segunda-feira, 24 de maio de 2021 By: Fred

{clube-do-e-livro} Fwd: LANÇAMENTO DA AUTOBIOGRAFIA DO CANTOR E COMPOSITOR RICKY MARTIN - FORMATOS : PDF,TXT,EPUB E MOBI

"Depois de ter dado esse passo incr��vel,
percebo o significado de ser realmente feliz.
[...] Essa �� a vida que me foi destinada."

Ao longo de uma carreira que j�� dura quase tr��s
d��cadas, Ricky Martin desenhou uma divis��ria
muito clara entre a pessoa dentro de si e aquela
que aparecia para o mundo, preferindo manter
suas emo����es mais intensas longe do p��blico.
Agora, esse Ricky Martin secreto abre-se pela
primeira vez e fala aonde a vida o levou e sobre
a jornada incr��vel que percorreu para chegar l��.

Neste livro, Ricky compartilha lembran��as
determinantes de sua inf��ncia, dos sacrif��cios
de sua fam��lia para apoiar seus sonhos e das
experi��ncias adolescentes do Menudo -o que
tudo isso lhe custou e lhe ensinou. Mostra a luta
contra sua pr��pria identidade durante o fen��meno
"Livin' la vida loca", reflete sobre a aceita����o de
sua sexualidade e admite as consequ��ncias, ��s
vezes opressivas, da nega����o e da fama.

Recorda tamb��m alguns momentos marcantes de
sua trajet��ria, como as viagens para a ��ndia, que
acabaram levando �� funda����o do Projeto People
for Children, e a realiza����o da maior b��n����o de
sua vida: seus filhos. A hist��ria de Ricky Martin
permite que se compreendam as li����es de sua
vida, os relacionamentos que o ajudaram a aceitar

o amor e as decis��es cruciais que tomou para se
tornar o homem -e o pai - que �� hoje.
Eu �� uma autobiografia ��ntima sobre o caminho
libertador e espiritual que transformou um
garotinho chamado Enrique Martin Morales
em um ��cone que �� muito mais do que um dos
maiores pop stars de nosso tempo.


Copyright �� RM Enterprises, Inc., 2010

Todos os direitos reservados.
Este livro n��o pode ser reproduzido, nem total nem parcialmente, sem pr��via
permiss��o por escrito do editor.
Edi����o publicada de acordo com Celebra, um membro do Grupo Penguin (USA) Inc.
T��tulo original: Me

Revis��o: T��lio Kawata
Diagrama����o: Triall
Capa: adaptada do projeto gr��fico original de Anthony Ramondo
Foto de capa: Omar Cruz

Dados Internacionais de Cataloga����o na Publica����o (CIP)
(C��mara Brasileira do Livro, SP, Brasil)

Martin, Ricky

Eu / Ricky Martin; tradu����o Maria Fernanda Lapa
Cavallari, Pedro Barros. - S��o Paulo: Editora Planeta
do Brasil, 2010.

T��tulo original: Me.
ISBN 978-85-7665-563-3

1. Cantores - Biografia 2. Martin, Ricky I. T��tulo.
10-10605 CDD-782.42164092

��ndice para cat��logo sistem��tico:

1. Cantores: M��sica popular: Biografia
782.42164092
2010

Todos os direitos desta edi����o reservados ��

EDITORA PLANETA DO BRASIL LTDA.

Avenida Francisco Matarazzo, 1500 -3A andar - conj. 32B
Edif��cio New York
05001-100-S��o Paulo-SP
www.editoraplaneta.com.br
vendas@editoraplaneta.com.br


Dedicado a Matteo e Valentino Martin

Minha luz, meu foco, minha for��a, meus pequenos mestres,
que, com um simples olhar, apenas, sabem como me dizer:
"N��o se preocupe, papai. Est�� tudo bem ".


SUM��RIO

INTRODU����O ��� 11

UM TORNANDO-ME HOMEM ��� 23

DOIS ENCONTRANDO O DESTINO ��� 61

TR��S MINHA VEZ DE BRILHAR ��� 107

QUATRO ASSUMINDO O CONTROLE SOBRE MINHA VIDA ��� 141

CINCO O SOM DO SIL��NCIO ��� 165

O PAPEL DE MINHA VIDA ��� 19S

SETE PATERNIDADE ��� 231

OITO MEU MOMENTO ��� 255

NOVE DAQUI EM DIANTE ��� 285


EU


INTRODU����O


Deus, ajudai-me a dizer a verdade para o forte e a esquivar-me
de contar mentiras para ganhar o aplauso do fraco. Se me derdes
fortuna, n��o me tireis a raz��o, Se me derdes sucesso, n��o me tireis
a humildade. Se me derdes humildade, n��o me tireis a dignidade.
Deus, ajudai-me a ver o outro lado da moeda. N��o me deixeis
acusar outros de trai����o s�� porque n��o pensam como eu. Deus,
ensinai-me a amar as pessoas como amo a mim mesmo e a julgar
a mim mesmo como julgo os outros. Por favor, n��o me deixeis ser
orgulhoso se for bem-sucedido, ou cair em desespero se fracassar.
Recordai-me de que o fracasso �� a experi��ncia que precede

o triunfo. Ensinai-me que perdoar �� o mais importante no forte e
que vingan��a �� o sinal mais primitivo do fraco. Se me tirardes meu
sucesso, deixai-me manter minha for��a para conseguir sucesso a
partir do fracasso. Se eu falhar com as pessoas, dai-me coragem
para me desculpar, e se as pessoas falharem comigo, dai-me coragem
para perdo��-las. Deus, se eu me esquecer de v��s, por favor,
n��o vos esque��ais de mim.
��� Mahatma Gandhi
AS PALAVRAS DE GANDHI ME TOCAM O CORA����O.
Em algum ponto das nossas vidas, todos acabamos che


gando a um momento em que somos, de alguma forma, com


pelidos a olhar para tr��s e refletir de forma consciente sobre

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EU

a vida que levamos. Sentimos a necessidade de compreender
de onde viemos, porque desejamos ver com mais clareza para
onde estamos indo e para onde, de fato, queremos ir; buscamos
uma forma de equilibrar aquilo que vivemos e aquilo por
que ainda nos falta passar, com o desejo, talvez, de encontrar
um prop��sito mais significativo para a nossa exist��ncia. Algumas
pessoas decidem fazer isso quando j�� est��o mais velhas,
mais perto do fim de suas vidas, mas para mim esse momento
�� agora. Sinto hoje a necessidade de olhar para tr��s e observar

o caminho que me levou at�� onde eu estou, para que o futuro a
minha frente possa ser o mais luminoso e verdadeiro poss��vel.
Nasci Enrique Martin Morales, mas a maioria das pessoas
me conhece como Ricky Martin: m��sico, cantor, compositor,
filantropo, e alguns tamb��m devem saber que sou ator. Sou
todas essas coisas; mas tamb��m sou muito mais. As pessoas
mais pr��ximas me conhecem como Kiki (um apelido que vem
de Enrique), e, al��m de artista, sou tamb��m filho, irm��o e amigo
- e, mais recentemente, pai. Por muito tempo tentei manter
essas partes da minha vida completamente separadas: quando
estou no palco ou na frente das c��meras, sou Ricky; mas na
vida privada sou Kiki, um homem que enfrenta a cada dia os
desafios da vida, como todo mundo. Embora a maioria das
pessoas que v��o ler este livro tenha uma percep����o clara de
quem eu sou como artista, h�� uma parte fundamental de mim
que muito poucos realmente conhecem.

Hoje, depois de tudo que vivi e das muitas experi��ncias por
que passei, percebo que n��o �� justo separar o Kiki do Ricky.
Eles s��o um s�� e o mesmo. Demorei algum tempo para compreender
isso, e apesar de, antes, acreditar que a melhor coisa

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INTRODU����O

seria esconder a minha vida pessoal e a ess��ncia de quem sou,
agora tenho plena convic����o de que a minha verdadeira felicidade
�� viver a minha vida livremente, sem medos ou falsos
pretextos. Foi um processo gradual. N��o sei dizer exatamente
quando me dei conta disso, mas sei que cheguei ao ponto
em que n��o podia mais viver sem enfrentar a minha verdade.
E por isso que finalmente resolvi acabar com o segredo que
guardei por tantos anos: decidi contar para o mundo que aceito
a minha homossexualidade e celebro esse dom que a vida
me deu.

Agora me sinto forte. Livre. Mais livre do que nunca.

Muita gente provavelmente acredita que minha vida pode
ser dividida em dois per��odos: antes e depois de "Livin' la vida
loca". Ou talvez alguns achem que minha vida est�� dividida
entre antes e depois da minha revela����o, e a verdade �� que
isso �� muito compreens��vel, porque at�� agora foi mais ou menos
isso o que eu de fato compartilhei sobre mim mesmo. E,
embora n��o v�� negar o fato de que "Livin' la vida loca" foi
um momento crucial na minha vida, posso garantir que h�� outros
igualmente importantes para mim. H�� tamb��m o antes e
depois do Menudo, o antes e depois da minha primeira viagem
para a ��ndia, e o antes e depois de me tornar pai... Todas
foram experi��ncias ��nicas que tiveram um impacto profundo
sobre mim e alteraram a forma como navego pela vida. E espero
que muitos momentos como esses ainda estejam por vir,
sei que est��o.

Como todo mundo, precisei percorrer meu pr��prio caminho
espiritual e passar por minhas experi��ncias - as boas e as
ruins, o amor e a falta de amor, a sensa����o de me sentir perdi


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E U

do e depois de me encontrar - para chegar aonde estou hoje.
Antes de poder responder as perguntas que constantemente me
eram feitas, precisei encarar a mim mesmo. E claro, alguns podem
dizer que eu deveria ter feito isso h�� muitos anos, mas,
na parte mais profunda do meu ser, estou certo de que o momento
�� agora, porque �� como estava destinado a ser. Somente
agora estou pronto, e somente agora posso faz��-lo - nem um
dia antes, nem um dia depois.

O processo de escrever essas mem��rias n��o foi f��cil. Exigiu
muito de mim - muito mais do que eu esperava. Precisei
amarrar as pontas soltas sobre as quais nunca tinha refletido
antes, ir a fundo em lembran��as que j�� estavam apagadas na
minha cabe��a e encontrar respostas para perguntas muito dif��ceis:
mas, acima de tudo... acima de tudo, finalmente precisei
me aceitar. Precisei me despir total e completamente, para me
ver exatamente como sou. Descobri coisas de que gostei - outras,
nem tanto. E foram justamente as coisas de que n��o gostei
muito que resolvi consertar desde o momento em que tomei
consci��ncia delas. Eu nunca teria imaginado que escrever este
livro me levaria aonde levou; no entanto, hoje sei que sou um
homem melhor -e um homem mais feliz - por causa do que
aprendi sobre mim ao longo do processo.

Eu queria dizer muito nestas p��ginas, mas queria faz��-lo
com humildade e dignidade, concentrando-me nas experi��ncias
que ajudaram a fazer de mim o que sou. Mais do que uma
autobiografia, este livro �� um testemunho das minhas cren��as
espirituais, um relato sobre os passos que dei para chegar ao
estado de felicidade e completude em que agora me encontro.
Vou falar sobre muitos assuntos pessoais que nunca discuti em

1 6


INTRODU����O

p��blico antes, mas tamb��m n��o �� minha inten����o compartilhar
todos os detalhes. Acredito que todos temos direito a um certo
grau de privacidade; algumas coisas guardo para mim porque
s��o s�� minhas e quero que continuem assim. O que eu gostaria
de fazer �� explorar os diferentes caminhos e experi��ncias que
me levaram a ser a pessoa que sou hoje.

Eu sei como �� ser amado e sei como �� amar algu��m - de
forma total e absoluta, com intensidade e sem julgamentos
pr��vios. Tamb��m sei como �� ser julgado pelo que sou e pelo
que n��o sou. Se eu n��o tivesse passado por isso tudo, talvez
n��o fosse capaz de chegar ao momento em que finalmente
compreendi que o caminho escolhido era o certo, j�� que ele
fez de mim a pessoa que sou hoje. E n��o importa como eu
olhe para ele; a pessoa que sou hoje, essa pessoa que criei com
tanto esfor��o e dedica����o, ��, depois dos meus filhos, a minha
obra mais preciosa. Estou certo de que ainda h�� muitos passos
a dar, muito mais coisas por que passar, e muitos cap��tulos a
serem escritos. Agora, por��m, s�� quero abrir o meu cora����o
para voc��s e dividir a minha hist��ria e este momento da minha
vida com o mundo.

Durante esse per��odo aprendi que �� in��til rotular as coisas
como boas ou ruins. A chave �� ver tudo como uma li����o. Bom
e ruim s��o igualmente partes de um todo, e precisamos abarcar
esse todo para alcan��ar a exist��ncia que almejamos. Avan��amos
por certos caminhos em que as oportunidades v��m ao
nosso encontro, e cada passo n��o s�� nos leva para mais perto
de onde queremos chegar, mas tamb��m tem um motivo para
ser. A vida nos d�� experi��ncias, e cada decis��o que tomamos
determina onde vamos estar mais tarde.

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E U

Do dia em que nascemos at�� o dia em que morremos, progredimos
por um caminho de aprendizado, no qual cada decis��o
que tomamos ou deixamos de tomar se torna parte de
nosso crescimento pessoal. Existe esse reino c��rmico no qual
�� preciso passar pelos desafios que a vida apresenta para se
liberar do que est�� segurando voc��, impedindo que voc�� alcance
a divindade. Todos progredimos ao longo de um caminho
espiritual que nos oferece oportunidades para aprender - e at��
a trag��dia tem o seu significado. Quando somos estudantes,
precisamos estudar a mat��ria at�� sab��-la de cor, e, se n��o soubermos,
n��o nos formamos. Da mesma forma, a vida nos apresenta
uma experi��ncia atr��s da outra, e atrav��s de cada a����o,
decis��o e sele����o estamos determinando onde vamos acabar.
E, exatamente como na escola, quem prestar mais aten����o vai
avan��ar mais rapidamente.

Algu��m uma vez me perguntou se eu achava que as minhas
conquistas sempre estiveram no meu destino. A resposta
foi sim, e n��o. �� verdade, acredito mesmo que muito do que
aconteceu comigo me ajudou a determinar o meu destino, mas
n��o h�� d��vida de que cheguei aonde estou, e conquistei o que
conquistei, porque dei duro para conseguir. Se h�� uma verdade
neste mundo �� que o destino precisa de uma m��ozinha. Se
eu n��o tivesse feito a minha parte, nunca teria chegado aonde
estou agora. Em nenhum momento eu me sentei e esperei o
destino bater �� minha porta. Sa�� e procurei por ele, e fui bater
�� sua porta. Acho que as pessoas que ficam sentadas esperando
que o destino caia no colo delas provavelmente v��o ficar
velhas esperando.

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INTRODU����O

Trabalhei intensamente para chegar a este ponto, e por
isso sei que n��o foi uma coincid��ncia ou um simples ato do
acaso. �� verdade que tive muita sorte - ou muito do que chamamos
de sorte. Mas a verdade �� que todo mundo cria a sua
pr��pria sorte e o seu pr��prio destino. Quando a vida coloca
diante de voc�� um rio, n��o se pode contar com a sorte para
fornecer um barco; �� preciso mergulhar na ��gua e nadar. Bra��ada
a bra��ada, voc�� precisa chegar ao outro lado. Voc�� precisa
criar o curso do seu destino e n��o deixar o acaso determinar
a dire����o. Acredito totalmente que a sorte vem para os que
d��o duro para encontr��-la.

A vida �� uma jornada, e cada passo que damos nos leva a
alguma dire����o. Quando estamos prontos e dispostos, aprendemos,
avan��amos e crescemos. Por��m, �� muito f��cil -e muito
comum - n��o dar o primeiro passo e ficar onde estamos, porque,
afinal, o que �� conhecido normalmente �� mais c��modo.
Acho que, durante uma grande parte da minha vida, eu estava
t��o acomodado que n��o senti a necessidade de olhar para dentro,
at�� mesmo para fazer-me umas perguntas b��sicas e muito
menos para achar as respostas. Eu me sentia mal. Sabia que
havia uma coisa essencialmente errada por dentro, mas, em
vez de tentar me livrar desses sentimentos contradit��rios que
estavam me incomodando, simplesmente os enterrei na esperan��a
de que desaparecessem para sempre. Eu estava com
medo e muito mais preocupado em ser aceito e amado do que
em cultivar o meu crescimento pessoal.

O longo caminho at�� finalmente ficar cara a cara comigo
mesmo n��o foi f��cil. E, apesar de ter crescido e aprendido
muito, esta �� uma estrada que continuo a trilhar todos os dias

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E U

da minha vida. Precisei de muitos anos de sil��ncio e reflex��o
para compreender o que carrego realmente em meu cora����o.
Antes de poder contar a minha verdade para o mundo, precisei
chegar ao momento em que encontraria a aceita����o interior e
a tranquilidade.

A vida d�� muitas voltas, mas hoje tenho certeza absoluta
de que tudo acontece por algum motivo. ��s vezes �� dif��cil
perceber quando se est�� passando por isso, mas, com base na
minha pr��pria vida, posso dizer que tudo acontece porque ��
assim que deve ser. As li����es da vida s��o como uma s��rie de
portas fechadas: uma vez obtida a revela����o e aprendida a li����o
que importa, uma porta se fecha e outra se abre, e a jornada
continua. Cada fase da minha vida trouxe consigo coisas importantes
e preciosas; n��o importa o quanto tenha me custado
ou o quanto tenha sido dif��cil. As minhas experi��ncias com o
Menudo, por exemplo, forneceram-me uma ��tica de trabalho
e um sentido de disciplina que talvez naquele tempo eu n��o
tenha percebido que seriam t��o importantes no meu futuro.
Mais tarde, depois que o caos de "Livin' la vida loca" se acalmou,
eu finalmente havia aprendido a import��ncia de saber
o momento de dizer n��o. Quando fui para a ��ndia, aprendi o
que significa voltar o meu olhar para dentro e conhecer a mim
mesmo. Somente depois de me tornar pai (como todos os pais
antes de mim), �� que aprendi o verdadeiro significado de amor
incondicional. E quando finalmente achei a coragem para revelar
a minha verdade para o mundo, n��o s�� compreendi o
significado de viver sem medo, mas tamb��m compreendi que

o medo est�� em nossa mente.
2 O


INTRODU����O

Conforme fui escrevendo este livro, passei por muitos momentos
em que me senti completamente vulner��vel. Ao mesmo
tempo, por��m, houve outros momentos em que me senti
animado, livre e feliz por, afinal, deixar o passado para tr��s.
Foi um processo intenso de catarse que me ajudou a curar as
minhas feridas e compreender muitas coisas que talvez n��o fizessem
muito sentido antes. Agora vejo as coisas com mais clareza,
e por isso sou grato.

Agora estou completo.

Agora estou pronto para me dar exatamente como sou para
o meu p��blico, minha fam��lia, meus amigos e em meus
relacionamentos. Quero que meus filhos possam um dia ler
este livro e compreender a jornada espiritual pela qual precisei
passar para ser capaz de aceitar a alegria de ser o pai deles.
Quero abrir o meu cora����o para eles de forma total e absoluta,
para que no futuro nunca tenham medo de fazer o mesmo.

Escrevi este livro com o cora����o �� mostra. No entanto,
antes de continuar, quero deixar claro que, s�� porque resolvi
falar sobre a minha vida, isso n��o quer dizer que vou falar
sobre a vida de outros. Todo mundo tem direito a privacidade
e discri����o, por isso resolvi proteger os nomes verdadeiros e
caracter��sticas de algumas pessoas. Apesar de algumas pessoas
terem participado da minha vida p��blica e talvez sejam facilmente
reconhec��veis, n��o vou envolv��-las numa hist��ria que
n��o �� a delas. Assim como em tantas ocasi��es pedi o meu direito
�� privacidade, preciso respeitar o direito dos outros �� deles.
Esta �� a minha vida, minha trajet��ria pessoal, e decidi cont��-la
porque hoje estou pronto para fazer isso. Por��m, n��o tenho a
inten����o de deixar a minha decis��o afetar mais ningu��m.

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E U

Desde o momento em que cliquei ENVIAR para anunciar a
minha verdade para o mundo, a chuva de amor que recebi foi
surpreendente, quase inacredit��vel. Isso me mostrou com clareza
que o medo que eu sentia antes existia somente na minha
cabe��a - assim como todo o medo. A vida �� muito mais bonita
quando �� vivida com os bra��os abertos, baixando a guarda,
sem ansiedades ou segredos. Hoje, mais do que nunca, sei que
este �� o meu momento e que, exatamente como o mestre Gandhi
diz, tenho a for��a para viver uma vida cheia de amor, paz
e verdade.

2 2


UM

TORNANDO-ME HOMEM


PARA MIM, �� FASCINANTE SENTAR E OLHAR PARA TR��S, PARA A

estrada que percorri at�� chegar aonde estou agora - n��o s�� na
minha carreira, mas tamb��m na minha vida pessoal. O que
��s vezes me parecia incompreens��vel ou excessivamente dif��cil,
hoje entendo como algo que tinha de acontecer. Todas as minhas
experi��ncias me prepararam para o que estava -e ainda
est�� - pela frente. No in��cio, captar o conceito foi dif��cil para
mim, mas, uma vez capaz de internaliz��-lo, cheguei a um ponto
em que poderia viver uma vida mais completa e satisfat��ria,
porque estou disposto a aceitar que as coisas boas, as ruins e
as n��o t��o legais s��o parte de um todo. Esse sentimento me
libertou de muitas maneiras e me deu a for��a para enfrentar
tudo o que aparece pelo meu caminho. E extraordin��rio pensar
que, sem saber, desde muito cedo, eu j�� estava construindo
a minha identidade, a minha pr��pria hist��ria.

COME��ANDO

TUDO COME��OU COM uma colher.
Qualquer pessoa da minha fam��lia vai dizer que a m��sica
entrou na minha vida muito cedo. O lado da fam��lia de minha

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E U

m��e sempre teve inclina����o musical. Nas tardes de domingo,
n��s nos reun��amos na casa dos meus av��s e, mais cedo ou
mais tarde, algu��m pegava um viol��o e come��ava a cantar.
Meu av��, por exemplo, era poeta, e dos bons. Os improvisos
rimados dele eram rom��nticos e estilizados, de uma forma
que nunca mais ouvi. Meu av�� era um homem firme, muito
conservador e totalmente dedicado �� fam��lia. Como a maioria
dos homens da sua gera����o, era bem machista, mas, se h��
uma coisa que ele ensinou a todos n��s, homens que levam o
seu nome, foi a import��ncia de mostrar respeito por uma mulher,
a beleza de admir��-la, cuidar dela, proteg��-la. Ele sempre
nos dizia: "Uma mulher deve ser tratada com a sutil delicadeza
que voc�� dedicaria a uma p��tala de rosa". Ele era obviamente
um rom��ntico incur��vel, uma caracter��stica que eu,
sem d��vida, herdei.

Desde os seis anos, eu pegava uma colher de pau e a usava
como microfone para cantar. Passava horas com a colher
na m��o, interpretando minhas m��sicas favoritas - m��sicas
do Menudo, ou de bandas de rock americanas, como REO
Speedwagon, Journey, al��m do Led Zeppelin, que era o que os
meus irm��os mais velhos ouviam na ��poca. Eu me lembro de
muitas vezes estarmos na casa dos meus av��s e, enquanto todo
mundo estava sentado no terra��o tomando ar fresco e contando
hist��rias, eu colocava alguma m��sica para tocar, pegava o
meu "microfone" e come��ava a cantar.

N��o tenho nenhuma d��vida de que naquele tempo ningu��m
imaginava que eu acabaria me tornando um artista profissional
(apesar de um tio sempre dizer: "Quando voc�� ficar
famoso me chame que eu vou carregar as suas malas". Ao que

2 6


TORNANDO-ME HOMEM

eu respondia muito s��rio: "�� claro!". Nem preciso dizer que ele
n��o cumpriu a parte dele no trato...). Tenho certeza de
que eles gostavam de me ver cantar e dan��ar pela casa, mas sei
que nunca ocorreu a nenhum de n��s que um dia eu faria exatamente
aquilo diante de centenas de milhares de pessoas.

Por mais surpreendente que possa parecer, a verdade �� que,
desde menino, eu sempre soube que subiria ao palco. N��o posso
dizer que foi uma decis��o consciente ou que um dia acordei
e disse: "Quero ser artista". No entanto, posso dizer que aos
poucos comecei a perceber o que realmente gostava de fazer
e, simplesmente, tentei faz��-lo o m��ximo de vezes poss��vel. Sei
que algumas pessoas levam anos para descobrir o que querem
fazer com suas vidas, encontrar algo que as motive de forma
genu��na, e sei que isso pode ser um processo dif��cil. Para mim,
foi muito instintivo.

Apesar de que, no come��o, tudo o que fazia era pegar uma
colher e me apresentar para os meus av��s, tios e tias, gostava
muito daquilo. Foi uma coisa poderosa, porque o que come��ou
como uma brincadeira se transformou em uma paix��o.
Aos poucos, comecei a ver que chamar a aten����o das outras
pessoas e ter todos aqueles olhos voltados para mim era emocionante.
Adorava sentir que os estava entretendo, que eles estavam
me ouvindo, e, quando era bastante aplaudido, ficava
superemocionado. At�� hoje, estar no palco continua a ser uma
fonte de energia e inspira����o para mim. Toda vez que me encontro
diante da plateia, sejam vinte pessoas ou cem mil, sinto
novamente a energia que me tomava naquelas reuni��es de fam��lia
da minha inf��ncia.

2 7


E U

N��o tenho muita certeza de onde vem a minha paix��o
pelo palco, mas de certa forma �� uma sensa����o de que tenho
de estar sob os holofotes; quero ser visto... A certa altura da
minha inf��ncia, uma das minhas primas produzia pe��as - escritas
por ela - e foi ali que tive as minhas primeiras experi��ncias
como ator. Minha prima n��o tinha mais do que uns oito ou
nove anos, mas era incrivelmente brilhante para a idade dela.
Aparentemente eu gostava daquilo, porque mais tarde, quando
estava na escola, toda vez que se montava uma pe��a eu era

o primeiro a me candidatar. At�� virei coroinha, porque, para
mim, ajudar o padre era como estar no palco, j�� que ele era
em grande medida "a estrela" do show. Quando eu estava no
palco me sentia completo e vivo, ent��o era natural que quisesse
encontrar aquela sensa����o toda vez que fosse poss��vel.
Algumas vezes penso sobre o que teria acontecido se eu
n��o escolhesse este caminho. �� quase inevit��vel fazer essas
perguntas, e �� interessante pensar sobre o que teria acontecido
com a vida de cada um de n��s se n��o tiv��ssemos nos transformado
na pessoa que somos hoje. O que eu seria se n��o tivesse
me tornado artista? Que profiss��o teria escolhido? Psic��logo?
Dentista? Advogado? Minha av�� sempre desejou que eu fosse
m��dico, mas, infelizmente, eu jamais poderia realizar esse
sonho. Desde o momento em que percebi o que queria fazer,
trabalhei incansavelmente para tornar realidade aquele sonho.
Mas sempre me pergunto o que teria acontecido comigo se
ouvisse o conselho da minha av��, ou se tomasse algum outro
rumo. Por exemplo, quando tinha dezoito anos, fiz um teste
para a Tisch School, da Universidade de Nova York, uma
das escolas de arte dram��tica mais conceituadas do pa��s. No

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TORNANDO-ME HOMEM

entanto, alguns meses antes de as aulas come��arem, fui para

o M��xico encontrar uns amigos, e l�� aterrissei - n��o h�� realmente
outra forma de ver isso, tamanha a coincid��ncia - no
teatro.
O que teria acontecido se eu tivesse ficado e ido para a
Universidade de Nova York? Que dire����o minha vida teria
tomado se eu tivesse encontrado o sucesso atuando, em vez
de na m��sica? Meu caminho teria, sem d��vida, sido diferente.
Mas gosto de pensar que, independentemente da minha escolha,
teria de um jeito ou de outro seguido um caminho que no
fim me faria feliz e realizado. A verdade �� que o que se faz n��o
importa tanto; o que importa �� amar o que se faz e fazer o melhor
que a sua capacidade permitir.

A paix��o �� um aspecto vital da minha exist��ncia. Eu me
considero um sonhador realista, e minha vida �� cheia de emo����es
intensas. Vivo e sinto profundamente. Algumas pessoas
podem achar errado viver a vida t��o apaixonadamente, mas
a verdade �� que, desde que eu era muito pequeno, a paix��o
me impulsionou para a trajet��ria extraordin��ria que �� a minha
vida, ent��o n��o vejo nenhum motivo para parar com isso. Se
n��o tivesse seguido os meus instintos desde muito cedo, acho
que nunca teria chegado aonde estou hoje. Para mim, parte da
beleza da inf��ncia est�� no fato de ela ser uma ��poca de extremos:
quando estamos felizes, a felicidade �� absoluta, e quando
estamos tristes, a dor �� devastadora. A vida nessa ��poca �� muito
intensa, mas ao mesmo tempo �� totalmente pura e genu��na.
Conforme crescemos, aprendemos como acalmar as emo����es
muito arrebatadoras, e apesar de em certa medida eu tamb��m
ter precisado crescer, sempre me esforcei para continuar em

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E U

contato com a minha crian��a interior - aquela crian��a apaixonada,
en��rgica e feliz que nunca tinha medo de nada.

ABU ELA

MEUS PAIS SE separaram quando eu tinha dois anos. Nem preciso
dizer que n��o me lembro de nada do que estava acontecendo
na minha vida na ��poca em que isso aconteceu, mas
sei que comecei a passar muito tempo com meus av��s, tanto
do lado da minha m��e como do meu pai. Meus av��s tiveram
um papel fundamental na minha vida. N��o sei se �� cultural ou
simplesmente espiritual, mas minha rela����o com eles sempre
foi - e continua a ser - muito importante para mim. Nunca
vou esquecer o que eles me ensinaram, e vou me empenhar
para transmitir os ensinamentos deles aos meus filhos.

Minha av�� paterna era uma mulher inteligente, independente
e confiante, uma mulher muito �� frente de seu tempo.
Ela gostava de metaf��sica muito antes de ser moda. Tamb��m
era uma artista; pintava e fazia esculturas. Lembro-me dela
sempre ocupada, fazendo uma das milhares de coisas pelas
quais se interessava. Ela n��o compreendia o conceito de "ficar
parado" e sempre tinha algum tipo de projeto em andamento.
Minha bisav�� - a m��e dela - era professora, ent��o minha av��
praticamente foi criada em uma sala de aula, ouvindo as aulas
da m��e. Acabou a escola com catorze anos, e at�� escreveu dois
livros e se tornou uma professora s��nior na Universidade de
Porto Rico. �� bom lembrar que estamos falando de uma ��poca
em que a sociedade ditava que a maioria das mulheres podia
apenas aspirar ser m��e ou dona de casa. Ela era uma mulher

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TORNANDO-ME HOMEM

surpreendente, t��o corajosa, e uma vision��ria tal, que um dia
resolveu fazer as malas e se mudar para Boston para estudar
educa����o. Naquele tempo! Contudo, ela se mudou para Boston
e morou l�� at�� conseguir o diploma.

Recentemente, tive a oportunidade de jantar com S��nia
Sotomayor, a primeira ju��za latina da Suprema Corte dos Estados
Unidos, e quando contei para ela as realiza����es da minha
av��, ela ficou espantada. "Uma mulher latina estudando em
Boston nos anos 1940? Sua av�� deve ter sido uma mulher forte",
disse. E claro que fiquei muito orgulhoso, porque ela estava
certa: minha av�� definitivamente foi uma senhora incr��vel.

Apesar de minha av�� ter nascido em Porto Rico, a fam��lia
era origin��ria da C��rsega. N��s, corsos, somos famosos pela
teimosia, e minha av�� n��o era exce����o: era uma mulher forte
que nunca teve medo de nada. Para mim, ela sempre foi um
exemplo do que significa ser forte. Por exemplo, depois de cinquenta
e tantos anos, percebeu que n��o mais se sentia realizada;
ent��o, um dia se levantou e disse para o meu av��: "Sabe de
uma coisa? Eu quero o div��rcio". Naquele tempo, as pessoas
se casavam para o resto da vida, "at�� que a morte as separasse".
N��o era como hoje, que as pessoas se divorciam por
qualquer motivo. Minha av��, por��m, n��o se importava com

o que os outros pensavam ou diziam. Por algum motivo, n��o
estava feliz e resolveu tomar uma atitude. Assim, meus av��s se
divorciaram. Depois disso, meu av�� a visitava todo dia, mas o
novo acordo dom��stico permaneceu, ela morava na casa dela,
e ele, separado, na dele.
Minha av�� morreu h�� mais de dez anos, depois de ter uma
vida longa, plena, at�� ficar bem velha, e se h�� uma coisa pela

3 1


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qual sou grato, �� por ela ter vivido o suficiente para ver o meu
sucesso e fazer parte dele. Uma vez, ela at�� pegou um avi��o
para me ver atuar na Broadway quando eu estava participando
de Les mis��rables, em Nova York. E vou dizer, ela n��o era
nada f�� de avi��es! Uma vez, disse-me que tinha pavor de avi��o
desde o dia em que voltou para Porto Rico depois de concluir
seus estudos em Boston. Ao que parece, houve algum tipo de
tempestade el��trica durante o voo e o avi��o chacoalhou muito.
Depois daquele dia, ela jurou que nunca mais entraria em um
avi��o! E assim foi. S�� viajava de navio; aquela viagem para
Nova York foi a ��nica exce����o.

Fico triste quando penso que n��o pude passar mais tempo
com ela nos ��ltimos anos. Estava trabalhando muito, sempre
indo e vindo, sempre correndo, nunca tinha tempo suficiente
para fazer as coisas que realmente importam. Eu a via de vez
em quando, de passagem, mas nunca mais tive a chance de
passar dias ou semanas com ela, como fazia quando era pequeno.
Eu me lembro de uma vez em que fui v��-la escoltado
pela pol��cia. Quando cheguei �� casa dela com a unidade de
seguran��a, gritei: "V��, vim te ver!".

"Filho!", ela disse. "Que maravilha!"

Eu, no entanto, logo precisei esclarecer: "Vim te ver, v��,
mas n��o posso ficar muito tempo. Preciso ir embora logo".
Como sempre, ela n��o me fez me sentir culpado por ter de ir
embora. Simplesmente me agradeceu pela visita e me deu um
abra����o.

"Tudo bem", ela disse, "foi ��timo ver voc��. Coma, voc��
est�� muito magro."
Essa era minha av��.

3 2


TORNANDO-ME HOMEM

Uma outra vez, em uma viagem a Porto Rico, pousei de
helic��ptero no campo de beisebol perto da casa dela s�� para
v��-la. Foi o ��nico jeito, porque eu n��o tinha tempo. Quando
estava a caminho de um lado da ilha para outro para resolver
um assunto profissional, de repente disse para o piloto: "Preciso
ver minha av��. Pouse no campo de beisebol!".

E, assim, consegui passar de novo um momento com ela.

N��o h�� nada como av��s. At�� hoje os ensinamentos dela
me s��o ��teis. Uma das lembran��as mais agrad��veis que tenho
da minha av�� �� a de n��s dois sentados l��, eu fazendo li����o de
casa e ela pintando ou trabalhando em algum dos seus projetos.
Muitas vezes penso nas suas palavras s��bias e nos seus
conselhos e sinto que, de alguma maneira, eu a carrego dentro
de mim. �� uma b��n����o poder senti-la t��o perto.

A ��nica coisa que realmente lamento �� o fato de ela n��o
ter chegado a conhecer meus filhos. H�� tantas coisas sobre minha
av�� que eu queria que eles soubessem, e por mais que eu
lhes fale sobre ela, sinto que nunca vou poder explicar totalmente.
Por exemplo, quando eu era mais novo, ela cantava
uma linda can����o de ninar para mim e para os meus primos.
Muitas vezes fecho meus olhos e tento me lembrar, mas fico
frustrado porque n��o consigo. Lembro-me perfeitamente do
tom da voz dela e da express��o no seu rosto quando cantava
para n��s, mas, por mais que me esforce, simplesmente n��o
consigo me lembrar da letra ou da melodia daquela can����o.
Simplesmente n��o consigo. Ent��o rezo para que essa can����o
um dia volte para mim em um sonho. Eu pe��o: "Bom Deus,
vov��, onde quer que esteja, se isso �� verdade ou n��o, se voc��

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existe ou n��o, se voc�� est�� a�� ou n��o, por favor, fa��a-me lembrar
aquela can����o. Quero cant��-la para os meus filhos".

Ainda n��o aconteceu, mas n��o perdi a esperan��a. Sei que
existe vida depois da morte, que ela est�� me vendo com um
grande sorriso no rosto, porque pode ver que o primeiro neto
dela caminha pela vida com a mesma determina����o que ela
possu��a, sendo um homem forte e independente, exatamente
como ela me criou para ser.

O GOSTO DA FAMA

MINHA FAM��LIA SEMPRE me apoiou quando comecei minha carreira
art��stica. Eles reconheceram que a m��sica era mais do que
s�� uma brincadeira para mim. Ao ver que eu era t��o apaixonado,
eles me incentivaram a ir em frente, e isso, por si s��, deu-
me muita for��a: o simples fato de eles acreditarem em mim
me deu muita seguran��a e nutriu a minha autoestima. �� por
isso que n��o foi nenhuma surpresa quando comecei a fazer comerciais
para televis��o em Porto Rico aos nove anos.

Um dia, saiu um an��ncio no jornal dizendo: "Ag��ncia
procura talento para comerciais de TV". Meu pai viu e me
perguntou: "O que voc�� acha?". Achei que era uma ��tima
ideia, ent��o respondi: "Quero ir, papi, vamos!". Naquele mesmo
s��bado fomos para o teste. O teste era s�� para ver se o
chefe da ag��ncia me aceitava; daquele momento em diante eu
come��aria a ir para os testes para os comerciais de televis��o de
verdade. Eles me colocaram diante de uma c��mera, perguntaram
o meu nome, minha idade, que escola eu frequentava e,
sinceramente, n��o lembro mais o qu��. Acho que me pediram

3 4


TORNANDO-ME HOMEM

para atuar ou ler alguma coisa... Talvez tenham me dado uma
pequena cena, as coisas t��picas que pedem para voc�� fazer em
um teste. O que eu lembro mesmo �� que estava muito confiante.
N��o estava nem um pouco nervoso. Quando terminei, voltei
para casa e, alguns dias depois, fui chamado de novo para

o meu primeiro teste.
O primeiro comercial que fiz foi de refrigerante. Foram
quatro dias de filmagem, quatro dias intensos, porque come��avam
��s seis da manh�� e terminavam bem no fim da tarde.
Infelizmente, nunca cheguei a ver o comercial, porque era
para a audi��ncia latina dos EUA e para o M��xico. Mas eu
lembro que, no fim de tudo, eles me pagaram US$ 1.300. E
n��o foi tudo; a cada seis meses eu recebia um outro cheque de
US$ 900 pelos direitos de exibi����o. Era um trabalho maravilhoso!
Estava fazendo uma coisa de que realmente gostava, e
ainda por cima era bem pago - n��o dava para imaginar nada
melhor. Todo um novo mundo se abriu diante de mim.

Muitos outros comerciais viriam depois: um de pasta de
dente, um de um restaurante de fast-food... Um comercial levava
a outro, e outro e depois outro. Uma vez dentro do jogo,
as oportunidades come��aram a brotar e, em um ano e meio, eu
tinha feito onze comerciais, o que sei gra��as a meu pai, que tomou
nota de todos eles! Faz tanto tempo que, se n��o fosse por
esses registros meticulosos, nunca seria capaz de me lembrar
deles todos. Fiz muito sucesso com os comerciais, e, depois de
um tempo, comecei a ser reconhecido no meio. Como j�� tinha
experi��ncia, e adorava estar na frente das cameras, os produtores
sempre ficavam inclinados a me escalar e isso, �� claro, foi
me dando ainda mais seguran��a e experi��ncia.

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E U

Esses comerciais foram meu primeiro contato com a
fama. Quando andava na rua, ��s vezes ouvia as pessoas dizendo:
"Aquele �� o menino do comercial tal e tal!" ou "Olha! ��
aquele menino do comercial de refrigerante!". Naquele tempo,
adorava ser reconhecido. Como as televis��es de ent��o n��o tinham
controle remoto, as pessoas ficavam vendo comerciais,
diferente de hoje, que podemos mudar de canal confortavelmente
do sof��. �� por isso que as pessoas come��aram a me reconhecer
- mais e mais a cada comercial -e devo admitir que
eu gostava. Hoje, �� dif��cil encontrar um momento de paz e
tranquilidade, sentar no gramado de um parque ou jogar uma
partida de bilhar com os amigos. As pessoas me reconhecem,
e isso quer dizer que preciso abrir m��o de algumas coisas que,
para outras pessoas, s��o normais, como comer em um restaurante,
sair para caminhar, passear na praia... N��o que eu n��o
queira fazer isso, mas, se fizer, n��o encontro a paz e a tranquilidade
que busco. Mesmo assim, fa��o, mas nunca consigo
ficar an��nimo. Anonimato �� uma coisa de que muitas vezes
sinto falta, mas, na verdade, a fama me trouxe tantas outras
b��n����os que n��o tenho do que reclamar. No fim das contas,
faz parte do meu trabalho, e, assim, �� uma coisa de que gosto.
A maioria das pessoas �� gentil e am��vel, e a maioria delas respeita
o meu direito �� privacidade. �� sempre uma sensa����o boa
ouvir uma pessoa dizer que significo alguma coisa para ela,
seja porque uma das minhas m��sicas a ajudou a encontrar o
amor ou porque gostou de algum show meu. Isso tudo �� muito
importante para mim, porque �� o motivo pelo qual fa��o o que
fa��o: gosto de dar ��s pessoas um pouco de alegria e me divertir
no processo.

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TORNANDO-ME HOMEM

Fama �� um fen��meno curioso. Quando se tem, h�� tanta
coisa que se pode fazer com ela. N��o �� s�� uma quest��o de ser
reconhecido na rua ou de tirarem fotos de voc��. A fama tamb��m
�� uma ferramenta que, se voc�� souber como usar bem,
pode servir para alcan��ar milh��es e milh��es de pessoas para
transmitir uma mensagem, comunicar-se e conectar-se com
elas. Isso �� uma coisa que procuro n��o esquecer. �� claro que
muitos sacrif��cios precisam ser feitos por causa da fama, tanto
no n��vel pessoal como no profissional, mas, no fim das contas,

o que importa �� saber us��-la para o que �� verdadeiramente
importante.
O MENUDO

MEU PAI UMA vez me disse: "Maldito dia em que voc�� entrou no
Menudo. Naquele dia perdi o meu filho".
Ele estava absolutamente correto. Em certa medida, ele
perdeu o filho e eu perdi o pai.

Naquele tempo era dif��cil saber o que estava por vir. N��s
n��o consegu��amos nem come��ar a imaginar o que estava pela
frente. Eu s�� via as incont��veis oportunidades, as milhares de
coisas maravilhosas que ainda me aguardavam, o sensacional
caminho que estava se abrindo diante de mim. Nenhum garoto
- nem mesmo quando �� homem feito - pode discernir o que
vai acontecer quando o caminho da sua vida �� alterado.

Era imposs��vel compreender quanto custaria alcan��ar o
que desejava. Naquele momento, tudo o que sabia era que ansiava
por aquilo com todo o meu ser - meu cora����o e minha
alma. Eu tinha dado duro, com muito esfor��o e determina����o,

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e sabia qu��o longe queria chegar. Estar no palco era o meu sonho
e estava disposto a fazer o que quer que fosse para chegar
l��. Nesse sentido, o Menudo era uma obsess��o - eu s�� conseguia
pensar naquilo. Entre os dez e os doze anos, mal conseguia
dormir s�� de pensar no quanto queria aquilo.

At�� que finalmente parou de ser um sonho e tornou-se a
minha realidade di��ria. Foi um momento que viria a determinar
o curso da minha vida.

O que ele me deu foi magn��fico - experi��ncias e emo����es
que me marcaram profundamente e fizeram de mim uma pessoa
melhor. O que me custou foi a inf��ncia. No entanto, ganhei
li����es inestim��veis atrav��s do que aprendi e do que perdi.
E, assim como nunca iria querer perder nenhuma das lindas
lembran��as que tenho daqueles anos, tamb��m n��o quero esquecer
alguns dos problemas que suportei. Os tempos dif��ceis
me deram a capacidade de apreciar os alegres, e tamb��m me
ajudaram a me fortalecer como homem. �� como tudo o mais
na vida: se n��o fosse pelas coisas ruins, n��s nunca ser��amos
capazes de apreciar as boas.

Quando eu era pequeno, minha m��e sempre dizia: "Filho,
nesta vida tudo �� poss��vel. Mas voc�� precisa saber o que fazer".
Ela dizia isso porque me conhece bem; sabia que naquele
momento eu queria tudo, e tudo era o Menudo.

Eu deixava meu pai louco ao pedir para me levar aos testes.
Suplicava: "Me leva! Me leva! Me leva!". Implorava de
todas as formas imagin��veis, e implorava tanto que n��o sei
como ele n��o me jogou de um penhasco. At�� que, finalmente,
um dia ele disse: "T�� bom, vamos".

Fiquei t��o feliz.

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TORNANDO-ME HOMEM

Isso foi em 1983. Hoje �� dif��cil compreender o que o Me-
nudo era naquele tempo, mas a verdade �� que era diferente de
qualquer outra coisa por a��. Eu at�� ousaria dizer que at�� hoje
continua a ser um epis��dio ��nico na hist��ria da m��sica. Antes
de existir qualquer banda como New Edition, Backstreet Boys,
New Kids on the Block, 'N Sync ou Boyz II Men, existiu o
Menudo. Foi a primeira boy band latino-americana a alcan��ar
fama internacional. A banda fez tanto sucesso que se falava
em "Menudomania" e "Menudite", e muitas vezes ��ramos
comparados aos Beatles e �� Beatlemania.

O Menudo come��ou quando o produtor Edgardo Diaz
formou um grupo com cinco garotos, todos eles porto-riquenhos.
A singularidade do Menudo, o que acredito ter tornado
o Menudo completamente inconfund��vel - e permitido sua
fama durar tanto -�� que os membros da banda estavam sempre
mudando. A ideia era que cada membro ficaria apenas at��
fazer dezesseis anos; a essa altura ele deveria se afastar e o seu
lugar na banda ficava aberto para um novo membro. Desse
modo, os meninos eram sempre jovens, preservando a alegria
e a inoc��ncia da adolesc��ncia. O primeiro Menudo era composto
por dois grupos de irm��os: os Melendez (Carlos, Ricky
e Oscar) e os Sallaberry (Fernando e Nefty). Eles lan��aram

o primeiro ��lbum em 1977, e daquele momento em diante a
fama do grupo cresceu exponencialmente: em poucos anos eles
estavam enchendo est��dios de norte a sul e de leste a oeste por
toda a Am��rica Latina, e fotos deles forravam p��ginas e p��ginas
na imprensa, at�� na ��sia. Eles se tornaram um fen��meno
mundial, e quando a RCA, o selo musical, ficou sabendo o
que estava acontecendo, assinou um acordo multimilion��rio
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com eles. Isso os tornou ainda mais famosos, amealhando milhares
de jovens f��s em todos os Estados Unidos e no resto do
mundo. De fato, uma das redes de TV de l��ngua inglesa mais
importantes dos Estados Unidos usou a m��sica do grupo para
ensinar seus espectadores a falar espanhol.

Assim, quando eu era bem pequeno (no fim dos anos
1970, come��o dos 1980), o Menudo era sensacional. Um fen��meno
mundial. Um sucesso total. Como eu n��o iria querer
fazer parte daquilo? Principalmente considerando que o fen��meno
tinha nascido na minha ilha? Sabia todas as m��sicas
deles de cor - eu as cantava desde que me lembro. De fato,
adorava tanto cantar que, com a seguran��a inerente �� juventude,
achava que entrar para o grupo n��o era um sonho imposs��vel...
Ent��o, eu me dediquei a faz��-lo virar realidade.

Por��m, como tudo na vida, o meu ingresso no Menudo
n��o aconteceria sem a devida dose de contradi����es. Apesar de
os garotos do Menudo serem os meus ��dolos e de eu desejar
entrar para o grupo, para a maioria dos meninos da minha
idade o Menudo era coisa de menina. Cultural e socialmente,
est��vamos t��o condicionados - em parte devido �� ignor��ncia
e em parte �� inveja -a achar que homens de verdade n��o gostam
de cantar e dan��ar, que, para um garoto como eu, querer
isso era considerado rid��culo. De fato, quando meus amigos da
escola me perguntavam por que eu queria entrar para o Menudo,
sempre dizia que era por causa "das meninas, do dinheiro
e das viagens". Eu devia ter lhes falado a verdade - que queria
cantar e dan��ar no palco -, mas n��o tenho a menor d��vida de
que iriam ca��oar de mim. Meninos n��o deveriam "gostar" do
Menudo. Ent��o, em vez de dizer a verdade, simplesmente con


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TORNANDO-ME HOMEM

cordei e disse o que se esperava de mim, escolhendo o caminho
com menor resist��ncia. Naquela ��poca, n��o foi de maneira nenhuma
uma experi��ncia traum��tica, mas agora percebo como
�� triste n��o ter me sentido suficientemente �� vontade para dizer
a verdade.

Depois de pleitear por meses, finalmente tive a oportunidade
de fazer um teste. Meu pai me levou para o local em que
estavam sendo realizados e lembro-me perfeitamente de estar
bem calmo no caminho. Embora fosse normal que eu ficasse
pelo menos um pouquinho nervoso, estava muito relaxado
porque sabia que ia me sair bem e que os executivos n��o teriam
outra op����o sen��o me escolher.

E foi assim que aconteceu... ou quase. Fui muito bem no
teste. Eles adoraram o modo como eu cantava e dan��ava, mas
tinha um problema: eu era muito baixo. Os outros meninos do
grupo eram uma cabe��a e meia mais altos do que eu, e os executivos
queriam que todos os meninos do grupo fossem mais ou
menos da mesma altura. No entanto, em vez de me desencorajar,
essa rejei����o inicial s�� serviu para aumentar a minha determina����o.
Apareci de novo em um teste nove meses depois, mas
mais uma vez fracassei porque era muito baixo. A certa altura
at�� sugeriram que eu comprasse uma bola de basquete e praticasse
para ver se isso me ajudava a crescer! Meio c��nico, n��o ��?

Contudo, �� claro, n��o me deixei desanimar. Persisti at��
que, finalmente, no terceiro teste, consegui. Eu n��o tinha, na
verdade, crescido muito depois dos dois ��ltimos testes, mas
por algum motivo dessa vez parece que a minha estatura n��o
incomodou. Acho que em parte foi porque viram o quanto eu
queria entrar. "Parece que voc�� nunca vai crescer!", disseram.

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No dia daquele terceiro teste, eles me chamaram e disseram
que queriam fazer um outro teste na casa de uma das assistentes
do empres��rio da banda. Eu, �� claro, fui para a casa
dela, onde cantei algumas m��sicas. Quando terminei, ela me
disse: "Agora, vamos para o escrit��rio". Achei um pouco estranho,
mas, como n��o sabia o que fazer, fui atr��s dela.

A surpresa foi que, quando chegamos ao escrit��rio do grupo,
meus pais estavam l�� para me encontrar. No come��o, n��o
entendi por que eles estavam l��, at�� que algu��m finalmente explicou:
"Voc�� passou no teste! Voc�� �� um Menudo!". Fiquei
sem fala. Fiquei feliz, �� claro, mas ao mesmo tempo n��o podia
acreditar. Eles me cumprimentaram e n��s festejamos, mas o
que realmente foi inacredit��vel �� que me contaram ��s sete da
noite, e ��s oito horas do dia seguinte eu estava em um avi��o
para Orlando, onde era a sede da banda. Logo que cheguei, fui
diretamente dar entrevistas, encontrar-me com os estilistas, e
preparar o guarda-roupa. Em menos de 24 horas minha vida
havia mudado completamente.

Deixei minha fam��lia para tr��s, junto com minha vizinhan��a,
meus amigos e absolutamente tudo o que era conhecido
para mim. Foi uma mudan��a muito abrupta, que poderia
ter sido traum��tica se eu n��o estivesse nas nuvens. Estava t��o
encantado que tinha energia mais do que suficiente para fazer
tudo que precisava fazer. Precisei aprender dezoito esquemas
de dan��a em apenas dez dias, e posso dizer que sou legitimamente
orgulhoso disso, porque algumas pessoas levaram quatro
dias s�� para aprender um. Foi uma ��poca muito intensa,
que trouxe sua quota de desafios, mas eu estava t��o feliz que
sentia como se estivesse no topo do mundo.

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TORNANDO-ME HOMEM

Apenas um m��s depois de ingressar no grupo, fiz a minha
estreia no Centro de Belas Artes Luis A. Ferre, em San
Juan, Porto Rico. Ricky Melendez (o ��ltimo membro remanescente
do grupo original) era quem estava indo embora, e
foi ele quem me apresentou naquela noite, o que foi muito
especial para mim. Estava planejado que depois da apresenta����o
dele eu iria cantar sozinho no meio do palco, enquanto

o resto do grupo permaneceria sentado em uma escada atr��s
de mim. Foi um momento espetacular. N��o estava nem um
pouco nervoso - na verdade, muito pelo contr��rio! Apanhei o
microfone e comecei a cantar, andando de um lado para o outro
do palco, me mexendo no ritmo da m��sica. Fiquei muito
satisfeito com meu desempenho, sobretudo quando acabei e
a plateia aplaudiu com entusiasmo. Eu me senti t��o bem que
percebi que definitivamente era aquilo que queria fazer dali
em diante.
Naquela noite, por��m, tamb��m aprendi uma das primeiras
li����es sobre como as coisas eram feitas no Menudo. Quando
terminei a minha m��sica e sa�� do palco, o empres��rio da
banda estava nos bastidores. Eu ainda estava fora de ��rbita,
euf��rico com os aplausos, quando ele se aproximou gritando:
"Eu n��o falei para voc�� ficar parado no meio do palco?!".

Ele estava certo. Tinha dito isso por causa da ilumina����o,
e eu tinha esquecido completamente de seguir as instru����es.
Fiquei indo de um lado para outro no palco, mas eles queriam
que eu ficasse plantado em um ponto onde pudessem me
iluminar continuamente. Os coitados dos caras da ilumina����o
provavelmente tinham ficado loucos tentando me seguir com
os refletores.

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O erro foi t��o problem��tico que, daquele momento em
diante, nunca mais sa�� do lugar quando n��o devia. Aprendi
aquela li����o, como muitas outras nos anos que se seguiram.
Esta era a disciplina do Menudo: ou voc�� fazia o que diziam
que era para fazer ou n��o fazia parte do grupo. Simples assim.

A BOA VIDA

DEPOIS DE DAR tanto duro para entrar para a banda, n��o ia fazer
- ou deixar de fazer - nada que me custasse o meu lugar no
grupo. O Menudo foi mais do que um mundo novo para mim;
foi outra gal��xia. Quando viaj��vamos, ��amos de jato particular

- estamos falando de um jumbo 737! Nas cidades em que nos
apresent��vamos, n��o fic��vamos em uma simples su��te de hotel
ou mesmo com todo o andar; o hotel inteiro era reservado s��
para n��s! Algumas vezes havia um andar inteiro s�� para a gente
se divertir, repleto de m��quinas de fliperama e videogames. Viv��amos
no nosso pr��prio Disney World, o sonho mais incr��vel
de qualquer crian��a. Era t��o divertido! Todo dia era uma nova
aventura, e eu adorava cada segundo. Trabalh��vamos muito,
mas, quando era hora de relaxar, ��ramos tratados como reis.
A outra coisa que sempre adorei no Menudo era por ser
como uma grande fam��lia. Pass��vamos o nosso tempo livre
brincando e conversando -e algumas vezes brigando - como
cinco irm��os. Como eu era o mais novo e o menor de tamanho,
alguns dos outros faziam o papel de irm��os mais velhos.
Quando est��vamos entre as multid��es, quando as f��s nos pisoteavam
em meio �� excita����o, eles sempre tomavam conta de
mim no meio da confus��o. E isso fazia eu me sentir especial.

4 4


TORNANDO-ME HOMEM

Viajamos pelo mundo inteiro. Faz��amos concertos no Jap��o,
nas Filipinas, na Europa, na Am��rica do Sul, e pela primeira
vez na hist��ria do grupo, fizemos uma turn�� pelos Estados
Unidos, que incluiu 24 shows no Radio City Music Hall de
Nova York. Era uma loucura e era impressionante ver milhares
e milhares de pessoas parando o tr��nsito na Sexta Avenida em
frente ao Radio City e em volta do quarteir��o inteiro! Quando
olh��vamos para baixo do nosso camarim, v��amos algo como
um mar de pessoas. Centenas de policiais precisaram formar
uma barreira humana na rua Sessenta e Tr��s e na esquina da
avenida Lexington, onde ficava o nosso hotel.

Nossas f��s eram fervorosas, e n��o eram barradas por nada.
Lembro-me de uma outra vez quando est��vamos na Argentina
e havia uma multid��o de pelo menos umas cinco mil meninas
do lado de fora do hotel. Carregavam broches, fotografias,
bandeiras e toda a parafern��lia sobre o Menudo. As meninas
gritavam toda vez que aparec��amos nas janelas. Tudo o que
era preciso fazer era colocar o bra��o para fora da janela para
lev��-las �� loucura. Elas cantavam nossas m��sicas como gritos
de torcida, como os que se ouvem em est��dios de futebol, mas
fazendo adapta����es para o grupo. Mais tarde, apareceram alguns
caras - acho que estavam irritados por causa da aten����o
que o Menudo estava recebendo das meninas -e come��aram a
cantar os seus pr��prios gritos de torcida, mas nos insultando e
falando palavr��es. De repente, um dos meninos foi at�� onde as
meninas estavam e tentou remover a bandeira de Porto Rico...
Bem, as meninas reagiram violentamente! Bateram tanto nele
que acho que correu at�� o risco de n��o sair vivo de l��.

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Coisas como essa aconteciam conosco o tempo inteiro.
Era realmente uma loucura.

Que mudan��a! Antes de me tornar parte do grupo, minha
vida era completamente diferente. De uma vida simples
em Porto Rico, onde vivia cercado pela fam��lia e de amigos, e
quase nunca me aventurava para al��m dos poucos quarteir��es
do meu bairro, saltei para um mundo de fama, luxo e adora����o.
Sa�� de ser o amado filho dos meus pais e adorado neto
dos meus av��s para ser uma estrela internacional que viajava
pelo mundo dando shows em alguns dos palcos mais importantes
do planeta. Naturalmente, havia momentos em que eu
me sentia perdido e teria gostado se a minha m��e e meu pai
estivessem por perto para me consolar. Durante todo o tempo
em que estive no Menudo, eles sempre ficavam preocupados
comigo, e n��s convers��vamos com muita frequ��ncia, mas, ��
claro, nem sempre era o suficiente. Lembro-me, por exemplo,
de uma vez em que est��vamos em turn�� pelo Brasil. Liguei para
minha m��e uma noite e disse: "Mami, n��o aguento mais, estou
t��o exausto, quero ir para casa".

Ela me consolava sempre que podia e dizia: "Meu filho,
se �� isso que voc�� quer, n��o se preocupe. Amanh�� vamos falar
com os advogados e arranjar tudo para voc�� voltar para casa".
Mas imediatamente ela acrescentava: "Agora �� muito tarde da
noite para fazer isso, mas se �� o que voc�� quer, vou ligar para o
advogado logo que eu acordar".

Depois de falar com ela eu me acalmava e conseguia dormir
para ter o descanso de que eu tanto precisava. De fato, na
manh�� seguinte tinha esquecido completamente o que estava me
incomodando no dia anterior. Ligava para minha m��e bem cedo

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TORNANDO-ME HOMEM

e dizia: "Mami, estou bem agora! N��o se preocupe. N��o ligue
para os advogados. Est�� tudo bem".

A atitude da minha m��e me fazia sentir muito melhor. Se
tivesse decidido deixar o Menudo naquele momento, as coisas
teriam sido muito complicadas. Provavelmente eu seria processado
por quebra de contrato, e a not��cia teria explodido na
m��dia. As pessoas me fariam todo tipo de pergunta e come��ariam
os rumores sobre por que um membro da banda estava
abandonando o grupo se tudo parecia estar indo t��o bem...
Agora percebo que teria sido um acontecimento enorme. Mas,
quaisquer que fossem as consequ��ncias, minha m��e estava disposta
a lidar com a coisa toda. Tudo o que ela queria era que eu
parasse de soar t��o chateado como eu parecia estar no telefone.

E assim fui em frente. Exatamente igual a todas as outras
pessoas que precisam levantar de manh�� e ir trabalhar. �� claro
que eu tinha meus momentos de fraqueza e ansiedade, mas a
euforia permanente ao meu redor ficava me empurrando para
frente. Sabia que estava passando por uma coisa extraordin��ria,
e, por mais cansado que ficasse algumas vezes, n��o queria
perder nada.

CONECTANDO COM OUTRAS CRIAN��AS

Foi GRA��AS AO trabalho duro que estava fazendo que pude ter
tantas experi��ncias incr��veis e conhecer pessoas t��o maravilhosas,
uma conex��o que senti com mais clareza ainda quando,
por exemplo, n��s nos tornamos embaixadores da UNICEF. Os
empres��rios da banda queriam tirar o m��ximo proveito das
nossas viagens pelo mundo, assim, no papel de embaixadores,

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pod��amos convidar crian��as desprivilegiadas - que viviam uma
realidade muito diferente da nossa - para os nossos shows.
Muitas vezes eram ��rf��os, ou crian��as sem lar vivendo na rua,
que tinham enfrentado intensas dificuldades na vida com muito
pouca idade.

Naqueles dias, acho que nosso menor concerto foi para
uma plateia de cerca de 70 mil pessoas. Tamb��m batemos o
recorde de 200 mil pessoas no nosso show no Est��dio do Morumbi,
em S��o Paulo. Mas na hora de passar algum tempo
com essas crian��as e levar um pouco de alegria para a vida
delas, todo o glamour dos avi��es particulares, hot��is inteiros
s�� para n��s, cozinheiros exclusivos, guarda-costas pessoais,
professores particulares, assistentes e assim por diante - tudo
isso deixava de existir. Os organizadores nos diziam: "Parem
um pouco; agora vamos ficar um pouco com crian��as que n��o
s��o nem mais nem menos do que voc��s. Elas simplesmente vivem
uma realidade muito diferente da de voc��s". E a chance
de poder passar algum tempo com aquelas crian��as foi uma
das experi��ncias mais valiosas que o Menudo me deu. Aprendi
a ver a vida por outra perspectiva, compreender o que �� verdadeiramente
significante e o que n��o �� - uma li����o mais do que
importante para um adolescente que vivia no mundo do luxo
e da abund��ncia.

Comecei a compreender, de fato, como muitas crian��as
vivem em outras partes do mundo. N��o foi f��cil, e pode ter
sido uma bordoada de realidade, mas adorei a experi��ncia. Foi
muito especial porque eu era o mais jovem do grupo - naquela
��poca tinha doze anos - e o pr��ximo tinha catorze. H��
uma grande diferen��a entre os doze e os catorze anos, e quase

4 8


TORNANDO-ME HOMEM

todas as crian��as que eram convidadas tinham a minha idade
ou eram ainda menores, ent��o rapidamente eu estabelecia uma
conex��o com elas. Elas tinham um bom senso muito diferente
do meu, e posso dizer que aprendi muito com elas.

N��o me sentia mal por ter muito mais bens materiais
comparados ao pouco que elas tinham. Eu me sentia bem por
causa do que podia compartilhar com elas! Contudo, tamb��m
comecei a perceber que, apesar de eu ter muitas coisas que elas
n��o possu��am, elas tinham muitas coisas das quais eu sentia
falta - por exemplo, liberdade. Tudo �� relativo nesta vida, e

o que �� normal para algu��m pode ser uma preciosidade para
outra pessoa. Embora n��o tivessem posses, elas tinham liberdade
para ir para onde quisessem quando quisessem. E, apesar
de adorar o palco e a intermin��vel adora����o das f��s, eu levava
uma vida muito restrita. Para n��s, um dia t��pico come��ava com
aulas ��s oito da manh��, e depois ��amos autografar discos antes
do almo��o. �� tarde, sempre t��nhamos sess��es de fotos, ensaios
e entrevistas na m��dia. Aquelas crian��as, por outro lado,
podiam fazer o que quisessem sem precisar perguntar para
ningu��m antes. Est��vamos o tempo todo sendo observados e
havia uma s��rie de regras que precis��vamos seguir por quest��o
de seguran��a. Ent��o, apesar de ter uma vida maravilhosa, ��nica
e divertida, sem d��vida eu tamb��m via uma enorme beleza
na liberdade absoluta delas.
N��o sei se percebi na ��poca o impacto que essas experi��ncias
viriam a ter na minha vida no longo prazo. N��o acho que
naquele momento eu tenha pensado: "Esta experi��ncia vai afetar
a minha vida para sempre". Acho que somente anos mais
tarde percebi qu��o profundamente o tempo que passei com

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aquelas crian��as tinha me afetado, j�� que plantaram em mim
a semente do trabalho filantr��pico que mais tarde comecei a
fazer e fa��o at�� hoje.

LI����ES APRENDIDAS

Os ANOS PASSADOS no Menudo foram um tempo de muitas mudan��as
e de muitas li����es. Primeiro, porque o Menudo foi a
minha adolesc��ncia, uma fase muito importante do desenvolvimento
de qualquer um. Mas tamb��m foi importante por causa
do senso de disciplina que instilou em mim e do crescimento
profissional que experimentei. O que aprendi l�� sem d��vida
criou o alicerce de tudo o que veio depois. Nunca teria chegado
aonde estou hoje se n��o fosse por tudo que vi e aprendi
no Menudo.

Agora, enquanto escrevo estas p��ginas, vejo que tive uma
adolesc��ncia muito intensa e incomum, mas posso garantir que
naquela ��poca tudo parecia fluir com bastante naturalidade.
No meio desse caos, nunca deixei de ser um garoto com necessidades,
curiosidades, medos, e de fazer os questionamentos
normais para qualquer garoto daquela idade. De um jeito ou
de outro, tinha me tornado um homem sob as luzes quentes
do palco, longe dos meus pais e sob o olhar de milhares e milhares
de pessoas. ��ramos garotos de apenas catorze, quinze e
dezesseis anos, e t��nhamos umas 250 mil meninas se atirando
sobre n��s. Eu estava pronto para preencher esse papel? Apesar
de na ��poca eu ter dito que sim, mais tarde descobri que estava
longe disso.

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TORNANDO-ME HOMEM

Quando entrei para o Menudo, n��o sabia nada sobre sexo,

o que at�� certo ponto era perfeitamente normal, visto que s��
tinha doze anos. No entanto, acima de tudo, na minha casa
ningu��m falava de sexo. Incr��vel, n��o ��? Hoje acho isso muito
engra��ado. Meu pai �� um homem muito bonito - um homem
que viveu sua devida quota de romances, e hoje tem uma bela
mulher ao lado dele. Tenho certeza de que ele teria me ensinado
uma coisa ou outra sobre sexo. No entanto, apesar de sua
experi��ncia - seja por mod��stia ou timidez -, na minha casa
jamais se tocava nesse assunto.
Ele provavelmente achou que eu era muito pequeno na
��poca para esse tipo de conversa, o que entendo, mas na verdade
sexualidade era um assunto que j�� estava chegando a
mim por todos os ��ngulos, seja pela televis��o, pelos papos com
amigos na escola ou com primos mais velhos e irm��os. Hoje,
as crian��as est��o muito mais expostas a esse tipo de conte��do
do que as gera����es passadas. Com a internet, o leve toque
em uma tecla pode levar a um mundo nunca antes imaginado.
Por isso �� importante saber que, quando um filho aparece com
d��vidas, como as que eu levei ao meu pai na ��poca, �� bem prov��vel
que ele j�� tenha a resposta: o que ele quer �� saber o que
voc�� vai dizer. �� por isso que acho essencial falar abertamente
com os filhos, assim, voc�� �� quem vai dar a eles a informa����o
que est��o buscando, e n��o um estranho qualquer.

Na minha fam��lia, a comunica����o sempre foi muito aberta.
Sempre tive um ��timo di��logo com minha m��e, e hoje em
dia minha comunica����o com meu pai �� exemplar. No entanto,
sexo n��o era uma coisa sobre a qual pod��amos falar na ��poca.
Meu pai �� um ser humano incr��vel. �� psic��logo profissional

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e tem uma maneira particular de ver o mundo, muito aberta.
Todos o adoram. Por muitos anos trabalhou com pessoas que
passaram por institui����es em Porto Rico, e s�� Deus sabe o tipo
de hist��ria que deve ter ouvido. Estou, por��m, convencido de
que, por causa dessas experi��ncias e de sua alma especial, ele
�� t��o gentil com as pessoas a sua volta. Sempre foi dedicado ��
fam��lia e minha rela����o com ele hoje �� o testemunho de tudo
que me deu e continua a dar. Estou com 38 anos; meu pai tem
61 e, apesar de n��o termos estado juntos durante boa parte
da minha adolesc��ncia, compensamos o tempo perdido e hoje
somos muito pr��ximos.

De qualquer forma, apesar de na ��poca ser uma estrela
por causa do Menudo, amadureci tarde. Muitos dos meus
amigos j�� tinham feito o papel de arrasa-cora����es e at�� estado
com meninas. Todos eles, na verdade, menos eu. Em outras
palavras, de todos os meus amigos, eu era o ��nico virgem, e
era constantemente pressionado por eles. Ficavam me perguntando:
"Quando vai acontecer? Quando voc�� vai estar pronto?".
At�� que finalmente chegou o dia em que fiz sexo com
uma menina. Ela era legal, mas minha decis��o tinha muito
mais a ver com a press��o dos meus amigos, assim como a da
nossa sociedade, que diz que um homem nunca deve dizer n��o
se tiver a oportunidade de transar. E ainda havia um acordo
t��cito entre n��s, no Menudo, de que quem fazia mais sucesso
era o que conseguisse mais garotas. Eu sabia que tinha que
corresponder a essa obriga����o. Mas n��o me senti �� vontade
e n��o consegui apreciar esse momento que, segundo minhas
expectativas, deveria ter sido mais rom��ntico, talvez com um
pouco mais de lampejos.

5 2


TORNANDO-ME HOMEM

Era uma garota bonita e eu gostava dela, mas a verdade
�� que n��o havia uma sensa����o de proximidade entre n��s, e
�� por isso que n��o acho que tenha sido especial. Lembro-me
de ficar com uma sensa����o do tipo: "E s�� isso?", e pensar:
"�� disso que todo mundo estava falando? Urgh, �� horr��vel!".
Obviamente n��o foi culpa da menina; teve a ver com as circunst��ncias
envolvidas. Achei a situa����o toda meio inc��moda
e at�� meio engra��ada. Tenho certeza de que existem muitas
pessoas, sejam elas gays ou h��tero, que acham que a primeira
vez n��o foi t��o especial... e como poderia ser, se n��o temos a
menor ideia do que estamos fazendo? N��o �� preciso dizer que
mais tarde encontrei mulheres com quem tive uma conex��o
surpreendente, e que, quando descobri a sensa����o intensa que
pode ser compartilhada por um homem e uma mulher durante

o sexo, consegui ficar com mais mulheres e ter prazer na companhia
delas.
O FIM DE UMA ERA

O MENUDO, ENQUANTO isso, continuava a lan��ar ��lbuns e fazer
turn��s. Apesar de superficialmente o grupo e eu estarmos
nos dando bem, internamente t��nhamos problemas. Em 1987,
as vendas dos ��lbuns do grupo estavam come��ando a cair e
tivemos de mudar de selo fonogr��fico. Por fim, esses problemas
nos obrigaram a mudar completamente a nossa imagem.
Nossas roupas e cortes de cabelo ficaram mais "roqueiros" e
a m��sica tamb��m mudou: deixamos a m��sica pop para tr��s
e passamos a nos dedicar a um g��nero mais pesado. Lan��amos

o ��lbum Somos los hijos dei rock em espanhol, e para os f��s
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das Filipinas fizemos uma vers��o chamada In action, que tinha
m��sicas em ingl��s e tagalo. Pouco depois, lan��amos um ��lbum
em ingl��s chamado Sons of rock, que resultou em um outro
sucesso, chamado "You got potential". O sucesso nos levou a
uma turn�� por quarenta cidades nos Estados Unidos. Foi uma
fase muito emocionante, porque pudemos nos reinventar para
chegar aos nossos f��s atrav��s de um tipo de m��sica diferente.

O que n��o mudou durante aqueles anos foi a nossa forma
de trabalhar. Das muitas coisas que aprendi no Menudo, a
disciplina �� a que teve maior impacto sobre a minha carreira
e meu car��ter. Nunca diz��amos n��o. N��o importava o que nos
fosse pedido; a resposta era sempre positiva. Diz��amos: "Sim,
vamos l��!'" e part��amos para qualquer lugar, faz��amos qualquer
coisa - uma apari����o promocional, uma entrevista para
uma esta����o de r��dio, sess��o de aut��grafos para f��s em uma
loja de discos, ensaios -, sempre agarr��vamos a oportunidade.
Muitas vezes faz��amos todas essas coisas no mesmo dia.
Come����vamos de madrugada em uma esta����o de r��dio; corr��amos
para a sess��o de fotos com a imprensa, de l�� para a
loja de discos, mais tarde para um hospital para uma apari����o
caritativa, e depois para o ensaio e a passagem de som para o
show da noite. Era exaustivo. Muitas vezes trabalh��vamos por
14 horas, cinco ou seis dias seguidos, e no s��timo sub��amos em
um avi��o ou ��nibus para nos dirigir a outra cidade.

Trabalhei t��o intensamente quando estava no Menudo
que no ��ltimo ano j�� estava cheio de estar na banda. Ainda
adorava as apresenta����es, a m��sica, estar no palco, mas, para
ser honesto, estava completamente exausto. Simplesmente n��o
aguentava mais. O empres��rio da banda me pediu para ficar

5 4


TORNANDO-ME HOMEM

por mais um ano porque alguns dos outros meninos iam deixar
o grupo ao mesmo tempo, e, apesar de n��o querer, eu disse
sim. Meu contrato original com a banda era de tr��s anos, mas
eu j�� tinha passado quatro anos com eles. Aquele ��ltimo ano
completou um total de cinco.

A verdade �� que s�� fiquei porque tinha muito respeito e
carinho tanto pela banda como pela equipe. Obviamente, depois
de passarmos tantos anos juntos na estrada, hav��mos nos
tornado uma fam��lia. Al��m do relacionamento profissional
que desenvolvemos, tamb��m t��nhamos muito carinho uns pelos
outros, e n��o queria deix��-los na m��o no momento em que
precisavam de mim. Ent��o fiquei por mais um ano, mas com
algumas condi����es, nas quais insisti, e que eles se dispuseram
a aceitar. Quando comecei no Menudo, s�� dois de n��s fal��vamos
ingl��s. Ent��o, eu e o outro garoto ��ramos chamados
toda vez que precis��vamos fazer uma entrevista em ingl��s, e
enquanto isso os outros meninos podiam ficar no quarto do
hotel, relaxando e assistindo a TV. Isso n��o me parecia justo.
Queria descansar e assistir a televis��o tamb��m! Assim, durante
meu ��ltimo ano no Menudo, pedi que o empres��rio designasse
outra pessoa para essa tarefa. Basicamente, tudo o que eu queria
fazer eram os shows. Felizmente eles aceitaram, e foi assim
que fizemos.

N��o era arrog��ncia da minha parte, nem eu queria me fazer
de dif��cil. O que desejava era s�� sair do grupo. Al��m de
estar cansado do trabalho pesado, enquanto o resto dos meninos
podia se proporcionar uma vida boa, com carros esporte,
motocicletas e tudo o mais, eu estava recebendo um sal��rio de
US$ 400 por m��s. O motivo �� que, quando entrei para o grupo,

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meus pais e os advogados deles decidiram, a fim de evitar
qualquer mal-entendido, colocar meu dinheiro em um fundo,
do qual eu s�� podia tirar U$ 400 por m��s; todo o resto ficaria
congelado at�� eu fazer dezoito anos. Ficava furioso por me darem
t��o pouco dinheiro se estava trabalhando tanto. Sei que
muitas pessoas trabalham muito mais do que eu trabalhava e
ganham muito menos do que eu recebia naquele tempo, mas
�� preciso entender que eu era jovem e que meu ponto de refer��ncia
eram os outros membros do Menudo. Ent��o, eu achava
que n��o tinha nada, e isso me deixava irritado.

Na minha cabe��a, havia muitos motivos para querer uma
mudan��a na minha vida. Estava cansado do ritmo, estava cansado
de n��o ter dinheiro, mas, mais do que qualquer outra
coisa, sentia que precisava de um novo desafio. Os anos passados
no Menudo tinham me transformado de muitas maneiras:
estava ��s portas da vida adulta e tudo o que desejava agora
era ter uma chance de pensar - realmente pensar - sobre quem
queria ser e o que fazer com a minha vida.

Assim, em julho de 1989, deixei o Menudo. Minha ��ltima
apresenta����o com a banda aconteceu no Centro de Belas
Artes Luis A. Ferre, em San Juan. Foi o evento perfeito para
encerrar minha carreira no grupo, no mesmo palco onde estreara
com eles. Finalmente era hora de fechar o cap��tulo e ir
em frente.

Depois do show, voltei para casa sem a menor ideia do
que ia fazer da minha vida. Sim, eu precisava terminar a escola,
mas, at�� onde ia minha carreira, meu futuro permanecia
incerto. No momento, precisava me reconectar com minha fam��lia
e reaprender como viver com ela. Essa �� uma tarefa dif��


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TORNANDO-ME HOMEM

cil para qualquer adolescente, mas acho que as circunst��ncias
tornaram a minha adapta����o ainda mais complicada. Cinco
anos haviam se passado desde quando eu deixara de morar
com eles, e as experi��ncias que vivi n��o tinham nada a ver com

o estilo de vida da minha casa, da minha fam��lia. Eu me sentia
desconectado, solit��rio e at�� um pouco perdido.
Muitas pessoas acreditam que a m��sica que melhor me
descreve �� "Livin' la vida loca", mas est��o erradas. A que chega
mais perto de descrever minha vida �� uma m��sica escrita
pelo grande artista e compositor Ricardo Arjona, chamada
"Asignatura pendiente" ("Tarefa pendente"). A letra capta de
forma brilhante o dia, em 1984, em que deixei Porto Rico pela
primeira vez. "Da sua m��ozinha dando adeus/ Aquela tarde
chuvosa em San Juan/ Com os beijos que carrego comigo."
Sem saber, no dia em que deixei Porto Rico, estava deixando
para tr��s aqueles que me amavam; estava deixando para tr��s
minha inf��ncia. Olhei para a frente e s�� vi o c��u azul e um
imenso universo aberto para todas as possibilidades. Agora
que voltava para casa, aquele mesmo c��u parecia cinzento e
confuso, e as muitas possibilidades que antes pareciam abertas
para mim estavam agora se dissipando no horizonte.

A letra da can����o de Arjona reflete o desafio e a maravilha
do sucesso. O sucesso �� uma faca de dois gumes, porque,
para tudo que se faz, alguma outra coisa �� sacrificada; para
cada estrada tomada, uma outra permanece inexplorada. E a
lei da vida. Escolhi o palco, estar diante da plateia, ouvir os
aplausos e sentir a adula����o. E um sentimento que me satisfaz
e me traz grande alegria. Agora, por��m, com esta idade, sei
que o amor dos f��s ��s vezes n��o �� incondicional. O calor do

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amor deles pode ser maravilhoso, mas a intensidade da fama
��s vezes pode queimar.

Na minha cultura, temos um ditado que diz: No hay mal
que por bien no venga (que pode ser traduzido por "H�� males
que v��m para o bem"). Dever��amos, em vez disso, ter uma express��o
que dissesse: "Hoje, escolho o caminho que sempre foi
meu". Dizer que deixar Porto Rico naquele dia foi um erro �� esquecer
todas as coisas maravilhosas que vieram depois, todas as
coisas extraordin��rias que teria perdido se n��o tivesse sa��do de
casa. N��o acho que deixar Porto Rico, ou ter passado um tempo
no Menudo, tenha sido de todo bom ou ruim. Foi os dois.
Eu precisava ter feito o que fiz para estar onde estou hoje.

Todos crescemos no nosso pr��prio ritmo. Enquanto existem
pessoas que t��m a sorte de crescer com a orienta����o, os
conselhos e os cuidados dos pais, outras precisam se adaptar
��s circunst��ncias e se tornar adultas muito cedo na vida. Para

o bem ou para o mal, esse foi o meu caso. Com toda aquela
maturidade dos doze anos de idade, apareceu no meu caminho
uma oportunidade que iria mudar a minha vida completamente:
o Menudo. Foi uma das bandas de maior sucesso da
hist��ria, e tornar-me parte dela foi um sonho que virou realidade,
tudo que sempre quis. Como todas as coisas importantes
na vida, por��m, a experi��ncia n��o veio sem uma grande dose
de sacrif��cio. Precisei deixar para tr��s minha fam��lia, a escola,
meus amigos - tudo que conhecia. Sacrifiquei minha juventude
e minha inoc��ncia, e, apesar de hoje saber que nunca vou poder
recuperar essas coisas, posso dizer com toda a sinceridade
que n��o me arrependo. Foi muito dif��cil, mas tornar-se homem
�� isso: enfrentar os desafios que a vida p��e no nosso caminho e
aprender a crescer com eles.
5 8


TORNANDO-ME HOMEM

No entanto, logo que voltei para casa, eu ainda n��o via
como minhas novas experi��ncias tinham me modificado e n��o
percebia o quanto mais ainda precisava crescer. Em muitos n��veis,
eu j�� era em grande medida um homem - tinha vivido,
viajado e tido minhas experi��ncias -, mas naquela ��poca n��o
via o caminho espiritual que precisava percorrer para me conectar
com quem realmente sou. Ao longo do tempo em que
estive no Menudo, aprendi muito e amadureci em um ritmo
alarmante. N��o aprendi s�� a cantar, dan��ar e tudo o que �� preciso
para ter uma carreira no show business. Tamb��m comecei
a experimentar o mundo sozinho, longe do olhar protetor
dos meus pais. Dito isso, eu realmente perdi algumas coisas
essenciais na vida, e toda a incerteza, o medo e a confus��o da
adolesc��ncia n��o demoraram para me atingir com for��a quando
voltei para casa. S�� quando voltei para casa, para minha
fam��lia e para a ilha que tinha deixado para tr��s me dei conta
do sentimento de vazio dentro de mim. Como muitos, na ��poca
eu acreditava que a felicidade era uma coisa que poderia
encontrar fora de mim, e n��o dentro.

5 9


DOIS

ENCONTRANDO O DESTINO


No TEMPO EM QUE DEIXAVA MEU PAI MALUCO DE TANTO QUE
queria entrar para o Menudo, lembro-me de sentir que, se conseguisse
a vaga no grupo, nunca mais precisaria me preocupar
com nada. Iria ganhar dinheiro, viver com os outros quatro,
que naquela ��poca eram meus ��dolos, e todos os meus sonhos
se tornariam realidade. Achava que, se conseguisse entrar para
a banda, estaria com a vida feita, porque sabia, bem no fundo,
que queria ser artista. Nada iria me impedir de realizar meu
sonho. O que eu n��o sabia era que a dist��ncia mais curta entre
dois pontos nem sempre �� uma linha reta, e que para alcan��ar
meus objetivos ainda havia muito trabalho a ser feito.

No Menudo, tudo era mais ou menos rotineiro e previs��vel,
e a ��nica coisa que eu precisava fazer era seguir uma
s��rie de regras que me eram dadas. No entanto, depois que
deixei a banda, minha carreira parou de ser uma linha reta
e se transformou em uma s��rie de pontos que poderiam, ��
primeira vista, parecer estar dispersos ao acaso. Em vez de
me concentrar em continuar a ser m��sico, tentei um pouco
de tudo, porque foram as oportunidades que apareceram no
meu caminho. Foi assim que acabei trabalhando no cinema,
no teatro e na televis��o antes de voltar para a m��sica. Se essas

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experi��ncias n��o tivessem sido t��o variadas, nunca teria sido
capaz de me abrir para o destino que me aguardava. Hoje,
pergunto-me se isso tinha alguma coisa a ver com destino, ou
se eu mesmo estava de alguma forma criando-o atrav��s do
grande poder da consci��ncia.

VOLTANDO PARA CASA

QUANDO VOLTEI PARA Porto Rico, depois de cinco anos na banda,
eu me senti totalmente perdido; foi quase como se n��o soubesse
quem realmente era. Uma parte de mim queria se afastar
do mundo do entretenimento, mas, durante o per��odo passado
no Menudo, o show business tinha se tornado uma parte t��o
profunda da minha exist��ncia que seria como remover um ��rg��o
vital.

Boa parte do meu mal-estar provavelmente tinha a ver
com o fato de estar com dezessete anos, e, como a maioria dos
meninos da minha idade, sentia que estava em uma encruzilhada
na vida. Precisei tomar uma s��rie de decis��es adultas,
mas tive de faz��-lo com a cabe��a de uma crian��a. Ironicamente,
apesar de o tempo com o Menudo ter me for��ado a amadurecer
e aprender as coisas em um ritmo muito mais r��pido do
que o normal, em muitos aspectos eu ainda era uma crian��a.
Dos doze aos dezessete anos, nunca precisei decidir nada por
mim mesmo (roupas, cortes de cabelo, m��sica, itiner��rio, tudo
era definido por algu��m), e eu funcionava assim: fazendo o
que se esperava de mim, sempre tentando agradar a todo mundo.
Ent��o, quando assumi o controle da minha vida, senti-me
totalmente perdido: n��o sabia para onde olhar ou o que fazer.

6 4


ENCONTRANDO O DESTINO

Emocionalmente, estava come��ando a sentir que n��o tinha firmeza,
e fiquei confuso. Depois da minha primeira experi��ncia
com uma garota, tamb��m tive algumas experi��ncias com
homens e, apesar de n��o querer enfrentar a quest��o, estava
bastante ciente da minha sexualidade. Por dentro, sentia que
estava lutando com sentimentos contradit��rios, mas o terror
que eu tinha de descobrir - assumir ent��o, nem pensar -a minha
homossexualidade era tamanho que eu dava um jeito de
n��o ter tempo para parar e analisar com seriedade o que estava
sentindo. Culturalmente, sempre fui ensinado que amor e atra����o
entre dois homens era pecado, ent��o, em vez de enfrentar

o que estava sentindo, enterrei tudo, porque me assustava.
Quando voltei para a ilha, outro problema que tive de enfrentar
foi o caos na minha fam��lia. Antes do Menudo, o div��rcio
dos meus pais nunca tinha me afetado. Apesar do fato
de eles morarem separados, tive uma inf��ncia muito feliz. A
separa����o nunca foi fonte de sofrimento para mim, j�� que eles
sempre se esfor��aram para manter um certo equil��brio, o que
me deu paz e tranquilidade. No entanto, quando entrei para o
Menudo, senti a dor pela primeira vez. O fato de ter me separado
da minha fam��lia t��o jovem teve um impacto profundo
sobre ela. O div��rcio, que at�� ent��o n��o havia me afetado, de
repente come��ou a faz��-lo. Enquanto eu estava me divertindo
fazendo parte de uma das bandas mais reconhecidas do planeta,
viajando pelo mundo, com f��s gritando em todo lugar,
meus pais come��aram a brigar mais do que nunca. O relacionamento,
que at�� ent��o tinha sido harmonioso, tornou-se irreconcili��vel;
e eu fiquei preso no meio da tempestade.

6 5


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Por um lado, minha volta para casa significava que poderia
dar um tempo nas press��es do grupo, nas turn��s promocionais
e no constante estresse do trabalho. Por outro, foi dif��cil
para mim enfrentar a raiva e o ressentimento que tinham se
instalado na minha aus��ncia. E n��o estou falando s�� da raiva
entre meus pais; estou falando tamb��m do ressentimento
que eu tinha em rela����o a eles, por terem me colocado bem no
meio da briga. Por causa do conflito entre eles, fui obrigado
a tomar partido - coisa que nenhuma crian��a jamais deveria
precisar fazer. Toda visita a Porto Rico era um pesadelo. Era
rid��culo, e tamb��m muito doloroso. Dentro de mim, bem no
fundo, comecei a desenvolver um desprezo profundo em rela����o
a ambos, porque estavam me for��ando a escolher entre
as duas pessoas que eu mais amava no mundo. Quando se ��
jovem, o conceito de Deus �� ensinado pelos pais. No entanto,
enquanto voc�� tenta compreender o conceito abstrato de
"ser superior", quem faz esse papel no dia a dia s��o a m��e e

o pai. Quando os dois (e, nesse caso, Deus) cometem erros,
acabam magoando, e voc�� n��o tem a menor ideia de como
perdo��-los. Parece loucura, mas cresci com uma religi��o em
que eu era quem precisava me desculpar com Deus pelos meus
erros, mas ali estava Deus, tamb��m conhecido como mam��e
e papai, magoando-me ao me obrigar a escolher entre um
ou outro.
H�� muitas crian��as no mundo que passam por esse tipo
de situa����o, e me parte o cora����o ver pais que n��o percebem

o dano que est��o causando aos filhos. Apesar de meus pais
terem seus motivos para brigar, tudo o que eu pensava era:
"Por que os problemas deles precisam me afetar?". Trabalha6
6


ENCONTRANDO O DESTINO

va como louco, e nem podia aproveitar as minhas folgas como

o resto dos integrantes do grupo.
Com o tempo, acabei percebendo que tinha me matado de
tanto trabalhar no Menudo porque parte de mim queria esquecer
os problemas que me esperavam quando voltava para Porto
Rico. Enquanto estava trabalhando e viajando pelo mundo,
sentia-me seguro e longe da realidade do que estava acontecendo
na minha fam��lia. N��o sabia como lidar com a situa����o,
ent��o simplesmente a aturava somente alguns dias de cada vez

- no m��ximo - sempre querendo voltar ao trabalho o mais
r��pido poss��vel.
Agora, por��m, ia ficar em casa at�� quando era poss��vel
imaginar e n��o tinha sa��da: precisava enfrentar minha realidade
de qualquer maneira. Por muito tempo, n��o conseguia entender
por que eles brigavam e estavam com tanta raiva um do
outro o tempo todo, mas hoje percebo que estavam fazendo

o melhor que podiam naquelas circunst��ncias, e ver as coisas
dessa forma me ajudou a perdo��-los.
Demorou, mas finalmente percebi que estavam brigando
somente porque os dois queriam o melhor para mim. Cada um
tinha um ponto de vista, e, apesar de a teimosia deles ter me
causado muito sofrimento, estavam fazendo aquilo pelo motivo
mais importante: porque eu era o filho deles e eles me
amavam. Tem algo melhor do que isso? Existem pais que abandonam
seus filhos e n��o os protegem. Meus pais nunca foram
assim. Era bem o oposto: eles sempre se preocuparam comigo
e me adoravam infinitamente. Quando finalmente compreendi
isso, encontrei a paz. No meu cora����o, perdoei toda a dor e a
raiva que eles me causaram, e, hoje, temos o relacionamento

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mais carinhoso e amoroso poss��vel. Estimo todos os momentos
que eles passam com meus filhos e comigo, e tento v��-los o
m��ximo poss��vel.

CHEGANDO �� MAIORIDADE

UMA DAS COISAS de que realmente gostei ao retornar a Porto
Rico foi s�� precisar ser adolescente, e isso foi um imenso al��vio.
Acabei a escola, e com minha pequena mesada consegui
at�� comprar um carro, que eu usava para ir de uma festa para
outra e ficar na rua at�� amanhecer.

No entanto, por mais ocupado que eu parecesse estar para
todo mundo naquela ��poca - entre ficar com minha fam��lia e
os amigos, ir a festas, estudar, e assim por diante -, por dentro
me sentia totalmente perdido. Estava exausto e confuso. Apesar
de achar normal me sentir daquele jeito na minha idade,
estou certo de que a experi��ncia com o Menudo s�� intensificou
minhas d��vidas. Tinha me divertido imensamente nos meus
anos no grupo, mas, quando tudo acabou, n��o sabia se queria
continuar no ramo da m��sica. O palco, que antes me atra��a,
agora me provocava emo����es contradit��rias, e eu n��o tinha
ideia de que caminho seguir. Precisava de tempo para pensar.

Terminei meus estudos e, no dia 24 de dezembro de 1989,
fiz dezoito anos; com a chegada daquele dia, al��m de me tornar
adulto, adquiri independ��ncia financeira: podia finalmente
acessar as contas banc��rias que tinham ficado congeladas por
anos e fazer o que quisesse com o dinheiro que havia ganhado.
Para celebrar, decidi que ia me esbaldar! Treze dias depois

6 8


ENCONTRANDO O DESTINO

do meu anivers��rio, no dia 6 de janeiro de 1990, mudei para
Nova York.

O plano original era ficar s�� por uma semana - pelo menos
foi isso que eu disse para todo mundo. Peguei meu travesseiro,
minha mochila e s�� algumas roupas, para ningu��m ficar
desconfiado ou adivinhar minhas inten����es. Mas, no momento
em que cheguei ao JFK, liguei para minha m��e e disse: "Mami,
vou ficar em Nova York".

"O qu��? Oh, n��o!", ela respondeu. "Como voc�� pode ficar
em Nova York? Por que n��o vai para Miami em vez disso?"

Acho que ela ficou nervosa por eu ir morar em uma cidade
t��o grande, porque ela estava com medo de eu ser assaltado
ou sabe-se l�� o que mais. "Vamos, Mami", disse a ela, "voc��
anda vendo filmes demais. N��o se preocupe. Decidi que quero
morar aqui por um tempo."

Como j�� disse, precisava de tempo para pensar, mas acho
tamb��m que precisava diminuir o ritmo das festas. Durante
aqueles seis meses que passei em Porto Rico, houve muita loucura
e muitas aventuras. Eu me diverti muito, mas por dentro
sabia que estava evitando a grande pergunta que me perseguia:

o que ia fazer agora? E, assim, quando cheguei a Nova York,
a ��ltima coisa que eu queria era ir a festas. Pelo contr��rio,
queria paz e tranquilidade. Um casal de bons amigos rec��m-
casados, que tamb��m tinha acabado de se mudar para Nova
York, me acolheu em casa por um tempo; durante minha estadia
com eles, conheci a cidade e tive tempo para me acomodar
na casa nova.
Achei um apartamento pequeno, mas confort��vel, em
Long Island, no bairro grego, na mesma rua dos meus ami


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gos, um pouco mais para baixo. Depois do Menudo, onde tive
acesso a luxos inacredit��veis - nosso pr��prio jato, hot��is cinco
estrelas, jantares incr��veis -, tudo o que eu queria era uma vida
simples. �� claro que poderia ter encontrado um apartamento
em Manhattan, perto dos melhores restaurantes e numa vizinhan��a
mais badalada, mas n��o era o que estava procurando
na ��poca. No meu apartamento no Queens, levava uma vida
simples, com as necessidades b��sicas. Pela primeira vez na vida,
podia viver exatamente como eu queria, sem press��o dos meus
pais, do meu empres��rio, do produtor ou de qualquer outra
pessoa me dizendo o que fazer. Fazia o que queria, quando
queria e como queria. E, se n��o estivesse com vontade de fazer
nada, n��o fazia absolutamente nada.

Nos fins de semana, eu ia para Manhattan, para uma loja
de discos, onde participava de encontros pagos e assinava discos,
broches e todo tipo de parafern��lia do Menudo. Era perfeito
para mim, porque eram s�� algumas horas de trabalho por
semana e me proporcionava uma renda. Nos fins de semana,
amigos que estudavam em Boston geralmente vinham me visitar.
Quase todo dia ia para a cama quando j�� estava amanhecendo,
mas n��o porque estava em alguma festa. Na verdade,
com dezoito anos n��o d�� para fazer muita coisa em Nova
York, porque a idade para poder entrar em bares e clubes �� 21.
Meus amigos - que, diferente de mim, vinham querendo ir a
festas - convidavam-me para sair com eles, mas sempre dizia
que iria me encontrar com eles mais tarde. Ficava em casa,
relaxando, e passava horas assistindo a filmes, caminhando e
pintando. De fato, se bem me lembro, minhas pinturas dessa
��poca eram um pouco melanc��licas. Todo aquele tempo livre

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ENCONTRANDO O DESTINO

estava me dando o espa��o de que precisava para pensar, refletir
e amadurecer. Queria tirar o m��ximo proveito daquele
momento e ter tempo para conhecer a mim mesmo.

Dos doze aos dezessete anos - os cinco anos formativos
da adolesc��ncia -, tudo que ouvia era: "Vista isso. Corte seu
cabelo assim. Cante isso. Aprenda esse esquema de dan��a. Fale
com esse jornalista". Nunca tinha a chance de tomar minhas
pr��prias decis��es, e �� por isso que n��o tinha a menor ideia de
como tom��-las. Durante esses mesmos cinco anos, fui treinado

- doutrinado - para personificar um conceito. Fui obrigado a
esconder meus sentimentos e minha personalidade a todo custo.
N��o podia ser o Kiki ou o Ricky... A ��nica coisa que importava
era ser um bom Menudo!
Enquanto estava em Nova York, tive muito tempo para
pensar, e percebi que ao longo dos sete anos anteriores havia
me tornado especialista em esconder emo����es. Dizia para mim
mesmo: "N��o, n��o quero sentir isso" e me fechava. Era dif��cil
dizer "Amo voc��", porque o que eu mais temia era rejei����o.
Tinha passado tanto tempo achando que a ��nica coisa que importava
era seguir um certo conjunto de regras para que as
outras pessoas gostassem de mim que n��o sabia nada sobre ser
espont��neo e expressar meus sentimentos.

Por nove meses, vivi feliz entre as pessoas na maravilhosa
cidade de Nova York e experimentei como era ser "uma
pessoa normal", em vez de uma celebridade. N��o adotei uma
vida de monge ou de asceta, mas criei um estilo de vida tranquilo
e despojado para mim, e foi assim que continuei a levar
a vida dali em diante. Sentava em um banco no parque e
ficava olhando as pessoas passarem, sem ser abordado para

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dar aut��grafos ou tirar fotos. Nessa cidade de milh��es, eu era
an��nimo. E aquela vida simples, prestando aten����o nas coisas
simples como as mudan��as de esta����o, e me deleitando com
isso, permitiu-me encontrar a paz interior que havia perdido.
Conectei-me novamente com os sonhos e fantasias da minha
inf��ncia, e ainda acreditava em fazer meus sonhos se tornarem
realidade.

O sil��ncio me permitia pensar no futuro e me perguntar
de verdade o que realmente queria fazer. Uma possibilidade
era estudar arte dram��tica na Universidade de Nova York, mas
n��o sabia se queria voltar ao palco. O show business ainda era
fonte de sentimentos contradit��rios, e um dia disse para minha
m��e que queria estudar ci��ncia da computa����o. Ela, �� claro,
imediatamente disse: "Filho, por favor, n��o fa��a isso".

Fiquei bravo por ela n��o apoiar o que eu queria fazer, ent��o
respondi: "Mami, estou falando que quero estudar, isso ��

o que todas as m��es querem para seus filhos. E voc�� est�� me
dizendo que n��o quer que eu estude? Como �� poss��vel?".
"Filho", ela disse, "voc�� pode n��o ter percebido ainda,
mas seu destino �� o palco." Ela j�� sabia o que eu acabaria fazendo
antes de me dispor a aceitar a verdade.

"Mami, nem pense nisso!", disse a ela. "Nunca mais quero
voltar ao palco. J�� foi o suficiente."

Fiquei um pouco incomodado, ent��o n��o tocamos mais
no assunto. Alguns meses depois, ela veio me visitar e fomos a
uma apresenta����o no Radio City. De repente, no meio do show,
virei-me para dizer alguma coisa a ela e vi que tinha l��grimas
escorrendo pelo rosto. Ela estava solu��ando como um beb��.
"Mami, o que foi?", perguntei, preocupado.

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ENCONTRANDO O DESTINO

"Filho, voc�� n��o pode desistir do show business", ela disse.
"Aquele �� o seu lugar, no meio do palco, sob os refletores."

As palavras de minha m��e ficaram na minha cabe��a. Elas
me afetaram, �� claro, mas n��o o suficiente para me fazer mudar
de ideia. Agora, pensando nisso, nunca realmente busquei o
palco. Foi o palco que me encontrou. Fiz tudo porque a oportunidade
apareceu com bastante naturalidade. Como tudo o
mais na minha vida, foi como se o pr��prio destino tivesse colocado
o palco diante de mim, e a ��nica coisa que precisei fazer
foi decidir se aproveitava a oportunidade. Agora, mais do que
nunca, depois de tudo por que passei, estou convencido de
que a vida �� assim, que essa �� a m��gica e a beleza dela. Todos
percorremos um caminho c��rmico, uma jornada espiritual, e
cada um de n��s tem a chance de decidir o que fazer com a pr��pria
vida. E como se estiv��ssemos vagando pelo deserto e de
repente aparecesse um cavalo. Podemos ignor��-lo e continuar
andando, ou podemos montar nesse cavalo. E, se montarmos
nele, podemos s�� ficar sentados l�� e n��o fazer nada ou pegar
as r��deas e galopar para onde realmente queremos ir. Quando
uma oportunidade aparece no meu caminho, sou s�� eu quem
decide aproveit��-la ou n��o.

Mais ou menos nessa ��poca, uma das oportunidades chegou
pelo telefone. Liguei para um ex-colega no M��xico s��
para falar oi e saber como ele estava. Enquanto convers��vamos,
ele me convidou para passar uns dias na Cidade do M��xico
e, como tinha todo o tempo do mundo, aceitei o convite
sem pensar duas vezes. Poucos dias depois, tomei um voo em
dire����o a outra cidade grande.

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A ideia original era ficar s�� uma semana, mas, exatamente
como quando cheguei a Nova York, meus planos mudaram
drasticamente...

Algumas noites depois de chegar, fui ao teatro ver uma
pe��a produzida e estrelada por tr��s amigas pr��ximas, que por
acaso eram grandes nomes dos palcos mexicanos: Angelica Ortiz,
Angelica Maria e Angelica Vale. A pe��a chamava-se Mam��
ama el rock (Mam��e ama o rock), uma com��dia musical. Al��m
do fato de estar animado para ver minhas amigas, sempre adorei
ir ao teatro, e nunca perco a oportunidade de ver um novo
espet��culo. Fazia muito tempo que n��o via essas amigas, e,
quando come��amos a conversar, elas me perguntaram o que
eu estava fazendo em Nova York.

"Estudando", respondi.

Que mentira! Simplesmente n��o queria entrar em detalhes.

"Tudo bem, esque��a o estudo", respondeu uma delas.
"Voc�� precisa ficar aqui." Ela foi t��o enf��tica que fiquei surpreso,
mas, logo depois, ela acrescentou: "Est�� vendo aquele
cara de p�� ali?", e apontou para um dos atores. "Ele vai embora
daqui a uma semana e n��o sei o que fazer. Quer substitu��-lo?"

Sem pensar duas vezes, disse sim, e foi assim que comecei
no mundo do teatro.

ALCAN��ANDO UMA ESTRELA

MINHA FAM��LIA E meus amigos em Nova York n��o conseguiam
acreditar quando contei a eles que estava me mudando para o
M��xico, mas todos ficaram felizes por mim. Sabiam que ia ser
bom que eu voltasse a trabalhar. E assim, do nada, precisei vol


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ENCONTRANDO O DESTINO

tar a ser extremamente intenso e focado no trabalho. Tive apenas
uma semana para me preparar para minha estreia no teatro.
Sim, em uma semana aprendi a coreografia, as falas, a marca����o
do palco, tudo. Voltei a ser o soldado disciplinado dos dias
do Menudo, mas estava gostando muito daquilo porque trazia
de volta a euforia que h�� um ano n��o sentia. Foi uma loucura
mergulhar em uma coisa totalmente nova para mim, mas, na
verdade, a experi��ncia com o Menudo tinha me ensinado como
trabalhar em ritmo acelerado e dar conta de todo o trabalho
pesado. E, como diz o ditado, De los cobardes no se ba escrito
nada (Nada se escreveu sobre os covardes), ent��o, deixei para
tr��s os medos que poderiam ter surgido e me atirei de cabe��a
nessa oportunidade que a vida tinha lan��ado na minha dire����o.

Adaptei-me �� vida no M��xico com naturalidade, sem
maiores dificuldades. N��o s�� j�� tinha amigos e contatos profissionais,
como tamb��m tive a sorte de, no in��cio, ir morar
com outro antigo companheiro de trabalho. Os pais e a irm��
dele me acolheram como mais um membro da fam��lia e, gra��as
a isso, nunca me senti sozinho. Adorava morar com eles, mas
depois de alguns meses, quando j�� estava mais adaptado, senti
que era hora de me tornar mais independente e aluguei meu
pr��prio apartamento.

Existe uma tradi����o no teatro mexicano: toda vez que um
espet��culo chega a cem apresenta����es (ou duzentas, trezentas,
quatrocentas, assim por diante), algum ator, diretor ou produtor
famoso sobe ao palco e entrega uma placa comemorativa
ao elenco, como reconhecimento pela conquista.

Quando comecei a trabalhar em Mam�� ama el rock, n��o
conhecia essa tradi����o, ent��o n��o tinha a menor ideia da im


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port��ncia. Assim, quando chegou nossa hora de receber o pr��mio,
decidi me empenhar para fazer a melhor apresenta����o
poss��vel. Os demais atores, estavam extremamente nervosos,
porque sabiam que havia algu��m importante na plateia naquela
noite. Todos queriam apresentar o melhor espet��culo da hist��ria,
e, quando as cortinas se abriram, a tens��o era palp��vel.

Eu, no entanto, prossegui como de costume, completamente
calmo. Fiz o meu papel o melhor que podia e fui para
casa dormir. Se soubesse que um famoso produtor estava nos
assistindo naquela noite, talvez ficasse t��o nervoso quanto todo
mundo. Mas, como n��o fazia ideia, me mantive calmo. No dia
seguinte, o produtor me ligou e disse que queria me conhecer
pessoalmente. Conversamos um pouco e ele me ofereceu um
papel em uma novela famosa, chamada Alcanzar una estrella
(Alcan��ar uma estrela). Aceitei, e foi assim que come��ou esse
novo cap��tulo da minha vida: novelas. A novela fez o maior
sucesso, n��o s�� no M��xico como tamb��m no mundo todo; uma
fa��anha parecida com a de High School Musical ou Glee, que
anos mais tarde decolaram nos Estados Unidos.

Acabei me juntando ao elenco na segunda temporada, que
se chamava Alcanzar una estrella II. A hist��ria girava em torno
de seis jovens que tinham uma banda chamada Mu��ecos
de Papel (Bonecos de Papel). Fazia o papel de Pablo Loredo,
um dos membros do grupo. A novela fez tanto sucesso que
mais tarde virou filme, chamado M��s que alcanzar una estrella
(Mais que alcan��ar uma estrela), em que tamb��m tive um papel
importante. Por fim, os produtores do programa organizaram
uma turn�� para os Mu��ecos de Papel. Nem preciso dizer
que foi um total flashback do Menudo para mim - apesar de

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ENCONTRANDO O DESTINO

n��o ter sido t��o intenso -e devo admitir que n��o fiquei muito
entusiasmado com a perspectiva de sair em turn��. Tudo o
que queria fazer era atuar. J�� tinha feito turn��s demais! Acabei
aceitando e at�� gostei, porque ��ramos um ��timo grupo de pessoas,
todos se davam realmente bem.

Surpreendentemente, gra��as ao meu papel no filme, naquele
ano recebi o Premio El Heraldo -o equivalente mexicano
ao Oscar - pelo meu desempenho. Foi uma grande
honra para mim, e at�� hoje �� um dos pr��mios preferidos da
minha carreira.

Pensando nisso agora, percebo que tudo que fiz naquela
��poca - at�� mesmo atuando - tinha a ver com m��sica. E apesar
de ser tentador dizer que tudo foi uma grande coincid��ncia
e que n��o necessariamente deveria ter transcorrido desse jeito,
tamb��m pode ser que o universo estivesse conspirando para me
colocar na dire����o certa. O Menudo foi uma experi��ncia incr��vel,
que me ensinou muito sobre o mundo da m��sica e mais
ainda sobre mim mesmo. O trabalho, por��m, era t��o intenso
que acabei questionando a minha paix��o. Acho que no fundo
nunca quis parar de cantar, mas que de alguma forma havia
enterrado esse desejo dentro de mim. Ao longo do tempo que
passei em Nova York, acreditava honestamente que n��o desejava
p��r os p��s no palco de novo, mas acho que era porque
estava exausto. O esfor��o tinha sido t��o monumental, minha
vida ao longo daquele per��odo tinha sido t��o louca, que eu
simplesmente n��o via como poderia continuar naquele ritmo.
No entanto, as oportunidades que vieram ao meu encontro no
M��xico foram aos poucos mudando meu ponto de vista, e percebi
que a vida no palco n��o precisava sempre ser t��o intensa

7 7


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como era com o Menudo. De uma maneira m��gica, atuar revigorou
minha paix��o por cantar, e apesar de gostar muito de
atuar, sentia o desejo e a necessidade de me expressar sinceramente
atrav��s da m��sica.

N��o �� preciso dizer que todos precisamos aproveitar ao
m��ximo as oportunidades que aparecem, mas nunca devemos
nos esquecer de nossa verdadeira paix��o. Se na sua parte mais
profunda, voc��, sentir que �� poeta, n��o importa se �� m��dico ou
contador, n��o deve parar de escrever seus poemas. Pelo contr��rio:
�� importante lembrar-se de que o que voc�� �� e o que
voc�� faz nem sempre s��o a mesma coisa. Os dois s��o parte da
vida, parte da mesma jornada. Se voc�� n��o tentar fazer aquilo
pelo que �� realmente apaixonado, nunca seus sonhos v��o virar
realidade. Voc�� pode ter muitas coisas, como casas bonitas
ou carros luxuosos. Pode encontrar o amor e ter uma fam��lia
que o adore. Pode ter tudo isso e muito mais. Mas, se voc�� ��
um poeta e n��o escreve poemas, como vai ganhar o pr��mio de
poesia com que sempre sonhou? Se n��o cultivar sua paix��o,
sempre vai sentir um vazio. Sempre vai sentir que est�� faltando
alguma coisa. N��o estou dizendo que deve abandonar o trabalho
e escrever poemas 24 horas por dia, mas todos n��s dever��amos
sempre tentar com o maior empenho poss��vel nunca
abandonar nossos sonhos.

Desde muito cedo, sabia que a m��sica preenchia imensamente
minha alma. Tamb��m adoro a conex��o com a plateia
que aflora quando me apresento ao vivo. A energia que vem
da multid��o, com todo o mundo se movendo no ritmo da minha
m��sica, �� incr��vel. �� eletrizante! N��o h�� nada igual, e nada
mais chega perto disso. Gosto do trabalho quando fa��o um fil


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ENCONTRANDO O DESTINO

me ou uma novela, mas falta a rea����o imediata e a intensidade
da plateia ao vivo. N��o importa o que as pessoas digam, para
mim n��o h�� nada mais maravilhoso do que a conex��o que se
estabelece com a multid��o durante uma apresenta����o ao vivo.
Eu quero essa rea����o imediata. N��o, eu preciso dela. Necessito
do aplauso e da energia do p��blico, eles s��o o meu v��cio.

E foi assim - atrav��s de uma s��rie de oportunidades ao
acaso - que voltei para a m��sica. Sempre vou ser infinitamente
grato ao M��xico por tudo que me deu, e por todas as oportunidades
que me ofereceu. Foi minha plataforma de lan��amento
para o resto do mundo, por ter passado do teatro para novelas
de TV, das novelas para o cinema e, do cinema, ter voltado ��
m��sica. Nunca se sabe o que o destino vai aprontar, e algumas
vezes ele n��o escolhe o caminho mais ��bvio. Gra��as �� novela
e ao filme, algu��m na Sony Music prestou aten����o em mim e
me ofereceu meu primeiro contrato de grava����o solo. Obviamente,
fiquei em ��xtase. A ideia de fazer um disco s�� meu, em
que pudesse me expressar como quisesse, era meu sonho se
tornando realidade.

O executivo da Sony Music que ofereceu a transa����o me
entregou o contrato e disse: "Ricky, voc�� precisa assinar isso
imediatamente. Se n��o assinar esse documento antes de eu subir
no avi��o para Madri hoje �� noite, vou ser despedido".

Ri por dentro e pensei: "Que filho da m��e".

N��o preciso dizer que, se fosse hoje, teria mandado meus
advogados reverem o contrato. Mas como ent��o eu era um
garoto de dezoito anos e tudo o que queria era cantar, fechei
meus olhos, assinei o contrato e disse a mim: "O que quer que
aconte��a, quero fazer esse ��lbum, ent��o, que diferen��a faz?".

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Tudo que eu queria era come��ar a gravar o mais r��pido poss��vel.
Estava t��o entusiasmado para voltar ao mundo da m��sica
que n��o me importava com as condi����es.

Foi um erro - um erro enorme. Aquele executivo fonogr��fico
-e ele com certeza vai se reconhecer quando ler este
livro - aproveitou-se da minha ignor��ncia e fez um acordo que
me oferecia algo como um centavo em royalties para cada disco
vendido. Roubo! Hoje, quando penso nisso, dou risada do
absurdo. Fora esse pequeno detalhe contratual, por��m, o ��lbum
foi o come��o de uma coisa fenomenal para mim - algo
para que eu vinha me preparando a vida inteira. Sabia que
queria ser artista desde os seis anos, porque, quando pegava
aquela colher e cantava para os meus tios, sentia na alma que
era o que tinha de fazer. Todo o trabalho ��rduo e a paix��o
que eu tinha despendido finalmente estavam come��ando a
dar frutos, e a m��sica voltou �� minha vida de forma poderosa
e definitiva.

�� claro que teria sido perfeito se o executivo da Sony tivesse
aparecido logo que o filme foi rodado. Mas assim �� a vida,
e as coisas nunca acontecem exatamente quando voc�� quer;
parece que acontecem todas ao mesmo tempo! Isso pode complicar
bastante as coisas, mas acredito sinceramente que, se ficarmos
sentados esperando as oportunidades aparecerem no
momento perfeito, nunca vamos chegar a lugar algum na vida.
A vida �� complexa, e �� assim que devemos encar��-la. Assim,
Ricky Martin, meu primeiro ��lbum solo, foi gravado enquanto
ainda estava filmando cap��tulos de Alcanzar a una estrella II.
Trabalhava dia e noite - mas estava incrivelmente entusiasmado
com tudo o que estava pela frente. O dia a dia era desafia


8 O


ENCONTRANDO O DESTINO

dor, mas se h�� uma coisa que aprendi ao longo do tempo que
passei em Nova York �� que n��o posso jamais perder de vista

o cen��rio mais amplo dos meus objetivos. Gra��as ao intervalo
que me proporcionei para pensar e descansar, estava pronto
no dia em que o destino bateu �� minha porta. L�� no fundo,
finalmente, tinha certeza do que desejava: subir ao palco.
O ��lbum foi lan��ado em 1991, pouco depois de eu voltar
da turn�� com o Mu��ecos de Papel. Foi um imenso sucesso.
Um dos singles lan��ados nesse ��lbum foi Fuego contra fuego
("Fogo contra fogo"), pelo qual recebi discos de ouro no M��xico,
Argentina, Porto Rico e nos Estados Unidos. Receber um
pr��mio (ainda mais v��rios deles) �� uma conquista muito empolgante,
mas o que eu mais gostei naquele disco foi de ele ter
me dado a chance de voltar ao palco e fazer uma turn�� pela
Am��rica Latina, em que novamente fiquei cara a cara com a
plateia. Estava me apresentando ao vivo e vendo meu p��blico
cantar e dan��ar ao som da minha m��sica. Sentia que estava
exatamente onde deveria estar, como se tivesse, porfim, encontrado
meu lugar no mundo.

APAIXONANDO-ME

APESAR DE A minha vida profissional estar correndo maravilhosamente,
na verdade logo comecei a trabalhar como um louco,
sem parar nem ter tempo para mais nada. Ent��o, minha m��e
veio me dar apoio. Ela adora o M��xico, e o tempo que passamos
juntos l�� foi muito especial - eu n��o era mais o garoto
que tinha voltado para Porto Rico depois de ser uma celebri


81


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dade internacional; estava em um momento mais maduro da
vida para ter um relacionamento s��lido com ela.

Sei que muitas pessoas com m��es incr��veis dizem a mesma
coisa, mas a minha �� uma mulher extraordin��ria a quem devo
muito. N��o pelas coisas ��bvias, como me criar, cuidar de mim
e me fazer companhia, mas tamb��m porque sempre foi uma
grande fonte de apoio e inspira����o. Por exemplo, em grande
medida �� por causa da minha m��e que tenho uma paix��o t��o
grande pela m��sica, em especial salsa, merengue, boleros e los
trios... Ela �� uma dedicada apreciadora de m��sica e sempre
teve centenas e centenas de discos em casa. E, apesar de meus
irm��os e eu ouvirmos rock cl��ssico, ela nos interrompia e nos
fazia ouvir um pouco da m��sica da nossa ilha. De fato, uma
vez nos levou a um show do Fania All-stars, algo por que sou
mais do que agradecido! Apesar de ela n��o ter me convertido
�� m��sica latina naquela ��poca, mais tarde essa influ��ncia teria
um impacto profundo na minha carreira, Quando mor��vamos
no M��xico, ela sempre me trazia CDs de artistas como Fania,
Celia Cruz, El Gran Combo e Gilberto Santarosa, e, aos poucos,
foi atrav��s dessas grava����es, l�� no M��xico, que comecei a
apreciar a cultura da minha ilha. Tudo gra��as a minha m��e.

Faltavam alguns anos para o famoso boom latino surgir
na m��sica, o fen��meno que impulsionou minha carreira, mas
as sementes do que estava por vir j�� haviam sido plantadas. No
entanto, apesar de minha vida profissional estar aos poucos
tomando rumo, minha vida amorosa era bastante tumultuada.
Depois de deixar o Menudo, tive experi��ncias com homens e
mulheres, mas nenhuma durou o suficiente para ser considerada
um relacionamento. Pouco tempo depois de chegar ao M��


8 2


ENCONTRANDO O DESTINO

xico - enquanto estava trabalhando na pe��a -, conheci uma
mulher maravilhosa que era apresentadora de um programa
de televis��o de muito sucesso, e desde o momento em que a vi
me senti atra��do por ela. Al��m de ser uma das mulheres mais
lindas que j�� conheci - alta, loira, elegante como uma primeira
dama, com o estilo, o ar e a classe de algu��m como Coco Chanel
e com a beleza e a sensualidade de uma Brigitte Bardot -, ��
uma mulher inteligente, doce e atenciosa. Logo come��amos a
namorar, e ela virou minha companheira, minha amiga, minha
tudo. O que tivemos foi uma coisa m��gica, e teria erguido um
trono para ela, porque para mim era a mulher perfeita. Adorava
sentir o corpo dela contra o meu e quando o cabelo dela ro��ava
no meu peito quando ela estava totalmente entregue, no
seu pr��prio mundo, nosso mundo. Ela me amava, eu a amava,
e tivemos muitos momentos de uni��o total, completa. Era uma
mulher incr��vel. Na verdade, a mulher perfeita.

No entanto, como a maioria dos garotos dessa idade, n��o
estava pronto para a mulher perfeita. Era muito imaturo. Isso,
aliado aos milhares de problemas que rodopiavam na minha
cabe��a, tornaram-me incapaz de me comprometer com ela, ou
at�� mesmo comigo. Ela teria sido o amor da minha vida, mas,
naquele momento, eu sentia que tinha de passar por outras experi��ncias
e viver mais. Ou pelo menos essa foi a justificativa
que dei para mim quando n��o est��vamos mais juntos.

Depois de terminarmos, passei alguns anos agindo como

o t��pico macho alpha, um total conquistador. Era jovem e famoso,
era artista, e me dediquei a sair com todas as mulheres
que apareciam no meu caminho. N��o me preocupava se eram
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solteiras, casadas, vi��vas ou divorciadas. O que queria era me
divertir e viver ao m��ximo. Queria me conhecer e experimentar
coisas novas. N��o sei se na ��poca desejava provar alguma
coisa para o mundo, ou para mim, ou se estava apenas deixando
a situa����o fluir com toda a f��ria e a euforia da adolesc��ncia.
Ao longo desses anos, tamb��m tive experi��ncias com
homens - parte da minha experimenta����o -, mas nunca eram
relacionamentos que duravam ou que tenham marcado minha
vida de alguma maneira. Eram alegres, estimulantes, e eu me
divertia imensamente, mas, depois, sempre faziam que eu me sentisse
culpado, ent��o n��o me permitia analisar ou avaliar o que
estava acontecendo l�� dentro. Estava vivendo tantas coisas e
me divertindo tanto que me concentrei mais em sentir e menos
em pensar.

Estava no meio desse redemoinho de relacionamentos
quando ca�� nas garras da paix��o com uma mulher maravilhosa,
intensa, sensual e tamb��m proibida.

Ela era a ant��tese da primeira mulher que mencionei antes,
mas igualmente forte, com muita personalidade e seguran��a,
com uma perspectiva ��nica da vida. Tudo relacionado a ela
parecia ser chamejante - era uma megamulher. O problema ��
que eu n��o s�� gostava muito dela como ela me deixava louco.
Em quest��o de dias virei um bobo: ela acendeu minha alma e
me virou do avesso. Ela era como um veneno que despertava

o meu lado animal. A atra����o, o desejo, a paix��o f��sica que eu
tinha por ela me despeda��avam de todas as formas. A qu��mica
transbordava. O cheiro do corpo dela era totalmente viciante
e a pele, o suor, a l��ngua, a excita����o, o modo como se mexia,
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ENCONTRANDO O DESTINO

o modo como nos mex��amos juntos... A coisa toda me deixava
enlouquecido. Ela odiava os seios, mas eles me deixavam louco.
Adorava olhar para o corpo dela; era como uma pintura
que eu podia descrever em detalhes. As pernas e os pequenos
dedos dos p��s me incendiavam. Queria devor��-los -e sempre
devorava. Estava obcecado e fascinado por tudo nela. Ela era
simplesmente incr��vel. O tempo que ficamos juntos foi como
uma montanha-russa; ela despertou uma parte rebelde de
mim, uma loucura e uma espontaneidade que me abriram e me
libertaram, e at�� hoje sinto que ela foi um dos relacionamentos
mais eletrizantes que tive.
Estava t��o obcecado por ela que me deixava nutrir de
todo tipo de sonho e ilus��o sobre um futuro juntos. Mais cedo
ou mais tarde, por��m, teria de voltar �� realidade e me perguntar:
"Vamos, voc�� n��o est�� vendo que �� s�� um brinquedo para
ela? Aproveite enquanto dura!".

O fato de ela ser casada - apesar de na ��poca estar separada
- era, claro, fonte de sofrimento constante para mim, mas
acho que era tamb��m em parte o que me atra��a tanto. Atra����o
proibida deixa as coisas mais emocionantes. E ela era uma
mulher perigosa e proibida, o que tornava tudo ainda mais
irresist��vel. Mas, por mais que eu a amasse - e talvez por causa
disso -, ela partiu meu cora����o. Um dia, quando pegou o
telefone e ouviu minha voz, disse: "Gabriel, estou com dor de
cabe��a agora; quando acordar eu ligo".

Essa resposta foi como um balde de ��gua fria na minha
cara. Fingir que eu era o Gabriel, assistente dela, significava
que ela estava dormindo onde deveria estar dormindo - com

o marido. Naquele instante disse a mim mesmo: "Deu merda".
8 5


E U

Desliguei o telefone sem dizer uma palavra e fiquei sentado l��.
Gelado. Estava muito ferido. Passava por um momento que sabia
que chegaria, ou, colocando nas palavras do grande Gabriel
Garcia Marquez, era a "cr��nica de uma morte anunciada".

N��o vou negar que demorou algum tempo para tir��-la da
cabe��a. Apesar do estrago que causou, tudo o que eu conseguia
fazer era pensar nela. Algumas vezes at�� esperava por ela
na entrada do teatro onde trabalhava, s�� para v��-la por um
instante. Quero dizer, se vamos perder a dignidade, n��o precisamos
perd��-la totalmente, n��o ��?

No entanto, por maior que seja a dor que se pode sentir,
e por maior que seja o sofrimento a suportar, a vida sempre
continua. H�� um ditado persa que diz: "Isso tamb��m h�� de
passar", e n��o podia ser mais verdadeiro.

CIDADE DOS ANJOS

Pouco DEPOIS DISSO, meu agente me ligou para dizer que a NBC
queria que eu me mudasse para Los Angeles para atuar em
um programa de TV. Embora o M��xico tenha me proporcionado
muitas coisas extraordin��rias, e de at�� hoje ter amigos
que adoro l��, acho que estava pronto para uma mudan��a. A
perspectiva de mudar para Los Angeles chegou na hora certa.
Estava no M��xico h�� quase cinco anos. Uma vida para quem,
como eu, tinha passado tanto tempo na estrada.

O primeiro programa em que apareci na televis��o americana
chamava-se Getting by. Infelizmente, o programa foi
rapidamente cancelado, mas n��o tive tempo de ficar preocupado,
porque logo iria descobrir que havia, mais uma vez, es


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ENCONTRANDO O DESTINO

colhido o caminho certo. Quando o programa foi cancelado,
fiquei livre em Los Angeles. O que poderia ser melhor para um
jovem artista progredir no show business? N��o precisei esperar
muito, porque um dia meu agente me ligou e disse que a
produtora executiva de General hospital queria me conhecer.

A ironia �� que n��o foi atrav��s do meu papel em Geting by
que ela me conheceu, mas sim porque tinha ido a um dos meus
shows e adorado. Mais uma vez, a m��sica estava abrindo as
portas para um mundo que eu nem sequer estava procurando.

Nos Estados Unidos, diferente da Am��rica Latina, as novelas
duram anos, at�� que um dia param de ter uma boa audi��ncia
e s��o canceladas. Ao passo que na Am��rica Latina elas duram
alguns meses, um ano no m��ximo, nos Estados Unidos podem
se prolongar praticamente para sempre, e muitas vezes contam
a hist��ria de algumas gera����es da mesma fam��lia. General hospital
�� um desses programas que existem h�� anos, �� uma das
novelas mais populares dos Estados Unidos, e sem d��vida uma
das mais famosas. Fiquei espantado quando me chamaram,
n��o s�� por ser uma grande oportunidade, mas tamb��m porque
aparentemente j�� tinham decidido me contratar. Pediram-me
para ler algumas p��ginas de um script diante de v��rios executivos
da ABC, mas foi apenas uma formalidade, para depois ningu��m
dizer que eu n��o tinha feito um teste. Algumas horas
depois, juntei-me oficialmente ao elenco.

Deram-me o papel de Miguel Morez, um cantor que cuidava
de um bar durante a semana e nos fins de semana cantava.
Fiz o papel por dois anos e meio, e durante esse per��odo
aprendi muito sobre o que �� preciso para ser ator. General hos


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E U

pitai, por��m, trouxe a devida quota de desafios. Entrei para o
programa porque desejava sinceramente ir para o mundo de
Hollywood. Naquela ��poca, acreditava que queria ser ator, e
apesar de meu papel em General hospital poder ter sido uma
��tima porta de entrada, nunca me senti totalmente �� vontade
ao longo do tempo em que participei do programa.

Olhando para tr��s, talvez tenha sido apenas por eu estar
em outra novela, mas, na maior parte do tempo, sentia que o
trabalho que estava fazendo n��o era para mim. N��o estava
bem integrado ao elenco e muitas vezes me senti mal compreendido,
inseguro, como se de alguma forma nunca fosse ser capaz
de me encaixar naquele mundo.

O fato de ser tratado como estrangeiro tamb��m n��o ajudava.
J�� tinha dado a volta ao mundo tr��s vezes quando cheguei
a Los Angeles, e em todo lugar que eu ia as pessoas diziam que
adoravam meu sotaque. No entanto, quando cheguei a L.A.,
comecei a achar que meu sotaque era horr��vel. As pessoas me
diziam para ter aulas para diminu��-lo ou faziam coment��rios
sobre como eu pronunciava essa ou aquela palavra de um jeito
estranho. Tenho certeza de que tudo que me diziam n��o era
com m��s inten����es, mas mesmo assim me sentia ofendido. Exclu��do.
Diferente. Talvez naquela ��poca n��o fosse t��o comum
como hoje ver atores hisp��nicos na TV, e as pessoas n��o estivessem
acostumadas a ver pessoas que n��o eram como elas.
N��o sei, mas era uma sensa����o muito desagrad��vel para mim.

Al��m de estar incomodado com a situa����o no trabalho,
havia todo tipo de coisas confundindo a minha cabe��a. Foi
nessa hora que o universo colocou outro grande amor no meu
caminho - um amor daqueles em que voc�� mergulha de cor


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ENCONTRANDO O DESTINO

po e alma, e dessa vez foi um homem, por quem quase desisti
de tudo.
N��s nos conhecemos em uma emissora de r��dio, e desde

o primeiro momento foi como um encontro de almas - pelo
menos foi como eu vi. Estava fora de Los Angeles ent��o, e fui
a uma emissora de r��dio para dar uma entrevista. Logo que
abri a porta do est��dio meus olhos deram de cara com uma
das vis��es mais belas que eu j�� tivera. Ele era um homem muito
bonito, �� claro, mas eu j�� vira muitos homens bonitos na
vida. Esse homem tinha uma coisa especial, muito especial; foi
magn��tico. Foi como se nos conhec��ssemos h�� muito tempo.
Ele me entrevistou para o programa dele, e eu ficava me perguntando:
"Estou sentindo uma vibra����o vindo dele, ou estou
imaginando? Se o que estou sentindo �� verdade, vou mergulhar
sem medo". A certa altura, quando estava respondendo
uma de suas perguntas (mais tarde, ele confessou que achava
que as perguntas tinham sido realmente est��pidas, porque
estava t��o nervoso que n��o sabia mais o que me perguntar),
olhei firmemente para ele, e, quando percebi que n��o desviou
o olhar... Boom! Ele confirmou o que eu estava pensando.
Trocamos telefones. Ele come��ou a ir me ver no hotel. N��s
dois ador��vamos m��sica, assim como arte e literatura, e pass��vamos
o tempo conversando sobre muitas coisas diferentes.
Uma hora eu contava alguma coisa sobre m��sica, enquanto
ele dizia alguma coisa sobre literatura, e depois ��s vezes os
pap��is se invertiam. T��nhamos uma conex��o f��sica realmente
intensa, e intelectualmente est��vamos na mesma frequ��ncia.
Quando ia v��-lo, ��ramos literalmente insepar��veis. �� noite, ele
ia trabalhar na emissora de r��dio, e eu ficava na cama ouvindo
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E U

a voz dele, enquanto ele me mandava mensagens sutis atrav��s
das ondas de r��dio. Foi especialmente significativo para mim,
porque era sempre eu quem ia atr��s das pessoas. N��o sei se,
por causa do que represento, as pessoas com quem estou ��s vezes
se sintam um pouco intimidadas, mas seja com homens ou
mulheres, sou sempre eu quem d�� o primeiro passo. Sinceramente,
ningu��m nunca tinha me mandado mensagens em c��digo
pelo r��dio antes! Era original e muito rom��ntico. Durante

o dia, eu fazia o que podia para estar com ele e agrad��-lo,
mas, �� noite, ele contrabalan��ava no r��dio. Sem que ningu��m
mais percebesse, tocava certas m��sicas e dizia coisas que s�� eu
entendia. Ele bradava seu amor por mim nas ondas de r��dio,
mas o que era realmente incr��vel, poderoso, magn��fico e arrasador,
era que s�� eu sabia.
Algumas semanas depois, voltei para casa, mas continuamos
o relacionamento �� dist��ncia. N��o era f��cil, porque na
maioria dos fins de semana um de n��s precisava pegar um
avi��o e viajar algumas horas para ver o outro. Mas eu o amava
muito. Uma vez at�� sugeri que fug��ssemos e deix��ssemos tudo
para tr��s para ir viver juntos em algum lugar... na ��sia, na
Europa, em qualquer lugar. ��ramos jovens, e eu sentia de verdade
que a melhor coisa que pod��amos fazer era deixar nossos
mundos para tr��s e irmos morar juntos. N��o me importava
com minha carreira, ou com o que aconteceria se contasse ao
mundo que era gay. Nada mais importava.

Ele, por��m, n��o se sentia da mesma forma.

"Ricky, voc�� tem uma miss��o muito clara na vida", ele
me disse. "Voc�� move as massas. Voc�� realmente tem impacto
sobre as pessoas. Est�� em um ponto da sua carreira muito

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ENCONTRANDO O DESTINO

mais adiantado do que eu. Ainda tenho muito trabalho pela
frente, e se alguma coisa ruim acontecesse entre n��s, voc�� inevitavelmente
poria a culpa em mim, no fato de eu ter impedido
voc��... E n��o posso deixar que isso aconte��a."

Na ��poca, as palavras dele me comoveram profundamente,
mas ainda tentei convenc��-lo, por todos os meios poss��veis,
de que precis��vamos pelo menos tentar. Mas ele se recusou.
No fim, acho que estava certo. Acabei acreditando que ele
simplesmente n��o estava pronto para o relacionamento que eu
queria que tiv��ssemos.

Pode ser que eu o amasse mais do que ele me amava, ou
talvez ele ainda tivesse que se encontrar em alguns outros aspectos
da vida dele. Quem sabe? O fato �� que n��s balan��amos
um ao outro. Enquanto estava com ele parei de ter medo da
minha sexualidade, e estava pronto para enfrent��-la e anunci��-
la para qualquer um e para todo mundo que estivesse disposto
a ouvir. Foi por causa desse relacionamento que me assumi
para a minha m��e. Quando acabou, ela percebeu que eu estava
muito triste e perguntou: "Kiki, voc�� est�� apaixonado?".

"Estou, Mami", respondi, "totalmente apaixonado."

"Aaaaah", ela disse. "E �� por um homem que voc�� est��
apaixonado?"
"Sim, Mami. �� um homem."
Quando o relacionamento acabou, disse a mim mesmo

que talvez esse n��o fosse meu caminho. Minha alma estava sofrendo;
eu me sentia abandonado, sozinho, em peda��os. Tanto
sofrimento n��o parecia ser natural, ent��o meu instinto foi me
convencer de que ficar com homens era um erro. Tranquei meus
sentimentos mais profundamente ainda e comecei a namorar

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E U

mulheres de novo, na esperan��a de que com uma delas finalmente
encontraria o verdadeiro amor. Apesar de meu instinto
me dizer para pensar no que aconteceria se eu resolvesse
aceitar a minha sexualidade naquela altura da minha vida, na
realidade vejo que isso n��o aconteceu porque n��o era a minha
hora, e ainda havia muitas coisas para viver antes de chegar a
esse ponto.

CRISE DE IDENTIDADE

O RELACIONAMENTO COM esse homem em particular me ensinou
muito sobre emo����es, mas nos anos que se seguiriam aprendi
mais ainda. Aprendi que �� muito f��cil se perder no sofrimento.
O sofrimento vem, seduz voc��, brinca com voc��, e voc�� se identifica
com ele a ponto de acreditar que a vida �� assim. Quando
se sente esse pesar no cora����o, na maior parte do tempo os
par��metros do sofrimento e do al��vio ficam vagos, e �� muito
f��cil ficar preso ao que j�� se conhece: o sofrimento. Perdemos
a mem��ria e esquecemos os momentos de paz em que tudo era
claro e a gravidade era uma aliada. Tudo bem se sentir machucado
- �� humano. �� importante sentir, mas voc�� n��o pode se
apegar �� tristeza, �� afli����o ou �� amargura por muito tempo,
porque elas s��o inevitavelmente destrutivas.

Uma vez um amigo disse uma coisa que me ajudou muito:
"Quando voc�� estiver se sentindo preso e tudo parecer pesado,
lute!". Isso �� muito verdadeiro. �� preciso lutar. �� preciso sentir.
�� preciso ir em frente. Quando n��o estou no meu melhor
momento, emocionalmente falando, a ��ltima coisa que quero ��
que as pessoas saibam como estou me sentindo. Meu av�� sem


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ENCONTRANDO O DESTINO

pre dizia: "Caminhe pela vida com as m��os nos bolsos, com os
punhos fechados, assim todo mundo vai pensar que voc�� est��
cheio de dinheiro". Ele queria dizer que voc�� nunca deve deixar
as pessoas perceberem quando voc�� est�� abatido. Acho que essa
li����o ficou comigo, porque at�� hoje prefiro n��o ser visto a deixar
que algu��m me veja quando estou abatido. Sou uma pessoa
muito discreta, e sempre passei pelas minhas alegrias, sofrimentos
e lutas s�� com umas poucas pessoas que fazem parte do meu
c��rculo mais pr��ximo. E claro que vivo, sinto e sofro, mas n��o
faz sentido ficar carregando meu sofrimento por a��.

Dito isso, hoje sinto que sei como ter consci��ncia da minha
dor, e como super��-la, espiritualmente, com for��a e seguran��a.
Ao longo da vida, pouco a pouco fui adquirindo o conhecimento
espiritual necess��rio para dar um fim ao que quer que
esteja me prejudicando, e ir em frente somente com as coisas
que me fortalecem.

Sei, �� claro, que sempre h�� espa��o para melhorar, mas
pelo menos parei de ter medo do sofrimento. Se eu o encontrar
na minha vida - sei que sempre vai haver sofrimento e que n��o
existe um jeito de erradic��-lo -, sei o que tenho de fazer para
enfrent��-lo e para super��-lo com for��a e confian��a.

No entanto, quando o relacionamento com esse homem
acabou, estava me sentindo muito perdido, e toda a energia
que tinha investido em am��-lo estava agora sendo investida
em pensar. Eu hiperanalisava tudo. Tentei achar um sentido
para o que tinha acontecido comigo. O que senti por ele foi
muito forte, e o que me restou foi enfrentar o abismo aterrorizante
da minha sexualidade. N��o sabia o que fazer com todos
aqueles sentimentos; estava com medo da intensidade deles e

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assustado por ter sentido aquilo por um homem. Assim como
tinha me enchido de coragem para sair do arm��rio por causa
desse homem, ser rejeitado por ele solidificou todas as minhas
d��vidas e temores. J�� achava dif��cil ser latino em Hollywood;

o que poderia ser mais dif��cil do que ser latino e gay?
Foi um momento muito profundo da minha vida, em que
estava tentando decidir quem eu era. E quanto mais pensava,
mais rejeitava a mim mesmo, porque n��o podia me render ��
minha verdadeira natureza; porque ela n��o era compat��vel
com meus objetivos e minha vis��o. At�� minha carreira estava
passando por uma crise de identidade: n��o sabia se queria ser
cantor ou ator e, apesar de ter a sorte de estar trabalhando
como ator em Hollywood, na verdade havia alguma coisa dentro
de mim que estava resistindo ��quela experi��ncia.

Inevitavelmente chegou o momento em que senti que n��o
aguentava mais. Precisava mudar. Precisava escapar. Sentia
que Los Angeles tinha me derrubado. Ent��o, liguei para Wendy
Riche, a diretora executiva de General hospital na ��poca, e
uma das pessoas mais maravilhosas que conheci ao longo do
tempo que passei em Hollywood, e disse a ela: "Voc�� vai dizer
que sou louco e, sinceramente, estou me sentindo um pouco
louco. Mas preciso de f��rias e preciso que me d�� permiss��o
para cortar o cabelo".

Naquele tempo eu tinha cabelo comprido, e no meu contrato
havia uma cl��usula que dizia que eu n��o podia modificar
minha imagem de forma mais radical sem primeiro obter permiss��o
dos produtores do programa.

"O qu��?", ela gritou. "Meu Deus! Continuidade! Se voc��
cortar o cabelo agora, vai aparecer de cabelo comprido em

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ENCONTRANDO O DESTINO

uma cena e curto na outra... Pelo amor de Deus, Ricky, n��o
fa��a isso!"
A cena foi ainda mais engra��ada porque eu estava ligando

do cabeleireiro.
"Vou cortar!", disse para ela.
"N��o!", ela gritou de volta.
Os cabeleireiros estavam morrendo de rir. Sinceramente,

foi muito engra��ado, mas tamb��m um pouco triste, porque o
cabelo n��o era realmente o problema; era com minha identidade
que eu estava lutando. Era como uma crian��a tendo um
acesso de birra: tinha enfiado na cabe��a que queria cortar o
cabelo, como se isso fosse resolver qualquer ansiedade que tivesse,
e ningu��m ia me convencer do contr��rio (pelo menos era

o que eu achava!). Felizmente, depois de discutir um pouco, vi
as coisas de uma forma diferente e decidi ouvir a Wendy.
Apesar de ter sido obrigado a deixar meu cabelo comprido
- mesmo que s�� por mais alguns dias -, consegui duas semanas
de f��rias. E, considerando o quanto estava me sentindo
desesperado naquela ��poca, aquelas duas semanas de liberdade
significavam muito. Aproveitei para ir para as montanhas,
onde aluguei um chal�� para me desconectar do mundo. Era fevereiro,
e estava muito frio; alguns dias ia esquiar, outros ficava
em casa e lia, escrevia e pensava. Tinha um telefone, mas eu

o usava apenas esporadicamente para ligar para minha fam��lia
ou meus amigos, para dizer que estava tudo bem.
Um dia, depois de algum tempo sozinho, senti necessidade
de subir em uma ��rvore. Acho que me lembrei de quando era
pequeno e costumava subir em uma ��rvore na frente da antiga
casa da minha av��. Levava meus bonecos de Star Wars l�� para

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cima e ficava horas inventando grandiosas cenas de batalha no
espa��o. N��o sei se aquilo me fez lembrar minha inf��ncia ou se
foi por ter passado tantos dias em sil��ncio, mas, de repente, comecei
a chorar descontroladamente. Chorei e chorei por muito
tempo, aos poucos liberei toda a ang��stia que estava ganhando
for��a dentro de mim. Finalmente, quando me acalmei, voltei
ao chal��, onde, pouco mais tarde, o telefone tocou: era meu pai
ligando para avisar que meu av�� tinha acabado de morrer.

Enquanto estava em cima daquela ��rvore, chorando e me
lembrando da ��rvore da minha inf��ncia, a ��rvore que era uma
parte t��o ligada ao mundo do meu av��, ele tinha morrido! Percebi
que todas as coisas na vida est��o conectadas e n��o podia
mais prosseguir sem olhar para dentro. Aquele momento me
afetou profundamente e despertou alguma coisa em um n��vel
puramente espiritual em mim. Apesar de n��o saber como ia
fazer isso, senti necessidade de me conectar profundamente
com uma for��a ou energia maior do que eu. Foi um momento
de grande turbul��ncia, mas hoje, quando olho para tr��s, vejo
como um momento muito importante, porque marcou o come��o
de uma jornada espiritual fundamental que ainda estou
fazendo at�� hoje.

FAZENDO M��SICA

ANTES DE CHEGAR a Los Angeles, j�� tinha lan��ado meu segundo
��lbum, chamado Me amar��s. Como o primeiro ��lbum vendeu
muito bem, umas 500.000 c��pias, a companhia fonogr��fica decidiu
que para Me amar��s seria importante eu trabalhar com
um dos mais respeitados produtores da ind��stria, Juan Carlos

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ENCONTRANDO O DESTINO

Calderon. Juan Carlos �� uma pessoa excepcional, que respeito
e admiro profundamente. Desde o dia em que come��amos a
trabalhar juntos, fiquei muito grato pela oportunidade de trabalhar
com ele. Para mim foi um aprendizado trabalhar com
algu��m de sua estatura, mas, para ser sincero, sempre senti que
aquele disco era mais dele do que meu. Emprestei minha voz
a ele. Gostei do ��lbum e tive boa recep����o da cr��tica, mas n��o
era o som de Ricky Martin, e, apesar de o ��lbum ser realmente
bom, musicalmente falando, o p��blico em grande medida reagiu
a isso.

Quando escuto o disco hoje, apesar de achar que minha
voz soava muito diferente da de hoje, ainda me sinto imensamente
orgulhoso da produ����o. Teria sido perfeitamente normal
me sentir frustrado com a experi��ncia, ou decepcionado por o
��lbum n��o soar meu, mas acho que naquele momento tive a
capacidade de compreender que Me amar��s era apenas mais
um passo na minha carreira, e n��o o que a definiria. ��s vezes,
a experi��ncia vale mais do que o resultado em si, e esse foi um
caso assim. A experi��ncia de trabalhar com Juan Carlos foi
em si maravilhosa - aprendi muito do ponto de vista t��cnico
e musical -, mas tamb��m me ajudou a perceber que nunca
mais faria um ��lbum que me desse a sensa����o de n��o ser meu.
Quando se est�� cercado de tantas pessoas talentosas, �� normal
come��ar a ter d��vidas sobre as pr��prias escolhas art��sticas, mas
para ser verdadeiramente um artista original, �� crucial manter-
se fiel a si mesmo. E essa foi a li����o que aprendi. Meu terceiro
��lbum seria completamente meu.

Comecei a trabalhar com K. C. Porter, um produtor maravilhoso,
e Robi Draco Rosa, ex-companheiro de Menudo.

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Draco sempre foi um m��sico muito talentoso, um artista. Ele
tamb��m era uma pessoa que eu sempre tinha admirado e foi
uma agrad��vel coincid��ncia do destino reunir-nos depois de
tantos anos. Desde ent��o, Draco produziu muitos discos para
mim. Exatamente como ele disse uma vez em uma entrevista:
"Ricky Martin e eu somos como Julio Iglesias e Sid Vicious".
O que ele faz comigo n��o tem absolutamente nada a ver com

o que ele faz com sua pr��pria m��sica e suas apresenta����es no
palco, e essa �� uma versatilidade musical que n��o muitos artistas
possuem. Ele sabe exatamente o que preciso e quando
preciso. Dessa primeira colabora����o com Draco e K. C. Porter
nasceu A m��dio vivir. Esse foi o ��lbum, lan��ado em 1995, que
tinha a famosa "Maria", uma m��sica de que me orgulho muito
e que foi, depois de tudo, a que me tornou uma estrela e
mudou minha vida para sempre.
Na vida h�� sempre a tenta����o de querer tudo ao mesmo
tempo, e agora. Quando buscamos um sonho, vemos tudo
com muita clareza, e �� normal querer que ele se torne realidade
de imediato, ou pelo menos o mais r��pido poss��vel. Como
todos sabemos, por��m, as coisas nunca s��o simples na vida.
O caminho em dire����o a um objetivo muitas vezes est�� cheio
de obst��culos, e, ao superar cada um deles, h�� uma li����o a ser
aprendida. Se n��o tivesse aprendido tudo o que aprendi com
Me amar��s, talvez n��o estivesse pronto para trabalhar em colabora����o
com Robi e K. C. e realizar o que realizamos juntos
em A m��dio vivir. Foi um ��lbum que mudaria minha vida de
muitas maneiras, apesar de n��o saber disso na ��poca. Assim,
no in��cio de 1996, minha carreira solo estava come��ando a realmente
decolar, mas ainda faltava um passo decisivo antes de

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ENCONTRANDO O DESTINO

eu ficar cara a cara com meu destino. Dessa vez, o chamado
veio de Nova York, especificamente da Broadway. Fui convidado
para atuar no musical de sucesso Les Mis��rables.

Sou artista porque amo a m��sica e adoro o palco. Nesse
sentido, musicais fundem perfeitamente minhas duas paix��es,
atuar e cantar, e �� por isso que vivi um dos momentos mais
m��gicos da minha vida na Broadway. Foi um desafio incr��vel,
e toda noite estava cercado de indiv��duos extremamente talentosos
em uma atmosfera de criatividade absoluta. Fiz quest��o
de absorver tudo e aproveitar cada momento.

Como muitas outras coisas na minha vida, Les Mis��rables
entrou na minha vida de forma totalmente inesperada. Foi gra��as
a uma entrevista que dei ao Miami Herald, em que me perguntaram:
"O que voc�� ainda n��o fez e realmente gostaria de fazer?".

Sem hesitar, respondi: "Gostaria de atuar em um espet��culo
na Broadway".

Disse aquilo porque era verdade, claro, mas nunca imaginei
o que viria depois. Poucos dias depois de a entrevista ser
publicada, recebi uma liga����o de Richard Jay-AIexander, diretor
associado e produtor executivo de Les Mis��rables. Ele
me disse que tinha lido o artigo, e sem muitos pre��mbulos me
ofereceu o papel de Marius Pontmercy.

Mais uma vez, n��o precisei fazer o teste. Eles n��o pediram
nada. Simplesmente me deram o papel. E �� claro que aceitei
na hora.

Muita gente pode achar que �� uma quest��o de sorte. No
entanto, mais do que sorte, acredito que, depois de quase quinze
anos trabalhando como um louco, tinha chegado a hora de
colher os benef��cios de todo meu esfor��o.

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Assim come��aram onze semanas diante de um teatro lotado,
com lota����o totalmente esgotada noite ap��s noite. Mais
tarde, fiquei sabendo que operadoras de turismo da Am��rica
Latina at�� organizavam viagens para Nova York para seus
clientes me verem no espet��culo. Que honra! Acho que foi o
papel da minha vida e, se o oferecessem para mim de novo,
aceitaria sem pestanejar. E comum ouvir alguns dos grandes
atores de Hollywood dizerem em entrevistas que seus pap��is
favoritos foram na Broadway, e concordo plenamente. �� uma
experi��ncia muito ��ntima e desafiadora, ent��o, n��o me surpreende
que muitos sonhem em passar por ela mais uma vez, mais
outra vez e mais outra.

Uns oito anos depois de participar de Les Mis��rables,
encontrei com Richard Jay-Alexander em um restaurante em
Nova York.

"Marius, meu Marius! Voc�� sempre vai ser meu Marius",
ele exclamou. "Ricky, preciso dizer a verdade: Victor Hugo
escreveu esse papel para voc��."

N��o conseguia acreditar no que ele estava me dizendo.
Richard �� um cara bem informado e tem um dos n��veis de exig��ncia
mais altos da ind��stria. Ainda mais sabendo como �� dif��cil
montar um espet��culo como esse! Fiquei muito lisonjeado
com a opini��o dele sobre mim.

BUSCANDO DEUS

DURANTE O VER��O que passei na Broadway, conheci uma mo��a
h��ngara que era cabeleireira do espet��culo. Pass��vamos horas
conversando e eu realmente gostava dela. Sentia que meu

1 O O


ENCONTRANDO O DESTINO

cora����o dava um pulo cada vez que a via. Tentei convid��-la
para sair de todas as maneiras poss��veis e imagin��veis, mas ela
sempre me dava a mesma resposta: "N��o posso sair com voc��
enquanto n��o formos �� igreja juntos". E, como gostava muito
dela, disse: "Tudo bem, vamos". Ent��o eu fui.

Como era ver��o, a igreja realizava as cerim��nias no parque.
Precisei acordar ��s sete da manh�� - sete da manh�� no
domingo! - porque a cerim��nia come��ava ��s nove. Passei para
peg��-la e atravessamos o parque a p�� at�� chegar ao local em
que a cerim��nia era realizada. Logo depois que chegamos, por��m,
ela desapareceu. Muitos jovens gentis se dirigiram a mim
e me acolheram para a cerim��nia, mas ela n��o estava em lugar
nenhum. De repente, percebi que todos os homens estavam de
um lado e todas as mulheres do outro. Achei muito estranho,
mas estava l�� porque queria conhecer melhor aquela garota,
ent��o fui em frente.

Apesar de ter ido �� igreja porque estava atr��s de uma garota,
tamb��m sinto que cheguei l�� porque era o que eu precisava
naquele momento da minha vida. Passei pouco mais de dois
meses indo �� igreja, lendo a B��blia e estudando assuntos religiosos.
Apesar de ter sido criado como cat��lico, nunca tinha
realmente estudado a B��blia, e foi ali que descobri de verdade
como Jesus Cristo era s��bio, e a grande beleza de seus ensinamentos.
Minha vida at�� esse ponto tinha sido uma loucura
total, e a simplicidade daqueles momentos partilhados com
todos aqueles outros jovens me fizeram sentir muito bem. Era
uma atmosfera muito pac��fica, muito salutar, e me ajudou a
me aproximar do menino dentro de mim.

101


E U

Nos ensinamentos de Jesus Cristo encontrei um conceito
muito importante: perdoar a si mesmo. Naquele tempo, eu
estava constantemente lutando contra as coisas "ruins" que
achava que tinha feito. Estou falando principalmente de desejo
f��sico, seja por pessoas do mesmo sexo ou do sexo oposto.
Eu achava, ent��o, que esse tipo de pensamento era impuro e
que n��o estava bem, e foi por isso que eu realmente precisei
aprender a me perdoar. E isso trouxe-me uma calma monumental.
Essa igreja tamb��m ensina a ver todos os seres humanos
como "nossos irm��os" a fim de acabar com qualquer tipo
de atra����o f��sica. Isso funcionou por algum tempo, porque eu
sinceramente n��o queria sentir o que estava sentindo, e n��o
queria ter os pensamentos que estava tendo, que, de acordo
com "a f��" e alguns c��digos sociais, constitu��am uma tenta����o
do diabo.

A igreja come��ou a governar minha vida, e at�� cheguei a
pensar em ser batizado, mas acabei n��o sendo. Para mim, era
dif��cil mudar minha forma de pensar devido aos valores que estavam
fortemente gravados na minha cabe��a - afinal, uma vez
cat��lico, sempre cat��lico -, mas eu sinceramente tentei.

Conforme fui avan��ando nos meus estudos, comecei a me
fazer mais perguntas. Li a B��blia inteira, at�� que, em um dos
grupos que eu frequentava, algu��m disse: "Se voc�� n��o se arrepender
dos seus pecados e aceitar Jesus Cristo como salva����o,
nunca vai entrar no reino do c��u". A afirma����o me pegou
em cheio. Disse: "Espere um pouco. O que voc�� quer dizer
com isso? Quer dizer que todo mundo que amei intensamente
e morreu n��o est�� no c��u se ele ou ela n��o tiver aceitado Jesus
Cristo como salva����o?".

1 0 2


ENCONTRANDO O DESTINO

"Bem, sim", eles responderam, "precisamos rezar muito
por essas almas."

Fiquei chocado. Meus av��s eram santos. Foram pessoas
que se dedicaram a ajudar outros seres humanos. Adoravam
os filhos e eram dedicados �� fam��lia; nunca mentiam e nunca
quiseram prejudicar ningu��m. Foram vidas cheias de amor e
generosidade! E aquelas pessoas estavam me dizendo que, porque
meus av��s n��o iam �� igreja, eles n��o estavam no c��u? Se
esse era o caso, ficou claro para mim que n��o queria mais ir
para o c��u. Queria ir para onde meus av��s estivessem.

Comecei a me fazer outras perguntas: o que acontece
com outras pessoas que n��o t��m a mesma f��? Elas tamb��m
n��o est��o no c��u? Achei (e ainda acho) que esse tipo de afirma����o
se baseava em uma boa dose de arrog��ncia. Para onde
judeus, mu��ulmanos, cat��licos, budistas, tao��stas, americanos
nativos, ate��stas, agn��sticos v��o? Est��o presos no nada?
Acho que minhas perguntas eram muito v��lidas. Podem parecer
um pouco abstratas para alguns, mas, definitivamente, eu
as considerava v��lidas.

Vi-me diante de um conflito que para mim era irreconcili��vel.
Continuei estudando e comecei a encontrar outras coisas
que me deixavam pouco �� vontade nos ensinamentos daquela
igreja; por exemplo: sua posi����o sobre o homossexualismo.
Apesar de n��o saber que era homossexual - ou, para ser mais
preciso, estava tentando a todo custo me convencer de que n��o
era -, sabia que algumas pessoas de quem gostava eram homossexuais,
e com certeza n��o eram m��s, indignas do amor de
Cristo. Todas essas percep����es me deixaram muito nervoso;
fiquei preocupado e ansioso. Finalmente, percebi que o cristia


1 0 3


E U

nismo n��o �� isso. Tinha passado meses lendo sobre a hist��ria
de Jesus e percebido que, al��m dos ensinamentos Dele, havia
uma s��rie de leis criadas pelos seres humanos que nem sempre
faziam sentido para mim. Se Jesus Cristo �� um ser compassivo,
n��o fazia sentido dizer que as pessoas que n��o acreditavam
Nele, ou n��o agiam como Ele agia estavam erradas ou destinadas
a atravessar os port��es do inferno. Ent��o, no fundo, senti
que estava sendo atacado pessoalmente quando me disseram:
"Se voc�� �� homossexual, voc�� �� filho do diabo". Essa parte
simplesmente n��o funcionava para mim.

Que terr��vel ironia! Eles me atacam, mas me amam; eles
me aceitam, mas me excluem. Falam de homossexualidade
como uma coisa que pode ser "curada" atrav��s da ora����o e
repara����o, como se fosse algo ruim, quando de fato homossexualidade
�� uma b��n����o da mesma forma que a heterossexualidade
e a vida em geral s��o b��n����os.

Cheguei ao ponto em que havia contradi����es demais.
Ent��o, parei de ir ��quela igreja e percebi que outro cap��tulo
da minha vida estava sendo conclu��do. Sou grato pelas coisas
que aprendi naqueles meses, mas vi que aquilo n��o estava me
dando as respostas de que precisava. Tive muitos momentos
espirituais, mas tamb��m muitos atritos. Foi mais um passo
no caminho, mais uma li����o. Minha jornada espiritual estava
apenas come��ando, e ainda havia muitos passos a serem dados
antes de encontrar a paz e a aceita����o de que precisava.

Com o tempo, aprendi que a vida tem um jeito engra��ado
de me chacoalhar quando mais preciso. Na hora, nem sempre
percebo, e muitas vezes resisto, mas na verdade aprendi que o
que preciso fazer �� me abrir para os desafios que est��o por vir

1 O 4


ENCONTRANDO O DESTINO

- porque esses mesmos desafios me permitem crescer, aprender
e mudar. Em vez de resistir �� mudan��a, escolhi busc��-la e
aceit��-la, porque, por mais assustadora que possa parecer, ela
vem com um espectro infinito de novas possibilidades.
O destino �� curioso. Nem sempre nos leva para onde queremos
ir, e muitas vezes acaba nos levando a um lugar inesperado
em que nos sentimos confusos, perdidos, sem ter ideia
de para onde ir em seguida. Esses s��o momentos complicados
e dolorosos, que nos fazem sofrer e questionar quem somos, e
tamb��m tudo o que mais queremos na nossa vida. Mas, se
realmente fizermos um esfor��o para ver esses desafios como
oportunidades para nos encontrar, vamos compreender que
era exatamente disso que precis��vamos para descobrir e fortalecer
nosso papel neste planeta. �� assim que vejo, e �� assim
que encaro cada oportunidade e cada desafio que a vida
me traz.

Acredito que tudo acontece por um motivo. Tamb��m
acredito que Deus - para dar um nome - vive dentro de mim
e se incumbe de me dar tudo de que venha a precisar. Todas as
minhas alegrias e sofrimentos me fizeram quem sou. S��o o yin
e o yang da minha exist��ncia, essa insepar��vel dualidade, que
se harmoniza e faz de n��s a pessoa que estamos destinados a
ser. Conheci amor e perda, alegria e tristeza, amizade e trai����o.
Conheci um sentido de sucesso que nunca poderia ter imaginado
ser poss��vel; precisei resistir aos ataques e acusa����es de
meus detratores; e, sim, tamb��m tive fracassos. Hoje sei que
cada passo me ensinou alguma coisa e me ajudou a crescer e
me tornar uma pessoa melhor e mais forte - um ser humano
mais completo.

1 0 5


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Foi incr��vel me sentar e pensar sobre tudo o que aconteceu
depois do Menudo. Estava andando em c��rculos quando n��o
sabia o que queria fazer da minha vida. Mas aos poucos meu
caminho come��ou a se revelar, e descobri como a pr��pria vida
estava me levando em dire����o aos meus objetivos, ao meu destino.
Enquanto isso estava acontecendo, nem sempre compreendi
que precisava passar pelo que passei, mas com o tempo
pude ver que tudo tem um motivo. Pude ver que uma ��nica experi��ncia,
boa ou ruim, n��o determina tudo, e que a coisa mais
importante �� sempre estar alerta para as v��rias oportunidades
que surgem. Todo caminho tem sua devida quota de solavancos,
e por mais dolorosos e dif��ceis que possam ter sido, foram
cruciais para o meu crescimento e maturidade como pessoa e
como artista. Ainda tenho um longo caminho pela frente, mas,
depois de Les Mis��rables, finalmente senti que tinha as ferramentas
para seguir adiante. Sentia-me forte, poderoso, invenc��vel.
Os pequenos solavancos que enfrentara n��o eram nada
em compara����o com a sensa����o de triunfo por ter conseguido
me desenvolver criativamente como artista, em g��neros t��o diferentes
como televis��o, cinema, teatro e m��sica. Todas essas
experi��ncias aos poucos me transformaram em uma pessoa
muito mais completa do que era quando deixei o Menudo e me
ensinaram que o mais importante �� permanecer leal a si mesmo
e viver com a convic����o de que cada um de n��s est�� destinado a
alguma coisa extraordin��ria. Isso foi apenas o come��o.

1 O 6


MINHA VEZ DE BRILHAR


ALGUMAS PESSOAS ACREDITAM QUE N��O DEVER��AMOS TER TUDO AO

mesmo tempo, mas eu discordo. Em vez disso, acho que n��o
dever��amos ter tudo at�� estarmos realmente prontos. E, para
estar pronto, �� preciso trabalhar. Muito. N��o estou s�� me referindo
ao trabalho pr��tico, do tipo que nos ajuda a alcan��ar

o sucesso profissional desejado. Tamb��m estou falando de trabalho
espiritual: precisamos aprender com as li����es c��rmicas
postas pela vida em nosso caminho.
Na minha vida, chegou um momento em que as estrelas
se alinharam perfeitamente e tudo estava justo no lugar necess��rio
para eu poder alcan��ar o objetivo com que sempre
sonhara, e mais ainda. E se aprendi alguma coisa ao longo
do processo �� que, quando finalmente chega a sua hora, voc��
n��o pode permitir esperar e olhar para tr��s. �� preciso trabalhar
incansavelmente, dar tudo que voc�� tiver e se dedicar de
corpo e alma para concretizar a b��n����o que lhe foi entregue.
Porque �� exatamente isso - uma b��n����o. Precisamos crescer
diante das circunst��ncias e aproveitar ao m��ximo a oportunidade
de brilhar.

Minha fama no mundo do entretenimento n��o chegou de
forma inesperada. Apesar de, para o p��blico de alguns pa��ses,

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poder ter parecido que surgi do nada e comecei a vender ��lbuns
loucamente, a realidade �� muito diferente. Minha ascens��o
ao topo das paradas veio depois de muitos, muitos anos de
trabalho ��rduo e dedica����o, tanto minha como de toda minha
equipe. De um ponto de vista bastante espiritual e pessoal, tivera
tempo para descobrir o que queria fazer da minha vida e
que dire����o queria tomar. Sentia-me pronto e forte, preparado
para enfrentar todos os desafios com que a vida pudesse me
aquinhoar. Apesar de estar pronto para tudo que estava por
vir, nunca poderia ter imaginado a sua extens��o e o quanto
aquilo viria a afetar todas as ��reas da minha vida.

O ESTRONDOSO SUCESSO MUNDIAL

O PERCURSO COME��OU no outono de 1995, com o lan��amento
de meu terceiro ��lbum, A medio vivir. O primeiro single a ser
lan��ado chamava-se "Te extra��o, te olvido, te amo" ("Sinto
tua falta, te esque��o, te amo"), uma can����o de amor do
tipo de m��sica que eu estava fazendo na ��poca. No entanto, o
��lbum tamb��m tinha uma preciosidade secreta: uma m��sica
chamada "Maria". Nessa m��sica, fundimos ritmos latinos e
pop; ela tinha um ritmo e uma vibra����o diferentes de todo o
resto do disco, mas tamb��m era totalmente diferente de qualquer
outra coisa que eu tinha feito antes. Sabia que havia um
certo risco em lan��ar um material t��o diferente, mas os resultados
falaram por si: "Maria" foi a m��sica que me impulsionou
ao est��gio seguinte.

O espantoso �� que, quando toquei a m��sica pela primeira
vez para um executivo da gravadora, ele disse: "Voc��
enlouqueceu? Voc�� arruinou sua carreira! N��o acredito que

1 1 O


MINHA VEZ DE BRILHAR

est�� me mostrando isso. Voc�� est�� acabado - este vai ser seu
��ltimo disco".
Lembro que foi tudo completamente surreal. O cara explodiu
completamente, sem um motivo real e sem me conceder

o benef��cio da d��vida. N��o acreditava no que estava ouvindo
e, nem preciso dizer, fiquei arrasado. Apesar de realmente
gostar da m��sica que hav��amos produzido - na verdade, tinha
adorado -, ouvir aquelas palavras da boca de um alto executivo
da gravadora me fez duvidar de mim mesmo e do trabalho
que havia feito. Ele nem sequer era m��sico, ent��o tenho certeza
de que n��o tinha a menor ideia de como �� dif��cil se trancar em
um est��dio e fazer m��sica, tudo por que �� preciso passar, emocionalmente
falando. Para mim, m��sica �� um processo muito
pessoal, ent��o, me senti sendo atacado pessoalmente em um
dos meus momentos mais vulner��veis, e tomei tudo o que ele
disse para o lado pessoal. At�� cheguei ao ponto de imaginar
que minha carreira tinha acabado, que nunca mais iria poder
fazer um disco ou me apresentar ao vivo no palco; aquilo nunca
tinha acontecido comigo antes.
No entanto, apesar do medo que esse homem horrendo
incutiu em mim, fiquei quieto. N��o disse uma palavra, nem
para ele nem para ningu��m. Passei alguns dias ansioso, mas
meu consolo veio uns dias depois, quando o chefe daquele indiv��duo
odioso selecionou a m��sica para ser lan��ada como single.
O resto, �� claro, virou hist��ria. "Maria" se tornou um dos
singles mais vendidos na Fran��a, Espanha, Alemanha, B��lgica,
Holanda, Su����a, Finl��ndia, It��lia, Turquia e em toda a Am��rica
do Sul, onde, desde o momento do lan��amento, disparou
direto para o topo das paradas. No in��cio de 1996, ela estava

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E U

entre os dez singles mais vendidos e foi posta �� prova quando
a cantei no Festival Internacional de M��sica de Vina dei Mar,
e o famoso monstruo de la quinta Vergara1 n��o me devorou.
Pelo contr��rio: a m��sica foi um grande sucesso, arrasou.

Foi muito emocionante. Quando vimos como a m��sica e
0 ��lbum estavam indo bem, sa��mos em turn�� por toda a Am��rica
Latina. No fim da turn��, voltei para Nova York, onde fui
direto para meu papel como Marius Pontmercy em Les Mis��rables,
e passei aquelas semanas fant��sticas no teatro. Ent��o,
aconteceu uma coisa muito interessante. Enquanto estava no
palco toda noite na Broadway, gente do mundo inteiro estava
cantando e dan��ando ao som de "Maria". A m��sica depois
atravessou o Atl��ntico e chegou �� Europa via Espanha. Durante
o ver��o e o outono de 1996, a m��sica continuou a fazer cada
vez mais sucesso, e foi gra��as a ela que fiz um concerto na avenida
9 de Julio, em Buenos Aires, na Argentina -o que �� como
se apresentar no meio da Times Square em Nova York ou nos
Champs-��lys��es em Paris. Esper��vamos muita gente, mas nunca
poder��amos ter previsto que mais de 250 mil pessoas apareceriam!
Foi incr��vel, e foi uma explos��o quando me tornei um
s�� com a plateia. A tomada que fizemos naquele dia mais tarde
foi imortalizada em um dos v��deos para a m��sica "Maria". O
p��blico argentino foi fant��stico, e vou me lembrar daquele dia
para o resto da vida. O calor com que fui recebido n��o s�� fez

A plateia do Festival de Vina dei Mar, no Chile, �� a ��nica do mundo que tem
um nome especial - "el monstruo". Isso cria uma expectativa nas pessoas que
v��o ao show. Elas aproveitam a oportunidade, por menor que seja, para mostrar
seu descontentamento, vaiando os artistas que n��o estiverem agradando, ��s vezes
at�� os expulsando do palco com vaias. Quando isso acontece, eles dizem brincando
que "o monstro comeu" aquele artista.

1 1 2


MINHA VEZ DE BRILHAR

sentir realizado quanto ao trabalho que tinha feito, mas tamb��m
foi um sinal claro de tudo o que vinha pela frente.

O agora infame boom latino s�� iria surgir alguns anos depois,
mas, naquele mesmo m��s, o jornal argentino El Clar��n
adiantou-se muito �� tend��ncia ao publicar um artigo sobre a
febre latina que, segundo ele, estava come��ando a se espalhar
pelos Estados Unidos. Fui citado como um dos artistas introdutores
dos ritmos latinos a p��blicos que n��o falavam uma
palavra de espanhol. Mais tarde, quando o fen��meno chegou
com tudo, estourando por todos os cantos do planeta, o artigo
revelou-se prof��tico.

Naquela ��poca, e em grande medida gra��as ao show fenomenal
em Buenos Aires, sentia que tinha o total apoio do
p��blico latino-americano. Muitos dos meus f��s me conheciam
dos tempos de Menudo, e todos t��nhamos crescido junto. Outros
eram novos admiradores, que s�� me conheciam como
artista solo. O apoio do p��blico latino-americano sempre foi
fonte de grande inspira����o e orgulho para mim, mas, naquele
momento, com tudo aquilo acontecendo �� minha volta, sentia
que alguma coisa imensa estava para acontecer. Queria ampliar
meus horizontes e alcan��ar novas plateias pelo mundo,
incluindo Estados Unidos e Europa. E parecia que, quanto
mais eu queria isso, mais oportunidades apareciam.

Minha carreira estava em ascens��o, e n��o ia deixar que
nada atrapalhasse meu caminho - nem mesmo um acidente de
carro nas montanhas da It��lia.

Em 1997, tive a honra de ser convidado para o consagrado
festival de m��sica de San Remo. Aterrissamos em Mil��o,
e o planejado era irmos de helic��ptero para San Remo, mas,

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E U

quando chegamos ��s montanhas, o c��u fechou e o piloto disse:
"N��o vamos conseguir. Vou pousar com o helic��ptero para
voc��s prosseguirem de carro".

N��o t��nhamos muito tempo, e a ��ltima coisa que quer��amos
era chegar tarde, porque seria desrespeitoso. Ent��o, logo
que pousamos, seguimos de carro em alta velocidade para chegar
a tempo. A verdade �� que est��vamos correndo muito, a uns
190 quil��metros por hora, os pneus cantando a cada curva.
De repente, chegamos a uma curva que o carro simplesmente
n��o aguentou, e capotou! Mas, como acabei de dizer, n��o ia
deixar nada atrapalhar meu caminho. T��o logo nos certificamos
de que nenhum de n��s tinha mais do que uns arranh��es
e umas contus��es, pegamos todo o equipamento e tomamos
um t��xi. Finalmente, chegamos ao tapete vermelho, um pouco
abalados, mas em tempo. "Tudo bem?", perguntaram-nos.
"Sim, sim, sim!", respondemos. "Perfeito." Depois, meu agente
disse �� imprensa que o carro tinha derrapado e que t��nhamos
perdido a dire����o na chuva - embora a verdade fosse um
pouco pior. Mas n��o ��amos deixar um pequeno acidente de
carro comprometer nossa presen��a em um festival de m��sica
europeu t��o importante!

Quando "Maria" continuou a liderar as paradas ao redor
do mundo, muitas pessoas come��aram a perguntar quem poderia
ser essa famosa "Maria". Queriam saber se era algu��m
que eu conhecia ou gostaria de conhecer. Todo mundo tinha
uma teoria, e as teorias das pessoas eram hil��rias! Por exemplo,
Charly Garcia (uma lenda da m��sica na Am��rica Latina;
eu o chamo de Grande Mestre do Rock en Espa��ol) disse em
uma entrevista: "Acho que Ricky Martin est�� fazendo apolo


1 1 4


MINHA VEZ DE BRILHAR

gia das drogas". Veja bem, a letra da m��sica diz "Assim �� Maria,
branca como o dia... e se voc�� beber dela, com certeza ela
vai mat��-lo". E para Charly Garcia, aparentemente, essa frase
se referia �� coca��na. Uau. S�� o fato de Charly Garcia falar sobre
uma m��sica minha em uma entrevista era uma honra enorme.
Que o Grande Mestre do Rock en Espa��ol tinha prestado
aten����o na minha m��sica era sinal de que eu estava fazendo
alguma coisa direito.

N��o preciso dizer que a teoria de Charly n��o estava certa.
Cantei, dancei e interpretei a m��sica em muitos shows, mas,
at�� Charly fazer a liga����o com drogas, a ideia nunca tinha passado
pela minha cabe��a! Essa interpreta����o mudou completamente
a forma como eu via minha m��sica. E �� exatamente isso
que acontece quando entregamos uma m��sica para o mundo:
ela se torna propriedade de todos e todos t��m o direito de
interpret��-la e viv��-la como acharem que devem. Mais tarde,
acabaria achando gra��a, porque, na verdade, uma vez que se
entra no assunto coca��na, d�� muito pano para manga.

Se as pessoas dan��avam porque achavam que a m��sica
era em louvor a drogas, ou porque achavam que conheciam a
Mar��a de que a m��sica falava, o certo �� que todo mundo que
a ouvia dan��ava. E era muita gente! Naquele ver��o, fiz uma
turn�� de shows na Espanha, uma sequ��ncia de 45 apresenta����es
em 36 cidades. Depois, em dezembro, fiz quatro shows
na Fran��a e na Su����a, come��ando em Paris. "Maria" j�� estava
entre as dez mais l�� e na It��lia. Tamb��m recebeu disco de ouro
na Su����a, Su��cia, Inglaterra, B��lgica e Gr��cia. A m��sica foi se
espalhando por todo o continente, e eu a seguia. No total, o
��lbum A medio vivir vendeu mais de sete milh��es de c��pias

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em todo o mundo, um n��mero surpreendente comparado aos
meus n��meros anteriores. Mais tarde, shows e sucesso nas paradas
se seguiram em muitos outros pa��ses, e, toda vez, era
"Maria" que continuava a me abrir as portas.

Enquanto "Maria" conquistava o mundo, em 1997 voltei
ao est��dio para gravar meu disco seguinte. Como tudo mais
na vida, a m��sica tem sua pr��pria trajet��ria, e tudo tem sua
hora. Queria lan��ar outro disco antes de o entusiasmo do p��blico
por A m��dio vivir come��ar a se dissipar, mas n��o queria
desaparecer totalmente durante o processo. Ent��o, continuei
fazendo shows e promovendo A m��dio vivir em novos mercados
enquanto gravava Vuelve (Volte). Foi brutal e incrivelmente
intenso. Quando se est�� gravando um disco, �� preciso uma
certa dose de espa��o para se concentrar, pensar e se conectar
com o lado criativo. Mas, quando se est�� em turn��, �� preciso
dar tudo de si. A contradi����o permanente entre esses dois estados
foi, para mim, totalmente esgotante.

N��o pude descansar muito, porque logo outra porta se
abriu. Quando est��vamos quase acabando de gravar Vuelve,
fui procurado pela Fifa: queriam saber se eu estava interessado
em criar uma m��sica para a Copa do Mundo de 1998, planejada
para acontecer na Fran��a. Devo admitir que o desafio
me deixou um pouco nervoso, mas o potencial de crescimento
para minha carreira era t��o grande que decidi aceitar. Mais
uma vez, a vida estava me oferecendo uma oportunidade e
corri logo ao seu encontro.

Imediatamente, juntei-me a K. C. Porter e Robi Rosa, que
tinham trabalhado comigo em A m��dio vivir e agora estavam
em Vuelve. Mas, para a m��sica da Copa do Mundo, Desmond
Child tamb��m se juntou a n��s. Daquele momento em diante,

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MINHA VEZ DE BRILHAR

come��amos a ver o ��lbum como parte de uma estrat��gia global
para promover a m��sica latina no mundo inteiro. Escolhemos
as m��sicas e fizemos os arranjos com a miss��o exclusiva de fazer
todo o globo dan��ar e cantar em espanhol. Era uma oportunidade
��nica para apresentar os encantos da m��sica latina
ao resto do mundo.

E foi assim que embarcamos nessa aventura. O single que
resultou desse empreendimento em colabora����o foi "La copa
de la vida" ("The cup of life"), que foi o hino oficial da Copa
do Mundo de 1998. Foi um imenso sucesso, que alcan��ou
primeiro lugar nas paradas em mais de sessenta pa��ses. Outro
sinal do que o futuro reservava.

Vuelve foi lan��ado em fevereiro de 1998, e, em abril, comecei
uma turn�� pela ��sia, come��ando por T��quio. Mais de
um ano depois, quando estava come��ando a encerrar a turn��, uma
jornalista da revista Rolling Stone me perguntou: "Por que
voc�� escolheu esse caminho? Por que ��sia e Europa antes dos
Estados Unidos?".

A resposta era f��cil: porque esse era o caminho que a vida
tinha oferecido. E tudo o que tinha de fazer era segui-lo.

A noite do dia 12 de julho de 1998 foi uma das noites
mais importantes da minha carreira, e o tempo inteiro eu estava
totalmente ciente de quanta coisa estava em jogo. Era a
final da Copa do Mundo. N��o s�� havia centenas de milh��es
de pessoas me vendo interpretar "The cup of life" na televis��o
em todos os cantos do planeta, mas tamb��m alguns dos nomes
mais reconhecidos e respeitados da ind��stria do entretenimento
estavam bem ali, no famoso Stade de France. Entre eles,
Arnold Schwarzenegger, Michael Douglas, Luciano Pavarotti,

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Jos�� Carreras e Pl��cido Domingo. Minha apresenta����o estava
marcada para imediatamente antes do jogo, e deveria durar s��
quatro minutos. Isso significava que s�� tinha quatro minutos
para transformar um quarto da popula����o do mundo em f��s,
ou talvez perd��-los para sempre.

Antes do show, eu estava muito nervoso. Apesar do fato
de j�� ter feito toneladas de shows diante de centenas de milhares
de pessoas em palcos e est��dios pelo mundo todo, essa era
a primeira vez que fazia uma coisa t��o ��pica. E, por mais experi��ncia
que se possa ter, um palco como o Stade de France na
noite da final da Copa do Mundo �� mais do que intimidante.
Era quase inimagin��vel!

Al��m disso, o que ningu��m sabia - exceto os representantes
da Fifa e um grupo de amigos mais pr��ximos - era que a
minha apresenta����o durante a cerim��nia quase n��o aconteceu.
A certa altura, a Fifa havia me dito que havia uma chance de
eu poder me apresentar na final, mas, antes de terem oportunidade
de confirmar, eu me precipitei e anunciei para a imprensa.
P��ssima ideia. A Fifa, �� claro, deveria ter feito o an��ncio, e eles
ficaram bravos por causa do meu deslize. Muito bravos. Em
vez de confirmar ou cancelar minha apari����o, decidiram me
punir deixando tudo sem uma decis��o - at�� cinco dias antes
do jogo, e o tempo todo n��o disseram uma palavra sobre a minha
apresenta����o, nem para mim nem para ningu��m mais. Eu,
�� claro, queria morrer. Realmente queria me apresentar, e n��o
queria que um an��ncio idiota na imprensa arruinasse aquela
oportunidade! Eles finalmente me deram sinal verde, mas com
uma condi����o: para o show, eu n��o teria palco, dan��arinos, luzes
nem efeitos especiais. N��o teria nada das coisas que s��o o

11 8


MINHA VEZ DE BRILHAR

padr��o para uma apresenta����o desse calibre. Eu deveria fazer
uma apresenta����o global sem uma produ����o global, ou qualquer
produ����o que fosse.

Eu, por��m, fiquei t��o feliz quando soube que eles tinham
me confirmado que n��o me importava com mais nada. O mais
importante era que eu ia me apresentar, e sabia que acabaria
achando um jeito de transformar aquilo em alguma coisa espetacular.


E foi exatamente o que fizemos. No ��ltimo minuto,
ocorreu-me juntar uns vinte m��sicos e vesti-los com camisas
brancas e cal��as pretas, para a plateia poder v��-los de longe.
Entramos todos no campo de futebol, todos eles tocando seus
instrumentos, e eu apanhei o microfone e gritei para a multid��o:
"Vamos l��, vamos fazer barulho!".

Quando chegamos ao centro do campo, todo o nervosismo
desapareceu e a m��gica do acontecimento tomou conta de
mim. Foram quatro minutos de pura euforia. O est��dio estava
cheio de gente do mundo inteiro, de p��, dan��ando com a m��sica.
Ao ouvir a multid��o batendo palmas e gritando, senti uma
imensa onda de alegria e for��a. Aquela apresenta����o, para
mim, foi uma experi��ncia ��nica... um presente que a vida me
deu. Mais um momento que jamais vou esquecer. Absolutamente
tudo estava no seu lugar, e a adrenalina da multid��o me
fez compreender a raz��o de todo meu esfor��o e sacrif��cio. T��nhamos
trabalhado como loucos para chegar a esse momento,
e a vit��ria estava agora ao nosso alcance. Tinha me esfolado
todo para derrubar muros e poder entrar no Menudo, tornar-
me artista solo e ganhar o apoio do p��blico latino-americano,
asi��tico e europeu. E os aplausos e gritos naquela noite da

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Copa do Mundo foram o lindo reconhecimento por todo esse
trabalho ��rduo.

No entanto, n��o era hora de repousar sobre os louros.
Todo o reconhecimento que recebi na Fran��a foi extraordin��rio,
mas precis��vamos seguir em frente. N��o pod��amos parar
e aceitar a gl��ria como um fato. Quando a vida d�� uma oportunidade,
�� preciso dar tudo de si e mais um pouco. �� preciso
lutar e se esfor��ar para percorrer o pr��prio caminho. E foi
exatamente o que continuei a fazer.

ATRAVESSANDO A FRONTEIRA

DEPOIS DE CONQUISTAR a ��sia, a Europa e a Am��rica Latina,
decidi me voltar para os Estados Unidos e a minha chamada
travessia da fronteira - a transi����o para o mercado de l��ngua
inglesa. E, para manter o pique, decidimos que, enquanto eu
promovia Vuelve em uma turn�� com 34 apresenta����es, tamb��m
voltaria ao est��dio para trabalhar no meu primeiro ��lbum
em ingl��s. Dessa vez, n��o me importava o que precisasse fazer,
desejava conseguir tudo o que tinha estabelecido como meu
objetivo. Isso significava que precisaria dar tudo de mim, e era
assim que teria de ser. Os meses em que estava promovendo
Vuelve enquanto gravava simultaneamente no est��dio foram
incrivelmente intensos. Devo dizer que j�� tinha feito algo semelhante
quando gravei Ricky Martin ao mesmo tempo que
fazia a novela Alcanzar una estrella, e quando gravei Vuelve e
promovia A m��dio vivir... mas, dessa vez, o disco que estava
fazendo exigiu muito mais de mim. Com o sucesso de "La copa
de la vida" era muito mais requisitado para dar entrevistas e

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MINHA VEZ DE BRILHAR

aut��grafos, e sempre tentava ter uma atitude af��vel, positiva
e entusiasmada com rela����o a isso. Concordava de imediato.
Se precisassem de mim para uma sess��o de fotos para uma
revista, dizia sim com avidez. Se quisessem que assinasse uma
pilha gigante de CDs, respondia "�� claro!"com voracidade.
Se fossem requisitadas entrevistas, era sempre, sem d��vida,
"sim, sim, sim", mas era exaustivo.

Dizia sim para tudo porque queria que o mundo inteiro

- e, mais do que qualquer coisa, os Estados Unidos - prestasse
aten����o em mim. Essa travessia para o mercado americano
significava tanto para mim que estava disposto a fazer absolutamente
qualquer coisa para concretiz��-la. No entanto, apesar
de todo o entusiasmo com que buscava meu novo objetivo, j��
podia ver os perigos que se escondiam atr��s dele. Com o sucesso
de "Maria" e de "La copa de la vida", j�� vislumbrara como
a fama de um artista solo realmente era, e n��o tinha gostado
nem um pouco. Lembro-me at�� de mencionar isso em uma entrevista
que dei nessa ��poca para o El Nuevo Herald: "A cada
dia que passa", disse, "tenho mais medo da fama." Era uma
ironia, expliquei: quanto mais a conhecia, mais ela me assustava.
E quanto mais me assustava, mais me atra��a.
Nas profundezas da minha alma, sabia que precisava de
um pouco de dist��ncia para descansar e pensar sobre tudo que
estava acontecendo comigo, mas, por algum motivo, nunca
parecia ser a hora certa. De fato, a certa altura pensei em uma
licen��a sab��tica. J�� tinha organizado tudo; o plano era me desconectar
um pouco e ir viajar, mas naquele exato momento,
enquanto est��vamos em Singapura, em uma das paradas da
turn��, meu agente ligou para me avisar que Vuelve havia sido

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indicado para um Grammy. E n��o era tudo: os organizadores
queriam que eu me apresentasse ao vivo na noite da cerim��nia
de entrega. Assim, por mais que precisasse de descanso e
tranquilidade, como poderia dizer n��o? Estava fora de cogita����o.
Um convite para se apresentar na entrega do Grammy
�� uma honra extraordin��ria, que muitos artistas n��o recebem
em toda a carreira, e eu simplesmente n��o podia dizer: "Me
desculpem, meus senhores. Obrigado por pensar em mim, mas
vou tirar umas f��rias". Poderia ser a coisa certa a fazer, do
ponto de vista pessoal e emocional, mas certamente teria sido
suic��dio para minha carreira. Tantas pessoas tinham apostado
em mim - incluindo eu mesmo -, tantas pessoas tinham
trabalhado sem parar por muitos anos para transformar meus
sonhos em realidade, que n��o podia dizer n��o.

Se a Copa do Mundo tinha sido a plataforma para conquistar
o resto do mundo, o Grammy seria a minha entrada
para o mercado de l��ngua inglesa dos Estados Unidos. Na ��poca,
n��o me importava tanto o show ser transmitido para milh��es
de espectadores em 187 pa��ses; o que achava importante
era poder compartilhar minha m��sica com as pessoas nos Estados
Unidos que nunca tinham ouvido meu nome. Assim como
na Copa do Mundo, essa era a minha hora de brilhar, e s��
teria alguns minutos para causar impacto: minha apresenta����o
n��o poderia ser nada menos do que eletrizante.

Sempre achei totalmente normal ficar um pouco nervoso
antes de um show. De fato, at�� acho saud��vel, porque, se eu
n��o estiver nervoso, significa que o que estou prestes a fazer
deixou de ser um desafio. E como pode a vida ser realmente
interessante se n��o desafiarmos a n��s mesmos e saltarmos para

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MINHA VEZ DE BRILHAR

fora do que j�� �� conhecido? No caso do Grammy, por��m, conforme
a noite do dia 26 de fevereiro de 1999 se aproximava,
percebi que estava preocupado, estressado e com uma sensa����o
de p��nico. Tinha d��vidas sobre se conseguiria impressionar a
plateia, se gostariam da minha m��sica... at�� que precisei dar
um fim nesses sentimentos contradit��rios e disse a mim mesmo:
"Espere a��! Voc�� faz isso h�� quinze anos. Ent��o, fa��a o que
sabe fazer, e fa��a bem!". Permiti-me lembrar disso, e foi como
encontrei a for��a de que precisava para me apresentar com minha
seguran��a usual. O show foi bem. Muito bem, na verdade.
Disseram-me que o que aconteceu naquela noite nunca tinha
acontecido na hist��ria do Grammy. Tinha decidido cantar uma
vers��o um pouco modificada de "La copa de la vida", �� qual
tinha acrescentado algumas frases em ingl��s. E, dessa vez - ao
contr��rio da Copa do Mundo -, t��nhamos um palco deslumbrante,
com todo o aparato necess��rio: m��sicos, dan��arinos,
luzes e efeitos especiais. Foi um show espetacular em todos os
sentidos poss��veis, e empenhei toda a minha energia, carisma e
emo����o que tinha para dar... e muito mais! Os m��sicos chegaram
ao palco atravessando os corredores do audit��rio, o que
imediatamente conectou a plateia com a m��sica, e as pessoas
come��aram a dan��ar e aplaudir nas suas poltronas. Quando
est��vamos tocando a ��ltima nota, aquela multid��o composta
por profissionais - m��sicos, compositores, cantores, artistas e
executivos - me aplaudiu de p�� e me ovacionou como nunca,
nunca tinha visto antes. Fiquei completamente fora de mim
com a intensidade deles - foi como receber uma b��n����o de um
p��blico que respeito imensamente. E esse foi outro momento
de que vou me lembrar para o resto da vida.

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Quando o aplauso finalmente se acalmou, as c��meras cortaram
para Rosie 0'Donnell - a anfitri�� da cerim��nia - que
parecia surpresa. Ela ficou quieta por um instante, e, depois,
baixinho, disse: "Quem era aquele fofucho?".

Poucos momentos mais tarde, voltei ao palco para receber

o primeiro Grammy da minha vida, por Vuelve, o de Melhor
��lbum de M��sica Pop Latina. A primeira coisa que fiz foi rir,
provavelmente porque tamb��m ainda estava um pouco atordoado.
Ent��o, disse: "Ganhei um Grammy!". Mais uma vez a
rea����o da plateia foi extremamente positiva, e eu fiquei travado
em algum lugar entre alegria e choque. Eles provavelmente
estavam se perguntando: "Quem �� esse cara?". Era a primeira
vez que a maior parte dos membros da plateia me via, e agora
eu estava no palco recebendo o pr��mio de maior prest��gio da
ind��stria fonogr��fica!
Embora pr��mios n��o sejam tudo, poder estar diante dos
companheiros de profiss��o e do mundo com um Grammy nas
m��os e ter a oportunidade de agradecer a todos os envolvidos
no ��lbum por seu trabalho ��rduo e dedica����o foi muito emocionante.
Tantas pessoas dedicam seu talento, tempo e esfor��o
na elabora����o de um ��lbum que agradecer-lhes publicamente
ao receber um pr��mio �� sempre uma bela forma de mostrar a
elas a gratid��o que legitimamente merecem.

E, como se n��o fosse o suficiente para uma noite, depois
do show, enquanto estava respondendo a perguntas da imprensa
nos bastidores, a Madonna veio e se colocou atr��s de
mim. Cobriu meus olhos com as m��os e me deu um beijo. "S��
estou aqui para cumprimentar voc��", disse. E depois desapare


1 2 4


MINHA VEZ DE BRILHAR

ceu t��o r��pido quanto tinha aparecido. Uau! A Madonna! Isso
eu n��o poderia jamais ter imaginado.

No entanto, mais uma vez, n��o era a hora de recolher os
louros, nem descansar, nem mesmo comemorar. Em vez de
desfrutar a gl��ria do meu "momento Grammy", naquela noite
peguei um avi��o para a It��lia, porque tinha um compromisso
pr��vio - um exemplo perfeito de como minha vida estava ca��tica
naquele momento.

A AVALANCHE

TINHA TRABALHADO QUINZE anos para ganhar aqueles quatro minutos
no palco do Grammy, o que me permitiu alcan��ar meu
objetivo - chacoalhar o mundo musical americano e abrir a
cabe��a dos falantes de ingl��s para os ritmos da m��sica latina.
Mais ou menos nessa ��poca, o New York Times afirmou que
eu havia "incendiado a m��sica pop" e que com meu desempenho
no Grammy tinha me estabelecido como o "s��mbolo do
novo status que a cultura latina ocupa nos Estados Unidos em
geral". Veja, naquela ��poca, a comunidade latina dos Estados
Unidos crescia a taxas impressionantes, e meu sucesso musical
em certa medida estava refletindo exatamente essa mudan��a, e
se alimentado dela. A cultura latina estava come��ando a seduzir
os Estados Unidos e modificar as prefer��ncias musicais de
seus habitantes.

Poucos meses depois da cerim��nia de entrega do Grammy,
lancei meu primeiro ��lbum em ingl��s, chamado Ricky Martin,
igual ao meu primeiro ��lbum solo. Ele estreou em primeiro
lugar e vendeu mais de 660 mil c��pias na primeira semana, s��

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nos Estados Unidos, quebrando um recorde. N��o s�� foi o ��lbum
mais vendido naquela semana, como foi uma das maiores
vendas do ano inteiro em uma semana. Nunca imaginei que

o ��lbum seria um acontecimento t��o grande; e, apesar de vir
me preparando para esse momento a vida inteira, quando ele
finalmente chegou, pegou-me de surpresa. Do ponto de vista
profissional, estava totalmente pronto para ir t��o longe, e at��
mais longe, mas, na esfera pessoal, fiquei profundamente abalado.
Foi tudo t��o grande e t��o r��pido que n��o sabia para onde
olhar. A vida se precipitava sobre mim como uma avalanche.
Primeiro, foi a noite da entrega do Grammy, com a apresenta����o
espetacular e meu primeiro Grammy. Depois, o lan��amento
do meu primeiro ��lbum em ingl��s e, logo em seguida,

o single de "Livin' la vida loca" estreou em primeiro lugar nas
paradas de vinte pa��ses. Naquele ano, a m��sica chegou ao primeiro
lugar na lista das mais vendidas nacionalmente da revista
Billboard, primeiro lugar nas paradas americanas, primeiro
lugar nas paradas da Am��rica Latina, primeiro lugar das mais
vendidas latinas, e assim por diante. Mais tarde, a turn�� promocional
come��ou com grande impacto: foi um furac��o de
CDs autografados, entrevistas na imprensa, sess��es de fotos...
uma explos��o! E, por fim, estava na hora de come��ar a turn��
de shows. A recep����o foi inacredit��vel. As entradas para
25 shows nos Estados Unidos come��aram a ser vendidas no
mesmo dia, e esgotaram em oito minutos, literalmente a maior
velocidade que o sistema de vendas permitia. Como resultado,
precisamos acrescentar shows adicionais em muitas cidades,
e a turn�� n��o somente foi estendida nos Estados Unidos,
mas mostrou-se um sucesso enorme tamb��m globalmente. Uns
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MINHA VEZ DE BRILHAR

quatro milh��es de pessoas foram me ver ao vivo naquela turn��
e, no total, o disco vendeu perto de 17 milh��es de c��pias no
mundo todo.

A avalanche continuava. N��o importava se estava cansado,
com fome ou se queria tirar uma soneca. Sempre que dizia
"Preciso descansar", meu empres��rio vinha com "S�� mais uma
coisinha. S�� uma, e pronto". N��o que ele fosse m�� pessoa, mas

o problema �� que sempre tinha uma coisinha ou outra para fazer!
E como qualquer coisa que fiz��ssemos produzia resultados
assombrosos, eu sempre queria fazer mais. Por exemplo, um
dia vinham me dizer: "Ricky, o Pavarotti ligou. Ele quer fazer
um dueto com voc��". Quem poderia dispensar a honra de um
dueto com Pavarotti? Ent��o, a resposta era sim. Era tamanha
a honra! Sempre aceitava. Ent��o, pouco depois, recebia uma
liga����o dizendo: "Ricky, Giorgio Armani ligou. Ele quer jantar
com voc��". O sr. Armani -�� claro que eu simplesmente
n��o podia dizer n��o. Eu sempre dizia: "Tudo bem, s�� dessa
vez, mas, por favor, n��o me venha com mais nenhuma proposta".
Meu agente prometia nunca mais propor nada, mas mais
tarde voltava e dizia: "Ricky, mil desculpas. Eu disse que n��o
iria aparecer com mais nada, mas o Sting ligou e queria voc��
em um concerto beneficente que ele est�� organizando...". O
que podia fazer? Quem em s�� consci��ncia recusaria esse tipo
de convite? No meio de toda aquela loucura, "Livin' la vida
loca" acabou se revelando tudo que a Sony esperava, e mais.
Naquela ��poca, a empresa estava com problemas financeiros
e precisava de mais do que um bom sucesso - precisava de
um estouro. Com o empurr��o promocional que deram a "Livin'
la vida loca", estavam esperando alguma coisa explosiva,
12 7


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mas o resultado estava mais para nuclear. Vendo a salva����o
ao alcance, queriam ir o mais longe poss��vel, ent��o, criaram
uma campanha de divulga����o global agressiva e abrangente.
O ��nico problema era que a ��nica pessoa que, no fim das
contas, precisaria levar tudo a cabo seria eu. E, apesar de ter
sido exaustivo, posso dizer sinceramente que nunca reclamei.
Entreguei-me completamente �� tarefa e vivi a coisa toda como
um sonho.

Muitas vezes me perguntam o que acho ter sido a causa do
sucesso de "Livin' la vida loca". Apesar de em parte ter sido
porque o mundo estava pronto para uma coisa nova, acima de
tudo, acho que todas as pe��as estavam perfeitamente no lugar.
Tinha um agente maravilhoso, uma gravadora excelente, uma
equipe de produ����o fant��stica, e todos n��s est��vamos ligados
na mesma frequ��ncia e no mesmo mantra da vit��ria enquanto
��amos avan��ando. Al��m disso, tinha um ��timo ��lbum nas
m��os; quando o ou��o hoje, percebo como �� realmente uma
produ����o incr��vel, e, no fim, isto �� realmente o mais importante:
a m��sica. A m��sica pode transcender fronteiras e derrubar
barreiras entre pessoas e culturas. Nesse caso, ela falou por
si mesma.

Chegaria at�� a dizer que, durante o processo de grava����o
da m��sica, n��s realmente fizemos m��gica. Em "Livin' la vida
loca" tive novamente a sorte de trabalhar com Draco Rosa e
Desmond Child. Apesar de j�� ter feito alguns discos, logo percebi
que trabalhar com Desmond Child est�� em um n��vel inteiramente
novo. Desmond �� um gigante musical: vendeu 300
milh��es de discos; trabalhou com o Aerosmith, Bon Jovi, Cher,
todos os grandes. Quando se trata de grava����o, Desmond tem

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MINHA VEZ DE BRILHAR

uma certa din��mica e um senso ��nico de foco: de algum jeito,
ele transforma o processo de grava����o em algo estruturado
e sistem��tico, o que nos permitiu muita calma, porque assim
n��o fic��vamos cansados e pod��amos deixar o processo criativo
fluir. Come����vamos o dia com aquecimento vocal. Depois,
com��amos alguma coisa. Ent��o, grav��vamos um pouco. Em
seguida, sa��amos para dar uma volta. E depois volt��vamos e
tom��vamos um caf��. Todo dia, sabia o que esperar, e isso me
ajudou muito, porque pude concentrar meus pensamentos na
minha criatividade, em vez de desperdi����-los com a incerteza
sobre o que aconteceria no dia seguinte, ou no pr��ximo. Foi
tamb��m a primeira vez que Draco trabalhou com Desmond,
e havia uma coisa naquela colabora����o entre n��s tr��s - o cosmos,
o momento, os riscos que est��vamos assumindo - que
levou a resultados extraordin��rios. Ainda hoje, "Livin' la vida
loca" �� uma das m��sicas de que mais me orgulho.

Quando olho para tr��s, para os meses que se seguiram
ao lan��amento do ��lbum, lembro-me de trabalho, trabalho e
mais trabalho. A onda que tinha come��ado a se formar com
"Maria" e "La copa de la vida" se transformou em uma coisa
gigantesca. Tinha que juntar todas as minhas for��as para gravar
v��deos, fazer a turn�� promocional, preparar o show, e me
dedicava dia e noite a fazer divulga����o. Planejamos tr��s meses
de shows e eventos no Jap��o, Tail��ndia, Austr��lia, Fran��a, Inglaterra,
Espanha, Porto Rico, Estados Unidos, Canad�� e, ��
claro, no M��xico. Como tinha f��s por todo o planeta, acabamos
fazendo uma turn�� mundial que durou mais de um ano,
com 250 shows em 80 cidades, em 35 pa��ses.

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Naquele ano, "Livin' la vida loca" foi indicada para quatro
pr��mios Grammy, colocando-me na dianteira do fen��meno
que foi batizado de Bootn Latino. N��o era mais s�� uma
quest��o do avan��o da minha carreira; a quest��o agora era a
presen��a inesperada da m��sica latina no palco global. Minha
vida nunca mais seria a mesma.

GAROTO-PROPAGANDA LATINO-AMERICANO

DEPOIS DO GRAMMY, parecia que da noite para o dia todo mundo
nos Estados Unidos tinha acordado e ouvido o nome Ricky
Martin pela primeira vez, o que era um pouco estranho, especialmente
se considerarmos que Vuelve tinha ganhado um disco
de platina nos Estados Unidos, com mais de um milh��o de
c��pias vendidas, superando alguns dos nomes mais famosos
do rock americano. Isso era a prova de que, naquele tempo,
a maior parte dos americanos que falava ingl��s n��o tinha a
menor ideia do que estava acontecendo no mundo musical de
quem falava espanhol.

Duas semanas apenas depois do lan��amento do ��lbum,
apareci na capa da revista Time, sob a manchete "Latinos viram
pop", e, segundo a reportagem, eu estava na dianteira de
uma nova gera����o de artistas latinos que expressavam sua cultura
em ingl��s. A reportagem observava - com raz��o - que
uma grande parte do nosso sucesso tinha a ver com ser a hora
certa. Em outras palavras, a comunidade latina estava crescendo
a uma taxa monumental nos Estados Unidos, e esse crescimento
estava se traduzindo em emissoras de r��dio, canais de
televis��o e jornais em espanhol. A cultura latina estava pene


1 3 O


MINHA VEZ DE BRILHAR

trando na cultura americana em todos os n��veis, e a pr��pria
estrutura da sociedade americana estava come��ando a mudar.
Nesses detalhes foi que comecei a reconhecer os ausp��cios da
minha vida: se tivesse nascido em qualquer outro momento,
mesmo que somente dez anos antes ou dez anos depois, �� prov��vel
que n��o tivesse alcan��ado o mesmo sucesso e que a minha
vida tivesse sido bem diferente. Mas minha vida sempre
foi assim - as coisas sempre aconteceram no momento exato
em que deviam acontecer, incluindo, ao que parece, o momento
do meu nascimento.

Um m��s depois, apareci na capa da People, uma das revistas
sobre o mundo do entretenimento mais conhecidas e
poderosas dos Estados Unidos, com um artigo que falava sobre
a minha "fama instant��nea". �� claro que, aos olhos da
m��dia americana, eu era algu��m totalmente desconhecido que
tinha acabado de aterrissar no cen��rio musical americano. O
que eles n��o sabiam era que eu tinha uma carreira de quinze
anos nas costas, e que o reconhecimento mundial que havia
alcan��ado - essa fama de que eles falavam, esse novo cume assustador
em que agora me encontrava - era resultado de uma
estrat��gia calculada. A divulga����o do ��lbum havia sido planejada
pela gravadora para dar o maior impulso poss��vel para o
que eles viam como um produto: "Ricky Martin". Como disse
uma vez Desmond Child: "Ricky �� um pr��ncipe que est�� preparado
para ser rei".

Nunca me incomodou minha carreira ter sido planejada
com uma estrat��gia muito clara em mente. O que realmente
me incomodou naquela ��poca foi descobrir que a m��dia me
retratava como representante de todos os latinos. Tenho muito

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orgulho de ser latino, mas isso certamente n��o quer dizer que
todos os latinos t��m de ser como eu, nem que eles necessariamente
se identificam com a minha m��sica ou meu senso est��tico.
Assim, desde o primeiro momento em que minha fama
come��ou a crescer, senti-me de alguma forma respons��vel por
romper os estere��tipos e explicar ao mundo que, apesar de sermos
do mesmo continente, nem todos os latinos s��o iguais.

H�� tanta ignor��ncia em rela����o �� cultura latino-americana!
Encontro indiv��duos que, ao saber que sou porto-riquenho,
dizem: "Sim, claro, Costa Rica!". Ou que olham para mim e
acham que sou italiano. Quando minha m��sica come��ou a
fazer sucesso na Europa, dei muitas entrevistas em que falava
sobre a minha cultura e como ela se manifestava na minha
m��sica. Tamb��m aproveitei a oportunidade para falar das diferen��as.
Por exemplo, em algumas partes do mundo, algumas
pessoas ficavam chocadas ao me ver aparecer sem um chap��u
mariachi. Acreditavam que tudo que �� latino, do M��xico �� Patag��nia,
�� igual, e que todos comemos tacos e cantamos "rancheras"
(m��sica t��pica mexicana). Ent��o, eu me empenhava
para explicar que a Am��rica Latina �� multifacetada, tem muitas
culturas diferentes; at�� na mesma ilha encontram-se diferentes
culturas, sotaques, estilos musicais e ritmos. N��o posso dizer
que minha m��sica �� 100 % latina, porque seria um insulto a
todos os outros m��sicos latinos do mundo. Na Am��rica Latina,
existem salsa, merengue, tango, rock, vallenato, cumbia,
son e mais muitos g��neros que se desenvolveram por todo o
continente, e minha m��sica �� uma mistura, uma fus��o, de v��rios
estilos, j�� que n��o sou um artista que adere rigorosamente
a um ou outro estilo. �� claro que minha m��sica tem influ��n


1 3 2


MINHA VEZ DE BRILHAR

cias latinas, mas tamb��m tem influ��ncias anglo-sax��nicas e do
"europop". Assim, dizer que sou um cantor latino, tudo bem.
Mas �� errado dar �� minha m��sica o r��tulo abrangente de m��sica
latina, ou imaginar que os latinos s��o, ou soam, como eu.

Quando minha m��sica come��ou a fazer sucesso nos Estados
Unidos, aconteceu tudo ao mesmo tempo. Gra��as a turn��s
e divulga����o, j�� era conhecido no mundo como artista internacional
de Porto Rico. Antes de chegar aos Estados Unidos,
j�� tinha feito uma turn�� com sessenta apresenta����es, incluindo
shows em Nova Delhi, Bangcoc, Seul, Taipei, Singapura,
Mal��sia e Austr��lia. Fiz shows por toda a Europa. E em todo
lugar era conhecido como "artista internacional". No entanto,
quando cheguei aos Estados Unidos, era o "fen��meno latino".
Sempre me dava ao trabalho de explicar que, apesar de ser latino
- coisa de que me orgulho muito -, n��o represento todos
os hisp��nicos, j�� que sou a minha pr��pria vers��o. O que algumas
pessoas n��o sabem �� que, embora eu seja latino, tenho
sangue franc��s, ind��gena e africano... Na verdade, sou mesti��o,
como a maioria de n��s no continente americano. O fato de ser
considerado hisp��nico �� uma feliz coincid��ncia. Uma parte da
minha fam��lia veio da Europa e aportou no nordeste americano,
e hoje �� considerada caucasiana. Mas uma outra parte da
minha fam��lia veio para a minha ilha, Porto Rico, e, por esse
motivo, eu era considerado "o fen��meno latino".

De fato, muitos americanos, talvez a maioria, sabem muito
pouco sobre a cultura latina e esse conhecimento muitas vezes
se baseia em uns tantos preconceitos e ideias preconcebidas
que est��o totalmente errados. Ent��o, apesar de a capa da Time
ser ��tima, por um tempo deixei de gostar da coisa toda do

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"Latinos viram pop". No entanto, at�� hoje, isso faz com que
eu me esforce para mostrar ao mundo que somos mais do
que um simples r��tulo.

DESMORONANDO

MINHA FAMA CONTINUAVA a crescer. Dezenas de milhares de pessoas
apareceram quando fiz uma apresenta����o ao ar livre no
Rockefeller Center, em Nova York, para o programa de entrevistas
matinal da NBC, Today. Veio tanta gente que o tr��fego
no centro de Manhattan foi interrompido. Foram incont��veis
capas de revistas e uma aten����o infinita. Sa�� na capa da Rolling
Stone nadando em uma piscina cercado de mulheres nuas; o
sonho de todo m��sico de rock e pop - foi a marca m��xima do
meu sucesso.

Naquele mesmo ano, "Livin' la vida loca" recebeu cinco
indica����es para o Video Music Awards da MTV, e, al��m disso,
a m��sica foi indicada a tr��s pr��mios internacionais no mesmo
evento. No total, ganhei cinco dos nove pr��mios a que tinha
sido indicado, e mais uma vez a plateia me ovacionou de p��
quando cantei a m��sica ao vivo no evento da entrega dos pr��mios.


Do ponto de vista profissional, foi um dos melhores anos
da minha vida. E, para fech��-lo, no meu anivers��rio, a Entertaintnent
Weekly me nomeou artista do ano. Tinha alcan��ado
um ponto t��o extraordinariamente alto que poderia at�� come��ar
a duvidar se conseguiria subir ainda mais. Como disse em
uma entrevista naquela ��poca, o que poderia fazer depois disso?
Escalar o Everest?

1 3 4


MINHA VEZ DE BRILHAR

Bem, n��o tive muito tempo para sentar e refletir sobre
a quest��o, porque a gravadora logo me informou que queria
outro ��lbum o mais r��pido poss��vel. Agora, quando penso nisso,
percebo que deveria ter dito n��o. Definitivamente n��o! Era
muito cedo e n��o estava pronto para me afundar no intenso
trabalho criativo necess��rio para gravar um novo ��lbum.
Mas estava t��o ocupado trabalhando e me empenhando para
fazer tudo que precisava fazer para manter a engrenagem
funcionando, que talvez n��o tenha tido o tempo ou mantido
a dist��ncia para avaliar o que estava sendo pedido de mim. O
selo disse que precisava de um novo ��lbum, ent��o, simplesmente
concordei.

Foi uma das piores decis��es da minha vida.

Uma maluquice total e um erro muito grave. Mas a decis��o
foi minha, e resolvi ir at�� o fim. Alguns dizem que eu deveria
culpar meus assessores ou o selo musical por me pressionar,
mas a verdade �� que foi tudo culpa minha. N��o era mais o
Menudo, e eu n��o era mais um garoto a quem se dizia o que
fazer. Era um homem crescido e trabalhava no ramo da m��sica
h�� muitos anos, e, mesmo assim, concordei em fazer uma coisa
que n��o queria fazer. A ��nica forma de aprender na vida ��
cometendo os pr��prios erros, e esse foi um dos erros com que
mais aprendi.

Ent��o, come��amos a preparar o pr��ximo ��lbum em ingl��s,
chamado Sound Loaded. Toda semana tinha quatro ou cinco
dias consecutivos de shows na turn�� de "Livin' la vida loca",
e, depois do ��ltimo show, pegava um avi��o para voltar a Miami,
onde me trancava no est��dio para gravar. Trabalh��vamos
at�� o dia raiar; depois dorm��amos um pouco. Eu acordava e

13 5


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voltava para o aeroporto para ir para a pr��xima parada da
turn��, ainda a tempo de fazer a passagem de som para o show.
Muitos dos meus amigos do ramo diziam que era loucura, que
n��o era assim que se fazia.

"Quando voc�� est�� fazendo um disco", diziam, "voc��
deve fazer apenas isso."
"Ah!", eu respondia. "Quem disse?" Tinha feito aquilo
algumas vezes, e agora estava fazendo de novo.

Logo que acabou a turn�� de shows, come��amos a turn�� de
divulga����o de Sound Loaded. Um dia t��pico come��ava acordando
quando o avi��o vindo da Austr��lia, por exemplo, pousava
em Los Angeles, onde precisava gravar mensagens para
emissoras de r��dio de Orlando, Detroit, Miami e outras cidades
importantes. Depois, precisava dar uma s��rie de entrevistas
para a imprensa antes de fazer uma sess��o de fotos para as
revistas. Era uma agenda tempestuosa, eu n��o parava nunca.
Todo dia come��ava de madrugada e terminava tarde da noite.
Quase nunca tinha uma tarde livre ou uma manh�� para dar
uma descansada. Mal podia respirar.

Em alguns aspectos, eu me sentia como o rei do mundo,
e essa sensa����o, apesar de vir acompanhada de uma certa
dose de exaust��o, era tamb��m inebriante. Gostava de sentir

o poder que tinha nas m��os, e, acima de tudo, adorava poder
colher os frutos do nosso trabalho dos ��ltimos quinze anos.
No entanto, tamb��m havia momentos em que tinha medo do
que meu novo estilo de vida podia causar. ��s vezes, sentia que
queria fugir para a minha pequena ilha e viver em uma casinha
na praia com uma rede com vista para o oceano, e, outras
vezes, a ��nica coisa que queria era sair e festejar, alugar
1 3 6


MINHA VEZ DE BRILHAR

um clube noturno inteiro, convidar meus amigos para dan��ar
e flertar com os paparazzi. Todo dia oscilava entre esses dois
extremos; entre querer fugir de tudo que estava acontecendo
a minha volta e querer me render totalmente. Por um lado,
sentia-me maravilhoso e imensamente realizado; por outro,
estava sofrendo, e a sensa����o de mudan��a constante me deixava
enlouquecido.

Acredito que muito poucas pessoas perceberam, porque
fazia tudo que podia para esconder o que realmente estava
acontecendo por dentro. Quando as pessoas me perguntavam:
"Ricky, como voc�� est��?", eu nem parava para pensar. Respondia
automaticamente: "Estou ��timo, muito obrigado". A
realidade, por��m, era muito diferente. Tinha uma dor de est��mago
terr��vel, minha cabe��a rodava, e sentia um aperto no
cora����o. N��o sabia o que estava sentindo porque n��o parava
para avaliar, mas o que eu sabia era que estava sofrendo,
sofrendo muito. No entanto, continuava dizendo que estava
tudo bem.

Por volta dessa ��poca, gravei uma m��sica com a Madonna
chamada "Be careful" ("Cuidado con mi coraz��n") e, ao
ver a intensidade com que a imprensa me seguia, e como eu
sempre estava disposto a fazer divulga����o, ela me disse: "Ricky,
pare de dar entrevistas. Todo mundo sabe quem voc�� ��".
E essa verdade me atingiu como um raio. Levei um tempo para
processar aquilo -e mais ainda para aplicar �� minha vida -,
mas, um dia, entendi exatamente o que ela queria dizer. Tinha
passado tanto tempo concentrado em fazer publicidade, estando
dispon��vel, e sempre dando, dando e dando para alcan��ar
meu objetivo, que n��o percebi que, em certa medida, j�� o tinha

13 7


E U

alcan��ado, e ultrapassado, sem nem perceber. Foi a�� que vi que
as regras do jogo tinham mudado, e que precisava achar um
jeito de recuperar o controle do meu tempo e da minha vida.
Mas isso s�� iria acontecer muito tempo depois, porque, como
tudo o mais na vida, ainda n��o era a minha hora. Antes de encontrar
minha paz, teria de chegar ao momento espec��fico em
que simplesmente n��o aguentava mais.

Naquele tempo, minha regra principal era sempre dar o
m��ximo poss��vel e mais ainda, porque, para cada pouco que
dava, recebia muito em troca, e isso me fazia querer dar ainda
mais. ��s vezes dizia que n��o era que estava trabalhando demais.
Estava apenas dando demais. �� s�� que o reconhecimento dos
f��s �� intenso. Acreditava que estava pronto para aquele tipo de
sucesso - afinal, estava sob os refletores desde os doze anos -,
mas logo percebi que n��o estava. Queria gritar: "Esperem!
N��o consigo lidar com tanta coisa. Me deixem parar por um
momento!".

Por muito tempo, acreditei que o sucesso alcan��ado com
"Maria" e Vuelve seria o grande ��pice da minha carreira. Depois
do sucesso de "Livin' la vida loca", por��m, aquilo tudo
parecia brincadeira de crian��a. Sempre digo que na minha vida
as coisas chegam no exato momento em que devem chegar,
nem antes nem depois, e que as recebo de todo o cora����o. Dessa
vez, no entanto, foi completamente devastador. Fazia tudo
que podia para me manter a mil quil��metros por hora, tirar
proveito da fant��stica oportunidade que me havia sido dada,
mas era inevit��vel chegar ao ponto em que simplesmente n��o
poderia mais aguentar. E assim como �� importante saber aceitar
o que o destino nos manda, tamb��m �� essencial saber a

1 3 8


MINHA VEZ DE BRILHAR

hora de parar e dar um passo para tr��s para nos afastarmos
de algo que pode nos prejudicar. O sucesso que tinha conquistado
era monumental, e me alimentava de uma forma bastante
peculiar, mas tamb��m estava deixando feridas invis��veis na
sua esteira que precisariam de algum tempo para fechar. A febre
toda durou mais ou menos uns dois anos, ao cabo dos
quais estava completamente vazio e entorpecido. De fato, eu
n��o queria sentir mais nada. Fazia tudo que tinha de fazer sem
pensar, praticamente no piloto autom��tico. A ��nica coisa que
realmente me dava prazer era estar no palco. Era o ��nico lugar
do mundo em que me sentia absolutamente livre. Era onde fazia
exatamente o que gostava de fazer, como gostava de fazer,
quando queria fazer, e a energia da plateia sempre alimentou
minha alma. Era quando eu voltava a ser o Kiki, o menino na
casa dos av��s, divertindo-se, fazendo brincadeiras, dan��ando e
cantando. No palco, sentia-me forte e livre para ser quem sou,
como sou, sem ter medo ou fingir. Mais tarde, por��m, quando

o show terminava, corria para casa, para me esconder e me
desligar. Tudo sempre causava sofrimento, e, embora ningu��m
pudesse ver, internamente eu estava sofrendo. A maioria das
pessoas n��o imagina que �� poss��vel estar cercado de gente quase
o tempo inteiro e ainda se sentir s��. Ou que a estrada nem
sempre �� t��o glamorosa quanto parece. Depois de um tempo,
voc�� s�� quer dormir na sua cama.
N��o queria continuar, mas, cada vez que aparecia uma
proposta, sempre dizia: "Sim, sim, vamos l��! Estou pronto".
Em certa medida, esse comportamento era resultado do meu
"treinamento militar", mas eu tamb��m estava claramente tentando
fugir do sofrimento que carregava l�� no fundo. Desde

1 3 9


E U

que estivesse sempre trabalhando, n��o percebia o que estava
realmente sentindo. No fundo, estava com medo do que poderia
encontrar. Ent��o, concentrava-me no que "tinha de fazer"
e simplesmente continuava a ir em frente.

Hoje, �� muito f��cil ver para onde esse caminho estava me
levando. Percebo que com Sound Loaded muitos erros foram
cometidos e muitas decis��es foram tomadas sem pensar. Era
muito cedo para lan��ar outro ��lbum. De fato, era t��o cedo que,
quando o primeiro single foi lan��ado, muitas pessoas acharam
que era uma m��sica do ��lbum anterior, Ricky Martin. Ap��s

o megassuce de Ricky Martin, era importante deixar passar
algum tempo antes de lan��ar um segundo disco. Deveria ter
parado, mesmo que s�� um pouco. No entanto, a gravadora
precisava do pr��ximo sucesso, e, quando me pressionou para
fazer aquilo, eu n��o disse n��o. Eu n��o queria realmente parar,
porque parar teria me for��ado a pensar sobre todo tipo de coisa
que n��o queria examinar.
1 4 O


QUATRO

ASSUMINDO O CONTROLE
SOBRE MINHA VIDA


SER ARTISTA SIGNIFICA ESTAR CONSTANTEMENTE EM BUSCA DA

aprova����o de outros. Seja na m��sica, na literatura, na pintura
ou na dan��a, a arte, por defini����o, busca interagir com os espectadores
e se conectar com eles. Para mim, esse �� um aspecto
fundamental do que fa��o. Os momentos que me deixam mais
feliz s��o quando me vejo no palco, cercado pelos meus m��sicos,
e diante de uma plateia enorme, empolgada e genuinamente
vibrando com a minha m��sica. Adoro sentir que as pessoas est��o
gostando da minha m��sica, que ela tem algum significado
para a vida delas, e que de alguma maneira estamos conectados.
Quando algu��m gosta do que fa��o, isso alimenta minha alma.

Existem artistas que dizem criar m��sica ou fazer sua arte
para si mesmos e que a aprova����o do p��blico �� irrelevante. Embora
seja um ponto de vista que respeito totalmente, n��o compartilho
essa cren��a. Sou artista porque amo minha m��sica e adoro
dan��ar, mas, se ningu��m mais gostasse, n��o me sentiria muito
bem. Pode chamar isso de ego, medo ou falha, necessidade de
ser aceito, ou o que quiser, mas sinto honestamente que a m��sica
precisa criar uma conex��o real com o mundo a sua volta.

Foi por isso que, quando "Maria" decolou, seguida por
"La copa de la vida" e, depois, "Livin' la vida loca", fiquei ex


1 4 3


E U

tremamente feliz. Todo o trabalho, as viagens, as horas passadas
no est��dio, dando entrevistas, em sess��es de fotos... estava
agora colhendo os frutos de todo o trabalho, e sentia profundamente
que estava vivendo um momento ��nico e extraordin��rio,
uma verdadeira b��n����o. No entanto, aquele momento - pelo
qual havia ansiado com cada cent��metro do meu ser - trouxe
com ele uma s��rie de desafios que talvez eu n��o estivesse pronto
para enfrentar. Em grande medida, j�� estava acostumado a fazer

o que as outras pessoas esperavam que fizesse: no in��cio da carreira,
quando sempre seguia as instru����es dos empres��rios da
banda e, mais tarde, quando adotei a mesma postura com os diretores
de teatro e televis��o com quem trabalhei, com os produtores
musicais, os executivos da gravadora... Passei tanto tempo
seguindo conselhos dos outros - na maior parte bem-intencionados,
felizmente - que, sem perceber, tinha come��ado a perder
minha identidade. Queria tanto que as coisas corressem bem e
alcan��ar o sucesso t��o ansiado, que raramente parava para pensar
se poderia fazer - menos ainda se queria fazer -, de forma
realista, tudo o que se esperava de mim. Os anos da minha ascens��o
�� fama foram uma era maravilhosa - n��o h�� d��vida -,
mas tamb��m foram os anos em que senti que estava come��ando
a perder de vista para onde aquilo tudo estava indo.
INSPE����O INCANS��VEL

A ORIENTA����O DE quem j�� percorreu o caminho antes de voc��
�� muito valiosa, e outro conselho ��til que a Madonna me deu
foi: "Ricky, se a m��sica, a arte ou a sua carreira come��ar a tomar
conta da sua vida, desconecte-se. �� voc�� quem deve con


1 4 4


ASSUMINDO O CONTROLE SOBRE MINHA VIDA

trolar sua carreira; n��o deixe que ela o controle". A Madonna,
obviamente, �� uma mulher muito experiente, e entendi perfeitamente
o que ela queria dizer, mas, para mim, foi muito dif��cil
colocar em pr��tica seu conselho.

No ano anterior ao Grammy, n��o achava que a m��sica
ou a minha carreira me controlavam. O mundo inteiro estava
ouvindo minhas m��sicas e eu me sentia no auge, com controle
de tudo o que estava por vir. Mesmo assim, algumas coisas me
causavam um pouco de ansiedade. Estava completamente focado
em fazer todo o poss��vel para manter o impulso extraordin��rio
que havia me levado ��quele ponto, mas havia, contudo,
momentos em que as horas de trabalho me pareciam muito
longas, simplesmente por ser incapaz de dizer n��o. Meu agente
aparecia com um itiner��rio e eu dizia sim para tudo, sem
nunca parar para avaliar as consequ��ncias. Eu estava, �� claro,
saboreando meu sucesso, mas n��o consigo deixar de achar que
talvez estivesse tentando fugir do pesado fardo emocional
que carregava. Exatamente como nos tempos no Menudo,
quando me concentrava no trabalho o tempo todo porque,
em certa medida, queria fugir do que estava acontecendo entre
meus pais, durante o frenesi de "Livin' la vida loca" estava
tentando evitar as emo����es contradit��rias quanto �� minha sexualidade
que estavam sempre me rondando. At�� certo ponto,
estar ocupado o tempo todo significava n��o precisar pensar
em coisas que me deixavam pouco �� vontade.

Foi por volta dessa ��poca que voltei a namorar a mulher
maravilhosa que havia conhecido no M��xico. Estar com ela
sempre me deu muita paz. Havia muito amor e atra����o entre
n��s, e me sentia seguro com ela. Sentia-me amparado. Focado.

14 5


E U

Ao longo de todo o tempo que passei com ela, nunca olhei
para mais ningu��m. Nunca quis mais ningu��m, e nosso relacionamento
realmente fazia eu me sentir ancorado. Dava-me a
estabilidade de que sentia falta na minha vida, e permitia que
eu me distanciasse da atra����o por homens, o que sempre me
enchia de culpa. Sentia-me ��timo quando estava com ela; eu
a amava e me sentia amado por ela, ent��o, n��o tinha nenhum
motivo para pensar em outra coisa, ou outra pessoa.

No entanto, a ilus��o de que eu tinha minha carreira e
minha vida pessoal sob controle n��o durou muito. Meu relacionamento
com essa mulher incr��vel durou um pouco mais,
e, depois de muitas idas-e-vindas, terminamos definitivamente.
E dif��cil explicar o que faz um relacionamento terminar e,
embora hoje eu veja claramente que meus pr��prios conflitos
internos tiveram muito a ver com isso, outros fatores nos afastaram,
e finalmente decidimos - sempre com muito amor e carinho
- nos separar.

E foi ent��o que comecei a perder o controle.

Enquanto minha equipe e eu trabalh��vamos sem parar
para manter toda a opera����o funcionando sem problemas,
com turn��s promocionais, shows e v��deos, de repente, minha
vida pessoal tornou-se um assunto constante na m��dia. Naturalmente,
o p��blico queria saber quem era esse Ricky Martin
de quem todo mundo estava falando e, ent��o, come��aram as
perguntas. Em todas as entrevistas daquela ��poca, as pessoas
queriam saber de onde eu era, como tinha sido a minha inf��ncia,
como eram meus pais e se eu tinha algu��m especial na
minha vida...

1 4 6


ASSUMINDO O CONTROLE SOBRE MINHA VIDA

H�� uma diferen��a fundamental entre estrelas de cinema e
cantores, que a maioria das pessoas n��o percebe. Quando um
ator promove um filme, as perguntas nas entrevistas geralmente
giram em torno de seu papel naquele projeto, o enredo do
filme ou a experi��ncia durante as filmagens; h�� um n��mero
incont��vel de assuntos que podem ser explorados sem que a
vida pessoal do artista se torne o tema central da conversa. No
entanto, quando se trata de um cantor, h�� uma variedade muito
menor de assuntos a serem discutidos, e a entrevista tende a
se voltar para a vida pessoal, que, no fim, �� a inspira����o para
a m��sica As perguntas costumam ser de natureza mais ��ntima,
especialmente quando, como no meu caso, a m��sica trata de
temas como amor e decep����es amorosas.

Como eu nunca dizia n��o, havia entrevistas comigo em
todas as revistas, todos os programas de televis��o e jornais.
Meus v��deos passavam na MTV a cada dez minutos. Nas
entrevistas, falava muito pouco sobre minha vida privada, e
como o que eu contava dava pouco o que falar - era um cara
saud��vel, trabalhava muito, sem v��cios -, alguns membros da
imprensa devem ter decidido descobrir meu "lado negro".

E assim come��aram os rumores. N��o tenho ideia de quando
exatamente eles come��aram, ou de quem pode ter falado o
que, mas os tabl��ides come��aram a dizer que eu havia sa��do
com um ou outro cara - ironicamente, nenhuma das hist��rias
era verdadeira, embora eu estivesse, de fato, tendo relacionamentos
com homens. Entendo que rumores vendem revistas,
e que muitas vezes as pessoas querem ler sobre isso, mas, na
verdade, a invas��o da minha vida privada me atingiu como
uma tonelada de tijolos. N��o podia entender por que havia me

147


E U

tornado alvo de tanta especula����o. Tudo o que queria era continuar
com a minha m��sica e viver a minha vida sem ningu��m
interferindo. Tinha acreditado, ingenuamente, que, apesar de
ser uma celebridade, ainda tinha direito �� privacidade.

O resto do mundo n��o achava a mesma coisa.

O PRE��O DA NEGA����O

NA VERDADE, O PROBLEMA n��o eram tanto os rumores sobre minha
sexualidade. O problema real era eu mesmo n��o saber como me
sentia sobre o assunto. Apesar de ter tido relacionamentos com
homens depois de me separar do meu primeiro amor, ainda n��o
estava pronto para me aceitar como gay. Meu momento ainda
n��o havia chegado, e, apesar de todos sabermos agora que os
rumores se baseavam na verdade, na minha cabe��a, ainda n��o
era um fato. Era um assunto que constantemente eu precisava
enfrentar e me causava muito sofrimento e ansiedade. Toda vez
que algu��m escrevia em uma mat��ria que eu era homossexual,
cada vez que me perguntavam sobre isso em uma entrevista -e
n��o muito sutilmente -, eu me afastava ainda mais da minha
verdade. Os rumores e as perguntas s�� aumentavam minha inseguran��a
e minha autorrejei����o; eles me faziam lembrar todos
os motivos pelos quais n��o me sentia bem comigo mesmo. ��s
vezes, sentia que me odiava. Como isso era apresentado sempre
sob um ��ngulo t��o negativo, como uma coisa escandalosa
e ruim, meu desejo de negar meus sentimentos era refor��ado.
E como naquele momento eu estava longe de estar pronto para
me assumir, o ��nico resultado era que tudo me causava uma
enorme dose de sofrimento.

1 4 8


ASSUMINDO O CONTROLE SOBRE MINHA VIDA

Anos depois, foi feito um document��rio biogr��fico sobre
mim para a televis��o, e muitas pessoas da ind��stria foram entrevistadas,
assim como jornalistas do meio musical. Nesse
trabalho, foi dita uma coisa que acho muito astuta: quando
um fen��meno enorme como Ricky Martin atinge o mundo da
m��sica, tamb��m atrai uma grande quantidade de inveja e ��dio.
��s vezes isso �� chamado de "inveja de quem est�� por cima".
Joe Levy, que era editor da Blender naquela ��poca, n��o poderia
ter se expressado melhor: "Quando um artista pop se veste
bem demais, �� super bem cuidado ou �� muito perfeito, �� t��o
f��cil odi��-lo quanto am��-lo". �� poss��vel que algumas pessoas
quisessem desenterrar fofocas sobre mim ou dizer coisas que,
aos olhos delas, pudessem ser negativas pelo simples motivo
de n��o querer que eu me sa��sse bem. Qualquer que tenha sido

o motivo, permanece o fato de ter sido, para mim, uma ��poca
de grande ang��stia.
Acredito que um dos fatores que contribu��ram para os rumores
sobre minha sexualidade tenha sido as pessoas acharem
minha imagem de "amante latino" excessiva. Em outras palavras,
possivelmente achavam que tudo que eu fazia -o modo
como dan��ava, as letras das minhas m��sicas, minha movimenta����o
sensual sobre o palco - n��o passava de uma tentativa de
disfar��ar minha homossexualidade. E isto �� o que sinto que
preciso deixar claro: sou o artista que sou gra��as ��s muitas experi��ncias
que me influenciaram ao longo do caminho, e isso
n��o tem nada a ver com minha sexualidade. Embora eu saiba
muito bem que toda a minha m��sica e encena����o t��m um
componente "sexualizado", isso n��o quer dizer que o modo
como dan��o, mexo meu quadril e me movimento com o ritmo

1 4 9


E U

seja uma express��o da minha sexualidade, n��o importa se eu
sinta atra����o por mulheres ou homens. Quando estou no palco,
sempre busco uma forma de me conectar com a plateia e
se descubro um movimento ou um passo de dan��a de que as
pessoas gostam, que as faz vibrar ou as deixa empolgadas, ent��o
vou continuar a us��-lo. Tem a ver com a pr��pria natureza
da encena����o seduzir a plateia, e isso n��o tem nada a ver com
minha vida pessoal.

Quando estou no palco, estou trabalhando. E fa��o meu
trabalho com dignidade. Com respeito. Trabalho porque gosto
do que fa��o e porque quero que as outras pessoas gostem
das minhas m��sicas e das minhas apresenta����es. Nos pa��ses
fora da Am��rica Latina, a cultura latina sempre teve uma conota����o
sensual, mas essa sensualidade que os outros parecem
captar �� completamente normal para quem vem desta parte do
mundo. Os movimentos da salsa, do merengue e da cumbia
existem em todos os pa��ses latinos.

O momento que melhor condensa essa quest��o sobre os
rumores e o mal que estavam me fazendo talvez seja a malfadada
entrevista a Barbara Walters. Conhecida por suas entrevistas
com algumas das pessoas mais famosas e poderosas
do mundo, ela tem uma habilidade ��nica de extrair detalhes
pessoais nunca antes revelados. Minha entrevista foi ao ar na
noite da entrega do Oscar, no dia 26 de mar��o de 2000, um
domingo. Na ��poca, eu era provavelmente uma das pessoas
mais conhecidas do mundo da m��sica e, por causa de toda a
divulga����o na m��dia que eu vinha fazendo nos quatro ou cinco
anos anteriores, estava superexposto. O ��lbum Ricky Martin e
a m��sica "Livin' la vida loca" ainda estavam vendendo como

1 5 O


ASSUMINDO O CONTROLE SOBRE MINHA VIDA

��gua, e na ��poca eu tamb��m estava em turn�� mundial de shows.
O especial com Barbara Walters era uma parte da programa����o
na TV muito aguardada, em uma noite com um dos maiores
��ndices de audi��ncia do ano todo.

A entrevista foi gravada em Porto Rico. Depois de andar
um pouco pela praia, sentamos em uma varanda para a entrevista.
Ela me perguntou sobre meu sucesso, minha vida como
cantor, minha fam��lia e, como boa investigadora que ��, quando
eu menos esperava, ela disparou a pergunta que eu mais
temia: ela me perguntou sobre minha sexualidade.

Respondi da mesma forma que sempre respondia: disse
que era um assunto particular e que n��o era da conta de ningu��m.
Mas, em vez de aceitar minha resposta e continuar a
entrevista, ela continuou a indagar sem ceder. At�� certo ponto,
entendo que ela s�� estava cumprindo seu dever, mas me pressionou
bastante, talvez achando que pudesse conseguir algum
tipo de confiss��o minha para o programa. N��o sei. Mas o fato
�� que n��o dei a ela o que ela queria.

Continuei firme com minhas respostas - tanto quanto foi
poss��vel -, mas lembro-me de que minha vis��o ficou turva e
meu cora����o disparou. Senti-me como um lutador de boxe que
acaba de ser acertado por um soco decisivo - cambaleante e na
defensiva, mas j�� nocauteado, prestes a cair. Mas n��o ca��. N��o
sei como consegui, mas fiquei firme. Agora, enquanto escrevo,
dou risada, mas n��o tenho certeza se �� uma risada nervosa ou
se, a uma certa dist��ncia, acho engra��ada aquela situa����o absolutamente
rid��cula. O fato �� que s�� posso rir.

Anos depois, Barbara admitiu que talvez n��o devesse ter
feito aquela pergunta, e lamentou t��-la feito. O que passou, pas


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E U

sou, mas eu apreciei muito o gesto, porque significa muito para
mim ela compreender que eu simplesmente n��o estava pronto.
Apesar dos rumores que circulavam, as coisas ainda n��o estavam
claras na minha cabe��a, e sair do arm��rio simplesmente
n��o era uma op����o. A press��o externa s�� serviu para aumentar
minha ang��stia. E, em vez de fazer o meu momento - o dia em
que me sentiria �� vontade para revelar minha verdade ao mundo
- aproximar-se, afastava-o ainda mais. Cada epis��dio desse
tipo me fazia enterrar ainda mais meus sentimentos, em uma
tentativa de continuar a abafar meu sofrimento.

Hoje, acho que teria sido f��cil dizer sim, e tenho orgulho
de quem sou. Apesar de nunca ter realmente mentido, eu me
esquivava da quest��o e era muito desajeitado em rela����o a ela.
Agora vejo que era muito simples, eu estava fazendo uma tempestade
em copo d'��gua, mas, naquela ��poca, n��o era assim
que eu via, nem como me sentia. N��o importa como eu vejo
-o importante �� que n��o era a hora. Por qu��? Porque n��o era.
Simplesmente n��o era.

Na verdade, n��o permaneci em sil��ncio s�� por mim. Apesar
de assumir toda a responsabilidade pelas minhas decis��es,
tamb��m sentia que precisava pensar em como minhas atitudes
poderiam afetar minha fam��lia, meus amigos e todas as
pessoas ao meu redor. Sempre cuidei dos que est��o perto de
mim, e fa��o isso porque gosto. Minha vida sempre foi assim, e
isso realmente me deixa feliz. Algumas pessoas acham que n��o
�� saud��vel, e eu concordo. �� algo que precisa de dedica����o. Sei
bem que o que fa��o inevitavelmente repercute nas vidas de outras
pessoas e, naquele momento, sentia que, se falasse sobre
minha sexualidade, as pessoas me rejeitariam e minha carreira

1 52


ASSUMINDO O CONTROLE SOBRE MINHA VIDA

provavelmente estaria acabada. E, se minha carreira acabasse,
quem iria sustentar minha fam��lia? Agora, muitos anos mais
tarde, percebo como at�� mesmo pensar nisso era absurdo, mas
era como eu via ent��o. Assim, continuei a ter relacionamentos
com homens, mas sempre os escondia. Ficava furioso ao pensar
que as pessoas achavam que podiam entrar na minha casa
e ver quem estava na minha cama. Qualquer que fosse minha
orienta����o sexual, eu ainda deveria ter direito �� privacidade.

Toda a press��o do trabalho, assim como da m��dia, come��ou
a se tornar t��o opressiva que o palco era o ��nico lugar
onde conseguia ter alguma sensa����o de paz. No entanto, depois
de algum tempo, at�� isso come��ou a perder o apelo. Pela
primeira vez na vida, at�� no palco frequentemente me sentia
pouco �� vontade, insatisfeito e vazio. N��o entendia por que
estava fazendo o que fazia. Foi quando disse a mim mesmo:
"Espere! Espere um pouco! Essa �� a ��nica coisa que voc��
realmente adora fazer, e at�� a�� voc�� est�� come��ando a se sentir
mal? Est�� na hora de parar". O palco era a ��nica coisa que me
restava, a ��nica coisa que adorava sendo um artista, e at�� isso
eu estava come��ando a perder.

N��o sei se o p��blico percebeu, mas tenho quase certeza
que sim. Em outras palavras, se algu��m tivesse visto um dos
meus shows em Nova York ou Miami, que aconteceram no
come��o da turn��, quando eu estava me divertindo, e depois
assistisse ao mesmo show na Austr��lia, quando a turn�� estava
para ser encerrada, definitivamente teria notado a diferen��a.
No fim, eu estava l��, cumprindo meu dever, mas o tempo todo
estava pensando: "Mal posso esperar que isso acabe para poder
voltar para casa".

153


E U

S�� queria dormir. N��o queria mais nada. Ent��o, chegou

o momento em que segui o conselho da Madonna e me desconectei.
Est��vamos na Austr��lia, e a parada seguinte era a Argentina.
Um est��dio cheio de gente nos aguardava em Buenos
Aires, mas eu cancelei. Simplesmente n��o aguentava mais. Esse
era o segundo concerto que cancelava na vida, e a primeira vez
havia sido porque estava doente.
Todo mundo na banda perguntava: "Mas o que aconteceu?
O que voc�� quer dizer com n��s vamos para casa?".

"E isso", dizia para eles, "vamos para casa. Estou totalmente
acabado; simplesmente n��o aguento mais."

"Mas Ricky, s�� falta uma semana para a turn�� acabar",
eles me diziam. "Vamos l��, s�� mais uma semana".

Em circunst��ncias normais, teria feito aquele esfor��o extra
e me for��ado a consumir at�� a ��ltima gota de energia que
me restasse. Mas dessa vez foi diferente, e sabia que eles nunca
seriam capazes de me convencer. Simplesmente n��o podia

- n��o conseguiria - continuar, e n��o havia uma alma viva que
pudesse me convencer do contr��rio. Tudo que queria naquele
momento era ir para casa.
Acho que foi uma crise de ansiedade. Eu estava esgotado,
e nem mesmo o palco era o suficiente para amenizar meu
desconforto. Se n��o queria mais fazer shows, qual era o sentido
de tudo aquilo? Precisava parar, porque quem sabe o que
aconteceria comigo se tivesse continuado mais uma semana
naquele ritmo?

Estava trabalhando sem parar h�� dezessete anos - mas os
��ltimos quatro tinham sido brutais. Primeiro, a turn�� de A medio
vivir, depois Vuelve, logo em seguida o Grammy e toda aquela

1 5 4


ASSUMINDO O CONTROLE SOBRE MINHA VIDA

loucura de "Livin' la vida loca". Quatro anos em turn�� era demais.
Fazia todo sentido eu estar me sentindo daquele jeito.

Al��m de tudo, n��o gostava de quem eu era. N��o gostava
do que estava sentindo. Comecei a me comportar como nunca
tinha me comportado antes. N��o desrespeitava ningu��m,
n��o gritava com ningu��m ou alguma coisa desse g��nero, mas
comecei a perder minha disciplina. Chegava atrasado. Brincava
com o tempo dos outros. Lembro que uma vez estava em
turn�� na Alemanha e tinha um compromisso ��s nove da manh��,
e cheguei no fim da tarde. Talvez para outros artistas isso
seja sem import��ncia, mas n��o para mim. Cada um tem seus
padr��es. Para mim, n��o aparecer nos ensaios ou faltar a um
compromisso �� o fundo do po��o.

Ent��o, parei de trabalhar. Voltei para casa e me isolei do
mundo. Ficava limpando minha casa, tinha muito pouco senso
de humor e nenhuma paci��ncia. Passava dias inteiros em casa
de pijama - o que �� totalmente contra minha natureza. Sempre
fui muito ativo, energ��tico, totalmente desperto logo de manh��
cedo, sempre pronto para o dia que me aguardava. Mas,
naquele momento, n��o queria saber de hor��rios, obriga����es
ou compromissos. Tudo o que queria era sil��ncio.

Agora, quando penso nisso, vejo essa ��poca como o in��cio
da minha metamorfose. Comecei a avaliar o que queria da minha
vida, do que precisava ou n��o. Foi como um renascimento.
Junto com esse renascimento, foi como se tamb��m estivesse
passando por um processo de desintoxica����o espiritual para
poder voltar �� ess��ncia, �� calma. Estava deixando de ser a pessoa
que havia sido naqueles ��ltimos anos para me tornar um
novo eu. Achei o processo muito interessante, mas quem me

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E U

conhecia melhor, meus amigos mais pr��ximos, simplesmente
n��o conseguiam entender o que estava acontecendo.
Um dia, uma amiga pr��xima veio me ver e, chocada com

o que estava acontecendo, gritou comigo, como se quisesse me
acordar do torpor em que me encontrava.

"Voc�� est�� se acabando".

"N��o!", gritei em resposta. "�� assim que eu sou. Se n��o
estiver gostando, v�� embora!"
"N��o vou a lugar nenhum", ela respondeu.
Nisso, atirei um copo contra a parede e ele se quebrou

em pedacinhos. Parece besteira, um ato isolado de desespero,
mas o efeito que teve naquele momento da minha vida foi totalmente
inesperado. Em vez de assustar minha amiga e ela ir
embora, fui eu quem ficou chocado: a explos��o me deu um
baque emocional. Nos cacos de vidro espalhados pelo ch��o, vi
o que estava acontecendo com a minha vida. Se n��o fizesse o
que era necess��rio para consertar aquilo o mais r��pido poss��vel,
eu tamb��m acabaria despeda��ado em um milh��o de
pedacinhos. N��o me reconheci em um gesto t��o violento e
compreendi como o problema era ainda mais s��rio do que estava
disposto a admitir. Uma coisa �� ser famoso e outra �� ser
totalmente controlado pela fama. Ser famoso pode ser muito
positivo, mas ser controlado pela fama n��o �� nem um pouco
positivo. Embora achasse que estava fugindo de tudo para ser
eu mesmo, meu comportamento err��tico era a prova de que a
fama ainda estava controlando minha vida.

N��o guardo arrependimentos, porque tudo o que aconteceu
tinha de acontecer. Doeu? Com certeza. Mas aprendi muito.
E isso �� o importante.

1 5 6


ASSUMINDO O CONTROLE SOBRE MINHA VIDA

A VIAGEM

HOJE POSSO DIZER que me perdoei por me deixar afundar tanto.
Ainda h�� momentos em que penso sobre como deixei minha
vida sair tanto de controle, como me deixei ser seduzido pela
fama. Talvez pudesse ter agido e feito as coisas de outra forma,
mas foi uma li����o. Precisei enfrentar todos os desafios que se
colocaram diante de mim para poder avan��ar no meu caminho
espiritual. Cheguei aonde cheguei para aprender a li����o e n��o
cometer os mesmos erros no futuro.

Para compreender isso, por��m, precisei chegar ao fundo
do po��o, segundo os meus padr��es. Foi ent��o que comecei a
olhar para dentro de mim, para encontrar o caminho do meu
despertar. Quando aquele copo se espatifou na parede, enxerguei
tudo. Imediatamente comecei a reparar todo o dano que
tinha causado a mim mesmo. Estava na hora de fazer algumas
mudan��as importantes. Parei de ter contato com as pessoas que
tinham uma influ��ncia negativa sobre mim, voltei �� academia
e meditei muito. Fiz uma faxina geral e me dispus a avan��ar na
minha busca espiritual. Precisava deixar todas as coisas materiais
para tr��s - os carros, as casas e o jatinho particular que
havia comprado -e andar a p�� por onde ningu��m soubesse
quem eu era, ou, se por acaso fosse reconhecido, n��o fizesse
a menor diferen��a. Precisava me reconectar com o menino
de seis anos dentro de mim e, era uma quest��o de prioridade,
deix��-lo feliz novamente.

Perguntei-me: Quem sou eu? Por que estou aqui? Qual
�� a minha miss��o? Minhas mem��rias mais felizes s��o da minha
inf��ncia. O tempo passado com meu pai. Tomar caf�� com

157


E U

meus av��s �� tarde. Ficar com minha av�� na sala enquanto ela
trabalhava em algum de seus projetos. Ouvir m��sica com minha
m��e. Voltando a pensar naqueles dias simples, t��o felizes,
percebi que precisava voltar ao in��cio. Precisava voltar a ser
um garotinho.

Comecei a praticar artes marciais e, em seis meses, fiquei
um pouco obcecado: tomava caf��, almo��ava, jantava, vivia e
respirava capoeira - uma arte que combina elementos de m��sica,
jogo, luta e dan��a. Era como voltar a ser crian��a. Ia a uma
academia de capoeira frequentada por pessoas dos dezoito aos
quarenta anos. Mas quando est��vamos praticando, todos vir��vamos
crian��as.

Tamb��m reservei um tempo para viajar. Atravessei os Estados
Unidos com alguns amigos em um trailer. Claro que poder��amos
ter feito a viagem em um ��nibus luxuoso, como os
usados nas turn��s, com motorista e todo o conforto imagin��vel.
Mas eu disse n��o. N��o queria aquilo. Para come��ar, queria
dirigir. E n��o queria por perto nada que me fizesse lembrar

o trabalho. Se tivesse resolvido viajar em um ��nibus bonito e
grande, isso me faria voltar a lembrar a loucura das turn��s,
correndo de um show para outro.
De fato, o que eu mais queria era simplicidade. Nas paradas,
n��o procur��vamos um hotel chique, ��amos a um camping onde
pud��ssemos ficar at�� a hora de voltar �� estrada. Dirig��amos em
turnos. Um dia, est��vamos passando por uma pequena cidade no
Texas e eu estava na dire����o. Ao que parece, ultrapassei o limite
de velocidade, e um policial me parou.

"Eu estava mesmo acima do limite de velocidade?", perguntei.
"Nesta coisa enorme?"

158


ASSUMINDO O CONTROLE SOBRE MINHA VIDA

"Sim, estava", respondeu o policial. "Voc�� estava a cinquenta
e cinco quil��metros por hora e o limite �� cinquenta".
Entreguei a ele minha carta de motorista e, quando ele
olhou, n��o acreditou no que estava vendo.

"Como?", ele disse. "Ricky Martin? Aqui?"

"Sim, sou eu", disse, resistindo �� vontade de dar risada.

"Mas o que Ricky Martin poderia estar fazendo em uma
cidadezinha como esta?"

Conversamos um pouco, contei sobre as f��rias e perguntei
como fazia para chegar a um hotel. Mais tarde, naquela noite,
morri de rir s�� de pensar em como sua fam��lia e os colegas da
delegacia provavelmente n��o iriam acreditar nele quando contasse
a hist��ria.

E assim foi toda a viagem. De uma cidade para a outra,
sem luxo ou ostenta����o. Fui com um grupo de amigos, e no
caminho encontramos outros grupos de amigos que moravam
em v��rias das cidades pelas quais passamos.

Passei pelo Grand Canyon, Las Vegas, Vail, Aspen e pelo
deserto de Mojave. Ia para onde queria, fazia o que queria,
sem praticamente planejar nada. Adorei.

Pela primeira vez em muito tempo me senti totalmente livre,
poderoso, capaz de fazer o que quisesse, sem me importar
com o que diriam ou achariam. Tinha passado tanto tempo
pensando em trabalho, no que se esperava de mim e no que
precisava fazer a cada dia que tinha me esquecido de como ��
acordar de manh�� sem ter planos.

Tamb��m fui algumas vezes para a ��sia. Fiz uma viagem
�� ��ndia que mudaria minha vida. Voltei. Passei uns tempos
em Nova York e depois fui para o Brasil, em busca de novas

1 5 9


E U

sonoridades. Viajei para o Egito com alguns amigos, sempre
tentando permanecer an��nimo. Usava um chap��u e, quando
cheg��vamos ao hotel, um dos meus amigos fazia o check-in, e
eu ia direto para o quarto. Todo dia, quando eu sa��a, as pessoas
olhavam para mim e diziam: "Ser�� que �� ele? N��o. N��o
pode ser... Mas parece muito".

Um dia, no Egito, contratamos uma guia para nos levar
aos lugares hist��ricos e tur��sticos e explicar o que est��vamos
vendo. Enquanto passe��vamos, ela me olhava com o canto do
olho, mas o tempo todo n��o disse uma palavra. No fim da tarde,
ela n��o resistiu mais e perguntou: "Com licen��a. O senhor
�� o Ricky Martin?".

Sim, sou. Mas n��o o que voc�� conhece.

Agora sou o Kiki, prazer.

As coisas estavam mudando. Sentia agora necessidade de
dedicar o maior tempo poss��vel ao menino dentro de mim.
Sentia que precisava desaparecer por um tempo e mergulhar
em mim mesmo para me conectar com meus sentimentos mais
verdadeiros, meu eu mais profundo. Amores apareceram e se
foram, e me permiti viv��-los integralmente. Com mais calma
e menos medo, com menos culpa e mais aceita����o. Aprendi a
amar-me novamente e a ser o menino espont��neo e cheio de
alegria que tinha sido um dia.

O PRAZER DO SILENCIO

A PRIMEIRA COISA que fiz quando voltei a trabalhar foi gravar um
disco em ingl��s, que seria o primeiro a ser lan��ado depois de
Sound loaded. Mas ele demorou uma eternidade para ser feito.

1 6 0


ASSUMINDO O CONTROLE SOBRE MINHA VIDA

Ent��o, quando estava mais ou menos na metade do caminho,
parei de gravar em ingl��s e voltei a gravar em espanhol. Disso
nasceu Almas dei silencio, onde est�� a m��sica "Asignatura
pendiente", citada anteriormente. Acredito que esse ��lbum, e
mais especificamente essa m��sica, dedicam-se ao menino dentro
de mim. A experi��ncia de fazer esse disco sem nenhuma
press��o, fazer o ��lbum que queria fazer, foi um presente para

o Kiki. Na verdade, a m��sica de Arjona, "Asignatura pendiente",
�� um tributo a esse menino, vem de tudo por que passei ao
longo daqueles meses.
N��o sa��mos em turn�� para Almas dei silencio, o que foi
totalmente novo para mim. Em vez disso, fui para a Europa,
��sia, Austr��lia e Am��rica Latina s�� fazendo divulga����o aqui e
ali - tudo como eu queria, sem nenhuma press��o. Tamb��m fiz
uma certa divulga����o, e de um jeito ou de outro, o ��lbum acabou
vendendo 1,7 milh��o de c��pias s�� nos Estados Unidos e
recebeu discos de prata na Espanha, Argentina e Estados Unidos.
�� claro que isso nem se compara ao sucesso de Vuelve ou
A m��dio vivir, mas fiquei satisfeito, porque foi um disco feito
com tempo e sob as minhas condi����es, e, para um disco em espanhol,
os n��meros na verdade foram bastante bons. Depois,
voltei ao est��dio para terminar de gravar o ��lbum em ingl��s,
que eu tinha deixado pela metade. Aprendi a minha li����o: nunca
mais sair em turn�� enquanto estiver gravando um ��lbum. E
uma loucura desnecess��ria, nunca mais vou fazer isso.

O nome do ��lbum em ingl��s acabou sendo Life, lan��ado
em 2005. Apesar de ser um disco sem d��vida interessante,
com muitas influ��ncias e sons, devo admitir que n��o �� meu
favorito. Queria fazer um disco introspectivo, contemplativo e

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E U

multifacetado, como a vida. Queria me conectar com minhas
emo����es. Acho que consegui, pelo menos at�� certo ponto. Mas
esse ��lbum acabou sendo influenciado por muitas culturas diferentes,
e uma parte da cr��tica a ele foi que, apesar de as m��sicas
serem boas por si mesmas, o ��lbum como um todo sofria
de uma certa falta de coer��ncia.

Minha resposta sempre era: "A vida �� exatamente assim",
j�� que cada fase ou per��odo �� diferente. Nesse sentido,
n��o sou a mesma pessoa de uma hora atr��s, ou a mesma de
ontem, ou a que era de manh��. E �� justamente isso que torna
a vida t��o interessante. Dito isso tudo, por��m, sei que os cr��ticos
estavam certos: a produ����o ficou espalhada, em grande
parte devido ao fato de o ��lbum ter sido lan��ado cinco anos
depois do come��o das grava����es. Quando se come��a a trabalhar
em uma coisa, ap��s cinco anos provavelmente muitas
coisas ter��o acontecido. Novas emo����es, novas experi��ncias
de vida -e at�� nova tecnologia! Pode ser um computador, ou
uma mudan��a na fabrica����o de um instrumento, mas a tecnologia
cria uma s��rie de novos sons e influ��ncias. E tudo isso
afeta o produto final.

De qualquer forma, o ��lbum era de uma qualidade impec��vel.
Quando paro e penso sobre por que demorei tanto
tempo para grav��-lo, acredito ter sido porque estava me escondendo.
Em certa medida, acho que ainda estava afetado
por tudo o que tinha acontecido com "Livin' la vida loca", a
completa exaust��o a que tinha chegado e a intensidade de toda
a experi��ncia. Foi quase como ficar com o cora����o partido depois
de se apaixonar loucamente. Ainda amava o palco, e me
sentia bem diante da plateia, mas, no fundo, temia que o que

1 6 2


ASSUMINDO O CONTROLE SOBRE MINHA VIDA

tinha acontecido antes acontecesse de novo. De certa forma,
queria estar l��, mas tamb��m n��o queria. De jeito nenhum.

Demorei algum tempo antes de estar pronto para encarar
o mundo novamente. O tempo que passei sob os olhos do
p��blico foi um dos per��odos mais importantes da minha vida.
Aprendi uma li����o de humildade: por muito tempo me vi como
uma esp��cie de super-homem que nada poderia deter. Aprendi
quais eram os meus limites e, o mais importante, aprendi como
dizer aos outros quais s��o os meus limites. N��o iria mais fazer
tudo que me fosse pedido; n��o podia mais estar em todo lugar
ao mesmo tempo. E nem queria. Aprendi a amar a minha vida
novamente, e, acima de tudo, reconectar-me com a pessoa que
era antes. Percebi que tudo por que tinha passado nos ��ltimos
anos tinha sido sem d��vida um sonho - mas no caminho tinha
me esquecido de ser eu mesmo.

Aprendi que, para ser o dono da minha vida, precisava
trat��-la com respeito e responsabilidade. Quem deve decidir o
que �� melhor para mim sou eu; preciso buscar o que preciso, e
quando preciso, e n��o deixar outra pessoa ditar que eu deveria
ou n��o fazer. Minha vida �� minha e eu a controlo. At�� hoje,
esse �� um prop��sito a que me prendo muito, porque, se eu n��o
cuidar do meu templo, ou impedir que outros o invadam, ent��o
quem vai?

1 6 3


CINCO

O SOM DO SIL��NCIO


As LI����ES MAIS VALIOSAS DA VIDA S��O APRENDIDAS EM SIL��NCIO

absoluto. Quando estamos envolvidos nesse sil��ncio, adquirimos
a capacidade de nos conectar com - e raciocinar sobre nossa
natureza mais ��ntima, nosso esp��rito. Todos passamos a
vida - alguns tendo mais pressa do que outros - buscando a felicidade.
Parece simples, n��o? Mas logo percebemos que, antes
de encontrarmos a felicidade, antes at�� de come��armos a busc��-
la, precisamos entender nosso interior. Devemos nos conectar
com o garotinho ou a garotinha que temos dentro de n��s
para descobrir nossos sonhos mais profundos e os meios pelos
quais os alcan��amos.

Tive a grande sorte de levar uma vida incr��vel. Extraordin��ria.
Mas, assim como h�� momentos em que senti estar em
meu auge, houve outros em que me senti totalmente afundado,
e quando o frenesi de "Livin' la vida loca" chegou ao fim, eu
estava num desses per��odos. Estava muito cansado e extremamente
triste. N��o tinha vontade de fazer nada, e ainda que,
para os outros, parecesse que eu possu��a tudo o que queria,
nada material causava efeito em mim. S�� queria ficar em casa
e n��o fazer nada. Tinha chegado aos mais altos escal��es da
ind��stria musical - algo que busquei incansavelmente -, mas

1 6 7


E U

estava de saco cheio e n��o tinha vontade de aproveitar esse poder.
A verdade �� que eu estava simplesmente exausto, esgotado
e n��o queria fazer nada. Assim, isolei-me o m��ximo que pude.

Na ��poca, n��o percebi que, na verdade, estava bem pr��ximo
de muitas coisas extraordin��rias que iriam acontecer em
minha vida. Apesar de me sentir sem esperan��as, tudo estava
se alinhando para me levar ��quele exato ponto de desespero,
em que eu acabaria fazendo perguntas e encontrando respostas
com as quais nunca sonhara. Mais tarde, me dei conta de
que passei muito tempo olhando para fora, em vez de olhar
para dentro. Tomava decis��es com base no que minha mente
me dizia - de modo automatizado -, ou no que sentia em meu
cora����o - de maneira apaixonada. Sozinhas, ambas as formas
de encarar a vida s��o incorretas, e eu precisava encontrar o
equil��brio entre as duas. Tinha de encontrar meu centro. Precisava
ir fundo para encontrar aquelas emo����es esquecidas, escondidas
e estragadas pela adrenalina e pela euforia que vivi
nos anos anteriores.

Ap��s passar por tantas coisas e ter de tudo, queria chegar
ao polo oposto: queria encontrar a simplicidade absoluta.
Como sempre, a vida me enviou exatamente aquilo de que
precisava quando mais precisei.

O PEQUENO IOGUE

No FINAL DE 1998, quando estava em meio ao caos de "La copa
de la vida" e preparando meu primeiro ��lbum em ingl��s, fiz
um show em Bangcoc. Ir de um lugar para outro, sem tempo
para nada, era nossa rotina. Certa vez, depois de uma coletiva

1 6 8


O SOM DO SIL��NCIO

de imprensa, atravessei a cozinha de um hotel para retornar ao
meu quarto sem ser incomodado, e de repente, naquele caos
absurdo da cozinha, vi um homem que tinha uma aura muito
especial. Parecia um pequeno Gandhi. Em outro momento,
teria passado por ele sem o notar, mas havia algo nele que me
chamou a aten����o.

"Ol��", falei em ingl��s.

E ele respondeu em espanhol: "Hola!".

"Hola?", falei. "Voc�� fala espanhol?"

"L��gico", disse. "Tamb��m sou porto-riquenho."

"Est�� aqui de f��rias?", perguntei-lhe, surpreso.

Ao nosso redor, chefs e gar��ons iam e vinham com grandes
pratos de comida. Os seguran��as me aguardavam pr��ximo
ao elevador, para que eu pudesse voltar rapidamente para o
quarto, comer alguma coisa e descansar um pouco antes do
show. Mas, naquele instante, senti o tempo paralisado. O homem
emanava tanta paz e serenidade que era como se n��o
houvesse nada ao nosso redor.

"N��o, n��o", respondeu. "Sou porto-riquenho, mas vivo
em Bangcoc h�� dezoito anos."

Contou-me que foi monge budista e que havia morado
na ��ndia. Como monge, foi para o Nepal e o Tibete, e passou
muitos anos nas montanhas da Tail��ndia. Mas, certo dia, apaixonou-
se por uma chinesa e desistiu de ser monge, para poder
se casar e iniciar uma fam��lia. Agora trabalhava no hotel.

"Macacos nascem macacos porque o destino deles �� morar
nas ��rvores", falou, "e seres humanos nascem para se reproduzir.
Assim, deixei de ser monge e hoje estou casado, com

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E U

duas lindas filhas. Apesar de n��o ser mais monge, a experi��ncia
me ajudou a encontrar meu caminho."

Suas palavras tocaram minha alma. Sua hist��ria me encantou,
assim como sua sabedoria, mas, acima de tudo, eu
sentia algo especial na presen��a daquele homem e n��o queria
que ele fosse embora. Queria continuar fazendo-lhe perguntas
e escutar o resto da hist��ria. N��o sei se foi por ele ser porto-
riquenho como eu, ou por ter uma aura t��o especial, mas senti
que possu��amos uma liga����o muito poderosa. Talvez fosse
apenas intui����o, mas o fato �� que n��o me enganei.

"Espere um pouco!", disse para ele. "Precisamos conversar.
Pode fazer uma pausa para vir comigo? Adoraria conversar
um pouco mais com voc��."

Ele respondeu com um sorriso largo, acompanhou-me no
elevador e foi at�� o meu quarto, onde continuamos nossa conversa.


Naquela ��poca, eu tinha come��ado a perceber que havia
um mundo de disciplinas espirituais que eu ignorava. Um amigo
meu, que na ��poca era um dos meus cantores de backing,
estava muito interessado em esoterismo, e aos poucos foi me
apresentando a este universo. Naquele tempo, bastava algu��m
dizer "ioga", "carma" ou "medita����o" para eu ficar fascinado.

"Isso �� incr��vel. Bem na hora em que come��o a ficar muito
interessado por esses assuntos, voc�� aparece na minha vida",
falei para o ex-monge.

Ap��s ficarmos ali sentados por um tempo, chamei meu
amigo, o cantor, para vir se juntar a n��s. E n��s tr��s come��amos
a falar sobre a vida. Falamos sobre tantas coisas que nem
me lembro mais dos detalhes, mas sei que causaram um grande

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O SOM DO SIL��NCIO

impacto em mim. Quando fomos chamados para a verifica����o
de som, minha cabe��a estava girando. Pedi que meu novo amigo
ficasse conosco enquanto faz��amos os testes, e mais uma
vez ele aceitou.

Fiquei t��o fascinado com a conversa que tentava absorver
cada palavra que diziam e todos os conceitos que explicavam.
Apesar de eu saber um pouquinho sobre a filosofia que discutiam,
a profundidade com que falavam era algo totalmente
novo para mim. Ficamos conversando e chegou a hora do jantar;
pedimos comida no quarto. Perguntei ao ex-monge: "Voc��
n��o vai comer?".

"N��o se preocupe", disse-me. "Isso aqui me alimenta.
Fico satisfeito s�� de estar sentado aqui conversando e compartilhando
ideias com voc��s."

Considero esta uma das muitas reflex��es s��bias que o homem
fez naquele dia. E uma pessoa extraordin��ria, que me
abriu os olhos para um mundo totalmente novo, do qual eu
nada sabia, e me ensinou o que eu precisava fazer para aprender
mais.

Conforme passamos a nos conhecer melhor, a liga����o espiritual
que senti com ele desde o in��cio tornou-se bastante
real. A sensa����o era de que nos conhec��amos ao longo de toda
nossa vida. Assim como se diz que h�� amor �� primeira vista,
nossa amizade era como amizade �� primeira vista. Hoje, refiro-
me a ele como o pequeno iogue, n��o apenas porque tem o
t��tulo de "iogue" entre os praticantes de ioga, mas basicamente
para que seja lembrado como uma esp��cie de professor, j��
que me ensinou tantas coisas. Ele se tornou um guia espiritual
para mim.

1 7 1


E U

Sinto que passei a maior parte de minha vida em uma jornada
espiritual. Sempre busquei encontrar tranquilidade, serenidade,
paz interior, Deus - n��o importando o nome que se d��
a Ele/Ela. Assim, quando encontrei aquele homem, que emanava
tanta sabedoria e tamanha compreens��o desses assuntos,
n��o demorou muito para eu me convencer de que n��s tr��s (eu,
meu cantor de backing e nosso novo amigo) precis��vamos seguir
em uma jornada at�� a fonte desse conhecimento.

ABRINDO MEUS OLHOS OCIDENTAIS

OITO DIAS AP��S conhecer o pequeno iogue em Bangcoc, voltei
de avi��o para Miami para a abertura de um restaurante. Mas
nossa despedida n��o foi muito demorada, j�� que hav��amos
tomado uma decis��o: viajar��amos juntos pela ��ndia; precis��vamos
apenas cuidar de alguns assuntos pendentes antes de
embarcarmos em nossa expedi����o. Acima de tudo, o que mais
me animava era a oportunidade de fazer uma pausa e dar uma
de mochileiro pela ��ndia. Nunca tivera a chance de fazer algo
assim. Pela primeira vez em muito tempo, fiquei empolgado
com a perspectiva de viajar, mas o que eu n��o sabia era que
aquela viagem seria radicalmente diferente de todas as outras
que j�� tinha feito.

Pousei em Miami pela manh��, e naquela mesma noite, ��s
sete, ocorreu a abertura do restaurante para o p��blico e a imprensa.
��s dez da noite, apenas tr��s horas depois, embarquei
novamente em um avi��o, dessa vez rumo �� ��ndia. Se fosse a
trabalho, provavelmente n��o teria ficado t��o animado, mas era
algo diferente; eu sentia uma energia especial. Como hav��amos

172


O SOM DO SIL��NCIO

planejado, meu amigo, o cantor de backing, foi comigo, e juntos
chegamos a Calcut�� para encontrar nosso novo amigo.

Eu tinha estado na ��ndia algumas vezes, mas eram sempre
viagens a trabalho e sempre por per��odos muito curtos. Apesar
de ser um pa��s que me fascinava e intrigava, nunca tivera
tempo para explor��-lo do modo devido. Toda vez que visitava
uma cidade pela primeira vez, esfor��ava-me para ver o m��ximo
dos principais pontos tur��sticos, mas nunca era suficiente
para ter uma impress��o real do lugar ou do povo.

Havia algo na ��ndia que me fascinava e me atra��a profundamente,
e sempre quis conhecer mais daquele lugar. Como
pa��s, a ��ndia j�� ocupava um lugar especial no meu cora����o,
mas s�� quando fui com meu amigo, o ex-monge, dei-me conta
de que sabia pouca coisa sobre aquele pa��s. S�� quando
cheguei com uma mochila pendurada no ombro para encontrar
meu l��der espiritual �� que descobri a verdadeira beleza da
M��e ��ndia.

O pequeno iogue tinha tudo planejado. Passar��amos a primeira
noite em Calcut�� e, depois, viajar��amos de trem para a
pequena aldeia de Puri.

Sempre digo que quem vai �� ��ndia e n��o visita uma esta����o
de trem n��o foi �� ��ndia. As esta����es indianas est��o entre os
lugares mais incr��veis que j�� vi, cheias de pessoas, movimento,
sons, cheiros e cores. O importante �� esquecer que �� estrangeiro
e ver-se como parte do instant��neo e da realidade daquele
momento. Caso contr��rio, o caos que pode sobrevir �� suficiente
para fazer uma pessoa fugir dali. Centenas de pessoas se
amontoam para conseguir um lugar no trem. H�� gente gritando
e brigando, e seu ��nico desejo �� conseguir um espa��o para

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E U

voc�� e sua mochila. Crian��as correm ao lado do trem gritando:
"Ol��! Ol��, senhor!".

No dia em que fomos pegar o trem para Puri, em meio a
toda a confus��o, havia quatro crian��as puxando minha mochila
e agarradas ��s minhas pernas. Disse-lhes v��rias vezes para
n��o fazerem aquilo, at�� que, por fim, tirei minha mochila e
disse: "Parem!".

Elas falavam bengal��s. E eu falava-lhes em espanhol e ingl��s.
Mas elas n��o entendiam nenhuma das duas l��nguas, e eu,
logicamente, n��o falava bengal��s.

Assim, peguei as quatro crian��as e disse-lhes: "Esperem!",
e comecei a cantar: "Palo, palo, palo, palo, palito, palo es...".
�� urna tradicional cantiga infantil latino-americana, do
tipo que se ensina para crian��as bem pequenas.

Elas ficaram hipnotizadas. "Hein?", disseram, com um
olhar de surpresa no rosto. Mas logo come��aram a imitar as
palavras da m��sica.

"Palo, palo, palo, paio, palito, paio es...", repetiam.

E assim, de modo totalmente inesperado, ensinei ��quelas
crian��as algo que vinha da minha parte do mundo. Mais uma
vez, a m��sica transcendia as barreiras da l��ngua. E, apesar de
elas n��o entenderem uma palavra do que eu dizia, senti que
hav��amos nos conectado por meio da m��sica. Foi um instante
��nico, em que reduzimos a dist��ncia entre nossas culturas e
tocamos algo bem profundo de nossa natureza.

Depois de brincar um pouco com as crian��as, despedi-me
delas e embarquei no trem em meio a toda aquela loucura, e
seguimos para Puri.

174


O SOM DO SIL��NCIO

Puri �� uma cidade famosa por abrigar um dos templos
mais sagrados da cultura hindu. O templo, que existe h�� milhares
de anos, �� chamado Shree Jagannath, por ser dedicado
ao deus hindu Jagren��, uma encarna����o de Krishna. Apenas os
hindus t��m permiss��o para entrar no templo. Todo ano, milhares
de adoradores de Vishna-Krishna batem ��s suas portas
para um festival em que montam um ��dolo de Krishna sobre
uma carro��a gigante, que �� levada pelas ruas de Puri.

A cidade tamb��m �� conhecida como Praia Dourada, devido
�� cor da areia das praias na ba��a de Bengala. �� um lugar com
paisagens incr��veis, onde se pode assistir ao nascer e ao p��r do
sol sem sair do lugar, sem se mexer, e onde, durante o p��r do sol,
pode-se olhar diretamente para o sol sem queimar os olhos.

Al��m de tudo isso, Puri �� um retiro espiritual para os praticantes
de ioga e o ponto central de muitas religi��es. H�� muitos
mathas (monasterios hindus), de v��rios ramos do hindu��smo,
assim como casas de ora����es crist��s, judaicas e mu��ulmanas.
E impressionante ver todas essas religi��es coexistindo. Todas
compartilham este extraordin��rio vilarejo, e cada uma tem seu
pr��prio templo, onde se pode praticar a religi��o em paz e tranquilidade
absolutas. A cidade tamb��m �� um lugar sagrado, a
que as pessoas v��m para morrer e ser cremadas.

Num s�� dia, vi a crema����o de um mu��ulmano; uma cerim��nia
hindu que envolve jogar o corpo no rio; e um budista,
um crist��o e um hindu tomando ch��, juntos, num pequeno
bar: o monge budista tinha uma mala no pulso, o crist��o, uma
cruz pendurada no peito, e o hindu, uma tilaka na testa. Era
dif��cil acreditar. Era uma imagem t��o impressionante que mi


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E U

nha cabe��a come��ou a girar. Como n��s, ocidentais, conseguimos
ser t��o limitados?

Somos de uma sociedade que diz que, devido a sua religi��o,
uma pessoa �� boa ou m��. Somos carregados de preconceitos e
estigmas culturais baseados em qu��? Em nada. Aprendemos a
temer qualquer pessoa que seja diferente de n��s... Por qu��? Por
ignor��ncia. Em vez de nos concentramos nas diferen��as entre
seres humanos, dev��amos nos focar nas semelhan��as -e o fato
�� que h�� muitas! �� isso que fa��o do ponto de vista espiritual,
assim como no meu dia a dia. Sempre busco encontrar um denominador
comum, e a verdade �� que quase sempre acho um.
H�� milh��es de culturas no mundo, certo? Somos todos diferentes,
em muitos aspectos, mas no final o que importa �� que
somos todos seres humanos. A ��nica coisa da qual precisamos
para viver �� a vontade de respirar. E, quando nos cortamos, o
sangue que sai de nossos corpos tem a mesma cor.

A ��nica coisa que desejo para a minha vida, e para as vidas
de todos os outros seres humanos, �� encontrar paz interior.
N��o importa o caminho que se escolha para isso. Seja o catolicismo,
o islamismo, o budismo, o hindu��smo, o cristianismo,

o juda��smo, a f��sica qu��ntica, o tao��smo, o ate��smo - o que
importa �� encontrar o que funciona para cada um de n��s; e
como cada mente �� um universo ��nico, n��o �� de surpreender
que cada um de n��s precise encontrar uma maneira diferente
de atingir seu pr��prio estado de paz interior. Nenhuma coisa
�� melhor do que outra; nenhuma religi��o �� mais eficiente ou
mais v��lida do que outra. A chave �� encontrar seu pr��prio caminho.
No budismo, h�� um ensinamento que diz que o pior
que se pode fazer por si mesmo �� dizer a outra pessoa que a
1 76


O SOM DO SIL��NCIO

f�� dela �� errada. N��o se trata apenas de um ato de extrema
arrog��ncia em rela����o a outros - �� tamb��m a pior coisa que se
pode fazer contra seu pr��prio carma. Esse �� um conceito t��o
poderoso que, se todos o aplicarmos, pode tornar o mundo
um lugar melhor.

Para mim, uma das grandes falhas dos seres humanos ��
sempre procurar maneiras de definir pessoas, classific��-las,
rotul��-las. E nessas classifica����es criadas pelos homens h��,
logicamente, coisas boas e m��s. Para n��o classific��-las como
positivas ou negativas, chamando-as de "boas" ou "m��s", procuro
visualiz��-las como frequ��ncias compat��veis ou incompat��veis
com as minhas. Prefiro simplesmente me agarrar ��s
compat��veis, ��quelas que me ajudam e alimentam meu esp��rito,
e tento n��o focar naquilo que rouba a minha paz ou desacelera

o crescimento de minha alma. Sempre procuro o que �� mais
eficiente para mim, o que se alinha mais ��s minhas cren��as
pessoais, minha religi��o ou filosofia. Tento permanecer aberto
a acreditar e me esfor��o para sempre encontrar novos ensinamentos
e novos caminhos onde quer que eu v�� e em qualquer
situa����o em que esteja. Se me limitasse a ser budista, ou cat��lico,
ou hindu, de certo modo estaria me fechando e n��o
receberia li����es de outras cren��as e filosofias. Tive experi��ncias
incr��veis com o catolicismo e tamb��m tenho uma grande
afinidade com certos ensinamentos budistas. Na verdade, vejo
muitas semelhan��as entre o hindu��smo e o catolicismo, e sinto
que encontro em ambas as religi��es respostas aos desafios que
enfrento em minha vida pessoal.
H�� uma hist��ria, em s��nscrito, que diz que Jesus - durante
os chamados anos perdidos, em que, de acordo com a

17 7


E U

B��blia, desapareceu e foi meditar - viajou por toda a ��ndia e
atravessou o Himalaia para chegar ao Tibete. Diz-se que se
juntou a uma caravana e viajou pelo Oriente M��dio (por Iraque,
Ir��, Afeganist��o e Paquist��o), passando pela ��ndia e Nepal
para, por fim, chegar ao Tibete. Existem dezenas de fatos
que sustentam essa afirma����o, mas a hist��ria mais interessante
para mim �� que, ao retornar de sua viagem, Jesus lavou
os p��s de seus disc��pulos. N��o parece estranho? Jesus dizia a
seus ap��stolos que lavar os p��s de um ser humano �� um sinal
de humildade e servid��o. Na verdade, esse costume existe em
outras religi��es, como no isl�� e no siquismo; e, no hindu��smo,
tocar os p��s de outra pessoa �� um sinal de respeito. N��o
acho que isso seja coincid��ncia. Para mim, essa informa����o
tem uma raz��o, cristalizando a liga����o que sinto existir entre
todas as religi��es.

O SWAMI

EM PURI, o PEQUENO iogue nos levou at�� um ashram - um local
de medita����o -, onde ficamos algum tempo estudando ioga e
conversando com o swami Yogeshwarananda Giri, um mestre
s��bio que tinha atingido um alt��ssimo n��vel na pr��tica de ioga.

O swami era um homem muito quieto, que irradiava uma
luz muito especial, uma energia bonita. Tive a honra de conhec��-
lo porque, em algum momento de sua vida, o pequeno
iogue porto-riquenho vivera naquele ashram e estudara com

o mestre de Yogeshwarananda Giri, chamado Paramahamsa
Hariharananda. Assim como o pr��prio swami tinha estudado
sob a tutela de um grande mestre, agora outro aluno - o pe1
78


O SOM DO SIL��NCIO

queno iogue - estava lhe trazendo uma nova gera����o de alunos
(n��s). Antes daquele swami, houvera outro swami, e mais
outro antes deste; �� bonito pensar que existe uma longa fila de
mestres e estudantes aos quais eu estava tendo acesso naquele
momento. Mas �� importante deixar claro que o simples fato de
ter sido um aluno do swami n��o significa que eu possa ensinar
as t��cnicas que ele me passou, j�� que n��o sou treinado para
faz��-lo. O swami nasceu para ser iogue: passou a vida toda
estudando e preparando seu corpo para ser iogue, e esse �� o
destino dele. Eu, por outro lado, apenas tive o privil��gio de
aprender com ele, por um breve per��odo.

Na primeira vez que me encontrei com o swami Yogeshwarananda,
notei que o pequeno iogue - seu disc��pulo - n��o lhe
beijou os p��s, mas apenas os tocou e recitou uma ora����o. Encarei
esse gesto como uma bela demonstra����o de humildade e
respeito. Assim, fiz o mesmo que meu amigo: ajoelhei-me para
tocar os p��s do homem. Como eu n��o sabia o que se deve dizer,
ou pensar, enquanto se toca os p��s de um swami, comecei a recitar
o Pai-Nosso. Acho que foi a ora����o mais r��pida de toda a
minha vida, j�� que me parecia estranho permanecer ajoelhado
diante do mestre por tanto tempo. Era uma situa����o totalmente
nova para mim, e eu n��o sabia o que fazer. Passavam tantas
coisas pela minha mente, imaginei o que diriam meus amigos
se me vissem ali. Podia at�� vislumbrar a express��o do meu empres��rio,
tentando impedir que as pessoas tirassem fotos da
cena, as quais certamente acabariam em uma publica����o como
a revista People.

Eu estava rindo por dentro, mas depois me dei conta do
quanto representava aquele pequeno ato de humildade. Ti


1 79


E U

nha passado tantos anos vivendo em um mundo de glamour,
viagens luxuosas, su��tes de hotel e jatinhos particulares, que
aquele simples ato de humildade era-me muito necess��rio.
Ajoelhar-me e tocar os p��s sujos de outro homem era um gesto
muito simb��lico e poderoso, porque significava deixar de lado
meu ego e tamb��m a imagem aumentada que tinha de mim,
devido a tudo que tinha conquistado. Poderia muito facilmente
ter apenas apertado a m��o do homem e dito: "Boa tarde,
como vai?". Mas n��o. Ajoelhei-me no ch��o e toquei seus
p��s, e a partir daquele instante senti algo vibrando dentro de
mim. Senti que estava fazendo a coisa certa, e foi assim que
comecei o longo caminho para conseguir me conectar com a
parte mais profunda do meu ser. Tinha passado muitos anos
separando minha pessoa p��blica da privada, e estava finalmente
come��ando a encontrar uma forma de reconciliar esses
dois poios opostos da minha exist��ncia.

Com o swami, estudei ioga kriya, um tipo bem passivo
de ioga que tem muito a ver com reflex��o. N��o exige muito
esfor��o f��sico, sendo, em vez disso, um processo de explora����o
interna. Foi por meio desse processo que o swami me ajudou a
abrir o chamado kundalini - uma energia evolucion��ria, invis��vel
e imensur��vel, que sobe pela espinha, atravessando os sete
chacras do esp��rito. �� muito louco, pois, supostamente, pela
pr��tica da ioga kriya, acaba-se come��ando a escutar os sons
naturais do corpo. Segundo a filosofia da ioga kriya, o corpo ��
repleto de sons e fluidos onde a energia vem e vai; por��m n��s,
em nossa corrida maluca para viver no mundo moderno, os ignoramos.
Esses sons corp��reos s��o o que eles, na verdade, chamam
de o som do sil��ncio; e, assim que se consegue escut��-los,

1 8 O


O SOM DO SIL��NCIO

eles ir��o conect��-lo com seu pr��prio centro, onde ser��o encontradas
tranquilidade, serenidade e paz.

O sil��ncio na verdade �� uma nota ��nica, apenas uma nota.
E o som que se ouve quando se apagam todas as luzes e todos
os aparelhos em sua resid��ncia, quando se est�� sozinho e deita-
se na cama para dormir. O que se escuta nesses momentos ��

o som do sil��ncio. E �� esse som que se busca escutar por meio
da pr��tica. E essa nota que procuro em minha medita����o, �� ela
que permite que eu me concentre e me deixa absorto em rela����o
a tudo ao meu redor. Foi isso que o swami me ensinou.
Quando cheguei ��quele asbram, numa vila perto do mar num
canto da ��ndia, n��o sabia nada sobre isso. Tinha viajado para a
��ndia porque achei que era um pa��s interessante, porque eu precisava
descansar, porque as palavras do pequeno iogue despertaram
a curiosidade em mim. Mas n��o tinha a menor ideia do que eu
estava procurando. N��o imaginava o que iria aprender. Na verdade,
minha vis��o era t��o simples que, quando me disseram que

o swami era um mestre de ioga, imaginei que ele fosse me ensinar
como me alongar e tocar a orelha com o ded��o do p��.
A pr��tica da ioga no Ocidente assumiu um vi��s totalmente
comercial. Hoje �� apenas um neg��cio, e qualquer um pode
se tornar um instrutor de ioga ao pagar v��rias centenas de d��lares
por um certificado. Mas, na ��ndia, o pa��s onde nasceu
a ioga, as pessoas que a ensinam passaram vidas inteiras se
preparando. Bem, n��o estou dizendo que a ioga comercial seja
algo ruim - se funciona para voc�� e lhe d�� a paz e a tranquilidade
de que precisa, ent��o siga em frente. Mas, como tive a
sorte de aprender com um s��bio que me explicou toda a filosofia
em que ela se baseia, essa �� a ioga que pratico.

181


E U

Naquela viagem, passei apenas quatro dias com o swami,
mas aqueles quatro dias mudaram minha vida por completo.
Todos os dias faz��amos uma cerim��nia em que ele repetia
v��rios mantras em s��nscrito com o prop��sito de me ajudar a
encontrar aquele som divino, o som do sil��ncio. Depois que
se encontra o som do sil��ncio e se �� capaz de escut��-lo em
qualquer situa����o, seja numa esta����o de trem - rodeado por
montes de pessoas - ou sozinho em seu quarto, fica-se mais
pr��ximo de ver o p��ndulo divino e sentir uma vibra����o divina.
O p��ndulo divino �� algo que sempre carregamos dentro de
n��s; �� uma frequ��ncia que vai de uma orelha a outra quando
fechamos os olhos. S�� por meio da pr��tica algu��m se torna capaz
de apreciar isso. E depois, com mais pr��tica, consegue-se
sentir a vibra����o divina que atravessa todo o copo.

Tudo come��a com o sil��ncio. Depois que voc�� encontra

o som do sil��ncio, torna-se capaz de separar-se de tudo que ��
f��sico e de tudo ao seu redor. �� a�� que voc�� pode avan��ar para
o n��vel seguinte - a vibra����o e o p��ndulo divinos.
Quando ele me ensinou isso, n��o apenas acreditei que tivesse
encontrado meu centro, mas tamb��m me conectei com
a energia do universo. Ele se sentou ao meu lado, colocou as
m��os em minhas orelhas e logo passei a escutar - aquela nota
aguda que vinha bem de dentro de mim. Depois o swami colocou
uma m��o em minha coluna e a outra sobre o meu peito, e
perguntou: "Consegue sentir?".

Naquele exato instante, senti a vibra����o. Depois ele colocou
suas m��os sobre meus olhos e consegui ver o p��ndulo,
exatamente como ele havia descrito.

Pensei: "O que �� isso? Esse homem �� um mago!".

1 8 2


O SOM DO SIL��NCIO

Depois tentei fazer isso novamente sozinho, mas n��o consegui.
Ent��o ele me falou:

"Continue tentando. Continue meditando, porque com a
pr��tica voc�� chegar�� l��. Com a pr��tica, tudo �� poss��vel. Quando
chegar o fim, todos ir��o se jogar ao ch��o e rezar. Quando

o caos come��ar, quando o mundo estiver acabando, com tsunamis,
furac��es e tornados, as pessoas ir��o se unir e come��ar
a rezar. Ser�� assim que enfrentar��o o que est�� por vir. Mas
voc��... voc�� vai se sentar e encontrar o som do sil��ncio. Voc��
sentir�� a vibra����o divina em seu corpo e ir�� ver o p��ndulo. O
mundo pode estar ruindo ao seu redor, mas voc�� estar�� concentrado
e em paz."
Nunca mais senti aquilo que experimentei com o swami,
talvez por falta de pr��tica, mas o que permaneceu vibrando
dentro de mim foram seus profundos ensinamentos. Aplicando

o que aprendi naquela viagem, sinto que o real significado de
suas palavras era que n��o importa quanto barulho ou quantas
pessoas estejam ao seu redor; se estiver equilibrado e em paz, ��
poss��vel estar sentado e conversando com algu��m e ainda assim
encontrar o som do sil��ncio. Se voc�� se permitir, pode haver
uma viatura de pol��cia ao seu lado, com a sirene em seu volume
m��ximo, e ainda assim n��o ser�� escutada. Um avi��o pode pousar
no telhado de sua casa, e voc�� nem ir�� notar. Esse �� o poder
do som do sil��ncio. Ao escut��-lo, �� poss��vel desconectar-se de
seu corpo e rapidamente conectar-se com sua alma.
Antes de ir para a ��ndia, raramente passava um tempo
sozinho ou em sil��ncio. Quando entrava em um quarto, ligava
imediatamente a televis��o, n��o para assisti-la, mas apenas
para ter alguma companhia. O barulho, os sons, me aneste


1 8 3


E U

siavam, e dessa forma eu me mantinha bem distante do que
estava acontecendo dentro de mim, j�� que tinha medo de
ver as coisas feias que eu poderia descobrir. Mas, quando
retornei da ��ndia, comecei a buscar o oposto. Queria sil��ncio.
Precisava de sil��ncio. Todo dia de manh��, ficava de 35
minutos a uma hora praticando ioga e medita����o, e fazia o
mesmo ��s tardes. Esses momentos se tornaram uma parte
sagrada do meu dia, e saber que eu os teria me ajudava a
me sentir mais calmo nos instantes de caos. Ensinavam-me a
enfrentar a mim mesmo, para que eu pudesse come��ar a destruir,
um a um, aqueles medos que me faziam fugir de minha
pr��pria verdade.

Infelizmente, algum tempo depois de ter retornado, reassumi
minhas velhas rotinas. Se normalmente me permitia de
trinta minutos a uma hora para meditar, aos poucos isso se
transformou em vinte, depois dez, at�� que parei de vez de meditar.
Ser�� que aqueles momentos em sil��ncio me deixavam
muito pr��ximo de minha verdade, da verdade que, cedo ou
tarde, eu teria de enfrentar? Talvez. Mas se alguma coisa era
certa, era que ainda n��o era a hora.

TR��S GAROTINHAS

MEU SEGUNDO ENCONTRO com os ensinamentos m��gicos da ��ndia
ocorreu no final de 2000. Estivera trabalhando incessantemente
por dois anos: desde minha ��ltima viagem para l��,
tive os Grammy Awards, o lan��amento de Ricky Martin (em
ingl��s), o sucesso que sobreveio com "Livin' la vida loca", a
grava����o de Sound loaded e todo o trabalho de divulga����o da


1 8 4


O SOM DO SIL��NCIO

quele segundo ��lbum em ingl��s. Agora estava em meio a uma
pausa, sem saber o que queria fazer a seguir.

Mais uma vez, n��o tive muito tempo para pensar sobre

o assunto, j�� que o destino j�� tinha mapeado meu passo seguinte.
Um dia, em casa - um daqueles dias em que me sentia
particularmente triste e ap��tico -, recebi o telefonema de um
colega que estava morando na ��ndia.
"Ricky, queria que voc�� visse o que tenho feito em Calcut��",
falou-me. "Abri um orfanato para garotas."

Naqueles dias, n��o estava com ��nimo para nada. Tudo que
queria era ficar trancado dentro de casa, de pijamas, assistindo a
filmes, ouvindo m��sica e dormindo. Hoje percebo como eu estava
mal; vejo fotografias minhas tiradas naquela ��poca e quase n��o
me reconhe��o. Meus olhos est��o sem vida - parecem totalmente
vazios -, e meu sorriso tem uma apar��ncia de total falsidade.

Contudo, a ideia de ir para a ��ndia me deu uma sacudida.
N��o sei - talvez fosse pela sensa����o de profunda paz que tive
l�� anteriormente, ou talvez porque estivesse come��ando a me
conectar comigo mesmo, mas algo dentro de mim dizia: "Voc��
tem de fazer isso". Era quase como se, em algum n��vel org��nico,
eu soubesse o que me aguardava l��.

"Maravilha!", falei para ele, com um entusiasmo renovado.
"Eu vou!"

Alguns dias depois, embarcava num avi��o rumo a Calcut��.
Cheguei �� ��ndia, mas dessa vez n��o estava nem um pouco
preparado para encontrar o que descobri.

O orfanato era um lugar impressionante, muito bem pintado
e decorado, e apresentava muito espa��o para se brincar e
estudar. Havia uma escola de m��sica e uma escola prim��ria e

1 8 5


E U

secund��ria; e oferecia aulas de culin��ria para as meninas que
n��o queriam estudar... O lugar era um sonho. Quando terminou
minha turn��, falei para o meu amigo: "Voc�� tem aqui uma
Disney World para garotas!".

Meu amigo fundou uma institui����o fant��stica que oferece
cuidado e educa����o para garotas desamparadas em Calcut��. O
trabalho que fez l�� �� incr��vel e muito inspirador. Ele se dedicou
a resgatar garotas das ruas mais perigosas da cidade e oferecer
a elas um lugar para morar, uma alternativa de vida.

Meu amigo n��o se importou com o fato de eu ter acabado
de chegar, com a possibilidade de eu estar cansado e sofrendo
com o jet lag: logo me convidou para acompanh��-lo no resgate
de mais garotas nas ruas. E, apesar de n��o ter a menor ideia de
como ir��amos fazer isso, logicamente aceitei.

Sa��mos para explorar as ruas. Fomos a todas as esquinas
dos bairros mais pobres de Calcut��, e andamos por ruas compridas
e sujas, entre multid��es, buscando garotas abandonadas,
ou coisas piores. Foi chocante ver os lugares onde elas
costumavam viver. Nas favelas de Calcut��, quatro galhos e
um peda��o de pl��stico formam uma casa, e ter um peda��o de
pl��stico para proteger-se da chuva �� sorte. Muitos n��o t��m.
Perguntei a meu amigo: "Por que voc�� resgata apenas garotas?
Por que h�� apenas garotas no centro, e nenhum garoto? Os
garotos tamb��m n��o precisam de ajuda?".

"De uma forma ou de outra, os garotos de Calcut�� sobrevivem",
explicou-me. "Eles mendigam, trabalham ou descobrem
outra maneira de sobreviver. As garotas tamb��m s��o
fortes e capazes, mas muitas vezes s��o for��adas a se prostituir,
e �� isso que tento evitar."

186


O SOM DO SIL��NCIO

"Como assim?", perguntei. "Estamos falando de meninas
que t��m quatro, seis anos... Como assim?"

"Infelizmente, �� isso mesmo", respondeu. "�� horr��vel, mas
acontece o tempo todo. H�� homens dispostos a pagar para estuprar
uma garota de quatro anos."

Ele n��o precisou falar mais nada.

Vasculhamos aqueles bairros at�� encontrarmos um grupo de
mendigas, exatamente o tipo de meninas que corriam o risco de
cair na prostitui����o infantil. Eram tr��s garotas e a m��e. Viviam
sob uma sacola pl��stica pregada numa parede de concreto, e o
outro lado estava amarrado a uma ��rvore. Chovia, e l��, sob aquele
min��sculo teto improvisado, estavam a m��e e suas tr��s filhas,
uma das quais muito doente. N��o havia tempo a perder. Com a
ajuda de um garoto, que traduzia tudo para o bengal��s, explicamos
a situa����o para a m��e: os motivos pelos quais acredit��vamos
que a menina corria riscos, o que poderia acontecer a ela e as
alternativas que oferec��amos por meio da institui����o. Ela compreendeu
e aceitou, e assim levamos a m��e e as tr��s garotas
conosco - inclusive aquela que estava doente - para o meu hotel.

Mas, quando chegamos, as pessoas olhavam para n��s
com express��o de nojo. Era um hotel elegante, e os incomodava
ver uns dez ocidentais entrarem naquela atmosfera refinada
com um grupo de mendigas. Estava t��o preocupado com elas
que n��o me importei com os olhares enquanto entrava com
duas meninas em meus bra��os, e a m��e vinha atr��s de mim
carregando a garotinha doente. Uma menina, que tamb��m trabalhava
como volunt��ria no orfanato, e que depois se tornou
uma amiga pr��xima, falou para eles: "S��o minhas convidadas",
e isso teria de bastar.

18 7


E U

Os funcion��rios do hotel n��o gostaram nem um pouco de
eu lev��-las para o meu quarto, mas acho que, devido a uma
mistura de hospitalidade e respeito, permitiram que eu fizesse
o que me agradasse. Ao chegar ao quarto, telefonamos para o
m��dico do hotel, que subiu rapidamente. Entretanto, ao entrar
em meu quarto e ver quem eram as pacientes, falou: "Meu
Deus! O que �� isso?".

"Bem", falei, "s��o tr��s meninas e sua m��e, e uma delas
precisa de seus cuidados... ela est�� muito doente."

As tr��s meninas estavam cheias de mordidas de ratos. As
duas mais velhas estavam sujas e muito magras, mas relativamente
em boa forma. Por��m, a pequenina, que devia ter quatro
ou cinco anos, parecia estar �� beira da morte. Seus olhos
estavam revirados, e ela parecia fraca como uma boneca
de pano.

Olhei para o m��dico.

"Precisamos dar alguma coisa para a menorzinha", falei-
lhe."N��o sei o que ela tem, mas, por favor, fa��a algo."
O m��dico nem se aproximou da garotinha.
"Est�� bem", falou, apontando para um len��o, "por favor,

pegue aquele pano e limpe-a."

"Mas, senhor!", falei-lhe. "Se fosse apenas quest��o de
limp��-la, eu o teria feito h�� muito tempo. Preciso que o senhor
a examine e me diga o que ela tem. Preciso que o senhor verifique
os olhos dela, os ouvidos, a temperatura... o que quer que
tenha de fazer, diga-me se ela est�� doente ou se �� uma infec����o

- mas me diga o que ��!"
Ainda assim, ele n��o queria toc��-la.
"�� que... eu n��o sei...", falou.
1 8 8


O SOM DO SIL��NCIO

"Veja!", disse, dessa vez com mais firmeza. "Tenho antibi��ticos
que trouxe comigo dos Estados Unidos. Posso d��-los
a ela. Mas n��o sou m��dico, e preciso que o senhor me diga o
que ela precisa!"

"N��o sei...", continua a responder aquele homem que se
dizia m��dico.

N��o aguentei mais e falei: "Quer saber? N��o precisamos
de voc��. Por favor, v�� embora." Ele girou e saiu, sem sentir nenhuma
vergonha. Simplesmente pegou suas coisas e disparou
pela porta, agradecendo-me na sa��da.

N��o conseguia acreditar naquilo. Sempre acreditara que

o dever de um m��dico era salvar vidas, todas as vidas que precisavam
ser salvas, mas aquele "m��dico" aparentemente era
m��dico apenas daqueles que ele queria cuidar. De acordo com
o sistema de castas na ��ndia, aquelas meninas e sua m��e eram
consideradas "intoc��veis" (a casta mais baixa), e mesmo numa
situa����o de vida ou morte o m��dico n��o iria toc��-las. A hierarquia
das castas �� um conceito profundamente estabelecido na
cultura indiana e tem uma raz��o de ser, apesar de eu n��o conseguir
compreend��-lo. Mas �� assim. N��o irei julg��-lo. Devido
�� minha cria����o e ��s muitas coisas que vi neste mundo, n��o
consigo compreender.
Atravessamos a noite, e logo de manh�� o m��dico do orfanato
chegou, e ele, logicamente, n��o tinha nenhuma restri����o
quanto a examin��-la. Verificou seus olhos, sua pulsa����o, e
ap��s um exame completo falou: "Esta menina tem apenas um
v��rus estomacal".

"Como assim?", perguntei, surpreso. A maioria de n��s
fica doente quando come um peda��o de frango que n��o foi

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bem cozido, ou frutos do mar mal lavados, mas aquelas meninas...
aquelas meninas tinham nascido nas ruas e comiam
qualquer coisa que lhes aparecesse. Os est��magos delas deviam
ser de a��o! Sabe-se l�� o que ela teria comido para ficar
t��o doente!

"Estou lhe dizendo", respondeu. "Basta que ela tome este
rem��dio, e em poucas horas estar�� bem."

Assim, ela tomou o rem��dio, e duas horas depois aquela
garotinha estava correndo de um lado para o outro do quarto,
montando em minhas costas. Agarrou o controle da televis��o
e n��o parava de perguntar o que era cada coisa.

Naquele dia, elas dormiram na su��te do meu amigo. No
dia seguinte, levamos as tr��s garotas e sua m��e para o orfanato,
que n��o fica exatamente em Calcut��, mas a mais ou menos
uma hora de carro da cidade. Foi bonito, porque, quando
chegamos, as outras garotas vieram correndo para nos receber.
Todas eram lindas, vestidas em seus uniformes com coroas de
flores ao redor dos pesco��os. Tamb��m colocaram grinaldas ao
redor dos pesco��os daquelas que tinham acabado de chegar.

At�� hoje, aquelas tr��s meninas vivem no orfanato e est��o
muito felizes. Algum tempo depois, juntaram-se �� irm�� mais
velha, que tinha fugido no momento em que pegamos as meninas.
Tinha medo porque n��o sabia quais eram as nossas inten����es,
mas quando foi, com sua m��e, visitar as irm��s, e viu
como elas estavam bem, decidiu ficar l�� tamb��m.

A m��e, contudo, retornou para as ruas. Uma espanhola
que ficara sabendo da situa����o deu-lhe um apartamento, a fim
de tir��-la das ruas, por��m, ap��s uma semana morando l��, decidiu
voltar para sua esquina, onde poderia mendigar. "Sou feliz

1 9 O


O SOM DO SIL��NCIO

aqui", falou. "�� isso que sei fazer. Deixe-me aqui. N��o preciso
de mais nada."

E, apesar de estar nas ruas, �� uma m��e incr��vel. Visita as
filhas nos finais de semana e mant��m um relacionamento com
elas. Embora vivam separadas, ela parece feliz por ver que
suas filhas est��o vivendo em condi����es melhores do que aquelas
que poderia oferecer.

Hoje sou o padrinho das tr��s meninas mais jovens, assim
tenho conseguido contribuir para tornar a vida delas melhor.
Est��o felizes, mas o que n��o sabem �� que me deram muito mais
do que eu jamais poderei dar-lhes. Elas me d��o for��a, me d��o
esperan��a e me fazem ver o que �� realmente bonito na vida,
pois me ensinaram que a ��nica coisa realmente necess��ria para
se viver �� o desejo de respirar.

Tudo na vida tem seu tempo. Aquelas meninas entraram
em minha vida no momento que eu mais precisava delas,
para me dar firmeza e me mostrar um toque de simplicidade.
Elas me for��aram a reavaliar minhas prioridades e me mostraram
que a verdadeira beleza da vida reside nas coisas mais
simples. Apareceram em um momento de minha vida em que
eu queria agradar a gravadora, os membros de minha banda,
minha fam��lia, meus amigos... mas que n��o percebia que, ao
tentar agradar a todos, estava me traindo, porque n��o pensava
em mim, no que eu realmente precisava para ser feliz.
Acreditava que minha felicidade consistia em agradar os outros,
e isso me arruinou por muito tempo. Com as meninas, aprendi
que a felicidade aparece nos momentos em que se consegue
finalmente se despegar de todos esses tipos de complica����es.

191


E U

Elas me diziam: "Venha sentar-se no ch��o. Vamos brincar".
Tinham apenas tr��s seixos, e era com isso que brinc��vamos.
Ent��o por que precisamos de todas essas coisas - computadores,
videogames, televis��es, sistemas de som, carros - para nos
divertirmos? Aquelas meninas me ensinaram que se minhas
roupas est��o passadas, legal, e se n��o est��o, legal tamb��m. A
maioria das coisas que frequentemente consideramos "importante"
n��o ��, na verdade, t��o importante. A vida �� simples ou
complicada, depende apenas de n��s.

Depois que conheci as meninas e descobri a simplicidade
com que viviam e a inoc��ncia que carregavam em suas almas,
apesar da vida dif��cil que tiveram, senti um desejo imenso de
retomar o contato com Kiki, o menino que abandonei quando
entrei em um avi��o naquele dia chuvoso em San Juan. H�� algo
t��o bonito na inoc��ncia da juventude, que parte meu cora����o
saber que existem tantas crian��as que s��o impedidas de aproveitar
seu direito b��sico de ser crian��a.

ENCONTRANDO O EQUIL��BRIO

QUANDO OLHO PARA tr��s, percebo que aquelas viagens para a
��ndia me marcaram profundamente. Pode-se achar que tenha
sido uma enorme coincid��ncia passar por ambas essas experi��ncias
naquele pa��s extraordin��rio, mas, no fundo de meu
cora����o, sei que n��o ��. Sei que o cosmos me enviou aquelas
li����es porque tinha de ser assim, e porque existe alguma coisa
naquele pa��s, em suas cores, em seu povo e em sua energia, que
vibra na mesma frequ��ncia de minha alma.

192


O SOM DO SIL��NCIO

Tudo que pe��o do cosmos vem na hora certa. Levei um
tempo para entender isso, mas agora que sei e integrei isso
em minha filosofia, tenho uma vida muito mais pac��fica. Em
vez de me preocupar com o que poderia ser ou com o que
poderia ter sido, prefiro focar o presente e o que preciso fazer
para alcan��ar minha pr��pria felicidade, porque, o que quer
que me fa��a falta, sei que, no fim, o cosmos ir�� colocar no
meu caminho.

Foi gra��as ao sil��ncio que descobri por meio dos ensinamentos
do meu swami que consegui, pela primeira vez, me
olhar no espelho e ver quem era aquela pessoa ali refletida. Na
paz e tranquilidade do asbram, os rituais di��rios de limpeza,
culin��ria e medita����o, encontrei a bolha de sil��ncio de que precisava
para me reconectar com o garoto que fui. Consegui me
abrir para o universo e escutar o que ele me dizia, e descobri
um mundo de beleza e transpar��ncia. Dali em diante, encontrei
o equil��brio que tanto buscava, e pela primeira vez entendi
que o que mais quero na vida �� doar -e doar de uma maneira
bem concreta -, porque, no final das contas, essa �� a melhor
forma de receber.

Na ��ndia encontrei o que considero as tr��s chaves da vida:
serenidade, simplicidade e espiritualidade. Consegui compreender
a enorme b��n����o que �� a minha vida, e descobri que
a verdadeira riqueza n��o �� algo exterior, mas habita dentro
de mim. A partir daquele momento, a gratid��o assumiu grande
parte de minha vida, e, em vez de esconder todas as coisas
que me causavam dor e desconforto, comecei a olhar para elas
de cabe��a erguida, sem medo.

1 9 3


O PAPEL DE MINHA VIDA


TENHO CERTEZA DE QUE N��O sou o ��NICO, MAS PASSO MUITO TEMPO

procurando o prop��sito de minha vida. Logicamente, quero
ter o tipo de trabalho pelo qual seja apaixonado, uma fam��lia
que me ame, um amigo que me apoie... mas l�� no fundo,
abaixo de todas aquelas coisas que parecem mais necess��rias
do que todo o resto, habita o meu desejo de contribuir para o
mundo de um modo profundo e perene. Acima de tudo, minha
exist��ncia na Terra durar�� pouco (em termos relativos), e o
desejo de deixar uma marca �� algo bem natural.

Por muito tempo, achei que a forma de contribuir para o
mundo, de mostrar gratid��o por todos os milagres e favores recebidos,
era por meio da m��sica. Quando subo para cantar no
palco diante de milhares de pessoas, sinto uma vibra����o muito
humana e poderosa. A m��sica permite que eu me conecte com

o p��blico de um modo visceral, e por meio dela sinto que consigo
transmitir toda a minha ess��ncia, meu ser. �� um privil��gio
��nico ser capaz de sentir o que sinto quando estou l�� em cima,
e esse sentimento sempre me fez acreditar que esta era a minha
miss��o: levar alegria, ritmo e movimento para outros.
Mas, depois de minha ��ltima viagem para a ��ndia, comecei
a perceber que me apresentar n��o bastava. Apesar de subir

1 9 7


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ao palco produzir uma imensa satisfa����o, trata-se de um sentimento
que �� s�� meu. As tr��s meninas, e minhas experi��ncias
no pa��s, me fizeram notar o que de fato me faltava.

ENCONTRANDO MINHA CAUSA

ESTAVA NUM MOMENTO da vida em que questionava tudo. A sensa����o
de ajudar aquelas garotas fora t��o poderosa que eu n��o
mais sabia se a m��sica era de fato a minha miss��o, ou se tinha
sido simplesmente uma ferramenta que me ajudara a encontrar

o caminho da filantropia e ajudar os mais indefesos. Retornei
da ��ndia pensando muito naquilo que meu amigo me dissera,
e em como aquelas tr��s meninas poderiam facilmente ter ca��do
no tr��fico de pessoas. Quando voltei para casa, fiquei tr��s dias
dormindo direto, devido �� sensa����o de esgotamento depois
de tudo que tinha visto. Aquela experi��ncia me abalou profundamente,
e eu ainda n��o sabia como me adequar a essa nova
consci��ncia que teria para o resto de minha vida. Sabia que
n��o queria levar a mesma vida de antes, e que precisava fazer
alguma coisa; apenas n��o sabia o qu��.
Quando finalmente sa�� da cama, depois de descansar
pelo que me pareceu uma eternidade, comecei a investigar.
Entrei na internet e comecei a ler tudo que podia sobre tr��fico
de pessoas. Percebi que esse problema n��o acontecia apenas
na ��ndia, e que se tratava de uma epidemia que afetava o
mundo todo. Notei que, na realidade, n��o �� necessariamente
uma quest��o de riqueza ou pobreza, mas sim de valores,
de direitos humanos -o que deixa tudo ainda mais tr��gico.
Enquanto houver pessoas que querem continuar a acreditar

1 9 8


O PAPEL DE MINHA VIDA

que meninas ou meninos devem ser explorados pelo simples
motivo de serem jovens e indefesos, esse tipo de crime continuar��
a existir.

Minha pesquisa despertou muita raiva, f��ria e frustra����o
dentro de mim. Descobri que, a cada ano, mais de um milh��o
de crian��as se tornam v��timas de tr��fico. Sabe o que isso significa:
mais de um milh��o de crian��as por ano? Isso significa
que a cada dia quase tr��s mil crian��as s��o raptadas, vendidas,
abusadas e Deus sabe o que mais acontece a elas. E a maioria
delas s��o meninas. H�� homens dispostos a pagar quinze mil
d��lares pela virgindade de uma garota de oito anos. O fato de
haver homens por a�� que pensem assim ��, para mim, incompreens��vel,
e na minha opini��o quem deixa isso acontecer - e
n��o faz nada - merece ser preso.

Depois de toda essa pesquisa, ciente de tudo que estava
em jogo e vendo o que podia ser feito, fui para Washington,
D.C., e me encontrei com pessoas que at�� hoje s��o meus mentores
na luta contra o tr��fico de pessoas. Elas me ensinaram
tudo que eu precisava saber para promover essa luta de um
modo tang��vel e me guiaram para que eu pudesse ajudar da
maneira mais eficiente poss��vel.

E foi assim que comecei a trabalhar pela causa. Acho que
havia um pouco de ego��smo em meu desejo de ajudar, porque

o fiz em grande parte para aliviar a dor que senti por testemunhar
tamanha trag��dia. Precisava de uma esp��cie de catarse,
precisava afastar toda a ang��stia, a raiva e a frustra����o que
senti ao ver o que poderia ter acontecido ��s minhas tr��s meninas
e o que acontece a milh��es de crian��as que sofrem todos
os dias nas m��os de adultos que abusam delas. �� uma situa����o
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irritante, pois, de alguma forma, parece que se est�� nadando
contra a corrente. H�� tanto trabalho a ser feito que qualquer
coisa que eu fizesse n��o representaria mais que uma gota no
oceano. �� poss��vel que se salve uma crian��a, mas a cada dia
h�� milhares mais que continuam a ser for��adas a se prostituir
ou se tornar escravas sexuais - essa �� a realidade da escravid��o
moderna, e o mais triste de tudo �� que isso acontece em cidades
de todo o mundo.

Ent��o o que pode ser feito?

Quando me interessei por essa causa, sabia que n��o seria
f��cil. A situa����o n��o estava sendo ignorada por completo,
j�� que muito fora discutido e escrito sobre o assunto ao longo
dos anos. Contudo, faltava uma verdadeira consci��ncia da
gravidade do que estava de fato acontecendo. O crime acontece
em v��rios n��veis: o termo "tr��fico de pessoas" inclui as f��bricas
que exploram seus funcion��rios, prostitui����o, trabalho
for��ado, explora����o sexual de menores, escravid��o e tr��fico de
��rg��os. Na ��rea da prostitui����o, h�� prostitui����o infantil e pornografia
infantil. E uma pir��mide com v��rios n��veis.

Quanto mais eu pesquisava, mais encontrava. Estudei os
m��nimos detalhes sobre o assunto, e foi assim que surgiu o
projeto People for Children da Funda����o Ricky Martin; por
meio dele, defendemos crian��as que s��o exploradas ou correm

o risco de explora����o. Esse projeto, que j�� existe h�� muitos
anos, nasceu da f��ria que senti depois de ter visto aquilo e de
todas as pessoas com quem me encontrei. �� minha maneira
de apoiar a causa, apesar de saber que o trabalho que realizamos
nunca ser�� suficiente. Gostaria de ser capaz de fazer
muito mais.
2 0 0


O PAPEL DE MINHA VIDA

O NASCIMENTO DE MINHA FUNDA����O

PEOPLE FOR CHILDREN foi, na verdade, um desdobramento de
uma funda����o que j�� existia, a Funda����o Ricky Martin. A funda����o
foi idealizada para ajudar crian��as deficientes em Porto
Rico, um projeto realizado com a ajuda da organiza����o Easter
Seals/SER, de Porto Rico, por meio da qual foi criado um
centro de reabilita����o de crian��as. Na verdade, a Easter Seals/
SER j�� tinha um centro de reabilita����o em San Juan, a capital.
Mas h�� crian��as que vivem em outras partes da ilha que n��o
conseguiam chegar ao local devido �� dist��ncia. Assim, abrimos
um centro de reabilita����o em Aibonito, uma cidade localizada
na parte central da ilha, aonde pessoas de lugares bem distantes
conseguiam chegar mais facilmente. Desde a abertura, as
crian��as puderam receber tratamento que antes n��o lhes estava
acess��vel.

Depois, com a funda����o j�� funcionando, decidimos ampliar

o espectro de suas fun����es a fim de levar m��sica para as crian��as
de Porto Rico. E, como muitas outras coisas em minha vida,
o projeto surgiu de uma mera casualidade. Ser�� mesmo?
Minha sobrinha, que �� ��poca frequentava uma escola de
artes, �� flautista, e estava me mostrando o instrumento que seu
pai havia comprado para ela. Mas, enquanto convers��vamos,
ela mencionou uma coisa que me deixou surpreso: ��s vezes, ela
precisava emprestar sua flauta para outras crian��as da turma,
que n��o tinham nenhuma. Como assim?!, pensei. Uma ilha
como Porto Rico, com belas tradi����es musicais, e as crian��as
sem instrumentos! Assim, me aprofundei no assunto e me infor


201


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mei melhor sobre a educa����o musical no sistema escolar de
minha ilha e percebi que isso era algo inexistente. Liguei v��rias
vezes para o Departamento de Educa����o de Porto Rico e descobri
que naquele tempo n��o havia sequer um departamento
respons��vel por m��sica - e, se houvesse, eles simplesmente n��o
atendiam ao telefone. N��o sei se as coisas mudaram desde ent��o,
mas espero que sim. Investigando um pouco mais, percebi
que algumas escolas tinham departamentos de m��sica, com salas
de aula e alguns poucos instrumentos, por��m, em geral, os
instrumentos eram usados ou estavam em condi����es p��ssimas
(e quase sempre em quantidade insuficiente). Como em muitas
partes do mundo, nunca h�� fundos suficientes para educa����o,
muito menos para educa����o musical.

A primeira coisa que fizemos foi formar uma alian��a com
a Yamaha e a Federal Express para adquirir um milh��o de d��lares
em instrumentos musicais para as escolas de Porto Rico.
Infelizmente, n��o pude participar da entrega dos instrumentos,
mas meus irm��os e minha amiga Mireille Bravo, que comandava
todo o programa, organizou de forma que todas as caixas
de instrumentos fossem colocadas no meio da quadra de
basquete. Foi um sucesso enorme, porque os alunos apareciam
e gritavam "Uau!" ao ver todas as caixas. Mesmo os estudantes
que n��o haviam se matriculado em m��sica se inscreveram
para poder usar os novos instrumentos. Os professores n��o
acreditavam ao ver tudo que chegara, e, em n��vel pessoal, fiquei
feliz por saber que est��vamos fazendo algo pelos futuros
m��sicos de minha ilha.

Esses foram os primeiros projetos da Funda����o Ricky
Martin, que desde a sua origem foi parte integrante do meu dia

2 0 2


O PAPEL DE MINHA VIDA

a dia. Hoje a funda����o concentra-se em v��rios campos - n��o
podemos fazer tudo, mas fazemos o que podemos, tanto em
��mbito local como mundial. Um dos projetos que estamos desenvolvendo
em Porto Rico �� o centro hol��stico para jovens em
Loiza, uma cidade na costa norte da ilha, onde se veem muitos
problemas relacionados a brigas de gangues. A ideia �� construir
um lugar onde possamos manter essas crian��as ocupadas
e longe das ruas. O centro oferecer�� aulas, mas haver�� tamb��m
um espa��o para ensinarmos medita����o, ioga, artes pl��sticas
e todo tipo de atividade que possa mant��-las ocupadas.
Acredito que um dos maiores problemas dos jovens de nossos
tempos seja a ociosidade. Quando t��m muito tempo livre,
surgem mais oportunidades para criarem problemas; portanto,
nosso objetivo �� criar um lugar onde fiquem sempre ocupados,
um lugar que ser�� como um parque de divers��o para crian��as
de todas as idades, de zero a dezoito anos. Tamb��m queremos
oferecer apoio a meninas gr��vidas, para que possam dar �� luz
em um ambiente saud��vel. A ideia �� come��ar a tratar dessas
feridas que se abriram na sociedade e ajudar os membros de
gangues - que est��o matando uns aos outros - a come��ar a
ver que seus "inimigos" n��o passam de crian��as como eles.
Em junho de 2009, a Funda����o RTL, da Alemanha, selecionou
nossa proposta para a constru����o do centro em Loiza como
projeto internacional (junto com quatro outros projetos europeus)
a ser apoiado com os recursos obtidos por meio de seu
famoso Teleton. �� um projeto de longo prazo que levar�� algum
tempo para ser implementado, mas estamos realizando-o
com muito amor.

2 0 3


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Desde o instante em que criamos a funda����o, foi como se
eu tivesse enviado uma mensagem para o universo de que desejava
fazer alguma coisa, e de repente come��aram a aparecer
para mim muitas maneiras de ajudar. Basta dizer "Quero fazer
alguma coisa", e bum, as oportunidades come��am a surgir. E,
na verdade, quest��o de escolher as causas que s��o mais importantes
para cada um ou que lhe tocam o cora����o de alguma
forma, porque h�� muito a ser feito. Comecei com m��sica e um
centro de reabilita����o para crian��as com defici��ncias, que cobriam
as ��reas de sa��de e educa����o, duas causas que considero
muito importantes. A justi��a social viria depois.

S�� sei que devolver causava uma sensa����o maravilhosa.
Na verdade, produzia sensa����es melhores do que qualquer
outra coisa que eu tivesse feito antes. E sei que poder��amos
ter feito mais naquela ��poca, mas com o pouco que fizemos
comecei a ver resultados muito positivos, que me enchiam de
alegria. Era saud��vel para o mundo, e eu tamb��m me sentia
muito bem por faz��-lo.

Apesar de eu devotar o m��ximo de tempo poss��vel para
minha funda����o e conseguirmos muitas realiza����es, ainda sinto
que s��o insuficientes, e estamos sempre procurando novas
maneiras de fazer mais. Mas ��s vezes as coisas acontecem por
acaso; no meu caso, recebi um telefonema de um colega na
��ndia que me levou a descobrir a realidade terr��vel do tr��fico
de pessoas. N��o importa qual seja a causa que o motiva ou o
inspira a aprender mais, confio que a consci��ncia de ser quase
imposs��vel erradicar todos esses problemas ir�� nos inspirar a
todos para fazer o m��ximo que pudermos, e ainda um pouquinho
mais.

2 0 4


O PAPEL DE MINHA VIDA

O HORROR DO TR��FICO DE PESSOAS

QUANDO COME��AMOS A trabalhar na quest��o do tr��fico de pessoas,
um dos obst��culos que tivemos de enfrentar �� que se trata
de um problema colossal e brutal, sendo muitas vezes dif��cil
chamar a aten����o das pessoas para ele. �� como olhar diretamente
para um campo de batalha. D��i saber que as pessoas
costumam olhar para o outro lado. Foi o que aconteceu comigo
quando vi pela primeira vez. Falei: "Como assim? H��
pessoas que compram e vendem atos sexuais com uma crian��a
de quatro anos? Isso n��o �� poss��vel". Mas ��. E n��o podemos
deix��-lo de lado s�� por ser um assunto t��o horripilante. �� exatamente
por isso que devemos enfrent��-lo de cabe��a erguida,
com nossos olhos bem abertos, com o objetivo de conscientizar
o maior n��mero de pessoas.

Assim como v��rias pessoas, ��s vezes, quando descubro
alguma das atrocidades que acontecem no mundo, sinto
vontade de correr na dire����o oposta. N��o quero saber o que
est�� acontecendo porque n��o estou pronto para escutar. Assim
como todo mundo, tamb��m tenho meus pr��prios problemas,
e pode ser dif��cil pensar sobre o que poderia fazer
para ajudar. Mas descobri que, quanto mais estudo, mais sei
e, ent��o, sinto-me mais preparado para enfrentar a realidade
da situa����o e dar minha contribui����o para encontrar uma
solu����o para o problema.

Ent��o, aprendi que, quando busco o apoio de outras pessoas,
a melhor forma de o fazer �� tranquiliz��-las a respeito da
situa����o geral: come��o indicando os fatos b��sicos, aos poucos

2 0 5


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adiciono detalhes, explicando, at�� que elas possam captar a situa����o
e, por fim, compreend��-la. Apesar de eu ser bem expl��cito
nas descri����es e explica����es do problema, preciso tomar
cuidado, porque n��o quero intimidar poss��veis apoiadores.
Pelo contr��rio: quero que todos assumam um interesse verdadeiro
pelo assunto. N��o vou fazer uma imagem cor-de-rosa
da situa����o s�� para que as pessoas d��em aten����o, mas vou
apresent��-la da melhor forma poss��vel para que compreendam
e n��o fiquem assustadas. Sei que n��o posso perseguir pol��ticos
e cidad��os do mundo para for����-los a me ouvir, ent��o ��
fundamental que eu saiba como atingi-los e fazer com que me
escutem, convencendo-os, assim, de que, se todos juntarmos
nossas for��as, podemos fazer diferen��a.

Quero que o mundo entenda que a explora����o existe, que
h�� homens e mulheres que comercializam escravid��o sexual,
os servi��os sexuais de uma crian��a, e que tamb��m existem pessoas
dispostas a pagar por tais servi��os. No Camboja, conheci
uma menina de catorze anos de idade que tinha sido vendida
e estuprada. Era uma garota bonita. Seus raptores diziam-lhe:
"Se vier com a gente, vamos transform��-la em modelo, e o dinheiro
que voc�� ganhar ser�� enviado para a sua av�� para que
ela consiga pagar pelos medicamentos e tratamentos de que
precisa". Nessa situa����o, n��o �� necess��rio dizer que a menina
n��o hesitou em aceitar a oferta. Estavam oferecendo-lhe a
oportunidade de uma vida e, al��m disso, uma solu����o para a
doen��a de sua av��. Como poderia dizer n��o? Mas a realidade
era, l��gico, bem diferente. Eles a raptaram e colocaram-na em
um bordel, onde um homem nojento a estuprou, deixando-a
gr��vida e com o v��rus HIV. Se n��o tivesse sido encontrada e

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O PAPEL DE MINHA VIDA

levada para um orfanato, onde ela e seu beb�� receberam cuidados,
o que teria acontecido com ela?

O pior de tudo �� que ela n��o �� um caso isolado. H�� milh��es
de crian��as com hist��rias semelhantes. Conheci uma garota
que tinha sido vendida para traficantes por seu pr��prio
pai, para poder alimentar os outros filhos; ela j�� estava infectada
com o v��rus da AIDS e tinha um beb�� de tr��s meses de
idade. Quando eu a conheci, ela n��o sabia se o beb�� tamb��m
estava infectado, porque naquela ��poca levava alguns meses
para se poder dizer se um beb�� nascera com HIV ou n��o.

Ouvi centenas de hist��rias semelhantes. O governo tenta
combater isso, mas �� como tentar evitar que as ondas do
oceano quebrem. A demanda �� grande demais. Existem muitos
homens no mundo que curtem for��ar crian��as a ser escravas
sexuais.

Certa vez, fui a Phnom Penh, capital do Camboja, em
uma miss��o de pesquisa para a minha funda����o. Existe um
cal��ad��o aonde v��o alguns turistas, e �� poss��vel encontrar dezenas
de pervertidos seduzindo crian��as. Muitos bares t��m um
mezanino com camas. Vi homens pagando para dormir com
meninas de oito anos de idade ou meninos de seis anos, e meu
est��mago revirou. Percebo que isso continua a acontecer e digo
para mim mesmo: "Que posso fazer? Estou trabalhando como
louco por esta causa, e �� como se eu n��o tivesse feito nada".

Isso me deixa louco da vida. Fico cego de raiva quando
vejo um homem pagar $300 para fazer sexo com uma menina
de oito anos. �� algo que n��o consigo compreender e n��o posso
aceitar. Todo homem que seja capaz de fazer isso �� um criminoso,
e deve ser enterrado vivo para ser comido por vermes. E

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por que isso me deixa t��o bravo? N��o apenas por ter sobrevivido
a isso, mas basicamente por ser desumano, e testemunhei
essa crueldade com meus pr��prios olhos. Tamb��m vi a degrada����o
dessas crian��as na c��mera; vi um v��deo de meninas de
cinco anos de idade, com os olhos cheios de terror, respondendo
a perguntas como: "Voc�� faz pum pum? Ou num num?".

Apavoradas, respondiam: "Num num, sim. Mas n��o pum
pum".

Num num refere-se a sexo oral, e pum pum �� todo o resto.
No v��deo, �� poss��vel ouvir o criminoso, que mostra as garotinhas
como se fossem uma mercadoria. Diz: "Aqui est��o as
mais caras... as virgens". E, quando ele abre a porta, veem-se
cinco meninas, de m��os dadas e tremendo. Ent��o surge um
homem grotesco, lambendo os l��bios, que fala: "Talvez aquela
ali, a terceira...".

As meninas geralmente v��m de fam��lias muito pobres. Um
dia, aparece um traficante na casa delas e diz aos pais que, se
derem as crian��as, tudo m��s ser��o enviados $ 1.000 para eles.
Como podem dizer n��o? Mil d��lares �� o equivalente a cinco
anos de trabalho. Os pais veem como uma oportunidade de
comprar alimentos e rem��dios, e dizem �� filha que �� hora de
come��ar a trabalhar.

E �� assim que tudo come��a.

H�� traficantes que dizem trabalhar para uma ag��ncia de
modelos. E isso, evidentemente, anima as meninas e suas m��es.
Que menina nunca sonhou em um dia se tornar modelo? Contam
que h�� uma ag��ncia europeia na capital que est�� buscando
garotas que tenham olhos e cabelo como o dela, e que ela aparecer��
na televis��o e em desfiles de moda. M��es e filhas acei


2 0 8


O PAPEL DE MINHA VIDA

tam na hora. Mas, assim que as meninas s��o tiradas de suas
casas, s��o jogadas em um bordel.

Toda vez que acho que j�� ouvi de tudo, que n��o �� poss��vel
haver uma hist��ria mais terr��vel do que a que acabei de
escutar, surge uma ainda pior. Participo de confer��ncias em
todo o mundo - em Nova York, Viena, onde quer que exista

o problema do tr��fico de pessoas -e sempre fico sabendo
de novos casos que foram trazidos �� tona. E o mais surpreendente
�� perceber que, na verdade, nada sei sobre a mal��cia
humana. Sempre quis acreditar que os seres humanos s��o
bons por natureza, mas, quando ou��o essas hist��rias, percebo
que n��o �� o caso: assim como existem pessoas no mundo
que s��o incrivelmente boas e generosas, h�� tamb��m aquelas
terrivelmente ruins. As atrocidades s��o t��o assustadoras que
sempre surge um momento em que sinto que deveria desistir
e ir para casa, porque, n��o importa o que eu fa��a, o tr��fico
de pessoas continuar�� sendo uma batalha dif��cil. E um monstro
imenso e poderoso.
N��o importa quantas leis e regulamentos existam para
controlar o tr��fico de pessoas; h�� muitos pa��ses em que as leis
simplesmente n��o s��o obedecidas. Em outros, as leis s��o atrasadas.
Por exemplo, existem pa��ses muito poderosos na Am��rica
Latina em que a prostitui����o �� tolerada, e a Constitui����o
diz que um garoto se torna homem aos dezoito anos, e uma
menina se torna adulta aos doze. Portanto, se uma menina de
doze anos de idade for vista na beira da estrada vendendo seu
corpo, bem, tecnicamente -e de acordo com a lei do pa��s - ela
�� considerada adulta e tem todo o direito de ser prostituta. ��

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imoral? Acho que todos concordariam que �� imoral. Mas ��
ilegal? N��o. E �� a�� que reside a trag��dia.

Isso realmente me deixa frustrado. Fico me perguntando:
se os pr��prios governos de certos pa��ses permitem que isso
aconte��a, se eles n��o percebem que est��o explorando suas pr��prias
meninas, suas pr��prias cidad��s, ent��o o que estou fazendo?
Estou tentando abolir a escravid��o no s��culo XXI?

Mas no fundo sei que n��o importa qu��o dif��cil ou imposs��vel
possa parecer; tenho de seguir com minha luta. �� um daqueles
testes que todos temos de enfrentar na vida. As coisas
mais importantes nunca s��o f��ceis de alcan��ar; e quanto mais
importante a causa, mais temos de lutar por ela. Subir at�� o
topo de uma montanha exige mais que um salto.

Uma das coisas que me ajudaram a seguir em frente foi
um ativista escoc��s que conheci no Camboja. Disse-lhe que, ��s
vezes, sinto vontade de abandonar a causa, porque a realidade
da luta constante me deixa muito desapontado. Parece que
n��o importa o que eu fa��a ou com quem fale, e todo dia ou��o
hist��rias de mais jovens prostitutas ou mais crian��as que s��o
v��timas de estupro. �� como se eu desse um passo para a frente
e vinte para tr��s.

Ele me ouviu com aten����o e depois disse algo que nunca
vou esquecer: "Concentre-se nas pessoas que voc�� ajudou.
Cada vida que voc�� salva �� apenas uma vida. E menos uma
vida escravizada. N��o se concentre naquilo que foi incapaz de
realizar, ou no que ainda precisa ser feito. Concentre-se no que
foi capaz de realizar. Voc�� tirou tr��s meninas da rua. E amanh��
pode ter a oportunidade de salvar mais uma. Isso �� algo para
comemorar".

2 1 O


O PAPEL DE MINHA VIDA

Ele est�� certo. Para continuar com essa luta, como em
qualquer batalha, �� crucial se concentrar no que foi conquistado
e nos resultados produzidos. E n��o se entregar ao desapontamento
quanto aos objetivos que ainda devem ser alcan��ados.
Cada vida salva �� uma vit��ria nessa batalha intermin��vel.

H�� uma hist��ria que eu adoro e que ilustra perfeitamente

o argumento daquele ativista escoc��s. Era uma vez um homem
que andava pela praia e chegou a um lugar onde havia milhares
de peixes jogados na areia, morrendo longe da ��gua.
O homem come��ou a atirar os peixes de volta ao mar. Outro
homem, que estava passeando, viu aquilo e perguntou: "O que
est�� fazendo? Voc�� sabe que n��o conseguir�� salvar todos".
"N��o, n��o serei capaz de salvar todos", disse o primeiro.
E, ao arremessar mais um peixe para a ��gua, falou: "Mas este
aqui, eu posso salvar".

A moral da hist��ria �� ��bvia: todo passo dado �� importante.
Qualquer esfor��o faz diferen��a, n��o importa qu��o pequeno seja.

Para mim, isso significa dedicar ainda mais tempo ao meu
trabalho como porta-voz, ajudando a aumentar a consci��ncia
sobre o que est�� acontecendo. Em um n��vel pessoal, acho que
preferiria estar nas ruas lutando nas trincheiras e salvando
crian��as todos os dias. Mas sei que dou mais for��a ao movimento,
�� causa e ao ativismo se colocar um terno e gravata e
falar diretamente com o Congresso dos Estados Unidos sobre
os horrores que est��o acontecendo. �� por isso que preciso falar
com lobistas, com parlamentares e com todas as pessoas
influentes que possam de alguma forma contribuir para essa
causa a que tenho me dedicado, porque leis devem ser criadas
e, por conseguinte, rigorosamente cumpridas.

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��s vezes me parece algo muito dif��cil, porque n��o entrei
na filantropia para andar para l�� e para c�� de terno e gravata
conversando com outras pessoas de terno e gravata. Entrei na
filantropia porque meu primeiro contato foi diretamente com
aquelas crian��as. Foi por esse contato com elas que entendi a
urg��ncia da situa����o; ver o sorriso de felicidade no rosto de
uma crian��a que se tenha livrado de tais horrores �� um dos
mais belos presentes da vida. Mas parte do que aprendi ao
longo do caminho �� que todos t��m de ajudar com as ferramentas
que receberam. Assim, apesar de eu preferir passar meus
dias caminhando pelas ruas de Calcut�� �� procura de garotas
para resgatar, o fato de eu ser uma celebridade cria uma outra
dimens��o de trabalho que eu posso realizar para ajudar, que ��
algo que nem todos podem fazer.

FAZENDO BARULHO

SEMPRE TENTEI VIVER minha vida do modo mais discreto poss��vel;
quando estou fora do palco, n��o gosto de ser o centro
das aten����es. Na verdade, quando iniciei a funda����o, queria
faz��-lo anonimamente, porque estava envolvido naquilo por
um desejo pessoal de ajudar crian��as, n��o para mostrar ao
mundo o que fa��o para parecer bom. Muitas pessoas me incentivaram
a divulgar o que eu estava fazendo, mas a ��ltima
coisa que queria era pessoas pensando que eu estava fazendo
aquilo para chamar a aten����o ou ganhar publicidade. O que
importava para mim era ajudar as crian��as da melhor maneira
poss��vel, n��o as pessoas descobrirem que "Ricky Martin faz
isso" ou "Ricky Martin faz aquilo". Mas uns ativistas contra o

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O PAPEL DE MINHA VIDA

tr��fico de pessoas com quem trabalhei alguns anos atr��s fizeram
me ver que eu estava errado.

"Como assim? Voc�� n��o quer que as pessoas saibam?",
diziam. "Isso �� um absurdo! Precisamos da sua voz. Faz anos
que estamos fazendo isso, e quase ningu��m nos conhece. Mas
se algu��m como voc��, um artista bem conhecido e respeitado
pelo p��blico, come��a a berrar a nossa mensagem para o mundo,
n��o acha que far�� alguma diferen��a? As pessoas v��o dar
aten����o a voc��. Talvez n��o fa��am o que voc�� pede, mas ao menos
v��o prestar aten����o, e s�� isso j�� �� um progresso."

E incr��vel o fato de, como artista, eu ter o poder de convencer
e criar algum tipo de consci��ncia. Desmond Child, certa
vez, disse para mim: "Ricky, n��o se envergonhe de ter esse
poder. Use-o! Nem todo mundo o tem. Todos v��m ao mundo
com uma miss��o, e �� por isso que Mahatma Gandhi foi e
continua a ser Mahatma Gandhi, Martin Luther King Jr. foi
Martin Luther King, Jr. e o Dalai Lama �� o Dalai Lama. N��o
estou dizendo que voc�� precisa ser como eles, mas, cara, quando
voc�� fala alguma coisa, as pessoas escutam".

Pessoas que fazem isso para conseguir aten����o da m��dia
nem deveriam se incomodar em faz��-lo. Devem faz��-lo somente
se vier diretamente do cora����o. No entanto, n��o posso culpar
aqueles que n��o s��o sinceros. E poss��vel que alguns colegas
n��o tenham emprestado suas vozes para uma causa por n��o
terem ainda encontrado algo que mexa com eles e os motive.
Pode ser que at�� hoje n��o tenham estado diante de um problema
que os force a se levantar e dizer: "Chega!". Trabalhei
como um louco por treze anos antes de despertar para isso. E,
embora seja tentador pensar em tudo o que eu poderia ter fei


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to se tivesse come��ado antes, a verdade �� que eu n��o teria sido
capaz de o fazer. Lembre-se: na vida, tudo tem seu momento
certo. Encontrei as meninas no momento exato em que precisava
encontr��-las, porque foi quando eu estava pronto para
oferecer mais. Desde menino, trabalhei duro por algo que eu
adorava: a m��sica. E fiz isso porque queria faz��-lo, n��o porque
fui for��ado. Minha inf��ncia foi maravilhosa e ��nica. Se
escolhi essa causa, �� porque ela apareceu no meu caminho e
me tocou profundamente. Ela me emocionou. E sinto que, se
eu vir algo com que n��o concordo e n��o fizer nada a respeito,
ent��o estarei de certa forma permitindo que aquilo aconte��a;
�� como se eu fosse um c��mplice. Se n��s, que estamos todos
juntos aqui nesta terra, n��o cuidarmos uns dos outros, quem
o far��? �� nosso dever. Todos temos responsabilidades sobre o
caminho espiritual. Pode ser lutando contra o tr��fico de pessoas;
ajudando os idosos; ajudando os indefesos; lutando pelos
direitos da comunidade GLBT (gays, l��sbicas, bissexuais e
transg��neros); ou alimentar os mal nutridos - mas todos temos
a obriga����o de lutar pelo que acreditamos, ajudar os desfavorecidos
e cuidar dos mais necessitados.

Ent��o come��amos a fazer algum barulho. E cada vez mais,
porque eu queria criar uma consci��ncia: queria que o mundo
inteiro ouvisse o que tenho a dizer e que acreditasse que,
juntos, podemos lutar contra essa epidemia. E parecia que fazer
barulho funcionava, porque, pouco tempo depois, muitas
organiza����es famosas e confi��veis se interessaram em formar
parcerias com a Funda����o Ricky Martin. Essas alian��as eram
muito importantes, porque eu sabia que, sozinho, n��o poderia
fazer muita coisa. No mundo das organiza����es sem fins lucra


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O PAPEL DE MINHA VIDA

tivos, parcerias s��o fundamentais. Mesmo que eu saiba exatamente
o que quero fazer, isso n��o significa necessariamente
que saiba como faz��-lo. Uma coisa �� dizer: "Eu quero ajudar
as meninas"; outra, totalmente diferente, �� ir a campo e ajud��-
las. E por isso que eu tinha de encontrar outras organiza����es
j�� experientes no trabalho com as causas que mais me importavam.
Dali em diante, come��amos a trabalhar com institui����es
como o Banco Interamericano de Desenvolvimento, a Unicef,
a Save the Children, a Atest (alian��a para acabar com a escravid��o
e o tr��fico), a Universidade Johns Hopkins, a Organiza����o
Internacional para as Migra����es, a Universidade de Porto
Rico, a Coaliz��o da Florida contra o Tr��fico de Pessoas e at��
mesmo a Microsoft.

Um dos programas que desenvolvemos com a Microsoft
destinava-se a um problema espec��fico. Infelizmente, urna
das maneiras mais f��ceis de traficar crian��as �� pela Internet.
Traficantes infiltram-se em f��runs de discuss��o, e as crian��as
come��am a conversar com eles, tornando-se amigos - logicamente
sem saber que est��o conversando com um adulto. E,
enquanto os pais pensam que seus filhos est��o conversando
com os amiguinhos, eles est��o na verdade falando com um
traficante diretamente da sala de estar de sua pr��pria casa. ��
aterrador. Para aumentar a conscientiza����o a respeito desse
problema, juntamos for��as com a Microsoft para criar um
programa chamado Navega Protegido (navegue com seguran��a),
com a finalidade de proteger crian��as no ciberespa��o. O
Navega Protegido �� uma campanha que educa pais e professores
sobre todos os riscos que se apresentam para uma crian��a
ao navegar na rede.

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Mesmo que n��o consigamos abolir por completo esse tipo
de coisa, pelo menos podemos conscientizar as pessoas. Colocamos
an��ncios em sistemas de transporte p��blico: "Voc�� sabe
com quem sua filha est�� conversando na internet?". E nos aeroportos,
onde crian��as raptadas s��o embarcadas em avi��es para
outros pa��ses, colocamos an��ncios que diziam: "Voc�� sabe para
onde vai viajar? Voc�� conheceu essa pessoa na internet?".

Depois disso, lan��amos um projeto chamado Llama y
Vive (Telefone e Viva), um disque-den��ncia em que v��timas de
tr��fico de pessoas podem pedir ajuda. Realizamos campanhas
de m��dia para divulgar os n��meros de telefone e recebemos um
retorno surpreendente. Certo dia, uma mulher foi at�� uma esta����o
de r��dio que tinha divulgado os n��meros e falou: "Ol��,
ouvi sobre a campanha Llama y Vive, e n��o tenho telefone.
Mas sou uma v��tima". Logicamente, o pessoal da r��dio chamou
imediatamente as autoridades, que por sua vez entrou em
contato conosco para cuidarmos da reabilita����o da mulher. E
dessa forma salvamos mais uma. Todas as vidas importam.

As a����es da Funda����o Ricky Martin continuam crescendo,
e estamos sempre procurando novas maneiras de combater

o tr��fico de pessoas. No in��cio de 2010, em colabora����o com
a corpora����o financeira Doral, lan��amos um novo programa
comunit��rio para mobilizar a consci��ncia social. Estou convencido
de que este �� um problema que podemos resolver. N��o
importa qu��o grande seja, n��o importa qu��o generalizado
possa estar em todos os pa��ses do mundo, sei que temos conseguido
criar mais consci��ncia; e se as pessoas virem os perigos
enfrentados pelas crian��as com seus pr��prios olhos , talvez
possamos fazer uma diferen��a.
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O PAPEL DE MINHA VIDA

DESASTRES NATURAIS

UMA DAS COISAS que pouqu��ssimas pessoas sabem sobre o tr��fico
de pessoas �� que os traficantes em geral se aproveitam de situa����es
extremas, como terremotos, inunda����es ou guerras, para
raptar as crian��as que est��o mais vulner��veis. Algumas das experi��ncias
mais intensas que vivi desde que entrei na luta contra
o tr��fico de pessoas foram as visitas a lugares afetados por
desastres naturais, como o tsunami de 2004 e o terremoto de
2010 no Haiti. Nunca mais conseguirei apagar aquelas imagens
da mente, e a verdade �� que n��o quero: n��o quero esquecer toda
a destrui����o, dor e desola����o que vi, porque n��o quero esquecer
que, todo dia, devo seguir na luta pela minha causa.

O tsunami ocorreu ��s 9h33 do dia 26 de dezembro de
2004, nas praias de Patong, na Tail��ndia. Segundo testemunhas,
a primeira onda media cerca de dez metros de altura.
Destruiu tudo em seu caminho. Revirou carros, fez pr��dios
desmoronarem, derrubou ��rvores, esmagando os escombros
com suas ��guas turbulentas. As ondas causaram enormes preju��zos
e milhares de mortes na Indon��sia, na Tail��ndia, no Sri
Lanka, na ��ndia, na Som��lia e nas Maldivas. Deixaram em seu
rastro mais de 287 mil mortes e mais de 50 mil pessoas desaparecidas.
Um ter��o dos mortos eram crian��as.

Embora a not��cia tenha corrido por toda a m��dia, s�� fiquei
sabendo disso v��rios dias depois. Estava em uma ilha
particular em Porto Rico, comemorando meu anivers��rio com
um grupo de amigos. Embora a ilha fosse totalmente comunic��vel,
eu queria permanecer desligado, e fiquei uma semana

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inteira sem olhar para o meu celular. N��o sabia o que estava
acontecendo em Porto Rico, muito menos o que ocorria no
outro lado do mundo. Queria apenas me divertir, nadando
no mar, relaxando na areia, cantando e ouvindo m��sica.

Assim, foi s�� em 3 ou 4 de janeiro, quando voltei para San
Juan, que fiquei sabendo do tsunami. Minha primeira rea����o
foi de total agonia. Se o tsunami tivesse sido no Atl��ntico, em
vez de no outro lado do mundo, eu provavelmente teria desaparecido
da face da terra, j�� que estava em uma ilha plana
e n��o havia para onde correr. Acho que, por ter acabado de
retornar de um longo descanso ao lado do mar, foi-me ainda
mais doloroso imaginar que, do outro lado do planeta, o oceano
tinha se transformado em um monstro.

Fiquei completamente abalado. Vi o caos na televis��o,
toda a devasta����o, escutei os relatos sobre os milhares de mortos
e desaparecidos, e sobre as crian��as que estavam perdidas
e em busca de seus pais, que naquele momento s�� Deus sabia
onde estavam. E de repente me dei conta de que era um cen��rio
perfeito para traficantes: milhares de crian��as traumatizadas,
��rf��s, perdidas e desamparadas, dispostas a aceitar
ajuda de qualquer pessoa que oferecesse. Assim que essa ideia
me passou pela cabe��a, n��o havia mais como apag��-la. Sabia
que aquelas crian��as estavam em risco e que eu precisava fazer
algo a respeito. E r��pido.

Telefonei para o diretor executivo da funda����o e disse:
"Precisamos ir imediatamente para a Tail��ndia".
"Est�� bem", falou, "e o que vamos fazer l��?"

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O PAPEL DE MINHA VIDA

"N��o sei", respondi. "S�� sei que temos de ir e precisamos
fazer barulho, para que as pessoas d��em aten����o ao que est��
acontecendo."

Sabia que era um daqueles momentos em que seria essencial
utilizar meu poder de convencimento. Estava disposto a
subir no telhado de um pr��dio qualquer e gritar: "Aten����o!
Crian��as podem estar sendo v��timas de tr��fico neste exato momento.
E poss��vel que sejam raptadas enquanto falamos!".

E �� mais ou menos isso o que fizemos. Convidamos uma
escritora porto-riquenha que viajava muito conosco. Toda vez
que part��amos para uma miss��o na Jord��nia ou em Calcut��,
ela se juntava a n��s para documentar tudo o que acontecia nas
viagens. Enquanto nos prepar��vamos para partir, recebemos

o telefonema de uma produtora do Oprah Winfrey Show perguntando
se ��amos fazer alguma coisa. Assim, convidamos a
mo��a para se juntar a n��s; e foi por isso que acabamos acompanhados
por c��meras de um dos programas de televis��o mais
assistidos do mundo. Era dif��cil imaginar uma alian��a mais
perfeita. Ainda nem t��nhamos chegado, mas sab��amos que far��amos
barulho!
Partimos em um voo de San Juan para Nova York, para
depois voarmos de Nova York para Londres e de Londres para
Bangcoc. Enquanto est��vamos no voo de Nova York para Londres,
com a imprensa e as c��meras no avi��o, ainda n��o t��nhamos
roteiro. A viagem foi t��o repentina que nem tivemos tempo
para planejar o que fazer. Da maneira como as coisas estavam
indo, ��amos pousar em Bangcoc e ter de dizer a todos: "Por favor,
aguardem aqui enquanto alugamos um carro...". Quando
conto isso agora, sinto vontade de rir; mas, naquele momento,

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nossas mentes estavam atordoadas, pois n��o t��nhamos um plano
detalhado sobre o que fazer, bem diferente da forma como eu
estava acostumado a trabalhar, tampouco a equipe da Oprah.
Mas aquela era uma miss��o que veio diretamente do cora����o,
e, em meio ao caos, eu n��o parava de repetir, como um mantra:
"Tudo vai ficar bem. Tudo vai ficar bem".

Em Nova York, o diretor executivo da funda����o entrara
em contato, por telefone, com a embaixada da Tail��ndia
em Washington, D.C., dizendo-lhes que Ricky Martin estava a
caminho do pa��s e queria ajudar no que fosse poss��vel. Havia
aceitado o conselho dos ativistas de n��o ter medo de usar meu
nome por uma causa em que acreditava.

Chegamos ao aeroporto Heathrow, em Londres, e meu diretor
executivo voltou a contatar a embaixada da Tail��ndia em
Washington, e soube que o embaixador estava muito feliz por
querermos ajudar e ofereceu apoio irrestrito. Mais uma vez, os
planetas se alinharam para que tudo flu��sse de modo m��gico.
Ou talvez seja apenas o poder da mente, que �� incr��vel. Nessas
horas de press��o total, meu mantra ajudava muito - disso n��o
duvido nem um pouco.

Quando chegamos a Bangcoc, tudo estava resolvido. Fomos
apanhados no aeroporto e tivemos uma reuni��o com o
primeiro-ministro, na qual ouvimos um resumo do que tinha
acontecido e de como a situa����o estava sendo tratada. Depois
nos levaram para as ��reas mais afetadas pelo tsunami.

Era dif��cil de acreditar. O terremoto que causou o tsunami
sacudiu as ruas da ilha de Phuket ��s 7h58, hora local, desmoronando
tudo sobre pedestres e motociclistas, e fazendo com
que motoristas perdessem o controle de seus carros. A magnitude

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O PAPEL DE MINHA VIDA

do terremoto, 9,1 graus na escala Richter, foi a terceira maior
medida desde a exist��ncia do sism��grafo; foi t��o forte que fez

o planeta inteiro tremer e sair quase um grau de seu eixo. O
epicentro do tremor foi a quase quinhentos quil��metros de
Phuket, a oeste de Sumatra, no fundo do oceano. (A maior
magnitude j�� registrada foi durante o Grande Terremoto do
Chile em 1960, tamb��m conhecido como o terremoto de Valdivia,
que provocou um tsunami que devastou Hilo, no Hava��,
a mais de dez mil quil��metros do epicentro.)
O primeiro tremor durou mais de oito minutos. Quando
acabou, o pior ainda estava por vir. Cerca de uma hora e
meia depois do terremoto, as pessoas que estavam nas praias
de Phuket notaram que o mar come��ou a recuar rapidamente.
Algumas foram investigar e pegar uns peixes que ficaram encalhados
em terra firme com o recuo s��bito da ��gua. Aqueles
que estavam na praia de Mai Khao, ao norte da ilha, tiveram
muita sorte, porque uma menina brit��nica de dez anos, que
tinha estudado tsunamis em uma aula de geografia no ensino
fundamental, reconheceu os sinais de um tsunami iminente. Ela
informou os pais, sua fam��lia alertou os outros que estavam na
praia e todos conseguiram escapar. N��o muito longe dali, um
professor escoc��s tamb��m reconheceu os sinais do que estava
por vir, e conseguiu lotar um ��nibus com turistas e moradores
locais e ir para um ponto seguro.

Infelizmente, o mesmo n��o ocorreu em outras ��reas. Muitos
sa��ram para investigar, ou permaneceram calmamente no
local, sem perceber o que estava acontecendo. A primeira onda
veio minutos depois, e o impacto arremessou barcos e carros
para o ar, destruiu casas e arrancou ��rvores do ch��o.

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A segunda onda veio trinta minutos mais tarde, e trinta
minutos depois veio a mais forte de todas, que se estimou ter
quase 35 metros de altura. Esta transformou as ruas em rios
violentos e sujos, cheios de detritos, chegando at�� o segundo
andar de muitos edif��cios e destruindo quil��metros de praia.

Por todo o oceano ��ndico, ocorreram outros tsunamis
de magnitude semelhante, atingindo as costas de Bangladesh,
Indon��sia, Sri Lanka e, sete horas ap��s o terremoto inicial, a
Som��lia. Foi o tsunami mais letal da hist��ria, deixando toda
uma regi��o devastada, que at�� hoje luta para se recuperar por
completo.

Quando cheguei �� Tail��ndia, cerca de dez dias ap��s o terremoto,
fui levado para a regi��o de Pang Na e disseram-me
que havia ��reas onde o estrago era cinco vezes pior do que
aquele que eu estava vendo. Era algo realmente dif��cil de imaginar,
pois ali, onde eu estava, a situa����o j�� era muito triste. A
escola foi transformada em hospital, a casa de uma pessoa virou
escola e um templo budista era agora necrot��rio. Assim, o
templo, lugar aonde normalmente se vai para encontrar algum
tipo de vida espiritual, era povoado com morte f��sica. Pare e
pense nisso por um instante.

Mas, em meio a tanta devasta����o, havia tamb��m esperan��a.
Muitas crian��as ficaram ��rf��s, mas sentia que ainda podia
fazer algo por elas. Em momentos como esse, como expliquei
antes, os traficantes aproveitam o caos decorrente dos desastres
naturais. Aproveitam-se do desespero da situa����o e, literalmente,
v��o pescar nas ruas. Sabem que vai haver muitas
crian��as perdidas, sem fam��lia para proteg��-las e muito assustadas.
Quando deparam com uma crian��a chorando por sua

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O PAPEL DE MINHA VIDA

m��e, sabem que ela vai acreditar em algu��m que diz: "Sei onde
est��o seus pais. Venha comigo".

�� assim que elas s��o pegas. E �� exatamente por isso que eu
queria ir para l��. Onde quer que haja uma cat��strofe natural,
onde haja caos, h�� a oportunidade que um traficante busca explorar,
aproveitando-se dos mais vulner��veis e roubando seus
direitos humanos mais b��sicos.

Em um hospital em que ��rf��os estavam sendo alojados,
conheci o mais jovem sobrevivente do tsunami, que fora apelidado
de Baby Wave. Baby Wave apareceu no meio da cidade
flutuando em um colch��o, com poucos dias de idade. Algu��m
prendera um bilhete �� sua roupa: "Encontrei este menino na
regi��o da praia, mas n��o tenho comida para lhe dar. N��o tenho
nada para ele. Por favor, cuide dele".

Era um milagre em meio a toda aquela destrui����o; assim,
os enfermeiros o protegiam como se fosse uma pequena joia.
Mas tiveram de escond��-lo em um escrit��rio e monitor��-lo dia
e noite, porque, quando a imprensa ficou sabendo que havia
sido encontrado o mais jovem sobrevivente do tsunami, pessoas
vieram de tudo quanto �� canto afirmando ser seus pais, ou
mesmo um tio. Contudo, quando as enfermeiras se dispunham
a realizar um teste de DNA, todos desapareciam.

Havia gente que at�� fingia ser m��dico, dizendo que precisava
lev��-lo para outro hospital a fim de realizar um exame.
Era tudo mentira. Eram todos traficantes que queriam peg��-lo
e vend��-lo, ou sabe-se l�� o qu��. Era inspirador o amor que as
enfermeiras demonstravam no cuidado com Baby Wave, e segur��-
lo em meus bra��os foi outro momento do qual lembrarei
para sempre. Ele significava esperan��a.

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Em meio a tanta morte e sofrimento, tamb��m vi algumas
coisas muito bonitas. Conheci, por exemplo, a mulher que transformou
sua casa em escola, porque sentia que era importante as
crian��as sobreviventes terem onde estudar. Era uma casa muito
modesta, com ch��o de barro, localizada em uma pequena vila
de pescadores tailandeses. Todo dia de manh��, sessenta crian��as
iam at�� l��, e ela as colocava em uma pequena ��rea no interior da
casa onde havia um quadro-negro para que elas pudessem ler e
escrever. Eram crian��as de todas as idades, at�� nove ou dez anos.
Havia cadeirinhas, e eles usavam t��buas de madeira como mesa.
Talvez, para n��s, isso n��o seja muito, mas a verdade �� que n��o
lhes faltava nada. Tinham comida e ��gua, uma casa calma e limpa
para estudar e algu��m para cuidar deles.

A mulher que abriu sua casa era muito inteligente, porque
sabia que n��o era quest��o apenas de crian��as seguindo seus
estudos; tinha consci��ncia de que, na verdade, eles precisavam
se ocupar com alguma coisa. Era importante que mantivessem
suas mentes ativas, para que n��o tivessem tempo para raciocinar
sobre a enorme trag��dia que enfrentavam. O fato de poderem
ficar com ela o dia todo os mantinha a salvo, porque,
se aquelas crian��as n��o estivessem na escola ou em outro lugar
em que ficassem protegidas, era poss��vel que os traficantes
viessem peg��-las.

Aquela mulher viu as necessidades das crian��as e fez tudo

o que estava a seu alcance para ajudar. E, ao se dedicar a sessenta
crian��as durante aquela trag��dia horr��vel, fez uma diferen��a
monumental em suas vidas.
Depois de alguns dias visitando as diversas ��reas danificadas,
voltei para Porto Rico e realizei um evento para levantar

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O PAPEL DE MINHA VIDA

fundos. Foi um caf�� da manh�� em San Juan, onde me reuni
com empres��rios e outras pessoas ilustres da ilha. No evento,
dei um testemunho sobre tudo o que vi na Tail��ndia. Falei
para eles sobre a dor que senti ao ver tanta destrui����o e a raiva
que tinha devido ao que estava acontecendo, e os convidei a se
juntar a mim na ajuda ��quelas ��reas. Assim como os su����os,
noruegueses, finlandeses, russos, chineses e indianos estavam
dando uma m��o, era necess��rio que n��s, em Porto Rico, tamb��m
fiz��ssemos alguma coisa. Qualquer coisa.

E foi isso que aconteceu. Aquelas pessoas, e outras mais,
contribu��ram para que pud��ssemos construir casas para algumas
v��timas das ��reas mais destru��das da Tail��ndia. Mas,
como n��o tenho o conhecimento ou a experi��ncia para aquele
tipo de projeto, aliamo-nos �� Habitat for Humanity, uma organiza����o
global sem fins lucrativos dedicada �� constru����o de
casas seguras e dignas para pessoas carentes em mais de noventa
pa��ses ao redor do mundo. Falei com o primeiro-ministro
da Tail��ndia, e ele foi muito gentil e me ajudou a encontrar
um espa��o onde as casas poderiam ser constru��das. A maior
parte dos fundos levantados para a constru����o veio por meio
de v��rios esfor��os colaborativos de minha funda����o, e ainda
contamos com outras doa����es. Aliado ��s liga����es e conhecimentos
t��cnicos da Habitat for Humanity, e todos os volunt��rios
locais e internacionais que doaram seu tempo em prol dos
nossos esfor��os conjuntos, bem como a popula����o local, que
doou materiais de constru����o adicional para as casas, conseguimos
construir, no total, 224 casas.

Deu-me uma satisfa����o enorme. Todos misturamos cimento
e colocamos a m��o na massa. Coloquei o cimento nos

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tijolos e, depois, cortei os tijolos. Eu nunca trabalhara com
constru����o antes, mas havia muitos volunt��rios l�� que tamb��m
nunca tinham colocado um tijolo. E todos nos divertimos
muito. Na ��poca, n��o pude ver nenhuma das casas totalmente
conclu��da, mas consegui terminar uma parede que, espero,
far�� parte da casa daquela fam��lia para sempre.

Mas n��o foi s�� isso. Ap��s passar alguns dias na Tail��ndia,
cumpri minha outra obriga����o: retornei para os Estados Unidos
para ir ao Oprah Winfrey Show e contar ao mundo o que
estava acontecendo. Apresentamos o v��deo em que eu aparecia
visitando uma das ��reas mais destru��das, e mostramos ��s pessoas
n��o apenas o que t��nhamos feito, mas tamb��m tudo o que
ainda havia por fazer (e ainda h��).

�� prov��vel que existam pessoas que pensam que fiz o que
fiz para me promover. Se for o caso, que todos achem o
que quiserem. Talvez alguns anos atr��s eu sentisse a necessidade
de justificar minhas a����es. Mas agora sei que a ��nica coisa
que realmente importa �� o que eu penso. Meu ��nico objetivo
era fazer as pessoas compreenderem a necessidade de ajudar
aquelas ��reas danificadas, e apresentar-lhes tudo o que podia
ser feito nesse sentido. H�� tantas maneiras de ajudar, e em
tantos n��veis diferentes, que acredito que todos precisam encontrar
uma maneira de faz��-lo, seja com dinheiro, tempo ou
qualquer outra coisa. Em todo caso, senti-me muito orgulhoso
do que fizemos. Principalmente quando, alguns meses depois,
tive o privil��gio de voltar para a Tail��ndia para entregar as
chaves �� fam��lia que se mudaria para a casa que t��nhamos come��ado
a construir durante a minha viagem anterior, e para
conhecer outras fam��lias que se mudariam para outras casas

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O PAPEL DE MINHA VIDA

que patrocinamos. Esse foi mais um dia que vou lembrar para
sempre. No total, mais de mil pessoas, em duas ��reas afetadas
pelo tsunami, acabaram se beneficiando permanentemente do
trabalho que t��nhamos feito.

Eu conseguia ver a alegria nos rostos das fam��lias ao entrar
pela primeira vez em seus novos lares, e agradeci aos c��us
pela chance que tive de ajudar. Tamb��m fiquei muito grato por
ter sido capaz de presenciar aquelas fam��lias reconstruindo
suas vidas como amor que as uniu e lhes deu a for��a para enfrentar
e superar qualquer coisa.

Algo semelhante ocorreu no in��cio de 2010 quando um
terremoto brutal abalou todo o Haiti. Ao ver as primeiras imagens
na televis��o, e muito tocado pela proximidade entre Haiti
e Porto Rico, senti que tinha de ir para l�� o mais r��pido poss��vel
para descobrir como ajudar. Mas, assim como no tsunami
da Tail��ndia, um monte de gente tentava me convencer a desistir,
dizendo: "�� um caos total, Ricky. O que voc�� vai fazer
l��?". Entretanto, assim como no tsunami, senti no fundo de
minha alma que era algo que tinha de fazer. Precisava ir l��,
andar pelas ruas e viver o que nossos irm��os e irm��s haitianos
estavam vivendo, para descobrir o que eu podia fazer para ajudar.
S�� estando l�� eu poderia sentir, repercutir e compreender

o que estava acontecendo, e ent��o dar uma m��o.
E a verdade �� que eu nunca poderia ter imaginado o que
encontraria ao chegar em Port-au-Prince. Era um caos total,
mas um caos bem diferente de tudo que j�� tinha visto antes,
mesmo na Tail��ndia. As estruturas tinham desmoronado - havia
��reas em que n��o se via um ��nico edif��cio em p�� - e as ruas,

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para onde quer que se olhasse, estavam repletas de cad��veres
e restos dos mortos. E, principalmente, nenhuma organiza����o.
Enquanto na Tail��ndia havia algo que lembrava ordem, por
meio do governo e das entidades locais que permaneceram, no
Haiti n��o havia nada. N��o havia nenhuma estrutura governamental
comandando as a����es, nem mesmo l��deres comunit��rios,
at�� porque a maioria tinha morrido. Estar no Haiti era
como viver numa esp��cie de inferno na terra; nunca tinha visto
nada parecido. A devasta����o era tamanha que at�� as organiza����es
especializadas na recupera����o ap��s cat��strofes naturais,
profissionais no assunto, estavam totalmente perdidas e n��o
sabiam por onde come��ar.

Como na Tail��ndia, ap��s visitar a ��rea mais destru��da,
conclu��mos que a melhor maneira de ajudar seria construindo
lares. A inten����o era a mesma: se as crian��as t��m um lar
para onde voltar, v��o ficar longe das ruas, lugar em que s��o
mais vulner��veis aos traficantes. Em todos os projetos de
nossa funda����o, sempre tentamos ver o cen��rio maior. N��o
se trata de encontrar uma solu����o justa para hoje e amanh��
apenas. Queremos encontrar maneiras de ajudar que sejam
permanentes e sirvam para prevenir, no futuro, mais trag��dias
ou situa����es perigosas.

Assim, novamente unimos for��as com a Habitat for Humanity,
e, juntos, estamos implementando solu����es habitacionais,
tanto a curto quanto a longo prazo, para crian��as e fam��lias
do Haiti. J�� propiciamos abrigos tempor��rios emergenciais e
alojamentos para centenas de afetados pelo terremoto e, em
breve, come��aremos a constru����o de casas permanentes. Mais
uma vez, nossa alian��a est�� proporcionando seguran��a e abri


2 2 8


O PAPEL DE MINHA VIDA

go para crian��as cujas vidas poderiam estar em perigo devido
a uma cat��strofe natural, e assim estamos oferecendo-lhes esperan��a
para o futuro. Mal posso esperar o dia em que conhecerei
as fam��lias haitianas e lhes entregarei em m��os as chaves
de seus lares permanentes, que ser��o constru��dos com amor,
assim como as casas da Tail��ndia. Mas, antes, com a colabora����o
de muitos colegas do show business, gravei uma s��rie de
an��ncios de convoca����o p��blica (em ingl��s e espanhol) exortando
o mundo a ajudar o Haiti. �� um processo lento, mas
certamente estamos fazendo uma diferen��a, ainda que min��scula,
diante do mar de problemas que o Haiti enfrenta hoje.
Mais uma vez, aqui, como em tantos aspectos da minha vida,
aprendi que tenho de me focar no que fiz, e n��o no que falta
fazer. Caso contr��rio, ficaria desesperado.

2 2 9


PATERNIDADE


CEDO ou TARDE CHEGAMOS A UM PONTO EM QUE AMBICIONAMOS
algo mais para nossas vidas. Come��amos a perceber que j��
n��o basta apenas existir no mundo e sentimos a necessidade
de transcender quem somos para nos tornarmos maiores. Para
mim, a aspira����o se manifestou no desejo de ser pai.

Ainda que meu trabalho no combate ao tr��fico de pessoas
tenha, de alguma forma, suprido meu desejo de fazer algo que
me parecia importante, n��o posso dizer que foi o suficiente
para preencher minha alma. Tinha chegado a um ponto em
que precisava de mais: uma fam��lia minha. Para mim, ter um
filho significa estar pronto para se entregar por completo, e era
exatamente assim que eu me sentia. J�� n��o queria mais esperar

o momento certo ou o parceiro perfeito para faz��-lo: estava
pronto para ser pai e, tendo entendido isso, fiz o que precisava
fazer para transformar meu sonho em realidade.
DANDO UM SALTO

NA VERDADE, TUDO come��ou com Baby Wave, porque, ao conhec��-
lo, tive vontade de adot��-lo. Na ��poca, disseram-me que
pais solteiros n��o t��m permiss��o para adotar na Tail��ndia,

2 3 3


E U

ent��o era melhor nem pensar nisso. Por��m a ternura daquele
pequenino e sua for��a e determina����o para viver despertaram
algo muito profundo em mim.

O segundo catalisador veio quando uma amiga ficou gr��vida.
Foi perfeito, porque essa amiga, al��m de tudo, era minha
fisioterapeuta, e assim estive pr��ximo dela durante toda a gravidez.
Ela me acompanhou na Black and White Tour em 2007,
e por isso pude ver sua barriga crescendo; e o fato de eu estar
t��o perto dela naqueles nove meses ajudou-me a experimentar

o milagre da vida. Por fim, chegou um momento em que ela
n��o podia mais viajar e precisou ficar em casa, mas, quando
sua filhinha preciosa nasceu, senti um clique dentro de mim.
Como tantas outras vezes antes, chegara o meu momento. E
foi assim que minha busca come��ou.
Encontrar aquele bebezinho no caos do tsunami e, depois,
ver a alegria suprema da minha amiga ao dar �� luz mexeram
muito comigo. Os dois eventos despertaram uma paz
profunda e uma sensa����o de alegria t��o pura que, de alguma
forma, eu queria inserir aqueles sentimentos em minha vida.
Senti que era hora de ser pai. A ��nica coisa que importava ��
que estava pronto para ser pai, e ningu��m conseguia me demover
desse sentimento: nem minha fam��lia, nem meus amigos,
nem meus amantes. Era algo de que eu precisava, algo
que queria muito fazer e assim pesquisei a melhor forma poss��vel
de alcan��ar isso.

Em retrospecto, percebo que o caminho que eu trilhara
conduzia ��quele momento e me propiciara todas as ferramentas
de que precisava para tomar aquela decis��o. Eu n��o apenas
aprendera a me aceitar e me amar; tinha finalmente encontra


2 3 4


PATERNIDADE

do minha fun����o na terra - trabalhar no combate ao tr��fico de
pessoas -e me sentia pronto para amar algu��m incondicionalmente.
Apesar de acreditar que ningu��m nunca est�� totalmente
pronto para ser pai - em grande parte porque s�� se compreende

o que �� ser pai quando se torna um -, naquele momento sentia
que desenvolvera as ferramentas espirituais necess��rias para
dar esse passo muito importante.
O tempo que passei na ��ndia me ajudou muito. L�� aprendi
a escutar o meu sil��ncio e, assim, consegui me conhecer,
mas tamb��m aprendi muito sobre a vida. Precisava me distanciar
da minha carreira para aprender as coisas simples da
vida e ser capaz de partilhar meu tempo aqui com outras pessoas.
Por ter passado tanto tempo correndo para l�� e para
c�� tentando ser o n��mero um, n��o tive tempo para crescer e
amadurecer no meu pr��prio ritmo. Tinha de aprender a gritar,
a caminhar e ver outras pessoas; tinha de tomar o controle
da minha pr��pria vida.

Na ��ndia, aprendi a focar-me na gratid��o. Acho que a
maioria de n��s - inclusive eu - passa a vida dando destaque ao
lado negativo. Muitas vezes acreditamos fazer isso para ser realista,
ou simplesmente para identificar as coisas negativas que
tentamos eliminar de nossas vidas. E embora n��o ache que nos
enganamos ao dar aten����o ao que nos machuca e incomoda - se

o fizermos a fim de melhorar as coisas -, acredito que �� importante
dedicar tempo para atentar nas coisas boas, para que possamos
repeti-las e aumentar sua frequ��ncia em nossas vidas.
Hoje, quando me sinto mal, ou quando o dia parece me
sufocar, ou quando sinto uma nuvem perseguindo-me para
onde quer que eu v��, fa��o uma lista das dez coisas a que sou

2 3 5


EU

mais grato. S�� dez. De in��cio, quando tentava fazer isso, n��o
passava da terceira. Pensava: "Estou vivo. Tenho sa��de. Tenho
comida na mesa...", e parava por a��. Levou algum tempo para
que eu conseguisse expandir essa lista.

Quando parei, de fato, para pensar, percebi que h�� muitas
outras coisas extraordin��rias para agradecer. Posso andar. Posso
ver. Posso sentir. Tenho amigos. Tenho uma fam��lia que me
ama. Tenho um lar. Tenho dois filhos bonitos. E, quando chego
ao n��mero 8 da lista, j�� estou sorrindo. E �� assim que me
foco no positivo, que significa adicionar em vez de diminuir.

Sempre soube que meu destino era ser pai. Mas n��o algo
como, aos 25 anos de idade, dizer: "Quando tiver 35, vou
ser pai". N��o, apenas senti que meu momento tinha chegado,
e resolvi encar��-lo quando senti que estava pronto. Sei
que muitas pessoas t��m medo de ter filhos, por��m posso dizer
honestamente que isso nunca me assustou. Tinha o exemplo
extraordin��rio do meu pai. Ao se casar pela segunda vez, sua
esposa me disse: "Apaixonei-me por ele devido �� forma como
ele te trata. Vi a din��mica entre voc��s e pensei comigo mesma:
'�� esse o tipo de pai que quero para os meus filhos'". E ��
verdade. Sempre tivemos um relacionamento incr��vel, de papo
aberto e compreens��o, e �� esse tipo de rela����o que quero ter
com os meus filhos.

Al��m disso, at�� o dia em que entrei no Menudo, acreditava
ser o melhor irm��o do mundo, porque ensinei meus irm��os
mais jovens, os filhos de meu pai, a andar de bicicleta, a
amarrar os sapatos e muitas outras coisas b��sicas da inf��ncia.
Depois de entrar na banda, sofro ao pensar que eu os abandonei;
e sempre tive a impress��o de que o mais velho olhava

236


PATERNIDADE

para mim com uma express��o no rosto que dizia: "Onde voc��
estava quando mais precisei?".

Mas, algum tempo depois, compreendi que precisava me
libertar dessa atitude de melancolia e da culpa que sempre
carreguei por ter sa��do, j�� que, por fim, entendi que a vida me
carregara por um caminho que nos distanciara -e n��o havia
como ser diferente. N��o era culpa de ningu��m. Era uma li����o
para n��s dois, e nunca deixei de amar meu irm��o, assim
como os outros. A prova �� que, hoje, somos todos muito pr��ximos,
vemo-nos sempre que podemos e nos amamos todos.
�� por causa desse relacionamento t��o especial que tenho com
eles e com meus pais que sempre senti vontade de ser pai.

Quanto mais pesava os pr��s e contras das v��rias alternativas
que havia para ter filhos, a que parecia melhor era contratar
uma barriga de aluguel. Agora, preciso esclarecer que era a
melhor op����o para mim. N��o quero convencer os outros a fazer
o mesmo, nem vou subir no alto do morro para gritar para
todos que a coisa mais incr��vel que j�� aconteceu foi a inven����o
da barriga de aluguel. Sei muito bem que isso pode n��o ser a
melhor op����o para todo mundo, mas era para mim. J�� sabia
que minha vontade n��o era ter uma fam��lia com uma mulher,
e como tamb��m n��o queria aguardar at�� encontrar o amor da
minha vida para termos filhos, decidi que iria fazer isso.

Quando contei para minha m��e o que ia fazer, ela olhou
para mim e disse: "Espere um pouco, Kiki. Sente-se um pouquinho
para que possamos conversar. O que voc�� est�� me dizendo
parece uma esp��cie de filme do futuro".

"N��o, Mami. N��o �� o futuro", respondi. "�� o presente."

237


EU

E expliquei para ela como tudo funcionava. Quando terminei,
a ��nica coisa que ela me disse foi: "Meu filho, �� preciso ter
a cabe��a no lugar para tomar esse tipo de decis��o. Parab��ns".

Algumas pessoas podem n��o saber muito bem o que �� barriga
de aluguel e, por isso, acharem estranho ou at�� pensar que ��
algo negativo. Mas a verdade �� que �� uma alternativa excelente
que existe hoje, gra��as a todos os avan��os da ci��ncia m��dica. E
pensar que antes, quando um casal n��o era capaz de conceber
um filho, eles tinham de desistir, sem muitas op����es. Hoje, um
casal que n��o pode ter filhos - ou tem dificuldade para faz��-lo tem
v��rias op����es dispon��veis.

O processo de barriga de aluguel leva tempo. N��o apenas
os nove meses de gravidez. Come��a muito antes. Eu queria fazer
por meio de uma ag��ncia especializada e, obviamente, precisava
de um advogado com experi��ncia no assunto para me
orientar durante todo o processo. E foi o que fiz.

A barriga de aluguel est�� cada vez mais comum. Embora
n��o existam estat��sticas consolidadas, estima-se que, desde
1976, cerca de 28 mil crian��as nasceram de barriga de aluguel,
e a cada dia surgem mais fam��lias monoparentais que optam
por ter filhos assim. Mais do que nunca, os homens est��o cada
vez mais conscientes da import��ncia da paternidade e sentem
a necessidade de ter filhos, tendo ou n��o um parceiro (seja ele
homem ou mulher).

O primeiro passo no meu processo de barriga de aluguel,
depois de encontrar a ag��ncia e um advogado com quem quisesse
trabalhar, foi selecionar a doadora dos ��vulos. Fiquei
uma semana inteira examinando biografias de mulheres que
ofereciam seus ��vulos. Apesar de saber que queria encontrar

2 3 8


PATERNIDADE

algu��m que reunisse qualidades que complementassem as minhas,
ainda era dif��cil escolher a pessoa certa. Talvez, se eu tivesse
encontrado algu��m por quem me apaixonasse, n��o teria
sido t��o dif��cil; estar��amos apaixonados e ter��amos beb��s. Mas
aquilo era bem diferente, e escolher uma pessoa com base em
sua biografia n��o foi t��o f��cil quanto achei que seria.

Depois de escolher a doadora, o passo seguinte era encontrar
a mulher que emprestaria seu ventre para carregar o beb��.
Meus advogados aconselharam que o melhor seria fazer isso
anonimamente. Disseram-me que m��es que carregam beb��s
s��o bem acostumadas a isso, e que algumas at�� preferem fazer
isso porque assim parece que est��o gr��vidas de seus pr��prios
filhos e podem seguir suas vidas normalmente. Na verdade, a
maior parte dos casos de maternidade de substitui����o �� tratada
de modo confidencial e sem nenhum contato, como se
fosse uma ado����o fechada. H�� ado����es abertas em que todas
as partes concordam em permanecer em contato e se conhecem,
mas tamb��m as ado����es fechadas, em que as mulheres
que entregam seus beb��s para ado����o n��o querem ter nenhum
contato com a crian��a ou com os pais que ir��o cri��-las. E, muitas
vezes, os pais adotivos tamb��m n��o querem ter nenhum
tipo de liga����o com a m��e biol��gica. Isso �� algo rec��proco. As
m��es que doam seus ��vulos ou carregam os beb��s entendem e
aceitam o fato de que a m��e ou o pai que ir�� cuidar da crian��a
prefere n��o ter nenhum la��o com aquelas que os ajudaram a
trazer um filho para o mundo.

Tamb��m existe barriga de aluguel aberta, em que a m��e
substituta pode ter contato com a fam��lia e, eventualmente,
com a crian��a. Tudo depende do que �� melhor para cada

2 3 9


EU

caso. No meu caso, senti que era melhor uma barriga de aluguel
fechada.

Estive em contato com a m��e de aluguel ao longo de toda
a gravidez. Mas isso foi feito anonimamente. Tamb��m falava
regularmente com os m��dicos dela. Apesar de n��o estar ao seu
lado fisicamente, garanti que recebesse os melhores cuidados
poss��veis.

Se meus filhos, quando ficarem mais velhos, quiserem saber
sobre a doadora de ��vulos, poderei mostrar-lhes fotografias
dela. T��m o direito de saber quem ela ��, afinal faz parte
da hist��ria gen��tica deles. Mas ela pediu que n��o tiv��ssemos
nenhum contato. Alega que n��o se interessa muito por isso,
e que n��o tem muita vontade de ter filhos. Disse que fez isso
pelo simples fato de poder ajudar outros a formar uma fam��lia,
o que j�� �� uma b��n����o.

Contudo, a mulher que carregou os meninos n��o tem nenhuma
liga����o gen��tica com eles. Simplesmente emprestou o
ventre. Sou muito grato pelo que ela fez, e, se eu o fizer de
novo, adoraria que ela carregasse meus filhos novamente. Ela
j�� tinha feito isso anteriormente e foi muito bem recomendada
pela ag��ncia. Quando a entrevistei, perguntei-lhe por que fazia
aquilo, e ela respondeu: "Sou uma mulher muito espiritual, e
sinto-me muito pr��xima de Deus quando posso dar o dom da
vida a algu��m que n��o possa faz��-lo sozinho".

Adorei a resposta. Senti que nossas cren��as estavam alinhadas,
e suas palavras inspiravam muito respeito. Para mim,
era uma honra ter uma mulher como ela cuidando de meus filhos
por nove meses, e sou-lhe eternamente grato pelo ambiente
calmo e saud��vel que propiciou a meus filhos.

2 4 0


PATERNIDADE

Esse processo todo come��ou durante a Black and White
Tour. Foi por volta de agosto de 2007 que digitei "barriga de
aluguel" pela primeira vez numa ferramenta de busca e comecei
a estudar tudo o que podia sobre o assunto. Pouco tempo
depois, comecei o processo de sele����o da doadora de ��vulo
e da mulher que emprestaria seu ventre, junto com todos os
exames m��dicos e documentos legais necess��rios. A turn��
encerrou em novembro, e aproximadamente um m��s depois
descobri que a m��e de aluguel estava gr��vida. Naquele ano,
celebrei o Ano-Novo agradecendo pelo presente milagroso que
me aguardava.

Em geral, nas barrigas de aluguel s��o implantados dois
embri��es, para aumentar a possibilidade de sucesso e evitar o
risco de ter de passar por todo o processo v��rias vezes. Mas,
apesar de saber que havia dois embri��es, imaginei que teria
apenas um filho. Logicamente, como se n��o bastasse ter me
tornado pai, a vida tinha mais uma surpresa para mim, da
qual fui informado com cerca de duas semanas de gravidez:
contaram-me que eu teria g��meos!

Um amigo pr��ximo, que me conhece bem e que trabalhou
comigo por mais de vinte anos, disse: "Cara, voc�� n��o
consegue fazer nada comum em sua vida? Sempre tem de fazer
as coisas de modo escandaloso... Parece que, para voc��, ��
a ��nica forma!".

Mal consigo descrever minha alegria quando descobri que
seriam dois... Foi uma emo����o incr��vel. Comecei a me preparar
para ser o pai solteiro de duas crian��as, e li tudo o que consegui.
O ��nico problema era que me faltava um nome, e isso
me parecia uma quest��o s��ria, porque j�� tinha sido muito dif��


241


EU

cil encontrar o primeiro! Busquei em v��rias culturas: olhei na
��ndia, no Brasil, no Egito... At�� olhei os nomes de uns ��ndios
Taino, os nativos da ilha de Porto Rico. Por fim, decidi que
se chamaria Matteo, um nome judeu que significa "presente
de Deus".

Mas agora precisava encontrar outro, e r��pido, porque at��
aquele momento refer��amo-nos ao beb�� como "Beb�� B" (como
era indicado nos ultrassons). Ainda assim, n��o foi t��o dif��cil
quanto o primeiro. Fechei os olhos e visualizei uma crian��a
corajosa e forte. E foi por que o chamei de Valentino, por ser
um guerreiro: Valentino, o valente.

Em minha cabe��a, o rel��gio nunca correu mais lentamente
do que nos seis meses seguintes. Pareceram uma eternidade. Em
geral, quando uma mulher est�� gr��vida de g��meos, h�� sempre
um risco maior de complica����es, o que, logicamente, me preocupava,
e por isso fiquei em contato pr��ximo com a mulher que
os carregava, certificando-me de que tudo corria bem.

Por��m, em meio a tudo isso, o que eu sentia bem fundo na
minha alma s�� pode ser descrito como puro ��xtase. Felicidade
absoluta. Imagino que quem tem filhos concorde plenamente:
�� como passar nove meses aguardando o presente mais incr��vel
de todos. Queria subir para o telhado de casa e contar, aos
berros, a grande novidade para o mundo. Mas eu precisava ser
muito cauteloso, porque n��o queria que nada afetasse a mulher
que carregava meus filhos. Queria que ela ficasse calma e
mantivesse sua paz interior, para que a gravidez seguisse sem
complica����es. Se de alguma forma a m��dia ficasse sabendo, ��
poss��vel que descobrissem quem ela era e, ent��o, a bombardeassem
com perguntas, intrometendo-se em sua vida cotidiana.

242


PATERNIDADE

Al��m de n��o querer que a incomodassem, tentando evitar que
isso abalasse a ela ou meus filhos, sentia-me terrivelmente respons��vel
por impor tanta press��o e por invadir a privacidade
de outra pessoa. Eu optara por ter uma vida p��blica e, por
isso, aceito as consequ��ncias; mas nunca iria querer impor o
mesmo a outra pessoa.

Assim, para garantir que o segredo seria escondido do resto
do mundo, al��m de meus pais, contei apenas a tr��s pessoas.
N��o que n��o confiasse nos meus outros amigos, mas tinha
medo de que, equivocadamente, escapasse da boca de algu��m,
por pura emo����o, o que teria sido um desastre. Alguns amigos
-e �� a�� que se descobre quem s��o seus verdadeiros amigos at��
me pediram para n��o conversar com eles sobre isso, porque,
se a novidade chegasse de alguma forma �� imprensa, n��o
queriam estar na lista de poss��veis respons��veis pelo vazamento...
Ficaram comigo o tempo todo, certificando-me de que eu
estava bem, mas n��o queriam saber mais do que o necess��rio.
E sempre serei grato pela lealdade e afeto.

Como um bom pai de primeira viagem, enquanto aguardava
o nascimento dos meninos, li de tudo: livros de desenvolvimento
infantil, livros sobre g��meos, livros sobre as primeiras
semanas de vida. Na verdade, existem muito poucas obras dispon��veis
para pais solteiros (e os dispon��veis versam sobretudo
sobre o que fazer ap��s um div��rcio), e eu queria estar muito
bem informado sobre o assunto na hora em que nascessem.
Assim, passava o tempo todo lendo, aprendendo, me preparando.
Minha mente era como uma esponja; queria saber tudo
e mais um pouco sobre como ser o melhor pai poss��vel. Ao
mesmo tempo, estava plenamente consciente de que a maior

2 4 3


EU

parte do significado de ser pai n��o pode ser aprendida em livro
nenhum, nem transmitida de uma pessoa para outra. �� um instinto
que s�� se manifesta ao se ter o beb�� em seus bra��os, e ent��o
aprender a interpretar seus diversos choros, risos, sorrisos
e movimentos. Um instinto que nunca se sabe ter at�� chegar a
hora certa.

Eu estava no hospital quando eles vieram ao mundo. Meus
filhos nasceram de cesariana; e, assim que nasceram, foram
trazidos para o meu quarto, onde uma incubadora aquecida
os aguardava. Uma enfermeira verificou os sinais vitais: o batimento
card��aco, a temperatura, a cor, o tamanho, tudo. Sacudiu
os pobres menininhos, e eles tremiam com o choro. Ainda
que animado a ponto de poder explodir a qualquer momento,
n��o chorei. Nem um pouquinho. Estava t��o euf��rico que queria
gritar: "Me d�� os meninos!". Queria dizer para a enfermeira
assim que ela entrou na sala: "Quero segur��-los j��!".

As semanas seguintes quase se apagaram de minha mem��ria.
Como quase todos os novos pais, fiquei obcecado pelos
meus filhos. N��o queria perder um instante de suas exist��ncias.
Eram os beb��s mais lindos que j�� vira, e n��o me cansava
de olhar para eles. Enquanto estavam acordados, n��o os tirava
do colo. E eu n��o dormia. Na configura����o "t��pica" de uma
fam��lia com um rec��m-nascido, em geral s��o dois pais e um
beb��; responsabilidade compartilhada; e um tempinho para
descansar. No meu caso, eram dois beb��s e um pai; e n��o havia
as outras caracter��sticas. Mas n��o me importava. N��o me entendam
mal. Durante esses dias, n��o fiquei sozinho um segundo
sequer; estava sempre rodeado pelas pessoas que mais amo,
e todos foram muito sol��citos. Mas algumas coisas eu queria

2 4 4


PATERNIDADE

fazer do meu jeito. (Sabe, pequenas coisas como aliment��-los,
dar banho, vestir fraldas e colocar os beb��s para dormir.) E
como levo minha vida ao extremo, queria fazer tudo isso para
os dois sempre ao mesmo tempo.

Uma de minhas amigas mais pr��ximas �� m��dica, e ela n��o
cansava de me lembrar que eu precisava ter uma programa����o;
caso contr��rio, complica para todo mundo. Mas a ��nica coisa
que me esqueci de fazer foi seguir o hor��rio deles! Como
qualquer novo pai sabe, h�� uma regra b��sica: quando o beb��
dorme, o pai dorme. Ponto. Seja por dez minutos ou uma hora,
pode ser o ��nico sono que se ter�� naquele dia. Mas eu me recusava;
estava t��o apaixonado por eles que, quando dormiam, a
��nica coisa que sentia vontade de fazer era ficar vendo-os dormir!
Chegou a um ponto em que minha m��e (que ficou comigo
desde o dia em que nasceram) me disse: "Filho, voc�� est�� um
zumbi. Voc�� est�� conversando comigo e adormecendo no meio
da fala. Por favor, por favor, deite a cabe��a no travesseiro e descanse
um pouco. Voc�� �� um pai incr��vel, mas, por favor, deixe-
nos ajud��-lo." Comecei a dormir segundos depois de escutar o
que ela falou. Precisava ouvir aquilo para fechar os olhos e descansar
um pouco. N��o queria perder um ��nico instante da vida
dos meus filhos. E sou assim at�� hoje. Mas aprendi uma li����o
importante naquelas primeiras semanas: preciso cuidar de mim,
para que tenha a capacidade de cuidar deles.

Nunca vou me esquecer do instante em que cada um deles
me olhou nos olhos pela primeira vez. Foram os momentos
mais preciosos de toda a minha vida. Momentos que eu
n��o tinha percebido que esperava havia tanto. Eram momentos
nossos.

245


EU

S�� algumas semanas depois as l��grimas finalmente chegaram.
Tinha me sentado para assistir a televis��o, enquanto
os meninos dormiam, e vi um programa que mencionava o
nascimento dos meus filhos - a not��cia tinha vazado para a
imprensa. A apresentadora de repente olhou para a c��mera
e falou: "Estamos muito felizes por voc��, Ricky. Voc�� merece
tudo de bom. Parab��ns!". Ent��o percebi tudo o que tinha
acontecido. Acho que senti o clique, e entendi que aqueles
dois pequeninos que dormiam em seus ber��os eram de fato
meus filhos! E eu era o pai deles! Uma coisa linda. Mas um
sentimento muito intenso percorria todo o meu ser, uma alegria
t��o profunda que eu n��o conseguia parar de chorar. Meu
pai apareceu e me abra��ou por um longo tempo - fiquei totalmente
desarmado.

TODOS OS TIPOS DE FAM��LIAS

H�� QUEM DIGA que isso n��o �� justo, que, para manter o equil��brio,
as crian��as precisam de um pai e uma m��e. E digo que
elas se enganam. Quantos milh��es de crian��as crescem sem
uma m��e? Ou, pior, quantas crescem com uma m��e que n��o as
ama? Quantos milh��es de crian��as crescem sem um pai? Ou,
pior, sabendo que o pai existe, mas n��o se envolve em suas
vidas porque n��o as ama? De acordo com o censo dos Estados
Unidos, o n��mero de fam��lias de pais solteiros que moram com
seus filhos aumentou 25 % durante a d��cada de 1990. Quando
meus filhos me perguntarem, vou responder: "Eu queria tanto
ter voc��s que, com a ajuda de Deus, tudo se alinhou para que
voc��s entrassem em minha vida".

246


PATERNIDADE

Tamb��m tenho que dizer que h�� muitas pessoas bem-
sucedidas que foram criadas sem pai ou m��e. Por exemplo,

o vice-presidente dos Estados Unidos, Joe Biden, foi um pai
solteiro que criou seus filhos depois que sua esposa e sua filha
foram mortas em um acidente de carro. O presidente dos
Estados Unidos, Barack Obama, foi criado sem um pai. H��
tamb��m o nadador ol��mpico Michael Phelps, o presidente Bill
Clinton, Bill Cosby, Tom Cruise, Christina Aguilera, Julia Roberts,
Demi Moore, Alicia Keys, Angelina Jolie... s�� para citar
alguns. Assim, nos dias de hoje, fam��lias monoparentais podem
ser mais comuns do que a sociedade gostaria de acreditar.
Conhe��o tamb��m muita gente que cresceu em uma casa com
uma m��e e um pai e, infelizmente, acabou ficando perdida,
infeliz e cheia de problemas.
Al��m disso, se voc��s acham que, por ter um pai solteiro,
meus meninos n��o est��o rodeados por mulheres maravilhosas,
n��o se preocupem - eles est��o. Minha m��e, por exemplo, desempenha
um papel fundamental em suas vidas, e me educa
como pai. Ela �� a m��o firme que me guia, sempre me ensinando
sobre o trabalho duro e infinito que �� ser um pai. Mas,
acima de tudo, ela d�� a eles todo o amor do mundo. E muitas
das minhas melhores amigas s��o mulheres incr��veis que amam
meus filhos como se fossem tias. E, no final das contas, isso �� o
que mais importa: n��o muda em nada se meus filhos recebem

o amor de um pai, uma m��e, uma av��, uma tia, um tio ou
um amigo. O importante �� que eles recebem e continuar��o a
receb��-lo para o resto de suas vidas.
Meus filhos est��o crescendo cercados por pessoas que os
adoram e que querem o melhor para eles. Considero isso um

247


EU

privil��gio. Desejo que cres��am com a mente aberta e rodeados
por outras crian��as semelhantes. Eles n��o ter��o nenhum problema
por serem criados por um pai que �� pai e m��e ao mesmo
tempo. Pelo contr��rio: ter��o orgulho de sua fam��lia, porque,
gra��as a ela, ver��o o mundo sem preconceitos e sem julgar os
outros. �� algo que tenho notado em outras crian��as de pais
solteiros que fizeram o mesmo que eu. S��o crian��as que est��o
em um n��vel muito especial.

No dia em que Matteo e Valentino me perguntarem por
que n��o t��m uma m��e, vou explicar-lhes que cada fam��lia ��
��nica. H�� fam��lias que t��m um pai, uma m��e e um filho. H��
fam��lias que t��m um pai, uma m��e e dois filhos. H�� fam��lias
que t��m um pai, uma m��e e cinco filhos. H�� fam��lias que s��
t��m uma m��e com quatro ou cinco filhos. H�� fam��lias que t��m
duas m��es e dois filhos. H�� outras fam��lias que consistem de
duas pessoas que se amam, mas que n��o t��m filhos. Neste momento,
meus filhos t��m um pai que faz o trabalho de ambos,
pai e m��e, com dois beb��s, e �� isso que torna ��nica a nossa
fam��lia. E ser ��nico �� fabuloso.

Estou pronto para a pergunta porque sei que, quando eles
estiverem prontos, v��o me questionar. No momento em que
uma crian��a �� capaz de fazer uma pergunta, ela est�� pronta
para receber informa����es e entender a verdade da resposta.
Se a resposta tiver muita informa����o, eles simplesmente v��o
ignor��-la e sair��o para brincar por mais uns meses, at�� ficarem
prontos para perguntar novamente. Independentemente
de quantas vezes me perguntarem e quantas vezes eu tiver
de responder, vou continuar a explicar-lhes at�� que entendam
direitinho.

2 4 8


PATERNIDADE

Sei que quero ter mais filhos um dia, porque tem sido incr��vel
t��-los ao meu lado quase o tempo todo. Nos dois anos
desde que nasceram, o m��ximo de tempo que passei longe
deles foi duas noites, e isso ocorreu apenas uma vez. Como
a maioria dos pais, n��o quero ficar longe deles, nem por um
segundo, pois cada dia traz algo ��nico e novo. Sou grato por
conseguir organizar minha vida de forma que atenda ��s necessidades
deles, e tenho o privil��gio de estar presente em todos
os grandes passos de suas vidas. Valorizo muito o tempo que
tenho com eles, e amo ver tudo o que fazem e ouvir todas as
coisas que come��aram a pronunciar. Apesar de serem g��meos,
cada um tem sua personalidade pr��pria e uma maneira ��nica
de fazer as coisas. S��o indiv��duos, mas, ainda assim, se complementam
perfeitamente.

Eles me ensinaram muito. Com eles aprendi o que significa
amor incondicional, e em minha experi��ncia em rela����o ao
amor posso dizer n��o h�� nada igual. N��o importa o que esteja
fazendo por eles - alimentando-os, trocando suas fraldas
ou dando banho -, sempre recebo de volta um sorriso. �� s��
isso que eles t��m para oferecer, e me oferecem o tempo todo!
Quando lampejam aquele sorriso para mim, penso: "O mundo
pode desmoronar amanh��, mas n��o me importa. Essa �� a
maior alegria que se pode imaginar".

A maioria das pessoas d�� porque quer receber. �� como
uma negocia����o - se voc�� me ama, eu vou te amar, e se voc��
me der um abra��o, eu vou te abra��ar de volta. Nas rela����es
de casais, entre colegas e com amigos, muitas vezes �� assim,
n��o ��? Se voc�� me ama muito, eu vou te amar muito em retorno.
Mas esse amor n��o �� assim. Esse �� o amor verdadeiro.

249


EU

Com esse amor, n��o busco mais nada na vida. E esse tipo
de amor come��a quando se come��a a amar a si mesmo. ��
quando aprendemos a aceitar e amar a n��s como somos que
podemos come��ar a dar amor sem esperar nada em troca. E
a�� vamos descobrir que recebemos muito mais amor do que
poder��amos imaginar. Porque, quando outras pessoas veem
que estamos cheios de amor e que o oferecemos sem esperar
nada em troca, elas n��o t��m medo de se abrir por completo.

Preocupa-me o fato de meus filhos terem de aprender a
crescer diante dos olhos do p��blico, e que h�� pessoas que tentar��o
invadir suas vidas pessoais pelo simples fato de eles serem
meus filhos. Isto me deixa nervoso, n��o apenas porque j��
come��ou, mas tamb��m porque quis evitar que ocorresse. Mas
infelizmente, ou felizmente, essa �� a vida que receberam e esse
�� o caminho que ter��o de trilhar. E ter��o de lidar com isso,
cada um de seu jeito.

O que �� certo �� que n��o vou permitir que meus filhos cres��am
em uma jaula. A vida deve ser vivida plenamente, e, por
isso, quero que meus filhos sejam saud��veis, que adquiram seus
pr��prios tra��os de car��ter e personalidades enquanto crescem
por meio de suas experi��ncias de vida individuais. N��o quero
que tenham medo de nada; quero que sejam transparentes e livres
e, mais que tudo, quero que viajem e conhe��am o mundo.

Quando eu era jovem, costumava ir sozinho para a Europa
comemorar meu anivers��rio ou o Ano-Novo. Minha m��e
me dizia: "Voc�� est�� louco? O que h�� de errado com voc��?
Primeiro, por que voc�� tem de ir sozinho? E por que voc�� tem
de ir t��o longe?".

250


PATERNIDADE

E eu respondia: "Mami, deixe-me em paz. Estou bem
aqui".

Uma noite, tive vontade de passar a noite sentado sob a
Torre Eiffel e foi o que fiz. Deitei-me em um parque em frente
�� torre, e �� meia-noite falei s�� para mim: "Feliz Ano-Novo!".
Uma vez, fiz o mesmo no meu anivers��rio. Era incr��vel a sensa����o
de fazer exatamente o que sentia vontade de fazer, e por
fazer isso por mim, n��o por outra pessoa.

Quero que meus filhos tenham todo tipo de experi��ncia.
Quero que sejam independentes e vivam a vida com a qual
sempre sonharam. Espero que sigam seus pr��prios caminhos,
nas condi����es que escolherem, e os apoiarei a cada passo do
caminho.

Sou de Porto Rico, e meus filhos tamb��m. Quero que tenham
consci��ncia de suas ra��zes, mas, mais do que tudo, quero
que se vejam como cidad��os do mundo, porque �� isso que lhes
dar�� uma vis��o global para serem homens no s��culo XXI.

Sempre me esfor��arei ao m��ximo para dar a meus filhos
tudo que eles precisam. Mas as coisas importantes na vida n��o
s��o materiais; s��o experi��ncias. Quero que eles tenham todos
os tipos de lembran��as, porque �� isso que vai lhes permitir ter
uma vida plena.

Como, por experi��ncia pr��pria, sei qu��o importante ��
manter essa liga����o com nossa crian��a interior, farei tudo o
que puder para garantir que resguardem a inoc��ncia da juventude
por muitos anos. E, durante toda a vida deles, farei o poss��vel
para proteger sua integridade enquanto seres humanos.
Tenho certeza de que nada que desejo para os meus filhos ��
diferente do que outros pais desejam para os seus.

251


EU

Direi para os meus filhos: "Quero que sejam felizes e saibam
sempre que meu amor �� incondicional. E isso significa
sem exce����es. Estou aqui para voc��s. N��o importa o que
aconte��a".

Quero que sintam que podem falar comigo sobre qualquer
coisa, que vou sempre ouvi-los e dizer a verdade. Eles n��o
podem ter medo de me contar algo. Precisam saber que qualquer
conselho que eu lhes d�� sempre ser�� baseado, em primeiro
lugar, em minha pr��pria experi��ncia e, segundo, em meu
amor por eles. Amor puro. Vou dizer-lhes: "Estou aqui com
voc��s. Posso contar quais ser��o as consequ��ncias de determinadas
a����es ou decis��es, e posso dizer o que acho que acontecer��
se fizerem isto ou aquilo, com base no que vi e vivi. Posso
mostrar a voc��s estat��sticas que indicam os v��rios efeitos de
diferentes escolhas. Mas n��o posso decidir por voc��s".

Acima de tudo, ter��o de fazer o que tiverem vontade, tornar-
se quem eles quiserem ser. A verdade �� que n��o importa
quanto eu os ame. Sempre ser��o quem s��o, e eu sempre serei
eu. E n��o posso mudar quem eles s��o ou como se comportam;
posso simplesmente gui��-los na dire����o do que sinto ser o mais
correto. Tantos livros foram escritos sobre como ser um bom
pai, mas cada crian��a �� ��nica. Cada pequena mente �� o seu
pr��prio universo, e toda crian��a �� dona de suas a����es.

N��o importa quanto se ama uma pessoa; a realidade da
vida �� que n��o podemos tomar decis��es por ela. Mesmo que
fa��am exatamente o que eu lhes disser para fazer, e mesmo
que acreditem que estejam fazendo aquilo s�� porque eu lhes
disse para fazer, s��o eles que escolheram seguir aquele caminho
e n��o ir por conta pr��pria. E se eles fizerem apenas o que

252


PATERNIDADE

eu lhes disser para fazer, nunca ser��o capazes de analisar uma
situa����o, avaliar a informa����o que lhes �� dada, pesar as op����es
e encarar as alternativas (e acabar��o ficando ressentidos
comigo). Ter��o de aprender a agir sozinhos, porque n��o estarei
sempre l�� para lhes dar minha opini��o ou conselho.

Na verdade, pode ser que meu conceito de felicidade seja
para eles uma defini����o de dor. E quem sou eu para dizer a
outros o que os deixar�� felizes? Eles precisam descobrir por
si mesmos.

Para mim, �� por a�� que o mundo come��a a melhorar ao
permitir que as pessoas sejam elas mesmas, sem julg��-las.
Deixe-me ser quem sou; deixe-me viver, existir e me comportar
como preciso de acordo com a minha realidade. Vou fazer o
mesmo por voc��. N��o vou entrar em seu caminho. Neste espa��o
s�� meu, sonho com minha felicidade. E se voc�� n��o gostar,
siga seu pr��prio caminho, porque n��o quero que voc�� fa��a
parte do meu.

Por fim, quero que meus filhos se aceitem, amem a si e
aceitem todas as pessoas, mesmo que algu��m n��o os aceite.
Farei o poss��vel para que meus filhos encontrem a felicidade,
permitindo que saibam que, dentro de cada um de n��s, existe
a capacidade de se sentir satisfeito, se estivermos abertos e sintonizados
com as li����es que surgem ao longo do caminho e dispostos
a descobrir o tesouro que habita dentro de nosso ser.

' Eles s��o, obviamente, muitos jovens para entender, mas
Matteo e Valentino desempenharam um papel essencial para
que eu me tornasse a pessoa forte e livre que sou hoje. �� gra��as
a eles que surgiu o desejo de escrever este livro, e �� tamb��m
gra��as a eles que encontrei a for��a para optar por viver a vida

253


EU

de forma transparente e sem segredos. Enquanto crescem, quero
que meus filhos sintam-se livres, e n��o haver�� nada - nem
mesmo na vida de seu pai - que os afetar��. Eles precisam sentir
orgulho de quem s��o e de onde v��m, e n��o quero que algum
dia sintam a necessidade de guardar um segredo de mim ou de
outra pessoa. Eles s��o meu maior tesouro, aqueles que, a cada
dia que passa, me inspiram a ser uma pessoa melhor, um pai
melhor e um ser humano melhor.

2 5 4


OITO

MEU MOMENTO


QUANDO OLHO PARA TR��S, �� F��CIL VER COMO UMA COISA LEVOU

a outra, e como cada momento da minha vida teve um motivo
para acontecer. Mas, em meio a tudo aquilo, olhando para a
frente e tentando decifrar o passo seguinte, nem sempre foi t��o f��cil
enxergar isso. Ainda assim, hoje sinto que n��o h�� por que me
preocupar tanto com a decis��o a ser tomada ou o caminho a seguir,
porque a vida, no final, encontra um modo de me guiar para

o que preciso quando mais preciso. Nem antes, nem depois.
H�� hora para tudo. Apesar de eu virar artista cedo, com
apenas doze anos de idade, foi s�� a partir dos trinta que comecei
a me sentir confort��vel com minha sexualidade. Todo mundo
tem seu pr��prio caminho, sua pr��pria hist��ria, por meio da
qual segue em ritmo pr��prio.

Desde que anunciei minha orienta����o sexual para o mundo
alguns meses atr��s, muitas pessoas me perguntam: "Ricky,
por que demorou tanto?". A resposta �� muito simples: ainda
n��o era o meu momento. Tive de passar por tudo o que passei
e viver tudo o que vivi para chegar ao momento exato, em que
me sentia forte, pronto e totalmente em paz para fazer o an��ncio.
Eu precisava me amar. E, apesar de o processo que tive de
percorrer para chegar a este ponto n��o ser curto nem simples,

257


EU

eu tinha de atravessar - e trope��ar ao longo do trajeto - meu
caminho espiritual, a fim de me encontrar.

Ora, mas ser�� que n��o teria sido melhor se esse momento
tivesse ocorrido antes? Claro, principalmente se tivesse me
poupado de toda a dor e ang��stia que enfrentei. Mas, honestamente,
n��o acho que poderia ter sido diferente. Eu tinha
de passar por toda aquela dor para entender realmente o que
havia dentro de mim. Precisava me apaixonar por homens e
por mulheres, e curtir cada rela����o, para no final enfrentar a
realidade do que eu sentia. Se eu tivesse ido a p��blico quando
me apaixonei, tantos anos atr��s, at�� poderia, no momento, ter
uma sensa����o de liberta����o, mas estou certo de que tamb��m
teria sofrido todos os tipos de dores e ang��stias, simplesmente
porque eu n��o estava pronto. Mas a verdade �� que nunca
vou saber.

POR QUE FOI T��O DIF��CIL

No FUNDO, ACHO que eu sempre soube que era gay, mas passei
muitos anos tentando esconder, at�� de mim mesmo. Desde que
me entendo por gente, sinto uma forte atra����o por homens e,
apesar de tamb��m sentir uma forte atra����o - e qu��mica - por
mulheres, s��o os homens que despertam meu ser mais instintivo,
mais animal. �� com um homem que consigo me sentir
realmente vivo, que encontro o amor e a paix��o que busco em
um relacionamento. Mas passei muito tempo resistindo a esse
sentimento.

Todos conhecemos gays que, por algum motivo, precisam
esconder esse fato em suas pr��prias casas, porque sua m��e ou

258


MEU MOMENTO

pai simplesmente n��o conseguem aceitar. E, embora eu tivesse

o apoio irrestrito de minha fam��lia e amigos, h�� alguns anos
era totalmente inconceb��vel para mim a ideia de vir a p��blico
anunciar o fato. H�� tantos preconceitos sociais contra os homossexuais
que eu temia que as pessoas nunca me entenderiam
e, por isso, me rejeitariam, j�� que esses eram os c��digos sociais
que controlaram minha vida desde garotinho. Assim, desde
minha adolesc��ncia, quando comecei a sentir uma atra����o por
homens, enfrentei o grande conflito entre meus pensamentos e
meus sentimentos.
Quando crian��as, somos ensinados, ficamos condicionados,
a sentir atra����o sexual por pessoas do sexo oposto. Quando
se �� um garotinho e seus pais o levam ao parque, e l�� voc��
come��a a brincar com as outras crian��as, seus pais e outros
adultos dizem: "Olha que bonita �� aquela garota. Uma gracinha.
Gosta daquela menina?". Depois, come��a-se a frequentar
a escola e, ao chegar em casa �� tarde, a primeira coisa que
todos lhe perguntam ��: "Voc�� j�� tem namorada?". Cultural e
socialmente, somos levados a sentir atra����o sexual pelo sexo
oposto, e isso provoca uma confus��o enorme quando se sente
algo diferente. No meu caso, fui criado ouvindo sempre que
sentir atra����o por pessoas do mesmo sexo era algo ruim (pois
�� isso que afirmam muitas religi��es), e comecei a travar uma
grande batalha interna desde pequeno, entre o que eu realmente
sentia e o que se esperava de mim.

�� por isso que bloqueei esse pensamento. �� por isso que
empreguei todas as minhas for��as para lutar contra essas emo����es,
t��o minhas, rejeitando-as. Sempre que encontrava um
menino e sentia algo forte, algo que abalava a terra debaixo

259


EU

dos meus p��s, eu imediatamente tentava apagar o pensamento
da minha mente, dizendo-me: "N��o, isso n��o �� comigo. Foi
apenas uma pequena aventura". Por um lado, acho que n��o
compreendia muito bem o que estava acontecendo comigo;
por outro, acho que n��o estava propenso a aceitar que eu n��o
me enquadrava na imagem que todos tinham de mim. Depois
de ter relacionamentos com homens, eu lutava para enterrar
meus sentimentos, mas, com o tempo, isso come��ou a ficar doloroso
demais, j�� que a contradi����o era muito grande.

Mas, ainda que essa contradi����o estivesse essencialmente
em minha cabe��a - sendo um conflito que eu de vez em quando
tinha de enfrentar -, tamb��m �� importante entender que o
resto do mundo nem sempre �� tolerante, da maneira que esperamos
que seja. H�� muitas pessoas que simplesmente n��o
entendem que pode haver pessoas diferentes delas, e, embora
queiramos ignor��-las, devemos tamb��m entender que s��o parte
da sociedade, e uma parte significativa. Nem todos conseguem
se sentir em paz com sua sexualidade, devido a press��es
externas que, por vezes, s��o fortes demais. E isso, na minha
opini��o, �� algo tr��gico.

Acho que uma das raz��es pelas quais achei t��o dif��cil me
aceitar foi porque, na minha profiss��o, muitas vezes fui considerado
um ��dolo latino, uma estrela pop e, para alguns, um sex
symbol. N��o sei se tem a ver com o fato de eu ser latino, ou se
tem a ver com a imagem do "amante latino", mas sempre tive
a sensa����o de que se esperavam certas coisas de mim, entre
as quais que eu tinha o dever de seduzir - e me permitir ser
seduzido por - mulheres. Olho para ��lton John, que �� indiscutivelmente
um ��cone, e acho impressionante a forma como ele

260


MEU MOMENTO

aceitou sua sexualidade. Mas eu n��o sou ele, e, culturalmente,
senti que as implica����es de aceitar minha sexualidade diante
do resto do mundo seriam muito mais complicadas. Talvez se
outro artista, outro ��dolo latino, tivesse feito o mesmo antes
de mim, eu teria tido menos receio. Mas a verdade �� que n��o
havia um modelo, o que, em minha opini��o, ajudou a tornar
isso totalmente inconceb��vel. N��o sei se meus receios eram religiosos,
culturais ou morais... provavelmente uma combina����o
dos tr��s. S�� sei que, por muito tempo, e sem me dar conta do
estrago que estava causando em mim, carreguei uma bagagem

emocional enorme, que me impedia de ser livre. De ser eu.

Olhando em retrospecto, percebo que, ao longo de todos
esses anos, vivi muitos momentos dif��ceis. Estava irritado, cheio
de dor e autorrejei����o. Embora em muitas outras esferas - minha
carreira, minha fam��lia e meus amigos - minha vida fosse
aben��oada com in��meras coisas incr��veis, houve noites em que
eu ia para a cama sentindo o peso do mundo interior, tentando
conciliar as emo����es conflitantes que sentia. Eram momentos
muito dolorosos. �� horr��vel sentir que voc�� n��o ama a si mesmo,
e sinceramente n��o desejo isso para ningu��m.

Mas, como tudo na vida, a dor tamb��m traz crescimento.
Em minha jornada espiritual e minhas viagens pela ��ndia,
e com tudo o que aprendi na minha luta contra o tr��fico de
pessoas, lentamente, mas com confian��a, comecei a me aceitar.
Tive de aprender a olhar no fundo de minha alma para ouvir

o sil��ncio e encontrar a minha verdade - minha verdade pura,
livre de quaisquer press��es externas, expectativas, desejos e rejei����es.
Tive de aprender a me enxergar e me amar exatamente
como sou. Agora, n��o apenas posso dizer a verdade, mas pos261



EU

so tamb��m conversar sobre minha dor e raiva, que vejo como
uma injusti��a -e n��o s�� a injusti��a do tr��fico de pessoas, mas
tamb��m a injusti��a sentida por quem �� julgado por outros.
Tive de entender que no mundo h�� pessoas que v��o te amar
por quem voc�� ��, e aqueles que querem que voc�� seja exatamente
como eles; e essa constata����o simples me atingiu em
cheio. Se eu n��o me amo e escondo e nego o meu pr��prio ser,
como posso esperar que outras pessoas me amem por quem eu
sou de verdade? Levei muito tempo para entender isso.

PASSOS DE BEB��

Foi CERCA DE cinco anos atr��s que entendi e senti, no fundo de
minha alma, que eu estava, enfim, pronto para aceitar minha
verdade. Tivera muito tempo para pensar, para me apaixonar e
me desencantar e sobreviver a tudo que eu precisava enfrentar.
At�� ent��o, embora conhecesse a minha verdade, n��o precisava
e n��o sentia a necessidade de cont��-la para o resto do mundo.
Por um lado, achava que ningu��m tinha nada a ver com isso,
s�� eu; por outro, simplesmente n��o via no que isso mudaria
alguma coisa. Apesar da fama, e embora parecesse que eu tinha
uma vida muito p��blica, a verdade �� que levo uma vida
pessoal muito particular, rodeado pela fam��lia e por amigos ��ntimos,
que considero da fam��lia tamb��m, a maioria dos quais
me conhece h�� d��cadas. E como todos que convivem comigo j��
sabiam e aceitavam a minha verdade, n��o via a necessidade de
contar para mais ningu��m. Al��m disso, o fato de tudo ter de ser
feito em segredo apimentava um pouco as coisas, criando uma

262


MEU MOMENTO

sensa����o de suspense nos relacionamentos, o que, confesso, eu
meio que gostava.

Apesar de me sentir confort��vel com as pessoas mais pr��ximas,
acho que n��o queria contar para ningu��m mais porque
tinha medo de n��o ser aceito. Pensava: "Meus amigos e minha
fam��lia me aceitam porque eles me amam, mas e o resto do
mundo? Ser�� que v��o me julgar? Ser�� que continuar��o a comprar
os meus ��lbuns? Ser�� que v��o me rejeitar?".

Um artista sempre busca a aceita����o e a venera����o do p��blico,
e, por isso, eu tinha receio de que tal revela����o pudesse
afetar a minha carreira. O que aconteceria se eu parasse de
vender discos? E se as pessoas parassem de ir aos meus shows?
Seria preciso parar de fazer o que mais amo? Hoje, percebo
qu��o rid��culas, na verdade, eram essas quest��es, mas no momento
considerava-as perfeitamente v��lidas e importantes. O
mundo certamente evoluiu, e a sexualidade de um artista n��o
muda mais a forma como ele �� visto. Mas, por estar sofrendo,
via apenas as coisas que me assustavam. E, como tinha medo
de me abrir e contar a minha verdade para o mundo, enchi-me
de motivos - irracionais, �� l��gico - para n��o faz��-lo.

Muitos dos mais pr��ximos - minha fam��lia, amigos e colegas
- tamb��m tinham medo. Mesmo sabendo que todos querem
o melhor para mim, estavam preocupados sobre como isso
poderia me desestabilizar, n��o s�� do ponto de vista profissional
mas tamb��m do pessoal. Muitos me desencorajavam, dizendo
que n��o havia necessidade e que a minha sexualidade era assunto
meu e de mais ningu��m. E apesar de estarem certos at��
certo ponto, naquele sentimento havia tamb��m uma pequena
dose de preconceito que hoje vejo como extremamente preju


263


EU

dicial. Apesar de todos os conselhos e do amor demonstrado,
pela primeira vez tinha de pensar sobre mim mesmo e ouvir o
que o sil��ncio tentava me dizer.

Foi exatamente o que fiz. E consegui ver meu verdadeiro ser.

Assim, a partir daquele momento aceitei minha realidade
e comecei a tentar encontrar uma forma de comunic��-la para

o mundo. Ainda n��o sabia como iria faz��-lo, talvez em um
show, por meio de uma carta, um livro ou uma m��sica. Na
��poca, havia uma frase que eu repetia para mim mesmo como
se fosse um mantra: "Deus, universo, ou seja l�� como queira
que eu o chame, mostre-me a melhor forma de faz��-lo". Dizia
isso para mim todos os dias, e mantinha os olhos bem abertos.
Minha inten����o era tentar visualizar o momento certo, e todo
o processo dessa grande busca aos poucos me trouxe para mais
perto de minha realidade.
Comecei a realizar algumas mudan��as. Durante meus
shows, na turn�� Black and White, passei a introduzir algumas
palavras e frases que diziam respeito �� minha experi��ncia. Fizemos
um v��deo em que minha pele "falava" por meio de minhas
tatuagens, e apareciam algumas express��es: "aceite-se",
"mude a sua vida", "ame", "descubra-se", "pergunte a si mesmo",
"perdoe-se". Eram frases dirigidas ao meu p��blico, j��
que queria inspirar essas coisas n��o apenas nos outros, mas
tamb��m em mim. Estava em meio a um processo de renascimento,
e tudo o que fazia vinha imbu��do do desejo de eliminar
meus segredos e ansiedades, para que eu pudesse me reconectar
com a pessoa que eu realmente sou.

Quando Matteo e Valentino nasceram, percebi qu��o importante
era para mim encontrar a verdade e a transpar��ncia

264


MEU MOMENTO

em minha vida. Embora estivesse cada vez mais em paz, por
saber que estava buscando um caminho e aguardando o momento
certo, o nascimento de meus filhos certamente acelerou

o processo. Quando os peguei pela primeira vez em meus bra��os,
n��o apenas compreendi que a vida pode ser bela e simples,
mas tamb��m senti a necessidade de ser totalmente transparente
com eles. Percebi que o que mais quero no mundo �� que eles
possam levar suas vidas com total liberdade e, sem se importar
com nada, sempre tenham orgulhoso de quem s��o. E para conseguir
ensinar isso a eles, a aula teria de come��ar em casa.
N��o vou viver numa mentira com meus filhos, tampouco
eles. N��o quero que meus filhos precisem mentir para mim, ou
que vivam com os olhos tapados. Quero ser honesto com eles,
de modo que possam, por sua vez, ser honestos com o mundo.
Matteo e Valentino s��o meus anjos, meus anjinhos, meus
filhos, e por eles sei que sou capaz de fazer qualquer coisa.
Hoje, sei que tenho de viver em equil��brio perfeito, e preciso
estar realmente satisfeito com quem eu sou para que eles
possam me admirar e compreender que o papi deles os ama
muito. Se eu n��o fizer isso, estarei ensinando-os a mentir e se
esconder do mundo, ao inv��s de enfrent��-lo com toda a for��a e
o orgulho de ser algu��m.

Meus filhos v��o crescer e, finalmente, ir��o �� escola, e desde
j�� posso ficar em paz sabendo que nunca precisar��o mentir
para mim. Quando seus colegas lhes perguntarem sobre seu
pai, eles ser��o capazes de contar, sem censura e sem medo.
Quero que sintam orgulho de seu pai, como sempre sentirei
orgulho deles, n��o importando o que decidirem fazer com
suas vidas.

265


EU

Esse �� o mundo que estou criando para os meus filhos -e
sei que somos muitos tentando moldar uma nova gera����o que
saber�� a real import��ncia da aceita����o e da toler��ncia, que saber��
o significado da palavra "preconceito". �� um mundo em
que n��o importa se voc�� �� bissexual, homossexual ou heterossexual,
e em que todos s��o exatamente o que s��o.

LUTANDO CONTRA O PRECONCEITO

AINDA H�� MUITO a ser feito. O mundo mudou, mas acredito
que ainda n��o o suficiente. �� poss��vel que hoje haja menos
preconceito do que cem anos atr��s, ou mesmo do que quando
eu era crian��a, mas isso n��o significa que o preconceito n��o
continue a existir e que n��o haja mais trabalho a ser feito. H��
uma longa e triste hist��ria de persegui����o aos homossexuais,
e �� terr��vel pensar em todas as vidas que foram estragadas,
magoadas e destru��das pelo preconceito dos outros. Lembro-
me dos grandes g��nios da literatura, como Federico Garcia
Lorca e Oscar Wilde, que, apesar de todo o seu brilhantismo
e os legados surpreendentes que deixaram para o mundo por
meio de seu trabalho, foram perseguidos por serem homossexuais.
Isso n��o faz sentido.

Infelizmente, o preconceito existe at�� hoje. A m��dia muitas
vezes caracteriza os homossexuais como pessoas unidimensionais,
sem nenhuma profundidade, como se um ser humano
pudesse ser reduzido �� sua sexualidade. A pr��pria linguagem
utilizada no mundo todo para designar os homossexuais �� terrivelmente
degradante: palavras como "bicha", "viado", "sapat��o",
"frutinha" e outras servem apenas para perpetuar o

266


MEU MOMENTO

��dio e a discrimina����o entre as gera����es mais jovens. Devido ��
carga emocional que transportam, tais express��es criam, sem
nenhum alarde, uma atmosfera de intoler��ncia e homofobia,
em que os jovens t��m medo de ser quem realmente s��o. N��o
vou mentir; em algum momento insens��vel de minha vida, tamb��m
usei essas palavras para tirar sarro de pessoas como eu.
Mas, logicamente, fiz isso para "provar" para as pessoas ao
meu redor que eu era de fato "heterossexual". Acho que s�� se
pode odiar aquilo que est�� bem entranhado em seu ser. Caso
contr��rio, por que perdemos tanto tempo com um sentimento
t��o doloroso e destrutivo como o ��dio?

Muitas pessoas continuam a dizer que s��o totalmente
contr��rias ao homossexualismo; rejeitam-no e o repudiam, dizendo
que vai contra a natureza humana. Mas n��o h�� nada
mais normal do que o amor. O que �� anormal -e infinitamente
cruel e injusto - �� discriminar algu��m por causa de quem ele ��.
O que �� anormal �� pensar que existem cidad��os de primeira e
de segunda classe, e que nem todos t��m os mesmos direitos.

�� isso que �� errado. E �� inaceit��vel.

Generaliza����es geram discrimina����o; e enquanto ainda
houver gente no mundo disposta a rotular as pessoas de acordo
com sua nacionalidade, ra��a, sexo, sexualidade ou a cor de
seus cabelos, haver�� discrimina����o. �� por esse motivo que temos
de parar com isso. Da mesma forma que nunca permito
que algu��m fale algo negativo a respeito dos hisp��nicos, nunca
permitirei que algu��m diga algo negativo sobre a comunidade
gay na minha presen��a. Exigirei sempre que todos sejam tratados
como pessoas, independentemente de como a sociedade
possa querer "rotul��-las".

2 6 7


EU

Gostaria de poder dizer que sou homossexual por este ou
aquele motivo. Mas n��o posso. Pelo que sei, ningu��m sai por
a�� explicando por que gosta do sexo oposto, por que gosta de
loiras ou por que gosta de carecas. Uma pessoa sente o que
sente, e tentar explicar os motivos n��o apenas �� in��til, mas
errado. Atra����o n��o tem uma raz��o l��gica. Ela simplesmente
acontece, e, como seres humanos, o m��ximo que podemos fazer
�� reagir a ela.

Sempre achei que a atra����o, assim como o amor, �� uma
quest��o de almas que se encontram e se chocam. Almas n��o
s��o femininas ou masculinas; simplesmente se encontram, e
quando h�� uma liga����o, quando aparece algo que te agarra
e te vira de ponta-cabe��a, �� a�� que surge a magia, junto com a
atra����o e o amor.

O amor n��o tem sexo. Fiquei profundamente apaixonado
por um homem, assim como fiquei profundamente apaixonado
por uma mulher. J�� senti aquela liga����o visceral, aquele
desejo de sempre estar com uma pessoa, saber tudo que h�� para
saber sobre ela, aquela necessidade cr��tica. Ent��o quer dizer que,
por ser homossexual, n��o posso sentir algo forte em rela����o a
uma mulher? N��o. Acredito sinceramente que as almas n��o t��m
sexo, e, assim como senti que meu mundo virou de cabe��a para
baixo quando me apaixonei por um homem, tamb��m senti uma
liga����o muito especial e uma compatibilidade com as mulheres.
Mas meu instinto f��sico, meu instinto animal e os meus desejos
interiores acabaram me colocando no caminho de homens. Afinal
de contas, sigo o meu instinto e minha natureza, ponto.

Lembro-me de um dia, muitos anos atr��s, depois de sair
de um relacionamento com um homem, ter dito ao meu assis


268


MEU MOMENTO

tente: "Ningu��m nunca vai me julgar por quem eu levo para
a cama".

Meu assistente, que ficou um pouco surpreso, por n��o ter
ideia do que eu estava falando, disse: "�� isso a��, Kiki. �� isso a��.
Continue fazendo o que voc�� faz".

Apesar de minhas inclina����es sexuais n��o serem as mesmas
da maioria das pessoas no mundo, n��o acho que isso deva
me definir mais do que a minha prefer��ncia por sorvete sabor
manga, ou pelo fato de eu ter cabelo castanho. Da mesma
forma que nunca se deve julgar as pessoas pela cor da pele,
orienta����o religiosa ou origem ��tnica, ningu��m nunca deve ser
julgado por aquilo que faz na cama ou pelo que fazem com
ele. Cedo ou tarde, todos nos sentimos julgados ou discriminados
por causa de quem somos, e por essa raz��o todos temos a
responsabilidade fundamental de lutar contra esses preconceitos
e para sermos respeitados pelo que somos.

No final de 2009, li a respeito de v��rios crimes de ��dio
que ocorreram em Porto Rico e em outras partes do mundo;
isso despertou em mim uma raiva que n��o consigo nem expressar.
Os casos eram t��o perversos e chocantes que s�� posso
sentir repulsa, indigna����o e um profundo desejo de mover
montanhas para que coisas como essas deixem de ocorrer. A
raiva que eu sentia me inspirou a escrever uma carta, que publiquei
no meu site e depois anunciei no Twitter:

Como ativista pelos direitos humanos durante muitos
anos, pude testemunhar in��meros milagres. Vi a incr��vel capacidade
que os seres humanos t��m de curar; vi governos e
cidad��os tentando mudar pol��ticas p��blicas e participando de

269


EU

embates apaixonados, que causaram um impacto positivo em
nossa sociedade. Vi meninos e meninas de diferentes partes
do mundo libertando-se da escravid��o do tr��fico de pessoas
(a escravid��o da nova era) e pessoas surpreendentes renunciarem
a uma "vida de luxo" para ajudar aqueles que mais
precisam. Testemunhar milagres de todos os tipos refor��ou
a f�� na humanidade que meus pais incutiram em mim, que ��
a mesma f�� que tento passar para meus filhos todos os dias.
Ao v��-los descobrindo o mundo, acredito que a bondade seja
uma das maiores virtudes que posso ensinar-lhes.

Por outro lado, tamb��m vi coisas detest��veis, que me
impediram de manter a ingenuidade que eu tinha quando
crian��a e que sempre tentei manter. Viajar pelo mundo desde
pequeno, testemunhando crimes inimagin��veis contra a
humanidade, roubou parte da minha inoc��ncia de menino.
Houve muitos momentos em que me esqueci da crian��a que
habita dentro de mim. Sabe aquela crian��a que todos temos
dentro de n��s e que constantemente nos faz recordar da beleza
do "simples"? Mas esse momento de desligamento foi
muitos anos atr��s, e gra��as ao trabalho que fa��o com minha
funda����o, que faz parte de minha vida di��ria, sou feliz
em afirmar que voltei a me conectar com a crian��a interior
e continuo a aprender com ela. Uma das coisas mais importantes
que aprendi �� gr/farpara o mundo quando deparo com
injusti��as, e �� por isso que estou escrevendo hoje.

Tento levar a vida com uma perspectiva positiva. Fa��o

o que posso para manter uma atitude otimista e de gratid��o.
Podem me chamar de rom��ntico, idealista ou talvez algu��m
que n��o seja realista. Talvez seja um mecanismo de defesa,
ou talvez eu seja apenas algu��m que queira mudar a cadeia
de pensamentos negativos que nos foram fornecidos de muitas
formas, que podem acabar envenenando a alma. Somos
270


MEU MOMENTO

todos humanos e, ��s vezes, �� mais f��cil ignorar a dor e seguir
a vida. "Isso n��o tem nada a ver conosco", podemos dizer.
"Por que nos preocupar?" Mas hoje sinto que isso �� imposs��vel.
Tem a ver conosco. Eu me importo.

Na ��ltimas semanas, li muitas not��cias que me deixaram
arrepiado, e infelizmente os artigos diziam respeito a
coisas que est��o acontecendo diariamente em todo o mundo.
�� quase imposs��vel acreditar que, no ano de 2009, estejamos
sofrendo com essas situa����es odiosas.

Como defensor dos direitos humanos, meu objetivo ��
encontrar solu����es para as injusti��as que existem no mundo
de hoje. Falo sobre todo tipo de discrimina����o, seja por ra��a,
sexo, nacionalidade, religi��o, etnia, defici��ncia f��sica, orienta����o
sexual ou afilia����o pol��tica.

ASSIM, TENHO DE GRITAR: O QUE EST�� ACONTECENDO COM

0 MUNDO DE HOJE?

Tenho certeza de que cada um tem uma resposta. Mas,
no final, parece que a resposta coletiva geralmente se resume
a uma coisa: "QUEREMOS PAZ".

Ora, se acreditamos na paz, simplesmente n��o sobra
espa��o para a complac��ncia. Os assassinatos de James
Byrd, Matthew Shepard, Steven Jorge Lopez, Marcelo Lucero,
Luis Ramirez e in��meros outros que foram v��timas de
violentos "crimes de ��dio" devem ser inaceit��veis para qualquer
ser humano; pois todos somos seres humanos. Cabe a
n��s mudar o paradigma. Ou��o a palavra "toler��ncia" lan��ada
pela m��dia em casos como os que mencionei acima. Um dos
significados de toler��ncia �� "a capacidade de suportar dor ou
sofrimento". Outro �� "o ato de permitir alguma coisa". Para
mim, essas defini����es n��o parecem incluir aceita����o. Ent��o,
em vez de dizer "precisamos tolerar a diversidade", por que
n��o dizer "precisamos aceitar a diversidade".

2 7 1


EU

Aceitar a diversidade �� o primeiro e mais importante

passo que podemos dar no sentido de abolir os crimes de

��dio e unir a humanidade.

Se n��s ACEITARMOS, a humanidade se une. Se a huma


nidade se une, os direitos humanos iguais se tornar��o uma

realidade. E se os direitos humanos iguais se tornarem

uma realidade, a paz estar�� bem pr��xima.

Naquele momento, talvez n��o tenha me dado conta de que
escrever a carta servia como um treinamento para a carta
que ainda teria de escrever. Por um lado, naquela carta eu expressava
muitos dos pensamentos e reflex��es que por anos vagaram
em minha cabe��a. A raiva que sinto quando leio sobre
crimes de ��dio e falta de toler��ncia tamb��m era uma manifesta����o
da raiva que eu sentia em rela����o �� minha pr��pria hist��ria:
de certo modo, minha dificuldade em me aceitar tamb��m
vem do meu medo de ser v��tima de tais crimes de ��dio e de
como algumas pessoas s��o intolerantes e simplesmente incapazes
de aceitar qualquer coisa diferente delas. Sou aben��oado
por ter minha fam��lia e viver em um mundo profissional t��o
tolerante. Ainda que a fama traga muitas exig��ncias e press��es
que nem todos gostariam de enfrentar, em meio a tudo
isso tenho a liberdade de levar minha vida do jeito que quero,
porque, em certa medida, a fama tamb��m me protege e me
d�� espa��o para me expressar do jeito que sou. Infelizmente,
n��o �� assim para todos; e, embora o mundo tenha mudado em
muitos aspectos, para mim �� terr��vel que crimes de ��dio desse
calibre continuem a existir - em lugares como o Malawi, por
exemplo, h�� homens que v��o para a pris��o pelo simples fato

272


MEU MOMENTO

de se apaixonarem por outro homem, por serem homossexuais
ou por realizar uma cerim��nia para celebrar sua uni��o.

No entanto, bem dentro de mim, finalmente come��ava a
ocorrer uma mudan��a. Em vez de tremer diante de crimes desse
tipo -e acabando por ficar mais retra��do e sem coragem
para falar -, senti a necessidade de expressar minha indigna����o.
Talvez tenha vindo, em parte, da minha experi��ncia na
luta contra o tr��fico de pessoas, contra o abuso e a explora����o,
mas o fato �� que decidi agir por meio de minhas palavras.

A carta n��o foi mat��ria em muitos notici��rios; estou certo
de que havia outras not��cias mais importantes naquele dia. Mas
para mim, pessoalmente, uma porta fora aberta: a avalanche de
apoio que recebi pelo Twitter foi uma grande surpresa e uma
b��n����o. Para algu��m como eu, acostumado a estar no palco e
recebendo uma resposta imediata do p��blico, o Twitter �� a ferramenta
dos sonhos. Posso escrever o que quiser, e imediatamente
recebo respostas e hist��rias de pessoas reagindo ao que
eu disse, dando sua opini��o ou dando apoio ao que digo. Estava
t��o confort��vel e sentindo-me t��o forte, que compreendi que
aquele seria o meu caminho e que o Twitter seria a ferramenta.

A CARTA

ENT��O COMECEI A ESCREVER. Escrevia sem parar, e sentia-me calmo.
��s vezes vinha uma euforia, e em outros momentos eu
chorava. O processo de escrever foi um turbilh��o de emo����es,
porque, embora soubesse que estava fazendo algo necess��rio e
vital para que eu pudesse seguir com minha vida, n��o era nada
f��cil encontrar uma forma de colocar minha vida em palavras.

273


EU

Pouco dias antes de colocar minha carta no site (e ent��o
criar um link para ela no Twitter), contei aos mais pr��ximos o
que eu pretendia fazer. Todos ficaram muito nervosos e instantaneamente
tentaram me demover da ideia com todos os tipos
de argumentos: que n��o era a hora certa, que as pessoas n��o
entenderiam, que esper��vamos que o livro fosse lan��ado e que
n��o seria uma boa fazer isso perto da P��scoa. Todos tinham
um motivo, e apesar de saber que esses motivos tinham como
fundo o amor e a preocupa����o por mim, buscando evitar que
eu sofresse, sei que todos t��m seus pr��prios motivos e medos,
dos quais espero que se libertem. Mas, nesse caso, era eu quem
estava pronto para tirar aquilo do peito, porque meu caminho
espiritual tinha completado o seu ciclo.

Sei que, se eu perder o equil��brio, muitas outras pessoas colegas,
amigos e familiares - tamb��m perder��o o equil��brio,
e isso causa muito medo. Mas, dessa vez, sabia que tinha de
fazer o que precisava fazer e n��o podia mais pensar nos outros.
Assim, ignorei todas as recomenda����es; mas o pior foi
quando vieram com o argumento de que eu n��o deveria fazer
aquilo durante a P��scoa porque talvez ofendesse meus f��s crist��os.
Respondi: "Voc��s n��o entenderam que eu disse que 'n��o
aguento mais'? E quanto a mim? No meu mundo, meu espa��o,
minha 'realidade', isso n��o �� um pecado ou algo de que tenha
de me envergonhar. Muito pelo contr��rio: preciso celebrar a
minha verdade!".

Martin Luther King Jr. certa vez disse uma frase bonita,
que agora guardo bem pr��xima de meu cora����o: "Nossas
vidas come��am a acabar no dia em que ficamos em sil��ncio
sobre coisas que nos importam". Em 29 de mar��o, decidi co


274


MEU MOMENTO

locar um fim no inferno que havia se tornado a minha mente
e celebrar, com justi��a, o meu renascimento. Trata-se de morte
e uma nova vida; ciclos s��o fechados e novos s��o abertos. A
��nica coisa que importava era que eu estava pronto para come��ar
um novo cap��tulo em minha vida, e queria inici��-lo o
mais r��pido poss��vel.

E ent��o a carta foi publicada. �� um texto do qual me orgulho
muito; toda vez que a leio, fico emocionado lembrando-
me de tudo que enfrentei a fim de chegar a um ponto em que
pudesse compartilhar isso com o mundo.

Alguns meses atr��s, decidi escrever minhas mem��rias,
um projeto que eu sabia me deixaria mais
pr��ximo de uma incr��vel revolu����o em minha vida.
Assim que escrevi a primeira frase, tinha certeza de
que o livro seria a ferramenta que me ajudaria a me
libertar das coisas que carregava comigo havia muito
tempo. Coisas muito pesadas para manter dentro de
mim. Ao escrever esse balan��o de minha vida, cheguei
muito perto da verdade. E isso �� algo que deve
ser celebrado.

Por muitos anos, havia um ��nico lugar em que
eu me sentia pr��ximo de minhas emo����es: o palco.
Subir no palco enchia minha alma de muitas formas,
quase totalmente. �� meu v��cio. A m��sica, as luzes e o
rugido do p��blico s��o elementos que permitem que
eu me sinta capaz de qualquer coisa. Esse fluxo de
adrenalina �� incrivelmente viciante. N��o quero nunca
parar de sentir essas emo����es. Mas �� a serenidade que

275


EU

me trouxe para onde estou agora. Um incr��vel lugar
emocional de compreens��o, reflex��o e ilumina����o.
Neste momento, sinto a mesma liberdade que em
geral sinto no palco, algo que, sem d��vida, preciso
compartilhar.

Muitas pessoas diziam-me: "Ricky, n��o �� importante",
"n��o vale a pena", "voc�� trabalhou tanto
tempo, e tudo que construiu ir�� ruir", "muita gente
n��o est�� pronta para aceitar sua verdade, sua realidade,
sua natureza". Como todos esses conselhos vinham
de pessoas que eu amava demais, decidi seguir
com a minha vida sem compartilhar com o mundo
minha verdade completa. Permitir-me ser seduzido
por medo e inseguran��a tornou-se uma profecia realizada
de sabotagem. Hoje assumo toda a responsabilidade
por minhas decis��es e a����es.

Se algu��m me perguntasse hoje: "Ricky, do que
voc�� tem medo?", eu responderia: "Do sangue que
escorre pelas ruas de pa��ses em guerra... da escravid��o
infantil, do terrorismo... do cinismo de algumas
pessoas em posi����o de poder, da interpreta����o enganada
da f��". Mas medo de minha verdade? De jeito
nenhum! Pelo contr��rio, ela me enche de for��a e coragem.
�� exatamente disso que preciso, ainda mais
agora, pai de dois meninos lindos, t��o cheios de luz e
com uma vis��o de mundo que me ensina novas coisas
todos os dias. Continuar vivendo da forma que vivi
at�� hoje seria, indiretamente, diminuir o brilho que
meus filhos t��m desde que nasceram. J�� basta. Isso

276


MEU MOMENTO

precisa mudar. Isso n��o poderia acontecer cinco ou
dez anos atr��s, mas agora era a hora certa. Hoje ��
meu dia, essa �� minha hora e esse �� o meu momento.

Esses anos de sil��ncio e reflex��o me deixaram
mais forte e me fizeram recordar que a aceita����o precisa
vir de dentro e que esse tipo de verdade me d�� o
poder de conquistar emo����es que eu nem sabia que
existiam.

O que vai acontecer a partir de agora? N��o importa.
Posso apenas focalizar o que est�� acontecendo
comigo neste exato momento. A palavra "felicidade"
assume um novo significado para mim a partir de
hoje. Foi um processo muito intenso. Cada palavra
que escrevo nesta carta vem imbu��da de amor, aceita����o,
desapego e satisfa����o real. Escrever este texto
�� um passo s��lido em dire����o a minha paz interior e

uma parte vital de minha evolu����o.
Tenho orgulho de dizer que sou um homossexual
feliz. Tive a b��n����o de ser quem sou. RM

Assim que cliquei em ENVIAR, fechei o computador e fui
para o meu quarto tirar um cochilo - pelo menos, imaginava
fazer isso. Fechei os olhos por cerca de meia hora, talvez
quarenta minutos, mas a curiosidade matou o gato. Como
n��o queria voltar imediatamente para o computador, telefonei
para uma amiga, que j�� sabia o que eu ia fazer, e pedi-lhe que
fosse �� minha conta do Twitter e me contasse o que as pessoas
estava falando. Ela me disse: "Kiki... muito amor. Foram
duzentos, trezentos, quatrocentos coment��rios - nenhum de


277


EU

les negativo". Logicamente, havia uma ou duas pessoas que
simplesmente n��o conseguiam entender, mas, de modo geral, o
amor que recebi foi imediato e impressionante. Apesar de acreditar
que nada de ruim fosse acontecer, a avalanche de amor
que recebi naquele dia foi uma surpresa incr��vel. Na semana
seguinte, a venda de meu ��lbum cresceu. N��o apenas n��o estava
sendo rejeitado por ningu��m; para todos os efeitos, parecia
que me amavam ainda mais agora! Todo aquele medo que eu
tinha, o medo que muitas pessoas sentem ao se revelar, era coisa
da minha cabe��a. Sei que pode n��o ser assim com todo mundo
que decide sair do arm��rio - sei que algumas pessoas encontram
a dor e o sofrimento da rejei����o -, mas tenho de dizer que a minha
experi��ncia foi apenas positiva e fortalecedora.

Minha fam��lia e o meu c��rculo de amigos mais pr��ximos,
que j�� conheciam a minha verdade havia muitos anos, ofereceram
seu apoio incondicional. Meu pai ficou muito feliz
quando lhe contei o que ia fazer, j�� que desejava isso h�� anos,
porque queria que eu me libertasse para poder viver em paz
e abertamente, mas sabia que era necess��rio aguardar o meu
momento, e assim me apoiou ao longo de todo o processo, at��
que eu estivesse pronto. Minha m��e tamb��m ficou muito feliz,
mas a forma como contei a ela foi um pouco estranha.

Naquele dia, minha m��e voava de Porto Rico para Miami.
Sempre senti que n��o seria legal eu enviar a carta enquanto ela
estivesse em Porto Rico porque, como todas as m��es, ela se preocuparia
com o filho. E tamb��m n��o queria que ela estivesse l��,
sozinha, recebendo telefonemas das pessoas conhecidas. Para o
an��ncio e para que n��o se preocupasse, queria que estivesse l��
comigo, e assim pudesse ver que seu filho e os netos estavam

278


MEU MOMENTO

muito bem. Portanto, aguardei at�� que tivesse embarcado no
avi��o, onde n��o teria acesso ao celular ou �� internet. Quando
chegou em Miami, um de meus representantes a buscou, e a primeira
coisa que fez foi tirar o celular dela, para que n��o pudesse
receber telefonemas. Ela foi deixada em minha casa, e l�� a abracei
e a fiz sentar-se diante do computador para ler a carta que
eu acabara de enviar. Assim que terminou de ler, ela se levantou,
me deu um abra��o forte e come��ou a chorar como um beb��.

UM PRESENTE QUE A VIDA ME D��

Foi UMA EXPERI��NCIA incr��vel. Hoje me sinto forte, alegre e livre.
Fico feliz quando penso que muitos dos meus medos - para
n��o dizer todos - eram imaginados ou imagin��rios. N��o preciso
dizer que h�� gente que faz coment��rios negativos e que n��o
entende o significado de tudo, mas as considero pessoas que
ainda precisam crescer e evoluir - e n��o sou ningu��m para julg��-
las. Assim como levou algum tempo para eu aceitar minha
realidade e a mim mesmo, elas tamb��m ainda t��m de passar
por seu processo de aceita����o e compreens��o.

Certa vez, uma pessoa me perguntou: "Quando voc��
decidiu se tornar homossexual?". Respondi: "Nunca decidi
me tornar nada. Simplesmente sou quem sou", e completei:
"Quando voc�� decidiu se tornar heterossexual?". N��o �� necess��rio
dizer que n��o houve resposta...

N��o pretendo mudar a cabe��a de ningu��m. Estou apenas
compartilhando minha pr��pria experi��ncia. Pode haver pessoas
que v��o parar de gostar de mim por acreditarem que, antes,
eu n��o era totalmente sincero. Talvez outras comecem a

279


EU

ouvir e curtir a minha m��sica, agora que sabem quem eu sou
de verdade. Mas acredito que, gostem ou n��o de mim, devem
faz��-lo cientes de minha verdade. Se me odiarem, que seja por
quem eu sou, n��o por quem acham que sou. E se me amarem,
que me amem por quem eu sou, n��o por quem acham
que sou.

Hoje, entendo que n��o posso esperar que todo mundo me
ame, e, apesar de parecer algo ing��nuo, levou um bom tempo
para eu absorver e entender isso. �� bem prov��vel que tenha
sido essa necessidade enorme de ser aceito que me fez ser quem
sou, pois estava sempre disposto a fazer o que me pediam, a
fim de agradar os outros. A rejei����o me era algo muito doloroso.
Foi por isso que mantive minha realidade em segredo.
N��o queria sentir a desaprova����o de outros, principalmente
porque, em algumas ocasi��es em que revelei minha verdade
para pessoas bem pr��ximas de mim, enfrentei rea����es muito
inesperadas.

O fato �� que tendemos a perceber no outro o caminho
que queremos que ele siga. E quando essa imagem �� destru��da,
ficamos irritados. Talvez n��o queiramos ver a verdade, ou
talvez n��o pud��ssemos v��-la antes porque estava escondida.
Todo mundo vive de acordo com um determinado conjunto de
regras aprendido quando muito jovem, muitas das quais nos
condicionam a ver o mundo como gostar��amos que fosse, e
n��o como ele realmente ��.

�� por isso que quero ter certeza de que meus filhos cres��am
sem as press��es e preconceitos que enfrentei. Quero que
eles vivam uma vida sem limita����es de cor, ra��a, etnia ou
orienta����o sexual, e sintam total liberdade para ser quem s��o.

280


MEU MOMENTO

E se amanh�� gostarem de homens ou mulheres, ou ambos,
n��o serei eu quem ir�� impedi-los ou condicion��-los a fazer
isso ou aquilo. E, embora eu saiba que eles v��o encontrar na
vida pessoas que n��o tenham a mesma vis��o aberta e tolerante
do mundo que eles, pelo menos posso ter certeza de que
possuir��o paz em seus cora����es, por poderem ser quem s��o.
N��o preciso dizer que certamente haver�� um dia em que v��o
sofrer, mas espero que isso nunca aconte��a por n��o poderem
ser eles mesmos.

A verdade �� que n��o desejo a dor que suportei a ningu��m,
e �� por isso que considero t��o importante a luta contra o preconceito.
Sabem quantos jovens se suicidam todos os dias porque
n��o conseguem enfrentar sua sexualidade? Sabem quantas
pessoas envelhecem sem nunca aceitar sua sexualidade? Elas
levam uma vida miser��vel, nunca se permitindo ser quem realmente
s��o. Muitos nem se permitem descobrir a sua verdadeira
natureza, e para mim isso �� uma trag��dia.

Adoraria saber o que faz uma pessoa conseguir sair do
arm��rio aos dezoito anos de idade, e outras apenas aos trinta.
No meu caso, eu queria que isso tivesse acontecido antes. Mas,
a fim de encontrar a paz em meu passado, naquela eternidade
que pode deixar qualquer um louco pelo suposto "tempo
perdido", decidi aceitar o simples fato de n��o ser ainda o meu
momento. Levei muito tempo para acreditar de verdade que

o que as pessoas pensam de mim n��o me importa, n��o tem
nada a ver comigo. E todos os dias trabalho para incorporar
esse pensamento, de forma que ele se torne um modo de vida.
Pensar e acreditar que o que as pessoas dizem sobre mim n��o
tem nada a ver comigo libertou-me em muitos n��veis. Eu esta281



EU

ria mentindo se dissesse que a opini��o dos outros n��o tem nenhuma
import��ncia na minha vida - claro que tem -, mas n��o
posso permitir que defina a maneira como me vejo, fazendo-
me sentir menor ou maior do que aquilo que sou. O que voc��
pensa de mim n��o �� a minha realidade, mas, sim, a sua. O
que voc�� pensa de mim, simplesmente n��o �� problema meu.
Encontrei minha verdade quando aceitei e abracei quem eu genuinamente
sou. Tive de lutar contra o medo e a necessidade
de me esconder, a fim de encontrar a aceita����o e ser capaz de
me amar de novo. Tive de lutar contra a nega����o, contra o
��dio de mim mesmo e com os acertos com Deus... Mas tudo
muda, eu tenho f��.

E, fosse pelas barreiras culturais, ou pela forma como minha
vida se desenrolou, ou in��meros outros fatores que entram
na equa����o, eu n��o estava pronto at�� completar 38 anos
de idade. Talvez trabalhasse demais e n��o tivesse tempo para
parar e pensar sobre o que de fato acontecia comigo. Ou talvez
tenha procurado esconder isso de mim, durante todo esse tempo,
simplesmente por n��o possuir as ferramentas espirituais
para lidar com as consequ��ncias de enfrentar minha pr��pria
verdade. Talvez at�� fosse preciso ter iniciado a luta contra o
tr��fico de pessoas para compreender a injusti��a que era roubar
uma parte da vida de algu��m. Ou talvez tivesse de passar pela
experi��ncia de ser pai, ter meus dois lindos anjinhos, para ser
capaz de dar um passo atr��s e entender que minhas decis��es
n��o mais afetavam apenas a mim.

Qualquer que fosse o motivo - ou talvez todos eles -, s��
posso agradecer pelo caminho que me trouxe at�� este momento,
e sou profundamente grato por ser quem sou. Minhas cren


282


MEU MOMENTO

��as me deram for��a suficiente para me sentir bastante seguro
ao falar sobre isso, que �� uma coisa preciosa e bonita. �� gra��as
�� vida que levo que eu sou quem sou, que tenho esses filhos
e que tenho um relacionamento t��o bom com meus pais. Se
tivesse escrito uma carta em que confessasse ser um criminoso,
que abuso de mulheres ou de outros seres humanos, seria completamente
impens��vel eu me sentir feliz ou livre. Mas minha
postura �� baseada puramente em amor - em amor, respeito e
toda a gratid��o que sinto pela vida maravilhosa que tive. Meu
sentimento �� t��o cheio de amor, de luz, de uma frequ��ncia m��gica
e forte, que sentia a necessidade de compartilh��-lo. Queria
contar ao mundo quanto estou orgulhoso do caminho que
segui, que me permitiu chegar aonde estou hoje. Meu desejo
sincero �� que todos possam viver, em algum momento de sua
pr��pria linha de tempo, o que estou vivendo agora. �� um despertar
incr��vel, e desejo isso para todos. Mas, logicamente, n��o
estou dizendo que todos devem ser gays, mas acredito que todos
escondemos segredos desnecess��rios, coisas que negamos
a n��s mesmos porque achamos que s��o erradas. Libertar-me
de meus pr��prios segredos e ansiedades me trouxe algo que
antes eu n��o sabia que existia: emo����es t��o fortes e poderosas,
t��o transparentes e surpreendentes, que espero que todos, um
dia, sejam capazes de sentir o que estou sentindo.

Ao tomar decis��es que representem mudan��as significativas
na vida, acaba-se enfrentando muitos processos de
desestabiliza����o, e frequentemente optamos por ficar onde nos
sentimos mais confort��veis. E �� assim que a vida funciona.
Mas, se nos atrevemos a encarar a op����o mais dif��cil, acaba


283


EU

mos descobrindo que o que existe do outro lado �� um mundo
de liberdade, paz e tranquilidade infinita.

Uma das coisas mais incr��veis que experimentei foi o carinho
que recebi de todos ao meu redor. Recebi in��meras mensagens
me parabenizando e apoiando o meu gesto, e isso, para
mim, �� uma b��n����o. Se, a partir de agora, o tema do homossexualismo
for discutido numa mesa de jantar de uma perspectiva
diferente, s�� isso j�� vai me deixar feliz. Minha inten����o ao
me abrir n��o foi, necessariamente, inspirar outras pessoas, mas
se, al��m de me trazer toda essa felicidade, minha experi��ncia
servir para outros, isso vai me encher de alegria. �� tamb��m
uma b��n����o saber que, com a minha vida, posso beneficiar
outras pessoas, e isso �� uma grande honra. Tenho orgulho de
ser quem sou.

284


DAQUI EM DIANTE


A PUBLICA����O DESTE LIVRO �� OUTRO DESSES MOMENTOS QUE V��O

me ajudar a crescer e me sentir mais forte. O ato de escrever
foi ��rduo e fascinante, e h�� tantas coisas que, se n��o as tivesse
colocado no papel, nunca teria lembrado. Fiz liga����es entre
eventos que, �� primeira vista, pareciam n��o ter rela����o alguma,
e acabei descobrindo que, na verdade, estavam intimamente
relacionados. Recordei, senti e analisei muita coisa. Descobri
minha pr��pria hist��ria e me apaixonei por ela. E talvez o mais
importante �� que a experi��ncia de escrever este livro me deu a
for��a e a convic����o de que precisava para trazer �� luz a minha
verdade. Foi uma explora����o e uma aceita����o intensas, em que
me descobri como sou realmente.

Depois de tudo o que aconteceu - as coisas boas, ruins,
extraordin��rias e desastrosas -, finalmente encontrei uma
vida repleta de luz e de amor: tenho dois filhos preciosos,
uma fam��lia carinhosa, amigos solid��rios e uma carreira extraordin��ria.
E o melhor de tudo: atingi um n��vel de paz e felicidade
que eu nem sabia que existia. Sinto-me infinitamente
grato ao universo, pela vida milagrosa que tive a grande sorte
de levar.

287


EU

DECLARA����O

Sou DAQUELES QUE acreditam que a felicidade vem para quem
tem pensamentos felizes. Na minha mente e em meu cora����o,
carrego muitas lembran��as incr��veis, as quais, estou convencido,
enchem minha vida de luz e de muitas outras coisas boas.

Certa vez, um m��sico muito s��bio me falou:

"Instrumentos de percuss��o s��o a manifesta����o da energia
e das almas de nossos ancestrais. Antes, quando havia escravid��o,
a ��nica forma que os escravos tinham de se expressar era
por meio de percuss��o. Assim, �� como se todos esses esp��ritos
que faleceram pudessem renascer sempre que escutam o
som de um instrumento de percuss��o. E, como n��o conseguem
dan��ar, entram em seu corpo e se manifestam por meio do seu
ser, por voc��."

�� uma cren��a bonita, e sinto que a vivi intensamente
quando estive no Carnaval do Rio de Janeiro alguns anos
atr��s. Tive a oportunidade de participar de um desfile no Samb��dromo,
em uma escola de samba, e durante um dos ensaios
fiquei rodeado por quinhentos instrumentos de percuss��o, todos
sendo tocados ao mesmo tempo. Se apenas com um instrumento
sente-se a for��a do ritmo, da m��sica e da vida, sendo
imposs��vel resistir �� necessidade de dan��ar - imagine o que
acontece com quinhentos deles! Foi uma das coisas mais eletrizantes
que j�� senti na vida. Por um instante, fica-se separado
de seu corpo, permitindo-se ser carregado por sons pulsantes,
e naquele momento deixa-se de ser f��sico, entrando-se no reino
dos esp��ritos.

288


DAQUI EM DIANTE

Portanto, se instrumentos de percuss��o s��o realmente a
manifesta����o de meus ancestrais, posso ter a certeza de que
meus ancestrais est��o comigo, pois nunca fico muito longe de
um tambor!

Amo essa hist��ria. Na m��sica afro-antilhana de Porto
Rico - seja no candombl��, no samba, na salsa, na m��sica dos
��ndios norte-americanos ou no guaguanc�� -, a percuss��o est��
sempre presente. A maioria das cerim��nias religiosas tem tambores.
E isso ocorre porque a m��sica tem o poder de libertar a
mente e o esp��rito; tem o poder de permitir que se sinta a vida
em sua forma mais b��sica e natural de express��o. A m��sica ��
uma for��a libertadora. A m��sica �� m��gica. Como minha vida
foi sempre cheia de m��sica, sei que sempre terei uma exist��ncia
��nica e feliz.

E isso �� algo pelo que sou extremamente grato.

Escrevi este livro enquanto estava no est��dio, gravando
meu sexto ��lbum em espanhol. Tive o privil��gio de trabalhar
novamente com Desmond Child, e mais uma vez foi um prazer
sentir sua ideia de estrutura, sua calma e a firmeza com que me
guia ao longo do processo de cria����o.

A grava����o de um ��lbum, assim como escrever um livro, ��
uma experi��ncia muito ��ntima. �� preciso sentar e pensar, sentir
e permitir que o sil��ncio produza ideias que finalmente se
transformar��o em sons e palavras. ��s vezes, come��o cantarolando
algumas notas soltas, que se tornam uma melodia, e
ent��o come��am a surgir umas palavras. A�� me agarro a essas
palavras. Brinco com elas. Viro-as para l�� e para c�� e come��o
a encaix��-las como num quebra-cabe��a. Lentamente, passam
a aparecer frases inteiras, junto com versos e hist��rias, at��

289


EU

que se tornem, por fim, algo coerente, estruturado, algo que
transmita uma ideia ou um sentimento que ainda n��o tinha
conseguido colocar em palavras. Quando come��o a escrever
uma m��sica, nem sempre sei onde vai acabar, e na maioria das
vezes sou levado para algum lugar inesperado. Um caminho de
descobertas.

O mesmo vale para este livro.

Assim como a maioria dos meus ��lbuns, o ��ltimo foi autobiogr��fico
e aborda diversos aspectos diferentes de minha
vida. A vida que levo, mas tamb��m a vida que quero. �� um
disco muito honesto e transparente, que sem d��vida nasceu
da renovada sensa����o de for��a que sinto pulsando dentro de
mim. Tenho tanto a dizer, e tanta coisa para compartilhar, que
aguardo ansiosamente o dia em que o enviaremos para o mundo
para ver como se ele se conecta com o p��blico, com todas
essas almas que escutam a minha m��sica. Quero entrar numa
turn��, subir ao palco e sentir a energia do p��blico. Quando
estou no palco, o p��blico me satisfaz de modo t��o visceral,
acendendo-me de um modo muito poderoso. Fico feliz ao ver
como surge todo esse processo, mas l�� no fundo sei que todos
os dias, meses e anos que tenho por viver, sem d��vida alguma,
ser��o extraordin��rios; mal posso esperar esse momento.

Se h�� uma li����o que aprendi recentemente, �� a import��ncia
de dizer ao mundo o que se quer. Se quero algo em minha
vida, se quero algo em minha carreira, ou para meus filhos ou
nos meus relacionamentos, preciso contar ao mundo o que ��
para que se torne uma realidade. Se n��o sei exatamente o que
��, se eu n��o o absorvo e o incorporo em minha vida como
uma realidade vi��vel e n��o apenas como uma teoria, h�� uma

290


DAQUI EM DIANTE

chance muito grande de n��o acontecer. Preciso me jogar para o
mundo, buscando o que quero, sonhando com isso, e n��o ficar
sentado sem fazer nada, esperando que surja diante de mim
como se fosse um milagre.

Isso �� principalmente verdade em rela����o ao amor. �� preciso
buscar o amor. �� necess��rio acreditar nele. Deve-se solicitar
ao mundo exatamente o que se quer ter em sua vida. Mas,
acima de tudo, �� preciso ser paciente.

H�� pessoas em minha vida que me marcaram muito intensamente.
Todo relacionamento que tive trouxe coisas que o
tornaram ��nico e especial. Enquanto um relacionamento tinha
tudo a ver com nossas conversas, com tudo o que aprend��amos
e com o alto n��vel de compreens��o e compatibilidade sobre
nossos pontos de vista, outro relacionamento podia ter como
base a liga����o f��sica, o tipo de coisa que mexe com a gente
de uma forma totalmente visceral. Outros relacionamentos se
apoiavam mais em ternura, na del��cia que �� sentir-se amado,
cuidado e protegido... Mas, de qualquer forma, n��o importando
qu��o dif��ceis ou torturantes foram alguns de meus relacionamentos
no passado, acredito piamente que existe o amor
verdadeiro. N��o sei se j�� encontrei meu amor de verdade ou se
ambos ainda estamos nos preparando para o momento em que
nos conheceremos. �� poss��vel que j�� nos conhe��amos, �� poss��vel
que j�� tenhamos estado juntos, ou talvez ainda precisemos
dar alguns passos antes de nos juntarmos. Mas tudo o que posso
dizer com certeza �� que sei - e sei porque, em minha vida,
busco no mundo o que quero - que existe uma pessoa perfeita
para mim neste universo, ainda que leve anos, meses ou dias
para descobri-la, ou para perceber que ela j�� est�� aqui.

291


EU

Tenho uma imagem muito clara em minha mente do que
�� amor perfeito. Muitas pessoas dizem: "Mas n��o existe amor
perfeito...". N��o me importa o que dizem; sou um rom��ntico!
E acredito, sim, em amor perfeito. Acredito que o amor nunca
machuca. Acredito que amor seja entrega, paz, calma, confian��a;
seja divertido e brincalh��o. Em outras palavras, para mim,
amor �� liberdade... e �� isso que o mundo tem a me oferecer. E,
a cada passo que dou em dire����o ao meu crescimento pessoal e
no meu caminho espiritual, chego mais perto disso. Um passo
por vez.

Independentemente do que possa acontecer em minha vida
amorosa, j�� possuo o amor mais bonito de todos -o amor de
ser pai. Matteo e Valentino trouxeram para minha vida uma
dimens��o muito poderosa de luz, transpar��ncia e beleza inimagin��vel.
Sem saber, meus dois meninos me ensinaram a ir muito
al��m dos meus limites, e por isso serei sempre grato. Muitas
vezes ouvimos sobre a gratid��o que crian��as sentem em rela����o
aos pais, e, apesar de ser algo verdadeiro e muito importante,
acho que h�� muito a ser dito sobre a gratid��o que n��s, pais, devemos
sentir pelos nossos filhos, porque, em momentos de confus��o,
ang��stia e at�� mesmo alegria, s��o eles que nos mostram

o caminho, atrav��s do amor que sentimos por eles.
Tudo que fa��o em minha vida �� motivado por eles. Tamb��m
fa��o por mim, �� l��gico, mas, desde que eles entraram em
minha vida, vejo tudo sob uma luz nova. O amor que sinto
por eles �� t��o puro, t��o instintivo e t��o real que, em compara����o,
tudo o mais fica sem cor. Minha m��sica e minha luta
contra o tr��fico de pessoas, a import��ncia de manter meu
norte espiritual, a import��ncia de ser honesto com o mundo...

292


DAQUI EM DIANTE

absolutamente tudo tem a ver com eles, com propiciar tudo
que puder dar a eles e com deix��-los orgulhosos de mim.
O que antes parecia uma op����o ou alternativa hoje �� uma
necessidade. Eles s��o minha inspira����o, e �� por eles que me
esfor��o para melhorar, pelo menos no que me �� cab��vel, porque
n��o quero que herdem os problemas que a minha gera����o
teve de enfrentar. Quero que tenham a melhor vida poss��vel,
uma exist��ncia que seja ainda mais gloriosa e extraordin��ria
do que a minha.

MELHOR DO QUE NUNCA

NA VIDA, TUDO que �� bom, tudo que realmente vale a pena, exige
sacrif��cio. N��o importa se �� grande ou pequeno - a verdade
�� que devemos enfrentar in��meros desafios e momentos bem
desconfort��veis e assustadores, que podem trazer um certo sofrimento.
Mas, no final, quando chegamos ao outro lado, percebemos
que somos melhores do que jamais fomos. �� como o
processo de dar �� luz. Dizem que nada no mundo �� mais doloroso
do que dar �� luz um beb��. Uma mulher tem de encarar
uma dor desumana, durante a qual �� poss��vel que ela sinta que
n��o aguenta mais, que n��o consegue mais suportar, que ir�� morrer.
H�� uma mistura de ang��stia, medo e pavor de que algo vai
dar errado... �� um momento radical. Mas, no final, ela supera a
dor, ela sobrevive, e acaba surgindo o presente mais bonito que
uma pessoa pode receber - o presente da vida... e, pelo que me
disseram, assim que ela segura seu beb�� pela primeira vez, a dor
torna-se uma recorda����o distante, completamente irrelevante,
em compara����o com o amor que sente por seu filho.

293


EU

Existem algumas decis��es que s��o muito dif��ceis de tomar.
Mas, depois que as tomamos, percebemos que ficamos mais
fortes, mais felizes e mais completos. Percebemos que somos
capazes de fazer muito mais do que imagin��vamos. Enquanto
escrevia este livro e desnudava minha alma, aprendi muita coisa.
Foi dif��cil, ��s vezes assustador, mas agora vejo que era um
passo necess��rio, fundamental para conseguir avan��ar.

Quando olho para tr��s e penso em toda a ang��stia que
senti a respeito de minha sexualidade, e no medo que tinha de
contar isso para o mundo, fico triste. Passei por tanta dor e
tens��o, e hoje mal consigo acreditar que tenha feito um drama
de algo que agora me parece simples demais. Por muito tempo,
fiquei convencido de que, se sa��sse do arm��rio, aconteceria
algo ruim, algo realmente terr��vel. Perderia meus f��s, meus
amigos me rejeitaram e minha vida come��aria a desmoronar.
Mas todos esses pensamentos tinham como fundamento o
medo, porque, quando eu me declarei, n��o apenas nada ruim
aconteceu, como hoje estou um milh��o de vezes melhor do que
antes. Se, alguns anos atr��s, algu��m me perguntasse se eu era
feliz com a minha vida, teria honestamente respondido que
sim. Por��m, depois de ter dado esse passo incr��vel, percebo o
significado de ser realmente feliz. Tor��o para que todo mundo,
em suas vidas, possa passar por um processo de renascimento,
um despertar, semelhante ao meu. N��o estou dizendo que todo
mundo deva se declarar homossexual, mas que todos devem se
esfor��ar para se liberar daquilo que os esteja deixando presos.

Essa �� a vida que me foi destinada. Meu destino n��o era o
de algu��m que precisava acordar ��s seis da manh��, fazer caf��,
dar um beijo na bochecha da esposa, entrar no carro, dirigir-se

294


DAQUI EM DIANTE

ao trabalho, e ��s cinco da tarde retornar para o lar, fazer o jantar,
fazer amor com a esposa e ir dormir.

Minha vida sempre ser�� um pouco diferente da das outras
pessoas, e n��o vou brigar contra isso. Pelo contr��rio, vou
aceitar. Eu aceito isso. Aceito porque sei que �� por isso que
sou quem sou hoje, e s�� por minha vida n��o ser parecida com
a de muitos outros n��o significa que eu n��o possa ser feliz. A
Ora����o da serenidade diz isso lindamente. S��o palavras que
sempre carrego em meu cora����o:

Concedei-me, Senhor, a serenidade necess��ria para

aceitar as coisas que n��o posso modificar; coragem
para modificar aquelas que posso; e sabedoria para
distinguir umas das outras.

�� verdade: tenho de saber o que posso modificar e o que
n��o me �� poss��vel. Minha vida �� bonita do jeito que �� - por
que mud��-la? �� assim que deve ser. Eu a aceito e adoro. Sinto
orgulho dela.

Acredito que todo mundo precise aceitar a vida que tem.
Isso n��o significa que n��o se deva viver intensamente, mas, no
final, o mais importante de tudo �� se aceitar e amar-se, ser feliz
e praticar o bem. E se voc�� for diferente aos olhos dos outros,
isso tamb��m faz parte da li����o da vida, porque ter�� de
aprender a se aceitar exatamente como �� sem sacrificar seus
sonhos apenas para agradar a outras pessoas, ou seguir supostos
c��digos sociais. A beleza �� algo que ningu��m pode lhe tirar.
Em vez de pensar: "sou diferente deles", tente dizer: "eles s��o
diferentes de mim". Qualquer um que n��o esteja na mesma

295


EU

frequ��ncia evolucion��ria e espiritual que a sua se distanciar��,
enquanto aqueles que estiverem na mesma frequ��ncia evolucion��ria
e espiritual se aproximar��o; voc�� ver�� como �� interessante
descobrir que todo mundo que precisa estar ao seu lado
acabar�� aparecendo em sua vida da forma mais espont��nea e
divina poss��vel. A mente tem esse poder!

Minha inten����o com este livro n��o �� distribuir ensinamentos
de vida para outras pessoas. Eu simplesmente queria falar
sobre a minha pr��pria vida e tudo o que aprendi ao longo do
caminho. Se meus ensinamentos servirem para algu��m, isso
me dar�� uma grande alegria. Mas a verdade �� que fiz isso por
meus filhos e por mim. H�� pessoas que podem se perguntar
por que decidi escrever um livro de mem��rias cedo, aos 38
anos de idade. Mem��rias em geral s��o escritas mais para o
fim da vida, e espera-se que eu ainda tenha muitos anos pela
frente... A verdade �� que sinto que esse �� apenas o come��o.
Tenho uma nova vida me esperando, e, agora que estou num
cruzamento, sinto uma grande necessidade de parar e contar
ao mundo o que sou. Agora percebo que ensinamentos mais
profundos costumam vir de maneiras muito simples. Precisei
ver, sofrer, curtir e viver o que vivi para chegar a esse ponto
de compreens��o. E quero compartilhar esse ensinamento com
outras pessoas, porque estou convencido de que todos podem
fazer o mesmo. Se estiverem dispostos.

Cada um de n��s precisa seguir por seu caminho espiritual
e atravessar seus pr��prios ensinamentos c��rmicos para descobrir
a melhor vida que pode ter. E, para tanto, acredito que a
primeira coisa a ser feita �� aceitar a si mesmo e aos outros. Isso
j�� �� suficiente. N��o �� preciso dizer nada para ningu��m, mas

296


DAQUI EM DIANTE

tamb��m n��o se deve viver no escuro. Espero que minha vida,
e o que escrevi aqui, possam, de alguma forma, servir como
um exemplo. Apesar de minha hist��ria ser um tanto ��nica, talvez
uma linha ou outra ressoem nos ouvidos daqueles que se
sintam diferentes, seja devido a sua religi��o, seu status de imigra����o,
o simples fato de ser uma minoria ou por viver em um
pa��s onde n��o possa se expressar livremente.

Assim, opto por gritar para todo mundo: Sejam felizes!
Fa��am o bem! Tenham medo de mudan��as, mas n��o permitam
que o medo tome conta das coisas! E, se sentir que ningu��m o
ama ou o aceita, ent��o pare e reflita sobre o que eu falei aqui,
e ver�� que �� muito mais f��cil do que voc�� pensa.

O grande poeta irland��s Oscar Wilde disse certa vez:
"Um pouco de sinceridade �� algo perigoso; muita sinceridade
�� fatal". A palavra que ele usa �� literalmente "fatal". E que
palavra! Fico muito triste ao pensar que essa tenha sido a experi��ncia
dele com a sinceridade. Imagino que ele disse isso
por ter medo de ser honesto a respeito de sua sexualidade,
principalmente devido �� era vitoriana em que teve de viver.
Mas hoje, no s��culo XXI, tudo o que quero �� ser aberto e honesto.
N��o �� f��cil -a verdade �� relativa, e leva-se algum tempo
para se chegar a ela. Deve-se fazer um esfor��o consciente,
todos os dias, para levar a vida sem medo e com total transpar��ncia.
Mesmo que eu tenha passado por tudo o que passei
para me sentir dessa forma hoje, espero que a vida continue a
me aben��oar com momentos em que sou desafiado a ir ainda
mais fundo para descobrir algo novo sobre mim. Como disse
Pablo Picasso, leva-se muito tempo para ser jovem. Ele estava
certo. Leva-se muito tempo para se renunciar aos c��digos da

297


EU

sociedade, a sua f��, ��s leis de seu lar e ��s leis de seu pa��s. Leva-
se muito tempo para se livrar de todos os c��digos sociais que
t��m limitado quem voc�� ��, com base no que lhe foi doutrinado.

�� poss��vel que voc�� fique a vida inteira tentando come��ar
do zero novamente, sem preconceitos e sem medo. Mas,
quando chegar l�� e aceitar a si mesmo, �� poss��vel que passe a
ver cada dia como o que ele realmente ��: um para��so divino,
onde todos podem sonhar com o que quiserem e transformarem
o sonho em realidade. Cada dia come��a como uma lousa
em branco, em que cada um de n��s pode escrever um poema
sobre o nosso presente e sobre nossos sonhos para o futuro.

E, assim como tenho muitas pessoas ao meu redor que
sempre me inspiram e alimentam a minha alma, tamb��m sou
sortudo por ter uma profiss��o maravilhosa e uma vida por
meio da qual consigo influenciar outras pessoas. Mas sei que
esse privil��gio tamb��m vem com uma grande responsabilidade.
Preciso ter cuidado com o que digo e fa��o, j�� que �� uma
posi����o que aceito com honra e respeito.

Com este livro, estou, de certa forma, abandonando parte
da minha privacidade. Apesar de haver alguns detalhes e
momentos que nunca contarei - n��o por envolverem algo
sombrio e perverso, mas porque s��o recorda����es pessoais que
prefiro guardar para mim -, ao longo dessas p��ginas mostrei-
me exatamente como sou, sem censuras. Nunca �� f��cil descrever
a verdade, principalmente quando se trata de uma verdade
pessoal, e �� por isso que sempre seguirei em minha busca, no
meu caminho espiritual, pelo resto de minha vida. �� essa busca
constante que sempre produzir�� emo����es intensas. Ela me
ensina a me desafiar, a me questionar e sempre seguir adiante.

298


DAQUI EM DIANTE

Mas o mais importante, e o que mais me inspira, �� que este
livro pode ajudar a inspirar outras pessoas a enfrentar seus
medos e a seguir em frente com suas vidas tamb��m. E esse �� o
maior presente de todos.

299


Este livro foi composto em Sabon
para a Editora Planeta do Brasil
em novembro de 2010.


Ap��s juntar-se ao Menudo, grupo de pop latino
aos 12 anos de idade, RICKY MARTIN
gravou in��meros hits, que entraram nas listas de
mais tocados no mundo todo, at�� alcan��ar seu
��pice com "Livin' la vida loca". Ao longo de sua
carreira musical, vendeu mais de 60 milh��es de
discos e recebeu diversos Grammys, American
Music Awards e Billboard Awards. Humanit��rio
dedicado, criou a Funda����o Ricky Martin para
proteger os direitos das crian��as em todo o
mundo. Ele mora em Miami, Porto Rico e Nova
York com seus dois filhos.




---------- Forwarded message ---------
De: Bons Amigos lançamentos




O Grupo Bons Amigos e o Grupo Só Livros com Sinopses têm o prazer de lançar hoje mais uma obra digital  no formato pdf,epub,txt e mobi .       
   Autobiografia Ricky Martin eu

Livro doado e digitalizado por Fernando Santos

Sinopse:
O próprio Ricky Martin conta sua vida.

Obsevação: O Dr. Maurício já lançou em alguns grupos uma edição digitalizada por Leia Livros

Lançamento    Só Livros com sinopses e Grupo Bons Amigos:

)https://groups.google.com/forum/#!forum/solivroscomsinopses  


Lançamento Grupo Bons Amigos

2)https://groups.google.com/forum/#!forum/bons_amigos  


Blog:



Este e-book representa uma contribuição do grupo Bons Amigos e Só livros com sinopses  para aqueles que necessitam de obras digitais como é o caso dos deficientes visuais 

e como forma de acesso e divulgação para todos. 
É vedado o uso deste arquivo para auferir direta ou indiretamente benefícios financeiros. 
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