relacionamentos mais turbulentos da B��blia
THOMAS NELSON
B R A S I L ��
R i o de Janeiro, 2015
Copyright �� 2015 por Thomas Nelson Brasil
PUBLISHER
Omar de Souza
EDITORES
Aldo Menezes e Samuel Coto
COORDENA����O DE PRODU����O Thalita Ramalho
PRODU����O EDITORIAL Luiz Antonio Werneck Maia
ADAPTA����O DE ROTEIRO
e EDI����O DE TEXTO Marcelo Santos
PREPARA����O DE TEXTO Vanessa F��fano
REVIS��O
Samuel Gon��alves S. de Lima
DIAGRAMA����O
Julio Fado
CAPA
Wesley Mendon��a
Este livro foi impresso em 2015, pela Edigr��fica, para a Thomas Nelson Brasil.
A fonte usada no miolo �� Bembo corpo 12. O papel do miolo ��
Avena 80g/m2, e o da capa �� cart��o 250g/m2.
CIP-BRASIL. CATALOGA����O NA P U B L I C A �� �� O
SINDICATO N A C I O N A L D O S E D I T O R E S DE LIVROS, RJ
S221
Sans��o e Dalila / [Thomas Nelson Brasil]. - 1. ed. - R i o de Janeiro : Thomas
Nelson Brasil, 2015.
256 p.
ISBN 978.85.7860.663-3
1. Hist��rias b��blicas. 2. Cristianismo. I.T��tulo.
C D D : 220.9505
C D U : 27-276
Thomas Nelson Brasil �� uma marca licenciada �� Vida Melhor Editora S.A.
Todos os direitos reservados �� Vida Melhor Editora S.A.
R u a Nova Jerusal��m, 345 ��� Bonsucesso
R i o de Janeiro - RJ - CEP 21042-235
Tel.: (21) 3882-8200 - Fax: (21) 3882-8212 / 3882-8313
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NOTA AO LEITOR
Este livro �� um romance, u m a obra de fic����o. E m b o r a seja baseado
no relato b��blico e hist��rico de Sans��o e Dalila, que se encontra em
Ju��zes 16, este livro �� independente das Escrituras Sagradas e n��o deve
ser confundido c o m ela. C o m o em qualquer obra de fic����o, usa-se
de liberdade po��tica para tentar recriar c o m o teria sido o desenro-
lar daquilo que a B��blia conta c o m muita maestria, mas c o m poucos
detalhes. O livro d�� asas �� imagina����o, mas sem transgredir o relato das
Escrituras.
Se voc�� j�� gosta da hist��ria de Sans��o e Dalila, esperamos que vire
f�� deste relato ficcional repleto de a����o, um romance ��pico capaz de
suscitar os mais variados sentimentos, pois esta hist��ria mexe c o m
nosso produtivo imagin��rio e nossas emo����es mais profundas.
Boa leitura!
Os Editores
C A P �� T U L O 1
Uma terra sem paz
(1100 a. C, Tempo dos Ju��zes)
Poucos eram os lugares seguros no territ��rio d o m i n a d o pelos hebreus.
As doze tribos que descendiam do patriarca Jac��, posteriormente
chamado de Israel, espalhavam-se p o r u m a extens��o de terra i r r e -
gular, arenosa, cortada p o r desertos e que se estendia pelo territ��rio
de Cana��, nas proximidades da pen��nsula do Sinai. Havia pouca ��gua
pot��vel. Pouco solo para o plantio. E quase n e n h u m a paz.
Peregrinos hebreus eram constantemente v��timas dos ataques v i o -
lentos dos filisteus, u m a poderosa na����o. Desde que haviam escapado
na miraculosa travessia pelo mar Vermelho, guiados p o r Mois��s ���
quase m e i o s��culo antes ���, os hebreus eram perseguidos pelos filis-
teus p o r vales e colinas. Vez ou outra, os filisteus invadiam povoados,
incendiavam suas casas, matavam os h o m e n s , estupravam as mulheres
e escravizavam as crian��as. O h o r r o r fez dos descendentes de Jac�� um
povo andarilho sobre a terra.
Foi atravessando, cambaleantes, a secura do deserto sob um sol
escaldante, que u m a dessas caravanas em fuga encontrou o povoado de
Zor��, ent��o sob o d o m �� n i o dos danitas. Era u m a das regi��es mais f��r-
teis para o plantio e c o m alguma tranquilidade. Os danitas descendiam
de D��, filho de Jac��. No g r u p o que procurava ref��gio, havia dezenas
de h o m e n s , mulheres, idosos e crian��as. Eles carregavam em animais
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Sans��o e Dalila
o p o u c o que conseguiram guardar antes de o povoado ser devastado
pelos filisteus. Na bagagem, alguns utens��lios usados para arar a terra e
sementes, e n e n h u m a ��gua ou comida.
��� Por favor, n��o se assuste.Viemos em paz. A q u i �� a tribo de D��?
��� p e r g u n t o u um h o m e m c o m roupas esfarrapadas, rosto queimado
pelo sol e aparente exaust��o. Sua voz era ofegante.
De p�� e comovido, M a n o �� ouvia o viajante. Um dos l��deres
daquele povoado, M a n o �� era reconhecidamente um h o m e m piedoso
e respeitado por seus amigos. M e s m o c o m os poucos recursos de sua
aldeia, n��o deixaria seus irm��os hebreus m o r r e r e m de fome e sede.
���Voc��s sabem que n��o estar��o seguros aqui ���, advertiu M a n o �� .
��� Pe��o apenas um p o u c o de ��gua para nossas mulheres e crian��as.
Logo partiremos.
M a n o �� ergueu os olhos aos c��us e depois fitou Zil��, sua esposa.
Eles se conheciam b e m o suficiente.
��� V e n h a m por aqui. H�� ��gua e comida para voc��s ��� disse Zil��.
Assim c o m o M a n o �� , ela n��o permitia que a amargura ou o rancor
dominassem a j�� dura vida que eles levavam. Na meia-idade, quando
as gesta����es rareavam, resignava-se c o m a condi����o de esterilidade. Por
vezes, Zil�� era confrontada p o r outras mulheres, c o m o a m��e de Jidafe,
que a b a n d o n o u o Deus de Israel, de seus antepassados, para servir a
��dolos pag��os, c o m o u m a est��tua talhada em pedra c o m a figura de
u m a ��guia. Assim c o m o ela, outros da tribo de D�� acendiam incensos
e dedicavam oferendas ��s estatuas.
Certa vez, Zil�� divertia-se com as peraltices das crian��as do povoado,
que corriam alegres, disputando peda��os de panos.
��� C o m o �� confortante saber que ainda existe inoc��ncia por aqui,
n��o ��? ��� disse Zil�� �� m��e de Jidafe, que lhe devolveu um olhar raivoso
e, em seguida, ordenou que seu filho parasse de brincar.
��� Deixe que eles b r i n q u e m ��� tentou argumentar Zil��, abrindo
um sorriso conciliador.
A m u l h e r segurou seu filho pelos bra��os, o chacoalhou no ar para,
em seguida, lan����-lo ao ch��o.
��� N �� o precisa ser violenta. N �� o �� assim que aprender��o ��� c e n -
surou Zil��.
Uma terra sem paz
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��� Ora, o que uma mulher que nunca trouxe um filho ao m u n d o
sabe sobre a cria����o deles? Se o Deus dos hebreus permitiu que voc�� fosse
uma mulher est��ril, q u e m sabe outros deuses n��o a transformam numa
mulher de verdade ��� provocou a mulher, retirando-se secamente.
Zil�� ficou atormentada c o m as duras palavras. Um p o u c o afastado,
M a n o �� acompanhava o di��logo e foi confortar a esposa.
��� Ela n��o sabe o que diz ��� falou, e n q u a n t o a amparava c a r i n h o -
samente pelas m��os.
���Viverei eternamente c o m essa dor de n��o lhe dar filhos, M a n o �� .
Mas, ainda assim, eu n��o abro m �� o da minha f��. Isso nunca.
Zil�� apanhou um cesto do ch��o. P��s-se a ench��-lo c o m panos e
mantos. Envolveu-o delicadamente c o m seus bra��os, c o m o se a c o n -
chegasse a um beb�� rec��m-nascido, e seguiu desnorteada em dire����o a
um vale pr��ximo. L�� poderia chorar o t e m p o necess��rio, sem n e n h u -
ma testemunha para censur��-la.
C a m i n h o u por quase u m a hora, c o m l��grimas e pensamentos p e r -
turbadores. Ao passar p o r um p e q u e n o m o n t e , ela viu, no alto de
uma colina, um h o m e m . Seu rosto era ofuscado pelo sol que parecia
brotar b e m detr��s dele. Nas m��os um cajado, c o m o os que os pastores
de ovelhas da regi��o usavam. Sua t��nica, entretanto, era nova, limpa
e bonita demais para ser usada p o r um hebreu sem r u m o no deserto.
��� N �� o tema. Sua f�� a trouxe aqui.
Zil�� se assustou c o m a misteriosa apari����o. Q u e m era aquele
h o m e m que brilhava no alto da colina? Por que ele lhe dirigia a pala-
vra? Por que tinha gestos doces e voz t��o serena?
��� V o c �� conceber�� e dar�� �� luz um filho.
��� Q u e m �� voc��? E por que me maltrata assim?
��� Sei que voc�� �� est��ril e nunca teve filho. P o r �� m conceber��
e dar�� �� luz um m e n i n o . Por isso, guarde-se. N �� o bebas vinho n e m
coma o que for i m p u r o ao Senhor ��� declarou o h o m e m , suave e
firmemente.
Zil�� j�� n��o sabia se sonhava ou se aquela cena era real. Sabia apenas
que era m u i t o b o m ouvir ��quelas palavras quando o seu cora����o mais
sangrava, e assentiu, prestando muita aten����o.
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Sans��o e Dalila
��� H�� algo que voc�� precisa saber. Jamais voc�� deve passar a nava-
lha sobre a cabe��a do m e n i n o , pois ele ser�� um nazireu, consagrado a
D e u s , desde seu ventre at�� o dia de sua m o r t e .
As l��grimas lavaram o rosto de Zil��. Ela conhecia b e m sobre a
tradi����o de alguns hebreus que faziam votos de nazireu, abstendo-se
de bebidas fortes e comidas impuras, al��m de nunca cortar o cabelo.
Esse voto havia sido regulamentado pela lei do Sinai e n��o exigia u m a
vida asc��tica e de isolamento. Seu choro t o r n o u - s e um riso nervoso
e comovido.
��� E esse m e n i n o que voc�� trar�� ao m u n d o . . . ��� aproximou-se o
misterioso mensageiro ��� come��ar�� a livrar o povo hebreu dos i n i -
migos filisteus.
Ao m e s m o t e m p o que Zil�� conversava c o m o mensageiro de D e u s ,
explodindo n u m sentimento de felicidade... em pleno deserto, solda-
dos filisteus invadiam o povoado de Z o r �� c o m espadas e cavalos, n u m a
marcha devastadora. M a n o �� corria, tentando avisar q u e m encontrasse
sobre o iminente e inevit��vel massacre.
��� Filisteus! Filisteus!
U m soldado surgiu repentinamente e golpeou M a n o �� c o m u m
chute, arremessando-o para longe. Outros chegavam em montarias
c o m espadas em p u n h o , golpeando qualquer um que atravessasse o
caminho. Z o r �� era implacavelmente atacada.
O som das l��minas, dos gritos de dor, do choro e dos apressados
trotes dos cavalos misturavam-se pelo ar. T �� o r��pido os filisteus c h e -
garam, eles partiram. Um ataque surpreendente e trai��oeiro. Aquele
era apenas um aviso de que eles n��o abririam m��o daquele recanto
d o m i n a d o pelos hebreus.
Zil��, que voltava de sua incurs��o pelo deserto, andava ainda radian-
te. Mas seu sorriso foi c e d e n d o lugar ao desespero ao entrar em Z o r ��
e defrontar-se c o m tantos feridos e mortos pelo ch��o.
��� Mano��! Mano��! ��� c o m e �� o u a gritar.
��� Estou aqui ��� respondeu o marido, levantando-se c o m dificul-
dade e dor.
Os dois se abra��aram e choraram dolorosamente.
Uma terra sem paz
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��� M a n o �� , isso vai ter fim. Eu acabo de encontrar um mensageiro
de Deus que me p r o m e t e u que teremos um m e n i n o ��� disse Zil��,
enquanto acariciava os cabelos embranquecidos do marido. Mas ele
parecia n��o entender nada. Sua vila gemia e sangrava. Q u e futuro b o m
poderia almejar?
��� Escute, M a n o �� . Acredite nas palavras daquele h o m e m . Teremos
um m e n i n o e ele nos trar�� a liberta����o.
Apesar de toda a alegria de Zil��, os dias que se seguiram foram
destinados a sepultar os m o r t o s e reerguer o que sobrou do vilarejo.
Algumas semanas mais tarde, e n q u a n t o ceava, Zil�� voltou a falar da
promessa que ouviu no deserto.
��� M a n o �� , voc�� se lembra do que eu disse?
��� C o m o me esqueceria, Zil��? N �� o se iluda c o m isso.
��� N �� o �� ilus��o. Eu vi c o m m e u s pr��prios olhos. Era um m e n -
sageiro do nosso Deus. Acredite. Ele garantiu que ter��amos um filho.
Um m e n i n o . Ele ser�� capaz de libertar o nosso povo dos filisteus.
M a n o �� n��o esbo��ou n e n h u m a rea����o. A p a n h o u mais um peda��o
de p��o e passou a c o m �� - l o vagarosamente.
��� Acredite, n��o foi um devaneio. Foi real.
��� Pois eu pe��o ao Senhor que envie novamente esse mensageiro.
E que ele nos diga o que devemos fazer e qual ser�� o destino desse
m e n i n o .
M e s m o j�� envelhecido, em m e i o aos constantes conflitos que se
seguiam na regi��o o n d e viviam e c o m a esposa est��ril, M a n o �� dese-
java, mais do que tudo, acreditar naquela redentora promessa. Em seu
cora����o, ele j�� at�� conseguia enxergar o seu filho. Um h o m e m forte,
varonil, destemido e c o m p r o m e t i d o c o m o povo.
No dia seguinte, o casal seguiu em dire����o ao deserto. M a n o ��
levou frutas, cereais, vegetais e um cabrito para ofertar a Deus. C o m
esmero, a r r u m o u o banquete sobre uma rocha. Do lado oposto, ouviu
u m a voz suave.
��� Eu n��o posso aceitar a sua oferta. N �� o �� a m i m que deve ofe-
rec��-la ��� falou o mensageiro, a n d a n d o em dire����o a Zil�� e M a n o �� .
A luz, q u e ent��o ofuscava seu rosto, p e r m i t i u q u e sua face fosse
conhecida.
10
Sans��o e Dalila
��� V o c �� deve apenas se guardar de t u d o aquilo que proibi, Zil��.
Nesse instante u m a chama veio em dire����o ao sacrif��cio. O clar��o
provocado pelo fogo cegou o casal p o r alguns segundos e, quando
voltaram a ver, o mensageiro e o sacrif��cio j�� n��o estavam mais ali.
��� M o r r e r e m o s , Zil��. N �� s vimos Deus.
��� N �� o , M a n o �� . N �� s seremos pais de um m e n i n o . De um fdho
��� sorriu.
Naquela m a n h �� eles retornaram para Z o r �� sorrindo e trocando
olhares apaixonados. Amaram-se c o m o h�� muitos anos j�� n��o se ama-
vam. E nos meses seguintes a promessa preconizada pelo mensageiro
confirmou-se: Zil�� estava gr��vida.
Completados os nove meses, o riso e a festa p o d i a m ser ouvidos ao
redor da casa de Zil�� e M a n o �� .
��� C o m o p o d e trazer tanta luz, c o m o se fosse um p e q u e n o sol a
irradiar dentro de casa, dentro da gente? ��� dizia Zil�� ao marido, que,
esfuziante, erguia o garotinho c o m o se fosse um trof��u dourado.
��� Seu n o m e ser�� Sans��o! ��� completou a m��e.
O vilarejo de Z o r �� desfrutava de alguns anos de paz. As crian��as
cresciam, o u v i n d o constantemente rumores de invas��es aqui e acol��.
P o r �� m , nada acontecia nas ruas do povoado.
N u m a tarde, Sans��o, ent��o c o m dez anos, H��ber, seu principal
amigo, e Jidafe brincavam na planta����o de trigo e n q u a n t o as m u l h e -
res faziam a colheita de alguns feixes de trigo. Foi quando o garoto
presenciou pela primeira vez a viol��ncia gratuita, cruel e covarde dos
fdisteus.
Soldados invadiram a planta����o e atacaram algumas mulheres,
entre elas a m��e de Jidafe, que foi agarrada e degolada por um dos sol-
dados.Tudo isso diante dos olhares desesperados e atentos dos garotos,
que n��o p o d i a m fazer nada al��m de se esconder.
��� Solte-me, Sans��o! ��� J i d a f e tentava se desvencilhar e desespera-
do, chamava. ��� M��e! M��e! M �� e !
Uma terra sem paz
11
Sans��o abafou os gritos do amigo, ao m e s m o t e m p o que o i m o -
bilizou at�� que os soldados fossem embora.
A trag��dia deixou os garotos transtornados e indignados c o m a
maldade. Nas semanas seguintes mal c o m i a m e quase n��o falavam. As
cenas brutais estavam impregnadas nas retinas das crian��as, r o u b a n d o -
-lhes de vez toda a inoc��ncia juvenil.
��� Eles mataram a m��e do Jidafe. Ela n��o fez nada, nada!
��� Aqueles soldados s��o filisteus, filho. S��o nossos inimigos e,
felizmente, n��o invadiram de novo t o d o o povoado ��� explicou Zil��,
pacientemente.
��� S��o uns covardes. N �� o foi Deus q u e m nos trouxe at�� aqui? Se
ele libertou nosso povo da escravid��o, por que n��o expulsou t a m b �� m
os filisteus da nossa terra, m��e?
Zil�� aproximou-se do filho, acariciou-o e entrela��ou seus cabelos,
j�� crescidos. Ela tinha tanto para dizer ao garoto, mas n��o achava as
palavras certas. Sabia que a vida de Sans��o tinha um prop��sito e que
ao seu tempo, acreditava, este se cumpriria.
��� Esse sofrimento. Essas injusti��as.Tudo isso vai acabar, filho.
��� C o m o , m��e?
��� Um dia, um mensageiro de D e u s apareceu a m i m e ao seu pai.
Ele disse que o Senhor aben��oaria um h o m e m de nossa tribo. Ele
come��aria a libertar o povo hebreu da tirania dos filisteus. Filho, esse
h o m e m ser�� voc��.
Sans��o saltou do colo da m��e.
��� C o m o ? Eles s��o muitos!
��� V o c �� �� mais forte que todos eles j u n t o s , m e u filho. Esse m e n -
sageiro o r d e n o u que seus cabelos nunca fossem cortados, c o m o um
voto de consagra����o a Deus. Esse �� um segredo que deve guardar.
Jamais diga a n i n g u �� m , entendeu? A n i n g u �� m revele a fonte de sua
for��a, a f�� no Senhor, nosso Deus.
Sans��o sabia que tinha u m a miss��o e, quando as palavras revelado-
ras saltaram dos l��bios de Zil��, elas n��o lhe assustaram. Sua for��a era,
de fato, sobre-humana. As vezes erguia seus amigos sobre os ombros,
provocando risos em toda a turma.
12
Sans��o e Dalila
��� N �� o tenha m e d o , fdho. Q u a n d o chegar a hora, voc�� estar��
preparado.
O t e m p o passou na velocidade de uma flecha, e Sans��o t o r n o u -
-se um j o v e m forte e belo. Aos trinta anos de idade, ainda n��o tinha
se casado. E n e m tinha pressa. Gostava de atrair os olhares curiosos e
apaixonados das mo��as de seu vilarejo.
Sans��o gostava de se exibir, carregando grandes feixes de trigo c o m
leveza. Suspendia os amigos c o m o na inf��ncia, c o m o se fossem rastelos
de madeira usados para arar a terra. Suas brincadeiras em excesso d e i -
xavam os amigos H �� b e r e Jidafe desconfort��veis.
��� Q u e r e m voltar para seus afazeres? Ser�� que eu terei que car-
regar sozinho aquelas carro��as? ��� reclamou H �� b e r ao ver Sans��o
trocando sorrisos e olhares c o m as garotas, entre elas Samara.
Samara amava Sans��o desde a adolesc��ncia de ambos. H��ber, p o r
sua vez, amava Samara secretamente. Sans��o n��o queria magoar o a m i -
go n e m perder a admira����o da j o v e m . Por isso se esquivava das c o n -
versas mais diretas, sempre sorrindo e cativando ainda mais a delicada
e bela amiga.
��� Procure u m a mo��a que lhe agrade em vez de olhar para todas
as dire����es! ��� advertia o velho M a n o �� .
��� �� o que busco, mas ainda n��o encontrei. O senhor t e m minha
palavra, pai. Tomarei p o r esposa a primeira que tocar o m e u cora����o.
N �� o m u i t o longe dali, no vale de Soreque, regi��o habitada por pesca-
dores filisteus, vivia u m a j o v e m chamada Dalila. Ela tinha olhos a m e n -
doados, cabelos lisos e compridos que chegavam at�� a metade de suas
costas. Curvas delicadas n u m c o r p o esguio e sensual. O olhar decidido
e firme, pequenas covas nas bochechas, que eram ressaltadas cada vez
que abria um luminoso e perfeito sorriso. Era a m o �� a mais bonita do
vale. Desejada pelos h o m e n s da aldeia, entre eles, seu padrasto, R u d i j u .
R u d i j u era casado c o m a m��e de Dalila,Agar, que havia sido aban-
donada pelo m a r i d o anterior quando a filha ainda era pequena. Era
Uma terra sem paz
13
pescador, c o m o a maioria em seu vilarejo. Era t a m b �� m um h o m e m
agressivo e que vivia, geralmente, embriagado. H�� tempos ele fitava
os passos da enteada. Seguia e a observava e n q u a n t o ela se banhava ��s
margens do mar Mediterr��neo.
N e m m e s m o diante de Agar ele continha seu olhar desejoso.
��� Se apresse, mulher, preciso mandar esses peixes na primeira
caravana para a feira ��� disse rispidamente a Agar, e n q u a n t o observava
a dist��ncia mais um b a n h o da enteada.
��� Vou buscar Dalila. Q u e tipo de vida pensa que levamos? Ela
deveria estar aqui, ajudando voc��. Acha que somos seus criados ���
avisou o pescador, indo em dire����o �� praia o n d e Dalila mergulhava.
Alheia aos olhares do padrasto, Dalila divertia-se na ��gua, lavando
os longos cabelos e o rosto. Ao emergir, no entanto, deparou-se c o m a
figura est��tica de R u d i j u diante dela.
��� Sua m��e est�� precisando de ajuda e voc�� aqui, �� toa?
��� Eu voltaria logo ��� disse a j o v e m , pegando u m a bolsa o n d e
guardava cord��es que ela tinha feito c o m conchas do mar.
��� D e i x e - m e ver isso ��� interrompeu, t o m a n d o a bolsa da m �� o de
Dalila ���, talvez tenha algum valor na feira de T i m n a . Q u e r o que v��
amanh�� e troque essas pe��as p o r algo que sirva para n��s.
Dalila balan��ou a cabe��a, mas sabia que n��o poderia argumentar
c o m o padrasto. C o u b e resignar-se em vender os colares que guardava
c o m grande afei����o.
Na mesma tarde encontrou Myra, sua amiga, na praia.
��� Terei que ir amanh�� at�� T i m n a e vender meus ��nicos enfeites.
Ele n��o podia ter feito isso comigo ��� reclamou Dalila.
��� Eu vou c o m voc��.Veja pelo lado b o m . �� uma o p o r t u n i d a d e de
sair desse lugar, Dalila. De ver outras pessoas, q u e m sabe buscar u m a
sorte diferente �� das mulheres que m o r a m no vale.
��� Mas eu n��o quero vender...
��� E q u e m disse que algu��m vai comprar? ��� rebateu Myra, c o m
um sorriso malicioso. ��� Q u e m sabe l�� em T i m n a voc�� n��o encontre
um pretendente �� altura de sua beleza?
14
Sans��o e Dalila
Em Zor��, Sans��o planejava viajar t a m b �� m .
��� V o c �� s�� p o d e estar brincando, Sans��o. Timna? Viajar por horas
para misturar-se aos filisteus? Voc�� sabe que l�� �� territ��rio d o m i n a d o
p o r eles, n��o ��? ��� disse H��ber, tentando, em v��o, dissuadir o amigo
teimoso.
��� Eles n��o saber��o que somos danitas. Ser�� divertido.
��� Divertido? S�� se for para eles. V��o nos pendurar de p o n t a -
-cabe��a. Eu n��o t e n h o os seus m��sculos, amigo. Eu n��o vou e pronto.
Vinte minutos depois um e m b u r r a d o H �� b e r e um sorridente San-
s��o seguiam em dire����o �� famosa feira em T i m n a . Jidafe via toda a
cena c o m ar de reprova����o.
T i m n a era o cora����o do d o m �� n i o filisteu e p o n t o de parada para
os peregrinos e soldados. Ficava pr��xima ao vale de Soreque e �� beira
da estrada de Antipatris para Jerusal��m. Ali eram vendidos alimentos,
especiarias, enfeites e qualquer tipo de utens��lio. Algumas prostitutas
aproveitavam a presen��a dos h o m e n s para vender os seus servi��os.
O clima era de festa e descontra����o. O som do tilintar das ta��as de
v i n h o e das m��sicas ressoava p o r todos os cantos.
N �� o m u i t o distante dali, em Gaza, outra festa acontecia. As m u l h e -
res fdisteias mais bonitas eram admitidas c o m o concubinas e dan��a-
vam nos ��trios do pal��cio do pr��ncipe In��rus. Seus principais soldados
o reverenciavam e tomavam parte na grande festa.
In��rus era o principal governante de Gaza. Um h o m e m de poucas
afei����es e c o n h e c i d o por sua tirania, viol��ncia e vaidade. A vingan��a
era sempre um motivador importante de suas a����es, e o seu principal
objetivo militar era o exterm��nio do povo hebreu. Aos soldados, pedia
sempre que lhe trouxessem as cabe��as dos filhos de Israel que c o n -
seguissem abater, e essa era a ��nica ocasi��o em que era poss��vel ver o
esbo��o de um sorriso na express��o dura de In��rus.
Seu principal comandante era Abbas, um h o m e m que trazia c o n -
sigo m u i t o sangue nas m��os e, exatamente p o r sua frieza, atra��a a aten-
����o e o respeito dos soldados mais jovens. C o m o no caso de Faruk,
Uma terra sem paz
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um j o v e m soldado ansioso para mostrar as suas habilidades de c o m -
batente. Era extremamente autorit��rio e meticuloso. Gostava de ter
c o n h e c i m e n t o de cada a����o de seu ex��rcito, por m e n o r que fosse.
D u r a n t e a festa no pal��cio de Gaza, enquanto conversava c o m
H a n n a h , u m a bela mulher, chefe das concubinas, Abbas foi i n t e r r o m -
pido pelo j o v e m soldado Faruk. O rapaz, visivelmente ansioso, tinha
os olhos arregalados ao dirigir-se a Abbas.
��� P e r d o e - m e se o m o m e n t o n��o �� adequado. Mas sirvo ao ex��r-
cito filisteu c o m lealdade e ainda n��o tive a oportunidade de c o m a n -
dar u m a tropa.
��� N �� o est�� preparado ��� respondeu Abbas, secamente, deixando
Faruk para tr��s.
O soldado o cercou novamente, inclinou-se c o m rever��ncia e
depois o l h o u - o c o m intensidade e firmeza.
��� Q u e r o provar que estou pronto. O que devo fazer para ganhar
a sua confian��a e a simpatia do grande pr��ncipe In��rus? ��� p e r g u n t o u
n u m t o m desesperado.
��� Traga algumas cabe��as de hebreus, aquela gente primitiva e
imunda ��� disse Abbas, e em seguida descontrolou-se n u m riso, c o m o
se estivesse contando uma piada de h u m o r irresist��vel.
R e c o m p o s t o , p e r g u n t o u intrigado:
��� Qual �� o motivo de tamanha determina����o?
��� Q u e r o ser um b o m servo, apenas isso.
Abbas era um h o m e m experiente e n��o era t o d o dia que um
soldado de patente m e n o r o instava c o m tanta energia. Ou o j o v e m
era um insensato que deveria ter sua cabe��a cortada, ou d o n o de um
talento que merecia ser lapidado, tal qual as pe��as de bronze que a b u n -
davam a regi��o. O comandante apanhou uma ma���� n u m a bandeja,
m o r d e u furiosamente e lan��ou seus olhos intimidadores sobre Faruk.
��� Se �� assim, existe u m a regi��o chamada Zor��, dominada pela
maldita tribo de D��. Fica na fronteira c o m os nossos dom��nios e �� u m a
regi��o f��rtil que n��o merece ser pisada p o r aquela gente.
Faruk percebeu a oportunidade e n��o se intimidou.
��� O que devo fazer, m e u senhor?
16
Sans��o e Dalila
��� M a t e todos os danitas e expanda os dom��nios dos filisteus. C o m
certeza o grande pr��ncipe In��rus ficar�� m u i t o satisfeito c o m isso.
Ap��s horas de caminhada, Sans��o e H e b e r chegaram �� feira de T i m n a .
E n q u a n t o H e b e r mal conseguia parar de tremer, amedrontado, Sans��o
divertia-se tal qual u m a crian��a em u m a de suas mais divertidas b r i n -
cadeiras. Acenava para as belas e sorridentes filisteias que dan��avam ao
som da m��sica.
��� J�� foi dif��cil chegar. Vamos nos m a n t e r vivos, Sans��o! ��� q u e i -
xava-se H e b e r cada vez que passavam p o r tropas de soldados filisteus.
��� Eu n��o t e n h o m e d o deles ��� rebatia, pl��cidamente, Sans��o.
��� Mas eu t e n h o . E muito. H�� mulheres mais bonitas no nosso
povoado; n��o precisava vir aqui ��� resmungava o amigo.
Sans��o i n t e r r o m p e u a sua dan��a, voltou-se para o amigo c o m ar
s��rio e condescendente.
��� Prefere que eu t o m e Samara por esposa, Heber?
��� N �� o foi o que eu quis dizer ��� rebateu o amigo, olhando para
o ch��o.
��� Eu nunca faria isso. Sei de seus sentimentos p o r ela ��� Sans��o
sorriu, brincalh��o.
��� �� t��o evidente assim, Sans��o? Acha que ela t a m b �� m percebe e
que talvez possa nutrir algo p o r m i m tamb��m?
De repente a m��sica cessou e uma tropa de soldados passou entre
os visitantes e trabalhadores da feira, d e r r u b a n d o barracas e e m p u r -
rando as pessoas violentamente. U m a m o �� a que estava por p e r t o se
assustou c o m a movimenta����o e caiu, m a c h u c a n d o o joelho.
��� Voc�� est�� bem? ��� Sans��o correu para ajud��-la a se levantar.
��� Obrigada. Estou b e m ��� respondeu a m o �� a c o m os olhos fixos
nos de Sans��o.
N a q u e l e instante era c o m o se o m u n d o tivesse interrompido a sua
rota����o fren��tica. Ieda, a mo��a ferida, era a mulher mais linda que San-
s��o j�� havia visto em sua vida. M��os delicadas c o m o as das mo��as que
Uma terra sem paz
17
s��o pajeadas integralmente p o r suas amas. Pele rosada, macia c o m o
um figo. Cheirosa c o m o u m a rom��. Seus olhos eram profundamente
verdes e, p o r um m o m e n t o , Sans��o sentiu-se mergulhando nas ��guas
do Mediterr��neo.
Ieda achou gra��a que, m e s m o j�� tendo agradecido a ajuda, o rapaz
continuava a segurar suas m��os c o m um sorriso adolescente, t��mido e
c o m olhos mergulhados nos seus.
��� J�� disse que estou b e m , obrigada.
H e b e r p u x o u o amigo pelo bra��o e o levou de volta �� estrada,
r u m o a Z o r �� .
��� Sans��o, Sans��o. Voc�� n��o t e m jeito.
Por ali, Dalila e Myra t a m b �� m se divertiam. As imponentes constru-
����es, os utens��lios em bronze e ferro, dan��as e festa. T u d o era sofisti-
cado demais para duas garotas que viviam n u m a aldeia de pescadores.
Os olhos brilhavam diante das possibilidades que apareciam a cada
esquina. Myra encantava-se c o m a virilidade dos soldados. Pararam
um instante diante de u m a casa, c o m amplas janelas e muitas portas.
No seu interior, atrav��s das cortinas, era poss��vel ver casais se beijando,
bebendo, t u d o ao som de m��sicas animadas.
��� Vejo que n��o s��o daqui. Sugiro que m a n t e n h a m dist��ncia dos
soldados. E m b o r a sejam realmente m u i t o atraentes, costumam ser v i o -
lentos ��� deteve-as, suavemente, Zaira, u m a m u l h e r de olhar enigm��-
tico e que surgira sorrateiramente p o r detr��s das mo��as.
Suas roupas, brincos e adornos envoltos ao pesco��o demonstravam
que ela n��o era uma camponesa n e m pescadora. Era u m a mulher da
cidade, c o m trejeitos de q u e m tinha intimidade c o m palacianos.
��� M o r a m o s no vale de Soreque e viemos apenas para a feira... ���
respondeu Dalila, assustada.
Zaira observava atentamente Dalila e Myra. Esgueirava-se entre as
duas amigas c o m o uma cobra que serpenteia antes do certeiro e fatal
golpe.
18
Sans��o e Dalila
��� N �� o q u e r e m ficar? Posso garantir um b o m futuro para voc��s.
Principalmente para voc��. Q u a l �� o seu n o m e ?
��� Dalila. Por que diz isso? ��� a mo��a demonstrava desconforto
c o m o olhar atento de Zaira.
��� Dalila, at�� o mais forte dos h o m e n s sucumbiria �� sua beleza. Eu
posso fazer de voc�� u m a mulher m u i t o poderosa.
As jovens encararam Zaira e perceberam que suas palavras eram
verdadeiras. O m e d o fez c o m que disparassem pelo vilarejo de volta
ao vale de Soreque.
Em Soreque, R u d i j u andava irritado de um lado para o outro
dentro da pequena cabana o n d e morava c o m a esposa e a enteada.
Agar observava a ansiedade do marido, e n q u a n t o ajeitava as redes para
a pesca do dia seguinte.
��� O n d e est�� Dalila? J�� era para ter retornado.
��� Eu t a m b �� m estou preocupada, R u d i j u . Ela deve chegar logo.
��� A culpa �� sua, mulher. N �� o a criou direito.
��� N �� o seja injusto, R u d i j u . Eu a criei sozinha, fiz o que pude...
Um tapa i n t e r r o m p e u as explica����es de Agar. R u d i j u n��o aceitava
ser contrariado e enfureceu-se c o m as palavras da esposa.
��� Injusto? Eu lhe amparei quando voc�� estava abandonada c o m o
um peda��o de m a n t o velho, sujo e usado. Assumi voc�� quando foi lar-
gada p o r outro h o m e m ��� berrou, indo em dire����o a u m a corda q u e
estava pendurada pr��xima.
��� N �� o me conteste nunca mais. Eu n��o admito!
��� N �� o , R u d i j u . Tenha piedade de m i m . N �� o ! ��� A g a r tentava se
proteger c o m o podia da f��ria do marido.
O pescador a golpeou c o m for��a, chutando-a c o m o se fosse um
velho trapo. As cordas abriram verg��es ensanguentados na mulher que
continuava, em v��o, a pedir p o r miseric��rdia. Ap��s a surra, R u d i j u foi
dormir, deixando a mulher machucada e chorando no ch��o.
Uma terra sem paz
19
Cerca de uma hora depois, Dalila voltou. Passou silenciosamente
p o r o n d e R u d i j u d o r m i a e seguiu at�� o seu aposento. Antes, viu sua
m��e machucada e c h o r a n d o no c �� m o d o ao lado.
��� O que aconteceu?
N �� o era preciso respostas. N �� o era a primeira vez que ela a e n c o n -
trava encolhida, ferida e em prantos. Dalila, silenciosamente, e n t e n d e u
o que havia acontecido. C e r r o u os dentes em raiva e desespero e c h o -
rou j u n t o de sua m��e.
No vilarejo de Zor��, Jidafe estava irritado. As colheitas n��o iam
b e m e a opress��o dos filisteus encurralava o povo hebreu em um espa-
��o p e q u e n o para o cultivo.
Ao contr��rio do povoado, que via em Sans��o e sua for��a u m a
esperan��a contra os filisteus, Jidafe n��o poupava cr��ticas ao amigo.
Achava-o imaturo para a sua idade, irrespons��vel c o m sua c o m u n i d a -
de e mais interessado nas mo��as do que em libertar os danitas.
��� N �� o desanimejidafe. Nossos antepassados estavam �� beira da m o r -
te, na casa da servid��o, e o Senhor os libertou ��� encorajou-o Mano��.
��� Voc�� vive de ilus��o, M a n o �� .
��� Vivo de f��.
��� A mesma que o faz acreditar que Sans��o um dia libertar�� o
nosso povo?
M a n o �� abaixou a cabe��a, envergonhado. Ele sabia que as palavras
do mensageiro demoravam a se c u m p r i r no filho. T i n h a consci��n-
cia que Sans��o era fruto de u m a promessa divina e que sua for��a
n��o podia ser medida. Mas de nada adiantaria tantos dons se ele n��o
assumisse a sua condi����o j u n t o ao povo.
��� O n d e est�� Sans��o agora, Mano��? Ele est�� mais p r �� x i m o dos
nossos inimigos do que de n��s. Parece n e m fazer parte desta tribo.
N �� o se importa c o m a mis��ria e as dificuldades que temos para sobre-
viver dia ap��s dia. S�� usa os m��sculos para impressionar as mulheres,
n��o para nos defender ��� desabafou o j o v e m Jidafe.
20
Sans��o e Dalila
��� Eu e n t e n d o voc��, Jidafe. S�� n��o posso duvidar do que eu ouvi
do mensageiro do Senhor, quando disse que o m e u filho seria o liber-
tador do nosso povo.
��� Se ao m e n o s nos organiz��ssemos para atacar os filisteus... ���
Jidafe disse, ressentido.
��� S�� ir��amos m o r r e r mais cedo. Q u a n d o Deus o convocar, Sans��o
atender�� ao chamado ��� a r g u m e n t o u M a n o �� .
Jidafe encarou M a n o �� e disse aquilo que h�� tempos vinha guar-
dando no cora����o.
��� Eu acredito que o Deus dos hebreus estaria m u i t o frustrado se
realmente tivesse escolhido Sans��o c o m o o juiz da tribo de D�� ��� e
assim, Jidafe retirou-se da presen��a do anci��o.
Em Gaza, Faruk j�� havia escolhido dez h o m e n s para a c o m p a n h �� -
-lo at�� o povoado de Zor��. A cada dia alimentava ainda mais o desejo
de impressionar o seu comandante e o pr��ncipe In��rus.
Diante de um sacerdote filisteu, ofereceu sacrif��cios e participou
de um ritual o n d e havia u m a e n o r m e escultura c o m a i m a g e m de
uma mosca. O sacerdote u n g i u - l h e a testa c o m cinzas.
��� Q u e r o ver c o m o um deus invis��vel vai salvar aqueles danitas. ���
Faruk sussurrou para si mesmo.
Ap��s a cerim��nia, o sacerdote lan��ou sobre a tropa o restante das
cinzas. No entanto, u m a forte lufada de vento levou o p�� em outra
dire����o. Faruk e o sacerdote se entreolharam p o r um instante, mas
n��o deram muita import��ncia ��quele detalhe, afinal, grandes coisas
estavam para acontecer.
Na casa de Zil�� e M a n o �� , Sans��o conversava c o m sua m��e, visivelmen-
te alterada.
��� N �� o �� poss��vel que procure uma mulher em m e i o aos povos do
mar, em meio aos filisteus. C o m o voc�� p o d e fazer isso, Sans��o?
��� N �� o procurei mulher n e n h u m a , minha m��e. Foi ela q u e m me
encontrou.
Uma terra sem paz
21
Sans��o n��o conseguia esquecer Ieda, a m u l h e r filisteia que tinha
visto em T i m n a . E falava sem parar sobre ela, seus m o d o s requintados,
sua apar��ncia doce e nobre.
��� V o c �� veio ao m u n d o c o m um prop��sito, m e u filho. Jamais se
esque��a disso ��� dizia Zil��.
Sans��o n��o demonstrava n e n h u m a preocupa����o c o m o fato de a
m o �� a ser filisteia.
��� O amor n��o p o d e ser algo r u i m .
��� A m a r u m a mulher d e u m povo inimigo, que quer nos e x t e r m i -
nar, �� sim algo m u i t o ruim. �� um sentimento que cega e desorienta.
Transforma os s��bios em tolos. Fortes em fracos. Q u a n d o a palavra de
D e u s se cumprir, voc�� precisar�� de toda a sua for��a.
��� Eu t e n h o ouvido essas palavras a vida toda, minha m��e. E, at��
hoje, elas n��o fazem sentido para m i m .
��� O Deus que lhe deu a for��a t a m b �� m lhe dar�� o e n t e n d i m e n t o
��� assentiu Zil��, pacientemente.
Sans��o respeitava seus pais, mas seu cora����o latejava p o r Ieda.
Andava ainda mais distra��do. Em seus pensamentos, planejava c o m o
poderia encontrar a mo��a. Q u e m seria ela? O n d e morava? O que
estaria fazendo naquele m o m e n t o ? Ser�� que t a m b �� m ficou impressio-
nada c o m ele? Estava prometida a algum h o m e m ? Sim, estava.
Em T i m n a , Faruk visitava a planta����o de Simas, um h o m e m m u i -
to rico, p r o d u t o r de t o d o o trigo que abastecia as cidades dominadas
pelos filisteus. Era t a m b �� m um pai zeloso c o m suas filhas, a ca��ula Judi
e a bela Ieda.
��� Ent��o voc�� foi escolhido para uma miss��o em n o m e do pr��nci-
pe In��rus, de Gaza? M e u s sinceros parab��ns, Faruk ��� c u m p r i m e n t o u
Simas.
��� Talvez assim eu consiga credibilidade a p o n t o de ser digno da
m �� o de sua filha.
Secretamente, Faruk queria m u i t o mais do que apenas agradar ao
seu comandante e ao pr��ncipe In��rus. O que o motivava, na realidade,
22
Sans��o e Dalila
era a determina����o em ganhar a simpatia do pai de Ieda. E o j o v e m
sabia que a ��nica maneira disso se concretizar seria mostrando seu
valor c o m o guerreiro.
��� N �� o tenha ressentimentos por causa das preocupa����es deste
velho pai. Minhas fdhas s��o mais especiais que t o d o esse campo de
trigo. Eu preciso entreg��-las nas m��os de h o m e n s que possam cuidar
m u i t o b e m delas e de t o d o esse patrim��nio.
��� Eu lhe provarei que sua fdha e suas propriedades estar��o em
boas m��os comigo. A mesma sorte n��o ter��o os hebreus ��� gabou-se,
sorridente.
Faruk despediu-se de Simas e seguiu o seu caminho. A pr��xima
parada agora seria apenas em Zor��, o n d e deveria c u m p r i r a sua miss��o.
Ap��s toda a agita����o do dia anterior, Dalila dormia em seus aposentos.
R u d i j u , c o m o de costume, observava-a. Ele aproximou-se devagar.
Q u e r i a toc��-la, mas p o r um instante hesitou e ent��o contentou-se em
apenas cheir��-la b e m de perto. Embriagado c o m o de costume, R u d i j u
n��o conseguia enxergar qualquer limite, pelo contr��rio; via-se livre
para concretizar seus mais profundos desejos.
Por��m, Dal��a despertou assustada c o m a proximidade de R u d i j u .
��� N �� o lhe vi chegar, Dalila.
��� V o c �� estava d o r m i n d o . M i n h a m��e estava chorando, encolhida.
Por que faz isso, Rudiju? ��� disse c o m voz baixa e amedrontada.
O pescador percebeu a fragilidade da j o v e m e passou a dirigir-se
a ela aos gritos.
��� Eu fa��o as perguntas. Voc�� est�� m e n t i n d o . N �� o esteve em feira
alguma. Estava c o m um h o m e m ? D e i x o u que ele sentisse o seu cheiro
e tocasse em sua pele?
Nesse m o m e n t o ele j�� a segurava c o m as duas m��os, lan��ando seu
c o r p o suado, malcheiroso e sujo sobre Dalila.
��� V o c �� dan��ou para ele c o m o eu sempre quis que dan��asse para
mim?
Uma terra sem paz
23
R u d i j u estava descontrolado. Tentou beijar Dalila, que se esquiva-
va em p��nico. Fora da cabana, Agar se aproximava e a movimenta����o
deteve o pescador por um instante.
��� O r i e n t e sua fdha ��� disse R u d i j u , saindo irritado de d e n t r o
de casa.
Agar era u m a mulher marcada pelo sofrimento e pela dor. Sabia
que seu marido desejava a fdha, mas n��o conseguia reagir. Seria ver-
gonhoso demais ser abandonada novamente e, p o r isso, fingia que n��o
percebia o que estava acontecendo diante de seus pr��prios olhos.
��� Ele me persegue, m��e. Ele me espia, c o m maldade. N u n c a lhe
disse p o r q u e sei que o ama, mas agora estou c o m m e d o e c o m raiva
��� Dalila desabafou, c o m l��grimas nos olhos.
Agar escutou sem rea����o. Seus olhos eram gelados, sem d e m o n s -
trar qualquer tipo de sentimento. Ent��o, calmamente disse:
��� N �� o �� isso o que quer, Dalila? Q u e todos os h o m e n s fiquem
loucos p o r voc��? Voc�� planta a semente e nega a colheita.
��� O que est�� dizendo, m��e?
��� Q u e R u d i j u �� m e u h o m e m , Dalila. Ele �� m e u h o m e m ! ��� dis-
se Agar, deixando a filha at��nita na cabana.
Dalila j�� n��o sabia q u e m a tinha ferido c o m maior gravidade. Se a
brutalidade lasciva do padrasto ou a insensibilidade de sua m��e. Saiu
correndo dali em dire����o �� praia. C a m i n h o u c o m dificuldade pela
areia e, sobre uma pedra, chorou amargamente.
R u d i j u havia seguido a enteada guiado pelo desejo ardente de t �� -
-la em seus bra��os. Ao v��-la, sozinha, c h o r a n d o n u m a praia distante,
deparou-se c o m a situa����o perfeita para finalizar o que havia c o m e -
��ado na cabana.
��� N �� o se assuste, v i m lhe fazer companhia ��� aproximou-se o
pescador, assustando Dalila novamente.
��� D e i x e - m e em paz, Rudiju!
Seu desejo e o v i n h o que tomara o cegaram totalmente. O padras-
to estava transtornado c o m a ideia de que Dalila estava c o m outro
h o m e m . N �� o seria justo, pensava. Ele que recebeu m��e e filha em
tempos t��o dif��ceis. Q u e as sustentou durante anos. Ele queria ser o
24
Sans��o e Dalila
primeiro a provar das curvas da enteada. De sua pele juvenil. De seus
l��bios macios e ��midos.
��� Pode gritar, Dalila. N i n g u �� m ir�� ouvi-la daqui. Est��o todos
ocupados preparando as redes e os barcos para o dia de amanh��.Vamos
aproveitar essa solid��o.
Os olhos avermelhados e famintos do pescador percorriam t o d o o
c o r p o de Dalila. Suas m��os tremiam, tentando segur��-la pelos cabelos.
Ele a apalpava c o m viol��ncia.
��� Eu lhe imploro, R u d i j u . N �� o falarei nada para m i n h a m��e. A p e -
nas me deixe ir! ��� suplicava, em prantos.
A praia deserta s�� aumentava a excita����o de R u d i j u . N u m golpe,
Dalila conseguiu escapar e correu em dire����o �� cabana, na tentativa de
encontrar sua m��e.
Seus pedidos de socorro, no entanto, n��o encontraram n i n g u �� m .
Agar n��o estava na cabana. Dalila pensou em correr novamente para
a praia, mas n��o h o u v e tempo. Ao virar-se viu a atormentada figura
de R u d i j u .
��� V o c �� n��o vai a lugar algum, Dalila. Vou lhe mostrar q u e m �� o
verdadeiro d o n o de sua beleza.
Os amigos de Sans��o estavam incomodados c o m o seu jeito.
��� V o c �� anda m u i t o pensativo, Sans��o ��� aproximou-se Samara ao
ver o j o v e m nazireu sentado na borda de um p o �� o de ��gua.
��� V o c �� m e c o n h e c e b e m , Samara. E u n��o poderia engan��-la...
��� O H �� b e r me contou sobre a mulher na feira que o deixou assim.
Ela �� uma filisteia?
��� Provavelmente, mas eu n��o me importo c o m isso ��� disse Sans��o.
Samara sorriu e segurou as m��os de Sans��o delicadamente. A c a -
riciou seus dedos firmes, calejados e c o m p r i d o s . O encarou c o m
serenidade.
��� Os seus pais est��o preocupados.
Uma terra sem paz
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��� N �� o , minha amiga. Eles se p r e o c u p a m c o m eles mesmos. C o m
voc��s. N �� o �� apenas comigo.Tenho certeza de que Deus n��o deve ver
o amor que sinto c o m maus olhos. Foi ele q u e m a colocou no m e u
caminho. Ser�� que isso �� t��o dif��cil de entender?
Os olhos de Samara, cheios de do��ura, foram inundados, e ela
disfar��ou o choro. Seu amor p o r Sans��o era genu��no. N e n h u m outro
h o m e m importava para ela. Mas Sans��o n��o parecia perceber a d i m e n -
s��o do carinho da mo��a.
��� N u n c a o vi assim por n e n h u m a outra mulher. N u n c a o vi c o m
esse brilho no olhar, esse sorriso.
��� Ela �� linda, Samara. A mais bela de todas. Q u e r i a tanto e n c o n -
tr��-la novamente. T��-la em meus bra��os, proteg��-la de t o d o e qual-
quer mal...
A empolga����o de Sans��o era demais para a j o v e m apaixonada. Ela
passou as m��os sobre os cabelos do amigo, sorriu desajeitada e d e i x o u -
-o o n d e estava, absorto em seus pensamentos.
Samara desejava estar nos sonhos de Sans��o assim c o m o ele estava
nos dela. Q u e r i a que aqueles suspiros, aquele sorriso, o brilho no olhar
fossem para ela.
Distra��da e decepcionada, a m o �� a n��o andou m u i t o at�� deparar-se
c o m os soldados filisteus liderados pelo j o v e m comandante, Faruk, na
entrada do vilarejo. Ela ainda t e n t o u correr para avisar o povoado, mas
foi impedida pelos soldados, que abafaram seus gritos.
��� U m a bela j o v e m danita? N �� o vamos machuc��-la... ��� Faruk
discursou cinicamente e n q u a n t o afagava o delicado rosto de Samara.
��� V o c �� t a m b �� m acredita no Deus invis��vel? Ser�� que ele vai apa-
recer para salv��-la? Ou ele mandar�� algum mensageiro?
Os soldados riam e n q u a n t o Faruk tripudiava da fragilidade e
desespero da mo��a.
Sans��o percebeu a estranha movimenta����o na entrada do vilarejo;
e, logo que se aproximou, viu Samara sob o d o m �� n i o dos soldados.
Ent��o Sans��o lan��ou-se sobre o soldado que segurava a amiga e o
arremessou para longe. Outros dois correram ao seu encontro e, c o m
um ��nico golpe, foram derrubados pelo hebreu.
26
Sans��o e Dalila
��� Fuja, Samara. Avise a todos no povoado ��� orientou.
Faruk achava gra��a na cena.
��� Um hebreu destemido? Sem armas, armadura. Isso vai ser b e m
divertido. C o m o voc�� se chama?
��� Sans��o!
��� Pelo jeito �� assim que voc�� ir�� defender seu povo ��� provo-
cou Faruk, desembainhando sua espada. A l��mina recentemente afiada
reluzia contra o sol.
��� N �� o �� certo subestimar n e n h u m inimigo. Voc��s deveriam
retornar pelo m e s m o caminho de o n d e vieram.
Faruk desceu do cavalo e c a m i n h o u lentamente em dire����o ao
o p o n e n t e . Sua voz debochada ganhou gravidade.
��� Pensarei no seu conselho e n q u a n t o estiver m a t a n d o cada u m a
dessas pessoas.
Por ali, um aglomerado de pessoas se formou para espiar a cena.
Entre elas, Zil�� e M a n o �� , que se olhavam. Seria esse o m o m e n t o em
que D e u s salvaria, de vez, o seu povo? A j o r n a d a do her��i hebreu
estaria c o m e �� a n d o ali?
��� D a q u i o n d e estou, voc��s n��o passar��o! ��� alertou Sans��o, c o m
a firmeza de q u e m sabia o que estava p o r vir.
Faruk, transtornado c o m a coragem do j o v e m danita, sinalizou
para que seus h o m e n s avan��assem sobre Sans��o.
N u m a sequ��ncia de golpes r��pidos e precisos, Sans��o d e r r u b o u
um p o r um os h o m e n s de Faruk. C o n t i n u o u , furiosamente, q u e b r a n -
do ossos de advers��rios e lan��ando-os sobre as casas ao redor c o m o se
fossem folhas de papel atiradas ao vento.
N �� o havia mais n e n h u m outro advers��rio, exceto Faruk, que
levantou sua espada em dire����o a Sans��o.
��� O seu povo vai precisar escolher outro l��der ��� bradou, m i r a n -
do sua l��mina em dire����o ao dorso de Sans��o.
C A P �� T U L O 2
Amores proibidos
R u d i j u era um h o m e m atormentado. A beleza de Dalila fustigava sua
m e n t e e seu esp��rito. Era c o m o se vivesse entre dois m u n d o s ; no p r i -
meiro estava sua enteada, alvo de todos os pensamentos mais pra-
zerosos. L�� ela dan��ava vagarosamente e sorridente diante dele. N o s
seus s��rdidos pensamentos, ele a olhava se remexer ao som das c��taras
c o m o u m a v��bora em movimentos ondulat��rios. Esse era o seu m u n -
do plat��nico, ideal, um lugar que tinha consci��ncia de ser inacess��vel
para um pescador embrutecido, velho e miser��vel c o m o ele. Por isso,
quando cercou Dalila na cabana o n d e viviam, seu lado mais primitivo
urrava dentro de si. Sentiu-se, enfim, poderoso.
Dalila, p o r sua vez, tinha o h o r r o r nos olhos. Ao redor n��o
havia um bast��o, u m a corda, nada que pudesse apanhar para se d e -
fender. Apenas u m a quina, um canto na lateral da constru����o, um
b e c o dom��stico o n d e se refugiou e r g u e n d o seus finos bra��os. Estes,
impotentes diante dos m��sculos de um experiente pescador. R u d i j u
a segurou fortemente pelas m��os e a pressionou contra as t��buas da
cabana. R a s g o u a sua roupa c o m viol��ncia e o l h o u seu c o r p o des-
n u d o p o r u m m o m e n t o .
Dalila emudeceu. Seus gritos tornaram-se gemidos de dor e ��dio.
Sua inoc��ncia juvenil era rompida ali, pela brutalidade do padrasto.
28
Sans��o e Dalila
Em Zor��, Sans��o acabava de esquivar-se das l��minas de Faruk, que o
encarava desconcertado.
��� O l h e �� sua volta, soldado ��� disse Sans��o, apontando para os
corpos dos filisteus sem vida.
��� Isso �� o que acontecer�� a t o d o o filisteu que pisar sobre essa
terra que nos pertence.
Faruk n��o havia desistido p o r completo. Era a sua primeira e x p e -
di����o c o m o comandante e melhor seria voltar m o r t o do que derrota-
do. O u t r a vez ergueu a afiada espada em dire����o a Sans��o e o atacou
furiosamente, aos gritos.
��� Est�� enganado, seu hebreu maldito!
Sans��o, n u m m o v i m e n t o r��pido, segurou a espada e a quebrou em
duas partes. C o m seu bra��o direito agarrou o j o v e m soldado filisteu
pelo pesco��o e o ergueu diante de si, encostando o rosto tr��mulo do
soldado ao seu. Ao redor, os moradores de Z o r �� observavam a batalha
c o m grande satisfa����o.
��� Volte �� sua gente e avise ao seu pr��ncipe tirano que ele n u n -
ca mais atente contra n��s, voc�� entendeu? ��� falou Sans��o, soltando
Faruk no ch��o e lhe devolvendo a espada repartida. ��� M a n d e a espa-
da ao seu pr��ncipe c o m o uma lembran��a de Sans��o e dos herdeiros
de D��.
Faruk estava prostrado, sem for��as, ofegante e enraivecido. Suas
m��os, fincadas no p�� da terra, sangravam.
��� V o c �� ir�� se a r r e p e n d e r de n��o ter me matado, hebreu ��� sus-
surrou, antes de saltar em seu cavalo e partir em dire����o a Gaza.
Aquelas palavras fariam t o d o sentido p o u c o t e m p o mais tarde.
Terminada a batalha, o povo foi ao encontro de Sans��o para abra-
����-lo. H �� b e r foi o primeiro a correr para o amigo her��i e festej��-lo.
Pela primeira vez, em muitos anos, havia uma esperan��a. Sans��o talvez
fosse realmente t u d o aquilo que sua m �� e dizia. Sua e n o r m e for��a e
coragem p o d e r i a m fazer dele juiz de D��, e tempos de paz talvez esti-
vessem a caminho.
Amores proibidos
29
Dalila deixou a cabana devastada. Sua vivacidade, t��o latente, havia
desaparecido. C a m b a l e a n d o , foi at�� o m a r e esfregou-se, t e n t a n d o
limpar n��o s�� o c o r p o , mas a pr��pria alma, at�� que verg��es ensan-
guentados surgissem em seus bra��os e pernas. D e i x o u as ��guas, ves-
tiu-se c o m u m a roupa seca e c a m i n h o u em dire����o a um h o m e m
que carregava u m a carro��a c o m um cavalo.
��� Por favor, me leve para b e m longe deste lugar.
O h o m e m se comoveu c o m a fragilidade de Dalila. Sem lhe p e r -
guntar o motivo, a r r u m o u um fardo c o m trigo o n d e ela pudesse se
recostar. E de l�� partiram em dire����o a T i m n a .
C h e g a r a m ainda pela manh��. A cidade n��o tinha o m e s m o clima
festivo de sua ��ltima visita, dois dias antes, mas ainda assim era b e m
agitada. Dalila agradeceu a gentileza do h o m e m e foi em dire����o �� rua
central, o n d e havia a maior concentra����o de mercadores e barracas.
Ela tinha na m e m �� r i a as palavras da enigm��tica Zaira: "Posso fazer de
voc�� uma mulher m u i t o poderosa."
N �� o d e m o r o u m u i t o para que encontrasse sua futura protetora
remexendo alguns tecidos coloridos, esparramados sobre u m a mesa
improvisada. Dalila se aproximou, e Zaira, ao v��-la, abriu um sorriso
hospitaleiro, estendendo-lhe a m��o. Amparada, Dalila foi conduzida
at�� �� casa de sua anfitri��.
Apesar da altiva e elegante apar��ncia, do pesco��o recoberto c o m
colares, brincos, adornos nos bra��os e rosto cuidadosamente pintado,
Zaira tinha gestos maternais. Seu t o q u e era singelo e ao m e s m o t e m p o
firme. O olhar compreensivo, p o r �� m estimulante. Era h��bil em i d e n -
tificar talentos e, desde a primeira vez que viu Dalila refestelando-se
em T i m n a , soube que estava diante de uma joia rara que precisava ser
lapidada. Sem Zaira, Dalila era s�� u m a menina, t��o fr��gil quanto bela.
Ao lado dela, tornava-se u m a m u l h e r vigorosa.
Ao entrar na casa repleta de cortinas,janelas, m��sica e vinho, Dalila
foi recebida carinhosamente pelas outras garotas. O local podia ser um
bordel cheio de meretrizes para os clientes, mas para q u e m morava ali,
30
Sans��o e Dalila
era u m lar, u m p o r t o seguro. U m abrigo e m m e i o a o m u n d o injusto
e tumultuado.
Zaira desfilou c o m Dalila pelos c �� m o d o s e chegou at�� um velho
gaveteiro de madeira. Abriu e retirou de l�� u m a grande caixa c o m
semijoias e c o m e �� o u a lhe falar sobre o cliente mais importante do
local: o pr��ncipe In��rus.
��� V o c �� ouvir�� hist��rias terr��veis sobre ele, mas n��o se deixe impres-
sionar. O que o soberano t e m de impiedoso c o m os inimigos t a m b �� m
tem de generoso c o m as mulheres ��� contou Zaira, acariciando colares,
brincos, pulseiras e uma por����o de outros adornos na caixa.
Os olhos de Dalila brilharam. Ela era apaixonada p o r enfeites e
confeccionava pe��as recolhendo conchas que colecionava do mar.
��� N o t e i que as outras mo��as est��o ansiosas. Ele v e m m e s m o at��
aqui? ��� questionou a j o v e m .
��� O pr��ncipe �� um velho conhecido... Sempre que passa pela
cidade, faz quest��o de nos honrar c o m u m a visita. E leva as mo��as mais
belas para serem suas cortes��s no pal��cio.
Algumas semanas se passaram, e, m e s m o c o m a intensa m o v i m e n -
ta����o na casa, Zaira n��o pedia para Dalila atender n e n h u m dos Chen-
tes. Ela a guardava para u m a ocasi��o especial.
Um dia, n u m fim de tarde, q u a n d o o sol crepuscular invadia c o m
for��a u m a das janelas da casa de Zaira, ela p u x o u Dalila suavemen-
te pelos bra��os, c o n d u z i n d o - a at�� o antigo gaveteiro. De l�� retirou
um diadema dourado. Cuidadosamente, c o l o c o u - o sobre a cabe��a da
j o v e m e a levou diante do espelho.
O brilho do sol reluzia no diadema, lan��ando pequenos raios de
luz p o r t o d o o c �� m o d o . No espelho, seu reflexo era o de uma mulher
rica e poderosa, tal c o m o Zaira havia prometido dias antes. Era uma
mulher que n��o tinha nada a temer. D o n a de todas as suas vontades.
��� Gosta do que v��? ��� provocou Zaira.
Dalila entreabriu os l��bios, mas estava emudecida. Apenas assentiu.
��� Essa joia n��o t e m valor, mas n��o c o m p r o m e t e a imagem.
E torn��-la real s�� depende de voc��.
��� O que eu devo fazer? ��� p e r g u n t o u Dalila.
Amores proibidos
31
��� Conquiste In��rus. Se ele ficar encantado, ele a levar�� c o m ele.
Viver�� em m e i o �� riqueza, sob a prote����o do soberano.Ver�� que a vida
t e m m u i t o mais a oferecer, mais do que jamais imaginou.
Dalila deslizou seu olhar pela i m a g e m refletida no espelho. De l��
mirou nos olhos pintados de Zaira. Estava seduzida e, dentro do seu
��ntimo, entendeu que nada poderia ser mais importante do que c o n -
quistar In��rus.
��� V o u lhe mostrar algo t a m b �� m ��� disse Dalila.
Ela rodeou sua protetora, silenciosamente, e n q u a n t o contra��a os
m��sculos da barriga e erguia as m��os. C o m dois saltos, c o m o se flu-
tuasse pela sala, Dalila girou, balan��ando o quadril sem perder a pose
voluptuosa. Seus olhos mantinham-se fixados nos olhos de Zaira, n u m
exerc��cio de hipnose e sensualidade. Zaira sorriu satisfeita. Era i m p o s -
s��vel In��rus n��o se encantar t a m b �� m .
���
O comandante Abbas estava enfurecido c o m o fracasso de seu oficial,
Faruk. Seu ��dio s�� n��o era maior do que o que passou a sentir pela
tribo de D��. C o m o p o d e r i a m ter a aud��cia de enfrentar um destaca-
m e n t o enviado p o r ele?
Abbas passava dias e noites andando pelo pal��cio, envolvido em
pensamentos sobre c o m o devolver a desonra sofrida. Estava intrigado
c o m o tal hebreu c o m tran��as no cabelo e for��a descomunal. Q u e r i a ,
desesperadamente, saber a sua identidade.
Faruk era a imagem da derrota. Mais do que todos, tinha o seu
orgulho ferido e, vez ou outra, se atracava c o m soldados que riam de
sua malfadada expedi����o a Zor��. Todos os dias visitava Gaza e p r o c u -
rava Abbas em sua sala, no pal��cio, para pedir-lhe u m a nova chance.
��� D e i x e - m e destru��-los! Permita que eu ataque novamente a t r i -
bo dos danitas.
��� N �� o da mesma forma, Faruk. Ou poder�� sofrer u m a nova d e r -
rota. Voc�� insiste nesse assunto h�� dias e eu n��o vou autorizar. Volte
32
Sans��o e Dalila
para a sua cidade e espere o m o m e n t o prop��cio para agir e derrotar o
tal guerreiro de tran��as.
��� Mas, comandante, t e n h o certeza de que nosso pr��ncipe In��rus
n��o iria se opor...
Aquela conversa j�� tinha irritado Abbas demais, que socou a mesa
o n d e estava, i n t e r r o m p e n d o o a r g u m e n t o de Faruk.
��� Eu c o m a n d o o ex��rcito filisteu! ��� berrou. ��� Eu decido c o m o
e q u a n d o atacaremos Z o r �� novamente.Voc�� nos envergonhou diante
daqueles hebreus; virou motivo de zombaria! De que adianta termos
armas de ferro se elas s��o destru��das pelas m��os de um danita?
��� Aquele guerreiro, Sans��o, n��o p o d e ser invenc��vel ���justificou
Faruk, envergonhado diante do seu superior.
��� Mas lhe venceu. E sabemos que o pr��ncipe In��rus n��o costuma
ser generoso c o m perdedores ��� encerrou, lan��ando-lhe um olhar de
raiva e desprezo.
Faruk, apesar de impetuoso, sabia que teria que ter paci��ncia.
E t a m b �� m ser grato por n��o ter tido sua cabe��a arrancada e entregue
de presente n u m a bandeja prateada ao pr��ncipe In��rus.
J�� em Zor��, o clima era de celebra����o. Desde que os filisteus foram
derrotados, o vilarejo dan��ava e agradecia a Deus pela vida de Sans��o.
Este, no entanto, s�� tinha em seus pensamentos a mulher de T i m n a .
Toda semana ele seguia sozinho em dire����o �� cidade dominada por
filisteus �� procura da mo��a. Andava por entre ambulantes, passava
por ruas estreitas e agitadas. C o m o rosto coberto, esquivava-se das guar-
ni����es de soldados filisteus. Espiava por detr��s das janelas das casas. Ia at��
barracas de flores e tecidos. Mas encontrar a mo��a c o m pele de figo e
cheiro de rom�� era uma tarefa ��rdua, da qual n��o desistiria facilmente.
��� Faz semanas que volta a T i m n a para reencontrar aquela mulher
e n��o fala em outra coisa! ��� reclamava H��ber, emburrado. Apesar do
carinho que tinha pelo valente amigo, eleja n��o suportava mais aquela
conversa de garoto apaixonado.
��� N �� o p o d e procurar u m a m o �� a aqui mesmo, em nossa tribo?
N �� o faltam mulheres apaixonadas p o r voc��, mas insiste em se interes-
sar p o r uma filisteia, filha dos povos do mar.
Amores proibidos
33
Sans��o mal ouvia as palavras do amigo. Seus olhos perdiam-se nas
sa��das da tribo que o levariam a T i m n a e t a m b �� m a Ieda.
��� Elas n��o deixam de ser belas p o r cultuarem falsos deuses. Q u e m
sabe n��o seja esse o caminho para a paz entre os povos?
��� Paz? Q u e paz, Sans��o? Acabamos de ser atacados p o r filisteus.
Voc�� os derrotou sem usar n e n h u m a arma. Foram humilhados e v��o
querer se vingar. D e p e n d e m o s de voc��, m e u amigo. Voc�� foi um her��i!
��� N �� o sou her��i, Heber. Pare c o m isso. Fiz apenas o que preci-
sava ser feito. O que foi p o u c o perto do sofrimento que eles t �� m nos
causado. Se v��o procurar vingan��a? C e r t a m e n t e que sim. Mas aquele
soldado n��o deve mais cruzar o nosso caminho.
Agar n��o trocava u m a palavra c o m R u d i j u . H�� dias que sua filha
havia sumido do povoado, mas isso n��o parecia atrapalhar sua rotina
di��ria de desembara��ar os n��s nas redes. Estic��-las, limp��-las e tornar
a estend��-las em varais no quintal da velha casa.
Myra, ao contr��rio, preocupava-se c o m o sumi��o da amiga. O n d e
estaria Dalila? Sempre passava diante da cabana em que Dalila morava
e espiava pela porta �� procura de not��cias.
��� N �� o adianta vir aqui t o d o dia ��� reclamou Agar.
��� Estou preocupada c o m a Dalila. Por o n d e ela anda?
No interior da casa, a movimenta����o de R u d i j u c h a m o u a aten����o
das mulheres.
��� V�� embora, Myra, p o r favor.
Myra correu para a lateral da casa, l�� se encolheu, escondendo-se
para escutar a conversa do casal e tentar descobrir algo sobre o para-
deiro de Dalila.
R u d i j u entrou apressado no c �� m o d o o n d e estava Agar. Pensou
que a voz j o v e m e feminina pudesse ser de sua enteada. Estava aflito
c o m seu sumi��o e, p o r mais evidentes que fossem os motivos, n��o
aceitava que Dalila tivesse partido. Agar, c o m o sempre, levava a culpa
pelas frustra����es do marido.
34
Sans��o e Dalila
��� Aquela desgra��ada da sua filha nunca ficou tanto t e m p o longe.
Agar queria apenas lhe agradar. Tinha m e d o de ser abandonada
novamente e t e n t o u acalm��-lo. Largou as redes no ch��o, levantando-
-se calmamente. Esticou o vestido amarrotado e sujo e, em t o m de
cumplicidade, disse:
��� Sabemos que ela n��o vai voltar.
Aquilo soou c o m o u m a afronta aos ouvidos de R u d i j u . Seu crime
havia sido descoberto e, em vez de arrependimento, sentiu raiva e
inseguran��a diante da possibilidade de n��o encontrar Dalila novamente.
Ent��o agarrou sua m u l h e r violentamente pelo rosto.
��� O que voc�� est�� sugerindo, mulher? ��� bradou.
��� Eu sei de tudo, R u d i j u . Sei o que aconteceu. Mas fique tran-
quilo, sei que �� Dalila q u e m o enfeiti��a. Ela cega os h o m e n s e os deixa
assim c o m o voc�� est�� agora: completamente fora do j u �� z o ��� condes-
cendeu.
Para o pescador, p o u c o importava o perd��o da mulher. C o m um
bofet��o no rosto, ele a lan��ou longe.
��� Dalila n��o voltar��.Voc�� ainda espera por ela, mas ela n��o voltar��
aqui.
As palavras de Agar enfureceram ainda mais R u d i j u , que saiu em
busca de algum objeto que pudesse usar para golpear a companheira.
E n c o n t r o u a velha e grossa corda usada na pescaria. C o m ela surrou
Agar at�� perder as for��as. Do lado de fora, Myra ouvia t u d o n u m a
ang��stia solit��ria.
Em Zor��,Jidafe mobilizava o povoado, no centro do vilarejo, para que
decidissem sobre Sans��o. Ele insistia que o hebreu assumisse seu papel
de l��der e juiz de D��. E que estabelecessem um g r u p o de h o m e n s
capazes de guerrear contra as for��as filisteias.
N e m todos concordavam. Alguns ainda duvidavam das capacida-
des de Sans��o. Outros estavam dispostos a seguir em marcha at�� Gaza,
atacando todos os filisteus que encontrassem pelo caminho. O falat��-
rio era intenso e nervoso.
Amores proibidos
35
M a n o �� pedia calma, mas Jidafe n��o queria esperar mais. Para ele, se
as palavras de Zil��, de que Sans��o havia sido escolhido por Deus para
libertar D�� da opress��o dos filisteus, fossem verdadeiras, estava na hora
de elas se c u m p r i r e m .
��� Sans��o j�� ganhou a confian��a da maioria. Ele deve assumir o
papel de juiz do povo. �� isso o que esperamos dele ��� clamava Jidafe
diante de M a n o �� .
Era dif��cil acalmar os ��nimos de Jidafe. M a n o �� n��o tinha a r g u m e n -
tos para rebater a revolta popular. Seu filho n e m estava ali; s�� pensava
na mulher filisteia. A essa altura, as palavras do mensageiro de Deus
pareciam ser varridas cada vez mais para longe, c o m o a areia �� levada
no deserto.
N �� o eram apenas os pensamentos de Sans��o que estavam longe.
Ele buscava a companhia daquela que atormentava o seu cora����o, que
o fazia sorrir e sofrer ao m e s m o t e m p o . Estava mais uma vez em T i m -
na, em busca da bela donzela sem n o m e .
T a m b �� m em T i m n a estava Faruk, seu principal desafeto. O solda-
do voltava �� casa de Simas. Q u e r i a Ieda em casamento, mas o pr��spero
agricultor n��o entregaria sua filha nas m��os de um h o m e m que tinha
envergonhado o ex��rcito filisteu.
��� J �� falei e repito: s�� entrego a minha filha ��quele que provar que
pode defend��-la de t u d o e todos. Parece que esse n��o �� o seu caso.
��� Est�� enganado, Simas. N �� o d�� ouvidos ao que o povo diz. N i n -
gu��m estava l��, n i n g u �� m viu o que realmente aconteceu em Zor��.
Simas estava cansado da insist��ncia de Faruk e preferiu n��o esticar
a conversa sobre o epis��dio c o m os danitas. Desviou os olhos ao redor
do ��trio de sua opulente resid��ncia e os parou diante do ��dolo D a g o n ,
uma portentosa est��tua em forma de coluna, c o m o um poste, e c o m
a imagem de um h o m e m e um peixe. Era o deus da agricultura, de
q u e m Simas era devoto.
��� N �� o entenda c o m o algo pessoal, Faruk. Sabe que estimo o seu
interesse por Ieda, mas, infelizmente, n��o c u m p r i u a sua palavra.
Faruk sentiu o sangue ferver nas veias. Cada vez mais seu ��dio p o r
Sans��o aumentava. Aquela humilha����o em Z o r �� tinha que ser reverti-
36
Sans��o e Dalila
da para que ele pudesse seguir c o m sua vida. Assentiu e saiu apressado
da resid��ncia. No m e i o do caminho deparou-se c o m Judi, a irm�� mais
j o v e m de Ieda e filha de Simas.
Judi tinha o frescor doce e delicado da j u v e n t u d e . Sua pele alva, os
cabelos longos e negros e a voz fr��gil lhe conferiam uma apar��ncia de
inoc��ncia. Por��m, a inveja que nutria pela irm�� mais velha a transfor-
mava n u m a pessoa trai��oeira.
��� Devagar, soldado! Ou pretende me esmagar c o m o faz c o m os
hebreus? Digo, fazia ��� sorriu ironicamente.
��� N �� o me provoque, Judi. N �� o suporto mais tanta humilha����o
p o r causa daquele danita de tran��as.
��� Tran��as? O guerreiro hebreu usava tran��as ��� gargalhou.
As risadas de Judi deixaram o soldado constrangido.
��� N �� o se leve t��o a s��rio, Faruk. H�� dias de gl��ria e outros de
derrota ��� falou a garota, tentando desfazer o mal-estar causado. Sua
ironia, p o r �� m , era quase incontrol��vel.
��� No caso da minha irm��, sua derrota �� certa. Ela n��o o ama.
E m e u pai ainda t e m esperan��as de cas��-la c o m um h o m e m de posses!
��� voltou a rir.
��� Voc�� n��o me conhece, Judi. Sua irm�� ser�� minha mulher ���
esbravejou Faruk, retirando-se dali.
No centro de T i m n a os m��sicos tocavam seus instrumentos e a
agita����o entre as barracas era grande. Sans��o, mais uma vez, estava ali,
�� procura de sua amada desconhecida. Depois de m u i t o caminhar p o r
entre as barracas, depois de in��meras idas a T i m n a , sem sucesso, ele
finalmente a avistou. Ela parecia ainda mais linda do que no primeiro
encontro. Brincava c o m a textura dos tecidos. Enrolava-se em sedas e
sorria, mostrando um perfeito e reluzente sorriso. O hebreu percebeu
que Ieda estava sozinha e c a m i n h o u at�� ela. Os passos do guerreiro
fraquejavam diante da ansiedade de, enfim, conhecer a mulher que lhe
havia roubado os pensamentos e o cora����o.
Ele aproximou-se e Ieda percebeu a sua presen��a entre a finura
dos tecidos que estavam esticados nos varais das barracas. Estancou.
Seus pensamentos foram projetados para a ��ltima vez que se viram,
Amores proibidos
37
quando ele a ajudou a se levantar. Ela n e m percebeu as perguntas do
vendedor, que a questionava se havia gostado ou n��o daquele tecido
amarelo que estava em suas m��os. O m u n d o inteiro desapareceu. S��
havia Sans��o.
��� Voc�� quer este?
��� Desculpe-me, em outra ocasi��o eu compro.
��� Leve este. Diga o pre��o.
��� Desculpe, preciso ir. Obrigada ��� agradeceu Ieda, ignorando o
insistente mercador e deixando o local de forma desastrada, �� procura
novamente do rosto de Sans��o, que havia sumido entre os tecidos, as
pessoas e a m��sica.
Alguns passos mais adiante ela sentiu seu bra��o ser puxado para
u m p e q u e n o beco.
��� N �� o grite, p o r favor! ��� pediu Sans��o, aos sussurros. ��� N �� o
vou lhe fazer mal. Voc�� lembra de mim?
N o s olhos, Sans��o tinha apenas do��ura. Olhava a m o �� a c o m a d m i -
ra����o, carinho e um a m o r t��o grande que preenchia t o d o o seu peito.
N �� o era nada parecido c o m o quando olhava outras mo��as; aquela era
diferente, era mais que bela, ela tocava fundo em sua alma, despertan-
do o que havia de m e l h o r dentro dele.
��� Sim.Voc�� �� um hebreu?
��� Sim, da tribo de D��, para ser mais exato.
��� E o que faz aqui?
��� Pode n��o acreditar, mas v e n h o quase toda semana a esta feira
em busca de algo que n��o se compra.
Ieda sorriu, percebendo a sedu����o de Sans��o.
��� Al��m de hebreu, �� louco?
Dessa vez foi Sans��o q u e m sorriu nervoso.
��� H�� tempos venho atr��s de u m a mulher que eu n e m sei o n o m e .
U m a mulher c o m o sorriso mais doce que o mel.
��� Espero que encontre sua mulher sem n o m e .
��� J�� a encontrei ��� disse Sans��o, encarando-a. ��� E, se n��o for
ilus��o, estou a um passo de descobrir c o m o se chama.
O encanto foi r o m p i d o abruptamente p o r um grande alvoro��o.
Fiscais do pr��ncipe In��rus entraram na feira de T i m n a , em busca de
38
Sans��o e Dalila
comerciantes que deviam seus impostos. A correria assustou Ieda, que
partiu �� procura de sua ama.
H�� poucos metros dali, cinco h o m e n s trabalhavam n u m a cons-
tru����o. C o m a confus��o e correria, alguns largaram as cordas que sus-
tentavam uma grande pedra. A rocha precipitou-se r u m o a Ieda, que
corria naquela dire����o. De perto, Sans��o acompanhava a cena e p e r -
cebeu a trag��dia que ocorreria. Instintivamente, saltou e segurou o
e n o r m e bloco.
Todos n��o acreditavam no que haviam presenciado. Um ��nico
h o m e m erguia p o r sobre a cabe��a uma pedra que era levantada c o m
a ajuda de cinco pessoas, c o m amarras e alavancas. Um peso insusten-
t��vel para qualquer pessoa.
Ieda, que j�� havia se agachado �� espera do pior, n��o sabia c o m o
agradecer ao seu benfeitor.
��� N �� o sei o que seria de m i m sem voc�� por perto. M u i t o obrigada.
��� Agora sou eu q u e m precisa ir ��� disse Sans��o, ao perceber o
grande b u r b u r i n h o que causara.
��� Ieda! Me c h a m o Ieda ��� disse a mo��a enquanto Sans��o
preparava-se para partir.
��� Eu voltarei em alguns dias ��� p r o m e t e u o guerreiro hebreu,
desaparecendo entre a multid��o perplexa.
Ieda ficou p o r ali um instante ap��s a despedida de Sans��o. Agora
era ela q u e m n��o sabia o n o m e daquele h o m e m que havia balan��ado
o seu cora����o. Um sorriso t o m o u conta de seus l��bios e, ainda que
quisesse, n��o conseguia desfaz��-lo.
Na casa de Zaira a movimenta����o era e n o r m e . Guardas cercavam
t o d o o recinto. Tudo para resguardar a seguran��a do pr��ncipe In��rus,
que, enfim, tornava a visitar o local. As garotas da casa corriam, salti-
tantes, de um canto para o outro. Mas, n u m dos quartos, Zaira s�� tinha
olhos e cuidados para u m a delas: Dalila.
Amores proibidos
39
��� Ele chegou. Voc�� est�� pronta para m u d a r definitivamente o
r u m o de sua vida?
Dalila estava. Ela sabia que era essa a ��nica forma de ascender
socialmente. O l h o u mais uma vez para o espelho, em busca de autoa-
firma����o e levantou-se, decidida, da cadeira o n d e estava. C o l o c o u um
v��u c o m pratarias refinadas e que lhe escondia os detalhes do rosto,
passou pela experiente meretriz e seguiu em dire����o ao c �� m o d o o n d e
In��rus se encontrava.
L��, rodeado de belas mulheres e c o m u m a ta��a de v i n h o tinto nas
m��os, In��rus avaliava cada uma das garotas. Cada curva. Cada olhar e
m o v i m e n t o . Para ele, ter lindas mulheres ao seu redor era t��o rotineiro
quanto �� para um h o m e m c o m u m lavar o seu rosto pela manh��. Por
isso, sua express��o era apenas burocr��tica, quase de t��dio. Buscava, desta
vez, encontrar algo diferente.
Os soldados ao seu redor conversavam agitados. Alguns se p e r m i -
tiam a liberalidade do pr��ncipe e desapareciam, entre cortinas tran��a-
das c o m cordas vermelhas e verdes, conduzidos pelas delicadas m��os
femininas.
Q u a n d o Dalila entrou, as conversas deram lugar a um sil��ncio
constrangedor. In��rus, que estava de costas, percebeu que algo dife-
rente tinha o c o r r i d o e virou-se para ver o que estava acontecendo. Ao
olhar Dalila, foi enfeiti��ado. A j o v e m filisteia n e m precisaria de outros
truques de sedu����o. Sua presen��a j�� enchia t o d o o ambiente. Suave-
m e n t e ela se aproximou, flertando c o m o pr��ncipe. In��rus levantou
o v��u que cobria seu rosto e sentiu o perfume adocicado da novata
meretriz. Levantou seu rosto c o m um leve t o q u e no queixo e p e r c e -
b e u nos olhos de Dalila certa timidez, apesar da firmeza c o m que o
encarava.
In��rus p e g o u dois tecidos sobre a mesa, um na cor turquesa e
outro verde-oliva, e os lan��ou em dire����o a jovem. Era o sinal para
que se apresentasse.
A j o v e m virou seu pesco��o, deixando escorrer seus longos e belos
cabelos. E, c o m as m��os, passou a contorcer-se n u m a apresenta����o
de dan��a. Os tecidos deslizavam pelo ar e p o r seu corpo, evidencian-
40
Sans��o e Dalila
do seus quadris, suas costas desnudas e seu perfeito a b d �� m e n . Tudo
isso arrancava sorrisos desejosos do carrancudo pr��ncipe, que apertava
c o m for��a o p o m o de sua espada na bainha.
Em passos sugestivos, Dalila aproximava-se e distanciava-se, c o m o
ondas, n u m j o g o que atormentava a imagina����o do soberano. In��rus
levantou a palma da m��o. Estava satisfeito. Ele segurou Dalila pelos pul-
sos at�� um aposento preparado especialmente para ele. L��, deitou-se
c o m a jovem.
Era sua segunda experi��ncia c o m um h o m e m . A primeira tinha
sido for��osamente c o m seu padrasto. A outra, em troca de um a d o r n o
para o pesco��o.
Ap��s cerca de u m a hora, In��rus deixou o c �� m o d o , c o m ares de
satisfa����o. Ao aproximar-se de Zaira, arrancou um dos an��is que
cobriam seus dedos, e deu de presente �� dona da casa, demonstrando
sua gratid��o.
Dalila apareceu em seguida, olhou sua protetora c o m afeto e gra-
tid��o e lhe entregou o colar que acabara de receber. A j o v e m tinha a
sensa����o de que Zaira havia feito mais p o r ela do que sua pr��pria m��e,
que a ignorava. R e c o n h e c i a em Zaira u m a figura maternal, bondosa.
De l�� seguiu c o m a comitiva de In��rus, n u m a liteira branca e acor-
tinada conduzida p o r soldados do soberano de Gaza.
T i m n a ficava cerca de trinta quil��metros de Gaza, uma caminhada
de cerca de cinco horas. E n q u a n t o sacolejava sobre a liteira, Dalila
contemplava as paisagens dos dom��nios filisteus. Pensava em t u d o o
que tinha passado e nos desafios que se seguiriam. P o u c o antes do sol
se p��r, ela chegou ao pal��cio de Gaza, c o m suas imponentes colunas e
fachadas constru��das c o m o suor e sangue de escravos hebreus.
A riqueza e o p o d e r estavam estampados por todos os lados. ��dolos
diversos emolduravam os corredores, c o m o guardas reais e m��sticos.
Pratarias, obras de escultura, cortinas e tapetes tecidos pelas m��os dos
mais h��beis artes��os da ��poca. Dalila contemplava t u d o assustada e
admirada. As paredes da constru����o pareciam n��o ter fim. Tr��s e n o r -
mes pavimentos que se emendavam a outros pr��dios anexos. Jardins
de passeio, terra��o para os banhos de sol, sal��es o n d e havia m��sicas e
Amores proibidos
41
dan��as e centenas de concubinas. Dalila foi levada at�� a sala o n d e esta-
va In��rus e l�� foi apresentada a H a n n a h , chefe das cortes��s.
H a n n a h era u m a mulher bel��ssima. Apesar de j�� ter ultrapassado os
quarenta anos, preservava sua beleza e altivez. Qualidades que a t o r n a -
ram a superior de todas as outras concubinas. Exercia d o m �� n i o sobre
cada uma e n��o hesitava em tra��-las, caso isso lhe conferisse algum tipo
de vantagem. De pronto, n��o gostou de Dalila.
'������ At�� que �� uma bela m o �� a ��� disse, observando a j o v e m da
cabe��a aos p��s, c o m o q u e m avalia um animal antes de compr��-lo.
Sem perder o sorriso no rosto, aproximou-se de Dalila e sussurrou
aos seus ouvidos.
��� Sei que agradou ao soberano, mas �� a m i m que deve o b e d i -
��ncia. D e p e n d e n d o dos seus talentos, decidirei se ficar�� no pal��cio,
se ficar�� c o m as demais mo��as ou se ir�� se j u n t a r aos empregados na
cozinha. O u v i dizer que precisavam de algu��m para limpar os porcos
que ser��o devorados pelos soldados.
Dalila segurou a respira����o. N �� o imaginava que, ap��s suntuosa via-
gem, fosse tratada c o m t a m a n h o desd��m.
��� Mas n��o t e n h o d��vidas de que voc�� me provar�� que p o d e ser
aproveitada de m e l h o r maneira. Venha comigo ��� ordenou, seguindo
p o r um corredor em dire����o a um aposento p r �� x i m o �� sala do trono,
o n d e ficavam as cortes��s palacianas.
O local era luxuoso, sempre c o m frutas, p��es e vinhos sobre as mesas.
As camas e os assentos eram revestidos de tecidos nobres e acetinados.
Os quartos possu��am janelas e, exceto por cortinas e grandes vasos c o m
plantas, eram todos abertos e davam para u m a grande ��rea de conviv��n-
cia no centro, o n d e meninas conversavam, aprendiam acordes nas c��taras
e n��meros de dan��as c o m plumas e len��os.
��� Todas essas mulheres vivem aqui? ��� p e r g u n t o u Dalila.
��� Por enquanto. Q u a n d o p e r d e m o frescor da j u v e n t u d e s��o rapi-
damente trocadas. �� o que ir�� acontecer c o m voc��. Fique �� vontade
no pal��cio, mas n��o saia sem minha permiss��o ��� avisou a superio-
ra, deixando Dalila desconfort��vel e impressionada c o m tanto luxo e
riqueza.
42
Sans��o e Dalila
Sans��o estava ainda mais apaixonado ap��s o encontro c o m Ieda. E, por
consequ��ncia, seu trabalho j u n t o �� colheita c o m os outros danitas era
cada vez mais esquecido. Isso irritava profundamente Jidafe e entris-
tecia seu pai, M a n o �� .
J�� o her��i hebreu tinha o semblante feliz e realizado. Saber o n o m e
de sua amada lhe dava ainda mais motivos para sonhar c o m ela. J�� n��o
pensava em u m a desconhecida, mas sim na formosa Ieda. Sans��o pla-
nejou logo seu retorno a T i m n a , afinal, n��o podia esperar m u i t o mais
para voltar a v��-la. Cada dia longe de sua amada era um fardo pesado
demais para o seu cora����o apaixonado.
Em T i m n a ele reencontrou Ieda, sempre acompanhada p o r sua
ama. Ela observava as pinturas para o rosto quando Sans��o a p r o x i m o u -
-se entre os tecidos, c o m o se fosse um dos vendedores.
��� B o m dia. Posso ajud��-las em algo?
Ieda divertiu-se ao perceber que se tratava do danita.
��� Agrade��o sua gentileza, mas n��o ser�� u m a tarefa f��cil de c u m -
prir. Estou �� procura de um h o m e m sem n o m e ��� sorriu.
��� Eu me c h a m o Sans��o ��� os olhos de Ieda brilharam c o m a
resposta do belo rapaz.
Sans��o p u x o u delicadamente a j o v e m pelo bra��o para um local
o n d e n��o pudessem ser vistos, por detr��s de algumas barracas.
��� O que voc�� est�� fazendo? Imagine se algu��m nos v��, o que v��o
pensar de mim?
��� Eles n e m saber��o que sou um hebreu.
��� Mas n��o �� s�� isso... �� que mal o conhe��o.
Sans��o percebeu o desconforto.
��� V o c �� est�� prometida a algu��m? M e s m o se estiver, eu a roubarei
para m i m .
��� Mas voc�� me disse que n��o era um ladr��o... ��� riu Ieda, achan-
do gra��a de toda a brincadeira.
Era a deixa que Sans��o precisava.
Amores proibidos
4 3
��� Voc�� descobriu m e u segredo ��� disse, enquanto segurou a
mo��a pelos bra��os e lhe r o u b o u um beijou. Ieda fez m e n �� �� o de reagir,
mas, apaixonada, entregou-se ao m o m e n t o .
A cena rom��ntica, no entanto, foi interrompida pelos gritos n e r -
vosos da ama de Ieda. Ela n o t o u a aproxima����o de Faruk, pela feira, e
tratou de avisar. O soldado, apesar de preterido pela mo��a, achava-se
seu d o n o e queria conhecer todos os seus passos.
No entanto, Sans��o e Ieda estavam definitivamente apaixonados.
��� Voc�� ser�� minha esposa, Ieda. Acredite em m i m . Posso lhe
garantir que farei de voc�� a mulher mais feliz de todas.
��� N �� o ousaria duvidar. At�� porque, neste m o m e n t o , voc�� j�� c u m -
pre sua palavra... m e u marido ��� sorriu a garota,beijando-o novamente.
��� Posso acompanh��-la. Poderia, assim, conhecer seu pai.
��� N �� o . Prefiro que volte em alguns dias, para que eu converse
primeiro c o m ele ��� despediu-se Ieda, correndo em dire����o �� sua
criada. As duas, apressadamente e de m��os dadas, desapareceram da
vista de Sans��o pelas vielas de T i m n a .
A criada de Ieda era t a m b �� m a sua principal confidente. C o m bra-
��os largos e gestos maternais, ela cuidava das filhas de Simas desde que
estas eram crian��as pequenas, q u a n d o ficaram ��rf��s de m��e.
��� Voc�� se arriscou demais, Ieda. Se aquele soldado os encontrasse...
��� Mas eu nunca dei qualquer tipo de esperan��a a Faruk.
De longe, Faruk percebeu Ieda e sua ama. C o m e �� o u a cham��-las
aos gritos. Elas tentaram apressar os passos, mas n��o houve t e m p o .
Faruk as alcan��ou.
��� Est�� me seguindo, agora? ��� reclamou Ieda.
Faruk n��o queria aborrec��-la. Do seu j e i t o embrutecido, r��spido e
dominador, ele a amava.
��� N �� o , �� que sua irm�� me disse que voc�� estaria aqui. Eu v i m
apenas para v��-la. Aconteceu alguma coisa? Voc�� parece nervosa.
��� Estou s�� cansada. Q u e r o ir para casa.
��� Estou aqui para acompanh��-la ��� assentiu Faruk, colocando-se
ao lado das mulheres.
44
Sans��o e Dalila
No pal��cio de Gaza, H a n n a h n��o poupava cr��ticas a mais nova c o n -
cubina.Via defeitos na forma c o m o se vestia e se maquiava. Um acinte
para a sofisticada m o d a de Gaza. Seu ��dio, p o r �� m , era pela clara p r e -
dile����o que In��rus nutria por Dalila.
Mas a chefe das meretrizes n��o era a ��nica a ficar enciumada c o m
Dalila. Tais, uma das mais belas concubinas e frequentadora ass��dua da
cama de In��rus, t a m b �� m n��o simpatizou c o m a j o v e m do vilarejo de
Soreque. C o m Y u n e t e Jana, suas principais aliadas, reclamavam da apa-
r��ncia e do jeito desprendido de Dalila. Estranhavam o fato de a mo��a
n��o demonstrar deslumbres por poder circular pelas alamedas palacianas.
Tais passou a sondar Dalila. E, j u n t o c o m as amigas, tramava
c o m o p o d e r i a afast��-la de In��rus. C o n v i d o u - a , n u m a m a n h �� , para
um passeio pelos jardins do pal��cio de Gaza. A ��rea paisag��stica foi
arquitetada de acordo c o m os exigentes pedidos de In��rus, que q u e -
ria por����es coloridas c o m flores de l��tus, jasmins e rosas avermelha-
das. Os caminhos eram calcados p o r pedras especiais. E lagoas arti-
ficiais atra��am os p��ssaros, p r i n c i p a l m e n t e no p e r �� o d o de o u t o n o e
primavera, ��pocas em q u e as codornizes e outras revoadas passavam
em sobrevoos p o r Gaza.
Em m e i o �� vegeta����o, um vulto espreitava o passeio de Dalila, Tais,
Jana e Y u n e t . Era Cario, jardineiro do pal��cio e um sujeito t��mido e
introspectivo. Carregava em seu rosto uma deformidade f��sica. Cica-
trizes causadas por queimaduras.Tais, maliciosamente, o chamava de o
"monstro do j a r d i m " .
As garotas circulavam enquanto Tais falava sobre os encantos da
cidade de Gaza, da agita����o cosmopohta, das in��meras pe��as de enfei-
tes que se vendiam nas feiras da cidade e da bela praia. Dalila estava
impressionada.
��� Por que voc�� n��o vai at�� a cidade e aproveita o dia? ��� disse
Tais.
��� A H a n n a h n��o deve me autorizar antes? ��� questionou Dalila,
insegura.
��� Imag ina! N �� o somos prisioneiras aqui. Podemos ir e vir sempre
que quisermos.
Amores proibidos
45
Dalila sorriu c o m a ideia. Respirar um p o u c o de outros ares era
o que mais precisava. E, agradecida, saiu em dire����o aos muros que
separavam o pal��cio do restante de Gaza.
Ela circulava pelas barulhentas ruas de Gaza. Observava as rendas,
as redes tecidas manualmente. Admirava-se c o m a agita����o da grande
cidade, que seguia n u m r i t m o fren��tico, em m e i o a soldados, prosti-
tutas que a observavam e b��bados que vagavam cambaleantes. R u d i j u
estava entre eles.
Desde q u e Dalila saiu de Soreque, o pescador n��o sossegou. C u l -
pava a m �� e da j o v e m e sempre a surrava. Dias antes, avisou que t e n -
taria sorte m e l h o r na g r a n d e cidade de Gaza. " Q u e m sabe n��o a r r u -
mo outra mulher, ali��s, qualquer m u l h e r seria m e l h o r q u e v o c �� " ,
ridicularizou-a, satisfeito.
R u d i j u n��o imaginava que estaria t��o p r �� x i m o de Dalila. E, n e m
Dalila, que seu pesadelo tivesse atravessado a secura do deserto para
encontr��-la n u m m o m e n t o em que, enfim, desfrutava de conforto e
prest��gio.
Era noite quando Sans��o chegou a Zor��, v i n d o do encontro em
T i m n a . Percorreu o longo caminho pelo deserto c o m o q u e m faz um
passeio �� beira mar. Um sorriso juvenil e pensamentos sobre Ieda o
acompanhavam.
Atravessou o p��tio do vilarejo sem notar a presen��a de Samara e
do amigo H��ber, que conversavam p o r ali. Subiu pelas escadas que
levavam at�� �� casa de seu pai, M a n o �� , e abriu a porta, triunfante.
��� Ent��o voc�� resolveu aparecer! Agora passa mais t e m p o fora do
que em seu povoado. Virou um estrangeiro em sua pr��pria terra ���
censurou Zil��.
Sans��o, sem desfazer o sorriso, aproximou-se e beijou a testa de
sua m��e.
��� De certa forma, �� o que sou.
M a n o �� estava pr��ximo, e foi ao encontro do filho.
46
Sans��o e Dalila
��� Precisamos de voc��, Sans��o.A situa����o est�� dif��cil. H o j e mesmo,
foi um dia duro. Se estivesse aqui, teria nos ajudado.
Para o j o v e m danita, nada disso tinha import��ncia.
��� Por que essa insatisfa����o constante, m e u filho? O que voc��
tanto procura? ��� a r g u m e n t o u Zil��.
��� J�� encontrei, minha m��e. �� aquela m u l h e r que vi na feira, em
T i m n a , outro dia, e n��o saiu mais dos meus pensamentos. Estou deci-
dido. Q u e r o tom��-la p o r minha esposa, m e u pai.
Zil�� e M a n o �� se olharam perplexos. O filho tardio, promessa divi-
na de liberta����o ao povo hebreu, queria se casar c o m u m a filisteia.
J�� em T i m n a , era Ieda q u e m travava sua batalha familiar. Esperou
seu pai terminar seus compromissos, despachar os empregados, para
ent��o aproximar-se dele.
Para Simas, n��o era segredo algum que ela n��o gostava de Faruk,
apesar de ele ser o m e l h o r pretendente da regi��o e, m e s m o ap��s a
frustrada dilig��ncia a Zor��, tinha potencial de se tornar um grande
guerreiro filisteu.
���Voc�� sabe que Faruk pretende se casar c o m voc��! ��� disse Simas.
��� Eu nunca amei aquele soldado, m e u pai ��� respondeu Ieda.
A j o v e m discorreu sobre os detalhes a respeito de c o m o Sans��o
salvou sua vida h�� alguns dias, quando uma grande pedra se despren-
deu e quase a esmagou. Lembrou que era a segunda vez que ele a
protegia, arriscando a pr��pria vida. E, por fim, a r g u m e n t o u que um
sentimento afetuoso, tal qual seu pai sentia p o r sua m��e, quando esta
ainda era viva, surgiu em seu cora����o.
��� �� at�� destoante c o m o ele p o d e ser t��o forte e ao m e s m o t e m p o
t��o carinhoso.
Simas ouvia apreensivo. Suas filhas eram mais importantes que
qualquer conven����o social ou posse. Ele queria a felicidade delas,
a qualquer pre��o.
��� Mas o que faz esse h o m e m ? Tem posses? Terras? Q u a l o seu
n o m e ?
��� Prefiro que ele m e s m o se apresente m e u pai, s�� posso adiantar
que �� danita e usa tran��as ��� falou quase c o m o n u m sussurro, enver-
gonhada c o m a descri����o de seu pretendente.
Amores proibidos
47
��� Um danita? Est�� me dizendo que seu pretendente �� um hebreu,
Ieda? ��� b e r r o u Simas.
Aquela revela����o o tirou do s��rio. O l h o u para a imagem de D a g o n ,
c o m o se estivesse p e d i n d o sua ajuda, agitando os bra��os para cima e
para baixo. U m casamento c o m u m h o m e m d e outro povo poderia
ser prejudicial aos seus neg��cios e a sua vida social. Aquilo, definitiva-
mente, n��o estava certo.
��� Pai... eu imploro ��� j o g o u - s e aos p��s de Simas. ��� N �� o me fa��a
perder a j u v e n t u d e c o m um h o m e m que n��o amo.
Simas andava de um lado para o outro.Tentava responder, mas n��o
achava as palavras certas, ent��o preferiu deixar Ieda sozinha, retirando-
-se em dire����o ao seu aposento.
Judi escutava toda a conversa, escondida p o r detr��s de uma das
colunas da casa. Euf��rica c o m toda a confus��o, o que a j o v e m mais
queria era correr at�� Faruk para lhe contar a novidade. J�� imaginava a
express��o no rosto do soldado ao saber que o hebreu de tran��as havia
provocado mais estragos do que ele imaginava.
Na m a n h �� seguinte, Simas havia t o m a d o a sua decis��o. Pediu para
que a ama chamasse sua filha e c o m u n i c o u :
��� Ieda, traga-o aqui. Q u e r o conhec��-lo.
Os olhos da j o v e m brilhavam de felicidade. Seu sorriso era indisfar-
����vel e, sem dizer n e n h u m a palavra, ela apenas assentiu respeitosamente.
Judi, a essa altura, j�� corria em dire����o aos arredores da planta����o
de trigo do pai. Era l�� o n d e costumava encontrar-se c o m Faruk e o
abastecer c o m novidades sobre os bastidores de sua casa. Secretamente,
o desejo de Judi era de que o soldado abandonasse a ideia de casar-se
c o m a irm�� e a escolhesse c o m o esposa. Mas sabia que isso seria m u i t o
dif��cil, j�� que Ieda, p o r ser a mais velha, deveria ser t a m b �� m a primeira
a se casar.
��� Outro? C o m o assim? ��� questionou Faruk, furioso, ao ouvir
sobre as pretens��es de Ieda. ��� Ela �� minha! ��� berrava aos ventos em
m e i o ao trigal.
Judi achou gra��a do destempero do soldado filisteu, acometido
p o r u m a crise de ci��mes, e resolveu apimentar.
48
Sans��o e Dalila
��� Sei que �� um hebreu. Por que n��o prop��e um duelo, Faruk?
Voc�� certamente luta m e l h o r que ele e ainda p o r cima impressionaria
m e u pai e Ieda.
Faruk gostou da ideia. N i n g u �� m era mais h��bil c o m a espada do
que ele. Subiu em seu cavalo e seguiu em dire����o �� casa de Simas,
o n d e o encontrou ainda sobressaltado c o m o que estava acontecendo.
Para o soldado, aquilo era u m a trai����o. Simas sabia que Faruk p r e -
tendia casar-se c o m Ieda. E n��o aceitou os argumentos do velho pai
de que sua filha estaria apaixonada p o r outro h o m e m . Prop��s ent��o
um duelo entre ele e o hebreu.
��� Na minha casa, Faruk? Isso �� loucura. N �� o se trata de um j o g o !
��� irritou-se Simas.
��� Mas �� a felicidade de sua filha que est�� em j o g o . Em breve me
tornarei comandante e terei privil��gios, prest��gio. O que p o d e ser
�� t i m o para seus neg��cios ��� Faruk usou de todos os argumentos que
podia para convenc��-lo. Q u e fosse p o r interesse, isso n��o importava,
desde que Simas entregasse sua filha.
��� �� claro que n��o fico �� vontade sabendo do interesse dela p o r
um hebreu. Eu n e m o conhe��o, n��o sei de suas inten����es. Mas tenho
que admitir que, m e s m o sendo do povo inimigo, seu o p o n e n t e c o m e -
��a c o m u m a bela vantagem. Ele foi escolhido p o r ela. G a n h o u seu
cora����o.
Faruk irritou-se c o m o que ouviu e avan��ou sobre Simas. De for-
ma amea��adora, imprensando-o na parede, avisou:
��� V o u t o m �� - l o de volta. Se o cora����o de Ieda n��o for m e u , n i n -
g u �� m mais o ter��. Fui claro?
Judi, que havia voltado para casa correndo, tratou de avisar sua
irm�� sobre o iminente confronto. E, agindo c o m desfa��atez, tentava
convencer Ieda de que um duelo vencido pelo danita daria ainda
mais valor ao seu pretendente e aniquilaria de vez qualquer d��vida de
Simas sobre a capacidade do hebreu.
E, certamente, naquele m o m e n t o , n��o havia muitas op����es dispo-
n��veis...
Amores proibidos
49
No povoado de Zor��, a not��cia de que Sans��o queria se casar c o m
u m a filisteia tinha se espalhado mais r��pido do que rastilho de p��lvora.
E as opini��es j�� se formavam de um canto a outro. Samara sofria c o m
a ideia de ver Sans��o casado c o m outra mulher. E H e b e r sofria c o m o
a m o r de Samara por Sans��o.
Ao v��-la quieta, sentada no p��tio do v��arejo, tentou consol��-la.
��� V o c �� n��o �� pior que n e n h u m a outra mulher.Voc�� �� linda, b o n -
dosa, companheira. Tem j e i t o c o m crian��as e t e n h o certeza de que
seria uma ��tima m��e.
Para Samara, aquelas palavras s�� teriam sentido se viessem dos
l��bios de Sans��o, e n��o dos de H��ber. M e s m o enternecida c o m a g e n -
tileza do amigo, preferiu sair e caminhar sozinha.
J�� Sans��o estava preocupado c o m seu r e t o r n o a T i m n a . Ajeitava
sua bolsa poucos dias depois de t��-la esvaziado, colocando itens que
considerava essenciais na viagem de volta. Estava ansioso para r e e n -
contrar Ieda. A agita����o, no entanto, deixava M a n o �� profundamente
decepcionado.
Ele respeitava os sentimentos de seu fdho, mas n��o era aquilo que
esperava que fizesse. Ver Sans��o partir assim, abandonando os sonhos
dele, de Zil�� e de seu povo, era aterrador.
��� N �� o estou abandonando voc��s, n e m nosso povo. Sempre que
precisarem estarei aqui, p r o n t o para defend��-los. Mas sinto que esse
�� o caminho que devo seguir. ��s vezes, eu n��o sei b e m o que estou
fazendo aqui, apenas me sinto perdido...
��� V o c �� deve tr��har o caminho do e n t e n d i m e n t o e da f��, Sans��o.
E ele �� dif��cil e solit��rio. Seja forte! O grande perigo est�� aqui, dentro
de voc�� ���- falou Mano��, c o m l��grimas nos olhos, enquanto esmurrava
os p u n h o s fechados no peito de Sans��o.
O guerreiro danita apenas assentia, cabisbaixo. Sentia pelo sofri-
m e n t o que estava causando, mas era teimoso, e seu amor p o r Ieda era,
de fato, genu��no.
��� Confie em m i m , m e u pai.
��� N �� o permita que os sentimentos o ceguem. A maior treva ��
aquela sem a luz do ��nico Deus. O Deus de Abra��o, Isaque e Jac��.
O Deus do povo hebreu. N �� o queira viver na escurid��o.
50
Sans��o e Dalila
Sans��o sabia que seu pai tinha raz��o e o abra��ou carinhosamente.
Segurou em seus ombros, beijou sua testa, c o m o sempre fez. E partiu.
Era quase m e i o - d i a e o sol ardia mais forte do q u e nos dias a n t e -
riores. A bolsa parecia pesar mais t a m b �� m , assim c o m o a sua consci-
��ncia. Sans��o andava t o r t u r a d o pelos muitos pensamentos. Cenas de
Ieda sorridente na feira misturavam-se aos rostos de seu pai, de sua
m��e, dos amigos. Ele chorava ao pensar que algo de r u i m pudesse
acontecer-lhes. Ao m e s m o t e m p o sorria i m a g i n a n d o ter em seus
bra��os a bela Ieda.
Sua e n o r m e for��a, no deserto, parecia ter cessado. C o m o um dos
muitos andarilhos que n��o sobreviviam ��s travessias a p��, Sans��o sofria
c o m as sand��lias atolando no ch��o afofado, c o m os ventos de areia
que o cegavam, c o m a falta de u m a sombra para se proteger. Estava no
meio de uma imensid��o de areia, sendo fritado pelo sol, sem n e n h u m a
companhia.
Algumas horas depois, Sans��o, cambaleante, avistou uma pequena
carro��a. Estava destru��da, c o m roupas e objetos ao redor, c o m o se
seu d o n o tivesse sido brutalmente atacado p o r alguma fera. Era um
cen��rio de desola����o. Sans��o avistou um h o m e m ao lado da carro��a e
pensou em pedir ajuda. Mas toda sua for��a havia sido minada. Estava
sedento demais e enfraquecido pelo calor. D e u dois passos e desabou
diante do desconhecido.
Em Zor��, Zil��, ajoelhada, orava a Deus pedindo que guiasse os
passos de seu atrapalhado filho.
O h o m e m desconhecido no deserto era o m e s m o que, trinta anos
antes, havia aparecido para Zil�� e M a n o �� nos arredores de Zor��. Ele
carregava em sua m �� o um cantil c o m ��gua fresca e caminhou em dire-
����o a Sans��o, despejando o l��quido restaurador em seu rosto.
A sombra do h o m e m lhe protegeu m o m e n t a n e a m e n t e do sol
forte, e a ��gua lhe restabeleceu os sentidos. Sans��o agradeceu �� ins��lita
ajuda. Mas um som profundo, alto e aterrorizante, r o u b o u - l h e aqueles
pequenos instantes de paz. Diante dele e do h o m e m surgiu um le��o,
rugindo, exibindo seus grandes dentes.
��� V o c �� �� um h o m e m de f�� ��� disse o desconhecido salvador para
Sans��o.
Amores proibidos
51
��� E n��o p o d e m o s perd��-la nunca; por mais assustadores que os
inimigos pare��am, temos de acreditar que �� poss��vel derrot��-los ���
completou Sans��o, sem tirar os olhos de seu predador.
O felino tinha cerca de dois metros e u m a pelagem acastanhada
q u e reluzia c o m o sol. Era assustadoramente belo. Poderoso, c o m
garras cumpridas e afiadas que cravavam pegadas na areia. N a d a i n t i -
midava seu p o r t e altivo. R o d e a v a suas presas e m i t i n d o rugidos a m e -
a��adores. Assim c o m o Sans��o, o animal estava faminto.
C A P �� T U L O 3
Enfrentando feras
O in��spito deserto do vale de T i m n a era um local perigoso. As rochas,
recobertas pela areia, serviam de esconderijos perfeitos para feras e sal-
teadores. N �� o havia c o m o fugir naquela imensid��o amarela acastanha-
da de areia. Era c o m u m encontrar esqueletos de aventureiros secando
ao sol, ou peda��os de carni��as sendo disputadas por corvos e chacais.
Durante o dia, o sol forte assustava. Nas noites, o frio se tornava o pior
inimigo, levando a temperatura a quase zero grau.
Sans��o, pela interven����o de um h o m e m misterioso, escapou por
p o u c o de ser mais u m a das v��timas das armadilhas do deserto. Por��m,
ainda enfraquecido e c o m reflexos da insola����o, tinha diante de si
um feroz le��o do deserto. O animal estava plenamente ambientado
naquela regi��o. Nas proximidades de T i m n a , o calor geralmente n��o
ultrapassava os quarenta graus. A n��voa ��mida trazida pelo mar m e d i -
terr��neo ajudava a refrescar o cen��rio de aridez. Al��m disso, atrav��s do
faro agu��ado, os le��es encontravam lagos que de tempos em tempos
se formavam sobre as bacias des��rticas do local.
O animal pulou sobre o danita, d e r r u b a n d o - o no ch��o, tentando
abocanh��-lo. U m a patada abriu quatro verg��es no seu bra��o direito.
Sans��o recuou, tentando se afastar da fera.
54
Sans��o e Dalila
N u m a nova investida do animal, o hebreu fez um m o v i m e n t o
r��pido, lan��ando-se sobre o dorso do le��o e agarrando-o pela m a n d �� -
bula. A for��a da mordida do felino equivalia a quase meia tonelada de
energia. E r a m trinta dentes afiados, grandes e assustadores que ro��a-
vam a face de Sans��o. Ele o segurava c o m suas m��os, e n q u a n t o a fera
se contorcia, tentando se livrar.
O danita ent��o usou sua for��a brutal e, urrando pelo esfor��o e
dor, rasgou o maxilar inferior do le��o c o m o se fosse um peda��o de
papel��o sendo rompido. O animal, ferido, rugiu fortemente, e Sans��o
o sufocou c o m os bra��os, m a t a n d o - o finalmente.
A luta o deixou exaurido. Seu c o r p o caiu ao lado do cad��ver do
le��o e, p o r alguns minutos, ficou ali, olhando o c��u pl��cidamente azul,
sem nuvens. Ao redor apenas o som do vento que carregava a areia de
canto a canto. Permaneceu deitado at�� que seu cora����o se acalmasse e
a respira����o retomasse o r i t m o natural. Q u a n d o ergueu-se n o v a m e n -
te, n��o viu mais o andarilho que o ajudou. Apenas a velha carro��a, o
animal m o r t o e o vazio no deserto.
Sans��o voltou para sua trilha. Estava revigorado, sentindo-se o r g u -
lhoso pelo que acabara de acontecer. N e m m e s m o um le��o era capaz
de derrot��-lo. C a m i n h o u at�� o fim da tarde, quando encontrou um
p e q u e n o lago e l��, tal c o m o uma crian��a, refestelou-se. Estava em p l e -
na felicidade. A poucas horas de reencontrar Ieda, sentia-se grato p o r
estar vivo e poder experimentar aquela alegria.
Dalila sentiu seu c o r p o gelar n u m instante. O pavor percorreu sua
alma, e seus olhos banharam-se em l��grimas. Nas alamedas de Gaza,
entre comerciantes e prostitutas, estava R u d i j u . B��bado, ele camba-
leava, i m p o r t u n a n d o as mulheres. Para Dalila, era a vis��o mais p r �� x i -
ma do inferno. T �� - l o ah, t��o perto, era inconceb��vel. Foram dias de
fuga enfrentados p o r ela, para agora encontr��-lo ali, h�� poucos metros.
A mo��a amparou-se n u m muro, sentiu a cabe��a tontear, quando um
toque familiar alcan��ou seus ombros. Era Myra.
Enfrentando feras
55
A amiga estava maquiada grosseiramente, c o m cores fortes, e ves-
tia roupas simples e vulgares. Ap��s o sumi��o de Dalila do vilarejo de
Soreque, ela, coincidentemente, foi tentar u m a vida m e l h o r em Gaza.
A dura realidade lhe mostrou apenas o caminho da prostitui����o e, por
alguns trocados ou j��ias, deitava-se c o m os h o m e n s da cidade. Myra
dividia a casa c o m outras dezenas de mulheres. Era um lugar repleto
de quartos e corredores. E l�� as mo��as atendiam �� vol��pia de seus
clientes, fisgados n u m a pra��a localizada logo em frente �� casa.
Ao ver Dalila, Myra a abra��ou fortemente. As duas p e r m a n e c e r a m
juntas, sem dizer uma palavra sequer. O reencontro era o que ambas
queriam. N i n g u �� m mais no m u n d o importava para as duas amigas.
��� Dalila, pensei que jamais fosse rev��-la.
��� C o m o voc�� veio parar aqui em Gaza, Myra?
Myra p��s-se a explicar a sua saga de c o m o deixou Soreque e, de
caravana a caravana, chegou at�� a cidade que abrigava o pal��cio de
In��rus.
��� Eu n��o ficaria ali para sempre.
��� E minha m��e?
Myra n��o queria responder. Abaixou a cabe��a, c o m tristeza, e
desviou o olhar. Dalila a segurou pelas m��os, c o m carinho.
��� O Rudiju... ele enlouqueceu. Ficou ainda mais agressivo.Todos
os dias ouv��amos o choro e os gritos de sua m��e...
Era o suficiente para Dalila. Ela colocou suas m��os, delicadamente,
nos l��bios de Myra, silenciando-a. E se abra��aram. Por��m, o t e r n o
reencontro foi rompido quando Dalila percebeu a movimenta����o de
R u d i j u ali perto. Seus olhos, ent��o, minutos antes repletos de alegria,
encheram-se de ��dio.
��� O que aquele desgra��ado faz aqui tamb��m?
��� Ele entrou no lugar o n d e trabalho ��� disse Myra, assustada em
reencontrar o pescador logo ali, no prost��bulo o n d e vivia.
Dalila estava tensa. Seus olhos sobressaltados. Seus dentes rangiam
de raiva. N o t o u que um dos mercadores que vendiam produtos na
pra��a trabalhava c o m metais e ferramentas de corte. Ent��o foi at�� ele.
Tirou do d e d o um anel e o trocou por u m a pequena e afiada adaga
56
Sans��o e Dalila
prateada, u m a espada curta, c o m l��mina dupla. C a m i n h o u apressada-
m e n t e e de forma decisiva em dire����o a R u d i j u , mas foi detida, no
m e i o do caminho, p o r Myra.
��� Dalila, isso �� loucura. N �� o se destrua p o r causa de um h o m e m
que...
��� Q u e me destruiu, Myra. Q u e acabou c o m todos os meus sonhos
e agora desconta sua loucura na minha m��e! A presen��a dele aqui �� a
minha chance. C h a n c e de acabar c o m isso.Voc�� ir�� me ajudar? Posso
fazer o que for preciso para que o pr��ncipe In��rus a aceite c o m o u m a
das cortes��s no pal��cio, que �� o n d e eu vivo agora.
A obsess��o de Dalila n��o deixava d��vidas. Rudiju n��o passaria i n c �� -
lume naquele largo. Myra percebeu nas pupilas dilatadas, no suor que
escorria em sua testa, nas m��os tr��mulas e na fren��tica pulsa����o que o
��dio que a j o v e m sentia era incontrol��vel. O l h o u ao redor e viu, sen-
tado pr��ximo dali, Ham��, um sujeito alto, c o m bra��os fortes e apar��n-
cia sombria. Ele fabricava cestos e, corriqueiramente, estava envolvido
em brigas. Tinha in��meros assassinatos em seu hist��rico e colecionava
feridas pelo corpo, fruto de suas desaven��as. U m a delas trazia no rosto
uma profunda cicatriz. Calado, era ele a q u e m as prostitutas do largo das
meretrizes recorriam quando algum cliente causava confus��es. H a m ��
jamais negava ajuda ��s mo��as.
Myra fez um sinal e H a m �� se aproximou. C o c h i c h o u algumas
palavras em seu ouvido e a p o n t o u para o cambaleante R u d i j u , que
acabara de entrar no prost��bulo. H a m �� fez m e n �� �� o de sorrir ironica-
mente, mas era rude demais at�� m e s m o para isso. Pegou das m��os de
Dalila a adaga e seguiu em dire����o �� R u d i j u .
��� Q u e m �� este h o m e m ? ��� quis saber Dalila.
��� E um dos piores tipos que andam p o r aqui. E o ideal para o que
voc�� precisa ��� disse Myra, explicando seu plano.
No bordel, R u d i j u entregou algumas moedas de prata para u m a
das prostitutas que estavam ali. A j o v e m o conduziu pela m �� o at�� um
dos quartos, que ficava n u m extenso corredor. A mo��a sorria, m e s m o
diante do pescador embriagado, malcheiroso e aos farrapos, e, c o m
delicadeza, o fez deitar na cama. Fechou as cortinas do c �� m o d o , acen-
deu as velas, deixando a luz bruxulear, e saiu.
Enfrentando feras
57
O pescador p e r m a n e c e u im��vel p o r um tempo, mas, ao perceber
o sumi��o da mulher, ficou impaciente e p��s-se a gritar.
��� Meretrizes! Meretrizes! Eu as paguei! O n d e voc��s est��o?
Nesse m o m e n t o u m a delas abriu a cortina que isolava o quarto.
Ela tinha o rosto envolto em um v��u e a pele alva dos bra��os era deli-
cada c o m o a de um figo. R u d i j u ficou encantado c o m a j o v e m .
��� Eu dan��arei para voc��.
A cortes�� o fitou e p u x o u seus bra��os para que se levantasse. R u d i j u
a encarou e reconheceu aqueles olhos. Os reconheceria em qualquer
lugar da palestina. Era Dalila.
��� Dalila? Da-li-la?
Ele estava apavorado. A pouca luz e a embriaguez o deixavam ainda
mais confuso. Seria mesmo Dalila, ah, prestes a lhe entregar seu corpo
voluntariamente? A cortes�� abaixou o v��u que escondia seu rosto. C e r -
rou os dentes. Seus olhos comprimiram-se de raiva. N �� o havia mais sinal
da menina fr��gil, amedrontada que Rudiju havia visto da ��ltima vez.
Aquela era outra pessoa, uma mulher, confiante, determinada e pronta
para cobrar o pre��o de tudo aquilo que lhe fora tirado.
��� Q u e os deuses filisteus o castiguem, eternamente, por t o d o o
mal que fez em vida.
R u d i j u mal acabou de ouvir a senten��a e sentiu suas costas a r d e n -
do, ao serem atravessadas vagarosamente p o r u m a l��mina. A b r i u os
bra��os, buscando desesperadamente inspirar t o d o o ar poss��vel, mas
a perfura����o, feita c o m precis��o quase cir��rgica, r o m p e u um dos
pulm��es e o i m p e d i u de respirar. Seus olhos escureceram-se em
poucos segundos, e ele caiu aos p��s de Dalila. Por detr��s dele estava
H a m �� , q u e m o g o l p e o u . O h o m e m o l h o u para Dalila e assentiu, sem
dizer u m a s�� palavra. E n t r e g o u - l h e o p u n h a l sujo de sangue e saiu
do recinto.
V��-lo ali, inerte, ensanguentado e c o m a vida se esvaindo era liber-
tador para Dalila. O fim de u m a hist��ria macabra, doentia e que lhe
roubou a virgindade e qualquer possibilidade de encontrar um b o m
marido e construir u m a fam��lia. R u d i j u representava a m o r t e do amor,
da esperan��a. Sua m o r t e devolvia Dalila �� vida.
58
Sans��o e Dalila
Faruk estava euf��rico c o m o duelo contra o p r e t e n d e n t e h e b r e u
de Ieda. E, no a c a m p a m e n t o militar de T i m n a , treinava golpes m a r -
ciais e c o m espadas de madeira. Golpeava um a u m , m o s t r a n d o sua
destreza c o m socos e chutes. Manobrava a espada c o m habilidade,
atingindo sempre p o n t o s fatais de seus advers��rios nos treinamentos.
Era r��pido e preciso.
J�� Ieda, ao saber dos planos do soldado filisteu, entrou em deses-
pero. E dia ap��s dia tentava convencer seu pai a n��o aceitar u m a luta
p o r sua causa.
��� Eu n��o sou u m a recompensa para ser disputada �� espada. Isso
parece u m a armadilha ��� dizia ao pai, enquanto, inquieta, andava de
um lado ao outro, entre l��grimas e gestos.
��� Acalme-se, Ieda. O hebreu n��o �� um h o m e m forte, que a p r o -
tegeu? Voc�� n��o confia que ele seja capaz de vencer Faruk?
Para o agricultor, Faruk seria o genro mais acertado. E, interna-
m e n t e , desejava que o duelo o fizesse vencedor. Ele sabia que as h a b i -
lidades e lideran��a do soldado, cedo ou tarde, levariam-no a ocupar
altos comandos no ex��rcito filisteu, e isso poderia ser interessante aos
seus neg��cios na distribui����o de trigo. Por��m, c o m o pai zeloso, t a m -
b �� m n��o queria ver Ieda triste.
��� Se eu quiser que Faruk seja seu marido, ele ser��. E voc�� ter��
que esquecer essa ideia absurda de se casar c o m um h o m e m de um
povo inimigo! ��� esbravejou.
��� Se a escolha n��o me pertence, fa��a o que preferir, m e u pai.
Voc�� tem minha vida nas suas m��os ��� reconheceu a filha, retirando-
-se do ampJo ��trio da casa e indo para seus aposentos, onde sua ama
a esperava.
��� Seu pai sabe o q u e �� m e l h o r para voc��, Ieda ��� tentou consola-
da a empregada, sua maior confidente. ��� V o c �� mal conhece o Sans��o.
Ieda rapidamente p��s a m �� o na boca da ama, silenciando-a. Ela p r e -
feria que ningu��m soubesse o n o m e de seu pretendente hebreu E sabia
que se o n o m e de Sans��o chegasse aos ouvidos de Faruk, este seria capaz
de perseguir todos os h o m �� n i m o s at�� matar seu concorrente
Enfrentando feras
59
A ama c o m p r e e n d e u o gesto e sorriu.
��� Voc�� est�� apaixonada, m e n i n a . Eu me l e m b r o de sua m��e,
c o m o m e s m o cora����o p u r o e olhar apaixonado.
��� Mas eu sou u m a mulher ��� c o m e n t o u sorrindo.
Judi, c o m o costumeiramente fazia, escutava a conversa entre a
irm�� e a ama. E arregalou os olhos ao ouvir o n o m e de Sans��o. Apres-
sadamente foi at�� o centro de T i m n a �� procura de Faruk, para contar-
-lhe as novidades.
Nas agitadas ruas de T i m n a , era Sans��o q u e m , ap��s a longa viagem,
estava �� procura de Ieda. Esperava encontr��-la ali e formalizar suas
inten����es c o m Simas, mas um esbarr��o, entre as barracas de frutas, o
levou a encontrar Judi.
��� Desculpe-me, mo��a. D e i x e - m e ajud��-la.
Judi tinha ca��do e, irritada, preparava-se para se levantar. Foi q u a n -
do percebeu o h o m e m que acidentalmente a derrubara. Era forte, alto
e tinha tran��as.
��� Sans��o? ��� m u r m u r o u .
��� C o m o sabe m e u n o m e ?
Judi percebeu a oportunidade e fingiu gemer e contorcer-se de dor.
Preocupado, Sans��o a pegou no colo e perguntou se podia ajud��-la.
��� Sim, leve-me at�� em casa. �� perto daqui.
A escassez di��ria em Z o r �� era o oposto da vida em T i m n a e Gaza, a
cidade que sediava o pal��cio. Os filisteus dominavam a distribui����o de
gr��os e frutos, impediam a comercializa����o de mercadorias agr��colas
ou produtos manufaturados entre os hebreus. D o m i n a v a m as rotas p o r
onde as produ����es escoavam e asfixiavam a economia dos filhos de
Israel a uma cultura de subsist��ncia.
As constru����es filisteias eram amplas, espa��os generosos geralmen-
te erguidos em h o m e n a g e m ao deus Dagon. N o s interiores, os ��trios
tinham altares o n d e ardiam fogos em devo����o ao deus da agricultura,
da pesca e a outras divindades.
60
Sans��o e Dalila
Nas ruas, feiras e mercadores misturavam-se ��s prostitutas. Nas
barracas haviam metais artesanalmente trabalhados. Vasos de argi-
la, tapetes, tecidos finos, cestos talhados artisticamente. Nas mesas, os
banquetes c o m carne de boi, cabras, carneiros, aves e porcos ��� o que
causava rep��dio aos hebreus ���, azeites, al��m da variedade de frutos,
c o m o uvas, t��maras, figos, ma��as e rom��s. Tudo regado a v i n h o e suco
de cevada, bebidas que t a m b �� m eram exportadas ��s outras regi��es.
J�� no vilarejo dos danitas, a vida era rudimentar. A for��a de traba-
lho era pequena, e os poucos h o m e n s saud��veis tinham que dar conta
de reparos, constru����es, cuidar da agricultura e proteger a cidade das
invas��es. A alimenta����o era �� base do trigo, c o m p��es. E as vinhas eram
poucas.
Toda semana, o levita, respons��vel por preservar as tradi����es reli-
giosas, lembrava os grandes feitos de Deus. Das maravilhas reveladas
a Jac�� e de c o m o o Senhor os havia livrado da opress��o no Egito e,
atrav��s de Mois��s, ensinado:
��� Pois a rocha deles n��o �� c o m o a nossa R o c h a , c o m o que at��
mesmo nossos inimigos concordam. A vinha deles �� de Sodoma e das
lavouras de Gomorra. Suas uvas est��o cheias de veneno, e seus cachos, de
amargura. O vinho deles �� a pe��onha das serpentes, o veneno mortal das
cobras. Assim ensinou nosso patriarca Mois��s sobre as na����es inimigas.
H e b e r e Jidafe estavam em volta de uma fogueira, ouvindo o levita,
e se entreolharam. E n q u a n t o o primeiro esperava o m o m e n t o em que
Deus os livraria de mais uma luta di��ria, Jidafe amargurava-se ainda
mais. Sentia, nas dores do dia, a aus��ncia de Sans��o. Enraivecia-se ao
pensar que o l��der danita deveria estar ali, j u n t o ao seu povo, e n��o ��
mesa c o m os filisteus.
M a n o �� e Zil�� t a m b �� m estavam aflitos. A m��e de Sans��o ressentia-
-se p o r n��o ter apoiado o filho em sua decis��o, m e s m o sendo contr��ria
ao que ela considerava correto. Temia por sua vida, pelas promessas
que ouviu do mensageiro de Deus. N a d a fazia sentido e seu cora����o
de m��e queria apenas amparar o filho.
��� Confie, Zil��. Se Deus guiou nosso filho at�� l��, h�� de ter um
motivo. E se Sans��o estiver certo? E se este for o caminho para a paz?
��� dizia Mano��, segurando d o c e m e n t e as m��os agitadas de Zil��.
Enfrentando feras
61
��� A paz de Sans��o est�� aqui, c o m o nosso povo. N �� o �� nos filis-
teus que ele encontrar�� o amor. E, m u i t o menos, achar�� a paz ��� rea-
giu Zil��, levantando-se e c o m e �� a n d o a arrumar os utens��lios de casa.
Ela se preocupava c o m a rea����o da fam��lia da fdisteia por q u e m Sans��o
enamorou-se.
Na casa de Simas, Sans��o chegava c o m Judi nos bra��os. Assim que
passaram pelo jardim e entraram na grande constru����o, a j o v e m saltou
dos bra��os do danita e correu para avisar a Simas e Ieda, que conver-
savam ao redor da mesa.
��� O hebreu chegou. E posso garantir que �� um h o m e m extre-
m a m e n t e gent��.
Sans��o observava t u d o ao redor. Jamais imaginava que Ieda fosse
de u m a fam��lia t��o rica. Seus olhos percorreram cada mobili��rio, as
plantas, o p�� direito alto, os v��os no teto, que permitiam que a l u m i -
nosidade invadisse a casa e, claro, a grande est��tua em h o m e n a g e m a
Dagon. Por��m, seus olhos se detiveram em Ieda e, por alguns segun-
dos, n e m n o t o u a presen��a de Simas no m e s m o ambiente.
��� Ieda, providencie algo para o nosso convidado comer. Precisa-
mos ter uma conversa de h o m e m para h o m e m ��� i n t e r r o m p e u Simas.
Sans��o se desculpou e apresentou-se ao futuro sogro. Simas j�� sabia
algumas coisas sobre o jovem. Entre elas, sabia que Sans��o adorava
apenas um Deus, o Deus invis��vel, e tratou de provoc��-lo mostrando
a escultura de Dagon.
��� �� apenas um dos nossos deuses. Podemos v��-lo e toc��-lo.
��� M e t a d e h o m e m e metade peixe?
��� Sim, devemos m u i t o ao mar.
��� Mas n��o foi ao seu povo que o mar se abriu, n��o ��? ��� ironizou
o danita.
Simas percebeu a sagacidade de Sans��o e sua primeira impress��o
foi de desaprova����o. N �� o gostava de ser desafiado dentro de sua p r �� -
pria casa.
��� E voc�� acredita em um relato assim t��o primitivo? Acredita
apenas em um Deus? Um Deus sem forma e invis��vel? Q u e r ofender
a minha cren��a e tomar minha filha p o r esposa, rapaz? O n d e est��o
seus pais?
62
Sans��o e Dalila
��� N �� o quis ofend��-lo, mas digo que posso sentir m e u Deus c o m
m u i t o mais for��a e calor do que u m a pedra dura, fria e sem vida.
Para Simas aquilo j�� bastava. Levantou-se irritado.
��� Sejamos diretos e pr��ticos. O que voc�� quer para desistir da
minha fdha?
A primeira conversa entre o filisteu e o danita n��o era promissora.
As diferen��as eclodiam a t o d o instante. Da rivalidade militar �� reli-
gi��o. Das roupas e costumes �� alimenta����o. Tudo era raz��o para que
o debate inflamasse. Simas ent��o imp��s outra condi����o. Sans��o teria
sua permiss��o, desde que aceitasse lutar contra Faruk, o soldado filis-
teu que pretendia a m �� o de Ieda anteriormente. Seria um duelo pelo
amor da fdha.
��� N �� o quero seu dinheiro. T a m b �� m n��o t e n h o m e d o de duelar
c o m n e n h u m soldado, mas acho ofensivo para a Ieda que a espada
d e t e r m i n e seu futuro.
N o s arredores da casa, era Faruk q u e m chegava m o n t a d o em seu
cavalo. Judi o viu a dist��ncia e acenou, pedindo que se aproximasse
rapidamente.
��� O que voc�� quer, Judi?
��� V o c �� precisa ver c o m o Ieda est�� feliz hoje. M e u pai est�� l�� d e n -
tro, c o m o noivo hebreu dela e tratando sobre o duelo que ele ter��
c o m voc��.
Faruk ficou furioso e correu em dire����o a casa, deixando Judi r i n -
do, divertindo-se c o m o resultado de suas tramas.
Logo ao entrar na casa e deparar-se c o m o rosto conhecido de
Sans��o, o soldado ficou sobressaltado c o m a descoberta de que era ele
o h o m e m por q u e m Ieda estava apaixonada. Apenas encarava o danita,
e as poucas palavras que conseguiu proferir foram:
��� Voc��?
��� Este �� o soldado de q u e m lhe falei, Sans��o. O pretendente de
Ieda ��� Simas apresentou, desajeitado.
P o r �� m Sans��o e Faruk se conheciam b e m .
��� Esque��a sobre o que tinha falado anteriormente. Terei o maior
prazer em lutar p o r sua filha ��� sorriu Sans��o, c o m ironia.
Faruk tentou avan��ar sobre o danita, mas Simas o conteve.
Enfrentando feras
63
��� Aguarde at�� amanh��, neste m e s m o hor��rio, e acabamos logo
c o m isso.
Sans��o colocou as m��os sobre a cintura e encarava Faruk, p r o n t o
para reagir caso fosse agredido. Para ele, seria a chance de consertar
o erro de n��o ter matado o filisteu quando este tentou destruir Zor��.
Ieda estava surpresa. N �� o imaginava que os dois j�� se conheciam e
n e m sob qual circunst��ncia isso tinha acontecido. Percebeu apenas um
evidente ressentimento, de ambos os lados, e que superava a disputa
por sua m��o.
��� Ele n��o voltar�� ��� provocou Sans��o.
���Veremos! ��� berrou, ainda mais enraivecido, Faruk.
��� V o u lhe mostrar o que sou capaz de fazer pela mulher que amo.
Tal c o m o prometeu, Dalila levou Myra at�� o pal��cio de In��rus. C o n -
duziu a amiga pelos corredores e, antes de chegar ao quarto das c o n -
cubinas, encontrou H a n n a h , que demonstrava irrita����o.
Logo ap��s Dalila deixar o pal��cio em Gaza, Tais procurou a chefe
das cortes��s para incit��-la contra a j o v e m de Soreque. C o n t o u que,
m e s m o ap��s ter sido avisada, Dalila desobedeceu a orienta����o de n��o
deixar o pal��cio e saiu para passear na cidade.
Insinuou ainda que a insol��ncia da novata seria p o r achar-se
melhor que as demais, p o r ter atra��do a aten����o de In��rus. H a n n a h
sorvia cada palavra venenosa de Tais. A cada frase, seu ��dio p o r Dalila
aumentava. Q u a n d o a encontrou retornando ao pal��cio, foi tirar satis-
fa����es, c o m rispidez.
��� C o m o ousa sair sem a minha permiss��o?
��� Desculpe, mas me disseram que...
��� E q u e m �� essa mulher ao seu lado?
��� E uma amiga que reencontrei na cidade. Se voc�� permitir, ela
p o d e ser ��til ao pal��cio...
H a n n a h n��o estava disposta a ouvir mais explica����es. O r d e n o u aos
guardas que retirassem Myra do pal��cio imediatamente e a lan��assem
na rua e avisou Dalila que, caso n��o a obedecesse, teria o m e s m o fim.
64
Sans��o e Dalila
��� V e n h a comigo.
As duas partiram, em sil��ncio, por extensos corredores iluminados
c o m tochas. Desceram algumas escadas at�� chegarem n u m anexo do
pal��cio. Era uma ala o n d e os soldados iam para descansar, beber e
encontrar mulheres. Havia cerca de trinta h o m e n s que gargalhavam
e falavam em voz alta, e que silenciaram c o m a entrada das duas. Nas
mesas, aves despeda��adas e ta��as de v i n h o ca��das. Os soldados estavam
sujos e exalavam um cheiro r u i m . Eram os piores h o m e n s do ex��rcito,
a tropa mais violenta.
��� Aten����o! Aqui est�� Dalila. D �� e m boas-vindas a ela ��� debochou
Hannah. Em seguida, virou-se para a jovem, que estava apavorada c o m
os olhares que a cercavam.
��� Estou certa de que far�� da noite desses h o m e n s um m o m e n t o
inesquec��vel.
Dalila desesperou-se. Pediu para que H a n n a h reconsiderasse ou
enviasse mais algumas meninas para ajud��-la, mas a chefe das c o n c u b i -
nas estava irredut��vel.
��� Sirva nossos convidados, Dalila. �� u m a o r d e m ��� d e t e r m i n o u ,
secamente, partindo dali e deixando-a s��.
Os h o m e n s a cercaram c o m o se fossem lobos famintos ao redor
de u m a presa. Dalila tentava escapar e, c o m os bra��os, se proteger das
m��os que percorriam seu corpo. As palavras chulas fundiam-se no ar
e, no meio das dezenas de h o m e n s , viu a imagem do rosto s��dico de
R u d i j u , c o m o se fosse um fantasma que voltava para castig��-la.
��� Dance para n��s! ��� gritavam os soldados.
E ela, sem alternativa, obedeceu. Ensaiou alguns passos, enquanto
hmpava as l��grimas que c o r r i a m em sua face, mas logo foi agarrada
por um soldado mais afoito que a violentou ali mesmo, no m e i o de
todos. Os outros h o m e n s seguiram a viol��ncia, n u m rito que durou
quase a noite toda. De perto, mas escondido, o jardineiro Cario c o m -
padecia-se c o m o drama de Dalila.
No quarto das concubinas palacianas, Tais comemorava o castigo
dado p o r H a n n a h .
��� Depois dessa noite, Dalila se sentir�� a pior das mulheres.
Enfrentando feras
65
��� N �� o seria b o m irmos ajud��-la? ��� hesitou Jana.
��� De forma alguma ��� gargalhou Tais.
��� C o m o voc�� p o d e ser t��o cruel, Tais? ��� censurou Yunet.
Na ala dos soldados, Cario esperou os h o m e n s partirem para aju-
dar Dal��a. Levou uma manta e cobriu seu c o r p o nu, sujo, machucado
e desacordado no ch��o. Esperou at�� que a j o v e m despertasse e a levou
at�� um tanque, o n d e ela p �� d e se limpar. Esfregou seus cabelos c o m
as ess��ncias palacianas, u n t o u seus machucados enquanto as l��grimas
lavavam seu rosto. Ali, a concubina e o jardineiro selaram o in��cio de
uma verdadeira amizade.
Ap��s se recompor, Dahla r e t o r n o u para a ala o n d e viviam as c o n -
cubinas. Passou p o r outras cortes��s, que disfar��adamente riam da sorte
da novata. Tais, cinicamente, aproximou-se, fingindo preocupa����o.
��� V o c �� est�� b e m , Dahla?
��� Por que n��o estaria? ��� respondeu secamente, desviando-se.
Yunet t a m b �� m foi ao encontro de Dal��a. Sentia remorso pelo que
havia o c o r r i d o e p��s-se �� disposi����o para ajudar.
��� Posso fazer algo por voc��?
��� N �� o , mas o pr��ncipe In��rus certamente poder��.
��� Mas n i n g u �� m p o d e se aproximar do pr��ncipe se H a n n a h n��o
permitir. Voc�� pensa em fazer uma queixa a ele? ��� p e r g u n t o u Yunet,
surpresa, ao lado de Jana.
Dalila n��o respondeu e seguiu at�� seu quarto. L��, sobre sua cama,
percebeu que lhe foram deixados dois l��rios brancos. Ela inspirou o
perfume vagarosamente, intrigada c o m o presente. Pouco mais tarde,
percebeu que havia outras flores id��nticas espalhadas pelo ch��o, c o m o
se fosse uma trilha. Seguiu pelos corredores, curiosa, e as pistas a c o n -
duziram at�� um jardim. L��, entre fontes, espelhos d'��gua e plantas
ornamentais, estava o pr��ncipe In��rus. Ao seu lado, um vaso repleto de
l��rios. Era um convite.
H a n n a h , que estava c o m Abbas durante toda a noite, chegou
p o u c o depois na ala das cortes��s palacianas. Perguntou sobre Dal��a
e foi informada, p o r Y u n e t , que ela estaria no pal��cio, na ��rea dos j a r -
dins. H a n n a h estava irritada. P o u c o antes, havia sido humilhada pelo
66
Sans��o e Dalila
comandante, a q u e m amava. Abbas era um sujeito grosseiro e divertia-se
c o m a fragilidade de H a n n a h . Gostava de ridiculariz��-la, lembrando
que j�� n��o era j o v e m suficiente, c o m o as outras mo��as do pal��cio. E
que, cedo ou tarde, iria substitu��-la p o r outra mulher. R e c o r d o u da
boa impress��o que Dalila havia causado entre os soldados. Era o sufi-
ciente para despertar a ira e o ci��me da experiente cortes��.
H a n n a h saiu apressadamente para o jardim, mas l�� encontrou Dali-
la j�� c o m In��rus. Seu olhar foi de desaprova����o e perplexidade ao ver
sua subordinada conversando c o m o soberano. Dalila, ao avistar H a n -
nah, apenas sorriu ironicamente.
Depois de servir ao pr��ncipe In��rus, Dalila r e t o r n o u para os seus
aposentos. L��, H a n n a h j�� a aguardava. Estava furiosa e, c o m viol��ncia,
agarrou-a pelos bra��os. Dalila, p o r �� m , defendeu-se, abaixando o bra��o
de H a n n a h c o m a mesma for��a e firmeza.
��� N �� o me toque!
��� C o m o voc�� ousa me afrontar assim? ��� questionou Hannah, c o m
ainda mais rispidez.
��� N �� o a afrontei. Apenas atendi a um p e d i d o do soberano e n��o
p u d e avis��-la, j�� que voc�� n��o estava aqui.
H a n n a h percebeu o golpe. Sabia que, naquele m o m e n t o , estava em
desvantagem e t e n t o u se justificar.
��� Eu t e n h o outros afazeres e...
Por��m, foi Dalila q u e m i n t e r r o m p e u a conversa secamente.
��� Se n��o precisa mais de m i m , gostaria de me recolher. A m a -
nh�� t e n h o de me reencontrar c o m In��rus. Parece que minha presen��a
agradou ao soberano.
Pouco t e m p o mais tarde, as cortes��s juntaram-se n u m a grande sala
para desfrutar de um farto banquete. Dalila n��o s�� estava presente,
c o m o tinha companhia. Sua grande amiga Myra estava ao seu lado. As
duas conversavam alegres, relembrando aventuras do passado.
Tais, ao ver a satisfa����o de Dalila e o rosto desconhecido de Myra,
n��o perdeu t e m p o e foi buscar H a n n a h para mostrar-lhe o que estava
acontecendo. A chefe das cortes��s, guiada p o r Tais, apressou-se para
saber o que havia de errado.
Enfrentando feras
67
��� Q u e m permitiu que essa mulher entrasse aqui novamente?
Guardas! ��� gritou H a n n a h .
Dalila, p o r �� m , o r d e n o u que os soldados se afastassem. Passou p o r
Myra e deteve-se diante de H a n n a h , que estava transtornada c o m os
��ltimos acontecimentos e sentia sua autoridade se enfraquecer pela
impulsividade de sua nova cortes��. Fitou seus olhos arregalados e, sem
hesitar, anunciou.
��� O n o m e "dessa m u l h e r " �� Myra. �� b o m que voc�� aprenda. Ela
ir�� morar conosco. Foi o pr��ncipe In��rus q u e m permitiu.
Faruk planejava uma forma de vencer Sans��o. Ele sabia que o hebreu
era um h��bil lutador e tinha uma for��a incompar��vel, respons��vel por
derrotar seus h o m e n s em poucos minutos. Ainda que doesse admitir,
ele sabia que s�� havia sobrevivido gra��as �� miseric��rdia do danita, e
agora queria faz��-lo se arrepender p o r seu gesto de fraqueza.
No acampamento, Faruk conversava c o m Aron, outro soldado de
destaque e subl��der do ex��rcito filisteu em T i m n a . Tentava encontrar
uma sa��da para vencer o hebreu e sabia que sua espada seria insufi-
ciente. Foi quando lembrou-se de algo da feira da cidade que poderia
lhe ser ��til.
Logo que amanheceu, Faruk foi at�� a feira. Q u a n d o os comercian-
tes viram o soldado, agitaram-se, pensando se tratar de uma fiscaliza-
����o a m a n d o do pr��ncipe In��rus. As fiscaliza����es eram ocasi��es tensas,
c o m abuso de poder p o r parte dos soldados, que roubavam produtos,
agrediam e prendiam os mercadores por qualquer raz��o. Mas Faruk
estava em busca apenas de uma coisa e a encontrou nas m��os de um
velho e m��stico vendedor. Tratava-se de um p�� que, misturado c o m
��gua, tornava-se n u m p o t e n t e veneno.
For��ado p o r Faruk, o m��stico comerciante preparou a espada,
banhando-a no veneno, e o avisou de que sua arma ganhava agora um
novo poder, ainda mais mortal que sua l��mina.
��� Basta apenas um ��nico contato na pele de seu inimigo para que
ele fique vulner��vel e seja facilmente derrotado.
68
Sans��o e Dalila
O soldado sabia que, m e s m o assim, n��o seria tarefa f��cil. Levou o
veneno, a espada e partiu em dire����o �� casa de Simas, o n d e ocorreria
o duelo.
Simas e Ieda estavam preocupados c o m a propor����o que aquele
encontro havia t o m a d o . Sabiam que n��o tinham c o m o escapar d a q u e -
la situa����o e que Faruk n��o desistiria at�� matar ou ser m o r t o . Judi,
p o r sua vez, estava animada, mal podia esperar para ver o grande d u e -
lo pelo qual tanto havia esperado. A imaturidade cegava os olhos da
j o v e m , que pensava somente em si mesma.
J�� Sans��o demonstrava tranquilidade. Preservava-se dos alimentos
filisteus e, no quarto de h��spedes da casa de Simas, dedicava ora����es
ao Deus dos hebreus. Era assim que se preparava para o duelo c o m o
arrogante soldado filisteu.
Na hora acertada, Faruk chegou sobre seu cavalo. Os relinchos
e os trotes apressados do animal anunciavam que ele j�� estava ali, ��
espera. Judi, Simas e Ieda correram at�� o lado externo da propriedade,
o n d e o soldado arremetia c o m o cavalo, fazendo barulho e levantando
poeira. E, aos gritos, chamava Sans��o para que o enfrentasse.
��� Ir�� se arrepender de ter cruzado m e u caminho, hebreu.
C A P �� T U L O 4
Um doce e sangrento enigma
Em Gaza, Dalila conquistava a simpatia e o ��dio c o m a mesma i n t e n -
sidade. Se, p o r um lado, os h o m e n s da cidade que abrigavam o pal��cio
de In��rus estavam encantados, embebidos c o m sua beleza jovial, algu-
mas companheiras do har��m nutriam ressentimento e inveja p o r ela,
principalmente sua superiora, H a n n a h , e Tais, outrora u m a das cortes��s
pred��etas do soberano.
Para a ��ltima, Dalila havia demonstrado coragem e personalidade
ao enfrentar os desmandos de H a n n a h , e, c o m o gostava de esbrasear o
ambiente, Tais tratava de enfadar a chefe c o m o assunto.
��� Dal��a n��o t e m m e d o de voc�� ��� c o m e n t o u Tais, rondando
H a n n a h mais u m a vez.
Q u a n d o ouviu isso, H a n n a h ficou ainda mais irritada. Decidiu que
precisava fazer alguma coisa e atravessou as cortinas do quarto das cor-
tes��s, e m p u r r a n d o as servi��ais que estavam em seu caminho, indo em
dire����o aos jardins do pal��cio. L��, p��s-se a espiar Dalila, que conver-
sava c o m Myra. As duas sussurravam pelas alamedas dos jardins, sina-
lizando que o assunto era confidencial e importante. H a n n a h ficou
ainda mais curiosa e, esgueirando-se entre pequenos arbustos e flores,
ela se aproximou o suficiente das duas a p o n t o de ouvir o que falavam.
70
Sans��o e Dalila
Myra estava preocupada justamente c o m H a n n a h . E aconselhava
a amiga a tomar mais cuidado. Por��m, o assunto bandeou-se para o
assassinato de R u d i j u .
��� V o c �� est�� arrependida, digo, por tudo? ��� insinuou Myra.
Dalila estava c o m os pensamentos dispersos e, sem encarar direta-
m e n t e a amiga, apenas balan��ou a cabe��a negativamente.
��� Mas voc�� n��o acha que v��o nos procurar? ��� disse preocupada.
��� Q u e m ?
��� Os soldados, se descobrirem o que houve.
��� H o u v e justi��a, Myra. N i n g u �� m vai me punir p o r isso. J�� basta
o quanto aquele h o m e m me assombrou em vida, n��o posso permitir
que continue depois de m o r t o .
As duas entreolharam-se, assustadas c o m o r u m o que a conversa
t o m o u e ficaram em sil��ncio p o r alguns segundos, c o m m e d o de que
algu��m as ouvisse. Por��m, H a n n a h tinha ouvido e sabia que, se aquele
segredo envolvia soldados e um h o m e m m o r t o , na certa eram c r i m i -
nosas. Era t u d o o que precisava para afastar Dalila e Myra do pal��cio.
Neste caso, a seguran��a de In��rus era mais importante do que seus
pr��prios interesses.
Do jardim, H a n n a h correu para a sala de Abbas. Era responsabili-
dade do comandante zelar pela seguran��a do pr��ncipe. E, pela i n t i m i -
dade que nutria c o m ele durante todos os anos ah, tinha certeza de
que seria atendida.
Entrou ainda ofegante ap��s os passos apressados pelos imensos
corredores do pal��cio. Diante de Abbas, c o m uma express��o de impa-
ci��ncia pela visita repentina, H a n n a h discorreu sobre os perigos que
Dalila oferecia.
��� Eu t e n h o mais o que fazer do que resolver intrigas de cortes��s,
H a n n a h . Expulse q u e m quiser. Voc�� t e m autoridade para isso ��� res-
p o n d e u de forma seca e aborrecida.
��� Ela �� diferente. Seduziu o pr��ncipe In��rus a p o n t o de que t r o u -
xesse sua amiga ao pal��cio, m e s m o diante da minha negativa.
��� Agora entendo sua irrita����o ��� d e b o c h o u o comandante, para
depois soltar uma risada alta. ��� Terei que escolher outra mulher para
ser a chefe das cortes��s. Voc�� j�� foi b e m m e l h o r no seu servi��o.
Um doce e sangrento enigma
71
H a n n a h encarou-o e disse:.
��� Voc�� t a m b �� m , comandante. Em outros tempos jamais p e r m i -
tiria que n i n g u �� m colocasse em risco a vida do pr��ncipe. E, se elas
forem realmente criminosas, a vida do nosso soberano est�� em perigo.
Abbas m a n d o u que H a n n a h sa��sse na mesma hora e ficou ali refle-
tindo em sil��ncio. Se a j o v e m cortes��, que despertava suspiros pelo pal��-
cio, era um verdadeiro risco, estava na hora de conhec��-la pessoalmente.
Aprumou-se e foi sozinho at�� a sala das cortes��s para o seu t��te-��-
-t��te. Se Hannah n��o conseguia, ele mesmo trataria de tirar a limpo a
hist��ria da nova concubina e, se preciso fosse, a expulsaria dos arraiais
palacianos. Entrou no ambiente causando surpresa entre as meninas,
que ensaiavam passos de dan��a ou bordavam seus v��us. Ele seguiu at�� os
aposentos de Dalila e a encontrou conversando c o m a insepar��vel Myra.
Ao v��-la, ficou desconcertado. Dalila era m u i t o mais bonita do
que ele havia imaginado. Ficou observando-a. Cada m o v i m e n t o , sor-
riso e olhar. T u d o o deixava encantado.
Q u a n d o perceberam Abbas, as duas se assustaram. Myra deixou
cair das m��os os tecidos e agulhas que usava n u m bordado especial no
qual estava trabalhando, enquanto Dal��a o olhou firmemente, p o r �� m
tensa.
��� N �� o fique assustada. Hebreus e criminosos �� que devem temer
a m i n h a presen��a.Voc�� �� filisteia? ��� interrogou Abbas, aproximando-
-se de Dal��a, que assentiu.
��� E c o m e t e u algum crime?
Dal��a n��o sabia o que responder. Se negasse, poderia ser desmas-
carada por alguma pr��via investiga����o do comandante. Se confirmasse,
seria seu fim.
��� O que diz sua intui����o?
��� Q u e por motivos de seguran��a, �� b o m que me acompanhe.
��� E o n d e fica seu aposento? ��� disse Dal��a, iniciando u m a inves-
tida de sedu����o. Ela sabia, c o m o poucas, se posicionar diante dos
h o m e n s e encar��-los a p o n t o de que qualquer experiente soldado se
sentisse um adolescente t��mido e c o m os nervos �� flor da pele.
72
Sans��o e Dalila
Dalila movimentava seu pesco��o, sensualmente, fazendo c o m que
os longos cabelos escorressem e descobrissem seus ombros nus. Abbas
sorria, j�� totalmente amestrado.
��� Poucos conseguem me surpreender.
��� Posso garantir que estou entre essa minoria ��� sorriu Dalila,
aproximando-se do comandante e beijando seu rosto. ��� Posso surpreen-
d��-lo ainda mais.
Abbas envolveu seus bra��os sobre os ombros de Dalila. E, quando
preparava-se para seguir c o m Dalila para os seus aposentos, H a n n a h
chegou por ali, atra��da pelo som da voz de Abbas. A experiente c o n -
cubina n��o conseguia crer no que seus olhos viam. Abbas, a q u e m
amava, totalmente seduzido por sua Dalila. Ela ent��o decidiu interferir.
��� Dalila, o pr��ncipe In��rus m a n d o u cham��-la.
A j o v e m cortes�� sorriu, aliviada. Pediu licen��a ao comandante e
saiu, mas antes o l h o u c o m cumplicidade para Abbas. H a n n a h tremia
de raiva e encarou o comandante, transtornada de ��dio e ci��mes.
��� Estou sozinha. Eu mesma vou descobrir o que essa menina
esconde.
��� Eu tamb��m... ��� Abbas sorriu maliciosamente, afastando-se e
divertindo-se c o m a ira de H a n n a h e c o m sua brincadeira sedutora
c o m Dalila.
Faruk parecia relinchar, assim c o m o sua montaria. Mostrava os dentes
e apertava os olhos, demonstrando estar c o m o esp��rito pronto para a
sua batalha pela m �� o de Ieda. A espada, que havia sido embebida c o m
o veneno, estava preparada para o golpe que colocaria fim �� vida do
orgulhoso hebreu.
Sans��o saiu da casa de Simas c o m olhar fixo em Faruk. U m a roda
de pessoas se formou, dando forma a u m a esp��cie de tablado ao lado
dos trigais da propriedade. Simas lan��ou uma espada para Sans��o, que
abaixou para apanh��-la do ch��o. Foi quando Faruk correu violenta-
m e n t e em sua dire����o, tentando desequilibr��-lo.
Um doce e sangrento enigma
73
Sans��o desviou c o m hab��idade e ajeitou a espada, preparando-se
para o combate. Faruk havia treinado p o r dias. Sabia que n��o poderia
venc��-lo na for��a e que somente golpes r��pidos p o d e r i a m atingi-lo.
Foi o que fez, correu novamente contra o hebreu e lan��ou-se ao ch��o
o suficiente para que sua lamina ferisse levemente seu bra��o direito.
O danita viu o p e q u e n o corte, t e n t o u reagir, mas o efeito do v e n e -
no foi imediato. Em poucos segundos ele zonzeava diante de Faruk,
triunfante. O soldado filisteu passou a l��mina vagarosamente sobre o
a b d �� m e n desprotegido do hebreu, que, sangrando, caiu.
Os espectadores estavam at��nitos. Entre eles, Ieda, que n��o conse-
guia ver a cena. Fechava os olhos, em desespero.
O guerreiro filisteu rodeava Sans��o e o golpeava c o m chutes
enquanto proferia insultos ao hebreu, seu povo e sua f��.
��� O Deus Invis��vel n��o entra na casa de filisteu? Ou foram os
nossos deuses mais fortes que o seu?
Os soldados filisteus que assistiam �� cena riam da desgra��a.
J�� Sans��o sentiu o sangue ferver em seu c o r p o em raz��o das
ofensas ao seu D e u s , a q u e m havia oferecido sua vida. Faruk posi-
c i o n o u - s e sobre Sans��o, segurando o d o m o de sua espada c o m as
duas m��os para crav��-la no peito do seu o p o n e n t e . O l h o u para Ieda
e d e b o c h a d a m e n t e sorriu. E, n u m r��pido m o v i m e n t o , trazendo a
espada sobre a cabe��a, desceu a arma de cima para baixo c o m for��a.
Sans��o, p o r �� m , reagiu. Segurou a l��mina c o m as m��os e encarou
Faruk, que tremia.
��� N u n c a mais fale do m e u Deus!
E m p u r r o u o guerreiro filisteu para o lado, desequ��ibrando-o.
Faruk t e n t o u nova investida, mas Sans��o o envolveu c o m os bra��os,
apertando-o at�� que quase desfalecesse. Seus ossos estralaram.
Ca��do, quase sem conseguir respirar, era Faruk que agora agoniza-
va. Sans��o aproximou-se, ergueu a espada para terminar logo c o m o
duelo, mas Simas interviu.
��� Basta, Sans��o. J�� chega de sangue em minhas terras.
Simas olhou a figura derrotada de Faruk c o m decep����o e, ao lado
do hebreu, anunciou.
74
Sans��o e Dalila
��� �� c o m Sans��o que Ieda ir�� se casar.Teremos sete dias de banquete
para c o m e m o r a r as bodas. Traga seus pais ��� disse Simas, segurando as
m��os de Sans��o, exausto. ��� Ser��o b e m - v i n d o s �� minha casa.
O hebreu sorriu, aliviado. E Ieda correu em sua dire����o e o abra-
��ou carinhosamente. Enfim, a hist��ria de amor entre os dois tinha
agora aval de Simas para prosseguir. Restaria a Sans��o convencer seus
pais a irem at�� T i m n a .
Ele preparou sua bagagem, encheu o cantil c o m ��gua o suficiente
para suportar os passos no deserto e p e g o u o c a m i n h o de volta ao seu
povoado.
Algumas horas depois, e n q u a n t o atravessava o vale de T i m n a ,
passou pelo cen��rio de sua dura batalha c o m o le��o do deserto. Os
destro��os da carro��a abandonada p e r m a n e c i a m ali, cada vez mais
deteriorados pela a����o do t e m p o . Ao lado, a ossada do felino, que
havia sido devorado p o r chacais e corvos. Sans��o aproximou-se e viu
que na carca��a do animal havia se f o r m a d o u m a colmeia. Esticou sua
m �� o entre os ossos e retirou um favo de mel. Provou. Era delicioso.
O l��quido viscoso escorria p o r seus dedos. C o l h e u o q u a n t o p �� d e ,
envolvendo os favos n u m tecido q u e carregava. E m b a l o u - o s cuida-
dosamente e decidiu lev��-los c o m o presente aos seus pais.
Dalila foi encontrar-se c o m In��rus na sala que abrigava seu trono.
Entrou diante do soberano armada c o m seu sorriso e vestindo um
traje especial. T��nicas que se sobrepunham umas ��s outras, formando
v��rias camadas de vestes tecidas c o m linho. No pesco��o, um colar,
mais um dos presentes que recebera do pr��ncipe. Assim c o m o os b r i n -
cos nobres que usava.
In��rus era um h o m e m de poucas palavras. Seus gestos resumiam
suas vontades. E, c o m um m o v e r de suas m��os, Dalila c o m e �� o u seus
m o v i m e n t o s sensuais de dan��a. Ao som de instrumentos de cordas
e sopro, Dalila erguia seus bra��os l��nguidos, entrela��ando-os no ar.
Seu quadril sacudia c o m velocidade e, r e p e n t i n a m e n t e , estancava.
Um doce e sangrento enigma
75
A cada m o v i m e n t o lan��ava ao ch��o u m a das t��nicas q u e a c o b r i a m .
In��rus, j�� ansioso para t��-la nos bra��os, n u m gesto r��pido, m a n d o u
q u e todos se retirassem da sala do t r o n o e fechassem a porta. Ficaram
s��s, a j o v e m de Soreque e o pr��ncipe. E, sem dizer u m a s�� palavra, o
governante a agarrou c o m for��a, lan��ando-a ao ch��o. D e i t o u sobre
ela, p e r c o r r e n d o seu c o r p o c o m beijos famintos e apressados. E l��,
mais u m a vez, a possuiu.
Era claro para a novata cortes�� que seu corpo n��o a pertencia mais.
Mas, sagaz, sempre se aproveitava da voluptuosidade do soberano para
lhe arrancar m i m o s e favores. Dessa vez, pediu alguns dias para resol-
ver u m a quest��o em seu vilarejo natal, no vale de Soreque. Q u e r i a
visitar sua m��e, Agar, e lev��-la para trabalhar no pal��cio. L�� ela teria
sua prote����o e uma vida mais confort��vel, ainda mais ap��s a m o r t e de
R u d i j u , que, embora fosse violento, era o seu provedor.
In��rus permitiu, e Dalila fez suas malas e seguiu viagem. Foram
dias at�� que chegasse diante da velha choupana de madeira o n d e viveu
a maior parte de sua vida. A saudade da m��e era o que a fortalecia, mas,
por alguns minutos, faltou-lhe for��as para que rompesse as portas de
sua antiga morada.
R u d i j u poderia n��o estar mais ali, mas seu fantasma permanecia.
Dalila passou pelos c �� m o d o s . N u n c a havia percebido c o m o a casa
cheirava mal. Um cheiro de peixe estragado. Um o d o r ardido, quase
insuport��vel. Talvez n��o fosse pior do q u e as ang��stias vividas ali, na
cabana. E n c o n t r o u Agar sentada, olhando pela janela, �� espera de que
alguma coisa acontecesse. Estava inerte, c o m o se estivesse ali desde a
��ltima vez que a fdha a viu. Estava mais magra e c o m a apar��ncia ainda
mais abatida.
��� V i m busc��-la para viver comigo. Estou m o r a n d o em Gaza e
posso lhe conseguir um trabalho l��, m i n h a m��e.
Agar virou os olhos lentamente para Dalila e a encarou s��ria. Seus
punhos fecharam-se.
��� Jamais me chame de m��e outra vez. Voc�� veio desgra��ar a
minha vida.
��� R u d i j u a desgra��ou. Ele acabou c o m a nossa fam��lia ��� reagiu.
76
Sans��o e Dalila
��� N �� o . A nossa fam��lia acabou q u a n d o voc�� veio ao m u n d o ,
Dalila. Volte para o n d e voc�� veio. A q u i n��o �� seu lugar ��� b e r r o u
descontroladamente, apertando os bra��os da cadeira o n d e estava.
As palavras eram duras demais para a jovem. N �� o havia a r g u m e n -
tos contra a rejei����o de sua m��e. Dalila ent��o virou-se e saiu da casa,
c h o r a n d o discretamente. C a m i n h o u em dire����o ao mar, h�� poucos
metros dali, at�� entrar m e i o c o r p o nas ��guas que banhavam o vale de
Soreque. Sentiu as ondas agitarem seu c o r p o e l�� se lavou c o m tristeza.
Da mesma maneira c o m o havia se lavado quando R u d i j u a estuprou.
O u t r a vez, Dalila era violentada ��s margens do mar. Por��m, dessa vez,
pela ��nica pessoa no m u n d o que amava e c o m q u e m , verdadeira-
m e n t e , se importava. E encarou o horizonte c o m firmeza. Apesar da
tristeza em constatar o desprezo da m��e, Dahla n��o se permitiu um
choro desesperado. Escorreram em seu rosto algumas poucas l��grimas
que selavam u m a fase. Nascia ali u m a nova mulher, forte, determinada
e que sabia b e m o n d e queria chegar.
��� T e m raz��o, minha m��e. Sua filha j�� n��o existe mais ��� dizia para
si mesma.
Em T i m n a , Simas preparava u m a grande celebra����o de casamento.
Ieda contava c o m a ajuda de Judi e de sua ama nos preparativos.Vestia
tecidos diferentes. Colhia flores coloridas e experimentava, compulsi-
vamente, j��ias antigas que pertenceram a sua m��e.
J�� Faruk estava imerso em rancor. Tentava pensar em alguma for-
ma de ainda p o d e r atrapalhar a uni��o de Ieda e Sans��o. O soldado
justificava suas atitudes pelo amor, p o r �� m , ��quela altura, amor e o r g u -
lho ferido misturavam-se perigosamente. C o m o soldado A r o n ao seu
lado, Faruk tratou de reunir trinta h o m e n s . Q u e r i a comparecer ao
casamento de Sans��o e estar preparado para u m a oportunidade de
vingar-se, finalmente.
Em Zor��, os pais preocupados exultaram ao ver o filho chegando
de viagem. Sans��o os abra��ou demoradamente. E, em seguida, m o s -
trou-lhes os favos de mel retirados da carca��a no deserto.
Um doce e sangrento enigma
77
J�� em casa, M a n o �� e Zil�� provaram do doce alimento. E, ao m e s m o
tempo, ouviam do fdho sobre o casamento. Sans��o contava c o m o era
a fam��lia de Ieda e que viveria ali. J u n t o c o m a mulher e o sogro, de
q u e m herdaria o trigal. Seu pai parecia resignado. Mas a m��e, ao ver
as feridas deixadas por Faruk no c o r p o de seu fdho, ficava ainda mais
contrariada.
��� M��e, eu nunca me curvei aos deuses deles. N e m bebi vinho, n e m
passei navalha no cabelo. Sigo os meus votos e os meus sentimentos.
��� Os seus sentimentos o trair��o. Assim c o m o sua esposa filisteia.
N �� o posso concordar c o m isso. O l h e seus bra��os, suas feridas. Est�� cla-
ro que lutou. �� essa a paz que procura? Pois a m i m parece que voltou
de u m a guerra.
��� Eu n��o deveria ter vindo. U m a mulher que me ama est�� ��
minha espera.
��� Esse a m o r n��o �� verdadeiro, Sans��o. Essa uni��o �� u m a desgra��a.
M a n o �� p e r m a n e c i a calado. Apenas observava o debate entre a
m��e e o filho. Para ele, estava certo q u e D e u s havia decidido escre-
ver p o r linhas tortas. Ou q u e Sans��o, p o r alguma raz��o oculta, n��o
corresponderia ao c h a m a d o para ser o libertador de seu povo. Seu
sentimento era de tristeza, frustra����o, p o r �� m de aceita����o.
���Voc��s n��o v��o? ��� questionou o j o v e m hebreu.
M a n o �� o l h o u - o c o m do��ura e afagou suas tran��as.
��� Lamento, m e u filho.
Sans��o o l h o u para o pai e para Zil��, que estava cabisbaixa. E saiu.
No p��tio principal do vilarejo, encontrou Samara. Estava esfuzian-
te de alegria.
��� Q u e b o m que voltou.
��� J �� estou de partida novamente.
��� Mas o que aconteceu?
��� O amor. O amor aconteceu, mas querem transformar o amor
em algo ruim. Eu n��o aceito isso.
Samara, frustrada, sorriu, disfar��ando sua dor.
Sans��o despediu-se e foi �� procura de seu m e l h o r amigo, H��ber.
78
Sans��o e Dalila
E n c o n t r o u - o separando a colheita, n u m a ��rea anexa. E, ap��s abra��ar o
amigo, c o n t o u - l h e sobre suas aventuras em T i m n a . Q u e seu casamen-
to seria na semana seguinte. E o convidou para ser seu companheiro
de honra no casamento.
��� N �� o posso, Sans��o. Desejo toda felicidade para voc�� e sua espo-
sa, mas jamais entrarei na casa de um filisteu. Al��m disso, cada dia de
trabalho a menos aqui �� pior.
Sans��o entendeu. C o l o c o u as m��os sobre os ombros de H �� b e r e
seus olhos marejaram. Era, mais uma vez, rejeitado p o r q u e m amava.
Jidafe, que estava pr��ximo, n��o conseguiu segurar sua revolta.
��� C o m o p o d e um h o m e m t��o forte ser igualmente covarde? E
isso o que voc�� ��, Sans��o, virando as costas para seu povo. Voc�� �� um
covarde!
Sans��o o encarou, contrariado. Mas preferiu n��o aumentar a t e n -
s��o. Estava claro que sua op����o nunca seria aceita por seus pais e seu
povoado. E, no m e s m o dia, voltou em dire����o a T i m n a . L�� ficou h o s -
pedado na casa de Simas, enquanto os preparativos para o casamento
continuavam.
Simas aproveitava o t e m p o c o m Sans��o para mostrar-lhe t u d o o
que ele herdaria estando ao lado de Ieda. Apontava para as vastas plan-
ta����es de trigo que abasteciam boa parte das cidades. C i n c o grandes
cidades filisteias, al��m de Gaza e seus subdistritos, c o m o a pr��pria
T i m n a . T a m b �� m compreendia os territ��rios de Ascal��o, Asdote, Gate
e E c r o m . Simas fazia quest��o de enfatizar que come��ara t u d o aquilo
c o m u m a modesta planta����o familiar.
Para o hebreu, apenas uma riqueza o interessava: Ieda. E, sentindo-se
ansioso tal qual um adolescente, contava as horas para que as bodas
come��assem.
C o m Dalila longe, H a n n a h passou a perseguir Myra. Estava impacien-
te c o m a forma desajeitada da cortes�� e n��o lhe poupava cr��ticas diante
das outras mo��as.
Um doce e sangrento enigma
79
As concubinas ensaiavam p o r muitas horas naqueles dias, p r i n c i -
palmente porque se aproximava o dia do encontro entre os pr��ncipes
fdisteus. Um acontecimento especial, regado a v i n h o e mulheres.
N u m desses ensaios, H a n n a h aproximou-se de Myra, que conver-
sava c o m Yunet.
��� Basta. A r r u m e seus pertences. N �� o ficar�� mais aqui.
��� C o m o ?
��� N �� o fui clara? DaHla conseguiu coloc��-la aqui, mas voc�� j�� p r o -
vou que n��o serve para cortes�� do pal��cio. Voc�� �� e sempre ser�� uma
meretriz de rua.
Myra sentiu o golpe, e segurou o choro o suficiente para pedir
pela compreens��o de sua chefe.
��� Posso me esfor��ar mais, H a n n a h . Sei costurar ��� a m o �� a cor-
reu at�� seus aposentos e trouxe um tecido que aos poucos tomava os
c o n t o r n o s de um vestido. ���Veja esse vestido que estou fazendo para
a Dalila. Posso costurar para as cortes��s...
H a n n a h olhou a pe��a c o m desprezo. Pegou e, c o m delicadeza, sol-
tou-a no ch��o para, em seguida, pedir que Myra a apanhasse. Q u a n d o
a cortes�� se abaixou, H a n n a h pisou sobre o tecido.
��� Voc�� ser�� mais ��til c o m o u m a servi��al. E �� m e l h o r se apres-
sar. H�� muitas fossas do pal��cio que precisam ser limpas at�� o dia da
reuni��o ��� e, aproximando-se de Myra, sussurrou: ��� E �� m e l h o r me
agradecer por n��o entreg��-la aos soldados. A m i m , voc�� e sua amiga
n��o conseguir��o enganar.
A chefe das cortes��s virou as costas e deixou Myra perplexa, estar-
recida c o m a possibilidade de H a n n a h saber do que haviam feito a
Rudiju. E n q u a n t o Yunet aproximava-se para ajud��-la,Tais a observava
c o m um sorriso debochado nos l��bios.
Myra apanhou alguns objetos e foi acompanhada por alguns sol-
dados at�� a ��rea das mulheres respons��veis pela limpeza e servi��os
gerais. L�� apanhou baldes, panos e foi limpar os ladrilhos do pal��cio.
Alguns dias depois, Dalila r e t o r n o u a Gaza. Parecia outra pessoa.
Estava mais confiante, altiva, e o que restava de sua fragilidade havia
desaparecido. A primeira a q u e m procurou foi Myra. N �� o a e n c o n -
trando, foi questionar H a n n a h .
80
Sans��o e Dalila
��� O n d e est�� Myra? ��� p e r g u n t o u sem rodeios.
��� N u m lugar mais apropriado para gente do tipo dela. E que n��o
lhe interessa.
As duas se encaravam c o m um ��dio que transbordava no olhar.
Dalila sabia que n��o adiantaria discutir c o m a chefe das cortes��s.
E esta tentava manter seu poder, amea��ado pela for��a sedutora de sua
j o v e m o p o n e n t e .
Dalila decidiu procurar pelas alas externas do pal��cio. E, q u a n d o
encontrou Cario, o jardineiro, foi conversar c o m ele.
��� Seu n o m e �� Cario, n��o ��? Voc�� sabe o n d e est�� minha amiga
Myra?
Cario deixou as ferramentas que usava para preparar o jardim no
ch��o, limpou as m��os sujas de barro em sua camisa e, silenciosamen-
te, a p o n t o u para um canto mais afastado. De longe, Dalila quase n��o
reconheceu a amiga, que estava despejando restos de comida para os
porcos. Sua apar��ncia era suja e cansada.
Dalila correu ao encontro de Myra, mas sua amiga, de t��o exausta,
n��o a ouvia.
��� Largue isso, Myra.Venha comigo ��� disse, tirando um balde de
suas m��os.
Sem a����o, ela precisou ser sacudida, para perceber q u e m estava ah.
E, ao cair em si e ver o rosto solid��rio de Dalila, chorou.
��� A H a n n a h me obrigou a esse trabalho. Ela sabe o que a c o n t e -
ceu ��� justificou-se.
��� Esque��a isso, Myra. Esque��a o passado. D a q u i em diante, as
coisas v��o mudar.
��� Garantiu, abra��ando a amiga.
O dia do casamento entre Sans��o e Ieda, enfim, havia chegado. Sans��o
vestia u m a t��nica feita c o m l�� de ovelhas de sua regi��o. Aguardava no
��trio principal da resid��ncia de Simas, o n d e havia jarros e ton��is de
vinho da melhor qualidade, azeite, carnes, al��m de frutas, c o m o uvas,
Um doce e sangrento enigma
81
ma����s e figos. Estava triste p o r n��o ter n e n h u m convidado pessoal
em sua festa nupcial, apenas rostos de estranhos, amigos e familiares
da noiva, que o m e d i a m dos p��s �� cabe��a por o n d e ele andava, para
depois cochicharem entre si. Sans��o percorria, em s����ncio, o amplo
sal��o. O l h o u mais uma vez a est��tua erguida em h o m e n a g e m ao deus
Dagon, e lembrou-se das palavras repreensivas de sua m��e.
Por��m, o an��ncio de Judi o reanimou.
��� Aten����o. A noiva chegou!
Ieda apareceu em seguida. Estava ainda mais deslumbrante c o m o
rosto delicadamente pintado, os cabelos cobertos p o r um longo v��u,
decorado c o m pedras preciosas, ouro e metais nobres. Q u a t r o m u l h e -
res erguiam o tecido, que media cerca de tr��s metros de extens��o e
trazia u m a ins��gnia da fam��lia. A luz das tochas, bruxuleando, fazia
as pedras refletirem ainda mais, n u m espet��culo de cores e brilhos.
Sans��o mal acreditava no que acontecia. Sua felicidade era tanta, que
esqueceu todas as adversidades que enfrentara para estar ali.
Ieda tamb��m estava feliz. Era o melhor dia de sua vida. E, com passos
ritmados e vagarosos, aproximava-se de seu futuro marido c o m um sorri-
so no rosto. Sans��o a segurou pelas m��os e lhe fez elogios ao p�� do ouvido.
Juntos, seguiram at�� diante do levita de seu povoado, o ��nico danita que
aceitou estar na cerim��nia. Mesmo estando numa casa de filisteus, Sans��o
n��o abria m��o de fazer os votos �� sua maneira.
��� Q u e a promessa que Deus fez ao patriarca Abra��o se cumpra
em suas vidas. Q u e sejam f��rteis e pr��speros, trilhando c o m seus filhos
o c a m i n h o do Senhor ��� disse o levita, para depois ungir suas m��os
c o m ��gua.
��� Sejam os dois um s��. E que o Deus ��nico, o Senhor dos S e n h o -
res, sele esta uni��o ��� finalizou, u n t a n d o as testas dos noivos c o m ��gua.
Sob os olhares emocionados de alguns e odiosos de outros, Sans��o
e Ieda se abra��aram e se beijaram. Do alto, u m a chuva de p��talas de
rosas cobriu os noivos, que sorriram c o m a surpresa. Logo um tapete
vermelho de p��talas cobriu t o d o o espa��o.
A m��sica t a m b �� m t o m o u conta do ambiente, e Sans��o e Ieda
come��aram a dan��ar. Por��m, a anima����o logo foi interrompida. Sol-
dados filisteus entraram, causando grande falat��rio. Entre eles, Faruk.
82
Sans��o e Dalila
Ver o antigo pretendente de Ieda na festa irritou o hebreu. Simas
interveio.
��� O que significa isso, Faruk?
��� V i e m o s em paz ��� respondeu o guerreiro filisteu.
��� Pois voltem c o m ela ��� disse Sans��o amea��adoramente.
��� Simas, voc�� vai nos expulsar de sua casa? J�� n��o �� sua a palavra
final aqui?
O anfitri��o ficou constrangido e ergueu os bra��os, p e d i n d o calma
aos dois jovens.
��� Claro que ��. ��� E, virando-se para Sans��o, anunciou: ��� S��o os
companheiros de honra. J�� que voc�� n��o trouxe n i n g u �� m , aqui est��o
eles. A c o m o d e m - s e .
Faruk e os soldados celebraram. E n q u a n t o Sans��o, desconcertado
e irritado, deixou o ambiente c o m Ieda, e foi respirar um p o u c o de
ar puro. Tenso, n��o admitia tamanho desrespeito. Mas t a m b �� m n��o
queria estragar a festiva noite e logo voltou ao sal��o principal, para
dan��ar c o m a noiva.
O c o m p o r t a m e n t o dos soldados o deixava irritado. Os h o m e n s
bebiam e falavam alto. Derrubavam comida e bebidas no ch��o.
C o m i a m as carnes c o m as m��os sujas, rasgando peda��os de assados
c o m os dentes e falando enquanto mastigavam. Cuspiam no ch��o. Era
uma cena pavorosa.
Sans��o bebia apenas ��gua e segurava u m a ta��a. Um dos servi��ais,
notando que o recipiente estava vazio, encheu a ta��a de vinho. Ao
perceber, Sans��o, n u m impulso, j o g o u o objeto ao ch��o.
��� N �� o bebe do nosso vinho, Sans��o? Tem m e d o de estar envene-
nado? ��� p e r g u n t o u Faruk, que o acompanhava de perto.
Os outros convidados riram compulsivamente. E um outro h o m e m ,
debochadamente, questionou.
��� Se n��o b e b e m , c o m o se divertem? Pensei que os hebreus
tomassem v i n h o at�� que o Deus invis��vel aparecesse!
O riso foi ainda mais estrondoso. E Sans��o amea��ou uma rea����o
violenta, assustando os convidados. Por��m, conteve-se.
Um doce e sangrento enigma
83
��� Eu n��o preciso do vinho para me divertir. Para provar isso q u e -
ria propor um enigma ��� disse c o m um leve sorriso nos l��bios.
Ieda ficou curiosa.
��� Um enigma?
��� Sim, u m a adivinha����o.
Judi ficou animada c o m o desafiou e provocou os oficiais filisteus.
��� Q u e m sabe assim algum soldado inteligente consiga derrotar
Sans��o? Porque na for��a ele �� imbat��vel.
Faruk n��o gostou de ser, outra vez, desafiado. E quis saber o que
Sans��o pretendia e o que ganhariam caso desvendassem o mist��rio
proposto pelo danita.
��� Simples. Se me apresentarem a solu����o do enigma at�� o s��timo
dia das bodas, darei uma veste a cada um de voc��s.
Simas, outra vez mais, interveio.
��� Eles s��o muitos, Sans��o. S��o trinta h o m e n s . O pre��o ser�� alto.
Sans��o, p o r �� m , continuou.
��� E, caso n��o descubram o enigma, voc��s me dar��o as vestes.
Os convidados se reuniram, em roda, interessados no desafio. Faruk
pensou um pouco, mas n��o era de fugir de um desafio.
��� V �� em frente, Sans��o. P r o p o n h a seu j o g o de adivinha����o. Esta-
mos prontos para ouvi-lo.
O hebreu sorriu. E olhou para os soldados c o m desd��m.
��� Do c o m e d o r saiu comida. Do forte saiu do��ura.
Um sil��ncio t o m o u conta do ambiente. Faruk tentava captar as
entrelinhas da mensagem e esperava que o enigma fosse ainda mais
b e m elaborado.
��� E s�� isso? ��� riu, nervosamente.
��� N �� o �� t��o dif��cil. Qualquer pessoa simples do m e u povoado teria
descoberto. E c o m o os filisteus se julgam mais evolu��dos, n��o ter��o p r o -
biemas ��� provocou o danita.
Os h o m e n s ficaram constrangidos c o m Sans��o, que tripudiava da
curiosidade deles. Eles se entreolhavam e tentavam entender o mist��-
n o . C o m e d o r ? Comida? Forte? Do��ura? Do que Sans��o falava?
8 4
Sans��o e Dalila
���Voc��s t �� m at�� o s��timo dia ��� anunciou, triunfante. Ieda ficou
entusiasmada c o m o quebra-cabe��a. E segurou, orgulhosa, os bra��os
do marido. Os dois retiraram-se para o aposento nupcial.
L�� se deitaram pela primeira vez. E se amaram, carinhosamente.
Na manh�� seguinte do primeiro dia das bodas, Faruk conversava
c o m A r o n e os outros soldados. Para ele, seria u m a grande humilha����o
n��o desvendar um simples mist��rio. Foi quando se lembrou das pala-
vras de Sans��o, de que qualquer pessoa simples de seu povoado saberia
a resposta. C h a m o u alguns h o m e n s e cavalgou at�� Estaol, uma regi��o
sob d o m �� n i o hebreu.
Na entrada do vilarejo ele viu um h o m e m e uma mulher, que
aravam a terra. Os soldados filisteus cercaram o casal c o m seus cavalos
e Faruk desceu. E n q u a n t o alguns h o m e n s seguravam a mulher, ele foi
conversar c o m o campon��s. O filisteu contou o enigma e exigiu uma
resposta. Mas o h o m e m , j�� fragilizado pelo duro trabalho, n��o sabia o
que dizer.
��� Eu n��o sei o que significa. Tenha piedade da minha fam��lia.
Os pedidos irritaram ainda mais Faruk, que se p��s a golpe��-lo c o m
socos e chutes.
��� N �� o �� hebreu? Ent��o pense. Pense mais. Seu maldito povo tem
que saber a resposta. Pense em suas cren��as, seus costumes. Pense em
algo que fa��a sentido, seu desgra��ado.
Ca��do, o h o m e m apenas implorava. E, depois de ver que o hebreu
n��o sabia m e s m o a resposta, Faruk retirou a espada da bainha e atra-
vessou o peito do h o m e m de u m a s�� vez, diante dos olhos da mulher,
em estado de choque.
Faruk e seus h o m e n s riam de t u d o aquilo e m o n t a r a m em seus
cavalos em busca de outras pessoas. Seguiram at�� o centro de Estaol o n d e
continuaram interrogando e matando homens, mulheres e crian��as.
Atearam fogo em casas e, naquele ��nico dia, mataram dezenas de
hebreus.
D u r a n t e os dias seguintes, Faruk seguia sua sina de opress��o.
Cavalgava at�� algum vilarejo, questionava e, diante das negativas, assas-
sinava mais e mais hebreus. Estava inquieto c o m a iminente derrota
para Sans��o.
Um doce e sangrento enigma
85
Judi resolveu visitar Faruk em seu alojamento militar. Gostava de
tripudiar sobre o soldado, a q u e m , na verdade, desejava.
��� �� apenas um enigma, Faruk. D �� e m logo as vestes e aceitem
mais essa derrota.
��� V o c �� n��o entende, Judi. Isso �� u m a provoca����o. U m a forma de
ele triunfar sobre nosso povo, de nos humilhar c o m um enigma que
n��o t e m solu����o.
��� Claro que t e m solu����o, voc�� que n��o descobriu. Esque��a Ieda
de u m a vez, Faruk. �� t��o dif��cil perceber que existem outras mulheres?
N �� o me acha bonita? Sou mais j o v e m e n e n h u m outro h o m e m me
tocou...
Faruk percebeu as investidas da j o v e m e deixou que ela c o n t i n u -
asse a se aproximar. Segurou-a pelas m��os e a pressionou c o m for��a
contra a parede. Aproximou seus l��bios dos dela e, aos seus ouvidos,
sussurrou.
��� J�� n��o fa��o mais p o r Ieda. Q u e r o apenas derrotar Sans��o e
seguir c o m a minha vida. Consiga essa resposta para m i m que eu a
t o m o por esposa.
��� Mas c o m o farei isso? ��� disse Judi, recompondo-se.
��� V o c �� t e m as suas armas. Seduza-o.
Judi voltou pensativa. Precisava descobrir u m a forma de enganar
Sans��o e tirar dele o segredo t��o precioso. E logo descobriu um jeito.
Despiu-se por completo e cobriu-se apenas c o m um v��u. D e i t o u
na cama da irm�� e aguardou Sans��o retornar aos aposentos do casal.
Ela sabia que Ieda, naquele hor��rio, deveria estar conversando c o m
Simas. D e i x o u apenas poucas velas acesas. E esperou.
N �� o d e m o r o u m u i t o at�� q u e Sans��o retornasse ao aposento.Ven-
do J u d i deitada de costas para ele, p e n s o u tratar-se de Ieda e d e i t o u -
-se ao seu lado, abra��ando-a carinhosamente. Sans��o p e r c o r r e u c o m
suas m��os parte do c o r p o da cunhada e n o t o u a diferen��a.Virou-a e
levou um susto ao ver que era Judi. C o m um pulo, Sans��o afastou-se
da cama.
��� N �� o gostou da surpresa? Pensa que n��o notei seus olhares para
m i m desde a primeira vez que me viu?
86
Sans��o e Dalila
��� Judi, �� melhor sair do quarto.
��� A Ieda vai demorar um p o u c o . Eu sei que gosta de se divertir.
N o t e i quando c o n t o u o enigma que inventou. Pois saiba que revelar
seu segredo p o d e lhe dar grande prazer t a m b �� m ��� disse a jovem,
descobrindo seu c o r p o p o r completo diante de Sans��o.
O danita observou o belo corpo que a mo��a possu��a. Branco e liso.
Era tentador. Por��m, conteve-se.
��� V o c �� n��o sabe nada sobre mim,Judi.Vista-se e saia daqui ��� dis-
se, firmemente, Sans��o, entregando-lhe o v��u. Judi, ofendida, vestiu-se
apressadamente. E, antes de sair, encontrou c o m Ieda na entrada do
aposento.
��� O que est�� fazendo aqui?
��� V i m apenas desejar boa noite �� minha querida irm�� e a seu
marido. N �� o queria causar desconforto ��� respondeu, nervosamente,
saindo do local.
Ieda sorriu, sem desconfiar das inten����es de sua irm��. Abra��ou o
m a r i d o e, carinhosamente, o beijou.
Faruk sabia que n��o poderia contar apenas c o m a ajuda de Judi para
destruir Sans��o e j�� pensava em outras op����es. Para tal, galopou at��
Gaza, o n d e procurou por Abbas. Ao comandante contou a situa����o
constrangedora que passava e c o m o estava prestes a ter seus soldados
envergonhados.
A paci��ncia de Abbas j�� havia se esgotado c o m as trapalhadas de
seu subordinado.
��� Sans��o n��o cairia n u m a armadilha t��o mal feita.
������ Mas Judi �� u m a mulher bonita.
��� N �� o �� p o r ela que voc�� vai descobrir a verdade. �� pela outra,
a esposa.
��� A Ieda n��o seria capaz de tra��-lo.
Abbas, transtornado, socou a mesa perto de si c o m muita for��a,
ent��o encarou o j o v e m soldado.
Um doce e sangrento enigma
87
��� Pois ordene aos soldados que, se ela n��o revelar a resposta do
enigma a eles, n��o s�� ela, c o m o seu pai, aquele traidor que entregou a
fdha para um hebreu, devem ser incendiados vivos. E se voc�� perder
esse prazo, pagar�� t a m b �� m c o m sua vida. N �� o admito mais u m a der-
rota para esse hebreu. E agora, saia daqui.
Faruk se arrependeu de ter ido visitar o comandante. N �� o queria
mal a Ieda e a sua fam��lia e, agora, n��o lhe restava outra op����o a n��o
ser amea����-los.
T��o logo saiu do recinto, Dal��a entrou, surpreendendo o comandante.
��� N �� o sou bem-vinda? ��� perguntou, provocante.
��� Claro que ��, Dalila. Em que posso ajud��-la?
��� Gostaria de ver o pr��ncipe In��rus.
��� Ele n��o est��. Voltar�� em alguns dias. Mas, na sua aus��ncia, eu
respondo pelo que acontece no pal��cio. Algum problema?
Dalila sorriu. C o m o sorria para In��rus, enfeiti��ando-o. Aproxi-
m o u - s e do comandante e, aos seus ouvidos, falou.
��� Gostaria de pedir algo importante a ele.
��� Se eu puder, eu m e s m o fa��o.
Abbas estava rendido. A cortes�� o beijou suavemente pelo pesco��o
e lan��ou-se sobre seu colo. Os dois se beijaram longamente. Ap��s uma
hora, Dalila saiu satisfeita do encontro. Conseguiu o que queria. Abbas
t a m b �� m .
A cortes�� foi at�� o jardim e encontrou a amiga, que a aguardava j��
impaciente.
��� V e n h a , Myra. J�� t e n h o u m a nova ocupa����o para voc��.
Ela c o n t o u sua conquista, deixando a amiga boquiaberta. Ao c h e -
garem ao c �� m o d o o n d e ficavam as cortes��s, Dal��a pediu que Myra
aguardasse seu sinal. Em seguida, entrou e e n c o n t r o u H a n n a h sepa-
rando algumas pe��as de roupas que seriam usadas pelas cortes��s no dia
da reuni��o dos pr��ncipes.
��� Saia, Dal��a. N �� o vai se apresentar aos pr��ncipes filisteus ��� disse
a superior.
��� E por que n��o? O pr��ncipe In��rus gostar�� de me ver ��� esno-
b o u , e n q u a n t o olhava as vestes festivas.
88
Sans��o e Dalila
H a n n a h estava tensa. E irritada c o m a petul��ncia da j o v e m cortes��.
��� Essa escolha me pertence, menina.
��� Pertencia, Hannah ��� disse, pl��cidamente, sem tirar os olhos das
pe��as de roupas. ��� Myra, venha at�� aqui! ��� c h a m o u .
O rosto de H a n n a h , que j�� estava febril, ardeu ainda mais ao ver
Myra entrar novamente naquele ambiente. Tentou reagir, mas Dalila
n��o lhe deu t e m p o de pronunciar n e n h u m a palavra.
��� D �� e m as boas-vindas �� nova chefe das cortes��s.
Faruk r e t o r n o u a T i m n a e foi direto �� casa de Simas. Estava cansado,
sujo e atormentado. J�� era noite quando ele entrou na casa, secreta-
mente, �� procura de Ieda. E n c o n t r o u a mo��a sozinha circulando pela
sala principal.
Ele se aproximou e a segurou pelos bra��os, tapando sua boca c o m
a m��o.
��� N �� o grite ou ser�� pior. O que voc�� sabe sobre o enigma de
Sans��o?
��� Solte-me, Faruk. N �� o sei nada.
��� V o c �� est�� m e n t i n d o .
��� �� verdade. N �� o sei desvendar o enigma, e m e s m o que soubesse
n��o poderia lhe dizer.
��� V o c �� se casa c o m um inimigo e ainda nos convida para que ele
z o m b e do nosso povo? N �� o percebe que ele zomba de todos n��s? ���
afirmou, enquanto apertava o rosto de Ieda contra a parede.
��� N �� o , voc�� est�� enganado, Faruk.
O soldado estava cada vez mais tenso e fora de si. O l h o u ao redor,
para ver se n��o havia chamado a aten����o de mais n i n g u �� m na casa, e
logo disse a que veio.
��� Pela vida de sua fam��lia, descubra a resposta desse enigma.
Ieda percebeu a gravidade das palavras de Faruk e o recriminou.
��� N �� o estou gostando do seu t o m de amea��a ��� a m o �� a chorava,
nervosa c o m o r u m o da conversa.
Um doce e sangrento enigma
89
��� Pois ��, sim, uma amea��a. Se n��o descobrir e nos contar at�� a m a -
nh��, os soldados colocar��o fogo na casa de seu pai. E n e m pense em
avisar a Sans��o, se n��o toda sua fam��lia ser�� morta.Voc�� me entendeu?
��� disse, deixando-a sozinha, apavorada.
Ieda p e r m a n e c e u ali, estancada pelo terror. C o n h e c i a a ��ndole do
antigo pretendente e sabia que ele estava falando s��rio. N �� o lhe restava
op����es. A guerra estava declarada.
C A P �� T U L O 5
Vingan��a
A primeira rea����o de H a n n a h , ao escutar que estava sendo substitu��da
por Myra, foi de riso. Um riso nervoso. Jamais imaginaria ser trocada
c o m o se fosse um peda��o de pano velho ou u m a roupa que n i n g u �� m
mais usa. Por isso d e b o c h o u de Dalila ao ouvir suas palavras.
��� Myra �� a nova chefe das cortes��s? Dalila, obrigada p o r nos
divertir, mas nos deixe em paz!
Dalila permanecia est��tica diante de H a n n a h . Encarava-a t a m b �� m
com cinismo. E gostava de golpear sua o p o n e n t e c o m duras palavras.
��� A ordem foi dada pelo comandante Abbas. Ele a n o m e o u agora
h�� pouco. Disse que voc��... deixe-me lembrar...Ah, sim! Disse que voc��
perdeu o frescor da juventude e que j�� estava na hora de ser substitu��da.
H a n n a h ficou furiosa. Seus olhos encheram-se de l��grimas pela
humilha����o. Ela sabia que aquelas palavras s�� p o d e r i a m ser ditas m e s -
mo por algu��m t��o grosseiro quanto Abbas. Era ele q u e m constante-
m e n t e a lembrava que j�� n��o era mais j o v e m e que seu interesse era
maior pelas garotas que serviam no pal��cio.
Tais.Yunet e Jana observavam a cena c o m espanto. Para Tais, p r i n -
cipalmente, se Dalila j�� representava um risco, agora, c o m tamanha
demonstra����o de for��a, era um perigo imediato. Sabia que o p r �� x i m o
atro poderia ser ela mesma, e temeu.
92
Sans��o e Dalila
H a n n a h levou as m��os ao rosto e despenteou os longos cabelos. As
l��grimas borraram a pintura de seu rosto, t o r n a n d o sua face parecida
c o m u m a caricatura circense desfigurada.
��� Voc�� n��o sabe do que eu sou capaz! ��� amea��ou, retirando-
-se em dire����o ao gabinete de Abbas. Dalila e Myra entreolharam-se.
satisfeitas.
O s����ncio p e r m e o u t o d o o ambiente. Myra percebeu a tens��o e
levantou os ombros, aspirou o ar profundamente, bateu palmas de leve
e deu a sua primeira ordem:
��� Est��o todas dispensadas p o r hoje.
Era uma manh�� gloriosa e o sol invadia c o m for��a as janelas palacia-
nas, atravessando as colunas que sustentavam os corredores em ab��ba-
das.Todo o projeto arquitet��nico de Gaza era pensado cuidadosamente
para que a luz natural fosse aproveitada por mais tempo, deixando as
alas laterais arejadas e ��uminadas. Por l��, H a n n a h andava apressada e em
prantos. Seu m u n d o havia virado de cabe��a para baixo. Arrependia-se
de ter permitido que Dalila se aproximasse tanto assim. Devia ter sido
mais diligente. Sua autoconfian��a a havia tra��do. Ela subestimou a jovem
caipira de Soreque. Subestimou sua intelig��ncia e ambi����o. E, agora, via
que n��o se tratava apenas de mais um corpo fresco coroado c o m um
rosto angelical. Dalila era a personifica����o do Mal.
Seus pensamentos n��o sossegavam. E, a cada passo em dire����o a
Abbas, ela pensava em sua devo����o ao comodante. Foram anos aguar-
d a n d o - o chegar das batalhas, exausto. Ela prontamente desamarrava
suas sand��lias. Tirava sua armadura pesada. Untava seus ferimentos
c o m unguentos e massageava suas costas. Mergulhava-o em um tan-
que c o m ess��ncias perfumadas. E, c o m o n e n h u m a outra cortes��, fazia
todas as vontades do comandante.
Agora "perdia o frescor de sua j u v e n t u d e " ? E, quando chegou
diante da porta larga, c��ncava e de duas folhas de madeira de c e d r o -
-do-l��bano da sala de Abbas, a r r o m b o u - a c o m um s�� empurr��o, assus-
tando o comandante filisteu.
��� Voc�� n��o podia ter feito isso comigo! Trocar-me por u m a
mulher que acabou de chegar, uma poss��vel criminosa ��� chorava
descontroladamente, embargando e trope��ando nas palavras.
Vingan��a
93
��� H a n n a h , em n o m e do pr��ncipe In��rus, agrade��o sua preocupa-
����o. Mas, p o r favor, n��o insista nisso. N �� o voltarei atr��s em minha
decis��o ��� disse alheio ao drama da madura concubina.
��� N �� s temos uma hist��ria! ��� b e r r o u H a n n a h , desesperada dian-
te da apatia do comandante.
��� Voc�� n��o precisa deixar o pal��cio. H�� muitos outros trabalhos
por aqui ��� disse esquivando-se de H a n n a h , impaciente c o m o pranto
que ela derramava.
��� Eu jamais vou dividir o m e s m o espa��o c o m uma mulher c o m o
Dalila.
��� E voc�� q u e m est�� fazendo a sua escolha. Lamento ��� respon-
deu Abbas, d a n d o - l h e as costas depois de gesticular para que ela dei-
xasse os seus aposentos.
H a n n a h , encolerizada, deixou a presen��a do c o m a n d a n t e . D e s -
ceu um lance de escadas q u e davam para o j a r d i m e quase esbarrou
em Cario, que, distra��do, aparava algumas folhas. X i n g o u e e m p u r r o u
o jardineiro, avan��ando at�� a sa��da do pal��cio. De longe,Tais a obser-
vava ainda atordoada c o m a velocidade e a forma c o m o as coisas
aconteceram.
Dalila, apesar de aparentar for��a, estava cansada do embate. Ela
havia m u d a d o ap��s o encontro c o m Agar, no vale de Soreque. E pare-
cia n��o temer mais n e n h u m enfrentamento. Entretanto, ainda chorava
escondida, ressentida c o m as palavras de rejei����o da m��e. "Se n��o fosse
R u d i j u " , pensava, enquanto lavava-se na sala de b a n h o dos aposentos
das mulheres. Para ela, sua hist��ria poderia ser b e m diferente. O p o d e r
e as riquezas n��o eram alvos de sua vida at�� ah. Antes, o que sonhava
para si era apenas viver c o m sua fam��lia, c o m seu pai e m��e. E, quando
:egasse o m o m e n t o certo, casar-se c o m um b o m e amoroso marido.
Um pescador, tal qual os outros h o m e n s de seu povoado. Ela cantaria
dan��aria para ele nas noites quietas e estreladas, e o ajudaria a desatar
os n��s das redes mareadas. E, j u n t o s , embriagar-se-iam de a m o r n u m a
choupana simples, mas limpa e enfeitada c o m flores, ��s margens das
��guas do vale de Soreque.
Myra a acompanhava e tentava consolar a amiga.
94
Sans��o e Dalila
��� N �� o se torture dessa forma, Dalila.
��� Q u e pessoa terr��vel �� essa que minha m �� e v�� em mim? Para
m i m , a minha beleza �� uma maldi����o. Eu a amaldi��oo, assim c o m o
todos os h o m e n s que p o r ela se atra��rem.
Yunet a espiava, condo��da c o m a dor de Dalila. Todas as meninas
tinham suas hist��rias pessoais. E, p o r mais requinte que a vida palacia-
na pudesse oferecer, eram, na verdade, apenas servi��ais do sexo. Suas
vidas n��o t i n h a m valor. M u i t o menos seus sentimentos. Eram jovens e
atraentes. Mas, c o m os anos, seriam descartadas c o m o um m��vel velho
e sem serventia.
Para Jana, que sempre estava por perto, ver a dor da colega era
c o m o se ver no espelho. Ela t a m b �� m carregava um segredo que, caso
fosse revelado, a levaria certamente �� ru��na ou �� m o r t e . Um mist��rio
que a levava, dia sim, dia n��o, a sair da ala das cortes��s sorrateiramente
e visitar o centro da cidade de Gaza, carregando frutas e p��es. Sempre
usando trajes que cobrissem seu rosto. Certa vez, cansada de guardar
seu drama s�� para si, compartilhou a afli����o c o m Tais. E c o m isso
t o r n o u - s e u m a esp��cie de ref��m das maldades da colega, que a chan-
tageava constantemente para auxili��-la em suas tramas em busca de
poder. Sempre que Jana se recusava,Tais amea��ava revelar seu mist��rio.
Sintomaticamente, Jana e Yunet aproximavam-se cada vez mais de
Myra e Dal��a. Para elas, Dalila n��o representava u m a amea��a. Pelo
contr��rio, parecia ser mais um abrigo. Um ref��gio o n d e pudessem
t a m b �� m se despir das vaidades e compart��har seus sentimentos e ina-
dequa����es. De serem apenas o que de fato eram, meninas.
Yunet, m e s m o sendo constantemente criticada por Tais, ajudava
Myra na organiza����o das tarefas. Indicava c o m o conduzir a sala das
cortes��s e encorajava-a. E, nesse ��nterim, conversavam sobre a vida e
sobre Dalila, que parecia cada vez mais solit��ria.
��� Percebi que ela �� forte, mas, ao mesmo tempo, parece t��o triste ���
disse Yunet, enquanto separava algumas pe��as de tecidos j u n t o c o m
Myra.
��� Por mais for��a que demonstre, ela �� apenas uma mulher ���
c o n c o r d o u a nova chefe das cortes��s. ��� A fonte de energia de Dalila
Vingan��a
95
sempre foi a beleza i n c o m u m , mas ela n��o garante o a m o r verdadeiro.
Pelo contr��rio, muitas vezes aprisiona e condena. E n��o existe senten-
��a pior do que a solid��o.
Ieda estava aflita. Lembrava ainda das palavras amea��adoras cravadas
p o r Faruk. E sabia que, m e s m o o soldado lhe devotando amor, n��o
poderia ir contra u m a o r d e m palaciana. Era o comandante Abbas
q u e m havia determinado. Ou ela descobria o enigma e contava aos
filisteus, ou pagaria c o m a vida, assim c o m o toda a sua fam��lia e o
p r �� p r i o Sans��o. U m a trag��dia estava para acontecer.
Foi absorta nos pensamentos que Sans��o a encontrou, n u m canto
do aposento.
��� Sans��o! Voc�� me assustou...
��� Desculpe. Eu te chamei, mas voc�� n��o me ouviu. O q u e houve
Ieda? ��� aproximou-se o danita, abra��ando-a carinhosamente e t e n -
tando conduzi-la para se deitar c o m ele. Ainda restava o ��ltimo dia
para o fim das bodas, e Sans��o j�� estava cansado de tanta festividade
na casa de Simas, de encontrar h o m e n s b��bados devorando assados
pelos corredores do palacete e v��-los ah, entregues aos seus desejos
carnais, embriagados e empanturrados de tanto comer, era no m �� n i m o
desconfort��vel para o hebreu, que cria em D e u s e a ele devotava a sua
vida.
��� Por que inventou esse enigma? Voc�� n��o me ama, quer apenas
provocar o m e u povo? Foi isso? ��� disse Ieda, aos prantos.
Sans��o fez um carinho em seu rosto e pediu que n��o se i n c o m o -
dasse c o m aquilo. Mas Ieda c o n t i n u o u o choro silencioso. J�� Sans��o,
cansado, a d o r m e c e u naquele fim de noite.
Faruk permanecia na propriedade e embriagava-se c o m o v i n h o
que parecia nunca acabar. Estava sentado n u m degrau, em meio ao
frenesi de criados, que se desdobravam para p �� r em o r d e m a casa para
mais um dia de festa. Foi quando Judi aproximou-se, ironizando a
situa����o.
96
Sans��o e Dalila
��� J�� preparou as roupas de festa para Sans��o? ��� riu, deixando o
soldado irritado. Faruk saltou, agarrando-a pelos bra��os e lan��ando a
garota contra a parede.
��� O que �� isso? Est�� me m a c h u c a n d o ��� desvencilhou-se a jovem.
��� Pois vai doer mais se Sans��o vencer. U m a desgra��a vai aconte-
cer. Agrade��a a seu pai, que acolheu um hebreu em sua casa ��� disse
Faruk, virando mais u m a ta��a de vinho. A ama testemunhava t u d o e,
c o m um sinal, pediu que Judi a acompanhasse.
A empregada percebia a tens��o que se espalhava pela casa. E era a
ela que Ieda recorria, reclamando do r u m o perigoso que a brincadeira
do marido havia tomado.
No dia seguinte, logo pela manh��, Simas, c o m o de costume, fez
u m a caminhada p o r sua propriedade. E contabilizou os estragos cau-
sados pela bebedeira durante os dias de bodas.Vasos, travessas e outros
utens��lios de cer��mica quebrados pelo ch��o, sobras de assados e frutas
pelas mesas e toda sorte de sujeira. Observou nos c �� m o d o s de sua
casa alguns foli��es ainda desacordados, entre as colunas que sustenta-
vam o alto p�� direito da constru����o e diante da est��tua de D a g o n , no
��trio principal. Passou p o r um g r u p o de soldados do agrupamento
de Faruk e saudou-os, mas n��o recebeu n e n h u m a rea����o por parte
deles, exceto olhares desconfort��veis e express��es p o u c o amig��veis.
Simas sabia que, orgulhosos c o m o eram os soldados f��isteus, o ��dio e
a preocupa����o de serem mais u m a vez derrotados por Sans��o deixaria
o clima de rivalidade em n��veis insuport��veis. P o r �� m ele confiava em
sua capacidade diplom��tica. B o m comerciante e h o m e m de neg��cios
que era, Simas sabia conduzir desaven��as e suavizar conflitos. Sentia-
-se apreensivo c o m o final da festa de casamento e, ao m e s m o tempo,
aliviado.
Naquele dia, estava programado um espet��culo de dan��a c o m
pirotecnias. E n q u a n t o m��sicos tocavam seus instrumentos de cordas
e sopro, mulheres manobravam hastes c o m as pontas em chamas que,
ao encontrar-se c o m outras, produziam pequenas explos��es pelo ar.
Ieda estava j u n t o ao marido, assistindo �� apresenta����o. Por um
m o m e n t o , Ieda havia esquecido os problemas e aproveitava a festa c o m
Vingan��a
97
Sans��o. Por��m, quando avistou Faruk entre os convidados, a ang��stia
t o m o u conta de seu cora����o novamente. Ent��o correu em prantos,
em dire����o aos seus aposentos, surpreendendo Sans��o e Simas, que
assistiam �� apresenta����o art��stica distra��dos.
��� Sans��o, voc�� p r o m e t e u cuidar dela. C u m p r a sua palavra ���
esbravejou o pai.
O hebreu, m e s m o n��o gostando de ser admoestado e repreendido
em p��blico, foi atr��s da esposa. E e n c o n t r o u - a desconsolada sobre a
cama.
��� Tenho um m a r i d o que n��o me ama ��� m u r m u r o u .
Sans��o ficou sensibilizado ao ver a afli����o da esposa e, m e s m o
sentindo em seu cora����o que n��o devia, c o n t o u - l h e o segredo do
enigma. Falou-lhe sobre a luta que teve c o m o felino no deserto, de
c o m o sobrevivera e que, durante sua ��ltima viagem ao vilarejo de
Zor��, encontrou favos de mel na carca��a do animal. Explicou c o m o o
embalou e levou de presente aos seus pais. Ieda ouvia t u d o c o m aten-
����o e parecia aliviada c o m a revela����o. Abra��ou o marido c o m for��a
e, em seguida, o beijou.
��� Eu o amo, Sans��o. Aconte��a o que acontecer, nunca duvide
disso.
O hebreu n��o fazia ideia das press��es que reca��am sobre Ieda. E,
feliz ao v��-la b e m , pediu que ela repousasse um p o u c o e n q u a n t o ele
voltaria para a festa.
Algumas horas mais tarde, os soldados filisteus, liderados p o r Faruk,
esperavam p o r Sans��o no ��trio principal da resid��ncia de Simas. Os
convidados estavam aflitos. E Simas, contrariado. Q u a n d o Sans��o apa-
receu, todos se levantaram, aguardando seu p r o n u n c i a m e n t o .
O hebreu achou engra��ada a rea����o de todos e, altivo, olhou para
cada um dos convidados. Saboreava seu triunfo contra a arrog��ncia
filisteia. E vingava-se da afronta no primeiro dia das bodas, quando
os soldados inimigos foram acolhidos c o m o companheiros de honra.
��� Car��ssimos companheiros de honra, voc��s ainda t �� m algum
t e m p o . Posso esperar ��� riu o hebreu, d e b o c h a n d o dos nervos �� flor
da pele dos soldados.
9 8
Sans��o e Dalila
��� Acabe logo c o m isso, Sans��o. N i n g u �� m conseguiu decifrar seu
enigma ��� interrompeu Simas, tentando evitar um clima ainda mais
tenso.
Faruk ent��o saiu por de tr��s de alguns soldados, posicionou-se
ao lado de u m a tocha, deixando seu rosto em evid��ncia. Encarou o
hebreu c o m um leve sorriso. Sua sombra projetou-se para o meio do
c��rculo que havia se formado e o n d e estava Sans��o. Ieda, que havia
retornado, parecia ainda mais tensa. Estava cabisbaixa, as m��os suadas
e os dedos entrela��ados. Fugia dos olhares de Simas, de Judi e, p r i n c i -
palmente, de Sans��o.
O danita, ao ver que Ieda estava entre eles, segurou suas m��os,
conduzindo-a para seu lado.
��� Aque��a a m e m �� r i a dos h o m e n s do seu povo, para que se l e m -
b r e m do enigma que propus ��� pediu Sans��o a Ieda.
A voz da j o v e m embargou e, na primeira tentativa, n��o conseguiu
falar. Amparada por Sans��o, ela r e t o m o u o f��lego e continuou:
��� Do c o m e d o r saiu comida, e do forte saiu do��ura... ��� p r o n u n -
ciou, em t o m solene e c o m o rosto lavado p o r grossas l��grimas.
Sans��o, ao contr��rio, estava leve. Gostava de ver o ��dio refletido
nos rostos dos soldados fdisteus e, olhando para a i m a g e m sem vida de
Dagon, satirizou.
��� Por que n��o perguntaram a ele? Tem formas e est�� b e m p r �� -
x i m o de seus devotos, mas n��o os ajuda a decifrar um simples enigma
��� riu. ���Voc��s se dizem t��o inteligentes, avan��ados. Orgulham-se de
produzir armas de ferro, de seguir v��rios deuses? Vamos...
Faruk, ent��o, aproximou-se do hebreu e c o m ironia p e r g u n t o u .
��� Pois ent��o me diga, Sans��o: o que �� mais doce que o mel... e
mais forte que o le��o?
O hebreu sentiu-se golpeado pela l��mina da espada inimiga. O l h o u
para Ieda, que n��o conseguia esconder sua culpa. Apenas ela, n i n g u �� m
mais, sabia a resposta.
��� �� isso? Ele est�� certo? O Faruk decifrou o enigma? ��� Judi
ficou estupefata e inquieta, olhando para Sans��o, que assentiu c o m
indigna����o. Os filisteus celebraram aos gritos. E n q u a n t o Ieda, i n c o n -
sol��vel e solu��ando, retirou-se.
Vingan��a
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Sans��o apertou os l��bios e rangeu os dentes. Sua raiva a u m e n t a -
va c o m os estrondos vitoriosos dos filisteus, que faziam um barulho
ensurdecedor. Encarando Faruk c o m ��dio, avan��ou sobre o filisteu,
que recuou em posi����o de combate e c o m a espada nas m��os. Outros
soldados se aproximaram, esperando o m o m e n t o para atacar o hebreu.
��� Se n��o tivesse trabalhado c o m a minha novilha, n��o teria adi-
vinhado m e u enigma! ��� disse, referindo-se a Ieda.
��� E mais um dos seus enigmas? ��� provocou Faruk, arrancando
ainda mais gargalhadas dos soldados e dos convidados. ��� A c h o u que
poderia ser m e l h o r que os filisteus? Pois n e n h u m hebreu imprest��vel
sabia decifrar o seu enigma...
��� O que fez ao m e u povo?
��� N a d a que n��o merecessem. Agora cumpra sua palavra e nos
traga as trinta vestes que nos deve.
Parecia um pesadelo terr��vel para Sans��o. Sua m e n t e vagou p o r
lembran��as atormentadoras. Lembrou-se de c o m o a m �� e de Jidafe
havia sido m o r t a p o r filisteus na frente do filho, dele e de H��ber,
enquanto se escondiam nos trigais. Das afli����es de seu povoado.
E sentiu u m a dor lancinante ao recordar das duras palavras de sua
m��e, Zil��: "Pois seus sentimentos o trair��o. E ela, sua esposa filisteia,
t a m b �� m ir�� tra��-lo."
Seus joelhos, nesse m o m e n t o , fraquejaram. Atordoado, c o m os
olhos lacrimejantes, deixou a casa de Simas em dire����o ao povoado
hebreu mais pr��ximo. Atr��s dele, soldados festejavam a vit��ria. Final-
m e n t e Sans��o perdia para os fihsteus.
Sans��o seguiu, tr��pego, pela estrada. E, ap��s algumas horas cami-
nhando, chegou ao povoado de Estaol, sob dom��nio hebreu. L��
encontrou um cen��rio de devasta����o. H o m e n s e mulheres inconsol��-
veis pranteavam sobre as covas recentemente cavadas para seus entes
queridos. Casas incendiadas. Carca��as de animais ainda em d e c o m p o -
si����o. S�� havia dor, l��grimas e destrui����o.
O danita quis saber o que havia acontecido e alguns relataram a
f��ria dos soldados fihsteus que invadiram o local em busca da solu����o
para um complicado enigma. E, c o m o n i n g u �� m foi capaz de respon-
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Sans��o e Dalila
der, eles deixaram um rastro de sangue. Sua perplexidade aumentava a
cada relato. Ele podia ver o rosto de Faruk e sua satisfa����o em castigar
inocentes.
Sans��o c o n t i n u o u sua jornada, totalmente aturdido. Confuso. Esta-
va perdido e sem r u m o certo. Seus passos o conduziram a u m a barraca,
o n d e um g r u p o de filisteus realizava u m a celebra����o. Assavam porcos
e bebiam vinhos. R i a m diante de um ��dolo esculpido em forma de
boi. Sans��o estava e m b e b i d o de ��dio, embriagado de f��ria e avan��ou
sobre o local, revirando as mesas c o m frutas e assados e incendiando o
��dolo filisteu. Os h o m e n s se assustaram c o m a impetuosa a����o e t e n -
taram, em v��o, det��-lo. Sans��o os golpeou implacavelmente e m a t o u
trinta filisteus c o m o um le��o faminto. Arrancou-lhes as roupas ensan-
guentadas e rasgadas e partiu.
Em Zor��, a convuls��o social era cada vez maior. Princ��pios de brigas,
disputas p o r alimentos e comidas. Sem Sans��o para assumir sua fun����o
predestinada, de juiz do povo, sobrava trabalho e revolta.
Os dist��rbios e revoltas causavam ainda mais tristeza a M a n o �� e
Zil��, que se sentiam t a m b �� m culpados pelo c o m p o r t a m e n t o do filho.
Jidafe era q u e m mais se indignava e, do seu jeito, tratava de arre-
gimentar apoio. Passou a estocar gr��os que produziam para negociar
p o r pre��os melhores c o m os filisteus. E, m e s m o diante dos conselhos
de Heber, que guardava a instru����o de Sans��o de n��o fazer neg��cios
c o m os filisteus, ele parecia impass��vel.
��� Farei aquilo que for m e l h o r para a nossa gente. N e m que para
isso tenha que fazer alian��as c o m outros povos e at�� m e s m o escolher
um novo Deus para seguir.
��� N �� o blasfeme, Jidafe. Sabe que o nosso Deus �� o ��nico e n��o
admite que c o l o q u e m seu poder em d��vida ��� advertiu Heber.
P o r �� m os alertas n��o adiantaram. Para Jidafe, n��o restava outra
op����o a n��o ser virar as costas para Deus, da mesma forma c o m o
parecia que o Senhor os havia esquecido naquela vida de mis��ria e
Vingan��a
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dor. E, em p o u c o tempo, organizou um levante. Diante de h o m e n s e
mulheres t a m b �� m cansados da opress��o e pobreza, prop��s n��o e n t r e -
garem a Deus as prim��cias da colheita.
��� Dividir u m a colheita miser��vel c o m um Deus que n��o olha
para n��s? ��� instigava o povo.
M a n o �� tentava intervir, explicando que a atitude configuraria u m a
rebeli��o e blasf��mia contra Deus. Mas, j�� enfraquecido pela velhice e
sem a for��a moral de seu filho, Sans��o, sua voz era facilmente sufocada.
As palavras de Jidafe faziam sentido para a maior parte do povo.
Sua proposta era batalhar p o r uma remunera����o mais digna dos insu-
m o . Dizia que seu compromisso, agora, n��o seria n e m c o m Deus ou
c o m Sans��o, mas sim c o m o povo. E, inflamada, a pequena popula����o
de Z o r �� o aplaudia c o m empolga����o.
Zil�� via t u d o c o m afli����o. E, em sua casa, orou p e d i n d o a Deus
que trouxesse seu filho de volta, que lhe desse dire����o e endireitasse
seus caminhos.
Sans��o, p o r �� m , j�� tinha um destino. Estava voltando para T i m n a
c o m as roupas manchadas de sangue em suas m��os. Ainda n��o havia
escurecido q u a n d o ele reapareceu na casa de Simas, para a perplexida-
de de todos que ainda festejavam.
��� Aqui est�� o m e u pagamento aos fihsteus. Trinta vestes ��� dis-
se, depositando os trajes ensanguentados no m e s m o local o n d e havia
proposto seu enigma.
��� O que �� isso, Sans��o? Todas essas roupas sujas de sangue? ���
indagou Simas.
��� N �� o se preocupe, n��o sujar��o sua casa. �� sangue filisteu.
Ao ouvir isso, os soldados filisteus desembainharam suas espadas,
e n q u a n t o Faruk ordenava, aos berros, para que o matassem. Mas, c o m
m e d o , n e n h u m soldado se aproximou o suficiente para toc��-lo.
Ieda, sim, lan��ou-se sobre ele, enroscando seus bra��os no pesco��o
do marido e n q u a n t o clamava por perd��o.
��� Eu confiei em voc�� ��� lamentou Sans��o em t o m de indigna-
����o. E, c o m um violento empurr��o, lan��ou a j o v e m ao ch��o.
��� V �� embora, Sans��o! ��� ordenou Simas, imediatamente.
102
Sans��o e Dalila
O hebreu mirou todos. Sabia que n e n h u m sangue a mais seria
capaz de apagar a sua decep����o ou fazer justi��a a tantos do seu povo
que haviam m o r r i d o . A cicatriz estava cravada em sua alma. Resig-
nou-se, encarou o sogro e assentiu. O l h o u mais uma vez para Ieda.
ca��da no ch��o, c o m as m��os estendidas, p e d i n d o que reconsiderasse, e
sentiu seu cora����o doer. Estava c o m vergonha de si mesmo. D e i x o u o
local em dire����o, mais u m a vez, ao deserto do vale de T i m n a .
H a n n a h chegou ao largo das meretrizes, no centro de Gaza, p o u -
co antes do meio-dia. Pelas ruas, as cenas t��picas de um dia c o m u m
de semana. Soldados achacando comerciantes e p r e n d e n d o malfeito-
res, viajantes que procuravam prostitutas para divers��o. Mercadores
v e n d e n d o quinquilharias diversas. Produtores repassando frutas. Pas-
tores tocando rebanhos de bezerros e cuidadores de porcos. Era um
ambiente confuso e barulhento. Entre os v��rios rostos na multid��o, a
ex-chefe das cortes��s reconheceu um deles.
��� Hannah? Q u e m diria que eu a veria novamente? ��� chamou
u m a mulher. Era Aiala, antiga companheira de meretr��cio de H a n n a h ,
quando esta ainda prestava seus servi��os no m e s m o bordel o n d e Myra
havia trabalhado.
H a n n a h olhou c o m superioridade e desd��m para a mo��a. Aiala
t a m b �� m a mediu e percebeu que, embora mantivesse sua caracter��stica
altiva, sua express��o denunciava que estava n u m m o m e n t o de fragili-
dade.
��� Se est�� i n d o ao seu antigo local de trabalho, perder�� seu p r e -
cioso tempo. Desde que mataram um viajante ali, nunca mais abriram
as portas.
A experiente cortes�� reagiu, dessa vez c o m mais aten����o e sim-
patia. E, curiosa, passou a arguir a antiga colega de trabalho sobre o
o c o r r i d o . Sentiu que talvez ali estivesse a resposta de que precisava.
Sentaram-se n u m p e q u e n o m u r o na pra��a, que emoldurava um
espelho d'��gua, e Aiala p��s-se a contar sobre u m a misteriosa mulher,
Vingan��a
103
de rara beleza, que havia estado ali uma ��nica vez e da qual n i n g u �� m
mais teve not��cias. D e u detalhes sobre as pessoas da regi��o e indicou
um h o m e m chamado H a m �� , c o m q u e m ela teria falado. H a n n a h agra-
deceu e pediu ajuda para encontrar o h o m e m .
H a n n a h sabia ser gentil e generosa quando queria. E, quando
conheceu o sujeito calado, de gestos e fei����es sombrias, alto e forte
c o m o um grande urso, ofereceu-lhe favores e j��ias, arrancando-lhe
um sorriso discreto no canto dos l��bios. H a m �� pediu que o aguardasse
durante a noite, n u m canto deserto, quase na sa��da da cidade. Ele lhe
entregaria um presente.
Algumas horas mais tardes, quando a escurid��o escondia Gaza,
H a n n a h estava inquieta �� espera do encontro combinado. Foi quando
sentiu a l��mina gelada de um punhal encostar em seu pesco��o, refle-
tindo um p o u c o os luzeiros que iluminavam casas distantes e o c��u
avermelhado daquela noite. Era u m a adaga delicada, e H a m �� c o n -
tou-lhe toda a hist��ria sobre Dalila, R u d i j u e Myra. Explicou c o m o
m a t o u o h o m e m na frente da cortes�� sem que ela esbo��asse miseri-
c��rdia ou remorso.
H a n n a h quase n��o acreditava que sua procura havia chegado ao
fim. C o m um tecido maltrapilho envolveu o punhal entregue por
H a m �� e partiu. E n c o n t r o u , sob u m a marquise, um local o n d e p �� d e
deitar e descansar um p o u c o . C o l o c o u o e m b r u l h o sob o c o r p o e
adormeceu.
Na manh�� seguinte, e n q u a n t o o sol come��ava a raiar, H a n n a h esta-
va de volta ao pal��cio de In��rus. Percorreu os corredores que davam
acesso �� ala das cortes��s e, sem esperar ser anunciada, invadiu a sala,
assustando Dalila, Tais, Jana, Yunet e Myra, que conversavam n u m a
pequena roda.
��� Saiam todas daqui e me deixem a s��s c o m Dalila! ��� ordenou,
aos berros, c o m o se ainda comandasse o local. Myra ainda tentou
mtervir, mas H a n n a h t o r n o u a expuls��-las. E, sob um sinal de Dalila
de que tudo ficaria b e m , Myra resolveu deix��-las a s��s.
Hannah abriu o e m b r u l h o de tecido, mostrando-lhe o punhal.
��� Eu avisei que descobriria o seu segredo. Seu lugar �� na pris��o.
O r d e n o u que matassem u m h o m e m .
104
Sans��o e Dal��a
Dalila observou a pe��a, c o m o se a conferisse. Sabia que era a m e s -
ma que havia c o m p r a d o no dia da m o r t e de R u d i j u .
��� Apenas me defendi.
��� Pois agora pegue seus pertences e v�� embora! Ou prefere que
os soldados a levem? ��� disse H a n n a h , aproximando-se c o m o punhal.
Dal��a percebeu a oportunidade de arrancar o punhal da m �� o da
o p o n e n t e e avan��ou sobre H a n n a h , que deixou a pe��a cair ao ch��o. As
duas trocaram empurr��es, at�� que o comandante Abbas as surpreen-
deu, i n t e r r o m p e n d o a briga e apanhando do ch��o a pequena l��mina.
Ele observou a adaga c o m cuidado, acariciava o objeto, admiran-
do sua qualidade. De s��bito, entretanto, encarou as duas c o m um ar
severo.
��� O que est�� acontecendo aqui?
��� Dal��a �� perigosa! U m a amea��a ao pr��ncipe In��rus e a todos
q u e vivem no pal��cio.
Percebendo sua fr��g�� situa����o, Dalila ard��osamente lan��ou-se
sobre Abbas e, aos prantos, pediu ajuda ao comandante.
��� Q u e b o m que est�� aqui. Esta mulher tentou me agredir...
H a n n a h ferveu em ��dio.
��� Dissimulada! Isso que ela ��. Ela o r d e n o u que matassem um
h o m e m !
Dalila chorava ainda mais sob os bra��os protetores de Abbas,
e n q u a n t o ele olhava c o m desaprova����o para H a n n a h .
��� Basta, H a n n a h . A c o m p a n h a - m e . Desta vez voc�� foi longe
demais ��� avisou o comandante, arrastando-a pelo bra��o at�� os p o r -
t��es do pal��cio, o n d e lan��ou sua antiga amante na rua. N e m m e s -
mo os apelos de H a n n a h sensibilizaram Abbas, que n��o acreditava em
n e n h u m a das acusa����es.
As outras cortes��s assistiram a t u d o admiradas c o m o poder e influ-
��ncia de Dalila, que j�� n��o conseguia evitar o sorriso sarc��stico de se
ver livre de sua rival.
Por��m, poucos minutos depois, Abbas pediu que Dal��a c o m p a r e -
cesse ao seu gabinete. Q u e r i a sua contrapartida.
Por detr��s de u m a mesa de madeira, Abbas mantinha a express��o
sisuda e segurava nas m��os a delicada adaga.
Vingan��a
105
Dalila percebeu que a conversa n��o seria amig��vel e disparou a
falar, agradecendo-lhe por t��-la salvado e contando sobre c o m o H a n -
nah amea��ou golpe��-la.
��� Ela j�� foi expulsa e n��o incomodar�� novamente. Mas n��o pense
que me enganou, Dalila ��� interrompeu, secamente, o comandante.
Abbas a observava c o m ar grave. Levantou-se, passou p o r detr��s
de Dalila e trancou as portas de seu gabinete.Voltou em passos lentos,
m e d i n d o cada parte do c o r p o da j o v e m .
��� Saberei ser grata ��� disse Dalila, tentando seduzi-lo. Por��m Abbas
tinha pressa. E queria mostrar q u e m estava no controle da situa����o.
C o m viol��ncia j o g o u - a contra a parede, pressionando seu c o r p o
contra o de Dalila. A voracidade do comandante a fez recordar de
R u d i j u e da forma c o m o o padrasto a havia dominado. Seu desejo era
impaciente e ind��cil e sentia-se merecedor de um presente. R a s g o u
as roupas de Dalila e saciou-se em poucos minutos, deixando-a ah,
humilhada. O comandante vestiu-se e saiu, c o m o se algo banal e c o r -
riqueiro tivesse ocorrido.
Dalila recomp��s-se e r e t o r n o u �� sala das cortes��s. Deitou-se em
sua cama e p��s-se a chorar copiosamente.Tais a espiava c o m satisfa����o.
Ela sabia que Abbas n��o deixaria o o c o r r i d o sem uma resposta.
Sans��o estava ainda mais perdido na imensid��o do deserto. Sua cons-
ci��ncia resgatava cada palavra dita antes, cada decis��o. Era u m a tortura
que chegava a doer fisicamente. Lembrou-se das palavras de Simas, ao
mostrar os trigais da fam��lia e garantir que Ieda seria sua esposa e de
mais n i n g u �� m .
Foi quando percebeu que havia outra pessoa c o m ele na jornada.
Era o andarilho, o h o m e m misterioso que o socorrera q u a n d o desfale-
cia sob o sol. Sans��o sabia que aquele h o m e m n��o poderia ser filisteu
n e m hebreu. Seus p��s, pensava, tocavam caminhos mais altos.
��� N �� o o vi...
��� Eu estava aqui o t e m p o todo.Voc�� �� q u e m estava mergulhado
em pensamentos ��� respondeu o h o m e m , condescendente.
106
Sans��o e Dalila
��� Confiei n u m a mulher do povo inimigo. Fui cego p o r u m a
do��ura que se revelou mais amarga do que o pior veneno.
��� Por quarenta anos seu povo �� o p r i m i d o pelos fdisteus. Por que
acreditou que seria diferente c o m voc��?
��� Ela parecia t��o pura e verdadeira. A esposa que jurei amar e
cuidar.
O andarilho assentiu e seguiu em outra dire����o.
��� Ei, para o n d e voc�� vai? ��� instou Sans��o, q u e r e n d o esticar a
conversa.
��� Vou seguir o m e u caminho. E voc�� deve fazer o mesmo.
��� Mas para qual dire����o? ��� perguntou. O h o m e m apenas o olhou
e n��o disse u m a palavra a mais. Seguiu caminhando entre as nuvens de
poeira at�� que seu vulto desaparecesse p o r completo.
Sem perceber, Sans��o havia desaparecido p o r meses em sua via-
g e m introspectiva pelos desertos e montanhas. E, depois de m u i t o
refletir, chegou �� conclus��o de que deveria seguir seu voto de fideli-
dade c o m a esposa.
Por��m, na resid��ncia de Simas, as coisas j�� haviam mudado. Faruk,
ap��s o a b a n d o n o de Sans��o, era cada dia mais presente. E insistia c o m
Ieda que o r u m o que o casamento havia t o m a d o era, no fim, um
grande livramento. Dizia que ela jamais iria ser feliz c o m um hebreu
e que as diferen��as logo iriam surgir, t o r n a n d o a vida conjugal e c o n -
viv��ncia fam��iar irreconcili��veis.
N o s primeiros meses, ela p e r m a n e c e u irredut��vel. Simas, p o r �� m ,
minava as resist��ncias da filha e a aconselhava a aceitar Faruk c o m o
esposo. Dizia que n��o ficaria b e m para ela ser abandonada por um
marido, ainda mais um hebreu. Q u e jamais conseguiria se casar nova-
m e n t e c o m outro h o m e m que n��o fosse o soldado filisteu, que sempre
demonstrou am��-la e que a receberia de b o m grado. E, c o m o os dias
se passavam sem n e n h u m a not��cia de Sans��o, Ieda convenceu-se de
que o marido jamais retornaria. Estaria m o r t o ou apenas teria voltado
de vez para o seu povoado.
Sans��o, entretanto, estava b e m p r �� x i m o dali. Pronto para r e c o m e -
��ar. Ele adquiriu um cabrito na feira de T i m n a e foi ao encontro de
Vingan��a
107
Simas, que festejava em seus trigais, c o m seus empregados, a colheita
extraordin��ria que tivera nos ��ltimos meses.
Ao ver o genro aproximar-se, Simas ficou aterrorizado. Sans��o
apenas lhe entregou o cabrito, virou-lhe as costas e seguiu em dire����o
�� resid��ncia. Precisava ver Ieda.A saudade n��o cabia mais em seu peito.
Simas correu atr��s dele, repreendendo-o. Mas Sans��o parecia n��o
ouvir. Atravessou os trigais, desceu um p e q u e n o m o r r o e r u m o u na
dire����o da entrada da constru����o.
��� V o c �� est�� invadindo minha casa. Espere, Sans��o!
Sans��o entrou e parou no ��trio o n d e ficava a imagem de Dagon.
Virou-se, mostrando um sorriso.
��� Eu v i m em paz. N �� o recebeu m e u presente de b o m grado?
��� O que voc�� quer aqui, depois de tanto tempo?
��� Eu quero ver minha esposa.
��� Mas eu entendi que estava t u d o t e r m i n a d o entre voc��s ���
rebateu Simas, ainda mais nervoso.
��� E de que me valeriam os votos que fiz diante do Senhor? ���
retrucou Sans��o, olhando ao redor do recinto, �� procura de Ieda.
��� Ela n��o est��, Sans��o.Volte outro dia! ��� alegou Simas.
Judi ouviu a movimenta����o de seus aposentos e correu para ver
o que estava acontecendo. Ao ver Sans��o, irrequieta que era, festejou.
��� Q u e b o m v��-lo! Ieda j�� sabe que voc�� est�� aqui?
��� Ela n��o est��, Judi! ��� apavorou-se Simas.
��� Est�� sim. L�� nos aposentos dela ��� insistiu Judi.
Simas andava de um lado para o outro. P��s-se �� frente de Sans��o,
mas seu diminuto t a m a n h o n��o significava obst��culo para o hebreu.
Intrigado, Sans��o seguiu em dire����o ao antigo quarto.
��� Pare Sans��o. Ela n��o quer v��-lo! ��� gritava, enquanto olhava
Judi c o m reprova����o. ��� V o c �� t e m ideia do que fez?
O hebreu correu at�� o aposento, abriu a porta e e n c o n t r o u Ieda na
cama. Sorriu por um breve m o m e n t o . Ela t a m b �� m , ao v��-lo, surpre-
endeu-se entusiasmada. Mas logo enrubesceu seu rosto de vergonha.
Ao seu lado, na cama, Faruk despertava assustado sob os len����is, em
trajes de dormir, diante do olhar at��nito e devastado de Sans��o.
C A P �� T U L O 6
��dio, veneno e fogo
V��-la ali, ao lado de Faruk, foi duro demais a Sans��o. Ieda, t��o sua.
Pensar que sua pele alva e lisa havia sido tocada pelas m��os e m b r u t e -
cidas e calejadas do soldado fdisteu era atormentador at�� m e s m o para
o mais forte dos homens. Ainda mais sobre aquela cama em que j u r o u
honrar e proteg��-la. N a q u e l e leito que era somente dele e de Ieda.
Simas entrou logo atr��s no quarto, esbaforido de tanto correr. Esta-
va perplexo. Temia pelo que viria a seguir e a r g u m e n t o u que Sans��o
havia desaparecido p o r meses; nada mais correto do que entreg��-la a
um dos seus companheiros de honra. Ieda t a m b �� m tentou se expli-
car, mas s�� conseguia chorar. J�� Sans��o estava e m b e b i d o n u m mar de
decep����o e ��dio. Seu cora����o era uma ferida aberta.
��� C o m o ousa falar em honra? Saiba que, daqui por diante, ficarei
quite c o m os filisteus e serei inocente quando lhes fizer mal ��� disse
Sans��o, em total f��ria.
O hebreu deixou o casal no quarto e partiu em passos apressados.
E Simas, retomando o f��lego, c o n t i n u o u a persegui-lo pelos c o r r e d o -
res da casa, p e d i n d o - l h e calma.
��� V o c �� n��o c u m p r i u sua palavra, Simas!
��� V o c �� t a m b �� m n��o c u m p r i u a sua, Sans��o. J u r o u proteg��-la. Eu
precisava fazer alguma coisa.
110
Sans��o e Dalila
Os dois i n t e r r o m p e r a m os passos por alguns instantes. No ��trio
principal da casa de Simas, se encararam. Simas abaixou a cabe��a, tenso
e envergonhado. O l h o u para o lado e viu Judi, que acompanhava tudo.
P u x o u - a delicadamente pelos bra��os e a colocou diante de si.
��� Veja Judi. M i n h a filha mais nova �� u m a mulher bonita. Fique
c o m ela no lugar da outra ��� ofereceu, constrangido.
Judi estava emocionada e apenas assentiu, garantindo-lhe fidelidade.
Sans��o, p o r �� m , n��o podia admitir. S�� ele sabia c o m o foi dolorido
deixar sua casa, seus irm��os hebreus e se unir c o m u m a mulher de um
povo inimigo. Trocar Ieda por Judi n��o aplacaria a dor em seu cora����o.
E, sem dizer u m a palavra, saiu da casa do antigo sogro.
Faruk estava t a m b �� m irritado.Ver Ieda desesperar-se em l��grimas
p o r Sans��o era do��do. E, pela brutalidade, tentava domesticar seu cora-
����o.
��� Essa cama �� de Sans��o ��� berrava Ieda, inconsol��vel.
Ao ouvir isso, o soldado a esbofeteou c o m for��a e deixou o quar-
to. Q u e r i a p o r um fim nessa hist��ria de u m a vez por todas e decidiu
ca��ar e matar o hebreu. Seguiu a galope at�� o acampamento militar de
T i m n a , o n d e os soldados, seus companheiros, j�� descansavam. Entrou
no local irritado.
��� N i n g u �� m viu Sans��o? Estavam d o r m i n d o quando deveriam
estar vigilantes?
Aron, que liderava o grupo, n��o gostou do jeito destemperado
do colega. Ele e Faruk disputavam, de forma velada, a lideran��a do
g r u p a m e n t o e a simpatia de Abbas. E, t��o logo soube do retorno de
Sans��o a T i m n a , Aron tratou de enviar emiss��rios at�� Gaza para avisar
ao comandante.
Por esse motivo Faruk irritou-se ainda mais, pois tentava a d m i -
nistrar a crise sem i n c o m o d a r Abbas, j�� impaciente pelos sucessivos
fracassos. Faruk reuniu alguns h o m e n s munidos de tochas e espadas,
e sa��ram em busca do hebreu que havia desaparecido pela mata que
circundava as searas de Simas.
Sans��o, p o r �� m , j�� tinha em m e n t e seu plano de vingan��a. E, t��o
logo deixou a casa de seu sogro, tratou de coloc��-lo em pr��tica. C a �� o u
trezentas raposas pela floresta, ateou fogo na cauda de cada u m a delas e
��dio, veneno e fogo
111
as soltou entre as planta����es de trigo. E r a m rastilhos, pavios vivos c o r -
tando e ardendo pelos trigais, espalhando o fogo p o r toda a planta����o.
O inc��ndio t o m o u propor����es catastr��ficas e a fuma��a podia ser vista
a quil��metros de dist��ncia. No m e i o do caos, Sans��o gritava sua dor
e tristeza. E, c o m u m a tocha em m��os, ajudava a acender a fonte de
provis��o de Simas e o alimento dos filisteus.
Q u a n d o Faruk, Aron e os soldados filisteus chegaram diante da
imensa planta����o em chamas, apavoraram-se. Eles sabiam que u m a
guerra estava deflagrada. Faruk, em especial, tinha pleno c o n h e c i m e n -
to que Abbas n��o o perdoaria.
No pal��cio de Gaza, D a l i l a j u n t o c o m outras cortes��s, revirava as r o u -
pas em busca das melhores pe��as para o grande encontro entre os
pr��ncipes fdisteus de Ascal��o, Asdote, Gate e E c r o m .
Tais era a mais falante. Esbanjava confian��a e esnobava as demais
colegas, dizendo que era o centro das aten����es, a preferida pelo sobe-
rano de Ecrom, de q u e m recebia presentes c o m fartura e generosidade.
No m e i o do falat��rio, Myra entrou sobressaltada. C o m palmas,
pediu a aten����o de todas as meninas, ainda dispersas pelas mudas de
roupas. Em t o m solene, a chefe das cortes��s anunciou que a o r d e m
de apresenta����es para o encontro, p o r determina����o de In��rus, havia
sido alterada.
��� Servir��o primeiro o banquete e depois entramos? ��� questio-
n o u Tais, desanimada p o r ter que aguardar ainda mais para sua apre-
senta����o.
��� N �� o . Nosso soberano faz quest��o de exibir a beleza feminina
antes de c o m e �� a r e m os trabalhos ��� respondeu Myra, abrindo um
largo e debochado sorriso.
��� Sempre foi assim, Myra. N �� o houve n e n h u m a mudan��a.
��� Na realidade, todas voc��s entrar��o ap��s o banquete. S�� uma
se apresentar�� na abertura. Voc��, Dalila! ��� respondeu Myra, olhando
para a amiga, que ficou admirada c o m a not��cia.
112
Sans��o e Dalila
Tais n��o acreditava no que ouviara e, choramingando, instava
Myra, n u m a esperan��a de que a superiora mudasse de ideia.
��� E a o r d e m do nosso soberano In��rus ��� encerrou o assunto.
Dalila, animada c o m a novidade, vestiu-se c o m as melhores pe��as.
Tiaras, brincos, braceletes e colares dourados. Um tecido aveludado,
em t o m carmesim, cobria e descobria seu c o r p o perfeito. O rosto
delicadamente pintado, sombreando o c o n t o r n o dos olhos e e m o l d u -
rando os l��bios em tons rosados. E, confiante, partiu em dire����o �� sala
o n d e estava o trono de In��rus e t a m b �� m os demais pr��ncipes filisteus.
Ao chegar, saudou um p o r u m , beijando-lhes as m��os. Diante de
seu soberano, In��rus, prostrou-se c o m rever��ncia e beijou sua m �� o
direita, que estava estendida. Ele sorriu e assentiu. Todos os pr��ncipes
ficaram hipnotizados pela beleza de Dalila. E ela, ao som de instru-
mentos de cordas e sopro, dan��ava em rodopios diante de cada u m .
Alguns n��o se c o n t i n h a m e a puxavam para si, beijando-a ou m e s -
mo apalpando seu corpo. E, c o m o recompensa, depositavam em suas
m��os j��ias em ouro e prata.
Ap��s a apresenta����o, Dalila retornou para a sala recoberta de ador-
nos, era quase dif��cil olh��-la, tamanho o brilho que refletia das suas j��ias.
Tais, ao v��-la, inflamou-se em inveja e convocou Jana para que a ajudasse
n u m plano que pusesse fim ao reinado da j o v e m concubina.
Para Dalila, provocar Tais era um agrad��vel passatempo. Desfrutava
do olhar raivoso de sua concorrente. Sua real preocupa����o era apenas
c o m Abbas. Sabia que ele, a partir de ent��o, a assediaria ainda mais.
E n��o d e m o r o u m u i t o para que um mensageiro a convocasse para a
sala do comandante.
��� Myra, diga que estou ainda c o m o pr��ncipe In��rus.
��� N �� o posso, Dalila.Voc�� sabe disso.
Resignada e ainda c o m as roupas que usou na apresenta����o aos
soberanos filisteus, Dalila seguiu em dire����o �� sala de Abbas. Q u a n d o -
chegou l��, encontrou o ambiente em polvorosa. Soldados andavam
apressados, entre eles, o comandante, que socava a mesa e revirava,
c o m raiva, o que via pela frente. Sua apar��ncia sisuda s�� suavizou ao
ver Dalila.
��dio, veneno e fogo
113
��� M a n d o u me chamar, comandante?
��� Sim.Voc�� sabe que n e m todos aqueles pr��ncipes p o d e m dar-lhe
a prote����o que dou, n��o ��?
Dalila assentiu e t e n t o u beij��-lo, demonstrando gratid��o. Abbas,
p o r �� m , recusou.
��� Um hebreu chamado Sans��o acaba de estragar os meus planos
para essa noite. Tenho que ir ��� disse o comandante, explicando sobre
c o m o o guerreiro hebreu havia se transformado no principal alvo de
seu c o m a n d o . Dalila n��o conseguia esconder seu contentamento.
Evitar as m��os encardidas e violentas de Abbas era o que ela mais
queria. E, s�� p o r isso, Sans��o j�� tinha conquistado seu afeto.
Em Zor��, Jidafe liderava a rebeli��o e u m a s��rie de mudan��as. Entre
elas, prop��s que a colheita n��o fosse mais dividida entre todos da m e s -
ma forma. A partir de ent��o, q u e m trabalhasse no campo deveria ficar
c o m a maior parte. Os mais velhos ou vi��vas receberiam uma por����o
menor.
M a n o �� tentava intervir. Alegava que a semente da colheita havia
sido plantada pelos anci��es e que n��o seria justo deix��-los c o m menos
comida. Por��m, sempre que ele tentava argumentar, era repreendido e
humilhado p o r Jidafe.
��� O n d e est�� seu fdho, o grande j u i z do nosso povo?
Samara e H �� b e r observavam a cena c o m pesar. E, j�� desanimado
e sofrendo c o m aquela situa����o, H �� b e r decidiu procurar Sans��o para
lhe pedir ajuda e orienta����o. Samara o incentivou e eles c o m b i n a r a m
de n��o contar nada a Zil��, para n��o lhe dar falsas esperan��as. O hebreu
preparou-se e c a m i n h o u sozinho pela velha trilha no deserto. A p r o -
veitou o final da madrugada, fugindo do sol mais forte. E, ap��s algu-
mas horas, procurou o velho a��ude no vale de T i m n a , o n d e recarre-
garia seu cantil e repousaria um p o u c o . L��, de longe, avistou o amigo.
Desde a noite anterior, ap��s incendiar os trigais, Sans��o havia se
refugiado no vale de T i m n a . C a m i n h o u pela vastid��o de areia at��
114
Sans��o e Dalila
encontrar um p e q u e n o lago. Sentou-se ali, �� beira, observando as
ondula����es que o vento fazia sobre a ��gua escassa. Passou a noite
diante da cena, mergulhado em suas dores.
E, q u a n d o o sol come��ava a despontar, ouviu p o r de tr��s de si a
voz familiar de H��ber, seu amigo. Parecia um sonho para os dois, ap��s
uma noite de pesadelos.
Ao ver Sans��o, H �� b e r p��s-se a falar. Ansioso, c o n t o u sobre Jidafe,
a falta de rever��ncia a Deus, o a b a n d o n o das prim��cias, sobre as difi-
culdades nas planta����es. Lamentou c o m o o povo havia se dispersado
sem a presen��a de sua lideran��a. Falou sobre a opress��o filisteia, sobre
M a n o �� e Zil�� e s�� parou ao perceber que Sans��o p o u c o o escutava.
��� Sans��o, voc�� est�� me ouvindo?
��� Ela me traiu, H��ber. Por duas vezes ela me traiu... ��� C o m e �� o u
a chorar.
Ao ver Sans��o, um h o m e m alto e cheio de m��sculos, derreter-se tal
c o m o uma crian��a em l��grimas, H �� b e r condoeu-se tamb��m. E, aproxi-
mando-se do amigo, o envolveu carinhosamente c o m os bra��os.
Ap��s ouvir o desabafo de Sans��o, H �� b e r n o t o u que a hist��ria n��o
se encaixava. Ieda, m e s m o sendo uma filisteia, n��o poderia ter sido t��o
ardilosa.
��� Provavelmente ela foi obrigada a tra��-lo, Sans��o, ou pelo pai ou
p o r esse soldado. N �� o quer dizer que ela esteja de acordo.
��� Eu a vi c o m outro h o m e m .
��� E ela parecia satisfeita? Estava feliz? *
Mais calmo, Sans��o agora parecia entender o que estava o c o r r e n -
do. E t u d o ficou t��o claro. O desespero de Ieda em descobrir o enig-
ma. Suas l��grimas inconsol��veis. Seu sorriso quando ele chegou. Ieda
era t��o v��tima quanto ele.
��� H��ber, j�� decidi. Avise que vou voltar para m e u povo. E levarei
minha esposa comigo. P��s-se de p��, apanhou um p o u c o de ��gua do
a��ude, lavou o rosto e voltou ao caminho que o levaria a T i m n a .
Na casa de Simas, Faruk retornava ap��s uma noite de ca��ada e de
assombro. Seu corpo coberto da fuligem. Seus olhos avermelhados pela
fuma��a. Simas, ao v��-lo, quis saber o que havia acontecido.
��dio, veneno e fogo
115
Exaurido, Faruk contou c o m o a maior parte das planta����es havia
sido devastada. E que os ind��cios mostravam que era Sans��o o respon-
s��vel pelo inc��ndio.
Simas colocou as m��os sobre a cabe��a em desalento. O l h o u , c o m
ang��stia, para a impass��vel imagem de D a g o n . E Faruk passou a o r i e n -
t��-lo a preparar-se para o pior que ainda viria. O comandante Abbas
certamente vingaria o preju��zo m a t a n d o - o , assim c o m a toda sua
fam��lia. A desgra��a seria quest��o de tempo. O melhor que p o d e r i a m
fazer era fugir.
O soldado r e t o m o u o f��lego e saiu novamente atr��s de not��cias
sobre Sans��o. Estava transtornado, fora de si, adoecido em seu ��dio.
E n q u a n t o isso, a perplexidade t o m o u conta da casa de Simas. Ele
acordou as fdhas e a empregada e o r d e n o u que agissem r��pido, r e c o -
l h e n d o coisas de valor que pudessem ser trocadas durante u m a vigem
sem destino.
��� C o m o Sans��o poderia causar tamanho estrago? ��� quis saber
Ieda.
��� Ele �� um monstro. Estamos perdidos, vamos fugir o quanto
antes daqui ��� inquietou-se Simas.
P r �� x i m o dali, o comandante Abbas j�� patrulhava, em desalento,
pelas planta����es queimadas. Observava, consternado, toda aquela
riqueza que, n u m a noite, havia se t o r n a d o cinzas. Faruk, que retornava
da cidade, aproximou-se, contido e envergonhado.
��� Daqui v i n h a m os nossos aumentos, Faruk! E ele acabou c o m
t u d o ��� berrava, ensandecido.
��� N �� o p u d e m o s evitar...
Abbas i n t e r r o m p e u as explica����es golpeando-o c o m socos e p o n -
tap��s. E, desembainhando sua espada, preparou-se para cortar o pes-
co��o de Faruk.
Encolhido, tal c o m o um rato encurralado, Faruk pedia a Abbas
que lhe desse mais uma chance de capturar o hebreu. Se a m o r t e era
inevit��vel, que fosse n u m combate.
O comandante recolheu a sua espada e, c o m um sinal, o r d e n o u que
fosse. Assim que Faruk partiu, ele c h a m o u Aron e deu-lhe a ordem.
116
Sans��o e Dalila
��� Fa��a perecer nas chamas os causadores de tamanha desgra��a.
Aquela mulher e seu pai.
Aron assentiu, reuniu alguns h o m e n s e de pronto galoparam em
dire����o �� casa de Simas.
No quarto das mulheres, no pal��cio de Gaza,Yunet aproximava-se
cada vez mais de Dalila. E, percebendo a movimenta����o suspeita de
Tais, que havia deixado o pal��cio c o m Jana, tratou de alertar a c��lebre
cortes��.
��� Deve tomar cuidado, Dalila.
��� A H a n n a h voltou?
��� N �� o , c o m a Tais.
��� C o m essa n��o me preocupo.
��� Pois deveria. Ela ficou furiosa p o r n��o ter se apresentado aos
pr��ncipes e est�� c o m inveja p o r q u e voc�� g a n h o u mais j��ias do que ela
em todos esses anos no pal��cio.
Yunet estava certa. Fora do d o m �� n i o de Gaza, Tais andava apressa-
da, escoltada p o r Jana. Seguiam em dire����o a uma antiga gruta o n d e
vivia u m a velha feiticeira.
O local parecia abandonado. Um buraco esculpido entre pedras
n u m pared��o rochoso e que formavam um cintur��o antes da entrada
da cidade. L�� havia u m a cama e u m a mesa. Alguns utens��lios velhos
usados para a cozinha e um forte o d o r azedo, c o m o o de carca��a ani-
mal. Era ali que vivia uma mulher misteriosa, que diziam ter poderes
m��gicos.
Tais se aproximou c o m altivez e, diante da feiticeira, falou sobre
seus problemas no pal��cio a partir da chegada de Dalila. Q u e r i a um
feiti��o que pudesse destron��-la. Por��m, a velha senhora, ap��s analisar a
situa����o e consultar os seus deuses, justificou-se dizendo que algo mais
forte impedia que o r u m o da hist��ria fosse alterado. Pensou um p o u c o
diante da insist��ncia de Tais e retirou de u m a gaveta empoeirada um
p e q u e n o frasco.
��dio, veneno e fogo
117
��� Sete gotas derrubariam o mais forte dos h o m e n s ��� explicou
a feiticeira.
De posse do veneno, Tais acariciou o frasco c o m o se fosse um
animal de estima����o e o guardou n u m a pequena bolsa que levava
consigo. Fitou o olhar amedrontado de Jana e achou gra��a.
��� Isso deve bastar.
As duas voltaram para o pal��cio, eTais planejava o m o m e n t o certo
de agir. Absorta em pensamentos e n q u a n t o caminhava pelos c o r r e -
dores, quase esbarrou em um criado que trazia consigo uma bandeja
repleta de frutas, p��es, ��gua, vinho, ta��as e flores. Pensou que fossem
para os pr��ncipes hospedados e se ofereceu para entregar a bandeja.
��� N �� o s��o para os pr��ncipes, s��o para Dalila. Foi o pr��ncipe In��rus
q u e m m a n d o u .
Apesar de seu desprezo por Dalila, a mo��a percebeu ali u m a o p o r -
tunidade. Ao notar que n��o havia uvas, sugeriu ao criado que buscasse
t a m b �� m as frutas, que eram as prediletas de Dal��a. O h o m e m c o n c o r -
d o u e deixou a bandeja sob os cuidados de Tais e n q u a n t o foi apanhar
alguns cachos.
A cortes�� gotejou um p o u c o do veneno recebido da feiticeira nas
duas ta��as de vinho. E sorriu, maliciosa, �� espera de seu triunfo.
O empregado r e t o r n o u rapidamente, recolheu a bandeja e seguiu
em dire����o aos aposentos de Dal��a.Tais, de perto, o espreitava.
Foi Myra q u e m recebeu a e n c o m e n d a e m a n d o u que a deixasse
pr��xima �� cama de Dal��a. L��, ela j�� conversava c o m Yunet e Jana, que
havia acabado de retornar.
��� Olhe, Dal��a. Pelo j e i t o voc�� agradou m e s m o aos soberanos! ���
c o m e m o r o u Myra, vendo a bandeja enfeitada c o m diversas del��cias.
��� J u n t e m - s e a n��s ��� pediu Dal��a a Jana e Yunet, e n q u a n t o apa-
n h o u um cacho de uvas e o abocanhou, c o m fome.
Tais apenas a observava. E aguardava o m o m e n t o de sua vingan��a,
que haveria de acontecer em breve.
Dal��a e as amigas riam, descontra��das. Apenas Jana mantinha-se
um p o u c o distante e calada. Falavam sobre a apresenta����o e sobre
118
Sans��o e Dalila
cada um dos soberanos. Gargalhavam ao contar sobre seus amores
secretos e deleitavam-se c o m as frutas frescas e os p��es saborosos. Myra
apanhou u m a das ta��as e ofereceu a outra a Dalila. Elas brindaram e
prepararam-se para beb��-las. Mas foram interrompidas p o r um forte
estrondo e gritaria na entrada do quarto das cortes��s.
Era H a n n a h .
Ela havia despistado os soldados e invadido o pal��cio pelo jardim.
Cario tentava segur��-la, mas ela estava enfurecida. Usava roupas reta-
lhadas e tinha a apar��ncia suja. Seus longos cabelos ensebados. Em
nada lembrava a poderosa cortes�� que p o r anos chefiou a ala das c o n -
cubinas palacianas. Seu ��nico desejo era matar Dalila. N e m que isso
custasse sua vida t a m b �� m .
Invadiu o local, e m p u r r a n d o Myra, que deixou cair a ta��a de
vinho. Encarou Dalila c o m t o d o o ��dio e ressentimento que guardava
no peito.Yunet e Cario correram �� procura de soldados.
��� Traidoras! Logo se curvaram diante dessa serpente! Pois saibam
que ela far�� c o m voc��s o que fez comigo.
Em poucos instantes, alguns h o m e n s chegaram e seguraram-na.
H a n n a h , p o r �� m , mantinha sua altivez.
��� N �� o t e n h o mais nada a fazer neste lugar... s�� lamento que,
quando a desgra��a se abater sobre voc��s, n��o estarei presente ��� disse,
para depois gargalhar. Um riso nervoso e sem raz��o.
Aproveitando-se da distra����o de um dos soldados, ela p e g o u a ta��a
de vinho de Dalila e, c o m desd��m, b e b e u lentamente. Tais, ao ver a
cena, gritou e t e n t o u impedir. P o r �� m H a n n a h , que j�� havia saborea-
do o vinho, limpou seus l��bios c o m a palma das m��os e sorriu c o m
deboche.
M e n o s de dez segundos depois H a n n a h sentiu-se mal. Seus olhos
reviraram e ela despencou, de s��bito, ao ch��o. Os soldados tentaram
reanim��-la, mas constataram que seus batimentos card��acos haviam
parado. H a n n a h estava morta.
��dio, veneno e fogo
119
Na casa de Simas, j�� n��o havia mais tempo. Os relinchos dos cavalos
anunciavam que os soldados haviam chegado para c u m p r i r as ordens
de Abbas. Aron foi o primeiro a entrar na casa e, logo, deparou-se c o m
seu anfitri��o. Q u e s t i o n o u sobre Sans��o e o r d e n o u que amarrassem
Simas. Aos gritos, ele pedia que o deixassem partir.
Nada, entretanto, sensibilizava Aron e seus h o m e n s . Eles o a m o r -
da��aram e seguiram em dire����o aos quartos, o n d e capturaram Ieda,
Judi e a ama. Colocaram todos os habitantes da casa no ��trio principal,
diante de D a g o n , presos por cordas a uma coluna.
A r o n cumpria as ordens recebidas por seu comandante c o m fir-
meza.Para ele, t u d o aquilo t a m b �� m era m u i t o constrangedor. C o n h e -
cia Simas e suas filhas. Havia participado, p o u c o t e m p o antes, da festa
de casamento. E sentia em ter de mat��-los.
��� M a t e m - m e ! Mas deixem minhas filhas, eu imploro! Eu i m p l o -
ro! ��� Simas gemia de forma incontrol��vel. Sua soberba e seu p o d e r
de nada lhe serviam naquela hora. Era c o m o se fosse mais um dos
hebreus esmagados pela tirania filisteia.
Os soldados espalharam palha ao redor da casa e no seu interior,
principalmente ao redor da fam��lia amarrada. Trancaram as portas e
janelas e, munidos de tochas, atearam fogo na casa.
As labaredas se espalharam, consumindo as paredes e os espa��os da
i m p o n e n t e constru����o. E, de dentro, os gritos aterrorizados de Simas
e suas fdhas eram um som perturbador.
Faruk chegou logo em seguida e desesperou-se.
��� O que est�� acontecendo aqui? Foi Sans��o q u e m fez isso?
��� Ordens do comandante Abbas ��� respondeu Aron c o m secura.
��� Mas e a fam��lia? O n d e est�� Ieda? ��� clamava, gesticulando deses-
perado em dire����o �� casa em chamas. Aron permaneceu em s����ncio
diante do rosto apavorado de Faruk, que tentava avan��ar sobre a porta
coberta por labaredas.
Sans��o t a m b �� m chegava ao local. E, ao ver a casa flamejando, p �� s -
-se a gritar, aflito, p o r Ieda. C o r r e u em dire����o a u m a das portas em
chamas e a a r r o m b o u , invadindo o local cheio de fogo e fuma��a.
Algumas pedras desprendiam-se, quase o atingindo. E a visibili-
dade, dentro do local, era quase nula. Ap��s alguns passos, ouviu a voz
120
Sans��o e Dalila
abafada de Ieda. C o r r e u , desamarrou-a e a colocou nos bra��os. Ao
lado dela percebeu que a ama, assim c o m o Simas, que estava abra��ado
a Judi, j�� estavam sem vida, todos abatidos pela inala����o de fuma��a.
Sans��o atravessou novamente os c �� m o d o s em chamas e r o m p e u
a porta da casa c o m Ieda nos bra��os. C a m i n h o u at�� um p o n t o o n d e
a fuma��a n��o mais os atingisse e colocou-a delicadamente aos p��s de
uma ��rvore.
Faruk e alguns soldados os cercaram. E, at��nitos, n��o sabiam o
que fazer. Era c o m o se algo maior envolvesse Ieda e Sans��o sob os p��s
daquela ��rvore.
��� Foi minha culpa ��� disse Ieda, c o m a voz quase sumindo.
��� N �� o se esforce ��� pediu Sans��o, enquanto densas l��grimas des-
ciam por sua face.
��� P e r d o e - m e . Eu n��o queria. Ele me obrigou. Ia nos matar ���
c o n t i n u o u a j o v e m , cada vez mais fraca.
��� Ele quem?
��� Foi Faruk. Sans��o, quero que saiba que voc�� sempre foi o m e u
her��i.
��� Seu m a r i d o ��� corrigiu Sans��o, c o m afeto.
Ieda sorriu e acariciou o rosto do hebreu. E, em seguida, desfa-
leceu p o r completo. Seus bra��os delicados subitamente perderam as
for��as c o m o se fossem p��talas de u m a rosa desprendendo-se suave-
m e n t e em dire����o ao ch��o. A vida da mulher que ele tanto a m o u
havia evaporado ah. Seu sonho liquidado para sempre. Golpeado p o r
u m a cultura de ��dio e loucura.
Sans��o a abra��ou c o m for��a. J�� n��o podia conter a f��ria de suas
l��grimas. C h o r o u e beijou-a c o m profunda ang��stia.
Faruk aproximou-se, constrangido pelo amor dos dois e sentindo
t a m b �� m a dor de perder Ieda. Ele a amava, do seu jeito b r u t o e i n t e -
resseiro, mas a amava.
��� Eu tentei evitar, Sans��o. Foi voc�� que a matou.
C A P �� T U L O 7
O retorno
Sans��o sentiu o gosto amargo da tristeza e da ira. N o s seus bra��os, o
corpo delicado de Ieda sem vida, resfriando-se e endurecendo. N �� o
bastasse a dor que apunhalava sua alma, tinha diante de si a desprez��vel
imagem de Faruk.
O soldado filisteu b e m que tinha avisado que Sans��o se arrepen-
deria de n��o o ter matado quando se encontraram pela primeira vez,
em Zor��. Desta vez, contudo, Sans��o n��o estava disposto a ser c o n -
descendente. C o l o c o u o c o r p o im��vel de Ieda sob o ch��o e partiu
determinado em dire����o de Faruk. Alguns soldados tentaram i m p e d i -
-lo, mas c o m golpes certeiros deixava-os desacordados ao seu redor.
Faruk p u x o u sua espada, mas Sans��o segurou a l��mina e direcio-
n o u - a sobre o peito tr��mulo do soldado filisteu.
��� N �� o acabou, Sans��o. N �� o pense que acabou...
��� Tem raz��o, n��o desistirei enquanto n��o me vingar de cada filisteu.
C o m um m o v i m e n t o firme e vagaroso, Sans��o cravou a pr��pria
espada de Faruk em seu peito. Seus olhos, apavorados, sangravam. Em
poucos segundos, estava m o r t o .
Aron, que estava b e m p r �� x i m o dali, ao ver o colega desfalecido,
galopou em busca de refor��os. Sans��o n��o esperou o r e t o r n o de mais
soldados. R a p i d a m e n t e apanhou o corpo frio de Ieda e partiu em
122
Sans��o e Dalila
dire����o ��s costas do mar de T i m n a , desaparecendo das vistas dos sol-
dados filisteus que, assustados, ca��avam-no.
Foi u m a caminhada sofrida. C o m o c o r p o de Ieda amparado em
seu peito, ele seguia em dire����o a um local o n d e poderia sepult��-la.
A dor s�� era suavizada pelas lembran��as do que viveram. Cada frase de
Ieda. Cada sorriso. Tudo saltava diante de seus olhos n u m espet��culo
de afetos e doces recorda����es.
Percorreu pela mata at�� chegar aos caminhos escorregadios e
��ngremes ao lado de montanhas que cercavam o mar. Desceu por u m a
trilha sinuosa at�� encontrar uma pequena clareira. O dia tinha passa-
do e a noite come��ava a escurecer o c��u, deixando a lua refletida nas
ondas que explodiam na praia. Ao som das ��guas e do vento, fez uma
ora����o c o m Ieda nos bra��os. E a enterrou j u n t o c o m t o d o o seu afe-
to. Estava emocionalmente destru��do, mas sabia que t��o logo voltasse
para casa, sua vida seria diferente. Se houvesse algum sentido em t o d o
aquele sofrimento, que fosse para lhe devolver o sentido de justi��a e a
f��. E foi o que fez. Enterrou a esposa morta e seguiu o caminho que
o levaria a Zor��.
N �� o havia melhor m o m e n t o para Sans��o retornar. A tribo de D��
ressentia a falta de seu l��der. E Jidafe parecia disposto a dar as ordens
p o r l��.
N �� o raramente, os h o m e n s do povoado se atracavam pelas ruas
poeirentas do vilarejo. N u m a ocasi��o, M a n o �� estava p r �� x i m o e tentou
intervir.
��� Parem c o m isso! N �� o adianta se matarem! Essa revolta n��o
nos levar�� a lugar n e n h u m ! N �� o mudar�� em nada a nossa condi����o!
Somos um povo s��, temos que nos unir, seguindo as leis do �� n i c o
D e u s !
Jidafe passava por p e r t o e, ao ouvir o conselho do pai de Sans��o,
ironizou.
��� Se seu p r �� p r i o filho ouvisse suas palavras...
��� N �� o c o l o q u e m a culpa em Sans��o se n��o fazem a parte de
voc��s ��� esbravejou M a n o �� , cansado de tanto ouvir reclama����es sobre
Sans��o. E frustrado t a m b �� m , por saber que a maioria das cr��ticas era
verdadeira.
O retorno
123
Naquela tarde, em especial, M a n o �� j�� n��o vinha se sentindo b e m .
E as palavras debochadas de Jidafe fizeram-lhe ainda mais mal. U m a
dor espetou seu peito c o m o se fosse uma pequena adaga a perfurar��-
-lo. Sentiu o ar rarefazer-se e t o n t e o u .
Da janela de sua casa, Zil�� viu e gritou p o r ajuda. Jidafe rapida-
m e n t e amparou o velho h o m e m e, sem demonstrar afeto, levou-o
pelas escadas esculpidas que davam acesso �� sua casa. D e i t o u - o sobre
u m a cama de palha e retirou-se sem dizer u m a palavra. D e i x a n d o para
tr��s Zil�� e Samara, que correu assim que soube do ocorrido.
Ap��s alguns minutos de descanso, M a n o �� despertou. Sorriu ao
perceber a afli����o dedicada de Zil��.
��� A c h o u que eu a deixaria nas m��os desses homens?
��� Deus est�� lhe mostrando, Mano��. N �� o deve se revoltar. Deve
manter sua f��, m e u marido. Ele, o Senhor, cuidar�� de tudo por aqui ���
disse Zil��, desfazendo a cara de preocupa����o e colocando um caldo para
aquecer no fogo. Entregou-o para Mano��, que assentiu agradecido.
Jidafe, p o r �� m , continuava aborrecido. E disposto a descontar sua
ira no primeiro que visse pela frente. Foi quando avistou um p e q u e n o
e desconhecido garoto escondido sob a banca que guardava os frutos
da colheita recente. Era Gadi, u m a crian��a de aproximadamente dez
anos. Ele havia escapado de uma emboscada feita p o r fdisteus que ata-
caram sua familia e n q u a n t o viajavam p o r caminhos pr��ximos a Zor��.
Sobreviveu ao caminho arenoso at�� desembocar no vilarejo dos
danitas. O p e q u e n o hebreu, esfomeado, pensou em pegar um p o u c o
de comida quando foi flagrado justo p o r Jidafe.
��� O que faz aqui, ladr��o? ��� censurou, segurando a crian��a pelo
bra��o e arrastando-a at�� o largo central de Zor��. Os gritos apavorados
do m e n i n o chamaram a aten����o do povoado, que formou um c��rculo
ao seu redor.
Para Jidafe, aquela era u m a oportunidade de mostrar c o m a n d o
para o seu povo e zelo pela colheita. E, sem demonstrar qualquer fra-
queza, tratou o m e n i n o c o m o se fosse um perigoso criminoso.
��� Sabe o que fazemos c o m ladr��es aqui? C o r t a m o s suas m��os! ���
disse diante do atordoado Gadi. Alguns h o m e n s ao redor exultavam e
encorajavam Jidafe a prosseguir.
124
Sans��o e Dalila
Heber, que havia retornado de T i m n a , presenciou a cena e, c o m o
raramente fazia, interviu.
��� Est��o loucos? �� u m a crian��a! ��� a r g u m e n t o u diante da roda
que se formara. E, n u m ��mpeto, p u x o u Gadi das m��os do justiceiro,
entregando-o a Samara, que estava ali p r �� x i m o . O m e n i n o se apre-
sentou, c o n t o u sua hist��ria e c o m o seus pais pediram que corresse
pelo deserto para escapar da tirania dos filisteus que saqueavam sua
caravana c o m viol��ncia.
��� N i n g u �� m vai lhe fazer mal, garoto. Voc�� �� filho de Abra��o,
c o m o todos n��s. �� b e m - v i n d o �� casa de D�� ��� disse Heber, procuran-
do acalmar o m e n i n o .
A multid��o, ao perceber que nada aconteceria, dispersou-se c o m
a mesma velocidade c o m a qual se formou. Deixaram apenas Jidafe e
H e b e r p o r ah. Samara levou o m e n i n o at�� a casa de M a n o �� e Zil��. L��,
os pais de Sans��o acolheram Gadi, que chorava e solu��ava compulsi-
vamente, apavorado c o m a rea����o de Jidafe. Suas m��os estavam e n c o -
lhidas por detr��s do c o r p o tr��mulo. Zil�� serviu um p o u c o de caldo
quente c o m p��o e o m e n i n o acalmou-se.
Jidafe, entretanto, continuava raivoso. E sabia b e m que H e b e r n��o
era um h o m e m corajoso, pelo contr��rio, sempre se valeu da amizade
de Sans��o para se defender. Isso desde quando os tr��s eram garotos nas
lavouras de trigo. Para Heber, n��o havia problema algum ter m e d o .
O m e d o o ajudava a ficar longe dos perigos. E Sans��o o protegia
quando o embate fosse inevit��vel. Estava b o m assim.
J�� Jidafe rivalizava c o m o filho de Mano��. Incomodava-se c o m sua
lideran��a inata e, mais do que isso, revoltava-se c o m sua irresponsabili-
dade. Se fosse ele, Jidafe, a ser agraciado c o m o mesmo d o m , c o m tama-
nha for��a, derrotaria os filisteus n u m a s�� noite. Ele ficou ah, absorto nos
pensamentos mais raivosos. At�� que partiu em dire����o a Heber.
��� Q u e m �� voc�� para me enfrentar?
��� Apenas fiz o que �� correto. A lei de Mois��s �� clara quanto ao
direito do ��rf��o, Jidafe ��� respondeu H e b e r acabrunhado, enquanto
erguia sobre si um gal��o de barro, p r o n t o para buscar um p o u c o mais
de ��gua no po��o.
O retorno
125
Jidafe irritou-se e c o m um bofet��o lan��ou para longe o jarro, que
se despeda��ou no ch��o. Heber, silenciosamente, foi recolher os cacos,
mas Jidafe o segurou contra o m u r o e c o n t i n u o u sua agress��o.
��� J�� disse que agora eu t o m o as decis��es p o r aqui. Os h o m e n s me
aceitaram c o m o l��der.
��� Mas eu n��o aceitei e estou farto do m o d o tirano c o m o age.
O n d e j�� se viu amea��ar cortar as m��os de um m e n i n o ��rf��o e c o m
fome? O n d e est��o seus princ��pios, Jidafe? Sua sensibilidade?
��� Ficaram para tr��s, e voc�� sabe b e m disso... ��� os olhos de Jidafe
se encheram de l��grimas ao se lembrar do epis��dio quando os fdisteus
mataram sua m��e. Aquela imagem n��o sa��a da sua m e n t e . E, desde
ent��o, o ��dio s�� aumentava no cora����o.
��� N i n g u �� m t e m culpa do que aconteceu. E nada justifica essa
atitude...
��� N �� o quero ouvir sobre isso, Heber!
��� A viol��ncia �� a arma dos ignorantes.
��� E a palavra �� a dos fracos. E �� isso o que voc�� sempre foi, Heber.
Desde crian��a. Um fraco. Vamos falar de h o m e m para h o m e m . V o c �� ��
um medroso que sempre viveu �� sombra de Sans��o. Pois agora, neste
m o m e n t o , n e m que voc�� grite c o m toda a sua for��a poder�� contar
c o m a prote����o dele ��� Jidafe preparava-se para socar H e b e r quando
u m a voz o censurou.
��� Est�� enganado, Jidafe ��� disse u m a voz grave por detr��s dele.
Era Sans��o, que havia acabado de retornar para seu povoado ap��s
sepultar Ieda.
H e b e r desvencilhou-se de Jidafe e correu para o lado de Sans��o.
��� N �� o t e n h o m e d o de voc��, Sans��o.
��� N �� o �� a m i m q u e deve temer. Agora os herdeiros de D�� ter��o
o j u i z que m e r e c e m . E p o b r e daquele que agir fora da lei. Ficarei
atento a voc��, Jidafe.
Para Jidafe, n��o havia o que fazer. Sans��o estava de volta e era
reconhecido por seu povo c o m o o j u i z dos danitas. E, m e s m o sem sua
aprova����o, somente a m o r t e do filho de M a n o �� e Zil�� poderia devol-
ver-lhe a lideran��a. E precipit��-la seria o seu objetivo dali em diante.
126
Sans��o e Dalila
Dalila estava em estado de c h o q u e c o m a m o r t e s��bita de H a n n a h .
E, ao perceber a rea����o assustada de Tais quando tentou impedir que a
antiga chefe das cortes��s bebesse a ta��a de vinho, deduziu que n��o era
H a n n a h q u e m deveria estar naquele ch��o gelado de pedras calc��rias
polidas. Era ela pr��pria. H a n n a h havia sido envenenada p o r engano, e
as suspeitas de Dalila logo se voltaram para Tais.
Tais e Jana estavam visivelmente tensas. Jana n��o tirava os olhos da
colega e chorava compulsivamente.
A rea����o da m o r t e de H a n n a h t a m b �� m gerou um alvoro��o no
pal��cio. Os pr��ncipes filisteus que estavam reunidos em Gaza decidi-
ram antecipar o final do encontro, t e m e n d o tratar-se de um atentado
contra eles. O fato irritou o anfitri��o In��rus, que convocou, aos b e r -
ros, Abbas para uma audi��ncia em sua sala.
In��rus o esperava, inquieto, caminhando de um canto a outro. Afa-
gava o p u n h o de sua espada, c o m o fazia quando estava tenso. E, assim
que o comandante chegou, o pr��ncipe, que p o u c o falava, p��s-se a
repreend��-lo pela s��rie de ocorr��ncias que assolavam seu principado.
Q u e r i a explica����es sobre a m o r t e de H a n n a h a poucos metros da
sala o n d e se reunia c o m os principais governantes filisteus. E t a m b �� m
sobre o guerreiro hebreu que havia matado trinta h o m e n s inocentes e
retirado suas vestes, incendiado as planta����es de trigo e derrotado seus
soldados. Se Gaza estava sob ataque, era preciso reagir.
Abbas era um h o m e m orgulhoso e n��o reagia b e m ao ser h u m i -
lhado, n e m m e s m o pelo seu soberano. Por isso evitava encar��-lo e
mordia os l��bios c o m raiva e n q u a n t o escutava a repreens��o.
O comandante prop��s reunir h o m e n s de Ecrom, Gate, Ascal��o e
todas as cidades filisteias. Q u e r i a uma for��a-tarefa que invadisse Zor��
e liquidasse Sans��o de maneira r��pida.
��� Os pr��ncipes sa��ram daqui assustados, t e m e n d o p o r algum aten-
tado ��s suas vidas. Acha m e s m o que v��o disponibilizar seus h o m e n s
depois disso? �� esse o seu plano? N �� o somos capazes de vencer um
guerreiro hebreu armado de madeira e pedras c o m todas as nossas
armas de ferro? ��� esbravejava In��rus.
O retorno
127
Abbas se desculpava e garantia que resolveria brevemente toda a
situa����o, elucidando a m o r t e de Hannah e trazendo a cabe��a de Sans��o.
��� Saia daqui, comandante. Pense b e m no que ir�� fazer. Agora,
chame Dalila. Apenas uma beleza c o m o a dela p o d e compensar-me
de dias t��o dif��ceis.
Abbas assentiu e saiu c o m u m a express��o de ��dio no rosto. Sua
raiva n��o era apenas p o r causa dos transtornos causados p o r Sans��o
ou m e s m o pela m o r t e de H a n n a h . Era, principalmente, p o r causa de
Dalila. Ele sentia ci��mes da j o v e m e a queria apenas para si. Dividi-la
c o m o pr��ncipe In��rus era a t o r m e n t a d o r para ele.
J�� Dalila tentava encontrar provas sobre o envolvimento de Tais
na m o r t e de H a n n a h . C a m i n h o u pelo jardim e viu Cario. Foi ent��o
conversar c o m o jardineiro.
��� Queria te agradecer por ontem. Vi que tentou impedir Hannah.
C a r i o fez m e n �� �� o de sorrir, mas sentiu vergonha. Abaixou a cabe-
��a e falou.
��� O veneno procurava a beleza... Mas encontrou aquela que b u s -
cava a m o r t e .
��� Sabe q u e m foi respons��vel p o r isso?
C a r i o balan��ou a cabe��a negativamente. Mas olhou para o outro
lado do p��tio, o n d e Jana caminhava c o m pressa. Dalila estranhou, dei-
x o u o jardineiro e correu ao encontro de Jana, que estava nitidamente
nervosa.
��� A o n d e vai c o m tanta pressa? Foi voc�� q u e m tentou me matar?
��� p e r g u n t o u c o m inten����o de peg��-la de surpresa.
��� D e i x e - m e ir...
��� C o n t e - m e o que sabe, Jana.
��� Eu n��o... n��o posso ��� respondeu, escorregando das m��os de
Dalila e correndo em dire����o aos port��es do pal��cio. N �� o era preciso
de mais explica����es. Dalila percebia c o m o Jana era ref��m de Tais. Sabia
t a m b �� m que ela n��o a entregaria. E, se quisesse m e s m o p o r um fim ��s
retalia����es da antiga cortes�� predileta de Gaza, teria que agir firme-
m e n t e . Observou a movimenta����o de soldados pelo jardim e pensou
n u m plano.
128
Sans��o e Dalila
Poucos minutos depois, Dalila voltava para o quarto das cortes��s.
E, ao perceber que Tais estava s��, decidiu agir imediatamente. C a m i -
n h o u at�� diante da mo��a, i n t e r r o m p e n d o - l h e a passagem.
��� D e i x e - m e ir, Dalila. Saia do m e u caminho.
��� Sabe que n��o �� t��o simples assim...
��� Do que est�� falando? ��� disfar��ou Tais, tentando driblar Dalila.
Mas a j o v e m de Soreque a agarrou pelos bra��os e a segurou diante de si.
��� Tem coragem de matar u m a pessoa, mas �� covarde na hora de
assumir a culpa?
��� Est�� louca, Dalila. Solte-me! ��� reclamava Tais, agitando-se.
��� Pois grite �� vontade. Todos est��o ocupados c o m a mulher que
voc�� m a t o u .
Tais o l h o u ao redor e viu que as duas estavam sozinhas. N �� o havia
mais c o m o enganar Dalila e de nada adiantaria, pensou, continuar
fingindo sua inoc��ncia.
��� Foi voc�� q u e m provocou t u d o isso Dalila. C h e g o u ao pal��cio
ocupando todos os espa��os. C o m o se n��s, as outras, n��o exist��ssemos.
Faz ideia do esfor��o que fazemos para continuar aqui?
Dalila disfar��ou seu c o n t e n t a m e n t o c o m u m a quase admiss��o. E
prosseguiu sua t��tica de cercar Tais e faz��-la confessar seus crimes.
��� E voc�� t e m o direito de tentar tirar a minha vida?
��� V o c �� n��o entende, Dalila. Isso aqui �� t u d o o que tenho. M e u s
planos de riqueza, de ter um h o m e m que me ame e me encha de
presentes e j��ias. Voc�� n��o t e m o direito de estragar t u d o ��� dizia,
deixando escapar a discri����o e compostura.
Tais estava entregue. E falava t u d o o que sempre sonhou dizer ��
rival.
��� Q u e r i a v��-la distante, sim! C o l o q u e i o veneno no vinho, sim!
E sou capaz de m u i t o mais para defender o que �� m e u . O que me
pertence. Agora voc�� entende?
Dalila olhou para a figura abatida de Tais e sentiu pena. Era a cari-
catura da tristeza. A pintura borrava seu rosto por causa das l��grimas.
Os cabelos alvoro��ados e desajeitados. Era a beleza vazia em busca de
valores v��os. U m a fragilidade perigosa, u m a n��o aceita����o presun��osa.
O retorno
129
Tais sonhava em cobrir-se de riqueza e estava disposta a pagar qual-
quer pre��o p o r seus sonhos ambiciosos.
Dalila estralou os dedos e dois soldados surgiram p o r detr��s das
cortinas. T u d o j�� estava armado para que Tais confessasse. E a j o v e m
cortes�� caiu c o m extrema facilidade na c��ada de Dalila.
��� Voc��s a ouviram. Levem-na.
Ao perceber que havia testemunhas,Tais ficou aterrorizada. Tentou
escapar, mas os soldados a agarraram e levaram-na arrastada pelo ch��o.
Aos gritos, ela amea��ava e amaldi��oava Dalila, Myra e todas as cortes��s
do pal��cio. Estava descontrolada, p o r �� m dominada pelos soldados.
Caberia a Abbas decidir seu fim.
O comandante faria o que Dalila pedisse. Abbas estava c o m p l e -
tamente inebriado pela beleza da j o v e m , ensandecido de desejo e j��
havia at�� m e s m o proposto a Dalila que n��o mais se deitasse c o m In��-
rus e se tornasse sua protegida especial. Dalila, p o r �� m , sabia que sua
beleza era grande demais para ser subjugada pelo comandante. Ela
queria reinar.
E, ap��s a pris��o de Tais e a proposta de prote����o do comandante
Abbas, Dalila seguiu at�� os aposentos de In��rus para atend��-lo e avan-
��ar ainda mais em seus planos.
Estancou diante do soberano, deixando que sua sensualidade falas-
se p o r si. In��rus parecia um adolescente diante da garota que a l m e -
java. E n��o resistia um m i n u t o sem beij��-la pelos bra��os e pesco��o
c o m languidez. Tentava absorver t o d o o perfume que saia de sua pele.
E, n u m a dessas investidas, e n q u a n t o sentia o suave perfume de sua
nuca, Dalila virou-se e lhe fez um s��bito pedido.
��� M e u grande senhor, t e n h o algo a lhe pedir.
��� O que mais voc�� quer seja t e m presentes, j��ias e agrados?
��� Q u e r o sua prote����o.
��� Pois j�� a tem.
��� Tornei-me, de fato, sua protegida. N �� o permita que outros
h o m e n s m e t o q u e m . Q u e r o pertencer somente a o m e u pr��ncipe.
In��rus alargou um sorriso de contentamento.
130
Sans��o e Dalila
��� Pensarei a respeito, Dalila ��� p r o m e t e u , satisfeito c o m a devo-
����o da bela mo��a.
Sans��o estava disposto a reconstruir sua hist��ria em Zor��. E come��aria
restabelecendo a confian��a de seus pais. Subiu a escada que levava at�� a
casa de M a n o �� , abriu a porta vagarosamente e percebeu a m��e, de cos-
tas, conversando c o m Gadi, que estava deitado. Ela contava a hist��ria
de c o m o D e u s a havia presenteado c o m seu filho. E que Sans��o seria
ainda uma b��n����o para sua fam��lia e seu povo. M a n o �� , que estava d e i -
tado p r �� x i m o dali, recuperando-se ainda do mal-estar, emocionava-se
c o m a narrativa de Zil��.
A m��e contava c o m o sentia falta do filho e fazia compara����es do
p e q u e n o Gadi c o m Sans��o quando este t a m b �� m era u m a crian��a.
Sans��o sorriu. Estava em casa. Cercado de verdadeiro afeto. Do
amor que brotava daquela constru����o simples. Das paredes de barro.
Do fog��o improvisado de o n d e sa��a o p��o perfumado, os caldos a c o -
lhedores feitos c o m os rar��ssimos ingredientes.
L�� eles n��o precisavam da imagem de um deus esculpido em pedra
para os proteger. O Deus verdadeiro era sentido em todos os cantos.
��� M �� e , eu voltei. Voltei para liderar nossa gente!
Zil�� virou-se emocionada. Levantou-se e abra��ou o filho d e m o -
radamente.
Mano��, deitado, t a m b �� m se e m o c i o n o u .
��� Q u e felicidade, Sans��o. Pensei que jamais o veria...
Sans��o foi at�� o pai, fez um afago em seus cabelos brancos e beijou
seu rosto. O gesto singelo n��o escondeu dos olhos do filho a tristeza.
Sans��o estava machucado. N �� o no corpo, mas no cora����o, e apenas
aqueles que o amavam conseguiam enxergar.
��� O que fizeram c o m voc��, m e u filho?
��� Fizeram-me voltar, m e u pai. �� isso que importa.
M a n o �� assentiu, resignado, e t a m b �� m envolveu Sans��o c o m seus
bra��os envelhecidos n u m abra��o de saudade e de esperan��a.
O retorno
131
Havia m u i t o trabalho pela frente. E o primeiro seria unir os filhos
de D��, divididos pelas palavras de revolta de Jidafe, que havia destitu-
��do o levita da tribo de suas fun����es. O levita era o respons��vel p o r
organizar as cerim��nias religiosas, inclusive as festas, c o m o a celebra-
����o do Semear, a grande festa da colheita.
Para Jidafe, n��o havia raz��es para realizar uma festa, c o m o esta-
vam tradicionalmente habituados j�� que a colheita havia sido pequena
naquela temporada. Sans��o, no entanto, m a n d o u que o povo t o d o
realizasse os trabalhos para as semanas de grandes celebra����es, restabe-
lecendo as fun����es do levita. Um clima tenso estabeleceu-se entre os
dois, mas, naquela ocasi��o, Jidafe decidiu n��o discutir.
Mas n e m t u d o era pesado para Sans��o. Estar c o m seus pais e os
amigos H e b e r e Samara era um refrig��rio ap��s dias convivendo c o m a
antipatia dos filisteus. A l �� m disso, havia agora Gadi, o garoto que estava
sendo cuidado por seus pais. E tal c o m o a um p e q u e n o irm��o, Sans��o
afei��oou-se do garoto.
��� Se voc�� �� m e s m o forte c o m o dizem, p o d e encontrar meus pais
e salv��-los dos filisteus? ��� interrogou o p e q u e n o Gadi.
Sans��o aproximou-se e acariciou os cabelos compridos do garoto.
��� N �� s temos a mesma for��a. A f�� n u m Deus ��nico, que olha por
n��s. Acredite que ele cuidar�� de seus pais e certamente estar��o b e m .
��� E os filisteus?
��� Destes eu mesmo cuidarei. Eles n��o ter��o for��a para nos derrotar.
A festa da colheita reunia diversas tribos de Israel. E a expectativa
era de que visitantes chegassem a Z o r �� brevemente. Por��m, causou
estranheza a H e b e r q u a n d o um primeiro g r u p o de viajantes chegou
�� cidade c o m muitos dias de anteced��ncia. Eram h o m e n s e m u l h e -
res que aparentavam ser n��mades. T i n h a m o aspecto sofrido e vulgar.
Alguns demonstravam certa viol��ncia. N �� o se pareciam c o m outros
hebreus, de apar��ncia mais amig��vel e acolhedora. Sans��o os recepcio-
n o u e indicou-lhes um local para que acampassem. H e b e r m a n t i n h a -
-se desconfiado, c o m o de costume.
132
Sans��o e Dalila
Em Gaza, a o r d e m era acabar c o m Sans��o. Por isso Abbas convocou
seus principais h o m e n s e p��s A r o n c o m o seu bra��o direito e h o m e m
de confian��a. Aron gostava de visitar o pal��cio. Ele mantinha um rela-
c i o n a m e n t o c o m Yunet e, sempre que podia, estava l�� para v��-la.
Yunet era apaixonada por Aron e esperava pelo dia em que os dois
pudessem viver j u n t o s , n u m a casinha ali perto. Era a imagem do seu
valente soldado que lhe alimentava a alma dia e noite no pal��cio.
O que Yunet jamais desconfiava, entretanto, era de que Aron t a m -
b �� m mantinha acesa uma paix��o por Myra. Ele se encontrava c o m
a chefe das cortes��s quando ela ainda vivia no largo das meretrizes.
Mulherengo, dizia chamar-se Nor��, evitando assim qualquer constran-
gimento. Por��m, quando a j o v e m passou a viver no pal��cio de Gaza, a
convite de Dalila, nunca mais reencontrou o soldado. E vivia a suspirar
lembran��as do guerreiro filisteu.
C o i n c i d e n t e m e n t e , Myra e Yunet adoravam trocar confid��ncias
amorosas sobre os romances de cada uma, sem jamais desconfiar que
se tratava da mesma pessoa, de Aron.
��� Eu ainda vou lhe apresentar a ele, Myra.
��� E u t a m b �� m Y u n e t . No dia que eu reencontr��-lo, voc�� o c o n h e -
cer��.
Por isso, quando soube da presen��a de A r o n no pal��cioYunet c o r -
reu para avisar �� chefe das cortes��s. Aron, entretanto, ao perceber que
se tratava de Myra, escapou do encontro, deixando Yunet confusa.
Dalila ria ao ver as amigas suspirando de forma juvenil. E, quando
instada sobre c o m o seria um h o m e m ideal para ela, provocava.
��� Seria um hebreu, forte, invenc��vel e chamado Sans��o ��� gar-
galhou, deixando Myra eYunet curiosas. Desde que ouvira falar sobre
Sans��o, n��o o tirava dos pensamentos. M e s m o sem nunca o ter visto,
sua coragem e bravura m e x i a m c o m o cora����o da j o v e m .
Dalila gostava m e s m o era de caminhar no florido jardim cuidado
p o r Cario. E sentia no jardineiro algu��m em q u e m pudesse confiar.
Q u a n d o n��o jardinava, Cario soprava sua flauta de bambu, arran-
cando um som doce e suave do instrumento. Dalila gostava de obser-
v��-lo. N u m fim de tarde, ela foi ao encontro do jardineiro. Q u e r i a
saber o que acontecia c o m Jana e para o n d e ela ia apressada dia sim,
O retorno
133
dia n��o. Ela desconfiava que Jana ainda pudesse tramar contra sua vida.
E queria antecipar-se.
��� Q u a n d o ela sair, me avise, p o r favor, Cario. Sei que nos c o n h e -
cemos p o u c o , mas confio em voc��. Saiba que n��o deixarei que n i n -
g u �� m o trate mal p e r t o de m i m .
Cario sorriu e Dal��a lhe acariciou os cabelos, sujos c o m galhos e
folhas das flores que cuidava c o m devo����o.
Dalila r e t o r n o u ao quarto das cortes��s, e, p o u c o t e m p o depois,
Cario surgiu na porta, fazendo um sinal, chamando-a.
��� A mo��a triste est�� saindo!
Dal��a cobriu-se c o m u m a t��nica e foi atr��s de Cario. No cami-
nho, entretanto, encontrou Myra.
-��� O comandante Abbas m a n d o u cham��-la.
��� N �� o posso, Myra. Diga que estou c o m In��rus e que ficarei c o m
ele para sempre.
��� Ele est�� b��bado e furioso, c o m o sempre.
��� Mais um motivo... ��� disse Dal��a, deixando a amiga para tr��s.
Cario e Dal��a correram pelos corredores que davam acesso ao jar-
dim, mas, antes de descerem as escadas, foram surpreendidos por Abbas.
��� Eu a chamei, Dal��a. At�� quando me faria esperar?
��� Preciso resolver algo importante, comandante.
��� O qu��? C o m essa aberra����o? ��� indignou-se Abbas, apontando
c o m desprezo para Cario.
��� Ele est�� me ajudando...
Abbas estava mais violento do que o costume e a segurou c o m
for��a pelo bra��o, arrastando-a em dire����o a sua sala. Cario agitava-se,
desesperado. N �� o sabia para q u e m pedir ajuda. O comandante tinha
o direito de ser violento c o m q u e m b e m entendesse, ainda mais c o m
uma das cortes��s.
Em poucos dias a festa estava preparada. E muitas caravanas acampa-
ram em Zor��. Dezenas de pessoas reuniam-se na tenda erguida n u m
descampado ao lado do v��arejo, t u d o organizado p o r Sans��o e o levita
134
Sans��o e Dalila
para a celebra����o da festa da colheita. Zil��, M a n o �� , Samara, H e b e r e
o p e q u e n o Gadi olhavam orgulhosos para o juiz de D��, que segurava
um feixe de trigo nas m��os.
��� E p o r todas as gra��as que reahzou, libertando nossos pais do
Egito, da casa de servid��o e a c o m p a n h a n d o - n o s at�� esta terra. Ao D e u s
de Abra��o, Isaque e Jac��, ao Deus de Israel oferecemos as prim��cias, os
primeiros frutos da terra ��� discursou Sans��o diante de u m a grande
pedra em forma retangular e c o m a superf��cie plana e lisa. Em seguida
entregou o trigo ao levita. O u t r o s h o m e n s , c o m vegetais nas m��os,
aproximaram-se, fazendo o mesmo.
Mas n e m todos estavam ali. Jidafe zanzava pelas ruas do vilarejo at��
que encontrou o acampamento de alguns viajantes, os mesmos que
chegaram c o m muita anteced��ncia �� festa. Observou, intrigado, que
aqueles h o m e n s e mulheres t a m b �� m n��o estavam entre os que cele-
bravam a colheita. Alguns h o m e n s treinavam arremessos c o m adagas
afiadas. O u t r o s bebiam vinho. Mulheres riam e falavam em voz alta.
Jidafe ficou pensativo e decidiu se aproximar da estranha caravana.
P u x o u conversa c o m os h o m e n s , falando de perto e discretamente.
Os dias de festa p e r m a n e c i a m animados, apesar da escassez de ali-
mentos. Sans��o gostava do clima festivo. E divertia-se c o m a presen��a
de caravanas distantes e pessoas desconhecidas. Samara t a m b �� m estava
feliz e dan��ava ao som da m��sica tocada. O u t r o s se ocupavam de orar
e agradecer pela colheita.
Samara era uma mulher bonita e tentava atrair Sans��o c o m seus
movimentos. H e b e r a observava contido e c o m olhar apaixonado. J��
um dos viajantes, justamente da suspeita caravana que n��o havia par-
ticipado da abertura da celebra����o, n��o lhe tirava os olhos. Era um
h o m e m forte, alto e rude, usava roupas velhas e esfarrapadas.
Assim que Samara afastou-se um p o u c o da roda, o h o m e m a
seguiu. E, t��o logo ela saiu das vistas de todos, ele a atacou, tentando
violent��-la.
��� Solte-me, p o r favor! ��� gritava apavorada.
Mas o h o m e m lan��ava-se ainda mais sobre ela, tentando-lhe rasgar
a roupa. H e b e r ouviu os pedidos de socorro de Samara e correu para
ajud��-la. Ao ver a cena, avan��ou sobre o viajante, j o g a n d o - o no ch��o.
O retorno
135
Os dois iniciaram u m a luta, mas H �� b e r era mais fraco e logo foi
derrubado, recebendo pontap��s e socos. Estava quase desfalecendo
quando Samara viu um peda��o de madeira, a p a n h o u - o e desferiu um
certeiro golpe na cabe��a do agressor, que caiu desacordado.
��� H��ber, fale comigo. Pelo amor de Deus, fale comigo!
O hebreu sentou-se, ainda zonzo da surra.
��� Voc�� est�� b e m , Samara? ��� p e r g u n t o u , preocupado. Samara
assentiu.
��� N �� o �� f��cil ser her��i ��� riu da sorte, e n q u a n t o era amparado
pela j o v e m .
Na tenda, algumas outras pessoas dan��avam. E Sans��o continuava
t a m b �� m a divertir-se. Por��m, m u i t o p e r t o dali, Jidafe arquitetava seu
plano para livrar-se de vez de Sans��o e assumir a lideran��a do povoado
de Zor��.
C o m b i n o u c o m os h o m e n s que atiravam adagas para que eles
aguardassem Sans��o ser levado at�� uma ��rvore pr��xima. Assim que ele
fosse at�� o alvo, eles deveriam lan��ar suas l��minas, matando o j u i z de
D��. Para lev��-lo at�� l��, Jidafe tinha c o m b i n a d o c o m u m a bela mo��a.
Ela seria a isca perfeita para o guerreiro hebreu.
A j o v e m logo c o m e �� o u a dan��ar, rodeando seus longos cabelos
pelo ar e sorrindo maliciosamente para Sans��o. Em p o u c o t e m p o o
j u i z danita estava enfeiti��ado. Hipnotizado pelas curvas e pelos sorri-
sos da misteriosa mulher.
De perto, Jidafe acompanhava, c o m tens��o, cada etapa de seu pla-
no. E quando a mulher saiu, Sans��o a seguiu.
��� Espere, mo��a. Por que foge de mim? N �� o me conhece, mas sou
o juiz desta tribo e nunca lhe faria mal.
��� Fujo dos olhares... ��� riu a j o v e m , aproximando seu c o r p o ao
de Sans��o. Ela ajeitou as tran��as do danita, colocou suas m��os sobre
seu pesco��o e o beijou calorosamente.
Sans��o n��o resistiu. Permitiu ser beijado pela bela estranha, que
o conduzia at�� uma ��rvore dali pr��xima. A ��rvore que Jidafe havia
c o m b i n a d o c o m os h o m e n s . Eles o aguardavam c o m as laminas nas
m��os, prontos para o lance fatal. Sans��o, entretanto, s�� tinha olhos e
pensamentos para a j o v e m misteriosa.
C A P �� T U L O 8
A indesej��vel visita da morte
O beijo fez Sans��o reviver suas mem��rias c o m Ieda. Lembrou-se do
sorriso luminoso na feira de T i m n a . Das promessas de amor e fideli-
dade conjugal. E de seus olhos se fechando pela ��ltima vez, diante da
casa em chamas.
��� N �� o posso fazer isso ��� afastou-se o hebreu. Mas a misteriosa
mo��a insistiu em beij��-lo. Foi a�� que sentiu a primeira estocada pelas
costas. As adagas dos atiradores de lan��as voavam c o m o flechas em sua
dire����o. A primeira o acertou na altura do ombro. A segunda, p o r �� m ,
atingiu sua acompanhante no peito. Os h o m e n s correram em fuga,
mas Sans��o reconheceu um dos seus agressores entre eles; era Jidafe.
E n q u a n t o agonizava, a j o v e m ferida confessou que t u d o era, na
verdade, um plano para que Sans��o fosse m o r t o . Furioso e decepcio-
nado, ele saiu �� procura de seu rival e o encontrou na tenda o n d e os
m��sicos tocavam e pessoas dan��avam e conversavam. C o m um sinal,
Sans��o pediu que as celebra����es fossem interrompidas.
��� Acabaram de atentar contra a m i n h a vida. Avisei que come��aria
um t e m p o de justi��a na tribo de D�� e que todos os h o m e n s que n��o
seguissem a lei seriam punidos. Darei apenas u m a chance para q u e o
mandante do crime assuma sua culpa ��� disse Sans��o, aproximando-se
cada vez mais de Jidafe e encarando-o.
138
Sans��o e Dalila
��� H�� gente de todos os lugares por aqui. Alguns exageram no
vinho, p e r d e m a consci��ncia... ��� reagiu Jidafe, encolhendo-se.
��� O u t r o s p e r d e m a chance de se redimir e desperdi��am palavras
c o m falsas acusa����es. Estou diante do h o m e m que t e n t o u me matar.
Voc�� ficar�� preso, Jidafe, e ser�� julgado p o r seus atos. E sabemos que o
Deus dos hebreus n��o costuma livrar traidores c o m o voc��.
Alguns danitas aproximaram-se e seguraram Jidafe pelos bra��os.
O levaram at�� uma ��rvore pr��xima e amarraram suas m��os e pernas.
Ali ficaria at�� que Sans��o tomasse u m a decis��o sobre seu caso.
Apesar do c o m p o r t a m e n t o violento de Jidafe nos ��ltimos t e m -
pos, n i n g u �� m imaginaria que ele seria capaz de atentar contra a vida
de Sans��o. Os dois cresceram j u n t o s , assim c o m o Samara e H��ber.
A rivalidade e a inveja mostraram-se, entretanto, venenosas.
Zil�� cuidou das feridas do filho e M a n o �� o incentivou a julgar a
causa de Jidafe c o m retid��o e sabedoria. U m a reuni��o c o m os p r i n c i -
pais h o m e n s do vilarejo foi marcada para o dia seguinte.
��� Estarei c o m nosso filho nesse m o m e n t o t��o importante ��� dizia
Mano��. Zil�� queria preserv��-lo. A cada dia que passava, o pai de Sans��o
mostrava-se mais fr��gil. As dores no peito eram constantes e a dificul-
dade de respirar tamb��m. Era c o m o se Mano�� estivesse se entregando, o
que n��o havia feito at�� ent��o, enquanto o filho estivera ausente.
��� Cuidaremos um do outro, minha m��e ��� tranquilizou-a Sans��o.
Jidafe permanecia amarrado e escoltado p r �� x i m o dali. E, de longe,
H �� b e r o olhava triste. Apesar da gravidade de seu crime, ele o consi-
derava c o m o amigo de inf��ncia. E lamentava a sorte de Jidafe.
Lamentava t a m b �� m a sua sorte c o m Samara. M e s m o ap��s livr��-la
das m��os do estuprador, n��o conseguia livrar o cora����o da mo��a, que
estava enredado p o r Sans��o. E nada que fizesse era capaz de despertar
em Samara um amor correspondente ao que ele, de forma atrapalhada,
�� verdade, dedicava-lhe. No m �� x i m o , ouvia de seus delicados l��bios
que ela o amava... c o m o amor que se ama um irm��o.
E, c o m o tinha vergonha de se abrir para outras pessoas, H �� b e r
compartilhava sua secreta paix��o e seus lamentos c o m os travessos
bodes e cabras que criava. Dividia assim sua afli����o. C o n t a n d o suas
lam��rias aos caprinos e n q u a n t o cuidava da cria����o.
A indesej��vel visita da morte
139
No dia seguinte, Sans��o, M a n o �� e os principais anci��os da tribo
de D�� reuniram-se n u m improvisado tribunal e trataram de discutir o
caso de Jidafe. Um anci��o lembrou que, p o r se tratar de u m a tentati-
va de assassinato, Jidafe deveria pagar c o m sua vida. O levita da tribo
t a m b �� m recordou que esse n��o era o primeiro pecado de Jidafe e que,
dias antes, ele havia liderado u m a revolta entre os danitas, indo contra
a entrega das prim��cias e a festa da colheita.
Sans��o ouvia a cada argumento e, ap��s todos exporem suas q u e i -
xas, iniciou-se o j u l g a m e n t o de outras causas que precisavam ser deli-
beradas na tribo. O u v i u duas mulheres, u m a serva e sua senhora, sobre
a situa����o que viviam, em que um h o m e m tivera fdhos c o m as duas.
Primeiro c o m a criada e depois c o m a esposa. Agora, a serva desejava
parte da heran��a para seu fdho t a m b �� m , enquanto a senhora reclama-
va que sua o p o n e n t e n��o passava de uma servi��al.
��� Se nasceu primeiro, o fdho da criada deve receber por����o
dobrada de tudo o que ele possuir, pois �� direito dele. E quanto aos
fdhos, deve am��-los de t o d o o cora����o, c o m o um b o m pai ��� decidiu.
O u t r o s h o m e n s se apresentaram diante de Sans��o. Um servo havia
favorecido seu senhor p o r sete anos, e decidiu ir embora. Seu senhor,
p o r �� m , n��o lhe deu n e n h u m a indeniza����o, e o caso foi parar nas m��os
do juiz de D��.
��� Deve fornecer-lhe do seu rebanho, de seus gr��os e frutos. L e m -
bre-se de que fomos servos na terra do Egito e que o Senhor nos liber-
tou. Deixe que ele v��, c o m aqudo que lhe �� de direito ��� determinou.
E, a cada decis��o, Sans��o lembrava das leis de Deus entregues a
Mois��s. Fazia refer��ncias �� justi��a divina e a c o m o as m��os de Deus
guiavam seu povo. Passou o dia julgando os fdhos de D�� at�� que c h e -
gou o m o m e n t o de deliberar sobre Jidafe.
Pediu que trouxessem seu agressor at�� ali. Assim que o colocaram
no centro do tribunal, Sans��o pediu que o levita falasse sobre o que a
Lei dizia a respeito do caso de Jidafe.
��� Maldito seja aquele que ferir o seu p r �� x i m o em oculto, que
perverter o direito do ��rf��o, que oferecer ou aceitar suborno para
matar pessoa inocente ��� relatou o levita.
140
Sans��o e Dalila
M a n o �� c o n t i n u o u :
��� Pregou contra Aquele que o tirou da terra do Egito, da casa da
servid��o.
Jidafe deixou seu orgulho para tr��s. Ao ouvir sobre sua rebeli��o a
D e u s , defendeu-se.
��� N �� o ! Eu respeito as ordens do Senhor, nosso Deus. S�� n��o
posso aceitar que um h o m e m c o m o Sans��o, que pecou tanto quanto
eu, j u l g u e - m e .
O levita t e n t o u impedi-lo de continuar sua fala, mas Sans��o quis
ouvi-lo e pediu que continuasse seus argumentos.
��� Eu n��o t e n h o nada, Sans��o. O que eu tinha foi tirado de m i m ,
�� for��a, pelas m��os dos inimigos... �� por isso que me dediquei tanto
ao trabalho. Por isso n��o esmoreci diante dos filisteus. Por isso que
molhei esta terra c o m m e u suor e tentei fazer algo por esse povo.
Suas l��grimas regavam o ch��o do tribunal e seu corpo tremia, e m o -
cionado. Era c o m o se anos de dores, de humilha����es contidas explo-
dissem naquela sala. Tantas vezes testemunhando o sofrimento de seus
irm��os danitas sendo explorados no campo, assassinados, c o m o sua m��e,
por inimigos. Jidafe sentia-se amargurado porque Sans��o protelava sua
responsabilidade de juiz. Era Sans��o, o m e n i n o prometido pelo mensa-
geiro do Senhor, q u e m deveria julgar os danitas e exercer justi��a no seu
povo. Era ele q u e m deveria libertar sua gente da opress��o.
��� N �� o imagina c o m o era dif��cil ver as pessoas cheias de espe-
ran��a q u a n d o voc�� chegava... e a decep����o delas toda vez que partia.
Tornou-se um mal ao nosso povo, Sans��o. Em vez de nos libertar dos
inimigos, nos aprisionou n u m a esperan��a... que causou tanto sofri-
m e n t o quanto o mais cruel deles o faria ��� c o n t i n u o u Jidafe, entre
l��grimas de indigna����o e tristeza.
Por mais duras que fossem, as palavras chegavam c o m o uma doce
repreens��o ao cora����o de Sans��o. E n��o havia ��dio nas palavras de
Jidafe. Era apenas um desabafo sincero, um desembocar de sentimen-
tos que o aliviava agora, quando sua vida estava nas m��os de seu amigo
de inf��ncia.
A indesej��vel visita da morte
141
��� J�� t e n h o m i n h a decis��o.Voc�� pecou o suficiente para ser ape-
drejado e m o r t o . A lei de Mois��s �� clara. Mas o Deus do povo hebreu
�� justo e misericordioso. Jidafe, voc�� deve fazer uma escolha: servir�� ao
Senhor de acordo c o m a Alian��a ou morrer�� pelas m��os dos h o m e n s
de seu p r �� p r i o povo?
Sans��o mantinha-se firme, apesar de condoer-se ao ver o choro
sincero e sofrido de Jidafe. Ele conhecia sua hist��ria. E sabia que sua
sede de justi��a era honesta. Ele havia tomado apenas o caminho errado.
��� Perdoe-me, Sans��o. Por t u d o o que fiz, p o r ter sido cego e
infiel. Pelo Deus de Abra��o, Isaque e Jac��... me perdoe. Juro fidelidade
a voc�� e �� Alian��a.
Sans��o se aproximou, segurou-o pelos ombros, colocando-o de p��
diante de si.
��� Em n o m e de Deus, eu o absolvo.
Dalila era arrastada at�� a sala de Abbas. O comandante estava enraive-
cido. Percebia que Dalila n��o o amava e queria seu afeto m e s m o que
fosse �� for��a. Por isso estapeou a j o v e m e a ergueu pelo pesco��o.
��� Gosta de brincar c o m os sentimentos dos h o m e n s , n��o ��?
Abbas preparava-se para rasgar a roupa de Dalila quando Cario
avan��ou, esbaforido, sobre a porta, detendo-se diante dos dois.
��� O que faz aqui, sua aberra����o? ��� berrou o comandante, par-
tindo em sua dire����o. Cario encolheu-se n u m canto, tentando defen-
der-se. Mas de nada adiantou. Abbas o agarrou pelo pesco��o e o sufo-
cou at�� quase perder os sentidos. A gritaria c h a m o u aten����o de Myra
e Yunet, que correram at�� l��. Os soldados do pal��cio, entre eles Aron,
t a m b �� m foram �� sala do comandante intervir.
��� N �� o fa��a isso, m e u comandante. O pr��ncipe In��rus n��o aprova-
ria mais u m a m o r t e no pal��cio. At�� hoje ele nos culpa pela m o r t e de
Hannah... ��� a r g u m e n t o u Aron.
Abbas podia estar embriagado de v i n h o e raiva, mas sabia que as
palavras do soldado faziam sentido e n��o queria ter de se explicar a
In��rus outra vez.
142
Sans��o e Dalila
��� Levem-no. P r e n d a m esse monstro, essa aberra����o ��� berrava
ensandecido o comandante. E n q u a n t o os soldados levavam o j a r d i -
neiro, Abbas se dirigiu at�� Dalila e deu-lhe um violento tapa no rosto.
��� Fora daqui t a m b �� m . Voc�� ver�� as consequ��ncias dos seus atos,
meretriz!
Dalila correu dali j u n t o c o m Yunet e M y r a . Assim q u e entra-
r a m na ala das cortes��s, as duas levaram Dalila at�� a sala de b a n h o e
limparam seus ferimentos. Seu rosto sangrava, ainda marcado pelas
pesadas e ��speras m��os do c o m a n d a n t e . Dalila, entretanto, s�� pensava
no destino de Cario. Sabia que ele n��o resistiria �� truculenta i r r a c i o -
nalidade de Abbas.
As duas amigas, Myra e Yunet, buscavam toalhas e vasilhas c o m
��guas. E foi a�� que se deram conta de que o soldado Aron, pretendi-
do por Yunet, e Nor��, amado por Myra, eram a mesma pessoa. E, t��o
logo se entreolharam, disseram em un��ssono: "Traidor!" As mo��as mal
haviam reparado no soldado quando este se dirigiu aos aposentos de
Abbas, guiado pelos gritos de Dalila. Mas agora, c o m mais calma, c o n -
seguiam processar toda a hist��ria.
��� Ele �� o m e u N o r �� . Yunet!
��� N��o, Myra, era Aron, m e u soldado.
O desconforto s�� foi quebrado ao lembrarem que estavam ajudan-
do Dalila. E seguiram apressadamente outra vez �� sala de b a n h o o n d e
a cortes�� ferida tinha j�� tra��ado seu plano de a����o.
��� Myra, preciso ver o soberano.
��� N �� o posso anunci��-la, Dalila. N �� o t e n h o ordens para isso.
��� Ele me receber��.
��� Espere at�� amanh��. R e c o m p o n h a - s e primeiro.
��� N �� o , amanh�� p o d e ser tarde. Preciso v��-lo agora.
Dalila queria evitar que Cario fosse m o r t o p o r Abbas. O c o m a n -
dante, naquele exato m o m e n t o , aprisionava o jardineiro n u m c��rcere
�� m i d o e malcheiroso que ficava quase na sa��da do pal��cio, amarrando-
-lhe as m��os e pernas n u m a cela de ferro. E, de posse de u m a corda
grossa, chicoteava-o, deixando verg��es ensanguentados em suas costas.
Passou boa parte da noite surrando o empregado.
A indesej��vel visita da morte
143
J�� Dalila passou a noite na companhia de In��rus, satistazendo ��s
suas vontades e seduzindo-o para que cedesse aos seus pedidos.
Assim que os primeiros raios de sol �� u m i n a r a m o suntuoso pal��-
cio, o comandante seguiu at�� a sala do soberano de Gaza, p e d i n d o - l h e
u m a audi��ncia emergencial. Q u e r i a vingar-se de Dalila e de Cario,
mas dependia antes da anu��ncia de In��rus.
��� Para vir t��o cedo aqui, imagino que tenha boas not��cias sobre
o hebreu invenc��vel. Conseguiram finalmente captur��-lo? ��� i n t e r r o -
gou o pr��ncipe.
Abbas estava claramente constrangido, mas seu orgulho era grande
demais para perdoar Cario e Dal��a.
��� N �� o , m e u pr��ncipe. Lamento n��o ter boas not��cias. Fui atacado
o n t e m p o r u m criado... u m jardineiro.
In��rus levantou-se de seu trono, aproximou-se de Abbas, encaran-
d o - o c o m ar incr��dulo e sisudo. R o d e o u - o , observando suas armas,
sua armadura e seu p o r t e altivo, i m p o n e n t e , e desembocou n u m a gar-
galhada incontrol��vel.
O pr��ncipe divertia-se c o m o se tivesse ouvido uma irresist��vel piada.
��� Perd��o,Abbas... Perd��o, mas, m��os que pegam em flores p o d e m
enfrentar aquelas que pegam em armas? E ele est�� preso, ao menos?
��� Sim, m e u senhor. Mas diante de tamanha afronta a m o r t e lhe
seria...
��� Chega de mortes p o r aqui. Pelo m e n o s at�� recuperarmos a
confian��a dos demais pr��ncipes filisteus. Voc�� sabe c o m o a m o r t e
repercute.
��� Mas m e u pr��ncipe, ele...
��� J�� ouviu. E se mat��-lo entenderei c o m o u m a afronta a m i m .
Era s�� isso, comandante?
Abbas m o r d e u os l��bios, frustrado. Mas ainda tinha que falar sobre
Dalila.
��� Grande In��rus, gostaria de falar-lhe sobre aquela cortes��, Dal��a...
��� Finalmente um assunto que me interessa! ��� exultou o p r �� n -
cipe, retornando para seu assento almofadado e apanhando um cacho
de uvas frescas.
144
Sans��o e Dalila
C o m um sinal, In��rus fez entrar no recinto sua cortes�� predileta.
Dalila sorria, exultante. Passou as m��os sobre os ombros do pr��ncipe e
sentou-se ao seu lado, encarando Abbas.
��� A partir de agora Dalila est�� proibida a qualquer h o m e m que
n��o seja eu. Est�� diante da nova protegida do grande senhor de Gaza.
Ser protegida do pr��ncipe significava u m a ascens��o desejada por
todas as cortes��s. Dalila oficialmente deixava de ser u m a meretriz pala-
ciana e passava a desfrutar da prote����o real e seria exclusiva de seu
soberano. E qualquer h o m e m que a tocasse, a partir de ent��o, seria
c o n d e n a d o �� m o r t e certa. Ela estava o n d e desejava estar desde que
chegara ao pal��cio.
O comandante perdeu o f��lego e, enroscando a fala, apenas assen-
tiu, envergonhado. D e i x o u a sala do trono ainda mais aborrecido do
que entrou. E s�� havia u m a forma de descontar sua f��ria. Era surrando
Cario ainda mais.
Se Abbas sofria pelo amor n��o correspondido, A r o n desdobrava-se
para corresponder a Yunet e a Myra. Q u a n d o encontrava a primeira
nos jardins, a abra��ava e beijava apaixonadamente. Fazia juras de amor
e garantia que as mais doces palavras eram exclusivas dela. Yunet t e n -
tava tirar a limpo sua d��vida, mas Aron n��o lhe deixava espa��o para
interrogat��rios e, c o m beijos e promessas, a silenciava.
Da mesma forma era c o m Myra quando a encontrava pelos cor-
redores do pal��cio de Gaza. Jurava que estava �� sua procura desde que
ela havia desaparecido do largo das meretrizes, na cidade, e que n��o
havia u m a noite em que n��o sonhasse c o m ela.
��� Minhas palavras mais belas sempre foram e sempre ser��o des-
tinadas a voc�� ��� prometia o soldado conquistador, deixando Myra
satisfeita.
Para as duas, A r o n e N o r �� eram pessoas diferentes. ��� Q u e m sabe
n��o seriam irm��os g��meos? ��� argumentavam, n u m j o g o de a u t o e n -
gana����o para n��o lhes cessar a esperan��a e o a m o r pelo belo soldado.
A indesej��vel visita da morte
145
E n q u a n t o reviravam tecidos nos aposentos das cortes��s e c o n t i -
nuavam a compartilhar suas hist��rias amorosas, Dalila chegou por ali
deslumbrante.
��� O que aconteceu? Voc�� passou a noite inteira fora? ��� recla-
m o u Myra, curiosa c o m o sumi��o da amiga.
��� Voc��s est��o diante da nova protegida do grande In��rus! ���
anunciou, solenemente, para depois saltar de alegria e ser abra��ada
pelas duas amigas.
��� Se Tais estivesse aqui, ela iria m o r r e r ��� riu Yunet.
As tr��s riram juntas. Discretamente, p o r ali, Jana preparava-se para
mais uma de suas misteriosas sa��das. Dalila, ao perceber, despediu-se
das amigas, apanhou u m a t��nica discreta e seguiu Jana para fora do
pal��cio.
A todo m o m e n t o , Jana olhava para tr��s para se certificar de que
ningu��m conhecido a seguia. Atravessou ruelas, caminhou por clareiras,
passou por largos habitados por prostitutas, enveredou p o r uma pequena
viela, subiu um j o g o de escadas e entrou por uma pequena porta.
Dalila fez o m e s m o caminho e, ap��s se certificar de que se tratava
de um p e q u e n o quarto, entrou no local, surpreendendo Jana.
A habita����o tinha um c �� m o d o apenas, p o u c o iluminado p o r u m a
janela estreita. Um p e q u e n o m��vel, o n d e eram guardados alguns gr��os
e frutos, um fog��o �� lenha e u m a cama, o n d e repousava um velho
h o m e m . Dalila sondou cada canto do local c o m curiosidade e estra-
nheza. Pensava que surpreenderia a cortes�� tramando contra sua vida,
mas a encontrou cuidando de um idoso debilitado.
��� M i n h a filha? ��� disse o velho c o m dificuldade. Seu n o m e era
Ali��, pai de Jana. Ele estava d o e n t e e recebia rotineiramente a visita
da filha, que lhe levava alimentos e preparava ch��s e caldos que lhe
diminu��am as dores.
��� Q u e m �� essa m o �� a bonita? ��� p e r g u n t o u . Jana aproximou-
-se do pai, ajudou-o a ajeitar-se na cama e contou que se tratrava de
Dalila. A cortes�� lan��ou um olhar preocupado para o pai, na esperan��a
de que ele entendesse que devia ficar quieto. Por��m, logo em seguida,
Ali�� revelou o segredo mais profundo de Jana.
146
Sans��o e Dalila
��� Dalila, de que tribo s��o seus pais?
��� Eu n��o t e n h o pais.
��� Tem sim.Tem um pai que est�� sempre olhando p o r voc��. N u n -
ca o enxergou, mas ele est�� �� sua volta. No ar que respira, no brilho
do sol, na beleza das flores e at�� em sua beleza, menina. N �� o confia no
Deus do povo hebreu?
Dalila o ouvia emocionada e ao m e s m o t e m p o surpresa. Jana era
hebreia e temia o que o comandante Abbas faria caso descobrisse seu
segredo. Era p o r isso que ela se sujeitava ��s chantagens e aos desman-
dos de Tais. E p o r isso a ajudava.
Jana contou a sua hist��ria, como sua tribo foi invadida e ela levada
como cortes�� para o pal��cio. C o n t o u como sua m��e e seus irm��os foram
assassinados e que o pai, seu ��nico familiar sobrevivente ao ataque, partiu
pelas cidades �� procura da filha, encontrando-a, finalmente, em Gaza.
��� M e u pai veio ao m e u encontro. N �� o me abandonou. N �� o vou
permitir que lhe fa��am mal. Vivo p o r ele e ele p o r m i m . Voc�� entende?
Dalila n��o conseguiu segurar a e m o �� �� o e c h o r o u compulsiva-
m e n t e diante do relato. Ver o a m o r dedicado de Jana ao seu pai a fez
rever sua pr��pria hist��ria de vida, os danos q u e a aus��ncia paterna
lhe causou.
��� N �� o me entregue, Dalila ��� implorou Jana. A protegida de In��-
rus assentiu. Jamais poderia entreg��-la.
Em Gaza, o pr��ncipe In��rus convocou Abbas novamente. Estava de
b o m h u m o r e queria resolver de vez os seus afazeres. Entre eles, liqui-
dar Sans��o.
Era fim da tarde e um sol amarelado iluminava as janelas do amplo
recinto c o m poltronas almofadadas, piso de cer��mica minuciosamente
polido e coberto c o m tapetes tecidos pelos mais ex��mios artes��os. In��-
rus bebia v i n h o e comia frutas quando Abbas se apresentou outra vez.
��� Pensei bastante em seus ��ltimos relatos sobre o guerreiro
hebreu. Sobre seu plano de conseguir refor��os em outras cidades f��lis-
teias. Estar��amos falando de quantos homens?
A indesej��vel visita da morte
147
Abbas estava constrangido e temia outro acesso de riso do seu
superior, mas foi franco.
��� Md h o m e n s , m e u senhor.
In��rus o o l h o u c o m seriedade e um p o u c o de espanto. Volteou
o sal��o, refletiu e encarou seu c o m a n d a n t e c o m condescend��ncia.
��� Eu lhe d o u a minha palavra que em p o u c o t e m p o ter�� esses
h o m e n s �� sua disposi����o.
��� Sim, m e u pr��ncipe. Farei c o m o me ordenar ��� sorriu Abbas,
aliviado.
Depois de m u i t o t e m p o , uma boa not��cia para o comandante. J��
estava exausto de tantas repreens��es. E, para comemorar, seguiu apres-
sado at�� a cela o n d e estava Cario e lhe desferiu outra surra. Dessa vez,
em vez de bufar, sorria animado a cada chicotada nas costas m a c h u -
cadas do jardineiro.
Dalila havia retornado do encontro c o m Ali�� e Jana. Estava introspec-
tiva e pensava m u i t o em seu ��nico protetor naquele lugar, o pacato
Cario. Pedir que In��rus o libertasse seria arriscado demais. E, m e s m o
sabendo que Abbas estava proibido de mat��-lo, o jardineiro n��o resis-
tiria m u i t o t e m p o no c��rcere.
Ela caminhava pelas flores t��o b e m cuidadas p o r Cario e n o t o u a
flauta do jardineiro n u m canto. A p a n h o u o instrumento c o m delica-
deza e decidiu visitar o amigo. C a m i n h o u at�� u m a ��ngreme escadaria
o n d e estavam alguns soldados, entre eles, Aron. Dalila o procurou e
pediu-lhe que a deixasse visitar Cario p o r um instante. E bastou um
sorriso pedinte da j o v e m para desmontar a sisudez do mulherengo
soldado.
��� N �� o demore. Se o comandante a surpreender aqui, estaremos
perdidos.
Dalila agradeceu c o m simpatia e entrou na suja e fria cela. Viu
Cario encolhido no canto, quase sem for��as. Percebeu suas costas m a r -
148
Sans��o e Dalila
cadas pelas violentas chibatadas. Agachou-se devagar e abra��ou Cario,
que, imerso em dor, assustou-se.
��� O que aquele monstro fez c o m voc��? Cario, eu p r o m e t o que
vou tir��-lo daqui.
E, apanhando um len��o guardado em sua roupa, m o l h o u - o n u m
pote de ��gua p r �� x i m o dali. C o m delicadeza, passou-o nas feridas do
amigo.
Cario chorava assustado. Ele sempre foi um j o v e m tranquilo, pac��-
fico. N �� o merecia sofrer por ter a apar��ncia que tinha. E n e m era sua
a culpa das cicatrizes que trazia pelo corpo. Ele n��o era um monstro
para ser aprisionado n u m c��rcere e surrado diuturnamente. E suas
feridas internas do��am ainda mais do que a pele rasgada pela viol��ncia
de Abbas.
Dalila tinha um plano. E, ap��s se despedir de Cario, correu c o m
pressa at�� a sala das cortes��s. E n c o n t r o u Jana, que arrumava uma m u d a
de roupas.
��� O que est�� fazendo?
��� Vou embora do pal��cio.
��� N �� o pode. E seu pai? ��� sussurrou Dalila, certificando-se de
que n i n g u �� m as ouvia.
��� Por favor, n��o fale nada sobre ele, Dahla. Eu imploro.
��� Jana, largue essas coisas. N �� o vou entreg��-la. Seu segredo est��
seguro comigo. S�� t e n h o algo a lhe pedir... ��� disse Dalila, desfazendo
a muda de roupas j�� separadas pela cortes��.
Jana assentiu, um p o u c o insegura, e sentou-se para ouvir o plano
de Dalila.
Ela queria que Jana a levasse at�� a feiticeira de q u e m Tais havia
a d q u i r i d o o veneno. E explicou que precisaria n��o s�� da ajuda da
j o v e m devota ao pai, mas t a m b �� m contaria c o m o apoio de Yunet
e Myra. As duas amigas, que passavam p o r perto, logo pararam para
ouvi-la. Dalila precisava p �� r um fim no sofrimento de Cario. E,
apesar de discordarem, as tr��s prestavam aten����o em c o m o ajudar a
protegida de In��rus na perigosa miss��o.
A indesej��vel visita da morte
149
Um dia ap��s ter absolvido Jidafe, Sans��o recebeu a visita do velho
amigo em sua casa. Ainda envergonhado, o hebreu quis agradecer-lhe
e reafirmou sua lealdade.
��� Farei o que for preciso para que suas decis��es sejam respeitadas
e nunca mais, nunca mais, levantarei a m �� o contra voc��. Tem a minha
palavra ��� c o m p r o m e t e u - s e Jidafe.
��� E voc�� a m i n h a confian��a ��� respondeu Sans��o, de forma c o n -
descendente.
A retid��o de Sans��o enchia de orgulho o velho M a n o �� . Sua vida
agora fazia sentido. Seus planos paternos se encontravam nos cami-
nhos t r i h a d o s pelo filho. E sua pequena for��a era gasta ao contar ��
esposa c o m o Sans��o havia liderado c o m justi��a, sido misericordioso,
corajoso, solid��rio e fiel ��s leis dadas p o r Deus a Mois��s.
��� �� c o m o se eu j�� tivesse c u m p r i d o o m e u dever e pudesse
descansar em paz ��� disse a Zil��, que franziu a testa e censurou M a n o ��
de imediato.
��� N �� o diga isso, m e u marido.
M a n o �� sorriu. Seu cora����o estava cheio de gratid��o.
��� N �� o existiriam palavras para agradecer tantos anos de dedi-
ca����o, companheirismo e uni��o. N �� o foi u m a vida f��cil, a nossa. Mas
nossa f�� em Deus sempre nos livrou de t o d o mal... ��� discursou, tos-
sindo c o m for��a em seguida, e n q u a n t o ajeitava-se na cama simples,
coberta de palha de trigo e forrada c o m pele de carneiro.
Zil�� ficou apreensiva.
��� Por que est�� falando assim, Mano��? ��� disse, segurando sua
m��o suavemente e sentindo a voz embargar e os olhos u m e d e c e r e m .
��� Porque Sans��o �� fruto desse amor, Zil��. Quantas noites acordei
o u v i n d o seu pranto, baixinho, enquanto implorava por esse filho...
E aqui est�� ele!
��� As palavras do mensageiro do Senhor se c u m p r i r a m ��� c o m -
pletou a esposa.
��� Os filhos de Abra��o s��o numerosos, Zil��. O povo hebreu m e r e -
ce essa paz que experimentamos em nossa tribo.
150
Sans��o e Dalila
As palavras de M a n o �� sa��am cada vez mais fr��geis e seus olhos per-
diam o brilho. Era c o m o u m a vela bruxuleando e prestes a apagar-se.
Sua respira����o espa��ava-se e Zil��, alarmada, gritou p o r Sans��o, que
brincava c o m Gadi na entrada da casa.
Em instantes os dois estavam diante da cama o n d e repousava
M a n o �� .
��� Q u a n t o orgulho voc�� trouxe a este velho pai ��� sussurrou
M a n o �� . ��� Seu caminho �� longo, m e u filho. Voc�� t e m um d o m . Seria
injusto prend��-lo aqui enquanto outros filhos de Abra��o padecem nas
m��os inimigas.
��� Do que est�� falando, m e u pai? ��� abaixou-se Sans��o, segurando
as m��os frias de M a n o �� .
��� Da sua j o r n a d a , Sans��o. Ela n��o p o d e parar. Deve libertar o
povo hebreu dos inimigos. N �� o deixe que os sentimentos o ceguem.
N �� o queira viver na escurid��o.
Sans��o j�� n��o resistia �� e m o �� �� o que explodia em seu peito. Naquele
instante n��o era apenas o j u i z de D��, o guerreiro temido pelo ex��rcito
filisteu. Era o m e n i n o . E ver seu pai m o r r e n d o lhe partiu novamente
o cora����o. Sorvia suas ��ltimas palavras c o m o leis eternas que jamais
deveriam ser desobedecidas. E, quando a m �� o enrugada de Mano��
enfim escorregou da sua, abra��ou o c o r p o j�� sem vida do pai aos solu-
��os. E, j u n t o a Zil�� e Gadi, chorou por horas.
C A P �� T U L O 9
Despedidas
A caverna escura e fria era habitada por uma velha senhora de apa-
r��ncia repulsiva. Os poucos dentes que lhe restavam na boca estavam
apodrecidos. Seu rosto era seco, c o m rugas que pareciam sulcos recor-
tando uma terra ��rida. Os cabelos eram ralos, compridos e acinzentados.
A feiticeira podia ter cinquenta ou cem anos, parecia imposs��vel precisar.
Era grande o contraste de sua feiura c o m a beleza fresca de Dalila
e Jana, da vida pesada e sofrida da velha c o m todo o conforto e boa
alimenta����o de que as cortes��s desfrutavam no pal��cio. Mas a feiticeira
tinha algo que Dalila queria. U m a f��rmula que pudesse dar para Cario
e livr��-lo das m��os de Abbas.
��� Apenas misture esse l��quido na ��gua e o sofrimento acabar��.
N �� o haver�� mais respira����o e seu c o r p o ficar�� gelado ��� orientou a
bruxa. Dalila assentiu, atenta ��s orienta����es. E retirou do bolso alguns
an��is, depositando-os nas m��os da feiticeira. Ela sorriu, provou os
enfeites nos dedos calejados e enrugados e sentiu-se bonita.
��� Fique tranquila, bela mo��a. A m o r t e n��o passar�� de um sono
profundo. O calor do sol libertar�� o inocente... ��� tranquilizou-a a
feiticeira.
Dalila sorriu, aliviada. Se seu plano sa��sse perfeito, Abbas descarta-
ria o corpo do jardineiro nalgum canto, e Dalila o resgataria e levaria
para um lugar seguro, libertando o amigo.
152
Sans��o e Dalila
C o u b e a Myra a tarefa de misturar o l��quido m��gico �� ��gua no
reservat��rio que serviria Cario. E, assim que bebeu a ��gua, o p r i -
sioneiro passou a estrebuchar-se no ch��o do c��rcere, alarmando os
soldados. Aron foi avisado e correu at�� a pris��o. Q u a n d o l�� chegou,
encontrou o jardineiro j�� sem respirar e c o m o c o r p o gelado.
Assim que Abbas foi comunicado da aparente m o r t e do criado,
ficou irritado.
��� J�� n��o basta me desafiar vivo? Agora at�� m o r t o me importuna?
��� esbravejou aos seus soldados, ordenando que jogassem o corpo de
Cario no mar e que a n i n g u �� m dissessem nada.
Naquela mesma noite, alguns h o m e n s deixaram o pal��cio de Gaza
e seguiram em dire����o �� praia c o m Cario, que estava envolvido n u m
m a n t o escuro e espesso. C a m i n h a r a m at�� a praia mais pr��xima e j o g a -
ram seu c o r p o logo ap��s a rebenta����o das ondas. Dalila acompanhava
t u d o de perto. E, t��o logo os h o m e n s sa��ram, m e r g u l h o u em busca do
jardineiro. E n c o n t r o u seu c o r p o boiando e trouxe-o at�� a areia.
De l��, j u n t o c o m Jana, levou Cario at�� a casa o n d e estava Ali��.
Deitaram o jardineiro sobre u m a cama simples, revestida c o m l�� de
ovelhas, e deixaram-no descansar.
Jana e Dalila p e r m a n e c e r a m ah, durante aquela noite, velando o
sono de Cario. Pela manh��, Ali�� despertou e Jana logo lhe serviu um
caldo quente. Dalila achou b o n i t o o j e i t o que a filha tratava o pai e
sorriu, timidamente.
��� N��o deveria esconder esse sorriso, minha j o v e m ��� observou
Ali��. O anci��o preocupou-se c o m Dalila e a tristeza que lhe trans-
bordava no olhar, e quis saber sobre sua hist��ria de vida e sobre seus
pais. Dalila aproximou-se da cama, ajeitou-se n u m p e q u e n o banco de
madeira e suspirou.
��� �� u m a hist��ria longa.
Ali�� t a m b �� m a p r u m o u - s e na cama.
��� Pronto, agora posso ouvi-la confortavelmente ��� sorriu.
A empatia de Ali�� agradou a Dalila. Ela queria abrir seu cora����o e
sentiu confian��a em dividir c o m Jana e seu pai suas tristezas.
Despedidas
153
C o n t o u c o m o inventava mem��rias sobre seu pai na inf��ncia. Um
pai que a observaria a beira do rio. Q u e chamaria a sua aten����o q u a n -
do ela se distanciasse um p o u c o . Imaginava que o pai a protegeria das
coisas mais banais da vida e que lhe dedicaria tanto amor e aten����o
que, m e s m o se quisesse, jamais poderia agradecer-lhe �� altura. Um pai
que ela nunca teve. Q u e jamais teria.
Ali�� a ouvia atentamente e c o m ternura. Quis saber t a m b �� m sobre
sua m��e.
��� M i n h a m��e me culpa p o r t u d o de r u i m que aconteceu na vida
dela.
O pai de Jana era um h o m e m s��bio e amoroso. E, m e s m o t e n d o
vivido as mais cru��is persegui����es nas m��os dos filisteus, n��o guardava
��dio em seu cora����o. Ao contr��rio, queria dividir o que aprendera
c o m o Deus dos hebreus, o Deus justo e misericordioso. E a aconse-
lhou a tentar se reaproximar de Agar, sua m��e.
��� Deixe que as palavras de amargura ditas pela sua m��e v o e m
c o m o o vento, porque o t e m p o age c o m o um grande mar que destr��i
castelos, mas deixa a areia lisa para novas constru����es. O t e m p o leva
embora a raiva, cicatriza as feridas, mas deixa u m a grande saudade e
u m a e n o r m e solid��o...
Dalila segurou as fr��geis m��os de Ali�� e chorou at�� solu��ar. Jana a
observava c o m tristeza. Queria consol��-la, mas sabia b e m que aquelas
palavras ditas por seu pai eram capazes de produzir mudan��a na vida de
Dal��a e que, certamente, trariam esperan��a ao cora����o da bela jovem.
��� Volte �� sua casa, minha filha. Mas volte de cora����o aberto. Q u e m
sabe n��o �� o que sua m��e deseja? Q u e m sabe esse mal-entendido se
desfa��a e voc��s c o m e c e m a construir aquelas que ser��o lembran��as
belas e reais?
Dalila assentiu e beijou as m��os do anci��o. Estava grata por p o d e r
viver aquilo. Por poder ouvir aquelas palavras t��o doces e revigorantes.
Cario, p r �� x i m o dali, tossiu um p o u c o , deixando escorrer pelos
l��bios um p o u c o da ��gua salgada que havia engolido. E, p o u c o a p o u -
co, ia recobrando a lucidez.
154
Sans��o e Dalila
Dalila deixou Ali�� e correu em dire����o ao amigo.
��� Voc�� est�� salvo, Cario. Voc�� ficar�� b e m aqui.
O jardineiro observou que suas m��os n��o estavam mais acorrenta-
das. E que ele t a m b �� m n��o estava mais na cela gelada. Sorriu e chorou
abra��ado a Dalila.
Sans��o j�� havia levantado rochas q u e pesavam toneladas, erguido
sobre si um le��o feroz, derrotado dezenas de soldados de u m a s�� vez.
Mas erguer a esquife o n d e estava M a n o �� era pesado demais para ele.
Por isso, c o n t o u c o m a ajuda de H e b e r , Jidafe e outros h o m e n s de
sua tribo. C a m i n h a r a m p o r alguns m i n u t o s at�� u m a ��rea vizinha a
Z o r �� , o n d e havia um descampado. Era a entrada para o deserto, u m a
orla emoldurada p o r m o n t a n h a s e um c a m i n h o p o r o n d e havia pas-
sado muitas vezes, mas q u e agora era escolhido para sepultar seu pai,
e m b r u l h a d o n u m tecido b r a n c o e limpo.
Sans��o preparou o sepulcro na encosta de um outeiro. E ficou ali,
c h o r a n d o e pensando nas palavras de seu pai. " O s filhos de Abra��o
s��o numerosos." " S e u c a m i n h o �� longo." Palavras q u e lhe c h i c o -
teavam a alma. O j u i z de D�� sabia que sobre seus o m b r o s levava a
promessa de tornar-se um libertador. E jamais poderia ser o liberta-
d o r se ficasse em sua terra, c u i d a n d o dos interesses apenas daquele
povoado, e n q u a n t o tantos outros hebreus sofriam o p r i m i d o s pelos
filisteus. Era preciso partir.
Poucos dias ap��s a m o r t e de Mano��, j�� quase se encerrando a
primavera, Sans��o continuava julgando seu povo. Tens��es eram apa-
ziguadas e injusti��as reparadas. A paz parecia ter encontrado morada
em Zor��.
Zil��, ainda sofrendo a aus��ncia de M a n o �� , preparava a massa de
p��o para ser assada em sua casa.
��� Os homens finalmente voltaram a respeitar a Alian��a c o m o
Senhor. E os filisteus nunca mais tentaram invadir nosso povoado ��� dizia
Zil��, enquanto misturava azeite e farinha sobre uma pequena plataforma.
Despedidas
155
Sans��o percebeu que era o m o m e n t o de comunicar sua decis��o.
��� Sinal de que est��o a invadir outros lugares, minha m��e. Eu
preciso ir.
��� Seu lugar �� aqui conosco, Sans��o.
��� O que disse o mensageiro de Deus q u a n d o v i m ao m u n d o ?
N �� o era que eu deveria libertar o povo hebreu das m��os inimigas?
��� �� o que t e m feito, m e u filho.
��� S��o doze tribos, minha m��e. Eu preciso levar a paz at�� elas.
Tenho que acabar c o m a domina����o felisteia em todas elas.
Zil�� ouvia as palavras c o m revolta. Por tanto t e m p o pediu a Deus
que Sans��o cumprisse sua voca����o. Agora, sem M a n o �� , n��o queria p e r -
der o filho t a m b �� m . Era doloroso demais deix��-lo ir, m e s m o sabendo
que essa era a promessa feita pelo mensageiro de Deus.
Os tempos de paz em Z o r �� t a m b �� m selaram a amizade de Jidafe
e Gadi. Apesar do in��cio tumultuado, Jidafe via no garoto Gadi sua
imagem. E cada vez mais se enternecia por ele. Q u e r i a preserv��-lo de
c o m e t e r os mesmos erros que c o m e t e u . De cultivar no cora����o, ainda
puro de crian��a, o veneno da revolta, o e m b r u t e c i m e n t o precoce.
Gadi t a m b �� m j�� havia perdoado Jidafe. E gostava de ouvir suas
hist��rias. Os dois aprendiam um c o m o outro.
A alegria do garoto t a m b �� m ajudava a aplacar a dor de Zil��. Nada
substituiria M a n o �� e m u i t o menos Sans��o, mas ter Gadi p o r perto era
um consolo e um afago divino.
As palavras de Ali�� latejavam no cora����o de Dalila. Seria poss��vel resta-
belecer um v��nculo de afeto c o m sua m��e, t��o dolorosamente e cruel-
m e n t e cortado? Dalila quis tentar. E, assim que r e t o r n o u ao pal��cio
de Gaza, planejou c o m o pedir ao pr��ncipe In��rus uns dias para que
pudesse retornar ao vale de Soreque e encontrar sua m��e.
In��rus estava preocupado em conseguir os refor��os ao c o m a n d a n -
te Abbas. Q u e r i a arregimentar um n �� m e r o m �� n i m o de mil h o m e n s
e contaria c o m o apoio dos principais pr��ncipes das cidades filisteias,
c o m o Ascal��o, Gate e E c r o m , al��m de Gaza. H o m e n s experimentados
156
Sans��o e Dalila
nas batalhas, dispostos a enfrentar um inimigo que colecionava vit��rias
sobre os soldados filisteus. Por isso, quando Dalila lhe pediu alguns dias
distante, permitiu sem pedir maiores explica����es. Q u e r i a apenas que
ela retornasse antes do p r �� x i m o encontro c o m os pr��ncipes, o que
ocorreria algumas semanas mais tarde.
Dalila j u n t o u uma trouxa de roupas, tirou suas j��ias mais sofisti-
cadas, embalou-as em um tecido e guardou-as n u m a gaveta de seus
aposentos. Abriu uma outra gaveta e retirou de l�� um peda��o de p a n o
mais simples e embolado. D e n t r o havia alguns enfeites produzidos
c o m conchinhas do mar. C o l o c o u um colar no pesco��o e brincos nas
orelhas. Abrir aquele e m b r u l h o fez despertar as lembran��as mais ador-
mecidas nos seus pensamentos. Um cheiro de mar invadiu o ambiente.
As ondas quebrando suavemente'. Os pescadores carregando a pesca
do dia. A areia branca e solta das praias do vale de Soreque. Sentiu u m a
saudade irresist��vel. Um desejo de voltar. J u n t o u tudo, despediu-se das
amigas e partiu.
A viagem entre Gaza e Soreque era extensa e sinuosa. Era preciso
guiar-se pelas margens do ribeiro, seguindo em dire����o ao n o r t e do
mar M e d i t e r r �� n e o e cruzando os principados de Jope e Ascal��o. Um
caminho que levava, p o r vezes, dias sobre o l o m b o de um animal.
Dalila procurou alguns negociantes no centro de Gaza e ficou saben-
do sobre u m a caravana que iria na dire����o pretendida. Em p o u c o
t e m p o era conduzida a Soreque.
O vilarejo em que viviam Dalila e sua m��e ficava ��s margens da
foz do rio Soreque, o n d e as ��guas flu��am at�� o mar, formando u m a
pequena ba��a. Um cen��rio deslumbrante. As ��guas eram pl��cidas, qua-
se sem ondas. Dois dias ap��s deixar as opulentas constru����es de Gaza
e seus muros, Dalila saltava de u m a carro��a ao lado de velhas c h o u p a -
nas, rodeada p o r gente simples e alguns rostos conhecidos. Procurava
ansiosamente apenas um deles, o de sua m��e. E, ��s margens do rio, fla-
grou Agar observando u m a crian��a, uma garotinha que corria contra
a ��gua, colhia galhos e conchinhas e espalhava areia pelo ar, s�� para ver
o forte vento faz��-las dan��ar n u m espet��culo bonito.
Agar t a m b �� m sentia falta da filha. E, m e s m o sendo uma mulher
rude, barbarizada pelos dias dif��ceis, sabia que tinha sido cruel demais
Despedidas
157
c o m sua menina. Pensou na filha ao ver a garotinha e, q u a n d o virou-se,
viu o rosto familiar de Dalila. Ela parecia ainda mais bonita. Mais alti-
va. Sorria, insegura, um sorriso que pedia apenas a aprova����o materna.
Agar entendeu.
��� Por que voltou, Dalila? ��� tentou dificultar.
��� Porque sua aus��ncia ainda d��i em m i m . Porque n��o quero mais
inventar lembran��as nossas. Porque voc�� me trouxe ao m u n d o e n��o ��
poss��vel que eu n��o tenha lhe dado uma ��nica raz��o para sorrir.
Agar sentiu um n�� na garganta. O l h o u a menina que brincava por
perto e lembrou-se da inf��ncia da filha. E, enquanto evitava encarar
Dalila, olhando para as nuvens que preanunciavam u m a chuva, recor-
d o u c o m o a maternidade lhe deu for��a nos dias mais duros ao lado
do antigo e repugnante R u d i j u . Sentiu-se arrependida e pousou seus
olhos nos olhos da filha.
��� Voc�� p o d e me perdoar? ��� embargou, deixando as l��grimas
escorrerem pelo rosto.
Dalila sorriu e assentiu. E, em dois passos, estava agarrada ao p e s -
co��o da m��e. Chorava aliviada p o r aquele abra��o. Aquele abra��o que
lhe fora negado da ��ltima vez.
A primeira noite na antiga morada foi dif��cil. As conversas eram
desconfort��veis. Falavam sobre Myra, sobre a vida no pal��cio. Evita-
vam falar sobre h o m e n s e, especialmente, sobre R u d i j u .
Dalila queria que a m��e a acompanhasse. Ela garantiu que seria sua
protetora. Ela lhe daria abrigo e custearia sua perman��ncia na agitada
Gaza.
Agar riu ao imaginar-se vivendo n u m m u n d o diferente do seu.
Era u m a m u l h e r abandonada e vi��va. Mal sabia falar, c o m e r ou se
vestir. Seria h u m d h a d a pelas outras mulheres, pensou. Preferia aquele
canto esquecido do Mediterr��neo. L��, o n d e todos, c o m poucas pala-
vras, comunicavam-se b e m . U m a cidadezinha esquecida dos invasores,
longe dos conflitos geopol��ticos, do abuso dos soldados, do enxame de
prostitutas e de pedintes.Viver ali era s�� o que Agar queria.
Dalila entendeu. Mas queria, antes de partir, um m o m e n t o especial
c o m a m��e. E n t �� o levou-a at�� o rio Soreque. L��, lembrando-se dos
158
Sans��o e Dalila
tempos infantis, correu pela beira das ��guas e mergulhou, deixando
que penteassem seus cabelos. C a �� o u pedrinhas. E riu ao lado de Agar.
R i u sem motivos. Ou melhor, c o m o mais belo dos motivos, u m a
fehcidade e paz t��o raras nos ��ltimos anos.
Depois de algumas semanas, Dalila decidiu retornar a Gaza. Agar
passou a noite cozinhando. Assou p��o e peixe. A r r u m o u a roupa da
filha n u m a pequena trouxa. E aconselhou:
��� Tenha cuidado, minha filha. Q u a n d o o brilho da prata �� m u i t o
forte, ele impede que se enxergue c o m clareza.
Dalila sorriu, sem entender. Para ela, a ��nica coisa que cintilava era
os bons m o m e n t o s vividos ao lado de sua m��e.
��� Eles v��o iluminar minhas lembran��as!
Em Gaza, In��rus estava ansioso pela volta de sua protegida.
O encontro dos pr��ncipes j�� estava prestes a acontecer. E, c o m o Dali-
la ainda n��o tinha dado not��cias, o ci��me c o m e �� o u a brotar em seu
cora����o.
Myra desdobrava-se em explica����es, fazia de t u d o para evitar que
o soberano se irritasse. E, quando se reunia c o m as amigas Yunet e Jana,
lamentava-se p o r n��o saber mais o que dizer a In��rus.
Dezenas de pessoas saudavam Sans��o no largo de Zor��. H o m e n s ,
mulheres, idosos e crian��as celebravam o j u i z de D��. Era sua despedida.
Para H��ber, seu companheiro desde a inf��ncia, do��a despedir-se do
amigo outra vez. E, sabendo que ele partia c o m a miss��o de libertar os
hebreus, temia que aquela pudesse ser a ��ltima vez que o via.
Samara estava resignada, mas tentou aconselhar Sans��o a n��o se
apaixonar p o r n e n h u m a outra m o �� a no caminho.
��� Sabe que n��o posso prometer isso ��� desconversou o l��der
hebreu, consciente de sua fraqueza pelas mulheres.
Jidafe recebeu de Sans��o um abra��o e a confian��a para que lideras-
se os filhos de D�� em sua aus��ncia. R e c e b e u t a m b �� m a incumb��ncia
de cuidar de Gadi. E Gadi, de zelar por sua m��e, Zil��. Ela estava reclusa
Despedidas
159
h�� dias. N �� o admitia ver o fdho partir. Mas, ao ver c o m o o povo o
apoiava em sua decis��o, desceu as escadas que levavam at�� o largo, no
centro do vilarejo, e gritou pelo fdho.
��� Sans��o! Perdoe o ego��smo desta m��e... perdoe... voc�� t e m a
minha b��n����o. Q u e o Deus de nossos pais esteja c o m voc�� e lhe
proteja de t o d o o mal. Era o que M a n o �� falaria e o que eu desejo de
t o d o o m e u cora����o... ��� disse a m��e, acariciando o rosto do fdho e
ajeitando seus cabelos tran��ados.
Os dois se abra��aram longamente.
��� Ficarei b e m , minha m��e.
Sans��o ajeitou a trouxa de roupas, certificou-se da ��gua no cantil
e partiu, sem r u m o certo, em dire����o ao sul. Passou pelo sepulcro
o n d e seu pai estava sepultado. Deteve-se um pouco, c o m o se pudesse
ainda ouvir suas ��ltimas orienta����es, e seguiu caminho sob o sol forte,
protegendo-se pelos outeiros e ��rvores, que formavam um cintur��o
pelo deserto.
Ap��s horas de caminhada apressada chegou ao limite sul do d o m �� -
nio hebreu, n u m local conhecido c o m o Et��. L�� encontrou, aos p��s de
uma m o n t a n h a rochosa, u m a fenda. Ali poderia proteger-se do frio
n o t u r n o e do ataque surpresa de alguma fera. N �� o m u i t o distante,
havia uma fonte de ��gua, o que tornava o lugar ideal para que acam-
passe p o r alguns dias.
Sans��o ent��o aprumou-se, usando as roupas c o m o travesseiro, e
descansou. Algumas horas de sono depois, Sans��o ouviu um ru��do.
Despertou p r o n t o para o combate.
��� B o m dia, bravo guerreiro! �� b o m v��-lo novamente.
A voz era familiar. Sempre aparecia nos m o m e n t o s de solid��o. Era
o misterioso andarilho do deserto, que lhe dera ��gua q u a n d o quase
desfaleceu, que lhe incentivara na batalha contra o le��o e o ouvira
ap��s a trai����o de Ieda e Simas.
��� Estou c o m e �� a n d o a desconfiar que est�� me seguindo...
��� Voc�� n��o estaria totalmente errado, j�� que somos dois anda-
rilhos.Venha, vamos subir �� cidade. Estaremos seguros c o m gente do
nosso povo. �� a terra dos h o m e n s de Jud��! ��� avisou o andarilho.
160
Sans��o e Dalila
Sans��o tinha um plano diferente. N �� o queria que n i n g u �� m sou-
besse de sua presen��a, n��o sem antes conquistar a confian��a dos filhos
de Jud��. E preferiu p e r m a n e c e r acampado p o r ah.
O que o hebreu n��o sabia era que estava sendo ca��ado c o m o um
animal pelos filisteus. A poucos metros dali, u m a dilig��ncia c o m a n d a -
da p o r Aron n o t o u a presen��a de Sans��o. O soldado r e t o r n o u rapida-
m e n t e em seu cavalo para sua base, em Gaza. Precisava avisar Abbas
que tinha localizado o inimigo.
Em poucas horas, Aron entrava apressado no pal��cio de Gaza.
E, e n q u a n t o seguia em dire����o �� sala de Abbas, deparou-se c o m Yunet
e Myra.
��� Aron!
��� Nor��!
��� C o m licen��a ��� desvencilhou-se rapidamente Aron, constran-
gido em encontrar suas duas pretendentes ao m e s m o t e m p o e em
m o m e n t o t��o desapropriado.
E n q u a n t o as mo��as tentavam entender o que tinha acontecido, o
soldado avisava ao comandante sobre sua descoberta.
Abbas saltou da cadeira, d e r r u b a n d o a ta��a de v i n h o que b e b e r i -
cava e u m a bandeja c o m algumas frutas. A p a n h o u u m a ma���� do ch��o
e esmagou-a c o m f��ria.
��� Eu m e s m o estarei �� frente do ex��rcito na captura desse maldito
guerreiro de tran��as.
Na mesma noite, Dalila havia retornado de sua longa viagem e
correu para se apresentar ao enciumado soberano de Gaza.
��� O n d e esteve p o r tanto tempo, Dalila? ��� p e r g u n t o u In��rus,
levantando-se de seu acolchoado assento na sala do trono.
��� Fui visitar minha m��e, no vale de Soreque, m e u soberano. Mas
sabe que jamais o abandonaria...
��� Tornou-se minha protegida, Dalila. E isso significa que jamais
deve se aproximar de outro h o m e m .
��� E que outro h o m e m teria mais poder que o grande senhor de
Gaza? ��� sorriu Dalila, desarmando-o p o r completo.
In��rus preparava-se para beijar sua protegida quando Abbas entrou
apressado no recinto.
Despedidas
161
��� C o m licen��a, m e u pr��ncipe!
��� N �� o a tem! ��� berrou In��rus, ajeitando seus poucos cabelos
esvoa��ados pelos carinhos de Dal��a.
��� �� urgente, m e u senhor. O monstro voltou. Encontramos Sans��o!
O pr��ncipe sorriu, satisfeito, e acalmou-se. M a n d o u que preparas-
sem os mil h o m e n s para capturar o hebreu e o r d e n o u que todos se
consagrassem antes aos p��s dos deuses fdisteus no templo erigido em
honra ao deus D a g o n .
Na manh�� seguinte, logo ap��s o sol nascer, mil h o m e n s se enfilei-
raram diante do comandante Abbas e de Aron no templo de D a g o n ,
no pal��cio. U m a cerim��nia religiosa era realizada. E Abbas ergueu um
p u n h a d o de cinzas e lan��ou-as sobre seus soldados, consagrando-os.
��� Q u e D a g o n , o senhor das moscas, me conceda essa vit��ria sobre
Sans��o ��� disse, tendo diante de si o e n o r m e batalh��o de h o m e n s c o m
espadas e armaduras.
Na vizinhan��a de Jud��, Sans��o, alheio ao p e r i g o q u e corria, ofe-
recia-se para ajudar nos trabalhos manuais d u m a pedreira p r �� x i m a .
Carregava c o m facilidade blocos de pedra, empurrava carro��as m o r -
ro acima e deixava os trabalhadores do p o v o a d o estupefatos c o m sua
for��a.
A cada dia, ganhava a confian��a dos filhos de Jud��. Mas, ainda
assim, mantinha-se acampado na fenda da rocha de Et��.
Perto dali, um g r u p o de h o m e n s trabalhava n u m local alto.
E tomaram um grande susto ao ver na plan��cie pr��xima os soldados
filisteus, que se aproximavam c o m o enxames de moscas, c o m seus
cavalos e espadas. N �� o havia n e n h u m a condi����o de enfrent��-los e a
estrat��gia foi enviar alguns l��deres do povoado para uma negocia����o.
Em Gaza, In��rus celebrava o encontro c o m os pr��ncipes filisteus.
E n q u a n t o criados atravessavam o largo c �� m o d o carregando jarras de
vinhos, ta��as e travessas c o m frutos e carnes assadas, o soberano de
Gaza ria ao lembrar que seus soldados estavam no campo de bata-
162
Sans��o e Dalila
lha, e n q u a n t o eles desfrutavam da presen��a de belas mulheres e fartos
banquetes. O pr��ncipe de Gate era o ��nico entre eles que n��o c o m -
partilhava da mesma anima����o, o que causou estranheza p o r parte de
In��rus e sua protegida, Dalila.
A tens��o, no entanto, foi quebrada quando o pr��ncipe de E c r o m
avisou que tinha uma nova protegida e que fazia quest��o de apresent��-
-la a todos os pr��ncipes. Dalila riu, curiosa. Duvidava que qualquer
mulher pudesse lhe roubar o brilho na reuni��o dos soberanos.
O pr��ncipe de E c r o m sinalizou, orgulhoso, c o m palmas ao ar.
E, ap��s o som, entrou no recinto u m a bela mo��a, enfeitada c o m j��ias
brilhantes que ofuscavam as vistas de todos. Dalila a reconheceu. Era
Tais.
Expulsa do pal��cio, Tais buscou ref��gio no principado de E c r o m e
encontrou no soberano vizinho a aten����o que lhe havia sido retirada
por Dalila. C o m leveza, a cortes�� desfilou pelo amplo sal��o e deteve-se
diante de In��rus, beijando-lhe as m��os. O pr��ncipe reagiu c o m uma
express��o de surpresa no rosto.
Em Jud��, os l��deres se detiveram diante do impass��vel Abbas. Ele ves-
tia-se de forma amea��adora. Usava um corselete de ferro, trabalhado
c o m espinhos. Nas m��os, uma espada c o m a l��mina afiada. Havia facas
escondidas nas prote����es de sua perna, e outras espalhadas pela bai-
nha. Usava ainda um elmo met��lico, c o m refor��os internos em couro
almofadado e pedrarias ornamentais do lado externo, indicando que
era ele o comandante.
��� N �� o fizemos nada para provoc��-los. Nossos impostos est��o em
dia. Por que subiram contra n��s?
��� Q u e r e m o s apenas Sans��o ���- respondeu Abbas, didaticamente,
retirando o elmo que cobria sua cabe��a.
Os l��deres de Jud�� se entreolharam assustados. N �� o conheciam
Sans��o pelo n o m e . N e m imaginavam que se tratava do viajante h o s -
pedado na fenda da rocha de Et��.
Despedidas
163
��� Eu o vi recentemente. Ele est�� em Et�� ��� avisou Aron, des-
crevendo o hebreu. Foi quando os h o m e n s se lembraram do sol��cito
peregrino.
Abbas m a n d o u que os fdhos de Jud�� o entregassem, amarrado.
Caso contr��rio, invadiriam a tribo e matariam h o m e n s , mulheres, i d o -
sos e crian��as. Q u e i m a r i a m t u d o implacavelmente. N �� o havia escolhas.
E uma d��ig��ncia de h o m e n s de Jud�� foi em dire����o �� rocha de Et��
para capturar Sans��o e entreg��-lo nas m��os de Abbas.
��� Seus dias de her��i acabaram, Sans��o. E ser�� entregue pelas m��os
de seu p r �� p r i o povo ��� exultava o comandante, diante da celebra����o
geral de seus comandados.
C A P �� T U L O 10
Uma queixada de jumento
Os dias em Zor�� sem seu juiz transcorriam na mais absoluta paz.
O trabalho comandado por Sans��o, quando j u l g o u seu povo e apa-
ziguou os conflitos do povoado, repercutiu em n u m t e m p o de uni��o
dos filhos de D�� e de t e m o r a Deus e respeito �� Alian��a.
Jidafe estava cada vez mais afei��oado ao m e n i n o Gadi. O p e q u e -
nino era um companheiro na lida di��ria, na colheita de trigo ou nos
afazeres do vilarejo. E sempre pregava pe��as em Jidafe, que ��s vezes
abandonava t u d o espalhado pelo ch��o s�� para correr atr��s do menino,
brincando pelos p��tios de Zor��. Em nada aquelas atitudes lembravam
o Jidafe de meses antes, quando s�� sabia praguejar pela vida sofrida e
ahmentar o ��dio no cora����o. Jidafe agora era um h o m e m leve, feliz e
c o m gratid��o no cora����o.
H e b e r e Samara aproximavam-se cada vez mais tamb��m. Sama-
ra mostrava-se preocupada c o m Sans��o. E H e b e r j�� n��o conseguia
esconder seus ci��mes. Ele n��o entendia c o m o a mo��a n��o notava o
seu amor, n��o era capaz de enxergar que ele a amava h�� tanto tempo.
E por mais que fosse desajeitado e t��mido, at�� m e s m o o mais cego dos
danitas j�� tinha percebido o sentimento que devotava �� bela amiga.
��� Acha que Sans��o est�� bem? Q u e est�� seguro? ��� p e r g u n t o u
Samara, ao encontrar H e b e r empilhando alguns caixotes de madeira.
166
Sans��o e Dalila
��� Espero que sim, Samara. E espero que algum dia voc�� m u d e
de assunto e pare de falar apenas em Sans��o ��� irritou-se o danita,
deixando as caixas desequilibrarem-se e ca��rem no ch��o.
Era c o m u m a H��ber, quando se irritava, atrapalhar-se nos afazeres,
esconder o rosto, trope��ar nas palavras, gaguejar frases desconexas e
refugiar seu olhar lacrimoso no ch��o.
��� Precisa ser assim... t��o desagrad��vel?
��� N �� o �� poss��vel que at�� longe ele seja o ��nico a habitar seus
pensamentos.
��� Est�� c o m ci��mes, H��ber? Est�� c o m ci��mes de mim?
H �� b e r sentiu o rosto queimar de vergonha. Teve vontade de dizer
o que estava guardando no cora����o h�� anos. Q u e a amava c o m um
amor t��o puro que lhe parecia at�� imposs��vel. Mas, em vez disso, d e i -
x o u que a timidez o impedisse mais u m a vez. Assim, retirou-se rapi-
damente, resmungando.
Samara ficou ali parada p o r um instante. E se fosse ci��mes, sim?
E se H��ber, de fato, gostasse dela de uma forma diferente da que se
gosta de um amigo ou irm��o?
No dia seguinte, procurou H��ber. Sentiu algo diferente em seu
interior, algo que n��o sabia precisar. Apenas queria estar ao lado do
amigo e ajud��-lo nos afazeres di��rios.
��� N �� o preciso de sua ajuda, Samara. Diana j�� se disp��s a ir c o m i -
go organizar os feixes de trigo e cuidar dos animais ��� respondeu em
t o m de desprezo, apresentando u m a nova amiga.
Diana era filha de O m a r , um anci��o respeitado entre os danitas.
Parecia-se um p o u c o c o m H �� b e r na forma de agir. Era t��mida, desa-
jeitada, mas m u i t o sol��cita e sorridente. E, t a m b �� m , m u i t o bonita.
V��-la toda alegre ao lado de H �� b e r deixou Samara insegura.
E c o m raiva. E triste. Seria ci��mes, t a m b �� m , aquela mistura de senti-
mentos? Pensou aflita.
P r �� x i m o dali, Zil�� gastava-se em ora����o. Pela manh��, tarde e antes
de dormir, orava pelo filho distante. Pedia a Deus que o guardasse dos
inimigos, p o r mais numerosos que fossem.
J�� b e m distante, t a m b �� m no territ��rio sob d o m �� n i o hebreu de
Jud��, cerca de mil h o m e n s armados c o m enxadas, peda��os de pau,
Uma queixada de jumento
167
tochas e cordas subiam at�� a fenda da rocha de Et��. Encontraram San-
s��o j�� ciente da proximidade dos filisteus.
��� N �� o sabia que os filisteus nos dominam? Por que veio se escon-
der aqui entre n��s, Sans��o? ��� questionou um dos l��deres do grupo,
segurando u m a corda grossa nas m��os, utilizada na pedreira para puxar
pedras.
��� Esta terra nos pertence. T a m b �� m sou filho de Abra��o, c o m o
voc��s. Acreditem ou n��o, vim para salv��-los.
O l��der de Jud�� explicou a situa����o em que estavam. Q u e deviam
entreg��-lo amarrado diante dos soldados filisteus ou pagariam c o m a
vida. E que eles n��o pelejariam contra o numeroso ex��rcito instalado
ao lado da pedreira.
Sans��o entendeu e estendeu as m��os para que fosse amarrado.
Antes, p o r �� m , fez um pedido.
��� Ent��o me levem at�� eles. Mas pe��o que j u r e m , pelo Deus dos
hebreus, que n��o me matar��o pelas suas m��os.
Os h o m e n s concordaram. N �� o queriam mal ao danita. Apenas n��o
sabiam c o m o resolver aquela situa����o sem sacrific��-lo. Amarraram
suas m��os, seus p��s e bra��os e o conduziram m o r r o abaixo at�� o local
o n d e Abbas, Aron e seus h o m e n s esperavam.
Ao v��-lo chegando c o m o um cordeiro d o m a d o e prestes a ser
imolado, os h o m e n s celebraram, vitoriosos. Gritos e ofensas eram p r o -
feridos a Sans��o, ao povo e principalmente ao Deus dos hebreus.
��� E agora, Sans��o? C o m o explicar ao seu povo que o protetor
deles foi capturado dessa forma? Sem ao m e n o s lutar, c o m o at�� um
animal faria? N �� o �� valente c o m o um le��o? Pois ent��o lute! Levante-
-se e mostre a sua for��a! Mostre a esses h o m e n s que o seu Deus invi-
s��vel serve para alguma coisa! E m o r r a c o m dignidade pelas m��os dos
filisteus! ��� tripudiava Abbas, diante de Sans��o, que cerrava os dentes
e olhava fixamente o comandante.
Um c��rculo se f o r m o u em t o r n o de Sans��o, que, m e s m o c o m m��os
e p��s amarrados, causava apreens��o cada vez que retirava os olhos
encharcados de ira de Abbas e os voltava a um dos soldados. N i n g u �� m
se atrevia a tocar-lhe antes do comandante. Abbas, no entanto, estava
168
Sans��o e Dalila
confort��vel. Mal acreditava que seria t��o f��cil capturar o tal hebreu
guerreiro que havia causado tantos preju��zos aos planos expansionistas
de Gaza e seus aliados.
��� V a m o s , Sans��o! ��� provocava, gargalhando. R i a tanto que c h e -
gava a babar. U m a cena t��o abjeta quanto o p r �� p r i o Abbas.
O hebreu ouvia os insultos, a zombaria generalizada, os gritos
violentos. E, fechando seus olhos, lembrou os m o m e n t o s que c o m -
puseram sua vida. Das risadas dos fdisteus na casa de Simas, durante
suas bodas. Do ataque do le��o feroz em m e i o ao deserto do vale de
T i m n a . De M a n o �� e das promessas do mensageiro de Deus lembradas
atrav��s das doces palavras de Zil��. Os sentimentos desembocavam c o m
a viol��ncia de u m a forte queda d'��gua. E Sans��o n��o aguentou mais.
G r i t o u t��o alto que sua voz silenciou t o d o o ex��rcito fdisteu. G r i t o u
c o m dor na alma. Seus m��sculos dilataram a p o n t o de r o m p e r as cor-
das c o m o se fossem fios de linho envelhecidos. E o guerreiro hebreu
p��s-se de p��, livre das amarras, diante de Abbas, que se assustou.
O comandante o r d e n o u que os primeiros h o m e n s avan��assem
sobre o danita. Sans��o, p o r �� m , arremessava-os uns sobre os outros,
erguendo-os c o m o se fossem folhas de papel.
No ch��o, havia a carca��a de um j u m e n t o , um dos muitos animais
que m o r r i a m p o r n��o aguentar a sobrecarga de trabalho na pedrei-
ra. Seus ossos secavam ao sol. Sans��o apanhou a queixada, seguran-
do o osso maxilar. A pe��a era larga, em forma triangular, pesada e
c o m pontas afiadas pela a����o do t e m p o . A arma improvisada serviu
b e m para Sans��o defender-se das espadas e ao m e s m o t e m p o perfurar
os inimigos, estocando-os. E, c o m golpes precisos, Sans��o derrubava
seus oponentes, a m o n t o a n d o corpos ao seu redor e deixando o ch��o
coberto de sangue.
Sans��o movimentava-se rapidamente e levou a batalha at�� um
penhasco pr��ximo. L�� haviam algumas escadas, c o m cerca de t r i n -
ta metros de c o m p r i m e n t o cada, utilizadas nas extra����es das pedras.
Conseguiu conduzir centenas de h o m e n s at�� a beirada dos rochedos
e, n u m golpe r��pido, cercando-os c o m u m a das escadas, e m p u r r o u
centenas de h o m e n s , que despencaram sobre pontiagudas rochas.
Uma queixada de jumento
169
Abbas assistia �� cena c o m incredulidade e gritava impaciente e
enfurecido. E m p u r r o u Aron em dire����o ao danita que, c o m um gol-
pe, arremessou o soldado filisteu para longe, ferindo-lhe as costas.
O soldado p e r m a n e c e u ali, jogado, sem condi����es de levantar-se. Por
horas Sans��o seguiu sua furiosa sina de matar soldados fihsteus que se
colocavam contra ele. Um a u m , todos os soldados foram derrotados,
at�� restar somente o comandante Abbas diante do juiz hebreu.
��� N �� o vencer��, Sans��o. N �� o a m i m ��� avisou o comandante,
desembainhando sua espada. Abbas era o mais h��bil dos soldados. N �� o
havia um h o m e m em todos os principados fihsteus t��o preparado
quanto o temido comandante. T i n h a os olhos vermelhos e esbugalha-
dos, que pareciam antever qualquer m o v i m e n t o . Era alto e m u i t o forte
e t a m b �� m ind��cil, violento e determinado.
Partiu na dire����o de Sans��o para recort��-lo ao meio, mas mais uma
vez o hebreu desvencilhou-se dos golpes fihsteus. Arrancou a espada
das m��os do comandante e c o m a queixada de j u m e n t o ergueu seu
o p o e n t e pelo pesco��o, sufocando-o.
��� A q u e m serve?
��� Ao pr��ncipe In��rus, de Gaza ��� respondeu c o m dificuldades.
��� Pois voc�� voltar�� para avisar-lhe que nunca mais deve atentar
contra o povo hebreu ou pagar�� c o m a vida.
��� M a t e - m e agora, Sans��o. Ou se arrepender�� eternamente.
Sans��o lembrou-se de Faruk.
��� N �� o foi a primeira vez que ouvi isso. E t e n h o certeza que n��o
faltar�� oportunidade de reparar esse erro ��� disse, lan��ando-o sobre
Aron, que come��ava a se levantar. Os dois soldados fihsteus m o n t a r a m
em seus cavalos e fugiram em dire����o a Gaza.
De longe, os h o m e n s de Jud�� observavam a batalha e, ao ver os
dois ��nicos sobreviventes fugirem da pedreira c o m o c��es assustados,
celebraram, agradecendo a Deus.
Sans��o, no entanto, estava exausto. E desabou sobre corpos de sol-
dados mortos. Foi socorrido pelos filhos de Jud�� at�� a sombra de u m a
rocha. O hebreu estava sedento, precisava de ��gua urgentemente. Mas
todos os cantis estavam secos e Sans��o agonizava sob o sol devastador
e o olhar horrorizado dos habitantes de Jud��.
170
Sans��o e Dalila
Sobre eles, no alto de u m a rocha, Sans��o avistou o misterio-
so a n d a r d h o que lhe aparecia nos m o m e n t o s mais cruciais da vida.
E, quase desfalecendo e c o m as vistas j�� escurecendo, orou:
��� Senhor... obrigado pela salva����o... mas n��o me deixe m o r r e r
agora, de sede, e cair novamente nas m��os dos inimigos... ��� disse,
g e m e n d o .
Foi q u a n d o , d o alto d a rocha, h o u v e u m estampido. U m estouro
que trouxe na sequ��ncia o b a r u l h o das ��guas c o r r e n d o . U m a fresta
se abriu de um r o c h e d o e a ��gua c o m e �� o u a brotar de l��, f o r m a n -
do u m a p e q u e n a cascata q u e refrescou a todos e restaurou Sans��o.
Os filhos de Jud�� choravam e m o c i o n a d o s ao presenciarem mais um
milagre. E batizaram aquela fonte d'��gua de En-Hacor��, ou " F o n t e
d o que C l a m a " .
A reuni��o dos pr��ncipes das cidades fdisteias seguia animada. E n q u a n -
to os soberanos divertiam-se c o m m��sica, comida, bebidas e, p r i n c i -
palmente, mulheres, Dalda e Tais travavam u m a disputa particular pela
aten����o dos h o m e n s .
Tais estava estonteante. P o r �� m bastou Dalda apresentar sua dan��a
para que os pr��ncipes uivassem feito lobos no cio e despejassem toda
sorte de j��ias aos p��s da protegida de Gaza. Q u a n d o Tais foi se apre-
sentar, Dalila fingiu um desmaio e esvaziou de vez a apresenta����o da
rival, atraindo cuidados e m i m o s de todos.
O ��dio de Tais p o r Dalila era cada vez mais alimentado e, m e s m o
que houvesse perdido a primeira batalha, deveria haver um jeito de
atingir a bela mo��a de Soreque. Tais procurou pelos corredores do
pal��cio sua antiga c��mplice, Jana. Mas a cortes�� havia sumido nos dias
de festejo.
Jana estava fora do pal��cio. Ocupava-se c o m Ali�� e sua sa��de cada
vez mais enfraquecida. Autorizada p o r Myra, a cortes�� passava os dias
e noites assistindo o pai, que, febril, tinha alucina����es. Nas l e m b r a n -
��as dram��ticas que lhe saltavam da m e n t e , ele via os soldados filisteus
Uma queixada de jumento
171
invadindo seu vilarejo. M a t a n d o sua mulher e seus outros filhos. Em
pequenos cortes de imagens, via Jana, ainda u m a menina, ser levada
para longe dele. Lembrou-se do desespero. Do gosto de sangue subir-
-lhe �� boca q u a n d o foi atingido na cabe��a. Dos cortes ardendo pelo
corpo.
O velho Ali�� acalmava-se apenas quando Jana lhe segurava as m��os
e dizia: "Estou aqui, pai.Voc�� me salvou.Voc�� me salvou."
C o m a piora da sa��de do pai, restava �� cortes�� apenas administrar
seu sofrimento. E, gra��as a Cario e sua flauta, a dor era suavizada ao
som da m��sica.
Foi enquanto Cario assoprava uma bela can����o na flauta que Ali��
repentinamente recobrou a lucidez. O l h o u c o m carinho para a filha,
acariciou seus delicados dedos, alisou seu rosto.
A fisionomia de Ali�� era de ternura. Parecia saber exatamente para
o n d e iria.
��� A paz, a paz...
Fechou assim seus olhos pela ��ltima vez. Jana sorriu e, em seguida,
chorou. Sorriu porque sabia que seu pai tinha encontrado a Cana�� de
suas hist��rias. A paz de suas narrativas. Ali, para o n d e iria, n��o have-
ria mais filisteus t o r t u r a n d o - o . Ele iria acordar do lado da felicidade.
E isso lhe trazia consolo.
Mas chorou porque agora era ela q u e m n��o sabia mais seu cami-
n h o . A vida s�� lhe fazia sentido ao cuidar do velho pai. Sem ele, tudo
era um grande p o n t o de interroga����o.
Em Gaza, Tais arquitetava meios de deixar Dalila em u m a situa-
����o fr��gil. E, q u a n d o p e r c e b e u o pr��ncipe In��rus d e s a c o m p a n h a -
do, insinuou q u e sua protegida p o d e r i a estar t r a i n d o - o c o m outros
h o m e n s . O pr��ncipe n��o gostou do q u e o u v i u e, r��spido, m a n d o u a
m o �� a retornar para o seu soberano de E c r o m . M e s m o assim, passou
a m o n i t o r a r os passos de Dalila pelo sal��o. A semente dos ci��mes
havia sido plantada.
172
Sans��o e Dalila
Foi quando Abbas e Aron chegaram ao local, visivelmente h u m i -
lhados. Assim que chegou, o comandante pediu u m a audi��ncia em
particular c o m seu soberano. In��rus, sobressaltado, deixou os pr��ncipes
no templo de D a g o n , o suntuoso sal��o circular, sustentado por diversas
colunas e o n d e as imagens de deuses fdisteus circundavam um p��tio.
O pr��ncipe retirou-se ansioso e, ao encontrar-se c o m Abbas, ficou
perplexo.
��� Est�� me dizendo que ele, desarmado, m a t o u milhares de h o m e n s
nossos?
��� Ele usava uma queixada de j u m e n t o , m e u pr��ncipe ��� corrigiu
Abbas, envergonhado.
��� Um peda��o de osso contra espadas de ferro? ��� reagiu In��rus,
ainda mais desnorteado.
��� Eu sei que �� dif��cil acreditar, mas Sans��o n��o �� c o m o um
h o m e m qualquer... �� c o m o se u m a for��a descomunal se apossasse dele,
c o m o se...
��� C o m o se o D e u s invis��vel, o Deus dos hebreus o ajudasse? Q u e
absurdo �� esse que est�� me dizendo, comandante? O Deus dele, p r i -
mitivo, valeria p o r todos os nossos deuses?
Abbas n��o sabia mais o que dizer. Estava absolutamente vencido.
Sem rea����o e at��nito. P r o m e t e u que n��o descansaria enquanto n��o
matasse Sans��o.
��� N �� o ! Sans��o n��o p o d e morrer. Ele se tornaria um her��i, uma
lenda, um s��mbolo de luta de seu povo. Devemos captur��-lo vivo e
faz��-lo viver h u m �� h a d o sob nossos p��s. Descubra a fraqueza desse
h o m e m . Ele deve ter alguma! ��� o r d e n o u o impaciente soberano.
Dalila, que sempre rondava o pr��ncipe In��rus, ouviu toda a c o n -
versa. E cada vez mais se interessava pelo guerreiro hebreu. Via nele
mais do que a for��a temida pelos filisteus. Via nele um h o m e m c o m
um prop��sito elevado, um amor incondicional ao seu Deus e ao seu
povo. Era t u d o o q u e uma mo��a, cujo c o r p o era apenas o que os
h o m e n s valorizavam, queria ter na vida. Um amor verdadeiro.
Poucos instantes mais tarde, Abbas e In��rus reuniam todos os
pr��ncipes fdisteus para comunicar sobre o resultado da expedi����o
Uma queixada de jumento
173
militar. A fisionomia dos dois era constrangedora. C o u b e a Abbas c o n -
tar c o m o Sans��o os venceu.
In��rus ouvia t u d o c o m as m��os ��midas e perplexas no rosto. Por
vezes arrumava seus poucos cabelos despenteados, ou secava o suor
que escorria pela calv��cie que atravessava toda a cabe��a, acentuando-se
da testa at�� quase a nuca.
Ap��s a irrita����o generalizada, n��o havia m u i t o sobre o que falar.
Restava confiar que Abbas cumprisse a promessa de prender Sans��o.
J�� o her��i hebreu come��ava mais uma j o r n a d a . Estava ciente de
que, se acampasse em outra tribo hebreia, poderia colocar em risco
o povoado. E, recuperado, ap��s alguns dias entre os filhos de Jud��,
decidiu seguir seu caminho, r u m o a Gaza. Era l�� o n d e estava a raiz da
opress��o e do mal. E pretendia cort��-la.
Ap��s alguns dias de sinuosa e cansativa viagem, chegou �� agitada
Gaza. Atravessou o port��o da cidade, que era toda protegida por altos
muros c o m ins��gnias em refer��ncia ao seu soberano. Por ali, os solda-
dos monitoravam o entra e sai constante de pessoas. Sans��o logo se
encantou c o m toda a movimenta����o, c o m a sofistica����o dos materiais
vendidos nas feiras p��blicas, as cer��micas, pe��as de metal, os tecidos e
carpetes feitos c o m capricho. Se T i m n a era uma cidade desenvolvida,
Gaza certamente era m u i t o mais.
J�� era fim do dia e o sol come��ava a se esconder p o r detr��s das
montanhas. Foi quando o hebreu chegou ao largo das meretrizes. L��
encontrou Ayla, prostituta que havia trabalhado c o m H a n n a h anos
antes.
Ayla era u m a mulher atraente, c o m cerca de trinta anos. T i n h a
um olhar marcante, sedutor e sabia c o m o abordar os peregrinos que
procuravam por divers��o e um local para repousar durante as noites.
��� Sua procura t e r m i n o u , viajante.
Sans��o sorriu, m e d i n d o as curvas da bela mulher.
��� C o m o sabe que n��o sou daqui?
��� Basta olhar ao redor.Viajantes de todos os locais desembarcam
em Gaza...
��� Procuro o pal��cio.
174
Sans��o e Dalila
��� N �� o �� longe daqui. Mas voc�� n��o vai encontrar l�� o que posso
oferecer-lhe aqui.
Ayla segurou as m��os de Sans��o, acariciando-as. Admirou sua m �� o
forte e grande, sua virilidade e seus m��sculos. O hebreu n��o demonstra-
va n e n h u m interesse em resistir �� investida e achou que divertir-se um
p o u c o n��o lhe faria mal. Na manh�� seguinte continuaria sua caminhada.
A prostituta levou Sans��o at�� um aposento p r �� x i m o dali. Era um
local simples, mas aconchegante, c o m algumas candeias suspensas e
velas acesas. Incensos t a m b �� m aromatizavam o p e q u e n o c �� m o d o c o m
u m a cama no centro.
Sans��o sentou-se na beira do m��vel e observou o c o r p o da bela
prostituta. Ele rendeu-se, ent��o, de vez, �� luxuria. Abra��ou a mulher,
beijando-a e lan��ando-a sobre a cama onde passariam a noite.
Se em Z o r �� o clima era de paz, em Gaza s�� havia conflitos. E Tais
usava os dias de encontro no pal��cio para procurar aliados contra Dali-
la. Sabia que Abbas tinha seus problemas c o m a rival e decidiu usar da
sedu����o c o m o arma. Procurou o comandante, ainda arrasado, em sua
sala, pela batalha contra Sans��o.
��� O que faz aqui? ��� reclamou Abbas.
��� Pensei que talvez quisesse uma companhia para esquecer os
��ltimos dias.
��� Pensou errado. Saia daqui!
��� Acredito em voc��, comandante. Voc�� ir�� derrotar Sans��o. Se
esses h o m e n s n��o c o n h e c e m suas vit��rias anteriores, eu vou lhes dizer.
Vivi tantos anos aqui e c o n h e �� o seus triunfos. E eles s��o m u i t o mais
numerosos que as derrotas.
M e s m o incomodado, as palavras lhe faziam b e m . Seu ego precisava
ser acariciado.
��� N �� o se sinta humilhado, comandante.Voc�� vai derrotar Sans��o.
��� repetiu a protegida de Ecrom.
Uma queixada de jumento
175
Abbas disfar��ou, mas u m a l��grima escorreu pelo seu rosto. Era
uma l��grima de raiva, mas t a m b �� m de al��vio. E, antes que a j o v e m
sa��sse de sua sala, questionou:
��� E o que voc�� quer?
��� Q u e r o que me ajude a derrotar Dalila ��� disse, sem rodeios e
mostrando um sorriso de satisfa����o.
Naquele m o m e n t o havia duas pessoas no m u n d o a q u e m Abbas
odiava e queria matar. Sans��o, o guerreiro que n��o podia ser vencido,
e Dalila, a mulher que n��o lhe retribu��a o amor.
Assim que amanheceu, Sans��o vestiu-se e, acompanhado de Ayla,
seguiu at�� o largo central, na cidade. De l�� Ayla lhe mostrou a dire-
����o do pal��cio, passando as informa����es sobre c o m o chegaria at�� l��.
Sans��o estava desconfort��vel e agradeceu, m e i o sem jeito. A prostituta
sorriu, acariciou seu rosto, descobrindo por um instante o tecido que
cobria sua cabe��a e escondia as tran��as de seus cabelos.
��� At�� quando ficar�� na cidade?
��� N �� o sei ��� respondeu, secamente. Apressado para partir.
��� Sabe o n d e me encontrar ��� disse, maliciosa.
O hebreu percebeu a exposi����o e voltou a cobrir-se. Mas j�� era
tarde demais. De perto, Bak, um trabalhador local, viu a cena e ficou
curioso. Esperou Sans��o partir para se aproximar de Ayla e questionar
sobre o peregrino.
��� �� Sans��o, um viajante. N e n h u m a mulher esqueceria um
h o m e m c o m o ele ��� suspirou a prostituta, seguindo seu caminho.
Bak j�� tinha ouvido falar sobre o guerreiro hebreu de tran��as e,
confirmando que se tratava de Sans��o, correu para o pal��cio para
avisar ao comandante sobre o iminente perigo. E n c o n t r o u Aron e
insistiu para falar c o m Abbas. E n c o n t r o u o comandante trocando afa-
gos c o m Tais.
��� O que esse h o m e m faz aqui, Aron? N �� o quero receber n i n -
gu��m.
176
Sans��o e Dalila
��� Ele insiste que �� de seu interesse. Q u e r i a entrar a todo custo e
at�� resistiu aos guardas que o colocavam para fora.
Abbas levantou-se, irritado. Os ��ltimos dias j�� haviam sido pesaro-
sos demais. E aborrecer-se c o m um desconhecido era a ��ltima coisa
que queria.
��� Q u e seja algo de extrema import��ncia, se quiser manter-se vivo.
��� �� sim. �� sobre Sans��o. Ele est�� aqui em Gaza, comandante ���
avisou Bak.
Jana havia retornado para o pal��cio. Estava desnorteada c o m a m o r t e
do pai. E seu h u m o r piorou ainda mais ao encontrar Tais pelos c o r r e -
dores. A antiga cortes�� de Gaza queria ajuda para prejudicar Dalila e
amea��ou, outra vez, revelar seu segredo a Abbas.
��� A decis��o �� sua. Ou me ajuda a destruir Dalila, ou todos sabe-
r��o q u e h�� u m a hebreia entre n��s. Ser�� oferecida, agora m e s m o , aos
nossos deuses.
Jana ouviu, em sil��ncio, os planos de Tais. E depois seguiu at�� seus
aposentos, na ala das cortes��s. Estava decidida. Iria embora.
Dalila encontrou a amiga outra vez a r r u m a n d o suas roupas. Mas,
ao ver sua express��o triste ao separar seus pertences, entendeu o que
havia acontecido. E n��o insistiu para que ficasse.
��� Eu sinto m u i t o p o r seu pai ��� lamentou a protegida de In��rus,
recebendo o abra��o apertado de Jana.
No dia seguinte, as duas levaram alguns pertences para a casa o n d e
vivia Ali��, antes de morrer, e o n d e estava escondido Cario. Jana olhava
para algumas pe��as de roupa do pai e lamentava ainda sua aus��ncia.
��� Seu pai foi m u i t o importante para m i m , Jana. Guardo c o m
m u i t o carinho as palavras que ele me disse e que foram decisivas.
A praia de Gaza era pr��xima dali. E Dalila decidiu ver o mar,
refrescar o c o r p o e os pensamentos. Jana, apesar da insist��ncia da ami-
ga, preferiu n��o acompanh��-la.
Uma queixada de jumento
177
Dalila vestiu sua t��nica e percorreu o caminho que levava at�� a
praia. Escutar as ondas quebrando e andar c o m os p��s descal��os na
areia era terap��utico para ela, que cresceu pr��xima das ��guas. O l h o u
ao redor e n��o avistou n i n g u �� m . Decidiu mergulhar. R e t i r o u as r o u -
pas e entrou nas ��guas, p e r m i t i n d o que as ondas brincassem c o m seus
cabelos.
Ela n��o percebeu, mas n��o estava sozinha. De perto, um h o m e m ,
que a avistava embasbacado, aproximou-se, p e g o u suas roupas espa-
lhadas, sentiu o perfume das pe��as e sorriu ao ver a cortes�� palaciana
divertir-se nas ��guas. Era Sans��o.
C A P �� T U L O 11
Na casa do inimigo
Dalila usava apenas um traje ��ntimo. Um v��u fino que, ��mido, m a r -
cava ainda mais sua silhueta. E, ao perceber Sans��o na praia, sentiu
vergonha. Aquele era um m o m e n t o seu, n��o estava sob os olhares de
pr��ncipes, n��o queria ser observada.
Sans��o riu e encantou-se c o m a beleza da mo��a.
��� Perdeu alguma coisa? ��� brincou, segurando as roupas de Dal��a,
que estavam jogadas na areia.
Dalila estava desconfort��vel c o m os gracejos do h o m e m que, para
ela, n��o passava de um desconhecido, de mais um tipo espertalh��o que
se acha d o n o das mulheres bonitas.
��� N �� o devia ficar sozinha n u m lugar t��o deserto. N �� o conhece
os perigos que a beleza feminina atrai? ��� c o n t i n u o u Sans��o, tentando
arrancar algumas palavras de Dal��a.
Ele entregou as pe��as de roupas e virou-se, garantindo que n��o lhe
olharia enquanto se trocasse.
��� Desculpe-me se a assustei. N �� o se preocupe, n��o vou lhe fazer
mal. Estou indo at�� o pal��cio de Gaza. Sabe o n d e fica?
A protegida de In��rus vestiu-se e, apressadamente, foi embora em
completo sil��ncio. Sans��o ficou olhando-a se afastar e percebeu que
um len��o vermelho havia ficado pelo ch��o. A p a n h o u o tecido e aspi-
180
Sans��o e Dalila
rou o perfume da pe��a. Era um aroma delicado, doce. Refinado, mas
sem ser ostensivo.
Perto de Zor��, filisteus haviam t o m a d o o acesso ao rio que supria de
��gua os filhos de D��. Na tribo, o chma era de consterna����o.Jidafe t e n -
tava escavar um novo po��o, mas era trabalhoso demais e levaria ainda
algum t e m p o para ficar pronto. E apenas a ��gua de uma pequena fonte
t a m b �� m n��o serviria para t o d o o vilarejo. Por isso, era preciso tomar
u m a decis��o urgente.
O levita e alguns anci��es sugeriram que os danitas deixassem suas
casas e seguissem em caravana r u m o a outra terra, um local o n d e
pudesse haver melhores condi����es. Para Jidafe, tal mudan��a, al��m de
perigosa, era sofrida demais. H�� d��cadas os filhos de D�� habitavam
aquela regi��o. E submeter-se, mais u m a vez, �� opress��o filisteia seria
pesaroso.
Um conflito entre os hebreus e os filisteus parecia inevit��vel. Mas,
diferentemente de situa����es passadas, Jidafe procurava ouvir a todos
os l��deres e pedir dire����o a Deus para seus passos. Dessa vez, tinha a
confian��a de sua tribo e n��o queria perd��-la.
Al��m do iminente drama na comunidade, H �� b e r t a m b �� m vivia
suas pr��prias ang��stias. Desde que Samara o havia comparado a um
irm��o, decidiu que precisava ter u m a postura mais determinada e inci-
siva c o m as mulheres. E achou que era hora de tentar a sorte.
O problema �� que n e m imaginava c o m o seduzir u m a mo��a. N �� o
tinha o m e n o r traquejo c o m isso.
Era noite e o luar estava t��o cheio que parecia um lustre arre-
dondado dependurado no c��u. Estava quente, e Samara, de sua j a n e -
la, observava as estrelas. H �� b e r percebeu uma rara chance e sentiu-se
repentinamente encorajado a falar c o m ela. Subiu o lance de escadas
at�� a entrada da casa de Samara e aproveitou para conversar um pouco.
Samara estava enciumada nos ��ltimos dias. N �� o gostava de divi-
dir a aten����o de H �� b e r c o m Diana e, ao v��-lo se aproximar, entusias-
Na casa do inimigo
181
m o u - s e . Era u m a alegria diferente, semelhante �� q u e sentia q u a n d o
via Sans��o.
��� Samara, ��s vezes as palavras me faltam... Sabe que sou t��mido
para certos assuntos ��� iniciou sua prosa.
��� C o m i g o , Heber? ��� riu, nervosamente. ��� N �� o �� necess��rio...
o que pretende me falar?
��� N �� o sei o que vai pensar de m i m depois do que direi... Mas
preciso dividir isto...
Samara foi em sua dire����o, ajeitou seu vestido, sentando-se ao lado
de H e b e r na escadaria. C o l o c o u as m��os sobre os joelhos e t e n t o u
disfar��ar o nervosismo que t o m o u conta dela repentinamente.
H e b e r p��s-se a lembrar da amizade dos dois desde a inf��ncia. E de
c o m o ela preferia estar perto dos meninos, subindo em ��rvores, cor-
rendo pelos campos, ao inv��s de ajuntar-se ��s outras meninas.
��� N �� o sei n e m c o m o isso c o m e �� o u , acho que foi quando voc��
caiu da ��rvore e m a c h u c o u sua perna. Desde aquele m o m e n t o deixei
de ser apenas seu amigo. T o r n e i - m e seu protetor.
A cada palavra engasgada do danita, Samara sentia o cora����o saltar
no peito. Sua m �� o j�� suava �� espera do que ele diria.
��� M u i t o embora voc�� preferisse Sans��o, continuei zelando todas
as noites por voc��. Lutando esses anos todos contra o ci��mes que
sentia, c o m esperan��a... at�� que percebei que nunca seria o d o n o do
seu cora����o.
Samara t e n t o u interromp��-lo, mas H e b e r parecia determinado a ir
at�� o fim na conversa.
��� Mas isso ficou no passado. Os tempos s��o outros. Por isso decidi
procur��-la...
��� Fale de uma vez, Heber.. .Voc�� est�� me deixando m u i t o nervosa
��� insistiu, impaciente.
��� Pois vou dizer: o que eu preciso fazer para conquistar a Diana?
N �� o quero que aconte��a entre m i m e ela o que aconteceu conosco.
Preciso do seu conselho feminino, seu conselho de irm��...
Samara n��o acreditava no que ouvia. E sabia que H e b e r n��o estava
brincando. Ing��nuo c o m o era, ele falava s��rio. E, p o r isso, ela n��o tinha
palavras para respond��-lo. Levantou-se irritada.
182
Sans��o e Dalila
��� M e u conselho de irm�� ��... me deixe em paz, H��ber. Boa noite!
��� entrou em sua casa, deixando o hebreu confuso para tr��s.
O pr��ncipe In��rus fervia em ��dio. N �� o bastava ter que admitir a d e r -
rota, saber que Sans��o circulava pela sua cidade o deixava aflito e
inconformado.
��� Um h o m e m ! Apenas um h o m e m ! Parece que estamos diante
do mais poderoso ex��rcito da terra, mas �� apenas um ��nico h o m e m a
nos afrontar desse jeito ��� berrava c o m Abbas.
C o u b e ao comandante a miss��o de fechar as portas da cidade, n��o
p e r m i t i n d o que o hebreu escapasse. E t a m b �� m refor��ou a guarda no
pal��cio, orientando as dilig��ncias dos pr��ncipes das outras cidades a
p e r m a n e c e r e m por ali e n q u a n t o o invasor n��o fosse capturado.
O clima de descontra����o, outrora dominante no pal��cio, cedia
espa��o a um cen��rio de conchavos, rivalidades e s��tio. Tais i n c u m -
bia- se de inflamar ainda mais os ��nimos, fazendo mexericos. Por um
m o m e n t o , incentivava o pr��ncipe de Gate a conspirar contra In��rus,
t o m a n d o o controle sobre todas as cidades. Ao pr��ncipe de Ecrom,
dizia que Abbas era um h o m e m fraco, e In��rus, inseguro para lidar
c o m o perigo iminente. Aos soberanos de Ascal��o e Asdode, fazia c o m
que se enciumassem do p o d e r i o de Gaza. J�� para In��rus prometia
fidehdade e apoio, n��o sem antes sugerir que Dalila interessava-se pelo
soberano de Gate.
In��rus estava atordoado. E m a n d o u chamar Dalila em sua presen��a.
Tomado de ci��mes, n��o a queria mais se apresentando aos pr��ncipes.
E passou a dar cr��dito ��s perigosas palavras de Tais.
J�� Abbas organizava os poucos soldados que restaram. E a Bak
ordenou que buscasse Ayla, a prostituta que passara a noite c o m San-
s��o. Q u a n d o Ayla chegou �� sala de Abbas, foi recebida c o m bofe-
t��es pelo comandante destemperado. Abbas a arrastou pelos cabelos e
ordenou que ela contasse t u d o o que sabia sobre o guerreiro hebreu.
��� Eu n��o sei o n d e ele est��. N �� o sei ��� chorava, tentando se livrar
das pesadas m��os do comandante.
Na casa do inimigo
183
P e r c e b e n d o q u e sua t��tica n��o adiantava, Abbas soltou a meretriz.
E o r d e n o u que lhe comunicasse caso soubesse do hebreu, p r o m e -
t e n d o - l h e u m a recompensa. O c o m a n d a n t e sabia q u e precisaria de
toda a ajuda dispon��vel e ofereceu duzentos siclos de prata para Bak
e Ayla caso conseguissem m o v e r o povo contra Sans��o e, q u e m sabe,
captur��-lo.
Era m u i t o dinheiro pela cabe��a do hebreu.
No templo de D a g o n , apesar do vinho, da m��sica e das mulheres,
os pr��ncipes pareciam estar n u m vel��rio. E queixavam-se p o r estarem
sitiados ali. O soberano de Gate ficou ainda mais aborrecido quando
soube que Dalila n��o se apresentaria diante deles.
��� J�� n��o basta estarmos presos aqui, e agora ir�� nos poupar a bele-
za de Dalila? ��� m u r m u r o u .
��� V�� algum problema nisso? ��� rebateu In��rus, j�� impaciente.
��� A beleza de sua protegida poderia nos consolar.
��� Pois consolem-se de outro m o d o . Estou no m e u pal��cio e aqui
se faz a minha vontade ��� bufou o soberano de Gaza, saltando de seu
trono e indo em dire����o ao pr��ncipe de Gate.
A tens��o s�� aumentava. Os pr��ncipes reclamavam que haviam
enviado soldados, e que estes foram mortos p o r apenas um h o m e m .
Questionavam a lideran��a de Abbas e de In��rus.
��� E o grande l��der de Gate teria uma estrat��gia infal��vel para der-
rotar o hebreu? ��� retrucou In��rus ao ouvir os lamentos do seu rival.
��� O grande l��der de Gaza est�� clamando por socorro? Isso �� uma
confirma����o de que a situa����o foge de seu controle? ��� ironizou,
diante do riso de todos.
A humilha����o o atingiu em cheio. In��rus desembainhou sua espa-
da, desarmou o soberano de Gate e aprontou-se para lhe cortar o
pesco��o diante de todos. Foi quando ouviu um b u r b u r i n h o vindo do
corredor que levava at�� o templo de D a g o n .
Era Sans��o. Ap��s fazer campana na entrada do pal��cio, o hebreu
matou alguns soldados e invadiu a fortaleza de In��rus. Encontrou-se
com Abbas pelo corredor, rendeu o comandante e o fez lev��-lo at�� o
templo.
184
Sans��o e Dalila
Q u a n d o invadiu o ��trio do templo, convidados, servi��ais e c o r t e -
s��s ficaram alvoro��ados. Dalila correu t a m b �� m para assistir de perto
a invas��o e conhecer, finalmente, o guerreiro h e b r e u que habitava
seus pensamentos. E surpreendeu-se ao ver que se tratava do m e s m o
estranho que a a b o r d o u horas antes, na praia. Ficou impressionada
em saber que o " m o n s t r o h e b r e u " , c o m o era c h a m a d o p o r Abbas e
In��rus, n �� o passava d e u m h o m e m c o m u m . N �� o era u m gigante d e
tr��s metros e, se n��o fosse sua e n o r m e for��a, seus m��sculos e suas
longas tran��as no cabelo, passaria despercebido c o m o qualquer tra-
balhador na cidade.
A j o v e m aboletou-se p o r detr��s de u m a das colunas do templo de
D a g o n e ficou observando o que acontecia.
Assim que entrou no templo, Sans��o j o g o u Abbas no ch��o e foi em
dire����o a In��rus, que o encarou c o m f��ria. Abbas ainda tentou avan��ar
outra vez sobre o hebreu, mas, sem tirar os olhos de In��rus, Sans��o gol-
peou o comandante, lan��ando-o contra uma das colunas do sal��o.
��� Deixe, Abbas! ��� o r d e n o u In��rus em t o m conciliat��rio. ��� Se
Sans��o veio at�� n��s, deve ter algo a dizer.
��� Ent��o �� voc��? In��rus de Gaza?
��� N �� o ensinaram aos hebreus que devem curvar-se na presen��a
de um soberano? Pois est�� diante de cinco deles.
Sans��o olhou para os pr��ncipes das cinco cidades-estado filisteias.
T �� o p e r t o de si estavam os soberanos de Asdode, Gate, Ecrom, Ascal��o
e Gaza. Ele quase podia sentir o cheiro do sangue brotando das m��os
dos pr��ncipes. Sangue de gente do seu povo, o p r i m i d o p o r quaren-
ta anos de persegui����o desde que os fihsteus, na batalha de Afeque,
tomaram-lhes a Arca da Alian��a, o maior s��mbolo da fidehdade entre
Deus e as tribos de Israel.
��� N �� o me curvaria a n e n h u m de voc��s, m u i t o menos a seus �� d o -
los ��� reagiu o hebreu.
��� T a m b �� m olha em meus olhos quando n��o devia faz��-lo ���
irritou-se o soberano de Gaza.
��� Quantas mortes de pessoas do m e u povo se escondem por tr��s
do seu olhar, In��rus?
Na casa do inimigo
185
��� A mesma pergunta lhe fa��o, valente guerreiro. S�� em Jud��
foram mil soldados fdisteus.
��� E n��o pararei enquanto n��o tiver me vingado totalmente.
E m b o r a os soldados e pr��ncipes estivessem prontos para sacar suas
espadas, n i n g u �� m se atrevia a fazer um m o v i m e n t o ou som sequer.
Estavam paralisados e perplexos c o m o que estava acontecendo no
pal��cio. Um invasor desarmado e de sand��lias subjugava-os, na mais
completa humilha����o experimentada pelos pr��ncipes filisteus.
��� Estaria m e n t i n d o se dissesse que me arrependo pelo mal que fiz
ao seu povo ��� provocou o l��der de Gaza.
Sans��o revoltava-se cada vez mais. Mas seu plano n��o era matar a
todos. Q u e r i a arrancar dos l��deres ali reunidos a garantia de que d e i -
xariam os hebreus em paz.
��� V i m pela liberta����o do m e u povo. Pelo fim das guerras e da
opress��o. N �� o �� justo que m e u povo continue sofrendo dessa for-
ma. Voc��s n��o t �� m o direito de nos expulsar, de nos oprimir c o m o
fazem... Por que n��o voltam para o lugar de o n d e vieram?
��� Um guerreiro q u e r e n d o a paz? ��� riu In��rus, d e b o c h a n d o de
Sans��o, que, ��quela altura, controlava seus impulsos mais primitivos.
O soberano de Gaza c h a m o u Myra e o r d e n o u que as mais belas
cortes��s, c o m exce����o de Dalila, se apresentassem c o m dan��as. O r d e -
n o u t a m b �� m aos criados que servissem bebidas e comidas pelo templo.
E, em poucos segundos, dezenas de mulheres, das mais bonitas da
cidade, contorciam-se em apresenta����es art��sticas e movimentavam-se
c o m sensualidade diante de Sans��o, que observava toda a encena����o
irritado.
��� N �� o sou seu convidado e n e m quero alian��a c o m voc��. M i n h a
��nica alian��a �� c o m m e u Deus.
��� T r �� g u a , Sans��o. Um acordo de paz n��o deixa de ser uma alian-
��a... E um p o u c o de beleza vai iluminar nossos pensamentos ��� sorriu.
E, aproximando-se do hebreu, sussurrou.
��� Odeia os filisteus, mas se agradar�� das fdisteias...
M e s m o contrariado, o hebreu sentou-se um p o u c o enquanto
observava as cortes��s se apresentarem. Suas lembran��as, no entanto,
186
Sans��o e Dalila
foram levadas at�� T i m n a , at�� Ieda. Lembrou-se de sua primeira noite
c o m a esposa. De seu corpo delicado e de sua do��ura e seu e n c a n -
tamento. R e c o r d o u - s e , c o m amargura, de Judi tentando seduzi-lo. E,
p o r fim, da mo��a que se banhava no mar de Gaza. E, e n q u a n t o esqua-
drinhava cada peda��o do templo c o m os olhos, encontrou, por detr��s
de uma coluna, o inesquec��vel rosto de Dalila. Ela t a m b �� m o encarou
por um breve instante e percebeu que o guerreiro hebreu trazia amar-
rado �� cintura o seu len��o, esquecido na areia. Sorriu nervosa e desa-
pareceu das vistas de Sans��o, enquanto as outras mo��as rodopiavam
seus len��os ao ar em dan��as sensuais e sugestivas.
In��rus percebeu que Sans��o estava mais relaxado e pediu que as
cortes��s deixassem o recinto p o r um instante. Ofereceu j��ias e siclos
de prata para que o seu inimigo deixasse de lado qualquer vingan��a.
Sans��o aborreceu-se c o m a tentativa de chantagem. Saltou de seu
assento e agarrou In��rus pelo pesco��o, deixando todos os h o m e n s
sobressaltados.
��� N u n c a farei u m a alian��a c o m o inimigo. N �� o quero nada que
venha de voc��.Vim apenas avis��-lo, tirano, pois sei que daqui saem as
ordens de destrui����o. Se continuar perseguindo m e u povo, n��o sobra-
r��o j��ias, riquezas e n e n h u m filisteu sequer sobre essa terra que nos
pertence ��� esbravejou, soltando-o no ch��o.
In��rus levantou-se, constrangido, e ajeitou sua roupa amarrotada.
C o m as duas palmas das m��os penteou os cabelos laterais. E pediu que
Abbas acompanhasse Sans��o at�� a sa��da do pal��cio, n��o lhe fazendo mal.
��� N �� o ser�� preciso, tirano. Voltarei pelo m e s m o caminho que
entrei e que n i n g u �� m tente me seguir.
O hebreu passou p o r soldados c o m lan��as e espadas e seguiu s��
pelos corredores do pal��cio, sem ser i m p o r t u n a d o . Desceu as escadas
que levavam at�� um dos jardins, foi quando ouviu algu��m lhe chamar
pelo n o m e .
��� N �� o pedi que n i n g u �� m me seguisse...
Era Dalila. A protegida de In��rus que n��o resistiu �� curiosidade e
cercou Sans��o na sa��da do pal��cio.
��� Sans��o, voc�� est�� c o m algo que me pertence ��� sorriu a j o v e m ,
apontando para o peda��o de len��o amarrado em sua cintura.
Na casa do inimigo
187
O hebreu desfez o semblante sisudo, retirou a pe��a de sua cintura
e sentiu o perfume mais uma vez.
��� Tome, �� seu. N �� o quis assust��-la.Voc�� �� cortes�� no pal��cio? ���
perguntou, aproximando-se de Dalila e entregando-lhe seu len��o de
volta.
��� N��o... �� que as festas costumam ser abertas ao povo -��� mentiu,
tentando seduzi-lo.
De longe, Aron observava os dois e estranhou a forma descontra-
��da c o m o conversavam.
J�� Sans��o estava relaxado c o m a presen��a de Dahla e quis saber seu
n o m e .
Dalila perguntou se ele ficaria mais alguns dias na cidade e sugeriu
que os fdisteus p o d e r i a m surpreend��-lo positivamente.
O hebreu achou gra��a de t u d o aquilo. Dalila tinha um p o u c o da
do��ura de Ieda, um sorriso honesto, expansivo e delicado.
A m o �� a acariciou o len��o c o m o rosto e o devolveu para Sans��o.
��� Fique c o m voc��. N u m pr��ximo banho de mar voc�� me devolve.
Sans��o ficou sem f��lego perto de Dalila. Q u a n d o sua m �� o t o c o u
a dela, ao receber o tecido fino, sentiu a maciez de sua pele. Era macia
c o m o um p��ssego, cheirosa c o m o uma rom��. Ele riu da cena e c o n t i -
n u o u seu caminho para fora do pal��cio.
C o m o j�� estava escurecendo, procurou um abrigo na cidade e, ao
encontrar Ayla novamente, pediu para passar a noite mais u m a vez
em sua casa. Q u e r i a um teto que permitisse que seus pensamentos
repousassem um p o u c o . Estava agitado c o m os ��ltimos a c o n t e c i m e n -
tos. Satisfeito c o m o dia. E pensava em c o m o M a n o �� ficaria orgulhoso
ao v��-lo c u m p r i n d o seu dever de restabelecer a paz aos hebreus.
A meretriz fmgiu-se acolhedora e colocou-se �� disposi����o. O f e -
receu seus aposentos para que Sans��o repousasse. Vestiu a cama c o m
novos tecidos, ajeitou uma pele de carneiro para que o hebreu recli-
nasse sua cabe��a, deu-lhe um cantil c o m ��gua fresca e algumas frutas
e alegou que precisaria resolver quest��es na cidade, mas que voltaria
brevemente. Sans��o assentiu satisfeito e descansou.
Pelas ruas de Gaza, Ayla procurava seu c��mplice, Bak. Desde que
estiveram no pal��cio, n��o paravam de fazer planos sobre c o m o os p r o -
188
Sans��o e Dalila
metidos siclos de prata m u d a r i a m suas vidas sofridas. E ter Sans��o ali,
t��o perto e vulner��vel, era o p r �� m i o que ambos mereciam por u m a
vida t��o dif��cil. A passagem para um destino mais confort��vel.
Bak j�� havia alertado alguns h o m e n s e, ao saber da presen��a de
Sans��o, tramou atac��-lo t��o logo o temido guerreiro dormisse. I n d e -
feso, p o d e r i a m feri-lo e lev��-lo preso.
No pal��cio de Gaza, Aron repassava a Abbas os ��ltimos fatos. Dizia
que a cidade j�� tinha seu imponente e intranspon��vel port��o fechado e
que n e n h u m viajante entraria ou sairia enquanto Sans��o n��o fosse cap-
turado. Explicou que Ayla e Bak j�� haviam sido cobrados acerca de
informa����es sobre o hebreu, caso aparecesse. Por ��ltimo, Aron decidiu
contar-lhe o que havia visto horas antes, pr��ximo dos jardins palacianos.
��� C o m a n d a n t e , fiquei m u i t o intrigado c o m o que vi esta tarde.
Sans��o estava saindo do pal��cio, mas, antes, conversava c o m algu��m
que parecia conhecer previamente... Algu��m da confian��a do p r �� n -
cipe In��rus.
Ao ouvir isso, Abbas esmurrou a mesa c o m raiva.
��� E q u e m �� esse traidor?
��� Dalila.
Abbas ficou em choque. Dalila? Seria ela parte de um c o m p l ��
para derrubar o pr��ncipe e seu comandante? N �� o esperou para saber
a resposta e seguiu furioso at�� os aposentos das cortes��s, o n d e Dahla
lavava seus p��s na sala de banho. Invadiu o local, retirando-a for��ada-
m e n t e e arrastando-a pelos corredores. Entrou em sua sala e j o g o u a
j o v e m no ch��o.
��� V e r e m o s agora q u e m t e m mais poder aqui... ��� gritou Abbas de
forma amea��adora. Seus olhos ardiam em ��dio. Estava descontrolado.
E Dalila, sem entender os motivos para ser levada t��o brutalmente,
teve m e d o do que lhe aconteceria.
C A P �� T U L O 12
Os port��es de Gaza
Abbas n��o poupava Dalila do peso de suas m��os. Se elas n��o p o d i a m
acarici��-la, c o m o desejava, que servissem ao m e n o s para puni-la.
E, diante da suspeita de que a cortes�� e o hebreu estavam conspirando
contra o pr��cipe, mais desferia seus violentos tapas. E m b o r a a protegi-
da tentasse se explicar, Abbas n��o lhe dava a m e n o r chance.
Dalila encolheu-se n u m canto da sala do comandante, sob um bal-
c��o o n d e repousavam luminares e pe��as de armamentos, c o m o lan��as,
espadas e punhais. E, c o m as m��os protegendo a cabe��a, explicava, em
v��o, que o encontro no jardim tinha sido m e r a m e n t e protocolar.
��� N �� o t e n h o nada mais a lhe dizer, comandante.
��� Ter�� que ser mais convincente. Ou prefere se explicar ao pr��n-
cipe In��rus?
��� Garanto que ele entenderia melhor... Acha que eu estava c u m -
p r i m e n t a n d o - o pelas vit��rias sobre o nosso povo? Pela vergonha que
fez o m e u soberano passar diante de todos? Pelo descontrole que cau-
sou no comandante do nosso ex��rcito? ��� disse, tentando reaver sua
postura altiva e segura.
Abbas n��o gostou do t o m insolente da m o �� a e deu-lhe outro tapa.
Arrancou t a m b �� m um p e q u e n o punhal que carregava preso ao o m b r o
e apontou em dire����o a Dalila.
190
Sans��o e Dalila
��� Exijo que me respeite! C o m q u e m acha que est�� falando, sua
meretriz?
��� Mal troquei palavras c o m ele... Pensei em fazer algo para ajudar
o pr��ncipe, mas na hora tive medo...
��� N �� o me engane, n��o sabe do que sou capaz.
��� Sei do que n��o �� capaz! De vencer Sans��o!
O comandante sentiu vontade de atravessar a cortes�� c o m seu
punhal e observar sua vida esvair-se em sangue. Depois inventaria
u m a desculpa qualquer ao soberano e a vida seguiria n o r m a l m e n t e .
Mas teve m e d o . Temeu a rea����o de In��rus. E teve m e d o t a m b �� m de
perder Dalila para sempre. E, em vez de feri-la c o m a l��mina, p u x o u - a
pelos cabelos, lan��ando-a para outro canto da sala.
��� Descontrola-se dessa forma p o r q u e sabe que �� verdade o que
eu digo! ��� gritava, tentando escapar.
Diante do choro compulsivo da cortes��, dos gritos, dos jarros esti-
lha��ados p o r sua sala e mesa revirada, Abbas percebeu que estava i n d o
longe demais em sua f��ria. N �� o tinha c o m o provar nada contra Dalila,
sua ��nica op����o seria monitorar seus passos. E esperar seu p r �� x i m o
deslise.
O comandante virou-se de costas, pedindo que a cortes�� deixasse
sua sala. Mas, antes, avisou-lhe para n��o chegar perto de Sans��o.
Dalila voltou em prantos aos seus aposentos. Sua raiva n��o era a p e -
nas pela agress��o recebida. Os bofet��es de Abbas j�� lhe eram familiares.
Sua indigna����o era c o m os h o m e n s . N �� o aguentava mais a press��o de
seduzi-los, de ser perfeita o t e m p o todo, ser admirada c o m o um vistoso
peda��o de carne exposto pelos mercadores n u m a feira qualquer. As
m��os de Abbas eram parecidas c o m as de R u d i j u , c o m as de In��rus,
c o m o as dos soldados que a violentaram a pedido de H a n n a h . Poderia
ser t a m b �� m c o m o as m��os de Sans��o. Q u e m garantiria que o valoroso
hebreu fosse t��o diferente dos demais homens? Dalila atormentava-se
c o m seus pensamentos.
J�� Sans��o tentava d o r m i r no quarto p e q u e n o e aconchegante de
Ayla. Mas a lembran��a do rosto perfeito de Dalila n��o lhe dava paz.
Al��m disso, a cidade estava agitada e ele sabia que os h o m e n s estavam ��
Os port��es de Gaza 191
sua ca��a. Entre eles, Abbas e Aron, que vasculhavam as apertadas vielas
de Gaza, repletas de barracas, lixo, comerciantes e prostitutas.
Do quarto o n d e estava ouviu o destempero de Abbas, que bufava
c o m q u e m visse pela frente. E anunciava, aos berros, que pagaria at��
quatrocentos siclos de prata pela cabe��a de Sans��o. Da janela, p e r c e -
b e u ainda quando o comandante conversou c o m Ayla e Bak. Preferiu
n��o esperar para saber se a meretriz lhe seria fiel e esgueirou-se pelos
telhados da cidade, escapando do aglomerado de soldados e h o m e n s
que se juntavam nas proximidades.
C o b r i n d o seu rosto, ele passou discretamente por homens e soldados
at�� chegar diante das portas da cidade. Em cidades muradas, c o m o Gaza,
as portas eram essenciais para o acesso. Serviam tamb��m c o m o prote����o
em tempos hostis. Por diversas vezes, Gaza resistiu �� invas��o de m��hares
de inimigos apenas trancando suas portas, praticamente intranspon��veis.
Era u m a constru����o trabalhosa, que levara anos para ser conclu��da.
T i n h a em cada uma das folhas o portentoso bras��o de In��rus, na figu-
ra de um le��o. As pe��as eram produzidas de ferro espesso e madeira.
C o m cerca de seis metros de altura e pesando tr��s toneladas. E r a m
ainda fortalecidas c o m resistentes trancas e correntes e guardadas por
soldados que ficavam a postos diante dela e t a m b �� m nas torres c o n s -
tru��das no muro.
Sans��o aguardou at�� por volta da meia-noite, quando a m o v i m e n -
ta����o na cidade diminuiu, e m a r c h o u decidido. Avan��ou sobre a porta,
segurando as metades. A for��a que imp��s ��quela fabulosa barreira de
ferro e madeira fez c o m que a cidade toda sentisse um ligeiro tremor
de terra quando as portas foram derrubadas ao ch��o. R e t i r o u portas e
batentes, deixando um grande estrago para tr��s. E levou-as sobre suas
costas at�� o alto do m o n t e , de o n d e era poss��vel avistar o territ��rio de
H e b r o m , na regi��o serrana de Jud��. L�� fincou-as no solo e seguiu em
dire����o �� pedreira do territ��rio de Jud��.
No pal��cio de Gaza, Dalila foi procurar In��rus. Q u e i x o u - s e da
forma violenta c o m o Abbas vinha agindo contra ela e, chorando, m o s -
trou o rosto c o m as marcas dos tapas do comandante. O soberano de
192
Sans��o e Dalila
Gaza, indignado ao ver sua protegida ferida, a abra��ou, consolando-a.
Foi quando sentiu o tremor de terra e ouviu o estrondo das portas
sendo arrancadas da cidade. J�� era in��cio da madrugada, e o b a r u -
lho despertou os pr��ncipes das cidades-estado, hospedados no pal��cio
de Gaza, que ficaram atemorizados e correram de seus aposentos at��
o templo de D a g o n , o n d e cobraram satisfa����es imediatas de In��rus.
Acreditavam que o pal��cio estava sendo atacado p o r Sans��o.
O soberano de Gaza tratou de tranquilizar seus h��spedes. E garan-
tiu que t u d o n��o passava de um leve terremoto, sentido n��o apenas
ali, c o m o em todas as cidades filisteias. Mas em seu ��ntimo, sabia que o
epis��dio vinha de alguma a����o de seu inimigo hebreu.
Na m a n h �� seguinte, Abbas procurou In��rus. Estava envergonhado,
da mesma forma c o m o havia voltado de Jud��. E c o n t o u c o m o San-
s��o havia arrancado as portas da cidade, deixando-a desprotegida para
q u e m quisesse entrar.
In��rus estava incr��dulo c o m o que ouvia.
��� V o c �� est�� me dizendo que o hebreu simplesmente as arrancou?
C o m o arrancou?
��� C o m todas as trancas e correntes, m e u senhor. Ao que t u d o
indica, ele as arrancou c o m as pr��prias m��os e as levou por cima dos
ombros.
��� Mas... isso n��o �� poss��vel!
��� Avisei que a for��a de Sans��o �� i n c o m u m .
O soberano de Gaza estava perplexo. N e n h u m h o m e m poderia
simplesmente arrancar aquelas portas. Estava t a m b �� m irritado c o m
seu comandante, que n��o conseguia deter o hebreu e justificava-se
sempre.
��� Voc�� causou t u d o isso, Abbas! Eu n��o mandei voc�� fechar
aquelas malditas portas. Se n��o fossem elas, Sans��o n��o teria a o p o r t u -
nidade de demonstrar, mais u m a vez, a for��a i n c o m u m que voc�� n��o
cansa de repetir que ele possui!
Abbas sentia-se afrontado e humilhado. Jamais imaginaria que
Sans��o pudesse passar por aquelas portas. Pensava em deter o hebreu
de u m a vez e, assim, recuperar seu prest��gio j u n t o ao seu soberano.
Os port��es de Gaza
193
Mas seus planos cada vez mais se atrapalhavam e ele n��o fazia a m e n o r
ideia de c o m o deter Sans��o.
Q u a n d o estava prestes a retirar-se da presen��a de In��rus, Abbas foi
ainda advertido a jamais encostar um dedo sequer em sua protegida,
Dalila.
Dalila, que assistia a tudo sentada sobre um assento retangular e esto-
fado, enquanto comia algumas frutas, sorriu satisfeita ao ouvir In��rus
repreender Abbas logo cedo. E levantou-se para agradecer seu soberano.
��� Voc�� t a m b �� m dever�� c u m p r i r as minhas ordens, Dalila. Volte
aos seus aposentos e n��o saia e n q u a n t o os pr��ncipes n��o tiverem dei-
xado o pal��cio. N �� o quero mais que se apresente a eles ou que aceite
qualquer presente que lhe ofere��am. Posso sentir o cheiro da trai����o e
espero que n��o venha de sua parte.
Constrangida, a cortes�� r e t o r n o u para seus aposentos, deixando
o pr��ncipe sozinho no templo de D a g o n . Por��m, poucos minutos
depois, os pr��ncipes das quatro cidades-estado pediram u m a reuni��o
extraordin��ria c o m In��rus.
O soberano de Gate p��s-se �� frente dos demais e foi direto ao assunto.
��� Estamos decididos. Diante dos ��ltimos acontecimentos, n��o
responder�� mais pelo conselho das cidades filisteias. A partir deste
m o m e n t o , eu serei o novo senhor dos senhores ��� anunciou, aguar-
dando a rea����o do pr��ncipe de Gaza.
In��rus, j�� exausto pelos ��ltimos acontecimentos, via a cada
m o m e n t o algo pior ocorrer para lhe tirar ainda mais a escassa paci��n-
cia. Ao ver os quatro soberanos rebelados contra ele, levantou-se de
seu trono e desembainhou sua espada c o m hostilidade. Ergueu-a sobre
sua cabe��a, observando a rea����o de seu o p o n e n t e .
O pr��ncipe de Gate t a m b �� m preprarou-se em defesa e uma luta
parecia iminente. No entanto, n u m gesto repentino, In��rus desfez o
semblante tenso. Observou a todos mais u m a vez e entregou sua arma
a um empregado p r �� x i m o .
C o m a movimenta����o, outra vez convidados e cortes��s correram
at�� o templo para ver o que ocorria. In��rus, estranhamente, parecia ��
vontade.
194
Sans��o e Dalila
��� Se todos os senhores est��o de acordo... Sabemos que aquele
que assumir ter�� a responsabilidade de combater Sans��o, o inimigo
mais implac��vel que j�� tivemos at�� os dias de hoje.
O pr��ncipe de Gate n��o se intimidou c o m a tarefa. E c o n t i n u o u
sua provoca����o.
��� Aceitaria de b o m grado se me oferecesse t a m b �� m Dahla, para
compensar tantos contratempos que tivemos nos ��ltimos dias...
In��rus sorriu, i n c o m o d a d o . E, assentindo, pediu que seu rival se
aproximasse, n u m gesto de confian��a e respeito. O pr��ncipe de Gate
deixou sua espada no ch��o, desarmando-se, tal c o m o fez In��rus, e
colocou-se ao lado do soberano de Gaza, diante dos outros tr��s p r �� n -
cipes e dos demais convidados e cortes��s que observavam at��nitos a
transi����o de poder.
C o m um ligeiro sorriso e em t o m amistoso, In��rus envolveu seus
bra��os sobre os ombros do seu opositor, e se p r o n u n c i o u .
��� Sei o que �� m e l h o r para Gaza e para o povo filisteu... E n��o
permitirei que n i n g u �� m ameace o m e u poder.
E, mal acabou de dizer essas palavras, triou um pequeno punhal
escondido em sua manga e o enterrou no abd��men do pr��ncipe de Gate.
��� S�� deixo o p o d e r no dia em que derrotar Sans��o! E acabarei
c o m t o d o aquele que atentar contra m i m ��� esbravejou, r e t o m a n d o a
apar��ncia tirana e o t o m de voz amea��ador.
Seu antagonista caiu diante do trono e m o r r e u lentamente, sob os
olhos aterrorizados de todos.
Em Zor��, a escassez de ��gua era cada vez maior. A ��gua pot��vel esta-
va no fim e as planta����es haviam secado. U m a nova semeadura era
incerta.
Jidafe estava relutante em deixar aquelas terras. Suas mem��rias esta-
vam todas ali. Mais do que isso, p r �� x i m o dali, n u m a colina, sob uma
figueira, estavam sepultados os corpos de sua esposa e filho p e q u e n o .
Os dois haviam sido mortos n u m a emboscada promovida p o r fihsteus.
Os port��es de Gaza
195
Aquela ��rvore era o ref��gio de Jidafe. Sob as sombras da figueira,
ele passava horas. Chorava pela dor que lhe apunhalava a alma. Era seu
verdadeiro lar, dividido nos ��ltimos tempos c o m o p e q u e n o amigo
Gadi. L�� eles compart��havam a dor e se u n i a m cada vez mais p o r um
futuro melhor.
Heber, o levita e a maioria dos anci��es haviam optado por p r o -
curar um novo local o n d e os filhos de D�� pudessem se estabelecer.
E decidiram ent��o partir em duas caravanas.
Jidafe, na companhia de alguns h o m e n s , seguiria r u m o ao norte, e
Heber, em outra pequena caravana, iria em dire����o ao sul, o n d e ficava
Jud��.
Gadi estava triste c o m a expedi����o de Jidafe. E decidiu ajudar do
seu jeito. No dia seguinte �� decis��o sobre as expedi����es, Gadi acor-
dou b e m cedo e, escondido de Zil��, saiu em dire����o ao rio que estava
d o m i n a d o por filisteus. Esgueirou-se por algumas colinas e desceu at��
uma parte de v��rzea. L��, ��s margens do c��rrego, encheu de ��gua dois
jarros que carregava consigo.
Ligeiro, passou desapercebido dos soldados e voltou orgulhoso
para Zor��. Jidafe, Samara e Zil�� j�� reviravam o vilarejo h�� horas ��
procura da crian��a quando ele surgiu c o m os dois gal��es de barro
amarrados n u m a trave de madeira e suspensos sobre os ombros.
��� Vejam! Trouxe ��gua! Posso conseguir mais ��� disse animado, ao
ver Jidafe.
��� N �� o deve mais fazer isso, ouviu? N u n c a mais saia de perto sem
nos avisar. Isso n��o �� assunto de crian��a ��� Jidafe o censurou, irritado
c o m a desobedi��ncia do garoto.
Jidafe assumia cada vez mais um papel paternal na vida de Gadi.
Abandon��-lo em Zor��, partindo r u m o ao norte, era c o m o se estivesse,
outra vez, p e r d e n d o sua familia.
Samara t a m b �� m estava ansiosa. Ela n��o queria ver H e b e r partindo
numa j o r n a d a t��o perigosa. E ardia em ci��mes p o r causa de Diana. Na
manh�� do dia da viagem, ela estava aflita, sentada �� beira de um p o �� o
j�� seco no largo de Zor��. Ouvia, de longe, o levita aben��oar a j o r n a d a
das duas caravanas.
196
Sans��o e Dalila
Foi quando Diana sentou-se ao seu lado. Samara a o l h o u por sobre
os ombros e lamentou a viagem arriscada que seu amigo faria, passan-
do por ��reas dominadas por filisteus.
��� O H e b e r n��o est�� preparado para isso.
��� Talvez queira mostrar justamente o contr��rio. Talvez queira
provar que t a m b �� m p o d e fazer algo por n��s.
��� A q u e m o H e b e r precisaria provar algo?
��� A voc��, Samara. A mulher que ele ama e que nunca enxergou
o h o m e m p o r tr��s do amigo. T a m b �� m �� p o r voc�� que ele faz isso. Para
ganhar ao menos sua admira����o, j�� que seu amor ele nunca teve.
Samara ficou confusa. Era claro que H e b e r a amava. Sempre a m o u .
Esteve ao seu lado todos esses anos. Era seu amigo. Ouvia, sem recla-
mar, sobre seus sonhos e seus planos. Era pacato, um p o u c o atrapalha-
do, mas um grande h o m e m . Teve coragem de ir sozinho at�� T i m n a ,
em busca de Sans��o. Assim c o m o lan��ara-se sobre seu agressor, d u r a n -
te a festa da colheita, sem medir qualquer risco.
Era t e m e n t e a Deus e guardava a Alian��a. Q u e melhor h o m e m
haveria para compartilhar a vida?, pensou. Apesar da alegria por final-
m e n t e enxergar todos os fatos c o m o deveria, entristeceu-se, pois
H e b e r estava prestes a trilhar um caminho de volta incerta e eles n e m
haviam se despedido.
��� Ele a ama, Samara. Da forma mais pura, mais sincera... ��� c o n -
tinuou Diana, incentivando-a.
Samara j�� n��o conseguia esconder o sorriso de al��vio e alegria.
��� E eu... eu acho que t a m b �� m o amo. ��... Eu acho que a m o o
Heber. Por isso fiquei t��o enciumada quando vi voc��s j u n t o s , naquela
alegria... Essa ang��stia, esse vazio no peito...
A j o v e m levantou-se, apressada. Agradeceu Diana e correu at��
o n d e H e b e r ajeitava as ��ltimas bagagens e provis��es para a longa j o r -
nada sobre o dorso de um cavalo.
��� Heber... queria lhe dizer que, m e s m o achando uma loucura o
que voc�� est�� fazendo, estar�� nas minhas ora����es.
O hebreu achou gra��a do j e i t o afoito, contrariado e meigo de
Samara. Acariciou seus cabelos e beijou-lhe a testa.
Os port��es de Gaza
197
��� E voc�� estar�� todos os dias em meus pensamentos.
Sua caravana seguiu r u m o ao deserto que o levaria at�� Jud��. E, por
horas, os h o m e n s caminharam sob um sol forte. A areia dificultava a
trilha, mas era o caminho mais seguro, desviando das regi��es o n d e
c o m u m e n t e topariam c o m mil��cias filisteias. H e b e r conhecia o cami-
nho. Era o m e s m o que levava at�� T i m n a . E sabia que, b e m perto de
o n d e estavam, havia um p e q u e n o a��ude o n d e os h o m e n s p o d e r i a m
descansar um p o u c o e dar ��gua para os cavalos. J�� estavam a algumas
horas distantes de Zor�� quando ouviu o trotar de cavalos. O l h o u para
tr��s e desesperou-se. Estavam sendo emboscados por um g r u p o de
soldados filisteus.
No caminho at�� Jud��, Sans��o encontrou-se, outra vez, c o m o enig-
m��tico andarilho. E, c o m o sempre fazia nessas ocasi��es, abriu-lhe o
cora����o. Havia derrubado as poderosas portas de Gaza, humilhado seu
soberano. Mas seus pensamentos estavam presos ainda �� cidade filisteia
e ��s fei����es de Dalila. O u t r a vez, uma mulher filisteia lhe saqueava a
m e n t e e o cora����o.
E, cada vez que se recordava de Dalila, desatava o len��o preso a
sua cintura e sentia o perfume da cortes��. Estava entorpecido p o r seu
aroma. E m b e b i d o por sua beleza.
��� Havia tantos olhares de ��dio voltados para m i m naquela sala.
E eu a encontrei. A mesma m u l h e r q u e estava no mar e tanto cha-
m o u m i n h a aten����o. A m e s m a q u e me olhava escondida p o r tr��s
daquelas frias colunas. Ela agora t o m a meus pensamentos e me c o n -
funde ainda mais.
O andarilho o escutava, atento, e n q u a n t o Sans��o continuava a
pensar em voz alta.
��� Nisso percebo que n��o sou t��o diferente dos outros. Sei que
devo seguir m e u caminho, mas �� c o m o se Dalila me pedisse para voltar.
��� N �� o se deixe desviar do caminho certo, Sans��o ��� foi o c o n -
selho do andarilho.
198
Sans��o e Dalila
Ap��s o encontro no deserto, Sans��o seguiu at�� Jud��. Eram ainda as
primeiras horas da manh�� quando chegou. E, ao verem que o guer-
reiro danita havia retornado, os h o m e n s daquele povoado celebraram.
Sans��o pediu para p e r m a n e c e r alguns dias c o m eles. Precisava
colocar os pensamentos em o r d e m antes de continuar sua extenuante
j o r n a d a . E, nos dias que p e r m a n e c e u ah, ajudava na pedreira, em t o d o
o tipo de trabalho. Sua voz era ouvida e respeitada entre o povo. Para
eles, era u m a alegria t��-lo ali. Sans��o, p o r �� m , atormentava-se cada vez
mais c o m as lembran��as de Dalila. Seus objetivos perdiam-se quando
ele pensava na bela jovem.
Ap��s alguns dias, Sans��o apanhou seus pertences, encheu seu can-
til c o m ��gua e anunciou que estava partindo. Um dos trabalhadores o
abra��ou, agradecido.
��� E para o n d e vai, filho de D��?
��� Voltarei para Gaza, atr��s da mais bela dentre todas as mulheres.
O h o m e m riu e desejou-lhe sucesso em sua empreitada.
Cada passo at�� Gaza deixava Sans��o euf��rico. E na imensid��o de
areia era c o m o se Dalila surgisse no horizonte, c o m seu sorriso l u m i -
noso, sua pele macia, seu perfume adocicado.
T �� o logo entrou nos limites da capital das cinco cidades-estado
filisteias, Sans��o seguiu at�� a praia. Pensava encontrar Dalila no m e s -
mo local o n d e a havia encontrado pela primeira vez. Q u e m sabe se
b a n h a n d o novamente.
Ao perceber que Jana havia deixado o pal��cio e que n��o a ajudaria mais
em seu plano para derrubar Dalila,Tais tratou logo de vingar-se. E c o n -
tou a In��rus e Abbas que uma hebreia havia vivido infiltrada no pal��cio
e que estaria ainda morando sob os dom��nios filisteus, em Gaza.
O soberano de Gaza ficou aturdido c o m a informa����o. E m a n d o u
que chamassem Dalila.
��� A protegida do soberano de E c r o m me c o n t o u sobre uma c o r -
tes�� que viveu no pal��cio p o r anos, fingindo pertencer ao nosso povo,
mas, na verdade, era hebreia. Voc�� a conheceu?
Os port��es de Gaza
199
Dalila sentiu um frio percorrer sua espinha, e fingiu surpresa ao
ouvir In��rus.
��� Eu... n��o me recordo de ningu��m... U m a hebreia entre n��s? Se
eu soubesse, teria dito ao soberano... Mas se ela n��o vive mais aqui...
��� At�� Sans��o invadir o pal��cio, jamais permiti que um hebreu
pisasse neste ch��o. N �� o servem n e m para escravos, quanto mais para
cortes��s. E se essa mulher conseguiu enganar a todos e ainda vive na
cidade, deveria ser punida... ��� prosseguiu o soberano de Gaza, visi-
velmente irritado c o m o fato.
Dalila assentiu e, assim que conseguiu, deixou o templo de D a g o n
e seguiu ao centro de Gaza. Precisava avisar a amiga do perigo i m i -
nente. Jana deveria deixar a cidade o mais breve poss��vel.
U s a n d o sua t��nica branca, ela caminhou pelas vielas da cidade,
optando p o r novas rotas. Atravessou barracas, ziguezagueou no meio
da multid��o que circulava no grande centro e, quando sentiu segu-
ran��a, t o m o u o caminho que levava at�� o p e q u e n o quarto o n d e vivia
Jana e Cario.
Jana, ao ouvir sobre a trai����o de Tais, parecia n��o se preocupar
c o m a amea��a. D e s d e que os boatos sobre o invenc��vel libertador
hebreu q u e havia d e r r u b a d o as portas da cidade se espalharam, ela
acreditava que seu sonho de voltar a viver j u n t o a seu povo, em paz,
estava p e r t o de se concretizar. Sans��o seria seu salvador. Ele restau-
raria a liberdade roubada pelos filisteus, c o m o nas hist��rias contadas
p o r seu pai, desde sua mais tenra idade.
Jana repetia c o m o um mantra a frase predileta de Cario.
��� O curso da vida segue, Dalila. Q u e r o voltar a viver entre o m e u
povo. A l g u m lugar o n d e eu possa ensinar as crian��as a cantar, dan��ar...
Viver em paz, ouvir hist��rias dos patriarcas, conversar c o m os levitas,
festejar a colheita... Tenho saudades das minhas ra��zes, do m e u povo ���
dizia. Seus olhos brilhavam imaginando um t e m p o de paz e liberdade.
Cario c u m p r i m e n t o u Dalila rapidamente e saiu para pescar c o m
u m a lan��a de madeira que ele m e s m o havia preparado. Ele esperava
um m o m e n t o de pouca movimenta����o e sa��a pelas ruas da cidade at��
pegar o caminho da praia. L�� ia para um local afastado, o n d e poucas
200
Sans��o e Dalila
pessoas apareciam. Deixava um peda��o de pano sobre uma pedra e
entrava at�� a altura das finas canelas, atento aos peixes maiores. Q u a n -
do os via, c o m u m a r��pida estocada, atravessava-os. E assim provia
alimento para si e para a amiga, Jana.
Foi enquanto estava concentrado na ��gua que viu refletida a i m a -
g e m de um h o m e m . Ergueu a cabe��a e encarou o estranho, que lhe
observava c o m ar amistoso.
��� N �� o se assuste, n��o sou o monstro que dizem.
Era Sans��o, que retornava a Gaza em busca da mulher que lhe
atormentava os pensamentos dia e noite.
��� Estou �� procura de uma m o �� a chamada Dalila.Voc�� a conhece?
Cario n��o sabia que se tratava de Sans��o, mas sabia reconhecer
uma pessoa desumana facilmente. Havia convivido c o m v��rios tipos
brutais no pal��cio. E o hebreu n��o lhe parecia um h o m e m violento,
pelo contr��rio, era amig��vel e n��o o tratava c o m desprezo p o r causa
de sua apar��ncia e suas cicatrizes no rosto. Assentiu e, c o m um sinal,
pediu que o acompanhasse.
Poucos minutos depois, estavam diante da porta do c �� m o d o o n d e
vivia c o m Jana. Entrou, assustando Dalila e a amiga, que conversavam.
Cario entrou primeiro, e Sans��o, em seguida. O hebreu descobriu
o capuz sobre a cabe��a, deixando suas tran��as escorregarem p o r sobre
os ombros. E abriu um largo sorriso ao reencontrar a bela Dalila,
m e s m o que ela tivesse no rosto u m a express��o assustada pelo s��bito
reencontro.
C A P �� T U L O 13
O desejo que cega
H e b e r correu o mais r��pido que p��de. E, enquanto mergulhava nas
brumas de areia que se formavam c o m a ventania, via as silhuetas dos
homens que desapareciam atr��s dele c o m o miragens.
M e s m o j�� distante o bastante para n��o ser alcan��ado, continuou
correndo. J�� n��o sabia mais a dire����o em que estava. N e m se algum
outro companheiro de viagem havia sobrevivido ao ataque. Pensava
apenas em manter-se vivo e distante.
Ap��s algumas horas, seu c o r p o exausto j�� n��o se aguentava em
p��. Ele j�� havia passado pelo deserto e entrava n u m a regi��o rochosa
quando caiu desmaiado.
Sem perceber, havia chegado na entrada da pedreira o n d e traba-
lhavam os homens de Jud��, que, ao v��-lo desfalecido, correram para
socorr��-lo. D e i t a r a m - n o sobre u m a prancha de madeira e molharam
seus l��bios, at�� que ele recobrou a consci��ncia.
��� Por Deus, n��o se aproximem. Tenham piedade de mim!
��� N �� o se preocupe. Est�� seguro entre os seus ��� respondeu um
trabalhador, amistosamente. O h o m e m lhe ajeitou a cabe��a sobre um
peda��o de pano que havia sido dobrado e que lhe servia c o m o traves-
seiro. E deu um p o u c o de ��gua fresca, retirada da fonte de En-Hacor��,
202
Sans��o e Dalila
ou "Fonte do que Clama". A mesma que milagrosamente surgiu ap��s
Sans��o vencer os filisteus c o m a queixada do j u m e n t o .
Acolhido, o danita contou sua hist��ria. Explicou que viajava pelo
deserto n u m a pequena caravana de seis h o m e n s q u a n d o um g r u p o
de filisteus os atacaram. Ele estava um p o u c o mais a frente e correu,
despistando os agressores.
��� E de o n d e voc��s vinham?
��� De Z o r �� . Da tribo de D�� ��� respondeu Heber, j�� aconchegado,
enquanto bebia a ��gua fresca e arrancava, n u m a dentada, um naco de
p��o que lhe fora servido.
��� Da tribo de Sans��o? ��� surpreendeu-se um dos trabalhadores
da pedreira.
H e b e r ficou aturdido. Se aqueles h o m e n s conheciam Sans��o, tal-
vez seu amigo estivesse por l��. E encontr��-lo seria t u d o o que precisa-
va. Q u e m , m e l h o r que Sans��o, saberia c o m o agir diante da crise que
se avizinhava a Zor��?
O trabalhador p��s-se a explicar c o m o conheceram Sans��o e c o m o
o danita havia derrotado mil h o m e n s do ex��rcito filisteu ali mesmo,
naquela pedreira, usando apenas u m a queixada de j u m e n t o .
��� E ele continua c o m voc��s? Ele est�� aqui? ��� p e r g u n t o u Heber,
afoito.
��� N �� o , ele disse que voltaria para Gaza �� procura de uma mulher...
��� ��, realmente, �� de Sans��o que estamos falando ��� riu Heber,
lembrando da maior fraqueza do amigo, a beleza feminina.
Ap��s passar alguns dias j u n t o ao povo de Jud��, o danita decidiu ir
ao encontro de Sans��o em Gaza. Agradeceu a acolhida e seguiu em
dire����o �� cidade-sede filisteia, em busca do amigo.
Gaza vivia dias dif��ceis. Desde que Tais revelou ao comandante
Abbas que u m a hebreia viveu p o r anos c o m o cortes�� do pal��cio, ele
estava enfurecido. E, p o r conta pr��pria, sem o consentimento de seu
soberano, decidiu iniciar u m a feroz persegui����o aos filhos de Abra��o.
Q u e r i a que t o d o hebreu que estivesse na cidade fosse assassinado
c o m o forma de vingar-se da humilhante derrota sofrida para Sans��o.
Passava seus dias ressentido e em busca de informa����es que o
levassem �� captura de Jana. Vasculhava as ruas da cidade de Gaza, insta-
O desejo que cega
203
va meretrizes e mercadores. E contava c o m a ajuda de Bak, que havia
se t o r n a d o os olhos do comandante no povoado.
Bak queria receber recompensas do pal��cio e para isso n��o p o u -
pava esfor��os para agradar ao comandante. J u n t o c o m outros h o m e n s ,
torturava e matava hebreus que viviam clandestinamente pela cidade.
No pal��cio, Abbas esquadrinhava cada depend��ncia. Interrogava
cortes��s, pressionava os empregados e soldados. Mas n��o havia pistas
sobre o paradeiro de Jana e t a m p o u c o de outro hebreu qualquer.
Foi em meio a esse clima hostil que H e b e r chegou �� cidade ap��s
horas de viagem desde Jud��. Observou c o m surpresa o estrago feito
por Sans��o nos muros que antes sustentavam as famosas e fortificadas
portas de Gaza.
A movimenta����o era fren��tica. E b e m menos acolhedora que em
Jud��. Os ��nicos sorrisos v i n h a m das prostitutas que se ofereciam a
todos os h o m e n s que circulavam pelo local. H e b e r desvencilhava-se
delas, meio sem j e i t o e t��mido. E t a m b �� m se desviava do caminho dos
h o m e n s que carregavam cestos v e n d e n d o toda esp��cie de quinquilha-
rias pelas apertadas vielas da cidade.
Foi quando esbarrou em Ayla, que logo identificou no forasteiro a
oportunidade de obter alguns trocados pela manh��.
��� Sua procura acabou, viajante ��� disse, aproximando-se o sufi-
ciente para que ele sentisse o calor e o perfume de seu corpo.
H e b e r riu nervosamente. E, sentindo-se �� vontade, perguntou ��
meretriz se ela tinha not��cias de Sans��o. Ao ouvir o n o m e do guerreiro
hebreu, Ayla ficou inquieta. Heber, p o r �� m , c o n t i n u o u falando, dizen-
do que era amigo de Sans��o e que estava �� sua procura.
Bak estava p r �� x i m o aos dois e, quando ouviu o atrapalhado danita
referindo-se a Sans��o c o m o seu amigo, saltou sobre Heber, dando-lhe
voz de pris��o.
��� Voc�� ir�� me contar agora o n d e est�� seu amigo, Sans��o!
��� Tenha piedade de m i m ! Vou embora de sua cidade imediata-
m e n t e e p r o m e t o nunca mais voltar ��� pediu, assustado.
Mas Bak n��o pretendia solt��-lo. E n e m entreg��-lo a Abbas. Se
H e b e r fosse amigo de Sans��o c o m o dizia, certamente atrairia o guer-
204
Sans��o e Dalila
reiro danita ao seu encontro. E capturar ou matar Sans��o lhe renderia
duzentos siclos de prata, u m a fortuna inacredit��vel. Pensar no tilintar
das moedas sendo depositadas em suas m��os fazia Bak sorrir tal qual
crian��a.
Sans��o estava novamente diante de Dalila. Sorridente, o hebreu desa-
tou de sua cintura o len��o de Dalila e e n t r e g o u - o a ela.
��� N �� o a encontrei no mar...
Dalila p e g o u a pe��a, envergonhada diante de Cario e de Jana, que
pelas tran��as reconhecera o famoso Sans��o. O rosto da mo��a hebreia
iluminava-se c o m o se um p e q u e n o sol tivesse invadido sua casa.
��� Sou filha de Abra��o, c o m o voc��. E o admiro por t u d o que fez
pelo nosso povo, tinha a esperan��a de que ainda voltaria!
Sans��o assentiu, mas n��o conseguia tirar os olhos de Dalila. E ela
lhe parecia ainda mais bonita dessa vez. Mais linda do que nos seus
pensamentos em Jud��. Mais bela do que quando o mar brincava c o m
seus cabelos no litoral. N �� o havia n e n h u m a mo��a que lhe despertasse
tanta aten����o. Estava completamente apaixonado. O u t r a vez.
��� Depois do que vi no pal��cio, imagino que tenha voltado a Gaza
para matar o soberano ��� questionou Dalila, dificultando a conversa.
��� N �� o , v i m em paz. Eu voltei p o r voc��, Dalila ��� respondeu c o m
cumplicidade e sem rodeios.
A declara����o a fez corar de vergonha. Apesar de sempre atrair os
h o m e n s , raramente era t��o cortejada. E isso a deixava sem jeito.
��� E o que faz para proteger seu povo? ��� perguntou, esquivando-
-se do galanteio.
��� Eu tento livr��-los daqueles que os dominam... a n��o ser que a
domina����o seja por escolha pr��pria ��� c o n t i n u o u Sans��o, arrancando
um riso ainda mais nervoso de Dalila c o m seu flerte.
��� Pois n��o percebe que est�� colocando a vida de uma hebreia em
risco? E se os h o m e n s o seguirem at�� aqui? Voc�� p o d e at�� fugir levan-
do as portas da cidade, p o d e matar os soldados, mas Jana continuar��
aqui... ��� desandou a falar, constrangendo a anfitri��.
O desejo que cega
205
��� Dalila! N �� o ! A m i n h a esperan��a era de que Sans��o chegasse
justamente para me levar at�� uma das tribos... Para viver entre as pes-
soas de nosso povo. Acha poss��vel isso, Sans��o? ��� perguntou Jana.
Sans��o assentiu. Dalila estava preocupada. Sabia que aquele j o g o de
sedu����o era perigoso para ela. M e s m o j o v e m , j�� havia aprendido que
era preciso estar c o m as r��deas da situa����o nas m��os. O controle do
j o g o . Foi assim que se aproximou de In��rus e fez c o m que o soberano
a tornasse sua protegida palaciana. Foi assim c o m Abbas, quando lhe
foi o p o r t u n o . J�� c o m Sans��o, era ela q u e m perdia seu ch��o. Sua estabi-
lidade. Trope��ava nas palavras. Falava compulsivamente. Sentia o rosto
corar e aquecer. Aquele h o m e m mexia c o m ela c o m o n e n h u m outro
e, sem saber c o m o agir ou o que falar, decidiu vestir sua t��nica branca
e fugir pelas vielas de Gaza.
O hebreu seguiu Dalila, pedindo que a esperasse.
��� Calma. Eu voltei c o m um objetivo. E s�� partirei quando c u m -
pri-lo.
��� Q u e objetivo, Sans��o? Mal nos conhecemos! N u n c a lhe dei
esperan��as. V�� embora! ��� disse, fazendo m e n �� �� o de correr.
O danita a segurou c o m firmeza pelos bra��os.
��� N �� o colocarei sua amiga em risco. Vou acampar na praia. E vou
esper��-la no m e s m o lugar o n d e nos encontramos pela primeira vez,
todo fim de tarde.
��� E o que o faz acreditar que irei at�� l��?
��� Eu c o n h e �� o o olhar de u m a mulher ��� respondeu, c o m um
sorriso travesso e sedutor.
Dalila franziu a testa. Virou-se e partiu, segurando o len��o recebi-
do p o r Sans��o.
O hebreu r e t o r n o u para a casa o n d e estava Jana e Cario. Pediu que
os dois tomassem cuidado e que, assim que fosse poss��vel, levaria Jana
at�� um povoado hebreu o n d e ela pudesse viver c o m seguran��a.
��� S�� lhe pe��o um favor. Avise a Dalila, caso a veja, que um guer-
reiro n��o desiste facilmente dos seus objetivos. Ela vai entender ���
disse, retirando-se para a regi��o do litoral.
Jana assentiu, sem entender b e m o fasc��nio de Sans��o p o r Dalila.
E seguiu as recomenda����es do hebreu, evitando circular pela cidade e
aguardando o m o m e n t o em que ele a levaria a salvo.
206
Sans��o e Dalila
Sans��o procurou as encostas de uma pequena colina ao lado do
mar de Gaza, distante o suficiente da entrada da cidade e longe de
qualquer visitante i n o p o r t u n o . O pared��o natural o protegia do forte
vento. L�� construiu uma pequena cabana. Alimentava-se de pescados
e frutos de ��rvores da regi��o. E, t o d o fim de tarde, seguia at�� a beira da
praia o n d e avistou Dalila pela primeira vez. L�� aguardava a protegida
de In��rus c o m paci��ncia e devo����o.
Algumas vezes recebia a visita de Cario, que pescava por ali t a m -
b �� m . Sans��o tentava obter o endere��o de Dalila, mas Cario negava-se
e era e c o n �� m i c o e enigm��tico nas palavras.
��� Voc�� acha que ela me considera um monstro? ��� p e r g u n t o u o
hebreu.
Cario divertiu-se c o m a ideia. Logo ele, que para tantos era c o n -
siderado c o m o tal.
��� A beleza salvou o monstro.
Sans��o ficou intrigado e pediu que o jardineiro continuasse ajun-
tando as ideias e as palavras.
��� Junte-as at�� que elas fa��am sentido para m i m ��� encorajou.
��� A escurid��o, bravo guerreiro... o frio das correntes, as garras de
��dio marcavam a minha carne. A fera... ��� dizia, em alus��o a Abbas.
Cario continuava, soltando frases desconexas c o m o pe��as de q u e -
bra-cabe��as ao ar.
��� O grito de dor pelo sil��ncio. E da pedra dura saiu ��gua. C u r o u
as feridas. Fez renascer a esperan��a e trouxe de volta a liberdade.
A cada frase, o jardineiro se lembrava dos grilh��es da cadeia. Da
forma c o m o era chicoteado pelo comandante e c o m o Dalila o salvou.
Sorriu um sorriso leve, de plena felicidade. Se estava ah, pescando c o m
o guerreiro danita, era porque Dalila lhe dera a oportunidade de viver.
��� A beleza salvou o monstro.
Sans��o ouvia t u d o c o m aten����o e, m e s m o n��o e n t e n d e n d o c o m o
as coisas aconteceram, sabia que se tratava de algo significante.
��� Se �� assim, h�� outro monstro que precisa ser salvo ��� divagou
o hebreu.
Dalila havia retornado a sua rotina palaciana. Passava os dias ser-
vindo a In��rus, conversando c o m Myra e Yunet e, sempre que c o n -
O desejo que cega
207
seguia, escapava para a cidade, o n d e visitava Jana e Cario. ��s vezes ia
secretamente at�� a praia e observava Sans��o, de longe. Achava gra��a
c o m o o hebreu cumpria sua promessa de aguard��-la e estava cada vez
mais fascinada p o r ele. Mas, ao m e s m o tempo, sabia que se relacionar
c o m um outro h o m e m que n��o fosse In��rus poderia custar-lhe a vida.
Por isso, m e s m o desejando encontrar-se c o m Sans��o, retornava c o m
melancolia para os seus afazeres. Seus pensamentos, p o r �� m , voavam
cada vez mais.
J�� havia passado alguns dias da reuni��o dos pr��ncipes filisteus e ape-
nas o pr��ncipe de E c r o m permanecia hospedado no pal��cio de Gaza.
Ele e In��rus tinham ainda alguns acordos para selar. Era importante,
para o soberano de Gaza, ter ao seu lado o pr��ncipe de E c r o m . C o m
isso, Tais t a m b �� m continuava nos dom��nios de Gaza, dissimulando e
arquitetando u m a forma de derrubar Dal��a. Foi observando sua rival
que percebeu seus sumi��os ocasionais e deduziu que pudesse estar se
encontrando c o m Jana em algum esconderijo da cidade. E, conforme
as ideias come��aram a fazer sentido em sua cabe��a, correu at�� Abbas
para compart��har seus pensamentos.
R o m p e u a sala do comandante saltitante. Estava euf��rica.
��� Dalila est�� a r m a n d o algo. Vi quando ela sa��a ��s escondidas, e
n��o p u d e segui-la porque o m e u senhor o r d e n o u que eu ficasse no
pal��cio... C h e g u e i a falar ao pr��ncipe In��rus que Dalila conhecia a
cortes�� hebreia...
Abbas socou a mesa, silenciando a protegida do soberano de Ecrom.
��� N��o adianta acusar Dalila sem provas. In��rus est�� cego e confia
plenamente nas palavras dela.
��� Ent��o consiga essas provas. Basta seguir Dalila e descobrir para
o n d e ela vai quando se afasta do pal��cio. Ela est�� agindo exatamente
c o m o a Jana, e agora sabem que ela tinha algo a esconder. Pois Dalila
t a m b �� m tem. E se conseguir provar que a protegida do grande In��rus
��, na verdade, u m a traidora... N �� o t e n h o d��vidas de que voltar�� a ser
respeitado p o r todos.
O comandante ouvia c o m prazer o plano da mo��a. Seria f��cil
segui-la. E, caso Tais estivesse m e s m o certa, m e l h o r do que descobrir
208
Sans��o e Dalila
o paradeiro de Jana seria vingar-se de Dalila. Por isso assentiu, c o m
um sorriso ardiloso.
Poucos dias depois, Dalila vestiu sua costumeira t��nica branca.
E, discretamente, saiu dos aposentos das cortes��s em dire����o �� cidade.
Era a chance de Abbas descobrir o que ela fazia e, sem despertar a
aten����o de n i n g u �� m , passou a segui-la.
Dalila parecia nervosa. Andava a passos apressados. G a n h o u as ruas
de Gaza e, sempre olhando para tr��s, esgueirava-se por caminhos cir-
culares, entrava e sa��a da mesma rua diversas vezes. Parava nas bancas,
c o m o se estivesse interessada em tecidos novos. E, quando se sentiu
confiante, atravessou os muros de Gaza em dire����o �� praia.
De longe, Abbas acompanhava cada passo da mo��a. Esperava fla-
gr��-la c o m Jana. Mas bastou Dalila descer por um ��ngreme caminho
que margeava o mar para que ele se assustasse. Dalila ia em dire����o a
Sans��o, que a aguardava sorridente.
Myra tinha um plano. Se Aron, ou N o r �� , c o m o o soldado conquista-
dor se apresentava a ela, gostava de brincar c o m fogo, estava na hora
de se queimar. E, quando a chefe das cortes��s o viu no jardim, correu
em sua dire����o, dando-lhe um beijo longo e sugestivo.
��� Sempre acreditei nas suas juras de amor e quando prometia ser
fiel a m i m .
��� Sou fiel aos meus sentimentos. Ao amor... ��� respondeu, t e n -
tando agarrar Myra outra vez.
��� Podemos ir at�� os aposentos das cortes��s e ficar mais �� vontade
��� sorriu Myra, maliciosa.
Aron engasgou de susto. Sabia que ir at�� os aposentos das cortes��s
significava, fatalmente, encontrar-se c o m Yunet, c o m q u e m t a m b �� m
mantinha um t��rrido caso amoroso. E h�� tempos evitava encontrar as
duas cortes��s juntas.
Mas Myra tinha um plano. E, diante da express��o assustada de
Aron, disse:
O desejo que cega
209
��� Esqueceu que sou a chefe das cortes��s? Vou dar um jeito de
ficarmos sozinhos p o r l��. Vou colocar todas para fora.
Aron ficou enlouquecido c o m a ideia. E esperava o dia para o fur-
tivo encontro. N �� o d e m o r o u m u i t o para que a data chegasse. Era uma
manh�� e ele fazia u m a ronda pelos corredores do pal��cio quando foi
repentinamente agarrado p o r Myra.
��� O que aconteceu? ��� p e r g u n t o u assustado o soldado.
��� As cortes��s foram se apresentar. O aposento est�� totalmente
livre para nosso amor.
Aron abriu um largo sorriso. E, de m��os dadas c o m a chefe da
cortes��s, correram pelos corredores at�� os aposentos das mulheres. L��
Myra o conduziu, aos beijos, at�� sua cama. Sentou-se e ficou obser-
vando a forma c o m o Aron, atabalhoadamente, tirava o cinto, desabo-
toava a camisa e lan��ava para longe suas pesadas botas.
��� Se est�� m e s m o c o m saudade de m i m , repita aquelas palavras
que tanto me encantaram.
��� N �� o me encantam mais que sua beleza, da qual sou escravo...
Eu lhe perten��o... Apenas a voc��. Voc�� �� ��nica. �� princesa. �� rainha e
senhora dos meus pensamentos. Q u e m mais conseguiria apagar essa
chama que consome m e u cora����o?
Myra divertia-se c o m a cena.
��� Saberemos agora. ��� E, ap��s assobiar b e m forte, c o n t i n u o u ���
Algu��m se candidata a apagar as chamas do soldado?
Yunet surgiu p o r detr��s de u m a das cortinas. E, atr��s delas, dezenas
de outras cortes��s foram aparecendo, c o m ar de reprova����o.
��� Vamos conferir se estamos realmente enganadas... Aquela que
foi seduzida pelas juras de amor e fidelidade deste h o m e m , a p o n t o
de se deitar c o m ele, que d�� um passo �� frente ��� interrogou Myra,
diante do aflito Aron.
Yunet se aproximou ainda mais. As outras se entreolharam c o m
receio e seguiram o m e s m o m o v i m e n t o . At�� m e s m o uma criada idosa
estava entre elas, para o constrangimento de Aron.
U m a a uma, sa��ram do quarto, deixando Myra e Yunet sozinhas
c o m Aron. O soldado tentou explicar-se, mas as duas t a m b �� m foram
210
Sans��o e Dalila
embora, deixando-o sem gra��a no c �� m o d o e p o n d o fim �� sua b e m -
-sucedida carreira de conquistador do pal��cio.
E n q u a n t o Bak mantinha H e b e r em cativeiro, planejando tortur��-lo
em pra��a p��blica para atrair Sans��o, a poucos quil��metros dali, Abbas
estava de tocaia, vendo o furtivo encontro de Dalila c o m o guerreiro
hebreu.
Dalila estava apreensiva, e Sans��o logo a tranquilizou. Mostrou seu
acampamento e p r o m e t e u que ficaria �� sua espera o t e m p o que fosse
preciso. A j o v e m riu e os dois seguiram caminhando pela praia, dei-
xando que as ondas molhassem mansamente seus p��s descal��os. Fazia
calor e Dalila levantou um p o u c o sua saia, deixando �� mostra suas
pernas. Sans��o reparou e tentava desviar o olhar daquelas curvas que
lhe maltratavam a imagina����o.
Sentaram-se n u m a rocha �� beira-mar e Dalila apanhou um peda��o
de madeira, c o m o qual tentava estocar alguns peixes, mergulhando
m e i o c o r p o na ��gua. Em poucos minutos retornou c o m um peixe de
b o m tamanho.
Sans��o ficou admirado c o m a habilidade da jovem.
��� Eu cresci no vale de Soreque. Passei minha vida l�� e, m e s m o
que n��o quisesse, aprenderia a pescar.
��� E o que a trouxe at�� aqui?
��� Os caminhos da vida. H�� de ter um motivo... ��� respondeu,
enigm��tica e percebendo que a conversava havia se estendido mais do
que fora planejado.
Os dois colocaram o peixe sobre uma fogueira que crepitava.
A luz das chamas projetou a sombra do casal na areia, c o m o se a
imagem bailasse ao som do mar. Sans��o j�� n��o resistia estar ali, t��o
p r �� x i m o de Dalila, sem toc��-la. E n u m m o v i m e n t o abrupto a beijou
calorosamente, deixando-a sem rea����o.
Dalila sentiu seu c o r p o arder e, assustada c o m o que sentia, levan-
tou e despediu-se.
O desejo que cega
211
��� Isso �� loucura, Sans��o. Deveria partir.
Os dois sorriram c o m o adolescentes apaixonados e Dalila despe-
diu-se outra vez, encantada c o m o que estava acontecendo. Sans��o
p e r m a n e c e u observando-a at�� que ela desaparecesse p o r de tr��s da
colina.
E n q u a n t o caminhava apressada de volta ao pal��cio, j�� prestes a
atravessar a entrada da cidade, sentiu um violento agarr��o pelo bra��o.
Assustou-se, pensando tratar-se de algum ladr��o. Era Abbas.
��� Seus dias de trai����o terminaram, Dalila ��� riu descontrolada-
m e n t e .
��� Tire suas m��os de m i m . Est�� me machucando!
��� Pois essa ser�� a m e n o r das dores que sentir�� ��� gargalhou,
levando-a arrastada pelas ruas de Gaza, sob o olhar consternado das
pessoas da cidade. Assim que chegou ao pal��cio, levou-a at�� a carcera-
g e m o n d e Cario havia ficado preso. Lan��ou-a c o m f��ria na cela.
��� Eu sabia... Sabia desde o in��cio e avisei ao soberano, mas ele
preferiu acreditar em voc��.Tantos anos de lealdade e ele preferiu acre-
ditar nas palavras de uma mulher... Daquela que o tra��a c o m seu maior
inimigo! C o m o teve a coragem de fazer isso, Dalila? C o m o teve a
ousadia de envolver-se c o m Sans��o?
��� Est�� descontrolado porque nunca mais conseguiu colocar essas
m��os sujas sobre o m e u corpo... E saiba que Sans��o �� m u i t o melhor
que voc�� ��� respondeu Dalila, c o m ��dio.
Abbas a esbofeteou c o m raiva e levantou-a pelos cabelos. Esta-
va transtornado. Mais do que a trai����o ao seu soberano, sentia seu
cora����o sangrar. Dal��a tinha raz��o. Aquele c o r p o nunca havia sido
voluntariamente dele. Aquele riso espont��neo. Aquelas m��os macias.
Por isso, ap��s outro tapa, o comandante apoiou-se nas grades, exausto.
Estava abatido c o m a descoberta.
Ap��s se recompor, o comandante seguiu determinado at�� o T e m -
plo de D a g o n , o n d e In��rus reunia-se outra vez c o m l��deres filisteus.
Entrou no local e, diante do trono do soberano de Gaza, curvou-se
c o m rever��ncia.
��� Perdoe a interrup����o, m e u pr��ncipe. Mas a not��cia que lhe tra-
go �� de suma import��ncia para o grande senhor de Gaza. Gostaria de
conversar c o m o senhor em particular.
212
Sans��o e Dalila
��� Diga logo o que houve ��� respondeu In��rus, c o m seu olhar
gelado sobre o comandante, deixando-o sem jeito.
��� A honra do senhor dos senhores foi manchada por uma trai����o.
E, confirmando minhas suspeitas, Dalila �� a traidora.
��� C o m a n d a n t e , m u i t o j�� falamos sobre Dalila...
Abbas estava nervoso e n��o permitiu que In��rus continuasse a falar.
��� Confie em minha palavra, m e u senhor. Vi c o m os meus p r �� -
prios olhos. A c o m p a n h e i todos os passos da traidora at�� ela encontrar
Sans��o.Vi quando eles se beijaram. Sans��o e Dalila s��o amantes.
As palavras foram c o m o adagas no cora����o do pr��ncipe, que obser-
vou o olhar de espanto dos convidados, entre eles, Tais, que j�� n��o
conseguia esconder o ar de satisfa����o.
��� O n d e est�� Dalila? Tragam-na at�� aqui! ��� berrou c o m viol��n-
cia o soberano de Gaza.
Dois soldados correram para buscar a j o v e m e trouxeram-na feri-
da, suja e c o m as roupas rasgadas. Levaram-na at�� diante de In��rus, que
mantinha um olhar fixo, contrastando c o m a indisfar����vel express��o
triunfal de Abbas e Tais.
��� A�� est�� a traidora! Dalila! A mulher que teve a ousadia de trair
a confian��a do h o m e m mais poderoso de nosso povo, sem temer pelas
consequ��ncias de seus atos! Q u e o soberano seja r��gido na aplica����o
da justi��a! E que fa��a dessa puni����o um exemplo para todos aqueles
que pensarem em um dia tra��-lo ��� discursou Abbas, em alta voz. In��-
rus continuava em sil��ncio e aproximou-se devagar at�� sua protegida.
Dalila estava cabisbaixa e segura p o r dois guardas.
��� Soltem-na ��� ordenou aos soldados. O soberano segurou c o m
delicadeza o rosto de sua protegida. E acariciou-lhe a face c o m ternura.
��� Estava m e s m o c o m Sans��o?
Dalila assentiu, contida. As l��grimas brotavam de seu rosto, lavando
as feridas abertas pelos tapas violentos de Abbas. In��rus a observava
c o m o se ela fosse u m a obra de arte. Olhava para os machucados de seu
rosto c o m pesar e raiva.
Eu n��o avisei que t o d o h o m e m que tocasse em Dalila deveria ser
morto? ��� perguntou ao comandante, enfurecido.
O desejo que cega
213
O comandante surpreendeu-se c o m o soberano e explicou que
n��o tentou deter Sans��o p o r q u e estava sozinho.
��� E foi ele q u e m fez isso? ��� questionou In��rus, apontando para
as marcas no rosto de Dal��a.
Abbas, envergonhado, respondeu que n��o e que apenas a p u n i u ,
p o r q u e Dalda havia resistido a suas ordens.
O sil��ncio no templo de D a g o n era aterrorizante. In��rus olhou
mais u m a vez para Dalila, fez-lhe um afago na cabe��a e virou-se, c o m
��dio, em dire����o a Abbas.
��� Aquele que n��o cumpre minhas ordens �� t a m b �� m um traidor...
��� Mas, m e u pr��ncipe...
��� Detenham este homem! ��� ordenou, furioso, o soberano de Gaza.
Dois soldados avan��aram sobre Abbas, que, indignado, e m p u r r o u -
-os para longe.
��� M e u senhor, t e m que acreditar em m i m . N �� o se deixe enganar
mais uma vez por Dalila. Ela estava aos beijos c o m seu maior i n i m i -
go... c o m aquele maldito hebreu.
Abbas clamava, quase chorando. Estava inconformado c o m o r u m o
que as coisas haviam tomado.
��� Eu ordenei a Dal��a para que procurasse Sans��o ��� anunciou,
sem mudar seu t o m de voz ou express��o. ��� Dalila provou sua fidelida-
de quando me contou logo que descobriu que Sans��o havia retornado
a Gaza. Por isso convoquei uma reuni��o ��s pressas c o m os outros l��deres
filisteus... ��� continuou, diante da perplexidade de Abbas e Tais.
E, c o m do��ura, levou sua protegida at�� um confort��vel assento,
o n d e lhe serviram vinho e uvas. In��rus ent��o explicou que, poucas
horas antes, Dalila havia se reunido c o m os pr��ncipes filisteus que bus-
cavam um m e i o de derrotar o guerreiro de tran��as. E que n i n g u �� m
mais naquele pal��cio tinha o poder sedutor de Dalila. Por isso, um ba��
repleto de moedas de pratas havia sido separado para ela. Al��m disso,
cada pr��ncipe das cinco cidades-estado c o m p r o m e t e u - s e em dar mil
e c e m siclos de prata para Dalila caso ela descobrisse os segredos que
faziam de Sans��o um guerreiro imbat��vel.
��� Por que n��o fui avisado desse plano? ��� questionou Abbas,
at��nito, sentindo-se o mais idiota dentre os h o m e n s .
214 Sans��o e Dalila
��� Porque Dalila nos alertou de que seu descontrole emocional
poderia p �� r t u d o a perder. E ela estava certa.
��� E eu garanto que lhe entregarei Sans��o, m e u pr��ncipe ��� c o m -
pletou Dalila, c o m ar ir��nico, para o ��dio de Abbas e Tais.
C A P �� T U L O 14
Sede de vingan��a
N e m mesmo Abbas ou Tais supunham que Dalila fosse capaz de
engendrar um plano t��o meticuloso, e ao m e s m o t e m p o s��rdido, em
troca de siclos de prata. Seduzir Sans��o a pedido de In��rus era um ato
ambicioso, de coragem e risco. Mas foi a forma encontrada p o r Dalila
para que provasse, de maneira categ��rica, sua fidelidade ao pr��ncipe
enciumado.
Representava t a m b �� m sua liberdade. C i n c o mil e quinhentos siclos
de prata a tornariam na mulher mais rica e poderosa de t o d o o i m p �� -
rio fihsteu. N �� o precisaria mais se sujeitar ao h u m o r de seu soberano,
se assim desejasse.
No templo de Dagon, o pr��ncipe olhava seu comandante c o m
desprezo e enfado. Batucava c o m os dedos, em movimentos ritmados,
nos largos bra��os do seu assento palaciano. E, de m o d o seco e frio,
c o m o se fosse um assunto sem import��ncia, anunciou que n��o o q u e -
ria mais sob o c o m a n d o do ex��rcito filisteu.
��� Eu m e s m o assumirei o c o m a n d o das tropas.
��� N �� o �� justo, m e u senhor. N �� o p o d e fazer isso comigo... ���
desesperou-se o comandante.
��� N �� o posso permitir que um hebreu destrua o nosso ex��rcito,
nossas planta����es, as portas da cidade e permane��a i m p u n e . De que
216
Sans��o e Dalila
adianta manter um comandante se ele n��o �� capaz de derrotar a p r i n -
cipal amea��a ao m e u poder?
Abbas sabia que estava moralmente destru��do. T i n h a acabado de
atrapalhar os planos de In��rus, agredido sua protegida e ent��o estava
sendo destitu��do do cargo que lhe conferia prest��gio e privil��gios.
Estava sendo expulso, escorra��ado, c o m o se fosse um c��o sarnento, do
pal��cio que tantas vezes defendeu. Do i m p �� r i o que ajudou a expandir
c o m f��ria e espada.
��� Q u a n t o do m e u p r �� p r i o sangue j�� derramei para cumprir suas
ordens? ��� t e n t o u ainda sensib��izar In��rus.
��� Suas vit��rias lhe garantem a vida. Mas suas derrotas transforma-
ram Sans��o n u m a lenda ainda em vida. E p o r isso sou obrigado a tir��-
-lo do c o m a n d o . Deve deixar o ex��rcito e o pal��cio imediatamente,
Abbas ��� sentenciou o soberano de Gaza.
Dois soldados se colocaram ao lado de Abbas, mas, diante do olhar
altivo do comandante, tiveram receio de toc��-lo. Abbas balan��ava a
cabe��a negativamente pelo templo, sorvia atrav��s de seu olhar toda a
humilha����o diante dos convidados do soberano e mirava Dalila c o m ira.
��� Dissimulada... Essa mulher vai destru��-lo. Ela o levar�� �� ru��na!
��� continuava a esbravejar.
Dalila sorria c o m cinismo. E, enquanto bebericava uma ta��a de
vinho, garantia ao pr��ncipe de Gaza que, diferentemente do deposto
comandante, seus planos garantiriam a vit��ria ao povo filisteu.
Cada palavra da protegida de In��rus envenenava ainda mais o
cora����o de Abbas, que j u r o u para si m e s m o que encontraria u m a for-
ma de mat��-la. Sua frustra����o e ��dio eram t��o grandes que, m e s m o j��
experimentado nas guerras, caiu de joelhos, n u m choro compulsivo.
Escoltado para longe do pal��cio, Abbas abrigou-se nos arredores
da cidade de Gaza. E sua derrocada abriu espa��o para que Aron assu-
misse a lideran��a do ex��rcito, cotado para ser o p r �� x i m o comandante.
Feliz c o m a ascens��o, Aron decidiu investir mais u m a vez em suas
duas paix��es:Yunet e Myra. E, valendo-se de seus encantos, m��sculos
e muita l��bia, convenceu cada uma, separadamente, de que as queria
c o m o esposas.
Sede de vingan��a
217
As cortes��s derretiam-se facilmente c o m as investidas do soldado
conquistador. A r o n era sincero quando dizia a cada uma delas que as
amava. O problema era que ele amava as duas ao m e s m o t e m p o . Da
mesma forma. N e n h u m a mo��a a mais. Era c o m o se seu olho direito
mirasse apenas Myra enquanto o esquerdo perdia-se pelos encantos
de Yunet.
Havia conhecido Myra e n q u a n t o ela era apenas mais u m a entre as
muitas meretrizes no largo de Gaza. E, desde de que a viu pela p r i m e i -
ra vez, n��o quis saber de n e n h u m a outra mulher na cidade. M e s m o
diante do ass��dio de outras garotas, de loiras, morenas, ruivas, baixas,
gordas, esguias... apenas Myra, a q u e m chamava de sua rainha, o atra��a.
N �� o que ela fosse a mais bonita. Longe disso. Myra n��o era
dotada de grandes atributos f��sicos. Era magra, um p o u c o encurvada e
desajeitada. Atrapalhava-se nas dan��as. Sorria demais e de forma quase
infantil. N �� o era convidativa, mas tinha um ar sereno e ing��nuo de
q u e m havia nascido �� beira do mar.
J�� Yunet era uma linda mulher. Morena, de cabelos longos, tinha
os olhos amendoados, os l��bios carnudos e grossos. Suas curvas eram
perfeitas. E, para Aron, n��o havia n e n h u m a outra mulher, dentro do
pal��cio, c o m o sua princesa. Era assim que a tratava. E, mesmo entre as
sedas coloridas que flutuavam nas apresenta����es de dan��as, a m��sica e as
dezenas de mo��as que trocavam sorrisos c o m ele, s�� Yunet o inspirava.
C o m as duas juntas sob o m e s m o teto, s�� lhe restava contar c o m a
sorte ou a aceita����o das cortes��s. A sorte parecia ter acabado.
Bak mantinha H �� b e r c o m o ref��m. E j�� tinha um plano para atrair a
aten����o de Sans��o. Desfilaria c o m seu prisioneiro por toda a cidade,
a��oitando-o n u m espet��culo p��blico de horror. Se o her��i hebreu
estivesse p o r perto, acabaria sabendo do que estava acontecendo em
Gaza.
Logo pela manh��, Bak acordou H �� b e r c o m pontap��s. A m a r r o u
mas tr��mulas m��os e pernas e p u x o u - o , tal c o m o um animal d o m i n a -
218
Sans��o e Dalila
do, pelas apertadas ruas de Gaza. A multid��o o seguia, r i n d o da sorte
do prisioneiro que era chicoteado e arrastado.
��� Levante-se, hebreu.Voc��s n��o se orgulham de terem atravessa-
do o deserto? ��� gritava Bak, satisfeito c o m o b u r b u r i n h o que causava.
A plenos pulm��es, ele anunciava que o hebreu seria executado no
largo central de Gaza.
De perto, Cario assistia �� triste e bestial cena. E decidiu avisar a
Sans��o. C e r t a m e n t e ele n��o deixaria um h o m e m do seu povo sofrer
aquela humilha����o p��blica. C o r r e u o mais r��pido que p �� d e at�� a praia
o n d e o guerreiro danita acampava. E n c o n t r o u - o sentado na areia, ao
lado de u m a fogueira quase apagada ap��s flamejar durante a noite.
E c o n t o u - l h e o que acabara de ver.
��� Tem certeza que se trata de um hebreu?
��� Sim, d o m i n a d o c o m o u m a fera.
Sans��o levantou-se rapidamente e pediu que Cario o esperasse ali
enquanto ia at�� a cidade resgatar o hebreu. Passou pelos muros que
protegiam a cidade e seguiu o som das ruas e da multid��o que a c o m -
panhava o cortejo brutal.
O som das chicotadas e dos risos eram atormentadores. Bak ofendia
H �� b e r e pedia para que ele clamasse por seu Deus invis��vel. Q u e pedis-
se a Deus que enviasse Sans��o, o protetor do povo hebreu. E, t��o logo
acabou de dizer essas palavras, deparou-se c o m o guerreiro hebreu b e m
diante de si.
Ao ver que se tratava de H��ber, Sans��o esbo��ou um sorriso.Ver o
amigo era b o m , m e s m o naquelas circunst��ncias.
��� Solte-o ��� o r d e n o u Sans��o.
Bak p u x o u o seu prisioneiro para mais perto de si e encostou um
punhal afiado em seu pesco��o.
��� E o que voc�� nos oferece em troca?
��� A vida de todos que est��o aqui.
O filisteu usava o c o r p o de H �� b e r c o m o escudo e tentava se afastar
de Sans��o, que devagar, passo a passo, aproximava-se.
��� N �� o �� a m i m que quer? Estou aqui.
��� Afaste-se, Sans��o. N �� o cairei em sua armadilha. Ter�� que me
acompanhar at�� o pal��cio para que eu receba a minha recompensa.
Sede de vingan��a
219
Sans��o assentiu, c o m raiva. E Bak pediu que os h o m e n s desatassem
Heber.
��� Filisteus... vendem-se pelo brilho da prata. E ficam completa-
m e n t e cegos ��� resmungou Sans��o, c o m desprezo.
C o m os bra��os e pernas livres ��� e c o m Sans��o por perto ���,
H e b e r encheu-se de coragem. E aproveitou a distra����o de Bak para
lhe aplicar uma cotovelada no est��mago e um empurr��o, desequili-
b r a n d o - o . O filisteu ainda tentou segur��-lo, mas conseguiu apenas lhe
ferir o bra��o c o m o punhal que carregava. C o m o m o v i m e n t o , acabou
despencando do alto da laje o n d e estavam. Bateu a cabe��a c o m for��a
sobre uma rocha. Estava m o r t o .
Alguns h o m e n s avan��aram contra Sans��o, mas ele os lan��ava longe
c o m facilidade. O que causou t e m o r nos outros que intentavam lutar
contra o hebreu, mas que, ao ver sua for��a brutal, fugiam assustados.
A salvo, H e b e r abra��ou o amigo demoradamente. Fazia um b o m
t e m p o que eles n��o se viam. Sans��o achou m e l h o r instal��-lo na casa
de Jana e ent��o seguiu c o m ele pelas ruas que conduziam ao p e q u e n o
c �� m o d o .
Na praia, Cario esperava pela volta de Sans��o, mas q u e m o observa-
va de longe era Abbas. Desde que foi expulso do pal��cio, o c o m a n d a n -
te deposto s�� pensava em matar Dalila. E, sabendo que ela, mais cedo
ou mais tarde, iria encontrar-se c o m Sans��o, m o n t o u uma pequena
campana na praia, de o n d e podia observar o acampamento do hebreu.
Ao ver que Cario estava vivo, logo deduziu que se tratava de mais
um plano arquitetado p o r Dalila. E decidiu acabar de vez c o m a vida
do jardineiro. Cario estava disperso, observava as ondas explodirem nas
rochas ali perto. Sentia o vento forte enquanto desenhava na areia c o m
um graveto. Estava livre e isso deixava-o fehz. Foi assim que Abbas o
surpreendeu.
��� Deveria estar m o r t o , sua aberra����o. Foi Dalila, aquela traidora,
que o ajudou a escapar, n��o foi? ��� questionou Abbas, segurando o
franzino e apavorado jardineiro pelos bra��os enquanto quase esfregava
seu rosto nas brasas ainda acesas da fogueira.
Cario conhecia o calor das chamas lambendo seu rosto. Foi assim
que havia ganhado todas aquelas cicatrizes. Exatamente pelas m��os de
220
Sans��o e Dalila
Abbas, que o amarrara e c o m u m a tocha derreteu seu rosto ap��s uma
crise de f��ria. O pacato jardineiro t o r n o u - s e o monstro do pal��cio
Cario balan��ou a cabe��a em afirma����o, enquanto tentava esca-
par. Mas Abbas n��o c o m a n d o u o ex��rcito filisteu sem motivos. T i n h a
um porte f��sico invej��vel. Alto e musculoso, sabia dominar os mais
perigosos advers��rios. O jardineiro n��o lhe escaparia. Foi quando, de
longe, ouviram a voz de Dalila. Abbas sufocou Cario, i m p e d i n d o - o de
gritar. Apertou tanto seu pesco��o que ele caiu desacordado.
A protegida de In��rus queria contar logo u m a novidade para seu
amante hebreu. Poucas horas antes, ela tinha conseguido convencer
o pr��ncipe a interromper as persegui����es contra os filhos de Abra��o.
Para isso a r g u m e n t o u que, dessa forma, Sans��o poderia ser seduzido
mais facilmente. M e s m o contrariado, In��rus c o n c o r d o u c o m sua p r o -
tegida e ordenou a Aron que avisasse a todos os soldados que parassem
m o m e n t a n e a m e n t e c o m as invas��es e os assassinatos. Ao menos at��
que Sans��o fosse dominado.
Por isso Dalila esgueirou-se apressada pelas encostas da colina que
levava ao mar. Estava euf��rica para lhe contar que em breve ele p o d e -
ria ajudar Jana a sair em seguran��a da cidade.
Abbas a espreitava em sil��ncio. Surpreend��-la sozinha, longe de
Sans��o, era o que mais queria.
��� Interrompo o descanso de um guerreiro? ��� perguntou, se apro-
ximando, pensando que fosse encontrar Sans��o. Mas, quando olhou
atr��s da barraca, apavorou-se ao ver Abbas, que sorria c o m satisfa����o.
��� Jurei vingan��a e c u m p r o m i n h a palavra. Pode enganar a todos,
mas n��o a m i m , Dalila. Vai se arrepender p o r ter me desafiado ���
esbravejou Abbas, desembainhando sua espada e apontando-a em
dire����o a Dalila.
Cario despertou e, ao perceber o perigo que sua protetora c o r -
ria, lan��ou-se de forma suicida sobre Abbas, d e r r u b a n d o - o no ch��o.
E, apanhando um peda��o de pau em chamas, cravou-o no rosto do
comandante deposto, que urrou de dor e ��dio ao sentir seu rosto sen-
do desfigurado.
Transtornado, Abbas o atravessou c o m a espada. Dalila assistia a
t u d o apavorada e em l��grimas. Ver seu amigo m o r r e r pela espada de
Sede de vingan��a
221
Abbas era cruel. M e s m o assim, correu para longe, em dire����o �� cidade,
despistando-se do comandante sanguin��rio.
H e b e r hospedava-se na casa de Jana. Sans��o aconselhou-o que, t��o
logo fosse poss��vel, o amigo deveria partir, levando Jana c o m ele at�� a
tribo de D��. C e r t a m e n t e ela seria b e m recebida p o r Zil��.
E, enquanto o hebreu conversava c o m os dois, Dalila entrou
apressada, surpreendendo-se de encontrar outra vez c o m Sans��o.
��� Sans��o? Eu... n��o sabia que estaria aqui.
��� Pelo visto �� um dia de surpresas. Esse �� o Heber, amigo de
inf��ncia que veio de longe... ��� disse o hebreu, c o m o sorriso aboba-
lhado que n��o conseguia evitar toda vez que estava apaixonado.
H e b e r j�� o conhecia b e m , e a primeira impress��o que teve de
Dalila foi de desconfian��a. Mas ele sabia t a m b �� m que n e n h u m a pala-
vra iria dissuadir o amigo de sua aventura amorosa. Restava-lhe apenas
torcer para que, dessa vez, ele fosse feliz em sua escolha.
Dalila t a m b �� m n��o deu muita import��ncia ao amigo de Sans��o.
E, c o m um sorriso amarelado, saudou-o c o m cortesia.
��� �� que v i m o mais r��pido que pude, Jana. Gostaria de lhe contar
pessoalmente... O pr��ncipe ordenou o fim da persegui����o aos hebreus.
Voc�� est�� salva, Jana. Todos voc��s est��o ��� anunciou, dando saltos de
alegria enquanto espalmava as m��os em comemora����o.
Jana parecia n��o acreditar. Ap��s tantos dias se escondendo c o m o
se fosse um rato. Indagava o que havia levado o pr��ncipe a tomar tal
decis��o.
��� Talvez p o r receio de um certo guerreiro que invadiu o pal��cio...
Os soldados j�� est��o nas ruas avisando �� popula����o. Parece que v��o
percorrer as cidades e as invas��es ser��o proibidas ��� arriscou Dalila,
sem assumir que tinha sido a m e n t o r a desse plano.
A ordem para o fim da persegui����o n��o havia chegado ainda aos
territ��rios dominados pelos hebreus. Em Zor��, sem H e b e r e principal-
mente Jidafe, a tribo ficou praticamente desguarnecida de defensores.
222
Sans��o e Dalila
As mulheres trabalhavam no vilarejo, �� espera do retorno de parte de
seus homens. Zil�� e Samara teciam cestos no p��tio quando ouviram o
galopar nervoso dos cavalos. De longe algu��m anunciou: filisteus!
Em poucos segundos a tribo de D�� foi invadida por h o m e n s m o n -
tados em cavalos. Eles atravessaram os que se colocavam diante deles.
Alguns danitas tentavam resistir, mas eram facilmente derrotados pelos
soldados filisteus. Samara correu em dire����o a Zil��, protegendo-a e
levando-a at�� sua casa, em seguran��a. Ficaram ali at�� que o barulho
assustador dos soldados desapareceu, deixando um rastro de destrui-
����o. Alguns mortos, pilhas de trigo queimadas e o p o �� o d'��gua, que
estava quase pronto, totalmente em ru��nas.
A not��cia sobre o fim da persegui����o aos hebreus se espalhava p o r
Gaza, confirmando o que Dalila havia dito. E, poucos dias ap��s esca-
par das m��os de Bak, H e b e r achou melhor seguir de volta a Zor��.
Sans��o assentiu e refor��ou o pedido para que o amigo levasse
Jana at�� sua tribo. H e b e r concordou, mas se mostrou preocupado em
retornar ao povoado ao lado da antiga cortes��. Bonita c o m o era, des-
pertaria o ci��me em Samara. Logo agora que os dois pareciam, enfim,
se acertar.
��� C o m o explicarei a Samara que ela �� apenas uma conhecida? ���
m u r m u r o u o atrapalhado danita.
Sans��o riu ao ver H e b e r acabrunhado daquele jeito. E, c o m um
tapa brincalh��o nas costas do amigo, perguntou:
��� Voc�� t o m o u coragem e se declarou a ela?
��� N��o... Mas �� que... aconteceram algumas situa����es... Eu p e r -
cebi que ela teve ci��me de m i m quando mostrei interesse p o r outra
mulher... Antes que eu partisse, ela veio se despedir, disse que me
esperaria... A c h o que ela gosta de m i m .
Sans��o riu ainda mais.
��� Voc�� reclama que eu quero ficar aqui p o r causa de uma mulher,
mas volta c o m pressa pelo m e s m o motivo?
Sede de vingan��a
223
H e b e r t a m b �� m achou gra��a da coincid��ncia. Achava fascinante
que, agora, um sentimento cultivado p o r anos parecia prestes a ser
retribu��do. Mas tinha m e d o da rea����o de Samara.
��� Mas eu... eu n��o t e n h o coragem para me declarar. S�� de pensar
fico c o m as pernas bambas...
Sans��o segurou os ombros de Heber, o l h o u - o nos olhos c o m g e n -
tileza e o encorajou.
��� N �� o tenha medo, m e u amigo. Se Deus colocou esse amor em
seu caminho, n��o h�� motivos para n��o o viver. Voc�� e a Samara s��o
duas pessoas de b o m cora����o. M e r e c e m toda a felicidade que a vida
em c o m u n h �� o p o d e lhes proporcionar.
Os dois organizaram os pertences de Jana sobre uma carro��a. D e i -
xar Gaza era estranho para Jana. A maior parte da vida esteve ali, c o m o
se fosse uma filisteia. A ��nica conex��o c o m seu povo era atrav��s de seu
pai e suas hist��rias. E eram essas lembran��as que moviam Jana em b u s -
ca de um futuro diferente, em que pudesse viver em paz, c o m alegria,
celebrando ao Deus de seu pai e, q u e m sabe, constituir u m a familia.
Dalila t a m b �� m estava l��, c o m a amiga, para seu ��ltimo abra��o. Esta-
va aliviada que seu plano para interromper a persegui����o aos hebreus
havia dado certo, e, c o m isso, Jana poderia seguir em paz. Mas sabia
que precisava descobrir os segredos de Sans��o e entreg��-lo ao pr��ncipe
In��rus, caso contr��rio, a paci��ncia do soberano logo acabaria.
H e b e r m o n t o u na carro��a c o m Jana e os dois seguiram, sacole-
j a n d o , em dire����o �� estrada que levaria ao territ��rio d o m i n a d o pelos
hebreus.
Era o m o m e n t o que Dalila esperava.
Poucas mulheres sabiam, c o m o ela, docilizar um h o m e m apenas
c o m o olhar. E bastou lan����-lo para Sans��o para que o hebreu ardesse
em desejo. Desde o fortuito encontro no mar, Sans��o n��o pensava em
outra coisa a n��o ser no rosto de Dalila e em suas curvas.
R e t o r n a r a m at�� a casa de Jana e passaram pela porta j�� enroscan-
do-se aos beijos e abra��os. Um amor apressado que t e r m i n o u sobre
a cama.
Naquele c �� m o d o p e q u e n o e simples, Sans��o desfrutava da c o m p a -
nhia de Dalila enquanto Gaza fervia. L��, para ele, era c o m o se o t e m -
224
Sans��o e Dalila
po estivesse totalmente domesticado. N �� o havia mais n e n h u m a outra
preocupa����o. N e m m e s m o c o m Zor��, c o m os filisteus. Pensava apenas
em Dalila e n q u a n t o tateava cada parte de seu corpo. Estava disposto a
esperar o t e m p o que fosse at�� convencer a filisteia a ir viver c o m ele
j u n t o �� tribo de D��.
A protegida de In��rus envolvia-se cada vez mais c o m Sans��o. Mas
tinha um objetivo. Q u e r i a descobrir o que lhe dava tamanha for��a.
C o m o u m h o m e m c o m u m derrotava ex��rcitos inteiros, humilhava
um dos h o m e n s mais poderosos do imp��rio filisteu e ainda carregava
sobre os ombros port��es que pesavam toneladas? Havia m��gica? Dalila
n��o descansaria at�� descobrir.
Deitados na cama, trocando car��cias e palavras doces, enroscando
c o m a ponta dos dedos as tran��as do guerreiro hebreu, Dalila gracejou.
��� C o m o dominar um h o m e m que carrega nos bra��os at�� as
imensas portas da cidade?
��� Voc�� j�� me domina, Dalila ��� respondeu Sans��o, pregui��osa-
m e n t e , refestelado sobre a cama e entre os len����is.
Ela percebeu a chance.
��� D i g a - m e c o m sinceridade. Essas m��os que me fazem carinho...
dif��cil acreditar. N �� o parece a mesma pessoa que de tanto falam. Para
m i m , voc�� era assustador...
��� Ter�� que confiar em m i m .
��� Se n��o confiasse, n��o estaria em seus bra��os.
Dalila beijou o guerreiro calorosamente outra vez e, lan��ando seu
c o r p o sobre o dele, encarou-o c o m ternura.
��� Diga para m i m , guerreiro, em que consiste sua for��a? ��� p e r -
g u n t o u , tentando mascarar a expectativa.
Sans��o a olhou c o m ar grave. N u n c a n e n h u m a outra mulher quis
saber sobre isso. O segredo de sua for��a era um mist��rio que jamais
teve cuidado de guardar. Mas que nunca havia sido questionado t a m -
b �� m . Dalila tinha uma ousadia de guerreira e isso o agradava ainda
mais.
Sorriu, condescendente.
��� E o que quer saber?
Sede de vingan��a
225
��� De o n d e v e m sua for��a e c o m o que eu poderia amarr��-lo e
domin��-lo. Assim, jamais conseguiria fugir de m i m .
Dalila parecia determinada em conseguir a resposta. Estava inquie-
ta. J�� Sans��o n��o demonstrava n e n h u m interesse em resistir. Abra��ou-a
c o m delicadeza e a encarou c o m seriedade.
��� Se voc�� quer saber mesmo, vou lhe contar. Se me amarrarem
c o m sete cordas de arco... sete tend��es frescos e ainda ��midos... ent��o
me enfraquecerei e serei c o m o qualquer outro h o m e m .
Dalila mal podia acreditar. U m a noite de amor e seu guerreiro j��
tinha revelado seu maior segredo, pensou. E, t��o logo Sans��o a d o r m e -
ceu, correu at�� o pal��cio para contar a In��rus o que havia descoberto.
O soberano de Gaza deu ordens para que A r o n e outros soldados
fossem at�� a casa o n d e vivia Jana e o n d e o casal passava seus dias
de amor. Ficaram �� espreita e n q u a n t o Dalila amarrava os p u n h o s
de Sans��o c o m os tend��es frescos. F o r a m sete la��os, delicadamente
feitos para q u e o guerreiro danita n��o despertasse do sono. E, p o r
fim, um teste.
��� Acorda! Os filisteus! Os filisteus v �� m sobre voc��! ��� disse Dali-
la aos ouvidos do adormecido Sans��o, que, sobressaltado, levantou-se
apressadamente, desfazendo os n��s sem n e n h u m esfor��o. Ao perceber
que os la��os eram incapazes de det��-lo, Dalila disfar��ou, c o m o se esti-
vesse brincando, e sinalizou a um soldado que observava pela janela
para que abortasse a miss��o.
Sans��o achou gra��a da tentativa de Dalila. E, a cada beijo que rece-
bia da amada, mais inofensiva ela lhe parecia.
Em Zor��, os danitas reconstru��am o vilarejo ap��s a recente passagem
dos filisteus. M e s m o diante do trabalho pesado e da escassez de ��gua e
alimentos, os hebreus estavam otimistas de que H e b e r e Jidafe trariam
boas not��cas.
Gadi, c o m o toda crian��a, procurava divertir-se. E, para n��o perder o
h��bito que tinha de galhofar Heber, batizou um dos carneiros rec��m-
226
Sans��o e Dalila
-nascidos c o m o n o m e do amigo. E explicava, gaiato, que os dois se
assemelhavam. Eram franzinos, sempre assustados e de pernas bambas.
Alguns dias depois de partir de Gaza, H e b e r e Jana chegaram ao
vilarejo. A anima����o foi geral. Samara apressou-se, mas ficou triste ao
ver que seu pretendente estava acompanhado. Ao v��-la, H e b e r sal-
tou da carro��a ainda em m o v i m e n t o , levando um tropic��o. Ergueu-se,
limpou as roupas cobertas de poeira e foi ao encontro de Samara.
Era nela que ele pensava todos os dias. E, encorajado p o r Sans��o
e depois de quase perder a vida por duas vezes nas m��os dos filisteus,
sabia que n��o dava para adiar mais.
��� Samara, espere. Foi Sans��o que pediu para traz��-la ��� explicou-
-se, referindo-se a Jana. E p��s-se a contar sobre sua aventura no deser-
to, e das hist��rias sobre Sans��o, e de c o m o ele havia se tornado um
her��i.
A j o v e m sorriu em al��vio.
��� Eu quero que saiba... q u e eu a amo. Q u e sempre a amei... e
que, se voc��...
Samara riu, envergonhada c o m a forma c o m o H e b e r enfrentava
as palavras para fazer aquela afoita e sincera confiss��o. E, sem deix��-lo
terminar a frase, tranquilizou-o.
��� Eu t a m b �� m o amo, Heber.
Era o som mais belo que ele podia ouvir. A melhor recep����o p o s -
s��vel. H e b e r inclinou o rosto e j�� esperava o t��o sonhado beijo q u a n d o
foi interrompido pelos gritos de Gadi, que corria atr��s de seu carnei-
rinho. A peraltice do garoto adiou o primeiro beijo e H e b e r decidiu
apresentar Jana para Zil��.
Na casa de Zil��, ele recontou os feitos de Sans��o. De c o m o venceu
mil h o m e n s c o m u m a queixada de j u m e n t o , arrancou os port��es de
Gaza e havia obrigado ao arrogante soberano filisteu a decretar o fim
das persegui����es aos hebreus.
Zil�� ouvia t u d o orgulhosa.
��� Ele n��o quis voltar?
��� Garantiu que em breve voltaria. Mas precisava resolver um
assunto pendente...
Sede de vingan��a
227
A m��e conhecia o filho. E sabia que o assunto p e n d e n t e era uma
mulher.
��� U m a mulher filisteia?
H e b e r assentiu, m e i o desconfort��vel. Mais uma vez Sans��o estava
enredado na sua maior fraqueza. A beleza feminina.
Dalila dividia-se entre as noites e manh��s de amor c o m Sans��o e suas
idas ao pal��cio, o n d e prestava contas ao soberano sobre c o m o estavam
seus planos. In��rus ficara aborrecido ap��s a tentativa c o m os tend��es
frescos.
Para ajudar a azedar o h u m o r do soberano, Tais, que j u n t o c o m o
pr��ncipe de E c r o m havia se m u d a d o temporariamente para Gaza, at��
que a situa����o c o m Sans��o fosse resolvida, n��o se cansava de envene-
nar In��rus. O r a dizia que o hebreu poderia ser fisgado pelos encantos
de sua protegida. O r a sugeria que Dal��a iria apaixonar-se p o r Sans��o.
Para In��rus, se Sans��o n��o fosse seduzido por Dalila, n e n h u m a
outra mulher no m u n d o conseguiria. Mas temia, secretamente, p e r d �� -
-la para o guerreiro hebreu.
Dalila seguia seu plano, determinada em dominar Sans��o. E todas
as tardes voltava para o quarto o n d e vivia Jana e que havia se tornado
uma esp��cie de n i n h o amoroso. Um local o n d e o casal vivia suas n o i -
tes t��rridas de paix��o.
Ela usava todas as suas armas de sedu����o. Bamboleava os quadris
em apresenta����es de dan��as. Fazia os len��os de seda flutuarem pelo ar
no apertado c �� m o d o . E o beijava c o m os beijos mais doces, e n q u a n t o
bebia ta��as de vinho.
Sans��o mantinha-se fiel ao voto de nazireu e n��o tocava em b e b i -
das fortes.
��� M e l h o r �� seu amor do q u e o vinho ��� esquivava-se.
��� Fala m e s m o de amor enquanto m e n t e para m i m , Sans��o?
��� N �� o h�� mentiras nos meus beijos. N o s meus olhos.
228
Sans��o e Dalila
��� Mas as palavras o traem, n��o devia confiar nelas ��� reclamou
Dalila, fmgindo-se indignada.
Sans��o n��o dava import��ncia. E, cada vez que ela demonstrava
irrita����o, ele a beijava ainda mais e t u d o parecia ficar b e m .
��� C o n t e para m i m , Sans��o? C o n t e c o m o eu poderia amarr��-lo
e domin��-lo...
��� Ainda mais do que j�� me domina?
��� Sim, ainda mais... ��� respondeu Dalila, levantando-se da cama
e vestindo-se, c o m o se fosse partir.
Sans��o a olhou c o m ternura. P u x o u - a delicadamente pelos bra��os
e a fez sentar sobre o m��vel.
��� V o u lhe contar. Mas, quando eu disser, serei c o m o um h o m e m
qualquer.
��� Jamais ser�� c o m o um h o m e m qualquer... ��� disse Dalila, dan-
do-lhe um carinhoso beijo e envolvendo-o c o m os bra��os.
Do lado de fora, Dalila era observada. Era Abbas, que havia desco-
b e r t o o endere��o dos dois e preparava-se para se vingar do casal.
C A P �� T U L O 15
Segredo revelado
Yunet andava chorosa. N �� o que algo diferente houvesse ocorrido. As
brigas c o m Myra, pelo amor de Aron, continuavam as mesmas. O r a
a chefe das cortes��s a evitava, enciumada. Ora, em retalia����o, n��o lhe
permitia muitos banhos e a colocava para d o r m i r j u n t o c o m outras
mulheres conhecidas pelos barulhos que faziam a noite. Mas nada t��o
grave que justificasse sua irritab��idade excessiva. Bastava qualquer um
aumentar o t o m de voz c o m ela para que desaguasse em l��grimas.
J�� Myra t a m b �� m estava diferente. As ess��ncias que perfumavam o
quarto das cortes��s eram cada vez mais inc��modas para ela. Os assados
tamb��m. Sentia embrulhos constantes, tonturas e mal-estar.
A r o n estranhava c o m o suas duas namoradas estavam se c o m p o r -
tando nos ��ltimos dias. Logo agora que ele estava t��o p r �� x i m o de
tornar-se o grande comandante filisteu, elas ficariam doentes?, pensa-
va, enquanto se dividia em consolar u m a e evitar cheiros mais fortes
perto da outra.
N �� o d e m o r o u muito para que Myra eYunet marcassem um u r g e n -
te encontro c o m o soldado. Foi no jardim. Aron refrescava-se c o m um
p o u c o de ar puro quando as cortes��s chegaram apressadas para lhe
contar a novidade: estavam gr��vidas.
230
Sans��o e Dalila
A janela era estreita. U m a pequena fresta p o r o n d e o c �� m o d o recebia
um p o u c o de luz e ar. Mas o suficiente para que, p o r tr��s da fina corti-
na, Abbas observasse, enciumado e furioso, o amor de Sans��o e Dalila.
Ficou ali at�� que adormecessem j u n t o s e, sorrateiramente, destravou
a porta por o n d e entrou. Ficou alguns segundos observando Dalila
aconchegada no peito de Sans��o. Fitava o len��ol que delineava seu
c o r p o entrecoberto. Pensou que podia ser ele ali, em vez do hebreu. E
sentiu-se ainda mais humilhado.
D e s e m b a i n h o u sua espada silenciosamente. C o m a ponta dos
dedos, l i m p o u - a do p o u c o de sangue que ainda carregava de Cario.
E avan��ou c o m f��ria e m e i o atabalhoado sobre eles.
O barulho dos seus passos despertou o casal. A espada, desviada
p o r Sans��o, feriu Dahla no bra��o. Um corte fino e profundo, provo-
cando-lhe u m a grande hemorragia.
O hebreu agarrou Abbas pelo pesco��o, mas, ao perceber a quanti-
dade de sangue que m a n c h o u os len����is, soltou-o para socorrer Dalila.
��� Essa mulher vai destru��-lo, hebreu! N��o acredite nas palavras
dela, �� t u d o parte de um plano! Ela o trair��! E eu fa��o quest��o de assis-
tir quando isso acontecer ��� ria Abbas, diante do desespero de Sans��o,
que rasgou um peda��o do len��ol para estancar o sangue de sua amada.
��� N �� o permita que ele fuja, Sans��o. Ele est�� louco. N �� o sabe o
que diz.
Abbas saiu apressado, sumindo pela estreita viela.
��� V �� atr��s dele, Sans��o. Estou b e m . M i n h a vida sempre estar�� em
perigo c o m ele por perto ��� insistiu Dalila.
Sans��o assentiu e disparou em busca de Abbas. Correu por poucos
metros at�� avistar o comandante grandalh��o cercado por curiosos des-
pertos por seu rosto desfigurado pelas queimaduras provocadas por Cario.
��� O que est��o olhando? A c h a m que eu sou um monstro? ���
Esbravejava, tampando o rosto e tentando desvencilhar-se das pessoas
que apontavam para ele c o m h o r r o r pela rua.
Sans��o aproximou-se.
��� Um h o m e m que tanto mal fez ao m e u povo n��o poderia ser
visto de outra forma. E ainda t e m coragem de ferir u m a mulher i n o -
cente...
Segredo revelado
231
��� Dalila, inocente? Voc�� est�� cego, hebreu ��� riu descontrolada-
mente.
��� Acha que conhece Dalila, Sans��o? Acredita nas palavras dela? Pois
aqueles risos de prazer est��o repletos de sarcasmo. Ela debocha de voc��,
ela zomba de seus sentimentos. Ela ainda vai tra��-lo. Seus dias de her��i
est��o contados ��� disparou a falar, para depois rir. E depois ria e falava.
Misturando os sons n u m grunhido irritante aos ouvidos de Sans��o.
Abbas t e n t o u aproveitar a confus��o para estocar Sans��o c o m sua
espada, mas o hebreu rapidamente se defendeu, quebrou a arma c o m
um golpe e lan��ou seu o p o n e n t e sobre uma barraca c o m quinquilha-
rias, espalhando t u d o pelo ch��o. Os curiosos abriram um largo c��rculo
envolta daquele que j�� fora o principal personagem militar filisteu e
agora era u m a triste e prostrada figura.
Pr��ximo de Abbas, havia um peda��o de osso de animal. U m a quei-
xada de j u m e n t o . Sans��o gostou da coincid��ncia. Apanhou a pe��a e a
fincou no peito de Abbas, deixando que sua vida esva��sse-se em sangue.
M e s m o m o r t o , o comandante filisteu atormentava os pensamentos
de Sans��o. Dalila, c o m um sorriso t��o cintilante e sincero, poderia ser
uma traidora? Assim, o j o v e m hebreu remo��a-se em pensamentos. De
fato, ele m e s m o p o u c o sabia sobre a mo��a. N �� o tinha seu endere��o,
n��o sabia c o m o vivia n e m m e s m o sua real origem. E n��o entendia
p o r q u e Dalila n��o havia deixado Gaza para tr��s e seguido c o m ele,
H e b e r e Jana para Zor��, o n d e viveriam seu amor c o m seu povo.
��� Por que insiste em descobrir meus segredos se voc�� mesma t e m
tanto a esconder? ��� questionou Sans��o, ap��s retornar �� casa de Jana e
enquanto preparava um curativo no bra��o ferido de Dalila.
Dalila percebeu que Sans��o estava cismado. As palavras de Abbas
haviam m e x i d o c o m ele, e ela precisava reverter a disputa a seu favor.
Preferiu descansar um p o u c o para que seus pensamentos atinassem
melhor.
Zil�� andava preocupada. O u t r a mulher filisteia na vida de seu filho
lhe tirava a paz. Logo agora, que t u d o parecia melhorar? Suas afli����es
232
Sans��o e Dalila
s�� diminu��arn ao ver c o m o H e b e r e Samara estavam cada vez mais
envolvidos.
H e b e r estava decidido. E, um dia antes, quando r e t o r n o u de Gaza
j u n t o c o m Jana, p o r m u i t o p o u c o n��o conseguiu o sonhado beijo
de Samara. Ao v��-la agora, tecendo um cesto, sentada n u m a pequena
mureta pr��xima �� casa de Zila, foi at�� ela decidido.
��� Samara! ��� gritou ao v��-la, assustando a mo��a.
��� O que foi, Heber?
��� Nada... Ou melhor, p o r e n q u a n t o nada... E eu espero que
aconte��a... Na verdade, sempre esperei e o n t e m quase... �� que eu
precisava m e s m o fazer isso ��� anunciou, c o m seu jeito atabalhoado
e nervoso. Esticou o pesco��o, fechou os olhos, c o m p r i m i u os l��bios
�� espera dos l��bios de Samara q u a n d o Gadi, mais uma vez, surgiu aos
gritos, atrapalhando o m o m e n t o .
Samara riu. E H e b e r tratou de encontrar alguma ocupa����o para o
garoto. T �� o logo o m e n i n o saiu, ele respirou fundo e prosseguiu.
��� Samara, quero que voc�� seja minha esposa.
A voz da mo��a embargou e seus olhos encheram-se de l��grimas.
��� Agora sou eu q u e m est�� c o m as pernas bambas ��� b r i n c o u
Samara.
Os dois trocaram olhares t��midos e carinhosos e H e b e r c o n t i n u o u
o m o v i m e n t o que fazia antes de ser interrompido por Gadi. O esti-
m a d o beijo, enfim, aconteceu.
��� Eu quero, Heber. Eu quero ser sua esposa.
Para o hebreu, era c o m o se sonhasse acordado. O amor que culti-
vou por anos, fielmente, agora estava prestes a ser concretizado. H e b e r
queria apenas esperar pelo retorno de Sans��o. Q u e r i a que seu amigo
e juiz de D�� fizesse a cerim��nia.
Zil��, entretanto, tinha pressentimentos. Achava que Sans��o n��o
retornaria. N �� o sabia explicar a raz��o. Apenas uma saudade imensa,
u m a forte ang��stia, um aperto em seu cora����o. E, cada vez que pensa-
va no filho, sentia a vista tontear.
Se p o r um lado estava m u i t o feliz c o m o futuro casamento de
H e b e r e Samara, dois jovens que ela considerava c o m o se fossem filhos
seus, p o r outro ela t a m b �� m se ressentia p o r Sans��o.
Segredo revelado
233
��� N �� o devem esperar p o r ele. Aproveitem que foram aben��oados
c o m esse a m o r e realizem logo a cerim��nia! Sejam felizes e tragam
um p o u c o de festa �� nossa gente! ��� aconselhava, c o m a do��ura que
era sua marca.
Gadi, que estava na casa de Zil�� quando H e b e r e Samara a n u n -
ciaram a decis��o de se casarem, estava triste. Desde que Jidafe havia
partido, era Samara a sua grande companhia. E, m e s m o gostando de
Heber, sentia que perderia espa��o na vida do casal.
Sabia t a m b �� m que, m u i t o provavelmente, jamais tornaria a ver seus
pais. E ver Zil�� se debilitando deixava-o aflito. Perderia novamente as
pessoas que amava?, pensava.
Cada vez que a angustia o sondava, ele corria para as sombras
generosas da ��rvore que Jidafe o havia mostrado. Era l�� que descansava
os pensamentos de m e n i n o .
Jana o encontrou l�� e percebeu a solid��o do garoto. E no senti-
m e n t o de desamparo de Gadi ela t a m b �� m se reconheceu. Por isso, sua
afei����o pelo m e n i n o foi quase instant��nea.
��� Q u a l �� o motivo da tristeza, Gadi?
��� A Zil�� disse que o H e b e r e a Samara logo ter��o filhos. Eu ouvi.
Agora que serei esquecido de vez...
��� N �� o diga isso... Um filho �� um presente de Deus e todos n��s
devemos ficar felizes quando isso acontecer... U m a crian��a traz luz,
traz esperan��a.
��� Eu ainda sou crian��a.
��� E q u e m disse que voc�� n��o representa a esperan��a? Q u e m sabe
Deus n��o me trouxe at�� aqui justamente para cuidar de um garoto t��o
esperto c o m o voc��? ��� sorriu c o m ternura.
O acolhimento fez brotar de Gadi t a m b �� m um sorriso.
��� Cuidar de mim?
��� Sim. Eu tamb��m estou sozinha... voc�� aceita ser a minha fam��lia?
Gadi explodiu em felicidade. E correu para abra��ar sua nova p r o -
tetora. Abra��ou-a forte, c o m o se estivesse abra��ando a m��e e o pai que
haviam desaparecido ap��s o ataque dos filisteus. E, ao apert��-la c o m
seus bra��os, n e m percebeu q u e m havia chegado. Era seu amigo, Jidafe,
que retornava de sua dilig��ncia.
234
Sans��o e Dalila
��� �� assim que cuida de t u d o na minha aus��ncia? ��� b r i n c o u
Jidafe, arrancando um sorriso ainda mais largo de Gadi, que correu
para abra����-lo.
Jana sorriu, emocionada, quando viu o carinho que Gadi devotava
ao amigo. E Jidafe olhou c o m curiosidade para a bela e desconhecida
mo��a que havia chegado em Zor��.
Sans��o acordou e percebeu que Dalila n��o estava mais no quarto. Per-
to da cama, apenas enfeites de conchas apanhadas da praia, feitos pela
j o v e m quando vivia no vale de Soreque.
O hebreu entendeu o recado e seguiu at�� a praia. L�� encontrou
Dalila sentada sobre u m a rocha, observando o m o v i m e n t o do mar.
Sentou-se, em sil��ncio, ao lado da companheira.
��� Q u a n d o eu era mais nova, sempre fugia para o vale do rio
quando queria ficar sozinha... At�� depois de crescida. Era capaz de
ficar horas s�� olhando aquelas ��guas...
��� Se procura a solid��o, eu respeitarei... ��� disse Sans��o, fazendo
m e n �� �� o de levantar-se e partir. Mas Dalila, c o m a m �� o direita, delica-
damente o deteve.
��� Fique. N �� o procuro a solid��o, ela que sempre me perseguiu.
Dalila queria lhe contar toda a verdade. Mas preferiu falar sem
revelar o mais importante. C o n t o u - l h e sobre seu passado em Soreque
e que agora n��o tinha mais os pais. Falou-lhe sobre R u d i j u e, aos
prantos, relembrou que sempre foi v��tima da persegui����o masculina,
assim c o m o aconteceu c o m Abbas.
Sans��o estava envolvido demais, e quis saber c o m o Dalila vivia,
o n d e morava.
��� V i v o de favor e n��o posso decepcionar aqueles que me abriga-
ram quando eu mais precisei. N u n c a aceitariam que eu me envolvesse
c o m um hebreu... e por isso menti, para que voc�� n��o os procurasse.
Mas a verdade �� que, m e s m o em m e i o a tantas pessoas que circulam
na cidade... eu nunca deixei de ser s��.
Segredo revelado
235
��� Pois, se depender de m i m , n��o haver�� mais espa��o para tanta
solid��o ��� e m e n d o u o hebreu, satisfeito c o m as respostas.
Dalila sorriu, envergonhada. O amor de Sans��o a constrangia. Era
puro demais. Inocente em excesso para um guerreiro perseguido pelo
ex��rcito mais poderoso.
��� Voc�� nunca ser�� c o m o qualquer outro h o m e m , Sans��o... ���
sussurrou.
A protegida de In��rus estava envolvida. Mas seu cora����o, e m p e -
dernecido ap��s tanto sofrer nas m��os de h o m e n s , n��o era capaz de
dar-se mais uma chance. Ela n��o se permitia amar um h o m e m . Por
mais que esse h o m e m lhe mostrasse ser diferente de todos os outros
que passaram p o r sua vida. Dalila tinha cicatrizes f��sicas e e m o c i o -
nais causadas pelas m��os de h o m e n s lascivos, arrogantes, orgulhosos e
violentos. Vingar-se em Sans��o representava vingar-se de todos eles.
Mas, enquanto isso n��o ocorria, ela permitia-se dias de paix��o juvenil,
brincando pela praia, arremessando areia, sorrindo espontaneamente.
��� Vamos embora daqui, Dalila.
��� Para onde?
��� Para qualquer lugar. Podemos ir at�� a minha tribo... Ser�� b e m
recebida, c o m o eu t e n h o certeza que a sua amiga foi.
��� A Jana pertence ao povo de voc��s...
��� Mas eles v��o aceit��-la c o m o a minha mulher. E n t e n d o que
n��o queira desapontar aqueles que a ampararam, mas... t a m b �� m t e m o
direito de come��ar uma vida nova, ao lado de um h o m e m que a assu-
ma. Do que t e m medo, Dalila? Podemos ser felizes, acredite em m i m .
Dalila levantou-se. O l h o u c o m apreens��o para a imensid��o do
mar. E se aceitasse o convite e seguisse c o m seu protetor hebreu?
Seria feliz, c o m o nas hist��rias que as meninas, no quarto das cortes��s,
gostavam de contar? Ou t u d o isso n��o passava de contos de fadas,
de fic����o? A felicidade podia m u i t o b e m ter sido inventada p o r esses
desocupados contadores de hist��rias. U m a brincadeira sem gra��a para
encher de ilus��o mo��as c o m o ela. A vida real era m e s m o pesada.
Hesitou um pouco, mas decidiu seguir seu triste plano.
236
Sans��o e Dalila
��� N �� o posso acreditar em algu��m que n��o confia em m i m . Diga-
- m e , Sans��o. Sem mentiras, sem zombar de m i m . J�� sabe q u e m eu sou,
j�� c o n h e c e o m e u passado. Eu lhe falei de cora����o, revelei aconteci-
mentos da m i n h a vida que eu nunca dissera a ningu��m... Agora, quero
ouvir de voc��: o que est�� p o r tr��s dessa for��a i n c o m u m ?
Sans��o a observou surpreso c o m sua insist��ncia. E pensou em
revelar-lhe toda a verdade sobre a sua for��a descomunal.
��� A minha f��.
��� Ent��o n��o h�� j e i t o de ser dominado? ��� indagou, surpresa e ao
m e s m o t e m p o aliviada.
Sans��o, no entanto, quis incrementar a explica����o. Aproximou-se
dela, c o m carinho, e c o n t o u que, se fosse amarrado b e m , c o m cordas
novas, ainda n��o usadas, perderia suas for��as e seria c o m o um h o m e m
qualquer.
Dalila surpreendeu-se c o m a resposta e o abra��ou c o m for��a.
��� Vou repetir: nunca ser�� c o m o um h o m e m qualquer.
Poucas horas mais tarde, a protegida de In��rus levou a informa����o
a Aron, que, j u n t o c o m outros soldados, puseram-se de tocaia durante
a noite, na frente do quarto o n d e vivia Sans��o em Gaza.
L�� Dalila teve mais u m a t��rrida noite de amor c o m seu namorado
hebreu. E, p r o p o n d o u m a brincadeira, apanhou as cordas novas, nunca
usadas, e o atou c o m firmeza, c o m n��s que havia aprendido a fazer
quando vivia em Soreque. La��os de pescador.
Sans��o sorria, divertindo-se. Mas quando Dalila dramatizou que
haviam filisteus por perto, o danita arrebentou as cordas c o m faci-
lidade, lan��ando-se em p��, p r o n t o para combate. Dalila o abra��ou,
revelando que se tratava de uma brincadeira, enquanto sinalizava para
Aron, que os observava, que o plano n��o tinha dado certo. Ao m e s m o
t e m p o estava cheia de raiva por Sans��o ter m e n t i d o outra vez para ela.
No pal��cio de Gaza, o clima era de indigna����o. Os pr��ncipes
pressionavam In��rus para u m a solu����o e o soberano j�� n��o se sentia
confort��vel c o m Dalila fora do pal��cio todos os dias. Tais n��o perdia
a oportunidade de inflamar ainda mais In��rus contra sua protegida.
Dizia que Dalila poderia ter se aliado ao hebreu. Ou at�� m e s m o se
apaixonado.
Segredo revelado
237
In��rus n��o lhe dava aten����o, mas preferiu chamar sua protegida e,
ap��s o fracasso de mais u m a tentativa, decidiu proibi-la de continuar
visitando Sans��o.
Tais aproveitou que naquela m a n h �� Dalila estava no pal��cio de
Gaza em audi��ncia c o m seu soberano e decidiu investir seus encantos
diretamente em Sans��o. Intentava seduzi-lo e conseguir o t��o guarda-
do segredo do hebreu.
Ap��s descobrir o endere��o o n d e ele e Dalila se encontravam,
seguiu at�� o velho quarto no centro da cidade de Gaza. E n t r o u no
c �� m o d o vestindo uma longa t��nica preta e Sans��o, pensando tratar-se
de Dalila, abriu um sorriso receptivo.
��� Se demorasse mais um pouco, sairia �� sua procura...
Tais ent��o descobriu seu rosto, deixando que seus cabelos longos e
claros deslizassem sobre seu ombro. Apesar de venenosa, Tais era uma
mulher bel��ssima. E sabia seduzir.
��� Ent��o �� aqui que o grande her��i hebreu se esconde? N �� o diga
que n��o se lembra de m i m . N o t e i seus olhares enquanto eu dan��ava
no pal��cio de Gaza.
Sans��o sorriu, envergonhado. De fato, Tais tinha lhe despertado
aten����o. Sua dan��a sensual o havia hipnotizado no duro encontro que
teve c o m In��rus. Mas nada al��m disso.
Tais esfor��ava-se para enfeiti����-lo. E deixou sua capa escorregar
por seu corpo, mostrando suas curvas perfeitas. Deitou-se na cama e
convidou-o c o m os dedos.
��� N �� o agrado aos seus olhos?
��� Sabe que �� u m a bela mulher ��� respondeu Sans��o, cativado
pela m o �� a e sem tirar os olhos de seu corpo.
A cortes�� levantou-se e beijou as m��os do hebreu. Subiu c o m os
l��bios at�� seu pesco��o, deixando que ele sentisse o calor de seu corpo
e sua ofegante respira����o.
��� Talvez n��o tenha ouvido muito a m e u respeito ��� interrompeu
Sans��o, afastando-se. ��� Deve saber que sou fiel aos meus sentimentos...
��� E o que sente agora? ��� p e r g u n t o u Tais, esgueirando-se nova-
m e n t e para p r �� x i m o dele.
238
Sans��o e Dalila
��� Sinto um amor maior que a minha pr��pria for��a pela mais bela
das mulheres: Dalila. Por isso p e �� o que se r e c o m p o n h a totalmente e
saia imediatamente do lugar o n d e a amo c o m t o d o m e u cora����o.
Tais sentiu o golpe. M o r d e u os l��bios c o m raiva e humilha����o.
A p a n h o u as roupas que havia retirado na tentativa in��til de seduzi-lo.
E, quando seguia em dire����o a porta, esbarrou justamente em Dalila,
que ouviu, furiosa, o fim da conversa.
��� Saia daqui! ��� berrou, c o m raiva.
Tais olhou para o casal, constrangida. E sumiu pelas ruas apertadas
da cidade em dire����o ao pal��cio. Dalila, mais u m a vez, surpreendeu-
-se c o m o car��ter de Sans��o. N e n h u m outro h o m e m que conheceu
seria capaz de recusar os encantos de Tais, que se oferecia c o m extrema
facilidade. Sans��o era um h o m e m raro.
��� Espere um m o m e n t o , Sans��o ��� pediu Dalila, ent��o e correu
atr��s de sua inimiga. Alcan��ou-a perto dali e, p u x a n d o - l h e os cabelos,
a fez cair no ch��o.
��� O que �� isso?
��� Eu avisei que se arrependeria se tentasse estragar os m e u s
planos.
��� Pode enganar a todos, mas n��o a m i m . Voc�� est�� apaixonada
p o r ele.
Dalila ficou gelada c o m a afirma����o. E, no m e s m o instante, esbo-
feteou Tais, fazendo-a cair sobre u m a banca, sujando toda a sua roupa.
O tapa foi t��o forte que deixou o rosto da cortes�� marcado.
Tais t e n t o u defender-se, mas levou outro tapa, t��o forte quanto o
primeiro.
��� Isso �� quase nada perto do que sou capaz de fazer. N u n c a mais
se aproxime de Sans��o ��� avisou, completamente transtornada, Dalila.
Dalila estava confusa. Amava Sans��o, sabia disso. Mas n��o poderia
se entregar ao hebreu. Tais tinha raz��o, a j o v e m de Soreque n��o c o n -
seguiria enganar a si e aos outros p o r m u i t o t e m p o .
De volta ao quarto, Sans��o a abra��ou forte e os dois beijaram-
-se longamente. O hebreu, m e s m o inocente, tentava explicar-se sobre
Tais. Dalila dispensava cada tentativa, calando-o c o m seguidos beijos.
Segredo revelado
239
Depois de mais u m a noite intensa, Sans��o aninhava-se sobre o
colo de Dalila. E ela brincava c o m suas tran��as. Enrolava os fios nos
dedos e os desenrolava. Amarrava e desamarrava as tran��as, de forma
carinhosa.
��� Por que me ama, Sans��o?
��� A m o r n��o se explica. Se sente, se vive.
��� Ent��o prove para m i m . De o n d e vem a sua for��a? ��� p e r g u n -
tou, despretensiosamente.
Sans��o a olhou c o m ternura. Estava completamente entregue.
��� Tem nas m��os a o r i g e m de tudo, Dalila.
A mo��a ficou surpresa c o m o que acabava de ouvir.
��� Voc�� est�� me dizendo que sua for��a v e m dos cabelos?
O hebreu levantou-se. Ajeitou-se sobre a cama, mais desperto e
um p o u c o assustado por ter quase revelado seu segredo. E continuou.
��� Se tecer as sete tran��as de minha cabe��a c o m a urdidura de um
tear e as firmar c o m um pino... irei enfraquecer-me e serei c o m o um
outro h o m e m qualquer.
��� �� verdade? N �� o est�� z o m b a n d o de mim?
Sans��o sorriu, misterioso. Gostava de brincar c o m a curiosidade de
Dalila e de propor enigmas.
Na mesma noite, c o m o antes, Dalila avisou aos soldados. C o m um
tear, teceu as tran��as do guerreiro hebreu enquanto ele dormia. P r e n -
deu as pontas c o m pinos. E aguardou, triste, at�� que Sans��o acordasse.
D u r a n t e a noite, o hebreu sonhou c o m seu pai. M a n o �� o chama-
va de longe, enquanto ele caminhava p o r u m a e n o r m e planta����o de
trigo, tal qual as fazendas de Simas, seu antigo sogro. M a n o �� c o n t i n u -
ava c h a m a n d o - o e at�� se p��s diante dele, sorrindo e c o m os bra��os
abertos, mas Sans��o passava pelo pai sem lhe dar aten����o. No m e s m o
sonho, ele escutava Dalila o chamar e s�� a�� se detinha.
A angustia de n��o responder ao pai o fez despertar sobressaltado.
E, c o m o m o v i m e n t o r��pido e aflito, n e m se deu conta de que suas
tran��as estavam presas aos pinos.
Dalila estava deitada ao seu lado e aguardava que ele despertasse.
Q u a n d o percebeu que mais uma vez tinha sido enganada p o r Sans��o,
240
Sans��o e Dalila
ficou mais uma vez chateada. Estava cansada daquele j o g o . Sabia que
In��rus n��o perdoaria outra tentativa em v��o. E que isso lhe custaria a
chance de ganhar os siclos de prata e vingar-se, atrav��s de Sans��o, de
todos os h o m e n s que a i m p o r t u n a r a m na vida.
��� C o m o diz que me ama se zomba de mim? �� a terceira vez que
mente. �� assim que prova seu amor? ��� disse Dalila, levantando-se e
recolhendo suas roupas do ch��o.
Sans��o tentou abra����-la, mas Dalila estava visivelmente magoada.
��� Por que exige provas de amor se eu nunca lhe pedi nada disso?
��� Se pedisse, certamente o faria.
��� Mas eu n��o preciso que prove. Basta-me aquilo que sinto. Eu
olho em seus olhos, Dalila. Eu percebo que est�� envolvida quando se
entrega a mim... Vejo o seu sorriso, o seu olhar... Isso basta para eu
perceber o seu amor. E voc�� nunca disse que me ama.
��� Voc�� nunca perguntou.
��� Porque eu j�� sei a resposta, Dalila. M e s m o que negue, n��o
importa o que diga. Eu sei que voc�� me ama. E para m i m isso basta.
Dalila ouvia perturbada aquelas palavras. N �� o gostava de sentir-se
usada.
��� Sou apenas mais u m a conquista do grande guerreiro. Voc�� j��
obteve sua vit��ria, Sans��o. M e u s cumprimentos. Deve continuar sua
j o r n a d a ��� disse, t e r m i n a n d o de vestir-se, lan��ando sobre si a t��nica
branca e deixando o p e q u e n o c �� m o d o .
Saiu aflita e chorosa. N �� o sabia o que iria acontecer, n e m m e s m o
se poderia voltar a ver Sans��o. Voltou ao pal��cio, apresentou-se a In��-
rus e foi at�� o jardim repensar sua vida.
Sans��o t a m b �� m buscou um lugar para refletir. Seguiu em dire����o
�� praia e sentou-se sobre a pedra o n d e havia avistado Dalila pela p r i -
meira vez. Ficou ali at�� perceber a companhia do misterioso andarilho
que lhe aparecia nos m o m e n t o s mais cruciais da vida.
��� Eu n��o ouvia. N �� o ouvia m e u pai... ��� disse o hebreu ao enig-
m��tico companheiro de j o r n a d a .
��� �� hora de partir, Sans��o. Voc�� deve continuar tua caminhada ���
aconselhou o andarilho.
Segredo revelado
241
O guerreiro p e r m a n e c e u ali, absorvido pelos pensamentos em
Dalila. N �� o conseguia pensar em nada mais. S�� na mulher que amava.
N �� o havia outro plano. Apenas Dalila poderia envolver Sans��o e der-
rot��-lo. N e n h u m a arma seria t��o letal. N e n h u m ex��rcito poderia c o n -
ter o hebreu. In��rus sabia que dependia de sua protegida e mais uma
vez confiou-lhe a tarefa de descobrir o segredo da for��a de Sans��o.
Em Zor��, Jidafe, Heber, Samara, Jana e Gadi estavam ao redor de u m a
irreconhec��vel Zil��. Antes doce, conselheira e otimista, ela estava pros-
trada. Febril, tinha alucina����es constantes nos ��ltimos dias. Gritava,
chorava e falava sozinha. Orava a t o d o instante p e d i n d o a Deus p o r
seu filho.
��� N �� o ! N �� o deixe que ele se perca. N �� o deixe que ele sofra...
n��o se retire dele... gemia, c o m o olhar preso ao teto da casa e n q u a n t o
estava deitada em seu quarto. Era um clamor tocante, pesaroso. Os
amigos, ao seu redor, entreolhavam-se aflitos.
Zil�� piorava c o m rapidez at�� que, n u m m o m e n t o , desencadeou
um choro compulsivo e dolorido. Um lamento de uma m��e diante do
filho m o r t o . Era assim que Zil�� sofria. Pranteou p o r horas seguidas at��
que todas as suas for��as acabaram-se e ela m o r r e u angustiada.
Longe dali, em Gaza, Dalila retornava para a casa de Jana, que esta-
va vazia. Parecia que havia ficado afastada por meses, mas, na verdade,
estava longe apenas h�� alguns dias. T e m p o que precisou para pensar
sobre c o m o conquistar definitivamente Sans��o.
O hebreu t a m b �� m havia refletido m u i t o nos ��ltimos dias. N �� o
queria mais se arriscar a perder seu grande amor. E se era o segredo
que ela precisava, ele lhe contaria. Assim que r e t o r n o u ao c �� m o d o
o n d e havia vivido os ��ltimos dias, surpreendeu-se ao ver que Dalila
o esperava.
242
Sans��o e Dalila
��� Por que voltou? ��� questionou Dalila.
��� N �� o poso seguir m e u caminho. Ele sempre me levaria a voc��.
��� respondeu Sans��o, aproximando-se da j o v e m e a beijando c o m
pressa e for��a.
Dalila permitiu que Sans��o a tomasse no colo e a levasse at�� a
cama. E, c o m do��ura, arriscou mais u m a vez.
��� Diga m e , em que consiste a tua for��a?
��� N �� o m e n t i quando falei sobre os meus cabelos. A navalha n u n -
ca os tocou, pois sou um nazireu de Deus. Esse �� o m e u voto, Dalila.
Se cortar o m e u cabelo, a minha for��a me abandonar�� e ent��o, sim,
por mais que voc�� negue... Serei c o m o qualquer outro h o m e m .
Dalila empalideceu-se. N �� o havia n e n h u m sinal de mentira naquela
c o n t u n d e n t e afirma����o. Sans��o estava sendo sincero c o m o jamais foi.
O u t r a vez, ao entardecer, retirou-se para retornar at�� o pal��cio de
Gaza. L�� avisou seu soberano sobre a nova descoberta. Estava confian-
te que o segredo do guerreiro hebreu havia, enfim, sido descoberto.
Na mesma noite r e t o r n o u para o p e q u e n o quarto no centro de
Gaza. E, outra vez, a n i n h o u Sans��o sobre seu colo, acariciando suas
tran��as. Q u a n d o o danita a d o r m e c e u , cansado, ela sinalizou a um
dos soldados que os espreitava. O h o m e m entrou silenciosamente no
c �� m o d o apertado c o m u m a pequena navalha. E n q u a n t o Dalila segu-
rava, c o m delicadeza e carinho, cada u m a das tran��as do hebreu, o
soldado as cortava c o m a l��mina. U m a p o r uma, at�� que as sete tran��as
do danita fossem recortadas.
Ap��s isso o soldado saiu, deixando Dalila c o m os cabelos de San-
s��o em suas m��os.
C A P �� T U L O 16
Uma f�� perene
Zil�� era uma mulher de dores. Passou boa parte da vida sendo h u m i -
lhada p o r n��o p o d e r dar filhos a M a n o �� e, somente quando j�� entrava
na velhice, o mensageiro de D e u s apareceu a ela, no alto da colina,
para lhe anunciar a promessa divina.
"Voc�� �� est��ril, n��o tem filhos, mas engravidar�� e dar�� �� luz um filho.
Todavia, tenha cuidado, n��o deixe que ele beba vinho nem outra bebida fer-
mentada, nem que coma nada impuro, e n��o se passar�� navalha na cabe��a do
filho que voc�� ter��, porque o menino ser�� nazireu, consagrado a Deus desde o
nascimento; ele iniciar�� a liberta����o de Israel das m��os dos filisteus."
C o m o gratid��o �� resposta divina, Sans��o jamais teve seu cabelo
cortado. Os fios eram domados c o m tran��as tecidas pacientemente
pela m��e, enquanto ela lhe contava hist��rias sobre os feitos do Deus
dos hebreus. O voto de nazireu, que quer dizer separado, consagrado
a Deus, era c u m p r i d o �� risca. Isso at�� que Sans��o crescesse.
Por mais cru��is que fossem os dias e p o r mais que os planos pare-
cessem n��o se cumprir, Zil�� mantinha u m a f�� inabal��vel no m e i o do
seu povo e incentivava Mano��. Orientava os mais jovens, c o m o Jidafe,
H e b e r e Samara. Cuidava dos desamparados, c o m o quando abrigou,
sem n e n h u m a rejei����o, Gadi e Jana. Era u m a m u l h e r valiosa.
Todos os dias orava agradecendo a D e u s . Intercedia pelos danitas,
pelos filhos de Abra��o e p r i n c i p a l m e n t e p o r seu filho, Sans��o. N �� o
244
Sans��o e Dalila
havia m u r m �� r i o em seus l��bios, s o m e n t e palavras de esperan��a e
gratid��o.
Por��m, nos ��ltimos dias, a ang��stia tomara conta daquela admir��-
vel mulher. Seus l��bios j�� n��o sorriam. Em t o d o t e m p o pranteava. At��
que a tristeza a venceu e lhe tirou a vida. Foi c o m o u m a flor secando
repentinamente ao sol. Q u a n d o Sans��o revelou o maior segredo de
sua vida, Zil�� n��o resistiu.
Dalila sofria por trair seu dedicado amor. Cada vez que u m a das
tran��as do temido e gentil guerreiro era arrancada, era c o m o se esti-
vessem ferindo o seu p r �� p r i o cora����o, c o m o se o estivessem m u t i -
lando t a m b �� m . U m a atitude masoquista de q u e m nunca conheceu o
amor verdadeiro.
U m a movimenta����o t o m o u conta nas ruas de Gaza. In��rus passava
a p�� pelas vielas da cidade, seguido p o r um grande n �� m e r o de solda-
dos. O p r �� p r i o soberano queria capturar Sans��o e liderava o g r u p o
de filisteus at�� diante da pequena porta de madeira sem trancas o n d e
vivia o hebreu e Dalila.
Invadiu o quarto c o m viol��ncia, alarmando o adormecido hebreu,
que se levantou rapidamente. Foi quando percebeu, espalhadas pelo
ch��o, cada uma de suas tran��as. O l h o u c o m terror para os olhos enver-
gonhados e cheios de l��grimas de Dalila.
��� Dalila? Por que fez isso? Por que fez isso? ��� indagava, incr��du-
lo c o m o que acabava de acontecer.
Dois soldados o cercaram, para domin��-lo. Sans��o golpeou um
deles, mas o outro o atingiu no est��mago c o m for��a. O u t r o s o agarra-
ram, imobilizando-o. In��rus entrou em seguida, c o m ar triunfante. J��
Dalila correu apavorada do local.
��� Q u e m passou por mim? Dalila ou o Deus invis��vel dos hebreus?
��� tripudiou o pr��ncipe de Gaza, e n q u a n t o soldados riam da desgra��a
do hebreu.
��� Est�� diante do seu soberano. Curve-se! ��� ordenou In��rus.
��� Voc�� n��o �� m e u soberano. Jamais me curvarei diante de seus �� d o -
los! ��� respondeu c o m f��ria e encarando fixamente o pr��ncipe de Gaza.
Um soldado lhe golpeou a parte de tr��s da perna, fazendo c o m
que o hebreu ca��sse ajoelhado.
Uma f�� perene
245
In��rus aproximou-se, i n c o m o d a d o c o m a forma c o m o Sans��o o
encarava, sem rever��ncia e c o m ��dio e revolta.
��� Ainda insiste em olhar nos meus olhos, hebreu? Ainda p o d e ver
a m o r t e do seu povo p o r detr��s deles?
��� T �� o claro c o m o a ��gua! ��� vociferou Sans��o.
O pr��ncipe sorriu, sarcasticamente. Era a figura personificada do
mal ali. Um diabo em forma de gente. A p a n h o u da cintura seu p e q u e -
no punhal, o m e s m o c o m que havia matado o soberano de Gate. Era
u m a arma estimada pelo filisteu. Um acess��rio extremamente afiado,
capaz de pequenas incis��es, c o m o descascar u m a fruta ou perfurar um
inimigo certeiramente.
��� Ser�� exatamente isso que vai acontecer. O fim dos hebreus.
Espero que aproveite b e m essa sua ��ltima imagem ��� falou pausa-
damente, deixando que as pausas entre as palavras produzissem no
rendido Sans��o um efeito torturante.
Ap��s isso, cravou a pequena l��mina em cada um dos seus olhos,
espetando-os c o m o se fossem duas laranjas, fazendo um sulco v e r m e -
lho de sangue escorrer em seu rosto. O grito de dor de Sans��o podia
ser ouvido em toda a cidade. Um urro provocado p o r u m a brutalidade
sem tamanho.
Dalila corria apressada de volta ao pal��cio quando escutou o triste
e aterrorizante som. O gemido do ��nico h o m e m que realmente a
a m o u .
No ch��o, contorcendo-se de dor, Sans��o tentava se manter vivo.
E In��rus o golpeava c o m chutes, fazendo-o sofrer ainda mais.
��� O que diria o seu povo se o visse dessa forma? J�� imaginou,
Sans��o? O grande her��i de tran��as, a grande esperan��a do povo hebreu,
totalmente derrotado pelos filisteus... Est�� aqui, c o m o um animal cap-
turado, b e m diante de nossos olhos! �� u m a pena que n��o possa mais
enxergar... �� u m a bela vis��o.
Aron olhava t u d o de perto, c o m desconforto. Apesar de servir no
pal��cio, n��o lhe agradava esse tipo de viol��ncia gratuita. Por isso m a n -
tinha-se distante o suficiente daquela cena animalesca. Um pano foi
amarrado ao redor dos olhos de Sans��o, estancando seu sangramento.
O hebreu foi amarrado pelas m��os e pelos p��s e conduzido pelas ruas
246
Sans��o e Dalila
de Gaza n u m cortejo selvagem. Os filisteus gritavam ao seu redor,
assustando-o. Alguns atiravam frutas e objetos em sua dire����o. Na sua
frente, In��rus andava orgulhoso c o m a conquista e j�� havia m a n d a n d o
anunciar em toda a cidade e nos principados filisteus que o temido
her��i de tran��as havia sido detido. Alguns h o m e n s o saudavam euf��ri-
camente c o m vivas e palmas.
Arrastado pelas correntes, Sans��o foi levado ao c��rcere do pal��cio,
um m o i n h o antigo o n d e os h o m e n s faziam o papel de tra����o desti-
nado aos animais, fazendo girar as grandes rodas que m o �� a m trigos e
outros gr��os. Sans��o foi amarrado a u m a e n o r m e alavanca enquanto
soldados o chicoteavam, fazendo-o girar p o r horas a estrutura cons-
tru��da de madeira.
In��rus divertia-se. A t o d o m o m e n t o provocava seu rival, t o t a l m e n -
te entregue. Q u e r i a us��-lo c o m o u m a propaganda para que o povo
hebreu n��o se unisse e n e m se rebelasse mais ao seu comando.
A alguns carcereiros, o pr��ncipe de Gaza o r d e n o u que o mantives-
sem girando o m o i n h o , at�� que os p��s do guerreiro sangrassem e ele
fosse esquecido p o r seu povo.
��� Sabem que sou m u i t o generoso... Temos aqui um guerreiro que
j�� esteve em v��rios lugares, deixando rastros de destrui����o... Sans��o j��
a n d o u demais nessa vida e n��o me sinto confort��vel i n t e r r o m p e n d o
essa caminhada ��� tripudiou outra vez, antes de golpe��-lo e deix��-lo
g e m e n d o de dor no ch��o.
C o n d o �� d o c o m o sofrimento do prisioneiro, o p e q u e n o Alexis,
um garoto que ajudava na carceragem, levou um p o u c o de ��gua ao
hebreu.
Aron estava i n c o m o d a d o . Jamais tinha visto tamanha crueldade. Furar
os olhos de um h o m e m j�� capturado era brutal demais, m e s m o para
um soldado experimentado em guerras. Estava pensativo, na sala que
antes pertencia a Abbas, quando Yunet chegou. Os dois conversavam
sobre a captura de Sans��o, o assunto que havia t o m a d o conta de toda
a cidade.
Uma f�� perene
247
��� Q u e monstruosidade... Est�� certo que Sans��o fez m u i t o mal ao
nosso povo, mas... N �� o sabia que o pr��ncipe In��rus era t��o cruel... ���
p o n d e r o u a c o r t e s �� j �� se sentindo mal ao pensar na cena.
��� Perd��o, minha princesa. N �� o vou mais atordo��-la c o m meus
pensamentos... �� a ��nica a me trazer um p o u c o de alegria...
No m e s m o instante chegou Myra, incomodada c o m a troca de
palavras carinhosas.
��� A ��nica? ��� interrompeu a chefe das cortes��s, carregando frutas
e vinhos para Aron.
��� ��nica al��m de voc��, m e u amor ��� corrigiu-se Aron, j�� c o m e -
��ando a se complicar em desculpas.
Yunet estava t a m b �� m impaciente c o m aquela situa����o. Aron preci-
sava se decidir. Era preciso escolher u m a esposa. E c o m ela cuidar do
filho que haveria de chegar. Myra ajuntou-se �� amiga e pressionou o
soldado a escolher entre u m a das duas.
��� J�� disse que t e n h o amor suficiente para dar a voc��s e a essas
crian��as que v �� m ao m u n d o . . . Em tempos t��o dif��ceis, c o m o p o d e m
privar algu��m de amar e ser amado? N a d a lhes faltar��, eu garanto.
Principalmente se eu for n o m e a d o comandante do ex��rcito ��� esqui-
vou-se, engolindo de uma s�� vez o v i n h o servido p o r Myra.
As duas entreolharam-se, aflitas. Yunet foi a primeira a falar. Sabia
que n��o p o d e r i a m continuar vivendo no pal��cio. Gr��vidas, n��o teriam
n e n h u m a utilidade. Seriam expulsas c o m seus filhos rec��m-nascidos.
��� Vamos partir e n q u a n t o �� t e m p o . Podemos viver longe de toda
essa guerra... ��� sugeriu Yunet.
��� Eu gostaria de criar m e u filho n u m lugar melhor... Poder��amos
seguir para a regi��o montanhosa ��� c o m p l e t o u Myra.
Aron as olhou c o m ternura. Fitou a sala do comandante do ex��r-
cito filisteu. Pensou em c o m o seria sua vida sendo o h o m e m mais
importante do ex��rcito, servindo a In��rus. Guerras, mortes, barbari-
dades, injusti��as... imaginou-se c o m as duas mulheres vivendo n u m a
regi��o f��rtil, rodeado por filhos. Sorrindo.
��� Ent��o est�� decidido, meus amores. N �� s vamos partir.
Myra correu para contar a novidade a sua amiga, Dalila. Q u e r i a
que ela fosse c o m eles. Poderia viver b e m , longe do pal��cio e de toda
248
Sans��o e Dalila
a selvageria imposta p o r In��rus. Mas a protegida do soberano de Gaza
recusou. Dalila n��o queria ser feliz. Era o pre��o a pagar pelo que havia
feito. Ela pertencia ��quele local sombrio.
Poucos dias depois, Aron, Myra e Yunet deixavam o pal��cio n u m a
p e q u e n a charrete c o m os pertences dos tr��s.
Z o r �� vivia seu luto. H o m e n s e mulheres andavam cabisbaixos. Tristes
pela m o r t e da querida Zil��. Gadi, no entanto, animava o povoado.
E lembrava c o m o a m��e de Sans��o n��o queria n i n g u �� m triste por l��.
Os meses se passaram e o vilarejo voltou a ter alegria. Jana e Jidafe
estavam cada vez mais pr��ximos. H e b e r e Samara haviam se casado
diante do levita da tribo, que os aben��oou. Por��m, o problema da seca
encurralava os danitas. Al��m disso, not��cias de que a persegui����o dos
filisteus havia recome��ado ganhavam os territ��rios dominados pelos
hebreus.
Jidafe insistia c o m H e b e r de que a terra que havia encontrado, em
sua ��ltima incurs��o, era perfeita para que o povo de Z o r �� retomasse a
vida. Havia fontes de ��gua, terrenos f��rteis e ��rvores frut��feras na dire-
����o ao norte. Bastava arrumar as caravanas e partir.
Heber, p o r �� m , tinha um entrave. Samara havia engravidado logo
que se casaram e o primeiro descendente do casal poderia nascer
durante a viagem. Seria m u i t o arriscado. Refletiu e decidiu que ficaria
c o m Samara em Z o r �� at�� que o beb�� nascesse. Mas que n��o poderia
arriscar t o d o o povoado e que, p o r isso, seria m e l h o r que Jidafe c o n -
duzisse parte dos danitas at�� o territ��rio por ele descoberto.
Jidafe assentiu, preocupado. Sabia que era a coisa certa a fazer e
c o m e �� o u os preparativos para a longa jornada.
No dia marcado para a viagem, quase t o d o o povo reunia-se no
largo central de Zor��. Alguns danitas haviam abandonado os costumes
dos hebreus e faziam oferendas ao deus-pedra, p r �� x i m o da entrada do
vilarejo. Todos estavam emocionados em deixar aquelas terras. Jida-
fe havia crescido ali. Assim c o m o Samara e Heber. Abandonar a q u e -
las constru����es, ruas e lembran��as para tr��s era do��do. U m a sensa����o
amarga de derrota diante da iminente amea��a dos filisteus.
Uma f�� perene
249
Samara chorava, m u i t o triste c o m o cen��rio, quando sentiu u m a
forte dor no est��mago. Os i n c �� m o d o s seguiam, em sequ��ncia. E r a m
contra����es. Gadi apontou assustado para o l��quido viscoso que descia
sob as vestes da jovem. A bolsa havia se rompido e ela entrava em tra-
balho de parto.
Heber, c o m a ajuda de Jidafe, levou-a c o m cuidado at�� a casa o n d e
vivia antes Zil�� e agora era habitada pelo casal. Ajeitou alguns tecidos
limpos sobre a cama e fez c o m que a esposa deitasse. E, apavorado,
correu atr��s da parteira do vilarejo, que chegou apressada, trazendo
bacias c o m ��gua e panos limpos.
Gadi, acompanhado de Jana, olhava t u d o c o m espanto. Samara
estava p��lida demais, sem for��as. Parecia n��o resistir. A bolsa havia se
rompido antes da hora. E a parteira n��o conseguia ajudar Samara no
parto. Sua express��o no rosto era de preocupa����o.
Acariciando as m��os de Samara e dizendo palavras de apoio, H e b e r
tentava demonstrar for��a e f��. Estava, na verdade, desesperado c o m a
possibilidade de perder a esposa e o filho ali.
As horas passavam e deixavam todos ansiosos. Jana e Gadi foram
tomar um p o u c o de ar fresco e n q u a n t o Jidafe apoiava Heber.
��� N �� o perca sua f��, m e u amigo ��� dizia, e n q u a n t o o afagava nos
ombros, tentando faz��-lo resistir ao lado da esposa, quase desfalecida.
Do lado de fora, um barulho j�� conhecido aos danitas. O trote
furioso dos cavalos de soldados filisteus, enviados diretamente por In��-
rus, invadia o povoado. O soberano de Gaza estava absorvido em ��dio
e queria acabar c o m todas as tribos p o r o n d e Sans��o havia passado e
triunfado. C o m um mapa, tra��ou seus objetivos. Zor��, Estaol, T i m n a ,
Ascal��o e Jud��. Todas essas cidades haviam sido palco das fa��anhas de
Sans��o. Come��aria destruindo a cidade o n d e o hebreu havia nascido
e depois devastaria os outros povoados hebreus.
Por isso, a invas��o foi violenta. A o r d e m era acabar c o m os fdhos
de D��. Os soldados cercaram e mataram um primeiro grupo, j u s -
tamente os que cultuavam o deus-pedra, na entrada do vilarejo de
Zor��. Depois seguiram pelo largo central, golpeando os que estavam
no caminho, revirando as carro��as e cercando as mulheres. Entre elas,
Jana, que protegia Gadi.
250
Sans��o e Dalila
Ao ouvir o tem��vel som, Jidafe correu pelo vilarejo e, antes que
um dos soldados se aproximasse de Jana, Jidafe o golpeou c o m f��ria.
Sua inciativa a n i m o u outros danitas que come��aram a se defender,
lutando contra os invasores. Foram minutos de resist��ncia at�� que os
filisteus fugiram, derrotados. Pela primeira vez, os danitas haviam resis-
tido �� invas��o sem a ajuda de Sans��o. Feito que foi celebrado p o r toda
a tribo.
E n q u a n t o agradeciam a Deus pela vit��ria, um choro estridente
e c o o u da casa o n d e morava M a n o �� e Zil��. O filho de H e b e r e Samara
havia, enfim, nascido.
Dalila era festejada no pal��cio. Ovacionada c o m o "a mulher que der-
rotou Sans��o". Ao lado de In��rus, os representantes de E c r o m , Gate,
Ascal��o e Asdode, que j u n t o c o m Gaza formavam a poderosa Pent��-
polis filisteia, o reino mais temido do m u n d o , depositaram, cada u m ,
mil siclos de pratas aos p��s da bela e triste mo��a. Ba��s repletos de
moedas reluzentes.
Para a protegida de In��rus, toda aquela riqueza havia perdido
seu encanto. R e m o �� a - s e n u m amargo ressentimento. Sentia-se suja e
indigna. E j�� n��o conseguia esconder seu desconforto c o m a euforia
que t o m o u conta do pal��cio desde que Sans��o havia sido capturado.
Q u a n d o conseguia, Dalila refugiava-se na praia. Ficava horas p e n -
sativa, olhando para o mar, arrependendo-se profundamente pelo que
havia feito.
No pal��cio, Tais continuava sua voca����o venenosa de persuadir
In��rus. E, sabendo que Dalila estava emocionalmente envolvida c o m
Sans��o, tecia insinua����es, tentando convencer o soberano a sacrificar
o hebreu de vez.
Alegava que as pessoas na cidade ainda temiam o retorno do inven-
c��vel guerreiro hebreu e davam a Dalila t o d o o cr��dito pela vit��ria.
In��rus era um h o m e m vaidoso e n��o gostava de dividir suas honras.
Pensou e decidiu. Iria organizar u m a festa em h o m e n a g e m ao deus
filisteu D a g o n e promover u m a humilha����o p��blica de Sans��o.
Uma f�� perene
251
��� Exibiremos Sans��o, fraco e c o m aspecto terr��vel, c o m o atra����o
principal. C h a m e m todos os filisteus! Q u e o templo fique repleto
de pessoas da cidade, para que todos vejam, c o m seus pr��prios olhos,
q u e m realmente tem poder ��� discursava para os demais pr��ncipes e
l��deres filisteus.
A ideia de exibir seu advers��rio em opr��bio o excitava. E In��rus
quis, pessoalmente, torturar Sans��o c o m seus planos de exterm��nio do
povo hebreu. Desceu at�� o m o i n h o o n d e ficava o c��rcere. Entrou no
lugar malcheiroso e escuro e e n c o n t r o u Sans��o e m p u r r a n d o u m a das
p��s que fazia a m o e n d a girar. A c h o u engra��ado v��-lo trabalhar c o m o
se fosse um animal.
��� Nosso ilustre convidado est�� sendo b e m tratado? ��� provocou.
Sans��o deteve-se ao ouvir a voz de In��rus. Sentiu t o d o o ��dio
dentro de si. In��rus apanhou uma corrente no ch��o e lhe golpeou as
costas.
��� N i n g u �� m ordenou que parasse. C o n t i n u e andando! ��� m a n -
dou.
Sans��o resistiu, mas outro golpe das correntes o fez continuar seu
curso. In��rus gargalhava maldosamente. E afligia o prisioneiro hebreu
c o m suas palavras.
��� For��a! O n d e est�� aquele h o m e m t��o valente e t��o destemido?
Dalila ficaria m u i t o decepcionada se o visse dessa forma... E �� u m a
pena que n��o p o d e mais v��-la. Depois da fortuna que recebeu para
entreg��-lo, est�� mais bela do que nunca... Jamais sentir�� novamente o
gosto da vit��ria sobre o povo filisteu... Ser�� exibido c o m o um animal,
para divertir o m e u povo. E, m e s m o depois de sua m o r t e , n��o ficarei
satisfeito e n q u a n t o n��o destruir todos os hebreus. Est�� sozinho, Sans��o.
Voc�� e seu povo. At�� o Deus invis��vel os abandonou.
Ao ouvir as ��ltimas palavras, Sans��o gritou c o m f��ria e, n u m m o v i -
m e n t o r��pido, conseguiu segurar In��rus pelo pesco��o, sufocando-o
c o m a corrente que estava em suas m��os.
Os soldados logo agiram, acertando Sans��o c o m peda��os de paus
e correntes, fazendo c o m que soltasse o soberano.
��� O m e u Deus n��o me abandonou! O m e u Deus n��o me aban-
d o n o u ! ��� gritava e chorava ao m e s m o t e m p o .
252
Sans��o e Dalila
Seu ��mpeto foi castigado c o m u m a dura surra pelos soldados filis-
teus, que o deixaram u r r a n d o de dor e sangrando no ch��o gelado do
m o i n h o .
Os meses passavam lentamente ali. Os p��s j�� esfolados, as m��os
feridas de tanto empurrar a desconfort��vel p��. Por centenas, milhares
de vezes circulando o m e s m o espa��o. O m o v i m e n t o rotat��rio e r e p e -
titivo que lhe mo��a t a m b �� m a alma e debilitava seu corpo.
Sua cegueira o fez enxergar quanto errou.
��� Liberte-me, Senhor, liberte-me desse sofrimento sem fim... ���
clamava, diante do olhar c o n d o �� d o do garoto Al��xis.
L�� fora, c o m o an��ncio da grande festa a D a g o n , as cortes��s ani-
mavam-se. Costuravam fantasias e h o m e n s brincavam c o m perucas
tran��adas. Outros faziam alus��o aos olhos furados de Sans��o. Todos
queriam divertir-se c o m a desgra��a do guerreiro danita.
Ap��s alguns dias, chegou o m o m e n t o da grande celebra����o. No
grande templo de D a g o n , dan��arinos apresentavam-se c o m o a c o m -
p a n h a m e n t o de m��sicos. Cortes��s enfeitavam o sal��o, repleto das
pessoas mais importantes do reino filisteu. Os pr��ncipes vestiam suas
roupas mais nobres. Militares desfilavam c o m ta��as de vinho, e n q u a n -
to c o m i a m frutas frescas. A descontra����o s�� foi interrompida quando
anunciaram a entrada de In��rus e sua protegida, Dalila.
��� Salve o grande In��rus! ��� gritou um dos soldados, diante da
explos��o de vivas e aplausos.
O soberano desfilou diante de todos segurando Dalila pelas m��os.
Acenava para a multid��o que se apertava entre as colunas para reve-
renci��-lo. Aproximou-se da grande est��tua erguida em h o m e n a g e m
a D a g o n e a fitou p o r um instante, c o m cumplicidade. E, n u m ato
cheio de simbolismo, abaixou-se �� sombra da i m a g e m feita de metade
h o m e m e metade peixe e a reverenciou.
A multid��o gritou em h o m e n a g e m a In��rus e a D a g o n .
��� Nosso deus nos entregou nas m��os Sans��o, nosso mais terr��vel
inimigo, que destru��a as nossas terras e multiplicava os nossos m o r t o s .
E �� para agradecer por essa vit��ria que aqui estamos. Celebremos o
triunfo dos filisteus sobre Sans��o, aquele que os hebreus acreditavam
que seria um her��i! ��� discursou, levantando as m��os e provocando
ainda mais risos e histeria.
Uma f�� perene
253
Dan��arinas voltaram a se apresentar. Um musical relembrando a
trajet��ria de vit��rias de In��rus, tripudiando sobre as conquistas de
Sans��o e satirizando sua queda. Todos riam, bebiam e pareciam se
divertir. Exceto Dalila.
Era chegada a hora de buscarem Sans��o. No c��rcere, ele continuava
suas ora����es.
��� Perdoe-me, m e u Senhor... Perdoe-me por n��o ter escutado as
tantas vezes que tentou me avisar... O Senhor que fez sair ��gua da pedra
dura quando eu estava sedento... O Senhor que tanto me salvou dos
perigos e que nada faz sem um prop��sito... N �� o permita que este seja
o fim da minha jornada, n��o permita que eles me matem e continuem
a oprimir o m e u povo... Aceite o m e u perd��o e volte a olhar por mim,
m e u Deus... ��� murmurava, entre l��grimas que lhe faziam sangrar ainda
mais os olhos. U m a dor profunda.
Al��xis, o p e q u e n o carcereiro, aproximou-se.
��� Sans��o, chegou a hora. Os soldados vieram buscar voc��. M e l h o r
ficar de p��.
O guerreiro hebreu agradeceu os cuidados do m e n i n o . Ajeitou-
-se para n��o ter que ser erguido c o m pontap��s e correntes nas costas.
E esperou que dois soldados o conduzissem at�� o ��trio principal do
pal��cio, o i m p o n e n t e templo erigido em h o m e n a g e m a D a g o n .
A constru����o do sal��o ganhava destaque em t o d o o pal��cio. Era
centralizada, no segundo andar do conjunto de pr��dios. Colunas de
pedra polida atravessavam do fundamento, passando pelo templo, at�� o
terra��o. O espa��o dava equil��brio para que todas as outras alas p u d e s -
sem ser erguidas. Era um dos orgulhos de In��rus, um s��mbolo da i n t e -
lig��ncia e sofistica����o filisteia na ��rea da arquitetura.
Sans��o foi levado, aos trope����es, at�� l��. Estava cansado e maltra-
pilho. Seus cabelos j�� haviam crescido at�� a altura dos ombros, desde
que, h�� alguns meses, fora capturado. Q u a n d o entrou no sal��o, a m u l -
tid��o ria e o ofendia.
Um g r u p o de dan��arinos fez u m a roda em sua volta. E, c o m q u e i -
xadas de j u m e n t o nas m��os, atacaram-no superficialmente, d e i x a n d o -
-o em p��nico. Soldados o chicoteavam, abrindo escoria����es em suas
costas. Outros o empurravam, socavam e chutavam, aproveitando sua
cegueira e correntes nas m��os.
254
Sans��o e Dalila
Dalila n��o suportava mais ver aquela cena e virou o rosto. Mas
In��rus percebeu seu i n c �� m o d o e a for��ou a olhar o que estava a c o n -
tecendo, virando seu rosto novamente para Sans��o.
��� Veja, Dalila! Eu exijo que voc�� a c o m p a n h e cada m o v i m e n t o
desse dia memor��vel... E aproveite! Pois ser��o os ��ltimos m o m e n t o s
do guerreiro hebreu.
Tais observava t u d o c o m satisfa����o. E, t��o logo Dalila ficou s��, foi
provoc��-la.
��� C o m o p �� d e preferir as m��os sujas de In��rus ��s m��os carinhosas
de Sans��o?
Dalila perturbou-se ainda mais e aos berros m a n d o u que Tais sa��sse
de perto dela. Estava transtornada c o m a cena e atormentada pelas
lembran��as. C o m o quando o encontrou pela primeira vez no mar.
Das juras de a m o r de seu amante hebreu. De c o m o ele havia colocado
sua vida em risco para proteg��-la. De sua fidelidade diante das insi-
nua����es da bela Tais. Era t��o claro que ela havia cometido o pior erro
de sua vida... Sentiu na boca o gosto do sangue. E n��o aguentou mais.
Gritou, em desespero, p o r Sans��o, fazendo c o m que a multid��o silen-
ciasse em estranhamento. Fez m e n �� �� o de correr at�� ele, mas In��rus a
deteve c o m raiva.
��� Acalme-se, Dalila. Aproveite este grande m o m e n t o ��� ria c o m
sarcasmo.
Sans��o gritava de dor, bramava c o m o um le��o furioso e ferido
e n q u a n t o era golpeado p o r mulheres, dan��arinos e soldados. Tonteou
c o m um dos socos que recebeu e caiu p r �� x i m o a duas colunas. Al��xis,
que acompanhava o sofrimento do guerreiro, levou um p o u c o de
��gua at�� ele. A m p a r o u c o m cuidado o hebreu exaurido, ferido e que
chorava copiosamente, m e s m o diante dos protestos de alguns filisteus.
��� Al��xis, p o r favor... D e i x e - m e o n d e eu possa apalpar as colunas
que sustentam a casa... para que eu me encoste nelas.
O m e n i n o ajudou-o a subir dois degraus. C o l o c o u suas m��os em
u m a das duas colunas mestres. Sans��o mostrou-se aliviado e sorriu.
��� Preciso que voc�� fuja. C o r r a para o mais distante que puder
deste lugar. Agora! ��� pediu, acariciando as m��os do p e q u e n o e gentil
carcereiro. Al��xis entendeu. Sabia todas as hist��rias sobre Sans��o e o
Uma f�� perene
255
Deus dos hebreus. Algo iria acontecer e ele n��o deveria estar ali para
presenciar.
Dalila tentou correr em dire����o a Sans��o, mas alguns soldados a
seguraram. In��rus j�� estava impaciente c o m o descontrole de sua p r o -
tegida e j�� intentava castig��-la t��o logo a sua divers��o c o m o guerreiro
danita terminasse.
O hebreu colocou as m��os feridas e ensanguentadas nas colunas
do templo. Estava p r �� x i m o de n��o mais resistir. Sua vida passava pela
m e m �� r i a . Tantos arrependimentos. Tantas chances de fazer o que era
certo. Era um h o m e m c o m o qualquer outro, pensava. Sujeito ��s mais
simples das tenta����es humanas.
��� Perdoe-me, Senhor Deus... Pe��o que se lembre de m i m e me
d�� for��as s�� desta vez... Para que eu me vingue dos filisteus pelos meus
olhos... Atenda �� minha s��plica, Senhor, eu lhe pe��o! D �� - m e for��as!
��� orou, quase sussurrando.
Em seguida, p��s-se de p��. A m p a r o u cada u m a das m��os sobre as
colunas e, n u m grito alto e do��do, empurrou-as c o m toda for��a. As
correntes que seguravam seus bra��os explodiram, deixando todos
admirados.
��� Q u e eu m o r r a c o m os filisteus! ��� berrou c o m for��a, f�� e ��dio.
A for��a fez c o m que as colunas trepidassem. Grandes blocos de
pedras come��aram a se desprender da laje do pavimento superior,
atingindo a multid��o. Alguns c o r r i a m em desespero, mas outras colu-
nas tombavam, n u m efeito d o m i n �� , esmagando mais e mais filisteus.
In��rus t e n t o u proteger-se diante da est��tua de D a g o n , mas ela t a m b �� m
caiu, justo em sua dire����o, m a t a n d o - o .
Dalila t a m b �� m foi atingida p o r u m a grande pedra. E, ap��s Sans��o
aplicar toda a sua for��a, o templo desabou c o m o se fosse feito de p a p e -
l��o. U m a e n o r m e n u v e m de poeira levantou-se no cora����o de Gaza,
soterrando e matando todos ali, inclusive Sans��o.
Um sil��ncio pavoroso t o m o u conta de toda a cidade. Todos os
pr��ncipes filisteus estavam mortos. Os principais h o m e n s do ex��rcito
filisteu estavam soterrados.
Ao saber do ocorrido, um g r u p o de danitas foi at�� o pal��cio de
Gaza e buscaram o c o r p o sem vida de Sans��o. Um cortejo, c o n d u z i n -
256
Sans��o e Dalila
do seu ata��de, seguiu at�� u m a pequena colina ao lado de Zor��. Justa-
m e n t e o n d e o mensageiro de Deus havia aparecido pela primeira vez
a Zil��. L��, j u n t o c o m Zil�� e M a n o �� , Sans��o foi sepultado.
Gadi estava sentado pr��ximo, sobre u m a pedra. Olhava t u d o c o m
profunda tristeza.
��� Os her��is n��o deveriam morrer... ��� murmurava.
O andarilho, companheiro de Sans��o em todas as jornadas de sua
vida, sentou-se ao lado do m e n i n o . Acariciou seus cabelos.
��� Eles v �� m para nos ensinar. O caminho de Sans��o foi longo... Mas
ele finalmente encontrou a f�� que tanto procurava ��� consolou-o.
Os dois ficaram um t e m p o em sil��ncio, observando a h o m e n a -
g e m dos amigos a Sans��o. Viram a forma doce c o m o H e b e r e Samara
revezavam-se nos cuidados c o m o p e q u e n o beb��. As flores colocadas
diante de seu sepulcro por Jana e Jidafe, que j�� formavam um novo
casal.
��� Sabia que eu sou forte c o m o ele? C o n h e �� o o seu segredo... ���
sussurrou Gadi ao desconhecido, mas amistoso viajante.
O andarilho achou gra��a diante do olhar inocente do m e n i n o
��� N �� o �� um segredo. E voc�� p o d e contar a todos... ��� respondeu,
levantando-se, pronto para partir.
Gadi o observava, cheio de curiosidade. T i n h a muitas perguntas
sobre o seu her��i danita. O h o m e m que, m e s m o diante de tantos t r o -
pe��os, c u m p r i u a promessa divina de estabelecer um t e m p o de paz e
p �� r fim �� opress��o filisteia.
��� Acha que daqui a m u i t o t e m p o as pessoas ainda v��o contar as
hist��rias de Sans��o?
O andarilho deteve-se. O l h o u ao seu redor c o m calma. Respirou
vagarosamente o ar do semi��rido. Viu a esperan��a no olhar das pessoas
e voltou-se c o m ternura para Gadi, e o acalentou.
��� Tenho a impress��o de que ir��o...
De: Reginaldo Mendes >
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"A MAIOR CARIDADE QUE SE PODE FAZER É A DIVULGAÇÃO DA DOUTRINA ESPÍRITA. EMMANUEL"
A história romanceada de um dos relacionamentos mais turbulentos da Bíblia. Inspirado na minissérie da Record TV
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