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(Fundação Biblioteca Nacional | Rio de Janeiro | RJ)
Z38g
Inácio, Ângelo
Crepúsculo dos Deuses / Ângelo Inácio; [psicografado por] Robson Pinheiro.
— Contagem: Casa dos Espíritos, 2007. 304p.; 23cm
ISBN: 978-85-87781-10-9
1. Obras psicografadas. I. Pinheiro, Robson. II. Título. CDD: 133.9
Robson Pinheiro i Ângelo Inácio
O alvorecer
Em algum lugar, há milhares de anos antes de Cristo...
O DIA ERA COMO outro qualquer. Num mundo
primitivo, onde as diversas tribos disputavam o
alimento para a manutenção da vida, não se poderia
dizer que havia uma civilização tal como é
conhecida nos dias atuais.
Era o alvorecer da humanidade.
Mas havia uma humanidade?
Olhei e vi um grupo, vários grupos de se
res que corriam pelas pradarias atrás de algum
animal, um bando de animais que tentavam
abater para fazê-los sua presa. Quem eram os
animais?
Procurei seres humanos e não os vi. Pelo
menos não os encontrei dentro dos padrões
humanos conhecidos. Vi apenas um esboço de
24 Robson Pinheiro • Ângelo Inácio
Diante do ruído ensurdecedor, U-manu-ati agrupou os outros
de sua espécie e adentraram todos nos buracos das rochas,
cheios de temor acerca do fenômeno que suas mentes não poderiam
compreender.
Igual a ele, outros seres de sua tribo e várias outras tribos
ao redor daquela terra buscaram como abrigo rochas e cavernas.
Em todo o mundo, de alguma forma, vários grupos daquela
espécie humanóide procuraram se esconder do visitante misterioso,
que os fascinava e lhes impunha terror.
Foi a salvação de U-manu-ati e sua gente.
Há muitas luas que um grupo de humanóides havia descoberto
antigas bases dos deuses em seu mundo. Eram instalações
antigas, que agora serviam de abrigo para aquela tribo de nômades.
Por todo o mundo outras tribos também descobririam esses
redutos que os deuses deixaram para trás. Será que os abandonaram
por acaso ou fora tudo programado? Isso U-manu-ati e
seus semelhantes não poderiam conhecer ou compreender naquele
momento. Só tinham condições de usufruir do conforto
do abrigo subterrâneo que os seus deuses haviam esculpido nas
rochas da sua terra. Ou, pelo menos, aos deuses eram atribuídas
essas obras.
O estranho objeto veio do espaço. Milhões de anos mais
tarde os descendentes de U-manu-ati dariam àquele corpo celeste
e a outros semelhantes o nome de cometas. Aos cometas e a
outros mensageiros dos deuses, segundo cria U-manu-ati, atribuiriam
uma crença que associava sua presença a catástrofes e ao
fim do mundo.
Na verdade aquele não era o fim, mas o início de uma nova
era, tanto para U-manu-ati como para os seus irmãos, em toda
parte daquele mundo.
Crepúsculo dos Deuses
Mas não tinha condições de compreender. Ele e seu povo
eram apenas expectadores da vida, e dela participavam sem ter
plena consciência de sua importância no palco dos acontecimentos
cósmicos.
O intruso apareceu nos céus daquele mundo como se fosse
o olho de um deus mitológico, jurando vingança contra os mortais
que lhe eram submissos.
Aquele ser gigantesco teve sua origem no espaço. Era o resultado
de milhões e milhões de anos de gestação no frio profundo
daquele universo misterioso e impenetrável até então. Na
verdade, o bólide começara a se formar desde a grande explosão,
que dera início à nebulosa que, por sua vez, geraria mais
tarde os mundos na imensidão.
Suas partículas foram se solidificando aos poucos, em meio
à pressão das energias titânicas liberadas durante as diversas
explosões que caracterizaram os primeiros momentos da vida
cósmica.
Sua massa foi sendo construída na aglomeração de diversos
outros corpos celestes, que foram se juntando à massa original,
até formar aquele bólido. Este concentrava em si imensa força
magnética, capaz de arrastar consigo, durante muitos milhões
de anos, a semente da vida, que seria semeada no útero de diversos
mundos espalhados no espaço.
O seu núcleo era composto de imensa quantidade de gelo,
gás metano, carbono e diversos componentes metálicos e rochosos,
que se fundiram ao longo de sua marcha pelo universo.
Era esse o aspecto grotesco do cometa maldito, que também
detinha em seu poder o destino daquele e de outros mundos.
Era o mensageiro dos deuses.
Em sua marcha incansável foi sofrendo o efeito da radiação
26 Robson Pinheiro • Ângelo Inácio
de diversos sóis, impulsionado pela força magnética que captava,
assim como por aquela força cósmica responsável por
seu primeiro movimento, arremessando-o em direção ao espaço
intermúndio.
A estrutura do cometa foi-se modificando aos poucos, enquanto
cumpria seu papel de agente da vontade dos deuses. Passava
agora próximo a uma estrela, que mais tarde seria conhecida
como Sol, e sua rota apontava diretamente para um mundo
primitivo, que orbitava em torno do astro-rei desse sistema.
O cometa trazia após si uma cauda luminosa, que irradiava
partículas acumuladas durante a sua trajetória, tornando-o de
uma terrível e indescritível beleza. Por milhões de quilômetros
deixava o seu rastro, como se estivesse marcando o caminho, no
espaço, para quem viesse depois dele, indicando assim o endereço
daquele mundo para o qual se dirigia.
Foi assim que o cometa penetrou no campo gravitacional do
terceiro mundo daquele sistema. Mas antes disso ele colidira com
outro planeta, o quinto a partir da estrela que era o epicentro
daquele sistema, transformando-o em pedaços. Para sempre
aqueles fragmentos ficariam como marca de sua visita entre a
família sideral. Sua massa diminuiu sem, contudo, perder a beleza
e o perigo que irradiava para os seres humanóides do terceiro
planeta. Atrás de si, um cinturão de asteroides, que delimitaria
os planetas interiores e exteriores do sistema cosmogónico
que visitava.
Era atraído irresistivelmente pela gravidade daquele mundo
primitivo.
Os deuses o observavam de longe, e ele tinha de cumprir
a sua jornada, para a qual fora criado. Esse era o sentido de
sua vida.
Crepúsculo dos Deuses
Ao aproximar-se da atmosfera do planeta, descrevera um arco
de mais ou menos 45 graus numa velocidade alucinante, que definiria
para sempre a estrutura geológica daquele mundo.
U-manu-ati e seus companheiros não desconfiavam do que
estava ocorrendo. Mas tinha uma intuição do perigo que se
aproximava.
U-manu-ati era o Adão de sua espécie, mas isso ele também
desconhecia.
O cometa criou um efeito perturbador com sua passagem.
Em conseqüência dos abalos estruturais provocados na
atmosfera do mundo e em toda a sua estrutura física e etérica,
o cometa se espatifou, fragmentando-se e formando uma
visão aterradora.
A colisão com a crosta ocorreu em questão de minutos. E o
resultado foi a liberação de uma enorme quantidade de energia
cinética, além da formação de uma cratera de proporções gigantescas
e assustadoras.
U-manu-ati e seus semelhantes em todo o mundo desmaiaram
ante o impacto das forças desencadeadas em todo o globo.
Muitos adormeceram para nunca mais abrir os olhos para a luz
do dia. U-manu-ati e sua tribo, juntamente com outras tribos em
diversas partes do planeta, sentiram de perto o apocalipse daquela
era, e adormeceram ao som das trombetas do mensageiro
dos deuses.
O planeta inteiro recebeu as ondas de abalos sísmicos pro
28 Robson Pinheiro • Ângelo Inácio
vocadas pela colisão. Nunca houve terremoto igual desde que o
mundo é mundo. Não houve, e jamais haveria algo assim.
No momento do impacto, milhares de toneladas de terra,
água, gases e entulhos foram arremessados na atmosfera, cobrindo
por dias inteiros a luz do sol daquele planeta, perdido
num recanto obscuro da Via-Láctea.
Tempestades avassaladoras irromperam com fúria violenta
por toda parte, colocando fim às vidas de milhares de seres
que há pouco haviam acordado para a luz da razão. A Terra
toda fora sacudida por ondas possantes, e os efeitos do cataclismo
se fizeram sentir por muito tempo, antes que diminuíssem
de intensidade.
Florestas, rios e mares foram destruídos em questão de minutos
e horas, trazendo o saldo daquele evento catastrófico. Os
antigos vulcões, que há muito já se encontravam adormecidos,
acordaram repentinamente para agirem em conformidade com
o tormento planetário, transformando-se em porta-vozes de um
mundo agonizante. A fumaça tomou conta de zonas inteiras,
sufocando os animais, que corriam a esmo, desesperados.
O clima já quase estabilizado modificou-se subitamente,
transformando por longo tempo a paisagem do mundo numa
manifestação quase que permanente da fúria da natureza. Nos
pólos, a temperatura, desvairada, fazia descongelar imensas
montanhas de gelo. De um dia para outro, icebergs diluíam-se
em mar, e torrentes impetuosas invadiam as costas dos continentes.
A lava vulcânica compunha o concerto desolador do
mundo, precipitando-se por sobre a terra, formando montanhas
onde antes havia apenas planícies e pradarias.
A onda sísmica alcançou tal magnitude que os continentes
foram deslocados de sua antiga posição. Enquanto o movimento
Crepúsculo dos Deuses
tectónico modificava o relevo conhecido, terras antigas, submersas,
eram trazidas à superfície, transformando para sempre a
face do planeta.
Toda a estrutura do mundo estava sendo moldada para receber
os novos habitantes. Os filhos dos deuses.
Muitos animais foram extintos em um dia apenas. Mamutes,
dinossauros e outros habitantes do mundo alcançaram o seu
fim de forma imediata, sob o forte impacto do cometa que se
espatifara, chocando-se com a crosta.
Os oceanos tiveram toda a sua estrutura alterada. Terras
férteis agora se constituíam em deserto; pela força do impacto,
imensas quantidades de água foram lançadas para lugares diversos,
ou, ainda, gaseificaram-se durante os momentos iniciais
do choque. O mundo presenciava a transformação de desertos
em oceanos, e os futuros habitantes veriam o surgimento de rios
e lagos onde antes apenas havia deserto.
Novo arranjo foi estabelecido para os continentes, que durante
várias gerações sofreriam o efeito estarrecedor do cataclismo,
afastando-se mais e mais de seu lugar de origem, acomodando-
se às novas posições geológicas.
A órbita do planeta fora afetada; ao inclinar-se o globo terrestre
em seu eixo imaginário, provocavam-se as alterações climáticas
que caracterizariam os séculos a seguir.
Os pequenos grupos de seres humanóides que sobreviveram,
esparsos, foram exatamente aqueles que se refugiaram nos
abrigos subterrâneos, em pontos onde a superfície do planeta
alcançara estabilidade geológica havia vários séculos. Também
sobreviveram aqueles grupos que migraram, ao longo dos anos
que precederam a colisão, para as regiões de maior altitude. E
entre eles estava o grupo de U-manu-ati.
30 Robson Pinheiro • Ângelo Inácio
Em sua trajetória pelo espaço, o cometa passara por uma
região da Via-Láctea distante 42 anos-luz do mundo com o qual
colidira. Trazia em seu rastro magnético milhões de seres que
estavam sendo transferidos para o novo habitat. Eram os deuses,
os Eloins, os Nephillins.
Quanto tempo se passou desde que o mensageiro dos deuses
trouxe o caos ao seu mundo? Isso U-manu-ati não poderia
mensurar. Quando recobrou pálidamente a consciência,
parecia não lembrar que seu corpo repousava dentro de uma
caverna, cuja saída estava obstruída com imensas quantidades
de entulho. Ele pairava num ambiente pouco familiar. Enxergava,
mas não com os olhos do seu corpo. Ouvia, porém
com outros órgãos, supunha, diferentes daqueles com os quais
estava acostumado.
Estava perdido entre as brumas do tempo, e sua mente apenas
percebia, sem nenhum entendimento do que se passava.
Quando U-manu-ati se tornou mais lúcido pôde perceber
que estava na companhia dos deuses. Eram diferentes dele, bem
como dos outros deuses que vieram antes, mas com toda a certeza
eram deuses. Não eram de sua espécie.
— Ridículo! — ouviu um dos deuses pronunciar em tom de
desprezo, sem entender o significado. — Este mundo não apresenta
outra forma de vida mais adiantada do que esta.
— Será que os superiores esperam que tomemos estes corpos
grotescos como habitação? Jamais nos rebaixaremos a tal
ponto. São símios, e não guardamos nenhuma semelhança com
esta raça de idiotas — falou outro deus.
— Não temos como retornar ao nosso mundo. Talvez, quan
Crepúsculo dos Deuses 31
do chegarem as naves com os outros, tenhamos uma chance de
nos apossarmos delas, e então voltar.
— Impossível! Para tal coisa suceder teríamos de assumir
novos corpos, e só então poderíamos ter o controle das naves de
transporte. Creio que não temos outra saída...
— Eu tenho a solução — falou um outro deus de aparência
mais imponente. — Com a ciência que dominamos, podemos
transformar os corpos destas bestas, e fazê-los mais perfeitos.
— Isso não deu certo em nossa pátria; você acha que conseguiremos
por aqui?
— Claro, aqui é que seremos verdadeiros deuses. Vejam só
esta criatura primitiva... como nos olha, enquanto o seu mundo
está sendo dilacerado. Ele não sabe o que está ocorrendo. Modificaremos
a estrutura genética deles de conformidade com os
nossos padrões.
— Sim, isso mesmo, façamos deles outros seres, aperfeiçoados,
portanto mais aptos a nos receberem, quando tivermos de
reencarnar em seus corpos.
— Exatamente — disse o grande deus. — Façamos o homem
à nossa imagem e semelhança...
U-manu-ati despertou com um tremor de terra, cujo estrondo
lhe dava a impressão de que iria derrubar a sua caverna,
soterrando-o na poeira do tempo, junto de sua gente. Diante da
cena que o assombrava, U-manu-ati levantou-se de sobressalto e
dirigiu-se à abertura, arrebanhando sua tribo. Embora apavorados,
e com muito esforço, removeram aos poucos os entulhos
acumulados diante da caverna, que impediam a entrada. Ao afas
32 Robson Pinheiro • Ângelo Inácio
tar as pedras, vislumbraram a luz do dia e finalmente tiveram
êxito, ao encontrar saída de dentro do abrigo.
O que U-manu-ati viu o estarreceu. Seus companheiros
de tribo retornaram para o interior da caverna balbuciando,
temerosos.
Onde estava o seu mundo?
Viu uma grande devastação e muita poeira cobrindo todo o
firmamento. Um cheiro horrível impregnava o ar. Não via mais
as árvores diante de si. O sol, a grande tocha de fogo suspensa
no céu, parecia estar encoberta pela fuligem, que tomava conta
de tudo. Mal conseguia respirar. O ar era pesado, como no inte
rior da caverna.
Ele via; porém, não compreendia.
A primeira lágrima descia dos olhos daquele ser, e, devido a
ela, agora, ele se transformara num homem. Sensibilizara-se pela
primeira vez, unindo a luz bruxuleante da razão às vozes do coração
que vibrava em seu peito. Era o selo da divindade.
Aquele era o planeta Terra, o lar da humanidade que nascia
novamente para receber a visita dos deuses...
Robson Pinheiro • Ângelo Inácio
O principal dos três planetas capelinos, chamado de Axtlan,
é um gigante com aproximadamente 23.418km de diâmetro
em seu equador; sua massa, porém, é composta de uma matéria
quase etérica, em estado plasmático. Possui três continentes
principais, grandes oceanos e uma natureza exuberante. Em
sua paisagem predominam as pradarias, intercaladas por florestas
e, em certos lugares, montanhas. Visto da superfície, o firmamento
apresenta cores que variam do azul escuro ao verde
cintilante, e do dourado ao alaranjado, devido à incidência da
luz dos sóis, que são de cor vermelha.
O vermelho cintilante e as nuances de amarelo e de lilás
observados no crepúsculo são o resultado da incidência dos
raios solares na atmosfera, rica em hidrogênio e outros compostos,
que filtram a luz advinda dos gêmeos siderais. A decomposição
da luz na atmosfera é responsável pela variação cromática
que encanta a humanidade daquele mundo. Junte-se a
isso o resultado das combinações químicas dos elementos dispersos
pelo ar e a aparência da atmosfera capelina torna-se algo
de tão difícil descrição quanto seja maravilhosa a sua aparência.
A duração do dia é contada de acordo com a rotação do planeta
em torno de seu eixo imaginário, revolução completada a
cada 38 horas, segundo o tempo da Terra. O período gasto para o
planeta girar em torno do primeiro sol, que determina o intervalo
de tempo correspondente a um ano capelino, equivale, conforme
os cálculos terrestres, a 84 anos. O movimento denominado translação
ocorre, portanto, 84 vezes mais rápido na Terra.
Para aquele homem e seus amigos tudo começou numa
dessas tardes, quando se dirigia à capital de seu planeta natal.
Crepúsculo dos Deuses
O aparelho de medição do tempo fez um sinal, indicando o
instante em que se ultrapassava o limiar entre o dia e a noite
em seu mundo.
Ele passara por longos períodos de estudo, nos quais assimilara
a história de seu povo, conhecendo-lhe o passado de maneira
mais ampla que seus contemporâneos. A história e a cultura
o fascinavam a tal ponto que desejava ingressar, juntamente
com alguns amigos, numa excursão cujo destino seria um planeta
distante; um outro mundo, relacionado de modo um tanto
obscuro à ancestralidade capelina, mas que guardava certas semelhanças
com sua terra.
Deveria, contudo, se preparar interiormente para a viagem,
o que realizou com a intensidade peculiar à sua alma, já experimentada,
dona de emoções fortalecidas em anos e anos de lutas
e trabalho em prol do seu povo. Ele e seus amigos tinham diante
de si um desafio que despertava neles um sentimento profundo,
uma sede de aventuras, um desejo de plenitude.
Parecia excitado em todos os seus sentidos. Elegante, rumava
com confiança para a cidade, onde se encontraria com aqueles
que lhe fariam companhia durante a grande viagem.
— Ah! A noite na capital... — murmurou Lasar.
Era a maior cidade do planeta e a mais importante dos mundos
do Cocheiro. As demais cidades daquele mundo eram centros
importantes, que concentravam, no entanto, uma população
menor do que a capital. Dotada de amplos parques e conjuntos
de edifícios de imponente arquitetura, aquela cidade era
uma pérola vibrante incrustada em Axtlan. Fascinavam os habitantes
da metrópole cosmopolita as estruturas cintilantes — enormes
até mesmo para os padrões capelinos —, que brilhavam e
tremeluziam à luz dos sóis gêmeos e das milhares de lâmpadas e
36 Robson Pinheiro • Ângelo Inácio
objetos incandescentes que compunham a paisagem urbana mais
arrojada. Milhões de imigrantes, provenientes de diversas partes
da galáxia, somavam-se à população daquele mundo excitante,
encantador.
As raízes e as conquistas espirituais daquela humanidade
remontavam ao passado mais longínquo, e demandavam pesquisas
para conhecer-lhe plenamente a história milenar. Na verdade,
o passado remoto daquela civilização transformara-se numa
lenda. Os registros diziam a respeito de uma grande migração
realizada por seus ancestrais para um mundo distante. Constituíam
a comunidade dos degredados; ao longo de sua miscigenação
com os habitantes locais, desempenhavam sua evolução
naquele recanto isolado do universo, fundindo-se a outras raças
espirituais.
— É uma pesquisa intensa e demorada — dizia Lasar — e
requer a participação de outros seres dispostos a partir de Capela
em busca de informações no planeta distante. Procuro o
rastro dos antigos capelinos degredados, os que ficaram para
trás; preciso de informações a respeito da corte dos Dragões. O
que fazem agora, como vivem, qual progresso realizado e qual
influência exercem no mundo onde vivem. Para isso preciso de
ajuda, do apoio e do subsídio de outros capelinos.
Lasar deixou-se conduzir pelo sistema de transporte da capital,
enquanto apreciava a roupa que vestia. Era a última moda
em Capela. Usava uma espécie de manta que lhe cobria o corpo
esguio. Um tecido fino, quase transparente, que refletia tanto as
luzes naturais, que iluminavam a metrópole do seu mundo, como
as artificiais. A manta era fechada com uma bainha magnética e
trazia em seu interior um sistema de ventilação disfarçado pelas
costuras e dobras do tecido. A invenção representava o mais recente
avanço da tecnologia da moda nos mundos do Cocheiro.
Crepúsculo dos Deuses 37
— Senhor! — chamou um jovem capelino que passava
perto dele.
— Sim — respondeu Lasar com boa-vontade.
— O senhor é da capital do Primeiro Mundo? Já conhece a
nossa metrópole?
Lasar já conhecia o jovem que o interpelava, ou ao menos a
função que desempenhava. Era um dos comunicadores. Um
habitante dedicado a colher informações sobre a população,
transmitindo-as aos sistemas de comunicação do planeta. Parece
que já sabiam a seu respeito e acerca da excursão que pretendia
realizar para outro mundo.
Lasar hesitou, olhou para o jovem e depois para a multidão
que passava no sistema de transporte. Música intensa enchia
o ar; o burburinho e a visão de cores que se irrompiam a
sua volta — tudo isso exigia um tempo para Lasar se adaptar à
nova situação em que se via na grande metrópole, capital dos
mundos do Cocheiro.
— Sim, já conheço a capital, embora ela se modifique diariamente.
Na verdade — hesitou novamente — creio que preciso
de alguma referência para me locomover na cidade.
— Posso acompanhá-lo; talvez possa lhe ser útil? — o jovem
capelino insistia com Lasar.
— Não se incomode, meu rapaz. Em breve saberei me
orientar
devidamente.
Obstinado, tornou o rapaz:
— Quem sabe não possa acompanhá-lo e, em algum momento,
apresentar-lhe a cidade? Quem sabe...
— Não mesmo — retrucou Lasar. — Prefiro descobrir por
mim mesmo o que a capital me oferece. Será uma aventura e um
38 Robson Pinheiro • Ângelo Inácio
prazer para mim. Já sou muito velho e não creio que aquilo que o
atraia na cidade esteja entre minhas preferências.
Enquanto discutia com o capelino persistente, dois guardiões
passaram ao lado de Lasar, mostrando-lhes de maneira
elegante que estavam atentos. Zelavam pela ordem e pela disciplina
na cidade, e seu alerta discreto não passara despercebido.
Lasar sabia que o jovem estava à procura de notícias para que os
demais capelinos ficassem informados quanto ao que ocorria. A
presença dos guardiões, no entanto, desencorajara o rapaz, que
certamente procuraria outras fontes para seu documentário jornalístico.
De Lasar ele não obteria nenhuma informação quanto
às pesquisas e à excursão dos capelinos para um outro mundo.
Quando olhou a sua volta à procura do comunicador, eleja
havia desaparecido em meio à multidão. "Parece que o projeto
de sair do planeta está conservado em segredo por mais algum
tempo", meditava Lasar.
Lasar resolveu então pegar um veículo de transporte, o
que lhe facilitaria o percurso até o local de encontro com seus
amigos.
— Para onde vai, senhor? — perguntou-lhe o condutor do
veículo.
— Procurar os capelinos perdidos — respondeu Lasar.
— Não entendi, senhor.
— Não procure entender, meu amigo, você não conseguirá.
Por enquanto, basta dirigir-se a este local — disse Lasar, entregando-
lhe um escrito que indicava o ponto de encontro com seus
amigos.
O condutor do veículo o transportou para o lugar indicado
sem maiores comentários ou perguntas. Lasar fechou os olhos e
concentrou-se nos últimos eventos de sua vida. Ele era um cien
Crepúsculo dos Deuses 39
tista da natureza e não poderia perder a oportunidade de pesquisar
o passado do seu povo. Precisava viajar para outras regiões
do espaço; todavia, guardava o segredo para si, e seus
amigos só deveriam ficar sabendo do fato no momento apropriado.
Lasar vibrava frenético, de tanto contentamento. As
possibilidades de entrar em contato com uma nova raça de seres
o fascinava, e quem poderia imaginar o conhecimento que
o aguardava ao visitar o ambiente para onde, no passado, muitos
capelinos haviam sido degredados?
Para a viagem ele necessitava de pessoas com as quais tivesse
amizade mais íntima, mas que também estivessem interessadas
nas pesquisas e nos estudos. Não poderia ser qualquer capelino.
Abrindo os olhos, Lasar interpelou o condutor:
— Como localizar, numa cidade com 58 milhões de habitantes,
um edifício que sirva de base de apoio para o governo do
mundo?
O condutor assustou-se com a pergunta súbita de seu passageiro
e só respondeu depois de uma relativa demora:
— Posso conduzi-lo perfeitamente, amigo. Creio que já estamos
chegando ao endereço que me passou.
O homem que conduzia o veículo movimentou a cabeça devagar,
demonstrando perplexidade, e seguiu a indicação luminosa
da pista numa velocidade alucinante, possível devido aos
recursos tecnológicos capelinos, que conferiam segurança perfeita
ao transporte.
A metrópole havia sido construída no continente sul, cercada
por algumas poucas montanhas. Muitas construções tinham
sido erguidas também ao longo das encostas e outras ainda no
fundo do oceano, aproveitando ao máximo o espaço sem perder
de vista a beleza da paisagem natural. Havia muita harmonia na
40 Robson Pinheiro • Ângelo Inácio
arquitetura capelina. Conviviam na capital 58 milhões de seres,
pessoas cujas vidas se achavam indissoluvelmente unidas dentro
do propósito do progresso coletivo. Outros povos da galáxia também
compartilhavam da economia e da sociedade capelinas, bem
como dos demais aspectos da vida desse povo ditoso.
A capital do Cocheiro era uma cidade moderna com seus
arranha-céus, meios de transporte e de lazer, áreas residenciais
e comerciais. Nos mundos do Cocheiro funcionava há milênios
sistema curioso de administrar a sociedade. Três eram os mundos
habitados. No primeiro, onde se localizava a capital, estavam
as residências e uma ampla e diversificada estrutura de lazer e
de comércio. Já no segundo mundo, as instalações industriais,
destinadas a movimentar os mundos capelinos e alimentar a estrutura
comercial em que se baseava a economia planetária. Mais
adequado em virtude das condições climáticas, o terceiro planeta
abrigava a agricultura e o sistema de abastecimento dos povos
do Cocheiro.
Na capital o estilo das construções era singular — mas obedecia
às necessidades daquela comunidade. Quem visse a cidade
do alto poderia imaginar uma espécie de redoma, um emaranhado
de construções em forma de uma campânula. As construções
mais amplas e altas estavam todas concentradas no centro
e, à medida que o olhar se dirigisse para a periferia, ver-se-ia
que a tendência era diminuir o tamanho dos edifícios. O material
do qual foram construídos parecia ser translúcido e brilhava
sob a luz dos sóis gêmeos. Todas as construções obedeciam a um
projeto que primava pela beleza da paisagem natural e pela convivência
harmoniosa com a flora planetária.
Para um desses edifícios centrais se dirigia Lasar, ao encontro
de companheiros.
A noite em Capela não tinha estrelas. A luz dos sóis era tão
Crepúsculo dos Deuses 41
intensa que ninguém conseguia fixar o firmamento e vislumbrar
o brilho de outras estrelas além dos dois pontos chamejantes
presentes o tempo todo nos céus do planeta. As luas, contudo,
refletiam rara beleza e apresentavam-se aos olhos da humanidade
em dimensões diferentes; eram de uma transparência belíssima
de se ver.
Lasar dirigiu-se ao prédio onde funcionava determinado
setor da administração da capital e foi recepcionado com bom
humor por uma atendente:
— Desejo contatar Innumar — falou Lasar para a recepcionista.
— Eleja está a sua espera, no 43° andar — respondeu-lhe a
mulher capelina.
— Como, a minha espera? Afinal, como sabe que quero vê-lo?
— Por aqui as notícias correm mais rápido que o pensamento,
caro senhor.
Caminhando, Lasar ficou imaginando que ele não conseguiria
guardar segredo quanto aos seus objetivos por muito tempo.
Afinal, os capelinos detinham um poder extraordinário de
interagir com outras mentes e, por sintonia, conseguiam devassar
algo da intimidade uns dos outros. É uma forma rudimentar
de telepatia. Captam-se os sentimentos e emoções, e, então, basta
interpretá-los. A aproximação em relação ao fato real girava
em torno de 86% através desse método. Quem desejasse guardar
algum segredo teria, portanto, de ser bastante hábil e esmerar-
se no disfarce de suas emoções. É claro que, durante os séculos
em que esse dom foi se manifestando nos capelinos, a
sociedade planetária desenvolveu uma espécie de ética quanto
às relações interpessoais, o que obrigava os seres a obedecer
uma lei não escrita a respeito do sigilo mental e emocional. Mas
42 Robson Pinheiro • Ângelo Inácio
muitas vezes não se conseguia deter a avalanche de emoções e
pensamentos que fluíam da intimidade. Era bom vigiar-se mais.
Chegando ao andar indicado, Lasar deparou-se com um
elemento bastante incomum. Innumar parecia exceder a média
de altura de seu povo, o que o tornava um gigante perante os
padrões capelinos. Entretanto, irradiava algo muito bom de si,
que o fazia imediatamente amado por seus companheiros.
— Seja para sempre bem-aventurado, meu venerável companheiro
— disse Innumar na forma habitual de cumprimento
entre os capelinos mais próximos.
— Bem-aventurado seja, querido Innumar — saudou Lasar.
— Vejo que já está a postos quanto aos preparativos de nossa
viagem.
— Sim, meu amigo. Já possuo a devida autorização do governo
e dos sábios do nosso povo. Quero que conheça Mnar, o
guardião da história dos mundos do Cocheiro.
Apontando para uma abertura na parede, Innumar conduziu
o olhar atento de Lasar rumo a um capelino cuja aparência
dificilmente permitiria a suposição correta de sua idade.
— Bem-aventurado, meu amigo — cumprimentava o capelino,
que agora se mostrava todo ao recém-chegado Lasar. —
Meu nome é Mnar, um dos guardiões da história do nosso povo.
Bem sei que você está à procura de alguns companheiros para
empreender a grande viagem rumo à região sombria do espaço
para onde se dirigiram nossos ancestrais; entretanto, é bom que
saiba de algo que poderá lhe ser demasiadamente útil nesta nossa
viagem.
— Nossa viagem? — perguntava Lasar, um tanto surpreso,
enfatizando o pronome.
— Sim, meu amigo — interferiu Innumar. — Nosso gover
Crepúsculo dos Deuses
no autorizou-nos a visitar a Terra — assim se chama o mundo
para onde nos dirigiremos — porém aqueles que nos dirigem
fizeram uma solicitação difícil de não acatar. Pedem que Mnar
nos acompanhe juntamente com nossos amigos.
Em breves palavras Mnar esclareceu a Lasar o objetivo de
sua companhia. E ainda falou com o máximo de clareza a respeito
do passado de Capela.
— Como não ignora, venerável Lasar, em épocas remotas,
muitos de nosso povo foram expatriados para um mundo distante,
que àquela altura encetava os primeiros passos de sua caminhada
evolutiva, por assim dizer. Era uma humanidade primitiva.
O mundo para o qual foram transferidos encontrava-
se, portanto, na infância espiritual. Desde que para lá foram
conduzidos pela administração espiritual de nosso planeta, só
tivemos notícias deles quando, transcorrido largo intervalo de
tempo, regressou para cá a maior parte dos antigos exilados,
que havia se regenerado junto àquela humanidade. Para trás,
ficaram apenas os capelinos mais endurecidos —justamente
aqueles que foram responsáveis por grandes prejuízos em nossa
história.
— Quer dizer então que muitos dos nossos irmãos de humanidade
retornaram para o nosso convívio?
— Com certeza, Lasar. E eu mesmo fui um dos que, naquela
época, foi banido. Hoje me encontro aqui para registrar os
fatos referentes à saga dos capelinos rumo ao mundo primitivo.
— Mas então...
— Então não tivemos mais a oportunidade de contatar os
nossos irmãos que ficaram para trás. Entretanto, fontes confiáveis
nos deram a conhecer que, na atualidade, a maioria deles se
misturou de tal maneira à população da Terra que já fazem par
44 Robson Pinheiro i Ângelo Inácio
te dessa humanidade, integralmente. Conforme lhe disse, mantivemos
contato com a administração sideral responsável pela
Terra, bem como pelos mundos que lhe acompanham o cortejo
em torno do seu sol. Disseram-nos que a situação nesse mundo
exige o auxílio de outras comunidades e de outras humanidades
do espaço. Ao que parece, os antigos rebeldes de Capela, alguns
dos quais ligados aos lendários Dragões, ainda se mantêm no
poder entre os habitantes desse mundo.
— Suponho que por lá esteja ocorrendo algo parecido com
a situação que vivenciamos no passado...
— Exatamente, venerável Lasar. Por isso mesmo precisamos
nos unir aos nossos irmãos terrestres a fim de apóia-los de
alguma forma na transição pela qual estão passando.
— Mas, e as leis do Cocheiro, que nos impedem de interferir
na história de outros povos? Como conciliar o nosso comportamento
com a necessidade de auxiliar essa humanidade? —
perguntou Lasar.
— Realmente, meu venerável amigo — tornou Innumar —
sabemos que não devemos interferir na história de cada mundo
contatado; com a Terra, porém, as coisas são bem diferentes,
uma vez que somos mundos irmanados pela presença de nossos
compatriotas entre os seus. Além disso, há outros povos da galáxia
que para lá se dirigiram com o objetivo de auxiliar no momento
de transição pelo qual passam.
—Além do mais — interferiu Mnar — não agiremos diretamente
sobre os humanos da Terra. Creio que você sabe muito
bem que a dimensão em que se movimentam os terrestres não é
a mesma nossa...
Nesse momento entraram no ambiente mais dois capelinos,
que foram recebidos com imensa alegria por Innumar e Lasar.
Crepúsculo dos Deuses
Eram os amigos que faltavam para compor a comitiva que iria ao
planeta Terra. Foram apresentados a Mnar e entraram na conversa,
trazendo um tema diferente.
— Bem, meus caros companheiros e bem-aventurado Mnar
— perguntou Girial, o capelino mais novo entre eles — como
empreenderemos a viagem para uma região tão distante como
aquela em que se encontra localizada a Terra?
— Temos à nossa disposição um comboio, uma nave que
nos servirá de transporte. Não poderemos levar muitos conosco;
todavia, o espaço disponível no veículo dá para mais passageiros
com conforto. Chegando à Terra, certamente encontraremos
outros povos do espaço, que também se dirigem a esse
mundo com o objetivo de auxiliar. Creio que poderemos fazer
nossa base numa estação com a qual estamos há algum tempo
mantendo contato.
— Estação? — perguntou Jaffir, o outro habitante de Capela.
— Será alguma estação do nosso povo, que no passado serviu
de base para as operações na Terra?
— Não, meu amigo — respondeu Mnar. — Refiro-me à Estação
Rio do Tempo, uma base de apoio que se encontra nas
proximidades da estrela chamada Sol pela humanidade terrestre.
Parece-nos que é uma base criada há muito tempo, por outros
seres que visitaram a Terra antes do nosso povo, e que lá
ficou, depois de não lhes servir mais aos propósitos. Por enquanto
é só o que posso lhes dizer. Creio que devemos nos apressar para
os preparativos.
— Nesta jornada iremos Innumar, eu, Mnar, você, caro
Lasar, o companheiro Jaffir e o nosso amigo Girial. Creio que
temos toda a equipe reunida e podemos pedir a aprovação dos
nossos superiores.
46 Robson Pinheiro i Ângelo Inácio
Era esse o grupo que Lasar precisava para a grande empreitada.
Segundo entendimentos do pequeno grupo de amigos
capelinos, Lasar seria o comandante da viagem. Agora, depois
da conversa com Mnar, assentiu na participação do guardião;
afinal, Mnar conhecia muito bem a história dos capelinos e pertencera,
um dia, aos grupos de degredados. Apesar de tudo,
Lasar desconfiava de que havia algo mais que movia Mnar nessa
excursão ao planeta distante. Durante a viagem, quem sabe, não
descobriria mais coisas...
Notícias
extraordinárias
O DR. MAURÍCIO Bianchinni é um jovem rapaz
conceituado em seu trabalho. Exerce a medicina
com dedicação e é aplicado nas pesquisas
que se referem à sua atividade profissional. De
cor clara, olhar profundo, apresenta cabelos
loiros e olhos que se sobressaem, devido à profundidade
com que olha as pessoas, dando a
impressão de perscrutar o íntimo de cada uma
delas.
Dedicado à família, desde cedo se deixou
encantar pela temática ufológica sem, contudo,
contaminar-se com as "idéias estapafúrdias que
muitas vezes se vêem por aí", como diz. De espírito
pesquisador, não se detém nos relatos fenoménicos
que muitas revistas sensacionalistas di
48 Robson Pinheiro • Ângelo Inácio
vulgam. O interesse de Maurício é, em suas palavras, "entender o
fenômeno sem tirar os pés do chão".
Muitas vezes ele sente algo indefinível dentro de si. É uma
espécie de insatisfação com o mundo que o cerca, com a própria
vida. Esse estado, que se assemelha a uma melancolia, não chega
a deixá-lo irritado ou aflito, entretanto.
Caminhava nervosamente de um lado para outro em seu
consultório. Maurício não conseguia identificar os sentimentos
e sensações que o invadiam diariamente, martirizando-o com tanta
constância e tenacidade. Parecia que estava ficando pior, cada
vez mais incômodo. Estava preocupado. Sabia que algo diferente
estava acontecendo, algo muito diverso de tudo aquilo que
vivera até aquele instante.
Mas não conseguia identificar exatamente o que o afligia.
Somente um sentimento vago, uma sensação indefinível, com a
qual ele tinha de conviver.
Ocupava um posto importante na clínica onde trabalhava e
não enfrentava os problemas decorrentes das constantes crises
econômicas que abalavam as outras pessoas. Qual, então, a origem
de suas inquietações? Tinha certa influência no meio profissional
em que vivia, e também junto às pessoas que o procuravam:
no entanto... Talvez fosse precisamente esse o fato que o
incomodava. Mas havia algo mais que não sabia explicar. O que
seria então?
Sentou-se numa poltrona anatômica muito confortável e
olhou pela janela de seu consultório. O olhar de Maurício variava
entre a paisagem belíssima da Baía de Guanabara e a tela de
seu iMac, que se encontrava sobre a mesa de vidro fosco. Estra
Crepúsculo dos Deuses 49
nhava o fato de que o computador não lhe respondesse aos comandos.
Tentara de tudo; em vão, porém. Procurava por dados
a respeito da formação da Terra e dos primeiros habitantes do
planeta, de sua evolução e dos momentos iniciais da civilização; a
história do mundo causava-lhe verdadeiro deslumbramento.
Infelizmente se deixara apaixonar por um período a respeito do
qual não se dispõe de muitas informações. Aliás, não se tinha
quase nenhuma informação, ao menos nas fontes acadêmicas
consagradas.
Seria isso justamente o que o incomodava?
Havia algum tempo viajara para outros países realizando
pesquisas. Aproveitava os intervalos nos cursos que realizava, no
exterior, para satisfazer sua sede de conhecimento. Em sua última
viagem para o Canadá, conhecera um grupo de estudiosos
que lhe deram informações preciosas.
Viajara para o país no extremo norte da América a fim de
realizar estudos sobre as doenças sexualmente transmissíveis
(DSTS) e de especializar-se em temas correlatos. Mas, nas horas
de folga, Maurício aproveitara para conhecer algumas pessoas
com as quais havia feito contato através da internet. Era um estudioso,
e todo material a ser recolhido seria de imenso valor
para o seu aprendizado.
Sorriu ao se lembrar de suas pesquisas e do quanto se envolvera
com elas; quantos amigos fez nesses anos todos de buscas
intermináveis — e incansáveis: era um estudante da verdade.
Do décimo andar do prédio onde se localizava o seu consultório,
o médico e cientista observava ao longe a natureza do planeta
refletida na imensa baía; a estonteante paisagem carioca, os
aviões ao longe, partindo do Santos Dumont. Imaginava a multidão
que se comprimia nas ruas e avenidas, com seu trânsito lou
Robson Pinheiro • Ângelo Inácio
co, e quanto o ser humano tinha progredido nesses últimos milênios,
especialmente no último século. Todavia, uma questão
continuava martirizando-o: de onde viera o ser humano da Terra?
Como a vida foi semeada no planeta?
Pesquisara diversas religiões, como ponto de partida. Entre
as cristãs, o catolicismo, por exemplo, e diversos ramos do
protestantismo; andou até freqüentando o espiritismo, além
de algumas filosofias orientalistas. Mas não satisfez sua sede de
conhecimento. Quando muito, as religiões tentavam, a sua maneira,
explicar a gênese do espírito e sua relação com o mundo
e o universo. Mas não era isso que Maurício procurava. Ele
buscava provas físicas, concretas e palpáveis da história humana
— ou melhor, da pré-história, neste caso.
Para as questões filosóficas quanto à origem do homem e
seu espírito, ele preferia aceitar os fatos conforme o espiritismo
os explicava. Desenvolveu, porém, uma atitude crítica em relação
à atuação dos espíritas. Estava convencido de que os espíritas
desprezavam um excelente método de pesquisa, como a mente
e as manifestações do psiquismo. A mediunidade se lhe afigurava
um rico laboratório de pesquisas, mas, possivelmente, esquecido.
Sentia que os espíritas se envolveram tanto em questões de
religiosismo e assistencialismo que acabaram por menosprezar
algo essencial: a pesquisa científica. Pararam no tempo, segundo
acreditava Maurício. Dificilmente o espiritismo, com seu movimento
religioso e social, cativaria e abriria suas portas para pesquisadores.
Entre as instituições que procurara, encontrou tamanha
resistência e um sem-número de proibições, tão variadas, que
o caminho da verdadeira investigação fora fechado. Cientistas e
pesquisadores eram obrigados a aceitar as explicações de que a
humanidade viera de uma fusão entre os espíritos de Capela e a
humanidade terrestre dos primórdios. Se essa explicação resol
Crepúsculo dos Deuses 51
via em parte o problema da origem espiritual dos habitantes da
Terra, não solucionava outras intrincadas questões.
Como — perguntava-se Maurício —, como vieram os primeiros
seres para a Terra? Em espírito, ou em corpos físicos? Se
em espírito, de que modo conseguiram transpor as distâncias
siderais que separam os mundos? Se em corpos físicos, qual o
meio de locomoção utilizado? Outras interrogações: seria a humanidade
descendente somente de espíritos originários de um
único mundo ou houve uma miscigenação de raças de espíritos
de outros pontos da galáxia? Como diversos povos do planeta
podem manter em seus registros históricos o conhecimento de
raças diferentes de seres, vindos do espaço? Diante de tudo isso
e muito mais: como compreender o processo evolutivo da humanidade
terrestre sem apreciar as diversas teorias e estudar o
conhecimento desses povos e civilizações perdidos no tempo?
Como conciliar tudo isso com os chamados avistamentos de UFOS
ou OVNIS e com a onda crescente de contatos com objetos voadores
não-identificados ou seus tripulantes?
Era muito para sua cabeça. Outras perguntas sem respostas
contribuíam para que Maurício se sentisse cada vez mais perdido.
Como conciliar a situação política, econômica e social do
mundo — a cada dia mais caótica, segundo às vezes tendia a
pensar — com a idéia de progresso e crescimento?
As dores de cabeça aumentaram nos últimos dias, e Maurício
parecia delirar diante das informações que conseguira com o
grupo de amigos canadenses. Ele precisava parar um pouco para
pensar; entretanto, não conseguia conciliar mais as pesquisas
com seu trabalho. Estava ficando cada vez mais difícil para ele.
52 Robson Pinheiro • Ângelo Inácio
Agora se via diante de um dilema que o atormentava. Precisava
fazer sua especialização em doenças infecto-contagiosas. A
humanidade estava às voltas com graves aspectos relacionados
ao câncer e à aids, que se transformara numa espécie de epidemia.
Era uma doença maldita, para a qual não havia ainda a cura.
Soube, em um dos seminários que participara, na Alemanha, das
pesquisas para conter o agente causador do câncer e também
para desenvolver uma vacina preventiva. Porém, Maurício não
tinha mais condições de se entregar a essas pesquisas; seu interesse
repousava agora sobre outros assuntos.
Também não poderia deixar de lado todo o investimento
que a clínica onde trabalhava fizera em sua pessoa, visando à
participação nessas pesquisas. Não sabia como proceder. Ainda
muito mais estava em jogo: a direção da clínica tinha informações
preciosas e confidenciais de que já havia uma vacina ou um
medicamento definitivo contra o câncer, e delegaram ao competente
Dr. Maurício a tarefa de se aproximar o máximo possível
da fonte de informações. Ele deveria descobrir quem desenvolveu
a tecnologia para a cura da doença, levando-se em conta que
a comunidade científica insistia no pronunciamento oficial de
que não havia cura para o mal.
Como deixar de lado uma pesquisa tão importante assim,
que poderia auxiliar milhões de seres humanos, e se dedicar aos
seus estudos particulares? Afinal, quando muito, seus estudos e
pesquisas poderiam satisfazer-lhe pessoalmente; no entanto, o
seu trabalho na clínica poderia ajudar a milhares, caso as informações
obtidas pudessem ser confirmadas. Era mais do que uma
pesquisa simples a respeito de uma possível cura para uma epidemia
planetária. Maurício se via envolvido com espionagem industrial
— um trabalho de detetive, que envolvia os manda-chuvas
dos laboratórios. Só não desconfiava de que estava sendo usado
Crepúsculo dos Deuses
para essa missão. Era não somente algo de difícil empreendimento,
quanto também de máximo perigo.
Maurício sabia de muitas coisas a respeito da situação das
pesquisas dos laboratórios internacionais.
Mas outras coisas ele apenas imaginava.
Finalmente, havia coisas que ele ignorava completamente.
Há cerca de um ano fora realizada importante reunião na
Alemanha. Vários representantes de diversos laboratórios estavam
presentes, inclusive três membros da inteligência americana,
a CIA, e do FBI. Nem parecia ser uma reunião do pessoal de pesquisas
dos laboratórios. Se fosse, por que as agências internacionais
estariam ali representadas? Havia algo mais no ar.
Naquele tempo ainda não haviam sido realizados os atentados
contra o World Trade Center, em Nova Iorque. A reunião,
portanto, não poderia se referir a possíveis especulações a respeito
de ataques terroristas, ou a ações envolvendo o antraz ou
algum "vilão" do Oriente Médio. Não era isso.
As relações que os laboratórios mantinham com o governo
dos Estados Unidos eram boas — quase amistosas —, já que dependiam
da aprovação americana para comercializar seus produtos
em todo o mundo. Apesar do bom relacionamento, havia,
entretanto, certa desconfiança entre ambas as partes. Por baixo
dos panos, os diretores e presidentes dos laboratórios temiam a
política sustentada pelos EUA para a liberação de novas drogas,
enquanto o governo, por sua vez, possuía certo receio com a
atitude de tais empresas, nem sempre tão transparentes em suas
intenções. Especialmente as indústrias farmacêuticas da Europa
preocupavam-se com a pressão que os norte-americanos poderiam
exercer.
54 Robson Pinheiro • Ângelo Inácio
Os laboratórios, de toda forma, não pretendiam deixar escapar
fórmulas que porventura livrassem o povo da dependência
de certas substâncias. A doença deveria ser mantida por enquanto,
e quaisquer medicamentos só poderiam ser levados a
público caso tal atitude constituísse um bom negócio, redundando
em lucro para as respectivas indústrias. Os resultados das
pesquisas que buscavam a possível cura para a doença eram,
portanto, absolutamente confidenciais. Ninguém, além do seleto
grupo de participantes da memorável reunião, poderia saber
a seu respeito.
Contudo, os laboratórios não tinham conhecimento que a
informação já havia escapado. Integrantes de serviços secretos,
não se sabia de onde, haviam se infiltrado em suas organizações,
a fim de obter maiores detalhes a respeito.
Mas não era só.
Desconfiava-se, em diversos setores da indústria farmacêutica,
de que os populares medicamentos antivirais que combatiam o
temido HIV, tanto quanto os medicamentos utilizados para o combate
ao câncer, seriam apenas parte de um conhecimento maior a
respeito do possível medicamento final, definitivo. Droga essa que
— suspeitavam — estaria sendo mantida em segredo pelos grandes
laboratórios do planeta, visando aos lucros e à conseqüente
manipulação do poder.
Maurício fora indicado por sua clínica por inspirar confiança.
Encontrava-se totalmente envolvido com essa trama. Porém,
seus pensamentos vagavam em assuntos do cotidiano de sua vida
e não percebia certas coisas importantes que lhe escapavam...
Crepúsculo dos Deuses 55
— Precisamos de um elemento que nos sirva ao mesmo tempo
de pesquisador e de detetive, sem que ele mesmo saiba que
está sendo usado por nós. Se os agentes de segurança estão envolvidos
nisso é porque tem pano quente em cima. Se possível,
deve atuar de tal maneira que o próprio agente não desconfie
dos nossos objetivos. Para isso, iremos despistá-lo, enviando-o
para diversos lugares no mundo, até que se aproxime cada vez
mais da fonte, em Frankfurt. É na Alemanha que está a chave da
questão.
— Você está louco, Raul — exclamou um homem idoso, um
dos cartolas da clínica. — Como você imagina que conseguiremos
um homem que seja capaz disso sem que ele mesmo desconfie
que está entrando numa jogada internacional e extremamente
perigosa?
— Você acha ser impossível que o consigamos, Muniz?
Foi essa a primeira vez que um chefe de uma clínica brasileira
se intrometeu nesse esquema sujo de poder e nesse jogo aberto e
cheio de intenções escusas. Em geral, os donos dos laboratórios,
os químicos e outros homens importantes que desenvolviam suas
fórmulas mantinham em segredo muitas informações preciosas.
Nesse caso, Raul era um homem de inteira confiança de alguns
acionistas e por isso chegaram até ele as intrigas da política farmacêutica
internacional. Havia muita coisa a ganhar com os resultados,
caso fossem confirmados.
— Tudo é uma questão de preço — continuou. — Não se
esqueça de que temos muitos homens ambiciosos, que dariam
tudo para ganhar um pouco mais e simultaneamente realizar
viagens ao redor do mundo, principalmente se tais viagens fo
56 Robson Pinheiro i Ângelo Inácio
rem patrocinadas por nós.
— Não é bem isso que eu tinha em mente, Raul — falou o
velho, mais experiente nas intrigas políticas e sociais. — Havia
pensado em alguém que não suspeite de que esteja sendo usado
e que, uma vez contratado, seja de absoluta confiança nossa. De
preferência, um médico que talvez tenha algum interesse em
pesquisas, mesmo que não seja por motivos ligados ao laboratório
ou à organização, mas que seja mais fácil de ser manipulado.
Além disso, que seja um pesquisador, um químico, e competente
no que faz. Essa pessoa tem de estar tão iludida quanto à sua real
situação que não perceba o que acontecerá; tem de estar tão absorta
em suas próprias pesquisas, em sua vida, que possamos
usá-lo sem que o note.
— Como encontraremos alguém com essas características?
— Pense, Raul, pense e encontrará alguém assim. Mas não
se esqueça: temos pressa, afinal é uma corrida contra o tempo,
em busca do poder... da informação. Eis o que representa tudo
isso para nós. E mais, tem de ser alguém descartável. Completamente
descartável.
— Como assim, Muniz? Não entendi.
— Caso precisemos, de um momento para outro poderemos
eliminar esse elemento de ligação, para não comprometermos
nossa pele! Espero que tenha entendido o recado.
Raul ficou pensativo por uns momentos e depois falou pausadamente:
— Maurício, Maurício Bianchinni. Ele mesmo!
Sem que soubesse dos detalhes que o comprometiam, Mauri
Crepúsculo dos Deuses
cio topou a incumbência, por ser um elemento de confiança. Alguém
o procurou oferecendo a oportunidade de ouro de sua vida,
dizendo-lhe que teria momentos livres para se dedicar às pesquisas,
nos países que visitaria. Além do mais, poderia expandir seus
conhecimentos na área médica, o que lhe facilitaria a carreira, que
estava em ascensão. Era a oportunidade do século.
Aceitou de imediato a missão. Afinal, não ficaria o tempo
todo fora do Brasil e ainda teria tempo suficiente para empreender
seus estudos em relação aos temas que gostava de pesquisar.
Não desconfiava da trama e das intrigas sórdidas que estavam
por detrás de todo aquele planejamento. Mas também não ignorava
que tinha uma proteção espiritual; mantinha-se ligado, pelos
bons propósitos, às correntes mentais superiores da vida. Eis
sua vantagem e sua fortaleza.
Mesmo desconhecendo o fato de ser um agente duplo, suas
implicações e os riscos que corria enquanto representante de
seu laboratório, Dr. Maurício não se deixava embriagar pelos
pensamentos que fluíam em sua mente. Há apenas 18 dias regressara
ao Brasil, e agora encontrava-se incomodado, estranhando
a procedência de suas inquietações. Antes mesmo de se readaptar,
recebera ordens de viajar uma vez mais.
— Preciso de um auxílio psicológico com urgência — pensou
Maurício. É muito difícil conciliar tanta coisa assim sem a
ajuda de um terapeuta profissional.
60 Robson Pinheiro • Ângelo Inácio
permaneciam incompreendidos? Seriam produto da tecnologia
extrafísica, visando às visitas no Umbral ou ao transporte de almas
recém-desencarnadas? A que se dedicariam esses objetos
desconhecidos, observados em diversas regiões do plano espiritual?
Talvez fossem úteis no resgate de espíritos desencarnados
em massa, durante a guerra...
Várias vezes aparelhos semelhantes foram vistos por habitantes
de colónias espirituais, tais como Grande Coração, Vitória-
Régia, Nosso Lar e outras comunidades similares, onde se
abrigavam os espíritos em trânsito para esferas superiores.
Isso ocorreu notadamente após a Segunda Crise — nome
dado pelos espíritos superiores à Segunda Guerra Mundial.
Cessados os combates, inúmeras vezes foram avistados nos céus
do planeta esses objetos voadores, cuja velocidade e mobilidade
causavam verdadeiro espanto e admiração. Seriam aperfeiçoamento
do aerobús, veículo utilizado pelos espíritos para visitas a
planos inferiores? Quem sabe tais objetos não viriam de colónias
superiores, excursionando nas dimensões mais próximas da crosta
a fim de realizarem estudos e auxiliarem de alguma forma?
Entre os espíritos, somente bem mais tarde é que tais objetos
foram associados à idéia de seres extraterrestres. Seriam
mesmo?
— Claro que isso é possível — falou o companheiro Alexandre
— mas devemos entrar em contato com a administração de
nossa comunidade espiritual antes de tirarmos conclusões precipitadas.
Sabe-se que existem várias moradas na casa do Pai, o
universo; todavia, temos de convir que tais avistamentos não são
relatados com tanta freqüência; nem entre os humanos, nem ao
Crepúsculo dos Deuses 61
menos aqui, em nosso plano. A verdade é que existe muito exagero
por parte de algumas pessoas.
— Mas será que podemos obter mais detalhes a respeito
desses objetos que alguns dizem observar? — perguntou Romanelli.
— Creio que muita gente se beneficiará ao conhecer o assunto
e poderemos nos instruir quanto a esses e outros temas
tão fascinantes quanto intrigantes.
— Certamente, Romanelli, depende sobretudo de você. De
minha parte não há como acompanhá-lo em suas pesquisas; posso,
contudo, apresentá-lo a alguns amigos nossos, que, aliás, ficarão
muito satisfeitos em aliar-se a você nessa investigação.
— Bem, Alexandre, não é propriamente uma investigação,
como você diz; mas é que realmente o assunto desperta
em mim tremenda curiosidade e me entusiasma poder ampliar
meus conhecimentos sobre certas coisas que, na Terra, não dispomos
de recursos para conhecer.
— Desculpe-me a forma de expressão, meu amigo, mas creio
que me entende. Minha única ressalva é: vá com calma. Como
você mesmo sabe, muita gente tem se perdido, devido a idéias
extravagantes.
— Mas você acha minha idéia de pesquisar sobre os OVNIS
algo extravagante? — indagava Romanelli.
— Não é isso que quero dizer. Meu alerta parte de alguém
interessado em seu próprio bem-estar, em seu aprendizado como
espírito. Lá, na Terra, entre os nossos irmãos encarnados, médiuns
julgam-se protegidos e assessorados por espíritos que, segundo
eles, são extraterrestres. Não que eu seja cético, mas acredito
firmemente que não é relevante para nós, que estamos em
aprendizado na escola cósmica, se tal ou qual espírito é ou não
proveniente da Terra. Fontes do Mundo Maior afirmam que em
62 Robson Pinheiro • Ângelo Inácio
nosso globo existem espíritos originários de pelo menos 30 planetas
diferentes, em constante e gradual miscigenação com a
humanidade terrena.
— Entendo o que você diz, Alexandre, especialmente se levarmos
em conta que, se tais espíritos estão de fato na psicosfera
da Terra, é porque não são exemplo de evolução. Seguramente
são almas experimentadas, que possuem muitos conhecimentos
que ainda não conquistamos; entretanto, se observarmos a lei
das afinidades...
— Creio que você me entendeu, amigo. Chego também a
pensar... — calou-se o espírito por alguns momentos.
— Pensar em quê, Alexandre? Vamos, fale... — instigava
Romanelli, cheio de ânimo.
— É que, com essa onda de ETS que invade a Terra, muitos
médiuns e dirigentes de casas espíritas têm se esmerado tanto
para se apresentarem como canais de comunicação entre os
pretensos extraterrestres e os humanos, que acabam caindo
no ridículo.
—Já presenciei casos assim em determinadas visitas que fiz
a alguns agrupamentos que afirmam ser espíritas. O problema é
mais sério do que a gente pensa, pois em essência é tudo uma
tentativa frustrada de se fazer notado, de chamar a atenção para
si. Já que não obtêm projeção por seu trabalho, tentam a todo
custo destacar suas atividades identificando em seus mentores
supostos ETS.
— Bem, Romanelli, deixemos pra lá os modismos da velha
Terra. Creio que você tem muita coisa a realizar. Acompanhe-
me e lhe apresentarei a um espírito amigo, que decididamente
se interessará por suas pesquisas.
Crepúsculo dos Deuses 63
Romanelli e Alexandre se dirigiram à administração da colônia
espiritual. Diante deles, o imenso edifício que se ergue junto
a uma alameda florida: é a base da administração daquela comunidade.
Antes mesmo que penetrassem na estrutura etérica
da construção, que abrigava os dirigentes locais, encontraram o
amigo.
— Vejo que vem nos visitar, meu caro Alexandre.
— Sim, só que desta vez trago um companheiro muito interessado
em suas pesquisas, Ângelo. Espero que se sintam bem ao
lado um do outro. — E, indicando o colega — este é o amigo
Romanelli.
— Claro, Alex, que bom que você o trouxe. Estava mesmo
precisando de alguém que pudesse me auxiliar com algumas
coisas urgentes. Qual o seu interesse, Romanelli?
— Bem, na verdade me interesso por pesquisas quanto a
seres extraterrestres e sua atuação em nosso plano, ou mesmo
em outros planos da Terra.
— Veio em boa hora, amigo! Você nem imagina o que está
acontecendo por aqui. Recebemos uma espécie de contato por
parte de seres que se dizem representantes de Capela. Creio que
você já ouviu algo a respeito, não?
Alexandre, disfarçadamente interessado no conteúdo da
conversa, insinuou-se.
—Acho que todo espírita já ouviu algo a respeito dos exilados
de Capela, mas fazer contato com eles, recebendo um comunicado:
isso é novidade.
— Creio que várias comunidades receberam ao mesmo tempo
esse contato, que solicita resposta. O modo como esses pedidos
chegaram até nós é que foi um tanto incomum.
64 Robson Pinheiro • Ângelo Inácio
— Como assim? — perguntou Romanelli.
— Por acaso já ouviu algo a respeito de uma certa estação
de comunicação denominada Estação Rio do Tempo?
— Seria aquela que se localiza nas proximidades do plano
físico e serve de base para alguns espíritos tentarem contatar encarnados
através da chamada transcomunicação instrumental?
— Vejo que está muito bem informado, meu caro — falei
para Romanelli.
— Agora quem não entende nada sou eu — retrucou Alexandre.
— Mas é você mesmo que me diz que não tem interesse em
pesquisas nessa área...
— Sim, mas...
— Mas se você não se atualizar acabará ficando de fora,
não é? — completou Romanelli, com certo ar de deboche bem-
humorado.
— Vamos, gente, fale logo; assim eu ficarei mais inquieto
ainda...
— Veja bem, Alex — principiei. — Há algum tempo certos
espíritos têm incentivado a tentativa de comunicação com os amigos
encarnados através de aparelhos construídos com a tecnologia
extrafísica. Nessa procura, têm ocorrido alguns contatos muito
interessantes, predominantemente através de companheiros da
Alemanha. Também os encarnados têm conseguido algo muito
expressivo em suas tentativas de transcontato, como chamam lá,
na Terra. De uns tempos para cá, entretanto, toda a rede de transcomunicação
tem sofrido ataques de comunidades das trevas;
intentam impedir o progresso que até agora se verifica nesse
setor, tão novo e ao mesmo tempo tão atraente.
Crepúsculo dos Deuses 65
— E a tal Estação Rio do Tempo, da qual você falou? O que
tem a ver com tudo isso?
— Vá devagar, Alex! Ocorre que os espíritos dedicados à
ciência espiritual e envolvidos com esse tipo de contato trabalham
numa estação equipada com muitos aparelhos que se destinam
basicamente a interferir nos meios de comunicação dos
encarnados. Aí está o drama, aquilo que atrai as inteligências
sombrias. Não obstante, deram-lhe o nome de Estação Rio do
Tempo. Após muita dedicação e aperfeiçoamento, a estação não
se conectava somente com os aparelhos de televisão, rádio e
vários outros, que fazem parte do cotidiano dos encarnados,
como também recebia ondas de comunicação procedentes de
outras regiões do espaço.
— Mas eu ouvi falar que a Estação Rio do Tempo havia se
deslocado de sua base original...
— Sim, Romanelli. Foi também o que ouvimos falar. Não
sabemos ainda como isso se deu, mas é fato que a base de operações
teve de passar por algumas mudanças radicais, devido às
investidas das sombras. Espíritos vândalos, que pareciam querer
impedir os contatos com os encarnados, através da transcomunicação,
atacaram de várias maneiras. Parece-me que os administradores
da Estação a transferiram para outro lugar. Anteriormente,
localizava-se numa dimensão fronteiriça com a dos
encarnados. Mas deixando de lado os ataques e a mudança, importa
é que a estação é muito conhecida por seus trabalhos prestados
a diversas comunidades de espíritos. Sendo assim, nos
transmitiram recentemente a solicitação de contato enviada por
uma equipe de seres que se dizem capelinos. Imagine que agora
toda a administração da colônia está interessada em travar contato
com os tais extraterrestres.
— E onde entra você nisso tudo, Ângelo? — tornou Alexandre.
66 Robson Pinheiro • Ângelo Inácio
— Claro que você não desconhece minha característica principal:
a curiosidade jornalística.
— Então você...
— Então fui convidado, pela administração da nossa comunidade,
a presenciar o contato e, se possível, até, colher informações
para, mais tarde, transmiti-las aos amigos desencarnados.
— E aos encarnados também, suponho.
— Se eu tiver uma oportunidade, não hesitarei, sem dúvida.
— E, dirigindo-se ao novo companheiro — então, Romanelli,
aceita ir comigo? Já está marcado o dia e o local de encontro.
Iremos juntos à Estação Rio do Tempo! Se você quiser, é claro.
— Aceito sem titubear. Não deixaria passar esta oportunidade
por nada deste mundo.
— E você, Alexandre, iria conosco?
— Olhe, Angelo, pra "pagar língua", como dizem na Terra,
bem que gostaria, mas creio que terá de ficar para outra oportunidade.
Tarefas inadiáveis me aguardam; vim apenas apresentar
Romanelli a você. Por certo terei notícias de suas pesquisas através
do próprio comentário jornalístico.
— Então não percamos tempo, Romanelli. Há muita coisa a
ser feita, e creio que você é a pessoa ideal para me assessorar.
Os preparativos consistiam em exercícios mentais, além de
algumas aulas de esperanto; afinal, não saberíamos dizer com
que língua os forasteiros se comunicariam conosco. Deveríamos
aprender algo na academia de nossa colônia, mesmo um tanto
inseguros quanto ao que se fazia necessário estudar. Preparávamo-
nos com imensa alegria e com curiosidade insuperável. Era
Crepúsculo dos Deuses 67
uma oportunidade ímpar que se fazia presente para nós.
Mas a surpresa viria mais tarde... Não usamos volitação para
atingir o local onde estava localizada a Estação Rio do Tempo. A
dificuldade em nos locomover em regiões diferentes daquelas
com as quais estávamos acostumados nos fez utilizar um comboio,
uma condução estruturada em matéria da nossa dimensão
e que atuava como veículo de transporte.
Era o que havia de mais moderno em nossa comunidade. A
nave se assemelhava a um balão, em sua forma e leveza. Deslizava
nos fluidos com velocidade alucinante, algo em torno de
1.500km por minuto. No interior do nosso transporte havia
muito conforto, e os efeitos da velocidade não eram sentidos por
nós, passageiros.
O comboio era freqüentemente utilizado pelos espíritos de
nossa comunidade em tarefas de auxílio e de pesquisa em planos
diferentes do nosso. A grande vantagem da utilização de veículos
como esse era que não precisávamos consumir energia mental
no processo de volitação. O aparelho era movido por puro
magnetismo. Bastava seguir as linhas de força do planeta que
deslizávamos rumo ao nosso destino. Além do mais, o transporte
tem a vantagem de preservarem-se as energias para a execução
das próprias tarefas a que se destina cada excursão, que regularmente
requeriam grande esforço de concentração.
Estávamos juntos, Romanelli, Arnaldo — um espírito que
se especializara em psicologia entre os encarnados — e um membro
da administração de nossa comunidade, o companheiro Alcíades,
além de mim.
Com essa tripulação de quatros espíritos, dirigimo-nos às
proximidades da Lua, numa região onde estava temporariamente
sediada a Estação Rio do Tempo.
68 Robson Pinheiro • Ângelo Inácio
O silêncio entre nós era completo. Creio que todos estávamos
tentando conceber como seria o nosso primeiro contato com
os habitantes capelinos. Nem imaginávamos o que nos aguardava.
Saindo da zona de atração mais intensa da gravidade terrestre,
sentíamo-nos mais leves. Era como se a força de atração gravitacional
também exercesse influência sobre nossos corpos espirituais.
Afinal, nosso psicossoma ou perispírito, termo usado
na definição espírita, tinha algo de material, embora de densidade
bem diversa da matéria densa da Crosta. É composto por
elementos dos mais variados, e até os dias de hoje os espíritos do
nosso plano permanecem sondando sua intimidade e suas particularidades.
Talvez a gravidade do planeta afetasse também as
linhas de força do nosso corpo espiritual, e, agora que nos encontrávamos
mais afastados da crosta planetária, tal influência
diminuíra de intensidade.
Avistamos ao longe a estação que nos receberia. Não vimos
nada que se assemelhasse a um disco voador. A estação seria uma
espécie de colônia espiritual? Não saberia dizer com exatidão.
Mas o que vimos acabou nos deixando perplexos.
Aproximamo-nos do local e fomos recebidos por um companheiro
espiritual, que se apresentou com o nome de Alfred.
— Sejam bem-vindos, amigos — nos recepcionou nosso
anfitrião.
— Quer dizer então que esta é a Estação Rio do Tempo? —
perguntei.
— Posso dizer que esta é uma parte da estação, a que vocês
podem registrar neste momento. Na verdade, a Estação encontra-
se em Marduck, numa dimensão diferente daquela em que
nos encontramos. Parte da estação, contudo, é móvel e pode se
deslocar com relativa facilidade entre as dimensões, à semelhança
Crepúsculo dos Deuses 69
do que ocorre com as partículas subatômicas, que transitam entre
as dimensões nos planos quânticos ou campos.
— Creio que não é minha área de entendimento — respondeu
o amigo Arnaldo — todavia estamos muito interessados em
compreender o papel deste posto avançado, como chamo a Estação
Rio do Tempo, no que concerne ao contato com extraterrestres.
Indicando-nos um local onde poderíamos conversar mais
tranqüilamente, o companheiro Alfred, que nos parecia vibrante,
explicou-nos:
— Na verdade, o papel da Estação Rio do Tempo não é precisamente
o de entrar em contato com inteligências extraterrestres.
Nossa tarefa é entrar em contato com os encarnados através
da tecnologia. Como não ignoram, em várias partes do mundo
os homens têm captado comunicações em seus aparelhos de
televisão, rádio e mesmo através dos computadores e demais
equipamentos. Nesse sentido, podemos afirmar com segurança
que a Estação Rio do Tempo é responsável pela maior parte dos
chamados transcontatos.
— Mas o que a estação tem a ver com os chamados dos capelinos?
— ousei perguntar.
— Creio que, devido à tecnologia desenvolvida pelos espíritos
que aqui trabalham, antigos pesquisadores e cientistas, nossos
instrumentos estejam mais aptos a captar os chamados insistentes
dos extraterrestres. Mas não é esse o nosso objetivo. Posso
assegurar que nossa maior tarefa é a de acordar os homens de
ciência para a realidade do espírito, através mesmo dos meios de
comunicação que eles utilizam. É claro que com isso não intentamos
diminuir o valor e o trabalho dos médiuns; pretendemos
auxiliar a humanidade na posse de sua consciência cósmica. Es
70 Robson Pinheiro • Ângelo Inácio
tamos convencidos de que a transcomunicação passa por momentos
graves entre seus representantes e pesquisadores na Terra,
contudo temos muita esperança no futuro.
Enquanto o amigo Alfred tecia seus comentários, ficava pensando
em quanto os homens do século xxi seriam beneficiados
com os avanços da tecnologia sob a orientação dos espíritos. Fui
interrompido em meus pensamentos quando Alfred falou, em
tom mais enfático:
— Nossa maior dificuldade é entre os próprios espíritas.
Diversos cientistas que trabalham entre nós desanimaram diante
de inúmeras tentativas frustradas de entrar em contato com
os médiuns espíritas.
— Como assim? — arriscou Romanelli.
— Muitos dos cientistas que trabalham na Estação Rio do
Tempo e em outros postos de transcomunicação tentaram, em
várias oportunidades, se comunicar com médiuns; foram logo
afastados, em virtude do excesso de zelo e do fanatismo religioso,
que muitas vezes impera em núcleos considerados espíritas.
Como nosso interesse é investir nas pesquisas científicas a serviço
da renovação do mundo, fomos taxados repetidamente de
pseudo-sábios. Daí para sermos classificados com o chavão obsessor
foi apenas uma questão de tempo.
— Então... — comecei a falar.
— Então, Ângelo, decidimos continuar nossos experimentos
não com os chamados médiuns, mas com toda pessoa de boa-
vontade interessada em tentar contato, procurando dinamizar
mais a rede de comunicação entre as diversas dimensões da vida.
Os médiuns oficiais nos rejeitaram em muitos momentos; não
poderíamos ficar perdendo tempo insistindo com eles. A transcomunicação
prosseguirá, ainda que seja apesar deles. Por ou
Crepúsculo dos Deuses 71
tro lado, temos enfrentado muitos problemas com a rede de comunicação
desde há alguns anos.
— Que tipo de problemas? — indaguei curioso.
— A Estação Rio do Tempo e outros postos de comunicação,
como a Estação Landall, estão localizados na fronteira entre
as dimensões física e extrafísica, uma espécie de plano que denominamos
Marduck. Diria até que Marduck é um "planeta paralelo",
estruturado a partir de algo entre energia e matéria, que
nos permite com mais facilidade o contato com os aparelhos desenvolvidos
pelos encarnados. O revés é que também ficamos
mais vulneráveis aos ataques das sombras.
Em tom grave, continuava Alfred:
— Muitos espíritos têm tentado atacar nossos postos de comunicação
e transformá-los em bases de inteligências despreocupadas
com o progresso da humanidade. Mas não somos apenas
os espíritos vítimas das investidas sombrias; diversos companheiros
encarnados, que pesquisam com afinco a transcomunicação,
têm estado sujeitos à influência nociva. Com isso,
temos convicção de que a rede de transcomunicação foi comprometida,
e agora trabalhamos intensamente para restabelecê-
la em todo o mundo.
Procurando expor a dimensão dos obstáculos que enfrentavam,
mas sem escorregar para a reclamação em momento algum,
prosseguia o anfitrião:
— De volta aos médiuns espíritas, se por um lado inviabilizavam
o trabalho com seus preconceitos e com o desconhecimento
da essência do pensamento de Kardec, profundamente
desbravador e corajoso, ao abandoná-los, descobrimos haver um
preço a pagar. É que contamos com outras dificuldades, relativas
às pessoas envolvidas nesta segunda fase dos experimentos.
72 Robson Pinheiro • Ângelo Inácio
Muitos deles se apegam tanto à idéia e ao status de que são cientistas
que, influenciados pelo paradigma que prevalece na Terra
desde a modernidade, crêem não caber a eles de forma nenhuma
envolver-se com questões religiosas e filosóficas. Desprezam,
assim, o trabalho de muitos médiuns, cujo valor é incontestável.
Chegam a dizer que não precisamos de médiuns para efetuar os
contatos através dos equipamentos eletro-eletrônicos.
— A propósito, vocês precisam ou não da interferência de
médiuns? — perguntei, mantendo o rumo da nossa conversa.
— Desconhecemos qualquer fórmula para entrar em contato
com os encarnados que prescinda do concurso de médiuns.
Ocorre que não utilizamos os médiuns da forma habitual, com
que estão familiarizados, nas reuniões mediúnicas. Não há transe
medianímico. Mas, para movimentar aparelhos, ou qualquer
outra coisa no mundo físico, precisamos de ectoplasma, de magnetismo
ou, ainda, de uma terceira força, presente em todos os
médiuns: a forçapsi, segundo a denominamos. Existe tanta vaidade
entre os experimentadores, contudo, que preferimos, por
enquanto, não entrar em maiores detalhes a respeito nas comunicações
com os encarnados. Há quem acredite que estamos inaugurando
uma espécie de contato com a humanidade, sem a cooperação
de médiuns... Ah! Meu Deus, é demais! — E, com bom
humor — não é nada disso que ocorre. Não precisamos é que os
médiuns utilizados estejam conscientes de nossa atuação; preferimos
atuar no anonimato. Aliás, entre certos religiosos há posicionamento
semelhante, nesse aspecto. Pensam que somos obsessores,
que intentam invalidar os progressos efetuados pelo espiritismo
no campo mediúnico. Como resultado dessa visão estreita,
costumam fechar suas portas para nós. Mas não pretendemos
parar o nosso trabalho pelas dificuldades enfrentadas. Prosseguimos
lentamente, com imensos progressos, no entanto.
Crepúsculo dos Deuses
Romanelli, retomando o ponto que nos levava à estação,
interpelou:
— E os extraterrestres, onde se encaixam?
— Há alguns anos, vários postos de comunicação semelhantes
à Estação Rio do Tempo têm recebido ondas de rádio
numa freqüência não utilizada pelos aparelhos da Terra. A princípio,
julgamos que se tratava de interferência das próprias
ondas mentais dos encarnados ou mesmo de algum mecanismo
nos satélites em órbita da Terra. Ao nos aprofundarmos no
exame dessas ondas, entretanto, percebemos que as recepções
obedeciam a uma certa ordem, um certo padrão; repetiam-se
depois de determinado tempo, em intervalos regulares. Entrementes,
reunidos na estação para uma conferência, na qual abordaríamos
as dificuldades de comunicação com os aparelhos dos
encarnados, nossos instrumentos foram tomados por uma nova
avalanche de ondas da freqüência desconhecida. Vários cientistas
e pesquisadores presentes se manifestaram, e logo verificamos
que as tais ondas não se enquadravam no espectro eletromagnético
conhecido do plano espiritual, que é sobejamente mais
amplo que aquele estudado na Terra. Imediatamente procuramos
decodificá-las, empregando um novo aparelho, que construímos
com a finalidade de entrar em contato com os encarnados
através do computador. Foi nessa conferência que tivemos,
então, a grata surpresa de obter, pela primeira vez, um contato
direto com um dos representantes de uma excursão interplanetária.
Os seres contatados se diziam provenientes de Capela, na
constelação do Cocheiro, e pediam ajuda aos homens da Terra
para entrar em contato com o nosso mundo e realizarem pesquisas
sobre a história do povo capelino.
— Mas, afinal, os visitantes estão ou não na Estação? — perguntou
Romanelli.
74 Robson Pinheiro • Ângelo Inácio
— Acalme sua ansiedade — falou Alfred. — Nossos amigos
do espaço afirmam que se encontram próximos da Lua e que há
algum tempo buscam contato direto com os humanos. Não é de
se estranhar o tremendo embaraço que enfrentaram, pois só há
pouco conseguimos estabelecer contato visual com eles. Desde
então, podemos avaliar as complicações envolvidas, e chegamos
juntos a uma conclusão quanto aos empecilhos na comunicação
com a Terra.
— Mas eles são desencarnados como nós, ou estão em corpos
materiais? — perguntei.
— Aí é que está o grande impedimento dos nossos amigos,
Ângelo. A questão de estarem ou não em corpos materiais é secundária,
uma vez que entra em pauta as definições que temos
nós, terráqueos, a respeito daquilo que seja matéria. De acordo
com os padrões da vida no planeta Terra, somos todos aqui presentes
desencarnados, pois abandonamos há algum tempo a roupagem
física. Para esses viajantes capelinos, no entanto, que assim
se denominam, a coisa é um pouco mais complexa.
— Parece que não estou entendendo... — falou Arnaldo.
— Explico já — tornou o amigo Alfred. — Talvez não
estejam acostumados a raciocinar segundo as bases da física e
dos demais ramos relacionados a ela dentro da ciência, que,
no fim das contas, permanece como a grande especialidade
dos espíritos que trabalham nesta e em outras estações de
transcomunicação. Com o auxílio do pensamento científico,
observamos a questão por um prisma mais amplo, mais profundo.
Vejam bem; tudo depende do ponto de vista que se toma,
do referencial que adotamos para analisar o problema. Os amigos
capelinos que nos visitam atestam que estão encarnados, em
corpos materiais. Verificamos, apesar disso, que eles podem nos
Crepúsculo dos Deuses 75
perceber com extrema facilidade, e nós, os "desencarnados",
também registramos sua presença com a mesma tranqüilidade
com que nos vêem e ouvem.
— Como então conciliar essas constatações com o fato de
que eles estão encarnados, e nós não? — perguntei.
— Este é o ponto. Creio que vocês já ouviram falar de algumas
pesquisas realizadas na Terra a respeito da antimatéria...
— Então, os capelinos... — ousei falar, sendo logo interrompido
por Alfred.
—A matéria de que são constituídos seus organismos não é
a mesma que compõe o corpo material dos seres humanos na
Terra. E, mais ainda, creio que os corpos espirituais de nosso
orbe são elaborados, ou pelo menos guardam características, de
antimatéria. Vale lembrar que o próprio Kardec, a que estamos
todos mais ou menos ligados nesta labuta do intercâmbio mediúnico,
há aproximadamente 150 anos já asseverava que o perispírito
seria composto de matéria quintessenciada, segundo a terminologia
da época, não é verdade?
— Por isso, então, não conseguem ser vistos pelos encarnados
e são percebidos por nós...
— Exatamente. Na verdade, eles são seres materiais, "encarnados",
conforme nossa maneira de exprimir, nosso vocabulário.
A matéria de que são constituídos os seus corpos, porém,
não é a mesma que integra os corpos físicos dos habitantes da
Terra. O que não faz com que sua forma de existência não seja
física e material, de acordo com sua ótica.
— Daí se depreende que eles não podem entrar em contato
direto com o chamado mundo dos vivos.
— Mas esse paradoxo não deixa de abrir inúmeras possibilidades
de pesquisas e entendimento científico da vida em âmbi
76 Robson Pinheiro • Ângelo Inácio
to universal — falou Alfred. — É uma oportunidade ímpar para
muitos cientistas desencarnados compreenderem as outras formas
de vida, a matéria e a própria constituição do nosso corpo
espiritual; é uma frente inédita de pesquisas a ser desbravada.
Com a chegada dos capelinos que nos visitam, notadamente no
momento evolutivo em que nos achamos, há muito a aprender e
explorar.
— Creio que vocês aqui têm muita facilidade para lidar com
essas questões mais técnicas, peculiares às ciências que os atraem.
Sou apenas um jornalista e escritor; não tenho, portanto, lá muitas
afinidades com esses assuntos — disse para Alfred.
— Note bem, Angelo. Se nós somos desencarnados e os nossos
corpos espirituais são considerados semimateriais, conforme
estudamos, então os corpos dos capelinos, que podemos ver e tocar
sem embaraço, encontram-se em dimensão ou campo vibratório
semelhante ao nosso. Isso nos leva à conclusão central: aquilo
que denominamos de imaterial não é tão imaterial assim, compreende?
O episódio nos mostra, pelo menos, que há muito a pesquisar
a respeito da antimatéria e de suas propriedades.
— Faço votos de que vocês pesquisem muito, e creio até que
poderão encontrar um farto material de estudos para toda a sua
equipe; mas, e quanto a nós, o que podemos fazer para auxiliar
os capelinos que nos visitam e ampliar com eles nossos conhecimentos?
— Bom, segundo entendimentos com eles, estão pesquisando
na Terra acerca de um evento ocorrido no passado distante,
quando muitos degredados de seu planeta vieram para a Terra.
Precisam de auxílio para as suas pesquisas e estão dispostos a
trocar conhecimentos num intercâmbio cultural conosco, o que
será proveitoso para ambos.
Crepúsculo dos Deuses 77
Desta vez foi Romanelli quem falou, eufórico:
— Mas, segundo sabemos, os imigrantes de Capela retornaram
para o seu planeta natal depois de alguns séculos. Será que
alguns ficaram para trás?
— Eles nos disseram que muitos, de fato, retornaram à antiga
pátria sideral, mas que na Terra permaneceram aqueles espíritos
mais endurecidos, que ainda eram seduzidos pelos conceitos
de poder, vítimas de seu orgulho e prepotência. Querem
apenas descobrir o paradeiro de seus ancestrais e realizar estudos
quanto ao intercâmbio de experiências entre habitantes de
diferentes planetas, provocado pela circunstância do exílio. Isso,
ao menos, é o que entendemos, pelo que nos disseram de forma
resumida.
— Como faremos para entrar em contato com eles? —
perguntou Arnaldo.
Enquanto conversávamos, alguns dos cientistas da estação
entraram em contato com os capelinos e já estavam conduzindo
os visitantes até nós. Alfred comentou acreditar que os ilustres
visitantes já poderiam estar próximos da estação. A curiosidade
nos tomava por completo.
Crepúsculo dos Deuses 79
O PLANETA TERRA brilhava no setor frontal do observatório da nave
capelina. Mais parecia uma pedra preciosa azulada, com suaves
nuances de branco. Eram as nuvens que deslizavam na atmosfera
terrestre. A imagem encantou Innumar e seus amigos.
— Como é belo este mundo... Seus habitantes deveriam ser
mais felizes e perseguir a todo custo a pacificação do planeta.
— Sim — falou Mnar — dificilmente se vê um planeta como
este, com tamanha beleza. Como pode o homem terrestre atentar
contra a vida de sua própria casa planetária?
Innumar e seus amigos relembravam momentos difíceis vividos
quando chegaram às proximidades da Terra pela primeira
vez. Ficaram assustados com tantas vibrações de dor e sofrimento.
Era dia 13 de setembro de 1943, em pleno decurso da Segunda
Guerra Mundial. Seus espíritos sensíveis captaram os pedidos
de socorro de toda a comunidade do planeta, e puderam ver
por si mesmos os momentos dolorosos pelos quais passava a
humanidade.
Juntamente com os capelinos, outros seres do espaço se dirigiram
à Terra na iminência de intervir diretamente na história
do mundo. Não fossem as leis não escritas que regem os destinos
dos povos e mundos, as quais lhes impediam de interferir diretamente
nos conflitos humanos, o teriam feito. Compreendiam,
no entanto, a necessidade de respeitar as escolhas de cada povo,
de cada planeta. Agiriam drasticamente apenas se o homem terrestre
ameaçasse destruir o próprio planeta. Diante dessa possibilidade,
da destruição da Terra, outros mundos da família solar
seriam afetados em seu equilíbrio e no bem-estar de suas huma
80 Robson Pinheiro i Ângelo Inácio
nidades. Optaram assim por observar atentamente e auxiliar
quando solicitados.
Mas os conflitos sociais e políticos do mundo Terra abalaram
intensamente as emoções dos visitantes capelinos naquela
ocasião. Decidiram aguardar no espaço próximo à Terra até que
os acontecimentos no panorama do mundo se acalmassem. Retiraram-
se para perto do campo de asteróides que fica entre as
órbitas de Marte e Júpiter. De lá assistiriam ao espetáculo de
horror, conservando-se atentos às transmissões de rádio na Terra.
E o que viram os assustou.
— Creio que já sabemos como se comportam neste mundo
os nossos antigos irmãos de humanidade, os chamados Dragões
— asseverava Mnar.
— Parece que nossos compatriotas continuam com as mesmas
intenções de quando estavam em nosso mundo.
— Vejam as imagens que captamos da Terra desde alguns
anos. A humanidade daqui ainda vive momentos de barbárie.
Infelizmente os capelinos retardatários e outros espíritos da Terra
se sintonizaram e aproveitaram as tendências ainda muito primitivas
dos habitantes deste mundo. A guerra ainda é um estado
comum entre os terrestres.
— Não compreendo — falou Jaffir — como seres da mesma
espécie, que se dizem civilizados, possam se exterminar mutuamente
dessa maneira...
— No passado, em nosso mundo — argumentou Mnar —
as coisas não eram tão diferentes. Desde muitas eras os povos do
Cocheiro não conhecem mais a guerra, mas nem sempre foi assim.
Para a Terra está também reservado um futuro semelhante
ao nosso. Uma era nova, um tempo de paz. Por enquanto, os
terrestres precisam aprender por si mesmos a vencer suas difi
Crepúsculo dos Deuses 81
culdades e se curar com o próprio remédio, que para eles é amargo.
A dor é o medicamento que resulta de suas ações desequilibradas.
Precisam aprender a valorizar a vida e o ambiente em
que vivem para superar essa etapa conflituosa.
É melhor nos aproximarmos novamente para a tentativa de
um novo contato com a estação dos terrestres. Talvez consigamos
algo junto a eles.
Lasar, o comandante da expedição dos capelinos, já observava
Mnar desde antes de partirem da constelação do Cocheiro.
Notava que, de tempos em tempos, ele se recolhia em seus aposentos
e apreciava a quietude; não gostava de ser incomodado.
O que acontecia com Mnar? O capelino parecia ter um comportamento
diferente dos demais. Algo estranho parecia caracterizar
sua conduta. Mas o que seria? Lasar decidiu ficar mais atento
às atitudes do companheiro de viagem. Afinal, estavam agora
nas proximidades de um mundo diferente, um planeta onde os
habitantes não haviam ainda acordado para a era cósmica. Era
um momento delicado.
A Terra possuía uma diplomacia bem distinta da dos capelinos,
e, embora fossem povos irmãos, as circunstâncias não ofereciam
segurança para um contato direto. Havia de se considerar
que um contato mais íntimo com a população da Terra possivelmente
levaria o caos a muitos setores da vida planetária. Lasar
imaginava como seria o dia-a-dia das religiões terrestres, da política
armamentista defendida por muitos países e as prováveis
conseqüências para os diversos setores da vida caso um outro
povo da Via-Láctea entrasse em contato direto com a humanidade
terrestre. Quando tais pensamentos ainda povoavam sua
82 Robson Pinheiro • Ângelo Inácio
mente, aproximou-se dele Inummar.
— O que lhe preocupa tanto assim, nobre Lasar?
— Estava pensando em como seria afetada a vida na Terra
caso nos mostrássemos diretamente aos homens. Muita coisa se
modificaria neste planeta.
— Sim, nobre amigo; entretanto, não podemos esquecer que
mudanças drásticas podem produzir desastres coletivos de difícil
solução. Discutimos, igualmente, Girial e eu a esse respeito.
Creio que a sociedade humana ainda não está preparada para
vivenciar a era cósmica. Não há de ser à toa que a Providência
não dotou seu povo da tecnologia suficiente para excursionar
com liberdade pelo universo. Mal acabaram de sair de duas guerras
tenebrosas e engatinham, à semelhança de crianças, nas questões
de ordem transcendente. Um impacto desses seria desastroso
para os sistemas social, político e religioso dos humanos da
Terra; toda a sua cultura seria abalada irremediavelmente. A
revelação da vida extraplanetária perturbaria a ordem social a
tal ponto que não poderíamos prever seu seguimento. Não, definitivamente
ainda não estão preparados para viver sob a realidade
do cosmo.
— Mas veja, Innumar, que outros povos visitaram a Terra
antes de nós, e creio que eles já tentaram fazer contato com seus
habitantes. Veja o que presenciamos logo que aqui chegamos com
nossa expedição, transcorridos agora vários anos, segundo a
contagem terrestre.
— Não entendo o que diz o amigo.
— Falo daquele incidente ocorrido na região da Terra que
os humanos denominam Estados Unidos da América. Logo que
aqui chegamos detectamos a presença de outros seres do espaço
na atmosfera terrena. Tentamos um contato mais próximo com
Crepúsculo dos Deuses 83
eles exatamente no momento em que estavam tendo problemas
com a navegação de seus equipamentos. Pareciam ser de uma
existência mais física, como os terrestres, portanto diferente da
nossa forma de existir, que, para os humanos, representa um
nível sutil da matéria.
— Sim, agora me lembro. São aqueles seres vindos da região
externa ao sistema solar dos terrestres — falou Innumar.
— Recordo que, na época, estavam sofrendo uma pane em seu
sistema de transporte e acabaram realizando um pouso forçado
na crosta terrestre.
— Pois é. Inicialmente fiquei me culpando por não conseguirmos
nos comunicar com os nossos irmãos do espaço. Depois
constatamos que não falávamos a mesma língua, e então não
havia como estabelecer um contato mais intenso. Éramos de planetas
bastante diferentes. Se não me engano, caíram com sua
nave na região que chamam Novo México, não é isso?
— Isso mesmo — lembrava Innumar.
— A partir daí os acontecimentos se precipitaram de tal
maneira que não tivemos condições de auxiliar. Naquela época
os terrestres detectaram os destroços da nave dos visitantes do
espaço que sofreram o acidente. Logo mais, o governo daquele
país confiscou a espaçonave e capturou os seres que a dirigiam.
— Veja como não estão preparados ainda para um contato
direto com outros seres do espaço. Ainda hoje o governo norte-
americano guarda segredo a respeito desse evento e tenta a todo
custo disfarçar os acontecimentos.
— Em contrapartida, aproveitaram ao máximo a tecnologia
alienígena em benefício do poder transitório de seu país, visando
principalmente ao desenvolvimento de artefatos de guerra e
da indústria bélica — anuía Lasar.
84 Robson Pinheiro • Ângelo Inácio
Entrementes, os demais tripulantes da excursão capelina
foram se aproximando dos dois e entraram na conversa.
Foi Jaffir quem mais se interessou pela conversa e disse:
— Eu mesmo presenciei pelo videofone de nossa nave os diversos
avanços da tecnologia terrestre, ou melhor, norte-americana.
Vários avanços alcançados durante os últimos anos foram devidos
aos artefatos capturados no Novo México, extraídos de estudos
que os cientistas fizeram a partir da nave capturada.
— Preocupa-me sobremaneira a forma como os humanos
da Terra estão eufóricos com a situação — falou o comandante
da expedição.
— Explique-se melhor, caro Lasar — falou Jaffir.
— É que muitas informações acerca desse acidente parecem
ter escapado do domínio dos políticos da Terra e, a partir
de então, em várias partes do planeta se observa uma onda cada
vez mais crescente de objetos voadores não identificados pela
tecnologia terrestre.
— Sim, nobre Lasar. Temos inclusive detectado por diversas
vezes aparelhos extraterrestres presentes na atmosfera do
planeta. Creio que não tardará que revelem à humanidade deste
mundo a existência de vida em outros recantos do universo.
— Era exatamente sobre isso que eu estava comentando com
Innumar. Será que os habitantes deste mundo estão preparados
para um contato semelhante? Quanto à nossa presença, não há
com se preocupar: eles não podem nos captar, devido à distância
vibratória que se impõe entre a natureza da matéria de Capela
e a terrena. Mas e quanto a outras inteligências alienígenas,
cuja constituição física seja semelhante à da Terra? Esses seres
são percebidos pelos sentidos e aparelhos humanos...
— Nesse caso as coisas são diferentes — interveio Mnar, que
Crepúsculo dos Deuses 85
se insinuara, em busca de uma desculpa para entrar na discussão.
— Mesmo que os seres humanos sejam da mesma matéria
física e dimensão desses outros seres que os visitam, a tecnologia
terrestre não está desenvolvida a ponto de permitir detectar com
correção a presença de naves em sua atmosfera. Quando isso ocorre,
existem condições atmosféricas especiais e outros elementos
que possibilitam o evento. Em circunstâncias normais, mesmo
considerados os avanços de sua tecnologia até o século xxi (em
que se encontram hoje), os seres humanos da Terra têm grandes
dificuldades em captar algo de outros seres do espaço.
— Nós mesmos temos captado as transmissões de rádio da
Terra e até verificamos os satélites enviados para além da órbita
terrestre, na tentativa de registrar indícios de vida em outros
mundos — falou Jaffir.
— Creio que os cientistas terrestres descobriram apenas
fórmulas matemáticas a respeito de outras dimensões da vida.
Na prática, permanecem buscando a comprovação de suas velhas
teorias, e pretendem a todo custo captar sinais de vida segundo
os padrões da Terra — prosseguiu Lasar. — Constroem
aparelhos e os enviam ao espaço procurando detectar vida inteligente
ou qualquer processo químico que indique haver vida
organizada além dos limites do seu mundo. Tencionam, porém,
que todo o universo funcione de acordo com seus padrões e
teorias; não concebem outros paradigmas de existência.
— Ainda acordarão para a realidade cósmica. Veja, nobre
Lasar, que os cientistas deste mundo já conseguiram um passo
importante em suas pesquisas ao formular a teoria quântica, que
abre uma oportunidade para entenderem que a vida pode existir
e vibrar em dimensões diferentes daquela em que se estrutura
a vida terrestre.
Robson Pinheiro • Ângelo Inácio
— Vejo isso como um passo para o futuro, Mnar; esse é, todavia,
apenas o primeiro passo. Até porque é um conhecimento
que, talvez devido mesmo ao profundo impacto que tem sobre a
visão de mundo do cidadão comum, permaneceu isolado das
grandes massas. Não por força de lei, mas creio que pela reformulação
dos conceitos que institui, necessariamente. Pelo que
podemos notar, apenas em círculos mais restritos e intelectualizados
tem-se acesso e maior entendimento daquilo que representa
essa "verdade científica" a que chegaram os terrestres.
Lasar prosseguia, com certo pesar:
— Sem prender-se a essas especulações, no entanto, é muito
claro que os humanos terão de trabalhar, sobretudo, seus pensamentos
e sentimentos e aprender com suas teorias científicas. E
essencial abrir suas mentes para outra realidade. Observe quanto
ainda estão longe da verdade a respeito da vida universal. Suas
religiões disputam entre si e, por sua vez, contra as próprias descobertas
e verdades que dizem ser científicas! Numa sociedade
heterogênea, parecem não haver encontrado ainda um denominador
sobre o qual possam estabelecer um senso comum; nem
mesmo dentro de uma mesma cultura ou nação, quanto mais em
nível global. Creio que o planeta Terra precisa passar ainda por
muitos desafios pungentes, como ocorreu em nossa pátria, no
pretérito. Infelizmente, sua população tem escolhido caminhos
duros e métodos educativos enérgicos para seu aprendizado.
— Deixando de lado os raciocínios relativos às escolhas humanas
— continuou Innumar — os habitantes da Terra são elementos
surpreendentes para o estudo. Quando alguns seres deste
planeta conseguiram avistar alguns objetos voadores não identificados,
seus governos trataram logo de esconder os fatos do
público, com medo de perder o controle da população, pretendendo
manipular as consciências do planeta. Mas vejam que es
Crepúsculo dos Deuses 87
tranho: em vez de os homens envolvidos nos chamados avistamentos
de UFOS ou OVNIS, conforme dizem em seu vocabulário,
unirem-se para uma pesquisa detalhada, com uma metodologia
experimental em acordo com os métodos científicos que lhe são
próprios, acabaram fazendo religião, misticismo e mistério de
um fato natural, corriqueiro.
— Espere um pouco, meu amigo Innumar — interferiu
Mnar. — O fato de aparecerem objetos de outros planetas na
atmosfera terrestre não constitui, de modo algum, um evento
natural para os atuais habitantes da Terra. Pode até ser comum
em nossa distante estrela de Capela; porém, aqui, na Terra, e
neste tempo atual que vivenciam, tal ocorrência é no mínimo
insólita e, segundo sua ótica, até mesmo aterradora. Procure
imaginar sua perspectiva, considerando as características agressivas
e um tanto violentas que permeiam suas relações. Sabemos:
o mundo é visto de acordo com aquilo que vai dentro de nossa
alma. Ora, sendo assim, o desconhecido breve se transforma em
sinônimo de ameaça e guarda uma aura de mistério para os humanos
desta época. Suas reações emocionais ainda se assemelham
às dos animais de sua convivência, e fera acuada é fera pronta
para atacar, ou fugir, de pavor.
— Não lhe compreendo as observações quando fala de habitantes
atuais deste mundo, ou quando se refere a um tempo atual...
— Como você sabe, Innumar — retomou Mnar, o guardião
do Cocheiro — no passado eu fui um dos seres expatriados para
este mundo, numa época em que ele ainda ocupava uma condição
evolutiva considerada primitiva mesmo pelos terráqueos de
hoje. Quando os nossos antepassados aqui chegaram, já depararam
com algum progresso entre os humanos deste planeta, introduzido
por "estrangeiros". Não fomos nós, os capelinos, contudo,
os primeiros seres a visitar ou estabelecer-se entre os hu
Robson Pinheiro • Ângelo Inácio
manos da Terra.
— Sim, venerável amigo — interveio Lasar, reforçando as
novas informações de Mnar. — Tenho estudado os registros antigos
do nosso povo e vi muita coisa a esse respeito; o nosso companheiro
Mnar, no entanto, deve ter mais coisas a nos relatar, já
que ele mesmo foi um dos que, no passado, veio para este mundo
e mais tarde retornou às estrelas do Cocheiro.
— Continue então, nobre Mnar. Tentarei conter meu gênio
curioso e ouvi-lo mais detidamente — assentia Innumar.
—A simples aproximação deste mundo desperta em minha
memória recordações de um passado tão distante e ao mesmo
tempo tão importante que temo não ter forças para externar
meus pensamentos. Como sabem, ao longo do tempo nossos irmão
capelinos desenvolveram uma memória suplementar. Nossos
cérebros, que correspondem mais ou menos à mesma estrutura
dos cérebros dos humanos da Terra, também possuem uma
área correspondente àquilo que denominam cerebelo, porém
muito mais desenvolvida. É nessa área que registramos a memória
dos fatos passados: aqueles que normalmente os terrestres
não conseguem recordar, devido ao longo tempo que os separa
dos eventos transcorridos em sua história. E preciso, porém,
que eu entre num transe consciencial e para trazer à tona a história
do nosso povo registrada nessa área do cérebro, ainda inexplorada
mesmo por muitos dos capelinos da geração atual.
— É uma pena, mas não creio que teremos tempo para tal
realização, Mnar. Poderá ser mais limitado em suas observações?
Mais tarde haveremos de ouvir mais detalhes a respeito dessa
época, tão importante para todos nós.
— Certamente, nobre Lasar, compreendo seus motivos.
Deixarei para outra oportunidade tais recordações; limitar-me
Crepúsculo dos Deuses 89
ei a alguns apontamentos. Quando aqui chegamos, há milhares
de anos da cronologia terrestre, já observamos muitos agrupamentos
humanos na região correspondente aos atuais continentes
africano e asiático, que, naturalmente, apresentavam outro
aspecto, no que se refere a sua estrutura geológica e geográfica.
O que importa é que nós, os capelinos exilados, deparamos com
um progresso muito maior do que aquele que os humanos teriam
atingido caso houvessem evoluído isolados, por si sós. Naquele
tempo um nobre do nosso povo procedeu a muitas pesquisas
entre os humanóides encontrados no planeta, e verificamos
que, embora os corpos físicos dos homens deste mundo não
apresentassem ainda as características observadas hoje, já eram
corpos um pouco mais elaborados, o que denota que foram ob
jeto de experiências genéticas de outros seres que a este mundo
vieram antes de nós, capelinos.
— Que seres eram esses, então? Os nossos antepassados
conseguiram contato com esses habitantes misteriosos de outros
mundos, que aparentemente semearam a vida no planeta Terra?
— perguntou Jaffir.
— Quando os capelinos chegaram, encontraram apenas
vestígios da civilização que habitara a nova pátria antes de nós.
Há que se considerar que, quando fomos expatriados de Capela,
não viemos com finalidades especulativas ou para expandir
conhecimentos; viemos porque no passado experimentáramos
situações que colocavam em risco todo o programa evolutivo do
Cocheiro. Não tínhamos tempo nem a devida infraestrutura para
nos aprofundarmos nas pesquisas sobre outras civilizações. Registramos
os fatos unicamente porque nada passa despercebido
à memória espiritual.
—• Mas então não há nenhuma informação acerca dos seres
que influenciaram a evolução terrena: quem são ou de onde vie
90 Robson Pinheiro i Ângelo Inácio
ram? Nem uma pista sequer?
— Creio, Innumar, que hoje possivelmente possamos buscar
tais pistas, como diz, mas na época à qual me refiro tínhamos à
nossa frente o desafio da sobrevivência, os obstáculos naturais do
planeta, bem como nossa própria rebeldia diante da mudança radical;
afinal, havíamos sido banidos. Posso lhes dizer que de modo
algum foi tarefa fácil adaptar-se. Os entrechoques decorrentes de
nossa rejeição em reencarnar nos corpos dos humanóides, muito
aquém de tudo aquilo a que estávamos acostumados...
— Começo a compreender por que às vezes se recolhe, Mnar,
em seu ambiente na nave, com certa melancolia, como se estivesse
prisioneiro de antigas recordações — irrompeu Lasar.
— É isso mesmo. Encontro-me reiteradas vezes numa situação
em que minha memória suplementar parece querer reagir à
nossa aproximação do planeta Terra. Isso ocorreu em várias ocasiões
desde nossa chegada a este mundo. Acredito haver criado
uma ligação muito profunda com os seres deste planeta e a
simples aproximação da atmosfera vibratória da Terra detona
um processo inesperado nas matrizes psíquicas de meu ser.
— Compreendo, Mnar...
—- Como expunha antes — retomou Mnar — desde épocas
imemoriais este mundo tem recebido visitas de outros habitantes
do espaço. Refiro-me a eles como irmãos das estrelas, pois
sabemos que, embora possamos ter a aparência física ou exterior
diferente da dos humanos, nossa origem é a mesma. No limite,
pode-se fazer um paralelo com os mares e oceanos da Terra,
ou com todo o seu sistema de vida: há uma variedade enorme de
seres vivos, mesmo pertencendo todos ao mesmo habitat global.
Assim também ocorre com os seres inteligentes do cosmos. Guardam
todos sua origem comum, divina, ainda que a forma exter
Crepúsculo dos Deuses 91
na, o meio social e mesmo a dimensão em que cada um se movimenta
os façam fundamentalmente distintos entre si.
— Por certo que a forma e as demais particularidades deste
ou daquele ser inteligente e consciente são adaptadas ao ambiente
do planeta onde vivem — adiantava-se Lasar.
— Sim, e são especificidades determinadas por aspectos da
natureza intrínseca a cada orbe, tais como pressão atmosférica,
gravidade, entre outros, bem como, e principalmente, pela forma
primordial, animal, da qual se originaram em processo evolutivo
orgânico, biológico e genético.
— Se os extraterrestres reiteradamente estiveram em visita
à Terra, por que essa possibilidade causa tanto estranhamento
e comoção aos governos e povos? Qual a razão de tanto mistério
e superstição a respeito? Por que não encarar o fato com
naturalidade?
— Creio, Jaffir, que a questão é complexa — interrompia
Lasar. — Há vários elementos determinantes que poderíamos
apontar, a começar pela própria vaidade, traço que embota a
visão. Considere que, durante muitos séculos da Terra, no período
que chamam medieval, predominava a idéia, pelo menos
na porção ocidental do globo, de que seu planeta era o epicentro
do universo!... Só o autocentramento excessivo explica tal
prerrogativa.
Voltando aos seus relatos, prosseguia Mnar, serenamente:
— Definitivamente sou da opinião que se os humanos observassem
melhor seus próprios registros históricos veriam
como foram visitados em várias épocas por seres de outras
moradas. Tanto receberam os alienígenas, que, no decorrer do
tempo, se mesclaram aos terrícolas, em processo de fusão cultural
e racial, quanto abrigaram os que, apenas como visitantes
Robson Pinheiro • Ângelo Inácio
silenciosos, vieram para cá inspirados pelo desejo genuíno de
assistir o progresso do mundo. As fontes e os documentos históricos
de todas as civilizações contêm sinais da presença desses
seres misteriosos do espaço, apontamentos que foram motivados
inclusive pelo pitoresco, digno de destaque em qualquer
época. É que, não esqueçamos — acrescentava o guardião, com
uma pitada de irreverência, que não lhe era habitual — tanto
quanto para nós, capelinos em excursão à Terra, seus habitantes
não correspondem ao nosso padrão de beleza, igualmente a seus
olhos certamente parecemos estranhos, e até mesmo bizarros,
eu diria. É óbvio que possuem outros parâmetros estéticos sob
os quais baseiam sua civilização. Convenhamos: nossa semelhança
com esses seres da Terra é muito mais na essência do que na
aparência...
O bom humor de Mnar despertara sorrisos, criando uma
atmosfera suave e agradável no interior da nave.
— Mas os seres deste planeta são de uma raça humanóide,
como a nossa... — argumentava Jaffir.
— Claro, meu irmão — interferiu Lasar. — Sabemos que as
raças humanóides do universo têm a mesma forma física, ou seja:
são bípedes, andam eretos, têm os membros em lugares semelhantes,
os quais obedecem a proporções relativamente parecidas,
e muitos dos seres humanóides respiram o mesmo tipo de
ar. Todavia, encerram peculiaridades quanto aos demais detalhes,
o que os torna também bastante diferentes entre si. Repare,
por exemplo, os seres de Verg, aqueles que assistiram Capela
no passado e continuam até os dias de hoje auxiliando-nos em
direção ao progresso. São seres humanóides, porém sua estrutura
externa difere muito da dos habitantes do Cocheiro. Tivemos
contato com seres de outros planetas do sistema solar, a que
a Terra pertence; embora todos eles sejam de raças humanói
Crepúsculo dos Deuses 93
des, guardam certas distinções que os caracterizam, justamente
de acordo com os aspectos físicos de seu mundo, de que falávamos
há pouco.
Todos ponderavam acerca das colocações de Lasar, que versava
sobre a vida nas diversas comunidades intergalácticas com
desembaraço. Prosseguia, animado:
— Mais adiante, recorde que, quando aqui chegamos em
nossa expedição, fomos observados pelos seres que habitam um
satélite do maior dos planetas deste sistema, a que os humanos
dão o nome de Júpiter. É um planeta de estrutura bem estranha
à Terra. Sua atmosfera é rica em hidrogênio, metano e amoníaco,
uma combinação bastante distante daquela que se vê nas atmosferas
terrestre e capelina. É ingênuo supor que neste mundo
encontraremos a vida organizada segundo os padrões terrestres
ou capelinos. Certamente é de se esperar que os seres desse
mundo, ou de outros semelhantes, haverão de ser capacitados a
viver nesse habitat; serão forçosamente distintos de nós ou dos
nossos irmãos terrestres. O sistema de vida encontrado lá inevitavelmente
deverá ser organizado em bases divergentes daquelas
observadas nos mundos do oxigênio. E bastante claro, não? Lá o
ar atmosférico é outro, seus lagos, rios, mares e oceanos são repletos
de metano e amoníaco... Os cientistas humanos ortodoxos
possivelmente definiriam nossas especulações de esoterismo
barato, não acham?
— Imagine se nós respirássemos nessa atmosfera... — interferiu
Jaffir.
— Seríamos envenenados em instantes e, por fim, não apreciaríamos
as belezas naturais desse mundo, que encanta seus
habitantes, incontestavelmente.
— É — falou agora Girial, que se mantivera calado por al
94 Robson Pinheiro • Ângelo Inácio
gum tempo — muitas coisas que para nós são importantes também
são paradigmáticas, produto de nossa cultura e civilização.
De maneira alguma nossos valores são os melhores, e nossos arcabouços
culturais, os mais acertados. Cada ser no universo é o
produto de suas próprias conquistas e da soma do meio em que
vive. Capela é deslumbrante para nós; porém, para seres que
respiram metano e outros gases, convivem com cascatas de amoníaco,
indubitavelmente seria um mundo árduo para sua sobrevivência.
Sempre acabo me indagando como os seres humanos
deste planeta ainda não despertaram para essa realidade cósmica
da criação. Como julgar os outros pelos mesmos padrões que
estamos acostumados, de acordo com nossos pontos de vista?
Todos têm o seu papel no grande organismo da vida universal.
— Seguramente, nobre Girial — continuou o comandante
— haverá um dia em que os habitantes do mundo Terra banirão
a guerra de seu planeta e se abraçarão como irmãos. As
fronteiras políticas e geográficas perderão a razão de existir;
os homens não serão mais cidadãos de países, mas do mundo, e
assim estarão preparados para encontrar outras formas de vida
no universo, ingressando na grande comunidade cósmica dos
filhos de Deus.
— Lasar — chamou Jaffir — estamos recebendo um chamado
da Estação Rio do Tempo, nas proximidades da Terra. Trata-
se dos espíritos que estagiam em dimensão diferente daquela em
que se encontram os humanos chamados encarnados.
— Chegou a hora do contato inadiável, capelinos; o momento
pelo qual todos aguardávamos. Estamos prestes a ver os
seres humanos face a face, embora estes seres que nós contatamos
sejam consciências extrafísicas, segundo o padrão de vida
da Terra. Espero que possamos nos ajudar mutuamente.
Falando assim, Lasar dirigiu-se para a sala de navegação, a
Crepúsculo dos Deuses
fim de entrar em contato com os habitantes da Estação Rio do
Tempo. De acordo com o que sabia, era uma espécie de base
onde os seres extrafísicos do planeta intentavam comunicar-se
com os humanos, encarnados.
Duas culturas, dois mundos irmãos representados por seus
habitantes agora se encontrariam, visando a um tratado de auxílio
mútuo. O local de encontro se daria nas proximidades da
Lua, como se chamava o único satélite da Terra. A região guardava
a particularidade de ser o ponto do espaço onde a gravidade
terrestre e a gravidade lunar se anulavam mutuamente, por
serem forças antagônicas. Uma região neutra, conforme diziam
os capelinos.
Um homem
da Terra
MAURÍCIO HAVIA novamente partido do Brasil.
Ao decolar do Galeão, observando o litoral e os
pães-de-açúcar, que produziram Tom Jobim,
Vinícius de Moraes, João Gilberto e a Bossa
Nova, com toda a sua majestade, lembrara dos
problemas que estava vivenciando. Do ritmo que
tanto apreciava, sentia a ponta de nostalgia que,
quem sabe, talvez tenha sido a inspiração daqueles
músicos, artistas e poetas ao contemplar a
beleza singular do Leblon. Drummond e tantos
outros também haviam declarado seu amor incondicional
ao Rio — que seria sempre a Cidade
Maravilhosa.
Estava a bordo da primeira classe da aeronave,
cercado de todo o conforto, a caminho
Crepúsculo dos Deuses 97
de Frankfurt. Com a mente inquieta, as horas de vôo pareciam
intermináveis, e muito poucas haviam se passado. A seu lado,
uma mulher formosa, contratada pela mesma clínica em que
Maurício trabalhava. Mas o charme dessa mulher não conseguia
encobrir algo estranho em sua atitude, que Maurício não conseguia
identificar.
Ainda que com o pensamento ligado à bela companhia e aos
conflitos íntimos que enfrentava, Maurício foi obrigado a esboçar
um sorriso ao se lembrar dos homens que fundaram a imensa
rede de laboratórios a que se vinculava. O estranho é que,
mesmo com a gratidão que nutria por esses indivíduos, ao mesmo
tempo em que sorria, um quê de desapontamento ou receio
brotava de sua alma. Estava ficando farto de tantos sentimentos
dúbios.
Na verdade ele desconfiava de que havia alguma conexão
entre a organização para a qual trabalhava e pessoas do governo
federal, como alguns deputados e senadores, que suspeitava estarem
envolvidos no imenso império.
Sim, havia muita coisa que Maurício via com reservas, mas
procurava distrair-se, pois ainda não chegara nem perto da verdade.
Era como uma intuição. Ele apenas desconfiava.
Muniz era apenas um dos cabeças que lideravam o enorme
conglomerado. Muito dinheiro escondia-se por trás de todo aquele
jogo de poder. Ninguém, de fato, ou quase ninguém, preocupava-
se com a saúde da população, não fossem as cifras gigantescas
que iriam engordar os cofres e as contas bancárias. A indústria
dos medicamentos se transformara numa grande fonte
de renda e de poder.
Mas agora todos os laboratórios corriam em busca de uma
vacina, de um medicamento definitivo que pudesse assolar de
98 Robson Pinheiro • Ângelo Inácio
vez o Hiv, que já estava consideravelmente disseminado, tornando-
se assim um empreendimento "viável economicamente", como
costumavam declarar os assessores de imprensa. O objetivo, porém,
era que somente aquele que ganhasse a corrida contra o
tempo (e contra o vírus) ficasse de posse do elixir de enriquecimento
mágico. Muita coisa estava em jogo.
Por causa dos medicamentos contra o HIV, muitos países
ficavam atrelados a compromissos sérios com os laboratórios.
Era a chamada lei de patentes. E paralelamente a toda essa luta
em busca de uma vacina ou de um medicamento antiviral definitivo,
havia a luta contra o câncer, na qual estavam interessados
não só os laboratórios estrangeiros, mas também os brasileiros.
Essa escalada representava, para os homens donos do poder e
dos financiamentos para as pesquisas, não uma questão de princípio.
O combate da doença era sobretudo uma questão de domínio
e de cifrões.
Entretanto, tudo ainda não passava de um conjunto de boatos
e especulações entre os diversos laboratórios, que não deixavam
de movimentar as bolsas ao redor do globo, valorizando
as ações das empresas do setor. Na multinacional onde trabalhava,
ou melhor, nas clínicas a ela associadas, os responsáveis resolveram
tirar a história a limpo. Haviam ou não descoberto uma
vacina contra o câncer? Estariam ocultando algo da população?
Maurício deveria se aproximar da fonte da verdade — era muito
nobre sua tarefa. Ao refletir sobre isso tudo, tornava a se perguntar
o porquê da desconfiança que sentia.
Maurício não suspeitava que ele mesmo não deveria conhecer
toda a verdade e as intenções por detrás de sua incumbência.
Se isso ocorresse, sua vida correria ainda mais perigo.
Mas ele não sabia disso.
Crepúsculo dos Deuses 99
Não obstante, havia um detalhe que tornava tudo ainda mais
árduo para Maurício. Sua missão era se infiltrar entre os representantes
dos diversos laboratórios, que se reuniriam em Frankfurt,
e descobrir algo sobre os medicamentos. É que havia uma
diligência do FBI e da CIA que interfeririam diretamente nos assuntos
tratados nas reuniões entre os enviados de vários países.
Sua aproximação deveria ser feita em câmera lenta, portanto.
Com muita cautela.
A mulher que o acompanhava era Irmina Loyola, uma bela
companhia para os momentos difíceis que certamente iria encontrar.
Foram apresentados no Aeroporto Internacional Tom
Jobim. Ainda não haviam tido tempo de se conhecer direito, mas
aquela mulher irradiava uma aura diferente. Isso era tudo que
suas percepções conseguiam extrair de Irmina. Nada mais, nada
menos.
A ação dos dois deveria ser a seguinte: havia algum tempo
que o laboratório recebera um medicamento para o combate ao
câncer. A tal substância apresentava-se em ampolas de 250mL e
provinha diretamente da rede de laboratórios experimentais dos
quais se tinha notícias acerca do chamado medicamento definitivo.
Seria a substância recebida o protótipo da tal droga?
Somente 30 ampolas por vez eram remetidas da Europa para
o laboratório de Maurício — o medicamento experimental e sua
produção mantinham-se em pequena escala. Por isso o laboratório
receberia poucas ampolas, para testes com pacientes terminais.
Até agora a substância havia sido experimentada em cinco
pacientes no Rio de Janeiro, porém tudo isso permanecia — é
claro — escondido das autoridades e do Ministério da Saúde.
Era questão de política interna do laboratório e exigência da
matriz européia.
Irmina deveria chegar próximo à área de produção do me
100 Robson Pinheiro • Ângelo Inácio
dicamento e lá contatar um certo homem, um elemento de confiança
(bem remunerada), que seria o seu ponto de ligação com
a verdade a respeito da tal vacina. A partir desse elemento-chave,
seria muito fácil para Irmina obter alguma novidade. Mas ela
não faria tudo isso sozinha. Maurício, sem o saber, seria uma
espécie de marionete nas mãos de Raul, o presidente da clínica
para o Brasil. O jovem doutor ficaria alguns dias realizando conferências
e, simultaneamente, participaria de alguns cursos visando
a sua especialização em infectologia e imunologia. Abriria
inconscientemente as portas dos laboratórios para Irmina, que
deveria realizar o verdadeiro trabalho sujo. Maurício era um
médico conceituado e respeitado no lugar aonde iria — tudo era
uma questão de tempo.
Irmina deveria acertar como se daria a remessa de informações
para o Brasil. Seu elemento de ligação na cidade alemã
transmitiria a ela instruções precisas, já que somente um laboratório
em toda a América Latina recebia as ampolas do medicamento
experimental. Era, portanto, assunto altamente confidencial.
O tal indivíduo poderia inserir um chip de computador, devidamente
preparado, dentro de uma das ampolas que seriam
enviadas ao Brasil, e somente ao chegar em seu destino tal ampola
seria identificada. Não se tratava de descobrir alguma fórmula
de um possível medicamento, e sim de estabelecer uma
rede de informações seguras. O resto viria mais tarde.
Isso era o que Maurício pensaria, mais tarde.
Maurício fechou os olhos enquanto o vôo prosseguia rumo
ao seu destino. Já haviam decolado há um bom tempo. Seu pensamento
divagava. Entre o trabalho que o aguardava e os assun
Crepúsculo dos Deuses
101
tos tão palpitantes que ele desejava pesquisar, tudo passava por
sua cabeça naquele silêncio prolongado, já um tanto incômodo.
— Em que está pensando? — soou a voz melodiosa de Irmina
Loyola — ou será que atrapalho o seu sono?
— De jeito nenhum — respondeu Maurício — apenas refletia
sobre algumas questões. Notei que você dormia e resolvi
fechar os olhos enquanto pensava. Creio que me distraí, e passou-
se muito tempo; perdemos inclusive o serviço de bordo.
— Teremos a próxima refeição quando amanhecer. Creio
que trabalharemos juntos por alguns dias, de qualquer forma, e
não vejo razão para não nos conhecermos melhor.
— Sim, será bem menos entediante trabalhar com você do
que sozinho. Afinal, qual a sua tarefa em Frankfurt?
— Então não sabe? — representou Irmina. — Sou química
de um laboratório em São Paulo e vim apenas para realizar contatos
em Frankfurt. Devo estabelecer uma parceria para pesquisas
de doenças tropicais e convencê-los de que, pelo menos no
tocante à área técnica, é um negócio confiável investir neste projeto.
Os alemães estão muito interessados em estudos nesse sentido.
Em contrapartida, aprenderei alguma coisa com eles. Só
isso! É minha primeira vez na Europa.
— Ah! — respondeu Maurício. — Isso é muito bom mesmo.
Você vai gostar da cidade. Eu adoro a Alemanha.
— Mas me diga, em que estava pensando, assim tão concentrado?
— Irmina procurava esconder o verdadeiro motivo de
sua viagem fazendo-se de inocente, papel que não lhe assentava
muito bem, dado seu forte gênio sedutor. — Disseram-me lá no
Rio que você é um estudioso da história e da política e aproveita
suas viagens para especializar-se cada vez mais em assuntos relativos
à sua profissão...
102 Robson Pinheiro • Ângelo Inácio
— Parece que você está muito bem informada a meu respeito
— comentou Maurício. — Tudo bem, nada disso é segredo
meu. É que eu decidi, há alguns anos, aprofundar-me na história
do planeta Terra, notadamente das civilizações da Antiguidade
e da Pré-História, e acabei me apaixonando por tudo o que
descobri. Como você assinalou, em minhas viagens tenho conhecido
muita gente atraída pelos mesmos assuntos. O que é muito
bom, pois aproveito meus momentos de folga para estudar e,
ainda, fazer novas amizades. Algumas vezes faço contatos pela
internet e, quando viajo, conheço-os pessoalmente. Visito lugares
históricos, sítios arqueológicos, museus e bibliotecas. Aprendi,
com o passar dos anos, a dividir minha vida e meu tempo,
organizá-los de acordo com as necessidades do trabalho e de
minhas pesquisas.
— Uau! Que interessante! Continue; me fale algo de suas
pesquisas... — assim que Irmina tocou no assunto predileto de
Maurício, percebeu que insistir no ponto era a estratégia ideal
para desviar a atenção do jovem doutor do verdadeiro motivo
que a levava à Europa.
— Veja bem — continuou Maurício, embarcando nas artimanhas
de sua companheira — tenho observado em minhas
pesquisas, juntamente com outras pessoas de uma série de países,
que há algo diferente acontecendo no planeta Terra. Há tanta
mudança em curso no panorama político do mundo que não
podemos ignorar que algo muito maior e mais importante está
por trás dos recentes eventos mundiais. Na última metade do
século xx, várias transformações de grande relevância para a
história do planeta tiveram lugar. Houve um progresso sem precedentes
após o fim da Segunda Guerra e, no campo político, a
formação de uma espécie de governo mundial, com representantes
de diversas nações do mundo. Tentativa semelhante se
Crepúsculo dos Deuses 103
dera com a Liga das Nações, após 1918, frustrada no período
Entre-Guerras. Instituições mundiais que se consolidaram, como
a Organização das Nações Unidas e outras mais, refletem um
grande progresso e um passo importante rumo a um governo
mundial, a um entendimento mais amplo entre os povos.
— Sim, mas você não deve ignorar que muitos desmandos
têm sido cometidos por delegados da ONU, que atendem muitas
vezes ao interesse de nações que detêm privilégio na administração
do órgão, ou seja, o grupo dos países mais ricos e influentes,
o G-8. E ainda há muito a se corrigir na política desses povos
representados pelas Nações Unidas — contestou Irmina.
— Claro, claro, tudo isso é verdade. Em apenas 50 anos, no
entanto, não podemos esperar uma política muito justa, pois lidamos
com valores forjados em séculos, milênios de história. O
que digo é que isso representa um grande progresso, dada a
história da política mundial. Por exemplo, Irmina: veja como a
política já caminhou e progrediu de modo exemplar quando se
fala de direitos humanos, da criança e do adolescente. Tais conquistas
não ocorrem por acaso, e em toda a história do homem
sobre a Terra desconhece-se outra época em que os direitos têm
sido tão reafirmados e valorizados como agora.
— Mas ainda se praticam verdadeiras monstruosidades por
aí. É muito fácil falar.
— Sim, também lhe dou razão. O progresso está no fato de
que agora não passam despercebidos de ninguém os absurdos
praticados em todo o mundo. A barbárie choca o ser humano,
que se define cada vez com mais tenacidade contra tal atitude.
Antes não era assim. Tudo o que hoje repugna do ser humano
era tido como natural no passado. Quer um exemplo? No passado,
a humanidade divertia-se no Coliseu, assistindo a homens
digladiando entre si, com leões e feras. E isso ocorria no centro
104 Robson Pinheiro • Ângelo Inácio
intelectual do mundo ocidental! Hoje há problemas de violência
no futebol e nas arquibancadas, mas melhorou, não é? Já existe
um imenso progresso em constatar com indignação os crimes
hediondos cometidos contra o ser humano.
Irmina olhava para Maurício com explícita desconfiança:
— Até mesmo na política e nos círculos de poder — prosseguia
ele — não estão mais sendo tolerados os abusos e a corrupção,
tidos como naturais por tanto tempo. E certo que, por enquanto,
perduram os atos ilícitos e criminosos no panorama
político, que lesam duramente o povo. Já são, contudo, delatados,
questionados, particularmente no caso do Brasil, por exemplo,
em que os políticos têm sido compelidos a agir com mais
cautela. As comissões parlamentares de inquérito, as CPis, têm
um lado meio "caça às bruxas", que dá um ibope para os "caçadores",
mas é fato que ninguém mais poderá ter tanta certeza da
impunidade, como sempre ocorreu nos 500 anos de Brasil.
— Isso é verdade, mas creio que falta muito para que os
nossos políticos se eduquem de tal maneira a corresponder às
expectativas da população.
— No entanto, se cada um não se renovar, mudando sua
conduta pessoal, em vão esperarão políticos mais humanos, corretos
ou justos. Não se pode projetar a culpa sobre os dirigentes,
deles esperando determinada atitude que a própria população
não está pronta a dar. Cada cidadão é íntegro, ético, no âmbito
de suas relações? Eles são nossos representantes, afinal... isto é,
reflexo de todos.
— Isso quer dizer que, enquanto houver algum brasileiro
desonesto, a classe política está escusada de cumprir a lei? Não
posso concordar...
— Não é isso o que digo. Não pretendo justificar um erro
Crepúsculo dos Deuses 105
com outro, mas destacar a importância de sermos coerentes.
Quando cobramos determinada atitude de alguém, pressupõe-
se que a praticamos, não é? Se as pessoas não se conscientizarem
a respeito de seu papel na formação de uma consciência
mais justa e universal, torna-se difícil a mudança. O célebre
ditado "Faça o que eu digo, mas não faça o que eu faço" nunca
se cumpriu.
Maurício tinha os olhos brilhantes ao defender sua visão
das coisas.
— Olhe o que ocorreu na Alemanha — prosseguiu — a propósito
de nossa viagem. Durante certo período, devido a várias
questões históricas, que não vêm ao caso, o povo alemão nutria
um desejo desmedido de poder, e em todos os setores da sociedade
se notava uma franca tendência ao isolamento. Alimentava-
se a crença de que eram uma nação privilegiada, uma raça pura
e diferente das demais. Resultado: os anseios da população produziram
políticos que correspondiam a seus instintos e desejos.
À medida, contudo, que a consciência do povo renovou-se, com
o transcorrer das gerações, adotando-se uma nova postura ante
a comunidade mundial, os governos da nação cindida modificaram-
se. E de tal forma que não havia mais lugar para a divisão
territorial e política. Foi a queda do muro de Berlim, um dos
fatos mais relevantes na história mundial recente.
Irmina, que resolvera conversar para distrair o jovem doutor,
ouvia-o com atenção, apesar da desconfiança. Ele persistia:
— Simultaneamente, Gorbatchev trazia mudança e abertura
para o bloco socialista, na antiga União Soviética, ocasionando,
por sua vez, transformações de impacto global. Veja, Irmina, que,
na atualidade, a Comunidade Européia está implantando uma
moeda única, um projeto ímpar que obriga ao abandono das vaidades
nacionais, em nome do bem-estar comum. Todos os antigos
106 Robson Pinheiro • Ângelo Inácio
valores ao redor do mundo estão ruindo ante a necessidade de
renovação. Por isso, insisto terminantemente no que disse: todas
essas mudanças escondem algo muito maior por trás delas.
— O que exatamente você quer dizer com algo muito maior?
Não lhe compreendo as palavras.
— É que as mudanças que têm ocorrido no mundo todo
não se referem apenas aos fatos políticos. Muita habilidade mental
é necessária para se unir os elos da grande corrente dos acontecimentos
e construir uma visão de conjunto.
— Creio que eu não esteja compreendendo direito, pelo fato
de não me ligar nessas coisas. Mas vejo que você parece ser um
otimista incorrigível. Por trás de cada desgraça que há em toda a
parte você vê o progresso a se realizar.
—Acredito que não seja bem isso o que você está pensando.
Entretanto, para quem se dedica ao estudo da vida e da história
numa perspectiva mais cósmica, os eventos do mundo se apresentam
como um grande quebra-cabeça que requer, como eu
disse, bastante habilidade para unir as peças.
— E quanto a essas mudanças, que você afirma observar em
outras áreas do cenário internacional, não consigo perceber nada
diferente, ou pelo menos que me chame a atenção...
Maurício parou por um minuto, fixando o olhar em Irmina.
Dava-lhe a impressão de estar sinceramente interessada na
conversa, embora não estivesse acostumada a ver o mundo sob
esse ângulo.
— Quando se observa o planeta sob um ponto de vista mais
abrangente, vê-se que toda a Terra é um organismo gigantesco e
que sua estrutura interage diretamente com a conformação psíquica
do ser humano. Pense no comportamento da natureza nos
últimos tempos: clima instável, intempéries geológicas, cataclis
Crepúsculo dos Deuses 107
mos naturais que assustam o homem. Reflita agora sobre os diversos
aspectos da vida social: economia, lazer, política, educação
e cultura, tecnologia e comunicações, vida nas grandes cidades,
relações diplomáticas... todas as áreas têm sofrido mudanças
de alcance global. O que estou dizendo é que, de um modo
geral, são o reflexo da transformação íntima pela qual têm passado
os habitantes do planeta.
Ainda que de forma não premeditada, Maurício dava vazão a
toda a inquietação que rompia de seus pensamentos recentes.
— Observe que por muito tempo o homem está na face da
Terra empreendendo o seu progresso. Junto com as observações
que fiz, e em decorrência delas, outra questão repercute
em minha cabeça: quando teve início tudo isso; como viemos
parar neste planeta? A pergunta é, melhor dizendo: De onde
veio o homem? De algum mundo distante? Somos ou não produto
da própria Terra?
— Me desculpe, Maurício, não pretendo ser rude, mas acho
que agora você está delirando um pouco...
— É... quem sabe esteja? Enfim, acho que não é mesmo
hora para perguntas filosóficas ou existenciais... — E, movimentando-
se na poltrona do avião, no gesto típico de quem quer
mudar o rumo da conversa, convidava — Que tal a gente pedir
algo para beber?
O vôo prosseguia em direção a Frankfurt, enquanto Maurício
percebia que os assuntos que lhe interessavam não eram exatamente
aqueles preferidos por Irmina.
— Meu Deus — pensava Irmina — como esse homem é
maluco! Ridículo! Com um futuro brilhante pela frente e tanta
coisa para se preocupar, ele me vem logo com esse tipo de pensamento
besta... Parece delirar. Bom, pelo menos ele não teve tempo
108 Robson Pinheiro i Ângelo Inácio
de me perguntar mais sobre os verdadeiros motivos de minha
viagem em sua companhia. Durante os dias na Alemanha certamente
terei de agüentar mais desses comentários idiotas.
O avião que transportava Maurício e Irmina aterrissou,
finalmente. Os dois foram recebidos por uma equipe que já
estava a sua espera no Frankfurt Flughafen, o aeroporto internacional
da metrópole germânica. Num momento, Maurício
fitava Irmina como que fascinado por sua beleza; noutro, intrigava-
se com o evidente jogo sedutor que subliminarmente ela
punha em prática. Quais motivos a levariam a jogar assim com
ele? Maurício definitivamente desconfiava que havia algo obscuro
por trás do comportamento de Irmina, ainda que não possuísse
nenhuma pista concreta a respeito. Era apenas uma sensação,
mas começava a pensar que aquilo era mais que simples fantasia
de sua mente.
Irmina, por sua vez, já se encontrava entediada com a situação.
Afinal de contas, Maurício não era de se jogar fora —
era, além de tudo, um excelente partido. Mas ela não conseguia
se livrar da má impressão que ele lhe causara com aquelas conversas
tolas a respeito da história do planeta Terra, da política e
de outras coisas que ela somente pudera perceber como um jogo
de associação de idéias. Tolerar alguém com esse papo careta e
tanta idéia estranha era demais para ela. Que será que havia com
ele? Para conversar todas aquelas abobrinhas e não tomar a iniciativa
com ela... Por outro lado, pensava, bem que ele dera algumas
boas encaradas.
Maurício aproveitaria a oportunidade da viagem para entrar
em contato com alguns amigos que fizera na cidade em ou
Crepúsculo dos Deuses 109
tra ocasião. Também se dedicaria aos contatos, palestras e cursos
para os quais fora enviado do Brasil. Irmina, porém, tinha
outros planos.
Ambos não sabiam o que os aguardava. Apenas especulavam,
e sua expectativa estava longe de ser concretizada.
Crepúsculo dos Deuses
111
um minuto sequer da conversa. Para mim, os habitantes de Capela
— presumivelmente bizarros — eram muito semelhantes a
nós, os humanos do planeta Terra. Quem os visse jamais os associaria
às aberrações apresentadas nos filmes de ficção científica
da velha Terra. Não mesmo. Eram esbeltos, belos e tinham um
sorriso enigmático emoldurando o rosto.
Foi o capelino chamado Mnar quem falou depois:
— Nós viemos para o seu mundo em busca de notícias a
respeito das legiões de capelinos que um dia vieram deportados
para a Terra. Quando aqui chegamos, transcorria um período
de grandes conflitos entre os seus povos. Pudemos descobrir
assim, para o nosso espanto, o que fizeram os retardatários do
grande êxodo em seu planeta.
Arnaldo adiantou-se na conversa, mostrando grande interesse
pelo tema, enquanto eu e os outros ficávamos apenas
ouvindo.
— Então vocês identificaram os capelinos atrasados em nosso
meio?
— Não os identificamos individualmente, mas detectamos
os estragos realizados no mundo de vocês a partir dos conluios
entre os nossos e os muitos do seu mundo. Aquilo que vocês
chamam de Segunda Guerra Mundial, evento ao qual nos referimos,
representa um esforço dos retardatários do progresso
em dominar as consciências e manter a Terra prisioneira de seu
acanhado ponto de vista com relação à vida. O processo é muito
claro, pois algo semelhante ocorreu conosco, como civilização.
— O que podemos fazer por vocês a fim de cooperar nessas
pesquisas?
— Precisamos consultar os arquivos do seu mundo e pesquisar
a respeito dos eventos do seu passado espiritual, que se
112 Robson Pinheiro • Ângelo Inácio
confunde com o nosso. Quanto a identificarmos os nossos irmãos
que para aqui vieram no passado, isso não será mais necessário.
Chegamos à conclusão de que, durante todos estes
séculos em contato com o planeta Terra, houve um processo
de aculturação e fusão racial. Talvez não seja a forma ideal de
nos referirmos ao fato, mas nossa comunicação prescinde de
palavras e meios de expressar nossas idéias que não encontramos
em seu vocabulário. Nesse lapso de tempo transcorrido
entre a chegada dos nossos irmãos capelinos, o retorno da
maioria deles para pátria natal e a época atual, os remanescentes
do nosso povo passaram a conviver de tal forma com os
terrestres que sua identidade racial e espiritual agora se identifica
com seu povo. O objetivo da evolução no universo é, afinal,
transformarmo-nos todos em irmãos, ou, ao menos, conscientizarmo-
nos dessa realidade.
Outro capelino nos falou de maneira ainda mais acolhedora
que os anteriores, aumentando assim minha ânsia de
conhecimento.
— Somos orientados por um código de ética universal a não
interferirmos nos assuntos dos mundos visitados, nem revelarmos
conhecimentos científicos que possam ir de encontro ao
momento evolutivo de outros planetas; se pudermos, todavia,
fazer algo em retribuição pela boa-vontade de vocês...
— Claro — adiantou-se Romanelli, todo satisfeito com a
oferta. — Gostaríamos de saber algo a respeito da vinda das
legiões capelinas para o nosso mundo, no passado.
Olhando para Romanelli de soslaio, Arnaldo ainda tinha o pensamento
direcionado para o pedido do companheiro espiritual:
— Sabemos do êxodo dos capelinos, entretanto não temos
informações sobre o que ocorreu em seu mundo para
Crepúsculo dos Deuses
113
provocar sua vinda para a Terra, que eventos marcaram esse
episódio dramático...
Desta vez foi Innumar quem falou, mostrando-se prestativo:
— O nosso venerável Mnar foi um dos capelinos degredados
àquela época, que depois retornou ao nosso mundo.
Com certeza trará valiosa contribuição para as pesquisas de
vocês quanto ao nosso passado; enquanto isso, poderemos também
pesquisar em seus arquivos algo que nos ofereça maiores
conhecimentos.
Ao ouvir falar do passado de Mnar e de sua participação
como exilado na Terra, Romanelli e eu imediatamente nos sentimos
atraídos para mais perto do visitante. Abria-se uma imensa
possibilidade para nós naquele momento. Eram tantas as perguntas
que careciam de respostas e tantas respostas e comentários
de autores terrenos que não esclareciam nada sobre o tema...
Precisávamos aproveitar o tempo à nossa disposição.
Depois de levar alguns de nossos visitantes siderais para visitarem
os arquivos da Estação Rio do Tempo, ficamos nós, os
curiosos desencarnados, Mnar e Innumar, que nos auxiliariam
com esclarecimentos preciosos.
— Primeiramente gostaria de saber — adiantei-me — como
os antigos capelinos vieram para a Terra. Vieram em corpos
materiais ou espirituais? Ou melhor, reformulando a pergunta,
eles vieram em naves espaciais ou através da força mental foram
transportados pelo espaço? Como venceram as imensas distâncias
siderais que separam Capela da Terra?
Olhando para Mnar, o outro visitante capelino falou, pausadamente:
— Creio que seria melhor recorrer aos seus arquivos mentais,
nobre Mnar. Talvez acessando registros do passado impres
114
Robson Pinheiro • Ângelo Inácio
sos em sua memória suplementar possamos servir melhor às
necessidades de conhecimento de nossos anfitriões.
— Creio que sim, Innumar — ambos dialogavam com imenso
carinho e profundo respeito. Era um sentimento complicado
de ser descrito na linguagem humana que permeava seu relacionamento.
Sentamo-nos todos ali mesmo, preparados para ouvir de
Mnar o seu relato. Cada instante era precioso. Conforme disseram
os capelinos, em breve estariam de volta, e não poderíamos
perder a oportunidade. Ouvira falar por diversos espíritos
de nossa cidade espiritual acerca do degredo dos povos
do Cocheiro, da distante estrela de Capela. Todos apenas repetiam
a mesma história, sem abordar com detalhes o que ocorrera
no mundo distante, que motivou a vinda daqueles seres
para o nosso mundo. A história se repetia em cada discurso,
reafirmando reiteradamente que os capelinos eram orgulhosos,
que escolheram o caminho mais difícil e chavões semelhantes.
Agora, contudo, estávamos diante dos próprios capelinos.
Que jornalista poderia desejar maior autenticidade
de sua fonte? Poderiam nos dar sua própria versão da história...
Não a história que se passou aqui, na Terra, após sua
chegada há milhares de anos, mas a história que se passou
antes — em seu próprio mundo.
Mnar sentou-se semelhante a nós, recostando-se; porém,
como que pensativo. Seus olhos pareciam se perder no espaço
vazio, e tivemos sensação de que todos nós estávamos, juntamente
com ele, retornando ao passado. Em torno de nós
não havia mais os limites da estação que nos abrigava. O tempo
corria em sentido contrário, e, sob o influxo da mente de
Mnar e de Innumar dos capelinos, fomos projetados mentalmente
ao passado, numa espécie de simbiose mental com Mnar.
Crepúsculo dos Deuses
115
Víamos e ouvíamos através dele e participávamos dos mesmos
eventos impressos em sua memória fantástica. Um mundo
novo se desdobrava em nossa mente. Não precisávamos nos
preocupar em assinalar o que ouvíamos e víamos. Tudo estaria
registrado em nós mesmos.
Crepúsculo dos Deuses 117
Já há bastante tempo que a política americana consistia em
manter um jogo duplo com diversos países: uma coisa no campo
da diplomacia, outra no dia-a-dia, fora das embaixadas e do
glamour dos coquetéis e recepções.
Agora, entretanto, John se via diante de um problema complicado
demais para ele solucionar sozinho. O verdadeiro motivo
pelo qual fora enviado a Frankfurt transformara-se repentinamente
em objeto de interesse de agentes dos mais variados
países. Justamente o que eles pretenderam esconder, ou melhor,
ofuscar das potências estrangeiras era agora percebido por agentes
da contra-espionagem. O problema é que isso só seria possível
caso houvesse alguém dentre o time de agentes exercendo
espionagem; um agente duplo, que fizesse vazar as informações
mais sigilosas.
Não poderia ser! Como explicar, então, a desconfiança geral
que se evidenciava entre os representantes dos maiores laboratórios
mundiais, que se reuniam periodicamente em Frankfurt?
Ali mesmo não havia um laboratório que desenvolvesse uma
tecnologia capaz de produzir o medicamento definitivo contra o
câncer ou que combatesse outra doença tão destruidora como
essa. Era o caso do HIV e de outros vírus, que estavam arrolados
desta vez na discussão do encontro em Frankfurt. Mas a própria
reunião na cidade alemã deveria ser tratada como um segredo
de imensa importância...
O que parecia ainda permanecer encoberto é que toda essa
história de convenção em Frankfurt tinha a finalidade mesma, entre
outros objetivos menos confessáveis, de atrair agentes terroristas.
O ar confidencial do evento, em que se pretendiam revelar as mais
recentes descobertas e avanços no campo do combate a doenças
infecto-contagiosas, tornava-o um prato cheio para a nata da criminalidade
internacional, de olho na guerra biológica. Aarmadi
118
Robson Pinheiro • Ângelo Inácio
lha fazia parte do circo para combater planos ilícitos traçados pelos
bandidos há longo tempo, que colocavam em risco a segurança
mundial. Requintes e meandros da segurança pública, a que
John estava familiarizado.
Por outro lado, o fato de permitirem que outros países entrassem
de posse do conhecimento acerca de qualquer descoberta
era parte de uma estratégia utilizada pelos Estados Unidos
com as demais nações. As reais motivações por trás de toda essa
política só o tempo poderia mostrar. Permitir à indústria farmacêutica
e aos terroristas que nela se infiltravam, em busca de
uma possível droga superpoderosa, acesso controlado à informação
era a melhor maneira de despistar aquilo que desejavam
encobrir. Uma jogada perigosa, que poderia sair errado caso a
CIA ou o FBI perdessem o controle da situação — o que, conseqüentemente,
comprometeria a legitimidade e a credibilidade
dessas agências, que eram suas credenciais nesta e em outras
áreas, em qualquer parte do mundo. Mas nem tudo estava nas
mãos dos escritórios de inteligência norte-americanos; havia
outros fatores e pormenores com os quais eles não contavam.
Justamente ele, John White — cuja carreira no FBI se dera de
maneira tão incomum e, ao mesmo tempo, com uma ascensão tão
rápida aos mais elevados postos de confiança —, encontrava-se
diante do fim de muitos de seus planos. Embora fosse aproveitada
sua experiência num outro âmbito da segurança mundial, sua
carreira chegava a uma encruzilhada. Atividades mais amplas e
que se mostrariam mais preciosas para ele acabaram por se descortinar
a sua frente, mas naquele momento ignorava o desenrolar
do dilema que o atormentava.
Vivia o pavor da ignorância. John não sabia do porvir. Ele
somente desconfiava. Apenas isso: desconfiava, ressabiado e,
paralelamente, desesperava-se com a situação. Aqueles fatos já
Crepúsculo dos Deuses
119
lhe tinham causado muita dor de cabeça, e a ansiedade tomava
conta de si.
Foi-lhe confiada uma missão especial: acompanhar um
certo brasileiro que viria para a Alemanha, cuja presença ali
era muito importante para desencadear certos acontecimentos
em escala mundial. John desconfiava que o brasileiro não
possuía sequer uma pálida idéia do que estava acontecendo. E
ele estava certo.
A memória de John White retornara ao passado. Nesses
momentos de estresse emocional ele costumava se lembrar dos
fatos mais importantes de sua vida e entrava numa espécie de
transe, quando atingia o auge da agonia e da pressão a que estava
submetido diuturnamente.
Seu pai, Joseph C. White, vivia com a pequena família num
povoado próximo...
— Ah! Meu Deus, como me meti nisso tudo?! Não imaginava
que hoje eu estaria tão comprometido com essa política absurda
só porque presenciei tudo aquilo. Estou de mãos e pés
amarrados. Nunca poderia imaginar que, de simples expectador,
me transformaria num agente do FBI. Não, agora não posso
voltar atrás — é tarde demais. E, ainda por cima, esse Maurício
Bianchinni; tinha de ser ele. Não consigo mais dormir direito de
tanto pensar nessa porcaria.
John White consumia-se, e seus passos nervosos demonstravam
sua impaciência em aguardar o vôo ligeiramente atrasado
que traria os dois brasileiros a Frankfurt. Estava distraído e,
devido às suas preocupações íntimas, não se preocupara com a
segurança; enfim, estava disfarçado. Ninguém poderia saber de
120 Robson Pinheiro i Ângelo Inácio
sua relação cora as questões internacionais.
Após o pouso do avião e a espera incômoda pelo aval da
Imigração, foi ao encontro de Maurício e Irmina, conduzindo
os dois para o hotel onde ficariam hospedados. John fizera questão
absoluta de ir pessoalmente encontrar os dois, pois desejava
sondar Maurício a respeito de seus interesses.
— E então? — perguntou John ao médico brasileiro, na intenção
de quebrar o gelo. — Como transcorreu a viagem? Alguma
novidade do Brasil?
— Somente as dificuldades que você conhece, caro John,
nada mais... — Maurício foi reticente. Não estava disposto a falar
muito e não sabia por que, mas um sentimento estranho dominara-
o desde que o avião aterrissou em Frankfurt. Aliás, tinha
a impressão de que, de uns dias pra cá, estava sempre às voltas
com sensações e sentimentos inexplicáveis, que não sabia como
interpretar.
Irmina tomou então a palavra e, mostrando-se mais disposta,
resolveu conversar, enquanto efetuavam o check-in no saguão
do hotel.
— O nosso amigo não está lá muito disposto hoje, caro John
— falou Irmina, referindo-se ao jovem Maurício. — Parece que
deseja se recolher por algum tempo antes de interagir mais conosco.
Irmina aproveitou que Maurício se retirara para ir ao toalete
e procurou tirar proveito da situação.
— Ele não é de muita conversa — disse o agente John. —
Mas sempre me pareceu uma pessoa de confiança irrepreensível.
— Não sei, não — asseverou Irmina. — Ele me parece estranho
demais. É como se vivesse em outro mundo.
Crepúsculo dos Deuses 121
— Não entendi o que quer dizer...
— É uma expressão comum no Brasil. É como se Maurício
vivesse com constantes preocupações. Algo que o incomoda de
tal maneira que tenta a todo custo disfarçar, ou então...
— Ou então...
— Não estou afirmando nada, mas tenho razões para supor
que ele anda metido com gente muito estranha. Tem uma conversa
meio insólita para alguém que exerce uma função da sua
magnitude.
Nesse meio tempo, Maurício apontava no final do amplo e
imponente saguão, vindo dos toaletes em direção ao local onde
estavam John e Irmina. Era um hotel luxuosíssimo, decorado
até com certo exagero e muita pompa, próprio da opulência do
final do século xix, início do xx. Não que chegasse a cair no mau
gosto, mas aqueles lustres enormes, com dezenas de lâmpadas
cada um, pendendo daquele teto todo rebuscado... não faziam
muito o estilo de Maurício. O ambiente em que se encontrava a
recepção era muito amplo, com a mais fina tapeçaria à moda
antiga. Era pura ostentação.
Tudo fora muito rápido para que pudesse perceber alguma
coisa diferente.
Primeiramente um estrondo forte na mesma avenida em
que se localizava o hotel. Parecia uma bomba que explodira, causando
tremenda confusão. John White saiu apressado, unindo-
se a dois outros agentes que o aguardavam na entrada do hotel.
O tumulto foi generalizado. Os hóspedes que se encontravam
no hall saíram em disparada, e o pânico ameaçava tomar conta
de todos. O caos se estabelecera. Irmina e Maurício procuraram
se esconder, enquanto John e sua equipe iam em direção ao ponto
de atrito.
122
Robson Pinheiro • Ângelo Inácio
Uma loja na movimentada avenida havia sido atingida por
uma bomba de fabricação caseira, como seria revelado mais tarde.
Os autores do atentado? Não havia como saber naquele momento.
John White ficou apavorado, pois o incidente o pegara
despreparado. Além do mais, só agora se recordava de haver
deixado os hóspedes brasileiros no hotel. Sua atenção fora distraída
com o atentado. Destroços estavam por todo lado, e a
multidão já se ajuntava, atraída pela explosão, que felizmente
não provocara nenhuma morte.
Mas havia algo errado com aquilo tudo. Algo mais, além de
uma simples explosão. John tinha de descobrir. Afinal, estavam
há apenas um dia da grande convenção na qual se encontrariam
diversos representantes de outros países. John sabia que a reunião
era parte de uma estratégia de seus superiores para despistar
os verdadeiros motivos de sua ação na Alemanha. Mas os
próprios representantes dos países envolvidos, como Maurício e
Irmina, não desconfiavam do que estava por trás de tudo aquilo.
Não podia dar mostras tão evidentes de sua tensão. E John se
deixara descuidar com um mero atentado a bomba.
Não poderia se escusar caso algo acontecesse com os membros
da comunidade internacional hospedados no hotel, que
eram um total de 72 pessoas da mais alta hierarquia na indústria
farmacêutica. Felizmente a bomba explodira do outro lado da
rua e, ao que parece, não provocara nenhum estrago no local
onde seus protegidos se hospedavam.
John deixou-se envolver pelos fatos ocorridos e ordenou a
um dos seus agentes que assessorassem a polícia local nas questões
relativas ao aparente atentado terrorista. Teria aquela bomba
alguma ligação com suas suspeitas? Ele não saberia dizer naquele
instante e resolveu deixar para mais tarde qualquer especulação,
pois sentia-se desgastado com tudo aquilo. Agora, ainda
Crepúsculo dos Deuses
123
por cima, mais esse estorvo.
— Bobagem — pensou.
E assim retornou ao hotel, sem dar maior importância ao
ocorrido.
Foi o seu erro.
Irmina e Maurício, atemorizados com o incidente, escondi
am-se atrás de uma peça no saguão do hotel. Era um enorme
hibisco artificial, de gosto duvidoso, que decorava o salão. Havia
ainda barulho e corre-corre por toda a parte. A confusão reinava
por ali, e vários hóspedes continuavam apavorados, sem se
acalmar. Muitos corriam em direção ao elevador panorâmico,
que contrastava com o ambiente, devido a sua modernidade, e
dirigiam-se às respectivas suítes.
Maurício esperou ao lado de Irmina que a confusão chegasse
a seu termo. Aguardou por longo tempo.
Enquanto John estava do lado de fora verificando o atentado
mais de perto, o hotel onde se encontravam os visitantes internacionais
ficara desprotegido. Há vários dias estava de plantão
uma equipe composta por três agentes, disfarçados de hóspedes.
Durante a explosão, no entanto, dispersaram-se todos.
Já havia a expectativa de um atentado, mas não sabiam onde se
realizaria. Quando ouviram o forte estrondo, não hesitaram em
se dirigir para o local em frente. Tudo foi muito rápido, e não
raciocinaram devidamente.
Lá fora as pessoas estavam a princípio paradas, em silêncio.
O humor sombrio, por causa da explosão, parece que paralisara
a multidão que passava na rua; só minutos depois, o tumulto se
seguiu à explosão. Igualmente, os agentes no hotel se sentiram
paralisados por questão de segundos. Apesar da expectativa, não
esperavam algo assim tão violento, uma afronta tão declarada, e
124
Robson Pinheiro • Ângelo Inácio
do lado de fora do hotel. Vencendo a inércia dos instantes iniciais,
causada pelo choque emocional, saíram de seus postos,
como se fossem hóspedes encurralados. Para trás deixaram
Maurício e Irmina que acabaram de chegar, bem como os outros
hóspedes renomados que se registraram naquele hotel. Mas
não poderiam mais ficar parados ali, e saíram depressa. De
qualquer modo, isso era necessário para não levantar suspeitas
nas outras pessoas, pensaram, já que estavam disfarçados como
hóspedes. Essa atitude irrefletida também fora um erro grave.
Irmina pressionara as costas contra a parede, pois estava
entre ela e o hibisco que decorava o hall. Estava atônita de terror,
pois nunca antes havia presenciado algo assim. Ouvira falar e
lera acerca de atentados em uma série de países, mas não os havia
presenciado pessoalmente e jamais pensou nessa possibilidade
com uma alternativa viável. Seu rosto estava pálido, e ela respirava
de forma ofegante, como se fosse sofrer um ataque do
coração a qualquer minuto. A sensação se agravou exatamente
no momento em que Maurício a havia deixado sozinha para ver
o que se passava e procurar ajuda. A alguns metros do hibisco,
observou que Irmina começara a tremer e seus dentes batiam
descontroladamente. Teria de agir com urgência.
Maurício saiu imediatamente do outro extremo do salão,
próximo à parede onde se encontrava naquele instante. Acotovelou-
se com a multidão alvoroçada, que não sabia se entrava ou
saía do hotel, subia para os apartamentos ou descia para o lobby.
Caminhou alguns passos, até que finalmente algo o atingiu na
nuca, sem que soubesse o que se passava. Teve a impressão de
que estava caindo em um túnel e viu fagulhas dançarem diante
de seus olhos. Desmaiou.
Em meio àquela turbulência toda — executivos dando esparramo
na recepção do hotel, madames sendo acometidas por
Crepúsculo dos Deuses 125
chiliques e indisposições em todo o canto —, o golpe que atingiu
o médico brasileiro passou despercebido, dada também a habilidade
sorrateira dos atacantes.
Maurício acordou mais tarde em um lugar totalmente desconhecido.
Não era nenhuma suíte do hotel, afinal eleja havia se
hospedado lá antes e conhecia a decoração do ambiente. Com
certeza algo acontecera com ele, embora não tivesse explicação
para o fato no momento. Tentou levantar, mas sentiu-se mal e
resolveu ficar ali mesmo, deitado no sofá sujo onde se viu quando
acordou. Esperou algum tempo para ver se ouvia alguém e
logo se lembrou de Irmina. Ela não estava ali. Ele estava sozinho
no quarto. Não se sentia bem, mas, mesmo assim, resolveu tentar
se levantar. Lembrou-se do estrondo violento do lado de fora
do hotel. Mas ele não estava no hotel, com certeza.
Levantou-se devagar e viu uma porta decorada com símbolos
estranhos. Resolveu abri-la. Foi só uma tentativa. Não conseguiu
nada. Deitou mais um pouco no sofá, única peça de mobiliário
presente no quarto, que lhe provocava aversão. Ameaçou desmaiar
uma vez mais, porém resistiu.
Irmina, em razão do susto de ver Maurício sofrendo o ataque,
recuperou-se de seu mal súbito. Saiu correndo e gritando
por ajuda. Havia visto apenas que Maurício recebera um golpe
forte sobre a nuca e fora arrastado pelo saguão do hotel por dois
homens, que conseguira ver somente de costas. Percebeu de relance
quando um deles deixou cair alguma coisa no chão — ou
será que deixara ali de propósito?
Não era hora para tentar compreender isso tudo.
Ela apenas honraria a sua condição de mulher, fadada, pelos
comentários machistas, a ser o sexo frágil. E Irmina representaria
bem esse papel. Gritaria, gritaria, quanto se fizesse ne
126 Robson Pinheiro • Ângelo Inácio
cessário, como gritou e bradou até se jogar nos braços de John
White, que retornava de sua breve excursão para fora do hotel.
Ele não conseguiu saber muita coisa a respeito do aparente atentado
a bomba.
— Maurício, Maurício! —berrava Irmina, ofegante. Na verdade
ela não estava tão preocupada com o destino de Maurício
Bianchinni. Não. Estava era assustada mesmo com tudo o que
poderia significar a bomba e o fato de ela estar inserida no contexto
em que ocorria tudo aquilo.
John White tomou-a nos braços, ainda esbaforida, e perguntou-
lhe:
— Onde está seu companheiro, o Maurício? Diga-me, temos
de sair imediatamente daqui...
— Ele foi capturado por um daqueles homens — disse, apontando
em direção ao local onde antes Maurício fora visto pela
última vez. Mas ele não estava mais por ali.
— Que homens?! Diga-me, fale logo!... — exigia John, furioso
com toda aquela situação.
Com muito esforço Irmina Loyola tentou explicar o ocorrido
com Maurício. Ele não fora encontrado, mesmo depois de intensas
buscas, que varreram o hotel de cima a baixo. John White e
sua equipe não teriam como se manter disfarçados por mais tempo.
Era necessário deixar cair as máscaras e tentar resolver o misterioso
seqüestro do brasileiro. Havia muita coisa envolvida naquilo
tudo. Não dava mais para esconder ojogo.
— Veja o que deixaram cair no chão — falou Irmina, apontando
para um estranho objeto que os seqüestradores deixaram
para trás.
John White aproximou-se, juntamente com outro oficial da
segurança e, olhando perplexo para o estranho objeto, tomou-o
Crepúsculo dos Deuses 127
nas mãos logo em seguida.
— O Quarto Poder — disse para o companheiro. — Eles
estão envolvidos com isso tudo.
O agente John White deixou-se desanimar diante da situação.
A conferência deveria ser adiada imediatamente. Nenhum
dos representantes dos laboratórios deveriam se reunir mais
naquela cidade. Todos corriam grande perigo.
Atenta, Irmina Loyola ouvira as últimas palavras faladas por
John e seu amigo Leroy. O que significava o Quarto Poder? Ela
teria de descobrir.
Ouvira também quando murmuraram entre si que a conferência
deveria ser adiada ou transferida para outra cidade. Mas
dali Irmina não se afastaria — teria de adiar sua passagem e
permanecer em Frankfurt por mais tempo. Resolvera usar todo
o seu charme naquele momento. Tudo dependeria de sua capacidade
de convencer os agentes. Tinha habilidade de sobra para
isso e se considerava portadora de um argumento irresistível.
Fingiu desmaiar e caiu ali mesmo...
Logo após deixá-la deitada numa poltrona, os agentes da
segurança saíram do local, cientes de que Irmina repousaria à
vontade. Ledo engano; ela fugiu, desapareceu.
— Como faremos com os brasileiros, meu caro Leroy? Sinceramente
não vejo como resolver a situação deles por agora.
— Precisamos solucionar esse caso imediatamente, John;
você sabe o que está em jogo por aqui.
— Sim, mas e daí? Veja só como tudo ocorreu. Nossos agentes
estão até agora atrás de pistas do tal Bianchinni e da moça
128
Robson Pinheiro • Ângelo Inácio
que desmaiou. Após a levarmos a um local considerado seguro
no próprio hotel, ela consegue escapar, bem debaixo de nossos
narizes, e fugir para não sei onde. Esses brasileiros parecem cheirar
a encrenca e atrair para si e para nós situações de perigo.
— Creio que podemos eliminar qualquer hipótese a respeito
da participação deles no atentado — asseverou Leroy. — Lembra-
se do que achamos no local onde Maurício foi atacado pelos
homens do Quarto Poder?
— Malditos neonazistas! Parece que eles estão por toda parte.
A suástica estampada naquela peça de metal não deixa dúvidas
quanto à autoria do seqüestro. Por que não imaginamos logo?
Nos comportamos feito crianças! — lamentava John. — Não havia
motivos suficientes para abandonarmos nossas posições no hotel
daquele jeito...
— Mas se estávamos disfarçados de hóspedes, não tínhamos
alternativa a não ser correr dali, como todo mundo fez. Caso
contrário, levantaríamos suspeitas.
— É verdade, mas não prevíamos que os brasileirinhos iriam
fazer exatamente o contrário dos outros hóspedes que estavam
sob nossa guarda. Em vez de eles fugirem, conforme foram
instruídos antes mesmo de saírem do Brasil, em caso de algo
anormal ocorrer, resolveram ficar escondidos por ali mesmo...
— Numa situação dessas não podemos imaginar as reações
de cada pessoa.
— Está agora defendendo as atitudes desses sujeitos?
— Não é isso, John... É que, diante do perigo, somos todos
imprevisíveis. Veja o que ocorreu com nós mesmos. Todos nos
dispersamos ante o impacto da bomba que explodia. Posteriormente,
tentamos levar a brasileira Irmina para a sala vip do hotel
a fim de ela ser socorrida. Ela deu um jeitinho e fugiu! Fez-nos
Crepúsculo dos Deuses 129
de palhaços... e falhamos pela segunda vez.
John White olhou o amigo com a expressão sisuda e, após
um breve momento de silêncio, falou:
— Você sabe como se chama esse tipo de atitude da tal Irmina,
lá, no Brasil?
— Não conheço o Brasil, cara... Como posso saber?! —
Leroy se sentia pressionado toda vez que o amigo trazia aquela
expressão no rosto.
— Eu também não conheço o Brasil, mas conheço a fama
dos brasileiros.
— Vamos, John, diga logo: como se chama isso, lá, no Brasil?
— Bem, Leroy, a seu modo, Irmina passou a perna em nós,
driblando a segurança; fugiu, e nós ficamos a ver navios. É o
popular jeitinho brasileiro...
134 Robson Pinheiro • Ângelo Inácio
povos encontrou o caminho da verdadeira fraternidade, e, com
o conhecimento de certas leis universais, os sacerdotes orientam
a população, iniciando-a na sabedoria espiritual. A morte já não
é temida há muito. Devassam-se outras fronteiras vibratórias.
As relações sociais são muito boas, considerando o conjunto;
entretanto, enfrentam-se problemas com os Amaleques. São
uma classe de consciências que não se adaptam ao progresso
realizado. Representam aqueles capelinos que não se modificaram
interiormente, conforme o progresso de nossa raça exigia.
Permanecem prisioneiros de si mesmos, de seus vícios e de suas
idéias errôneas. Infiltrados no meio do povo, no governo, nos
negócios do dia-a-dia, os Amaleques são criaturas que ainda teimam
em permanecer na retaguarda. Instigados ou envolvidos
por consciências extrafísicas, mantêm no planeta seus redutos
de sombras e pretendem o domínio do nosso povo. Somente não
promovem a guerra declarada porque as leis dos três planetas
habitados do sistema aboliram-na desde épocas imemoriais. Entretanto,
a ação dos Amaleques causa constrangimento aos dirigentes
do nosso povo. Penetraram na Casta Sagrada, responsável
pelas questões de natureza transcendental, e colocaram seus
representantes contra os Sacs, os sábios piedosos que auxiliam
o nosso povo nos contatos psíquicos com as consciências extrafísicas.
Como a Casta Sagrada não achava de direito realizar
punições, permitiram que os desajustados continuassem até que
os superiores tomassem alguma medida de emergência em relação
ao caso.
Os Amaleques penetraram igualmente no governo, sorrateiramente,
promovendo silenciosamente a sua intromissão na
coordenação dos destinos de nosso povo.
A situação era inquietante, e, na época, a influência dos
Amaleques abrangia mais ou menos um terço da população do
Crepúsculo dos Deuses 135
nosso mundo. Era uma guerra silenciosa, mas, por isso mesmo,
perigosa, porque influía nos destinos dos povos do nosso mundo
de maneira lenta, mas constante, eficaz.
Em toda parte se sentia a influência dos rebeldes. Era uma
época de transição, e os povos capelinos deveriam passar para
uma vivência mais ampla da era cósmica. O mundo já havia alcançado
um estágio tal que justificava medidas de saneamento
geral na atmosfera do planeta. Precisávamos nos libertar das últimas
expressões de materialidade e alçar vôos mais amplos.
Diziam os Sacs, os sábios de nosso povo, que os Amaleques,
quando consciências extrafísicas, após a morte de seus corpos,
criaram redutos de sombras nas regiões próximas, vibratoriamente,
da crosta planetária. A sintonia mental em que se demoravam
alterou, ao longo do tempo, as partículas eletromagnéticas
do nosso mundo, formando uma camada pesada e densa, na
qual viviam mergulhados e de onde tiravam a inspiração para
suas atividades.
Os pensamentos desequilibrados dos capelinos rebeldes acabavam
por influenciar os destinos do nosso povo. Pensamento
é vida e cria forma. Em meio aos filhos de Capela, havia aqueles
que não falavam a mesma linguagem da fraternidade e do amor.
Criam que eram deuses, e o orgulho da posição ilusória que
julgavam possuir os fizeram seres de difícil convivência com os
demais. Nasceu assim, com o correr dos anos e décadas, uma
classe perigosa de almas rebeldes. Formavam a temida elite espiritual
das trevas, espécie de dirigentes dos planos sombrios.
Eram conhecidos como Dragões.
Esses espíritos eram inteligências sofisticadas, que há muitas
épocas não encontravam campo mental propício para assumirem
corpos no meio de nosso povo. No passado remoto, se
especializaram na prática do mal, utilizando sua inteligência re
136
Robson Pinheiro • Ângelo Inácio
finada para deter a marcha do progresso geral. Desejavam, por
si próprios, dominar o povo e deter, sozinhos, o conhecimento
das leis do mundo oculto. Também alcançaram grande habilidade
em manipulações genéticas e tentavam a todo custo alterar a
evolução dos capelinos, movimentando recursos para modificar
a conformação dos corpos. Realizavam experiências com muitos
do nosso povo, chocando-se frontalmente com códigos de
ética e de moral vigentes. Pretendiam desenvolver uma raça diferente,
híbrida — segundo eles, superior. Por isso não se intimidavam
diante de nada, não se rendiam a nenhuma autoridade,
tendo em vista alcançar seus objetivos.
Declaravam-se deuses e diziam poder manipular as leis da
vida em benefício próprio. Para atingir seus objetivos utilizavam
todo o conhecimento científico alcançado por nossa gente, desde
eras que remontam à mais longínqua história dos povos do
Cocheiro. O resultado de seu desvario foi a produção de verdadeiras
aberrações da natureza, com as quais eles mesmos se escandalizaram
e se envergonharam, ainda que não dessem jamais
o braço a torcer.
Depois que abandonaram as formas físicas do nosso mundo,
estabeleceram-se em dimensões diversas da nossa; de lá, seu
reduto sombrio, tentavam levar avante as experiências diabólicas.
Não tinham mais como entrar em contato direto com os que
estavam em corpos físicos; depois de tanto tempo renitentes no
mal, suas formas energéticas se adensaram tanto que se tornou
perigoso para o povo tê-los em relação direta. A situação agravava-
se à medida que transcorriam os dias. O influxo de seus pensamentos
ensandecidos era, no entanto, captado pelos Amaleques.
Da base que haviam formado, um vasto império no submundo
astral, os Dragões inspiravam-lhes o descontrole. Seu
chefe colossal dominava impiedoso, e a permanência desses se
Crepúsculo dos Deuses
137
res nas regiões etéricas de nosso mundo impedia o povo de empreender
maiores avanços, prendendo-o ao passado que já havia
sido superado.
Urias, um dos Superiores do nosso mundo, como consciência
extrafísica que era advertiu-nos várias vezes, através de mensagens
enviadas por meio dos sábios, a respeito da necessidade
de saneamento geral de nossa civilização. Era iminente e inadiável
pôr fim à situação incômoda. Não obstante, de modo algum
se podia negar que tanto a legião dos Dragões quanto os Amaleques,
seus intérpretes que permaneceram entre os povos de nosso
mundo, eram também filhos do Criador Supremo. Em contato
com a nossa civilização, alcançaram um progresso relativamente
alto, embora essa evolução tenha se realizado apenas horizontalmente,
sem a verticalização que promove a verdadeira sabedoria
e felicidade. Não podiam ser desamparados.
Com o passar dos séculos, entretanto, a vibração densa
dessas consciências desajustadas começou a afetar o destino
dos povos capelinos. A força mental desorganizada passou a
irradiar-se pelo espaço sideral, e isso causou imensa preocupação
entre os nossos sábios.
— A situação é grave — falou Zulan, um sábio do nosso
povo. — Os instrumentos acusam uma alteração muito drástica
nas ondas eletromagnéticas do nosso mundo. Lemir, o mundo
agrícola e industrial, onde desenvolvemos trabalhos específicos
para garantir a sobrevivência de nossos povos, está sendo seriamente
abalado.
— Meu caro Zulan — falou Tura, o cauteloso — sabemos
que há milênios nosso povo decidiu utilizar o segundo planeta
para o cultivo de vegetais e a produção industrial, que garante à
nossa civilização a continuidade de sua evolução; talvez, contudo,
seja hora de reavaliar esse posicionamento. O primeiro mun
138 Robson Pinheiro • Ângelo Inácio
do, como planeta de habitação, traz uma situação mais grave,
pois é daqui que partem as vibrações e energias que estão sensibilizando
os nossos instrumentos.
— Sei o que diz, venerável Tura, mas acontece que há algum
tempo venho observando as nossas medições. Como sabe, foi
recentemente inventado um aparelho que funciona utilizando
vibrações pentadimensionais. Esse novo instrumento é capaz de
detectar radiações difusas de astros distantes e relacioná-los com
a nossa posição no universo. Não é tão complexo, mas acredito
que os Superiores não teriam inspirado os nossos cientistas para
a construção do aparelho se isto não tivesse algo a ver com a
conjuntura atual. Você sabe que as idéias e invenções que constantemente
chegam ao mundo partem dos Superiores, que dirigem
os nossos destinos.
— Não entendi o que pretende, sábio Zulan.
— É que há algum tempo venho observando e realizando
algumas aferições com o aparelho. Veja os resultados — falou
Zulan, mostrando um registro para Tura. —Vê-se aqui claramente
a aproximação de um rastro pentadimensional. Refere-se
à presença de um bólido, uma espécie de astro. Note este ponto
— apontou outro registro — este é o nosso planeta. Observe
como as irradiações mentais que partem de nosso sistema traçam
linhas diretas para o astro errante. Não sabemos ao certo o
que acontecerá no futuro, mas posso afirmar, venerável Tura,
que as emissões eletromagnéticas do Cocheiro estão alterando
sensivelmente a trajetória do bólide.
Tura pegou nas mãos os documentos e registros e afastou-
se um pouco para estudá-los. Preocupado com o rastreamento
magnético, olhou para Zulan pensativamente, enquanto, juntos,
pronunciaram a mesma frase:
Crepúsculo dos Deuses 139
— Os Dragões e os Amaleques!...
— Algo tem que acontecer, sábio Zulan — sentenciou Tura,
apreensivo. — Procuremos o conselho dos sábios e anciãos do
nosso povo. Levemos a eles o resultado de suas pesquisas. Vejamos
o que têm a dizer.
Saindo do imenso centro de pesquisas, os dois representantes
da sabedoria milenar lançaram mão de um veículo e dirigiram-
se a Centra. Era o local onde se reuniam os sábios piedosos
e o Colegiado, seres do nosso povo que tinham poderes mentais
mais desenvolvidos e que formavam uma espécie de elite espiritual.
Estavam em ligação mais direta com os Superiores, como
chamávamos as consciências extrafísicas que orientavam o nosso
povo, as quais tinham sua existência em outras dimensões,
além das fronteiras vibratórias em que atuávamos. No caminho
para Centra, os dois conversavam:
— Sábio Zulan, talvez eu esteja me precipitando, mas estou
convencido de que há algo extraordinário acontecendo e que
nem suspeitamos da gravidade da situação. Não sei exatamente
o que, mas alguma providência tem de ser tomada, e com urgência,
em relação aos Dragões e aos Amaleques, senão sua influência
irá alterar com veemência os destinos de Capela. Não consigo
deixar de pensar nisso.
— Amigo Tura, ouvi falar que Urias, da elite dos Superiores,
já está com algumas idéias. Talvez o Colegiado e os sábios
tenham algo a nos dizer. O momento é de gravidade, e, se não
houver uma ação conjunta das consciências extrafísicas dos Superiores
e das nossas, não progrediremos como necessário.
— A situação mundial é constrangedora. Os capelinos parecem
estar numa encruzilhada. Temos condições de crescer
mais, de progredir em várias áreas, mas parece que a presença
140 Robson Pinheiro i Ângelo Inácio
dos Dragões e de nossos irmãos Amaleques tem dificultado severamente
a nossa marcha.
Tura estava realmente preocupado:
— Há muito tempo parece que estamos andando em círculos,
sem progredir. Nossos povos estão sendo prejudicados, pois
tudo o que fazemos é tentar apaziguar os ânimos, evitando contatos
mais diretos e saneando os problemas causados na sociedade
pelos Amaleques. Sabemos que não agem sozinhos. Os emissários
do Império (nome alternativo como era conhecida a falange
dos Dragões) os envolvem em seus pensamentos transtornados.
É tudo questão de sintonia de suas energias mentais. De
fato não sei o que fazer.
Aproximaram-se rapidamente de Centra, o edifício gigantesco
onde se reuniam os anciãos, os sábios Sacs e o Colegiado.
Os sábios ficaram conhecidos, com o tempo, pela denominação
de Irmandade Shan tal, pois eram seguidores dos ensinamentos
do primeiro sábio regente da comunidade capelina, na nova etapa
em que vivíamos.
Antes desses eventos, há tempos, quando nossa raça ainda
estava, em sua maioria, situada vibratoriamente como os Amaleques,
lutando pelo poder e perdida ante as questões efêmeras da
existência, materializou-se entre nós o representante supremo
das consciências superiores. O bem-aventurado Yeshow.
Trouxe-nos, através de seus exemplos e ensinamentos piedosos,
uma nova proposta de vida. Sua forma de tratar as questões
políticas, administrativas, sociais e transcendentais estabeleceu
as bases de conduta de nossa civilização. Yeshow viveu como
nenhum outro de nossa humanidade, e sua vida constituiu-se
Crepúsculo dos Deuses 141
em um sagrado roteiro de luz para os nossos povos. Desde sua
vinda, temos nos baseado em seus ensinamentos.
Mais tarde, quando os Amaleques tentaram deturpar o con
junto de leis que nos regia o progresso, renasceu Shantal, o pri
meiro sábio regente, que conduziu o nosso povo de volta aos
ensinamentos de Yeshow.
Naqueles tempos, muitos dos Amaleques, inspirados pelo
império dos Dragões, começaram a desenvolver a chamada magia
da ciência. Utilizando-se de certos conhecimentos de leis
transcendentais, intentavam invariavelmente o domínio das
consciências. Inspirados pelos poderes do Império, os Amaleques
tentaram também a manipulação do código genético dos
capelinos, buscando produzir corpos mais perfeitos. Segundo
acreditavam, incrementariam assim a força mental, de maneira
a favorecer a manipulação das mentes dos outros capelinos.
O sábio regente Shantal assumiu a forma entre nós e conduziu
os povos do Cocheiro ao ensinamento superior. Seu nascimento
na dimensão das formas marcou uma nova etapa de progresso
para a nossa humanidade. A partir de então, seus seguidores,
reacendendo a chama do ideal de Yeshow — o bem-aventurado
e venerável, também conhecido como Auto-Evolucionário
ou Consciência Superior — foram modificando o panorama
social, político e espiritual de Capela. As mentes, libertas das
questões grosseiras que as prendiam à retaguarda evolutiva, passaram
a integrar-se no ideal de amor. Foram abortados os planos
dos Amaleques de manipulação genética e mental, eliminando-
se dessa forma a possibilidade de desenvolverem-se as experiências
que visavam à "raça superior" dos deuses de Capela.
O novo cenário mundial conduziu o povo a uma etapa de
progresso inédita até aquele momento. Os povos do Cocheiro, a
constelação da qual os nossos mundos fazem parte, renovaram
142 Robson Pinheiro • Ângelo Inácio
se na sintonia com os Superiores. De tempos em tempos, alguns
deles assumiam forma em nosso meio, a fim de desempenharem
alguma tarefa relevante.
A ciência progrediu sob a inspiração dos orientadores dos
nossos mundos. Aquilo que os Amaleques desejavam fazer, num
certo sentido — inspirados pelos Dragões — mas de modo a
alterar o curso da natureza, as gerações futuras alcançaram,
naturalmente com maior qualidade. É que os cérebros dos capelinos
foram aos poucos se desenvolvendo de maneira a oferecer
maiores condições para a manifestação de suas consciências.
Pudemos notar, dessa maneira, como determinados poderes, latentes
em nossas mentes, se expressaram com maior facilidade.
Assim mesmo, os Amaleques permaneciam descontentes;
queriam mais. Desejavam modificar radicalmente o padrão
evolutivo dos corpos capelinos, para que pudessem reencarnar
somente nesses corpos alterados geneticamente e alcançar,
assim, a tão sonhada superioridade sobre os outros habitantes
do Cocheiro.
Em determinada etapa evolutiva, quando a maioria absoluta
da nossa humanidade havia se sintonizado com os ensinamentos
superiores, a guerra foi abolida definitivamente do nosso meio.
Então, somente então, é que fizemos o primeiro contato com
outros irmãos de outros mundos do espaço.
Um dos nossos quatro satélites naturais transformou-se em
base de apoio para os primeiros contatos, e então aproximamo-
nos dos vergs. Eram seres parecidos com o nosso povo e habitavam
um outro planeta, que desenvolvia a sua trajetória em torno
de uma estrela verde. Auxiliaram nossos povos com conhecimentos
de biologia transcendental, de astronáutica e de certas leis
que ainda não havíamos descoberto. Começou uma nova era para
a humanidade do Cocheiro.
Crepúsculo dos Deuses 143
Entretanto, a presença dos Amaleques e do Império na
atmosfera energética de nosso planeta constituía, para nós,
motivo de embaraço perante as consciências de Verg. Nosso
mundo não estava completamente renovado. Ainda havia redutos
de sombras que emperravam a marcha do progresso de
nossos povos. Não era possível, entretanto, desprezar aqueles
que não se renovaram para o Eterno Bem. Tínhamos que amá-
los, conforme os ensinamentos de Yeshow e de Shantal. Algo
teria que ser feito, mas o quê? Como? Como conciliar o amor
que deveríamos ter para com aqueles que não se sintonizavam
conosco e com a necessidade de reeducação? Seria a punição
uma espécie de castigo ou uma medida reeducativa? Estávamos
diante de um dilema que precisava ser resolvido.
A fuga
PENHASCOS DE tonalidade cinza desfilavam por
baixo do pequeno avião. O gelo cintilava embaixo,
refletindo a luz pálida da lua cheia. Era
uma noite fria, e o céu parecia mais limpo do
que de costume. O brilho das constelações na
Via-Láctea parecia desafiar a imaginação dos
tripulantes do avião.
Maurício Bianchinni havia sido conduzido,
de olhos vendados, a um pequeno passeio,
a lugares que ele nunca imaginaria. Sobrevoava
agora a paisagem gelada da Alemanha em
direção ignorada.
O avião, com suas linhas aerodinâmicas no
mínimo excêntricas e a parte frontal inclinada,
assemelhando-se a algo entre um bico de papa
Crepúsculo dos Deuses 145
gaio e de tucano, parecia uma engenhoca saída de um conto de
ficção científica. Em suas quatro nacelas havia motores que o
capacitavam ao vôo igual ao de um helicóptero, dispensando pista
de pouso e decolagem, embora pudesse voar também como um
avião comum. Ocorrendo qualquer pane em um de seus motores,
poderia voar por muito tempo com os outros três motores.
Tudo havia sido planejado pelos seqüestradores, inclusive os
pára-quedas duplos.
A visão de Maurício era limitada, pois ele estava amarrado,
impedido de movimentar-se dentro do avião. E, dos seus ocupantes,
Maurício Bianchinni apenas ouvia a voz. Teria de se
conformar com seu destino ignorado. Mas se ele não sabia para
onde o levariam, muito menos por que razão o capturavam.
Era muito estranho ficar sentado, amarrado sobre uma poltrona
de avião de maneira que não se podia ver quem estava
atrás de si, no comando da situação. A presença silenciosa na
poltrona de trás o incomodava profundamente.
Vez ou outra o avião enfrentava uma turbulência, que era
controlada, porém, pelas pás embaixo dos motores.
Maurício cogitava haver um esquema ou uma armação que
envolvia os laboratórios no Brasil... Ou aquele seqüestro era obra
do acaso? Aqueles homens teriam se enganado quanto a ele? Isso
ele não sabia dizer.
Com muita atenção e esforço de sua vontade, Maurício ouviu
duas pessoas conversarem atrás de si:
— São 420km desde que deixamos Frankfurt.
— Falta muito ainda para chegarmos?
— Pouco tempo — respondeu a outra voz, em alemão. As
horas dedicadas pelo médico a aprender o idioma se mostravam
cada vez mais válidas.
146
Robson Pinheiro • Ângelo Inácio
— Você sabe o que irá acontecer com o nosso passageiro? —
perguntou um deles, referindo-se a Maurício.
— Não sei! Novas instruções serão dadas quando chegarmos
ao nosso destino.
Com um esforço maior ainda, Maurício tentou virar-se para
sua direita, onde estava localizada uma das janelas do avião. Julgou
ver algumas luzes, um tanto difusas, mas eram luzes. Afinal
— pensou ele — ainda estava no mundo civilizado.
— Estamos nos aproximando — falou um dos homens atrás
de Maurício.
— Logo agora que eu já estava quase pegando no sono —
lamentou-se o outro.
— Calma! Ainda lhe restam mais ou menos 15 minutos.
Aproveite, pois depois que pousarmos tudo pode acontecer, e
não sabemos quando você poderá dormir novamente.
O avião voou ao encontro das luzes de um pequeno aeroporto.
Maurício parecia haver se conformado com a situação. Já
não desejava sequer olhar para fora novamente. Foi apenas nesse
momento que Maurício viu pela primeira vez os homens que
o seqüestraram.
Levantaram-se das poltronas atrás de Maurício e se apresentaram:
— Somos Ralph e Alfred — disseram a Maurício. — Vamos
folgar as amarras e dar-lhe um pouco de liberdade, mas veja
bem se não tenta algo em desespero. Você não terá chances para
isso. Verá que não somos inimigos, embora os métodos que utilizamos
para trazê-lo aqui.
Maurício falava o idioma alemão com alguma fluência, mas
fazia certo esforço mental para compreender o que diziam. Pa
Crepúsculo dos Deuses 147
recia que aqueles homens, Ralph e Alfred, estavam falando num
dialeto alemão, que não lhe parecia familiar. Maurício entendia
apenas o essencial.
Saíram do avião após a aterrissagem, sem que Maurício reconhecesse
o local. Era noite, e as sombras dificultavam qualquer
reconhecimento de detalhes. O médico brasileiro permanecia
o tempo todo calado.
No fundo, no fundo, ele sentia medo, verdadeiro pavor.
Contudo, não pensava em fugir. Afinal, para onde iria?
— Nunca me senti tão indefeso em minha vida — falou em
voz alta.
Os dois homens que o conduziam olharam para ele sem
entender o seu português. Maurício notou que pensara alto.
Decidiu ficar calado como antes. Conduziram-no a um veículo
e, do saguão do aeroporto, partiram em direção a uma colônia,
uma cidade pequena de mais ou menos 30 mil habitantes. Mas
ainda estavam na Alemanha.
Aproximaram-se de um galpão nos arredores da cidade, e
Maurício fora prontamente conduzido a uma sala ricamente
decorada. Deveria esperar ali.
— Vocês cometeram vários erros, seus... — falou um dos
agentes federais, muito sério, esforçando-se por manter a compostura.
— O brasileiro Maurício Bianchinni foi seqüestrado, e
a mulher que o acompanhava fugiu.
— Pensei que os seus agentes eram mais competentes —
disse um outro alemão, visivelmente irritado.
Sua observação não agradou muito aos outros agentes pre
148 Robson Pinheiro • Ângelo Inácio
sentes ali. Isso ele pôde perceber pelos olhares agressivos que
lhe foram dirigidos.
Contornando a situação crítica de um dos agentes, John
White falou:
— Tudo o que sabemos é que Maurício foi seqüestrado aparentemente
pelo mesmo grupo terrorista que provocou a explosão
da bomba. Sem pistas, sem suspeitos. Absolutamente nada.
Quanto a Irmina Loyola, ela forjou a própria fuga. Ninguém
poderia imaginar que a brasileira fugiria daquela forma...
— Quer dizer — disse o agente Leroy — que os brasileiros
foram os únicos envolvidos nesse caso? Isso não lhe parece
suspeito?
— Creio que você vai perder todo o seu equilíbrio quando
souber o resto da história — falou John White.
— Comece a falar logo, John...
— Irmina parece agir por conta própria...
— Ela não veio à Alemanha acompanhada de Maurício?
— Isso é verdade, mas certos agentes da inteligência alemã
andaram fazendo algumas observações e descobriram que Irmina
veio com objetivos diferentes dos de Maurício. Na verdade
ele está sendo usado pelos donos do laboratório ao qual está vinculado,
lá, no Brasil. É um "laranja", como dizem. Quanto a Irmina,
ela veio com um projeto bem definido. Suspeitamos seriamente
que ela iria tentar um contato com um agente duplo aqui,
na Alemanha.
Leroy mexeu nervosamente com a mão sobre a mesa do
escritório.
— Ela parece muito bem informada quanto às atividades
dos nossos agentes...
Crepúsculo dos Deuses 149
— Mas nem ela e nem Maurício contavam com o fato de que
a convenção em Frankfurt era apenas uma fachada para desviar
a atenção de certas pessoas importantes em alguns países.
— Preocupa-me mais, John, o fato de que entre nosso pessoal
pode haver alguém que faça um papel duplo. Não sabemos
até que ponto há o vazamento de informações...
— Uma coisa eu não compreendo ainda em todo esse jogo...
— falou Stall, o alemão.
— Agora que tudo está claro quanto às intenções de Irmina
e a inocência de Maurício, você tem ainda alguma dúvida?
— Não é bem isso, John White. Quanto ao brasileirinho,
aceito o fato de que ele é uma espécie de bode expiatório nesse
jogo entre os representantes dos laboratórios. O que não compreendo
é como ainda não foram identificados os seqüestradores
de Maurício ou como não há provas a respeito da fuga de
Irmina Loyola. Afinal, seus agentes não instalaram câmeras tanto
no hall do hotel quanto no local onde Irmina Loyola estava
descansando? — A pergunta de Stall foi uma espécie de desabafo,
refletindo irritação.
— Claro que as câmeras estavam operando perfeitamente.
O que ocorreu na entrada do hotel e o que se passou no local
onde Irmina descansava: tudo era monitorado, segundo a segundo.
Estou tão chocado quanto você, Stall. Devo lhe dizer que
nossos técnicos ainda não encontraram uma explicação sequer
para o fato de que nada ficou registrado, apesar do aparente
funcionamento perfeito da aparelhagem.
— Tanto os seqüestradores quanto Irmina talvez tenham se
desmaterializado — falou Leroy — ou podemos começar a admitir
que houve falhas em nosso sistema de segurança.
— Não creio que tenha sido nada disso — retrucou John
150 Robson Pinheiro • Ângelo Inácio
White. — Creio que nos dois casos houve interferência do tal
agente duplo. Somente descobrindo o paradeiro de Irmina e
Maurício nós teremos algo de concreto.
— Tudo o que sabemos de concreto, meu caro John, é ainda
muito duvidoso. Nessa história toda ficamos sabendo da decolagem
de um pequeno avião num aeroporto particular. Só isso.
Nem mesmo a direção pôde ser confirmada.
— Também acredito que não será sem muito suor que ficaremos
sabendo para onde levaram Maurício Bianchinni ou encontraremos
o paradeiro de Irmina Loyola.
— A tal Irmina deve ter aprendido a escorregar por baixo
da porta — falou Stall num misto de raiva, decepção e deboche.
— Ou então os brasileiros desenvolveram a fórmula da
invisibilidade.
152 Robson Pinheiro • Ângelo Inácio
A cidade dos rebeldes achava-se mergulhada em intenso
nevoeiro. Uma sombra parecia envolver toda a população, e no
local não se viam espíritos de crianças nem qualquer outro atrativo
que pudesse amenizar a paisagem cinzenta, triste, tenebrosa.
Era a morada dos párias.
A luz dos sóis de Capela parecia não querer iluminar o antro
do mal. Uma sombra, que dava a impressão de ser eterna,
pesava sobre a atmosfera fria e úmida daquelas paisagens sinistras
das dimensões extrafísicas.
As vibrações emocionais e mentais do ambiente, naturalmente
advindas de seus habitantes, pesavam na paisagem e refletiam-
se em todo o redor. Formava-se uma fuligem densa, que parecia
aderir às construções envelhecidas, que se viam esparsas.
Eu sou Mnar, o guardião. Minha tarefa é observar e registrar
os acontecimentos.
Muitos espíritos de capelinos rebeldes que ali se encontravam
pareciam gostar de se trajar de forma a chamar a atenção.
As ruas pareciam ser cobertas de lama pegajosa, que agarrava
nos pés dos habitantes da estranha cidade. Sensualidade desmedida,
algazarra e barulho excessivo constituíam o clima favorito
dos rebeldes, que estavam sob o comando de inteligências
sombrias.
Doze entidades capelinas pareciam se destacar dentre a
multidão de espíritos revoltosos — não somente pelos seus trajes.
Quando passavam pelas vias da cidadela, todos se curvavam,
num gesto de reverência, e silenciavam, retornando, logo após,
à algazarra reinante.
Bandos de capelinos eram conduzidos, em completa desordem,
por uma equipe que parecia ser de soldados, armados com
lanças e tridentes.
Crepúsculo dos Deuses 153
Esses são os espíritos responsáveis pela desordem e pela indisciplina
reinantes em muitos lugares da superfície do planeta.
São considerados a escória do submundo astral. Trazem como
característica toda a espécie de sentimentos e pensamentos aviltantes,
os vícios e as paixões desenfreadas que instituem o elemento
comum dessa colônia de almas delinqüentes dos mundos
do Cocheiro. São elas que atuam, do mundo extrafísico, sobre as
comunidades de seres encarnados que buscam melhorar-se. Os
espíritos mais comuns entre eles são conhecidos como Amaleques,
e seus dirigentes, mais esclarecidos do que moralizados,
são temidos e conhecidos como a falange dos Dragões. Estes
guardam ascendência sobre os demais e os dominam, utilizando-
os em seus planos maquiavélicos de domínio. É uma hierarquia
que não pode ser ignorada.
Os Amaleques que vibram no mundo extrafísico, ou os rebeldes,
são servidores dos Dragões. Como soldados, cumprem-
lhes as ordens, muitas vezes sem saber que são apenas marionetes
nas mãos das temíveis legiões de cientistas, magos e governantes
do submundo astralino. Mas a maioria dos Amaleques
são espíritos incautos e maldosos. Embriagados pelo prazer sensual,
capelinos desprevenidos, deixavam-se entregar sob o império
do medo e do terror.
O vulto negro de uma construção erguia-se entre as sombras
densas da paisagem extrafísica. Perto do local parecia haver
silêncio; intenso silêncio. Estranha assembléia estava acontecendo
nesse lugar, que estava ornamentado para uma reunião especial
dos representantes das sombras. Doze entidades sentavam-
se em cadeiras com espaldar alto, esculpidas em material astralino
de cor preta, com gárgulas entalhadas. Era a reunião dos
dirigentes desse covil. Um espírito de um capelino, mais sombrio
do que os outros, começou a falar:
154 Robson Pinheiro • Ângelo Inácio
— Companheiros das trevas, há muito que nós planejamos
investidas para levar os capelinos à ruína e à destruição. O
mundo prepara-se lentamente para inaugurar uma nova era,
em que os homens de Capela esperam ver reinar a paz e a harmonia;
conseqüentemente, desejam a nossa derrocada espiritual.
Como sabem, se essa nova etapa evolutiva se fizer presente
nos mundos capelinos, não teremos mais lugar para nossa
ação nas mentes e nos corações do povo. Essa é a razão de nosso
projeto de desenvolver corpos mais perfeitos, com cérebros
mais e mais avançados e que nos permitam expressar melhor
nossa natureza divina. Tentamos inspirar os Amaleques para
que, no plano físico em que se movimentam, continuem com as
pesquisas científicas e façam por nós aquilo de que mais necessitamos.
Do lado de cá da barreira vibratória estamos estudando
cada vez mais e tentamos inspirar a todo custo os aliados
para executarem os nossos planos.
A expressão daquele e dos demais representantes do Império
era algo indefinível, tamanha maldade e endurecimento. O
espírito diabólico prosseguia:
— Só poderemos assumir novos corpos se estes forem superiores
aos dos demais capelinos. Somos seres especiais e merecemos
ser tratados de forma especial. Como sabem, os Superiores
tentam uma ação para deter nosso poder. Para atrapalhar
seus planos, tentaremos ressuscitar a guerra entre os povos do
Cocheiro e aí distrairemos a atenção dos dirigentes do mundo
até que consigamos nosso intento. Se não conseguirmos executar
nossas ações, não nos restará outra chance. Só restaria para
nós sermos exilados em regiões desconhecidas. Para que planeta?
Não sabemos. Sabemos apenas que não queremos sair de
Capela e não podemos permitir que os Superiores ganhem a
batalha, que já está em andamento.
Crepúsculo dos Deuses 155
"Depende de nós, os dirigentes deste subplano, adiar a marcha
do progresso dos mundos de Capela, utilizando-nos de recursos
que possam afetar a moral daqueles que pretendem encabeçar
o movimento de renovação da humanidade, tornando,
assim, patente para todos o quanto são hipócritas, fracos. Trabalharemos
naquilo que fala mais alto aos instintos dos capelinos;
teremos, para isso, os Amaleques como aliados. Através do sensualismo,
do orgulho e da discórdia, faremos o nosso trabalho
devastador.
"Aproveitem a permissividade reinante entre os Amaleques
e a tolerância dos governantes para com eles; então, insuflem o
desenvolvimento de pesquisas que possam nos auxiliar em nossa
empreitada. Utilizem os modismos que imperam nas religiões
capelinas, distraindo-os da idéia central, que é a renovação; treinemos
nossos enviados para influenciar os dirigentes religiosos
do povo de Capela. Estes devem sucumbir ao império dos Dragões
a qualquer preço e sentir o nosso poder.
"Muitos capelinos acreditam que jamais serão enganados;
nesses casos, sua presunção é nossa aliada. Façam-nos cegos
ante sua prepotência; desse modo cumprirão nossos desígnios,
e assim será fácil trazê-los para o nosso lado. Devemos instigar
o surgimento de movimentos de reforma entre os dissidentes
Amaleques, e, aos poucos, grande parte da população estará
do nosso lado. E lembrem-se: a melhor receita é usar aquilo
que já existe naquele que se diz renovado. Agindo corretamente,
mesmo diante de notícias divulgadas pelos cientistas de Capela,
espalharemos o medo e a angústia. Os povos tremerão
ante o poder dos Dragões. Enquanto isso, prosseguiremos com
os nossos planos.
"Grupos nossos, especializados nas questões políticas, estarão
ao lado dos governadores do povo, inspirando-os para de
156 Robson Pinheiro • Ângelo Inácio
sestabilizar o poder político do planeta. Com a economia abalada,
os cidadãos capelinos, angustiados e aflitos, não terão tempo
para a sua renovação moral e espiritual; estarão ocupados em
salvar o que lhes resta de suas posições sociais. Nesse ponto, qualquer
doutrina ou filosofia que prometa a salvação obterá adesão
das massas. O domínio será concludente quando finalmente enviarmos
nossos medianeiros, que lhes inspirarão os pensamentos
que desejamos. Seremos cada vez mais em número expressivo
e assim determinaremos como se dará o progresso dos povos
de Capela — a história será moldada à nossa maneira. Tornaremo-
nos os deuses do mundo e inauguraremos uma nova era para
a população do Cocheiro: a era dos Dragões.
"De nada adiantará a ação dos religiosos, pois eles são frágeis
e desunidos; seus conceitos estão muito mais em suas bocas
que em suas ações. E, de mais a mais, tudo que pretendem é
corroído por seu ego avassalador, que é nosso aliado. Surgirão
movimentos de renovação espiritual orientados diretamente por
nós, e, à medida que ganharem popularidade, inspiraremos os
religiosos a se utilizarem de muletas psicológicas. Gurus e mestres
estarão sob nosso jugo, e teremos um nova era espiritualizada,
que encobrirá a condição íntima real dos moradores de Capela.
Somos mais confiantes em nossos ideais que os que se dizem
religiosos. Enquanto a população estiver estressada, deprimida
pelos problemas políticos e sociais, angustiada pelas dificuldades
da vida, esquecerá as verdadeiras realizações, que poderiam
libertar seus espíritos de nossas garras. A ação contra o
poder dos Superiores deve ser uma constante, e assim fatalmente
esmagaremos o progresso e a ordem social.
"Nossos planos não podem falhar, pois investiremos naquilo
que está dentro do próprio capelino: seus medos, conflitos e
angústias. Apenas realçaremos o que já existe em seus corações,
Crepúsculo dos Deuses 157
fazendo sobressair sua natureza. Nada poderá nos deter."
Silêncio sepulcral reinou na assembléia das trevas, após as
palavras de seu dirigente demoníaco. Os outros dirigentes do
império draconiano vibraram em uníssono junto ao seu chefe.
Uma ofensiva começava sob o patrocínio do mal. Capela entrava
em tempos de intensas dificuldades. Era o início do fim.
O Quarto Poder
MUITO FELIZ pelo êxito da empreitada, Max
dirigiu-se para o galpão que disfarçava as atividades
de seu grupo. Toda vez que passava pelas
salas de computadores sentia-se feliz, porque
— pensava — estavam cada vez mais próximos
de seus objetivos. A rede de computadores
estava perfeitamente disfarçada numa antiga
construção embaixo do galpão. Nos tempos
do IH Reich o local fora utilizado pelos militantes
do partido nazista como um dos pontos de
controle da política de Hitler.
O tempo, entretanto, passou, e a guerra
também. Mas não morreu o sonho desvairado
de muitos homens.
Durante o período da Guerra Fria, quan
Crepúsculo dos Deuses 159
do o mundo se dividia entre áreas de dominação socialista ou
capitalista, os Estados Unidos e a antiga União Soviética mantiveram
uma política intervencionista em diversos países. Graças
a isso, a espionagem crescera de forma assustadora, e desde essa
época homens especiais já preparavam o porão onde se encontrava
Max. Sabia que ali eles não podiam ser encontrados. Caso
houvesse uma investigação no local, o máximo que encontrariam
seria uma antiga fábrica e o velho galpão, conservados nos
mínimos detalhes há mais de 20 anos. Poucas pessoas sabiam o
que havia embaixo da velha construção.
Gênios da computação mantinham os dados sempre atualizados.
Dali estavam conectados ao Egito e ao Afeganistão, no
Oriente; ao Brasil e aos vizinhos Argentina, Chile e Venezuela,
na América Latina, bem como aos Estados Unidos. Mais que isso.
Com o avanço da internet, poderiam acompanhar os interesses
de diversos grupos de terroristas e de religiosos. Isso mesmo,
religiosos. Max sorria ao pensar em como certos líderes religiosos
trabalhavam para sua organização. Assim todos ganhavam.
Mas isso tudo não era para ser compreendido por esta geração.
Eles preparavam algo bem maior do que os agentes da
inteligência poderiam pensar. Max se orgulhava por pertencer
ao restrito grupo de pessoas que seriam os eminentes representantes
do Quarto Poder: o iv Reich.
— Você é Maurício Bianchinni? — perguntou Max ao homem
que o aguardava ali sentado. Maurício anuiu com a cabeça,
um tanto atônito com o fato de que o homem falava um português
quase perfeito. Notava-se apenas um leve sotaque alemão,
que não podia ser disfarçado.
Max era um homem muito inteligente. Possuía um humor
fino, que não agradava a algumas pessoas e geralmente era confundido
com ironia ou sarcasmo. Perspicaz, sabia fazer um jogo
160 Robson Pinheiro • Ângelo Inácio
com as emoções alheias que fazia ruir qualquer resistência psicológica
de seus adversários. Max rodeava Maurício, estudando-
o de cima a baixo.
Após a pergunta, que tinha lá suas razões e pretensões, Max
apenas observava Maurício. Completo silêncio se estabeleceu
naquele aposento ricamente mobiliado, disfarçado a dois andares
abaixo do velho galpão. O médico brasileiro sentiu-se incomodado
com a atitude do alemão, mas não desejava transparecer
sua insegurança e inquietação. Por que fora trazido até ali?
Toda a parafernália utilizada na explosão à frente do hotel fora
apenas para camuflar o seu seqüestro? Mas ele não era alguém
importante o suficiente para ser alvo desse crime — debatia
mentalmente. — Pelo menos não tão importante diante de outros
representantes de laboratórios e empresas que estavam hospedados
no mesmo hotel que ele.
Maurício não compreendia esses aspectos; procurava, todavia,
dissimular suas reações.
Max estava convicto: seus objetivos estavam sendo atingidos.
Aprendera a ler a expressão facial e corporal e via, pelos
vincos observados na face de Maurício, que o seu interior estava
em ebulição, à semelhança de uma caldeira. E o vapor de suas
inquietações parecia escapar por todos os seus poros. Max era
um homem frio, calculista e determinado, cheio de energia no
olhar. Quando irado, parecia possesso. Quando estava calmo,
parecia demoníaco. Sua personalidade se impunha aos adversários.
Talvez por essas características é que fora escolhido por
seus superiores para coordenar aquele centro de poder do iv
Reich.
Maurício, mal-enjambrado, sentado ali, na cadeira, em frente
a Max, começava a dar sinais de cansaço psicológico. O jogo do
poder estava sendo definido.
Crepúsculo dos Deuses 161
Max, com seus olhos estreitos, barba e cabelos de um castanho
cintilante, que pareciam tingidos, demonstrou uma potência
e um vigor descomunais em seu olhar, talvez advindos de
uma força de vontade terrível.
— Posso lhe assegurar, Dr. Maurício, que sairá desta sala sem
que ninguém toque em um só fio do seu cabelo — principiou
Max. — Para que se situe diante do que está acontecendo, gostaria
de apresentar-me, bem como à nossa organização.
O líder alemão era impassível, e sua voz, de uma firmeza
atordoante.
— Sou Max e pertenço a uma organização internacional que
reúne as melhores mentes do mundo. Na Alemanha, somos conhecidos
pelo governo como neonazistas. Mas nossa ação é muito
mais ampla do que os acanhados atentados que têm por objetivo
mascarar nossa verdadeira atuação. O que importa é que
sua pesquisa chegou ao nosso conhecimento.
As informações confidenciais acerca da experimentação das
vacinas em pacientes no Rio de Janeiro cruzaram a mente de
Maurício como um raio. Como a organização germânica conseguira
acesso aos testes que sua clínica realizava? Temia por seu
futuro próximo, mesmo depois da promessa de seu seqüestrador.
— Acompanhamos com grande interesse sua viagem do
Brasil à Alemanha juntamente com Irmina Loyola. Não se aflija,
você está aqui conosco apenas para alguns esclarecimentos. Talvez
possamos ser úteis um ao outro.
— Com certeza eu não me aliaria aos seu objetivos — interrompeu
Maurício.
— Ah! Meu rapaz, muitos já falaram isso e com o tempo
viram quão insensata era a sua observação.
— Não me alio a terroristas. Para mim sua organização sin
162 Robson Pinheiro i Ângelo Inácio
tetiza tudo o que mais repugna à razão e à consciência...
— Basta! — agora foi Max quem interrompeu. Maurício
sentiu a força de sua vontade expressa através da palavra. —
Espere até que eu apresente a você certos fatos e depois verá se
nos aliaremos ou não. Talvez você não saiba que a tal convenção
programada pelos laboratórios é uma farsa, um disfarce de certos
órgãos superiores dos governos envolvidos. Vocês estavam
sendo manipulados durante todo o tempo.
— Diga então, Sr. Max, como os digníssimos senhores ficaram
sabendo disso? Quem lhes contou? O Batman? — disse em
tom de deboche. — Creio que suas informações podem ser fantasiosas
demais.
— Sinto muito por você, Maurício, mas é você mesmo que
está enganado. Mais por fora que o Robin — respondeu Max,
com certo humor. — Alguns representantes dos laboratórios,
que foram indicados para a tal conferência em Frankfurt, aliás,
três deles, são homens considerados perigosos pelo que sabem.
Maurício começou a se interessar, devido ao tom de voz que
Max empregara ao falar.
— Não pense que a política dos poderosos deixaria passar
algo de importante no mundo sem que eles se intrometessem ou
tirassem proveito. Mas isso agora não importa para mim ou você.
O interessante é que você saiba que hoje existe um contato muito
intenso entre vários grupos que se intitulam terroristas, em
diversas partes do mundo. Todos estamos ligados por interesses
comuns. Mesmo no Brasil existem aliados nossos que atuam tanto
na política, em seu governo, quanto entre os religiosos e os criminosos
envolvidos com o tráfico de drogas. Deste quartel general
monitoramos toda a ação desses grupos por computador.
Naturalmente, somos apenas uma base de apoio de uma organi
Crepúsculo dos Deuses 163
zação cujas dimensões você não compreenderia.
— Por isso vocês se intitulam o Quarto Poder...
— Ouviu de um dos nossos, certamente...
— Eu entendo seu idioma o suficiente.
— Pois bem — continuou Max — desde que as cinzas de
Hitler e Eva Brown foram identificadas e confirmada a morte
do Führer, muitos homens de confiança do m Reich, agora espalhados
pelo mundo, decidiram reconstruir o ideal do antigo
império. Poder, influência e verba é o que não nos falta. Sabemos
que o mundo todo está passando por intensas transformações
no cenário político e econômico, porém, estamos ao abrigo de
tais flutuações da economia mundial.
— Explique-me, por favor: como vocês fazem para conseguir
tal milagre?
— Meu caro Maurício, você não é ingênuo a ponto de ignorar
que muitos tesouros e obras de arte, ouro e reservas em dinheiro
foram destinados à administração do Reich. Pois bem, a
lei nos constitui herdeiros diretos desse incalculável patrimônio.
Creio que essa explicação simplifica tudo, sem haver necessidade
de entrarmos em detalhes.
— E o que isso tem a ver com os medicamentos? Trabalho
com drogas que visam curar doenças, e não provocá-las. Não
seriam úteis a nenhum atentado biológico que vocês estejam planejando...
— Atentado biológico? Nem o Batman em pessoa seria tão
imaginativo... O que desejamos com você, caro Dr. Maurício,
não possui nenhuma relação com a medicina que exerce.
— Não?! Mas essa é a razão da minha viagem à Alemanha!
O que desejam, então?
164 Robson Pinheiro • Ângelo Inácio
— O que queremos é a sua ajuda a fim de decifrarmos um
enigma relacionado a seus estudos acerca da história do planeta
Terra e das antigas civilizações.
Ao ouvir o que sentenciava Max, Maurício sentiu rodopiar
a cabeça e por um instante pensou que iria desmaiar. Estava
perplexo.
E Max prosseguia:
— Foram descobertas certas inscrições e alguns manuscritos
de autoria atribuída aos antigos habitantes da Mesopotâmia e
que possuem estreita relação com nossos interesses.
— Não vejo como conciliar seus objetivos com descobertas
arqueológicas... —balbuciava Maurício, recuperando-se
da surpresa.
— Não é necessário que você compreenda a conexão dos
fatos. Apenas ouça a nossa história e depois dê o seu parecer. Na
verdade, essas descobertas não são recentes. Entretanto, fomos
despertados para a sua importância porque nossa organização
não deixa escapar nada no que concerne a avanços científicos ou
descobertas que se relacionem com nossos projetos. Há muito
tempo acreditamos que uma nova ordem de coisas deverá ser
estabelecida em todo o mundo. Como você é um pesquisador,
sabe do que estou falando e de como as diversas culturas ao redor
do planeta têm fontes que confirmam nossas suspeitas.
Max tocava no ponto alto do interesse de Maurício, que o
escutava com atenção.
— Foi baseado em certas informações, consideradas por
muitos como sendo esotéricas ou místicas, que Adolf Hitler, o
grande herói do Reich, formulou suas teorias a respeito de uma
nova raça de seres que dominaria a humanidade. Não cabe aqui
discutir os métodos empregados pelo Führer, e nem mesmo aven
Crepúsculo dos Deuses 165
turar-me em certas hipóteses. O certo é que a nossa organização
é herdeira direta de certos projetos baseados na crença de uma
nova ordem mundial.
— Vocês acreditam no fim do mundo...
— Não exatamente como os religiosos pregam, mas conhecemos
perfeitamente certas coisas que fariam o leigo se sentir
chocado se soubesse.
— Por exemplo...
— Por exemplo, a respeito do OVNI, ou UFO, capturado pelo
governo dos Estados Unidos no final da década de 1940.
— Isso não foi confirmado e, pelo que sei, não passa de boatos
de pessoas aficionadas por discos voadores...
— Mas acredito que você saiba exatamente o que há de certo
e de errado nessa história toda. Além desses fatos — continuava
Max — a nossa organização se interessa pelo passado do planeta,
com vistas a estabelecer uma ação conjunta que transforme
o panorama futuro.
— Não entendi — respondeu Maurício, desconfiado do
rumo que a conversa estava tomando.
Max, tomando de uma cadeira que estava próxima, sentou-
se em frente a Maurício e continuou sua história, conferindo à
sua voz uma entonação toda especial, com ares professorais:
— Como você sabe, os cientistas, após longos anos de estudo,
chegaram à conclusão de que há 65 milhões de anos um corpo
celeste gigantesco se chocou com a Terra, causando a extinção
de muitos seres vivos. Há mais ou menos 9 mil anos, outro
acidente de proporções cósmicas ocorreu. Um cometa colidiu
com o planeta, mergulhando na baía de Hudson, no Canadá.
Esse impacto foi responsável pela extinção de quase totalidade
166
Robson Pinheiro • Ângelo Inácio
da vida animal e vegetal no mundo todo; um choque aterrador.
— Onde você quer chegar com toda essa história?
— Calma, brasileiro, calma. Sei que é longa a história, mas
talvez me ouvindo você entenda onde quero chegar. Bem, na
verdade, o cometa que se chocou com a Terra àquela época causou
imensas transformações na face do mundo naquele tempo
remoto. Todo o equilíbrio do planeta foi alterado; terras férteis
submergiram, e outras vieram à tona, modificando a superfície e
a paisagem do mundo. A civilização daquele tempo foi em grande
parte soterrada, devido às ondas sísmicas decorrentes do
impacto, e populações inteiras desapareceram. Até mesmo a inclinação
do eixo imaginário terrestre foi alterada, conforme defendem
alguns cientistas. Nos dias de hoje, Dr. Maurício, certos
homens de ciência descobriram que aquele cometa que se chocou
com a Terra tinha uma espécie de irmão gêmeo sideral. É
um segundo cometa, que está previsto para se aproximar da
Terra nos próximos anos.
— Eu conheço a história e ando pesquisando muito a respeito,
só que os cientistas já sabem que os tais cometas não são
gêmeos. São distintos, com órbitas diferentes, e, portanto, este
segundo cometa...
— Este segundo cometa tem uma chance muito grande de
se aproximar da órbita da Terra, mas sem atingi-la, como ocorreu
no passado. Não obstante, sua presença no sistema solar
poderá abalar novamente o ângulo do eixo terrestre e afetar profundamente
toda a vida no mundo.
— Tudo é hipótese ainda...
— Sim, mas já se sabe das alterações ocorridas na órbita de
Plutão, o nono planeta do sistema solar. Através de estudos comparativos,
sabe-se que um astro está se dirigindo para o nosso mundo.
Crepúsculo dos Deuses 167
— São só teorias...
— Que sejam, mas o fato está ganhando cada vez mais a
atenção e a credibilidade de cientistas de todo o mundo.
— O astro intruso.
— Não interessa o nome que lhe foi dado, sabemos é que
algo diferente e de conseqüências drásticas está por acontecer
no planeta a qualquer momento.
— Bem, e qual é o ponto que liga o tal asteróide com as tais
descobertas arqueológicas na Mesopotâmia e qual a conexão disso
tudo com as atividades terroristas em todo o mundo? — a troca
de idéias e impressões sobre o tema de sua predileção havia deixado
Maurício mais à vontade.
— Vamos por etapas — disse Max. — Primeiramente, a descoberta
dos manuscritos sumérios não foi obra de nossa organização.
Ficamos sabendo dessa descoberta há alguns anos e nos
empenhamos por entrar de posse desses achados arqueológicos.
Nesse contexto, a ação de um cientista que já havia decifrado
outros escritos cuneiformes foi crucial. Ele nos auxiliou
sobremaneira. Sabemos hoje que os antigos povos da Suméria
e da Babilônia previram com exatidão matemática o retorno
do cometa e até mesmo a sua trajetória próxima à Terra. Tais
dados estão de posse da Nasa, a agência espacial norte-americana.
O nosso interesse é exatamente que você nos auxilie na
tradução das tábuas encontradas no tal sítio arqueológico. Nós
as temos conosco.
— Mas eu não entendo...
— Não adianta disfarçar, Maurício. Você é observado desde
a sua última viagem ao Canadá. Sabemos de seu contato anos
atrás com o homem que decifrou o código das placas descobertas
e temos certeza de que, com seus estudos, você também sabe
168 Robson Pinheiro i Ângelo Inácio
a chave e é capaz de decifrar certos detalhes, preenchendo lacunas
que existem na tradução. O assunto é muito importante para
o futuro de nossa organização, e estamos dispostos a pagar um
bom preço, apropriado à relevância da missão.
— Mas eu não tive tempo de aperfeiçoar o que aprendi.
Estive estudando sim, mas foi algo superficial, pois o meu trabalho
não me permitia maior envolvimento...
— Deixe de fazer rodeios, caro Dr. Maurício. Podemos lhe
oferecer infra-estrutura completa, necessária para suas pesquisas:
laboratório completo, pessoal de apoio e tudo o mais que
precisar estará à sua disposição. Você compreende nosso interesse
em tudo isso.
— Asseguro que ainda não estou entendendo.
— Nossa organização não pode permitir que haja algo que
não saibamos a respeito desses eventos, dessas transformações.
Queremos contribuir com a nova ordem mundial.
— Contribuir?
— Segundo os registros sumários, que contêm dados já confirmados
inclusive pela Nasa, o tal cometa aproxima-se da órbita
terrestre de tempos em tempos. O período foi referendado por
recentes investigações. Os homens responsáveis por tais estudos
chegaram à conclusão de que já passamos do tempo crítico, ou
melhor, estamos vivendo agora momentos críticos. As influências
observadas nas órbitas dos planetas exteriores (Júpiter, Netuno,
Urano e Plutão) são fortes indícios de que algum corpo celeste
está se aproximando do sistema solar, e todas as recentes
descobertas apenas ratificam os dados trazidos pelos achados
arqueológicos. O nosso interesse talvez você saiba...
Maurício começou a pensar que Max era um daqueles loucos
emergidos diretamente de um filme qualquer de terror ou
Crepúsculo dos Deuses 169
ficção científica. Embora suas teorias tivessem fundamento, Maurício
recusava-se a pensar na proporção do perigo dessa tal organização.
Para ele eram um bando de desajustados, de malucos
ou visionários. No entanto, apesar de seu ponto de vista, seu
raciocínio não resolvia a situação.
Crepúsculo dos Deuses
171
o desenvolvimento dos vegetais a tal ponto que eles refletiam o
estado emocional dos habitantes do Cocheiro.
Zulan e Tura adentraram o edifício principal, que se situava
em meio a quatro outros prédios de forma igualmente piramidal.
Representavam as quatro luas do sistema, que foram a base
de apoio para as pesquisas dos povos capelinos.
Quando Zulan entrou no salão principal, notou intensa
movimentação. Achou estranho ver alguns representantes do
governo presentes em Centra, o que não era comum. Também
havia representantes dos vergs, amigos de outra morada no espaço.
Algo de muito estranho estava acontecendo. Olhou para
Tura inquieto e, pela primeira vez, viu de perto um verg.
Zulan dedicou toda a sua vida às pesquisas transcendentes.
Aprendeu desde cedo a lidar com a tecnologia das radiações,
utilizando-a para o progresso do Cocheiro. Poucas vezes teve
oportunidade de ver algum ser de outro mundo, a não ser através
de noticiários, dos monitores familiares.
Agora via-os de perto. Eram altos, esguios e tinham olhos
vivos. Segundo diziam, eram mais evoluídos que os capelinos.
Raras vezes eles foram vistos no meio do povo; evitavam interferir
nas questões sociais ou governamentais do primeiro mundo.
Vestiam-se com longas túnicas e tinham cabelos brancos, como
as flutuações do Mar de Gan, que formavam um espetáculo belíssimo
de se ver — espécie de espumas flutuantes que, de tão
brancas, chegavam a causar algum desconforto nas vistas.
A boca dos vergs era pequena. Sorriam prazerosamente e
com muita constância.
Zulan e Tura entreolharam-se e resolveram aproximar-se
da recepção para maiores informações. Antes, porém, foram
contatados por uma representante do sexo feminino do primei
172 Robson Pinheiro • Ângelo Inácio
ro mundo. Seu nome era Dara. Era uma cientista psicossocial.
Sua função era detectar as emanações psíquicas, psicológicas e
as emoções do povo, percebendo o momento evolutivo de cada
um. Medidas do governo em relação ao destino da população
dependiam de muitas das observações realizadas pelo time de
cientistas altamente especializados, como Dara. Trabalhava com
uma equipe dedicada de mulheres capelinas. Eram mais sensíveis
e amorosas. E a beleza das capelinas fazia com que fossem
consideradas verdadeiras deusas.
Dara aproximou-se dos dois e, após se apresentar, falou-lhes:
— Vocês já estão sendo aguardados, veneráveis companheiros.
Sejam bem-vindos a Centra. Você, Zulan, e você, Tura, sejam
para sempre bem-aventurados.
— Como sabe o nosso nome? — perguntou Zulan.
— Sou cientista psicossocial e também faço parte do Colegiado;
portanto, posso perceber as vibrações mento-emotivas de
vocês sem maiores impedimentos.
Estava explicado. Dara era um dos capelinos especiais, com
profunda vivência no que se refere às questões da mente e do
espírito. Trabalhava diretamente no Conselho de Centra, o Centro
da Vida Transcendente, situado no primeiro mundo da constelação
do Cocheiro.
— Esperemos alguns instantes — disse Dara. — Os sábios do
Conselho estão em reunião com representantes do governo e dos
povos de Verg. A reunião está acabando; aguardemos.
— Venerável Dara — principiou Tura — o que está acontecendo
realmente? Decidimos vir a Centra discutir algumas observações
realizadas por Zulan. Aqui chegando, notamos essa
movimentação intensa, pessoas do governo e de outros povos.
Tudo isso não me parece natural em Centra, que é sempre um
Crepúsculo dos Deuses
173
lugar resguardado da movimentação de nossas cidades. Centra
foi sempre uma espécie de santuário para o nosso povo. Por que
tanta atividade?
Dara cerrou os olhos, concentrando-se, e tanto Zulan quanto
Tura sentiram-se penetrados pelas vibrações da mente de Dara.
— Meus amigos sempre bem-aventurados — disse Dara —
sinto a preocupação de vocês quanto ao destino de nossos povos
e posso lhes afirmar que todos estão aqui pelos mesmos motivos.
Urias, o representante do Auto-Evolucionário, Yeshow, o governador
espiritual do nosso mundo, andou rastreando as mentes
de vários seres do nosso povo. Urias, como uma consciência extrafísica
muito esclarecida, sabe da gravidade da situação, e parece-
me que tem convocado as pessoas que possam ser úteis aos
planos cósmicos de redenção de nossa humanidade. O chamado
de Urias é, como sabem, irrecusável por parte daqueles que já
despertaram para a necessidade de regeneração de nosso povo.
Antes que Dara pudesse prosseguir, um sinal luminoso e sonoro
manifestou-se no salão principal de Centra. Era o chamado
do Conselho Superior. Todos se dirigiram para o Salão Evocativo,
lugar onde o Colegiado, os sábios Sacs e os anciãos se reuniam
periodicamente. Lá expandiam suas consciências para entrar em
contato com os responsáveis espirituais dos capelinos, que vibravam
em outras dimensões da vida universal.
Tura e Zulan adentraram o imenso recinto na companhia
da venerável Dara, juntamente com outros capelinos. Ao todo
eram 78 pessoas reunidas, além dos vergs.
Uma imensa mesa em semicírculo estava no meio do recinto,
que naquele momento era iluminado por uma luz de suave
tonalidade azul. Era o símbolo da união superior. Significava que
o Conselho estava diretamente ligado a Urias, a consciência ex
174 Robson Pinheiro • Ângelo Inácio
trafísica que orientava os povos piedosos do Cocheiro.
Em torno da mesa, estruturada em material transparente,
assentavam-se os dirigentes do Conselho.
Após conduzir os amigos para seus lugares, Dara aproximou-
se de um dos anciãos e falou-lhe:
— Venerando mestre de nossa raça, seja para sempre bem-
aventurado.
— Fale, nobre Dara! — respondeu-lhe o ancião. — Seja você
também bem-aventurada — era o cumprimento entre o povo.
— Venerando, os nossos amigos receberam, pela intuição, a
incumbência de nos procurar. Acredito que os motivos dos nossos
irmãos são os mesmos que nos preocupam: a situação da
nossa humanidade. Como teríamos uma reunião importante
hoje, defini conduzi-los ao Conselho, pois creio que têm algo
importante para todos nós.
O ancião olhou em direção a Tura e Zulan, e de seus olhos
irradiava intenso magnetismo.
— Falem, nobre Zulan e venerável Tura. Para sempre sejam
bem-aventurados.
Tura, tomando a palavra, começou:
— Distintos membros do Conselho, do governo e representantes
do nosso povo. Ficamos felizes por vermos que todos vêm
a Centra com objetivos idênticos. Isso prova que estamos todos
preocupados com o destino de Capela. Há tempos que nossa
gente vem desenvolvendo a sua evolução segundo as bases sólidas
dos ensinamentos de Yeshow, o governador espiritual de nossa
humanidade. Contudo, a presença, em nosso meio, dos irmãos
Amaleques tem impedido maiores realizações. Igualmente, o Império,
com as consciências draconianas, tem se constituído num
Crepúsculo dos Deuses
175
estorvo para nossa caminhada.
Tura expressava-se com desenvoltura e sobriedade à frente
do governo planetário. Continuou:
— Acontece que, segundo o que pensamos, algo tem que
ser feito, com urgência, para que nossa humanidade caminhe
tranqüila e alcance sua redenção. Não somente esse raciocínio
nos traz à presença dos dignos senhores; temos também outras
preocupações. Peço-lhes permissão para que meu amigo Zulan
as possa transmitir.
O sábio pesquisador tomou a palavra e deu prosseguimento
à exposição, iniciada por Tura:
— Como é do conhecimento dos veneráveis irmãos, venho
desenvolvendo pesquisas transcendentais em relação ao nosso
mundo. Represento alguns capelinos que têm dedicado suas vidas
à ciência, e, atualmente, vimos desenvolvendo estudos com
base em radiações pentadimensionais. Recebemos das consciências
extrafísicas a inspiração e as idéias necessárias para a construção
de um aparelho de rastreamento magnético. Nossas pesquisas
mais recentes com tal tecnologia revelam algo que nos
trouxe sérias preocupações. E que detectamos a presença de um
bólide espacial, uma espécie de astro errante, cujas emanações
magnéticas afetaram sensivelmente os nossos instrumentos.
Neste momento Zulan fez uma breve pausa e notou que os
vergs se entreolharam. Em seguida, o sábio falou:
— Rastreando as emanações do astro intruso, pudemos
detectar que as energias magnéticas que o estão atraindo partem
diretamente de Capela, do nosso mundo. Isso nos levou a raciocinar
mais detidamente com relação à nossa situação. Se a grande
maioria da nossa humanidade tem se esforçado para melhorar
e manter suas consciências sintonizadas com o bem, de onde
176
Robson Pinheiro • Ângelo Inácio
poderiam estar vindo essas vibrações e emanações mentais inferiores?
São de tal maneira intensas que chegam a atrair o corpo
intruso para o nosso sistema. Pensamos muito e chegamos à conclusão
de que, infelizmente, tais energias, por serem bastante
densas a ponto de alterar a órbita do astro errante, hão de partir
de seres que ainda se encontram renitentes no mal. O Império e
os Amaleques formam a escória dos nossos povos e, por sua
persistência naquilo que chamamos de mal, é que adensaram a
atmosfera psíquica do nosso planeta. Há que se fazer algo urgentemente,
mas não sabemos o quê. Alguma medida há de ser
tomada, senão a presença do astro em nosso sistema poderá
causar uma catástrofe sem precedentes, e cremos não estar preparados
para tais eventos.
Todos naquela assembléia ficaram preocupados com a situação.
Afinal, o que Zulan falara foi uma confirmação do que
todos já sabiam. Algo estava para acontecer na constelação do
Cocheiro. Momentos de decisão estavam por vir. Os sábios pesquisadores
apenas comprovaram, com suas observações e pesquisas,
o que as pessoas ali presentes já haviam discutido antes. Os
povos piedosos de Capela entravam numa crise sem precedentes.
Os ânimos de todos daquela humanidade estavam alterados.
Os seres que se sintonizavam com os Dragões não se preocupavam
com a situação vibracional do planeta. Não se envolviam
com as questões espirituais. Aqueles dentre os Amaleques que tiveram
contato com as leis ocultas ou transcendentes formavam
uma espécie de grupo de magos, que, utilizando de modo inescrupuloso
suas faculdades, tentavam o domínio das consciências
que se sintonizavam com eles. Mais maldosos do que maus, resistiam
a toda tentativa de esclarecimento. Queriam manter o povo
na ignorância, pois, sem conhecimento, estava pronto o campo
para o domínio mental e psicológico.
Crepúsculo dos Deuses 177
Foi Dara quem pediu a palavra na assembléia:
— Veneráveis companheiros, como sabem, a maioria de
nosso povo se encontra concentrada no primeiro mundo do
nosso sistema, o qual transformamos em um planeta muito agradável
para habitação. Foi necessário transformarmos o segundo
em estância agrícola e o terceiro, em um centro industrial. Os
grandes continentes de Lemir, o segundo planeta, abrigam tudo
o que é necessário para o progresso e a manutenção da vida de
nossa civilização. Uma de nossas luas foi convertida no centro de
pesquisas de biotecnologia de Capela. Nesse satélite os médicos,
engenheiros genéticos e outros sábios desenvolvem suas pesquisas,
a fim de manter a saúde física e psicológica da nossa humanidade.
Esse expansionismo foi necessário, em vista do aumento
demográfico dos povos do Cocheiro. Era preciso espaço, e não
podíamos deter a marcha do progresso. A especialização, por outro
lado, foi essencial para que não mais nos detêssemos na retaguarda
tecnológica.
Dara era suave e notadamente doce ao expor suas idéias,
mesmo com a gravidade do assunto em pauta. Continuou sua
exposição:
— Nos últimos anos, entretanto, temos observado algumas
reações em Lemir, o planeta agrícola. A terra, que antes produzia
com variedade e abundância, começa a rarear a produção, e,
quanto à qualidade, tem mostrado baixos índices de desempenho.
Das entranhas do planeta, constantes abalos sísmicos, jamais
observados em nossa história, têm perturbado o equilíbrio
do sistema. O clima, sempre temperado, está mostrando grandes
oscilações, o que tem preocupado os capelinos que trabalham
por lá. Por sua vez, em Capela há algo ocorrendo, que
merece mais cuidado de nossa parte. As constantes investidas
dos Dragões contra as obras de nossa civilização têm produzido
178 Robson Pinheiro • Ângelo Inácio
intrincadas questões, tanto no âmbito psicológico como no social,
de difícil solução.
Neste ponto da fala de Dara, um membro do Colegiado, o
sábio Lern, pediu a palavra:
— Tenho estado, juntamente com uma equipe de estudiosos,
em contato com outras dimensões do nosso mundo. Realizamos
algumas excursões ao mundo astral e notamos que as consciências
que se sintonizam com os propósitos dos Dragões têm
se manifestado com intensa rebeldia, como era de se esperar.
Mas os planos inferiores têm desenvolvido surpreendente atividade;
pressentem também que há transformações iminentes em
nosso planeta. Ainda que ignorem o que nos aguarda, especulam
acerca de alguma catástrofe que se aproxima. Tais espíritos
planejam uma ofensiva em longa escala às obras piedosas da comunidade
do Cocheiro, pois a conjuntura lhes transmite uma
certa sensação de urgência.
Os dirigentes do povo capelino ouviam com atenção as novas
que Lern trazia. O membro do Colegiado prosseguiu:
— Esses espíritos têm resistido duramente à reencarnação
e conservam-se apegados às más tendências que caracterizam
sua história; preferem conservar-se como consciências extrafísicas.
Não querem corpos como os nossos. Entretanto, estão tentando
inspirar os Amaleques a desenvolver experimentos genéticos
e construir corpos adequados a seus planos. Pudemos notar,
nos momentos em que nos projetamos do outro lado da barreira
dimensional, que essas almas desajustadas tentam de toda
forma penetrar nos conselhos e nas reuniões governamentais,
além de disseminar idéias religiosas errôneas, para confundir a
população capelina. De acordo com nossas fontes, planejam uma
ação geral, num misto de desespero e ignorância, pois supõem
que haja alguma coisa no ar. Os dirigentes do império draconia
Crepúsculo dos Deuses
179
no conservam seus adeptos na ignorância e se utilizam dessas
consciências, sem que elas o suspeitem, para deter a marcha
ascendente dos povos do Cocheiro.
Lern calou-se, enquanto, um a um, pronunciaram-se os responsáveis
pelos diferentes segmentos da sociedade capelina.
O ancião Ginal assumiu a palavra, encerrando a assembléia:
— Venerandos companheiros que sustentam a nossa humanidade,
é claro o interesse que todos vocês têm demonstrado
com relação ao que está acontecendo com nosso povo. Os amigos
do mundo de Verg nos procuraram e participam conosco da
assembléia de Centra, com a finalidade de nos auxiliarem. Eles
mesmos nos alertaram quanto à situação magnética de nossos
planetas, e, no espaço distante, em sua própria morada, já sentem
a influência vibracional de Capela. Como sabem, tudo no
universo está ligado por fios tênues, que alguns chamam de força
magnética e outros, com mais propriedade, denominam de
amor. Sabemos que as ligações são tão intensas que determinado
evento num extremo do universo seguramente afeta outros
mundos disseminados no espaço.
Ginal era de uma serenidade que reanimava sua platéia, pois
as dificuldades eram apontadas por ele como desafios a serem
vencidos, demonstrando confiança inabalável de que iriam chegar
a uma solução. Seu otimismo era revigorante:
— O que Capela vive, veneráveis companheiros, é conseqüência
de nossa integração à comunidade universal. O que nos diz respeito
acaba por afetar outras vidas, por processo de repercussão
vibratória. A situação de nosso orbe é, enfim, preocupante. As bases
dimensionais sobre as quais repousa o equilíbrio do sistema do Cocheiro
estão instáveis, e isso preocupa muito tanto os vergs quanto
povos de outros mundos. Para chegarmos a uma resolução, sugi
180 Robson Pinheiro • Ângelo Inácio
ro que voltemos para nossas atividades e que, depois de alguns
dias, nos reunamos uma vez mais. Enquanto isso, cada um fará
suas pesquisas e observações dentro de sua área de atividade. Na
ocasião em que nos encontrarmos novamente, haverá uma reunião
especial. Talvez consigamos tranqüilizar nossas mentes e
tenhamos a felicidade de contatar outras dimensões do nosso
mundo. Procuremos manter a calma e unamo-nos vibratoriamente,
no plano mental. Estejamos ligados com as idéias que nos
são sugeridas diretamente pelos emissários de Yeshow. O sábio
Urias, ser a quem muito devemos, com certeza se manifestará,
trazendo-nos maiores esclarecimentos. Sejam todos, para sempre,
bem-aventurados.
Um a um, os representantes da sociedade capelina foram se
dispersando. No Salão Evocativo ficaram os anciãos e os vergs.
Conversavam a respeito das medidas que seriam tomadas para
amenizar a situação.
Dara retirou-se na companhia de Zulan, Tura e Lern, um
dos membros do Colegiado que se pronunciara anteriormente.
Fariam suas observações e pesquisas. Procurariam dedicar-se mais
intensamente para ver o que poderiam realizar em benefício de
seu povo. Decidiram dirigir-se para a capital do planeta. Lá encontrariam
maiores recursos para auxiliar. Estavam todos ansiosos
e cansados do dia de atividades intensas. Precisava descansar;
para isso, a convite de Dara, dirigiram-se a sua residência.
Enquanto isso, fecharam os olhos e ligaram-se, através da mentalização,
à Suprema Consciência, pedindo a orientação de
Yeshow e Urias, que dirigiam os povos do Cocheiro.
Sob o signo
do terror
— NOSSA ORGANIZAÇÃO patrocina diversas pesquisas
científicas, como, por exemplo, os experimentos
para se desenvolverem vacinas contra
a aids e o câncer — continuou Max, levantando-
se da cadeira junto a Maurício. — Existem
vários laboratórios, em todo o mundo, que
recebem de nós auxílio de diversas maneiras.
Também mantemos muitos grupos na Venezuela,
fomentando revoltas civis entre o povo. Na
Irlanda, há vários dos nossos atuando segundo
os interesses do grupo, e até mesmo a Al
Qaeda recebe nossa influência direta.
— Parece que vocês estão em todas as áreas,
não é mesmo? — Maurício impacientava-se
com o exibicionismo de Max.
182 Robson Pinheiro • Ângelo Inácio
— Esta é uma organização milenar, caro Maurício. Muita
coisa já foi feita por nossos representantes. Mas ainda há bastante
a ser executado. Em suma, nosso objetivo principal é auxiliar
a nova ordem, estabelecer no mundo o iv Reich, e para isso faremos
o impossível.
— Onde eu entro nisso tudo? Ainda não entendi o alcance
de minha atuação e do seu interesse por mim.
— Precisamos da chave para decifrar os últimos escritos. Sabemos
que não existe nenhuma catástrofe iminente que ameace o
sistema solar, mas algo está para acontecer. Caso possamos prever
nos mínimos detalhes os acontecimentos, teremos o mundo em
nossas mãos. Queremos antever cada detalhe, cada lance desse
jogo de xadrez cósmico. Nada poderá dar errado desta vez...
— Desta vez?
— Foi um jeito de falar — disfarçou Max. — Queremos estar
de posse de toda a informação possível, a fim de auxiliar quanto
pudermos...
— Mas como vocês pretendem auxiliar, espalhando e patrocinando
guerrilhas, atentados terroristas e tanta coisa considerada
anti-humanitária...
— Você não compreende ainda, porque se mantém prisioneiro
do velho jogo de sombra e luz. Em nossa guerra não há
ética, moral, nem situação alguma que limite nossa ação. Aquilo
que para você soa como anti-humanitário, para nós é questão de
sobrevivência, só isso. Somos obrigados a vencer sempre. Para
isso, possuímos representantes nos gabinetes de todos os governos
e em muitas das principais religiões do mundo.
A prepotência de Max era quase convincente, pensava
Maurício.
Crepúsculo dos Deuses
183
— No Oriente — prosseguiu — a organização à qual pertenço
tem o maior número de adeptos. O Ocidente, todavia, é
ainda um lugar que merece maior trabalho, especialmente devido
às idéias, que correm mais livres.
Maurício começava a esboçar um pensamento em sua cabeça.
Algo descomunal estava tomando forma. Ele, porém, afastava
a idéia do seu consciente, recusava-se mentalmente a aceitar
suas conclusões. Já desconfiava de algo; contudo, ante o horror
que aquela idéia lhe causava...
— Caso os cientistas e os governos continuem com seus experimentos
atômicos, certos fatos nos favorecerão — Max o impressionava.
— Veja que o clima da Terra está se modificando à
medida que passam os anos...
— Isso é mesmo algo que ninguém pode negar...
—As geleiras dos pólos vão aos poucos derretendo, e o nível
dos oceanos aumenta em conseqüência disso. Com o degelo das
calotas polares, a mudança climática e os cataclismos naturais, cidades
inteiras terão seu fim decretados. Ficarão inundadas.
— Isso seria o fim de uma boa parte da civilização.
— E para isso o mundo não está preparado. Por isso queremos
todo o material que tivermos à disposição. Decifrar os escritos
dos antigos sumérios é para nós de máxima urgência. Teremos
maiores informações em nossas mãos. No mundo de hoje,
quem domina o conhecimento domina o próprio mundo: ou
seja, as vidas de milhões de pessoas. Quanto ao que você chama
de atentados terroristas, guerrilhas e coisas semelhantes, há um
objetivo definido por detrás de tudo isso.
— E qual é o objetivo, se posso saber?
— Enquanto distraímos a atenção dos governos para o com
184 Robson Pinheiro • Ângelo Inácio
bate ao narcotráfico, aos atentados de toda espécie ou mesmo aos
regimes despóticos ou anarquistas que patrocinamos, tanto o povo
quanto os governantes não percebem o que está acontecendo nos
bastidores. Dominamos as informações e, aos poucos, o próprio
mundo. Toda essa onda de terrorismo é um disfarce necessário: é
a estratégia de nossa organização.
— Os neonazistas...
— Nada disso, Maurício, nada disso. O neonazismo é apenas
uma fachada, para que possamos atuar mais seguros. Os tolos
participantes de tais atentados terroristas não sabem o quanto
estão sendo manipulados por nós. São marionetes em nossas
mãos. Porém, cumprem o seu papel na ordem atual.
— Mas e a suástica?
— É apenas um símbolo de nosso compromisso com a nova
ordem de coisas que logo se estabelecerá. O Quarto Poder, ou o
iv Reich, para nós já é uma realidade. Preciso agora saber de sua
decisão. Creio que lhe dei muitas informações a nosso respeito.
Somos transparentes, e nossa forma de agir é não esconder nada:
apenas o necessário é mantido circunscrito a poucos de nós, que
sabem mais que a maioria. Diga-me, qual a sua decisão quanto a
nos ajudar?
— Você disse-me que não tocariam em mim — falou Maurício
desconfiado — nem mesmo num único fio de cabelo...
— Isso mesmo, e mantenho a promessa seja qual for a sua
decisão.
— Me dêem algum tempo, preciso refletir; afinal, são muitas
informações.
— Pois bem, brasileiro, terá algum tempo, mas cuidado, não
posso demorar muito. Sou cobrado pelos meus superiores, e eles
Crepúsculo dos Deuses 185
agem de formas imprevisíveis.
Max redrou-se do ambiente e deixou para trás um homem
cuja consciência cobrava algo em favor de si mesmo e da humanidade.
Maurício Bianchinni ficou a sós com seus pensamentos
conturbados. Como agir? Eis a dificuldade da decisão.
Crepúsculo dos Deuses 187
muito além daquilo a que chamavam dimensão física.
A própria estrutura material dos mundos capelinos não era
a mesma do restante do universo. A base em que se realizava a
evolução era bem diferente daquela em que viviam outros seres.
A matéria não se manifestava da mesma maneira em todo lugar.
Os mundos capelinos poderiam até ser materiais, mas tal matéria
— quem sabe? — poderia ser diferente do estado vibratório
de outras matérias de mundos ao redor do universo. Entretanto,
somente a conquista do amor e da consciência cósmica é que
poderiam preparar os povos capelinos para o contato com outros
irmãos do espaço. Precisavam primeiramente colocar ordem
na casa planetária; depois, então, conseguiriam vencer as
barreiras dimensionais ou espaciais que os colocariam em contato
com outras inteligências da criação. Seriam visitados ou visitariam
mundos distintos, habitados por outras inteligências.
Primeiramente, começaram por se melhorar intimamente.
Os ensinamentos de Yeshow constituíam uma espécie de código
moral, pelo qual pautavam suas vidas e seus costumes. Dedicaram-
se ao progresso de suas consciências.
Contudo, nem todos pensavam de maneira igual. No passado
remoto, quando o planeta vivia em estado primitivo, muitos espíritos
estagnaram, perpetuando-se na prática do mal. Milhares de ciclos
haviam se passado desde então. Essas consciências prisioneiras
do orgulho e da indisciplina conseguiram arregimentar forças e
aumentar o seu império de medo e terror.
Então veio Yeshow, o Divino. Sua presença em meio ao povo
colocou fim ao período negro da civilização. Sua voz ressoava na
bela paisagem daquelas terras do espaço, e suave vibração pôde
ser sentida pelos habitantes do mundo. Seus ensinamentos e seu
exemplo de conduta, elevados a um padrão cósmico de tão grande
amor, conseguiram, em apenas alguns anos, suavizar os cora
188 Robson Pinheiro • Ângelo Inácio
ções da raça capelina. Trouxe uma nova proposta de vida e deu
sentido às existências daquelas criaturas.
Mas Yeshow, como governador supremo do sistema do Cocheiro,
não poderia ficar para sempre prisioneiro da forma física.
Como uma libélula de luz, libertou-se do casulo que o mantinha
jungido ao corpo e elevou-se novamente às dimensões extrafísicas,
celestiais, de onde continuava dirigindo os destinos
daqueles povos do Cocheiro.
No entanto, aqueles espíritos que não responderam ao seu
chamado de amor mantiveram-se retardatários na imensa revolução
espiritual de Capela. Receberam o nome de Amaleques,
expressão que significa "os rebeldes", "os retardatários". Além
deles, nas faixas dimensionais próximas à crosta planetária, permaneciam
outros espíritos, sem a forma física, prisioneiros de si
mesmos, mergulhados em seus desvarios. Formavam um vasto
império que resistia à força do amor. Eram os Dragões, como se
autodenominavam. Desde eras remotas que se cristalizaram no
mal; ao encontrar nos Amaleques aqueles que captavam sua influência,
pretendiam estabelecer definitivamente o seu reino.
A ignorância só foi vencida quando os povos aceitaram as
verdades universais trazidas por Yeshow. A partir de então, os
Dragões foram perdendo o domínio, pois mais e mais seres eram
conquistados pela força soberana da luz.
Retraídos e acuados aos subplanos dimensionais, formaram
lá a base de sua ofensiva às obras da humanidade capelina.
Determinado tempo se passou, e coisas estranhas começaram
a acontecer nos céus do primeiro mundo. Em vários
lugares, luzes apareciam e se materializavam, ora aparecendo
e ora sumindo, assustando os desavisados, os membros do
governo e o povo.
Crepúsculo dos Deuses 189
Com a renovação da mentalidade da população, a abolição
da guerra e a derrocada dos poderes dos Dragões, a paz foi definitivamente
estabelecida.
Certo dia, preparando-nos para estabelecer bases de pesquisas
na segunda lua de Axtlan, muitas luzes foram avistadas,
aproximando-se da atmosfera do planeta. Um dos membros do
Colegiado, por ser dotado de certas faculdades mentais e da facilidade
de libertar a sua consciência da forma física, sentiu intensa
energia envolvendo-lhe a mente.
Serenou sua consciência e colocou-se à disposição das forças
soberanas. Leve torpor invadiu-lhe a mente, e libertou-se da
forma e da prisão biológica, projetando-se no espaço. Nesse estado,
estabeleceu-se o primeiro contato direto com outros seres,
que se diziam chamar vergs. No intercâmbio estabelecido, esses
seres determinaram um lugar em que deveriam se manifestar
visivelmente aos capelinos. Estavam há tempos visitando o primeiro
mundo. As luzes que estavam sendo avistadas na realidade
eram o reflexo dos campos de força magnética de suas naves. Eram
irmãos, os irmãos das estrelas, que vinham dar o atestado de maioridade
dos povos do Cocheiro.
A data do encontro foi estipulada, e, no local e tempo combinados,
manifestaram-se em seus veículos esféricos, que desceram
ao solo do nosso mundo.
Lágrimas de alegria, emoções diferentes dominaram aquele
momento, que ficou para sempre registrado em nossa história.
A partir de então, no local do encontro, foram erguidas as pirâmides
que compõem o conjunto arquitetônico de Centra — o
Centro da Vida Transcendente do Cocheiro. Foi um monumento
erguido à paz da família universal. Naquela ocasião desceram
do veículo de Verg três representantes de sua raça. Um deles,
vestindo imensa túnica branca e trazendo os cabelos irradiantes
190 Robson Pinheiro • Ângelo Inácio
de luz, falou pela primeira vez aos capelinos, em nossa própria
linguagem:
— Povos do Cocheiro, saudamos a todos em nome da Suprema
Ventura, aquele ser cujo nome não somos dignos de pronunciar.
Somos amigos, somos irmãos. Não estão sozinhos em
meio às estrelas da Via-Láctea. Nós, os irmãos das estrelas, trabalhamos
e lutamos, como vocês, para a evolução da paz nas consciências
de todos os mundos.
A voz dos vergs parecia um sussurro, um sibilar. Soava em
nada semelhante à palavra articulada dos capelinos:
— Há muitas eras que vimos observando os seus avanços.
Temos acompanhado os lances da história capelina. Mas certas
leis cósmicas nos impediam de nos fazermos visíveis aos seus olhos
e nos comunicarmos. Quando o povo resolveu acatar os ensinamentos
da moral cósmica e abolir a guerra em seu meio, alcançou
a maturidade espiritual. Desde então, entramos em contato,
primeiramente com os dirigentes espirituais de seu mundo, pedindo
permissão para incentivarmos mais de perto a comunidade
do Cocheiro.
Aqui estamos, para inaugurar uma nova etapa em sua história
e dizer-lhes: Irmãos, vocês são filhos do universo, cidadãos
do infinito.
Desde aquela data memorável os povos do Cocheiro estabeleceram
relações mais intensas com os filhos das estrelas. Os vergs
têm incentivado os capelinos em sua marcha evolutiva e promovido
intercâmbio precioso para ambos os povos.
Os anciãos do povo conversavam com os vergs, estabelecendo
um tratado de ajuda para os povos capelinos e auxílio de
Crepúsculo dos Deuses
191
emergência para a humanidade, ante os tempos difíceis que se
aproximavam.
Venal, o chefe do Conselho, falou para o cidadão verg:
— Estamos em momentos de crise, e sei que vocês observam-
nos com atenção. Temo pelo destino de nossos povos e peço-
lhes auxílio para a humanidade. Acredito que os próximos dias
serão muito difíceis para o nosso povo, por isso considero de
emergência o nosso caso.
— Estão protegidos — disse o verg. — Capela é constantemente
assistida pelos seres que a dirigem de outra dimensão da
vida. Nós não podemos interferir em sua história. Colocamo-nos
à disposição do seu povo; podem contar conosco em qualquer
emergência. Entretanto, repito: existem leis que nos obrigam a
respeitar os momentos críticos de decisão em outros mundos.
O cidadão verg trazia revelações surpreendentes até mesmo
para Venal:
— Há muitas eras viemos a seu mundo semear a vida, que
floresce através dos tempos. Desde o momento em que suas
consciências despertaram para a razão, não pudemos mais interferir
diretamente. Tivemos que nos limitar a observar a jornada
da evolução até o momento de abraçar-lhes e receber a
população do Cocheiro entre os filhos do universo. Apesar da
nova fase iniciada, passam por um momento importante, decisivo
na história do povo. Escolheram um caminho que fatalmente
levará Capela à redenção final de sua humanidade. Estamos
aqui como numa grande família de dimensões cósmicas.
Contudo, as experiências graves, têm que passá-las sozinhos,
para elevar o mérito de suas vidas. Auxiliaremos, tenha certeza,
mas não podemos impedir as provas difíceis, que tornarão
sua gente mais robusta. Saibam que terão sempre em nós os
192 Robson Pinheiro • Ângelo Inácio
amigos devotados, filhos do mesmo Pai.
— Compreendo, meus amigos, compreendo... — respondeu
Venal, o chefe do Conselho.
— Mais breve do que imaginam — continuou o representante
verg — nós estaremos auxiliando o seu povo. Esperem e
permaneçam atentos, bem-aventurado Venal.
Os membros do Conselho se retiraram do ambiente e, retornando
aos seus afazeres, integraram-se à vida do povo.
Os vergs retiraram-se para o edifício do governo, onde estavam
alojados.
A vida em Centra parecia haver voltado ao normal.
Ao longe, avistavam-se três das quatro luas de Axtlan, o primeiro
mundo dos capelinos. Pareciam translúcidas, feitas de
material cristalino, refletindo as luzes dos sóis gêmeos do Cocheiro.
Era tarde, e principiava nova vida sob os céus da humanidade
estelar.
O barulho da tempestade que estava por vir apenas prenunciava
a alvorada de uma nova era. Eram tempos difíceis, mas
necessários. O mundo seria renovado para a habitação de seres
mais esclarecidos.
194 Robson Pinheiro • Ângelo Inácio
Maurício possui.
— E o que seria tão importante assim, que somente o brasileiro
possui? Gingado? — satirizava John, exaltado. — Não consigo
pensar em algo a não ser conhecimento.
— Exato, senão não faria sentido algum o tal seqüestro.
Maurício detém conhecimento de algo que é muito importante
para eles; do contrário, não se dariam o trabalho. Acredito que
aí está toda a chave do mistério envolvendo a ação do grupo
terrorista.
— Mas saber disso não nos adianta nada. Estamos sem recursos
para agir. Nenhuma pista, nenhum pronunciamento da
organização criminosa, nada que nos indique qualquer rastro
do homem.
— É algo difícil de dizer para uma equipe como a nossa,
mas creio que o que podemos fazer no momento é apenas rezar,
nada mais — Leroy agoniava o colega com seu jeito impassível.
— Sem elementos de ligação que nos esclareçam certos fatos,
não temos muito a realizar, a não ser continuar esperando que
nossos agentes descubram algo.
— Isto me irrita — falou John. — Todo o nosso planejamento
ficou afetado, e teremos de adiar muita coisa, devido ao
acontecido. E você ainda quer que eu reze?
— Bom, algo está vindo à minha cabeça neste momento. Se
nós, com toda a nossa equipe, não conseguimos localizar Maurício
Bianchinni e seus raptores, também Irmina Loyola não conseguirá
sozinha descobrir nada e nem mesmo se localizar em meio
a tanta confusão. Ela terá de aparecer, não lhe resta alternativa.
— Por um momento me esqueci da tal Irmina!... Mas você
tem razão. Ela não poderá se virar sozinha. Não há como se movimentar
em meio aos alemães sem conhecimento da língua e sem
Crepúsculo dos Deuses 195
conhecer alguém por aqui. Ela só terá essa alternativa.
— Ela vai aparecer, não resta dúvida.
— Você terá de voltar, Irmina! Sua fuga do local do evento
apenas complicou a situação para nós. Contamos com sua ajuda.
— Eu não sei como me meti nisto tudo. Vocês complicaram
minha vida. Eu não tenho nada a ver com vocês e nem com esta
história toda. Não acredito em nada do que me falam... Por que
fui entrar nesta?
— Você foi escolhida para esta missão porque tem capacidade
de tomar decisões rápidas e é a pessoa mais competente para
o nosso caso. Maurício depende de você; o equilíbrio dele está
em jogo, e ele é um importante elemento para nossos planos.
Pedimos que você reconsidere a possibilidade de nos assessorar.
— Maurício é um louco! Suas idéias são ridículas, considerando
o potencial que ele tem, e, mais ainda, eu não sei como ele
não desconfiou de nada até agora. Aliás, sei sim: ele é uma toupeira!
Fui obrigada a inventar uma história falsa, e ele caiu direitinho
em tudo o que lhe contei. Não entendo mesmo. Por que
vocês não arranjam alguém que acredita em vocês, em suas histórias
e tenha um mínimo de afinidade com suas teorias absurdas?
Eu nem sequer tenho sintonia com o trabalho e o pensamento
de vocês...
— Neste caso não precisamos de alguém que acredite em
nós. Maurício está envolvido com gente complicada e altamente
perigosa. Necessitamos de uma pessoa especializada e que tenha
facilidade de ir e vir sem impedimentos, e você é a mais indicada
neste momento. Não temos tempo de treinar mais alguém. Além
disso, Irmina, você possui conhecimento estratégico, já ganhou
196 Robson Pinheiro • Ângelo Inácio
a confiança de certos elementos ligados à rede de laboratórios
no Brasil e tem um treinamento militar.
— Vocês não largam de meu pé um minuto...
— Precisamos de você, Irmina...
— Tudo bem, se me prometerem que não me importunarão
mais depois de realizar este trabalho.
— Claro, claro, prometemos sim...
— E mais, exijo liberdade para utilizar métodos próprios.
— Bem... Creio que teremos de falar mais a respeito de
seus métodos.
— Sem fala mansa em cima de mim! Não venha com essa!
Quero ter liberdade de agir e não abro mão disso em hipótese
alguma, ouviu?
Irmina foi irredutível em suas condições; não cedeu em
momento algum. O homem com quem ela falava não teve alternativa
a não ser se sujeitar a tais exigências. Irmina Loyola levantou-
se do leito e tomou uma refeição leve antes de prosseguir
seu trabalho.
O contato de Irmina, após o diálogo controverso, reportava
a seus companheiros:
— Não temos como interferir na decisão de Irmina Loyola
— falou. — Teremos de utilizá-la com suas manias e sua impertinência.
— Não há problema quanto a isso, amigo. Todos temos nossas
limitações, e creio mesmo que o gênio intempestivo de Irmina
Loyola poderá nos ser muito útil nesta situação; afinal, Maurício
está lidando com gente muito perigosa. Precisamos nos calar
e confiar na capacidade de Irmina. Ela não falhará em sua
tarefa. Podemos confiar.
Crepúsculo dos Deuses 197
Maurício Bianchinni ficou só, no aposento onde antes falara
com Max. Estava pensativo quanto aos últimos acontecimentos.
Sua conversa com Max o deixara muito abatido, pois não via
como sair daquela situação.
— Esses caras são fanáticos pelo fim do mundo. E o pior é
que levam a sério tudo isso — falou em voz alta.
— Claro que levam a sério — respondeu uma voz feminina
— mas, afinal de contas, você também leva a sério tudo isso.
Maurício quase teve um colapso nervoso. Era de Irmina
Loyola a voz que ele ouvira atrás de si. A mulher estava deslumbrante,
altiva como só ela sabia ser. Mas não interessava tanto
assim a aparência de Irmina. Como ela chegara ali Maurício não
sabia, mas ele estava de certa forma contente com sua presença.
— Não fique assim feito bobo parado aí. Não tenho tempo
para explicações. Tenho amigos importantes em toda a parte,
por isso consegui chegar aqui. Levante-se, homem, ponha sua
cabeça para funcionar. Temos poucos instantes, antes que seus
seqüestradores voltem. Vamos, corra...
Caso John White visse Irmina naquele momento, diria que
ela tinha facilidade para aparecer e desaparecer sem deixar vestígios.
Senão, como se explicaria o aparecimento da moça, assim
tão repentino?
Maurício percebia a urgência da hora. Ele teria de aproveitar
o momento, em que Irmina lhe oferecia oportunidade de
fugir. Caso Max retornasse com seus homens, ele teria de dar
uma resposta e, sinceramente, não acreditava nem um pouco na
promessa de Max de que ele sairia incólume daquele esconderi
jo, caso sua resposta fosse negativa. Por outro lado, Max poderia
198 Robson Pinheiro • Ângelo Inácio
começar uma perseguição implacável, interpretando a fuga de
Maurício como sua resposta negativa aos serviços propostos. A
situação estava cada vez mais confusa, e Maurício titubeava ante
as perspectivas que se desenhavam diante dele.
A decisão não podia esperar. E Irmina? Como aparecera
por ali dessa forma? Como descobrira o quartel-general secreto
da organização dos terroristas? Maurício sabia demais a respeito
dos terroristas e tinha uma certeza bem firme de que Max e sua
gente não o deixariam escapar assim, sem mais nem menos.
Irmina Loyola, não agüentando mais esperar Maurício
Bianchinni — que parecia mover-se em câmara lenta —, tomando-
o da mão, saiu a arrastá-lo rumo à mesma porta por
onde parecera haver entrado. Com sua atitude dinâmica e presença
de espírito marcante, Maurício parecia acordar de um
longo sono.
— Vamos, rapaz! Corra o quanto puder. Tenho amigos que
vieram junto comigo.
Maurício corria conduzido por Irmina Loyola, sem saber
ao certo para onde iriam. No corredor por onde passavam, Maurício
pôde notar três homens, armados com uma espécie de rifle
que ele nunca tinha visto antes. Seriam armas de verdade? Não
importava agora, pois ele percebera que os homens eram amigos
de Irmina; portanto, estavam do seu lado.
Saíram em disparada, aparentemente sem serem notados.
Havia mais pessoas por onde passavam, porém pareciam mover-
se em câmera lenta, não se dando conta da rapidez com que
os fugitivos passavam por elas. Seria algum efeito alucinógeno,
provocado por alguma droga que lhe fora ministrada durante o
seqüestro? Ou uma ilusão dos sentidos? Maurício não poderia
saber naquele momento. Mas toda aquela sucessão recente de
Crepúsculo dos Deuses 199
eventos estava mexendo com ele profundamente. Sua mente parecia
registrar o fato sem conseguir digerir ou interpretar o que
estava ocorrendo. De repente, durante a fuga, Maurício imaginou
se ele não estaria sendo vítima de algum pesadelo. Era conduzido
pela equipe que auxiliava Irmina Loyola. Parecia que essa
operação havia interferido em sua capacidade de raciocinar.
Maurício estava sendo exigido até os nervos. Resistiria à
pressão psicológica?
— Depressa, nos descobriram e estão dando o alerta — falou
um dos homens, que parecia um militar experiente.
— Não se preocupe, eu darei um jeito neles — gritou por
sua vez Irmina, deixando o jovem doutor a cargo do segundo
homem que a acompanhava.
Irmina Loyola ficara para trás, e, num relance, em meio à
confusão, Maurício viu Irmina tirar algo de dentro do bolso.
Seria uma bomba? Uma granada? Não poderia ser de jeito nenhum.
A menos que Irmina fosse uma agente da CIA OU do FBI,
disfarçada o tempo todo... Seria possível? Mas como ela conseguira
todo aquele armamento e aqueles homens?
Nos momentos que se seguiram, Maurício não saberia definir
como o tempo se passava e os acontecimentos precipitaram-
se daquela maneira. De um lado, pareciam encurralados por mais
homens — na certa, os terroristas de Max. De outro, um terceiro
grupo vinha em sua direção, e, mais afastada, Irmina, parada,
gritava com toda a força de que dispunha:
— Venham, malditos! Corram, miseráveis, suas crias do
inferno...
Foi a última coisa que Maurício ouvira dos lábios de Irmina
Loyola. Depois de todo este pesadelo, ele desmaiara, precisamente
quando escutou uma forte explosão atrás de si. Todo o
200 Robson Pinheiro i Ângelo Inácio
acampamento de Max e sua organização pareciam abalar-se com
o forte efeito da ação de Irmina. Em seguida, apenas sonhos e
escuridão se alternavam na mente de Maurício. Ele escapara ileso.
Mas, e Irmina? E os homens que a ajudaram? Maurício não
tinha a mínima condição de raciocinar neste momento. Ele estava
dormindo. Dormia profundamente, sem saber qual mistério
envolvia a ele, Irmina Loyola e aquela gente toda, louca, mas
intensamente real.
Maurício sonhava com a própria vida. Eram sonhos diferentes
e alguns pesadelos...
204 Robson Pinheiro • Ângelo Inácio
capelina, à qual amava de forma especial. Desenvolveu faculdades
psíquicas desde a infância e, mais do que os membros do seu
clã, dedicara-se aos experimentos psíquicos. Para isso, baseara
suas observações nos ensinos de Shantal, o ser que ressuscitara
os ensinamentos de Yeshow e promovera uma reforma psicossocial
nos mundos do Cocheiro.
Dara havia experimentado o privilégio de haver realizado
mais de um contato psíquico com a consciência extrafísica de
Urias, e isso a havia inspirado de modo definitivo à dedicação
plena aos ideais superiores.
Lern, Tura e Zulan eram agora companheiros de Dara, a
cientista psicossocial. Aproximaram-se do prédio residencial onde
Dara se alojava.
A capital do planeta era uma metrópole soberba. Entremeando
o conjunto arquitetônico, grandes jardins suspensos ornamentavam
as construções, muitas delas em forma de pirâmide.
Fontes e rios preservados pela ciência do Cocheiro compunham
a paisagem magnífica.
Era noite. Ao menos era o que se poderia dizer da leve variação
de tonalidades coloridas, quando a atmosfera dos planetas
de Capela mergulhava no matiz de cores que ia do lilás ao azul
cerúleo. Não havia escuridão propriamente dita. A noite assemelhava-
se à serenidade do entardecer, do crepúsculo. Com a
diferença de que havia dois sóis. Os gêmeos do Cocheiro. As
cores resultantes dos raios dos sóis formavam uma espécie de
fim-de-tarde, que mais parecia a sombra benfazeja de uma árvore
amiga.
A capital fora embelezada com parques e jardins, e as ruas
eram construídas de tal maneira que pareciam trilhas floridas
em meio a bosques.
Crepúsculo dos Deuses
205
O edifício residencial onde Dara se instalara era de nobre
aparência. Por dentro era simples, aconchegante e sobretudo
prático; não se encontrava em seu apartamento nada que fosse
supérfluo.
Após se acomodarem, Lern, representante do Colegiado,
começou a falar, recostado em uma espécie de poltrona:
— Creio que estamos todos cansados demais e sobremaneira
preocupados. Por isso, corremos o risco de tomar algumas
decisões precipitadas. Precisamos descansar. Nossas mentes necessitam
do repouso, a fim de que amanhã estejamos bem dispostos.
— Não creio que conseguirei tanto, nobre Lern — falou
Tura. — Não posso me permitir tanto sossego. Prevejo tempos
difíceis e não consigo a tranqüilidade necessária para o repouso.
— Ora, venerável Tura — respondeu Dara — não se perturbe
tanto assim. Descanse! Repouse sua mente e seu corpo para
que as intuições e as correntes de pensamento dos Superiores
possam orientá-lo também.
— Além do mais — continuou Zulan — temos muito o que
fazer amanhã; precisaremos de força e disposição. Não resolverá
nada ao permanecer em estado de alerta durante tanto tempo.
Tura, o cientista da mente, resolveu ceder aos conselhos dos
companheiros, e juntos repousaram suas formas físicas, esperando
por novos dias, que definiriam suas vidas.
As vibrações de Dara ultrapassaram os limites da forma. Na
verdade, ela não se sentia mais. Pairava acima do edifício de Centra.
Sua mente estava liberta do peso da forma. Olhava, mas não
206 Robson Pinheiro • Ângelo Inácio
tinha olhos. Tateava, mas sem braços ou pernas. Era apenas sensibilidade;
era mente pura, eterna, imortal, desligada da chamada
dimensão física.
O conceito de matéria física entre os capelinos era bastante
distante daquele que tinham outros povos. O que para os capelinos
significava matéria física era algo parecido com aquilo que
muitos mundos denominariam antimatéria. Era, na verdade, um
estado radiante da matéria universal. Portanto, a circunstância
tida como sendo extrafísica entre os capelinos correspondia a
uma dimensão superior ao próprio estado radiante. Ou seja, Dara
estava vibrando e pensando além do universo dimensional conhecido
sob a designação de mundo físico pelos habitantes de
Capela. Projetara-se, enquanto sua forma feminina repousava
aquém.
Percebeu outras pessoas, outros seres. Pareciam amigos,
companheiros. Acostumara-se a utilizar suas percepções para
reconhecer as pessoas. Sentia intensamente a presença dos companheiros.
Flutuava num espaço mental indefinido e junto de si
anotava a presença das consciências de Lern, Zulan e Tura; além
dos três, uma quarta presença. Sim! Ela sabia quem era. Era
Venal, o chefe dos anciãos e diretor do Conselho. Sua consciência
desprendera-se também, abandonando a forma, e manifestavam-
se numa espécie de existência puramente mental, holográfica.
Todos pareciam estar flutuando sobre Centra, o centro de
atividades dos anciãos e dos sábios. Mas tudo era apenas uma
impressão. O que se passava realmente? Apenas pressentia.
Mergulhados nesse estado, perceberam uma luz. Era apenas
uma percepção de pensamento e junto a isso vinha a sensação
de ouvir uma voz. Era uma voz diferente: inarticulada, interna,
mental, telepática. Ouviam, simplesmente, sem ninguém
lhes falar. Percebiam extasiados a presença da luz, um foco de
Crepúsculo dos Deuses
207
consciência imortal.
— Meus filhos — falou a voz inarticulada — bem-aventurados
sejam aqueles que vêm em nome de Yeshow. Sou Urias, o
chefe das legiões superiores, diretamente ligado aos destinos da
humanidade do Cocheiro.
A voz penetrava no âmago de suas consciências. Se estivessem
integrados na forma física, certamente derramariam lágrimas,
ante a ternura das vibrações.
Continuando, Urias transmitiu o seu pensamento:
— Sou apenas um servidor e cumpro ordens do Alto, como
vocês. Aproxima-se o tempo de redenção do povo de Capela. O
Conselho dos Superiores definiu realizar uma obra de saneamento
geral nos mundos do Cocheiro. As medidas, por serem
drásticas, causarão tumulto entre as populações das diversas faixas
vibratórias dos planetas envolvidos. Contudo, a situação atual
torna-se insustentável, e é necessário que realizemos o juízo,
com a aferição dos valores íntimos das consciências. Temos muito
trabalho à frente e precisamos nos unir para estabelecer a paz
definitiva nos mundos capelinos. Os párias serão deportados.
Tanto os Amaleques quanto as consciências draconianas serão
exilados de Capela.
Era a solução que os dirigentes de Centra tanto rogaram
aos Superiores. Venal, Dara, Lern, Tura e Zulan ouviam atentos
a consciência de Urias:
— Localizamos um mundo distante, em cujo solo abençoado
viceja a vida sob outras formas, guardando, porém, certa semelhança
com o nosso mundo. Esse novo planeta está sob a jurisdição
de Yeshow, o Bem-Aventurado, que também orienta os
destinos da nação planetária nascente. Para lá serão banidas as
legiões do Dragão e aqueles que se sintonizam com suas idéias.
208 Robson Pinheiro • Ângelo Inácio
Capela não mais sofrerá a influência imediata dessas almas desa
justadas, que, no novo ambiente para onde serão deportadas,
sofrerão as provas dolorosas em razão de suas atitudes. Entretanto,
essa medida saneadora não se passará sem a intervenção
da misericórdia de nosso Pai. Sem dúvida, se farão necessárias
medidas enérgicas, que farão sofrer muitos do povo capelino.
Todavia, essa comoção é inevitável, a fim de que os povos piedosos
do Cocheiro não encontrem tanta resistência para empreender
seu progresso consciencial.
Urias trazia as orientações dos Superiores com tanto amor
que arrebatava de modo irresistível os sábios de Capela, sensibilizados
ao extremo. Ele prosseguia:
—As legiões luciferinas serão localizadas num mundo mais
primitivo. Lá, terão novas oportunidades de reajuste e, quando
suas consciências estiverem redimidas pelo trabalho, poderão
então retornar para as estrelas do Cocheiro, reintegrando-se à
pátria natal. — E, com extraordinária ternura na voz, afirmava:
— Nenhum de vocês está sozinho. Mantenham os ânimos elevados,
pois as bênçãos de Yeshow, que nunca os esquece, estarão
com cada um neste momento de gravidade.
A voz mental silenciou. As consciências dos cinco ouvintes
haviam sido sensivelmente impressionadas pela presença daquele
ser de luz. Não podiam duvidar: todas as coisas, todos os acontecimentos
eram direcionados pelas consciências extrafísicas que
dirigiam os destinos de Capela. Estavam amparados e não poderiam
vacilar nas decisões a serem tomadas.
Suas consciências foram reintegradas em suas formas materiais.
Estavam lúcidos, porém, apreensivos. Aguardavam os
acontecimentos.
Dara levantou-se; observava ao longe as flutuações do Mar
Crepúsculo dos Deuses
209
de Gan. A visão produzia nela uma serenidade íntima difícil de
definir. Cores e luzes se confundiam na tarde-noite serena do
primeiro mundo.
Era apenas o prenúncio das dores de parto. Nascia um novo
mundo, começava o crepúsculo dos deuses.
Crepúsculo dos Deuses
211
mente e nem se submetia ao jogo do acaso.
— Não entendo onde você quer chegar...
— Adolf Hitler anteviu várias possibilidades, caso ocorresse
um revés em seus planos. Diria que ele era demoníaco em suas
maquinações.
Atrás da mesa de reunião do alto comando terrorista, uma
enorme bandeira com o desenho da suástica nazista. Poltronas
ricamente decoradas estavam à disposição de todos. De um lado
e de outro havia mais homens, fortemente armados, compondo
a elite da guarda que amparava os dirigentes do alto escalão.
— Mas, enfim, se não conseguimos localizar o paradeiro
daquele que foi o nosso maior representante na atualidade, devemos
nos ocupar com as questões da política internacional e
com a forma de perpetuarmos nosso poder e nosso domínio sobre
os fracos. Como andam, por exemplo, os preparativos para
o ataque aos americanos?
— Está tudo combinado. Nossas bases na América do Sul e
no Oriente já têm tudo esquematizado.
— O importante é que os louros do atentado sejam imputados
a nosso pessoal de influência na região árabe. Eles já estão
preparados para o que vier logo em seguida?
— Claro que ninguém sabe ao certo a reação dos políticos
de todo o mundo, porém essa ação conjunta fará com que o chefe
dos peles-vermelhas tome decisões precipitadas e entre definitivamente
para o nosso time. Se contarmos ainda com a ação
daqueles de nós que o influenciam na Casa Branca...
Peles-vermelhas — esse era o codinome utilizado para se
referir aos americanos, tanto quanto se utilizavam de outros
nomes para designarem outros países. O Brasil, por exemplo,
era ali lembrado com o nome de Cruzeiro, enquanto os países
212 Robson Pinheiro • Ângelo Inácio
do Oriente Médio, de uma forma geral, eram denominados de
Camelo. O grupo terrorista havia criado vários códigos, ao longo
do tempo, para facilitar o intercâmbio entre os diversos representantes
de sua organização. Quando queriam se comunicar entre
si, utilizavam esses símbolos com a finalidade de proteger o sigilo
dos planos de ataque preparados sob o seu patrocínio.
— Isso será muito bom para nós; geopoliticamente, é dos
aliados mais preciosos no mundo atual. Precisamos precipitar
os fatos em todo o mundo para que o caos se estabeleça. Nossos
homens de negócio com certeza darão um jeitinho na economia.
Temos muito interesse nas bolsas de Tóquio, Nova Iorque,
Paris, São Paulo e algumas outras que nos servem de base
de operação. Não há quem desconfie de que estamos infiltrados
tão intimamente no meio da sociedade de tantos países...
Discrição essa que é fundamental. Que ninguém saiba de nossa
rede de comunicação, e nem mesmo de nossa organização.
— Eu gostaria mesmo é de saber como vai o andamento da
situação no Brasil e na Venezuela...
— O Brasil é um caso sério para nós, porém temos várias
parcerias no narcotráfico e em alguns setores da religião. Não
obstante, temos algumas dificuldades. Veja bem: no Rio de Janeiro,
um dos nossos mais competentes aliados está sendo preso
neste momento.
— Mas isso não é problema para nós. Podemos remediar a
situação conseguindo para ele alguém dentro da própria polícia
que sirva de conexão com o restante do seu pessoal. De onde ele
estiver, na prisão, poderá comandar a rede de tráfico da mesma
forma. Talvez até consigamos agilizar a questão do armamento
do grupo, visando criar uma frente de extermínio com sede no
Rio de Janeiro.
Crepúsculo dos Deuses
213
A naturalidade com que falava de assuntos perturbadores
era impressionante:
— Também não devemos nos preocupar tanto com o setor
religioso. Parece-me que no Brasil há um grupo cada vez maior
de religiosos radicais que estão assumindo a política. A ação e a
influência desses religiosos no Congresso Nacional já são levadas
muito em conta lá, no Cruzeiro. É só uma questão de tempo,
e tudo estará resolvido. Como são indivíduos intolerantes com
aqueles que não professam a mesma religião que têm, imaginem
o que vai ser quando forem maioria absoluta no poder, e a voz
deles for aceita oficialmente no Congresso brasileiro... Creio que
não precisamos nos ocupar diretamente com o Brasil. Eles cuidarão
de si mesmos. Possivelmente por lá nascerá o anti-Cristo,
como diz a linguagem profética, da fusão da religião e do poder
político.
— Quanto à Venezuela e aos outros países da América Latina,
não estou me preocupando, pois a situação econômica precária
da Argentina nos favorecerá junto ao povo. Destacada pela
mídia — sensacionalista e aterrorizante, em muitas ocasiões inspirada
pelo nosso pessoal especializado nas comunicações — é
certo que a crise abalará pelo menos os países do Mercosul.
Devemos confiar em nossos representantes, que estão dando
duro por lá.
A conversa do alto comando terrorista estava apenas principiando
quando Max entrou, acompanhado de dois outros homens,
que o escoltavam.
— Então, ficamos sabendo que você falhou conosco desta vez...
— Desculpem, senhores. Eu não suspeitava que Maurício
Bianchinni fugiria de nossa base. Ninguém nunca escapou
de lá antes, e muito menos entrou ali pessoal que não
214 Robson Pinheiro • Ângelo Inácio
fosse de nossa confiança...
— Não queremos saber de desculpas, Max, você falhou, e
isso já é o suficiente para que seja punido. Você sabe que em
nossa organização não admitimos nada que contrarie nossos planos.
Sabe o que isso significa?
Max permaneceu calado diante da ameaça que fora pronunciada
em meio às palavras.
— Diga-nos, o que Maurício sabe a nosso respeito? Esperamos
que você não tenha falado nada sobre nossa organização,
não é?
— Não, senhor! Vocês sabem o quanto dei a minha vida pela
suástica e por tudo o que significa nossa ordem — Max disfarçou,
sem responder muito claramente.
— De hoje em diante você será rebaixado em seu comando.
Ficará por aqui até que tenhamos elementos mais concretos para
julgarmos o seu caso.
— Mas, senhores...
— Cale-se, Max, e se dê por satisfeito por enquanto, que
não empregamos métodos de tortura em você. Temos algo mais
urgente no momento para nos ocuparmos. Ficará recluso, sem
entrar em contato com ninguém, até que um dia nos lembremos
de você. Se acharmos que você nos pode ser útil outra vez, o
chamaremos, se não...
Max foi conduzido para um lugar especial, reservado àqueles
que falhassem em suas atribuições. Mal sabia ele que ficaria
ali por um longo tempo... Até que ele mesmo resolvesse enfrentar
a situação. Enquanto baixasse a cabeça submisso, não sairia
de lá. Max não poderia fazer mais nada.
Depois da decisão de punir Max, o grupo dos 12 continuou
Crepúsculo dos Deuses
215
sua conversa como se nada estivesse acontecendo. Como disseram,
tinham coisas mais importantes a fazer, no apoio à política
armamentista, aos grupos terroristas de todo o mundo e nas
intrigas políticas organizadas e levadas a efeito pela organização.
Não que não se importassem com Maurício. Não era isso. O
conhecimento que Maurício adquiriu em interpretar certos escritos
cuneiformes e associá-los a certos eventos históricos seria
de imensa utilidade para o grupo de terroristas, afinal eles queriam
prever todos os detalhes da situação mundial.
Apenas adiariam o caso Maurício, enquanto se dedicavam a
um plano que abalaria a economia e a opinião de todo o mundo. E
como valia a pena protelar o caso do brasileiro que sabia demais
por algum tempo — apenas um pouco de tempo...
Afinal de contas, tinham duas grandes torres esperando por
eles. Duas torres que despertavam neles lembranças antigas. Torres
gêmeas que desafiavam o mundo por sua imponência. Era o
dia 11 de agosto; portanto, faltava apenas um mês para o grande
dia, que todos aguardavam. A besta perderia seus chifres, e o símbolo
da águia seria derrubado no abismo. Palavra final.
Prenúncio de um
novo tempo
"Avistei ao longe as flutuações do Mar de Gan. Além, vibravam as
energias de outras dimensões. Era o Império, a cidadela do mal."
"Ele é o reflexo da grande luz. Sua tarefa é conduzir, esclarecer,
consolar. Desde eras remotas que ele assiste o nosso povo. No livro
sagrado estão registrados os seus feitos."
Fragmentos das memórias de Mnar, o capelino
O PALCO DOS acontecimentos foi transferido
para outra dimensão. Estamos no ano das transformações
operadas no Cocheiro. Convivendo
com a existência do plano das formas, outro
mundo, sutil, etérico e supradimensional existe,
além do espaço e do tempo. São as mesmas
leis que governam ambos; mas constituem dimensões
diferentes.
Crepúsculo dos Deuses
217
Urias, o ser de luz, cruzou o espaço e dirigiu-se às regiões
densas da atmosfera do primeiro mundo. Sua aura era composta
de irradiações eletromagnéticas de sua consciência. Formava
uma espécie de campo de força em torno dele, que se assemelhava
a duas asas de luz. Sua força moral era tal que ninguém daquele
mundo poderia resistir-lhe à influência superior. Ele era
Urias, o Cherub, representante do governo oculto dos povos
capelinos. Somente a sua presença era suficiente para deter a
marcha dos Dragões. O império luciferino temia-lhe a autoridade
moral.
Urias descia velozmente rumo ao abismo das consciências
culpadas. Quando cruzava o liame entre as dimensões, deixava
um rastro luminoso que varava a escuridão espiritual daquelas
regiões, como se fosse uma rota traçada rumo ao país de luz.
Dirigia-se ao império dos deuses — os deuses decaídos do Cocheiro.
Seu rastro parecia a cauda de um cometa que descia para
iluminar por pouco tempo a morada dos párias.
Amava o seu povo, aquela humanidade e sua escalada evolutiva,
que acompanhava desde muitas eras. Dedicara-se, há milênios,
à educação e à orientação dos povos capelinos. Agora era
necessário intervir. Eram humanos e deuses, os deuses de Capela.
Uma raça que encontrara o seu lugar entre as estrelas da Via-
Láctea e alcançara a época de sua redenção espiritual. Mas existiam
outros deuses, os decaídos, aqueles de sua raça que não se
integraram ao grande plano evolutivo. Estagnaram na escuridão
e na ignorância, e a circunstância a que se entregaram exigia
uma solução enérgica por parte dos administradores do
mundo. Talvez o choque de realidades acordasse suas consciências
nebulosas.
218 Robson Pinheiro • Ângelo Inácio
Urias parou o seu vôo em cima de uma elevação dos montes
etéricos. Pairava acima do mundo sombrio. Sua face parecia iluminada
por um relâmpago, e sua forma resplandecia à semelhança
de chamas vivas. Sua aparência lembrava a dos seres redimidos
de Antares e as formas esvoaçantes de Orion.
A sombra diluía-se à sua volta. Fechou os olhos por um
momento e intentou diminuir a sua luz. Todavia, por mais que
tentasse, seu corpo extrafísico irradiava potentes energias, que
não poderiam ser ignoradas. Reiniciou a sua jornada sobre as
cidades do Império.
— Eu sou Urias. Sou príncipe e governante dos povos do
Cocheiro. Fui estabelecido pelo poder supremo de Yeshow, o
Mestre do nosso mundo. Sou o guardião da eternidade. Por
milênios acompanho a marcha evolutiva dos povos de Capela.
Como eu os amo... Sei que por muito tempo permaneceram na
barbárie. Afinal, eram crianças espirituais. Nunca exigi nada
deles. Quem ama não exige, apenas ama. Agora, na plenitude
dos tempos, merecem o título de filhos do Altíssimo. São estrelas.
Cresceram nas experiências planetárias; aprenderam com
muito sofrimento. Por seus esforços coroaram a civilização com
a aura da paz, e, hoje, me rejubilo com o rastro de luz imortal
que marca a sua caminhada.
Urias era arrebatador em sua elevação.
— Chamo-me Urias. Amo o meu povo. Mas sofro também;
sofro por aqueles, dentre eles, que se equivocaram na caminhada.
São os deuses que decaíram. Sofro pelos Amaleques, os Dragões
e a multidão de consciências desprevenidas que se deixam
dominar. Eu os amo a todos e elevo o meu pensamento ao Supremo,
ao Altíssimo, para que me conceda o poder de conduzir
o meu povo rumo ao brilho das estrelas. O mundo aproxima-se
do termo de uma era. Acaba-se um tempo, prenuncia-se outro.
Crepúsculo dos Deuses
219
Eu, Urias, sei disso e conduzirei a transição dos filhos de meu
povo. Compreendo que o sofrimento coletivo virá e saberei esperar.
Sou Cherub, incumbido pelo Auto-Evolucionário de conduzir
os povos capelinos para as regiões do Sol. Outro mundo,
outras vidas, novas oportunidades. Será dolorido, mas sei que a
misericórdia do Altíssimo se fará presente nos séculos e milênios
que aguardam os filhos do meu povo em outra terra do espaço.
Concluindo, sereno, mas tomado de emoção, pensava:
— Eu os amo e não poderei me separar deles. Sou Urias, o
Cherub do Cocheiro.
Urias parou em cima de um edifício portentoso, o símbolo
do império dos Dragões. Era uma construção erguida nos limites
entre as dimensões, e sua aparência lembrava dois grandes
chifres, os chifres que simbolizavam os Dragões.
Crepúsculo dos Deuses
que não mais participasse de assuntos de fato relevantes?
Leroy parecia um empresário bem-sucedido. Não tinha
aparência de um homem comum, ou mesmo de um agente de
segurança. Vestia-se de maneira impecável e comportava-se como
um homem extremamente elegante. Ninguém diria que comandava
uma equipe numerosa de agentes, soldados e guardiões,
que prestavam serviço em todo o mundo. Com seu cabelo preto-
azulado, sempre bem aparado, e seu sorriso farto, enganava quem
não o conhecia. Sua especialidade era, todavia, envolver-se com
assuntos internacionais.
Agora se sentia podado em seu potencial — dedicava-se a
um assunto que, mesmo dando mostras de, no início, ser algo de
grande alcance mundial, apresentava-se diminuto em seu desenrolar.
Desde a ocorrência do seqüestro, tinha a impressão de
estar se envolvendo apenas com um assunto pessoal. Assim ele
pensava a respeito de seu envolvimento com o caso Maurício
Bianchinni. E agora que alguns homens trouxeram Maurício
desacordado para o QG da inteligência, com sede na Alemanha,
Leroy não entendia mais nada.
Os superiores não costumavam dar muita explicação para
suas instruções, porém ele agora percebia que deveria haver algo
mais sobre esse tal Maurício do que julgava antes.
— Está na hora de voltar à realidade — ouviu a voz de John
White. — Creio que os acontecimentos dos últimos dias nos deixaram
frustrados, Leroy. Não sei quanto a você, mas, para mim,
tem muita coisa envolvida com nossa atividade que não nos foi
informada ainda.
— Será que temos condições de entender todos os aspectos
envolvidos em nosso trabalho? Será que os nossos superiores
sabem que somos capazes de administrar muito mais do que
222 Robson Pinheiro • Ângelo Inácio
nos confiam?
— A esse respeito andei falando com Stall, meu caro. Ele
pensa algo semelhante ao que ambos pensamos. Nossa equipe é
muito maior do que nós conhecemos. Creio mais, que sem o
sabermos, fazemos parte de um projeto muito mais grandioso
do que simplesmente o de tomar conta de um grupo de pessoas
ou de agir como os chamados federais, agentes secretos, ou coisa
que o valha.
— Como assim? Suspeita que estamos servindo a outros
objetivos, diferentes daqueles que acreditamos? Estaríamos, porventura,
nos comprometendo com pessoas que se dizem nossos
superiores, mas que não os conhecemos perfeitamente? Será que
é isso que entendi?
— Não é bem assim, Leroy. O que digo é algo bem mais
simples do que supõe. De qualquer modo, nossa atuação é bem
maior e mais relevante do que acreditamos. Veja bem: nosso serviço
secreto não se intimida jamais diante de qualquer situação
que venhamos a enfrentar. Temos à nossa disposição muitas informações
preciosas e catalogamos em todo o mundo diversas
pessoas que são nossos auxiliares, embora nem se dêem conta
disso, na maioria das vezes. Trabalhamos pela ordem, combatendo
o caos. Sem nossa atuação, o que seria de muita gente importante
por aí?
— Mas note o caso de Maurício Bianchinni. Ainda não me
conformo com o fato de que estamos metidos com ele e nem ao
menos conseguimos solucionar o mistério de seu seqüestro.
— É claro, Leroy. Maurício representa para nós uma peça
importante num jogo de poder. Embora não compreendamos
ainda toda a extensão do caso no qual nos envolvemos, veja como
tudo se esboça, agora que Maurício apareceu. Primeiramente
Crepúsculo dos Deuses
223
ficamos tão envolvidos com o caso dos laboratórios que não percebemos
que os nossos superiores haviam designado outro grupo
para nos auxiliar, caso falhássemos em nossa tarefa. Só que a
tal reunião de laboratórios era apenas uma fachada que os nossos
superiores elaboraram para atrair a atenção da elite do grupo
terrorista, que acabou atacando o hotel e levando Maurício.
— Eu não tinha pensado nisso!
— Claro que é isso, e o Stall também chegou à mesma conclusão
que eu. Enquanto fomos chamados para assumir o caso
dos laboratórios e da convenção que se realizaria aqui, em Frankfurt,
outro grupo semelhante ao nosso estava dedicando-se à
segurança pessoal de Maurício e, quem sabe, de outros homens
envolvidos na dita conferência. O argumento utilizado afirmava
que a convenção debateria um suposto soro ou vacina, que combateria
o vírus do câncer e verificaria os progressos no combate
ao Hiv. Era apenas uma isca. Esse cenário servia apenas para
atrair os terroristas e sua organização, que não tinham interesse
de que o mundo se beneficiasse. Sabemos do envolvimento de
laboratórios de todo o mundo com a máfia. Na verdade, existe
uma máfia de laboratórios químicos e farmacêuticos. É claro que
essa organização e os vários grupos terroristas espalhados ao
redor do globo têm um objetivo comum. Nós funcionamos como
guardiões dos interesses da humanidade, e eles...
— Eles, sabendo da tal conferência — tornava Leroy — e
percebendo que ela se realizaria sem o controle da sua organização,
evidentemente tentariam de qualquer jeito impedir sua realização
ou infiltrar alguém em nosso meio para saber dos detalhes
da reunião.
— Exatamente! Aí está toda a intriga desvendada. O que
não compreendi ainda foi a atuação de Irmina Loyola.
224 Robson Pinheiro i Ângelo Inácio
— Ela é muito estranha. Uma bela representante do sexo
feminino, mas muito misteriosa. Também não consigo encaixar
Irmina nisso tudo.
— Sabemos que nenhum de nós, pelo menos do grupo mais
íntimo, jamais esteve frente a frente com um de nossos superiores.
Sempre recebemos as incumbências através de outras pessoas,
cuja responsabilidade está acima de qualquer suspeita. Contudo,
desconhecemos outros círculos de atividade semelhantes
ao nosso que estejam em contato com os seus respectivos dirigentes;
isso não quer dizer que não existam tais equipes.
—Já estive pensando nisso algumas vezes e cheguei à conclusão
de que somos todos peças muito pequenas, embora essenciais,
de um grande quebra-cabeças. Muitas vidas dependem
de nosso trabalho, mas nós mesmos não sabemos dizer com precisão
o alcance daquilo que realizamos.
— Eu diria que temos apenas uma intuição e não a plena
comprovação do nosso envolvimento nisso tudo.
Maurício Bianchinni estava deitado em uma cama ali mesmo,
próximo dos dois agentes. Nesse momento, estava despertando.
Acordava para enfrentar a realidade.
Visita às sombras
"Sombra e escuridão. Luz e trevas. O eterno transformismo. O real
e o irreal. Tudo no mundo, a sua aparência e o seu poder, são
ilusões da mente. É preciso se libertar do mal, das aparências."
Fragmentos das memorias de Mnar, o capelino
DESDE ERAS REMOTAS que eles se cristalizaram
no mal. Eram cientistas, estudiosos, magos do
conhecimento espiritual. Inicialmente pensaram
estar sendo injustiçados pela civilização. Queriam
o poder e não se submetiam à lei maior.
Eras se passaram, e, nos milênios que se
seguiram, aos poucos sedimentaram sua conduta,
voltando sua vontade sempre para as questões
inferiores. Formavam a escória espiritual
da humanidade capelina. Investiram o seu poder
e conhecimento contra as obras da civilização
e arregimentaram forças entre os habitantes
imprevidentes do primeiro mundo.
Ergueram suas cidades sombrias nos sub-
planos das dimensões etéricas. Uma multidão
226
Robson Pinheiro • Ângelo Inácio
de almas desajustadas e aflitas, marginais do submundo espiritual,
estava sob o seu comando. Era o império das mentes que se
especializaram na oposição às leis da evolução.
Intensa negritude dominava aquelas regiões do Império.
Nuvens sombrias deslizavam de tempos em tempos sobre as construções
grotescas do plano astralino. Eram massas nebulosas de
fluidos mórbidos, acumulados durante os milênios de rebeldia,
os quais, neste momento, na plenitude dos tempos, haveriam de
ser expurgados do ambiente astralino de Capela.
Milhares de consciências desfilavam em meio às construções
energéticas e fluídicas da região das trevas. Eram trevas
morais e espirituais.
De repente, um facho de luz é avistado iluminando a noite
triste daquelas falanges de almas desditosas. Atrás dele, podiam
identificar um fenômeno que se assemelhava a uma fogueira atômica,
que consumia os fluidos grosseiros do ambiente e ameaçava
a segurança enganadora das almas infelizes.
As consciências enfurecidas fugiam agitadas, sem compreender
o que sucedia. Era Urias, o chefe supremo das consciências
esclarecidas, o Cherub. Dirigia-se ao império dos Dragões
para alertá-los quanto às medidas que seriam tomadas
para o expurgo coletivo.
O fogo devorador parou o seu percurso. É que Urias detivera
por um instante o seu vôo. Concentrava-se, para diminuir
o efeito de seu magnetismo nos fluidos ambientes. Sua luz, aos
poucos, foi diminuindo, mas não conseguiu apagá-la de todo.
As irradiações energéticas de sua alma superior envolviam-
no, expandindo-se para muito além.
Urias, o guardião da eternidade, retomou sua volitação e
agora descia como potente cometa, rasgando a escuridão dos
Crepúsculo dos Deuses
227
planos inferiores do primeiro mundo. Parou em cima de altíssimo
edifício, localizado nas regiões daquela dimensão, e sua augusta
presença atraiu para si a atenção daquela turba de almas
delinqüentes. Os chefes da falange sombria não podiam furtar-
se à presença do anjo guardião daquele sistema estelar. Suas almas
experimentadas em séculos de lutas pressentiam que algo
estava acontecendo.
Urias falou solene:
— Irmãos do Cocheiro, que a grande presença de Yeshow, o
Sublime, possa iluminar as suas consciências. Desde longos milênios
têm permanecido à margem dos progressos espirituais; têm
desenvolvido ação intensa no sentido de nublar a evolução dos
povos capelinos. Os apelos do Alto foram rejeitados, e sua ação
na civilização dos nossos mundos tem sido de todo prejudicial
aos propósitos dos seres superiores. Há necessidade de proceder
a um expurgo coletivo. Serão deportados para outra pátria
no seio do cosmo. Não poderão mais continuar detendo a evolução.
Aproximam-se momentos dolorosos, e o império dos Dragões
encontra sua derrocada final, ante os desígnios do Eterno.
Todos assistiam mudos à presença magistral de Urias, que
prosseguia, com sua voz sublime:
— Aproxima-se do sistema um astro, que irá atraí-los para
sua aura magnética. Serão expatriados por longos milênios, até
que suas consciências venham a integrar-se novamente à família
universal pela vivência do amor. A 42 anos-luz de distância, foi
localizado um mundo novo, primitivo, cuja população recentemente
encontrou a luz da razão. Para lá serão transferidos, e os
povos da constelação do Cocheiro serão liberados de sua presença
para prosseguirem na jornada de aprendizado espiritual.
Entre as lágrimas e as dores que certamente experimentarão no
228 Robson Pinheiro i Ângelo Inácio
novo mundo, poderão relembrar as estações abençoadas do Cocheiro
e contar aos seus filhos a história do degredo do paraíso.
Silêncio profundo se fez na assembléia das consciências desditosas.
Urias observava a reação diante de suas palavras, enquanto
os Dragões recebiam sua sentença. Capela aproximava-
se de sua redenção.
A face de Urias reluzia em chamas de energia, e os fluidos
do mundo pareciam desfazer-se em labaredas vivas diante de
sua presença.
O Cherub levantou o olhar rumo ao infinito, rogando as
bênçãos do Pai para aquelas almas do degredo.
Continuando, asseverou:
— Meus irmãos, bem sabem que há muitos séculos velo por
vocês, chamando-os às claridades do amor. Rejeitaram o divino
chamado, e, agora, ante a urgência do tempo, suas oportunidades
somente se renovarão em outro ambiente, num mundo distante.
Lá encontrarão um planeta em condições compatíveis com
o seu estado íntimo. Séculos e milênios esperam cada um de vocês
na nova morada, e espero que possam um dia retornar, renovados
pelo amor e pela fraternidade.
Modificando a entonação de sua voz, demandou:
— Procuro pelo Dragão dos Dragões — falou Urias.
— Eis-me aqui, nobre Cherub — respondeu um dos párias
capelinos. — Eis que sou um dos dominadores do Império. Sou
um Amaleque, um Dragão que reina.
— Preciso de ti para servir à humanidade — falou Urias.
— De mim? Por acaso pensa que sou fraco a ponto de voltar
atrás com minhas idéias, Cherub? Serei eu, por acaso, um capelino
qualquer, que se deixa tocar por suas palavras doces?
Crepúsculo dos Deuses 229
— Bem sabe, Dragão, que não tem mais tempo em seu império
do mal. Sei bem que não é tão ingênuo, ou se faz de ignorante?
Seu tempo e o do seu império já passaram e não mais
haverá contemplação para si e os seus seguidores. Portanto, apelo
para sua lucidez. Será de qualquer maneira banido para o espaço
e, no lugar para onde irá, poderá continuar com suas pretensões.
Não estará mais, porém, no ambiente paradisíaco do Cocheiro.
Ofereço-lhe a possibilidade de continuar com os seus
seguidores e, simultaneamente, assistir os povos capelinos nesta
hora difícil para todos.
O Dragão viu-se vencido pela força moral de Urias e pela
verdade representada pelas suas palavras. Bem sabia que o fim
se aproximava e que não havia como deter por mais tempo o
progresso. Sabia que não havia mais retorno. Teria de ceder aos
apelos de Urias.
— O que ganharei com isso, nobre Cherub? Bem sabe que
não faço nada sem obter algo em troca...
— Obterás a consciência tranqüila por haver colaborado com
a Lei Suprema. Sabe bem, Amaleque, que possui condições de se
impor às legiões de rebeldes. Sua tarefa será a de reuni-los e
comandá-los durante o processo de degredo. No novo mundo
será líder e poderá, com o tempo e dependendo do aprendizado,
retornar aos povos de Capela.
Os olhos de Urias pareciam relâmpagos congelados no tempo.
Ninguém, nenhuma alma, conseguia furtar-se ao magnetismo
daquele ser elevado.
O império dos Dragões fora abalado com a notícia do êxodo.
Nenhuma daquelas consciências endurecidas poderia dizer
que estava sendo injustiçada. Sabiam o quanto mereciam. Pensavam
ser eternas as suas pretensões e achavam que o Alto, usando
230 Robson Pinheiro • Ângelo Inácio
de misericórdia, os toleraria indefinidamente, sem as manifestações
da justiça, que torna a colheita obrigatória.
— Será que tenho alguma outra opção que não a de ser
obrigado a servir aos Superiores?
— Com certeza tem sua liberdade, que jamais será contrariada;
no entanto, não ignora que a sentença já foi promulgada
pela divina justiça. Será de qualquer forma deportado para o
mundo distante. Cabe a você definir se seu êxodo e de seus seguidores
será sofrido ou não.
— Então não vejo como há respeito à minha liberdade,
nobre Urias...
— Há livre-arbítrio para você, Dragão, mas só será livre
dentro dos limites traçados pela Suprema Lei. Ela lhe concede
uma liberdade diretamente proporcional à sua capacidade de
administrar esse recurso sublime.
— Que devo fazer, então? Qual a sua proposta?
— Bem sabe, Amaleque, que no meio onde vivem sua voz é
obedecida e seu poder tenebroso é temido por aqueles que se
submetem à influência de suas idéias. Compete a você se utilizar
de sua persuasão, ajuntando as legiões de espíritos rebeldes e
assistindo-nos na sua condução ao degredo. Será então como
um rei na pátria nova. Embora estrangeiros, será um líder das
legiões capelinas no novo ambiente planetário.
— Como se dará o transporte desses infelizes? Como os Superiores
resolveram a questão das distâncias siderais que nos separam
do novo planeta? Por acaso produzirão algum milagre?
— Temos recursos para transportar as almas rebeldes. Eu
mesmo acompanharei de perto a descida vibratória dos capelinos
para o mundo distante. Contamos com a influência magnética
do astro errante que se aproxima da constelação do Cochei
Crepúsculo dos Deuses
231
ro. Serão atraídos pelo magnetismo primário do astro intruso,
cuja trajetória inclui as proximidades do novo mundo, para onde
serão expatriados. De outros recursos mais dispomos também.
Quanto àqueles Amaleques que sobreviverem às catástrofes naturais
que abalarão os mundos do Cocheiro durante a passagem
do cometa, serão levados em comboios que os transportarão pelo
espaço. Tudo está preparado.
O Amaleque chefe dos Dragões via na sentença de Urias
algo contra o que não tinha condições de resistir. Tudo já estava
preparado nos mínimos detalhes. Pela sua inteligência invulgar,
sabia que não dispunha de recursos para se opor à Suprema Lei
que os regia. Sua ira era apenas um recurso de rebeldia. Tinha
de admitir, Urias havia planejado tudo. Só lhe restava colaborar,
afinal. No lugar para onde iriam, no mundo distante, procuraria
tirar proveito da situação.
O Dragão não tinha idéia do que os aguardava no mundo
primitivo.
Urias levantou seu olhar novamente e partiu daquela região
sombria, elevando-se nas alturas. Seu rastro luminoso rasgava
a escuridão e a densidade dos fluidos grosseiros daquele
sítio tenebroso.
Retornava para as regiões superiores das estrelas do Cocheiro,
em meio ao brilho dos sóis. Para trás ficava a malta de
espíritos luciferinos, o império do mal, abalado em suas convicções
e suas bases.
Crepúsculo dos Deuses
233
seqüestro.
— Onde está Irmina Loyola? — perguntou Maurício. —
Ela morreu na explosão?
— Irmina? Logo que você foi seqüestrado, poucos minutos
depois, ela fugiu, e não temos informações a respeito do paradeiro
dela desde então.
— Não pode ser — falou Maurício, ainda meio tonto. — Foi
ela que me libertou lá do galpão onde eu me encontrava prisioneiro!
E Max? Conseguiram pegá-lo?
— Não conhecemos nenhum Max, e, quanto a Irmina Loyola,
é bom que você nos atualize quanto à ação dela. Acredito que
você trás muitas informações importantes para nós.
Maurício Bianchinni levantou-se com certo cuidado e, ao
assentar-se numa poltrona, encarou os dois agentes. Somente
agora teve absoluta certeza de que algo estava errado naquela
história toda. Leroy e John White não sabiam de nada a respeito
de sua fuga do esconderijo neonazista; portanto, Irmina agira
sozinha e misteriosamente desaparecera.
— Muito bem — iniciou Maurício. — Eu fui conduzido
para uma outra cidade pelos seqüestradores. Esse tal Max parecia
ser o responsável por uma base de operação dos neonazistas.
Aliás, segundo entendi, a organização deles tem um alcance
internacional, e, pelo que me disseram, estão envolvidos
com gente grande e de projeção por aí.
Maurício contou cada detalhe da conversa que tivera com
Max, bem como o desfecho do seqüestro, quando foi libertado
por Irmina Loyola. Tentou levantar-se da poltrona para andar
um pouco pelo apartamento, porém sentiu-se mais tonto ainda.
Colocou a mão na cabeça. Aquelas tonturas o acompanhavam há
algum tempo, mas agora pareciam estar mais intensas. Não tive
234 Robson Pinheiro i Ângelo Inácio
ra tempo de ir ao médico antes da viagem para a Alemanha...
Assim que retornasse ao Brasil procuraria um serviço médico
para checar isso.
Maurício equilibrou-se no espaldar da poltrona, sendo amparado
por John White.
— Parece que você não está se sentindo bem — falou John.
Olhando então para Leroy, sentenciou — Talvez esteja sendo
atraído para o corpo.
— Atraído para o corpo? Não entendi... — estranhou
Maurício.
— Deixemos isso para depois, pois agora temos de resolver
o caso de Irmina e entender a sua participação nisso tudo. Mais
tarde voltaremos a falar disso. Por enquanto, interessa-nos saber
os detalhes de sua conversa com o tal Max e sua ligação com
os eventos ocorridos em todo o mundo. Por outro lado, creio
que você merece também algumas explicações, Maurício.
— Você fala de uma forma enigmática.
— Está na hora de você saber da verdade quanto a nós e
nosso trabalho. Somos agentes de segurança, conforme você pode
constatar...
— Não é melhor explicar a ele desde o início, John?
— Isso mesmo Leroy, bem lembrado. Assim Maurício compreenderá
melhor o assunto.
Mesmo tonto, o médico brasileiro quase exaltou-se, impaciente,
ansioso por entender tudo aquilo. John falou:
— Você veio à Alemanha para participar de uma conferência
de um grupo internacional envolvido com laboratórios, medicamentos
e pesquisas. A conferência foi, na verdade, uma espécie
de isca, utilizada por nós para atrair a organização que
Crepúsculo dos Deuses
235
seqüestrou você. Já temos conhecimento da ação desses marginais
em todo o mundo e formamos uma espécie de agência ou
inteligência, segundo o seu vocabulário, com o objetivo de capturarmos
alguns representantes deles. Com essa finalidade, estabeleceu-
se que deveríamos realizar uma reunião, que chamaria
a atenção desses grupos de terroristas. Fontes seguras afirmavam
acerca de sua atuação criminosa, no intento de manipular
medicamentos, construindo laboratórios em várias partes do
mundo. Um deles, na região da Antártida, entrou em operação
com o objetivo de desenvolver um vírus muito mais forte e resistente
do que o HIV ou o ultravírus do câncer.
— Mas como a organização deles conseguiu estabelecer bases
na Antártida, um continente totalmente inóspito e desabitado?
Isso é impossível! E o transporte de material, de mão-deobra
e todo o resto? E mais: não consigo entender como uma
organização com uma elite de assassinos internacionais tem êxito
em driblar a segurança mundial durante tanto tempo... e ainda
desafiar o mundo com tantos recursos tecnológicos...
— Essa é uma outra história, meu caro brasileiro — interviu
Leroy. — Mas creio que não há como deixar para depois:
você terá de saber, mais cedo ou mais tarde. Retornaremos um
pouco ao passado para que compreenda, Maurício. Vou lhe dar
apenas um resumo. Acredita-se que, na época da Segunda Guerra
Mundial, Adolf Hitler tinha especial interesse na Antártida. Ele
acreditava que, se dominasse essa área, poderia construir ali uma
importante base militar aérea e naval, de onde dominaria o mundo.
Portanto, decidiu, já no início da guerra, que um dos porta-
aviões do 111 Reich seria totalmente modificado, adaptando-o para
explorar o continente antártico. Do passado, restaram algumas
lendas e muitas mentiras a respeito da pretensa base de Hitler. É
por isso que muitos nazistas procuraram a Argentina e o Brasil
236 Robson Pinheiro • Ângelo Inácio
para seu exílio no pós-guerra, acreditando que ficariam mais
próximos da tão venerada base de operações do Reich. Acreditamos
que é justamente lá, no hemisfério sul, entre o pólo e o
Trópico de Capricórnio, que se localiza a rede de laboratórios
da tal organização terrorista. Possuem, é claro, outras bases, espalhadas
pelo mundo.
— Pois bem, dando continuidade ao que dizia — tornou
John — a tal reunião ou conferência que seria realizada em Frankfurt
foi a isca necessária para atrair os terroristas. Queríamos
impedir algo monstruoso que estavam tramando. Ficamos sabendo
da tentativa de se utilizarem de seus aliados do Oriente
para jogar uma bomba no Congresso dos Estados Unidos, o que
levaria a humanidade a uma guerra de proporções mundiais,
devido às implicações políticas envolvidas.
— E conseguiram alguma coisa além de meu seqüestro durante
a conferência?
— Claro que conseguimos. O seu seqüestro nos pegou de
surpresa, pois não sabíamos que a organização deles tinha interesse
em seus conhecimentos a respeito de línguas antigas ou
em descobertas arqueológicas.
— Não sei como uma organização dessas tem interesse por
um pedaço de tábua de barro, descoberto há algum tempo. Mais
que ninguém reconheço seu valor para a ciência arqueológica e
como documento histórico; no entanto, parece um paradoxo,
considerando que investem pesadamente em recursos tecnológicos,
que a tônica de seu trabalho não esteja em pesquisas dessa
natureza. Não consigo entender também o interesse deles por mim,
já que devem ter elementos altamente capacitados em sua equipe,
especializados em traduzir e decifrar inscrições como essas.
— Ocorre que você é bem mais velho do que imagina, Mau
Crepúsculo dos Deuses
237
rício, e por isso mesmo tem arquivada na memória muita coisa
que muitos de nós nem suspeitamos ainda...
— Não entendi direito onde quer chegar.
— Eu pessoalmente fui incumbido de tomar conta de você
há muito tempo — falou John White. —Acompanho sua trajetória
desde há alguns anos e sei muito mais sobre você do que
pode suspeitar...
— Mas...
— Aquiete seu espírito um pouco e deixe-me continuar a
história. Tenho de lhe falar algo muito especial, que definirá o
seu futuro para sempre, Maurício. Ocorre que, já há algum tempo,
você sofreu um acidente...
— Eu? Acidente? Creio que estão enganados, e, se são mesmo
especialistas em investigação, deveriam reavaliar suas carreiras.
Nunca sofri nenhum acidente, John White. Vocês erraram
feio! Estão vigiando a pessoa errada...
Maurício fez menção de sair do ambiente, deixando os dois
para trás sozinhos, envolvidos naquilo que ele considerava uma
história fantasiosa. Foi então detido por Leroy.
— Pare, Maurício, deixe-nos ao menos contar a nossa história;
depois você poderá sair e deixar-nos, se desejar. Continue,
John!
— E isso mesmo, Maurício Bianchinni. Você sofreu um acidente
no Rio de Janeiro. Na verdade, foi vítima de uma bala perdida
que lhe feriu a cabeça, causando-lhe um estrago permanente...
A medida que John White falava, Maurício parecia hipnotizado.
Reaparecia, com intensidade, a sensação de estar vivendo
em câmera lenta. Colocou a mão na cabeça instintivamente, descobrindo
aí algo que o incomodava.
A ofensiva
"Os espíritos são filhos do Grande Senhor. Todos são criação sua e
filhos do seu amor. Alguns, porém, escolheram caminhos difíceis e
pensamentos sombrios."
Fragmentos das memórias de Mnar, o capeiino
EM QUALQUER situação que envolva o relacionamento
humano, há que se ponderar que ninguém
age sozinho. Atrás de toda ação há um
pensamento, um sentimento. Como a sintonia
é a lei que rege todas as forças do universo, há
sempre inteligências extrafísicas em atuação,
inspirando os acontecimentos no plano físico.
A humanidade não caminha sozinha. Aliás,
poderíamos considerar a humanidade como sendo
um termo aplicável às populações visível e
invisível.
Assim se procedeu em Capela.
As forças que se opunham à luz começaram
a se movimentar, a fim de envolver os capelinos
rebeldes, os Amaleques, na teia negra de
Crepúsculo dos Deuses
239
seus pensamentos.
O mundo que se aproximava de sua redenção enfrentou
muitas dificuldades antes de consolidar sua posição espiritual
ante os outros orbes do espaço.
Os espíritos vândalos que viviam nas regiões mais próximas
da Crosta invadiram a morada dos capelinos, fazendo de tudo
para inspirar pensamentos de revolta na população, em especial
nas pessoas que se sintonizavam com seus propósitos sinistros.
A partir desse fato teve início a primeira manifestação de
revolta contra o governo capelino. Daí, à semelhança de um fogo
destruidor, espalhou-se o sentimento avassalador entre os habitantes
rebeldes do primeiro mundo.
Capela enfrentava uma situação delicada. Embora não houvesse
guerra declarada, multidões de almas desajustadas se uniam
e espalhavam medo e terror.
Os espíritos das sombras patrocinavam o estado de rebeldia
dos Amaleques.
Cientistas renomados, representantes do povo, homens sábios
ou o simples capelino da multidão — estavam todos mostrando
sua verdadeira condição espiritual.
Nos tempos de crise é que se conhecem os valores do espírito.
Enquanto a situação social ou econômica reflete uma aparente
quietude, é comum poder disfarçar o real estado da alma.
Nesse contexto, as crises são por vezes benéficas, pois fazem com
que ecloda, em um pequeno intervalo de tempo, o que levaria
anos. Funcionam como uma espécie de cirurgia para a alma.
Somente após as crises, entretanto, é que se pode observar
com clareza o crescimento, o progresso. As amizades verdadeiras
se manifestam nos momentos graves. Sem tais momentos nas
experiências cotidianas, não conheceríamos os amigos de fato,
240 Robson Pinheiro i Ângelo Inácio
os verdadeiros companheiros de ideal, ou aqueles que desejam
honestamente o bem. É fácil para qualquer um ser bom nos
momentos de euforia dos sentidos, de prazer, de fama e de glória.
Manter, contudo, a fidelidade aos princípios, a amizade
constante e sadia, dando mostra dos valores morais, éticos ou
espirituais alcançados, é algo bem mais profundo — só os momentos
de gravidade, nas crises que visitam a todos, é que revelarão
a natureza dos sentimentos e das pessoas.
Por mais difíceis que pareçam os tempos de tumulto e inquietação,
eles indubitavelmente promovem a renovação moral
e social.
Nestas épocas de intensa atividade, de descontentamento, a
população invisível do mundo igualmente se agita, devido ao tipo
de sintonia. No momento em que as mentes captam as energias
que se movimentam entre as diversas dimensões da vida, evidencia-
se isto: tudo está interligado.
A sociedade é o reflexo da situação espiritual do mundo.
Não há como encobrir, como mascarar as questões íntimas em
tempos de crise.
Axtlan, o primeiro mundo, passava por uma situação sem
precedentes em sua história. Aqueles capelinos que não haviam
sedimentado os valores eternos, a ética cósmica, deixaram-se
arrastar pelos atropelos e pelas idéias extravagantes. O mundo
parecia revolto em meio a intensas dificuldades, que colocavam
em risco o destino de milhares de seres.
Essa época foi propícia para que os crimes se alastrassem. A
subversão dos valores morais foi cada vez mais acentuada entre
os seres que se conservavam na retaguarda evolutiva.
De nada adiantavam o desenvolvimento intelectual, os títulos
ou as posições sociais: a crise acentuava a vida íntima de cada
Crepúsculo dos Deuses
241
ura. As barreiras sociais, econômicas ou psicológicas foram quebradas
de tal forma que multidões de capelinos deixavam-se influenciar
pelas idéias estranhas que lhes eram inspiradas.
O governo nunca enfrentara uma situação de tal emergência.
Aqui e ali, reuniam-se os revoltosos em assembléias, promovendo
o estremecimento das relações sociais e aumentando a crise
mundial.
Os Dragões atacavam as obras da civilização com força total.
De um lado a outro iam os mensageiros capelinos, tentando
amenizar a situação ou acalmar os ânimos.
Como se não bastasse a euforia a que se entregavam os Amaleques,
os revoltosos, a aproximação de um astro intruso no sistema
do Cocheiro provocou mudanças climáticas e geológicas
no primeiro mundo, fazendo a população agitar-se ainda mais.
Maremotos, enchentes e descongelamento dos pólos, a princípio
de maneira incipiente, depois de forma mais acentuada,
transformaram-se no elemento que detonou a grande crise dos
deuses de Capela.
A órbita do planeta sofria alterações com a presença do visitante
do espaço. O tal cometa estava ainda muito distante, mas sua
força gravitacional começava a ser sentida aos poucos.
O clima, que até então era ameno, temperado, modificou-se
sensivelmente, a ponto de provocar a interferência dos vergs, os
povos irmãos de outros mundos. Eles tentavam, com sua tecnologia
superior à dos capelinos, amenizar a situação geral. Lugares
onde nunca antes houvera frio, experimentavam quedas bruscas
de temperatura: a neve caía e assustava os habitantes.
O Mar de Gan, que representava a madre geradora da vida,
também parecia revoltado. Ondas gigantescas ameaçavam a população
litorânea, e os constantes abalos sísmicos, em terras apa
242 Robson Pinheiro • Ângelo Inácio
rentemente estáveis, contribuíram para aumentar a insegurança
de muitos. O clima psicológico estava propício à manifestação
da intimidade de cada capelino.
O mundo físico é o retrato do mundo espiritual. Em épocas
de mudanças intensas, ambas as dimensões, visível e invisível, juntamente
com suas populações, se ressentem, uma influenciando a
outra. Para os que ignoram certas leis — e muitas verdades —, o
pânico passa a ser o companheiro de todas as horas.
Capela enfrentava a revolução. Diante da crise social, que se
agravava cada vez mais, o alimento rareava, pois o mundo agrícola,
Lemir, não produzia com a intensidade de antes, e os alimentos
não conservavam as qualidades de outrora.
A economia estava abalada, e, enquanto o cometa gigante se
aproximava do sistema solar capelino, incrementavam-se os esforços
do Conselho dos Sábios e do governo para manter a tranqüilidade
a todo custo.
Dara estava apreensiva. Juntamente com Zulan e Tura, fizera
algumas excursões a vários recantos do planeta. Era de fato
bastante preocupante a situação.
— Veneranda Dara — falou Tura — temos que nos manter
atentos, nestes momentos difíceis. Nunca tivemos tempos tão
tumultuosos como estes, mas acredito que as forças superiores
haverão de nos socorrer.
— Por certo a situação se estabilizará. Mas, por enquanto,
isto é só o começo, nobre Tura. Veja como a aparente tranqüilidade
demonstrou-se ilusória. Diante de uma ameaça global, a
população despreparada encontra-se em franco desequilíbrio; e
veja que nenhum fato realmente extraordinário aconteceu... ain
Crepúsculo dos Deuses
243
da. Este é apenas o início das dores coletivas do nosso povo.
— Aqueles que não desenvolveram valores morais, através
de uma vivência mais profunda — disse Zulan — não resistirão
aos momentos de crise. As máscaras cairão finalmente. Bem,
somente assim conheceremos os capelinos que estão ao lado do
bem e do progresso. É necessário o tanque de lágrimas e o aparente
caos, a fim de que sejam separados os filhos da luz e os servidores
dos Dragões. Sabemos que é doloroso para todos, mas
precisamos nos fortalecer e continuar a tarefa.
Estavam no começo da grande crise. Não havia tempo para
desperdiçar. Recebendo um chamado diretamente de Centra,
Dara, Tura e Zulan dispuseram-se a ir ao encontro de Ginal,
com o objetivo de tentar mobilizar recursos junto ao povo, visando
auxiliar tantos quantos necessitassem. Foram chamados a
se reunir numa cidade costeira, a leste de uma importante central
de comunicações do primeiro mundo. Era o local onde as
forças rebeldes se concentravam em maior número. Lá estava,
comandando os revolucionários, o valente Azhur, um Amaleque,
capelino que não se sintonizava com os ideais nobres de sua nação
planetária.
Lá, ao longe, no país do norte, de onde Azhur dominava os
capelinos rebeldes, as ondas ameaçavam as cidades da costa. Terremotos
constantes, a princípio apenas leves tremores, estabeleciam
o pânico entre a população, que não estava acostumada a
esses eventos catastróficos. O mundo parecia estar sendo abalado
em suas entranhas. O tempo enlouquecera: o calor era insuportável
em regiões onde antes havia clima temperado; frio intenso
e chuvas torrenciais se intercalavam em outros lugares.
244 Robson Pinheiro • Ângelo Inácio
Nada estava como antes.
A notícia da aproximação de um astro intruso no sistema,
um cometa, vazara para o povo, e os ânimos estavam alterados.
Todo tipo de especulação mística e religiosa surgia, assim como
no âmbito social e econômico.
Azhur aproveitava a situação de descontrole para tentar estabelecer
uma nova ordem. Aliciara vários capelinos despreparados,
de várias classes sociais, e os convencera de sua causa.
Ele era um capelino de estatura alta, esguio, de olhos profundamente
negros. Os capelinos eram humanóides. Em sua boca
observava-se um vinco, que lhe emprestava a aparência de um
misto de frieza com crueldade. Seu porte nobre e altivo dava-lhe
um aspecto perturbador e atemorizante. De intenso magnetismo,
sabia muito bem convencer através de seus discursos inflamados.
Uma multidão de capelinos o seguia, e tinha seus simpatizantes
em vários pontos do planeta.
Azhur vestiu seu traje mais nobre e saiu em direção a um
dos prédios centrais. Lá, no amplo teatro, realizaria uma conferência
para os capelinos revoltados, os Amaleques, em cuja causa
se encontravam cientistas renomados, nobres e também os
simples cidadãos capelinos, que não tinham nenhuma posição
social de destaque. Não se conformavam com a lei geral que presidia
a evolução dos povos do Cocheiro. Pretendiam ser independentes,
queriam dominar — diziam-se deuses, que mereciam
ser tratados de forma diferente dos demais capelinos.
Ao dirigir-se ao prédio onde se realizaria a conferência,
Azhur encontrou dois outros Amaleques, que lhe entregaram
uma espécie de correspondência. Abrindo-a, leu a mensagem:
— Nobre Azhur dos capelinos, seja para sempre bem-aventurado.
Como representantes do Conselho dos Anciãos de Cen
Crepúsculo dos Deuses
245
tra, pedimos a você uma audiência, na qual trataremos de assuntos
de interesse para os povos do Cocheiro. Aguardamos a sua
resposta.
Assinava Ginal, o Ancião, além de Dara, Tura e Zulan.
Azhur parou, pensativo, e ponderou com um de seus
seguidores:
— Pensam que fraquejarei... Nem imaginam os planos que
tenho para o nosso povo. No entanto, alguma coisa mais urgente
deve trazê-los aqui, ao norte. O que será? Enfim, não sei se os
receberei...
— Nobre senhor — falou um de seus seguidores — se me
permite uma observação, o momento parece muito grave, e as
relações com os outros capelinos parecem muito tensas. Quem
sabe, se atender ao pedido, não poderá descobrir coisas importantes
que mais tarde beneficiarão a nossa causa?
Azhur era assistido por um dos espíritos da falange dos
Dragões. Seus pensamentos pareciam refletir intensamente os
pensamentos das entidades malévolas. Algo lhe dizia que, se aceitasse
o convite, poderia estar colocando em perigo o sucesso de
sua causa. Alguma coisa estava ocorrendo, e não sabia o que era.
Meditou um pouco, ressabiado, e, depois de ouvir a opinião de
seus colaboradores, resolveu ceder. Aceitaria o convite dos anciãos
e dos representantes de Centra. Mas tomaria suas providências.
Não iria sozinho.
Ele não sabia que outros acontecimentos interfeririam em
sua decisão. Outros caminhos estavam sendo traçados para promover
o seu encontro com os nobres do Cocheiro.
O auditório estava repleto de pessoas com seus ânimos exaltados.
Os sistemas individuais de comunicação se incumbiriam
de levar a todas as famílias capelinas a palavra do chefe dos
246
Robson Pinheiro • Ângelo Inácio
Amaleques, Azhur, de Capela.
Ao adentrar o auditório, o chefe dos rebeldes foi aplaudido
pela multidão dos Amaleques e por aqueles que ainda não haviam
se decidido de que lado ficavam.
Na platéia encontravam-se também Venal, Dara, Tura e Zu
lan, que ali estavam a fim de presenciar a assembléia dos rebeldes.
Azhur, contudo, ignorava a presença dos nobres de Centra.
O Amaleque subiu numa espécie de tablado e principiou
sua fala de um modo inflamado, em tom de exortação:
— Capelinos de todas as ordens! Eu sou Azhur, do país do
norte, e represento aqueles do nosso povo que intentam estabelecer
uma nova ordem em Capela. Como sabem, aproxima-se de
nosso mundo um cometa de proporções descomunais. As notícias
que chegaram ao nosso povo, todavia, não correspondem à
realidade. Os nobres anciãos e os representantes de Centra escondem
muita coisa da população e, simultaneamente, espalham
notícias acerca de calamidades e catástrofes. Eles desejam dominar
pelo medo e ainda pretendem que nos submetamos pacificamente
à forma de governo que nos impuseram durante muitas e
muitas gerações... Apresento-lhes uma nova proposta; uma nova
vida para os povos do Cocheiro.
Todos o ouviam excitados, pois ele verbalizava os sentimentos
daquela comunidade desajustada. Os nobres representantes
de Centra assistiam ao discurso, impassivos, procurando se ligar
às forças superiores, a Urias.
— O governo atual e os chamados sábios desenvolvem pesquisas,
experiências que são responsáveis tanto pela mudança
climática quanto pelos abalos sísmicos de nosso mundo. Mesmo
que o cometa que se aproxima do nosso sistema seja incomum
para os padrões dos cientistas capelinos, essas alterações climáti
Crepúsculo dos Deuses 247
cas, maremotos e tormentas não têm origem em sua ação, mas
em algum experimento realizado aqui mesmo, no primeiro mundo.
Descobriremos juntos o que se passa e modificaremos a ordem
atual, estabelecendo uma nova civilização e marcando um
novo tempo para os povos do Cocheiro. Alcançaremos as estrelas
e seremos os deuses de nosso sistema! Não é hora, capelinos,
de abater o orgulho de nossa raça: somos deuses e, portanto,
devemos nos comportar como tais. Juntos vamos incitar a transformação
por meio de uma revolução, que começaremos aqui e
agora. Nada de pieguismos religiosos, nada de moralismos, nada
de humildade.
Capela é a morada dos deuses. É o paraíso do Cocheiro,
que não poderá ser destruído pelos representantes de Centra.
Eu, Azhur, sou o novo marco na história deste mundo.
Crepúsculo dos Deuses
249
res, sumindo também inopinadamente, como aparecera. Era demais
para ele. Agora os tais agentes diziam que ele fora vítima de
uma bala perdida... Como tal acidente ocorrera com ele, se não
havia lembranças registradas em sua memória?
Porém, algo o incomodava acima de tudo. Apesar de não se
lembrar da pretensa bala perdida evocada por John White, há
algum tempo sentia tonteiras, como se fosse algum sintoma de
labirintite. E havia mais: agora que John falara no assunto, ao levar
a mão à cabeça instintivamente, encontrara algo que antes não
observara. Uma marca, talvez um ferimento.
A cabeça de Maurício começava a rodopiar, com sintomas
de vertigem. Ele não agüentaria tudo isso sem entrar em colapso.
Era muito para ele.
— Sinto muito, Maurício, mas precisa saber a verdade. Sei
que é difícil para você, mas já há um certo tempo que temos
hesitado em lhe contar o que ocorreu, por receio de que você
não suportasse a realidade.
— Eu tenho medo do que vocês têm para me dizer...
— No fundo, no fundo, você já sabe, embora esteja protelando
por algum tempo o reconhecimento total de sua situação.
Cremos que você se recusa inconscientemente a enfrentar a realidade,
relegando para um segundo plano certos fatos que permanecem
aí, impressos em seu inconsciente.
— Você quer dizer que estou ficando louco, não é mesmo?
— Acreditamos — falou Leroy dirigindo-se a Maurício —
que você agora está ficando muito mais lúcido do que sempre
esteve. A loucura é uma ilusão da mente que está doente; você
está despertando dessa ilusão, porém precisa reunir forças para
enfrentar-se, conhecendo a realidade...
250
Robson Pinheiro • Ângelo Inácio
— Por favor — disse Maurício — não me esconda nada. Já
que passei por tanta coisa nestes últimos dias, não posso ficar
por mais tempo aqui, enganando a mim mesmo.
— Você sabe do que estamos falando, não é mesmo?
Maurício Bianchinni, jovem, carreira promissora pela frente.
Sua vida era um mistério para os amigos, que não o compreendiam.
Como poderia alguém viver assim, no mundo da lua?
— é o que geralmente perguntavam. Não entendiam como Maurício,
com todo o seu potencial, poderia viver voltado para "pesquisas
de fim de mundo", como diziam. Viajava para todo o
mundo como um dos mais competentes representantes de um
imenso complexo empresarial, que detinha a patente de inúmeros
medicamentos no Brasil. Era um visionário, um sonhador,
pensavam seus colegas. Mas Maurício prosseguia seu interesse
por ciências, especializando-se como químico.
Nos momentos de tranqüilidade, dedicava-se a pesquisas
relacionadas ao passado do planeta Terra. Numa de suas viagens,
participando de conferências nos Estados Unidos, chegou
a conhecer um renomado cientista da Nasa. Desde esse encontro,
apaixonara-se sobremaneira por assuntos atinentes às civilizações
antigas e, de um modo particular, aos povos da Mesopotâmia.
Maurício conhecia muito mais do que certos especialistas
em história antiga ou arqueologia, até porque tinha a facilidade
de viajar por todo o mundo e aprofundar pesquisas, conhecer
estudiosos, incrementando sua cultura.
Foi num dia de verão do ano de 1998 que Maurício resolveu
sair para caminhar um pouco nas ruas do Rio de Janeiro, a Cidade
Maravilhosa. Estava, mais precisamente, na Barra da Tiju
Crepúsculo dos Deuses
ca, quando se sentiu atraído por determinado restaurante, onde
planejava almoçar. Resolveu aproximar-se do local, que parecia
agradável. Ele não sabia que aquela seria a estação terminal de
suas experiências, nem desconfiava de que estava sendo observado
por olhos invisíveis, que tinham certo interesse em mantê-
lo sob sua influência.
Um minuto apenas. Um estampido. Uma bala perdida. A
violência com que o ser humano convive no dia-a-dia faz com
que ele nem perceba que está num mundo onde ainda impera a
força dos que se julgam fortes.
A violência nas ruas, a violência nas famílias, nas palavras ou
nas relações internacionais — tudo isso é o reflexo da barbárie
espiritual. Não se cura violência através de tratados, de leis ou
de imposições, ou, ainda, com mais violência. Embora tais recursos
sejam úteis para limitar a ação violenta ou coagir as consciências
mais imaturas, somente com a educação do ser se obterá êxito
em resolver o problema, em todos os seus aspectos. A face da violência
se confunde com a face da ignorância.
Maurício caiu antes mesmo de atingir o outro lado da rua.
Os curiosos se aproximaram do homem caído, que parecia gemer
baixinho.
Uma bala perdida, aparentemente um acidente, atingira
Maurício Bianchinni na região da cabeça. Ele não resistiu e foi
ao chão imediatamente. Mas parece que ele estava tão distraído,
pensando em sabe-se lá o quê, que também não viu o corpo estendido
atrás de si. Continuou caminhando, com a mente perdida
em mil pensamentos. Como se nada houvesse acontecido. O
homem caminhava.
Talvez cansado de pedir o cardápio ao garçom, resolveu sair
para a rua, após brigar e gritar, indignado porque não lhe da
252 Robson Pinheiro • Ângelo Inácio
vam atenção. A fome foi substituída por um cansaço mental, um
sono sem igual e uma tonteira, um incômodo que, aos poucos,
foi se acentuando, mas que ele teimou em superar, empurrando
a sensação incômoda para o inconsciente.
Maurício avançava rumo ao desconhecido. Não se conscientizará
do que havia ocorrido. Dirigiu-se para seu escritório, embora
tivesse notado uma certa dificuldade em atingir seu objetivo.
Demorou até sentir-se seguro em seu próprio ambiente. Ele prosseguia
a sua vida como se nada tivesse acontecido. Maurício vivia,
porém, em outra dimensão da vida.
Retomar a consciência era algo torturante para Maurício
Bianchinni. As recordações de fatos difíceis e marcantes sempre
representara uma tortura para ele. Mas aos poucos foi recobrando
a consciência do que ocorrera consigo.
Mão na cabeça, foi aos poucos desfalecendo diante da avalanche
de recordações que lhe vinham à memória. Entregou-se
ao sono reparador, agora, porém, em processo benfazejo de retorno
ao mundo íntimo. Atualizava seus registros mnemónicos.
O passado voltava-lhe ao consciente.
Dois dias durou o transe de despertamento de Maurício
Bianchinni, que era amparado pelos agentes da segurança, que
julgara pertencerem à CIA e ao FBI. AO acordar, sentia-se mais
tranqüilo, embora não tivesse respostas para algumas dúvidas.
— Quer dizer então que eu morri naquele episódio lá, na
Barra? Entretanto — perguntou Maurício, já mais recuperado
do choque que a revelação lhe provocara — tenho algumas dúvidas
que gostaria de ver esclarecidas, para que eu não enlouqueça
de vez.
Crepúsculo dos Deuses
253
— Creio que poderemos lhe adiantar algumas coisas, porém
— respondeu Leroy — você terá de procurar sua própria
verdade, para não se sentir dependente de ninguém e nem ser
submetido às verdades alheias. Pode perguntar; se pudermos
contribuir...
— Me digam, como entender toda essa organização de agentes
federais e a atuação dos terroristas, se tanto eu quanto vocês
já estamos todos mortos? Vocês não pertencem ao FBI e à CIA?
— Bem, Maurício, essa sua pergunta é bastante interessante
— respondeu John. — Na verdade, nunca nos apresentamos
como agentes federais... Você criou toda essa história em sua
cabeça. Como não tinha nada que explicasse racionalmente uma
organização voltada para a ordem e a disciplina fora do contexto
que você conhecia, sua mente associou nossos homens à CIA e a
outros órgãos do governo americano. Somos uma equipe vinculada
a certos elementos de destaque na hierarquia do mundo, que
atua em todo o globo. Digamos que sejamos uma espécie de guardiões
da ordem. Se desejar, poderá continuar nos associando às
atividades do FBI, SÓ que estamos todos em outra dimensão da
vida. Quanto às atividades dos terroristas que o seqüestraram, isso
tudo é a mais absoluta verdade. São espíritos altamente perigosos,
que se especializaram no domínio das consciências. Têm em suas
fileiras cientistas de renome e muitos homens inteligentes, já conscientes
de que habitam uma outra dimensão da vida.
— Todos mortos, então?
— Pode-se dizer que estão mortos, desencarnados, fora do
corpo ou coisa semelhante. São eles os manipuladores da mente
dos homens da Terra. Criaram bases de apoio em diversas partes
do mundo. Entre seus artifícios para influenciar a humanidade,
dispõem de uma rede imensa de laboratórios, que se especializaram
em desenvolver vírus e bactérias. Possuem igualmen
254
Robson Pinheiro • Ângelo Inácio
te uma espécie de pólo de desenvolvimento de tecnologias, que
visam interferir nas organizações humanas. Esses seres estão,
contudo, muito mais ligados às grandes realizações no cenário
político internacional do que a pessoas em particular.
— Então a vida aqui seria um prosseguimento da vida na
Terra?
— Exatamente. Ou, como você preferir, podemos afirmar
que a vida na Terra é totalmente influenciada pelos habitantes
deste lado de cá.
— E como explicar a viagem que fiz do Rio para Frankfurt,
de avião, as bombas utilizadas pelos terroristas e toda aquela tecnologia
que vi no galpão para o qual me levaram?
— Simples: tecnologia desta nossa dimensão da vida. Não
podemos esquecer que, diante da realidade do mundo, se colocarmos
as coisas em seus devidos lugares, tudo o que existe na
matéria e no mundo material é o reflexo do que existe aqui.
Também ocorre muitas vezes, como é o seu caso, que pessoas
abandonem o corpo físico sem saber ao menos que desencarnaram.
Prosseguem sua vida como antes, dirigindo-se ao ambiente
de trabalho, divertindo-se, relacionando-se com outros desencarnados,
sem ao menos suspeitarem de que estão, há mais
ou menos tempo, em outra dimensão, além da realidade física.
Utilizam-se de tudo que o mundo oferece, dentro dos limites
da matéria, como se fizessem ainda parte desse cenário. É pura
questão mental. Mantêm-se prisioneiros de toda uma estrutura
mental própria do mundo físico até que despertem, como
ocorreu com você.
— E quanto a Irmina Loyola, ela também é morta? É desencarnada?
Afinal, ela está do lado de quem?
— Para nós ela ainda é uma incógnita. Irmina vai e vem de
Crepúsculo dos Deuses
255
um lado para outro com certa facilidade. Não temos conhecimento
de tudo. Aqui não somos deuses, mas homens, com uma
organização em tudo semelhante à da Terra, inclusive com nosso
desconhecimento em relação a muitas coisas. É claro que
falo de mim mesmo e de Leroy, pois é evidente que os nossos
superiores sabem de muito mais que nós. Somos aproveitados
do lado de cá conforme as nossas aptidões, desenvolvidas quando
encarnados. Veja, por exemplo: eu e Leroy fomos agentes
secretos na época da Guerra Fria. Fomos enviados para pesquisar
a respeito de agentes terroristas na Alemanha, França e Irlanda
do Norte. E natural que nossa experiência não seja desperdiçada
do lado de cá. Hoje trabalhamos para os superiores com o mesmo
objetivo: preservar a ordem e a disciplina no mundo. Quanto a
você, como não tinha ainda despertado para certas realidades,
estava sendo aproveitado por certos indivíduos, para fins escusos.
Quando ainda falavam a respeito do despertamento de Maurício,
entrou no ambiente um homem de nome Joseph Miller.
Era o imediato responsável por toda a organização, que, por sua
vez, também, estava a serviço dos superiores, conforme antes se
referira John White, em sua fala para Maurício.
— Bem, bem, meus caros amigos, até que enfim vocês conseguiram
chegar a bom termo em sua missão — falou o homem
que entrou naquele instante. — Maurício é muito importante
para nossas atividades e também era visado pela organização do
outro lado. Por favor, deixem que me apresente. Sou Joseph,
aquele que transmite a vocês — falou para John e Leroy — as
ordens e as tarefas que devem realizar. Sei que nunca me viram
antes, porque só lhes falo através de um meio de comunicação
indireto, mas hoje tive de vir aqui para esclarecer algumas coisas
urgentes.
— Veio por causa de Maurício, então?
256 Robson Pinheiro • Ângelo Inácio
— Não somente isso, mas outros fatos de extrema urgência
me obrigaram a aparecer aqui, hoje. Creio que devo uma explicação
razoável a vocês — disse, sentando-se em frente aos homens.
— Vejo que têm algumas dúvidas que merecem ser esclarecidas.
Quanto a Irmina Loyola, é alguém que foi chamado por
nós a fim de auxiliar no caso Maurício Bianchinni; entretanto,
ela não está como nós, neste mesmo plano de existência.
— Como assim? — perguntaram os três ao mesmo tempo.
— Irmina não é exatamente uma pessoa com a qual seja
fácil de lidar. Não nos compreende a atuação deste lado de cá da
vida. Porém, mesmo estando ainda encarnada, tem facilidades
para sair do corpo de forma lúcida. Por isso ela foi chamada a
nos auxiliar. Tem, na verdade, uma forma própria de agir, e não
podemos dizer que seja espiritualizada. Tivemos grandes dificuldades
em encontrar organizações espiritualistas para nos ajudar,
num momento de crise como este que o mundo passa. Parece
que os agrupamentos espiritualistas na Terra estão muito ocupados
com disputa de poder, crises internas, melindres. Com
dificuldade, encontramos quem topasse desempenhar as atividades
necessárias, porém precisávamos de alguém que não estivesse
preso a acanhadas concepções do mundo antigo. Nada de
rótulos ou doutrinas castradoras. Precisamos de pessoas que
sejam livres-pensadores. Encontramos Irmina, e a convidamos
a nos socorrer. Ela fez como podia. Por isso vocês não compreendiam
como ela aparecia e desaparecia sem deixar vestígios.
Isso ocorria quando ela vinha projetada para o nosso lado ou
voltava para o corpo.
— Isso explica muita coisa...
— Isso mesmo, mas não estou aqui apenas por isso. Creio,
Maurício, que você poderá nos ser muito útil. Sinto lhe dizer,
mas não terá mais muito tempo para sanar suas dúvidas, ao me
Crepúsculo dos Deuses
257
nos por enquanto. O mundo corre perigo, e temos de agir com
rapidez. Estejam a postos para o trabalho.
— Será uma guerra o que você espera, e tem a ver com ela a
notícia que traz para nós?
— Como dizia antes de ser interrompido — falou pausadamente
Joseph Miller — o mundo está por entrar numa crise de
grandes proporções. Cada um será requisitado no máximo de
seu potencial. Certos grupos de encarnados, ligados a organizações
terroristas do lado de cá da vida, estão convencidos de que
devem realizar uma operação em larga escala contra as obras da
civilização. Pretendem atacar os Estados Unidos. São patrocinados
por espíritos das trevas, cientistas, magos e manipuladores
de consciências. Dentro deste projeto audacioso pretendem atacar
a Casa Branca, e depois seu plano é atacar Roma, a sede da
Santa Sé.
— Uauü — exclamou Maurício.
— Isso mesmo; parece incrível, mas é a pura verdade. Teremos
de agir rápido, pois as mentes das pessoas envolvidas estão
de todo dominadas por entidades perversas, e delas vocês já têm
conhecimento — falou, dirigindo o olhar para Maurício. — Precisamos
fazer algo imediatamente. O presidente americano será
muito visado nos próximos dias por essa organização. Pretendem
utilizar recursos extremos para manipular a sua vontade.
Não podemos ignorar que eles dispõem de suficiente sintonia
com a vontade dele e com seus métodos de agir na política. Se ele
não se livrar do domínio mental que tais entidades exercem, certamente
poderá provocar uma guerra de proporções globais, e
não é necessário falar em como essa guerra é indesejável no
momento...
Joseph Miller, o espírito guardião, ia aos poucos descreven
258 Robson Pinheiro • Ângelo Inácio
do o panorama da política mundial, deixando todos muito espantados
com os rumos que iam tomando as relações internacionais.
Um ataque à Casa Branca seria, muito provavelmente, considerado
inadmissível pelos dirigentes norte-americanos. Mas um ataque
à sede da Igreja Católica e, possivelmente, a outros centros
importantes do establishment mundial, colocaria em cheque todas
as instituições reconhecidas. Seria o fim de um sistema e iria provocar
o desequilíbrio em toda a política internacional. O mundo
se veria, de um momento para outro, num confronto de proporções
aterradoras, atemorizantes. O planeta Terra corria perigo —
caso não houvesse interferência do plano extrafisico.
O mundo precisava de socorro imediato.
260 Robson Pinheiro • Ângelo Inácio
como deter absoluto controle da situação.
Dessa maneira, compreende-se por que ninguém sequer
cogitou a possibilidade de haver algum cálculo equivocado da
trajetória do astro intruso. Dadas as proporções inéditas do evento
sideral, não havia suspeitas de que a aproximação do astro
não era necessária para que o caos se estabelecesse. Bastava sua
influência magnética para que certos acontecimentos no plano
físico fossem desencadeados. E foi isso o que ocorreu no momento
em que Azhur planejava uma investida final contra os
governos capelinos.
Em dois dos continentes do planeta, tempestades avassaladoras
irromperam com intensa fúria, causando destruição em
vários setores da sociedade capelina. Devido à influência do astro
intruso, os maremotos cresceram, em freqüência e intensidade,
em várias partes do globo. Tudo isso foi a centelha que
faltava para detonar a Grande Crise.
No amplo salão onde se realizava a conferência de Azhur, as
coisas se precipitaram de um momento para o outro, sem que
ninguém pudesse conter a situação. Um tremor de terra em escala
nunca antes observada abalou a estrutura da construção,
fazendo desabar o teto sobre milhares de capelinos, que encontraram
a morte certa em apenas uma questão de minutos. Dara
e seus amigos ali estavam, alcançando o mesmo destino que os
demais. Ela e seus amigos, no entanto, encontravam-se num outro
padrão de sintonia, diferente daquele com o qual se afinavam
os rebeldes Amaleques.
Dara, Venal, Tura e Zulan haviam abandonado definitivamente
suas formas físicas e pairavam acima dos escombros, presenciando
o caos de um mundo que agonizava. Era o crepúsculo
dos deuses de Capela.
Crepúsculo dos Deuses 261
Os Amaleques, conduzidos por Azhur, o rebelde, saíram
correndo, também já sem seus corpos físicos, desesperados diante
do caos que se via à volta. A multidão cobrava de Azhur as
promessas feitas minutos antes dos eventos fatídicos. Azhur não
sabia o que fazer diante das calamidades desencadeadas pela fúria
da natureza. O mundo havia se revoltado contra a investida
das trevas, e a própria natureza se incumbira de realizar o expurgo
planetário.
De tempos em tempos, em todos os mundos da galáxia, a
natureza mesma dos mundos realiza uma espécie de expurgo,
pois atinge-se certa saturação de determinados elementos psíquicos
— como o próprio organismo físico faz, cotidianamente, de
um modo particular nos processos de enfermidade. Esse processo
natural assemelha-se a uma cirurgia a que se submete a intimidade
de cada planeta; porém, é uma incisão moral, consciencial.
Eis que entram em cena os fatores que desencadeiam esse
processo planetário, que nem sempre representa algo de fácil
convívio. Geralmente, quando ocorrem esses momentos — denominados
de cúmulos energéticos —, uma verdadeira revolução
consciencial tem lugar na superfície dos mundos. Em primeiro
lugar, é observada pelos habitantes do planeta certa revolução
de valores, idéias e paradigmas. Concomitantemente, o
mundo em questão presencia outro tipo de revolução, que é de
fato a causa principal do processo: a mudança do padrão vibratório
em outras dimensões da vida.
Dessa revolução do elemento espiritual, energético, é que
surgem nas superfícies planetárias, por repercussão vibratória,
outros movimentos. Verdadeira revolução se opera nas esferas
social, política e econômica. As estruturas sociais da humanidade
imersa na matéria são abaladas; as mais profundas e arraigadas
convicções, postas em cheque. Os homens são obrigados a
262 Robson Pinheiro • Ângelo Inácio
rever seu modo de vida, adaptar-se a outras formas de sobrevivência
e adotar soluções mais simples do que as procuradas — e
encontradas — anteriormente às crises. Os seres, nesses momentos,
são levados a adotar formas de vida afeitas à situação de
emergência espiritual pela qual passa seu mundo; é momento de
transição. Para sobreviver às adversidades, o ser humano é obrigado
a simplificar.
Foi nesse clima que eclodiram as grandes revoluções nos
mundos do Cocheiro.
Acima, na atmosfera do mundo, presenciou-se um fenômeno
que tinha sua origem no plano extrafisico. Uma espécie de
fornalha atômica, um fogo devorador, purificador, parecia partir
dos sois gêmeos da constelação do Cocheiro. Erupções energéticas
pareciam fazer um dos sóis desestabilizar-se de suas balizas.
O fenômeno era claramente percebido somente no plano
espiritual daquele mundo; todavia, no ambiente considerado mais
físico, o fenômeno era sentido na forma de imensos abalos na
estrutura geológica do planeta. Cidades inteiras desapareciam
nas ondas que subiam a muitos metros de altura. O mundo estava
na agonia de um parto.
Dara olhou para o que se afigurava no centro do fenômeno,
e o que ela viu causou, tanto nela quanto em seus companheiros
recém-libertos da forma física, um misto de admiração e de perplexidade.
Estavam atônitos. A fornalha energética, que vinha
realizando a purificação do ambiente astralino do planeta, formava
um núcleo no qual se via uma forma humanóide, mas semelhante
a um relâmpago em sua aparência. Mesmo parecendo
imprecisa, é essa a expressão mais acertada para se descrever o
ser que conduzia o processo de depuração planetária.
Urias, o Cherub do Cocheiro, espírito responsável pela condução
dos povos capelinos, orientava, com milhares de outros
Crepúsculo dos Deuses
263
seres de sua dimensão, os elementos etéricos que dinamizavam
os expurgos coletivos. Dara, Tura, Zulan e Venal associaram-se
às legiões de Urias, auxiliando no momento mais difícil.
Um urro profundo foi ouvido em toda a extensão do império
do mal.
O império dos Dragões preparava-se para enfrentar a derrocada
final. Por todo o lado se via as construções astralinas de
seu reinado decadente ardendo em chamas etéricas, desfazendo-
se diante da presença de Urias e de suas hostes. A aparência
do Cherub assemelhava-se, aos olhos dos Dragões, a uma cena
de juízo final, como aquelas descritas em livros sagrados. Milhões
de seres, resplandecendo em pura luz, iam e vinham de
uma latitude a outra do planeta, auxiliando Urias na reunião
dos rebeldes Amaleques, que estavam aterrorizados diante da
transformação que ocorria.
O mundo estava sendo limpo das obras das sombras. Os fluidos
grosseiros e densos acumulados ao longo de eras e mais eras
de terror e violência das consciências eram literalmente dissolvidos,
transmutados e purificados na presença da fornalha etérica
que devorava tudo a sua volta. Por onde passava, o fenômeno deixava
um rastro de claridade, impossível de ser suportada pelos
indivíduos rebeldes dos povos capelinos. Intensa luz substituía a
aridez e as sombras da paisagem umbralina de Capela. Urias a
tudo presidia, juntamente com seus colaboradores. Dara participava
ativamente, reunindo energias em benefício do seu povo, que
ainda permaneceria encarnado, na dimensão das formas.
Grandes levas de espíritos, consciências cristalizadas no mal
durante séculos, estavam sendo conduzidas, numa espécie de
redemoinho energético, para uma das luas de Capela. A visão se
igualava a um tufão que estivesse sugando as almas rebeldes de
um canto a outro do planeta, transformando tudo ao seu redor,
264 Robson Pinheiro • Ângelo Inácio
modificando para sempre o panorama energético desse mundo.
Numa das luas que orbitavam o planeta principal do sistema
de Capela, essas almas rebeldes eram reunidas, objetivando a
partida iminente no grande êxodo desse povo. Como que formando
um túnel de luz, entidades radiantes formavam fila no
espaço entre o planeta e a lua, administrando tudo de acordo
com a necessidade do momento. Em meio ao aparente caos reinava
a mais absoluta ordem.
No mundo físico as coisas não estavam tão diferentes do
que ocorria no plano energético. O mundo, o sistema filosófico,
político e religioso nunca mais seria o mesmo. Todos os povos
capelinos foram obrigados a se unir para preservar a civilização
do caos e do extermínio. A influência de apenas um astro, que
passava a milhões de quilômetros de distância, parecia desestabilizar
a órbita do planeta e modificar seu eixo imaginário, causando
mudanças climáticas, geológicas e meteorológicas sem
precedentes para as gerações que habitavam o Cocheiro.
O mundo se uniu diante do fenômeno. Mas Capela sobreviveria.
O planeta estava saindo de um estágio acanhado de evolução
para uma posição de maioridade espiritual. Assim como a
transição da adolescência para a idade adulta não se passa sem
os transtornos próprios desse instante do crescimento humano,
também os mundos não superariam sua fase adolescente, em
direção à plena vivência cósmica, sem os abalos naturais. Fazia-
se necessária a adequação de Capela à comunidade renovada que
lá habitaria a partir de então. Assim é que novas terras surgiam,
emergindo do fundo dos oceanos, e outras submergiam, modificando
a face do planeta. O Cocheiro preparava-se para a partida
dos Dragões.
266 Robson Pinheiro i Ângelo Inácio
em conta os fatores espirituais ligados a cada caso, as influências
negativas às quais estavam submetidos os envolvidos no grande plano
das sombras. Deveriam buscar, ao máximo, a frustração das
pretensões das organizações sombrias, que se resumiam a causar
pânico mundial, a instaurar o caos.
O planeta Terra precisava de auxílio imediato. Espíritos sublimes
interferiam quanto podiam em nome da bondade divina,
em favor dos habitantes do mundo. Falava-se de uma reunião de
emergência sob a tutela de sábias entidades, que visava reunir
esforços em todo o mundo para evitar o pior. O próprio Mahatma
Gandhi conduziria determinadas legiões de seres para a pacificação
do mundo. Por outro lado, ainda na atmosfera terrena,
uma aura de paz irradiava do Brasil, mais precisamente do Triângulo
Mineiro, desafiando as tentativas das trevas e preservando
o equilíbrio psíquico do mundo. Do outro lado do planeta,
outra aura irradiava, associando-se às energias vindas do Brasil,
integrando-se no plano sutil em benefício da humanidade. Por
toda parte onde estavam localizados os apóstolos da paz, seus
recursos psíquicos eram canalizados para que o planeta Terra
não sucumbisse ante as tentativas das trevas de detonar uma crise
de graves proporções.
Na dimensão extrafísica, foram requisitadas forças soberanas,
que trabalhavam em conjunto com os propósitos humanitários.
Equipes de guardiões, agentes da segurança espiritual, energética
e psíquica do orbe terrestre, iam e vinham, incrementando
seu desempenho em favor da paz no mundo.
Maurício prestava imensa contribuição, trabalhando junto
aos laboratórios terrestres, instruindo certas pessoas que cogitavam
desenvolver uma guerra bacteriológica. Muito mais coisas
estavam em jogo do que comentários televisivos e manchetes da
imprensa escrita poderiam saber e estavam divulgando ao públi
Crepúsculo dos Deuses 267
co. Os analistas da mídia abarcavam uma pequena porção dos
fatos, em suas interpretações.
John White e uma equipe de mais de duas mil entidades,
entre agentes e guardiões, dirigiram-se para o Oriente, trabalhando
diretamente juntos aos governos e países envolvidos
ou que se encontravam na iminência de serem implicados na
grande crise. Na América do Sul, países como Brasil, Argentina
e Uruguai atuavam como base de apoio para a reunião de
falanges de guardiões, que permaneciam atentos às reações
emocionais do povo, bem como às reações da classe política.
Esse episódio global traria conseqüências inevitáveis para a
economia desses países, em médio e longo prazos. Na Europa,
principalmente na Inglaterra, Alemanha e França, outras
legiões de seres, que trabalhavam pela ordem e segurança planetária,
estavam a postos. Faziam quanto podiam para minimizar
a situação que se avizinhava.
A Palestina era um dos focos centrais da ação dos guardiões
espirituais, embora os obstáculos graves encontrados na atuação
das equipes de agentes da paz. Nada passava desapercebido ante
a hora que se aproximava. O mundo preparava-se para a hora
de grandes dores.
Crepúsculo dos Deuses 269
Abalados profundamente em seu orgulho, ouviram a sentença
do bem-aventurado Yeshow, o responsável espiritual pela
evolução do mundo. Sob a responsabilidade de Urias, Dara,
Tura e Zulan, as legiões capelinas seriam conduzidas para a
terra distante. Aqueles dentre os Amaleques que sobreviveram
à grande catástrofe, no plano físico, seriam transportados em
naves esféricas dos vergs para um mundo distante 42 anos-luz
da constelação do Cocheiro. Os demais ali reunidos, já despidos
da forma física, seguiriam o rastro do cometa que se dirigia
para aquela região da Via-Láctea. O corpo celeste levava atrás
de si, prisioneiras de sua aura magnética, as milhões de consciências
endurecidas, os presunçosos Amaleques, comandados
pela falange dos Dragões.
Capela alcançara a libertação, e nova era surgia para seus
habitantes: um tempo novo, em que deveriam reerguer sua civilização
sobre novas bases, renovando esperanças, revitalizando
suas conquistas e criações.
O cometa prosseguia seu rumo pela Via-Láctea, enquanto
longe, no mundo distante, primitivo, diversas tribos aguardavam,
sem o saber, a visita dos deuses — os deuses decaídos
das estrelas.
Algum dia, após milênios de lutas e dificuldades, um homem
sábio escreveria nas páginas de um livro sagrado: "E vi um grande
sinal no céu. Um Dragão, a antiga serpente que se chama diabo
e satanás. Ela trazia atrás de si uma terça parte das estrelas do céu.
E foi precipitada na Terra a grande serpente".
Mnar, o capelino, parecia acordar de um transe. À sua volta,
Romanelli, Arnaldo e eu também despertávamos dessa espé
270
Robson Pinheiro • Ângelo Inácio
cie de viagem na qual nos vimos envolvidos durante os relatos de
Mnar. Foi para nós uma verdadeira aula de história do universo
e dos povos capelinos. Entretanto, as coisas não estavam tão diferentes
para nós, os espíritos da Terra. Algo está por acontecer
em nosso mundo e em tudo se assemelha ao que ocorreu na
distante constelação do Cocheiro. O mundo Terra está em transição.
Nossa história guarda imensa semelhança com a história
espiritual daqueles seres que ora nos visitavam na Estação Rio
do Tempo.
Não sei quanto tempo durou o relato das reminiscências de
Mnar, o capelino; entretanto, assim que retornamos do transe coletivo,
os outros capelinos retornaram de sua excursão para a pesquisa
do passado terrestre. Foi Innumar quem primeiro falou:
— Sinto que algo está preocupando nossos amigos da Terra.
Percebo essa apreensão nos pensamentos do nobre Lasar.
Neste momento, os outros capelinos, juntamente com os
companheiros de nossa colônia, entraram no ambiente visivelmente
abalados.
— Recebemos um chamado de auxílio imediato para os habitantes
do plano físico — falou um dos companheiros espirituais.
— Teremos de interromper nossas atividades imediatamente.
— Todas as comunidades espirituais do planeta Terra parecem
haver recebido o mesmo chamado. A situação é de emergência
espiritual.
— O que está acontecendo, nobres amigos? — perguntou
Mnar, o guardião de Capela. — Poderemos auxiliar em alguma
coisa?
— Com certeza! Nosso mundo guarda muita semelhança
com o seu, e passamos por momentos de transição que definirão
Crepúsculo dos Deuses
271
para sempre a história do nosso planeta Terra. Recebemos um
chamado das esferas superiores para ajudarmos os amigos do
plano físico. Creio que teremos de interromper nossas pesquisas
através do tempo. Para vocês, capelinos, indicaremos uma
fonte de pesquisa que muito servirá aos seus propósitos de esclarecimento
quanto ao passado espiritual do nosso planeta e também
quanto à atuação dos capelinos degredados e retardatários.
Contudo, o instante presente é grave para os povos do planeta
Terra, e creio que precisaremos do auxílio de todos vocês, a fim
de que evitemos o pior. Certos grupos terroristas pretendem
agir de maneira a provocar uma guerra de proporções atemorizantes.
Precisamos amenizar a situação.
Aproveitei alguns minutos para aventurar mais uma pergunta
aos capelinos, quanto às suas percepções da história da
Terra. Qual era, afinal, o resultado de suas pesquisas em nossos
registros? Responderam-me com extrema gentileza:
— Conhecemos centenas de planetas em nossa galáxia e
podemos afirmar que, entre os conhecidos, o planeta Terra é
um dos mais belos que já vimos. O seu mundo reúne uma beleza
tão rica e extraordinária que dificilmente se encontrará outro
igual. As cores, reunidas num espectro tão variado e cheio de
vida, aliadas à complexidade dos recursos naturais, como o solo
fértil, a abundância do sistema vivo, tornam o seu mundo um
planeta muito raro de se ver.
— Mas estamos vivendo momentos de muita tensão em nosso
planeta Terra; por toda parte os homens estão destruindo o
sistema de vida... — repliquei.
— O ser humano do planeta Terra ainda não consegue conviver
com os benefícios imensos colocados à disposição de sua
evolução. Em nossas observações e pesquisas, pudemos notar
como o homem terrestre tem procurado, durante séculos, so
272 Robson Pinheiro • Ângelo Inácio
breviver na superfície terrestre superando as intempéries. Ao
longo dos períodos de vida mais primitiva, acanhada no aspecto
tecnológico, o ser humano tentou manter-se no ambiente
do mundo driblando a natureza. Ao invés de expandir a
sua consciência criadora e fertilizar o seu interior com as criações
mentais superiores, utiliza ainda seu potencial interno
para dominar, explorar e impor-se aos mais fracos. A própria
ciência da Terra está estruturada sobre a exploração do poder
e a especulação econômica, em detrimento do benefício
geral dos habitantes do planeta. Veja, meu amigo, que todos
os benefícios trazidos pela ciência da Terra se transformaram
em instrumentos de comércio, em mercadorias. O curioso é
que são precisamente essas negociações, realizadas com o produto
de sua ciência, que constituem o móvel maior para novas
conquistas da tecnologia terrestre... É uma rota de crescimento,
no mínimo, original.
— Infelizmente a memória dos humanos é muito limitada;
registra apenas alguns anos de sua vida. Isso não os capacita a
reviver o passado do seu povo e aprender, como alunos do tempo,
a não repetir as falhas cometidas pelos seus antepassados —
complementou outro capelino.
— Egoísmo e orgulho ainda imperam na política dos povos
do mundo, e a vaidade dos humanos é tão sintomática que acham
que são a única forma de vida inteligente em todo o universo!...
Pensam que o poder criador tornou a Terra o centro do universo,
povoando somente a morada terrestre com o chamado rei da
criação. Isso é indicativo de uma tal arrogância que o homem da
Terra haverá de aprender, a duros esforços, outro modo de ver
as coisas. Acreditam que dependem somente de si mesmos para
interpretar as leis que regem o universo...
— Ficamos muito impressionados quando descobrimos
Crepúsculo dos Deuses
273
quanto os homens estão convencidos de que tudo existe somente
com a finalidade exclusiva de servir-lhes. Animais, plantas e
outras criaturas, no conceito humano, existem com o objetivo
de ser escravos da humanidade, e poucos são os que despertam
para o respeito e a visão ecológica, para um conceito mais amplo
da vida universal. Os governos terrestres e os homens, no âmbito
particular, vêm destruindo sua morada durante os últimos séculos,
utilizando argumentos científicos e, até mesmo, religiosos para
justificar a sua ânsia de destruição.
— Vimos — continuou o capelino — que no início de seu
processo evolutivo no planeta, o homem da Terra respeitava mais
o ambiente em que vivia. Isso ocorria, talvez, devido ao fato de
que também se orientava mais pelas próprias intuições, que lhe
eram facilitadas em razão da simplicidade da vida primitiva. Mas,
como se deixou complicar significativamente com o passar do
tempo, o homem enveredou pelos caminhos do progresso abdicando
da simplicidade. Desviou-se da força que representa a intuição,
tão necessária para estabelecer a relação de sintonia com
a vida ao redor, e com o direcionamento superior. Eis o que nos
dizem os registros de sua história. O homem utilizou a força
bruta, a violência para sobreviver, e até hoje não superou os métodos
da barbárie — os mesmos padrões de outrora regem as
relações de seu cotidiano. É como se ele tivesse entrado num
jogo perigoso e houvesse perdido o lance principal da vida. Entretanto,
continuou jogando, fazendo apostas contra si mesmo e
a vida que o rodeia. O homem entrou num atalho perigoso, numa
armadilha. Levando-se em conta tudo isso, a guerra é uma conseqüência
natural de seu modo de ver e pensar, pois não encontra
outro parâmetro para se guiar no mundo.
— É difícil aceitar — tornou Innumar — que o homem terrestre,
uma criatura com imenso potencial, não tenha parado
274
Robson Pinheiro • Ângelo Inácio
para pensar na razão de sua existência no universo e que prossiga
a caminhada, em sua maioria, atrelado às velhas concepções
do primitivismo.
As palavras dos capelinos, sintetizando a jornada terrena,
caíram como chumbo em nossos espíritos. Talvez pelo simples
fato de que, por estarmos inseridos no contexto narrado, jamais
pensamos ou nunca havíamos parado para refletir de modo tão
abrangente.
Nosso companheiro Arnaldo resolveu, então, perguntar aos
capelinos:
— Por favor, amigos, falem para nós a respeito do conceito
que vocês têm da vida e de Deus. Qual o sentido da existência
para vocês, que também passaram por momentos delicados, como
os que agora atravessamos?
— O Ente Supremo ao qual tributamos o mais elevado respeito
e do qual temos algum conhecimento é, para nós, uma consciência
dinâmica, que engloba em si mesmo a força propulsora
da evolução universal e a dinâmica geradora e mantenedora da
vida. Para os capelinos de nossa época, essa consciência dinâmica
não poderá jamais ser comparada ou representada por formas
humanas, pois o seu impulso diretor é observado em toda a
criação, que atesta a existência de uma Vontade, orientada por
objetivos bem definidos. Enquanto Deus, em suas religiões, é
comparado somente ao bem, para nós, os capelinos, bem e mal
são faces da mesma moeda. A trajetória terrena preferiu inventar
a figura de um demônio para justificar as sombras, o mal
aparente, o contraste. Para nós, entretanto, existe somente uma
realidade, e esta se manifesta de acordo com a capacidade de
percepção da criatura.
O ambiente criado pelas palavras do visitante capelino nos
Crepúsculo dos Deuses
275
cativava por completo.
— Deus, para nós, não pode ser unilateral, e a compreensão
de sua consciência, com o intuito de ser universal, há de ser
mais abrangente. Assim como o preto é o oposto do branco, e as
sombras, o oposto da luz, há que existir muito mais por trás da
vida do que simplesmente o bem o e o mal, tal como vocês na
Terra concebem. Portanto, ser perfeito não é questão de ser bom
ou mau, equilibrado ou desequilibrado, mas conviver em paz
com essa diversidade; é compreender a harmonia da criação, a
harmonia dos opostos, respeitando a função dos contrários. A
vida só progride com a percepção dos conflitos, do antagônico.
O nosso conceito de Deus está intimamente ligado ao porquê de
nossa existência. Desse modo, para nós, capelinos, é impossível
conceber a luz sem o contraste da sombra, sem compreender
que existe a noite. Não há como apreciar a manhã sem saber que
existe a tarde. Sem as diversas alternativas do ser e do existir,
sem o fator divergente, ainda não há como conhecer a vida e sua
fonte geradora.
Questionamentos mil percorriam minha mente, mas nós,
os espíritos, permanecíamos ali impassíveis, com a atenção imantada
pelas palavras do extraterrestre. Lasar prosseguia:
— Conceber e compreender a vida, a nossa existência, é
algo que está além da razão, do raciocínio. A existência do universo,
dos seres criados, da própria criação está muito além da
capacidade de compreensão humana, do raciocínio dos seres
criados. Tudo isso foge, transcende a imaginação humana. O
poder da consciência do Ente Supremo existe para conceber,
planejar, coordenar e mediar as transformações, que se tornam
acessíveis apenas mediante o processo evolutivo, ao longo das
eras. O Deus que descobrimos dentro e fora de nós está além do
bem e do mal, do certo e do errado, e, ao mesmo tempo, é a
276
Robson Pinheiro • Ângelo Inácio
causa geradora de tudo, inclusive daquilo que impropriamente
se classifica como certo ou errado. No processo de evolução do
universo, ser bom ou mau é questão de estar inserido num processo
evolutivo em determinado tempo e lugar. Em algum planeta,
num recanto obscuro do universo, algo pode ser considerado
bom, enquanto, em outro local, a mesma coisa poderá ser
considerada má, de acordo com a conjuntura e os conceitos de
cada povo ou civilização. Isso acontece mesmo entre as diferentes
culturas da Terra.
"Em nosso mundo, por exemplo, classificamos os seres como
ignorantes ou esclarecidos, categorias que são determinadas em
relação ao conhecimento que cada um dispõe das leis que regem
o cosmos. O mal é uma questão de ignorância total, cujo efeito
poderá levar o ser a um estágio difícil, em relação a sua situação
interior. O que presenciamos na história do seu planeta nos faz
lembrar um estágio há muito superado por nossa humanidade e
nossa civilização — o que se assiste é ao resultado de uma sociedade
imersa na ignorância. É natural que, no estágio em que se
encontra o planeta Terra, bem e mal sejam parâmetros para responsabilizar
alguém ou algum poder no tocante à ignorância ou
ao conhecimento da realidade da vida.
"Para compreender a vida, nossa origem e o próprio ser que
denominamos de Deus, de consciência do Ente Supremo, precisamos
entrar em contato com a natureza, penetrando-lhe e compreendendo-
lhe a intimidade. Viver é compartilhar, sentir-se útil
no projeto da criação e responsável direto pelo processo evolutivo.
Viver também é colocar-se na posição de pesquisador da vida,
de aprendiz do mundo, descobrindo todos os segredos do existir.
Enfim, é achar em si mesmo o recanto onde se esconde essa consciência
divina, esse fôlego do Todo-Sábio. Integrar-se ao universo
é vocação de todo ser vivo, de toda alma ou consciência criada.
Crepúsculo dos Deuses
277
"Dessa forma, entendemos que a raça humana nunca poderá
superar esse momento de transição que está atravessando se
continuar a busca por soluções — sejam elas de ordem social,
cultural, religiosa ou filosófica — baseada numa ótica espiritual
alienada. A única solução para os problemas dos humanos da
Terra será a transformação de seu estado de consciência, bastante
acanhado, em uma postura mais abrangente e universal.
Para tanto, é necessária a mudança dos atuais paradigmas."
As observações dos capelinos com certeza serviriam muito
para nos auxiliar a compreender o nosso momento evolutivo;
porém, não tínhamos tempo para continuar ouvindo, devido à
necessidade de trabalharmos pelo bem da Terra. O tempo urgia.
Teríamos de nos dirigir a diversos pontos do planeta para prestar
socorro emergencial e procurar impedir que o mundo entrasse
num conflito global.
Toda a nossa equipe se dirigiu à nossa comunidade extrafísica,
à colônia espiritual da qual fazíamos parte. De lá, partiríamos
para a Terra em missão de paz. Os capelinos visitantes também
deixaram a estação, rumando para o ambiente do planeta, buscando
cooperar neste estado de emergência. Localizaram-se próximos
ao Oriente Médio, onde aguardariam os acontecimentos.
O plano espiritual parecia amanhecer sob intensa expectativa.
Era o dia 11 de setembro do ano de 2001.
"A maior parte dos observadores do cosmos costumam dizer
que o período compreendido entre o final do século xx e
início do século xxi. representa a fase de adolescência da humanidade
do planeta Terra.
Essa fase da evolução social, científica e psicológica caracte
278 Robson Pinheiro • Ângelo Inácio
riza-se por comportamentos que se assemelham, no crescimento
do ser humano encarnado, ao período de adolescência e ao
início da fase adulta. Entretanto, eu acredito que a história da
evolução das civilizações e dos países desse mundo, tanto quanto
a evolução pessoal dos humanos, haverão de revelar algo interessante,
mas que só poderá ser vislumbrado, agora, através de
deduções do pensamento.
Talvez seja apenas uma previsão ou uma descoberta da genialidade
humana: todas as manifestações psicológicas da humanidade
e suas implicações, que remetem às reações da adolescência
— tais como sua busca desenfreada pelo poder, pela sensualidade
e pela satisfação imediata dos caprichos de cada um —
, são, de uma forma mais ampla, a própria base de comportamento
típico do homem comum. Ou seja, se os homens não se
comportassem tal qual se comportam, talvez não seriam levados
a questionar tudo, a própria vida e suas razões, seu mundo, sua
história, seus deuses e santos — com tremenda rebeldia, em diversas
ocasiões. A falta de questionamento, é bem verdade, assim
como a falta de dúvidas, de desafios da consciência, levariam a
humanidade a se aniquilar bem mais rapidamente do que com
as guerras ridículas, travadas ao longo dos séculos, bem como as
que hoje observamos nas nações ditas modernas, civilizadas.
E a inquietação, a inconformação — próprias do comportamento
imprevisível e descomprometido da fase infantil que a
humanidade terrestre atravessa —, o fator que promove o progresso.
Talvez seja necessário que essa atitude efervescente continue
por um tempo indefinido, a fim de que não se estabeleça a
rigidez mental e se apague o gênio pesquisador do ser humano,
cristalizando-se, assim, a ignorância. Talvez ainda seja preciso
que o homem terrestre desenvolva outros caminhos, diferentes
dos nossos, em Capela, para encontrar-se, em meio às próprias
Crepúsculo dos Deuses
279
transformações que ocorrem ao seu redor.
Ainda mais: isso tudo, quem sabe, pode não ser característica
apenas de uma fase adolescente da humanidade terrena, mas um
fenômeno natural, que impele os filhos da Terra sempre para frente,
rumo ao infinito. Acredito mesmo que o comportamento irreverente
dos homens desse planeta permanecerá, até que seja desbravada
a última fronteira possível de ser explorada e os terrestres
se transformem, conforme acreditam, em deuses. No futuro,
em nossos mundos, tentaremos contar a história de uma raça
maravilhosa de seres, que marcou a galáxia com suas pegadas,
com suas lutas e suas glórias."
Fragmentos das memórias de Mnar, o capelino
284 Robson Pinheiro i Ângelo Inácio
rochas e gelo foram a matéria-prima com as quais ele fora concebido.
Vinha o astro errante em direção a um local talvez esquecido
num recanto qualquer da Via-Láctea. Era o símbolo do
terror.
Aproximou-se da órbita de Plutão e desde então foi esperado
e identificado por uma elite dos habitantes da Terra. Eram cientistas,
que tentavam esconder do povo a presença do intruso.
Silenciosamente, ele passou por Netuno, influenciando sua
órbita — nenhum planeta do sistema solar ficou incólume. Onde
passava, deixava atrás de si um rastro luminoso de poeira e gelo,
com o reflexo do sol longínquo. Sua cauda de centenas ou milhares
de quilômetros marcava a rota pela qual passara anteriormente.
Alguns o chamavam de Marduck, outros o apelidaram de intruso,
e outros ainda diziam um nome estranho, cômico, diabólico,
beirando o mau gosto: planeta chupão.
Não importa o nome, não interessam mais seus efeitos profetizados
e longamente esperados. O mundo não é mais o mesmo
desde que ele passou.
Aproximou-se lentamente, causando pane nos sistemas de
comunicação do mundo. Satélites que estavam em órbita do planeta
foram seriamente afetados pela simples influência do magnetismo
desse cometa. Ou seria um asteróide? Agora não importa
mais.
Sei apenas que ele veio, e com ele o fim de um sistema de
crenças, de um mundo velho que já não existe mais.
Quando ele passou próximo à Terra, a velha Terra, tudo se
transformou. Muitos dos poderosos se esconderam em cavernas
e construções previamente preparadas para um cataclismo
ou algum evento que exigisse medidas de urgência. Nada adiantou.
Naqueles dias, a humanidade apavorada perdeu certos li
Crepúsculo dos Deuses
285
mites impostos pela natureza, e os homens investiram uns contra
os outros. Era o desespero total.
Junto com o intruso vieram alguns asteróides roubados do
grande cinturão entre Marte e Júpiter. Eles causaram grandes
estragos. Roma recebeu a visita de um desses asteróides, que
caiu exatamente na sede da Santa Sé, no Vaticano. Em apenas
um dia, todo o patrimônio da Igreja foi devastado. Nova Iorque,
Tóquio, Londres, certas cidades litorâneas da chamada América
do Sul foram varridas durante a passagem do cometa.
É que a inclinação do planeta foi alterada, e seu eixo imaginário,
que até então era inclinado, se verticalizou devido à influência
do astro intruso. Desde então, as geleiras dos pólos derreteram,
e as águas inundaram muitas cidades. Foi o caos em toda
parte. Mas, se por um lado foi uma situação difícil de administrar
pelos humanos daquela época, por outro aspecto foi a salvação
da humanidade.
Antes da passagem do cometa, comentam os historiadores,
a humanidade só vivia em guerra. Isso é difícil de acreditar, e
mesmo nossos pais não compreendem como, naquele tempo, os
homens não se amavam. Eles se comportavam pior do que as
feras das fábulas e lendas infantis, destruindo os da sua própria
espécie. Com a aproximação do cometa, o astro intruso, só restava
uma alternativa: unirem-se num governo mundial.
Passaram-se os anos, o clima do mundo se estabilizou, novas
terras surgiram, e pôde-se respirar muito melhor. Não existe mais
terrorismo, e as crianças agora são adotadas e amparadas por todo
casal que desejar — nenhuma fica mais ao abandono.
As antigas religiões viram-se abaladas em seus fundamentos
de um dia para o outro. Hoje falam a mesma linguagem, pois,
desde a passagem do astro errante, outros irmãos do espaço têm
286 Robson Pinheiro • Ângelo Inácio
se mostrado com insistência a nós, os humanos da Terra. Os
governos não têm mais como esconder certos fatos da população.
Muitas convicções foram abaladas para sempre, e não existe
mais lugar para os materialistas."
O mundo não é mais o mesmo de antes. Hoje, quando estudamos
a história do planeta Terra, custamos a acreditar que um
dia a humanidade se comportou daquele jeito como está escrito
nos livros de história. Pudera — fala papai —; mesmo a face do
mundo de hoje não corresponde mais à estrutura geográfica daquele
tempo recuado dos séculos xx e xxi. Muita coisa foi refeita,
e muita coisa ainda está por fazer, mas uma coisa é certa: o mundo
de hoje é muito bom de se viver.
Fico aqui imaginando, ao estudar a história da humanidade:
será mesmo que os historiadores falaram a verdade quando
disseram que ocorreu um dia uma guerra mundial? Não sei não,
mas creio que isso é um jogo para que possamos valorizar nossa
vida de hoje. Falam de crianças de rua, abandonadas, de gangues.
O que significa, afinal, a palavra "gangue"? O nome é muito
estranho.
Gostaria muito de saber como os historiadores inventaram
coisas como, por exemplo, dizer que no mundo se brigava por
dinheiro, enquanto em muitos lugares gente passava fome. Dizem
até que as religiões, que pretendiam adorar a Deus, brigavam
entre si! Os religiosos eram inimigos íntimos. Isso meu pai vai ter
de me explicar... Não consigo compreender, pois desde que nasci
ou me entendo por gente vejo todos falarem a mesma linguagem;
cada um adora Deus conforme pode entender. Todos se respeitam.
É cada coisa que está escrita nos livros de história...
Crepúsculo dos Deuses 287
Hoje o vovô veio me visitar. Todos lá de casa o viram. Há
muito tempo que eu vejo meu avô, que já partiu para outra
dimensão da vida. Que bom que a gente pode ver aqueles que
aprendemos a amar. Ah! Mamãe me chama; escuto seu chamado
pelo pensamento. Tenho de parar por aqui meu dever
de casa. Outro dia pedirei ao papai para me explicar melhor
esse negócio que os historiadores inventaram sobre o passado
do nosso planeta Terra. Quero que me conte de onde tiraram
que os rios foram poluídos no passado, se hoje todos estão tão
limpinhos assim...
Mas deixa pra lá! Devo atender ao chamado mental da mamãe.
Ela quer que eu vá com ela fazer compras em Marte...
Júnior
Estudante da Escola de Aprendizes da Nova Terra
Local: Nova Atlântida — onde um dia existiu a Groenlândia.
Sinopse:
Neste romance espírita psicografado pelo médium Robson Pinheiro e ditada pelo espírito Ângelo Inácio, o autor revela a possível origem do homem no planeta terra. Segundo ele os primeiros habitantes da terra seriam espíritos de Capela, que reencarnaram aqui, um mundo ainda primitivo em missão expiatória. Esses espíritos endurecidos, eram conhecidos como Dragões, e seus objetivos eram fomentar guerras e dominar os três planetas de capela. Com o planeta entrando em colapso os governantes espirituais decidiram fazer um expurgo e enviá-los para um mundo primitivo, o planeta terra, que estaria dando seus primeiros passos em direção à evolução. Aqui eles teriam que começar tudo de novo, recebendo assim uma nova oportunidade para crescimento espiritual. O autor descreve também a situação de nosso planeta terra nos dias atuais com suas guerras e violência. Uma conspiração mundial que seria responsável por atos terroristas abordando também o atentado de 11 de setembro às torres gêmeas nos Estados Unidos. A falange dos Dragões estaria mais uma vez inspirando guerras e seriam responsáveis por toda essa violência. Vale ainda ressaltar que nosso planeta estaria passando pelas mesmas dificuldades que Capela atravessou no passado, e possivelmente teríamos que rever muitas de nossas atitudes em relação ao mundo.
Muita paz !
Bezerra
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