sexta-feira, 6 de dezembro de 2019 By: Fred

{clube-do-e-livro} Lançamento: As Chances que a vida dá - Elisa Masselli - Formatos: Epub e txt

As chances que a vida d��

Elisa Masseiii





As chances que a vida d��

Elisa Masseiii

Copyright @ 2 0 1 4 by L��men Editorial Ltda.

ls edi����o - outubro de 2 0 1 4

Dire����o editorial: Celso Maiellari

Dire����o comercial: Ricardo Carrijo

Coordena����o editorial: Sandra Regina Fernandes

Prepara����o: Sandra Regina Fernandes

Projeto gr��fico e arte da capa: Viv�� Comunicare

Impress��o e acabamento: Yangraf Gr��fica

DADOS INTERNACIONAIS DE CATALOGA����O NA PUBLICA����O (CIP)

(CMARA BRASILEIRA DO LIVRO, SP, BRASIL)

Masseiii, Elisa

As chances que a vida d�� / Elisa Masselli. -- S��o Paulo:

L��men Editorial, 2014.

ISBN 9 7 8 - 8 5 - 7 8 1 3 - 1 5 6 - 2

1. Espiritismo 2. Romance esp��rita I. T��tulo.

14-10341 CDD-133.93

Indices para cat��logo sistem��tico:

1. Romances esp��ritas: Espiritismo





133.93


Rua Javari, 6 6 8 - S��o Paulo - SP - CEP 0 3 1 1 2 - 1 0 0

Tel./Fax ( O x x l l ) 3 2 0 7 - 1 3 5 3

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2014

Proibida a reprodu����o total ou parcial desta obra sem pr��via autoriza����o da editora Impresso no Brasil - Printed in Brazil





Sum��rio

O c o m e �� o 7

U m a vida feliz 12

R a n c o r desmedido 21

T o m a d a d e decis��o 2 4

A hist��ria de Mar��lia 31

A Espiritualidade trabalhando 58

In��cio de m i s s �� o 63

A paz reina 79

O inesperado acontece 84

O dia da exposi����o 88

Visita amiga 97

Em busca de ajuda 103

S e m sa��da 107

O pior acontece 116

Desespero total 122

S e l m a c o n t a sua hist��ria 131

O reencontro 179

Ajuda necess��ria 190

A m i g o s trabalhando 2 1 7

O a m o r sempre vence 2 2 4

N u n c a deixe para a m a n h �� 2 5 5

O retorno 2 7 0

Despedida 281

Depress��o 2 9 3

Plano perfeito 3 0 5

A for��a do perd��o 3 3 2

T o m a d a de c o n s c i �� n c i a 3 4 8

Acerto de contas 3 6 8

R e e n c o n t r o feliz 3 7 2

Ep��logo 3 7 6



O come��o

Selma acordou e, ap��s alguns minutos, levantou-se, tomou caf�� e

saiu. Precisava ir at�� o centro da cidade, onde compraria algumas coisas

no mercado. Estava casada fazia quinze anos com Roberto e tinha um

filho, Carlos, com treze anos de idade. Saiu de casa e foi caminhando em

dire����o �� rua principal. A cidade era pequena e todo o com��rcio estava

naquela rua. Nela tamb��m ficava o ��nico armaz��m que vendia de tudo,

desde alimentos at�� alguns m��veis e utens��lios dom��sticos.

Enquanto caminhava, pensava:

Preciso comprar alimentos para preparar o almo��o. Roberto e Carlos

sa��ram cedo e, quando chegarem, estar��o com muita fome.

Tranquila, continuou caminhando e pensando:

Estou vivendo uma fase muito boa na minha vida. Roberto est�� feliz

trabalhando como contador e gerente na empresa de latic��nios, e Carlos

tamb��m, pois foi escolhido para jogar futebol e est�� treinando muito. Ape-

sar de tudo o que aconteceu, consegui reerguer a minha vida e estou muito

contente. Acho que quando n��o temos o que fazer s�� nos resta recome��ar.

Caminhando devagar, chegou ao armaz��m, comprou o que precisa-

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As chances que a vida d��

va e saiu, carregando uma sacola. Continuou caminhando e olhando as

vitrines. N��o havia muitas lojas, mas mesmo assim, sempre que passava

por l��, gostava de apreciar. Ela conhecia todas as vitrines que quase nun-

ca mudavam, mas gostava de olhar, sempre esperando uma mudan��a

qualquer. O dia estava quente, tanto que seus cabelos negros que ca��am

at�� os ombros, por causa do calor e do suor, come��aram a grudar em

seu pesco��o e rosto. Ela continuou andando e olhando para as vitrines e

parou diante de uma delas onde havia um espelho. Ao ver a sua imagem

refletida, viu o rosto molhado pelo suor e os cabelos, tamb��m molhados,

que estavam junto ao pesco��o, rosto e testa. O vestido branco estampado

com pequenas flores azuis e rosas tamb��m estava molhado junto ao pes-

co��o e nas mangas, e sentiu que a combina����o tamb��m estava grudada

em seu corpo. Sem maquiagem alguma, percebeu que estava com olhei-

ras. Ao ver sua imagem refletida, come��ou a rir e a pensar:

Imagine se minha m��e me visse assim... Ela que sempre foi t��o preocu-

pada com a apar��ncia, com sua imagem, teria um ataque...

Continuou andando e, ainda sorrindo, parou em frente a uma vitri-

ne que nunca havia visto.

Esta loja �� nova, nunca a vi antes...

Na vitrine estavam em exposi����o tr��s vestidos, lindos, de festa. Selma

parou e ficou olhando. Olhou por alguns segundos um e depois o outro. De

repente, uma sombra tomou conta do seu olhar e um pensamento surgiu:

Esses vestidos me fizeram lembrar daquela noite e do baile, onde

est��vamos t��o felizes e que terminou de maneira t��o triste...

Uma l��grima se formou em seus olhos. Com a m��o, molhada pelo

suor, tentou secar as l��grimas e continuou andando. N��o olhou mais

para vitrine alguma. Seu pensamento estava naquela noite de muitos

anos atr��s. Caminhou alguns minutos e ouviu uma voz:

- Selma! Selma! N��o pode ser, �� voc�� mesma?

Ao ouvir aquela voz, Selma estremeceu e voltando-se, surpresa,

quase gritou:

- Flora! Voc�� aqui?

Flora correu para ela de bra��os abertos. Abra��aram-se, mas Flora

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Elisa Masselli

afastou-se rapidamente e, rindo, disse:

- O que aconteceu com voc��, Selma? Est�� horr��vel! J�� imaginou o

que sua m��e diria se a visse assim?

Constrangida, Selma tentou rir:

- Realmente, voc�� tem raz��o, Flora! Agora mesmo, quando passei

em frente a uma vitrine e vi o meu reflexo nela, pensei exatamente isso.

Minha m��e morreria de tristeza.

- Pode ter certeza. Eu n��o sabia que voc�� estava morando nesta cida-

de. Quanto tempo faz que veio para c��?

- Mais de quinze anos.

- Tanto tempo assim? Voc�� est�� aqui desde aquela noite?

- Sim e n��o me mudei nunca mais.

- Voc�� se casou, tem filhos?

Selma sorriu:

- Sim, me casei alguns meses depois de ter chegado aqui e tenho um

filho com treze anos.

- Que maravilha! Ainda bem que a sua vida continuou. Sua m��e

sabe que voc�� est�� nesta cidade?

A mesma sombra que havia passado pelo rosto de Selma quando ela

viu os vestidos na vitrine voltou a surgir e uma l��grima quis se formar.

Rapidamente ela respirou fundo, secou os olhos com as m��os e respondeu:

- N��o, acredito que n��o.

- Isso �� uma pena. Mas assim que eu for para l�� vou contar a ela.

- N��o, Flora! Por favor, n��o fa��a isso!

- Por que, n��o, Selma? J�� se passou tanto tempo. Sua m��e deve estar

preocupada por n��o saber onde e como voc�� est��.

- N��o, n��o quero! - Selma disse, irritada.

- Est�� bem, n��o precisa ficar t��o nervosa.

- Desculpe-me, Flora, mas n��o quero me lembrar daquele tempo.

Estou bem e diria at�� que feliz aqui, longe de tudo aquilo e de todos.

- Est�� bem. Nunca poderia imaginar que a encontraria aqui e viven-

do dessa maneira!

- Nem eu imaginaria encontrar voc��. O que est�� fazendo aqui nesta

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As chances que a vida d��

cidade perdida no fim do mundo?

- Minha m��e faleceu e eu recebi a heran��a. Como sabe, meus pais

tinham muito dinheiro e propriedades. Quando ela morreu, como nun-

ca me casei nem tive filhos e me vi sozinha naquela casa imensa, fiquei

triste e percebi que estava come��ando a me deprimir. Ent��o resolvi que

precisava sair da nossa cidade e procurar outro lugar para repensar a

minha vida. Como n��o sabia para onde ir, peguei um mapa do estado

e coloquei sobre a mesa; fechei os olhos e percorri com o dedo; quando

parei, abri os olhos e o meu dedo estava sobre esta cidade. Sorri e resolvi

que precisava conhec��-la. Cheguei aqui h�� dois meses, gostei da cidade e

resolvi abrir uma loja de vestidos de noiva e roupas de festa.

- Aquela loja nova de roupas de festa �� sua?

- Sim. Assim que cheguei aqui vi que n��o havia nenhuma loja desse tipo.

- Aqui? N��o tinha mesmo. �� uma cidade muito pequena, acho que

voc�� n��o vai ter muito sucesso. Festas s��o raras, e os vestidos de noiva

s��o todos feitos por uma costureira.

- Foi por ela ser pequena que gostei. Ela vai crescer e posso crescer

junto. N��o preciso de dinheiro, s�� quero ter algo que seja meu e um lugar,

tranquilo como este, para viver. E agora que te encontrei ficou melhor

ainda! Estou feliz, Selma, por ter encontrado voc��! Selma tentou sorrir:

- Tamb��m estou feliz por ter encontrado voc��, Flora.

- Moro naquela casa grande da esquina. Qualquer dia desses pode-

mos jantar. Venha com seu marido e seu filho! Onde voc�� mora?

- Vamos, sim, qualquer noite a gente pode jantar na sua casa ou voc��

pode vir na nossa. Moro na esquina, mas na rua de tr��s. Voc�� est�� mo-

rando sozinha?

- N��o, a Esmeralda veio comigo. Sabe que ela praticamente me criou

e n��o permitiria que eu viesse sozinha.

- Esmeralda ainda est�� com voc��?

- Sim. Ela nunca quis me abandonar e confesso que n��o sei o que

seria da minha vida sem ela.

- Ela sempre cuidou muito bem de voc��.

- De n��s, Selma. Sempre cuidou muito bem de mim, da Arlete e de voc��.

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Elisa Masselli

Novamente a sombra se formou no rosto de Selma, Flora percebeu:

- Nunca entendi o motivo de voc�� ter largado tudo e desaparecido.

Foi muito triste o que aconteceu. Sempre que me lembro, volto a sofrer,

mas n��o acho que foi motivo para voc�� ter desaparecido. O que aconte-

ceu realmente, Selma?

- �� uma longa hist��ria, Flora. Qualquer dia desses podemos

conversar com mais tranquilidade e eu te conto tudo.

- Tem raz��o. Agora, morando aqui, teremos mais tempo para con-

versar. E voc�� vai poder matar essa minha curiosidade.

Selma sorriu:

- J�� conversamos muito! Preciso ir at�� a loja e ver como est��o as

coisas. Contratei uma mo��a, mas percebi que ela nada entende de festas

e de vendas. Precisa de treinamento.

- Voc�� �� perfeita nesses assuntos. Sempre gostou tanto de festas!

- Verdade, Selma. Foi por isso mesmo que abri a loja, porque gosto.

- Tamb��m preciso ir embora, tenho de preparar o almo��o. Logo

mais meu marido e meu filho v��o chegar e eles sempre chegam famintos.

At�� mais, Flora!

Flora sorriu e, mandando um beijo para Selma, continuou andando

em dire����o �� loja. Selma foi andando no lado oposto, pensando:

Ainda bem que ela n��o sabe o que aconteceu. N��o gostaria de me lem-

brar do passado, mas pelo visto isso n��o vai ser poss��vel Tomara que pos-





samos continuar convivendo em paz.


Quando chegou em frente �� loja, Flora olhou para tr��s e ainda p��de

ver Selma, que dobrava a esquina. Com os olhos faiscando de raiva e de

��dio, pensou:

Vou destruir voc�� e essa sua fam��lia linda! Voc�� vai pagar por tudo o

que nos fez, a mim e a Arlete! N��o perde por esperar.

Imediatamente duas entidades se aproximaram, e rodopiando �� sua

volta, rindo, uma delas disse:

- Isso mesmo, Flora! Ela merece sofrer muito e n��s vamos ajudar voc��! Ela

pensou que bastava fugir, se esconder neste fim de mundo, e tudo seria esqueci-

do. Mas isso n��o vai acontecer! Ela vai pagar por tudo que fez, ora se vai!

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Uma vida feliz

Selma continuou caminhando. Estava surpresa e preocupada com

aquele encontro:

Como isso p��de acontecer? Depois de tanto tempo, como Flora veio

parar aqui nesta cidade perdida e t��o longe de casa? Ela parece bem em

rela����o a mim, mas ser�� que est�� mesmo? Eu, durante todo esse tempo,

tentei esquecer, embora n��o tenha conseguido totalmente. Tentei esquecer

e outros problemas da minha vida fizeram com que eu n��o pensasse tanto

nisso. Nada que eu fizesse poderia mudar o que aconteceu. Est��o todos

mortos e eu fui a culpada. Disso nunca poderei fugir.

Sorriu e continuou pensando:

Devo estar delirando, alucinando. Flora n��o teria como saber o que

aconteceu. Como nenhuma das pessoas que estavam naquela festa perce-

beu. A vinda dela para esta cidade foi, sim, apenas coincid��ncia.

Olhou para o rel��gio que carregava em seu pulso:

Estou atrasada para preparar o almo��o. Preciso me apressar.

Acelerou o passo e em poucos minutos estava em casa. Assim que

entrou colocou a sacola que carregava sobre a mesa. Enquanto tirava da

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Elisa Masselli

sacola as coisas que havia comprado, pensava:

Como e por que Flora apareceu nesta cidade? Eu estava t��o bem, tran-

quila, levando a minha vida. Feliz ao lado do Roberto e do Carlos. Tenho

medo que a presen��a dela possa fazer com que toda essa tranquilidade

desapare��a. Por que o passado voltou?

Depois de tirar tudo da sacola, lavou as m��os e come��ou a cozinhar

e a pensar:

Nunca disse ao Roberto ou ao Carlos quem eu era e de onde vim.

Quando nos conhecemos, inventei uma hist��ria e ele acreditou. Depois

nunca mais falamos sobre esse assunto. Preciso conversar com Flora e pedir

que n��o conte coisa alguma sobre o meu passado. S�� n��o entendo como ela

veio parar aqui. Esta cidade �� t��o distante e pequena, nunca pensei que um





dia isso poderia acontecer.


Mesmo nervosa e preocupada, terminou de preparar o almo��o. Esta-

va terminando de colocar os pratos sobre a mesa quando eles chegaram,

se aproximaram dela e, um de cada lado, a beijaram no rosto. Ela retri-

buiu os beijos e, enquanto eles iam lavar as m��os, continuou colocando

os pratos. Alguns minutos depois, voltaram e sentaram-se.

Enquanto comiam, Carlos, feliz, disse:

- Mam��e, j�� contei ao papai. Hoje �� tarde vou jogar na equipe de

basquete! Como sabem, semana passada fiz um teste, e o t��cnico hoje

disse que fui aprovado!

- Parab��ns, meu filho! Vai se sair bem!

- Tamb��m, com essa altura, voc�� s�� poderia ser jogador de basquete!

- Roberto disse, rindo.

Selma e Carlos tamb��m riram. Roberto continuou falando:

- Para que o dia seja perfeito, tamb��m tenho uma boa not��cia!

Selma e Carlos, com curiosidade, olharam para ele, que continuou:

- A empresa, durante o ano, teve um lucro enorme e resolveu agra-

decer os funcion��rios dando um aumento de sal��rio. Com esse aumento,

vamos poder viajar! J�� podemos fazer o roteiro da viagem!

- Que maravilha, papai!

- Parab��ns, Roberto!





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As chances que a vida d��

- Nossa vida est�� perfeita, n��o est��, Selma?

- Claro que est��. O que mais posso desejar? Tenho um marido que

me ama e a quem eu amo e um filho que s�� me traz felicidade! Tenho,

sim, uma vida perfeita e s�� posso agradecer a Deus por isso.

Parou de falar e pensou:

Ser�� que mere��o tanta felicidade? Claro que n��o. Depois de tudo o que

fiz, n��o mere��o mesmo...

Ele sorriu e continuaram comendo.

Quando terminaram, Roberto, levantando-se, disse:

- Agora preciso trabalhar. Aumento de sal��rio significa aumento de

trabalho, mas que fa��o com toda a vontade do mundo. Adoro o meu

trabalho e a empresa que tanto j�� nos deu.

Selma, rindo, tamb��m se levantou e, abra��ada ao marido, acompa-

nhou-o at�� o port��o. L��, ele beijou de leve seus l��bios e, rindo, se afastou.

Ela, sorrindo, ficou olhando at�� que ele desapareceu quando virou a es-

quina. Entrou em casa e foi at�� a sala de visitas, onde Carlos assistia televis��o.

Olhou para o filho e, sorrindo, perguntou:

- A que horas voc�� vai treinar, Carlos?

- ��s tr��s horas e vou ficar at�� as cinco. Estou feliz e nervoso, m��e.

- Nervoso, por qu��?

- N��o sei. Estou com medo de n��o conseguir.

- N��o pense assim, claro que vai conseguir! Voc�� foi escolhido

porque o t��cnico achou que tem futuro. V�� para o treino e fa��a tudo o

que puder e souber. Voc�� vai conseguir!

- �� verdade, mam��e! Adoro basquete!

- Assim que se fala, meu filho! Agora, preciso ir ao orfanato, as me-

ninas est��o esperando por mim, estamos preparando a exposi����o de fim

de ano. Elas trabalharam e se dedicaram tanto! Precisamos fazer com

que tudo d�� certo.

- Claro que vai dar! H�� quanto tempo a senhora faz esse trabalho?

- Nem sei, h�� mais de dez anos. Comecei quando voc�� era pequenininho.

- Ent��o, n��o sei por que acha que pode n��o dar certo. Sempre deu!

- Verdade. Nossa exposi����o a cada ano que passa fica melhor, mas

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Elisa Masselli

desta vez �� diferente. Eu e Mar��lia estamos esperan��osas de conseguir

dinheiro para construir mais uma ala e assim podermos atender a mais

crian��as.

- As m��es dos meus amigos gostam da senhora e a respeitam pois

sabem da sua dedica����o ao orfanato.

- N��o me preocupo com isso; s�� quero que as meninas tenham o

trabalho reconhecido, j�� que foi feito com tanto carinho. Aquelas me-

ninas precisam desse incentivo. Agora, preciso ir. Tenho medo de n��o

terminarmos a tempo.

- Pare com isso, mam��e! Ainda falta mais de um m��s! Vai dar tempo

de tudo ficar pronto!

- Verdade, Carlos, sempre deu. Agora estou indo. Depois voc�� me

conta como foi o treino.

Carlos sorriu e voltou os olhos para a televis��o.

Ela saiu e na rua permitiu que l��grimas ca��ssem por seu rosto. Com

as m��os secou os olhos e, enquanto caminhava, foi pensando:

Minha vida �� t��o boa, t��o perfeita! Tenho Roberto, um marido mara-

vilhoso, e Carlos que �� tudo na minha vida. Sei que n��o tenho motivo para

me queixar, n��o sei por que estou triste, achando que alguma coisa de ruim

pode acontecer e toda essa felicidade desaparecer.

Sorriu e continuou andando e pensando:

Pare com isso, Selma! Nada de mal vai acontecer! Tudo vai continuar

como est��. V�� cuidar das suas meninas.

Depois de caminhar por quinze minutos, chegou a um grande por-

t��o, abriu e entrou. Assim que as crian��as a viram chegando, correram

ao seu encontro e todas juntas a rodearam. As pequenas se agarraram ��s

suas pernas, o que dificultava sua caminhada.

Ela, rindo, abra��ou a todas e, com dificuldade, conseguiu entrar na casa

e foi recebida por uma senhora que tamb��m a recebeu com um sorriso.

- Ainda bem que chegou, Selma! As meninas est��o ansiosas pelo dia

da exposi����o.

- Tamb��m estou, Mar��lia. Sa�� logo depois do almo��o, nem lavei a

lou��a. Vamos para o galp��o.





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As chances que a vida d��

Ela, Mar��lia e as meninas foram para um galp��o que havia nos fun-

dos do quintal.

L�� dentro havia duas mesas grandes e compridas e, sobre elas, v��-

rios tecidos e linhas. As meninas sentaram-se nos bancos tamb��m de

madeira que estavam ao lado da mesa, Selma sentou-se em uma das

pontas da mesa e as meninas, uma a uma, foram trazendo suas pe��as

para que ela olhasse.

Selma foi olhando uma a uma, elogiando e corrigindo.

Assim que terminou de olhar todas as pe��as, Selma se levantou e,

sorrindo, disse:

- Voc��s sabem que o dinheiro que vamos arrecadar com a venda

dessas pe��as vai ajudar Mar��lia com a manuten����o do orfanato e, quem

sabe, at�� construir uma nova ala para que mais crian��as possam vir mo-

rar aqui. Por isso, precisam ser feitas com muito amor e carinho. En-

quanto eu n��o estiver aqui, Sandra, por ser a mais velha, voc�� vai ficar

encarregada de ajudar as meninas. Assim, n��o perderemos tempo, e as

pe��as ficar��o lindas e todas ser��o vendidas:

- Pode ficar tranquila, dona Selma, vou cuidar de tudo. Tamb��m, se

n��o cuidar, minha m��e vai ficar muito braba, n��o vai, m��e?

- Claro que se voc�� n��o ajudar vou ficar preocupada e muito nervo-

sa, Sandra. Voc�� sabe o quanto dona Mar��lia nos ajudou quando viemos

para c��. Voc�� tinha apenas seis anos e ela nos acolheu, deu estudo, e

agora voc�� est�� se preparando para ir para a faculdade. Tudo gra��as a ela.

- N��o diga isso, Rita. Voc�� tem me ajudado durante todos esses anos.

Sem voc��, provavelmente n��o ter��amos o orfanato.

Mar��lia sorriu. Ap��s algum tempo, sa��ram do galp��o e foram para o

escrit��rio de Mar��lia. Entraram e sentaram-se:

- Ent��o, Selma, como est��o os trabalhos? Voc�� acha que ficar��o

prontos na data?

- Ficar��o sim. As meninas est��o motivadas. Elas sabem que, como

acontece todos os anos, a exposi����o trar�� pessoas que, ao conhecerem o

orfanato, ajudar��o com algo mais al��m da contribui����o com a compra

das pe��as. Estou esperan��osa, Mar��lia!

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Elisa Masselli

- Exatamente o que precisamos, esperan��a! Voc�� sabe que desde que

voc�� chegou �� cidade e ao orfanato tem nos ajudado muito. N��o tem sido

f��cil, as despesas aumentam todo m��s.

- Sei disso, mas n��o podemos desanimar.

- Voc�� com seu otimismo de sempre, Selma...

- Anime-se, Mar��lia! Vai dar tudo certo! Alguma vez voc�� ficou sem

dinheiro para cuidar das suas meninas?

- N��o. Algumas vezes fiquei nervosa e assustada, mas, de alguma

maneira o dinheiro sempre chegou. Isso aconteceu quando voc�� apareceu

aqui querendo conhecer o orfanato.

Selma sorriu:

- Voc�� n��o me falou isso. O que estava acontecendo?

- Eu n��o podia dizer, pois voc�� veio apenas visitar o orfanato. Estava

desesperada sem saber o que fazer. A comida estava desaparecendo da

dispensa. Acho que voc�� foi enviada por Deus.

- Nunca imaginei que voc�� pensasse isso, Mar��lia, pois eu sempre

achei que voc�� tinha sido um anjo na minha vida.

- Eu? Por qu��?

- Naquela manh�� em que vim aqui, a tia de meu marido, minha grande

e ��nica amiga, ap��s ficar por muito tempo doente, morreu. Fiquei muito

triste e me sentia s�� e desprotegida, mesmo tendo Roberto e Carlos, que

ainda era pequeno. Eu sentia muito sua falta, do seu sorriso e de suas pala-

vras. N��o sentia prazer algum e s�� chorava. Naquela manh��, como sempre

fazia, fui at�� a padaria comprar p��o e leite para que eu e Roberto pud��ssemos

tomar caf�� antes de ele ir trabalhar. Estava aguardando ser atendida quando

ouvi uma mo��a perguntar a outra que tamb��m esperava:

- Como est��o as coisas l�� no orfanato, Rita?

- Dona Mar��lia n��o comenta, mas ela anda muito preocupada. Chegaram

muitas crian��as e �� preciso muito dinheiro para manter todas elas.

- Mas dona Mar��lia �� rica, Rita!

- Sim, ela mant��m o lugar com seu pr��prio dinheiro, mas n��o pode

assumir tudo sozinha. Seria preciso que algu��m surgisse ou alguma coisa

acontecesse para ajud��-la.

1 7

As chances que a vida d��

- Ningu��m ajuda?

- Algumas pessoas sim, mas n��o �� o suficiente. Todos os dias, venho

aqui na padaria buscar p��o para o caf�� da manh��. Seu Ant��nio j�� ajuda

h�� muito tempo.

- Ainda bem.

- Eu estava ouvindo a conversa delas, Mar��lia, e nem percebi que

havia chegado a minha vez. Seu Ant��nio, ao perceber que eu estava dis-

tra��da, disse:

- Chegou sua vez, senhora.

- Envergonhada, olhei para ele e pedi p��o e leite. Depois, sa�� apressa-

da sem olhar para as mulheres que conversavam.

- Foi assim que ficou sabendo do orfanato, Selma?

- Foi, sim, Mar��lia. Sa�� dali e, enquanto voltava para casa, ia pensan-

do. Senti uma vontade enorme de conhecer um orfanato, saber como era.

Sabia que existiam, mas nunca me preocupei. Em casa e enquanto tom��-

vamos caf��, contei a Roberto o que havia acontecido e terminei dizendo:

- Sempre ouvi falar sobre orfanatos, mas nunca conheci nenhum. Te-

nho uma enorme curiosidade de conhecer.

- Roberto, sabendo que eu andava triste, sem vontade de coisa algu-

ma, disse:

- Por que n��o vai visitar esse orfanato e assim aplacar sua curiosidade?

- Voc�� acha que posso ir? Ser�� que v��o me receber?

- S�� vai saber indo. V�� at�� l�� e, quem sabe, possa ajudar de alguma





maneira.


- Ser��? Ajudar?

- N��o sei, mas n��o custa tentar.

- Vou fazer isso. Logo depois do caf�� e ap��s dar um jeito aqui em casa,

vou com Carlos at�� l��.

- Terminamos de tomar caf��, Mar��lia. Roberto, ap��s me beijar e se

despedindo, foi para o trabalho. Carlos, que ainda dormia, acordou. Cui-

dei dele e n��o entendia o motivo, mas estava me sentindo bem e n��o

tinha mais vontade de chorar. Depois de cuidar da casa e de Carlos, sa�� e

vim para c��. O resto voc�� j�� sabe.





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Elisa Masselli


- Sei sim e como sei. - Mar��lia disse rindo.

Selma tamb��m riu. Mar��lia continuou:

- Nunca vou me esquecer daquele dia. Rita tinha raz��o, naquele dia

eu estava realmente muito preocupada. As crian��as estavam chegando.

Eu j�� havia gastado uma boa quantia do meu dinheiro. Meus pais e so-

gros me ajudavam, mas n��o podia pedir mais. Eu havia assumido o or-

fanato, precisava encontrar uma maneira de cuidar dele. Quando voc��

chegou e come��amos a conversar, senti que poder��amos trabalhar juntas.

Depois de conversarmos por algum tempo, voc�� veio com a ideia de pe-

dir que seu marido conversasse com o dono do latic��nio para quem ele

trabalha para conseguir leite e derivados para as crian��as.

- Ele conversou e conseguiu. N��o precisamos mais nos preocupar

com leite e p��o.

- Depois, fomos falar com o dono do armaz��m e conseguimos ali-

mentos. Fomos aos s��tios e conseguimos ovos e verduras. Em pouco tem-

po n��o precis��vamos mais nos preocupar com a alimenta����o das crian��as.

- Verdade, Mar��lia. Tudo mudou rapidamente.

- Isso mesmo, Selma. Depois, voc�� veio com a ideia de ensinar as

meninas a costurar e a bordar para que fiz��ssemos uma exposi����o onde

os trabalhos pudessem ser vendidos. Fizemos isso e hoje �� um sucesso.

- Depois daquele dia n��o tive mais tempo para ficar chorando e so-

frendo. N��o que eu tenha me esquecido da minha amiga, mas conhecen-

do-a como conhecia sabia que estava feliz com o que eu estava fazendo.

- Sabe, Selma, j�� h�� algum tempo venho estudando uma doutrina

que fala muito da import��ncia de nos doarmos aos outros, da caridade.

- N��o foi pensando nisso que vim para c��, apenas tinha curiosida-

de de saber como funcionava um orfanato, mas acho que o que disse ��

verdade mesmo, pois foi somente depois de me dedicar ��s crian��as que a

minha dor, minha tristeza, passou.

- A doutrina ensina que quando nascemos um anjo amigo vem nos

acompanhando e fica ao nosso lado por toda a vida. Acho que, naquele dia,

eu estava em desespero e voc�� sofrendo, ent��o o meu anjo se uniu ao seu e

nos aproximou. O melhor de tudo �� que deu certo! - Mar��lia disse rindo.





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As chances que a vida d��

- Voc�� est�� falando da Doutrina Esp��rita?

- Sim. Por que, voc�� conhece?

- Mais ou menos. Minha amiga tamb��m seguia essa doutrina e me

falou a respeito da necessidade que temos de fazer caridade. Disse, tam-

b��m, algumas coisas que n��o sei se aceito ou n��o, como reencarna����o.

Acho que �� dif��cil aceitar que tivemos outras vidas. Parece mais fic����o

cient��fica.

- Bem, qualquer dia conversaremos a esse respeito, Selma. O que

importa �� que tenho f�� de estarmos fazendo a coisa certa e, por isso, tudo

vai dar certo.

- Ent��o, precisamos manter a f��. O seu trabalho �� muito importante.

Ainda tem muito a fazer.

- Estou preocupada, Selma.

- Preocupada com que, Mar��lia?

- J�� estou com quase cinquenta anos, Selma. Estou ficando velha...

- Velha coisa nenhuma! Voc�� tem ainda muito que trabalhar! Ali��s,

n��s temos! Agora vou para o galp��o acompanhar o trabalho das meninas.

Dizendo isso, levantou-se e sob o olhar e o sorriso de Mar��lia saiu do

escrit��rio e voltou para o galp��o.

20



Rancor desmedido

Enquanto isso, Flora olhou para o rel��gio e assustada pensou:

Fiquei t��o envolvida com as lembran��as do passado e em como me

vingar de Selma que nem vi o tempo passar e esqueci de ir almo��ar. Es-

meralda deve estar preocupada, ela n��o tem ideia de que encontrei Selma.

Vou agora!

Avisou N��dia, a mo��a que trabalhava na loja, e foi para casa almo��ar.

Foi recebida por Esmeralda:

- Ainda bem que chegou, Flora. Estava preocupada.

- Preocupada, por que, Esmeralda?

- J�� s��o quase duas horas da tarde e voc�� n��o veio para o almo��o.

- Sabe que a loja est�� sendo inaugurada e tem muito trabalho para

que fique da maneira que eu quero.

- Voc�� j�� almo��ou?

- N��o, Esmeralda. Hoje o dia foi complicado e s�� agora pouco me

dei conta da hora do almo��o. Quero que minha loja seja um sucesso!

- Sei disso, mas sei tamb��m que voc�� n��o veio para esta cidade por

causa da loja. Voc�� tem muito dinheiro, n��o precisa trabalhar para viver.





2 1


As chances que a vida d��

- N��o vamos mais falar a esse respeito. Voc�� sabe por que eu vim e o

que pretendo fazer.

- Sei sim e estou triste por isso. O ��dio, o rancor e a vingan��a s��

fazem mal a voc�� mesma, Flora, e nada vai mudar o que aconteceu e

nada, nunca mais, voltar�� a ser como antes. Viva sua vida e deixe que

Selma viva a dela.

Flora largou a bolsa sobre o sof�� da sala e, enquanto caminhava, foi

dizendo:

- N��o venha com essa conversa. Estou muito feliz por finalmente

estar aqui. Vou lavar minhas m��os e depois almo��ar.

Assim que entrou no banheiro, olhou no espelho e, com muita raiva,

pensou:

Achou que ia se esconder de mim, Selma, vindo para esta cidade no

fim do mundo, que quase nem aparece no mapa, mas eu a encontrei e voc��

vai pagar por seu crime e por tudo que nos fez sofrer!

Lavou as m��os e voltou para junto de Esmeralda, que j�� havia colo-

cado a comida sobre a mesa.

- Est�� tudo bem, Flora?

- Melhor do que imaginei, Esmeralda! Finalmente, encontrei Selma.

- Respondeu sorrindo e com o olhar cheio de ��dio.

- Encontrou? Ela est�� bem?

- Quando a vi custei a acreditar que fosse ela. Garanto que voc�� tam-

b��m iria se assustar, pois ela nem de longe �� a mesma Selma que conhece-

mos. Ela estava vestida com roupas simples, com os cabelos em desalinho

e uma sacola na m��o. Parecia uma pessoa comum do povo ou uma em-

pregada dom��stica. Disse que ia preparar o almo��o para o marido e o filho.

- Ela est�� casada e tem um filho?

- Sim. N��o prestei muita aten����o, mas parece que ele tem treze anos.

- Est�� vendo, Flora? Ela est�� casada e tem um filho. Selma recome-

��ou a vida, enquanto voc�� ficou parada sem nada construir, dominada

pelo ��dio. Ainda h�� tempo. Siga adiante e tente recome��ar sua vida. O

que Selma fez est�� feito e n��o h�� como mudar.

- Voc�� sabe o que vim fazer aqui, Esmeralda. Ali��s, o que tenho feito

22

Elisa Masselli

todo esse tempo. Estive procurando por ela e finalmente a encontrei!

Agora que a encontrei, nada vai fazer com que eu mude de ideia. Vou

fazer com que pague por tudo que nos fez sofrer!

Disse isso demonstrando um ��dio profundo nos olhos e na voz. N��o

imaginava que, ao dizer isso, as duas entidades que estavam ao seu lado

gargalharam e uma delas disse:

- Isso mesmo, Flora! Voc�� a encontrou, chegou a hora da sua e da

minha vingan��a! Ela precisa pagar!

- Pare com isso, Flora! J�� disse milh��es de vezes que esse desejo de

vingan��a s�� faz mal a voc�� mesma!

- Pare voc��, Esmeralda! Tamb��m j�� disse milh��es de vezes que n��o

adianta! Vou me vingar!

- Voc�� tem dinheiro, poderia ter continuado sua vida, se casado

e tido filhos, uma fam��lia; mas n��o fez isso, pelo contr��rio: s�� tem no

pensamento essa vingan��a in��til que nada vai acrescentar �� sua vida. Va-

mos voltar para casa, Flora! Livre-se desse mal que est�� ao seu lado e

comece a viver!

- Tem raz��o, Esmeralda! Tenho muito dinheiro e, se for preciso, usa-

rei cada centavo para fazer com que a vida de Selma seja destru��da! Por

favor, n��o toque mais nesse assunto, a n��o ser que seja para me ajudar!

- Est�� bem. Voc�� sabe que eu jamais faria alguma coisa para ver

voc�� sofrer...

- Sei disso e espero que, se n��o quiser me ajudar, ao menos n��o atra-

palhe! Agora preciso comer, estou faminta!

Sentou-se e come��ou a comer. Enquanto comia, n��o percebeu que

estava envolvida em uma nuvem densa e negra e que as entidades conti-

nuavam ali ao seu lado, rindo e felizes, rodopiando �� sua volta.

23



Tomada de decis��o

Os dias foram passando. Selma n��o queria se encontrar com Flo-

ra; queria que seu passado continuasse onde esteve at�� agora: guardado,

bem guardado. Por isso evitava ir �� rua principal onde estava a loja de

Flora e sempre que precisava de alguma coisa fazia uma lista e pedia que

Carlos ou Roberto fosse at�� l�� e trouxesse. Roberto estranhou:

- O que est�� acontecendo, Selma? Parece que voc�� n��o quer mais

fazer compras para casa. Tem algum motivo especial pra isso?

Pega de surpresa por aquela pergunta, ficou algum tempo sem res-

ponder. Depois de alguns segundos, sorrindo, mentiu:

- N��o tem motivo algum, Roberto. Voc�� sabe que o dia da exposi����o

est�� chegando, temos muito trabalho para que tudo fique pronto. Preciso

ficar mais tempo com as meninas, por isso pedi a voc��s que me ajudas-

sem. Tem algum problema?

- N��o tem problema, Selma. Quando voltar do trabalho passo por

l��. Somente estranhei, voc�� sempre fez as compras, nunca deixou que eu

fizesse, dizia que eu n��o sabia escolher.

- Selma tentou sorrir:

24

Elisa Masselli

- E n��o sabe mesmo, mas agora estou precisando de sua ajuda. Pode

continuar me ajudando?

Ele n��o respondeu, sorriu e abra��ando-a pela cintura beijou seus l��-

bios e chamou:

- Carlos, vamos embora! Est�� na hora!

Carlos, que estava no quarto preparando-se para ir �� escola, saiu,

ainda passando as m��os pelos cabelos.

Acompanhados por Selma, assim que chegaram ao port��o, beijaram

seu rosto e foram embora.

Selma ficou olhando at�� que desapareceram na esquina. Enquanto

olhava, pensava:

N��o posso contar a verdade. Eles nunca me perdoar��o.

Como fazia todos os dias, voltou para dentro da casa para pegar fei-

j��o e arroz. Cozinhava pela manh��, antes de sair, e na hora do almo��o s��

fazia a mistura e a salada. Fazendo isso, poderia ficar mais tempo com

as meninas. Ao abrir o arm��rio, por��m, notou que n��o havia mais arroz.

Preocupada, pensou:

N��o posso ir agora fazer compras, as meninas est��o me esperando. Vou

at�� o orfanato e, quando sair, passo r��pido pelo armaz��m.

Chegou ao orfanato, examinou o trabalho que estava sendo feito e,

feliz, disse:

- Meninas, os trabalhos est��o muito bons! Voc��s sabem que na nos-

sa exposi����o vir��o muitas pessoas de outras cidades, futuras mam��es e

noivas que querem comprar o enxoval. Tenho certeza de que ao verem

essas pe��as t��o lindas v��o ficar encantadas e comprar��o tudo! A arreca-

da����o vai ser muito boa!

As meninas, como n��o poderia deixar de ser, riram felizes.

O tempo passou t��o r��pido que Selma nem percebeu. Olhou o rel��-

gio e lembrou-se que precisava comprar arroz. Tinha medo de encon-

trar Flora, mas n��o tinha como evitar. Despedindo-se das meninas e de

Mar��lia, saiu apressada e pensando:

J�� s��o onze horas, preciso ir ao armaz��m e preparar o almo��o. Roberto

e Carlos chegar��o ao meio-dia e meio. Mas antes preciso ir ao armaz��m.

25

As chances que a vida d��

Acelerou os passos. Chegou ao armaz��m e comprou o que precisava.

J�� estava saindo quando encontrou Flora e Esmeralda, que entravam.

Assim que a viram, Flora sorriu e Esmeralda abriu os bra��os:

- Selma, minha filha, quanto tempo...

Selma, por alguns segundos, ficou sem saber o que fazer. Depois

abriu os bra��os e as duas se abra��aram com muita saudade.

- Como voc�� est�� linda! Ainda parece aquela mesma menina de antes!

- Qual nada, Esmeralda! J�� se passaram quinze anos e o tempo n��o

protege ningu��m. Estou mais velha, sim! - Disse rindo.

- Claro que sim, mas continua linda como sempre foi. Flora disse

que havia encontrado voc�� e fiquei feliz.

- Tamb��m fiquei, Selma, mas n��o nos encontramos mais. Ficamos

de jantar juntas com a sua fam��lia, mas voc�� nunca mais apareceu.

- Verdade, Flora. �� porque estou envolvida em um trabalho no or-

fanato e n��o tenho tido tempo para coisa alguma. Quando esse trabalho

terminar, poderemos nos encontrar.

- Que esp��cie de trabalho?

Animada, Selma contou sobre a exposi����o. Assim que terminou,

Flora, sorrindo, disse:

- Que ��timo, Selma! Quer dizer que aquilo que aprendemos no co-

l��gio est�� servindo para ajudar essas meninas?

- Est��, sim, Flora. E voc�� se lembra que, apesar de voc��s n��o gosta-

rem, eu adorava bordar e costurar?

- Claro que me lembro, e at�� hoje n��o entendo como voc�� podia

gostar daquele trabalho! Ainda bem que eu tinha Matilde para fazer por

mim! Eu achava aquilo uma perda de tempo, nunca ter��amos onde usar.

Embora as freiras dissessem que poder��amos fazer o nosso enxoval de

casamento e dos nossos filhos, para mim n��o fazia sentido algum. Eu

sabia que quando isso acontecesse eu teria dinheiro para ir at�� a Ilha da

Madeira comprar um belo enxoval de casamento e um mais lindo ainda

para o meu beb��, sem ter de ficar bordando.

- Verdade, Flora, pens��vamos assim. Mas hoje o que aprendi est��

servindo para ajudar a essas crian��as.

26

Elisa Masselli

- Parab��ns, Selma! Voc�� se tornou uma pessoa muito boa, diferente

daquela que conhecemos.

- Mas s��o elas que me ajudam, Esmeralda. Depois que comecei a

trabalhar no orfanato encontrei um sentido para minha vida e sou, sim,

diferente da Selma que conheceram. Estou muito feliz.

- N��o entendo o que est�� dizendo. Flora me disse que voc�� est��

casada e tem um filho. Eles n��o preenchiam a sua vida?

- Claro que sim. Mas quando conheci o orfanato, senti que poderia

trabalhar ali e fazer muita coisa.

Esmeralda olhou para Flora e, sorrindo, disse:

- Voc�� pode ajudar tamb��m, Flora. Pode doar uma quantia em di-

nheiro para o orfanato e, assim, ajudar as crian��as. Quando ajudamos

algu��m, na realidade estamos ajudando a n��s mesmas.

- Claro que sim, Esmeralda. Vou mandar uma quantia para que voc��

use como quiser, Selma.

- Obrigada, Flora, doa����es s��o sempre bem-vindas. Mas, por favor,

antes de dar o dinheiro, quero que v�� at�� o orfanato para conhecer as

crian��as e o trabalho que estamos fazendo. Assim, voc�� aproveita e en-

trega o dinheiro para Mar��lia, a diretora do orfanato.

- Vou fazer isso, s�� que precisa ser esta semana.

- Esta semana, por que Flora?

- Estamos indo embora. Como voc�� disse, esta cidade n��o comporta

uma loja como a minha, e j�� estou com muito preju��zo. Acho melhor voltar

para minha casa e pensar em outra coisa para empregar o meu dinheiro.

- Voc�� vai embora, Flora?

- Vou sim, Selma. Minha loja n��o tem futuro aqui, sendo assim n��o

tenho mais o que fazer. Durante esse tempo em que estou nesta cidade

n��o consegui entender como voc�� consegue morar aqui e n��o entendo

como pode estar feliz aqui, depois de ter tido a vida que sempre teve.

- Estou feliz aqui, Flora. Tenho meu marido, meu filho e o orfanato.

Isso �� tudo que preciso para ser feliz.

- Voc�� se conforma com pouco. Eu quero mais, muito mais.

- A vida me ensinou a valorizar o que realmente tem valor.

27

As chances que a vida d��

- Bom para voc��. S�� sinto por n��o ter conhecido seu marido e seu

filho, mas n��o vai faltar oportunidade. Quem sabe um dia voc��s n��o nos

visitam, n��o ��, Esmeralda?

- Verdade, Selma. Quando for nos visitar convidaremos sua m��e e

faremos uma surpresa! Sei que ela ficar�� muito feliz!

- Por favor, Esmeralda, n��o conte a minha m��e nem a ningu��m que

me encontrou. Estou bem e feliz aqui longe de tudo e de todos.

- Voc�� contou ao seu marido o motivo de ter vindo para c��?

- N��o, Flora. Ele nunca perguntou coisa alguma a respeito da minha

vida e eu n��o achei necess��rio contar. Estamos bem.

- Acho que fez bem, talvez ele n��o entendesse.

Selma se calou e olhou para Esmeralda, que disse:

- Vamos deixar essa hist��ria pra l��, Flora. De nada vai adiantar lem-

brar o passado. Voc�� est�� bem e feliz, Selma, �� isso que importa.

- Tem raz��o, Esmeralda. Estou bem e feliz.

Flora, tentando n��o demonstrar o ��dio que estava sentindo, sorrin-

do, disse:

- Vamos, Esmeralda, temos muito a fazer. Precisamos preparar a

mudan��a.

Abra��aram-se. Selma foi embora, Flora e Esmeralda entraram no ar-

maz��m para comprar algumas coisas.

Depois de comprar e pagar, sa��ram do armaz��m. Na rua, Esmeralda,

ainda surpresa, perguntou:

- Vamos embora mesmo, Flora?

- Vamos, Esmeralda. Cansei de ficar nesta cidade.

- Est�� dizendo que desistiu de se vingar? Que perdoou?

Flora soltou uma gargalhada:

- Isso mesmo. Como voc�� sempre disse, estou perdendo um tempo

enorme me dedicando a essa vingan��a. Vamos embora e vou retomar

minha vida, que parou desde aquele dia. Selma est�� feliz com seu marido

e seu filho, enquanto eu estou aqui triste e sem ningu��m.

- Como estou feliz em ouvir voc�� dizer isso, Flora. Gra��as a Deus, voc��

entendeu que vingan��a n��o vale a pena e s�� faz sofrer a quem a deseja.

28

Elisa Masselli

- Depois de conversar com Selma a respeito do orfanato, tive uma

ideia: hoje �� tarde, vamos at�� l��. Quero dar um cheque para ajudar essas

meninas.

- Vai dar dinheiro para o orfanato?

- Vou, sim, Esmeralda. Perdi muito tempo, tenho tanto dinheiro que

nem sei o que fazer com ele e nada melhor do que se fazer o bem. O di-

nheiro que vou dar n��o vai fazer falta alguma.

- Estou muito feliz por voc�� ter tomado essa decis��o. Agora, vamos

para casa. Depois do almo��o vou come��ar a empacotar as coisas e guar-

dar outras nas malas.

- Isso mesmo e, enquanto isso, vou ao orfanato. N��o quer ir comigo?

- Pensando bem, acho que vou, sim. Quero ver o que Selma est��

fazendo. Parece que �� um trabalho muito bom.

- Est�� bem. Agora, vamos almo��ar, estou morrendo de fome. Depois,

quando voltarmos do orfanato, eu ajudo voc�� na arruma����o da mudan��a.

S�� vou levar algumas roupas; os m��veis e tudo o mais vou doar para algu��m.

- Voc�� mudou mesmo, Flora. Gra��as a Deus!

Voltaram para casa. Assim que chegaram e colocaram as compras

sobre a mesa, Esmeralda, preocupada, perguntou:

- O que est�� acontecendo, Flora?

- Sobre o que voc�� est�� falando, Esmeralda?

- Sobre essa sua mudan��a de comportamento...

- Est�� falando sobre a nossa volta para casa?

- Sim. Como pode, de repente, querer voltar? Voc�� passou todos

esses anos somente pensando em encontrar Selma e se vingar, e agora

que a encontrou simplesmente vai embora? Assim, sem nada fazer? Est��

muito estranho...

- Estranho por qu��? Tem raz��o, passei todo esse tempo s�� querendo

vingan��a e voc�� tentando me demover dessa ideia, agora que fiz o que

sempre me pediu est�� achando ruim?

- N��o estou achando ruim; pelo contr��rio, estou achando muito

bom, s�� n��o estou entendendo. Sempre que eu dizia que vingan��a n��o

levaria a lugar algum, voc�� ficava nervosa e dizia que s�� iria descansar

29

As chances que a vida d��

no dia em que se vingasse, e agora do nada quer ir embora e deixar que

Selma continue sua vida?

- Tem raz��o, Esmeralda. Eu ficava braba, quando voc�� dizia que a

culpa n��o era s�� dela; mas agora, vendo que ela est�� bem e vivendo uma

vida simples que eu nem sonharia viver, dedicando sua vida a cuidar

dessas meninas ��rf��s, acho que ela merece continuar aqui e ser feliz.

Voc�� sempre teve raz��o. Eu, realmente, perdi muito tempo; mas agora

est�� na hora de voltar para casa e retomar minha vida. Por conta dessa

vingan��a nunca me interessei por rapaz algum, n��o me casei, n��o tive

filhos. Selma continuou sua vida e tem o que eu nunca tive ou terei. Ago-

ra chega, Esmeralda. Resolvi fazer o que voc�� sempre disse. Vou deixar a

vingan��a por conta de Deus.

- Se voc�� estiver dizendo a verdade, fico muito feliz. Vamos para

casa, voc�� vai come��ar uma nova vida que, vai ver, ser�� s�� de felicidade!

- Claro que estou dizendo a verdade, Esmeralda! Por que enganaria

a voc��, que esteve ao meu lado desde crian��a, que praticamente me criou

e sempre soube o que eu sinto? Quando chegarmos em casa, voc�� vai ver

que vou ser outra pessoa. Cansei de perder tanto tempo somente pen-

sando na vingan��a. Entendi, finalmente, que isso s�� me fez mal.

Esmeralda, feliz, levantou os olhos e disse:

- Obrigada, meu Deus, por ela, finalmente, ter entendido como es-

tava errada.

- Agora vamos preparar as malas, Esmeralda. Quero me mudar

amanh�� mesmo.

- Amanh��? Pensei que seria durante a semana.

- A princ��pio achei que seria assim, mas depois pensei bem e acho

que quanto mais r��pido nos mudarmos melhor ser��.

Esmeralda sorriu, beijou o rosto de Flora e foi para seu quarto pre-

parar suas malas.

30



A hist��ria de Mar��lia

Enquanto isso, Selma chegou a sua casa e, rapidamente, preparou o

almo��o. Estava tranquila com a partida de Flora, embora um pouco pre-

ocupada, com medo que ela contasse a sua m��e que a havia encontrado.

Roberto e Carlos chegaram na hora de sempre, e almo��aram.

Depois do almo��o, antes mesmo que eles sa��ssem, ela se despediu e

foi para o orfanato. Tinha muito trabalho junto ��s meninas e queria que

tudo ficasse perfeito. Sabia que a exposi����o era um evento da cidade mas

que atra��a pessoas de cidades vizinhas. Sabia que muitas pessoas impor-

tantes e com dinheiro viriam n��o s�� para comprar as pe��as de roupas

mas tamb��m para darem doa����es que eram importantes para a manu-

ten����o do orfanato.

Chegou ao orfanato e, como sempre, foi recebida com muito carinho.

Embora se esfor��asse para n��o se apegar ��s meninas, n��o conseguia. Amava

cada uma delas e muitas vezes sofreu quando algu��m foi adotada, mesmo

sabendo que para aquela menina era a melhor coisa que podia acontecer.

Estava ali por algumas horas quando, surpresa, viu que Flora e Es-

meralda entravam no galp��o, acompanhadas por Mar��lia. Sorrindo, foi





3 1


As chances que a vida d��

ao encontro delas, que abriram os bra��os, e se abra��ou a elas, dizendo:

- Que surpresa, Flora! N��o pensei que, realmente, voc�� viria aqui no

orfanato!

- Eu disse que viria, n��o disse? Pois bem, estou aqui. - Disse rindo.

Mar��lia se aproximou e deu para Selma um pacote. Selma o abriu

e viu que havia muitos ma��os de notas. Surpresa, olhou para Mar��lia e

perguntou:

- Que dinheiro �� este, Mar��lia? Quanto tem aqui?

Mar��lia, n��o conseguindo evitar a alegria e emo����o que estava

sentindo, respondeu:

- Sua amiga doou para o orfanato. A�� tem vinte mil!

Selma olhou espantada para Flora, que sorria.

- Vinte mil, Flora?

- Sim. Voc�� sabe que tenho muito dinheiro e que essa quantia nada

significa para mim, ao passo que para o orfanato �� muito valiosa.

- Voc�� n��o imagina como! Com este dinheiro e o que vamos arreca-

dar com a exposi����o, vamos poder construir mais uma ala e, assim, po-

deremos atender a mais meninas, n��o ��, Mar��lia? Temos quinze meninas

e n��o temos espa��o para mais.

Mar��lia estava t��o emocionada que sua voz quase n��o saiu:

- Vamos sim, Selma! Finalmente, Deus ouviu nossas preces e o nos-

so sonho vai se realizar!

Selma devolveu o dinheiro para Mar��lia:

- Guarde esse dinheiro, Mar��lia. Depois da exposi����o vamos ver

quanto temos e planejar a nova ala.

Mar��lia pegou o dinheiro e, feliz, se afastou. Selma disse:

- Entrem aqui no galp��o e vejam o trabalho das meninas.

Entraram. Flora e Esmeralda se admiraram com a quantidade de

meninas que estavam ali. As meninas, ao verem entrar aquelas pessoas

estranhas, levantaram-se. Selma, sorrindo, disse:

- Meninas, estas s��o minhas amigas e est��o aqui para conhecer vo-

c��s e o nosso trabalho.

Algumas meninas sorriram; outras, t��midas, abaixaram os olhos.

32

Elisa Masselli

Acompanhadas por Selma, Flora e Esmeralda se aproximaram da

grande mesa e come��aram a olhar os trabalhos: roupinhas de rec��m-

-nascidos, colchas e len����is para noivas com bordados lind��ssimos e ca-

prichados. Elas ficaram encantadas com a perfei����o dos trabalhos. Es-

meralda, admirada, disse:

- Estes trabalhos s��o lindos! Qualquer noiva ou futura m��e ao v��-los

n��o poder�� deixar de querer comprar! S��o feitos pelas meninas mesmo?

Elas s��o t��o pequenas!

- S��o, Esmeralda. Eu fui ensinando e elas aprenderam com facilida-

de. Sabem como �� importante para o orfanato termos dinheiro.

- Qual �� a idade delas?

- A menina menor tem doze anos. A maior �� Sandra, filha de Rita, tem

dezessete anos e j�� vai para a faculdade. Mar��lia a mostrou para voc��s?

- Mostrou, sim. Notei que voc��s s�� cuidam de meninas, por qu��?

N��o h�� meninos ��rf��os precisando de abrigo?

- Claro que h��, Flora, mas n��o temos espa��o. Esta casa pertencia a

Mar��lia, quando seu marido morreu e como nunca teve filhos, ela doou

para que se transformasse em um orfanato. O sonho dela e agora o meu

�� construirmos outra ala para que possamos cuidar de meninos tamb��m.

Com o dinheiro da exposi����o e, agora, com o que voc�� nos deu, acredito

que esse sonho possa ser concretizado.

- Fico feliz por ter ajudado. Como voc��s fazem para cuidar de todas

essas meninas? De onde vem o dinheiro para manter o orfanato?

- Esta cidade �� cercada por fazendas, os fazendeiros nos ajudam

mandando alimentos. Temos carne, frutas e verduras, al��m do leite que

chega todos os dias. Al��m disso, algumas pessoas nos doam dinheiro, do

qual usamos uma parte para outras despesas e a outra parte guardamos

para a constru����o.

- Pensando bem, Esmeralda, o que acha de mandarmos todo m��s

uma quantia para ajudar com as despesas?

- Esse dinheiro vai ser muito bem empregado, Flora. E ajudando as

crian��as estaremos ajudando a n��s mesmos.

- Est�� falando s��rio, Flora? - Selma perguntou, entre admirada e feliz. .

33

As chances que a vida d��

- Claro que sim, Selma. O trabalho de voc��s �� muito bonito e precisa

ser ajudado. Quando eu voltar para casa, vou ao banco ver como andam

minhas finan��as e reservar um dinheiro para que possa ser doado todos

os meses. Assim, al��m de constru��rem a ala dos meninos, ter��o uma aju-

da para poder mant��-los.

- Que felicidade voc�� est�� me dando, Flora! Nem sei como agradecer!

- N��o precisa agradecer. Estou vendo que voc�� tem uma vida aqui e

que �� bem produtiva, se posso ajudar...

- Selma, preparei um ch�� para tomarmos enquanto conversamos. -

Mar��lia retornou e disse sorrindo.

- Que ��timo, Mar��lia!

Olhou para Flora e Esmeralda e perguntou:

- Vamos at�� a sala?

- Vamos sim. - Flora respondeu, sorrindo.

Sa��ram do galp��o e entraram na casa pela porta da cozinha, que era

enorme. Depois de passarem por um corredor, entraram em uma sala

que tamb��m era bem grande. Em um dos cantos da sala havia uma mesa

e sobre ela uma toalha branca com um bordado delicado e lindo. Sobre

ela, x��caras e bandejas com p��es, bolos e salgadinhos. Mar��lia apontou os

lugares em que deviam se sentar e, depois, sentou-se tamb��m.

Depois de sentadas, come��aram a tomar o ch�� e a comer as guloseimas.

Enquanto comiam, Flora falou:

- Selma disse que esta casa era sua e que voc�� a doou para que fosse

criado o orfanato, Mar��lia.

- Verdade.

- Por que fez isso?

- �� uma longa hist��ria, Flora.

- Estou curiosa, n��o quer nos contar?

- N��o sei. �� uma hist��ria como outra qualquer, sem muita gra��a.

- N��o me parece que seja. Algu��m que doa uma casa para que se

transforme em um orfanato n��o �� assim t��o comum. Voc�� deve ter tido

um motivo muito s��rio para fazer isso.

- Realmente, tive.

34

Elisa Masselli

- Conte-nos, Mar��lia! Temos tempo. S�� vamos nos mudar amanh��,

hoje temos toda a tarde livre.

O olhar de Mar��lia se perdeu no horizonte. Depois de alguns segun-

dos, voltou a falar:

- Vou contar. Mas se ficarem cansadas basta dizer que eu paro na hora.

- Acredito que n��o vamos ficar cansadas, mas se isso acontecer eu

mesma pe��o para voc�� parar. - Flora disse rindo.

- Est�� bem, vamos l��. Embora eu e o meu marido tenhamos nascido

nesta cidade, s�� nos conhecemos quando eu tinha dezesseis anos e ele

dezessete. Eu estava indo para a escola e, como estava atrasada, corria.

Ele tamb��m, atrasado, corria logo atr��s. Foi quando uma de minhas ami-

gas de classe chamou:

- Mar��lia, espere!

- Ao ouvir a voz dela parei e me voltei. Ele n��o teve tempo de parar

e nos trombamos violentamente. Para que eu n��o ca��sse, ele me abra��ou,

rindo, e nos olhamos nos olhos. Foi olhar e se apaixonar. Como dizem,

foi amor �� primeira vista. - Disse sorrindo.

- Que encontro lindo, Mar��lia...

- Verdade! Selma, at�� hoje, quando me lembro, fico emocionada.

Pareceu que o destino estava esperando aquele momento para que nos

encontr��ssemos.

- Deve ter sido o destino mesmo. Dizem que ele tem uma maneira

pr��pria para fazer com que as pessoas se encontrem.

- N��o sei se isso �� verdade, Selma; mas que esse encontro foi estra-

nho, foi. - Flora disse sorrindo.

- Continue, Mar��lia!

- Vou continuar, Selma. Depois de alguns segundos abra��ados e nos

olhando, eu me soltei e ele perguntou:

- Voc�� estuda aqui?

- Achei aquela pergunta meio boba, pois eu estava correndo em di-

re����o �� escola.

- Sim, fa��o o segundo ano de magist��rio, quero ser professora, e voc��?

- Estou no ��ltimo ano do colegial. Depois, vou fazer faculdade de Medicina.

35

As chances que a vida d��

- Medicina? Mas aqui n��o tem faculdade.

- Sei disso, depois que me formar vou ter de ir para a Capital. Depois





de seis anos vou voltar.


- Vai mesmo? N��o acha melhor morar na Capital? Esta cidade �� t��o





pequena...


- �� pequena, mas �� a minha cidade e gosto de morar aqui.

- Por que Medicina?

- Meu pai �� m��dico aqui da cidade, e antes dele meu av�� tamb��m foi.

- Voc�� �� filho do doutor Alencar?

- Sim. Voc�� conhece meu pai?

- Quem n��o conhece seu pai? Ele �� o ��nico m��dico da cidade!

- Verdade. Eu, algumas vezes, me esque��o disso.

- Bia, a amiga que ainda estava ali, s�� que um pouco distante, se

aproximou:

- Mar��lia, estamos atrasadas, voc�� n��o vai entrar?

- Naquele momento, o que eu queria mesmo era continuar conver-

sando com ele, mas sabia que n��o era poss��vel, ent��o respondi:

- Vamos, sim.

- Quando estava me afastando, ele disse:

- Vou esperar por voc�� na sa��da. Precisamos continuar a nossa conversa.

- Ao ouvir aquilo, meu cora����o bateu mais forte. Queria ficar ali,

mas sabia que n��o podia. Apenas acenei com a cabe��a dizendo que sim.

- Nesse dia, voc�� conseguiu acompanhar a aula, Mar��lia?

- Claro que n��o, Esmeralda. N��o consegui parar um minuto de pen-

sar nele e nos seus lindos olhos. Quando a aula terminou, apressada, sa��

da sala e nem me lembrei de Bia, que me chamou:

- Mar��lia, esperei Estou guardando meu material.

- N��o d�� para esperar, Bia. Tenho um compromisso!

- Ela come��ou a rir:

- Sei bem que compromisso �� esse.

- Tamb��m ri e me afastei quase correndo, precisava saber se ele esta-

va me esperando. Quando sa�� pela porta, olhei para o lugar onde t��nha-

mos nos encontrado, mas ele n��o estava ali. Fiquei t��o decepcionada que

36

Elisa Masselli

quase chorei. Bia se aproximou:

- Ele n��o est�� esperando por voc��, Mar��lia?

- Olhei para ela e, triste, respondi.

- N��o, ele n��o est�� aqui. Acho que estava brincando. Vamos embora.

- Eu estava de costas para a porta, ela de frente. Quando eu ia me

virar Bia, rindo, disse:

- Ele est�� vindo, Mar��lia, e correndo!

- Meu corpo todo estremeceu. Passei a m��o pelos meus olhos para

que ele n��o percebesse que eu estava chorando. Virei a cabe��a por cima

dos ombros no momento exato em que ele se aproximou:

- Desculpe-me, o professor atrasou o final da aula. Faz tempo que est�� aqui?

- N��o, acabei de chegar. Estava esperando pela Bia. Ela chegou e j��

��amos embora.

- N��o sei por que menti. Acho que estava envergonhada. Ele n��o

percebeu e perguntou:

- Ainda n��o sei seu nome. O meu �� P��ricles e j�� sabe que sou filho do





doutor Alencar.


- O meu �� Mar��lia e sou filha do juiz Louren��o.

- Filha do juiz? Como nunca vi voc�� antes? Devemos ter ido a v��rias

festas da cidade!

- Comecei a rir.

- Verdade, mas n��o me lembro de ter visto voc��. N��o saio muito de

casa, meus pais n��o deixam. S�� saio com a Bia. N��o ��, Bia?

- Fiquei surpresa, Bia n��o estava mais ali. Eu estava t��o envolvida

com ele que nem percebi quando ela foi embora. Ele tamb��m n��o havia

percebido e, rindo, disse:

- Vamos embora? Que caminho voc�� faz para ir para casa?

- Eu moro em uma casa l�� na pra��a, perto do f��rum.

- Moro do outro lado, mas posso acompanhar voc�� at�� em casa?

- Claro que sim!

- Naquele dia come��amos a namorar. Ele me levou at�� a porta da

minha casa. Durante o caminho foi me contando de suas aulas e como

estava ansioso para o dia em que pudesse ir para a Capital. Eu fiquei ou-

37

As chances que a vida d��

vindo, mas n��o conseguia prestar aten����o no que dizia. Estava encantada

com aquele rosto t��o lindo e aqueles olhos brilhantes.

- N��o acredito! Voc�� est�� falando a verdade? Ficou boba mesmo? -

Selma perguntou, rindo.

- Fiquei, sim. N��o se esque��am de que eu tinha dezesseis anos. -

Mar��lia disse, tamb��m rindo, e continuou falando:

- Quando chegamos ao meu port��o, ele pegou na minha m��o, olhou

nos meus olhos e disse:

- Fiquei encantado assim que vi voc��, e olhe que nunca me interessei

por menina alguma. Meu pensamento sempre esteve s�� nos meus estudos.

Por isso, quero perguntar a voc��: quer ser minha namorada?

- Fiquei sem saber o que responder. Ele voltou a repetir:

- Voc�� quer ser minha namorada?

- N��o sei.

- Como n��o sabe?

- N��o sei, nunca namorei...

- N��o gostou de mim?

- Gostei, gostei muito, s�� n��o sei o que fazer...

- J�� que gostou, vamos namorar?

- N��o sei, preciso falar com meus pais.

- Eu converso com seu pai. Acredito que eles permitir��o.

- Ele estava segurando minha m��o, quando minha m��e saiu da casa

e nos viu. Ela se assustou, ficou parada e apenas disse:

- Mar��lia! Tudo bem com voc��?.

- Eu, ainda perplexa com tudo o que estava acontecendo, olhei para

ela, mas n��o consegui responder. Assim que a viu, P��ricles, sorrindo,

soltou minha m��o, abriu o port��o e caminhou at�� ela. Estendeu a m��o e

disse sorrindo:

- Meu nome �� P��ricles, sou filho do doutor Alencar. Conheci sua filha

e desejo come��ar um namoro s��rio com ela.

- Minha m��e, assim perplexa como eu, ficou ali, olhando para mim e para

ele, mas n��o conseguiu dizer uma palavra sequer. Na porta, que estava aberta,

meu pai apareceu e, parecendo nervoso, olhou para mim e perguntou:

38

Elisa Masselli

- O que est�� acontecendo aqui, Mar��lia?

- P��ricles se voltou para ele e disse:

- Como j�� disse para sua esposa, Excel��ncia, meu nome �� P��ricles, sou

filho do doutor Alencar. Conheci sua filha e desejo iniciar um namoro s��rio

com ela. Podemos conversar?

- Meu pai, surpreso, olhou para mim e perguntou:

- O que tem a dizer a esse respeito, Mar��lia?

- Fiquei sem saber o que dizer. Eu queria namorar com ele, mas sa-

bia que meus pais n��o deixariam. Ao ver que eu n��o respondia, meu pai

olhou para P��ricles e disse:

- Voc�� �� atrevido, rapaz. Entre, vamos conversar.

- Ao ouvir aquilo, respirei fundo. Conhecia meu pai e soube na hora

que ele havia aceitado P��ricles. Entramos e nos sentamos em dois sof��s

que havia na sala. Baixou um sil��ncio profundo que, embora durasse

apenas alguns minutos, para mim e acredito que para todos pareceu uma

eternidade. Para quebrar o sil��ncio, P��ricles falou:

- Como disse, conheci sua filha e desejo iniciar um namoro.

- Em seguida contou como foi o nosso encontro e terminou dizendo:

- Sei que o senhor vai dizer que somos muito jovens, mas n��o se preocu-

pe com isso. Vou me formar este ano e como quero ser m��dico igual ao meu

pai preciso ir para a Capital. O senhor sabe que aqui n��o tem faculdade.

- Meu pai olhou para mim e para minha m��e, sorriu e disse:

- Berta, pe��a que seja colocado mais um prato na mesa. Esse jovem vai

almo��ar conosco.

- P��ricles olhou para mim e sorriu. Eu, embora ainda um pouco

nervosa com aquela situa����o, tamb��m sorri. Meu pai perguntou:

- Vamos almo��ar, rapaz. Logo mais preciso ir para o f��rum.

- Desculpe-me, senhor, mas hoje n��o pode ser. Minha m��e est�� me es-

perando para o almo��o e, se eu n��o chegar, ela vai enlouquecer. Sabe como

��, sou filho ��nico.

- Est�� certo, mas qualquer dia desses vamos almo��ar. Ali��s, vou con-

versar com seu pai para que ele e sua m��e venham tamb��m.

- Ele vai ficar feliz, senhor. Sempre fala muito bem a seu respeito.

39

As chances que a vida d��

- Levantou-se, estendeu a m��o para meu pai e depois para minha

m��e e, sorrindo, disse:

- Preciso ir embora, mas �� noite eu volto para podermos conversar mais.

- Ser�� bem-vindo. Mar��lia, acompanhe o rapaz at�� o port��o.

- Eu estava feliz por toda aquela conversa. Sabia que meus pais ha-

viam aceitado P��ricles e que iam permitir o nosso namoro. Daquele dia

em diante come��amos a namorar. Ele me esperava, todos os dias, na sa-

��da da escola e me acompanhava at�� em casa. S�� nos v��amos na escola,

porque ele estava estudando para prestar o vestibular. Mesmo assim, a

cada dia nosso amor foi aumentando. O fim de ano chegou. Eu passei

para o terceiro ano e ele terminou o colegial e precisava ir para a Capital.

Foi dif��cil, mas sab��amos que era preciso. No dia em que ele foi embora

eu o acompanhei at�� a rodovi��ria. Ficamos ali por um bom tempo espe-

rando. O ��nibus chegou e, antes de entrar, ele disse:

- Voc�� sabe que eu, se pudesse, n��o iria, mas �� preciso. Desde pequeno

quero ser m��dico. Estou pedindo que tenha paci��ncia, vou escrever todos

os dias contando como estou passando e espero que escreva tamb��m. Nas

f��rias eu venho e poderemos ficar mais tempo juntos. Seis anos passam de-

pressa e eu vou estudar muito para me formar e, assim, poder voltar logo.

Promete que vai me esperar?

- Eu estava t��o emocionada e triste que n��o consegui responder,

apenas o abracei e beijei com todo carinho e amor. Ele entendeu, corres-

pondeu ao meu beijo e depois abra��ou meus pais e os dele que tamb��m

estavam ali. Entrou no ��nibus que, logo depois, saiu devagar e eu fiquei

ali, vendo-o desaparecer. Voltei para casa e chorei muito.

- Ele cumpriu a promessa, escreveu todos os dias? - Selma perguntou:

- Claro que n��o, Selma. Foi imposs��vel com tanto para estudar, em-

bora quisesse n��o havia tempo, mas veio em todas as f��rias e fins de

semana prolongados.

- Perguntei porque achei que ia ser mesmo complicado.

As tr��s riram. Mar��lia continuou:

- Eu me formei no ano seguinte. Estava animada com a minha festa

de formatura e feliz por ter me tornado professora, pois aquele era o

40

Elisa Masselli

meu sonho desde crian��a. O dia da festa estava pr��ximo e eu muito feliz

porque, al��m de ser uma noite especial, tamb��m estaria com ele. Man-

dei fazer um vestido lindo verde-claro. Ficava me imaginando naquele

vestido, na m��sica e eu em seus bra��os dan��ando a noite toda. Em uma

tarde, estava em meu quarto lendo quando o telefone tocou. Como o

livro estava em uma parte emocionante n��o me preocupei em atender.

Depois de algumas chamadas e vendo que ningu��m atendia, me levantei

e fui at�� a sala. Peguei o telefone e atendi:

- Al��.

- Al��, Mar��lia! Que bom que est�� em casa!

- P��ricles! N��o imaginei que fosse voc��! S�� me telefona aos domingos...

- Sei disso, mas tenho algo para dizer que, sei, vai deix��-la triste.

- O que aconteceu?

- N��o vou poder ir ao seu baile.

- O qu��?

- Sinto muito, mas �� isso o que ouviu.

- Por que n��o vai poder vir ao baile? Voc�� prometeu...

- Eu pretendia ir, mas fiquei sabendo hoje que justamente no fim de

semana que vai ser o seu baile vai haver um simp��sio com v��rios m��dicos

famosos. Eu n��o posso faltar, porque al��m de receber uma nota por compa-

recer, ouvir a palestra deles vai ser muito bom para o meu hist��rico escolar

e aprendizado. Preciso aprender o m��ximo que puder. Quero ser um bom

m��dico.

- Mas, P��ricles, �� a minha formatura! Estou sonhando e esperando por





esse dia.


- Eu sei disso, Mar��lia, mas n��o posso faltar. �� muito importante.

- O meu baile n��o ��?

- Claro que ��. Estou arrasado, mas n��o tem outra maneira. Sei que

voc�� vai estar linda e que ser�� muito cumprimentada. Na semana seguinte

do baile, vou at�� a�� e poderemos passar horas e horas juntos.

- Ele n��o veio ao seu baile, Mar��lia?

- N��o, Flora.

- Voc�� n��o ficou braba?

4 1

As chances que a vida d��

- Fiquei triste, mas n��o braba. Eu sabia que, para ele, estudar era

muito importante, pois assim n��o repetiria o ano e poderia voltar mais

cedo para casa e para mim. - Mar��lia respondeu sorrindo e continuou:

- O dia do baile chegou. Embora triste, me arrumei, coloquei o meu

lindo vestido e, olhando para o espelho, sorri e me senti linda. Quando

faltava meia hora para eu sair, o telefone tocou e, desejando que fosse ele,

corri para atender:

- Al��!

- Al��, Mar��lia! J�� est�� pronta para o baile?

- Estou, e linda! - Respondi sorrindo.

- Sinto muito por n��o poder estar a��, mas prometo que, quando nos

casarmos, para compensar esse dia vou fazer voc�� muito feliz!

- Sei disso. Vou continuar esperando por voc��.

- Fui para o baile e, na medida do poss��vel, me diverti. Apesar de

tudo, estava feliz por ter conseguido o meu diploma. Sabia que o dia em

que eu seria feliz ao lado dele estava chegando.

Enquanto comiam e tomavam ch��, as tr��s ouviam com aten����o Ma-

r��lia contar sua hist��ria.

Quando terminou de tomar o ��ltimo gole de ch��, colocou a x��cara

sobre o pires e os dois sobre a mesa e continuou falando:

- Aquela era a primeira vez em que mo��as recebiam o diploma de

professora, o que para todas n��s era muito importante. Ser professora

era o ideal das filhas de pessoas de posses da cidade, era motivo de orgu-

lho para os pais e ainda ��. Foi ent��o que o prefeito, sabendo que haveria

muitas professoras no final do ano, resolveu construir mais uma escola,

e foi l�� que fui dar aula.

- Assim que se formou j�� foi dar aula, Mar��lia?

- Sim, Selma. Era o que eu mais queria, e como n��o havia muitas

professoras porque algumas, assim como aconteceu com P��ricles, foram

embora da cidade para poderem fazer a faculdade, outras se casaram e

tamb��m foram embora. Da minha turma s�� sobraram cinco professoras

que foram contratadas imediatamente.

- Como foi dar aula sendo t��o jovem e inexperiente?

42

Elisa Masselli

- No come��o, confesso que foi dif��cil, Esmeralda; mas com o tempo

fui me acostumando e depois de alguns meses n��o tive mais problema

algum. Ensinar foi o melhor que poderia ter acontecido comigo. Com

tanto trabalho, n��o tive tempo de me desesperar com a falta de P��ricles.

Continuamos a nos ver nas f��rias e nos fins de semana prolongados e a

nos falar todos os domingos por telefone.

- Deve ter sido dif��cil essa separa����o, j�� que se gostavam tanto.

- Foi sim, Flora, mas teria sido pior se eu n��o estivesse trabalhan-

do. Al��m do mais, eu contava os anos, os meses e os dias que faltavam

para ele se formar. O tempo demorou em passar, at�� que, finalmente,

ele se formou. A nossa alegria foi imensa. Para o baile de sua formatura

comprei outro lindo vestido. E, ao contr��rio do que havia acontecido

na minha formatura, eu, minha fam��lia e a dele fomos para a Capital e

participamos do baile. Eu estava feliz e orgulhosa, porque embora algu-

mas vezes eu tivesse duvidado do amor dele por mim, sempre acreditei

que um dia nos casar��amos. No dia seguinte ao baile, voltamos para c��.

Eu e P��ricles est��vamos felizes e sonhando com nosso futuro. Dois dias

depois que voltamos, ele pediu que sua m��e fizesse um jantar para mim

e meus pais. Ela atendeu feliz e prontamente:

- Est�� bem, vou fazer, mas posso saber por que voc�� quer esse jantar?

- Preciso fazer um comunicado e quero que todos estejam presentes.

- Est�� bem, mas n��o pode adiantar do que se trata?

- N��o, mam��e! �� uma surpresa!

- Surpresa? Espero que seja boa.

- Para mim �� muito boa; n��o sei se vai ser para a senhora, nem sei se





vai gostar.


- N��o vou gostar, por qu��?

- Eu disse que n��o sei se a senhora vai gostar. N��o disse que n��o vai





gostar. Talvez goste.


- Pare com isso, conte logo!

- Ele, rindo, saiu da sala e foi para seu quarto. Sua m��e, intrigada,

ficou imaginando que surpresa poderia ser aquela. Conversou com o

marido e marcou um almo��o para o domingo seguinte. Fiquei feliz a r a

43

As chances que a vida d��

o convite e, rindo, respondi:

- Domingo �� um bom dia, P��ricles. Os meus pais e os seus poder��o

conversar a respeito do nosso namoro.

O pai de P��ricles estaria de folga, embora, como m��dico, nunca sabia

quando ficaria em casa pois poderia ser chamado a qualquer momento.

Ele trabalhava no ��nico e pequeno posto de sa��de que havia na cidade.

Conversei com meus pais e disse que n��o sabia qual seria essa surpresa,

e n��o menti, realmente n��o sabia.

- N��o ficou preocupada, Mar��lia? N��o imaginou que ele poderia

querer desmanchar o namoro?

Mar��lia come��ou a rir:

- N��o, Flora! Nem por um minuto imaginei isso. Hav��amos espera-

do por tanto tempo que n��o seria justo se isso acontecesse.

- Pois se fosse eu teria feito uma hist��ria terr��vel na minha cabe��a. -

Flora disse, rindo.

Mar��lia, tamb��m rindo, continuou falando:

- Ainda bem que eu n��o tenho muita imagina����o para criar hist��rias.

Voltaram a tomar ch�� e a comer os doces e salgadinhos que estavam

sobre a mesa. Depois, Mar��lia continuou:

- No domingo eu e meus pais fomos para a casa de P��ricles, e tanto

dona Maristela, a m��e de P��ricles, como seu pai nos receberam de forma

muito am��vel. Dona Maristela havia preparado um almo��o delicioso, o que

nos mostrou o carinho com que ela havia preparado. Durante o almo��o nos

deliciamos e conversamos sobre v��rios assuntos. P��ricles, que sempre falou

muito, contou algumas coisas que havia acontecido durante o tempo em que

estudou na faculdade. Depois do almo��o e ap��s comermos a sobremesa,

fomos para a sala de estar. P��ricles, sempre muito carinhoso, disse:

- Sente-se ao meu lado, mam��e. Vou contar a surpresa que a senhora

est�� t��o curiosa para saber.

- N��o s�� ela, mas todos n��s, meu filho.

- Sei disso, papai, por isso vou ser breve. Eu e Mar��lia conversamos e

resolvemos marcar o nosso casamento para o ano que vem.

- Ano que vem? T��o cedo, meu filho?

44

Elisa Masselli

- Eu disse que a senhora podia n��o gostar, mas j�� esperamos muito.

Est�� na hora.

- Mas voc��s s��o ainda t��o jovens!

- Ele come��ou a rir, abra��ou e beijou a m��e que, emocionada, disse:

- Sabe, meu filho, n��o sei o que estou sentindo por saber que voc�� vai

sair de casa, mas, ao mesmo tempo, estou tranquila por saber que escolheu

a mo��a certa e que vai iniciar uma nova fam��lia. Espero que voc��s sejam

muito felizes, a ��nica coisa que me preocupa �� que voc��s s��o ainda muito





jovens.


- N��o somos t��o jovens assim, mam��e. Agora �� a hora certa.

- Meus pais tamb��m estavam surpresos pela rapidez com que tudo

aconteceu:

- Bem, tamb��m achamos que voc��s s��o muito jovens e que poderiam

esperar mais algum tempo, mas se acham que est�� na hora, o que vamos

fazer? Gosto de voc��, P��ricles, e sei que vai fazer minha filha muito feliz, e

isso �� o que importa.

- Obrigado, Excel��ncia, e pode ter certeza de que �� isso mesmo que vai

acontecer, eu e Mar��lia vamos ser muito felizes.

- Eu tamb��m estava surpresa, pois P��ricles n��o havia me dito que fa-

ria aquilo. Olhei para ele, que sorriu. Tamb��m sorri e fiquei calada, pois,

no fundo, bem l�� no fundo, era isso o que eu queria: me casar e ser feliz.

- P��ricles segurou minha m��o:

- Vamos ser felizes, Mar��lia. Pode ter certeza disso.

- Aquele ano foi dedicado �� prepara����o do casamento. Como minha

m��e n��o queria que eu fosse para muito longe, meu pai, que tinha com-

prado este terreno, conversou com meu sogro e os dois constru��ram esta

casa, que fica na esquina da pra��a, bem perto da casa de meus pais. No

dia em que fui ver a casa onde ��amos morar, me espantei com o tamanho.

- Quatro quartos, papai? Para que tantos? E esta sala t��o grande, para

que, papai?

- Para os meus netos, vou querer muitos e que tenham uma vida feliz

e confort��vel. Nesta sala, eles v��o poder brincar e correr �� vontade sem

perigo de se machucarem.





4 5


As chances que a vida d��

- Como nossas fam��lias eram conhecidas e respeitadas, nosso casamen-

to foi lindo e um acontecimento na cidade. Nossa lua de mel foi em Paris.

- Voc��s foram para Paris, Mar��lia?

- Fomos, sim, Flora. Foram vinte dias de sonho e de felicidade, que

nunca mais vou me esquecer.

- Que maravilha, Mar��lia! Nunca estive em Paris; ali��s, pensando

bem, nunca fui para lugar algum.

- Nunca viajou, Flora?

- N��o, nunca, Selma.

- N��o entendo isso, Flora. Voc�� sempre teve dinheiro, por que nunca

quis viajar, conhecer o mundo?

Esmeralda, demonstrando tristeza, foi quem respondeu:

- Flora nunca se interessou realmente em viajar. Sempre teve outras

coisas para pensar e planejar.

- Esmeralda sempre foi exagerada. Nunca viajei porque nunca senti von-

tade. Gosto de ficar em casa, lendo, ouvindo r��dio. Gosto da solid��o. Viajar ��

muito complicado: avi��o, hotel, malas; mas agora estou pensando, talvez eu

planeje uma viagem para Paris. Voc�� vai comigo, n��o vai, Esmeralda?

- Claro que sim, Flora. Sempre estive ao seu lado e vou continuar at��

quando Deus quiser. Estou feliz por voc��, finalmente, resolver continuar

com a sua vida que est�� parada h�� tanto tempo.

- Vou mudar totalmente, Esmeralda. Voc�� vai ver. Finalmente, en-

tendi o que voc�� sempre me falou. Realmente perdi muito tempo.

- Que bom, Flora. At�� que enfim voc�� resolveu come��ar a viver a vida!

- Bem, continue contando sua hist��ria, Mar��lia. O que aconteceu

depois que se casaram?

- Vou continuar, Flora. Desde que P��ricles voltou para a cidade, com

seu diploma, come��ou a atender pacientes ao lado do pai, mas teve difi-

culdades, porque as pessoas, por ele ser muito jovem, n��o confiavam na

sua capacidade. Por��m, aos poucos, ele foi conquistando clientes. Depois

de dois anos de casados eu ainda n��o havia engravidado, o que chamou a

aten����o n��o s�� minha e de P��ricles como tamb��m de toda a fam��lia, que

sempre vinha com aquela pergunta:

46

Elisa Masselli

- Ainda n��o est�� gr��vida, Mar��lia? N��o quer um filho? Quando as

crian��as v��o chegar?

- No come��o, n��o dei muita aten����o. Mas, com o tempo, e vendo

que n��o engravidava, aquela pergunta come��ou a me incomodar. Resol-

vemos ir para a Capital para eu me consultar com um colega de P��ricles

que havia se especializado em obstetr��cia. Depois de alguns exames foi

constatado que n��o t��nhamos problema algum e que, a qualquer mo-

mento, poder��amos engravidar. Voltamos para a cidade e continuamos

com a nossa vida, eu como professora e ele como m��dico. At�� hoje n��o

entendi o porqu�� de nunca ter tido um filho, j�� que n��o havia proble-

mas, mas eu e P��ricles sempre vivemos muito bem e fomos felizes. Vive-

mos juntos por dezoito anos. Algumas empresas vieram para c��, ent��o

a cidade cresceu e passou a n��o depender mais somente dos fazendeiros

que moravam ao seu redor. Um jovem prefeito foi eleito e mudou a cidade

completamente, criando pontos tur��sticos, o que atraiu muitas pessoas, as-

sim como aconteceu com voc��, Selma.

- Verdade, Mar��lia. Quando cheguei aqui estava perdida, nem ima-

ginava o que ia acontecer com a minha vida.

Selma disse isso olhando para Flora e Esmeralda, que tamb��m olha-

ram para ela. Mar��lia, sem imaginar o que havia acontecido na vida da-

quelas tr��s mulheres, continuou:

- P��ricles se dedicava muito ao seu trabalho, porque assim como

cuidava dos fazendeiros e de suas fam��lias, das pessoas de posses da ci-

dade, tamb��m cuidava do mais humilde agricultor e de todas as pessoas

que o procurassem.

- O que aconteceu com ele, Mar��lia?

Certa manh��, sentiu forte dor no est��mago, mas n��o ligou, disse que

era apenas um mal-estar, tomou um anti��cido e foi para o posto de sa��-

de. Durante v��rios dias a dor voltou e ele n��o ligou. Como em casa de

ferreiro o espeto �� de pau, quando resolveu se consultar e fazer alguns

exames j�� era tarde, estava com c��ncer no est��mago. Fomos para a Capi-

tal para que ele fizesse um tratamento, que n��o deu resultado. Depois de

seis meses ele morreu e me deixou sozinha. Sofri muito, fiquei sem ch��o

47

As chances que a vida d��

e n��o sabia como continuar minha vida sem ele. A ��nica coisa que eu

queria era tamb��m morrer para poder ir ao seu encontro. N��o entendia

por que um homem como ele, que sempre se dedicou a ajudar a quem

precisava, poderia morrer t��o cedo.

- Verdade, Mar��lia. Por tudo o que est�� nos contando, a morte dele

n��o foi certa nem justa.

- Pensei exatamente isso, Flora. Ele era muito novo e tinha muito o

que fazer. Por mais que eu tentasse, jamais conseguiria entender.

- Deve ter sido dif��cil mesmo, Mar��lia. N��o consigo imaginar o que

seria da minha vida sem Roberto.

- Foi, sim, Selma. Tanto que cheguei a pensar que n��o conseguiria

mais seguir em frente. N��o conseguia mais lecionar, coisa que, depois de

P��ricles, era o que eu mais amava. Eu me vi nesta casa imensa que tinha

sido constru��da para abrigar crian��as que nunca vieram. Vivia chorando e

me revoltei contra tudo, at�� contra Deus. Passava as noites acordada e dor-

mia pouco durante o dia. Quando acordada, sempre perguntava a Deus:

- Por que levou o meu amor? Logo ele que passou sua vida ajudando

a todos que precisavam e o procuravam? Um homem t��o jovem e feliz?

Enquanto outras pessoas, m��s e ego��stas, continuavam vivendo? N��o est��

certo, n��o!

- Deve ter sido muito dif��cil mesmo, Mar��lia.

- Foi, sim, Flora. Eu n��o entendia nem aceitava como a vida, para mim,

era t��o injusta e n��o queria mais viver. Todos os meus sonhos e desejos

tinham sido enterrados com P��ricles. Fiquei assim por mais de dois meses.

Meus pais tentaram me animar. Vieram em casa, queriam que eu fizesse

uma viagem para me distrair, mas eu n��o queria coisa alguma. Queria s��

chorar e pensar em P��ricles sem parar. N��o consegui voltar �� escola. N��o

sentia mais prazer em lecionar, em preparar as crian��as para o futuro, por-

que sabia que se preparar e estudar de nada adiantaria, pois a qualquer

momento elas poderiam morrer. Aqueles foram dias muito dif��ceis.

- Imagino como deve ter sido, Mar��lia...

- Pois ��, Esmeralda. A gente tinha tantos sonhos, tantos desejos. Eu

e P��ricles hav��amos planejado tantas coisas, viagens que far��amos, mas

48

Elisa Masselli

que sempre foram adiadas para depois e que nunca mais seriam realiza-

das, tantas conquistas para alcan��ar e, de repente, tudo se acaba e a vida

perde o sentido.

- Como eu disse, n��o consigo me ver sem Roberto e Carlos. Quanto

tempo demorou para voc�� voltar �� sua vida normal, Mar��lia?

- Quase seis meses. Embora eu n��o quisesse, pois n��o tinha a m��ni-

ma vontade de receber ningu��m ou mesmo de conversar, mas as pessoas

insistiam em me visitar. Professoras da escola, minhas amigas, prepara-

vam as crian��as, que vinham at�� aqui, faziam versinhos, cantavam musi-

quinhas; mas nem aquilo, embora eu tenha achado lindo, me comoveu e

me tirou daquela situa����o em que eu me encontrava. Meu ��nico desejo

era ficar ali, quieta, somente esperando a morte chegar. Muitas pessoas

vieram me visitar. Minha m��e estava sempre ali, tentando me animar,

mas, por mais que ela e todos tentassem, nada conseguia me tirar daque-

la apatia, daquele desejo de ficar sozinha e de s�� pensar nele. A ��nica que

n��o veio foi minha sogra. Eu, quando pensava nela, entendia, sabia que

assim como eu ela devia estar sofrendo muito, pois se eu havia perdido

o meu marido, ela tinha perdido um filho e, para uma m��e, n��o existe

dor maior e n��o h�� como aceitar. Sabia que se para mim estava sendo t��o

dif��cil, para ela era pior. Ela n��o tinha como aceitar. Ela sempre gostou

de mim e tamb��m me tratou como filha. Achei que ela n��o tinha vindo

porque n��o queria que eu a visse sofrendo. Em uma manh��, eu estava

deitada, sem vontade de me levantar, tomar banho ou ao menos sair para

o quintal para respirar ar puro, quando a porta se abriu, e ela, minha so-

gra, acompanhada por minha m��e, entrou no quarto. Tanto uma como a

outra tinham a chave da minha casa. Eu j�� estava ali por v��rios dias, com

a janela fechada, pois s�� queria ficar no escuro, quieta, apenas deitada no

lado da cama em que P��ricles dormia. Queria ficar sentindo seu cheiro,

sua presen��a. Achava que se fizesse aquilo poderia estar ao lado dele.

Quando as vi, estremeci, me sentei na cama e perguntei:

- O que est��o fazendo aqui?

- Levante-se, Mar��lia. Viemos tomar um caf�� com voc��! Olhe como

o dia est�� lindo! �� um presente de Deus para todos n��s. Quem est�� feia ��

49

As chances que a vida d��

voc��! Este quarto e voc�� est��o com um mau cheiro horr��vel e precisando de

sol, de ar puro!

- Enquanto dizia isso, abriu as cortinas e o sol invadiu meu quarto.

Por estar no escuro durante muito tempo, fui obrigada a fechar os olhos.

Depois, rindo, perguntou:

- N��o est�� feliz em nos ver?

- Na realidade eu n��o estava feliz, pois n��o estava disposta a ver nin-

gu��m, mas n��o podia ser mal educada com ela, que sempre me tratou

com tanto carinho, como filha. Antes de responder, com a claridade do

sol consegui v��-la perfeitamente. Fiquei ali, parada, olhando para ela e

tentando entender o que estava acontecendo. Ela estava linda, maquia-

da, com os cabelos arrumados e com um lindo vestido de uma estampa

colorida. Olhando para ela, pensei:

Essa mulher n��o pode estar dessa maneira, depois de ter perdido o

filho. Como ela pode estar t��o bem? A dor deve t��-la deixado louca!

- Ela, sem saber o que eu estava pensando, voltou a perguntar:

- N��o est�� feliz em nos ver, Mar��lia?

- Claro que estou, dona Maristela, mas s�� um pouco intrigada.

- Intrigada com o qu��?

- A senhora, desde que P��ricles morreu, nunca tinha vindo me visitar.

- Nem voc�� foi me visitar. Esqueceu de que eu sou a m��e dele e que

tamb��m poderia estar sofrendo?

- Envergonhada, tentei me defender:

- Ele era meu marido e a senhora sabe como eu o amava...

- Verdade, mas eu sou a m��e e o amo muito tamb��m.

- N��o estou entendendo, a senhora est�� falando como se ele n��o tivesse





morrido...


- Na realidade, ele n��o morreu, somente voltou para o seu verdadeiro

lar e est�� esperando chegar o nosso dia. A morte n��o existe, Mar��lia, �� ape-

nas uma viagem que todos n��s teremos, um dia, de fazer.

- Revoltada, gritei:

- Como a senhora pode estar assim?

- Assim como, Mar��lia?

50

Elisa Masselli

- Toda maquiada, com os cabelos arrumados e com esse vestido estam-

pado com cores vivas. Nem parece que perdeu seu filho, assim como perdi

meu marido!

- Ela, olhando nos meus olhos, respondeu:

- Eu n��o perdi meu filho e voc�� n��o perdeu seu marido. Ele apenas fez

uma viagem para um lugar para onde todos n��s, um dia, iremos tamb��m.

- O que a senhora est�� dizendo? Enlouqueceu?

- N��o estou louca, s�� vejo a morte de uma maneira diferente de voc��.

Para mim ela �� uma ilus��o, n��o existe. E P��ricles continua vivo, s�� que

vivendo em outra dimens��o. Sonhei com ele esta noite, estava lindo e feliz

ao lado de minha irm��, Zenaide.

- Por causa de um sonho a senhora acha que ele est�� vivo?

- Ela sorriu, se aproximou e me pegando pelos bra��os fez com que

eu me levantasse e foi dizendo:

- Venha tomar um banho, vai se sentir melhor.

- Eu me levantei e, sem ter op����o, entrei no banheiro, abri o chuveiro

e fiquei l�� por muito tempo. Ainda n��o estava entendendo o que estava

acontecendo e pensei:

Preciso fazer o que elas querem, sen��o n��o ir��o embora.

- Quando terminei de tomar banho, realmente, me senti melhor. Fui

at�� a cozinha e encontrei a mesa posta e as duas conversando anima-

damente. Devagar e desconfiada, entrei. Assim que minha m��e me viu,

sorrindo, disse:

- Venha, minha filha, sente-se. Preparamos o caf�� da maneira que

voc�� gosta. Eu trouxe bolo e p��o e Maristela trouxe frutas. Voc�� precisa se

alimentar, est�� muito abatida.

- Sentei-me, coloquei caf�� com leite na x��cara, peguei um peda��o do

bolo de laranja que minha m��e sabia que eu gostava e, em sil��ncio, co-

mecei a comer e a beber. Eu n��o entendia o que estava acontecendo, por

isso me calei. S�� queria que fossem embora. Elas, ao contr��rio de mim,

enquanto comiam e bebiam, conversavam alegremente. Eu continuava

sem entender aquela situa����o que, para mim, parecia sem cabimento.

Minha sogra disse:





5 1


As chances que a vida d��

- Sabe, Mar��lia, eu e sua m��e estivemos conversando e resolvemos

fazer uma viagem por vinte ou trinta dias pela Europa. Ir at�� Roma, Paris

e, quem sabe, darmos uma escapadinha para Lisboa. Essas cidades, por

coincid��ncia, n��s duas adoramos. Nelas, podemos reviver a Hist��ria. O

dif��cil vai ser convencer seu pai e seu sogro.

- �� verdade, filha. Seu pai, apesar de ter se aposentado, n��o consegue

largar os livros e ainda est��, de vez em quando, ajudando o juiz Eduardo.

Ele veio da Capital para assumir o lugar de seu pai. Como ele �� ainda mui-

to jovem, algumas vezes tem dificuldade e seu pai sempre o ajuda.

- O mesmo acontece com Alencar, vai ser dif��cil convenc��-lo. Sempre

quisemos fazer uma viagem como essa e sempre adiamos, ach��vamos que

t��nhamos bastante tempo. Agora, acho que est�� na hora. Depois que o hos-

pital da cidade foi constru��do, vieram novos m��dicos e ele est�� atendendo

a poucos pacientes. Vai poder tirar alguns dias para que possamos viajar.

Voc�� n��o quer ir, Mar��lia?

- Eu estava confusa com aquela situa����o. Nervosa, respondi:

- N��o! N��o quero viajar! Quero ficar em paz, aqui na minha casa! N��o

estou entendendo como podem ficar calmas assim, parecendo que nada acon-

teceu! Meu marido e seu filho morreu, dona Maristela! Ser�� que a senhora n��o

est�� dando aten����o a isso, n��o est�� sentindo? N��o gostava de seu filho?

- Para minha surpresa, ela, sorrindo, disse:

- Demonstrar sofrimento, chorar e se lastimar n��o significa que voc��

gostava dele mais do que eu. Eu n��o gostava do meu filho, eu o amei desde

o dia em que soube que estava gr��vida e durante toda sua vida e, agora,

eu o amo ainda mais. Por am��-lo muito �� que n��o fico chorando, sofrendo

e me revoltando. Como sempre quis que ele fosse feliz, agora quero muito

mais e isso s�� vai acontecer se ele souber que estou bem; caso contr��rio, se

souber que estamos sofrendo, que paramos nossas vidas, tamb��m sofrer�� e

n��o conseguir�� continuar sua miss��o na Espiritualidade.

- Como assim "souber"? O que a senhora est�� falando? Ele est�� morto!

- N��o, ele n��o est�� morto, Mar��lia. Ele simplesmente est�� vivendo em

outro plano e, como eu j�� disse, est�� em um lugar para onde todos n��s





iremos um dia.


52




Elisa Masselli

- N��o estou entendendo. De onde a senhora tirou essa ideia?

- J�� h�� algum tempo, tenho estudado a Doutrina Esp��rita e com ela es-

tou aprendendo muitas coisas que est��o me ajudando a viver e a entender

alguns fatos que aconteceram e acontecem e que, provavelmente, ainda v��o





acontecer na minha vida.


- Doutrina Esp��rita? Aquela em que as pessoas dizem que conversam

com os mortos?

- Ela, rindo, tirou da bolsa alguns livros e, colocando sobre a mesa, disse:

- Essa mesma. Por��m, n��o �� bem assim como est�� pensando. Trouxe

estes seis livros. Como voc�� est�� se recusando a sair de casa, se quiser, co-

mece a ler. Seria interessante que come��asse por este e depois lesse com

aten����o, com vontade de entender e de aprender, estes outros.

- Peguei o livro que estava sobre os outros, em minhas m��os, e,

olhando para a capa, li: Nosso Lar1.

- �� este que a senhora quer que eu leia primeiro? Por qu��?

- Por que nele voc�� vai encontrar muitas respostas, eu diria at�� que para

todas as perguntas que est�� se fazendo neste momento. Depois que terminar

de ler, se quiser, poderemos voltar a conversar. Se ainda estiver interessada

em ler e saber mais, leia estes outros cinco. Eles foram deixados por Allan

Kardec. Neles est��o a base da doutrina. Garanto a voc�� que, quando termi-

nar de ler, vai entender o porqu�� de eu estar da maneira como estou.

- Coloquei o livro sobre a mesa e, ainda nervosa com tudo aquilo, disse:

- Desculpe-me, mas n��o vou ler. N��o tenho inten����o alguma de mu-

dar de religi��o.

- Em que momento eu disse que era para voc�� mudar de religi��o? N��o

disse e nem vou dizer. Voc�� est�� feliz na sua religi��o, que bom! Continue

nela. S�� estou pedindo que leia estes livros. Isso, tamb��m, se quiser. S�� posso

dizer que, ao ler, vai ter todas as respostas que procura. Depois, se quiser

nos acompanhar, eu e sua m��e estamos indo a um centro esp��rita.

- Ao ouvir aquilo, olhei para minha m��e e, ainda nervosa, perguntei:

- A senhora est�� indo a um lugar desses?

1 - XAVIER, Francisco C��ndido. Pelo esp��rito Andr�� Luiz. Nosso Lar. S��o Paulo: FEB, 1944. (N-E.) 53

As chances que a vida d��

- Estou, filha. Tamb��m n��o aceitei muito bem a morte de P��ricles. Ele

era muito jovem e tinha tanto ainda para fazer. Ali��s, nunca entendi ao ver

jovens morrerem enquanto velhos que j�� viveram tudo o que tinham para

viver continuarem vivos. Para mim, isso tudo era muito dif��cil de compre-

ender. Conversei com Maristela, que me falou a respeito dessa doutrina e

me deu esses mesmos livros para que eu lesse. Li e, realmente, tive todas as

respostas. Agora, estou indo com ela a esse centro esp��rita, estudando muito

para poder saber mais. Leia, Mar��lia. No m��nimo, voc�� vai se distrair.

- N��o estou em condi����es de ler. Sei que n��o vou conseguir me

concentrar.

- Tem raz��o. Mar��lia. Realmente �� muito dif��cil. Por��m, se conseguir,

vai se sentir muito bem. Agora, precisamos ir embora.

- A senhora tamb��m vai embora, mam��e?

- Preciso ir, seu pai est�� esperando por mim. Voc�� sabe que ele n��o





gosta de ficar sozinho.


- Sua m��e deixou voc�� sozinha, mesmo sabendo o quanto estava

desesperada, Mar��lia?

- Deixou, Selma. Mais tarde, depois que tudo passou, elas me con-

taram que haviam combinado. Disseram que eu precisava ficar sozinha

para me interessar em ler os livros.

- Voc�� leu?

- Depois que elas sa��ram, fiquei inconformada. Eu n��o entendia e

n��o aceitava a atitude de minha sogra e, agora, a de minha m��e. Parecia

que elas n��o se importavam com a morte de P��ricles. Assim que sa��ram,

sem olhar para os livros, voltei para o meu quarto. L�� era o ��nico lugar

que eu queria estar e onde me sentia protegida, pois l�� ainda sentia o

cheiro de P��ricles. Claro que isso n��o era verdade. Fazia muito tempo que

ele j�� tinha morrido, mas, na minha cabe��a, o cheiro dele ainda estava l��.

Fiquei por algum tempo deitada e chorando. N��o entendia coisa alguma

daquilo que minha sogra havia dito. S�� o que eu sabia era que P��ricles

havia morrido e que eu estava sem ele. N��o sei precisar quanto tempo se

passou, s�� sei que, de repente, senti vontade de me levantar. Levantei-me e

fui para o quintal. Olhei para o c��u, que estava lindo. Fiquei ali, quieta, sem

54

Elisa Masselli

nem mesmo pensar. Estava extasiada com a beleza daquele dia. Entrei em

casa e, quando estava passando pela sala, vi os livros sobre a mesa. Peguei

aquele que minha sogra havia dito que era para eu ler primeiro. Com ele

n��o m��o voltei para o meu quarto, me deitei e, sem muita vontade, come-

cei a ler. Aos poucos, fui vendo que ele falava da morte, por��m, de uma

maneira diferente. N��o consegui parar de ler. Aquele livro parecia ter sido

escrito para mim. Terminei de ler no dia seguinte pela manh�� quase na

hora do almo��o e, com ele ainda na m��o, pensei:

Ser�� que isso �� verdade? Ser�� que aqueles que morrem aqui continuam

vivendo em outro lugar?

- Acreditou mesmo no que leu, Mar��lia?

- Confesso que fiquei intrigada, Flora, e pensei que se tudo aquilo

que estava escrito naquele livro fosse verdade, a vida seria bem diferente

do que aquela que eu conhecia at�� ent��o. Nele, estava escrito que somen-

te o perd��o pode nos levar at�� Deus. Al��m de que somente n��s somos

respons��veis por nossos atos e que tudo o que fizermos de bom ou de

ruim retornar�� para n��s mesmos na mesma propor����o.

- Perd��o? Voc�� acredita que todos n��s podemos perdoar o mal que

o outro nos fez?

- Acho que em algumas ocasi��es �� dif��cil, mas sempre �� poss��vel,

Flora. Sinceramente n��o posso saber porque nunca tive de perdoar nin-

gu��m. Jamais algu��m me fez algum mal que, realmente, me prejudicasse.

Mas hoje, depois de ter aprendido e aceitado a doutrina, creio que con-

seguiria perdoar, sim.

- Eu n��o sei se conseguiria perdoar algu��m que me magoou ou que

ainda vai me magoar.

Esmeralda olhou para Selma, que baixou os olhos. Ela sentiu um ar-

repio correr por seu corpo, mas Esmeralda conseguiu afastar o mal-estar.

Selma, levantando os olhos, disse:

- A tia do meu marido seguia essa religi��o. Ela me disse que temos

o livre-arb��trio e com ele podemos fazer nossas escolhas. Disse tamb��m

que existe a Lei do Retorno, pela qual tudo o que fizermos de bom ou de

ruim retornar�� na mesma propor����o. Por isso, tudo o que nos acontece





5 5


As chances que a vida d��

ser�� sempre de nossa responsabilidade e o resultado de nossas escolhas.

N��o adianta tentarmos culpar outra coisa ou outras pessoas.

- Quer dizer que se algu��m fizer algo muito ruim que nos magoe,

ofenda e nos fa��a sofrer, n��o precisamos nos preocupar nem tentar nos

vingar porque esse algu��m pagar�� pelo que fez?

Mar��lia, sem saber o que havia acontecido na vida dela, respondeu:

- Isso mesmo, Flora. Por isso que em qualquer situa����o precisamos

perdoar para, assim, n��s, que ��ramos v��timas, n��o nos tornarmos os

agressores. Precisamos deixar que a Lei Divina caminhe, e ela caminha.

Esmeralda, percebendo que aquela conversa estava tomando um

rumo perigoso, disse:

- Mar��lia, sua hist��ria �� linda. O que aconteceu em seguida?

- Depois de terminar de ler, resolvi que precisava saber mais.

Olhei para o rel��gio e vi que faltavam quinze minutos para o meio-

-dia, hora em que na casa da minha sogra o almo��o era servido. Tro-

quei de roupa e fui para a casa dela. Estranhamente, naquela manh��

eu estava com fome. Era a primeira vez que eu sa��a de casa desde a

morte de P��ricles. Assim que ela me viu, sorrindo, abriu os bra��os

para me receber:

- Mar��lia, que bom que veio! Parece at�� que eu sabia que viria. Pedi

que a Neusa preparasse o macarr��o que voc�� tanto gosta!

- Que bom! Obrigada, dona Maristela! Agora, vamos almo��ar?

- Depois de muito tempo, foi a primeira vez que comi muito bem.

Ap��s o almo��o, conversei com ela sobre o livro e disse que queria saber

mais daquela doutrina que at�� ent��o havia sido t��o discriminada por

mim. Ela, rindo, disse:

- N��o se preocupe com a discrimina����o, pois, na hora certa, quem

precisa chega at�� ela. Agora, se quer saber mais, precisa estudar muito.

Por isso deixei os outros livros. Com eles voc�� vai ter toda base que precisa.

Por��m, se quiser mais, hoje �� tarde eu e sua m��e vamos ao centro esp��rita,

se quiser poder�� ir conosco.

- Espere um pouco, Mar��lia. Antes que voc�� continue a contar preci-

so ir at�� o galp��o ver como as meninas est��o.

56

Elisa Masselli

- V��, Selma, mas volte logo. Estamos ansiosas pelo resto da hist��ria.

- Voltarei, sim, Flora.

Apressada, Selma saiu. Flora, Esmeralda e Mar��lia serviram-se de

mais ch�� e guloseimas.

57



A Espiritualidade trabalhando

Sem que elas imaginassem, duas entidades estavam ali, vestidas com

jalecos brancos. A mulher perguntou:

- Lembra-se desse dia, P��ricles, em que eu trouxe voc�� para visitar

Mar��lia?

- Lembro, Zenaide. Nunca poderei esquecer. Quando acordei aqui

n��o entendi o que estava acontecendo. Embora soubesse da minha do-

en��a e que poderia morrer a qualquer momento, n��o conseguia aceitar

que estava morto, pois me sentia vivo. N��o conseguia aceitar ter deixado

Mar��lia sozinha, sabia o quanto ela devia estar sofrendo. Mas voc��s me

disseram que eu n��o poderia me aproximar dela, pois ainda estava muito

revoltado.

- Verdade, P��ricles. E, como n��o aceitava, suas energias fariam mais

mal do que bem a ela.

- Voc�� e todos os outros ficaram ao meu lado me confortando e me

mostrando o que havia acontecido em outras encarna����es. Eu, Mar��lia e

a nossa fam��lia sempre estivemos juntos, uns ajudando os outros. Desta

vez, Mar��lia trouxe uma miss��o importante n��o s�� para ela como para

58

Elisa Masselli

outros esp��ritos que estavam renascidos e que ainda iriam renascer. Ela

escolheu ajud��-los. Todos n��s renascemos somente para ajud��-la e aos ou-

tros que ficaram pelo caminho. Fiquei pouco tempo ao lado dela, porque

precisava continuar minha miss��o, como m��dico, na Espiritualidade.

- Foi isso o que aconteceu. Depois de conhecer o passado e saber

da import��ncia de sua miss��o, Mar��lia demorou algum tempo mas aos

poucos foi aceitando.

- Lembro-me bem desse tempo, Zenaide. Via Mar��lia sofrer tanto

que s�� me restava pedir a voc�� que me trouxesse at�� aqui para v��-la e de

alguma maneira poder ajud��-la, confort��-la. Naquele dia eu estava me

sentindo muito mal, porque o sofrimento dela me atingia e fazia com

que eu sofresse muito. Foi quando voc�� chegou, me chamou e disse:

- Chegou a hora, P��ricles. Precisamos nos preparar.

- Intrigado, perguntei:

- Preparar para qu��? Vamos visit��-la?

- Sim. Hoje, voc�� est�� bem e esclarecido, e Mar��lia est�� precisando de

nossa ajuda. Est�� chegando a hora de come��ar sua miss��o.

- Aquela not��cia era t��o boa e importante que custei a acreditar, por

isso voltei a perguntar:

- Est�� dizendo que poderei ir v��-la, Zenaide?

- Sim, P��ricles, voc�� est�� pronto para ficar ao lado dela e ajud��-la.

- Estou muito feliz! Embora eu desejasse muito, nunca imaginei que

este dia chegaria!

- Sei disso. Eu sempre disse que chegaria o dia e que voc�� precisava ter

paci��ncia. O dia chegou!

- Fiquei muito alegre, me preparei muito. Queria que tudo fosse per-

feito e, antes de sairmos, perguntei:

- Como vai ser feito?

- Vamos falar com Maristela, que foi sua m��e nessa encarna����o.

- Minha m��e?

- Sim. Quando voc�� voltou para a Espiritualidade, ela ficou desespera-

da e encontrou consolo em uma doutrina.

- Que doutrina?

59

As chances que a vida d��

- Doutrina Esp��rita.

- Eu ouvi falar qualquer coisa a respeito dessa doutrina, mas nunca





me interessei em saber mais.


- Foi uma pena, pois se tivesse se interessado, quando chegou aqui tal-

vez n��o tivesse levado tanto tempo para entender o que estava acontecendo.

- Por que, quando cheguei aqui, nunca me falaram sobre essa doutrina?

- Existem muitas religi��es, por isso, n��o podemos falar de nenhuma. A

maioria das pessoas, quando chegam aqui, trazem suas cren��as enraizadas

e se assustariam se come����ssemos a falar sobre uma s��, sobre esp��ritos e re-

encarna����o. Por isso, damos um tempo. Cada uma continua seguindo sua

religi��o e, quando entendem que j�� desencarnaram mas que a morte n��o

existe, chegou a hora de conversarmos sobre a Espiritualidade.

- Foi isso o que fizeram comigo?

- Sim. Hoje voc�� ainda tem muita coisa para entender, mas n��o vai

ser agora nem aqui. Vamos falar com sua m��e e voc�� vai saber do que





estou falando.


- Vamos aparecer na frente dela? Ela vai se assustar!

- Claro que n��o. Vamos falar enquanto ela estiver dormindo.

- Enquanto ela estiver dormindo, como?

- Sim. E quando acordar vai dizer que sonhou. Quando dormimos

aqui ou em qualquer lugar, nosso esp��rito se liberta e pode ir para onde qui-

ser e puder. S��o nesses momentos que podemos falar com quem quisermos.

- Estou curioso para ver isso acontecer, Zenaide.

- Vai ver. Agora vamos?

- Quando chegamos j�� era alta hora da madrugada. Fomos direto

para a casa dos meus pais. Assim que entramos no quarto, percebemos

que ambos dormiam tranquilamente. N��s nos aproximamos e voc�� cha-

mou minha m��e pelo nome:

- Maristela, acorde.

- Fiquei assustado porque ela, embora estivesse dormindo, abriu os

olhos, sorriu e, parecendo muito feliz, perguntou:

- Filho, voc�� est�� aqui?

60

Elisa Masselli

- Emocionado e me esfor��ando para conter as l��grimas, respondi:

- Sim, mam��e. Vim visitar a senhora e o papai.

- Que felicidade, meu filho! Voc�� est�� lindo! Est�� bem? Morro de saudade...

- Estou bem, mam��e. S�� n��o estou melhor por causa de Mar��lia. Ela

n��o est�� bem e precisa da nossa ajuda.

- Sei que ela n��o est�� bem, mas n��o sei como conversar com ela e tir��-

-la daquela situa����o. Ela n��o aceita sua morte, filho.

- �� por isso que estamos aqui, Maristela.

- S�� naquele momento, minha m��e viu voc�� e quase gritou:

- Zenaide! Voc�� tamb��m est�� aqui?

- Estou, minha irm��, e tenho estado ao seu lado durante todo o tempo.

- Minha irm�� querida! Como voc�� est��? E a mam��e e o papai?

- Estamos todos bem e nos preparando para uma nova encarna����o.

- Estou muito feliz em saber que est�� ao lado do meu filho. Pedi tanto

por isso. N��o queria que ele ficasse sozinho.

- Ele n��o est�� e nunca esteve sozinho. Temos muitos amigos aqui.

- Gra��as a Deus! Quando voc�� morreu, eu, mam��e e papai ficamos

desesperados e demorou muito para aceitarmos. Voc�� era uma jovem t��o





linda e tinha tantos sonhos...


- Mas foi tamb��m naquele tempo que voc��s se aproximaram da dou-

trina e entenderam que tudo est�� sempre certo, n��o foi?

- Foi sim, e como sou agradecida. Se n��o fosse por ela, acho que ainda

hoje estaria desesperada e mam��e e papai tamb��m. Quando P��ricles mor-





reu eu teria ficado louca.


- Como voc�� passou por tudo isso e sabe como �� dif��cil este momento,

�� que estamos aqui. Sabendo como �� dif��cil, vai poder nos ajudar a ajudar

Mar��lia.

- Claro que sim! O que preciso fazer?

- Precisa conversar com Berta, e voc��s duas precisam ir �� casa de Mar��-

lia. Deixem alguns livros e pe��am que ela os leia. Conversem com ela, tentem

anim��-la. O resto deixe por nossa conta. Eu e P��ricles ficaremos ao lado de

voc��s e as ajudaremos. Mar��lia tem uma miss��o importante e precisa come��ar.

- Claro que vou fazer isso! Vou telefonar agora mesmo para Berta!





6 1


As chances que a vida d��

- Zenaide come��ou a rir:

- S��o tr��s horas da manh��, Maristela. Voc�� e ela est��o dormindo. Vai

fazer isso amanh�� quando acordar.

- S�� naquele momento, Maristela lembrou-se que estava dormindo

e, rindo, disse:

- �� verdade, Zenaide.

- Feche os olhos, Maristela e, quando acordar, saber�� o que fazer.

- Na manh�� seguinte, Maristela, ao acordar, achou que havia sonha-

do com voc�� e comigo, n��o se lembrava do que havia acontecido nem do

que hav��amos conversado, mas sentiu uma vontade enorme de conversar

com Mar��lia e de pedir ajuda a Berta. Telefonou para Berta, conversaram

e foram para a casa de Mar��lia.

- Lembro-me bem. Elas foram para l�� e n��s tamb��m. Maristela, sob

sua influ��ncia, disse tudo o que Mar��lia precisava ouvir e deu certo.

- Verdade, P��ricles. Olhe, Selma est�� voltando, vamos continuar ou-

vindo Mar��lia.

62



In��cio de miss��o

Ap��s alguns minutos, Mar��lia retornou e sentando-se disse:

- Est�� tudo bem l�� no galp��o. Sandra est�� com as meninas e tem

tudo sob controle.

Flora largou sobre a mesa a x��cara de ch�� e disse:

- Pode continuar a contar, Mar��lia. Como foi que o orfanato surgiu?

- Daquele dia em diante, continuei lendo e estudando a doutrina.

Quanto mais estudava, mais encontrava minhas respostas. Aprendi, com a

doutrina, que todos n��s nascemos com uma miss��o e que, quando menos

esperamos e na hora certa, ela aparece. Sempre gostei de lecionar e achava

que essa era a minha miss��o, por isso voltei a realizar esse trabalho. Con-

tinuei lecionando, estudando a doutrina e vivendo minha vida por mais

dois anos. Hoje, acho que foi o tempo que precisei para estar pronta para

minha miss��o. Eu sentia que esta casa era muito grande para mim, que vi-

via sozinha, ent��o pensei em morar em um local menor. Em um domingo

em que eu e meus sogros almo����vamos na casa dos meus pais eu disse:

- Estive pensando em vender a minha casa, pois ela est�� muito grande

para mim, acho que seria melhor eu me mudar para uma casa menor.

63

As chances que a vida d��

- Pode vir morar aqui em casa, minha filha.

- Obrigada, mam��e. Mas fiquei tanto tempo na minha casa com mi-

nhas coisas que acho que seria dif��cil morarmos juntos. Eu amo a senhora

e o papai, mas prefiro morar na minha pr��pria casa.

- Eu poderia convidar voc�� para morar na nossa casa, Mar��lia, mas

acho que tem raz��o. Acostumou-se a ter sua casa e suas coisas.

- Ela tem raz��o, Berta. S�� acho que n��o �� preciso vender a casa. Temos

aquela da esquina que �� pequena e fica logo ali.

- Seu pai tem raz��o. Morando nessa casa aqui perto ser�� melhor e

poderemos nos ver sempre que quisermos.

- Obrigada, dona Maristela. Acho que ser�� bom mesmo; por��m, como

a casa est�� fechada h�� muito tempo, vou continuar na minha casa at�� que





ela seja reformada.


- Meu pai ficou radiante:


- Que bom, filha. Amanh�� mesmo vou cuidar disso.

- No dia seguinte a essa decis��o de me mudar, pela manh��, quando

acordei e como fazia todos os dias, sa�� para o quintal para ver como es-

tava o dia e regar o meu jardim e uma pequena horta. Estava regando,

quando algu��m bateu palmas. Abri o port��o e vi uma jovem que segura-

va uma menina pela m��o. Assim que ela me viu, disse:

- Bom dia, senhora. Meu nome �� Rita e essa �� minha filha, Sandra.

- Olhei para a menina, que parecia ter seis ou sete anos. Voltei os

olhos para a senhora, que continuou:

- Meu marido morreu, n��o consegui pagar o aluguel e fui despejada.

N��o tenho para onde ir e levar minha filha. Algu��m me disse que a se-

nhora est�� procurando uma empregada. Ser�� que me aceitaria, em troca

de casa e comida para n��s duas?

- Fiquei chocada pela situa����o daquela mulher, t��o jovem e com um

problema t��o grave quanto aquele e, embora eu na verdade n��o houvesse

pensado em contratar uma empregada, pois tinha resolvido que deixaria

para quando me mudasse para a outra casa, respondi:

- Dentro de no m��ximo um m��s estou mudando de casa, mas para

onde eu vou tem dois quartos e um pode ficar para voc�� e essa menina lin-

64

Elisa Masselli

da. Al��m de poder morar l�� voc�� receber�� um sal��rio para poder comprar

o que quiser ou guardar para poder alugar uma casa e morar sozinha.

- Obrigada, senhora! Eu estava desesperada e achava que n��o tinha

como resolver, como dar um lugar para que minha filha vivesse...

- Fiquei calada, apenas sorri e pensei naquilo que havia aprendido

na doutrina.

- E o que foi, Mar��lia?

- Aprendi que nunca estamos s��s e que, quando precisamos, a ajuda, de

alguma maneira, sempre vem. Ainda sorrindo, pedi que entrasse. Ela e a filha

est��o aqui at�� agora. Sandra, sua filha, estudou e est�� terminando o magist��rio, vai ser professora. Eu fiz de tudo para que nada lhe faltasse, sempre a considerei como se fosse minha filha. Daquele dia em diante, Rita se tornou meu

bra��o direito. Sempre esteve ao meu lado nos bons e nos maus momentos. O

tempo passou. A casa para onde eu iria foi sendo reformada. Aquela manh��,

como costumava fazer todos os dias, me levantei e fui para o jardim. Eu n��o

me importava de mudar de casa, s�� sabia que sentiria muita falta do meu jar-

dim. Estava ali, sentada em um banquinho que ficava perto do port��o, quando

Rita trouxe uma x��cara com caf��. Como de costume, ela sentou-se ao meu

lado, quando ouvimos o choro de uma crian��a que vinha do lado de fora da

casa. Nos levantamos, Rita abriu o port��o e vimos que o choro vinha de uma

cesta que fora deixada ali. Ela foi mais r��pida, e surpresa disse:

- D�� uma olhada no que tem nesta cesta, dona Mar��lia!

- Olhei e, tamb��m assustada, disse:

- Duas crian��as, Rita! N��o sei o que fazer.

- Rita olhou para dentro da cesta e, rindo, disse:

- Vamos lev��-las para dentro. Depois a senhora vai chamar seu sogro.

Ele �� m��dico e vai saber o que fazer.

- Foi o que fizemos. Ela pegou a cesta e entramos em casa. Eu, como

se fosse tamb��m uma crian��a, apenas a segui. Fomos para o meu quarto.

Ela tirou as crian��as da cesta e vimos um papel onde estava escrito:

Estou doente e n��o tenho como cuidar das minhas filhas. N��o sou da

cidade, mas vi que esta casa �� muito grande e que vai ter um lugar para

elas crescerem felizes. Por favor, cuidem delas.

65

As chances que a vida d��

- O papel estava mal escrito, mostrando que a m��e deveria ter estu-

dado pouco. Fiquei emocionada:

- Duas meninas, Rita? Pobre mulher! Como deve ter sido dif��cil para





ela abandonar as filhas.


- Deve ter sido muito dif��cil, dona Mar��lia, e parecem ser rec��m-nasci-

das. Telefone para seu sogro, ele vai saber o que fazer.

- Ainda muito nervosa, telefonei para a casa da minha sogra e, com

voz tr��mula, contei o que estava acontecendo. Ela atendeu e, depois de

me ouvir, disse:

- N��o fique nervosa, Mar��lia. Estamos indo para a��.

- Chegaram logo depois. Durante o tempo em que os aguardava,

resolvi:

- Quero ficar com essas meninas, Rita, mas vou precisar de ajuda. N��o

sei como cuidar de crian��as rec��m-nascidas...

- Rita sorriu e disse:

- E o que estou fazendo aqui, dona Mar��lia? Elas s��o mesmo muito pe-

quenas, mas, se a senhora quiser, vou ficar aqui e ajudar no que for preciso.

- Meus sogros chegaram. Ele examinou as crian��as e disse:

- Parece que est��o bem. Devem ter no m��ximo dois dias de nascidas.

Precisamos lev��-las ao hospital para que fiquem em observa����o.

- Quero ficar com elas!

- Como, Mar��lia, o que est�� dizendo?

- Quero ficar com elas. Eu n��o tive filhos e elas me foram dadas de





presente.


- N��o sei como isso pode ser feito. O juiz �� seu pai. Enquanto elas esti-

verem no hospital, converse com ele, que saber�� o que fazer.

- Dona Maristela me abra��ou e disse:

- Vamos entregar nas m��os de Deus. Somente Ele sabe o que deve ser feito.

- Levamos as meninas para o hospital. Assim que elas foram aten-

didas e internadas, fomos para a casa dos meus pais. Contei o que havia

acontecido e terminei dizendo:

- Quero ficar com as meninas, papai. Elas s��o lindas!

- Meu pai, parecendo ter levado um susto, respondeu:

66

Elisa Masselli

- N��o pode ser, Mar��lia.

- N��o pode, por qu��?

- Voc�� �� sozinha e uma crian��a s�� pode ser adotada por uma fam��lia

constitu��da por pai e m��e. Acho que voc�� ainda n��o est�� bem.

- Isso �� um absurdo! Elas s��o um presente de Deus, papai! Eu n��o ter

marido nada quer dizer, o senhor sabe que tenho condi����es financeiras

para dar uma boa vida para essas meninas, que foram abandonadas t��o

pequenas. Elas ser��o muito felizes se ficarem aqui, comigo.

- Duas crian��as v��o dar muito trabalho. Acha que tem estrutura para

cuidar delas?

- Tenho. Al��m do mais a Rita vai me ajudar. E sei que, se precisar,

mam��e e dona Maristela me ajudar��o tamb��m.

- Olhei para elas, que sorriram e acenaram com a cabe��a dizendo

que sim. Poderei tamb��m contratar mais uma ou duas pessoas. Quero

ficar com elas.

- Voc�� est�� se esquecendo de que n��o sou mais juiz, minha filha. Preci-

sa conversar com o doutor Eduardo. Ele agora �� o juiz da cidade.

- O senhor pode falar com ele, j�� o conhece e pode convenc��-lo a deixar





que elas fiquem comigo.


- N��o, n��o! N��o posso interferir assim. Somente ele pode decidir. O

m��ximo que posso fazer �� ir com voc�� at�� o f��rum e conversarmos com ele.

Por��m, o que ele decidir estar�� decidido; n��o vou interferir.

- Desesperada, olhei para minha sogra e para minha m��e, que sor-

riram. Entendi que elas estariam ao meu lado. Meu pai me acompanhou

at�� o f��rum, onde o juiz Eduardo acabara de chegar. Assim que nos viu,

veio ao nosso encontro com um sorriso:

- Excel��ncia! O senhor por aqui? Veio matar a saudade?

- Meu pai tamb��m sorriu:

- N��o, n��o estou com saudade. Temos um assunto para tratar. Conhece

minha filha, Mar��lia?

- N��o, n��o a conhe��o. Prazer em t��-la aqui, senhora. Disse que tem um

assunto para tratarmos. Vamos entrar na minha sala?

- Entramos. Eu j�� a conhecia, pois papai por muitos anos a usara.

67

As chances que a vida d��

N��o era muito grande. Tinha uma mesa, tr��s cadeiras, um pequeno sof��

e uma estante com muitos livros. O juiz, antes de se sentar, nos apontou

as cadeiras para que nos sent��ssemos. N��s nos sentamos, meu pai con-

tou o que estava acontecendo, e eu terminei dizendo:

- Quero muito ficar com as meninas.

- Mas, a senhora �� vi��va, n��o ��?

- Sim, mas tenho muito amor e boas condi����es financeiras para cui-





dar delas.


- Ele pensou por alguns segundos e, olhando para meu pai, disse:

- Sinceramente, n��o sei como decidir. Nunca apareceu algo assim para

que eu julgasse. Sabemos que as crian��as precisam crescer em um lar sau-

d��vel, com pai e m��e. Preciso perguntar: se essa senhora n��o fosse sua filha,

o que faria, Excel��ncia?

- Provavelmente pensaria muito; mas, sendo minha filha, sei que vai

cuidar muito bem dessas crian��as. Por��m, a decis��o �� sua e acataremos.

- Ele voltou a pensar por algum tempo e, olhando para mim, disse:

- Vamos fazer o seguinte. Como a cidade n��o tem um orfanato para

onde possam ser levadas, elas podem ir para sua casa e, dentro de alguns

dias ou meses, vamos ver se ainda quer ficar com elas e se a m��e n��o apa-

rece. Voltaremos a conversar, est�� bem assim?

- Eu n��o consegui esconder a minha emo����o e felicidade. Agarrei a

m��o dele com minhas duas m��os e, seguindo um impulso, o abracei e

beijei seu rosto. Meu pai, envergonhado e nervoso, disse:

- Pare com isso, Mar��lia! Est�� diante de um juiz!

- Ao ouvir aquilo, tamb��m envergonhada, s�� me restou me desculpar

e agradecer. Uma mo��a entrou na sala e avisou que estava na hora do

pr��ximo julgamento. Sorrindo, ele estendeu a m��o, dizendo:

- Espero que d�� tudo certo. Sinto que essas crian��as ficar��o em boas m��os.

- Pode ter certeza de que farei o poss��vel e o imposs��vel para que isso aconte��a.

- Eu e meu pai sa��mos e fomos para casa. Minha m��e e dona Maris-

tela estavam ansiosas esperando pela nossa volta. Assim que entramos,

contamos tudo o que havia acontecido. Como n��o poderia deixar de ser,

elas ficaram muito contentes e dona Maristela, me abra��ando, disse:

68

Elisa Masselli

- Essas meninas v��o ser muito felizes. Para come��ar, vamos sair e com-

prar tudo o que elas precisam. Como aqui n��o temos uma boa loja para

beb��s, vamos at�� a cidade pr��xima, que �� maior.

- Primeiro fomos at�� em casa para ver como as meninas estavam

e contar a Rita o que o juiz havia decidido, o que a deixou muito feliz.

Nos despedimos e sa��mos. Meu pai, fingindo estar nervoso, foi o nosso

motorista. Felizes, fomos para a outra cidade, que fica a mais ou menos

cinquenta quil��metros daqui, e compramos tudo o que eu ia precisar

para cuidar delas, como roupinhas e mamadeiras. Antes de irmos para

minha casa, passamos pela loja de m��veis e compramos dois ber��os e

duas c��modas. J�� estava come��ando a anoitecer quando voltamos para

casa. Passamos pela casa de Joaquim, o pedreiro e pintor da cidade, e

combinei com ele para que fosse, no dia seguinte, pela manh��, l�� em

casa. Eu queria que ele pintasse um dos quartos, onde elas ficariam. Es-

tava muito feliz, tanto que, ainda hoje ao me lembrar, sinto o corpo estre-

mecer de tanta emo����o. As meninas ficaram cinco dias no hospital para

observa����o. Eu, assim que sa��a da escola, ap��s dar aula, ia para l�� e ficava

por detr��s do vidro olhando as duas. Sentia por elas um amor muito

grande, como se fossem, verdadeiramente, minhas filhas. No dia em que

elas tiveram alta, eu, minha sogra e minha m��e fomos ao hospital para

lev��-las para casa. Enquanto isso, Rita deixava o quarto delas impec��vel.

Naquele dia, nasceu o orfanato.

- O que est�� dizendo, Mar��lia? Naquele dia, voc�� teve a ideia do orfanato?

- N��o, Selma. Por��m, como a cidade �� pequena, as not��cias correm e

logo todos ficaram sabendo que a filha do juiz tinha pegado duas crian-

��as para criar. - Mar��lia sorriu ao dizer isso. No come��o, tive muita difi-

culdade para cuidar delas. Quando resolvi ficar com elas n��o imaginava

o trabalho que teria, que ficaria noites sem dormir e tudo o que qualquer

m��e passa para cuidar de um rec��m-nascido. Imagine eu, sem experi��n-

cia alguma, com dois! Passaram-se dois meses. Com a ajuda da minha

m��e, minha sogra e de Rita fui me acostumando, e a felicidade que eu

sentia era t��o grande que nem sentia cansa��o. Contratei dona J��nia, uma

senhora que morava sozinha, para me ajudar. Em uma manh��, eu e dona

69

As chances que a vida d��

J��nia est��vamos cuidando das meninas, quando a campainha tocou.

Dona J��nia foi atender e quando voltou trazia um menino pelas m��os

que parecia ter mais ou menos cinco anos. Ela entrou no quarto, onde eu

trocava as fraldas de Celia, uma das meninas, dizendo:

- Esse menino estava sentadinho l�� fora.

- Tomei um susto e, sem saber o que fazer, me ajoelhei diante dele e

perguntei:

- O que voc�� est�� fazendo aqui?

- Minha m��e disse que era para eu ficar aqui que uma mo��a bonita ia

cuidar de mim. �� a senhora?

- Ao ouvir aquilo, olhei para J��nia que, assim como eu, estava pas-

ma. Voltei a olhar para o menino:

- Como �� o seu nome?

- Jailson

- Quantos anos voc�� tem?

- Com a m��ozinha ele mostrou quatro dedos.

- Onde est�� sua m��e?

- Ela disse que precisava ir embora mas que a senhora cuidaria de

mim, e que um dia, se puder, vem me buscar.

- Como �� o nome dela?

- Mam��e...

- Est�� com fome? - Perguntei sorrindo.

- Estou.

- J��nia, leve esse menino lindo para a cozinha e pe��a que Rita d�� algo

para ele comer. Enquanto isso, vou telefonar para o meu pai.

- Ela ia saindo, quando ele tirou do bolsinho da cal��a um papel e me

deu. Era um registro de nascimento. Com o registro na m��o, pensei:

O que pode levar uma m��e a abandonar seu filho? Ainda mais um

menino como esse?

- Assim que J��nia saiu levando o menino, terminei de trocar a fralda

de Celia e, ap��s coloc��-la no ber��o, sa�� do quarto e fui telefonar para a

casa da minha m��e. Foi ela mesma quem atendeu. Contei o que havia

acontecido e terminei dizendo:

70

Elisa Masselli

- N��o tem como deixar esse menino na rua, mam��e...

- Outra crian��a, Mar��lia? Voc�� est�� tendo um trabalho enorme para

cuidar da Celia e da Celina. Elas ainda s��o muito pequenas. Acha que vai

conseguir?

- Preciso conseguir, mam��e. Ele �� t��o pequeno! Para onde pode ir?

- Est�� bem. Seu pai ainda n��o se levantou. Vou conversar com ele e

vamos ver o que pode ser feito.

- Ouvi o choro de Celina e fui atend��-la. Por incr��vel que pare��a, com

o tempo conseguia distinguir um choro do outro. Em seguida, telefonei

para minha sogra e contei o que estava acontecendo. Ela me ouviu e disse:

- Que linda, por��m trabalhosa, �� a sua miss��o, Mar��lia! Independente

do que decidir, pode contar comigo. Ajudarei em tudo o que puder.

- Ao ouvir aquilo, fiquei mais tranquila. Sabia que precisaria da aju-

da dela. Minha m��e telefonou e disse que, como da outra vez, meu pai

havia dito que precisar��amos conversar com o juiz Eduardo. Fomos at��

ele, que nos recebeu sorrindo. Depois que contei a ele o que aconteceu e

o meu desejo de ficar com Jailson, ele, s��rio, disse:

- Sei que a senhora est�� com boa inten����o, mas n��o pode acolher todas

as crian��as que aparecerem em sua porta. Isso n��o �� poss��vel, a n��o ser

que transforme sua casa em um orfanato. Assim, poder�� acolher todas as

crian��as que aparecerem.

- Eu e meu pai nos olhamos. Ele, preocupado, disse:

- N��o pode fazer isso, Mar��lia. �� muita responsabilidade.

- Por que n��o, papai? Minha casa �� grande. Nela tem lugar para mui-

tas crian��as e eu adoro todas elas. Deus n��o me deu filhos mas est�� me

mandando esses para que eu cuide, e eu quero cuidar.

- N��o, Mar��lia. Se quiser, pode ficar com esse menino, mas ser�� o ��ltimo!

- Est�� bem, papai. Prometo que ele vai ser o ��ltimo. Tenho condi����es

de cuidar dos tr��s.

- O juiz autorizou e eu, feliz, voltei para casa. Quando cheguei, J��nia

estava brincando com Jailson. Eu o abracei e disse:

- Pronto, agora voc�� pode ficar aqui.

- A not��cia se espalhou. Crian��as e pais que se diziam sem condi����es





7 1


As chances que a vida d��

de ficar com elas, come��aram a aparecer na minha porta, e eu sempre

conseguia convencer meu pai e o juiz para ficar com elas. Em pouco mais

de oito meses eu j�� estava com oito crian��as, sete meninas e s�� o Jailson

de menino. Acho que naquela ��poca s�� meninas nasceram. Eu, com a

ajuda de Rita, meus pais, sogros e J��nia, pude cuidar delas, continuar

lecionando e, uma vez por semana, frequentar a casa esp��rita. Certo dia,

eu estava saindo da escola, quando uma mocinha se aproximou e disse:

- Bom dia, senhora!

- Olhei para ela e percebi que estava gr��vida. Respondi:

- Bom dia!

- Meu nome �� Eliete. Como a senhora pode ver, estou gr��vida e n��o te-

nho onde ficar. Fui abandonada pelo meu namorado e meus pais que, quan-

do descobriram que eu estava gr��vida, me expulsaram de casa e da cidade.

Desesperada, sa�� caminhando e vim parar nesta cidade. Uma pessoa que dis-

se que a senhora est�� ficando com crian��as sem pais. N��o tenho onde ficar.

- Olhei aquela menina que tinha mais ou menos quinze anos e vi em

seus olhos uma tristeza imensa. Perguntei:

- N��o estou entendendo. Voc�� quer me deixar sua crian��a?

- N��o! N��o quero dar minha crian��a. Quero ficar com ela, s�� que n��o

tenho como fazer. N��o tenho onde morar. Queria saber se a senhora podia

me aceitar na sua casa at�� ela nascer. Eu posso trabalhar, cuidar da casa e

das crian��as.

- Naquele momento, me lembrei novamente sobre a miss��o que to-

dos temos e que n��o precisamos nos preocupar em encontr��-la porque,

no momento exato, ela sempre chega at�� n��s. Entendi, finalmente, que

eu estava cumprindo a miss��o que escolhi antes de nascer.

- Antes de nascer? Que hist��ria �� essa, Mar��lia?

- A doutrina que sigo, Flora, ensina que temos v��rias vidas. Que nas-

cemos e renascemos tantas vezes quantas forem necess��rias para que, as-

sim, possamos nos melhorar e evoluir espiritualmente. Ensina, tamb��m,

que somos n��s que escolhemos onde, como e com quem vamos conviver

para o nosso melhor aprendizado. E que todos n��s temos uma miss��o,

nem que seja apenas a de pedir perd��o ou perdoar algu��m.

72

Elisa Masselli

- Isso �� loucura, Mar��lia! Como nascer, morrer e renascer? Perdoar

�� outra coisa que n��o aceito! Nada disso existe! Como podemos perdoar

algu��m que s�� nos fez mal?

Flora falou com muita raiva, olhando firme nos olhos de Selma, que

estremeceu. Esmeralda, percebendo que a situa����o estava tensa, disse:

- Interessante, Mar��lia. Vou procurar ler e conhecer essa doutrina.

Eu j�� ouvi falar alguma coisa a respeito dela, agora vou saber mais. Con-

tinue, por favor.

Mar��lia, que n��o percebeu o que estava acontecendo, continuou:

- Voltei a olhar para a mo��a e, pegando-a pelo bra��o, disse:

- Vamos para minha casa esperar essa crian��a.

- Fomos para casa. Eliete, apesar de ainda ser uma menina, limpava a

casa como ningu��m. O filho dela nasceu, um menino lindo e saud��vel. Sou

a madrinha dele. Como n��o tinha para onde ir, ela continuou ali traba-

lhando e me ajudando. Quando seu filho tinha dois anos, ela conheceu um

rapaz, se casou e foi morar com ele, levando o menino, mas ainda trabalha

aqui e me ajuda muito. Crian��as continuaram chegando e eu indo falar

com o juiz Eduardo. Algumas eram deixadas na igreja, outras as pr��prias

m��es traziam e pediam para que eu ficasse com a crian��a por algum tem-

po at�� que ela se arranjasse e pudesse buscar de volta. Um dia, o juiz cha-

mou a mim, meu pai e meu sogro e nos disse que havia conversado com

o prefeito e sugerido que transform��ssemos minha casa em um orfanato

e que ele aceitou. Daria algum dinheiro para a manuten����o e funcion��rios

para me ajudar a cuidar delas. Depois de conversarmos muito, meu pai,

sabendo que eu ia continuar a aceitar todas as crian��as que aparecessem,

me convenceu a aceitar. A casa continuaria sendo nossa. N��o cobrar��amos

aluguel. Foi assim que nasceu o orfanato. Sempre que aparecia uma crian-

��a eu precisava conversar com Eduardo para que ele autorizasse. Nessas

idas e vindas, acabamos nos apaixonando e nos casamos.

- Voc�� se casou com o juiz, Mar��lia?

Mar��lia come��ou a rir:

- Foi o que aconteceu, Flora. Nem sei como foi, mas aconteceu, e

hoje estou feliz ao seu lado.

7 3

As chances que a vida d��

- Estou impressionada com o rumo dos acontecimentos. Como o

conheceu, Selma?

- Eu estava casada fazia cinco ou seis meses, quando Selma apareceu

na cidade. Em uma manh��, ela chegou trazendo uma crian��a no colo.

Pensei que fosse mais uma m��e querendo deixar a crian��a. Antes que

falasse qualquer coisa eu disse:

- Est�� querendo deixar sua crian��a aqui? N��o precisa me dizer o mo-

tivo, deve ser muito s��rio para fazer isso.

- Ela come��ou a rir:

- N��o, senhora! Estou casada e amo meu filho, n��o vou deix��-lo aqui...

- Desculpe-me, mas �� que todas as mulheres que v��m at�� aqui com

crian��as �� para deix��-las aqui.

- Imagino que seja assim mesmo.

- Intrigada, perguntei:

- Se n��o veio para me deixar seu filho, o que quer?

- N��o sou desta cidade, vim h�� pouco tempo. Conheci meu marido,

nos casamos e tenho este menino lindo, s�� que estou com um pouco de tem-

po livre e muita curiosidade para conhecer um orfanato e saber se posso





ajudar de alguma maneira.


- Curiosidade?

- Desculpe-me, mas �� isso mesmo. Curiosidade...

- N��o entendi nem gostei do que ela disse mas, n��o sei por que, gos-

tei dela e respondi:

- Est�� bem, vamos matar sua curiosidade.

- Entramos, mostrei todas as depend��ncias do orfanato. Depois, vie-

mos para esta mesma sala e tomamos ch��, como estamos fazendo hoje.

Tamb��m n��o sei o motivo, mas contei a ela a dificuldade que estava tendo

para manter o orfanato. Ela ouviu com aten����o e, quando terminei, disse:

- Nunca poderia imaginar que tivesse alguma dificuldade. Disse que

sua fam��lia e a Prefeitura ajudam.

- �� verdade. Mas, mesmo assim, falta muita coisa e as meninas n��o

param de chegar. Preciso construir mais uma ala.

- N��o tenho dinheiro, posso ajudar de alguma outra maneira?

74

Elisa Masselli

- Pode, sim. Preciso de algu��m para me ajudar com a papelada. Com

tudo o que tenho a fazer n��o me sobra tempo e est�� uma bagun��a. Pode

me ajudar?

- Felizmente estudei e acredito que posso, sim.

Olhou para Selma e, rindo, continuou:

- Ela passou a vir aqui todos os dias. Arrumava a papelada e ficava

com as meninas. Carlos, seu filho, sempre vinha com ela e, enquanto ela

trabalhava, ele brincava com as crian��as. Depois de algum tempo, ela me

chamou e disse:

- Estive pensando, Mar��lia. Precisamos encontrar uma maneira de





conseguirmos mais dinheiro.


- Eu disse isso a voc�� no dia em que chegou aqui. J�� pensei muito e n��o

encontrei nenhuma solu����o.

- Estive pensando, Mar��lia. No col��gio em que estudei, aprendi a bor-

dar, costurar e a fazer croch�� e tric��. Acho que posso ensinar as meninas

maiores e, assim, poderemos fazer uma exposi����o com esses trabalhos, que

poder��o gerar renda, e as pessoas que ajudarem ficar��o felizes em saber

que o dinheiro est�� sendo bem empregado. Al��m do mais, quando as meni-

nas tiverem de ir embora, por terem atingido a idade, ter��o uma profiss��o

para sobreviver. O que acha?

- Eu acho que at�� pode dar certo, mas voc�� se encarregaria de ensinar

as meninas?

- Claro que sim. Sempre achei que aprender essas coisas era uma per-

da de tempo, mas hoje sei que era preciso que eu aprendesse. Por isso estou





muito feliz.


Flora come��ou a rir.

- Verdade, Selma. Nunca pensamos que algum dia usar��amos o que

aprendemos. Voc�� ainda gostava, mas eu tinha horror.

Mar��lia, tamb��m rindo, disse:

- Ainda bem que Selma aprendeu. O tempo passou e ela se dedicou a

ensinar as meninas. As primeiras exposi����es n��o tiveram muito sucesso,

mas Selma nunca desistiu, continuou trabalhando com carinho. As me-

ninas, diante do otimismo dela, se esfor��avam sempre mais. Com o pas-

75

As chances que a vida d��

sar dos anos as pessoas come��aram a frequentar a exposi����o, que hoje ��

um sucesso, um acontecimento na cidade. Nunca poderei agradecer a

sua dedica����o, Selma. Voc�� chegou na minha vida em um momento em

que eu achava que n��o havia luz no fim do t��nel e clareou tudo.

- Pare com isso, Mar��lia! Eu, sim, que por mais que fa��a, jamais po-

derei agradecer o quanto voc�� fez por mim. Eu, sem um motivo aparente,

pois tinha um marido, um filho que amava e uma vida tranquila, estava

entrando em uma depress��o sem fim. Quando comecei a trabalhar aqui

e ao lado das meninas, me reencontrei e consegui afastar a depress��o,

n��o tinha mais tempo para ela.

Quando terminou de falar, sorriu.

Mar��lia, olhando para Selma e Esmeralda, continuou falando:

- Aprendi que tudo na nossa vida acontece como tem de acontecer

e que a Espiritualidade nos encaminha para que possamos encontrar e

cumprir a nossa miss��o.

Selma olhou para o rel��gio que estava em seu pulso e, assustada e

levantando-se, disse:

- Nossa, estamos conversando h�� tanto tempo que nem vi a hora

passar! Preciso ir para casa preparar o jantar. Roberto, logo mais, vai che-

gar e Carlos j�� deve estar em casa.

- Flora, Esmeralda e Mar��lia tamb��m se levantaram. Abra��aram-se e

foram acompanhadas por Mar��lia que, quando chegaram ao port��o, disse:

- Fa��a uma boa viagem de retorno para sua casa, Flora, mas n��o nos

esque��a e venha, de vez em quando, nos visitar. Venha para a exposi����o.

- Tamb��m foi um prazer conhecer voc��, Mar��lia. Voltarei, sim, e to-

dos os meses mandarei uma pequena quantia para ajudar o orfanato.

- Obrigada!

Selma, Flora e Esmeralda come��aram a andar. Elas iam pelo mesmo

caminho. Enquanto caminhavam, Selma disse:

- Desejo que fa��am uma boa viagem. Flora, por favor, n��o conte a

mam��e que me encontrou.

- Ela ficaria feliz em ver voc��, Selma.

- N��o sei, Esmeralda. Depois de tudo o que aconteceu, n��o sei se ela

76

Elisa Masselli

quer me ver novamente.

- N��o podemos dizer coisa alguma a esse respeito, Selma. N��o preci-

saremos mentir, pois sua m��e, todas as vezes que nos encontramos, nun-

ca diz nada a seu respeito. Por isso, fique calma que n��o diremos nada a

ela. Fiquei feliz em encontrar voc�� e espero que continue bem e tranquila

ao lado do seu marido e filho.

Esmeralda, ao ouvir aquilo, pensou:

O que ser�� que aconteceu para que Flora mudasse seu pensamento?

At�� poucos dias, a ��nica coisa que queria e que sempre quis foi encontrar

Selma para destruir sua vida. N��o estou entendendo mesmo...

Continuaram caminhando at�� chegarem �� esquina, onde seguiriam

por lados opostos. Pararam, se abra��aram e se beijaram no rosto. Em

seguida, continuaram andando em sentidos opostos.

Enquanto caminhavam, Esmeralda, preocupada, disse:

- O que aconteceu para que voc�� desistisse de se vingar de Selma?

Flora parou de caminhar, voltou-se para ela e, nervosa, disse:

- N��o entendo voc��, Esmeralda. Durante todos esses anos tem

tentado me fazer mudar de ideia. Agora que mudei n��o quer aceitar! N��o

sei por que, mas mudei de ideia. Depois de ver que ela est�� casada, com

um filho e como cuida com carinho do orfanato... Senti que, enquanto

fiquei me devorando com tanta raiva, tanto ��dio, minha vida parou e a

dela andou. Finalmente entendi tudo o que voc�� tem me falado durante

todos esses anos. N��o vale a pena. Vou mudar minha vida totalmente.

Quando chegarmos em casa, vou trocar todos aqueles m��veis escuros

pesados, que deixam a casa parecendo um museu, por m��veis novos cla-

ros. Vou colocar cortinas tamb��m claras. Aqueles quadro caros, da cole-

����o que meus pais tanto gostavam, vou vender. Quero deixar minha casa

e minha vida coloridas. Chega de tanto tempo perdido.

Esmeralda come��ou a rir:

- Est�� falando s��rio, Flora? Vai fazer isso, mesmo?

- J�� disse que sim, Esmeralda! Embora ache que n��o est�� certo. Depois

de tudo o que Selma fez, ela parece que foi premiada. Tem marido, filho e

ainda por cima esse orfanato, onde parece que est�� muito bem. Isso n��o

77

As chances que a vida d��

me parece justo; por��m, chega de perder tempo! Eu poderia estar casada,

ter um ou mais filhos e, ao inv��s disso, estou aqui, quase velha sem ter

coisa alguma, somente dinheiro, muito dinheiro que nada me serve, pois

sou s��, completamente s��. Sem marido, sem filhos e sem nem mesmo

um trabalho que preencha meu tempo...

- Gra��as a Deus que voc��, finalmente, entendeu. E, se realmente fizer

isso, sua vida vai mudar completamente.

Flora sorriu e continuaram andando. Entraram em casa e termina-

ram de preparar a mudan��a. N��o falaram mais sobre o assunto, princi-

palmente Esmeralda que, por mais que quisesse, n��o conseguia acreditar

que Flora havia desistido de se vingar de Selma.





7 8




A paz reina

Desde aquele dia, passaram-se quase dois meses. Selma resolveu que

j�� que n��o havia contado para Roberto sobre Flora e o que havia acon-

tecido em sua vida, antes de chegar �� cidade, achou melhor continuar

calada. Tudo continuou como sempre foi. Ela seguia sua rotina di��ria

dividida entre o marido, o filho e suas obriga����es cuidando da casa e

atendendo as meninas do orfanato.

Naquele dia, preparou o almo��o e, quando estava terminando de co-

locar a mesa, Roberto e Carlos chegaram. Assim que entraram, ela per-

cebeu, pelo rosto de Roberto, que alguma coisa havia acontecido. Assim

que ele a beijou no rosto, ela perguntou:

- O que aconteceu, Roberto? Est�� preocupado com alguma coisa?

- Voc�� me conhece mesmo, n��o ��? - Ele perguntou, rindo:

Ela tamb��m rindo, respondeu:

- Claro que sim. Estamos casados h�� tanto tempo. O que aconteceu?

Ele, enquanto se encaminhava para o banheiro, disse:

- Vou lavar minhas m��os e, depois, enquanto almo��amos, vou contar.

Acompanhado por Carlos, foi ao banheiro. Lavaram as m��os e volta-

79

As chances que a vida d��

ram logo depois, sentaram-se e come��aram a comer.

Enquanto comiam, Roberto disse:

- Hoje, pela manh��, Jussara chegou e disse:

- Senhor Roberto, o senhor sempre soube que eu queria fazer faculdade,

pois meu sonho �� ser advogada. Estou indo para a Capital morar com uma

tia. L��, poderei me preparar para o vestibular. Como sei que o senhor n��o

pode ficar sem secret��ria, posso trazer uma mo��a que �� minha vizinha. Ela

se mudou h�� pouco tempo para c��, mas j�� trabalhou como secret��ria e acho

que �� competente. Se o senhor aceitar, posso traze-la depois do almo��o e, caso

o senhor concorde, vou ficar por um m��s ensinando todo o trabalho.

- Assim, de repente, Roberto?

- Sim, Selma. Por isso fiquei surpreso. Sabia que ela queria ser ad-

vogada, mas nunca me disse que se mudaria para fazer faculdade. Eu

disse a ela que poderia trazer a mo��a. N��o posso ficar sem secret��ria nem

impedi-la de realizar seu sonho.

- �� verdade, mas n��o precisa ficar preocupado. Essa mo��a deve ser

competente, pode ter alguma dificuldade, mas voc�� pode sempre ensin��-la.

- O problema �� esse. Tenho tanto trabalho que n��o sei se terei tempo

para ensin��-la.

- N��o se preocupe. Tudo vai dar certo.

Ele sorriu. Almo��aram, Roberto voltou para o escrit��rio, Carlos foi

para seu quarto, descansar um pouco antes de voltar �� escola para o trei-

no, e Selma foi para o orfanato. Tudo como sempre acontecia todos os

dias. Tudo normal e tranquilo como sempre.

Roberto chegou ao escrit��rio. Assim que entrou em sua sala e se sen-

tou, Jussara entrou acompanhada por uma mo��a e, sorrindo, disse:

- Esta �� Margarete.

Roberto olhou para a mo��a e achou que ela era muito jovem, mesmo

assim disse:

- Muito prazer! Voc�� me parece muito jovem. Tem mesmo alguma

experi��ncia?

A mo��a, t��mida, respondeu com a voz tr��mula:

- O prazer �� meu, senhor. N��o sou t��o jovem quanto pare��o. Vou

80

Elisa Masselli

fazer dezessete anos em janeiro. Trabalhei em um escrit��rio de contabi-

lidade e sempre posso aprender mais.

Sem alternativa, ele disse:

- Est�� bem, vamos tentar. Jussara vai conversar com voc�� sobre o ho-

r��rio de trabalho e o valor do sal��rio e, se aceitar, poder�� come��ar amanh��.

Ela vai ficar por um m��s para que voc�� aprenda a rotina do escrit��rio.

- Obrigada, senhor. Vou fazer o poss��vel e o imposs��vel para apren-

der e fazer bem o meu trabalho.

O telefone tocou e ele, enquanto atendia, fez um sinal com a m��o

pedindo que sa��ssem.

Voltaram meia hora depois. Assim que entraram, Jussara disse:

- Conversei com Margarete e ela aceitou as condi����es de trabalho e

de sal��rio. Agora, s�� depende do senhor.

- Est�� bem, Jussara. J�� que voc�� precisa mesmo sair, vamos tentar.

Mostre onde fica o departamento pessoal. L��, voc��, Margarete, vai ter

todas as explica����es dos documentos que precisa providenciar para co-

me��ar a trabalhar, e assim que estiver tudo certo pode come��ar.

Sorrindo, elas sa��ram da sala e ele voltou ao seu trabalho.

Enquanto isso, Selma terminou de lavar a lou��a do almo��o e de dei-

xar a cozinha em ordem. Depois, apressada, foi para o orfanato. Tanto ela

como Mar��lia continuavam envolvidas com a exposi����o. Ao se encontra-

rem, Selma disse:

- Estou t��o feliz com o nosso trabalho e com a minha vida! Tudo est��

caminhando t��o bem, que ��s vezes tenho medo.

Medo do que, Selma?

- N��o sei, Mar��lia, tenho medo que de repente tudo mude.

- Mude, por qu��? Voc�� n��o pode pensar assim, pois pode atrair coi-

sas ruins. Continue pensando nas muitas coisas boas que ainda podem

acontecer na sua vida. Voc�� �� uma mo��a de bem, trabalhadeira e carido-

sa. Dedica quase todo o seu tempo para fazer o bem. Por que as coisas

mudariam?

- N��o sei, estou com uma sensa����o estranha.

- Pare com isso, Selma! Nada vai acontecer! Deveria ler alguns livros

81

As chances que a vida d��

que falam sobre a doutrina que sigo. Eles podem ajudar voc�� em muitos

aspectos e at�� fazer com que entenda que, mesmo se as coisas mudarem,

vai estar sempre protegida.

- N��o quero ler sobre essa sua religi��o, tenho a minha e estou con-

tente com ela.

Mar��lia come��ou a rir:

- N��o estou querendo que mude de religi��o, n��o, Selma! S�� estou tentan-

do ajudar voc�� a tirar esses pensamentos ruins. Voc�� est�� bem e tem motivo

para estar feliz. N��o se deixe envolver por pensamentos que n��o s��o seus.

- Pensamentos que n��o s��o meus? Que loucura �� essa, Mar��lia?

Como posso ter pensamentos que n��o s��o meus?

Algumas pessoas, quando morrem, por ainda sentirem o corpo, frio

e at�� fome, n��o sabem ou n��o aceitam que morreram e ficam perdidas,

tentando voltar para casa. Quando n��o conseguem, entram em depres-

s��o e se aproximam das pessoas com quem, por qualquer motivo, te-

nham afinidade. Pior ainda, quando s��o guiadas pela raiva ou pelo ��dio

e procuram a pessoa que lhe fez mal em busca de vingan��a. Por isso, cos-

tumamos dizer que esses pensamentos de tristeza e de ��dio sem motivo

algum n��o s��o nossos. Precisamos ficar alertas quanto a isso, pois, se os

aceitarmos poderemos entrar em uma depress��o de dif��cil volta.

- Credo, Mar��lia! Pare com isso! Essa conversa est�� me deixando

mais preocupada ainda!

- N��o precisa ficar assustada. Procure fazer com que esses pensa-

mentos sumam.

- Eles v��o sumir. N��o sei o que aconteceu, eu estava muito bem, de

repente tudo mudou. Mas agora vamos at�� o barrac��o ver como as me-

ninas est��o indo com o trabalho.

- Vamos fazer isso, sim. Mas, antes, diga-me: teve not��cias de Flora?

- N��o, desde aquele dia n��o soube mais dela.

- Ela, embora seja rica, me pareceu ser uma pessoa triste. Voc�� nun-

ca me contou como e onde se conheceram, nem coisa alguma sobre sua

vida, antes de vir para c��.

- N��o gosto de lembrar o meu passado, menos ainda falar sobre ele.

82

Elisa Masselli

- Sendo assim, n��o vou insistir. Por��m, se algum dia quiser desaba-

far, estarei sempre aqui para ouvir. N��o se esque��a de que sou sua amiga.

- Sei disso, Mar��lia; por��m ainda n��o estou pronta. Tudo o que me

aconteceu foi muito doloroso para todas n��s. Eu conhe��o Flora desde

crian��a. Sempre fomos muito amigas, ela, eu e Arlete, sua irm��. Estuda-

mos juntas at�� a nossa formatura no colegial. Est��vamos nos preparando

para irmos para a faculdade mas, no baile em que Arlete ia ficar noiva, ela

morreu. Minha amizade com Flora terminou naquele dia, e vim para c��.

- N��o entendi. Por que a morte da irm�� dela fez com que voc�� sa��sse

da sua casa para uma aventura como essa de ir para uma cidade t��o pe-

quena e distante?

- Fiz isso porque fui a culpada pela morte de Arlete.

- Como assim culpada?

Os olhos de Selma encheram-se de l��grimas. Tirou um pequeno len-

��o da bolsa, secou os olhos e continuou:

- Desculpe-me, Mar��lia, mas n��o posso continuar. Pelo menos n��o

neste momento. S�� quero dizer que, quando cheguei aqui, triste, sozi-

nha e desesperada, fui acolhida com carinho e muito amor pela tia de

Roberto. Ela gostava muito de mim. Depois de algum tempo, o destino

me fez conhecer Roberto, me casei e Carlos nasceu. Hoje tenho uma

vida perfeita e quero que continue assim. Fazia muito tempo que eu n��o

me lembrava do passado, isso s�� aconteceu quando Flora apareceu aqui

na cidade. Assim que a vi fiquei assustada, pois pensei que ela ainda me

odiasse e que poderia destruir a vida que constru�� aqui; mas, quando ela

foi embora da maneira como foi, senti que estava enganada e que todo o

��dio e rancor que ela poderia sentir por mim haviam desaparecido.

- Quando conheci voc��, n��o poderia imaginar que tinha uma hist��ria

como essa. Confesso que estou curiosa para saber como tudo aconteceu,

mas vamos deixar para quando voc�� sentir vontade de contar. Agora,

vamos para o galp��o, temos muito que fazer at�� o dia da exposi����o.

- Obrigada por n��o insistir, Mar��lia. Qualquer dia eu conto tudo

como aconteceu; mas, agora, voc�� tem raz��o, precisamos ir para o

galp��o.

83



O inesperado acontece

Fazia dois meses que Margarete havia come��ado a trabalhar com

Roberto. Naquela manh��, ele estava em sua sala trabalhando quando ela

entrou e sorridente disse:

- Bom dia, doutor.

- Bom dia, Margarete.

- O senhor me chamou? Est�� precisando de alguma coisa?

- Estou sim. Por favor, me traga o relat��rio das vendas deste m��s.

- Pois n��o, vou pegar.

Saiu da sala e voltou em seguida, trazendo em suas m��os uma pasta

que entregou para ele, dizendo:

- Est�� tudo aqui.

- Obrigado, Margarete. Pode se retirar.

- O senhor nunca disse coisa alguma. Preciso saber.

- Saber o que, Margarete?

- Est�� satisfeito com meu trabalho?

Ele se admirou com aquela pergunta e, sorrindo, respondeu:

- Estou sim. Confesso que no in��cio fiquei preocupado, porque

84

Elisa Masselli

estava acostumado com o trabalho de Jussara, mas voc�� tem se sa��-

do muito bem.

Antes de sair, ela foi at�� uma estante que ficava em frente �� mesa dele,

arrumou alguns livros, se voltou e, assustada, disse:

- Olhe aqui, senhor! Acho que tem algum rato aqui!

Ele, levantando-se, perguntou:

- Rato? N��o pode ser!

Caminhou em dire����o �� estante e, quando estava se aproximando,

Margarete o abra��ou e o beijou nos l��bios.

Assustado ele afastou-a:

- O que foi isso, Margarete?

Novamente, sem que ele esperasse, ela o abra��ou e disse:

- Desculpe-me, senhor, mas estou t��o agradecida por ter este traba-

lho que n��o me contive. Tamb��m estou apaixonada! Aconteceu desde o

primeiro dia, n��o pude evitar...

Ele, aturdido, ficou olhando para ela sem saber o que falar. Ela con-

tinuou:

- Sei que o senhor �� casado, mas n��o me importo.

Ele, atordoado, pois n��o esperava que aquilo pudesse acontecer, e

muito nervoso, disse:

- Por favor, saia!

Ela, tamb��m nervosa, saiu sem nada dizer.

Depois que ela saiu, ele ficou ali, sem conseguir entender o que havia

acontecido. Sabia que precisava tomar uma decis��o r��pida.

Depois de alguns minutos, pegou o interfone e chamou Margarete

de volta.

O interfone tocou v��rias vezes e, quando a porta se abriu, Leandro,

um rapaz que tamb��m trabalhava ali, entrou:

- Pois n��o, senhor.

- Pe��a a Margarete que venha at�� aqui.

- Ela foi embora, senhor.

- Como embora? Por qu��?

- N��o sei. Ela saiu da sua sala chorando, pegou a bolsa e foi embora.

85

As chances que a vida d��

- Ela disse alguma coisa?

- N��o, senhor. Simplesmente foi embora.

- Est�� bem, Leandro. Pode sair.

Leandro saiu e Roberto, intrigado, pensou:

O que ser�� que deu na cabe��a dessa mo��a? Por que ela fez aquilo?

O telefone tocou e ele atendeu. Era um dos seus clientes.

Desligou o telefone. Ainda estava preocupado com o que havia acon-

tecido, mas tinha muito trabalho, envolveu-se com ele e deixou de pen-

sar no acontecido.

Na hora do almo��o, enquanto caminhava at�� a escola de Carlos,

onde o encontraria, foi pensando:

N��o entendo o porqu�� de Margarete ter feito aquilo. Ela sempre se





comportou de uma maneira exemplar.


Depois, sorriu e continuou pensando:

�� uma adolescente e deve ter achado que estava apaixonada por mim.

Isso �� normal na idade dela. N��o vou comentar com Selma, talvez ela n��o

entenda. Bem, foi at�� bom Margarete ter ido embora. Assim evita que eu

tenha de demiti-la, o que precisaria ser feito.

Chegou �� escola. Carlos j�� esperava por ele e juntos foram para casa.

Quando chegaram, Selma estava terminando de colocar a mesa. Almo-

��aram em paz como sempre acontecia. Carlos, para surpresa deles, disse:

- Chegou uma menina nova na escola. Ela veio da Capital e �� linda!

Roberto e Selma se olharam e sorriram.

- Que bom, meu filho. Parece que gostou dela.

Envergonhado, ele baixou os olhos:

- N��o �� nada disso, mam��e. Ela �� apenas uma colega de classe, mas

n��o posso negar que ��, sim, muito bonita.

- N��o precisa se preocupar, Carlos. �� assim mesmo que acontece. J��

est�� na idade de come��ar a se interessar por meninas.

- Parem com isso! - Disse nervoso.

Roberto e Selma riram e continuaram comendo.

Em um momento, Roberto quis contar o que havia acontecido com

Margarete, mas resolveu ficar calado. Aquele assunto s�� ia trazer preocu-

86

Elisa Masselli

pa����o para Selma, que j�� estava apreensiva com a exposi����o.

Parecendo adivinhar o que ele pensava, disse:

- Faltam tr��s dias para a exposi����o. Estou muito nervosa, embora

acredite que vai ser um sucesso! As meninas trabalharam muito e as pe-

��as que ser��o oferecidas est��o lindas. Acredito que vamos arrecadar o di-

nheiro que precisamos para a constru����o da nova ala e, assim, podermos

atender a mais crian��as.

- N��o se preocupe, Selma. Vai dar tudo certo. Voc��s trabalharam

muito e a causa �� nobre!

- Sei disso, mas mesmo assim estou preocupada.

Carlos e Roberto sorriram.

Terminaram de almo��ar. Selma acompanhou Roberto at�� o port��o e

voltou para casa. Carlos havia ido para o quarto, e ela lavou a lou��a rapi-

damente e foi para o orfanato.

Assim que chegou, foi ao encontro de Mar��lia, que estava no galp��o.

Juntas, ela, Mar��lia e as meninas, limparam e prepararam o galp��o onde

as pe��as seriam apresentadas aos visitantes. Forraram a grande mesa

com uma toalha branca, tamb��m bordada pelas meninas. Sobre ela co-

locaram as pe��as confeccionadas por todas elas. Outras mesas menores

foram colocadas em lugares diferentes e estrat��gicos.

Enquanto isso, Roberto chegou ao escrit��rio e, como tinha muito

trabalho, nem se lembrou do que havia acontecido com Margarete. Car-

los foi para o centro educacional para treinar. Tudo estava em paz naque-

la casa e na vida de Selma.

87



O dia da exposi����o

Finalmente, o dia da exposi����o chegou. Tanto Selma como Mar��lia

e as meninas estavam muito animadas. Estava tudo em ordem. As pes-

soas come��aram a chegar e a se encantar com as coisas lindas que eram

mostradas. No meio do dia, um carro preto e grande parou em frente ao

port��o. Rita foi ver de quem se tratava. Do carro desceu um homem com

um pacote que, ao v��-la, disse:

- Preciso conversar com dona Selma e dona Mar��lia.

- Pois n��o, entre, por favor. Elas est��o atendendo as pessoas. Enca-

minhou o homem at�� a sala da casa e disse:

- Sente-se e espere, por favor, vou procur��-las.

Saiu da sala e voltou em seguida com Mar��lia e Selma, que assim

como Rita, tamb��m estavam curiosas para saber quem era aquele ho-

mem misterioso. Aproximaram-se e, enquanto estendiam a m��o para

cumpriment��-lo, Mar��lia disse:

- Boa tarde. Sou Mar��lia e esta �� Selma. Podemos saber do que se trata?

- Boa tarde, meu nome �� Hor��cio. Sou o motorista de dona Flora.

Ela e dona Esmeralda n��o puderam vir, mas me encarregaram de trazer

88

Elisa Masselli

este pacote e entregar ��s senhoras.

Elas, intrigadas, olharam para o pacote que estava na m��o dele. Ma-

r��lia perguntou:

- O que tem nesse pacote?

- N��o sei, senhora. Dona Flora apenas pediu que eu o entregasse.

- Est�� bem e obrigada por ter vindo. O senhor quer ver os trabalhos

que est��o sendo expostos?

- Obrigado, senhora, mas n��o posso. Dona Flora pediu que eu entre-

gasse o pacote e fosse embora.

- Sendo assim, obrigada pelo trabalho que teve.

Ele sorriu e voltou a estender a m��o, despedindo-se.

- Assim que ele saiu, Mar��lia, que estava com o pacote na m��o, muito

curiosa para ver o que havia dentro dele, rasgou-o. Assim que abriu, tanto

ela como Selma arregalaram os olhos. Mar��lia leu um bilhete que dizia:

Pedimos desculpas, mas n��o pudemos comparecer. Amanh��, bem

cedo, estamos indo para a Europa. Pretendemos passar muito tempo por

l��. Estou mandando essa quantia de dinheiro para ajudar na constru����o

da nova ala. Esperamos que a exposi����o seja um sucesso.

Mar��lia pegou nas m��os um dos pacotinhos de dinheiro e, entusias-

mada, disse:

- Olhe, Selma, quanto dinheiro!

Selma, pegando outro pacotinho, tamb��m entusiasmada, disse:

- �� muito mesmo, Mar��lia! Quanto ser�� que tem a��?

- N��o sei, mas pela quantidade de pacotinhos, deve ter muito. Va-

mos contar este para saber?

- Vamos, estou curiosa!

Mar��lia contou e viu que no pacotinho havia cinquenta notas de cem.

- Cinco mil, Selma!

Em seguida, contaram os pacotinhos e viram que eram dez. Entu-

siasmada, Mar��lia quase gritou:

- Cinquenta mil, Selma! Com este dinheiro podemos construir a

nova ala!

- �� verdade, Mar��lia! Deus est�� nos ajudando!

89

As chances que a vida d��

- Flora foi muito generosa! Na segunda-feira vou mandar um tele-

grama agradecendo.

- N��o fa��a isso, Mar��lia! N��o vai adiantar.

- Por que n��o?

- Voc�� n��o leu que elas est��o indo, hoje, para a Europa?

- Verdade. Vamos esperar at�� quando voltarem. Estamos com um

problema, Selma.

- Que problema?

- Hoje �� domingo, o banco est�� fechado. Vamos ter de ficar com este

dinheiro aqui em casa.

- N��o deve ter problema algum, Mar��lia. Ningu��m sabe que temos

tanto dinheiro. Pode guardar aqui, em algum lugar seguro.

- �� verdade, Selma. Vou guardar na gaveta da minha escrivaninha,

s�� eu e voc�� temos a chave. E, amanh��, assim que o banco abrir, irei at��

l�� e levarei tamb��m o dinheiro que arrecadarmos com a venda dos tra-

balhos das meninas. Estou muito feliz, pois conseguiremos fazer aquilo

que sonh��vamos: a nova ala e, talvez, at�� duas!

Felizes, sa��ram da sala e entraram no escrit��rio de Mar��lia, que tirou

do bolso um molho de chave e escolheu uma. Com ela, abriu uma das I

gavetas, guardou o dinheiro, fechou novamente e colocou o molho de

chaves de volta no bolso. Sorrindo, disse:

- Agora podemos voltar para a festa, Selma.

Selma disse que sim com a cabe��a, e sa��ram, em dire����o ao galp��o.

A festa estava animada, pois, al��m das pe��as de artesanato, as

meninas haviam preparado doces, bolos e salgados para serem ven-

didos tamb��m. As pessoas, por j�� conhecerem aquela festa h�� mui-

tos anos e tamb��m por saberem que todo o dinheiro arrecadado

seria bem empregado, n��o se contiveram em gastar de todas as ma-

neiras. Comiam e riam, satisfeitos.

Eram tr��s horas de uma tarde muito agrad��vel. De repente, algumas

fotografias come��aram a surgir, ningu��m sabia de onde. Todos olhavam

para as fotografias e para Roberto que, sem entender o que estava acon-

tecendo, ficou sem saber o que fazer.

90

Elisa Masselli

Algu��m entregou as fotografias para Selma que, ao v��-las, come��ou

a chorar e saiu correndo.

Roberto pegou as fotografias da m��o de uma pessoa, olhou e ficou

horrorizado.

Havia tr��s fotografias. Uma com o rosto de Margarete, outra com

eles se beijando e outra ainda com eles se abra��ando. Roberto ficou bran-

co como cera e saiu correndo atr��s de Selma.

A confus��o foi enorme. Mar��lia, olhando para as fotos, inconforma-

da, pensou:

Isso n��o pode ser verdade. Roberto n��o seria capaz de fazer algo assim.

Selma, chorando, entrou em casa. N��o conseguia pensar, raciocinar,

s�� conseguia ver as imagens das fotografias. Sem perceber, come��ou a

bater com muita for��a em uma parede.

Nesse instante, Roberto chegou, conseguiu fazer com que ela pa-

rasse e disse:

- Acalme-se, precisamos conversar.

Ela, fora de si e empurrando-o com for��a, gritou:

- Conversar? Conversar? N��o temos o que conversar! Voc�� destruiu

nosso casamento e nossa vida! Como p��de fazer aquilo com aquela menina?

- �� mentira, Selma! �� mentira! N��o fiz coisa alguma!

- Como n��o fez? Eu vi as fotografias. Eu e todas as pessoas da cida-

de! Voc�� n��o presta! Durante todo esse tempo em que estamos casados,

jamais poderia imaginar que seria capaz de fazer uma coisa como essa!

��ramos felizes, pensei que voc�� me amasse!

- N��o �� verdade, Selma. N��o sei com que inten����o essas fotografias

foram tiradas, mas sou inocente! Eu amo voc�� e ao nosso filho, jamais

faria qualquer coisa que colocasse em risco a nossa felicidade. Precisa

acreditar no que estou dizendo.

- Como posso acreditar, Roberto? Eu vi as fotografias, elas n��o sur-

giram por m��gica!

- Aquelas cenas aconteceram, mas n��o foi da maneira como voc��

est�� pensando!

- Que aconteceu eu vi, e n��o me interessa como foi! Quero que saia

9 1

As chances que a vida d��

desta casa e que n��o volte nunca mais!

- Precisa acreditar no que estou dizendo, Selma. Foi algo planejado,

algu��m est�� tentando nos destruir! Acredite em mim, por favor! Eu amo

voc�� e jamais faria qualquer coisa que pudesse por em perigo nosso ca-

samento e a nossa felicidade!

- Quem teria interesse em nos destruir? Voc�� est�� apenas tentando

encontrar uma desculpa, mas n��o tem como fazer isso!

Sem mais nada dizer, ela foi para o quarto, pegou uma mala e foi

colocando as roupas dele. Depois que a mala ficou cheia, fechou e gritou:

- Agora, saia daqui e n��o volte! V�� viver com aquela menina e seja feliz!

- Precisa deixar que eu conte como essas fotografias foram tiradas!

- N��o quero saber!

- Mas precisa saber! Eu ia contar a voc��, mas achei melhor que n��o

soubesse! N��o queria que ficasse preocupada!

- Preocupada? N��o estou preocupada, estou desiludida e com muita

raiva de mim por ter acreditado em voc�� durante todos esses anos. N��o

quero saber de detalhes! Saia, por favor!

Ele, percebendo que por mais que tentasse falar e se defender n��o

conseguiria, pois Selma estava fora de si, pegou a mala e saiu.

Selma, depois que ele saiu, sentou-se em um sof�� e continuou cho-

rando sem conseguir se controlar.

Alguns minutos depois que Roberto saiu, Carlos, com as fotografias

nas m��os e ao lado de uma mo��a, entrou correndo e ao ver a m��e cho-

rando, muito nervoso, perguntou:

- Onde o papai est��, mam��e?

Selma olhou para a mo��a.

Carlos somente naquele momento lembrou-se dela e disse:

- Esta �� Fabiana, uma colega da escola. Preciso saber onde papai

est��, mam��e.

Selma parou de chorar, levantou-se e, abra��ando-se a ele, respondeu:

- Foi embora desta casa e da nossa vida, Carlos!

Carlos, mostrando as fotografias, quase chorando, disse:

- Ele n��o pode ter feito isso, mam��e! �� mentira!

92

Elisa Masselli

- Como pode ser mentira, Carlos? Voc�� n��o est�� vendo essas fotografias?

Elas n��o poderiam existir se n��o houvesse acontecido! Para que elas existam

foi preciso que essas cenas acontecessem! Ele beijou e abra��ou aquela menina!

- N��o pode ser, mam��e! Ele sempre foi um ��timo pai e sei que gosta

muito da senhora e de mim!

- Tamb��m sempre achei isso, mas pelas fotografias pode ver que n��o

era da maneira como pens��vamos. Ele iludiu essa menina.

- Ele n��o pode sair de casa, mam��e!

- O que n��o pode �� ele continuar nesta casa! Eu n��o o quero mais aqui!

- Algo aconteceu que n��o sabemos! Existe algo errado e vou des-

cobrir o que ��!

- N��o tem nada de errado, Carlos. Ele, realmente, gostou ou gosta

dessa menina!

- Para onde ele foi?

- N��o sei e n��o me interessa, s�� n��o quero v��-lo nunca mais!

- Vou sair e ver se o encontro. Precisamos conversar. Ele precisa me

contar o que aconteceu realmente.

- N��o fa��a isso, Carlos. Deixe que ele se v��. N��o tem como justificar

essas fotografias.

- Sei que n��o, mas ele deve ter alguma explica����o.

- Fique em casa, Carlos! Voc�� pode ser atacado com palavras feias

das pessoas que n��o aceitam o que ele fez.

- N��o me importo com o que as pessoas possam achar ou falar, ma-

m��e. Conhe��o meu pai, ele n��o faria uma coisa como essa. Ele �� meu pai

e confio nele! A senhora tamb��m deveria confiar. Ele sempre foi amoroso

e carinhoso com n��s dois e, agora que precisa de nossa ajuda e compre-

ens��o, n��o podemos abandon��-lo e n��o vou fazer isso. Vou procur��-lo!

- N��o fa��a isso, Carlos. Seu pai nos traiu...

Sem dar aten����o ao que a m��e falou, ele j�� ia saindo de casa quando

Fabiana disse:

- V�� tranquilo, Carlos, eu fico aqui fazendo companhia para sua

m��e. Ela est�� muito nervosa. Vou fazer um ch�� para acalm��-la.

- N��o precisa, mo��a. Estou bem.

93

As chances que a vida d��

Fabiana sorriu e, segurando a m��o de Selma, disse:

- Carlos �� meu amigo, e depois de tudo o que ele me falou a respeito

do pai e da senhora n��o acredito que seu marido tenha feito essa coisa

horr��vel. Pode ir Carlos, vou ficar aqui.

Carlos, apesar de nervoso sorriu:

- Est�� bem. Sabendo que minha m��e n��o est�� sozinha, vou mais

tranquilo. Volto logo, mam��e.

Deu um beijo no rosto de Selma e saiu.

Assim que ele saiu, Fabiana levantou-se, dizendo:

- A senhora est�� muito nervosa e est�� muito calor. Por que n��o toma

um banho demorado para se acalmar? Minha m��e sempre me diz que a

��gua escorrendo pelo corpo sempre nos faz um bem enorme.

- Est�� muito calor mesmo. Acho que vou fazer isso. N��o consigo me

conformar com o que Roberto fez. Ele sempre foi um ��timo marido e pai.

- Tamb��m n��o acredito. Deve ter existido algum engano. Carlos adora

o pai, por isso tamb��m n��o acredita. Agora, a senhora precisa se tranquili-

zar. Tudo vai ficar bem. Depois do banho e de um ch�� vai se sentir melhor.

Selma, muito nervosa, apenas consentiu com a cabe��a. Fabiana continuou

- S�� preciso que me mostre onde fica a cozinha e o ch��.

Selma, embora estivesse com os olhos cheios de l��grimas, sorriu e,

segurando no bra��o de Fabiana, a encaminhou at�� a cozinha e mostrou

onde tinha ch��.

Fabiana, sorrindo, disse:

- Depois que sair do banho, como tamb��m estou nervosa, vamos

juntas tomar o ch�� e esperar a volta de Carlos e do seu marido.

Selma, ainda chorando, foi para o seu quarto, pegou as roupas lim-

pas, uma toalha e entrou no banheiro. N��o percebeu nem sentiu, mas

ao seu lado um vulto de mulher, acompanhada de outros quatro, ria ��s

gargalhadas. Os quatro riam e dan��avam �� sua volta.

Enquanto isso, Carlos andava pelas ruas da cidade procurando o pai.

Depois de andar muito, parou em frente �� igreja, que j�� estava fechada.

Sem conseguir descobrir onde Roberto estava, voltou para casa e encon-

trou Fabiana e Selma, que ainda estava chorando.

94

Elisa Masselli

Assim que entrou, nervoso, disse:

- Eu n��o encontrei o papai, mam��e! Andei por toda a cidade. Onde

ele pode estar?

- N��o sei, meu filho, mas depois que voc�� saiu fiquei pensando no

que me disse. Realmente, seu pai sempre foi um ��timo marido e pai, n��o

poderia ter feito isso, mas as fotografias desmentem esse nosso pensa-

mento. Ele realmente fez...

- Deve ter alguma explica����o! A senhora deu a ele a chance de se explicar?

- N��o. Diante das fotografias n��o h�� explica����o.

- Amanh�� n��o vou �� escola. Papai deve ir para o trabalho, vou l�� me

encontrar com ele e ouvir o que tem a dizer.

- Voc�� acredita mesmo que ele n��o tem culpa?

- Claro que acredito, mam��e!

- Voc�� n��o pode faltar �� escola. Eu vou at�� a empresa me encontrar

com ele. Voc�� tem raz��o. Se pensarmos bem, ele n��o pode ter feito isso,

e a verdade pode demorar mas ela aparece.

- Vai fazer isso, mam��e?

- Vou, sim, meu filho. Voc�� me fez ver que a nossa fam��lia sempre

foi feliz e que seu pai n��o poderia ter feito o que dizem que fez. Embora,

depois das fotografias, fique dif��cil de entender, mas o amor da nossa

fam��lia vai vencer este momento ruim.

Abra��aram-se.

Nesse momento, uma luz intensa envolveu os dois, o que fez com

que a entidade da mulher e aqueles que a acompanhavam e que ficaram

o tempo todo ao lado de Selma se afastassem e ficassem encostados em

um dos cantos da sala. A mulher tentou voltar para o lado deles e dizer

alguma coisa mas n��o conseguiu. A luz n��o permitiu.

Depois de algum tempo abra��ados e chorando, m��e e filho se afasta-

ram. Ele disse:

- Agora vou levar Fabiana at�� sua casa, mas voltarei logo.

Selma olhou para Fabiana:

- Obrigada por me fazer companhia. Confesso que se tivesse ficado

sozinha, teria sido muito dif��cil esperar a volta de Carlos.

95

As chances que a vida d��

- N��o tem o que agradecer. Foi um prazer. Gosto muito do seu filho.

Eles sa��ram. Selma pegou mais um pouco de ch�� e sentou-se, espe-

rando a volta de Carlos. Quando ele chegou, ela estava mais calma e n��o

chorava mais. Abra��ando-o e sorrindo, disse:

- V�� dormir, meu filho, sinto que tudo vai ficar bem. Vamos lutar

juntos, contra tudo isso de ruim que est�� nos acontecendo.

Carlos beijou a m��e e foi para o seu quarto.

Selma lembrou-se com muito amor de Roberto e de todo o tempo

em que viveram juntos e foram felizes. Depois tamb��m foi para o seu

quarto, quando se deitou fez uma ora����o e terminou dizendo:

- Meu Pai, proteja Roberto onde ele estiver.

As entidades, percebendo que nada mais poderiam fazer ali, pois as

luzes n��o permitiriam que elas se aproximassem de Selma ou de Carlos,

sa��ram da casa.

96



Visita amiga

Enquanto isso, no orfanato, a festa, depois das fotografias, tinha vi-

rado uma confus��o imensa. Todos comentavam o acontecido. A maioria

das pessoas que estavam ali conheciam Selma e Roberto, e sempre acre-

ditaram que tinham um casamento perfeito.

Mar��lia tentava desconversar e fazer com que as pessoas se voltassem

para a exposi����o e a alegria que estavam dando para as meninas que

haviam trabalhado tanto; mas foi em v��o, pois n��o conseguia se desven-

cilhar das perguntas.

Aos poucos as pessoas come��aram a ir embora.

Depois que todos se foram, ela recolheu todo o dinheiro que havia

sido arrecadado, colocou em uma caixa, foi para o seu escrit��rio, abriu

a gaveta e guardou a caixa. Fechou a gaveta e, sentada em sua cadeira, e

ficou pensando:

A exposi����o foi um sucesso. Quase todas as pe��as foram vendidas. N��o

sei quanto foi arrecadado, pois estou muito nervosa para contar, s�� sei que

foi muito e que junto com o dinheiro que Flora deu vamos poder construir

uma ala, quem sabe, maior do que aquela que hav��amos planejado. Obri-

9 7

As chances que a vida d��

gada, meu Deus! S�� n��o estou mais feliz por saber o que minha amiga, que

tanto me ajudou, deve estar sofrendo. Embora n��o queira, sou obrigada a

acreditar que Roberto realmente fez aquilo. As fotografias n��o podem ter

sido inventadas. Queria estar ao seu lado, mas sei que esta n��o deve ser

uma boa hora. Ela, Roberto e o filho devem estar conversando. Amanh��,

vou pegar todo o dinheiro e vou at�� sua casa e, juntas, vamos contar e de-

pois vamos ao banco para depositar. Quem sabe, vendo a quantidade que

temos, ela se anime. E quem sabe, conversando, poderemos entender o que,

realmente, aconteceu com Roberto.

Estava pensando, distra��da, quando Eduardo entrou. Beijou sua testa

e, feliz, disse:

- A exposi����o foi mesmo um sucesso e n��o poderia deixar de ser.

Voc�� e Selma trabalharam muito para isso.

- Sim, �� verdade, foi muito trabalho. Pena que para Selma tenha ter-

minado daquela maneira t��o triste.

Ele, sentando-se na cadeira que estava em frente �� escrivaninha, disse:

- Sabe que at�� agora n��o consigo entender o que aconteceu e de onde

surgiram aquelas fotografias, Mar��lia!

- Tamb��m n��o entendi e custo a acreditar que sejam verdadeiras.

Eduardo come��ou a rir:

- Como aconteceu n��o sei, mas que s��o verdadeiras isso s��o, Mar��lia.

Ningu��m conseguiria forjar aquelas fotografias.

- Mesmo assim, n��o consigo acreditar. Roberto sempre me pareceu

ser apaixonado por Selma e ela por ele. Deve ter acontecido algo que n��o

consigo entender, mas, com o tempo tudo vai se esclarecer.

- Talvez voc�� tenha raz��o. Mar��lia, mas n��o podemos negar que a

mo��a �� linda e jovem.

- Est�� dizendo que ele, por isso, pode ter se deixado envolver por ela

ser jovem e bonita? Acredita mesmo que tenha feito isso?

Ele come��ou a rir:

- N��o estou dizendo que tenha sido esse o motivo, mas que aconteceu,

aconteceu.

- N��o consigo aceitar, Eduardo. Ele sempre me pareceu ser apaixonado

98

Elisa Masselli

por Selma e pelo filho. Sempre me pareceu serem felizes. N��o acredito que

ele faria qualquer coisa para p��r em risco o casamento e essa felicidade.

- �� muito dif��cil tentarmos compreender a mente humana, Mar��lia.

O que ele nunca pensou era que em um momento, talvez de fraqueza,

fosse fotografado. Mas quem teria fotografado e por qu��?

- Essa �� a pergunta que deve ser feita, Eduardo. Quem teria interesse que es-

sas fotografias fossem divulgadas, ainda mais em uma festa onde tantas pessoas

estavam reunidas? Acredito que deve ter alguma coisa nessa hist��ria Sinto por

Selma, ela �� uma mo��a honesta e trabalhadora. Fez de tudo para que a exposi����o

tosse um sucesso, pensa no futuro das meninas. N��o merecia algo como isso...

- Tamb��m penso assim, Mar��lia. Pelo que conhe��o deles, ambos n��o

mereciam. Tamb��m posso dizer que a verdade sempre aparece e, se ele

for inocente, tudo ser�� esclarecido.

- Tomara, Eduardo, tomara. Eu, de minha parte, vou ficar ao lado de

Selma. Sinto que ela vai precisar de uma ajuda sincera e amiga.

Ele sorriu, levantou-se e, dando a volta pela mesa e ajudando-a a se

levantar, disse:

- Fa��a isso. Com certeza, ela vai precisar mesmo. Agora j�� est�� tarde.

N��o est�� na hora de irmos para casa?

Ela olhou para o rel��gio que estava pendurado na parede, sorriu e disse:

- Est�� na hora, sim. S�� preciso dar uma olhada nas crian��as e ver se

est��o bem. Acredito que tamb��m estejam chocadas com o que aconteceu.

- Somente as maiores, que s��o poucas. As pequenas estavam brin-

cando, correndo de um lado para o outro e, mesmo que tenham visto as

fotografias, n��o entenderam.

- Tomara, Eduardo, tomara. Elas gostam muito de Selma...

Foram para casa. Antes de se deitarem, tomaram uma x��cara de ch��.

Depois de se prepararem, deitaram-se.

Assim que se deitou, Mar��lia fez uma ora����o:

Obrigada, Senhor, pelo sucesso da exposi����o. Nossas crian��as, com esse

dinheiro, poder��o ter mais conforto e outras poder��o vir. Proteja tamb��m

a Selma e sua fam��lia. Eles n��o merecem sofrer nem por um minuto. Aben-

��oe a minha casa e a deles tamb��m. Que assim seja!

99

As chances que a vida d��

Depois, cansada, adormeceu.

Assim que adormeceu abriu os olhos e, para sua surpresa, viu P��-

ricles que, sorrindo, abriu os bra��os. Ela se levantou, correu para ele e

abra��aram-se. Feliz e surpresa, disse:

- P��ricles, voc�� est�� vivo?

- Claro que estou.

- N��o pode ser, voc�� morreu! Eu sofri muito e fui ao seu enterro. Por

que me abandonou e me deixou sozinha?

- Nunca abandonei voc�� e sempre que precisou estive ao seu lado.

- Como n��o me abandonou? Foi embora ainda t��o jovem e eu tive

de continuar aqui sem voc��...

Ele, rindo, olhou para Eduardo, que dormia tranquilamente.

- Voc�� n��o ficou sozinha. Precisava reencontrar Eduardo.

Ela olhou para Eduardo e, com o len��ol, tentou cobrir seu rosto.

Ele, ainda rindo, perguntou:

- Por que est�� fazendo isso, Mar��lia?

- N��o sei, n��o quero que ele me veja com voc�� ou que voc�� me veja

com ele...

- Por que n��o?

- Eu n��o estou traindo voc��! Ele �� meu marido. Eu me casei com ele!

P��ricles teve de se conter para n��o gargalhar.

- Eu sei que est�� casada com ele, Mar��lia. Depois que parti, sabia que

voc�� o encontraria para continuar com a sua jornada. Estamos, todos

n��s, juntos h�� muito tempo. Minha jornada, ao seu lado, terminou, mas

a sua vai continuar por muito tempo ainda e ao lado dele. Minha miss��o

terminou e tenho muito que fazer aqui no plano espiritual. Continuo,

como m��dico, cuidando tanto daqueles que chegam como daqueles que

precisam de cuidados a�� no seu plano. A vida n��o para. Ela continua aqui

e a��, e n��s, como esp��ritos, estamos sempre caminhando e evoluindo.

Aqui n��o temos o sentimento de posse; portanto, n��o existe conflito e

ci��mes. Voc�� e ele est��o juntos na miss��o com as meninas e, por sinal,

est��o se dando muito bem.

- N��o consigo acreditar que esteja aqui, vivo!

100

Elisa Masselli

- Por que n��o pode acreditar? N��o tem estudado? N��o aprendeu que

a morte n��o existe, que �� s�� uma mudan��a de plano?

- Sim. Estudei muito, mas, para ser sincera, s�� �� v��lido na leitura ou

quando acontece com outra pessoa; na hora que acontece com a gente,

fica dif��cil acreditar. Senti e ainda sinto sua falta.

- Sei disso. Voc�� passou por um momento dif��cil, estive o tempo

todo ao seu lado e sofri tamb��m. Algumas vezes pensei que n��o conse-

guiria me libertar de todo aquele sofrimento e, quando come��ou a atin-

gir sua sa��de, fiquei mais preocupado ainda. Gra��as a Deus, consegui o

consentimento para poder vir ficar ao seu lado e, para que isso aconte-

cesse, contei com a ajuda da Zenaide. Olhe ela aqui.

Mar��lia voltou-se para o lado que ele apontava e quase gritou:

- Zenaide, voc�� tamb��m est�� aqui?

Zenaide, sorrindo, abriu os bra��os, abra��ou Mar��lia com muita for��a

e, chorando, disse:

- Estou sim. Ali��s, sempre estive. Nunca abandonei voc��, minha

irm�� querida. Sempre estive ao seu lado; por��m, voc�� n��o podia me ver

e s�� est�� vendo agora porque est�� dormindo. Quando acordar, quase n��o

vai se lembrar do que est�� acontecendo aqui.

- Como estou feliz em ver voc��s! P��ricles, por que demorou tanto

para me visitar? Esta �� a primeira vez que sonho com voc��.

- Sonhou v��rias vezes. J�� fomos a v��rios lugares, s�� que quando

acordou n��o se lembrou. Assim que retornei, tive muita dificuldade para

entender e aceitar a minha nova situa����o. N��o aceitava ter deixado voc��

t��o cedo. Tive sempre ao meu lado Zenaide e outros amigos que foram

me instruindo. Quando fiquei pronto, Zenaide p��de me acompanhar at��

aqui. Voc�� estava muito mal, por isso, naquele dia em que eu e Zenaide

viemos e convencemos Maristela e sua m��e a virem �� sua casa, voc��, gra-

��as a Deus, deixou de sofrer e come��ou sua miss��o. Voc�� sempre soube

tomar suas decis��es e n��o precisou de minha ajuda. Desde ent��o, tenho

tido muito trabalho, e s�� viemos hoje porque voc�� e Selma v��o passar

por momentos dif��ceis e precisam estar preparadas.

- Voc��s est��o sabendo o que est�� acontecendo com ela e Roberto?

101

As chances que a vida d��

Ambos riram, Zenaide disse:

- Sabemos, Mar��lia e, infelizmente, est�� apenas come��ando.

- O que est�� acontecendo? N��o consigo acreditar que Roberto tenha

feito aquilo. Parece gostar tanto da Selma!

- Gosta, sim.

- N��o entendo, P��ricles. Se ele gosta de Selma, por que se envolveu

com aquela mo��a?

- Ele n��o se envolveu, Mar��lia, foi envolvido.

Mar��lia, parecendo uma crian��a, come��ou a pular e a gritar:

- Eu sabia! Eu sabia!

P��ricles e Zenaide voltaram a rir. Ela disse:

- Estamos aqui, porque chegou a hora.

- Que hora, Zenaide? - Mar��lia, s��ria, perguntou.

- Selma, Roberto e Flora passar��o por momentos dif��ceis, pelas de-

cis��es que ter��o de tomar. Chegou a hora e precisamos estar juntos. Em-

bora voc�� esteja cumprindo uma linda miss��o, ainda tem muito a fazer.

- Ainda, Zenaide? Pensei que j�� havia encontrado a minha miss��o e

achei que estava tudo bem. H�� muito tempo meu interesse tem sido s��

conduzir bem o orfanato.

- Essa �� uma das suas miss��es e est�� cumprindo muito bem, mas ago-

ra vai se iniciar outra fase da sua vida. Precisa estar atenta para que Selma

e Flora aparem arestas do passado que se aprofundaram nesta encarna����o.

- Eu sei que elas aprofundaram os enganos passados, Zenaide. O que

posso fazer para ajud��-las?

- No momento certo voc�� vai saber. Por enquanto, fique atenta aos

acontecimentos e, quando chegar a hora, saber�� o que fazer. Agora, pre-

cisamos ir embora e voc�� precisa aproveitar esta noite de sono para po-

der estar alerta aos acontecimentos de amanh��.

- J�� v��o embora? Estou t��o feliz de poder conversar com voc��s...

- Tamb��m estamos, mas precisamos ir e voc�� precisa descansar. O

dia, amanh��, vai ser complicado.

Abra��aram-se se despedindo. Mar��lia continuou dormindo profun-

damente. Eles, sorrindo, desapareceram.

102



Em busca de ajuda

Roberto estava caminhando com a mala na m��o. Confuso e nervoso,

pensava:

N��o entendo como isso aconteceu e nem como aquelas fotografias fo-

ram tiradas. Sei que sou inocente, mas como provar? Selma nunca vai me

perdoar e eu nem sei para onde ir. O que vou fazer?

Continuou andando e parou em frente a um port��o. Naquela casa

morava seu tio.

Talvez ele me receba e permita que eu fique aqui nem que seja por esta

noite. Amanh�� vou para o trabalho para ver como est��o as coisas. O dou-

tor Tavares estava na festa e deve ter visto aquelas fotografias. O que vou

dizer se n��o tenho explica����es para dar, se nem mesmo sei o que aconteceu

ou entenda o que aconteceu?

Tocou a campainha. Depois de alguns segundos, a porta da frente da

casa se abriu e apareceu um senhor que ao v��-lo perguntou:

- Roberto, o que est�� fazendo aqui a essa hora?

- Boa noite, tio. Selma pediu que eu fosse embora e preciso de um

lugar para passar esta noite. O senhor poderia me abrigar?

103

As chances que a vida d��

Antes que o tio respondesse, por detr��s dele apareceu uma senhora

que, nervosa, disse:

- Voc�� acha que vamos receb��-lo depois do que fez?

- Est�� acontecendo algo que n��o estou entendendo, tia. Eu nunca

tive coisa alguma com aquela mo��a. Por favor, permita que eu fique aqui,

somente por esta noite. Amanh�� vou ver o que posso fazer, mas hoje es-

tou confuso e nervoso e n��o estou conseguindo pensar.

- N��o est�� conseguindo pensar porque n��o tem o que pensar! Voc��

agiu como um canalha! Seduziu uma menina! Devia ser preso e �� isso

que vai acontecer!

Antes que ele dissesse alguma coisa, ela empurrou o marido para

dentro da casa e bateu a porta.

Ele ficou ali por alguns minutos, depois, nervoso, come��ou a cami-

nhar e a pensar:

N��o sei para onde ir. Sinto que todos aqueles que at�� ontem eram meus

amigos deixaram de ser. N��o querem ouvir ou aceitar uma explica����o,

simplesmente me condenaram. Preciso descobrir a verdade para poder me

defender e provar a minha inoc��ncia...

Continuou andando. De onde estava podia ver a torre da igreja e pensou:

Talvez o padre Victor possa me receber. Ele sempre foi meu amigo. To-

dos os dias, mando alguns litros de leite para que ele distribua entre os fieis.

Caminhou em dire����o �� igreja e, quando chegou, padre Victor estava

fechando a porta. Roberto se aproximou:

- Boa noite, padre Victor.

O padre voltou-se e ao v��-lo, intrigado, perguntou:

- Boa noite, o que est�� fazendo aqui, Roberto, e com essa mala na m��o?

- Depois do que aconteceu no orfanato, tive de sair de casa, padre.

- Entendo, mas o que aconteceu realmente? Por mais que pense n��o

consigo acreditar que tenha feito aquilo. Conhe��o voc�� desde o dia em

que cheguei �� cidade.

- Eu n��o fiz, padre. Ningu��m acredita, mas eu n��o fiz aquilo. N��o sei

o motivo, mas acho que ca�� em uma armadilha.

- Armadilha? Quem faria isso e por qu��?

104

Elisa Masselli

- N��o sei, padre. N��o tenho inimigos aqui na cidade e em lugar algum.

- Est�� bem, meu filho. Parece que n��o tem mesmo onde ficar �� von-

tade e passar esta noite.

- �� verdade, padre. Selma pediu que eu sa��sse de casa. Ela n��o acreditou

quando eu disse que n��o tinha feito aquilo. Todos est��o me julgando e con-

denando. N��o sei o que fazer nem para onde ir.

- Estou fechando a porta da igreja e indo para casa. Venha comigo e

poderemos conversar e, se quiser, pode passar a noite l��.

Roberto respirou fundo e, emocionado, perguntou:

- Por que est�� fazendo isso, padre?

- N��o sei por que, mas acredito em voc��. N��o acredito que faria uma

coisa horr��vel como essa. Voc�� j�� me provou, v��rias vezes, que �� um ho-

mem de bem. Agora, venha me ajudar.

Roberto, emocionado, ajudou o padre a fechar a porta e, depois, jun-

tos, foram embora.

Chegaram �� casa do padre. Entraram e, enquanto o padre tirava da

geladeira a comida que a empregada tinha deixado pronta e colocava no

forno, perguntou:

- Voc�� tem ideia de quando e como essas fotografias foram tiradas?

- Eu me lembro desse dia, mas n��o imagino como foram tiradas as

fotografias. Eu e Margarete est��vamos sozinhos na minha sala. Vou con-

tar como tudo aconteceu.

- Fa��a isso e, quem sabe, juntos, poderemos encontrar como e qual

foi o motivo. Mas, antes, vamos comer alguma coisa? N��o �� muito, mas

sempre d�� para dividir e o pouco se torna muito. - Disse rindo.

- Obrigado, padre. N��o estou com fome, mas pode comer.

- Sente-se a�� nessa cadeira. Enquanto a comida esquenta, podemos

conversar.

Roberto contou o que se lembrava daquele dia e terminou dizendo:

- Foi isso que aconteceu. Estranhei a atitude de Margarete, mas n��o

dei aten����o. Achei que era coisa da idade, da adolesc��ncia.

- Mas n��o era. Ela agiu de uma maneira estranha e premeditada. Ela

quis comprometer voc��, mas por qu��?

105

As chances que a vida d��

- N��o sei, padre. At�� aquele dia, ela sempre havia se comportado bem.

- Estranho. Acho que a primeira coisa que voc�� tem a fazer �� conver-

sar com ela. Talvez ela explique o motivo de sua atitude e o porqu�� de ter

tirado as fotografias.

- J�� pensei em fazer isso, mas agora n��o pode ser, j�� est�� tarde. Mas

amanh��, assim que chegar �� empresa, bem cedo, vou conversar com ela

e esclarecer tudo isso.

- Esse �� o caminho, Roberto. Somente ela poder�� inocentar voc��.

Voc�� n��o deve ter jantado, sente-se e vamos comer alguma coisa.

- Obrigado, padre, mas n��o estou mesmo com fome. Estou muito

nervoso.

- Est�� bem. Eu estou com muita fome. Depois de terminar de co-

mer, vou arrumar o sof�� para que possa dormir esta noite. Espero que

amanh�� consiga provar sua inoc��ncia e voltar para sua casa. Sua fam��lia

�� muito bonita e n��o pode ser destru��da.

- Sei disso, padre. Nem sei como agradecer pelo que est�� fazen-

do comigo.

Depois que o padre arrumou o sof��, Roberto se deitou mas n��o conse-

guiu dormir. Seu pensamento estava em tudo o que havia acontecido e em

Selma que, assim como ele, tamb��m deveria estar sofrendo muito.

106



Sem sa��da

Amanheceu e todos acordaram. Roberto, assim que se levantou, es-

ticou o corpo, que estava dolorido por ter dormido no sof��. Para sua

surpresa, ao olhar para a mesa da sala viu que ela estava colocada para o

caf��. Sorriu:

Padre Victor j�� deve estar na igreja celebrando a missa. Tenho muito

que fazer, mas preciso ir at�� l�� para agradecer mais uma vez, pois, se n��o

fosse por ele n��o sei onde passaria esta noite. Demorei muito para dormir

procurando entender o que aconteceu. N��o entendo, por que aquela mo��a

fez aquilo?

Abriu a mala e tirou de dentro dela as roupas que vestiria naquele dia

e a escova de dente. N��o encontrou sabonete nem xampu, sorriu:

Provavelmente o padre Victor deve ter. Ainda bem que trouxe a escova





de dente.


Foi para o banheiro. Assim que entrou, viu que Padre Victor havia

deixado uma toalha pendurada. Sorriu e entrou no chuveiro. Tomou um

banho r��pido, saiu do banheiro e, sentando-se, tomou caf�� e comeu um

peda��o de bolo. N��o estava com fome, mas muito preocupado.

107

As chances que a vida d��

A primeira coisa que vou fazer �� ir para a empresa e conversar com

Margarete. Ela precisa contar a verdade e me dizer quem e por que tirou





aquelas fotografias.


Ap��s terminar o caf��, saiu e, rapidamente, foi para a igreja. Como

havia previsto, o padre estava terminando de rezar a primeira missa.

Sentou-se e acompanhou a missa. Assim que terminou, o padre foi para

a sacristia. Roberto levantou-se e foi ao seu encontro:

- Bom dia, padre. Estou indo para a empresa, mas n��o poderia ir

sem agradecer, mais uma vez, o que o senhor fez por mim.

- Bom dia, meu filho. N��o tem o que agradecer. Fiz o que qualquer

crist��o deveria, ajudar a quem precisa.

- Sim, mas o senhor sabe que todos est��o contra mim. Por que o

senhor me ajudou?

- Senti que voc�� estava falando a verdade e que �� inocente, nunca podemos nos esquecer do que Jesus disse: "N��o julgueis para n��o serdes jul-

gado!' Agora, n��o perca mais tempo. V�� em busca da verdade. Mais tarde, vou �� sua casa conversar com Selma. Voc��s se amam e tudo vai ficar bem.

- Obrigado por tudo, padre. Estou indo.

- Vai, meu filho, e que Deus acompanhe voc��.

Roberto saiu apressado e, em poucos minutos, estava na empresa.

Entrou e foi para sua sala. Sabia que ainda era cedo e que, provavelmente,

Margarete ainda n��o havia chegado.

Sentou-se na sua cadeira e ficou olhando para todos os lados da sala,

tentando se lembrar do que havia acontecido naquele dia. Lembrou-se

do lugar em que estava quando Margarete o abra��ou. Levantou-se e foi

at�� a estante. Afastou alguns livros e viu que havia um buraco na parede.

Foi daqui que as fotografias foram tiradas? Quem fez isso e porqu��?

Voltou para a cadeira e sentou-se novamente.

A cada minuto, olhava ansioso para o rel��gio que estava em seu pulso.

Parece que o tempo n��o passa. Por mais que pense n��o consigo enten-

der ou descobrir o motivo de tudo isso estar acontecendo.

Come��ou a olhar alguns pap��is que estavam sobre sua mesa. Dis-

traiu-se e n��o percebeu o tempo passar. Quando voltou a olhar para o

108

Elisa Masselli

rel��gio, percebeu que Margarete j�� deveria ter chegado. Ia pegar o inter-

fone para conversar com ela, quando ele tocou. Atendeu:

- Al��.

- Bom dia, Senhor Roberto. Sou eu, Suzana. O doutor Tavares pediu





que viesse a sua sala.


- Pois n��o, estou indo.

Intrigado, mas ao mesmo tempo imaginando o porqu�� daquele cha-

mado, Roberto respirou fundo e se encaminhou para a sala de Tavares.

Entrou na sala e estendeu a m��o para cumprimentar Tavares, mas ele

n��o aceitou, apenas apontou uma cadeira para que Roberto se sentasse.

S��rio disse:

- Voc�� deve imaginar o motivo pelo qual o chamei em minha sala.

- Posso imaginar.

- Diante de tudo o que aconteceu, s�� me resta pedir que se demita.

- O senhor quer que eu me demita sem ao menos me dar a chance

de me defender?

- Sinto muito, mas diante dos fatos n��o h�� outra coisa a fazer. Aque-

las fotografias n��o deixam d��vidas.

- Eu n��o sei como aconteceu, mas vou descobrir. Nunca tive coisa

alguma com aquela mo��a!

- Como homem, posso at�� aceitar o que fez, mas minha mulher es-

tava na exposi����o e ficou muito raivosa. Ela n��o aceita uma trai����o e por

isso exige que eu o demita.

- Mas o senhor n��o pode fazer isso. Trabalho aqui h�� muito tempo

e sempre me esforcei para que a empresa progredisse! Sou inocente e

vou provar! N��o posso ficar sem emprego, como vou sustentar minha

fam��lia?

- Eu entendo, mas precisa convir que quem manda na nossa casa

�� a mulher e a minha insistiu que eu o despedisse. Por��m, embora n��o

acredite que seja inocente, mas como sempre foi um ��timo funcion��rio,

se conseguir provar sua inoc��ncia eu o readmito e com um aumento de

sal��rio. O que acha?

- N��o posso ficar sem emprego, ainda mais agora. Nesta cidade n��o

109

As chances que a vida d��

tem muito trabalho e, mesmo que tivesse, depois do que aconteceu nin-

gu��m me daria um emprego. Todos est��o acreditando que fiz essa coisa

horr��vel com aquela menina.

- Entende por que n��o posso continuar com voc�� aqui? Vamos fa-

zer o seguinte, assine sua carta de demiss��o e em outra hora voltaremos

a conversar.

Roberto olhou para o papel que Tavares segurava na m��o e vendo

que n��o havia op����o assinou, levantou-se e voltou para para sua sala,

pensando:

Margarete j�� deve ter chegado, preciso obrig��-la a contar a verdade.

Quando chegou �� antessala da sua, onde Margarete trabalhava, ela

n��o estava l��. Por alguns minutos ficou sem entender ou saber o que

fazer. Depois procurou por ela em todo o escrit��rio para tentar desco-

brir se algu��m sabia o que havia acontecido, j�� que ela n��o estava em lu-

gar algum. Ningu��m soube responder, mas ele percebeu que as pessoas,

quando ele passava, abaixavam a cabe��a, conversavam baixinho e riam.

Continuou andando at�� chegar ao departamento pessoal. Assim que en-

trou, uma mo��a, constrangida, se aproximou e perguntou:

- Bom dia, senhor Roberto! Posso ajud��-lo de alguma maneira?

- Pode, sim, Laura. Preciso saber se voc�� sabe o motivo de Margarete

n��o ter vindo trabalhar.

- Ela n��o se comunicou comigo ou com qualquer pessoa. Desculpe, mas

o senhor deve saber que ela tem um motivo muito forte para fazer isso, n��o?

- Sei ao que est�� se referindo, mas posso garantir que eu sou inocen-

te; por isso preciso conversar com ela para que desminta aquelas fotogra-

fias. Voc�� pode me dar o endere��o de onde ela mora?

- Desculpe, mas n��o posso. Assim como n��o posso dar o seu ende-

re��o se algu��m perguntar.

Desesperado, ele ainda insistiu:

- Por favor, Laura, eu preciso muito falar com ela!

- Pe��o que n��o insista, senhor. Sabe que n��o posso dar o endere��o,

mas posso dizer que Alzira �� muito amiga da Margarete.

Ele entendeu o recado. Sorriu e saiu dizendo:

110

Elisa Masselli

- Obrigado, Laura. Deus aben��oe voc�� e toda sua fam��lia.

Dizendo isso, saiu apressado. Laura ficou olhando ele sair e pensou:

N��o sei o porqu��, mas acho que ele est�� falando a verdade. O que ser��

que aconteceu? Por que Margarete n��o veio trabalhar? Ser�� que ela tem

algo a ver com isso, com esse esc��ndalo?

Roberto, com passos apressados, chegou �� sala onde Alzira trabalhava.

Entrou olhando para a mesa em que ela estava sentada. Outras pessoas

que trabalhavam ali estranharam, pois ele, embora fosse o chefe de todos,

n��o costumava aparecer por l��. Curiosos, o acompanharam com os olhos.

Assim que chegou �� mesa de Alzira, descontrolado, perguntou, qua-

se gritando:

- Preciso do endere��o de Margarete. Voc�� pode me dizer onde ela mora?

- Eu n��o sei, senhor... - respondeu assustada.

- Como n��o sabe? Sei que voc�� �� amiga dela!

- Sou sua amiga, mas s�� aqui no trabalho. N��o sei onde ela mora...

- N��o pode ser! Por favor, Alzira, preciso conversar com ela!

- Eu sei onde ela mora.

Roberto voltou-se e viu que quem falava era uma mo��a que ele havia

contratado h�� algum tempo atr��s.

- Voc�� sabe, Maria?

Maria escreveu algo em um papel e entregou a ele, dizendo:

- Sei. Ela mora com a tia na rua onde moro. Faz pouco tempo que ela

chegou �� cidade. Aqui est�� o endere��o.

Roberto pegou o papel e saiu sorrindo e dizendo:

- Obrigado, Maria, e que Deus a aben��oe.

Com o papel na m��o, Roberto, apressado, quase correndo, caminhou

em dire����o �� rua que estava marcada nele. Chegou a uma casa simples.

N��o havia campainha e ele bateu palmas com muita for��a.

Uma senhora apareceu no corredor e ao v��-lo, curiosa, perguntou:

- Posso ajudar o senhor?

- Pode sim. Sou o chefe de Margarete. Preciso muito conversar com

ela. A senhora poderia cham��-la?

- Ela n��o est��. Ontem, pela manh��, disse que precisava ir embora da

111

As chances que a vida d��

cidade. Fez sua mala e foi para a rodovi��ria tomar um ��nibus.

- ��nibus? Para onde?

- Voltou para casa.

- Onde ela mora?

- Na Capital.

- A senhora tem o telefone ou o endere��o?

- Sou irm�� do pai dela. Eu tenho o endere��o, mas �� o antigo. Meu

irm��o se mudou recentemente e n��o me deu o endere��o novo. S�� quem

tem �� Margarete.

Roberto ficou desesperado:

- Meu Deus do c��u! O que vou fazer?

A senhora, preocupada e intrigada, perguntou:

- Nossa, mo��o! O senhor est�� muito nervoso! O que foi que Marga-

rete fez?

Roberto olhou para aquela mulher simples e que, provavelmente, era a

��nica pessoa da cidade que n��o sabia o que havia acontecido no orfanato.

Percebendo que n��o adiantaria prolongar aquela conversa, respondeu:

- N��o se preocupe, senhora. Vai ficar tudo bem, obrigado pela aten����o.

Sob o olhar curioso e preocupado dela, ele se afastou.

Enquanto caminhava, nervoso, confuso e sem saber o que fazer, pensava:

Ela era a ��nica pessoa que poderia me inocentar. N��o sei o que fazer.

Selma nunca vai acreditar em mim e eu n��o tenho como me defender...

Ao seu lado, sem que ele imaginasse, caminhavam a mesma enti-

dade e seus companheiros que tinham estado com Selma desde o dia

em que encontrou, pela primeira vez, Flora em frente �� loja de festas e

que, feliz, ria e dizia:

- Isso mesmo, voc�� n��o sabe o que fazer? N��o sabe e nem vai saber!

Melhor �� tomar uma bebida, ficar b��bado, pois s�� assim vai se sentir melhor.

No mesmo instante, ele pensou:

Vou tomar uma bebida para me acalmar e poder pensar.

Caminhou mais um pouco e chegou ao bar, onde costumava parar

quando ia buscar Carlos na escola. Sempre passava ali e, antes do almo-

��o, tomava uma bebida. Entrou e disse:

112

Elisa Masselli

- Bom dia, seu Euclides. Pode me dar uma dose?

O dono do bar, Euclides, ao v��-lo ��quela hora ali e sabendo o que

havia acontecido, estranhou.

- Bom dia, seu Roberto, mas n��o est�� muito cedo para o senhor be-

ber? N��o s��o nem dez horas da manh��.

- Pode ser cedo, mas estou com vontade, agora. O senhor pode me

servir ou n��o?

Euclides estranhou mais ainda a resposta e o tom de voz de Roberto.

- Est�� bem, vou servir, mas n��o precisa falar assim comigo. Sempre

fomos amigos e n��o �� porque o senhor fez uma bobagem que vou deixar

de ser. Sou homem e sei como essas coisas funcionam. �� dif��cil, para

n��s, os homens, conseguir resistir aos apelos de uma mulher, ainda mais

sendo t��o jovem e bonita.

Roberto ficou furioso e gritou:

- Eu n��o fiz coisa alguma com aquela mo��a, foi tudo uma armadilha!

- Calma, seu Roberto! Armadilha? Por que e por quem?

- N��o tenho ideia, mas foi uma armadilha. Estou desesperado por

n��o conseguir provar minha inoc��ncia!

- O senhor parece estar sendo sincero.

- Claro que estou! Eu jamais trairia minha esposa e meu filho!

A entidade, feliz por ele ter ouvido a sua intui����o, falou:

- Pare de falar e tome logo a bebida. Voc�� precisa dela!

- Por favor, me d�� logo essa bebida!

Enquanto Euclides pegava a garrafa, Roberto colocou as m��os sobre

o rosto e, sem conseguir se conter, come��ou a chorar.

Euclides, ao ver o desespero dele, disse:

- N��o chore, Roberto. A verdade sempre aparece. Quer mesmo be-

ber t��o cedo?

- Claro que quero, Euclides. N��o sei mais o que fazer. Perdi minha

mulher e talvez at�� meu filho. Minha vida est�� destru��da e n��o encon-

tro uma sa��da.

- Fique calmo, com o tempo tudo se resolve.

Quando Euclides estava terminando de colocar a bebida no copo,

113

As chances que a vida d��

Selma entrou no bar e, ao v��-lo bebendo, perguntou:

- Roberto, o que est�� fazendo aqui?

Ele, que ia pegar o copo, ao ouvir Selma voltou-se e respondeu:

- O que acha que estou fazendo, Selma? Estou bebendo, porque �� s��

isso que me resta fazer.

Selma olhou para Euclides e disse:

- Senhor Euclides, vamos nos sentar l�� fora. Por favor, sirva-nos dois

refrigerantes.

Euclides sorriu, largou o copo sobre o balc��o e foi pegar os refrigerantes.

Selma conduziu Roberto at�� uma mesa, dentre as v��rias que existiam

do lado de fora, e fez com que ele se sentasse.

Euclides se aproximou, abriu as garrafas e despejou o l��quido em

dois copos. Depois se afastou.

Roberto come��ou a chorar e a dizer:

- Sou inocente e n��o consigo provar, Selma!

- Sei disso.

- Sabe, como?

- Estamos casados h�� muito tempo e nunca tive queixa alguma a seu

respeito. Voc�� sempre foi um ��timo marido e um pai carinhoso. Ontem,

eu estava nervosa e disse uma por����o de coisas. Quando Carlos chegou e

n��o te encontrou em casa, saiu �� sua procura mas n��o o encontrou. Onde

voc�� passou a noite?

- Na casa do padre Victor. Ele foi o ��nico que me acolheu.

- Foi por isso que Carlos n��o o encontrou. Quando voltou para casa

e, ao me ver desesperada, conversou muito comigo. Embora ainda seja

uma crian��a, falou como gente grande e me fez lembrar os anos de feli-

cidade que vivemos e tamb��m me fez acreditar que voc�� n��o poderia ter

feito algo como aquilo. Por isso, agora, eu estava indo para o seu trabalho

para conversarmos e dizer que voc�� pode voltar para casa. N��o imaginei

que o encontraria aqui e bebendo, Roberto.

- Sei que est�� errado, mas estou desesperado e n��o sabia o que fazer.

N��o adiantaria voc�� ir para o meu trabalho.

- Por qu��?

114

Elisa Masselli

- Hoje pela manh��, quando cheguei, o doutor Tavares me demitiu.

- Demitiu? Por qu��?

- Ele disse que sua esposa n��o quer que eu continue trabalhando na

empresa pois ela n��o aceita trai����o. N��o tenho como provar, mas n��o tra��

voc��, Selma! Como vamos viver sem meu trabalho?

- Fique calmo, vamos encontrar uma solu����o. Temos algum dinhei-

ro guardado, o que vai fazer com que pelo menos por alguns meses pos-

samos seguir a nossa vida. A verdade vai aparecer e tudo vai ser esclare-

cido e resolvido.

- Est�� dif��cil, Selma! Depois que sa�� da empresa fui procurar Mar-

garete, porque ela �� a ��nica pessoa que pode me inocentar. Mas quando

cheguei na sua casa, a tia dela me falou que Margarete, ontem, pela ma-

nh��, disse que precisava ir embora e foi.

- Porque ela foi embora dessa maneira?

- N��o sei, a tia dela tamb��m n��o sabe.

- Isso �� muito estranho, Roberto...

- Tamb��m achei, mas n��o tenho como encontr��-la.

- Tudo isso vai ser esclarecido. Agora, vamos pra casa e l�� pensare-

mos em uma maneira de esclarecer tudo isso.

- N��o vamos conseguir, Selma...

- Talvez n��o agora, mas com o tempo conseguiremos. Agora n��o

adianta ficarmos aqui. Vamos embora e, juntos, eu, voc�� e Carlos, vamos

encontrar uma sa��da.

Terminaram de beber o refrigerante, levantaram-se e, abra��ados,

sa��ram do bar. Euclides, ao v��-los sair juntos, sorriu e pensou:

Ainda bem que ela chegou na hora certa. Eles formam uma fam��lia

linda, n��o podem se separar. Sinto que ele �� inocente.

O vulto de mulher, agora nervosa, e que havia ficado o tempo todo

ao lado de Roberto, tentou se aproximar mas n��o conseguiu porque o

amor dos dois criou uma n��voa branca que os envolveu totalmente.

115



O pior acontece

Caminhando abra��ados, chegaram �� rua onde moravam. Assim que

dobraram a esquina, viram que diante da casa estava uma viatura da po-

l��cia. Assustados, apressaram o passo. Ao chegar, encontraram Mar��lia

ao lado de tr��s policiais. Ela chorava muito. Assustada, Selma perguntou:

- O que aconteceu, Mar��lia? O que est�� fazendo aqui com esses policiais?

- Juro que n��o consigo acreditar, Selma, mas este policial, logo pela

manh��, foi ao orfanato e disse que o delegado recebeu um telefonema

an��nimo dizendo que voc�� havia roubado o dinheiro do orfanato que

estava na minha gaveta e que est�� aqui na sua casa. N��o acreditei e fiquei

muito nervosa. Fomos at�� o meu escrit��rio, abri a gaveta e o dinheiro

n��o estava ali. O delegado fez com que eu viesse at�� aqui com estes poli-

ciais para que eles pudessem procurar o dinheiro.

Selma, nervosa, quase n��o conseguia falar. Depois, chorando,

perguntou:

- O que voc�� est�� dizendo. Mar��lia? Voc�� me conhece, sabe o quanto

trabalhei pelo orfanato e que jamais faria qualquer coisa para prejudic��-lo.

- Eu disse isso ao delegado, mas ele respondeu que diante da acusa����o

116

Elisa Masselli

�� obrigado a revistar sua casa. Eu disse que sou a ��nica pessoa que tem a

chave da gaveta, mas ele disse que diante de uma den��ncia �� obrigado a in-

vestigar. Eduardo teve de concordar com ele e autorizou. Podemos entrar

na sua casa para que esses policiais procurem pelo dinheiro?

- Claro que podem, Mar��lia. N��o tenho coisa alguma a esconder. Eu

jamais faria isso!

Com sua chave, Selma abriu a porta e entraram na casa.

Os policiais come��aram a revirar a casa toda.

Roberto, calado, ficou com o bra��o sobre o ombro de Selma, dando

a ela seguran��a, afei����o e amor.

Depois de procurar por todos os lugares da sala e do quarto do casal,

foram para o quarto de Carlos e, embaixo do colch��o, encontraram a

caixa. Abriram e l�� estava uma quantidade enorme de dinheiro.

Selma olhou para Roberto que, assim como ela, estava surpreso. Ela,

chorando, olhou para Mar��lia e disse:

- N��o pode ser, Mar��lia! Eu n��o peguei esse dinheiro!

Mar��lia, diante do que viu, s�� p��de dizer:

- Juro que em momento algum julguei que voc�� poderia fazer algo

assim, mas, diante do que estou vendo, s�� posso acreditar que fez. Como

p��de ter feito isso, Selma? Eu sempre confiei em voc��!

- Eu n��o fiz, Mar��lia! N��o sei como esse dinheiro apareceu aqui em

casa, mas n��o fui eu quem trouxe!

Nervosa, Mar��lia, chorando muito, ia se afastar, quando P��ricles e

Zenaide se aproximaram e, com as m��os, jogaram luzes sobre ela. No

mesmo instante, Mar��lia, que j�� estava indo embora, voltou-se e disse:

- Sinto muito, Selma, mas evid��ncias n��o deixam d��vidas. Embora

me custe, n��o consigo deixar de acreditar no que estou vendo. Jamais po-

deria imaginar que voc�� seria capaz de fazer uma coisa como essa. Estive

ao seu lado durante muito tempo e sei o quanto trabalhou pelo orfanato

e pelas crian��as. Sinto muito...

Selma, chorando ainda mais, disse:

- Est�� bem, Mar��lia. Eu e Roberto vamos conseguir provar a nossa

inoc��ncia.

117

As chances que a vida d��

- Espero que consigam.

Dizendo isso, Mar��lia se afastou.

Selma ficou ali ainda n��o conseguindo entender o que havia aconte-

cido. Olhou para Roberto e, chorando, disse:

- Eu n��o fiz isso, Roberto. Juro que n��o fiz.

- Sei disso. N��o entendo o que est�� acontecendo, mas acho que estamos

sendo colocados em uma situa����o da qual n��o temos como nos defender.

Selma n��o sabia o que dizer ou falar, somente chorava.

- Um dos policiais se aproximou, dizendo:

- Sinto muito, mas a senhora precisa me acompanhar at�� a delegacia

para conversar com o delegado.

- Eu n��o fiz coisa alguma! N��o roubei o dinheiro!

- At�� acredito no que est�� dizendo, mas �� preciso que v�� at�� a delegacia

- Minha esposa vai. Ela n��o tem coisa alguma a esconder. Vamos,

Selma, vou com voc��.

Abra��ados, caminharam ao lado dos policiais. Precisavam percorrer

quatro quarteir��es at�� chegar �� delegacia. Selma escondia o rosto no om-

bro de Roberto que ao ver o que ela fazia, nervoso, disse:

- Levante a cabe��a, Selma. Voc�� nada fez de errado.

- As pessoas est��o olhando, Roberto.

- Isso n��o deve incomodar voc��, Selma. Eu e voc�� sabemos que so-

mos inocentes e que nada fizemos para nos esconder. N��o foi voc�� quem

me disse que tudo ia ficar bem? Pois acredito que vai, mesmo!

P��ricles olhou para Zenaide e disse:

- Para Mar��lia est�� sendo muito dif��cil, Zenaide. Ela est�� t��o mago-

ada e triste que n��o aceita a minha intui����o. Vamos esperar que, com o

tempo, ela mude de ideia e ajude sua grande amiga.

- Verdade, P��ricles. Precisamos estar ao lado deles para que conti-

nuem a sua vida em paz.

Nesse momento, outra entidade se aproximou. Assim que o viu,

sorriram.

- Seja bem-vindo, Mario Augusto. Neste momento, precisamos

tentar fazer com que eles encontrem o caminho da verdade. D��vidas de

118

Elisa Masselli

muito tempo est��o se confrontando, e �� preciso que elas cheguem ao

rim agora, pois, se isso n��o acontecer, poder��o criar mais d��vidas para

o futuro. Sabemos que a solu����o �� de dif��cil conclus��o, por��m pode ser

feita. - P��ricles disse com muita emo����o.

- Para isso estou aqui, P��ricles. Agora, precisamos envolv��-los com

muita luz para afastarmos essas energias ruins que est��o se aproximando

em maior n��mero. No momento certo, tudo vai se resolver, mas precisa-

mos permanecer ao lado deles.

Imediatamente, todos estenderam os bra��os em dire����o aos dois. No

mesmo instante, Selma, que continuava chorando, parou de chorar, le-

vantou a cabe��a e caminhou firme ao lado de Roberto e dos policiais.

Assim que passavam pelas pessoas que se aglomeraram nas ruas,

percebiam que elas riam ou cochichavam umas com as outras.

Chegaram �� delegacia. O delegado os recebeu com educa����o, mas sem

deixar de demonstrar que estava chocado com o que havia acontecido.

Com a m��o, mostrou duas cadeiras que estavam em frente �� sua

mesa e disse:

- Por conhecer os senhores, j�� que somos amigos do juiz Eduardo e

sua esposa, nunca imaginei que um dia eu os teria sentados �� minha frente

;omo est��o neste momento. Nunca imaginei que a senhora, dona Selma,

seria capaz de fazer algo como isto de que est�� sendo acusada. E jamais

pensaria que o senhor pudesse fazer o que fez com aquela mo��a que, por

n��o ter feito queixa alguma, n��o me permite que o senhor seja investigado

e preso. Esta situa����o ��, para mim, muito dif��cil. O que a senhora tem para

me dizer sobre essa acusa����o? O que aconteceu, dona Selma?

- Eu n��o sei o que aconteceu nem como esse dinheiro foi parar na

minha casa.

- Dona Mar��lia �� a ��nica pessoa que tem a chave da gaveta, e n��o

acredito que ela teria feito uma coisa como essa. Ela �� de fam��lia rica,

casada com um juiz, n��o precisa de dinheiro e jamais faria algo assim.

Ela fundou o orfanato, deu sua casa para que ali pudesse receber v��rias

crian��as. A senhora, ao contr��rio, vive do trabalho de seu marido e n��o

tem posses. A senhora, sim, precisa de dinheiro.

119

As chances que a vida d��

- Claro que Mar��lia n��o faria isso, assim como eu tamb��m n��o faria.

Eu n��o fiz isso, delegado. Trabalhei muito com as meninas para que a

exposi����o fosse um sucesso e, com o dinheiro arrecadado, pud��ssemos

construir uma nova ala para atender mais crian��as. Eu jamais faria isso.

N��o precisamos de mais dinheiro do que temos. Com o sal��rio do meu

marido, vivemos muito bem, n��o com luxo, mas nada nos falta. Sempre

achei que poderia viver com pouco, mas com tranquilidade, e essa tran-

quilidade t��nhamos at�� ontem. N��o entendo o que est�� acontecendo.

- Chego at�� a acreditar no que a senhora est�� dizendo, mas diante

dos fatos a senhora ter�� de ficar aqui at�� que tudo seja esclarecido.

- O senhor vai me prender?

- N��o tenho alternativa. O dinheiro foi encontrado na sua casa.

- Eu n��o fiz isso! Por favor, n��o me prenda...

- Minha esposa �� inocente, delegado!

- Talvez seja, mas eu preciso cumprir a lei. Ela vai precisar ficar aqui

at�� que tudo se esclare��a. S�� n��o entendo uma coisa.

- O qu��, delegado?

- Como a senhora conseguiu a chave da gaveta?

- N��o posso responder a essa pergunta, simplesmente porque n��o

peguei a chave!

- Est�� bem. Quero acreditar na senhora, por isso preciso investigar.

Tamb��m quero que o senhor investigue e descubra o culpado para

que possamos voltar para nossa casa. - Selma disse, ainda chorando.

- Entendo o que est�� sentindo, senhora, mas neste momento a ��nica

coisa que podem fazer �� contratar um advogado e conseguir um habeas

corpus com o juiz Eduardo, mas duvido que isso seja poss��vel, afinal foi sua esposa quem foi roubada.

- Roberto, v�� conversar com Mar��lia. Pe��a que ela venha at�� aqui! Sei

que ela saiu daqui muito nervosa, mas ela me conhece, n��o pode acredi-

tar que eu teria coragem de roubar o orfanato! V�� at�� l��, v��...

- Est�� bem. Vou falar com ela. Fique calma. Vamos conseguir provar

a sua inoc��ncia.

Em seguida, beijou o rosto da esposa e saiu apressado.

120

Elisa Masselli

Assim que ele saiu, a pedido do delegado, um soldado levou Selma

para uma cela que ficava nos fundos da delegacia.

A cidade era pequena, por isso quase n��o havia ocorr��ncia policial

e, por esse motivo, a cela estava vazia. Assim que se viu sozinha, Selma

olhou �� sua volta e continuou chorando. Sentou-se sobre a cama feita de

cimento, com um colch��o de palha, e pensou:

Meu Deus do c��u, como pude chegar a este lugar? Minha vida estava

t��o boa e, em poucas horas, se transformou nessa loucura. Quem pegou o

dinheiro e por que me envolveram nessa hist��ria toda?

Mario Augusto, que estava ao seu lado, estendeu as m��os sobre ela e

enviando-lhe uma luz branca disse:

- Tudo acontece como tem de acontecer, Selma. A hora de acertar

contas sempre chega, mas fique calma. Tudo vai acontecer como tem de

ser. A verdade sempre aparece.

Sem imaginar que ele estivesse ali, Selma sentiu-se muito bem, parou

de chorar e deitou-se sobre a cama e o colch��o de palha.

121





Desespero total

Roberto chegou ao orfanato. Mar��lia, ainda confusa e se recusando a

acreditar que Selma havia roubado o dinheiro pelo qual havia trabalha-

do tanto, o recebeu.

- O que voc�� quer aqui, Roberto?

- Mar��lia, Selma ainda est�� presa. Voc�� sabe que ela n��o pegou o

dinheiro...

- N��o sei o que pensar, Roberto. A ��nica coisa que sei �� que o dinhei-

ro foi encontrado na sua casa. Guardei o dinheiro e tranquei a gaveta.

S�� eu tenho a chave. Selma sempre teve acesso a qualquer lugar aqui no

orfanato. O que espera que eu pense ou fa��a?

- Selma n��o fez isso, Mar��lia! Ela estava entusiasmada com a exposi����o e

com a possibilidade de voc��s poderem fazer mais uma ala aqui no orfanato.

- Tamb��m acreditei nisso, Roberto. Ela �� a minha melhor amiga...

- Ela �� inocente e pediu que voc�� fosse at�� a delegacia para que pu-

dessem conversar. Somente o seu marido poder�� ajud��-la a sair de l��

para que possa provar sua inoc��ncia.

- N��o vou at�� l�� e n��o posso me intrometer no trabalho de Eduarda

Elisa Masselli

Contrate um advogado e, se ela for inocente, a verdade vai surgir.

- Precisa acreditar em Selma, Mar��lia!

- Como quer que eu fa��a isso? Ela roubou o dinheiro do orfanato,

Roberto!

- Ela n��o fez isso, Mar��lia!

- Assim como voc�� n��o fez aquilo com aquela mo��a?

- Claro que n��o fiz aquilo! N��o sei como aquelas fotos foram tiradas.

N��o estou entendendo o motivo de tudo isso estar acontecendo.

- Eu tamb��m, al��m de n��o entender, por mais que tente n��o consigo

acreditar na inoc��ncia de voc��s.

- Precisamos de ajuda, Mar��lia. Eu e Selma n��o temos parentes e

tamb��m n��o temos dinheiro para contratar um advogado. Sabe que do

meu sal��rio n��o sobra quase nada. N��o sei o que fazer.

- Deveriam ter pensado nisso antes de cometerem esses crimes.

- Por favor, Mar��lia...

- Desculpe-me, Roberto. N��o tenho como ajudar. Agora, acho que

deve ir embora, pois est�� perdendo seu tempo aqui comigo.

Roberto, vendo que n��o conseguiria ajuda, come��ou a se afastar,

quando Mar��lia disse:

- Selma tem uma amiga que �� muito rica, procure por ela, talvez ajude.

- Que amiga?

- Selma n��o contou a voc��? Seu nome �� Flora e �� muito rica.

- N��o, Selma nunca me falou a respeito dessa amiga.

- Por que ser�� que ela nunca falou sobre isso, Roberto?

- N��o sei, mas vou agora mesmo na delegacia conversar com Selma.

Dizendo isso e intrigado, ele foi para a delegacia e, assim que chegou,

o delegado o recebeu com o olhar raivoso e, r��spido, disse:

- Ainda bem que chegou, senhor Roberto. Estava esperando que

chegasse, e se demorasse muito eu ia pedir ao soldado Raimundo que

fosse procurar pelo senhor.

- Como assim? N��o estou entendendo. Por que est�� falando comigo

dessa maneira, delegado? Procurar por mim, por qu��? O senhor me pa-

rece t��o nervoso...

123

As chances que a vida d��

- Estou muito nervoso, sim! Este senhor chama-se Otaviano, ele e

o pai da Margarete, aquela mo��a que o senhor desonrou. Ele est�� aqui e

prestou queixa. Por isso, diante das fotografias e de tudo o que ele disse,

s�� me resta prend��-lo. Ela �� menor de idade.

- Vai me prender? O senhor n��o pode fazer isso! N��o fiz coisa algu-

ma com aquela mo��a, ela est�� mentindo!

- Mentindo? Por que faria isso?

- N��o sei o motivo, mas ela fez e inventou tudo isso!

- As fotografias tamb��m foram inven����o? Como pode ser? O se-

nhor nunca pensou que seria pego, mas foi e agora vai ficar aqui at�� que

seja julgado!

- N��o posso ser preso! Selma j�� est�� presa e n��s temos um filho que

n��o pode ficar sozinho!

- Margarete �� minha filha e me contou, em detalhes, o que o senhor

fez com ela! Vai ter de pagar pelo seu crime! N��o sabia que ela �� menor

de idade? Claro que sabia, mas o senhor �� um doente e merece ficar na

cadeia pelo resto da sua vida!

- Eu n��o fiz coisa alguma com sua filha, senhor! Isso tudo �� um gran-

de engano! Ela n��o pode ter dito que eu fiz alguma coisa!

- Ela disse que o senhor a amea��ou e que se contasse alguma coisa

o senhor a mataria! Por isso ela fugiu ontem pela manh��! O senhor tem

sorte de eu ser um homem de bem, se n��o eu o mataria! N��o foi para isso

que criei minha filha com tanto carinho!

- Est�� tudo errado, n��o sei como provar, mas n��o fiz coisa alguma

com sua filha! N��o entendo o porqu�� de ela ter inventado uma hist��-

ria como essa!

Ao ouvir aquilo, Otaviano, com os punhos fechados, caminhou em

sua dire����o, mas foi impedido pelo delegado que falou:

- N��o fa��a isso, senhor Otaviano. Ele est�� aqui e vai ficar preso por

muito tempo. J�� tenho seu endere��o, por isso pode voltar para sua cidade

e, quando chegar a hora do julgamento, o senhor receber�� um telegrama

e poder�� voltar para assistir.

- Eu n��o posso ir embora assim, delegado!

124

Elisa Masselli

- N��o pode, por qu��?

- Minha filha est�� gr��vida e disse que ele �� o pai!

Roberto se desesperou:

- Eu? Ela est�� mentindo! Nunca, em momento algum, eu toquei na

sua filha!

- Como pode dizer isso? Ela nunca teve namorado na vida!

Roberto colocou a m��o sobre o rosto e gritou:

- Isso n��o pode estar acontecendo! Devo estar sonhando! At�� ontem

pela manh��, tudo estava bem em minha casa e na minha vida, agora toda

essa confus��o! Como isso pode acontecer e por qu��?

- O senhor n��o est�� sonhando, n��o! Est�� acontecendo, e para pensar

melhor no que fez vai para a cela agora mesmo! Sugiro, novamente, que con-

trate um advogado, s�� que agora ser�� para defender o senhor e sua mulher!

- N��o conhe��o advogado algum e, tamb��m, n��o tenho dinheiro...

- Esse problema �� s�� seu. Cabo Orestes, pode levar o preso para a cela.

O policial se aproximou e, segurando Roberto pelo bra��o, o condu-

ziu at�� os fundos da delegacia e para a cela.

Antes de acompanhar o soldado, Roberto, desesperado, disse:

- Por favor, delegado, n��o me prenda! Meu filho est�� na escola e n��o

sabe o que est�� acontecendo! Ele n��o pode ficar sozinho!

- Devia ter pensado nele antes de fazer o que fez. Mas n��o se preocu-

pe, se n��o tiver um familiar para cuidar dele, vai para o orfanato. Isto ��,

se a dona Mar��lia aceitar que ele fique l��; caso ela n��o aceite, teremos de

mand��-lo para outra cidade.

- N��o podem fazer isso! Ele est�� na escola e �� um ��timo aluno!

- Nada mais temos que conversar. Vou entrar em contato com o ad-

vogado Josias.

Impotente, Roberto acompanhou o policial e foi para a cela.

Assim que entrou no corredor, Selma viu que ele chegava e, alegre,

perguntou:

- Conseguiu me libertar, Roberto?

Antes que Roberto respondesse, o policial abriu a cela ao lado da

dela e fez com que Roberto entrasse. Selma, inconformada, perguntou:

125

As chances que a vida d��

- O que est�� acontecendo, Roberto? Por que est�� sendo preso?

Ele se aproximou da grade e, pegando a m��o dela, chorando, disse:

- Nossa vida est�� uma loucura, Selma! N��o entendo o que est�� acon-

tecendo nem por qu��!

Contou a ela o que havia acontecido. Ela o ouviu em sil��ncio. Quan-

do ele terminou de falar, chorando e desesperada, perguntou:

O que vai acontecer com Carlos?

- O delegado disse que se n��o tivermos parentes ele vai ser enviado a

um orfanato, e se Mar��lia n��o o aceitar, ir�� para outra cidade.

- Carlos n��o vai entender e vai ficar desesperado, Roberto!

- Sei disso, mas tamb��m n��o sei o que fazer. N��o entendo o motivo

daquela mo��a ter inventado uma mentira como essa, Selma! Juro a voc��

que nunca toquei em um fio de cabelo dela. Tudo aconteceu como eu

contei! Ela provocou aquela situa����o e eu n��o consegui evitar.

- Depois de ter sido incriminada, n��o posso deixar de acreditar em

voc��, Roberto. Precisamos falar com Mar��lia para que aceite Carlos no

orfanato. Embora seja s�� para meninas, ela, se quiser, poder�� abrig��-lo.

Ele n��o pode ser enviado para outra cidade. Aqui ele tem a escola, os

amigos... O que vai acontecer com ele se, al��m de perder n��s dois, ainda

perder tudo o mais que ama?

- N��o adianta pensarmos em Mar��lia. Fui l�� para conversarmos mas ela

quase n��o quis me ouvir. Est�� muito nervosa e revoltada, n��o vai nos ajudar.

- N��o entendo como ela, apesar de me conhecer t��o bem, tenha

acreditado que eu seria capaz de roubar o orfanato...

- As provas contra voc�� s��o muitas, Selma. S�� n��o entendo o motivo

de tudo isso estar acontecendo. Quem planejou tudo isso e quem telefo-

nou dizendo que voc�� estava com o dinheiro?

- Eu tamb��m n��o e n��o consigo acreditar nisso que est�� acontecendo.

- N��o sei como nem o motivo, mas est�� acontecendo. S�� estou preo-

cupado com Carlos. O que vamos fazer? N��o temos sequer um familiar

para pedirmos que cuide dele.

Selma ficou olhando para o horizonte e ia dizer alguma coisa quan-

do Carlos, desesperado e acompanhado pelo mesmo policial, entrou no

126

Elisa Masselli

corredor chorando. Chegou junto ��s duas celas e perguntou:

- O que aconteceu? O delegado me disse que v��o ficar presos

e que eu vou para um orfanato! N��o poder ser! Papai, mam��e, n��o

quero ir para um orfanato! Tenho minha casa e tenho pais, n��o sou

��rf��o! N��o deixem isso acontecer...

Agora, Carlos chorava desesperadamente.

- Infelizmente, filho, nada podemos fazer, estamos presos. N��o te-

mos fam��lia que possa nos ajudar.

Carlos, ao ouvir o que o pai disse, n��o conseguiu parar de chorar e,

mais desesperado ainda, disse:

- Eu n��o quero ir para o orfanato! N��o quero!

Ao ver o desespero do filho, Selma, tamb��m chorando, disse:

- Voc�� n��o vai para o orfanato, n��o precisa. Tem fam��lia, sim.

Roberto e Carlos, admirados, olharam para ela. Ele perguntou:

- O que est�� dizendo, Selma?

Ela, parando de chorar, com o rosto r��spido, respondeu:

- Desculpe-me, Roberto, deixei de contar a voc�� como foi a minha

vida antes de nos conhecermos.

- Ainda n��o estou entendendo...

Selma n��o respondeu, apenas olhou para o policial que estava ali e

presenciava toda aquela cena:

- Por favor, diga ao delegado que preciso telefonar e que �� urgente.

O policial, tamb��m curioso e intrigado, saiu dali e foi falar com o delegado.

Assim que ele saiu, Selma, beijando a m��o de Carlos, que estava jun-

to �� grade, voltando a chorar, falou:

- N��o se preocupe, meu filho. Existe algu��m que, se quiser, poder��

cuidar de voc�� e nos ajudar a sair. Estou fazendo algo que nunca pensei

que, um dia, faria.

- O que significa isso, Selma? Quem �� essa pessoa?

- Depois que eu falar com ela, vou contar tudo a voc��s.

- Nunca pensei que voc�� tivesse segredos, Selma.

- Agora vejo que foi um erro, mas, na ��poca em que nos conhece-

mos, achei que seria o melhor.

127

As chances que a vida d��

- Vai falar com Flora, sua amiga?

- Flora? O que sabe sobre ela?

- Nada. Apenas que �� muito rica e sua amiga.

- Como soube isso?

- Foi Mar��lia quem me contou. Por que n��o me disse que tinha uma

amiga e que era rica?

- Porque nunca achei que isso fosse importante e, tamb��m, por ela

fazer parte do meu passado, que eu queria esquecer. Assim que eu der

um telefonema, volto aqui e conto tudo o que quiserem saber. Agora, n��o

h�� mais por que eu esconder qualquer coisa.

O policial voltou e, enquanto abria a cela, disse:

- O delegado disse que a senhora vai poder telefonar da sala dele.

- Obrigada.

Sorrindo com tristeza, olhou para eles e acompanhou o policial.

Pai e filho, com os olhos, a acompanharam at�� que desaparecesse no

fim do corredor.

Assim que entrou na sala do delegado, ele, apontando um telefone

que estava sobre sua escrivaninha, disse:

- Pode usar o telefone; por��m, preciso ficar aqui.

Ela, tentando sorrir, disse:

- Pode ficar. Agora, nada mais importa nem h�� nada a esconder.

Selma pegou o telefone e, tremendo muito, discou um n��mero. Do

outro lado, uma voz de mulher atendeu:

- Al��!

- Sou eu, Selma.

- Selma! Meu Deus do c��u! Tenho procurado voc�� por tanto tempo!

Onde voc�� est��?

- Estou morando em uma cidade h�� pouco mais de cem quil��metros

da senhora.

- T��o perto e n��o a encontrei! Por que foi embora daquela maneira,

minha filha? Durante todos esses anos, estou procurando por voc�� e sofren-

do muito!

- Perd��o, m��e. Hoje entendo que agi mal, que n��o devia ter feito o

128

Elisa Masselli

que fiz. Mas com isso tamb��m aprendi muito!

- Estou muito feliz e aliviada por ter telefonado!

- M��e, estou casada e tenho um filho de treze anos. Ele e eu estamos

precisando da senhora e de sua ajuda.

- Um filho, Selma? Como p��de deixar de me avisar que eu tenho um neto?

- Perd��o, m��e, mas eu queria deixar o passado para tr��s.

- At�� agora, n��o entendi o porque de voc�� ter feito o que fez e o que

precisa deixar para tr��s...

- Perd��o, m��e. Logo teremos tempo para conversar e, assim, pode-

rei contar o motivo de eu ter sa��do de casa e ter vindo para c��. Por��m,

agora preciso de sua ajuda. Eu e meu marido estamos presos e, se n��o

encontrarmos algum familiar para ficar com nosso filho, ele ir�� para um

orfanato e isso nem ele nem n��s queremos. Ele �� um bom menino e n��o

merece isso...

- Presa, Selma? O que voc�� fez?

- Nada, m��e. Eu e meu marido n��o fizemos coisa alguma. Fomos

envolvidos em uma trama terr��vel e precisamos da sua ajuda.

- Estou feliz que tenha telefonado, mas n��o posso acreditar que algu��m

esteja preso sem motivo algum. Para os dois estarem presos devem ter feito

algo muito s��rio...

- Est�� bem, mam��e. Agora, n��o tenho tempo para contar para a se-

nhora tudo o que aconteceu. S�� preciso saber se a senhora pode vir at��

aqui e nos ajudar...

- Claro que vou. Voc�� �� minha ��nica filha e tive bastante tempo para

entender tudo o que aconteceu. Al��m do mais, um neto meu jamais ir�� para

um orfanato! Passe o endere��o. Vou anotar e estarei ai o mais r��pido poss��vel.

- Obrigada, m��e.

- Ap��s passar o endere��o, Selma olhou para o delegado que, surpre-

so pelo que tinha ouvido, perguntou:

- Est�� tudo bem?

- Est��, delegado. Agora, tudo vai ficar bem. Como o senhor ouviu,

minha m��e est�� vindo para c�� e vai cuidar do meu filho. Por favor, per-

mita que ele fique comigo e com meu marido at�� que ela chegue. Tenho

129

As chances que a vida d��

uma longa hist��ria para contar aos dois.

- Est�� bem. Ele pode ficar por hoje. Mas, se ela n��o chegar at�� as seis

horas da tarde, serei obrigado a envi��-lo para o orfanato.

- Ela vir��, delegado. Ela vir��.

Olhou para o policial que tamb��m estava ali:

- Agora, j�� posso voltar para a cela. O senhor me acompanha?

O policial, desconcertado com aquela atitude, sorriu e, com a m��o,

apontou o caminho que deveria seguir.

Estavam saindo, quando Selma voltou-se e disse:

- Delegado, como eu disse, tenho uma longa hist��ria para contar ao

meu marido e ao meu filho. Ele est�� do lado de fora da cela, ser�� que o

senhor permitiria que ele entrasse comigo na cela para que pudesse se

sentar e, assim, ouvir a hist��ria que preciso contar?

O delegado pensou por alguns segundos:

- Est�� bem. J�� que a senhora disse que sua m��e vai chegar e ficar

respons��vel por ele, n��o vejo inconveniente algum.

Olhando para o policial, continuou:

- Pode deixar que o menino entre na cela.

Assim que sa��ram, Mario Augusto, que esteve ali o tempo todo e que

agora estava acompanhado de outra entidade de mulher, disse:

- Alguns momentos dif��ceis precisam acontecer, n��o ��?

A outra entidade de mulher, sorrindo, respondeu:

- �� verdade, Mario Augusto. Na maioria das vezes, esses momentos

nos obrigam a tomar uma atitude da qual temos medo ou queremos evi-

tar, mas que precisam acontecer para que possamos continuar a nossa

caminhada, pois, se n��o fizermos o que precisamos fazer, essa caminha-

da poder�� se tornar bem mais dif��cil do que o necess��rio.

- O medo e o apego, n��o s�� de coisas, mas principalmente o apego a

pessoas, podem nos prejudicar muito. Agora, vamos ver o que Selma vai

contar. Vamos acompanhar o seu momento de liberta����o.

130



Selma conta sua hist��ria

Selma, ao chegar ao corredor que levava ��s celas, viu que

Carlos estava sentado no ch��o, do lado de fora da cela, segurando a m��o

do pai, que tamb��m estava sentado, s�� que do lado de dentro. Assim que

ele viu Selma, levantou-se e foi ao seu encontro.

Ela, abra��ando-o, disse:

- Voc�� n��o vai precisar ir para o orfanato. Sua av�� est�� vindo para

ficar com voc��.

- Av��? O que significa isso, Selma?

- Significa que tenho m��e e que ela est�� vindo para c��. Ela pode nos

ajudar a conseguir um bom advogado l�� da Capital e vai ficar respons��-

vel pelo Carlos. Est�� tudo bem, Roberto.

- Como est�� tudo bem? Voc�� me enganou durante todo esse tempo!

Sempre disse que n��o tinha fam��lia!

- Eu n��o o enganei, apenas omiti o meu passado. Hoje entendo que

n��o devia ter feito isso, mas na ��poca me pareceu ser o melhor a fazer.

Por��m, agora, a vida est�� me obrigando a contar a voc��s tudo o que acon-

teceu para que eu tivesse omitido essa parte da minha vida.

131

As chances que a vida d��

O policial abriu a cela. Selma, ainda abra��ada ao filho, disse:

- Entre, filho. Voc�� vai ficar ao nosso lado at�� que minha m��e che-

gue, e vou aproveitar para contar tudo o que me aconteceu e quem eu

era antes de vir para esta cidade, conhecer voc��, Roberto, nos casarmos e

termos esse filho maravilhoso.

Intrigado, Carlos acompanhou a m��e e sentou-se ao seu lado. Rober-

to levantou-se e tamb��m sentou-se em sua cama.

Assim que se sentaram e o policial se retirou, Selma come��ou a falar:

- Nasci em uma fam��lia rica e tradicional. Meu pai, av�� e bisav�� fo-

ram diplomatas. Meu irm��o, quatro anos mais velho do que eu, assim

que nasceu j�� estava destinado a ser diplomata tamb��m. Eu, sendo mu-

lher, teria pouca chance para seguir carreira, por isso meus pais resolve-

ram que, como at�� hoje ainda acontece com as mulheres, me criariam e

me preparariam para ser esposa de um diplomata ou pol��tico e, para que

isso acontecesse, teria de ter uma ��tima forma����o.

- A senhora era rica, mam��e?

- Sim, meu filho. Muito rica. T��o rica que voc�� nem pode imaginar.

- Ela disse rindo e continuou:

- Sendo assim, eu e meu irm��o sempre tivemos professores que iam

a nossa casa para nos ensinar v��rios idiomas. Aprendemos a falar e a es-

crever, fluentemente, ingl��s, espanhol, italiano, franc��s e alem��o.

- A senhora fala todos esses idiomas? Como conseguiram?

- Falo, filho, mas o ��nico que preciso �� o nosso, pois �� com ele que

consigo falar com voc�� e seu pai, que s��o as ��nicas pessoas com quem

quero conversar.

- Como conseguiu aprender a falar tantos idiomas? Eu tenho muita

dificuldade com o ingl��s.

- Crian��a aprende tudo, Carlos. Quando aprendi a falar, meu irm��o

j�� tinha professores desses idiomas e que conversavam com ele. Eu tam-

b��m fui aprendendo com eles e nem percebi a diferen��a. Para mim, era

normal e engra��ado falar em v��rias l��nguas. Al��m dos idiomas, precis��-

vamos aprender tamb��m a nos vestir, a nos comportar �� mesa e em to-

dos os lugares. Meus pais queriam que a nossa educa����o fosse esmerada.

132

Elisa Masselli

Para isso, contratavam os melhores professores e professoras que exis-

tiam. Meus pais tinham uma vida social bem intensa e, por isso, quase

n��o os v��amos. Desde pequenos tivemos uma bab�� que cuidava de n��s

com muito carinho. A minha chamava-se Etelvina.

Roberto, curioso, perguntou:

- Etelvina?

- Sim, Roberto, Etelvina. - Disse sorrindo e continuou: - Um dia,

quando comecei a entender e vi que era negra, perguntei:

- Por que sua m��o e seu rosto s��o diferentes dos meus?

- Foi Deus quem criou a gente. Ele criou cada pessoa de um jeito. Tem

aquelas que t��m cabelos claros, outras escuros. Umas s��o altas e outras s��o

baixas; tem gente que �� branca, assim como voc��, e tem gente que �� negra, as-

sim como eu. Tem ainda os ��ndios, que s��o vermelhos, e os asi��ticos, que s��o

amarelos. Embora sejamos diferentes na cor, somos muito amados por Ele.

- Assim como eu amo voc��?

- Ela me abra��ou e, hoje sei que estava emocionada, respondeu:

- Assim mesmo, minha menina, igual eu amo voc��. Quando existe

amor, a cor n��o tem import��ncia alguma.

- Realmente, para mim, n��o tinha import��ncia. Eu amava aquela

mulher. Quando fiz sete anos, j�� falava fluentemente todos os idiomas,

e chegou a hora de aprender a escrever. Meu irm��o j�� tinha professo-

res desses idiomas e eles come��aram a me ensinar tamb��m. Novamente,

percebi que as palavras que eu conhecia tamb��m eram escritas de ma-

neiras diferentes, mas n��o tive problema algum. Enquanto eu estava es-

tudando, Etelvina cuidava das minhas roupas e da minha comida. Tudo

ia bem e eu estava feliz.

- Eu queria ter essa facilidade para aprender.

- Voc�� est�� aprendendo, Carlos, na hora e no tempo certo. - Selma

disse, sorrindo, e continuou:

- Etelvina cuidava de mim com muito carinho, contava hist��rias e,

como meus pais quase nunca estavam em casa, era ela quem me colocava

para dormir, sempre contando hist��rias e cantando alguma m��sica. Ela

falava sobre castelos, pr��ncipes e princesas e sempre terminava dizendo:

133

As chances que a vida d��

- Voc�� �� uma linda princesa e vai ser muito feliz.

- Minha m��e era ausente, ficava quase o tempo todo fora partici-

pando de compromissos sociais e, quando estava em casa, estava sempre

com costureiras ou cabeleireiras. Ela n��o tomava parte de nossa vida.

Meu pai, por causa do seu trabalho, viajava muito e, quando estava em

casa, ficava no seu escrit��rio sempre envolvido com livros. Minha m��e

era quem cuidava da nossa educa����o. Em uma noite, quando Etelvina

estava sentada em uma poltrona que havia no meu quarto, e eu sentada

em seu colo, ela disse:

- Hoje, vou contar uma hist��ria diferente para voc��, Selma. N��o vai ser sobre pr��ncipes ou princesas, mas sim sobre algu��m muito especial

para todos n��s.

- Conte, Etelvina!

- Ela sorriu e come��ou a contar:

- Havia uma crian��a que ia nascer para ser um rei. Ele poderia nascer

em um rico pal��cio, mas resolveu nascer em uma manjedoura.

- O que �� manjedoura, Etelvina?

- �� o lugar onde, nas fazendas, os animais comem.

- Por que ele quis nascer em um lugar como esse?

- Ele queria ensinar a todas as pessoas que, para a gente ser feliz, n��o

precisa ter muito dinheiro. Quis ensinar, tamb��m, que a Terra, esse mun-

d��o que Deus nos deu, tem tudo o que precisamos para viver. Depois que

ele nasceu na manjedoura, e durante sua vida, ele quis ensinar para todas

as pessoas que uns devem ajudar os outros porque somos todos irm��os, n��o

importando se somos ricos ou pobres.

- O que s��o pobres, Etelvina?

- Ela, rindo, ia responder, quando minha m��e entrou no quarto e,

raivosa, disse:

- O que voc�� est�� fazendo, Etelvina?

- Estou contando a hist��ria de Jesus para ela.

- Minha m��e ficou mais nervosa ainda e gritou:

- Selma, saia do colo dela e v�� se deitar! Etelvina, saia do quarto! De-

pois vamos conversar!

134

Elisa Masselli

- Assustada, pulei do colo de Etelvina, fui para minha cama e me

cobri toda com o len��ol. Etelvina tamb��m saiu do quarto. Assim que ela

saiu, minha m��e se aproximou da cama, levantou o len��ol que estava

sobre meu rosto e muito nervosa quase gritou:

- O que estava fazendo no colo dessa mulher?

- Estava ouvindo a hist��ria que ela me contava. - Respondi, tremendo e assustada.

- Nunca mais, em sua vida, sente-se no colo dela e de ningu��m igual a ela!

- Por que, mam��e?

- Voc�� n��o viu que ela �� diferente de voc��?

- Diferente como?

- Ela tem a pele negra, Selma!

- O que tem isso, mam��e? Etelvina disse que todos n��s fomos criados

por Deus e que Ele ama a todos igualmente.

- Mentira, Selma! Voc�� acha que algu��m feio como ela pode ser amada

por Deus? Isso os pobres e negros dizem para se sentirem melhor, mas n��o ��

verdade! Deus criou somente a n��s brancos que somos bonitos!

- O que �� pobre, mam��e?

- S��o aquelas pessoas que Deus criou para nos servir, assim como Etel-

vina, apenas isso!

- Eu gosto dela, mam��e...

- Nunca mais repita isso, Selma! Gente como ela serve apenas para

preparar o seu banho, ajudar voc�� a se vestir e pentear os seus cabelos,

somente para isso! N��o pode ser sua amiga e voc�� n��o pode gostar dela!

Pessoas como ela s��o sujas e podem transmitir doen��as muito graves!

- Ap��s dizer isso, ainda nervosa, ela saiu do quarto.

- Ela falou isso, mam��e?

- Falou, Carlos.

- O que ela disse n��o �� verdade, mam��e! Tenho muitos amigos que

s��o pobres e n��s tamb��m n��o somos ricos. Quanto a negros, n��o tenho

problema algum e nem poderia, n��o ��?

Selma, rindo, respondeu:

- Claro que n��o, filho. A cor da pele ou sua condi����o n��o deve nos

135

As chances que a vida d��

importar, pois temos pessoas boas em qualquer condi����o, ricos, pobres

ou negros. Conhe��o seus amigos e tamb��m gosto muito deles, mas n��o

pode se esquecer que eu tinha apenas sete anos e, por isso, era muito

impression��vel.

- A senhora acreditou no que ela disse?

- Acreditei mais ou menos, mas fiquei com medo de pegar uma doen��a.

- O que aconteceu depois?

- Com medo, comecei a me lembrar de todas as vezes em que esti-

vera no colo de Etelvina e, por isso, demorei muito para dormir. No dia

seguinte, a bab�� do meu irm��o entrou no meu quarto. Ela tamb��m era

negra. Assustada, perguntei:

- Onde est�� Etelvina?

- Ela foi embora e, enquanto n��o vier outra bab��, vou cuidar de voc��.

- Embora por qu��?

- N��o sei. Depois voc�� pergunta para sua m��e.

- Eu n��o tinha muita intimidade para perguntar qualquer coisa a ela.

Sem entender o que havia acontecido, fui para o jardim e vi Josias, que

lavava o carro, e me aproximei:

- Josias, voc�� sabe por que Etelvina foi embora?

- Ele, com o pano que secava o carro nas m��os, me olhou nos olhos:

- Ela precisou ir, Selma.

- Foi para onde?

- Acho que foi para o interior, viver com sua fam��lia.

- Ela nunca me disse que tinha fam��lia...

- Tem, sim. Uma irm�� e uma filha.

- Ela tem uma filha e n��o cuidava dela, s�� cuidava de mim?

- Ela n��o podia cuidar da filha. Precisava do dinheiro que recebia da

sua m��e para poder sustentar afilha.

- Eu n��o entendo isso. Como uma m��e pode deixar de criar sua filha

para cuidar de outra crian��a?

- �� a vida, menina... �� a vida...

- Sa�� dali e fiquei pensando em Etelvina, inconformada e sem enten-

der como ela p��de deixar a filha e ter vindo cuidar de uma crian��a que

136

Elisa Masselli

n��o era dela. Pensei nela por alguns dias, depois deixei de pensar. Ela n��o

voltou mais para casa. Fiquei muito triste e n��o conseguia acreditar que

aquilo que minha m��e havia dito fosse verdade. Eu gostava tanto de Etel-

vina que n��o aceitava que ela fosse diferente de mim e nem me lembrava

de que a cor dela era diferente da minha, mas, depois que soube que ela

tinha uma filha, e que a tinha abandonado, tentei n��o pensar mais nela.

Meu irm��o tinha um amigo, seu nome era Jos�� Luiz. Tinham a mesma

idade. Eu s�� tinha, como amigas, duas meninas, Arlete e Flora, elas eram

as ��nicas crian��as que minha m��e permitia que frequentassem a nossa

casa e n��s a delas. Eram as filhas de uma amiga sua da sociedade.

- O que �� isso, m��e? Sociedade.

- Deveriam ser todas as pessoas que vivem aqui na Terra; mas, para

alguns, s��o aquelas pessoas que t��m dinheiro e poder. Mas n��o vamos

falar sobre isso porque �� complicado. Essa amiga era muito rica, somente

por isso �� que minha m��e estava sempre com ela.

- Entendi mais ou menos,

- Est�� bem, Carlos. Agora, vou continuar:

- Continue. Estou ansioso para saber o resto da hist��ria e porque a

senhora largou toda a riqueza e veio morar aqui.

Selma voltou:

- Arlete e Flora eram g��meas e tinham a mesma idade que eu, que nas-

ci um dia antes delas. Eu, meu irm��o, elas e Jos�� Luiz sempre brinc��vamos

juntos. Elas tamb��m, assim como eu, eram muito ricas. Achei que Flora

e Arlete seriam minha amigas para sempre. Assim como eu, elas tamb��m

estavam sendo preparadas para se casar com homens ricos e de uma fam��-

lia que tivesse um nome respeitado, assim como a nossa. Tamb��m falavam

v��rios idiomas. Nossa educa����o tinha sido praticamente a mesma. Elas

tamb��m tinham bab��s negras. Naquele dia ap��s o almo��o, talvez para que

eu n��o sentisse tanta falta de Etelvina, minha m��e mandou que o moto-

rista me levasse �� casa delas. Meu irm��o n��o p��de ir porque tinha aulas

importantes, naquele dia. Quando entrei no carro, estava feliz por poder ir

brincar com minhas amigas, mas tamb��m estava triste e com saudade de

Etelvina. Assim que entrei, Josias perguntou:

137

As chances que a vida d��

- O que aconteceu com voc��, Selma? Parece que est�� triste.

- Estou com saudade de Etelvina. Queria muito saber onde ela est��...

- N��o fique triste. Voc�� �� ainda muito pequena e n��o devia estar so-

frendo por coisas como essa. �� medida que for crescendo, vai descobrir a

verdade e o que interessa realmente. Deus n��o criou filho algum diferente,

ou melhor, do que outro. Etelvina tem raz��o, somos todos filhos do mesmo

Deus. Voc�� �� uma crian��a linda e precisa somente brincar. Agora, sorria,

estamos quase chegando e voc�� n��o vai querer que suas amigas vejam que

voc�� esteve chorando.

- Aliviada com o que ele disse, desci do carro e entrei na casa das mi-

nhas amigas. Assim que entrei, contei para elas o que havia acontecido e

o que minha m��e havia dito. Quando terminei de falar, elas come��aram

a rir e Arlete disse:

- Voc�� n��o sabia disso?

- Disso o que, Arlete?

- Que somos especiais? Que nascemos para ser servidas?

- N��o, eu n��o sabia.

- Minha m��e tamb��m sempre disse isso. Ela disse que, como temos

dinheiro, as outras pessoas que n��o t��m precisam nos servir.

- Voc�� acha que isso �� verdade?

- Claro que acho, Selma! Minha m��e disse que se Deus nos criou ricas

�� porque ele nos ama de modo diferente das pessoas que s��o pobres. Ela dis-

se que o dinheiro pode tudo e que por isso podemos comprar tudo e todos

que quisermos!

Ao ouvir aquilo, Carlos disse:

- Pode mesmo, n��o �� mam��e?

- Nem tudo, meu filho, nem tudo. - Selma respondeu, com o olhar

perdido.

- Claro que pode, mam��e! Quem tem dinheiro pode morar em uma

casa grande, ter carro e roupas bonitas!

- Isso tudo pode sim, mas a paz de esp��rito e o amor n��o podem ser

comprados. O dinheiro �� importante mas n��o pode servir para que as

pessoas que n��o o tenham sejam humilhadas.

138

Elisa Masselli

Selma olhou para Roberto, que desde que ela come��ou a contar sua

hist��ria estava calado, e perguntou:

- Por que est�� t��o calado, Roberto?

- Estou triste com tudo o que est�� acontecendo. Estou me sentindo

tra��do, pois sempre pensei que nosso casamento fosse s��lido e que n��o

havia segredos entre n��s. N��o entendo o porqu�� de voc�� ter me escondi-

do tudo isso que est�� contando agora.

- Hoje entendo que voc�� tem raz��o, mas quando cheguei a esta cida-

de estava desesperada e sem saber o que aconteceria com a minha vida.

Eu estava fugindo do passado e de tudo o que aconteceu e o que eu ha-

via feito. Tinha vergonha de tudo isso e quando conheci voc�� senti que

minha vida poderia mudar para melhor, e realmente mudou, at�� agora.

Hoje, vejo que n��o h�� como fugir do passado e da verdade. Preciso que

voc�� me perdoe. Talvez quando eu terminar de contar o que aconteceu,

voc�� consiga fazer isso.

Roberto nada disse, apenas olhou para ela demonstrando nos olhos

toda a sua tristeza. Ela, vendo que ele continuaria calado, continuou falando:

- Depois de ouvir o que Arlete falou e vendo que Flora concordava

com ela, comecei a acreditar no que minha m��e disse e a achar que ela ti-

nha raz��o. Que eu havia nascido para ser servida, pois j�� que eu era boni-

ta, branca e rica, era uma pessoa especial. Daquele dia em diante, muitas

bab��s foram contratadas, mas eu n��o consegui gostar de nenhuma de-

las e exigia que elas me servissem sempre mais. Nunca conversava com

elas e, quando queria alguma coisa, sempre falava com a voz r��spida. Por

isso, muitas foram embora. N��o suportavam o meu g��nio, minha falta de

educa����o e minha prepot��ncia. Na realidade, eu n��o percebia que agia

assim, somente depois, quando tudo aconteceu e vim para esta cidade,

�� que comecei a relembrar como tinha sido a minha inf��ncia. Estou me

lembrando de um dia em que est��vamos brincando em minha casa, eu

devia ter uns dez anos, quando Arlete, olhando para meu irm��o, disse:

- Quando eu crescer, vou me casar com voc��.

- Ao ouvir aquilo, fiquei nervosa e gritei:

- Voc�� n��o vai se casar com ele, Arlete! N��o vou deixar!

139

As chances que a vida d��

- Ela, rindo, disse:

- Claro que vou, Selma! Sei disso desde que era pequena!

- N��o vai n��o!

- Meu irm��o, rindo, pegou a m��o dela, beijou, e olhando para

mim disse:

- Vou me casar com ela, sim, Selma!

- Gritei:

- M��o vai n��o! N��o vai!

- Eles come��aram a rir e eu sa�� correndo. Fui para meu quarto e ca��

em prantos.

- Por que a senhora n��o queria que eles se casassem, mam��e?

- N��o sei, acho que era por ci��mes. Eu gostava muito do meu irm��o

e, por saber que Arlete estava interessada nele, n��o gostava dela. N��o me

pergunte o motivo, porque n��o sei responder. At�� hoje n��o entendo o

motivo de nunca ter gostado dela. Desde que me lembro, sempre esti-

vemos juntos, eu, ela, Flora e meu irm��o. A ideia de que ela pudesse se

casar com ele me deixava furiosa. Al��m disso, depois que Etelvina saiu

da minha vida, me tornei uma pessoa diferente do que era. Sem seus

conselhos, suas palavras e ensinamentos, fui me tornando f��til e ego��sta

e agia como minha m��e. Meu irm��o e Jos�� Luiz foram para um col��gio

interno. Fiquei muito nervosa e triste. Meus pais disseram que aquilo

precisava acontecer para que ele tivesse uma boa forma����o acad��mica.

Lembro-me do dia em que ele foi embora. Naquele dia, acordamos bem

cedo, est��vamos tomando caf��, quando meu pai disse para meu irm��o:

- Hoje voc�� vai come��ar uma nova vida, vai para o col��gio. Sabe que

nasceu para ser algu��m importante, por isso precisa se dedicar aos estudos.

- Por que eu preciso ser importante? Eu n��o quero ir estudar nesse

col��gio. Quero ser como qualquer outra pessoa e quero continuar aqui ao

lado de Selma. Vou sentir muita saudade de casa e da Selma...

- Meu pai, nervoso, disse:

- Nunca mais diga isso! Voc�� nasceu para ser algu��m, n��o para ser

igual a outro qualquer! Devia agradecer por ter nascido nesta casa! Voc��

foi escolhido por Deus! �� um privilegiado!

140

Elisa Masselli

- Tamb��m n��o quero que ele v�� embora, papai. Vou sentir muita saudade...

- N��o chore, Selma. Voc�� tamb��m nasceu para brilhar! Voc�� tamb��m

�� especial! �� privilegiada!

- Meu pai, como quase nunca estava em casa, era mais distante do

que minha m��e. Sempre que me lembro dele �� com um semblante s��rio,

e acho que nunca o vi sorrir. Ele continuou falando:

- Selma, para que n��o fique sozinha, vai para um col��gio tradicional.

Estive conversando com Rog��rio e Judite e resolvemos que voc��, Arlete e

Flora ir��o para um col��gio tradicional, que �� frequentado por todas as

jovens da sociedade. Nele, voc��s ser��o preparadas para serem boas espo-

sas e m��es.

- Chorei muito quando meu irm��o foi embora, mas entendi que n��o

adiantava chorar e que esperaria por ele quando chegassem as f��rias. Em

seguida, tamb��m fui para o col��gio. Ele era, e ainda deve ser, dirigido

por freiras. Eu ficava l�� o dia inteiro. Pela manh��, t��nhamos as mat��rias

tradicionais da escola, e �� tarde aprend��amos a costurar, bordar e pintar.

T��nhamos tamb��m aulas de boas maneiras, etiqueta, economia do lar e

tudo o que fosse necess��rio para que nos torn��ssemos esposas perfeitas.

Como profiss��o no m��ximo ser��amos professoras, profiss��o que todas as

mo��as da alta sociedade tinham. Nesse col��gio s�� estudavam meninas

que pertenciam �� minha classe social, todas eram como eu e n��o tinham

a menor ideia do que significava pobreza. Eram todas f��teis, pensavam

somente em costureiras, cabeleireiras e imitavam as atrizes de cinema em

suas roupas e cortes de cabelos. Tratavam os servi��ais do col��gio como

escravos, mas nada daquilo me atingia, pois, para mim, era normal. A

vida continuou e eu cresci. Eu, Arlete e Flora est��vamos sempre juntas e

tamb��m gost��vamos de imitar as atrizes. Sempre que meu irm��o vinha

de f��rias, ficava muito tempo rindo e conversando com Arlete, o que me

deixava irritada. Um dia, abra��ado a ela, ele disse:

- Falta pouco tempo para eu me formar. Assim que isso acontecer, eu e

Arlete vamos nos casar e seremos felizes para sempre.

- Lembro-me que naquele dia fiquei furiosa e pensei:

Voc��s nunca v��o se casar! N��o vou permitir!

141

As chances que a vida d��

- N��o consigo acreditar que essa �� a sua hist��ria, mam��e. Essa mo��a

que a senhora est�� descrevendo nada tem a ver com minha m��e, que ��

carinhosa e amorosa n��o s�� comigo mas com as crian��as do orfanato.

Selma respirou fundo:

- Eu era assim mesmo, Carlos; mas a vida nos ensina e hoje, gra��as a

Deus, sou bem diferente.

- E como aconteceu essa mudan��a?

- Os pais de Arlete e Flora, assim como os meus, tamb��m viajavam

muito. Ele era um colecionador. Colecionava tudo, miniaturas de carros,

obras de arte e at�� armas. Na casa delas havia uma sala que estava sempre

fechada e onde ��ramos proibidas de entrar, mas sab��amos que era ali que

o pai guardava sua cole����o. Por n��o podermos entrar, claro que a nossa

curiosidade era imensa. Em uma tarde em que est��vamos conversando

em uma das salas, vimos quando o pai delas chegou e caminhou at�� uma

estante que havia no corredor. Ele puxou um dos livros e por detr��s dele

pegou uma chave, abriu a porta e entrou. Devagarinho, fomos at�� a porta

e ficamos olhando a sala. Vimos que ele, distra��do, e sem nos ver, colocou

em uma estante uma pe��a de cobre que havia comprado em sua viagem

ao Jap��o. Quando percebemos que ele ia sair, corremos e voltamos a nos

sentar no mesmo sof�� que est��vamos quando ele chegou. Ap��s guardar a

chave no lugar onde havia tirado, passou por n��s e perguntou:

- O que as meninas est��o fazendo?

- Estamos conversando, papai.

- J�� tomaram um lanche?

- Sim, agora pouco. - Flora respondeu.

- Isso �� muito bom. Agora vou me deitar um pouco. Continuem





conversando.


- Ele saiu em dire����o ao seu quarto. Esperamos alguns minutos,

olhamos uma para a outra, corremos para o corredor e pegamos a chave.

Fomos at�� a porta, entramos e ficamos encantadas olhando aquela sala

que t��nhamos tanta curiosidade. Ficamos ali, caminhando e olhando

aquelas coisas lindas, algumas at�� diferentes de tudo o que conhec��amos.

Havia pe��as de cer��mica do mundo todo. Em outra parede havia qua-

142

Elisa Masselli

dros, alguns bonitos, outros n��o, e nem entend��amos o que significavam,

mas para estarem ali deveriam ser valiosos. Cada pe��a tinha o nome de

onde era e quando havia sido comprada ou ganhada. Muitas pessoas, sa-

bendo que ele gostava, traziam de suas viagens lindas pe��as, miniaturas

de carros, notas e moedas que eram diferentes das nossas. No meio da

sala, esculturas enormes de cer��mica e madeira. Em uma das paredes

havia espingardas e rev��lveres. Em outra, facas e at�� espadas lindas e

brilhantes. Ficamos encantadas e n��o percebemos que ele havia voltado.

Ao nos ver, sorriu:

- O que est��o fazendo a��?

- Ficamos petrificadas, pois sab��amos que aquela sala era proibida.

Flora, gaguejando, respondeu:

- Est��vamos olhando para as coisas lindas que o senhor tem aqui

nesta sala, papai, mas n��o mexemos em coisa alguma. Est�� tudo como o

senhor deixou...

- Est�� bem, podem continuar aqui e matar a curiosidade. Eu vou

mostrar algumas coisas para voc��s.

- Eu e elas nos olhamos, aliviadas. Ele, sorrindo, abriu uma das ga-

vetas e nos mostrou selos e moedas do mundo todo, dizendo de quando

eram e de onde. Havia vasos e quadros pendurados. Olhamos para uma

das paredes onde estavam as espingardas e rev��lveres. Estavam limpas e

brilhantes, assim como as facas, adagas e espadas. Perguntei:

- Essas facas cortam mesmo?

- Ele, rindo, respondeu:

- Cortam, sim, Selma. Assim como os rev��lveres e espingardas atiram

de verdade. Para mim, tudo o que est�� aqui nesta sala �� um tesouro incal-

cul��vel, por isso �� que deixo esta porta sempre fechada.

- Por que deixou que entr��ssemos hoje?

- Voc��s v��o fazer quinze anos. Eu sempre soube que tinham muita

curiosidade para conhecer esta sala e que encontrariam alguma maneira

de entrar. Por isso, para que n��o se sentissem culpadas, de prop��sito, saben-

do que me olhavam, peguei a chave para que vissem e entrassem.

- Enquanto ele falava, eu e Arlete est��vamos olhando os rev��lveres e

143

As chances que a vida d��

as espingardas. Ele olhou para n��s, pegou um rev��lver e demonstrando

preocupa����o disse:

- Armas s��o muito perigosas para quem n��o as sabem manusear. Por isso,

resolvi que voc��s precisam aprender. Vou mandar colocar um alvo no jardim

e vou ensinar voc��s tr��s. Assim, perder��o a curiosidade e eu me sentirei mais

confiante, sabendo que nunca ir��o pegar uma destas sem minha permiss��o.

- Ficamos felizes e empolgadas, pois ele estava certo. Tanto eu como

Arlete est��vamos com vontade de pegar um daqueles rev��lveres e fazer

com ele o que os mocinhos faziam nos filmes. Ele fez o que disse, colo-

cou um alvo e duas ou tr��s vezes por semana fic��vamos por horas apren-

dendo a atirar. Eu e Arlete aprendemos rapidamente. Flora n��o gostava

de mexer com armas, por isso demorou mais. Depois de alguns meses

atir��vamos como os mocinhos do cinema. Quando viu que hav��amos

aprendido, ele disse:

- Agora que j�� aprenderam a manusear e a atirar, acredito que n��o

tenham mais curiosidade, por isso nunca mais vou trancar esta porta e

poder��o vir aqui sempre que quiserem.

- Sorrindo, saiu da sala, e n��s ficamos ali por mais algum tempo,

olhamos todas aquelas coisas lindas, e depois sa��mos, para nunca mais

voltar. O mist��rio da sala e a curiosidade haviam terminado. A vida con-

tinuou. Eu n��o gostava de estudar as mat��rias normais mas adorava bor-

dar e costurar. Ficava feliz quando via uma roupinha de crian��a que eu

mesma havia bordado e costurado. Est��vamos com quase quinze anos,

quando uma menina no primeiro dia do in��cio das aulas daquele ano co-

me��ou a frequentar a escola. Assim que a vimos, ficamos encantadas e ao

mesmo tempo com inveja, pois ela era muito bonita. Nesse primeiro dia,

ela passou por n��s, sorriu e continuou andando. Como todas n��s us��-

vamos uniformes, n��o sab��amos quem era quem. Assim que ela passou,

Flora, curiosa, perguntou:

- Quem �� essa menina e a que fam��lia pertence, Selma?

- N��o sei, Flora. Nunca a vi nas festas que comparecemos e em nenhu-

ma reuni��o social.

- Tamb��m nunca a vimos. Arlete. Voc��, que �� mais despachada, pode-

144

Elisa Masselli

ria se aproximar e ver se consegue saber alguma coisa.

- Eu, Flora?

- Voc�� sim, Arlete! Aproxime-se dela e v�� o que consegue descobrir.

Ser�� que a fam��lia dela �� nova na cidade?

- Eu, tamb��m muito curiosa, disse:

- Acho que n��s tr��s dever��amos nos aproximar e descobrir juntas. Al��m

do mais, poderemos fazer v��rias perguntas. Vamos dar as boas-vindas a ela?

- Elas aceitaram a minha ideia, e caminhamos em dire����o �� menina,

que estava sozinha, sentada em um banco esperando a hora do in��cio das

aulas. Assim que nos aproximamos, ela sorriu. Seus olhos, azuis e pene-

trantes, e seus dentes perfeitos nos encantaram. Flora se aproximou e disse:

- Bom dial Hoje �� o seu primeiro dia aqui na escola, n��o ��?

- �� sim e estou muito feliz por isso.

- Que bom, seja bem-vinda! Meu nome �� Flora, esta �� minha irm��,

Arlete, e ela �� Selma, nossa amiga.

- Eu e Arlete sorrimos e estendemos as m��os para cumpriment��-la.

Ela, apertando nossas m��os, sorrindo e feliz, disse:

- Estou feliz em conhecer voc��s. Meu nome �� Matilde!

- Eu, que gostava de ser sempre a primeira em tudo, tamb��m sorrin-

do, falei:

- Seja bem-vinda, Matilde. Estamos felizes com a sua presen��a. Sabe-

mos que vai ser muito feliz aqui.

- Obrigada, Selma. Espero que sim e farei o poss��vel para que isso aconte��a.

- Ficamos conversando por algum tempo. Falamos sobre a rotina da

escola e dos professores, dizendo como cada um era. Rimos muito. At��

que Arlete perguntou:

- Sua fam��lia �� aqui da cidade?

- �� sim. Sou filha da Mirtes, a cozinheira aqui da escola. Ela, depois

de muito tempo, conseguiu uma bolsa de estudos para que eu pudesse fre-

quentar esta escola. Minha m��e disse que, se eu conseguir um diploma

aqui, terei muitas chances na vida.

- Aquilo caiu como um balde de ��gua fria. N��s tr��s nos olhamos

e pensamos a mesma coisa. Ela n��o pertencia ao nosso n��vel, era filha

145

As chances que a vida d��

da cozinheira, como poder��amos ter amizade com ela? Claro que nunca

ser��amos suas amigas. Disfar��amos e nos afastamos, e, sempre que ela se

aproximava, fing��amos que n��o estava ali e olh��vamos para o outro lado.

Com o tempo, ela entendeu e nunca mais tentou se aproximar. Espalha-

mos para a escola toda que ela era filha da cozinheira. As outras meninas

que foram criadas da mesma maneira que n��s tr��s tamb��m se afastaram

dela. Sempre que a v��amos ela estava sozinha lendo livros. O tempo pas-

sou, e no primeiro m��s, quando recebemos as notas, para nossa surpresa,

ela tinha sido a primeira da classe em todas as mat��rias. Aquilo fez com

que fic��ssemos com mais raiva ainda. Flora n��o se conformava:

- Isso n��o pode ser! Ela n��o pode ser t��o inteligente assim!

- Por que n��o, Flora?

- Voc�� n��o entendeu, Arlete? Ela, al��m de bonita, �� tamb��m inteligente!

- O que tem isso, Selma?

- Isso n��o pode ser! Ela �� filha da cozinheira, n��o teve a mesma educa-

����o que tivemos! Ela �� pobre e n��o �� especial como n��s, Arlete!

- Agora entendi, Selma, mas acho que ela tem tudo o que n��o temos.

Al��m de bonita �� inteligente. O que vamos fazer quanto a isso?

- Pensei por algum tempo, depois respondi:

- Podemos usar a intelig��ncia dela a nosso favor, Arlete!

- Como, Selma?

- Simples, Flora. J�� que n��o gostamos de estudar e de fazer os trabalhos

escolares, vamos nos aproximar dela, nos tornarmos suas amigas e faze-

mos com que ela fa��a todo nosso trabalho e, quando chegarem as provas,

ela poder�� nos passar algumas colas. Assim, passaremos de ano com boas

notas e nossos pais n��o nos amolar��o mais, como fazem sempre que tira-





mos notas ruins.


- Que ��tima ideia, Selma! Vamos fazer isso.

- Voc��s acham que ela vai querer ser nossa amiga depois de tudo que

fizemos?

- Claro que vai, Arlete! Ela quer ser igual e uma de n��s!

- Est�� bem, Selma. Vamos fazer isso.

Carlos e Roberto, calados, ouviam o que Selma contava e n��o conse-

146

Elisa Masselli

guiam acreditar no que estavam ouvindo. Selma, perdida no seu passa-

do, n��o percebeu que eles estavam chocados e continuou:

- Naquele mesmo dia, durante o recreio, como sempre ela estava

lendo. N��s nos aproximamos:

- Que livro voc�� est�� lendo, Matilde?

- Ela levantou os olhos e, parecendo surpresa, olhou para mim e

respondeu:

- O livro de ci��ncias. Preciso estudar muito ci��ncias, tenho um pouco





de dificuldade...


- Eu me sentei ao seu lado e fiz com que Flora e Arlete tamb��m se

sentassem.

- De ci��ncias, Matilde? Como consegue ler um livro de ci��ncias?

- N��o estou lendo, Selma. Estou estudando a mat��ria que a professora

passou. Como j�� disse, tenho dificuldade nessa mat��ria.

- Dificuldade? Como pode ser? Voc�� foi quem tirou a nota mais

alta da classe!

- Sim, mas para isso tive de estudar muito. O que querem de mim? Por

que est��o aqui? Por que n��o quiseram a minha amizade? Fiz alguma coisa

que as desagradou?

- �� exatamente por isso que estamos aqui tentando falar com voc��, Que-

remos pedir desculpas pela maneira como nos comportamos. Pensamos bem

e achamos que n��o agimos como boas pessoas. Voc�� consegue nos desculpar?

- Ela olhou para Flora e Arlete, que n��o tiraram os olhos dela, e res-

pondeu:

- N��o tenho o que desculpar. Minha m��e me avisou que isso poderia

acontecer. Que eu poderia ser desprezada por todas as alunas da escola, por ser

sua filha e por pertencermos a uma classe social diferente. Disse tamb��m para

eu n��o me preocupar nem deixar me abater, pois essa �� a minha chance de me

formar em uma boa escola, o que seria muito bom para o meu futuro.

- Eu nem ouvi o que ela disse. Nossa ��nica inten����o era podermos

nos aproveitar da sua intelig��ncia. Deixando que uma l��grima surgisse

em meus olhos e ca��sse pelo meu rosto, disse:

- Erramos muito, Matilde! Voc�� �� inteligente e vai conseguir se formar

147

As chances que a vida d��

e conseguir o que tanto deseja. N��o existe problema algum em n��o perten-

cer �� nossa classe social. N��s nos arrependemos e queremos que seja nossa

amiga. Voc�� nos aceita?

- Notei que um brilho surgiu em seus olhos. Percebemos que ela

ficou feliz, pois sab��amos que era tudo o que mais queria, ser nossa ami-

ga. Daquele dia em diante ela, para nos agradar, tornou-se praticamente

nossa escrava. Fazia tudo o que quer��amos, desde nossos trabalhos esco-

lares at�� as colas para as provas. Come��amos a tirar notas boas, o que fez

com que nossos pais ficassem felizes. Para agrad��-la, d��vamos vestidos e

sapatos que t��nhamos usado somente uma vez e que n��o usar��amos mais.

Carlos olhou para o pai. Roberto, assustado e revoltado com o que

estava ouvindo, disse:

- N��o acredito, Selma, que tenha feito isso! Como pode, usando o

dinheiro, tratar uma pessoa dessa maneira?

- Tem raz��o, Roberto, mas n��o podemos nos esquecer de que ��ra-

mos quase crian��as, ��amos fazer quinze anos. Tamb��m n��o podemos

inocentar Matilde. Ela se deixou usar por n��o se aceitar como era e por

querer ser aquilo que nunca poderia ser.

- Talvez voc�� tenha raz��o, mas isso n��o a inocenta do que fez com ela.

- Hoje entendo isso, mas naquele tempo ainda achava que o dinhei-

ro podia comprar tudo. N��o me sinto inocente, pois isso foi o m��nimo

que fiz com ela. O pior veio depois.

- Pior? O que voc�� fez, Selma?

- Hoje, preciso e vou contar tudo o que aconteceu, Roberto, e quando eu

terminar, voc��, filho, vai entender o motivo de eu ter vindo para esta cidade.

Roberto, andando de um lado para outro da cela, nervoso e decep-

cionado, disse:

- Continue, Selma. Acredito que nada do que voc�� vai dizer poder��

me deixar mais decepcionado...

- Garanto que vai, sim, Roberto. Vou continuar.

Respirando fundo, p��lida e tremendo muito, ela continuou:

- Faltavam dois meses para completarmos quinze anos, e nossos pais

resolveram que fariam a nossa festa no mesmo dia. Ficamos felizes e,

148

Elisa Masselli

imediatamente, come��amos a pensar nos vestidos e nas j��ias que ir��amos

usar na festa. Todas as fam��lias da alta sociedade foram convidadas e fi-

caram felizes, pois meu pai tinha, agora, um alto cargo pol��tico. Todos os

rapazes dessas fam��lias disputavam o privil��gio de serem nossos pares. A

��nica coisa que me deixava triste e com raiva era saber que meu irm��o

seria o par de Arlete, mas como sabia que seria s�� por aquela noite e

envolvida com os vestidos e as j��ias que usaria no baile, deixei de pensar

nisso. Eu ficava pensando em todos os rapazes, mas n��o conseguia me

decidir por nenhum deles. Um dia, eu estava entrando na sala da casa

delas, quando ouvi Flora falando:

- J�� sei quem vou escolher para ser meu par, Arlete!

- Quem?

- Jos�� Luiz!

- Ele est�� no col��gio interno! Como vai fazer?

- Ainda n��o sei, mas vou encontrar uma maneira!

- Ao ouvir aquilo, sa�� de mansinho para que elas n��o me vissem e fui,

apressada, para casa. Assim que cheguei, olhei para o rel��gio, sabia que na-

quela hora meu irm��o n��o estaria estudando. Disquei os n��meros e fiquei

esperando. Uma mulher atendeu. Era No��lia, secret��ria do col��gio que j��

me conhecia, pois todas as semanas eu pedia que minha bab�� mandasse

uma caixa de chocolates para ela com uma cartinha com belas palavras e

perfumada. Por isso, n��o importava a hora que eu telefonasse, ela chamava

por ele. Eu aprendera o poder que o dinheiro tinha e que, com ele, poderia

conseguir tudo o que quisesse. Ao ouvir minha voz, ela disse:

- Boa tarde, Selma. J�� sei: quer falar com seu irm��o, acertei?

- Isso mesmo, senhorita. Ser�� que poderia, por favor, cham��-lo?

- Vou, sim. Aguarde um momento.

- Feliz, sorri. Sabia que ela n��o colocaria empecilho algum. As caixas

de chocolate eram muito pouco para ter aquela mulher a meu servi��o.

Sempre pedia que a minha bab�� mandasse chocolates para ela.

Enquanto Selma contava o que havia acontecido, a todo instante en-

xugava as l��grimas com as m��os e continuava falando:

- Alguns minutos depois, ouvi a voz do meu irm��o:

149

As chances que a vida d��

- Selma, que felicidade! Estou morrendo de saudade!

- Eu tamb��m, s�� estou menos triste porque sei que vir�� para minha festa!

- Estou contando os dias, Selma!

- �� por causa da festa que estou telefonando.

- Da festa, por qu��?

- Quero muito que Jos�� Luiz seja meu par. Voc�� acha que ele aceitar��?

- Acredito que sim. Ele sempre me fala da sua beleza e educa����o. Sabe

que, quando ��ramos crian��as, quando est��vamos brincando juntos e havia

alguma discuss��o entre voc�� e as meninas, ele sempre ficava do seu lado,

mesmo que no meu entender voc�� n��o tivesse raz��o. Acredito que ele vai





ficar muito feliz.


- Quase n��o consegui esconder a minha satisfa����o ao ouvir aquilo.

- Que bom! Converse com ele e, se aceitar, pe��a que telefone para seus

pais, diga que quer ser meu par e pe��a que eles telefonem para papai, est��

bem? Nem eles nem ningu��m pode saber que fui eu quem fez o convite.

- Ele deu uma gargalhada e disse:

- Est�� bem, maninha. Vou conversar com ele e prometo que n��o co-

mentaremos com ningu��m. Por��m, n��o pensei que j�� estivesse interessa-





da em rapazes.


- Senti que meu rosto ficou vermelho, porque at�� aquele dia eu nun-

ca havia pensado em nenhum rapaz e s�� estava fazendo aquilo para dei-

xar Flora com raiva. Um pouco envergonhada, disse:

- N��o se trata disso, s�� preciso de um par para a minha festa...

- Est�� bem. N��o se preocupe, sei que ele vai aceitar. Agora, preciso

desligar, j�� vai come��ar a minha aula.

- Est�� bem. Um beijo e at�� o dia da sua festa.

- Agrade��a a senhorita No��lia por ter chamado voc��.

- Vou agradecer. At�� o dia da festa.

- Rindo e pulando de alegria, desliguei o telefone. Estava feliz e s��

me restava aguardar o dia em que meu pai viesse me comunicar que Jos��

Luiz seria meu par. Eu n��o contaria para Flora e Arlete e s�� faria isso

no dia em que fosse confirmado. Durante a semana, a maioria dos dias

pass��vamos na minha casa, mas todos os s��bados eu ia para a casa delas.

150

Elisa Masselli

No s��bado seguinte, fui para l��. Est��vamos falando sobre um livro que

t��nhamos lido e que seria tema de uma pe��a teatral na escola - Romeu e

Julieta. Arlete falou:

- Eu seria capaz de me matar por um homem, ainda mais se fosse

tra��da! N��o suporto trai����o!

- Eu e Flora, admiradas, olhamos para ela. Flora, nervosa, disse:

- Est�� louca, Arlete? Como pode dizer uma coisa dessas?

- N��o sei por que tanta admira����o. O amor �� sublime, e a ��nica coisa

que tem import��ncia nesta vida...

- �� sublime, mas n��o se pode pensar em morrer por ele, al��m do mais

existem muitas outras coisas importantes na vida!

- Precisamos levar em conta que existem muitos homens, n��o �� Flora?

- Claro que ��, Selma! Essa minha irm�� tem alguns pensamentos que n��o

entendo. Imagine se eu vou morrer por causa de algu��m! Nunca, mesmo!

- Arlete, com o olhar distante, ficou calada e continuamos falando sobre

o livro. Logo depois aquele assunto f��nebre foi esquecido. Est��vamos rindo

sobre outro assunto qualquer, quando minha m��e entrou e, rindo, falou:

- Selma, o At��lio telefonou e disse que o Jos�� Luiz quer ir ao baile

com voc��, como seu par.

- Eu fingi surpresa, me levantei e, quase chorando, falei:

- Eu n��o quero Jos�� Luiz como meu par, mam��e! N��o gosto dele!

- Disfar��ando, olhei para Flora, que estava branca como cera. Ao ver

seu rosto, fiquei feliz e fiz um esfor��o enorme para que ela n��o percebes-

se. Minha m��e, como eu esperava, disse:

- Voc�� n��o pode fazer isso, Selma! O At��lio e sua fam��lia s��o muito

importantes e t��m muito dinheiro. Ele �� amigo de nossa fam��lia e, al��m

disso, tem muita influ��ncia pol��tica, que �� o que seu pai mais precisa no

momento! Voc�� precisa aceitar esse convite para se aproximar mais de Jos��

Luiz, pois ele �� um ��timo partido.

- N��o quero aproxima����o alguma com ele, mam��e! J�� disse que n��o

gosto dele! S�� vou me casar com um homem que ame verdadeiramente.

Com um pr��ncipe encantado!

- N��o tem jeito, eu n��o vou causar constrangimento entre a nossa fa-

151

As chances que a vida d��

m��lia e a dele! Voc�� vai e est�� resolvido! Quanto ao pr��ncipe encantado, s��

se ele pertencer a uma fam��lia tradicional e com muito dinheiro!

- Assim que minha m��e saiu, fingi estar nervosa:

- Eu n��o vou ao baile com ele, n��o vou!

- Flora, que acompanhou a conversa em sil��ncio, respirou fundo:

- Voc�� precisa ir, Selma. N��o viu como sua m��e falou? Vai ter de ir...

- N��o! Vou falar com meu pai. Eu n��o quero ir com Jos�� Luiz!

- Talvez consiga convencer seu pai, mas eu n��o acredito. Ele deve pen-

sar como sua m��e e quer cuidar de seus interesses...

- Hoje eu me envergonho, mas naquele dia eu me julguei a pessoa

mais feliz do mundo. Tinha conseguido vencer Flora mais uma vez. De-

pois de alguns minutos, visivelmente triste, ela se levantou dizendo:

- Vamos embora, Arlete. Vou telefonar para mam��e mandar o Gilber-





to nos pegar.


- J��, Flora? Ainda �� cedo. - Perguntei, fingindo tristeza.

- Estou com dor de cabe��a, Arlete. Acho que vou ficar gripada. Vamos

embora, vamos...

- Est�� bem. V�� telefonar.

- Assim que Flora saiu da sala, olhei para Arlete e perguntei:

- O que deu nela, Arlete? Ela estava bem, n��o tinha dor de cabe��a alguma.

- Estava bem, Selma. Mas gripe �� assim mesmo, chega de repente.

- �� verdade. Amanh�� ela vai ficar bem. Agora, precisamos pensar no

nosso baile. Vai ser lindo, mesmo eu tendo de ir com Jos�� Luiz.

- N��o entendo por que est�� t��o nervosa, Selma. Ele �� muito bonito.

- Voc�� acha, Arlete?

- Eu acho, e tem mais: Flora queria ir com ele, at�� ia pedir ao nosso pai





que o convidasse.


- Fingi surpresa.

- N��o, Arlete! N��o diga isso! Jamais poderia imaginar. Ela nunca disse





que gostava dele...


- Flora n��o gosta de falar sobre isso. S�� me disse uma vez que queria ir

com ele. Deve ter ficado triste quando ele escolheu voc��.

- Eu n��o sabia, Arlete. Agora tenho um argumento para me recusar a

152

Elisa Masselli

ir com ele! Vou conversar com meus pais. Eles precisam entender que Flora

�� minha amiga e n��o quero que ela fique magoada...

- N��o fa��a isso, Selma. Jos�� Luiz quer ir com voc�� e Flora precisa acei-

tar isso. Ela n��o pode saber que te contei!

- Voc�� acha que ela vai ficar furiosa? Claro que vai! Voc�� sabe como ela

�� orgulhosa e jamais aceitaria Jos�� Luiz, depois que voc�� o recusou...

- ��, acho que voc�� tem raz��o. Mas, por favor, n��o conte que eu sei que





ela gosta dele...


- Claro que n��o vou contar! Ela n��o me perdoaria nunca!

- Elas foram embora e eu fiquei muito feliz. Assim que sa��ram, fui

para o meu quarto, comecei a pular na cama e a rir sem parar.

Carlos, que at�� aqui estava calado, levantou-se e disse quase gritando:

- Mam��e! N��o consigo acreditar que a senhora tenha sido t��o ruim!

Como p��de fazer isso? Ela era sua amiga! A senhora foi muito m�� e sem-

pre me disse que eu precisava ser leal, amigo dos meus amigos e que eu

n��o devia ter preconceito algum!

- Sempre disse e �� verdade, meu filho. Voc�� precisa ser leal, e se um

amigo seu precisar voc�� deve ajud��-lo de todas as formas poss��veis. N��o

deve ter preconceito algum! Nunca!

- Mas se a senhora n��o fez isso, como pode querer que eu fa��a? A

senhora foi muito m��!

- Hoje sei disso, mas naquele tempo eu era uma menina mimada

que nunca havia sido contrariada e que achava que podia ter tudo o que

queria, sem me preocupar a quem estava prejudicando. Sei que errei e

ainda n��o contei tudo o que fiz, mas paguei muito caro por isso...

- Est�� bem, mam��e. Continue.

- Depois daquele dia, a minha ��nica preocupa����o era a nossa festa.

Matilde um dia chegou e disse:

- Eu gostaria muito de ir �� festa de voc��s, Selma.

- Por que n��o vai?

- Infelizmente, n��o perten��o a uma fam��lia tradicional para ser convi-

dada e tamb��m n��o tenho um vestido.

- N��o pertencer a uma fam��lia tradicional �� um problema, mas da-

153

As chances que a vida d��

remos um jeito. Quanto ao vestido, n��o precisa se preocupar. Vou dar um





dos meus.


- Vai permitir que eu v�� e ainda vai me emprestar um vestido?

- Claro que sim, afinal somos amigas. S�� tenho uma condi����o.

- Que condi����o? Pode pedir o que quiser que eu sempre farei

tudo por voc��!

- Quero que continue me ajudando com os meus trabalhos escolares e

se, algum dia, eu precisar de sua ajuda, tem de prometer que vai me ajudar.

- Claro que vou continuar fazendo os trabalhos de voc��s e farei tudo o

que pedirem! Estou muito feliz em poder ter voc��s como amigas!

- Nem sei o porqu�� de ter pedido aquilo para ela, pois sabia que eu

a teria sempre em minhas m��os. O dia da festa chegou. Depois de muito

conversarem, meus pais e os pais delas resolveram que o melhor local

para a festa seria a nossa casa, por ser maior. No dia da festa, as portas

da minha casa foram abertas para todos os convidados. A imensa sala

da casa foi decorada de uma maneira maravilhosa. Eu, Flora e Arlete

est��vamos vestidas com vestidos cor-de-rosa, que era a cor de toda a

decora����o. Jos�� Luiz foi o meu par e, enquanto dan����vamos, eu olhava

para Flora e podia ver o descontentamento em seu rosto e aquilo me

deixou feliz. A ��nica coisa que me desagradou foi ver meu irm��o ao lado

de Arlete. Ficaram o tempo todo conversando e dan��ando. Aquilo me

irritou muito, mas como era minha festa resolvi deixar pra l��, sabia que

teria muito tempo para separ��-los. Naquela noite, foi tudo perfeito e eu

estava feliz, muito feliz. Jos�� Luiz tentou me fazer a corte. Eu sabia que

ele gostava de mim mas n��o estava interessada nele e em nenhum ou-

tro rapaz, eu me achava boa demais para qualquer rapaz que conhecia.

Acreditava em contos de fadas e sabia que o meu pr��ncipe apareceria a

qualquer momento. Matilde desfilava no meio dos convidados, e quem

n��o a conhecia jamais poderia imaginar que n��o pertencia ao nosso

mundo. Ela, embora estivesse com um vestido simples, o mais feio que

eu julgava ter e que havia sido um presente de minha av��, por sua beleza

chamava aten����o, e todos os rapazes disputavam o momento de pode-

rem dan��ar com ela que, sorrindo, dan��ava com todos. O ��nico que n��o

154

Elisa Masselli

fazia isso era meu irm��o. Para ele s�� existia Arlete, o que me irritava

profundamente. Depois daquela noite, Jos�� Luiz e meu irm��o voltaram

para o col��gio, e eu nunca escrevi para ele ou respondi suas cartas. O

tempo foi passando e n��s continuamos com nossa vida de sempre. Todo

tempo livre era usado em visitas a costureiras, cabeleireiras e joalherias.

Compr��vamos coisas que nem sempre us��vamos, mas que nos faziam

felizes somente em compr��-las. Continuamos estudando e, gra��as a Ma-

tilde, sempre tirando boas notas. Em um s��bado, est��vamos em minha

sala conversando, faltavam poucos meses para a nossa formatura. Eu n��o

tinha vontade alguma de ensinar. S�� havia frequentado o col��gio por

ordem dos meus pais. Queria ser algu��m com fama, com sucesso, n��o

perderia meu tempo ensinando crian��as. O mesmo pensavam Flora e

Arlete. A ��nica que tinha essa vontade era Matilde. Para ela, ensinar era

uma b��n����o e uma maneira de ganhar um sal��rio e ajudar os pais. N��s

tr��s, por termos sido criadas com tudo, n��o imagin��vamos o que signifi-

cava isso. Naquela tarde, Arlete estava muito feliz e disse:

- Recebi uma carta de seu irm��o, Selma! Ele disse que vir�� para a nossa

formatura e que, nesse dia, vai conversar com meus pais e me pedir em casa-

mento, e assim que ele terminar a faculdade vamos nos casar! Estou t��o feliz!

- Ao ouvir aquilo, senti como se uma flecha houvesse me atingido

bem no cora����o, mas disfarcei:

- Ele disse isso, Arlete?

- Disse, e eu n��o vejo a hora que ele chegue!

- Matilde foi a ��nica que ficou feliz e ao mesmo tempo triste, e disse:

- Parab��ns, Arlete. Voc�� tem muita sorte, pois ele, al��m de muito rico,

�� tamb��m muito bonito! Eu queria ser voc��!

- N��s tr��s olhamos para ela ao mesmo tempo. Arlete, furiosa, gritou:

- N��o se atreva a olhar para ele! Sei que voc�� �� muito bonita, mas �� de

mim que ele gosta e �� comigo que vai se casar!

- Calma, Arlete! Sei disso, falei por falar. Voc��s v��o se casar e ser��o

muito felizes! Jamais faria qualquer coisa para atrapalhar seu casamento...

- Naquele instante em minha mente encontrei uma maneira de se-

parar os dois. Meu irm��o n��o se casaria com Arlete nem com ningu��m!

155

As chances que a vida d��

- A senhora tinha muito ci��me de seu irm��o, por que, mam��e?

- N��o sei explicar. Eu gostava de Arlete, mas n��o podia imaginar

nem aceitar que ela se casasse com ele.

- Tivemos o baile de formatura, e como n��o poderia deixar de ser es-

t��vamos deslumbrantes. Os pais de Matilde, embora n��o tivessem muito

dinheiro, fizeram quest��o de comprar o seu vestido e, como sempre, ela

brilhou no baile. Meu irm��o veio e ficou o tempo todo abra��ado e dan-

��ando com Arlete. No dia seguinte, enquanto tom��vamos caf��, ele, de

repente, disse:

- Como devem saber, eu e Arlete nos gostamos desde a nossa inf��ncia.

Vou me formar no ano que vem e depois vou para a Inglaterra fazer um

est��gio na embaixada e quero que ela v�� comigo, como minha esposa, por

isso estou pedindo a sua m��o em casamento.

- Aquelas palavras me fizeram estremecer. Embora eu soubesse que

aquilo poderia acontecer, n��o poderia aceitar, nunca! Mas ainda que n��o

aceitasse fingi estar feliz. Teria um ano para pensar em uma maneira de

impedir aquele casamento; por��m, ao contr��rio de mim, meus pais fica-

ram encantados com a not��cia. Minha m��e levantou-se e andou em volta

da mesa e, quando chegou perto dele, abra��ando-o, disse:

- Que bom, meu filho! Arlete, al��m de ser uma mo��a linda, foi prati-

camente criada aqui em casa e eu a considero como filha. Estamos muito

felizes com a sua decis��o.

- N��o suportando mais aquela situa����o, levantei-me e gritei:

- Voc�� n��o vai se casar com ela nem com ningu��m!

- Sa�� correndo dali e fui para o meu quarto.

Roberto, que estava sentado sobre a cama, levantou-se e, muito ner-

voso, disse:

- N��o consigo acreditar que voc�� seja essa pessoa, Selma!

- N��o sou mais, Roberto! Eu mudei! Hoje, sou essa pessoa que voc��

conhece...

- Por que n��o me contou tudo isso quando nos conhecemos e nos

casamos?

- Eu n��o poderia, Roberto. Estava com medo e envergonhada por

156

Elisa Masselli

tudo o que havia feito. E tamb��m sua tia achou melhor que ningu��m

soubesse para que eu pudesse recome��ar minha vida aqui nesta cidade.

- Est�� muito dif��cil, para mim, continuar ouvindo o que est�� contan-

do, Selma.

- Sei disso, mas n��o tem outra maneira. Preciso contar tudo o que acon-

teceu e o motivo de eu estar nesta cidade. Por favor, continuem me ouvindo.

Carlos estava sentado no ch��o com os joelhos dobrados e com a ca-

be��a entre eles, sem conseguir olhar para a m��e, que continuou:

- O ano passou rapidamente. Eu, Flora e Matilde continuamos a nos

encontrar como antes. Arlete quase n��o nos acompanhava mais. Esta-

va preocupada somente com seu casamento e enxoval. Matilde n��o era

mais ��til ou necess��ria para n��s mas como eu havia planejado que ela me

ajudasse a separar Arlete de meu irm��o, continuei e fiz com que elas con-

tinuassem com sua amizade. Ela n��o frequentava mais nossa casa como

antes, mas ainda ia at�� l�� de vez em quando e queria a nossa amizade,

pois assim poderia conhecer rapazes de classe social diferente da dela

e conseguir um bom casamento. Eu ia completar vinte e um anos. Meu

irm��o ia se formar naquele ano e, para nossa surpresa, telefonou e disse:

- N��o quero continuar aqui at�� o baile de formatura, mam��e. Quero

voltar para casa assim que terminarem as aulas e eu estiver formado.

- Por que, meu filho?

- Estou cansado de ficar longe de casa e com muita saudade de todos.

- N��o fa��a isso, meu filho! Estamos nos preparando para ir at�� a�� para





o baile...


- Sei disso, mas quero voltar e ficar o maior tempo poss��vel, antes de

seguir para a Inglaterra e continuar estudando.

- Est�� bem, j�� que �� isso que quer vamos ficar felizes, pois tamb��m





estamos com muita saudade.


- Na semana em que chegou, foi uma festa em casa. Eu estava muito

feliz em ter meu irm��o de volta. Depois dos abra��os ele disse:

- Agora, vou at�� a casa de Arlete. Precisamos conversar com seus pais

para marcarmos a data do casamento. N��o pode demorar muito, pois den-

tro de tr��s meses preciso ir para a Inglaterra.

157

As chances que a vida d��

- Fa��a isso, meu filho. �� triste saber que vai partir novamente, mas

sabemos que �� preciso para que possa ter uma carreira brilhante, e sabendo

que vai com Arlete, ficamos mais tranquilos.

- Ele saiu e voltou algumas horas depois. Estava acompanhado por

Arlete e Flora. As duas estavam felic��ssimas. Arlete, assim que me viu,

correu e me abra��ando disse:

- Estou muito feliz, Selma! Finalmente vamos nos casar, daqui a dois

meses! Meus pais concordaram e disseram que daqui a duas semanas, no

s��bado, far��o uma grande festa para o nosso noivado e para comunicar e





convidar a sociedade.


- Ao ouvir aquilo, percebi que o casamento ia mesmo se realizar e

que precisava encontrar uma maneira de impedir. Fingindo uma alegria

que n��o estava sentindo, disse:

- Fico feliz em ter voc�� como minha cunhada!

- Saiba que esse �� o meu sonho, desde pequena, Selma!

- Ficamos aquela tarde toda conversando, rindo e fazendo planos

para a festa do s��bado. N��s tr��s combinamos que ir��amos �� nossa cos-

tureira para fazer tr��s lindos vestidos. Quando foram embora, fui para o

meu quarto e chorei muito. Depois de chorar, sequei os olhos e pensei:

- Eles v��o se casar mesmo. Preciso encontrar uma maneira de im-

pedir! N��o quero que meu irm��o se case nunca! Nem com ela, nem

com ningu��m!

- Foi a�� que tive a ideia que mudaria toda minha vida. No dia seguin-

te, logo pela manh��, pedi a Josias que me levasse at�� a casa de Matilde. Eu

n��o sabia o que havia acontecido com ela, pois desde a nossa formatura

nunca mais a vi. Ela veio em casa algumas vezes, mas eu sempre mandei

dizer que n��o estava. Ela n��o servia para ser minha amiga, era pobre.

Assim que cheguei, ela, surpresa, me recebeu com todo carinho e alegria:

- Selma! O que est�� fazendo aqui t��o cedo?

- Eu, fingindo alegria tamb��m, a abracei e disse:

- Vim visitar voc��. Desculpe eu ter vindo sem avisar. Tem algum problema?

- Claro que n��o, Selma. Estou dando aula em uma escola para crian-

��as, mas vai ser por pouco tempo. Prestei um concurso e vou trabalhar em

158

Elisa Masselli

uma escola do Estado. Vou ser funcion��ria p��blica e dar aula para crian-

��as pobres. Esse sempre foi o meu sonho!

- Para mim, aquilo nada significava. Eu nem sabia muito bem o que era

ser funcion��ria p��blica, muito menos o que era crian��a pobre. Sorri e menti:

- Estou muito feliz por voc��, Matilde, e pelas crian��as.

- S�� estou curiosa em saber o porqu�� de voc�� ter vindo em um dia de

semana, Selma, ainda mais levando em considera����o que faz muito tempo

que n��o nos vemos.

- �� verdade, Matilde, mas estou precisando da sua ajuda e espero que

n��o me falte.

- Claro que ajudarei sempre que precisar! Voc�� �� minha amiga, mesmo

eu n��o sendo da sua classe social sempre me tratou com muito carinho.

- Eu ri por dentro e pensei:

Ser�� que ela nunca percebeu que n��s s�� a aceitamos porque era inteli-

gente e poderia nos ajudar com as notas no col��gio?

- Vendo que ela faria tudo o que eu quisesse, perguntei:

- Voc�� sabe que meu irm��o vai se casar com Arlete?

- Sabia que iam se casar, mas n��o quando. - Disse sorrindo.

- J�� marcaram o dia. Vai ser daqui a dois meses!

- T��o r��pido! Seu irm��o j�� se formou e voltou para casa?

- Sim, e combinou com meus pais e os de Arlete que se casariam daqui

a dois meses. Por isso, os pais resolveram dar uma festa daqui a duas sema-

nas para comunicar e convidar as pessoas da sociedade.

- Uma festa? Que bom! E voc�� est�� aqui para me convidar?

- Isso mesmo! Voc�� n��o poderia deixar de ser convidada! �� nossa ami-

ga de tanto tempo e sei que adora festas!

- Obrigada, Selma. Estou muito feliz por ter se lembrado de mim!

- Estou aqui para dizer que, se voc�� me ajudar, vou comprar um vestido s��

para voc��. Desta vez n��o vai usar vestido meu ou das meninas! Ele ser�� s�� seu...

- O que est�� dizendo, Selma?

- O que ouviu, Matilde! Vou ainda comprar sapatos e pedir ao nosso

cabeleireiro que fa��a um lindo penteado em voc��!

- Isso que est�� dizendo �� verdade?

159

As chances que a vida d��

- Claro que ��! Voc�� s�� precisa participar de uma brincadeira!

- O que preciso fazer?

- Percebi que seus olhos brilhavam muito! Sentindo que ela faria

qualquer coisa que eu quisesse, continuei:

- N��s estamos pensando em fazer uma brincadeira com Arlete no dia

da festa, mas para isso precisamos da sua ajuda.

- Que brincadeira?

- No s��bado, durante a festa, meu irm��o ir�� para o jardim e voc�� ir��

em seguida. Assim que se aproximar dele, voc�� ir�� abra����-lo e beij��-lo.

Arlete ser�� levada at�� l�� e ver�� voc��s se beijando.

- O que est�� dizendo, Selma?

- O que voc�� ouviu, Matilde! Vamos enganar Arlete somente para ver

sua rea����o e podermos rir muito!

- Isso n��o vai dar certo, Selma! Sabemos como Arlete �� ciumenta, vai

ficar possessa e �� capaz de me bater na frente de todos os convidados!

- A�� �� que vai estar a gra��a, Matilde! Quando ela ficar braba, todos n��s

entraremos e diremos que era somente uma brincadeira! Ela, vendo todos

rindo e aliviada em saber que n��o foi tra��da vai rir tamb��m.

- Ser�� que ela vai entender e aceitar, Selma?

- Claro que vai! Como pode duvidar vendo todos n��s dizendo que ��

mentira? Ela vai rir muito, como todos n��s!

- N��o sei, n��o, Selma. Estou com medo...

- Percebendo que ela n��o aceitaria minha proposta, pensei r��pido e falei:

- Voc�� pode ir amanh�� comigo at�� a loja para comprarmos os tecidos

para mandar fazer os nossos vestidos?

- O meu tamb��m?

- O seu tamb��m, Matilde! Quero que fique bem bonita! Voc�� merece!

- Voc�� vai amanh��?

- Sim. Para que d�� tempo de ficarem prontos, Matilde! Depois de esco-

lhermos os tecidos, poderemos tamb��m escolher os sapatos. Quer ir comigo?

- Ela ficou me olhando parecendo que pensava e respondeu:

- Est�� bem. Voc�� tem certeza de que vai sair da maneira como est��

pensando? Que n��o vai ter problema algum?

160

Elisa Masselli

- Claro que n��o vai ter problema algum, Matilde! N��s vamos dar boas

risadas!

- N��o comente com ningu��m a respeito do que conversamos. Combi-

nei com Flora que ia conversar com voc�� e, se aceitasse, eu falaria com ela.

- N��o vou comentar, mesmo porque n��o tenho como me encontrar

com elas nem com ningu��m antes do dia da festa. Sabe que trabalho e

preciso preparar as aulas, por isso n��o tenho muito tempo. Al��m do mais,

Flora e Arlete, depois que terminamos o col��gio, nunca mais me procura-

ram, at�� tentei entrar em contato com elas, mas n��o consegui.

- Isso aconteceu por falta de tempo. Depois da formatura, muita coisa





aconteceu e ficamos ocupadas.


- Sei disso e n��o me importei. Gosto de voc��s e sei que tamb��m gos-





tam de mim.


- Sa�� da casa dela feliz, pois sabia que meu plano daria certo. Assim

que Arlete visse meu irm��o com Matilde n��o suportaria e largaria dele

para sempre. Estava tudo certo. A vontade de Matilde em ser como uma

de n��s faria com que fizesse aquilo que eu quisesse.

Ao ouvir aquilo, Roberto colocou as m��os sobre o rosto e se afastou

um pouco. Selma, ao ver que ele se afastou, perguntou:

- O que est�� acontecendo, Roberto? Por que se afastou?

Ele olhou para ela e demonstrando todo o desespero que estava sen-

tindo, quase chorando, respondeu:

- Como pode me fazer essa pergunta, Selma? O que acha que estou

sentindo ao ver que a mulher boa e carinhosa e ��tima m��e p��de um dia

ter uma mente t��o perversa? Estou enojado com tudo isso!

Ela que, enquanto contava a hist��ria havia parado de chorar, voltou

a ficar com os olhos cheios de l��grimas:

- Tem raz��o. Sei que errei muito e nem posso dizer que era crian��a,

pois n��o era; mas eu mudei, Roberto! Eu sou, agora, essa que voc�� co-

nhece! Precisa me perdoar! Somos uma fam��lia e amo voc��s dois!

- Desculpe, estou muito nervoso com tudo isso que est�� acontecen-

do, vendo que nossa fam��lia est�� desmoronando e que na realidade ela

nunca existiu, foi tudo uma mentira!

161

As chances que a vida d��

- N��o fale assim...

- Papai tem raz��o. Mam��e, a senhora deveria ter contado a ele, assim

que o conheceu...

- Hoje entendo isso, mas naquele tempo fiquei com medo de perd��-

-lo, Carlos. Eu tinha e tenho consci��ncia de tudo o que fiz e sei que n��o

mere��o ser feliz. Preciso que me perdoem por tudo que ainda n��o contei.

- Est�� bem. Eu amo a senhora. �� minha m��e muito querida, e acho

que se fez algo de ruim se redimiu. Continue contando.

Selma olhou para Roberto que, lentamente, voltou para onde estava

e ficou olhando para ela, esperando que continuasse a contar o que havia

acontecido. Ela continuou:

- No dia seguinte, logo pela manh��, eu estava em frente �� casa de

Matilde. Ela, sorridente, atendeu a campainha que Josias tocou. Entrou

no carro e fomos para uma loja de tecidos. Deixei que escolhesse aquele

que queria. Depois, fomos at�� a costureira e ela escolheu o modelo e

tamb��m os sapatos que seriam confeccionados com o mesmo tecido do

vestido. Pela primeira vez eu estava fazendo isso sem a companhia de

Flora e de Arlete. Sempre que havia uma festa compr��vamos os tecidos e

escolh��amos os modelos juntas. Depois da costureira eu disse:

- Agora o Josias vai me deixar em casa e levar voc�� at�� a sua, Matilde.

Quando chegar vou telefonar ao cabeleireiro para que venha no s��bado ��

tarde nos fazer um lindo penteado.

- Nem estou acreditando que tudo isso est�� mesmo acontecendo, Sel-

ma! Pela primeira vez, vou usar um vestido s�� meu, que eu escolhi! Estou

muito feliz, parecendo a Cinderela!

- Est�� vendo como contos de fadas podem se tornar realidade? Quem

sabe nesse baile voc�� encontre o seu pr��ncipe encantado?

- Ela come��ou a rir:

- Quem sabe... Embora eu j�� tenha um pr��ncipe encantado, mas ele

nunca me olhou. Tomara que no baile ele me olhe...

- Tem um pr��ncipe? Quem ��? Eu conhe��o?

- Ela, com os olhos brilhantes, respondeu:

- Conhece, sim, mas n��o vou dizer quem ��...

162

Elisa Masselli

- Agora me deixou curiosa, quem �� ele?

- Promete que n��o vai rir e me achar louca?

- Claro que n��o vou rir. S�� estou curiosa e quem sabe eu possa

ajudar voc��!

- Voc�� me ajudaria, Selma?

- Claro que sim, Matilde, voc�� �� minha amiga!

- Desde que o conheci me apaixonei por ele, mas sempre soube que ele





nunca se interessaria por mim...


- Quem �� ele, Matilde?

- Jos�� Luiz...

- Jos�� Luiz? N��o pode ser, Matilde! Ele �� nosso amigo e voc�� nunca

demonstrou que gostava dele!

- Nunca demonstrei e n��o vou demonstrar agora. S�� estou rezando

para que ele olhe para mim com olhos diferentes dos de um amigo. Estou

com muita esperan��a que isso aconte��a na festa!

- Vou conversar com ele.

- N��o vai contar, vai?

- N��o. Fique calma. S�� vou dizer que voc�� est�� linda e fazer com que

olhe com interesse. Vou pedir que a convide para dan��ar e da�� para frente

fica por sua conta... - eu disse, piscando um olho.

- Ela sorriu. Quando o carro ia entrando no port��o da minha casa

para me deixar em frente �� porta, eu disse:

- N��o entre, Josias. Matilde est�� atrasada para ir �� escola. Leve-a ra-





pidamente.


- Est�� bem, senhorita.

- Desci do carro e, enquanto ele sa��a, acenei com a m��o dando adeus.

Matilde, deslumbrada com tudo o que estava acontecendo, tamb��m ace-

nou. Fiquei olhando e, quando desapareceram, voltei-me, entrei e come-

cei a andar em dire����o �� porta. A dist��ncia era de mais ou menos vinte

metros. Enquanto caminhava pensava:

Jos�� Luiz? Como pode? Quem �� ela para querer um rapaz como ele?.

- Eu nunca havia pensado em Jos�� Luiz a n��o ser como amigo, mas

naquele instante tive um pensamento diferente a seu respeito. Jamais

163

As chances que a vida d��

permitiria que ele se interessasse por ela ou por ningu��m. Sempre soube

que ele me amava e* muitas vezes demonstrou isso, mas sempre o desen-

corajei. Ele n��o era o rapaz que eu sonhava. Eu queria algu��m diferente

dele mas, naquele momento, comecei a achar que poderia namor��-lo,

mesmo que fosse apenas por algum tempo, somente para mostrar a Ma-

tilde que ele nunca seria dela.

Roberto e Carlos olharam para ela ao mesmo tempo. Ela, entenden-

do o que estavam pensando, disse:

- Sei o que est��o pensando e hoje entendo. Eu era muito mimada e sempre

tive tudo o que queria. Por isso, n��o poderia permitir que algu��m tivesse aqui-

lo que eu julgava ser meu. Hoje aprendi que, quando temos muito, queremos

sempre mais e nos julgamos superiores a todos os outros. Mas, naquele dia, eu

estava disposta a n��o permitir que Jos�� Luiz se interessasse por ela.

- N��o consigo me conformar que voc�� era assim, Selma...

- Nem eu, papai. Essa pessoa n��o pode ser minha m��e...

- Entendo e aceito o que est��o pensando e dizendo. N��o existe descul-

pa para tudo o que fiz, mas fiz e procurei me redimir, sendo uma boa espo-

sa, m��e e ajudando as crian��as do orfanato. Sofri muito para entender isso

e consegui. Podem ter certeza de que nunca mais serei aquela novamente...

- Est�� bem, Selma. Mas continue, por favor. Quase n��o estou conse-

guindo ficar aqui e s�� n��o vou embora por estar preso.

- Eu poderia ir embora, mas n��o vou, papai. Preciso ouvir toda a

hist��ria. O que aconteceu na festa, mam��e?

- Durante os dias que antecederam a festa, eu e Matilde sa��mos qua-

se todas as manh��s e �� tarde eu me encontrava com as meninas na minha

casa ou na casa delas. Uma vez, Arlete estava toda feliz nos mostrando o

enxoval que havia mandado fazer. Era tudo muito bonito. Ela pegou um

jogo de len����is brancos, todo bordado a m��o. Achei lindo. Ela, perceben-

do o meu olhar, disse:

- Este fui eu mesma que bordei, Selma!

- Voc�� bordou por que, Arlete?

- Este �� especial, vai ser usado na nossa primeira noite! Quero que ela

seja inesquec��vel!

164

Elisa Masselli

Ao ouvir aquilo, Flora come��ou a rir:

- Voc�� n��o tem nem casa, Arlete! Est�� indo para a Inglaterra!

- Sei disso, Flora, mas vamos passar a primeira noite em um hotel. Pa-

pai disse que, enquanto estivermos viajando, ele vai nos comprar uma casa

grande e linda para que quando voltarmos tenhamos a nossa pr��pria casa.

- Papai tamb��m disse que quando eu me casar vai me dar uma casa.

Espero que seja perto da sua.

- Arlete sorriu e beijou o rosto de Flora, que retribuiu. Elas eram

muito apegadas e se adoravam. Fiquei calada. Estava com muita raiva

daquela conversa. Fiquei mais convencida de que precisava fazer tudo

para impedir aquele casamento. Sem imaginar o que eu estava pensando,

Flora perguntou:

- Por que o mist��rio com o seu vestido, Selma? N��o estou entendendo.

- Fui pega de surpresa e levei alguns segundos para responder:

- N��o est�� entendendo o que, Flora?

- Sempre compramos os tecidos e escolhemos os modelos juntas, mas,

desta vez, voc�� est�� jazendo tudo sozinha, por que?

- Minha m��e cismou de escolher comigo. Achei que voc��s n��o iam

querer sair com ela, por isso n��o contei. Querem sair com ela?

- Claro que n��o, Selma! Sua m��e �� muito chata! - respondeu rindo.

- Depois de algum tempo, fui embora. Eu e Matilde continuamos a

nos encontrar todos os dias. Eu precisava fazer com que ela entendesse

todos os detalhes do meu plano para que nada desse errado. No dia em

que fomos fazer a segunda prova dos vestidos, e assim que ela o vestiu,

percebi que havia ficado perfeito. A beleza natural de Matilde, com aque-

le vestido, sobressaiu muito mais. Tirei da bolsa um colar e brincos que

havia comprado para dar a ela. Eram de esmeralda e combinavam com

seus olhos verdes e com o vestido, verde tamb��m. Ela, ao colocar o colar

e os brincos, come��ou a rir como uma crian��a que ganha um brinquedo.

- S��o lindos, Selma! Prometo que vou cuidar deles muito bem e devol-

ver no dia seguinte da festa!

- N��o precisa devolver, Matilde. Eles s��o seus. Comprei para que com-

binassem com seu vestido e com seus olhos.

165

As chances que a vida d��

- Meus, Selma? Mas s��o muito caros!

- Podem ser caros para voc�� mas, para mim, nada representam. Tenho

muitas j��ias e tudo o que quero. E voc�� vai ficar linda!

- Enquanto se olhava no espelho com o vestido, o colar e os brin-

cos, disse:

- Minha m��e est�� preocupada com tudo isso que voc�� est�� fazendo por

mim, Selma.

- Preocupada, por que, Matilde?

- Depois que meu pai morreu, ela criou, sozinha, eu e meus dois ir-

m��os. Sempre disse que, se quis��ssemos crescer na vida, precis��vamos estu-

dar e nos preparar. Ela sempre se preocupou muito com a nossa educa����o

e conseguiu a bolsa para que eu estudasse no col��gio. Ficou feliz, s�� que

muito preocupada, pois nunca aprovou a minha amizade com voc��s.

- Por qu��?

- Ela sempre disse que pessoas ricas n��o se preocupam e nem t��m ami-

zade com os pobres. Disse que elas s�� t��m amizade quando podem tirar

algum proveito. Por isso, pediu que eu tomasse muito cuidado.

- Voc�� acha isso tamb��m?

- Ela, sorrindo, respondeu:

- Sempre soube que voc��s se aproveitaram de mim. Sempre fiz os

trabalhos escolares, pois sabia que aquela era a ��nica maneira de voc��s

me aceitarem, mas nunca me importei com isso, eu gostava e ainda gosto

de voc��s.

- Pensou isso, Matilde?

- Claro que sim, Selma. Voc��s mesmas sempre disseram que eu sou

inteligente, como poderia deixar de perceber o que faziam comigo?

- Naquele momento me envergonhei, n��o pelo que t��nhamos fei-

to, mas por saber que ela sempre soube e que n��o ��ramos t��o inteli-

gentes assim, ent��o disfarcei:

- Sempre gostamos de voc��, Matilde. Claro que podendo nos ajudar

foi melhor, mas mesmo que n��o tivesse nos ajudado a nossa amizade





seria a mesma.


- Ela sorriu com ironia. Eu continuei:

166

Elisa Masselli

- Agora, precisa tirar esse vestido. Amanh�� �� o grande dia. Venha para

minha casa logo pela manh��. Marquei com o cabeleireiro.

- Ela, olhando para o rel��gio, disse:

- Estou atrasada, Selma! Ajude-me a tirar o vestido!

- Voc�� n��o vai levar o vestido, Matilde?

- N��o, Selma! Minha m��e n��o aceitaria um presente como esse! Ainda

mais se eu disser que foi voc�� quem me deu!

- Voc�� j�� usou e ganhou muitos vestidos e sapatos meus e das meninas!

- Eu sempre disse que voc��s me emprestaram e est��o guardados na

casa de uma amiga minha. Por isso, para que ela n��o brigue, o melhor a

fazer �� voc�� levar o vestido para sua casa e amanh�� eu me visto l�� e vamos

juntas para a festa. Vou dizer a minha m��e que �� anivers��rio de uma pro-

fessora l�� da escola.

- Vai mentir para sua m��e?

- Preciso fazer isso. Ela n��o aceitar��. Tem medo de que algo ruim pos-





sa me acontecer.


- Est�� bem. Fa��a como quiser.

- Tudo certo, eu estava confiante. No dia seguinte, Matilde chegou

cedo. Ela estava animada. Os vestidos e sapatos foram entregues. Pas-

samos o dia nos preparando. Meu irm��o estava feliz com toda aquela

anima����o, mas n��o nos interrompeu, ficou a tarde toda em seu quarto.

Finalmente a hora de sairmos de casa chegou. Embora eu soubesse que

Matilde era linda, naquele dia ela me surpreendeu. Estava mais linda do

que nunca. Meu irm��o, assim que a viu, n��o se conteve:

- Voc�� est�� linda, Matilde!

- Ao ouvir aquilo, senti muita raiva, pois ele nem olhou para mim.

Ao chegarmos �� casa das meninas percebemos que estava maravilhosa.

Todas as luzes estavam acesas e com uma linda decora����o feita com rosas

e orqu��deas brancas. V��rias mesas estavam colocadas para o jantar que

seria servido. Jos�� Luiz chegou logo depois e, ao nos ver, se aproximou e

estendeu a m��o:

- Boa noite. Voc�� est�� linda, Matilde!

- Ela sorriu e percebi que seus olhos brilharam. Eu estava ao lado

167

As chances que a vida d��

dela e ainda assim ele pareceu n��o me ver. Com muita raiva e ao ver que

todos me ignoravam, me afastei, achando que estava na hora de colocar

meu plano em pr��tica. Olhei �� minha volta e vi que Arlete e Flora, como

sempre, tamb��m estavam lindas. Meu irm��o conversava com alguns

amigos, e Arlete ria muito conversando com alguns convidados. Cami-

nhei em dire����o ao meu irm��o.

- V�� at�� o jardim. Algu��m est�� esperando por voc��.

- Quem?

- N��o posso dizer, �� surpresa!

- Ele, rindo, caminhou em dire����o ao jardim. Rapidamente, fui para

o lado de Matilde:

- Est�� na hora, Matilde. Ele j�� est�� no jardim! V�� para l�� e fa��a da





maneira como combinamos.


- Agora?

- Sim, precisa ser antes do jantar. Espere alguns minutos, enquanto eu

aviso Flora e os outros. Vamos dar muitas risadas!

- Est�� bem, estou indo.

- Assim que ela se afastou fui para junto de Arlete e, puxando-a pela

m��o, disse baixinho em seu ouvido:

- V�� para o jardim, vai ter uma surpresa.

- Surpresa, Selma? Que surpresa?

- Se eu contar vai deixar de ser surpresa!

- Est�� bem, j�� vou.

- Ela foi para o jardim e eu fiquei distante, mas em um lugar de onde

poderia v��-los. Vi Arlete caminhando em dire����o ao jardim e, assim que

chegou, de longe viu Matilde e meu irm��o se beijando. Ela parou, ficou

branca como cera e, para minha surpresa, se afastou e saiu correndo sem

nada dizer. Eu me aproximei e pude ouvir quando meu irm��o, afastan-

do-se de Matilde, perguntou:

- O que est�� fazendo, Matilde?

- Estamos fazendo uma brincadeira com Arlete.

- Que brincadeira?

- Ela olhou �� sua volta me procurando e, ao me ver, gritou:

168

Elisa Masselli

- Selma!

- Eu ia me aproximar para conversar com meu irm��o, mas fui em-

purrada para o lado por Arlete, que voltou correndo e ao se aproximar

deles levantou um rev��lver que estava em sua m��o e atirou em Matilde,

no meu irm��o e depois em sua pr��pria cabe��a. Foi tudo t��o r��pido que

ningu��m conseguiu evitar. Por ela ter aprendido a atirar, o tiro foi cer-

teiro. Eu era quem estava mais pr��xima, mas fiquei parada e em choque

sem conseguir dar um passo ou dizer qualquer coisa.

- Agora, Selma voltou a chorar copiosamente. Roberto e Carlos le-

vantaram-se ao mesmo tempo. Roberto gritou:

- Meu Deus do c��u! Foi isso que voc�� causou? A morte de seu irm��o e

dessas duas mo��as? Voc�� planejou uma armadilha que deu errado, Selma?

- M��e! N��o consigo acreditar que tenha feito isso!

- Algumas vezes nem eu consigo acreditar, Carlos. Foi terr��vel, e sei

que nunca poderei me perdoar...

Roberto, inconformado, voltou a se sentar. Selma, quase sem conse-

guir falar, continuou:

- Somente naquele momento, ao ver meu irm��o ca��do ao lado de

Matilde e Arlete na frente deles, pude entender a extens��o do meu ato.

Quando vi todas as pessoas correrem para l�� e come��arem a gritar e

achando que todos estavam me acusando sa�� correndo. Estava desespe-

rada e n��o sabia o que fazer, pois se estivesse em minha casa, correria

para o meu quarto, mas n��o estava. Precisava me esconder das pesso-

as para poder chorar e pedir perd��o. Estava uma correria, as pessoas

olhavam para os corpos, choravam, andavam de um lado para outro e

abra��avam-se inconformadas. Corri para a porta dos fundos da casa e

me sentei sobre a grama que, por ser noite, estava ��mida, mas n��o me

importei por estar sujando e molhando meu lindo vestido. Nada mais

tinha import��ncia. Ali, sozinha, fiquei relembrando tudo o que havia

acontecido. Lembrei da minha inf��ncia, daquilo que minha m��e sempre

havia me dito:

- Voc�� �� especial, Selma! Nasceu para conseguir tudo o que quiser na

sua vida e para ser servida.

169

As chances que a vida d��

- Enquanto me lembrava de tudo o que havia acontecido na minha

vida, apenas conseguia chorar, nada mais. Nem sei quanto tempo fiquei

ali, chorando e sozinha, quando Flora, tamb��m chorando, se aproximou

e ficou em p��, parada na minha frente:

- Selma! Como isso foi acontecer? O que ser�� que deu em Arlete

para ter tomada uma atitude desesperada como essa?

- Senti que naquele momento era hora de eu dizer o que havia feito,

mas fiquei com medo, pois, al��m de ter perdido meu irm��o, Arlete e Ma-

tilde, sabia que perderia a amizade de Flora. Por isso me calei e apenas me

levantei, a abracei e chorei muito. Est��vamos assim quando Esmeralda, a

mulher que havia criado as duas desde pequenas, foi at�� n��s:

- Flora, Selma, procurei voc��s por toda parte. A pol��cia j�� chegou e o

delegado quer falar com todos que estavam na festa. Voc��s precisam entrar





e ir falar com ele.


- Ao ouvir aquilo, estremeci. Fiquei com muito medo de ser presa,

pois sabia que embora n��o houvesse apertado o gatilho eu era a culpada

de tudo aquilo e outra vez me calei. Mesmo n��o querendo e tremendo

muito, fui obrigada a acompanhar Esmeralda e Flora. Assim que chega-

mos �� sala, vimos um senhor que conversava com alguns policiais. Eu

tremia e chorava muito. Assim que me aproximei, ele, olhando firme

para mim, perguntou:

- Por que est�� chorando e tremendo dessa maneira, mo��a?

- Novamente, senti que deveria contar o que havia acontecido, mas

outra vez fiquei com muito medo de ser presa e n��o consegui dizer uma

palavra. Esmeralda foi quem respondeu:

- Ela �� irm�� do rapaz e amiga das mo��as. Est�� muito nervosa...

- Ele continuou me olhando de uma maneira que me causava mais

medo ainda:

- Sabe o que aconteceu ou qual foi o motivo dessa trag��dia?

- N��o conseguindo falar e solu��ando, apenas acenei com a cabe��a

dizendo que n��o.

- Est�� bem. Voc�� est�� muito nervosa, mais tarde voltaremos a conversar.

- Ao ouvir aquilo, sa�� e voltei para o lugar onde estava, sentei-me no

170

Elisa Masselli

ch��o e continuei chorando sem conseguir parar. Meus sentimentos es-

tavam desencontrados. Chorava porque meu irm��o havia morrido, mas

mais ainda pelo medo que sentia de ser presa.

Mario Augusto e Matilde estavam l�� acompanhando tudo o que Sel-

ma dizia. Matilde, com l��grimas nos olhos, disse:

- Ainda hoje, mesmo ap��s sabermos o motivo de tudo, ainda �� dif��cil

nos lembrarmos desse dia, n��o ��, Mario Augusto?

- Verdade, Matilde. Levei muito tempo para entender e aceitar o que

Selma havia feito...

Matilde ia dizer alguma coisa, quando uma n��voa negra envolveu a

delegacia e uma voz disse, gritando:

- Pois eu ainda n��o perdoei voc��, Selma, e nunca vou perdoar! Mere-

ce tudo o que est�� acontecendo e ainda vai acontecer! Agora, est�� dando

uma de santa, dizendo que est�� arrependida, mas isso n��o vai fazer com

que eu volte e recupere minha vida que voc�� tirou! Agora, quer meu per-

d��o, mas nunca vai conseguir! Vou destruir sua vida como destruiu a mi-

nha, a de Mario Augusto e a de Matilde! Demorei muito para encontrar

voc�� e n��o vou sair do seu lado at�� que tenha me vingado totalmente!

- N��o fa��a isso nem fale assim, Arlete. A lei �� justa e tudo vai acontecer

como tem de ser. Hoje ela est�� arrependida e pretende mudar tudo o que fez.

- Arrependida? Arrependida coisa nenhuma! Ela s�� est�� pensando

no que fez porque est�� em uma situa����o ruim! Durante todos esses anos

viveu sua vida e construiu uma fam��lia, o que evitou que acontecesse co-

migo e com Mario Augusto! Eu a odeio e vou odiar para sempre!

- Quando voc�� voltou para a Espiritualidade n��o quis ouvir o que

todos tinham a dizer e o que havia acontecido no passado. Preferiu voltar

para destru��-la, e isso nada de bom trouxe para voc��. Olhe-se, Arlete, e

veja como est��. Toda suja, descabelada e com as roupas rasgadas. Voc��

sempre foi linda e agora parece uma mendiga. Ainda h�� tempo, venha

conosco. O lugar para onde vamos levar voc�� �� lindo e vai se sentir muito

bem. Deixe que a Lei de Deus fa��a sua justi��a para com Selma.

- Quem s��o voc��s? Eu n��o os conhe��o e, com certeza, tamb��m n��o

me conhecem! N��o existe Lei de Deus alguma, pois se existisse Ele n��o

171

As chances que a vida d��

teria permitido que ela tirasse nossas vidas e ficasse impune como ficou!

Ao ouvir aquilo, Matilde olhou para Mario Augusto:

- Ela n��o est�� nos reconhecendo, Mario Augusto?

- N��o, Matilde. Como sente muito ��dio, atraiu para si essa nuvem

densa e pesada, o que a impede de nos ver. Precisamos tentar fazer com

que ela remova esse sentimento ruim, para que assim possa nos ver e ser





ajudada.


- Precisamos conseguir, Mario Augusto. Precisamos lev��-la conosco.

Voltando-se para Arlete, disse:

- Deus existe, sim, Arlete. A lei d'Ele tamb��m �� justa. Venha conosco.

Ao ouvir o que Matilde falou, Arlete, com os olhos vermelhos e fais-

cando de tanto ��dio, gritou:

- N��o sei quem �� voc��, s�� sei que n��o tem nada a ver com a minha

vida! Cuide da sua que eu cuidarei da minha! N��o vou a lugar algum!

N��o vou sair do lado de Selma nem por um minuto! S�� n��o entendo o

que voc��s est��o fazendo aqui, tentando ajudar essa traidora.

Matilde, sorrindo, respondeu:

- O ��dio n��o nos leva a lugar algum, Arlete. Venha conosco e vai

encontrar a paz que tanto procura...

- Nunca, nunca! Estou indo embora porque a luz que est�� saindo de

voc��s me faz mal, mas voltarei trazendo alguns amigos. Isso que est�� acon-

tecendo com ela �� pouco! Ela vai perder tudo, assim como fez conosco!

Antes que Mario Augusto ou Matilde tivessem tempo de dizer algu-

ma coisa, Arlete desapareceu.

- Infelizmente, ela n��o quis nos ouvir, Matilde, e isso vai fazer com

que continue perdida e sofrendo muito.

- Verdade, Mario Augusto. Precisamos orar por ela e pedir ajuda,

pois quando ela voltar vai ser dif��cil control��-la.

Enquanto isso, Selma continuava a contar o que havia acontecido no

seu passado:

- Fiquei sentada ali por muito tempo. Senti que meu vestido estava

molhado por causa da grama, mas pela primeira vez n��o me importei.

A dor e o medo que sentia eram imensos. N��o conseguia acreditar que

172

Elisa Masselli

aquilo havia acontecido. Nem por um minuto pensei que Arlete seria

capaz de uma coisa como aquela. Estava ali pensando e chorando, quan-

do minha m��e se aproximou. Continuava com a roupa e os cabelos no

lugar. Apesar de tudo o que acontecera, ela continuava como se tivesse

chegado naquele momento na festa. Aproximou-se e com aquela voz de

reprova����o que eu conhecia muito bem perguntou:

- O que est�� fazendo sentada a�� no ch��o, Selma?

- Sem responder, levantei-me e, chorando, tentei me abra��ar a ela,

que me afastou com as m��os.

- N��o se atreva a me encostar com esse vestido molhado e sujo! Est��

horr��vel! V�� para o banheiro, lave o rosto e arrume esse cabelo. Se estiv��s-

semos em casa, poderia trocar esse vestido por outro lindo, mas como n��o

estamos tente ficar da melhor maneira poss��vel!

- Mam��e, elas morreram e o Mario Augusto tamb��m... - eu disse chorando.

- Sim, morreram. Estou arrasada, ele �� meu filho. Estou sofrendo

tanto que nem sei como explicar, mas nem por isso as pessoas precisam

me ver chorando ou desarrumada! O que sinto s�� diz respeito a mim!

Ande, v�� se recompor!

- Naquele momento odiei minha m��e por tudo o que era e o que me

havia tornado. N��o entendia como, em um momento como aquele, ela

podia ainda estar pensando na sua apar��ncia.

- Est�� dizendo que sua m��e foi culpada pelo que voc�� fez, Selma? -

Roberto perguntou, indignado.

- Naquele momento, sim, Roberto. Hoje entendo que a ��nica culpa-

da fui eu, mas naquele dia eu precisava encontrar um culpado.

- Acredito que, embora ela tenha criado voc�� dessa maneira, depois

que cresceu voc�� poderia ter mudado sua maneira de pensar. Voc�� n��o

era mais crian��a quando tudo isso aconteceu, j�� era adulta. Desculpe-me,

Selma, mas n��o entendo sua atitude. Voc�� sempre gostou de ser especial,

poderosa. N��o entendo como p��de mudar tanto e se transformar na pes-

soa que �� hoje. Ser�� que continua a mesma e durante todo esse tempo

esteve disfar��ando?

- N��o, Roberto! Eu mudei quando conheci voc�� e me completei

173

As chances que a vida d��

quando voc�� nasceu, Carlos. Finalmente, ao lado de voc��s encontrei a

paz que tanto precisava. Eu jurei que dedicaria minha vida fazendo com

que voc��s fossem felizes e praticando caridade de todas as maneiras que

conseguisse. Por isso, fiquei muito feliz quando conheci Mar��lia e vi que

poderia ajudar aquelas crian��as que tanto precisavam.

- Como a senhora chegou a esta cidade e se tornou pobre, mam��e?

- Depois do que minha m��e disse, fui ao banheiro e me arrumei da

melhor maneira poss��vel, pois sabia que ela n��o me perdoaria se n��o a

obedecesse. Quando sa�� do banheiro, vi Flora e sua m��e, que tamb��m es-

tavam com as roupas e os cabelos impec��veis. Olhei para a sala, todas as

pessoas que ali estavam conversavam, provavelmente sobre o aconteci-

do, mas de uma maneira educada e sem muito alarde. Sentindo-me mal

com tudo aquilo, aproximei-me de meu pai que, ele sim, estava muito

abatido e conversava com alguns amigos, e disse:

- Papai, n��o estou me sentindo bem. Posso pedir ao Josias para me

levar para casa?

- Ele olhou nos meus olhos, que estavam vermelhos de tanto chorar,

e beijando minha testa respondeu:

- Claro que pode, filha. Se eu pudesse tamb��m iria, mas n��o posso.

Pe��a ao Josias que leve voc�� e depois volte para nos pegar.

- Ia saindo, quando vi Mirtes, a m��e de Matilde, entrando, chorando

e gritando. Passou por mim, mas n��o me viu. Aos prantos perguntou:

- Onde est�� minha filha?

- Algu��m apontou para o jardim. Ela entrou correndo, ia se jogar

sobre Matilde, mas foi impedida por um policial. N��o podendo se apro-

ximar, come��ou a falar:

- Eu sempre disse a voc��, filha, que essa amizade com essas mo��as ricas

seria muito ruim! Olhe o que aconteceu! Voc�� nunca pertenceu ao mundo

delas! Tenho certeza que elas foram culpadas de tudo isso, vou descobrir tudo!

- Ao ouvir aquilo, embora soubesse que ela n��o teria condi����es ou

dinheiro para descobrir qualquer coisa, mas com medo, sa�� correndo

dali sem olhar para ningu��m. Assim que sa�� pela porta da frente da casa,

vi Josias, que estava em p�� ao lado do carro conversando com outro mo-

174

Elisa Masselli

torista. Quando me viu, abriu a porta para que eu entrasse. Assim que

entrei, ele fechou a porta, entrou no carro, ligou o motor e saiu. Depois

que sa��mos e entramos na rua que nos levaria para casa, ele perguntou:

- Sei que a senhorita est�� muito triste, mas n��o adianta chorar dessa

maneira nem ficar triste. Os tr��s j�� est��o sendo recebidos no c��u. Fique

tranquila, eles v��o ficar bem.

- N��o me chame de senhorita, Josias. Voc�� me conhece desde que

eu era crian��a.

- Por conhec��-la desde crian��a �� que preciso cham��-la por senhorita.

- Embora saiba que nem sempre correspondi, sei que voc�� sempre foi

meu amigo. Estou desesperada e n��o sei o que fazer...

- Tem motivo para ficar desesperada, mas nada precisa fazer, apenas

esperar, pois cedo ou tarde tudo se resolve...

- Nervosa e achando que ele havia descoberto o que eu havia feito,

quase gritei:

- Acha que tenho motivo, por qu��?

- Como, por qu��? Seu irm��o e suas amigas morreram, qualquer pessoa





ficaria nervosa...


- Naquele momento, percebi que ele n��o sabia de coisa alguma do

que eu havia feito e continuei:

- N��o suporto mais esta vida, preferia ter morrido no lugar do meu

irm��o e das meninas.

- N��o diga isso! Tudo est�� sempre certo nesta vida e tudo acontece





como tem de acontecer.


- Nem tudo acontece como tem de acontecer, Josias. Algumas vezes as

coisas s��o planejadas...

- Acha que houve algum planejamento para que tudo terminasse assim?

- Quem, eu? N��o! S�� estou um pouco atordoada.

- Neste momento, voc�� n��o precisa chorar por eles, apenas rezar para

que estejam bem. Eles n��o precisam de l��grimas, precisam de ora����o

para que aceitem o que aconteceu e sigam em paz.

- N��o entendo o que est�� dizendo, Josias. Primeiro diz que n��o posso

me desesperar e agora diz que n��o posso chorar?

175

As chances que a vida d��

- Ele come��ou a rir:

- Est�� vendo como nada do que pensamos �� o certo? Somos livres para

escolhermos o destino que queremos e somos, tamb��m, respons��veis por

nossas escolhas. Por isso, se quiser chorar, chore.

- Eu n��o entendi o que ele estava dizendo, mas n��o me preocupei.

Queria chegar logo em casa, ir para o meu quarto e chorar muito. Josias

tinha raz��o. Nada que eu fizesse poderia mudar o que aconteceu, por isso

s�� me restava chorar e pedir perd��o. Naquele momento, me lembrei de

Etelvina. Sabia que Josias a conhecia e que gostava dela. Ele acompanhou

tudo o que aconteceu, quando minha m��e a despediu. Emocionada, disse:

- Sabe, Josias, queria que Etelvina estivesse l�� em casa para que eu

pudesse chorar em seu colo. Sei que ela me abra��aria sem se preocupar se

meu vestido ou meus cabelos est��o em ordem. Naquele tempo eu era t��o

feliz. Por que tudo teve de mudar?

- Tudo tem um tempo certo para acontecer. Etelvina ensinou a voc�� as

primeiras coisas que deveria levar para o resto da sua vida.

- Estou com muita saudade dela e sentindo sua falta. Sei que se ela

estivesse aqui muita coisa teria sido evitada. Eu n��o seria assim como sou.

Onde ser�� que ela est��?

- Quando sua m��e a despediu e falou mal dela para suas amigas, ela

n��o conseguiu mais encontrar emprego. Voltou para a cidade onde nasceu

e onde estava sua fam��lia.

- Voc�� sabe onde fica essa cidade?

- Sei, mas por que est�� perguntando?

- Estou pensando em ir me encontrar com ela. Estou precisando





muito dela...


- J�� faz muito tempo, Selma. Voc�� era apenas uma crian��a quando ela

foi embora. Como pode estar sentindo saudade dela?

- N��o sei, fazia muito tempo que n��o me lembrava dela e n��o sei por

que estou sentindo isso agora. Voc�� tem o endere��o dela?

- Tenho sim. Durante todos esses anos, nunca deixamos de nos corres-

ponder. Vou pegar um dos envelopes de suas cartas e vou dar a voc��.

- Voc��s ainda se comunicam?

176

Elisa Masselli

- Sim. Sempre escrevemos um para o outro.

- Contou a ela o que me tornei?

- Claro que sim. Ela sempre quis saber ao seu respeito.

- O que disse a ela?

- Que voc�� se tornou uma mo��a linda.

- S�� isso?

- O que queria que eu dissesse mais? Voc�� �� mesmo uma mo��a linda!

- N��o disse que eu me tornei ego��sta, f��til e ruim como minha m��e?

- Eu devo ter comentado, mas ela j�� sabia pois conhecia sua m��e e

sempre me dizia que n��o importava a maneira como voc�� fosse criada, por

dentro voc�� era uma menina maravilhosa.

- N��o sou, Josias! N��o sou! Sou uma pessoa horrorosa!

- Sempre �� tempo de mudar as coisas e parece que voc�� est�� mudando.

- Chegamos e assim que descemos ele disse:

- Espere um pouco. Vou ao meu quarto, buscar o endere��o de Etelvina.

Estou fazendo isso porque acredito que ser�� muito bom para voc�� conver-

sar com ela. Sinto que est�� precisando.

- Foi para o seu quarto e voltou trazendo um envelope.

- Aqui est�� o endere��o, escreva para ela. Sei que vai ficar muito feliz.

- Vou fazer isso. Obrigada, Josias.

- Com o envelope na m��o, entrei na casa e ele voltou para a casa de

Flora. Meus pais continuavam l�� e, a qualquer momento, precisariam vol-

tar para casa.

Selma ia continuar, quando um policial abriu a porta que dava para

as celas e falou:

- Dona Selma, o delegado pediu que eu viesse aqui e avisasse que

chegou uma senhora e um advogado que querem falar com a senhora.

Ela disse que �� sua m��e. Como a senhora e seu marido est��o sob cust��-

dia, eles precisam entrar aqui.

Ao ouvir aquilo, Selma estremeceu. Havia adiado por muito tempo

aquele reencontro, mas agora n��o teria como fugir. Olhou para Roberto

e depois para Carlos e disse:

- Est�� bem. Por favor, pe��a que entrem.

177

As chances que a vida d��

O policial saiu e Selma, voltando a olhar para o marido e o filho,

tentou sorrir:

- A fera chegou, estejam preparados. S�� estou fazendo isso por voc��,

meu filho, n��o quero que v�� para um orfanato. Como voc�� disse, n��o �� ��rf��o.

Todo esse engano vai ser esclarecido e logo poderemos voltar para casa.

178



O reencontro

O policial voltou logo depois, acompanhado por um homem e uma

senhora. Selma, tremendo muito, ficou olhando para a senhora sem con-

seguir falar.

- A senhora olhou em seus olhos, depois para Carlos e Roberto, e

demonstrando descontentamento, perguntou:

- Selma, o que voc�� fez com sua vida? Olhe no que se transformou!

Al��m de estar presa, o que �� uma vergonha, est�� vestida com essas rou-

pas horr��veis, que provavelmente foram compradas na feira, e com esse

cabelo horroso!

- Tamb��m estou feliz em rever a senhora, mam��e, e a voc�� tamb��m,

Jos�� Luiz. Mas o que est�� fazendo aqui?

Quem respondeu foi Alda, sua m��e:

- Ele, embora tivesse sido preparado, n��o quis ser pol��tico ou diplo-

mata; resolveu ser um simples advogado. A ��nica coisa boa �� que ele �� o

melhor advogado que conhe��o e est�� aqui para tirar voc�� dessa situa����o!

- Boa tarde, Selma. Embora esta n��o seja uma situa����o em que eu qui-

sesse reencontrar voc��, estou feliz por v��-la. Sua m��e pediu que eu viesse

179

As chances que a vida d��

para ver o que consigo fazer para ajud��-la. Preciso que me conte o que acon-

teceu e, ao contr��rio do que sua m��e disse, acho que voc�� est�� muito bem.

- Obrigada, Jos�� Luiz, obrigada! Tamb��m estou feliz em rev��-lo mas

triste por ser nesta situa����o. Vou contar o que aconteceu, mas, antes de

qualquer coisa, quero que saiba que eu e meu marido somos inocentes

das acusa����es.

- Tenho certeza que sim, Selma...

- Assim que ele conseguir tir��-la daqui, voc�� vai comigo para casa!

Em seguida vai ao cabeleireiro e depois vai mandar fazer vestidos decen-

tes! Jos�� Luiz pode dizer o que quiser para te agradar, mas na realidade

voc�� est�� horr��vel!

Jos�� Luiz olhou para Roberto e Carlos e sorriu. Selma, ignorando a

presen��a deles, disse raivosa:

- N��o vou para casa, mam��e. Minha casa �� aqui ao lado do meu mari-

do e do meu filho. Este �� Roberto, meu marido, e este �� Carlos, meu filho.

Alda olhou para os dois e, demonstrando horror no rosto, disse:

- Esses?

- Sim, mam��e, esses, e eu os amo muito.

- Definitivamente, voc�� enlouqueceu! Como pode, Selma? Esque-

ceu-se de quem ��? Ainda bem que seu pai morreu, sen��o morreria aqui

e agora de tanta vergonha! Como pode fazer isso, Selma?

- Meu pai morreu? Quando e como?

- Morreu, sim, e ainda bem; n��o est�� vivendo este momento horro-

roso! Ficou doente e morreu dois anos depois que voc�� foi embora.

Selma come��ou a chorar.

- Eu n��o sabia e nunca pensei que isso pudesse acontecer. Ele era um

homem t��o forte e saud��vel...

- Depois que seu irm��o morreu e voc�� desapareceu, a vida para ele

n��o teve mais sentido. Entrou em depress��o, ficou muito doente e mor-

reu. Embora tenha sido atendido pelos melhores m��dicos, nada p��de

ser feito. Mas isso �� o que menos importa; ele morreu, mas eu estou aqui

presenciando algo que jamais poderia imaginar que fosse acontecer! Ver

voc�� atr��s das grades, casada com esse homem e m��e desse menino!

180

Elisa Masselli

- Sou feliz, mam��e, e �� isso que importa.

- Esse homem �� negro e est�� preso tamb��m! E esse menino �� mulato!

Selma olhou para Roberto, que parecia n��o entender o que estava

acontecendo e estava abismado pela frieza daquela mulher. Olhou para

Carlos, que tentava evitar que l��grimas ca��ssem por seu rosto. Com mui-

ta raiva, disse:

- Esse homem �� meu marido e esse menino �� seu neto, e foi somente

por ele que eu a chamei, mas se n��o quiser aceit��-lo a sua vinda at�� aqui

n��o tem prop��sito algum.

Jos�� Luiz interferiu:

- Precisamos nos acalmar. Neste momento, nada disso tem impor-

t��ncia. Preciso que me conte o que aconteceu, Selma.

Selma, atrav��s das grades, segurou a m��o de Roberto e abra��ou o filho.

- Obrigada, Jos�� Luiz. Jamais pensei que o reencontraria em uma

situa����o como essa.

- N��o se preocupe com isso, Selma. Vou fazer tudo o que estiver ao

meu alcance para que seja feliz com a vida que escolheu.

Selma come��ou a contar o que havia acontecido com Roberto e com ela

desde que conheceu o orfanato. Enquanto Selma contava, Matilde disse:

- Sua m��e, apesar de todo sofrimento, n��o mudou em nada, Mario

Augusto. Continua orgulhosa, perdida na ilus��o do dinheiro e da classe

social. Ainda n��o entendeu que nada disso tem import��ncia alguma.

- Verdade, Matilde, e isso me traz um grande sofrimento. Ela teve mais

uma chance de se redimir por todo o mal que nos causou no passado, mas

n��o soube e n��o sabe aproveitar. Renascemos para ajud��-la, mas de nada

adiantou. Tomara que consiga, um dia, redimir-se dos seus erros.

- Tomara, Mario Augusto, tomara. Mas, por enquanto, vamos espe-

rar e continuar ao lado dela, tentando ajud��-la.

Selma terminou de contar tudo o que havia acontecido e por fim disse:

- N��o entendo o porqu�� de tudo isso ter acontecido, mas tanto eu

como meu marido somos inocentes. Acredito que algu��m tenha planeja-

do tudo isso, s�� n��o sei qual foi o motivo. Viv��amos tranquilos, com uma

vida igual a de todos desta cidade.

181

As chances que a vida d��

- Estou achando tudo isso muito intrigante. Voc��s t��m algum inimi-

go aqui na cidade?

- N��o, Jos�� Luiz. Como disse, somos pessoas comuns e amigos de todos.

- Vou entrar com um habeas corpus para tentar fazer que consigam

responder em liberdade. Tamb��m vou contratar um investigador que

conhe��o para tentar descobrir o que est�� por detr��s de tudo isso.

Selma voltou os olhos para a m��e e disse:

- Sinto muito pelo papai e por n��o ter estado ao lado dele quando

ficou doente, mam��e. Estranho que Flora n��o tenha me contado quando

a reencontrei aqui na cidade.

- Flora esteve aqui, Selma?

- Sim. Ela abriu uma loja de roupas de festa e ficou por mais ou me-

nos tr��s meses. Quando viu que a loja n��o teria futuro aqui, foi embora.

- Tamb��m estou estranhando, pois jantamos juntas dois dias antes de

sua viagem para a Europa, sem tempo para voltar, e tamb��m n��o me disse

que havia encontrado com voc�� e nem que morava aqui nesta cidade.

- Eu pedi a ela que n��o contasse a ningu��m, pois queria continuar com a

minha vida da maneira que sempre vivi e sabia que a senhora n��o aprovaria.

- Claro que n��o aprovaria! Voc�� sempre foi especial, nasceu para viver

bem e ter tudo o que quisesse! Nasceu para ser servida e n��o para servir a

marido ou a filhos. Poderia sempre ter empregados para fazer isso!

Ao ouvir o que Alda dizia, Jos�� Luiz interferiu:

- Agora n��o �� hora para discuss��o. Podem deixar para depois. Ter��o

muito tempo para conversarem. Vou at�� o f��rum tentar libertar voc��s.

Em seguida, olhou para Carlos, que ainda tentava evitar que as l��gri-

mas ca��ssem sobre seu rosto, e perguntou:

- Quer vir comigo, Carlos? Poderemos almo��ar e conversar um pouco.

O menino olhou para a m��e, que sorriu:

- Pode ir, filho. Ele �� meu amigo e sinto que agora vai ficar tudo bem.

Alda, ainda olhando com desd��m, disse:

- Tamb��m vou com voc��s, preciso almo��ar. Ser�� que nesta cidade

tem algum restaurante decente?

- Nenhum igual aos que a senhora gosta e est�� acostumada a fre-

182

Elisa Masselli

quentar, mam��e. Como j�� deve ter percebido, a cidade �� pequena, mas a

comida �� muito boa.

- Est�� bem. Vou me arriscar, pois, de qualquer maneira, preciso co-

mer. Quando voltarmos vai me dizer o que quer que eu fa��a para ajud��-la.

Selma olhou para Carlos e, com l��grimas, respondeu:

- Preciso que cuide de Carlos enquanto estivermos aqui.

- Quer que eu leve esse menino para minha casa e fale a todos que ��

meu neto? Sabe que n��o posso fazer isso.

- Por favor, mam��e. N��o quero que ele v�� para um orfanato e foi

somente por isso que a chamei.

- Est�� bem, vou lev��-lo; mas vou dizer a todos que �� filho de uma

empregada.

Selma olhou para Carlos que, agora, chorava:

- Por favor, n��o, mam��e!

- �� preciso, filho. Vai ser por pouco tempo, tenho certeza disso!

- N��o quero, mam��e! Prefiro ir para o orfanato...

- Tamb��m n��o quero, Selma! - Disse Roberto. - Essa mulher �� um

monstro. Embora n��o quisesse, agora penso que Carlos vai ficar melhor

no orfanato.

Alda respirou fundo:

- Ainda bem. Fazendo isso evitar��o que eu passe por constrangimentos.

Jos�� Luiz, que assim como os outros estava muito constrangido, disse:

- Depois do resultado do habeas corpus vamos conversar a esse respeito.

- Tamb��m voltaremos para a cidade. O cheiro deste lugar est�� me

fazendo mal.

- Est�� bem, dona Alda...

Em seguida, colocou o bra��o sobre os ombros de Carlos, olhou para

Selma e Roberto e, sorrindo, disse;

- Fiquem tranquilos, ele vai ficar bem comigo.

- Obrigada, Jos�� Luiz. Voc�� sempre foi um grande amigo de Mario

Augusto e meu.

Antes de sair, Alda, ainda irritada, disse:

- Depois do almo��o, depois que Jos�� Luiz tirar voc��s daqui, iremos

183

As chances que a vida d��

embora. E se, depois que tudo terminar, voc�� quiser voltar para casa, as

portas estar��o abertas, mas s�� para voc��, Selma. Agora vou mandar Jo-

sias nos levar para um restaurante.

- Josias est�� aqui?

- Claro que est��. Como acha que chegamos at�� aqui?

- Posso conversar com ele, mam��e?

- Em um momento como este, voc�� quer conversar o que com um

motorista? Aonde voc�� chegou, Selma?

- N��o se preocupe, Selma. Vou conversar com o delegado e pedir

que autorize a entrada dele.

- N��o pode fazer isso, Jos�� Luiz! Ele �� meu empregado e n��o permito!

- Venha comigo, dona Alda. Permita que conversem. Isso em nada

vai prejudicar Selma.

- Est�� bem, vou acompanh��-lo, mas sob protesto! Selma, agora que

Jos�� Luiz est�� aqui n��o preciso mais ficar neste lugar. Depois do almo��o

irei embora e n��o voltarei aqui. N��o consigo suportar tanta humilha����o!

Feliz foi seu pai que morreu antes de ver o que est�� acontecendo! O que

voc�� fez com o nome da nossa fam��lia! Levarei esse menino comigo e fi-

carei com ele at�� que seja libertada e, se n��o for, verei o que fazer com ele!

- Vamos, dona Alda, e voc�� tamb��m, Carlos. Venha, vamos almo��ar.

- N��o quero sair daqui. N��o quero ir com essa mulher!

- Precisa se alimentar, filho, e precisa ir com sua av��. N��o pode ficar

sem um respons��vel. Jos�� Luiz, antes de minha m��e ir embora, pode

trazer Josias at�� aqui? Preciso conversar com ele e gostaria que Carlos

ouvisse a nossa conversa.

- Claro que vou fazer isso, Selma. Depois do almo��o vou ao f��rum e

acredito que consiga libert��-los e lev��-los para sua casa.

Selma sorriu:

- Obrigada mais uma vez.

- Deveria agradecer a mim, Selma! Sou eu quem est�� pagando os

honor��rios dele!

- Obrigada, mam��e, mas conseguiremos devolver tudo o que est��

gastando.

184

Elisa Masselli

- N��o precisa, Selma. Estou fazendo tudo isso em nome da nossa

amizade. Sei que Mario Augusto, onde estiver, est�� feliz por eu poder

ajud��-la. S�� preciso que fique bem.

Antes que Alda conseguisse dizer qualquer coisa, Jos�� Luiz colocou a

m��o no seu bra��o e levou-a para fora. Carlos permaneceu ali.

Assim que sa��ram, Selma desmoronou, sentou-se no ch��o da cela e co-

me��ou a chorar em solu��os. Roberto por entre as grades segurou sua m��o:

- Essa mulher �� horr��vel, Selma! N��o consigo acreditar que seja sua

m��e! Ela �� fria, n��o tem cora����o...

- Sei disso, mas o que mais me assusta �� que eu era igual a ela. Tam-

b��m agia e pensava como ela. Tinha a ilus��o de ser especial e superior

a tudo e a todos e que o dinheiro podia comprar tudo. Esse sentimento

me levou a praticar aquele crime e fez com que meu irm��o, que eu tanto

amava, morresse...

Alguns minutos depois, o policial voltou e trouxe ao seu lado Josias

que, assim que viu Selma, correu ao seu encontro.

- Menina! O que aconteceu com voc��? O que est�� fazendo aqui? Eu

pensei que estivesse tudo bem com voc��. A ��ltima vez que me escreveu

foi para contar que estava casada, feliz e que ia ter um filho. Por que nun-

ca mais me escreveu?

- Eu, com medo de que meu marido descobrisse quem eu era na

realidade, achei melhor n��o receber mais cartas suas. Perd��o, Josias...

- N��o se preocupe com isso. Mas por que est�� aqui, o que aconteceu?

- Foi tudo um engano, mas agora acredito que Jos�� Luiz vai poder

nos ajudar. Preciso que me fa��a mais um favor...

- Pode pedir. Sabe que farei qualquer coisa para que fique bem.

- Pedi �� minha m��e que viesse at�� aqui porque eu e meu marido

estamos presos e n��o temos com quem deixar nosso filho. Achei que ela,

depois de tudo que aconteceu, tinha mudado, mas percebi que isso n��o ��

verdade. Ela, apesar de tudo o que se passou e deve ter sofrido, continua

a mesma.

Ao ouvir aquilo, Josias olhou para Roberto.

- Esses s��o seu marido e seu filho, Selma?

185

As chances que a vida d��

- Sim e nos amamos muito.

- Fez uma boa escolha, mas acho que sua m��e n��o aprovou, n��o foi?

- Ela n��o aprovou, Josias. N��o sei como pude acreditar que tivesse

mudado. - Disse sorrindo.

- Estou ainda na sua casa e posso garantir que ela mudou, sim. Con-

tinua mantendo as apar��ncias quando est�� ao lado de outras pessoas, mas

alguma vezes eu a vi com os olhos vermelhos e inchados de tanto chorar.

- Verdade, Josias? Ela chora?

- Sim e muitas vezes.

- Mesmo assim, n��o quero que meu filho fique com ela. Ela j�� destruiu

a minha vida e a do meu irm��o, n��o quero que fa��a o mesmo com ele.

- Tem certeza de que foi ela a culpada de tudo? Ela n��o criou Arlete,

e foi ela quem tomou aquela atitude tresloucada.

- Arlete e Flora foram criadas da mesma maneira que eu e meu ir-

m��o. Arlete tamb��m achava que podia ter tudo o que queria.

- Mas voc��, depois daquilo, deu um novo rumo para sua vida. Est��

casada, vivendo aqui nesta cidade e, pelas roupas que est�� vestindo, calculo

que de uma maneira que nada tem a ver com aquela que vivia. Voc��, em-

bora n��o tenha tido culpa de coisa alguma, reagiu e se tornou outra pessoa.

Ao ouvir aquilo, Selma olhou para Roberto que, calado, baixou a cabe��a.

- Eu tive toda a culpa, Josias. Embora nunca tenha imaginado que

aquilo pudesse acontecer, fui eu que planejei tudo.

- O que est�� dizendo, Flora?

Entre l��grimas, ela contou tudo o que havia acontecido. E terminou

dizendo:

- Como pode ver at�� voc�� eu usei, Josias. Sempre levei voc�� para

poder convencer Matilde a fazer o que eu queria.

- Era meu trabalho e sempre levei voc��s para onde queriam ir.

- Bem, de qualquer maneira, como pode ver, embora eu n��o tenha

dado os tiros, fui a ��nica culpada.

- N��o podia ter feito isso, Selma!

- Hoje sei que n��o podia, Josias. Mas, naquele tempo, achei normal.

Eu queria impedir o casamento de meu irm��o.

186

Elisa Masselli

- Quando voc�� me pediu o endere��o de Etelvina e depois foi em-

bora, imaginei que fosse pela dor e tristeza pela morte do seu irm��o,

nunca por isso.

- Foi por isso, Josias. Eu n��o suportei e nem suporto a culpa e o

medo de ser presa. Os tr��s morreram, sim, por minha causa.

- Agora tudo passou, voc�� �� outra pessoa. Renunciou a tudo o que

tinha para viver uma vida modesta. - Josias disse, passando a m��o por

seus cabelos num gesto carinhoso.

- Mas como pode ver, nada passou. O passado sempre volta para nos

assombrar. Acredito que, enquanto tudo n��o for esclarecido, n��o terei

paz. Hoje, estou sendo v��tima das mesmas armadilhas que usei...

- Nisso voc�� est�� certa, Selma. Colhemos sempre o que plantamos.

Por��m, a dor, a maldade e o sofrimento passam e sempre teremos opor-

tunidades de nos redimir de erros que praticamos. Acredito que tenha se

arrependido, mesmo assim precisa pagar pelo que fez.

- Estou pronta para isso. Preciso que me ajude.

- Pode pedir.

- Poderia cuidar do meu filho enquanto estivermos aqui?

- Bem que eu gostaria, mas n��o tem como. Eu me casei, tenho duas

meninas, mas continuo morando na casa de sua m��e. N��o teria como eu

levar o seu menino sem que ela ficasse sabendo.

- Eu havia me esquecido disso, n��o tem mesmo como voc�� me

ajudar; mesmo assim, acho que pode fazer algo por mim.

- O qu��?

- Enquanto Carlos estiver com minha m��e, pode dar aten����o e ele,

ocupar seu tempo para que permane��a o m��nimo poss��vel ao lado dela?

N��o quero que ele sofra discrimina����o alguma.

Josias olhou para Carlos e, sorrindo, disse:

- Isso eu posso fazer, pode ficar tranquila. N��o vou tirar os olhos

desse menino.

- Obrigada, Josias. E que Deus aben��oe voc�� e toda sua fam��lia!

- N��o tem o que agradecer, Selma. Somos amigos, n��o somos?

Ela sorriu e ele continuou falando:

187

As chances que a vida d��

- Falando em Deus, voc�� sabe que Ele �� nosso Pai e Criador e que

nunca nos abandona? Ele nos deu o livre-arb��trio para que escolh��sse-

mos a vida que quer��amos ter e como viv��-la. Voc�� n��o nasceu rica para

ser m��; pelo contr��rio: com tanto dinheiro, poderia ter feito muito bem

a muitas pessoas. Estamos aqui, vivendo a vida que pedimos. Voc��, tal-

vez, n��o precisasse passar pelo que est�� passando, mas usou o seu livre-

arb��trio, fez suas escolhas e precisa arcar com o resultado dessas escolhas.

- O que est�� falando, Josias? Acha que eu escolhi essa vida, que eu

quis fazer o que fiz? Embora n��o quisesse, ainda culpo minha m��e por

ela ter me tornado a pessoa m�� que era!

- Para voc�� fica mais f��cil culpar sua m��e, mas n��o �� verdade. Seu

irm��o foi criado da mesma maneira e nunca foi mau, sempre foi um

menino muito bom. A bondade e a maldade n��o dependem dos outros.

Nascemos bons ou ruins e podemos fazer nossas escolhas. Para isso Deus

permitiu que renasc��ssemos.

- Renascemos? O que est�� dizendo, Josias?

- Aprendi isso com a doutrina que sigo e em alguns livros que li.

Quando nascemos, estamos tendo a chance, mais uma vez, de nos reen-

contrarmos com amigos e inimigos e de nos perdoarmos mutuamente.

Voc�� teve o momento de escolha e escolheu. Certas ou erradas, foram

suas escolhas. Se quiser, tenho no carro alguns livros e posso dar a voc��

para que leia. Talvez n��o consiga fazer isso aqui, mas leve para sua casa e,

quando chegar a hora, eles estar��o l��. Leia e tente entender o que est�� se

passando com voc��s. Voc�� quer?

Ela n��o sentia vontade alguma de ler algum livro, menos ainda sobre

religi��o, mas, para n��o magoar o amigo que demonstrava tanta vontade

de ajudar, respondeu:

- Quero, sim, Josias, obrigada!

Ele sorriu e saiu. Ela olhou para Roberto:

- Ele sempre foi meu amigo, desde que eu era crian��a, Roberto, e

mesmo nas minhas malcria����es sempre me perdoou.

- Tamb��m achei que �� uma boa pessoa.

- Ele �� sim. Foi o respons��vel pela minha vinda a esta cidade, o que

188

Elisa Masselli

me deu a oportunidade de conhecer voc�� e ter Carlos. Tomara que Jos��

Luiz consiga nos libertar, pois n��o sei o que faremos com nosso filho.

N��o suporto a ideia de ficar longe dele, ainda mais sabendo que ele est��

ao lado de minha m��e...

- De uma coisa tenho certeza: n��o quero que ele v�� morar com sua

m��e, n��o quero!

- Nem eu, Roberto, nem eu; mas n��o h�� outra solu����o. N��o quero

que ele v�� para um orfanato...

Carlos, embora n��o quisesse ir com a av��, entendeu que n��o havia

outra solu����o.

Josias, colocando o bra��o sobre o ombro de Carlos, disse:

- Agora vamos almo��ar, voc�� deve estar morto de fome!

O menino olhou para os pais:

- Desculpem, mas estou com fome mesmo!

Selma e Roberto sorriram. Ela disse:

- V�� almo��ar, filho. Ficaremos aqui, pode ter certeza...

Eles sa��am, e Selma e Roberto, por tr��s das grades, ficaram de m��os

dadas.

189



Ajuda necess��ria

Mario Augusto e Matilde, que estiveram ali ao lado deles durante

todo o tempo, olharam-se e sorriram.

- Ainda bem, Mario Augusto, que Selma se arrependeu e entendeu

que ningu��m �� superior a ningu��m, embora s�� tenha acontecido depois

de toda trag��dia.

- Mesmo que s�� tenha acontecido por for��a da trag��dia, estou feliz por

isso, Matilde. Ela, assim como n��s, esqueceu-se de tudo o que havia pro-

metido antes de renascer, embora tenha tido a presen��a de Etelvina para

ajud��-la a se modificar. Embora minha m��e tenha obrigado Etelvina a se

afastar de Selma, elas ainda se reencontraram, e Selma, ao lado de Etelvina,

conseguiu recome��ar sua vida. Etelvina est�� ao seu lado h�� muito tempo.

- Verdade, Mario Augusto; por��m, ainda �� tempo at�� para que dona

Alda tamb��m entenda o engano que a ilus��o do poder e do dinheiro

pode causar.

- Esse �� o meu desejo, Matilde, fazer com que minha m��e entenda

isso. O que voc�� sentiu quando descobriu o que Selma havia feito com

voc�� e com n��s tr��s?

190

Elisa Masselli

- Quando acordei deste lado, n��o entendi o que havia acontecido.

Acordei em um quarto desconhecido. Fiquei olhando por todo ele, sem

imaginar que lugar era aquele. As paredes pintadas em um azul bem claro,

parecia at�� um quarto de beb��. Havia um arm��rio branco e um pequeno

sof�� tamb��m azul. Atrav��s da janela, que estava aberta, pude ver que o dia

estava brilhante e lindo. Embora o ambiente fosse de paz, comecei a ficar

preocupada e curiosa. Sentei-me na cama e continuei olhando tudo, quan-

do uma senhora entrou. Ela tinha o rosto calmo e feliz:

- Bom dia, Matilde. Precisa se levantar. Esteve dormindo por muito tempo.

- Ainda assustada e curiosa, perguntei:

- Que lugar �� este? Onde estou e quem �� a senhora?

- N��o se preocupe com isso. Logo lembrar�� tudo o que aconteceu.

- Tudo o que aconteceu, me lembrar? Do que est�� falando?

- Acalme-se, est�� tudo bem. Agora, vou ajudar voc�� a se levantar. Vai

tomar um banho, trocar de roupa e, depois, vamos passear no jardim. Voc��

precisa respirar ar puro e tomar sol, est�� muito p��lida.

- Ao ouvir aquilo, olhei para um espelho que havia em frente �� cama

e, realmente, tive de concordar com ela, estava p��lida mesmo. Ela me

ajudou a descer da cama. Abriu uma porta e pude ver um banheiro ma-

ravilhoso, uma banheira cheia de ��gua. Na resisti e coloquei a m��o para

ver se estava quente. Al��m do calor, assim que coloquei a m��o comecei

a sentir um aroma doce que sa��a da ��gua. Fiquei deslumbrada com tudo

aquilo. Ainda muito curiosa, voltei a perguntar:

- Que lugar �� este?

- J�� disse para voc�� n��o se preocupar. Logo se lembrar�� de tudo.

- Eu estava curiosa, sim, mas com uma vontade enorme de tomar

um banho naquela ��gua perfumada. A senhora, sorrindo, disse:

- Agora vou sair para que possa tirar o pijama e entrar na banheira.

- S�� naquele momento foi que olhei e vi que estava vestindo um

pijama claro, quase branco. Logo que ela saiu, tirei o pijama, entrei na

banheira e fiquei ali, deitada, apenas aproveitando aquele momento. N��o

tenho ideia de quanto tempo fiquei ali. A senhora voltou:

- Pronto, agora j�� pode sair. J�� deve ter se acalmado.

191

As chances que a vida d��

- Tem raz��o. Embora curiosa e um pouco assustada, estou mais cal-

ma. S�� preciso saber que lugar �� este e quem �� a senhora.

- Ela sorriu, colocou uma toalha sobre uma banqueta que havia ali:

- Aqui est�� a toalha e a roupa que vai usar durante o tempo em que

ficar aqui. Agora, vou sair para que voc�� possa se secar e vestir esta roupa.

Logo mais eu volto e poderemos ir ao jardim.

- Ela saiu e eu me levantei, sa�� da banheira e me sequei. Em seguida,

peguei a roupa que ela havia deixado e, s�� a��, vi que se tratava de um ves-

tido longo, de um tecido macio e, tamb��m, azul, o que me fez rir e pensar:

Ser�� que tudo aqui �� azul?

- Logo depois, ela voltou:

- Agora que est�� pronta e linda, podemos ir at�� o jardim e, se quiser,

poder�� tomar caf��.

- Eu, embora ainda preocupada, estava encantada com aquele lugar

e como estava sendo tratada. Quando sa��mos, o meu encantamento au-

mentou. O jardim era lindo, com flores e folhagens lindas que eu nunca

tinha visto. Admirada, eu disse:

- Nossa! Aqui �� lindo, parece que estou no c��u!

- Ela, rindo, disse:

- Posso garantir que n��o �� o c��u.

- N��o entendi o que ela quis dizer, mas n��o me importei. Naquele mo-

mento, eu estava inebriada com tanta beleza. Come��amos a andar e che-

gamos a uma mesa que estava colocada para o caf��, com tudo o que voc��

possa imaginar. Ela apontou uma cadeira. Assim que me sentei, perguntei:

- Agora que estamos aqui, a senhora vai responder as minhas pergun-

tas? Que lugar �� este e quem �� a senhora?

- Ela, ainda com toda sua calma, perguntou:

- Olhe bem para mim, n��o est�� me reconhecendo?

- Eu, admirada com aquela pergunta, olhei bem para ela, mas n��o

consegui reconhec��-la.

- Estou tentando, mas n��o consigo me lembrar de algum dia ter visto





a senhora...


- Voc�� se lembra do que aconteceu no dia em que encontrou, em uma

192

Elisa Masselli

gaveta, uma fotografia e perguntou �� sua m��e quem eram as pessoas que

estavam nela?

- Naquele momento, me lembrei daquele dia e do que aconteceu:

- Lembro-me quando perguntei e minha m��e respondeu:

- Essa jovem que est�� ao lado sou eu. Essa senhora �� minha m��e, sua

av��, essa menina �� voc�� com tr��s ou quatro anos. Voc�� se lembra da sua

av��? Ela morreu alguns meses depois que tiramos essa fotografia. Ela foi

uma mulher, m��e e av�� maravilhosa.

- Quando minha m��e perguntou, fiquei pensando mas n��o consegui

me lembrar da minha av��. Depois, olhei para ela atentamente e, como se

fosse um filme, me lembrei de passear com ela pela pra��a que havia perto

da minha casa. Ao me lembrar, me levantei e quase gritei:

- A senhora �� a minha av��?

- Ela, rindo, levantou-se e abriu os bra��os. Eu, emocionada, me abra-

cei a ela. Ficamos assim por muito tempo. Enquanto ficamos abra��adas,

apareceram, na minha mente, imagens de quando eu era crian��a em que

eu estava no colo dela, est��vamos passeando de m��os dadas ou brinc��va-

mos com minha boneca. Depois que nos separamos eu disse:

- Como n��o reconheci a senhora? Agora me lembro que est��vamos





sempre juntas.


- �� verdade, sua m��e precisava trabalhar e era eu quem cuidava de

voc�� e de seus irm��os.

- Ela fez com que eu me sentasse novamente. Ainda confusa com o

que estava acontecendo, eu disse:

- Estou feliz em reencontrar a senhora e n��o me conformo de n��o t��-la





reconhecido.


- N��o fique preocupada em n��o ter me reconhecido, Matilde. Voc�� n��o

poderia se lembrar de mim, era muito pequena.

- Mas como estou me lembrando agora?

- Agora, voc�� est�� aqui, um lugar cujas energias s��o leves e o esp��rito

fica mais livre e, assim, poder�� se lembrar de tudo o que aconteceu.

- N��o entendi o que ela falou, Mario Augusto; mas n��o me importei,

pois estava com muitas d��vidas e precisava de respostas:

193

As chances que a vida d��

- Estou feliz por estar com a senhora, s�� n��o estou entendendo uma coisa.

- Que coisa?

- Minha m��e disse que a senhora tinha morrido; se isso aconteceu,

como est�� aqui e por que ficou escondida durante todo esse tempo?

- Ela n��o se conteve e come��ou a rir.

- Sua m��e falou a verdade; por��m, eu nunca me escondi.

- Como n��o se escondeu? Disse a todos que tinha morrido!

- Eu n��o disse, Matilde, eu morri.

- Como morreu? A senhora est�� aqui, bem viva na minha frente!

Como isso pode acontecer?

- Simplesmente porque a morte n��o existe, �� apenas uma mudan��a





de plano.


- N��o estou entendendo. O que est�� querendo dizer? Como a morte

n��o existe? De que mudan��a de plano est�� falando?

- Fiquei muito triste quando descobri que estava com uma doen��a

terminal. N��o que tivesse medo da morte, mas por ter de deixar voc��s.

Eu os amava e ainda amo muito. Quando cheguei aqui, me falaram da

necessidade que tive de voltar para que sua m��e e voc��s pudessem continuar

suas vidas e cumprir tudo o que haviam planejado. Quando cheguei aqui,

tamb��m fiquei surpresa ao ver como voc�� est��.

- Ao ouvir aquilo, Mario Augusto, parei e, em seguida, disse qua-

se gritando:

- Espere um pouco, se a senhora est�� morta e eu estou aqui, est�� dizen-

do que tamb��m estou morta?

- Ela sorriu e acenou com a cabe��a, dizendo que sim. Entrei em p��nico:

- N��o pode ser, eu n��o estou morta! Estou aqui sentindo, vendo o meu

corpo, e conversando com a senhora! Como posso estar morta?

- Voc�� est�� sentindo e vendo seu corpo, mas ele n��o existe mais, Matilde.

- Est�� dizendo que sou um fantasma?

- Ela segurou minha m��o e, ainda sorrindo, disse:

- Se voc�� fosse vista por aqueles que ainda est��o na Terra, com certeza





diriam que viram um fantasma.


- Senti meu corpo estremecer, Mario Augusto. Foi uma sensa����o

194

Elisa Masselli

estranha. Comecei a chorar sem conseguir parar. Ela me abra��ou, e pas-

sando a m��o pelos meus cabelos, disse:

- Pode chorar. Isso acontece com todos que chegam aqui, ainda mais

com aqueles que n��o conhecem ou nunca se interessaram em saber a res-

peito da vida ap��s a morte. Logo mais, voc�� vai ficar bem.

- Eu fiquei desesperada e, agora, abra��ada a ela, gritei:

- Eu n��o posso estar morta! Sou muito jovem e tenho muitos planos

para o futuro! Quero ser professora e estudar muito para poder ficar rica

e, assim, dar uma boa vida para minha m��e e meus irm��os! Isso que a

senhora est�� dizendo n��o pode ser verdade! Tenho muito que fazer!

- Tudo o que sonhou e planejou, Matilde, ficou para tr��s. Sua vida,

agora, �� aqui. Garanto que por aqui h�� muito o que fazer.

- O que vou fazer agora?

- Vai continuar vivendo e escolhendo o caminho que quer seguir. Seu

esp��rito, agora, est�� livre para trabalhar pelo seu aperfei��oamento e de to-

dos os que continuam caminhando ao seu lado.

- Eu n��o estava entendendo e aceitando o que ela estava dizendo,

Mario Augusto. Chorei por mais algum tempo, depois parei e disse:

- N��o me lembro do que aconteceu e como morri, s�� que estava no

baile, linda e muito feliz.

- Ela se afastou de mim e, olhando em meus olhos, contou tudo o

que havia acontecido naquela noite e como eu, Arlete e voc�� hav��amos

morrido. Fiquei desesperada:

- Arlete me matou, matou Mario Augusto e se matou tamb��m? N��o pode

ser! Como chegou a esse ponto, vov��? Era apenas uma brincadeira de Selma!

- A brincadeira tomou uma propor����o inesperada, Matilde. Tudo saiu





do controle.


- O que aconteceu com Selma? Foi ela quem planejou tudo!

- Nada aconteceu com ela. Depois daquela noite, Selma mudou ra-

dicalmente. Hoje �� uma pessoa totalmente diferente daquela que voc��

conheceu. Est�� casada e tem um filho pequeno.

- Ela mudou? Como assim mudou, vov��?

- Aquela trag��dia, embora tenha sido planejada por ela, fez com

195

As chances que a vida d��

que come��asse a ver a vida de uma maneira totalmente diferente. Sofreu

muito e fugiu para uma cidade do interior. L�� conheceu Roberto, se ca-

sou e teve um menino. Est�� vivendo tranquila. N��o com todo o luxo que

tinha, mas tranquila. Hoje dedica seu tempo para ajudar meninas que

est��o no orfanato. Com isso, mesmo que n��o saiba, est�� se redimindo.

- Como pode estar vivendo uma vida tranquila, vov��? Ela �� uma

assassina! A senhora disse que ela se casou e que tem um filho. Quanto

tempo faz que estou aqui?

- J �� faz alguns anos.

- Alguns anos? Como pode ser se acabei de acordar?

- Quando voc�� chegou estava muito confusa e assustada. Foi levada

para o hospital onde recebeu o primeiro tratamento. Quando acordou, ain-

da estava nervosa, e as vibra����es que vinham da Terra mais pioravam a

sua situa����o, por isso resolvemos que o melhor seria que continuasse dor-

mindo, at�� que tudo se acalmasse e voc�� pudesse se lembrar de tudo o que

aconteceu, entendesse e aceitasse.

- Entender, aceitar? Como? Selma destruiu a minha vida, todos os meus

sonhos! Ela devia estar presa ou ter morrido, como aconteceu com n��s tr��s!

- Voc�� n��o deve se preocupar com o que est�� acontecendo com Selma

ou o que venha a acontecer, Matilde. Precisa aceitar o que aconteceu e

continuar vivendo aqui, estudando e aprendendo. O nosso principal foco

deve ser a evolu����o espiritual. Cada um tem seu livre-arb��trio e por ele ��

respons��vel. Por isso, todos sempre colher��o de acordo com o que plantou.

- Como n��o me preocupar? Ela est�� livre e feliz, mesmo depois de ter

matado n��s tr��s? Ela destruiu a nossa vida! Minha m��e e meus irm��os

devem ter ficado desesperados! Preciso ir at�� l�� para ver como est��o!

- Ainda n��o pode, Matilde. Est�� com as energias fracas e precisa se





fortalecer.


- Estou me sentindo muito bem!

- Porque est�� aqui, mas na Terra as energias s��o densas e pesadas. Se

voc�� for agora poder�� se sentir muito mal, at�� se perder e n��o encontrar

mais o caminho de volta. Tenha paci��ncia, logo mais poder�� ir. Se insistir

em sair daqui, nada poderemos fazer para impedir, pois voc�� tamb��m tem

196

Elisa Masselli

seu livre-arb��trio, mas pense bem.

- Eu quero ir at�� a minha casa, preciso ver como minha m��e est��!

- Ela est�� sendo atendida por seu pai e, logo mais, vou para l�� tam-

b��m. Fique tranquila, em momento algum ela ficou sozinha, tudo o que

tiver de acontecer acontecer�� e todos ter��o a oportunidade de exercer o

perd��o, pois s�� assim poder��o continuar no aprendizado e na reden����o.

- Eu at�� que desejo ficar em paz, mas n��o consigo, ao menos at�� que





possa encontrar Selma.


- Isso acontecer�� no momento certo, Matilde, tenha paci��ncia.

- Onde est��o Arlete e Mario Augusto? Eles sabem o que aconteceu?

- Sim, sabem. Eles tamb��m chegaram confusos e assustados e tiveram

o mesmo tratamento que voc��. Quando Mario Augusto acordou, alguns

meses depois do acontecido, explicamos tudo a ele, que demorou um pouco

para entender e aceitar. Depois de muito conversarmos, entendeu e aceitou

e est�� trabalhando na recep����o dos que chegam...

- Mario Augusto est�� bem? N��o se revoltou?

- A princ��pio, sim, mas depois foi entendendo que tudo est�� sempre

certo e agora est�� bem. Veio aqui v��rias vezes para ver como voc�� estava.

Est�� muito preocupado com Arlete.

- Por qu��? Onde ela est��?

- Assim que ela deu o tiro que a levou �� morte, foi retirada do corpo,

com viol��ncia, por esp��ritos que ela, com seu temperamento ciumento e

violento, atraiu e que, por isso, estiveram ao seu lado durante muito tempo.

- Voc��s permitiram? Nada fizeram para impedir?

- Claro que tentamos, mas ela estava muito envolvida com eles, e tam-

b��m ao se suicidar e assassinar voc��s criou �� sua volta uma n��voa densa

que impediu que nos aproxim��ssemos. Ela estava totalmente �� merc�� de-

les. Ficamos acompanhando de longe, e muito tristes ao ver que ela, ap��s

saber o que havia acontecido, reagiu com ��dio e desejo de vingan��a. Nada

pudemos fazer, pois o livre-arb��trio pertence a cada um. Desde ent��o, tem

procurado por Selma. Estamos �� dist��ncia, acompanhando tudo o que ela

faz, tentando enviar boas energias e esperando o momento em que ela en-

tenda que est�� perdendo um tempo valioso e, assim, pe��a ajuda. Quando

197

As chances que a vida d��

isso acontecer, estaremos prontos e preparados para resgat��-la.

- Fiquei revoltada, Mario Augusto, e quase gritei, furiosa:

- Voc��s n��o poderiam ter abandonado Arlete, vov��, ela teve raz��o. Sel-

ma destruiu as nossas vidas! Ela nos matou! Arlete deve ter ficado furiosa!

- Sim, Matilde, Arlete ficou furiosa, mas devia saber que n��o podia

ter feito o que fez. Todos n��s sabemos diferenciar o certo do errado, e todos

sabem que tirar a vida nossa ou de outras pessoas nunca foi certo e nunca

ser��. O ��dio, o ci��me e a f��ria s��o sentimentos que, embora fa��am parte de

todos n��s, precisam ser evitados ou banidos.

- Entendo isso, vov��. Mas Selma, depois de tudo o que fez, est�� impu-

ne! Ela n��o respondeu por aquilo que fez! Ela n��o atirou, mas levou Arlete

afazer essa loucura! Ela n��o pode ficar sem pagar!

- Ningu��m fica impune, Matilde. Todos n��s temos o nosso livre-arbi-

trio e teremos de responder por ele. Selma, que aparentemente est�� impune,

no devido momento ter�� de responder pelo que fez, mas n��o cabe a voc��s

buscarem vingan��a. A estrada da vingan��a �� longa e s�� pode levar o vinga-





dor a um abismo profundo.


- Onde Arlete est��?

- Juntou-se a outros que tamb��m buscam vingan��a e est�� vagando

com eles, sem ter um minuto de paz. Precisa de nossa ajuda, mas, en-

quanto n��o descobrir isso, nada poderemos fazer. O tempo �� todo dela; a

n��s s�� resta esperar.

- Tamb��m quero me vingar dela, vov��! Tamb��m quero procurar por

ela! Ela n��o pode estar casada e feliz!

- Conversei com voc�� at�� agora para que entenda que tentar se vin-

gar n��o vai acrescentar coisa alguma �� sua vida espiritual. Voc�� tem duas

op����es: ficar como Arlete, vagando em busca de vingan��a, ou entregar o

futuro de Selma nas m��os de Deus e continuar aprendendo e ajudando a





todos os que aqui chegam.


- N��o sei o que fazer...

- Quando n��o sabemos o que fazer, o melhor �� ficarmos parados. Es-

pere mais um pouco e, se quiser, procure alguma atividade em que possa

ajudar. Garanto a voc�� que por aqui h�� muito o que fazer. Depois disso, se

198

Elisa Masselli

achar que ainda precisa se vingar de Selma, o livre-arb��trio ser�� sempre seu.

- N��o estou em condi����es de ajudar ningu��m, sou eu que precisa de ajuda!

- Est�� bem, embora sempre tenhamos condi����es de ajudar. Pense bem

em tudo o que eu falei e, quando decidir o que fazer, basta me comunicar.

- Diante do que ela falou, Mario Augusto, fiquei pensando. Eu estava

com muita raiva de Selma, mas tinha medo de me aventurar e ficar va-

gando sem destino. Aqui, ao menos, eu estava protegida, mas n��o tinha

inten����o de ajudar em qualquer coisa. Disse isso �� minha av��, que sor-

rindo me abra��ou e falou:

- Preciso sair. Tenho um trabalho importante para fazer. Quando de-

cidir o que quer fazer, me avise. Estarei esperando.

- Ela saiu e eu fiquei ali me lembrando de tudo o que aconteceu.

Quando me lembrei de todo o trabalho que Selma teve para me conven-

cer a ajud��-la, fiquei com muita raiva de n��o ter percebido que ela, ao me

procurar depois de tanto tempo ap��s a formatura, deveria estar traman-

do alguma coisa. Por��m, fiquei t��o feliz por poder voltar a frequentar os

mesmos lugares que elas, as festas, que n��o parei para pensar.

- N��o poderia saber, Matilde.

- Eu sabia pois as conhecia, Mario Augusto. Sabia como elas agiam

quando queriam alguma coisa. Selma, especialmente, sempre teve tudo

o que queria e da maneira que queria e, por incr��vel que pare��a, sempre

a admirei por isso.

- �� verdade, Matilde. Selma, desde que era bem pequena, sempre

conseguiu o que quis. Quando fui para o col��gio interno ela ainda era

uma crian��a e, por isso, n��o convivemos muito. Sempre que eu voltava

para casa, por poucos dias, ela fazia tudo para me agradar. Para mim, ela

sempre foi perfeita, at�� o ci��me que sentia por Arlete me parecia normal.

- Hoje sei que o ci��me �� um sentimento que todos t��m mas que pre-

cisa ter um limite, n��o pode ser possessivo.

- Verdade, Matilde. O ci��me traz o apego e nos julgamos donos do

outro, quando isso n��o �� verdade. Todos somos livres e n��o pertencemos

a ningu��m.

- Quando tomei conhecimento de tudo o que aconteceu, me lembrei

199

As chances que a vida d��

do ci��me doentio de Arlete e Selma para com voc��. As duas queriam

decidir a sua vida, Mario Augusto. Com muito ��dio, lembrei-me das v��-

rias vezes que minha m��e havia me alertado contra elas; mas eu, iludida

pela vida de luxo que elas tinham e querendo ter e ser igual a elas, nun-

ca dei aten����o �� minha m��e e me deixei levar. Depois daquele dia em

que conversei com minha av��, fiquei por muito tempo com muita raiva,

sem aceitar que eu tamb��m tinha minha parcela de culpa. Embora es-

tivesse com medo de me aventurar, s�� queria me vingar. Fiquei o tempo

todo me martirizando e procurando alguma maneira de me vingar de

Selma. Um dia em que eu estava, como sempre, quieta e somente ten-

tando encontrar uma maneira de me vingar, P��ricles se aproximou. Eu

j�� o conhecia, pois foi ele a primeira pessoa que vi ao acordar no hospi-

tal. Depois, fiquei sabendo que ele era m��dico e atendia a todos os que

chegavam e precisavam ir para o hospital. Ele se aproximou. Eu estava

calada, distante, e nem olhei pra ele:

- Como voc�� est��, Matilde?

- Sem me mover ou sequer levantar os olhos, n��o respondi. P��ricles,

parecendo n��o ligar para o meu comportamento, voltou a perguntar:

- Como voc�� est��, Matilde?

- Vendo que n��o iria embora enquanto eu n��o respondesse, olhei

para ele e respondi:

- Estou bem.

- N��o me parece que est�� bem. Fica sempre aqui, parada e calada. N��o

participa da vida de todos. Est�� sendo bem tratada, precisa de alguma coisa?

- N��o tenho do que reclamar. Todos me tratam muito bem, s�� que...

- S�� que o que, Matilde?

- Apesar de ter sido muito bem acolhida, me sinto uma prisioneira.

N��o posso ir para onde, realmente, eu queria.

- Para onde voc�� quer ir?

- Quero ver o que aconteceu com Selma!

- Por que e para que, Matilde?

- Como por que, P��ricles? Eu a odeio e espero que ela seja presa, e

quando ela chegar aqui eu estarei esperando pra me vingar! Ela est�� presa?

200

Elisa Masselli

- Sua av�� j�� disse que Selma n��o est�� presa. Daquele dia em que con-

versaram at�� hoje nada mudou. Depois que tudo aquilo aconteceu, ela foi

para uma cidade do interior, se casou e acaba de ter um filho.

- Fiquei com mais raiva do que j�� estava e perguntei, gritando:

- Est�� bem, se casou e teve um filho? Como isso p��de acontecer, P��ri-

cles? Ela planejou e fez com que Arlete cometesse aquela loucura! Por que

ela n��o est�� presa?

- A pol��cia n��o conseguiu provas e nem levou em considera����o a pos-

s��vel culpa dela, Arlete.

- Como n��o? Foi ela quem me enganou e planejou tudo!

- Ela planejou, mas n��o apertou o gatilho.

- Mas foi ela que nos envolveu a todos com suas mentiras! Fez com que

Arlete matasse a mim, ao Mario Augusto e depois desse fim �� pr��pria vida!

Como a pol��cia n��o a investigou? N��o h�� justi��a na Terra?

- Na Terra pode n��o ter; mas aqui, um dia, em algum momento, ela

ter�� de responder. Por��m, esse ��dio que est�� sentindo n��o est�� atingindo

Selma. A ��nica prejudicada por ele �� voc�� mesma...

- Como prejudicada? Estou bem aqui no meu canto. N��o estou sentin-





do dor alguma.


- Est�� bem aqui no seu canto, por��m est�� fugindo da verdade e n��o

consegue fazer coisa alguma para poder se melhorar espiritualmente. Ficar

parada sem nada fazer n��o �� crescimento, Matilde.

- N��o tenho e n��o vou fazer coisa alguma enquanto n��o me vingar de

Selma! Enquanto n��o souber que ela est�� queimando no fogo do inferno!

- O c��u e o inferno est��o dentro de cada um. Voc��, neste momento, est��

vivendo um inferno. Est�� cheia de ��dio, o que faz com que sofra muito, e s��

h�� uma maneira de se livrar desse sofrimento, desse inferno.

- Eu n��o quero me livrar desse ��dio; pelo contr��rio, a cada dia que

passa ele aumenta mais!

- Enquanto voc�� odeia, fica nervosa e inquieta, Selma est�� vivendo sua vida.

- Falando assim, voc�� faz com que eu fique com mais ��dio, P��ricles!

- Pode ficar com mais ��dio, mas �� a verdade. Enquanto voc�� perde um

tempo enorme, ela est�� se regenerando e conseguindo crescer espiritual-

201

As chances que a vida d��

mente. Coisa que voc�� tamb��m, se quiser, pode fazer. N��o perca mais tem-

po, Matilde. Volte a viver. Ficar aqui sofrendo, se magoando e imaginando

uma maneira de se vingar vai te levar a uma depress��o que, por sinal, j��

est�� come��ando, eu diria at�� que est�� bem adiantada.

- Eu n��o acreditei no que ouvi, Mario Augusto, e, mesmo sem que-

rer, comecei a rir:

- Depress��o? Como posso estar em depress��o, P��ricles? Estou morta!

- Assim como na Terra ou em qualquer outro lugar, existem mui-

tos esp��ritos em depress��o. Alguns j�� chegam aqui depressivos; outros,

assim como voc��, a adquirem aqui. Tanto em um caso como no outro,

a depress��o pode causar muita dor e pode levar a momentos cada vez

piores. Voc�� ainda tem tempo para se modificar, esquecer o que Selma

fez e continuar seu aprendizado, e a melhor forma �� come��ando a ajudar

aqueles que precisam.

- Como posso esquecer o que Selma fez, P��ricles? Ela destruiu os meus

sonhos e tudo o que planejei para minha vidai Ela me matou!

- A nossa tend��ncia sempre foi e ainda ser�� a de colocarmos a culpa

do mal que nos acontece em outras pessoas, quando, na realidade, a culpa

sempre �� nossa mesmo.

- Est�� dizendo que eu sou a culpada por tudo o que aconteceu? Foi ela

quem me matou!

- N��o existem inocentes, Matilde. Desde a nossa cria����o, vamos apren-

dendo a distinguir o que �� certo e o que �� errado e que precisamos sempre tentar

somente fazer o certo. Por��m, nem sempre isso acontece. Voc�� disse que Selma

a enganou. Ser�� que ela a enganou mesmo ou foi voc�� quem se deixou enganar

na ilus��o de ser igual e ter uma vida como a dela de luxo e de riqueza?

- N��o tive o que falar, Mario Augusto. Ele tinha raz��o. Eu sempre

soube que elas me usavam, mesmo assim continuei ao lado delas, pois

era o que eu mais queria: ser igual e ter a vida delas.

- Ele foi bem claro ao fazer essa pergunta, Matilde. Voc�� n��o tinha

mesmo nada a falar.

- Verdade, Mario Augusto. Depois que P��ricles fez a pergunta, ficou

me olhando, esperando o que eu tinha a dizer. Percebendo que eu n��o

202

Elisa Masselli

tinha o que falar, ele abriu os bra��os e eu me aconcheguei e chorei muito.

Depois de algum tempo abra��ados ele se afastou e disse:

- Isso n��o quer dizer que elas agiram certo, menos ainda Selma. Mas

voc�� n��o deve nem pode perder tempo com isso. Precisa continuar a sua

caminhada e tem muito afazer. Na hora certa, tudo isso vai ser esclarecido

e cada um colher�� de acordo com o que plantou.

- Obrigada por suas palavras, P��ricles. Eu precisava mesmo ouvir isso.

- Que bom que entendeu. Agora, o que deseja fazer? Vai continuar

aqui no seu canto?

- N��o, P��ricles. Gostaria de saber onde est�� meu pai! Ele est�� aqui?

Posso v��-lo?

- Ele vive aqui, mas no momento n��o est��. Desde que voc�� voltou, ele

foi para sua casa ficar ao lado de sua m��e. Ela ainda sofre muito e n��o se

conforma com sua morte. Sua dor e seu sofrimento s�� n��o atingiram voc��

porque n��s a protegemos.

- Ela ainda est�� sofrendo, mas se passaram tantos anos...

- Os anos passaram para voc�� tamb��m, e at�� h�� pouco ainda estava

revoltada. - P��ricles disse rindo.

- Eu tamb��m ri, Mario Augusto. Ele tinha raz��o. Ent��o, perguntei:

- Agora que estou bem, gostaria muito de ir at�� a minha casa, ver mi-

nha m��e e meus irm��os. Posso, P��ricles?

- Por enquanto, ainda n��o pode ir at�� l��, Matilde. Primeiro precisa se





fortalecer.


- Estou bem, P��ricles! Confesso que n��o estava, mas agora estou e me

sinto pronta para ir �� minha casa. Sinto que minha m��e precisa de mim.

- Precisa ficar mais algum tempo aqui. Sua m��e est�� sendo ajudada

n��o s�� por seu pai mas por outros amigos tamb��m. Ela vai ficar bem. Est��

passando por um momento de dif��cil decis��o, mas precisa passar por ele.

Agora, fique aqui por mais um tempo, depois v�� at�� Laura. Ela vai te mos-

trar algum trabalho que voc�� possa fazer para auxiliar aqueles que chegam

aqui. Muitos deles chegam confusos e precisam de ajuda.

- N��o sei como e se poderei ajudar, P��ricles. N��o me sinto forte o bas-

tante e temo prejudicar mais do que ajudar.

203

As chances que a vida d��

- Quando existe o desejo de ajudar n��o existe fraqueza, apenas for��a,

e a maneira de ajudar surgir��.

- Est�� bem, P��ricles. Vou fazer isso.

- Ele sorriu e me abra��ou novamente.

- V��, minha filha, comece a trabalhar pelos outros. Assim fazendo n��o

ter�� tempo para pensar no que passou e toda a sua dor desaparecer��.

- Eu ainda n��o havia aceitado totalmente que eu fora culpada do

que me aconteceu; mesmo assim, a vontade de deixar de odiar foi muito

grande e fui falar com Laura.

- Foi a�� que voc�� me reencontrou.

- Verdade, Mario Augusto. Voc�� j�� trabalhava h�� muito tempo com

Laura. Acho at�� que foi por isso que P��ricles pediu que eu fosse falar com

ela. Ele sabia que eu o reencontraria.

- Ele estava com raz��o. O nosso reencontro foi maravilhoso, Matil-

de. Eu, quando cheguei aqui, como tudo havia acontecido muito rapida-

mente, fiquei muito tempo sem saber o que havia se passado e que lugar

era este. Olhava �� minha volta e via um lugar maravilhoso, com muita

paz; mesmo assim, n��o queria ficar aqui e disse isso a Laura, que estava

sempre ao meu lado. Ela me ajudou muito e me contou tudo o que havia

acontecido. Quando terminou, incr��dulo, eu disse:

- Estou entendendo tudo o que est�� me falando, Laura; s�� n��o consigo

acreditar que Selma tenha feito isso que est�� dizendo. Sei que ela me ama





e jamais teria me matado.


- Ela n��o pretendeu matar voc�� ou as meninas; pelo seu ego��smo cau-

sado pelo ci��me e pelo apego ela s�� queria separar voc�� de Arlete; por��m,

as coisas sa��ram de seu controle.

- Est�� dizendo que voltei antes da hora?. Que se n��o fosse por ela, n��s

tr��s ter��amos vivido mais tempo?

- N��o. Ningu��m volta antes da hora, a n��o ser para evitar que se acres-

centem mais d��vidas.

- Como assim?

- Todos, quando renascem, escolhem o caminho que v��o seguir, onde

poder��o, al��m de resgatar comportamentos e fracassos passados, mudar

204

Elisa Masselli

alguns v��cios antigos e tamb��m ter um longo aprendizado. Por��m, se no

meio do caminho n��o aceitam sua vida como ela vem, se revoltam e resol-

vem escolher outro caminho que possa prejudic��-lo ainda mais, podem ser

obrigados a retornar para o seu pr��prio bem.

- Foi isso o que aconteceu para que volt��ssemos t��o cedo?

- Antes de renascerem, voc��s conversaram muito, conheciam os sen-

timentos que precisavam ser mudados. Arlete sempre foi ciumenta e pos-

sessiva, e deveria mudar esse comportamento. Selma tamb��m, al��m de

ciumenta e possessiva, sempre foi muito apegada a voc��, sempre se sentiu

superior e nunca respeitou as outras pessoas que n��o pertencessem ao seu

meio social ou racial. Arlete, al��m de tudo, tamb��m sempre se sentiu su-

perior ��s demais pessoas e, por isso, assim como Selma e Flora, sempre as

humilhou e se aproveitou delas. Por isso, depois de muito conversarem,

voc��s resolveram quem desta vez seria diferente. Voltariam ricas, mas com

todas as possibilidades e oportunidades de agirem de modo diferente, pois,

embora tivessem muito dinheiro, o usariam para ajudar as pessoas criando

empregos e ajudando-as a caminhar no bem. Prometeram que, por motivo

algum, as humilhariam; mas, como pudemos ver, elas n��o cumpriram o





que prometeram.


- Isso acontece muito, Laura?

- Muito, Mario Augusto.

- Por qu��?

- Quando planejamos, estamos aqui cercados por toda prote����o e com

energias leves, e, ao tomarmos conhecimento do que aconteceu na encar-

na����o anterior, queremos resgatar tudo de uma s�� vez e planejamos uma

nova vida de sacrif��cios e provas muitas vezes dif��ceis de serem cumpri-

das. Claro que somos alertados por nossos amigos no sentido de que essas

provas ser��o muito dif��ceis e dolorosas, mas n��o aceitamos, pois achamos

que conseguiremos vencer. Renascemos felizes e confiantes. Por��m, quando

come��amos a viver aquilo que planejamos, n��o aceitamos, nos revoltamos

ou, como aconteceu com voc��s, nos esquecemos do que planejamos. A dor e

o sofrimento fazem parte das escolhas que fizemos e, sempre, nos ajudar��o





espiritualmente.


205


As chances que a vida d��

- Estou entendendo, mas �� muito dif��cil vencermos, Laura. Tanto eu

como Selma, Arlete e Flora fomos criados como sendo especiais e tendo

como futuro tudo o que quis��ssemos. Sempre nos disseram que, com di-

nheiro, poder��amos ter tudo e todos. Tendo sido criados assim, como pode-

r��amos agir diferente?

- Embora o esp��rito nas��a como crian��a e os pais tenham o dever de

educ��-lo e encaminh��-lo, todos s��o esp��ritos antigos e cada um tem seu

pr��prio livre-arb��trio. Enquanto crian��as precisam seguir os ensinamentos

e a educa����o que recebem dos pais, mas, depois de adultos, devem usar seu

livre-arb��trio, podendo ou n��o acatar o que lhes foi ensinado, pois mesmo

que n��o tenham aprendido saber��o discernir o certo e o errado.

- Mesmo assim �� quase imposs��vel, Laura. Volto a dizer que nunca

dever��amos ter escolhido nascer ricos e com pais preconceituosos e orgulho-

sos. Acredito que, se tiv��ssemos sido criados de uma forma diferente, nada

disso teria acontecido, pois n��o ter��amos sido orgulhosos como fomos.

- Como j�� disse, Mario Augusto, poderia ser mais f��cil, mas n��o me-

lhor para o crescimento espiritual. Voc��s escolheram nascer ricos e com os

pais que tiveram, exatamente para poderem fazer o contr��rio do que fize-

ram. Por isso, se tivessem nascido de uma maneira diferente, com todas as

dificuldades, n��o teriam m��rito algum se mudassem. O mesmo aconteceu

com Matilde, que escolheu nascer pobre para aceitar e vencer tudo o que





desejava mudar.


- Quando voc�� fala, sinto que tudo est�� certo, mas ainda acho que essa

escolha �� muito dif��cil de ser atingida.

- Sim, �� muito dif��cil, mas n��o imposs��vel, porque em qualquer mo-

mento sempre teremos ao nosso lado oportunidades e amigos para nos aju-

dar a cumprir a nossa miss��o e o que nos propusemos afazer.

- Miss��o? Como pode dizer que todos t��m uma miss��o se a maioria

das pessoas passa pela vida sem nada construir, sem fazer nada de extra-

ordin��rio que as deixassem famosas e reconhecidas? S��o pessoas comuns





que simplesmente vivem.


- Laura, rindo, disse:

- Ningu��m passa pela vida sem nada construir, Mario Augusto. Todos

206

Elisa Masselli

trazem uma miss��o que de uma maneira ou de outra cumprem, mesmo

que n��o seja na sua totalidade. Alguns, como aconteceu com voc��s, trouxe-

ram uma ��nica miss��o: a de conseguirem vencer o orgulho, o preconceito

e, realmente, dar valor ��quilo que tem valor e ��s pessoas que caminhariam

ao lado de voc��s e, como viu, n��o conseguiram cumprir. Ao contr��rio do

que muitos pensam, aqueles que se destacam podem at�� ser aplaudidos

mas n��o s��o especiais, apenas s��o devedores e precisam atingir muitas pes-

soas com seu pensamento e atitudes na tentativa de ajud��-las. A miss��o

de cada um �� a de vencer seus pr��prios sentimentos ruins e troc��-los pelos

bons. Alguns precisam, somente, criar seus filhos ajudando-os a encontrar





e seguir seu caminho.


- Agora entendi melhor, Laura. N��o �� t��o complicado...

- A Espiritualidade n��o �� complicada, Mario Augusto; somos n��s que





a complicamos.


- Voc�� falou das meninas mas nada disse a meu respeito, Laura. Ou eu

que deveria ter mudado'?

- Voc�� sempre foi o motivo de muitas desaven��as entre elas. Sempre

soube que elas gostavam de voc�� de uma maneira possessiva e se aprovei-

tava disso. Dava aten����o exagerada a todas e depois, com os amigos, se

divertia muito com isso. Essa sua atitude causou, durante muitas encar-

na����es, trag��dias igual a esta que se repetiu. Voc�� combinou que desta vez

ficaria apenas com Arlete e n��o daria chance alguma ��s outras. Prometeu

e, desta vez, cumpriu.

- Entendi, mas por que fizemos isso, Laura? Por que fizemos essas es-

colhas? N��o seria melhor e mais f��cil se volt��ssemos com uma vida dife-

rente daquela anterior, tendo e sendo aquilo que n��o tivemos ou fomos na

encarna����o ou encarna����es passadas? N��o seria melhor que tiv��ssemos

renascido pobres?

- Voc��s conversaram muito a esse respeito e chegaram �� conclus��o de

que nascendo pobres poderiam se revoltar por n��o serem ricos, o que j��

estavam acostumados com as encarna����es passadas, e, novamente, colo-

cariam tudo a perder. Cabe a cada esp��rito se esfor��ar para vencer suas

dificuldades e fraquezas, pois s�� assim poder�� evoluir. Quando Jesus disse

207

As chances que a vida d��

"amai ao pr��ximo", Ele n��o disse "Amai s�� aos vossos amigos", mas a todos,

porque se n��o fosse assim n��o haveria m��rito algum. Quando Jesus falou

isso, Ele nos fez ver que para conseguirmos caminhar para a luz precisar��-

amos vencer todos os nossos problemas. Renascer �� sempre uma oportuni-

dade de crescimento, aprendizado e retorno �� pureza do esp��rito como ele





foi criado


- O que aconteceu? Afinal, por que fracassamos?

- Selma, Arlete e Flora escolheram nascer ricas para poderem respeitar

as pessoas sem se importar com a condi����o social delas. Com dinheiro, po-

deriam ajudar as outras pessoas. Escolheram e decidiram; por��m, quando

chegaram �� Terra, com as energias pesadas do corpo e as tenta����es, que

precisavam aparecer para que mudassem os sentimentos, esqueceram-se

do prometido e continuaram a ser como sempre. Matilde escolheu renascer

pobre, pois assim poderia aceitar sua vida e ser feliz sem querer ser algu��m

que n��o era e sem precisar pertencer a outra fam��lia. Por��m, n��o se con-





formou.


- Entendo o que est�� dizendo, mas �� muito dif��cil ser pobre, Laura...

- Sim �� verdade; por��m, esse era o objetivo de Matilde, sua miss��o. En-

tender que a riqueza pode ser boa, mas que pode tamb��m ser um entrave

para o crescimento espiritual. Como acontece com todos, ela teve muita

ajuda. Nasceu bonita e inteligente, com facilidade para aprender. Pode-

ria ter usado isso para melhorar sua condi����o social mas, pela ambi����o

e inveja, preferiu se deixar escravizar pelas outras. O esp��rito foi criado

para ser livre e nunca escravizado. Matilde nasceu em uma boa fam��lia

onde foi bem recebida e amada. Embora seu pai tenha morrido cedo, o

que foi necess��rio para o crescimento espiritual dela e de toda sua fam��lia,

teve uma m��e que sempre lutou por todos e conseguiu fazer com que ela

estudasse em uma boa escola que a ajudaria a conseguir uma profiss��o e,

atrav��s dela, crescer n��o s�� financeiramente como espiritualmente tam-

b��m. Por��m, nunca aceitou sua condi����o social, sempre quis pertencer a

um mundo que n��o era o seu.

Ao ouvir aquilo, Matilde, constrangida, disse:

- Laura teve raz��o em tudo o que falou, Mario Augusto. Realmente

208

Elisa Masselli

eu nunca me conformei em ser pobre e, movida pela ambi����o e pela

inveja, me deixei escravizar. Tive muitas oportunidades, mas n��o enxer-

guei e fracassei mais uma vez.

- Todos fracassamos, Matilde. Eu ouvi tudo o que Laura me contou,

e embora tenha entendido, o meu ��nico desejo era o de voltar para mi-

nha casa. A ��nica coisa que eu sabia era que n��o podia estar morto, pois

eu sentia meu corpo com suas necessidades:

- Eu n��o posso estar morto, Laura! Sinto meu corpo e vejo perfeita-

mente voc�� e este lugar lindo. Voc�� deve estar brincando. Quero voltar para

minha casa e para a minha vida...

- Ela, com sua paci��ncia sublime, sorriu e foi me mostrando que a

realidade agora era outra. Quando entendi e aceitei, fiquei preocupado

com meus pais. Perguntei:

- Isso �� mesmo verdade, Laura? Estou morto?

- N��o, Mario Augusto. Agora �� que voc�� est�� vivo, muito vivo! Seu

corpo foi quem morreu, mas seu esp��rito voltou. Agora voc�� est�� em casa.

- N��o consigo aceitar, parece que estou sonhando e, se isso for verdade,

meus pais devem estar desesperados e Selma, mesmo tendo participado e

ser culpada de toda essa trag��dia, deve estar desesperada tamb��m. Preciso

ir para casa, Laura, quero ver todos!

- Voc�� n��o est�� preparado, precisa ficar mais algum tempo aqui at�� se

fortalecer. Depois, poder�� voltar.

- Como n��o estou preparado, Laura? Estou muito bem!

- Est�� se sentindo bem porque aqui as energias s��o limpas, mas o mes-

mo n��o acontece na Terra. L�� as energias s��o pesadas e voc�� n��o ficaria

bem. Agora que tomou conhecimento da sua real situa����o, precisa se pre-

parar para poder voltar e rever seus familiares e amigos.

- Preciso saber como est��o. Meu pai nunca foi de conversar muito, sempre

esteve envolvido com seu trabalho, mas minha m��e deve estar desesperada.

- Sim, est��o sofrendo muito, mas voc�� nada pode fazer. Para que fique

bem e pronto para voltar, precisa se preparar.

- N��o entendo quando diz que preciso me preparar. Como isso pode

ser feito, Laura?

209

As chances que a vida d��

- Voc�� pode se preparar trabalhando aqui na ajuda daqueles que che-

gam. N��o se preocupe com a sua fam��lia, tudo tem um tempo certo para





acontecer.


- Ajudando como? N��o sei como se faz isso, nunca me preocupei com





as outras pessoas...


- As pessoas, quando chegam, est��o confusas e precisam de ajuda. Esse

�� o nosso trabalho e poder�� ser o seu. Seu pai est�� prestes a voltar e voc��

precisa estar preparado para receb��-lo.

- Vendo que seria bom para mim ter alguma atividade, fui trabalhar

na recep����o. Em uma manh��, estava atendendo as pessoas que chega-

vam, quando Laura se aproximou:

- Precisamos conversar, Mario Augusto.

- Pois n��o, Laura. Pode ser aqui? - Perguntei surpreso.

- �� melhor irmos para a minha sala.

- Fomos e, ap��s nos sentarmos, sorrindo, disse:

- Hoje �� um dia especial para voc��, Mario Augusto.

- Por qu��? - Perguntei ainda mais curioso.

- Seu pai est�� voltando e ele vai precisar de muitos cuidados.

- Ele est�� voltando por qu��? N��o estava doente...

- Depois que aquilo aconteceu, ele, sem voc�� e n��o sabendo o paradei-

ro de Selma, ficou muito nervoso. Depois esse nervosismo se transformou

em depress��o, at�� agora em que est�� retornando.

- Disse que ele precisa de muita ajuda, por qu��?

- Ainda est�� deprimido e levar�� algum tempo para ficar bem. Durante

esse tempo voc�� precisar�� ficar ao seu lado.

- Claro que vou ficar! Quando ele vai chegar?

- Logo mais, est�� a caminho.

- Sa�� da sala e fiquei ansioso esperando por meu pai, Matilde. Desde que

voltei e Laura havia conversado comigo e comecei a trabalhar na recep����o,

n��o sabia o que estava acontecendo na minha casa com ele ou com minha

m��e. A expectativa de rever meu pai me deixou emocionado e ansioso.

Matilde come��ou a rir.

Mario Augusto se admirou:

210

Elisa Masselli

- Por que est�� rindo, Matilde? N��o estou entendendo.

- Desculpe-me, Mario Augusto, mas �� estranho e engra��ado notar-

mos que, mesmo depois de termos voltado, continuamos com os mes-

mos sentimentos. Voc�� disse que estava ansioso, como isso pode aconte-

cer estando aqui e sabendo como tudo funciona?

- Ele tamb��m come��ou a rir:

- �� verdade, Matilde, mas os sentimentos s��o do esp��rito e ainda

levaremos muito tempo para nos libertarmos de alguns. Fui avisado que

meu pai havia chegado e que estava em um quarto no hospital. Corri

para l�� e, ao v��-lo, me assustei.

- Por que, Mario Augusto?

- Embora meu pai n��o tenha estado muito presente em nossas vidas

e na nossa educa����o, pois viajava muito, eu me lembrava dele altivo, bem

vestido e sempre pronto para conversar sobre qualquer assunto, era um

homem instru��do e respeitado. Mas quando entrei no quarto e o vi n��o

consegui reconhec��-lo. Estava muito magro, e seus olhos, embora fecha-

dos, pois estava dormindo, estavam fundos em um rosto abatido. Aquilo

me impressionou muito. Ele, que havia sido t��o poderoso no seu meio,

n��o lembrava nem um pouco o que havia sido. Fiquei parado olhando

para ele, quando Laura entrou no quarto e, ao me ver olhando para meu

pai, aproximou-se, pegou minha m��o e perguntou:

- Tudo bem com voc��, Mario Augusto?

- Olhei para ela e acenei com a cabe��a, dizendo que n��o.

- Por que n��o est�� bem? Devia estar feliz por poder receber seu pai.

- Desculpe-me, Laura, mas est�� sendo dif��cil reconhecer o meu pai.

Ele est�� totalmente diferente do que era e, se eu n��o soubesse que �� ele, n��o acreditaria...

- Diante da chamada morte, todos se igualam, Mario Augusto. Seu

pai, que viveu sempre entre os poderosos, quando aconteceu aquela tra-

g��dia e se viu sem voc�� e sem Selma, descobriu que tudo pelo que havia

vivido era apenas uma ilus��o, se entregou ao desespero e �� depress��o e, aos

poucos, foi se transformando e ficou assim. O aprendizado, para ele, foi

muito dif��cil e ainda vai ser, pois, mesmo estando aqui n��o vai aceitar, por

211

As chances que a vida d��

algum tempo, o que aconteceu. Ele, que era t��o poderoso, n��o conseguiu

evitar a sua chamada morte e o desaparecimento de Selma. Por isso, vai

precisar de muita ajuda sua e de todos n��s, pois vai demorar a entender

que aqui ele �� apenas um esp��rito como todos n��s.

- Laura saiu e eu fiquei ali, Matilde passando a m��o sobre os cabelos

dele e me lembrando das poucas vezes em que ele conversou ou brincou

comigo e com Selma. Sem perceber, a cada pensamento eu sorria, me

lembrando de como fiquei feliz nesses momentos. Comecei a perceber

tamb��m que ele, que estava com o rosto crispado e tenso, come��ou a sor-

rir e sua express��o a ficar tranquila. Algum tempo depois, Laura voltou:

- Ele est�� despertando, Mario Augusto, por isso vou ficar aqui ao seu

lado. Como ele est��?

- Parece que bem, Laura. Enquanto eu me lembrava de alguns mo-

mentos bons que tivemos, ele parece que ouviu o que eu pensava e ficou

tranquilo. Foram meus pensamentos que fizeram isso?

- Foram sim, Mario Augusto, e o inverso tamb��m aconteceria: se voc��

pensasse s�� nos momentos ruins, ele ficaria pior. O pensamento tem uma for-

��a imensa e n��o temos a menor ideia do que representa essa for��a e o que po-

demos fazer com ela para o bem e para o mal. Agora voc�� precisa se afastar

para que eu o receba, depois poder�� conversar e fazer com que ele fique bem.

- Est�� bem. - Dizendo isso, me afastei e ela tomou o meu lugar e

continuou a passar a m��o sobre os cabelos do meu pai. Aos poucos, ele

foi abrindo os olhos e, como acontece com todos, ficou algum tempo

olhando por todo o quarto. De onde estava, ele n��o podia me ver. Depois

de olhar todo o quarto, olhando para Laura, perguntou:

- Que lugar �� este, onde estou?

- N��o se preocupe com isso. Posso garantir a voc�� que est�� bem e protegido.

- N��o estou entendendo, o que aconteceu e por que estou aqui?

- Ele come��ou a ficar agitado. Laura, com a voz carinhosa e ainda

afagando sua cabe��a, sorriu:

- Fique tranquilo. Logo mais, vai tomar conhecimento de tudo e ter��

todas as respostas. Estava dormindo e acabou de acordar.

- Eu estava muito bem, sonhando com meu filho que morreu, foi as-

212

Elisa Masselli

sassinado. Esse sonho foi t��o real que consegui ouvir sua voz. Desde que ele

morreu eu n��o tive mais um minuto de paz.

- Por que est�� dizendo isso? Voc�� n��o foi o culpado da morte dele.

- Sim, tem raz��o, mas nunca fui um bom pai. Passei toda a minha

vida em busca de dinheiro e poder, nunca tive tempo para os meus filhos.

Mesmo quando estava em casa, ficava lendo sem interesse algum por eles

ou pelo que estavam fazendo. Sinto que ��ramos como estranhos. Depois

que ele morreu e minha filha desapareceu foi que senti o quanto eles fa-

ziam falta na minha vida. O que mais me entristeceu, claro que al��m da

morte do meu filho, foi n��o saber por que minha filha desapareceu. Mesmo

que eu nunca tenha dado valor, eles eram a raz��o da minha vida.

- Isso acontece muito, Homero. Muitas vezes s�� damos valor para as

pessoas quando pensamos que as perdemos.

- Quando pensamos, n��o! N��s as perdemos mesmo! N��o entendeu

quando eu disse que meu filho morreu e nunca mais vou voltar a v��-lo e que

minha filha, apesar de ter gastado uma fortuna, n��o consegui encontr��-la

e n��o sei nem se est�� viva ou morta?

- Ouvi sim o que disse, mas n��o posso concordar. N��o perdeu Mario

Augusto, e Selma est�� bem.

- A senhora conhece meus filhos? Sabe o nome deles?

- Conhe��o, sim, e garanto que ambos est��o vivendo suas vidas.

- Como vivendo suas vidas? Mario Augusto est�� morto! E Selma

desapareceu!

- A morte n��o existe, Homero. Mario Augusto n��o morreu, ele voltou

para sua verdadeira casa, a casa do Pai.

- N��o estou entendendo o que est�� dizendo, como assim casa do pai?

O pai dele sou eu e ele n��o est�� na minha casa!

- Ele, assim como todos n��s, �� filho de cria����o de Deus, por isso Ele �� o

Pai de todos n��s, e foi para o Pai que Mario Augusto voltou...

- Est�� dizendo que ele n��o morreu? Como pode ser isso, se fui ao seu

enterro? Foi o dia mais triste da minha vida...

- Sei que isso aconteceu, eu tamb��m estava l�� e vi todo o seu sofrimento,

mas, agora, esse sofrimento terminou. Voc�� veio ao encontro do seu filho...

213

As chances que a vida d��

- Est�� dizendo que ele n��o morreu, que est�� aqui? Isso significa que

tamb��m morri?

- Qual �� a ��ltima coisa que se lembra antes de acordar aqui?

- Eu estava muito triste, n��o me conformava com o que tinha acon-

tecido. Senti uma dor muito forte no bra��o e comecei a suar e a cair. N��o





conseguia controlar o meu corpo.


- Foi isso mesmo que aconteceu. Voc�� teve um infarto e n��o resistiu.

- Est�� dizendo que morri?

- Sim.

- Ele ficou surpreso, Matilde, olhou para as m��os:

- N��o pode ser! Estou sentindo e vendo o meu corpo! Como posso estar

morto?

- �� assim mesmo que acontece, Homero. Sentir�� seu corpo e suas ne-

cessidades por algum tempo, mas depois isso nada vai significar para voc��.

- Ele, muito assustado, sentou-se sobre a cama, Matilde. Laura se

afastou, e assim ele pode me ver. Quando isso aconteceu, ele gritou:

- Mario Augusto! �� voc�� mesmo, meu filho?

- N��o suportei mais e me aproximei, chorando:

- Estou aqui, papai, Agora tudo vai ficar bem.

- Ele, ao me ver, sem perceber, desceu da cama e veio ao meu en-

contro, Matilde, e, chorando muito, n��s nos abra��amos. Ele se afastava,

olhava nos meus olhos e beijava meu rosto sem parar:

- Voc�� est�� vivo, meu filho, e est�� aqui! Perd��o pela minha indiferen��a,

eu n��o sabia o que estava fazendo...

- N��o se preocupe com isso, meu pai. J�� passou. Agora que estamos

juntos novamente, teremos muito tempo para conversar.

- Ficamos assim por muito tempo, Matilde, nos abra��ando e choran-

do, at�� que Laura, que esteve ali durante todo o tempo, disse:

- Agora que j�� se reencontraram, preciso voltar aos meus afazeres. Ma-

rio Augusto, acompanhe seu pai at�� a sua casa. Aproveite para mostrar a

cidade. Sei que ele vai adorar.

- Sorri e, beijando seu rosto, peguei meu pai pela m��o e sa��mos do

pr��dio. Durante o caminho at�� chegar �� minha casa, fui mostrando a

214

Elisa Masselli

cidade para ele e o preparando para o reencontro que teria com uma das

suas irm��s que havia chegado antes e que ainda estava aqui. Eu tamb��m

morava em sua casa. N��o preciso nem dizer como esse reencontro foi

emocionante e maravilhoso...

- Imagino, Mario Augusto. Eu n��o consegui reencontrar meu pai

nem visitar minha casa para rever minha m��e e meus irm��os. Ainda

estou esperando por esse dia maravilhoso, mas sei que vai chegar.

- Com certeza, Matilde. Esse dia vai chegar e eu estarei ao seu lado.

Olharam para Selma e Roberto, que conversavam.

- Por enquanto, precisamos ficar ao lado deles. Selma est�� passando

por um momento ruim que ela mesma atraiu para si, mas, como Deus

est�� sempre presente, em qualquer situa����o, estamos aqui at�� que tudo

se esclare��a. Fui requisitado para ficar ao lado de Selma neste momento

e fiquei feliz quando vi que voc��, Matilde, estaria ao meu lado.

- �� verdade, Mario Augusto. Ela vai precisar da nossa ajuda para

que se mantenha bem e possa resgatar todo o mal que fez, n��o s�� a n��s

como a ela mesma. Ainda bem que, assim como aconteceu com voc��, eu

tive P��ricles ao meu lado e, aos poucos, ele foi me contando o que havia

acontecido. Demorei muito para entender o que havia se passado e que

n��o adiantaria ficar me remoendo no ��dio e no desejo de vingan��a; o

que eu teria de fazer era continuar no meu aprendizado, e a melhor ma-

neira seria trabalhar em favor daqueles que aqui chegavam. Fiquei feliz

quando reencontrei voc��. Aqui, vi muitas pessoas chegarem desoladas

e assustadas, por nunca terem se conformado com a posi����o social que

tiveram na Terra. Sempre tentei fazer o melhor poss��vel para que elas

ficassem bem, pois conhecia muito bem o que sentiam e aquela situa����o

que viveram. Pensei e repensei minha vida e entendi que nunca, jamais,

poderia julgar ou condenar algu��m, pois, muitas vezes, todos n��s ma-

goamos outras pessoas, e na ��nsia de aceitar ou n��o a posi����o social que

tivemos escolhemos e podemos praticar atos pelos quais nos arrepen-

deremos por muito tempo. Selma errou muito, mas conseguiu, atrav��s

do arrependimento e do trabalho, se redimir. Claro que ela teve ajuda

tanto de amigos aqui da Terra como dos espirituais, mas soube acatar

215

As chances que a vida d��

e aproveitar. Hoje, ela est�� sendo v��tima de uma armadilha igual a que

provocou, tomara que consiga se salvar e se redimir. Eu e voc�� estaremos

at�� o fim intuindo e ajudando na medida do poss��vel, mas, por causa do

livre-arb��trio, nunca poderemos decidir por nenhum deles.

- Verdade, Matilde. Mas, seja como for, estaremos esperando sua

decis��o.

Dizendo isso, Mario Augusto e Matilde jogaram luzes sobre Selma e

Roberto.

216



Amigos trabalhando

Enquanto isso, Mar��lia, ap��s a visita de Roberto, estava triste e pen-

sativa. Sem imaginar, P��ricles e Zenaide chegaram e ficaram ao seu lado.

Ele, estendendo os bra��os em sua dire����o, disse:

- Sei que voc�� est�� triste por tudo o que aconteceu com Selma, Mar��lia,

mas precisa se lembrar da grande amizade que existiu e ainda existe entre

voc��s. Ela est�� precisando muito da sua ajuda. A amizade entre voc��s �� de

muito tempo e n��o pode ser esquecida.

Enquanto P��ricles falava, Zenaide fazia com que surgissem imagens

de Mar��lia e Selma nos momentos de luta e de felicidade em rela����o ao

orfanato. Momentos em que elas ficaram apavoradas e outros em que

se encantaram ao verem os trabalhos das meninas prontos, e o quanto

Selma trabalhou pelo orfanato sem nunca ter recebido dinheiro algum.

Sem entender o porqu�� de se lembrar de tudo aquilo, Mar��lia levan-

tou-se e, nervosa, pensou:

Selma n��o pode ter feito isso, tem alguma coisa errada! N��o sei o que

pode ser, mas que tem, tem.

No mesmo instante, lembrou-se de sua m��e que tamb��m acompa-

217

As chances que a vida d��

nhou tudo e sabia o quanto Selma havia trabalhado para ajudar o orfa-

nato. Pegou a bolsa, chamou Rita e disse:

- Estou indo para a casa de minha m��e. Vou conversar com ela a

respeito do que Selma fez.

- Est�� bem, dona Mar��lia. N��o se preocupe, eu cuido de tudo. A San-

dra vai me ajudar.

- Ainda bem que ela est�� aqui, n��o ��, Rita?

- Verdade, dona Mar��lia. E se n��o fosse pela senhora nenhuma de

n��s estaria aqui. Por mais que eu fa��a, nunca vou conseguir agradecer.

- N��o precisa agradecer, porque se n��o fosse por voc�� eu n��o teria

conhecido Sandra, que amo como filha, e nem o orfanato que j�� ajudou

tantas crian��as.

- Por mais que eu pense, n��o consigo acreditar que dona Selma te-

nha roubado o orfanato, dona Mar��lia. Ela se dedicou por tanto tempo

e n��o tinha motivo algum para isso. Embora n��o seja rica, seu Roberto

tem um bom sal��rio e ela sempre teve uma vida boa. Ela n��o fez isso,

dona Mar��lia. Sei que n��o fez...

- Tamb��m n��o consigo acreditar, Rita. Vou at�� a casa de minha m��e

para falar com ela a esse respeito. Antes, vou telefonar para Eduardo e

pedir que v�� almo��ar na casa de mam��e. Quero ver o que ele pode fazer

para ajudar, Selma.

- Fa��a isso, dona Mar��lia. Alguma coisa est�� errada e precisamos

descobrir o que ��...

Mar��lia pegou o telefone e discou o n��mero. Do outro lado da linha

uma voz de mulher atendeu:

- Escrit��rio do juiz, bom dia.

- Sou eu, Jandira. Preciso falar com Eduardo.

- Desculpe-me, dona Mar��lia. Ele est�� trancado na sua sala, estudan-

do um processo que vai julgar hoje �� tarde e disse que n��o quer ser incomo-

dado. O que a senhora precisa falar com ele �� muito urgente?

- N��o, n��o �� urgente, Jandira. Somente diga a ele que vamos almo��ar

na casa de minha m��e e que estou esperando por ele l��.

- Est�� bem, dona Mar��lia, vou avisar.

218

Elisa Masselli

- Obrigada, Jandira.

Mar��lia desligou o telefone e, sorrindo, disse:

- Estou indo, Rita. Cuide de tudo.

Rita sorriu e Selma, pegando sua bolsa, saiu.

Assim que chegou �� casa de Berta, foi recebida por ela com um largo

sorriso e os bra��os abertos.

- Minha filha, que bom que est�� aqui. Veio me visitar?

- Tamb��m, mam��e. - Respondeu sorrindo.

- Tamb��m? N��o estou entendendo, embora esteja curiosa para sa-

ber o motivo da sua visita. Voc��, neste hor��rio, deveria estar no orfana-

to. O que aconteceu?

Entraram e sentaram-se ao redor da mesa da sala.

- O que aconteceu, Mar��lia?

- A senhora n��o sabe o que aconteceu com Selma?

- S�� sei o que aconteceu com Roberto e estou muito triste, mas por

que est�� me fazendo essa pergunta? Aconteceu alguma coisa com Selma?

Mar��lia, entre l��grimas, contou tudo e terminou dizendo:

- Est�� presa l�� na delegacia...

- Presa? E voc�� n��o fez nada para impedir isso?

- N��o tinha como, mam��e! Todo o dinheiro foi encontrado na casa dela!

- Como pode acreditar nisso, Mar��lia? Selma jamais faria uma coisa

como essa!

- Por isso que estou aqui. Na hora, fiquei nervosa e acreditei, mas,

depois de pensar bem, tamb��m n��o acredito que ela tenha nos roubado.

Conseguimos todo aquele dinheiro �� custa de seu trabalho e dedica����o.

Estou estranhando, tamb��m, o que aconteceu com Roberto. Ele sempre

me pareceu um homem muito bom e respons��vel. Jamais se deixaria en-

volver com uma menina como aquela.

- Alguma coisa muito ruim est�� acontecendo com eles e precisamos

ajud��-los, Mar��lia! E somente Eduardo pode fazer isso.

- Eu telefonei para ele e pedi que venha almo��ar aqui. Mas antes

de falar com ele, queria falar com a senhora e com papai. Papai foi

juiz por muitos anos e deve ter alguma opini��o sobre o fato e como

219

As chances que a vida d��

ajudar meus amigos. Ele est�� em casa?

- N��o. Como faz todas as manh��s, deve estar sentado na pra��a. Ele diz

que, depois de ficar tantos anos dentro de um escrit��rio, precisa tomar sol

e conversar com as pessoas, mas deve estar chegando para o almo��o.

- Est�� bem, mam��e. Quando ele chegar, vamos esperar por Eduardo.

Assim, todos juntos poderemos conversar a respeito e encontrar uma

maneira de tirar Selma daquela delegacia!

- Onde est�� o menino e o que aconteceu com ele?

- N��o sei, mam��e. Roberto foi ao orfanato para pedir que eu ajudas-

se Selma, mas eu me recusei. Estava muito nervosa...

- N��o podia ter feito isso, filha! Selma est�� passando por um mo-

mento dif��cil e �� nessas horas que precisamos de amigos.

- Sei disso, mas fiquei t��o chocada quando vi o dinheiro em sua casa

que s�� tive aquela rea����o. Vou conversar com papai e, juntos, vamos pe-

dir ao Eduardo que a ajude no que for preciso.

- Vamos fazer isso, filha. Gosto muito de Selma.

Estavam t��o envolvidas na conversa que n��o perceberam quando

Louren��o entrou na casa:

- Bom dia! Que bom ver a minha filha querida aqui em casa!

- Bom dia, papai! Tamb��m estou feliz por estar aqui! - Mar��lia disse,

andando em dire����o ao pai para abra����-lo e beij��-lo.

- Estou feliz por ver minha filha, e tamb��m preocupado com o que

aconteceu com Selma e o marido.

- O senhor j�� soube?

- Esta cidade �� pequena e as not��cias correm r��pido. Agora, com os

dois presos, estou preocupado com o garoto...

- Os dois presos? O que est�� dizendo, papai? Roberto tamb��m est�� preso?

- Sim, Mar��lia. Uma pris��o em fam��lia �� sempre um bom assunto,

ainda mais em uma cidade como esta em que nada acontece.

- Por isso que estou aqui, pai. Queria sua opini��o sobre tudo isso que est��

acontecendo. Como juiz experiente, sei que poder�� me ajudar a entender.

- S�� conhe��o os dois atrav��s de voc��. Sei que Selma tem ajudado

muito no orfanato, mas, voc�� sabe, o dinheiro muitas vezes faz com que

220

Elisa Masselli

as pessoas sejam capazes de coisas jamais imaginadas.

- N��o consigo me conformar com isso, papai. N��o acredito que Sel-

ma faria uma coisa como essa...

- Ela pode at�� ter feito, pois, como eu disse, o dinheiro e a gan��ncia

podem nos levar a cometer erros; s�� estou estranhando ela ter guardado

o dinheiro em casa, pois deveria saber que l�� seria o primeiro lugar a ser

procurado. O que aconteceu com o marido dela tamb��m n��o est�� bem

explicado. Conhe��o aquele rapaz e sei que �� um ��timo funcion��rio no la-

tic��nio e que sempre ajudou as pessoas com menor recurso doando leite

para muitas fam��lias... Tudo isso est�� muito estranho. Mas, enfim, nada

se pode fazer. A lei existe para ser cumprida e, enquanto n��o for tudo

esclarecido, eles precisam continuar presos.

- O que o senhor faria se ainda fosse juiz em um caso como esse,

sabendo que sempre foram pessoas de bem?

- Eu teria de cumprir a lei, minha filha.

- Sei disso, papai, mas s��o meus amigos...

- Precisamos esperar Eduardo chegar, Mar��lia. Ele �� o juiz e saber�� o

que fazer, ou pelo menos dizer o que pode ser feito. - Berta disse, inter-

rompendo a conversa dos dois.

- Tem raz��o, mam��e. Vamos esperar por ele.

- Bom dia! O cheiro da comida est�� muito bom! Ainda bem, pois

estou morrendo de fome!

Todos se voltaram para Eduardo, que acabara de entrar. Mar��lia foi

at�� ele para receb��-lo e Berta, sorrindo, disse:

- Bom dia, meu filho! A comida, al��m de cheirosa, est�� pronta! Est��-

vamos somente esperando por voc��!

- Embora esteja estranhando Mar��lia vir almo��ar aqui em um dia de

semana, fiquei feliz, pois sua comida �� muito boa, dona Berta.

Beijou a testa de Mar��lia e estendeu a m��o para cumprimentar Lou-

ren��o, que a apertou com um sorriso. Em seguida, foi ao banheiro, lavou

as m��os e sentaram-se para come��ar a comer. Enquanto pegava a comi-

da que estava sobre a mesa, perguntou:

- Que dia importante �� hoje pelo qual estamos almo��ando aqui, Mar��lia?

221

As chances que a vida d��

- Pelo visto n��o est�� sabendo o que aconteceu hoje pela manh��.

- Logo cedo entrei na minha sala e fiquei estudando um processo,

mas o que aconteceu?

- Selma e o marido est��o presos.

- O qu��? Presos por qu��? Como n��o me telefonou para me avisar,

Mar��lia?

- Fiquei t��o nervosa e atordoada que me esqueci de falar com voc��. Mas

o importante �� que eles est��o presos e precisam da sua ajuda, Eduardo...

- Claro que farei tudo o que estiver ao meu alcance para ajud��-los,

mas preciso saber o motivo de estarem presos.

Enquanto comiam, Mar��lia foi contando o que havia acontecido e

terminou dizendo:

- Foi isso que aconteceu com Selma, Eduardo. Quanto ao Roberto,

n��o sei o motivo. Deve ter alguma coisa a ver com aquelas fotos.

- Selma roubou o dinheiro do orfanato? N��o posso acreditar! Foi ela

quem mais trabalhou para que voc�� conseguisse esse dinheiro!

- No momento em que vi o dinheiro l��, fiquei t��o nervosa que nem

por um minuto pensei que n��o pudesse ter sido ela. Depois, Roberto

veio ao orfanato me pedir ajuda e eu me recusei a ajud��-los. Nem me

lembrei de falar com voc��. Somente depois de algum tempo comecei a

duvidar de que tudo aquilo houvesse acontecido e que deveria ser algum

engano. Por isso telefonei para que viesse almo��ar aqui e, assim, todos

n��s juntos poder��amos conversar a respeito. Pode ajud��-los?

- Ainda n��o fui notificado pelo delegado. Preciso esperar, mas se o di-

nheiro foi encontrado na casa dela e sem saber o motivo pelo qual Roberto

tamb��m est�� preso, vai ser muito dif��cil serem colocados em liberdade.

- Eles n��o podem continuar presos, o que vai acontecer com o me-

nino? Ele tem apenas treze anos...

- Vou ver o que consigo. Mas, se eu nada puder fazer, o menino, por

lei, ter�� de ficar aos cuidados do Conselho Tutelar, o que significa que

precisa ir para um abrigo, a n��o ser que algu��m se responsabilize por ele.

- Posso lev��-lo para o orfanato. L�� tem lugar pra ele.

- Essa �� uma solu����o, Mar��lia. Eles v��o precisar de um advogado.

222

Elisa Masselli

- Eles n��o devem ter dinheiro para contratar um advogado.

- Assim que os documentos chegarem vou conversar com o Quinti-

no. Ele poder�� cuidar desse caso. Agora, depois de tomar um cafezinho,

vou para o f��rum. Tenho muito trabalho.

- Est�� bem. Enquanto isso, eu e mam��e vamos at�� a delegacia con-

versar com Selma e Roberto para poder tentar entender o que realmente

aconteceu e no que podemos ajudar.

- Vamos sim, minha filha. Eles est��o precisando de ajuda e precisa-

mos fazer o poss��vel para ajud��-los.

- Obrigada, mam��e.

Assim que terminaram de tomar o caf��, sa��ram. P��ricles e Zenaide

sorriram a as acompanharam.

223



O amor sempre vence

Enquanto isso, na delegacia, separados pela grade entre as celas, Ro-

berto estava sentado com os joelhos dobrados e a cabe��a sobre eles. Em

sil��ncio, permanecia pensativo. Selma percebeu e, tamb��m sentada, falou:

- Sei que voc�� est�� decepcionado por eu nunca ter contado a minha

hist��ria, Roberto, mas eu, assim que o conheci, n��o tive coragem, e Etel-

vina achou melhor deixar as coisas como estavam. Ela sempre dizia:

- �� melhor n��o contar a ningu��m quem voc�� �� realmente, Selma, pois

se as pessoas souberem a verdade poder��o te discriminar e n��o ajudar��o

voc�� a recome��ar. Saber quem voc�� �� n��o vai fazer diferen��a alguma em





sua vida.


- Ao ouvir aquilo e j�� apaixonada por voc��, Roberto, perguntei:

- Nem ao Roberto? Ele precisa saber.

- Nem ele, menina. Ele conheceu voc�� pobre e com vontade de traba-

lhar, n��o precisa saber que sua fam��lia tem dinheiro.

- Ao ouvir aquilo, achei que Etelvina tinha raz��o, Roberto. Era tudo

muito recente e eu estava sofrendo muito. Vim para esta cidade na ten-

tativa de esquecer tudo e me tornar outra pessoa. Depois, as coisas acon-

224

Elisa Masselli

teceram t��o r��pido e eu fiquei com medo de que, se as pessoas me co-

nhecessem realmente, n��o me aceitariam. Achei que meu segredo ficaria

esquecido e escondido para sempre. Hoje, sei que o passado sempre volta

para nos assombrar e que a mentira n��o tem for��a para se manter. Sinto

muito! Espero e desejo do fundo do cora����o que me perdoe.

Lentamente, ele levantou a cabe��a e, olhando em seus olhos, disse:

- Estou pensando em tudo o que ouvi e n��o consigo entender o por-

qu�� de nunca ter me contado, de ter confiado em mim. Sempre fui sin-

cero com voc��.

- Sei disso. V��rias vezes quis contar, mas tive medo de que n��o en-

tenderia. Embora eu nunca tenha me esquecido daquela noite terr��vel,

com o tempo, nosso casamento e o nascimento de Carlos as lembran-

��as foram ficando distantes. Depois, com meu trabalho no orfanato, me

senti ��til e me entreguei totalmente �� ajuda das crian��as. Achei que nin-

gu��m precisaria saber da mulher terr��vel que eu havia sido. Ela morreu,

Roberto. Hoje sou outra pessoa...

- Eu n��o a conheci antes, por isso n��o consigo imaginar que tenha sido

da maneira como contou. Sempre fomos felizes, claro que com altos e bai-

xos, mas nunca imaginei que um dia ouviria o que voc�� contou. N��o enten-

do o que est�� acontecendo nem por que estamos aqui, presos, mas algo me

diz que tem a ver com esse passado que voc�� escondeu por tanto tempo.

- Ser��, Roberto? Aqui na cidade ningu��m sabe disso.

- N��o sei, Selma, mas eu n��o fiz aquilo de que sou acusado e tenho

certeza de que voc�� n��o roubou o dinheiro. S�� pode ter sido uma arma-

����o de algu��m que tem muito ��dio de n��s dois.

- Quem poderia ser?

- Talvez Flora. Voc�� n��o disse que ela esteve por aqui?

- Sim, mas ficou pouco, e Jos�� Luiz disse que ela est�� viajando h��

muito tempo. Como ela poderia ter feito isso estando na Europa?

- N��o sei, mas s�� pode ter sido ela.

Selma, com os olhos fixos no horizonte, ficou se lembrando do seu

passado e de Flora.

Estava assim, pensativa, quando viu que, acompanhadas pelo dele-

225

As chances que a vida d��

gado, Mar��lia e Berta entraram no corredor e foram at�� as celas. Assim

que as viu, Roberto e Selma levantaram-se. Selma, com l��grimas nos

olhos, disse:

- Dona Berta, sei que a senhora veio aqui para me condenar, mas

juro que n��o roubei o dinheiro das crian��as, jamais faria isso...

- Sei disso, minha filha, fique calma. Viemos aqui para dizer que

acreditamos em voc�� e que faremos tudo o que pudermos para que saia

daqui o mais r��pido poss��vel.

Ao ouvir aquilo, Selma olhou para Mar��lia que, tamb��m em l��gri-

mas, disse:

- Estou aqui para pedir desculpas, Selma. Somos amigas h�� tanto

tempo, eu n��o tinha o direito de duvidar de voc��, embora as evid��ncias

sejam muito fortes.

- Por que mudou de ideia, Mar��lia? O que aconteceu?

- N��o sei, Selma. Acho que foi algum amigo espiritual que me fez

acreditar em voc��. - Disse rindo.

- Amigo espiritual?

- Sim, Selma. A doutrina que estudo nos ensina que sempre, quando

precisamos, temos ao nosso lado amigos que nos intuem e nos ajudam a

tomar decis��es.

- Seria t��o bom se fosse verdade, n��o ��?

- Eu acredito muito nisso, Selma! Pense bem na sua vida. Quantas

vezes, quando passou por um momento dif��cil, n��o teve uma ideia que a

ajudou a encontrar uma solu����o que mudou tudo?

Selma ficou pensando:

Quando decidi pedir o endere��o de Etelvina, estava desesperada, sem

um caminho para seguir... - Sorriu e disse:

- Voc�� tem raz��o, Mar��lia, mas mesmo assim acho dif��cil que isso

seja verdade. Mas, do fundo do meu cora����o, gostaria muito que fosse.

- Acredito muito nisso e acho que foi o que aconteceu comigo, Sel-

ma. Eu estava muito nervosa, confusa, e at�� com raiva de voc��, quando,

de repente, comecei a me lembrar do tempo em que nos conhecemos, de

todo o trabalho e tempo que voc�� dedicou ao orfanato. Conversei com

226

Elisa Masselli

mam��e e chegamos �� conclus��o de que voc�� n��o poderia ter feito isso

do que est�� sendo acusada. Algo muito estranho est�� acontecendo com

voc��s e vamos descobrir o que ��.

- Obrigada, Mar��lia. Obrigada, dona Berta. Eu n��o fiz, n��o fiz! Ro-

berto tamb��m �� inocente!

- Fique calma, Selma. Tudo tem um motivo e um tempo certo. Acre-

dite que tudo vai ser esclarecido e ficar bem.

- Como ficar bem, dona Berta? Eu e meu marido, apesar de sermos

inocentes, estamos aqui, presos!

- N��o existem inocentes, Selma. Todos n��s somos culpados de al-

guma coisa. Voc��s estarem presos deve ter algum motivo e dever�� servir

para que tirem algum aprendizado.

- Aprendizado? Que aprendizado poderemos ter estando presos

sem nada dever, dona Berta?

- Voc�� est�� muito nervosa e com raz��o, mas de nada vai adiantar ficar

assim. Precisa pensar com calma quando e por que tudo isso est�� acontecendo.

- J�� pensei e repensei, mas n��o encontro explica����o, dona Berta! Mi-

nha vida estava em ordem. Eu estava feliz com tudo o que estava aconte-

cendo no orfanato e, de repente, tudo virou de cabe��a para baixo.

- Sei disso, mas tente ficar calma, Selma. Com o tempo tudo ser��

esclarecido e voc�� ter�� sua vida de volta.

Selma respirou fundo e tentou sorrir. Mar��lia continuou:

- Estou preocupada com Carlos. Como e onde ele est��?

- Como n��s, est�� assustado e com medo do seu futuro. Est�� almo��an-

do com minha m��e e um amigo que �� advogado e vai tentar nos libertar.

- Sua m��e? Voc�� nunca disse que tinha fam��lia, Selma...

- Nunca disse, porque n��o queria me lembrar dela nem do meu pas-

sado, Mar��lia; mas n��o adiantou, ele veio ao meu encontro...

- N��o estou entendendo. Como algu��m pode querer se esquecer da

fam��lia e do passado? O que aconteceu para que tomasse uma atitude

radical como essa, Selma?

- Para que entendam, precisam conhecer minha hist��ria e tudo o

que aconteceu e que me levou a tomar essa atitude. Vou contar.

227

As chances que a vida d��

- Seja qual for sua origem, em nada vai mudar a nossa amizade, Sel-

ma, gostaria de saber.

- Tamb��m estou curiosa, Selma. Mar��lia sempre me falou muito

bem de voc��.

- Obrigada, Mar��lia, e a senhora tamb��m, dona Berta. N��o podem ima-

ginar a felicidade que estou sentindo em saber que, mesmo em meio a tantas

d��vidas, ainda acreditam em mim. Tenham paci��ncia, a hist��ria �� longa.

Elas sorriram e Selma come��ou a contar como havia sido sua vida at��

o dia em que chegou �� cidade. Mar��lia e Berta estavam t��o envolvidas ou-

vindo Selma que n��o perceberam quando Alda, m��e de Selma, chegou,

parou na porta e ficou ouvindo Selma, que continuava contando tudo

o que havia acontecido at�� o dia em que come��ou a envolver Matilde a

fazer aquilo que ela tanto queria, separar Mario Augusto de Arlete.

Mar��lia e Berta ouviam atentamente, embora algumas vezes n��o

conseguissem esconder o espanto:

- Embora sempre tenha achado que voc�� era uma mo��a fina e de boa

educa����o, nunca pensei que fosse rica, Selma.

- Ela �� muito rica, sim! Ao ouvir voc�� contar essa hist��ria, estou en-

tendendo o porqu�� de ter sumido da maneira que sumiu, Selma! Voc�� foi

a respons��vel pela morte do meu filho, do seu irm��o?

Selma, assim como os outros, se assustou. N��o haviam percebido a

presen��a deles. Ao ver que Carlos n��o estava ali, perguntou;

- Onde est��o Carlos e Jos�� Luiz, mam��e?

- Seu filho est�� l�� fora conversando com uma amiga e vai entrar logo.

Jos�� Luiz foi at�� o f��rum e pediu que eu viesse para c��.

Ao ouvir aquilo, Roberto, que estava sentado, levantou-se e colocan-

do a m��o sobre o bra��o de Selma disse:

- Fique tranquila, Selma. Carlos deve estar com Fabiana. Eles est��o

sempre juntos.

Selma sorriu e, olhando para a m��e, disse:

- O que a senhora perguntou �� verdade, mam��e. Eu fui a respons��vel

por tudo o que aconteceu, pela morte de Mario Augusto, Matilde e Arlete.

- V��rias vezes, depois que sumiu, cheguei a pensar que voc�� tivesse

228

Elisa Masselli

tido alguma participa����o naquela trag��dia. Por��m, sabia que voc�� n��o

havia apertado o gatilho, pois todos n��s vimos Arlete atirando. O que

voc�� fez para lev��-la a cometer aquela loucura, Selma?

- �� isso que estou fazendo, confessando a minha culpa. Quero que

tamb��m ou��a...

- Acha que qualquer coisa que disser vai fazer com que a dor de ter

perdido meu filho vai passar? Ele era um menino muito bom, estudioso

e tinha um lindo futuro pela frente! Por mais que chore, que se arrepen-

da, n��o vou conseguir perdoar voc��! Eu a odeio!

- Perdoe-me, mam��e. Eu n��o sabia o que estava fazendo, estava to-

talmente iludida, mas hoje sei que a ilus��o tem um pre��o muito alto.

Perdoe-me, mam��e...

- Pode dizer o que quiser e se arrepender da forma que quiser que eu

nunca perdoarei voc��! Nunca!

- Acalme-se, senhora. Hoje, Selma �� outra pessoa, n��o �� nem a

sombra daquela que foi, tem uma vida honesta e feliz.

Alda olhou para Berta, que foi quem falou:

- Desculpe-me, senhora, por um instante esqueci quem eu sou. Pela

minha posi����o n��o posso me descontrolar dessa maneira, mas perdi

meu filho e descubro que a culpada pela morte dele foi ela, minha filha!

Como quer que eu fique?

Enquanto disse isso, Alda, respirando fundo, passou as m��os pelos

cabelos para coloc��-los no lugar. Em seguida, tirou da bolsa um len��o e

o passou, com cuidado, pelos olhos e pelo rosto para que a maquiagem

n��o fosse danificada.

Berta, tentando manter-se calma, continuou:

- A senhora tem raz��o de estar nervosa. N��o conseguiria entender

o que uma m��e sente quando seu filho morre, mas, agora, o que foi feito

j�� foi e n��o temos como voltar ao passado. Sua filha est�� aqui e seu neto

tamb��m. Eles s��o a sua fam��lia...

Alda olhou para os dois e com desd��m disse:

- Ela n��o �� mais minha filha e nem esse menino �� meu neto! N��o

pode ser! N��o quero que seja!

229

As chances que a vida d��

Carlos olhou para Selma que, assim como ele, chorava.

Berta, ao ver as l��grimas deles, tentando n��o bater naquela mulher

t��o insens��vel, disse:

- N��o fale assim, senhora. Seu neto �� um menino muito bom, estudio-

so e ama os pais. A senhora deveria ficar feliz em ver que, apesar de tudo,

sua filha constituiu fam��lia e, at�� hoje, embora vivendo com simplicidade,

era feliz e, se Deus quiser, voltar�� a ser. N��o quer ouvir o resto da hist��ria?

- Para mim, essa hist��ria n��o importa! Nada do que ela disser vai

trazer meu filho de volta!

- Tem raz��o, nada vai traze-lo de volta, mas a senhora poder�� ainda

ser feliz. A vida �� muito curta e Deus sempre nos d�� oportunidades de

aperfei��oamento e aprendizado. Algumas coisas ruins que nos aconte-

cem na maioria das vezes servem para o nosso crescimento. Seu filho

deve estar bem, mas a senhora ainda tem muito que viver e que aprender.

Alda quase gritou:

- Como se atreve a dizer que tenho o que aprender? Meus pais eram

ricos e influentes! Fui educada pelos melhores professores! Falo, fluente-

mente, seis idiomas! Tive e tenho toda a educa����o que preciso!

- �� verdade, a senhora teve toda a educa����o acad��mica que algu��m

poderia ter, s�� que nada aprendeu sobre a vida. Algumas pessoas, as-

sim como a senhora, por mais que sofram, n��o conseguem tirar de seu

sofrimento alguma coisa boa e continuam sendo como sempre foram. O

orgulho sempre fala mais alto.

Alda ficou furiosa:

- Quem a senhora pensa que �� para falar assim comigo? A senhora

n��o sabe quem sou! N��o me conhece e nem sabe a que fam��lia perten��o!

- N��o a conhe��o e nem sei quem �� e a que fam��ia pertence, mas isso

n��o me importa! Estou vendo que a senhora n��o passa de uma pessoa

m�� e sem cora����o! Agora, n��o sei a senhora, mas eu e minha filha gosta-

r��amos de ouvir o resto da hist��ria que Selma tem para contar. Continue,

Selma. Queremos muito saber tudo o que aconteceu.

Selma olhou para a m��e, apertou a m��o de Roberto e depois conti-

nuou contando at�� o dia da festa. Mar��lia, ao ouvir a trag��dia que havia

230

Elisa Masselli

acontecido naquela noite e que terminara com a morte dos tr��s, sem

conseguir se conter, levou a m��o �� boca e, indignada, disse:

- Que horror, Selma! Como pode ter uma ideia igual a essa? Nem

por um momento pensou que aquilo poderia acontecer?

Selma voltou a chorar:

- Claro que n��o, Mar��lia! Se eu tivesse achado isso, nunca teria leva-

do em frente meu plano! Eu amava meu irm��o...

Berta, percebendo a tens��o do momento, disse:

- Estamos aqui para ouvir Selma, Mar��lia, n��o para julg��-la. O jul-

gamento pertence a Deus, pois somente Ele sabe o motivo de tudo o que

nos acontece. Continue, por favor, Selma.

Novamente, Selma agradeceu a presen��a de Berta e continuou con-

tando at�� o momento em que Josias lhe deu o endere��o de Etelvina.

- Quando pedi ajuda a ele, com o envelope na m��o, disse:

- Aqui est�� o endere��o de Etelvina, mas o que pretende fazer com ele, Selma?

- N��o tenho condi����es de continuar aqui. Vou at�� Etelvina, sei que

ela vai me receber e me ajudar. Por favor, n��o conte nada aos meus pais.

Preciso ficar algum tempo sozinha para poder pensar na minha vida e o





que vou fazer.


- Voc�� teve alguma coisa a ver com essa trag��dia?

- Mesmo sabendo que a culpa era toda minha, n��o sei se por medo,

culpa ou vergonha, menti:

- N��o, Josias! Claro que n��o! N��o sei o motivo de Arlete ter tomado





uma atitude como aquela.


- Est�� bem, vou atender o seu pedido; mas, por favor, v�� mesmo para

a casa da Etelvina. Ela vai saber como ajudar voc��.

- Desde ontem, meus pais n��o saem do quarto. Voc�� pode me levar

at�� a rodovi��ria? Vou deixar um bilhete e eles, provavelmente s�� sentir��o

minha falta amanh�� ou talvez daqui a uma semana.

- N��o fale isso. Eles est��o preocupados com voc��.

- Nunca tiveram preocupa����o alguma comigo ou mesmo com Mario

Augusto. A ��nica preocupa����o deles sempre foi a de saber como n��s nos

comportar��amos perante a sociedade.

231

As chances que a vida d��

Ao ouvir aquilo, Alda, sentada em uma cadeira que o delegado havia

levado para l�� e que tamb��m estava envolvida por Arlete e seus compa-

nheiros que incentivavam sua raiva, levantou-se e gritando disse:

- Como pode pensar e dizer isso, Selma? Eu e seu pai sempre tive-

mos uma ��nica preocupa����o: a de que voc��s tivessem uma boa educa����o

para poderem vencer na vida! Demos tudo o que precisavam para que

isso acontecesse!

- Sei que a sua inten����o foi essa, mam��e, mas poderia ter-nos ensi-

nado tudo de uma maneira diferente, fazendo com que aprend��ssemos a

respeitar as pessoas da maneira como eram e n��o por seu poder aquisiti-

vo ou condi����o social. Aprendi isso a duras penas.

- Do que adiantou esse aprendizado se conduziu voc�� at�� aqui, den-

tro de uma cela de delegacia? Se tivesse seguido tudo o que sonhei para

voc��, hoje estaria linda e com uma fam��lia respeit��vel. E poderia estar

morando em uma casa t��o grande e bonita como a nossa!

- Minha fam��lia �� respeit��vel, mam��e!

Com Arlete falando ao seu ouvido, Alda repetiu o que ela dizia:

- Se voc�� acha que esse marido e esse filho s��o coisas boas para voc��,

fique �� vontade. Conforme-se com pouco, mas sempre achei que me-

recia muito mais. Como �� que voc��, que sempre foi tratada como uma

pessoa especial, que tinha o mundo inteiro �� sua frente e em suas m��os,

se transformou nisso, uma criminosa? - Alda falou com ironia na voz.

N��o querendo discutir com a m��e, Selma, para mudar de assunto,

perguntou:

- Mam��e, onde est�� Jos�� Luiz?

- J�� disse que ele foi ao f��rum e pediu que eu viesse para c�� e o espe-

rasse, pois ia tentar libertar voc��s.

- Esse advogado �� o mesmo Jos�� Luiz, seu amigo de inf��ncia, Selma?

- ��, sim, Mar��lia. Ele disse que vai fazer o poss��vel para nos tirar da-

qui para que possamos responder em liberdade. Disse tamb��m que vai

descobrir o que aconteceu realmente.

- Tomara que consiga, Selma.

- Tomara, Mar��lia, tomara...

232

Elisa Masselli

- Continue a contar o que aconteceu, Selma.

Selma sorriu para Berta e continuou:

- Peguei o envelope que Josias me deu, fui ao meu quarto e coloquei

algumas roupas em uma maleta. Peguei o dinheiro que tinha, que n��o era

muito mas daria para eu viver por um tempo. Escrevi um bilhete dizendo

que iria para algum lugar onde pudesse pensar na minha vida. Depois,

voltei para o jardim, entrei no carro e Josias me levou para a rodovi��ria.

Enquanto me ajudava a descer do carro, ele disse:

- Boa viagem. Tomara que consiga encontrar sua paz.

- Obrigada, Josias. Mandarei not��cias.

- Algum tempo depois, o ��nibus chegou. Entrei, me sentei e fiquei

pensando e tentando imaginar o que encontraria na minha viagem...

- Voc�� veio assim, sem saber se Etelvina a receberia?

- Confesso que em nenhum momento me preocupei com isso. Sabia

que ela me receberia, pois, embora tenha convivido com ela ainda muito

pequena, a conhecia e sabia do seu imenso cora����o, dona Berta.

Instigada por Arlete, Alda, nervosa, disse:

- Como p��de confiar em uma mulher que n��o conhecia ao inv��s de

confiar em mim, que sou sua m��e, Selma?

- Desculpe-me, mam��e, mas eu n��o sabia o que fazer. Sabia que a

senhora estava ou deveria estar desesperada pela morte de Mario Au-

gusto, e n��o tive coragem de conversar com a senhora a respeito do que

eu havia feito e o que estava sentindo. Sabia tamb��m que Etelvina era

compreensiva, amorosa e que entenderia o que estava acontecendo e o

momento pelo que eu estava passando.

Mesmo sob a influ��ncia de Arlete, Alda ficou sem saber o que dizer

e se calou.

- Voc�� saiu assim de casa, Selma? N��o se preocupou com o que seus

pais sentiriam?

- Hoje, entendo que o que fiz foi errado, Mar��lia; mas, naquele mo-

mento, eu os culpava por terem me criado da maneira como fizeram.

Hoje, entendo, tamb��m, que ao inv��s de aceitarmos nosso erro sempre

procuramos acusar outra pessoa, quando, na realidade, apenas n��s so-

233

As chances que a vida d��

mos respons��veis por tudo o que nos acontece.

- �� verdade. Sempre, apesar de tudo, o nosso orgulho fala mais alto

e demoramos a assumir nossos erros. Continue a contar como chegou a

esta cidade, Selma.

Selma ia continuar contando, quando o soldado entrou no corredor

e caminhou at�� as celas para retirar as bandejas de comida que havia

servido algum tempo atr��s.

Todos olharam para ele que, constrangido com as bandejas nas m��os,

saiu. Selma, sorrindo, disse:

- Quando eu poderia imaginar que algum dia eu estaria assim, presa

atr��s de grades?

Alda virou o rosto. Berta, com sua calma de sempre, disse rindo:

- Sempre tem a primeira vez...

- Espero que seja a ��ltima. - Selma disse, com a voz tr��mula.

Assim que o soldado saiu, todos voltaram os olhos para Selma que,

tentando sorrir, continuou:

- Fiquei ali por meia hora at�� que o ��nibus parou. Subi os degraus e

olhei por todo ele. Pela primeira vez em minha vida, entrei em um ��ni-

bus. Sentei-me em uma poltrona e fiquei olhando. Ele come��ou a andar

e em breves minutos estava na estrada. Eu, por mais que tentasse, n��o

conseguia afastar do meu pensamento a imagem de Mario Augusto, Ma-

tilde e Arlete mortos. Meu cora����o se apertava, mas eu n��o conseguia

chorar. Meu ��nico desejo era ficar bem longe de tudo aquilo, achando

que se eu me afastasse dali poderia esquecer o que havia acontecido.

Quando o ��nibus parou na rodovi��ria e o motorista disse o nome da

cidade, desci e fiquei olhando tudo. Olhei para os lados e n��o sabia que

caminho tomar. Depois de algum tempo, ali parada, fui at�� um bar que

havia ali e, mostrando o papel com o endere��o de Etelvina, perguntei

onde ficava. Ele, muito agrad��vel, saiu detr��s do balc��o, me acompanhou

at�� a sa��da da rodovi��ria e, com a m��o, me mostrou a rua que ficava a

mais ou menos cinco minutos dali. Com a maleta na m��o, comecei a

andar. Para mim, uma cidade como esta era novidade. As pessoas vesti-

das pobremente caminhavam tranquilas ou conversavam nas portas das

234

Elisa Masselli

casas, todas muito juntas. Eu que sempre vivera em uma casa imensa

com jardim grande e florido, estranhei tudo o que via, mas, mesmo as-

sim, estava ansiosa para rever Etelvina. A rua era revestida de pedras, e

meu sapato de salto fino muitas vezes ficou preso entre as frestas. De-

pois de caminhar, o que para mim pareceu muito, cheguei ao port��o

da casa. Procurei, mas n��o encontrei uma campainha. Bati palmas com

muita for��a. Precisei bater por duas vezes, pois a casa ficava nos fundos

do terreno. Depois de algum tempo, vi que Etelvina apareceu na porta e

caminhou em minha dire����o. Ansiosa, fiquei olhando, curiosa para ver

o que ela diria ao me ver. Assim que se aproximou, disse:

- Boa tarde, mo��a. Posso ajudar em alguma coisa?

- Estranhei a maneira como ela falou. Ela n��o me reconheceu, o que

me deixou muito abalada. Nervosa, eu disse:

- Sou eu, Selma, Etelvina. N��o est�� me reconhecendo?

- Ela ficou me olhando e tentando me reconhecer. Por��m, logo per-

cebi que n��o se lembrava de mim, mas como poderia se lembrar? Quan-

do minha m��e a mandou embora de casa, eu era ainda uma crian��a.

- Sou eu, Selma, Etelvina, a filha da dona Alda. N��o se lembra

dela tamb��m?

- Ao ouvir o nome de minha m��e, seu rosto se modificou.

- Dela eu me lembro sim e nunca vou conseguir esquecer. Foi a pessoa

que mais me humilhou e tratou mal. Agora, estou me lembrando de voc��,

minha menina. Cresceu muito e est�� uma mo��a linda! Entre, vamos con-

versar e voc�� vai me dizer o motivo de estar aqui.

Ao ouvirem aquilo, todos olharam para Alda, que manteve a cabe��a

levantada e passou a m��o pelo cabelo novamente, tentando demonstrar

que, apesar de tudo o que havia passado, n��o mudou seu modo de ser e

de pensar.

Ap��s olhar para a m��e, Selma continuou:

- Ela abriu o port��o e me abra��ou.

- Estou velha, mesmo. Como pude me esquecer de voc��? Josias sempre

me escreve, dizendo como voc�� e seu irm��o est��o.

- Segurando em meu bra��o, fez com que eu entrasse e caminhamos

235

As chances que a vida d��

juntas, pelo corredor, at�� os fundos do quintal. Ela abriu a porta e entra-

mos em uma sala pequena, mas muito limpa e arrumada. Em seguida,

me mostrou uma cadeira para que eu me sentasse.

- Est�� com fome, menina?

- Eu estava com muita fome, pois na noite anterior, na festa, estava

t��o envolvida com meu plano que n��o comi coisa alguma. Depois, pen-

sando em como fazer para fugir dali e durante a viagem, tamb��m fiquei

sem comer. Como n��o respondi, Etelvina rindo disse:

- Sabe menina, n��o sei se voc�� est�� com fome, mas eu estou. Venha

comigo at�� a cozinha. Tenho sobre o fog��o arroz, feij��o e carne. Podemos





comer juntas.


- Fomos at�� a cozinha e vi, sobre a mesa, um prato usado, o que me

fez pensar que ela j�� havia comido, mas achei melhor n��o comentar. Ela

tirou o prato da mesa e colocou sobre a pia, depois abriu um arm��rio,

tirou dois pratos e foi at�� o fog��o de lenha com uma chapa de ferro por

cima que ficava sempre quente. De duas panelas, pegou arroz e feij��o,

de outra um peda��o de carne cozida, e colocou sobre a mesa, na minha

frente. Sorrindo disse:

- Agora a gente j�� pode comer. N��o �� muita coisa, mas vai matar a





nossa fome.


- Como eu estava com muita fome, fiquei calada e comecei a comer.

Ela sorriu e, mesmo sem vontade, come��ou a comer tamb��m. Quando

terminamos, ela sorriu e falou:

- Agora, me conte o que aconteceu para que esteja aqui, menina...

- Contei tudo o que havia acontecido desde o dia em que ela foi em-

bora. Falei sobre a pessoa ego��sta, orgulhosa e prepotente que havia me

tornado e o que havia feito que causara a morte de meu irm��o, de Arlete

e de Matilde. Ela me ouviu em sil��ncio, mas ao saber que Mario Augusto

e Arlete estavam mortos, chorando, disse:

- Nunca pensei que um dia isso pudesse acontecer. Seu irm��o era um





menino muito carinhoso.


- Por isso estou aqui, Etelvina. N��o apertei o gatilho, mas planejei

tudo. Nunca imaginei que Arlete pudesse ter uma atitude como aquela,

236

Elisa Masselli

mas eu a conhecia e sabia como era ciumenta.

- Ao ver que eu chorava muito sem conseguir me controlar, levan-

tou-se e me abra��ando disse:

- Voc�� teve um pouco de culpa, mas n��o toda. Cada um de n��s tem

seu livre-arbttrio e Arlete usou o dela para cometer essa trag��dia. Ela deve-

ria ter parado para refletir no que fazer, mas preferiu usar da viol��ncia. A

culpa n��o foi s�� sua.

Ao ouvir aquilo, Arlete, que acompanhava o que elas conversavam,

tomada de muito ��dio come��ou a rodopiar e a gritar:

- Agora, a culpada sou eu? N��o vou aceitar isso! Foi Selma quem me

levou a cometer aquilo!

No mesmo instante, aqueles que estavam acompanhando Arlete

come��aram tamb��m a gritar e a rodopiar. Com as m��os jogavam uma

nuvem densa e negra, que fez com que o ambiente ficasse pesado. Selma

e Etelvina come��aram a abrir a boca e a se sentirem muito mal. P��ricles,

Mario Augusto, Matilde e Zenaide colocaram-se ao redor deles para pro-

teg��-los das nuvens. P��ricles, demonstrando autoridade, disse:

- Acalme-se, Arlete. Voc�� j�� sofreu muito perdida no vale. Sabe o

que fez e, por isso, precisa ouvir tudo o que est��o dizendo.

- Eu n��o tive culpa alguma! Foi Selma, somente ela!

- N��o existem inocentes, Arlete! Todos n��s somos devedores e, em

algum momento, precisamos acertar as contas. Apesar de tudo, Etelvina

est�� dizendo uma verdade. Voc�� poderia ter agido de uma maneira dife-

rente, mas deixou o orgulho e o ci��me falarem mais alto. O ci��me �� um

dos sentimentos mais perniciosos, ele nos faz pensar que somos donos

da pessoa que amamos, quando, na realidade, ningu��m pertence a nin-

gu��m. Fomos criados livres.

- Como orgulho? Eu jamais poderia aceitar que Mario Augusto me tro-

casse por uma mo��a pobre como Matilde! Eu era perfeita e ele s�� poderia

escolher a mim! Eu nunca poderia aceitar uma trai����o, e Selma sabia disso!

- Est�� vendo? Voc��, apesar de tudo o que sofreu, ainda continua com

esse seu orgulho perverso. Pode ter nascido em um ber��o de ouro, mas

nem por isso �� melhor ou pior do que qualquer outra pessoa. O tempo

237

As chances que a vida d��

na Terra �� curto e serve para que aprendamos sobretudo essa verdade.

- Selma n��o pode ficar impune!

- Claro que Selma se aproveitou das suas fraquezas e vai ter de acertar

as contas. Ali��s, j�� est�� acertando. Est�� passando por momentos muito

ruins e n��o tem ideia do que vai acontecer com sua vida. Agora, acalme-

-se, Arlete, para que possamos continuar ouvindo o que Selma e Etelvina

est��o conversando.

Mesmo contra a vontade, mas diante da autoridade de P��ricles, Arlete

e seus companheiros voltaram ao lugar onde estavam. Selma continuou:

- Eu, embora triste, desesperada e me sentindo culpada por tudo o

que havia acontecido, estava me sentindo muito bem ao lado de Etelvina

e perguntei:

- O que aconteceu com voc�� depois que saiu l�� de casa?

- Depois que sua m��e viu que eu contava a voc�� a hist��ria de Jesus e

me fez sair do seu quarto, fui para a cozinha. Logo depois, ela chegou e me

olhando com muita raiva disse:

- Quem voc�� pensa que �� para falar com minha filha da maneira como

estava falando?

- Eu estava apenas contando uma hist��ria para ela...

- Voc�� estava querendo mostrar a ela a grande diferen��a que existe

entre pessoas como n��s e voc��s! Embora n��o aceite, somos, sim, melhores

que voc�� e todos da sua ra��a! Temos muito dinheiro, coisa que voc�� nunca

ter��! Voc�� e todos da sua ra��a nasceram para servir, e pessoas como n��s

nascemos para sermos servidos!

- N��o foi essa a minha inten����o, senhora!

- Claro que foi! Voc�� deseja que ela se envergonhe da situa����o que

tem? Quer que ela seja infeliz por ter dinheiro, por ser branca e linda?

- N��o foi isso, senhora...

- N��o vou mais discutir com voc��. Pegue suas coisas e v�� embora





agora mesmo.


- Estava anoitecendo, Selma, e eu n��o tinha para onde ir. Fiquei deses-

perada. Nervosa e tremendo muito, disse:

- Eu n��o tenho para onde ir. Trabalho aqui h�� tanto tempo. Sou sozinha,

238

Elisa Masselli

minha fam��lia n��o est�� aqui. Por favor, dona Alda, n��o me mande embora...

- Isso n��o �� da minha conta, saia agora mesmo! Como n��o cumpriu

minhas ordens n��o vou dar a voc�� dinheiro algum!

- N��o posso sair assim, durante a noite, sem dinheiro algum. Preciso

que me d�� o suficiente para que eu compre uma passagem para minha

cidade! Por favor, deixe que eu fique at�� amanh�� cedo. Trabalho h�� tantos

anos com a senhora e sempre procurei cumprir com minhas obriga����es.





Por favor...


- N��o tenho nada a ver com isso! Trabalhou, mas nunca foi de gra��a,

sempre recebeu o seu sal��rio! N��o posso permitir que continue aqui, pois

poder�� roubar alguma coisa. De gente como voc�� pode-se esperar tudo!

- Jamais roubaria a senhora ou qualquer outra pessoa! S�� que, agora,

n��o tenho para onde ir...

- N��o quero ouvir mais, pois nada do que disser vai fazer com que eu

mude de ideia! Pegue suas coisas e saia! Vou ficar aqui para ver o que est��

levando!

- Aquelas palavras me ofenderam profundamente. Eu era pobre, sim, mas

sempre respeitei as casas em que trabalhei antes da sua. Ela ficou parada:

- Pare de falar e v�� buscar suas coisas!

- Sem alternativa, fui para meu quarto e peguei minhas roupas, que n��o

eram muitas, pois como eu trabalhava de uniforme n��o precisava de outras

roupas. Estava sem dinheiro, pois o pouco que recebia pelo meu trabalho eu

mandava para c��, para minha irm�� que cuidava da minha filha.

- Meu Deus! O que voc�� fez, Etelvina? Onde dormiu aquela noite?

- Chorando, sa�� dali e comecei a andar sem destino, tentando imaginar

um lugar para onde pudesse ir. Ao passar por uma igreja, vi que algumas

pessoas entravam e tamb��m entrei. Era hora da missa e o padre estava

falando sobre a par��bola do bom samaritano. Fiquei ouvindo e, como sem-

pre tive muita f��, fiquei ali at�� que as pessoas come��assem a ir embora.

Quando todos sa��ram, continuei sentada. Um homem saiu de uma porta

que ficava ao lado do altar e, aproximando-se, disse:

- Boa noite, senhora. Sou o sacrist��o e est�� na hora de fechar a porta

da igreja. A senhora precisa sair.

239

As chances que a vida d��

- Fiquei desesperada:

- Mas n��o tenho para onde ir.

- Ele, parecendo n��o se interessar pelos meus problemas, ficou ali pa-

rado e me olhando. Contei o que havia acontecido e terminei dizendo:

- Por favor, mo��o, deixe que eu passe a noite aqui. Amanh��, bem cedo,





eu vou embora...


- Ele colocou a m��o no meu bra��o e, enquanto fez com que eu me le-

vantasse, disse:

- Sinto muito, mas preciso fechar a igreja e, por isso, a senhora n��o

pode ficar aqui. �� uma ordem do padre.

- Tentei, ainda, argumentar, mas foi em v��o. Ele me acompanhou at��

a sa��da e, assim que sa��, fechou a porta com muita pressa.

- Meu Deus, Etelvina. O que voc�� fez?

- Do lado de fora, ainda olhei para aquela porta que sempre pensei

ser da casa de Deus. Chorando e vendo que n��o poderia voltar para l��,

desci os degraus da escada, que n��o era muito alta, e comecei a caminhar.

Enquanto caminhava, me lembrei do que o padre havia falado sobre o bom

samaritano e, ainda chorando, pensei:

Como �� f��cil falar no que Jesus ensinou; mas, como �� dif��cil colocar em

praticai O que vou fazer, Senhor? Para onde posso ir a esta hora?

- Em frente �� igreja havia uma pra��a e nela um coreto que, naquele

momento, estava apagado. Cheguei junto dele, me sentei e fiquei olhando

para a ��gua que estava parada, assim como eu. Olhei �� minha volta e

n��o vi ningu��m que pudesse me ajudar. Pensei em voc��, no seu irm��o e

no quanto eu os amava. Sabia que sua m��e n��o tinha o que ensinar, pois

estava sempre preocupada consigo mesma e com o que as pessoas pode-

riam pensar. Pensei na enorme injusti��a que ela havia praticado comigo,

que sempre fiz tudo para cuidar de voc��, minha menina. Depois de algum

tempo e de chorar muito, pensei:

Meu Deus! Est�� frio e eu n��o estou bem agasalhada. Como passar a

noite assim ao relento? Pela manh��, vou at�� a casa de algumas amigas

da dona Alda e ver se uma delas pode me dar um emprego. Elas sempre

disseram que a qualquer momento, se eu quisesse, poderia trabalhar para

240

Elisa Masselli

elas. �� isso o que vou fazer, mas vai ficar para amanh��. Agora, estou muito

cansada e com muito frio. Meus dentes est��o batendo.

- Coloquei minhas pernas e p��s sob meu vestido e me encolhi o m��xi-

mo que podia. De onde eu estava, podia ver a porta da igreja. Sem conse-

guir parar de chorar, pensei:

Dizem que a igreja �� a casa de Deus. N��o acredito! Deus nunca iria

impedir que eu entrasse e passasse a noite em sua casa em um momento





como esse que tanto preciso...


- Senti mais frio e me encolhi ainda mais.

Meu Deus, n��o sei por que estou nesta situa����o. Sempre fui uma boa

pessoa e acho que n��o merecia isso. Meu anjo da guarda me proteja!

- Fiquei ali chorando. A cada minuto que passava sentia mais frio, e a

dor por tudo o que havia acontecido aumentava. Estava ali, quando ouvi

uma voz, minha conhecida:

- Etelvina! O que est�� fazendo aqui na pra��a a esta hora?

- Surpresa, olhei para Olinda, minha amiga que n��o via h�� muito tem-

po, e comecei a chorar. Ela se sentou ao meu lado e me abra��ando disse:

- O que aconteceu, Etelvina? Por que n��o est�� no seu trabalho?

- Contei o que havia acontecido. Ela, me apertando ao seu peito para

me aquecer e com o bra��o em volta dos meus ombros, disse:

- Levante-se, vamos embora. Voc�� vai passar a noite l�� em casa e,

amanh��, poder�� pensar no que fazer.

- Seu marido e filhos n��o v��o se importar?

- Claro que n��o! Afinal, quem manda l�� em casa sou eu. - Disse rindo,

o que me fez rir tamb��m.

- Como ela apareceu assim do nada, Etelvina?

- Naquele momento eu estava t��o feliz por ela estar ali que n��o me

preocupei com isso, Selma. Ela fez com que eu me levantasse e, abra��adas,

fomos para sua casa. Assim que chegamos, fui recebida com um sorriso

por Valdo, seu marido, que eu n��o conhecia. Assim que entramos, Olinda

disse:

- Valdo, esta �� Etelvina, minha amiga de muito tempo. Ela vai ficar





aqui por alguns dias.


241


As chances que a vida d��

- Seja muito bem-vinda, Etelvina! Agora entendo a vontade s��bita que

voc�� sentiu de sair de casa, mesmo sendo noite, Olinda.

- Eu senti que precisava, Valdo, pois sabia que algu��m estava precisan-

do de ajuda, mas nunca poderia imaginar que fosse voc��, Etelvina.

- Por isso que n��o tentei impedir voc��, j�� estou acostumado com isso.

- Valdo disse, rindo.

- Eu ouvia o que falavam mas n��o entendia o que diziam. Olinda,

olhando para mim e sorrindo, disse:

- Est�� com fome, Etelvina?

- N��o, Olinda. N��o estou com fome, s�� com muito frio.

- Vou fazer um ch�� para que se aque��a e, depois, vou colocar um col-

ch��o no quarto da minha filha e pedir que ela durma nele. Voc�� vai dormir





na cama dela.


- N��o, Olinda! Eu durmo no ch��o! N��o �� justo tirar sua filha da cama...

- N��o se preocupe com isso, Etelvina. Ela �� crian��a e at�� vai gostar de

dormir no ch��o.

- Tem certeza disso?

- Claro que tenho! Venha, vamos at�� a cozinha preparar o seu ch��.

Enquanto isso, voc�� me conta com mais detalhes o motivo de sua patroa ter

feito isso com voc��, j�� que trabalhou para ela durante tantos anos...

- Fomos para a cozinha, Selma. Olinda colocou ��gua para ferver e,

enquanto a ��gua fervia, Valdo entrou na cozinha e sentou-se ao meu lado.

Contei, em detalhes, tudo o que havia acontecido. Quando terminei, Val-

do, inconformado, disse:

- Como ela p��de fazer isso com voc��, que trabalhou por tanto tempo

para ela e sempre foi t��o dedicada com sua filha?

- Tamb��m n��o entendi, Valdo. Eu n��o estava fazendo nada de mal,

apenas estava ensinando a menina a n��o ter preconceito, mas ela n��o gos-

tou e achou que eu tive uma atitude muito ruim.

- Bem, mas isso n��o importa mais. Voc�� vai dormir aqui e amanh�� vai

procurar outro emprego. A vida �� mesmo assim, de repente ela nos tira do

rumo e temos de encontrar um caminho para voltarmos �� estrada.

- Eles riram e eu tamb��m. Em seguida, Olinda colocou um colch��o no

242

Elisa Masselli

ch��o do quarto da sua filha e um len��ol limpo tanto no colch��o como na

cama. Depois de tudo arrumado, disse:

- Agora voc�� vai dormir como um anjo. Amanh�� ser�� um novo dia e





tudo vai se arranjar.


- Naquele momento, lembrei-me da par��bola do bom samaritano so-

bre a qual o padre havia comentado durante a missa. Olinda ia saindo

quando perguntei:

- Voc�� �� religiosa, Olinda?

- Ela se voltou e, rindo, respondeu:

- N��o, s�� acredito em Deus. Mas por que est�� me perguntando isso, Etelvina?

- Por nada. Boa noite!

- Boa noite, Etelvina! Sonhe com os anjos.

- N��o sei se vou sonhar com os anjos, mas de uma coisa tenho certeza:

estou na casa de um. - Eu disse, tamb��m rindo.

- Ela me pareceu ser muito boa, Etelvina.

- Era, sim, Selma.

- Era? Por que, ela morreu?

- Morreu alguns anos depois. Mas, embora eu tivesse voltado para a mi-

nha cidade e ela tenha ficado l��, at�� o dia de sua morte sempre nos correspon-

demos. Ela morreu jovem ainda e deixou sua filhinha com apenas onze anos.

- Algumas vezes n��o entendo o que acontece, Etelvina. Como algumas

pessoas boas morrem cedo e outras que s��o horr��veis continuam vivas?

- J�� pensei isso algumas vezes, mas depois tive de aceitar que Deus

deve ter um motivo para que as pessoas boas morram e voltem para junto

d'Ele. A ��nica coisa que sei �� que naquela noite eu dormi como um anjo,

talvez por estar dormindo na casa de um. No dia seguinte, levantei-me

bem cedo. Olinda preparou o caf�� da manh��: p��o com manteiga e caf��

com leite. Uma mesa simples; por��m, enquanto eu comia, parecia que o

alimento ia direto para minha alma. Aquela casa transmitia uma paz que

nunca havia encontrado em lugar algum. Assim que terminei de tomar o

caf��, vesti o melhor vestido que tinha e fui at�� a casa da dona Gertrudes,

pois v��rias vezes ela havia me convidado para trabalhar para ela. Tinha

tr��s crian��as mais ou menos da idade que voc�� tinha.

243

As chances que a vida d��

- Voc�� foi �� casa dessa senhora?

- Fui. Mas dona Gertrudes, assim que me viu, disse que n��o po-

deria me contratar, pois sua m��e tinha muita influ��ncia sobre todas

as amigas, e assim que voc�� saiu da sua casa ela telefonou para todas

e proibiu que qualquer uma delas me contratasse. Fiquei desesperada,

argumentei, mas de nada adiantou. Tive de sair dali e j�� na rua fiquei

pensando no que poderia fazer. Olinda me recebeu com muito carinho,

mas eu n��o poderia continuar na sua casa. Ela tinha uma vida tran-

quila mas n��o poderia me sustentar, e eu n��o poderia permitir que

sua filha dormisse no ch��o por minha causa. Tentei encontrar emprego

em outros lugares, mas n��o consegui. Depois de andar durante todo o

dia, resolvi que a ��nica solu����o seria vir para c��, pois aqui al��m de eu

ter minha casa, que meus pais me deixaram, tinha minha irm�� que

cuidava da minha filha e talvez conseguisse arrumar algum emprego.

O sal��rio n��o seria o mesmo que recebia na sua casa, mas era a ��nica

coisa que eu poderia fazer. Assim que cheguei �� casa de Olinda, contei

a ela o que havia acontecido e a decis��o que havia tomado. Ela, sur-

presa, disse:

- Como algu��m pode ser t��o maldosa e deixar que o orgulho e o poder

decidam sobre a vida de outra pessoa?

- N��o sei, Olinda. Tamb��m n��o entendo, mas deve haver algum moti-

vo para que tudo isso aconte��a. S�� vou precisar que, se voc�� puder, me ar-

rume o dinheiro para a passagem de ��nibus at�� a minha cidade. Prometo

que vou devolver esse dinheiro, s�� n��o sei quando, mas vou devolver!

- Ela come��ou a rir:

- N��o tenha tanta pressa, Etelvina. Procure por mais alguns dias, Sei





que vai encontrar um emprego.


- Aqui n��o vou, n��o, Olinda. Preciso voltar para junto da minha fam��-

lia, da minha filha. J�� estou h�� muito tempo longe deles.

- Est�� bem, se �� isso que deseja... Tenho dinheiro sim, que tamb��m n��o

�� muito; mas n��o se preocupe, Etelvina. Sei que vai devolver, s�� acho que

deveria esperar mais algum tempo. Quem sabe n��o encontra outro emprego?

- N��o posso ficar esperando, Olinda. Dona Alda tem muita for��a. Eu

244

Elisa Masselli

n��o posso me aproveitar da sua amizade. Vou para casa esperar para ver





o que vai acontecer.


Sendo assim, vou pegar o dinheiro. Voc�� passa esta noite aqui e ama-

nh�� vai para a sua cidade, mas se precisar pode voltar quando quiser.

- Obrigada, Olinda.

- Dormi l�� aquela noite e no dia seguinte vim para c��. Meu pai havia

constru��do no mesmo terreno duas casas. A dos fundos era minha e a da

frente de minha irm��, que era vi��va e morava com o seu filho e a minha

filha. Ela alugava a minha casa para conseguir algum dinheiro. Quando

cheguei, ela se assustou porque eu ia muito pouco at�� l��. Ela cuidava da

minha filha com muito carinho, por isso sempre fiquei tranquila. Choran-

do, contei a ela o que havia acontecido. Claro que ficou revoltada, pois

conhecia meu amor e minha dedica����o a voc��, Selma. Depois, disse:

- N��o se preocupe. Trabalho como merendeira na escola da Prefeitura.

Vou conversar com um vereador amigo e, quem sabe, talvez consiga algum

emprego para voc��. Mas, mesmo que n��o conseguir, aqui n��o vai faltar

nada a voc��, minha irm��. Tem cuidado da gente h�� tanto tempo... N��o se

preocupe. Parecia que eu sabia que voc�� ia voltar. O inquilino que morava

na sua casa se mudou para outra cidade e eu n��o quis mais alugar. V�� at��

l�� e veja como est��.

- N��o sei como, Selma, mas depois dessas palavras me senti bem e tran-

quila. Fui at�� os fundos do quintal e entrei em minha casa, que estava da

maneira como eu havia deixado. Estava pintada e com um cheiro muito

bom. N��o tinha m��veis, mas mesmo assim fiquei feliz por estar l��. Sabia que

precisaria de muito pouco para viver ali. O inquilino, quando saiu, deixou

duas camas. Minha irm�� a mantinha sempre limpa e, ao ver minha felicida-

de, saiu e voltou, logo depois, com len����is limpos e duas toalhas.

- Vai dormir aqui com a Neusinha, mas a comida vamos fazer l�� em casa.

- Naquela noite, assim que me deitei na cama com minha filha ao meu

lado, agradeci a Deus por tudo aquilo ter acontecido, pois assim eu poderia

ficar��o lado dela, e pensei:

Durante tanto tempo cuidei da Selma e abandonei minha filha... Nun-

ca mais vou sair de perto dela.

245

As chances que a vida d��

- Voc�� arrumou emprego, Etelvina?

- N��o, Selma. Como a cidade era pequena, as poucas pessoas que po-

diam pagar j�� tinham as suas empregadas. Por isso n��o consegui emprego.

Minha irm�� tentou, mas tamb��m n��o conseguiu. Ela costurava e me ensi-

nou. Eu fazia algumas costuras e consertos e, assim, ganhava algum dinhei-

ro. Apesar dos momentos de aperto por falta de recursos, estava t��o feliz que

muitas vezes cheguei a agradecer por sua m��e ter me obrigado a voltar para

casa. Tudo correu bem por dois anos. Em uma manh��, meu sobrinho entrou

correndo em minha casa. Estava assustado dizendo que a m��e n��o estava

bem e que ela n��o queria acordar. Assustada, fui com ele. Encontrei minha

irm�� deitada na cama e, embora parecesse dormir, assim que a vi percebi

que estava morta. Comecei a gritar chamando por ela. Ao ouvir os meus

gritos a vizinha do lado veio e, ao ver o que havia acontecido, chamou a

pol��cia. Minha irm�� morreu e eu fiquei desesperada. N��o conseguia aceitar,

pois, na noite anterior, hav��amos jantado juntas e ela ainda me ajudou com

algumas costuras. O m��dico disse que ela tinha um problema no cora����o h��

muito tempo e n��o sabia, pois nunca havia ido a um m��dico. De repente,

me vi sozinha com minha filha e meu sobrinho, que estava com dezesseis

anos. Depois de algum tempo s�� chorando, senti que n��o poderia continuar

daquela maneira. Minha irm�� havia morrido, mas seu filho estava ali e sob

minha responsabilidade. A vida continuou. Como ela havia trabalhado por

muitos anos para a Prefeitura, seu filho come��ou a receber uma aposenta-

doria e, com esse dinheiro, que n��o era muito, mais o que eu conseguia com

as costuras, continuamos a nossa vida. Ele conseguiu uma bolsa de estudos

e se formou como contador. O tempo passou. Ele e minha filha cresceram.

Ela se casou com um rapaz que morava na Capital, ele come��ou a trabalhar

no latic��nio e est�� l�� at�� hoje. Enfim, est�� tudo bem na minha vida. Nunca

esqueci de voc��, Selma, e estou feliz que esteja aqui.

- Obrigada, Etelvina, por me acolher em sua casa. Sinto muito pelo

que minha m��e fez com voc�� e acho que foi naquele dia que comecei a mu-

dar e a me transformar na pessoa que sou hoje, um monstro...

- Voc�� n��o �� um monstro, Selma. Todos n��s precisamos trilhar uma





estrada para podermos aprender.


246


Elisa Masselli

- Eu aprendi, Etelvina. Juro que aprendi.

- Fique tranquila. Vai viver aqui at�� quando quiser. S�� n��o acho bom

dizer para as outras pessoas que voc�� �� rica, pois, se assim fizermos, talvez

voc�� n��o encontre um trabalho. Preconceito existe em todo lugar. As pes-

soas daqui s��o muito curiosas e v��o querer saber sempre mais. N��o vamos

contar nem mesmo ao meu sobrinho. Vou dizer a ele que voc�� �� filha de

uma minha amiga da Capital e que vai morar aqui por algum tempo.

Ao dizer isso, Selma voltou-se para Roberto, que a ouvia atentamente:

- Voc�� se lembra desse dia, Roberto?

- Claro que me lembro, Selma. S�� n��o entendo por que voc��s n��o

quiseram contar nem mesmo a mim.

- Sua tia achou que seria melhor assim, pois voc�� sabia o que minha

m��e havia feito e talvez n��o entendesse ela querer me ajudar. De qual-

quer maneira, quando voc�� chegou e nos olhamos, sentimos que algo

aconteceu.

Roberto come��ou a rir:

- Aconteceu mesmo. Assim que vi voc��, comecei a tremer, e enquan-

to minha tia dizia que voc�� ia morar na nossa casa, n��o conseguia desviar

meus olhos dos seus.

Mar��lia interrompeu:

- Foi assim que voc�� veio para c�� e conheceu Roberto?

- Foi, Mar��lia, e muitas vezes achei que se nada daquilo tivesse acon-

tecido eu jamais teria conhecido Roberto e teria tido meu filho.

Alda, que at�� aquele momento havia ficado calada, nervosa disse:

- Teria se casado com um homem rico da sociedade e, hoje, n��o

estaria nessa situa����o.

Todos olharam para ela. Selma sorriu e disse:

- Embora eu esteja aqui, presa, sou muito feliz, mam��e, ao lado de

Roberto e do meu filho. Isso me faz pensar que algumas coisas que nos

acontecem de ruim muitas vezes �� para um bem maior. Etelvina, mesmo

tendo que se separar de mim por algum tempo, sempre foi o meu anjo

da guarda. Se eu continuasse a ser da maneira como ela me educava, hoje

seria feliz e n��o teria errado tanto. Eu e Roberto somos inocentes, por

247

As chances que a vida d��

isso acredito que tudo isto vai passar e voltaremos a ser felizes aqui, nesta

cidade, e continuando a viver da maneira que sempre vivemos, n��o com

luxo e riqueza, mas com paz e tranquilidade.

- Como voc�� pode dizer que �� feliz, Selma, vivendo em uma cidade

pobre e pequena como esta?

- Sou feliz, mam��e, porque tenho uma fam��lia e o orfanato para tra-

balhar. N��o preciso de nada, al��m disso. Aqui, entendi que n��o existem

pessoas melhores ou piores, que ningu��m �� superior a ningu��m. Cada

um de n��s tem seu pr��prio valor.

Alda, influenciada por Arlete, estava nervosa e ia dizer alguma coisa,

quando Jos�� Luiz, acompanhado pelo delegado, entrou e sorrindo disse

- Consegui a liberdade de voc��s. Responder��o em liberdade, s�� n��o

poder��o sair da cidade.

- Como conseguiu isso, Jos�� Luiz?

- O juiz aceitou o habeas corpus, dizendo que voc��s s��o moradores da cidade e muito conhecidos e n��o sair��o daqui at�� o julgamento. Por

enquanto, est��o livres.

- Qual �� o valor dos seus honor��rios, Jos�� Luiz? Prometo que, de

alguma maneira, vou pagar.

- Isso n��o importa, Selma. O importante �� que voc��s est��o livres e

que teremos algum tempo para descobrir o que aconteceu.

- Preciso saber o valor para poder pagar a voc��, Jos�� Luiz.

Arlete, ao ouvir aquilo, gritou:

- Ela n��o pode se livrar! �� culpada! Ela matou Mario Augusto, Ma-

tilde e eu! �� uma assassina! Precisa ser presa!

- Acalme-se, Arlete. Tudo caminha como tem de ser. Voc�� n��o pode

julgar pois n��o sabe o que de fato aconteceu.

Sem imaginar que era Mario Augusto quem falava com ela, ficou

furiosa:

- Como n��o sei? N��o sei quem voc�� ��, mas com certeza n��o sabe o

que aconteceu. Ela mesma confessou que matou a n��s tr��s!

- Ela preparou uma armadilha, n��o imaginou que terminaria em

morte, mas n��o somos n��s que devemos julgar. Tudo tem seu tempo e

248

Elisa Masselli

sua hora. O que precisamos fazer �� uma prece para que ela fique bem.

Selma est�� h�� muito tempo se condenando, sabendo o que fez, e disso

nunca poder�� escapar. A melhor julgadora sempre ser�� a nossa consci-

��ncia. Precisamos esquecer o que se passou, Arlete.

- Est�� maluco? N��o sabe o que est�� dizendo! Como posso esquecer

que ela tirou a minha vida e impediu que eu e Mario Augusto viv��ssemos

e f��ssemos felizes? N��o vou perdoar nem esquecer!

Dizendo isso, Arlete aproximou-se de Alda que, ainda sentindo mui-

ta raiva, se deixou envolver por ela e por aqueles que a acompanhavam.

Com muito ��dio, disse:

- N��o permita, dona Alda! Selma �� m�� e n��o merece ser feliz!

Ao ouvir aquilo, Alda sentiu sua raiva aumentar e olhando com iro-

nia disse:

- Pagar? Como, Selma? Voc�� n��o tem nem onde cair morta. Claro

que est�� pensando que sou eu quem vai pagar, mas n��o vou! S�� vim at��

aqui para saber o que havia acontecido com voc��. Nunca imaginei que

era culpada pela morte do Mario Augusto! Hoje mesmo, vou fazer um

testamento e deixar todos os meus bens para alguma institui����o. Voc��

n��o vai ficar com um tost��o meu!

Todos, surpresos, olharam para ela que, muito nervosa, continuou:

- Desde o dia em que voc�� nasceu, eu s�� quis a sua felicidade. Teve os

melhores professores e escolas, sempre teve tudo o que quis! Nasceu em

um ber��o de ouro e jogou tudo fora para ficar com esse a��? N��o merece

nada neste mundo! Vamos embora, Jos�� Luiz!

- Acalme-se, dona Alda. N��o posso ir agora, preciso cuidar de algu-

mas coisas. Se quiser, pode ir com Josias.

De repente, uma luz muito forte iluminou a delegacia. Ningu��m viu,

somente Arlete e seus companheiros, que se assustaram muito. Nervosa,

perguntou:

- Que luz �� essa? O que o senhor quer de mim?

- Meu nome �� P��ricles. Voc�� n��o me conhece, Arlete, mas estou ao

seu lado e de todos voc��s h�� muito tempo. Voc�� n��o pode continuar aqui

tentando impor sua vontade. Precisa me acompanhar.

249

As chances que a vida d��

- N��o vou a lugar algum! Encontrei Selma e agora preciso encontrar

Mario Augusto e Matilde para me ajudarem na minha vingan��a! J�� pro-

curei por todos os lugares e n��o os encontrei! Vou continuar aqui at�� que

eles venham! Sei que tamb��m est��o procurando por mim e, principal-

mente, por Selma! Assim como eu, devem querer se vingar!

P��ricles olhou para Mario Augusto e Matilde, que sorriram. Matilde,

sem entender o que estava acontecendo, perguntou:

- Por que ela n��o consegue nos ver, P��ricles? Estamos h�� tanto tem-

po ao seu lado...

- Embora Arlete tenha cometido dois erros graves, matar voc��s dois

e cometer suic��dio, ela n��o aceita sua culpa, prefere culpar Selma. N��o

estou dizendo que Selma n��o teve culpa, teve, sim, mas como esp��ritos

livres, voc��s poderiam ter se rebelado e n��o seguido o que ela propunha.

Principalmente voc��, Matilde. Assim como voc��s, quando retornaram e

aceitaram as explica����es que demos para o acontecido e reconheceram

a parcela de culpa de cada um, ela teve a mesma ajuda, mas n��o aceitou,

escolheu o ��dio, a vingan��a e preferiu se unir a outros que pensavam

como ela. Por isso, levar�� algum tempo para que possa reencontrar o

caminho e voc��s.

- Precisamos ajud��-la. Eu sempre a amei e quero poder abra����-la.

- Por isso estou aqui, Mario Augusto. Alguma coisa pode acontecer

para que Selma e Alda tentem se perdoar mutuamente, e para que isso

aconte��a Arlete n��o pode continuar aqui, ao lado delas. Elas precisam

decidir o que fazer sozinhas.

- O que vai fazer com Arlete, P��ricles? N��o vai fazer com que sofra...

- Algumas vezes, Mario Augusto, o sofrimento �� necess��rio para que

possamos evoluir. Arlete vai ter outra oportunidade de reencontrar o ca-

minho e voc��s, s�� vai depender dela, e para que isso aconte��a vou lev��-la

a um lugar onde sozinha poder�� decidir. Por��m, n��o se preocupe, ela

nunca estar�� s��. Ficaremos ao seu lado, mas n��o podemos interferir na

sua decis��o.

- Poderei ir com ela?

- N��o, Mario Augusto. Voc�� e Matilde precisam ficar aqui, ao lado de

250

Elisa Masselli

Selma e de sua m��e. Ambas v��o precisar muito da sua ajuda. Eu e os ou-

tros ficaremos com Arlete. Vou tentar conversar com ela, mais uma vez.

- Venha comigo, Arlete. - Disse, voltando-se para ela e com voz firme.

- J�� disse que nem eu nem meus amigos vamos sair daqui!

- Voc��s e seus companheiros n��o podem continuar aqui, principal-

mente voc��. O livre-arb��trio sempre precisa ser respeitado. Vai ter uma

nova chance para entender e aceitar o que aconteceu.

Antes que ela dissesse alguma coisa, e para surpresa de Mario Au-

gusto e Matilde, ela, seus companheiros e P��ricles desapareceram.

- Para onde eles foram, Mario Augusto?

- N��o sei, mas precisamos continuar aqui, como P��ricles disse. Va-

mos ver o que vai acontecer para que possamos ajudar.

Voltaram-se para Alda que, muito nervosa, perguntou a Jos�� Luiz:

- Vai continuar aqui, nesta cidade horrorosa?

- Preciso tentar libertar os dois, ainda hoje, dona Alda.

- Mas voc�� veio no meu carro, como vai voltar?

- N��o se preocupe, vou conversar com algum taxista. Acredito que qual-

quer um vai querer fazer uma corrida grande como essa. Pode ir tranquila.

- �� isso o que vou fazer! N��o vou ficar nem mais um minuto aqui ao

lado dessas pessoas!

Dizendo isso, saiu apressada. Na rua, entrou no carro e, nervosa, disse:

- Vamos embora, Josias! O ar desta cidade est�� me sufocando!

Josias abriu a porta do carro para que ela entrasse, depois entrou,

ligou o motor e saiu.

Na delegacia, eles n��o entenderam a atitude de Alda e como que, de

repente, ela teve aquela rea����o, pois at�� ali parecia que estava bem ouvin-

do o que Selma contava.

Selma, constrangida pela atitude da m��e, disse:

- Preciso que me desculpem. Essa atitude de minha m��e n��o me

causa surpresa, ela sempre foi assim, quando contrariada age dessa ma-

neira.

- N��o se preocupe com isso, Selma, conhe��o sua m��e desde que era

crian��a. - Disse Jos�� Luiz.

251

As chances que a vida d��

O delegado entrou no corredor, dizendo:

- Pronto, doutor. Os pap��is est��o em ordem e assinados. J�� podem

sair. Por algum tempo, estar��o livres. - disse, olhando para Selma e Ro-

berto, que sorriram.

- Obrigado, doutor. Agora, teremos tempo de descobrir o que acon-

teceu realmente e o motivo.

- Assim espero.

Enquanto dizia isso, o delegado abriu as celas. Roberto e Selma pu-

deram se abra��ar e chorar um no ombro do outro. E, assim, abra��ados,

sa��ram da delegacia.

Quando chegaram do lado de fora, encontraram Carlos sentado na

escada que havia em frente, conversando com Fabiana. Assim que viu os

pais, levantou-se e correu para eles, que o abra��aram com muito carinho.

- Agora, podemos ir para casa, meu filho.

- Que bom, mam��e! Eu estava desesperado sem saber o que aconte-

ceria comigo.

- Vai ficar tudo bem, Carlos. Eu e seu pai somos inocentes e vamos provar.

Fabiana, que estava distante, mas que podia ouvir o que falavam, fi-

cou olhando a felicidade deles. Selma, assim que a viu, abriu os bra��os.

Timidamente, Fabiana se aproximou e abra��aram-se. Selma, emociona-

da, enquanto a abra��ava disse:

- Obrigada por ter ficado ao lado de Carlos, Fabiana. Em horas como

essa �� que mais precisamos dos amigos.

- N��o tem o que agradecer, dona Selma. Eu gosto muito do Carlos e

da senhora tamb��m. Ainda bem que foram soltos.

- Gra��as a Deus! Tudo o que aconteceu foi um terr��vel engano.

- Tenho certeza disso, dona Selma. Acredito quer tudo vai ser expli-

cado e resolvido.

- Assim espero...

Em seguida, Selma olhou para os outros e disse:

- Agora, vamos para casa? L�� poderemos conversar.

- Desculpe-me, Selma, mas n��o poderei ir. Preciso ir para casa e conversar

com algumas pessoas que poder��o me ajudar a esclarecer o que aconteceu.

252

Elisa Masselli

- Embora ache uma pena que n��o possa ficar aqui, tamb��m estou

feliz por t��-lo ao nosso lado, Jos�� Luiz. Nem sei como agradecer por ter

vindo at�� aqui e ter nos libertado. Sei que seu trabalho e tempo s��o va-

liosos; portanto, quando quiser, nos mande a conta. N��o temos muito

dinheiro, mas prometo que pagaremos por todo o seu trabalho.

Jos�� Luiz sorriu:

- N��o se preocupe com isso. Voc�� �� minha amiga de inf��ncia e irm�� do

meu melhor amigo. Al��m do mais, o trabalho ainda n��o terminou. Vou reu-

nir algumas pessoas e vamos descobrir o que aconteceu. Assim que tiver algo,

voltarei aqui e conversaremos. Por enquanto, voc��s n��o podem sair da cidade.

- N��o sairemos, Jos�� Luiz. Precisamos ficar aqui e provar a nossa

inoc��ncia.

Jos�� Luiz apertou a m��o dos outros e se afastou. Assim que saiu, foi at��

ao ponto de t��xi que havia em frente �� delegacia e conversou com o mo-

torista, que ficou contente. Entrou no carro, acenou com a m��o e partiu.

Assim que o carro saiu, Selma voltou-se para Mar��lia e Berta:

- Voc��s v��o para minha casa?

- Desculpe-me, Selma, mas estou muito tempo fora do orfanato.

Preciso voltar para l��, mas qualquer coisa que precisar e eu puder ajudar

me procure. Enquanto isso, vou investigar e tentar entender o que acon-

teceu, e como o dinheiro foi roubado e por quem.

- Tamb��m preciso ir para casa, Selma. Louren��o deve estar curioso

para saber o que aconteceu.

Selma abra��ou as duas:

- Obrigada por acreditarem na nossa inoc��ncia e pela amizade.

- Fique calma, amiga! Vamos descobrir o que aconteceu, e os verda-

deiros culpados ser��o castigados.

Elas se afastaram. Selma e Roberto come��aram a caminhar em dire-

����o �� rua onde moravam. Carlos e Fabiana foram para a pra��a e senta-

ram-se em um dos bancos.

Selma e Roberto caminhavam. Ela percebeu que ele estava em si-

l��ncio, coisa que nele n��o era comum, pois era sempre muito falante.

Sabendo o motivo daquele sil��ncio, disse:

253

As chances que a vida d��

- Sei que voc�� est�� decepcionado comigo. Sinto muito, mas fiquei

com medo de contar. Sentia muita vergonha daquilo que havia feito e no

que tinha me tornado.

- N��o �� por isso que estou decepcionado, pois, por mais que tente

imaginar n��o consigo ver, em voc��, aquela mulher que descreveu. Sem-

pre foi uma ��tima esposa e m��e, e tamb��m muito dedicada ao orfanato.

O que me decepcionou foi por n��o ter confiado em mim e me contado

antes. Por que n��o acreditou no meu amor por voc��, Selma?

- A princ��pio segui o que Etelvina pediu. Ela achava que seria me-

lhor que ningu��m soubesse quem eu era para poder recome��ar minha

vida aqui nesta cidade. Realmente ela tinha raz��o, pois logo consegui um

emprego no banco. Depois, quando nos envolvemos, fiquei com medo

de contar e voc�� n��o aceitar. O tempo foi passando, nos casamos, Carlos

nasceu e t��nhamos uma vida perfeita. Mas hoje sei que nada fica escon-

dido por todo o tempo e que, em algum momento, tudo vem �� tona.

Sei que est�� magoado, mas sei tamb��m que nossa vida vai fazer com

que tudo passe. Nunca pensei que um dia poderia ver minha m��e t��o

triste e nervosa. Embora ela tenha tentado disfar��ar, percebi sua tristeza

e seu sofrimento quando contei que havia sido a respons��vel pela mor-

te de Mario Augusto. Al��m de ter sido orgulhosa, ego��sta e covarde em

ter desaparecido da maneira como fiz, sem nada dizer ou ao menos ter

mandado not��cias durante todo esse tempo. Hoje, como m��e, imagino o

que eu sentiria se n��o soubesse onde Carlos estava. Ficaria louca. Hoje

ela est�� magoada, mas quando tudo isso passar vou fazer o poss��vel e o

imposs��vel para que ela me perdoe. Espero conseguir que isso aconte��a.

- Voc�� tem raz��o. Temos uma vida em comum, que por sinal tem sido

muito boa; portanto, o tempo vai se encarregar de colocar tudo em seu lugar.

Quanto �� sua m��e, ela me pareceu muito orgulhosa e pedante, mas tamb��m

percebi sua tristeza e sua revolta. Por��m, acredito que mais cedo ou mais tarde

voc��s v��o se entender.

Ele pegou sua m��o e continuaram caminhando. Apesar de tudo o

que haviam passado naqueles dias, estavam juntos e sabiam que, en-

quanto estivessem assim, nada de mal poderia lhes acontecer.

254



Nunca deixe para amanh��

Enquanto dirigia o carro, Josias olhou pelo retrovisor e viu que Alda

tirava da bolsa um pequeno espelho. Enquanto se olhava e colocava al-

guns fios de cabelo no lugar, disse:

- N��o entendo! Como Selma p��de fazer o que fez e ainda querer

colocar a culpa na maneira como foi criada e por ter tido tudo na vida?

Isso n��o est�� certo, Josias. N��o est��!

- Fique calma, dona Alda. Tudo isso vai passar, e a senhora e Selma

poder��o se reconciliar.

- Reconciliar? Nunca, nunca! Ela matou meu filho por um motivo

banal!

- Ela era muito jovem e n��o sabia bem o que estava fazendo, dona

Alda. Como eu disse, tudo vai passar.

- Como vai passar, Josias? Nunca vai passar! Meu filho n��o voltar��

nunca mais! Ele est�� morto e por culpa dela! Eu a odeio com todas as

for��as do meu cora����o!

- Nunca diga isso, dona Alda! O ��dio nada resolve, e a senhora sofrer��

mais com ele. O perd��o sempre �� o melhor caminho que temos para seguir.

255

As chances que a vida d��

- Perd��o? Como algu��m pode perdoar isso que Selma fez?

Josias continuou dirigindo e, olhando pelo retrovisor, viu que Alda,

embora nervosa, olhava em um espelho e arrumava os cabelos. Depois,

guardando o espelho, muito nervosa, disse:

- N��o estou me sentindo bem, Josias. Estou enjoada. Pode parar o

carro por um instante?

Assim que terminou de falar, deitou-se no banco do carro.

Assustado, Josias parou, abriu a porta, saiu do carro e, abrindo a

porta de tr��s, vendo que ela estava muito branca, come��ou a chamar:

- Dona Alda, dona Alda!

Ela n��o respondeu. Percebendo que alguma coisa estava acon-

tecendo, pois ela al��m de transpirar muito estava branca como cera.

Josias, desesperado, entrou no carro, olhou para o rel��gio que estava

em seu pulso e viu que fazia apenas quinze minutos que estavam na

estrada. Pensou:

O melhor a fazer �� voltar para a cidade, l�� deve ter algum hospital

Dona Alda n��o est�� nada bem.

Olhou para os dois lados da estrada e viu que n��o vinha nenhum

carro. Rapidamente fez a volta, acelerou e saiu em disparada.

Alguns minutos depois, entrou na cidade. Perguntou a um senhor

que passava:

- Senhor, tem algum hospital aqui nesta cidade?

Hospital n��o tem, s�� um pronto-socorro. Quando o senhor chegar

ao fim desta rua, vire �� direita e logo vai v��-lo.

Enquanto falava, o senhor apontou com o bra��o. Josias agradeceu e

dirigiu rapidamente.

Seguiu a instru����o e chegou ao pronto-socorro, que parecia ser pe-

queno. Parou em frente, desceu, correu e entrou. Logo depois, voltou

acompanhado por dois enfermeiros que traziam uma maca. Juntos, tira-

ram Alda do carro, a colocaram sobre a maca e entraram correndo.

Josias, muito nervoso e assustado, ficou esperando sentado em um

dos bancos. Algum tempo depois, o enfermeiro voltou:

- O m��dico quer falar com o senhor. Ele est�� ali naquela sala.

256

Elisa Masselli

Josias se levantou e caminhou em dire����o �� porta que o enfermeiro

havia mostrado.

Assim que entrou, percebeu que o m��dico estava preocupado. Olhou

para ele, que disse:

- Sente-se, por favor.

Sentou-se e o m��dico, tentando sorrir, disse:

- A senhora sofreu um derrame cerebral e seu estado �� grave. Nes-

te pronto-socorro, infelizmente, n��o temos muitos recursos. Vamos dar o

primeiro atendimento, mas ela precisa ir para um hospital. Aqui, s�� temos

uma ambul��ncia que n��o pode sair da cidade. O senhor tem como provi-

denciar o transporte dela? Contratar uma ambul��ncia na cidade vizinha?

- Eu n��o, mas ela tem recursos. Preciso localizar sua filha, que mora

aqui na cidade. Ela encontrar�� uma maneira de socorrer a m��e. Enquan-

to eu procuro pela filha dela, ela pode ficar aqui aos seus cuidados?

- Claro que sim. Ela est�� sendo socorrida e por algumas horas

n��o poder�� ser removida, talvez at�� por um dia. Vai depender da sua

evolu����o. V�� tranquilo.

Josias saiu e chegou �� rua. Olhou para os lados e, desesperado, pensou:

Preciso falar com Selma. Jos�� Luiz disse que havia conseguido que fos-

sem libertados. Como n��o sei se foram, o melhor a fazer �� eu ir para a de-

legacia. Se n��o estiverem l��, ao menos poderei pegar o endere��o de Selma,

mas n��o sei onde fica a delegacia. Entrei t��o apressado na cidade que nem

percebi o caminho que fiz. Sei que �� perto da rua principal e que fica logo

na entrada da cidade. N��o me lembro por onde passei para chegar at�� aqui

no hospital. Preciso perguntar para algu��m.

Um casal chegava apressado. A mo��a estava com uma crian��a no

colo, iam entrar no hospital. Josias parou na frente:

- Desculpem, parece que est��o apressados, mas preciso de uma in-

forma����o. Poderiam dizer onde fica a delegacia?

- O senhor precisa ir por esta rua. Quando chegar �� terceira travessa,

vire �� esquerda. A delegacia fica na esquina da rua principal.

Josias agradeceu, entrou no carro e foi por onde o rapaz havia ensi-

nado. Como estava no meio da cidade, n��o p��de correr, mas dirigiu o

257

As chances que a vida d��

mais r��pido que p��de. Finalmente, chegou em frente �� delegacia. Parou

o carro e, enquanto estava descendo, ouviu uma voz:

- Josias! Por que voltou? Onde est�� dona Alda?

- Jos�� Luiz! Pensei que estivesse indo embora.

- Eu estava, mas vi seu carro voltando e, como n��o vi dona Alda

dentro dele, calculei que havia acontecido alguma coisa e pedi ao taxista

que retornasse. Onde ela est��?

- Est�� no hospital, sofreu um derrame. Vim at�� aqui para ver se en-

contro Selma.

- Derrame? Como pode ser? Ela estava bem!

- N��o sei, Jos�� Luiz. Ela estava muito nervosa. Disse que estava pas-

sando mal, deitou-se no banco do carro e desfaleceu. Como ainda estava

perto da cidade, achei melhor voltar. Vamos entrar e conversar com Selma?

- Eles n��o est��o mais na delegacia, Josias. S�� fui embora depois que

sa��ram. Mesmo assim, vamos entrar e perguntar onde fica a casa deles.

Al��m de ter o endere��o, o delegado deve saber onde fica a rua, para n��o

precisarmos procurar.

- Vamos fazer isso, Jos�� Luiz.

- Primeiro vou dispensar o taxista.

Jos�� Luiz pagou e dispensou o taxista e depois entraram, Josias con-

tou ao delegado o que havia acontecido e terminou dizendo:

- Precisamos do endere��o de Selma e uma indica����o de como pode-

remos chegar l��.

- Sinto muito pelo que aconteceu com a senhora. Vou pedir ao sol-

dado Tiago que os acompanhe at�� l��.

- Obrigado, delegado.

O delegado olhou para o soldado que estava ali e disse o que ela pre-

cisava fazer, no que foi atendido imediatamente. O soldado abriu a porta

e eles sa��ram.

Assim que chegaram �� rua, viram que Carlos e Fabiana vinham na

dire����o do carro. O menino estava nervoso:

- O que aconteceu, por que voltaram? N��o v��o dizer que meus pais

v��o ser presos novamente!

258

Elisa Masselli

- Acalme-se, Carlos. Seus pais est��o bem e por algum tempo fica-

r��o livres. Espero que consigamos provar a inoc��ncia deles e, assim,

nunca mais ser��o presos. Voltamos porque sua av�� passou mal e est��

no pronto-socorro.

- Passou mal, como assim?

- N��o sabemos, precisamos falar com sua m��e. Foi bom que chega-

ram, assim poder��o nos levar at�� sua casa.

- Claro! Vamos?

- Entrem no carro.

Seguindo a orienta����o de Jos�� Luiz, os dois entraram no carro. Car-

los sentou-se no banco da frente para que pudesse indicar o caminho.

Fabiana e Jos�� Luiz sentaram atr��s.

Alguns minutos depois, pararam em frente �� casa de Selma. Carlos

desceu r��pido, entrou correndo pela porta da sala e chamou:

- M��e! M��e!

Selma e Roberto, que estavam na cozinha enquanto ela preparava

um lanche, se assustaram com o grito desesperado de Carlos. Ela secou

as m��os no avental, ele levantou-se da cadeira e ambos correram para a

porta que dava para a sala. Ela perguntou:

- O que foi, Carlos? O que aconteceu?

Antes que ele respondesse, viram Josias e Jos�� Luiz, que entravam

atr��s de Carlos. Ao v��-los, Selma sentiu seu corpo estremecer:

- O que aconteceu? Por que voc��s voltaram?

Josias contou o que havia acontecido e terminou dizendo:

- Agora precisamos providenciar um transporte para levar sua m��e

a um hospital com mais recursos.

- Como vamos fazer isso, Jos�� Luiz? Deve ser muito caro e n��o te-

mos dinheiro...

- N��o se preocupe com isso, Selma. O importante �� que voc�� v�� at��

o hospital para autorizar a remo����o dela.

- Claro! Vamos agora mesmo!

- Pegue seus documentos, Selma. Os documentos dela j�� apresentei

no hospital. Estavam na sua bolsa.

259

As chances que a vida d��

- Obrigada, Josias. Vamos, Roberto? Voc��, Carlos, se quiser, podei

ficar aqui em casa com Fabiana. Assim que tudo estiver resolvido volta-

remos para contar a voc��s tudo o que aconteceu.

- N��o, mam��e! Eu quero ir porque, apesar de n��o ter gostado de

mim, ela �� minha av��.

Selma sorriu:

- Est�� bem, filho. Ent��o vamos!

Sa��ram da casa e entraram no carro. Assim que todos se acomoda-

ram, Josias tamb��m entrou, deu a partida e acelerou. Enquanto ele diri-

gia, Selma, aflita, perguntou:

- O que aconteceu com minha m��e, realmente, Josias? Quando ela

saiu da delegacia parecia estar bem.

- Voc�� conhece sua m��e, Selma. Ela sempre soube disfar��ar o que

sentia. Quando comecei a dirigir e assim que chegamos �� estrada, per-

cebi que ela, embora tentasse, n��o conseguiu disfar��ar seu nervosismo.

Come��ou a ficar inquieta, a arrumar os cabelos e a olhar no espelho sem

parar. Estava nervosa por voc�� ter dito que a educa����o que ela deu a voc��

foi errada. Sabe que sua m��e nunca gostou de ser criticada. De repente,

disse que estava passando mal, deitou-se no banco e desfaleceu.

- Percebi que ela estava decepcionada e magoada, mas assim que

pudermos conversar vou pedir que me perdoe. �� minha m��e, sei que

vai me perdoar.

- Voc��s poderiam ir morar com ela. Com a morte do seu irm��o e do

seu pai e a sua aus��ncia, ela se modificou muito. E aquela casa ficou muito

grande. Ela quase n��o sai de casa nem recebe ou faz visitas. Est�� sozinha.

A ��nica coisa que a distrai s��o as suas orqu��deas, que cuida com carinho.

- Fica sempre em casa?

- S�� sai duas vezes por semana e vai sempre de t��xi. Nunca quis que

eu a levasse.

- Para onde ela vai, Josias?

- N��o sei, Selma. Ela proibiu que eu a seguisse.

- N��o, Josias. N��o poderei voltar a morar naquela casa com tantas

lembran��as ruins.

260

Elisa Masselli

- Por��m, teve tamb��m bons momentos. Pense sobre isso, Selma. Ga-

ranto que ela vai ficar muito feliz.

- N��o vai, n��o, Josias. Ela n��o aceitou bem o meu casamento, meu

marido e, principalmente, o meu filho. Voc�� a conhece muito bem e sabe

o quanto ela sempre foi preconceituosa.

- Eu gostaria de morar em uma casa grande, mam��e. Pelo que enten-

di, ela tem muito dinheiro, poderemos viver como ricos!

- N��o se iluda, meu filho. O dinheiro n��o traz a felicidade; pelo con-

tr��rio, ele pode nos trazer muita tristeza.

- Tudo bem, mas ser�� que a pobreza nos faz felizes? Vamos nos mu-

dar, mam��e. Vamos tentar e, se n��o der certo, pelo menos tentamos.

- Carlos tem raz��o, Selma. Al��m do mais, esta cidade �� pequena e to-

dos se conhecem. Por mais que consigamos provar a inoc��ncia de voc��s,

nunca mais ser��o aceitos como antes. A d��vida sempre permanecer��.

Voc��, Roberto, talvez nem consiga outro emprego.

- Agora, o mais importante �� que minha m��e tenha todo o atendi-

mento necess��rio e que possa me perdoar e voltar para sua casa. O resto,

veremos depois.

Chegaram ao hospital. Assim que Josias estacionou o carro, todos

desceram. Selma saiu correndo e foi a primeira a entrar e falar com a

recepcionista:

- Boa tarde! Estamos aqui para ver uma senhora, o nome dela �� Alda.

Ela foi internada agora pouco.

A mo��a olhou em um papel e disse:

- Espere um momento, por favor. O m��dico vem aqui conversar

com a senhora.

A mo��a saiu de tr��s do balc��o e entrou por uma porta. Selma, aflita,

ficou olhando para a porta. Roberto, tentando acalm��-la, disse:

- Fique tranquila, Selma. O m��dico deve falar a respeito da remo����o dela.

Embora tentasse, Selma n��o conseguia tirar os olhos da porta e

parar de tremer.

Alguns minutos depois, a mo��a voltou, acompanhada do m��dico,

que olhando para todos perguntou:

261

As chances que a vida d��

- Quem �� o parente?

- Sou eu! Sou a filha!

- Sinto muito informar, mas ela teve duas paradas card��acas e n��o

resistiu. Faleceu h�� dez minutos.

- Faleceu? Como assim?

- Tentamos de tudo, minha senhora, mas ela n��o respondeu ao tra-

tamento.

Selma sentiu que o ch��o havia desaparecido e que toda a energia de

seu corpo se esva��a. Come��ou a chorar, desesperada, cambaleou e foi

socorrida por Roberto, que a abra��ou e a encaminhou para um banco.

- Acalme-se, minha querida. Nada mais pode ser feito.

- Sei disso, Roberto, mas n��o podia ter acontecido! Ela n��o podia

ter morrido, n��o antes de eu conversar com ela e pedir perd��o por tudo

o que fiz...

O m��dico, percebendo que sua presen��a n��o era mais necess��ria e

por j�� estar acostumado a ver aquela cena, despediu-se com a cabe��a e

saiu.

A mo��a da recep����o fez um sinal para Jos�� Luiz que, assim como os

outros, estava abismado. A mo��a entregou um papel para ele, dizendo:

- Com esse papel, o senhor precisa ir at�� a funer��ria para providen-

ciar o enterro.

- Est�� bem, obrigado!

Com o papel na m��o, foi ao encontro de Josias e disse baixinho:

- Precisamos ir at�� a funer��ria.

- Antes, precisamos conversar com Selma, para ver onde ela quer

que sua m��e seja enterrada.

- Deixe que eu fa��o isso, Josias.

Aproximou-se de Selma e perguntou:

- Selma, precisamos providenciar o enterro. Voc�� quer que ela sen

enterrada aqui ou no mausol��u da fam��lia?

- Com certeza ela iria querer ser enterrada ao lado do meu pai e de

Mario Augusto. Por��m, nem eu nem Roberto poderemos ir ao enterro, o

que vai ser muito triste.

262

Elisa Masselli

- Por que n��o poder��o ir, Selma?

- Claro que n��o, Jos�� Luiz. Voc�� se esqueceu que estamos proibidos

de sair da cidade?

Ele olhou para o rel��gio que estava em seu pulso.

- Ainda n��o s��o seis horas da tarde. Vou at�� o f��rum ver se encontro

o juiz. Em um caso grave como esse, com certeza ele ir�� permitir que

voc��s saiam da cidade.

- Fa��a isso! Acredito que o juiz Eduardo, que �� marido da minha

amiga e me conhecendo como conhece, n��o vai deixar de atender a esse

pedido. Ele sabe que assim que ela for enterrada n��s voltaremos.

Acredito que vou conseguir, Selma.

- Fa��a isso, por favor, Jos�� Luiz. Enquanto isso, vou conversar com a

recepcionista e tentar ver minha m��e.

- Est�� bem. Depois, seria melhor que f��ssemos para sua casa. Deixa-

remos voc��s l�� e, quando tudo estiver resolvido, eu e Josias iremos at�� l��

e pediremos ao juiz para conceder a permiss��o.

Carlos, ao lado de Fabiana, perguntou:

- Mam��e, posso acompanhar Fabiana at�� sua casa? Depois irei para

a nossa.

- V��, meu filho. Logo mais estaremos l��.

Selma e Roberto se dirigiram at�� o balc��o. Ela, ainda chorando mui-

to, disse:

- Poderia ver minha m��e nem que seja por apenas alguns minutos?

A recepcionista pegou o interfone, conversou com o m��dico e res-

pondeu:

- O doutor disse que ela ainda est�� no quarto e que poder��o v��-la,

mas apenas por pouco tempo.

Josias e Jos�� Luiz resolveram n��o entrar. Selma agradeceu a mo��a e,

ao lado de Roberto, entrou pela mesma porta que o m��dico havia entra-

do e apontada pela recepcionista. Deram em um pequeno corredor, e

uma enfermeira mostrou qual era o quarto. Tr��mula e com passos len-

tos, Selma entrou e, ao ver sua m��e ali na cama, muito branca, sentiu seu

corpo estremecer e se jogou sobre ela.

263

As chances que a vida d��

- Desculpe-me, mam��e, por eu n��o ter sido a filha que a senhora

imaginou. Desculpe-me por ter sido t��o m�� e covarde. Preciso do seu

perd��o. Sei que sou a culpada da sua morte, assim como fui da de Mario

Augusto, de Arlete e de Matilde, assim como a de papai. Perdoe-me!

Ela chorava desesperada. Roberto, vendo que ela n��o sairia dali, es-

perando por um perd��o que n��o teria como receber, segurou-a pelos

ombros e fez com que se levantasse:

- Vamos embora, Selma. Nada mais temos a fazer aqui.

- N��o posso ir embora, Roberto! Preciso que ela me perdoe...

- Isso n��o vai acontecer nem aqui e nem agora. Vamos para casa. L��,

voc�� vai ter tempo para conversar, em pensamento, com ela.

Ela n��o se moveu, ent��o ele foi obrigado a segur��-la com for��a e tir��-

-la dali.

Josias e Jos�� Luiz estavam esperando do lado de fora do hospital,

perto do carro.

Assim que sa��ram, Josias abriu a porta traseira do carro para que pu-

dessem entrar. Em seguida, entrou no carro, ligou o motor e saiu. Assim

que chegaram �� frente da casa de Selma, ela e Roberto desceram e eles

seguiram para o f��rum.

Selma, ainda chorando muito, foi conduzida por Roberto at�� seu

quarto. L��, ele fez com que ela se deitasse, dizendo:

- Tente descansar um pouco, meu bem. Vou preparar um ch��. De-

pois, vamos esperar que eles regressem e nos contem o que o juiz decidiu

- Obrigada, Roberto. N��o sei o que seria de mim sem voc�� aqui ao

meu lado.

- N��o pense em mais nada. Vou separar algumas roupas para tr��s

ou quatro dias, pois mesmo se o juiz der a permiss��o n��o ser�� por mais

tempo que isso.

Ela ficou calada. Encolheu-se na cama na posi����o fetal e continuou

chorando e pensando em como fora sua vida at�� ali.

Assim que chegaram ao f��rum, Jos�� Luiz e Josias foram informados

por um senhor que o juiz havia acabado de sair. Eles contaram o que

havia acontecido e Jos�� Luiz terminou dizendo:

264

Elisa Masselli

- Como o senhor pode ver, preciso muito falar com o juiz. Meus

clientes n��o podem sair da cidade, mas o enterro vai ser na cidade onde

a senhora que faleceu mora. Precisamos do endere��o do juiz.

- N��o estou autorizado a dar essa informa����o.

- Por favor! A esposa dele �� amiga da minha cliente, ele a conhece e,

com certeza, vai dar a autoriza����o.

O senhor pensou por um tempo, depois disse:

- Vou dar o endere��o, mas, por favor, n��o diga ao juiz que fui eu

que dei.

Jos�� Luiz sorriu:

- Fique tranquilo, n��o direi. Muito obrigado!

O Senhor anotou em um papel o endere��o e disse:

- �� uma casa em frente a pra��a, n��o vai ter como errar.

- Mais uma vez, obrigado, senhor.

Com o endere��o em m��os, entraram no carro e se dirigiram para a

pra��a. L��, n��o tiveram dificuldade para encontrar a casa.

Assim que pararam em frente Josias tocou a campainha. Uma mo��a

com uniforme apareceu na porta.

- Pois n��o?

- Por favor, preciso falar com o juiz, �� urgente.

- O juiz n��o recebe ningu��m aqui em casa.

- Sei disso, mas �� urgente mesmo. Posso, tamb��m, falar com a

esposa dele.

- O senhor quem ��?

- Sou amigo e advogado de Selma, e �� sobre ela que preciso falar.

- Um momento, por favor.

A mo��a entrou e logo depois Mar��lia apareceu na porta.

Ao v��-los, os reconheceu imediatamente. Surpresa, perguntou:

- O que aconteceu? Pensei que tivessem ido embora...

- Fomos mas tivemos que voltar. A m��e de Selma faleceu.

- Como? O que aconteceu?

Ela passou mal no caminho e faleceu no hospital.

Nervosa e surpresa, Mar��lia ficou algum tempo parada, depois disse:

265

As chances que a vida d��

- Entrem, por favor. Meu marido est�� no banho, mas vai atender os

senhores.

Eles entraram e ela fez com que se sentassem em um dos sof��s que

havia na sala.

Eduardo, ao sair do banheiro, ouviu vozes que vinham da sala. Ainda

vestido com um roup��o, foi at�� l��. Admirado em ver Jos�� Luiz ali, perguntou;

- O que o senhor est�� fazendo aqui? O caso de Selma j�� n��o est�� re-

solvido, pelo menos por hora?

Ao verem que ele chegou �� sala, Jos�� Luiz e Josias se levantaram:

- Desculpe-me, Excel��ncia, por vir incomod��-lo aqui em sua casa,

mas aconteceu uma trag��dia e preciso de sua ajuda.

- Que trag��dia?

- ��amos come��ar a contar para sua esposa. A m��e de Selma faleceu.

Surpreso, olhou para Mar��lia, que demonstrou, com um gesto, nada

saber, e disse:

- Eles estavam come��ando a me contar.

Eduardo, intrigado, sentou-se ao lado dela:

- O que aconteceu e no que posso ajudar?

Jos�� Luiz contou o acontecido e terminou dizendo:

- Como pode ver, preciso que tanto Selma como Roberto sejam libe-

rados para poderem comparecer ao enterro.

- Sabe que n��o �� esse o procedimento, doutor. Est�� tudo caminhan-

do muito r��pido. Deveria estar falando com o delegado. Ele ainda est�� na

fase de tomar depoimentos.

- Sei disso, mas como �� um caso urgente e sua Excel��ncia conhece o

casal, tentei vir aqui para ver se poderia abreviar o caso.

- Eu conhe��o o casal, mas nem por isso posso atropelar a lei. �� ne-

cess��rio seguir os tr��mites legais.

- Mas �� urgente, Excel��ncia. N��o temos tempo para seguir todos os

procedimentos.

Eduardo olhou para Mar��lia, que o olhava suplicante.

- Est�� bem! Como eu os conhe��o e minha esposa confia neles, vou

telefonar para o delegado e perguntar a quantas andam as investiga����es.

266

Elisa Masselli

Dizendo isso, entrou pela mesma porta que havia sa��do e voltou alguns

minutos depois:

- Conversei com o delegado e ele disse que se o doutor se responsa-

bilizar e se comprometer a traze-los em tr��s dias de volta para a cidade,

como se trata de um momento excepcional, n��o vai se opor.

- Claro que me comprometo, Excel��ncia. Conhe��o Selma desde

crian��a e sei que ela n��o cometeu esse crime.

- Sendo assim, vou expedir um alvar�� de soltura por tr��s dias para

que possam ir ao funeral. Mas n��o se esque��a de que dever��o estar de

volta nesse prazo.

- Pode ter certeza de que estar��o aqui, Excel��ncia.

Eduardo olhou para Mar��lia, que sorriu agradecendo.

- Esperem um momento, por favor.

Levantou-se, foi para o escrit��rio e l�� redigiu a autoriza����o. Voltou e

entregou a Jos�� Luiz.

- Aqui est�� o salvo conduto. Eles podem se ausentar por tr��s dias e,

quando voltarem, precisar��o se apresentar.

Jos�� Luiz e Josias levantaram-se e estenderam a m��o para Eduardo,

que a apertou:

- Espero que tudo corra bem.

- Obrigado, Excel��ncia. Agora, precisamos ir at�� a funer��ria para

podermos liberar e trasladar o corpo. Obrigada, senhora.

- N��o acho que agora seja um bom momento para visitar Selma.

Diga a ela, por favor, que estou com ela em pensamento e ora����o.

- Direi, senhora. Partiremos hoje mesmo, assim que toda a docu-

menta����o ficar pronta.

Sa��ram dali e, rapidamente, foram para o f��rum.

Depois de tomar o ch��, Selma continuou deitada, chorando sem parar.

O remorso e o sentimento de culpa n��o a deixavam em paz. A ��nica coisa

que queria era dormir para nunca mais acordar. Todas as lembran��as do que

havia feito vieram a sua mente, e Arlete se divertia, dizendo ao seu ouvido:

- �� isso mesmo que precisa sentir, muito remorso e sentimento de

culpa. Voc�� destruiu as nossas vidas e vai ver a sua tamb��m destru��da.

267

As chances que a vida d��

Sem se dar conta da presen��a dela ali, Selma sentia mais vontade de

chorar.

Carlos, ap��s deixar Fabiana em sua casa, retornou e, ao entrar, viu

duas maletas na sala. Curioso perguntou:

- O que essas maletas est��o fazendo aqui, papai?

- Jos�� Luiz foi conversar com o juiz, e �� quase certo que consiga fazer

com que ele permita irmos ao enterro. Separei algumas roupas para mim

e para sua m��e. Separe algumas para voc��.

- Eu preciso mesmo ir, papai?

- Claro que sim, Carlos! Foi sua av�� quem morreu...

- Ela n��o gostou de mim nem do senhor, papai. N��o sei por que te-

mos de ir ao enterro.

- O que ela sentiu ou falou n��o importa pois, apesar de tudo, ela �� a

m��e da sua m��e e n��o podemos deixar sua m��e sozinha nesse momento.

- Est�� bem, mas eu n��o quero ir. Mesmo assim, vou separar algumas

roupas. O senhor acha que vamos ficar quantos dias l��?

- N��o sei, talvez tr��s ou quatro no m��ximo, depois, precisamos voltar.

Carlos foi para seu quarto e Roberto voltou a se sentar em um sof�� e

a ficar �� espera de Jos�� Luiz e de Josias.

Algum tempo depois, Selma ouviu o barulho do carro parando em

frente a sua casa. Cansada e com os olhos vermelhos levantou-se e cami-

nhou at�� a sala onde sabia que Carlos e Roberto estavam. No momento

em chegou �� sala, Roberto abria a porta da frente e ansioso, dizia:

- Ainda bem que chegaram. N��o estava mais aguentando tanta

ansiedade.

- Fique tranquilo, Roberto, est�� tudo resolvido. O juiz deu tr��s dias

para que possam ir ao enterro, e na funer��ria est�� tudo certo tamb��m.

Eles v��o conduzir o corpo de dona Alda para sua casa. Agora, podemos

ir embora. Avise Selma.

Selma colocou a cabe��a por detr��s do ombro de Roberto:

- Estou aqui, Jos�� Luiz, e ouvi o que disse.

- Est�� tudo certo, Selma. Agora, podemos ir embora e esperar que o

corpo chegue para o vel��rio.

268

Elisa Masselli

Selma voltou-se e olhou primeiro para Roberto, depois para Carlos

e perguntou:

- Podemos ir?

- Eu preciso mesmo ir, mam��e?

- Claro que sim, meu filho. Primeiro porque ela �� sua av�� e, segundo,

n��o pode ficar aqui sozinho.

Carlos abaixou a cabe��a e pendurou nas costas uma mochila onde

havia colocado algumas roupas e ficou esperando.

Roberto pegou as maletas, sa��ram e entraram no carro. Josias ligou,

acelerou e foram embora.

269



O retorno

Alguns minutos depois, o carro entrou na estrada. Todos estavam ca-

lados, imersos em seus pr��prios pensamentos. Incomodado com aquele

sil��ncio, Jos�� Luiz disse:

- Telefonei para minha m��e e pedi a ela que comunicasse a todos

os nossos conhecidos para que fossem ao enterro, Selma. Sua m��e era

muito conhecida e, com certeza, muitas pessoas comparecer��o.

- Obrigada, Jos�� Luiz. Voc�� sempre foi um grande amigo.

Emocionado com o que ela disse, continuou falando:

- Josias tamb��m telefonou para sua casa e pediu aos empregados que

preparassem tudo.

- Minha casa, Jos�� Luiz?

- Claro que �� sua casa, sempre foi, Selma.

- H�� muito tempo sa�� dali e n��o pretendia voltar nunca mais. Minha

casa hoje �� na minha cidade, ao lado do meu marido e filho.

- As coisas mudaram, Selma. Agora, aquela casa e tudo o que per-

tence �� sua fam��lia s��o seus. N��o tem como evitar isso.

270

Elisa Masselli

- N��o estou interessada em nada disso. S�� quero voltar para minha

casa e provar a nossa inoc��ncia.

- Ainda �� cedo para falarmos sobre isso. Quanto a provar a inoc��ncia

de voc��s n��o se preocupe, meu pessoal j�� est�� trabalhando nisso.

Selma tentou sorrir e, com um len��o, limpou as l��grimas que insis-

tiam em cair por seu rosto.

Carlos, embora insatisfeito com aquela viagem, como nunca havia

viajado para lugar algum ficou encantado com a paisagem que passava e

n��o tirava os olhos da janela do carro.

Roberto seguia calado, n��o tinha o que falar. Estava preocupado com

sua situa����o e pensava:

N��o consigo acreditar no que est�� acontecendo. Minha vida estava em or-

dem, viv��amos com tranquilidade. De um minuto pro outro tudo se transfor-

mou e estamos aqui, indo para um lugar que n��o conhe��o, e eu arriscado a ser

preso por algo que n��o cometi. Por que ser�� que tudo isso est�� acontecendo?

Algum tempo depois, j�� se podiam ver os pr��dios que surgiam �� fren-

te. N��o eram muitos, mas suas luzes pareciam chegar ao c��u. Carlos ficou

encantado. Logo depois, Josias saiu da estrada e entrou em uma avenida.

Carlos n��o conseguia desviar o olhar, pois para ele tudo era muito

bonito e diferente.

Aos poucos a paisagem foi mudando e o carro come��ou a passar por

ruas onde as casas eram enormes e distantes umas das outras. Ap��s al-

guns minutos, Josias parou em frente a um grande port��o e desceu para

abri-lo. Carlos, calado, seguia todos os seus movimentos.

Ap��s abrir o port��o, Josias voltou ao carro e entrou por uma alameda

cercada por uma ramagem baixa e colorida. Parou em frente a uma porta

com alguns degraus de escada. Todos desceram do carro, menos Selma,

que parecia paralisada. Roberto, ainda surpreso por ver uma casa t��o

linda e diferente de todas nas quais havia morado e que Selma relutava

em entrar, foi at�� a porta do carro e pegando sua m��o disse:

- Des��a, Selma. N��o tem como fugir. Vamos ficar aqui por poucos

dias, depois voltaremos para nossa casa e, se Deus quiser, tudo vai voltar

a ser como era antes. Venha...

271

As chances que a vida d��

Selma come��ou a descer, quando a porta da sala se abriu e por ela

saiu Flora que, tentando sorrir, disse:

- Selma, minha querida, que fatalidade...

Ao v��-la, Selma voltou a chorar, saiu do carro e abra��ou-se �� amiga:

- A culpa foi minha, Flora...

- N��o diga isso, Selma. Tinha de acontecer, a hora dela chegou, as-

sim como vai acontecer com todos n��s, e n��o havia como evitar. N��o se

esque��a de que somos suas amigas e que vamos estar sempre ao seu lado.

Selma olhou em dire����o �� voz e viu Esmeralda, que tamb��m sorria.

Soltou-se de Flora e abra��ando Esmeralda disse:

- N��o, Esmeralda, eu sou culpada por todo o tempo em que n��o dei

not��cias e por ter deixado que ela ficasse muito nervosa. Eu devia saber

que ela j�� tinha idade e que n��o podia passar por emo����es t��o fortes.

- Nada acontece fora do seu tempo nem por acaso; e nada disso, ago-

ra, tem import��ncia, minha filha. Agora, s�� podemos pedir a Deus que

ela seja bem recebida no c��u. Vamos entrar, mandei preparar o jantar

para voc��s.

Esmeralda, que estava com a cabe��a junto �� de Selma, abriu os olhos

e viu Carlos e Roberto olhando para ela. Soltou-se de Selma e, entusias-

mada, perguntou:

- Quem s��o esses, Selma?

Antes de Selma responder, Flora disse:

- Eu n��o disse a voc�� que Selma havia se casado, Esmeralda? N��o os

conheci, mas devem ser seu marido e seu filho, n��o ��, Selma?

Selma voltou-se e, olhando com carinho para os dois, respondeu:

- S��o, sim. Este �� meu marido, Roberto. Este menino lindo �� meu

filho, Carlos. S��o os tesouros da minha vida.

Esmeralda, sorrindo, abriu os bra��os e envolveu os dois. Roberto

correspondeu ao abra��o, mas Carlos ficou meio sem rea����o, pois, na re-

alidade, estava impressionado com o tamanho da casa. Flora sorrindo e

pegando na m��o de Selma fez com que entrassem.

Assim que entraram, Carlos, ao ver o tamanho da sala, n��o conse-

guiu se segurar e exclamou:

272

Elisa Masselli

- M��e! Esta sala �� maior do que a nossa casa inteira! Essa escadaria

parece aquelas que aparecem nos filmes! Foi aqui que a senhora nasceu

e morou?

- Foi sim, meu filho, mas isso n��o quer dizer que esta casa me trouxe

felicidade. Sabe tudo o que aconteceu aqui e que s�� comecei a ser feliz

quando conheci seu pai e, mais ainda, quando voc�� nasceu.

- Imposs��vel que algu��m possa n��o ser feliz aqui!

Selma olhou para a escada e lembrou-se de Arlete descendo, feliz, e

de Mario Augusto.

- Eu n��o fui feliz, filho.

- N��o diga isso, Selma. Tivemos muitos momentos felizes aqui.

- Verdade, Flora. Mas teve um momento muito ruim.

Esmeralda interferiu:

- Vamos deixar essa conversa para depois. Agora, est�� na hora de se

prepararem para o jantar.

- J�� estou com as maletas deles, dona Esmeralda.

- Obrigada, Josias. Pode levar para o quarto de Selma e para o de

h��spedes, que fica ao lado dele.

Roberto quis ajudar, mas Josias se recusou e, com as maletas nas

m��os, pediu licen��a e passando por eles subiu os degraus da escada. Car-

los, encantado, o acompanhava com o olhar.

Selma olhou mais uma vez para a escada e lembrou-se de Arlete e

Matilde quando desciam rindo e brincando. N��o p��de evitar que l��gri-

mas descessem por seu rosto. Roberto e Esmeralda perceberam a emo-

����o dela e disse:

- Subam logo. Precisamos jantar...

- Vamos logo, mam��e! Estou querendo ver como s��o os quartos.

Devem ser lindos!

- S��o, sim, filho. Vamos.

Amparada por Roberto e Carlos, Selma subiu e entrou no seu anti-

go quarto. Parou na porta e, para sua surpresa, estava tudo exatamente

como havia deixado. Emocionada, pensou:

Por que ser�� que minha m��e manteve meu quarto assim? Ser�� que ela

273

As chances que a vida d��

esperava que eu voltasse? Acredito que sim. Meu Deus! Como pude deixar

de dar not��cias?

Antes de entrar no quarto, ela e Roberto acompanharam Carlos at�� o

quarto que seria dele. Abriu a porta e Carlos, entusiasmado, quase gritou:

- Pai! Olha o tamanho desse quarto! �� quase do tamanho da nossa casa!

Roberto olhou para Selma, que sorriu:

- �� verdade, filho. Mas garanto que, quando se deitar, vai dormir

igual dorme no seu quarto, l�� em casa. Quando dormimos n��o sabemos

onde estamos.

Carlos, parecendo n��o ouvir a m��e, entrou no quarto e, sentando-se

sobre a cama, disse:

- Pode at�� ser, mas dormir em um quarto como esse e nessa cama

t��o macia deve ser muito bom.

Roberto, feliz em ver o entusiasmo do filho, sorriu:

- Tem raz��o, filho, mas penso como sua m��e. Qualquer quarto �� um

bom lugar para se dormir. Dif��cil deve ser para aquele que, al��m de n��o

ter um quarto n��o tem sequer uma cama. Voc�� vai ter a oportunidade de

sentir a diferen��a. Vai dormir esta noite e amanh�� tamb��m.

- Sei que vou gostar, pai! Ser rico �� muito bom!

- Voc�� acha, Carlos?

- Claro que sim, mam��e!

- Ent��o, vamos nos preparar para o jantar.

- Preparar, como?

- Tomar banho, trocar de roupas...

- Precisa mesmo? Tomei banho e coloquei esta roupa pela manh��!

- Precisa trocar. N��o acha que �� bom ser rico? Para isso, precisa se-

guir algumas regras e essa �� uma delas. Precisa estar impec��vel para se

sentar �� mesa de refei����es. Prepare-se que vamos fazer a mesma coisa.

Carlos n��o gostou da ideia, mesmo assim olhou para Selma e sorriu.

Depois, ela e Roberto entraram no antigo quarto dela, onde dormi-

riam. Roberto, sorrindo, disse:

- Ele est�� muito espantado, Selma. Confesso que tamb��m estou.

Enquanto voc�� contava a sua hist��ria e dizia que era rica, n��o imaginei

274

Elisa Masselli

que fosse tanto. Tamb��m nunca estive em uma casa como essa e nem

imaginei que existisse, a n��o ser nos filmes.

- Existem muitas, Roberto. Mas como eu disse ao Carlos, fazemos

aqui o que fazemos em qualquer lugar. Depois de todos esses anos vi-

vendo ao seu lado e de Carlos, n��o sinto falta de nada disso. Acredito

que, se tivermos paz, podemos ser felizes em qualquer lugar. Agora,

vamos nos preparar.

Selma abriu as portas de um arm��rio e apareceram muitos vestidos,

saias, blusas e sapatos.

- Todas essas roupas eram suas, Selma?

- Eram e s��o, Roberto. S��o muitas e algumas nem cheguei a usar,

comprava s�� por comprar. Hoje, ao me lembrar de quantas pessoas t��m

uma vida dif��cil e ver aquelas crian��as do orfanato, sinto pena de todo

o dinheiro que gastei em coisas sup��rfluas, como muitas dessas roupas

e sapatos. Ningu��m precisa de tanta roupa e tanto sapato. Aprendi que

precisamos de pouco para vivermos e sermos felizes.

- Voc�� n��o teve culpa de ter nascido nessa fam��lia. Talvez, por nunca

ter sido rico, acredito que podemos, sim, ter dinheiro e usar na medida

em que quisermos para sermos felizes.

- Verdade, Roberto. Ter dinheiro n��o �� um mal. O mal est�� na ma-

neira como o usamos, est�� na ilus��o de que ele pode comprar todas as

coisas, pessoas e suas consci��ncias, como eu fiz. Com dinheiro, podemos

nos ajudar e ajudar a muitos que tanto precisam. Agora, vamos nos pre-

parar para o jantar.

- Vai usar um desses vestidos?

- N��o. N��o perten��o mais a este mundo. Vou usar um dos que voc��

colocou na minha maleta. N��o colocou?

- Sim, Selma. Escolhi os seus melhores, mas nenhum chega perto

desses que est��o no arm��rio, e n��o sei se s��o adequados para esta ocasi��o.

- N��o se preocupe com isso, s��o os que uso agora. - Prepararam-se,

sa��ram e foram para o quarto onde Carlos estava.

Roberto, por saber que se tratava de um enterro, trouxe sua melhor

camisa e cal��a, e tamb��m um palet��. Carlos, que n��o havia se interessado

275

As chances que a vida d��

muito por aquela viagem, estava vestido com uma cal��a simples e uma

camiseta. Ao v��-lo, Roberto disse:

- Ele n��o pode se apresentar vestido dessa maneira, Selma. Essa rou-

pa n��o �� adequada para ser usada em um lugar como este!

- N��o pode por que, Roberto? N��s n��o pertencemos a este mundo e

devemos nos vestir de acordo com nossas possibilidades.

- As pessoas v��o comentar, Selma!

- N��o devemos nos preocupar com coment��rios maldosos e nem

desejarmos ser valorizados pelas roupas que vestimos. Nossas qualida-

des n��o se demonstram por nossas roupas. Eu j�� dei valor a essas coisas

e, por isso, me tornei uma pessoa m��. Quero que meu filho seja e aceite

a maneira como nasceu e foi criado. Ele tem que se destacar por suas

atitudes e n��o por suas roupas.

Roberto ficou calado. Selma, olhando para Carlos, sorriu:

- Est�� lindo, filho!

- Sei disso, mam��e. Eu me olhei naquele espelho grande. Pai, j�� viu

um espelho daquele tamanho?

- N��o, Carlos. Tamb��m estou surpreso com tudo o que estou

vendo aqui.

Sorrindo, desceram a escada e chegaram �� sala de jantar, onde Esme-

ralda e Flora j�� estavam esperando.

A mesa estava posta, com lou��a em porcelana, ta��as de cristal e talhe-

res em prataria. Esmeralda apontou os lugares em que deviam se sentar.

Carlos sentou-se e o jantar foi servido em travessas de prata. O me-

nino, ao ver tudo aquilo com que n��o estava acostumado, pois em sua

casa comiam em um s�� prato e utilizavam somente um garfo e uma faca

e copos de vidro, preocupado, olhou para a m��e, que sorriu.

Selma entendeu a situa����o do filho e de Roberto, que tamb��m nunca ti-

nha visto uma mesa como aquela, e tranquilamente come��ou a se servir. Eles

seguiram tudo o que ela fazia e, em pouco tempo, todos estavam comendo.

Em dado momento, Flora perguntou:

- Vai ficar morando aqui, Selma? Esta e todas as propriedades de sua

fam��lia e o dinheiro agora s��o seus.

276

Elisa Masselli

- N��o tenho essa inten����o. Aprendi a viver sem toda essa riqueza e,

mesmo que quisesse, n��o poderia ficar. Eu e meu marido estamos sendo

investigados pela pol��cia e n��o podemos sair da cidade, s�� estamos aqui

porque o juiz permitiu, mas teremos de voltar.

- Investigados? Como assim, o que aconteceu?

- N��o vamos falar sobre isso, agora. Ap��s o jantar conversaremos.

- Est�� bem, desculpe-me.

- N��o tenho o que desculpar, Flora. Pensei que Jos�� Luiz havia co-

mentado.

- N��o, ele somente nos comunicou da morte de sua m��e. Eu n��o

tinha ideia de que estavam sendo investigados. Estou curiosa para saber

o que aconteceu.

Selma sorriu e continuou comendo.

Carlos estava preocupado em como deveria comer. O que queria,

realmente, era pegar um garfo e uma faca ou at�� comer com as m��os.

Selma observava o filho e, por dentro, sorria. Sabia que ele estava

incomodado, mas naquele momento nada poderia fazer.

Assim que todos terminaram de comer, levantaram-se e foram para

a sala ao lado. Sentaram-se e uma mo��a entrou trazendo um carrinho

com caf�� e licor.

Selma olhou para ela e pensou:

N��o conhe��o essa mo��a e nenhum dos empregados, somente Josias

e sua esposa s��o meus conhecidos. Os outros devem ter sido despedidos

por mam��e.

Ap��s algum tempo, Flora, ansiosa, disse:

- Por favor, Selma, conte o motivo da pris��o de voc��s!

Selma sorriu e come��ou a contar. Terminou dizendo:

- Foi isso o que aconteceu. Apesar de sermos inocentes, fomos pre-

sos e, provavelmente, responderemos a um processo.

- Voc��s s��o inocentes, mesmo, Selma?

- Claro que somos, Flora, e ningu��m melhor do que voc�� para saber disso.

- Eu? Por que est�� dizendo isso, Selma?

- Desde que tudo isso aconteceu, pensei em quem teria motivo para

277

As chances que a vida d��

nos comprometer dessa maneira. Como n��o tenho inimigos, cheguei ��

conclus��o de que somente voc�� teria motivo para me odiar e dinheiro

para planejar e fazer acontecer tudo isso.

- Como p��de pensar isso, Selma?

- Voc�� me odeia por eu ter praticamente matado Arlete. E, infeliz-

mente, preciso concordar com voc��, pois, embora n��o fosse essa a minha

inten����o, realmente planejei, s�� que em momento algum pensei que che-

garia aonde chegou.

- N��o fiz isso, Selma! N��o posso negar que fiquei revoltada quando

soube que voc�� havia sido culpada pela morte de Arlete, Matilde e Mario

Augusto, mas nada fiz contra voc��s...

- N��o fez mesmo, Flora?

- N��o, Esmeralda! Confesso que pensei muitas vezes em uma ma-

neira de me vingar de voc��, Selma. Fui at�� a sua cidade apenas para isso,

mas depois que conversamos naquele dia, Esmeralda, e que voc�� me fez

ver que a vingan��a s�� poderia fazer mal a mim mesma e que eu havia

perdido um tempo enorme somente pensando nela, �� que resolvi vir em-

bora. Depois que chegamos aqui, de volta para casa, pensei muito a res-

peito e cheguei �� conclus��o de que voc�� tinha raz��o. Foi quando resolvi

que ir��amos viajar. Eu precisava ficar longe e tentar recome��ar a minha

vida, sem desejar vingan��a. N��o fui eu, Selma! N��o fui eu!

- Desculpe-me, Flora, mas voc�� �� a ��nica pessoa que pode ter mo-

tivo para me odiar. Sei que errei, mas, por favor, me perdoe. Meu filho

e meu marido nada t��m a ver com aquilo que fiz. Eu me arrependi pro-

fundamente, mudei minha vida e recomecei do nada. Hoje, n��o tenho

riqueza alguma e s�� quero viver em paz.

- N��o fui eu, Selma. Pode acreditar nisso...

- Est�� bem, Flora. S�� espero que Jos�� Luiz consiga descobrir o que

aconteceu. Ele disse que vai me ajudar.

- Ele pode fazer isso. Tem um escrit��rio com detetives particulares.

- Como somos inocentes, tenho certeza de que ele vai conseguir.

Quando acontecer, poderei respirar em paz e retomar minha vida.

Carlos bocejou. Selma sorriu:

278

Elisa Masselli

- Est�� com sono, Carlos?

- Estou, mam��e.

Esmeralda tamb��m sorriu:

- Vamos embora, Flora, eles precisam descansar. Al��m do mais,

amanh�� ter��o um dia muito tenso.

- Tem raz��o, Esmeralda. - Flora disse, levantando-se.

Despediram-se. Selma, Roberto e Carlos subiram para os quartos.

Cansados, deitaram-se.

Carlos e Roberto dormiram imediatamente, Selma ainda ficou al-

gum tempo pensando em como sua m��e havia morrido e sentindo-se

culpada por isso tamb��m. Depois de algum tempo, com os olhos incha-

dos e vermelhos, adormeceu.

Flora e Esmeralda sa��ram da casa e entraram no carro. O motorista

ligou o motor e sa��ram. Durante o trajeto ficaram em sil��ncio, cada uma

presa em seus pr��prios pensamentos. Quando chegaram �� casa e o carro

parou, desceram e entraram. Assim que cruzaram a porta, Esmeralda,

furiosa, perguntou:

- Como p��de fazer tanta maldade com Selma, Flora?

- N��o fui eu, Esmeralda! N��o fiz coisa alguma!

- Como n��o, Flora! Desde que descobriu a participa����o de Selma

naquela trag��dia, jurou que ia se vingar! Foi para aquela cidade apenas

para fazer isso e parece que conseguiu!

- N��o fui eu, Esmeralda! Voc�� tem raz��o, eu sempre disse que ia me

vingar, fui at�� aquela cidade somente para isso, mas depois daquele dia em

que fomos �� creche e voc�� conversou comigo, fiquei pensando no tempo

enorme que havia perdido e resolvi que n��o valia a pena. Selma estava

fazendo um lindo trabalho com aquelas crian��as, e nem Mario Augusto

ou Arlete voltariam mais. Foi por isso que resolvi voltar e viajar para o

exterior. Foi o que fizemos e s�� voltamos agora. Voc�� esteve o tempo todo

ao meu lado. Quando tudo aquilo aconteceu com Selma e o marido, est��-

vamos longe daqui. Voc�� precisa acreditar no que estou dizendo...

- N��o sei como voc�� fez, mas tenho certeza de que foi voc��. Selma

tamb��m pensa assim, ela deixou isso bem claro. Quem arquitetou tudo

279

As chances que a vida d��

isso deve ter muito dinheiro para comprar as pessoas que participaram

dessa mentira! Deve ter tamb��m poucos sonhos, a n��o ser o de se vingar.

Somente voc��, Flora, tem esse dinheiro e muito ��dio por Selma.

- N��o fui eu, mas vou descobrir quem foi para poder ajudar Selma!

- Est�� bem, Flora. Tomara que esteja dizendo a verdade. Agora, va-

mos dormir. Amanh�� ser�� um dia de muita tens��o.

- Vou provar a voc�� e a Selma que estou falando a verdade. Vamos

dormir, sim. Por��m, acho que vou demorar a pegar no sono. Preciso

pensar em uma maneira de descobrir o que aconteceu realmente. Boa

noite, Esmeralda.

- Boa noite, minha filha, durma bem!

280



Despedida

No dia seguinte, acordaram cedo, desceram e foram para a sala de

jantar onde havia uma farta mesa de caf�� da manh��. Os olhos de Carlos

se arregalaram quando ele viu tanta coisa na mesa. Al��m de p��o, havia

tamb��m bolos e doces variados. Ele, por��m, j�� havia entendido que n��o

poderia demonstrar todo o seu entusiasmo. Sentou-se em uma cadeira

que Selma apontou e come��aram a comer.

Estavam ali, comendo em sil��ncio, quando, acompanhado por uma

das empregadas da casa, chegou Jos�� Luiz:

- Bom dia!

- Bom dia, Jos�� Luiz. Sente-se para tomar caf�� conosco.

- Vou me sentar, Selma, mas apenas tomarei uma x��cara de caf�� preto.

Tomei caf�� completo em casa ao lado de minha m��e. Esta noite, dormi na sua

casa Daqui a pouco ela, o corpo de sua m��e e outras pessoas estar��o chegando

para o vel��rio. Sabe como sua m��e era querida e respeitada pela sociedade.

Selma sorriu:

- Sei, sim. Ela sempre se comportou muito bem com todos, al��m de

ter sido benem��rita.

281

As chances que a vida d��

- Verdade. Ela sempre preparou jantares e almo��os beneficentes.

Disse Esmeralda, que acabara de chegar ao lado de Flora.

Jos�� Luiz, ao ouvir a voz dela, levantou-se, sendo seguido por Rober-

to. Selma e Carlos continuaram sentados.

- Sentem-se e nos acompanhe no caf��.

- Obrigada, Selma. Vamos nos sentar, sim. Esmeralda tinha pressa

de chegar e nem tomamos caf��. - Flora disse, sorrindo.

Estavam conversando e comendo, quando a mesma empregada en-

trou na sala:

- O carro da funer��ria est�� a��.

Jos�� Luiz, levantando-se, disse:

- Vou conversar com eles.

Ele saiu da sala. Os demais se olharam, mas ficaram calados.

Logo depois, ele voltou:

- J�� est��o colocando o corpo na sala. Voc��s querem ir at�� l��, Selma?

- Vamos sim. - Selma disse, levantando-se e sendo acompanhada

pelos demais.

Carlos olhou para a m��e, querendo ficar ali, pois embora houvesse

tantas coisas gostosas n��o conseguira comer tudo o que j�� havia comido

com os olhos.

Selma entendeu o que o filho queria:

- Voc�� n��o precisa ir agora, Carlos. Continue comendo.

Sa��ram. Entraram na sala no exato momento em que a urna funer��-

ria estava sendo aberta. Selma, sem conseguir evitar, come��ou a chorar.

Roberto abra��ou-a e permaneceu ao seu lado. Carlos chegou logo depois

e colocou-se ao lado da m��e. Ele nunca tinha ido a um enterro. Olhou

para o rosto de Alda, estremeceu e pensou:

N��o consigo sentir coisa alguma por essa mulher, ela n��o me pareceu

ser uma boa pessoa. N��o gosto dessas velas, esses tecidos roxos nas paredes

e esse cheiro de flores. Todo esse sofrimento me faz muito mal.

Logo depois, as pessoas come��aram a chegar. Foi um verdadeiro des-

file de modas. Cumprimentavam Selma, que vestida como estava, n��o

lembrava nem de longe aquela que conheceram. Olhavam para Roberto

282

Elisa Masselli

e Carlos e, sem nada dizer, simplesmente os ignoravam. Depois se reti-

ravam e ficavam cochichando enquanto olhavam para eles. Roberto e

Carlos perceberam, ao contr��rio de Selma, que apenas recebia as condo-

l��ncias e chorava.

Ap��s algum tempo, Carlos, n��o suportando mais aquele clima de tris-

teza, resolveu sair e, do lado de fora da casa, caminhou em dire����o a um

banco que havia ali. Sentou-se e viu que os carros entravam pelo grande

port��o, seguiam pela alameda que rodeava a casa, paravam em frente ��

porta de entrada, onde os motoristas paravam, desciam e abriam a porta

do carro para que as pessoas pudessem descer. Em seguida, voltavam ao

carro, continuavam pela alameda e sa��am por outro grande port��o que

ficava ao lado da casa. Ficou algum tempo olhando os carros e se admi-

rando com todos eles e ainda mais com o porte das pessoas que deles des-

ciam. Nunca, em sua vida, havia visto pessoas como aquelas. Quando es-

tava olhando, viu Josias que, com um pano, tirava a poeira do carro que ele

sabia ser o de sua av�� e que estava parado ao lado da garagem.

Josias, que o acompanhava com os olhos, e viu quando ele se sentou, lar-

gou o pano sobre o carro e foi at�� ele. Aproximou-se e, sorrindo, perguntou:

- Est�� tudo bem com voc��, Carlos?

- Na verdade, n��o. Estou me sentindo muito mal e triste.

- A morte sempre causa tristeza na gente, ao contr��rio do que acon-

tece quando uma crian��a nasce, que �� s�� felicidade.

- N��o �� pela morte dela que estou triste. Eu n��o a conhecia e confes-

so que n��o gostei dela, assim como ela n��o gostou de mim.

- Ela n��o era uma m�� pessoa, apenas orgulhosa. Isso aconteceu por

ter sido criada assim. Nasceu em uma fam��lia muito rica e aprendeu que

o dinheiro pode comprar tudo e todos.

- E n��o pode?

Josias sorriu:

- Pode at�� comprar coisas e pessoas, mas isso n��o significa que pode

comprar a felicidade. Ela, embora tenha tido muito dinheiro, perdeu o

filho e sua filha foi embora. Morreu sozinha. S�� eu estava ao seu lado, e

agora deve estar enfrentando a verdade.

283

As chances que a vida d��

- Que verdade?

- Que o dinheiro e a posi����o social s��o ilus��es. Pois um dia, tanto

ricos como pobres ter��o o mesmo destino, a morte, e perante Deus n��o

existe diferen��a alguma. N��o importa se ricos ou pobres, todos teremos

de responder por nossas a����es.

- Responder? N��o entendo muito bem o que est�� falando, Josias...

- N��o precisa entender isso agora, voc�� �� ainda muito jovem. Mas

com o tempo, vai entender. Agora, me diz o motivo da sua tristeza, j�� que

n��o �� pela morte da sua av��.

- Quando cheguei, achei que morar aqui seria muito bom; mas ago-

ra, depois de conhecer essas pessoas, acho que n��o vai ser t��o bom assim.

Sinto que este n��o �� o meu lugar. Eu e papai, por sermos negros, n��o

fazemos parte deste mundo.

- Voc�� n��o deve jamais se deixar abater por causa da sua cor de pele,

ela nada representa. O que importa �� voc�� ser uma boa pessoa, sonhar

e ir em busca dos seus sonhos. Precisa apenas entender que as pessoas

est��o curiosas em saber o que aconteceu com sua m��e, que desapareceu

por tanto tempo. N��o sabem o que aconteceu, por que ela fez isso. E du-

rante todo esse tempo, imaginaram uma por����o de coisas. Agora que ela

voltou acompanhada do marido e do filho, que s��o negros, �� natural que

estejam comentando, curiosas, pois isso �� algo que jamais imaginariam

j�� que sua m��e, assim como sua av��, era uma pessoa muito orgulhosa.

- N��o sei se quero ficar aqui. Quando vi esta casa fiquei espantado,

pois ela �� enorme e luxuosa. Mas depois que vi como as pessoas olham

para mim e para meu pai, n��o sei n��o... Na minha cidade, embora n��o

sejamos ricos, temos uma boa vida. Eu tenho muitos amigos na escola

e no time de futebol, todos me conhecem e eu conhe��o a todos. Sei que

agora, com a pris��o dos meus pais, tudo vai mudar, mas mesmo assim j��

n��o sei se gostaria de morar aqui e conviver com essas pessoas. Custo a

acreditar que minha m��e foi uma pessoa assim t��o m�� como ela contou.

Voc�� conhece minha m��e desde que ela era pequena, ela foi mesmo tudo

aquilo que contou e fez todas aquelas coisas ruins?

- Sim, conhe��o sua m��e h�� muito tempo, e ela foi exatamente da raa-

284

Elisa Masselli

neira como contou. Mas, assim como n��o podemos julgar ou condenar

ningu��m, tamb��m n��o podemos condenar sua m��e. Ela foi criada de

uma maneira diferente daquela que est�� criando voc��. Acredito que to-

dos n��s estamos no lugar e com as pessoas que precisamos para o nosso

aprendizado. Sua m��e teve uma educa����o r��gida, com muitas regras, as

quais precisou seguir e aceitar; mas, quando percebeu que estava tudo

errado, mudou completamente e hoje �� a mulher que voc�� conhece e que

ama muito a voc�� e ao seu pai. Todos n��s podemos, a qualquer momen-

to, mudar nossa vida tanto para o bem como para o mal.

- Est�� dizendo que minha m��e est�� perdoada pelo que fez?

- Ela, assim como todos n��s, �� cria����o de Deus. Ele �� um pai amoro-

so que perdoa sempre e nos d�� todas as chances para repararmos nossos

erros; por��m, tamb��m �� justo. Agora sua m��e teve a chance de se redimir

e aproveitou. Est�� ajudando a cuidar de muitas crian��as, tentando dar a

elas um futuro melhor e mais tranquilo. �� uma ��tima m��e e esposa, mas

ter��, de alguma maneira, que resgatar o que fez.

- Como ela pode fazer isso? Os tr��s j�� morreram!

- N��o se preocupe com isso. Voc�� �� ainda muito jovem para en-

tender. Com o passar do tempo, tudo vai se ajeitar. Agora, tem de ficar

ao lado de seus pais, pois precisam provar a inoc��ncia disso que foram

acusados para, depois, continuarem a vida. Por mais que estejamos pas-

sando por um momento ruim, a vida n��o para e precisamos seguir em

frente, caminhar ao seu lado. Por mais que voc��s estejam tristes e aba-

lados por tudo o que est�� acontecendo, muitos momentos bons est��o

chegando. Falando em chegar, olhe quem est�� vindo para c��.

Carlos olhou para onde Josias olhava e sorriu. Roberto se aproximou,

colocou o bra��o sobre o ombro de Carlos e deu um beijo em seu rosto:

- Ainda bem que eu encontrei voc��, meu filho. Quando vi que n��o

estava na sala, fiquei preocupado.

- N��o aguentei mais ficar l�� dentro, pai, com aquele cheiro de vela,

de flores e as paredes cobertas de roxo. E tamb��m as pessoas cochichan-

do e olhando pra mim e para o senhor daquele jeito...

Roberto olhou para Josias, que sorriu. Depois disse:

285

As chances que a vida d��

- Estamos aqui por causa da sua m��e, Carlos. Daqui a pouco vai

acontecer o enterro e poderemos voltar para casa e continuar a nossa

vida como sempre foi.

- N��o podemos continuar a nossa vida como era, papai! Tudo mudou!

- Sei disso, meu filho, mas tenho f�� em Deus que tudo vai ficar bem.

Agora, continue aqui conversando com Josias, n��o precisa entrar mais.

Vou porque preciso ficar ao lado da sua m��e, mas daqui a pouco tudo

isso vai terminar.

Beijou o rosto do filho e se dirigiu �� casa.

L�� dentro, Selma estava com os olhos fundos, vermelhos e exausta.

Enquanto as pessoas passavam pelo caix��o e conversavam, ela pensava:

Sei que todos n��s vamos morrer, mas a morte sempre �� triste, mam��e.

Eu estou sofrendo muito por tudo o que fiz e, mais ainda, por n��o termos

conversado. Sei que culpei a senhora por aquilo que me tornei, mas sei

tamb��m que isso n��o �� verdade. Eu gostava de ser como era, gostava de

humilhar as pessoas e comprar o que quisesse com o meu dinheiro. Hoje sei

que estava errada, por isso tenho feito tudo o que posso para ser uma pes-

soa diferente daquela que fui. Sei que hoje n��o sou mais daquela maneira.

Roberto aproximou-se dela e ficou ao seu lado, enquanto as pessoas

continuavam conversando e olhando para eles.

Algum tempo depois, Jos�� Luiz se aproximou e, colocando a m��o

sobre os ombros de Selma e de Roberto, disse:

- Est�� na hora de fecharmos o caix��o. Voc��s podem se despedir.

Selma olhou para o rosto da m��e e, chorando, pensou:

Mam��e, n��o sei o que acontece depois da morte, nem sei onde a senho-

ra est�� agora. Desejo que esteja em um bom lugar e s�� pe��o que me perdoe.

As outras pessoas tamb��m se aproximaram, olharam, choraram e

foram saindo. O caix��o foi fechado e levado para fora da casa. Depois

de colocado no carro funer��rio saiu e foi acompanhado pelos demais.

Selma, Roberto e Carlos foram no carro da fam��lia.

Depois do enterro, voltaram para a casa. Selma, ainda muito aba-

tida, disse:

- Est�� tudo terminado. Podemos voltar para nossa casa.

286

Elisa Masselli

- N��o precisam fazer isso hoje, Selma. Podem ir amanh�� pela manh��.

Selma olhou para Jos�� Luiz, que chegou logo depois dela e, sorrindo

tristemente, disse:

- N��o adianta ficarmos aqui, Jos�� Luiz. Precisamos voltar para nossa

casa, e eu preciso estar l�� para poder pensar em toda a minha vida, na-

quilo que poder�� acontecer e o que eu posso fazer.

- Est�� bem, j�� que deseja assim... Mas ter�� de voltar, pois esta casa e

todos os bens da sua fam��lia agora pertencem a voc��.

- Sei disso, mas hoje n��o quero nem posso pensar a esse respeito.

Primeiro, precisamos provar a nossa inoc��ncia, depois pensarei nisso.

Enquanto eu n��o puder voltar para resolver o que fazer, por favor, cuide

da casa e de tudo.

- Est�� bem. J�� que deseja assim, que seja feito. N��o se preocupe com

o processo. Hoje, pela manh��, antes de vir para c�� fui at�� o meu escrit��-

rio, contei o que est�� acontecendo e j�� come��aram a investiga����o. Flora

est�� muito interessada em provar a inoc��ncia de voc��s e vai ficar ao meu

lado, tentando descobrir o que aconteceu.

- Flora, Jos�� Luiz?

- Sim, Selma. Ela est�� muito preocupada com tudo isso que aconte-

ceu e o fato de voc�� achar que ela pode estar por tr��s de tudo.

- E voc�� acredita que ela n��o est��, Jos�� Luiz? S�� pode ter sido ela,

ningu��m mais.

- Mas ela insiste que n��o tem participa����o nenhuma nisso.

- Est�� bem, Jos�� Luiz. Fa��a o que achar melhor. Confio em voc��.

- Obrigada, Selma. Pode confiar que, se depender de mim, tudo vai

ser esclarecido.

Carlos e Roberto apenas acompanhavam a conversa.

Estavam conversando, quando uma empregada da casa entrou na

sala onde estavam:

- A mesa do lanche est�� servida.

Olharam-se, levantaram-se e foram para a sala ao lado. Sentaram-se

e tomaram o lanche.

Quando terminaram, Selma, olhando para Carlos, disse:

287

As chances que a vida d��

- V�� at�� o quarto e pegue sua bagagem. Eu e seu pai vamos fazer o

mesmo. Precisamos ir embora.

Jos�� Luiz levantou-se e, colocando a m��o sobre a aba do chap��u,

sorriu:

- Tamb��m estou indo embora, Josias ir�� levar voc��s. Fiquem tran-

quilos que, assim que eu tiver alguma not��cia, eu comunico. Assim que

chegarem l��, n��o se esque��am de se apresentarem ao delegado para que

ele comunique ao juiz que voltaram.

- N��o esqueceremos. At�� mais, Jos�� Luiz. Tenho certeza de que esta-

mos em boas m��os.

Ele sorriu e foi embora.

Assim que ele saiu, foram para os quartos e pegaram as malas. Antes

de sair, Selma olhou para aquele quarto que trazia tanta recorda����o.

Desceram e, quando chegaram �� sala, Josias j�� os esperava. Pegou

as maletas e todos foram para fora da casa onde, na porta, o carro j�� os

aguardava com as portas abertas. Entraram, ele ligou o carro e saiu.

Quando chegaram j�� era noite. Assim que entraram, Carlos foi para

seu quarto e Selma, voltando-se para Josias, disse:

- J�� est�� tarde, Josias. N��o quer passar a noite aqui e voltar amanh��

pela manh��?

- Obrigado, Selma, mas n��o precisa. N��o �� t��o longe assim.

- Obrigada por tudo, Josias. - Selma disse, sorrindo.

Ele sorriu, apertou a m��o de Selma e de Roberto e saiu.

Assim que Josias saiu, Selma olhou para Roberto e, notando que ele

estava preocupado, perguntou:

- O que est�� acontecendo, Roberto?

- Carlos n��o est�� bem.

- Por qu��? O que ele tem?

Ele contou o que havia conversado com Carlos e terminou dizendo:

- Hoje ele sentiu, pela primeira vez, o preconceito e n��o est�� lidando

bem com isso.

- Embora devia saber que isso aconteceria, eu n��o notei, Roberto!

Como pude n��o notar?

288

Elisa Masselli

- Voc�� estava envolvida em muita dor. Tamb��m n��o conversei com

ele, mas agora precisamos conversar. Eu j�� passei por muitas situa����es

parecidas e hoje j�� consigo me proteger do sofrimento, mas ele �� muito

jovem, Selma.

- Vou conversar com ele. Quer vir comigo?

- Sim, acho que devo.

Foram ao quarto de Carlos. Ele estava deitado de costas olhando

para o teto. Assim que entraram, Selma perguntou:

- Est�� tudo bem, Carlos?

Ele olhou para eles e, deixando que l��grimas ca��ssem de seus olhos,

respondeu:

- N��o, mam��e, n��o est�� nada bem.

- Por que, meu filho?

- Quando vi a casa onde a senhora morou e soube que era rica fiquei

muito feliz e empolgado, mas hoje eu me senti muito mal vendo as pes-

soas conversarem baixinho e olharem para mim e para o papai de um

jeito como se a gente estivesse em um zool��gico.

Selma olhou para Roberto que, acenando com a cabe��a, confirmou.

- Elas olharam daquela maneira, mas n��o foi por voc��s, Carlos. Elas

n��o me viam h�� muito tempo e se admiraram por eu estar casada e t��o

diferente daquela que conheciam.

- Josias me falou isso, mas mesmo assim fiquei mal e n��o quero vol-

tar nunca mais ��quela casa...

- N��o se preocupe com isso, filho. N��o vamos voltar l��. Temos uma

vida diferente de tudo aquilo. Sempre vivemos aqui felizes e vamos con-

tinuar a ser.

- Como, mam��e? A senhora e o papai podem ser presos e n��o sei o

que vai acontecer comigo!

- Vamos provar a nossa inoc��ncia e nada de ruim vai acontecer com

voc��. Agora, vamos dormir. Estamos cansados por tudo o que aconteceu.

Amanh�� ser�� outro dia. - Beijou sua testa e o cobriu com um cobertor.

Carlos sorriu. Selma e Roberto tamb��m e sa��ram do quarto. De volta

�� sala, Selma, olhando com carinho para o marido, disse:

289

As chances que a vida d��

- Vou tamb��m tentar dormir, Roberto. Sei que vai ser dif��cil, pois

muita coisa aconteceu. Ainda n��o aceitei que minha m��e n��o est�� mais

aqui e que ela morreu sem que eu pudesse dizer tudo o que sentia e pedir

perd��o. Isso �� o que mais me faz sofrer. Como diz aquele ditado: "N��o

deixe para amanh�� o que pode fazer hoje".

Foram para o quarto, deitaram e dormiram abra��ados.

No dia seguinte, ap��s tomarem o caf�� da manh�� e enquanto Carlos

ia para a escola, Selma e Roberto foram para a delegacia.

Enquanto caminhavam, perceberam que as pessoas conversavam e

olhavam para eles. Sabiam que os estavam julgando e acusando.

- Est��o falando de n��s, Selma.

- Est��o, sim, mas n��o podemos nos deixar envolver. Esta �� uma ci-

dade pequena onde todos se conhecem e o que aconteceu certamente

provocou curiosidade, mas quando provarmos a nossa inoc��ncia tudo

isso vai passar.

- Tomara que sim, Selma.

Entraram na delegacia e depois de se apresentarem ao delegado vol-

taram para casa.

Ficaram ali sem ter muito o que fazer. Estavam acostumados a tra-

balhar e, agora, precisavam ficar em casa, pois n��o tinham para onde ir.

Selma arrumou a casa enquanto Roberto a ajudou a preparar o almo��o.

Na hora do almo��o, Carlos, nervoso, entrou em casa. Seu rosto e seus

olhos estavam vermelhos.

Selma e Roberto se admiraram, pois o filho sempre chegava alegre e

brincando.

- O que aconteceu, Carlos? Por que est�� t��o nervoso?

- N��o estou nervoso, mam��e! Estou �� com muita raiva!

- Por que, o que aconteceu para que fique assim?

- Antes de tudo isso acontecer, eu tinha muitos amigos, tinha com

quem conversar na escola. Hoje, todos me ignoraram e se negaram a

conversar comigo! Tentei falar com eles, mas foi imposs��vel; quando eu

perguntava alguma coisa, simplesmente se afastavam sem responder!

At�� alguns professores que sempre me elogiaram e trataram bem tam-

290

Elisa Masselli

b��m me ignoraram! N��o quero mais ir �� escola! N��o entendo por que

est��o fazendo isso! Eles eram meus amigos!

Selma olhou para Roberto, que abra��ou o menino:

- N��o fique assim, filho. �� muito dolorido quando somos injusti��a-

dos e descobrimos que n��o temos amigos. Esses que se negaram a falar

com voc�� n��o s��o e nunca foram seus amigos. Embora voc�� esteja so-

frendo muito, �� hora de aprender alguma coisa. Os verdadeiros amigos

n��o s��o aqueles que est��o ao nosso lado apenas quando est�� tudo bem.

Os verdadeiros amigos s��o aqueles que, nas horas dif��ceis, est��o ao nosso

lado e n��o nos abandonam nunca.

- �� verdade, meu filho. Voc��, infelizmente, est�� pagando por algo

que n��o fez e que as pessoas julgam que eu e seu pai tenhamos feito.

Por��m, tudo isso vai ser esclarecido e todos eles ter��o de pedir desculpas

a voc�� que, ao contr��rio do que disse, precisa ir �� escola e mostrar que

est�� bem e nada disso pode te atingir. Agora, v�� lavar suas m��os e vamos

almo��ar. Depois, voc�� vai ao treino.

- N��o vou, mam��e! N��o posso ir! Os meus amigos do basquete

tamb��m v��o fazer a mesma coisa, me ignorar. N��o quero ir, n��o quero!

Dizendo isso, come��ou a chorar desesperado. Roberto olhou para

Selma, que abra��ou o filho:

- Est�� bem, Carlos, �� tudo muito recente. Se acha que n��o tem con-

di����es, hoje n��o precisa ir. Agora, vamos almo��ar.

Carlos parou de chorar e foi ao banheiro. Voltou em seguida e come-

��aram a comer.

Ao terminarem, Carlos j�� estava indo para o seu quarto quando ou-

viram a campainha tocar. Olharam-se. Roberto foi at�� a porta. Assim

que abriu, ouviu:

- Boa tarde, seu Roberto. Carlos j�� est�� pronto para ir ao treino?

Roberto voltou-se para Carlos e Selma, que olhavam para ele ao ou-

vir o que Vaguinho, amigo de Carlos, perguntava.

- Depois, voltando-se novamente para Vaguinho, sorriu. Ainda ��

cedo para o treino, Vaguinho.

- N��o �� n��o, seu Roberto! O campeonato est�� chegando e o professor

291

As chances que a vida d��

disse que a gente precisa treinar mais tempo. Marcou para a uma e meia,

j�� estamos atrasados!

- Carlos n��o quer ir ao treino e nem �� escola. Entre, Vaguinho, talvez

voc�� o conven��a.

Vaguinho, nervoso, entrou. Carlos, ao lado da m��e, ficou olhando

para ele que perguntou:

- Por que voc�� n��o quer ir �� escola, Carlos, o que aconteceu?

- Voc�� n��o viu o que fizeram comigo hoje, l�� na escola? At�� alguns

professores?

- Eu vi que voc�� estava isolado e at�� tentei conversar, mas voc�� ficou

calado o tempo todo.

- N��o, Vaguinho! Ningu��m quis conversar comigo! Tentei falar com

alguns, mas me evitaram! Todos, mesmo sem saber se meus pais s��o

culpados, me acusam tamb��m!

- Mas n��o foi isso o que eu vi, Carlos. Foi voc�� quem ficou calado no

canto. Deixe disso, pode ser que um ou outro esteja pensando assim, mas

a maioria de n��s �� seu amigo. Voc�� �� um dos melhores jogadores, deixa

disso e vamos treinar!

Carlos olhou para os pais que tamb��m o olhavam e sorriam.

- V��, meu filho. N��o somos culpados, mas, mesmo que f��ssemos, voc��

n��o teria culpa alguma. V�� treinar e ajude a levar seu time ao sucesso!

- Est�� bem, mam��e. Eu vou.

Carlos foi ao seu quarto, pegou a mochila onde levava a roupa que

usava para jogar, e os dois sa��ram conversando.

- Agora acho que ele est�� bem, Selma.

- Est��, sim. Agora s�� nos resta esperar que Jos�� Luiz traga alguma

not��cia boa.

292



Depress��o

Fazia uma semana que Selma e Roberto estavam em casa. Carlos

estava bem, pois, embora pensasse que seus amigos o repudiariam, isso

n��o aconteceu. Roberto estava preocupado com Selma, que n��o sa��a do

quarto, passava o tempo todo deitada, chorando, e quase n��o comia.

Preparou uma bandeja com caf�� da manh�� e foi at�� o quarto. Selma es-

tava deitada, coberta e toda encolhida, com o rosto inchado de tanto chorar.

- Voc�� precisa se levantar e reagir, Selma. N��o pode continuar dessa

maneira.

Selma sentou-se sobre a cama.

- Estou bem, Roberto, mas sem vontade de fazer coisa alguma. Acho

que a vida n��o tem mais sentido. Para que trabalhar tanto se, de repente,

assim como aconteceu com minha m��e, todos vamos morrer?

- N��o podemos pensar assim, Selma. A vida �� boa e uma b��n����o de

Deus. Precisamos aproveitar todos os momentos dela.

- Para que, Roberto? Qual �� a finalidade da vida? Eu sempre fui ego-

��sta, m�� e orgulhosa. Usei as pessoas e pratiquei aquele ato horr��vel. En-

tendi isso e tentei me regenerar. Estava com a vida perfeita ao seu lado

293

As chances que a vida d��

e de Carlos. De repente, tudo mudou. Embora sejamos inocentes, cor-

remos o risco de ser presos. N��o fui julgada, processada nem presa por

algo que realmente fiz, e agora que sou inocente estou aqui sem saber

o que vai acontecer com nossas vidas. Quando tive a oportunidade de

conversar com minha m��e, de pedir perd��o e ser perdoada, ela morre da

maneira que morreu e n��o tive essa chance!

- Em alguma coisa que est�� dizendo voc�� tem raz��o, mas a vida tem

muitas coisas boas.

- Como o que, Roberto?

- O dia em que nos conhecemos, nosso amor, o nascimento de Car-

los, os momentos felizes que tivemos ao seu lado enquanto crescia, e

hoje, ao ver que ele est�� se tornando uma pessoa boa. Sei que estamos

passando por um momento muito ruim, mas estou me lembrando agora

do que minha tia sempre dizia: "N��o h�� bem que n��o se acabe nem mal

que n��o termine". Tudo isso vai passar, Selma. Vamos conseguir provar a

nossa inoc��ncia e seremos felizes novamente.

- Como posso ser feliz sabendo que minha m��e morreu me odiando?

- Isso voc�� nunca vai saber, at�� que chegue o dia em que vai reen-

contr��-la.

- Onde ela est��, Roberto? Nunca me interessei por religi��o alguma. N��o

precisava, tinha tudo o que sempre desejei, mas agora n��o sei se ela est�� no

c��u, no inferno ou no limbo. Preciso muito saber onde ela est�� e como.

P��ricles, que estava ali ao lado de Mario Augusto, sorriu e estendeu

as m��os sobre Roberto, que falou:

- Tamb��m n��o sei, mas acredito que Deus, como todos os pais, n��o

quer nosso sofrimento. N��o acredito que exista inferno. N��o sei, mas

acho que ningu��m �� ruim o suficiente para ter um castigo eterno. Pode

existir algo como o limbo, talvez, pois seria um tempo para que as pesso-

as possam refletir sobre o que fizeram com suas vidas.

- De onde tirou tudo isso que est�� falando, Roberto? N��o achei que

fosse religioso.

- N��o sou religioso, Selma. Vou �� igreja em algumas ocasi��es, mas

n��o sou praticante. Contudo, penso muito a respeito da vida e o que

294

Elisa Masselli

acontecer�� depois da minha morte. Tamb��m n��o sei por que estou di-

zendo essas coisas, mas senti vontade de falar e falei. Voc�� precisa reagir

e esperar o dia em que tudo isso ser�� esclarecido. Est�� muito tempo sem

ter o que fazer. V�� at�� o orfanato, converse com Mar��lia e volte a trabalhar

pelas crian��as. Assim, teremos mais tranquilidade para esperar que tudo

isso termine.

- N��o posso fazer isso, Roberto. N��o sabemos quanto tempo vai de-

morar para provarmos nossa inoc��ncia. Jos�� Luiz, desde o enterro, n��o

deu mais not��cias. Enquanto tudo n��o for esclarecido, Mar��lia jamais vol-

tar�� a confiar em mim.

- N��o penso assim, Selma. Mar��lia foi �� delegacia e ao enterro de sua

m��e. Ela acredita na nossa inoc��ncia. Imagino que esteja sentindo sua

falta, e as crian��as tamb��m.

Selma come��ou a chorar:

- N��o posso fazer isso, Roberto. N��o posso coloc��-la em uma situa-

����o constrangedora.

A campainha tocou. Selma e Roberto se olharam, ele se levantou e

foi abrir a porta. Ao abrir, teve uma surpresa:

- Mar��lia?

- Bom dia, Roberto. Preciso conversar com Selma. Ela est��?

- Est��, sim. Entre por favor.

Mar��lia entrou. Roberto apontou para o quarto. Mar��lia entendeu e

foi ao encontro de Selma.

- Bom dia, Selma. Como voc�� est��?

Selma, constrangida pela situa����o em que se encontrava, com as

m��os secou os olhos e tentou sorrir:

- Bom dia, Mar��lia. Estou bem. Um pouco triste com tudo que acon-

teceu, mas estou bem.

Mar��lia olhou para a janela, que estava fechada, fazendo com que o

quarto ficasse escuro. Sem nada dizer foi at�� ela e a abriu.

- J�� s��o quase dez horas, Selma, e ainda est�� na cama? N��o deve estar

bem, n��o!

- Realmente n��o sinto vontade alguma de me levantar. N��o tenho o

295

As chances que a vida d��

que fazer. Aqui, na cama, posso pensar com mais facilidade em tudo o

que aconteceu. Posso chorar por minha m��e e pedir, mil vezes, que ela

me perdoe.

Enquanto ia at�� o guarda-roupa e abria as portas, sorrindo, Mar��lia disse:

- De acordo com aquilo que acredito, sua m��e deve estar enfrentan-

do suas verdades e refletindo sobre o que fez com sua vida. O tempo dela

aqui terminou, mas voc�� precisa continuar, tem muito a fazer.

- N��o consigo entender e aceitar isso, Mar��lia. N��o consigo, tamb��m,

me perdoar por ela ter morrido me odiando e sem que eu tivesse tempo

de pedir perd��o.

- Entendo isso, mas n��o �� ficando deitada e deprimida que vai con-

sertar tudo isso. Precisa retomar sua vida, continuar de onde parou. As

diferen��as que existiram entre voc�� e sua m��e um dia ser��o explicadas,

mas n��o vai ser agora. Qual vestido voc�� quer usar?

Nervosa, Selma levantou-se e em p��, olhando nos olhos de Mar��lia,

gritou:

- N��o quero vestido algum! Preciso saber onde ela est�� e como! Du-

rante toda minha vida culpei minha m��e por aquilo que tinha me torna-

do e feito, e hoje sei que a ��nica culpada fui eu! Preciso dizer isso a ela!

- Fico feliz em ver que voc�� reconhece isso, mas n��o �� chorando o

dia todo que vai resolver isso.

- N��o tenho outra coisa a fazer, Mar��lia!

- Tem sim. Eu estou sentindo muita falta de voc��, e mais ainda as

crian��as. Elas est��o ansiosas esperando sua volta.

- N��o posso voltar ao orfanato, Mar��lia. Tenho vergonha de tudo o

que aconteceu...

- N��o tem que ter vergonha alguma. Eu acredito na sua inoc��ncia e,

para mim, isso j�� basta. Precisa voltar para continuar ajudando as crian-

��as e a mim na constru����o da nova ala.

Roberto interveio:

- Mar��lia tem raz��o, Selma. Era sobre isso que est��vamos conversan-

do. N��o pode continuar assim. Precisa reagir e dar tempo ao tempo. Eu,

embora tamb��m esteja sendo acusado, estou tranquilo, pois sei que sou

296

Elisa Masselli

inocente. Levante-se e acompanhe Mar��lia. - Disse, emocionado, abra-

��ando Selma.

Selma, solu��ando, se abra��ou a ele e, por tr��s de seu ombro, sorriu

para Mar��lia, que correspondeu ao sorriso.

- Pensando bem, acho que voc��s t��m raz��o. Sou inocente e as crian-

��as precisam de mim. Como voc�� disse, Mar��lia, um dia vou reencontrar

minha m��e e tudo ser�� esclarecido.

Dizendo isso, pegou um vestido no arm��rio, tomou um banho e saiu

feliz ao lado de Mar��lia que, olhando para Roberto, tamb��m sorriu.

Ele beijou Selma na testa.

- V�� com Deus, minha querida. N��o temos do que nos envergonhar.

Enquanto caminhavam, Mar��lia e Selma conversavam:

- Estou preocupada, Mar��lia.

- Por qu��?

- At�� agora, Jos�� Luiz n��o deu not��cia alguma. Ele disse que ia tentar

descobrir o que havia acontecido, pelo visto n��o est�� conseguindo.

Tudo o que aconteceu foi bem planejado, Selma, por isso deve ser

dif��cil descobrir alguma pista, mas acredito que ele vai conseguir.

- Ser��, Mar��lia?

- Claro que sim. E, tamb��m, n��o adianta voc�� ficar t��o ansiosa. Tudo

tem um tempo para acontecer e a ansiedade e o sofrimento n��o v��o ace-

lerar. Tenha f�� e entregue nas m��os de Deus.

- Voc�� est�� sempre calma, Mar��lia. Parece que nada a atinge.

- Aprendi com a vida, Selma. Quando as coisas n��o est��o bem, e

n��o acontecem da maneira que queremos, n��o adianta reclamar nem

chorar. Precisamos tentar resolver; mas se n��o conseguirmos, s�� nos

resta ter f�� e esperar.

- Ouvindo voc�� falar, Mar��lia, parece que tudo �� simples.

- E na verdade ��, Selma, somos n��s quem complicamos. - Disse rindo.

Quando chegaram em frente ao port��o do orfanato, Selma parou:

- O que foi, Selma? Vamos entrar.

- Espere, Mar��lia, preciso me preparar.

- Preparar para qu��?

297

As chances que a vida d��

- N��o sei como as crian��as v��o me receber...

Sem nada dizer, Mar��lia abriu o port��o e fez com que Selma entrasse.

Assim que entraram e as crian��as viram Selma, correram em sua dire����o

e a abra��aram com tanta for��a que ela perdeu o equil��brio e sentou-se no

ch��o. As crian��as, rindo muito, felizes, a abra��aram e beijaram por muito

tempo. Selma, chorando, correspondia aos abra��os, beijos e felicidade.

Mar��lia, emocionada, olhou para aquela cena, que jamais seria es-

quecida. E sem que fosse dita sequer uma palavra, e nem havia necessi-

dade, pois o amor que aquelas crian��as sentiam por Selma era imenso. O

mesmo acontecia com Selma, que amava profundamente aquelas crian-

��as que a haviam salvado do desespero e da depress��o.

Rita, ao ouvir a gritaria, saiu da sala, e ao ver Selma tamb��m se emo-

cionou:

- Seja bem-vinda, Selma! Todos n��s, e principalmente as crian��as,

est��vamos sentindo sua falta.

- Obrigada, Rita. Tamb��m estava sentindo muita falta de voc��s.

Ap��s os abra��os, Selma se reuniu com as crian��as no galp��o e con-

versou com elas a respeito da pr��xima exposi����o e de todo o trabalho

que teriam pela frente. N��o s�� Mar��lia, mas P��ricles e Mario Augusto

tamb��m acompanhavam o que acontecia e sorriam.

- Selma n��o imagina o quanto conseguiu se redimir com esse traba-

lho com as crian��as, Mario Augusto. O amor ao pr��ximo e a doa����o ��

sempre um ��timo rem��dio para tudo.

- Est�� dizendo que com esse trabalho ela est�� totalmente perdoada?

- Totalmente n��o, Mario Augusto. Todos voc��s ter��o de renascer

juntos e cada um deve fazer a sua parte para que haja uma reconcilia����o

completa; mas Selma ter�� aprendido, nesta encarna����o, valores que leva-

r�� para sempre. Ela ter�� condi����es de reunir todos voc��s e tentar promo-

ver a reconcilia����o, atrav��s do perd��o exercido por voc��s.

- Como isso pode acontecer, P��ricles?

- Voc��s ter��o de encontrar um caminho, mas talvez Selma renas��a

como m��e de uma grande fam��lia. A m��e sempre tem sobre os filhos um

certo poder de persuas��o e o mais importante �� o exemplo.

298

Elisa Masselli

- Entendo e �� verdade. Minha m��e conseguiu que n��s, seus filhos,

fiz��ssemos tudo o que ela queria...

- Infelizmente, sua m��e, com seu exemplo, n��o os ajudou muito.

Por��m, todos ter��o novas chances.

- O que vai acontecer agora, P��ricles? Selma encontrou seu caminho

e todos n��s retornamos?

- Todos n��o, Mario Augusto. Ainda faltam muitos que voc��, nessa

encarna����o, n��o conheceu, mas que sempre estiveram juntos.

- Ainda vou reconhecer?

- Vai, sim, pois, para que possam reencarnar todos dever��o ter vol-

tado e isso ainda levar�� alguns anos da Terra.

Selma estava t��o entretida com as crian��as que nem viu a hora pas-

sar. Olhou para o rel��gio e para Mar��lia:

- Nossa, est�� na hora de fazer o almo��o.

Despediu-se e, tranquila, saiu. Quando chegou �� rua em que morava,

viu, �� dist��ncia, o carro de Jos�� Luiz parado em frente �� sua casa. Curiosa,

apressou o passo. Assim que entrou em casa, encontrou Jos�� Luiz e Ro-

berto que conversavam na cozinha. Feliz e curiosa, foi at�� eles.

- Bom dia, Jos�� Luiz! Que bom ver voc�� por aqui! - Disse, beijando

seu rosto. Tem alguma novidade sobre nosso caso?

- Bom dia, Selma. Infelizmente, ainda n��o, mas temos outro assunto

para conversar.

- Antes, por��m, vamos almo��ar. Quando Jos�� Luiz chegou, contei a

ele que voc�� estava no orfanato e o convidei para o almo��o. Estou termi-

nando de preparar.

- Esse meu marido vale ouro, n��o �� Jos�� Luiz? Eu n��o me canso de

dizer que n��o o merecia!

- N��o fale assim, Selma, a palavra tem for��a. Vai que um anjo esteja

passando por aqui e pense: "Acho que escolhi a Selma errada, vamos

trocar o marido dela" - Jos�� Luiz disse, rindo.

- Nem pensar! Sendo assim, vou repetir mil vezes que mere��o esse

marido sim! - Ela, beijando Roberto no rosto, disse tamb��m rindo.

Logo depois, Carlos chegou da escola. Estava feliz:

299

As chances que a vida d��

- Papai, mam��e, fui escalado para o campeonato estadual!

- Que bom, meu filho! Sempre soube que voc�� seria um grande es-

portista! Lembra-se de Jos�� Luiz?

- Claro que sim, mam��e. Disse, estendendo a m��o que Jos�� Luiz

apertou. Em seguida, foi para seu quarto e voltou logo depois, pronto

para almo��ar.

Enquanto Roberto terminava de preparar a carne, Selma come��ou

a lavar a alface que seria servida. Jos�� Luiz ficou olhando a desenvoltura

dela na cozinha:

- Nunca pensei que um dia eu a veria assim, uma dona de casa, Selma.

Ela, que estava de costas para ele, voltou-se rindo:

- H�� alguns anos, nem eu me imaginaria, Jos�� Luiz. Quem me ensi-

nou a cuidar da casa e a cozinhar foi Etelvina. Ela teve muita paci��ncia

comigo. - Disse, rindo.

- Parece que fez um bom trabalho...

Depois de lavar e temperar a salada, Selma preparou a mesa e todos

se sentaram. Comeram tranquilos e pouco falaram. Quando termina-

ram, Carlos foi para seu quarto. Precisava fazer a li����o de casa e voltar

para o treino.

Selma, Roberto e Jos�� Luiz foram para a sala e, enquanto tomavam

caf��, Jos�� Luiz falou:

- Bem, estou aqui para falar sobre os bens de sua fam��lia, Selma.

- Eu j�� disse a voc�� que n��o quero nada do que pertenceu �� minha

fam��lia, Jos�� Luiz. O que nos importa, mesmo, �� saber se voc�� conseguiu

descobrir alguma coisa sobre as mentiras a nosso respeito.

- Sei que n��o se importa, mas precisa tomar conhecimento de como

est��o as coisas, Selma. Quanto �� investiga����o, estamos perto de saber

alguma coisa, mas levar�� ainda algum tempo.

- Est�� bem, mas, antes de come��ar, quero que tudo o que me per-

tence seja doado para institui����es de caridade. Quero, tamb��m, que uma

import��ncia seja doada ao orfanato.

- Como viver��o? Roberto est�� sem emprego, Selma.

- Aquele dinheiro s�� me trouxe tristeza e me fez cometer erros ter-

300

Elisa Masselli

r��veis, n��o precisamos dele. Roberto encontrar�� um novo emprego, ele ��

competente no que faz e, se precisar, vou procurar um trabalho. Etelvina

me ensinou a costurar. O que precisamos, mesmo, �� da nossa liberdade.

- Desculpe-me, Selma, mas o dinheiro n��o pode ser responsabili-

zado pelos nossos atos. Ele �� necess��rio para que possamos viver, mas o

que fazemos com ele s�� depende da nossa pr��pria atitude.

- Sei que tem raz��o. Mesmo assim n��o quero ter mais do que preciso,

Jos�� Luiz.

- Ainda bem que pensa assim.

- Por que est�� dizendo isso?

- Simplesmente porque n��o sobrou coisa alguma da fortuna de seus pais.

- O qu��? ��� Selma perguntou nervosa.

- Estive olhando os documentos que seu pai e depois sua m��e guar-

dava no escrit��rio e constatei que n��o h�� mais bem algum, nem mesmo

as j��ias. Tudo o que ela usava n��o passava de bijuteria.

- Como isso pode ter acontecido?

- Seu pai morreu em casa, onde o m��dico atestou que foi por causa

de uma doen��a no pulm��o. Como ele n��o tinha conhecimento de onde

voc�� estava, atestou que n��o deixava filhos, portanto sua m��e seria a ��nica

herdeira. Ele n��o se importou, pois sempre tem um prazo para que possa

ser sanada qualquer poss��vel omiss��o do atestado de ��bito. Quando Josias

entregou o atestado para sua m��e, ele a alertou sobre isso, mas como ela

acreditava que, por voc�� ter desaparecido depois da morte de Mario Au-

gusto, fosse a ��nica culpada pela morte de seu pai, omitiu a sua exist��ncia

e, por isso, tudo ficou s�� no nome dela. Assim, com isso, poderia vender

ou fazer o que quisesse com os bens da fam��lia.

- Ela omitiu a minha exist��ncia?

- Sim. Acreditava que seu pai havia morrido de tristeza por ter per-

dido voc�� e seu irm��o.

- N��o pode ser, Jos�� Luiz! Meu pai n��o morreu por minha culpa...

- N��o importa o que voc�� ou eu possamos pensar. O que importa ��

o que ela pensava.

- Como ela conseguiu acabar com tudo, Jos�� Luiz?

301

As chances que a vida d��

- Duas ou tr��s vezes por semana, ela sa��a de casa usando um t��xi

para evitar que Josias descobrisse aonde ela iria.

- E para onde ela ia?

- A uma casa de jogos, e l�� perdeu tudo. Inclusive a mans��o foi vendi-

da h�� um m��s atr��s. S�� restou o carro e uma pequena quantia, que poder��

ser usada para indenizar os empregados, e um pequeno apartamento para

onde ela se mudaria.

- Minha m��e perdeu tudo no jogo?

- Pode parecer imposs��vel, mas foi o que aconteceu. N��o restou coisa

alguma. N��o h�� dinheiro, j��ias ou propriedades.

- N��o consigo acreditar nisso, Jos�� Luiz! Tudo isso pelo ��dio que

sentia de mim?

- Infelizmente, sim.

- Foi por isso que, na delegacia, disse que me tiraria do testamento.

N��o tinha coisa alguma para me dar!

- Se voc�� quiser, poder�� contestar o testamento. Basta entrarmos

com uma a����o.

- N��o vou contestar coisa alguma, Jos�� Luiz. Eu j�� havia dito que n��o

queria coisa alguma.

- Pode tomar posse do apartamento. Ele �� seu.

- N��o preciso. Temos esta casa, que �� nossa. Roberto vai encontrar

um novo emprego e, depois de provarmos a nossa inoc��ncia, tudo volta-

r�� a ser como antes. Quanto ao apartamento, quero que transfira a escri-

tura para Josias. Ele merece, sempre foi um ��timo funcion��rio e amigo.

- Tem certeza de que quer isso mesmo, Selma?

- Sim, Jos�� Luiz. Por favor, providencie tudo. Agora sei que n��o

tenho como pagar seu trabalho, mas prometo que, assim que tudo se

resolver, pagarei tudo.

- N��o se preocupe com isso, Selma. Sabe que n��o preciso de dinhei-

ro. Somos amigos e isso para mim �� o que importa.

- Sei que n��o precisa, mas �� o seu trabalho. Estudou muito para che-

gar a ser o bom advogado que ��, n��o posso deixar de reconhecer isso.

- Est�� bem, vamos deixar para falar a respeito depois que tudo esti-

ver resolvido na sua vida.

302

Elisa Masselli

Selma olhou para Roberto que, assim como ela, estava at��nito com

aquela revela����o:

- Voc�� consegue entender o que ela fez, Roberto?

- �� dif��cil entender, mas nos resta refletir at�� onde o ��dio pode nos

levar, Selma.

- Agora preciso ir embora. Antes, por��m, vou passar na delegacia.

Preciso conseguir alguns dados e endere��os. - Jos�� Luiz disse, levan-

tando-se e estendendo a m��o para Roberto, que a apertou. Em seguida,

voltou-se para Selma, que o abra��ou:

- Obrigada por tudo, meu amigo.

Ele sorriu e abra��ou-a tamb��m.

- A pr��xima vez que voltar aqui ser�� para dizer que voc��s est��o livres!

- Tomara Deus!

Eles o acompanharam at�� o carro. Ele entrou e, sorrindo, ligou o mo-

tor e partiu.

P��ricles e Mario Augusto estavam ali e acompanharam toda a conversa:

- N��o acredito que minha m��e tenha feito isso, P��ricles! Ser�� que foi

somente o ��dio que a motivou?

- N��o foi s�� esse o motivo, Mario Augusto. Sua m��e teve uma vida

de luxo e poder, quando voc�� e seu pai morreram, e Selma desapareceu,

ela se deu conta de que apesar de todo o dinheiro e poder ficou sozinha,

e isso a levou ao desespero. Ela ent��o come��ou a culpar o dinheiro pelo

seu fracasso, quando, na realidade, ele nunca foi o problema. Nascer com

ou conseguir dinheiro n��o significa falta de humanidade nem desculpa

para que outras pessoas sejam humilhadas. Todos precisam de dinheiro

para poder sobreviver e seguir sua jornada. Ele pode facilitar, mas se n��o

for bem usado pode ser o motivo de muitas quedas. Ele �� importante,

mas n��o deve ser colocado sobre o amor e a caridade. N��o querendo

admitir que havia sido culpada, resolveu culpar Selma; por isso, quando

a reencontrou, essa magoa fez com que a afastasse de sua vida.

- O que vai acontecer com minha m��e, P��ricles?

- Neste momento, ela est�� tendo a chance de rever sua vida e de en-

tender onde fracassou.

303

As chances que a vida d��

- Deve estar desesperada. Posso ficar ao lado dela?

- Logo mais, iremos ter com ela. Mas n��o se preocupe, ela, mesmo

sem saber, est�� sendo assistida. Por enquanto, vamos continuar ao lado

de Selma e de Roberto, tentando ajud��-los de alguma maneira e fazendo

tudo o que pudermos e tivermos permiss��o, sem nunca invadir o livre-

-arb��trio de cada um.

Mario Augusto concordou com a cabe��a.

304



Plano perfeito

Matilde n��o entendia o motivo, mas naquele dia estava sentindo

uma energia que a incomodava. Estava assim pensando, quando P��ricles

chegou:

- Tudo bem com voc��, Matilde?

- N��o, P��ricles, n��o est�� tudo bem. Estou sentindo uma energia pesada.

- Por isso estou aqui. Sua m��e est�� passando por um momento mui-

to dif��cil e precisa de nossa presen��a. Quer ir comigo?

- Claro que sim! �� tudo o que mais desejo desde que cheguei aqui! O

que est�� acontecendo com minha m��e?

- Logo saber��. Vamos nos encontrar com Mario Augusto. Ele tam-

b��m quer ir.

Mario Augusto chegou logo depois. Abra��aram-se e em seguida de-

sapareceram. Chegaram a uma rua e uma casa que Matilde n��o conhe-

cia. Do lado de fora, puderam ver que a casa estava toda envolvida por

energias densas e com alguns esp��ritos que a cercavam enviando mais e

mais dessas energias. Matilde e Mario Augusto se assustaram.

- Que lugar �� este, P��ricles?

305

As chances que a vida d��

- �� onde sua m��e est�� morando.

- Minha m��e est�� morando aqui, por qu��?

- Depois daquele dia em que tudo aquilo aconteceu, muita coisa mu-

dou na vida de sua m��e. Ela entrou em uma depress��o muito grande, foi

afastada do trabalho e se mudou para esta casa, que pertence a sua tia.

- O que est�� acontecendo e por que s�� hoje permitiu que eu a visi-

tasse?

- Tenha um pouco de paci��ncia, logo mais saber��. Agora, precisa-

mos fazer uma prece para podermos entrar nessa casa. Como viu, ela

est�� muito bem protegida.

Em seguida, deram-se as m��os e P��ricles fez uma prece. No mesmo

instante formou-se como que um corredor de luz por onde eles puderam

passar.

Entraram na casa. Mirtes estava deitada em um quarto escuro, cho-

rando.

Matilde se aproximou e, tamb��m chorando, disse:

- Mam��e, o que aconteceu? Esta casa est�� envolvida com energias

ruins que n��o podem fazer bem �� senhora. - Voltando-se para P��ricles,

perguntou: - O que aconteceu com ela?

- Ela n��o est�� bem, e isso est�� atraindo as presen��as pesadas que

encontramos e que est��o fazendo muito mal a todos os que moram aqui.

- Por que isso est�� acontecendo? Minha m��e sempre foi forte e lutadora...

- At�� hoje, ela n��o aceitou o que aconteceu com voc��.

- Por que n��o permitiu que eu a visitasse, P��ricles. A minha presen��a

poderia ter ajudado.

- Ela nunca deixou de ter assist��ncia. Voc�� tamb��m n��o estava bem

e, ao contr��rio do que est�� dizendo, sua presen��a poderia piorar ainda

mais a situa����o.

- Ent��o, por que me trouxe hoje?

- Por que agora voc�� est�� bem e sua m��e vai precisar de muita ajuda.

Por mais que pensemos que a verdade fica escondida, isso n��o acontece,

pois, a qualquer momento, ela vem �� tona.

- N��o estou entendendo. Que verdade?

306

Elisa Masselli

- Logo mais saber��. Por enquanto, vamos ficar aqui tentando im-

pedir que essas energias tomem mais conta ainda da casa e das pessoas.

Enquanto isso, em casa, Flora e Esmeralda tomavam o caf�� da ma-

nh�� e conversavam.

- Estou preocupada, Esmeralda...

- Por que, Flora?

- Jos�� Luiz est�� procurando os culpados por tudo o que aconteceu

com Selma, e at�� agora n��o conseguiu encontrar coisa alguma.

- Tem conversado com ele, Flora?

- Conversei ha tr��s dias. Ele me disse que est�� seguindo uma pista e

que assim que tiver certeza vai me avisar.

- Pensar que eu tinha certeza de que foi voc�� quem fez tudo aquilo...

- Esmeralda disse, rindo.

- N��o culpo voc�� por ter pensado isso. Durante muito tempo tenho vi-

vido somente para poder me vingar de Selma. Sabia que ela era a culpada e

n��o me conformava que estivesse livre. Fico pensando tamb��m em Esme-

ralda. Se n��o fui eu, quem teria sido? Para que as pessoas se envolvessem

nessa armadilha foi preciso muito dinheiro. N��o consigo pensar em nin-

gu��m que odiasse Selma e que tivesse dinheiro. Voc�� desconfia de algu��m?

- N��o, Flora. Minha ��nica suspeita era voc��.

- N��o fui eu, Esmeralda, mas vamos descobrir. Tenho f��.

- Ainda bem que mudou de ideia.

- Verdade. Naquele dia em que vi o que Selma estava fazendo por

aquelas crian��as e a falta que faria a elas, resolvi esquecer a vingan��a.

Mesmo por que, por mais que eu fizesse, n��o traria Arlete de volta.

- Gra��as a Deus que fez isso! Hoje voc�� est�� diferente, at�� sua apa-

r��ncia mudou. Est�� com os olhos brilhantes como eram antes. Garanto

que muita coisa boa vai acontecer em sua vida.

- E o que mais poderia acontecer em minha vida, Esmeralda? - Flora

perguntou, rindo. Tenho tudo, e agora que mudei de ideia quanto a essa

vingan��a, n��o tenho com que me preocupar.

- Pode ter tudo, mas n��o tem um amor, um companheiro para seguir

ao seu lado.

307

As chances que a vida d��

- Est�� ouvindo o que est�� falando, Esmeralda?

- Claro que estou e n��o sei por que est�� rindo, Flora. Voc�� �� jovem,

bonita e muito rica. N��o �� justo que continue sozinha.

- Jovem, bonita? Estou com quase quarenta anos!

- Que nada, est�� muito longe ainda. Por causa do que aconteceu,

voc�� deixou o tempo passar mergulhada no ��dio. Esqueceu-se de como

era bonita e feliz. Esqueceu-se at�� do amor que sentia por Jos�� Luiz.

- O que est�� falando, Esmeralda?

- N��o entendo essa admira����o. Sempre soube que voc�� era apaixo-

nada por ele.

- Aquilo que senti foi coisa de adolescente. Ele nunca se interessou

por mim, sempre teve olhos somente para Selma.

- Verdade. Mas depois que tudo aconteceu e que Selma desapareceu,

ele veio aqui muitas vezes, mas voc�� sempre o afastou. Com toda aquela

m��goa e ��dio, n��o percebeu que ele estava interessado em voc��.

- N��o sabe o que est�� dizendo, Esmeralda. Jos�� Luiz nunca gostou de

mim, ele se casou logo depois.

- Casou-se, mas logo se separou. Eu sabia que aquele casamento n��o

daria certo.

- Como poderia saber disso, Esmeralda?

- Aquela mo��a era muito diferente dele, que sempre foi reservado e

tranquilo, enquanto ela gostava de sair muito e de ir a festas. Acho que

ele tamb��m sentiu muito a perda de Mario Augusto. Conheciam-se des-

de crian��as e foram amigos durante tantos anos.

- Isso �� verdade. Todos n��s sofremos muito.

- Verdade, mas agora tudo vai mudar. Voc�� est�� pronta para iniciar

uma nova vida. Vai comprar roupas novas, modernas, e vai frequentar

festas da sociedade.

- Pare com isso, Esmeralda! Preciso pensar sobre isso, mas s�� farei

quando Selma estiver livre de qualquer acusa����o. - come��ou a rir - meu

Deus do c��u, quando eu poderia imaginar que um dia estaria assim, pre-

ocupada com Selma?

- Ainda bem que Deus ouviu minhas ora����es, Flora.

308

Elisa Masselli

Ouviram o telefone tocar e olharam-se surpresas. Logo depois, uma

das empregadas da casa se aproximou:

- O doutor Jos�� Luiz est�� ao telefone e quer falar com a senhora,

dona Flora.

- Ainda surpresa, Flora se levantou e caminhou at�� a sala onde esta-

va o telefone:

- Al��. Bom dia, Jos�� Luiz! Voc�� n��o vai morrer nunca!

- Bom dia, Flora. Por que est�� dizendo isso?

- Eu e Esmeralda est��vamos falando sobre voc��.

- Espero que tenham falado coisas boas.

- Claro que sim. Fal��vamos sobre sua investiga����o no caso de Selma.

- �� justamente por isso que estou telefonando.

- Tem alguma novidade?

- Sim. E, se voc�� estiver livre, gostaria que fosse comigo a um lugar.

Acredito que l�� descobriremos o que aconteceu de verdade.

- Claro que estou livre! Estou ansiosa para que tudo seja esclarecido

e termine.

- Daqui a meia hora est�� bem?

- Estarei esperando por voc��!

Flora desligou o telefone e, sorrindo, voltou para a sala de jantar onde

Esmeralda estava:

- Ele disse que est�� perto de desvendar tudo, Esmeralda, e quer que

eu v�� junto!

- Gra��as a Deus, Flora. Sabe para onde ele vai levar voc��?

- N��o, mas isso n��o importa. O que importa �� desvendarmos esse

mist��rio. Vou me arrumar, ele vem me buscar dentro de meia hora.

Dizendo isso, correndo subiu a escada que a levaria ao seu quarto.

Esmeralda, feliz, ficou olhando para ela.

Meia hora depois, o carro de Jos�� Luiz parou em frente �� casa de Flo-

ra. Alguns minutos depois ela apareceu. Ele, que estava em p�� junto ao

carro, beijou seu rosto e abriu a porta para que ela entrasse.

Assim que ela entrou, ele deu a volta e entrou tamb��m, e em seguida

acelerou o carro e sa��ram.

309

As chances que a vida d��

- O que voc�� descobriu, Jos�� Luiz?

- Outro dia, quando estava na cidade onde Selma est�� morando, fui

at�� a delegacia e peguei com o delegado o endere��o do pai de Margarete.

Fui at�� l��, mas ele n��o mora mais no mesmo endere��o. Fiquei um pouco

perdido, mesmo assim continuei a investiga����o e, atrav��s dos vizinhos,

cheguei a um prov��vel endere��o. �� para l�� que estamos indo, acredito

que l�� est�� a solu����o de tudo o que aconteceu.

- Ser��, Jos�� Luiz?

- Espero que sim.

Ansiosa, Flora ficou olhando a paisagem. Em alguns minutos, Jos��

Luiz pegou uma estrada que os levaria para a periferia da cidade. Logo

depois, entraram em um bairro que parecia ser muito pobre. As casas

eram pequenas, as ruas n��o tinham asfalto e uma ��gua verde escorria

pelos cantos. As casas n��o tinham muro, apenas cerca, na sua maioria

feita de arame. Aquele era um lugar que Flora jamais imaginou existir.

Ap��s perguntar para algumas pessoas que encontraram pelo ca-

minho onde ficava a rua que procuravam, Jos�� Luiz parou o carro

diante de uma casa:

- �� esta casa, Flora. Fique aqui.

A casa era comprida, possu��a um pequeno corredor, era rodeada

por uma cerca com trepadeiras muito verdes e tinha um pequeno por-

t��o. Jos�� Luiz desceu, deu a volta pelo carro e bateu palmas diante do

port��o. Flora, assustada e angustiada, acompanhava o que ele fazia.

Uma senhora apareceu:

- Boa tarde, senhora. Preciso falar com Margarete, ela est�� em casa?

A mulher, enquanto andava pelo corredor, perguntou:

- Ela est��, sim, mas quem �� o senhor?

- Sou amigo dela e precisamos conversar. A senhora poderia

cham��-la?

Assim que a mulher se aproximou, olhou para o carro e, ao ver Flora,

estremeceu e tentou voltar para a casa.

Selma ao ver o seu rosto n��o se conteve. Abriu a porta do carro e

desceu:

310

Elisa Masselli

- Dona Mirtes, a senhora mora aqui?

A senhora, assustada, quis retornar para dentro da casa, mas Flora a

segurou pelo bra��o e continuou:

- Por favor, dona Mirtes, precisamos conversar...

- N��o temos o que conversar e n��o imagino o que estejam fazendo aqui!

- Tamb��m n��o sei o motivo de estarmos aqui, mas j�� que estamos

precisamos conversar. - Disse, olhando para Jos�� Luiz, que assim como

ela parecia estar surpreso:

- Voc�� conhece essa senhora, Flora?

- Sim, Jos�� Luiz. Ela trabalhava na cantina do col��gio em que estuda-

mos e tamb��m �� m��e de Matilde.

Ao ouvir aquilo, surpreso, Jos�� Luiz perguntou:

- M��e de Matilde?

- Sim, sou m��e de Matilde, aquela que voc��s assassinaram e que, fazen-

do isso, destru��ram a mim e a toda a fam��lia! - Falou, demonstrando com os

olhos, a express��o e os gestos muito ��dio. - Estou estranhando a presen��a de

voc��s aqui, j�� que durante todos esses anos nunca vieram para saber como

eu estava. Simplesmente se esqueceram de Matilde e de todos n��s!

- Sinto muito por tudo o que aconteceu, dona Mirtes, mas n��o tive-

mos culpa. Foi uma trag��dia.

- Como n��o tiveram culpa? Iludiram minha filha com a vida que le-

vavam e fizeram com que fosse assassinada da maneira como foi! Voc��s

e principalmente Selma foram os culpados!

- A senhora tem raz��o de estar nervosa, mas j�� se passou muito tem-

po. O ��dio s�� pode causar mal, e �� isso que est�� fazendo com a senhora.

Eu tamb��m odiei muito Selma por pensar que ela era a culpada pela

morte de minha irm��, perdi um tempo imenso que n��o me levou a coisa

alguma, mas hoje eu a perdoei e estou me sentindo muito bem. A senho-

ra deveria tentar perdoar, ser�� para o seu pr��prio bem.

- Perdoar? Nunca! Ela precisa pagar pelo que fez e j�� est�� pagando!

Antes de Flora dizer alguma coisa, viram que da casa sa��a uma mo��a

que se encaminhava at�� eles. Assim que se aproximou, perguntou:

- Est�� tudo bem, tia?

311

As chances que a vida d��

- N��o, Margarete, n��o est�� tudo bem! Eles est��o procurando voc��!

- Eu? Por qu��?

- A Senhora permite que entremos em sua casa? - Perguntou Jos��

Luiz, abismado com o que ouviu.

- Na minha casa? Nem pensar!

- Sou advogado e como tal sugiro que permita a nossa entrada para

podermos conversar com mais calma.

- Advogado? O que um advogado quer na minha casa?

- Sabemos que Selma e o marido foram vitimas de uma armadilha

que os levou �� pris��o. Nossas investiga����es nos trouxeram at�� aqui. Para

o bem da senhora e de voc��, Margarete, volto a pedir que permitam a

nossa entrada, pois se n��o permitirem serei obrigado a ir at�� a pol��cia

abrir um boletim de ocorr��ncia e ter��o de falar com o delegado.

As duas se olharam. Mirtes, por ser uma pessoa humilde, ao ouvir

falar em pol��cia se assustou:

- Por que o senhor iria at�� a pol��cia? N��o fizemos coisa alguma...

- Acredito que tenham feito. O que acha, Flora?

- Desde que eles foram presos e tivemos a certeza de que eram ino-

centes, fiquei procurando quem poderia ter premeditado e feito aquilo.

Agora, vendo que Margarete faz parte da fam��lia de Matilde, acredito

que tenham algo a ver com tudo o que aconteceu. Por favor, dona Mirtes,

deixe-nos entrar.

Assustada e preocupada, Mirtes abriu o port��o e permitiu que en-

trassem.

Caminharam pelo corredor estreito at�� chegarem a uma porta que

estava aberta. Assim que entraram encontraram outra mocinha. Jos��

Luiz, ao v��-la, nervoso, perguntou:

- Voc�� n��o �� Fabiana, a amiga de Carlos?

Ao v��-lo, Fabiana tentou entrar por uma porta que estava aberta.

- N��o adianta fugir, Fabiana. J�� vi voc�� e estou come��ando a enten-

der o que aconteceu. - Disse Jos�� Luiz, demonstrando nervosismo.

Fabiana, entendendo que n��o tinha como fugir, voltou para a sala e

sentou-se em um pequeno sof�� que havia ali.

312

Elisa Masselli

- Quem �� essa menina, Jos�� Luiz?

- �� amiga de Carlos, filho de Selma. Ela ficou o tempo todo ao lado

dele enquanto os pais estavam presos.

Flora, ap��s refletir por alguns segundos, perguntou muito nervosa:

- Voc�� tamb��m fez parte de tudo o que aconteceu com eles?

Fabiana n��o respondeu, apenas olhou para Mirtes e Margarete, que

tamb��m a olhavam.

- N��o estou entendendo o que o senhor est�� falando...

- Est��, sim, dona Mirtes. N��o sei como, mas a senhora descobriu que

Selma havia planejado aquilo que levou �� morte de sua filha e, tomada de

��dio, quis se vingar. Conversou com essas mo��as e as convenceu de irem

para aquela cidade e fazerem tudo o que fizeram.

- O senhor est�� imaginando coisas. Sou pobre, como poderia fa-

zer isso?

- Tamb��m n��o sei, mas sugiro que nos conte como planejou e colo-

cou tudo em pr��tica.

- N��o tenho o que dizer.

- Tem sim, tenho certeza disso. Assim como chegamos at�� aqui, o

delegado chegar�� com mais facilidade porque ter�� mais argumentos e

pistas do que eu tinha. Por isso, se a senhora n��o me contar como fez,

vou conversar com ele e poder�� ser presa por cal��nia, inj��ria e difama-

����o. Poder�� ficar presa por at�� tr��s anos, n��o s�� a senhora, mas todos os

envolvidos.

Ao ouvir aquilo, Margarete olhou para Fabiana e quase gritou:

- N��o quero ser presa, tia!

- Nem eu! A senhora disse que ningu��m ia descobrir o que fizemos!

Mirtes, tamb��m assustada e percebendo que havia sido descoberta,

resignada disse:

- Est�� certo. Fui eu quem planejou e colocou em pr��tica tudo o que

aconteceu.

- Como e por que a senhora fez isso? - Flora perguntou, abismada.

- Eu �� que pergunto, como voc�� pode n��o saber o motivo? Mataram

a minha filha, que era linda e tinha um futuro brilhante. Ela foi embora e

313

As chances que a vida d��

voc��s continuaram a vida sem se interessarem pelo que tinha acontecido

comigo e com nossa fam��lia.

- Entendo sua indigna����o. Realmente, Matilde n��o deveria ter mor-

rido daquela maneira. A senhora nos acusa de sermos culpadas, s�� n��o

entendo o motivo de ter se vingado somente de Selma.

- Acalmem-se voc��s duas! - Jos�� Luiz disse, tentando manter a cal-

ma, e continuou: Senhora, por favor, conte como conseguiu colocar em

pr��tica seu plano de vingan��a.

- Nunca gostei da amizade de voc��s com Matilde e sempre a alertei

sobre isso. Sempre disse que entre pessoas como a gente e voc��s nunca

poderia existir amizade, mas ela n��o me ouviu.

- N��o �� bem assim, dona Mirtes. Existem pessoas que n��o se im-

portam com a posi����o social e s��o amigos sinceros. - Jos�� Luiz disse,

interrompendo-a.

- Talvez isso aconte��a, mas eu n��o conhe��o nenhum.

- Por favor, Jos�� Luiz, n��o a interrompa. Preciso saber o que

aconteceu.

Mirtes, com o olhar frio, olhou para Flora e continuou:

- Nosso mundo era muito diferente, mas ela, quando come��ou a ter

amizade com voc��s, ficou encantada com a possibilidade de viver como

viviam. Apesar dos meus avisos, ela n��o me ouviu e escondia os pre-

sentes que ganhava e que sa��a com voc��s. Durante muito tempo fiquei

preocupada com essa amizade, pois sabia que n��o poderia acabar bem,

e s�� fiquei feliz e tranquila quando se formaram e cada uma de voc��s

seguiu sua vida. Matilde ficou ressentida por voc��s nunca mais a terem

procurado, pois, segundo ela, n��o precisavam mais que fizesse os seus

trabalhos escolares. Tudo ia bem, at�� o dia em que Selma procurou por

ela e tudo voltou a ser como antes. Eu sentia, n��o sei se pressentimento

de m��e, que alguma coisa de ruim ia acontecer. Procurei falar com ela

novamente mas, como das outras vezes, n��o me ouviu.

- Desculpe, senhora, mas embora possa parecer que tenhamos sido

culpadas a senhora mesma est�� dizendo que ela n��o quis ouvir o que a

senhora dizia. N��o quero dizer que somos inocentes, mas ela tamb��m

314

Elisa Masselli

n��o foi. - Dessa vez, quem a interrompeu foi Flora.

Matilde que, perplexa, acompanhava a conversa calada, por fim dis-

se, chorando:

- Ambas t��m raz��o, P��ricles. Eu n��o ouvi minha m��e e sabia o que

estava fazendo, mas queria porque queria ser rica como as outras meninas.

Ao ouvir aquilo, P��ricles permaneceu calado e apenas sorriu. Mirtes

continuou:

- Matilde encontrava-se com voc��s sempre escondido. Por isso, na-

quela noite, quando a pol��cia foi �� minha casa para me avisar que ela

estava ferida, levei um grande susto.

- Como a pol��cia encontrou o seu endere��o, dona Mirtes?

- Fui eu, Jos�� Luiz. - Disse Flora. - Quando o policial perguntou se

algu��m sabia onde Matilde morava, disseram a eles que provavelmente

eu sabia. Vieram me perguntar e eu disse que a m��e dela trabalhava no

col��gio e dei o endere��o.

- Ainda bem que voc�� sabia, Flora. Mas continue, dona Mirtes.

- Fui at�� a mans��o no carro da pol��cia. Assim que cheguei fiquei

abismada, pois nunca havia entrado em uma casa como aquela, mas n��o

parei para pensar, queria apenas ver minha filha. Assim que entramos na

casa, uma policial se aproximou e, me abra��ando, disse muito emocio-

nada;

- Infelizmente, senhora, sua filha n��o resistiu.

- Fiquei olhando para ela sem conseguir entender ou aceitar o que

ela dizia. Depois de alguns segundos, olhei para um lugar onde havia

muitas pessoas e fui correndo para l�� e, ao ver Matilde deitada no ch��o

cercada de muito sangue, n��o resisti e comecei a gritar. - Mirtes e Flora

choravam muito ao se lembrarem daquele dia.

Jos�� Luiz olhou para as duas e fez um esfor��o enorme para n��o cho-

rar tamb��m:

- Fiquei ali at�� que a policial, segurando meus bra��os, fez com que

eu me levantasse e me levou at�� uma sala onde me sentei em um sof��.

Enquanto sa��a vi que Arlete e um rapaz tamb��m estavam deitados e en-

sanguentados. Eu estava desesperada, sem entender o que havia aconte-

315

As chances que a vida d��

cido. Enquanto ela me levava, procurei por Selma e por voc��, Flora, pois

eram as ��nicas que eu conhecia e que poderia me dar as respostas que

precisava, mas n��o as encontrei.

- Eu estava no meu quarto e n��o sabia para onde Selma tinha ido. -

Flora disse, chorando. - Mirtes continuou:

- Algumas pessoas, que eu n��o conhecia, vieram falar comigo, mas

eu n��o queria ouvir nada nem falar com ningu��m. Ouvi algu��m dizer que

Arlete tinha matado Matilde por ci��mes do namorado. Eu n��o entendia

aquilo, pois minha filha nunca comentou estar gostando de algu��m. Eu

sabia que ela gostava de frequentar as festas, mas apenas pelo luxo. Fiquei

ali at�� que os corpos foram levados pela pol��cia. Gra��as a um pedido da

policial, que, naquela noite, foi como um anjo da guarda, o mesmo carro

que havia me levado at�� l�� me trouxe de volta para minha casa.

Ao ouvir aquilo, P��ricles sorriu:

- Sua m��e n��o sabia, Matilde, mas ela estava sendo protegida. �� uma

pena que as pessoas n��o saibam que nunca est��o s��s.

Matilde, com os olhos lacrimejando, voltou-se para a m��e, que

continuou:

- Demorei alguns dias para aceitar que aquilo realmente havia acon-

tecido. Meu corpo do��a de dor, parecia que um peda��o de mim tinha

sido arrancado com viol��ncia. N��o tinha certeza, mas sabia, em meu

��ntimo, que voc��s tinham sido as culpadas, s�� n��o imaginava como. N��o

mexi nas coisas de Matilde, suas roupas, livros ou qualquer outra coisa.

Achava que se ficasse tudo como antes, a qualquer momento ela volta-

ria. O tempo foi passando e eu n��o conseguia aceitar. Entrei em uma

depress��o profunda e, por mais que minha fam��lia tentasse me ajudar,

n��o conseguia. Quase n��o comia, o que me levou a ficar doente e ser

afastada do trabalho. Passava o tempo todo chorando e querendo saber

o que havia acontecido para que Matilde fosse morta daquela maneira

covarde. Um dia, resolvi que precisava reagir. Matilde estava morta, mas

eu precisava continuar e ia come��ar me desfazendo de tudo que era dela.

Abri o arm��rio onde ela guardava suas roupas, que n��o eram muitas e

couberam em apenas uma mala. Em outra maleta coloquei seus sapatos

316

Elisa Masselli

e bolsas. Depois de ter tirado tudo, ainda sobraram os livros que, es-

ses sim, eram muitos. Resolvi que os levaria para a biblioteca da cidade,

onde poderiam ser usados. Estava guardando todos eles em uma caixa,

quando vi um bem pequeno. Peguei em minha m��o e vi que se tratava de

um di��rio. Estranhei, pois nunca imaginei que Matilde tivesse um di��rio.

Sentada sobre a cama, comecei a ler. Nele, ela havia contado tudo o que

acontecera durante o tempo em que estudou ao lado de voc��s. Fui lendo

at�� chegar �� semana da festa onde ela morreu e a felicidade que estava

sentindo por poder encontrar com o amor da sua vida, Jos�� Luiz.

- Eu? N��o pode ser! Nunca houve nada entre n��s. Para mim, ela era

apenas uma amiga das meninas.

Depois, vou mostrar o di��rio para o senhor. Ela sempre o amou e

tinha esperan��a de que, naquela noite, seria notada. Selma fez com que

ela pensasse que o senhor tamb��m gostava dela.

Jos�� Luiz, at��nito, continuou ouvindo Mirtes:

- Lendo o di��rio, pude ver que a ��nica culpada havia sido Selma.

Fui tomada de um ��dio enorme. Minhas d��vidas haviam se confirmado.

Com o di��rio nas m��os, estava decidida a ir at�� a casa de Selma, mas

n��o sabia onde ela morava. Fui at�� o col��gio e atrav��s de uma colega de

trabalho consegui o endere��o e fui at�� l��. Assim que cheguei em frente

a casa, fiquei olhando e entendi o fasc��nio que ela tinha exercido sobre

Matilde, seu tamanho e beleza eram mesmo impressionantes. Diante do

port��o, pude ver que um senhor com uniforme de motorista estava junto

ao carro. Toquei a campainha, ele me viu e veio at�� mim:

- Bom dia, senhora. Posso ajudar?

- Preciso falar com Selma.

- Desculpe, senhora, mas ela n��o est��.

- Como n��o est��? Ela n��o mora aqui?

- Morava, mas n��o mora mais.

- O senhor sabe onde posso encontr��-la?

- Infelizmente, n��o. Ela se mudou e n��o deixou endere��o.

- O senhor est�� falando a verdade? Ela n��o mora mais aqui, mesmo?

- Claro que estou dizendo a verdade! Por que eu mentiria?

317

As chances que a vida d��

Percebi que ele realmente falava a verdade.

- Obrigada, senhor.

- Arrasada, estava me afastando, quando ouvi:

- Espere, senhora!

- Ao ouvir aquilo, me voltei e ele perguntou:

- A senhora n��o �� m��e da Matilde?

- Sou, sim, mas como sabe disso?

- Eu a vi naquela noite na casa de Arlete. Foi naquele dia que Selma

desapareceu sem deixar endere��o, mas por que est�� procurando por ela?

- Desconfio que foi ela quem planejou o que aconteceu com minha

filha. O senhor n��o sabe mesmo onde ela est��?

- N��o, n��o sei. Mas como a senhora pode dizer isso?

- N��o importa. Obrigada, senhor, pela aten����o.

- Sa�� dali arrasada. Precisava encontrar Selma para fazer com que

confessasse sua participa����o na morte de minha filha. Daquele dia em

diante, passei a n��o me conformar com a morte de Matilde e o meu ��dio

por Selma foi aumentando cada dia mais. Impotente por n��o conseguir

falar com ela, entrei em uma depress��o profunda. Meus filhos se casaram

e minha depress��o ficou mais forte, mudei de casa e vim para c��, mais

perto da minha fam��lia, que estava muito preocupada comigo. Um dia,

minha irm�� Carolina veio at�� minha casa:

- Mirtes, voc�� n��o pode continuar assim.

- Assim como?

- Est�� magra e abatida. Onde est�� aquela mulher lutadora que criou

os filhos com tanta garra?

- N��o sei para onde ela foi. At�� tenho tentado voltar a ser ela, mas

n��o consigo. O ��dio que estou sentindo �� imenso, s�� vou descansar quando





conseguir me vingar.


- O que adianta isso, Mirtes? Essa mo��a deve estar bem, enquanto voc��

est�� sofrendo. E, afinal, nada que fizer poder�� trazer sua filha de volta...

- Sei disso, mas sinto que Matilde s�� vai descansar quando Selma pa-





gar pelo que fez.


Ao ouvir aquilo, Matilde olhou para P��ricles:

318

Elisa Masselli

- Eu nunca soube de nada que acontecia com minha m��e, P��ricles.

De onde ela tirou a ideia de que eu queria vingan��a?

- N��o pode negar que durante muito tempo desejou isso, Matilde.

Lembra-se do quanto todos conversamos com voc�� para que entendesse

o que havia acontecido? Foi por esse motivo que n��o permitimos que

voc�� viesse visitar sua m��e, pois sab��amos que se a visse da maneira como

estava seu ��dio voltaria e voc�� perderia aquilo que conseguiu, a paz.

- Hoje entendo o que fizeram por mim. Mesmo assim, eu deveria ter

ficado ao lado de minha m��e. Imaginava que ela deveria ter sofrido, mas

nunca imaginei que tivesse sido tanto.

- Hoje voc�� est�� aqui porque ela precisa de muita luz. Olhe como sua

m��e est�� cercada de energias densas. Essas energias n��o est��o s�� por fora, mas

por dentro tamb��m. Seus ��rg��os vitais est��o comprometidos e, quando isso

acontece, as doen��as tomam conta e fica muito dif��cil encontrar uma cura.

Preste aten����o que, mesmo depois de ter conseguido se vingar de Selma, as

energias continuam a�� e ela n��o est�� se sentindo melhor. A vingan��a n��o traz

paz, mas traz somente um vazio imenso. Se prestar aten����o, vai ver que ��

medida que ela vai contando o que aconteceu, as energias v��o se desfazendo e

ela vai ficando mais tranquila. Embora n��o admita, seu esp��rito est�� feliz pelo

que est�� acontecendo aqui. Vamos continuar ouvindo o que ela tem a contar.

- Minha irm��, ap��s conversar muito tentando fazer com que eu rea-

gisse e vendo que eu n��o reagia, disse:

- Venha passar alguns dias comigo. Sabe que a cidade onde moro ��

tranquila. Saindo desta casa onde Matilde viveu, talvez possa entender e





aceitar sua morte.


- Eu n��o queria, mas sabia que nem ela nem meus filhos me deixa-

riam em paz, ent��o aceitei o convite:

- Est�� bem, vou com voc��, mas apenas por alguns dias.

- Mesmo a contragosto fui com ela. A cidade era pequena, com pou-

cas ruas, e muito tranquila.

- Fiquei ali durante uma semana. Minha irm�� fez de tudo para que

eu me sentisse bem. Preparou comidas que sabia que eu gostava, me le-

vou para conhecer os principais lugares da cidade, mas nada me fazia

319

As chances que a vida d��

esquecer de Matilde e de Selma. A certeza de que nunca encontraria

a causadora daquela trag��dia me fazia muito mal. Precisava descobrir

onde ela estava, mas n��o sabia como fazer. O desejo de vingan��a chegava

a doer em meu peito. Resolvi vir embora e falei para minha irm��:

- Carolina, amanh�� cedo vou embora.

- Por que, Mirtes? Voc�� est�� bem aqui. Fiz alguma coisa que a magoou?

- N��o, voc�� �� uma irm�� maravilhosa mas preciso voltar para minha casa:

- Voc�� �� quem sabe. Mas acredito que se continuar aqui por mais al-





gum tempo vai melhorar.


- N��o vou, Carolina. Depois desses dias entendi que n��o adianta,

aonde eu for esse sentimento de ��dio vai me seguir.

- N��o pode continuar assim, Mirtes. Voc�� est�� precisando de uma re-

ligi��o, de Deus...

- Deus? Deus? Ele n��o existe e se existir �� um criminoso por tirar mi-

nha filha t��o jovem e bonita! - Eu disse chorando e gritando.

- N��o diga isso, minha irm��. Deus �� nosso Pai e nos ama muito...

- Pode amar voc��, mas a mim, se �� que Ele existe, com certeza me odeia!

- Voc�� est�� muito nervosa e n��o sabe o que diz.

- Estou muito nervosa mesmo, Carolina, por saber que n��o tem como

eu encontrar Selma e s�� vou descansar e ficar em paz quando conseguir

me vingar. Nunca quis ter dinheiro, pois sempre vivi muito bem com o que

tinha, mas neste momento eu queria ter muito.

- Para que, Mirtes?

- Para poder contratar um bom detetive que, certamente, a encontra-





ria onde estivesse escondida.


- Voc�� precisa se esfor��ar para mudar de pensamento.

- N��o vou mudar, Carolina!

- Vou orar muito por voc��, minha irm��!

- Obrigada, mas preciso comprar doces e queijo para levar, pois, se n��o

fizer isso, eles v��o me matar. - Eu disse rindo, para mudar aquele assunto que estava me incomodando.

- Est�� bem, Mirtes, fa��a como quiser e achar melhor. Continue perden-

do seu tempo se desgastando com esses sentimentos ruins.

320

Elisa Masselli

- Minha irm�� me conhecia muito bem e sabia que eu dificilmente

mudaria de ideia, sorriu e olhando para o rel��gio da parede disse:

- Est�� quase na hora de preparar o almo��o, mas acho que ainda temos

tempo para ir at�� o centro comprar seu doce. Vamos at�� l��?

- Vamos, sim. Vou pegar minha bolsa.

- Pegamos a bolsa e sa��mos. Minha irm�� fala muito e sempre tem

uma hist��ria para contar. Enquanto caminh��vamos, ela ia falando e eu

rindo. Chegamos a uma rua. Ela, sorrindo, disse:

- Esta �� a rua principal da cidade, e logo mais, ali na frente, tem um arma-

z��m onde se vende de tudo e voc�� vai poder comprar seus doces e seu queijo.

- Sorri e continuamos andando. Enquanto andava, eu ia vendo todo

o com��rcio que havia naquela rua. De repente, do outro lado, vi Selma e

voc��, Flora, conversando. Nervosa, parei:

- Carolina! Aquelas que est��o conversando ali s��o Selma e Flora!

- Carolina se assustou:

- N��o pode ser, onde?

- Disfar��ando e me voltando para que voc��s n��o me vissem, apontei

para o lugar onde voc��s estavam.

- Esse foi o dia em que reencontrei Selma. - Disse Flora. - Eu estava

ali para me vingar dela tamb��m.

- Da maneira que conversavam n��o parecia ser isso, Flora. Voc��s

pareciam grandes amigas. De qualquer maneira, ao ver voc��s duas ali a

menos de vinte metros de mim, fiquei parada. Meu corpo todo come��ou

a tremer. Minha irm��, ao ver que eu estava muito branca e tremendo,

pegou meu bra��o e caminhamos at�� a esquina onde n��o havia perigo de

que voc��s pudessem me ver.

- Tem certeza de que s��o elas, Mirtes?

- Tenho, sim, embora Selma esteja diferente, com os cabelos molhados

pelo suor e com um vestido simples. N��o sei o que aconteceu, mas �� ela, sim.

- O que vai fazer?

- Depois de respirar e me acalmar vou at�� l��!

- Vai fazer o qu��? Dizer que sabe o que aconteceu com Matilde? N��o

precisa fazer isso, ela sabe o que fez!

321

As chances que a vida d��

- Preciso pensar. Esperei tanto por este dia e agora que chegou n��o

sei o que fazer. Procurei por ela durante tanto tempo! Pensar que voc�� me

convidou tantas vezes para vir pra c�� e sempre me recusei!

- N��o sei, mas acho que n��o tinha chegado a hora, Mirtes. Vamos para

casa. L�� voc�� poder�� pensar melhor.

- N��o podemos ir, Carolina. Precisamos saber onde ela mora e como

est�� vivendo.

- Est�� bem. Vamos ficar aqui e ver para onde ela vai.

- Ficamos ali e depois de algum tempo voc��s se despediram, Flora. Sel-

ma come��ou a andar e n��s fomos atr��s. Quando ela entrou em uma casa,

nervosa, falei:

- �� aqui que ela mora, nessa casa t��o simples?

- Parece que sim, Mirtes.

- N��o pode ser! Ela foi sempre t��o orgulhosa, como pode ter mudado

tanto, Carolina?

- Abismada, estava ali sem conseguir acreditar no que via. Um rapaz

e um menino chegaram e entraram na casa. Eles conversavam e riam.

Minha irm��, ao v��-los, quase gritou:

- Esse menino �� o Carlos! Ele estuda na mesma escola que o meu filho!

- Tem certeza, Carolina?

- Tenho! Ele j�� foi em casa v��rias vezes.

- Agora j�� sabemos onde ela mora e, para minha sorte, voc�� conhece

o filho dela. Paulinho deve saber algo mais. Vamos para casa, vou pensar

num jeito de ela pagar pelo que fez.

Voltamos para casa. Meu sobrinho, Paulinho, amigo do filho de Sel-

ma, estava l��. Perguntei pra ele:

- Paulinho, voc�� conhece os pais do seu amigo Carlos?

- Conhe��o. Seu Roberto trabalha no latic��nio e a dona Selma ajuda

no orfanato.

- Joel tamb��m trabalha no latic��nio e namora com Sandra, uma

mo��a que mora no orfanato, Mirtes! - Minha irm�� disse empolgada.

- Isso �� muito bom, Carolina! J�� estou come��ando a pensar em uma

maneira de me vingar dela!

322

Elisa Masselli

- Est��vamos conversando, quando Joel, meu outro sobrinho, chegou

para o almo��o. Antes de almo��armos, chorando, perguntei:

- Joel, voc�� conhece Roberto, pai de Carlos, que trabalha no latic��nio?

- Conhe��o, ele �� meu chefe. Por que a senhora est�� perguntando isso, tia?

- Ele �� o marido da assassina da sua prima.

- N��o pode ser, tia! Ele �� um chefe competente e muito bom, e Sandra

disse que dona Selma ajuda muito no orfanato...

- Naquele instante em que conversava com Joel, surgiu uma ideia de

como me vingar de Selma. Feliz, disse:

- Selma est�� livre porque n��o despertou suspeita alguma. Ela planejou

uma maneira de matar minha filha! Agora, precisamos preparar uma ar-

madilha para que pague o que fez!

- Que ideia �� essa, Mirtes?

- �� simples, Carolina. Vou at�� minha casa conversar com Jorge, Mar-

garete e Fabiana. Quando estiver tudo certo, voltamos para c�� e combina-





mos tudo.


- Quem s��o Jorge, Margarete e Fabiana?

- Meu irm��o e minhas sobrinhas.

- Meu Deus do c��u! - Jos�� Luiz exclamou assustado.

- O que foi, Jos�� Luiz?

- Se algu��m me contasse eu diria que estava mentindo, Flora...

- Por qu��? Lembra-se quando falamos que somente algu��m com

muito dinheiro poderia comprar pessoas para fazerem algo assim? N��o

foi preciso dinheiro, Flora!

- Lembro-me, Jos�� Luiz, mas porque est�� dizendo isso?

- N��o foi preciso usar dinheiro! Todos os que participaram fazem

parte da fam��lia de dona Mirtes! N��o sei se foi coincid��ncia ou n��o, mas

todos se conhecem e se uniram...

- �� verdade, dona Mirtes? S��o todos de sua fam��lia?

- Sim, Flora. Procurei Selma por tanto tempo sem imaginar que ela

estava aqui na cidade onde nasci e minha irm�� mora.

- Como a senhora planejou tudo?

- Voltei para minha casa e conversei com Jorge e as meninas. Expli-

323

As chances que a vida d��

quei como deveria ser feito. Todos acharam que seria f��cil. A ��nica que

ficou um pouco preocupada foi Margarete, que disse:

- N��o sei, tia. Para que seu plano d�� certo, vou ter de conseguir um





emprego.


- N��o vai ter problema algum, Margarete. H�� muito tempo, Jussara

est�� querendo fazer faculdade. Vou conversar com ela e dizer que pode

ficar l�� em casa.

- Os pais dela v��o deixar, tia?

- Acho que sim, nos conhecemos desde crian��as. Eles sabem que vou





cuidar muito bem dela.


- Est�� bem, tia. O que essa mo��a fez com Matilde n��o tem perd��o. Se

conseguir convencer Jussara e os pais dela, vou fazer minha parte.

- Todos n��s fomos para a cidade onde Selma estava. Assim que che-

guei, fui conversar com Mariucha, m��e de Jussara e minha amiga desde

crian��a. Quando cheguei a sua casa, ela me recebeu com muita alegria,

pois fazia muito tempo que n��o nos v��amos:

- Mirtes, voc�� por aqui? Que bom minha amiga. Como voc�� est��?

- Estou bem. Estou visitando Carolina e ela me disse que sua filha,

Jussara, quer ir fazer faculdade. �� verdade?

- ��, sim, mas est�� dif��cil. Embora ela tenha passado no vestibular, n��o





tem onde ficar.


- �� por isso que estou aqui. Como voc�� sabe, minha filha foi assassinada

e os outros se casaram. Estou morando sozinha e, se voc�� quiser, Jussara

poder�� ficar na minha casa, e n��o precisa se preocupar pois cuidarei muito





bem dela.


- Faria isso, Mirtes? - Mariucha perguntou, animada e surpresa.

- Para mim, vai ser um grande prazer. Estou me sentindo muito s�� e a

companhia dela vai me fazer muito bem.

- Ela vai ficar muito feliz com seu convite, Mirtes! Ela estava muito

triste por n��o poder ir. Sabe que n��o temos dinheiro para mant��-la l��.

- S�� preciso de um favor.

- Pode dizer, pois tudo que precisar, se eu puder ajudar, farei com mui-





to prazer.


324


Elisa Masselli

- Margarete, a filha do Jorge est�� querendo vir morar aqui. Ela brigou

com o namorado e n��o quer mais continuar morando l��. Fiquei sabendo

que Jussara trabalha no latic��nio. Ela, indo embora, deixar�� o trabalho

e vai precisar de algu��m para ficar no seu lugar. Margarete j�� trabalhou

como secret��ria. Acha que Jussara poderia apresent��-la?

- Acho que sim. Ela vai ficar t��o feliz que far�� qualquer coisa para

agradecer a voc��, assim como eu.

- A senhora n��o contou a ela qual era a sua real inten����o?

- N��o, Flora. Ela n��o fazia parte da fam��lia e poderia n��o aceitar.

- A senhora pensou em tudo. Foi muito bem planejado...

- Sim, Flora, o meu ��dio foi o que me ajudou a planejar. Depois de tudo

resolvido colocamos em pr��tica o nosso plano. Jussara pediu demiss��o do

emprego e apresentou Margarete. Joel esperou que todos sa��ssem e fez o furo

na parede e na estante que ficava em frente �� mesa do marido de Selma.

- O nome dele �� Roberto, dona Mirtes. Ele �� um bom homem e n��o

deveria ser julgado e condenado pelo que Selma fez. - Jos�� Luiz disse,

demonstrando irrita����o.

- Eu n��o o conhecia e fiquei admirada quando soube que era o ma-

rido de Selma. Como ela sempre foi muito preconceituosa, jamais ima-

ginei que chegaria a se casar com um negro. Eu precisava acabar com a

vida de Selma e ele estava no meu caminho.

- S�� de ver isso, a senhora poderia imaginar que ela havia mudado,

que n��o era a mesma pessoa de antes.

- Cheguei a pensar nisso, Flora, mas a ��nica coisa que me levou a

tomar essa atitude foi saber que apesar de tudo o que havia feito Selma

estava feliz, casada e com um filho, enquanto eu havia perdido minha

filha para sempre.

- Foi t��o f��cil assim, dona Mirtes?

- Sim, Flora, muito f��cil.

- Como conseguiram fazer com que o dinheiro fosse encontrado na

casa de Selma?

- Fabiana teve como miss��o se aproximar de Carlos e se tornar sua

amiga.

325

As chances que a vida d��

- Ele gosta muito de voc��, Fabiana, e vai sofrer muito quando souber

de tudo isso. �� um bom menino. - Jos�� Luiz falou, olhando para Fabiana,

que abaixou a cabe��a.

- Sandra foi praticamente criada por Mar��lia, dona Mirtes! Como

p��de fazer algo t��o terr��vel?

- Ela est�� apaixonada por Joel, Flora, e tamb��m se revoltou ao saber

que Selma matou minha filha.

- Entendo, mas mesmo assim foi muita trai����o. O que a senhora fez

quando soube que tudo tinha dado certo e que Selma e o marido esta-

vam presos?

- Naquele dia, eu estava na cidade e acompanhei tudo o que acon-

teceu. Vi quando Selma e o marido caminhavam pelas ruas em dire����o

�� delegacia e todas aquelas pessoas acompanhando. Fiquei feliz por, fi-

nalmente, ela ser punida. Ela foi v��tima da mesma armadilha que havia

preparado para Matilde. S�� fiquei preocupada por Carlos. Ele frequen-

tava a casa da minha irm�� e, por isso, eu o conhecia e sentia que era um

bom menino, mas o meu desejo de vingan��a foi maior. Fabiana veio me

contar que a av�� dele, que era muito rica, ia lev��-lo embora da cidade. Fi-

quei mais feliz ainda, pois Selma, al��m de estar presa ao lado do marido,

tamb��m ficaria sem poder ver o filho. Ela havia me tirado a minha filha,

e eu tirei o filho dela.

- Hoje, depois que tudo deu certo, como a senhora est��. Ficou satisfeita?

- N��o, n��o fiquei. Sinto ainda o mesmo vazio que achei que terminaria

assim que me vingasse, mas n��o aconteceu. N��o consigo dormir direito e

sinto muita falta de Matilde. Sinto que a vingan��a n��o me fez bem, Flora.

- Esmeralda j�� me disse, v��rias vezes, que de acordo com sua religi��o,

a morte n��o existe, �� apenas uma pequena separa����o, pois um dia todos

nos reencontraremos. N��o sei se �� verdade mas se for vai ser muito bom.

- J�� me falaram isso, Flora. Mas penso que quem acredita nisso ��

algu��m que nunca perdeu um ente querido assassinado, como foi o meu

caso. N��o sei se existe vida ap��s a morte e n��o me interessa, o que sei ��

que minha filha est�� morta e n��o vai voltar.

- Tamb��m quis me vingar de Selma pela morte da minha irm��, mas

326

Elisa Masselli

posso garantir �� senhora que quando resolvi deixar para l�� e continuar

minha vida foi a melhor coisa que poderia ter feito. Hoje estou tranquila,

durmo bem e n��o tenho mais aquele aperto no cora����o que tinha antes.

- Eu, ao contr��rio, n��o durmo bem e n��o penso em outra coisa que n��o

seja o sofrimento de Selma. S�� sinto que hoje, depois de tudo que consegui,

deveria estar feliz e tranquila, mas n��o estou. - Disse chorando muito.

P��ricles olhou para Matilde, que chorava sem conseguir se conter:

- Est�� entendendo o que est�� acontecendo com sua m��e, Matilde?

Matilde, que tamb��m chorava muito, respondeu:

- N��o sei, P��ricles. Estou sofrendo muito por tudo o que est�� acon-

tecendo com minha m��e.

- Por que est�� dizendo isso?

- Sei o mal que pode fazer ao esp��rito o ��dio e o desejo de vingan��a.

Aceito que Selma foi cruel, mas ela me pediu perd��o muitas vezes, desde

aquela noite, e eu a perdoei. Ela se modificou, est�� dedicando sua vida a

ajudar aquelas crian��as, n��o �� nem de longe a mesma de antes. Por isso,

estou vendo que a ��nica prejudicada tem sido minha m��e. Ela, que era

v��tima, depois do que fez se tornou a culpada e est�� rodeada por energias

ruins que n��o percebe. E o pior, mesmo depois de ter conseguido se vingar,

percebeu que nada mudou e que tudo foi in��til. Ela n��o est�� bem, P��ri-

cles. N��o teve culpa alguma de tudo o que me aconteceu. Eu sou a ��nica

culpada, bem que ela tentou me alertar mas eu n��o quis ouvir. Agora ela

�� quem est�� arcando com toda essa dor. Est�� pagando pelos meus erros...

- Essas l��grimas e esse sofrimento dela refletem, al��m da pr��pria

frustra����o, o que voc�� est�� sentindo, Matilde. Sua m��e est�� recebendo

as energias do seu sofrimento que, aliada �� insatisfa����o de ver que a

vingan��a n��o trouxe a paz que ela tanto anseia, faz com que chore

dessa maneira.

- Est�� dizendo que ela est�� chorando por eu estar triste e sofrendo,

P��ricles?

- Sim. Voc�� precisa se acalmar e conversar com sua m��e e poder��

sentir que ela, depois que come��ou a contar o que havia feito, est�� melho-

rando e as energias que estavam ao seu lado est��o se afastando.

327

As chances que a vida d��

Dizendo isso, P��ricles sorriu, estendeu os bra��os, um em dire����o a

Matilde e o outro para Mirtes:

- Converse com ela, Matilde.

Matilde parou de chorar e muito emocionada come��ou a falar:

- Perdoe-me, mam��e, por tudo que a fiz passar. Por��m, agora, tudo

terminou, estou bem e feliz. Para que minha felicidade seja completa s��

�� preciso saber que a senhora est�� bem. Todos n��s cometemos erros, mas

todos teremos uma nova chance para a nossa reden����o. Pare de chorar,

mam��e...

Embora Mirtes n��o tivesse ouvido o que Matilde disse, sentiu um

bem-estar que h�� muito n��o sentia. Parou de chorar e, olhando para Flo-

ra e Jos�� Luiz, emocionada disse:

- Depois de tudo o que fiz e vendo que nada adiantou para que eu

me sentisse bem, acredito que aquilo que Esmeralda disse a voc��, Flora,

seja verdade. Por isso, vou me preparar e ir conversar com o delegado

para contar tudo o que fiz.

Flora, abismada, olhou para Jos�� Luiz que, tamb��m surpreso, disse:

- A senhora sabe que se fizer isso, Selma e o marido ser��o libertados

e a senhora poder�� ser processada e at�� presa. �� isso mesmo o que quer?

- Sim, mas sinto que Matilde quer que eu fa��a isso.

- Est�� bem, senhora. Quer que esperemos at�� que se apronte?

- Sim, obrigada, doutor. N��o vou demorar.

Fabiana e Margarete ao ouvir aquilo se assustaram. Margarete, de-

monstrando muito medo, quase gritou:

- Tia, n��o pode fazer isso! Quando o delegado souber o que todos

n��s fizemos para ajudar a senhora, vamos ser presos tamb��m!

Jos�� Luiz olhou para Fabiana e viu que ela tamb��m chorava muito.

- Tudo o que fizeram foi errado e, mesmo sem conhecer Selma di-

reito, fizeram com que fosse incriminada. Claro que merecem um cas-

tigo, mas, levando-se em conta tudo o que aconteceu e o envolvimento

de dona Mirtes, vou conversar com o juiz para que leve isso em conta e

aplique uma pena bem leve. N��o tem como, somos livres para escolher

mas tamb��m para responder por nossos atos.

328

Elisa Masselli

- Obrigada, doutor. S��o crian��as e, realmente, foram envolvidas por

mim, pelo meu ��dio e meu desejo de vingan��a.

- Est�� bem, dona Mirtes. Vou fazer tudo o que estiver ao meu alcance.

Margarete e Fabiana, chorando, sa��ram da sala. Mirtes foi atr��s delas.

Assim que sa��ram, Jos�� Luiz apertou a m��o de Flora, que olhou para

ele e sorriu.

No mesmo instante em que se olharam, sentiram uma esp��cie

de corrente el��trica passando por seus corpos. Constrangidos, sem

que cada um soubesse que o outro havia sentido o mesmo, retira-

ram as m��os.

- Est�� quase na hora do almo��o, Flora. Vamos conversar com dona

Mirtes, dizer que vamos almo��ar e que depois voltaremos para acompa-

nh��-la. - Jos�� Luiz falou, um pouco confuso.

Flora, ainda emocionada pelo aperto de m��o e com o que tinha sen-

tido, apenas consentiu com a cabe��a.

Minutos depois, Mirtes voltou:

- Conversei com as meninas, elas n��o querem me acompanhar. Es-

t��o com medo de serem presas. Tem algum problema, doutor?

- Talvez n��o tenha problema. Vamos conversar primeiro com o de-

legado e depois, se precisar, com o juiz, mas acredito que seja um bom

momento para que elas aprendam alguma coisa.

- N��o estou entendendo o que o senhor est�� dizendo. Aprender o

que e como? O que elas fizeram foi por minha culpa...

- Sim, a senhora tem raz��o, foi sua culpa. Mas elas precisam apren-

der que n��o podem se deixar envolver pelos problemas de outras pessoas

e assim cometerem um crime, pois, se minhas investiga����es n��o tives-

sem me trazido at�� aqui, Selma e o marido poderiam ser condenados por

algo que n��o cometeram. Elas precisam, de alguma maneira, responder

pelo que fizeram.

- O senhor tem raz��o. Vou conversar com elas e fazer com que en-

tendam o que o senhor me falou. Elas v��o nos acompanhar e estar �� dis-

posi����o das autoridades, mas vou fazer quest��o, se for o caso, de sempre

dizer que fui a culpada de tudo o que aconteceu.

329

As chances que a vida d��

- Com a senhora fazendo isso, acredito que em breve tudo ser�� resol-

vido e todos n��s poderemos respirar em paz.

Mirtes ficou calada. Flora, feliz pelo rumo que as coisas estavam to-

mando, olhou para Jos�� Luiz e disse:

- Antes de irmos, preciso ir at�� em casa, pois Esmeralda j�� deve estar

preocupada pela minha demora. Voc�� a conhece, sabe como ela ��.

- Est�� certa, Flora. Voltaremos daqui a duas horas, dona Mirtes. Est��

bem para a senhora?

- Est�� sim. Quando voltarem estaremos prontas.

Eles despediram-se e sa��ram.

P��ricles olhou para Matilde, que chorava e ria.

- O que aconteceu, Matilde, voc�� est�� chorando ou rindo?

- As duas coisas, P��ricles, s�� que �� de felicidade. Gra��as a Deus, minha

m��e encontrou o caminho da paz. Quando vi aquelas entidades se afasta-

rem dela, percebi que agora ela vai ficar bem e �� somente isso que desejo.

- Sim, Matilde, gra��as a Deus. Vamos continuar aqui, ao lado de sua

m��e. Ela vai precisar de toda a luz que pudermos mandar.

- Obrigada, P��ricles. S�� podia esperar isso de voc��. Eu n��o teria co-

ragem de abandon��-la em um momento como este. Apesar de tudo o

que ela fez, preciso entender e tamb��m assumir minha culpa.

P��ricles apenas sorriu.

Assim que sa��ram, Flora e Jos�� Luiz despediram-se e foram para a

casa dela contar a Esmeralda o que havia acontecido.

- Nunca pensei que fosse isso que tivesse acontecido! Pensei em

voc��, Flora, e at�� em voc��, Jos�� Luiz, mas nunca na m��e de Matilde. Eu a

vi algumas vezes na cantina do col��gio, mas n��o a conhecia muito.

- A senhora pensou em mim, dona Esmeralda, por qu��?

- Todos sab��amos que voc�� era apaixonado por Selma e tamb��m o

melhor amigo de Mario Augusto. Ao saber o que ela havia feito, talvez

quisesse se vingar dela.

- Eu nunca desconfiei nem imaginei que Flora tivesse alguma coisa a

ver com aquela trag��dia. S�� tomei conhecimento quando fui �� delegacia

com dona Alda. Quando Mario Augusto morreu sofri muito e por isso

330

Elisa Masselli

me afastei de todos. Depois me casei, e s�� visitava dona Alda para cuidar

de seus neg��cios.

- Fiquei feliz por n��o ter sido nenhum de voc��s. Agora, precisamos

rezar para que tudo isso termine logo. Vamos almo��ar?

Flora e Jos�� Luiz sorriram e come��aram a comer.

331



A for��a do perd��o

Em casa, Selma terminava de preparar o almo��o. Carlos ia chegar da

escola e Roberto tinha sa��do cedo para ver se encontrava um emprego.

Dali a alguns minutos ele chegou. Selma olhou para ele e percebeu que

estava abatido:

- Como foi a entrevista, conseguiu o emprego?

- N��o, Selma. Acho que assim que terminar o julgamento e, queira

Deus, conseguirmos sair livres, vamos precisar nos mudar para outra ci-

dade. Esta cidade �� pequena e n��o tem muito emprego, al��m de todos sa-

berem o que aconteceu com a gente. Estou preocupado, pois j�� faz mais

de dois meses que estou desempregado e nossas reservas est��o acabando.

- Como diziam Etelvina e Mar��lia, tudo tem hora certa para acontecer.

N��o vamos sofrer antes do tempo, a qualquer momento vai aparecer um

emprego. Voc�� �� honesto e um ��timo profissional. Tenho f�� que tudo vai

ser esclarecido. Sabemos que somos inocentes e isso j�� deve nos bastar.

- Ainda bem que voc�� pensa assim. Eu j�� perdi minha f��.

- Venha me ajudar a preparar a salada. Carlos j�� est�� chegando e

ele precisa se alimentar. Vou conversar com Mar��lia e dizer que, embo-

332

Elisa Masselli

ra adore trabalhar com as crian��as, preciso procurar um emprego e, se

encontrar, vou ser obrigada a abandonar o orfanato, o que �� triste mas

necess��rio.

Roberto a abra��ou e beijou. Estavam ainda na cozinha, quando Car-

los chegou e puderam come��ar a comer.

Carlos, embora triste por Fabiana ter ido embora, estava empolgado

com o campeonato da escola. Assim que entrou, falou:

- Preciso almo��ar r��pido porque hoje tenho treino.

- O almo��o j�� est�� pronto, filho. Ajude seu pai a colocar a mesa en-

quanto levo a comida.

A mesa foi colocada e sentaram-se para comer. Estavam comendo

quando a campainha tocou. Olharam-se, surpresos.

- Quem ser��, Roberto?

- N��o sei, vou ver. - Disse, levantando-se. Abriu a porta e ficou

surpreso:

- Doutor Tavares, o que est�� fazendo aqui?

- Precisamos conversar. Posso entrar?

- Claro que sim. Estamos terminando de almo��ar, o senhor est�� servido?

- N��o, obrigado. Embora ainda n��o tenha almo��ado, n��o estou com

fome. Termine que depois conversaremos.

- Est�� bem. Sente-se e fique �� vontade, j�� estou terminando.

Tavares sentou-se no sof�� e Roberto voltou para a cozinha. Assim

que entrou, olhou para Selma e Carlos que, assim como ele, n��o enten-

diam o que Tavares estava fazendo ali. Com os olhos ele fez um sinal de

que tamb��m n��o estava entendendo. Tentaram terminar de comer mas

n��o conseguiram. Estava tensos e muito curiosos para saber do que se

tratava.

Alguns minutos depois, os tr��s se levantaram. Carlos foi para seu

quarto e Selma sentou-se em outro sof��, ao lado de Roberto, que falou:

- Terminamos de almo��ar, doutor Tavares, j�� podemos conversar.

- Como podem perceber, estou muito nervoso. Briguei com minha

esposa e vim para c��. Vim para pedir que volte a trabalhar no latic��nio,

Roberto.

333

As chances que a vida d��

Surpreso, Roberto olhou para Selma, que fez uma for��a imensa para

n��o demonstrar sua curiosidade.

- N��o estou entendendo, o senhor me despediu...

- Sim, �� verdade, e foi a pior coisa que j�� fiz em minha vida. Foi esse o

motivo pelo qual briguei com minha esposa. Eu disse a ela que iria tentar

recontratar voc�� e ela n��o aceitou. Tive de dizer que a empresa est�� toda

bagun��ada e que estou perdido. N��o sei conversar com os fornecedores

e menos ainda com os clientes. Estou tendo preju��zo e perdendo para os

concorrentes. Preciso que volte a trabalhar comigo, Roberto.

- Estou surpreso por sua decis��o, pois pedi que n��o me demitisse.

- Sei disso e lhe devo milh��es de desculpas. Nunca deveria ter acre-

ditado que voc�� fosse capaz de fazer algo como aquilo.

- Ainda n��o consegui provar minha inoc��ncia e estou sendo processado.

- Isso n��o me importa. Sei que �� inocente e isso para mim j�� �� o su-

ficiente.

- O senhor sabe que, embora eu esteja respondendo em liberdade,

poderei ser preso a qualquer momento.

- Sei disso, mas n��o acredito que isso v�� acontecer. Preciso de voc�� e

vou colocar um advogado para cuidar do seu caso.

- Obrigado, mas n��o ser�� preciso. J�� tenho um ��timo advogado.

- Para que aceite o meu pedido, vou dobrar o seu sal��rio.

- Dobrar o meu sal��rio? Tantas vezes pedi um aumento e o senhor

nunca me deu. Sempre disse que n��o podia, que n��o tinha condi����es...

- Algumas vezes �� preciso perdermos alguma coisa para darmos

valor. Sem voc�� tenho tido muito preju��zo. Durante esse tempo que est��

afastado percebi como �� importante para a empresa. Por favor, volte.

- Quando quer que eu comece, amanh��? - Roberto disse, olhando

para Selma, que sorria.

- Eu gostaria que, se pudesse, fosse agora mesmo comigo. Tem mui-

to trabalho a ser feito.

- Est�� bem. Vou pegar meu palet�� e poderemos ir.

- Entendo que precise falar com sua esposa. Estou indo agora e es-

pero por voc�� logo mais.

334

Elisa Masselli

Dizendo isso, Tavares estendeu a m��o para Roberto, que a apertou

sorrindo. Tavares saiu e Selma abra��ou Roberto sorrindo e feliz.

- N��o acredito que isso esteja acontecendo, Roberto! Agora pouco

voc�� estava triste e desesperado. Eu disse que era um bom profissional e

agora isso foi confirmado.

- Verdade, Selma. Agora, s�� falta provarmos nossa inoc��ncia.

- Tenho a impress��o de que tudo vai melhorar, Roberto.

- Tomara que sim, mas por enquanto estou feliz. Vou pegar meu

palet�� e, gra��as a Deus, voltar ao meu trabalho.

- Fa��a isso. - Selma disse, com os olhos brilhantes de felicidade.

Roberto pegou o palet�� e Selma, como sempre fazia, o acompanhou

at�� o port��o e ficou olhando at�� que ele desaparecesse.

Selma entrou em casa. Come��ou a recolher a lou��a que ainda estava

sobre a mesa, levou-a at�� a pia e come��ou a lavar.

Preciso deixar tudo em ordem para que, quando voltar��o orfanato, pos-

sa preparar o jantar. Estou ansiosa para contar a Mar��lia o que aconteceu.

Carlos saiu de seu quarto e feliz perguntou:

- �� verdade mesmo que papai vai voltar a trabalhar no latic��nio,

mam��e?

- Sim, meu filho. O senhor Tavares veio para isso e ainda dobrou o

sal��rio. Ele reconheceu o valor de seu pai

- Sempre soube disso, mam��e! Agora, preciso ir treinar.

- V��, meu filho. Tenho certeza de que voc��s ser��o os campe��es!

- Vamos tentar, mam��e, vamos tentar!

Carlos saiu e Selma, rapidamente, terminou de arrumar tudo e foi

para o orfanato. Assim que chegou contou a Mar��lia o que havia aconte-

cido e terminou dizendo:

- At�� agora n��o acredito que realmente aconteceu, Mar��lia!

- Pois eu n��o me admiro. Voc��s s��o pessoas boas e merecem tudo de

bom. Aprendi que tudo o que �� nosso por direito de uma maneira ou de

outra chega ��s nossas m��os.

- Eu n��o mere��o, Mar��lia. Errei tanto...

- Errou, sim, mas quem n��o errou e ainda vai errar? Estamos aqui

335

As chances que a vida d��

para aprender e, muitas vezes, atrav��s dos erros �� que aprendemos.

- Voc�� sempre com palavras boas. �� uma santa!

- Deixe disso, Selma, n��o sou santa. Assim como voc��, tamb��m es-

tou aprendendo. Agora, vamos ao trabalho? A constru����o est�� adiantada

e logo teremos mais uma ala e poderemos atender a mais crian��as, que,

infelizmente, est��o precisando.

- Vamos, sim. Precisamos fazer uma programa����o e ver que materiais

precisamos comprar para prepararmos a exposi����o do ano que vem!

- Vamos fazer agora mesmo. Sente-se, Selma.

Come��aram a fazer a programa����o.

Por volta das quatro horas da tarde, a campainha tocou. Rita foi aten-

der e, para surpresa delas, voltou acompanhada por Flora e Jos�� Luiz. Ao

v��-los, Selma se levantou.

- O que est��o fazendo aqui?

- Estamos com saudade e viemos ver como voc�� est��, Selma! Fomos

at�� sua casa, e como n��o tinha ningu��m imaginamos que estaria aqui.

Como voc�� est��?

- Estou muito bem, melhor do que poderia imaginar que estaria, s��

n��o estou entendendo o motivo da visita de voc��s.

- Estamos aqui para trazer uma ��tima not��cia para voc��.

- ��tima not��cia? N��o vai dizer que conseguiram descobrir o que

aconteceu?

- �� isso mesmo. Descobrimos e voc��s j�� est��o praticamente livres.

- Quem planejou tudo isso e por que, Jos�� Luiz?

- Vou contar e voc��, assim como aconteceu conosco, vai ficar surpresa.

Jos�� Luiz contou como conseguiu, depois de muita investiga����o, che-

gar a Mirtes. Quando terminou de falar, Selma, estarrecida, disse:

- Nunca pensei que fosse dona Mirtes quem tinha feito isso. Embo-

ra, hoje, entenda seus motivos. Onde ela est��?

- Est�� na delegacia confessando ao delegado.

- O que vai acontecer depois?

- Provavelmente ficar�� presa.

- E as meninas?

336

Elisa Masselli

- Como s��o menores de idade, ainda n��o sei como vai ser resolvido.

Mas isso agora n��o importa. O que importa �� que voc��s foram inocen-

tados, Selma!

Selma olhou para Mar��lia e percebeu que ela estava pensativa e triste:

- O que aconteceu, Mar��lia?

- Estou me perguntando como Sandra teve coragem de fazer isso,

Selma. Eu praticamente a criei como se fosse minha filha e at�� j�� conver-

sei com Eduardo a respeito de mand��-la para uma faculdade.

- Ela �� jovem, Mar��lia, e est�� apaixonada. Sabemos que nessa idade

podemos fazer coisas das quais mais tarde nos arrependemos. Embora

esteja pensando o mesmo a respeito de Fabiana. Ela enganou n��o s�� a

mim mas, o pior, ao Carlos. Ele, quando souber, vai ficar arrasado.

- Com licen��a, dona Mar��lia.

- Entre, Rita. O que foi que aconteceu? Parece preocupada.

- Estou sim, dona Mar��lia.

- Por que, o que aconteceu?

- Sandra acabou de me contar algo horr��vel que fez. Como est��o

todos aqui, vim contar e ver o que a senhora quer fazer com ela. O que

fizer, vou entender.

- N��o precisa contar, Rita, j�� sabemos.

- Sabem, como? Ela acabou de me contar e ainda n��o tinham chega-

do. Quando eu ia conversar com a senhora, eles chegaram e esperei um

pouco para contar algo t��o terr��vel.

Ela contou antes da nossa chegada?

- Sim, disse que n��o conseguiu mais ficar calada e ao ver que Selma,

mesmo depois de tudo, ainda voltou para trabalhar aqui, resolveu contar.

- Jos�� Luiz descobriu tudo. Dona Mirtes e as meninas est��o na delegacia.

- O que vai acontecer com Sandra?

- Sinto muito, Rita. Sabe o quanto gosto de voc�� e de Sandra, mas

ela tamb��m dever�� ser levada para l��. Como sabe, embora ela seja ainda

uma crian��a, precisa ser repreendida de alguma maneira.

- Tudo o que a senhora fizer, embora com o cora����o despeda��ado,

estarei de acordo. Ela merece ser castigada.

337

As chances que a vida d��

- Espere, Mar��lia. Sei que aquilo que fizeram foi horr��vel e que se Jos��

Luiz n��o tivesse descoberto e Sandra n��o tivesse confessado, eu e Rober-

to poder��amos ser presos, mas n��o posso deixar de dizer que eu, somente

eu, sou a culpada, pois se eu n��o tivesse feito o que fiz nada disso teria

acontecido e essas crian��as n��o estariam envolvidas.

- Sinto muito, Selma, mas um erro n��o justifica o outro. Sempre que

cometemos uma a����o devemos esperar por uma rea����o.

- Jos�� Luiz est�� certo, Selma, at�� na minha doutrina aprendemos

isso. Somos livres para escolher, mas tamb��m respons��veis por nossas

escolhas e suas consequ��ncias.

- �� justamente isso que est�� acontecendo. Eu escolhi errado, Mar��lia,

e preciso responder pelo que fiz.

- Est�� dizendo que quer que todos fiquem livres, Selma?

- Sim, Jos�� Luiz, se for poss��vel ficarei muito feliz se isso acontecer.

Vou comunicar ao promotor e ao juiz o que voc�� deseja e propor

uma senten��a e, se eles aceitarem, tudo ficar�� bem para todos.

- O que vai propor, Jos�� Luiz?

- N��o posso dizer ainda, Selma. N��o sei se eles v��o aceitar.

- Dizendo isso, Jos�� Luiz olhou para Rita, que chorava sem parar:

- Dona Rita, por favor, chame sua filha. Ela precisa me acompanhar

at�� a delegacia para confessar o que fez.

- Ela vai ser presa, doutor?

- N��o sei mas, seguindo o desejo de Selma, vou tentar fazer com que

n��o seja.

- Obrigada. Ela �� minha filha ��nica e sonhei uma vida diferente para

ela, doutor.

- Precisamos falar com seu marido, Selma. Ele tamb��m precisa con-

cordar com seu desejo, pois tamb��m foi prejudicado.

- Ele est�� no trabalho. Seu antigo patr��o veio hoje em casa pedir que

voltasse com o dobro do sal��rio.

Ao ouvir aquilo, Flora come��ou a rir.

- Por que est�� rindo, Flora?

- Porque se algu��m me contasse o que est�� acontecendo eu diria que

338

Elisa Masselli

n��o pode ser, que parece um filme ou uma novela. Este pa��s �� imenso e

voc�� veio para esta cidade que quase nem est�� no mapa, onde se encon-

tra toda a fam��lia da sua v��tima, Selma? Com tanto lugar no mundo? Isso

s�� acontece nas novelas ou em livros de fic����o!

- Como pode ver, Flora, algumas vezes a fic����o acontece na vida real.

- Estou vendo e por isso volto a dizer que se algu��m me contasse eu

n��o acreditaria.

Na minha doutrina tamb��m aprendi que, quando existe a possibili-

dade de reden����o, de perd��o, as for��as de luz se unem para que tudo d��

certo e o bem ven��a. Mas, infelizmente, o mesmo acontece quando h�� a

inten����o de fazer o mal, as for��as das trevas tamb��m se unem para que

o mal aconte��a, e s�� n��o acontece quando a pessoa que �� dirigida sem

inten����o n��o mere��a. No seu caso, Selma, as for��as de luz se uniram e

gra��as a Deus conseguiu fazer com que o bem vencesse, o perd��o surgis-

se e houvesse o resgate.

- Essa sua doutrina parece que tem resposta para tudo, Mar��lia.

- Tem mesmo, Flora. Por isso continuo estudando e aprendendo.

- A conversa est�� boa mas precisamos decidir o que voc�� quer fazer,

Selma. Ir at�� a delegacia ou esperar por mim aqui. Volto quando tudo

estiver resolvido.

- Quero ir �� delegacia, Jos�� Luiz. Preciso conversar com dona Mirtes.

- Est�� bem, ent��o vamos? Precisa apressar Sandra, Mar��lia.

Mar��lia sorriu e, quando ia saindo da sala, Rita entrou com Sandra

que, chorando, ficou com a cabe��a baixa sem coragem de olhar para eles.

- Selma, quer passar no trabalho de Roberto para que ele v�� conosco?

- N��o, Jos�� Luiz. Ele deve estar atolado de trabalho. Depois, quando

chegar em casa, conto tudo o que aconteceu.

Sa��ram. Sandra, sem coragem de encarar os demais, ficou calada o

tempo todo. Quando chegaram �� delegacia, Mirtes, Fabiana e Margarete

estavam na sala do delegado e Selma, ainda parada na porta, olhou para

Mirtes que, no mesmo instante, tamb��m a olhou. Assim que seus olhos

se encontraram, Selma, entre l��grimas, disse:

- Perd��o, dona Mirtes...

339

As chances que a vida d��

Todos e principalmente Mirtes ficaram calados e surpresos por al-

guns segundos com essa atitude totalmente inesperada de Selma. Mirtes,

que agora tamb��m chorava, disse:

- Sou eu quem precisa pedir perd��o, Selma. Fui eu que, com todo o

��dio que sentia, quis me vingar e usei essas crian��as para me ajudarem.

- A senhora s�� fez isso porque eu fui cruel e trai��oeira com Matilde.

Usando o poder que julgava ter, enganei e envolvi sua filha. Nunca ima-

ginei que tudo terminaria como terminou, mas, de qualquer maneira, fui

a culpada por aquela trag��dia. Tenho certeza de que se n��o tivesse feito o

que fiz, hoje n��o estar��amos aqui.

Selma, agora chorando muito, abriu os bra��os e come��ou a andar em

dire����o de Mirtes que, lentamente, come��ou a caminhar ao seu encon-

tro. Chorando, abra��aram-se e as l��grimas se misturaram e nada falaram.

N��o foi preciso, pois aquele abra��o significava a reden����o das duas. Ne-

nhum dos que estavam ali conseguiu conter as l��grimas, sem imaginar

que ali tamb��m estavam Matilde e Mario Augusto tamb��m abra��ados,

chorando. P��ricles que, mais discreto, apenas acompanhava a felicidade

de todos, falou:

- Gra��as, meu Deus, por este momento de reden����o e de amor. A

estrada do ��dio, da m��goa e do arrependimento foi longa, mas gra��as ��

Sua luz e Seu amor, est��o libertos de todos os sentimentos ruins e est��o

sob a Sua prote����o infinita. Obrigado, Senhor, por ter permitido que eu

estivesse aqui neste momento.

Ao ouvirem aquilo, Matilde e Mario Augusto n��o se contiveram e o

abra��aram tamb��m.

Tomado de surpresa, P��ricles tamb��m os abra��ou e permitiu que

uma l��grima ca��sse por seu rosto. Em seguida, os tr��s estenderam os

bra��os sobre todos e, de suas m��os, luzes brilhantes ca��ram sobre eles e

a sala ficou iluminada em uma beleza jamais imaginada. A luz atingiu

at�� Joel e Roberto que chegavam, naquele momento, acompanhados por

um soldado que o delegado havia ordenado para buscar Joel. Roberto

tamb��m chegou, pois, quando o soldado chegou, teve de falar com ele

para que Joel fosse at�� a delegacia. Claro que ficou surpreso e curioso,

340

Elisa Masselli

acompanhou o soldado e Joel. Quando chegaram, ao verem aquela cena,

ficaram parados, sem conseguir dizer o que sentiram, s�� sabiam que era

muito bom. Roberto viu Selma abra��ada ��quela mulher que n��o conhe-

cia e todos os outros, tamb��m abra��ados.

Sob a influ��ncia da luz, Mar��lia olhou para Sandra e viu que ela cho-

rava sem parar. Segurou sua m��o e puxando-a para perto a abra��ou com

muita for��a. Rita, ao ver aquilo, abra��ou a filha e Mar��lia e choraram sem

conseguir parar. Selma, por tr��s do ombro de Mirtes, viu Fabiana choran-

do, abra��ada a outra mo��a. Selma deduziu que fosse Margarete. Com a

m��o, fez um sinal para que elas se aproximassem. Receosas, mas ao verem

o sorriso dela, se aproximaram e se abra��aram entre muitas l��grimas. Flora

e Jos�� Luiz, felizes por tudo ter sido esclarecido, tamb��m se abra��aram.

P��ricles, ainda enviando luz, disse:

- Esta delegacia que, normalmente, �� carregada com energias ruins,

densas e pesadas, neste momento se transformou em um templo de luz

que s�� o amor pode conseguir. Este �� um encontro de amigos que cami-

nham juntos h�� muito tempo e que estiveram sempre uns ajudando os

outros em suas quedas. Bendito seja, Senhor!

O delegado, por tr��s de sua mesa, sem entender o que estava aconte-

cendo ali e tentando n��o demonstrar sua emo����o, disse, nervoso:

- N��o sei o que est�� se passando aqui, mas est��o prejudicando um

depoimento. Queiram se comportar!

Todos se afastaram e olharam para ele, que continuou:

- Esta senhora estava confessando que foi ela quem planejou tudo o

que aconteceu com a senhora e seu marido, dona Selma.

Selma, que s�� nesse momento viu Roberto, foi at�� ele e segurando

sua m��o disse:

- J�� tomei conhecimento de tudo o que aconteceu, delegado, e desejo

retirar a queixa.

- A senhora n��o est�� entendendo, n��o h�� queixa; o que h�� �� um pro-

cesso em andamento, em que seu marido e a senhora s��o r��us.

- Sei disso, mas, com a confiss��o de dona Mirtes, somos inocenta-

dos. O senhor nos libera e vamos embora.

341

As chances que a vida d��

- N��o �� assim que funciona, dona Selma. N��o posso simplesmente

libertar a senhora e, principalmente, dona Mirtes. Houve um crime e,

para que sejam liberados, existem tr��mites legais. Preciso indiciar todos

e enviar ao promotor, somente ele poder�� decidir o que vai ser feito. Por

ora, a senhora e seu marido continuar��o como est��o, esperando o julga-

mento, mas os outros precisar��o ficar aqui.

Ao ouvir aquilo, as meninas e Joel ficaram assustados e olharam para

Mirtes que, desesperada, disse:

- Por favor, delegado, a ��nica culpada sou eu, as crian��as n��o t��m

culpa alguma.

- Podemos conversar a s��s, delegado?

O delegado olhou para Jos�� Luiz, que havia feito a pergunta.

- Sabe que isso n��o �� normal, doutor.

- Sei, sim, mas este �� um caso especial. Acredito que tenho uma ideia

que pode ajeitar as coisas.

- Est�� bem, vamos at�� aquela sala.

Assim que entraram na sala, Jos�� Luiz disse:

- O doutor j�� percebeu que aqui �� um problema de vingan��a. Selma

assume que dona Mirtes teve raz��o e n��o quer que ela fique presa. Esta

cidade �� pequena e todos se conhecem. Dona Mirtes e as crian��as s��o

pessoas simples e n��o pensaram nas consequ��ncias de seus atos.

- Isso n��o �� desculpa, doutor. A ignor��ncia n��o pode servir como

desculpa para que um crime seja cometido. Todos precisam arcar com

as consequ��ncias do que fizeram. Dona Selma e o marido poderiam ser

condenados por algo que n��o cometeram.

- Entendo sua posi����o, sei que tem toda raz��o, mas este caso ��

diferente. O senhor poderia deixar que todos fossem embora, com a

condi����o de que quando intimados todos se apresentar��o.

- N��o posso fazer isso, pois n��o moram aqui na cidade e poder��o ir

embora, doutor.

- S��o pessoas honestas e est��o com muito medo de serem presas.

Garanto que, sempre que forem intimados, estar��o aqui.

- O doutor garante?

342

Elisa Masselli

- Sim, delegado. Eu mesmo os trarei.

- Est�� bem, doutor. Confiando na sua palavra, vou tomar o depoi-

mento de todos eles e depois ser��o liberados.

Voltaram para a sala e o delegado, muito s��rio e sem contar o que

haviam conversado, disse:

- Vamos continuar.

Tomou o depoimento de todos, ficando bem clara a participa����o de cada.

- Agora podem ir, mas com o compromisso de se apresentarem sem-

pre que forem intimados. Preciso deixar claro que o doutor, aqui, se res-

ponsabilizou por todos voc��s. - Falou, ainda s��rio, olhando para todos.

Aliviados, sa��ram e despediram-se. Selma e Roberto seguiram para

casa, Flora e Jos�� Luiz entraram no carro e foram embora. Mirtes e as

meninas, ao lado de Joel, foram caminhando em dire����o �� casa de Caro-

lina. Todos tinham muito o que conversar.

Selma e Roberto caminhavam pela rua:

- Sabe, Roberto, apesar de tudo o que passamos, estou aliviada por

tudo o que aconteceu.

- Aliviada, Selma? Quase fomos presos nem sei por quanto tempo!

- Sinto muito por ter sido envolvido em algo que eu cometi, mas, mes-

mo assim, estou aliviada, sim. Durante todos esses anos tenho levado mi-

nha vida, mas sem nunca esquecer de Matilde, de Arlete e de meu irm��o. A

culpa, por muitas noites, n��o me deixou dormir. Esconder de voc�� o meu

passado tamb��m me fazia sofrer. Agora, depois de tudo esclarecido, estou

tranquila e podendo respirar. Parece que tudo vai voltar ao normal. Voc��

recuperou seu emprego que tanto gosta e eu posso continuar ajudando no

orfanato. Aquelas crian��as, depois de voc�� e de Carlos, s��o tudo na minha

vida. A ��nica tristeza que ainda carrego �� n��o ter podido pedir perd��o ��

minha m��e, antes que morresse. Mas, segundo Mar��lia e sua tia, a morte

n��o existe; por isso, acredito que ainda me encontrarei com ela.

- Espero que sim e, falando em trabalho, preciso voltar para o latic��-

nio, h�� muito trabalho por l��. Talvez eu tenha de trabalhar at�� mais tarde.

Chegaram �� esquina e despediram-se. Selma seguiu para sua casa e

Roberto foi para o trabalho.





3 4 3


As chances que a vida d��

Etelvina, que os acompanhou durante a caminhada, sorriu, mandou

um beijo e foi para junto de Mirtes, que tamb��m caminhava ao lado de

Margarete, Fabiana e Joel:

- �� muito triste o que est�� acontecendo. Nunca deveria ter envolvido

voc��s no meu ��dio e desejo de vingan��a. Com tudo o que aconteceu, apren-

di que esses sentimentos s�� nos fazem sofrer. Voc��s s��o jovens e acredito

que no final tudo vai ficar bem, mas, por outro lado, aprenderam que n��o

podem se deixar levar por outras pessoas para fazerem o mal nem mesmo

por algu��m de quem gostem e em quem tenham confian��a.

- Tamb��m estou com medo, tia, mas o que mais me faz sofrer �� ter

enganado Carlos. Ele �� um menino muito bom e n��o merecia. Vou ten-

tar conversar com ele e pedir perd��o.

- Fa��a isso, Fabiana. Sinto que pedir e dar o perd��o s�� nos faz bem.

- Tamb��m estou preocupado com Sandra, tia. Ela mora no orfanato

e �� muito querida por sua m��e e por dona Mar��lia. N��o sei como vai ficar

a situa����o dela.

- A cada palavra de voc��s, fico mais triste, arrependida e me sentin-

do culpada. Se for preciso vou conversar com a m��e de Sandra e a senho-

ra do orfanato. Elas me pareceram ser pessoas de bem.

- S��o, sim. Mas o que Sandra fez, por minha culpa, foi muito grave.

Parecendo adivinhar o que conversavam, Rita, Mar��lia e Sandra, que

estava com a cabe��a abaixada, tamb��m caminhavam. Rita, embora n��o

quisesse, n��o conseguia parar de chorar. Sandra, escondendo o rosto,

tamb��m chorava:

- Dona Mar��lia, n��o sei como me desculpar pelo que Sandra fez.

Sei que n��o tem perd��o, por isso s�� pe��o alguns dias para encontrar um

lugar para ir. N��o posso continuar no orfanato, pois sei que a senhora

nunca mais vai confiar em mim e na minha filha, e com raz��o.

- N��o diga isso, Rita, voc�� sempre esteve ao meu lado! E voc��, San-

dra, foi criada como minha filha. Sei que s�� fez isso por estar apaixonada,

mas espero que tenha servido de aprendizado e nunca mais fa��a algo que

poder�� prejudicar outra pessoa. Com nossos erros �� que aprendemos.

Por mim, vai continuar tudo como antes. Voc��, Rita, que nada tem a

344

Elisa Masselli

ver com o que aconteceu, continua com toda minha confian��a, e voc��,

Sandra, tamb��m. Meus planos para voc�� continuam os mesmos, s�� vai

depender da sua vontade e de seu empenho. - Mar��lia disse, abra��ando

as duas, que choravam sem parar.

- A senhora vai me perdoar, dona Mar��lia?

- J�� perdoei, Sandra. Todos n��s erramos, e �� para isso que renascemos.

No momento em que voc�� confessou, antes de saber que tudo havia sido

descoberto, demonstrou que estava arrependida. Sei que poder�� cometer

outros erros, mas igual a este nunca mais, acredito que tenha aprendido.

Agora, vamos para o orfanato, tem muito trabalho para ser feito.

Sorrindo, continuaram caminhando. P��ricles, que estava ali, sorriu.

Mar��lia sentiu sua presen��a e pensou:

Obrigada por estar sempre ao meu lado, P��ricles...

Flora e Jos�� Luiz tamb��m conversavam no carro a respeito de tudo o

que havia acontecido, relembrando-se do tempo em que estavam juntos

e eram felizes. Com muita saudade, ele disse:

- Sinto muita falta de Mario Augusto, ele era meu melhor amigo e

quando morreu fiquei muito mal, ainda mais da maneira como foi. Mas

hoje, n��o sei por que, estou bem. Sinto que depois de tudo esclarecido,

ele est�� bem e feliz.

- Tamb��m acredito nisso, a respeito de Arlete e de Matilde. Sinto

que, finalmente, est��o bem. Durante todo esse tempo tenho vivido para

minha vingan��a e nunca senti a paz que estou sentindo hoje. Esmeralda

sempre teve raz��o quando me dizia que o ��dio e o desejo de vingan��a

faziam mal s�� a mim mesma. Estou pensando na doutrina que ela segue.

Sinto que �� por tudo o que aprendeu com ela que Esmeralda �� uma pes-

soa que transmite e vive em paz.

Continuaram conversando. Quando chegaram diante da porta da

casa de Flora, Jos�� Luiz parou o carro. Olharam-se:

- N��o quer tomar um ch��, Jos�� Luiz? Esmeralda toma todas as tardes.

- Obrigado, Flora, mas preciso ir para o escrit��rio. Estou terminan-

do os documentos de dona Alda. Embora n��o tenha sobrado muito do

patrim��nio, h�� ainda o carro e um pequeno apartamento. Preciso ver

345

As chances que a vida d��

como est�� tudo e comunicar �� Selma, para que ela tome posse.

- Mas ela n��o disse que n��o quer nada que foi de sua fam��lia?

- �� verdade. Mas, mesmo assim, tudo precisa ser documentado.

- Est�� bem. Quando puder, venha me visitar.

- Claro que sim.

Ele saiu do carro, deu a volta, abriu a porta para que Flora descesse e

pegou em sua m��o para ajud��-la. Assim que as m��os se tocaram, ambos

sentiram, novamente, aquilo que haviam sentido antes e se olharam, s��

que desta vez de uma maneira diferente, e ficaram constrangidos. Jos��

Luiz, tentando sorrir, disse:

- Gostaria muito de voltar a ver voc��, Flora, s�� que de uma maneira

diferente.

- Diferente como, Jos�� Luiz?

- N��o como amigo, mas, se voc�� aceitar, como seu namorado...

- O qu��? Como namorado? - Perguntou ela, rindo.

- Por que n��o? N��s nos conhecemos h�� tanto tempo...

- Sim, mas como amigos, Jos�� Luiz.

- Sinto que sempre gostei de voc��, Flora, s�� que sempre a considerei

como amiga. Mas agora esse sentimento est�� bem claro, acho que pode-

mos tentar nos conhecer de uma maneira diferente. Vamos tentar?

- Ela demorou um pouco para responder. Depois, sorrindo e feliz, disse:

- Claro! Por que n��o?

- Sendo assim, vamos jantar esta noite?

- Vamos, sim. No m��nimo, teremos uma noite agrad��vel.

- Posso vir ��s vinte horas, est�� bem para voc��?

Quase sem conseguir esconder a emo����o que estava sentindo, tre-

mendo por dentro, respondeu:

- Est�� bem, estarei esperando.

Ele, sorrindo, beijou de leve os l��bios de Flora, entrou no carro, ace-

lerou e foi embora.

Ela, tremendo de emo����o, entrou em casa.

Assim que entrou, come��ou a cantar e a dan��ar. Esmeralda, surpresa

ao ver aquilo, curiosa, perguntou:

346

Elisa Masselli

- O que aconteceu, Flora? Parece que viu passarinho verde!

- Eu vi passarinhos de todas as cores, Esmeralda... - Flora disse sus-

pirando.

- O que aconteceu para que ficasse assim, Flora? Para onde voc�� e

Jos�� Luiz foram?

Ainda suspirando, segurou os bra��os de Esmeralda e, mesmo sem

m��sica, sa��ram dan��ando pela sala.

- O que �� isso, Flora? N��o estou reconhecendo voc��!

Flora parou de dan��ar, abra��ou-a e, conduzindo-a at�� um sof��, fez

com que se sentasse e contou o que havia acontecido:

- Jos�� Luiz se declarou, Flora? - Esmeralda perguntou, levantando-se.

- Sim e vamos jantar esta noite! Preciso me preparar!

- Sempre soube que voc��s se amavam. Estou muito feliz e j�� posso

morrer tranquila...

- Morrer coisa nenhuma! Voc�� vai ficar ao meu lado por muito tempo!

- Embora entenda o motivo, n��o consigo acreditar que a m��e de

Matilde foi quem planejou tudo, Flora...

- Tamb��m custei a acreditar. E pensar que voc�� achou que tinha sido

eu! Posso garantir que nem eu teria tido uma ideia como essa para me

vingar de Selma, mas agora que est�� tudo bem vou me preparar para

meu encontro com Jos�� Luiz. Estou t��o contente!

Dizendo isso e, suspirando, subiu a escada que a levaria para seu

quarto, onde ia escolher o vestido que usaria naquela noite t��o especial.

P��ricles olhou para os outros, que sorriram.

347



Tomada de consci��ncia

Alda abriu os olhos. Estava deitada. Levantou-se, olhou �� sua volta e

assustou-se:

- Que lugar �� este? Onde est�� Josias? Por que ele me largou aqui

sozinha?

- Josias! Josias! Josias! - Gritou sem parar.

Depois de gritar v��rias vezes, olhou para seu vestido e viu que ele es-

tava empoeirado e amarrotado. Para ouvir a pr��pria voz naquele sil��ncio

extremo falou:

- Como cheguei aqui a este lugar t��o horroroso?

Passou as m��os pelo rosto e cabelos.

- Nossa! O que aconteceu comigo? Eu e Josias est��vamos voltando

da delegacia. Eu estava nervosa por encontrar Selma, depois de tantos

anos, atr��s das grades, presa como uma marginal e ainda casada com

aquele homem! Um dia horr��vel como esse e agora isso? Josias me largou

aqui sozinha? Mesmo sem um espelho posso sentir que meus cabelos

est��o desalinhados e o meu vestido est�� amarrotado e sujo!

Olhou para ver se encontrava sua bolsa, onde sabia que tinha um

348

Elisa Masselli

espelho. Procurou, mas n��o a encontrou. Olhou para o pulso para ver as

horas no rel��gio, mas ele tamb��m n��o estava l��, nem seu colar, os brincos

e o anel. Raivosa, come��ou a gritar:

- Josias! Josias! Voc��, al��m de levar meu carro, levou minha bolsa

e minhas j��ias tamb��m? Isso n��o tem perd��o! N��o sei por que voc�� me

largou aqui, mas quando voltar eu vou despedi-lo!

Olhou e viu que o lugar era deserto. Havia apenas uma longa estrada

poeirenta, da qual ela n��o conseguia ver o final em nenhum dos lados, e

n��o havia casa ou ��rvore.

- O que vou fazer? Josias, Josias!

Gritou, xingou e blasfemou. Depois, cansada, voltou a se sentar e a

esperar. Esperou por muito tempo, nem conseguia calcular quanto.

- Estou com fome e sede. Daria tudo o que tenho por um copo com

��gua e algo para comer. O que ser�� que me aconteceu, por que n��o me

lembro?

Tornou a se levantar e a olhar para a longa estrada.

- N��o tem como, n��o posso mais ficar esperando. Preciso seguir a

estrada e ver se encontro algum lugar ou algu��m que possa me ajudar.

Come��ou a andar. Andou por um longo tempo e mesmo assim n��o

conseguia ver o fim da estrada ou algum lugar em que pudesse parar

e obter ajuda. Estava exausta, seus p��s do��am e sentia muita fraqueza.

Desesperada, come��ou a chorar e a chamar por Josias, que n��o apare-

cia. Ia se sentar novamente quando viu que um vulto se aproximava. De

onde estava n��o conseguia distinguir se era de homem ou de mulher.

Respirou fundo e come��ou a andar em dire����o ao vulto, que caminhava

vagarosamente. Assim que se aproximou, Alda notou que era um ho-

mem que estava mal vestido e trazia em uma das suas m��os uma sacola.

Tomara que ele possa me ajudar, embora com essas roupas que est��

vestindo demonstre que est�� precisando de mais ajuda do que eu. O que

ser�� que tem naquela sacola? Talvez tenha alguma comida e ��gua.

Assim que o homem chegou mais perto, ela, desesperada, disse:

- Boa tarde, senhor. Por favor, estou perdida e precisando de ajuda.

- Bom dia, senhora. S��o s�� dez horas da manh��.

349

As chances que a vida d��

- Desculpe �� que estou sem rel��gio.

- N��o ligo n��o. Eu n��o preciso de rel��gio, basta olhar para o c��u e ver

onde o sol est��. - Disse, enquanto continuava andando.

- Por favor, senhor, estou com muita fome e sede. O senhor n��o teria

algo que eu pudesse comer ou ��gua para eu beber?

- Tenho sim, mas n��o posso dar, estou levando para uma fam��lia pobre.

Fam��lia pobre? Quero ver, se eu oferecer dinheiro, se ele vai me dar ou

n��o o que preciso... - pensou, sorrindo por dentro.

- Por favor, senhor, tenho muito dinheiro e posso pagar muito bem.

Tanto que poder�� voltar e comprar mais para essa fam��lia!

- N��o vai dar n��o, senhora. S�� pra saber, onde est�� o seu dinheiro?

N��o estou vendo sua bolsa e no seu vestido n��o tem bolso...

- Meu motorista me abandonou aqui e levou tudo o que eu tinha,

mas juro que tenho muito dinheiro e prometo ao senhor que, assim que

chegar �� minha casa, eu mando o que quiser pelo correio, basta s�� me

dar seu endere��o! Por favor! Estou desesperada!

- Desculpe-me senhora, mas onde moro n��o tem correio, nem pre-

ciso de dinheiro n��o. Tamb��m n��o tenho endere��o. Sou andarilho e

ando por esta estrada ajudando quem precisa.

- Pois ent��o, eu estou precisando de ajuda. Tenho muito dinheiro,

sim. Perten��o �� nata da sociedade, e onde moro todos me conhecem e

sabem o que fa��o. As pessoas que me conhecem t��m dinheiro e poder

tamb��m! Por favor, me ajude! Garanto que n��o vai se arrepender...

- N��o d��, n��o, senhora. Preciso continuar o meu caminho! As

pessoas para quem estou levando esse alimento e essa ��gua est��o espe-

rando por mim. S��o muito pobres. A senhora sabe o que �� pobreza?

- Claro que sei! Sempre tratei muito bem a todos... - mentiu.

- Sendo assim, entende que preciso ajudar essa fam��lia. At�� mais,

n��o posso me atrasar, eles precisam muito de minha ajuda.

- Tamb��m estou precisando de ajuda. O que o senhor est�� fazendo

n��o �� justo!

- Nem sempre agimos com justi��a, senhora. Para mim, hoje, a justi-

��a �� eu levar ajuda para essa fam��lia.

350

Elisa Masselli

Vendo que nada ia conseguir com ele, arriscou:

- Ent��o, leve-me com o senhor.

- Ainda falta muito para eu chegar. O melhor que a senhora tem a

fazer �� seguir pelo caminho que estava indo. Logo mais vai encontrar

abrigo.

- O senhor tem certeza?

- Tenho, sim. Conhe��o esta estrada como ningu��m. Vivo nela h��

muito tempo ajudando a todos os que passam por aqui.

- Todos os que passam por aqui? Mas estou andando h�� muito tem-

po e n��o vi ningu��m!

- A senhora vai encontrar.

- J�� que ajuda as pessoas, por que n��o me ajuda?

- Tenho uma miss��o para cumprir e n��o posso me desviar. Continue

e logo vai encontrar outros que a ajudar��o.

Dizendo isso, continuou andando. Alda, desesperada, viu ele se afas-

tando. Tentou ir atr��s, mas ele come��ou a andar rapidamente e logo ela

o perdeu de vista.

- Bem, agora s�� me resta caminhar. Ah, Josias, quando eu o encon-

trar, vou mat��-lo por ter me abandonado dessa maneira!

Continuou andando, mas n��o por muito tempo. Estava sem for��as

para continuar. Encontrou um tronco de ��rvore ca��do que mais parecia

um banco, sentou-se nele e ficou olhando �� sua volta e ao horizonte de

um lado e de outro:

- Nada, n��o estou vendo coisa alguma, e esse sil��ncio est�� me matan-

do. Preciso falar alto para ouvir a minha pr��pria voz, pois n��o suporto

este sil��ncio aterrador. Vou ficar aqui at�� que Josias apare��a. Sei que vai

aparecer. N��o entendo como aquele homem teve a coragem de me deixar

sozinha nesta estrada sem me dar nem um pouco de ��gua. Como al-

gu��m pode agir assim, ver outro sofrendo e n��o ajudar? Eu nunca deixei

de ajudar ningu��m. Sempre ajudei aqueles que precisavam, promovendo

festas, jantares e almo��os, e o dinheiro arrecadado foi sempre para ajudar

alguma institui����o.

Parou de falar e ficou se lembrando das v��rias vezes que fez isso.

351

As chances que a vida d��

- Bem, para ser honesta, na verdade eu pouco estava me preocupando

com o que as pessoas sofriam ou se eram pobres. A dist��ncia entre mim e

os pobres era imensa. Eu queria apenas poder mostrar ��s minhas amigas

minhas roupas e j��ias para que sentissem inveja, e elas sentiam. - Sorriu

ao dizer isso. - Sempre fui muito invejada, pois al��m de muito rica tinha

poder e todos aos meus p��s imploravam por um pouco de aten����o. N��o

entendo como pude chegar a este ponto. Tudo come��ou a mudar quando

Mario Augusto morreu daquela forma tr��gica. Jamais poderia imaginar

que fora Selma quem havia feito aquilo e causado a morte dele. Meu filho,

que era meu orgulho e tinha uma vida linda pela frente, morrer daquela

maneira! Depois Selma desapareceu, meu marido morreu e eu fiquei sozi-

nha. A ��nica coisa que me fiz continuar foram os meus jantares e almo��os

beneficentes quando eu podia desfilar minhas roupas e j��ias. Depois veio

o jogo, onde eu passava horas me distraindo, sem ter tempo para me lem-

brar da trag��dia que havia acontecido em minha vida. Joguei sem me pre-

ocupar, pois sempre achei que meu dinheiro n��o terminaria nunca, mas

terminou e n��o sei como vai ser minha vida daqui para a frente.

Sentiu uma dor imensa no peito. Colocou a m��o, fez uma massagem

e disse desesperada:

- Que dor �� essa que estou sentindo? Est�� muito forte! Preciso mes-

mo da ajuda de um m��dico! N��o posso morrer aqui sozinha neste lugar

horr��vel! Como �� dif��cil n��o ter ajuda quando precisamos. Nunca tive esse

problema, pois sempre tive o mundo aos meus p��s. Nunca precisei sair

de casa para ser consultada por um m��dico, sempre tive o doutor Silveira

�� minha disposi����o que vinha em minha casa. Agora aqui sozinha sinto

como �� preciso ter algu��m que nos ajude. Para ser sincera e pensando bem,

realmente nunca me preocupei com os pobres ou com ningu��m. Hoje,

sinto que poderia ter ajudado a muitas pessoas, mas quando eu voltar para

casa vai ser tudo diferente. Vou ajudar a todos que precisarem. Como vou

fazer isso se n��o tenho mais dinheiro? Joguei tudo o que tinha.

A dor do peito passou. Ela respirou fundo e continuou falando baixinho:

- Ainda bem que a dor passou. Que dor ser�� essa? Assim que chegar

�� minha casa preciso providenciar minha mudan��a. N��o sei como vive-

352

Elisa Masselli

rei em um apartamento pequeno como aquele. Perdi tudo sem perceber.

Agora, preciso continuar a andar para ver se encontro algum lugar ou

algu��m para me ajudar.

Levantou-se, mas n��o conseguiu andar. Estava muito cansada, com

fome e sede. Suas pernas tremiam pela fraqueza:

- N��o consigo dar mais nem um passo, estou muito fraca. Preciso

comer alguma coisa e beber ��gua. Nunca dei valor �� comida ou �� ��gua,

pois sempre tive muito. Agora daria tudo o que tenho por apenas um

gole de ��gua e um peda��o de p��o. Aquele homem disse que muitas pes-

soas passam por aqui. Vou continuar sentada neste tronco, pelo menos

ele tem uma altura que me faz sentir um pouco confort��vel. Algu��m vai

aparecer, precisa aparecer.

Voltou a se sentar e a relembrar como sua vida havia sido at�� l��. Em

sua mente surgiam momentos e pessoas que ela havia deixado de ajudar

e que muitas vezes, por um simples prazer, para mostrar o seu poder,

prejudicou.

Percebeu que o sol estava baixando:

- Logo vai escurecer. O que vou fazer sozinha neste lugar? Preciso

de ajuda! Sei que nunca fui de rezar. Nunca precisei e n��o tinha tempo.

Meu Deus, por favor, preciso de ajuda. - Disse com l��grimas escorrendo

por seu rosto.

Assustada, com muito medo e desesperada rezou, rezou muito, mas

nada nem ningu��m apareceu. A noite caiu rapidamente e logo ficou es-

curo. Alda come��ou a ouvir sons estranhos e terr��veis. O medo tomou

conta dela totalmente. Assustada, sentou-se no ch��o e encostou-se no

tronco. Encolheu-se, colocou a cabe��a entre os joelhos, fechou os olhos e

tentou ficar quieta para evitar que os bichos que estavam fazendo aquele

som horr��vel n��o a encontrassem, mas o som foi ficando cada vez mais

forte e pr��ximo. Ela ficou ali tremendo muito e vendo toda sua vida pas-

sar por seu pensamento. Lembrou-se das v��rias vezes em que ofendeu e

humilhou seus servi��ais, um gar��om ou uma vendedora de alguma loja

de roupas ou de sapatos. Lembrou-se, tamb��m, do homem que havia se

recusado a ajud��-la:

353

As chances que a vida d��

Por que ele se recusou a me ajudar? Como algu��m pode deixar outro

abandonado �� m��ngua, com fome e com sede, como ele fez?

No mesmo instante, lembrou-se do que fez com um gar��om:

Uma vez por semana, eu e algumas amigas tom��vamos o ch�� da tarde

em uma confeitaria. Era uma oportunidade para conversarmos, rirmos e,

claro, desfilarmos nossas roupas e j��ias. Est��vamos sentadas conversando

e rindo, quando um gar��om se aproximou com uma bandeja com copos

e ��gua. Ele estava colocando a ��gua nos copos, quando algumas crian��as

que brincavam entre as mesas passaram correndo e o empurraram. Ele

perdeu o equil��brio e a ��gua que estava nos copos e em suas m��os caiu so-

bre a mesa e nos molhou. Fiquei furiosa com o homem:

- N��o sabe o que est�� fazendo? N��o tem condi����es de trabalhar em um

restaurante como este! Chame o gerente! Quero falar com ele!

- Por favor, senhora, desculpe-me! N��o tive inten����o, foi um acidente!

- N��o me importo se foi acidente ou n��o! O senhor deveria tomar mais

cuidado! Vou falar com o gerente e exigir que ele o despe��a!

- N��o fa��a isso, senhora. Tenho tr��s filhos e vai ser dif��cil encontrar um

novo trabalho!

- O problema �� seu! Eu cuido dos meus filhos, o senhor que cuide dos

seus. Quero falar com o gerente! - Gritei.

- Por favor, senhora. Prometo que isso n��o vai acontecer novamente!

- Quanto mais ele pedia, mais poderosa eu me sentia, e aquele senti-

mento me fazia muito bem. O gerente, ao ver a confus��o, se aproximou.

Exercendo o poder que eu sabia que tinha, pois o gerente sabia que se eu

n��o voltasse �� confeitaria ele perderia muitos clientes com dinheiro, fiz com

que ele despedisse o gar��om, que saiu desesperado. Depois que ele saiu, ri

muito com minhas amigas. Meu Deus, o homem que n��o se importou que

eu precisasse de ajuda e se recusou a me ajudar era aquele gar��om? Ele est��

se vingando daquilo que fiz? Como poderia imaginar que algum dia eu o

encontraria em uma estrada deserta e precisando de ajuda, sem poder al-

gum? Nunca me preocupei com as outras pessoas e suas dificuldades. Para

mim, eram apenas pobres e n��o mereciam a minha aten����o.

Todos aqueles que ela havia humilhado e usado seu poder foram

354

Elisa Masselli

passando por seu pensamento. Quanto mais se lembrava, pior se sentia.

Aquele som que a assustava aumentou. Ela fechou os olhos com mais

for��a e apertou a cabe��a sobre o joelho. Sentiu um medo imenso por

estar ali, sozinha, no meio daquela escurid��o, sem ter quem a ajudasse.

Naquele momento lembrou-se do dia em que havia despedido Etelvina:

Etelvina chorou muito e implorou dizendo que n��o tinha para onde ir

ou passar a noite, mas eu n��o me importei. O que ser�� que ela fez naquela

noite, onde dormiu? Como pude fazer aquilo? Eu, tomada pelo orgulho

e poder, a despedi somente porque ela contava para Selma a hist��ria do

nascimento de Jesus e a diferen��a entre brancos e negros. Selma me acusou

de t��-la criado de uma maneira errada, agora entendo que talvez ela tenha

raz��o. Eu tamb��m fui criada da mesma maneira que a criei, mas assim

como ela poderia ter mudado, ter sido mais humana. Nunca me imaginei

em uma situa����o como esta, pois sempre fui rica e isso me tornava pode-

rosa e superior ��s demais pessoas que n��o tinham dinheiro. Mesmo com

tanto dinheiro, perdi meu filho, minha filha foi embora me odiando e meu

marido tamb��m morreu. Fiquei sozinha. Quanto tempo perdido! Quanto

eu poderia ter feito de bom! Ai, meu Deus, se eu pudesse voltar, faria tudo

diferente. Quanta ilus��o que o dinheiro pode trazer! Tudo isso que estou

passando est�� servindo para me mostrar o quanto errei na vida. Preciso e

vou ter outra chance. Sei que vou. Sei que Josias, a qualquer momento, vai

chegar e me levar para casa. Quando isso acontecer, n��o serei mais ego��sta

e prepotente do jeito que fui. Vou procurar por Etelvina e pedir que me per-

doe. N��o sei o que aconteceu com sua vida, nunca me preocupei, mas vou

conseguir encontr��-la. Preciso, tamb��m, conversar com Selma e seu mari-

do que, embora n��o o conhe��a, me pareceu ser um bom homem e que a

ama realmente. Como pude fazer o que fiz com aquele menino t��o bonito,

meu neto? Como pude agir e falar com ele da maneira que fiz? Assim que

o reencontrar vou abra����-lo, pedir perd��o. N��o tenho mais dinheiro para

dar a ele, mas darei todo o meu amor.

Agora chorava, solu��ando. N��o s�� por estar com medo, mas por

ter, enfim, entendido o que havia feito com sua vida. O remorso a ator-

mentou mais do que o medo da escurid��o. Chorou, chorou muito, sem

355

As chances que a vida d��

conseguir se controlar. N��o conseguiu evitar que do fundo do seu peito

gritos de dor surgissem e gritou muito, pedindo perd��o por tudo que

havia feito.

Mario Augusto e Matilde, que estiveram o tempo todo ao seu lado,

sorriram.

- Enfim, ela acordou, Mario Augusto.

- Sim, Matilde, e agora que tomou consci��ncia de tudo o que fez,

precisamos ajud��-la. Ainda bem que P��ricles permitiu que fic��ssemos ao

seu lado. Vamos ajud��-la, sim. �� para isso que estamos aqui.

Estenderam os bra��os em dire����o a Alda, que n��o conseguia parar

de chorar. De suas m��os sa��ram raios de luz que a envolveram totalmen-

te. Ela n��o viu a luz, mas sentiu um bem estar profundo e adormeceu.

Quando abriu os olhos, ainda estava na estrada. O sol j�� havia nasci-

do. A fome, a sede e, agora, o medo tamb��m estavam l��. N��o estava mais

preocupada com sua roupa ou seu cabelo. Queria somente encontrar al-

gu��m ou algum lugar para que pudesse obter ajuda.

- Quero muito voltar para minha casa. Quando chegar l��, vou mu-

dar minha vida totalmente. Al��m de procurar as pessoas que prejudiquei

e que fiz mal, vou ajudar muitas outras, voltar �� cidade onde Selma est��,

pedir perd��o a ela, ao marido e ao meu neto. Vou mudar totalmente! -

Disse em voz alta para poder ouvir a pr��pria voz.

Olhou para o horizonte mas ainda n��o conseguia ver o final da estrada.

- N��o posso continuar aqui, Josias n��o vai voltar, preciso continuar

andando.

Come��ou a andar, mas agora devagar, porque estava muito fraca. An-

dou por v��rias horas. Parava, sentava no ch��o, mesmo com toda aquela

poeira, mas nada mais importava. N��o encontrou ningu��m. Por mais

que andasse, n��o conseguia ver nenhuma casa, ningu��m ou o fim da

estrada. A noite estava chegando e ela ficou apavorada, pois tinha medo

da noite, do escuro, quando n��o podia ver o que acontecia �� sua volta.

Olhou para ver se encontrava um lugar onde poderia se encostar, como

havia acontecido na noite anterior, mas n��o havia coisa alguma, somente

a estrada poeirenta e solid��o. Quando escureceu totalmente, sentou-se

356

Elisa Masselli

na margem da estrada e, colocando a cabe��a sobre os joelhos, fechou os

olhos e ficou aguardando os ru��dos e sons que tanto a haviam aterroriza-

do na noite anterior, por��m eles n��o voltaram. Tentou dormir, mas n��o

conseguiu. A fome e a sede, e agora o frio, n��o permitiam. Passou o dia

todo se lembrando de tudo o que havia feito na sua vida e, agora, con-

tinuava a pensar. Lembrou-se de quando Mario Augusto e Selma eram

pequenos e do que dizia a eles sobre o dinheiro e o poder que tinha sobre

as outras pessoas. Quando se lembrou disso, chorou com mais for��a.

- Meu Deus, como errei! Selma tem raz��o, fui eu que fiz que ela fosse

como ��. Preciso conversar com Selma, dizer que reconheci todo o erro que

cometi e dizer que estou feliz por ela, depois de tudo o que aconteceu, ter

conseguido se redimir. Dizer tamb��m que estou feliz por ela ter me dado

um neto lindo. Mario Augusto, meu filho amado, n��o sei se existe vida

ap��s a morte, nunca me preocupei com isso, mas, se tiver, e voc�� puder

me ouvir, quero pedir perd��o por tudo o que fiz. Hoje sei que errei muito,

mas j�� �� tarde, voc�� est�� morto e fui culpada por isso. Ensinei a Selma que

o dinheiro podia tudo, e ela, usando do dinheiro, envolveu Matilde e fez o

que fez. Perd��o, meu filho, e se puder, me ajude a voltar para casa.

Matilde abra��ou Mario Augusto, que chorava:

- N��o fique assim, Mario Augusto. Ela est�� se redimindo.

- Sei disso, Matilde, e estou chorando de felicidade. Ela, agora, est��

no caminho da reden����o.

- Estou chorando n��o por tristeza, Matilde, mas por entender exa-

tamente isso. O que me deixa triste �� saber que ela perdeu essa reencar-

na����o. Deixou de cumprir o que havia prometido, antes de renascer, que

era nos criar de uma maneira diferente, dando o justo valor ao dinheiro,

mas nunca us��-lo para prejudicar outras pessoas.

- Mesmo assim, voc�� nunca foi como Selma e sua m��e, Mario Augusto.

- Sei disso, mas n��o posso deixar de ficar triste. Sei que minha m��e

precisa passar por tudo isso, numa tentativa de que ela repense e se ar-

rependa, e isso ela est�� fazendo. Depois, quanto tudo passar e Selma e

Flora retornarem, vamos ver o que poderemos fazer para uma pr��xima

encarna����o e como os enganos desta podem ser redimidos. Estamos to-

357

As chances que a vida d��

dos envolvidos, Matilde. Cada um de n��s tem um pouco de culpa nos

acontecimentos.

- O bom �� saber que teremos outra chance, Mario Augusto.

Mario Augusto sorriu e voltaram o olhar para Alda, que continuava

com a cabe��a sobre os joelhos, chorando, e n��o conseguia parar de pensar.

Meu Deus eu preciso de uma nova chance... Preciso voltar para casa

e consertar tudo o que fiz de errado. Mario Augusto, se puder me ajude,

filho. Voc�� era muito bom, diferente de mim e de Selma.

Voltou a chorar com mais for��a e dor.

Mario Augusto, embora em l��grimas, sorriu. Olhou para Matilde e

ambos estenderam os bra��os sobre Alda e jogaram luzes brancas sobre

ela. No mesmo instante, Alda levantou a cabe��a, abriu os olhos e viu,

bem longe, uma pequena luz, tr��mula, que se aproximava. Percebeu que

os sons terr��veis e que tanto a assustaram haviam cessado.

- Que luz �� aquela que vem se aproximando? Parece a luz de uma

tocha ou de um lampi��o. Finalmente, algu��m apareceu. Tomara que me

ajude. Preciso voltar para minha casa e tentar consertar tudo o que fiz de

errado na minha vida. Assim que chegar, a primeira coisa que vou fazer

�� conversar com Jos�� Luiz e pedir que me ajude a encontrar Etelvina. Sei

que ele tem meios para isso. Depois, vou procurar as pessoas que preju-

diquei e ajud��-las no que for poss��vel.

�� medida que a luz se aproximava, ficava maior. Quando chegou

perto de Alda, ela n��o conteve o grito, que saiu alto:

- Etelvina? �� voc�� mesma? Eu estava pensando em voc�� e decidi que, as-

sim que voltasse para casa, ia procur��-la para pedir perd��o por tudo o que fiz!

Dizendo isso, abriu os bra��os e, chorando, abra��ou Etelvina, que cor-

respondeu.

Alda ficou agarrada em Etelvina e n��o a soltava.

Etelvina, com esfor��o, conseguiu se afastar.

- Como foi que voc�� apareceu aqui, Etelvina? Estou sozinha, perdida

nesta estrada, com fome, sede e muito medo. Estou rodeada de bichos

que, embora eu n��o os veja, sei que est��o por aqui. Sei que n��o deveria

pedir ajuda a voc��, pois n��o mere��o, mas ser�� que voc�� poderia me arru-

358

Elisa Masselli

mar ao menos um pouco de ��gua? - Perguntou, chorando e solu��ando

desesperada.

- Como a senhora chegou aqui, dona Alda? - Etelvina perguntou,

afastando-se do abra��o.

- N��o sei, quando acordei me vi aqui nesta estrada sem fim. Estava com

Josias e ele me abandonou. Por favor, Etelvina, me ajude... - disse, chorando.

- Fique tranquila, dona Alda. N��o tenho o que perdoar, o importan-

te �� que a senhora reconheceu o que fez. J�� est�� amanhecendo e aqui bem

pr��ximo tem uma casa onde a senhora poder�� ficar at�� se restabelecer.

- Obrigada, Etelvina. Sei que n��o mere��o, depois de tudo que fiz a

voc��, mas prometo que vou recompens��-la.

- Como, dona Alda?

- N��o tenho mais dinheiro, mas encontrarei uma maneira de ajud��-la.

Darei tudo o que voc�� quiser e precisar. O que voc�� est�� precisando, Etelvina?

Etelvina sorriu:

- Nada que a senhora possa me oferecer, dona Alda. Estou bem. Du-

rante esse tempo em que est�� caminhando por esta estrada descobriu

alguma coisa?

- Sim, Etelvina. Descobri que a morte de Mario Augusto, de Matilde

e de Arlete foi culpa minha. Fui eu quem ensinou Selma que tendo di-

nheiro poderia comprar a tudo e a todos.

- Realmente a senhora teve uma parcela de culpa, mas n��o pode se

culpar pela atitude dos outros. Cada um de n��s �� respons��vel por nossas

a����es. Quando crian��a, Selma poderia se deixar envolver e influenciar

pela senhora, mas, quando se tornou adulta p��de escolher o que queria e

optou por continuar a ser orgulhosa, prepotente e ego��sta. Nessa hist��ria,

al��m de orgulho, prepot��ncia e ci��me, houve tamb��m apego n��o s�� a

coisas como a pessoas, por isso todos ter��o de reparar seus atos.

- N��o estou entendendo, reparar como?

- Tudo a seu tempo, dona Alda. Agora j�� est�� amanhecendo, pode-

mos seguir a estrada.

Alda estava muito fraca para andar. Etelvina colocou o bra��o em sua

cintura e as duas foram caminhando devagar.

359

As chances que a vida d��

Estavam caminhando j�� h�� algum tempo, quando viram, ao longe, um

vulto se aproximando. Etelvina parou e fez com que Alda tamb��m parasse.

- Quem ser�� que vem se aproximando, Etelvina?

- Assim que se aproximar mais, saberemos.

Ficaram paradas esperando. O vulto se aproximava cambaleando, pa-

recendo ser algu��m que estava muito cansado. Alda, curiosa, ficou olhando

e esperando. Assim que o vulto foi se aproximando, Alda n��o se conteve:

- �� Arlete, Etelvina? N��o pode ser! Est�� muito diferente! O que

aconteceu com ela?

- Assim como aconteceu com a senhora, dona Alda, ela est�� pas-

sando por momentos de reflex��o e para isso teve de ficar sozinha nesta

estrada. Aqui, est�� tendo mais uma chance de aprendizado e a oportuni-

dade de arrependimento.

- �� verdade. Foi aqui que pude reconhecer o que havia feito na mi-

nha vida e na dos meus filhos, principalmente com Selma. Estou muito

arrependida, Etelvina.

- Sei disso, mas gra��as a Deus a senhora entendeu a tempo.

Arlete se aproximou e, quando estava chegando, Alda ficou impres-

sionada mais ainda pelo seu estado:

- Arlete, o que est�� fazendo aqui? O que aconteceu com voc��?

Para sua surpresa, Arlete n��o as viu, e cambaleando, continuou andando.

- Ela n��o nos viu, Etelvina?

- N��o, dona Alda. Ela est�� vivendo momentos dif��ceis.

- Ela est�� muito fraca e assustada, Etelvina. Est�� precisando de ajuda!

Precisamos ajud��-la!

- Embora possa n��o parecer, Arlete est�� tendo uma ajuda preciosa.

Vamos conversar com ela, dona Alda.

Assim dizendo, estendeu os bra��os em dire����o a Arlete, que j�� havia

dado alguns passos �� frente. Luzes sa��ram de suas m��os, que Etelvina

jogou sobre ela:

- Pare, Arlete. Precisamos conversar.

Ao ver aquela luz, Arlete, muito assustada, parou e se voltou. Ao ver

Etelvina, gritou:

360

Elisa Masselli

- Gra��as a Deus, a senhora apareceu! Ser�� que pode me ajudar?

- O que est�� fazendo nesta estrada?

- N��o sei. Acordei aqui e, sem saber o que fazer, comecei a andar

procurando ajuda.

- Encontrou?

- N��o. Andei muito. Estou cansada, com muita fome, muito frio e

tamb��m com muito medo. Precisei me esconder de alguns monstros que

apareceram. Nunca vi coisa igual, nem sabia que existiam. Ainda bem

que a senhora apareceu. Pode me ajudar?

- N��o precisa me chamar de senhora, Arlete. Aqui n��o existem essas

formalidades. Al��m do mais, eu n��o perten��o ao seu meio social. Como

pode ver, estou vestida com roupas simples e sou negra. Sempre houve

uma separa����o entre pessoas como voc�� e como eu.

- Isso foi no passado. Hoje, depois de ficar muito tempo aqui sozi-

nha, pude refletir em como foi minha vida e em quanto tempo perdi com

preconceitos.

- Sobre o que mais pensou, Arlete?

- N��o sei se a senhora sabe, mas eu cometi uma loucura que n��o tem

volta. Matei Mario Augusto e Matilde e, pior, depois me matei.

- Sei sim, e �� por isso que estou aqui. Estou ao seu lado o tempo todo

em que est�� na estrada e s�� n��o apareci para voc�� porque precisava ficar

sozinha.

- Eu nunca vi a senhora. Pensei que estivesse sozinha. - Disse, cho-

rando muito.

- Embora possa parecer, nunca estamos s��s, Arlete. Agora, chegou a

hora de conversarmos. O que aconteceu com voc��?

- Eu n��o sei por que estou aqui. Estava ao lado de Selma intuindo

dona Alda, na delegacia, quando fui trazida para esta estrada.

- Entendeu o que aconteceu aqui?

Antes de responder, Arlete ficou olhando para Etelvina e exclamou:

- Espere! A senhora n��o �� Etelvina, que foi a bab�� de Selma?

- Sou eu mesma. Pensei que n��o ia me reconhecer. Quando fui bab��

de Selma, voc�� era muito pequena.

361

As chances que a vida d��

- Agora, estou me lembrando. Selma ficou muito triste quando dona

Alda mandou a senhora embora. Ela gostava muito da senhora.

- Tamb��m fiquei muito triste. Tudo passou. Hoje, Selma est�� bem,

embora passando um momento muito ruim. Ela est�� resgatando, atrav��s

do amor ao pr��ximo, tudo o que fez.

- Sei que ela est�� bem, o que me causou muita raiva. Aqui nesta

estrada pude refletir sobre tudo que aconteceu e acho que todos n��s ti-

vemos culpa, menos Mario Augusto. Ele sempre foi diferente. Neste mo-

mento, o que mais quero �� ter uma nova chance para poder recome��ar e

fazer tudo diferente. Quero e preciso reencontrar Mario Augusto, o amor

da minha vida! Sei que est�� em algum lugar, s�� n��o sei onde...

- Sempre temos novas chances, Arlete. Deus nos ama muito e s��

quer o nosso bem.

- Como posso ter outra chance? Estou morta!

- Voc�� est�� morta, Arlete? - Etelvina perguntou, sorrindo.

- Sim, estou. Demorei muito para entender, mas hoje sei que estou

morta, embora a morte que eu conhecia ou ouvia falar n��o seja dessa

maneira.

- Por que est�� dizendo isso?

- Embora saiba que estou morta, n��o me sinto assim. Sinto fome,

sede e frio, al��m de muito medo, coisa que nunca senti antes.

- Do que se lembra antes de se ver aqui, nesta estrada?

- Lembro-me que estava muito feliz. Eu e Mario Augusto ��amos ficar

noivos e foi preparada uma linda festa. Eu estava usando um lindo vesti-

do que foi comprado para aquele dia. Fui at�� o jardim, onde Selma disse

que ele estava, e o encontrei abra��ando e beijando Matilde. Fiquei muito

nervosa, fui at�� a sala do meu pai, peguei um rev��lver e atirei neles. N��o

sei o que aconteceu. Quando acordei estava em um lugar apavorante.

Havia um mau cheiro horr��vel e gritos que chegavam de todos os lados,

que me apavoravam. Pessoas perambulavam, mais parecendo mortos-

-vivos. Fiquei com muito medo e tentei me esconder, eles me achavam e

me chamavam de assassina. Senti muito medo e corria de um lado para

outro, mas n��o encontrava sa��da. Pensava em minha casa e na seguran��a

362

Elisa Masselli

que sempre tive l��. Procurei muito por ela, mas foi em v��o. N��o sei quan-

to tempo fiquei ali, s�� sei que foi terr��vel. A todo instante me lembrava

do momento em que cometi aquele ato t��o horr��vel. Escondida daqueles

monstros que me perseguiam, continuei procurando uma sa��da e por

Mario Augusto. Embora quisesse, n��o conseguia afastar a imagem de

Mario Augusto e Matilde deitados no ch��o e rodeados de muito sangue.

Tamb��m me via deitada ao lado deles. Aquele pensamento e lembran-

��a me atormentavam. Eu sabia que havia feito aquela coisa deprimente.

Sentia que se eu encontrasse Mario Augusto, ele me tiraria dali. Muito

tempo depois, eu estava perambulando sem saber o que fazer, chorando

e pedindo muito para que algu��m surgisse para me ajudar a encontrar o

caminho de casa e Mario Augusto, quando um senhor apareceu, n��o sei

de onde e sorrindo, pegou na minha m��o e disse:

- Como voc�� est��, Arlete?

- Quem �� o senhor, como chegou aqui?

- Meu nome �� P��ricles e estou aqui para ajudar voc��.

- Ainda bem, n��o sei mais o que fazer...

- O que est�� sentindo?

- Estou com muito medo e me sentindo perdida.

- O que est�� fazendo aqui?

- N��o sei como vim parar aqui nem sei que lugar �� este! Por favor, me

ajude a sair daqui!

- Vou ajud��-la.

- Obrigada, senhor, obrigada! - Disse, pegando sua m��o e beijando.

- Ele afastou a m��o e sorriu:

- Vou lev��-la para um lugar onde vai encontrar a paz que tanto pro-

cura, onde poder�� refletir sobre o que aconteceu e encontrar uma maneira





de se redimir.


- Ele me levou a um lugar com muita claridade e paz, muito diferente

daquele em que eu estava. Fui recebida com carinho e em poucos dias eu

estava muito bem, mas eu sentia muita saudade de casa, de Flora e, princi-

palmente, de Mario Augusto. Perguntava, mas s�� me respondiam que estava

tudo bem. Com o tempo fui ficando ansiosa e irritada. Algu��m me alertou

363

As chances que a vida d��

do perigo que eu corria se sa��sse dali e continuasse com aqueles pensamen-

tos destrutivos. Disseram tamb��m que se eu quisesse partir n��o podiam me

impedir, pois eu tinha meu livre-arb��trio. Eu ouvia o que diziam, mas n��o

me importava. Precisava sair dali, precisava encontrar Mario Augusto. Em

um dia, eu estava passeando pelo jardim, que era lindo, quando senti uma

irrita����o muito forte, diferente daquela que sentira at�� agora. Foi como uma

for��a que me atra��a. Senti uma vontade enorme de ir at�� o lugar de onde

aquela for��a partia. N��o sei como, mas de repente me vi na minha casa. Ela

estava diferente. Sempre foi muito clara e transbordava felicidade, mas o que

encontrei ali foi muita tristeza e ��dio. Suas paredes, embora ainda fossem

pintadas com cores claras, n��o conseguiam retirar aquela energia ruim e

tudo estava escuro e nebuloso. Ouvi vozes que vinham da sala. Correndo,

fui at�� l��. Encontrei Flora e Esmeralda, que conversavam.

- Consegui, Esmeralda! Consegui descobrir onde Selma est��!

- N��o fico feliz com isso, Flora. Voc�� est�� h�� tanto tempo pensando s��

em sua vingan��a... O tempo est�� passando e continua parada, sem nada





fazer da sua vida.


- N��o venha com essa conversa novamente, Esmeralda. Encontrei Sel-

ma e ela vai pagar por tudo o que fez com Arlete!

- Nada que voc�� fa��a vai trazer Arlete de volta, Flora.

- Sei disso, mas Selma n��o pode ficar impune! Vou me vingar!

- Flora disse isso com muito ��dio na voz e no cora����o, Etelvina.

Aquele sentimento dela me atingiu totalmente. Parecendo que Flora sa-

bia que eu estava ali, continuou falando:

- Foi Selma quem preparou aquela armadilha que fez com que Arlete

matasse Mario Augusto e Matilde e depois se matasse! Isso n��o pode ficar

impune, Esmeralda. Selma precisa pagar!

- Enquanto Flora falava, eu ia me relembrando daquela noite. Foi as-

sim que fiquei sabendo o que havia acontecido realmente. Fiquei tomada

de ��dio por Selma e gritei:

- Ela n��o pode ficar impune, Flora! Destruiu as nossas vidas! Por cau-

sa dela fiz aquela loucura e n��o consigo encontrar Mario Augusto! Ela �� a

��nica culpada!

364

Elisa Masselli

- Flora, como pretende se vingar de Selma? - Esmeralda perguntou, preocupada.

- Amanh�� estou indo para a cidade onde ela mora. �� uma cidade pe-

quena, por isso nunca foi encontrada, mas eu vou encontr��-la!

- Ao ouvir aquilo, fiquei entusiasmada, e me aproximando de Flora,

irritada, falei:

- Vou estar ao seu lado, minha irm��, e juntas vamos nos vingar e fazer

com que ela confesse o crime e seja penalizada!

- Daquele dia em diante, fiquei ao lado de Flora. Fomos para a cida-

de onde Selma morava e a encontramos. Flora tinha tudo planejado e eu

sempre a incentivava mais. Por��m, um dia, Esmeralda a convenceu de

que Selma havia mudado e que estava vivendo de uma maneira simples

e ajudava aquelas crian��as. A princ��pio Flora relutou, mas depois, diante

dos argumentos de Esmeralda, resolveu deixar tudo para l��. Veio embo-

ra e as duas foram para a Europa. Fiquei com muita raiva e desesperada.

Sa�� dali correndo, e na rua vi alguns vultos que caminhavam. Fui at�� eles

e contei o que havia acontecido. Eles, que tamb��m se julgavam injusti��a-

dos, disseram que me ajudariam na vingan��a. Aceitei a ajuda e, juntos,

ficamos o tempo todo ao lado de Selma. Eu estava l��, quando dona Alda

chegou e fiz com que ela ficasse com muita raiva tamb��m. Estava feliz

por ver Selma atr��s das grades e por ela ter contado o que aconteceu e

reconhecido sua culpa, mesmo assim, eu queria mais. Queria que ela

ficasse presa pelo resto da vida. Foi quando P��ricles voltou e vendo que

eu n��o ia mudar de atitude, disse que eu n��o poderia ficar mais ali e me

trouxe aqui, para essa estrada horr��vel. Aqui, sozinha, senti o mesmo

medo que antes, naquele lugar tenebroso. Comecei a pensar em tudo o

que havia acontecido e vi que, embora Selma tenha tido culpa, tamb��m

tive, pois me deixei levar pelo orgulho, ci��me e apego. Eu sempre me

julguei superior ��s demais pessoas. Achava que Mario Augusto era meu

e que nunca poderia pertencer a outra pessoa! Aqui descobri que tudo

isso n��o passava de ilus��o. Que somos livres, portanto ningu��m pertence

a ningu��m. Sinto muito pelo que fiz.

- O que pretende fazer agora, Arlete?

365

As chances que a vida d��

- Quero, se poss��vel, voltar para aquele lugar iluminado e de paz. Sei

que ali, um dia, vou rever Mario Augusto e Matilde. Preciso pedir perd��o

a eles. Pode me ajudar a voltar l�� e a encontr��-los, Etelvina?

Etelvina olhou para Alda, Matilde e Mario Augusto, e sorriu. Arlete,

ao v��-los chorando, gritou:

- Mario Augusto? Est�� aqui, meu amor! Procurei voc�� por toda par-

te! Preciso que me perdoe...

- Sempre estive ao seu lado, meu amor. Eu amo voc�� e nunca poderia

abandon��-la. S�� n��o podia me ver porque estava com muito ��dio e, por

isso, cercada de uma nuvem densa que impedia a nossa aproxima����o.

Gra��as a Deus, voc�� entendeu que o ��dio n��o nos leva a lugar algum.

Ainda abra��ados, ela, chorando, disse:

- Perd��o, meu amor. Perd��o...

Olhando para Matilde, sem se afastar, Mario Augusto estendeu a

m��o, que Matilde apertou.

- Preciso do seu perd��o tamb��m, Matilde. Sei que fui m�� e que a ex-

plorei ao lado de Selma e de Flora, mas n��o sabia o que estava fazendo. Es-

tava iludida pela minha posi����o social. Achava-me superior e poderosa...

Matilde sorriu:

- Todos n��s tivemos a nossa parcela de culpa, Arlete. Ainda bem que

voc�� entendeu isso. Assim fazendo, pode seguir ao nosso lado.

Alda, ao ver o filho, ficou paralisada. Depois, come��ou a chorar:

- Meu filho, voc�� est�� aqui?

Afastando-se de Arlete, ele abra��ou a m��e, tamb��m chorando:

- Estou, mam��e. Embora n��o pudesse me ver, sempre estive ao seu lado...

- Meu filho querido! Sofri tanto quando morreu! N��o se passou um

s�� dia em que eu n��o me lembrasse de voc��. Eu n��o entendia por que

aquilo havia acontecido e n��o achava justo. Voc��, t��o jovem, bonito e

com um lindo futuro pela frente, n��o poderia morrer daquela maneira...

- Sei que sofreu, mam��e. Por isso, estive sempre ao seu lado. Sofria

mais ainda por ver que a senhora se entregou ao desespero. Eu n��o tinha

nada que pudesse fazer a n��o ser ficar ao seu lado. Ainda bem que hoje

est�� bem, entendeu que o dinheiro, quando mal usado, s�� pode fazer mal

366

Elisa Masselli

ao nosso esp��rito e que n��o passa de ilus��o. Aprendeu, tamb��m, que nin-

gu��m �� superior ao outro. Somos todos caminhantes e aprendizes. Tudo

est�� sempre certo, mam��e.

Ao ouvir aquilo, ainda chorando, Alda se afastou e ficou olhando

para eles, que tamb��m a olhavam e sorriam:

- Esperem, se est��o todos mortos e eu posso conversar com voc��s e

v��-los, significa que estou morta tamb��m?

Eles sorriram. Mario Augusto foi quem respondeu:

- Est��, mam��e, mas n��o se assuste. Estamos aqui.

- Como n��o me assustar, Mario Augusto? N��o posso morrer agora!

- Por que n��o, mam��e?

- Agora que entendi tudo o que fiz de errado? Preciso consertar o

que fiz! Preciso rever Selma, seu marido e filho! Preciso dizer que quero

todos eles ao meu lado! - Voltando-se para Etelvina continuou: - Preciso

recompensar voc��, Etelvina, pelo grande mal que fiz!

- Ter�� chance de fazer isso, mam��e. Sempre temos novas chances,

mas n��o agora. -Disse Mario Augusto

- N��o estou entendendo. Como morri e quando?

- Isso, agora, n��o tem mais import��ncia. O que importa �� o que ser��

daqui para frente.

- Dizendo isso, Mario Augusto olhou para Etelvina:

- Agora podemos ir embora, Etelvina?

- Sim, Mario Augusto. Gra��as a Deus, est�� tudo bem.

Seguraram nas m��os de Arlete e de Matilde e desapareceram.

367



Acerto de contas

O tempo passou. Quatro meses depois, Selma estava no galp��o envolvi-

da com os trabalhos que estavam sendo preparados para a pr��xima exposi-

����o e n��o viu quando Mar��lia, acompanhada por Jos�� Luiz e Flora entraram.

- Olhe quem veio nos visitar, Selma!

Selma se voltou, abriu um sorriso feliz e correu para abra����-los.

- Que alegria! Estou muito feliz por estarem aqui, mas aconteceu

alguma coisa?

- Aconteceu, Selma. Vim acompanhar dona Mirtes e as meninas

para receberem a senten��a do juiz.

- J�� foram sentenciados?

- Sim. Estamos voltando do f��rum. Foram condenados a prestarem

servi��os comunit��rios. Como n��o moram na cidade, dever��o, em sete dias,

comunicar as entidades que ajudar��o. Isso n��o �� comum, mas, neste caso,

o juiz decidiu que seria uma boa senten��a. Assim, eles entender��o o que

significa ajudar e poder��o pensar a respeito do trabalho que voc�� faz aqui.

- Essa senten��a parece ser justa, embora entenda que ela �� melhor do

que parece. S�� far�� bem a eles. Ajudar sempre nos causa um bem imenso.

368

Elisa Masselli

- Olharam para Mar��lia, e Selma, piscando os olhos para os outros,

disse rindo:

- Est�� puxando a sardinha para o seu lado, Mar��lia?

- N��o, Selma! Realmente achei que foi uma boa senten��a. - Mar��lia

falou, com o rosto vermelho.

- Estava brincando. Seu marido �� um bom juiz, Mar��lia.

- Tamb��m penso assim, Selma, e Eduardo foi um s��bio em pensar

nisso. - Jos�� Luiz disse, tamb��m rindo.

- Quanto a Joel e Sandra, que moram aqui, como pagar��o?

- Eles ter��o de trabalhar algumas horas por semana aqui no orfanato.

- Sandra mora e trabalha aqui h�� muito tempo...

- N��o sei o que fazer. Preciso conversar com o Juiz.

- Ela quer muito frequentar uma faculdade e, depois de ver sua atua-

����o, quer ser advogada. Com meu dinheiro pessoal, posso pagar a faculda-

de e um lugar para que fique morando, mas ela precisaria ter um trabalho.

- Advogada! Que bom, �� uma ��tima profiss��o. - Ele disse, rindo.

- Acha que podemos ajudar, Jos�� Luiz?

- Acredito que sim, Flora. Sei como fazer. Se ela conseguir entrar na

faculdade, eu dou um emprego de estagi��ria no meu escrit��rio; assim,

al��m de aprender a teoria, poder�� aprender tamb��m na pr��tica.

- Nem sei como agradecer a voc��s. Vou conversar com Eduardo e

ver como pode ser feito.

- Fa��a isso e me avise da decis��o dele. Tenho certeza de que vai aceitar.

- Aproveitei para trazer esses documentos para voc�� assinar, Selma.

Como o combinado, o carro de sua m��e foi vendido e o dinheiro da ven-

da usei para indenizar os empregados da casa. Ainda sobrou um pouco e

tomei a liberdade de trazer para que voc�� use como quiser.

- Eu disse que n��o preciso do dinheiro da minha fam��lia, Jos�� Luiz.

O sal��rio do meu marido sempre foi o suficiente para que tiv��ssemos

uma vida tranquila. Agora que est�� recebendo o dobro, nossa vida est��

melhor ainda, al��m de ele estar feliz no emprego, mas vou aceitar esse

dinheiro que trouxe. Vou dar para Mar��lia, sabendo que ele ajudar�� ao

orfanato e ��s crian��as.

369

As chances que a vida d��

- Imaginei que fosse fazer isso. Trouxe, tamb��m, esta escritura do

apartamento para que assine. Josias ficou muito feliz, emocionado e

agradecido. Disse que qualquer dia vem at�� aqui para visitar voc�� e sua

fam��lia.

- Tamb��m estou feliz por ele. Est�� h�� muitos anos na nossa fam��lia, e

desde que eu era crian��a foi um grande amigo e sempre me ajudou. Era o

m��nimo que eu poderia fazer por ele. S�� estou preocupada porque, com

a idade que tem, talvez n��o encontre outro emprego.

- N��o se preocupe com isso. Nosso motorista ficou vi��vo e foi morar

com a filha. Eu contratei Josias para ocupar o lugar dele.

- Que boa not��cia, Flora! N��o imagina como estou feliz!

- Sabia que ficaria e espero que fique mais ainda com a novidade que

vou contar.

- Que novidade?

- Pegue este envelope e abra.

- Selma pegou o envelope, abriu e soltou um grito:

- Voc��s v��o se casar? N��o acredito!

- Pode acreditar! E estamos aqui n��o s�� para entregar o convite mas

tamb��m para pedir que voc�� e seu marido sejam nossos padrinhos.

- Como isso aconteceu? Sempre foram s�� amigos!

- Voc�� foi a culpada.

- Eu, por qu��?

- Com a sua pris��o nos unimos para tentar inocent��-la e, por conta

disso, ficamos nos vendo e conversando quase todos os dias. Um belo

dia, sem saber bem como, descobrimos que o que sent��amos um pelo

outro era mais do que amizade e aqui estamos.

- Estou muito feliz por voc��s e acho que merecem e ter��o toda a feli-

cidade do mundo. Quanto a ser madrinha, n��o sei, Flora.

- N��o sabe? Por qu��?

- N��o perten��o mais ao seu mundo. Aquela Selma deixou de existir

h�� muito tempo.

- Sei disso. Aquela Selma se transformou em uma pessoa maravilho-

sa, e �� essa pessoa que quero para minha madrinha.

370

Elisa Masselli

- Est�� bem. Agora s�� me resta pensar no vestido que vou usar!

- N��o se preocupe com isso. Quando abri minha loja comprei v��rios

vestidos e, quando fechei, fiquei com todos, est��o em minha casa. S��o

lindos, e voc�� poder�� escolher qualquer um deles.

- Est�� bem. Estou muito, muito feliz por tudo o que est�� acontecen-

do em minha vida.

- Este convite �� para voc�� e seu marido, Mar��lia. Ficaria muito feliz

se seus pais e seus sogros fossem tamb��m.

- Para mim?

- Sim, voc�� foi o anjo bom na vida de Selma, e pretendo que seja

minha amiga tamb��m.

- Tenho muito orgulho de ter conhecido voc��s, e foi Selma quem

surgiu na minha vida e a transformou completamente. Acredito que nos

conhecemos h�� muito tempo e que nesta encarna����o renascemos para

aparar arestas do passado. Estou contente por este final feliz. Claro que

vamos ao seu casamento, Flora. Garanto que, assim como eu, minha m��e

tamb��m ficar�� feliz pelo seu convite. Vamos aproveitar para ir com Sel-

ma at�� sua casa escolher os vestidos que vamos usar!

Obrigada, Mar��lia. Estarei esperando por voc��s.

Quanto a Sandra, tamb��m foi condenada a servir, mas ela j�� faz isso

desde pequena.

Despediram-se. Flora e Jos�� Luiz, n��o conseguindo esconder a feli-

cidade que sentiam, foram acompanhados por elas at�� o carro e foram

embora.

Assim que partiram, Selma, euf��rica, disse:

- Estou muito feliz por eles, Mar��lia! Agora, s�� preciso convencer

Roberto e Carlos a irem ao casamento.

- Eles ir��o, Selma. Voc�� �� muito amada pelos dois.

Selma sorriu e, juntas, voltaram para o galp��o.

P��ricles e Etelvina sorriram e desapareceram.

371



Reencontro feliz

Na noite anterior ao casamento de Flora, Selma abriu os olhos e ficou

espantada:

Que lugar �� este?

Ficou olhando e percebeu que estava em um lindo jardim com flores

coloridas e brilhantes. Folhagens verdes por toda parte.

�� lindo demais!

Continuou olhando e, para sua surpresa, viu Etelvina sentada em um

banco e conversando com Alda. N��o se conteve, correu at�� elas:

- Mam��e! A senhora est�� aqui e viva?

Alda, levantando-se, abriu os bra��os.

- Selma, minha filha! Como eu queria ver voc��!

- Perdoe-me, mam��e, por tudo o que fiz e que fez a senhora sofrer!

Fui uma filha horr��vel. - Selma disse, chorando muito.

- N��o diga isso, minha filha. Aqui, aprendi e entendi que todos so-

mos culpados. Fracassei como sua m��e que, ao inv��s de ensinar a voc��

o amor ao pr��ximo, respeito, solidariedade, fiz exatamente o contr��rio e

ensinei o ego��smo, a prepot��ncia e o preconceito. Errei muito...

372

Elisa Masselli

- Quando a senhora morreu, fiquei muito triste e estou at�� hoje por

n��o ter me despedido e pedido perd��o. Chorei n��o s�� por sua morte,

mas pelo remorso em n��o ter sido uma boa filha. Naquele dia, eu estava

nervosa e revoltada...

- N��o, filha. N��o �� assim. Eu fui cruel n��o s�� com voc��, mas tamb��m

com seu marido e, pior, com seu filho, apenas uma crian��a.

- Espere, mam��e! Sei que est�� morta, ent��o como pode estar aqui?

- Acha que estou morta?

- N��o, mas eu enterrei a senhora!

- A morte n��o significa que tudo acabou; �� simplesmente uma mu-

dan��a de plano. Deste lado, a vida continua e tomamos conhecimento

daquilo que fizemos de certo ou que deixamos de fazer.

- N��o estou entendendo muito bem; mas, mesmo assim, estou mui-

to feliz por ter reencontrado a senhora. Estou aliviada por saber que n��o

guarda mais ��dio e rancor por mim.

- Est�� feliz? Pois vai ficar mais ainda. Olhe para l��. Disse, apontando

com o dedo.

Selma olhou para onde ela apontou e gritou:

- Meu Deus! Voc��s tamb��m est��o vivos?

Mario Augusto, Arlete e Matilde, que sorriam para ela, abriram os

bra��os, e Selma correu para eles. Abra��aram-se e, chorando, ficaram as-

sim por muito tempo. N��o conseguiram dizer uma palavra. Depois de

algum tempo, Selma, ainda chorando, disse:

- Perd��o, perd��o, perd��o. Fui a culpada do que aconteceu com voc��s

e tenho sofrido muito por isso. Eu n��o sabia o que estava pensando, me

deixei dominar pela inveja e pelo ci��me. Sei que voc��, Matilde, invejava

a vida que eu tinha, mas nunca imaginei que terminaria como terminou.

- Esque��a-se disso, minha irm��. Todos n��s tivemos nossa parcela

de culpa. O importante �� que est�� aqui e que um dia, quando voltar de-

finitivamente, poderemos conversar muito e resolver como ser�� nossa

pr��xima encarna����o.

- Encarna����o? O que est�� dizendo, Mario Augusto? Quem fala isso

�� Mar��lia!

373

As chances que a vida d��

- �� verdade. Mas isso, agora, n��o tem import��ncia. O que importa ��

o casamento entre Flora e Jos�� Luiz. Estamos, todos, muito felizes. Sab��-

amos que isso aconteceria e que era s�� uma quest��o de tempo. Estamos

torcendo para que sejam felizes! N��o �� P��ricles?

- P��ricles? O senhor �� o marido de Mar��lia? Ela me contou a hist��ria

de voc��s! - Selma perguntou, admirada.

- Sim, sou eu. Mar��lia foi uma companheira maravilhosa no tempo

em que estive na Terra.

- N��o sente ci��mes por ela ter se casado com Eduardo?

- N��o, Selma. Aqui, os sentimentos s��o outros. Somo todos cami-

nhantes na estrada do conhecimento. Entre mim e Mar��lia tudo aconte-

ceu como deveria acontecer. Ela est�� feliz ao lado de Eduardo, que tam-

b��m faz parte de nossa vida h�� muito tempo. Ele �� mesmo um homem

muito bom.

- Isso �� verdade. Ela est�� feliz, e ele �� mesmo um homem muito bom.

- Que bom ver voc�� por aqui, menina. Voc�� conseguiu sua reden����o

e eu estou feliz por isso.

Selma abra��ou-se em Etelvina.

- Obrigada, Etelvina, mas tudo o que consegui foi gra��as a voc��. Fo-

ram seus conselhos e conversas que fez com que eu tomasse conheci-

mento do significado da palavra felicidade.

- Todos n��s, al��m de cumprir nossas miss��es, t��nhamos como mis-

s��o especial ajudar voc��, estando sempre ao seu lado. Nunca esteve s��.

Sempre teve amigos na Terra e aqui tamb��m. Hoje, todos estamos felizes

por termos o nosso dever cumprido.

- Eu amo todos voc��s. Obrigada por nunca terem me abandonado.

Estou t��o feliz que n��o queria mais retornar...

Dizendo isso, Selma acordou, num sobressalto, ainda ouvindo sua

pr��pria voz.

O pulo foi t��o forte que Roberto acordou:

- O que aconteceu, Selma? Parece assustada...

- N��o sei, Roberto. Estava sonhando, acho que com minha m��e e

todos eles. Pareciam felizes.

374

Elisa Masselli

- Que bom, mas por que ser�� que acordou t��o assustada?

- N��o sei. N��o me lembro muito bem do que aconteceu. Agora, va-

mos nos levantar. Hoje �� o grande dia e precisamos nos preparar.

- N��o sei como vou me sentir naquela roupa que Jos�� Luiz me deu.

- O nome �� fraque, Roberto. - Ela falou rindo.

Levantaram-se e foram acordar Carlos, que dormia tranquilamente.

375



Ep��logo

A igreja estava toda enfeitada com muitas flores. De um dos lados do

altar. Jos�� Luiz estava olhando, ansioso, para a entrada. Do outro lado,

Roberto e Selma, tamb��m ansiosos, faziam a mesma coisa.

Roberto estava incomodado por estar vestindo aquela roupa que ele

s�� tinha visto em filmes. Selma se divertia ao ver seu rosto.

- Voc�� est�� lindo, Roberto...

- Fique quieta, Selma! Olhe o que estou fazendo por voc��! N��o s��

por esta roupa rid��cula, mas porque todos est��o olhando para n��s. Pare-

ce que somos mais importantes que os noivos!

- N��o se preocupe com isso. S��o pessoas que n��o t��m mais o que

fazer al��m de ficar falando da vida alheia. Ainda n��o se conformam que

eu tenha mudado tanto; mas, para mim, o que importa �� a felicidade de

Flora e de Jos�� Luiz. Logo mais tudo vai terminar e voltaremos para nos-

sa casa, para nossa vida.

- �� verdade. Eles merecem toda a felicidade do mundo.

- Olhe como Mar��lia est�� linda ao lado de Eduardo. Dona Berta e

dona Clara tamb��m est��o lindas ao lado dos maridos. Algumas vezes,

376

Elisa Masselli

cheguei a pensar que a felicidade n��o existia; mas, hoje, sinto que ela

pode existir sim.

- Pare de falar, Selma...

Selma come��ou a rir por entender a situa����o do marido.

Etelvina, que tamb��m estava ali, falou no ouvido de Roberto:

- Voc�� est�� lindo, meu filho, e estou orgulhosa pelo homem que se

tornou.

Roberto n��o ouviu, mas sentiu uma brisa suave passar pelo seu rosto

e, no mesmo instante, lembrou-se da tia e sorriu.

Selma, alheia ao que estava acontecendo, apertou o bra��o de Roberto

e com os olhos fez com que ele olhasse para Carlos, que estava sentado

ao lado de Mar��lia, que naquele momento se levantava:

- Para onde ele est�� indo, Roberto?

- N��o sei, Selma.

Acompanharam Carlos e viram quando ele entrou em uma fila de

bancos e, para surpresa deles, Fabiana estava sentada ali. Carlos se apro-

ximou e, sentando-se ao lado dela, perguntou:

- Por que n��o voltou �� minha cidade, Fabiana?

Ela, abaixando a cabe��a, respondeu baixinho:

- Por vergonha, Carlos. Sei que deve estar me odiando e n��o o culpo

por isso. Fiz somente o que minha tia pediu; mesmo assim estou enver-

gonhada e n��o sabia como falar com voc��.

- Confesso que quando tomei conhecimento do que voc�� havia feito

fiquei com muita raiva, mas minha m��e conversou comigo e me fez ver que

todos n��s podemos cometer algum engano, e que todos, tamb��m, sempre

t��m chance de se arrepender. Apesar de tudo, gosto de voc�� e, quando qui-

ser, pode nos visitar. Garanto que sempre ser�� bem-vinda em nossa casa.

Fabiana ia dizer alguma coisa, quando come��ou a tocar a marcha

nupcial e todos se levantaram para ver a noiva, que estava na entrada da

igreja. Eles tamb��m se levantaram.

Flora estava linda vestida de noiva e come��ou a caminhar com pas-

sos lentos ao lado do tio, irm��o de seu pai. Enquanto caminhava, foi

distribuindo sorrisos para os convidados.

377

As chances que a vida d��

No altar, Jos�� Luiz tremia ao v��-la se aproximando. Selma, tamb��m

emocionada, chorava feliz ao ver a felicidade da amiga de tantos anos.

A cerim��nia foi linda. Embora ningu��m tenha visto, Arlete, Mario

Augusto e Matilde tamb��m estavam ali. Quando o padre come��ou a fa-

lar, P��ricles, que estava atr��s dele, estendeu as m��os, no que foi acompa-

nhada pelos outros, e luzes come��aram a cair sobre o casal e toda a igreja.

Depois da cerim��nia, todos foram para a casa de Flora, que estava

toda iluminada e florida. A festa foi requintada, todos caminhavam de

um lado para outro e conversavam. Esmeralda se aproximou de Selma:

- Hoje, estou muito feliz, Selma, n��o s�� pelo casamento de Flora, que

foi o que sempre desejei, mas por ver voc�� aqui, tamb��m linda e feliz.

- Estou feliz mesmo, Esmeralda, pois mesmo tendo feito tanta coisa

errada, ainda fui aben��oada com um marido e filho maravilhosos.

- Tudo o que conseguimos �� s�� quest��o de merecimento e, se est��

feliz, �� porque merece.

Alda, que tamb��m estava li, falou:

- Tem uma coisa que n��o estou entendendo, P��ricles.

- O que, Alda?

- Mesmo tendo feito tanta coisa errada, no final todos n��s fomos

perdoados e estamos felizes. Isso �� certo?

- Tudo est�� sempre certo, Alda. Todos n��s, ao renascer, temos a

oportunidade de melhorar; mas todos n��s tamb��m, durante a vida na

Terra, cometemos alguns acertos e erros que podem ser resgatados na

Terra ou aqui. Sempre caminhamos juntos, uns ajudando os outros. Nes-

ta encarna����o, voc�� e Selma teriam de encontrar o caminho da luz e da

paz. Foi dif��cil, mas conseguiram. Para isso foram muito ajudadas, tan-

to pelo plano espiritual, como por todos com quem conviveram. Voc��,

infelizmente, s�� conseguiu depois de ter voltado; mas Selma, atrav��s do

amor ao pr��ximo, da humildade e do grande amor, sem interesse, pelas

crian��as do orfanato, conseguiu encontrar o caminho da reden����o.

Todos se olharam e sorriram.

- O que vai acontecer agora que tudo est�� bem, P��ricles?

- Por enquanto, n��s voltaremos para o plano espiritual e seguire-

378

Elisa Masselli

mos o nosso aprendizado. Eles continuar��o suas vidas. Vamos continuar

torcendo por eles e tentando ajudar se for necess��rio. Quando todos re-

tornarem, faremos uma reuni��o para que os caminhos da pr��xima en-

carna����o sejam decididos. Falando nisso, est�� na hora de irmos embora.

Todos sorriram e, envolvidos em muita luz, desapareceram.

FIM

379





Livros de

Elisa Masselli

Apenas come��ando

N��o olhe para tr��s

Ao passarmos por momentos dif��-

Olavo �� um empres��rio de sucesso

ceis, sentimos que tudo terminou e

e respeitado por seus funcion��rios.

que n��o h�� mais esperan��a nem um

Entretanto, ningu��m pode imaginar

caminho para seguir. Quantas vezes

que, em casa, ele espanca sua mu-

sentimos que precisamos fazer uma

lher, Helena, e a mant��m afastada

escolha; por��m, sem sabemos qual

do conv��vio social. O que motiva

seria a melhor op����o?

esse comportamento? A resposta

J��lia, ap��s manter um relaciona-

para tal quest��o surge quando

mento com um homem comprometi-

os personagens descobrem que

do, sentiu que tudo havia termi-

erros do passado n��o podem ser

nado e teve de fazer uma escolha,

repetidos, mas devem servir como

contando, para isso, com o carinho

reflex��o para a constru����o de um

de amigos espirituais.

futuro melhor.





Obras da m��dium Vera L��cia Marinzeck de Carvalho

Esp��rito Ant��nio Carlos

A I n t r u s a

A �� r f �� n �� m e r o s e t e

Uma envolvente hist��ria que

O investigador Henrique

explica o porqu�� de tantas pes-

queria prender um crimi-

soas, ao desencarnarem, n��o

noso...

aceitarem o socorro imediato

e retornarem ao seu ex-lar

Alguns esp��ritos tamb��m...

terreno.

A m a i o s i n i m i g o s

O empres��rio Noel �� tra��do pela

O C a m i n h o d e U r z e

esposa. Esse tri��ngulo amoroso

Ramon e Zenilda s��o jovens

ir�� reproduzir cenas do passado.

e apaixonados. Os obst��-

Ap��s seu desencarne ainda jovem,

culos da vida permitir��o

Noel vive um novo cotidiano na

que eles vivam esse grande

espiritualidade e se surpreende

amor?

ao descobrir quem era o amor

de sua ex-esposa na Terra.

E s c r a v o B e r n a r d i n o

V �� u d o p a s s a d o

Romance que retrata o

Kim, o "menino das adivi-

per��odo da escravid��o no

nha����es", possui intensa

Brasil e apresenta o ilumi-

vid��ncia desde pequeno e v��

nado escravo Bernardino e

a cena da sua pr��pria morte.

seus esclarecimentos.

Esp��ritos G u i l h e r m e ,

O r o c h e d o d o s

Leonor e Jos��

a m a n t e s

Um estranha hist��ria de

E m m i s s �� o d e s o c o r r o

amor acontece no litoral

Hist��rias de diversos resga-

brasileiro num lugar de

tes realizados no Umbral

nome singular: Rochedo

por abne gados trabalhado-

dos Amantes.

res do bem.

Esp��rito Ros��ngela (Infantil)

U m n o v o r e c o m e �� o

O que fazer quando a morte

O p e d a c i n h o d o c �� u a z u l

nos pega de surpresa?

Hist��ria da menina cega L��liam

Nelson passou pela experi-

cujo maior sonho era

��ncia e venceu!

ver o c��u azul.





Leia os romances de Schellida!

Emo����o e ensinamento em cada p��gina!





Psicografia de Eliana Machado Coelho


CORA����ES SEM DESTINO - Amor ou ilus��o? Rubens, Humberto e L��via tiveram que descobrir a resposta por interm��dio de resgates sofridos, mas felizes ao final.

O BRILHO DA VERDADE ��� Samara viveu meio s��culo no Umbral passando por experi��ncias terr��veis. Esgotada, e depois de muito estudo, Samara acredita-se preparada para reencarnar.

UM DI��RJO NO T E M P O - A ditadura militar n��o manchou apenas a Hist��ria do Brasil. Ela interferiu no destino de cora����es apaixonados.

DESPERTAR PARA A VIDA - Um acidente acontece e M��rcia passa a ser envolvida pelo esp��rito Jonas, um desafeto que inicia um processo de obsess��o contra ela.

O DIREITO DE S E R FELIZ - Fernando e Regina apaixonam-se. Ele, de fam��lia rica. Ela, de classe m��dia, jovem sens��vel e esp��rita. Mas o destino come��a a pregar suas pe��as...

S E M REGRAS PARA AMAR ��� Gilda �� uma mulher rica, casada com o empres��rio Adalberto.

Arrogante, prepotente e orgulhosa, sempre consegue o que quer gra��as ao poder de sua posi����o social. Mas a vida d�� muitas voltas.

UM MOTIVO PARA ViVER ��� O drama de Raquel come��a aos nove anos, quando ent��o passou a sofrer os ass��dios de Ladislau, um homem sem escr��pulos, mas dissimulado e gozando de boa reputa����o na cidade.

O RETORNO - Uma hist��ria de amor come��a em 1888, na Inglaterra. Mas �� no Brasil atual que esse sentimento puro ir�� se concretizar para a harmoniza����o de todos aqueles que necessitam resgatar suas d��vidas.

FOR��A PARA RECOME��AR - S��rgio e D��bora se conhecem e nasce um grande amor entre eles.

Mas encarnados e obsessores desaprovam essa uni��o.

Ll����ES QUE A VIDA OFERECE ��� Rafael �� um jovem engenheiro e possui dois irm��os: Caio e Jorge. Filhos do milion��rio Paulo, dono de uma grande construtora, e de dona Augusta, os tr��s sofrem de um mesmo mal: a indiferen��a e o descaso dos pais, apesar da riqueza e da vida abastada.

PoNTE DAS LEMBRAN��AS - Ricos, felizes e desfrutando de alta posi����o social, duas grandes amigas, Belinda e Maria C��ndida, reencontram-se e revigoram a amizade que parecia perdida no tempo.

MAIS F O R T E DO QUE NUNCA ��� A vida ensina uma fam��lia a ser mais tolerante com a diversidade.

MOVIDA PELA AMBI����O ��� Vit��ria deixou para tr��s um grande amor e foi em busca da fortuna.

O que realmente importa na vida? O que �� a verdadeira felicidade?

MlNHA IMAGEM ��� Diogo e Felipe s��o irm��os g��meos. Iguais em tudo. At�� na disputa pelo amor de Vanessa. Quem vai vencer essa batalha de fortes sentimentos?

N��O ESTAMOS ABANDONADOS ��� J o �� o Pedro quis viver uma vida sem limites. E conheceu a morte ainda na juventude...





Envolventes romances do esp��rito Margarida da Cunha 1





com psicografia de Sulamita Santos


U m m i l a g r e c h a m a d o p e r d �� o

Ambientado na ��poca do corone��smo, este romance convida-nos

a uma reflex��o profunda acerca do valor do perd��o por interm��-

dio de uma emocionante narrativa, na qual o destino de pessoas

muito diferentes em uma sociedade preconceituosa revela a

necessidade dos reencontros reencarnat��rios como sagradas

oportunidades de harmoniza����o entre esp��ritos em processo

infinito de evolu����o.

O passado me condena





Os caminhos


Osmar Dias, vi��vo, �� um rico





de uma mulher


empres��rio que tem dois filhos

Lucinda, uma mo��a simples,

- Jo��o Vitor e Lucas. Por

conhece Alberto, jovem rico

uma fatalidade, Osmar sofre

e solteiro. Eles se apaixonam,

um AVC e Jo��o Vitor tenta

mas para serem felizes ter��o

abreviar a vida dele. Contudo,

de enfrentar Jacira, a m��e do

se d�� conta de que n��o h��

rapaz. Um romance envol-

dinheiro que possa desculpar

vente e cheio de emo����es.

uma consci��ncia ferida.

D o c e e n t a r d e c e r

�� p r o c u r a d e

Paulo e Renato eram como

u m c u l p a d o

irm��os. Amigos sinceros e ver-

Uma mans��o, uma festa �� beira

dadeiros. 0 primeiro, pobre e o

da piscina, e, de madrugada,

segundo, filho do coronel Donato.

um tiro. O empres��rio Jo��o

Gra��as a Paulo, Renato conhece

Albuquerque de Uma estava

Elvira, dando in��cio a um romance

morto. Quem o teria matado?

quase Imposs��vel.

Os esp��ritos v��o ajudar a des-

vendar o mist��rio.

D e s e j o d e v i n g a n �� a

L a �� o s q u e n �� o

0 jovem Manoel apaixona-se por

s e r o m p e m

Isabel. Depois de insistir, casam-se

Margarida, filha de fazendei-

mesmo ela n��o o amando. Mas

ro, conhece Rosalina, filha de

Isabel era ardilosa e orgulhosa.

escravos, e ambas passam a

Mais tarde, envolve-se em um

nutrir grande amizade. Um

caso de trai����o conjuga! com des-

dia, a mo��a se apaixona por

dobramentos inimagin��veis para

um escravo. E a�� come��am

Manoel e os dois filhos.

suas maiores afli����es.







---------- Forwarded message ---------
De: Reginaldo Mendes




Olá, pessoal:
                   Este é mais um livro de nossa campanha de doação de livros espíritas e não espíritas para atender aos deficientes visuais.
                   Agradecemos ao Irmão Bezerra pela doação  e o irmão Fernando pela digitalização.
Pedimos não divulgar em canais públicos ou Facebook. Esta nossa distribuição é para atender aos deficientes visuais em canais específicos
"A  MAIOR CARIDADE QUE SE PODE FAZER É A DIVULGAÇÃO DA DOUTRINA ESPÍRITA. EMMANUEL"



O Grupo Allan Kardec lança hoje mais um livro digital !
Desejamos a todos uma boa   leitura !

As Chances que a vida dá - Elisa Masselli

Livro doado por Bezerra e digitalizador por Fernando José

Sinopse:

Selma é uma mulher bonita, tem um casamento feliz e um filho que é motivo de grande orgulho. Leva uma vida tranquila em uma pequena cidade do interior, onde realiza um trabalho voluntário no orfanato dirigido por sua grande amiga Marília. O reencontro totalmente inesperado com Flora, uma amiga de infância, traz à tona todo o peso de um passado que ela não tinha a menor intenção de recordar. Como Flora foi parar naquela cidade? Selma começa a ver toda a segurança de seu mundo e de sua família começar a ruir, de um dia para o outro. 

Que terrível segredo Selma carrega em seu coração? Até quando ela será capaz de manter o passado enterrado em seu interior? Conseguirá superar esse momento ruim e unir sua família novamente? Nossas escolhas tem um preço... Neste 'As chances que a vida dá', da escritora Elisa Masselli, vamos aprender que almas afins se encontram e se entrelaçam pela vida afora, que as forças espirituais – amigas ou inimigas – aparecem atraídas pelas nossas atitudes e, por fim, vamos descobrir que o caminho da redenção só depende de nós mesmos, sabedores de que para tudo existe uma explicação e sempre é tempo de recomeçar uma nova jornada.


Mais uma vez pedimos não divulgar esta obra  em canais públicos ou Facebook. Esta distribuição exclusiva para canais específicos de deficientes visuais. 

https://groups.google.com/forum/?hl=pt-br#!forum/grupo-espirita-allan-kardec

Nosso grupo parceiro:

https://groups.google.com/forum/?hl=pt-BR#!forum/grupo-de-livros-mente-aberta



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