sábado, 7 de setembro de 2019 By: Fred

{clube-do-e-livro} LANÇAMENTO : UMA MULHER CASADA - ANNE MATHER - FORMATOS : PDF, EPUB,TXT E MOBI

Anne Mather


Copyright: ANNE MATHER


T��tulo original: " R A C H E L TREVELLYAN"

Publicado originalmente em 1974 pela

Mills & Boon Ltd.. Londres, Inglaterra

Tradu����o: DIOGO BORGES

Copyright para a l��ngua portuguesa: 1982

ABRIL S.A. CULTURAL E INDUSTRIAL

Caixa Postal 2372 ��� S��o Paulo

Composto e impresso em oficinas pr��prias

Foto da capa: KEYSTONE

CAPITULO I

Sentia-se cansado, muito cansado. A estrada que atravessava a

Cornualha n��o era absolutamente o que imaginava, ap��s ter percorrido as

compridas estradas de seu pa��s, onde o tr��nsito era, em geral, desafogado.

Aqui s�� conseguia avan��ar com grande dificuldade. J�� passava das oito, a

escurid��o havia tombado e, para aumentar ainda mais as dificuldades, um

nevoeiro vindo do mar diminu��a a visibilidade, mesmo que ele recorresse

a far��is potentes. Al��m disso, uma sucess��o de subidas ��ngremes, das

quais se avistavam abismos perigosos, obrigavam-no a manter marcha

lenta e exigiam toda a sua concentra����o.

De vez em quando, pensava que era um tolo e que n��o deveria ter

concordado em empreender semelhante viagem naquela ��poca do ano.

Apesar de ser primavera em seu pa��s, o inverno ainda se fazia presente no

sul da Inglaterra. Sua m��e, entretanto, mostrara-se t��o persuasiva que ele

n��o tivera coragem de dizer-lhe n��o. Pelo visto a fam��lia de Malcolm

Trevellyan fora muito bondosa para com ela, no passado, e, agora que

Malcolm se encontrava doente, nada mais natural que ela tentasse

retribuir semelhante bondade de alguma forma. H�� muito n��o via sua m��e

t��o agitada em rela����o a algo e por isso havia concordado em atender a

seus desejos, que deviam ser realizados com urg��ncia.

Compreendeu tamb��m que, a despeito da quase total adapta����o de sua

m��e ao modo portugu��s de viver, desde a morte do marido, h�� dois anos,

ela algumas vezes sentia-se s�� e carente de conversar com algu��m de seu

pa��s.

Consultou o rel��gio e imaginou que n��o deveria estar muito longe de

Mawvry. Sua m��e dissera-lhe que a localidade ficava a uns dezesseis

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quil��metros de Penzance, mas, naquelas estradas e sob aquelas condi����es,

a dist��ncia parecia-lhe muito maior.

P��s-se a pensar nas provid��ncias que havia tomado a fim de transferir

Malcolm Trevellyan para Mendao. Trevellyan n��o era jovem e, al��m

disso, estava com um problema de sa��de. H�� dois meses tivera um ataque

grave de trombose, que o deixara parcialmente paralisado e, em

conseq����ncia, incapaz de andar. Era, por��m, capaz de acomodar-se na

parte de tr��s de um carro e, por isso, seu luxuoso autom��vel o fora

esperar no aeroporto de Londres. No dia seguinte estariam de regresso a

Londres, tomariam o avi��o para Lisboa e chegariam a Mendao no fim da

tarde. Tudo muito simples, portanto. Ele n��o queria permanecer por mais

tempo. Tinha suas raz��es para querer voltar para sua propriedade o mais

breve poss��vel. Uma vez na Quinta dos Martins, Malcolm Trevellyan n��o

precisaria de mais nada, pois sua m��e tomaria provid��ncias nesse sentido.

De repente, em meio ao nevoeiro, leu claramente a palavra " M a w v r y "

inscrita em uma tabuleta. Suspirou, aliviado, pois finalmente havia

chegado. Tudo o que lhe restava a fazer agora era localizar a casa de

Malcolm Trevellyan.

A aldeia era pequena e, quando estacionou o carro na pracinha e saiu, a

maresia invadiu suas narinas. Devia estar muito perto do mar. mas.

naquele momento, o nevoeiro ocultava tudo.

Do outro lado da pra��a, um luminoso indicava um bar. que. pelo visto,

devia contar com boa clientela, a julgar pelo barulho. Decidiu que era

muito mais f��cil indagar l�� onde era a casa de Malcolm Trevellyan e tirou

um casaco do banco de tr��s do carro. Vestiu-o e atravessou a pra��a,

puxando a gola para cima. Tremia de frio. Mesmo no rigor do inverno.

Mendao n��o era assim e ele pensou com saudades na beleza barroca da

quinta, no vale espl��ndido em que ela se situava e no azul profundo do

mar que banhava o litoral, n��o muito longe de l��. Achou que teria sido

muito mais f��cil n��o ter vindo. Poderia ter mandado Alonso Dias ou Jo��o

de Almeida. Sua m��e, por um estranho capricho, teimou que ele fizesse a

viagem. Com isso, talvez quisesse demonstrar a Malcolm Trevellyan que

seu convite era pessoal.

O barulho na atmosfera esfuma��ada do bar diminuiu quase

imediatamente assim que ele abriu a porta. Sentiu uma onda de

curiosidade tomar conta da sala e percebeu algo que se avizinhava da

hostilidade.

Foi at�� o balc��o e ficou parado. Era alto e moreno, mais alto e moreno

do que a maior parte daqueles homens. Falando ingl��s com leve sotaque,

indagou:

��� Por favor, sabe qual o endere��o do sr. Malcolm Trevellyan?

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O dono do bar parou de enxugar um copo, e ele seria capaz de jurar

que a hostilidade �� sua volta aumentava.

��� E quem �� o senhor?

��� Meu nome n��o tem import��ncia e n��o haver�� de querer dizer nada

para o senhor. Preciso encontrar-me com o sr. Trevellyan e, como o

tempo l�� fora est�� muito feio, achei que talvez... ��� O povo daqui n��o

gosta de dar informa����es a estranhos... ��� comentou um homem �� sua

direita, com o rosto todo enrugado.

Ele fez o poss��vel para se controlar.

��� Asseguro-lhe que os motivos que me levam a procurar o sr.

Trevellyan s��o perfeitamente respeit��veis. Ele est�� �� minha espera, mas o

nevoeiro dificulta tudo... -

O dono do bar olhou �� sua volta, contemplando aqueles rostos tomados

pela curiosidade, e pareceu chegar a uma decis��o.

��� Veio pela estrada de Penzance?

��� Creio que sim.

��� Pois ent��o passou pela casa dos Trevellyan. Fica a uns dois

quil��metros daqui e d�� para o mar.

��� Fico-lhe muito grato. Obrigado.

Inclinou a cabe��a e preparava-se para sair, quando foi barrado por um

jovem pescador.

��� O que h�� de querer com o velho Trevellyan? ��� perguntou, com

agressividade. ��� Tem certeza de que n��o �� Rachel quem deseja ver?

��� Rachel? Acho que n��o conhe��o ningu��m com esse nome.

��� E diz que conhece Malcolm Trevellyan? Como pode conhec��-lo e

n��o conhecer Rachel?

��� Posso saber quem �� Rachel? ��� Come��ava a sentir-se pouco ��

vontade.

��� Devo dizer-lhe? ��� perguntou o rapaz, olhando para seus amigos.

��� Deixe-o em paz, Bart ��� disse um homem de meia-idade. ��� Talvez

ele tenha vindo a neg��cios. Quem sabe n��o conhece mesmo Rachel.

��� N��o, por favor, quero um esclarecimento. Quem �� Rachel?

��� �� a mulher dele, �� claro! N��o sabia?

��� Devo dizer-lhe que n��o.

��� Bart! ��� O homem puxou Bart pela manga. ��� Deixe isso para l��.

N��o �� assunto que lhe diga respeito.

��� N��o ��? N��o �� mesmo? Voc�� n��o se importa com o que possa

acontecer com Rachel?

��� Claro que me importo...

Ele n��o se disp��s a ouvir mais nada. Deixou para tr��s aquele grupo de

fisionomias hostis, chegou at�� a porta e enfrentou o ar g��lido. Naquele

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momento, o frio era um al��vio, infinitamente prefer��vel �� temperatura

abafada do bar.

Enquanto caminhava em dire����o ao carro, n��o conseguia parar de

pensar na informa����o que acabara de receber. Malcolm Trevellyan era

casado! Nunca havia feito a menor men����o ao fato. Na correspond��ncia

de Trevellyan com sua m��e, jamais havia tocado no assunto. Pelo

contr��rio, lembrava-se dos coment��rios da m��e, referindo-se a Trevellyan

como um solteir��o convicto. H�� quatro anos, quando ela e seu pai

visitaram a Inglaterra, ele com certeza n��o tinha mulher.

A sensa����o de mal-estar aumentou. O que significava tudo aquilo? Ser��

que Trevellyan havia se casado com alguma vi��va pelo fato de sentir-se

s��? E se assim fosse, porque n��o comunicara a ningu��m? Ou esperava

que eles soubessem? Imaginava que o convite que havia recebido inclu��a

igualmente sua mulher?

Balan��ou a cabe��a e entrou no carro. Qual seria a rea����o de sua m��e,

caso a situa����o fosse realmente aquela? Haveria de querer outra mulher na

quinta? O convite que fizera a Trevellyan era aberto, mas, se ele tinha

uma esposa...

E qual seria o interesse do jovem pescador em tudo aquilo? Por que

eram t��o hostis, ao ouvirem a simples men����o ao nome de Trevellyan?

Seria acaso poss��vel que Bart fosse o filho daquela desconhecida Rachel?

Subitamente, sentiu-se irado. Fazia frio, ele estava cansado, era um

estrangeiro em um pa��s desconhecido e agora arrependia-se por n��o ter

reservado um quarto em um hotel de Penzance, marcando a viagem de

volta para da�� a dois dias.

Deixando para tr��s a pra��a da aldeia, retomou a estrada de Penzance. O

nevoeiro havia diminu��do ligeiramente e ele guiava devagar, procurando

um port��o ou alguma indica����o de que existia uma casa na beira da

estrada.

Encontrou-a com alguma facilidade. N��o havia outras resid��ncias, na

regi��o e ele entrou por uma alameda estreita, em dire����o a uma casa,

cujas janelas iluminadas eram agora claramente vis��veis. Parou o carro e

saltou, contemplando a fachada de pedra. N��o era uma edifica����o grande,

mas, estando parcialmente oculta pelo nevoeiro, havia nela algo de

amea��ador. Deixou de lado aquela sensa����o desconfort��vel, subiu os

degraus que levavam �� porta de entrada e bateu.

O sil��ncio foi t��o longo que ele voltou a bater. Ouviu passos que se

aproximavam e aguardou com alguma irrita����o que a porta fosse aberta.

Meus Deus!, pensou impaciente. Ser�� que j�� n��o me esperavam, por

ser t��o tarde?

Na carta que escrevera, sua m��e havia declarado com precis��o a data e

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a hora em que deveria chegar. S�� porque tinha se atrasado um pouco mais

do que o previsto, isso n��o justificava que houvessem desistido de

aguard��-lo e que se recusassem a abrir a porta. Mas, por que estaria

pensando no plural?

A porta abriu-se subitamente e ele viu-se diante de uma jovem. A

primeira impress��o que teve dela foi provocada pelos reflexos dourados

de seus cabelos muito loiros, que emolduravam um rosto de um oval

perfeito. Era de estatura m��dia, mas muito esbelta, o que a fazia parecer

ainda menor. Usava jeans muito justos, que aderiam ao corpo como se

fossem uma segunda pele. Nem era preciso dizer que a apar��ncia da

garota teria deixado sua m��e e as amigas horrorizadas. O su��ter revelava

seios arredondados e pequenos e pulsos muito finos. Quem seria aquela

criatura? Ela parecia ter uns dezoito anos, mas ele n��o tinha certeza. Teria Malcolm Trevellyan uma filha, al��m de uma esposa?

��� Sim? O que o senhor deseja?

Ele se inclinou cortesmente, mas arrependeu-se logo em seguida de ter

feito aquele gesto. No entanto, o sangue portugu��s corria com mais for��a

em suas veias do que o sangue ingl��s e, para ele, comportar-se com

cortesia havia se tornado uma segunda natureza.

��� Gostaria de ver o sr. Malcolm Trevellyan, senhorita. Sou Lu��s

Martins, marqu��s de Mendao!

A mo��a encarou-o durante um breve momento, como se n��o estivesse

entendendo. Era evidente que n��o tinha a menor id��ia de quem ele era ou

de que estivessem �� sua espera, e ele sentiu-se mais tranq��ilo. Ela, com

toda a certeza, n��o deveria ser da fam��lia, pois, caso contr��rio, teria

sabido. Come��ava a pensar que Malcolm Trevellyan tinha escondido

muita coisa de sua m��e.

��� Quer fazer o favor de entrar?

A garota p��s-se de lado, sem procurar disfar��ar o desagrado que sentia,

e Lu��s entrou para o vest��bulo estreito. Havia um tapete no ch��o,

esgar��ado em algumas partes e, apesar de tudo estar na mais perfeita

ordem, o conforto n��o era l�� dos maiores. Certamente Malcolm

Trevellyan merecia um ambiente mais acolhedor, a fim de poder melhor

convalescer.

A jovem fechou a porta e indicou que ele deveria passar para uma sala

�� direita.

��� Espere um momento, por favor, e avisarei Malcolm de sua

presen��a.

��� Obrigado.

Lu��s entrou na sala de visitas e olhou em torno com interesse. Notou

que era raramente usada. Havia nela algo de glacial e pouco acolhedor.

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Alguns objetos enfeitavam a lareira e, como colecionador de

antig��idades, ele examinou-os com aten����o. N��o havia nada, por��m,

digno de interesse e ele sentou-se em uma cadeira, �� espera. Um rel��gio

bateu as horas: nove e meia. Estava viajando desde manh��. N��o era de

estranhar, portanto, que come��asse a se sentir irritado e impaciente.

A porta abriu-se subitamente e ele, voltando-se, ficou a contemplar a

mo��a que o atendera. Ela o encarava com curiosidade e preocupa����o e ele

sentiu-se intrigado. Quis imaginar o que ela fazia naquela casa em horas

t��o tardias. Parecia tamb��m saber muito pouco a respeito dos neg��cios do

dono da propriedade.

Agora que a via melhor, constatava que era um pouco mais velha do

que ele imaginara inicialmente. Tinha talvez vinte ou vinte e um anos.

Estava vestida muito �� vontade e era um exemplo t��pico de jovem

emancipada. Quais seriam as rea����es de sua m��e, se a visse? As garotas

portuguesas n��o tinham permiss��o para se trajar daquele jeito e recebiam

uma educa����o muito r��gida. Vestiam-se de modo muito conservador.

Mantinham uma certa dist��ncia, um ar de mist��rio que s�� podia ser

desvendado por aqueles que se tornariam seus maridos. Lu��s achava que

havia ainda em seu pa��s uma influ��ncia moura muito evidente,

respons��vel pelo fato de as mulheres viverem segregadas antes e ap��s o

casamento.

��� Por favor, queira me seguir... ��� convidou a jovem.

Foram para um aposento nos fundos da casa. Lu��s imaginou que,

durante o dia, dele via-se provavelmente o mar. Naquele momento, as

cortinas estavam cerradas e a ��nica luz vinha de um abajur ao lado de

uma grande cama de casal, a pe��a principal de todo o quarto. A lenha

queimava na lareira e dela emanava muito calor. Recostado em v��rios

travesseiros, no meio da cama, via-se uma figura de pijama que fitava

Lu��s com seus olhos muito azuis.

Malcolm Travellyan devia ter uns cinq��enta anos, mas parecia mais

velho. Cabelos ralos coroavam um rosto prematuramente enrugado e,

embora parecesse ter sido um homem robusto, sua pele tornara-se fl��cida.

Lu��s contemplou a mo��a, que havia permanecido parada na soleira da

porta quando ele entrou no quarto. Notando que ela n��o fazia a menor

men����o de sair, perguntou:

��� Como vai o senhor? Meu nome �� Lu��s Martins. Estava �� minha

espera?

��� Claro, claro! Entre. ��� Malcolm Trevellyan mostrava-se acolhedor

e sua voz era forte e autorit��ria. ��� Fez boa viagem? Chegou mais tarde

do que eu esperava, mas acho que o tempo n��o deve ter ajudado. Que

frio, n��o? Creio que n��o est�� acostumado.

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��� N��o, de fato. Como est�� passando?

��� Logo ficarei bom. Acho que tenho que ir com calma... ��� Indicou

as pernas. ��� N��o h�� muito que eu possa fazer no momento.

��� Sinto muito. Tenho certeza de que apreciar�� bastante o clima de

Mendao.

Lu��s ouviu a mo��a respirar fundo e subitamente Malcolm pareceu

lembrar-se de que ela se encontrava l��.

��� N��o fique parada a��, Rachel! V�� preparar ch�� e alguns sandu��ches

para nosso h��spede. Garanto que deve estar com fome, depois de viajar o

dia inteiro!

Lu��s mal conseguia acreditar no que ouvia. Trevellyan havia chamado a

garota de Rachel. Rachel! No bar da aldeia, o jovem pescador referira-se

com rancor �� mulher de Trevellyan e dissera aquele mesmo nome. Era

imposs��vel que aquela garota fosse a esposa de Trevellyan! Sentiu-se mal,

s�� de pensar naquilo.

Olhou �� sua volta, por��m ela n��o se encontrava mais l��. Mais uma vez

desejou que Jo��o ou Alonso estivessem ali, em seu lugar. N��o queria

tomar parte naquilo.

Mas agora estava comprometido e sentiu-se obrigado a fazer a

inevit��vel pergunta.

��� Esta jovem �� parente sua?

��� Acho que se pode dizer que sim. Precisamos conversar a respeito

dela.

Lu��s cruzou as m��os por detr��s das costas. Era sua postura favorita e,

naquele momento, n��o sentia vontade de se sentar.

Malcolm Trevellyan parecia ter compreendido que Lu��s estava �� espera

de uma explica����o e, suspirando, declarou:

��� Rachel �� minha mulher.

��� �� mesmo?

��� Por favor, deixe-me explicar.

��� O senhor n��o explicou a situa����o a minha m��e.

��� Sim, eu sei e sinto muito, mas n��o havia como. Preciso conversar

com voc��, discutir a situa����o, explicar as circunst��ncias...

��� Que circunst��ncias?

��� Rachel e eu estamos casados h�� tr��s anos. Ela s�� tinha dezoito anos

naquele momento e seu pai acabara de morrer. N��o tenho por que julgar

as pessoas, mas Rachel era um verdadeiro tormento para o pai. Pobre

homem, n��o sabia como lidar com ela! �� um artista e talvez at�� mesmo

em seu pa��s voc�� possa ter uma id��ia de como os artistas s��o. Gostam de

ter de si mesmos a imagem de indiv��duos que levam uma vida livre. Por

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vida livre entenda-se amor livre e, a partir da��, voc�� pode ter uma id��ia de seus ideais...

��� O que o senhor est�� tentando me dizer?

��� N��o �� n a d a f��cil... Rachel �� minha mulher e eu a amo, mas nem

sempre a compreendo.

��� Prossiga! .

��� Muito bem. No momento em que seu pai morreu, Rachel estava

gr��vida. O pai da crian��a a havia abandonado e ela encontrava-se

inteiramente s��. O pai de Rachel e eu sempre fomos amigos e n��o

suportei v��-la em semelhante situa����o. Pedi-a em casamento, com a

condi����o de que ela pudesse continuar a pintar, e ela aceitou.

Infelizmente, a gravidez n��o foi adiante e ela acabou perdendo a crian��a.

��� Percebo. E n��o p��de falar a respeito de tudo isso com minha m��e?

��� Mas como era poss��vel? Tais coisas n��o se escrevem em uma

carta...

��� Talvez n��o... E o que espera que ela fa��a agora?

��� Rachel me conhece. Conhece minhas prefer��ncias e minhas

implic��ncias e cuidou de mim. �� sua maneira. N��o gostaria de deix��-la

sozinha aqui, �� merc�� de suas fraquezas.

��� Est�� sugerindo que sua esposa nos acompanhe a Mendao?

��� Seria t��o penoso assim para voc�� e para sua m��e? Prometo-lhe que

ela n��o causar�� problemas.

Lu��s teria sido capaz de rir daquela situa����o, se ela n��o fosse t��o s��ria.

Como �� que Trevellyan poderia ter a pretens��o de controlar sua mulher,

deitado em uma cama ou at�� mesmo sentado em uma cadeira de rodas? A

n��o ser que os anos de casamento tivessem atenuado nela a rebeli��o ou

destru��do aqueles ��mpetos incontrol��veis que tinham causado

anteriormente tamanha infelicidade. Respirou fundo. Depois de tudo que

tinha ouvido, a id��ia de que aquela garota era casada com Malcolm

Trevellyan o fazia sentir-se mal. N��o conseguia imaginar por qu��. Aquilo

nada tinha a ver com ele.

��� Ao chegar, pareceu-me mais do que evidente que a sra. Trevellyan

ignorava as raz��es de minha presen��a.

��� Eu sei, eu sei. Ainda n��o falei de meus planos a ela.

��� Por que n��o?

��� Como era poss��vel? Nem sequer sabia se voc�� ou sua m��e

permitiriam que ela me acompanhasse.

��� Percebo...

Ouviram-se passos no corredor e a jovem entrou no quarto, carregando

uma bandeja. O primeiro impulso de Lu��s foi tirar a bandeja de suas

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m��os, mas colocou-se polidamente de lado e permitiu que ela a

depositasse sobre o criado-mudo, ao lado da cama.

��� Permita que os apresente. Esta �� minha esposa, Rachel. Rachel,

este �� o filho de um grande amigo meu, o sr. Martins.

��� O sr. Martins apresentou-se, quando atendi a porta ��� declarou

Rachel, sem a menor express��o na voz.

��� �� s�� o que voc�� tem a dizer?

Lu��s percebeu o olhar que ambos trocavam e constatou que havia nele

grande animosidade. Sentiu-se mal com aquela situa����o constrangedora.

A mo��a parecia ter ficado irritada com o tom de desprezo com que seu

marido havia se dirigido a ela.

��� O que ele est�� fazendo aqui, Malcolm? ��� perguntou, um pouco

exaltada. ��� O que ele quis dizer, quando falou a respeito de um clima

mais ameno? O que est�� acontecendo?

Trevellyan olhou ansioso para Lu��s, pedindo socorro, e este, resignado,

disse:

��� Talvez n��o saiba, senhora, que a fam��lia de seu marido cuidou de

minha m��e h�� muitos anos, quando ela ficou ��rf��. Mais tarde, ela

desposou um portugu��s, meu pai, mas manteve correspond��ncia com a

fam��lia Trevellyan. Decorridos muitos anos, visitou a Inglaterra

juntamente com meu pai e voltou a se encontrar com seu marido.

��� N��o sabia. E da��?

Lu��s mordeu os l��bios. N��o estava acostumado a ser tratado naquele

tom, principalmente por uma criatura daquela idade.

��� Naturalmente, quando seu marido ficou doente, minha m��e

preocupou-se com ele Devo confessar-lhe que ela n��o sabia que ele havia

se casado, mas, mesmo assim, sugeriu ao sr. Trevellyan que ele fosse a

Portugal, passar algumas semanas em nossa propriedade, em Mendao.

��� Sei... Por que foi que voc�� n��o me contou, Malcom?

��� N��o tinha certeza em rela����o ao que estava combinado... N��o

queria que voc�� alimentasse falsas esperan��as...

��� Falsas esperan��as? Voc�� est�� querendo dizer que eu posso ficar

aqui?

��� N��o, n��o �� a isto que me refiro! Simplesmente quis dizer que n��o

queria criar expectativas em rela����o a esta temporada em Portugal, a

menos que tivesse certeza de que voc�� seria bem recebida l��.

��� F��rias em Portugal! N��o quero ir para Portugal!

��� Certamente n��o permitir�� que seu marido, um homem doente, viaje

sem receber sua assist��ncia, n��o �� mesmo? ��� indagou Lu��s, intimamente

indignado.

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��� Sinto muito se lhe pare��o ingrata mas garanto-lhe que meu marido

n��o necessita de minhas aten����es.

��� Rachel! ��� Trevellyan estava furioso. ��� Pare imediatamente com

isto! Se o sr. Martins ignorar essa sua atitude t��o desagrad��vel,

naturalmente voc�� me acompanhar�� a Portugal!

Rachel mal conseguia disfar��ar as emo����es que se apoderavam de sua

pessoa. A c��lera a tornava atraente e, sem querer, Lu��s sentiu certa pena

dela. Sua conduta no passado j�� n��o era mais digna de censura, a partir do

momento em que consentira em tornar-se a esposa de um homem t��o

velho quanto Malcolm Trevellyan.

Refletindo melhor, Lu��s achou que ela n��o tinha sido obrigada a se

casar com ele. Uma garota que tivesse mais seguran��a e mais coragem em

suas convic����es, teria encontrado uma solu����o e maneiras de se sustentar,

bem como �� crian��a que iria nascer. N��o, Rachel Trevellyan adotara a

solu����o mais f��cil, para enfrentar a situa����o complexa em que se

encontrava e, agora, revoltava-se contra a pessoa que mais a havia

ajudado. Lu��s sentiu que o desprezo substitu��a a compaix��o. Rachel

Trevellyan n��o merecia absolutamente nada.

��� Vamos, Rachel. Sirva ch�� ao sr. Martins e pare de se comportar

como uma crian��a mimada ��� ordenou Malcolm.

Por um momento, Lu��s pensou que ela iria recusar, mas logo obedeceu

e encheu duas x��caras. Voltando-se para ele, indagou:

��� Leite e a����car?

��� Obrigado, somente a����car.

��� Sente-se, Lu��s, por favor.

Malcolm indicou uma cadeira e, apesar de n��o ser h��bito de Lu��s

sentar-se na presen��a de uma mulher que estivesse em p��, acomodou-se

em uma cadeira de vime, ao lado da cama.

Rachel serviu o ch�� do marido, acrescentou leite e a����car, mexeu e

passou-lhe a x��cara. Havia tamb��m sandu��ches na bandeja, por��m Lu��s

recusou. Havia almo��ado bem tarde, a caminho, e, apesar de apreciar

jantar em horas avan��adas, quando se encontrava em Portugal, n��o lhe

agradava a id��ia de comer sandu��ches. Na realidade, teria preferido

hospedar-se em um hotel, apesar de Malcolm, na correspond��ncia com

sua m��e, sugerir que ele poderia passar a noite na casa. Agora era muito

tarde, o nevoeiro n��o se dissipara e, diante da falta de acomoda����es na

vizinhan��a, n��o lhe restava alternativa.

Rachel parecia estar a ponto de deix��-ios, quando seu marido indagou:

��� Muito bem, Lu��s. O que decidiu? E a que conclus��es chegou, no

que diz respeito a Rachel?

Que pergunta mais dif��cil... A que conclus��es havia chegado? Lu��s

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colocou a x��cara na bandeja. Nunca havia esperado ter de tomar

semelhante decis��o. Se, para isso, tivesse de contactar sua m��e e discutir

o assunto com ela, criaria para a marquesa de Mendao uma preocupa����o

desnecess��ria. Afinal de contas, ela n��o poderia desfazer o convite,

��quela altura dos acontecimentos, mesmo levando em conta que as

circunst��ncias se haviam alterado. Apesar de ele saber muito bem quais

seriam as rea����es dela diante de uma jovem como Rachel Trevellyan,

havia muito pouco a fazer sem que Malcolm ficasse decepcionado.

Al��m do mais, l�� em Mendao existiam outras pessoas a quem devia

levar em considera����o...

��� �� ��bvio que o sr. Martins n��o deseja que eu o acompanhe a

Portugal, Malcolm ��� observou Rachel, parada junto �� porta. ��� Por que

n��o posso ficar aqui? Que mal haveria nisso?

Lu��s levantou-se. Aquela atitude irritava-o mais do que se ela tivesse

manifestado interesse em acompanh��-los. Em seu pa��s as mulheres n��o

discutiam com os homens. Eram suaves e femininas, totalmente

submissas sob todos os aspectos. Rachel Trevellyan exprimia-se sem

demonstrar o menor respeito, assumindo uma responsabilidade por seus

atos que n��o ficava bem em uma jovem, e muito menos em uma mulher

casada.

��� J�� pensei no assunto ��� disse Lu��s, dirigindo-se a Malcolm ���, e,

naturalmente, minha m��e gostaria de estender o convite a sua mulher.

Rachel esbo��ou uma rea����o, mas Lu��s ignorou-a, n��o tirando os olhos

de Malcolm. Este n��o disfar��ou a gratid��o que sentia.

��� Obrigado, �� muita delicadeza de sua parte. Quando Rachel se

acostumar com a id��ia, ela tamb��m ficar�� agradecida, n��o �� mesmo,

Rachel?

Eles se olharam de modo estranho e Lu��s notou que Rachel estremecia.

��� Quando �� que devemos viajar? ��� perguntou ela, sem disfar��ar o

des��nimo que sentia. ��� Ainda n��o tomei nenhuma provid��ncia. Como

fa��o com o passaporte?

��� Est�� se esquecendo, Rachel, de que viajou para o exterior com seu

pai um ano antes de ele morrer? Seu passaporte ainda �� v��lido.

��� Mas preciso de tempo...

��� Por qu��?

��� H�� certos detalhes a serem acertados...

��� Que detalhes?

��� Tanta coisa...

��� Rachel, tudo o que precisa fazer �� arrumar as malas. Partiremos

amanh�� de manh��.

��� N��o!

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��� Sim. Naturalmente, o sr. Martins passar�� a noite conosco...

��� N��o �� necess��rio! ��� disse Lu��s, sentindo-se pouco �� vontade.

Posso ficar em um hotel...

��� Que bobagem! �� claro que ficar�� aqui! �� o m��nimo que podemos

fazer, n��o �� mesmo, Rachel?

��� Voc�� �� quem sabe... ��� Ela n��o poderia ter-se exprimido com

maior reserva.

Lu��s procurou controlar-se. Desejava que j�� fosse de manh��. N��o tinha

a menor vontade de passar a noite naquela casa, pois era evidente que

Rachel Trevellyan ficara muito magoada. N��o poderia, no entanto,

recusar o convite, sem ofender Malcolm.

��� Vou arrumar o quarto ��� comunicou Rachel.

��� Isso mesmo. Avise-nos quando ficar pronto. O sr. Martins com

toda a certeza sente-se cansado, ap��s viajar o dia inteiro.

Na aus��ncia de Rachel, Malcolm indagou sobre a marquesa de

Mendao. Durante alguns momentos, Lu��s finalmente sentiu-se �� vontade

Tranq��ilizava-o falar sobre sua m��e. Pelo menos em rela����o a esse

assunto n��o havia meias-palavras ou mal-��ntendidos. Tirou o casaco e

sentou-se, acendendo um charuto.

Quando Rachel voltou, Lu��s sentia-se infinitamente menos tenso,

apesar de notar que a atmosfera mudou no momento em que ela entrou.

��� O quarto est�� pronto ��� anunciou, e Lu��s levantou-se.

��� Pois, ent��o, desejo-lhe boa-noite ��� disse Malcolm, aparentemente

indiferente �� atitude de sua mulher. ��� A que horas deseja que partamos?

��� Sugiro que seja o mais cedo poss��vel. Boa noite.

��� Boa noite ��� disse Malcolm, com um sorriso que Lu��s julgou

ligeiramente malicioso. Saiu do quarto em companhia de Rachel, sem

dizer mais nada.

Subiram a escada e foram para um quarto que dava para a frente da

casa. As outras partes da resid��ncia estavam frias, em compara����o com o

calor quase desagrad��vel reinante no quarto de Malcolm, mas Lu��s notou

que Rachel havia acendido um aquecedor el��trico no c��modo que lhe era

destinada.

Era um aposento grande, com pouca mob��lia, contendo apenas uma

cama, um guarda-roupa e uma esp��cie de lavat��rio. Ao lado da cama,

havia um pequeno tapete, imaculadamente limpo como tudo mais.

��� Coloquei uma bolsa de ��gua quente sob as cobertas. N��o precisa de

mais nada? ��� indagou Rachel, permanecendo parada diante da porta.

Lu��s pensou na mala trancada no carro, mas sacudiu a cabe��a. Seus

olhos se cruzaram. Nunca havia visto olhos t��o verdes, encimados por

pestanas t��o negras e compridas, que quase chegavam a colocar os outros

16

tra��os em segundo plano. A sensa����o de mal-estar voltou e ele n��o soube

explicar por qu��.

Algo lhe dizia que devia desistir imediatamente de seus projetos e n��o

levar Malcolm e sua mulher para Mendao. Era, por��m, uma atitude

rid��cula. Estava permitindo que a preocupa����o o deixasse inseguro. Que

mal poderia haver em oferecer hospitalidade aos Trevellyan por umas

duas semanas? Talvez a marquesa n��o apreciasse a presen��a de Rachel,

reparasse em seu modo de vestir, mas aquilo poderia ser contornado. Com

toda a educa����o inglesa que recebera, os quarenta anos que a m��e havia

passado em Portugal tornaram-na uma criatura tipicamente portuguesa,

em seu modo de encarar a vida.

E se acaso Am��lia considerasse inconveniente hospedar uma jovem,

sobretudo casada, naquelas semanas que antecediam seu casamento, ent��o

poderia tomar provid��ncias e alojar o casal em alguma outra resid��ncia da

enorme quinta.

Compreendeu subitamente que estava encarando Rachel havia muito

tempo e que, diante da insist��ncia de seu olhar, ela ficara muito

ruborizada.

��� Obrigado. Tenho tudo de que preciso. Dormirei com todo o

conforto.

Havia certa frieza no tom com que ele se exprimia, mas nada podia

fazer. Algo naquela mo��a o perturbava e aquilo era uma experi��ncia nova

para ele. Normalmente, costumava estar em pleno controle de suas

rea����es.

��� Muito bem. Ent��o... boa noite.

��� Boa noite.

Lu��s fez um gesto breve com a cabe��a e a porta se fechou. Depois que

Rachel saiu, certificou-se de que lhe seria dif��cil afast��-la de seus

pensamentos...

17

CAP��TULO II

Assim que deixaram o litoral, a estrada atravessou vales f��rteis,

densamente cultivados, cheios de ��rvores e arbustos em flor, recendendo

fortemente a eucalipto e lim��o. Rachel viu planta����es de figos,

amendoeiras, extensos parreirais e centenas de p��s de primavera em plena

florada. Tudo aquilo lhe parecia novo e estimulante e n��o conseguia

abafar a excita����o que se apoderava de todo o seu ser. Sentia uma

necessidade absurda de pegar os pinc��is e tentar transferir para a tela toda a beleza e o colorido da paisagem. Estava em Portugal, a terra daquele

homem moreno e esbelto, sentado a seu lado, na dire����o da luxuosa

limusine prateada. Era o pa��s natal daquele aristocrata, amigo inesperado

de Malcolm, e que a olhava com evidente desprezo.

Mordeu os l��bios e estremeceu, a despeito do calor do dia, que a havia

for��ado a tirar o casaco. Seu marido, vencido pela temperatura, dormia no

banco de tr��s do carro, mas Lu��s Martins, marqu��s de Mendao, parecia

totalmente indiferente ao clima.

Rachel olhou-o disfar��adamente. Sua concentra����o estava toda na

estrada e, durante alguns momentos, conseguiu estud��-lo sem ser

observada. Quem diria que, em menos de vinte e quatro horas, sua vida

mudaria t��o completamente? Na v��spera, �� tarde, entregara-se totalmente

�� pintura, tentando terminar o retrato de uma das crian��as da aldeia,

enquanto Malcolm dormia. Percebeu nele uma certa excita����o que n��o

conseguia explicar. No entanto, na noite ^anterior, quando abriu a porta e

viu aquele estrangeiro moreno, pressentiu que ele, de certa forma, era

respons��vel por toda aquela modifica����o. Mesmo naquele momento, n��o

conseguiu desconfiar que Malcolm pretendia lev��-la em sua companhia.

18

Desde que adoecera, seu marido agia como um fan��tico, em suas

tentativas de mant��-la afastada das pessoas que conhecia, mas, agora, ela

acreditava que suas m��os estavam atadas. Como ele devia ter rido consigo

mesmo, ao pensar que aquilo que, segundo ela imaginava, os manteria em

Mawvry, junto a seus amigos, junto ��s pessoas a quem estava ligada, era

exatamente o fator que lhe proporcionaria os meios para se distanciarem

de l��...

O carro parou lentamente, diante de uma ponte estreita, sob a qual

corria um riacho de ��guas cantantes. Salgueiros enormes e muito copados

inclinavam seus ramos em dire����o ��s ��guas, formando verdadeiros t��neis

de sombra. Gramados suaves como veludo eram um convite ao

relaxamento nas margens do riacho. Rachel sentiu vontade de sair do

carro e mergulhar os p��s nas ��guas. Suspirou, atraindo a aten����o do

homem a seu lado.

��� Est�� cansada? ��� ele indagou polidamente, mas com certa

impaci��ncia.

��� N��o, cansada n��o.

��� Ent��o, o que foi?

��� Estava pensando em como seria delicioso banhar os p��s naquele

riacho que acabamos de deixar para tr��s.

Os dedos longos e queimados de sol apertaram a dire����o com mais

for��a, mas Lu��s n��o fez coment��rio algum. As m��os dele s��o muito

atraentes, ela pensou e seus olhos de artista puseram-se a apreciar o

comprimento e o formato. A despeito do fato de serem m��os que, na

realidade, deveriam ter trabalhado muito pouco, possu��am ainda assim

uma for��a e um vigor evidentes. Gostaria de toc��-las, de sentir sua textura

e formato, de pint��-las...

Voltou bruscamente �� realidade. Era um verdadeiro absurdo pensar em

pintar qualquer parte do corpo do marqu��s de Mendao. E por que haveria

de querer faz��-lo? Contemplou seu marido, que dormia tranq��ilamente.

Ainda bem que ele n��o estava a par de seus pensamentos insensatos.

Afundou-se no banco do carro e, com um gesto displicente, ajeitou os

cabelos. Sua atitude chamou a aten����o de Lu��s Martins, que comentou:

��� Como seu marido parece estar dormindo no momento, talvez seja

uma boa ocasi��o para esclarecer certos pontos.

��� Que pontos?

��� Em primeiro lugar, prefiro que se lembre de chamar-me de senhor,

toda vez que se dirigir a mim. Isto n��o tem tanta import��ncia para mim,

minha senhora, mas acontece que minha m��e adota os velhos costumes

portugueses, que, como deve saber, s��o muito r��gidos. Por outro lado,

19

parece-me que nosso relacionamento deve se dar nas bases mais formais

poss��veis, n��o acha?

��� Acreditava que sua m��e fosse inglesa, senhor.

��� E era, ali��s ��, apesar de ultimamente ter adotado a nacionalidade

portuguesa. No entanto, os costumes de meu pa��s sempre foram os

costumes que ela praticou.

��� Pois n��o. ��� Rachel exprimia-se com secura.

��� Em segundo lugar, sua... apar��ncia, senhora.

��� Minha apar��ncia? ��� Rachel olhou para ele, muito surpreendida.

��� Sim, senhora, sua apar��ncia. �� evidente que n��o presta muita

aten����o na maneira como se veste, mas, em Portugal, as mulheres de

classe n��o costumam usar cal��as compridas, a n��o ser em ocasi��es muito

raras. Aderem a certos princ��pios. Um simples vestido ou talvez saia e

blusa s��o considerados muito mais adequados. Consegue reconhecer este

fato, senhora?

Rachel sentiu-se indignada. N��o era seu desejo ter vindo para Portugal

e agora aquele homem ousava criticar seus modos e suas roupas. Afinal

de contas, quem ele pensava que era?

Controlando o tremor em sua voz, disse:

��� Sinto muito, mas n��o concordo, senhor. Para mim, cal��as s��o o que

existe de mais confort��vel.

Os olhos negros de Lu��s enfrentaram os dela e ele n��o conseguiu

disfar��ar a ira que sentia. A tens��o estampava-se em seus l��bios e ela

achou que, mesmo encolerizado, ele era o homem mais

perturbadoramente atraente que jamais havia conhecido. N��o era apenas

bonit��o; teria sido um insulto usar um termo t��o vulgar para descrever

seus tra��os fortes, as ma����s salientes, os olhos fundos, os l��bios

bem-feitos e sensuais. A alvura de sua camisa contrastava com a pele

tostada de sol e os cabelos ondulados e muito negros. Que mulher n��o

teria profunda consci��ncia de sua extrema masculinidade, mesmo sendo

casada?

��� Quer dizer, ent��o, que pretende opor-se a mim, senhora?

��� N��o �� minha inten����o desrespeit��-lo, m��s, no que concerne a

minhas roupas, penso que sou a pessoa mais qualificada para julgar aquilo

que devo ou n��o usar.

��� Pois n��o... Talvez eu tenha feito a abordagem errada. Talvez

devesse abordar o assunto com seu marido, solicitando a ele que o

discutisse com a senhora.

��� Isto �� uma amea��a ou uma sugest��o? ��� ela indagou, com o rosto

pegando fogo.

��� O que quer dizer com isso?

20

��� Certamente deve ter ficado evidente para o senhor que sou uma

esposa obediente, n��o?

��� N��o deseja que eu mencione este assunto com seu marido?

��� E acaso meus desejos importam?

��� Receio que n��o compreendo aonde quer chegar, senhora.

��� Pela primeira vez concordamos. N��o compreende mesmo.

Rachel apertou os l��bios, a fim de impedir que eles tremessem.

��� Diga-me o que est�� achando de Mendao ��� ele disse, mudando t��o

subitamente de assunto que a deixou espantada durante alguns instantes.

��� Este �� o vale do rio Meigo, onde se situa nossa aldeia.

��� �� muito belo tudo aqui, mas, sem d��vida, o senhor n��o desconhece

este fato. �� propriet��rio destas terras?

��� A terra pertence a todos n��s. Trabalhamos para ela, lavramos o

solo, semeamos, colhemos. Nenhum homem pode declarar-se propriet��rio

de algo que significa o meio de subsist��ncia para tanta gente. Os dias da

escravid��o acabaram, senhora. Estas pessoas s��o livres. Aqui em Mendao

todos os homens s��o tratados como iguais.

A quinta dos Martins surgiu aos olhos de Rachel escondida por uma

verdadeira cortina de ��rvores. Lembrava-lhe a muralha vegetal que havia

crescido em torno do castelo da Bela Adormecida. E, de fato, a quinta, ��

primeira vista, parecia um castelinho.

Aninhada entre o arvoredo, possu��a dezenas de pequenas torres e tinha

uma apar��ncia de conto de fadas.

Rachel, cheia de admira����o, sentou-se muito ereta, totalmente absorta

pela paisagem, esquecendo-se por alguns momentos dos motivos que a

levavam at�� l��.

��� Gosta de minha casa, senhora?

��� Oh, sim, sim! �� extraordinariamente bela!

��� A fam��lia de meu pai mora aqui h�� v��rias gera����es. Naturalmente,

em per��odos mais recentes a quinta foi modernizada, mas n��o a ponto de

destruir suas caracter��sticas.

O carro parou na frente de degraus de pedra que levavam a uma estrada

em forma de arco. Toda a resid��ncia era rodeada por uma enorme

varanda. No p��tio, havia uma fonte que n��o parava de murmurar e foi a

primeira coisa que Rachel notou, quando desceu do carro.

Lu��s, com sua polidez de sempre, havia dado a volta, a fim de ajud��-la

a descer, mas ela observou:

��� Sinto muito. N��o estou acostumada a que abram as portas para

mim.

Lu��s mal conseguiu disfar��ar a contrariedade que aquele coment��rio

21

despertava nele. Mas, nesse momento, um velho surgiu no topo da

escada.

��� Senhor marqu��s! Estimo muito v��-lo de novo!

��� Boa tarde, M��rio ��� disse Lu��s, sorrindo.

Rachel desviou o olhar daquela cena de cordialidade e, aproximando-se

do carro, disse:

��� Malcolm! Malcolm! J�� chegamos �� quinta.

��� Como ��? O que foi que voc�� disse? ��� perguntou seu marido,

abrindo os olhos com dificuldade.

��� Chegamos a Mendao, Malcolm. Como se sente?

��� Com licen��a...

Lu��s estava por detr��s dela e carregava a cadeira de rodas dobr��vel, que

estava guardada na mala do carro. Rachel deu um passo atr��s e quase

bateu a cabe��a no teto do carro. Sentia-se nervosa, agora que haviam

chegado, e a id��ia de ser apresentada �� velha marquesa deixava-a

intimidada, depois de tudo o que Lu��s Martins lhe dissera.

M��rio, obedecendo ��s ordens de Lu��s, trouxe a cadeira para perto do

carro. O marqu��s tirou Malcolm do banco de tr��s e acomodou-o. Em

seguida, ele e M��rio levaram a cadeira at�� o ��ltimo degrau. Malcolm

trajava um terno azul-marinho e devia estar sentindo tanto calor quanto

Rachel. Ela seguiu o pequeno cortejo, fazendo o poss��vel para n��o se

sentir a intrusa que tinha a certeza de ser.

Olhou �� sua volta com redobrado interesse, quando entraram no

vest��bulo. Toda a sua sensibilidade art��stica agu��ou-se, ao contemplar a

magnific��ncia do ambiente: colunas lavradas, uma escadaria barroca, a

galeria que percorria todo o primeiro andar... Havia nas janelas cortinas

de seda de um belo tom rosado e, sobre uma mesa com tampo de

m��rmore, um enorme vaso continha flores vermelhas em profus��o,

enfeitando o ambiente. Pequenas estatuetas de santos encontravam-se nos

nichos das janelas, real��ando o fato de que aquele era um lar

verdadeiramente cat��lico, enquanto que, �� direita e �� esquerda, portas em

arco davam para outras pe��as decoradas com grande requinte.

Rachel enganou-se, ao imaginar que a marquesa de Mendao iria ao

encontro deles no vest��bulo. Ao contr��rio, ��quela hora da tarde, quando

as sombras come��avam a cair e um certo frescor invadia o ar, a quinta

mostrava-se t��o silenciosa quanto um convento e a ��nica criatura que

apareceu foi uma mulher usando saia negra e avental branco. Era, sem

d��vida, uma das empregadas.

Saudou Lu��s com grande efus��o e encarou Rachel e Malcolm com

curiosidade. Era evidente que n��o esperava dois h��spedes, mas sua

express��o n��o demonstrava censura, apenas certa expectativa.

22

Lu��s exprimiu-se em portugu��s, explicando, pelo visto, que o sr.

Trevellyan tinha trazido sua esposa com ele. Rachel julgou reconhecer

algumas palavras, mas a maior parte de que se dizia era incompreens��vel

para ela.

A mulher, que se chamava Lu��sa, fez sinal com a cabe��a e deu uma

resposta que aparentemente agradou a seu patr��o, pois ele sorriu.

Voltando-se para Rachel e o marido, Lu��s falou em ingl��s:

��� Lu��sa comunicou-me que preparou um quarto para o senhor no

andar t��rreo. Nas atuais circunst��ncias, achamos prefer��vel que n��o

enfrentasse escadas. N��o custar�� nada arranjar um quarto para sua esposa,

ao lado do seu.

��� Tenho certeza de que n��o h�� necessidade de providenciar um quarto

especialmente para Rachel. �� claro que ela ficar�� comigo. ��� Ao dizer

tais palavras, Malcolm agarrava-se nervosamente �� cadeira de rodas, mas

sua express��o n��o demonstrava a tens��o que sentia.

Rachel notou uma express��o de irrita����o aflorar ao rosto de Lu��s e ela

mesma ficou muito vermelha. Tinha a sensa����o de que Malcolm falava de

prop��sito, como se quisesse chocar o rapaz. Por qu��? Que raz��es teria

para isso? Quando ainda estavam na Inglaterra, mostrara-se ansioso em

concordar com tudo o que Lu��s dissera. S�� podia presumir que, uma vez

em Portugal, seu marido sentia-se inteiramente �� vontade e n��o tinha mais

motivos para comportar-se com subservi��ncia. Aquele era o homem com

quem estava acostumada a lidar.

��� Mesmo assim prepararemos um outro quarto. �� poss��vel que sua

esposa queira ter um quarto �� disposi����o dela embora compartilhando seus

aposentos.

��� Muito bem ��� disse Malcolm, esbo��ando um gesto de indiferen��a.

Olhou �� sua volta e indagou: ��� Onde est�� Joanna?

��� Sem d��vida descansa, senhor ��� disse Lu��s, contrariado diante de

tamanha intimidade. ��� Lu��sa lhe mostrar�� suas "acomoda����es. Poderemos

encontrar-nos mais tarde na biblioteca, antes do jantar.

��� Est�� certo. Por favor, conduza minha cadeira, Rachel. Prefiro que

voc�� o fa��a.

Lu��sa foi �� frente deles, tomando o corredor da esquerda, enquanto

M��rio desaparecia, indo em busca da bagagem. Ao longo das paredes do

corredor, havia austeros retratos a ��leo dos antepassados de Lu��s, e

Rachel achou que o atual marqu��s era muito mais bonito do que seus

antecessores.

Lu��sa parou diante de portas duplas e, abrindo-as com um gesto teatral,

anunciou:

23

��� C�� est��o seus aposentos. S��o satisfat��rios?

Malcolm n��o disse nada, olhando �� sua volta sem demonstrar o menor

interesse, mas Rachel n��o conseguiu conter o entusiasmo que sentia.

��� �� mais do que satisfat��rio! Obrigada, Lu��sa. Tenho certeza de que

ficaremos muito bem instalados.

Lu��sa sorriu e seus dentes muito alvos contrastavam com a pele

morena.

��� Que bom! Ali est�� o quarto!

Rachel olhou para a pe��a ao lado e constatou que era quase t��o grande

quanto a sala. Um tapete creme cobria o ch��o e a coberta da enorme cama

de casal era em tons de violeta. Ao lado havia um banheiro decorado em

tons de lil��s e rosa. Rachel sentiu-se encantada com a beleza da

decora����o.

Malcolm aguardava com impaci��ncia e seus dedos tamborilavam nos

bra��os da cadeira de rodas. M��rio chegou com a bagagem, mas, quando

Lu��sa ofereceu-se para desfaz��-la Malcolm mostrou-se grosseiro. '

��� N��o h�� a menor necessidade. Minha mulher �� perfeitamente capaz

de fazer isso. Al��m do mais, n��o quero ver ningu��m mexendo em minhas

coisas. Pode ir.

Despediu os dois criados, sem sequer uma palavra de agradecimento, e

Rachel sentiu-se terrivelmente constrangida. ��quela altura, era de se

supor que j�� estivesse acostumada com as atitudes do marido, mas n��o era

o caso. Imaginava que ele se dominaria e demonstraria certa cordialidade

para com as pessoas que o hospedavam, mas enganava-se.

��� Diga-me uma coisa: o que voc�� pretende, flertando com aquele

portugu��s, desde que saltamos no aeroporto? ��� perguntou Malcolm, com

insol��ncia, depois que M��rio e Lu��sa se retiraram.

��� O qu��?!

��� N��o finja que n��o sabe do que estou falando. Acaso imagina que

dormi o tempo todo?

��� Eu... naturalmente presumi que voc�� estava cansado. Rachel

sentiu-se chocada demais e n��o conseguia responder �� altura.

��� Pois n��o estava cansado, n��o. Pelo menos n��o t��o cansado quanto

voc�� imagina.

Rachel tentou recordar o que ela e Lu��s haviam conversado durante a

viagem. Falaram a respeito de suas roupas, �� claro, mas principalmente

discutiram. Malcolm n��o tinha por que imaginar que o marqu��s de

Mendao pensasse nela em outros termos que n��o como a esposa de um

amigo de sua m��e... a n��o ser naquele momento, em que se aproximavam

do riacho...

��� Acho que sua imagina����o est�� funcionando em excesso, Malcolm.

24

O sr. Martins e eu falamos muito pouco, desde que viemos do aeroporto,

e, como voc�� j�� deve ter notado, ele me olha com certo desprezo. N��o

consigo entender o que o leva a acusar-me de flertar com ele!

��� Mas sente-se atra��da por ele, n��o �� mesmo?

��� Claro que n��o! N��o me sindo atra��da por homem algum!

��� Muito bem, cuide para que seja sempre assim, pois, caso contr��rio,

voc�� me paga...

��� Por favor, Malcolm! J�� lhe disse que n��o precisa se preocupar

comigo!

��� Bem... acho que voc�� tem raz��o. Em todo caso, um homem como

Martins n��o olharia para algu��m como voc��, mesmo sem...

Interrompeu-se de repente e Rachel ficou intrigada.

��� Mesmo sem o qu��, Malcolm? O que foi que voc�� andou lhe

dizendo?

��� Umas tantas coisas...

��� Como foi que lhe explicou nosso casamento? O fato de desposar

algu��m t��o mais jovem do que voc�� dificilmente melhora sua imagem.

��� H�� modos de se tirar o melhor partido de qualquer situa����o...

Agora me tire estas roupas ��� ordenou Malcolm, afrouxando a gravata e

desabotoando a camisa. ��� Estou quase assado.

��� O que vai usar hoje �� noite para o jantar?

��� Sei l��... Talvez nem v�� jantar com eles. Posso fingir que estou

cansado, depois de uma viagem t��o longa!

��� N��o est�� esperando que eu v�� jantar com eles sozinha, n��o ��

mesmo?

��� N��o! �� claro que n��o! Ficar�� em minha companhia, como a esposa

dedicada que ��. N��o a trouxe a Mendao para se divertir, Rachel.

��� E me trouxe exatamente por qu��, Malcolm?

A esta altura, Rachel havia empurrado a cadeira de rodas para junto da

cama e ajudava Malcolm a se acomodar.

��� Voc�� �� minha mulher, Rachel. N��o se esque��a de que me pertence.

N��o ia deix��-la sozinha em Mawvry!

��� E por que n��o?

��� N��o sou cego, Rachel. J�� notei o jeito como os homens olham para

voc��. Aquele tal de Bart Thomas, por exemplo...

��� N��o estou interessada no jeito como os homens me encaram! Voc��

devia saber disto.

��� Hum... Isso �� o que voc�� me diz. Mas como �� que posso saber o

que acontece dentro de sua cabe��a?

Rachel reprimiu um suspiro e come��ou a ajud��-lo a se despir.

25

��� Eu n��o o deixarei, Malcolm, por mais que tenha me sentido tentada

a faz��-lo. Fiz-lhe uma promessa e pretendo mant��-la...

��� Promessas! Promessas! ��� Malcolm deitou-se e procurou o conforto

dos travesseiros macios. ��� J�� ouvi isso antes. Acontece que �� minha

mulher, Rachel, e mais ningu��m por�� as m��os em voc��, est�� me ouvindo

bem?

��� Ningu��m mais haver�� de querer... ��� ela declarou, disfar��ando a

dor que sentia.

��� O que quer dizer com isso?

��� Nada.

��� Pois ent��o ou��a isto: aonde eu for, voc�� ir�� atr��s. Estamos

entendidos?

��� Ent��o, por que foi que voc�� n��o me preveniu em rela����o a esta

viagem? Por que fez tamanho segredo?

��� N��o queria que as coisas n��o dessem certo. Tinha vontade de vir

aqui. Joanna tem certas obriga����es para comigo. Se tivesse de falar a seu

respeito com ela... teria sido dif��cil, muito dif��cil. As mulheres

portuguesas n��o s��o como as inglesas. Possuem um c��digo de ��tica muito

r��gido. Um homem de minha idade casando com uma garota de dezoito

anos! Ela n��o veria a menor raz��o para isso.

��� Mas essa mulher �� inglesa! E, em todo caso, como �� que voc��

poder�� dar uma explica����o satisfat��ria? Dizendo a verdade?

��� Joanna mora h�� tanto tempo em Portugal que acabou se tornando

como eles. Pude observar este fato h�� quatro anos, quando ela foi ��

Inglaterra. Ela e Raul compareceram ao enterro de minha m��e. Era o

velho marqu��s, pai de Lu��s. Parecia-se com o filho: frio, arrogante,

consciente de sua import��ncia!

��� Mas isso ainda n��o explica...

��� Esque��a-se do assunto, Rachel.

��� Mas por que voc�� n��o me comunicou nada?

��� Se eu lhe contasse o que tinha planejado, como �� que voc�� reagiria?

Estaria preparada para ver este homem chegar e descobrir quem voc�� era?

26

CAP��TULO III

Quando Rachel voltou para o quarto, uns vinte minutos mais tarde, e

falou com seu marido, n��o obteve resposta alguma. A respira����o ruidosa

indicava que ele havia dormido. Foi para a sala de estar, tomando o maior

cuidado para n��o acord��-lo, e fechou a porta.

Sentia-se mais animada e muito mais repousada. Havia aberto a

torneira de ��gua fria, quando entrara no chuveiro, o que fizera com que

seu sangue corresse mais depressa. Agora experimentava uma sensa����o de

frescor.

Rachel ligou um abajur que irradiava uma agrad��vel luz amarelada e

estendeu-se sobre um sof��. Ainda era cedo e sabia que o jantar demoraria

a ser servido. Al��m do mais, era certo que ela e Malcolm comeriam em

seus aposentos.

O relaxamento proporcionou-lhe tranq��ilidade para pensar e ela

sentiu-se um tanto angustiada, refletindo no tipo de explica����o que Lu��s

Martins recebera de Malcolm sobre seu casamento. Para aquelas pessoas,

semelhante uni��o sem d��vida necessitaria de um esclarecimento. N��o era

poss��vel que ele tivesse contado a verdade!

Rachel suspirou. Qual era a verdade? Ser�� que ainda sabia? Ou sua

mente simplesmente rejeitava tudo o que dissesse respeito ��quela estranha

uni��o? Se a presente situa����o e aquela viagem inesperada a Mendao

haviam alterado sua vida do dia para a noite, o que dizer da profunda

mudan��a ocorrida h�� tr��s anos, quando casara com Malcolm Trevellyan?

Havia morado em Mawvry durante a maior parte da vida. Mudou-se

para l�� em companhia de seu pai, quando sua m��e morreu. Naquele

momento, Rachel tinha apenas sete anos de idade.

27

Seu pai tamb��m fora um artista. At�� a morte da esposa, empenhou-se

em ganhar seriamente a vida, a fim de proporcionar-lhe certa

tranq��ilidade, mas, ap��s o desenlace, viu a oportunidade de mudar de sua

pequena casa, em Bloomsbury, para uma habita����o ainda menor, em

Mawvry, aldeia de pescadores no litoral da Cornualha.

Rachel imediatamente amou aquele lugar. A exemplo do pai, apreciava

tudo o que era belo, e Mawvry preenchia todas as suas expectativas. Seu

pai entregou-se �� paix��o pela pintura e pela escultura e comprou um barco

de pesca, a fim de aumentar a renda familiar durante os meses de ver��o,

transportando turistas para excursionarem em torno da ba��a. Viviam com

simplicidade e Rachel nunca se preocupou em saber como �� que o pai os

sustentava.

De vez em quando, no ver��o, ele conseguia vender um quadro. Nessas

ocasi��es, comprava carne de primeira, vinho, e ele e Rachel

comemoravam. A maior parte do tempo viviam com mod��stia. Rachel

aprendeu a cozinhar e a costurar, encarregando-se da dire����o da casa.

Malcolm Trevellyan sempre morara em Mawvry. Sua casa situava-se

em uma eleva����o que dominava a ba��a e Rachel logo teve conhecimento

de que ele n��o se assemelhava aos demais habitantes da aldeia. Possu��a

propriedades em Mawvry, que alugava aos pescadores e a suas fam��lias,

mas n��o era um locador cuidadoso. Detestava gastar dinheiro e havia

numerosas goteiras nos telhados de suas casas, o que as tornava ��midas e

insalubres nos meses de inverno.

Felizmente, o pai de Rachel tivera meios de comprar a casa em que

moravam e, assim sendo, n��o dependiam de Malcolm Trevellyan para

nada. Nunca apreciou muito aquele homem. Desde que tinha quatorze

anos, ele se mostrara interessado em conversar, mas ela n��o gostava do

modo insistente como ele a encarava. Claro que naquele momento n��o

compreendia as raz��es que o levavam a fit��-la daquela maneira.

Estremeceu. Seu pai, pelo menos, poderia ter confiado suas

dificuldades a ela, permitindo-lhe conseguir um emprego em uma das

cidades da vizinhan��a, em vez de deix��-la ficar pintando todos os dias,

garantindo-lhe que n��o tinham problemas financeiros.

Quando a crise chegou, inevitavelmente Malcolm Trevellyan tomou

parte nela. Sem que Rachel soubesse, havia comprado a casa deles h��

alguns anos, em certo momento em que seu pai passava por dificuldades

financeiras. Mais tarde, emprestara dinheiro ao velho, n��o exigindo

pagamento e fingindo-se seu amigo.

Quando Rachel fez dezoito anos, seus motivos tornaram-se evidentes.

Pediu-a em casamento, e ela, quase rindo, recusou. N��o conseguia

imaginar que ele estivesse falando a s��rio. Malcolm deu ent��o um

28

ultimato a seu pai: ou persuadiria Rachel a fazer o que ele desejava, ou

ent��o os arruinaria.

O pai de Rachel ficou desesperado. N��o imaginava que um homem, a

quem considerava seu amigo, pudesse agredi-lo daquela maneira. Rachel

viu-se na maior afli����o, sabendo que as for��as de seu pai diminu��am dia a

dia. Nenhum dos moradores da aldeia podia ajud��-los. Ningu��m era

suficientemente rico para pagar as d��vidas deles.

Rachel acabou chegando a uma decis��o. N��o lhe restava escolha.

Procurou Malcolm Trevellyan e concordou com sua proposta.

O pai suplicou a ela que n��o o fizesse. Garantiu-lhe que acabaria

ganhando dinheiro de qualquer maneira. Come��aria a pescar, pois

naquelas ��guas havia muito peixe. Seria bem-sucedido.

Rachel sabia que isto n��o poderia acontecer, e ela e Malcolm

Trevellyan casaram-se depois de alguns dias.

Come��aram para Rachel os meses mais terr��veis de sua vida. A

ang��stia que sentia por causa do pai somava-se o horror que

experimentava por aquele homem que se tornara seu marido. Submeteu-se

��s exig��ncias dele, experimentando uma profunda humilha����o.

Em rela����o a seu pai, fingiu que tudo estava indo muito bem, mas ele

n��o se deixou enganar. Viu como ela mudava, transformando-se, da

criatura alegre e cheia de vida que sempre fora, em uma pessoa magra,

p��lida, de profundas olheiras.

Ele censurou-se pelo que estava acontecendo e n��o conseguiu suportar

a situa����o durante muito tempo. Seis meses mais tarde, entrou mar

adentro, em seu barco de pesca, e nunca mais voltou. As investiga����es

conclu��ram ter sido morte acidental, mas Rachel sabia perfeitamente que

aquilo n��o era verdade.

Sentiu que seu mundo desabava e teve uma depress��o nervosa.

Levou muitos meses para se recuperar. Malcolm dedicou-lhe todas as

suas aten����es, mas seus motivos n��o eram inteiramente altru��stas. Queria

a esposa de volta, em todos os sentidos da palavra, mas, mesmo assim,

durante aquele per��odo. Rachel come��ou a confiar nele. dentro de certos

limites.

Quando se recuperou completamente, a id��ia de deix��-lo e de tentar

conseguir o div��rcio tornou-se distante e irreal. N��o precisava que

Malcolm lhe lembrasse que ainda possu��a as promiss��rias de seu pai e que

lan��aria m��o delas, se acaso ela tentasse pass��-lo para tr��s,

Pouco antes do Natal, no ano anterior, ele tivera uma trombose. Foi

algo relativamente suave, que o deixou enfraquecido, por��m ativo.

Apesar de ela recomendar-lhe que tomasse cuidado, Malcolm parecia

imaginar que tudo estava bem, pois recuperou-se com facilidade. H�� dois

29

meses tivera o segundo ataque, que inicialmente paralisou-o de um lado e

tornou imposs��vel o movimento das pernas. Gra��as �� fisioterapia,

recobrou grande parte do uso da m��o e do bra��o esquerdos, mas suas

pernas permaneceram inertes.

Em conseq����ncia, Malcolm tornou-se totalmente irracional, exigindo a

companhia de Rachel a todas as horas do dia e da noite. Suas idas

ocasionais �� aldeia, com a finalidade de fazer compras ou visitar os

amigos, foram substitu��das pelo uso do telefone e ele tornou-se

absurdamente ciumento com rela����o a qualquer homem ou mulher que

ficasse a s��s com Rachel.

A despeito de tudo isto, jamais lhe passou pela cabe��a que ele estivesse

planejando viajar para Portugal.

Sabia, �� claro, que se correspondia com algu��m daquele pa��s. De vez

em quando entregava-lhe uma carta para p��r no correio e ocasionalmente

recebia respostas. Era tudo. Ele n��o se dera ao trabalho de explicar-lhe

sua amizade com a marquesa de Mendao e Rachel desconhecia que

outrora a fam��lia de Malcolm cuidara da jovem, que acabara se casando

com um portugu��s nobre e rico.

Agora eram h��spedes na mans��o da fam��lia Martins. Estava, por��m,

totalmente enganada, se imaginava que aquilo fosse representar mais

liberdade para ela.

Devia ter adormecido, pois despertou com o barulho de algu��m batendo

�� porta da sala. Levantou-se em um ��nico impulso e seu cora����o

disparou.

��� Sim? ��� disse, e uma jovem criada abriu a porta.

��� Sra. Trevellyan? A senhora marquesa gostaria de conhec��-la.

��� A mim? Tem certeza de que n��o se trata de meu marido?

��� Tenho, sim senhora. A senhora marquesa ver�� o sr. Trevellyan

mais tarde.

��� Mas... mas... ��� Rachel olhou �� sua volta, sem saber o que fazer.

��� Ainda h�� pouco meu marido dormia. Quem sabe acordou. N��o posso

deix��-lo sozinho.

A jovem olhou para o lado, fez um gesto e imediatamente um jovem e

robusto portugu��s apareceu a seu lado.

��� Este �� Eduardo, minha senhora. Ser�� o criado de seu marido.

��� Mas... eu mesma costumo cuidar de meu marido.

��� Mas n��o na Quinta dos Martins, minha senhora! ��� disse a criada,

um tanto desconcertada. ��� A senhora marquesa jamais permitiria

semelhante coisa.

A criada atravessou o vest��bulo e chegou at�� uma porta pintada de

branco, batendo suavemente. Uma voz feminina disse:

30

��� Entre!

��� Sra. Trevellyan, esta �� a senhora marquesa.

��� Obrigada, Rosa. Pode nos deixar.

A voz pertencia a uma mulher parada diante de uma lareira lindamente

esculpida. Pequenina e magra, seus cabelos prateados emolduravam um

rosto suave e sem rugas. Usava um vestido longo, que lhe ca��a at�� os

tornozelos e era, sem d��vida, uma figura imponente. Outra mulher, talvez

um pouco mais jovem do que a marquesa, estava sentada em uma

poltrona. Assim que Rosa se retirou, examinaram Rachel de um modo

que lhe pareceu um tanto hostil.

A marquesa veio em sua dire����o, estendendo-lhe a m��o.

��� Como vai a senhora? ��� Exprimia-se em ingl��s e ainda assim

parecia portuguesa da cabe��a aos p��s. ��� Com que ent��o, �� a esposa de

Malcolm? Sinto-me feliz em conhec��-la.

Rachel apertou nervosamente a m��o da marquesa. Sentia-se quase

impelida a fazer-lhe uma rever��ncia, t��o majestosa lhe parecia aquela

criatura, mas conseguiu responder calmamente ao seu cumprimento. A

senhora voltou-se para a amiga.

��� Permita-me apresentar-lhe a sra. Ribeiro. Est�� comigo h�� muitos

anos e �� uma boa amiga.

Rachel imaginou que a sra. Ribeiro exercia as fun����es de. dama de

companhia.

Rachel apertou-lhe a m��o, mas notou que o olhar da sra. Ribeiro

examinava sua cal��a, muito justa, com ar de reprova����o. Voltando-se

para a marquesa, pronunciou as palavras convencionais, que se esperava

dela em semelhante ocasi��o:

��� Foi muita bondade sua ter nos convidado, a mim e a Malcolm,

minha senhora. Sua casa �� muito bonita.

��� Muito obrigada. Pode me chamar de dona Joanna, pois �� a esposa

de Malcolm. �� claro que desconhec��amos o fato de que ele havia se

casado. Recebi a informa����o de meu filho, h�� pouco tempo.

��� Eu sei... ��� disse Rachel, sentindo-se ruborizar, mas a marquesa

interrompeu-a, com um gesto expressivo.

��� N��o precisa dar nenhuma explica����o. Meu filho j�� me contou tudo.

Achei que seria uma boa id��ia nos conhecermos e talvez nos

compreendermos, antes que eu falasse com Malcolm.

Isso me parece um tanto estranho, pensou Rachel, sentindo-se tensa. A

marquesa, por sua vez, parecia estar completamente �� vontade.

��� N��o quer sentar-se? Quem sabe queria tomar um pouco de vinho,

proveniente de nossos vinhedos. Sara!

Rachel sentou-se, pois sentia as pernas tr��mulas. Estava a ponto de

31

recusar a bebida quando a dama de companhia, Sara Ribeiro, levantou-se

e foi at�� um canto da sala, onde um bar abrigava razo��vel quantidade de

garrafas.

��� O que prefere? Xerez ou talvez o vinho que tornou Portugal

famoso?

Na verdade, Rachel teria preferido um simples suco de frutas, mas

sabia que recusar o vinho seria um insulto �� hospitalidade que recebia.

Decidiu-se pelo vinho do Porto. Bebeu-o e cumprimentou a marquesa

pela qualidade.

A marquesa limitou-se a sorrir. Rachel percebeu que Sara Ribeiro

colocava-se por detr��s da cadeira da marquesa, como uma guardi��

silenciosa, e sentiu que logo a senhora entraria no assunto que lhe

interessava.

��� A senhora me traz uni problema.

��� Eu, dona Joanna?!

��� Sim, a senhora! Quando convidei Malcolm para vir nos visitar, n��o

enxergava a menor dificuldade nisso. Sabia que ele estava doente, preso ��

cama ou sentado de vez em quando na cadeira de rodas. A presen��a dele

n��o traria nenhum tipo de contrariedade para quem quer que fosse.

��� Mas n��o vejo em que...

��� Deixe-me concluir, senhora. ��� A marquesa estava exaltada e

Rachel sentiu-se como se estivesse sendo repreendida. ��� N��o pod��amos

saber que algu��m como a senhora o acompanharia. �� uma pessoa jovem,

impulsiva e talvez at�� mesmo um pouco irrespons��vel, se me perdoar a

express��o.

��� Irrespons��vel? Eu?!

��� Por favor, permita-me prosseguir. Deve concordar que �� muito

jovem e, sem d��vida, espera participar da vida da quinta com uma

intensidade muito maior do que a de seu marido, caso ele estivesse

sozinho aqui.

��� O que est�� tentando me dizer exatamente, senhora marquesa?

Rachel estava a ponto de se levantar. Suas m��os tremiam, quase

derramando o vinho.

��� Eu lhe direi, se me permitir. Est�� vendo? J�� se encoierizou s��

porque eu sugeri que sua presen��a podaria perturbar a rotina desta casa ..

��� Como assim, perturbar?

��� Mas �� claro! Lu��s. meu filho, deve casar-se em breve. Dentro de

dez semanas, para ser exata. Sua noiva, a srta. Am��lia ��lvares, visita-nos

freq��entemente. Se a senhora estivesse presente em tais ocasi��es, a

situa����o tornar-se-ia imposs��vel.

Rachel sentiu que a c��lera a invadia, mas. ao mesmo tempo, sentia-se

32

gelada por dentro, diante da frieza daquela mulherzinha que a intimidava.

��� Est�� insinuando que eu deveria ir embora? Se for o caso, devo lhe

dizer que nada me conviria melhor...

��� N��o! N��o �� absolutamente isto o que minha m��e est�� tentando

dizer...

Uma voz m��scula e vibrante fez-se ouvir em meio ��quela cena de

exalta����o. Perturbadas como estavam, as duas n��o tinham percebido que a

porta se abrira e que Lu��s entrara, olhando-as, surpreendido.

��� Oh, Luiz! ��� exclamou a marquesa, voltando-se para ele e

atravessando a sala. ��� Que bom que voc�� est�� aqui! Talvez possa

explicar a situa����o �� sra. Trevellyan, sem aumentar nosso

constrangimento.

A respira����o de Rachel havia se alterado completamente. Subitamente,

sentiu-se exausta, como se tivesse feito enorme esfor��o f��sico. Olhou para

aquelas pessoas que a encaravam e n��o percebeu em nenhuma delas a

menor compreens��o ou calor humano.

Saiu correndo da biblioteca e nem sequer parou quando Lu��s Martins a

interpelou, em um tom que n��o admitia desobedi��ncia.

Chegando ao vest��bulo, tomou um corredor que imaginava conduzir aos

aposentos de Malcolm e seguiu em frente, sentindo um n�� na garganta.

No mesmo instante em que percebeu que estava no corredor errado,

passos soaram e, alguns segundos mais tarde, Lu��s surgiu �� sua frente,

impedindo-a de prosseguir, mesmo que ela quisesse. Seus olhos lan��avam

chispas de. indigna����o e ela sentiu um calafrio percorrer-lhe a espinha.

Durante alguns momentos, o exaltado temperamento latino dos

antepassados do marqu��s levou a melhor, superpondo-se �� calma e ��

indiferen��a inglesa que ele normalmente exibia.

��� Aonde imagina que vai, senhora? ��� indagou, com secura, e Rachel

deu um passo atr��s, temerosa da viol��ncia que emanava daquele homem.

��� Estava tentando ir ao encontro de Malcolm. Pelo visto entrei pelo

corredor errado.

��� A quinta �� muito grande, minha senhora. N��o �� dif��cil perder-se em

seus corredores.

Rachel sentia-se extraordinariamente tensa, mas n��o queria

demonstr��-lo.

��� E era isto o que a sua m��e estava tentando me dizer senhor? ���

perguntou, sem disfar��ar a ironia.

O marqu��s cerrou os punhos e por um breve momento ela imaginou

que ele pretendia agredi-la fisicamente. Logo em seguida, ele relaxou,

retomando o autocontrole.

��� N��o era nada disso, senhora. Estava apenas tentando explicar a

33

diferen��a entre distrair um homem que est�� a maior parte do tempo

confinado em uma cama e distrair uma jovem que poderia esperar certos

privil��gios.

��� N��o espero nada, senhor. E agora, se me d�� licen��a...

��� Um momento! Ainda n��o terminei! A senhora j�� deve ter percebido

que minha m��e n��o pode receb��-la aqui como a uma pessoa da fam��lia.

��� E o senhor acaso acha que eu espero isso?

��� Ainda n��o sabemos, senhora.

��� Pois garanto-lhe que n��o. N��o tenho o menor desejo de misturar-me

com pessoas que me consideram socialmente inferior...

��� Mas n��o se trata absolutamente disto!

��� E ent��o do que se trata? De minha maneira de encarar a vida? De

minhas roupas? Ah, sim, o senhor fez reparos a elas, n��o �� mesmo? A

caminho daqui, tentou delicadamente me prevenir, mas eu, muito tola,

achei que estava exagerando. Pois agora estou convencida. O senhor ��

diferente, totalmente diferente de mim, e n��o quero ser como sua pessoa,

da mesma forma que n��o quer ser como eu!

Mal acabou de fazer esta declara����o, afastou-se corredor afora, com a

cabe��a bem erguida, quando, na realidade, sentia-se rid��cula o tempo

todo, exatamente como uma crian��a que acaba de fazer m��-cria����o ao

professor.

Assim que se dominou, foi muito simples distinguir qual corredor

levava at�� os aposentos de Malcolm. Rachel apressou-se, com a esperan��a

de que seu marido ainda estivesse dormindo, mas encontrou-o acordado,

ao entrar no quarto.

Eduardo parecia muito preocupado, tentando acalmar Malcoim em seu

prec��rio ingl��s. Assim que este a viu, ignorou o rapaz, e gritou, zangado:

��� Em que diabo de lugar voc�� se meteu? J�� lhe disse para n��o

desaparecer!

Rachel suspirou, imaginando se Eduardo compreendia o que Malcolm

estava dizendo. Certamente percebia o quanto ele estava irado e por isso

n��o disfar��ava a tens��o que sentia.

��� A senhora marquesa mandou me chamar. Acha que eu deveria ter

recusado?

��� E por que ela n��o veio at�� aqui?

��� Acho que era esta a sua inten����o, mas voc�� dormia. Penso que ela

achou que seria uma ooa oportunidade de conversar comigo.

��� E o que foi que ela lhe disse?

��� Umas tantas coisas... Pode ir, Eduardo. Diga a quem for

respons��vel que o sr. Trevellyan e eu jantaremos em nosso aposento, sim?

��� Pois n��o, minha senhora.

34

Eduardo saiu do quarto e fechou a porta.

��� Por que foi fazer uma coisa destas? Voc�� n��o sabe o que eles

devem ter combinado em rela����o a nossas refei����es.

��� Como �� que voc�� se sente? ��� indagou Rachel, mudando de

assunto.

��� Estou bem. Apenas quero saber o que foi que Joanna lhe disse. Ela

falou a meu respeito?

��� N��o. Acho que na realidade ela estava querendo me ver.

��� Por qu��?

��� Sabe-se l��... Acho que por curiosidade...

N��o havia necessidade de deix��-lo ainda mais indignado, revelando-lhe

o di��logo com a marquesa. As coisas iriam ser suficientemente dif��ceis

sem que Malcolm se envolvesse diretamente naquele assunto.

��� E ent��o? O que foi que aconteceu?

��� Pouca coisa. Tomamos um pouco de vinho... e ela explicou que seu

filho vai se casar dentro de algumas semanas. Naturalmente, n��o sabia

que eu viria em sua companhia e ter�� pouco tempo para dedicar-me

aten����o.

��� Tudo bem... O que n��o quero �� que voc�� desapare��a por a��, pois

posso precisar de sua ajuda a qualquer momento.

��� Aquele rapaz que acaba de sair, Eduardo, foi enviado para

auxili��-lo. Acho que a marquesa gostaria que voc�� o aceitasse como seu

criado, enquanto permaneceremos aqui.

��� N��o preciso de criado algum!

��� E por que n��o? Eu tamb��m n��o mere��o gozar as f��rias? Estarei por

perto, caso voc�� precise de mim. A solu����o proposta pela marquesa

tornaria tudo muito mais f��cil.

��� Sem d��vida! ��� disse Malcolm, com profunda ironia. ��� E como

acha que vou me sentir, submetendo-me aos cuidados de um estranho?

��� Isto j�� aconteceu quando voc�� se encontrava no hospital.

��� Foi diferente. ��� L�� havia enfermeiras competentes. Eduardo... Ora

essa!

O assunto esgotou-se e Malcolm quis que Rachel o ajudasse a se

aprontar, para a visita da marquesa. Auxiliou-o a sentar-se na cadeira de

rodas e levou-o at�� o banheiro.

A marquesa apareceu pouco antes de o jantar ser servido, chegando em

companhia de Sara Ribeiro e de seu filho. Para Rachel, tudo aquilo

parecia absurdamente solene e, depois de lan��ar um r��pido olhar ao

marqu��s, deixou-os, incapaz de ouvir Joanna Martins sem que isto lhe

provocasse declarado mal-estar.

3 5

Esperou na sala, andando de um lado para o outro, inquieta. Quando

Lu��sa, a governanta, apareceu para comunicar que seu quarto estava

pronto, acompanhou-a imediatamente, ansiosa por escapar ao murm��rio

das vozes no aposento ao lado.

Prepararam para seu uso uma pequena sala de visitas, um quarto e um

banheiro. Estavam um pouco adiante dos aposentos de Malcolm e,davam

para o mesmo p��tio interno. A decora����o era em tons de turquesa e verde,

de grande sobriedade e eleg��ncia, o que fez com que parte de seu

entusiasmo voltasse.

��� Gosta, minha senhora?

��� Muito! Muito mesmo!

��� Que bom! O marqu��s disse que a senhora precisava de bastante

espa��o.

��� O marqu��s ordenou-lhe que preparasse estes aposentos para mim?

��� Sim, senhora.

��� Quer dizer... que poderia perfeitamente ter preparado apenas um

quarto?

��� Sim, senhora. Existem outros quartos ao lado dos de seu marido.

��� Fazem parte dos aposentos dele?

��� Exato, minha senhora.

Subitamente, as m��os de Rachel cobriram-se de suor. Por que ele havia

feito semelhante coisa? Teria sido muito mais simples ordenar a Lu��sa que

providenciasse um quarto de dormir ao lado dos aposentos de Malcolm e,

no entanto, ele lhe dera instru����es no sentido de arranjar-lhe uma su��te

completa! E tal atitude partia de um homem a quem se dirigira com

grande rudeza, h�� menos de meia hora!

��� O marqu��s... acaso explicou por que eu teria uma su��te s�� para

mim?

��� Sim, senhora. Ele disse que a senhora pinta quadros e precisava de

espa��o para trabalhar.

��� Ele disse isto?

Rachel ficou muito surpreendida. N��o lhe passava pela cabe��a que Lu��s

Martins soubesse de sua inclina����o pela pintura. Malcolm deveria ter lhe

contado, o que era surpreendente, pois o marido n��o se importava nem

um pouco com este lado de sua vida. Ela mergulhava profundamente

dentro de si mesma quando pintava, tornava-se muito distante, e os

ci��mes impediam Malcolm de distinguir qualquer m��rito em seus

quadros. Em todo caso, n��o permitira que Rachel trouxesse para Portugal

seu material de pintura.

Lu��sa estava �� espera de que Rachel a dispensasse e foi o que ela fez.

Depois que a governanta se retirou, seus pensamentos se concatenaram de

3 6

maneira ca��tica. Qual seria a rea����o de Malcolm, ao saber que ela

dispunha de uma su��te? Com certeza, n��o apreciaria nem um pouco a

id��ia. Seria mais simples deix��-lo na ilus��o de que haviam providenciado

um lugar para ela dormir e n��o tocar mais no assunto.

Sabia, por��m, que teria de lhe contar. N��o era de seu feitio fazer

segredo em torno das coisas. Voltou ao quarto de Malcolm e constatou

que a marquesa e seu filho j�� n��o se encontravam mais l��. Receosa,

esperava mais uma discuss��o com Malcolm, pelo fato de ter desaparecido

uma segunda vez.

Eduardo servia o jantar, que fora levado para o quarto em um carrinho.

Assim que Rachel surgiu, Malcolm encarou-a, contrariado, mas n��o t��o

zangado quanto antes.

��� Acompanhei Lu��sa, que foi mostrar meus aposentos.

��� Aposentos?

��� �� isso mesmo. Deram-me tamb��m uma sala de estar.

��� Voc�� n��o precisa de nada disso.

��� Talvez precise, sim. Pelo visto, voc�� contou ao marqu��s que eu

pinto. Ele me deu um aposento a mais, tendo em vista essa finalidade.

Talvez pense que eu precise de algo para preencher o tempo, enquanto

voc�� estiver descansando.

��� Mas voc�� n��o trouxe seu material...

��� Eu sei, eu sei, mas talvez o marqu��s ignore esse fato. Voc�� n��o

devia ter lhe dito nada, se n��o queria que ele ficasse a par.

Durante um breve momento, uma estranha express��o apareceu no rosto

de Malcolm. De repente, voltou-se contra Eduardo, censurando-o por

ousar derrubar uma gota de molho no guardanapo branco que estava

usando.

Assim que o criado se foi, o assunto morreu e Rachel sentiu-se

aliviada. Gostaria de ter trazido as tintas e telas. Teria apreciado bastante trabalhar naquele bel��ssimo lugar.

37

CAP��TULO IV

Rachel despertou na manh�� seguinte, sentindo-se estranhamente

excitada. N��o conseguia entender o que se passava com ela.

Espregui��ou-se e suas pernas nuas sentiram o contato dos len����is de seda

que cobriam a cama. Raios de sol penetravam pelas frestas das

venezianas, que ela havia cerrado antes de dormir.

Sentou-se, em um gesto brusco, e seus cabelos ca��ram em desalinho

sobre os ombros desnudos. Claro... estava em Mendao, na Quinta dos

Martins; encontrava-se em seu quarto de dormir, deitada na enorme cama

de casal!

Ficou pensativa, recapitulando o que havia acontecido na v��spera. N��o

esperava receber a permiss��o de dormir sozinha, mas, ap��s tomar alguns

comprimidos, Malcolm sentiu-se cansado e sonolento, n��o se importando

com o que ela fizesse. Desde que havia ficado doente, dormiam

separados, mas depois do que ele dissera a Lu��s Martins, no dia anterior,

ela esperava ver-se for��ada a compartilhar a cama dele.

Viera, portanto, para sua su��te, e, ap��s tomar mais uma ducha

refrescante, deslizou por entre os len����is macios, sem se importar em

vestir a camisola que trouxera na bagagem. Havia algo de excitante e

sensual no fato de dormir despida e tinha a impress��o de que aquela

excita����o se comunicava com o dia radioso que despontava. A despeito

dos coment��rios da marquesa e dos ci��mes e do mau humor de Malcolm,

as coisas pareciam muito mais favor��veis sob o calor do sol. Ansiava por

relaxar e dourar-se sob seus raios, livre das mesquinhas e rotineiras

tarefas dom��sticas que a perturbavam na Inglaterra.

Sem querer, seus pensamentos voltaram-se para Lu��s Martins. Teria de

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agradecer-lhe por tudo aquilo e, talvez, pedir-lhe desculpas por seu

comportamento na v��spera. Naquele momento, n��o desejava ocupar-se

com aquela figura. Ele a desassossegava, a fazia sentir-se nervosa e

inquieta. .Esperava que sua noiva, a desconhecida Am��lia, aparecesse em

breve, a fim de preencher o tempo dele, excluindo-o de tudo e de todos.

Suspirou, perturbada. Estranho como aquele nome, Am��lia, n��o sa��a de

seus pensamentos. N��o conhecia a jovem e nem esperava que isso viesse

a acontecer. Ainda assim, parecia que tudo o que dizia respeito a Lu��s

Martins permanecia no centro de todas as suas reflex��es.

Decidiu-se finalmente a se levantar e vestiu um penhoar, antes de

aproximar-se das venezianas. Abriu-as e aspirou profundamente o ar da

manh��.

L�� fora, no p��tio, estava posta uma mesinha para o caf�� da manh��, mas

com apenas dois lugares.

Um jardineiro regava vasos e plantas e, al��m das amendoeiras,

carregadas de bot��es rosados e brancos, viam-se jardins magn��ficos.

Rachel jamais presenciara uma variedade t��o grande de plantas e arbustos

e seus aromas eram embriagadores, mesmo sendo t��o cedo. Consultou

rapidamente o rel��gio de pulso e certificou-se da hora: quinze para as

sete.

O jardineiro terminou sua tarefa e desapareceu. Rachel dirigiu-se ao

banheiro, lavou-se, escovou os dentes e vestiu-se rapidamente.

Na noite anterior, haviam trazido para seu quarto a mala contendo a

maior parte de seus pertences. Abriu-a e dela retirou jeans e uma camiseta

cor de laranja, sem mangas e bem decotada. Escovou os cabelos at�� eles

ficarem bem macios, deixando-os cair pelos ombros. Talvez fosse mais

elegante pente��-los, mas n��o desejava perder mais tempo e queria

aproveitar aqueles poucos momentos de liberdade.

Passou para a sala de estar e viu que, �� semelhan��a da su��te de

Malcolm, as portas davam para o p��tio. Abriu-as e espregui��ou-se,

sentindo-se deliciosamente relaxada e olhou �� sua volta com interesse.

Aquele p��tio interno n��o era, evidentemente, o lugar central da quinta.

Sem d��vida, haveria outros p��tios, pertencentes a outros quartos e

isolados do resto da casa. Tanto melhor! De qualquer modo, n��o queria

encontrar-se com a marquesa e com seus amigos!

Atravessou o p��tio. Os raios de sol queimavam-lhe as costas e ela

protegeu a cabe��a com uma das m��os, sentindo o intenso calor.

Adiante das amendoeiras, havia um gramado e, mais adiante, um

roseiral. Rachel amava as rosas e foi em sua dire����o. N��o havia ningu��m

por perto e o perfume que emanava das flores era simplesmente

embriagador.

3 9

Com certeza, estas rosas magn��ficas ganhariam pr��mios em concursos

na Inglaterra, pensou, sentindo-se tentada a apalpar as p��talas, suaves

como veludo.

O barulho da ��gua que corria levou-a mais adiante e deparou com uma

fonte e uma sereia de pedra, que bebia ��gua de uma ostra em suas m��os.

Era uma escultura muito curiosa e Rachel enfiou a m��o na fonte. De

repente, deu um salto, ao ouvir uma voz de homem, perturbadora e

sensual.

��� Bom dia, senhora. Espero que tenha dormido bem.

Imediatamente, teve plena consci��ncia de seus trajes t��o desportivos e

da blusa que ostentava um decote t��o generoso. Apesar de Lu��s Martins

estar vestido �� vontade, sua cal��a bem justa e a camisa de algod��o eram

irrepreens��veis. As mangas curtas revelavam bra��os musculosos, co-

bertos de p��los abundantes e negros, e no pulso luzia um rel��gio de

ouro.

��� Obrigada, dormi muito bem. Foi muita gentileza de sua parte

providenciar uma su��te para mim.

��� Espero que tenha feito uso dela...

��� Sim, senhor. Enquanto tenho a oportunidade, quero desculpar-me

pelo que disse ontem. Foi uma grosseria de minha parte e me arrependo.

��� �� mesmo? De que se arrepende, exatamente?

��� Acho melhor n��o entrarmos nesse tipo de discuss��o. Estava

admirando suas rosas. S��o magn��ficas, n��o �� mesmo? Ser�� que estou

andando por onde n��o devia?

Ele encarou-a longamente, o que a deixou muito perturbada, e,

ignorando sua pergunta, indagou:

��� Acha que trabalhar�� bastante enquanto estiver aqui, senhora?

��� Se trabalharei? A que tipo de trabalho se refere?

��� Seu marido disse-me que a senhora �� uma artista...

��� Ah, percebo. De fato, pinto um pouco. Receio que n��o seja l��

grande coisa, mas ganho um pouco de dinheiro com isso.

��� E ent��o? Acha que trabalhar�� bastante enquanto estiver aqui?

Aposto que dificilmente encontrar�� lugares mais belos para pintar.

��� Receio que n��o possa faz��-lo, senhor. N��o trouxe meu material de

pintura.

��� E por que n��o?

��� N��o pensei nisso ��� mentiu, incapaz de contar-lhe o que Malcolm

dissera.

��� ��, imagino que tenha precisado tomar muitas provid��ncias de

��ltima hora. N��o �� de admirar que tivesse se esquecido. Mas, mesmo

assim... Como espera preencher seus dias, senhora?

40

��� Acho que encontrarei muito o que fazer. Gosto de ler e, de vez em

quando, leio para Malcolm. N��o precisa se preocupar comigo, senhor. ���

Sorriu, ironicamente. Como se aquilo pudesse acontecer...

��� Algo a diverte, senhora? Est�� rindo...

��� N��o, n��o foi nada... Bem, acho melhor voltar.

��� S��o apenas sete e meia. O caf�� da manh�� s�� ser�� servido ��s oito.

Venha, quero lhe mostrar outros lugares da quinta.

Rachel sentiu-se pouco �� vontade. Era a ��ltima coisa que esperava

ouvir daqueles l��bios.

��� Talvez em uma outra ocasi��o, senhor...

��� E por que n��o agora? ��� Seu tom de voz n��o admitia recusa e ele

levantou a cabe��a com arrog��ncia.

��� Acho que sua m��e n��o aprovaria ��� disse, olhando para os jeans e a

blusa.

��� N��o sou nenhuma crian��a, senhora. N��o preciso da permiss��o de

quem quer que seja para fazer o que tenho vontade. Devo supor que n��o

deseja me acompanhar e que est�� usando minha m��e como simples

desculpa?

��� Absolutamente...

Rachel encarou-o, sentindo que experimentava grande desejo de

acompanh��-lo. Isto era o suficiente para que n��o o fizesse.

Desde seu casamento com Malcolm, tivera pouco relacionamento com

outros homens. Desejava manter o m��nimo de contatos com pessoas do

sexo oposto. Suas experi��ncias com Malcolm haviam-na marcado

profundamente e, a despeito de sua apar��ncia juvenil, n��o era a

adolescente inexperiente que dava a impress��o de ser, pronta para colher

todo fruto proibido que surgisse em seu caminho.

Ao contr��rio, at�� aquele momento, jamais havia sentido a menor

atra����o f��sica por quem quer que fosse. O lado f��sico de seu casamento

com Malcolm repugnava a tudo que era art��stico em sua natureza, a tal

ponto que chegara �� conclus��o que devia ser fr��gida. Por isso mesmo, o

desejo de passar alguns momentos na companhia de Lu��s Martins

pareceu-lhe inesperado e perturbador. N��o queria sentir-se atra��da por

quem quer que fosse, sobretudo por algu��m como ele. Compreendeu que

a atitude mais sensata seria evit��-lo, depois daquele encontro.

Lu��s, �� claro, n��o percebia a confus��o em que ela se encontrava.

Encarou suas desculpas como uma aceita����o a seu convite e agora

indicava uma alameda que atravessava v��rios caramanch��es, atrav��s dos

quais passavam r��stias de sol.

��� Iremos por aqui, senhora.

41

��� Acho que tenho de voltar, senhor ��� disse Rachel, muito a

contragosto. ��� Eu... Malcolm talvez tenha acordado e precise de mim.

��� Eduardo cuidar�� de seu marido.

��� Malcolm n��o permitir��.

A fisionomia de Lu��s alterou-se e ela sentiu-se momentaneamente

perdida, achando-se respons��vel por destruir o t��nue relacionamento que

parecia nascer entre ambos.

��� Muito bem, senhora. No momento, s�� me resta dizer-lhe adeus!

N��o esperou sua rea����o. Deu-lhe as costas e afastou-se. Rachel

contemplou-o com o cora����o aos saltos. Afinal de contas, por que ele

havia se oferecido para mostrar-lhe a quinta? Teria sido um desejo de

desculpar-se pelo procedimento agressivo da v��spera, ou seria

simplesmente pelo fato de que se vira obrigado a mostrar-se cort��s,

tendo-a encontrado por acaso?

De qualquer maneira, n��o importava muito. Ele, com toda a certeza,

n��o estava acostumado a ser repelido, e sua vaidade certamente se vira

agredida, com a recusa de Rachel em acompanh��-lo. Que situa����o!

De volta ao quarto, colocou uma faixa nos cabelos, antes de se dirigir

aos aposentos de Malcolm. Para sua surpresa, Eduardo j�� se encontrava

l��, mudando as flores que enfeitavam os vasos. Endireitou-se quando a

viu entrar e, inclinando-se, disse:

��� Bom dia, senhora.

Rachel sorriu e entrou no quarto, procurando fazer o menor barulho

poss��vel. Na penumbra, conseguiu ver que Malcolm se espregui��ava na

enorme cama de casal.

��� Bom dia ��� disse, indo abrir as venezianas. ��� Dormiu bem?

��� Que horas s��o? ��� resmungou Malcolm.

��� Oito e qualquer coisa, mas o sol j�� est�� alto no c��u.

��� Bom dia, senhor! ��� disse Eduardo, chegando �� porta do quarto e

n��o se importando, aparentemente, com o modo como tinha sido

dispensado na noite anterior. ��� Quer que o ajude a se vestir?

��� N��o preciso de sua ajuda... ��� Olhou para Rachel. ��� Voc�� pode

auxiliar-me a ir at�� o banheiro, mas n��o pretendo me vestir.

��� Mas �� preciso! O caf�� da manh�� ser�� servido em uma mesa, j��

posta l�� no p��tio. Oh, Malcolm, por favor, vista-se! Levarei sua cadeira l��

para fora e tomaremos o caf�� juntos.

��� N��o quero ir l�� fora. J�� est�� fazendo calor demais. ��� Afastou as

cobertas e se deu conta de que Eduardo ainda estava l��. ��� Mande-o

embora! J�� lhe disse que n��o quero mais ningu��m em torno de mim.

��� Sinto muito, Eduardo, mas, pelo visto, n��o necessitaremos de seus

servi��os.

42

Eduardo hesitou durante alguns instantes, mas, sentindo a agressividade

de Malcolm, fez um gesto desolado e se retirou.

Rachei ajudou Malcolm a sentar-se na cadeira de rodas, levou-o at�� o

banheiro, trouxe-o para o quarto, auxiliou-o a se deitar e, como resultado

disso tudo, ficou coberta de suor. Apesar de ele ter emagrecido, seus

ossos eram grandes e pesados, sobretudo para algu��m t��o esguia quanto

ela. Malcolm recostou-se nos travesseiros e ordenou:

��� Agora, vamos tomar caf��.

��� N��o podemos nos sentar l�� fora? Est�� muito mais fresco e aqui

dentro respira-se um ar viciado.

Malcolm ignorou-a, pegando o livro que trouxera e cuja leitura ainda

n��o iniciara.

��� Aperte a campainha e ordene que tragam o caf�� da manh��.

Se Eduardo achava estranho que Rachel se recusasse a tomar o caf�� da

manh�� ao ar livre, como seria mais natural e agrad��vel, disfar��ou muito

bem o que pensava. Talvez, depois de ter sofrido algumas experi��ncias

desagrad��veis com Malcolm Trevellyan, come��asse a perceber que era

muito mais f��cil satisfazer as suas vontades.

Assim que acabaram de comer, retirou das malas o resto das roupas de

Malcolm e pendurou-as nos espa��osos guarda-roupas ao longo das

paredes. Em seguida, foi at�� seu quarto, lavou sua roupa de baixo na pia e

pendurou-a para secar. Ao voltar para o aposento de Malcolm,

encontrou-o fitando o espa��o, com ar aborrecido.

��� Voc�� desapareceu na noite passada. Aonde foi?

��� Desapareci? �� claro que n��o desapareci! Fui para a cama, em meu

quarto, ao lado.

��� Ao lado?

��� Se n��o �� ao lado, fica bem junto ao seu.

��� J�� lhe disse que queria que voc�� dormisse aqui. E se precisasse de

voc�� duranie a noite?

��� Malcolm, voc�� sabe que desde sua doen��a temos quartos separados.

Al��m disso, estava quente demais. Se acaso precisasse de mim, poderia

ter me chamado, exatamente como faz quando estamos em casa.

��� Voc�� jamais me ouviria neste lugar.

��� Claro que ouviria! At�� mesmo os passos ecoam nesses corredores.

��� J�� viu algu��m da fam��lia, hoje de manh��?

��� Por qu��? Voc�� viu?

��� Voc�� bem sabe que n��o. Joanna disse que apareceria, hoje de

manh��, para conversarmos um pouco. Temos muito a nos dizer. Voc��

pode ler l�� fora, caso desejar.

43

Rachel, no ��ntimo, sentiu-se muito contente. N��o tinha a menor

vontade de ouvir a marquesa conversando com seu marido.

��� Malcolm, se voc�� pretende ficar trancado no quarto durante todo o

tempo em que estivermos aqui, n��o vejo o menor sentido nesta viagem.

N��o quer ir tomar um pouco de sol e contemplar a beleza que nos rodeia?

��� N��o tenho a menor inten����o de ficar no quarto o tempo todo. Ao

contr��rio, espero que Joanna coloque um carro �� nossa disposi����o. Quero

passear, mas n��o h�� pressa. Temos muito tempo.

Rachel suspirou. O que Malcolm estava tentando fazer? Por que suas

palavras a deixavam t��o pouco �� vontade? Quanto tempo pretendia ficar

por l��?

A marquesa apareceu por volta das onze. Desta vez, somente Sara

Ribeiro a acompanhava, sobriamente vestida de negro, como na v��spera.

Rachel sentiu-se aliviada, ao constatar que Lu��s n��o se encontrava com

elas. Achava que era cedo demais para encar��-lo novamente. O encontro

daquela manh�� a fizera sentir-se estranhamente vulner��vel e n��o

compreendia por qu��.

A marquesa ordenou que fosse servido caf�� durante a visita. Foi Rosa

quem se encarregou disto. Levou o caf�� de Rachel para o p��tio e sorriu

para ela.

��� N��o quer que sirva seu caf�� l�� dentro, juntamente com a marquesa e

seu marido, senhora?

��� N��o, obrigada ��� disse Rachel, levantando os olhos da revista, que

lia com concentra����o. ��� Sinto-me muito bem aqui, Rosa. Diga uma

coisa: sabe onde posso encontrar um manual de conversa����o

ingl��s-portugu��s?

��� L�� na biblioteca existem livros assim, senhora. Contaram-me que,

quando a senhora marquesa chegou aqui, teve de aprender nossa l��ngua.

No entanto, n��o posso buscar esse livro sem permiss��o.

��� N��o, �� claro que n��o!

��� Quer que pergunte ao senhor marqu��s?

��� N��o, n��o precisa se preocupar. Acabarei comprando um manual na

primeira oportunidade que tivermos. Obrigada da mesma forma.

Rosa sorriu e se afastou. A revista que Rachel estava lendo era

portuguesa e ela achou que aprender o idioma talvez a ajudasse a

preencher seus dias. Apesar de sentir-se muito bem tomando sol, sua

mente era ativa demais para que ela permanecesse parada durante muito

tempo.

Ouviu passos que ressoavam nas lajotas do p��tio e levantou os olhos,

supondo que se tratava de Rosa, voltando para pegar a x��cara. Em vez

4 4

disso, deparou com os olhos cinzentos da marquesa, que n��o conseguia

disfar��ar certa ansiedade.

Rachel levantou-se imediatamente, mas censurou-se interiormente.

Afinal de contas, Joanna Martins n��o era nenhuma rainha.

��� Bom dia, senhora. Vejo que est�� aproveitando o sol.

��� Bom dia, senhora marquesa. Sim, aqui fora est�� de fato muito

agrad��vel.

A marquesa levou a m��o ao colar de p��rolas. Parecia nervosa e Rachel

ficou a imaginar o que Malcolm lhe teria dito, a fim de deix��-la naquele

estado.

��� Estes p��tios fazem parte do lado mais antigo da casa. A influ��ncia

mourisca �� muito forte. Imagino que era aqui que se alojavam as mulheres

da fam��lia.

��� N��o imaginava que fosse t��o velha assim.

��� A maior parte da edifica����o �� nova. Naturalmente, foi preciso

restaurar muita coisa, mas as caracter��sticas da quinta foram mantidas.

��� Sim, �� tudo muito lindo!

��� A noiva de meu filho, a srta. Am��lia ��lvares, chega hoje �� tarde.

Gostaria que fosse tomar ch�� conosco, ��s quatro.

Rachel ficou at��nita. Depois do comportamento da marquesa na

v��spera, aquele convite era inesperado. Por que a chamava para conhecer

a noiva do marqu��s? N��o tinha nada a ver com aquilo. Al��m do mais, a

id��ia de tomar ch�� com duas aristocratas n��o a deixava nem um pouco

satisfeita.

Ent��o, para sua grande surpresa, Malcolm surgiu no p��tio, com

Eduardo empurrando a cadeira de rodas. A marquesa voltou-se, com uma

estranha express��o no semblante.

��� Ol��, Malcolm ��� disse, e Rachel ficou muito surpreendida, ao notar

o quanto o tom de sua voz havia mudado. ��� Acabo de convidar sua

mulher para tomar ch�� conosco hoje �� tarde.

Rachel respirou fundo. Com que ent��o, Malcolm iria estar com elas na

hora do ch��! Mal conseguia acreditar.

��� Ambos sentimos muita vontade de conhecer a noiva de seu filho,

Joanna. N��o �� mesmo, Rachel?

Rachel n��o sabia o que dizer. Aquela situa����o lhe parecia um tanto

irreal. Na noite anterior, a marquesa mostrara-se polida, por��m distante,

demonstrando em rela����o aos dois uma acolhida apenas superficial.

Oferecia-lhes a hospitalidade da fam��lia Martins e ponto final. Mas

agora...

��� �� como voc�� diz, Malcolm... ��� murmurou Rachel, muito sem

jeito.

4 5

��� Claro que queremos conhec��-la, Joanna! Rachel est�� um tanto

preocupada. N��o repare.

Preocupada! �� claro que se sentia assim, mas n��o exatamente da forma

como Malcolm sugeria!

��� N��o se esque��a, dona Joanna, que temos de escrever algumas cartas

antes do almo��o ��� observou Sara Ribeiro, em tom de reprova����o, como

se protestasse pelo excesso de aten����o que estava sendo dispensada

��queles dois intrusos.

��� Oh, n��o, Sara, n��o me esqueci ��� disse a marquesa, dando a

impress��o a Rachel de que se sentia aliviada. ��� J�� vou vindo. Com

licen��a, sim?

��� Claro! ��� disse Malcolm, sorrindo.

A marquesa esbo��ou a sombra de um sorriso e retirou-se, seguida por

Sara. Logo ap��s, Malcolm dispensou Eduardo e olhou com impaci��ncia

para Rachel.

��� E ent��o? N��o tem nada a dizer?

��� Voc�� se vestiu... ��� foi a ��nica coisa que conseguiu pensar.

��� Aquele rapaz me ajudou. Como �� desajeitado! Quase derrubou a

cadeira, enquanto eu estava me sentando. Isto n��o h�� de se repetir!

��� Quer dizer que vamos tomar ch�� com a fam��lia...

��� E por que n��o? Acho bom ficarmos conhecendo logo a noiva, pois

provavelmente seremos convidados para o casamento.

��� O casamento ser�� celebrado dentro de dez semanas e j�� n��o

estaremos mais aqui.

��� E por que n��o?

��� Bem... n��o vejo como...

��� Mas por que n��o estaremos aqui? O convite que recebi n��o tinha

data fixa.

��� N��o, mas... a situa����o era diferente... Eles imaginavam que voc��

estava s�� sentindo-se solit��rio. N��o sabiam que tinha uma esposa.

��� E da��? N��o ser�� a sua presen��a que ir�� esgotar os recursos materiais

de que eles disp��em...

��� N��o se trata disso, Malcolm. N��o podemos permanecer aqui

indevidamente, pois acabar��o nos expulsando.

��� E por que n��o? Acho que vou gostar. A comida �� excelente e o

tempo muit��ssimo mais agrad��vel. Al��m disso, h�� anos que n��o tirava

f��rias. Pensei que voc�� gostaria de interromper durante algum tempo sua

rotina de dona-de-casa.

As palavras de Malcolm deixaram Rachel preocupada e inquieta. N��o

queria impor-se ��quela gente. Ao arrumar as malas, jamais lhe passara

pela cabe��a que seu marido n��o impunha limites �� sua estada em

46

Portugal. Deixando de lado qualquer outra considera����o, n��o queria dever

nenhuma obriga����o ��quela gente, e nem se ver for��ada a continuar

convivendo com Lu��s Martins.

��� Oh, Malcolm, o ver��o est�� se aproximando e vai fazer muito calor

neste lugar. Tem certeza de que conseguir�� suportar? L��, na Inglaterra, os

meses de ver��o s��o t��o agrad��veis... N��o poder��amos partir dentro de

umas duas semanas?

��� Pare com esse papo! Decidirei quando deveremos voltar para casa e

ponto final!

Rachel resolveu n��o dizer mais nada. Malcolm, afinal de contas, era

seu marido e aquelas pessoas eram amigas dele e n��o dela. O que poderia

fazer, se ele preferia permanecer ali e expor-se a ser humilhado?

4 7

CAP��TULO V

Rachel temia a perspectiva de tomar ch�� no sal��o e desprezava-se por

isso.

Preciso ter mais confian��a em mim mesma, refletiu, enquanto escovava

os cabelos, antes de voltar aos aposentos de Malcolm, no final da tarde.

Afinal de contas, o que era? Uma mulher ou um camundongo? Seria t��o

fraca assim, a ponto de considerar-se incapaz de enfrentar uma velha

arrogante e uma garota que devia ser quase de sua idade?

Agora, chegara o momento de empurrar a cadeira de Malcolm para o

sal��o principal. Rachel sentia-se nervosa. Havia examinado o

guarda-roupa diversas vezes, mas, apesar de possuir v��rios vestidos

simples de algod��o, que ela mesma confeccionara, p��s de lado a id��ia de

usar qualquer um deles.

Agiu assim por duas raz��es: em primeiro lugar, sabia que o que quer

que usasse seria sobrepujado pela eleg��ncia das duas mulheres e suas

roupas dificilmente mereceriam a aprova����o delas; em segundo lugar,

hesitava em vestir-se de maneira a dar a Lu��s Martins a no����o err��nea de

que ela se sentira intimidada por seus coment��rios relativos ao que deveria

usar.

Mesmo assim, precisou usar toda a sua coragem, a fim de se decidir a

usar cal��a comprida, embora fazendo a concess��o de deixar o jeans de

lado. Recorreu a uma blusa de algod��o, de mangas compridas, e cal��a do

mesmo tecido.

Malcolm mostrava-se irritado enquanto ela empurrava a cadeira de

rodas ao longo do corredor. Seu curto sono fora interrompido pela

chegada de Eduardo, enviado pela marquesa a fim de ajud��-lo a se vestir.

48

Seu terno estava ligeiramente amarrotado e ele recusara-se a vestir uma

camisa limpa. Em conseq����ncia, sua apar��ncia era um tanto descuidada.

O sal��o era imenso e imponente, conforme Rachel esperava. Ao longo

das paredes, pendiam ricas tape��arias. Um grande lustre de cristal e

bronze descia do teto e o mobili��rio era de madeira entalhada; diversas

mesinhas espalhavam-se pelo aposento e, sobre elas, estavam vasos de

cristal, caixinhas de prata e cobre e estatuetas delicadamente esculpidas

em prata, m��rmore e bronze. Aqueles objetos eram valiosos e constitu��am

um verdadeiro tesouro, acumulado h�� v��rias gera����es.

Na sala, havia quatro pessoas: a marquesa e sua dama de companhia,

Sara Ribeiro; Lu��s e uma jovem que, com toda a certeza, deveria ser

Am��lia ��lvares. As tr��s mulheres estavam sentadas quando Rachel e

Malcolm entraram. Lu��s encontrava-se de p��, ao lado da cadeira da noiva.

Rachel contemplou Am��lia. Era a mulher mais bela que jamais vira:

morena, com uma pele cor de magn��lia e olhos profundos e l��mpidos.

Estava sentada em uma cadeira de espaldar alto, com as m��os cruzadas no

colo e uma express��o de complac��ncia. Sem d��vida, quando ficasse mais

velha suas curvas se arredondariam e ela ficaria rechonchuda, mas aquela

altivez jamais se alteraria. Possu��a todos os atributos necess��rios a fim de se tornar a futura marquesa de Mendao.

Rosa fechou a porta e Lu��s se adiantou, apoderando-se da cadeira de

Malcolm. N��o olhou para Rachel e ela o seguiu lentamente, percebendo

que a marquesa a encarava com ar de censura. Os tapetes persas que

forravam o assoalho, muito coloridos, atra��ram sua aten����o e ela se

esqueceu da presen��a da autorit��ria senhora. Sentia vontade de abaixar-se

e correr o dedo ao longo daquelas superf��cies sedosas. O toque era algo

que integrava sua sensibilidade de artista.

Durante um breve momento, n��o sabia mais onde se encontrava e foi

trazida subitamente de volta �� realidade, ao ouvir a voz impaciente de

Lu��s:

��� Senhora! Quero apresentar-lhe minha noiva, Am��lia Alvares.

Rachel caminhou desajeitadamente na dire����o dela, percebendo o

desagrado de Malcolm, pois ele j�� fora apresentado e ela havia cometido

uma a����o imperdo��vel, ao esquecer-se de seu lugar.

O aperto de m��o de Am��lia era pouco firme e n��o demonstrava nenhum

entusiasmo. Sorriu ligeiramente para Rachel e disse algumas frases

delicadas, das quais ela n��o conseguiu lembrar-se, decorridos alguns

momentos. S�� n��o conseguia esquecer-se do sentimento de hostilidade

que emanava de todos eles, incluindo Malcolm.

O ch�� foi servido por outra criada, a quem a marquesa chamava pelo

nome de Teresa. Tinha a mesma idade e apar��ncia de Rosa, mas sem a

4 9

mesma desenvoltura. Tremia enquanto servia o ch��, e, quando Rachel

sorriu para ela, encorajando-a, recebeu um olhar de gratid��o, rapidamente

aniquilado pelo tom autorit��rio da marquesa. Rachel pensou, com certo

sarcasmo, que na Inglaterra os criados jamais se submeteriam a

semelhante tirania.

Sentou-se e tentou prestar aten����o na conversa, ali��s, bastante

aborrecida. A marquesa come��ou a dar explica����es a Am��lia sobre a

doen��a de Malcolm e a necessidade que ele tinha de se recuperar. Rachel

pensou, pouco caridosamente, que Am��lia parecia uma esponja, mas n��o

p��de evitar semelhante reflex��o. A jovem recebia aquelas palavras como

um gato que lambe um pires cheio de leite e quase n��o se manifestava.

Era ��bvio que durante a vida inteira tinha sido dominada pelos outros.

N��o devia ter mais de vinte e um anos, ainda n��o se casara e, portanto,

n��o devia conversar muito na presen��a dos mais velhos, mas com certeza

era dona de alguma personalidade.

E Lu��s? pensou Rachel, enquanto mordia um delicioso sandu��che de

pepinos. O que ser�� que Am��lia lhe dizia, quando se encontravam a s��s?

Ou nunca estavam a s��s? Quem sabe tinham sempre algu��m a vigi��-los...

Um homem t��o sofisticado e esclarecido quanto Lu��s Martins precisava

encontrar em uma esposa algo mais do que beleza e boa educa����o!

Seria verdadeiramente assim? Afinal de contas, talvez sua preocupa����o

principal fosse garantir a descend��ncia dos Martins, e n��o havia a menor

d��vida de que Am��lia daria �� luz filhos que levariam adiante o nome da

fam��lia. Rachel sentiu-se um tanto envergonhada por ter aqueles

pensamentos. Sem d��vida, naquela casa, as mulheres eram tratadas como

seres intelectualmente inferiores! A menos, talvez, que fossem como a

marquesa de Mendao, que havia assumido toda a arrog��ncia de seu

marido, agora que ele estava morto. Quem sabe isso, em parte, se devesse

�� sua educa����o inglesa...

Rachel tomou o ch�� e sentiu que a inseguran��a voltava. A despeito de

suas atitudes, com as quais ela n��o concordava, Lu��s Martins era um

homem inteligente e viril.. Era poss��vel que se satisfizesse com uma

esposa como Am��lia? Teria ela capacidade de conservar seu interesse,

depois que o per��odo inicial de ajustamento chegasse ao fim? Ou ser�� que

n��o se importava com isto? Talvez n��o fosse incomum para um homem

possuir outros interesses, quem sabe uma amante... Parecia pouco

prov��vel que Lu��s Martins se dispusesse a gastar seu intelecto

conversando com uma mulher cujo di��logo girava em torno da fam��lia, e

quanto ��s suas necessidade f��sicas...

Rachel desviou o pensamento de tais intimidades. Nada daquilo tinha a

50

ver com ela. Estava sendo incrivelmente tola, ao refletir nas vidas daquela

gente que nada tinha em comum com sua pessoa.

Sem querer, p��s-se a contemplar Lu��s Martins. Evitara encar��-lo at��

aquele momento, mas, agora, ele conversava com Am��lia e achou que

poderia estud��-lo, sem que ele percebesse. Usava um elegante terno

azul-marinho e parecia cheio de confian��a em si mesmo. Rachel pensou

no que havia ocorrido naquela manh��, no convite inesperado que ele lhe

fizera e subitamente sentiu-se presa ��quele ambiente. N��o queria

permanecer ali, mas o que poderia fazer? Malcolm parecia decidido a

aproveitar a hospitalidade da marquesa at�� o fim, apesar de ela, talvez,

n��o o perceber.

Rachel inclinou-se e levantou a x��cara, sempre entregue a seus

pensamentos. A porcelana era muito fina, quase fr��gil e transparente,

quando colocada contra a luz. Como tudo o mais na quinta, era ��nica e

insubstitu��vel. Desconfiava que Malcolm tinha consci��ncia do fato, que

pretendia partir daquele lugar com algo mais do que uma simples melhora

em sua sa��de, e semelhante pensamento deixou-a indignada.

Subitamente, deu-se conta de que ainda encarava Lu��s e de que ele

havia percebido seu olhar, retribuindo-o sem disfar��ar. Corou

ligeiramente ao perceber a admira����o que ele experimentava, e

inclinou-se para colocar a x��cara no pires. Ele a havia deixado nervosa,

suas m��os tremeram e, de repente, a x��cara caiu, partindo-se em dezenas

de peda��os sobre o assoalho de madeira.

Rachel levantou-se, horrorizada com o que fizera e o pesado sil��ncio

que se seguiu foi interrompido pela voz irada da marquesa. Ela tamb��m

havia ficado de p�� e contemplava Rachel sem disfar��ar a avers��o que

experimentava pela jovem.

��� Mas que criatura t��o descuidada! Como pode ser t��o desastrada?

Rachel tremia. O absurdo do que acabara de fazer n��o lhe escapou e

n��o precisava que a marquesa lhe mostrasse seu erro.

��� Sinto muito... ��� balbuciou, sabendo o quanto aquelas palavras

eram pouco adequadas. ��� Sinto muito.

��� Sente, ��? Sente? E de que adianta? Acaso quer dizer-me que as

palavras podem substituir uma pe��a t��o insubstitu��vel?

��� Claro que n��o.

Muito p��lida, Rachel olhou suplicante para Malcolm, implorando seu

apoio, mas ele tamb��m parecia estar furioso.

��� N��o sei mais o que possa dizer.

��� Tem id��ia do valor desta x��cara? Acaso percebe que arruinou um

servi��o completo...

��� Basta, mam��e. ��� A voz calma, por��m firme de Lu��s fez com que

5 1

sua m��e se interrompesse. ��� Tenho certeza de que a sra. Trevellyan n��o

derrubou a x��cara de prop��sito. Ao contr��rio, �� uma artista e duvido que

fosse capaz de destruir algo t��o belo.

Rachel ficou surpreendida, como tamb��m a marquesa. A aristocr��tica

criatura empertigou-se toda e encarou o filho com altivez de rainha.

��� Est�� querendo discutir comigo, Lu��s?

Lu��s levantara-se juntamente com a m��e e cruzara os bra��os.

��� A sra. Trevellyan �� nossa convidada. Tudo isto n��o passou de um

acidente infeliz.

As m��os da marquesa tra��am a agita����o que a tomava, acariciando

nervosamente as p��rolas do colar.

��� �� mais do que isto, Lu��s. Esta mo��a, a sra. Trevellyan, n��o �� nossa

convidada. �� uma intrusa em nosso lar!

��� Mam��e! ��� A voz de Lu��s tornara-se agressiva.

��� Mas �� verdade! N��o a convidei para vir aqui!

Rachel sentiu-se terrivelmente mal. Tudo o que acontecera at�� aquele

momento era negativo, mas agora as coisas haviam piorado.

��� Eu... eu... ��� balbuciou, logo calando-se, ao contemplar a

fisionomia de Lu��s.

��� Acho que a pena de perder algo que era muito caro a seu cora����o

abalou momentaneamente a sensibilidade de minha m��e. Pe��o-lhe que

esque��a o que ela acabou de dizer. O assunto est�� encerrado e n��o

pretendo voltar a ele.

Faz-se breve sil��ncio. Rachel olhou para Malcolm, buscando sua ajuda.

Aquele era o momento de ele dizer algo, de fazer algum coment��rio sobre

o que havia ocorrido, ainda que fosse para concordar com o que Lu��s

dissera. Ele, no entanto, n��o se pronunciou. Seu rosto n��o tinha a menor

express��o, exceto quando contemplou Rachel e ela percebeu o ��dio que

faiscava no fundo de seus olhos. N��o tinha certeza se aquela ira era

dirigida a ela ou ��s outras pessoas da sala.

Foi a vez; de Am��lia falar.

��� Diga-me, senhora, quanto tempo pretende ficar em Portugal?

Rachel sentou-se mais uma vez, muito a contragosto. A com��dia devia

prosseguir... A marquesa tamb��m se acomodara, como se todos

esperassem que ela tomasse semelhante atitude. Que gente mais estranha

e t��o pouco natural, que falava com tamanha veem��ncia em um momento

e, no momento seguinte, colocava em seus rostos a m��scara da

indiferen��a!

��� N��o... n��o tenho certeza. ��� Enquanto respodia �� pergunta,

indagava-se se Am��lia era t��o inocente quanto parecia. Ser�� que, de modo

5 2

muito sutil, estava querendo mostrar que ela tamb��m podia interferir na

situa����o, caso assim o desejasse?

��� Joanna, isto ��, a marquesa ��� interveio Malcolm ���, n��o estipulou

um prazo espec��fico para nossa estadia. Somos velhos amigos c temos

muito a nos dizer.

��� Claro, senhor. Sei perfeitamente de sua amizade com a marquesa.

No entanto, como nosso casamento ser�� realizado dentro de algumas

semanas, naturalmente h�� muitas provid��ncias a serem tomadas...

��� Aguardo ansiosamente este dia...

O coment��rio de Malcolm foi recebido com variados graus de surpresa

e constrangimento, inclusive por parte de Rachel.

��� Ent��o, espera estar aqui para o casamento... ��� A voz de Am��lia

morreu e Sara Ribeiro, que havia tomado a marquesa pelo bra��o, n��o se

conteve e fez um gesto de desagrado.

Lu��s, como sempre, manteve um ar enigm��tico.

��� Veremos, veremos, senhor ��� foi seu coment��rio. ��� Como dizem

os ingleses: n��o se deve contar com as pontes antes de serem

atravessadas, n��o �� mesmo? ��� Abriu uma caixa de charutos e ofereceu-a

a Malcolm. ��� Experimente um deles ��� sugeriu, como se o desagrad��vel

incidente ocorrido havia alguns minutos n��o tivesse acontecido.

A atitude de Lu��s serviu para serenar os ��nimos e, como Malcolm

desejava ignorar as implica����es contidas naquilo que se acabava de dizer,

resolveu mudar de atitude. Aceitou o charuto e permitiu que Lu��s o

acendesse, enquanto Rachel permanecia sentada, sentindo-se

profundamente abalada.

A conversa aos poucos foi morrendo Nem mesmo Lu��s conseguia

mant��-la, vendo sua m��e no auge da tens��o e notando que Am��lia

encarava aquilo tudo com ar de reprova����o. Rachel rezava para que

Malcolm manifestasse o desejo de se retirar ou para que conseguissem, de

alguma forma, escapar daquela terr��vel situa����o.

Foi a marquesa quem acabou colocando um ponto final na reuni��o.

Levantando-se, levou um len��o �� fronte e declarou:

��� Estou com dor de cabe��a, Lu��s. Pe��o a todos que me desculpem.

��� Est�� bem, Joanna. Compreendemos perfeitamente ��� declarou

Malcolm, em tom conciliat��rio, mas Rachel sentiu que a marquesa sequer

tomava conhecimento daquelas palavras. Retirou-se lentamente, com a

tens��o a desmanchar seus tra��os, normalmente t��o bem compostos.

Depois que ela partiu, Rachel n��o conteve um suspiro.

��� Gostaria de voltar para nossos aposentos, Malcolm. Quero repousar

um pouco antes do jantar ��� disse, procurando manter-se calma.

53

Lu��s apagou o que restava do charuto e lan��ou um olhar para Am��lia,

dizendo em seguida:

��� Queria trocar algumas palavras com o sr. Trevellyan. mas em

particular.

Rachel, que havia se levantado, ficou gelada. Por��m, Malcolm n��o se

dispunha a ver seus planos modificados.

��� Em alguma outra ocasi��o. Sinto-me... um tanto cansado.

Lu��s mostrava-se tenso, mas era contra a sua natureza mostrar-se

indelicado at�� mesmo em rela����o a algu��m que havia deixado sua m��e t��o

perturbada.

��� Muito bem, senhor ��� disse, um tanto abruptamente.

Malcolm, com um ligeiro sorriso de satisfa����o, indicou a Rachel que

devia empurrar a cadeira de rodas.

Ela o fez com a maior boa vontade, apesar de ter plena consci��ncia do

desagrado de Lu��s e do fato de que o relacionamento de Malcolm com a

marquesa tinha certas sutilezas das quais jamais suspeitara.

De volta �� su��te, interrogou Malcolm, toda tr��mula:

��� Mas, afinal de contas, o que foi que aconteceu?

��� N��o sei a que est�� se referindo, Rachel. Sou eu quem deveria fazer

as perguntas. Voc�� foi pouco cuidadosa, n��o acha?

��� Voc�� sabe que foi um acidente.

��� Sei, sim, mas a marquesa...

��� O que est�� querendo dizer com isso?

��� Nada... ��� Resolveu mudar de assunto. ��� Acho que vou sentar l��

fora no p��tio, durante alguns instantes. Parece estar t��o fresquinho...

��� O que est�� acontecendo, Malcolm? O que estamos fazendo aqui?

��� Voc�� bem sabe porque estamos aqui, Rachel: �� para que eu possa

me recuperar.

��� N��o. H�� outros motivos al��m desse. N��o quer me contar?

��� Gostaria de ficar um pouco l�� no p��tio ��� disse Malcolm,

calmamente, mas ela percebeu que ele estava come��ando a sentir-se

aborrecido.

Suspirando, empurrou a cadeira para fora e olhou para cima. O c��u

estava muito azul e dentro de pouco tempo o sol come��aria a se p��r. O

primeiro dia deles em Portugal chegava ao fim e muitas coisas tinham

acontecido...

Rachel se enganou ao pensar que Lu��s poderia vir at�� os aposentos de

Malcolm ap��s o jantar, a fim de conversar com ele. Comeram a s��s e

ningu��m veio incomod��-los. Logo em seguida, Malcolm recolheu-se ao

leito, pois sentia-se cansado. Aquele dia trouxera um excesso de

54

solita����es para ele, e Rachel p��de refugiar-se em seu quarto. Mais tarde,

quando apareceu para ver se tudo estava bem, verificou que ele dormia

profundamente. Uma express��o de desespero apareceu em seu rosto.

Agora percebia que ele havia perdido completamente a consci��ncia, ao

passo que ela sentia-se cheia de ang��stia, tendo a certeza de que n��o

conseguiria cerrar os olhos durante a noite inteira.

De fato, a ins��nia rondou-a durante boa parte do tempo e, quando

despertou, na manh�� seguinte, sentiu-se pesada e abatida, sem a exalta����o

que havia experimentado na v��spera. Muitos pensamentos passavam por

sua cabe��a e ela se dirigiu para os aposentos de Malcolm cheia de

apreens��o.

Mais uma vez tomaram o caf�� no quarto e depois Rosa veio anunciar

que a senhora marquesa havia colocado um carro �� sua disposi����o. Caso

desejassem us��-lo, bastava avisar.

Malcolm, para variar, estava de mau humor. A not��cia do carro

deixou-o momentaneamente alegre, mas saber que a marquesa e seu filho

passariam o dia fora, visitando a fam��lia de Am��lia, foi suficiente para

aborrec��-lo.

Malcolm almo��ou muit��ssimo bem e, logo ap��s, manifestou o desejo de

fazer a sesta. Naturalmente esperava que Rachel fizesse o mesmo e n��o

insistiu para que ela ficasse a seu lado.

Rachel pegou os ��culos escuros e a bolsa, saindo de casa ��s

escondidas. Atravessou o p��tio e procurou a sombra das ��rvores, antes

que qualquer criado pudesse not��-la. Foi relativamente f��cil. Os

empregados tamb��m faziam a sesta e, como o marqu��s e sua m��e estavam

ausentes, n��o havia ningu��m para det��-la.

A alameda era mais comprida do que ela imaginava, por��m foi muito

agrad��vel andar �� sombra das ��rvores. Mas quando chegou �� estrada

principal, sentiu uma diferen��a not��vel. O sol incidia sobre sua cabe��a

com inclem��ncia e ela sentia um bafo quente subindo do ch��o. A estrada

n��o tinha asfalto, mas, felizmente, n��o havia carros naquele momento e

ela prosseguiu o caminho, sem temer que a poeira a sufocasse.

Finalmente, a aldeia surgiu diante dela, com suas casinhas muito alvas

e convidativas. Pensou em ir ao bar, antes de regressar �� quinta. Tomaria

uma limonada gelada e talvez depois o sol tivesse perdido parte de sua

intensidade.

O pior estava 'para acontecer. As lojas, o bar, tudo, enfim, estava

fechado devido ao calor, e ela censurou-se por ser t��o tola e desprevenida.

Devia saber que ali todo mundo, sem distin����o, fazia a sesta.

Sentia vontade de gritar, tamanho o calor e o cansa��o que

experimentava. N��o se via ningu��m, a n��o ser dois velhos descansando ��

5 5

sombra de um toldo, enquanto alguns c��es perambulavam pela rua. N��o

havia ningu��m a quem pudesse apelar, ningu��m que lhe proporcionasse

alguns minutos de descanso e relaxamento.

Contemplou o regato e pensou em mergulhar os p��s nele. N��o era,

entretanto, uma camponesa, e o marqu��s n��o ficaria satisfeito em saber

que uma convidada sua se comportara como se fosse uma mulher do

povo. N��o havia nada a fazer, a n��o ser regressar �� quinta. Talvez se

passassem algumas horas, antes que as lojas voltassem a abrir, e, se

Malcolm acordasse e constatasse que ela n��o se encontrava presente...

A estrada poeirenta parecia mais penosa do que antes. Sentia o suor

inundar-lhe todo o corpo. Estava a ponto de chorar, quando um carro

passou por ela, mergulhando-a em uma nuvem de p��, antes de parar

alguns metros adiante. Seu cora����o disparou. E agora? Iria ser assaltada,

para c��mulo do azar?

Olhou para tr��s, resistindo ao impulso de sair correndo em dire����o ��

aldeia, em busca de socorro. Calculava quanto tempo levaria para

alcan��ar a primeira casa e gritou, aterrorizada, ao sentir que a agarravam

pelo bra��o. Levantou a outra m��o, a fim de esbofetear quem a

importunava e, de repente, viu-se diante do olhar severo de Lu��s Martins.

��� Mas o que est�� fazendo? Ent��o n��o v�� que o sol �� perigoso, a esta

hora?

��� Sinto-me perfeitamente bem, obrigada ��� ela disse,

desvencilhando-se. ��� Obrigada, senhor.

��� Mas o que est�� fazendo aqui? O que a traz a esta estrada solit��ria na

hora da sesta? Deveria estar descansando!

��� Eu... eu precisava de algumas coisas e fui at�� a loja. Esqueci-me de

que eles tamb��m fazem a sesta.

��� E veio a p�� desde a quinta? Por que n��o pediu o carro? Teria

evitado todos esses inconvenientes.

Rachel fez um gesto de desola����o. N��o havia pensado no carro, mas,

mesmo que houvesse, duvidava que teria a coragem de fazer aquela

solicita����o. Al��m do mais, Malcolm poderia descobrir.

��� Nem cheguei a pensar nisso.

��� Pois ent��o, entre no carro. Eu a levarei de volta para a quinta.

Rachel deu um passo para tr��s. N��o sentia a menor vontade de entrar

no carro e deparar com a marquesa, encarando-a com aquele ar de eterna

reprova����o, que n��o fazia a menor quest��o de disfar��ar.

Lu��s dirigia-se para o carro, mas ela n��o se mexeu e ele voltou-se.

��� Mas o que est�� acontecendo? Venha!

��� Prefiro n��o ir. Sua m��e...

��� Minha m��e n��o est�� comigo!

56

��� N��o est��? Mas achei que... isto ��... Rosa nos disse que ambos iam

passar o dia fora...

��� Visitando os ��lvares? �� verdade. Estivemos l��, mas minha m��e n��o

se sente bem e decidiu ficar descansando em Alcorado durante alguns

dias.

��� Ah, certo... ��� Rachel ficou a imaginar qual seria a rea����o de

Malcolm, ao saber que sua anfitri�� o havia abandonado.

��� E ent��o? Vai subir no carro? ��� Lu��s olhava-a com impaci��ncia e

estava mais atraente do que nunca.

��� Est�� bem, obrigada.

Adiantou-se e, quando ele abriu a porta do carro, acomodou-se. Ele

deu a volta pela frente, sentou-se a seu lado e deu a partida no carro, sem

dizer sequer uma palavra.

Rachel sentiu-se subitamente fraca. Era um grande al��vio saber que n��o

teria de voltar pela estrada poeirenta. Reclinou a cabe��a no encosto do

banco e semicerrou os olhos.

Abriu-os novamente alguns momentos depois, quando deixaram para

tr��s a tabuleta onde se lia "Entrada Proibida", e prosseguiram estrada afora.

��� Para onde est�� me levando? ��� perguntou, endireitando-se,

assustada.

��� Logo ver��. N��o a estou raptando, a n��o ser por pouco tempo.

Relaxe!

Rachel, sentiu-se incapaz de faz��-lo. N��o tinha a menor id��ia do lugar

para onde ele pretendia lev��-la e temia que ele a interrogasse sobre os

motivos que haviam levado Malcolm a vir para Portugal.

Lu��s deixou a estrada e tomou um atalho ladeado por enormes ��rvores,

que ia dar em um rio. Parou na cabeceira da ponte que l�� havia e desceu

do carro.

Rachel permaneceu onde estava. Apesar do lugar ser muito belo, n��o

conseguia imaginar por que ele a trouxera at�� ali. Provavelmente, tudo

aquilo tinha a ver com Malcolm, e ela sentiu-se perturbada e pouco ��

vontade.

Lu��s tirou o palet�� e jogou-o descuidadamente sobre o banco da frente

do carro. Em seguida, inclinou-se e olhou para ela.

��� Vamos indo. Tenho algo a lhe mostrar.

��� Prefiro regressar �� quinta...

��� Por qu��? O que teme?

��� N��o temo nada, n��o.

��� Pois ent��o, venha comigo.

Rachel sentiu-se intensamente perturbada. No fundo, desejava ir com

5 7

ele e dessa vez concordou. Abriu a porta, desceu do carro e ele sorriu

ligeiramente.

��� Venha por aqui... disse, descendo por um dos lados da ponte, em

dire����o �� beira do rio.

Ela seguiu-o, antecipando o prazer que sentiria em repousar �� sombra

das ��rvores magn��ficas que inclinavam seus galhos em dire����o �� torrente.

Lu��s, que se adiantara, contemplava uma piscina natural, formada pelos

rochedos que afloravam por entre as ��guas.

��� Que tal? Gostou do lugar?

��� �� de fato muito bonito...

Ele escolheu um rochedo bem liso e sentou-se. Rachel seguiu seu

exemplo.

��� N��o quer megulhar os p��s na ��gua? ��� ele perguntou, sorrindo

ironicamente e, ent��o, ela entendeu por que a trouxera ��quele lugar.

Lembrava-se do que ela havia dito durante a viagem para Mendao, h��

dois dias.

Dois dias apenas! Tinha a impress��o de que havia se passado um

s��culo!

Sorrindo, Rachel tirou as sand��lias e mergulhou os p��s na ��gua gelada.

Estava uma del��cia! Enrolou a cal��a at�� os joelhos e inclinou-se para

banhar tamb��m os punhos.

Percebeu que ele voltava a olh��-la e endireitou-se, secando as m��os no

jeans. Sentia-se muito mais refrescada, mas, ao mesmo tempo, tinha a

sensa����o de que estava se comportando como uma crian��a.

Lu��s acendeu um charuto e Rachel sentiu a paz que emanava daquele

lugar. A tranq��ilidade de tudo aquilo era perturbada unicamente pelo

barulho da ��gua que corria sem parar e o canto persistente dos p��ssaros.

��� Obrigada. Gostei muito. Agora sinto menos calor.

��� Que bom! Fico contente!

Rachel contemplou-o. Lu��s usava uma camisa social e gravata. Ela

disse, tomada por s��bito impulso:

��� N��o est�� com calor?

��� As mulheres de seu pa��s costumam fazer perguntas t��o pessoais?

��� Desculpe.

��� Por que se desculpa?

��� Eu, pelo visto, n��o deveria ter feito semelhante pergunta.

��� Eu disse isso?

��� N��o, mas...

��� Sei que em Portugal somos muito formais. Observamos certas

etiquetas que, talvez, lhe pare��am desnecess��rias, mas aqui as coisas s��o

assim mesmo.

5 8

��� Mas n��o sente nunca vontade de relaxar?

��� Agora estou relaxado.

��� N��o pode ser! Na Inglaterra, em um dia t��o quente quanto este, os

homens tiram a camisa, para n��o falar da gravata.

��� Quer ent��o que eu tire a camisa? ��� indagou Lu��s, com severidade.

Rachel sentiu o rosto em brasa. Do modo como ele falava, a coisa

chegava a parecer indecente.

��� N��o... isto ��... estava me referindo �� Inglaterra...

��� Percebo... E que mais um ingl��s faria?

��� Ora... ele... ele... tomaria sol, imagino. ��� Tentou acalmar as

batidas loucas de seu cora����o. ��� N��o h�� mal algum nisso, n��o �� mesmo?

��� E se eu tirasse a camisa, �� claro que n��o ficaria insultada, n��o ��?

��� Insultada? N��o, claro que n��o! Por que haveria de ficar?

Ele deu de ombros e seus m��sculos possantes ficaram mais rijos, por

debaixo do tecido leve da camisa.

��� �� evidente que ainda n��o percebeu as diferen��as entre nossos

pa��ses. Conhe��o a Inglaterra e passei muito tempo l��. Estudei em uma

universidade, em Londres. Sei que em seu pa��s os jovens n��o apreciam as

conven����es e percebo que nossos costumes devem parecer-lhe

absurdamente estranhos. Ainda assim, gostaria de declarar que nossos

h��bitos s��o melhores.

��� Como pode dizer uma coisa destas? O que h�� de mal no fato das

pessoas relaxarem na companhia umas das outras?

��� Acho que a senhora n��o est�� querendo me entender. O senso de

medida e de dec��ncia deve estar presente nas rela����es sociais. Achei que,

com sua experi��ncia de vida, n��o deveria defender tamanha falta de

responsabilidade!

��� Falta de responsabilidade? ��� repetiu Rachel, at��nita. ��� Mas de

que est�� falando?

��� Vamos! ��� disse Lu��s, levantando-se de repente. ��� J�� est�� na hora

de voltarmos para a quinta.

Rachel abaixou-se e cal��ou as sand��lias, antes de se levantar. Arrumo

ligeiramente os cabelos, percebendo que seus gestos eram atentamente

acompanhados por Lu��s. Voltou, ent��o, a ficar perturbada.

P��s-se a andar e logo percebeu que as sand��lias haviam ficado ��midas e

escorregadias. Tentou chegar at�� a ponte sem perder a eleg��ncia, mas de

nada adiantava. Quando estava a ponto de se descal��ar, Lu��s estendeu-lhe

a m��o.

Rachel aceitou-a. A m��o daquele homem era firme e quente, conforme

ela havia imaginado, e possu��a a mesma for��a que se encontra no a��o.

Com um gesto, ele puxou-a para junto de si e ela percebeu que nunca

5 9

haviam estado t��o pr��ximos. O cheiro do corpo de Lu��s invadia suas

narinas. Era um odor viril e penetrante, inesperadamente agrad��vel. Ela,

que nunca havia sentido qualquer desejo por um contato mais ��ntimo com

um homem, subitamente imaginou como seria compartilhar com Lu��s as

intimidades que Malcolm lhe impunha, e se o corpo musculoso daquela

criatura a excitaria, como jamais seu marido havia conseguido fazer.

Tinha a impress��o de que seu cora����o ia parar de bater. Sentiu um

desejo imenso de se aproximar ainda mais e de constatar se o toque de seu

corpo produziria qualquer rea����o nele.

Levantou os olhos sem querer e, ent��o, afastou-se bruscamente. Lu��s

hesitou durante um breve momento e a f��ria brilhou em seus olhos

negros. Deu-lhe as costas e caminhou em dire����o ao autom��vel.

Rachel seguiu-o lentamente. Percebeu que, por um instante, por um

brev��ssimo momento, ele se tornara consciente dela como mulher e que

n��o teria repelido seu louco impulso de toc��-lo. Era por isso que ficara t��o indignado: sentia o mesmo desejo que ela!

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CAP��TULO VI

S�� na hora do almo��o, no dia seguinte, �� que Malcolm sentiu falta de

sua amiga. Esperava que ela o visitasse, mas �� medida que as horas

passavam come��ou a desconfiar de que algo estava acontecendo.

��� Sabe onde se encontra Joanna? ��� perguntou a Rachel, que lhe

levava naquele momento um copo de ��gua.

��� E como haveria de saber?

��� Ontem ela ficou fora o dia inteiro. O m��nimo que poderia fazer

seria vir ver como me encontro.

��� Duvido que a marquesa fa��a quest��o disso, tendo em vista seu

comportamento de antes de ontem.

��� O que quer dizer com isso?

��� Sabe muito bem a que me refiro. Deve saber perfeitamente que,

quando a marquesa o convidou para vir aqui, n��o esperava que voc�� se

tornasse um h��spede permanente.

Rachel fez men����o de se afastar, Malcolm agarrou-a pelo pulso,

apertando-o cruelmente, at�� ela gemer.

��� Voc�� est�� me machucando!

��� Farei mais do que isso se voltar a ouvi-la falar desse jeito. Quem

voc�� pensa que ��, para se dirigir a mim nesse tom?

��� Estou apenas lhe dizendo a verdade ��� disse Rachel,

desvencilhando-se dele e esfregando o pulso.

��� �� mesmo? E que provid��ncias voc�� acha que a marquesa vai tomar?

Expulsar-me? Ou pedir�� ��quele seu filho arrogante que o fa��a por ela?

��� Malcolm!

��� Toque a campainha e chame aquela criatura, como �� mesmo o

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nome dela? Rosa? Sim, chame Rosa. Ela deve saber por onde anda a

marquesa.

Rachel tocou a campainha muito a contragosto. Se algum criado

houvesse testemunhado seu retorno �� quinta na companhia de Lu��s, com

toda a certeza haveria de esperar que ela soubesse os motivos da aus��ncia

da marquesa. E se Rosa abordasse o assunto?

Rosa n��o o fez, entretanto. Mas pareceu ficar surpreendida com a

pergunta de Malcolm, respondendo:

��� O senhor marqu��s n��o lhe disse nada? A senhora marquesa n��o se

sentiu bem, ontem, quando foi visitar os ��lvares.

��� N��o se sentiu bem? O que voc�� quer dizer com isso?

��� �� que ela tem estado muito atarefada, por causa do casamento. H��

ainda tantas provid��ncias a tomar...

��� E da��? ��� Malcolm n��o conseguia disfar��ar a impaci��ncia que

sentia.

��� A senhora marquesa passar�� alguns dias com sua amiga, a sra.

��lvares. O senhor n��o sabia?

��� N��o, n��o sabia. E o filho?

��� O senhor marqu��s encontra-se aqui. Deseja v��-lo?

��� Sim. Quer dizer, n��o, agora n��o. Eu lhe comunicarei, se quiser

v��-lo.

��� Sim, senhor. Deseja mais alguma coisa?

Malcolm fez que n��o e, sorrindo para Rachel, a criada retirou-se.

��� Quer dizer que minha amiga nos abandonou... O que ser�� que ela

espera ganhar com isso?

��� Ser�� que isso importa? Estamos aqui, aproveitando sua

hospitalidade. N��o sei que import��ncia tem o fato da marquesa

encontrar-se ou n��o na quinta.

��� Pois para mim importa, sim. Uma anfitri�� n��o abandona seus

convidados assim de repente.

��� N��o podemos mudar de assunto? Quando �� que voc�� vai come��ar a

usar o carro?

��� N��o sei. Deixe-me sozinho. Quero pensar.

Depois de quase uma semana de intensa atividade, era um al��vio gozar

de alguns dias de paz ininterrupta. Pelo visto, Malcolm resignara-se a n��o

fazer nada de mais desagrad��vel do que manter conflitos constantes com o

pobre Eduardo. At�� mesmo permitiu que Rachel empurrasse sua cadeira

de rodas pelos jardins e, apesar desses passeios serem uma verdadeira

prova����o para ela, pois poderiam acabar encontrando o marqu��s, foram

62

do agrado de Malcolm e proporcionaram a ela suficiente tranq��ilidade

para apreciar a bel��ssima paisagem.

Rosa ofereceu-se para fazer as compras que ela quisesse, toda vez que

fosse �� aldeia e, em conseq����ncia, Rachel nunca se afastava da quinta.

Algumas vezes mostrava-se ansiosa e at�� mesmo desesperada por algo

com que pudesse preencher seu tempo, especialmente porque Rosa n��o

tinha conseguido encontrar na loja um dicion��rio portugu��s-ingl��s ou um

manual de conversa����o.

Malcolm, na maior parte do tempo, parecia mergulhado em seu mundo

interior. Muito raramente, comportava-se de maneira desagrad��vel em

rela����o a Rachel, apesar dela ser suficientemente experiente para saber

que aquela situa����o n��o duraria muito tempo. A crise explodiu quando

Rachel foi convocada para ir �� biblioteca, determinada manh��.

Rosa trouxe o recado enquanto tomavam caf��. J�� fazia uns dez dias que

tinham chegado �� quinta e a estada da marquesa na casa dos ��lvares

prolongava-se h�� uma semana. Rachel presumiu que o marqu��s queria

conversar com ela a respeito desse assunto, mas Malcolm ficou furioso.

��� Mas, afinal de contas, o que ele quer com voc��? Sou eu o homem

da familia; �� a mim que ele deve comunicar o que est�� acontecendo!

��� Ele provavelmente imagina que voc�� ainda est�� descansando. Meu

Deus do c��u! Afinal de contas, n��o hei de demorar muito!

��� Mas por que ele quer v��-la? Mal a conhece! Nunca conversou de

verdade com voc��, limitando-se apenas ��quele bate-papo no carro,

quando viemos do aeroporto! Ou ser�� que voc�� esteve com ele sem que eu

soubesse?

Raquel sentiu-se culpada e envergonhada. Seria t��o astuciosa quanto se

sentia naquele momento? As raz��es pelas quais n��o comunicava a

Malcolm seus encontros com o marqu��s eram t��o inocentes quanto

gostaria de imaginar? N��o deveria ter-lhe comunicado o fato, enfrentando

a explos��o de sua ira?

��� Malcolm... ��� come��ou a falar, constrangida, mas ele a

interrompeu.

��� N��o quero ouvir desculpas. Diga o que disser, deve t��-lo

encorajado de alguma maneira. Como posso saber o que acontece depois

que voc�� me d�� boa-noite? Sim, �� muito conveniente para voc�� dormir em

outro quarto!

��� Malcolm! ��� Raquel estava horrorizada.

��� Mas �� ��bvio... Este homem est�� interessado em voc��. Por que

mandou cham��-la, e n��o a mim? Saiba que n��o suportarei tamanha

insol��ncia!

��� Malcolm, por favor! Sabe perfeitamente que est�� dizendo uma

6 3

bobagem! O marqu��s de Mendao n��o est�� interessado em mim! Como

seria poss��vel semelhante coisa!

��� Como seria poss��vel? E por que n��o?

��� Oh, Malcolm! Homens como ele n��o se interessam por mulheres

como eu! Foi voc�� mesmo quem disse.

��� S�� porque voc�� �� casada? Pois devo dizer-lhe que...

��� N��o! N��o �� pelo fato de eu ser casada, mas simplesmente pelo fato

de que n��o perten��o ao mesmo mundo de Lu��s Martins!

��� Pois saiba que voc�� vale tanto quanto aquela criaturinha arrogante

com quem ele pretende se casar...

��� Malcolm, tudo isto �� rid��culo! H�� alguns momentos voc�� ficou

zangado porque achou que Martins poderia estar interessado em mim.

Agora est�� zangado porque declaro que n��o est�� e nem poderia estar!

��� ��, mas tem alguma coisa a�� que n��o me cheira bem... Acho melhor

proibi-la de ir ao encontro dele.

��� Ora, Malcolm, n��o seja tolo. N��o me resta outra escolha. Ou acaso

voc�� prefere ir em meu lugar?

��� Pois ent��o v��, mas n��o ouse ficar l�� mais de dez minutos!

Rachel balan��ou a cabe��a e, suspirando, deixou o aposento.

Lembrava-se ainda do corredor que conduzia �� biblioteca e, assim que

bateu, ouviu a voz de Lu��s, mandando-a entrar.

Ele encontrava-se sentado diante de uma escrivaninha, em um canto da

biblioteca, mas levantou-se assim que ela entrou, indicando-lhe um lugar

para se acomodar. Rachel assim o fez, esperando, enquanto ele se

aproximava. Naquele dia, Lu��s usava um terno bege e camisa cor de mel.

A cal��a, muito estreita, acentuava a musculatura de suas pernas.

��� Bom dia, senhora. Como tem passado?

��� Muito bem, obrigada, senhor. Disseram-me que quer ver-me.

��� Exatamente. ��� Lu��s inclinou a cabe��a. Estava parado a alguma

dist��ncia e contemplava-a com aquela perturbadora intensidade a que

recorria de vez em quando.

Rachel sentiu-se nervosa. Gostaria que ele se apressasse e lhe

comunicasse o que tinha a dizer, deixando-a partir em seguida. Al��m de

ter de enfrentar a c��lera de Malcolm, caso se atrasasse, n��o tinha o menor

desejo de prolongar a ang��stia que aquela situa����o lhe criava.

Ele, entretanto, n��o parecia ter a menor pressa. Indicou o bar e disse:

��� Quer tomar um copo de vinho comigo?

��� N��o, obrigada. Por que queria ver-me?

��� Rosa contou-me que tem tentado encontrar um manual de

conversa����o. �� verdade?

��� �� verdade, sim, senhor ��� respondeu Rachel, rnal conseguindo

disfar��ar a surpresa.

64

��� Percebo. E n��o lhe ocorreu perguntar-me se haveria aqui na quinta

algo semelhante?

��� B e . . . �� que n��o queria incomod��-lo. Al��m do mais, pareceu-me que

encontraria facilmente um manual.

��� Rosa disse-me tamb��m que a senhora comprou papel e crayon...

Rosa, pelo visto, era uma informante de primeira. Rachel sentiu-se

aborrecida. Como �� que ela ousava intrometer-se em seus assuntos

particulares?

��� Sim, �� isso mesmo. Comprei tamb��m um pente, um tubo de pasta

de dente, algumas giletes para Malcolm e um par de meias!

��� A senhora est�� sendo insolente!

��� E mesmo? E n��o acha que �� uma insol��ncia de sua parte interrogar

Rosa a respeito de minhas compras?

��� Cuidado! N��o permito que ningu��m me fale nesse tom!

��� Ah, n��o? ��� Rachel p��s-se de p�� e o encarava, furiosa. ��� Pois,

ent��o, n��o devia comportar-se como se tivesse direito de questionar as

menores coisas que fa��o.

Lu��s deu um passo em dire����o a ela, sem disfar��ar a c��lera que sentia.

Rachel recuou, um tanto temerosa diante de sua rea����o.

��� N��o interroguei Rosa coisa alguma! Ela veio at�� mim e disse-me

que achava que a senhora estava se aborrecendo. Disse tamb��m que

tentou comprar-lhe um manual de conversa����o, mas que as lojas da aldeia

n��o vendiam. Contou que a senhora tinha at�� mesmo comprado alguns

crayons e uma prancheta de desenho. Estava preocupada com sua pessoa.

Rachel ouviu as explica����es, sentindo-se cada vez mais humilhada.

Quando Lu��s terminou, ela apressou-se em dizer, muito constrangida:

��� Desculpe... Oh, meu Deus, pelo visto estou sempre repetindo as

mesmas coisas!

O marqu��s relaxou. Tirou as m��os dos bolsos e cruzou-as nas costas.

Com o movimento, seu palet�� de camur��a abriu-se, revelando o volume

de seu peito musculoso. A camisa estava parcialmente desabotoada e

Rachel percebeu os p��los negros e abundantes que lhe cobriam o peito.

Confusa diante das estranhas emo����es que a contempla����o daquele

corpo despertava nela, levantou os olhos, que se encontraram com os

dele. N��o conseguiu, entretanto, sustentar aquele olhar e voltou a

contemplar o peito de Lu��s e todo o seu corpo.

Agora era o marqu��s que parecia ter ficado perturbado diante daquela

inspe����o. Deu-lhe as costas e voltou para a escrivaninha.

��� Aceito suas desculpas e sugiro que voltemos ao assunto de nosso

encontro.

��� Sim, senhor.

6 5

Rachel sentou-se, principalmente porque sentia que suas pernas haviam

se tomado ridiculamente fracas.

Lu��s veio at�� ela com dois livros na m��o.

��� H�� muitos anos, quando minha m��e chegou a Mendao, ela teve de

aprender nossa l��ngua. Aqui est��o as gram��ticas que usou. Achei que

poderiam ser-lhe de alguma utilidade.

��� �� muita bondade de sua parte, senhor...

��� Diga-me uma coisa: acha a vida aqui na quinta t��o aborrecida

assim?

��� Bem... eu gostaria de trabalhar...

��� Quer dizer... pintar?

��� Isso mesmo. Quando Malcolm descansa, eu... sinto que o tempo se

arrasta.

��� Sei... Se acaso lhe interessa saber, esta biblioteca possui muitos

livros relativos a artistas e a seu trabalho. Al��m disso, temos aqui na

quinta belos exemplos de pintura e escultura. Prefiro Degas e outros

pintores da escola impressionista, mas nossa cole����o de modo algum

reflete meus gostos. Talvez, enquanto seu marido estiver descansando,

gostasse de familiarizar-se com nossa cole����o.

��� �� muita bondade sua, mas...

Mas o qu��? Sabia, sem precisar perguntar, qual seria a rea����o de

Malcolm �� sugest��o de Lu��s.

��� Mas eu... eu...

��� Est�� querendo recusar? ��� ele indagou, tornando-se tenso, como

sempre acontecia toda vez que os sentimentos dela entravam em conflito

com os seus. ��� Por qu��? Minha oferta lhe desagrada tanto assim?

��� N��o me desagrada em absoluto! Ao contr��rio, gostaria de examinar

os livros, os quadros e adoro esculturas! Mas acontece que as coisas n��o

s��o t��o simples assim. Meu... meu marido gosta de saber que estou por

perto, mesmo quando descansa. Acho que n��o ficaria nada contente,

sabendo que estou andando pela quinta.

��� Deixe-me compreender a situa����o. Est�� dizendo que seu marido

faria obje����es a que a senhora passasse uma hora por dia fazendo aquilo

que lhe agrada?

��� �� que ele n��o est�� bem...

��� N��o est��? Pois parece-me que seu marido �� um homem ego��sta. Se

n��o for assim, ent��o creio que a senhora est�� me enganando.

��� Bem, acho que vou andando... ��� disse Rachel, levantando-se. ���

J�� tomei muito o seu tempo. Obrigada pelos livros, senhor...

��� Um momento.

Ele se aproximou, parando a pouca dist��ncia.

66

��� De quem tem medo? De seu marido ou de mim?

��� Medo? ��� A ansiedade estampada no olhar de Rachel revelava sua

agita����o interior. ��� Medo? E por que deveria sentir medo de quem quer

que seja?

��� �� mesmo? ��� Continuou a fit��-la e ela baixou os olhos, rezando

para que ele n��o prolongasse aquele encontro. ��� Gostaria que eu falasse

com seu marido a seu respeito?

��� Oh, n��o, n��o fa��a isso! Verei o que Malcolm tem a dizer. O jeito

dele �� esse...

��� Pelo que vejo, �� tamb��m um homem possessivo. Eduardo

contou-me que ele raramente permite sua ajuda. �� a senhora quem faz

tudo por ele.

��� Sim, senhor.

��� N��o gosto disso em minha casa! Uma mulher n��o deve realizar

tarefas pesadas!

��� Mas n��o me incomodo, n��o. Bem, est�� na hora de ir.

Lu��s levou a m��o �� camisa, em um gesto de impaci��ncia, e percebeu

que estava desabotoada. Imediatamente recomp��s-se e os olhos de Rachel

dirigiram-se para aquelas m��os aristocr��ticas, admirando sua beleza.

Pensou em Am��lia ��lvares. Muito em breve ela se entregaria ��

sensualidade daquele homem e sentiria aquelas m��os fortes e morenas a

acariciar-lhe a pele cor de magn��lia...

As vis��es que tais pensamentos evocavam subitamente pareceram-lhe

insuport��veis. Voltou-se e trope��ou na cadeira. Perdendo o equil��brio,

caiu desajeitadamente no ch��o.

Logo em seguida, aquilo que ela havia imaginado aconteceu.

Preocupado, Lu��s agachou-se a seu lado e, segurando-a pelos ombros,

ajudou-a a levantar-se.

��� Meu Deus! A senhora est�� bem?

Rachel fez que sim. Ele n��o retirou as m��os e ela sentiu o perigo

impl��cito naquela situa����o. Afastou-se e ficou parada diante dele, toda

tr��mula.

��� Estou bem, sim... Desculpe, sou mesmo uma estouvada...

Abaixou-se, pretendendo recolher os livros que haviam ca��do, mas ele

se antecipou. Entregou-os a Rachel, mas, nesse momento, segurou seu

pulso.

��� Mas como �� magra! N��o est�� gostando da comida da quinta?

��� A comida �� uma del��cia... ��� disse Rachel, mal conseguindo falar.

��� Por favor! Preciso ir...

��� Pelo amor de Deus! Por que se casou com Trevellyan? Tantas

6 7

mulheres conseguiram dar conta de suas vidas sozinhas. Por que n��o fez o

mesmo?

Rachel estava literalmente apavorada. Desvencilhou-se dele e caminhou

at�� a porta. Tinha certeza de que Lu��s estava indignado consigo mesmo

por ter revelado suas preocupa����es em rela����o a ela.

Fechou a porta da biblioteca e ficou tremendo no vest��bulo durante

alguns minutos, antes que pudesse reunir suficiente energia para voltar

aos aposentos de Malcolm.

S�� muito mais tarde lembrou-se com exatid��o de tudo o que ele havia

dito e p��s-se a refletir no que suas palavras significavam, verda-

deiramente.





68


CAP��TULO VII

Para sua grande surpresa, Malcolm aceitou com muita calma a atitude

de Lu��s, ao oferecer-lhe os livros. Aquilo parecia estranho a Rachel,

sobretudo levando em conta seu comportamento anterior. Algo com

certeza acontecera, que o colocara de excelente humor. Apesar de n��o ter

id��ia do que se tratava, preferiu n��o fazer indaga����o alguma.

Malcolm perguntou o que o marqu��s queria com ela e Rachel contou,

omitindo o que tinha sido dito em rela����o �� biblioteca e �� cole����o de arte.

N��o havia a menor necessidade de agredi-lo e, mesmo que ele lhe desse

permiss��o, ela duvidava muito se tiraria vantagens da oferta de Lu��s.

Havia outras coisas a serem levadas em considera����o e uma das principais

eram as rea����es que a proximidade de Lu��s despertava nela. O perigo

estava exatamente ali e os acontecimentos daquela manh�� tinham sido

prova suficiente.

Mesmo assim, era uma tenta����o, e, na tarde do dia seguinte, enquanto

Malcolm fazia a sesta, sentiu uma vontade enorme de ir at�� a biblioteca e

folhear algum belo livro de arte. N��o tomou nenhuma atitude nesse

sentido e passou a tarde toda desenhando a paisagem que se avistava de

seu quarto.

Os dias se sucederam. A marquesa ainda n��o havia regressado e Rachel

percebeu que Malcolm come��ava a ter desconfian��as relativas ��quela

visita t��o prolongada. H�� muito seu bom humor voltara a desaparecer e

Rachel estava constantemente a seu lado, satisfazendo a todos os seus

caprichos e obedecendo ��s menores ordens, em um desejo sincero de

evitar qualquer conflito.

N��o tinha a menor id��ia de como Lu��s passava os dias. De vez em

quando, Rosa comunicava-lhe que o senhor marqu��s tinha ido at��

Coimbra, a neg��cios, que estava visitando os vinhedos em um vale das

vizinhan��as, ou talvez jantando com sua noiva e a fam��lia dela. A maior

parte do tempo suas vidas corriam em linhas paralelas, nunca se tocando e

jamais se cruzando. Era como se estivessem sozinhos na quinta.

69

Essa ��, sem d��vida, a melhor solu����o para a situa����o que vivemos,

pensou Rachel. Sem a presen��a da marquesa, n��o tinham o menor contato

com o outro lado da casa e podiam conduzir suas vidas como bem lhes

aprouvesse.

Malcolm, por��m, n��o encarava as coisas desse modo. Reclamava sem

cessar pelo fato de estarem ali "segregados", conforme dizia, e come��ou a pensar em uma maneira de impor sua presen��a a Lu��s.

Certa manh��, ordenou a Rachel, muito contra a vontade desta, que

empurrasse a cadeira de rodas em dire����o ao sal��o principal. No entanto,

aquele passeio revelou-se uma frustra����o. Apenas uma criada

encontrava-se l�� e ela apressou-se em explicar, em seu ingl��s prec��rio,

que o senhor marqu��s passava o dia fora, comprando cavalos. Rachel

sentiu-se enormemente aliviada. Detestaria ser descoberta em semelhante

situa����o por Lu��s, mas Malcolm indignou-se e, durante o resto do dia,

mostrou-se muito pouco am��vel.

Foi deitar-se cedo e ��s nove e meia j�� dormia, quando ouviu-se uma

pancada ligeira na porta da sala.

Rachel, que estava lendo, foi atender e ficou muito. surpreendida ao

deparar-se com Lu��s.

��� O senhor?!

��� Disseram-me que seu marido quer ver-me.

��� Como assim? Quem foi que lhe disse?

��� Joana, a criada. Comunicou-me que estiveram �� minha procura.

Ser�� que nada acontecia naquela casa sem que ele acabasse tomando

conhecimento?

��� Sinto muito, mas acho que Malcolm est�� dormindo.

��� N��o �� cedo demais para dormir?

��� Ent��o n��o acredita em mim?

��� Claro que acredito! Acaso sabe por que ele queria ver-me?

��� N��o, acho que n��o.

��� Certo. Usa estes aposentos de prefer��ncia aos seus?

��� N��o, absolutamente. Apenas estava lendo. Costumo ficar por aqui

at�� Malcolm recolher-se. Na verdade, estava estudando os livros que me

emprestou e acabei esquecendo do tempo.

��� E a senhora tamb��m costuma recolher-se cedo?

��� Sim, de vez em quando.

��� E hoje �� noite?

��� N��o sei. ��� Rachel olhou preocupada em dire����o �� porta do quarto

de Malcolm. �� verdade que ele estava dormindo, mas, se o marqu��s

continuasse se exprimindo naquele tom baixo e penetrante, em breve ele

despertaria. ��� Por que indaga?

70

��� Estava para perguntar-lhe se gostaria de dar uma volta pela

propriedade.

��� Bem, n��o estou vestida para ir aonde quer que seja, senhor...

Usava um vestido, muito simples, de algod��o vermelho, com decote

baixo. Era curto, ali��s muito mais curto do que Am��lia ��lvares usaria.

��� �� muita bondade de sua parte...

��� N��o volte a dizer essas palavras! N��o se trata em absoluto de

bondade. Apenas desejo sua companhia, eis tudo.

��� N��o sei o que dizer...

��� Pois ent��o diga que sim. Tenha pena de mim!

Pena! Rachel n��o conseguia pensar em ningu��m menos carente daquele

sentimento. Contemplou aqueles olhos escuros e sentiu que sua firmeza a

abandonava. Desviando o olhar, disse:

��� Malcolm pode acordar e eu tenho de estar por perto.

��� Muito bem, senhora.

Lu��s aceitava sua recusa e Rachel sentiu que as palmas das m��os se

molhavam de suor. Que mal havia em passear com ele? O que esperava

que ele fizesse? Acaso a atacaria? O marqu��s de Mendao n��o era o tipo de

homem capaz de semelhante atitude.

Lu��s inclinou a cabe��a, em um gesto de sauda����o e come��ou a se

afastar, quando ela o deteve.

��� Irei com o senhor!

��� Muito bem. Pois ent��o, vamos.

Rachel hesitou durante breves segundos e, estremecendo ligeiramente,

saiu do aposento e fechou a porta.

L�� fora estava surpreendentemente fresco, ap��s o calor do dia, mas n��o

o suficiente para que ela precisasse de um casaco. Ao contr��rio, apreciava

a ligeira brisa, que lhe punha arrepios nos bra��os e no pesco��o. Todos os

odores do dia tinham se intensificado, gra��as �� aproxima����o da noite, e os

perfumes das flores permaneciam muito depois que os raios do sol haviam

desaparecido no horizonte.

Lu��s caminhava com os bra��os cruzados nas costas, sem se manifestar.

No momento, parecia n��o ter nada a dizer e Rachel tentou se acalmar.

Estava sendo rid��cula, ao sentir-se daquela maneira. S�� porque um

homem a havia convidado a dar um passeio em sua companhia... Era

estupidamente inexperiente, no que dizia respeito aos homens, pois s��

podia basear-se na agressiva crueldade de seu marido.

��� Fui ao Porto hoje. Um amigo meu vendia alguns cavalos. Comprei

um belo animal. Gostaria de v��-lo?

��� Muito!

��� Bom! Pois ent��o iremos at�� a cocheira. �� por aqui.

71

A cocheira n��o ficava muito longe da casa, mas o caminho mergulhava

nas sombras, em alguns lugares, e Rachel procurou seguir o marqu��s de

perto. Nunca havia estado naquela parte da quinta e admirou, em sil��ncio,

as edifica����es muito alvas e o p��tio coberto de seixos.

Tudo estava trancado, mas Lu��s tirou algumas chaves do bo��so e abriu

o cadeado que fechava a porta da cocheira. Entrou e acendeu algumas

l��mpadas, acenando a Rachel para segui-lo.

Havia l�� tr��s cavalos, que se aproximaram das baias, com os focinhos

arreganhados, �� espera de a����car. Lu��s falou com cada um deles e Rachel

deduziu que ele sentia um real afeto pelos animais.

Na ��ltima divis��o da cocheira, um cavalo esguio e de apar��ncia nervosa

relinchou, impacientemente. Era todo negro e os m��sculos de seu corpo

ressaltavam-se por debaixo do p��lo. Tratava-se de uma montaria

magn��fica e Lu��s sorriu, feliz.

��� Este �� o Arrojado. N��o �� uma beleza?

��� Bel��ssimo, sim! ��� disse Rachel, acariciando a cabe��a do cavalo.

��� Quem escolheu o nome?

��� Fui eu. Fique tranq��ilo, Arrojado! Calma! ��� disse o marqu��s,

sorrindo.

Naquele momento, Lu��s estava irresistivelmenie atraente e Rachel

refletiu se costumava sorrir para Am��lia daquele jeito. Sobre o que

conversariam quando estavam a s��s? Ser�� que ele a beijava e a

acariciava?

Os l��bios de Rachel tremeram e ela afastou-se, indo em dire����o a outra

baia, onde n��o pudesse ver Lu��s. N��o tinha nada a ver com aquilo, e Dor

que pensava continuamente no assunto? Tinha t��o presente o fato de que

uma mulher como Am��lia jamais seria capaz de tornar Lu��s feliz... Na

verdade, n��o tinha a menor id��ia do que o fazia ou n��o feliz.

O marqu��s deixou Arrojado de lado e aproximou-se de Rachel. Ela n��o

o olhou, mas come��ou a andar lentamente em dire����o �� porta da cocheira.

Seu impulso era sair rapidamente, mas n��o queria despertar a curiosidade

dele, comportando-se de maneira inconseq��ente.

L�� fora, o ar fresco da noite foi um verdadeiro b��lsamo para o s��bito

calor que sentia. Cruzou os bra��os, enquanto ele fechava a porta.

��� A senhora sabe montar? ��� perguntou o marqu��s, colocando as

chaves no bolso.

- N��o.

��� N��o gostaria de aprender?

��� Talvez...

��� Poderia ensinar-lhe...

��� Bem... vamos voltar para casa?

72

��� Como quiser... ��� disse Lu��s, disfar��ando a irrita����o que aquela

sugest��o lhe produzira.

Rachel seguiu a trilha que os levava por entre o arvoredo at�� a alameda.

Era de surpreender como encontrara o caminho com facilidade, mas o

temor havia guiado seus passos. Temor de qu��? Estava sendo novamente

rid��cula.

Entraram na casa e dirigiram-se para o sal��o. Somente um abajur estava

aceso e o grande aposento encontrava-se mergulhado na penumbra.

Rachel viu mais uma vez os belos enfeites que havia admirado por

ocasi��o do desastroso ch�� e andou com cuidado por entre as mesinhas,

receosa de trope��ar em algum m��vel.

As portas que davam para o vest��bulo estavam fechadas e Lu��s

perguntou:

��� N��o gostaria de tomar um drinque comigo, antes de se deitar?

��� N��o me parece uma boa id��ia...

��� Por que n��o?

��� Se sua noiva estivesse aqui, ela teria permiss��o para tomar um

drinque em sua companhia, antes de ir para a cama?

��� N��o.

��� Por que n��o?

��� Am��lia �� solteira; n��o seria apropriado para ela tomar um drinque a

s��s comigo.

��� Sei... Mas, em se tratando de mim, isto n��o tem import��ncia, n��o ��

mesmo?

��� N��o vamos come��ar uma discuss��o, senhora. Tem toda a liberdade

de r e c u s a i minha oferta.

��� �� mesmo. Pois bem, recuso.

Ele serviu-se de conhaque e esvaziou metade do copo, antes de

encar��-la.

��� Preferia que n��o recusasse.

��� Por que n��o? ��� indagou Rachel, olhando-o muito perturbada. ���

Por que deseja minha companhia?

Lu��s tornou-se sombrio. Mesmo estando t��o afastados um do outro,

Rachel percebeu a raiva que ele sentia naquele momento.

��� N��o basta eu a desejar? ��� perguntou, aproximando-se.

��� N��o, n��o basta. N��o o compreendo... Gostaria que me deixasse em

paz!

��� Gostaria mesmo?

Engoliu o restante e ficou a contemplar o copo.

��� Acho melhor retirar-me.

��� Deixe que eu abra a porta.

7 3

Passou por ela e durante um breve momento estiveram muito pr��ximos,

exatamente como naquele dia em que se acercaram do rio, s�� que desta

vez o bra��o de Lu��s encostou de leve em seu corpo. Bastaria ela voltar-se

e poderia encostar o rosto no peito dele. O desejo de fazer isso era

intenso. Como tinha vontade de tocar qualquer parte daquele corpo!

Conseguiu sentir o tecido fino do palet�� de encontro a seu bra��o e sentiu o

h��lito dele, que cheirava levemente a conhaque.

��� Oh, Lu��s! ��� murmurou, quase sem f��lego, mas ele a ouviu.

Contemplou-a como se esperasse algo mais, mas ela acrescentou,

sacudindo a cabe��a: ��� Sinto muito, sinto muito. N��o devia ter dito uma

coisa destas, senhor!

��� Com que, ent��o, ao pensar em mim, trata-me por Lu��s... ��� Ele

disse, com voz rouca. ��� Repita!

��� O qu��? ��� Rachel tinha a impress��o de que n��o conseguia respirar.

��� Meu nome. Diga novamente!

��� Lu��s... desculpe-me.

A respira����o dele havia se acelerado. Rachel conseguia senti-la... Via

os m��sculos tensos daquela m��o que se estendera para. abrir a porta.

Sentia que seus olhos pousavam sobre ela, como uma l��ngua de fogo que

lhe lambia a carne...

��� Meu Deus, Rachel! Voc�� queria...

Ele deu um passo adiante, com a intens��o de aprisionar aquele corpo

fr��gil, mas Rachel desvencilhou-se com surpreendente agilidade.

��� N��o! N��o, Lu��s! N��o sou... esse tipo de mulher!

��� Mas do que est�� falando? ��� ele perguntou, com a voz abafada pela

emo����o.

��� Quero ir embora. Por favor... abra a porta!

Lu��s olhou-a durante alguns minutos e ent��o pareceu recuperar o

controle. Abriu a porta e p��s-se de lado, muito tenso.

Rachel n��o ousou olh��-lo, enquanto se retirava do sal��o.

Na manh�� seguinte, Rachel sentia-se cansada e tensa. Havia dormido

muito mal e, quando se dirigiu para os aposentos de Malcolm, estava

totalmente despreparada para ouvir suas primeiras palavras.

��� Divirtiu-se ontem �� noite, Rachel?

Estava abrindo as venezianas e interrompeu-se no ato. Suas m��os

tremeram e ela o encarou, como se n��o estivesse entendendo aonde ele

queria chegar.

��� O que foi... que voc�� disse?

Malcolm tinha um ar estranho. Ajeitou-se na cama e sorriu para ela de

modo desagrad��vel!





74


��� Perguntei se voc�� se divertiu ontem �� noite...

��� Ontem �� noite...

��� Isso mesmo, ontem �� noite. Voc�� saiu de casa, n��o �� mesmo?

Esperou que eu adormecesse e saiu!

Rachel voltou a cuidar das venezianas. Sentia-se mal. Malcolm sabia

que Lu��s tinha vindo �� sua procura na noite anterior. Devia t��-los escutado

conversando, conforme ela temia. Decidiu encarar a situa����o de frente e

disse:

��� De fato, achei que voc�� havia dormido. Lamento saber que voc��

preferiria que eu n��o tivesse sa��do. ��� Esperou que a tempestade

desabasse, mas isso n��o aconteceu. ��� Ouviu o que eu disse, Malcolm?

��� Ouvi, sim. ��� Havia uma express��o estranha no rosto de Malcolm.

��� E... voc�� n��o se importa?

��� Por qu��? Haveria motivos para eu me importar?

��� N��o! Claro que n��o!

O tom veemente com que Rachel se exprimia devia t��-lo deixado

satisfeito, pois ela balan��ou a cabe��a lentamente e ele se acalmou.

��� N��o, claro que n��o! Voc�� n��o �� desse jeito, n��o �� mesmo, Rachel?

N��o se interessa pelos homens! Algumas vezes chego a me perguntar pelo

que voc�� se interessa: o belo marqu��s n��o sabe disso, n��o ��? E est��

ficando evidente que ele demonstra bastante interesse por voc��!

��� Oh, n��o seja rid��culo, Malcolm!

Rachel n��o queria que Malcolm colocasse em palavras aquilo que ela

mais temia.

��� N��o sou nenhum tolo! Eu o ouvi ontem �� noite, convidando-a para

dar um passeio com ele. O que ser�� que a m��e dele diria? Isso, sem

pensar naquela noivinha com rosto de lua cheia... Que choque para ela

saber que seu aristocr��tico noivo entrega-se �� tenta����o de seduzir uma

mulher casada!

��� Mas ele n��o me seduziu!

��� N��o mesmo? No c��digo de comportamento dessa gente, s�� o fato

de ter vindo at�� aqui, convid��-la para dar uma volta, j�� equivale a um

romance...

��� Mas ele n��o veio buscar-me para dar uma volta! Veio para v��-lo.

Ouviu dizer que estivemos no sal��o, ontem, pela manh�� e achou que voc��

queria lhe falar. Meu Deus do c��u, se estava acordado, por que n��o me

disse nada? Poderia perfeitamente ter conversado com ele.

��� Isso n��o me convinha. Sentia curiosidade em saber at�� onde ele

iria... Pobre Joanna! Achou que poderia fugir de mim deixando a quinta.

Nunca lhe passou pela cabe��a a id��ia de que seu filho poderia ser

corrompido...

75

��� Mas de que est�� falando, Malcolm? Por que haveria de querer

corromper a marquesa ou seu filho?

��� Eu acaso disse isso?

��� N��o, mas... oh, Malcolm, �� evidente que n��o somos bem-vindos

aqui. Vamos para casa, por favor!

��� N��o! Ainda tenho muito o que fazer aqui!

Ela deu-lhe as costas. De que adiantava insistir? Acontecesse o que

acontecesse, Malcolm estava decidido a tirar proveito da situa����o, mas ela

n��o tinha a mais remota id��ia de que proveito era esse.

Rachel discutia com Rosa a possibilidade de conseguir fazendas

baratas, que lhe permitissem confeccionar alguns vestidos, quando o

marqu��s apareceu, por volta do meio-dia. Entrou na sala e indagou, com

o tom autorit��rio de costume:

��� Onde se encontra o sr. Trevellyan? Quero falar com ele.

��� Est�� no quarto, senhor marqu��s...

Rachel n��o conseguiu prosseguir, pois Lu��s atravessou a sala e, depois

de bater �� porta, entrou imediatamente no quarto.

��� C��us! ��� exclamou Rosa, assustada. ��� O marqu��s, pelo visto, est��

muito zangado, n��o?

��� �� mesmo?

��� Claro que sim, senhora! N��o viu seu rosto? Nunca o vi fazer uma

coisa destas.

��� Que coisa?

��� Entrar nos aposentos de um h��spede, sem antes obter a permiss��o,

e pedir para ver seu marido, sem antes cumpriment��-la! N��o, senhora, o

marqu��s est�� de fato zangado.

Rachel estremeceu. Seu interesse moment��neo pelos vestidos havia

desaparecido. Achou que aquela atividade poderia distra��-la de seus

pensamentos sombrios, mas era tudo in��til. Como poderia concentrar-se

em algo, estando plenamente consciente da falsa posi����o que ocupavam

naquela casa?

Rosa resolveu retirar-se. Achava, evidentemente, que n��o seria nada

conveniente encontrar-se por ali, quando o marqu��s sa��sse do quarto do

sr. Trevellyan. Rachel combinou conversar com ela mais tarde e, depois

que a criada se retirou, saiu para o p��tio.

Estava muito quente e ela sentou-se em uma espregui��adeira. Seu

instinto dizia-lhe que devia abrigar-se na relativa prote����o de seus

aposentos, mas era poss��vel que Malcolm a chamasse e tinha de ficar ��

m��o, a fim de evitar quaisquer suspeitas por parte dele. Mas que situa����o!

Sua cabe��a do��a quando pensava no assunto. Pegou a prancheta e os

76

crayons e come��ou a desenhar. Sua m��o percorria com agilidade a

superf��cie do papel e, de repente, a cabe��a de um homem come��ou a

tomar forma. Os olhos eram encovados e profundos, as ma����s do rosto

salientes, o perfil exprimia intelig��ncia e o l��bio inferior possu��a um toque de sensualidade. Contemplou o desenho, quase irritada. N��o conseguia

escapar a seus pensamentos at�� mesmo naquele momento? Sempre tivera

a capacidade de faz��-lo. Fora o ��nico aspecto inviol��vel de sua exist��ncia

e era exatamente por isso que Malcolm se opunha a que ela desenhasse.

Agora, por��m, parecia que at�� mesmo aquilo lhe era negado.

Rasgou o papel, amassou-o e jogou-o no ch��o do p��tio. N��o queria

contemplar o exemplo revelador de sua vulnerabilidade.

Olhou para as portas que davam para a sala. Lu��s ainda estaria com

Malcolm, ou se retirara sem que ela percebesse. Talvez n��o, pois, nesse

caso, o marido, com toda a certeza, mandaria cham��-la. O que estaria

acontecendo? Por que ele viera procur��-los? Sobre o que conversavam?

Subitamente, a porta do quarto de Malcolm abriu-se e Lu��s surgiu.

Rachel n��o se voltou, mas ele veio para o p��tio e ficou parado a seu lado.

��� Bom dia, senhora ��� disse, r��gido como sempre. ��� Como est��

passando?

��� Muito bem, obrigada. E o senhor?

��� Rachel, Rachel, onde �� que voc�� est��?

O som da voz de Malcolm ecoou no p��tio. Rachel suspirou e, pondo a

prancheta de desenho de lado, fez men����o de se levantar, mas as palavras

de Lu��s fizeram-na hesitar.

��� Vim pedir desculpas pelo que aconteceu ontem �� noite. N��o sei o

que me levou a agir daquela maneira. Isso n��o voltar�� a acontecer.

Rachel se levantou. N��o conseguia encar��-lo de modo algum e disse:

��� N��o tem import��ncia, senhor.

��� Rachel! Que inferno! Onde �� que voc�� est��?

Malcolm tornava-se cada vez mais impaciente. Rachel esbo��ou um

gesto de desculpas e dirigiu-se para os aposentos de Malcolm. Este, em

um gesto brusco, indicou-lhe que devia fechar a porta.

��� Mas, afinal de contas, onde foi que voc�� se meteu? Estou

chamando-a h�� s��culos!

��� N��o �� verdade, Malcolm. Estava l�� fora, no p��tio. Voc�� n��o pode

esperar que eu venha correndo toda vez que me chama, n��o �� mesmo?

��� Imagino que voc�� o tenha visto chegar, n��o?

��� Est�� se referindo ao marqu��s?

��� Claro que sim! N��o me venha com truques, Rachel!

��� N��o �� o caso. Muito bem. O que �� que ele queria?

77

��� Queria saber quando �� que vamos embora!

��� O qu��? ��� Rachel mal conseguia acreditar no que havia acabado de

ouvir. ��� E o que foi que voc�� disse?

��� O mesmo que lhe disse. Irei quando estiver pronto para isso, e n��o

antes.

��� E o que ele respondeu?

��� Que poder��amos ficar mais uma semana, ap��s o que sentiria muito,

mas teria de pedir para nos retirarmos!

��� Certo... Bem, j�� �� alguma coisa ��� disse, sentindo-se

completamente perdida.

��� O que �� alguma coisa?

��� Ficar mais uma semana. Ser�� t��o bom voltar para casa!

��� N��o vamos para casa!

��� Mas voc�� acaba de dizer que...

��� Disse apenas o que ele falou. N��o disse que concordava com ele.

��� Mas voc�� n��o pode ficar aqui contra a vontade dele! Ele acabar��...

expulsando-o!

��� Duvido que Joanna concorde com isso.

��� A marquesa n��o se encontra aqui.

��� Eu sei, mas ela voltar��.

��� O que quer dizer com isso? Ela regressar�� em breve �� quinta?

��� Acho que sim.

��� Oh, Malcolm! De que serve agredir essa gente? J�� estamos aqui h��

duas semanas ou, melhor dizendo, tr��s, se contarmos tamb��m a pr��xima.

J�� �� mais do que suficiente, n��o?

��� Preciso de um estimulante poderoso que me encoraje a partir daqui.

N��o fiz essa viagem t��o longa s�� para passar algumas semanas no sol.

��� Mas ent��o, por que foi que veio?

��� Algum dia voc�� saber��. Agora v�� dizer a Eduardo que quero v��-lo.

��� Eduardo? Mas por que haver�� de querer ver Eduardo? Se quiser se

levantar, posso ajud��-lo.

��� N��o me fa��a perguntas. Limite-se a cham��-lo!

Malcolm estava no auge da irrita����o e Rachel levantou-se

obedientemente. Aquela situa����o a desesperava e gostaria de encontrar

uma maneira de fugir dela. N��o queria permanecer naquele lugar. N��o

desejava nada da fam��lia Martins e, a despeito da atitude agressiva de

Malcolm, n��o via como ele poderia impor sua vontade sobre aquela

gente. Talvez estivesse sendo desnecessariamente pessimista. Talvez

partissem no prazo de uma semana, conforme Lu��s desejava. No que lhe

dizia respeito, aquela era certamente a ��nica solu����o.

7 8

CAP��TULO VIII

Na manh�� seguinte, Malcolm surpreendeu Rachel, pedindo-lhe que

providenciasse para que o carro fosse colocado �� disposi����o deles.

��� Voc�� est�� querendo sair?

��� N��s iremos sair ��� corrigiu-a Malcolm. ��� Achei que j�� era tempo

de dar um passeio pela regi��o.

Rachel hesitou. O que significava aquilo? Estaria Malcolm a ponto de

aceitar o ultimato de Lu��s e partir em uma semana, conforme se esperava?

Oh, tomara que fosse verdade!

O carro que lhe enviaram era um convers��vel azul, todo cromado. O

chofer era Eduardo, e Rachel refletiu que ali estava a raz��o pela qual

Malcolm desejara falar com ele na v��spera. Sacudiu a cabe��a. As

experi��ncias anteriores haviam-lhe ensinado a comportar-se com a

m��xima cautela, sempre que se tratava de algum assunto referente a seu

marido.

A n��o ser por aquele dia em que ela fora at�� a aldeia, era esta a

primeira vez que deixavam a quinta, desde sua chegada. A despeito de

suas preocupa����es, Rachel sentiu-se relaxada no momento em que a bela

quinta desapareceu de vista. Sentou-se no banco de tr��s com Malcolm e

tentou indagar por que ele parecia estar t��o satisfeito consigo mesmo.

Atravessaram o vale e deixaram para tr��s planta����es de lim��o e olivais,

nos quais mulheres vestidas de negro trabalhavam, sem se importarem

com o calor. Rachel ficou a imaginar como elas conseguiam suportar

tantas roupas. At�� mesmo as jovens usavam len��os negros em torno das

cabe��as. De vez em quando uma delas acenava, reconhecendo o carro.

Pelo visto, todos os autom��veis do marqu��s eram reconhec��veis... Mas,

7 9

quando percebiam que Lu��s Martins n��o se encontrava entre eles,

recebiam apenas olhares de curiosidade.

A estrada agora serpenteava por entre colinas e, em seguida, penetrava

em outro vale. Chegaram at�� uma aldeia semelhante a Mendao, com

apenas algumas casinhas e uma loja, al��m da igreja rodeada pelo

cemit��rio. Rachel gostaria que Malcolm parasse, mas ele, adivinhando

seus desejos declarou:

��� N��o temos tempo.

��� Como assim? Achei que t��nhamos tempo de sobra.

��� Pois n��o temos, n��o. Prossiga, Eduardo. Ainda estamos muito

longe?

��� N��o, senhor, mas n��o estou gostando nada disto. Espero que o

senhor marqu��s...

Eduardo exprimia-se em portugu��s, o que deixou Malcolm

profundamente irritado.

��� Mas, afinal de contas, o que voc�� est�� resmungando, hein, rapaz?

Se tiver de dizer alguma coisa, diga-a em ingl��s!

Rachel tentou traduzir o que Eduardo acabara de dizer. Sabia o

significado da palavra n��o e pareceu-lhe que ele havia declarado n��o

gostar de alguma coisa. Mas de qu��? E por que havia mencionado Lu��s,

sem disfar��ar a preocau����o que sentia?

Olhou para seu marido, sentindo-se meio perdida, mas ele ignorou-a.

Contemplou ent��o a paisagem, sentindo-se cada vez mais preocupada.

Para onde iam? Que instru����es Malcolm havia dado, quanto �� sua

destina����o final, e que deixavam o jovem portugu��s t��o angustiado?

Deixaram a estrada principal e tomaram um atalho, passaram por um

port��o aberto e seguiram por uma alameda que levava a uma casa, cuja

porta de entrada estava escancarada. Rachel encarou Malcolm e voltou a

olhar para a edifica����o. Era uma casa de campo, menor que a quinta dos

Martins e desprovida de seu encanto e beleza. Mesmo assim, era uma

casa atraente, toda feita de pedras, com altas chamin��s que se destacavam

no telhado.

��� Mas onde estamos, Eduardo? Que lugar �� este?

��� A casa dos Alvares, senhora!

��� A casa dos ��lvares? Da sita. Am��lia?

��� Sim, senhora.

��� Oh, n��o! ��� Rachel estava horrorizada e voltou-se para Malcolm.

��� Mas, afinal de contas, o que voc�� est�� pensando? Por que viemos at��

aqui? Prossiga, Eduardo. N��o pare. Leve-nos imediatamente de volta para

a quinta!

��� N��o ouse fazer uma coisa destas!

80

Malcolm estava t��o indignado que se inclinou para a frente e agarrou

Eduardo pelo pesco��o.

��� Tire j��, j�� minha cadeira aqui de dentro! R��pido, vamos!

Eduardo agiu conforme lhe era dito. Malcolm o aterrorizava e Rachel

n��o podia esperar qualquer aux��lio de sua parte. Recusava-se, entretanto,

a participar daquela horr��vel farsa.

��� Mas o que aconteceu com sua sensatez, Malcolm? Por que viemos

at�� aqui? Voc�� n��o tem o direito de impor sua presen��a �� marquesa!

��� N��o tenho? E por que n��o? Se a montanha n��o vem a Maom��,

Maom�� vai �� montanha!

��� Malcolm, voc�� n��o est�� vendo que isto �� uma loucura? Ningu��m

age desta forma!

��� Cale-se! Voc�� n��o sabe nada a esse respeito. Trata-se de um

assunto que interessa a Joanna e a mim.

��� Mas, ent��o por que me trouxe? Por que quer envolver-me nessa

hist��ria?

��� E o que pretendia que eu fizesse? Queria que a deixasse na quinta,

de m��os dadas com o marqu��s? N��o, obrigado!

��� Voc�� n��o est�� falando a s��rio! ��� disse Rachel, com o rosto

pegando fogo.

��� Eduardo! Que inferno, onde �� que voc�� est��? Tire-me deste carro,

rapaz!

O som de suas vozes alteradas acabou por chamar a aten����o e um

criado surgiu no alto da escada, encarando-os com indisfar��ada

hostilidade. De repente pareceu reconhecer o carro e apressou-se em vir

ao encontro deles.

��� Bom dia, meus senhores. Em que posso ajud��-los?

��� Diga �� marquesa de Mendao que ela tem visitas! ��� ordenou

Malcolm.

��� A marquesa, senhor? ��� O criado ficara visivelmente preocupado.

��� Ela est�� �� sua espera?

Eduardo trouxera a cadeira de rodas, que era dobr��vel, e ajudava

Malcolm a se acomodar. Encarou seu colega com nervosismo e o criado

repetiu a pergunta.

��� A marquesa est�� �� sua espera, senhor?

��� N��o est��, n��o. Trata-se de uma surpresa. Quer ajudar Eduardo a

carregar minha cadeira?

��� E a senhora, tamb��m vai descer, senhor? ��� indagou o criado,

hesitante, olhando para Rachel, que ainda se encontrava sentada no banco

traseiro do carro.

81

��� Minha mulher est�� se sentindo um pouco cansada. Ela nos seguir��

mais tarde, n��o �� mesmo, Rachel?

Rachel n��o conseguiu responder. Seu cora����o batia com tamanha for��a

que teve a impress��o de que todos conseguiam ouvi-lo. Sentia-se

fisicamente doente quando pensava no que Malcolm estava a ponto de

fazer.

O criado dos ��lvares ajudou Eduardo. Estava obviamente perplexo,

sem saber se devia ou n��o acolher aquela pessoa. A atitude de Malcolm

era, por��m, de tal natureza que n��o lhe restava escolha.

Rachel permaneceu onde estava. N��o sabia o que fazer. Era-lhe

insuport��vel pensar em acompanhar Malcolm e entrar na casa dos

Alvares, mas, por outro lado, como seria poss��vel permanecer sentada

dentro do carro?

Ao chegarem ao ��ltimo degrau, Malcolm indicou que Eduardo deveria

ocupar-se da cadeira de rodas, da�� por diante, e o criado conduziu-os para

o vest��bulo.

O sil��ncio voltou a pairar, interrompido unicamente pelos p��ssaros e

pelo zumbido das abelhas que circulavam por entre as flores do jardim.

Uma paz sonolenta desceu, mas, para Rachel, aquilo parecia um estado

transit��rio. Ficou �� espera de que algo acontecesse, mas n��o sabia

exatamente o qu��.

De repente, percebeu o barulho de outro autom��vel que se aproximava:

Era um carro esporte vermelho, conduzido por um rapaz, ao lado de quem

encontrava-se Am��lia ��lvares.

Rachel sentiu vontade de sumir naquele momento. O que a jovem

pensaria, ao v��-la ali? Que explica����o daria para justificar sua presen��a?

O carro parou e o jovem desceu, olhando Rachel com curiosidade. No

momento em que Am��lia apeou, disse-lhe algo em voz baixa e ela

respondeu-lhe no mesmo tom, antes de dirigir-se para o convers��vel

��� Bom dia, sra. Trevellyan! Mas que surpresa!

��� Pois ��...

��� Permita-me apresentar-lhe meu irm��o, senhora. Jorge, est�� �� a sra.

Trevellyan.

��� Muito prazer, senhora. �� uma grande satisfa����o conhec��-la.

Rachel for��ou-se a sorrir, consciente da admira����o estampada no olhar

do rapaz. Achou que devia ser de sua idade. Tinha cabelos negros, um

pouco mais curtos do que os de Lu��s, e assemelhava-se bastante �� irm��.

��� Est�� aqui com o senhor marqu��s? ��� perguntou Am��lia, intrigada.

��� Meu marido queria ver a marquesa, senhorita ��� respondeu Rachel,

desejando, no ��ntimo, que eles a deixassem a s��s.

��� Percebo. E... o marqu��s?

82

��� Pelo que sei, encontra-se na quinta, senhorita.

Am��lia encarou-a com curiosidade, como se estivesse tentando

entender por que ela n��o havia entrado na casa com seu marido.

Felizmente pareceu considerar que formular semelhante pergunta era uma

impertin��ncia, indigna de sua posi����o, e dirigiu um sorriso um tanto

condescendente a Rachel, antes de subir os degraus. Voltou-se e, notando

que seu irm��o ainda se encontrava parado perto do carro, disse, em um

tom que n��o admitia recusa:

��� Vamos, Jorge!

��� V�� indo, Am��lia! ��� disse Jorge, que, pelo visto, n��o era t��o f��cil

assim de ser controlado. ��� Farei companhia �� senhora durante alguns

momentos.

��� N��o �� necess��rio... ��� apressou-se em dizer Rachel, mas ele levou

um dedo aos l��bios, em um gesto eloq��ente, e ela interrompeu-se.

Am��lia entrou em casa, sem disfar��ar seu desagrado. Evidentemente,

n��o gostava que seu irm��o se interessasse por algu��m a quem olhava com

desprezo.

��� J�� ouvi falar a seu respeito, senhora ��� disse Jorge, sorrindo. ��� ��

casada com aquele senhor que veio hospedar-se na casa de dona Joanna,

n��o �� mesmo?

��� Exatamente.

��� Ele vive em uma cadeira de rodas, n��o?

��� �� como o senhor diz.

��� E ele veio at�� aqui ver dona Joanna?

��� Por que n��o entra e verifica?

Rachel sentia-se por demais tensa e n��o tinha a menor paci��ncia de

satisfazer a curiosidade daquele jovem.

��� Acha que estou fazendo perguntas demais? Desculpe, mas n��o era

minha inten����o. Simplesmente surpreendeu-me que algu��m como a

senhora fosse casada com um homem suficientemente velho para ser seu

pai.

Rachel olhou desesperada para a entrada da casa. Quanto tempo

Malcolm ainda permaneceria l�� dentro?

��� Por que n��o entra tamb��m?

��� N��o quero entrar em sua casa. N��o fomos convidados e n��o tenho a

menor inten����o de interferir na privacidade de seus pais!

��� E seu marido, o sr. Trevellyan... ele est�� interferindo?

��� Oh, por favor... v�� embora e deixe-me em paz!

Rachel abriu a porta do carro e desceu, pois n��o suportava mais ficar l��

dentro. Come��ara a sentir-se como um bicho raro exposto �� curiosidade

alheia. Lan��ou um olhar indignado para Jorge Alvares, e ele p��s-se de

8 3

lado, deixando-a passar. Oh, por que Malcolm n��o vinha? O que estava

fazendo e dizendo?

��� Sinto muito se a aborreci, senhora.

��� Mas o que quer comigo? Por que est�� agindo assim? Que prazer

sente em conversar comigo?

��� Prazer? Receio que n��o esteja entendendo...

��� Que satisfa����o tem o senhor em me atormentar?

��� Atormentar, senhora? Sinto muito, mas confundiu-me mais uma

vez...

Rachel sorriu, sem querer. Aquela situa����o estava ficando

simplesmente rid��cula!

��� Que idade tem, Jorge?

��� Eu? ��� disse o rapaz, surpreendido por ter sido chamado pelo

nome. ��� Vinte e tr��s anos.

��� �� o que me pareceu. Pois, ent��o, v�� encontrar algu��m para brincar

com voc��!

��� N��o sou nenhuma crian��a, senhora.

��� Pare de agir como se fosse! Voc��, no fundo, n��o quer conversar

comigo. Apenas achou que seria um jogo divertido permanecer aqui e

deixar-me embara��ada com suas perguntas. Pois saiba que n��o me

embara��a, Jorge, simplesmente me aborrece!

��� Pe��o-lhe desculpas ��� disse Jorge, vermelho como um piment��o.

��� Est�� bem.

��� De qualquer modo, a senhora se engana.

��� Como assim?

��� Confesso que minha inten����o inicial era divertir-me um pouco, mas

a senhora me interessa. Acho sua atitude estimulante. Gosto de conversar.

��� Acho que sua fam��lia n��o aprovaria...

��� N��o sou nenhuma crian��a. Tenho opini��es pr��prias. Fui educado na

Inglaterra e j�� conversei com mo��as inglesas. Em geral, �� mais

interessante dialogar com elas do que com as garotas portuguesas. Aqui as

mulheres n��o s��o t��o emancipadas. Sua conversa limita-se ao lar e ��

fam��lia. Antes mesmo de chegarem aos trinta, parecem mulheres de

meia-idade e tornam-se entediantes!

��� Mas que acusa����o...

��� Ver�� que tenho raz��o, a n��o ser em casos muito especiais. Tome

como exemplo minha irm�� Am��lia. N��o possui qualquer outro interesse

que n��o diga respeito �� casa. Sabe como controlar os criados e dirigir um

lar com efici��ncia. N��o h�� a menor d��vida de que, quando chegar a ��poca

de ela e Lu��s terem filhos, ser�� uma m��e muito competente. Mas o que

ela sabe do mundo e da vida, fora de sua exist��ncia t��o estreita? Nada!

84

Nada! N��o sente a menor inclina����o em pensar por si mesma e nem lhe

passa pela cabe��a seguir uma carreira. Acaso �� de admirar que um homem

inteligente ache aborrecida uma pessoa assim?

��� E um homem como o marqu��s... o que ele faz, em semelhantes

circunst��ncias?

��� Encontra algo ou mais algu��m a quem dedicar seu interesse. Claro

que existem alguns homens que consideram seu trabalho um substitutivo

mais do que adequado para a insatisfa����o de suas vidas pessoais.

��� Pois parece-me que voc�� est�� fazendo meras suposi����es. N��o sabe

com certeza se tem raz��o. Al��m do mais, alguns homens preferem que as

mulheres sejam completamente subservientes, que os satisfa��am em tudo

e tomem conta de seus filhos. Querem ter algu��m que os ou��a o tempo

todo. Tiram uma satisfa����o ego��stica do fato de serem dominadores. E

como sabe que os homens portugueses n��o s��o diferentes dos ingleses?

Concordo que na Inglaterra as mulheres sejam razoavelmente

emancipadas e que seus maridos apreciem este fato. �� um progresso

natural, ocorrido ao longo dos anos. Mas em Portugal as mulheres

permaneceram as mesmas durante centenas de anos e talvez seus maridos

n��o queiram que elas se tornem auto-suficientes...

��� Os homens s��o iguais no mundo inteiro! E todos eles preferem uma

mulher que possa satisfazer a suas mentes, bem como a seus corpos.

��� Bem, acho que essa conversa j�� foi longe demais, Jorge... ��� disse

Rachel, sorridente, quando, de repente, ouviu um grito.

��� Senhora! Senhora! Venha depressa!

Era a voz de Eduardo, exprimindo-se em portugu��s. Embora sem ter

muita certeza do significado das palavras, Rachel percebeu que algo s��rio

estava se passando. Olhou assustada para Jorge e subiu os degraus

correndo. Jorge estava a seu lado e, quando trope��ou, ele a impediu de

cair.

��� Oh, obrigada. O que foi, Eduardo? O que est�� acontecendo?

Eduardo p��s-se a falar rapidamente, o que a deixou completamente

confusa. Seu conhecimento da l��ngua ainda era prec��rio e ele, muito

perturbado, n��o conseguia exprimir-se por meio das poucas palavras de

ingl��s que conhecia.

��� Est�� dizendo que se trata de seu marido, senhora. Est�� passando

mal...

��� O qu��? Onde �� que ele est��?

��� Venha comigo, senhora. Por aqui! ��� disse Eduardo, ansioso.

Jorge tomou Rachel pelo bra��o e incentivou-a a ir adiante. Ela mal

notou os belos quadros que enfeitavam as paredes do vest��bulo ou os

vasos com flores espl��ndidas, cujo aroma delicado invadia o ambiente.

85

Sentia unicamente uma dor na boca do est��mago e os nervos crispados,

pois n��o sabia o que estava para acontecer.

Eduardo levou-os at�� um aposento que parecia pequeno, comparado

com os da Quinta dos Martins, mas que, mesmo assim, era muito

confort��vel. Estava cheio de gente e talvez por isso dava a impress��o de

ser ainda menor. Os olhos de Rachel percorreram aquele conjunto de

rostos estranhamente silenciosos, �� procura do marido. De repente,

percebeu que ele estava deitado em um sof�� e que um homem estava

ajoelhado a seu lado, com o ouvido colado a seu peito.

Rachel saiu correndo e p��s-se ao lado dele, segurando a m��o de

Malcolm e tentando dizer a si mesma que ele estava apenas inconsciente.

Tinha os olhos fechados, um dos lados do rosto apresentava-se

horrivelmente torcido e parecia n��o respirar!

O homem levantou-se, fazendo um gesto desolado com a cabe��a.

Rachel contemplou-o, percebendo que devia ser o sr. Alvares, pois tinha

os mesmos tra��os do filho.

Depois, moveu lentamente a cabe��a de um lado para o outro e

contemplou o marido, sem poder acreditar no que via.

��� Ele... morreu?

��� Receio que sim, senhora. ��� N��o havia a menor emo����o na voz do

sr. Alvares. ��� Foi tudo muito r��pido. N��o pudemos fazer absolutamente

nada.

��� N��o! N��o acredito no senhor! Como �� poss��vel que ele esteja

morto? Encontrava-se perfeitamente bem h�� uma hora! ��� Sua voz

aumentara de volume, enquanto falava, e Rachel levantou-se, encarando

toda aquela gente sem disfar��ar a agressividade. ��� O que foi que

aconteceu aqui? Por que ele morreu? O que lhe fizeram?

��� Ele era um homem mau!

A marquesa Joanna havia-se manifestado e Rachel voltou-se,

enfrentando-a. Estava ao lado de outra mulher, com certeza a sra.

Alvares, e que lhe dava o bra��o reconfortando-a. A marquesa parecia

doente, mas Rachel n��o conseguia sentir pena dela.

��� Como pode dizer uma coisa destas? A fam��lia Trevellyan acolheu-a

em sua casa... cuidou da senhora!

��� A senhora nada sabe a respeito deste assunto. Seu marido veio aqui

para... Se ele morreu, n��o deve culpar ningu��m, a n��o ser ele mesmo.

Rachel contemplou a todos: a marquesa, apoiada pesadamente na sra.

��lvares, ambas frias e desprovidas de sentimentos, inpenetr��veis em sua

silenciosa condena����o; Am��lia�� que parecia igualmente distante, mas

cujos tra��os calmos tra��am um tormento interior. Por qu��?

Olhou para Eduardo, percebendo o quanto ele se sentia atemorizado.

8 6

Sem d��vida antecipava a ira de Lu��s, quando descobrissem que ele tinha

sido o respons��vel pelo transporte de Malcolm e dela at�� a casa dos

��lvares. Olhou finalmente para Jorge ��lvares, a ��nica pessoa presente

que parecia estar preocupada com ela.

Rachel tremia e sentiu subitamente um calor sufocante. Mal conseguia

respirar. O ar estava t��o pesado que ela teve a impress��o de que poderia

cort��-lo com uma faca. Estava mergulhada em uma atmosfera hostil e

uma sensa����o irracional de p��nico apoderara-se dela. Era imposs��vel que

aquilo estivesse acontecendo! Malcolm n��o estava morto; vivia,

continuava exigente, agressivo. N��o era um corpo sem vida, frio e inerte!

Levou a m��o �� fronte e constatou que ela estava ��mida de suor.

Transpirava, mas por qu��? Sentia frio, muito frio. Sua respira����o se

acelerava e ignorava a raz��o. Ser�� que ningu��m ia dizer nada? Ningu��m

iria exprimir condol��ncias pela morte de um ser humano?

Olhou novamente para Jorge, cujos olhos estavam plenos de

compaix��o. Com um gesto de impot��ncia, Rachel tentou andar em

dire����o a ele, mas sentiu as pernas pesadas como chumbo. Recusavam-se

a obedec��-la. Seu p��nico aumentou. Um manto negro come��ava a cobrir

seu c��rebro. Era-lhe dif��cil pensar, mover-se, respirar...

Um solu��o alojou-se em sua garganta, mas n��o conseguiu solt��-lo. Em

vez disso, tombou, inconsciente, no lugar em que se encontrava.

87

CAP��TULO IX

A seq����ncia exata dos acontecimentos dos dias que se seguiram nunca

se tomou clara para Rachel. Encontrava-se consumida por um sentimento

de culpa, pois acreditava que, se tivesse entrado na casa dos Alvares com

Malcolm, nada daquilo teria acontecido. Censurava-se por t��-lo

abandonado e recusava-se a ouvir aquela voz interior a lembrar-lhe

continuamente que os motivos que haviam levado Malcolm at�� a casa dos

Alvares n��o eram l�� muito confess��veis. Era evidente que houvera entre

ele e a marquesa algum tipo de confronto. Ainda assim, era imposs��vel a

Rachel deixar de sentir-se culpada.

Havia momentos, �� claro, em que uma certa nostalgia parecia

apoderar-se dela. No entanto, quando recordava o modo como Malcolm

havia tratado seu pai e a ela mesma, a amargura alojava-se em seu peito.

Rachel recuperara a consci��ncia em um dos quartos da casa. Uma

criada estava sentada �� cabeceira da cama e Jorge Alvares rondava a

porta. Voltou a si pressentindo que algo de terr��vel havia acontecido, e

essa sensa����o aumentou no momento em que recordou totalmente o que

se sucedera.

Jorge explicou-lhe que havia entrado em contato com Lu��s e que ele

estava a caminho, a fim de tomar todas as provid��ncias poss��veis. Quando

ele chegou, Rachel j�� tinha se levantado. Estava p��lida, por��m

recomposta, mas mesmo assim dificilmente conseguia aceitar a situa����o.

Lu��s foi diretamente �� sala onde Rachel o esperava. A sra. Alvares

estava sentada a seu lado, mas era como se estivesse sozinha, pois ela n��o

abria a boca.

Rachel ignorava que explica����es haviam sido dadas a Lu��s, mas ele n��o

indagou as raz��es de sua presen��a na casa dos ��lvares, limitando-se a

perguntar como ela se sentia. Seus olhos tra��am certa preocupa����o, da

mesma forma como tinha acontecido com Jorge. N��o conseguia ignorar

aquela morte, a despeito do envolvimento de sua m��e em toda a hist��ria.

88

Ent��o ele se retirou e algo dentro de Rachel partiu-se. O que deveria

fazer? Como uma pessoa agiria em semelhantes circunst��ncias? O corpo

de Malcolm deveria ser transportado para a Inglaterra, a fim de que o

enterrassem l��? Procurou n��o pensar naquilo. Se pelo menos houvesse

algu��m com quem pudesse entrar em contato, talvez algum parente que

viesse at�� l�� e se encarregasse de tudo... Mas n��o havia ningu��m.

A sra. ��lvares continuava im��vel. Rachel jamais conhecera algu��m t��o

passiva. Em seu vestido negro de luto, apresentava-se irrepreens��vel, mas

seu rosto n��o deixava transparecer nenhuma express��o.

Bem que ela poderia dizer alguma coisa, pensou Rachel. Em

circunst��ncias semelhantes, gostaria de consolar a esposa desolada, e n��o

trat��-la como a uma criatura inoportuna. Ser�� que a fam��lia inteira era

assim? O sr. Alvares? Am��lia? Quando pensou em Jorge, sem que

esperasse, uma sensa����o de gratid��o aqueceu-lhe o peito. Ele n��o era

como os outros. Possu��a calor humano e compreens��o, bem como senso

de humor. Oh, sim, o senso de humor era t��o importante, at�� mesmo em

circunst��ncias t��o terr��veis como aquela! Voltou a contemplar os tra��os

impass��veis da sra. ��lvares e teve de fazer ura esfor��o enorme para n��o

rir. Que situa����o absurda aquela! N��o riam, n��o falavam, agiam como se

fossem dois cad��veres. Viviam. Por��m, quem estava morto era Malcolm,

r��gido e inerte, no outro quarto.

Deu uma risadinha, que ecoou no quarto silencioso. A sra. ��lvares

voltou a cabe��a e contemplou Rachel com um olhar de reprova����o.

Rachel voltou a rir e n��o conseguia mais parar. Aquilo era de fato

engra��ado... Muito, muito engra��ado...

A sra. ��lvares finalmente reagiu. Saiu correndo da sala, �� procura de

ajuda, e exatamente nesse momento Lu��s entrou. N��o pediu desculpas por

quase ter jogado a mulher ao ch��o, ao esbarrar nela, mas foi direto at��

Rachel e deu-lhe um sonoro tapa.

O ataque hist��rico terminou t��o rapidamente quanto havia come��ado e

ela o contemplou com uma express��o de dor.

��� Voc��... voc�� bateu em mim!

��� Foi preciso. ��� Lu��s olhou impacientemente �� sua volta e constatou

que a sra. ��lvares os vigiava. ��� Por favor, acalme-se! Partiremos daqui a

pouco.

��� Partiremos? Para onde?

��� Para a quinta, �� claro. J�� tomei quase todas as provid��ncias. Espere

mais alguns minutos.

��� E... Malcolm?

��� Fique tranq��ila... estamos cuidando de tudo... senhora!

Rachel tinha certeza de que ele havia se mostrado formal apenas para

89

impressionar bem a sra. ��lvares. Ela continuava a n��o tirar os olhos deles

e Rachel percebeu que em nenhum momento o tratara com a cerim��nia de

sempre. Agora n��o era a ocasi��o de lembrar-se daquelas circunst��ncias,

pois, afinal de contas, careciam de import��ncia. A morte de Malcolm

provara o quanto a vida pode ser transit��ria. O importante era perceber o

que estava acontecendo. Claro que teria de regressar �� Inglaterra e

precisava aceitar o fato de que, de agora em diante, teria de cuidar de si

mesma.

��� A senhora est�� bem?

Lu��s voltava a falar e Rachel fez que sim.

��� Claro, senhor marqu��s!

Lu��s contemplou-a longamente, com express��o enigm��tica, e ent��o,

sem dizer mais nada, retirou-se do quarto. Assim que ele saiu, a sra.

Alvares voltou a fechar a porta e sentou-se. Agora parecia disposta a

falar, pois disse:

��� Em breve estar�� de volta �� Inglaterra, senhora. S��m d��vida, isto a

deixar�� muito satisfeita.

Rachel hesitou. Ficaria de fato contente? Mas �� claro que sim! N��o

havia mais nada a fazer ali. A Inglaterra, pelo menos, era seu lar e, apesar de n��o ter parentes, possu��a bons amigos em Mawvry.

For��ando uma calma que estava longe de sentir, disse:

��� Espero partir dentro em breve, quem sabe amanh��.

��� Claro. Ainda �� jovem, senhora. Quem sabe voltar�� a casar...

��� N��o me parece prov��vel. Al��m do mais, n��o creio que seja o

momento ou o lugar apropriado para discutir semelhante assunto.

��� Por que n��o? �� preciso ser pr��tica e certamente a morte de seu

marido n��o constitui inteiramente uma surpresa. N��o era jovem e andava

muito doente, n��o?

Rachel levantou-se e andou impacientemente pelo quarto. N��o sentia o

menor desejo de conversar com aquela mulher fria. Como gostaria que

Lu��s voltasse logo!

��� Ainda bem que tudo aconteceu agora... Teria sido t��o desagrad��vel

se seu marido ainda estivesse aqui, por ocasi��o do casamento de Am��lia e

Lu��s! Isto poderia ter interferido nos planos deles e, afinal de contas, seu marido n��o era aparentado conosco, n��o �� mesmo?

��� Prefiro n��o discutir sobre a pessoa de meu marido com a senhora.

��� Por que n��o? Certamente sabe muito bem que sua presen��a na

quinta significava um grande constrangimento para a marquesa!

��� Pois, ent��o, ela n��o deveria ter convidado meu marido para vir

aqui!

90

��� N��o consigo imaginar por que ela o fez. Arrependeu-se no

momento em que formulou o convite.

Rachel estava a ponto de responder, quando a porta se abriu novamente

e Lu��s surgiu, declarando:

��� Venha! Vamos voltar imediatamente para a quinta.

��� J�� providenciou tudo, Lu��s? ��� indagou a sra. ��lvares,

levantando-se.

��� Creio que sim, dona Manuela.

��� Onde est�� Am��lia?

��� Penso que em seu quarto. N��o a vejo h�� meia hora.

��� Pretende v��-la antes de partir? ��� perguntou a sra. Alvares,

vagamente irritada.

��� Mas �� claro! Vamos, senhora?

Rachel compreendeu que ele se referia a ela e seguiu-o, sem dirigir

sequer uma palavra �� sra. Alvares. N��o tinha mais nada a lhe dizer.

A marquesa e Sara Ribeiro esperavam por eles no vest��bulo.

Obviamente retomavam �� quinta, pois a bagagem estava ao lado delas. A

marquesa encarou Rachel com frieza, parecendo ter retomado o controle

sobre si mesma.

L�� fora, o convers��vel azul estava sem ningu��m. Lu��s abriu a porta da

limusine verde que os trouxera do aeroporto havia duas semanas. Rachel

olhou �� sua volta. Onde estava o corpo de Malcolm?

��� A ag��ncia funer��ria est�� providenciando tudo, senhora ��� informou

Lu��s, como se adivinhasse seus pensamentos. ��� O corpo de seu marido

ir�� mais tarde para a quinta.

��� �� mesmo necess��rio, Lu��s? ��� indagou a marquesa, dando um

passo adiante. ��� N��o seria mais sensato tomar provid��ncias junto ao

aeroporto, tendo em vista o dia de amanh��?

��� Amanh��? ��� perguntou Lu��s. ��� O que acontecer�� amanh��?

Rachel sabia a que a marquesa se referia e tinha certeza de que o

mesmo ocorria a Lu��s. Ele, no entanto, n��o parecia disposto a facilitar as

coisas para a m��e.

��� Lu��s, voc�� sabe perfeitamente bem que a sra. Trevellyan voltar��

para a Inglaterra amanh��. Ela precisa tomar provid��ncias relativas ao

enterro. N��o pode dar-se ao luxo de desperdi��ar um dia sequer. Voc��

deve saber disto.

��� Ao contr��rio, mam��e, a sra. Trevellyan precisa de tempo para

decidir o que deve ser feito. N��o seria sensato mand��-la de volta amanh��.

��� E por que n��o? Tenho certeza de que Malcolm gostaria de ser

enterrado na Cornualha.

��� Ser�� que importa o lugar onde ele for enterrado? Mam��e, creio que

91

n��o devemos nos precipitar. Como sabe, a sra. Trevellyan sofreu um

choque terr��vel. N��o est�� em condi����es de providenciar um enterro.

��� Oh, creio que saberei me arranjar...

Rachel sentia-se desesperada. N��o queria envolver-se em uma

discuss��o entre a marquesa e o filho. A marquesa tinha raz��o; seria

melhor que ela partisse imediatamente, at�� mesmo naquela noite, se

poss��vel. Se bem que, no momento, a perspectiva de regressar ��quela

sombria casa tendo unicamente o cad��ver de Malcolm como companhia,

significava para ela algo terr��vel... Precisava recuperar o controle!

��� Est�� vendo, a sra. Trevellyan prefere voltar para casa... �� natural.

Sem d��vida possui parentes l��.

��� Ela n��o tem ningu��m, mam��e.

��� Como �� que voc�� sabe disso?

��� Seu marido me disse. Bem, n��o quer subir no carro, mam��e?

Rachel instalou-se no assento da frente, ao lado de Lu��s, ao passo que a

marquesa ocupou o banco de tr��s, juntamente com Sara Ribeiro.

Pouco antes de se retirarem, a atmosfera da casa era perturbadoramente

hostil. O sr. e a sra. ��lvares concordaram com a marquesa que era uma

insensatez transportar o corpo de Malcolm para a quinta e, quando Am��lia

apareceu, tinha aspecto abatido e tenso.

Rachel sentia-se muito mal em rela����o ��quilo tudo, mas Lu��s

recusou-se a ouvir suas obje����es. Resolvera assumir a situa����o e ela n��o

se sentia com for��as suficientes para contradiz��-lo.

Chegaram �� quinta no fim do dia e Rachel constatou que a fraqueza que

sentia devia-se em parte ao fato de n��o ter-se alimentado desde a manh��

daquele dia. A despeito de seu estado, a id��ia de comida lhe era

simplesmente intoler��vel.

Quando o carro entrou nos jardins da quinta, ela teve a estranha

sensa����o de que estava voltando para casa, o que, naquelas

circunst��ncias, era rid��culo. De qualquer modo, em breve estaria de volta

�� Inglaterra e n��o fazia sentido encarar a quinta como um ref��gio.

Assim que o carro parou, Rachel desceu, sem esperar a ajuda de

ningu��m, mas Lu��s auxiliou a marquesa a apear e ela subiu os degraus da

entrada com a altivez de sempre. Rachel ficou a pensar onde Eduardo

poderia estar e chegou �� conclus��o de que logo chegaria com o corpo de

Malcolm. Em breve chegaria tamb��m o caix��o que Lu��s providenciara e

ela sentiu-se alarmada. Ser�� que Malcolm havia feito um seguro,

prevendo semelhante acontecimento? Havia tantas coisas em que pensar

quando algu��m morria e sua cabe��a come��ava a doer, ao tentar pensar

com coer��ncia.

M��rio e Lu��sa l�� estavam, para dar as boas-vindas �� sua patroa, mas





92


Rachel permaneceu ao lado do carro, sentindo-se mal. Lu��s, que havia

come��ado a seguir os outros, voltou-se e perguntou:

��� O que est�� acontecendo?

Exprimia-se com tamanha gentileza que Rachel ficou desarmada.

Sacudiu a cabe��a e os olhos se encheram de l��grimas, que come��aram a

correr-lhe rosto abaixo. Tentou enxug��-las com a palma da m��o, mas ele

aproximou-se e viu o que ela estava fazendo.

��� Oh, Rachel, n��o chore... Vamos entrar.

Uma vez que ela havia iniciado, n��o era t��o f��cil assim parar. Tirou um

len��o da bolsa e levou-o aos olhos. Percebeu que a marquesa se voltava, a

fim de ver o que estava acontecendo, mas Lu��s, que havia passado um

bra��o em torno de seus ombros, encarou a m��e com impaci��ncia.

��� Lu��s... ��� come��ou a marquesa, mas ele sacudiu a cabe��a.

��� Agora n��o, mam��e.

��� Mas, Lu��s... ��� A marquesa parecia estar zangada.

��� Eu disse que agora n��o, mam��e ��� insistiu Lu��s, com energia,

acompanhando Rachel at�� seus aposentos.

Ela sentiu-se grata por ele n��o a ter levado at�� os aposentos de

Malcolm. Era cedo demais para ir l�� e iniciar a terr��vel tarefa de colocar

suas coisas nas malas.

Assim que chegaram, Lu��s afastou-se dela e ficou parado diante da

porta, sem dizer nada.

��� Voc�� est�� com fome... Pedirei a Rosa que lhe traga algo para

comer.

��� N��o, n��o fa��a isso... N��o sinto a menor fome.

��� Mas �� preciso alimentar-se! J�� est�� magra demais. N��o pode se

descuidar dessa maneira.

��� H�� muitos assuntos que precisamos discutir, entre eles a minha

viagem de volta.

��� Isso pode esperar...

��� N��o acho. N��o percebe? Agora tenho que me encarregar de tudo.

N��o existe mais ningu��m.

��� Na Inglaterra? J�� sei.

��� J�� disse isso antes? Como �� que sabe?

��� Seu marido me falou.

��� Malcolm? Mas por que ele haveria de dizer-lhe semelhante coisa?

��� Essas coisas ele revelou quando me explicava como veio a

despos��-la.

Rachel estremeceu, procurando livrar-se daquela sensa����o penosa que

sempre se apoderava dela, toda vez que pensava naquele momento t��o

dif��cil de sua vida.

93

��� Percebo... ��� Gostaria de perguntar-lhe exatamente o que Malcolm

dissera, �� guisa de explica����o, mas �� claro que n��o podia. ��� Bem, de

qualquer maneira n��o existe ningu��m...

��� Eu disse que n��o havia ningu��m na Inglaterra. Estou aqui...

��� O que quer dizer com isso?

��� Pode deixar que eu me encarregarei de tudo. Malcolm poder�� ser

enterrado aqui em Mendao. Poder�� voltar para a Inglaterra ap��s o funeral.

��� Oh, mas n��o posso fazer uma coisa destas...

��� Por que n��o?

��� Tenho que levar em considera����o o dinheiro... '

��� Isso n��o deve preocup��-la.

��� Mas �� claro que deve... Preciso ir para casa, procurar os advogados

de Malcolm, a fim de verificar o que deve ser feito...

��� Pode deixar isto para mais tarde.

Rachel andou inquieta pelo quarto, incapaz de sustentar aquele olhar

penetrante. Ajeitou os cabelos e parecia muito confusa.

��� Mas sua m��e...

��� Aqui quem manda sou eu, e n��o minha m��e.

��� Mas e os ��lvares? Am��lia...

��� Am��lia nada tem a ver com isso. Ela concordar�� comigo.

��� N��o... n��o sei o que fazer.

��� Pois ent��o deixe por minha conta.

��� Bem que eu gostaria!

��� Sabe que �� perfeitamente poss��vel...

��� Est�� bem, j�� que o afirma...

O mal-estar interior aumentava e o enj��o amea��ava tomar conta dela

por inteiro. Se ele n��o a deixasse imediatamente, ela se colocaria em uma

posi����o grotesca, vomitando diante dele.

��� Com... com licen��a...

Andou cegamente, em dire����o �� porta do banheiro, e Lu��s n��o fez

men����o de det��-la. Ouviu seus passos que se afastavam, enquanto se

apoiava de encontro aos frios azulejos da parede.

Quanto tempo levar��, pensou, desesperada, para come��ar a me sentir

novamente normal?

Malcolm foi enterrado na tarde do dia seguinte, no pequenino cemit��rio

ao lado da igrejinha da aldeia.

Foi um enterro cat��lico, embora Malcolm n��o houvesse pertencido a

essa religi��o. Como, por��m, n��o era filiado a nenhuma cren��a, Rachel

achou que ele n��o se importaria.

A despeito do inesperado da ocasi��o, a cerim��nia n��o foi t��o

94

insignificante como Rachel havia imaginado. Os ��lvares compareceram,

bem como os administradores de Lu��s, acompanhados de suas esposas,

al��m da marquesa e de Lu��s. E claro que o fato de o marqu��s participar

daquilo contava muito, o que explicava a presen��a de tanta gente.

Rachel ficou em d��vida sobre o que usar. N��o tinha nada preto em seu

guarda-roupa, mas Rosa veio em seu socorro.

��� Quer algo para o enterro, senhora?

��� Oh, sim, Rosa! N��o sabe onde posso comprar um vestido preto?

��� Aqui em Mendao �� imposs��vel, mas poderia emprestar-lhe um

vestido, se me permitir...

��� E mesmo? Oh, Rosa, que maravilha! Qualquer coisa serve. Uma

saia preta, um vestido... O que n��o posso �� usar cal��a comprida, n��o ��

mesmo?

��� N��o, senhora. Um momento. N��o demoro.

Quando Rosa voltou, trazia um vestido negro semelhante ao que usava

no momento. Rachel tirou o jeans e o su��ter e experimentou-o. Era

comprido demais, em compara����o com os vestidos que costumava usar e,

como Rosa tinha o corpo mais cheio, ficou um tanto folgado. No entanto,

era exatamente o que ela queria e Rachel n��o soube como exprimir sua

gratid��o.

O enterro seria no fim da tarde e Rachel dedicou algum tempo para

cuidar de sua apar��ncia. Queria que tudo fosse feito da melhor maneira

poss��vel e pelo menos uma vez na vida desejava apresentar-se de modo a

n��o receber cr��ticas.

Quando Lu��s veio �� sua procura, a fim de dizer-lhe que estava na hora

de partir, olhou, horrorizado, para aquele vestido deselegante e sem forma

e para o severo penteado que fizera.

Ele estava irrepreens��vel, em um terno negro e muito bem cortado, e

ela sentiu-se como a parente pobre.

��� Meu Deus! Mas o que foi que voc�� fez?

��� Pedi este vestido emprestado a Rosa. Que tal?

��� Mas ele nem lhe serve...

��� Eu sei, mas ele me... cobre, n��o �� mesmo?

��� De fato. Bem, vamos indo! Agora n��o h�� mais tempo para se

trocar. Minha m��e nos espera.

A express��o da marquesa, assim que viu Rachel, era indescrit��vel. Seus

olhos percorreram-na de alto a baixo e n��o fez o menor coment��rio.

Estava extremamente elegante, como seu filho, e a apar��ncia da jovem a

deixara chocada.

Felizmente para Rachel, a delicadeza da ocasi��o era suficiente para

desprov��-la de qualquer senso de humilha����o. S�� depois que o corpo de

9 5

Malcolm foi enterrado e eles voltaram para a quinta �� que ela voltou a

tomar consci��ncia de sua apar��ncia. Afastou-se de todos, apressando-se

em procurar ref��gio na intimidade de seus aposentos.

Ao passar pelos aposentos que Malcolm havia ocupado, cedeu a um

impulso moment��neo e, girando a ma��aneta da porta, entrou.

A despeito de tudo o que havia acontecido, era uma experi��ncia

estranha encontrar os aposentos vazios. Avan��ou pela sala e seus dedos

tocaram de leve o couro que recobria o sof��. Abriu uma das portas e

verificou que o p��tio estava vazio. A mob��lia de ferro batido tinha sido

retirada e havia em tudo certo ar de desola����o.

Um solu��o nasceu-lhe na garganta. A quinta j�� tinha banido todos os

tra��os da presen��a de Malcolm. Era como se ele nunca tivesse estado por

l�� e, muito em breve, os aposentos que ela ocupava estariam exatamente

assim.

��� Sra. Trevellyan!

Aquela voz era de todo inesperada. Voltou-se muito a contragosto e

enfrentou sua interlocutora.

��� Sim, senhora marquesa?

��� Posso lhe falar por um momento?

��� Se quiser...

��� Trata-se... trata-se de sua partida.

��� Sim?

��� J�� discutiu seus planos com meu filho?

��� Na verdade, ainda n��o fiz planos, senhora marquesa.

��� N��o acha que deve?

��� Sim, �� esta a minha inten����o. Acontece que... bem, foi tudo t��o

s��bito! Acho que ainda n��o aceitei a situa����o.

��� Oh, que bobagem! Deve ter planos para o futuro. Sabe que n��o

pode permanecer aqui.

��� Sei, sim. Talvez lhe interesse saber, senhora marquesa, que n��o

tenho a menor vontade de permanecer aqui!

��� Muito bem. Direi a meu filho que a senhora quer partir o mais

breve poss��vel.

��� Sim, diga, por favor. ��� Rachel enterrou as unhas na palma da

m��o.

��� Por falar nisso, os pertences de seu marido j�� foram colocados nas

malas, as quais estar��o �� sua disposi����o quando a senhora quiser.

��� Eu mesma poderia ter cuidado disso ��� comentou Rachel. N��o lhe

agradava que uma pessoa estranha tivesse tocado nas coisas de Malcolm.

��� Mais alguma coisa?

��� O que est�� acontecendo, mam��e?

9 6

Lu��s entrou no quarto e a marquesa voltou-se para ele com um leve

sorriso.

��� Nada, Lu��s. A sra. Trevellyan e eu convers��vamos sobre sua

partida.

��� E isso �� importante no momento? Valha-me Deus! Deixe esta mo��a

em paz! Acabamos de enterrar seu marido n��o faz uma hora!

��� Lu��s, voc�� tem consci��ncia de que faltam menos de oito semanas

para seu casamento? Sabe perfeitamente que ainda h�� muitas provid��ncias

a serem tomadas. Como pode agir com tamanho desleixo? Os Alvares j��

est��o come��ando a ficar preocupados com sua atitude...

��� Um dia a mais ou a menos n��o criar�� maiores dificuldades, mam��e.

Al��m do mais, tudo est�� sob controle e a senhora sabe perfeitamente

disso. Est�� simplesmente lan��ando m��o disto como um pretexto para...

��� Oh, por favor! ��� Rachel n��o queria ser motivo para mais

disc��rdias entre Lu��s e a marquesa. ��� Quero partir! Se for poss��vel,

gostaria de ir embora amanh��.

��� Ainda n��o est�� em condi����es de voltar �� Inglaterra, onde ter�� de

lidar com dezenas de detalhes finais. J�� entrei em contato com meu

advogado em Coimbra e ele est�� providenciando para enviar algu��m ��

Inglaterra. Essa pessoa se ocupar�� de seus neg��cios. Basta apenas dar-lhe

suas instru����es e todos os seus desejos ser��o satisfeitos.

��� E o que fa��o, enquanto isso?

��� Permanecer�� aqui, �� claro. Duas semanas de repouso e relaxamento

lhe far��o grande bem. Ent��o, e s�� ent��o, ter�� condi����es de tomar conta de

sua vida.

��� N��o! ��� A marquesa fitava o filho como se n��o acreditasse no que

acabava de ouvir. ��� N��o permitirei uma coisa destas!

��� N��o permitir��? ��� Lu��s encarava sua m��e com a maior frieza e

Rachel sentiu-se muito mal.

��� N��o precisa se preocupar, senhora marquesa. N��o pretendo ficar

aqui!

��� E por que n��o? ��� indagou Lu��s.

��� E o senhor ainda pergunta? Oh, saiam, os dois, por favor! Saiam e

deixem-me sozinha!

Lu��s n��o disfar��ava a emo����o que sentia e sua m��e, pela primeira vez

na vida, n��o sabia o que dizer. Rachel deu-lhes as costas. Era horr��vel ser

odiada por algu��m e tinha a sensa����o de que a marquesa sentia

exatamente isso em rela����o a ela. E por qu��? Porque ousara vir at�� ali

com Malcolm, atrevendo-se a perturbai'seus planos! Rachel ficaria muito

feliz em ir embora. Era melhor estar a s��s e ser independente do que

9 7

permanecer naquele lugar, onde sua presen��a criava conflitos t��o

evidentes.

��� Por que nos manda embora, senhora?

Agora era Lu��s quem se manifestava, duro e agressivo. Contemplava-a

fixamente, e Rachel sabia que, se sua m��e n��o estivesse presente, ele teria

dito muitas outras coisas.

��� Desculpe... Obrigada por sua oferta, mas preciso partir.

Lu��s olhou-a sem dizer nada durante alguns segundos. Depois retirou-se

da sala. Seguiu-se pesado sil��ncio e Rachel encarou a marquesa,

esperando que ela fizesse o mesmo. Ela, por��m, n��o se mexia.

��� Obrigada, senhora ��� disse a marquesa finalmente.

��� Obrigada por qu��?

��� Por recusar o convite de meu filho.

��� N��o �� preciso agradecer-me.

��� Mas agrade��o, sim. Poderia ter aceitado...

��� Acho que n��o. ��� Rachel desejava que ela se fosse. N��o queria

nada daquela mulher arrogante.

��� Se eu puder ajud��-la financeiramente... ��� disse a marquesa,

preparando-se para sair.

��� N��o, obrigada. N��o sou como Malcolm. N��o quero seu dinheiro!

��� Por que diz isso? ��� perguntou a marquesa, empalidecendo. ���

Minha oferta foi feita com a maior boa f��!

��� Ah, �� mesmo? Bem, tudo o que desejo agora �� ficar sozinha!

��� A senhora n��o... ��� A marquesa mordeu o l��bio inferior. ��� E... o

que far��?

��� Na Inglaterra? Ainda n��o sei. Pintarei, talvez. Quem sabe? Pode ser

que acabe alcan��ando algum sucesso.

��� Se quiser enviar-me algumas de suas telas, verei como poderei

ajud��-la...

��� E por que haveria de querer fazer semelhante coisa? Bem, de

qualquer modo, n��o desejo sua ajuda. N��o vejo como isso possa ser feito.

��� Percebo...

��� E agora, se n��o tiver mais nada a me dizer, quero ficar sozinha.

Preciso arrumar minhas coisas.

A marquesa retirou-se. Seus ombros arriaram e ela parecia ter sido

derrotada. Rachel n��o conseguia entender por qu��. Estava agindo

conforme ela desejava. Foi at�� a porta e viu a velha senhora afastar-se

lentamente corredor afora.

Quanto mais depressa eu deixar a quinta, melhor!, pensou.

No entanto, a despeito de sua convic����o, a perspectiva de regressar ��

Inglaterra e nunca mais ver Lu��s era simplesmente desoladora...

9 8

CAP��TULO X

Rachel regressou �� Inglaterra no dia que se seguiu ao enterro de

Malcolm.

Recusou-se a ouvir Lu��s, quando ele apelou mais uma vez para que ela

permanecesse em Mendao, enquanto um procurador cuidava de seus

neg��cios. N��o conseguiu, entretanto, impedi-lo de dar instru����es a seus

advogados, a fim de que eles cuidassem de todos os detalhes legais.

Para grande al��vio da marquesa, segundo pareceu a Rachel, deixou para

tr��s o esplendor da quinta e viajou de volta para a casa soturna, sobre os

rochedos, na qual Malcolm Trevellyan havia passado a maior parte de sua

vida de adulto.

Na esta����o, tomou um t��xi para Mawvry, e, quando o chofer partiu,

deixando-a juntamente com a bagagem diante da porta de entrada, ela

sentiu-se mais solit��ria do que nunca.

A consci��ncia de que agora era a ��nica respons��vel por sua vida

deu-lhe a for��a para executar o que precisava ser feito. Seu desejo inicial

de trancar a casa e mudar-se para a hospedaria da aldeia foi posto de lado

por raz��es econ��micas. Percebeu que, muito provavelmente, a casa teria

de ser vendida em breve. N��o tinha a menor id��ia das d��vidas que

Malcolm acaso havia deixado e precisava tamb��m levar em considera����o

as despesas com o enterro.

Mesmo assim, aquilo era um verdadeiro mausol��u e as primeiras noites

foram povoadas por terr��veis pesadelos, nos quais seu falecido marido era

o personagem central. Acordava molhada de suor para verificar que tudo

estava calmo e em paz, mas, mesmo assim, n��o conseguia voltar a

dormir.

99

Claro que Lu��s era respons��vel por boa parte daquela ins��nia...

Pensava nele com demasiada freq����ncia e sentia-se aliviada por ter tido o

bom senso de partir de Mendao antes que algo desastroso acabasse

acontecendo.

Jamais se iludiu, achando que Lu��s seria capaz de romper o noivado

com Am��lia por sua causa. Ao contr��rio, sabia que, para ele, agir de tal

maneira significava ir de encontro a todas as normas da sociedade na qual

vivia. Ele, no entanto, sentia-se atra��do por ela, conforme era de seu

conhecimento, e Rachel temia cair na tenta����o de aceitar qualquer

migalha de amor que Lu��s pudesse lhe oferecer.

Os moradores da aldeia foram muito gentis. Rachel percebeu que, para

eles, a morte de Malcolm foi um al��vio, sob v��rios aspectos, pois sabiam

que ela jamais os trataria como ele fizera. Ao mesmo tempo, ela ignorava

o que iria acontecer e sentiu-se um tanto constrangida em tomar o lugar

do marido. No fundo, n��o queria aquela casa e nem o dinheiro dele.

Come��ou a pensar em como conseguir um lugar que lhe pertencesse e em

ganhar a pr��pria vida.

Levou v��rios dias at�� sentir-se em condi����es de examinar os pap��is de

Malcolm.

No dia em que voltara �� Inglaterra, entrara em contato com os

advogados de Malcolm, dando-lhes os nomes de Valmez e Franca,

advogados de Lu��s. Explicou-lhes que eles lidariam com todos os detalhes

legais e, depois disso, sentiu-se imensamente aliviada.

Examinar o conte��do da pequena caixa que Malcolm sempre mantinha

trancada no guarda-roupa era algo que somente ela poderia fazer. Mais

cedo ou mais tarde, os advogados de seu marido haveriam de querer saber

o que havia dentro dela.

N��o sabia por que sentia tamanha avers��o em examinar os documentos

de Malcolm. Afinal de contas, n��o passavam de folhas de papel. N��o

poderia existir nada de valioso ali. Os advogados j�� lhe haviam

comunicado que o testamento dele estava em poder deles, al��m do pouco

dinheiro que havia no banco.

Assim que abriu a caixa, ficou extremamente surpreendida, pois estava

cheia de cartas e pap��is.

Logo percebeu tratar-se das cartas que Malcolm recebia periodicamente

de Joanna Martins. Eram muitas, mas Rachel n��o sentia o menor desejo

de ler o que a marquesa havia escrito.

Em vez disso, preferiu examinar os demais pap��is. L�� estavam a

certid��o de nascimento de Malcolm e a certid��o de casamento deles,

algumas fotografias antigas, ap��lices de seguro e alguns pap��is com o

nome de Elizabeth Trevellyan, m��e de Malcolm. Pelo visto, n��o havia

100

nada de importante e Rachel n��o quis seguir adiante. Estava para fechar a

caixa novamente quando percebeu outra certid��o misturada aos pap��is que

traziam o nome da m��e de Malcolm.

Examinou-a com curiosidade, achando que fosse a certid��o de

nascimento ou de casamento de Elizabeth Trevellyan. Era, de fato, uma

certid��o de nascimento, mas com o nome de Joanna Portreath.

Rachel ficou surpreendida. Da certid��o constava o nome da m��e,

Rosemary Portreath, mas o nome do pai era desconhecido. A data de

nascimento era 17 de agosto de 1914.

Rachel levantou-se e contemplou a certid��o com grande espanto.

Tratava-se, sem d��vida, da certid��o de nascimento de Joanna Martins!

Permaneceu durante alguns minutos a contemplar o peda��o de papel,

tentando compreender com clareza o que aquilo significava. Precisava

descobrir quem era Rosemary Portreath.

Ajoelhando-se novamente, voltou a examinar os pap��is. Verificou, com

impaci��ncia, velhas ap��lices de seguro, certid��es e fotografias que n��o

lhe diziam absolutamente nada.

De repente, descobriu aquilo que procurava, mesmo sem o saber: a

certid��o de nascimento da m��e de Malcolm. L�� estava: Elizabeth, filha de

Amos e Naomi Portreath. Rosemary Portreath deveria ter sido irm�� de

Elizabeth.

Rachel refletiu sobre o assunto. Se Rosemary era irm�� de Elizabeth,

ent��o Joanna e Malcolm eram primos. Sentiu-se intrigada. Malcolm

dissera que Joanna era ��rf�� e que seus pais haviam-na criado. Mesmo

assim, existia uma l��gica em tudo aquilo. Joanna, ao perder a m��e,

tornara-se ��rf��, pois seus pais n��o haviam se casado; ela, na verdade, n��o

tinha pai!

Rachel prendeu a respira����o. Agora come��ava a entender. Aquela

certid��o de nascimento era o la��o que unia Malcolm a Joanna, aquilo que

havia colorido o relacionamento deles.

Mas por qu��? Que uso Malcolm daria a um documento t��o antigo? Que

raz��es o teriam levado a guard��-lo durante tanto tempo? Era, com certeza,

algo que pertencia a Joanna.

Mordeu com for��a o l��bio inferior. �� claro que as respostas, ali��s

inevit��veis, logo se apresentaram. Malcolm, com toda certeza, n��o

deixara de recorrer �� chantagem.- A revela����o contida naqueles

documentos era explosiva!

Pensou na marquesa, sempre t��o severa e correta; n��o conseguia

imaginar o horror que ela sentiria diante da perspectiva de que algu��m

revelasse a ilegitimidade de seu nascimento.

Quanto mais Rachel pensava no assunto, mais convencida ficava de

101

que tinha raz��o. Agora percebia que muitas coisas se encaixavam, e uma

delas era a acolhida que tinham tido na Quinta dos Martins.

Ser�� que Lu��s sabia de tudo aquilo? Duvidava, pois n��o lhe parecia que

ele se submeteria a amea��as com a mesma facilidade de sua m��e, se �� que

isso tinha realmente acontecido.

Andou inquieta pelo quarto. H�� quanto tempo Malcolm estava a par do

segredo do nascimento de sua prima? H�� quanto tempo a certid��o de

nascimento estava em suas m��os? N��o era poss��vel que a estivesse

chantageando durante quarenta anos!

Pondo o certificado de lado, Rachel ajoelhou-se e come��ou a retirar

todas as cartas de dentro da caixa. A maior parte delas ainda estava dentro-

de seus envelopes e ela conseguiu distinguir os carimbos com as datas em

algumas. A mais antiga delas datava de uns quatro anos. A m��e de

Malcolm havia morrido mais ou menos naquela ��poca. As coisas se

encaixavam. Foi talvez naquele momento que a certid��o de nascimento

caiu nas m��os dele.

Rachel p��s as cartas de lado, como se elas queimassem suas m��os.

Muitas coisas come��avam a fazer sentido, uma delas era a atitude da

marquesa no dia do enterro. Sua oferta de ajuda assumia agora uma

conota����o diferente. Com que express��o a olhara, quando Rachel

declarara que n��o era parecida com Malcolm! Ser�� que imaginava que ela

estava a par da deslealdade do marido?

Rachel sentiu-se mal. Tudo aquilo a perturbava intensamente, mas o

que podia fazer?

De repente, viu algo negro no fundo da caixa... Era um tal��o de

cheques. Examinou-o com curiosidade. Achava que Malcolm tinha

dinheiro depositado em um ��nico banco, mas, pelo visto, estava

enganada.

Abriu o tal��o com dedos tr��mulos e o que viu deixou-a horrorizada.

Longe de ter pouco dinheiro, conforme vivia apregoando, o conte��do do

tal��o revelava que Malcolm tinha em dep��sito mais de dez mil libras. Dez

mil libras! Como era poss��vel semelhante coisa?

Examinou atentamente o tal��o e tudo tornou-se claro. Havia dep��sitos

regulares de 300 libras por m��s, feitos em um per��odo de tr��s anos.

N��o sabia mais o que pensar. Ent��o, aquele era o homem que havia

fingido sentir afeto pela marquesa, que tinha se insinuado em sua casa

quando achara que a oportunidade de extorquir-lhe ainda mais dinheiro

parecia estar chegando ao fim!

Levantou-se novamente e soltou um suspiro profundo. Precisava de

uma x��cara de ch��, qualquer coisa que tirasse de sua boca aquele terr��vel

gosto de chantagem.

102

Enquanto tomava o l��quido quente, tentou colocar um pouco de ordem

em seus pensamentos. E agora? O que faria? Se enviasse a certid��o ��

marquesa, isso a livraria de toda a culpa? E como fazer para transferir

para fora do pa��s uma quantia t��o grande? Era exatamente isto o que

deveria fazer. O dinheiro pertencia �� marquesa e Rachel n��o tinha nada a

ver com aquilo.

Suspirou. Se pelo menos houvesse algu��m a quem pudesse se dirigir,

algu��m com quem pudesse discutir os aspectos negativos daquela

situa����o... Mas n��o havia ningu��m. Se comunicasse suas suspeitas aos

advogados, talvez a coisa fosse levada aos tribunais e a ��ltima coisa que

desejava era publicidade. A marquesa tinha sofrido durante todos aqueles

anos, temendo ser exposta. Revelar tudo agora significaria que todos os

anos de ang��stia tinham sido em v��o. N��o, Rachel n��o poderia fazer

semelhante coisa, nem mesmo para com a mulher que a havia tratado com

tamanho desprezo! E talvez sua conduta fosse at�� certo ponto justificada,

na medida em que acreditava que Rachel talvez fizesse parte daquela

conspira����o...

Ainda era cedo. Rachel p��s um casaco e foi dar uma volta pelos

rochedos. Precisava afastar-se da casa e da influ��ncia nefasta de seu

falecido marido, de maneira a conseguir pensar seriamente no que deveria

fazer.

A tarde estava bela, fresca e agrad��vel e viam-se apenas algumas

nuvens no horizonte. A primavera chegava e tudo vibrava com uma vida

nova. Era a ��poca do ano que Rachel mais apreciava e pensou, com s��bita

saudade, em suas telas e pinc��is. Tinha a impress��o de que se haviam

passado anos, e n��o semanas, desde que se entregara pela ��ltima vez ��

alegria que a pintura lhe proporcionava.

Quando finalmente voltou para casa, j�� era noite. Colocou tudo de

volta na caixa e trancou-a no guarda-roupa. Desceu para o primeiro andar

e respirou profundamente. Decidiu-se a esquecer aquele assunto no

momento. Se n��o fosse pela certid��o de nascimento, jamais teria ficado

sabendo a verdade e tinha certeza de que nenhum advogado sabia da

exist��ncia da caixa.

Os neg��cios de Malcolm levaram algum tempo para ser colocados em

ordem, mas Rachel n��o se importou. Disseram-lhe que a casa lhe

pertenceria, mas havia muito pouco dinheiro e ela duvidava que tivesse

meios de mant��-la. As casas que Malcolm possu��a na aldeia

proporcionavam renda muito pequena, e, como ele se recusara a

consert��-las, n��o tivera condi����es de aumentar o aluguel. Rachel n��o

103

tinha como reform��-las. Recusou-se a recorrer ao dinheiro depositado no

banco, produto da chantagem de Malcolm.

As casas foram vendidas para os inquilinos, e algumas delas por um

quarto do seu valor. Os advogados acharam que ela estava doida, mas

Rachel achou que era o m��nimo que podia fazer por gente que, durante

anos, tivera de sofrer as conseq����ncias da mesquinharia de Malcolm.

Recome��ou a pintar, e, apesar de sentir algumas vezes dificuldade em

se concentrar, aquilo lhe proporcionava o al��vio de que tanto necessitava.

Os dias se sucederam e o tempo come��ou a esquentar. Os turistas

apareceram em Mawvry e Rachel deixou o isolamento da casa nos

rochedos, freq��entando seus amigos da aldeia. Come��ava a sentir-se

novamente normal e o desejo de ver Lu��s transformara-se em uma dor

surda, que se aninhara no fundo de seu peito.

De vez em quando despertava de madrugada e via-se calculando

quantas semanas faltavam para o casamento dele. Fazia o poss��vel para

sentir-se fisicamente exausta, quando ia dormir, e normalmente dormia

com muita rapidez.

Achou que estava emagrecendo, e isso de vez em quando a perturbava.

Desde seu casamento com Malcolm, nunca havia recuperado o antigo

peso, mas, agora, seus ossos surgiam por entre a pele queimada e os

pulsos tinham apar��ncia fr��gil.

Certa manh��, inesperadamente, recebeu uma carta.

Examinou-a sem maior interesse, achando que era do advogado, mas

verificou que tinha selos portugueses.

Imediatamente seu cora����o come��ou a bater forte e as pernas tremeram.

Levou a carta para a cozinha e p��s uma chaleira no fogo antes de abri-la.

A carta era da marquesa. Entre as p��ginas havia um cheque, que caiu ao

ch��o.

" M i n h a cara sra. Trevellyan, junto a esta segue um pequeno presente, que, tenho certeza, a senhora usar�� da melhor maneira poss��vel. Aceite-o

como prova de considera����o. Sinceramente, Joanna Martins."

Rachel abaixou-se e pegou o cheque com certo desprezo. Afinal de

contas, o que significava aquilo? Por que haveria a marquesa de

demonstrar gratid��o? Teria de devolv��-lo, pois n��o queria absolutamente

nada da marquesa.

Preparou o ch��, automaticamente, tentando entender por que a

marquesa havia julgado necess��rio enviar-lhe o dinheiro. Ent��o, tudo

pareceu ficar claro. A marquesa havia esperado not��cias dela. N��o

acreditara, quando Rachel declarara que n��o era como Malcolm. Durante

todo aquele tempo, a velha senhora devia ter ficado �� espera de que ela

solicitasse dinheiro e, como isto n��o acontecesse, imaginou que Rachel

104

desejava p��r um ponto final na situa����o. O cheque, na verdade,

representava uma atitude definitiva.

Voltou a contemplar o cheque. De vez em quando sentia ��mpetos de

rasg��-lo em mil peda��os, mas queria devolv��-lo intacto �� marquesa.

N��o conseguiu fazer mais nada durante o resto da manh��. A carta da

marquesa havia renovado suas preocupa����es sobre a certid��o de

nascimento e o tal��o de cheques. N��o podia mais fingir que eles n��o

estavam l��. Precisava tomar uma atitude, mas qual?

Finalmente decidiu o que fazer. Sua resolu����o implicava em regressar a

Portugal, enfrentar novamente a marquesa, mas, pelo menos assim,

resolveria todos os assuntos de uma vez. E se visse Lu��s... bem, depois

daquelas semanas de separa����o, voltara a acalmar-se e poderia enfrent��-lo

cheia de seguran��a.

Rachel voou para Portugal no fim da semana seguinte. Quando chegou

a Lisboa, teve de providenciar um carro que a levasse at�� Mendao e,

como n��o havia um t��xi dispon��vel at�� o dia seguinte, resolveu passar a

noite no hotel do aeroporto.

Chegou �� quinta por volta das onze e meia, sentindo-se acalorada e

totalmente despreparada para enfrentar a presen��a intimidante da

marquesa.

Mandou o chofer parar na tabuleta onde se lia "Entrada Proibida" e foi caminhando .at�� a casa. Era impressionante como a mem��ria n��o a

abandonava. Lembrava-se dos menores detalhes e um arrepio

percorreu-lhe a espinha.

Lu��sa, a governanta, atendeu �� porta e contemplou-a sem disfar��ar o,

espanto.

��� Sra. Trevellyan! O que est�� fazendo aqui?

��� Vim ver a senhora marquesa, Lu��sa. Ela est�� em casa?

��� Sim, senhora, s�� que n��o est�� passando muito bem.

��� Por qu��? O que aconteceu com ela?

Lu��sa percebeu que estava deixando uma visita parada na escada, e,

dando um passo atr��s, convidou Rachel para entrar. Era um al��vio sair

daquele sol t��o quente e a jovem sentiu-se refrescada.

��� Mas o que est�� havendo com a marquesa?

��� Mas ent��o a senhora n��o sabe?

��� Mas como poderia saber?

��� N��o sei, senhora.

��� O que est�� acontecendo? Lu��sa, com quem voc�� est�� falando?

Rachel teria reconhecido a voz da marquesa onde quer que se

encontrasse. Durante um breve momento, arrependeu-se por ter vindo.

105

��� �� a sra. Trevellyan, senhora marquesa! ��� explicou a governanta,

muito agitada.

A marquesa desceu a escada lentamente, apoiando-se no corrim��o.

Parecia p��lida e preocupada e, ao ver Rachel,, seu rosto contorceu-se de

dor. Dirigindo-se a Lu��sa com muito pouca naturalidade, ordenou:

��� Pode deixar-nos.

Lu��sa retirou-se, demonstrando n��o estar nem um pouco contente em

deixar a patroa com aquela visita inesperada. Assim que ela fechou a

porta, a marquesa voltou a se manifestar.

��� Muito bem, minha senhora. Veio aqui regozijar-se?

��� Regozijar-me, senhora marquesa?

��� Sim, regozijar-se! Creio que �� a palavra mais apropriada para seu

comportamento!

��� Acho que n��o estou entendendo aonde quer chegar, senhora

marquesa!

��� �� mesmo? Pois tenho certeza de que entende, sim, mas �� esperta

demais para deixar transparecer. Est�� sozinha?

�� claro que estava sozinha! Por que n��o deveria estar? Quem haveria de

acompanh��-la? Sentiu-se confusa. O que estaria acontecendo com a

marquesa? Aquela conversa a estava deixando confusa.

��� Sim, estou sozinha, senhora marquesa. Lu��sa disse-me que a

senhora n��o tem passado bem.

A marquesa desceu os ��ltimos degraus. Usava um vestido longo, mas

seus cabelos tinham perdido a eleg��ncia de sempre e havia nela algo

digno de piedade. Rachel sacudiu a cabe��a. Era a ��ltima palavra que

esperaria usar para descrever aquela mulherzinha t��o altiva.

��� Venha. N��o podemos conversar aqui. Iremos at�� o sal��o.

Aquela parte da casa estava mergulhada na penumbra. Rachel

constatou, com certa resigna����o, que todos os momentos importantes de

sua vida aconteciam entre as quatro paredes do sal��o da quinta.

A marquesa parecia cansada. Dirigiu-se a uma das cadeiras de espaldar

alto e largou o corpo, Rachel ficou de p�� diante dela, desejando poder

fazer algo para ajud��-la, mas ainda sem saber o que estava acontecendo.

��� Muito bem. Por que voltou? J�� n��o basta tudo o que fez?

Rachel ignorou as insinua����es contidas nas palavras da marquesa.

Abriu a bolsa e retirou a carta que ela lhe enviara dez dias antes. Deu um

passo adiante e colocou a carta e o cheque em seu colo.

A marquesa ficou muito surpreendida, indagando:

��� Por que os devolve?

Estava mais p��lida do que antes, seus dedos tremiam e Rachel sentiu-se

muito perturbada com aquela rea����o.





106


Sem saber o que dizer, tirou da bolsa a certid��o de nascimento de

Joanna Portreath. Entregou-a �� marquesa, juntamente com o tal��o de

cheques de Malcolm.

Durante alguns minutos pairou profundo sil��ncio. A marquesa abriu o

velho documento e leu-o em sil��ncio. Fez o mesmo em rela����o ao tal��o

de cheques. Depois de examin��-los, colocou-os sobre o colo e

permaneceu quieta, contemplando-os sem dizer nada.

Rachel ficou ainda mais ansiosa. O que estava acontecendo? Era

evidente que Joanna percebia que aqueles documentos eram originais.

Ocorreu-lhe um pensamento: claro que a certid��o era original, mas, a

exemplo do negativo de um filme, outras c��pias poderiam ser impressas.

��� Senhora marquesa...

��� Por que trouxe esses pap��is? N��o precisava de provas para saber da

exist��ncia de semelhante documento.

��� N��o compreende, senhora marquesa...

��� Compreendo, sim. O cheque que lhe enviei n��o era suficiente.

Claro que, sendo uma mulher jovem, suas necessidades s��o maiores do

que as de um homem de meia-idade...

��� N��o! ��� exclamou Rachel, horrorizada. ��� N��o foi por isso que

vim!

��� Mas ent��o, o que est�� fazendo aqui? Se n��o foi para aumentar suas

exig��ncias...

��� Minhas exig��ncias? Mas eu n��o tinha conhecimento dessa hist��ria!

Descobri tudo por acaso, quando examinava os pap��is de Malcolm!

��� Pois ent��o repito: o que est�� fazendo aqui? Foi Lu��s quem a enviou?

��� Lu��s? N��o, claro que n��o! N��o lhe revelei este assunto.

��� Ah, sei. Ent��o deve ter dito a ele que vinha tentar uma

reconcilia����o?

��� Uma reconcilia����o?! ��� Rachel sentia-se cada vez mais perdida e

confusa. ��� Mas a que a senhora est�� se referindo?

��� Compreendo que n��o estou sendo muito coerente, mas vamos

deixar de teatro! ��� declarou a marquesa, tr��mula. ��� Est�� me dizendo

que Lu��s n��o a enviou e que ele nada sabe a este respeito? Ent��o, por que

est�� aqui?

��� Vim devolver a certid��o e o dinheiro.

��� E �� claro que a presen��a de Lu��s nada tem a ver com esta s��bita

tomada de consci��ncia!

��� A presen��a de Lu��s? Mas n��o o vi! Como seria poss��vel? Cheguei a

Portugal ontem �� tarde!

��� Chegou a Portugal ontem?

��� Exatamente.

107

��� E n��o viu Lu��s? Como posso acreditar nisso?

��� Mas �� verdade! N��o minto e n��o quero seu dinheiro! Sou forte,

posso trabalhar. N��o preciso desse tipo de apoio.

��� Se pelo menos pudesse acreditar no que est�� me afirmando!

��� Mas pode, sim! E por que isso �� t��o importante assim para a

senhora?

��� Porque Lu��s partiu para a Inglaterra h�� dois dias, a fim de

encontr��-la!

108

CAP��TULO XI

Agora era Rachel que se sentia fraca com tontura. Agarrou no encosto

da cadeira, pois as pernas n��o conseguiam sustent��-la. Havia deixado o

hotel bem cedo e o calor, durante a viagem, tinha sido intoler��vel. N��o,

tudo aquilo era efeito da temperatura! Era imposs��vel que a marquesa

tivesse dito aquelas palavras!

��� Eu... eu... ��� N��o conseguiu prosseguir. A marquesa veio para

junto dela, obrigando-a a sentar-se, ap��s o que, pressionou a cabe��a de

Rachel de encontro aos joelhos.

��� Acalme-se! Lu��sa, Lu��sa! Venha c��!

A governanta surgiu t��o rapidamente que Rachel desconfiou que ela

estivera ouvindo a conversa, a fim de certificar-se de que nada de mal

poderia acontecer com sua patroa.

��� Dona Rachel n��o est�� se sentindo bem. Traga-nos caf�� e alguns

sandu��ches, r��pido!

��� Sim, senhora.

Lu��sa olhou assustada para Rachel e se retirou. Ao voltar com uma

bandeja, alguns minutos mais tarde, a jovem reclinara a cabe��a sobre uma

almofada e a marquesa estava sentada junto dela.

��� A senhora ficar�� para o almo��o? ��� perguntou Lu��sa, colocando a

bandeja sobre uma mesinha.

��� Claro que sim, Lu��sa! Acho melhor preparar-lhe um quarto. A

senhora passar�� a noite aqui.

Rachel sentia-se fraca demais para protestar e Lu��sa preparou-se para

cumprir o que lhe tinha sido ordenado.

��� Lu��sa, prepare um quarto no primeiro andar, ouviu?

109

��� Sem d��vida, senhora marquesa.

Depois que a governanta se retirou, a marquesa serviu o caf�� com m��o

surpreendentemente firme e entregou a x��cara a Rachel. Esta a pegou sem

disfar��ar o nervosismo, receando derrub��-la.

��� Coma um sandu��che.

��� N��o, obrigada. Acho que n��o consigo.

��� Que bobagem! �� claro que consegue! �� jovem, al��m do que, est��

muito magra.

O sandu��che estava t��o delicioso que Rachel n��o resistiu �� tenta����o e

acabou comendo mais dois, acompanhados do saboroso caf��.

A marquesa sentou-se diante dela, contemplando-a e tomando o caf��

sem se apressar. Quando Rachel terminou, pegou sua x��cara, colocou-a

sobre a bandeja e cruzou as m��os.

��� Agora podemos conversar.

��� Sim, senhora marquesa. ��� Era a ��ltima coisa que Rachel sentia

vontade de fazer. ��� Sobre que assunto?

��� Em primeiro lugar, devo dizer que aceito sua palavra no que diz

respeito a Lu��s. N��o acredito que o tenha visto.

��� Quer dizer que ele est�� mesmo na Inglaterra?

��� Claro! Eu tamb��m n��o minto!

��� N��o, claro que n��o! Mas por qu��? O que est�� fazendo l��?

��� Falaremos disso daqui h�� pouco. Antes de mais nada, quero lhe

falar de seu marido.

��� N��o �� necess��rio.

��� ��, sim. Quando a m��e de Malcolm morreu, a certid��o caiu em suas

m��os. At�� ent��o, ningu��m conhecia a verdade.

��� Ningu��m sabia que a senhora era prima dele?

��� Exatamente. Minha m��e era irm�� da m��e dele, conforme j�� deve ter

adivinhado. Era uma jovem boa e generosa. Pouco antes da Primeira

Grande Guerra, apaixonou-se por um jovem que o pai dela n��o aceitava.

Ele era um homem como Malcolm: frio, cruel e insens��vel. Rosemary,

minha m��e, n��o conseguiu persuadi-lo a mudar de id��ia. Ent��o... ent��o

ela ficou gr��vida. Oh, n��o estou querendo desculp��-la. Ela n��o deveria ter

agido como agiu, mas era tarde demais para recrimina����es. Foi at�� o pai e

comunicou o que tinha acontecido. Ele ficou indignado e creio que

chegou at�� mesmo a bater nela. O rapaz e minha m��e planejaram fugir.

Nesse momento veio a guerra e ele teve de alistar-se no Ex��rcito, antes

que pudessem tomar qualquer provid��ncia. Depois de um m��s que se

encontrava na Fran��a foi morto e Rosemary viu-se completamente a s��s,

sem a menor esperan��a.

Rachel sentiu uma pena enorme daquela jovem. Podia muito bem

110

imaginar como tinha sido o av�� de Malcolm. Evocava a raiva que ele

sentira, ao descobrir que a filha desejava desposar algu��m que n��o

combinava com suas concep����es de como deveria ser um marido. Mais

tarde, ao descobrir que ela estava gr��vida...

��� Bem, ent��o eu nasci. Elizabeth, a m��e de Malcolm, j�� estava

casada, mas, pelo visto, n��o podia ter filhos. Ela e o marido concordaram

em tomar conta de mim. Ent��o Malcolm nasceu e o resto a senhora j��

sabe.

��� E sua m��e?

��� Morreu um ano depois que eu nasci. Disseram que foi de

tuberculose, mas nunca acreditei. Acho que ela n��o conseguiu suportar a

m��goa que sentia.

��� Que coisa terr��vel!

��� Sim. Acho que nunca pensei muito no fato de ser filha ileg��tima at��

o momento em que Malcolm descobriu. Escreveu-me cartas muito gentis

no in��cio. Achei que ele estava apenas querendo ser meu amigo. Ricardo,

meu marido, estava doente, e eu me sentia contente por ter algu��m a

quem revelar minhas ang��stias. Ent��o Malcolm come��ou a fazer

exig��ncias. Inicialmente eram de pouca import��ncia, pequenos

empr��stimos que o tirariam de situa����es dif��ceis. S�� bem mais tarde

comecei a perceber o que estava acontecendo.

��� Mas por que o convidou para vir a Mendao?

��� Convidei-o? Isto jamais aconteceu. Malcolm estava doente, como

bem sabe. Disse que precisava de repouso, a fim de se recuperar.

Declarou que, se permitisse que ele viesse passar uma breve temporada

aqui, desistiria de quaisquer outras exig��ncias em rela����o a mim.

��� E �� claro que n��o foi assim, n��o �� mesmo?

��� Oh, n��o, n��o! Tem raz��o. As coisas pioraram.

��� E ent��o a senhora foi de prop��sito para a casa dos Alvares...

��� Sim e n��o. Estava doente, excessivamente preocupada. Lu��s n��o

tinha o menor conhecimento do que se passava. Jamais me abri com quem

quer que fosse, nem mesmo com Ricardo.

��� Sei... E no dia em que Malcolm foi at�� a casa dos ��lvares? O que

aconteceu finalmente?

��� ��, foi um dia terr��vel...

��� N��o quer falar a respeito?

��� �� preciso que lhe conte. Malcolm foi at�� a sala onde Manuela e eu

costur��vamos. Fiquei horrorizada, ao v��-lo. Ele n��o poupou palavras.

Disse aos Alvares que eu era... uma bastarda! Eles mal podiam acreditar

no que ouviam. Achavam que Malcolm estava mentindo, mas a express��o

de meu rosto meu traiu. Houve uma discuss��o terr��vel. Cheguei a achar

111

que Carlos, o marido de Manuela, iria mat��-lo. Malcolm declarou que

aquilo era apenas o in��cio. Disse que fazia quest��o de que todo mundo

ficasse sabendo qual era a origem da marquesa de Mendao!

Rachel sentiu-se mal. Aquilo era mais terr��vel do que havia imaginado.

N��o sabia que o marido havia revelado tudo aos Alvares. N��o era de

admirar que a sra. Alvares a tivesse tratado com tamanho desprezo.

��� E ent��o... havia, �� claro, Lu��s...

��� O que aconteceu com Lu��s?

��� Malcolm declarou que Lu��s tinha um envolvimento com a senhora,

que ele lhe tinha feito uma proposta amorosa!

��� Oh, n��o!

Agora Rachel entendia por que Malcolm n��o levantara obje����es, nas

duas ocasi��es em que Lu��s viera procur��-la. Aquilo era uma arma

poderosa em suas m��os e ele poderia distorcer os fatos conforme sua

conveni��ncia.

��� Pois ��... E Am��lia ouviu tudo.

��� Mas �� claro que os Alvares n��o acreditaram nele!

��� N��o, creio que n��o, pelo menos no in��cio.

��� O que quer dizer com isso?

��� Nada, nada. Bem, a�� est��. Foi isso o que se passou. Malcolm foi

al��m dos limites; seu ataque card��aco foi breve, por��m fatal. Carlos

deitou-o no sof��, mas era tarde demais. Deve ter morrido

instantaneamente.

Rachel se levantou. Aquela hist��ria era inacredit��vel, mas tudo se

encaixava, tudo se tomara claro. Voltou-se para a marquesa.

��� Com que ent��o, Lu��s ficou sabendo a verdade!

��� Sim. Ficou zangado, muito zangado. Disse que eu devia ter

confiado nele desde o in��cio e que ele mesmo lidaria com Malcolm.

Duvido, por��m, que algu��m conseguisse dialogar com ele. Malcolm era

uma criatura absolutamente ego��sta.

��� E a senhora disse que Lu��s est�� na Inglaterra. Por qu��? Por qu��?

��� Queria descobrir at�� que ponto a senhora estava a par de toda essa

hist��ria.

��� E ele tinha conhecimento do cheque que a senhora me enviou?

��� Inicialmente, n��o, mas, quando descobriu, as coisas se

complicaram entre n��s.

��� Bem, j�� disse tudo o que precisava e a senhora foi muito bondosa

comigo, explicando a situa����o. N��o vejo necessidade de ficar. Vou voltar

para a Inglaterra.

��� Ao contr��rio. Ficar��, sim, pelo menos hoje �� noite. Nem me passa

112

pela cabe��a permitir seu retomo �� Inglaterra hoje. Al��m do mais, duvido

que consiga passagem. Os avi��es voam lotados nesta ��poca do ano.

��� Tenho certeza de que poderei dar um jeito.

��� N��o; ficar�� aqui. Lu��sa j�� est�� tomando as devidas provid��ncias.

Quer que ela gaste suas energias em v��o?

��� Acho que n��o...

��� Muito bem. ��� A marquesa parecia ter ficado aliviada. ��� Com

licen��a. Vou aprontar-me para o almo��o. Lu��sa a conduzir�� at�� seu

quarto. Talvez queira se arrumar, antes de sentar-se �� mesa.

Rachel passou a tarde inteira no quarto, confort��vel e at�� mesmo

suntuoso, mais suntuoso do que os aposentos ocupados por ela e Malcolm

no t��rreo. Era a parte da quinta reservada �� fam��lia e mobiliada com

conforto ainda maior.

O jantar foi servido em uma sala que poderia acomodar facilmente

trinta pessoas. A marquesa, toda vestida de negro, explicou que aquela

era a pequena sala de jantar, e Rachel n��o deixou de se divertir com a

informa����o. Que lugar enorme deveria ser a quinta! Qual seria a sensa����o

de ser a senhora de semelhante casa? A vivenda n��o deixava de ser grande

demais e um tanto impessoal. Se acaso voltasse a se casar, gostaria de

participar intensamente da dire����o do lar, o que significava muito mais do

que dar ordens a um batalh��o de criados. Sem d��vida Am��lia achava

aquilo muito natural e conforme a seus h��bitos.

��� Devem faltar duas ou tr��s semanas para o casamento, senhora

marquesa. Continuar�� a viver na quinta?

��� O casamento? Ah, sim, o casamento de Lu��s. Acho que n��o

continuarei morando aqui. A mulher dele ser�� a marquesa, e eu,

simplesmente a marquesa vi��va.

��� Ah, sei...

��� H�� uma casa pequena nas terras da quinta, muito apropriada para

uma vi��va. Sara e eu seremos muito felizes l��.

��� Ah, sim, a sra. Ribeiro! Onde �� que ela se encontra?

��� Est�� de visita �� sua m��e. Voltar�� na pr��xima semana. Sinto sua falta.

��� Imagino... ��� Rachel p��s a sopa de lado. O fato de falar sobre Lu��s

havia lhe tirado o apetite.

A refei����o se arrastava. A conversa era pouco freq��ente e

convencional. Sentiu-se aliviada, quando, terminada a refei����o, a

marquesa se desculpou, pretextando dor de cabe��a.

��� N��o se importa, senhora? N��s nos veremos pela manh��.

��� N��o, em absoluto, mas partirei amanh��.

��� �� claro, �� claro. Boa noite, senhora. At�� amanh��.

113

Rachel foi para a cama pouco ap��s as nove e meia, mas n��o conseguia

dormir. A quinta despertava nela muitas recorda����es, nem todas

desagrad��veis, e ficou a imaginar como seria tudo, quando Am��lia se

tornasse a senhora daquele lugar. Pensar em Am��lia como esposa de Lu��s

tornou-a inquieta. Incapaz de permanecer na cama sentindo tamanha

tens��o, levantou-se e foi at�� a varanda.

A camisola leve de algod��o agitou-se, diante da brisa suave que

soprava e ela sentiu-se muito melhor. Felizmente trouxera uma pequena

valise, para enfrentar qualquer emerg��ncia, mas n��o esperava passar a

noite na quinta.

Olhou para o p��tio. N��o havia lua e tudo se encontrava mergulhado na

escurid��o. De repente, percebeu que algo se movia.

Recuou, receando que a tivessem visto, mas n��o parecia prov��vel.

Mesmo assim ficou intrigada em saber quem poderia ser e tornou-se um

tanto apreensiva. Al��m dos criados, ela e a marquesa estavam sozinhas na

quinta e era pouco prov��vel que um dos empregados estivesse passeando

no escuro. De quem se trataria?

Espiou uma segunda vez. Talvez fosse um engano. Mas n��o... um

cigarro brilhava na escurid��o e ela arregalou os olhos, surpreendida. A

pessoa, pelo visto, n��o tinha medo de ser observada... Subitamente,

Rachel pensou em Lu��s!

Entrou no quarto, perturbada, e fechou a veneziana. Era imposs��vel que

fosse Lu��s... As palmas das m��os ficaram ��midas de suor. Tinha-se

resignado a n��o v��-lo, imaginava que aquele encontro penoso fora

evitado, mas, caso se tratasse dele, teria de enfrent��-lo pela manh��.

A afli����o aumentou. Sentiu um desejo rid��culo de fazer a mala,

vestir-se e partir imediatamente, sem esperar o dia nascer, mas �� claro que

n��o podia fazer semelhante coisa! N��o podia se meter pelas estradas no

meio da noite, e, al��m disso, sua atitude seria uma covardia. Seria melhor

enfrent��-lo e resolver a situa����o de uma vez por todas. N��o queria passar

o resto da vida imaginando se seus sentimentos por ele tinham sido apenas

o resultado de uma imagina����o demasiado f��rtil.

Suspirando, afastou-se da veneziana e, nesse momento, algu��m bateu ��

sua porta.

Seu cora����o disparou. Quem poderia ser ��quela hora da noite? Olhou

para o rel��gio: era quase meia-noite!

Bateram novamente e ela atravessou o quarto, encostando o ouvido ��

porta.

��� Quem... Quem ��?

��� Abra a porta, Rachel! ��� Era a voz de Lu��s! ��� Preciso lhe falar!

114

Rachel ficou gelada. Talvez fosse ele quem estivesse no p��tio, mas ela

amais sonharia que o marqu��s viesse at�� seu quarto. O que ele haveria de

querer? Como ousava bater �� sua porta, ��quela hora da noite? E se algum

criado o visse?

��� V�� embora, Lu��s. Podemos conversar pela manh��.

��� Agora, Rachel!

��� N��o. V�� embora, por favor! Estou cansada.

��� Eu a vi na varanda, Rachel. Voc�� n��o consegue dormir e nem eu.

��� Voc��... vai se retirar, Lu��s, ou terei de chamar os criados? ���

perguntou, toda tr��mula.

Percebeu que ele ficara profundamente irritado. A ma��aneta girou e

Lu��s for��ou-a, ignorando os esfor��os in��teis de Rachel a fim de impedi-lo

de entrar. Vendo que perdia a batalha, ela saiu correndo, agarrou um dos

len����is e passou-o em volta do corpo.

Ele entrou e fechou a porta, acendendo a luz. Encostou-se na porta,

encarando-a, sem disfar��ar a emo����o que sentia.

��� Oh, Rachel! Por que foi que veio?

Rachel n��o disse nada. Tremia tanto que ficou surpreendida ao

constatar que a coberta n��o ca��a. Encarou Lu��s e encheu-se de desespero.

Seus sentimentos n��o se haviam alterado: estava apaixonada por ele!

Lu��s usava cal��as e camisa preta e parecia mais magro. Havia ligeiras

rugas em torno de sua boca.

��� Sente medo de mim, Rachel?

��� N��o ��� ela respondeu, tentando acalmar-se, pois ficar nervosa n��o

serviria de nada. ��� N��o sinto medo de voc��, Lu��s.

��� Pois deveria sentir!

��� Por qu��? ��� indagou Rachel, empalidecendo. ��� N��o acredito que

voc�� seria capaz de me tocar. Poderia gritar e os criados acudiriam...

��� N��o �� minha inten����o toc��-la! Ao contr��rio, eu a acho

completamente... completamente...

Sacudiu a cabe��a e deu-lhe as costas, passando nervosamente as m��os

pelos cabelos. Rachel contemplava-o, sem entender o que estava

acontecendo, incapaz de compreender a ang��stia que ele parecia estar

sentindo.

Deu um passo adiante e tocou de leve em seu ombro. Percebeu que a

pele queimava, atrav��s do fino tecido da camisa.

��� Lu��s...

N��o estava preparada para o que aconteceu em seguida.

Ele voltou-se, com uma express��o de tortura estampada no rosto, e,

com um gemido, tomou-a nos bra��os. Rachel tinha estado pr��xima a ele

anteriormente, mas nunca como dessa vez. Sentia o calor perturbador

115

daquele corpo, que atravessava at�� mesmo o len��ol com que se protegia.

As m��os ��vidas puseram de lado a coberta, acariciando-lhe os ombros e

os seios.

��� Oh, Rachel! ��� ele murmurou selvagemente. ��� Seria capaz de

mat��-la!

��� Por que, Lu��s? ��� Inclinou-se e tocou os pulsos dele com os l��bios,

sem se importar com o fato de que aquela situa����o tomaria novos rumos.

��� O que foi que lhe fiz?

O toque de Lu��s afrouxou. Havia subitamente tamanha ternura em seu

rosto que os joelhos de Rachel amoleceram. Ele ent��o colou a boca �� dela

e todos os pensamentos coerentes terminaram ali mesmo. Suas m��os

acariciaram-lhe as costas e ele juntou o corpo ao de Rachel, tornando-a

consciente do quanto necessitava dela e destruindo-lhe as inten����es de

permanecer calma. Rachel abra��ou-o e encostou o mais que p��de seu

corpo ao dele.

Lu��s murmurava frases, entre um beijo e outro; enterrava o rosto na

base do pesco��o dela e em seus cabelos, acariciava seus l��bios e

apertava-a contra si.

Aos poucos, Rachel come��ou a dominar-se. N��o tinha a menor d��vida

de que Lu��s a desejava; ela tamb��m o desejava, amava-o, mas nem

mesmo por amor poderia tornar-se sua amante.

Solu��ando, afastou-se dele. Lu��s sentou-se na cama e enterrou o rosto

nas m��os.

��� Pelo amor de Deus, o que farei? ��� gemeu ele.

��� Acho melhor voc�� se retirar.

��� Sim, sim, �� claro, �� o que devo fazer. ��� Ele n��o se moveu,

entretanto.

��� Foi minha culpa, tanto quanto sua, Lu��s.

��� E voc�� acha que com isto a situa����o se modifica?

��� N��o sei. Nunca fiz esse tipo de coisa antes.

��� Acredito em voc��.

��� Estou cansada. Por favor, retire-se! ��� falou alto e firme

procurando ser dona da situa����o.

��� Por que voc�� agiu dessa forma, Rachel?

��� Como assim?

��� Por que veio at�� aqui. Uma carta n��o bastava?

��� N��o! Seria incapaz de abordar um assunto como este em uma carta.

��� Percebo. Por que ser��? Malcolm jamais teve esses escr��pulos. Ou,

quem sabe, voc�� gostaria de continuar nos explorando, conforme ele fez!

��� Mas de que voc�� est�� falando?

��� Isto n��o faz parte de seus planos?

116

��� Lu��s, a que voc�� est�� se referindo?

��� N��o adianta, Rachel. Voc�� chega tarde demais. J�� sei de toda a

verdade e os ��lvares tamb��m. A quem mais voc�� est�� querendo amea��ar

com suas revela����es?

Agora Rachel via aonde ele queria chegar e tremeu, indignada.

��� Como �� que voc�� ousa dirigir-se a mim nesse tom? Nunca fui t��o

insultada em toda a minha vida!

��� Por qu��? Os fatos s��o t��o inaceit��veis assim?

��� Voc�� n��o sabe o que diz! Se tivesse se dado ao trabalho de procurar

sua m��e, antes de vir falar comigo, teria sabido que hoje pela manh��

entreguei-lhe sua certid��o de nascimento e o tal��o de cheques pertencente

a Malcolm, e que continha todos os dep��sitos efetuados desde que... a

certid��o caiu nas m��os dele.

��� O qu��? ��� Lu��s a encarava com os olhos arregalados.

��� �� verdade! Oh, Lu��s, quem voc�� pensa que eu sou?

��� Quer dizer... que voc�� n��o era c��mplice dos planos s��rdidos de

Malcolm?

��� Claro que n��o! Por quem voc�� me toma? Oh, v�� embora, v��

embora e me deixe em paz! Volte para Am��lia! N��o precisa se preocupar,

n��o revelarei a ela este seu... momento de fraqueza!

Deu-lhe as costas, tentando n��o explodir em l��grimas na frente dele.

Sentia-se por demais humilhada e, al��m disso, a camisola de algod��o n��o

era o tipo do traje capaz de ajud��-la a manter uma postura digna, sem que

ela parecesse completamente rid��cula.

��� Rachel, Rachel, ser�� que voc�� poder�� me perdoar um dia? ��� Lu��s

parecia sentir imenso al��vio. Inclinou-se e segurou-lhe o pulso,

recusando-se a solt��-lo quando ela tentou desvencilhar-se. Tomou seu

rosto molhado de l��grimas entre as m��os. ��� Rachel... ��� disse baixinho,

ro��ando de leve os l��bios nos dela. ��� Rachel, desculpe...

��� N��o precisa se desculpar, n��o. V�� embora e deixe-me em paz.

��� N��o. Quero tentar explicar minha posi����o.

��� N��o quero ouvi-lo... Oh!

Com um gesto delicado, Lu��s tapou-lhe a boca e em seus olhos havia

quase uma s��plica.

��� Agora �� preciso que voc�� tome conhecimento das atitudes de

Malcolm...

��� Sua m��e j�� me contou tudo hoje de manh��.

��� Ah, ��? Ent��o voc�� compreende por que eu me preocupava tanto

com ela.

��� N��o vejo em que isto...

��� Espere! Descobri que mam��e lhe escreveu h�� alguns dias, enviando

117

um cheque. Correto? Fiquei furioso com a atitude dela, mas ela n��o

estava convencida de que voc�� se esqueceria daquele assunto. Sentia-se

muito insegura...

��� Sim, a marquesa me disse.

��� Pois ��, as coisas pioraram muito para ela depois que voc�� partiu,

ap��s o enterro de Malcolm.

Lu��s interrompeu-se e baixou a cabe��a. Rachel notou o quanto ele

estava emocionalmente perturbado.

��� Voc�� disse que as coisas pioraram... como assim?

��� Chegarei l��. �� preciso que saiba como me sinto em rela����o a voc��,

Rachel.

��� N��o... realmente n��o sei... ��� disse Rachel, estremecendo e

notando que Lu��s n��o tirava os olhos dela.

��� Estou apaixonado por voc��. Eu a quero, Rachel, como minha

esposa!

Rachel n��o conseguia acreditar no que estava ouvindo.

��� �� verdade! ��� declarou sem toc��-la, apesar de que tudo nela

implorava para que ele o fizesse. ��� Mas n��o foi t��o simples assim.

Minha m��e opunha-se terminantemente a qualquer relacionamento entre

n��s. Deixando de lado qualquer outra considera����o, eu estava noivo de

Am��lia.

��� Estava?

��� Claro. Voc�� n��o imaginava que eu poderia encarar a perspectiva de

me casar com Am��lia tendo em vista o modo como me sinto em rela����o a

voc��, n��o �� mesmo?

��� N��o sei o que pensar...

��� Voc�� naturalmente quer que eu o demonstre atrav��s de atos, n��o ��

mesmo? Mas n��o devo toc��-la at�� lhe contar como foi que essas coisas

aconteceram. Muito bem: indo contra os desejos de minha m��e, rompi

com Am��lia. Isto, por��m, n��o �� o fim. A despeito do fato de que eu a

amo, existe ainda o assunto da... da...

��� Da chantagem... ��� completou Rachel.

��� Sim. Achei que n��o poderia desposar uma mulher c��mplice de

tamanha baixeza, sobretudo quando via o efeito que isso tinha exercido e

ainda poderia exercer sobre minha m��e. No entanto, meus sentimentos

por voc�� eram mais fortes do que imaginava. N��o podia pensar em mais

nada. Eu a queria tanto, Rachel!

��� Prossiga... ��� disse Rachel, estremecendo.

��� Acho que minha m��e entendeu isso e foi por essa raz��o que lhe

escreveu. Achava que, se voc�� aceitasse o cheque, eu chegaria ��

conclus��o de que n��o passava de uma pessoa t��o corrupta quanto

118

Malcolm. Mesmo assim, n��o pude acreditar, n��o quis acreditar. Fui ent��o

�� Inglaterra, a fim de descobrir a verdade por mim mesmo. L�� chegando,

n��o a encontrei. Fiz v��rias indaga����es, mas seus vizinhos n��o sabiam me

dizer nada. Tudo o que me deram foi o endere��o de seus advogados.

Procurei-os. Expliquei-lhes quem eu era. Eles tamb��m n��o souberam me

informar onde voc�� se encontrava e fiz perguntas a seu respeito. Quis

saber quais as raz��es que estavam por detr��s de seu casamento.

Naturalmente eles se mostraram hesitantes em discutir assuntos t��o

pessoais. Finalmente consegui convenc��-los. E quando mencionei o

estado em que voc�� se encontrava, por ocasi��o do casamento...

��� O estado em que eu me encontrava? Como assim?

��� Claro que voc�� n��o sabe. Ali��s, como poderia saber? Quando

Malcolm tentou justificar perante mim as raz��es que o tinham levado a

despos��-la, contou-me que voc�� tinha tido um envolvimento amoroso com

um rapaz. Ele a abandonou quando voc�� ficou gr��vida. Malcolm assumiu

toda a responsabilidade e, em seguida, voc�� abortou...

��� Oh, n��o! ��� gemeu Rachel, horrorizada. ��� Ent��o isso explica por

que voc�� parecia me desprezar, quando fez aquelas perguntas! Mas n��o ��

verdade...

��� Agora sei que n��o ��. Quando o advogado falou-me das dificuldades

financeiras de seu pai, compreendi... Hoje �� tarde minha m��e telefonou

para o hotel onde eu estava hospedado. Deixou recado para que eu

retornasse imediatamente, pois voc�� se encontrava aqui. Pode imaginar

como me senti? Come��ava a acreditar em voc��, mas o recado de minha

m��e levou-me a ter d��vidas. Pensei que, em parte, ela poderia ter raz��o e

que voc�� tinha vindo at�� aqui para reiniciar a chantagem. Fiquei furioso e

desesperado. A necessidade que tinha de voc�� era tamanha que at�� agora

me pergunto se terei for��as para esperar at�� o dia do casamento...

��� Oh, Lu��s! Eu o amo!

Finalmente ele a tocou. Seu corpo alongou-se sobre o dela e seus l��bios

se tocaram. Durante longos minutos fez-se o mais completo sil��ncio no

quarto.

Finalmente ele se afastou, ajeitando os cabelos e abotoando a camisa,

com um leve sorriso nos l��bios.

��� Olhe... quando eu a apresentar a minha m��e amanh�� de manh��

como minha noiva, quero faz��-lo com a consci��ncia tranq��ila!

��� Mas, sua m��e... Ser�� que ela me aceitar��?

��� Reconhe��o que n��o ser�� f��cil... ��� disse Lu��s, tomando-a nos

bra��os. H�� muito tempo �� ela quem vem dando ordens aqui e ela e

Am��lia teriam se dado muito bem. Am��lia foi criada para obedecer...

Mas voc��... Voc�� �� diferente, e �� por isso que me apaixonei. Irritou-me

119

desde o in��cio, e eu, no fundo, sabia que ia perder toda a paz de

esp��rito...

��� Isso o incomodou?

��� Sim, no come��o... Mas n��o pude afastar-me de voc��, como ali��s

notou. E n��o suportava a id��ia de sab��-la ao lado de Malcolm.

��� Pobre Malcolm! ��� Agora Rachel conseguia sentir pena dele.

Afinal, fora gra��as a ele que encontrara o grande amor de sua vida.

��� Sim, pobre Malcolm... Bem, preciso ir embora. Temos um

compromisso amanh��!

��� E voc�� acha que sua m��e... n��o ficar�� muito desapontada?

��� Vamos colocar as coisas assim: h�� muito ela sabe que voc�� �� a

��nica mulher a quem eu admitiria desposar. Sem d��vida ficar�� resignada

com o fato de que esta �� a ��nica maneira pela qual poderei torn��-la av��...

��� Sei... ��� disse Rachel, muito encabulada.

��� Al��m do mais, ela telefonou-me para a Inglaterra hoje e contou-me

que voc�� estava aqui. N��o tinha nenhuma necessidade de tomar

semelhante atitude.

��� N��o, acho que n��o. N��o acha que eu o desapontarei terrivelmente...

como marquesa de Mendao?

��� Jamais, meu amor! N��o existe ningu��m como voc��... Para mim,

voc�� �� insubstitu��vel!





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De: Bons Amigos lançamentos
Date: sex, 23 de ago de 2019 às 17:16


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Blog:




Este e-book representa uma contribuição do grupo Bons Amigos  para aqueles que necessitam de obras digitais como é o caso dos deficientes visuais 

e como forma de acesso e divulgação para todos. 
É vedado o uso deste arquivo para auferir direta ou indiretamente benefícios financeiros. 
 Lembre-se de valorizar e reconhecer o trabalho do autor adquirindo suas obras .



  

Livros:

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