto a
torneira de ��gua fria, quando entrara no chuveiro, o que fizera com que
seu sangue corresse mais depressa. Agora experimentava uma sensa����o de
frescor.
Rachel ligou um abajur que irradiava uma agrad��vel luz amarelada e
estendeu-se sobre um sof��. Ainda era cedo e sabia que o jantar demoraria
a ser servido. Al��m do mais, era certo que ela e Malcolm comeriam em
seus aposentos.
O relaxamento proporcionou-lhe tranq��ilidade para pensar e ela
sentiu-se um tanto angustiada, refletindo no tipo de explica����o que Lu��s
Martins recebera de Malcolm sobre seu casamento. Para aquelas pessoas,
semelhante uni��o sem d��vida necessitaria de um esclarecimento. N��o era
poss��vel que ele tivesse contado a verdade!
Rachel suspirou. Qual era a verdade? Ser�� que ainda sabia? Ou sua
mente simplesmente rejeitava tudo o que dissesse respeito ��quela estranha
uni��o? Se a presente situa����o e aquela viagem inesperada a Mendao
haviam alterado sua vida do dia para a noite, o que dizer da profunda
mudan��a ocorrida h�� tr��s anos, quando casara com Malcolm Trevellyan?
Havia morado em Mawvry durante a maior parte da vida. Mudou-se
para l�� em companhia de seu pai, quando sua m��e morreu. Naquele
momento, Rachel tinha apenas sete anos de idade.
27
Seu pai tamb��m fora um artista. At�� a morte da esposa, empenhou-se
em ganhar seriamente a vida, a fim de proporcionar-lhe certa
tranq��ilidade, mas, ap��s o desenlace, viu a oportunidade de mudar de sua
pequena casa, em Bloomsbury, para uma habita����o ainda menor, em
Mawvry, aldeia de pescadores no litoral da Cornualha.
Rachel imediatamente amou aquele lugar. A exemplo do pai, apreciava
tudo o que era belo, e Mawvry preenchia todas as suas expectativas. Seu
pai entregou-se �� paix��o pela pintura e pela escultura e comprou um barco
de pesca, a fim de aumentar a renda familiar durante os meses de ver��o,
transportando turistas para excursionarem em torno da ba��a. Viviam com
simplicidade e Rachel nunca se preocupou em saber como �� que o pai os
sustentava.
De vez em quando, no ver��o, ele conseguia vender um quadro. Nessas
ocasi��es, comprava carne de primeira, vinho, e ele e Rachel
comemoravam. A maior parte do tempo viviam com mod��stia. Rachel
aprendeu a cozinhar e a costurar, encarregando-se da dire����o da casa.
Malcolm Trevellyan sempre morara em Mawvry. Sua casa situava-se
em uma eleva����o que dominava a ba��a e Rachel logo teve conhecimento
de que ele n��o se assemelhava aos demais habitantes da aldeia. Possu��a
propriedades em Mawvry, que alugava aos pescadores e a suas fam��lias,
mas n��o era um locador cuidadoso. Detestava gastar dinheiro e havia
numerosas goteiras nos telhados de suas casas, o que as tornava ��midas e
insalubres nos meses de inverno.
Felizmente, o pai de Rachel tivera meios de comprar a casa em que
moravam e, assim sendo, n��o dependiam de Malcolm Trevellyan para
nada. Nunca apreciou muito aquele homem. Desde que tinha quatorze
anos, ele se mostrara interessado em conversar, mas ela n��o gostava do
modo insistente como ele a encarava. Claro que naquele momento n��o
compreendia as raz��es que o levavam a fit��-la daquela maneira.
Estremeceu. Seu pai, pelo menos, poderia ter confiado suas
dificuldades a ela, permitindo-lhe conseguir um emprego em uma das
cidades da vizinhan��a, em vez de deix��-la ficar pintando todos os dias,
garantindo-lhe que n��o tinham problemas financeiros.
Quando a crise chegou, inevitavelmente Malcolm Trevellyan tomou
parte nela. Sem que Rachel soubesse, havia comprado a casa deles h��
alguns anos, em certo momento em que seu pai passava por dificuldades
financeiras. Mais tarde, emprestara dinheiro ao velho, n��o exigindo
pagamento e fingindo-se seu amigo.
Quando Rachel fez dezoito anos, seus motivos tornaram-se evidentes.
Pediu-a em casamento, e ela, quase rindo, recusou. N��o conseguia
imaginar que ele estivesse falando a s��rio. Malcolm deu ent��o um
28
ultimato a seu pai: ou persuadiria Rachel a fazer o que ele desejava, ou
ent��o os arruinaria.
O pai de Rachel ficou desesperado. N��o imaginava que um homem, a
quem considerava seu amigo, pudesse agredi-lo daquela maneira. Rachel
viu-se na maior afli����o, sabendo que as for��as de seu pai diminu��am dia a
dia. Nenhum dos moradores da aldeia podia ajud��-los. Ningu��m era
suficientemente rico para pagar as d��vidas deles.
Rachel acabou chegando a uma decis��o. N��o lhe restava escolha.
Procurou Malcolm Trevellyan e concordou com sua proposta.
O pai suplicou a ela que n��o o fizesse. Garantiu-lhe que acabaria
ganhando dinheiro de qualquer maneira. Come��aria a pescar, pois
naquelas ��guas havia muito peixe. Seria bem-sucedido.
Rachel sabia que isto n��o poderia acontecer, e ela e Malcolm
Trevellyan casaram-se depois de alguns dias.
Come��aram para Rachel os meses mais terr��veis de sua vida. A
ang��stia que sentia por causa do pai somava-se o horror que
experimentava por aquele homem que se tornara seu marido. Submeteu-se
��s exig��ncias dele, experimentando uma profunda humilha����o.
Em rela����o a seu pai, fingiu que tudo estava indo muito bem, mas ele
n��o se deixou enganar. Viu como ela mudava, transformando-se, da
criatura alegre e cheia de vida que sempre fora, em uma pessoa magra,
p��lida, de profundas olheiras.
Ele censurou-se pelo que estava acontecendo e n��o conseguiu suportar
a situa����o durante muito tempo. Seis meses mais tarde, entrou mar
adentro, em seu barco de pesca, e nunca mais voltou. As investiga����es
conclu��ram ter sido morte acidental, mas Rachel sabia perfeitamente que
aquilo n��o era verdade.
Sentiu que seu mundo desabava e teve uma depress��o nervosa.
Levou muitos meses para se recuperar. Malcolm dedicou-lhe todas as
suas aten����es, mas seus motivos n��o eram inteiramente altru��stas. Queria
a esposa de volta, em todos os sentidos da palavra, mas, mesmo assim,
durante aquele per��odo. Rachel come��ou a confiar nele. dentro de certos
limites.
Quando se recuperou completamente, a id��ia de deix��-lo e de tentar
conseguir o div��rcio tornou-se distante e irreal. N��o precisava que
Malcolm lhe lembrasse que ainda possu��a as promiss��rias de seu pai e que
lan��aria m��o delas, se acaso ela tentasse pass��-lo para tr��s,
Pouco antes do Natal, no ano anterior, ele tivera uma trombose. Foi
algo relativamente suave, que o deixou enfraquecido, por��m ativo.
Apesar de ela recomendar-lhe que tomasse cuidado, Malcolm parecia
imaginar que tudo estava bem, pois recuperou-se com facilidade. H�� dois
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meses tivera o segundo ataque, que inicialmente paralisou-o de um lado e
tornou imposs��vel o movimento das pernas. Gra��as �� fisioterapia,
recobrou grande parte do uso da m��o e do bra��o esquerdos, mas suas
pernas permaneceram inertes.
Em conseq����ncia, Malcolm tornou-se totalmente irracional, exigindo a
companhia de Rachel a todas as horas do dia e da noite. Suas idas
ocasionais �� aldeia, com a finalidade de fazer compras ou visitar os
amigos, foram substitu��das pelo uso do telefone e ele tornou-se
absurdamente ciumento com rela����o a qualquer homem ou mulher que
ficasse a s��s com Rachel.
A despeito de tudo isto, jamais lhe passou pela cabe��a que ele estivesse
planejando viajar para Portugal.
Sabia, �� claro, que se correspondia com algu��m daquele pa��s. De vez
em quando entregava-lhe uma carta para p��r no correio e ocasionalmente
recebia respostas. Era tudo. Ele n��o se dera ao trabalho de explicar-lhe
sua amizade com a marquesa de Mendao e Rachel desconhecia que
outrora a fam��lia de Malcolm cuidara da jovem, que acabara se casando
com um portugu��s nobre e rico.
Agora eram h��spedes na mans��o da fam��lia Martins. Estava, por��m,
totalmente enganada, se imaginava que aquilo fosse representar mais
liberdade para ela.
Devia ter adormecido, pois despertou com o barulho de algu��m batendo
�� porta da sala. Levantou-se em um ��nico impulso e seu cora����o
disparou.
��� Sim? ��� disse, e uma jovem criada abriu a porta.
��� Sra. Trevellyan? A senhora marquesa gostaria de conhec��-la.
��� A mim? Tem certeza de que n��o se trata de meu marido?
��� Tenho, sim senhora. A senhora marquesa ver�� o sr. Trevellyan
mais tarde.
��� Mas... mas... ��� Rachel olhou �� sua volta, sem saber o que fazer.
��� Ainda h�� pouco meu marido dormia. Quem sabe acordou. N��o posso
deix��-lo sozinho.
A jovem olhou para o lado, fez um gesto e imediatamente um jovem e
robusto portugu��s apareceu a seu lado.
��� Este �� Eduardo, minha senhora. Ser�� o criado de seu marido.
��� Mas... eu mesma costumo cuidar de meu marido.
��� Mas n��o na Quinta dos Martins, minha senhora! ��� disse a criada,
um tanto desconcertada. ��� A senhora marquesa jamais permitiria
semelhante coisa.
A criada atravessou o vest��bulo e chegou at�� uma porta pintada de
branco, batendo suavemente. Uma voz feminina disse:
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��� Entre!
��� Sra. Trevellyan, esta �� a senhora marquesa.
��� Obrigada, Rosa. Pode nos deixar.
A voz pertencia a uma mulher parada diante de uma lareira lindamente
esculpida. Pequenina e magra, seus cabelos prateados emolduravam um
rosto suave e sem rugas. Usava um vestido longo, que lhe ca��a at�� os
tornozelos e era, sem d��vida, uma figura imponente. Outra mulher, talvez
um pouco mais jovem do que a marquesa, estava sentada em uma
poltrona. Assim que Rosa se retirou, examinaram Rachel de um modo
que lhe pareceu um tanto hostil.
A marquesa veio em sua dire����o, estendendo-lhe a m��o.
��� Como vai a senhora? ��� Exprimia-se em ingl��s e ainda assim
parecia portuguesa da cabe��a aos p��s. ��� Com que ent��o, �� a esposa de
Malcolm? Sinto-me feliz em conhec��-la.
Rachel apertou nervosamente a m��o da marquesa. Sentia-se quase
impelida a fazer-lhe uma rever��ncia, t��o majestosa lhe parecia aquela
criatura, mas conseguiu responder calmamente ao seu cumprimento. A
senhora voltou-se para a amiga.
��� Permita-me apresentar-lhe a sra. Ribeiro. Est�� comigo h�� muitos
anos e �� uma boa amiga.
Rachel imaginou que a sra. Ribeiro exercia as fun����es de. dama de
companhia.
Rachel apertou-lhe a m��o, mas notou que o olhar da sra. Ribeiro
examinava sua cal��a, muito justa, com ar de reprova����o. Voltando-se
para a marquesa, pronunciou as palavras convencionais, que se esperava
dela em semelhante ocasi��o:
��� Foi muita bondade sua ter nos convidado, a mim e a Malcolm,
minha senhora. Sua casa �� muito bonita.
��� Muito obrigada. Pode me chamar de dona Joanna, pois �� a esposa
de Malcolm. �� claro que desconhec��amos o fato de que ele havia se
casado. Recebi a informa����o de meu filho, h�� pouco tempo.
��� Eu sei... ��� disse Rachel, sentindo-se ruborizar, mas a marquesa
interrompeu-a, com um gesto expressivo.
��� N��o precisa dar nenhuma explica����o. Meu filho j�� me contou tudo.
Achei que seria uma boa id��ia nos conhecermos e talvez nos
compreendermos, antes que eu falasse com Malcolm.
Isso me parece um tanto estranho, pensou Rachel, sentindo-se tensa. A
marquesa, por sua vez, parecia estar completamente �� vontade.
��� N��o quer sentar-se? Quem sabe queria tomar um pouco de vinho,
proveniente de nossos vinhedos. Sara!
Rachel sentou-se, pois sentia as pernas tr��mulas. Estava a ponto de
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recusar a bebida quando a dama de companhia, Sara Ribeiro, levantou-se
e foi at�� um canto da sala, onde um bar abrigava razo��vel quantidade de
garrafas.
��� O que prefere? Xerez ou talvez o vinho que tornou Portugal
famoso?
Na verdade, Rachel teria preferido um simples suco de frutas, mas
sabia que recusar o vinho seria um insulto �� hospitalidade que recebia.
Decidiu-se pelo vinho do Porto. Bebeu-o e cumprimentou a marquesa
pela qualidade.
A marquesa limitou-se a sorrir. Rachel percebeu que Sara Ribeiro
colocava-se por detr��s da cadeira da marquesa, como uma guardi��
silenciosa, e sentiu que logo a senhora entraria no assunto que lhe
interessava.
��� A senhora me traz uni problema.
��� Eu, dona Joanna?!
��� Sim, a senhora! Quando convidei Malcolm para vir nos visitar, n��o
enxergava a menor dificuldade nisso. Sabia que ele estava doente, preso ��
cama ou sentado de vez em quando na cadeira de rodas. A presen��a dele
n��o traria nenhum tipo de contrariedade para quem quer que fosse.
��� Mas n��o vejo em que...
��� Deixe-me concluir, senhora. ��� A marquesa estava exaltada e
Rachel sentiu-se como se estivesse sendo repreendida. ��� N��o pod��amos
saber que algu��m como a senhora o acompanharia. �� uma pessoa jovem,
impulsiva e talvez at�� mesmo um pouco irrespons��vel, se me perdoar a
express��o.
��� Irrespons��vel? Eu?!
��� Por favor, permita-me prosseguir. Deve concordar que �� muito
jovem e, sem d��vida, espera participar da vida da quinta com uma
intensidade muito maior do que a de seu marido, caso ele estivesse
sozinho aqui.
��� O que est�� tentando me dizer exatamente, senhora marquesa?
Rachel estava a ponto de se levantar. Suas m��os tremiam, quase
derramando o vinho.
��� Eu lhe direi, se me permitir. Est�� vendo? J�� se encoierizou s��
porque eu sugeri que sua presen��a podaria perturbar a rotina desta casa ..
��� Como assim, perturbar?
��� Mas �� claro! Lu��s. meu filho, deve casar-se em breve. Dentro de
dez semanas, para ser exata. Sua noiva, a srta. Am��lia ��lvares, visita-nos
freq��entemente. Se a senhora estivesse presente em tais ocasi��es, a
situa����o tornar-se-ia imposs��vel.
Rachel sentiu que a c��lera a invadia, mas. ao mesmo tempo, sentia-se
32
gelada por dentro, diante da frieza daquela mulherzinha que a intimidava.
��� Est�� insinuando que eu deveria ir embora? Se for o caso, devo lhe
dizer que nada me conviria melhor...
��� N��o! N��o �� absolutamente isto o que minha m��e est�� tentando
dizer...
Uma voz m��scula e vibrante fez-se ouvir em meio ��quela cena de
exalta����o. Perturbadas como estavam, as duas n��o tinham percebido que a
porta se abrira e que Lu��s entrara, olhando-as, surpreendido.
��� Oh, Luiz! ��� exclamou a marquesa, voltando-se para ele e
atravessando a sala. ��� Que bom que voc�� est�� aqui! Talvez possa
explicar a situa����o �� sra. Trevellyan, sem aumentar nosso
constrangimento.
A respira����o de Rachel havia se alterado completamente. Subitamente,
sentiu-se exausta, como se tivesse feito enorme esfor��o f��sico. Olhou para
aquelas pessoas que a encaravam e n��o percebeu em nenhuma delas a
menor compreens��o ou calor humano.
Saiu correndo da biblioteca e nem sequer parou quando Lu��s Martins a
interpelou, em um tom que n��o admitia desobedi��ncia.
Chegando ao vest��bulo, tomou um corredor que imaginava conduzir aos
aposentos de Malcolm e seguiu em frente, sentindo um n�� na garganta.
No mesmo instante em que percebeu que estava no corredor errado,
passos soaram e, alguns segundos mais tarde, Lu��s surgiu �� sua frente,
impedindo-a de prosseguir, mesmo que ela quisesse. Seus olhos lan��avam
chispas de. indigna����o e ela sentiu um calafrio percorrer-lhe a espinha.
Durante alguns momentos, o exaltado temperamento latino dos
antepassados do marqu��s levou a melhor, superpondo-se �� calma e ��
indiferen��a inglesa que ele normalmente exibia.
��� Aonde imagina que vai, senhora? ��� indagou, com secura, e Rachel
deu um passo atr��s, temerosa da viol��ncia que emanava daquele homem.
��� Estava tentando ir ao encontro de Malcolm. Pelo visto entrei pelo
corredor errado.
��� A quinta �� muito grande, minha senhora. N��o �� dif��cil perder-se em
seus corredores.
Rachel sentia-se extraordinariamente tensa, mas n��o queria
demonstr��-lo.
��� E era isto o que a sua m��e estava tentando me dizer senhor? ���
perguntou, sem disfar��ar a ironia.
O marqu��s cerrou os punhos e por um breve momento ela imaginou
que ele pretendia agredi-la fisicamente. Logo em seguida, ele relaxou,
retomando o autocontrole.
��� N��o era nada disso, senhora. Estava apenas tentando explicar a
33
diferen��a entre distrair um homem que est�� a maior parte do tempo
confinado em uma cama e distrair uma jovem que poderia esperar certos
privil��gios.
��� N��o espero nada, senhor. E agora, se me d�� licen��a...
��� Um momento! Ainda n��o terminei! A senhora j�� deve ter percebido
que minha m��e n��o pode receb��-la aqui como a uma pessoa da fam��lia.
��� E o senhor acaso acha que eu espero isso?
��� Ainda n��o sabemos, senhora.
��� Pois garanto-lhe que n��o. N��o tenho o menor desejo de misturar-me
com pessoas que me consideram socialmente inferior...
��� Mas n��o se trata absolutamente disto!
��� E ent��o do que se trata? De minha maneira de encarar a vida? De
minhas roupas? Ah, sim, o senhor fez reparos a elas, n��o �� mesmo? A
caminho daqui, tentou delicadamente me prevenir, mas eu, muito tola,
achei que estava exagerando. Pois agora estou convencida. O senhor ��
diferente, totalmente diferente de mim, e n��o quero ser como sua pessoa,
da mesma forma que n��o quer ser como eu!
Mal acabou de fazer esta declara����o, afastou-se corredor afora, com a
cabe��a bem erguida, quando, na realidade, sentia-se rid��cula o tempo
todo, exatamente como uma crian��a que acaba de fazer m��-cria����o ao
professor.
Assim que se dominou, foi muito simples distinguir qual corredor
levava at�� os aposentos de Malcolm. Rachel apressou-se, com a esperan��a
de que seu marido ainda estivesse dormindo, mas encontrou-o acordado,
ao entrar no quarto.
Eduardo parecia muito preocupado, tentando acalmar Malcoim em seu
prec��rio ingl��s. Assim que este a viu, ignorou o rapaz, e gritou, zangado:
��� Em que diabo de lugar voc�� se meteu? J�� lhe disse para n��o
desaparecer!
Rachel suspirou, imaginando se Eduardo compreendia o que Malcolm
estava dizendo. Certamente percebia o quanto ele estava irado e por isso
n��o disfar��ava a tens��o que sentia.
��� A senhora marquesa mandou me chamar. Acha que eu deveria ter
recusado?
��� E por que ela n��o veio at�� aqui?
��� Acho que era esta a sua inten����o, mas voc�� dormia. Penso que ela
achou que seria uma ooa oportunidade de conversar comigo.
��� E o que foi que ela lhe disse?
��� Umas tantas coisas... Pode ir, Eduardo. Diga a quem for
respons��vel que o sr. Trevellyan e eu jantaremos em nosso aposento, sim?
��� Pois n��o, minha senhora.
34
Eduardo saiu do quarto e fechou a porta.
��� Por que foi fazer uma coisa destas? Voc�� n��o sabe o que eles
devem ter combinado em rela����o a nossas refei����es.
��� Como �� que voc�� se sente? ��� indagou Rachel, mudando de
assunto.
��� Estou bem. Apenas quero saber o que foi que Joanna lhe disse. Ela
falou a meu respeito?
��� N��o. Acho que na realidade ela estava querendo me ver.
��� Por qu��?
��� Sabe-se l��... Acho que por curiosidade...
N��o havia necessidade de deix��-lo ainda mais indignado, revelando-lhe
o di��logo com a marquesa. As coisas iriam ser suficientemente dif��ceis
sem que Malcolm se envolvesse diretamente naquele assunto.
��� E ent��o? O que foi que aconteceu?
��� Pouca coisa. Tomamos um pouco de vinho... e ela explicou que seu
filho vai se casar dentro de algumas semanas. Naturalmente, n��o sabia
que eu viria em sua companhia e ter�� pouco tempo para dedicar-me
aten����o.
��� Tudo bem... O que n��o quero �� que voc�� desapare��a por a��, pois
posso precisar de sua ajuda a qualquer momento.
��� Aquele rapaz que acaba de sair, Eduardo, foi enviado para
auxili��-lo. Acho que a marquesa gostaria que voc�� o aceitasse como seu
criado, enquanto permaneceremos aqui.
��� N��o preciso de criado algum!
��� E por que n��o? Eu tamb��m n��o mere��o gozar as f��rias? Estarei por
perto, caso voc�� precise de mim. A solu����o proposta pela marquesa
tornaria tudo muito mais f��cil.
��� Sem d��vida! ��� disse Malcolm, com profunda ironia. ��� E como
acha que vou me sentir, submetendo-me aos cuidados de um estranho?
��� Isto j�� aconteceu quando voc�� se encontrava no hospital.
��� Foi diferente. ��� L�� havia enfermeiras competentes. Eduardo... Ora
essa!
O assunto esgotou-se e Malcolm quis que Rachel o ajudasse a se
aprontar, para a visita da marquesa. Auxiliou-o a sentar-se na cadeira de
rodas e levou-o at�� o banheiro.
A marquesa apareceu pouco antes de o jantar ser servido, chegando em
companhia de Sara Ribeiro e de seu filho. Para Rachel, tudo aquilo
parecia absurdamente solene e, depois de lan��ar um r��pido olhar ao
marqu��s, deixou-os, incapaz de ouvir Joanna Martins sem que isto lhe
provocasse declarado mal-estar.
3 5
Esperou na sala, andando de um lado para o outro, inquieta. Quando
Lu��sa, a governanta, apareceu para comunicar que seu quarto estava
pronto, acompanhou-a imediatamente, ansiosa por escapar ao murm��rio
das vozes no aposento ao lado.
Prepararam para seu uso uma pequena sala de visitas, um quarto e um
banheiro. Estavam um pouco adiante dos aposentos de Malcolm e,davam
para o mesmo p��tio interno. A decora����o era em tons de turquesa e verde,
de grande sobriedade e eleg��ncia, o que fez com que parte de seu
entusiasmo voltasse.
��� Gosta, minha senhora?
��� Muito! Muito mesmo!
��� Que bom! O marqu��s disse que a senhora precisava de bastante
espa��o.
��� O marqu��s ordenou-lhe que preparasse estes aposentos para mim?
��� Sim, senhora.
��� Quer dizer... que poderia perfeitamente ter preparado apenas um
quarto?
��� Sim, senhora. Existem outros quartos ao lado dos de seu marido.
��� Fazem parte dos aposentos dele?
��� Exato, minha senhora.
Subitamente, as m��os de Rachel cobriram-se de suor. Por que ele havia
feito semelhante coisa? Teria sido muito mais simples ordenar a Lu��sa que
providenciasse um quarto de dormir ao lado dos aposentos de Malcolm e,
no entanto, ele lhe dera instru����es no sentido de arranjar-lhe uma su��te
completa! E tal atitude partia de um homem a quem se dirigira com
grande rudeza, h�� menos de meia hora!
��� O marqu��s... acaso explicou por que eu teria uma su��te s�� para
mim?
��� Sim, senhora. Ele disse que a senhora pinta quadros e precisava de
espa��o para trabalhar.
��� Ele disse isto?
Rachel ficou muito surpreendida. N��o lhe passava pela cabe��a que Lu��s
Martins soubesse de sua inclina����o pela pintura. Malcolm deveria ter lhe
contado, o que era surpreendente, pois o marido n��o se importava nem
um pouco com este lado de sua vida. Ela mergulhava profundamente
dentro de si mesma quando pintava, tornava-se muito distante, e os
ci��mes impediam Malcolm de distinguir qualquer m��rito em seus
quadros. Em todo caso, n��o permitira que Rachel trouxesse para Portugal
seu material de pintura.
Lu��sa estava �� espera de que Rachel a dispensasse e foi o que ela fez.
Depois que a governanta se retirou, seus pensamentos se concatenaram de
3 6
maneira ca��tica. Qual seria a rea����o de Malcolm, ao saber que ela
dispunha de uma su��te? Com certeza, n��o apreciaria nem um pouco a
id��ia. Seria mais simples deix��-lo na ilus��o de que haviam providenciado
um lugar para ela dormir e n��o tocar mais no assunto.
Sabia, por��m, que teria de lhe contar. N��o era de seu feitio fazer
segredo em torno das coisas. Voltou ao quarto de Malcolm e constatou
que a marquesa e seu filho j�� n��o se encontravam mais l��. Receosa,
esperava mais uma discuss��o com Malcolm, pelo fato de ter desaparecido
uma segunda vez.
Eduardo servia o jantar, que fora levado para o quarto em um carrinho.
Assim que Rachel surgiu, Malcolm encarou-a, contrariado, mas n��o t��o
zangado quanto antes.
��� Acompanhei Lu��sa, que foi mostrar meus aposentos.
��� Aposentos?
��� �� isso mesmo. Deram-me tamb��m uma sala de estar.
��� Voc�� n��o precisa de nada disso.
��� Talvez precise, sim. Pelo visto, voc�� contou ao marqu��s que eu
pinto. Ele me deu um aposento a mais, tendo em vista essa finalidade.
Talvez pense que eu precise de algo para preencher o tempo, enquanto
voc�� estiver descansando.
��� Mas voc�� n��o trouxe seu material...
��� Eu sei, eu sei, mas talvez o marqu��s ignore esse fato. Voc�� n��o
devia ter lhe dito nada, se n��o queria que ele ficasse a par.
Durante um breve momento, uma estranha express��o apareceu no rosto
de Malcolm. De repente, voltou-se contra Eduardo, censurando-o por
ousar derrubar uma gota de molho no guardanapo branco que estava
usando.
Assim que o criado se foi, o assunto morreu e Rachel sentiu-se
aliviada. Gostaria de ter trazido as tintas e telas. Teria apreciado bastante trabalhar naquele bel��ssimo lugar.
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CAP��TULO IV
Rachel despertou na manh�� seguinte, sentindo-se estranhamente
excitada. N��o conseguia entender o que se passava com ela.
Espregui��ou-se e suas pernas nuas sentiram o contato dos len����is de seda
que cobriam a cama. Raios de sol penetravam pelas frestas das
venezianas, que ela havia cerrado antes de dormir.
Sentou-se, em um gesto brusco, e seus cabelos ca��ram em desalinho
sobre os ombros desnudos. Claro... estava em Mendao, na Quinta dos
Martins; encontrava-se em seu quarto de dormir, deitada na enorme cama
de casal!
Ficou pensativa, recapitulando o que havia acontecido na v��spera. N��o
esperava receber a permiss��o de dormir sozinha, mas, ap��s tomar alguns
comprimidos, Malcolm sentiu-se cansado e sonolento, n��o se importando
com o que ela fizesse. Desde que havia ficado doente, dormiam
separados, mas depois do que ele dissera a Lu��s Martins, no dia anterior,
ela esperava ver-se for��ada a compartilhar a cama dele.
Viera, portanto, para sua su��te, e, ap��s tomar mais uma ducha
refrescante, deslizou por entre os len����is macios, sem se importar em
vestir a camisola que trouxera na bagagem. Havia algo de excitante e
sensual no fato de dormir despida e tinha a impress��o de que aquela
excita����o se comunicava com o dia radioso que despontava. A despeito
dos coment��rios da marquesa e dos ci��mes e do mau humor de Malcolm,
as coisas pareciam muito mais favor��veis sob o calor do sol. Ansiava por
relaxar e dourar-se sob seus raios, livre das mesquinhas e rotineiras
tarefas dom��sticas que a perturbavam na Inglaterra.
Sem querer, seus pensamentos voltaram-se para Lu��s Martins. Teria de
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agradecer-lhe por tudo aquilo e, talvez, pedir-lhe desculpas por seu
comportamento na v��spera. Naquele momento, n��o desejava ocupar-se
com aquela figura. Ele a desassossegava, a fazia sentir-se nervosa e
inquieta. .Esperava que sua noiva, a desconhecida Am��lia, aparecesse em
breve, a fim de preencher o tempo dele, excluindo-o de tudo e de todos.
Suspirou, perturbada. Estranho como aquele nome, Am��lia, n��o sa��a de
seus pensamentos. N��o conhecia a jovem e nem esperava que isso viesse
a acontecer. Ainda assim, parecia que tudo o que dizia respeito a Lu��s
Martins permanecia no centro de todas as suas reflex��es.
Decidiu-se finalmente a se levantar e vestiu um penhoar, antes de
aproximar-se das venezianas. Abriu-as e aspirou profundamente o ar da
manh��.
L�� fora, no p��tio, estava posta uma mesinha para o caf�� da manh��, mas
com apenas dois lugares.
Um jardineiro regava vasos e plantas e, al��m das amendoeiras,
carregadas de bot��es rosados e brancos, viam-se jardins magn��ficos.
Rachel jamais presenciara uma variedade t��o grande de plantas e arbustos
e seus aromas eram embriagadores, mesmo sendo t��o cedo. Consultou
rapidamente o rel��gio de pulso e certificou-se da hora: quinze para as
sete.
O jardineiro terminou sua tarefa e desapareceu. Rachel dirigiu-se ao
banheiro, lavou-se, escovou os dentes e vestiu-se rapidamente.
Na noite anterior, haviam trazido para seu quarto a mala contendo a
maior parte de seus pertences. Abriu-a e dela retirou jeans e uma camiseta
cor de laranja, sem mangas e bem decotada. Escovou os cabelos at�� eles
ficarem bem macios, deixando-os cair pelos ombros. Talvez fosse mais
elegante pente��-los, mas n��o desejava perder mais tempo e queria
aproveitar aqueles poucos momentos de liberdade.
Passou para a sala de estar e viu que, �� semelhan��a da su��te de
Malcolm, as portas davam para o p��tio. Abriu-as e espregui��ou-se,
sentindo-se deliciosamente relaxada e olhou �� sua volta com interesse.
Aquele p��tio interno n��o era, evidentemente, o lugar central da quinta.
Sem d��vida, haveria outros p��tios, pertencentes a outros quartos e
isolados do resto da casa. Tanto melhor! De qualquer modo, n��o queria
encontrar-se com a marquesa e com seus amigos!
Atravessou o p��tio. Os raios de sol queimavam-lhe as costas e ela
protegeu a cabe��a com uma das m��os, sentindo o intenso calor.
Adiante das amendoeiras, havia um gramado e, mais adiante, um
roseiral. Rachel amava as rosas e foi em sua dire����o. N��o havia ningu��m
por perto e o perfume que emanava das flores era simplesmente
embriagador.
3 9
Com certeza, estas rosas magn��ficas ganhariam pr��mios em concursos
na Inglaterra, pensou, sentindo-se tentada a apalpar as p��talas, suaves
como veludo.
O barulho da ��gua que corria levou-a mais adiante e deparou com uma
fonte e uma sereia de pedra, que bebia ��gua de uma ostra em suas m��os.
Era uma escultura muito curiosa e Rachel enfiou a m��o na fonte. De
repente, deu um salto, ao ouvir uma voz de homem, perturbadora e
sensual.
��� Bom dia, senhora. Espero que tenha dormido bem.
Imediatamente, teve plena consci��ncia de seus trajes t��o desportivos e
da blusa que ostentava um decote t��o generoso. Apesar de Lu��s Martins
estar vestido �� vontade, sua cal��a bem justa e a camisa de algod��o eram
irrepreens��veis. As mangas curtas revelavam bra��os musculosos, co-
bertos de p��los abundantes e negros, e no pulso luzia um rel��gio de
ouro.
��� Obrigada, dormi muito bem. Foi muita gentileza de sua parte
providenciar uma su��te para mim.
��� Espero que tenha feito uso dela...
��� Sim, senhor. Enquanto tenho a oportunidade, quero desculpar-me
pelo que disse ontem. Foi uma grosseria de minha parte e me arrependo.
��� �� mesmo? De que se arrepende, exatamente?
��� Acho melhor n��o entrarmos nesse tipo de discuss��o. Estava
admirando suas rosas. S��o magn��ficas, n��o �� mesmo? Ser�� que estou
andando por onde n��o devia?
Ele encarou-a longamente, o que a deixou muito perturbada, e,
ignorando sua pergunta, indagou:
��� Acha que trabalhar�� bastante enquanto estiver aqui, senhora?
��� Se trabalharei? A que tipo de trabalho se refere?
��� Seu marido disse-me que a senhora �� uma artista...
��� Ah, percebo. De fato, pinto um pouco. Receio que n��o seja l��
grande coisa, mas ganho um pouco de dinheiro com isso.
��� E ent��o? Acha que trabalhar�� bastante enquanto estiver aqui?
Aposto que dificilmente encontrar�� lugares mais belos para pintar.
��� Receio que n��o possa faz��-lo, senhor. N��o trouxe meu material de
pintura.
��� E por que n��o?
��� N��o pensei nisso ��� mentiu, incapaz de contar-lhe o que Malcolm
dissera.
��� ��, imagino que tenha precisado tomar muitas provid��ncias de
��ltima hora. N��o �� de admirar que tivesse se esquecido. Mas, mesmo
assim... Como espera preencher seus dias, senhora?
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��� Acho que encontrarei muito o que fazer. Gosto de ler e, de vez em
quando, leio para Malcolm. N��o precisa se preocupar comigo, senhor. ���
Sorriu, ironicamente. Como se aquilo pudesse acontecer...
��� Algo a diverte, senhora? Est�� rindo...
��� N��o, n��o foi nada... Bem, acho melhor voltar.
��� S��o apenas sete e meia. O caf�� da manh�� s�� ser�� servido ��s oito.
Venha, quero lhe mostrar outros lugares da quinta.
Rachel sentiu-se pouco �� vontade. Era a ��ltima coisa que esperava
ouvir daqueles l��bios.
��� Talvez em uma outra ocasi��o, senhor...
��� E por que n��o agora? ��� Seu tom de voz n��o admitia recusa e ele
levantou a cabe��a com arrog��ncia.
��� Acho que sua m��e n��o aprovaria ��� disse, olhando para os jeans e a
blusa.
��� N��o sou nenhuma crian��a, senhora. N��o preciso da permiss��o de
quem quer que seja para fazer o que tenho vontade. Devo supor que n��o
deseja me acompanhar e que est�� usando minha m��e como simples
desculpa?
��� Absolutamente...
Rachel encarou-o, sentindo que experimentava grande desejo de
acompanh��-lo. Isto era o suficiente para que n��o o fizesse.
Desde seu casamento com Malcolm, tivera pouco relacionamento com
outros homens. Desejava manter o m��nimo de contatos com pessoas do
sexo oposto. Suas experi��ncias com Malcolm haviam-na marcado
profundamente e, a despeito de sua apar��ncia juvenil, n��o era a
adolescente inexperiente que dava a impress��o de ser, pronta para colher
todo fruto proibido que surgisse em seu caminho.
Ao contr��rio, at�� aquele momento, jamais havia sentido a menor
atra����o f��sica por quem quer que fosse. O lado f��sico de seu casamento
com Malcolm repugnava a tudo que era art��stico em sua natureza, a tal
ponto que chegara �� conclus��o que devia ser fr��gida. Por isso mesmo, o
desejo de passar alguns momentos na companhia de Lu��s Martins
pareceu-lhe inesperado e perturbador. N��o queria sentir-se atra��da por
quem quer que fosse, sobretudo por algu��m como ele. Compreendeu que
a atitude mais sensata seria evit��-lo, depois daquele encontro.
Lu��s, �� claro, n��o percebia a confus��o em que ela se encontrava.
Encarou suas desculpas como uma aceita����o a seu convite e agora
indicava uma alameda que atravessava v��rios caramanch��es, atrav��s dos
quais passavam r��stias de sol.
��� Iremos por aqui, senhora.
41
��� Acho que tenho de voltar, senhor ��� disse Rachel, muito a
contragosto. ��� Eu... Malcolm talvez tenha acordado e precise de mim.
��� Eduardo cuidar�� de seu marido.
��� Malcolm n��o permitir��.
A fisionomia de Lu��s alterou-se e ela sentiu-se momentaneamente
perdida, achando-se respons��vel por destruir o t��nue relacionamento que
parecia nascer entre ambos.
��� Muito bem, senhora. No momento, s�� me resta dizer-lhe adeus!
N��o esperou sua rea����o. Deu-lhe as costas e afastou-se. Rachel
contemplou-o com o cora����o aos saltos. Afinal de contas, por que ele
havia se oferecido para mostrar-lhe a quinta? Teria sido um desejo de
desculpar-se pelo procedimento agressivo da v��spera, ou seria
simplesmente pelo fato de que se vira obrigado a mostrar-se cort��s,
tendo-a encontrado por acaso?
De qualquer maneira, n��o importava muito. Ele, com toda a certeza,
n��o estava acostumado a ser repelido, e sua vaidade certamente se vira
agredida, com a recusa de Rachel em acompanh��-lo. Que situa����o!
De volta ao quarto, colocou uma faixa nos cabelos, antes de se dirigir
aos aposentos de Malcolm. Para sua surpresa, Eduardo j�� se encontrava
l��, mudando as flores que enfeitavam os vasos. Endireitou-se quando a
viu entrar e, inclinando-se, disse:
��� Bom dia, senhora.
Rachel sorriu e entrou no quarto, procurando fazer o menor barulho
poss��vel. Na penumbra, conseguiu ver que Malcolm se espregui��ava na
enorme cama de casal.
��� Bom dia ��� disse, indo abrir as venezianas. ��� Dormiu bem?
��� Que horas s��o? ��� resmungou Malcolm.
��� Oito e qualquer coisa, mas o sol j�� est�� alto no c��u.
��� Bom dia, senhor! ��� disse Eduardo, chegando �� porta do quarto e
n��o se importando, aparentemente, com o modo como tinha sido
dispensado na noite anterior. ��� Quer que o ajude a se vestir?
��� N��o preciso de sua ajuda... ��� Olhou para Rachel. ��� Voc�� pode
auxiliar-me a ir at�� o banheiro, mas n��o pretendo me vestir.
��� Mas �� preciso! O caf�� da manh�� ser�� servido em uma mesa, j��
posta l�� no p��tio. Oh, Malcolm, por favor, vista-se! Levarei sua cadeira l��
para fora e tomaremos o caf�� juntos.
��� N��o quero ir l�� fora. J�� est�� fazendo calor demais. ��� Afastou as
cobertas e se deu conta de que Eduardo ainda estava l��. ��� Mande-o
embora! J�� lhe disse que n��o quero mais ningu��m em torno de mim.
��� Sinto muito, Eduardo, mas, pelo visto, n��o necessitaremos de seus
servi��os.
42
Eduardo hesitou durante alguns instantes, mas, sentindo a agressividade
de Malcolm, fez um gesto desolado e se retirou.
Rachei ajudou Malcolm a sentar-se na cadeira de rodas, levou-o at�� o
banheiro, trouxe-o para o quarto, auxiliou-o a se deitar e, como resultado
disso tudo, ficou coberta de suor. Apesar de ele ter emagrecido, seus
ossos eram grandes e pesados, sobretudo para algu��m t��o esguia quanto
ela. Malcolm recostou-se nos travesseiros e ordenou:
��� Agora, vamos tomar caf��.
��� N��o podemos nos sentar l�� fora? Est�� muito mais fresco e aqui
dentro respira-se um ar viciado.
Malcolm ignorou-a, pegando o livro que trouxera e cuja leitura ainda
n��o iniciara.
��� Aperte a campainha e ordene que tragam o caf�� da manh��.
Se Eduardo achava estranho que Rachel se recusasse a tomar o caf�� da
manh�� ao ar livre, como seria mais natural e agrad��vel, disfar��ou muito
bem o que pensava. Talvez, depois de ter sofrido algumas experi��ncias
desagrad��veis com Malcolm Trevellyan, come��asse a perceber que era
muito mais f��cil satisfazer as suas vontades.
Assim que acabaram de comer, retirou das malas o resto das roupas de
Malcolm e pendurou-as nos espa��osos guarda-roupas ao longo das
paredes. Em seguida, foi at�� seu quarto, lavou sua roupa de baixo na pia e
pendurou-a para secar. Ao voltar para o aposento de Malcolm,
encontrou-o fitando o espa��o, com ar aborrecido.
��� Voc�� desapareceu na noite passada. Aonde foi?
��� Desapareci? �� claro que n��o desapareci! Fui para a cama, em meu
quarto, ao lado.
��� Ao lado?
��� Se n��o �� ao lado, fica bem junto ao seu.
��� J�� lhe disse que queria que voc�� dormisse aqui. E se precisasse de
voc�� duranie a noite?
��� Malcolm, voc�� sabe que desde sua doen��a temos quartos separados.
Al��m disso, estava quente demais. Se acaso precisasse de mim, poderia
ter me chamado, exatamente como faz quando estamos em casa.
��� Voc�� jamais me ouviria neste lugar.
��� Claro que ouviria! At�� mesmo os passos ecoam nesses corredores.
��� J�� viu algu��m da fam��lia, hoje de manh��?
��� Por qu��? Voc�� viu?
��� Voc�� bem sabe que n��o. Joanna disse que apareceria, hoje de
manh��, para conversarmos um pouco. Temos muito a nos dizer. Voc��
pode ler l�� fora, caso desejar.
43
Rachel, no ��ntimo, sentiu-se muito contente. N��o tinha a menor
vontade de ouvir a marquesa conversando com seu marido.
��� Malcolm, se voc�� pretende ficar trancado no quarto durante todo o
tempo em que estivermos aqui, n��o vejo o menor sentido nesta viagem.
N��o quer ir tomar um pouco de sol e contemplar a beleza que nos rodeia?
��� N��o tenho a menor inten����o de ficar no quarto o tempo todo. Ao
contr��rio, espero que Joanna coloque um carro �� nossa disposi����o. Quero
passear, mas n��o h�� pressa. Temos muito tempo.
Rachel suspirou. O que Malcolm estava tentando fazer? Por que suas
palavras a deixavam t��o pouco �� vontade? Quanto tempo pretendia ficar
por l��?
A marquesa apareceu por volta das onze. Desta vez, somente Sara
Ribeiro a acompanhava, sobriamente vestida de negro, como na v��spera.
Rachel sentiu-se aliviada, ao constatar que Lu��s n��o se encontrava com
elas. Achava que era cedo demais para encar��-lo novamente. O encontro
daquela manh�� a fizera sentir-se estranhamente vulner��vel e n��o
compreendia por qu��.
A marquesa ordenou que fosse servido caf�� durante a visita. Foi Rosa
quem se encarregou disto. Levou o caf�� de Rachel para o p��tio e sorriu
para ela.
��� N��o quer que sirva seu caf�� l�� dentro, juntamente com a marquesa e
seu marido, senhora?
��� N��o, obrigada ��� disse Rachel, levantando os olhos da revista, que
lia com concentra����o. ��� Sinto-me muito bem aqui, Rosa. Diga uma
coisa: sabe onde posso encontrar um manual de conversa����o
ingl��s-portugu��s?
��� L�� na biblioteca existem livros assim, senhora. Contaram-me que,
quando a senhora marquesa chegou aqui, teve de aprender nossa l��ngua.
No entanto, n��o posso buscar esse livro sem permiss��o.
��� N��o, �� claro que n��o!
��� Quer que pergunte ao senhor marqu��s?
��� N��o, n��o precisa se preocupar. Acabarei comprando um manual na
primeira oportunidade que tivermos. Obrigada da mesma forma.
Rosa sorriu e se afastou. A revista que Rachel estava lendo era
portuguesa e ela achou que aprender o idioma talvez a ajudasse a
preencher seus dias. Apesar de sentir-se muito bem tomando sol, sua
mente era ativa demais para que ela permanecesse parada durante muito
tempo.
Ouviu passos que ressoavam nas lajotas do p��tio e levantou os olhos,
supondo que se tratava de Rosa, voltando para pegar a x��cara. Em vez
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disso, deparou com os olhos cinzentos da marquesa, que n��o conseguia
disfar��ar certa ansiedade.
Rachel levantou-se imediatamente, mas censurou-se interiormente.
Afinal de contas, Joanna Martins n��o era nenhuma rainha.
��� Bom dia, senhora. Vejo que est�� aproveitando o sol.
��� Bom dia, senhora marquesa. Sim, aqui fora est�� de fato muito
agrad��vel.
A marquesa levou a m��o ao colar de p��rolas. Parecia nervosa e Rachel
ficou a imaginar o que Malcolm lhe teria dito, a fim de deix��-la naquele
estado.
��� Estes p��tios fazem parte do lado mais antigo da casa. A influ��ncia
mourisca �� muito forte. Imagino que era aqui que se alojavam as mulheres
da fam��lia.
��� N��o imaginava que fosse t��o velha assim.
��� A maior parte da edifica����o �� nova. Naturalmente, foi preciso
restaurar muita coisa, mas as caracter��sticas da quinta foram mantidas.
��� Sim, �� tudo muito lindo!
��� A noiva de meu filho, a srta. Am��lia ��lvares, chega hoje �� tarde.
Gostaria que fosse tomar ch�� conosco, ��s quatro.
Rachel ficou at��nita. Depois do comportamento da marquesa na
v��spera, aquele convite era inesperado. Por que a chamava para conhecer
a noiva do marqu��s? N��o tinha nada a ver com aquilo. Al��m do mais, a
id��ia de tomar ch�� com duas aristocratas n��o a deixava nem um pouco
satisfeita.
Ent��o, para sua grande surpresa, Malcolm surgiu no p��tio, com
Eduardo empurrando a cadeira de rodas. A marquesa voltou-se, com uma
estranha express��o no semblante.
��� Ol��, Malcolm ��� disse, e Rachel ficou muito surpreendida, ao notar
o quanto o tom de sua voz havia mudado. ��� Acabo de convidar sua
mulher para tomar ch�� conosco hoje �� tarde.
Rachel respirou fundo. Com que ent��o, Malcolm iria estar com elas na
hora do ch��! Mal conseguia acreditar.
��� Ambos sentimos muita vontade de conhecer a noiva de seu filho,
Joanna. N��o �� mesmo, Rachel?
Rachel n��o sabia o que dizer. Aquela situa����o lhe parecia um tanto
irreal. Na noite anterior, a marquesa mostrara-se polida, por��m distante,
demonstrando em rela����o aos dois uma acolhida apenas superficial.
Oferecia-lhes a hospitalidade da fam��lia Martins e ponto final. Mas
agora...
��� �� como voc�� diz, Malcolm... ��� murmurou Rachel, muito sem
jeito.
4 5
��� Claro que queremos conhec��-la, Joanna! Rachel est�� um tanto
preocupada. N��o repare.
Preocupada! �� claro que se sentia assim, mas n��o exatamente da forma
como Malcolm sugeria!
��� N��o se esque��a, dona Joanna, que temos de escrever algumas cartas
antes do almo��o ��� observou Sara Ribeiro, em tom de reprova����o, como
se protestasse pelo excesso de aten����o que estava sendo dispensada
��queles dois intrusos.
��� Oh, n��o, Sara, n��o me esqueci ��� disse a marquesa, dando a
impress��o a Rachel de que se sentia aliviada. ��� J�� vou vindo. Com
licen��a, sim?
��� Claro! ��� disse Malcolm, sorrindo.
A marquesa esbo��ou a sombra de um sorriso e retirou-se, seguida por
Sara. Logo ap��s, Malcolm dispensou Eduardo e olhou com impaci��ncia
para Rachel.
��� E ent��o? N��o tem nada a dizer?
��� Voc�� se vestiu... ��� foi a ��nica coisa que conseguiu pensar.
��� Aquele rapaz me ajudou. Como �� desajeitado! Quase derrubou a
cadeira, enquanto eu estava me sentando. Isto n��o h�� de se repetir!
��� Quer dizer que vamos tomar ch�� com a fam��lia...
��� E por que n��o? Acho bom ficarmos conhecendo logo a noiva, pois
provavelmente seremos convidados para o casamento.
��� O casamento ser�� celebrado dentro de dez semanas e j�� n��o
estaremos mais aqui.
��� E por que n��o?
��� Bem... n��o vejo como...
��� Mas por que n��o estaremos aqui? O convite que recebi n��o tinha
data fixa.
��� N��o, mas... a situa����o era diferente... Eles imaginavam que voc��
estava s�� sentindo-se solit��rio. N��o sabiam que tinha uma esposa.
��� E da��? N��o ser�� a sua presen��a que ir�� esgotar os recursos materiais
de que eles disp��em...
��� N��o se trata disso, Malcolm. N��o podemos permanecer aqui
indevidamente, pois acabar��o nos expulsando.
��� E por que n��o? Acho que vou gostar. A comida �� excelente e o
tempo muit��ssimo mais agrad��vel. Al��m disso, h�� anos que n��o tirava
f��rias. Pensei que voc�� gostaria de interromper durante algum tempo sua
rotina de dona-de-casa.
As palavras de Malcolm deixaram Rachel preocupada e inquieta. N��o
queria impor-se ��quela gente. Ao arrumar as malas, jamais lhe passara
pela cabe��a que seu marido n��o impunha limites �� sua estada em
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Portugal. Deixando de lado qualquer outra considera����o, n��o queria dever
nenhuma obriga����o ��quela gente, e nem se ver for��ada a continuar
convivendo com Lu��s Martins.
��� Oh, Malcolm, o ver��o est�� se aproximando e vai fazer muito calor
neste lugar. Tem certeza de que conseguir�� suportar? L��, na Inglaterra, os
meses de ver��o s��o t��o agrad��veis... N��o poder��amos partir dentro de
umas duas semanas?
��� Pare com esse papo! Decidirei quando deveremos voltar para casa e
ponto final!
Rachel resolveu n��o dizer mais nada. Malcolm, afinal de contas, era
seu marido e aquelas pessoas eram amigas dele e n��o dela. O que poderia
fazer, se ele preferia permanecer ali e expor-se a ser humilhado?
4 7
CAP��TULO V
Rachel temia a perspectiva de tomar ch�� no sal��o e desprezava-se por
isso.
Preciso ter mais confian��a em mim mesma, refletiu, enquanto escovava
os cabelos, antes de voltar aos aposentos de Malcolm, no final da tarde.
Afinal de contas, o que era? Uma mulher ou um camundongo? Seria t��o
fraca assim, a ponto de considerar-se incapaz de enfrentar uma velha
arrogante e uma garota que devia ser quase de sua idade?
Agora, chegara o momento de empurrar a cadeira de Malcolm para o
sal��o principal. Rachel sentia-se nervosa. Havia examinado o
guarda-roupa diversas vezes, mas, apesar de possuir v��rios vestidos
simples de algod��o, que ela mesma confeccionara, p��s de lado a id��ia de
usar qualquer um deles.
Agiu assim por duas raz��es: em primeiro lugar, sabia que o que quer
que usasse seria sobrepujado pela eleg��ncia das duas mulheres e suas
roupas dificilmente mereceriam a aprova����o delas; em segundo lugar,
hesitava em vestir-se de maneira a dar a Lu��s Martins a no����o err��nea de
que ela se sentira intimidada por seus coment��rios relativos ao que deveria
usar.
Mesmo assim, precisou usar toda a sua coragem, a fim de se decidir a
usar cal��a comprida, embora fazendo a concess��o de deixar o jeans de
lado. Recorreu a uma blusa de algod��o, de mangas compridas, e cal��a do
mesmo tecido.
Malcolm mostrava-se irritado enquanto ela empurrava a cadeira de
rodas ao longo do corredor. Seu curto sono fora interrompido pela
chegada de Eduardo, enviado pela marquesa a fim de ajud��-lo a se vestir.
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Seu terno estava ligeiramente amarrotado e ele recusara-se a vestir uma
camisa limpa. Em conseq����ncia, sua apar��ncia era um tanto descuidada.
O sal��o era imenso e imponente, conforme Rachel esperava. Ao longo
das paredes, pendiam ricas tape��arias. Um grande lustre de cristal e
bronze descia do teto e o mobili��rio era de madeira entalhada; diversas
mesinhas espalhavam-se pelo aposento e, sobre elas, estavam vasos de
cristal, caixinhas de prata e cobre e estatuetas delicadamente esculpidas
em prata, m��rmore e bronze. Aqueles objetos eram valiosos e constitu��am
um verdadeiro tesouro, acumulado h�� v��rias gera����es.
Na sala, havia quatro pessoas: a marquesa e sua dama de companhia,
Sara Ribeiro; Lu��s e uma jovem que, com toda a certeza, deveria ser
Am��lia ��lvares. As tr��s mulheres estavam sentadas quando Rachel e
Malcolm entraram. Lu��s encontrava-se de p��, ao lado da cadeira da noiva.
Rachel contemplou Am��lia. Era a mulher mais bela que jamais vira:
morena, com uma pele cor de magn��lia e olhos profundos e l��mpidos.
Estava sentada em uma cadeira de espaldar alto, com as m��os cruzadas no
colo e uma express��o de complac��ncia. Sem d��vida, quando ficasse mais
velha suas curvas se arredondariam e ela ficaria rechonchuda, mas aquela
altivez jamais se alteraria. Possu��a todos os atributos necess��rios a fim de se tornar a futura marquesa de Mendao.
Rosa fechou a porta e Lu��s se adiantou, apoderando-se da cadeira de
Malcolm. N��o olhou para Rachel e ela o seguiu lentamente, percebendo
que a marquesa a encarava com ar de censura. Os tapetes persas que
forravam o assoalho, muito coloridos, atra��ram sua aten����o e ela se
esqueceu da presen��a da autorit��ria senhora. Sentia vontade de abaixar-se
e correr o dedo ao longo daquelas superf��cies sedosas. O toque era algo
que integrava sua sensibilidade de artista.
Durante um breve momento, n��o sabia mais onde se encontrava e foi
trazida subitamente de volta �� realidade, ao ouvir a voz impaciente de
Lu��s:
��� Senhora! Quero apresentar-lhe minha noiva, Am��lia Alvares.
Rachel caminhou desajeitadamente na dire����o dela, percebendo o
desagrado de Malcolm, pois ele j�� fora apresentado e ela havia cometido
uma a����o imperdo��vel, ao esquecer-se de seu lugar.
O aperto de m��o de Am��lia era pouco firme e n��o demonstrava nenhum
entusiasmo. Sorriu ligeiramente para Rachel e disse algumas frases
delicadas, das quais ela n��o conseguiu lembrar-se, decorridos alguns
momentos. S�� n��o conseguia esquecer-se do sentimento de hostilidade
que emanava de todos eles, incluindo Malcolm.
O ch�� foi servido por outra criada, a quem a marquesa chamava pelo
nome de Teresa. Tinha a mesma idade e apar��ncia de Rosa, mas sem a
4 9
mesma desenvoltura. Tremia enquanto servia o ch��, e, quando Rachel
sorriu para ela, encorajando-a, recebeu um olhar de gratid��o, rapidamente
aniquilado pelo tom autorit��rio da marquesa. Rachel pensou, com certo
sarcasmo, que na Inglaterra os criados jamais se submeteriam a
semelhante tirania.
Sentou-se e tentou prestar aten����o na conversa, ali��s, bastante
aborrecida. A marquesa come��ou a dar explica����es a Am��lia sobre a
doen��a de Malcolm e a necessidade que ele tinha de se recuperar. Rachel
pensou, pouco caridosamente, que Am��lia parecia uma esponja, mas n��o
p��de evitar semelhante reflex��o. A jovem recebia aquelas palavras como
um gato que lambe um pires cheio de leite e quase n��o se manifestava.
Era ��bvio que durante a vida inteira tinha sido dominada pelos outros.
N��o devia ter mais de vinte e um anos, ainda n��o se casara e, portanto,
n��o devia conversar muito na presen��a dos mais velhos, mas com certeza
era dona de alguma personalidade.
E Lu��s? pensou Rachel, enquanto mordia um delicioso sandu��che de
pepinos. O que ser�� que Am��lia lhe dizia, quando se encontravam a s��s?
Ou nunca estavam a s��s? Quem sabe tinham sempre algu��m a vigi��-los...
Um homem t��o sofisticado e esclarecido quanto Lu��s Martins precisava
encontrar em uma esposa algo mais do que beleza e boa educa����o!
Seria verdadeiramente assim? Afinal de contas, talvez sua preocupa����o
principal fosse garantir a descend��ncia dos Martins, e n��o havia a menor
d��vida de que Am��lia daria �� luz filhos que levariam adiante o nome da
fam��lia. Rachel sentiu-se um tanto envergonhada por ter aqueles
pensamentos. Sem d��vida, naquela casa, as mulheres eram tratadas como
seres intelectualmente inferiores! A menos, talvez, que fossem como a
marquesa de Mendao, que havia assumido toda a arrog��ncia de seu
marido, agora que ele estava morto. Quem sabe isso, em parte, se devesse
�� sua educa����o inglesa...
Rachel tomou o ch�� e sentiu que a inseguran��a voltava. A despeito de
suas atitudes, com as quais ela n��o concordava, Lu��s Martins era um
homem inteligente e viril.. Era poss��vel que se satisfizesse com uma
esposa como Am��lia? Teria ela capacidade de conservar seu interesse,
depois que o per��odo inicial de ajustamento chegasse ao fim? Ou ser�� que
n��o se importava com isto? Talvez n��o fosse incomum para um homem
possuir outros interesses, quem sabe uma amante... Parecia pouco
prov��vel que Lu��s Martins se dispusesse a gastar seu intelecto
conversando com uma mulher cujo di��logo girava em torno da fam��lia, e
quanto ��s suas necessidade f��sicas...
Rachel desviou o pensamento de tais intimidades. Nada daquilo tinha a
50
ver com ela. Estava sendo incrivelmente tola, ao refletir nas vidas daquela
gente que nada tinha em comum com sua pessoa.
Sem querer, p��s-se a contemplar Lu��s Martins. Evitara encar��-lo at��
aquele momento, mas, agora, ele conversava com Am��lia e achou que
poderia estud��-lo, sem que ele percebesse. Usava um elegante terno
azul-marinho e parecia cheio de confian��a em si mesmo. Rachel pensou
no que havia ocorrido naquela manh��, no convite inesperado que ele lhe
fizera e subitamente sentiu-se presa ��quele ambiente. N��o queria
permanecer ali, mas o que poderia fazer? Malcolm parecia decidido a
aproveitar a hospitalidade da marquesa at�� o fim, apesar de ela, talvez,
n��o o perceber.
Rachel inclinou-se e levantou a x��cara, sempre entregue a seus
pensamentos. A porcelana era muito fina, quase fr��gil e transparente,
quando colocada contra a luz. Como tudo o mais na quinta, era ��nica e
insubstitu��vel. Desconfiava que Malcolm tinha consci��ncia do fato, que
pretendia partir daquele lugar com algo mais do que uma simples melhora
em sua sa��de, e semelhante pensamento deixou-a indignada.
Subitamente, deu-se conta de que ainda encarava Lu��s e de que ele
havia percebido seu olhar, retribuindo-o sem disfar��ar. Corou
ligeiramente ao perceber a admira����o que ele experimentava, e
inclinou-se para colocar a x��cara no pires. Ele a havia deixado nervosa,
suas m��os tremeram e, de repente, a x��cara caiu, partindo-se em dezenas
de peda��os sobre o assoalho de madeira.
Rachel levantou-se, horrorizada com o que fizera e o pesado sil��ncio
que se seguiu foi interrompido pela voz irada da marquesa. Ela tamb��m
havia ficado de p�� e contemplava Rachel sem disfar��ar a avers��o que
experimentava pela jovem.
��� Mas que criatura t��o descuidada! Como pode ser t��o desastrada?
Rachel tremia. O absurdo do que acabara de fazer n��o lhe escapou e
n��o precisava que a marquesa lhe mostrasse seu erro.
��� Sinto muito... ��� balbuciou, sabendo o quanto aquelas palavras
eram pouco adequadas. ��� Sinto muito.
��� Sente, ��? Sente? E de que adianta? Acaso quer dizer-me que as
palavras podem substituir uma pe��a t��o insubstitu��vel?
��� Claro que n��o.
Muito p��lida, Rachel olhou suplicante para Malcolm, implorando seu
apoio, mas ele tamb��m parecia estar furioso.
��� N��o sei mais o que possa dizer.
��� Tem id��ia do valor desta x��cara? Acaso percebe que arruinou um
servi��o completo...
��� Basta, mam��e. ��� A voz calma, por��m firme de Lu��s fez com que
5 1
sua m��e se interrompesse. ��� Tenho certeza de que a sra. Trevellyan n��o
derrubou a x��cara de prop��sito. Ao contr��rio, �� uma artista e duvido que
fosse capaz de destruir algo t��o belo.
Rachel ficou surpreendida, como tamb��m a marquesa. A aristocr��tica
criatura empertigou-se toda e encarou o filho com altivez de rainha.
��� Est�� querendo discutir comigo, Lu��s?
Lu��s levantara-se juntamente com a m��e e cruzara os bra��os.
��� A sra. Trevellyan �� nossa convidada. Tudo isto n��o passou de um
acidente infeliz.
As m��os da marquesa tra��am a agita����o que a tomava, acariciando
nervosamente as p��rolas do colar.
��� �� mais do que isto, Lu��s. Esta mo��a, a sra. Trevellyan, n��o �� nossa
convidada. �� uma intrusa em nosso lar!
��� Mam��e! ��� A voz de Lu��s tornara-se agressiva.
��� Mas �� verdade! N��o a convidei para vir aqui!
Rachel sentiu-se terrivelmente mal. Tudo o que acontecera at�� aquele
momento era negativo, mas agora as coisas haviam piorado.
��� Eu... eu... ��� balbuciou, logo calando-se, ao contemplar a
fisionomia de Lu��s.
��� Acho que a pena de perder algo que era muito caro a seu cora����o
abalou momentaneamente a sensibilidade de minha m��e. Pe��o-lhe que
esque��a o que ela acabou de dizer. O assunto est�� encerrado e n��o
pretendo voltar a ele.
Faz-se breve sil��ncio. Rachel olhou para Malcolm, buscando sua ajuda.
Aquele era o momento de ele dizer algo, de fazer algum coment��rio sobre
o que havia ocorrido, ainda que fosse para concordar com o que Lu��s
dissera. Ele, no entanto, n��o se pronunciou. Seu rosto n��o tinha a menor
express��o, exceto quando contemplou Rachel e ela percebeu o ��dio que
faiscava no fundo de seus olhos. N��o tinha certeza se aquela ira era
dirigida a ela ou ��s outras pessoas da sala.
Foi a vez; de Am��lia falar.
��� Diga-me, senhora, quanto tempo pretende ficar em Portugal?
Rachel sentou-se mais uma vez, muito a contragosto. A com��dia devia
prosseguir... A marquesa tamb��m se acomodara, como se todos
esperassem que ela tomasse semelhante atitude. Que gente mais estranha
e t��o pouco natural, que falava com tamanha veem��ncia em um momento
e, no momento seguinte, colocava em seus rostos a m��scara da
indiferen��a!
��� N��o... n��o tenho certeza. ��� Enquanto respodia �� pergunta,
indagava-se se Am��lia era t��o inocente quanto parecia. Ser�� que, de modo
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muito sutil, estava querendo mostrar que ela tamb��m podia interferir na
situa����o, caso assim o desejasse?
��� Joanna, isto ��, a marquesa ��� interveio Malcolm ���, n��o estipulou
um prazo espec��fico para nossa estadia. Somos velhos amigos c temos
muito a nos dizer.
��� Claro, senhor. Sei perfeitamente de sua amizade com a marquesa.
No entanto, como nosso casamento ser�� realizado dentro de algumas
semanas, naturalmente h�� muitas provid��ncias a serem tomadas...
��� Aguardo ansiosamente este dia...
O coment��rio de Malcolm foi recebido com variados graus de surpresa
e constrangimento, inclusive por parte de Rachel.
��� Ent��o, espera estar aqui para o casamento... ��� A voz de Am��lia
morreu e Sara Ribeiro, que havia tomado a marquesa pelo bra��o, n��o se
conteve e fez um gesto de desagrado.
Lu��s, como sempre, manteve um ar enigm��tico.
��� Veremos, veremos, senhor ��� foi seu coment��rio. ��� Como dizem
os ingleses: n��o se deve contar com as pontes antes de serem
atravessadas, n��o �� mesmo? ��� Abriu uma caixa de charutos e ofereceu-a
a Malcolm. ��� Experimente um deles ��� sugeriu, como se o desagrad��vel
incidente ocorrido havia alguns minutos n��o tivesse acontecido.
A atitude de Lu��s serviu para serenar os ��nimos e, como Malcolm
desejava ignorar as implica����es contidas naquilo que se acabava de dizer,
resolveu mudar de atitude. Aceitou o charuto e permitiu que Lu��s o
acendesse, enquanto Rachel permanecia sentada, sentindo-se
profundamente abalada.
A conversa aos poucos foi morrendo Nem mesmo Lu��s conseguia
mant��-la, vendo sua m��e no auge da tens��o e notando que Am��lia
encarava aquilo tudo com ar de reprova����o. Rachel rezava para que
Malcolm manifestasse o desejo de se retirar ou para que conseguissem, de
alguma forma, escapar daquela terr��vel situa����o.
Foi a marquesa quem acabou colocando um ponto final na reuni��o.
Levantando-se, levou um len��o �� fronte e declarou:
��� Estou com dor de cabe��a, Lu��s. Pe��o a todos que me desculpem.
��� Est�� bem, Joanna. Compreendemos perfeitamente ��� declarou
Malcolm, em tom conciliat��rio, mas Rachel sentiu que a marquesa sequer
tomava conhecimento daquelas palavras. Retirou-se lentamente, com a
tens��o a desmanchar seus tra��os, normalmente t��o bem compostos.
Depois que ela partiu, Rachel n��o conteve um suspiro.
��� Gostaria de voltar para nossos aposentos, Malcolm. Quero repousar
um pouco antes do jantar ��� disse, procurando manter-se calma.
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Lu��s apagou o que restava do charuto e lan��ou um olhar para Am��lia,
dizendo em seguida:
��� Queria trocar algumas palavras com o sr. Trevellyan. mas em
particular.
Rachel, que havia se levantado, ficou gelada. Por��m, Malcolm n��o se
dispunha a ver seus planos modificados.
��� Em alguma outra ocasi��o. Sinto-me... um tanto cansado.
Lu��s mostrava-se tenso, mas era contra a sua natureza mostrar-se
indelicado at�� mesmo em rela����o a algu��m que havia deixado sua m��e t��o
perturbada.
��� Muito bem, senhor ��� disse, um tanto abruptamente.
Malcolm, com um ligeiro sorriso de satisfa����o, indicou a Rachel que
devia empurrar a cadeira de rodas.
Ela o fez com a maior boa vontade, apesar de ter plena consci��ncia do
desagrado de Lu��s e do fato de que o relacionamento de Malcolm com a
marquesa tinha certas sutilezas das quais jamais suspeitara.
De volta �� su��te, interrogou Malcolm, toda tr��mula:
��� Mas, afinal de contas, o que foi que aconteceu?
��� N��o sei a que est�� se referindo, Rachel. Sou eu quem deveria fazer
as perguntas. Voc�� foi pouco cuidadosa, n��o acha?
��� Voc�� sabe que foi um acidente.
��� Sei, sim, mas a marquesa...
��� O que est�� querendo dizer com isso?
��� Nada... ��� Resolveu mudar de assunto. ��� Acho que vou sentar l��
fora no p��tio, durante alguns instantes. Parece estar t��o fresquinho...
��� O que est�� acontecendo, Malcolm? O que estamos fazendo aqui?
��� Voc�� bem sabe porque estamos aqui, Rachel: �� para que eu possa
me recuperar.
��� N��o. H�� outros motivos al��m desse. N��o quer me contar?
��� Gostaria de ficar um pouco l�� no p��tio ��� disse Malcolm,
calmamente, mas ela percebeu que ele estava come��ando a sentir-se
aborrecido.
Suspirando, empurrou a cadeira para fora e olhou para cima. O c��u
estava muito azul e dentro de pouco tempo o sol come��aria a se p��r. O
primeiro dia deles em Portugal chegava ao fim e muitas coisas tinham
acontecido...
Rachel se enganou ao pensar que Lu��s poderia vir at�� os aposentos de
Malcolm ap��s o jantar, a fim de conversar com ele. Comeram a s��s e
ningu��m veio incomod��-los. Logo em seguida, Malcolm recolheu-se ao
leito, pois sentia-se cansado. Aquele dia trouxera um excesso de
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solita����es para ele, e Rachel p��de refugiar-se em seu quarto. Mais tarde,
quando apareceu para ver se tudo estava bem, verificou que ele dormia
profundamente. Uma express��o de desespero apareceu em seu rosto.
Agora percebia que ele havia perdido completamente a consci��ncia, ao
passo que ela sentia-se cheia de ang��stia, tendo a certeza de que n��o
conseguiria cerrar os olhos durante a noite inteira.
De fato, a ins��nia rondou-a durante boa parte do tempo e, quando
despertou, na manh�� seguinte, sentiu-se pesada e abatida, sem a exalta����o
que havia experimentado na v��spera. Muitos pensamentos passavam por
sua cabe��a e ela se dirigiu para os aposentos de Malcolm cheia de
apreens��o.
Mais uma vez tomaram o caf�� no quarto e depois Rosa veio anunciar
que a senhora marquesa havia colocado um carro �� sua disposi����o. Caso
desejassem us��-lo, bastava avisar.
Malcolm, para variar, estava de mau humor. A not��cia do carro
deixou-o momentaneamente alegre, mas saber que a marquesa e seu filho
passariam o dia fora, visitando a fam��lia de Am��lia, foi suficiente para
aborrec��-lo.
Malcolm almo��ou muit��ssimo bem e, logo ap��s, manifestou o desejo de
fazer a sesta. Naturalmente esperava que Rachel fizesse o mesmo e n��o
insistiu para que ela ficasse a seu lado.
Rachel pegou os ��culos escuros e a bolsa, saindo de casa ��s
escondidas. Atravessou o p��tio e procurou a sombra das ��rvores, antes
que qualquer criado pudesse not��-la. Foi relativamente f��cil. Os
empregados tamb��m faziam a sesta e, como o marqu��s e sua m��e estavam
ausentes, n��o havia ningu��m para det��-la.
A alameda era mais comprida do que ela imaginava, por��m foi muito
agrad��vel andar �� sombra das ��rvores. Mas quando chegou �� estrada
principal, sentiu uma diferen��a not��vel. O sol incidia sobre sua cabe��a
com inclem��ncia e ela sentia um bafo quente subindo do ch��o. A estrada
n��o tinha asfalto, mas, felizmente, n��o havia carros naquele momento e
ela prosseguiu o caminho, sem temer que a poeira a sufocasse.
Finalmente, a aldeia surgiu diante dela, com suas casinhas muito alvas
e convidativas. Pensou em ir ao bar, antes de regressar �� quinta. Tomaria
uma limonada gelada e talvez depois o sol tivesse perdido parte de sua
intensidade.
O pior estava 'para acontecer. As lojas, o bar, tudo, enfim, estava
fechado devido ao calor, e ela censurou-se por ser t��o tola e desprevenida.
Devia saber que ali todo mundo, sem distin����o, fazia a sesta.
Sentia vontade de gritar, tamanho o calor e o cansa��o que
experimentava. N��o se via ningu��m, a n��o ser dois velhos descansando ��
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sombra de um toldo, enquanto alguns c��es perambulavam pela rua. N��o
havia ningu��m a quem pudesse apelar, ningu��m que lhe proporcionasse
alguns minutos de descanso e relaxamento.
Contemplou o regato e pensou em mergulhar os p��s nele. N��o era,
entretanto, uma camponesa, e o marqu��s n��o ficaria satisfeito em saber
que uma convidada sua se comportara como se fosse uma mulher do
povo. N��o havia nada a fazer, a n��o ser regressar �� quinta. Talvez se
passassem algumas horas, antes que as lojas voltassem a abrir, e, se
Malcolm acordasse e constatasse que ela n��o se encontrava presente...
A estrada poeirenta parecia mais penosa do que antes. Sentia o suor
inundar-lhe todo o corpo. Estava a ponto de chorar, quando um carro
passou por ela, mergulhando-a em uma nuvem de p��, antes de parar
alguns metros adiante. Seu cora����o disparou. E agora? Iria ser assaltada,
para c��mulo do azar?
Olhou para tr��s, resistindo ao impulso de sair correndo em dire����o ��
aldeia, em busca de socorro. Calculava quanto tempo levaria para
alcan��ar a primeira casa e gritou, aterrorizada, ao sentir que a agarravam
pelo bra��o. Levantou a outra m��o, a fim de esbofetear quem a
importunava e, de repente, viu-se diante do olhar severo de Lu��s Martins.
��� Mas o que est�� fazendo? Ent��o n��o v�� que o sol �� perigoso, a esta
hora?
��� Sinto-me perfeitamente bem, obrigada ��� ela disse,
desvencilhando-se. ��� Obrigada, senhor.
��� Mas o que est�� fazendo aqui? O que a traz a esta estrada solit��ria na
hora da sesta? Deveria estar descansando!
��� Eu... eu precisava de algumas coisas e fui at�� a loja. Esqueci-me de
que eles tamb��m fazem a sesta.
��� E veio a p�� desde a quinta? Por que n��o pediu o carro? Teria
evitado todos esses inconvenientes.
Rachel fez um gesto de desola����o. N��o havia pensado no carro, mas,
mesmo que houvesse, duvidava que teria a coragem de fazer aquela
solicita����o. Al��m do mais, Malcolm poderia descobrir.
��� Nem cheguei a pensar nisso.
��� Pois ent��o, entre no carro. Eu a levarei de volta para a quinta.
Rachel deu um passo para tr��s. N��o sentia a menor vontade de entrar
no carro e deparar com a marquesa, encarando-a com aquele ar de eterna
reprova����o, que n��o fazia a menor quest��o de disfar��ar.
Lu��s dirigia-se para o carro, mas ela n��o se mexeu e ele voltou-se.
��� Mas o que est�� acontecendo? Venha!
��� Prefiro n��o ir. Sua m��e...
��� Minha m��e n��o est�� comigo!
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��� N��o est��? Mas achei que... isto ��... Rosa nos disse que ambos iam
passar o dia fora...
��� Visitando os ��lvares? �� verdade. Estivemos l��, mas minha m��e n��o
se sente bem e decidiu ficar descansando em Alcorado durante alguns
dias.
��� Ah, certo... ��� Rachel ficou a imaginar qual seria a rea����o de
Malcolm, ao saber que sua anfitri�� o havia abandonado.
��� E ent��o? Vai subir no carro? ��� Lu��s olhava-a com impaci��ncia e
estava mais atraente do que nunca.
��� Est�� bem, obrigada.
Adiantou-se e, quando ele abriu a porta do carro, acomodou-se. Ele
deu a volta pela frente, sentou-se a seu lado e deu a partida no carro, sem
dizer sequer uma palavra.
Rachel sentiu-se subitamente fraca. Era um grande al��vio saber que n��o
teria de voltar pela estrada poeirenta. Reclinou a cabe��a no encosto do
banco e semicerrou os olhos.
Abriu-os novamente alguns momentos depois, quando deixaram para
tr��s a tabuleta onde se lia "Entrada Proibida", e prosseguiram estrada afora.
��� Para onde est�� me levando? ��� perguntou, endireitando-se,
assustada.
��� Logo ver��. N��o a estou raptando, a n��o ser por pouco tempo.
Relaxe!
Rachel, sentiu-se incapaz de faz��-lo. N��o tinha a menor id��ia do lugar
para onde ele pretendia lev��-la e temia que ele a interrogasse sobre os
motivos que haviam levado Malcolm a vir para Portugal.
Lu��s deixou a estrada e tomou um atalho ladeado por enormes ��rvores,
que ia dar em um rio. Parou na cabeceira da ponte que l�� havia e desceu
do carro.
Rachel permaneceu onde estava. Apesar do lugar ser muito belo, n��o
conseguia imaginar por que ele a trouxera at�� ali. Provavelmente, tudo
aquilo tinha a ver com Malcolm, e ela sentiu-se perturbada e pouco ��
vontade.
Lu��s tirou o palet�� e jogou-o descuidadamente sobre o banco da frente
do carro. Em seguida, inclinou-se e olhou para ela.
��� Vamos indo. Tenho algo a lhe mostrar.
��� Prefiro regressar �� quinta...
��� Por qu��? O que teme?
��� N��o temo nada, n��o.
��� Pois ent��o, venha comigo.
Rachel sentiu-se intensamente perturbada. No fundo, desejava ir com
5 7
ele e dessa vez concordou. Abriu a porta, desceu do carro e ele sorriu
ligeiramente.
��� Venha por aqui... disse, descendo por um dos lados da ponte, em
dire����o �� beira do rio.
Ela seguiu-o, antecipando o prazer que sentiria em repousar �� sombra
das ��rvores magn��ficas que inclinavam seus galhos em dire����o �� torrente.
Lu��s, que se adiantara, contemplava uma piscina natural, formada pelos
rochedos que afloravam por entre as ��guas.
��� Que tal? Gostou do lugar?
��� �� de fato muito bonito...
Ele escolheu um rochedo bem liso e sentou-se. Rachel seguiu seu
exemplo.
��� N��o quer megulhar os p��s na ��gua? ��� ele perguntou, sorrindo
ironicamente e, ent��o, ela entendeu por que a trouxera ��quele lugar.
Lembrava-se do que ela havia dito durante a viagem para Mendao, h��
dois dias.
Dois dias apenas! Tinha a impress��o de que havia se passado um
s��culo!
Sorrindo, Rachel tirou as sand��lias e mergulhou os p��s na ��gua gelada.
Estava uma del��cia! Enrolou a cal��a at�� os joelhos e inclinou-se para
banhar tamb��m os punhos.
Percebeu que ele voltava a olh��-la e endireitou-se, secando as m��os no
jeans. Sentia-se muito mais refrescada, mas, ao mesmo tempo, tinha a
sensa����o de que estava se comportando como uma crian��a.
Lu��s acendeu um charuto e Rachel sentiu a paz que emanava daquele
lugar. A tranq��ilidade de tudo aquilo era perturbada unicamente pelo
barulho da ��gua que corria sem parar e o canto persistente dos p��ssaros.
��� Obrigada. Gostei muito. Agora sinto menos calor.
��� Que bom! Fico contente!
Rachel contemplou-o. Lu��s usava uma camisa social e gravata. Ela
disse, tomada por s��bito impulso:
��� N��o est�� com calor?
��� As mulheres de seu pa��s costumam fazer perguntas t��o pessoais?
��� Desculpe.
��� Por que se desculpa?
��� Eu, pelo visto, n��o deveria ter feito semelhante pergunta.
��� Eu disse isso?
��� N��o, mas...
��� Sei que em Portugal somos muito formais. Observamos certas
etiquetas que, talvez, lhe pare��am desnecess��rias, mas aqui as coisas s��o
assim mesmo.
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��� Mas n��o sente nunca vontade de relaxar?
��� Agora estou relaxado.
��� N��o pode ser! Na Inglaterra, em um dia t��o quente quanto este, os
homens tiram a camisa, para n��o falar da gravata.
��� Quer ent��o que eu tire a camisa? ��� indagou Lu��s, com severidade.
Rachel sentiu o rosto em brasa. Do modo como ele falava, a coisa
chegava a parecer indecente.
��� N��o... isto ��... estava me referindo �� Inglaterra...
��� Percebo... E que mais um ingl��s faria?
��� Ora... ele... ele... tomaria sol, imagino. ��� Tentou acalmar as
batidas loucas de seu cora����o. ��� N��o h�� mal algum nisso, n��o �� mesmo?
��� E se eu tirasse a camisa, �� claro que n��o ficaria insultada, n��o ��?
��� Insultada? N��o, claro que n��o! Por que haveria de ficar?
Ele deu de ombros e seus m��sculos possantes ficaram mais rijos, por
debaixo do tecido leve da camisa.
��� �� evidente que ainda n��o percebeu as diferen��as entre nossos
pa��ses. Conhe��o a Inglaterra e passei muito tempo l��. Estudei em uma
universidade, em Londres. Sei que em seu pa��s os jovens n��o apreciam as
conven����es e percebo que nossos costumes devem parecer-lhe
absurdamente estranhos. Ainda assim, gostaria de declarar que nossos
h��bitos s��o melhores.
��� Como pode dizer uma coisa destas? O que h�� de mal no fato das
pessoas relaxarem na companhia umas das outras?
��� Acho que a senhora n��o est�� querendo me entender. O senso de
medida e de dec��ncia deve estar presente nas rela����es sociais. Achei que,
com sua experi��ncia de vida, n��o deveria defender tamanha falta de
responsabilidade!
��� Falta de responsabilidade? ��� repetiu Rachel, at��nita. ��� Mas de
que est�� falando?
��� Vamos! ��� disse Lu��s, levantando-se de repente. ��� J�� est�� na hora
de voltarmos para a quinta.
Rachel abaixou-se e cal��ou as sand��lias, antes de se levantar. Arrumo
ligeiramente os cabelos, percebendo que seus gestos eram atentamente
acompanhados por Lu��s. Voltou, ent��o, a ficar perturbada.
P��s-se a andar e logo percebeu que as sand��lias haviam ficado ��midas e
escorregadias. Tentou chegar at�� a ponte sem perder a eleg��ncia, mas de
nada adiantava. Quando estava a ponto de se descal��ar, Lu��s estendeu-lhe
a m��o.
Rachel aceitou-a. A m��o daquele homem era firme e quente, conforme
ela havia imaginado, e possu��a a mesma for��a que se encontra no a��o.
Com um gesto, ele puxou-a para junto de si e ela percebeu que nunca
5 9
haviam estado t��o pr��ximos. O cheiro do corpo de Lu��s invadia suas
narinas. Era um odor viril e penetrante, inesperadamente agrad��vel. Ela,
que nunca havia sentido qualquer desejo por um contato mais ��ntimo com
um homem, subitamente imaginou como seria compartilhar com Lu��s as
intimidades que Malcolm lhe impunha, e se o corpo musculoso daquela
criatura a excitaria, como jamais seu marido havia conseguido fazer.
Tinha a impress��o de que seu cora����o ia parar de bater. Sentiu um
desejo imenso de se aproximar ainda mais e de constatar se o toque de seu
corpo produziria qualquer rea����o nele.
Levantou os olhos sem querer e, ent��o, afastou-se bruscamente. Lu��s
hesitou durante um breve momento e a f��ria brilhou em seus olhos
negros. Deu-lhe as costas e caminhou em dire����o ao autom��vel.
Rachel seguiu-o lentamente. Percebeu que, por um instante, por um
brev��ssimo momento, ele se tornara consciente dela como mulher e que
n��o teria repelido seu louco impulso de toc��-lo. Era por isso que ficara t��o indignado: sentia o mesmo desejo que ela!
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CAP��TULO VI
S�� na hora do almo��o, no dia seguinte, �� que Malcolm sentiu falta de
sua amiga. Esperava que ela o visitasse, mas �� medida que as horas
passavam come��ou a desconfiar de que algo estava acontecendo.
��� Sabe onde se encontra Joanna? ��� perguntou a Rachel, que lhe
levava naquele momento um copo de ��gua.
��� E como haveria de saber?
��� Ontem ela ficou fora o dia inteiro. O m��nimo que poderia fazer
seria vir ver como me encontro.
��� Duvido que a marquesa fa��a quest��o disso, tendo em vista seu
comportamento de antes de ontem.
��� O que quer dizer com isso?
��� Sabe muito bem a que me refiro. Deve saber perfeitamente que,
quando a marquesa o convidou para vir aqui, n��o esperava que voc�� se
tornasse um h��spede permanente.
Rachel fez men����o de se afastar, Malcolm agarrou-a pelo pulso,
apertando-o cruelmente, at�� ela gemer.
��� Voc�� est�� me machucando!
��� Farei mais do que isso se voltar a ouvi-la falar desse jeito. Quem
voc�� pensa que ��, para se dirigir a mim nesse tom?
��� Estou apenas lhe dizendo a verdade ��� disse Rachel,
desvencilhando-se dele e esfregando o pulso.
��� �� mesmo? E que provid��ncias voc�� acha que a marquesa vai tomar?
Expulsar-me? Ou pedir�� ��quele seu filho arrogante que o fa��a por ela?
��� Malcolm!
��� Toque a campainha e chame aquela criatura, como �� mesmo o
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nome dela? Rosa? Sim, chame Rosa. Ela deve saber por onde anda a
marquesa.
Rachel tocou a campainha muito a contragosto. Se algum criado
houvesse testemunhado seu retorno �� quinta na companhia de Lu��s, com
toda a certeza haveria de esperar que ela soubesse os motivos da aus��ncia
da marquesa. E se Rosa abordasse o assunto?
Rosa n��o o fez, entretanto. Mas pareceu ficar surpreendida com a
pergunta de Malcolm, respondendo:
��� O senhor marqu��s n��o lhe disse nada? A senhora marquesa n��o se
sentiu bem, ontem, quando foi visitar os ��lvares.
��� N��o se sentiu bem? O que voc�� quer dizer com isso?
��� �� que ela tem estado muito atarefada, por causa do casamento. H��
ainda tantas provid��ncias a tomar...
��� E da��? ��� Malcolm n��o conseguia disfar��ar a impaci��ncia que
sentia.
��� A senhora marquesa passar�� alguns dias com sua amiga, a sra.
��lvares. O senhor n��o sabia?
��� N��o, n��o sabia. E o filho?
��� O senhor marqu��s encontra-se aqui. Deseja v��-lo?
��� Sim. Quer dizer, n��o, agora n��o. Eu lhe comunicarei, se quiser
v��-lo.
��� Sim, senhor. Deseja mais alguma coisa?
Malcolm fez que n��o e, sorrindo para Rachel, a criada retirou-se.
��� Quer dizer que minha amiga nos abandonou... O que ser�� que ela
espera ganhar com isso?
��� Ser�� que isso importa? Estamos aqui, aproveitando sua
hospitalidade. N��o sei que import��ncia tem o fato da marquesa
encontrar-se ou n��o na quinta.
��� Pois para mim importa, sim. Uma anfitri�� n��o abandona seus
convidados assim de repente.
��� N��o podemos mudar de assunto? Quando �� que voc�� vai come��ar a
usar o carro?
��� N��o sei. Deixe-me sozinho. Quero pensar.
Depois de quase uma semana de intensa atividade, era um al��vio gozar
de alguns dias de paz ininterrupta. Pelo visto, Malcolm resignara-se a n��o
fazer nada de mais desagrad��vel do que manter conflitos constantes com o
pobre Eduardo. At�� mesmo permitiu que Rachel empurrasse sua cadeira
de rodas pelos jardins e, apesar desses passeios serem uma verdadeira
prova����o para ela, pois poderiam acabar encontrando o marqu��s, foram
62
do agrado de Malcolm e proporcionaram a ela suficiente tranq��ilidade
para apreciar a bel��ssima paisagem.
Rosa ofereceu-se para fazer as compras que ela quisesse, toda vez que
fosse �� aldeia e, em conseq����ncia, Rachel nunca se afastava da quinta.
Algumas vezes mostrava-se ansiosa e at�� mesmo desesperada por algo
com que pudesse preencher seu tempo, especialmente porque Rosa n��o
tinha conseguido encontrar na loja um dicion��rio portugu��s-ingl��s ou um
manual de conversa����o.
Malcolm, na maior parte do tempo, parecia mergulhado em seu mundo
interior. Muito raramente, comportava-se de maneira desagrad��vel em
rela����o a Rachel, apesar dela ser suficientemente experiente para saber
que aquela situa����o n��o duraria muito tempo. A crise explodiu quando
Rachel foi convocada para ir �� biblioteca, determinada manh��.
Rosa trouxe o recado enquanto tomavam caf��. J�� fazia uns dez dias que
tinham chegado �� quinta e a estada da marquesa na casa dos ��lvares
prolongava-se h�� uma semana. Rachel presumiu que o marqu��s queria
conversar com ela a respeito desse assunto, mas Malcolm ficou furioso.
��� Mas, afinal de contas, o que ele quer com voc��? Sou eu o homem
da familia; �� a mim que ele deve comunicar o que est�� acontecendo!
��� Ele provavelmente imagina que voc�� ainda est�� descansando. Meu
Deus do c��u! Afinal de contas, n��o hei de demorar muito!
��� Mas por que ele quer v��-la? Mal a conhece! Nunca conversou de
verdade com voc��, limitando-se apenas ��quele bate-papo no carro,
quando viemos do aeroporto! Ou ser�� que voc�� esteve com ele sem que eu
soubesse?
Raquel sentiu-se culpada e envergonhada. Seria t��o astuciosa quanto se
sentia naquele momento? As raz��es pelas quais n��o comunicava a
Malcolm seus encontros com o marqu��s eram t��o inocentes quanto
gostaria de imaginar? N��o deveria ter-lhe comunicado o fato, enfrentando
a explos��o de sua ira?
��� Malcolm... ��� come��ou a falar, constrangida, mas ele a
interrompeu.
��� N��o quero ouvir desculpas. Diga o que disser, deve t��-lo
encorajado de alguma maneira. Como posso saber o que acontece depois
que voc�� me d�� boa-noite? Sim, �� muito conveniente para voc�� dormir em
outro quarto!
��� Malcolm! ��� Raquel estava horrorizada.
��� Mas �� ��bvio... Este homem est�� interessado em voc��. Por que
mandou cham��-la, e n��o a mim? Saiba que n��o suportarei tamanha
insol��ncia!
��� Malcolm, por favor! Sabe perfeitamente que est�� dizendo uma
6 3
bobagem! O marqu��s de Mendao n��o est�� interessado em mim! Como
seria poss��vel semelhante coisa!
��� Como seria poss��vel? E por que n��o?
��� Oh, Malcolm! Homens como ele n��o se interessam por mulheres
como eu! Foi voc�� mesmo quem disse.
��� S�� porque voc�� �� casada? Pois devo dizer-lhe que...
��� N��o! N��o �� pelo fato de eu ser casada, mas simplesmente pelo fato
de que n��o perten��o ao mesmo mundo de Lu��s Martins!
��� Pois saiba que voc�� vale tanto quanto aquela criaturinha arrogante
com quem ele pretende se casar...
��� Malcolm, tudo isto �� rid��culo! H�� alguns momentos voc�� ficou
zangado porque achou que Martins poderia estar interessado em mim.
Agora est�� zangado porque declaro que n��o est�� e nem poderia estar!
��� ��, mas tem alguma coisa a�� que n��o me cheira bem... Acho melhor
proibi-la de ir ao encontro dele.
��� Ora, Malcolm, n��o seja tolo. N��o me resta outra escolha. Ou acaso
voc�� prefere ir em meu lugar?
��� Pois ent��o v��, mas n��o ouse ficar l�� mais de dez minutos!
Rachel balan��ou a cabe��a e, suspirando, deixou o aposento.
Lembrava-se ainda do corredor que conduzia �� biblioteca e, assim que
bateu, ouviu a voz de Lu��s, mandando-a entrar.
Ele encontrava-se sentado diante de uma escrivaninha, em um canto da
biblioteca, mas levantou-se assim que ela entrou, indicando-lhe um lugar
para se acomodar. Rachel assim o fez, esperando, enquanto ele se
aproximava. Naquele dia, Lu��s usava um terno bege e camisa cor de mel.
A cal��a, muito estreita, acentuava a musculatura de suas pernas.
��� Bom dia, senhora. Como tem passado?
��� Muito bem, obrigada, senhor. Disseram-me que quer ver-me.
��� Exatamente. ��� Lu��s inclinou a cabe��a. Estava parado a alguma
dist��ncia e contemplava-a com aquela perturbadora intensidade a que
recorria de vez em quando.
Rachel sentiu-se nervosa. Gostaria que ele se apressasse e lhe
comunicasse o que tinha a dizer, deixando-a partir em seguida. Al��m de
ter de enfrentar a c��lera de Malcolm, caso se atrasasse, n��o tinha o menor
desejo de prolongar a ang��stia que aquela situa����o lhe criava.
Ele, entretanto, n��o parecia ter a menor pressa. Indicou o bar e disse:
��� Quer tomar um copo de vinho comigo?
��� N��o, obrigada. Por que queria ver-me?
��� Rosa contou-me que tem tentado encontrar um manual de
conversa����o. �� verdade?
��� �� verdade, sim, senhor ��� respondeu Rachel, rnal conseguindo
disfar��ar a surpresa.
64
��� Percebo. E n��o lhe ocorreu perguntar-me se haveria aqui na quinta
algo semelhante?
��� B e . . . �� que n��o queria incomod��-lo. Al��m do mais, pareceu-me que
encontraria facilmente um manual.
��� Rosa disse-me tamb��m que a senhora comprou papel e crayon...
Rosa, pelo visto, era uma informante de primeira. Rachel sentiu-se
aborrecida. Como �� que ela ousava intrometer-se em seus assuntos
particulares?
��� Sim, �� isso mesmo. Comprei tamb��m um pente, um tubo de pasta
de dente, algumas giletes para Malcolm e um par de meias!
��� A senhora est�� sendo insolente!
��� E mesmo? E n��o acha que �� uma insol��ncia de sua parte interrogar
Rosa a respeito de minhas compras?
��� Cuidado! N��o permito que ningu��m me fale nesse tom!
��� Ah, n��o? ��� Rachel p��s-se de p�� e o encarava, furiosa. ��� Pois,
ent��o, n��o devia comportar-se como se tivesse direito de questionar as
menores coisas que fa��o.
Lu��s deu um passo em dire����o a ela, sem disfar��ar a c��lera que sentia.
Rachel recuou, um tanto temerosa diante de sua rea����o.
��� N��o interroguei Rosa coisa alguma! Ela veio at�� mim e disse-me
que achava que a senhora estava se aborrecendo. Disse tamb��m que
tentou comprar-lhe um manual de conversa����o, mas que as lojas da aldeia
n��o vendiam. Contou que a senhora tinha at�� mesmo comprado alguns
crayons e uma prancheta de desenho. Estava preocupada com sua pessoa.
Rachel ouviu as explica����es, sentindo-se cada vez mais humilhada.
Quando Lu��s terminou, ela apressou-se em dizer, muito constrangida:
��� Desculpe... Oh, meu Deus, pelo visto estou sempre repetindo as
mesmas coisas!
O marqu��s relaxou. Tirou as m��os dos bolsos e cruzou-as nas costas.
Com o movimento, seu palet�� de camur��a abriu-se, revelando o volume
de seu peito musculoso. A camisa estava parcialmente desabotoada e
Rachel percebeu os p��los negros e abundantes que lhe cobriam o peito.
Confusa diante das estranhas emo����es que a contempla����o daquele
corpo despertava nela, levantou os olhos, que se encontraram com os
dele. N��o conseguiu, entretanto, sustentar aquele olhar e voltou a
contemplar o peito de Lu��s e todo o seu corpo.
Agora era o marqu��s que parecia ter ficado perturbado diante daquela
inspe����o. Deu-lhe as costas e voltou para a escrivaninha.
��� Aceito suas desculpas e sugiro que voltemos ao assunto de nosso
encontro.
��� Sim, senhor.
6 5
Rachel sentou-se, principalmente porque sentia que suas pernas haviam
se tomado ridiculamente fracas.
Lu��s veio at�� ela com dois livros na m��o.
��� H�� muitos anos, quando minha m��e chegou a Mendao, ela teve de
aprender nossa l��ngua. Aqui est��o as gram��ticas que usou. Achei que
poderiam ser-lhe de alguma utilidade.
��� �� muita bondade de sua parte, senhor...
��� Diga-me uma coisa: acha a vida aqui na quinta t��o aborrecida
assim?
��� Bem... eu gostaria de trabalhar...
��� Quer dizer... pintar?
��� Isso mesmo. Quando Malcolm descansa, eu... sinto que o tempo se
arrasta.
��� Sei... Se acaso lhe interessa saber, esta biblioteca possui muitos
livros relativos a artistas e a seu trabalho. Al��m disso, temos aqui na
quinta belos exemplos de pintura e escultura. Prefiro Degas e outros
pintores da escola impressionista, mas nossa cole����o de modo algum
reflete meus gostos. Talvez, enquanto seu marido estiver descansando,
gostasse de familiarizar-se com nossa cole����o.
��� �� muita bondade sua, mas...
Mas o qu��? Sabia, sem precisar perguntar, qual seria a rea����o de
Malcolm �� sugest��o de Lu��s.
��� Mas eu... eu...
��� Est�� querendo recusar? ��� ele indagou, tornando-se tenso, como
sempre acontecia toda vez que os sentimentos dela entravam em conflito
com os seus. ��� Por qu��? Minha oferta lhe desagrada tanto assim?
��� N��o me desagrada em absoluto! Ao contr��rio, gostaria de examinar
os livros, os quadros e adoro esculturas! Mas acontece que as coisas n��o
s��o t��o simples assim. Meu... meu marido gosta de saber que estou por
perto, mesmo quando descansa. Acho que n��o ficaria nada contente,
sabendo que estou andando pela quinta.
��� Deixe-me compreender a situa����o. Est�� dizendo que seu marido
faria obje����es a que a senhora passasse uma hora por dia fazendo aquilo
que lhe agrada?
��� �� que ele n��o est�� bem...
��� N��o est��? Pois parece-me que seu marido �� um homem ego��sta. Se
n��o for assim, ent��o creio que a senhora est�� me enganando.
��� Bem, acho que vou andando... ��� disse Rachel, levantando-se. ���
J�� tomei muito o seu tempo. Obrigada pelos livros, senhor...
��� Um momento.
Ele se aproximou, parando a pouca dist��ncia.
66
��� De quem tem medo? De seu marido ou de mim?
��� Medo? ��� A ansiedade estampada no olhar de Rachel revelava sua
agita����o interior. ��� Medo? E por que deveria sentir medo de quem quer
que seja?
��� �� mesmo? ��� Continuou a fit��-la e ela baixou os olhos, rezando
para que ele n��o prolongasse aquele encontro. ��� Gostaria que eu falasse
com seu marido a seu respeito?
��� Oh, n��o, n��o fa��a isso! Verei o que Malcolm tem a dizer. O jeito
dele �� esse...
��� Pelo que vejo, �� tamb��m um homem possessivo. Eduardo
contou-me que ele raramente permite sua ajuda. �� a senhora quem faz
tudo por ele.
��� Sim, senhor.
��� N��o gosto disso em minha casa! Uma mulher n��o deve realizar
tarefas pesadas!
��� Mas n��o me incomodo, n��o. Bem, est�� na hora de ir.
Lu��s levou a m��o �� camisa, em um gesto de impaci��ncia, e percebeu
que estava desabotoada. Imediatamente recomp��s-se e os olhos de Rachel
dirigiram-se para aquelas m��os aristocr��ticas, admirando sua beleza.
Pensou em Am��lia ��lvares. Muito em breve ela se entregaria ��
sensualidade daquele homem e sentiria aquelas m��os fortes e morenas a
acariciar-lhe a pele cor de magn��lia...
As vis��es que tais pensamentos evocavam subitamente pareceram-lhe
insuport��veis. Voltou-se e trope��ou na cadeira. Perdendo o equil��brio,
caiu desajeitadamente no ch��o.
Logo em seguida, aquilo que ela havia imaginado aconteceu.
Preocupado, Lu��s agachou-se a seu lado e, segurando-a pelos ombros,
ajudou-a a levantar-se.
��� Meu Deus! A senhora est�� bem?
Rachel fez que sim. Ele n��o retirou as m��os e ela sentiu o perigo
impl��cito naquela situa����o. Afastou-se e ficou parada diante dele, toda
tr��mula.
��� Estou bem, sim... Desculpe, sou mesmo uma estouvada...
Abaixou-se, pretendendo recolher os livros que haviam ca��do, mas ele
se antecipou. Entregou-os a Rachel, mas, nesse momento, segurou seu
pulso.
��� Mas como �� magra! N��o est�� gostando da comida da quinta?
��� A comida �� uma del��cia... ��� disse Rachel, mal conseguindo falar.
��� Por favor! Preciso ir...
��� Pelo amor de Deus! Por que se casou com Trevellyan? Tantas
6 7
mulheres conseguiram dar conta de suas vidas sozinhas. Por que n��o fez o
mesmo?
Rachel estava literalmente apavorada. Desvencilhou-se dele e caminhou
at�� a porta. Tinha certeza de que Lu��s estava indignado consigo mesmo
por ter revelado suas preocupa����es em rela����o a ela.
Fechou a porta da biblioteca e ficou tremendo no vest��bulo durante
alguns minutos, antes que pudesse reunir suficiente energia para voltar
aos aposentos de Malcolm.
S�� muito mais tarde lembrou-se com exatid��o de tudo o que ele havia
dito e p��s-se a refletir no que suas palavras significavam, verda-
deiramente.
68
CAP��TULO VII
Para sua grande surpresa, Malcolm aceitou com muita calma a atitude
de Lu��s, ao oferecer-lhe os livros. Aquilo parecia estranho a Rachel,
sobretudo levando em conta seu comportamento anterior. Algo com
certeza acontecera, que o colocara de excelente humor. Apesar de n��o ter
id��ia do que se tratava, preferiu n��o fazer indaga����o alguma.
Malcolm perguntou o que o marqu��s queria com ela e Rachel contou,
omitindo o que tinha sido dito em rela����o �� biblioteca e �� cole����o de arte.
N��o havia a menor necessidade de agredi-lo e, mesmo que ele lhe desse
permiss��o, ela duvidava muito se tiraria vantagens da oferta de Lu��s.
Havia outras coisas a serem levadas em considera����o e uma das principais
eram as rea����es que a proximidade de Lu��s despertava nela. O perigo
estava exatamente ali e os acontecimentos daquela manh�� tinham sido
prova suficiente.
Mesmo assim, era uma tenta����o, e, na tarde do dia seguinte, enquanto
Malcolm fazia a sesta, sentiu uma vontade enorme de ir at�� a biblioteca e
folhear algum belo livro de arte. N��o tomou nenhuma atitude nesse
sentido e passou a tarde toda desenhando a paisagem que se avistava de
seu quarto.
Os dias se sucederam. A marquesa ainda n��o havia regressado e Rachel
percebeu que Malcolm come��ava a ter desconfian��as relativas ��quela
visita t��o prolongada. H�� muito seu bom humor voltara a desaparecer e
Rachel estava constantemente a seu lado, satisfazendo a todos os seus
caprichos e obedecendo ��s menores ordens, em um desejo sincero de
evitar qualquer conflito.
N��o tinha a menor id��ia de como Lu��s passava os dias. De vez em
quando, Rosa comunicava-lhe que o senhor marqu��s tinha ido at��
Coimbra, a neg��cios, que estava visitando os vinhedos em um vale das
vizinhan��as, ou talvez jantando com sua noiva e a fam��lia dela. A maior
parte do tempo suas vidas corriam em linhas paralelas, nunca se tocando e
jamais se cruzando. Era como se estivessem sozinhos na quinta.
69
Essa ��, sem d��vida, a melhor solu����o para a situa����o que vivemos,
pensou Rachel. Sem a presen��a da marquesa, n��o tinham o menor contato
com o outro lado da casa e podiam conduzir suas vidas como bem lhes
aprouvesse.
Malcolm, por��m, n��o encarava as coisas desse modo. Reclamava sem
cessar pelo fato de estarem ali "segregados", conforme dizia, e come��ou a pensar em uma maneira de impor sua presen��a a Lu��s.
Certa manh��, ordenou a Rachel, muito contra a vontade desta, que
empurrasse a cadeira de rodas em dire����o ao sal��o principal. No entanto,
aquele passeio revelou-se uma frustra����o. Apenas uma criada
encontrava-se l�� e ela apressou-se em explicar, em seu ingl��s prec��rio,
que o senhor marqu��s passava o dia fora, comprando cavalos. Rachel
sentiu-se enormemente aliviada. Detestaria ser descoberta em semelhante
situa����o por Lu��s, mas Malcolm indignou-se e, durante o resto do dia,
mostrou-se muito pouco am��vel.
Foi deitar-se cedo e ��s nove e meia j�� dormia, quando ouviu-se uma
pancada ligeira na porta da sala.
Rachel, que estava lendo, foi atender e ficou muito. surpreendida ao
deparar-se com Lu��s.
��� O senhor?!
��� Disseram-me que seu marido quer ver-me.
��� Como assim? Quem foi que lhe disse?
��� Joana, a criada. Comunicou-me que estiveram �� minha procura.
Ser�� que nada acontecia naquela casa sem que ele acabasse tomando
conhecimento?
��� Sinto muito, mas acho que Malcolm est�� dormindo.
��� N��o �� cedo demais para dormir?
��� Ent��o n��o acredita em mim?
��� Claro que acredito! Acaso sabe por que ele queria ver-me?
��� N��o, acho que n��o.
��� Certo. Usa estes aposentos de prefer��ncia aos seus?
��� N��o, absolutamente. Apenas estava lendo. Costumo ficar por aqui
at�� Malcolm recolher-se. Na verdade, estava estudando os livros que me
emprestou e acabei esquecendo do tempo.
��� E a senhora tamb��m costuma recolher-se cedo?
��� Sim, de vez em quando.
��� E hoje �� noite?
��� N��o sei. ��� Rachel olhou preocupada em dire����o �� porta do quarto
de Malcolm. �� verdade que ele estava dormindo, mas, se o marqu��s
continuasse se exprimindo naquele tom baixo e penetrante, em breve ele
despertaria. ��� Por que indaga?
70
��� Estava para perguntar-lhe se gostaria de dar uma volta pela
propriedade.
��� Bem, n��o estou vestida para ir aonde quer que seja, senhor...
Usava um vestido, muito simples, de algod��o vermelho, com decote
baixo. Era curto, ali��s muito mais curto do que Am��lia ��lvares usaria.
��� �� muita bondade de sua parte...
��� N��o volte a dizer essas palavras! N��o se trata em absoluto de
bondade. Apenas desejo sua companhia, eis tudo.
��� N��o sei o que dizer...
��� Pois ent��o diga que sim. Tenha pena de mim!
Pena! Rachel n��o conseguia pensar em ningu��m menos carente daquele
sentimento. Contemplou aqueles olhos escuros e sentiu que sua firmeza a
abandonava. Desviando o olhar, disse:
��� Malcolm pode acordar e eu tenho de estar por perto.
��� Muito bem, senhora.
Lu��s aceitava sua recusa e Rachel sentiu que as palmas das m��os se
molhavam de suor. Que mal havia em passear com ele? O que esperava
que ele fizesse? Acaso a atacaria? O marqu��s de Mendao n��o era o tipo de
homem capaz de semelhante atitude.
Lu��s inclinou a cabe��a, em um gesto de sauda����o e come��ou a se
afastar, quando ela o deteve.
��� Irei com o senhor!
��� Muito bem. Pois ent��o, vamos.
Rachel hesitou durante breves segundos e, estremecendo ligeiramente,
saiu do aposento e fechou a porta.
L�� fora estava surpreendentemente fresco, ap��s o calor do dia, mas n��o
o suficiente para que ela precisasse de um casaco. Ao contr��rio, apreciava
a ligeira brisa, que lhe punha arrepios nos bra��os e no pesco��o. Todos os
odores do dia tinham se intensificado, gra��as �� aproxima����o da noite, e os
perfumes das flores permaneciam muito depois que os raios do sol haviam
desaparecido no horizonte.
Lu��s caminhava com os bra��os cruzados nas costas, sem se manifestar.
No momento, parecia n��o ter nada a dizer e Rachel tentou se acalmar.
Estava sendo rid��cula, ao sentir-se daquela maneira. S�� porque um
homem a havia convidado a dar um passeio em sua companhia... Era
estupidamente inexperiente, no que dizia respeito aos homens, pois s��
podia basear-se na agressiva crueldade de seu marido.
��� Fui ao Porto hoje. Um amigo meu vendia alguns cavalos. Comprei
um belo animal. Gostaria de v��-lo?
��� Muito!
��� Bom! Pois ent��o iremos at�� a cocheira. �� por aqui.
71
A cocheira n��o ficava muito longe da casa, mas o caminho mergulhava
nas sombras, em alguns lugares, e Rachel procurou seguir o marqu��s de
perto. Nunca havia estado naquela parte da quinta e admirou, em sil��ncio,
as edifica����es muito alvas e o p��tio coberto de seixos.
Tudo estava trancado, mas Lu��s tirou algumas chaves do bo��so e abriu
o cadeado que fechava a porta da cocheira. Entrou e acendeu algumas
l��mpadas, acenando a Rachel para segui-lo.
Havia l�� tr��s cavalos, que se aproximaram das baias, com os focinhos
arreganhados, �� espera de a����car. Lu��s falou com cada um deles e Rachel
deduziu que ele sentia um real afeto pelos animais.
Na ��ltima divis��o da cocheira, um cavalo esguio e de apar��ncia nervosa
relinchou, impacientemente. Era todo negro e os m��sculos de seu corpo
ressaltavam-se por debaixo do p��lo. Tratava-se de uma montaria
magn��fica e Lu��s sorriu, feliz.
��� Este �� o Arrojado. N��o �� uma beleza?
��� Bel��ssimo, sim! ��� disse Rachel, acariciando a cabe��a do cavalo.
��� Quem escolheu o nome?
��� Fui eu. Fique tranq��ilo, Arrojado! Calma! ��� disse o marqu��s,
sorrindo.
Naquele momento, Lu��s estava irresistivelmenie atraente e Rachel
refletiu se costumava sorrir para Am��lia daquele jeito. Sobre o que
conversariam quando estavam a s��s? Ser�� que ele a beijava e a
acariciava?
Os l��bios de Rachel tremeram e ela afastou-se, indo em dire����o a outra
baia, onde n��o pudesse ver Lu��s. N��o tinha nada a ver com aquilo, e Dor
que pensava continuamente no assunto? Tinha t��o presente o fato de que
uma mulher como Am��lia jamais seria capaz de tornar Lu��s feliz... Na
verdade, n��o tinha a menor id��ia do que o fazia ou n��o feliz.
O marqu��s deixou Arrojado de lado e aproximou-se de Rachel. Ela n��o
o olhou, mas come��ou a andar lentamente em dire����o �� porta da cocheira.
Seu impulso era sair rapidamente, mas n��o queria despertar a curiosidade
dele, comportando-se de maneira inconseq��ente.
L�� fora, o ar fresco da noite foi um verdadeiro b��lsamo para o s��bito
calor que sentia. Cruzou os bra��os, enquanto ele fechava a porta.
��� A senhora sabe montar? ��� perguntou o marqu��s, colocando as
chaves no bolso.
- N��o.
��� N��o gostaria de aprender?
��� Talvez...
��� Poderia ensinar-lhe...
��� Bem... vamos voltar para casa?
72
��� Como quiser... ��� disse Lu��s, disfar��ando a irrita����o que aquela
sugest��o lhe produzira.
Rachel seguiu a trilha que os levava por entre o arvoredo at�� a alameda.
Era de surpreender como encontrara o caminho com facilidade, mas o
temor havia guiado seus passos. Temor de qu��? Estava sendo novamente
rid��cula.
Entraram na casa e dirigiram-se para o sal��o. Somente um abajur estava
aceso e o grande aposento encontrava-se mergulhado na penumbra.
Rachel viu mais uma vez os belos enfeites que havia admirado por
ocasi��o do desastroso ch�� e andou com cuidado por entre as mesinhas,
receosa de trope��ar em algum m��vel.
As portas que davam para o vest��bulo estavam fechadas e Lu��s
perguntou:
��� N��o gostaria de tomar um drinque comigo, antes de se deitar?
��� N��o me parece uma boa id��ia...
��� Por que n��o?
��� Se sua noiva estivesse aqui, ela teria permiss��o para tomar um
drinque em sua companhia, antes de ir para a cama?
��� N��o.
��� Por que n��o?
��� Am��lia �� solteira; n��o seria apropriado para ela tomar um drinque a
s��s comigo.
��� Sei... Mas, em se tratando de mim, isto n��o tem import��ncia, n��o ��
mesmo?
��� N��o vamos come��ar uma discuss��o, senhora. Tem toda a liberdade
de r e c u s a i minha oferta.
��� �� mesmo. Pois bem, recuso.
Ele serviu-se de conhaque e esvaziou metade do copo, antes de
encar��-la.
��� Preferia que n��o recusasse.
��� Por que n��o? ��� indagou Rachel, olhando-o muito perturbada. ���
Por que deseja minha companhia?
Lu��s tornou-se sombrio. Mesmo estando t��o afastados um do outro,
Rachel percebeu a raiva que ele sentia naquele momento.
��� N��o basta eu a desejar? ��� perguntou, aproximando-se.
��� N��o, n��o basta. N��o o compreendo... Gostaria que me deixasse em
paz!
��� Gostaria mesmo?
Engoliu o restante e ficou a contemplar o copo.
��� Acho melhor retirar-me.
��� Deixe que eu abra a porta.
7 3
Passou por ela e durante um breve momento estiveram muito pr��ximos,
exatamente como naquele dia em que se acercaram do rio, s�� que desta
vez o bra��o de Lu��s encostou de leve em seu corpo. Bastaria ela voltar-se
e poderia encostar o rosto no peito dele. O desejo de fazer isso era
intenso. Como tinha vontade de tocar qualquer parte daquele corpo!
Conseguiu sentir o tecido fino do palet�� de encontro a seu bra��o e sentiu o
h��lito dele, que cheirava levemente a conhaque.
��� Oh, Lu��s! ��� murmurou, quase sem f��lego, mas ele a ouviu.
Contemplou-a como se esperasse algo mais, mas ela acrescentou,
sacudindo a cabe��a: ��� Sinto muito, sinto muito. N��o devia ter dito uma
coisa destas, senhor!
��� Com que, ent��o, ao pensar em mim, trata-me por Lu��s... ��� Ele
disse, com voz rouca. ��� Repita!
��� O qu��? ��� Rachel tinha a impress��o de que n��o conseguia respirar.
��� Meu nome. Diga novamente!
��� Lu��s... desculpe-me.
A respira����o dele havia se acelerado. Rachel conseguia senti-la... Via
os m��sculos tensos daquela m��o que se estendera para. abrir a porta.
Sentia que seus olhos pousavam sobre ela, como uma l��ngua de fogo que
lhe lambia a carne...
��� Meu Deus, Rachel! Voc�� queria...
Ele deu um passo adiante, com a intens��o de aprisionar aquele corpo
fr��gil, mas Rachel desvencilhou-se com surpreendente agilidade.
��� N��o! N��o, Lu��s! N��o sou... esse tipo de mulher!
��� Mas do que est�� falando? ��� ele perguntou, com a voz abafada pela
emo����o.
��� Quero ir embora. Por favor... abra a porta!
Lu��s olhou-a durante alguns minutos e ent��o pareceu recuperar o
controle. Abriu a porta e p��s-se de lado, muito tenso.
Rachel n��o ousou olh��-lo, enquanto se retirava do sal��o.
Na manh�� seguinte, Rachel sentia-se cansada e tensa. Havia dormido
muito mal e, quando se dirigiu para os aposentos de Malcolm, estava
totalmente despreparada para ouvir suas primeiras palavras.
��� Divirtiu-se ontem �� noite, Rachel?
Estava abrindo as venezianas e interrompeu-se no ato. Suas m��os
tremeram e ela o encarou, como se n��o estivesse entendendo aonde ele
queria chegar.
��� O que foi... que voc�� disse?
Malcolm tinha um ar estranho. Ajeitou-se na cama e sorriu para ela de
modo desagrad��vel!
74
��� Perguntei se voc�� se divertiu ontem �� noite...
��� Ontem �� noite...
��� Isso mesmo, ontem �� noite. Voc�� saiu de casa, n��o �� mesmo?
Esperou que eu adormecesse e saiu!
Rachel voltou a cuidar das venezianas. Sentia-se mal. Malcolm sabia
que Lu��s tinha vindo �� sua procura na noite anterior. Devia t��-los escutado
conversando, conforme ela temia. Decidiu encarar a situa����o de frente e
disse:
��� De fato, achei que voc�� havia dormido. Lamento saber que voc��
preferiria que eu n��o tivesse sa��do. ��� Esperou que a tempestade
desabasse, mas isso n��o aconteceu. ��� Ouviu o que eu disse, Malcolm?
��� Ouvi, sim. ��� Havia uma express��o estranha no rosto de Malcolm.
��� E... voc�� n��o se importa?
��� Por qu��? Haveria motivos para eu me importar?
��� N��o! Claro que n��o!
O tom veemente com que Rachel se exprimia devia t��-lo deixado
satisfeito, pois ela balan��ou a cabe��a lentamente e ele se acalmou.
��� N��o, claro que n��o! Voc�� n��o �� desse jeito, n��o �� mesmo, Rachel?
N��o se interessa pelos homens! Algumas vezes chego a me perguntar pelo
que voc�� se interessa: o belo marqu��s n��o sabe disso, n��o ��? E est��
ficando evidente que ele demonstra bastante interesse por voc��!
��� Oh, n��o seja rid��culo, Malcolm!
Rachel n��o queria que Malcolm colocasse em palavras aquilo que ela
mais temia.
��� N��o sou nenhum tolo! Eu o ouvi ontem �� noite, convidando-a para
dar um passeio com ele. O que ser�� que a m��e dele diria? Isso, sem
pensar naquela noivinha com rosto de lua cheia... Que choque para ela
saber que seu aristocr��tico noivo entrega-se �� tenta����o de seduzir uma
mulher casada!
��� Mas ele n��o me seduziu!
��� N��o mesmo? No c��digo de comportamento dessa gente, s�� o fato
de ter vindo at�� aqui, convid��-la para dar uma volta, j�� equivale a um
romance...
��� Mas ele n��o veio buscar-me para dar uma volta! Veio para v��-lo.
Ouviu dizer que estivemos no sal��o, ontem, pela manh�� e achou que voc��
queria lhe falar. Meu Deus do c��u, se estava acordado, por que n��o me
disse nada? Poderia perfeitamente ter conversado com ele.
��� Isso n��o me convinha. Sentia curiosidade em saber at�� onde ele
iria... Pobre Joanna! Achou que poderia fugir de mim deixando a quinta.
Nunca lhe passou pela cabe��a a id��ia de que seu filho poderia ser
corrompido...
75
��� Mas de que est�� falando, Malcolm? Por que haveria de querer
corromper a marquesa ou seu filho?
��� Eu acaso disse isso?
��� N��o, mas... oh, Malcolm, �� evidente que n��o somos bem-vindos
aqui. Vamos para casa, por favor!
��� N��o! Ainda tenho muito o que fazer aqui!
Ela deu-lhe as costas. De que adiantava insistir? Acontecesse o que
acontecesse, Malcolm estava decidido a tirar proveito da situa����o, mas ela
n��o tinha a mais remota id��ia de que proveito era esse.
Rachel discutia com Rosa a possibilidade de conseguir fazendas
baratas, que lhe permitissem confeccionar alguns vestidos, quando o
marqu��s apareceu, por volta do meio-dia. Entrou na sala e indagou, com
o tom autorit��rio de costume:
��� Onde se encontra o sr. Trevellyan? Quero falar com ele.
��� Est�� no quarto, senhor marqu��s...
Rachel n��o conseguiu prosseguir, pois Lu��s atravessou a sala e, depois
de bater �� porta, entrou imediatamente no quarto.
��� C��us! ��� exclamou Rosa, assustada. ��� O marqu��s, pelo visto, est��
muito zangado, n��o?
��� �� mesmo?
��� Claro que sim, senhora! N��o viu seu rosto? Nunca o vi fazer uma
coisa destas.
��� Que coisa?
��� Entrar nos aposentos de um h��spede, sem antes obter a permiss��o,
e pedir para ver seu marido, sem antes cumpriment��-la! N��o, senhora, o
marqu��s est�� de fato zangado.
Rachel estremeceu. Seu interesse moment��neo pelos vestidos havia
desaparecido. Achou que aquela atividade poderia distra��-la de seus
pensamentos sombrios, mas era tudo in��til. Como poderia concentrar-se
em algo, estando plenamente consciente da falsa posi����o que ocupavam
naquela casa?
Rosa resolveu retirar-se. Achava, evidentemente, que n��o seria nada
conveniente encontrar-se por ali, quando o marqu��s sa��sse do quarto do
sr. Trevellyan. Rachel combinou conversar com ela mais tarde e, depois
que a criada se retirou, saiu para o p��tio.
Estava muito quente e ela sentou-se em uma espregui��adeira. Seu
instinto dizia-lhe que devia abrigar-se na relativa prote����o de seus
aposentos, mas era poss��vel que Malcolm a chamasse e tinha de ficar ��
m��o, a fim de evitar quaisquer suspeitas por parte dele. Mas que situa����o!
Sua cabe��a do��a quando pensava no assunto. Pegou a prancheta e os
76
crayons e come��ou a desenhar. Sua m��o percorria com agilidade a
superf��cie do papel e, de repente, a cabe��a de um homem come��ou a
tomar forma. Os olhos eram encovados e profundos, as ma����s do rosto
salientes, o perfil exprimia intelig��ncia e o l��bio inferior possu��a um toque de sensualidade. Contemplou o desenho, quase irritada. N��o conseguia
escapar a seus pensamentos at�� mesmo naquele momento? Sempre tivera
a capacidade de faz��-lo. Fora o ��nico aspecto inviol��vel de sua exist��ncia
e era exatamente por isso que Malcolm se opunha a que ela desenhasse.
Agora, por��m, parecia que at�� mesmo aquilo lhe era negado.
Rasgou o papel, amassou-o e jogou-o no ch��o do p��tio. N��o queria
contemplar o exemplo revelador de sua vulnerabilidade.
Olhou para as portas que davam para a sala. Lu��s ainda estaria com
Malcolm, ou se retirara sem que ela percebesse. Talvez n��o, pois, nesse
caso, o marido, com toda a certeza, mandaria cham��-la. O que estaria
acontecendo? Por que ele viera procur��-los? Sobre o que conversavam?
Subitamente, a porta do quarto de Malcolm abriu-se e Lu��s surgiu.
Rachel n��o se voltou, mas ele veio para o p��tio e ficou parado a seu lado.
��� Bom dia, senhora ��� disse, r��gido como sempre. ��� Como est��
passando?
��� Muito bem, obrigada. E o senhor?
��� Rachel, Rachel, onde �� que voc�� est��?
O som da voz de Malcolm ecoou no p��tio. Rachel suspirou e, pondo a
prancheta de desenho de lado, fez men����o de se levantar, mas as palavras
de Lu��s fizeram-na hesitar.
��� Vim pedir desculpas pelo que aconteceu ontem �� noite. N��o sei o
que me levou a agir daquela maneira. Isso n��o voltar�� a acontecer.
Rachel se levantou. N��o conseguia encar��-lo de modo algum e disse:
��� N��o tem import��ncia, senhor.
��� Rachel! Que inferno! Onde �� que voc�� est��?
Malcolm tornava-se cada vez mais impaciente. Rachel esbo��ou um
gesto de desculpas e dirigiu-se para os aposentos de Malcolm. Este, em
um gesto brusco, indicou-lhe que devia fechar a porta.
��� Mas, afinal de contas, onde foi que voc�� se meteu? Estou
chamando-a h�� s��culos!
��� N��o �� verdade, Malcolm. Estava l�� fora, no p��tio. Voc�� n��o pode
esperar que eu venha correndo toda vez que me chama, n��o �� mesmo?
��� Imagino que voc�� o tenha visto chegar, n��o?
��� Est�� se referindo ao marqu��s?
��� Claro que sim! N��o me venha com truques, Rachel!
��� N��o �� o caso. Muito bem. O que �� que ele queria?
77
��� Queria saber quando �� que vamos embora!
��� O qu��? ��� Rachel mal conseguia acreditar no que havia acabado de
ouvir. ��� E o que foi que voc�� disse?
��� O mesmo que lhe disse. Irei quando estiver pronto para isso, e n��o
antes.
��� E o que ele respondeu?
��� Que poder��amos ficar mais uma semana, ap��s o que sentiria muito,
mas teria de pedir para nos retirarmos!
��� Certo... Bem, j�� �� alguma coisa ��� disse, sentindo-se
completamente perdida.
��� O que �� alguma coisa?
��� Ficar mais uma semana. Ser�� t��o bom voltar para casa!
��� N��o vamos para casa!
��� Mas voc�� acaba de dizer que...
��� Disse apenas o que ele falou. N��o disse que concordava com ele.
��� Mas voc�� n��o pode ficar aqui contra a vontade dele! Ele acabar��...
expulsando-o!
��� Duvido que Joanna concorde com isso.
��� A marquesa n��o se encontra aqui.
��� Eu sei, mas ela voltar��.
��� O que quer dizer com isso? Ela regressar�� em breve �� quinta?
��� Acho que sim.
��� Oh, Malcolm! De que serve agredir essa gente? J�� estamos aqui h��
duas semanas ou, melhor dizendo, tr��s, se contarmos tamb��m a pr��xima.
J�� �� mais do que suficiente, n��o?
��� Preciso de um estimulante poderoso que me encoraje a partir daqui.
N��o fiz essa viagem t��o longa s�� para passar algumas semanas no sol.
��� Mas ent��o, por que foi que veio?
��� Algum dia voc�� saber��. Agora v�� dizer a Eduardo que quero v��-lo.
��� Eduardo? Mas por que haver�� de querer ver Eduardo? Se quiser se
levantar, posso ajud��-lo.
��� N��o me fa��a perguntas. Limite-se a cham��-lo!
Malcolm estava no auge da irrita����o e Rachel levantou-se
obedientemente. Aquela situa����o a desesperava e gostaria de encontrar
uma maneira de fugir dela. N��o queria permanecer naquele lugar. N��o
desejava nada da fam��lia Martins e, a despeito da atitude agressiva de
Malcolm, n��o via como ele poderia impor sua vontade sobre aquela
gente. Talvez estivesse sendo desnecessariamente pessimista. Talvez
partissem no prazo de uma semana, conforme Lu��s desejava. No que lhe
dizia respeito, aquela era certamente a ��nica solu����o.
7 8
CAP��TULO VIII
Na manh�� seguinte, Malcolm surpreendeu Rachel, pedindo-lhe que
providenciasse para que o carro fosse colocado �� disposi����o deles.
��� Voc�� est�� querendo sair?
��� N��s iremos sair ��� corrigiu-a Malcolm. ��� Achei que j�� era tempo
de dar um passeio pela regi��o.
Rachel hesitou. O que significava aquilo? Estaria Malcolm a ponto de
aceitar o ultimato de Lu��s e partir em uma semana, conforme se esperava?
Oh, tomara que fosse verdade!
O carro que lhe enviaram era um convers��vel azul, todo cromado. O
chofer era Eduardo, e Rachel refletiu que ali estava a raz��o pela qual
Malcolm desejara falar com ele na v��spera. Sacudiu a cabe��a. As
experi��ncias anteriores haviam-lhe ensinado a comportar-se com a
m��xima cautela, sempre que se tratava de algum assunto referente a seu
marido.
A n��o ser por aquele dia em que ela fora at�� a aldeia, era esta a
primeira vez que deixavam a quinta, desde sua chegada. A despeito de
suas preocupa����es, Rachel sentiu-se relaxada no momento em que a bela
quinta desapareceu de vista. Sentou-se no banco de tr��s com Malcolm e
tentou indagar por que ele parecia estar t��o satisfeito consigo mesmo.
Atravessaram o vale e deixaram para tr��s planta����es de lim��o e olivais,
nos quais mulheres vestidas de negro trabalhavam, sem se importarem
com o calor. Rachel ficou a imaginar como elas conseguiam suportar
tantas roupas. At�� mesmo as jovens usavam len��os negros em torno das
cabe��as. De vez em quando uma delas acenava, reconhecendo o carro.
Pelo visto, todos os autom��veis do marqu��s eram reconhec��veis... Mas,
7 9
quando percebiam que Lu��s Martins n��o se encontrava entre eles,
recebiam apenas olhares de curiosidade.
A estrada agora serpenteava por entre colinas e, em seguida, penetrava
em outro vale. Chegaram at�� uma aldeia semelhante a Mendao, com
apenas algumas casinhas e uma loja, al��m da igreja rodeada pelo
cemit��rio. Rachel gostaria que Malcolm parasse, mas ele, adivinhando
seus desejos declarou:
��� N��o temos tempo.
��� Como assim? Achei que t��nhamos tempo de sobra.
��� Pois n��o temos, n��o. Prossiga, Eduardo. Ainda estamos muito
longe?
��� N��o, senhor, mas n��o estou gostando nada disto. Espero que o
senhor marqu��s...
Eduardo exprimia-se em portugu��s, o que deixou Malcolm
profundamente irritado.
��� Mas, afinal de contas, o que voc�� est�� resmungando, hein, rapaz?
Se tiver de dizer alguma coisa, diga-a em ingl��s!
Rachel tentou traduzir o que Eduardo acabara de dizer. Sabia o
significado da palavra n��o e pareceu-lhe que ele havia declarado n��o
gostar de alguma coisa. Mas de qu��? E por que havia mencionado Lu��s,
sem disfar��ar a preocau����o que sentia?
Olhou para seu marido, sentindo-se meio perdida, mas ele ignorou-a.
Contemplou ent��o a paisagem, sentindo-se cada vez mais preocupada.
Para onde iam? Que instru����es Malcolm havia dado, quanto �� sua
destina����o final, e que deixavam o jovem portugu��s t��o angustiado?
Deixaram a estrada principal e tomaram um atalho, passaram por um
port��o aberto e seguiram por uma alameda que levava a uma casa, cuja
porta de entrada estava escancarada. Rachel encarou Malcolm e voltou a
olhar para a edifica����o. Era uma casa de campo, menor que a quinta dos
Martins e desprovida de seu encanto e beleza. Mesmo assim, era uma
casa atraente, toda feita de pedras, com altas chamin��s que se destacavam
no telhado.
��� Mas onde estamos, Eduardo? Que lugar �� este?
��� A casa dos Alvares, senhora!
��� A casa dos ��lvares? Da sita. Am��lia?
��� Sim, senhora.
��� Oh, n��o! ��� Rachel estava horrorizada e voltou-se para Malcolm.
��� Mas, afinal de contas, o que voc�� est�� pensando? Por que viemos at��
aqui? Prossiga, Eduardo. N��o pare. Leve-nos imediatamente de volta para
a quinta!
��� N��o ouse fazer uma coisa destas!
80
Malcolm estava t��o indignado que se inclinou para a frente e agarrou
Eduardo pelo pesco��o.
��� Tire j��, j�� minha cadeira aqui de dentro! R��pido, vamos!
Eduardo agiu conforme lhe era dito. Malcolm o aterrorizava e Rachel
n��o podia esperar qualquer aux��lio de sua parte. Recusava-se, entretanto,
a participar daquela horr��vel farsa.
��� Mas o que aconteceu com sua sensatez, Malcolm? Por que viemos
at�� aqui? Voc�� n��o tem o direito de impor sua presen��a �� marquesa!
��� N��o tenho? E por que n��o? Se a montanha n��o vem a Maom��,
Maom�� vai �� montanha!
��� Malcolm, voc�� n��o est�� vendo que isto �� uma loucura? Ningu��m
age desta forma!
��� Cale-se! Voc�� n��o sabe nada a esse respeito. Trata-se de um
assunto que interessa a Joanna e a mim.
��� Mas, ent��o por que me trouxe? Por que quer envolver-me nessa
hist��ria?
��� E o que pretendia que eu fizesse? Queria que a deixasse na quinta,
de m��os dadas com o marqu��s? N��o, obrigado!
��� Voc�� n��o est�� falando a s��rio! ��� disse Rachel, com o rosto
pegando fogo.
��� Eduardo! Que inferno, onde �� que voc�� est��? Tire-me deste carro,
rapaz!
O som de suas vozes alteradas acabou por chamar a aten����o e um
criado surgiu no alto da escada, encarando-os com indisfar��ada
hostilidade. De repente pareceu reconhecer o carro e apressou-se em vir
ao encontro deles.
��� Bom dia, meus senhores. Em que posso ajud��-los?
��� Diga �� marquesa de Mendao que ela tem visitas! ��� ordenou
Malcolm.
��� A marquesa, senhor? ��� O criado ficara visivelmente preocupado.
��� Ela est�� �� sua espera?
Eduardo trouxera a cadeira de rodas, que era dobr��vel, e ajudava
Malcolm a se acomodar. Encarou seu colega com nervosismo e o criado
repetiu a pergunta.
��� A marquesa est�� �� sua espera, senhor?
��� N��o est��, n��o. Trata-se de uma surpresa. Quer ajudar Eduardo a
carregar minha cadeira?
��� E a senhora, tamb��m vai descer, senhor? ��� indagou o criado,
hesitante, olhando para Rachel, que ainda se encontrava sentada no banco
traseiro do carro.
81
��� Minha mulher est�� se sentindo um pouco cansada. Ela nos seguir��
mais tarde, n��o �� mesmo, Rachel?
Rachel n��o conseguiu responder. Seu cora����o batia com tamanha for��a
que teve a impress��o de que todos conseguiam ouvi-lo. Sentia-se
fisicamente doente quando pensava no que Malcolm estava a ponto de
fazer.
O criado dos ��lvares ajudou Eduardo. Estava obviamente perplexo,
sem saber se devia ou n��o acolher aquela pessoa. A atitude de Malcolm
era, por��m, de tal natureza que n��o lhe restava escolha.
Rachel permaneceu onde estava. N��o sabia o que fazer. Era-lhe
insuport��vel pensar em acompanhar Malcolm e entrar na casa dos
Alvares, mas, por outro lado, como seria poss��vel permanecer sentada
dentro do carro?
Ao chegarem ao ��ltimo degrau, Malcolm indicou que Eduardo deveria
ocupar-se da cadeira de rodas, da�� por diante, e o criado conduziu-os para
o vest��bulo.
O sil��ncio voltou a pairar, interrompido unicamente pelos p��ssaros e
pelo zumbido das abelhas que circulavam por entre as flores do jardim.
Uma paz sonolenta desceu, mas, para Rachel, aquilo parecia um estado
transit��rio. Ficou �� espera de que algo acontecesse, mas n��o sabia
exatamente o qu��.
De repente, percebeu o barulho de outro autom��vel que se aproximava:
Era um carro esporte vermelho, conduzido por um rapaz, ao lado de quem
encontrava-se Am��lia ��lvares.
Rachel sentiu vontade de sumir naquele momento. O que a jovem
pensaria, ao v��-la ali? Que explica����o daria para justificar sua presen��a?
O carro parou e o jovem desceu, olhando Rachel com curiosidade. No
momento em que Am��lia apeou, disse-lhe algo em voz baixa e ela
respondeu-lhe no mesmo tom, antes de dirigir-se para o convers��vel
��� Bom dia, sra. Trevellyan! Mas que surpresa!
��� Pois ��...
��� Permita-me apresentar-lhe meu irm��o, senhora. Jorge, est�� �� a sra.
Trevellyan.
��� Muito prazer, senhora. �� uma grande satisfa����o conhec��-la.
Rachel for��ou-se a sorrir, consciente da admira����o estampada no olhar
do rapaz. Achou que devia ser de sua idade. Tinha cabelos negros, um
pouco mais curtos do que os de Lu��s, e assemelhava-se bastante �� irm��.
��� Est�� aqui com o senhor marqu��s? ��� perguntou Am��lia, intrigada.
��� Meu marido queria ver a marquesa, senhorita ��� respondeu Rachel,
desejando, no ��ntimo, que eles a deixassem a s��s.
��� Percebo. E... o marqu��s?
82
��� Pelo que sei, encontra-se na quinta, senhorita.
Am��lia encarou-a com curiosidade, como se estivesse tentando
entender por que ela n��o havia entrado na casa com seu marido.
Felizmente pareceu considerar que formular semelhante pergunta era uma
impertin��ncia, indigna de sua posi����o, e dirigiu um sorriso um tanto
condescendente a Rachel, antes de subir os degraus. Voltou-se e, notando
que seu irm��o ainda se encontrava parado perto do carro, disse, em um
tom que n��o admitia recusa:
��� Vamos, Jorge!
��� V�� indo, Am��lia! ��� disse Jorge, que, pelo visto, n��o era t��o f��cil
assim de ser controlado. ��� Farei companhia �� senhora durante alguns
momentos.
��� N��o �� necess��rio... ��� apressou-se em dizer Rachel, mas ele levou
um dedo aos l��bios, em um gesto eloq��ente, e ela interrompeu-se.
Am��lia entrou em casa, sem disfar��ar seu desagrado. Evidentemente,
n��o gostava que seu irm��o se interessasse por algu��m a quem olhava com
desprezo.
��� J�� ouvi falar a seu respeito, senhora ��� disse Jorge, sorrindo. ��� ��
casada com aquele senhor que veio hospedar-se na casa de dona Joanna,
n��o �� mesmo?
��� Exatamente.
��� Ele vive em uma cadeira de rodas, n��o?
��� �� como o senhor diz.
��� E ele veio at�� aqui ver dona Joanna?
��� Por que n��o entra e verifica?
Rachel sentia-se por demais tensa e n��o tinha a menor paci��ncia de
satisfazer a curiosidade daquele jovem.
��� Acha que estou fazendo perguntas demais? Desculpe, mas n��o era
minha inten����o. Simplesmente surpreendeu-me que algu��m como a
senhora fosse casada com um homem suficientemente velho para ser seu
pai.
Rachel olhou desesperada para a entrada da casa. Quanto tempo
Malcolm ainda permaneceria l�� dentro?
��� Por que n��o entra tamb��m?
��� N��o quero entrar em sua casa. N��o fomos convidados e n��o tenho a
menor inten����o de interferir na privacidade de seus pais!
��� E seu marido, o sr. Trevellyan... ele est�� interferindo?
��� Oh, por favor... v�� embora e deixe-me em paz!
Rachel abriu a porta do carro e desceu, pois n��o suportava mais ficar l��
dentro. Come��ara a sentir-se como um bicho raro exposto �� curiosidade
alheia. Lan��ou um olhar indignado para Jorge Alvares, e ele p��s-se de
8 3
lado, deixando-a passar. Oh, por que Malcolm n��o vinha? O que estava
fazendo e dizendo?
��� Sinto muito se a aborreci, senhora.
��� Mas o que quer comigo? Por que est�� agindo assim? Que prazer
sente em conversar comigo?
��� Prazer? Receio que n��o esteja entendendo...
��� Que satisfa����o tem o senhor em me atormentar?
��� Atormentar, senhora? Sinto muito, mas confundiu-me mais uma
vez...
Rachel sorriu, sem querer. Aquela situa����o estava ficando
simplesmente rid��cula!
��� Que idade tem, Jorge?
��� Eu? ��� disse o rapaz, surpreendido por ter sido chamado pelo
nome. ��� Vinte e tr��s anos.
��� �� o que me pareceu. Pois, ent��o, v�� encontrar algu��m para brincar
com voc��!
��� N��o sou nenhuma crian��a, senhora.
��� Pare de agir como se fosse! Voc��, no fundo, n��o quer conversar
comigo. Apenas achou que seria um jogo divertido permanecer aqui e
deixar-me embara��ada com suas perguntas. Pois saiba que n��o me
embara��a, Jorge, simplesmente me aborrece!
��� Pe��o-lhe desculpas ��� disse Jorge, vermelho como um piment��o.
��� Est�� bem.
��� De qualquer modo, a senhora se engana.
��� Como assim?
��� Confesso que minha inten����o inicial era divertir-me um pouco, mas
a senhora me interessa. Acho sua atitude estimulante. Gosto de conversar.
��� Acho que sua fam��lia n��o aprovaria...
��� N��o sou nenhuma crian��a. Tenho opini��es pr��prias. Fui educado na
Inglaterra e j�� conversei com mo��as inglesas. Em geral, �� mais
interessante dialogar com elas do que com as garotas portuguesas. Aqui as
mulheres n��o s��o t��o emancipadas. Sua conversa limita-se ao lar e ��
fam��lia. Antes mesmo de chegarem aos trinta, parecem mulheres de
meia-idade e tornam-se entediantes!
��� Mas que acusa����o...
��� Ver�� que tenho raz��o, a n��o ser em casos muito especiais. Tome
como exemplo minha irm�� Am��lia. N��o possui qualquer outro interesse
que n��o diga respeito �� casa. Sabe como controlar os criados e dirigir um
lar com efici��ncia. N��o h�� a menor d��vida de que, quando chegar a ��poca
de ela e Lu��s terem filhos, ser�� uma m��e muito competente. Mas o que
ela sabe do mundo e da vida, fora de sua exist��ncia t��o estreita? Nada!
84
Nada! N��o sente a menor inclina����o em pensar por si mesma e nem lhe
passa pela cabe��a seguir uma carreira. Acaso �� de admirar que um homem
inteligente ache aborrecida uma pessoa assim?
��� E um homem como o marqu��s... o que ele faz, em semelhantes
circunst��ncias?
��� Encontra algo ou mais algu��m a quem dedicar seu interesse. Claro
que existem alguns homens que consideram seu trabalho um substitutivo
mais do que adequado para a insatisfa����o de suas vidas pessoais.
��� Pois parece-me que voc�� est�� fazendo meras suposi����es. N��o sabe
com certeza se tem raz��o. Al��m do mais, alguns homens preferem que as
mulheres sejam completamente subservientes, que os satisfa��am em tudo
e tomem conta de seus filhos. Querem ter algu��m que os ou��a o tempo
todo. Tiram uma satisfa����o ego��stica do fato de serem dominadores. E
como sabe que os homens portugueses n��o s��o diferentes dos ingleses?
Concordo que na Inglaterra as mulheres sejam razoavelmente
emancipadas e que seus maridos apreciem este fato. �� um progresso
natural, ocorrido ao longo dos anos. Mas em Portugal as mulheres
permaneceram as mesmas durante centenas de anos e talvez seus maridos
n��o queiram que elas se tornem auto-suficientes...
��� Os homens s��o iguais no mundo inteiro! E todos eles preferem uma
mulher que possa satisfazer a suas mentes, bem como a seus corpos.
��� Bem, acho que essa conversa j�� foi longe demais, Jorge... ��� disse
Rachel, sorridente, quando, de repente, ouviu um grito.
��� Senhora! Senhora! Venha depressa!
Era a voz de Eduardo, exprimindo-se em portugu��s. Embora sem ter
muita certeza do significado das palavras, Rachel percebeu que algo s��rio
estava se passando. Olhou assustada para Jorge e subiu os degraus
correndo. Jorge estava a seu lado e, quando trope��ou, ele a impediu de
cair.
��� Oh, obrigada. O que foi, Eduardo? O que est�� acontecendo?
Eduardo p��s-se a falar rapidamente, o que a deixou completamente
confusa. Seu conhecimento da l��ngua ainda era prec��rio e ele, muito
perturbado, n��o conseguia exprimir-se por meio das poucas palavras de
ingl��s que conhecia.
��� Est�� dizendo que se trata de seu marido, senhora. Est�� passando
mal...
��� O qu��? Onde �� que ele est��?
��� Venha comigo, senhora. Por aqui! ��� disse Eduardo, ansioso.
Jorge tomou Rachel pelo bra��o e incentivou-a a ir adiante. Ela mal
notou os belos quadros que enfeitavam as paredes do vest��bulo ou os
vasos com flores espl��ndidas, cujo aroma delicado invadia o ambiente.
85
Sentia unicamente uma dor na boca do est��mago e os nervos crispados,
pois n��o sabia o que estava para acontecer.
Eduardo levou-os at�� um aposento que parecia pequeno, comparado
com os da Quinta dos Martins, mas que, mesmo assim, era muito
confort��vel. Estava cheio de gente e talvez por isso dava a impress��o de
ser ainda menor. Os olhos de Rachel percorreram aquele conjunto de
rostos estranhamente silenciosos, �� procura do marido. De repente,
percebeu que ele estava deitado em um sof�� e que um homem estava
ajoelhado a seu lado, com o ouvido colado a seu peito.
Rachel saiu correndo e p��s-se ao lado dele, segurando a m��o de
Malcolm e tentando dizer a si mesma que ele estava apenas inconsciente.
Tinha os olhos fechados, um dos lados do rosto apresentava-se
horrivelmente torcido e parecia n��o respirar!
O homem levantou-se, fazendo um gesto desolado com a cabe��a.
Rachel contemplou-o, percebendo que devia ser o sr. Alvares, pois tinha
os mesmos tra��os do filho.
Depois, moveu lentamente a cabe��a de um lado para o outro e
contemplou o marido, sem poder acreditar no que via.
��� Ele... morreu?
��� Receio que sim, senhora. ��� N��o havia a menor emo����o na voz do
sr. Alvares. ��� Foi tudo muito r��pido. N��o pudemos fazer absolutamente
nada.
��� N��o! N��o acredito no senhor! Como �� poss��vel que ele esteja
morto? Encontrava-se perfeitamente bem h�� uma hora! ��� Sua voz
aumentara de volume, enquanto falava, e Rachel levantou-se, encarando
toda aquela gente sem disfar��ar a agressividade. ��� O que foi que
aconteceu aqui? Por que ele morreu? O que lhe fizeram?
��� Ele era um homem mau!
A marquesa Joanna havia-se manifestado e Rachel voltou-se,
enfrentando-a. Estava ao lado de outra mulher, com certeza a sra.
Alvares, e que lhe dava o bra��o reconfortando-a. A marquesa parecia
doente, mas Rachel n��o conseguia sentir pena dela.
��� Como pode dizer uma coisa destas? A fam��lia Trevellyan acolheu-a
em sua casa... cuidou da senhora!
��� A senhora nada sabe a respeito deste assunto. Seu marido veio aqui
para... Se ele morreu, n��o deve culpar ningu��m, a n��o ser ele mesmo.
Rachel contemplou a todos: a marquesa, apoiada pesadamente na sra.
��lvares, ambas frias e desprovidas de sentimentos, inpenetr��veis em sua
silenciosa condena����o; Am��lia�� que parecia igualmente distante, mas
cujos tra��os calmos tra��am um tormento interior. Por qu��?
Olhou para Eduardo, percebendo o quanto ele se sentia atemorizado.
8 6
Sem d��vida antecipava a ira de Lu��s, quando descobrissem que ele tinha
sido o respons��vel pelo transporte de Malcolm e dela at�� a casa dos
��lvares. Olhou finalmente para Jorge ��lvares, a ��nica pessoa presente
que parecia estar preocupada com ela.
Rachel tremia e sentiu subitamente um calor sufocante. Mal conseguia
respirar. O ar estava t��o pesado que ela teve a impress��o de que poderia
cort��-lo com uma faca. Estava mergulhada em uma atmosfera hostil e
uma sensa����o irracional de p��nico apoderara-se dela. Era imposs��vel que
aquilo estivesse acontecendo! Malcolm n��o estava morto; vivia,
continuava exigente, agressivo. N��o era um corpo sem vida, frio e inerte!
Levou a m��o �� fronte e constatou que ela estava ��mida de suor.
Transpirava, mas por qu��? Sentia frio, muito frio. Sua respira����o se
acelerava e ignorava a raz��o. Ser�� que ningu��m ia dizer nada? Ningu��m
iria exprimir condol��ncias pela morte de um ser humano?
Olhou novamente para Jorge, cujos olhos estavam plenos de
compaix��o. Com um gesto de impot��ncia, Rachel tentou andar em
dire����o a ele, mas sentiu as pernas pesadas como chumbo. Recusavam-se
a obedec��-la. Seu p��nico aumentou. Um manto negro come��ava a cobrir
seu c��rebro. Era-lhe dif��cil pensar, mover-se, respirar...
Um solu��o alojou-se em sua garganta, mas n��o conseguiu solt��-lo. Em
vez disso, tombou, inconsciente, no lugar em que se encontrava.
87
CAP��TULO IX
A seq����ncia exata dos acontecimentos dos dias que se seguiram nunca
se tomou clara para Rachel. Encontrava-se consumida por um sentimento
de culpa, pois acreditava que, se tivesse entrado na casa dos Alvares com
Malcolm, nada daquilo teria acontecido. Censurava-se por t��-lo
abandonado e recusava-se a ouvir aquela voz interior a lembrar-lhe
continuamente que os motivos que haviam levado Malcolm at�� a casa dos
Alvares n��o eram l�� muito confess��veis. Era evidente que houvera entre
ele e a marquesa algum tipo de confronto. Ainda assim, era imposs��vel a
Rachel deixar de sentir-se culpada.
Havia momentos, �� claro, em que uma certa nostalgia parecia
apoderar-se dela. No entanto, quando recordava o modo como Malcolm
havia tratado seu pai e a ela mesma, a amargura alojava-se em seu peito.
Rachel recuperara a consci��ncia em um dos quartos da casa. Uma
criada estava sentada �� cabeceira da cama e Jorge Alvares rondava a
porta. Voltou a si pressentindo que algo de terr��vel havia acontecido, e
essa sensa����o aumentou no momento em que recordou totalmente o que
se sucedera.
Jorge explicou-lhe que havia entrado em contato com Lu��s e que ele
estava a caminho, a fim de tomar todas as provid��ncias poss��veis. Quando
ele chegou, Rachel j�� tinha se levantado. Estava p��lida, por��m
recomposta, mas mesmo assim dificilmente conseguia aceitar a situa����o.
Lu��s foi diretamente �� sala onde Rachel o esperava. A sra. Alvares
estava sentada a seu lado, mas era como se estivesse sozinha, pois ela n��o
abria a boca.
Rachel ignorava que explica����es haviam sido dadas a Lu��s, mas ele n��o
indagou as raz��es de sua presen��a na casa dos ��lvares, limitando-se a
perguntar como ela se sentia. Seus olhos tra��am certa preocupa����o, da
mesma forma como tinha acontecido com Jorge. N��o conseguia ignorar
aquela morte, a despeito do envolvimento de sua m��e em toda a hist��ria.
88
Ent��o ele se retirou e algo dentro de Rachel partiu-se. O que deveria
fazer? Como uma pessoa agiria em semelhantes circunst��ncias? O corpo
de Malcolm deveria ser transportado para a Inglaterra, a fim de que o
enterrassem l��? Procurou n��o pensar naquilo. Se pelo menos houvesse
algu��m com quem pudesse entrar em contato, talvez algum parente que
viesse at�� l�� e se encarregasse de tudo... Mas n��o havia ningu��m.
A sra. ��lvares continuava im��vel. Rachel jamais conhecera algu��m t��o
passiva. Em seu vestido negro de luto, apresentava-se irrepreens��vel, mas
seu rosto n��o deixava transparecer nenhuma express��o.
Bem que ela poderia dizer alguma coisa, pensou Rachel. Em
circunst��ncias semelhantes, gostaria de consolar a esposa desolada, e n��o
trat��-la como a uma criatura inoportuna. Ser�� que a fam��lia inteira era
assim? O sr. Alvares? Am��lia? Quando pensou em Jorge, sem que
esperasse, uma sensa����o de gratid��o aqueceu-lhe o peito. Ele n��o era
como os outros. Possu��a calor humano e compreens��o, bem como senso
de humor. Oh, sim, o senso de humor era t��o importante, at�� mesmo em
circunst��ncias t��o terr��veis como aquela! Voltou a contemplar os tra��os
impass��veis da sra. ��lvares e teve de fazer ura esfor��o enorme para n��o
rir. Que situa����o absurda aquela! N��o riam, n��o falavam, agiam como se
fossem dois cad��veres. Viviam. Por��m, quem estava morto era Malcolm,
r��gido e inerte, no outro quarto.
Deu uma risadinha, que ecoou no quarto silencioso. A sra. ��lvares
voltou a cabe��a e contemplou Rachel com um olhar de reprova����o.
Rachel voltou a rir e n��o conseguia mais parar. Aquilo era de fato
engra��ado... Muito, muito engra��ado...
A sra. ��lvares finalmente reagiu. Saiu correndo da sala, �� procura de
ajuda, e exatamente nesse momento Lu��s entrou. N��o pediu desculpas por
quase ter jogado a mulher ao ch��o, ao esbarrar nela, mas foi direto at��
Rachel e deu-lhe um sonoro tapa.
O ataque hist��rico terminou t��o rapidamente quanto havia come��ado e
ela o contemplou com uma express��o de dor.
��� Voc��... voc�� bateu em mim!
��� Foi preciso. ��� Lu��s olhou impacientemente �� sua volta e constatou
que a sra. ��lvares os vigiava. ��� Por favor, acalme-se! Partiremos daqui a
pouco.
��� Partiremos? Para onde?
��� Para a quinta, �� claro. J�� tomei quase todas as provid��ncias. Espere
mais alguns minutos.
��� E... Malcolm?
��� Fique tranq��ila... estamos cuidando de tudo... senhora!
Rachel tinha certeza de que ele havia se mostrado formal apenas para
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impressionar bem a sra. ��lvares. Ela continuava a n��o tirar os olhos deles
e Rachel percebeu que em nenhum momento o tratara com a cerim��nia de
sempre. Agora n��o era a ocasi��o de lembrar-se daquelas circunst��ncias,
pois, afinal de contas, careciam de import��ncia. A morte de Malcolm
provara o quanto a vida pode ser transit��ria. O importante era perceber o
que estava acontecendo. Claro que teria de regressar �� Inglaterra e
precisava aceitar o fato de que, de agora em diante, teria de cuidar de si
mesma.
��� A senhora est�� bem?
Lu��s voltava a falar e Rachel fez que sim.
��� Claro, senhor marqu��s!
Lu��s contemplou-a longamente, com express��o enigm��tica, e ent��o,
sem dizer mais nada, retirou-se do quarto. Assim que ele saiu, a sra.
Alvares voltou a fechar a porta e sentou-se. Agora parecia disposta a
falar, pois disse:
��� Em breve estar�� de volta �� Inglaterra, senhora. S��m d��vida, isto a
deixar�� muito satisfeita.
Rachel hesitou. Ficaria de fato contente? Mas �� claro que sim! N��o
havia mais nada a fazer ali. A Inglaterra, pelo menos, era seu lar e, apesar de n��o ter parentes, possu��a bons amigos em Mawvry.
For��ando uma calma que estava longe de sentir, disse:
��� Espero partir dentro em breve, quem sabe amanh��.
��� Claro. Ainda �� jovem, senhora. Quem sabe voltar�� a casar...
��� N��o me parece prov��vel. Al��m do mais, n��o creio que seja o
momento ou o lugar apropriado para discutir semelhante assunto.
��� Por que n��o? �� preciso ser pr��tica e certamente a morte de seu
marido n��o constitui inteiramente uma surpresa. N��o era jovem e andava
muito doente, n��o?
Rachel levantou-se e andou impacientemente pelo quarto. N��o sentia o
menor desejo de conversar com aquela mulher fria. Como gostaria que
Lu��s voltasse logo!
��� Ainda bem que tudo aconteceu agora... Teria sido t��o desagrad��vel
se seu marido ainda estivesse aqui, por ocasi��o do casamento de Am��lia e
Lu��s! Isto poderia ter interferido nos planos deles e, afinal de contas, seu marido n��o era aparentado conosco, n��o �� mesmo?
��� Prefiro n��o discutir sobre a pessoa de meu marido com a senhora.
��� Por que n��o? Certamente sabe muito bem que sua presen��a na
quinta significava um grande constrangimento para a marquesa!
��� Pois, ent��o, ela n��o deveria ter convidado meu marido para vir
aqui!
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��� N��o consigo imaginar por que ela o fez. Arrependeu-se no
momento em que formulou o convite.
Rachel estava a ponto de responder, quando a porta se abriu novamente
e Lu��s surgiu, declarando:
��� Venha! Vamos voltar imediatamente para a quinta.
��� J�� providenciou tudo, Lu��s? ��� indagou a sra. ��lvares,
levantando-se.
��� Creio que sim, dona Manuela.
��� Onde est�� Am��lia?
��� Penso que em seu quarto. N��o a vejo h�� meia hora.
��� Pretende v��-la antes de partir? ��� perguntou a sra. Alvares,
vagamente irritada.
��� Mas �� claro! Vamos, senhora?
Rachel compreendeu que ele se referia a ela e seguiu-o, sem dirigir
sequer uma palavra �� sra. Alvares. N��o tinha mais nada a lhe dizer.
A marquesa e Sara Ribeiro esperavam por eles no vest��bulo.
Obviamente retomavam �� quinta, pois a bagagem estava ao lado delas. A
marquesa encarou Rachel com frieza, parecendo ter retomado o controle
sobre si mesma.
L�� fora, o convers��vel azul estava sem ningu��m. Lu��s abriu a porta da
limusine verde que os trouxera do aeroporto havia duas semanas. Rachel
olhou �� sua volta. Onde estava o corpo de Malcolm?
��� A ag��ncia funer��ria est�� providenciando tudo, senhora ��� informou
Lu��s, como se adivinhasse seus pensamentos. ��� O corpo de seu marido
ir�� mais tarde para a quinta.
��� �� mesmo necess��rio, Lu��s? ��� indagou a marquesa, dando um
passo adiante. ��� N��o seria mais sensato tomar provid��ncias junto ao
aeroporto, tendo em vista o dia de amanh��?
��� Amanh��? ��� perguntou Lu��s. ��� O que acontecer�� amanh��?
Rachel sabia a que a marquesa se referia e tinha certeza de que o
mesmo ocorria a Lu��s. Ele, no entanto, n��o parecia disposto a facilitar as
coisas para a m��e.
��� Lu��s, voc�� sabe perfeitamente bem que a sra. Trevellyan voltar��
para a Inglaterra amanh��. Ela precisa tomar provid��ncias relativas ao
enterro. N��o pode dar-se ao luxo de desperdi��ar um dia sequer. Voc��
deve saber disto.
��� Ao contr��rio, mam��e, a sra. Trevellyan precisa de tempo para
decidir o que deve ser feito. N��o seria sensato mand��-la de volta amanh��.
��� E por que n��o? Tenho certeza de que Malcolm gostaria de ser
enterrado na Cornualha.
��� Ser�� que importa o lugar onde ele for enterrado? Mam��e, creio que
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n��o devemos nos precipitar. Como sabe, a sra. Trevellyan sofreu um
choque terr��vel. N��o est�� em condi����es de providenciar um enterro.
��� Oh, creio que saberei me arranjar...
Rachel sentia-se desesperada. N��o queria envolver-se em uma
discuss��o entre a marquesa e o filho. A marquesa tinha raz��o; seria
melhor que ela partisse imediatamente, at�� mesmo naquela noite, se
poss��vel. Se bem que, no momento, a perspectiva de regressar ��quela
sombria casa tendo unicamente o cad��ver de Malcolm como companhia,
significava para ela algo terr��vel... Precisava recuperar o controle!
��� Est�� vendo, a sra. Trevellyan prefere voltar para casa... �� natural.
Sem d��vida possui parentes l��.
��� Ela n��o tem ningu��m, mam��e.
��� Como �� que voc�� sabe disso?
��� Seu marido me disse. Bem, n��o quer subir no carro, mam��e?
Rachel instalou-se no assento da frente, ao lado de Lu��s, ao passo que a
marquesa ocupou o banco de tr��s, juntamente com Sara Ribeiro.
Pouco antes de se retirarem, a atmosfera da casa era perturbadoramente
hostil. O sr. e a sra. ��lvares concordaram com a marquesa que era uma
insensatez transportar o corpo de Malcolm para a quinta e, quando Am��lia
apareceu, tinha aspecto abatido e tenso.
Rachel sentia-se muito mal em rela����o ��quilo tudo, mas Lu��s
recusou-se a ouvir suas obje����es. Resolvera assumir a situa����o e ela n��o
se sentia com for��as suficientes para contradiz��-lo.
Chegaram �� quinta no fim do dia e Rachel constatou que a fraqueza que
sentia devia-se em parte ao fato de n��o ter-se alimentado desde a manh��
daquele dia. A despeito de seu estado, a id��ia de comida lhe era
simplesmente intoler��vel.
Quando o carro entrou nos jardins da quinta, ela teve a estranha
sensa����o de que estava voltando para casa, o que, naquelas
circunst��ncias, era rid��culo. De qualquer modo, em breve estaria de volta
�� Inglaterra e n��o fazia sentido encarar a quinta como um ref��gio.
Assim que o carro parou, Rachel desceu, sem esperar a ajuda de
ningu��m, mas Lu��s auxiliou a marquesa a apear e ela subiu os degraus da
entrada com a altivez de sempre. Rachel ficou a pensar onde Eduardo
poderia estar e chegou �� conclus��o de que logo chegaria com o corpo de
Malcolm. Em breve chegaria tamb��m o caix��o que Lu��s providenciara e
ela sentiu-se alarmada. Ser�� que Malcolm havia feito um seguro,
prevendo semelhante acontecimento? Havia tantas coisas em que pensar
quando algu��m morria e sua cabe��a come��ava a doer, ao tentar pensar
com coer��ncia.
M��rio e Lu��sa l�� estavam, para dar as boas-vindas �� sua patroa, mas
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Rachel permaneceu ao lado do carro, sentindo-se mal. Lu��s, que havia
come��ado a seguir os outros, voltou-se e perguntou:
��� O que est�� acontecendo?
Exprimia-se com tamanha gentileza que Rachel ficou desarmada.
Sacudiu a cabe��a e os olhos se encheram de l��grimas, que come��aram a
correr-lhe rosto abaixo. Tentou enxug��-las com a palma da m��o, mas ele
aproximou-se e viu o que ela estava fazendo.
��� Oh, Rachel, n��o chore... Vamos entrar.
Uma vez que ela havia iniciado, n��o era t��o f��cil assim parar. Tirou um
len��o da bolsa e levou-o aos olhos. Percebeu que a marquesa se voltava, a
fim de ver o que estava acontecendo, mas Lu��s, que havia passado um
bra��o em torno de seus ombros, encarou a m��e com impaci��ncia.
��� Lu��s... ��� come��ou a marquesa, mas ele sacudiu a cabe��a.
��� Agora n��o, mam��e.
��� Mas, Lu��s... ��� A marquesa parecia estar zangada.
��� Eu disse que agora n��o, mam��e ��� insistiu Lu��s, com energia,
acompanhando Rachel at�� seus aposentos.
Ela sentiu-se grata por ele n��o a ter levado at�� os aposentos de
Malcolm. Era cedo demais para ir l�� e iniciar a terr��vel tarefa de colocar
suas coisas nas malas.
Assim que chegaram, Lu��s afastou-se dela e ficou parado diante da
porta, sem dizer nada.
��� Voc�� est�� com fome... Pedirei a Rosa que lhe traga algo para
comer.
��� N��o, n��o fa��a isso... N��o sinto a menor fome.
��� Mas �� preciso alimentar-se! J�� est�� magra demais. N��o pode se
descuidar dessa maneira.
��� H�� muitos assuntos que precisamos discutir, entre eles a minha
viagem de volta.
��� Isso pode esperar...
��� N��o acho. N��o percebe? Agora tenho que me encarregar de tudo.
N��o existe mais ningu��m.
��� Na Inglaterra? J�� sei.
��� J�� disse isso antes? Como �� que sabe?
��� Seu marido me falou.
��� Malcolm? Mas por que ele haveria de dizer-lhe semelhante coisa?
��� Essas coisas ele revelou quando me explicava como veio a
despos��-la.
Rachel estremeceu, procurando livrar-se daquela sensa����o penosa que
sempre se apoderava dela, toda vez que pensava naquele momento t��o
dif��cil de sua vida.
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��� Percebo... ��� Gostaria de perguntar-lhe exatamente o que Malcolm
dissera, �� guisa de explica����o, mas �� claro que n��o podia. ��� Bem, de
qualquer maneira n��o existe ningu��m...
��� Eu disse que n��o havia ningu��m na Inglaterra. Estou aqui...
��� O que quer dizer com isso?
��� Pode deixar que eu me encarregarei de tudo. Malcolm poder�� ser
enterrado aqui em Mendao. Poder�� voltar para a Inglaterra ap��s o funeral.
��� Oh, mas n��o posso fazer uma coisa destas...
��� Por que n��o?
��� Tenho que levar em considera����o o dinheiro... '
��� Isso n��o deve preocup��-la.
��� Mas �� claro que deve... Preciso ir para casa, procurar os advogados
de Malcolm, a fim de verificar o que deve ser feito...
��� Pode deixar isto para mais tarde.
Rachel andou inquieta pelo quarto, incapaz de sustentar aquele olhar
penetrante. Ajeitou os cabelos e parecia muito confusa.
��� Mas sua m��e...
��� Aqui quem manda sou eu, e n��o minha m��e.
��� Mas e os ��lvares? Am��lia...
��� Am��lia nada tem a ver com isso. Ela concordar�� comigo.
��� N��o... n��o sei o que fazer.
��� Pois ent��o deixe por minha conta.
��� Bem que eu gostaria!
��� Sabe que �� perfeitamente poss��vel...
��� Est�� bem, j�� que o afirma...
O mal-estar interior aumentava e o enj��o amea��ava tomar conta dela
por inteiro. Se ele n��o a deixasse imediatamente, ela se colocaria em uma
posi����o grotesca, vomitando diante dele.
��� Com... com licen��a...
Andou cegamente, em dire����o �� porta do banheiro, e Lu��s n��o fez
men����o de det��-la. Ouviu seus passos que se afastavam, enquanto se
apoiava de encontro aos frios azulejos da parede.
Quanto tempo levar��, pensou, desesperada, para come��ar a me sentir
novamente normal?
Malcolm foi enterrado na tarde do dia seguinte, no pequenino cemit��rio
ao lado da igrejinha da aldeia.
Foi um enterro cat��lico, embora Malcolm n��o houvesse pertencido a
essa religi��o. Como, por��m, n��o era filiado a nenhuma cren��a, Rachel
achou que ele n��o se importaria.
A despeito do inesperado da ocasi��o, a cerim��nia n��o foi t��o
94
insignificante como Rachel havia imaginado. Os ��lvares compareceram,
bem como os administradores de Lu��s, acompanhados de suas esposas,
al��m da marquesa e de Lu��s. E claro que o fato de o marqu��s participar
daquilo contava muito, o que explicava a presen��a de tanta gente.
Rachel ficou em d��vida sobre o que usar. N��o tinha nada preto em seu
guarda-roupa, mas Rosa veio em seu socorro.
��� Quer algo para o enterro, senhora?
��� Oh, sim, Rosa! N��o sabe onde posso comprar um vestido preto?
��� Aqui em Mendao �� imposs��vel, mas poderia emprestar-lhe um
vestido, se me permitir...
��� E mesmo? Oh, Rosa, que maravilha! Qualquer coisa serve. Uma
saia preta, um vestido... O que n��o posso �� usar cal��a comprida, n��o ��
mesmo?
��� N��o, senhora. Um momento. N��o demoro.
Quando Rosa voltou, trazia um vestido negro semelhante ao que usava
no momento. Rachel tirou o jeans e o su��ter e experimentou-o. Era
comprido demais, em compara����o com os vestidos que costumava usar e,
como Rosa tinha o corpo mais cheio, ficou um tanto folgado. No entanto,
era exatamente o que ela queria e Rachel n��o soube como exprimir sua
gratid��o.
O enterro seria no fim da tarde e Rachel dedicou algum tempo para
cuidar de sua apar��ncia. Queria que tudo fosse feito da melhor maneira
poss��vel e pelo menos uma vez na vida desejava apresentar-se de modo a
n��o receber cr��ticas.
Quando Lu��s veio �� sua procura, a fim de dizer-lhe que estava na hora
de partir, olhou, horrorizado, para aquele vestido deselegante e sem forma
e para o severo penteado que fizera.
Ele estava irrepreens��vel, em um terno negro e muito bem cortado, e
ela sentiu-se como a parente pobre.
��� Meu Deus! Mas o que foi que voc�� fez?
��� Pedi este vestido emprestado a Rosa. Que tal?
��� Mas ele nem lhe serve...
��� Eu sei, mas ele me... cobre, n��o �� mesmo?
��� De fato. Bem, vamos indo! Agora n��o h�� mais tempo para se
trocar. Minha m��e nos espera.
A express��o da marquesa, assim que viu Rachel, era indescrit��vel. Seus
olhos percorreram-na de alto a baixo e n��o fez o menor coment��rio.
Estava extremamente elegante, como seu filho, e a apar��ncia da jovem a
deixara chocada.
Felizmente para Rachel, a delicadeza da ocasi��o era suficiente para
desprov��-la de qualquer senso de humilha����o. S�� depois que o corpo de
9 5
Malcolm foi enterrado e eles voltaram para a quinta �� que ela voltou a
tomar consci��ncia de sua apar��ncia. Afastou-se de todos, apressando-se
em procurar ref��gio na intimidade de seus aposentos.
Ao passar pelos aposentos que Malcolm havia ocupado, cedeu a um
impulso moment��neo e, girando a ma��aneta da porta, entrou.
A despeito de tudo o que havia acontecido, era uma experi��ncia
estranha encontrar os aposentos vazios. Avan��ou pela sala e seus dedos
tocaram de leve o couro que recobria o sof��. Abriu uma das portas e
verificou que o p��tio estava vazio. A mob��lia de ferro batido tinha sido
retirada e havia em tudo certo ar de desola����o.
Um solu��o nasceu-lhe na garganta. A quinta j�� tinha banido todos os
tra��os da presen��a de Malcolm. Era como se ele nunca tivesse estado por
l�� e, muito em breve, os aposentos que ela ocupava estariam exatamente
assim.
��� Sra. Trevellyan!
Aquela voz era de todo inesperada. Voltou-se muito a contragosto e
enfrentou sua interlocutora.
��� Sim, senhora marquesa?
��� Posso lhe falar por um momento?
��� Se quiser...
��� Trata-se... trata-se de sua partida.
��� Sim?
��� J�� discutiu seus planos com meu filho?
��� Na verdade, ainda n��o fiz planos, senhora marquesa.
��� N��o acha que deve?
��� Sim, �� esta a minha inten����o. Acontece que... bem, foi tudo t��o
s��bito! Acho que ainda n��o aceitei a situa����o.
��� Oh, que bobagem! Deve ter planos para o futuro. Sabe que n��o
pode permanecer aqui.
��� Sei, sim. Talvez lhe interesse saber, senhora marquesa, que n��o
tenho a menor vontade de permanecer aqui!
��� Muito bem. Direi a meu filho que a senhora quer partir o mais
breve poss��vel.
��� Sim, diga, por favor. ��� Rachel enterrou as unhas na palma da
m��o.
��� Por falar nisso, os pertences de seu marido j�� foram colocados nas
malas, as quais estar��o �� sua disposi����o quando a senhora quiser.
��� Eu mesma poderia ter cuidado disso ��� comentou Rachel. N��o lhe
agradava que uma pessoa estranha tivesse tocado nas coisas de Malcolm.
��� Mais alguma coisa?
��� O que est�� acontecendo, mam��e?
9 6
Lu��s entrou no quarto e a marquesa voltou-se para ele com um leve
sorriso.
��� Nada, Lu��s. A sra. Trevellyan e eu convers��vamos sobre sua
partida.
��� E isso �� importante no momento? Valha-me Deus! Deixe esta mo��a
em paz! Acabamos de enterrar seu marido n��o faz uma hora!
��� Lu��s, voc�� tem consci��ncia de que faltam menos de oito semanas
para seu casamento? Sabe perfeitamente que ainda h�� muitas provid��ncias
a serem tomadas. Como pode agir com tamanho desleixo? Os Alvares j��
est��o come��ando a ficar preocupados com sua atitude...
��� Um dia a mais ou a menos n��o criar�� maiores dificuldades, mam��e.
Al��m do mais, tudo est�� sob controle e a senhora sabe perfeitamente
disso. Est�� simplesmente lan��ando m��o disto como um pretexto para...
��� Oh, por favor! ��� Rachel n��o queria ser motivo para mais
disc��rdias entre Lu��s e a marquesa. ��� Quero partir! Se for poss��vel,
gostaria de ir embora amanh��.
��� Ainda n��o est�� em condi����es de voltar �� Inglaterra, onde ter�� de
lidar com dezenas de detalhes finais. J�� entrei em contato com meu
advogado em Coimbra e ele est�� providenciando para enviar algu��m ��
Inglaterra. Essa pessoa se ocupar�� de seus neg��cios. Basta apenas dar-lhe
suas instru����es e todos os seus desejos ser��o satisfeitos.
��� E o que fa��o, enquanto isso?
��� Permanecer�� aqui, �� claro. Duas semanas de repouso e relaxamento
lhe far��o grande bem. Ent��o, e s�� ent��o, ter�� condi����es de tomar conta de
sua vida.
��� N��o! ��� A marquesa fitava o filho como se n��o acreditasse no que
acabava de ouvir. ��� N��o permitirei uma coisa destas!
��� N��o permitir��? ��� Lu��s encarava sua m��e com a maior frieza e
Rachel sentiu-se muito mal.
��� N��o precisa se preocupar, senhora marquesa. N��o pretendo ficar
aqui!
��� E por que n��o? ��� indagou Lu��s.
��� E o senhor ainda pergunta? Oh, saiam, os dois, por favor! Saiam e
deixem-me sozinha!
Lu��s n��o disfar��ava a emo����o que sentia e sua m��e, pela primeira vez
na vida, n��o sabia o que dizer. Rachel deu-lhes as costas. Era horr��vel ser
odiada por algu��m e tinha a sensa����o de que a marquesa sentia
exatamente isso em rela����o a ela. E por qu��? Porque ousara vir at�� ali
com Malcolm, atrevendo-se a perturbai'seus planos! Rachel ficaria muito
feliz em ir embora. Era melhor estar a s��s e ser independente do que
9 7
permanecer naquele lugar, onde sua presen��a criava conflitos t��o
evidentes.
��� Por que nos manda embora, senhora?
Agora era Lu��s quem se manifestava, duro e agressivo. Contemplava-a
fixamente, e Rachel sabia que, se sua m��e n��o estivesse presente, ele teria
dito muitas outras coisas.
��� Desculpe... Obrigada por sua oferta, mas preciso partir.
Lu��s olhou-a sem dizer nada durante alguns segundos. Depois retirou-se
da sala. Seguiu-se pesado sil��ncio e Rachel encarou a marquesa,
esperando que ela fizesse o mesmo. Ela, por��m, n��o se mexia.
��� Obrigada, senhora ��� disse a marquesa finalmente.
��� Obrigada por qu��?
��� Por recusar o convite de meu filho.
��� N��o �� preciso agradecer-me.
��� Mas agrade��o, sim. Poderia ter aceitado...
��� Acho que n��o. ��� Rachel desejava que ela se fosse. N��o queria
nada daquela mulher arrogante.
��� Se eu puder ajud��-la financeiramente... ��� disse a marquesa,
preparando-se para sair.
��� N��o, obrigada. N��o sou como Malcolm. N��o quero seu dinheiro!
��� Por que diz isso? ��� perguntou a marquesa, empalidecendo. ���
Minha oferta foi feita com a maior boa f��!
��� Ah, �� mesmo? Bem, tudo o que desejo agora �� ficar sozinha!
��� A senhora n��o... ��� A marquesa mordeu o l��bio inferior. ��� E... o
que far��?
��� Na Inglaterra? Ainda n��o sei. Pintarei, talvez. Quem sabe? Pode ser
que acabe alcan��ando algum sucesso.
��� Se quiser enviar-me algumas de suas telas, verei como poderei
ajud��-la...
��� E por que haveria de querer fazer semelhante coisa? Bem, de
qualquer modo, n��o desejo sua ajuda. N��o vejo como isso possa ser feito.
��� Percebo...
��� E agora, se n��o tiver mais nada a me dizer, quero ficar sozinha.
Preciso arrumar minhas coisas.
A marquesa retirou-se. Seus ombros arriaram e ela parecia ter sido
derrotada. Rachel n��o conseguia entender por qu��. Estava agindo
conforme ela desejava. Foi at�� a porta e viu a velha senhora afastar-se
lentamente corredor afora.
Quanto mais depressa eu deixar a quinta, melhor!, pensou.
No entanto, a despeito de sua convic����o, a perspectiva de regressar ��
Inglaterra e nunca mais ver Lu��s era simplesmente desoladora...
9 8
CAP��TULO X
Rachel regressou �� Inglaterra no dia que se seguiu ao enterro de
Malcolm.
Recusou-se a ouvir Lu��s, quando ele apelou mais uma vez para que ela
permanecesse em Mendao, enquanto um procurador cuidava de seus
neg��cios. N��o conseguiu, entretanto, impedi-lo de dar instru����es a seus
advogados, a fim de que eles cuidassem de todos os detalhes legais.
Para grande al��vio da marquesa, segundo pareceu a Rachel, deixou para
tr��s o esplendor da quinta e viajou de volta para a casa soturna, sobre os
rochedos, na qual Malcolm Trevellyan havia passado a maior parte de sua
vida de adulto.
Na esta����o, tomou um t��xi para Mawvry, e, quando o chofer partiu,
deixando-a juntamente com a bagagem diante da porta de entrada, ela
sentiu-se mais solit��ria do que nunca.
A consci��ncia de que agora era a ��nica respons��vel por sua vida
deu-lhe a for��a para executar o que precisava ser feito. Seu desejo inicial
de trancar a casa e mudar-se para a hospedaria da aldeia foi posto de lado
por raz��es econ��micas. Percebeu que, muito provavelmente, a casa teria
de ser vendida em breve. N��o tinha a menor id��ia das d��vidas que
Malcolm acaso havia deixado e precisava tamb��m levar em considera����o
as despesas com o enterro.
Mesmo assim, aquilo era um verdadeiro mausol��u e as primeiras noites
foram povoadas por terr��veis pesadelos, nos quais seu falecido marido era
o personagem central. Acordava molhada de suor para verificar que tudo
estava calmo e em paz, mas, mesmo assim, n��o conseguia voltar a
dormir.
99
Claro que Lu��s era respons��vel por boa parte daquela ins��nia...
Pensava nele com demasiada freq����ncia e sentia-se aliviada por ter tido o
bom senso de partir de Mendao antes que algo desastroso acabasse
acontecendo.
Jamais se iludiu, achando que Lu��s seria capaz de romper o noivado
com Am��lia por sua causa. Ao contr��rio, sabia que, para ele, agir de tal
maneira significava ir de encontro a todas as normas da sociedade na qual
vivia. Ele, no entanto, sentia-se atra��do por ela, conforme era de seu
conhecimento, e Rachel temia cair na tenta����o de aceitar qualquer
migalha de amor que Lu��s pudesse lhe oferecer.
Os moradores da aldeia foram muito gentis. Rachel percebeu que, para
eles, a morte de Malcolm foi um al��vio, sob v��rios aspectos, pois sabiam
que ela jamais os trataria como ele fizera. Ao mesmo tempo, ela ignorava
o que iria acontecer e sentiu-se um tanto constrangida em tomar o lugar
do marido. No fundo, n��o queria aquela casa e nem o dinheiro dele.
Come��ou a pensar em como conseguir um lugar que lhe pertencesse e em
ganhar a pr��pria vida.
Levou v��rios dias at�� sentir-se em condi����es de examinar os pap��is de
Malcolm.
No dia em que voltara �� Inglaterra, entrara em contato com os
advogados de Malcolm, dando-lhes os nomes de Valmez e Franca,
advogados de Lu��s. Explicou-lhes que eles lidariam com todos os detalhes
legais e, depois disso, sentiu-se imensamente aliviada.
Examinar o conte��do da pequena caixa que Malcolm sempre mantinha
trancada no guarda-roupa era algo que somente ela poderia fazer. Mais
cedo ou mais tarde, os advogados de seu marido haveriam de querer saber
o que havia dentro dela.
N��o sabia por que sentia tamanha avers��o em examinar os documentos
de Malcolm. Afinal de contas, n��o passavam de folhas de papel. N��o
poderia existir nada de valioso ali. Os advogados j�� lhe haviam
comunicado que o testamento dele estava em poder deles, al��m do pouco
dinheiro que havia no banco.
Assim que abriu a caixa, ficou extremamente surpreendida, pois estava
cheia de cartas e pap��is.
Logo percebeu tratar-se das cartas que Malcolm recebia periodicamente
de Joanna Martins. Eram muitas, mas Rachel n��o sentia o menor desejo
de ler o que a marquesa havia escrito.
Em vez disso, preferiu examinar os demais pap��is. L�� estavam a
certid��o de nascimento de Malcolm e a certid��o de casamento deles,
algumas fotografias antigas, ap��lices de seguro e alguns pap��is com o
nome de Elizabeth Trevellyan, m��e de Malcolm. Pelo visto, n��o havia
100
nada de importante e Rachel n��o quis seguir adiante. Estava para fechar a
caixa novamente quando percebeu outra certid��o misturada aos pap��is que
traziam o nome da m��e de Malcolm.
Examinou-a com curiosidade, achando que fosse a certid��o de
nascimento ou de casamento de Elizabeth Trevellyan. Era, de fato, uma
certid��o de nascimento, mas com o nome de Joanna Portreath.
Rachel ficou surpreendida. Da certid��o constava o nome da m��e,
Rosemary Portreath, mas o nome do pai era desconhecido. A data de
nascimento era 17 de agosto de 1914.
Rachel levantou-se e contemplou a certid��o com grande espanto.
Tratava-se, sem d��vida, da certid��o de nascimento de Joanna Martins!
Permaneceu durante alguns minutos a contemplar o peda��o de papel,
tentando compreender com clareza o que aquilo significava. Precisava
descobrir quem era Rosemary Portreath.
Ajoelhando-se novamente, voltou a examinar os pap��is. Verificou, com
impaci��ncia, velhas ap��lices de seguro, certid��es e fotografias que n��o
lhe diziam absolutamente nada.
De repente, descobriu aquilo que procurava, mesmo sem o saber: a
certid��o de nascimento da m��e de Malcolm. L�� estava: Elizabeth, filha de
Amos e Naomi Portreath. Rosemary Portreath deveria ter sido irm�� de
Elizabeth.
Rachel refletiu sobre o assunto. Se Rosemary era irm�� de Elizabeth,
ent��o Joanna e Malcolm eram primos. Sentiu-se intrigada. Malcolm
dissera que Joanna era ��rf�� e que seus pais haviam-na criado. Mesmo
assim, existia uma l��gica em tudo aquilo. Joanna, ao perder a m��e,
tornara-se ��rf��, pois seus pais n��o haviam se casado; ela, na verdade, n��o
tinha pai!
Rachel prendeu a respira����o. Agora come��ava a entender. Aquela
certid��o de nascimento era o la��o que unia Malcolm a Joanna, aquilo que
havia colorido o relacionamento deles.
Mas por qu��? Que uso Malcolm daria a um documento t��o antigo? Que
raz��es o teriam levado a guard��-lo durante tanto tempo? Era, com certeza,
algo que pertencia a Joanna.
Mordeu com for��a o l��bio inferior. �� claro que as respostas, ali��s
inevit��veis, logo se apresentaram. Malcolm, com toda certeza, n��o
deixara de recorrer �� chantagem.- A revela����o contida naqueles
documentos era explosiva!
Pensou na marquesa, sempre t��o severa e correta; n��o conseguia
imaginar o horror que ela sentiria diante da perspectiva de que algu��m
revelasse a ilegitimidade de seu nascimento.
Quanto mais Rachel pensava no assunto, mais convencida ficava de
101
que tinha raz��o. Agora percebia que muitas coisas se encaixavam, e uma
delas era a acolhida que tinham tido na Quinta dos Martins.
Ser�� que Lu��s sabia de tudo aquilo? Duvidava, pois n��o lhe parecia que
ele se submeteria a amea��as com a mesma facilidade de sua m��e, se �� que
isso tinha realmente acontecido.
Andou inquieta pelo quarto. H�� quanto tempo Malcolm estava a par do
segredo do nascimento de sua prima? H�� quanto tempo a certid��o de
nascimento estava em suas m��os? N��o era poss��vel que a estivesse
chantageando durante quarenta anos!
Pondo o certificado de lado, Rachel ajoelhou-se e come��ou a retirar
todas as cartas de dentro da caixa. A maior parte delas ainda estava dentro-
de seus envelopes e ela conseguiu distinguir os carimbos com as datas em
algumas. A mais antiga delas datava de uns quatro anos. A m��e de
Malcolm havia morrido mais ou menos naquela ��poca. As coisas se
encaixavam. Foi talvez naquele momento que a certid��o de nascimento
caiu nas m��os dele.
Rachel p��s as cartas de lado, como se elas queimassem suas m��os.
Muitas coisas come��avam a fazer sentido, uma delas era a atitude da
marquesa no dia do enterro. Sua oferta de ajuda assumia agora uma
conota����o diferente. Com que express��o a olhara, quando Rachel
declarara que n��o era parecida com Malcolm! Ser�� que imaginava que ela
estava a par da deslealdade do marido?
Rachel sentiu-se mal. Tudo aquilo a perturbava intensamente, mas o
que podia fazer?
De repente, viu algo negro no fundo da caixa... Era um tal��o de
cheques. Examinou-o com curiosidade. Achava que Malcolm tinha
dinheiro depositado em um ��nico banco, mas, pelo visto, estava
enganada.
Abriu o tal��o com dedos tr��mulos e o que viu deixou-a horrorizada.
Longe de ter pouco dinheiro, conforme vivia apregoando, o conte��do do
tal��o revelava que Malcolm tinha em dep��sito mais de dez mil libras. Dez
mil libras! Como era poss��vel semelhante coisa?
Examinou atentamente o tal��o e tudo tornou-se claro. Havia dep��sitos
regulares de 300 libras por m��s, feitos em um per��odo de tr��s anos.
N��o sabia mais o que pensar. Ent��o, aquele era o homem que havia
fingido sentir afeto pela marquesa, que tinha se insinuado em sua casa
quando achara que a oportunidade de extorquir-lhe ainda mais dinheiro
parecia estar chegando ao fim!
Levantou-se novamente e soltou um suspiro profundo. Precisava de
uma x��cara de ch��, qualquer coisa que tirasse de sua boca aquele terr��vel
gosto de chantagem.
102
Enquanto tomava o l��quido quente, tentou colocar um pouco de ordem
em seus pensamentos. E agora? O que faria? Se enviasse a certid��o ��
marquesa, isso a livraria de toda a culpa? E como fazer para transferir
para fora do pa��s uma quantia t��o grande? Era exatamente isto o que
deveria fazer. O dinheiro pertencia �� marquesa e Rachel n��o tinha nada a
ver com aquilo.
Suspirou. Se pelo menos houvesse algu��m a quem pudesse se dirigir,
algu��m com quem pudesse discutir os aspectos negativos daquela
situa����o... Mas n��o havia ningu��m. Se comunicasse suas suspeitas aos
advogados, talvez a coisa fosse levada aos tribunais e a ��ltima coisa que
desejava era publicidade. A marquesa tinha sofrido durante todos aqueles
anos, temendo ser exposta. Revelar tudo agora significaria que todos os
anos de ang��stia tinham sido em v��o. N��o, Rachel n��o poderia fazer
semelhante coisa, nem mesmo para com a mulher que a havia tratado com
tamanho desprezo! E talvez sua conduta fosse at�� certo ponto justificada,
na medida em que acreditava que Rachel talvez fizesse parte daquela
conspira����o...
Ainda era cedo. Rachel p��s um casaco e foi dar uma volta pelos
rochedos. Precisava afastar-se da casa e da influ��ncia nefasta de seu
falecido marido, de maneira a conseguir pensar seriamente no que deveria
fazer.
A tarde estava bela, fresca e agrad��vel e viam-se apenas algumas
nuvens no horizonte. A primavera chegava e tudo vibrava com uma vida
nova. Era a ��poca do ano que Rachel mais apreciava e pensou, com s��bita
saudade, em suas telas e pinc��is. Tinha a impress��o de que se haviam
passado anos, e n��o semanas, desde que se entregara pela ��ltima vez ��
alegria que a pintura lhe proporcionava.
Quando finalmente voltou para casa, j�� era noite. Colocou tudo de
volta na caixa e trancou-a no guarda-roupa. Desceu para o primeiro andar
e respirou profundamente. Decidiu-se a esquecer aquele assunto no
momento. Se n��o fosse pela certid��o de nascimento, jamais teria ficado
sabendo a verdade e tinha certeza de que nenhum advogado sabia da
exist��ncia da caixa.
Os neg��cios de Malcolm levaram algum tempo para ser colocados em
ordem, mas Rachel n��o se importou. Disseram-lhe que a casa lhe
pertenceria, mas havia muito pouco dinheiro e ela duvidava que tivesse
meios de mant��-la. As casas que Malcolm possu��a na aldeia
proporcionavam renda muito pequena, e, como ele se recusara a
consert��-las, n��o tivera condi����es de aumentar o aluguel. Rachel n��o
103
tinha como reform��-las. Recusou-se a recorrer ao dinheiro depositado no
banco, produto da chantagem de Malcolm.
As casas foram vendidas para os inquilinos, e algumas delas por um
quarto do seu valor. Os advogados acharam que ela estava doida, mas
Rachel achou que era o m��nimo que podia fazer por gente que, durante
anos, tivera de sofrer as conseq����ncias da mesquinharia de Malcolm.
Recome��ou a pintar, e, apesar de sentir algumas vezes dificuldade em
se concentrar, aquilo lhe proporcionava o al��vio de que tanto necessitava.
Os dias se sucederam e o tempo come��ou a esquentar. Os turistas
apareceram em Mawvry e Rachel deixou o isolamento da casa nos
rochedos, freq��entando seus amigos da aldeia. Come��ava a sentir-se
novamente normal e o desejo de ver Lu��s transformara-se em uma dor
surda, que se aninhara no fundo de seu peito.
De vez em quando despertava de madrugada e via-se calculando
quantas semanas faltavam para o casamento dele. Fazia o poss��vel para
sentir-se fisicamente exausta, quando ia dormir, e normalmente dormia
com muita rapidez.
Achou que estava emagrecendo, e isso de vez em quando a perturbava.
Desde seu casamento com Malcolm, nunca havia recuperado o antigo
peso, mas, agora, seus ossos surgiam por entre a pele queimada e os
pulsos tinham apar��ncia fr��gil.
Certa manh��, inesperadamente, recebeu uma carta.
Examinou-a sem maior interesse, achando que era do advogado, mas
verificou que tinha selos portugueses.
Imediatamente seu cora����o come��ou a bater forte e as pernas tremeram.
Levou a carta para a cozinha e p��s uma chaleira no fogo antes de abri-la.
A carta era da marquesa. Entre as p��ginas havia um cheque, que caiu ao
ch��o.
" M i n h a cara sra. Trevellyan, junto a esta segue um pequeno presente, que, tenho certeza, a senhora usar�� da melhor maneira poss��vel. Aceite-o
como prova de considera����o. Sinceramente, Joanna Martins."
Rachel abaixou-se e pegou o cheque com certo desprezo. Afinal de
contas, o que significava aquilo? Por que haveria a marquesa de
demonstrar gratid��o? Teria de devolv��-lo, pois n��o queria absolutamente
nada da marquesa.
Preparou o ch��, automaticamente, tentando entender por que a
marquesa havia julgado necess��rio enviar-lhe o dinheiro. Ent��o, tudo
pareceu ficar claro. A marquesa havia esperado not��cias dela. N��o
acreditara, quando Rachel declarara que n��o era como Malcolm. Durante
todo aquele tempo, a velha senhora devia ter ficado �� espera de que ela
solicitasse dinheiro e, como isto n��o acontecesse, imaginou que Rachel
104
desejava p��r um ponto final na situa����o. O cheque, na verdade,
representava uma atitude definitiva.
Voltou a contemplar o cheque. De vez em quando sentia ��mpetos de
rasg��-lo em mil peda��os, mas queria devolv��-lo intacto �� marquesa.
N��o conseguiu fazer mais nada durante o resto da manh��. A carta da
marquesa havia renovado suas preocupa����es sobre a certid��o de
nascimento e o tal��o de cheques. N��o podia mais fingir que eles n��o
estavam l��. Precisava tomar uma atitude, mas qual?
Finalmente decidiu o que fazer. Sua resolu����o implicava em regressar a
Portugal, enfrentar novamente a marquesa, mas, pelo menos assim,
resolveria todos os assuntos de uma vez. E se visse Lu��s... bem, depois
daquelas semanas de separa����o, voltara a acalmar-se e poderia enfrent��-lo
cheia de seguran��a.
Rachel voou para Portugal no fim da semana seguinte. Quando chegou
a Lisboa, teve de providenciar um carro que a levasse at�� Mendao e,
como n��o havia um t��xi dispon��vel at�� o dia seguinte, resolveu passar a
noite no hotel do aeroporto.
Chegou �� quinta por volta das onze e meia, sentindo-se acalorada e
totalmente despreparada para enfrentar a presen��a intimidante da
marquesa.
Mandou o chofer parar na tabuleta onde se lia "Entrada Proibida" e foi caminhando .at�� a casa. Era impressionante como a mem��ria n��o a
abandonava. Lembrava-se dos menores detalhes e um arrepio
percorreu-lhe a espinha.
Lu��sa, a governanta, atendeu �� porta e contemplou-a sem disfar��ar o,
espanto.
��� Sra. Trevellyan! O que est�� fazendo aqui?
��� Vim ver a senhora marquesa, Lu��sa. Ela est�� em casa?
��� Sim, senhora, s�� que n��o est�� passando muito bem.
��� Por qu��? O que aconteceu com ela?
Lu��sa percebeu que estava deixando uma visita parada na escada, e,
dando um passo atr��s, convidou Rachel para entrar. Era um al��vio sair
daquele sol t��o quente e a jovem sentiu-se refrescada.
��� Mas o que est�� havendo com a marquesa?
��� Mas ent��o a senhora n��o sabe?
��� Mas como poderia saber?
��� N��o sei, senhora.
��� O que est�� acontecendo? Lu��sa, com quem voc�� est�� falando?
Rachel teria reconhecido a voz da marquesa onde quer que se
encontrasse. Durante um breve momento, arrependeu-se por ter vindo.
105
��� �� a sra. Trevellyan, senhora marquesa! ��� explicou a governanta,
muito agitada.
A marquesa desceu a escada lentamente, apoiando-se no corrim��o.
Parecia p��lida e preocupada e, ao ver Rachel,, seu rosto contorceu-se de
dor. Dirigindo-se a Lu��sa com muito pouca naturalidade, ordenou:
��� Pode deixar-nos.
Lu��sa retirou-se, demonstrando n��o estar nem um pouco contente em
deixar a patroa com aquela visita inesperada. Assim que ela fechou a
porta, a marquesa voltou a se manifestar.
��� Muito bem, minha senhora. Veio aqui regozijar-se?
��� Regozijar-me, senhora marquesa?
��� Sim, regozijar-se! Creio que �� a palavra mais apropriada para seu
comportamento!
��� Acho que n��o estou entendendo aonde quer chegar, senhora
marquesa!
��� �� mesmo? Pois tenho certeza de que entende, sim, mas �� esperta
demais para deixar transparecer. Est�� sozinha?
�� claro que estava sozinha! Por que n��o deveria estar? Quem haveria de
acompanh��-la? Sentiu-se confusa. O que estaria acontecendo com a
marquesa? Aquela conversa a estava deixando confusa.
��� Sim, estou sozinha, senhora marquesa. Lu��sa disse-me que a
senhora n��o tem passado bem.
A marquesa desceu os ��ltimos degraus. Usava um vestido longo, mas
seus cabelos tinham perdido a eleg��ncia de sempre e havia nela algo
digno de piedade. Rachel sacudiu a cabe��a. Era a ��ltima palavra que
esperaria usar para descrever aquela mulherzinha t��o altiva.
��� Venha. N��o podemos conversar aqui. Iremos at�� o sal��o.
Aquela parte da casa estava mergulhada na penumbra. Rachel
constatou, com certa resigna����o, que todos os momentos importantes de
sua vida aconteciam entre as quatro paredes do sal��o da quinta.
A marquesa parecia cansada. Dirigiu-se a uma das cadeiras de espaldar
alto e largou o corpo, Rachel ficou de p�� diante dela, desejando poder
fazer algo para ajud��-la, mas ainda sem saber o que estava acontecendo.
��� Muito bem. Por que voltou? J�� n��o basta tudo o que fez?
Rachel ignorou as insinua����es contidas nas palavras da marquesa.
Abriu a bolsa e retirou a carta que ela lhe enviara dez dias antes. Deu um
passo adiante e colocou a carta e o cheque em seu colo.
A marquesa ficou muito surpreendida, indagando:
��� Por que os devolve?
Estava mais p��lida do que antes, seus dedos tremiam e Rachel sentiu-se
muito perturbada com aquela rea����o.
106
Sem saber o que dizer, tirou da bolsa a certid��o de nascimento de
Joanna Portreath. Entregou-a �� marquesa, juntamente com o tal��o de
cheques de Malcolm.
Durante alguns minutos pairou profundo sil��ncio. A marquesa abriu o
velho documento e leu-o em sil��ncio. Fez o mesmo em rela����o ao tal��o
de cheques. Depois de examin��-los, colocou-os sobre o colo e
permaneceu quieta, contemplando-os sem dizer nada.
Rachel ficou ainda mais ansiosa. O que estava acontecendo? Era
evidente que Joanna percebia que aqueles documentos eram originais.
Ocorreu-lhe um pensamento: claro que a certid��o era original, mas, a
exemplo do negativo de um filme, outras c��pias poderiam ser impressas.
��� Senhora marquesa...
��� Por que trouxe esses pap��is? N��o precisava de provas para saber da
exist��ncia de semelhante documento.
��� N��o compreende, senhora marquesa...
��� Compreendo, sim. O cheque que lhe enviei n��o era suficiente.
Claro que, sendo uma mulher jovem, suas necessidades s��o maiores do
que as de um homem de meia-idade...
��� N��o! ��� exclamou Rachel, horrorizada. ��� N��o foi por isso que
vim!
��� Mas ent��o, o que est�� fazendo aqui? Se n��o foi para aumentar suas
exig��ncias...
��� Minhas exig��ncias? Mas eu n��o tinha conhecimento dessa hist��ria!
Descobri tudo por acaso, quando examinava os pap��is de Malcolm!
��� Pois ent��o repito: o que est�� fazendo aqui? Foi Lu��s quem a enviou?
��� Lu��s? N��o, claro que n��o! N��o lhe revelei este assunto.
��� Ah, sei. Ent��o deve ter dito a ele que vinha tentar uma
reconcilia����o?
��� Uma reconcilia����o?! ��� Rachel sentia-se cada vez mais perdida e
confusa. ��� Mas a que a senhora est�� se referindo?
��� Compreendo que n��o estou sendo muito coerente, mas vamos
deixar de teatro! ��� declarou a marquesa, tr��mula. ��� Est�� me dizendo
que Lu��s n��o a enviou e que ele nada sabe a este respeito? Ent��o, por que
est�� aqui?
��� Vim devolver a certid��o e o dinheiro.
��� E �� claro que a presen��a de Lu��s nada tem a ver com esta s��bita
tomada de consci��ncia!
��� A presen��a de Lu��s? Mas n��o o vi! Como seria poss��vel? Cheguei a
Portugal ontem �� tarde!
��� Chegou a Portugal ontem?
��� Exatamente.
107
��� E n��o viu Lu��s? Como posso acreditar nisso?
��� Mas �� verdade! N��o minto e n��o quero seu dinheiro! Sou forte,
posso trabalhar. N��o preciso desse tipo de apoio.
��� Se pelo menos pudesse acreditar no que est�� me afirmando!
��� Mas pode, sim! E por que isso �� t��o importante assim para a
senhora?
��� Porque Lu��s partiu para a Inglaterra h�� dois dias, a fim de
encontr��-la!
108
CAP��TULO XI
Agora era Rachel que se sentia fraca com tontura. Agarrou no encosto
da cadeira, pois as pernas n��o conseguiam sustent��-la. Havia deixado o
hotel bem cedo e o calor, durante a viagem, tinha sido intoler��vel. N��o,
tudo aquilo era efeito da temperatura! Era imposs��vel que a marquesa
tivesse dito aquelas palavras!
��� Eu... eu... ��� N��o conseguiu prosseguir. A marquesa veio para
junto dela, obrigando-a a sentar-se, ap��s o que, pressionou a cabe��a de
Rachel de encontro aos joelhos.
��� Acalme-se! Lu��sa, Lu��sa! Venha c��!
A governanta surgiu t��o rapidamente que Rachel desconfiou que ela
estivera ouvindo a conversa, a fim de certificar-se de que nada de mal
poderia acontecer com sua patroa.
��� Dona Rachel n��o est�� se sentindo bem. Traga-nos caf�� e alguns
sandu��ches, r��pido!
��� Sim, senhora.
Lu��sa olhou assustada para Rachel e se retirou. Ao voltar com uma
bandeja, alguns minutos mais tarde, a jovem reclinara a cabe��a sobre uma
almofada e a marquesa estava sentada junto dela.
��� A senhora ficar�� para o almo��o? ��� perguntou Lu��sa, colocando a
bandeja sobre uma mesinha.
��� Claro que sim, Lu��sa! Acho melhor preparar-lhe um quarto. A
senhora passar�� a noite aqui.
Rachel sentia-se fraca demais para protestar e Lu��sa preparou-se para
cumprir o que lhe tinha sido ordenado.
��� Lu��sa, prepare um quarto no primeiro andar, ouviu?
109
��� Sem d��vida, senhora marquesa.
Depois que a governanta se retirou, a marquesa serviu o caf�� com m��o
surpreendentemente firme e entregou a x��cara a Rachel. Esta a pegou sem
disfar��ar o nervosismo, receando derrub��-la.
��� Coma um sandu��che.
��� N��o, obrigada. Acho que n��o consigo.
��� Que bobagem! �� claro que consegue! �� jovem, al��m do que, est��
muito magra.
O sandu��che estava t��o delicioso que Rachel n��o resistiu �� tenta����o e
acabou comendo mais dois, acompanhados do saboroso caf��.
A marquesa sentou-se diante dela, contemplando-a e tomando o caf��
sem se apressar. Quando Rachel terminou, pegou sua x��cara, colocou-a
sobre a bandeja e cruzou as m��os.
��� Agora podemos conversar.
��� Sim, senhora marquesa. ��� Era a ��ltima coisa que Rachel sentia
vontade de fazer. ��� Sobre que assunto?
��� Em primeiro lugar, devo dizer que aceito sua palavra no que diz
respeito a Lu��s. N��o acredito que o tenha visto.
��� Quer dizer que ele est�� mesmo na Inglaterra?
��� Claro! Eu tamb��m n��o minto!
��� N��o, claro que n��o! Mas por qu��? O que est�� fazendo l��?
��� Falaremos disso daqui h�� pouco. Antes de mais nada, quero lhe
falar de seu marido.
��� N��o �� necess��rio.
��� ��, sim. Quando a m��e de Malcolm morreu, a certid��o caiu em suas
m��os. At�� ent��o, ningu��m conhecia a verdade.
��� Ningu��m sabia que a senhora era prima dele?
��� Exatamente. Minha m��e era irm�� da m��e dele, conforme j�� deve ter
adivinhado. Era uma jovem boa e generosa. Pouco antes da Primeira
Grande Guerra, apaixonou-se por um jovem que o pai dela n��o aceitava.
Ele era um homem como Malcolm: frio, cruel e insens��vel. Rosemary,
minha m��e, n��o conseguiu persuadi-lo a mudar de id��ia. Ent��o... ent��o
ela ficou gr��vida. Oh, n��o estou querendo desculp��-la. Ela n��o deveria ter
agido como agiu, mas era tarde demais para recrimina����es. Foi at�� o pai e
comunicou o que tinha acontecido. Ele ficou indignado e creio que
chegou at�� mesmo a bater nela. O rapaz e minha m��e planejaram fugir.
Nesse momento veio a guerra e ele teve de alistar-se no Ex��rcito, antes
que pudessem tomar qualquer provid��ncia. Depois de um m��s que se
encontrava na Fran��a foi morto e Rosemary viu-se completamente a s��s,
sem a menor esperan��a.
Rachel sentiu uma pena enorme daquela jovem. Podia muito bem
110
imaginar como tinha sido o av�� de Malcolm. Evocava a raiva que ele
sentira, ao descobrir que a filha desejava desposar algu��m que n��o
combinava com suas concep����es de como deveria ser um marido. Mais
tarde, ao descobrir que ela estava gr��vida...
��� Bem, ent��o eu nasci. Elizabeth, a m��e de Malcolm, j�� estava
casada, mas, pelo visto, n��o podia ter filhos. Ela e o marido concordaram
em tomar conta de mim. Ent��o Malcolm nasceu e o resto a senhora j��
sabe.
��� E sua m��e?
��� Morreu um ano depois que eu nasci. Disseram que foi de
tuberculose, mas nunca acreditei. Acho que ela n��o conseguiu suportar a
m��goa que sentia.
��� Que coisa terr��vel!
��� Sim. Acho que nunca pensei muito no fato de ser filha ileg��tima at��
o momento em que Malcolm descobriu. Escreveu-me cartas muito gentis
no in��cio. Achei que ele estava apenas querendo ser meu amigo. Ricardo,
meu marido, estava doente, e eu me sentia contente por ter algu��m a
quem revelar minhas ang��stias. Ent��o Malcolm come��ou a fazer
exig��ncias. Inicialmente eram de pouca import��ncia, pequenos
empr��stimos que o tirariam de situa����es dif��ceis. S�� bem mais tarde
comecei a perceber o que estava acontecendo.
��� Mas por que o convidou para vir a Mendao?
��� Convidei-o? Isto jamais aconteceu. Malcolm estava doente, como
bem sabe. Disse que precisava de repouso, a fim de se recuperar.
Declarou que, se permitisse que ele viesse passar uma breve temporada
aqui, desistiria de quaisquer outras exig��ncias em rela����o a mim.
��� E �� claro que n��o foi assim, n��o �� mesmo?
��� Oh, n��o, n��o! Tem raz��o. As coisas pioraram.
��� E ent��o a senhora foi de prop��sito para a casa dos Alvares...
��� Sim e n��o. Estava doente, excessivamente preocupada. Lu��s n��o
tinha o menor conhecimento do que se passava. Jamais me abri com quem
quer que fosse, nem mesmo com Ricardo.
��� Sei... E no dia em que Malcolm foi at�� a casa dos ��lvares? O que
aconteceu finalmente?
��� ��, foi um dia terr��vel...
��� N��o quer falar a respeito?
��� �� preciso que lhe conte. Malcolm foi at�� a sala onde Manuela e eu
costur��vamos. Fiquei horrorizada, ao v��-lo. Ele n��o poupou palavras.
Disse aos Alvares que eu era... uma bastarda! Eles mal podiam acreditar
no que ouviam. Achavam que Malcolm estava mentindo, mas a express��o
de meu rosto meu traiu. Houve uma discuss��o terr��vel. Cheguei a achar
111
que Carlos, o marido de Manuela, iria mat��-lo. Malcolm declarou que
aquilo era apenas o in��cio. Disse que fazia quest��o de que todo mundo
ficasse sabendo qual era a origem da marquesa de Mendao!
Rachel sentiu-se mal. Aquilo era mais terr��vel do que havia imaginado.
N��o sabia que o marido havia revelado tudo aos Alvares. N��o era de
admirar que a sra. Alvares a tivesse tratado com tamanho desprezo.
��� E ent��o... havia, �� claro, Lu��s...
��� O que aconteceu com Lu��s?
��� Malcolm declarou que Lu��s tinha um envolvimento com a senhora,
que ele lhe tinha feito uma proposta amorosa!
��� Oh, n��o!
Agora Rachel entendia por que Malcolm n��o levantara obje����es, nas
duas ocasi��es em que Lu��s viera procur��-la. Aquilo era uma arma
poderosa em suas m��os e ele poderia distorcer os fatos conforme sua
conveni��ncia.
��� Pois ��... E Am��lia ouviu tudo.
��� Mas �� claro que os Alvares n��o acreditaram nele!
��� N��o, creio que n��o, pelo menos no in��cio.
��� O que quer dizer com isso?
��� Nada, nada. Bem, a�� est��. Foi isso o que se passou. Malcolm foi
al��m dos limites; seu ataque card��aco foi breve, por��m fatal. Carlos
deitou-o no sof��, mas era tarde demais. Deve ter morrido
instantaneamente.
Rachel se levantou. Aquela hist��ria era inacredit��vel, mas tudo se
encaixava, tudo se tomara claro. Voltou-se para a marquesa.
��� Com que ent��o, Lu��s ficou sabendo a verdade!
��� Sim. Ficou zangado, muito zangado. Disse que eu devia ter
confiado nele desde o in��cio e que ele mesmo lidaria com Malcolm.
Duvido, por��m, que algu��m conseguisse dialogar com ele. Malcolm era
uma criatura absolutamente ego��sta.
��� E a senhora disse que Lu��s est�� na Inglaterra. Por qu��? Por qu��?
��� Queria descobrir at�� que ponto a senhora estava a par de toda essa
hist��ria.
��� E ele tinha conhecimento do cheque que a senhora me enviou?
��� Inicialmente, n��o, mas, quando descobriu, as coisas se
complicaram entre n��s.
��� Bem, j�� disse tudo o que precisava e a senhora foi muito bondosa
comigo, explicando a situa����o. N��o vejo necessidade de ficar. Vou voltar
para a Inglaterra.
��� Ao contr��rio. Ficar��, sim, pelo menos hoje �� noite. Nem me passa
112
pela cabe��a permitir seu retomo �� Inglaterra hoje. Al��m do mais, duvido
que consiga passagem. Os avi��es voam lotados nesta ��poca do ano.
��� Tenho certeza de que poderei dar um jeito.
��� N��o; ficar�� aqui. Lu��sa j�� est�� tomando as devidas provid��ncias.
Quer que ela gaste suas energias em v��o?
��� Acho que n��o...
��� Muito bem. ��� A marquesa parecia ter ficado aliviada. ��� Com
licen��a. Vou aprontar-me para o almo��o. Lu��sa a conduzir�� at�� seu
quarto. Talvez queira se arrumar, antes de sentar-se �� mesa.
Rachel passou a tarde inteira no quarto, confort��vel e at�� mesmo
suntuoso, mais suntuoso do que os aposentos ocupados por ela e Malcolm
no t��rreo. Era a parte da quinta reservada �� fam��lia e mobiliada com
conforto ainda maior.
O jantar foi servido em uma sala que poderia acomodar facilmente
trinta pessoas. A marquesa, toda vestida de negro, explicou que aquela
era a pequena sala de jantar, e Rachel n��o deixou de se divertir com a
informa����o. Que lugar enorme deveria ser a quinta! Qual seria a sensa����o
de ser a senhora de semelhante casa? A vivenda n��o deixava de ser grande
demais e um tanto impessoal. Se acaso voltasse a se casar, gostaria de
participar intensamente da dire����o do lar, o que significava muito mais do
que dar ordens a um batalh��o de criados. Sem d��vida Am��lia achava
aquilo muito natural e conforme a seus h��bitos.
��� Devem faltar duas ou tr��s semanas para o casamento, senhora
marquesa. Continuar�� a viver na quinta?
��� O casamento? Ah, sim, o casamento de Lu��s. Acho que n��o
continuarei morando aqui. A mulher dele ser�� a marquesa, e eu,
simplesmente a marquesa vi��va.
��� Ah, sei...
��� H�� uma casa pequena nas terras da quinta, muito apropriada para
uma vi��va. Sara e eu seremos muito felizes l��.
��� Ah, sim, a sra. Ribeiro! Onde �� que ela se encontra?
��� Est�� de visita �� sua m��e. Voltar�� na pr��xima semana. Sinto sua falta.
��� Imagino... ��� Rachel p��s a sopa de lado. O fato de falar sobre Lu��s
havia lhe tirado o apetite.
A refei����o se arrastava. A conversa era pouco freq��ente e
convencional. Sentiu-se aliviada, quando, terminada a refei����o, a
marquesa se desculpou, pretextando dor de cabe��a.
��� N��o se importa, senhora? N��s nos veremos pela manh��.
��� N��o, em absoluto, mas partirei amanh��.
��� �� claro, �� claro. Boa noite, senhora. At�� amanh��.
113
Rachel foi para a cama pouco ap��s as nove e meia, mas n��o conseguia
dormir. A quinta despertava nela muitas recorda����es, nem todas
desagrad��veis, e ficou a imaginar como seria tudo, quando Am��lia se
tornasse a senhora daquele lugar. Pensar em Am��lia como esposa de Lu��s
tornou-a inquieta. Incapaz de permanecer na cama sentindo tamanha
tens��o, levantou-se e foi at�� a varanda.
A camisola leve de algod��o agitou-se, diante da brisa suave que
soprava e ela sentiu-se muito melhor. Felizmente trouxera uma pequena
valise, para enfrentar qualquer emerg��ncia, mas n��o esperava passar a
noite na quinta.
Olhou para o p��tio. N��o havia lua e tudo se encontrava mergulhado na
escurid��o. De repente, percebeu que algo se movia.
Recuou, receando que a tivessem visto, mas n��o parecia prov��vel.
Mesmo assim ficou intrigada em saber quem poderia ser e tornou-se um
tanto apreensiva. Al��m dos criados, ela e a marquesa estavam sozinhas na
quinta e era pouco prov��vel que um dos empregados estivesse passeando
no escuro. De quem se trataria?
Espiou uma segunda vez. Talvez fosse um engano. Mas n��o... um
cigarro brilhava na escurid��o e ela arregalou os olhos, surpreendida. A
pessoa, pelo visto, n��o tinha medo de ser observada... Subitamente,
Rachel pensou em Lu��s!
Entrou no quarto, perturbada, e fechou a veneziana. Era imposs��vel que
fosse Lu��s... As palmas das m��os ficaram ��midas de suor. Tinha-se
resignado a n��o v��-lo, imaginava que aquele encontro penoso fora
evitado, mas, caso se tratasse dele, teria de enfrent��-lo pela manh��.
A afli����o aumentou. Sentiu um desejo rid��culo de fazer a mala,
vestir-se e partir imediatamente, sem esperar o dia nascer, mas �� claro que
n��o podia fazer semelhante coisa! N��o podia se meter pelas estradas no
meio da noite, e, al��m disso, sua atitude seria uma covardia. Seria melhor
enfrent��-lo e resolver a situa����o de uma vez por todas. N��o queria passar
o resto da vida imaginando se seus sentimentos por ele tinham sido apenas
o resultado de uma imagina����o demasiado f��rtil.
Suspirando, afastou-se da veneziana e, nesse momento, algu��m bateu ��
sua porta.
Seu cora����o disparou. Quem poderia ser ��quela hora da noite? Olhou
para o rel��gio: era quase meia-noite!
Bateram novamente e ela atravessou o quarto, encostando o ouvido ��
porta.
��� Quem... Quem ��?
��� Abra a porta, Rachel! ��� Era a voz de Lu��s! ��� Preciso lhe falar!
114
Rachel ficou gelada. Talvez fosse ele quem estivesse no p��tio, mas ela
amais sonharia que o marqu��s viesse at�� seu quarto. O que ele haveria de
querer? Como ousava bater �� sua porta, ��quela hora da noite? E se algum
criado o visse?
��� V�� embora, Lu��s. Podemos conversar pela manh��.
��� Agora, Rachel!
��� N��o. V�� embora, por favor! Estou cansada.
��� Eu a vi na varanda, Rachel. Voc�� n��o consegue dormir e nem eu.
��� Voc��... vai se retirar, Lu��s, ou terei de chamar os criados? ���
perguntou, toda tr��mula.
Percebeu que ele ficara profundamente irritado. A ma��aneta girou e
Lu��s for��ou-a, ignorando os esfor��os in��teis de Rachel a fim de impedi-lo
de entrar. Vendo que perdia a batalha, ela saiu correndo, agarrou um dos
len����is e passou-o em volta do corpo.
Ele entrou e fechou a porta, acendendo a luz. Encostou-se na porta,
encarando-a, sem disfar��ar a emo����o que sentia.
��� Oh, Rachel! Por que foi que veio?
Rachel n��o disse nada. Tremia tanto que ficou surpreendida ao
constatar que a coberta n��o ca��a. Encarou Lu��s e encheu-se de desespero.
Seus sentimentos n��o se haviam alterado: estava apaixonada por ele!
Lu��s usava cal��as e camisa preta e parecia mais magro. Havia ligeiras
rugas em torno de sua boca.
��� Sente medo de mim, Rachel?
��� N��o ��� ela respondeu, tentando acalmar-se, pois ficar nervosa n��o
serviria de nada. ��� N��o sinto medo de voc��, Lu��s.
��� Pois deveria sentir!
��� Por qu��? ��� indagou Rachel, empalidecendo. ��� N��o acredito que
voc�� seria capaz de me tocar. Poderia gritar e os criados acudiriam...
��� N��o �� minha inten����o toc��-la! Ao contr��rio, eu a acho
completamente... completamente...
Sacudiu a cabe��a e deu-lhe as costas, passando nervosamente as m��os
pelos cabelos. Rachel contemplava-o, sem entender o que estava
acontecendo, incapaz de compreender a ang��stia que ele parecia estar
sentindo.
Deu um passo adiante e tocou de leve em seu ombro. Percebeu que a
pele queimava, atrav��s do fino tecido da camisa.
��� Lu��s...
N��o estava preparada para o que aconteceu em seguida.
Ele voltou-se, com uma express��o de tortura estampada no rosto, e,
com um gemido, tomou-a nos bra��os. Rachel tinha estado pr��xima a ele
anteriormente, mas nunca como dessa vez. Sentia o calor perturbador
115
daquele corpo, que atravessava at�� mesmo o len��ol com que se protegia.
As m��os ��vidas puseram de lado a coberta, acariciando-lhe os ombros e
os seios.
��� Oh, Rachel! ��� ele murmurou selvagemente. ��� Seria capaz de
mat��-la!
��� Por que, Lu��s? ��� Inclinou-se e tocou os pulsos dele com os l��bios,
sem se importar com o fato de que aquela situa����o tomaria novos rumos.
��� O que foi que lhe fiz?
O toque de Lu��s afrouxou. Havia subitamente tamanha ternura em seu
rosto que os joelhos de Rachel amoleceram. Ele ent��o colou a boca �� dela
e todos os pensamentos coerentes terminaram ali mesmo. Suas m��os
acariciaram-lhe as costas e ele juntou o corpo ao de Rachel, tornando-a
consciente do quanto necessitava dela e destruindo-lhe as inten����es de
permanecer calma. Rachel abra��ou-o e encostou o mais que p��de seu
corpo ao dele.
Lu��s murmurava frases, entre um beijo e outro; enterrava o rosto na
base do pesco��o dela e em seus cabelos, acariciava seus l��bios e
apertava-a contra si.
Aos poucos, Rachel come��ou a dominar-se. N��o tinha a menor d��vida
de que Lu��s a desejava; ela tamb��m o desejava, amava-o, mas nem
mesmo por amor poderia tornar-se sua amante.
Solu��ando, afastou-se dele. Lu��s sentou-se na cama e enterrou o rosto
nas m��os.
��� Pelo amor de Deus, o que farei? ��� gemeu ele.
��� Acho melhor voc�� se retirar.
��� Sim, sim, �� claro, �� o que devo fazer. ��� Ele n��o se moveu,
entretanto.
��� Foi minha culpa, tanto quanto sua, Lu��s.
��� E voc�� acha que com isto a situa����o se modifica?
��� N��o sei. Nunca fiz esse tipo de coisa antes.
��� Acredito em voc��.
��� Estou cansada. Por favor, retire-se! ��� falou alto e firme
procurando ser dona da situa����o.
��� Por que voc�� agiu dessa forma, Rachel?
��� Como assim?
��� Por que veio at�� aqui. Uma carta n��o bastava?
��� N��o! Seria incapaz de abordar um assunto como este em uma carta.
��� Percebo. Por que ser��? Malcolm jamais teve esses escr��pulos. Ou,
quem sabe, voc�� gostaria de continuar nos explorando, conforme ele fez!
��� Mas de que voc�� est�� falando?
��� Isto n��o faz parte de seus planos?
116
��� Lu��s, a que voc�� est�� se referindo?
��� N��o adianta, Rachel. Voc�� chega tarde demais. J�� sei de toda a
verdade e os ��lvares tamb��m. A quem mais voc�� est�� querendo amea��ar
com suas revela����es?
Agora Rachel via aonde ele queria chegar e tremeu, indignada.
��� Como �� que voc�� ousa dirigir-se a mim nesse tom? Nunca fui t��o
insultada em toda a minha vida!
��� Por qu��? Os fatos s��o t��o inaceit��veis assim?
��� Voc�� n��o sabe o que diz! Se tivesse se dado ao trabalho de procurar
sua m��e, antes de vir falar comigo, teria sabido que hoje pela manh��
entreguei-lhe sua certid��o de nascimento e o tal��o de cheques pertencente
a Malcolm, e que continha todos os dep��sitos efetuados desde que... a
certid��o caiu nas m��os dele.
��� O qu��? ��� Lu��s a encarava com os olhos arregalados.
��� �� verdade! Oh, Lu��s, quem voc�� pensa que eu sou?
��� Quer dizer... que voc�� n��o era c��mplice dos planos s��rdidos de
Malcolm?
��� Claro que n��o! Por quem voc�� me toma? Oh, v�� embora, v��
embora e me deixe em paz! Volte para Am��lia! N��o precisa se preocupar,
n��o revelarei a ela este seu... momento de fraqueza!
Deu-lhe as costas, tentando n��o explodir em l��grimas na frente dele.
Sentia-se por demais humilhada e, al��m disso, a camisola de algod��o n��o
era o tipo do traje capaz de ajud��-la a manter uma postura digna, sem que
ela parecesse completamente rid��cula.
��� Rachel, Rachel, ser�� que voc�� poder�� me perdoar um dia? ��� Lu��s
parecia sentir imenso al��vio. Inclinou-se e segurou-lhe o pulso,
recusando-se a solt��-lo quando ela tentou desvencilhar-se. Tomou seu
rosto molhado de l��grimas entre as m��os. ��� Rachel... ��� disse baixinho,
ro��ando de leve os l��bios nos dela. ��� Rachel, desculpe...
��� N��o precisa se desculpar, n��o. V�� embora e deixe-me em paz.
��� N��o. Quero tentar explicar minha posi����o.
��� N��o quero ouvi-lo... Oh!
Com um gesto delicado, Lu��s tapou-lhe a boca e em seus olhos havia
quase uma s��plica.
��� Agora �� preciso que voc�� tome conhecimento das atitudes de
Malcolm...
��� Sua m��e j�� me contou tudo hoje de manh��.
��� Ah, ��? Ent��o voc�� compreende por que eu me preocupava tanto
com ela.
��� N��o vejo em que isto...
��� Espere! Descobri que mam��e lhe escreveu h�� alguns dias, enviando
117
um cheque. Correto? Fiquei furioso com a atitude dela, mas ela n��o
estava convencida de que voc�� se esqueceria daquele assunto. Sentia-se
muito insegura...
��� Sim, a marquesa me disse.
��� Pois ��, as coisas pioraram muito para ela depois que voc�� partiu,
ap��s o enterro de Malcolm.
Lu��s interrompeu-se e baixou a cabe��a. Rachel notou o quanto ele
estava emocionalmente perturbado.
��� Voc�� disse que as coisas pioraram... como assim?
��� Chegarei l��. �� preciso que saiba como me sinto em rela����o a voc��,
Rachel.
��� N��o... realmente n��o sei... ��� disse Rachel, estremecendo e
notando que Lu��s n��o tirava os olhos dela.
��� Estou apaixonado por voc��. Eu a quero, Rachel, como minha
esposa!
Rachel n��o conseguia acreditar no que estava ouvindo.
��� �� verdade! ��� declarou sem toc��-la, apesar de que tudo nela
implorava para que ele o fizesse. ��� Mas n��o foi t��o simples assim.
Minha m��e opunha-se terminantemente a qualquer relacionamento entre
n��s. Deixando de lado qualquer outra considera����o, eu estava noivo de
Am��lia.
��� Estava?
��� Claro. Voc�� n��o imaginava que eu poderia encarar a perspectiva de
me casar com Am��lia tendo em vista o modo como me sinto em rela����o a
voc��, n��o �� mesmo?
��� N��o sei o que pensar...
��� Voc�� naturalmente quer que eu o demonstre atrav��s de atos, n��o ��
mesmo? Mas n��o devo toc��-la at�� lhe contar como foi que essas coisas
aconteceram. Muito bem: indo contra os desejos de minha m��e, rompi
com Am��lia. Isto, por��m, n��o �� o fim. A despeito do fato de que eu a
amo, existe ainda o assunto da... da...
��� Da chantagem... ��� completou Rachel.
��� Sim. Achei que n��o poderia desposar uma mulher c��mplice de
tamanha baixeza, sobretudo quando via o efeito que isso tinha exercido e
ainda poderia exercer sobre minha m��e. No entanto, meus sentimentos
por voc�� eram mais fortes do que imaginava. N��o podia pensar em mais
nada. Eu a queria tanto, Rachel!
��� Prossiga... ��� disse Rachel, estremecendo.
��� Acho que minha m��e entendeu isso e foi por essa raz��o que lhe
escreveu. Achava que, se voc�� aceitasse o cheque, eu chegaria ��
conclus��o de que n��o passava de uma pessoa t��o corrupta quanto
118
Malcolm. Mesmo assim, n��o pude acreditar, n��o quis acreditar. Fui ent��o
�� Inglaterra, a fim de descobrir a verdade por mim mesmo. L�� chegando,
n��o a encontrei. Fiz v��rias indaga����es, mas seus vizinhos n��o sabiam me
dizer nada. Tudo o que me deram foi o endere��o de seus advogados.
Procurei-os. Expliquei-lhes quem eu era. Eles tamb��m n��o souberam me
informar onde voc�� se encontrava e fiz perguntas a seu respeito. Quis
saber quais as raz��es que estavam por detr��s de seu casamento.
Naturalmente eles se mostraram hesitantes em discutir assuntos t��o
pessoais. Finalmente consegui convenc��-los. E quando mencionei o
estado em que voc�� se encontrava, por ocasi��o do casamento...
��� O estado em que eu me encontrava? Como assim?
��� Claro que voc�� n��o sabe. Ali��s, como poderia saber? Quando
Malcolm tentou justificar perante mim as raz��es que o tinham levado a
despos��-la, contou-me que voc�� tinha tido um envolvimento amoroso com
um rapaz. Ele a abandonou quando voc�� ficou gr��vida. Malcolm assumiu
toda a responsabilidade e, em seguida, voc�� abortou...
��� Oh, n��o! ��� gemeu Rachel, horrorizada. ��� Ent��o isso explica por
que voc�� parecia me desprezar, quando fez aquelas perguntas! Mas n��o ��
verdade...
��� Agora sei que n��o ��. Quando o advogado falou-me das dificuldades
financeiras de seu pai, compreendi... Hoje �� tarde minha m��e telefonou
para o hotel onde eu estava hospedado. Deixou recado para que eu
retornasse imediatamente, pois voc�� se encontrava aqui. Pode imaginar
como me senti? Come��ava a acreditar em voc��, mas o recado de minha
m��e levou-me a ter d��vidas. Pensei que, em parte, ela poderia ter raz��o e
que voc�� tinha vindo at�� aqui para reiniciar a chantagem. Fiquei furioso e
desesperado. A necessidade que tinha de voc�� era tamanha que at�� agora
me pergunto se terei for��as para esperar at�� o dia do casamento...
��� Oh, Lu��s! Eu o amo!
Finalmente ele a tocou. Seu corpo alongou-se sobre o dela e seus l��bios
se tocaram. Durante longos minutos fez-se o mais completo sil��ncio no
quarto.
Finalmente ele se afastou, ajeitando os cabelos e abotoando a camisa,
com um leve sorriso nos l��bios.
��� Olhe... quando eu a apresentar a minha m��e amanh�� de manh��
como minha noiva, quero faz��-lo com a consci��ncia tranq��ila!
��� Mas, sua m��e... Ser�� que ela me aceitar��?
��� Reconhe��o que n��o ser�� f��cil... ��� disse Lu��s, tomando-a nos
bra��os. H�� muito tempo �� ela quem vem dando ordens aqui e ela e
Am��lia teriam se dado muito bem. Am��lia foi criada para obedecer...
Mas voc��... Voc�� �� diferente, e �� por isso que me apaixonei. Irritou-me
119
desde o in��cio, e eu, no fundo, sabia que ia perder toda a paz de
esp��rito...
��� Isso o incomodou?
��� Sim, no come��o... Mas n��o pude afastar-me de voc��, como ali��s
notou. E n��o suportava a id��ia de sab��-la ao lado de Malcolm.
��� Pobre Malcolm! ��� Agora Rachel conseguia sentir pena dele.
Afinal, fora gra��as a ele que encontrara o grande amor de sua vida.
��� Sim, pobre Malcolm... Bem, preciso ir embora. Temos um
compromisso amanh��!
��� E voc�� acha que sua m��e... n��o ficar�� muito desapontada?
��� Vamos colocar as coisas assim: h�� muito ela sabe que voc�� �� a
��nica mulher a quem eu admitiria desposar. Sem d��vida ficar�� resignada
com o fato de que esta �� a ��nica maneira pela qual poderei torn��-la av��...
��� Sei... ��� disse Rachel, muito encabulada.
��� Al��m do mais, ela telefonou-me para a Inglaterra hoje e contou-me
que voc�� estava aqui. N��o tinha nenhuma necessidade de tomar
semelhante atitude.
��� N��o, acho que n��o. N��o acha que eu o desapontarei terrivelmente...
como marquesa de Mendao?
��� Jamais, meu amor! N��o existe ningu��m como voc��... Para mim,
voc�� �� insubstitu��vel!
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De: Bons Amigos lançamentos
Date: sex, 23 de ago de 2019 às 17:16
O GRUPO BONS AMIGOS TEM O PRAZER DE LANÇAR HOJE MAIS UMA OBRA DIGITAL NOS FORMATOS : PDF,TXT, EPUB E MOBI PARA ATENDER AOS DEFICIENTES VISUAIS.
UMA MULHER CASADA - ANNE MATHER
LIVRO DOADO POR NEILZA E DIGITALIZADO POR FERNANDO SANTOS
SINOPSE:
RACHEL ERA CASADA. ESTAVA HOSPEDADA, COM O MARIDO,NAQUELA MAJESTOSA CASA PORTUGUESA...
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Grupo Parceiro:
https://groups.google.com/forum/#!forum/solivroscomsinopses
Lançamento Grupo Bons Amigos:
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Blog:
Este e-book representa uma contribuição do grupo Bons Amigos para aqueles que necessitam de obras digitais como é o caso dos deficientes visuais
e como forma de acesso e divulgação para todos.
É vedado o uso deste arquivo para auferir direta ou indiretamente benefícios financeiros.
Lembre-se de valorizar e reconhecer o trabalho do autor adquirindo suas obras .
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