sexta-feira, 6 de dezembro de 2019 By: Fred

{clube-do-e-livro} LANÇAMENTO: VERSOS, SONS E RITMOS - NORMA GOLDSTEIN - FORMATOS: PDF, EPUB E TXT

s��rie

rincipios

Norma Goldstein

Doutora em Letras

Professora pesquisadora do Programa de P��s-Gradua����o em

Filologia e L��ngua Portuguesa da Universidade de S��o Paulo

Versos, sons, ritmos

Edi����o revista e atualizada





N o r m a S. Goldstein

Diretor editorial adjunto Fernando Paix��o

Coordenadora editorial Gabriela Dias

Editora assistente

Baby Siqueira Abr��o

Prepara����o

Agnaldo Holanda e Beatriz Chaves

Revis��o

Ivany Picasso Batista (coord.),

Berenice Baeder e M��rcia N��boa Leme

Estagi��rias

Aline Rezende Mota

Bianca Santana

ARTE

Edi����o

Antonio Paulos

Assistente

Claudemir Camargo

Capa e projeto gr��fico

H o m e m de Melo & Tr��ia Design

Editora����o eletr��nica

Moacir K. Matsusaki

Pesquisa iconogr��fica

S��lvio Kligin (coord.), Caio Mazzilli

CIP-BRASIL. C A T A L O G A �� �� O - N A - F O N T E

S I N D I C A T O N A C I O N A L DOS E D I T O R E S DE L I V R O S , RJ.

G577v

14.ed.

Goldstein, N o r m a Seltzer, 1941-

Versos, sons, ritmos / N o r m a Seltzer Goldstein. - 14.ed. rev. e

atualizada. - S��o Paulo : ��tica, 2008

112p. - (Princ��pios ; 6)

Inclui bibliografia comentada

ISBN 978-85-08-10163-4

1. Po��tica. 2. Versifica����o. I. T��tulo. II. S��rie.

06-0665. C D D 808.1

C D U 82-1

ISBN 978 85 08 10163-4

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2 0 0 8

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14! edi����o

2! impress��o

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Todos os direitos reservados pela Editora ��tica, 2008

Av. Otaviano Alves de Lima, 4400 - C E P 02909-900 - S��o Paulo, SP

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Sum��rio





1. Leitura do poema 5


Um discurso espec��fico 6

Texto e contexto 7

Unidade do poema 11

N��o h�� receitas 11





2. O ritmo do poema 13


No compasso da vida 13

O compasso dos versos 14

Palavra-chave e jogo de sons 16

O ritmo como cria����o do poeta 17

3 . Ritmos 2 0

Cada ��poca tem seu ritmo 20

Simetria 2 0

Assimetria 2 3

4. Sistemas de metrifica����o 26

A marca����o latina 26

Contando as s��labas m��tricas 27





5. Versos regulares 45


Versos brancos 4 5

Versos polim��tricos 4 7

Versos livres 4 9





6. Estrofes 52


D��sticos, tercetos... 5 2

Refr��o 5 3



4

Oitava 5 5

Quadrinha 5 6

7 . Rimas 5 7

Parentesco sonoro 5 7

Rima interna e rima externa 57

Rima consoante e rima toante 58

Rimas cruzadas, emparelhadas, interpoladas, misturadas

Rimas agudas, graves ou esdr��xulas 61

Rima rica e r i m a pobre 6 2

Resumo 6 3





8. Poema e poesia 64


Poema em prosa e prosa po��tica 64

Poesia visual 6 7

Poesia concreta 7 1





9. Figuras de efeito sonoro 74


Alitera����o 7 4

Asson��ncia 7 5

Repeti����o d e palavras 7 7

Onomatop��ia 7 9





10. Poemas de forma fixa 80


Formas e g��neros tradicionais 8 0

Soneto 8 2

Di��logo entre g��neros 8 3

11. N��veis d o poema 8 7

A s partes d o todo 8 7

N��vel lexical 8 8

N��vel sint��tico 9 1

Encadeamento o u enjambement 9 2

N��vel sem��ntico 9 3

Figuras d e similaridade 9 4

Figuras d e contiguidade 9 5

Figuras d e oposi����o 9 6

Parentescos po��ticos 9 7

12. Estabelecendo rela����es 9 9

Um exemplo de an��lise e interpreta����o 99

13. Vocabul��rio cr��tico 1 0 6





14. Bibliografia comentada 1 0 9


1 Leitura do poema

Digo que a poesia

�� um modo de ser

crian��a - cria

para onde quer.

As frases t��m pernas:

Os poemas convidam

ao som e ��s imagens

das palavras amigas.

(Fernando Paix��o. "Fantasia de autor".

In: Dia brinquedo. S��o Paulo: ��tica, 2004.)

Como dizem os versos da ep��grafe, ler poesia �� um "modo

de ser": ser crian��a, ser criativo, ser aberto ��s sugest��es do poema

e ��s associa����es entre os elementos que o comp��em. Um dos ver-

sos indica: "poemas t��m pernas", ou seja, s��o como organismos

vivos e prop��em eles pr��prios a chave para sua compreens��o. Sua

leitura envolve apelos sensoriais (Os poemas convidam/ao som e

��s imagens) e associa����es entre "palavras amigas".

Os te��ricos concordam com o poeta. Jolibert (1994) con-

sidera o poema um texto em forma de rede que "exige uma lei-

tura plural, tabular, em vez de uma leitura linear, simplesmente

informativa" (p. 202). Em outras palavras: todos os termos do

poema se entrela��am. Sendo assim, al��m da leitura cont��nua,

como a dos textos em prosa, tamb��m �� preciso fazer outras,

acompanhando a rede de sentidos sugeridos pelas "palavras

amigas" ��� que estabelecem elos umas com as outras, pelo

modo como o poema se organiza.

Um poema de M��rio Quintana cont��m sugest��o id��ntica:

O encontro

Subitamente

Na esquina do poema, duas rimas





6

Olham-se, at��nitas, comovidas,

Como duas irm��s desconhecidas.1

Segundo Quintana, as "rimas" caminham at�� a "esquina

do poema" e descobrem um parentesco surpreendente: s��o

"irm��s", pela semelhan��a sonora; s��o "desconhecidas", porque,

antes desta "esquina", n��o costumavam estar juntas.

M��rio Quintana indica o melhor caminho para a leitura e a

compreens��o do poema: a busca dos "encontros" de palavras no

interior do texto, a pesquisa das "irm��s desconhecidas" que,

tendo os respectivos sentidos associados, d��o pistas para a inter-

preta����o do texto.

Um discurso espec��fico

Nos textos comuns, n��o-liter��rios, o redator escolhe as pala-

vras pela sua significa����o. Na elabora����o do texto liter��rio, ocorre

a preocupa����o com outra opera����o, t��o importante quanto a pri-

meira: a combina����o. Desse modo, sele����o e combina����o de pala-

vras articulam-se, criando no texto algumas pistas para o leitor.

O discurso liter��rio �� espec��fico; sua linguagem �� elabora-

da, de modo que o aspecto formal tamb��m aponte as significa-

����es do texto. No poema, isso se d�� de maneira particularmente

acentuada. Sele����o e combina����o de palavras s��o pautadas n��o

apenas pelo crit��rio da significa����o, mas tamb��m por outros

crit��rios, como o r��tmico, o sint��tico, o sonoro, o decorrente de

paralelismos e jogos formais.

Como resultado, o texto liter��rio, particularmente o

poema, adquire certo grau de tens��o, sugerindo mais de um sen-

tido. Da�� a plurissignifica����o do poema, motivo pelo qual ele

pode (e deve) ser objeto de repetidas leituras.

1 Q U I N T A N A , Mario. Bau de ossos. Rio de Janeiro: Globo, 1986. p. 36.



7

Esses aspectos decorrem da predomin��ncia da "fun����o

po��tica da linguagem" nos textos liter��rios, segundo Jakobson

(1969). Quando nos comunicamos, entram em jogo seis ele-

mentos: o emissor, o destinat��rio ou receptor, o contexto, o

canal, o c��digo e a mensagem. Conforme o elemento da comu-

nica����o que se deseja enfatizar, h�� predom��nio de uma fun����o

da linguagem. Se prevalecer o emissor, tem-se a fun����o emoti-

va; se for o destinat��rio ou receptor, valoriza-se a fun����o conativa

ou apelativa; se o priorizado for o contexto ou referente, trata-se

de fun����o referencial; caso o mais importante seja o canal de

comunica����o, ser�� a vez da fun����o f��tica; caso avulte o c��digo

empregado, tem-se a fun����o metaling����stica; quando a ��nfase

for na pr��pria mensagem, predomina a fun����o po��tica.

Em toda comunica����o, est��o presentes os seis elementos e

as seis fun����es; o que ocorre �� a predomin��ncia de uma delas.

Na poesia rom��ntica do s��culo XIX, por exemplo, os poetas, ao

compor versos, manifestavam sua subjetividade; por isso, na

sua produ����o, ao lado da fun����o po��tica da linguagem ��� a pre-

dominante ��� manifesta-se tamb��m a fun����o emotiva, marcada

por pronomes e verbos na primeira pessoa. Na poesia simbolis-

ta e modernista, certos poetas manifestavam preocupa����o com o

fazer po��tico e art��stico. Em suas cria����es, al��m da fun����o po��-

tica, fica evidente a import��ncia da fun����o metaling����stica, em

poemas tratando da pr��pria poesia.

A melhor maneira de perceber a complexa estrutura po��ti-

ca �� insistir em releituras do texto a ser lido e interpretado.

Texto e contexto

Todos os textos, falados ou escritos, s��o empregados em

uma situa����o de comunica����o entre dois ou mais interlocutores.

As condi����es de produ����o t��m de ser consideradas para o texto

ser bem compreendido. Caso essas condi����es mudem, pode se

alterar tamb��m o sentido de um texto.





8

Quando se somam o texto e suas condi����es de produ����o,

fala-se em discurso, resultante das condi����es de produ����o e da

intera����o entre (pelo menos dois) interlocutores. Se houver

mudan��as nessas condi����es, o discurso sofrer�� altera����es, o

sentido passar�� a ser outro.

Observe como isso ocorre com um quarteto de "Paisagem

com figuras", de Jo��o Cabral de Melo Neto. Leia os versos:

Podeis aprender que o homem

�� sempre a melhor medida.

Mais: que a medida do homem

N��o �� a morte mas a vida.2

A compreens��o desses quatro versos deve levar em conta

a autoria e a fonte. Considerado como parte de um poema, seu

sentido sugere a import��ncia da vida humana, n��o s�� pela signi-

fica����o das palavras, mas tamb��m pelos recursos formais que

apoiam essa significa����o. Alguns exemplos: "medida" rima

com "vida", sugerindo aproxima����o dos dois termos; "homem"

e "medida" aparecem duas vezes, a repeti����o �� um recurso que

destaca essas palavras; a consoante "m" presente nos dois voc��-

bulos �� reiterada em outros, propondo elos entre todos eles:

homem (2 vezes), melhor medida (2 vezes), mais, morte, mas;

ocorre uma adjetiva����o inusitada: "medida" vem caracterizado

por "melhor", isto ��, em vez de quantidade, mede-se a qualida-

de. Os recursos formais acentuam o valor da vida humana, na

vis��o do poeta criador dos versos.

Releia os mesmos versos, agora inseridos em um an��ncio:

M E L O N E T O , Jo��o Cabral de. "Preg��o tur��stico do Recife", do livro Paisagens com

figuras. In: Antologia po��tica. Rio de Janeiro: Editora do Autor, 1965. p. 115-116.





9

O an��ncio retoma o quarteto, colocando-o em um novo

texto e alterando seu sentido. Ele mescla homenagem e divulga-

����o das editoras que publicaram a obra de Jo��o Cabral de Melo

Neto, no dia seguinte ao do falecimento do poeta. Abaixo dos

versos, seu nome vem em destaque, seguido pelas datas de nas-

cimento e morte.

Neste caso, qual a "medida" do homem? E qual a "medi-

da" do poeta? Como a de todo ser humano, sua vida teve um

final. No entanto, sendo artista, ele permanece vivo por meio de

sua obra: enquanto for lido, sua poesia se eterniza como sua

"melhor medida".

Passemos a outro exemplo. Em 1953, Cec��lia Meireles

publicou um poema narrativo, Romanceiro da inconfid��ncia,

resultado de dez anos de pesquisa hist��rica, mesclando resgate

hist��rico e elabora����o po��tica. O livro est�� organizado em

v��rias partes, cujos t��tulos se alternam, retomando as denomina-





1 0

����es de "Falas", "Cen��rios" e "Romances". Dentre estes, o

"Romance LIII ou das palavras a��reas" apresenta um refr��o ���

conjunto de versos que se repetem ao longo do poema:

Ai, palavras, ai palavras,

que estranha pot��ncia, a vossa!3

No poema "Romance LIII", bem como ao longo de todo o

livro Romanceiro da inconfid��ncia, os versos do refr��o s��o

repetidos em fun����o dos fatos hist��ricos e dos diferentes senti-

dos do termo "palavra" naquele contexto: ter expressado o

sonho dos inconfidentes; ter possibilitado a organiza����o do

grupo; ter figurado nos poemas de alguns deles, como Tom��s

Antonio Gonzaga e Cl��udio Manuel da Costa; ter sido usada

pelo traidor que delatou o movimento; ter sido empregada para

condenar os participantes.

Esse mesmo refr��o foi utilizado como ep��grafe, ou texto de

abertura, em memorial ��� isto ��, um curriculum vitae circuns-

tanciado ��� de um docente e pesquisador universit��rio. Trans-

postos a esse novo contexto, os versos assumiram nova significa-

����o, pois pesquisa e ensino s��o atividades nas quais a palavra ��

usada para registrar, transmitir e divulgar conhecimentos.

Ao longo deste livro, vamos tratar de quest��es voltadas

para a leitura, a an��lise e a interpreta����o do poema, por vezes

sem levar em conta o contexto, exclusivamente por raz��es did��-

ticas. No entanto, deve ficar claro que tanto poemas quanto

outros g��neros textuais devem sempre ser interpretados levan-

do-se em conta a situa����o de comunica����o e as condi����es de

produ����o. Sem apoio no contexto, todo texto corre o risco de ter

seu sentido truncado.

3 M E I R E L E S , Cecilia. Obra po��tica. Rio de Janeiro: Jos�� Aguilar, 1958. p. 793.



1 1

Al��m disso, n��o se pode esquecer o papel fundamental do

leitor. E sua leitura que vai dar sentido ao poema.

Unidade do poema

Como toda obra de arte, o poema tem uma unidade, fruto

de caracter��sticas que lhe s��o pr��prias. Ao analisar um poema, ��

poss��vel isolar alguns de seus aspectos, em um procedimento

did��tico, artificial e provis��rio. Nunca se pode perder de vista a

unidade do texto a ser recuperada no momento da interpreta����o,

quando o poema ter�� sua unidade org��nica restabelecida.

Durante as etapas da an��lise, o leitor n��o deve perder de

vista o horizonte da unidade do poema, no momento em que

todos os aspectos devem ser relacionados uns aos outros, para a

interpreta����o do texto como obra una, coesa e coerente.

Igualmente, ser�� preciso considerar o poema em fun����o

das condi����es de produ����o: quem o escreveu? Quando? Com

qual finalidade? Dirigido a qual interlocutor? A leitura que

fazemos hoje �� a mesma ou se alterou? Na etapa final da inter-

preta����o, �� preciso que o leitor leve em conta a unidade do

poema, assim como as rela����es entre texto e contexto.

N��o h�� receitas

Cabe ao leitor ler, reler, analisar e interpretar. Ao analisar,

�� mais simples come��ar pelos aspectos mais palp��veis do

poema, aqueles que saltam aos olhos ��� ou aos ouvidos. A

seguir, �� preciso estabelecer rela����es entre os diversos aspectos

do texto para tentar interpret��-lo e, ainda, buscar elos entre

texto e contexto. Como j�� foi dito, essa rela����o �� fundamental

para a compreens��o do sentido.



1 2

Sendo assim, cada leitura toma-se uma experi��ncia ��nica,

vivida por um leitor espec��fico que buscar�� as pistas que cada

poema lido lhe sugere. Por isso n��o h�� "receitas" para analisar e

interpretar textos; isso nem seria poss��vel, dado o car��ter parti-

cular e espec��fico de cada cria����o de arte e considerada, igual-

mente, a variedade de contextos que podem envolver cada leitura.

O pr��prio texto e o pr��prio contexto devem sugerir ao estudioso

quais as linhas de seu percurso. Mas, de certo modo, �� poss��vel

pensar em "t��cnicas" de an��lise que seriam uma esp��cie de

apoio para a leitura do poema.

Esta obra pretende contribuir parcialmente nesse sentido,

tratando da an��lise dos aspectos formal e r��tmico do poema.

Dado o primeiro passo ��� a an��lise formal e r��tmica ���, ser��

preciso que o leitor prossiga, estabelecendo rela����es entre estes

e os demais aspectos do poema: escolha do vocabul��rio, cate-

gorias gramaticais predominantes/ausentes, organiza����o sint��-

tica, figuras. Ele dever�� tentar perceber como se processou n��o

s�� a escolha ou sele����o de palavras, mas tamb��m a combina����o

que aproximou certas palavras umas das outras, visando ao

efeito po��tico.

A interpreta����o dificilmente ser�� a palavra final, se for

feita por uma s�� pessoa. O texto liter��rio talvez seja aquele que

mais se aproxima do sentido etimol��gico da palavra "texto":

entrela��amento, tecido. Como "tecido de palavras", o poema

pode sugerir m��ltiplos sentidos, dependendo de como se perce-

ba o entrela��amento dos fios que o organizam. Ou seja: geral-

mente, ele permite mais de uma interpreta����o. Dada a plurissig-

nifica����o inerente ao poema, a soma das v��rias interpreta����es

seria o ideal.

2 O ritmo do poema

No compasso da vida

Toda atividade humana se desenvolve dentro de certo

ritmo. Nosso cora����o pulsa alternando batidas e pausas; nossa

respira����o, nossa gesticula����o, nossos movimentos s��o ritma-

dos. H�� trabalhos coletivos ��� tanto no campo como na ind��s-

tria ��� que t��m rendimento maior em virtude do ritmo conjunto

de todos os participantes. O resultado de certas provas esporti-

vas depende do ritmo dos membros da equipe.

O ritmo aparece tamb��m na produ����o art��stica do homem.

De um modo especial, na poesia. Como o ritmo faz parte da

vida de qualquer pessoa, sua presen��a no tecido do poema pode

ser facilmente percebida por um leitor atento, que ��, ao mesmo

tempo, um ouvinte. A poesia tem um car��ter de oralidade muito

importante: ela �� feita para ser falada, recitada. Mesmo que leia-

mos um poema silenciosamente, perceberemos seu lado musi-

cal, sonoro, pois nossa audi����o capta a articula����o (modo de

pronunciar) das palavras do texto. Se o leitor passar da percep-

����o superficial para a an��lise cuidadosa do ritmo do poema, ��

prov��vel que descubra novos significados no texto, como ilus-

tram as leituras "r��tmicas" que se seguem.





1 4

O compasso dos versos

A musicalidade (sugest��o de m��sica e ritmo) pode partir

do t��tulo, algumas vezes. Como na letra da can����o "A banda",

de Chico Buarque de Holanda. O nome remete a m��sica, mul-

tid��o, festejo. A partir da��, fica-se na expectativa de um texto

que contenha essas sugest��es. �� o que acaba acontecendo. A

banda passa e altera a vida das pessoas: o triste vira alegre; o

velho se torna crian��a; o que est�� parado come��a a se movi-

mentar. A tem��tica est�� apoiada no ritmo do texto: simples,

marcado, contagiante:

Estava �� toa na vida,

O meu amor me chamou,

Pra ver a banda passar

Cantando coisas de amor.1

O ouvinte capta o apelo do texto gra��as �� harmoniza����o de

todos os seus elementos ��� um deles, o ritmo. �� poss��vel come-

��ar a perceb��-lo por meio da observa����o das s��labas po��ticas:

Es- TA- va a -TO- a- na- VI (da)

O- M E U - a- MOR- me- cha- M O U

Pra- VER- a- B A N - da- pas- SAR

Can- T A N - do- COl- sas- de a- MOR.

As s��labas destacadas s��o fortes; as outras, fracas. Se

usarmos os sinais - e , respectivamente, para s��labas fortes e

fracas, ocorrer�� o seguinte:

Es- TA- va a -TO- a- na- VI (da)

- II - - I I

1 H O L A N D A , Chico Buarque de. " A banda". In: Chico Buarque de Holanda. LP. S��o Paulo: RGE 5303, 1966.





1 5

O- M E U - a- MOR- me- cha- M O U

Pra- VER- a- BAN- da- pas- SAR

Can- T A N - do- COI- sas- de~a- MOR.

A regularidade de ritmo facilita a memoriza����o. Trata-se,

aqui, do ritmo da letra da can����o, sem levar em conta a sua

melodia, ou seja, o texto apenas em rela����o ��s palavras que o

comp��em, como uma esp��cie de poema.

Al��m do jogo da altern��ncia entre s��labas fortes e fracas

��� que vem a ser a cad��ncia do poema ���, h�� outros efeitos

sonoros. A repeti����o de letras, por exemplo:

EsTava �� Toa na vida

O Meu aMor Me chaMou

Era ver a banda Passar

Cantando Coisas de aMor.

Voc�� percebe a retomada das seguintes consoantes: T, na

primeira linha ou primeiro verso; M no segundo verso; P, no ter-

ceiro; e C, al��m de M, no quarto. Em todos os versos h�� um

outro som que se repete: a vogal A oral e nasal, �� ou An:

O meu _ m o r me eh mou

Pr ver b AN dA p A ss A r

C t do coisAs de Amor.

As repeti����es lembram o som das percuss��es da banda.

Tamb��m marcam o compasso da marcha, ritmo musical que





1 6

percorre todo o texto. A banda rompe com o cotidiano das pes-

soas, que se p��em a ouvi-la, levadas por um feiti��o irresist��vel.

Enquanto ela passa, dura o encantamento, a ilus��o. Depois, tudo

volta a ser como antes:

Mas para meu desencanto

O que era doce acabou

Tudo tomou seu lugar

Depois que a banda passou.

Neste ��ltimo quarteto, a repeti����o do som S (grafado " s "

ou "ss"), remete ao sil��ncio depois da passagem da banda e do

final da festa.

Palavra-chave e jogo de sons

No poema "Jos��", de Carlos Drummond de Andrade, h��

uma estrofe que formula uma s��rie de hip��teses, todas elas ini-

ciadas pela conjun����o condicional "se", repetida em alguns ver-

sos, como uma esp��cie de eco, apoiando e ampliando o sentido

do texto. Nesse caso, a palavra-chave "se" contamina outros ter-

mos com sua sonoridade:

Se voc�� gritasse,

se voc�� gemesse,

se voc�� tocasse

a valsa vienense,

se voc�� dormisse,

se voc�� cansasse,

se voc�� morresse...

Mas voc�� n��o morre,

voc�� �� duro, J o s �� ! 2

A N D R A D E , Carlos Drummond de. Obra completa. Rio de Janeiro: Aguilar, 1964.

p. 130.



1 7

Nesse trecho, �� poss��vel notar v��rios efeitos sonoros e r��t-

micos. A palavra "se" aparece repetidamente, sempre na mesma

posi����o: a an��fora (repeti����o de uma palavra, na mesma posi����o,

em versos diferentes) �� valorizada pelo eco que a mesma s��laba

faz no interior de outras palavras, como "voC��", "gritaSSE",

"gemeSSE", "tocaSSE " etc. O jogo sonoro ap��ia-se na altern��n-

cia entre s��labas fortes e fracas:

Se - vo - C��- gri - TAS(se)

Se - vo - C��- ge - MES(se)

O leitor percebe as hip��teses n��o s�� pelo sentido, mas

tamb��m pelas rimas, pela sonoridade, pelo ritmo. Da�� a for��a de

contraste dos dois versos finais: o termo "mas", no in��cio do

oitavo verso, op��e a realidade �� s��rie de alternativas hipot��ticas,

produzindo ruptura simult��nea do sentido e da seq����ncia sonora.

O ritmo como cria����o do poeta

As no����es de metro, verso e ritmo est��o estreitamente

ligadas em nossa tradi����o liter��ria. As leis de metrifica����o ou

versifica����o apresentam normas a ser seguidas, estabelecendo

esquemas definidos para a composi����o do verso. No sistema

qualitativo, tais regras subdividem os versos em p��s ou segmen-

tos, compostos de s��labas longas e s��labas breves. No sistema

sil��bico ou acentuai, elas determinam a posi����o das s��labas for-

tes em cada tipo de verso.

O ritmo �� formado pela sucess��o, no verso, de unidades

r��tmicas resultantes da altern��ncia entre s��labas acentuadas (for-

tes) e n��o-acentuadas (fracas); ou entre s��labas constitu��das por

vogais longas e breves.

At�� o in��cio do s��culo XX valorizava-se sobretudo a con-

tagem sil��bica dos versos. Mais recentemente, essa no����o asso-



1 8

cia-se �� das unidades r��tmicas, que, de certo modo, abrange a

anterior. A nova posi����o cr��tica permite analisar o ritmo do

verso livre, inova����o modernista que n��o segue nenhuma regra

m��trica, apresentando um ritmo novo, liberado e imprevis��vel.

Na leitura de um poema, o verso se destaca j�� a partir da

disposi����o gr��fica na p��gina: uma margem �� direita, outra ��

esquerda dos versos; uma linha em branco separando as estro-

fes. Cada verso ocupa uma linha, marcada por um ritmo espec��-

fico. Um conjunto de versos comp��e a estrofe, dentro da qual

pode surgir outro postulado m��trico: a rima, ou seja, a seme-

lhan��a sonora no final de diferentes versos. Uma vez que a

prosa se imprime em linhas ininterruptas, a organiza����o do

poema em versos caracteriza, graficamente, um tra��o distintivo

do poema.

As normas m��tricas foram seguidas de modo diferente em

cada per��odo liter��rio. Ora se preferia determinado esquema r��t-

mico, ora se mesclavam diferentes tipos de metro. Em certas

��pocas surgia uma inova����o. A mais marcante, historicamente,

foi o verso livre modernista, que n��o segue nenhum tipo de

esquema r��tmico preestabelecido, como se retomar�� adiante.

A m��trica ��, de certo modo, exterior ao poema. Ao com-

por, o poeta decide se vai, ou n��o, obedecer ��s leis m��tricas que

seriam um suporte ou ponto de apoio. Nada mais que isso. Gra-

��as �� criatividade do artista, o poema, depois de pronto, assume

um ritmo que lhe �� pr��prio.

O ritmo pode decorrer da m��trica, ou seja, do tipo de

verso escolhido pelo poeta. Ele pode resultar ainda de uma s��rie

de efeitos sonoros ou jogo de repeti����es. O poema re��ne o con-

junto de recursos que o poeta escolhe e organiza dentro de seu

texto. Cada combina����o de recursos acarreta um novo efeito.

Por isso cada poema cria um novo ritmo.

Um pouco mais �� frente, voc�� vai ver os tipos de verso, de

estrofe e os recursos f��nicos mais freq��entes em nossa l��ngua.



1 9

No final, uma an��lise de texto ilustrar�� a correla����o entre o

ritmo e os demais aspectos do poema. O objetivo �� que se passe

a ler o poema com os olhos e os ouvidos, isto ��, como uma orga-

niza����o visual e sonora. O leitor comum perceber�� o ritmo po��-

tico isolado do significado, enquanto o leitor atento, treinado a

ouvir, poder�� captar no poema o ritmo e o significado como

uma unidade indissol��vel.

3 Ritmos

Cada ��poca tem seu ritmo

A pr��pria origem da palavra "arte" implica uma atividade

transformadora realizada pelo homem. Essa atividade, por sua

vez, traz sempre, direta ou indiretamente, certas marcas das

condi����es concretas em que ela se efetua. Da�� se compreende

que o ritmo, componente do poema, deva ter alguma rela����o

com a ��poca ou a situa����o em que �� produzido.

Um exemplo: a vida das pessoas, durante muito tempo,

era mais padronizada, talvez mais calma. Nesse per��odo, o

ritmo era sim��trico e regular. Ele correspondia �� vida que as

pessoas levavam. A regularidade ��� de vida e de ritmo po��tico

��� prevaleceu at�� fins do s��culo XIX e in��cio do s��culo XX.

A partir da segunda d��cada do s��culo XX, a vida das pes-

soas tornou-se mais liberta de padr��es e mais imprevis��vel. O

ritmo dos poemas acompanhou o processo: tornou-se mais

solto, mais livre, menos regular, menos sim��trico.

Simetria

Leia um trecho de "Remorso", de Olavo Bilac:





2 1

Sinto o que esperdicei na juventude;

Choro, neste come��o de velhice,

M��rtir da hipocrisia ou da virtude,

Os beijos que n��o tive por tolice,

Por timidez o que sofrer n��o pude,

E por pudor os versos que n��o disse!1

Para verificar a m��trica do poema, vamos fazer a escans��o

do primeiro verso. Escandir significa dividir o verso em s��labas

po��ticas. Note que nem sempre as s��labas po��ticas correspondem

��s s��labas gramaticais. O leitor-ouvinte pode juntar (ou separar)

s��labas, quando houver encontro de vogais, de acordo com a

melodia do verso. O ouvido de cada um vai indicar como proce-

der. Leia e releia em voz alta, percebendo a cad��ncia do verso:

Sin- to o - que es- per- di- CEI- na- ju- ven- T U (de)

1 2 3

4

5

6

7

8

9 1 0

Ao escandir, isto ��, dividir um verso em s��labas m��tricas,

em portugu��s, a contagem se det��m na ��ltima s��laba t��nica. Se

houver outra(s) depois dela, n��o se considera(m) para efeito

m��trico. No verso acima, voc�� observa que algumas s��labas apa-

recem em letras mai��sculas. S��o as s��labas fortes ou acentuadas.

Podemos resumir o esquema r��tmico (m��trico) desse verso da

seguinte maneira: E.R. 10(6-10). Ou seja: �� um verso de 10 s��la-

bas po��ticas, como se indica antes do par��ntese; s��o acentuadas

as s��labas de n��mero 6 e de n��mero 10, como se indica no inte-

rior dos par��nteses. Ele �� composto de dois segmentos r��tmicos:

o primeiro at�� a sexta s��laba e o segundo, at�� a d��cima.

Leia em voz alta os tr��s versos seguintes, em que aparece

o mesmo E.R. 10(6-10):

1 B I L A C , Olavo. Poesia. Rio de Janeiro: Agir, 1976. p. 94.





22

Cho- ro- nes- te- co- ME- ��o - de - ve- LHI (ce)

1

2

3

4

5 6 7 8 9 1 0

M��r- tir- da hi- po- cri- SI- a ou- da- vir- TU (de)

1 2 3

4

5

6

7 8 9 1 0

Os- bei- jos- que- n��o- Tl- ve- por- to- LI (ce)

1 2 3 4

5

6

7

8

9 1 0

No pen��ltimo verso, o metro (tamanho) �� o mesmo ��� dez

s��labas. O que muda �� a posi����o das s��labas acentuadas:

Por- ti- mi- DEZ- o- que- so- FRER- n��o- PU (de)

1

2

3

4

5

6

7 8 9 1 0

Representa-se assim este E.R.: 10(4-8-10). Isto ��: verso

de dez s��labas ou decass��labo, com acento na quarta, na oitava e

na d��cima s��labas. O primeiro tipo sugere a biparti����o em dois

segmentos r��tmicos; este segundo, a triparti����o.

J�� no ��ltimo verso, retorna o E.R. 10(6-10):

E- por- pu- dor- os- VER- sos- que- n��o- DIS (se)

1

2

3

4

5

6

7 8 9 1 0

�� poss��vel perceber outro acento, menos forte, na quarta

s��laba ("dor"). A indica����o �� feita entre colchetes por ser acento

secund��rio: E.R. 10([4]-6-10).

Releia os seis versos de Bilac. Voc�� vai verificar que a

��ltima s��laba po��tica �� sempre acentuada: ela marca o fim do

verso, do segmento r��tmico. Al��m da altern��ncia entre s��labas

fortes e fracas, o ritmo prov��m de outros efeitos sonoros, como

a repeti����o de letras ou palavras. Um deles, a rima: repeti����o de

sons semelhantes no final de versos diferentes. Verifique as

rimas do trecho anterior:





2 3

juventude / virtude / pude

velhice / tolice / disse

No conjunto, fica a impress��o de sim��trica regularidade.

No pen��ltimo verso, h�� uma altera����o no esquema r��tmico, pre-

parando o verso final, aspecto mais relevante do remorso do

poeta: "os versos que n��o disse". Percebe-se o metro apoiando a

famosa chave de ouro parnasiana.

Assimetria

A partir das primeiras d��cadas do s��culo XX, o ritmo dos

poemas come��a a ser cada vez mais solto e distanciado das

regras da m��trica tradicional. Veja, como exemplo, "O poeta

come amendoim", de M��rio de Andrade:

Brasil que eu amo porque �� o ritmo do meu bra��o

[aventuroso,

O gosto dos meus descansos,

O balan��o das minhas cantigas amores e dan��as.

Brasil que eu sou porque �� a minha express��o muito

[engra��ada,

Porque �� o meu sentimento pachorrento

Porque �� o meu jeito de ganhar dinheiro, de comer e de

[dormir.2

Percebe-se um poema completamente diferente do ante-

rior. Vamos come��ar pelo vocabul��rio, pelas palavras emprega-

das em cada texto. No primeiro: "esperdicei", "m��rtir", "hipo-

L A F E T �� , Jo��o Lu��s (Org.). M��rio de Andrade (antologia). S��o Paulo: Abril Educa-

����o, 1982. p. 16-17. S��rie Literatura Comentada.





2 4

crisia", "virtude", "timidez", "tolice" ��� termos cultos, pr��prios

da linguagem escrita. No segundo: "engra��ada", "pachorrento",

"jeito de ganhar dinheiro, de comer e de dormir" ��� express��es

simples, freq��entes na linguagem falada.

Passemos �� sintaxe, ordem dos termos na frase. No poema

de Bilac, h�� invers��es: "Por timidez o que sofrer n��o p u d e " que,

em ordem direta, ficaria assim: "O que n��o pude sofrer, por

timidez". No poema de M��rio, a ordem dos termos �� a m e s m a

da linguagem corrente: direta. Quanto ao metro, no primeiro

p o e m a todos os versos se assemelham: decass��labos. No segun-

do, cada verso tem um tamanho diferente. Observe:

Bra- sil- que eu- a- mo- por- que �� o- rit- mo- do - meu-

1 2 3

4

5

6 7 8 9 10 11

bra- ��o a- ven- tu- RO (so)

12 13 14 15 16

No primeiro verso, 16 s��labas po��ticas. Quanto aos acen-

tos, voc�� ver�� que eles podem variar a cada leitura, pois trata-se

de verso livre, cuja acentua����o n��o obedece ��s regras m��tricas

cl��ssicas. Isto ��: os acentos n��o s��o fixos, com exce����o do da

��ltima s��laba. Outra leitura do m e s m o verso, separando vogais,

resultaria em um n��mero maior de s��labas po��ticas.

0 verso dois �� bem menor; apenas sete s��labas:

O- gos- to- dos- meus- des- CAN (sos)

1 2 3 4 5 6 7

Verifique como o metro varia de verso para verso. Os ter-

mos simples, a ordem direta, o ritmo liberado do p o e m a refle-

tem o novo modo de vida do s��culo XX.

N o s dois casos, o ritmo faz parte de u m a concep����o de

arte, de uma vis��o de mundo. N �� o h�� um ritmo melhor, outro



25

pior; apenas ritmos diferentes, cada um traduzindo um modo de

ver o mundo e de viver. Insisto: n��o basta analisar o ritmo. ��

preciso associ��-lo, sempre, aos demais aspectos do texto. Deve-

se, ainda, relacionar a obra ao contexto sociocultural em que ela

foi produzida ��� �� preciso interpretar o texto em fun����o do con-

texto. O modo de compor associa-se �� tem��tica do poema para

traduzir um modo de vida, um conjunto de valores, uma vis��o

de mundo.





4 Sistemas de metrifica����o

A marca����o latina

Para metrificar ou "medir" versos existe mais de um tipo

de versifica����o. Entre os latinos e os gregos da Antiguidade

cl��ssica havia o sistema quantitativo: considerava-se a altern��n-

cia entre s��labas longas e s��labas breves. A unidade de tempo

seria a s��laba longa, representada pelo sinal / - /. A s��laba breve,

representada pelo sinal / /, correspondia �� metade da longa,

ou seja, duas breves seriam equivalentes �� dura����o de uma s��la-

ba longa.

De acordo com a distribui����o das s��labas longas e das

breves, o poeta compunha diferentes segmentos de versos, cha-

mados p��s. Estes s��o os principais p��s m��tricos do sistema

quantitativo:

uma breve e uma longa: / - / p��j��mbico

uma longa e uma breve: / - / p�� trocaico ou troqueu

duas longas: / - - / p�� espondeu

uma longa e duas breves: / - / p�� d��tilo

duas breves e uma longa: / - / p�� anapesto ou anap��stico





2 7

Com o passar do tempo, em vez de dura����o, ou seja, alter-

n��ncia entre longas e breves, passou-se ao crit��rio de intensidade,

isto ��, �� altern��ncia entre s��labas acentuadas e n��o-acentuadas.

O sistema quantitativo, adaptado ao crit��rio de intensida-

de, permanece em algumas l��nguas. Em portugu��s, nosso siste-

ma �� o da contagem de s��labas m��tricas, ou seja, o sistema sil��-

bico-acentual. Conta-se o n��mero de s��labas dos versos; em

seguida, localizam-se as s��labas fortes, t��nicas ou acentuadas

em cada verso.

No entanto, a influ��ncia do sistema latino permanece.

N��o raro l��em-se coment��rios sobre o ritmo anap��stico de um

poema. Trata-se da altern��ncia entre duas s��labas fracas e uma

s��laba forte, numa adapta����o da quantidade r��tmica ao sistema

acentuai. Al��m disso, esse tipo de crit��rio pode possibilitar a

descoberta de parentesco r��tmico entre versos aparentemente

diferentes. Por exemplo, um verso curto (5 ou 6 s��labas) e um

verso longo (10 ou 12 s��labas). Embora de tamanhos diferentes,

eles talvez possam apresentar o mesmo ritmo: tern��rio anap��sti-

co / - /; ou bin��rio troqueu / - /; ou j��mbico / - / etc.

Na verdade, um sistema influencia o outro. Certas ��pocas

s��o r��gidas, impondo regras de composi����o. Outras s��o menos

rigorosas, permitindo ao escritor a liberdade de compor com

certa independ��ncia em rela����o a regras. Encontramos grandes

poetas tanto entre os que seguiram quanto entre os que se afas-

taram das regras.

Contando as s��labas m��tricas

A organiza����o do poema em versos agrupados em estrofes

faz o ritmo saltar aos olhos do leitor. A rima, quando presente,

acentua essa impress��o. No entanto, �� a cad��ncia do verso lido

em voz alta que realmente indica a altern��ncia de s��labas fortes e

fracas. S��o as regras de versifica����o ou de metrifica����o que esta-





2 8

belecem onde deve cair o acento t��nico em cada tipo de verso.

Na mesma posi����o da s��laba forte, ocorre a cesura, pausa que,

geralmente, divide o verso em partes ou segmentos r��tmicos.

Vamos examinar versos regulares de uma a doze s��labas

po��ticas, observando como funcionam em poemas de diversos

autores e ��pocas. No final, vir�� um resumo esquem��tico dos v��-

rios modelos r��tmicos encontrados.

Verso de uma s��laba

No verso em que s�� h�� uma s��laba po��tica, a s��laba ��nica

�� acentuada. Veja, como exemplo, "Serenata sint��tica", de Cas-

siano Ricardo:

Rua

torta.

Lua

morta.

Tua

porta.1

Como indica o t��tulo, o poema �� uma "serenata sint��tica",

pois cada verso tem uma s�� palavra e, cada palavra, apenas uma

s��laba po��tica, pois s�� se conta at�� a ��ltima s��laba t��nica do

verso:

RU(a) /TOR(ta)/ /LU(a) /MOR(ta) // // TU(a)/POR(ta).

' C A S S I A N O R I C A R D O . Poesias compl��tas. Rio de Janeiro: Jos�� Olympio, 1 9 5 7 .

p. 2 7 9 .





2 9

O t��tulo e a constru����o do texto (sem nenhum verbo)

sugerem a expectativa do poeta, numa caminhada incerta ("rua

torta", noite sem lua) at�� a amada ("tua porta"). O leitor pode

ampliar a d��vida proposta pelo texto: a serenata ser�� ouvida ou

n��o? A porta se abrir�� ou permanecer�� fechada?

Verso de duas s��labas

Nesse tipo de verso, o acento cair�� necessariamente sobre

a ��ltima s��laba, antecedida por uma s��laba breve (n��o-acentua-

da). Um dos exemplos mais conhecidos em l��ngua portuguesa ��

de Casimiro de Abreu, recriando em "A valsa" o ritmo que o

t��tulo indica, como exemplifica o trecho a seguir:

Na valsa

Cansaste;

Ficaste

Prostrada,

Turbada!

Pensavas,

Cismavas,

E estavas

T��o p��lida2

Note como soa o ritmo deste poema:

Na- VAL (sa)

Can- SAS (te)

Fi- CAS (te)

Pros- TRA (da)

Tur- BA (da)

L A U R I T O , Ilka Brunhilde (Org.). Casimiro de Abreu (antologia). S��o Paulo: Abril 2

Educa����o, 1982. p. 28-31. S��rie Literatura Comentada.





3 0

Pen- SA (vas)

Cis- M A (vas)

E es- TA (vas)

T��o- P�� (li-da)

Todos os versos obedecem ao mesmo esquema r��tmico:

E.R. 2(2).

Veja agora um exemplo moderno, isto ��, contempor��neo,

de Jos�� Lino Gr��newald, em um poema concreto em que o

aspecto visual ou ��cone tamb��m assume grande import��ncia:

f o r m a

r e f o r m a

d i s f o r m a

t r a n s f o r m a

c o n f o r m a

i n f o r m a

f o r m a 3

No primeiro verso e no ��ltimo h�� apenas uma s��laba po��ti-

ca: FOR(ma). Nos demais, h�� duas, sendo a ��ltima acentuada:

re-FOR(ma)/ dis-FOR(ma)/ trans-FOR(ma)/ con-FOR(ma)/ in-

FOR(ma). Al��m da regularidade m��trica, a repeti����o de "forma"

no interior de todos os versos tamb��m produz efeito r��tmico.

Verso de tr��s s��labas

Leia um trecho de "Trem de ferro", de Manuel Bandeira:

Foge, bicho

Foge, povo

Passa ponte

S I M O N , Iumna Maria e D A N T A S , Vin��cius (Orgs.). Poesia concreta (antologia). S��o Paulo: Abril Educa����o, 1982. s/p. S��rie Literatura Comentada.





3 1

Passa poste

Passa pasto

Passa boi4

Estes versos triss��labos imitam o movimento do trem:

FO- ge- BI (cho) / FO- ge- PO (vo) / PAS- sa- PON (te)/

PAS- sa- POS (te)/ PAS- sa- PAS (to)/ PAS- sa- BOI

Em todos eles, s��o acentuadas a primeira e a terceira s��la-

bas, com E.R. 3(1-3). O verso de tr��s s��labas, ou triss��labo, pode

tamb��m apresentar um ��nico acento. Cabe ao leitor aplicar o

ouvido e descobrir as s��labas fortes. �� preciso deixar fluir a

m��sica do verso, sem atentar ao sentido l��gico dele, enquanto

se contam as s��labas po��ticas. Em uma etapa posterior, as con-

clus��es sobre o ritmo poder��o auxiliar a interpreta����o do texto.

Por��m, no momento da escans��o, os demais aspectos deveriam

desaparecer, ficando s�� a cad��ncia e a altern��ncia entre s��labas

fortes e fracas.

Verso de quatro s��labas

Os exemplos de versos de quatro s��labas, ou tetrassil��bicos,

v��o conduzir a v��rios esquemas r��tmicos. Observe este in��cio de

"A casa", de Vin��cius de Moraes:

Era uma casa

Muito engra��ada

N��o tinha teto

N��o tinha nada5

4 B A N D E I R A , Manuel. Estrela da vida inteira. Rio de Janeiro: Jos�� Olympio, 1966 .

p. 145.

5 M O I S �� S , Carlos Felipe (Org.). Vin��cius de Moraes (antologia). S��o Paulo: Abril Educa����o, 1980. p. 6 8 . S��rie Literatura Comentada.





3 2

�� poss��vel ler o primeiro verso de duas maneiras diferentes:

1) E- ra u- ma- CA (sa), com E.R. 4(1-4) (um s�� segmento

r��tmico)

2) e- RA U- ma- CA (sa), com E.R. 4(2-4) (dois segmentos

r��tmicos)

Refa��a a leitura. Tente localizar os acentos. O fato vai se

repetir: ora o acento interno (que fica no interior do verso) cai

na primeira, ora na segunda s��laba. Quando isso acontece,

temos a tens��o r��tmica, que resulta da dupla possibilidade de

leitura. Colocado em evid��ncia pela tens��o r��tmica, o verso

deve merecer aten����o especial do leitor. Neste caso, trata-se da

ambig��idade da casa: ��, ou n��o, uma casa? Os versos seguintes

colocam d��vida quanto a isso, j�� que a casa "n��o tinha teto",

"n��o tinha nada". �� tens��o r��tmica acrescenta-se a tens��o

sem��ntica. Passemos ao segundo verso, tamb��m com duas leitu-

ras poss��veis:

1) MUI-to e n - g r a - �� A (da), com E.R. 4(1-4)

2) Mui- TO EN- gra- ��A (da), com E.R. 4(2-4)

Neste segundo verso, associa-se a tens��o r��tmica �� sem��n-

tica, agora criada pela ambig��idade do termo "engra��ada": que

faz rir? Estranha? Extravagante? Ou tudo isso junto? Nos dois

outros versos, os acentos n��o s��o m��veis, n��o aparece tens��o

r��tmica, sendo o E.R. 4(2-4):

N��o - Tl - nha - TE (to)

1 2 3 4

N �� o - T l - n h a - N A (da)

1

2 3 4





3 3

Na exposi����o negativa do que falta �� casa n��o pode

haver ambig��idade, o sentido �� ��nico. O ritmo acompanha a

significa����o.

Verso de cinco s��labas

0 verso de cinco s��labas, ou pentass��labo, chama-se redon-

dilha menor. Na Idade M��dia, os poetas portugueses j�� o empre-

gavam nas cantigas de amor e de amigo. Entre os modernos,

Cec��lia Meireles o retoma, bem como aos demais versos curtos

(de uma a seis s��labas). Leia um terceto de "Tempo celeste":

Dorme o pensamento.

Riram-se? Choraram?

Ningu��m mais recorda.6

Verifique a escans��o do primeiro e do segundo versos do

terceto:

DOR- me o- PEN- sa- M E N (to) E.R. 5(1-3-5)

1 2 3 4 5

R I - r a m - s e - c h o - R A (ram) E.R. 5(1-5)

1 2 3 4 5

No terceiro verso encontramos duas leituras poss��veis,

resultando em tens��o r��tmica:

1) Nin- G U �� M - mais - re - COR (da) E.R. 5(2-5)

1 2 3 4 5

2) Nin- gu��m- MAIS - re- COR (da) E.R. 5(3-5)

1 2 3 4 5

6 M E I R E L E S , Cecilia. Obra po��tica. Rio de Janeiro: Jos�� Aguilar, 1958. p. 557.





3 4

O significado do verso ��� o valor da lembran��a ��� �� acen-

tuado pela tens��o da dupla leitura.

Verso de seis s��labas

Novamente um poema de Cec��lia Meireles para ilustrar o

verso de seis s��labas ou hexass��labo. Trata-se de um trecho reti-

rado de uma das "Can����es":

H�� noite? H�� vida? H�� vozes?

Que espanto nos consome

de repente, mirando-nos?

(Alma, como �� teu nome?)7

Vamos escandir:

H��-NOI-te? H��-VI-da? H��-VO(zes?) E.R. 6(2-4-6)

1 2 3 4 5 6

Que es- P A N - to- nos- con- SO (me) E.R. 6(2-6)

1 2 3 4 5 6

de - re - PEN - te - mi- RAN (do-nos?) E.R. 6(3-6)

1 2 3 4 5 6

A L - m a - c o - M O �� - t e u - N O (me?) E.R. 6(1-4-6)

1 2 3 4 5 6

Em "Debussy", Manuel Bandeira retrata uma crian��a

adormecendo em uma cadeira de balan��o, com um novelo de

linha na m��o. A estrofe ��nica do poema tem um ritmo peculiar,

fruto da mescla do verso de seis s��labas com outro, maior.

Observe o verso que se repete:

7 M E I R E L E S , Cec��lia. Obra po��tica. Rio de Janeiro: Jos�� Aguilar, 1958. p. 909.





3 5

1 Para c��, para l��...

2 Para c��, para l��...

3 Um novelozinho de linha...

4 Para c��, para l��...

5 Para c��, para l��...

6 Oscila no ar pela m��o de uma crian��a

7 (Vem e vai...)

8 Que delicadamente e quase a adormecer o balan��a

9 - Psio... ���

10 Para c��, para l��...

11 Para c�� e...

12 ��� O novelozinho caiu.8

Os doze versos que comp��em o poema organizam-se

musicalmente, como sugere o t��tulo, homenagem a Debussy

(1862-1918), um compositor impressionista franc��s. A compo-

si����o se expressa por meio de duas vozes, ou seja, em duas

modula����es ou temas. O primeiro, contido nos versos curtos

(v. 1, 2,4, 5, 7, 9, 10 e 11), trata do efeito do balan��o sobre o fio

de linha, acompanhando o movimento da crian��a. O segundo,

expresso pelos versos longos (v. 3, 6, 8 e 12), retrata a pr��pria

crian��a, com o novelozinho de linha na m��o. O verso inicial

repete-se mais quatro vezes e meia. Meia, porque ele fica pela

metade, como um acorde suspenso, no pen��ltimo verso. Ao

lado dos demais versos curtos, ele apresenta um car��ter descri-

tivo, reproduzindo o movimento do balan��o, enquanto os versos

longos t��m um car��ter narrativo, contando o que acontece com

o objeto que est�� sendo embalado. O poema �� feito da integra-

����o de todos os elementos que o comp��em. Um deles, o esque-

ma r��tmico do verso de seis s��labas:

Pa- ra- C��- pa- ra- L�� E.R. 6(3-6)

1 2 3 4 5 6

B A N D E I R A , Manuel. Estrela da vida inteira. Rio de Janeiro: Jos�� Olympio, 1966. p. 6 4





3 6

O efeito de balan��o vem do metro, da repeti����o no interior

do pr��prio verso ("para" e "para") e da identidade f��nica (de

sons) entre as s��labas acentuadas do verso que apresentam a

mesma vogal ("cA" e "'A"), resultando em rima interna (rima

no interior do verso). Acrescente-se ainda a repeti����o do mesmo

verso em quase metade do poema. Desse conjunto de recursos

surge o ritmo musical, integrando-se �� tem��tica do texto.

Verso de sete s��labas

0 verso de sete s��labas, heptass��labo ou redondilha maior,

�� o mais simples, do ponto de vista das leis m��tricas. Basta que

a ��ltima s��laba seja acentuada; os demais acentos podem cair

em qualquer outra s��laba. Talvez por isso ele seja o verso predo-

minante nas quadrinhas e can����es populares. Verso tradicional

em l��ngua portuguesa, j�� era freq��ente nas cantigas medievais.

Ele se faz presente em "Peixe vivo", uma conhecida cantiga

popular entoada por crian��as em brincadeiras de roda:

Como pode o peixe vivo

Viver fora da ��gua fria?

Como poderei viver

Sem a tua companhia?

Vamos metrificar:

C o - m o - P O - d e o-PEI-xe-VI (vo) E.R. 7(3-5-7)

1 2 3 4 5 6 7

V i - v e r - F O - r a - d a ��- gua- FRI (a) E.R. 7(3-7)

1 2 3 4 5 6 7

CO- mo- PO- de- REI- vi- VER E.R. 7(1-3-5-7)

1 2 3 4 5 6 7

Sem- a- T U - a- com- pa- NHI (a) E.R. 7(3-7)

1 2 3 4 5 6 7





3 7

A redondilha maior, esse verso mel��dico, al��m de muito

freq��ente na letra das can����es folcl��ricas e populares, aparece

ainda em poemas de todas as ��pocas, em Portugal e no Brasil.

Verso de oito s��labas

Para ilustrar o verso de oito s��labas, ou octoss��labo, leia parte

da letra de uma can����o de Noel Rosa, "A melhor do planeta":

Tu pensas que tu �� que ��s

A melhor mulher do planeta,

Mas eu �� que n��o vou fazer

Tudo o que te der na veneta.9

Escandindo, fica assim:

Tu- P E N - sas- que- T U - ��- que- ��S E.R. 8(2-5-8)

1 2 3 4 5 6 7 8

a- me- LHOR- mu- LHER- do- pla- NE (ta) E.R. 8(3-5-8)

1 2 3 4 5 6 7 8

mas- E U - ��- que- N O - vou- fa- ZER E.R. 8(2-5-8)

1 2 3 4 5 6 7 8

T U - d o o - q u e - t e - D E R - n a - v e - N E ( t a ) E.R. 8(1-5-8)

1 2 3 4 5 6 7 8

Como no caso dos outros versos, s��o esses apenas alguns

exemplos. Outros tipos de acento podem aparecer, sendo bem

freq��ente o que divide o verso ao meio, com acento na quarta e

na ��ltima s��labas.

9 JoAo A N T �� N I O (Org.). Noel Rosa (antologia). S��o Paulo: Abril Educa����o, 1982.

p. 27. S��rie Literatura Comentada.





3 8

Verso de nove s��labas

Para o verso de nove s��labas, ou eneass��labo, nosso exemplo

�� retirado da parte III do "Canto do Piaga", de Gon��alves Dias:

N��o sabeis o que o monstro procura?

N��o sabeis a que vem, o que quer?

Vem matar vossos bravos guerreiros.

Vem roubar-vos a filha, a mulher!10

O ritmo de todo o segmento �� o mesmo: um eneass��labo

tern��rio, isto ��, composto de tr��s segmentos r��tmicos. Veja a

escans��o do primeiro verso:

N��o- sa- BEIS- o- que o- M O N S - tro- pro- CU (ra)

1

2

3

4

5 6

7

8

9

E.R. 9(3-6-9)

Nos outros versos, repete-se o mesmo esquema r��tmico. O

efeito �� encantat��rio, enfeiti��ador, tal qual o monstro evocado

pelo poeta que apavorava os ind��genas.

Outro tipo de versos eneass��labos aparece em "Ou isto ou

aquilo", de Cec��lia Meireles. Leia em voz alta:

Ou se tem chuva e n��o se tem sol

Ou se tem sol e n��o se tem chuva."

O esquema r��tmico revela um verso bipartido, com E.R.

9(4-9). Harmonizam-se metro e significado: o primeiro seg-

B R A I T , Beth (Org.). Gon��alves Dias (antologia). S��o Paulo: Abril Educa����o,

1982. p. 14. S��rie Literatura Comentada.

1 1 M E I R E L E S , Cec��lia. Ou isto ou aquilo. 5. ed. S��o Paulo: Civiliza����o Brasileira, 1981. p. 57.





3 9

mento r��tmico do verso levanta uma alternativa; o segundo pro-

p��e a alternativa oposta.

Verso de dez s��labas

0 verso de dez s��labas, ou decass��labo, foi um dos preferi-

dos pelos poetas cl��ssicos do s��culo XVI. Ele domina o c��lebre

poema ��pico Os lus��adas, de Lu��s de Cam��es. Aparece nos

sonetos da ��poca e tamb��m nos de todas as outras, por ser um

verso de grande efeito sonoro.

No Classicismo havia dois tipos de decass��labos: o her��ico,

com E.R. 10(6-10), e o s��fico, com E.R. 10(4-8-10). Leia a seguir

a estrofe 24 do Canto V de Os lus��adas. Trata-se do momento em

que os lusos avistaram terra, ap��s muito tempo no mar, em uma

noite de lua. No texto, a lua �� o "planeta" de "meio rosto":

1 Mas j�� o planeta que no c��u primeiro

2 Habita, cinco vezes, apressada,

3 Agora meio rosto, agora inteiro,

4 Mostrara, enquanto o mar cortava a armada,

5 Quando da et��rea g��vea um marinheiro,

6 Pronto co'a vista: "Terra, terra," brada.

7 Salta no bordo alvoro��ada a gente,

8 Co'os olhos no horizonte do Oriente.12

Verifique os acentos do primeiro e do s��timo versos:

Mas- ja o- pia- NE- ta- que- no- C��U- pri- MEI (ro)

1 2

3

4

5

6

7

8

9 1 0

Sal- ta- no- BOR- do al- vo- ro- ��A- da a- GEN (te)

1

2

3

4 5 6 7 8 9 10

1 2 C A M �� E S , L U �� S de. Os lus��adas. 10. ed. S��o Paulo: Melhoramentos, 1956. p. 174.





4 0

Trata-se de decass��labos s��ficos, com E.R. 10(4-8-10).

Fa��a a contagem dos demais versos, com exce����o do sexto. Veja

o verso 2:

Ha- bi- ta- cin- co- VE- zes- a- pres- SA (da)

1

2

3

4

5

6 7 8 9 1 0

O E.R. 10(6-10) aponta um decass��labo her��ico. O

mesmo E.R. pode ser encontrado para os versos 3, 4, 5, 8. O

verso 6 vai apresentar dupla leitura poss��vel, isto ��, tens��o r��tmi-

ca ��� ora her��ico, ora s��fico:

1) Pron- to- co'a- vis- ta- TER- ra- ter- ra- BRA (da)

1 2 3

4

5

6

7

8

9 1 0

E.R. 10(6-10);

2) Pron- to- co'a- VIS- ta- ter- ra- TER- ra- BRA (da)

1 2 3

4

5

6

7

8

9 1 0

E.R. 10(4-8-10).

Pode-se considerar a tens��o r��tmica como um modo de

enfatizar o an��ncio de "terra �� vista", meta importante do grupo

de viajantes.

A partir do Classicismo, o decass��labo foi sendo enrique-

cido ritmicamente, com variantes de novos acentos em rela����o

aos dois tipos iniciais. Veja como ele aparece no primeiro verso

do d��stico (estrofe de dois versos) que funciona como refr��o

(estrofe que se repete) no poema "A catedral", de Alphonsus de

Guimaraens:

E o sino canta em l��gubres responsos:

Pobre Alphonsus! Pobre Alphonsus!13

G O L D S T E I N , Norma e C A M P E D E L L I , Samira. Literatura brasileira: estudo de textos. 2. ed. S��o Paulo: ��tica, 1975. p. 152.





4 1

Os dois versos t��m tamanhos diferentes: dez e sete s��la-

bas, respectivamente. Vamos examinar o maior:

E o- si- no- C A N - ta em- L��- gu- bres- res- PON (sos)

1

2

3

4 5

6

7

8

9 1 0

E.R. 10(4-6-10)

A medida que se forem lendo e analisando poemas, ser��o

encontradas novas varia����es r��tmicas poss��veis para este e para

os outros tipos de versos.

Verso de onze s��labas

O hendecass��labo, ou verso de onze s��labas, tamb��m per-

mite mais de um tipo de acentua����o. Veja a primeira parte do

poema "I-Juca-Pirama", de Gon��alves Dias:

No meio das tabas de amenos verdores,

cercadas de troncos ��� cobertos de flores,

Alteiam-se os tetos d'altiva na����o;

S��o muitos seus filhos, nos ��nimos fortes,

Tem��veis na guerra, que em densas coortes

Assombram das matas a imensa extens��o.14

Neste trecho, todos os versos se assemelham. Vamos escan-

dir os dois primeiros:

No- MEI- o - das- TA- bas- de a- M E - nos- ver- DO (res)

1

2

3

4

5

6 7 8 9 1 0 1 1

E.R. 11(2-5-8-11)

B R A I T , Beth (Org.). Gon��alves Dias (antologia). S��o Paulo: Abril Educa����o,

1982. p. 44. S��rie Literatura Comentada.





4 2

cer- CA- das- de- TRON- cos- co- BER- tos- de -FLO (res)

1

2

3

4 5

6

7

8

9 1 0 1 1

E.R. 11(2-5-8-11)

O esquema r��tmico dos demais �� o mesmo. Resulta da�� um

ritmo cuja musicalidade enfatiza o clima ("amenos verdores",

"troncos ��� cobertos de flores") e as personagens her��icas do

poema ("altiva na����o", "��nimos fortes", "tem��veis na guerra").

Verso de doze s��labas

O verso de doze s��labas ou alexandrino �� um verso longo

e muito querido dos poetas cl��ssicos e dos parnasianos. ��

menos freq��ente em outras ��pocas. Geralmente, tem um acento

e uma cesura (divis��o) na sexta s��laba, ficando subdividido ao

meio. Cada uma das metades chama-se hemistiquio. Observe o

ritmo dos alexandrinos criados por Cruz e Souza na estrofe ini-

cial do soneto "Amor":

Nas largas muta����es perp��tuas do universo

O amor �� sempre o vinho en��rgico, irritante...

Um lago de luar nervoso e palpitante...

Um sol dentro de tudo altivamente imerso.15

Metrifiquemos o primeiro verso:

Nas- lar- gas- mu- ta- ����ES- per- p��- tuas- do u- ni- VER (so)

1 2 3 4 5 6 7 8 9 10 11 12

E.R. 12(6-12)

G O N �� A L V E S , Aguinaldo Jos�� (Org.). Cruz e Souza (antologia). S��o Paulo: Abril 1

5

Educa����o, 1982. p. 46. S��rie Literatura Comentada.





4 3

Quanto ao segundo, vai ser poss��vel a dupla leitura, pois

ocorre tens��o r��tmica:

1)0 a-mor-��-sem-pre o-VI-nho e- n��r-gi-co' ir-ri-TAN (te)

1 2 3 4 5 6 7 8 9 10 11 12

E.R. 12(6-12)

2) O a-mor-��-SEM-pre o- vi-nho e- N��R-gi-co ir-ri-TAN (te)

1 2 3 4 5 6 7 8 9 10 11 12

E.R. 12(4-8-12)

Os alexandrinos ora apresentam dois hemistiquios, com

E.R. 12(6-12), ora se subdividem em tr��s segmentos r��tmicos,

com E.R. 12(4-8-12). No verso em que h�� tens��o r��tmica, note

que h�� tamb��m tens��o sem��ntica, isto ��, quanto �� significa����o:

o poeta diz que o amor �� o vinho e qualifica esse vinho com

dois adjetivos que, por serem opostos, estabelecem uma tens��o

em rela����o ao sentido: vinho "en��rgico" (qualidade positiva) e

"irritante" (caracter��stica negativa). Ritmo e significado ap��iam-

se mutuamente. No verso 3 e no verso 4, o esquema r��tmico ��

12(6-12).

Rigorosos quanto �� forma, os parnasianos praticavam a

fus��o sonora dos dois hemistiquios do verso alexandrino. Isto ��:

o final do primeiro segmento r��tmico deveria ligar-se ao in��cio

do segundo, como ensina Olavo Bilac em seu Tratado de versifi-

ca����o: "A lei org��nica do alexandrino pode ser expressa em dois

artigos: 1?) quando a ��ltima palavra do primeiro verso de seis

s��labas (hemistiquio) �� grave, a primeira palavra do segundo

deve come��ar por uma vogal ou por um H; 2��) a ��ltima palavra

do primeiro verso (hemistiquio) nunca pode ser esdr��xula".16

Em poetas modernos h�� mais flexibilidade.

1 6 B I L A C , Olavo Bilac. Tratado de versifica����o. 3. ed. S��o Paulo: Francisco Alves, 1918. p. 68.



4 4

Versos com mais de doze s��labas

Voc�� talvez esteja pensando em perguntar se h�� versos

maiores do que o alexandrino. H�� e, geralmente, s��o versos

compostos de dois outros versos menores. Por exemplo: o verso

de 14 s��labas seria equivalente a dois versos de 7 s��labas; o de

15 s��labas, a um de 7 mais um de 8 s��labas.

Tudo o que foi dito aqui refere-se apenas aos versos regu-

lares, aqueles que obedecem ��s regras tradicionais de acentua-

����o m��trica. Quando os versos n��o forem regulares, o ritmo ��

outro, como voc�� ver�� a seguir.



5 Versos regulares

Os versos regulares, como j�� foi dito, s��o os que obede-

cem ��s regras cl��ssicas estabelecidas pela m��trica, determinan-

do a posi����o das s��labas acentuadas em cada tipo de verso. As

rimas aparecem de modo regular, marcando a semelhan��a f��ni-

ca no final de certos versos. Os exemplos que ilustram o cap��tu-

lo anterior s��o de versos regulares.

Versos brancos

Quando os versos obedecem ��s regras m��tricas de versifi-

ca����o ou acentua����o, mas n��o apresentam rimas, chamam-se

versos brancos. S��o brancos os versos do poema "Uruguai", do

poeta ��rcade Bas��lio da Gama (s��c. XVIII):

L��, como �� uso do pa��s, ro��ando

Dois lenhos entre si, desperta a chama,

Que j�� se ateia nas ligeiras palhas,

E velozmente se propaga. Ao vento

Deixa Cacambo o resto e foge a tempo1

G O L D S T E I N , Norma e C A M P E D E L L I , Samira. Literatura brasileira: estudo de textos.

2. ed. S��o Paulo: ��tica, 1975. p. 28.





4 6

Esse trecho conta como o her��i ind��gena Cacambo ateou

fogo ao acampamento de seus inimigos. Cada verso tem dez

s��labas po��ticas. O primeiro, o terceiro e o quarto versos s��o

s��ficos, com E.R. 10(4-8-10); os outros dois s��o her��icos, com

E.R. 10(6-10). As rimas n��o aparecem, pois os versos brancos

apresentam regularidade m��trica, por��m n��o rimas.

Para os versos regulares ou para os brancos, s��o estes os

esquemas r��tmicos mais freq��entes:





4 7

Versos polim��tricos

O nome por si j�� diz: poli = muito; metro = tamanho. Esse

�� o nome que se d�� a um conjunto de versos regulares de tama-

nhos diferentes. Embora de tamanhos diferentes, t��m as s��labas

fortes geralmente localizadas nas posi����es indicadas pelas

regras m��tricas tradicionais. Al��m disso, essas s��labas ocupam

posi����es fixas, na primeira como nas demais leituras. Leia os

versos polim��tricos criados por Vin��cius de Moraes:

Paisagem

1 Subi a alta colina

2 Para encontrar a tarde





4 8

3 Entre os rios cativos

4 A sombra sepultava o sil��ncio.

5 Assim entrei no pensamento

6 Da morte minha amiga

7 Ao p�� da grande montanha

8 Do outro lado do poente.

9 Como tudo nesse momento

10 Me pareceu pl��cido e sem mem��ria

11 Foi quando de repente uma menina

12 De vermelho surgiu no vale correndo, correndo...2

O poema comp��e-se de tr��s quartetos em versos m��trica-

mente desiguais. O desenho formado na p��gina, assim como a

metrifica����o, apresentam uma grada����o: ambos v��o se alargan-

do progressivamente. No in��cio, o poema sugere um desliga-

mento reflexivo; no final, a imagem pl��stica da menina remete

aos aspectos concretos do cotidiano.

Esse percurso se apoia na op����o pelos versos polim��tri-

cos, com tamanhos gradativamente aumentados do in��cio ao

final do texto. �� importante observar que os acentos recaem

sempre sobre as mesmas s��labas, eles s��o fixos, diferentemente

do que ocorre com os versos livres, como voc�� ver�� a seguir.

Leia os versos indicados e confira seu esquema r��tmico: verso 3:

E.R. 5(3-5); verso 4: E.R. 9(2-6-9); verso 11: E.R. 10(2-6-10);

verso 12: E.R. 14(3-6-8-11-14).

Os versos polim��tricos foram empregados, sobretudo, a

partir da segunda d��cada do s��culo XX, como um modo de ino-

var o ritmo de nossa poesia.

2 M O R A E S , Vinicius de. Antologia po��tica. 2. ed. Rio de Janeiro: Editera do Autor, 1960. p. 120.





4 9

Versos livres

Os versos livres n��o obedecem a nenhuma regra preesta-

belecida quanto ao metro, �� posi����o das s��labas fortes, nem ��

presen��a ou regularidade de rimas. Esse tipo de verso, t��pico do

Modernismo, vem sendo muito usado a partir da segunda d��ca-

da do s��culo XX. Num poema em versos livres, cada verso pode

ter tamanho diferente, a s��laba acentuada n��o �� fixa, variando

conforme a leitura que se fizer. Como no poema abaixo, de

Alberto Caeiro, heter��nimo de Fernando Pessoa:

O espelho reflete certo: n��o erra porque n��o pensa.

Pensar �� essencialmente errar.

Errar �� essencialmente estar cego e surdo.3

Releia o texto. Verifique como o ritmo �� solto e imprevis��-

vel. Note como os acentos podem mudar de lugar, conforme a

leitura. O verso livre modernista tem um ritmo irregular cujo

efeito d�� uma esp��cie de vertigem. Ap��s a grande voga desse

verso, os poetas retornaram ao verso tradicional, inovando-o,

reinventando-o, na medida em que passavam a utiliz��-lo de

modo nunca visto anteriormente. Por exemplo: agrupam-se ver-

sos de metro (tamanho) igual, com acentua����o distribu��da de tal

modo que o leitor sup��e estar diante de versos desiguais. Ou,

inversamente, sucedem-se versos desiguais cuja acentua����o os

faz parecerem semelhantes.

O verso livre �� muito mais dif��cil que o regular, embora

possa dar a impress��o contr��ria, conforme testemunha Manuel

Bandeira, no ensaio "Poesia e verso":

Mas verso livre cem por cento �� aquele que n��o se

socorre de nenhum sinal exterior sen��o o da volta ao

3 P E S S O A , Fernando. Obra po��tica. Rio de Janeiro: Aguilar, 1965. p. 240.





5 0

ponto de partida, �� esquerda da folha de papel: verso

derivado de vertere, voltar. �� primeira vista, parece mais

f��cil de fazer do que o verso metrificado. Mas �� engano.

Basta dizer que no verso livre o poeta tem de criar seu

ritmo sem aux��lio de fora. (...) Sem d��vida, n��o custa

nada escrever um trecho de prosa e depois distribu��-lo

em linhas irregulares, obedecendo t��o-somente ��s pau-

sas do pensamento. Mas isso nunca foi verso livre. Se

fosse, qualquer um poderia p��r em verso at�� o ��ltimo

relat��rio do Ministro da Fazenda.4

Durante muitos per��odos, entre os s��culos XV e XX, a

busca da simetria se fez presente em todas as artes, inclusive na

poesia. �� o caso do alexandrino em duas partes iguais de seis

s��labas (hemist��quios) e do decass��labo em duas partes quase

iguais, com E.R. 10(6-10). A partir de fins do s��culo XIX, a

simetria foi perdendo terreno no campo das artes. Em poesia, os

simbolistas deram os primeiros passos que culminaram na libe-

ra����o r��tmica do Modernismo. Em lugar da simetria, surge a

irregularidade, o contraste, a disson��ncia, o efeito imprevis��vel

ou inesperado.

Quando se voltou aos metros tradicionalmente chamados

regulares, sobretudo a partir de 1945, estes se viram transfigu-

rados em novos. �� o caso da poesia de Jo��o Cabral de Melo

Neto, Murilo Mendes, Ferreira Gullar, Jos�� Paulo Paes, Affonso

Romano de Sant" Anna e de outros poetas surgidos a partir de

meados do s��culo passado. A liberdade r��tmica criou uma nova

m��sica do verso, tornando o metro mais livre, o poema menos

regular do que os tradicionais, o ritmo mais seco e contundente.

Em outras palavras, um ritmo inesperado, irregular, din��mico

como o da vida do homem contempor��neo.

4 B A N D E I R A , Manuel. Itiner��rio de Pas��rgada. Rio de Janeiro: Livraria S. Jos��, 1957. p. 230-231.



5 1

Uma observa����o importante: a diferen��a entre os tipos de

verso �� somente de estrutura, n��o de qualidade. H�� belos poe-

mas em versos regulares, belos poemas em versos polim��tricos

e belos poemas em versos livres. O modo de compor traduz a

vis��o de mundo de uma certa ��poca. Muda o modo de vida,

mudam as formas art��sticas. Cada poeta escolhe o ritmo que

julgar adequado ao tema que vai tratar. O leitor deve buscar

integrar o ritmo, seja ele qual for, aos demais aspectos estrutu-

radores do poema.



6 Estrofes

D��sticos, tercetos...

Estrofe �� um conjunto de versos. Uma linha em branco

vem antes, e outra, depois da estrofe, separando-a das demais

partes do poema e marcando a sua unidade. H�� estrofes de dife-

rentes tamanhos. De um s�� verso, de dois, de tr��s ou maiores.

Conforme o n��mero de versos que a comp��em, a estrofe recebe

um nome diferente:

No per��odo anterior ao Modernismo, as estrofes predomi-

nantes eram os tercetos, os quartetos, as quintilhas, as sextilhas,



5 3

as oitavas e as d��cimas. Ap��s a libera����o r��tmica modernista, as

composi����es em verso passaram a apresentar todo tipo de estro-

fe e de verso.

Os quartetos e os tercetos comp��em o soneto, poema de

forma fixa de mais longa perman��ncia em nossa tradi����o liter��-

ria, do qual se falar�� adiante. Conv��m observar que, quando se

trata de composi����o popular, a estrofe de quatro versos tem

estrutura menos elaborada (podem rimar apenas os versos

pares) e recebe o nome de quadra ou, no diminutivo, quadrinha.

A quintilha e a sextilha s��o estrofes que podem rimar livremen-

te, sem obedecer a esquemas r��gidos. A d��cima organiza-se

como estrofe composta de um quarteto seguido de um sexteto,

havendo um esquema diferente de rimas em cada subestrofe que

a comp��e.

S��o freq��entes os poemas que mesclam mais de um tipo

de estrofe. �� medida que o leitor de poesia vai enriquecendo

seu repert��rio, o contato com poemas antigos e modernos reve-

la novos modos de organiza����o dos versos no poema.

Para n��o entrar em exaustivas exemplifica����es, detenho-

me apenas em alguns tipos de estrofe: o refr��o, a oitava e a

quadrinha.

Refr��o

H�� poemas com v��rios tipos de organiza����o estr��fica. Ora

as estrofes s��o todas iguais: s�� tercetos; s�� quartetos; s�� quinte-

tos, e assim por diante. Ora as estrofes s��o diferentes uma da

outra. ��s vezes, um grupo de versos repete-se ao longo do

poema; trata-se do refr��o. O refr��o facilita a memoriza����o nas

can����es, tendo um papel r��tmico importante em todas as ��pocas.

O exemplo a seguir �� da Lira IV de "Mar��lia de Dirceu", do

��rcade Tom��s Ant��nio Gonzaga:



5 4

Mar��lia, teus olhos

S��o r��us, e culpados.

Que sofra e que beije

Os ferros pesados

De injusto Senhor.

Mar��lia, escuta

Um triste Pastor.

Mal vi o teu rosto,

0 sangue gelou-se.

A l��ngua prendeu-se,

Tremi, e mudou-se

Das faces a cor.

Mar��lia, escuta

Um triste Pastor.

Nas duas primeiras estrofes da Lira IV voc�� observa cinco

versos iniciais, de cinco s��labas, descrevendo a beleza de Mar��-

lia e a atra����o que ela exerce sobre o poeta. Os dois versos

finais comp��em o refr��o, que vai se repetir ao longo do poema.

O refr��o invoca a aten����o da amada para seu "pastor", como se

autonomeavam os poetas do Arcadismo.

Aparentemente, s��o os mesmos os versos que se repetem.

Na verdade, entre uma apari����o do refr��o e outra, como h�� os

versos que se intercalam, o tom do apelo vai ficando mais forte

e denso �� medida que a leitura do poema avan��a. O leitor perce-

be que o par amoroso vai separar-se, e o refr��o se torna um

lamento cada vez mais acentuado, at�� a pungente despedida da

estrofe final:

Mas eu te desculpo.

Que o fado tirano

Te obriga a deixar-me;

Pois basta o meu dano

Da sorte, que for.





5 5

Mar��lia, escuta

Um triste Pastor.

Oitava

A oitava (estrofe de oito versos) aparece nos dez cantos de

Os lus��adas, de Cam��es, e em outras composi����es ��picas. Eis

suas caracter��sticas: oito versos decass��labos; rimas organizadas

da seguinte forma: 1? tipo de rima ��� versos 1, 3, 6; 2��. tipo ���

versos 2, 4, 6; 3�� tipo ��� versos 7 e 8. Voc�� j�� leu uma estrofe de

Os lus��adas, p��ginas atr��s. Observe esta outra, do Canto I:

Vasco da Gama, o forte Capit��o,

Que a tamanhas empresas se oferece,

De soberbo e de altivo cora����o,

A quem fortuna sempre favorece,

Para se aqui deter n��o v�� raz��o.

Que inabitada a terra lhe parece

Por diante passar determinava

Mas n��o lhe sucedeu como cuidava.2

Os versos s��o decass��labos her��icos, com E.R. 10(6-10).

Quanto ��s rimas, eis a distribui����o:

1) v. 1 capitfo / v. 3 cora����o / v. 5 raz��o

2) v. 2 oferece / v. 4 favorece / v. 6 parece

3) v. 7 determinava / v. 8 cuidava

Ao ler e analisar poemas, voc�� vai notar que a estrofe ��� ou

um grupo de estrofes ��� estabelece certa unidade, no interior do

1 C A M P E D E L L I , Samira Youssef (Org.). Tom��s Antonio Gonzaga (antologia). S��o Paulo: Abril Educa����o, 1980. p. 12, 13, 14. S��rie Literatura Comentada.

2 C A M �� E S , L U �� S de. Os lus��adas. 10. ed. S��o Paulo: Melhoramentos, 1956. p. 25.





5 6

texto. O verso seria a primeira unidade; a estrofe, a segunda. Ela

s�� pode ser interpretada em fun����o do poema todo e vice-versa. ��

a partir dela que voc�� pode come��ar a analisar um texto po��tico.

Quadrinha

Quadrinha �� o poema de quatro versos que, geralmente,

desenvolve um conceito relativo �� filosofia popular.

�� nesse tipo de composi����o que Carlos Drummond de

Andrade se inspira ao compor quadras em homenagem a seus

amigos, no livro Viola de bolso. Veja duas delas:

Murilo Mendes

Alt��ssimo poeta puro,

��s tu, meu Murilo Mendes,

que estrelas, no c��u escuro,

al��ando os bra��os, acendes.

& Maria da Saudade

Esparsa (alto mist��rio] eis que a poesia

reconquista, na luz, sua unidade

Ela mora, perfeita alegoria,

em Murilo e Maria da Saudade.3

O que marca a estrofe ��, graficamente, o espa��o em bran-

co antes e depois dela; e, fonicamente (sonoramente), as rimas,

que enfatizam a sua unidade.

Alguns poemas mant��m o mesmo tipo de rima em todas

as estrofes. A maioria muda de rima a cada estrofe. O cap��tulo

seguinte trata das rimas, seu emprego e sua classifica����o.

3 A N D R A D E , Carlos Drummond de. Obra completa. Rio de Janeiro: Aguilar, 1964 .

p. 379.

7 Rimas

Parentesco sonoro

Rima �� o nome que se d�� �� repeti����o de sons semelhantes,

ora no final de versos diferentes, ora no interior do mesmo

verso, ora em posi����es variadas, criando um parentesco f��nico

entre palavras presentes em dois ou mais versos. Retome o

minipoema "Encontro", de M��rio Quintana, que voc�� leu no in��-

cio deste livro. H�� rima quando acontece o "encontro" de duas

palavras na "esquina do poema" e elas se olham "at��nitas e

comovidas" como "duas irm��s desconhecidas". A semelhan��a

sonora aproxima termos que, fora do poema, o leitor n��o pensa-

ria em relacionar.

Rima interna e rima externa

A rima externa ocorre quando se repetem sons semelhan-

tes no final de diferentes versos. Pode tamb��m haver rima entre

a palavra final de um verso e outra do interior do verso seguin-

te. Temos, ent��o, a rima interna. Em ambos os casos ��� rima

externa ou interna ���, trata-se de um recurso de grande impacto

musical e r��tmico que contribui para o sentido do texto.





5 8

Rima consoante e rima toante

A rima pode ser consoante e toante. Rima consoante ��

aquela que apresenta semelhan��a de consoantes e vogais, como

no quarteto de Carlos Drummond de Andrade.

Senta-te nesta cadeira (EIRA)

e aceita nosso jantar. (AR)

Tranq��ilo: em casa mineira (EIRA)

nunca faltou um lugar. (AR)

1

Observe que nessas rimas assemelham-se tanto as vogais

quanto as consoantes.

Rima toante �� a que s�� apresenta semelhan��a na vogal

t��nica, sem que as consoantes ou outras vogais coincidam.

Observe as rimas toantes no poema "Melancolia", de Guilherme

de Almeida:

1 Sobre um fruto cheiroso e bravo (vogal t��nica A)

2 todo pintado de vermelho vivo (vogal t��nica I)

3 uma lagarta verde dorme, (vogal t��nica O)

4 O sil��ncio quente do meio-dia (vogal t��nica I)

5 respira como o papo de uma ave. No ar alvo (vogal

t��nica A)

6 a asa de uma cigarra risca um silvo (vogal t��nica I)

7 longo - brilhante - e some. (vogal t��nica O)

8 Melancolia, (vogal t��nica I)2

Eis as rimas toantes:

' A N D R A D E , Carlos Drummond de. Obra completa. Rio de Janeiro: Aguilar, 1964.

p. 383.

G O L D S T E I N , Norma. Do penumbrismo ao modernismo: o primeiro Bandeira e

outros poetas significativos. S��o Paulo: ��tica, 1983. p. 72.





5 9

v. 1 bravo / v. 5 alvo

v. 2 vjvo / v. 4 dja / v. 6 silvo / v. 8 melancolia

v. 3 dorme / v. 7 some.

Para efeito de an��lise, ficou convencionado designar cada

rima por uma letra do alfabeto: 1�� tipo de rima do poema: A;

2o. tipo, B; 3o. tipo, C; e assim por diante. Para exemplificar, uma

estrofe de "Efeitos de Sol", de M��rio Pederneiras:

Belo tempo o da messe rima A

Do Sol que a Terra e que as espigas doira... rima B

P��ra quem passa nos trigais, parece rima A

Que a terra �� toda loira rima B

3

Nesse quarteto, a rima �� A B A B .

Rimas cruzadas, emparelhadas, interpoladas,

misturadas

De acordo com o modo como as rimas se distribuem ao

longo da estrofe ou do poema, elas podem ser cruzadas (ou

alternadas), emparelhadas, interpoladas ou misturadas.

Leia um trecho de "Dados biogr��ficos", de Carlos Drum-

mond de Andrade:

Mas que dizer do poeta rima A

numa prova escolar? rima B

Que ele �� meio pateta rima A

e n��o sabe rim rima B

Que veio de Itabira, rima C

terra longe e ferrosa? rima D

3 Id. ibid., p. 17.





6 0

E que seu verso v rima C

de vez em quando p ?" rima D

Sobre essas duas estrofes, pode-se dizer que as rimas obe-

decem ao esquema ABAB CDCD. Rimas desse tipo recebem o

nome de rimas cruzadas ou alternadas.

Observe outro modo de distribuir as rimas, na primeira

estrofe de "O sentimento dum ocidental", de Ces��rio Verde:

Nas nossas ruas, ao anoitec rima A

H�� tal soturnidade, h�� tal melancol rima B

Que as sombras, o bul��cio, o Tejo, a mares rima B

Despertam-me um desejo absurdo de sofr : rima A

5

Nesse caso, temos rimas ABBA. As rimas B s��o empare-

lhadas. As rimas de tipo A s��o chamadas interpoladas.

Se as rimas tiverem outro tipo de organiza����o, chamam-se

rimas misturadas. Quando aparece um verso sem rima, diz-se

que �� o caso de rima perdida ou rima ��rf��, como ilustram os ver-

sos de um poema de Fernando Pessoa:

1 Vaga saudade, tanto

2 D��is como a outra que ��

3 A saudade de quanto

4 Existiu aqui ao p��.

5 Tu, que ��s do que nunca houve,

6 Punges como o passado

7 A que existir n��o aprouve.6

4 A N D R A D E , Carlos Drummond de. Obra completa. Rio de Janeiro: Aguilar, 1964.

p.413.

5 A M O R A et al. Presen��a da literatura portuguesa. S��o Paulo: Difus��o Europeia do Livro, 1961. p. 271. v. II.

6 P E S S O A , Fernando. Obra po��tica. Rio de Janeiro: Aguilar, 1965. p. 577.





6 1

Rimam os versos 1 e 3 (t /qu ), os versos 2 e 4

( /p ) e os versos 5 e 7 (h /apr ). J�� o verso 6 n��o rima

com nenhum outro: �� rima perdida ou rima ��rf��.

Rimas agudas, graves ou esdr��xulas

Quanto �� posi����o do acento t��nico, a rima coincide com a

palavra final do verso: rimas agudas, formadas por palavras

agudas ou ox��tonas; rimas graves, formadas por palavras graves

ou parox��tonas; rimas esdr��xulas, formadas por palavras esdr��-

xulas ou proparox��tonas. Classifiquemos as rimas do quarteto

de "Poemeto ir��nico", de Manuel Bandeira:

O que tu c h a m a s tua paixi rima A

�� t �� o - s o m e n t e curi��s rima B

E os t e u s desejos ferventes v rima A

Batendo a s a s na irreal rima B

As rimas A (paix /v ) s��o agudas; as rimas B (curio-

s /irreal ) s��o graves. Todas as rimas s��o consoantes.

C o m o o esquema �� A B A B , trata-se de rimas cruzadas.

Vamos repetir, analisando o quarteto inicial de um soneto

de Cruz e Souza:

�� um pensar flamejador, dard; (A)

uma explos��o de r��pidas id; (B)

q u e com um mar de e s t r a n h a s odiss (B)

saem-lhe do cr��nio escultural, til ...8 (A)

7 B A N D E I R A , Manuel. Estrela da vida inteira. Rio de Janeiro: Jos�� Olympio, 1966 .

p. 2 3 - 2 4 .

8 G O N �� A L V E S , Aguinaldo Jos�� (Org.). Cruz e Souza (antologia). S��o Paulo: Abril Educa����o, 1982. p. 4 7 . S��rie Literatura Comentada.





6 2

As rimas A (dard /tit ) s��o esdr��xulas; e as B

(id /odiss ) s��o graves. Como a distribui����o �� ABBA, as

primeiras (A) s��o interpoladas, e as segundas (B), emparelha-

das. Todas s��o rimas consoantes.

Rima rica e rima pobre

S��o dois os modos de conceituar rima rica e rima pobre: o

primeiro crit��rio �� gramatical; o segundo, f��nico.

De acordo com o crit��rio gramatical, a rima pobre ocorre

entre palavras pertencentes �� mesma categoria gramatical (dois

substantivos, dois adjetivos, dois verbos etc). E a rima rica se

d�� entre termos pertencentes a diferentes categorias gramati-

cais. Para ilustrar, um quarteto de Greg��rio de Matos, do soneto

"�� instabilidade das cousas do mundo":

Nasce o Sol e n��o dura mais que um d

Depois da luz se segue a noite esc

Em tristes sombras morre a formos

Em cont��nuas tristezas, a alegr ,9

Comparando os termos que rimam, segundo o crit��rio

gramatical, percebemos que "dia" e "alegria" apresentam rima

pobre, por pertencerem �� mesma categoria gramatical (substan-

tivos), enquanto "escura" (adjetivo) e "formosura" (substantivo)

configuram rima rica, pela diferen��a de categoria gramatical.

Pelo crit��rio f��nico, a rima �� pobre ou rica conforme a

extens��o dos sons que se assemelham. Na rima pobre, igualam-

se as letras a partir da vogal t��nica. Na rima rica, a identifica����o

9 G O L D S T E I N , Norma e C A M P E D E L L I , Samira. Literatura brasileira: estudo de textos.

2. ed. S��o Paulo: ��tica, 1975. p. 14.





6 3

come��a antes da vogal t��nica. Classifiquemos as rimas no quar-

teto inicial de "Um beijo", de Olavo Bilac, pelo crit��rio f��nico:

Foste o beijo melhor da minha v (A)

Ou talvez o pior... Gl��ria e tor (B)

Contigo �� luz subi do firma (B)

Contigo fui pela infernal desc (A)

As rimas A s��o interpoladas e pobres, pois as palavras

vida e descida s�� se identificam a partir da vogal t��nica; as

rimas B s��o emparelhadas e ricas, pois a igualdade de sons entre

as palavras que rimam j�� se inicia antes da vogal t��nica: firma-

mento e tormento. Neste ��ltimo caso, o E �� a vogal t��nica; e

desde o M, consoante de apoio do E, j�� se d�� a identifica����o.

Resumo

Classifica����o quanto a

Tipos de rima

Posi����o no verso

Interna ou externa

Consoante ��� rimam consoantes e vogais

Semelhan��as de letras

Toante - rima apenas a vogal t��nica

Cruzadas - ABABAB

Emparelhadas - AA BB CC

Distribui����o ao longo

Interpoladas ��� A ... A

do poema

Misturadas - irregularmente distribu��das na

estrofe ou no poema

Pobres (mesma categoria gramatical)

Categoria gramatical

Ricas (categoria gramatical diferente)

Pobres (identidade da vogal t��nica em diante)

Extens��o dos sons

Ricas (identidade desde a consoante que vem

que rimam

antes da vogal t��nica)

B I L A C , Olavo. Poesias. 29. ed. Rio de Janeiro: Civiliza����o Brasileira, s/d. p. 332.

8 Poema e poesia

Poema em prosa e prosa po��tica

Depois de perceber como s��o variados os ritmos e os

metros, voc�� talvez esteja pensando na seguinte quest��o: ser��

que a poesia s�� se faz presente nos versos? N��o, n��o apenas

nos versos. A poesia pode estar presente em outras obras art��s-

ticas: pe��as musicais, quadros, esculturas, fotografias, bales,

ou seja, em diferentes cria����es art��sticas. Algumas dessas

obras s��o consideradas po��ticas, por serem elaboradas de

modo a criar no leitor/ouvinte/espectador um efeito pr��ximo

ao do poema: convidam �� releitura e permitem mais de uma

interpreta����o.

No caso da literatura, a poesia tamb��m pode estar presen-

te na prosa, como exemplificam o poema em prosa e a prosa

po��tica. O poema em prosa �� um texto completo, com caracte-

r��sticas semelhantes ��s dos poemas, mas, em vez de ser escrito

em versos, tem a escrita seq��encial da prosa. Foi praticado

pelos simbolistas, como Cruz e Souza, mas tamb��m aparece em

outras ��pocas, inclusive em nossos dias.

A express��o "prosa po��tica" indica pequeno trecho com

organiza����o similar �� do poema, escrito em prosa, inserido em

um texto de outro g��nero, em prosa n��o-po��tica. Pode aparecer





6 5

em meio a uma not��cia, cr��nica, conto, romance, pe��a teatral,

carta etc.

Leia um exemplo de poema em prosa, "Sobre sucatas",

criado pelo poeta Manoel de Barros:

Isto �� porque a gente foi criada em lugar onde n��o

tinha brinquedo fabricado. Isto porque a gente havia que

fabricar os nossos brinquedos: eram boizinhos de osso,

bolas de meia, autom��veis de lata. Tamb��m a gente fazia

de conta que sapo �� boi de sela e viajava de sapo. Outra

era ouvir nas conchas as origens do mundo. Estranhei

muito quando, mais tarde, precisei de morar na cidade.

Na cidade, um dia, contei para minha m��e que vira na

Pra��a um homem montado no cavalo de pedra a mostrar

uma faca comprida para o alto. Minha m��e corrigiu que

n��o era uma faca, era uma espada. E o homem era um

her��i da nossa hist��ria. Claro que eu n��o tinha educa����o

de cidade para saber que her��i era um homem sentado

num cavalo de pedra. Eles eram pessoas antigas da his-

t��ria que algum dia defenderam a nossa P��tria. Para mim

aqueles homens em cima da pedra eram sucata. Seriam

sucata da hist��ria. Porque eu achava que uma vez no

vento esses homens seriam como trastes, como qual-

quer peda��o de camisa nos ventos. Eu me lembrava dos

espantalhos vestidos com as minhas camisas. O mundo

era um peda��o complicado para o menino que viera da

ro��a. N��o vi nenhuma coisa mais bonita na cidade do

que um passarinho. Vi que tudo que o homem fabrica

vira sucata: bicicleta, avi��o, autom��vel. S�� o que n��o vira

sucata �� ave, ��rvore, r��, pedra. At�� nave espacial vira suca-

ta. Agora eu penso uma gar��a branca de brejo ser mais

linda que uma nave espacial. Pe��o desculpas por come-

ter essa verdade.1

1 B A R R O S , Manoel de. Mem��rias inventadas. S��o Paulo: Planeta, 2003. prancha XV.



6 6

Observe a express��o inicial: "isto ��". Geralmente, ela apa-

rece no meio de uma frase. Colocada no in��cio do texto, parece

sugerir a continua����o de uma conversa entre o poeta Manoel de

Barros e o leitor, iniciada anteriormente.

O processo se acentua, com a repeti����o da mesma expres-

s��o, logo em seguida. O emprego de "a gente", al��m da constru-

����o "lugar onde n��o tinha brinquedo" ��� com o informal "ter"

em vez do formal "haver" ���, instaura o tom de bate-papo entre

amigos, aproximando poeta e leitor. Ao longo do poema em

prosa, o leitor acompanha o estranhamento do menino do inte-

rior, em seus contatos iniciais com o universo da cidade. A des-

cri����o da est��tua mescla tom po��tico e ironia.

No final, ocorre o emprego inusitado do verbo "come-

ter" ��� cujo objeto direto costuma pertencer ao campo sem��n-

tico dos termos que indicam algo errado: falha, pecado, enga-

no, crime ou similar. O emprego de "verdade" nesse papel leva

o leitor a refletir sobre o choque entre os dois universos em

contato.

Ainda que escrito em forma de prosa, o texto apresenta

v��rios recursos po��ticos, como repeti����o de palavras (isto por-

que, a gente, cidade, homem, faca, her��i, hist��ria, sucata, cami-

sa, nave espacial); alitera����es ou repeti����o da mesma consoante

(homem, montado, morar, minha m��e, mundo etc); asson��n-

cias ou repeti����o da mesma vogal (lembrava, espantalhos,

sucata, peda��o e t c ) ; compara����es, enumera����es, met��foras

(ouvir nas conchas as origens do mundo; seriam sucata da hist��-

ria; o mundo era um peda��o complicado).

O leitor �� levado a retornar ao texto para mais releituras,

em busca da interpreta����o.

Como exemplo de prosa po��tica, leia trecho da cr��nica "A

navega����o da casa", de Rubem Braga, descrevendo uma casa

aquecida, em certa noite muito fria:





6 7

[...]

Detenho-me diante de uma lareira e olho o fogo. ��

gordo e vermelho, como nas pinturas antigas: remexo

as brasas com o ferro, baixo um pouco a tampa de

metal e ent��o ele chia com mais for��a, estala, raiveja e

grunhe. [...]

Remonto mais no tempo, rodeio fogueiras da

inf��ncia, grandes tachos vermelhos, tenho vontade de

reler a carta triste que recebi outro dia de minha irm��.

[...] De s��bito me vem uma lembran��a triste, aquele

sag��i que eu trouxe do norte de Minas para minha noiva

e morreu de frio porque o deixei fora uma noite em Belo

Horizonte. Doeu-me a morte do sag��i: sem querer eu o

matei de frio; assim matamos, por distra����o, muitas ter-

nuras. Mas todas regressam, o pequeno bicho triste

tamb��m vem se aquecer ao calor de meu fogo e me per-

doa com seus olhos humildes. Penso em meninos.

Penso em um menino.2

A passagem �� marcada por recursos po��ticos: personifica-

����o, compara����es, sinestesias ��� associa����o de diferentes

sugest��es sensoriais ���, repeti����o de letras e palavras, paralelis-

mos sint��ticos. �� uma esp��cie de momento po��tico denso, antes

e depois do qual a cr��nica segue seu curso.

Poesia visual

Por vezes, os versos se associam a uma imagem, combi-

nando palavras e sugest��o visual. Esse recurso ocorreu em v��rias

��pocas. O rom��ntico Fagundes Varela criou versos em homena-

gem ao s��mbolo do cristianismo retomando a forma da cruz:

B R A G A , Rubem. " A navega����o da casa". In: A N T O N I O C A N D I D O ; C A S T E L L O , A .

Presen��a da literatura brasileira. S��o Paulo: Difus��o Europ��ia do Livro, 1964.

p. 364-365. v. III.





6 8

E s t r e l a s

S i n g e l a s ,

L u z e i r o s

Fagueiros,

Espl��ndidos orbes, que o mundo aclarais!

Desertos e mares, ��� florestas vivazes!

Montanhas audazes que o c��u topetais!

A b i s m o s

Profundos!

C a v e r n a s !

E t e r n a s !

E x t e n s o s ,

I m e n s o s

E s p a �� o s

A z u i s !

Altares e tronos

Humildes e s��bios, soberbos e grandes!

Dobrai-vos ao vulto sublime da cruz!

S�� ela nos mostra da gl��ria o caminho

S�� ela nos fala das leis de ��� J e s u s ! 3

O poeta franc��s Guillaume Appolinaire (1876-1944)

publicou Caligramas: poemas de paz e de guerra, em 1818. O

termo caligrama tem origem grega: cali indica beleza; grama

refere-se �� escrita. O caligrama �� um poema que associa pala-

vras e imagem, tipo de composi����o criada pelo poeta grego

S��mias, no s��culo III a.C. O caligrama de Appolinaire, "A

pomba apunhalada e o jato d'��gua", �� uma homenagem a ami-

gos do poeta. Leia o texto ��� no original ou traduzido ��� e

observe como ele est�� distribu��do visualmente.

Os criadores de caligramas pretendem que sua cria����o

seja um poema com dupla possibilidade de leitura: para ser lido

independentemente da sugest��o visual ou, ainda, associado ao

desenho em que se insere.

V A R E L A , Fagundes. In: C I T E L L I , Adilson. Poesia brasileira: romantismo. 9. ed.

S��o Paulo: ��tica, 1999. S��rie Bom Livro.





6 9

A P O L L I N A I R E , Guillaume. "La colombe poignard��e et le jet d'eau". Apud <http://

4

french.chass.utoronto.ca/frel80/Callig.html> . Acesso em novembro de 2005.

Em portugu��s, tradu����o literal da autora.



7 0

Douces figures poignard��es

Doces figuras apunhaladas

Ch��res l��vres fleuries

Queridos l��bios floridos

MIA MAREYE YETTE LOME

MIA MAREYE YETTE LORIE

ANNIE et toi MARIE

ANNIE e voc�� MARIA

o�� ��tes

onde est��o

vous ��

voc��s ��

jeunes filles

mocinhas

MAIS

M A S

pr��s d'un

perto de um

jet d'eau qui

jato de ��gua que

pleure et qui prie

chora e implora

cette colombe s'extasie

esta pomba se extasia

Tous les souvenirs de nagu��re Todas as lembran��as de

outrora

0 mes amis partis en guerre

�� meus amigos que partiram

para a guerra

Jaillissent vers le firmament

Jorram em dire����o ao

firmamento

Et vos regards dans l'eau

E seus olhares em dire����o ��

dormant

��gua adormecida

Meurent m��lancoliquement Morrem melancolicamente

O�� sont-ils Braque et Max

Onde est��o eles Braque e

Jacob

Max Jacob

Derain aux yeux gris comme

Derain de olhos cinzentos

l'aube?

como a aurora?

O�� sont Raynal Billy Dalize

Onde est��o Raynal Billy Dalize

Dont les noms se

Cujos nomes se tornam

m��lancolisent

melanc��licos

Comme des pas dans une

Como passos soando numa

��glise

igreja

O�� est Cremnitz qui s'engagea Onde est�� Cremnitz que se

alistou

Peut-��tre sont-ils morts d��j��

Talvez j�� estejam mortos

De souvenirs mon ��me est

Minha alma est�� cheia de

pleine

lembran��as

le jet d'eau pleure sur ma

o jato d'��gua chora sobre

peine

minha dor





7 1

Ceux qui sont partis �� la

Os que partiram para a guerra

guerre au nord se battent

lutam ao norte

Maintenant

agora

Le soir tombe o sanglante mer A noite cai �� mar sangrento

Jardins o�� saigne

Jardim onde sangra o louro

abondamment le laurier

flor rosa abundantemente

rose fleur

Guerri��re

guerreira

Poesia concreta

O movimento concretista brasileiro, em meados do s��culo

XX, foi inventivo na explora����o de t��cnicas visuais, produzindo

poemas-cartazes e objetos ilustrados. Al��m da sugest��o visual,

suas cria����es t��m certo car��ter l��dico, jogando com invers��es e

desmembramentos de palavras. Voc�� j�� leu, no cap��tulo 4, o

poema de Jos�� Lino Gr��newald cujo eixo �� a palavra "forma".

Leia o poema "Epit��fio para um banqueiro", de Jos��

Paulo Paes, tendo em mente que epit��fio �� um pequeno texto

que se coloca no t��mulo, em homenagem ao morto. Note como

a decomposi����o da palavra principal resulta numa forma inova-

dora de reorganizar o texto:

Epit��fio para um banqueiro

n e g �� c i o

e g o

�� c i o

c i o

O 5

Na cria����o de Pedro Xisto, o efeito predominante �� a

invers��o:

5 P A E S , Jos�� Paulo. Um por todos: poesia reunida. S��o Paulo: Brasiliense, 1986. p. 90.





7 2

i nf i n i to

nf i n i t o

f i n i t o

ini t o

n i t o

i t o

to

o

ot

ot i

o t i n

ot i n i

ot i n i f

oton i fn

ot ini fni6

Nos anos 1970, alguns criadores dedicaram-se aos poe-

mas visuais, dialogando tamb��m com a m��sica, o teatro e as

artes pl��sticas. �� o chamado grupo da poesia jovem ��� anos 70,

que n��o constitui um movimento organizado, mas apresenta em

comum o tom l��dico e bem-humorado.

Seus versos/palavras/imagens chegavam ao p��blico em

folhetos mimeografados. Por isso houve quem chamasse essas

manifesta����es de poesia marginal. Era uma forma de protesto,

durante o regime autorit��rio do pa��s na ��poca. Seu papel foi evi-

denciar o desejo de mudan��a e revelar alguns nomes importan-

tes: Walmir Ayala, Chacal, Ana Cristina C��sar, Nicolas Behr,

Leila Miccolis, Francisco Alvim, Cacaso, Torquato Neto, Paulo

Leminski, Antonio Ris��rio, Ledusha, Katia Bento, autora do

poema a seguir:

X I S T O , Pedro. In: A N T O N I O C A N D I D O ; C A S T E L L O ,

6

A . Op. cit , s/p.





7 3

PEGA LADR��O!

Algu��m tirou

um peda��o

do meu

P 0

Atualmente, diferentes formas po��ticas coexistem. Os

poetas contempor��neos s��o inventivos e livres para se inspirar

no estilo que julgarem adequado �� manifesta����o de sua criativi-

dade po��tica.

7 H O L L A N D A , Helo��sa B. e P E R E I R A , C. A. M. (Orgs.). Poesia jovem: anos 70 (antologia). S��o Paulo: Abril Educa����o, 1982. p. 91. S��rie Literatura Comentada.

9 Figuras de efeito sonoro

Alitera����o

Alitera����o �� a repeti����o da mesma consoante ao longo da

estrofe ou do poema. O leitor deve buscar que efeito esse recur-

so produz na significa����o do texto. No soneto "Bra��os", de

Cruz e Souza, aparecem v��rias alitera����es. O texto corresponde

ao que o t��tulo anuncia: a descri����o de membros superiores

femininos. Observe as alitera����es em destaque e procure verifi-

car em que medida elas sugerem a vis��o da parte do corpo que

est�� sendo descrita. As consoantes BR da palavra-t��tulo bra��os

v��o levar a sonoridade dessa palavra-chave para outras, produ-

zindo um tipo de alitera����o. Note tamb��m as outras alitera����es

destacadas no texto (S, V, T, M).

BRa��oS nerVosoS, BRancaS opul��n��iaS,

BRuMaiS BRancuraS, f��lgidaS BRancuraS

alVuraS caSfflaS, VirginaiS alVuraS,

laTeSC��n��iaS daS raraS laTeS����n��iaS.

AS faSCinanTeS, M��rbidaS dorM��n��iaS

doS TeuS aBRa��oS de leTaiS flexuraS,

produzem SenSa����eS de agreS TorTuraS,

doS desejoS aS MornaS floreS����n��iaS.





7 5

Asson��ncia

Asson��ncia �� o nome que se d�� �� repeti����o da mesma

vogal em um verso, um conjunto de versos ou ao longo do

poema. Observe a asson��ncia de A, vogal t��nica do nome femi-

nino que d�� t��tulo �� letra da can����o "Clara", de Caetano Veloso:

Seja na forma nasal (AN, ��), seja na forma oral (A), a

mesma vogal predomina na estrofe, em que o tema �� a mulher

chamada Clara. Dado o significado do nome e a hora luminosa

do dia ("manh�� madrugava"), o som que se repete parece suge-

rir luz, claridade.

N��o estou afirmando que a vogal A significa esta ou

aquela id��ia, nem poderia faz��-lo. Esta letra ou outra, bem

como qualquer repeti����o, s�� adquire sentido apoiada nos outros

recursos presentes no texto.

G O N �� A L V E S , Aguinaldo Jos�� (Org.). Cruz e Souza (antologia). S��o Paulo: Abril 1

Educa����o, 1982. p. 15. S��rie Literatura Comentada.

F R A N C H E T T I , Paulo e P �� C O R A , Alcyr (Orgs.). Caetano Veloso (antologia). S��o 2

Paulo: Abril Educa����o, 1981. p. 49. S��rie Literatura Comentada.





7 6

Certos poemas s��o particularmente ricos em alitera����es e

asson��ncias, como "Violoncelo", de Camilo Pessanha (alitera-

����o de S, TR, L, M e asson��ncia de A e O):

As figuras sonoras de repeti����o n��o t��m um sentido por si

pr��prias, mas somam seu efeito �� significa����o do poema, cujo

t��tulo j�� sugere a musicalidade que vai percorr��-lo. Note que a

m��trica e as rimas associam-se ��s repeti����es de letras na sonori-

dade e ritmo de "Violoncelo". As correspond��ncias sonoras

refor��am a correspond��ncia entre os diferentes universos: celes-

te (astros), aqu��tico (lemes, lacustre) e mineral (alabastro).

Tamb��m na prosa po��tica aparecem figuras sonoras, como

ilustra um trecho do conto "Uns bra��os", de Machado de Assis e

cujo eixo �� a personifica����o dos bra��os femininos que encantam

o jovem In��cio, prendendo-o �� casa em que reside como apren-

diz, sujeito aos maus tratos do chefe. Observe os efeitos sonoros

que, somado a outros recursos, valorizam o atributo feminino

que leva o rapaz a desistir de retornar �� casa dos pais:

(...)

3 P E S S A N H A , Camilo. Clepsidra e outrospoemas. 5. ed. Lisboa: ��tica, 1969. p. 238.





7 7

Repeti����o de palavras

A repeti����o de palavras �� um recurso muito freq��ente.

Quando acontece sempre na mesma posi����o (in��cio, meio ou

final de v��rios versos), recebe o nome de an��fora. Observe

como a empregou Oswald de Andrade, no poema "V��cio na

fala", cria����o po��tica bem-humorada que acentua o contraste

entre fala informal com acento regional e fala culta urbana:

Para dizerem milho dizem mio

Para melhor, dizem mi��

Para pior pi��

Para telha dizem teia

Para telhado dizem teiado

E v��o fazendo telhados5

No in��cio dos cinco primeiros versos, a mesma palavra:

"para". Essa retomada sustenta a enumera����o que mescla termos

cultos urbanos e regionalismos (no final dos versos 1,2, 3 , 4 e 5).

O verso final quebra a enumera����o, interrompe a repeti����o e

conclui: a a����o ("fazendo") acontece, apesar da fala "errada",

segundo a l��ngua-padr��o.

Mais uma vez, v��-se que �� dif��cil analisar o aspecto r��tmi-

co sem associ��-lo aos demais. Por outro lado, sem a an��lise dos

4 M A C H A D O D E A S S I S . Obra completa, v. 2. Rio de Janeiro: Aguilar, 1962. p. 492.

5 A N D R A D E , Oswald de. Poesias reunidas. S��o Paulo: Difus��o Europ��ia do Livro, 1966. p. 80.





7 8

recursos sonoros, os demais aspectos talvez fiquem bem menos

ricos e sugestivos.

No mesmo poema de Oswald de Andrade, aparece outra

an��fora. No meio dos versos 1, 2, 4 e 5, repete-se a palavra

"dizem", enfatizando o lado oral da l��ngua, t��o valorizado pelos

modernistas, sobretudo por Oswald e M��rio de Andrade (que,

apesar do sobrenome igual, n��o eram parentes).

H�� repeti����es de palavras que n��o ocorrem sempre na

mesma posi����o, mas de modo misturado no poema. O impor-

tante �� localizar a repeti����o e depois verificar qual a sua contri-

bui����o para a interpreta����o do texto.

H�� casos em que o poeta cria uma esp��cie de jogo com os

sons, alternando a posi����o de sons semelhantes no interior

de palavras diferentes, como em "A tenta����o e o anagrama", de

M��rio Quintana:

Quem v�� um fruto

Pensa logo em furto6

Neste d��stico, M��rio Quintana faz uma esp��cie de brinca-

deira po��tica. A partir da troca de posi����o entre U e R em

"fruto/furto", quanta sugest��o...

O recurso sonoro pode confirmar o sentido do texto. Ou,

em outros casos, criar tens��o (ambig��idade, duplicidade de sen-

tido). Observe a estrofe abaixo, de "Hora de ter saudade", de

Ribeiro Couto. Ocorre identidade de sons; todavia, a diferen��a

gr��fica (da escrita) produz diversidade de sentido. Leia:

Houve aquele tempo...

(E agora, que a chuva chora,

ouve aquele tempo!).7

6 ZiLBERMAN, Regina (Org.). M��rio Quintana (antologia). S��o Paulo: Abril Educa-

����o, 1983. p. 39.

7 G O L D S T E I N , Norma. Do penumbrismo ao modernismo: o primeiro Bandeira e

outros poetas significativos. S��o Paulo: ��tica, 1983. p. 73.





7 9

Observe os termos "houve" (verbo haver, 3a pessoa do

pret��rito perfeito) e "ouve" (verbo ouvir, 2a. pessoa do imperati-

vo afirmativo). Do ponto de vista sonoro, h�� identidade; do ponto

de vista sem��ntico e sint��tico, diferen��as. Surge uma tens��o que

amplia o sentido do poema. O poeta lamenta o tempo que pas-

sou. Depois, ironicamente, faz alus��o ao clima do momento

presente. Por��m a nostalgia aparece: "a chuva chora" (alitera����o

de CH) e o termo "ouve" �� amb��guo, duplo. Trata-se do verbo

ouvir, mas o leitor �� remetido ao primeiro verso, inevitavelmen-

te. Conclus��o: ao lado da ironia, ecoa a m��goa da saudade.

Onomatop��ia

Chama-se onomatop��ia a figura em que o som da letra

que se repete lembra o som produzido pelo objeto nomeado,

como o do refr��o do poema "Os sinos", de Manuel Bandeira:

Sino de Bel��m, pelos que ainda v��m!

Sino de Bel��m, bate bem-bem-bem.

Sino da Paix��o, pelos que l�� v��o!

Sino da Paix��o, bate b��o-b��o-b��o.%

As onomatop��ias, nesse caso, remetem ao som dos sinos,

elemento central do poema, como anuncia o t��tulo.

B A N D E I R A , Manuel. Estrela da vida inteira. Rio de Janeiro: Jos�� Olympio Editora, 1966. p. 88-89.

10 Poemas de forma fixa

Formas e g��neros tradicionais

Algumas composi����es em verso t��m um padr��o fixo

determinante de sua estrutura. O mais conhecido, dentre os poe-

mas de forma fixa, �� o soneto, formado por dois quartetos e

dois tercetos, querido dos poetas de todas as ��pocas. O mais

popular �� a quadrinha, o quarteto de sentido completo. H�� mui-

tos outros, dentre os quais destaco alguns, em r��pida descri����o.

Balada ��� Feita para ser cantada, baseia-se no princ��pio

da repeti����o que facilita gravar o texto na mem��ria. A mesma

id��ia ou a mesma frase repete-se ao t��rmino de cada estrofe.

Costuma apresentar tr��s oitavas (estrofes de oito versos), geral-

mente com versos de oito s��labas. Algumas baladas populares

relatam lendas, sendo uma esp��cie de narra����o versificada.

Vilancete ��� Tamb��m chamado de vilancico, come��a com

um mote, tema ou motivo, a ser desenvolvido ao longo do

poema. O mote est�� contido em uma estrofe curta inicial. A

seguir, v��m as voltas, tr��s ou mais estrofes maiores que desen-

volvem e glosam ou comentam o mote. Nas estrofes da volta

repete-se um dos versos do mote.

Ode ��� Entre os antigos gregos e romanos, composi����o

alegre para ser cantada. Depois passou a designar um poema



8 1

l��rico em que se exprimem os grandes sentimentos da alma

humana. Pode celebrar fatos her��icos, religiosos, o amor ou os

prazeres. Sem obedecer a regras r��gidas, a ode costuma ser divi-

dida em estrofes iguais e com mesmo n��mero de versos.

Can����o ��� �� uma composi����o curta, cujo teor pode ser

ora melanc��lico, ora sat��rico. Permite todos os temas e nem

sempre se destina a ser cantada. Pode ou n��o apresentar estribi-

lho ou refr��o. As can����es nacionais incorporam-se �� tradi����o de

todos os povos.

Madrigal ��� Composi����o curta, destinada a homenagear

algu��m, por vezes valendo como uma confiss��o de amor. Pode

ser estruturado em qualquer metro, mas geralmente emprega a

redondilha ou mescla versos de seis e de dez s��labas.

Elegia ��� Composi����o destinada a exprimir tristeza ou

sentimentos melanc��licos.

Id��lio, ��gloga ou pastoral ��� Composi����es que celebram a

vida no campo, a natureza, a atividade agr��cola e pastoril, ou

seja, o bucolismo.

Rondo ou rondei ��� Sucedem-se tipos iguais de quadras

ou estrofes maiores, em versos de sete s��labas. Os dois primei-

ros versos de uma estrofe s��o retomados adiante, em cada

estrofe.

Epital��mio ��� Poema composto para celebrar um casamento.

Triol�� ��� Comp��e-se de uma ou mais oitavas em versos de

sete ou oito s��labas. Aparecem dois tipos de rima. O quarto

verso repete o primeiro, e os dois versos finais da estrofe reto-

mam os dois primeiros.

Sextina ��� Comp��e-se de seis sextilhas, geralmente em

versos decass��labos, seguidos de um terceto final. Os versos

devem terminar com palavras de duas s��labas. As palavras

finais dos versos da primeira estrofe devem reaparecer em ver-

sos das outras estrofes.





8 2

Haicai ��� Tipo de poema japon��s, composto de 17 s��la-

bas, distribu��das em tr��s versos apenas: o primeiro de cinco, o

segundo de sete e o terceiro de cinco s��labas. Originalmente

sem rima, no Brasil vem sendo retomado de maneira rimada.

Consiste na anota����o po��tica e espont��nea de um momento

especial. Leia "Inf��ncia", de Guilherme de Almeida:

Um gosto de amora

comida com sol. A vida

chamava-se "Agora".1

Soneto

O poema de forma fixa encontrado com mais freq����ncia,

como j�� se disse, �� o soneto. Composto de dois quartetos e dois

tercetos, o soneto geralmente apresenta versos de dez ou doze

s��labas. Aparecem rimas de um tipo nos quartetos (AB), e de

outro, nos tercetos (CD).

O soneto costuma conter uma reflex��o sobre um tema

ligado �� vida humana. Ao retomar o modo camoniano de com-

por sonetos, o poeta moderno presta uma homenagem ao gran-

de cl��ssico da l��ngua portuguesa, reconhecendo no presente o

legado cultural de tempos passados. Como exemplo, leia a

seguir o "Soneto do amor total", de Vinicius de Moraes.

Amo-te tanto, meu amor... n��o cante

O humano cora����o com mais verdade...

Amo-te como amigo e como amante

Numa sempre diversa realidade.

Amo-te afim, de um calmo amor prestante,

E te amo al��m, presente na saudade.

1 B A R R O S , Frederico Ozanam Pessoa de (Org.). Guilherme de Almeida (antologia).

S��o Paulo: Abril Educa����o, 1982. p. 77. S��rie Literatura Comentada.





8 3

Amo-te, enfim, com grande liberdade

Dentro da eternidade e a cada instante.

Amo-te como um bicho, simplesmente,

De um amor sem mist��rio e sem virtude

Com um desejo maci��o e permanente.

E de te amar assim, muito e ami��de,

�� que um dia em teu corpo de repente

Hei de morrer de amar mais do que pude.2

Na unidade de 14 versos do poema �� poss��vel perceber as

subunidades formadas pela estrofe. A l �� m do tema ��� uma refle-

x��o sobre um modo de amar ���, tamb��m o metro garante a unida-

de do conjunto. O verso �� o decass��labo. As rimas apresentam o

esquema A B A B A B B A C D C D C D . O texto tem um desenvolvi-

mento progressivo, com aumento de intensidade que vai envol-

vendo o leitor at�� o exagero dos versos finais ("morrer de amar").

Di��logo entre g��neros

��s inova����es r��tmicas acrescentaram-se, nos ��ltimos tem-

pos, mudan��as quanto aos g��neros liter��rios. Em vez dos poe-

mas de forma fixa, a poesia contempor��nea organiza-se em

poemas de formas n��o-fixas, ou melhor, n��o prefixadas. Por

vezes, refere-se a g��neros da prosa liter��ria e n��o liter��ria. Caso

retome uma das composi����es tradicionais, o poeta modernista e

contempor��neo o faz, geralmente, de maneira renovada, num

processo l��dico intertextual, esp��cie de jogo em que a cria����o

do presente dialoga com g��neros tradicionais de forma cr��tica.

Muitos desses poemas sugerem que o texto deve ser comple-

mentado pela reflex��o do leitor.

2 M O R A E S , Vinicius de. Antologia po��tica. Rio de Janeiro: Editora do Autor, 1960.

p. 293.





8 4

Veja como isso ocorre numa quadrinha do contempor��neo

Ferreira Gullar:

Uma voz

Sua voz quando ela canta

me lembra um p��ssaro mas

n��o um p��ssaro cantando:

lembra um p��ssaro voando3

Observe a escassa pontua����o: s�� aparece uma vez, entre

os versos 3 e 4, indica����o de que cabe ao pr��prio leitor estabele-

cer o ritmo da leitura. A coloca����o pronominal no verso 2 apon-

ta para a linguagem informal. O segundo verso termina com a

conjun����o "mas"; geralmente ��tona, torna-se t��nica, aqui,

devido �� posi����o na s��laba final do verso. Repeti����es e rima

est��o presentes, mas o conjunto difere bastante do ritmo e do

estilo das quadrinhas tradicionais. Ao mesmo tempo que o

poeta as retoma e homenageia, ele o faz num formato que reme-

te a nossa ��poca. O leitor deve imaginar o inusitado paralelo: a

voz "que voa".

O poeta Jos�� Paulo Paes recria a "Declara����o de bens"

num poema que retoma o estilo enumerativo do g��nero hom��ni-

mo, para elencar legados da pr��pria trajet��ria, em tr��s quartetos

de versos irregulares, marcados pela an��fora: todos eles s��o ini-

ciados pelo possessivo de primeira pessoa. Verbos e pontua����o

est��o ausentes.

Declara����o de bens

meu deus

minha p��tria

minha fam��lia

3 F E R R E I R A G U L L A R . Toda poesia: 1 9 5 0 - 1 9 8 0 . 2. ed. S��o Paulo: Civiliza����o Brasileira, 1 9 8 1 . p . 242.





8 5

minha casa

meu clube

meu carro

minha mulher

minha escova de dentes

meus calos

minha vida

meu c��ncer

meus vermes4

S��o listados bens materiais, afetivos, culturais. O leitor ��

convidado a retom��-los, avaliar a ordem em que se apresentam

e interpretar a escolha feita pelo poeta.

Affonso Romano de Sant" Anna cria uma "Cr��nica poli-

cial" em cinco tempos ��� ou artigos, conforme os documentos

legais ���, dos quais voc�� vai ler o primeiro, subdividido em dois

par��grafos. Paralelismos e recursos sonoros percorrem versos

irregulares que retratam a viol��ncia urbana atual. A cr��nica

geralmente descreve um fato real. Em seu final, traz uma con-

clus��o ou reflex��o. Ao elencar em cinco partes sua "Cr��nica

policial", o poeta Sant Anna prop��e que o fecho fique por conta

do leitor.

Cr��nica policial





1.


�� Ontem tr��s homens duros e armados

entraram em casa de um casal amigo

comeram, beberam, violentaram uma visita,

levaram dinheiro, objetos e sa��ram em zombaria

��� num carro que largaram no sub��rbio da Central.

4 P A E S , Jos�� Paulo. Um por todos: poesia reunida. S��o Paulo: Brasiliense, 1986. p. 82.





8 6

�� Ontem a filha de um amigo esperava o ��nibus

Chegou-lhe um mulato forte, que lhe deu um bote,

levou-lhe a bolsa e o corpo para o matagal

surrando-a com pedra e pau. E ela morria,

n��o conseguisse correr e se lan��ar na frente a um

[carro

que obrigado a parar levou-a ao hospital.5

5 S A N T ' A N N A , Affonso Romano de. Que pais �� este? 2. ed. Rio de Janeiro: Civiliza-

����o Brasileira, 1980. p. 44.

11 N��veis do poema

As partes do todo

Os cap��tulos anteriores tratam essencialmente do aspecto

r��tmico do poema, ou seja: constru����o m��trica, tipo de estrofes

e de versos, acentua����o dos versos, rimas, repeti����es. Al��m

desse, devem ser analisados outros n��veis ou aspectos estrutu-

rais do poema, sempre tendo em vista que cada um deles deve

ser relacionado aos demais, a fim de se chegar �� interpreta����o

do poema em sua unidade.

J�� ficou dito que n��o h�� receitas para analisar e interpretar

textos, dado o car��ter espec��fico de cada obra liter��ria. Tamb��m

j�� foi comentado que certas t��cnicas podem ser ��teis para a lei-

tura mais aprofundada de textos. �� nesse sentido que segue um

coment��rio, como sugest��o, sobre os outros aspectos do poema

��� a utiliza����o do que ser�� exposto fica a crit��rio da sensibilida-

de de cada leitor.

Acho importante acrescentar que esta �� s�� uma aborda-

gem inicial. Ser�� fundamental que outras leituras te��ricas, al��m

da exercita����o da leitura de poemas e do trabalho pr��tico com

textos po��ticos, ampliem a bagagem do interessado em poesia.



8 8

N��vel lexical

�� poss��vel analisar o l��xico do texto, verificando de quais

palavras ele �� composto. O vocabul��rio do texto revela um n��vel

de linguagem: culto ou coloquial, por exemplo. De modo geral,

a linguagem coloquial �� mais freq��ente nos poemas modernos e

contempor��neos. Mas tamb��m h�� alguns deles em linguagem

culta, assim como tamb��m existem poemas tradicionais com-

postos em linguagem simples.

Em seguida, deve-se pesquisar as categorias gramaticais

presentes no poema, qual delas predomina e como s��o emprega-

das no texto. A preponder��ncia de verbos de a����o, conforme o

sentido do texto, costuma indicar bastante dinamismo; o de ver-

bos de estado, dependendo do sentido do poema, sugeriria

pouco dinamismo. A aus��ncia de verbos �� ��ndice de estaticida-

de. Os substantivos abstratos indicariam generaliza����o; os con-

cretos, particulariza����o. Procede-se a um levantamento dos

adjetivos, locu����es adjetivas e ora����es adjetivas, ou seja, dos

caracterizadores em geral. Deve-se sempre relacionar o subs-

tantivo ao adjetivo que o acompanha, buscando verificar que

associa����es estabelecem um com o outro.

Al��m do levantamento das categorias gramaticais, con-

v��m verificar como o autor as utiliza: �� o emprego usual? �� um

emprego novo? O que sugere cada termo, isoladamente? E em

conjunto ��� no verso, na estrofe, no poema?

Quanto aos verbos, recomenda-se pesquisar o tempo e o

modo verbal. Conforme a significa����o dos versos, o tempo ver-

bal pode apontar proximidade (presente) ou distanciamento

(passado/futuro); o modo representaria a realidade (indicativo)

ou a possibilidade, o desejo (subjuntivo).

Ao concluir o estudo da escolha das palavras que com-

p��em o poema, torna-se mais f��cil e seguro constatar como elas

contribuem para a interpreta����o do texto.





8 9

O emprego dos tempos verbais exerce importante fun����o

no poema "M��os dadas", de Carlos Drummond de Andrade:

N��o serei o poeta de um mundo caduco.

Tamb��m n��o cantarei o mundo futuro.

Estou preso �� vida e olho meus companheiros.

Est��o taciturnos mas nutrem grandes esperan��as.

Entre eles, considero a enorme realidade.

O presente �� t��o grande, n��o nos afastemos.

N��o nos afastemos muito, vamos de m��os dadas.

N��o serei o cantor de uma mulher de uma hist��ria,

n��o direi os suspiros ao anoitecer, a paisagem vista da

[janela,

n��o distribuirei entorpecentes ou cartas de suicida,

n��o fugirei para as ilhas nem serei raptado por serafins.

O tempo �� a minha mat��ria, o tempo presente, os

[homens presentes, a vida presente.1

Escrito no per��odo que antecedeu a Segunda Guerra Mun-

dial (1939-1945), o poema tem como eixo o sentimento de soli-

dariedade. Organiza-se em um jogo de oposi����es entre o que o

poeta aceita ��� expresso em forma verbal afirmativa no presen-

te do indicativo e do imperativo (estou, est��o, considero, ��,

vamos) ��� e o que ele recusa ��� expresso em forma verbal nega-

tiva distanciada do presente: o futuro do indicativo (n��o serei,

n��o cantarei, n��o direi, n��o distribuirei). Dentre essas recusas,

situam-se tanto o que j�� est�� superado (caduco) quanto o que

ainda est�� por acontecer (futuro). "Caduco" e "futuro" apresen-

tam rima toante, ocupam posi����o semelhante (final de verso) e

exercem a mesma fun����o sint��tica (caracterizam o substantivo

"mundo"). Associam-se na rejei����o total do poeta em voltar-se

ao que quer que seja fora do tempo presente.

1 A N D R A D E , Carlos Drummond de. Obra completa. Rio de Janeiro: Aguilar, 1964.

p. 111.



9 0

Na segunda estrofe, os quatro primeiros versos enumeram

outras recusas do poeta: temas das escolas liter��rias que o pre-

cederam. No verso final, paralelismo, forma verbal no presente

do indicativo e repeti����o do adjetivo enfatizam a atitude do

escritor consciente e solid��rio.

Retome um poema que j�� apareceu ilustrando o verso de

uma s��laba ��� "Serenata sint��tica", de Cassiano Ricardo:

Rua

torta.

Lua

morta.

Tua

porta.

Nesse poema n��o h�� verbo nenhum. Fica sugerida a hip��-

tese de estaticidade, que a an��lise do poema pode confirmar ou

n��o. Em cada estrofe, dois versos e duas palavras: um substan-

tivo e um caracterizador (adjetivo), em dois deles ("torta",

"morta"); substantivo precedido de pronome, no outro ("tua").

Em uma primeira leitura, "rua torta" seria rua sinuosa. No

plano conotativo, pensa-se em "rua" como via, caminho, pas-

sagem, destino; e em "torta" como dif��cil, sinuosa, misteriosa,

duvidosa.

No terceiro verso, "lua" n��o �� apenas o sat��lite da Terra,

mas tamb��m o complemento rom��ntico de uma serenata; no

quarto, "morta" significa sem vida. A express��o "lua morta",

registram os dicion��rios, refere-se �� aus��ncia de luar ��� a cha-

mada Lua nova, noite sem luar, sem luz. Se a noite �� escura, a

obscuridade a torna misteriosa.

A estrofe final d�� a pista sobre o destino da serenata: "tua

porta". Tanto a porta concreta da casa da pessoa homenageada,



9 1

quanto a imagin��ria, a do cora����o. Porta que n��o se sabe se ser��

aberta, ou n��o, para o seresteiro, o poeta.

O poema �� permeado pelo clima de expectativa e incerte-

za. A estaticidade que percorre o texto resulta tanto do sentido

do vocabul��rio quanto da aus��ncia de verbos.

N��vel sint��tico

O leitor pode ler a organiza����o sint��tica do texto, come-

��ando pela pontua����o, isto ��, o levantamento do tipo de per��o-

dos do texto: curtos ou longos; frases ou ora����es isoladas. As

vezes aparece o paralelismo ou a mesma constru����o sint��tica

(mesmo tipo de verbo com mesmo tipo de complemento; com-

bina����o semelhante de substantivo e adjetivo; locu����es introdu-

zidas pelo mesmo termo etc), em versos diferentes. O poema

"M��os dadas", comentado h�� pouco, ilustra o modo como esses

recursos produzem efeito de sentido no texto.

O relacionamento entre paralelismos �� um dos componen-

tes que concorrem para o sentido do texto. Por vezes, certos ter-

mos s��o omitidos, podendo o leitor perceber quais seriam e

interpretar essa aus��ncia. Interroga����es, retic��ncias, invers��es

sint��ticas podem tamb��m apontar pistas.

Volto ao poema "Jos��", de Carlos Drummond de Andra-

de, do qual voc�� j�� viu um trecho anteriormente. Observe agora,

nesta estrofe, os paralelismos e as interroga����es:

o dia n��o veio,

o bonde n��o veio,

o riso n��o veio,

n��o veio a utopia

e tudo acabou

e tudo fugiu

e tudo mofou

e agora, Jos��?



9 2

Nos tr��s primeiros versos h�� um tipo de paralelismo sin-

t��tico ou repeti����o. Varia o sujeito, permanece o mesmo predi-

cado: "n��o veio". No quarto verso, a constru����o �� a mesma,

mas o efeito de impacto decorre, agora, n��o do paralelismo, e

sim da invers��o, colocando em destaque a palavra "utopia".

Na varia����o dos sujeitos, uma grada����o: "o dia" (passar do

tempo), "o bonde" (locomo����o no espa��o), a emo����o contida

no "riso", e, enfim, o projeto imposs��vel da "utopia". Nos ver-

sos seguintes, repete-se o sujeito, modifica-se o verbo que,

paralelisticamente, est�� sempre no passado: "acabou" (id��ia

de fim), "fugiu" (evas��o, fuga) e "mofou" (estragou, tornan-

do-se impr��prio para o uso). Os verbos no passado marcam o

distanciamento entre o texto ��� ou suas enumera����es ��� e o

presente. Ap��s a nega����o e o fim de tudo, tem-se o efeito de

perplexidade da interroga����o dirigida ao Jos�� que pode ser

cada um de n��s.

Encadeamento ou enjambement

Encadeamento, cavalgamento ou, usando um termo fran-

c��s, enjambement, �� a constru����o sint��tica especial que liga um

verso ao seguinte, para completar o seu sentido. Explicando

melhor: esse verso �� incompleto quanto ao sentido e quanto ��

constru����o sint��tica, apenas. M��tricamente, ritmicamente, ele

tem todas as s��labas po��ticas, e, se for verso regular, poder�� ter

rima. Surge, portanto, uma esp��cie de choque entre o som

(completo), a organiza����o sint��tica e o sentido que s�� se com-

pletam no verso seguinte. Ou seja: tens��o. Geralmente, o enca-

deamento produz uma rela����o bastante complexa entre esses

dois n��veis, resultando em ambig��idade de sentido. Atente para

os encadeamentos na estrofe inicial de "O aspecto mais lindo da

cidade", de Oleg��rio Mariano:





9 3

Sob a chuva, a Cidade

Espelhante de casaria,

Tem a esquisita sensualidade

De gata que se lambe e que se acaricia...

Friorenta, l��brica Cidade.2

A sintaxe e a pontua����o ligam os versos 1/2 e os versos

3/4. No primeiro caso, destaca-se o termo "Cidade": em mai��s-

cula e no final do verso; ao mesmo tempo, restringe-se o termo:

a cidade "espelhante de casaria". No segundo caso, repete-se o

processo com "sensualidade", no final do verso 3, especificada

a seguir: "de gata que se lambe e se acaricia". Nos dois casos, o

termo colocado em final de verso sofre uma esp��cie de redu����o

em seu sentido pelo enjambement que o liga, pela sintaxe, ao

verso seguinte. No conjunto dos versos, esta ambig��idade vai

ser ampliada pelo contraste sugerido no verso final: "Friorenta,

l��brica Cidade". A ant��tese "friorenta" x "l��brica" amplia a ten-

s��o sugerida pelos dois encadeamentos, instaurando duplici-

dade de sentido, na medida em que se associam aspectos con-

tradit��rios para descrever uma mesma paisagem.

O enjambement, ou encadeamento, �� um recurso que deve

ser analisado cuidadosamente, j�� que surge tens��o relativa a

som, sintaxe e sentido. Geralmente, seu efeito pode ser associa-

do ao de outros recursos empregados nos mesmos versos ou em

versos pr��ximos.

N��vel sem��ntico

O aspecto sem��ntico est�� sempre presente em todos os

n��veis do poema. As figuras sonoras, a organiza����o sint��tica, o

vocabul��rio, o emprego das categorias gramaticais s�� podem

ser analisados tendo-se em vista o sentido global do texto.

2 M A R I A N O , Oleg��rio. Poesia. Rio de Janeiro: Agir, 1968 . p. 6 1 .





9 4

Ao isolar, para fins did��ticos, o n��vel sem��ntico, o intuito

�� apenas comentar algumas figuras cuja presen��a no poema

pode implicar importantes efeitos sem��nticos.

Figuras de similaridade

Compara����o ��� Tamb��m chamada de s��mile, �� uma figu-

ra que aproxima dois termos, por interm��dio de uma locu����o

conjuntiva: "como", "assim como", "tal", "qual", e outras do

mesmo tipo. Como exemplo, dois versos de "Lembran��a de

morrer", de ��lvares de Azevedo:

Eu deixo a vida como deixa o t��dio

Do deserto o poento caminheiro3

O "como" comparativo aproxima a partida do poeta da

caminhada no deserto.

Met��fora ��� H�� muitos estudos sobre essa figura de gran-

de efeito po��tico. De maneira simplificada, pode-se compreen-

der a met��fora como uma compara����o abreviada, ou seja, da

qual se retirou a express��o "como" ou similar. Conforme o tipo

de constru����o da met��fora, varia seu efeito po��tico. Um exem-

plo de Cam��es: "Amor �� fogo que arde sem se ver".

Alegoria ��� Geralmente, �� conceituada como uma seq����n-

cia de met��foras, associando e aproximando elementos que,

normalmente, n��o teriam nenhum parentesco. A "Dama Bran-

ca", que percorre o poema hom��nimo de Manuel Bandeira, sor-

rindo-lhe nos "desenganos" e acompanhando-o por anos a fio, ��

a alegoria da morte, como esclarecem os versos finais:

G O L D S T E I N , Norma e C A M P E D E L L I , Samira. Literatura brasileira: estudos de textos. 2. ed. S��o Paulo: ��tica, 1976. p. 51.





9 5

��� A Dama Branca que eu encontrei,

H�� tantos anos,

Na minha vida sem lei nem rei.

Sorriu-me em todos os desenganos.

Essa const��ncia de anos a fio,

Sutil, captara-me. Imaginai!

Por uma noite de muito frio,

A Dama Branca levou meu pai.4

Ocorre oculta����o de sentido apenas provisoriamente. Ao

terminar a leitura do poema, o enigma se desfaz, a alegoria ou

met��fora continuada se esclarece e o leitor percebe qual �� a

identidade da "Dama Branca".

Sinestesia ��� �� o recurso que sugere associa����o de dife-

rentes impress��es sensoriais, ou seja, sugest��es ligadas aos

cinco sentidos: vis��o, tato, audi����o, olfato, paladar. O verso de

"Anoitecer", de Cec��lia Meireles, associa impress��es visuais e

t��teis: "As crian��as fecham os olhos sedosos".

Figuras de contiguidade

Meton��mia ��� �� o emprego de um termo por outro, numa

rela����o de contiguidade ou vizinhan��a. Por exemplo: causa pelo

efeito; sinal pela coisa significada; continente pelo conte��do;

possuidor pela coisa possu��da. No poema "O espelho", Manuel

Bandeira diz: "Tu refletes as minhas rugas". As rugas seriam

ind��cio da idade da figura refletida no espelho.

Sin��doque ��� Emprego de uma palavra por outra, em uma

rela����o de compreens��o ou inclus��o: parte pelo todo; singular

pelo plural; g��nero pela esp��cie; abstrato pelo concreto. "Bilhe-

B A N D E I R A , Manuel. Estrela da vida inteira. Rio de Janeiro: Jos�� Olympio, 1966.

4

p. 67-68.





9 6

te perdido", de Guilherme de Almeida, come��a assim: "Duas

palavras s�� para dizer... o qu��?". N��o se trata de duas palavras,

mas de um bilhete completo, como indica o t��tulo.

Figuras de oposi����o

Ant��tese ��� Consiste na aproxima����o de id��ias contr��rias.

Retomando o exemplo de Cam��es, a primeira parte do verso

"Amor �� fogo que arde" op��e-se �� segunda: "sem se ver". �� a

principal figura de oposi����o, ao lado do oximoro, da ironia e do

paradoxo.

O oximoro relaciona termos ant��nimos ou de sentido con-

tr��rio, estabelecendo entre eles um elo sint��tico (coordena����o,

determina����o etc). O poema "Ulysses", de Fernando Pessoa,

mereceu do te��rico Roman Jakobson5 uma an��lise centrada nos

ox��moros. Leia a estrofe inicial e note como se d�� o emprego

sint��tico dos ant��nimos:

O mytho �� o nada que �� tudo.

O mesmo sol que abre os c��us

�� um mytho brilhante e mudo ���

O corpo morto de Deus,

Vivo e desnudo.6

A ironia �� o emprego de uma palavra como se ela fosse o

seu ant��nimo. Exemplo: quando algu��m se dirige a uma crian��a

levada, chamando-a de "meu anjinho". O paradoxo �� uma afir-

ma����o que parece contr��ria ao senso comum. Por vezes resulta

de uma seq����ncia de ant��teses e sugere atitude de questiona-

mento ou espanto, como no soneto camoniano "Amor �� fogo

5 J A K O B S O N , Roman. "Os ox��moros dial��ticos de Fernando Pessoa". In: Ling����stica.

Po��tica. Cinema. S��o Paulo: Perspectiva, 1970. p. 93 a 118.

6 Id. ibid., p. 97.





9 7

que arde sem se ver", analisado por Antonio Candido na obra

indicada na Bibliograf��a Comentada (veja a p��gina 109). O

mesmo ocorre no poema do contempor��neo ��sio Macedo Ribei-

ro, em versos irregulares, bem-humorados e questionadores:

Vida

Vida: cisco

que o vento sempre leva,

a ��gua sempre lava,

o fogo queima sempre

e a terra esconde dentro de si.

Vida: fio invis��vel,

Corrente unida a fr��gil cadeado.

A vida �� de morte!7

Parentescos po��ticos

Ao empregar figuras na constru����o do poema, o poeta

cria sugest��es m��ltiplas de significa����o, tanto no plano denota-

tivo como no conotativo. A an��lise do n��vel sem��ntico deve

sempre ser associada �� dos outros n��veis. �� importante relacio-

nar as palavras, em fun����o de sua semelhan��a e de sua diverg��n-

cia. Podem-se aproximar termos, em um poema, pelas mais

diversas raz��es:

��� por estarem na mesma posi����o;

��� por estarem em posi����o sim��trica;

��� por terem a mesma fun����o sint��tica;

��� por pertencerem �� mesma classe gramatical;

��� por terem a mesma sonoridade etc.

R I B E I R O , ��sio Macedo. Pontua����o circence. S��o Paulo: Ateli��, 2000. p. 70.

7



9 8

Devem-se buscar as aproxima����es poss��veis, sempre rela-

cionando cada aspecto ao conjunto do poema como uma unidade.

Ao concluir e interpretar, �� preciso ter em mente que o

poema est�� enquadrado em uma vis��o de mundo, a do poeta; e

que reflete, direta ou indiretamente, um contexto hist��rico-

social. Eventualmente, a interpreta����o pode ser enriquecida

gra��as a um paralelo com outros textos do mesmo autor ou

��poca, ou com outros poemas de tem��tica semelhante. Como

muitos temas s��o universais e v��lidos em diferentes ��pocas,

cada leitor far�� a sua interpreta����o, em fun����o do momento e do

lugar em que vive, assim como de seu repert��rio de leitura.

Um repert��rio amplo permite ao leitor perceber os jogos

intertextuais, uma vez que muitos poetas dialogam com outros

criadores ��� escritores, m��sicos, artistas pl��sticos ��� de sua

��poca ou de ��pocas precedentes. Voc�� leu, no cap��tulo 4, o

poema "Debussy", de Manuel Bandeira. Nada se diz, no texto,

sobre o compositor franc��s. Qual seria a raz��o da escolha desse

t��tulo? Provavelmente, o modo como o poema foi composto,

organizado em duas partes superpostas, como duas m��os tocan-

do ao piano ou duas vozes moduladas ��� uma descritiva e outra

narrativa.

Ao longo da nossa hist��ria liter��ria, a "Can����o do ex��lio"

de Gon��alves Dias foi retomada por in��meros poetas, cada um

deles propondo a sua vis��o do Brasil, como contraponto ao

retrato ufanista e idealizado do poema rom��ntico.

Assim, mais uma vez se repete a mesma indica����o: o

melhor caminho �� somar leituras e mais leituras.

12 Estabelecendo rela����es

Um exemplo de an��lise e interpreta����o

Lembrando que a interpreta����o de um texto ��� quando

feita por uma s�� pessoa ��� �� necessariamente incompleta, isto ��,

aberta �� complementa����o de novas e enriquecedoras leituras ���

at�� mesmo ao longo do tempo ���, passo agora �� an��lise de um

poema em seus v��rios aspectos, procurando relacionar uns aos

outros, para chegar �� interpreta����o.

Trata-se de "Sem barra", do poeta contempor��neo Jos��

Paulo Paes (1926-1998).

Enquanto a formiga

carrega comida

para o formigueiro,

a cigarra canta,

canta o dia inteiro.

A formiga �� s�� trabalho,

a cigarra �� s�� cantiga.

Mas sem a cantiga

da cigarra

que distrai da fadiga,





1 0 0

seria uma barra

o trabalho da formiga!1

O poema "Sem barra" retoma a tradicional f��bula de

Esopo, "A cigarra e a formiga", de um ponto de vista diverso

daquele do texto original. A an��lise de seus v��rios aspectos per-

mite verificar como isso ocorre.

Os versos se distribuem em tr��s estrofes: a primeira e a

��ltima s��o quintetos, a estrofe central �� um d��stico.

Primeira estrofe

Comecemos pelo primeiro quinteto. Os versos m��trica-

mente iguais s��o redondilhas menores, t��m cinco s��labas po��ti-

cas, como ilustram os versos 1 e 3:

En - Q U A N - to a - for - M(ga)

Car - RE - ga - co - M](da)

1 2 3 4 5 E.R. 5(2-5)

Aparecem rimas consoantes ��� "formiguEIRO/intEIRO

��� e toantes ��� formiga/comida ��� num ��nico per��odo compos-

to por tr��s ora����es, todas elas com verbo claramente expresso:

1) Enquanto a formiga carrega comida para o formigueiro; 2) a

cigarra canta; 3) canta o dia inteiro.

A primeira estrofe parece retomar a f��bula tradicional. No

entanto, o leitor atento perceber�� o desequil��brio no emprego

dos verbos que indicam a����o: a da formiga �� explicitada uma s��

vez, enquanto a da cigarra se repete duas vezes. Qual seria a

raz��o do emprego desse recurso? O poeta estaria tentando cha-

mar a aten����o do leitor para o canto da cigarra?

1 P A E S , Jos�� Paulo. Olha o bicho! 11. ed. S��o Paulo: ��tica, 2003.



1 0 1

Na f��bula de Esopo, escritor da Antiguidade greco-latina,

assim como na vers��o francesa de La Fontaine, no s��culo XVII,

a cigarra exemplificava o comportamento de quem n��o tinha

vontade de trabalhar. Seu canto seria um pretexto para ocultar

a pregui��a.

Na tradi����o po��tica ocidental, a cigarra e seu canto foram

mudando de figura e passaram a ser associados �� atividade

art��stica. A repeti����o do verbo "cantar", na primeira estrofe,

provavelmente sinaliza que m��sica, canto e cria����o po��tica,

hoje, j�� s��o reconhecidos e valorizados.

Segunda estrofe

A estrofe central �� um d��stico que apresenta uma curiosa

contradi����o: as frases, sintaticamente, afirmam algo que a so-

noridade contesta.

Os dois versos apresentam o mesmo metro, redondilhas

maiores ou versos de sete s��labas, com o mesmo esquema r��tmi-

co: E.R. 7(3-5-7), ou seja, verso de sete s��labas, com acentos

po��ticos nas terceira, quinta e ��ltima s��labas.

Os dois versos tamb��m apresentam a mesma organiza����o

sint��tica, resultando num paralelismo: [sujeito + verbo de estado

+ predicativo do sujeito\. Em geral, a fun����o de predicativo do

sujeito �� exercida por um adjetivo, mas, nesse caso, emprega-se

um substantivo, sugerindo uma identifica����o entre esse termo e

o sujeito a que se refere: "A formiga �� s�� trabalho, / a cigarra ��

s�� cantiga". Seria poss��vel traduzir essa formula����o por uma

equa����o matem��tica:

Formiga = trabalho cigarra = cantiga"]

ou:

Formiga _ Cigarra

Trabalho Cantiga



1 0 2

("Formiga" est�� para "trabalho" assim como "cigarra" est�� para

"cantiga".)

O emprego do verbo "ser", de estado, indica situa����o per-

manente, aceita por todos ao longo do tempo.

Vejamos, agora, o que sugerem as rimas: formIGA / can-

tlGA (consoante) e cigArra / trabAlho (toante). Ocorre o opos-

to do que a sintaxe sugeria: a trabalhadora aproxima-se do

canto, ocorrendo o inverso com a cantora. O leitor atento perce-

ber�� a pista impl��cita nos recursos f��nicos empregados pelo

poeta e a dupla leitura poss��vel da estrofe central, sobrepondo

��� e opondo ��� o ponto de vista moderno ao tradicional.

Terceira estrofe

A ��ltima estrofe, o segundo quinteto, mescla versos de

diversos tamanhos:

Mas - S E M - a - can - Tl(ga)

1 2 3 4 5 E.R. 5(2-5)

Da - ci - GAR (ra)

2

3

E.R. 3(3)

Que - dis - TRAI - da - fa - Dl(ga)

1 2 3 4 5 6

E.R. 6(3-6)

Se - Ri - a-u - ma - BAR(ra)

1 2 3 4 5

E.R. 5(2-5)

0 - tra - BA - lho - da - for - Ml(ga)

1 2 3 4 5 6 7

E.R. 7(3-7)

Convido o leitor a questionar: por que os versos da ��ltima

estrofe s��o de diferentes metros ou tamanhos, uma vez que os



1 0 3

das duas primeiras se assemelham? Possivelmente a resposta

decorra do exame de outros aspectos do mesmo quinteto.

Nesse quinteto de versos desiguais, as rimas s��o regula-

res. Identificam-se sonoramente os versos 1, 3 e 5: cantIGA /

fadIGA / formIGA; e os versos 2 e 4: cigARRA / bARRA. A

semelhan��a do termo "formiga" aponta em duas dire����es opos-

tas: de um lado, o peso da "fadiga"; de outro, a leveza da "can-

tiga". Que dire����o escolher? Como equilibrar os dois aspectos?

A resposta fica a cargo da pr��pria formiga ou do leitor, quando

estiver nesse papel. A outra rima aproxima os termos "cigarra"

e "barra", associa����o tamb��m aberta �� interpreta����o do leitor:

como viver�� a cigarra, com ou "sem barra"? De novo caber�� ao

leitor a decis��o, no momento em que ele viver o papel de cigarra.

A estrofe se inicia pelo termo "mas", conjun����o coorde-

nada adversativa que indica oposi����o. O leitor �� levado a supor

que o que se diz nessa estrofe apresenta contraste em rela����o ao

que foi dito anteriormente. Na primeira estrofe, retomava-se a

f��bula tradicional, com leve indica����o da revaloriza����o da

cigarra, por meio da repeti����o do verbo "cantar", ampliando a

presen��a do inseto musical na estrofe: esse termo exerce a fun-

����o de sujeito duas vezes, pela repeti����o do verbo "cantar", ao

passo que a formiga tem o mesmo papel apenas uma vez. Na

segunda estrofe, a rima se superp��e �� constru����o sint��tica do

d��stico e prop��e uma leitura ��s avessas, acenando para a poss��-

vel invers��o de pap��is das duas personagens.

Ao come��ar pela conjun����o "mas", a terceira estrofe assu-

me a desconstru����o da f��bula tradicional, como se apresentasse

uma s��rie de questionamentos: n��o se pode cantar enquanto se

trabalha? Cantar ou criar n��o poderiam ser considerados, tam-

b��m, uma forma de trabalho? Quem canta num dia, n��o poderia

trabalhar no outro e vice-versa? �� vis��o invertida da f��bula cor-

responde um ritmo marcado por diferentes tipos de versos, de

modo a apoiar, m��tricamente, o que o texto diz: os seres vivos





1 0 4

podem desempenhar diferentes pap��is, de diferentes formas,

em diferentes contextos; e ainda: a vida de todos seria mais

f��cil, mediante maior coopera����o e solidariedade.

Cabe um coment��rio sobre o registro de linguagem. O

t��tulo antecipa o termo "barra", que volta a ser empregado no

pen��ltimo verso. Obviamente, trata-se de uma escolha do poeta.

Essa palavra faz parte do registro coloquial da linguagem, em

nosso pa��s2. "Barra pesada" ou simplesmente "barra" quer dizer

"situa����o dif��cil, complica����o". A presen��a da express��o fami-

liar num dos doze versos do poema e no t��tulo sinaliza que esse

registro remete �� linguagem ��� e ��s situa����es ��� da vida coti-

diana das pessoas comuns, de todos n��s. J�� tinha ficado clara a

reformula����o proposta para a f��bula tradicional: o papel da

cigarra e da formiga �� pass��vel de mudan��a, ao longo dos tem-

pos, conforme a situa����o e o contexto. Al��m disso, elas podem

inverter os pap��is, em diferentes momentos.

A partir da terceira estrofe, o poeta ultrapassa a simples

retomada da f��bula, propondo uma amplia����o da reflex��o e

envolvendo o leitor em seu poema: h�� muitos pap��is a serem

exercidos, em diferentes ritmos, momentos e situa����es. Posi-

����es r��gidas s��o como "barras" ou situa����es dif��ceis de enfren-

tar. Com flexibilidade e abertura a mudan��as, todas as pessoas

sairiam ganhando.

H�� diferentes maneiras de dialogar com textos de outras

��pocas, seja por meio de par��frases (retomada das mesmas id��ias

do mesmo ponto de vista), seja por meio de par��dias (retomada

de um ponto de vista cr��tico e, por vezes, bem-humorado). No

caso de "Sem barra", Jos�� Paulo Paes cria uma par��dia, em tom

leve, com cr��tica focada no esp��rito conservador das pessoas que

2 Esse emprego do termo "barra" ocorre apenas no Brasil, n��o se estendendo a

outros pa��ses que falam a mesma l��ngua, como Portugal, Angola, Mo��ambique,

Cabo Verde.



1 0 5

se apegam �� tradi����o da f��bula e de sua moral, na qual est�� impl��-

cita uma vis��o r��gida dos pap��is sociais.

Na par��dia alegremente cr��tica, o poeta contempor��neo,

ao mesmo tempo, homenageia uma obra do passado e a recria

criticamente. �� como se dissesse: as f��bulas s��o textos impor-

tantes, devem ser lidos, mas �� preciso faz��-lo com olhos atuali-

zados, de hoje, com o repert��rio decorrente de nossas leituras e

de nossa experi��ncia no mundo. Ao propor uma reformula����o

criativa da hist��ria da cigarra e da formiga, o poeta convida o

leitor a compartilhar com ele a cren��a no poder e na vitalidade

da cria����o po��tica.

13 Vocabul��rio cr��tico

Alitera����o: R e p e t i �� �� o d a m e s m a consoante n o interior d e u m o u mai s

v e r s o s .

An��fora: F i g u r a q u e c o n s i s t e n a r e p e t i �� �� o d a m e s m a p a l a v r a , n a m e s m a p o s i �� �� o , e m v �� r i o s v e r s o s (sempre n o c o m e �� o , s e m p r e n o

m e i o o u s e m p r e n o final d o v e r s o ) .

Ant��tese: F i g u r a qu e a p r o x i m a t e r m o s de sentido o p o s t o .

Asson��ncia: R e p e t i �� �� o d a m e s m a v o g a l dentro d e u m o u m a i s v e r s o s .

Cad��ncia: A l t e r n �� n c i a entre s��laba s fortes e fracas no i n t e r i o r do

m e s m o v e r s o .

Cesura: P a u s a q u e o c o r r e n o i n t e r i o r d o v e r s o , l o g o ap��s a s �� l a b a acentuada.

Compara����o: T a m b �� m c h a m a d a d e s �� m i l e , �� u m a figur a que a p r o x i m a d o i s t e r m o s , p o r m e i o d a c o n j u n �� �� o : " c o m o " o u similar.

Encadeamento: T a m b �� m c o n h e c i d o c o m o enjambement o u c a v a l g a -

m e n t o , esse r e c u r s o o c o r r e q u a n d o u m v e r s o apresenta liga����o

sint��tica (e de sentido) c o m o v e r s o seguinte.

Escans��o: F a z e r a escans��o o u escandir u m v e r s o consiste e m d e c o m -

p �� - l o e m s��labas o u p��s m��tricos.

Esquema r��tmico (E.R.): �� o n o m e q u e se d�� �� f �� r m u l a q u e i n d i c a

quantas s��labas po��ticas t e m o v e r s o (fora dos par��nteses) e quais

as s��labas acentuadas (dentro dos par��nteses).

Estrofe: C h a m a - s e estrofe o c o n j u n t o de v e r s o s de um p o e m a .



1 0 7

Met��fora: De m a n e i r a s i m p l i f i c a d a , p o d e - s e c o m p r e e n d e r a m e t �� f o r a c o m o u m a c o m p a r a �� �� o a b r e v i a d a , o u seja, d a qual s e r e t i r o u a

e x p r e s s �� o " c o m o " o u similar.

Meton��mia: F i g u r a que consiste e m n o m e a r u m do s aspectos d e u m a

representa����o g l o b a l , n u m a rela����o d e v i z i n h a n �� a o u contiguidade.

M��trica ou metrifica����o: S i n �� n i m o de v e r s i f i c a �� �� o , �� o estud o d o s m e t r o s , p �� s , acentos e ritmo do v e r s o .

Paralelismo: C o n s i s t e n a r e p e t i �� �� o d a m e s m a c o n s t r u �� �� o sint��tica dentro d o p o e m a .

Poema: O p o e m a em v e r s o s �� um text o qu e se c o m p �� e de estrofes,

m a r c a d o p o r recursos s o n o r o s e r��tmicos. G e r a l m e n t e , o p o e m a

p e r m i t e outras leituras a l �� m da linear, p o i s sua c o m p o s i �� �� o s u g e -

re associa����o entre express��es ou p a l a v r a s p o s i c i o n a d a s estrategi-

camente n o texto.

Poema em prosa: T e x t o em p r o s a , curto, c o m as m e s m a s caracter��sti-

cas d o p o e m a e m v e r s o s .

Poesia: A l �� m d e f i g u r a r e m p o e m a s , a p o e s i a o u efeito po��tic o p o d e estar presente em outras cria����es art��sticas q u e , c o m o o p o e m a ,

c o n v i d a m o leitor/espectador/ouvinte a retornar �� o b r a m a i s de

u m a v e z , d e s v e n d a n d o as pistas que ela apresenta p a r a a interpre-

ta����o de seus (m��ltiplos) sentidos.

Poesia visual: P o e m a s q u e , a l �� m do text o c o m p o s t o p o r p a l a v r a s , t a m -

b �� m apresentam i m a g e m , c o m o os caligramas, a p o e s i a concreta e

parte das p r o d u �� �� e s d a c h a m a d a p o e s i a j o v e m dos anos 70.

Prosa po��tica: T r e c h o i n s e r i d o e m u m g �� n e r o e m p r o s a , c o m a s m e s -

m a s caracter��sticas d o p o e m a e m p r o s a .

Rima: S e m e l h a n �� a entre o s sons n o interior d o m e s m o v e r s o ( r i m a

interna) o u n o f i n a l d e v e r s o s diferentes ( r i m a externa). P o d e ser

consoante ( q u a n d o rimam v o g a i s e consoantes) ou toante ( q u a n d o

r i m a m apenas a s v o g a i s t��nicas). P o d e m ser p o b r e s o u r i c a s , c o n -

f o r m e a e x t e n s �� o dos sons que rimam ou a categoria gramatical.

Q u a n t o �� d i s p o s i �� �� o , p o d e m ser alternadas ou c r u z a d a s , e m p a r e -

lhadas, interpoladas o u misturadas.

Sin��doque: F i g u r a q u e e m p r e g a u m t e r m o p e l o o u t r o , e m rela����o d e c o m p r e e n s �� o o u inclus��o.



1 0 8

Sinestesia: S u g e r e associa���� o s i m u l t �� n e a de diferente s i m p r e s s �� e s

s e n s o r i a i s , isto �� , s u g e s t �� e s l i g a d a s aos c i n c o sentidos: v i s �� o ,

audi����o, olfato, paladar, tato.

Verso: C a d a linha d e u m p o e m a , c o m r i t m o espec��fico, diferente d o d e

u m a l i n h a d e p r o s a . H �� v �� r i o s tipos:

brancos: v e r s o s regulares q u e n �� o apresentam rimas;

livres: v e r s o s de r i t m o solto cuja s��laba acentuada n �� o se f i x a e m

u m a m e s m a p o s i �� �� o e c u j o ritmo v a r i a c o n f o r m e a leitura ou

o leitor;

polim��tricos: v e r s o s regulares d e t a m a n h o s diferentes, cujas s��la-

bas acentuadas s��o fixas n u m a m e s m a p o s i �� �� o ;

regulares: apresentam rimas e s e u ritmo segue as regras d a m �� t r i -

ca cl��ssica.

14 Bibliografia comentada

ALONSO, D��maso. Poesia espanhola. Rio de Janeiro: Instituto

Nacional do Livro, 1960.

Obra extensa, em que o autor mostra sua trajet��ria de apai-

xonado leitor de poesia a cr��tico especializado. Ao mesmo

tempo que aborda conceitos te��ricos, apresenta exemplos,

analisando poemas em l��ngua espanhola.

ANTONIO CANDIDO. O estudo anal��tico do poema. S��o Paulo:

Humanitas, 2004.

Obra essencial, trata de quest��es relacionadas �� an��lise e

interpreta����o de poemas, em apresenta����o clara e recheada

de exemplifica����es.

. Na sala de aula. 8. ed. S��o Paulo: ��tica, 2000.

O livro apresenta an��lises de poemas de diferentes ��pocas,

exemplificando, de maneira clara e did��tica, possibilidades

de descoberta dos significados do poema.

BILAC, Olavo e PASSOS, Guimar��es. Tratado de versifica����o. 3��. ed.

Rio de Janeiro: Francisco Alves, 1918.

Obra dif��cil de encontrar. Mas sua consulta �� poss��vel em

bibliotecas, nesta edi����o ou em uma das edi����es posteriores.

Bosi, Alfredo. O ser e o tempo na poesia. S��o Paulo: Cul-

trix/Edusp, 1977.



1 1 0

Em seis cap��tulos, o autor faz reflex��es sobre o fen��meno

po��tico e sua rela����o com outros campos do conhecimento.

O cap��tulo "O som no signo" aponta na mesma dire����o

deste volume. Obra imprescind��vel.

CAMPOS, Geir. Pequeno dicion��rio de arte po��tica. S��o Paulo:

Cultrix, 1978.

Gloss��rio de termos po��ticos, explicados com objetividade

e clareza. Livro ��til para os estudiosos da poesia.

CHOCIAY, Rog��rio. Teoria do verso. S��o Paulo: McGraw-Hill do

Brasil, 1974.

Em 16 cap��tulos com exemplos em l��ngua portuguesa, o

autor faz um estudo que amplia, desenvolve e complementa

a proposta deste trabalho, tratando do ritmo do poema.

COHEN, Jean. Estrutura da linguagem po��tica. S��o Paulo: Cul-

trix/Edusp, 1974.

O autor v�� a poesia como "desvio" da prosa. Sua grande

contribui����o consiste na proposta de "f��rmulas" pr��ticas

para aplica����o em an��lise liter��ria. Os exemplos analisados

s��o de autores franceses.

D'ONOFRIO, Salvatore. "Elementos estruturais do poema". In: O

texto liter��rio: teoria e aplica����o. S��o Paulo: Duas Cidades,





1983.


Nesse texto o autor resume as principais tend��ncias cr��ticas

da atualidade, al��m de propor uma esp��cie de roteiro para

an��lise e interpreta����o do texto po��tico.

DUCROT, Oswald e TODOROV, Tzvetan. Dicion��rio das ci��ncias

da linguagem. Edi����o portuguesa orientada por Eduardo

Prado Coelho. Lisboa: Dom Quixote, 1973.

Dentre os verbetes, aparecem conceitos importantes para os

que se interessam pela an��lise ling����stica e liter��ria, parte

deles voltada para a linguagem po��tica.



1 1 1

FRIEDRICH, Hugo. Estrutura da l��rica moderna. S��o Paulo: Duas

Cidades, 1978.

No cap��tulo inicial - "Considera����es preliminares" -, o

autor estabelece a import��ncia da poesia no mundo moder-

no. Nos demais, comenta a obra de grandes poetas: Baude-

laire, Ungaretti, Garcia Lorca e outros.

JAKOBSON, Roman. "Ling����stica e po��tica". In: Ling����stica e

comunica����o. S��o Paulo: Cultrix, 1969.

Ensaio que trata das fun����es da linguagem, particularmente

da fun����o po��tica, evidenciando a import��ncia de seu papel

nos textos liter��rios e n��o-liter��rios. Texto fundamental

para estudantes do curso de Letras.

JOLIBERT, Josette e colaboradores. Formando crian��as produto-

ras de textos. 2 vol. Tradu����o de W. M. F. Settineri e B.

Charles Magne. Porto Alegre: Artmed 1994. v. II.

Embora voltada para professores de l��ngua materna, trata-se

de obra fundamentada em importantes teorias ling����sticas e

estil��sticas que trata da natureza do poema. Bastante ��til

para os interessados no tema.

PFEIFFER, Johanes. Introdu����o �� poesia. Lisboa: Europa-Am��ri-

ca, 1966.

Em linguagem simples, o autor aborda com muita seriedade

temas fundamentais para o estudo da literatura. O cap��tulo

inicial - "Ritmo e melodia" - relaciona-se com as propostas

deste livro.

TOMACHEVSKI, B. "Sobre o verso". In: Teoria da literatura: for-

malistas russos. Porto Alegre: Globo, 1973.

Ensaio ��til para a an��lise r��tmica do poema. Apesar dos

exemplos estrangeiros, sugere aplica����es variadas e ��teis.







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De: Bons Amigos lançamentos >






O Grupo Bons Amigos e o Grupo Só Livros com sinopses têm o prazer de lançar hoje mais uma obra digital  no formato txt, epub e pdf  para atender aos deficientes visuais.  

Versos, Sons e Ritmos -Norma Goldstein

Livro doado por Bezerra e digitalizado por Fernando Santos
Sinopse:
Existe receita para interpretação de um poema? Para Norma Goldstein, não. A poesia, cheia de significados, permite leituras variadas.Este livro trata da análise do poema como um procedimento didático.


Lançamento    Só Livros com sinopses e 
Grupo Bons Amigos:

)https://groups.google.com/forum/#!forum/solivroscomsinopses  


Blog:



Este e-book representa uma contribuição do grupo Bons Amigos e Só livros com sinopses  para aqueles que necessitam de obras digitais como é o caso dos deficientes visuais 

e como forma de acesso e divulgação para todos. 
É vedado o uso deste arquivo para auferir direta ou indiretamente benefícios financeiros. 
 Lembre-se de valorizar e reconhecer o trabalho do autor adquir





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