sábado, 6 de junho de 2020 By: Fred

{clube-do-e-livro} LANÇAMENTO : A PIRANHA SAGRADA - CASSANDRA RIOS - FORMATOS : PDF, EPUB E TXT

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C A P A DE

LUIZ RODRIGUES

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CASSANDRA RIOS

A

PIRANHA SAGRADA

Loira, linda e sexy ela poderia conseguir tudo o que

quisesse, m a s . . . o inesperado estava �� espera dela!

O que despertou o interesse do

delegado, quando a mulher irrompeu na sala da Chefatura de

Pol��cia, n��o foi por ela estar com as roupas em frangalhos e

machucada, comprovando que fora bastante agredida, mas sim a

beleza dela.

Apesar de estar com os cabelos revoltos, extremamente

nervosa e ofegante como se tivesse corrido muito, a radiante

beleza daquela mulher sobrepujava a qualquer outra impress��o.

Os dois policiais que tamb��m encontravam-se na sala de-

monstraram o mesmo suspense ao v��-la.

Ela ficou parada no meio da sala, respira����o descompassada,

aguardando que eles se manifestassem com uma atitude mais

correta e adequada do que ficando assim os tr��s calados a olh��-la.

��� Por favor...

A voz saiu fraca e entrecortada e como se tivessem desper-

tado de um transe os dois policiais correram para ela, na inten-

����o de oferecerem-lhe a cadeira, para a qual simultaneamente

desviaram-se, puxando-a para perto dela.

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O delegado pigarreou e os dois voltaram para os lugares onde estavam antes.

��� Sente-se, minha senhora e conte o que lhe aconteceu.

Ela sentou, largando-se na cadeira com todo o peso do corpo

e come��ou a chorar copiosamente.

Pacientemente o delegado esperou que ela se acalmasse,

depois de fazer sinal para que um dos guardas oferecesse a ela

um copo de ��gua.

Ela sorveu alguns goles e assoou o nariz no len��o que gen-

tilmente o policial lhe ofereceu.

��� Isso, acalme-se, seja l�� o que for que tenha lhe acon-

tecido, aqui a senhora est�� protegida. E s�� estou aguardando

que me conte o que aconteceu, quem a agrediu, para que eu

possa tomar provid��ncias.

A linda mulher, jovem, deveria ter os seus vinte e quatro

anos, recome��ou a chorar mais forte, nervosa, com medo e

assustada.

��� Quem a agrediu?

A voz do delegado cortou a sala, exigente. Foi como um

balde de ��gua fria sobre ela. Parou de chorar. Tornou a assoar

o nariz e fez suspense, como se n��o quisesse contar o que havia

se passado.

��� Desculpe, doutor, eu n��o deveria ter entrado aqui.. .

��� Mas foi o que quis fazer, n��o foi? Foi o seu primeiro

impulso, n��o ��?

��� Posso ir embora? J�� estou melhor. Tudo j�� passou.

��� Qual �� o seu nome?

��� Sheila Fontelli Garcia.

Ela levantou e o delegado ordenou-lhe que tornasse a sen-

tar, atirando-lhe a sua suposi����o, vendo a alian��a de ouro, larga,

no dedo m��dio da m��o esquerda.

��� Foi o seu marido quem lhe bateu, n��o foi?

Ela ergueu o olhar surpreso para ele. O delegado passou

a m��o no queixo, pelos olhos, balan��ou a cabe��a desanimado:

��� �� o que mais ocorre neste bairro. Maridos que batem

nas suas mulheres. Queixas de mulheres espancadas �� o que

mais recebemos aqui. Por que o miser��vel lhe bateu?

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Ela abaixou a cabe��a. Custou responder. O delegado n��o tinha pressa, podia esperar pacientemente pela resposta a noite

inteira. Era sua noite de plant��o.

Invejou o salafr��rio que descera seus pesados punhos sobre

a linda loira. O corpo dela deveria estar cheio de hematomas

e escoria����es como viu nos bra��os dela marcados por manchas

roxas, o l��bio cortado, sangrando e nos seios que apareciam

pela blusa rasgada, sinais de chup��es.

Chup��es! Ficou com raiva. Uma raiva imprevista que alte-

rou seu esp��rito e engrossou-lhe a voz que vibrou pela sala, esca-

pando de dentro da boca numa avalanche de palavras que gri-

tavam sua volta:

��� V��o buscar o miser��vel! Prendam-no.

Ela ficou em p��, tr��mula, apavorada, pedindo numa palavra

que se dividiu em duas s��labas engasgadas:

��� N��. . . �� o . . .

��� Sim. Imediatamente!

Os dois subalternos sairam correndo da sala, assustados

com a inesperada atitude do delegado, que era sempre t��o pon-

derado e n��o t��o en��rgico. Logo reapareceram na porta, per-

guntando:

��� N��o sabemos o endere��o. Onde devemos busc��-lo?

��� Miser��vel n��o tem endere��o... deve estar perambu-

lando pelas imedia����es, cacem-no.. .

��� Mas, d o u t o r . . .

Ele reconheceu sua precipita����o, saiu de tr��s da escrivani-

nha e dirigiu-se �� aflita mulher com mais calma:

��� D��-lhes o seu endere��o, minha senhora.

��� O que v��o fazer com ele?

��� Nada. Apenas traz��-lo aqui para um papinho, um pa-

pinho de advert��ncia para que n��o a machuque mais desse jeito.

Mudando o tom de voz, tornando-se consternado, o dele-

gado fez com que ela tornasse a sentar e voltou para o seu

lugar atr��s da escrivaninha:

��� Essas brigas ��s vezes trazem maus resultados e conse-

q����ncias graves. �� preciso maneirar. Vamos, conte, por que ele

lhe bateu?

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��� Ele �� muito ciumento, inventa coisas, me calunia, a

gente come��a a discutir e a�� ele me b a t e . . .

��� ��. A gente precisa "dialogar" com ele. Tenha certeza

que ser�� o certo a fazer, d�� o endere��o para que eles possam

ir busc��-lo. A senhora vai ter que dar o endere��o de todo jeito.

��� O senhor pode me deixar ir. Est�� tudo bem agora.

Ele deve estar arrependido do que fez. . .

��� N��o, n��o posso deix��-la sair assim, tenho que registrar

a ocorr��ncia. A senhora tem que me dar o seu nome e endere��o,

tudo certinho. ..

��� Por favor. . .

��� A senhora �� que sabe, ficar�� aqui at�� que resolva

falar. . .

��� Ele agora sim �� que vai acabar comigo. . .

��� Ao contr��rio, queremos o seu marido justamente para

conversarmos a respeito, para que ele nunca mais chegue a esses

exageros. A senhora deveria passar pelo I.M.L. Est�� toda ma-

chucada, l��bio sangrando. Agress��o �� crime.

��� Oh, meu Deus! Me deixa ir, por favor. . .

��� S�� se os meus oficiais a acompanharem. Quer chegar

em casa no carr��o da pol��cia?

��� Oh! n��o, de jeito nenhum.

��� Ent��o d�� o endere��o e o nome completo do seu ma-

rido. N��o compreende que n��o podemos deix��-la sair assim

como est��? Ele pode estar mais furioso, b��bado, cometer uma

loucura. A gente traz ele aqui e quando ele se acalmar e pro-

meter que n��o vai mais agred��-la a gente manda ele pra casa.

N��o �� um bicho de sete cabe��as, apenas queremos proteg��-la,

�� o nosso dever, pode ficar a��, tomar um caf��, pensar at�� resol-

ver a dar o endere��o, temos o tempo todo pela frente.

��� Quer dizer que vai me deter aqui at�� que eu d�� o ende-

re��o da minha casa?

��� Sim, senhora, isso mesmo.

Ela roeu as unhas, apalpou o l��bio ferido. Doeu. Isso ou

a possibilidade de passar a noite na Delegacia fez com que ela

se decidisse. Deu o endere��o. Os dois guardas sairam e o dele-

gado ficou s�� com a linda loira de pele bronzeada.

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��� H�� quanto tempo est�� casada?

��� H�� seis anos.

��� Tem filhos?

��� Dois.

��� Os garotos ficaram sozinhos em casa, assistiram a briga?

��� N��o. . . n��o est��vamos em casa. Est��vamos numa festa

em casa de minha m��e. As crian��as ficaram l��, n��o viram nada,

foi quando a gente saiu. Nem chegamos a entrar em nossa

casa quando ele come��ou a me agredir.

��� Por que?

��� Ci��mes.

Ela abaixou a cabe��a e cobriu o rosto com as m��os.

��� Infundados?

��� O que?

��� Perguntei se ele tem ci��mes sem motivos.

E a pergunta lhe pareceu rid��cula. N��o bastava a beleza

dela para que o miser��vel felizardo desconfiasse dela?

��� Ele sempre inventa alguma coisa.

��� O que foi desta vez?

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��� O de sempre, algu��m que me olhou, algu��m com quem

falei, alguma coisa que cismou que eu poderia estar pensando.

Hugo �� assim, tem ci��me at�� do meu pensamento, vive me

torturando e na verdade quem vive se envolvendo com mulheres

�� ele. ��s vezes eu penso em me separar dele, mas h�� os filhos.

O delegado, Sim��o, n��o conseguia pensar direito, vendo

aquela linda mulher com os seios quase fora da blusa rasgada,

marcados por chup��es que sugeriam atos libidinosos.

Tal coisa nunca lhe acontecera, pela primeira vez, uma

mulher naquelas condi����es estava perturbando-o. Eram fatos

corriqueiros naquele distrito, mulheres encherem as celas com

seus maridos agressores, todas as noites, todos os dias. A maio-

ria j�� estivera ali pares de vezes e as pr��prias, descaradas, vi-

nham depois choramingando e assumindo culpa s�� para retirar a

queixa e terem os seus mach��es de volta.

Mas, Sheila, como ela dissera chamar-se, era algo especial.

Seus cabelos dourados e lisos, compridos at�� os ombros, o corpo

magro, a boca polpuda, os dentes alvos, o aspecto de mo��a fina,

da classe m��dia, limpa, boa roupa, podia ver que vestia-se bem,

os sapatos caros, n��o era o tipo comum daquele bairro prole-

t��rio como as que estava acostumado a receber ali, feias, com

dentes estragados, pele esturricada de sol, m��os grossas, tipos

bem med��ocres, falando errado, em g��ria. Sheila era algo dife-

rente, mesmo. Algo muito especial.

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Para Sheila a noite parecia eterna

e angustiante, para o delegado aquela noite estava sendo dife-

rente e excitante. Por mais que tentasse disfar��ar e evitar, os

seus olhos gananciosos percorriam o corpo de Sheila e pren-

diam-se aos olhares t��midos que ela lhe relanceava num trejeito

que o fazia compreender que ela n��o era realmente a v��tima, a

v��tima era sim o seu agressor, que deveria ser um pobre diabo

atormentado pela paix��o que ela lhe despertara. O tipo dela

dizia tudo. E uma express��o encheu-lhe a cabe��a, classificando-a,

uma defini����o de tipo que ela lhe inspirou: tipo trai����o. A pr��-

pria, para tirar do s��rio qualquer um, at�� ele, sempre t��o indi-

ferente, t��o ponderado, calmo, dono de s��, consciente dos seus

deveres e obriga����es.

Aquela mulher era algo inexplic��vel pela impress��o, emo����o

e sensa����es que lhe causava. A voz dela, o jeito, os cabelos, as

m��os, ela era mesmo o que os mais atrevidos e vulgares definem

numa s�� express��o, que ele sempre abominara e jamais julgara

um dia fosse usar para bem entender o que uma mulher como

aquela podia causar, um tez��o!

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Apertou os dedos contra a palma das m��os e trincou os dentes, achando-se mais rid��culo pelo que acabara de pensar, mas

repetiu de s�� para s��, sentindo o sangue ferver em seu corpo,

que ela era um tez��o, mesmo.

Ouviram passos. Ela apertou as m��os uma contra a outra

a altura dos seios, encobrindo-os.

��� E agora? Ele vai me matar aqui mesmo. Vai acabar

comigo porque vim aqui.

Ela estava apavorada. Olhou ao redor como a procura de

um lugar por onde escapar. O delegado procurou acalm��-la.

��� N��o tenha medo. Nada vai lhe acontecer. Daqui pra

frente ele vai �� tomar jeito, vai entrar na linha, conter os pu-

nhos e contar at�� vinte antes de agred��-la.

Os passos seguiram pelo corredor. N��o eram os policiais

trazendo Hugo. Sheila deu um suspiro de al��vio e relaxou na

cadeira.

��� O que v��o fazer com ele?

��� Nada. Um serm��o. Uma intima����o.

��� V��o prend��-lo?

��� Vai ficar aqui s�� esta noite.

��� Ele precisa trabalhar.

��� Eu tamb��m estou trabalhando, tenho que seguir a lei,

sou obrigado a det��-lo, para o bem de ambos.

Novamente passos pelo corredor e vozes. Pela voz que su-

plicava para que o deixassem ir embora, Sheila aliviada, enten-

deu e viu, que n��o era Hugo ainda, quando dois investigadores

introduziram na sala um velho magrinho e alto.

��� Preso em flagrante, doutor. A mulher viu da janela e

telefonou pra gente, chegamos bem na horinha, ele j�� estava

descendo a rua com a muamba que roubou.

Sheila ficou com pena do velho, mas teve vontade de rir

quando come��aram a enumerar e a colocar sobre a mesa do de-

legado as coisas que ele roubara.

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��� Isso!? Essas coisas? Pra que roubou essas coisas? Tire tudo o que tem nos bolsos e ponha sobre a mesa. Quero ver

os seus documentos.

O delegado estava indignado e Sheila percebeu que ele

tamb��m estava com vontade de rir. O velho encolheu os ombros

num gesto de quem n��o tem explica����o a dar pelo que fizera.

Devia ser tan-t��. Tirou uma por����o de pap��is e coisas dos bolsos

e colocou sobre a mesa. Pegou algo do meio das bugigangas e

perguntou medrosamente:

��� Posso ficar com isto, seu delegado?

��� O que �� isso?

��� Meu torresmo.

O delegado bufou e os investigadores riram. O velho come-

��ou a roer o torresmo com as dentaduras dan��ando dentro da

boca.

��� Ia fazer um piquenique, hem? Ia pra beira de algum

rio, ouvir m��sica e pescar?

��� Sei l�� o que deu em mim, doutor!

O velho roubara de uma casa, uma rede, uma vara de pes-

car, uma gaiola com um can��rio, um radinho de pilha e umas

camisas que estavam penduradas no varal.

��� Nunca fiz isso antes, seu delegado, n��o sei o que me

deu na telha. Ia passando, vi as camisas no varal e o port��o arre-

ganhado, entrei, peguei as camisas, a�� vi a rede, vi a gaiola com o

canarinho dentro, o radinho de pilha esquecido na beira do

tanque e a vara de pescar encostada no m u r o . . . sei l��, doutor, que bicho entrou no meu corpo. . . coisa ruim, n��o sou de fazer

essas coisas, juro, seu delegado...

O velho come��ou a chorar. O delegado ficou em sil��ncio.

Viu Sheila olhar para o velho condo��da e em seguida encar��-lo

expectante com uma express��o de s��plica, temendo o que pode-

ria acontecer ao velho homem.

O delegado guardou os pertences do velho num saquinho

pl��stico e despachou-o.

��� Levem-no.

Assim que os tr��s sairam Sheila perguntou intimidada, mas

sem conseguir sufocar a curiosidade:

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��� O que v��o fazer com ele?

��� Det��-lo algum tempo e depois solt��-lo. Chamaremos

algu��m da fam��lia para vir busc��-lo. �� um pobre coitado. ��

verdade o que ele disse, pode crer, foi a primeira vez que rou-

bou, creio. N��o se preocupe, n��o vamos mand��-lo para a forca.

��� Coitado. . . deve estar caduco...

��� Na certa.

��� Deve ter uns setenta e tantos anos. . .

��� E voc��? quantos anos tem?

��� Vinte e seis.

��� H�� quanto tempo mora no bairro?

��� H�� quatro meses. Eu morava na Lapa antes.

��� O que faz o seu marido?

Sheila se deu conta de que o delegado sutilmente come��ava

suas investiga����es. N��o viu outra alternativa e respondeu:

��� �� vendedor, aut��nomo, estuda Direito, est�� no ��ltimo

ano. Hugo n��o �� mau, sabe, �� apenas. . .

O delegado interrompeu-a, tamborilando com os dedos no

tampo da mesa:

��� Ciumento. N��o �� sem raz��o.

��� O que disse, doutor?

��� Que ele tem raz��o em sentir ci��me da senhora.

Sheila inclinou a cabe��a e ficou olhando para os tacos do

assoalho.

Sim��o sentiu a mal��cia na atitude dela. Aquele falso pudor,

aquele gesto de mulher t��mida, a express��o, meio rosto apare-

cendo sob os cabelos escorridos e despenteados, pelos quais ela

passou uns dedos compridos e pr��ticos, ageitando-os sensualmen-

te, o busto arfando, as pernas puxadas para baixo da cadeira,

p��s unidos, toda ela demonstrando recato, prevenida. E por que,

prevenida? Porque sabia o que provocava nos homens. Porque

tinha inten����es dissimuladas nos gestos de mulher envergonhada.

Tudo nela fazia parte de um jogo de sedu����o, como se ela, todo

seu corpo, tudo nela se mantivesse em constante estado de ex-

cita����o.

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O que Sheila estava lhe transmitindo era perigoso e ele n��o podia se admitir esquecer que era um delegado, que estava

ali representando a Lei, que acima de tudo precisava superar a s��

pr��prio e conservar-se como o homem correto, impec��vel e digno

que sempre fora. Pigarreou, acendeu um cigarro, ofereceu um

a ela. Ela n��o aceitou.

��� N��o fuma?

��� Fumo.

��� Aceite um ent��o.

��� Agora n��o, obrigada.

��� Tem prefer��ncia por alguma marca?

��� �� que. . .

��� Diga.

��� N��o quero que quando Hugo chegue me encontre fu-

mando.

��� Por que? Ele a proibe de fumar?

O delegado estava indignado. Que sujeito aquele.

��� N��o, ele n��o me proibe.

��� Por que, ent��o?

��� Ele implicar�� porque aceitei um cigarro seu. J�� disse

que ele �� muito ciumento, sabe que estou sem os cigarros.

��� Ah! essa n��o, assim j�� �� loucura, interne o sujeito!

Sim��o arrependeu-se da explos��o, mas j�� era tarde, j�� falara

o que pensara. Como seria o tal Hugo? Um brutamontes, por

certo, para apavor��-la tanto! A curiosidade fez com que bus-

casse perguntas inteligentes para obter uma descri����o aproxi-

mada do homem:

��� Seu marido pratica esportes?

Sheila riu. De repente come��ou a rir como se o delegado

tivesse cometido um disparate.

��� N �� o . . . ele n��o pratica esporte.

��� Por que riu?

Ela n��o respondeu. Apenas continuou com um sorriso preso

no canto da boca, divertindo-se com um pensamento engra��ado

que a pergunta que ele fizera provocou. Talvez Hugo fosse um

massa bruta do tipo que se praticar esporte acaba virando uma

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montanha de m��sculos. E imaginou o figur��o, entrando na sua sala com seu f��sico de boxeur, como um trator, falando grosso

e fazendo ranger as t��buas do assoalho com o peso do seu corpo.

Sheila observava o delegado que parecia engolfado em id��ias,

de repente falou:

��� N��o v��o ach��-lo em casa. Ele deve estar rondando por

aqui perto. Como eu disse, ele come��ou a me agredir no jardim

de casa, eu sa�� correndo e disse que vinha para a Delegacia fazer

queixa dele. Ele correu atr��s de mim, quase me alcan��ou. Eu

n��o ia realmente fazer isso, mas ele correu atr��s de mim e eu

vim parar aqui. Vai ser muito chato o senhor colocar um diante

do outro, poderia evitar isso?

��� Veremos. O seu l��bio est�� doendo? Como foi que ele

a agrediu? Socos? Tapas? Deu algum ponta-p��? Vi quando

comprimiu o ventre algumas vezes com as m��os. Parece que

est�� sentindo dores. Acho que precisa ser medicada, devo en-

caminh��-la ao I.M.L.?

��� N��o, n��o precisa n��o. N��o estou sentindo dor nenhu-

ma. Ele apenas me sacudiu e me deu alguns tapas, pobre dele

se me desse um soco. Estou bem, n��o quero fazer queixa dele,

n��o. N��o �� preciso,

A voz dela saiu entre dentes numa amea��a. O delegado

olhou para ela mais atentamente e viu no brilho dos olhos dela

alguma coisa que o intrigou e deixou preocupado. Imediatamen-

te fez a pergunta:

��� A senhora ama o seu marido?

Sheila olhou-o surpresa. Ficou calada. Parecia procurar

dentro de s�� uma resposta certa, adequada, conveniente, prop��-

cia ao momento. N��o encontrou nenhuma, n��o respondeu.

��� Amou algum dia?

Perguntou Sim��o como se tivesse feito uma an��lise do si-

l��ncio que obtivera como resposta.

- Ela n��o respondeu. Continuava encarando-o com uma ex-

press��o assustada, como se a indiscre����o do delegado descobrisse

coisas da vida dela que ela n��o queria revelar.

20

��� Ent��o por que casou com ele?

Sim��o continuava como se subentendesse tudo e tudo com-

preendesse sem que ela precisasse dizer coisa alguma. N��o eram

meras suposi����es, ele realmente como que adivinhava o que ela

sentia pelo marido.

��� Por que teve filhos?

��� Porque os tive.

O delegado sorriu, co��ando a cabe��a e jogou o l��pis que

rolava entre os dedos distraidamente, sobre o tampo da mesa.

��� Voc�� tem sorte. Nenhum rep��rter hoje por aqui.

��� E o que tem de especial ou para que eles iriam gastar

manchete com uma briguinha de marido e mulher?

��� Pelo seu tipo. Eles bem que gostariam de fotograf��-la

e fazer uma hist��ria sensacionalista a respeito de um marido ciu-

mento que espancou linda loira que se refugiou na Delegacia,

pode crer.

��� �� assim, ��?

��� Isso mesmo, rep��rter �� fogo.

��� Ent��o se aparecer um, por favor, doutor, n��o deixe que

ele me veja.

��� N��o se preocupe.

Sheila ficou em p�� de um salto. O delegado olhou para a

porta, entendendo a apreens��o dela. Estava chegando gente e

Sheila reconhecera a voz do marido. A voz grossa e m��scula

que reclamava:

��� Eu sei dos meus direitos. . .

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Estupefato e incr��dulo o delega-

do Sim��o viu o marido de Sheila entrar na sala ladeado pelos

guardas.

Esquel��tico, esmirrado, baixinho, cabe��udo, feio, um tipo

amacacado, sequinho, sequinho, cal��as largas, camisa rasgada, rosto

unhado, sem gravata, os bolsos do palet�� despregados. Boca

grande, dentes bonitos, mas grandes, pareciam dentes de cavalo.

O sujeitinho era mesmo um tipo assustador, feio e desajeitado.

E aquilo era o temido marido de Sheila, um magricela com

voz de trov��o, reclamando os seus direitos!

Passado o choque, o que o impacto da apari����o daquele es-

trupiado lhe causou, Sim��o encarou o projeto de homem e sau-

dou-o com autoridade, sem evitar uma goza����o:

��� Viva o nosso her��i!

��� Doutor, eu sei dos meus direitos... ��� Repetiu Hugo,

recompondo-se, livrando-se das m��os dos policiais que o traziam

preso pelos bra��os, sacudindo-se todo.

A voz do delegado soou mansa:

23

��� Dessa porta pra fora o senhor sabe dos seus direitos, dessa porta pra dentro quem os discute e resolve sou eu.

��� Mas n��o h�� raz��o pra tudo isto, doutor! N��o pode me

trazer aqui assim.

��� O senhor est�� me fazendo tremer de medo.

Ironizou o delegado, debru��ando-se sobre a escrivaninha,

ainda medindo Hugo dos p��s a cabe��a, inconformado com a sua

esmirrada figura. O gal�� musculoso que imaginara ser o marido

de Sheila n��o passava de um esmilinguado metido a valente.

Havia algo estranho naquela figura. Observador, minucioso,

logo Sim��o descobriu o que era. Al��m de feio, o pobre diabo

sofria provavelmente de certa hipertrofia, pois tinha uma orelha

bem maior do que a outra.

Sheila mantinha-se calada, encolhida, maliciosa, estudadamen-

te encolhidinha na cadeira, cabe��a baixa, fingindo medo, ser in-

g��nua e desprotegida.

Os dois policiais amea��aram rir quando o delegado gracejara,

mas logo o clima ficou tenso diante da seriedade com que Sim��o

encarou a todos.

Sim��o percebeu que os policiais tamb��m haviam reparado

nas orelhas de Hugo, pois olhavam para ele como se o homem

fosse algo raro.

��� Os seus documentos, por favor. Ponha tudo o que tem

nos bolsos sobre a mesa.

��� D o u t o r . . .

��� Por favor.

O "por favor" do delegado cortou a voz de Hugo e soou como uma dura intima����o. Hugo n��o teve alternativa sen��o obedecer.

��� Ent��o o senhor pensa que pode agredir violentamente

uma mulher s�� porque ela �� sua esposa?. . .

��� Foi uma briguinha a toa. Eu apenas revidei. Ela me

mordeu. O senhor n��o conhece essa peste. Ela me faz perder

a cabe��a.

O delegado fez uma pausa expressiva, balan��ando todo o

corpo, encarando-o e disse com ar de pensativo!

��� Bem, levem-no e tranquem-no at�� que ele ache a cabe��a

que perdeu.

24

Hugo come��ou a falar alto andando de um lado para outro:

��� O senhor n��o me conhece, n��o sabe quem eu sou, n��o

pode fazer isso comigo. Vou tomar provid��ncias.

��� U��! Ser�� que temos aqui um ilustre pol��tico? O cara

que vai comprar a Delegacia e despedir todo mundo? ��� Da

ironia a voz do delegado cresceu para uma ordem irrefut��vel:

��� Levem-no.

O esmirrado Hugo esperniou levado a for��a, isto ��, sem

for��as despendidas pelos policiais, mas por ele pr��prio que foi

suspenso no ar pelos cotovelos como um fardo leve rumo ��

cela onde se misturaria a marginais de todos os tipos, recolhidos

na ronda dessa noite.

Por algum tempo, enquanto o levavam pelo corredor, ouvi-

ram-no gritar amea��as para Sheila.

��� Sheila, voc�� me paga, sua desgra��ada, voc�� vai ver quan-

do eu sair daqui.

��� T�� vendo, doutor, vai ser pior.

��� Vai nada, espere pra ver como ele sair�� daqui, mansi-

nho, mansinho.

��� V��o bater nele?

��� N��o. ��� Respondeu o delegado ironicamente. ��� Aqui

a gente n��o maltrata nem assassino.

��� Sheila duvidou. Estava apreensiva e com pena de Hugo.

O delegado tamb��m sentiu d�� do esquel��tico com voz de

trov��o, pois entendeu que se quisesse, Sheila o derrubaria com

um simples empurr��ozinho, mas ela estava mesmo era farta das

brigas, por isso correra para a Delegacia em vez de se defender

com vantagens, que por certo teria.

��� Seu marido est�� b��bado. Ele bebe sempre assim?

��� N��o. As vezes.

��� Quando ele estiver melhor vou ter uma conversa com ele.

Enquanto falava o delegado vistoriava os documentos de

Hugo. Fu��ou em tudo e Sheila o viu fazer algumas anota����es

num bloco. Mexeu na carteira. Pela express��o demonstrava estar

admirado pela quantia que Hugo carregava. Viu a fotografia dela

e das crian��as. Fez um coment��rio.

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��� Belos garotos.

Sheila sorriu e agradeceu e entristeceu pensando nos filhos

��quelas horas estavam dormindo inocentemente, na casa dos av��s,

enquanto ela e o marido faziam o vexame de passar uma noite

numa Delegacia de Pol��cia. Ela deveria ter sido menos impul-

siva, mas sempre que fazia sua autocr��tica j�� era tarde demais,

pois j�� se precipitara em atitudes que n��o adiantava lastimar.

O que estava feito estava feito e al��m do mais ela estava farta

das ciumeiras e grosserias de Hugo.

��� O que vai acontecer agora, doutor?

��� Nada.

��� O senhor vai solt��-lo?

��� Claro. Apenas vou esperar que ele se recupere da be-

bedeira, para admoest��-lo e preven��-lo, que da pr��xima vez ele

vai enfrentar um processo e n��o vai escapar t��o f��cil se puser

de novo as m��os em voc��, na senhora. ��� Corrigiu intencional-

mente, enquanto colocava todos os pertences de Hugo num

saquinho pl��stico preso com uma etiqueta.

��� E eu, posso ir?

��� Vou mandar lev��-la, n��o quer tomar um caf��?

Sheila n��o respondeu e Sim��o pegou o telefone. Algu��m

atendeu imediatamente e ele pediu que levassam caf�� para duas

pessoas na sala dele. De s��bito os dois entreolharam-se. Sheila

baixou as p��lpebras no seu trejeito de timidez fingida, dando a

entender mais do que ele podia esperar, que aquela timidez sig-

nificava um certo interesse que surgia entre eles.

Sim��o continuou olhando para ela, deliciando-se com a be-

leza que o fascinava, sem se importar que talvez estivesse exage-

rando, aproveitando o que talvez n��o se repetisse nunca mais.

Talvez nunca mais tornasse a ver Sheila. Tal pensamento fez

com que sentisse uma dorzinha, uma decep����o que irritou-o, ao

mesmo tempo em que pensava como e porque teria ela casado

com aquele pernilongo seco. Isso mesmo, Hugo n��o passava de

um pernilongo seco.

��� Apesar dessas ciumeiras, dessas brigas, voc�� e seu ma-

rido se d��o bem? Ele �� bom pai? Cumpre com as suas obri-

ga����es?

26

Ela n��o respondeu. Pareceu concentrar-se, analisar e estudar o que responder, fazendo um levantamento r��pido da sua

vida com Hugo.

��� Se n��o quiser n��o precisa responder, perguntei apenas

por curiosidade, n��o sou juiz de Paz, embora devesse agir como

tal, mas acontece que estou t��o farto de atender casais que se

agridem, que se estra��alham, que chegam aqui quase em camisa

de for��a, a mulher acusando o marido de mil barbaridades, o

marido acusando-a de outras tantas perversidades e maus tratos,

desleixo, trai����o, enfim fulminam-se e depois saem daqui aos

beijos, olhando pra gente com ��dio, como se n��s �� que tivesse-

mos nos intrometido na vida deles para prejudicar seu relacio-

namento. ��s vezes uma noite no xadr��s faz bem para alguns,

apenas uns conselhos, umas advert��ncias e o casal volta ��s boas,

outros voltam aqui, enfrentam processo e a infeliz que teve at��

que ir para o pronto-socorro com a cara arrebentada, dentes

quebrados, semi-morta, vem gritar, se descabela, implora, retira

a queixa e leva o seu homem pra casa mesmo na certeza de que

vai apanhar de novo, mas n��o tem vergonha e o que sente pelo

cara �� mais forte do que o medo.

Diante de mim j�� estiveram homens com a cabe��a arreben-

tada, com a cara toda arranhada, cada brutamonte que apanha

da mulher! Acredite, ��s vezes apanham de cada magricelinha,

olha que nem eu me atrevo a levantar uma quest��o com a dita

cuja. �� fogo! Feito galinha garniz��, cada violenta, coisa incr��-

vel. Admiro voc��, Sheila, apanhar de um cara. . . como esse.

Sheila passou a m��o pelo rosto, mordiscou os l��bios. Entrou

um investigador na sala, falou com o delegado, deixou alguns

pap��is em cima da mesa, em seguida veio o homem com o caf��.

Serviu Sheila e ao delegado, saindo da sala logo ap��s.

Sim��o voltou �� carga, admirado com a impassividade de

Sheila que entendia bem as suas indiretas, mas mantinha-se ca-

lada.

��� N��o compreendo como voc�� pode ter tanto medo do

seu marido, acho que ele �� que deveria ter medo de voc��, ou

ser�� que estou enganado pelas apar��ncias?

27

��� As apar��ncias enganam, doutor. . .

Sheila agarrou-se �� desculpa, ele percebeu isso. Ela acabou

de tomar o caf�� e ele foi at�� ela para pegar a x��cara.

��� Aceita mais?

��� N��o, obrigada, gostaria de ir para casa.

��� Mandarei lev��-la.

��� N��o, melhor que eu v�� sozinha. ��� Disse Sheila, de-

monstrando apreens��o na voz abafada.

��� A senhora ir�� sentada no banco de tr��s do meu carro,

carro particular, n��o deve sair assim, rasgada, poder�� passar

uma viatura e recolh��-la, pelas condi����es que apresenta, est�� de

chamar a aten����o, machucada, quase despida.

Sheila cruzou os bra��os contra os seios e viu-se obrigada a

aceitar a gentileza do delegado, enfim ele estava sendo muito

prestativo.

Ele estendeu a m��o para ela se levantar e Sheila sentiu o

corpo dele muito perto do seu. Sempre de cabe��a baixa esperou

que recuasse. Os dois, sentiram ambos, o calor um do outro e en-

tenderam que sentiam quase que irresist��vel atra����o f��sica, n��o

fosse o quase e o fato de outro investigador entrar na sala, Sim��o

acreditou que n��o teria mais for��as para evitar e abra��aria aquela

mulher s�� para sentir o contacto do corpo dela.

O perfume de Sheila atingiu-lhe os miolos num arrepio que

o percorreu todo. Mal entendeu o que o investigador falou. As-

salto, a m��o armada, um policial ferido, ambul��ncia, dois mu-

latos entrando na sala aos safan��es, um investigador com o l��bio

arrebentado, Sheila cobrindo o rosto com as m��os, apavorada

com a cena, gente sangrando, ferida e gemendo, uma mulher aos

gritos.

Sim��o chamou por um tal de Sos�� e ela entendeu que era

para lev��-la embora, quando o delegado deu a chave do carro

para o policial, convidando-a para acompanh��-lo.

Sim��o seguiu-a at�� o corredor. Estendeu a m��o para ela,

no olhar uma mensagem, um pedido, uma express��o �� qual Shei-

la correspondeu.

28

Eram quatro horas da tarde e

Hugo ainda n��o fora solto. Sheila estava ficando cada vez mais

nervosa e andava pela casa na expectativa de que ele aparecesse

de um momento para outro.

Quando tocaram a campainha o cora����o dela disparou. Era

um policial, entregando-lhe uma intima����o para que compare-

cesse �� Delegacia ��s oito horas da noite.

��� Meu marido vai ser posto em liberdade?

��� N��o sei, minha senhora, eu apenas vim entregar a inti-

ma����o.

��� Quem estar�� l�� nesse hor��rio?

��� Tamb��m n��o sei.

Sheila estalou os l��bios, o policial foi embora e ela entrou

para a sala. Jogou-se no sof�� e ficou pensando no que iria acon-

tecer. Seria melhor telefonar para uma das irm��s para que

a acompanhasse ou seria melhor continuar em sil��ncio sem con-

tar nada a ningu��m sobre o que acontecera? Sua m��e deveria

estar preocupada pelo fato deles n��o terem ido buscar as crian��as.

E o delegado? O doutor Sim��o? Estaria l��? Era um ho-

mem bonito. Cabelos crisalhos nas t��mporas. Deveria ter uns

29

quarenta e tr��s anos, mais ou menos. En��rgico, gentil, forte, elegante. Estivera bem pertinho dela. Sentira o perfume dele.

Que lavanda seria? Hugo parecia uma aranha seca perto dele,

com os seus bra��os e pernas finas dan��ando dentro das roupas

largas, se ao menos ele tivesse mais apuro no vestir. E aquilo

teria jeito? Idiota que fora casando com ele. Idiota, inconse-

q��ente, covarde. Covarde? De uma coragem que bastaria olhar

para ele para entender! Enfim, estava feito! Toda sua felicidade

devido aos seus pais, jogada na sarjeta, primeiro por causa dos

pais e agora e sempre, para sempre, por causa dos filhos, os

filhos dela e de Hugo. Nunca seria feliz!

O culpado de tudo fora Leonel. A sua grande paix��o. O

maior amor da sua vida. Ao pensar em Leonel os olhos de

Sheila encheram-se de l��grimas. Aquele miser��vel e maravilhoso

Leonel! H�� quantos anos n��o o via? Sete? Sim, sete. Sete

anos. Seu filho mais velho estava com seis anos. Se ela pudesse

ter previsto que iria abortar n��o teria casado com Hugo. Fora

uma loucura aquela paix��o por Leonel, nada importara para ela,

nem a fam��lia, nem que ele era casado, nada. E quando engra-

vidara at�� se sentira aben��oada, como se um deus a tivesse pos-

su��do. Leonel tentara convenc��-la a tirar a crian��a, a fazer um

aborto, mas ela queria um filho dele. Por isso Leonel a deixara

e sumira. Mudara de S��o Paulo com mulher e filhos. Ficara

sabendo que ele fora para Salvador, mas nada era certo a res-

peito dele, pois cada not��cia que lhe davam colocavam-no num

lugar diferente. Gr��vida, doente de amor, ela se deixou prote-

ger por Hugo que sempre a assediara e por quem ela s�� sentia

desprezo, antipatia e ��s vezes pena.

O pai ficara doente, doente pelo orgulho ferido, pela moral

enlameada por ela, as irm��s aconselhando-a a aceitar o pedido

e a proposta de Hugo. Enfim a crian��a teria um pai, um sobre-

nome e ela limparia o nome da fam��lia.

Fraca e indefesa ela casou com Hugo. Por ironia e pe��a

do destino, uma semana depois de casada, perdeu a crian��a.

Abortou. Aborto natural. Ficou doente. Muito doente, de corpo

30

e de alma e Hugo empenhou-se como o mais santo amigo para que ela se recuperasse.

Foi t��o bom, t��o compreensivo que um dia, um famige-

rado dia, meses depois de casada, na escurid��o do quarto, ne-

cessitada e imaginando coisas, deixou-se possuir por ele, por gra-

tid��o e tamb��m porque no escuro ele era apenas um instrumento

sexual ao qual a sua mente dava a forma de outro homem, a

do seu vigarista Leonel.

O pensamento voava. As lembran��as queimavam na mente,

na pele, nos desejos sufocados. Sim��o tinha tra��os de Leonel.

A altura, o porte, a voz que manobrava tons ��speros e melodio-

sos, m��stico entre a impon��ncia e a gentileza. Um homem peri-

goso que a impressionara. Olhar de ca��ador, de quem quando

olha est�� tomando, possuindo, agarrando com for��a, com poder,

com a determina����o de quem sabe querer e n��o desiste. E ela

sentiu que n��o teria for��as para escapar dele se ele a quisesse.

Mas estaria certa nas suas suposi����es? N��o iria ele julg��-la

vulgar, ordin��ria, se cedesse? N��o teria ele analisado-a para me-

lhor julgar o seu marido, o pobre Hugo que ��quelas horas

estava curtindo dura pena por tr��s das grades?

Isso entretanto n��o acalmou os seus ��mpetos sexuais. Ela

queria algo gostoso de amar, de tocar, de olhar, de sentir. Es-

tava insatisfeita, lograda, cansada de amar de olhos fechados,

cerebralmente, fazendo sexo como se estivesse sendo masturbada

por um bicho. Isso Hugo representava para ela, um animal feio,

fraco, desajeitado que se desesperava e chorava em cima dela,

percebendo que ela tinha nojo dele e s�� se dava porque era a

sua mulher, porque fraquejava sexualmente ��s investidas dele.

Sheila sentiu que algo novo ia acontecer. Que ela, se ele

n��o o fizesse, daria um jeito de cruzar novamente com o dele-

gado Sim��o, porque era a mesma coisa que ver, que rever, que

reconquistar o seu amado Leonel.

As m��os deslizaram pelos seios. Leonel sabia acarici��-los.

Ele adorava os seios dela. Sabia sug��-los e fazia com que ela

sentisse arrepios em cada gesto, sem pressa, ��s vezes violento,

31

animalesco, excitado, outras vezes calmo, de vagar, deliciando-se a cada movimento, penetrando-a com jeito, fazendo com que

ela atingisse o mais alto grau do furor sexual. E era ela que se

debatia, que arranhava, que gemia, que pedia, que queria sen-

tir logo, mais vezes, repetidas vezes, aquele gozo intenso que

a deixava depois estenuada, mole, suada, exausta e ainda assim

querendo mais. Leonel enlouquecera-a na cama e havia noites

em que ela se desesperava tanto, que no auge do desejo, fecha-

va os olhos, chorava, trincava os dentes e procurava Hugo. Mas

aquele desejo ardente, aquela f��ria interrompida, nunca seria sa-

ciada, a menos que outro homem superasse Leonel.

32

Sheila preparou-se com esmero.

Inten����es ��bvias, pensando no delegado Sim��o. Era a primeira

vez que sentia atra����o por outro homem desde que Leonel sa��ra

de sua vida. E logo �� primeira vista. Mas iria comportar-se e

falar com ele como uma mulher honesta, de respeito e apesar

de tudo, embora pudesse ser ir��nico, bem casada.

Na realidade, durante os seis anos de casada at�� a data

fora sempre honesta, apenas os pensamentos �� que n��o se coor-

denavam com a vida que levava, ap��tica, cuidando dos filhos e

da casa. Da casa, quando n��o tinha mais jeito mesmo e se via

obrigada a limp��-la, afinal as crian��as precisavam viver num lugar

saud��vel e se ela fizesse como tinha vontade de fazer, abando-

nando tudo, a casa se encheria de baratas, de bichos, de mofo e

de p��.

J�� tentara ter empregada, mas implicava com elas, parecia

que descobriam os seus pensamentos e Sheila as despedia, por-

que preferia ficar sozinha em casa com os seus dois filhos que

gra��as a Deus n��o se pareciam nada com Hugo. Aur��lio se

parecia com o pai dela e Cleber com o seu irm��o mais velho.

33

Eram ambos claros, de olhos verdes, enquanto que Hugo era bem moreno de olhos negros. Ela tamb��m tinha olhos verdes,

na verdade Hugo nem parecia pai daqueles dois robustos e in-

teligentes meninos.

Eles haviam mesmo sa��do-se �� fam��lia dela, porque na fa-

m��lia de Hugo todos eram magricelas, feios e baixinhos.

34

Sheila tomou um taxi, maldizen-

do-se por n��o ter tirado carta ainda, por deixar que Hugo a

dominasse n��o consentindo que ela dirigisse, pois sen��o, nessa

hora, estaria descendo do puma que ficara na garagem, em vez

de chegar �� Delegacia de taxi.

Os homens olhavam para ela, usassem ou n��o usassem far-

das. Eram sempre homens. E onde quer que ela passasse have-

ria sempre olhares seguindo-a para coroar a sua vaidade com

o ��xito que toda mulher gosta de ter perante o sexo oposto.

Mostrou a intima����o a um investigador que dirigiu-se a

ela e ele convidou-a a acompanh��-lo at�� a sala de outro delegado,

o doutor Dion��sio.

Um senhor de meia idade estava sentado por tr��s de uma

escrivaninha num plano mais elevado da sala para onde foi

conduzida. Cumprimentou-a cordialmente e mediu-a por sobre

as lentes do ��culos. Em seguida Sim��o entrou na sala e cum-

primentou-a secamente, enquanto o outro saia de seu lugar e

dirigia-se a Sim��o, estendendo-lhe uma pasta, tratando-o pelo

35

sobrenome, de Machado. Cochicharam algumas palavras, riram e o doutor Dion��sio despediu-se de Sheila, saindo da sala.

��� Venha comigo, dona Sheila.

Sheila seguiu-o, um tanto frustrada pela maneira formal

com que ele a estava tratando. Entraram na sala onde estivera

na noite anterior e ele indicou-lhe a cadeira onde estivera sen-

tada para que se acomodasse nela outra vez.

Sim��o ocupou seu lugar por tr��s da escrivaninha, abriu a

pasta que o doutor Dion��sio lhe entregara e come��ou a ler uns

pap��is com aten����o. Ficou concentrado na leitura durante al-

guns minutos, fechou a pasta, colocou-a de lado e soerguendo

a cabe��a sorriu para ela, juntando as estremidades dos dedos,

cotovelos apoiados sobre a mesa.

��� Ent��o, dona Sheila, vejo que est�� mais calma.

��� E o meu marido?

E voc��? Era o que ela queria perguntar. Por que est�� t��o

indiferente hoje? Por que n��o me olha como me olhou ontem?

Estava realmente me analisando? Passei ou estou taxada como

uma mulher vulgar e culpada do marido perder a cabe��a? E

da��? O que sabe voc�� de ag��entar uma vida como a que tenho

levado? Sonhando, frustrando-me, sufocando desejos, amarrada

numa condi����o miser��vel, com dois filhos, que eu adoro, mas

que n��o me permitem viver como eu gostaria as vezes, s��o os

meus filhos que me impedem de largar tudo, de sair pelo mundo,

tentando outro tipo de vida.

Sheila pensava. Mal escutou quando ele disse que Hugo es-

tava mais calmo e que seria trazido dentro de alguns instantes

para ir embora com ela.

Sim��o abriu o saco pl��stico onde estavam guardados os

pertences de Hugo. Pegou uma cadernetinha e come��ou a l��-la.

De onde estava, Sheila reconheceu o passaporte de Hugo. O exi-

bido carregava-o sempre no bolso do palet��, para provar nas

conversas e fanfarronadas que estivera no exterior v��rias vezes.

��� Seu marido viaja bastante. J�� foi quatro vezes em dois

anos aos Estados Unidos.

O delegado balan��ou a cabe��a pensativamente, folheando,

revirando e estudando o passaporte de Hugo.

36

- Alguma irregularidade, doutor?

��� N��o. Apenas estou intrigado. A senhora viaja com ele?

��� N��o.

��� Nunca foi aos Estados Unidos com ele?

��� N��o.

��� H u m m m . . .

��� Por que est�� intrigado?

��� Ele viaja a passeio ou a neg��cios? Disse-me ontem que

ele �� aut��nomo. No que ele trabalha?

��� Ser�� melhor perguntar a ele, n��o me interesso pelos

neg��cios do meu marido. ��� Respondeu com voz sempre suave

num timbre de quem vive com medo de alguma coisa.

O delegado ficou em sil��ncio alguns instantes, olhando para

ela e tornou a remexer nos pertences de Hugo.

��� Aqui tem tamb��m documentos de quatro carros, todos

no nome dele. Um Puma, um Fusc��o, um Corcel LDO e uma

Bras��lia. Tudo, passeio. Por que tantos carros?

��� Pergunte a ele. ��� A voz n��o perdia a suavidade.

Sheila come��ou realmente a ficar com medo. O exibido. Sa-

bia que um dia ele teria que prestar contas dos seus exageros, da

sua vaidade, da sua exibi����o, da sua mania de ter tantos carros.

Seria melhor fazer como estava fazendo, demonstrar que

ainda guardava raiva de Hugo e deixar que ele respondesse ��s

perguntas do delegado.

Sim��o juntou todos os documentos, deixou-os enfileiradi-

nhos em cima da mesa e pegou outro saquinho pl��stico e assim

sucessivamente at�� que a escrivaninha ficou empilhada de pap��is.

��� Aceita um caf��, dona Sheila?

��� Agrade��o, doutor Sim��o.

Sim��o pediu caf�� pelo telefone e olhou para ela. Estava

se preparando para dizer alguma coisa. O que iria ele lhe dizer?

Sheila ficou expectante e curiosa.

��� Creio que vamos ter que aguardar um pouco. A se-

nhora, pelo jeito, n��o quer registrar queixa, o que devia fazer,

por medida de precau����o, apesar de que fica registrada aqui a

ocorr��ncia. Seu marido poder�� receber uma intima����o e a se-

nhora tamb��m, provavelmente.

37

��� Haver�� processo?

��� N��o, se a senhora n��o registrar queixa.

��� Ent��o por que vamos ter que voltar aqui?

��� Porque queremos ter certeza de que tudo estar�� trans-

correndo bem com os dois, sem agress��es. Apenas uma medida

de precau����o, como eu disse, pode ser que tamb��m n��o sejam

chamados.

Sim��o encarou-a e Sheila maliciosamente baixou as p��lpe-

bras. Trouxeram caf��. Ela sorveu alguns goles. Colocou a x��-

cara na bandeja deixada sobre o m��vel ao lado. Abriu a bolsa.

Tirou um cigarro. Sim��o foi at�� ela para acend��-lo, vendo-a

demorar-se �� procura dos f��sforos dentro da bolsa. Sheila achou

a caixa, mas n��o pegou para que ele tivesse que se aproximar

dela.

Quando soergueu o rosto para que ele lhe acendesse o ci-

garro o olhar dos dois cruzou. Ele ficou com o isqueiro aceso,

suspenso no gesto, olhando para ela, com uma express��o de

quem se sente preso e se rende a um sentimento dif��cil de conter.

Ela soltou a fuma��a por entre os l��bios, sensualmente,

arredondando-os e Sim��o perguntou, pondo-se ereto, enquanto

acendia um cigarro para s��.

��� Voc�� est�� bem, Sheila, quer ver o seu marido agora?

Sheila n��o respondeu. Dois policiais entraram na sala. En-

tre eles uns "trombadinhas". Garotos de dezesseis e doze anos.

Sim��o encarou os tr��s rapazes e sacudiu a cabe��a, desanimado,

reconhecendo-os. Demonstrou desagrado por ter. que tomar uma

atitude dr��stica, quando os policiais disseram que tinham sido

pegos em flagrante, roubando a bolsa de uma senhora.

��� Eu avisei voc��s, se voltassem aqui a coisa ia ficar preta.

Leve-os para o Juizado. ��� Ordenou aos policiais.

Os guardas pegaram os rapazes pelo bra��o e eles sairam,

choramingando, pedindo pelo amor de Deus que os soltassem,

prometendo que n��o iriam roubar nunca mais. Sim��o apoiou

os cotovelos no tampo da escrivaninha e cobriu o rosto com as

m��os, num gesto de des��nimo.

��� Isso tudo me aborrece, por que as pessoas t��m que

viver se agredindo, roubando, matando?

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��� Para o senhor ser delegado.

Ele voltou-se para Sheila e riu. Fora um gracejo inteli-

gente. Ela era ladina. Esperta, sensual e linda. E o perfume

dela estava atuando nele com mais for��a. E aquele olhar! Me-

droso, atrevido, insinuante! Ele precisava fazer alguma coisa.

N��o podia perd��-la, deix��-la escapar. Ela estava pedindo. Sen-

tia. O corpo dela transmitia que ela tamb��m o estava dese-

jando, que algo precisava acontecer entre eles.

��� Sheila...

��� D o u t o r ? . . .

Ele entendeu o escape na barreira erguida no modo respei-

toso como ela proferira a palavra doutor, ela estava sendo sorra-

teira, dibrando-o, maliciosamente exigindo respeito, querendo

mostrar que n��o estava tendo inten����es e que n��o estava perce-

bendo as inten����es dele. Escorregadia e inteligente, muito in-

teligente mesmo, ela olhava para ele prendendo a pontinha da

l��ngua entre os dentes.

��� Dona Sheila.

Corrigiu e encarou-a, aguardando que ela soerguesse o olhar

para ele, o olhar que astutamente ela encobrira com as suas p��l-

pebras aveludadas e maliciosas. Tudo nela era insinuante e sen-

sual. Ela fazia g��nero, estudava todos os gestos.

��� Sim, d o u t o r . . . Sim��o.

A pausa entre o doutor e Sim��o ofereciam outra vez a ele

oportunidade de transgredir as formalidades e de propor alguma

Coisa. Propor? O que? E se ela o enredasse numa trama estu-

dada e perigosa? Se o envolvesse de modo tal que n��o conse-

guisse livrar-se dos seus charmes e encantos? Viu-se na emin��n-

cia de cometer um desatino. Seria mesmo errado e perigoso,

t��o forte era o que sentia. Ou seria passageiro? Talvez que se,

talvez? O que pensou? Que se a possu��sse tudo passaria? Ou

ficaria mais doido por ela?

Lembrou dos chup��es nos seios dela. Era delegado. Uma

autoridade. Podia fazer a ela as perguntas que quisesse, devido

ao motivo que ela chegara ali. Tinha direitos e acima de tudo,

deveres a cumprir. Sentou por tr��s da escrivaninha e pigarreou,

estudando como come��ar. E logo atacou:

39

��� Dona Sheila, ontem estava muito nervosa e n��o quis

assim mesmo registrar queixa contra o seu marido, foi o que

subentendi e n��o a forcei a tomar nenhuma atitude, porque

acima de tudo sou um homem ponderado e compreendo que vez

ou outra um casal chegue a extremos. Mas, assim mesmo, sou

obrigado a lhe fazer uma s��rie de perguntas antes de mandar

soltar o seu marido. Como deve saber ele n��o pode ficar detido

mais do que vinte e quatro horas, neste caso. Por favor, con-

te-me sem omitir nada, como come��ou a briga entre voc��s, por-

que brigaram e o que ele lhe fez.

Sheila tomou f��lego e come��ou depois de longa pausa me-

ditativa.

��� Era anivers��rio da minha sobrinha e n��s fomos at�� a

casa de minha m��e porque a festinha era l��. Hugo �� muito ciu-

mento e n��o admite que eu converse com ningu��m, nem mesmo

com os meus dois cunhados. Todo mundo acha que ele �� sem

educa����o e ignorante, mas eu em geral n��o ligo e mais por n��o

ligar submeto-me ao que ele quer. Mas ontem eu bebi um pouco

e esqueci que n��o posso conversar nem com os meus cunhados

quanto mais com o marido de vizinhas. Ele estava bebendo,

n��o saia de perto do barril de choppe, o vizinho da minha m��e

foi me levar um copo, um pra mim e outro para a mulher dele,

eu estava conversando com a mulher do vizinho da minha m��e.

Hugo come��ou a implicar, come��ou a insinuar que ele estava

sendo gentil com a mulher s�� pra chegar perto de mim, que

ele bem reparava nos olhares que n��s est��vamos trocando.

��� E estavam?

��� Estavam o que, doutor?

��� Trocando olhares?

��� Deus me livre, isso nem me passava pela cabe��a, pra

feio j�� basta Hugo. Feio e nojento.

Sheila tapou a boca com a m��o. Estava se traindo. Estava

revelando o que sentia pelo marido. Fez-se profundo sil��ncio.

Sim��o deliciou-se com a ��ltima revela����o que vinha corroborar

as suas impress��es.

��� E da��?

40

��� Bem, eu fui pra dentro da casa e Hugo foi atr��s de

mim, a�� ent��o ele come��ou a implicar com o pr��prio irm��o dele.

O irm��o de Hugo est�� sempre me rodeando, me oferecendo coi-

sas, �� um boc��, feio que nem o Hugo, exibido, mal de fam��lia,

sabe? Bem, fiquei nervosa e quis ir para casa. Hugo achou

que era o melhor a fazer, como sempre, estragando tudo, nunca

me deixando aproveitar nem uma simples festinha de anivers��-

rio de crian��a.

Achei melhor deixar as crian��as, pois sabia bem o que

ia acontecer com Hugo b��bado daquele jeito. Fomos para casa.

Ele foi parando o carro pelo caminho, me agredindo, me xin-

gando, me dizendo coisas horr��veis. Eu n��o estava a fim de

brigar e fui aguentando. Por isso ele foi abusando, porque

pensou que eu estivesse com medo. Quando chegamos em casa

e saimos da garagem e j�� atravess��vamos o jardim, ele me deu

uma bofetada. A�� eu mordi ele, arranhei, rasguei, fiquei louca, a

gente se atracou e eu sa�� correndo, dizendo que j�� sabia onde

era a Delegacia, porque passei aqui em frente quando levei as

crian��as para o col��gio e que vinha fazer queixa dele. Ele correu

atr��s de mim. Eu n��o pretendia realmente entrar aqui, mas

quando estava perto ele quase me alcan��ou e ent��o eu entrei.

Acho que ele ficou com medo e se mandou. A�� o senhor man-

dou procur��-lo e isso �� tudo.

��� E quem fez essas marcas. . . essas marcas.. .

Sim��o apontou e gaguejou e Sheila levou as m��os aos seios

onde o olhar dele ficou parado.

��� Que marcas? ��� Perguntou com voz embargada sa-

bendo a que ele se referia.

��� Os chup��es... .

��� Ora, foi o meu m a r i d o . . .

��� Quando?

Sim��o estava ofegante e nervoso, querendo saber, indigna-

do por ela ter se deixado marcar daquele jeito por chup��es nos

seios, chup��es feitos por aquele salamaleque, macaquinho de

realejo.

A voz de Sheila tornou-se mais grave e suave no modo de

falar, pausada, como se pensasse bem antes de falar.

41

��� Quando a gente estava indo pra casa. Ele parava o

carro e queria ter rela����es comigo na rua. Parece que ele n��o

tem for��a, mas Hugo tem for��a e conseguiu fazer isso, a�� eu

ameacei gritar, dei nele, empurrei e assim a gente chegou em

casa, brigando at�� que deu no que deu e agora eu estou aqui

sem saber mais o que dizer, que estou envergonhada, que me

sinto mal, muito mal por ter chegado a este ponto.

Sheila cobriu o rosto com as m��os. Parecia que ia chorar,

mas n��o chorou. Sim��o aproximou-se dela. N��o resistiu e pas-

sou a m��o pelos seus cabelos num gesto simuladamente pa-

ternal:

��� N��o fique assim. Foi bom ter vindo aqui. Ele vai ter

que indireitar. Voc�� n��o pode viver assim sufocada e sendo

agredida a toa.

Sheila olhou para ele de baixo pra c i m a e aquele olhar

deslizando at�� encontrar o olhar de Sim��o fez com que ele se

descontrolasse e estendesse as m��os para as m��os dela, excla-

mando com uma express��o de fasc��nio no rosto:

��� Sheila. . . Sheila. . . voc�� �� a mulher mais linda que

eu j�� vi. . . desculpe. . . tinha que dizer. . . gostaria de. . .

Sheila deixou as m��os presas nas dele, n��o fez nenhum movi-

mento com um s�� dedo, pareciam m��os insens��veis, mas trans-

mitiam tantos arrepios que Sim��o teve que solt��-las.

��� Gostaria do que, doutor?

Sim��o andou pela sala. Quase expulsou os investigadores

que chegaram com um bando de marginais e uma prostituta.

Despachou-os assim que ouviu todas as declara����es e voltou-se

para Sheila como se nada os tivesse interrompido:

��� Gostaria de v��-la. .. fora daqui.

��� Sheila abaixou a cabe��a e pediu, deixando Sim��o sem

gra��a e decepcionado:

��� Pode soltar o meu marido agora, doutor?

42

Considerado. Respeitado. Id��-

neo. Honesto. S��rio. Digno. Impec��vel. Correto. Todos os

melhores atributos e adjetivos com as melhores qualifica����es

para o doutor Sim��o Machado Sobrinho. Nenhuma falha moral.

Perfeito no exerc��cio da sua profiss��o.

De repente. Loira, linda e sexy ela entrara na sua sala e

Sim��o desse momento em diante come��ara a falar automatica-

mente, condicionado ao h��bito do atendimento de suas respon-

sabilidades, como se a presen��a dela embotasse a sua intelig��n-

cia, sublevasse a sua personalidade, alterasse todos os seus sen-

tidos, tornando-o o homem primitivo que vivera escondido den-

tro de s�� pr��prio. O homem civilizado fora soterrado por al-

guma coisa que o impedia de agir normalmente, no cumprimento

do seu dever, sendo natural, preciso, s��rio, capaz.

Ele estava tendo no����o de que precisava esfor��ar-se ao m��-

ximo para manter-se espont��neo e natural, que as id��ias fu-

giam-lhe como se um stress o atacasse de s��bito e ele n��o se sentisse mais capacitado para continuar assumindo a responsabilidade de delegar aquela Chefatura de Pol��cia.

4 3

Era algo intraduz��vel e inexplic��vel, inesperado e absurdo o que estava sentindo e percebia que agia feito um principiante,

sem c��digo, sem verdadeira no����o do seu dever.

Ela estava ali e ele rodopiava em torno de s�� pr��prio e

dela como se um redemoinho o tivesse arrepanhado mantendo-o

num giro louco e estonteante.

O pior �� que ele n��o queria escapar do que estava sentin-

do. Era como se estivesse mesmo amarrado num gozo inter-

min��vel que a qualquer momento teria o seu curto-circuito, dei-

xando-o prostrado, vencido ou assustado como se tivesse desper-

tado de um sonho fant��stico.

Sentiu-se assim, enquanto olhava para ela, queixo apoiado

nas m��os cerradas, cotovelos fincados na mesa, ele nu, despido

de tudo, alma lavada, cora����o estufando, cabe��a sem estudos,

sem c��digos, sem preceitos, sem id��ia alguma a n��o ser a id��ia

de possuir aquela mulher. Nada. Absolutamente nada ele es-

tava sendo al��m de um homem como todo animal racional, um

homem no sentido biol��gico, sem cultura, sem profiss��o, sem

influ��ncia de meio, sem condicionamentos, apenas isso, pura e

simplesmente apenas um homem, f��sico e pensamento, alma e

sexo, tudo concentrado exclusivamente nela.

Por que? Um mist��rio. Um mist��rio do seu cora����o, do

seu c��rebro, alguma coisa ativada por ela que ele n��o precisava

decifrar, pois que bastava sentir. N��o era amor. Era apenas

um ardor, um querer, um desejo, uma atra����o, tudo espontanea-

mente nascido da exist��ncia dela, da presen��a dela ali, do que

ela transmitia.

E que importava o resto? Nem bebida, nem maconha,

nem t��xico algum poderiam ter jamais conseguido dele tal alheia-

mente e concentra����o numa ��nica coisa, como ela estava conse-

guindo, pois era reacion��rio, forte, nada influenci��vel. Agora

era todo o oposto, o contr��rio de tudo o que fora ou julgara

ser, estava sendo fraco influenci��vel e receptivo.

44

Ele dera ordens para que trou-

xessem os detidos da noite anterior. Logo ela iria embora com

o seu maridinho. E depois?

��� Sheila. . .

��� Sim?

��� Voc�� �� uma mulher impressionante.

Ela inclinou a cabe��a. Sim��o perdia o autocontrole. Pre-

cisava falar, conseguir.

��� Ser�� que nunca mais a verei?

Ela continuou calada. Cruzou e descruzou as pernas, sa-

bendo que ele estava acompanhando todos os seus movimentos,

olhos fixos, parados, grudados nela.

��� Ser�� poss��vel que voc�� ame a esse. . . homem?

Sheila continuava em sil��ncio. Um sil��ncio compromete-

dor que transmitia tudo o que ela tamb��m estava sentindo. Pa-

recia que ela contava com que ele soubesse o que fazer e apenas

aguardava, ficava assim, sequiosa, n��o querendo demonstrar a

sua afli����o emotiva e sexual.

45

Ouviram passos pelo corredor. Os guardas entraram na

sala e atr��s deles, em fila uns dez homens lotaram o espa��o

diante da escrivaninha. Por ��ltimo apareceu o delegado Dion��sio.

��� J�� os preparei na cela. Agora vamos para o final.

Sheila viu Hugo cabisbaixo, olhando para os bicos dos

sapatos, fraco, esmirrado, t��o indefeso. Sentiu pena dele.

Entre os outros ele parecia mesmo uma aranha seca, todo de-

sengon��ado, feio, raqu��tico, uma tristeza.

O outro delegado, doutor Dion��sio, subiu para tr��s da es-

crivaninha e comentou alguma coisa com o doutor Sim��o. Vol-

tou-se para os detentos e ergueu as m��os espalmadas, como um

padre num altar quando vai rezar missa, dirigiu-se primeiro ao

delegado e depois aos homens que o olhavam com uma express��o

de assombro. Fez uma v��nia ao doutor.

��� Ent��o, com licen��a, doutor Machado, obrigado por dei-

xar que eu me encarregue dessa cambada tamb��m. Como eu

disse, j�� l�� a B��blia pra voc��s l�� na cela. Agora ajoelhem-se

todos a��.

Os presos entreolharam-se sem entender. O doutor Sim��o

continuava calado e s��rio. O delegado Dion��sio ordenou auto-

ritariamente:

��� Todos, vamos, obede��am se n��o quiserem passar mais

uma noite aqui, ajoelhem. Ajoelhem para rezar. Para pedirem

perd��o pelos seus pecados.

E Sheila viu ao olhar para a porta, algumas mulheres e

homens, familiares dos detidos, aguardando. E na sala cont��nua

por tr��s de uma corda que separava os ambientes, algumas pes-

soas, investigadores, guardas, serventes, assistindo o que se pas-

sava na sala do delegado.

A uma ordem mais exigente um a um os detidos foram

ajoelhando diante da escrivaninha do delegado. Sheila viu o

marido no meio deles, em p��. Hugo foi o ��ltimo a obedecer a

ordem do delegado. A um grito do exc��ntrico delegado, dobrou

os joelhos e ficou de cabe��a baixa, morrendo de vergonha pelo

vexame ao qual o estavam expondo diante da sua linda esposa.

��� Agora voc��s v��o rezar primeiro um Pai Nosso. Todos.

Juntos. Comigo, Em voz alta. Repitam. Mais forte. Assim.

46

Quero ver todas as bocas movendo-se na reza. Quem n��o rezar vai voltar pra cela. Isso. Quem tem coragem de roubar, de

assaltar, de ofender, de agredir, de atropelar, deve ter coragem

de rezar em p��blico e um a um, um por vez, est��o ouvindo,

v��o pedir perd��o e prometer que n��o cometer��o mais os erros

que cometeram.

Um Pai Nosso recitado a medo e alto ressoou em variados

tons pela sala.

Assim, Sheila foi ouvindo as mais absurdas ora����es e pro-

messas e pedidos de perd��o de cada um deles, conforme o

rocambolesco delegado apontava e chamava algu��m da fam��-

lia para testemunhar e assistir o termo de libera����o do preso.

O doutor Machado proferiu algumas palavras ao doutor

Dion��sio. Sheila percebeu que ele sugerira que deixasse Hugo

por ��ltimo. Iria poup��-lo um pouco. Seria exposto ��quele ve-

xame apenas diante deles e dela, pois a sala foi ficando vazia

at�� que restaram apenas os dois delegados, investigadores e os

serventes. Mesmo assim havia bastante expectadores.

��� Seu Hugo, o que o senhor fez foi deplor��vel. Bater

na mulher que o ama, que cuida dos seus filhos, bater na mulher

que �� a companheira da sua vida. Reze um Pai Nosso para re-

dimir-se.

Hugo vacilou. O doutor Dion��sio exigiu. Que ficasse de

joelho de frente para ela e que rezasse. Em voz alta.

Hugo estava vermelho at�� a raiz dos cabelos. Com voz

entrecortada repetiu a ora����o, conforme o estranho delegado ia

recitando em tom pat��tico.

��� Eu sei, seu Hugo que o senhor est�� achando, isto uma

palha��ada, mas �� melhor que se arrependa mesmo e que n��o

apare��a mais por aqui, porque agress��o n��o �� brincadeira e o

senhor ainda pode se dar mal.

Sheila continuou calada, envergonhada, disfar��ando olhares

dire����o a Sim��o que via, por sua vez, escapar a possibilidade de

rever Sheila.

Hugo obedeceu as ordens do delegado e ajoelhado diante

de Sheila pediu perd��o por t��-la agredido e prometeu nunca

mais erguer a m��o para ela.

47

O doutor Dion��sio saiu da sala depois de dizer a Hugo que podia se levantar e pegar os seus documentos com o doutor

Machado.

Sim��o pegou os documentos de Hugo e tornou a olhar um

por um.

��� Qual �� a sua profiss��o?

��� Sou aut��nomo.

��� Isso n��o diz nada. Aut��nomo em que?

��� Sou comprador e vendedor, depende do que d�� mais

margem de lucro no momento.

��� Faz contrabando?

��� Eu?! Que id��ia! Nunca. ��� Hugo fez-se de horro-

rizado.

��� Viajou quatro vezes para os Estados Unidos.

��� Pode informar-se com a Firma para a qual trabalho.

Viajo ��s vezes para comprar material prot��tico em grande escala

para uma Importadora. Entre os meus documentos tem um

cart��o da Firma. Pode investigar. Pode ficar com o cart��o.

O delegado achou o cart��o. Deixou-o sobre a mesa.

��� O senhor �� propriet��rio de quatro carros.

Havia uma insinua����o ou uma pergunta na voz do dele-

gado? Hugo estava come��ando a suar.

��� Como eu disse, compro e revendo, carros usados tam-

b��m.

��� Deve ganhar bem, tem um bom capital empatado.

��� Vai haver um aumento, estou esperando para ter maior

margem de lucro na venda dos carros. No fim eu fico s�� com

o fusc��o mesmo. Sabe como ��, doutor, a gente tem que se

defender. Eu vendo ��s vezes at�� enciclop��dias. E estudo tam-

b��m. Fa��o Direito, vou me formar logo, um dia talvez eu

chegue a ser delegado como o senhor.

Sim��o soergueu a cabe��a e encarou-o. Hugo sentiu-se me-

nosprezado e rid��culo. Passou a m��o suada na cal��a e pergun-

tou, for��ando autoconfian��a e seguran��a na sua voz grossa:

48

��� Alguma irregularidade, doutor? Algum problema? Sou

um homem honesto. Apenas perdi o controle, bebi um pouco

al��m da conta e acabei desforrando em minha mulher, a gente

briga a toa, mas isso n��o vai acontecer mais, n��o,

Sim��o que n��o via motivos para ret��-los mais tempo, tudo o

que tinha a fazer era liberar Hugo, deix��-lo ir, deix��-lo levar a

linda, sexy e perturbadora Sheila, talvez que para sempre. Es-

tendeu os documentos para ele. Hugo adiantou-se e pegou-os,

guardando no bolso do palet��.

��� Bem, podem ir, espero que n��o perca mais o autocon-

trole.

��� Obrigada, doutor. Venha, Sheila, vamos embora, te-

mos que ir buscar os nossos filhos. Eles devem estar com sau-

dade de n��s. Sabe como �� o Cleber, n��o gosta de ficar longe

da gente, voc�� n��o foi busc��-los, foi?

Sheila apenas acenou que n��o com um movimento da ca-

be��a.

��� Ent��o vamos, at�� logo, doutor.

Pegou Sheila pelo bra��o que acompanhou-o sem levantar os

olhos uma ��nica vez dire����o a Sim��o, demonstrando que, por

mais incr��vel que pudesse parecer e absurdo fosse, ela tinha

mesmo medo do marido.

49

Caso encerrado. Sheila se fora.

Ficou a impress��o forte da sua beleza, do perfume dela, do que

ela lhe transmitira.

Come��ou a recapitular tudo o que se passara, procurando

a certeza, em certas atitudes dela, de que Sheila tamb��m sen-

tira o mesmo por ele, que se sentira envolvida por uma estra-

nha e irresist��vel atra����o f��sica. Seira apenas f��sico o que ele

estava sentindo, realmente? N��o estaria se preocupando demais

com a vida daquela desconhecida, querendo recapitular as coisas

que ela lhe contara para comprovar que ela era uma infeliz,

mal-casada, amarrada a um sujeito horr��vel?

Tudo seria importante para investigar a pobre v��tima. E

quem era a pobre v��tima? Hugo ou Sheila? N��o estaria exage-

rando em suposi����es s�� porque se interessara por aquela mo��a

daquele homem feio? Estava confuso. Os sentimentos emba-

ralhavam-se. Seria uma intui����o forjada, a que estava tendo,

de que Hugo era um vigarista envolvido em neg��cios il��citos?

Hugo passou a ser uma id��ia fixa de Sim��o. Pensava no

tipo, no passaporte, nos documentos dos quatro carros, na car-

teira recheada, na profiss��o dele.

51

Alguma coisa o perturbava. Tentou convencer-se que n��o era pelo fato de Hugo ser marido da mulher por quem se interessara que procurava incrimin��-lo em alguma coisa. J�� n��o sabia

mais com o desejo que sentia por Sheila e a intui����o se confun-

dindo em pensamentos que o estavam obcecando, o que era

certo, esquecer de Hugo para n��o arranjar motivos e continuar

pensando em rever Sheila como algo natural do instinto sexual.

Precisava descobrir. Descobrir tudo. O que realmente

Hugo fazia. Suas atividades. Era isso mesmo o que queria des-

cobrir ou o que desejava era ir ver onde Sheila morava. O que

fazia. O que sentia pelo marido ou por ele. Precisava descobrir

se Hugo n��o era mesmo um contrabandista como desconfiava. E

da��? Por que n��o deixar os dois em paz? Por que meter-se em

investiga����es s�� por meras impress��es, sem provas, sem acusa����o

nenhuma contra o indiv��duo, s�� por que cismara com a mulher

dele? N��o era direito. N��o era honesto. N��o era justo. Princi-

palmente no momento em que os delegados se reuniam para

decidir sobre s��rias atitudes que pretendiam tomar para resolver

certos problemas.

E a intui����o superava sua autocensura, jamais enganara-se

ao olhar para um mutreteiro, um vigarista, um assassino. Tinha

um sexto-sentido aben��oado. Faro mesmo. Mas n��o podia ba-

sear-se apenas nas impress��es que Hugo lhe causara. N��o podia

meter-se assim na vida dos outros, ou podia e estava confuso

s�� porque se tratava de Sheila? N��o era a vida dos outros,

era a mulher dos outros que o estava perturbando. E como

n��o podia? Seria o seu dever!

Traria Hugo �� Delegacia. No pensamento dele as coisas

se processavam ligeiras. Descobria as vigarices de Hugo. O po-

l��grafo registrava tudo pelas suas rea����es f��sicas, respira����o, re-

flexos el��tricos da pele, batidas do cora����o. Viu-o dependu-

rado no pau-de-arara, feito um pernilongo seco, debatendo-se

confessando tudo. E da��? Viu Sheila chorando com os dois

meninos, um de cada lado, olhando-o com ��dio por ele ter des-

gra��ado a vida deles. Tr��s infelizes abandonados, sem pai

52

Sacudiu a cabe��a apertando os olhos, Hugo caiu do pau-de-

-arara, o pol��grafo quebrou, Hugo saiu correndo feito um mico

desengon��ado ao som de um realejo, voou da sua imagina����o!

Apagou tudo, n��o queria mais pensar naqueles dois. Que

se matassem, que se engalfinhassem, que ele fizesse os seus ne-

g��cios il��citos e que nunca fosse cair naquela Delegacia.

Era preciso tirar Sheila da cabe��a. Pegou o telefone e

ligou para casa. A empregada atendeu e foi chamar a mulher

dele. Berta era uma mulher bonita. Ele a amara muito. Casara

com amor. Por amor. Muito amor. Respeito, admira����o. Berta

era culta, inteligente, uma mulher quase perfeita. Honesta. S��-

ria. Fora um felizardo casando com ela. Amava? Porque isso

lhe pareceu t��o distante? Um sentimento perdido em ��pocas

que s�� eram lembran��as. Amava. Passado. N��o, amava ainda.

Ou seria apenas h��bito, admira����o, respeito? Berta era a m��e

dos seus filhos. Dois meninos e uma mo��a, a mo��a quase da

idade de Sheila. Sheila tinha vinte e seis anos. Carmen Silvia

j�� estava com vinte e tr��s.

A voz de Berta cortou os seus pensamentos como um re-

frig��rio que chegava para esfriar o calor que lhe percorria o

corpo e fervia na mente em pensamentos b��rbaros.

��� Que foi, bem?

��� Nada, fiquei com vontade de falar com voc��, que tal

se a gente fizesse um programinha como nos velhos tempos?

Berta riu, demonstrou bastante surpresa e preocupou-se. Por

que raz��o Sim��o estaria falando com ela naquele tom de voz,

como quando tinha os seus vinte anos? Tornara-se um homem

t��o s��rio, todo voltado para os seus casos policiais, estava sem-

pre cansado, raramente tinham rela����es sexuais, devido as suas

atividades, pois que ele vivia mais fora de casa do que com ela.

Talvez estivesse saturado do trabalho, das suas responsabili-

dades como delegado, talvez estivesse revivendo os bons momen-

tos nos primeiros tempos de casados, talvez o que ele se vira

53

obrigado a sufocar por exig��ncias das suas fun����es estivesse co-me��ando a ocupar outra vez plano de lideran��a na vida dele.

Desligaram. Ambos tranquilos e emocionados por ainda se

quererem tanto. Para Sim��o durou pouco, pois a imagem de

Sheila enquadrou-se nas ��ltimas palavras de Berta. Berta iria

levar os meninos ao Col��gio e quando voltasse ela o acordaria

para fazerem o programinha.

Quando Sim��o chegava em casa, ��s seis da manh��, Berta

sempre acordava para dizer bom-dia, mas continuava dormindo

at�� a hora de ir levar as crian��as para o col��gio. Ele deitava,

dormia at�� duas horas da tarde, ��s vezes s�� at�� meio-dia, depen-

dendo do que tinha a fazer.

E, enquadrada nessa cena foi Sheila que ele viu, levando os

meninos ao col��gio. Tal como ela dissera. Lembrou a conversa.

Como ela amea��ara o marido.

Ela ficara sabendo onde ficava a Delegacia quando levara

as crian��as para o Col��gio, passara em frente. Seria ent��o

di��rio. Diariamente Sheila passaria em frente da Delegacia. Ele

poderia checar e v��-la. Bastaria descobrir o hor��rio. Poderia

ser de manh��, ��s sete, ��s sete e meia ou na hora do almo��o.

Sabia quais os hor��rios escolares e s�� poderiam ser esses para

crian��as.

Surpreendeu-se chamando um investigador que viu passar

pelo corredor. E logo ficou sabendo quais os Col��gios daquelas

imedia����es. O mais pr��ximo era um Col��gio do Estado. Ele

sabia onde era. Provavelmente era l�� que estudavam os filhos

de Sheila. Teria que descobrir sozinho. No bloco leu o ende-

re��o do casal Fontellis Garcia.

54

O mais r��pido que lhe foi pos-

s��vel as pernas ligeiras movimentaram-se escada a baixo, pulando

os degraus, atravessou a varanda e saiu para o jardim, apertando

na m��o cerrada uma colher de pau.

��� Seu cachorro, pare a��, seu covarde, agora foge, n��?

Hugo que nesse instante j�� alcan��ava a rua, parou de re-

pente como se ca��sse em s�� e voltou para dentro do jardim.

Sheila alcan��ou-o, ofegante, com ��dio chispando nos olhos,

desferindo golpes nele com a colher de pau.

��� Chega, Sheila, �� melhor pararmos com isso.

��� Agora, n��? Agora que j�� me enlouqueceu com as suas

cal��nias?

Sheila tremia. Parecia que ia ter um colapso nervoso. E

deu com tanta for��a com a colher de pau na cabe��a do marido

que esta se partiu em dois peda��os.

��� Est�� vendo, seu monstro, a colher quebrou, agora voc��

vai ter que comprar outra.

Hugo defendia-se, enquanto chorando ela continuava a lhe

desfechar violentas pauladas.

55

Exatamente nesse momento uma viatura da pol��cia estava passando suavemente diante do port��o da casa do casal Fontellis Garcia. E parou. Parou como se a ronda tivesse exata-

mente aquele ponto de parada prestabelecido. E o doutor Sim��o

que estava sentado do lado do motorista, observando-os, desceu.

Hugo que ainda n��o percebera a aproxima����o do delegado

que j�� chegava ao port��o, come��ou a puxar Sheila pelos bra��os

para dentro da casa, enquanto que, Sheila que tamb��m n��o per-

cebera a chegada do delegado, dava pontap��s e mordidas em

Hugo.

Os dois pararam ao ouvir a voz de um homem gritar:

��� Ei! O que est�� havendo a��?

Hugo continuou segurando Sheila pelos pulsos e Sheila pa-

rou de debater-se, abaixando a cabe��a envergonhada ao deparar

com o delegado Sim��o, no seu impec��vel terno azul, camisa azul

em tom claro e gravata azul marinho, tudo em degrade��, com-

binando. Reparou de relance, r��pida, como s�� os olhos de uma

mulher sens��vel e apaixonada podem ver, r��pida e precisa.

��� Ele a estava agredindo, dona Sheila?

��� N��o, n��o estava. Est��vamos brincando de pega-pega. ���

Antecipou-se Hugo na resposta com a sua voz de dono da si-

tua����o, impondo os seus direitos, olhando para o delegado com

indigna����o, com raiva e acima de tudo, com aquele sentimento

que sempre chegava primeiro nos seus pensamentos quando se

tratava de Sheila, com desconfian��a. Os homens, qualquer ho-

mem, babavam pela sua deliciosa Sheila.

��� Perguntei �� sua mulher, lembre-se que ela o levou para

a Delegacia e que o senhor n��o est�� livre de suspeitas.

��� Suspeitas?

O pr��prio doutor Sim��o autocensurou-se por ter dito aqui-

lo, mas serviu como motivo para justificar a sua intromiss��o na

briga do casal.

Habilmente Sheila deu uma cotovelada em Hugo, como se

estivesse continuando uma brincadeira e disse:

��� N��s est��vamos brincando, sim, seu delegado, mas muito

obrigada por pensar em acudir.

56

E Hugo dirigindo-se a Sheila perguntou baixinho:

��� Qual �� mesmo o nome dele?

��� N��o sei ��� sussurou ela.

O delegado olhou fixo nos olhos de Sheila e n��o teve cer-

teza de que seu olhar tivesse penetrado o dela da dist��ncia que

os separava, todo debru��ado no port��o de ferro, amarrado com

arame e um cadeado numa corrente.

Hugo passou o bra��o pela cintura de Sheila e ela apoiou-se

nele para comprovar ao delegado que estava tudo bem entre os

dois, assustada com aquela palavra que Sim��o proferira em tom

amea��ador: suspeita.

��� O senhor quer entrar, seu delegado, para tomar um

caf��?

A voz de Hugo estava repassada de ironia. O delegado agra-

deceu e continuou parado no port��o, observando-os.

��� Esse cara agora t�� rondando a nossa casa, ��? ��� Res-

mungou Hugo baixinho.

��� �� por sua causa, acho que est�� desconfiado dos seus

trambiques.

��� S�� se voc�� me dedou.

��� T�� louco, seu?

Falavam entre dentes, fingindo um sorriso que mais fazia

caretas na cara deles.

��� Est�� tudo bem mesmo? ��� Insistiu o delegado.

��� Claro, n��o �� mesmo, Sheila?

��� Ent��o cuidado com essas brincadeiras que podem ter

mal resultado ��� Advertiu Sim��o, enquanto Sheila abaixava a

cabe��a depois de ter concordado com um gesto com o que o

marido dissera.

��� Muito bem, acredito, mas advirto-o que se a sua mulher

aparecer machucada outra vez na Delegacia eu o meto por tr��s

das grades.

Hugo prendeu um puta-que-o-pariu na garganta e como

sempre mediu o homem numa compara����o consigo mesmo.

Aquele brutamontes! Sentiu-se raqu��tico, feio e cornudo.

Teve ��mpetos de esganar Sheila, mas temia as atitudes imprevis��-

57

veis dela e n��o estava nada disposto a ir mais uma vez parar na Delegacia, por isso conteve-se tanto que sentiu vontade de gritar, esperniar e chorar.

Ficou olhando o delegado voltar para a viatura que em

seguida partiu. Puxou Sheila para dentro de casa e fechou a

porta atr��s de s��, encarando-a com uma express��o fulminante.

Sheila recuou. O que a atemorizaria tanto naquele espirro

de homem? A sua feiura, a sua valentia? Era o esp��rito dele.

Mais forte que a sua carca��a fr��gil e desengon��ada.

Sheila continuou recuando. Hugo foi dobrando os joelhos

numa atitude contr��ria a tudo o que ela poderia imaginar que

fosse acontecer, quando ele chegou perto para agarr��-la, dobrou-se

nas pernas, caiu de joelhos diante dela, como na Delegacia, ao

que ela pensou que feito um louco ele fosse come��ar a rezar.

Mas Hugo levou as m��os ao rosto e come��ou a chorar feito

uma crian��a desesperada.

Sheila ficou at��nita, parada diante dele, assustada com a

inesperada cena. Aos poucos foi inclinando-se e comovida apoiou

as m��os nos ombros dele que choramingava:

��� Oh! meu Deus, como eu sofro, como eu sofro!

A dor de Hugo atingiu-a. Sheila era extremamente sens��-

vel. Tentou acalm��-lo:

��� Hugo, n��o fique assim, por favor.

Com a voz consternada, com gestos carinhosos, passou as

m��os pelos cabelos dele. Hugo abra��ou-a pelas pernas, chorando

e lamuriando-se na sua confiss��o de eterno e desvairado amor

ciumento:

��� Eu a a m o . . . eu a amo... . por que voc�� �� t��o linda?

Porque todos os homens a desejam e ficam feito tarados ba-

bando, atr��s de voc��?. . . Oh! meu Deus. . . como eu sofro.. .

��� �� cisma sua, Hugo, tudo fantasia da sua cabe��a, eu n��o

sou linda e desej��vel assim, �� voc�� que imagina tudo.

��� Ent��o o que veio rondar esse filho da puta?

��� A Delegacia fica no fim desta rua, Hugo, talvez ele te-

nha passado casualmente e viu-nos... foi por acaso. . . tenho

certeza.

58

E enquanto as m��os de Hugo subiam pelas pernas de

Sheila, acariciando-lhe as coxas e derrubava-a com jeito no ch��o

para am��-la, o pensamento de Sheila seguiu a viatura que levava

Sim��o para a Delegacia, envaidecida mas com medo, pois tinha

certeza que o delegado passara por ali de prop��sito, s�� para v��-la.

Sim��o pensava em Sheila. O olhar dela era acintoso. Que

olhar? Ela nem sequer o olhara. Por isso mesmo, por esse jeito

dela de maliciar. P��lpebras decidas. As cetinosas e sensuais p��l-

pebras de Sheila no seu trabalhinho de fazer luz baixa e luz ce-

gante. O olhar dela quando caia no seu era mesmo cegante,

como luz branca cortando a escurid��o para cegar. Era esse

mesmo o jeito dela. Um jeito enganoso. A pose, retra��da, era

com esse modo de ficar que ela se traia e provocava os homens,

o medo do marido, nas inten����es dela, a mal��cia no receio de

olhar de frente as pessoas, o falso pudor.

Sim��o entendeu que n��o se livraria facilmente daquele sen-

timento que surgira dentro dele como algo diab��lico e obsessor,

provocado por aquela sat��nica mulher.

59

��� Quatro carros. Para que tan-

tos carros? A mulher dele nem dirige. Preciso investigar. Qua-

tro idas aos Estados Unidos. Algo n��o est�� me cheirando bem.

Preciso investigar. ��� Sim��o revirava o cart��o da Firma para

a qual Hugo trabalhava.

��� Vai ver que ele �� vendedor de carro, mesmo, faz bicos.

��� Bicos ou malandragens. E o passaporte do cara? Para

que um sujeito desses vai duas vezes por ano aos Estados Unidos?

��� Ora, vai ver que. ele �� mesmo comprador dessa tal

Firma Importadora.

��� Voc�� �� mesmo crente, hem?

Sim��o guardou o cart��o na gaveta.

��� Isso n��o �� da nossa al��ada, deixa o cara em paz.

��� Como n��o �� da nossa al��ada? O sujeito passou uma

noite aqui no xilindr��, verifiquei os documentos dele, v�� algo

suspeito, tenho que tomar provid��ncias.

��� T�� tudo em ordem.

��� Tudo em ordem demais para um simples vendedor mu-

treteiro, comprador, aut��nomo. A carteira dele estava recheada,

61

s�� notas de quinhentos. Tinha trinta e cinco mil cruzeiros no bolso. Como um sujeito anda com tanto dinheiro assim? E

vinha de uma festa. �� um cara metido mesmo, fanfarr��o! Ou

ser�� que h�� mesmo alguma coisa il��cita? Eu estou mesmo des-

confiado.

��� ��, mas acho melhor voc�� deixar o cara pra l��, voc��

pode estar grilando sem motivo. Ele pode ser mesmo um su-

jeito de sorte, acertar nas coisas sem estar fazendo nada errado.

��� Sei n��o, a conta banc��ria dele �� bem alta, um saldo

m��dio que nenhum delegado tem.

��� �� isso a��. T�� tudo errado! Por isso a gente cisma! A

gente arrisca a vida, estuda e trabalha feito louco para ganhar

uma micharia e um cara qualquer vendendo berloques, bugi-

gangas faz um saldo m��dio banc��rio de fazer inveja a qualquer

um. Tem engenheiro e advogado ganhando menos que vendedor

de amendoim de porta de igreja. S��o coisas da vida. Sorte.

��� Sorte nada. Alguma coisa n��o me cheira bem.

��� Sorte sim. Voc�� sabe que ele �� um sujeito de sorte,

com um mulhera��o daqueles! Isso n��o �� sorte? Baita peda��o

de mulher!

��� N��o acho que seja sorte, todo mundo deve cobi��ar a

mulher dele. E talvez ela tenha casado com ele por interesses

financeiros.

O investigador encarou Sim��o. Sim��o percebeu que estava

indo longe demais com as cismas sobre Hugo e o que pensava

sobre a mulher dele. Precisava espantar aquilo da cabe��a. Pre-

cisava deixar aquele casal em paz.

Mas desde que passara a primeira vez diante da casa deles,

mudou o seu itiner��rio. Embora ficasse mais f��cil ir para a

Delegacia pelo lado oposto, dava uma volta enorme devido as

contra-m��os s�� para passar pela casa de Sheila quando saia para

trabalhar e quando saia da Delegacia.

Por coincid��ncia assistira aquela briga dos dois logo no

dia imediato da passagem deles pela Chefatura, ap��s isso n��o

viu movimento nenhum na casa deles, tudo fechado, sempre

fechado, como se n��o tivesse ningu��m na casa, a garagem fe-

chada, nem dava pra ver se os carros ainda estavam l��.

62

Agora andava rondando a ver se descobria a que horas

Sheila levava as crian��as para o col��gio, mas o que ele constatou

durante toda a semana que se intimou e prestou a tal investiga-

����o, foi que provavelmente Hugo levara Sheila para algum lugar

e talvez tivesse at�� fugido com ela daquela casa, com medo das

suspeitas do delegado.

Passou sexta, s��bado e domingo ruminando id��ias. Na casa

n��mero cento e vinte e sete da rua da Delegacia n��o tinha tele-

fone e o sil��ncio continuava, isto ��, a falta de movimento, sem

luzes acesas, comprovando que n��o havia ningu��m l��, mas, na

segunda-feira logo pela manh��, viu as janelas abertas e no jardim

dois meninos. Um andando de bicicleta e o outro brincando com

uma pazinha num monte de terra.

Imensa felicidade invadiu-o e sorriu como se um novo mun-

do tivesse se descortinado para ele �� vis��o daquelas crian��as

brincando no jardim.

N��o podia ficar parado ali em frente sem chamar aten����o

sobre s��. A rua era estreita e sentiu-se como um bandido, n��o

um investigador, n��o um delegado rondando a casa de um sus-

peito, mas um fasc��nora espionando a mulher de outro homem.

Sentiu vergonha de s�� pr��prio e antes que pudesse ser sur-

preendido por Sheila ou pelo marido dela, seguiu para a Delegacia.

Agora andava trabalhando em dois per��odos, por conta pr��pria,

como se tivesse casos important��ssimos na depend��ncia dele para

serem urgentemente resolvidos.

Arranjava sempre motivos para estar na Delegacia e pas-

sava maior parte do tempo na entrada principal, vasculhando a

rua com o seu olhar febril a espera de que Sheila passasse com

os meninos.

Os amigos da pol��cia j�� estavam come��ando a reparar nas

suas atitudes e se ofereciam para ajud��-lo no que quer que

fosse caso precisasse. Os mais ��ntimos chegaram a perguntar se

havia brigado com a mulher, pois parecia t��o aborrecido ao

que ele respondia que apenas mudara um pouco o rumo, em

vez de ir pra casa, a um restaurante, �� casa de um amigo ou

jogar, preferia passar por ali. Apenas uma fase.

63

As desculpas eram tantas, mas o que prevalecia era que na verdade ele tinha um caso muito importante para resolver.

S�� que n��o desconfiavam que se tratava de controlar hor��rios

para ver Sheila passando por ali.

E o que viu, nesse mesmo dia da manh�� em que vira as

crian��as brincando no jardim e passou a ver nos dias imediatos,

foi Hugo passar na Bras��lia, ao meio-dia-e-meia, com os meninos

no banco de tr��s pulando de um lado para outro, demonstrando

pelo comportamento que estavam sempre alegres e descontra��-

dos ao lado do pai que os conduzia ao col��gio. Eram crian��as

felizes.

Ent��o era isso? O desconfiado e precavido Hugo estava

tomando as suas precau����es, indo ele pr��prio levar os filhos

ao col��gio ou simplesmente ��s vezes fazia isso, ocasionalmente,

como qualquer bom pai?

E o trabalho? A que horas iria trabalhar? Ap��s deixar as

crian��as? Ou voltaria para casa correndo para tomar conta da

sua sagrada mulherzinha, ficando enfiado l�� o tempo todo como

um fan��tico adorador? Como poderia aguentar-se assim? Hugo

precisava trabalhar. A menos que um servicinho uma vez ou

outra bastassem para manter a situa����o.

N��o podia estar enganado. Raramente falhava ou na ver-

dade seu instinto policial jamais o deixara enganar-se quanto ao

car��ter das pessoas. Hugo deveria ter neg��cios bem lucrativos,

bastante remuneradores e desonestos.

Se fosse apenas e verdadeiramente um trabalhador honesto,

tendo todo o tempo ocupado, fazendo horas-extras, metendo-se

em toda esp��cie de neg��cios, dos que oferecessem do menor ao

mais alto lucro que pudesse conseguir para oferecer uma condi-

����o de vida superior, �� sua amada mulherzinha e filhos, enten-

deria que sem estar ligado a uma profiss��o definida Hugo pode-

ria ter mais vantagens e campo para ganhar dinheiro do que ele

pr��prio que ficava submisso a um ordenado que n��o dava para

quase nada, vivendo a quebrar a cabe��a para pagar d��vidas estran-

gulado e acossado pela necessidade de pensar com urg��ncia em

fazer alguma coisa mais na vida al��m de delegar, para poder

64

viver melhor, mas n��o era ele que tinha um ideal na vida, era o ideal que o tinha amarrado.

Berta vivia pedindo para que eles fossem embora de S��o

Paulo, cuidar dos bens dela no sul. Tinha uma fazenda que o

pai dela iria deixar para ela, pois era filha ��nica, o sogro, seu

Sebasti��o vivia convidando Sim��o para dirigir os seus neg��cios

l�� no sul.

Para ter certeza de que uma das suas suposi����es poderia

ser a verdadeira, n��o conteve os seus ��mpetos e saiu para inves-

tigar. E o que constatou certa vez foi que Hugo n��o voltou

para casa.

Quando desistiu, nesse dia, de espionar a casa toda fe-

chada, como se Sheila n��o estivesse l�� dentro, j�� eram tr��s

horas da tarde. E desistiu porque viu que a garagem estava

aberta com os tr��s carros �� mostra, bem polidos com placas de

"Vende-se" em cada um deles, e pelo corredor ao lado esquerdo da casa, dando para o quintal aos fundos viu roupas penduradas

num varal.

65

Num exame frio de consci��ncia

Sim��o reconheceu que realmente estava exagerando. Sentiu que

estava se preocupando mais com a vida de Hugo do que com

os casos que tinha para resolver.

Assaltos a m��o armada, roubos, processos, queixas de toda

esp��cie, assassinatos, enfim, crimes de toda natureza que estavam

sob a sua responsabilidade e jurisdi����o, apura����es, inqu��ritos,

acaria����es, fatos por dar andamento e outros quase conclu��dos

e ele concentrado numa suspeita, s�� porque se tratava do ma-

rido de uma mulher por quem ele estava sentindo algo inusi-

tado, absurdo, obsessor, como se fosse aquela a ��nica mulher

bonita que tivesse olhado para ele insinuando coisas.

Mas Sheila era ��nica realmente. N��o conseguia v��-la entre

as outras que o haviam atra��do para uma aventurazinha. Aquilo

que estava sentindo era muito diferente e nem ele mesmo acre-

ditava que tinha dentro de s�� tanta for��a para o sentimento

que o arrazava.

Jamais pudera supor que tinha escondido dentro de s�� um

sentimento mau por nascer, que procurava dement��-lo, destru��-lo,

67

enlouquecendo-o, s�� por causa de uma mulher que vira por t��o pouco tempo. Estava mesmo desconhecendo-se.

Na esperan��a de que a qualquer momento aquela id��ia iria

sumir da sua cabe��a, aquela tens��o iria passar, que a qualquer

momento tudo iria voltar ao normal, continuava dando tratos

a bola, contendo-se para n��o tomar uma atitude que o pusesse

frente a frente com Sheila, pois n��o resistia mais �� vontade de

v��-la.

Seria fraqueza por excesso de trabalho? Esgotamento por

noites mal-dormidas? Pelo fastio que a rotina das ocorr��ncias

sempre envolvendo tipos desprez��veis, mulheres feias e de baixa

classe, seria por tais motivos que estaria tornando a exist��ncia

de Sheila algo t��o especial e importante na sua vida?

E se tirasse uma licen��a? Uma licen��a m��dica, alegando es-

tafa, s�� para viajar uns dias com Berta para recuperar-se? Talvez

obtivesse assim um resultado positivo e pensaria com mais cla-

reza sobre as coisas em que normalmente deveria pensar. Pararia

de agir feito um dementado, obcecado como um reles mulhe-

rengo.

Tinha que despachar processos que acumulavam-se nas suas

gavetas. E ele estava achando corriqueiros e banais os casos mais

graves que chegavam �� sua sala, porque s�� tinha pensamento

para Sheila.

Nenhum bandido teria a import��ncia que Hugo passara a

ter para ele, nem mesmo o assaltante que matara uma velhinha,

estrupara uma menor e estrangulara um garoto de doze anos ao

invadir para roubar uma casa do bairro, aquele bairro na peri-

feria de S��o Paulo onde marginais se escondiam pelas baixadas

e morros, nada conseguira tirar Sheila de sua cabe��a.

A�� revoltou-se contra s�� pr��prio, sentindo-se mesmo irres-

pons��vel, doente e estafado. Precisava mesmo de f��rias ou de

reagir e espantar aquele pernilongo seco da sua cabe��a. Preci-

sava parar de pensar em Sheila e de preocupar-se tanto com o

que poderia ela estar pensando ou sentindo a respeito dele.

68

Talvez ela nem se lembrasse que ele existia e como um absurdo e estramb��lico mist��rio do amor talvez amasse mesmo ao marido.

O que ele precisava fazer era concentrar-se nos casos que

exigiam toda a sua aten����o ou largar a profiss��o de vez, ir em-

bora para o Rio Grande do Sul e se meter no mato. Ganharia

mais com isso.

Tentou concentrar-se. E o que conseguiu foi ver no mu-

lato a sua frente a cara de Hugo. E toda a energia que poderia

ser despendida e aplicada para um horrendo crime, foi usada para

gritar uma ordem de pris��o e pau-de-arara a um b��bado que

molestara a uma senhora na rua ao que ele horrorizado com o

absurdo que estava cometendo, caiu em s�� sacudido pelo pr��-

prio som da sua voz:

��� Prendam esse desgra��ado!

69

Sim��o tomava nota de tudo. Es-

tava faltando um carro na garagem. Hugo n��o estava em casa.

Ou teria conseguido vender o puma? Se eles tivessem telefone

tentaria descobrir se Hugo estava em casa. Obviamente, ciu-

mento como era, seria ele quem sempre atenderia ao telefone.

N��o podia tamb��m tocar a campainha e simplesmente perguntar

com cara de idiota se Hugo estava ou sair correndo feito um

moleque atrevido se fosse Hugo quem atendesse.

Como podia analisar, Sim��o se deu mesmo conta de que

estava passando dos limites da dec��ncia, do decoro e da raz��o.

Estava mesmo se dementando por uma id��ia fixa que n��o con-

seguia expulsar da mente, e carregava aquele cart��o no bolso

como se fosse uma fotografia de Sheila. Queria ver Sheila cus-

tasse o que custasse. E gritou de s�� para s��, agoniado, excitado,

perturbado: ��� Como pode algu��m t��o s��rio, t��o normal, sem-

pre c��nscio das suas responsabilidades e obriga����es desequili-

brar-se de um segundo para outro do modo como ele estava

perdendo o juizo? ��� Sempre achara rid��cula a id��ia de um

dia vir a precisar de um m��dico para doen��as nervosas, um

71

analista ou psiquiatra, mas talvez fosse o caso. Algo n��o andava bem com a sua cabe��a. E tudo por causa de uma piranhazinha.

N��o. N��o podia caluniar assim uma mulher s�� pelos trejeitos

dela e pelo que ela conseguira provocar nele. N��o era Sheila

quem andava rondando a casa dele. Era ele que estava fixado

nela. Se Sheila fosse realmente uma mulher desonesta, uma pi-

ranha, uma aventureira ou se tivesse simplesmente, perdido a

cabe��a por um sentimento repentino como o que estava ator-

doando-o, teria telefonado procurando-o, teria passado em frente

�� Delegacia, teria dado um jeito de se fazer ver para que ele

se aproximasse dela. Mas nem sinal de Sheila.

Rodou pelas ruas do bairro e passou diante da casa dela

uma por����o de vezes. As luzes estavam todas apagadas. E o

sil��ncio predominava pela rua como se saisse de dentro daquela

casa, s�� porque Sheila n��o aparecia numa das janelas ou na

porta para que ele a pudesse ver pelo menos de relance e de

longe.

Pegou-se no extremo do rid��culo, passando em passos lentos

pela casa, amparando-se pelo muro, parando no port��o, �� escuta,

disfar��ando, fazendo-se de b��bado, segurando a gola do palet�� ��

altura do queixo, cabe��a baixa metida contra os ombros, querendo

captar um som na casa. E ouviu. Televis��o ligada. E pode ver o

que n��o pudera ver do carro, que deixara mais adiante, que havia

uma luz na sala. A luz acesa da televis��o. Luz colorida. Ouviu

tamb��m vozes de crian��as e risos. Ridicularizado pelo pr��prio pen-

samento p��s-se quase a correr, cambaleando, n��o porque ainda se

fingisse de b��bado, mas porque realmente sentiu as pernas fra-

cas, tanta vergonha estava sentindo de s�� pr��prio.

Alcan��ou o carro que deixara estacionado na esquina pr��-

xima, sim, alcan��ou, pois a cada passo que dava tinha impress��o

que a rua ficava cada vez mais comprida e que o carro mais se

afastava dele.

Entrou no carro. Agarrou-se ao volante. Ofegante, suando.

A cabe��a come��ou a doer. N��o acreditava que estava sendo

capaz de agir de modo t��o ignominioso, cobi��ando a mulher de

outro homem.

72

Voltou para a Delegacia, tonto, farto, cansado, desiludido, com medo de s�� pr��prio, prometendo-se intimamente que de

algum modo iria p��r fim ��quilo.

Assim estavam transcorrendo os dias e noites do delegado

Sim��o desde que Sheila aparecera na Chefatura de Pol��cia.





73


Hugo saira cedo para trabalhar

e Sheila preparou o almo��o, vestiu uniforme nos meninos e arru-

mou-se para lev��-los ao col��gio. Hugo n��o viria almo��ar. Rara-

mente ele almo��ava em casa, mas desde que o delegado Sim��o

os surpreendera brigando no jardim, Hugo desconfiado de se

tratar de um rival, ficara quase tr��s semanas mudando hor��rios,

para confund��-la, n��o permitindo que ela saisse nem para ir ��

Padaria, a��ougue, Super-Mercado ou levar as crian��as ao Col��gio.

E que evitasse de ficar zanzando pelo jardim.

Ap��tica e subserviente, Sheila, como uma masoquista, aten-

dia a tudo o que o marido exigia at�� que, exausto e acreditando

que as suas atitudes com Sheila prejudicavam apenas a ele, dada

a indiferen��a com que a mulher obedecia aos seus desejos, aca-

bava sentindo-se ele pr��prio um prisioneiro, e acabava pondo

fim aos seus exageros.

Diante do espelho, Sheila admirava-se e pensava. Valeria

�� pena viver assim sufocada, sob as press��es passionais de um

75

homem como Hugo? J�� pensara e ponderara e tentara encontrar solu����es para mudar de vida, mas acabava sempre como

que no fundo de um po��o, medrosa, incapaz, vencida, submissa

a ele. E por que? Alimentava a esperan��a de que tudo se re-

solveria por obra e m��os do destino. Alguma coisa iria aconte-

cer para tir��-la daquele inferno. Ao mesmo tempo evitava pen-

sar em solu����es que pudessem separ��-la de Hugo, lembrando-se

dos filhos e concentrando-se neles.

As crian��as adoravam Hugo e elas eram e representavam

tudo para ele. Sheila sentia-se num beco sem sa��da. Prisioneira

e escrava dos tr��s.

Quando brigavam at�� a viol��ncia e trocavam as mais s��rias

amea��as, quando ela dizia que iria embora com os filhos, Hugo

ria e vangloriava-se do direito que teria sobre eles. As crian��as

ficariam com ele. Ele as tomaria dela. Se ela quisesse que

fosse embora sozinha, mas que se escondesse muito bem e mes-

mo assim que imaginasse o inferno de vida que ia levar escon-

dendo-se para que ele n��o a encontrasse, porque ele a mataria,

sem d�� nem piedade.. Ela n��o seria de outro homem, nunca,

nunca e nunca!

Sheila saiu da frente do espelho como se a sua pr��pria

imagem constitu��sse uma amea��a para ela.

E a casa dos pais? O aux��lio da fam��lia? Chorava ��s es-

condidas. Jamais poderia contar com ningu��m. Fora por causa

da m��e que casara com Hugo, para fugir, sair, escapar, para

n��o precisar dela.

Pensando na m��e, neur��tica, sempre com maus pensamen-

tos a respeito de tudo, mandona, prepotente, exigente, impeder-

nida, visando sempre os pr��prios interesses, cobrando sempre

dos filhos tudo, pelo fato de os ter criado, acusando-os e cul-

pando-os por ela n��o ter aproveitado os melhores anos de sua

vida por haver cuidado deles, Sheila desistia de qualquer id��ia

de abandonar o marido para n��o ouvir constantemente tais re-

clama����es da m��e.

Porque tamb��m n��o tinha instru����o, n��o saberia para onde

ir e o que fazer e como vencer sozinha tendo que trabalhar,

cuidar e sustentar a ela e duas crian��as. Ela sabia que pelo seu

76

tipo ningu��m a empregaria como dom��stica, mesmo porque ela detestava os servi��os caseiros. Nem falava o portugu��s correta-mente, cursara apenas um ano do Comercial, nunca estudara da-

tilografia e tudo o que fizera fora sonhar e exibir-se com as

roupas que a m��e lhe fazia para ir aos clubinhos do bairro.

Para acompanhar as filhas, a m��e estava sempre sorridente

e seria capaz de varar a noite, s��bados e domingos, vendo-as dan-

��ar e namorar todos os figur��es do bairro, porque assim diver-

tia-se tamb��m. N��o tirava os olhos de cima delas, dela princi-

palmente por consider��-la a mais bonita de todas, cuidando com

medo de que alguma coisa lhes acontecesse. E essa "alguma coi-

sa" foi exatamente o que aconteceu quando Sheila conheceu

Leonel.

Apesar de todo neurast��nico cuidado da m��e, apesar de

t��-la sempre de olho vigilante sobre s��, como uma cadela zelosa,

uma policial de mand��bulas arreganhadas, sempre rosnando, que-

rendo imped��-la de viver longe dos seus olhos, apesar de toda

vigil��ncia numa dessas horas em que tudo parece transcorrer

bem e que nada de mal vai acontecer, Sheila conheceu casual-

mente, na porta do Instituto onde estudava �� noite, o homem

que seria da�� pra frente o maior amor da sua vida.

77

Leonel era parente do diretor da-

quele Estabelecimento de Ensino, onde ela fazia o curso Comer-

cial. Ficou sabendo isso, por ele pr��prio mais tarde. Sheila era

das atitudes repentinas e imprevis��veis, conforme as ideias que

lhe ocorriam r��pidas.

Viu-o, interessou-se, ouviu o coment��rio das colegas que

suspiraram pelos cabelos crisalhos e o tipo Francisco Cuoco que

entrou no carr��o vermelho para sumir das vistas delas.

Mas Sheila n��o o deixaria escapar, e, fingindo a maior dis-

tra����o, precipitou-se para o meio da rua, batendo com for��a,

mas protegida pelos livros que apertou contra s��, no paralama

do carro dele. Caiu e logo ele a estava socorrendo, assustado,

com receio de t��-la ferido gravemente.

Sheila mancou e apoiou-se nele e mais r��pido do que espe-

rava logo viu-se sentada ao lado dele dentro do carro, tentando

ela pr��pria acalm��-lo e convenc��-lo a n��o lev��-la a nenhum Pron-

to-Socorro, pois estava bem. Habilmente, induziu-o a convid��-la

para tomar um refrigerante.

Passado o susto, na Lanchonete para onde foram, Leonel

come��ou a not��-la e a v��-la com outros olhos, a olh��-la com o

79

jeito que ela queria que ele a olhasse. E o primeiro encontro foi marcado. E sucederam-se outros eclodindo uma violenta

paix��o entre os dois.

A preocupa����o de Sheila era apenas a de burlar a vigi-

l��ncia da m��e.

Dona Rosa, neurast��nica, sempre de cara feia, exigia das

filhas que trabalhassem sem parar dentro de casa, que tirassem o

p�� dos m��veis, que lavassem as roupas, que passassem, que as

guardassem nos lugares, que costurassem, remendassem, que en-

cerassem. N��o admitia v��-las paradas, enquanto ela pr��pria in-

ventava sempre alguma coisa para ocupar-se, sempre com o seu

radinho de pilha ligado ouvindo hor��rios sertanejos e o seu pro-

grama favorito logo ��s primeiras horas da manh��. Gil Gomes,

Z�� B��tio, e jornais falados. Estava sempre em dia com os crimes

da cidade.

Sheila preferia ouvir a r��dio Am��rica e enquanto, no mo-

mento em que rememorava coisas do passado, ouvia o "Clube do

Rei", as m��sicas do Roberto Carlos, seu ��dolo, preparava a me-

renda dos filhos para lev��-los ao Col��gio.

Cora����o batendo forte, saiu com as crian��as. Subiu a rua.

Olhos atentos, perscrutadores, expectantes. Talvez o visse. Tal-

vez Sim��o a visse passar. O que faria se ele fosse falar com

ela? S�� de pensar come��ou a tremer. Era uma idiota, boba,

apavorada, honesta demais. O que poderia haver de mal se o

delegado a cumprimentasse e perguntasse como iam as coisas?

A cara da m��e dela fez um ponto de parada em sua mente,

carrancuda, olhar cruel, sem carinho, resmungona, seca, exigindo

dela o que ela nem podia acertar o que seria, uma aten����o maior

do que poderia dar aos filhos e ao marido, como se s�� a ela

as suas quatro filhas devessem obriga����o, amor e respeito, sen-

tindo-se a dona de tudo, sempre com o seu pensamento queren-

do dominar as filhas, chamando-as, fazendo chantagens emo-

cionais.

Dona Rosa vivia sugerindo que Sheila abandonasse, o ma-

rido, que levasse os filhos consigo, o quarto dela estava arru-

80

madinho, sempre a espera, ela faria tudo por eles, afinal Sheila n��o precisava levar aquela vida sacrificada com aquele macaco

medonho e ciumento, aquele sujeito mentiroso, exibido e odiento.

Dona Rosa odiava Hugo, odiava tamb��m o marido de M��r-

cia, detestava o marido de Ana e o marido de Cl��udia Maria.

Ali��s, n��o gostava de nenhum dos genros, por melhor que eles

demonstrassem ser para as suas esposas. Seu prazer era ferir as

filhas falando de uma para a outra, fazendo intrigas, fofocas,

queixando-se, choramingando, sempre tendo alguma dor e algo

a reclamar de uma delas ou dos seus respectivos maridos.

Sheila ��s vezes chegava a duvidar da sanidade mental da

m��e. Ou seria mesmo maldade? Pois sabia que ela acendia

velas e vivia rezando para que as filhas se separassem dos mari-

dos. Inventava coisas e apelava para o esp��rito amoroso e sen-

s��vel delas, pois eram mo��as carentes de afeto, de amor, de ca-

rinho, de compreens��o, o que ela, no seu jeito pr��prio de ser,

nunca demonstrava ou lhes dera.

Dona Rosa queria as filhas s�� para s�� e prometia coisas

que estava longe de cumprir, pois o que queria era a compa-

nhia de uma delas ao menos, para que ficasse sempre a postos

para satisfazer as suas vontades, obedec��-la e fazer todos os

servi��os da casa.

Bajulava os netos, ora um dos filhos de uma das filhas

ora o filho de outra, com as inten����es que elas j�� conheciam

bem, de mago��-las, de fazer ci��me.

Era um modo muito estranho de amar o de dona Rosa,

mas por incr��vel que pudesse parecer ela amava as suas filhas,

tinha orgulho dos seus netos, mas, quanto aos maridos, por

mais que tentasse n��o conseguia gostar deles, talvez por, no seu

modo ego��sta de ser, achar que eles as tinham roubado dela.

Sheila sabia que ele estaria a postos. Mas assim mesmo te-

mera que ele n��o a visse, mas tal n��o aconteceu, pois olhando de

soslaio para a Delegacia, viu quando Sim��o desceu para o p��tio,

apressado, ao v��-la com as crian��as. Iria segu��-la? N��o devia

81

olhar para tr��s. Mas logo ouviu o ruido do motor e viu o carro dele passar por ela e parar na esquina, esperando-a, por certo.

Sheila continuou no mesmo passo e ultrapassou o lugar

onde ele estava parado. Ouviu-o p��r o carro em movimento, o

ronco do motor for��ado em primeira, depois seguir tranquilo,

ultrapassando-a outra vez.

Ele estava sendo cuidadoso. N��o se atrevia a cham��-la na

presen��a dos meninos. Estava seguindo-a. Quando ela ficasse

sozinha iria abord��-la. Sheila apertou a m��ozinha de Cleber.

Uma m��ozinha fofa, gostosa. O cora����o batia mais forte. Aur��-

lio seguia ao lado dela cantando "Lady Laura" uma das ��ltimas grava����es de Roberto Carlos. Uma voz t��o bonitinha a de

Aur��lio, afinadinha, era ela quem os ensinava a cantar e ani-

mava-os para que gostassem de m��sica, Aur��lio t��o engra��adinho,

carregando a mala cheia de cadernos e livros. Aur��lio era um

menino inteligente, tirava boas notas e ela sempre ouvia das

professoras elogios a respeito dele.

Aur��lio era um menino simp��tico e bonito, f��cil de ser

querido pelos outros. E ela tinha satisfa����o em saber que o

seu filho era o queridinho de algumas professoras e das tias,

at�� mesmo, chegava a crer ��s vezes ser o neto preferido por sua

m��e e sogra.

Sim��o continuava seguindo-a e ela impass��vel, fingindo n��o

perceber, seguiu no mesmo passo e caminhou demonstrando estar

atenta s�� nos filhos at�� que os deixou na porta do Col��gio do

Estado. Ficou parada no port��o at�� que eles sumiram na fila

para dentro do Col��gio.

Seria agora. Agora Sim��o teria oportunidade para aproxi-

mar-se dela. Sheila descontrolava-se. Tinha que' seguir por outra

rua. Como se fosse a outro lugar e n��o para casa. N��o podia

deixar que o vissem dirigindo-se a ela. Deliberadamente, em-

bora contrariando as pr��prias inten����es, entrou numa rua con-

tra-m��o. N��o alcan��ara ainda a primeira esquina e viu o carro

dele apontando na extremidade da rua.

Se voltasse iria trair-se. Ele perceberia que estava fugindo

dele. E ela n��o queria voltar. N��o queria que ele se aproxi-

82

masse, mas tamb��m n��o queria que ele desistisse ou a perdesse de vista. Ficou tr��mula. As pernas como que bambeavam. Seria uma trai����o. Era uma trai����o. Estava chifrando o marido,

em pensamento, nos passos que continuavam levando-a at�� onde

Sim��o a aguardava, pacientemente.

Naquela dire����o ficava o Supermercado. Ele poderia estar

pensando que ela ia fazer compras. N��o podia admitir que ele

a julgasse uma mulher f��cil. Mas e o modo como olhara para

ele? O jeito como havia insinuado que o apreciava? Isso n��o

contava. Podia fazer prevalecer agora o seu respeito pelo ma-

rido. Era uma mulher casada. Isso era uma senten��a. Definia

a sua vida, determinava o seu car��ter. Tinha filhos. N��o podia

se deixar abordar assim por qualquer homem, mesmo em se

tratando de um delegado, mesmo em se tratando de Sim��o.

Sim��o. Sim��o parecia nome de macaco. Mas quem parecia

macaco era Hugo e n��o Sim��o. As coisas que pensava e aquela

esquina que parecia nunca chegar!

Atravessou a rua. Entraria por outra contra-m��o. Preci-

sava despistar-se dele. De repente sentiu terr��vel medo dele.

N��o queria que ele se aproximasse. Alguma coisa dentro dela

repelia-o, atemorizava-a. N��o era medo de Hugo, n��o era medo

de Sim��o, n��o era a express��o da m��e acusando-a, olhando-a

como se ela fosse uma vagabunda, ordin��ria, uma puta.

N��o era nada disso. Era algo dentro dela mesmo, algo

gritante, algo que doia, algo que ela n��o estava mais suportando,

tal o medo sentiu de Sim��o aproximar-se dela. Era inexplic��vel,

mas era assim mesmo que ela estava se sentindo, com ��mpetos

de correr, de fugir, de esconder-se, para que Sim��o n��o falasse

com ela. Estava com medo de s�� pr��pria. Do que estava sen-

tindo e n��o queria sentir.

N��o correu, mas apressou o passo e foi cortando pelas ruas

transversais e contra-m��os, para que Sim��o n��o a encontrasse.

E de repente viu-se diante do pared��o dos fundos de uma

F��brica, no fim de uma rua que terminava numa baixada onde

viu uma favela.

83

Respira����o entrecortada, Sheila parou, olhando para o beco sem sa��da, por onde sem querer enveredara. L�� embaixo as

casas feitas de folhas de zinco, de caixotes, de barro, como um

mundo perdido num buraco. Atr��s de s�� a rua vazia e silen-

ciosa, ladeada por pared��es e terrenos baldios.

84

Sim��o descera do carro e segui-

ra-a a p��. Sabia que Sheila entrara num beco sem sa��da. Que

estava tentando despistar dele e ficou com vergonha do que

estava fazendo, seguindo uma mulher assim em plena luz do

dia, acintosamente, como um marginal, n��o como um represen-

tante da Lei. Parou. N��o se atrevia a seguir e a dobrar a es-

quina para v��-la.

Retrocedeu nos passos at�� a rua antes do beco. Tornou a

sentir-se impelido. O que importava era o que sentia. Precisava

falar com ela. Tirar aquela cisma. Chegou perto do beco. O

cora����o batia t��o forte que ele chegou a crer que iria cair ful-

minado, cora����o estourado dentro do peito.

Quando ela passara diante da Delegacia com os meninos,

Sim��o quase n��o acreditara e levado pela emo����o correra para o

p��tio onde o seu carro estava estacionado, j�� com a id��ia certa

do que ia fazer e como iria aproximar-se dela sem que ningu��m

os visse. Tinha que ser discreto e natural com ela e prevenido

com os outros. Era uma situa����o bastante delicada. N��o podia

85

arriscar a reputa����o dela e a dele tamb��m, precisava ser mesmo bastante cauteloso.

Talvez Sheila tivesse ido para aquele beco deliberadamente,

para que ele pudesse aproximar-se dela sem que ningu��m os

surpreendesse. Talvez estivesse esperando que ele chegasse, tal-

vez at�� estivesse pensando que ele a perdera de vista.

Precisava tirar as d��vidas e o ��nico jeito era meter as caras

e ir ao encontro dela. Comandado pelo impulso maior que o

dominava, Sim��o deu alguns passos e apareceu na esquina de

onde viu na extremidade do beco Sheila, parada, olhos fixos na

sua dire����o.

Viu quando ela recuou como se fosse descer morro abaixo

rumo �� favela, de medo dele. Ela estava atemorizada. Seu ins-

tinto agu��ado de policial sentiu e viu e constatou isso, mas

precipitou-se apressado at�� ela para imped��-la de descer para

aquele antro de marginais. Ali era o pr��prio "Q.G." dos foragi-dos da Lei.

��� Pare. Espere.

Ofegante e tr��mula Sheila parou, entre as duas coisas que

a estavam atemorizando, o homem da Lei e a favela, o moc��,

como j�� ouvira referirem-se ��quele lugar, onde bandidos e ma-

conheiros se escondiam.

Sim��o chegou perto dela. Os dois estavam nervosos e ten-

sos. Mas ele tinha que estar mais seguro e tomar a atitude

certa.

Ela estava de costas, olhando para a favela l�� embaixo.

Virou-se de frente para ele, p��lida, tr��mula, realmente uma mu-

lher apavorada. Uma mulher casada com medo do marido, foi

o que Sim��o pensou e falou:

��� N��o tenha medo, Sheila, por favor, tenha calma, acal-

me-se, n��o h�� nada demais em que lhe fale, por favor. . .

Ele estendeu a m��o e pegou-a pelo bra��o com a inten����o

de lev��-la dali para outro lugar. Sheila desvencilhou-se com um

gesto brusco, como se o toque da m��o dele em seu bra��o a

tivesse chocado tremendamente.

��� N��o pense mal, eu apenas quero falar com voc��.

86

Sheila abaixou a cabe��a. Deu um passo para a frente para ir embora. Sim��o colocou-se na frente dela impedindo-a de

passar.

��� Por que est�� me seguindo e vive espionando a minha

casa? Por que est�� fazendo isso. . . doutor?

��� Sheila... ent��o voc�� tem me visto passar por l��?

��� Sim.-Pelas frestas das persianas, e gra��as a Deus que

Hugo n��o viu nenhuma vez, porque sen��o eu nem sei o que

seria de mim.

��� Voc�� tem tanto medo dele assim?

Sheila abaixou mais a cabe��a e passou a m��o pelo rosto,

pedindo:

��� Me deixa passar. Preciso ir embora. Tenho que voltar

para casa.

��� N��o a deixarei ir sem que me ou��a, por favor.

��� Por que est�� fazendo isso?

��� Voc�� n��o sabe?

��� N��o, n��o sei.

��� Mas voc�� tem me visto rondando a sua casa, sinal que

est�� atenta. Ela n��o disse nada que a comprometesse, mas com-

prometia-se no modo de olhar, no jeito medroso como pediu que

a deixasse em paz.

��� Por favor me deixe em paz. N��o me perturbe.

A voz de Sheila era doce e melodiosa. Sim��o ficava cada

vez mais encantado. O corpo dela, usando uma cal��a de brim

e a camiseta de malha, tinha formas deliciosas. Seios pequenos,

mas insinuantes, marcantes, eretos, os bicos estavam duros, mar-

cando a blusa, n��o usava sutien, notou tudo, a curva sinuosa do

pesco��o, os cabelos dourados encobrindo o rosto dela, as sobran-

celhas, a boca semiaberta, as m��os nervosas tran��ando dedos.

��� Estou louco por voc��, Sheila, voc�� n��o sai da minha

cabe��a. �� por isso que vivo rondando a sua casa. Que bom se

a perturbo porque estou doido por voc��.

Sim��o pensou r��pido que seria melhor falar a verdade do

que incutir o medo nela de que ele desconfiava de negocia����es

il��citas por parte do seu marido. Talvez Sheila tivesse essa d��-

87

vida na cabe��a e por isso estava com tanto medo. Mas a atitude dela n��o mudou e ele entendeu que ela realmente sabia

qual era a verdadeira inten����o dele e assim mesmo tinha medo,

vergonha, pudor, dec��ncia, por respeito ao marido.

��� Devo pedir desculpas, Sheila, mas n��o a estou desres-

peitando, sei que �� uma mulher casada, que respeita o seu ma-

rido, mas n��o consigo mesmo tir��-la da cabe��a, acho que enlou-

queci, preciso falar com voc��. Tenho pensado nisso o tempo

todo, cheguei �� conclus��o de que o melhor que eu tinha a

fazer seria v��-la de perto, falar do que eu sinto, talvez assim,

pensei, que desabafando com a pessoa certa essa loucura pas-

sasse.

Ele ficou em sil��ncio e ela continuou no seu jeito t��mido

de aparentar medo e pudor, cabisbaixa, m��os unidas, quieta,

respira����o sensual arfando os seios.

Ap��s alguns segundos que pareceram eternos, Sim��o ou-

viu-a perguntar, sagaz e com uma voz rouca, preparada, sibi-

lando nos "ss" e excitante, a l��ngua presa, apertando entre os dentes.

��� J�� passou a loucura? Posso ir ent��o?

Ela deu um passo para o lado e ele cercou-a outra vez, pon-

do-se �� frente dela, impedindo-a de seguir.

��� N��o passou.

��� Mas eu preciso ir embora. N��o pode me prender assim

aqui.

��� Por favor, s�� um instante.

��� O que quer de mim?

��� A gente n��o pode conversar um instante s��?

��� Ent��o fale. Fale tudo e me deixe ir.

��� Eu queria fazer algumas perguntas. Sabe, at�� estou me

achando rid��culo, mas �� a situa����o. A situa����o obriga a gente

a fazer coisas precipitadas, obriga a aproveitar o que a oportu-

nidade nos oferece. Eu achei que poderia esperar que o acaso

a pusesse diante de mim outra vez, mas o acaso poderia n��o

acontecer nunca, por isso rondei a sua casa, por isso segui-a

quando a vi passar. Voc�� ama o seu marido? Ama? ��� Acabou

perguntando, tentando n��o demonstrar toda a afli����o que sentia.

88

��� Por que isso lhe interessa? O que est�� dependendo

dos meus sentimentos por ele.

��� Eu s�� queria saber.

��� N��o vai fazer diferen��a o que sinto, o que importa ��

o que penso.

Sim��o estendeu as duas m��os e prendeu as m��os de Sheila

nas suas, num gesto inesperado para ela e para ele pr��prio que

nunca fora suplicante e nem atrevido com nenhuma mulher em

toda a sua vida.

Sheila tentou livrar as m��os, mas ele as segurou com for��a

e aflito, insistindo como se a sua paz dependesse da resposta

dela.

��� Voc�� ama o seu marido?

��� N��o, Sim��o, eu n��o amo o meu marido, n��o amo e nem

nunca amei. Largue-me. Eu quero ir embora. Me solte e me

deixe ir. Me deixe em paz pelo amor de Deus!

Sim��o continuou prendendo-a pelas m��os, enquanto Sheila

relutava para livrar-se, mas n��o tinha for��as e rendeu-se, cansada de fingir. Sentiu ent��o as m��os dele, fortes, m��sculas,

transmitindo-lhe um calor e arrepios que a estonteavam. Preci-

sava resistir, lutar contra o que estava sentindo por aquele homem

iouco e atrevido, desesperado e lindo, lindo e atraente, mara-vilhosamente atraente, mais do que Leonel.

��� Se n��o ama o seu marido o que a impede de falar

comigo, de me dar um pouco de aten����o?

��� Ora! Vejam s��, que falta de psicologia em se tratando

de um delegado! Eu n��o amo o meu marido, mas nunca o tra��

e nunca o trairei, nunca, entendeu? O que impede? Preciso

dizer? N��o est�� claro? Nunca trai o meu marido.

��� Mas ningu��m est�� querendo que voc�� traia o seu ma-

rido.

��� N��o? Ent��o porque est�� prendendo as minhas m��os

e me obrigando a falar com voc��?

��� E isto �� trai����o?

��� ��.

��� Evitar falar com as pessoas por causa de um marido

ciumento �� ignor��ncia, n��o �� honestidade. Voc�� poderia falar 89

comigo, me ouvir, entender-me, sem que houvesse nenhum mal nisso. N��o seria trai����o. Trai����o �� o que a gente faz com m��s

inten����es. A gente �� que d�� significado ��s nossas atitudes. H��

mais trai����o em um pensamento do que numa confiss��o honesta

de amor quando se tem a inten����o do respeito, mas se precisa

desabafar, sem m��s inten����es.

��� Mas voc�� sabe que h�� m��s inten����es.

��� Acha uma m�� inten����o ter me apaixonado por voc�� e

simplesmente querer desabafar isso, para parar de pensar em

voc��, para tir��-la da minha cabe��a? Eu n��o estou convidando

voc�� para nenhum encontro, para fazer nada, n��o estou lhe pe-

dindo nada, apenas n��o resisti �� id��ia de que o melhor que eu

tinha a fazer seria procur��-la, v��-la, falar-lhe. Cismei que assim

isso deixaria de ser uma fixa����o. . .

��� Pois espero que esteja refeito. . .

Sheila estava agora olhando para ele. Olhos fixos nos dele.

As m��os dela estavam semi-abandonadas nas firmes m��os dele.

Ele acariciou-as com os dedos tr��mulos e sentiu os dedos dela

vibrarem sens��veis ao seu toque. Ela estava tr��mula, os l��bios

��midos, ainda com um resto de medo na express��o que ia desa-

parecendo pelo que os dois estavam sentindo ao olharem-se

assim olhos nos olhos.

Ele foi aproximando o rosto. Ela virou o rosto, evitando

ser beijada, num ��ltimo apelo ��s for��as que lhe restavam, con-

trariando o que o corpo lhe pedia, que ele a abra��asse e fizesse

tudo com ela, ali mesmo, contra o pared��o da F��brica, em

plena luz daquele dia nublado.

Ele prendeu-a pelos ombros contra o muro, mas manteve-se

afastado.

��� Ser�� que Hugo merece tanto respeito? Voc�� diz que

ele vive envolvido com mulheres.

��� Ele �� um homem e eu sou uma mulher. Os atos dele

n��o justificariam os meus erros. Al��m do mais Hugo sai com

prostitutas, paga mulheres para paparicarem ele, s�� para me fa-

zer ci��me, s�� para que eu saiba que feio e seco como �� existem

mulheres que gostariam de tir��-lo de mim. J�� li cartas de amor

que encontrei nos bolsos dele, sei que deixou as cartas ali de

90

prop��sito para que eu as visse quando fosse pegar dinheiro.

Hugo �� feio, �� rid��culo, ciumento, violento, chato, mas eu casei

com ele, �� meu marido, casei na Igreja e tenho que respeit��-lo.

Eu o respeitarei toda vida, enquanto formos marido e mulher.

N��o importa o que ele fa��a ou seja.

��� N��o acredito! ��� Quase gritou apalermado.

Sim��o estava estupefato por ouvir tudo aquilo que ela es-

tava confessando e vendo que realmente ela era fiel por foro

��ntimo de verdadeira moral e respeito religioso. Isso tudo em

1978? Era mesmo inacredit��vel. Linda, sexy, sensual e. . . res-

peit��vel.

��� N��o acredita? Por que? Eu casei na Igreja sim.

��� N��o, n��o �� isso. Eu n��o posso acreditar que voc�� se

apegue a votos religiosos do casamento, que seja exatamente o

tipo da mulher honesta, de respeito, mesmo estando casada com

um tipo daqueles. Acho que s�� pode ser amor, mesmo, s�� se

existir amor para tanto sacrif��cio!

��� N��o �� sacrif��cio nenhum ser honesta e respeitar o meu

marido, embora a vida seja dura com ele. E vejo que voc�� se

preocupa muito com apar��ncia. Isso �� fraqueza de personalidade.

Quanta coisa havia para subentender das palavras sopradas.

Ela tentou tirar as m��os de entre as m��os dele, mas Sim��o

ainda as segurou, tenso, ansioso, numa ��ltima tentativa, embora

envergonhado pelo que ela dissera.

��� Eu n��o tenho m��s inten����es, Sheila, s�� quero que me

d�� aten����o s�� mais um pouquinho, ent��o poder�� ir embora e eu

nunca mais passarei diante da sua casa e nem a seguirei quando

passar para levar os meninos ao Col��gio.

Um brilho estranho perspassou pelos olhos dela, como

se ela n��o tivesse gostado da promessa que ele estava fazendo,

mas assim seria melhor e Sheila ficou em sil��ncio, como se acei-

tasse ficar ali por mais alguns instantes, ouvindo-o, com as m��os

presas nas dele, come��ando a deixar que os seus dedos se entre-

la��assem e come��assem a se fazer car��cias m��tuas e disfar��adas.

91

Sheila estava olhando para ele

com uma express��o volutuosa, na boca, em toda ela o desejo

chamava e pedia, beijos, car��cias. Aquela mulher estava faminta

e ele estava louco por ela. Tentou agarr��-la. Sheila desvenci-

lhou-se. Tremia. Nervosa e tensa como uma hist��rica que quer

ceder, mas n��o cede e pedia, aflita, querendo ir embora, que-

rendo mesmo que ele a deixasse em paz ou que a agarrase a

for��a:

Sim��o agarrou-a pelos seios e puxou-a contra si. Sheila em-

purrou-a. Sim��o apertou-a contra o muro, o corpo calcando con-

tra o dela, sentindo-a tremer, macia, gostosa, a boca tentando

beij��-la resvalava pelo rosto dela, pelo pesco��o, pelos cabelos.

Ela estava toda arrepiada e ele em dolorosa ere����o. Resvalou

uma das m��os para o meio das coxas dela.

Sheila reuniu todas as for��as e empurrou-o. Conseguiu afas-

t��-lo, mas continuou encurralada, entre ele e a parede.

N��o me toque. . . n��o chegue perto, por favor, me

deixe ir.

A voz de Sim��o estava presa na garganta e os gestos e

passos soltos em dire����o a ela, tentando toc��-la, tentando abra-

93

����-la de novo. E lutando e puxando-a para s��, suplicando que se deixasse ao menos beijar, uma ��nica vez, foi arrastando-a consigo

para o pared��o e do pared��o, no empurra e agarra foram acabar

na extremidade do muro que fazia cotovelo para um terreno

baldio.

Sim��o empurrou-a pela parede. Sheila debatendo-se, dizen-

do que iria dar parte dele, Sim��o suplicando que ela parasse de

lutar, se parasse ele a deixaria ir, n��o a tocaria mais

��� Vou dar parte de voc��. Que est�� abusando de sua auto-

ridade, s�� porque �� um delegado.

Ficou com medo. Talvez ela desse parte dele mesmo. Pa-

rou. Ficaram ofegantes um diante do outro. E aquele olhar ati-

��ando-o, os gestos convidando-o, a pose de mulher indefesa, que

tanto lutou para livrar-se dele e agora ficava quieta, im��vel,

como que a espera de que ele a atacasse outra vez. A voz dela

era um lamento.

Ele tornou a peg��-la pelos seios. Ela gritou. N��o alto.

Mas forte. Foi um grito abafado, de s��plica e de amea��a, de

desespero e medo.

��� Pare. Pare sen��o eu fa��o esc��ndalo!

��� Eu n��o quero trair o meu marido.

A voz de Sheila era suave, fraca, t��nue, tr��mula e acima

de tudo sensual, ati��ava-o. Tudo nela o ati��ava diab��licamente.

��� Por favor, me deixe ir, n��o tente mais.

Sim��o soltou-a. Ajeitou os cabelos, passando os dedos por

eles, respirou fundo, tomou f��lego, precisava de muita coragem

para deix��-la ir, para n��o toc��-la mais. Parecia que suas m��os

nervosas ainda seguravam aqueles frutos afrodis��acos que eram

os seios dela.

��� Est�� bem, Sheila, desculpe, perdi a cabe��a, estou mesmo

fora de mim, isto n��o �� certo, eu sei que estou errado, que

n��o deveria ter feito isso, mas. . . acho que enlouqueci. .. des-

culpe. Estou mesmo com febre. Estou louco!

Deu um passo para tr��s para que ela pudesse ir. Sheila

encostou-se no muro. Ficou ali parada, quieta, as m��os e os

bra��os estirados ao longo do corpo que arfava suavemente.

94

Sim��o ficou olhando para ela, viu os seios arfando, os l��bios ��midos, ela passava a l��ngua por eles para umedec��-los

num gesto nervoso, mantinha os olhos fechados. Estava sendo

dif��cil para ela render-se, estava sendo muito mais dif��cil ir

embora. Sim��o deu um passo de novo dire����o a ela. Sheila pe-

diu, desesperando-o e aflita, a voz repassada de desespero tam-

b��m, excitada, perdida numa sensa����o febril:

��� N��o. . . pelo que voc�� mais teme, n��o N��o!

E naquele n��o parecia que toda a sua voz tivesse se es-

coado. Passou por ele correndo, saiu do terreno baldio, saiu da

rua solit��ria, saiu do beco, sempre correndo, s�� parou quando

chegou em casa, depois que atravessou o jardim, ofegante, quase

chorando, depois que abriu a porta, fechou-a atr��s de s�� e jo-

gou-se no sof��.

Quase. Quase acontecera. A coisa mais maravilhosa que

poderia ter esperado, quase acontecera e ela n��o deixara acon-

tecer. Fugira, desprezara, lutara, repudiara. Por que? Que pen-

samento e for��a mais poderosa do que os seus desejos a haviam

impedido de se dar ao homem que desejava? Por que n��o dei-

xara Sim��o possu��-la ali, naquele terreno baldio, esmagando-a

contra o muro? Por que n��o deixara sequer que ele a beijasse?

Sentira as m��os dele ro��arem pelo seu corpo, agarrando-a onde

podia e como podia no af�� de faz��-la parar de resistir. Ele

talvez nem tivesse provado prazer ao passar as m��os pelos seios

dela, pois estava nervoso, com medo, atento tamb��m pelo lugar

onde estavam e ao que se espunha.

Ela sentira a arma do corpo dele por vezes toc��-la e aper-

t��-la, querendo fincar-se nela, sentira-o no seu vigor, excitado,

membro ereto, querendo saltar das cal��as para meter-se nela. E

ela o empurrara, afastara o corpo ligeira, quando o sentira assim,

ao ficar presa nele, como se o membro rijo de um homem a

apavorasse. E o que mais ela havia desejado fora que ele a ti-

vesse vencido, derrubando-a no ch��o com viol��ncia para possu��-la

at�� que ela rangesse os dentes de gozo e gritasse o nome dele

e o enla��asse com bra��os e pernas, mesmo ali no ch��o de terra

e mato daquele terreno baldio. P��s a m��o entre as coxas, como

ele fizera e ficou assim, acariciando-se e chorando.

95

Ofegante, hist��rica, nervosa, excitada ao extremo, Sheila agarrava os seios com as pr��prias m��os e corria as m��os pelo

corpo, desenfreadas, na ��nsia de sentir prazer, de acalmar o

seu furor sexual, repetindo o nome dele com paix��o.

Ouviu batidas na porta. Ficou apavorada. Seria ele? Teria

se atrevido a tanto? Mal podia acreditar. Mal pode mesmo

crer quando perguntou quem era sem abrir a porta e o ouviu

pedir, voz baixa, medroso e ofegante:

��� Sou eu, Sheila, abra, pelo amor de Deus.

��� V�� embora, seu louco, v�� embora, o meu marido pode

chegar a qualquer instante... v�� embora pelo amor de Deus.

��� Abra a porta. N��o me deixe assim.

��� V�� embora. Os vizinhos podem v��-lo. Se o meu ma-

rido ficar sabendo vai ser um inferno. V�� embora, sen��o eu

grito que tem ladr��o querendo invadir a minha casa, eu juro

pelos meus filhos que fa��o isso.

Fez-se sil��ncio. Sheila encostou a cabe��a na porta e pres-

tou aten����o. Sim��o tornou a pedir-lhe que abrisse e o deixasse

entrar.

��� Por favor, n��o haja assim, abra.

��� N��o. Voc�� sabe que eu n��o vou abrir. V�� embora.

Eu vou come��ar a gritar. Quem pensa que voc�� ��? E o

que pensa que sou? As putas que voc�� come na sala de sua

Delegacia? Vou mesmo dar parte de voc��, que est�� me moles-

tando.

��� Est�� bem, fique com o seu macaco, aquele pernilongo

seco! Tomara que ele mate mesmo voc��, sua idiota! Que arre-

bente voc��, sua idiota!

Era absurdo. Mas estava ouvindo isso. Para Sim��o tam-

b��m soava absurda a sua pr��pria voz dizendo coisas como essas.

Estava louco varrido. Saiu da varanda da casa de Sheila, atra-

vessou o jardim e entrou no carro que desastradamente, fora de

s��, deixara estacionado bem diante do port��o.

96

Sheila ouviu-o ir embora. Aquilo que estava acontecendo era mesmo uma loucura. Ficou com medo. Teria algum vizinho

visto o delegado bater daquele jeito em sua porta?

Esperou alguns instantes. Abriu a janela e olhou para a

rua. Seria Deus quem a estava protegendo? S�� poderia ser

bondade divina, mesmo, pois as janelas das casas vizinhas esta-

vam fechadas e n��o viu ningu��m espiando ou por ali.

Saiu, pensando na provid��ncia que teria que tomar e foi

para a casa da vizinha ao lado. Bateu na porta. Antonieta aten-

deu e convidou-a a entrar. Sheila desculpou-se, por chegar assim

no meio da tarde, queria pedir-lhe um favor. Estava com tre-

menda dor de cabe��a, o est��mago enjoado, estava passando mal

mesmo. Seria que uma das filhas de Antonieta poderia ir bus-

car ��s cinco horas os seus filhos no Col��gio? Antonieta pronti-

ficou-se a mandar a filha mais velha, com satisfa����o. Gostava

de Sheila, estava sempre lhe mandando pratinhos com doces e

oferecendo-se para serv��-la em qualquer coisa se ela precisasse.

��� Est�� com enjoo? Est�� mesmo estranha. Tem dor de

cabe��a?

��� Estou me sentindo muito mal.

��� Est�� com enjoo?

��� E tonturas.

��� Ih! ser��o sintomas? Ser�� que est�� gr��vida?

��� N��o. Acho que n��o. N��o tenho certeza. N��o, n��o es-

tou n��o ��� lembrou-se ��� fiquei menstruada esta semana, aca-

bou anteontem, n��o estou gr��vida n��o, gra��as a Deus.

��� Ent��o n��o �� isso. Deve ser o f��gado. Tenho um rem��-

dio bom para males do f��gado. Fique deitada a�� no sof��. Marta

ir�� buscar os meninos. Fique aqui at�� eles voltarem, at�� voc��

se sentir melhor, Vou preparar-lhe um rem��dio, logo estar�� boa.

Sheila aceitou a sugest��o de Antonieta e deitou no sof��.

Tomou o rem��dio amargo que ela lhe trouxe pouco depois e

cobriu o rosto com o bra��o, passando-o por cima dos olhos.

��� Isso, descance. Durma um pouco. Ningu��m a pertur-

bar�� aqui, pode ficar a vontade, mais tarde eu a chamo para

tomar um ch��.

97

Sheila n��o respondeu. Sentia o cora����o estrangulando-se e deixou que a imagina����o a levasse de volta ao terreno baldio

daquele beco que despencava para uma favela, rememorando as

investidas de Sim��o e calculando o que poderia ter acontecido

se ela n��o o tivesse repudiado.

98

Sim��o ficara at��nito quando ela

sa��ra correndo do campinho e de s��bito, instintivamente, como

um ca��ador atr��s da ca��a fora atr��s dela. Ao passar pelo carro

que deixara parado numa rua adjacente, porque fora mais f��cil

segui-la a p��, entrou e dirigiu rumo �� casa dela para onde a vira

correr, sem raciocinar, idiotizado, excitado, completamente fora

de s��.

Mais tarde, dirigindo pelas imedia����es da rua de Sheila e

da Delegacia, Sim��o procurava coordenar ideias e entender como

pudera chegar ��quele ponto e se tornar t��o imprudente. Como

pudera cometer a loucura de tentar agarrar uma mulher �� for��a,

persegui-la e por mais incr��vel ainda ter tido a coragem de ir

bater na porta da casa dela.

Era um caso para interna����o mesmo, n��o restava d��vidas,

nem que estivesse sem mulher h�� cem anos! Nada justificaria

aquela sua atitude louca. Era loucura mesmo. E o que estava

sentindo? O membro espetado dentro da cal��a, doendo, que-

rendo, latejando. Precisava acalmar-se, fazer alguma coisa que

o livrasse do desejo por aquela mulher, pois tinha certeza agora

99

que perdera a ��nica oportunidade de consegu��-la. Nunca teria Sheila. Nunca! Esse nunca ficou ressoando e mais firme em sua

mente quando viu, ao passar no carro mais uma vez pela rua da

casa dela, uma mocinha com os filhos de Sheila. Sheila estava

com medo dele. Nem sequer fora buscar os filhos no Col��gio

como lhe ocorrera que ela teria que fazer e por isso ficara a

postos para v��-la. Mandara a mo��a ir busc��-los. Sheila n��o que-

ria nada com ele. Ela mesmo chegara a amea����-lo. Ela falava

s��rio, mas havia algo contradit��rio. O modo como falava, o

olhar, os bra��os arrepiados, os seus tremores. Mas tudo isso

de nada valia.

Era preciso desistir. N��o tinha sequer que pensar em se

desculpar, em pedir a ela que esquecesse o que fizera. Tinha

que sumir por uns tempos ou meter-se s�� com o que lhe dizia

respeito e esquecer a mulher dos outros, a mo��a linda e sexy

daquele homem feio. Ela pertencia a Hugo. Fora bem clara e

provara com atitudes que n��o queria trair o marido.

N��o podia acreditar no que a sua imagina����o inventava

sobre o tipo dela, tipo-trai����o, olhar luz baixa, corpo sensual,

parecia que estava sempre pronta para gozar, sensual, excitante.

Mas repudiara-o de modo a convenc��-lo que n��o queria mesmo

nada com ele. De trai����o e puta ela s�� tinha a sensualidade,

o aspecto f��sico.

Ele n��o se conformava. Alguma coisa em Sheila fazia-o

pensar que ela tamb��m o queria. Mas ent��o por que evitava-o,

por que n��o aproveitara a oportunidade de se realizarem?

Porque ela era uma mulher, n��o era como os homens e as

mulheres sempre complicam tudo, por falso pudor, pelo condicio-

namento a um modo de vida e comportamento feminino pres-

tabelecido. Ela levava a s��rio o que era ser uma mulher de

respeito, uma mulher casada, embora fosse sequiosa, ardente,

volutuosa, sufocava-se.

O que prevalecia era o pensamento dela, n��o o corpo com

os seus ��mpetos sexuais, com os seus desejos carnais. Fora o

que ela quisera dizer. A mente dela era mais forte do que o sexo.

Dominava-se.

100

Deu um tapa no pinto e gemeu de dor. Era para acal-

mar-se. Mas n��o era ali que o desejo por Sheila estava concen-

centrado. Aquilo s�� se manifestara durante a luta, quando ten-

tara abra����-la. E Sim��o come��ou a rememorar o que havia feito

e como ela reagira. Lembrou as m��os nervosas agarrando-a pelos

seios. Os seios macios, os bicos duros, as coxas roli��as. Levan-

tara a blusa dela, descera as m��os e puxara-a contra s�� pelas

coxas, sentira o corpo dela rapidamente apertar-se contra o seu

e fora a�� que todo o seu sangue fervera mesmo e o sexo entrara

em ere����o, querendo entrar nela, penetrar o corpo dela para

derramar seu gozo e tudo o que fizera fora cutuc��-la e apalp��-la

para enloquecer mais ainda.

Apertara-a contra o muro e ela se libertara, pedira, supli-

cara que ele a soltasse, que a deixasse ir embora.

Como n��o tivera for��as para venc��-la? Porque n��o queria

violent��-la, por isso, porque queria que ela se desse para ele,

queria que ela o abra��asse tamb��m, que demonstrasse que sentia

a mesma coisa. N��o era um tarado sexual, embora estivesse

louco por ela, por isso a deixara ir, por isso correra atr��s dela,

n��o para violent��-la, mas para conseguir que ela se entregasse

"por livre e espont��nea vontade". N��o tivera medo da amea��a, ficara triste.

Anoiteceu e Sim��o estafado, esgotado, decepcionado e triste

como nunca antes, viu que chegara a hora de ir para a Delegacia.

Parou perto de um orelh��o. Ligou para a Delegacia. Cha-

mou o substituto. N��o tinha condi����es de trabalhar. Estava

passando mal. Muito mal. Desligou. Entrou no carro. Preci-

sava de Berta, que Berta o socorresse, que o ajudasse, que vi-

vesse com ele aquela noite, intensamente, para sufocar a id��ia

de conseguir Sheila, pelo menos uma vez, aquela deliciosa e

perturbadora mulher, de seios eretos e duros de coxas ro����as,

com cheiro de sabonete nos cabelos e na pele macia e quente.

Mentalmente, vingou-se, vendo-se como um tarado a vio-

lent��-la. Como um demente esbofetiou-a, rasgou-lhe as roupas,

jogou-a no ch��o daquele terreno baldio e cravou na fenda entre

as coxas dela a sua ��nsia em brasa.

101

Berta estava assistindo televis��o

quando Sim��o apareceu na sala e ela notou a presen��a dele.

��� O que foi, meu bem, voc�� est�� t��o p��lido.

Sim��o ficou parado perto do tocheiro ao lado da porta.

Berta ficou esperando que ele dissesse algo.

��� O que foi, Sim��o?

��� Onde est��o os nossos filhos?

"Onde est��o os nossos filhos?" parecia uma pergunta solene cerimoniosa e autorit��ria, curiosa e esquisita, feita do modo como

ele a fez.

��� Por que?

��� Porque sim.

��� Foram com Carmem Silvia ao cinema assistir Bernardo

e Bianca". Sairam h�� pouco para pegar a sess��o das oito, n��o

sei ao certo, estavam falando tamb��m em ir assistir "Os Trapa-

lh��es e os Discos Voadores", uma coisa assim, com o Renato Ara-

g��o, Mu��um e o Ded��. Dizem que o filme �� ��timo.

103

Tudo bem oportuno. Sim��o precisava dessa noite a s��s com uma mulher e a sua mulher era a que estava a m��o, a mulher

conveniente e prop��cia.

��� ��timo. Venha c��.

��� Por que?

��� Precisa tudo perguntar por que? N��o pode vir at�� aqui

para saber o que eu quero?

��� Voc�� est�� nervoso, Sim��o, o que houve?

��� J�� disse para voc�� vir at�� aqui.

��� E por que voc�� n��o pode vir at�� aqui? Vou assistir a

minha novela das oito, o jornal est�� quase terminando.

Sim��o atravessou a sala e desligou a televis��o num gesto

decidido. Em seguida pegou Berta pelo pulso e puxou-a da pol-

trona onde estava sentada para que o seguisse.

��� Venha comigo.

��� Onde, Sim��o? Voc�� est�� com uma cara t��o esquisita.

��� N��o fa��a perguntas. Venha. N��o fa��a for��a.

��� Eu n��o estou fazendo for��a.

Indignada e rindo j�� desconfiada do jeito do marido, Berta

seguiu-o, sem que ele soltasse o pulso dela. Foram para o quarto.

Sim��o fechou a porta e agarrou-a com viol��ncia, como h�� muitos

anos n��o fazia, como se estivesse estourando de desejo e de

amor por ela.

Os instintos sexuais de Berta logo manifestaram-se. N��o era

uma mulher fria, indiferente ou farta de sexo, ao contr��rio, ape-

nas tinha que ficar assim, �� espera das manifesta����es do marido

que vivia mais cansado do que outra coisa.

Sim��o derrubou-se com ela na cama e Berta parou de rir

para que aquele momento fosse enfrentado seriamente e com

todo ardor.

Sim��o deitou em cima da mulher e olhou-a, no rosto, no

corpo, tirou-lhe o vestido, avaliou o material do qual era proprie-

t��rio. Berta era bonita. Tinha coxas roli��as e fortes, muita sa��de,

vivia na piscina do Clube, as m��os cariciosas, a boca bonita,

olhos negros, expressivos, cabelos lisos, longos, perfumados, sem-

pre bem lavados. Era mesmo bonita. Tinha que se orgulhar dela.

104

Por isso apaixonara-se e casara com ela, porque Berta era uma mulher bonita, culta, inteligente e apaixonada tamb��m por ele.

Tudo isso soava como uma senten��a lavrada de valores adqui-

ridos.

Berta semicerrou os olhos, soergueu as m��os e tomou o

rosto dele entre os dedos caridosos, puxando-o para beij��-lo. A

boca dos dois encontraram-se e Sim��o sentiu forte a loucura e

a sensa����o de que n��o era a boca de Berta que ele beijava, mas

a boca de Sheila. E esfregou-se nela, e sugou-lhe a l��ngua, e

agarrou os seios de Berta. Eram mais volumosos, mais moles.

Os seios de Sheila eram duros comparados aos seios de Berta. O

que importavam os seios de Sheila naquela hora? Seios eram

seios e sexo era sexo. Olhos fechados, sentindo a mulher despir-se

e ajeitar-se, oferecendo-se, abrindo as pernas, foi animando-se

mais, com raiva e com desejo, com uma vontade de copular

como s�� Sheila conseguira provocar nos ��ltimos tempos.

Berta entregava-se e participava ativamente daquela luta

corporal, suando, gemendo, exasperada pelo momento que cus-

tava tanto a acontecer.

Momentos depois, estenuado, insatisfeito e retomado pelo

sentimento que Sheila plantara dentro dele, ouviu-se perguntan-

do a Berta, que em sil��ncio ficara deitada ao lado, quieta, satis-

feita com a mudan��a do marido:

��� Se eu fosse um homem feio voc�� teria gostado de mim,

Berta?

Berta apoiou-se nos cotovelos para v��-lo de frente e meio

corpo debru��ada sobre ele, perguntou, divertindo-se com a per-

gunta que ele estava lhe fazendo t��o pensativo:

��� E quem lhe disse que voc�� �� bonito, seu convencido?

Sim��o atentou para o rid��culo que estava se tornando. Es-

tava parecendo um homem convencido e partiu para a brinca-

deira a fim de disfar��ar o que os pensamentos estavam criando

em sua mente:

��� Bem, feio eu n��o sou, mas eu queria saber se eu fosse

um magricela, pequenininho, feio, desengon��ado, sem gosto at��

pra me vestir, voc�� teria casado comigo?

105

��� N��o entendo a raz��o de uma pergunta dessas. Casei

com voc�� por ter me apaixonado por voc�� como voc�� ��, se fosse

de outro jeito como poderia me apaixonar?

��� Isso �� o ��bvio. Mas se eu n��o tivesse aparecido na

sua vida ou se tivesse aparecido na forma de um homem muito

feio, isto ��, voc�� acha que. . . ih! deixa pra l��, eu apenas estava brincando, tirando um sarro.

��� Sarro!?

��� ��. Fazendo de conta que eu sou o gal�� da novela que

voc�� perdeu.

��� N��o �� o desta novela, mas se parece muito com o da

novela ��ltima que passou.

��� Quem? O Cuoco?

��� Voc�� sabe.

��� Legal. Ent��o j�� sei porque voc�� se apaixonou por mim

e casou comigo. Se eu fosse feio ou se ficasse feio de repente,

voc�� gostaria assim mesmo?

��� Voc�� n��o �� feio e nunca ficar�� feio.

Sim��o encerrou a conversa. Foi para o banheiro e tomou

uma ducha.

Fora sobre Hugo e Sheila que ele estivera tergiversando.

N��o parava de pensar nos dois. Sob a ��gua que batia sobre o

seu corpo ele come��ou a raciocinar como as mulheres eram com-

plicadas e imprevis��veis. N��o era conveniente alertar Berta para

as suas preocupa����es para que ela acabasse desconfiando que

realmente algo estranho estava se passando com ele.

Ele bem sabia como as mulheres eram e a que poderiam

chegar. Um homem feio ou um gorila, quando a sanha sexual

est�� em evid��ncia n��o faria diferen��a para eles, ao contr��rio va-

leriam mais do que uma masturba����o ou um meio-homem, um

brocha, um bicha ou um homem bonito incapaz de satisfaz��-las

o que importava era o ato sexual, algu��m dominando-as, pos-

suindo-as.

S�� podia ser isso ent��o. Hugo era bom de cama. Magre-

los como ele, bem sabia, eram bem servidos. A feiura de Hugo

deveria estimular os instintos sexuais e o que ele n��o teria

106

feito e o que n��o faria para dominar Sheila sexualmente como conseguira! Ah! as mulheres e o seu furor sexual! Lembrava

bem tudo o que lera a respeito. At�� com animais certas mulhe-

res seriam capazes de manter rela����es na falta de um homem.

Lera muito. Casos estranhos, fen��menos, sodomia, bestialidade,

taras,

E chegou �� conclus��o, que Sheila mantendo rela����es com

aquele bicho feio n��o estaria mais do que praticando sodomia,

submetendo-se ��s taras de um animal feroz e fant��stico no ato

sexual, com o seu pri��po volumoso e pr��tico para satisfaz��-la

como um objeto sexual grotesco e excitante.

��� Viciada! Porca! ��� Resmungou baixinho e enrolou-se

na toalha, saindo do banheiro. Olhou para Berta com uma cara

de quem est�� prestes a devorar algu��m.

��� O que foi, meu amor?

��� Eu sou um gorila. . . Um gorila magro, mas bem ser-

vido! Feio, horroroso! Estou me sentindo um gorila. . . e quero

que voc�� seja a v��tima que eu vou violentar.

Berta riu e pulou da cama, correndo pelo quarto. Sim��o

deixou cair a toalha e correu atr��s dela at�� que ela se deixou

pegar e os dois ca��ram de novo sobre a cama.

��� Nossa, como voc�� est�� louco hoje.

��� Louco, n��o, tarado, virei um bicho, um gorila feio.

E Sim��o agarrou os seios de Berta com f��ria levando os

bicos tesos �� boca.

107

Quando Hugo chegou em casa

encontrou os filhos assistindo televis��o e Sheila deitada no sof��.

��� J�� jantou? S��o mais de onze horas. Pensei que voc��

n��o viesse para casa hoje ou que fosse aparecer s�� de manh��

como de costume.

��� Vai come��ar?

Sheila estava irritada, com raiva de s�� pr��pria e n��o con-

tinha os nervos. Tudo por causa de Sim��o, de Hugo, da m��e

dela, das irm��s, dos filhos. Todo mundo tinha culpa pelo que

ela estava passando. O que tinha vontade mesmo de fazer era

s a i r , ir at�� a Delegacia e pedir a Sim��o que a levasse pra qualquer lugar, at�� mesmo para um daqueles barracos da favela na

encosta do morro. Aquele idiota, bem que poderia ter-lhe dado

um sopapo e a tomado a for��a. Ela n��o estaria agora sentindo

aquelas c��licas e com os nervos �� flor da pele.

Hugo estava remexendo nas panelas na cozinha e os meni-

nos haviam ido atr��s dele. Sheila foi para a cozinha e mandou-o sentar. Ela ia fritar o bife e as batatas.

109

��� N��o, deixa, serve s�� o arroz e o feij��o, n��o quero dar trabalho.

��� Isso n��o me d�� trabalho, tenho que fazer mesmo. Ou

prefere um ovo frito, um bife a cavalo?

��� Qualquer coisa, ent��o.

Hugo chamou a aten����o de Cleber que enfiou na boca o

a��ucareiro que ele trouxera com jeito de um restaurante.

Sheila n��o gostava quando ele chamava a aten����o dos me-

ninos, mesmo que fosse para educ��-los. A impress��o que tinha

era que ele n��o era o pai deles. Seus filhos eram filhos do

fantasma que ela criara quando tivera rela����es com Hugo.

Enquanto o bife frigia na panela e as batatas fritavam na

frigideira, Sheila olhou de esguelha para o marido que ap��s sair

da cozinha voltava com uma toalha, dizendo que ia tomar um

banho r��pido, que ela deixasse tudo no prato.

��� Ent��o ande logo para n��o comer tudo frio.

Hugo foi para o banheiro e ela ficou pensando em Sim��o.

Naquele tipo m��sculo e bonito de homem, com os seus cabelos

crisalhos nas t��mporas, lembrando tanto a Leonel, parecendo

tanto com o Francisco Cuoco. Ele a desejava e ela o desejava.

Reviveu a cena no beco. Sentiu em arrepios as m��os m��os dele

apalpando-a. Sacudiu a cabe��a. As vozes das crian��as acorda-

ram-na do enlevo. Entretanto, estava ali, fritando bife para um

pernilongo seco, um macaco como Sim��o xingara ao Hugo.

Sentiu-se estranhamente ofendida, magoada, por Sim��o ter

xingado Hugo t��o maldosamente. Ele era feio, sim, mas. . . N��o

sabia o que pensar, apenas n��o gostara e n��o gostava quando

comentavam a respeito do tipo f��sico de Hugo. Com toda a

sua feiura, quando ela n��o queria ter rela����es com ele, reconhe-

ceu que com toda a sua magreza e apar��ncia de homem fr��gil,

Hugo era bem mais macho do que o pr��prio Leonel, agarrava-a

com for��a, lutava com ela e conseguia subjug��-la. Montava nela

feito um animal e n��o saia de cima dela at�� ter certeza de que ela

tamb��m gozava. Muitas vezes tentara fingir para que ele a sol-

tasse, mas Hugo vociferava feito um monstro, obrigando-a a rela-

xar o corpo, a mover-se, a fazer for��a e coisas, a dar para ele,

110

at�� que sent��a que realmente ela estava gozando, pata ele, com o corpo dele, pondo nela. E ela acabava esquecendo o aspecto

feio de Hugo pelos prazeres arrebatadores que ele conseguia arran-

car dela, com brutalidade, com viol��ncia, machucando-a, mas fa-

zendo-a vibrar at�� quase o desfalecimento. Tinha que confessar

a s�� mesma que Hugo era fabuloso na cama. Que o sexo dele

metido nela tinha como que eletricidade e endoidecia-a de gozos

semult��neos, Hugo extravassava tudo o que possuia de melhor,

na cama, em cima dela.

Um bicho, feio, metido, exibido, convencido, tudo por com-

plexos! Hugo era isso. Um monte de complexos. Sentiu o

cheiro de sabonete e a presen��a de Hugo na cozinha que diri-

giu-se ��s crian��as:

��� Pra cama, vamos, est�� na hora. J�� desliguei a televis��o,

quero jantar sossegado.

Sob o roup��o, assim de costas, embora a estatura dele

quase batesse com a dela, os cabelos negros e encaracolados

que ele estava deixando crescer, a barba por fazer, bem cres-

cida, notadamente as costeletas e aquela orelha maior do que a

outra, embora tudo isso, Hugo n��o lhe pareceu t��o feio como

todos diziam e como ela sempre achara.

Uma orelha maior do que a outra! A esquerda maior do que

a direita e se n��o tivesse feito tratamento quando ainda crian��a,

assim que os pais notaram aquela anomalia, aquele defeito, tal-

vez a orelha tivesse crescido mais, mas gra��as ao tratamento

estacionara.

Hugo vivia fazendo chek-up, com medo daquela hipertro-

fia. E tamb��m se vangloriava de uma certa hipertrofia que

ela podia bem notar quando ele ficava s�� de cueca andando

na frente dela. Era um falso magro. De cueca e de cal����o de

sanho ele mostrava coxas fortes e grossas. Ossudo, punhos lar-

gos, seria Hugo t��o feio como diziam e sempre achara? Ou

nessa noite estava t��o revoltada por ser honesta, por ser uma

mulher de respeito e por n��o ter cedido a Sim��o como era o

que continuava desejando que chegara ao ponto de olhar para

Hugo de modo diferente achando-o de certa forma, interessante

de aliviar-se, de uma compensa����o.

111

Hugo jantou e ela foi p��r as crian��as na cama. Quando ela saiu do quarto das crian��as, Hugo j�� estava sentado na sala

assistindo a televis��o que ligara baixinho.

Tinha na m��o um copo de u��sque e no cinzeiro um cigarro

aceso. Sheila olhando para ele, achou que se quisesse, poderia

at�� carreg��-lo no colo. E na mente, conspurcada pelo desejo

carnal ativado nessa tarde, viu-se com ele passando as pernas

pela cintura dela, membro enfiando-se entre as suas coxas e os

dois andando assim pela casa, ela carregando-o, sustentando um

gozo que n��o estancava, aclopados e vibrando.

Hugo percebeu a presen��a dela, observando-o e voltou a

cabe��a para olh��-la.

��� O que foi? As crian��as j�� dormiram? Quer alguma

coisa?

Sheila aproximou-se do sof�� e estendeu a m��o para o copo

dele.

��� Posso tomar um gole?

��� Claro, a vontade.

Sheila tomou todo o conte��do de uma vez s��. Hugo arre-

galou os olhos pelo atrevimento dela, pois sempre evitava que

ela bebesse esse tanto, mas o olhar que ela lan��ou estava t��o

esquisito que ele n��o disse nada e ficou curioso, vendo-a encher

o copo outra vez, tornar a beber e estender o resto que deixara

no fundo do copo para ele.

��� O que que deu em voc��, Sheila?

��� Adivinha.

Rodou nos, calcanhares e saiu da sala. Ele a ouviu mexen-

do nas gavetas e uepois ir para o banheiro. Ficou aceso. O pen-

samento criou uma cena na mente dele. Se ela n��o quisesse,

nessa noite, nem que os dois fossem parar outra vez na Chefa-

tura de Pol��cia, nem que ela alarmasse toda a vizinhan��a, ele

iria possu��-la a for��a at�� esgotar-se. E bebeu de um gole s�� os

dois dedinhos de u��sque que ainda restava no copo. Tornou a

servir-se e foi bater na porta do banheiro.

��� Abra, Sheila, quero fazer xixi.

112

De dentro do box, Sheila estendeu o bra��o e destravou o trinquinho. Hugo abriu a porta e entrou. Tirou o roup��o

e pendurou-o num prego atr��s da porta. Sheila via os movi-

mentos dele por tr��s da cortina de pl��stico cor lil��s, que ro-

deava o box. Hugo estava s�� de cueca de malha, grudada no

corpo. Assim, como um vulto ele parecia um menino, um mo-

leque. Um moleque com um membro superdesenvolvido. A

��gua escorria pelo corpo dela, e a excita����o crescia. Hugo tirara

o membro fora da cueca e fazia xixi, na frente dela, isto ��, no

vaso da privada ao lado do box, fingindo crer que ela n��o podia

v��-lo, assim por tr��s da cortina.

Ele acabou de fazer xixi e puxou a cortina do box, apa-

gando a luz do banheiro, deixando apenas a arandela do arma-

rinho da parede acesa, segurando o membro com ambas as m��os,

como se carregasse algo muito precioso.

��� Posso me lavar? Fiz xixi, enxuguei-me, mas acho que

preciso me lavar.

Hugo estava sendo sem-vergonha e descarado. Fingia n��o

olhar para ela, mas o seu instinto animal dizia-lhe que por um

motivo qualquer, nessa noite Sheila estava com vontade de fazer

alguma coisa e ele bem saberia explorar a vontade dela, exibin-

do o que ele sabia ter de melhor.

Ah! se Sheila soubesse, se pudesse imaginar, n��o ficaria

sempre pensando que ele era um enjeitado, que as mulheres n��o

o queriam e que s�� saiam com ele por dinheiro, como ela debo-

chava quando brigavam. Ele era o tal na cama, sabia disso.

Havia mulheres que adoravam o membro dele e at�� o beijavam

e faziam coisas com ele de arrepiar os pelos da nuca e do resto

do corpo.

Se ela soubesse o que j�� acontecera com ele e a tia dela!

Fora Herc��lia que o tocara primeiro, numa festa, no anivers��rio

de M��rcia, da irm�� dela. Herc��lia era uma mulher bonita. Esta-

vam todos bebendo no quintal perto do barril de choppe e ele

sentiu vontade de ir ao banheiro. A porta estava fechada, era

Herc��lia quem estava l�� dentro enquanto ele esperava e assim

que ela abriu a porta e o viu, exclamou:

113

��� Oi! O bicho feio!

E passara os bra��os ao redor do pesco��o dele, beijando-o

na boca. Em seguida descera a m��o para o meio das pernas

dele, agarrando-o pelo sexo. Estupefato com o que estava acon-

tecendo, vira-se de repente dentro do banheiro com a tia de

Sheila completamente nua, mantendo rela����es com ele, ofegante,

com medo e apressado. Hugo possuiu-a. Herc��lia gozara feito

uma desvairada e pedira a ele que n��o contasse nada a ningu��m,

mas que poderia ir procur��-la sempre que tivesse vontade, por-

que ela era tarada por homens como ele, pois o que interessava

era o fogo que ele despertava nela e mexeu e remexeu e envolveu

o sexo dele nas m��os nervosas como se estivesse tocando o

objeto mais precioso do mundo.

De vez em quando ele e Herc��lia encontravam-se, mas ele

n��o estava a fim, n��o e j�� pensara em p��r um ponto final ��s

sa��das com ela, afinal Herc��lia tinha um marido legal que sem-

pre o tratava com muita educa����o.

Hugo lavou o seu objeto precioso com cuidado e Sheila vi-

rou-se de costas para ele, como se o estivesse achando inde-

cente fazendo aquilo na frente dela.

��� Quer me ensaboar as costas?

Hugo, em sete anos de casado, jamais ouvira tal pedido

sair dos l��bios sensuais da sua desejada mulher. Pegou a es-

ponja, ensaboou-a e come��ou a pass��-la pelas costas dela, desceu

para as n��degas, atrevidamente lavou-a nas partes mais ��ntimas

e sentiu-se crescer, descomunalmente, at�� que rangeu os dentes

e virou-a de frente para s��, membro rijo, espetado para cima,

a boca bateu nos seios dela, lambeu-os, sugou-os, amassou-os

com as m��os nervosas enquanto sentia as m��os de Sheila diri-

girem o seu membro para o lugar certo.

E ficaram se esfregando, lambendo-se, num vai-e-vem de-

morado, num entra-e-sai, fazendo-se coisas um ao outro que nun-

ca se haviam feito antes, sob a ��gua que caia quente sobre os

seus corpos febris.

114

��� Vamos para a cama. ��� Disse Hugo puxando Sheila

para fora do box.

Molhados correram para o quarto. Na semi-escurid��o do

quarto Hugo parecia mesmo um menino e Sheila sentiu como

se ela o estivesse violentando.

��� Acenda a luz. Quero fazer tudo no claro.

Mal acreditando no que ouvia, Hugo apertou com dedos

nervosos o comutador e o quarto ficou todo iluminado, para

que ele visse, nua e a espera dele, Sheila estirada na cama, as

pernas abertas, a boca excitando-o naquele gesto obsceno de pas-

sar a l��ngua pelos l��bios, umedecendo-os, as m��os esmagando os

pr��prios seios.

Depois ela estendeu a m��o para o membro em ere����o e

acariciou-o e foi puxando-o de vagarinho, com jeito, ajeitando-se,

erguendo as pernas para que ele se metesse entre as coxas e

pediu:

��� Com for��a, Hugo, com toda a sua for��a, me possua, eu

quero dar loucamente para voc��, me fa��a. . . fa��a. . . me pe-

netre.

115

Hugo n��o saiu para trabalhar na

parte da manh��. Sheila foi acord��-lo j�� era quase meio dia.

��� Est�� com vontade de fazer xixi?

��� Como sabe?

��� Est�� com isso a�� fazendo uma cabaninha com o len��ol.

Hugo riu e Sheila sentou na beira da cama. A m��o desli-

zou para o volume sob o len��ol de flores.

A m��o ficou cheia com o volumoso membro. Movimentou-a

em torno dele, excitando-o e perguntou com voz ardente;

��� Quer mais?

��� Leve as crian��as ao Col��gio e volte para casa.

��� O que deu em voc��?

��� Por que? N��o quer?

Hugo estendeu os bra��os e puxou-a sobre si. Sheila des-

vencilhou-se. Ele ainda sugou-lhe os seios, deixando-a com os

bicos duros. Sheila afastou-se.

��� Agora n��o, as crian��as est��o andando pela casa.

��� Feche a porta e mande-as brincar no jardim.





117


��� N��o. Elas t��m que ir ao Col��gio.

��� Leve-as voc��, ent��o.

Hugo estendeu os bra��os puxando-a sobre s��. Sheila sentiu

o sexo do marido cutuc��-la, mas resistiu.

��� As crian��as Hugo!

��� Leve-as logo para o col��gio.

��� Puxa, Hugo, subir essa ladeira? V�� voc��, por favor.

E volte logo. Enquanto voc�� se veste eu preparo algo para

voc�� comer, e quando voltar. . . vai ter uma surpresa.

��� Que surpresa?

��� Gostou de ontem? N��o v�� como estou? ��� Ela passou

a l��ngua pelos l��bios e pegou os seios com as m��os, acariciando-os

para que ele visse que ela estava com muita vontade.

��� Estou assustado e desconfiado. O que �� que voc�� est��

querendo de mim?

Sheila saiu do quarto r��pida, sem responder e bateu a porta.

Hugo foi atr��s dela e encontrou-a na cozinha.

��� Desculpe, n��o fique chateada comigo. �� que nunca tive

voc�� como ontem, nem acredito, foi uma loucura. . . �� uma

loucura ver voc�� assim desse jeito.

��� Pois �� assim que estou me sentindo e quero que v��

levar as crian��as e que volte logo, bem depressa. Vou ficar

esperando. Vou tomar um banho bem gostoso e vou ficar espe-

rando voc��. Quero que a gente fa��a bastante, que voc�� me pos-

sua como nunca, que fique bem louco, que me fa��a perder a

cabe��a.

��� Nossa!

Hugo correu de volta para o quarto, vestiu uma cal��a de

brim, a que Sheila sempre sugeria que ele vestisse, pois achava

que ficava bem, marcava as pernas dele, podiam ver que ele

n��o era t��o magro quanto parecia, que tinha coxas fortes e um

volume bem acentuado entre elas. Aquele volume sempre a

excitava, sempre achara que Hugo valia um homem inteiro por

aquilo, s�� por aquilo. Mas o que seria aquilo sem a sua perso-

nalidade? Era uma verdade que ela come��ava a admirar.

118

Hugo tomou apenas um caf��, frio mesmo e saiu com as

crian��as.

Sheila suspirou aliviada e triste. Mas era preciso agir assim.

O melhor era evitar passar em frente da Delegacia. N��o queria

ver Sim��o. Queria que Hugo levasse as crian��as e que ficasse

em casa e que se Sim��o passasse por l�� que visse que ela n��o

estava sozinha. Ele iria entender vendo os quatro carros na ga-

ragem. Para espantar Sim��o da cabe��a, para estancar aquele

desejo, iria dar-se ao marido e fazer com ele tudo o que n��o

fizera nos sete anos de casada.

Hugo era feio, mas limpo, bem perfumado. Estava dei-

xando a barba crescer. Era peludo e os pelos cresciam r��pidos,

da noite pro dia j�� estava com o rosto bem coberto de pelos.

E s�� resolvera deixar a barba e os cabelos crescerem h�� quatro

dias. Os pelos disfar��avam um pouco a feiura dele.

Hugo parecia um bicho. E ela seria do bicho, porque es-

tava louca de vontade de ser amada por outro homem e isso n��o

podia ser. O que importava era que tinha for��as para vencer a

s�� pr��pria.

Sim��o tamb��m era casado. Vira a alian��a na m��o dele.

Deveria ter filhos. Leonel tinha. Ela tamb��m. Precisavam res-

peit��-los. Ela era do marido dela. S�� do Hugo. N��o podia per-

tencer a outro homem. Iria fazer tanto, tanto, com Hugo que

ficaria dolorida, sem desejo algum queimando-lhe o corpo. Iria

esgotar tudo. Hugo precisava ajud��-la a vencer aquela loucura.

Abriu a estante que servia de bar e pegou a garrafa de

u��sque. Quase encheu o copo. O l��quido desceu pela garganta

queimando, gostoso, logo a cabe��a come��ou a virar e o corpo

como que a flutuar.

Foi para o banheiro. Tomou banho. Perfumou-se. Foi

para o quarto, deitou na cama. Nua sobre as cobertas. Ficou

esperando. Imaginando como seria bom se ouvisse a porta ser

arrombada e Sim��o aparecer no quarto disposto a enfrentar o

mundo s�� para possu��-la. Como essas coisas n��o podiam acon-

tecer, deu largas �� imagina����o e sonhou o poss��vel, o que po-

deria ser se ela quisesse.

119

Viu-se telefonando para ele, marcando encontro, entrando no carro dele e ele levando-a para um motel, numa estrada.

Como Hugo fizera uma vez em que haviam brigado numa festa

na casa da m��e dele. Sempre brigavam nas festas. Ela sa��ra

da casa para a rua, correndo, com ��dio dele, porque Hugo a

caluniara. Dissera que ela estava dando aten����o demais ao irm��o

dele, que ela era uma sirigaita, que ele precisava estar sempre

vigiando-a. Hugo alcan��ara-a de carro e fizera-a entrar, levan-

do-a para a estrada que saia da marginal, perto de onde estavam.

As id��ias surgiam na cabe��a de Hugo e ele as punha em

execu����o, decidido. E assim entrara com ela no motel e alugara

um chal��, vociferando que ela era dele e que iria dar pra ele,

do jeito que ele quisesse nem que tivesse que mat��-la.

Sheila reconheceu que apesar de n��o amar Hugo ele a ex-

citara. Pusera culpa na bebida, mas o certo �� que gostara e

maior parte do tempo fingira que n��o queria, s�� para que ele

exigisse que ela fizesse coisas, dando-lhe tapas e sacudindo-a

com viol��ncia, cavalgando em cima dela, penetrando-a com o

seu membro volumoso demais para o seu tipo f��sico. Hugo

tinha for��a. Era como um instrumento er��tico mal acabado no

resto. O resto era o corpo dele porque o sexo era perfeito e

fechando os olhos, sentindo-o agitado em cima de s��, Sheila

vibrava at�� quase o desfalecimento.

Hugo estava de volta, surpreendendo-a em tais pensamen-

tos. Aproximou-se da cama e ficou olhando para ela. Sheila aca-

riciava os seios e alisava os pelos do p��bis, sem perceber que

ele a estava observando. Parou quando percebeu que ele es-

tava ali.

Hugo tirou a roupa e deitou ao lado dela. Sheila abriu

os olhos e pediu:

��� Fa��a comigo como naquela noite no motel.

��� Voc�� me faz perder a cabe��a.

��� Tinha algo mais importante para fazer do que ficar

comigo?

120

��� S�� deixei de ir trabalhar.

��� Est�� arrependido?

��� N��o. Eu vou cobrar o dia.

Hugo abra��ou Sheila, puxando-a para s��. Ela queria sexo

e ele sentia necessidade de carinho, de palavras de amor.

��� Voc�� gosta de mim um pouco, Sheila?

Sheila fechou os olhos. Era Sim��o que estava perguntando.

��� Gosto muito.

��� Vou ter que fazer mais uma viagem aos Estados Uni-

dos. Desta vez quero que v�� comigo.

��� E as crian��as? N��o tenho coragem de deix��-las com

ningu��m. E acho que voc�� deve parar de fazer essas viagens.

��� Por que?

��� �� perigoso. Sei l�� o que voc�� anda comprando para

essa gente. �� melhor n��o viajar.

��� Voc�� tem medo que algo me aconte��a?

��� Claro que tenho. N��o quero que voc�� v��. Quero que

largue esse servi��o, que venda tr��s carros, que fique s�� com um.

A gente precisa levar uma vida mais. . .

��� Mais o que, Sheila?

��� Mais normal.

Hugo pegou o rosto dela entre as m��os. Aquelas pareciam

palavras de carinho. Viu l��grimas nos olhos de Sheila. Ela

nunca chorava. Dificilmente. S�� quando estava com muita raiva.

Em geral chorava por causa de alguma coisa que a m��e fizera

ou dissera. Ele n��o gostava da sogra. E lutava para vencer

financeiramente e tudo o que fazia era para provar que ele e a

mulher dele n��o precisavam de ajuda de ningu��m.

Ele a beijou na boca e Sheila correspondeu. Geralmente

Sheila apenas se deixava beijar. Ela pegou a m��o dele e con-

duziu-a para o seu seio. Passou os bra��os em torno do corpo

dele, fazendo-o ficar sobre s�� e pediu:

��� Me ama.

121

Sim��o estava impaciente esperan-

do que Dito, o investigador a quem incumbira de colher infor-

ma����es a respeito de Hugo, aparecesse com as novidades.

Estava convencido que Sheila era realmente fiel ao marido.

H�� um m��s n��o a via passar para levar as crian��as ao col��gio.

Era sempre a mesma mocinha que ia lev��-los e busc��-los. Na

garagem estavam apenas dois carros. A Bras��lia e o Fusc��o.

Hugo por certo vendera os outros dois, mas Sim��o achou que

seria melhor investigar a vida de Hugo de uma vez por todas

s�� para tir��-lo da cabe��a, prometendo-se que descobrisse fosse

o que fosse n��o tomaria provid��ncia nenhuma contra ele. Dei-

xaria que o tempo o fizesse cair nas redes da Justi��a, se Deus

assim o quisesse.

Precisava provar que o seu faro ou intui����o n��o falhava,

pois cismara que Hugo devia estar metido em algum neg��cio

sujo.

H�� um m��s n��o via Sheila. ��s vezes passava em frente da

casa dela, mas ela nunca estava nem na janela, nem no jardim.

Contava os dias e conseguia convencer-se que conseguira desistir

123

dela. Mas n��o desistira. Era que ela n��o o queria ver mesmo e escondia-se como uma coelha medrosa em sua toca com aquele

seu marido feio,

O investigador Dito chegou e entregou-lhe uns pap��is, acres-

centando:

��� Tudo certo com o homem, doutor. Nada contra ele.

Fiz todas as investiga����es. Ele estuda. Vai duas a quatro vezes

por semana a Guarulhos. Est�� no ��ltimo ano de Direito. �� bom

aluno. Vendeu os dois carros. Descobri quem os adquiriu e

me informei at�� o pre��o que pagaram. Est�� tudo a�� descrimi-

nado. Quanto �� Firma Importadora, deixou de trabalhar para

eles h�� vinte e cinco dias. Estava preparando-se para viajar de

novo aos Estados Unidos para comprar material ortop��dico e

prot��tico, mas saiu. Tiveram que arranjar outro viajante. O

motivo pelo qual ele saiu da Firma Importadora para n��o viajar

mais �� porque a mulher dele est�� gr��vida.

Sim��o ficou p��lido. Quase ama��ou os pap��is que o inves-

tigador Dito pusera sobre a mesa. Sheila gr��vida. Mais um

filho de Hugo! E nada contra ele.

��� Est�� sentindo alguma coisa, doutor?

Sim��o recuperou-se, n��o querendo que o investigador per-

cebesse que o que ele disse sobre Sheila, estar gr��vida, aba

lara-o. A voz saiu-lhe emplastada pelos l��bios:

��� Quero que continue investigando essa Firma Impor-

tadora.

Hugo podia ter se safado de alguma coisa, mas tinha cer-

teza que ele participara de algum contrabando. S�� queria ter

certeza de que n��o se enganara a respeito dele. Agora, pensando

em Sheila gr��vida, sentia um n�� na garganta. Logo ela estaria

com a barriga grande. Talvez ela estivesse gr��vida mesmo, por

isso ela tivera for��as naquele dia para resistir e repudi��-lo. Ou

Hugo teria mentido, dando uma desculpa para desassumir-se do

compromisso de viajar porque estava com medo? Talvez Sheila

o tivesse feito deixar tal servi��o porque ele ficara de olho neles!

Era isso o que ela estava pensando, que ele estava desconfiado

deles.

124

Espantou tais pensamentos. Chamou Dito outra vez �� sua sala. Tinha um plano. Tinha que executar o que a mente ditava e exigia.

��� Quero que voc�� siga esse homem e que me avise se

por acaso ele viajar. Fique de olho na Firma Importadora para

a qual ele trabalhava, se receberem mercadoria pela Alf��ndega

do Aeroporto ou de Santos, investigue e me avise.

��� Quer que eu fique seguindo-o sempre, doutor? At��

quando?

��� Quando puder e at�� que descubra se ele viajar. Tenha

algu��m para avis��-lo na alf��ndega sobre a chegada de qualquer

material prot��tico, em qualquer parte do pa��s.

��� Acha que ele est�� trabalhando para outra Firma Impor-

tadora? Quer que eu descubra isso?

��� N��o importa para quem ele esteja trabalhando para. S��

quero que me avise se ele viajar.

��� Para qualquer lugar?

��� Sim, para qualquer lugar, Santos, Rio de Janeiro, It��,

S��o Roque, para qualquer lugar.

Sim��o estava nervoso. O homem parecia mesmo ter per-

dido a cabe��a. Dito saiu da sala intrigado, mas gostava de

Sim��o e acreditava tamb��m que se ele pusera o olho naquele

sujeito era porque ia acabar descobrindo alguma coisa bem s��ria.

125

Estava fazendo frio. Sim��o pe-

diu um chocolate quente e logo o servente atendeu-o. Berta te-

lefonou. Pediu-lhe que quando ele fosse para casa que parasse

na Farm��cia e comprasse um expectorante. Gilberto, o filho

mais jovem estava com tosse e febril. N��o era nada grave, mas

ele estava tossindo muito.

Gilberto com febre, Carmem Silva de fossa por que briga-

ra com o namorado, J��nior enchendo a cabe��a dele que queria

uma motocicleta, Berta reclamando porque ele mudara de novo,

n��o bancava o gorila, chegava em casa triste, metia-se na cama

e fingia dormir quando ela o procurava. Estava outra vez can-

sado. O homem tarado, o bicho feio, o gorila peludo que a

violentara naquela noite mliagrosa, morrera. Sim��o virara um

farrapo de homem, sempre pensativo, levava meia-hora para

tomar um caf�� e comer uma torrada. Sempre pensativo ficava

irritado se lhe faziam perguntas e sugeriam que ele precisava

tirar f��rias.

N��o adiantava. O que ele precisava mesmo, o ��nico rem��-

dio seria ver Sheila s�� mais uma vez, falar com ela, de qualquer

127

jeito. N��o queria compromet��-la com o marido e nem com os vizinhos como imprudentemente quase fizera na tarde em que a

seguira, nem queria que Hugo estivesse realmente envolvido com

alguma coisa fora da lei, mas precisava usar de qualquer meio

para ver Sheila de novo. Por isso pedira ao investigador que

ficasse de olho em Hugo e o avisasse caso ele saisse da cidade,

e nesse dia iria procur��-la. Ora se iria! Nem que fosse para

ela enxot��-lo ��s vassouradas.

Dito recebia dinheiro do bolso dele. Sim��o n��o se impor-

taria de gastar fosse quanto fosse para saber quando Hugo via-

jasse.

Mas o tempo passou, Dito estava sempre precisando de di-

nheiro para gasolina e Hugo n��o viajava. Entretanto ficou sa-

bendo dos seus hor��rios. Que ��s sete, nas segundas, quartas e

sextas ele ia para Guarulhos e s�� voltava depois das dez. Muitas

vezes ficava num bar da Galeria Metr��pole at�� bem tarde, to-

mando choppes com alguns amigos. Durante a tarde ficava numa

Ag��ncia da Bar��o de Limeira comprando e vendendo autom��-

veis. Ficava por ali, pela boca, trabalhando para certas casas

e para s�� pr��prio. Na garagem da casa dele j�� tinha de novo

mais dois carros. Um Fiat e um SP-2. Ficou sabendo que Hugo

pretendia abrir uma Ag��ncia de Autom��veis e estava fazendo

especula����es.

Sim��o desistiu finalmente de mandar seguir Hugo. N��o

valia a pena. N��o adiantava e estava gastando muito. Qualquer

hora, se Deus ou o diabo quisesse, ele veria Sheila, pois n��o

conseguia mesmo tir��-la da cabe��a.

Al��m de tudo estava ficando mal visto. Todos o olhavam

como a acus��-lo de alguma coisa.

128

Sim��o ouviu coment��rios mais

definidos sobre uma medida a ser tomada pelos delegados para

conseguirem aumento de sal��rio. A nova sistem��tica adotada se-

ria cumprir rigorosamente a lei, n��o se faria deten����es averigua-

cionais e s�� seriam recolhidos presos em caso de flagrante.

Grande tens��o come��ava j�� a verificar-se na Pol��cia Civil.

A situa����o chegara a um ponto que os delegados n��o podiam

mais manter-se e aceitar aquele regime or��ament��rio estrangula-

dor, pretendendo ao menos uma equipara����o salarial aos promo-

tores p��blicos.

Se a crise se prolongasse haveria um aumento de crimes

contra o patrim��nio.

Era uma medida s��ria, necess��ria e honesta tomada pela

Pol��cia Civil, j�� que podia-se constatar pelo movimento dos de-

legados que eram em n��mero de doze mil em S��o Paulo e que

foi em poucos meses, reduzido para oito mil.

Sim��o tamb��m ��s vezes pensava em mudar de profiss��o,

mas acabava sempre engolido por mais um caso para resolver

129

e o tempo ia passando e ele ficando por tr��s daquela mesa na Chefatura de Pol��cia agarrado pelo seu ideal.

Nos jornais o ��ndice de roubos e crimes eram explorados,

num aumento ��s vezes exagerado, com sensacionalismo, mas na

verdade o n��mero de presos recolhidos diminu��a, pois os dele-

gados que n��o seguissem rigorosamente a lei, fazendo apenas

pris��es em caso de flagrante, seriam considerados traidores.

Se quisesse perseguir Hugo teria que faz��-lo quando aquela

crise passasse, a menos que lavrassem um flagrante do homen-

zinho, passando t��xico ou assaltando uma casa, o que acreditou

jamais aconteceria.

Vez ou outra Dito trazia uma not��cia sobre Hugo, talvez

para puxar-o-saco e provavelmente por saber h�� muito dos sen-

timentos do delegado pela mulher daquele homem feio.

Sim��o estava pouco se importando com isso, na realidade,

em sua mente, ficara a impress��o de que atrav��s de Hugo iria

chegar a uma Organiza����o de Crime, �� uma verdadeira M��fia.

E punha nessa sua intui����o a culpa por ter perdido a cabe��a

de tal modo pela irresist��vel Sheila. Fora ela quem trouxera o

marido diante dos seus olhos, dos seus olhos perfurantes e do

seu sentido intuitivo que registrou em seu c��rebro a impress��o

mais forte que Hugo lhe causou, n��o a de consider��-lo um fe-

lizardo por seu marido de Sheila, nem por desgostar do seu

f��sico ou achar curiosa a sua orelha hipertr��fica, nem pelo fato

de ele ter a carteira recheada, que para isso poderia haver mil

explica����es, como por exemplo a de que na festa lhe fora paga,

possivelmente, uma d��vida, mas o passaporte e alguma outra

coisa que estava no ar criara aquela cisma a respeito de Hugo.

Ao mesmo tempo sentia que havia a possibilidade de Hugo nem

sequer saber no que estava envolvido, poderia ter sido empre-

gado por aquela Firma como o elemento que n��o oferece perigo,

e jamais teria posto os olhos nele n��o tivesse ele sido levado ��

Chefatura por ter agredido sua mulher por ci��mes.

Estava claro que Sheila, se soubesse de qualquer atividade

il��cita do marido, por causa dos filhos e da sua pr��pria segu-

ran��a, jamais teria se refugiado numa Delegacia ao fugir do seu

agressor.

130

Com o passar dos dias, Sim��o chegava �� conclus��o que tivera um momento de pane mental, que confundira tudo, que

misturara sentimentos com a sua intui����o e na ��nsia de prender

um suspeito numa revers��o de valores e id��ias, perseguira a

mulher do bandido em vez do bandido, num del��rio passional.

Um caso para analista destrinchar, mas ele estava se esclare-

cendo bem e conseguindo aos poucos espantar Sheila da sua

cabe��a.

Mas, Deus ou diabo, n��o queriam que Sheila saisse do

caminho dele. Come��aram a chegar na Delegacia, reclama����es

de vizinhos por causa de uma festa na rua C, no n��mero 125.

Era na casa pegada �� casa de Sheila. Assim que lhe comu-

nicaram a insist��ncia dos telefonemas, Sim��o passou a m��o no

ma��o de cigarro, instintivamente chamou dois guardas para que

o acompanhassem e disse que iria ele mesmo naquela dilig��ncia

ver o que estava acontecendo na tal festa para que os vizinhos

reclamassem insistentemente.

O cora����o agitado, respira����o dispn��ica, aflito e ansioso

pela oportunidade que vinha assim busc��-lo, para talvez coloc��-lo

diante de Sheila, o delegado rumou para a casa n��mero 125.

Os vizinhos estavam reclamando devido a explos��es que

estavam perturbando a tranquilidade dos que precisavam tra-

balhar na manh�� seguinte, provavelmente estava sendo quebrado

o sossego dos que n��o haviam sido convidados para a festa,

isso seria o que estaria criando a m�� vontade dos vizinhos em

deixar passar uma noite de festa, sem problemas, por uma noite,

por algumas horas talvez, at�� de madrugada.

��� A que explos��es se referem? Fogos? Roj��es? Ser��

que algu��m ganhou na Loteria?

��� Sei l��, doutor, acontece que os telefonemas foram se

acumulando e a gente achou que o melhor seria ir at�� l�� pra

ver o que est�� acontecendo e acalmar o ��nimo do pessoal, afinal

�� aqui mesmo na nossa rua, n��o custa nada ir ver o que h��.

Disseram que est��o estourando bombas na casa 125.

��� ��. Isso �� flagrante. Perturbar o sossego durante a noi-

te, com bagun��a e estouros.

131

A viatura parou do outro lado da rua, em frente �� casa n��mero 124. Sim��o antes de descer olhou para a casa 127.

Estava tudo apagado. Nas outras casas vizinhas as luzes esta-

vam acesas e havia gente nos port��es. No port��o da casa de

Sheila n��o havia ningu��m. E da casa em festa, ouviu nitidamen-

te um atabaque come��ar a tocar, vozes cantavam e batiam pal-

mas. Nos fundos da casa um braseiro aceso soltou labaredas

quando o vulto de um homem cuspiu nele.

Sim��o, seguido pelos policiais atravessou a rua e bateu pal-

mas. N��o ouviram. Os vizinhos da casa 124 gritaram para ele:

��� V�� entrando, antes que eles fa��am a guerra com mais

explos��es.

O delegado empurrou o port��o e foi entrando, atravessou o

jardim e seguiu para os fundos da casa onde a festa estava acon-

tecendo.

Como um im�� o seu olhar foi atra��do para ela. L�� estava

Sheila. Estava gr��vida coisa nenhuma! Ou teria feito aborto? Foi

o que primeiro notou e pensou. Sentada sob uma ameixeira,

com um dos filhos no colo e o mais velho sentado no colo de

Hugo ao lado dela.

Entretidos a observar o que se passava no meio do quintal,

que era um centro, um terreiro, os dois n��o viram Sim��o chegar.

Sim��o fez sinal para que os guardas ficassem parados ali,

observando. Ningu��m notou a presen��a deles parados ali perto

de um viveiro vazio e fedido.

Um velho com uma escavadeira manual fazia um buraco

no ch��o de terra e cantarolava com um charuto na boca, en-

quanto �� volta dele, mulheres, homens e crian��as batiam pal-

mas e cantavam um ponto de macumba.

Sim��o esperou pacientemente que o velho, o chefe do ter-

reiro, continuasse o seu trabalho. N��o podia p��r um ponto final

�� festa enquanto estivessem apenas entoando o ponto em vozes

que estavam em tom razo��vel e por causa das batidas de palmas

que tamb��m cessaram enquanto todos se davam as m��os.

O velho resmungou algo, num palavreado que ningu��m en-

tendeu, mas que fingiram entender e jogou dentro do buraco que

132

fez, a pinga que estava bebendo de uma garrafa. Deu outra cuspida de pinga no braseiro que levantou labaredas r��pidas.

Uma cambone recolheu a garrafa vazia das m��os do velho e entre-

gou-lhe pacotinhos que ele desenrolou e em seguida jogou o con-

te��do, um p�� negro, dentro do buraco, dizendo:

��� Fa��am os seus pedidos e joguem os papeizinhos aqui

dentro se j�� os prepararam como eu pedi. �� a ��ltima rodada.

Venham todos, acreditem que v��o conseguir tudo o que quiserem.

Sim��o que dividia olhares entre o velho pai de Santo e

Sheila viu que Hugo e ela escreviam alguma coisa em pedaci-

nhos de papel. Hugo tentou ver o que ela escrevera e Sheila

puxou o papel, levantando-se r��pida, saiu de perto de Hugo, dei-

xando o filho com ele, atravessou a roda e jogou o papelzinho

no buraco. Assim que ela voltou ao seu lugar, ficou com as

crian��as e Hugo foi jogar o seu peda��o de papel com o seu pe-

dido, dentro do buraco.

Ent��o eles acreditavam naquilo? Eram mesmo dois igno-

antes. Podia ver pela express��o de Sheila que ela estava com

o pensamento firme no seu pedido. O que teria escrito naquele

papel?

Sim��o ficou olhando. O velho chamou Sheila, chamou Hugo

e as crian��as e exigiu que fizessem parte da roda. Hugo n��o

queria sair de onde estava, mas o velho tanto insistiu que Hugo

e sua linda mulher levantaram-se e foram dar as m��os ao grupo

que formava aquela corrente.

Pelo movimento da boca de Sheila, de Hugo e das crian��as,

Sim��o constatou que eles sabiam o ponto que cantavam, sinal

que estavam acostumados a sess��es como aquela.

O velho encarquilhou-se, fazendo g��nero, imitando caboclo,

deu um berro, deu um salto caprino, ficou est��tico. Todos para-

ram de cantar e ele dando fortes baforadas no seu charuto,

acendeu inadvertidamente um f��sforo ejogou no buraco.

Foi uma explos��o e tanto!

As crian��as berraram assustadas e correram sem rumo, aga-

chadas, procurando onde se esconder, desprendendo-se das m��os

dos pais, que correram atr��s delas quando a explos��o os assustou.

133

Uma explos��o violenta e retumbante. Tudo o que estava dentro do buraco voou pelos ares. O conte��do daqueles pacotinhos que ele desenrolara, aquele p�� preto que o pai de santo

jogara dentro do buraco feito pela escavadeira, era p��lvora.

Fez-se s��bito sil��ncio e todos voltaram-se para encarar Si-

m��o que gritava:

��� Muito bem, vamos acabar com esse barulho? Quem

s��o os respons��veis pela festa? Todo mundo em fila, o carr��o

est�� a�� na porta pra levar voc��s a um passeio. Todo mundo

em fila.

A voz de Sim��o ressoou de tal modo que ap��s a explos��o

jamais poderiam imaginar que se fizesse sil��ncio t��o grande

quando ele parou de falar, enquanto os guardas invadiam o

centro e obrigavam as pessoas a fazerem fila para serem levados.

A dona da casa correu para Sim��o e explicando, pediu:

��� Temos alvar��, doutor, n��o pode nos levar assim. Est��-

vamos fazendo trabalho. N��o leve o pessoal, doutor, se tiver

que levar algu��m eu �� que sou a respons��vel.

��� Voc��s podem fazer a sess��o, mas essas explos��es est��o

perturbando a paz desta rua, tenho que lev��-los, n��o podem

fazer trabalhos com p��lvora.

��� Mas doutor. . .

Por cima da cabe��a de Antonieta, Sim��o espichava olhares

disfar��ados e r��pidos para ver o que Sheila e o marido estavam

fazendo.

Hugo pegara o filho menor que chorava no colo e o outro

estava de m��o dada com a m��e. Sheila sempre de cabe��a baixa,

para provar como sempre, ao marido, que n��o olhava e n��o

dava oportunidade para ningu��m tentar flertar ou olhar nos

olhos dela.

Apesar dos apelos, das explica����es, dos resmungos e algu-

mas amea��as de que quem atrapalha trabalho de Centro pega

ziquizira, Sim��o obrigou todo mundo a entrar no carr��o, inclusive Sheila e toda a fam��lia dela, isto ��, o marido e os dois

filhos.

134

Na Delegacia, uma m��dium mais

chumbada de pinga do que incorporando esp��rito come��ou a dar

espet��culo.

Sim��o pacientemente ficou assistindo �� cena rid��cula, en-

quanto via Sheila sempre de cabe��a baixa, corada, talvez de ver-

gonha, apertando o filho contra s��, abra��ando-o.

��� Sarav��, ol��! Seu delegado vai se co��a at�� cair se n��o

sort�� o pessoar! Vai co��a o c��, vai co��a o pinto at�� faz�� ferida

e o pinto ca��!

Sim��o n��o deu um sorriso. Estava tenso. Sheila no meio

daquela gente rid��cula, ouvindo aquelas indec��ncias! Seu olhar

passou pela cabe��a daquele povol��u e sentiu l��stima. O pai de

santo ainda tentou amedront��-lo:

��� �� a cabocla da mata que est�� nela, seu doutor e quando

a cabe��a da mata joga ziquizira nas pessoas pode crer que pega.

Acho bom. . .

��� Acho bom o senhor ficar quieto e preparar-se para res-

ponder as minhas perguntas.

��� Ol��. . . tiriri. . . tarar��. . .

135

A m��dium rodopiou, deu um salto e caiu de joelho diante da mesa do delegado, estendendo os bra��os na dire����o dele com

um len��o branco agitando no ar. Sim��o fez um gesto com a

cabe��a e os guardas aproveitaram os bra��os erguidos da m��dium,

pegaram-na e ergueram-na do ch��o por eles e foram levando-a

da sala, enquanto ela se estrebuchava e gritava amea��as de co-

ceiras e espirros.

Realmente, assim que aquela mulher descabelada, de olhos

injetados, vermelhos pela pinga que ingerira, com os seus saiotes

brancos e rend��es, pulara diante da sua mesa ele come��ara a

sentir forte coceira no nariz. Seu olhar r��pido vira a mulher

tirar um len��o de entre os seios. A miser��vel com os seus

truques.

Sim��o tentou evitar, remexeu e limpou v��rias vezes o na-

riz, evitou se co��ar, mas acabou espirrando seguidas vezes, quase

n��o aguentando a coceira que lhe subia pelas pernas e lhe descia

pelo corpo. Seria bem capaz de fazer ferida e bem feito se o

pinto caisse! Bem feito! Conteve-se. Nervoso. Irritado. Com

vergonha de Sheila, com vergonha e com raiva por v��-la ali no

meio daquela gente.

Quando a mulher saltara diante da mesa e agitara no ar

o len��o que tirara no gesto r��pido de entre os seios ele bem

entendeu o que ela fizera. Est��pido, concentrado em Sheila n��o

tivera nem id��ia ou tempo de evitar, de imped��-la de aproxi-

mar-se da sua mesa, todo nervoso por ver Sheila participando da-

quele grupo e daquelas supersti����es.

O que ela sacudira no ar fora rap�� e p�� de mico. Por isso

ele estava espirrando e contendo-se para n��o arrancar a pele de

tanto se co��ar, na cabe��a, no rabo, no pinto, como ela dissera que

iria acontecer.

��� Pensam que me enganam? Sabe o que essa idiota fez?

Jogou rap�� e p�� de mico em mim, por isso ela vai ficar detida,

at�� curtir a bebedeira e o esp��rito do z�� pinguinha deixar o

corpo dela, essa safada enganadora!

��� N��o foi p�� de mico e nem rap��, n��o seu doutor, �� zi-

quizira mesmo, o senhor est�� louco pra se co��ar, praga da tirir��

pega. ��� Disse o pai de santo cambaleando.

136

��� Pois se aparecer mais uma tirir�� por aqui eu ponho por tr��s das grades. O senhor n��o sabe que �� proibido perturbar

com barulho e bagun��a, durante a noite? Que os seus vizinhos

fizeram queixa e tive que tomar provid��ncias? Que o senhor

n��o pode fazer trabalhos com p��lvora? Que eu vou mandar fa-

zer busca no seu terreiro e mandar apreender tudo que for sus-

peito? At�� os santos se for preciso.

Sim��o estava irritado, por causa da coceira, pelo rid��culo

de estar com Sheila ali no meio daquele z�� povinho, calada, ela e o

marido, aguardando o que poderia acontecer. Viu Hugo cochi-

char com ela e Sheila sorrir balan��ando a cabe��a num sinal de

assentimento. Provavelmente ele estava lhe garantindo que nada

iria lhes acontecer. E o que poderia fazer ��quela est��pida gente?

S�� amea��as. Mandar apreender os sacos de p��lvora e o que fosse

considerado arma ou o que quer que pudesse ser usado para

perturbar a paz da vizinhan��a.

Teria que solt��-los. Mesmo porque n��o estava mais resis-

tindo �� coceira. Desceu a m��o por sob a mesa disfar��adamente

e co��ou a canela. A�� o comich��o subiu. Teve vontade de arran-

car o saco!

Nem mesmo Sheila podia superar a coceira que estava sen-

tindo. Chamou os guardas e ordenou que levassem a todos para

outra sala. Assim que a sala ficou vazia, Sim��o tirou o palet��

e viu, pelos ombros o p�� que aquela mistificadora lhe jogara.

Chamou um servente e pediu-lhe que carregasse o seu palet�� com

cuidado e que o limpasse com jeito sen��o ele tamb��m iria co-

me��ar a se co��ar feito um c��o sarnento.

Num cabide dentro do arm��rio tinha um terno que deixara

ali para casos de emerg��ncia, como aquele. Pegou-o, foi para

os fundos da Delegacia. Pediu ao servente que fosse na farm��-

cia comprar um sabonete especial para coceira e meteu-se den-

tro do banheiro sob o chuveiro. Ali ficou at�� que o servente

voltou e lhe entregou o sabonete. Acabou de tomar banho, enxu-

gou-se, vestiu-se, calmamente tomou um caf�� e fez hora para ir

ao encontro aquela gente, Sheila, na realidade, pois s�� tinha olhos

para ela.

137

Estavam todos agrupados em sil��ncio, aguardando que o delegado voltasse, para solt��-los ou mand��-los trancafiar numa

cela, quando Sim��o entrou na sala todos os olhares cairam so-

bre s��.

��� Puxa, como o senhor demorou. Estou com sono e quero

ir para casa.

A voz do filhinho mais novo de Sheila dirigindo-se a ele fez

com que Sim��o se refizesse de tudo, da raiva e das suas inten����es

de explorar Sheila ali. Hugo pediu desculpas, pedindo ao menino

para que ficasse quieto, que logo iriam para casa.

Sim��o pensou em det��-los at�� o mais que pudesse, mas ficou

com pena das crian��as.

J�� haviam sido todos bem castigados. J�� eram duas horas

da madrugada. Ficou com pena do pai de santo que cochilava

estirado no banco. Mandou dona Antonieta aproximar-se da mesa

dele e intimou-a:

��� Os guardas v��o lev��-los e a senhora vai entregar a eles

todos os pacotes de p��lvora �� roj��es que tiver em sua casa.

Est�� proibida de cavar buracos e explodi-los. Da pr��xima vez

mandarei prender a todos voc��s.

��� E a Malvina? ��� Perguntou algu��m.

��� E quem �� essa Malvina?

��� A que incorporou ex�� tirir��.

Sim��o co��ou o queixo. Acontecia cada uma naquela Dele-

gacia. Cada coisa! Inda por cima Sheila ali, participando.

��� Podem lev��-la. ��� E dirigindo-se a um investigador que

ali estava, mandou busc��-la na cela para onde os guardas a ha-

viam levado. Fora uma cena e tanto a m��dium carregada pelos

guardas pelos bra��os que ela erguera no ar num gesto exagerado

de falsa incorpora����o.

Hugo passou o bra��o pelos ombros de Sheila e os dois mis-

turaram-se aos outros que foram deixando a sala da Delegacia.

Sim��o ficou sozinho, com o olhar de Sheila gravado em

sua mente.

138

A not��cia estava em todos os jor-

nais, Hugo chegou em casa afobado. Estendeu a folha dobrada

na reportagem para que Sheila lesse.

��� Veja no que eu estava metido sem saber e do que me

livrei.

Sheila leu e p��s a m��o na boca num gesto de medo:

��� Puxa, vida, Hugo, que coisa horr��vel, ser�� que n��o v��o

implicar voc��? E voc�� estava com tanto medo s�� porque apro-

veitou a viagem pra trazer umas garrafas de u��sque e uns radi-

nhos, aquelas bugigangas que voc�� andou vendendo.

��� Aquilo podia passar, trouxe como se fosse para mim,

uma coisa de cada, eu apenas vendi com bastante lucro, pra quem

me encomendou, n��o fiz nada demais. Trouxe at�� as notas das

coisas.

��� Mas voc�� me disse que corria perigo, que as coisas ti-

nham que ficar escondidas, que era contrabando.

��� Contrabando coisa nenhuma, foi s�� pra brincar com

voc��. N��o viu que eu cheguei no aeroporto com os casacos que

comprei pra voc�� no bra��o? Deixa de ser boba, Sheila.

139

��� Mas voc�� falou que era contrabando.

��� S�� para fazer um pouco de suspense, foi isso.

��� Sempre exibido!

��� N��o ofende!

��� E agora? Eles v��o investigar quem eram os comprado-

res da Firma.

Hugo sentou no sof�� e mordiscou a ponta do dedo.

��� Pelas not��cias nos jornais todo mundo implicado j�� est��

preso. Com a greve dos delegados eles n��o est��o correndo atr��s

de ningu��m, s�� lavram flagrantes. A apreens��o da mercadoria

na alf��ndega foi flagrante para a Firma. Acho que eles se sa-

fam. Depois, faz tr��s meses que eu sa��, que estou lidando s��

com autom��veis.

A pol��cia alfandeg��ria apreendera no aeroporto grande re-

messa de potes contendo sob p�� prot��tico, separado por uma

pel��cula fina e transparente de pl��stico, coca��na em vez de ma-

terial e p�� usado para fazer moldes de pr��tese e dentaduras.

Sheila tornou a ler.

A not��cia nos jornais dizia que sob uma pel��cula fina e

transparente de pl��stico, dentro dos vidros que deveriam s�� con-

ter p�� usado para trabalhos prot��ticos, outra esp��cie de p�� fora

encontrada. Enorme quantidade de coca��na fora assim apreen-

dida, gra��as ��s investiga����es iniciadas pelo delegado Sim��o Ma-

chado Sobrinho.

Leu. Releu. Queria alertar o marido, mas ficou com medo.

Hugo n��o estava associando o nome do delegado que iniciara as

investiga����es ao delegado daquele bairro, da Delegacia onde eles

haviam estado por duas vezes. N��o restava d��vida. Havia pe-

rigo rondando-os.

O que estaria Sim��o pretendendo? Por que n��o viera bus-

car Hugo para prestar declara����es? Ficou tensa, imaginando

que a qualquer momento a pol��cia apareceria para levar Hugo

preso.

��� Voc�� jura, Hugo, que n��o sabia dessas transa����es da

Importadora?

��� Claro que eu n��o sabia. Eu era o cara insuspeito que

eles poderiam empregar, que jamais atrairia a aten����o da poli-

140

cia, al��m do mais eles me usaram mesmo porque eu sei mano-brar bem o Ingl��s, voc�� sabe disso.

��� Voc�� jura que aquelas coisas que trouxe para vender

tinham nota?

��� Ora, Sheila, eu tenho que confessar que fiz de conta

que estava fazendo contrabando s�� para voc�� se preocupar co-

migo. A verdade �� que quando pediu que eu n��o viajasse mais

fiquei contente, foi um modo de voc�� mostrar que se preocupa

comigo, que me quer bem. Nem viajei mais. Voc�� acha que eu

iria me meter num neg��cio desses arriscando a minha felicidade,

a minha vida com voc��, o futuro dos meus filhos?

��� ��, mas quem vai acreditar nisso se chamarem voc�� para

prestar declara����es? Voc�� estava registrado na Firma.

��� N��o, n��o estava. , Eu menti, para voc��. Tudo mentira

pra voc�� n��o esquentar a cabe��a e achar que eu tinha um bom

emprego. Os pap��is estavam em andamento. Sa�� de l�� tamb��m

porque fiquei conhecendo um antigo comprador deles que me

avisou que eles nunca registravam ningu��m, que s�� diziam que.

os pap��is estavam em andamento, que quando o mandaram em-

bora pagaram indeniza����o, tudo direitinho, que haviam sido ho-

nestos, mas que n��o registravam e um ordenado daqueles n��o

ser registrado s�� prejudica a gente junto ao I.N.P.S., para a apo-

sentadoria. Eu n��o me importei muito com isso por ser aut��-

nomo, mas quando voc�� me pediu para n��o viajar, e era o que

eu n��o queria mesmo fazer, sa�� da Firma. Eu n��o gosto de

ficar longe de voc�� e das crian��as, entende?

Sheila sentou ao lado dele e mordiscou os l��bios.

��� Puxa, Hugo, justo agora que a gente est�� indo t��o bem,

voc�� com os autom��veis, a gente pensando em mudar para

mais perto da cidade, para um bairro melhor e sair deste ca-

fund��.

��� E da��? �� o que vamos fazer. Eu n��o ando procurando

apartamento pra comprar? Assim que a coisa se firmar a gente

sa�� daqui, n��o h�� nada a temer a meu respeito. Pelo que est�� escrito nos jornais todo mundo j�� foi preso, t�� vendo aqui nesta

manchetinha? ��� "M��fia desmantelada." "Presos os contraban-141

distas." T�� a��, Shelinha, n��o tenha medo. Isso n��o vai me atingir.

Se Hugo n��o fosse t��o ciumento ela o alertaria para o nome

do delegado, mas se ela demonstrasse que sabia e lembrava t��o

bem o nome do delegado do bairro, Hugo ia come��ar a inventar

que ela ficara interessada nele e tamb��m acus��-la pelo que estava

acontecendo, pois fora ela quem o levara ��quela Delegacia. Ti-

nha que se refazer, n��o podia ficar assim tensa e medrosa. Pre-

cisava tomar uma provid��ncia, fazer alguma coisa para ficar sa-

bendo o que Sim��o estaria pretendendo, se come��ara as investi-

ga����es com aquele cart��o da Firma que Hugo tinha na carteira

recheada de dinheiro.

Fora isso. O delegado desconfiara por Hugo ter quatro

carros, por estar com a carteira cheia de dinheiro, uma bolada.

Ningu��m anda assim com tanto dinheiro, com medo de assal-

tante, mas o exibido e megaloman��aco, o convencido, cheio de

complexos tinha que se mostrar como o maior entre os outros,

s�� porque era o menor e mais feio. Era a concorr��ncia entre

ele e os cunhados, os figur��es da fam��lia, altos, fortes, bem

apessoados. Olhavam para Hugo com deboche e sempre faziam

goza����o, mas isso era bem feito para Hugo que estava sempre

contando vantagens, exibindo o seu passaporte, j�� querendo ser

considerado doutor, chegando nas festas cada vez com um carro

diferente.

E por que? Por causa dela. Um pobre desnorteado que

o acaso queria comprometer. Sheila n��o conseguiu esconder seus

receios.

Hugo assegurou-a que nada teria a ver com aquele caso e

saiu logo ap��s o almo��o que ela lhe serviu. Estava quase na

hora de ir buscar as crian��as no col��gio e Hugo dissera que

voltaria tarde nessa noite, pois ia ter provas na Faculdade. Que

ela n��o esquentasse a cabe��a que n��o havia nada contra ele.

Sheila precisava falar com Sim��o. O certo seria ela ir bus-

car as crian��as em vez de Marta, a filha de Antonieta. Se Sim��o

a visse, com toda a certeza iria falar com ela e ent��o ela, com

142

jeito, procuraria se informar sobre o que a pol��cia poderia ter contra Hugo e lhe pedir que o deixasse em paz, que n��o o envolvesse naquilo, por causa de Cleber e de Aur��lio. Choraria

se fosse preciso, pagaria tamb��m, o que e como ele quisesse.

143

Sheila subiu a rua, andando va-

garosamente, tinha tempo, queria que Sim��o a visse. Passou e

ultrapassou a Delegacia. Havia alguns guardas na porta, mas

Sim��o n��o estava para v��-la. Nem quando voltou com os me-

ninos. Come��ou a desesperar-se, ficou aflita e temerosa. Pa-

recia que o inesperado estava no encal��o dela.

Tinha que tomar uma atitude, fazer alguma coisa antes que

fosse tarde demais. Hugo sairia nos jornais, talvez ela tamb��m.

A maldade est�� sempre cercando as pessoas. Todo mundo cis-

mava com Hugo, porque ele era fanfarr��o, exibido, metido, e

feio, o coitado. Sim��o xingara-o de pernilongo seco, ficara com

raiva dela. Por isso tanto mexera e fu��ara que acabara desco-

brindo os neg��cios sujos da Firma Importadora para a qual Hugo

nem trabalhava mais.

Ao chegar em casa deu banho nas crian��as, preparou o

jantar para elas e do quintal chamou por Marta.

Precisava sair. N��o queria levar os meninos, usou como

desculpa o fato de que come��ara a garoar. Marta ofereceu-se

145

para ir ao Supermercado para ela, mas Sheila adiantou que precisava ainda ver o que iria comprar e preferia ela mesma ir.

Vestiu o conjunto de brim com uma malha de l�� por sob

a jaqueta. Olhou-se no espelho. Fizera teste para manequim,

passara, mas Leonel aparecera na vida dela e tudo mudara.

Se Leonel n��o tivesse cruzado o caminho dela ela n��o teria

casado com Hugo e n��o estaria agora vivendo uma vida falsa,

acomodada na situa����o para a qual o destino a conduzira, talvez

at�� estivesse desfilando em passarelas pelo mundo afora.

Deu mais uma olhada no espelho. Tinha corpo bonito.

N��o fora a toa que fora convidada por um dos mais famosos

costureiros do Brasil para desfilar quando atendera a um an��ncio

no jornal para manequins. Se ela tivesse querido teria feito car-

reira. Sabia que tinha tipo. O que lhe faltava era esp��rito de

iniciativa, coragem.

N��o conseguia compreender o que se passava com sua ca-

be��a. Parecia que de repente, quando Leonel sumira da vida

dela ela se transformara em outra pessoa. Depios, quando ficou

gr��vida de Hugo, desde que sentira a crian��a se desenvolvendo

em sua barriga tudo mudou mesmo em sua vida, como se todos

se fizessem donos dela e ela se transformasse numa bonequinha

que manejavam como bem queriam.

Fora sempre uma mo��a atirada, divertida, sem medo de

coisa alguma, enfrentava tudo quando desejava alguma coisa,

enfrentava a pr��pria m��e que tinha um g��nio de derrubar e

levar qualquer um �� loucura com os seus ataques hist��ricos.

Traumas. Neurose. Apatia. Bloqueio. J�� haviam dito que

ela estava com todas essas coisas. Que era uma mulher pertur-

bada, por causa dos gritos da m��e e pelo que Leonel lhe fizera.

Mas n��o culpava Leonel. Sabia o tempo todo que ele era

casado e assim mesmo tudo fizera para que ele tivesse re-

la����es com ela. Fora mesmo uma paix��o violenta. E n��o valera

a pena, pois custara toda a sua felicidade.

146

Ela n��o quis ficar na casa dos pais, s�� para n��o ouvir a m��e sempre choramingando pelo que acontecera e preferira casar com

Hugo. Hugo que ela conhecera num baile do Clube do bairro.

Sair�� para dan��ar com ele s�� por sarro. Porque todo mundo

ria do jeito como ele olhava para ela. No fundo sabia que n��o

fora para fazer goza����o junto com as amigas, na verdade sentira

pena dele e sempre que ia ao Clube dan��ava com ele e lhe dava

aten����o. As pessoas riam de Hugo porque n��o o compreendiam.

Diziam que ele era fanfarr��o, mas Sheila entendia que o que ele

tinha era complexos.

Sheila olhava no espelho e pensava. Pensava em como es-

tava vivendo. A que chegara. Como tudo acontecera. O que

ela era antes, o que sentia antes e o que sentia e entendia da

vida agora. Estava parada no tempo, vendo tudo passar, dei-

xando que as coisas transcorressem conforme os outros decidis-

sem por ela, conforme as decis��es de Hugo que a tomara pela

m��o no momento de agonia e a arrastara para seguir o que ele

determinasse.

Agora precisava falar com Sim��o, para pedir que n��o en-

volvesse Hugo, para faz��-lo acreditar que Hugo estava inocente,

que n��o passava de um palha��o, que fora usado sem saber no

que estava se metendo, que Hugo era um homem decente, que

feiura f��sica n��o �� o que faz um homem n��o ter car��ter. Ah!

ela faria tudo para que Sim��o deixasse Hugo em paz.

Saiu e do orelh��o telefonou para a Delegacia. O doutor

Sim��o s�� chegaria ��s sete e meia. Ainda eram sete e quinze.

Sheila foi subindo a rua e olhou no reloginho de pulso que Hugo

trouxera dos Estados Unidos para ela. O rel��gio tinha uma

por����o de outras pulserinhas e o mostrador podia ser encaixado

em outras molduras de metal dourado, mas ela s�� usava a mais

simples, a de pelica preta, era a mais delicada.

��s sete e meia tornou a telefonar do orelh��o da rua acima

da Delegacia. Dessa vez Sim��o atendeu. Ao primeiro al��,

quando ela se identificou, Sim��o demonstrou surpresa embora

147

dissesse que n��o havia reconhecido a voz dela, pois n��o podia acreditar que ela estivesse telefonando.

Sem saber como conseguiu falar, Sheila pediu-lhe que fosse

encontr��-la naquele beco, foi o lugar que logo lhe ocorreu. E

dirigiu-se para l��, tensa, nervosa, apreensiva e ansiosa, como se

o motivo de procurar Sim��o fosse outro, n��o o que lhe dera

coragem.

Antes de chegar ao beco ela viu o carro dele aproximan-

do-se e parar perto da cal��ada. Ela parou e ele abriu a porta

para que ela entrasse.

��� Venha, Sheila.

Ela vacilou, mas num impulso repentino entrou no carro e

sentou ao lado dele.

��� Mal posso acreditar.

Sheila n��o conseguia falar. Estava extremamente nervosa e

com ��mpetos de abrir a porta e sair correndo.

��� Por que resolveu telefonar? Por isto?

Sim��o tirou um cart��o do bolso e estendeu para ela.

Sheila reconheceu o cart��o da Firma que Hugo ingenua-

mente deixara com ele.

��� Antes que me diga qualquer coisa, Sheila, saiba que

quem pressionou os donos da Firma no inqu��rito fui eu. Seu

marido nem sequer foi mencionado. Ele n��o passou de um sapo

na hist��ria toda. A Firma empregava compradores, substituin-

do-os a cada quatro a cinco viagens. N��o tinham interesse que

os seus viajantes ficassem a par dos seus neg��cios verdadeiros.

Os compradores apenas seguiam instru����es para adquirirem o

material que j�� estava �� espera deles nos dep��sitos. Enfim, fi-

que tranquila, seu marido nada tem a ver com isso que a est��

amedrontando a ponto de me telefonar.

Sempre acontece comigo, sabe? De repente tenho uma in-

tui����o e se n��o a sigo me dou mal. Ao pegar nesse cart��o que

estava na carteira do seu marido senti algo, como que uma vi-

bra����o, uma coisa estranha e por mais que eu quisesse evitar

de pensar nisso, mais a coisa se infiltrava em meu c��rebro como

148

se eu fosse realmente descobrir o que enfim foi descoberto. Por pura intui����o. E porque n��o dizer por uma cisma que eu tive.

Eu investiguei sim, tudo que se relacionasse com o seu marido.

E n��o descobri nada que o implicasse. Fiquei sabendo de todas

as suas compras e vendas de autom��veis. O seu marido n��o ser��

nenhum bode expiat��rio por sua causa, como deve ter pensado

que eu faria, s�� porque tamb��m perdi a cabe��a por voc��. S��

quero que me desculpe. Se veio por causa das not��cias nos jor-

nais pode ir sossegada, o seu marido n��o ser�� implicado.

Sheila continuou calada e lembrou o que Sim��o dissera

aquela tarde em que tentara agarr��-la no beco, que trai����o �� a

m�� inten����o das pessoas, portanto ela agora, sentada ali ao lado

dele, ouvindo-o tranquiliz��-la a respeito do que temia a respeito

do marido, que podia ir sossegada, que nada lhes iria acontecer,

duvidava que a coragem que a levara at�� Sim��o fosse apenas para

lhe pedir que n��o fizesse mal a Hugo, mas sim usara o grave e

s��rio motivo para rever Sim��o, para rev��-lo sem se trair, sem

que ele pudesse julg��-la mal.

Sim��o dirigiu o carro para o beco e parou bem em frente

ao terreno baldio onde os dois haviam quase se amado.

��� Eu estou muito triste, Sim��o, porque acho que estou

traindo o meu marido. Lembrei-me do que voc�� disse naquele

dia aqui, que a trai����o s�� existe quando h�� m�� inten����o. . .

Sim��o estendeu a m��o e pousou-a sobre a m��o de Sheila

com delicadeza.

��� Sheila, voc�� �� uma mulher maravilhosa. E vou lhe di-

zer realmente o que penso. Eu invejei tanto o seu marido que

at�� desejei ser ele, queria at�� virar um macaco, n��o sei como

me transtornei ao ponto de agir como ag��. Acho que nenhum

homem est�� livre disso, todos est��o sujeitos e n��o escapam a um

sentimento desses que arraza com tudo o que a gente tem de ci-

vilizado, tornando-nos completamente irrespons��veis por nossos

atos. E foi o que aconteceu comigo. Uma coisa estranha. Foi

um sentimento t��o violento quanto inexplic��vel. Nunca ofendi

ningu��m, nem medi as pessoas pela apar��ncia f��sica, nunca fui

um homem capaz de chegar ao ponto que cheguei, de persegu��-la,

de tentar agarr��-la, francamente isso tem me perturbado e angus-

149

tiado muito e n��o encontro explica����o, s�� sei que voc�� me transforma em outro homem. O acaso e a minha intui����o quanto

a essa Firma trouxeram voc�� at�� a mim, n��s nos cruzamos em

circunst��ncias inesperadas, mas agora, Sheila, vendo-a assim com

a coragem de arriscar-se a me ver para interceder por seu marido

eu me sinto como se lhe devesse o maior respeito e admira����o,

e obrigado a lhe pedir desculpas por ter me referido ao seu ma-

rido como fiz. Sinto-me logrado no mais forte sentimento que

jamais tive antes em minha vida. Voc�� �� uma linda mulher e

sei que est�� muito bem casada. Ele tem raz��o por sentir ci��me

de voc��. Pior fiz eu quando a persegui. Eu sim fui um animal,

um cr��pula. Eu invejo Hugo. Seria bom se ele pudesse saber

quanto voc�� o respeita, acho at�� que voc�� o ama. De certa

forma, Sheila voc�� ama o seu marido. E como isso me arraza

e ao mesmo tempo serve para frear aquela loucura que me fez

agir como um alucinado.

Sheila suspirou. Olhou pela janela do carro. Estava es-

curo. Viu o terreno baldio. Por r��pido instante imaginou ela

e Sim��o abra��ando-se, beijando-se, amando-se contra o pared��o

da F��brica.

��� Estou traindo o meu marido.

��� Por que veio saber o que poderia existir contra ele?

N��o foi s�� por isso que veio?

Sheila cobriu o rosto com as m��os. Os seios arfavam. De

qualquer modo seria trai����o, se fosse agarrada a for��a ou se ela

s�� entregasse a ele, porque o pensamento j�� fizera tudo o que

na realidade ainda n��o acontecera.

��� Isso fica entre n��s, Sheila. Nunca mais a perturbarei.

Sabe que tenho uma filha quase da sua idade?

Os seios arfavam, a boca umedecia, as m��os de Sheila aban-

donadas sobre as coxas, a m��o dele tornando a tocar uma das

suas m��os. Os dedos dela entrela��aram-se aos dele.

��� O que voc�� escreveu naquele pap��uzinho aquela noite

no terreiro? O que pediu?

��� Pedi que me desse for��as para resistir a voc��.

��� E foi atendida?

150

��� Eu estou traindo. . .

��� N��o, n��o est��.

Ele percebia toda a ang��stia que ela estava sentindo, como

estava sofrendo, como estava nervosa e tensa. Sheila mordiscou

os l��bios e olhou para ele com uma express��o suplicante:

��� Voc�� n��o entende? Sabe qual �� a pior coisa no mundo

que uma pessoa pode fazer? �� trair a s�� pr��pria e eu venho me

traindo, me enganando a vida inteira, por medo, por apatia, por

bloqueio, por causa dos gritos hist��ricos de uma m��e que tudo

o que fez a vida inteira foi apavorar as filhas e exigir o amor

delas s�� para ela. Ah! Sim��o, que medo eu tenho da vida, que

medo sempre tive de mim, tendo na mente os olhos da minha

m��e cravados, acusadores, esperando que eu me transformasse

numa prostituta, esperando sempre as coisas m��s da gente, nunca

satisfeita com nada, E Hugo, trancando-me, ciumento, exigindo

de mim a minha pessoa. E eu? Eu n��o sou algo? N��o sou

algo importante? Sim��o, o que est�� acontecendo com a minha

cabe��a? O que aconteceu comigo quando Leonel me abandonou?

Sabe, Leonel foi o homem que eu amei quando tinha s�� dezessete

anos e dei o mal passo, dei-me a ele. Ia ter um filho dele, por

isso casei com Hugo. Mas a crian��a n��o vingou. Abortei. Por

ironia do destino, eu n��o precisava ter casado com Hugo. Leo-

nel era casado. Nunca mais o v��, mas parece que fiquei mar-

cada, cobrada pelos outros, cobrada em tudo, quando na ver-

dade s�� eu poderia sempre dispor de mim para a vida que me

interessasse seguir. �� por isso que eu estou dizendo que s�� tra��

a mim mesma...

��� Desabafar �� bom, acho que voc�� est�� despertando, po-

der�� decidir assim bem melhor sobre a sua vida.

��� �� muito tarde.

��� Nunca �� tarde.

E os meus filhos? Fiz uma vida falsa. Eles nunca enten-

deriam a vida separados de Hugo. Somos uma sociedade indes-

sol��vel, um dependendo do outro. Agora eu n��o vou esperar

mais que o acaso e o destino resolvam tudo por mim. Eu de-

cido. Eu escolho. Apesar de t u d o . . .

151

��� Sheila. . . ao menos. . . um beijo. .. posso?

��� N��o.

��� Gostaria de sent��-la.

��� N��o vou trair o meu marido, vou enganar a todos, vou

enganar a mim mesma, ser�� uma ren��ncia horr��vel, mas antes

quero que saiba que em pensamentos voc�� j�� me beijou muito,

que me beijar�� sempre. Eu sempre fui de voc�� desde que o v��

pela primeira vez e em pensamento verei sempre.

Sim��o estendeu os bra��os para ela. Sheila recuou. As m��os

dele alcan��aram-na e puxaram-na pelos ombros. Sheila lutou,

suplicando, enquanto as m��os dele deslizavam pelo corpo dela

e apalpavam-lhe os seios, a boca procurando a dela, exasperado:

��� N��o. .. n��o, Sim��o. .. n��o me fa��a sofrer mais do

que estou sofrendo... n �� o . . .

E antes que os l��bios sequiosos de Sim��o conseguissem al-

can��ar a boca de Sheila, ela abriu a porta e jogou-se para fora

do carro. Chorando e a correr atravessou o beco, atravessou a

rua, desceu com a presa que p��de, passando pela Delegacia e

com as l��grimas a lhe deslizar pelas faces entrou em casa.

Aur��lio gritou um ob��, alegre quando a viu e Cleber correu

para abra����-la, enquanto Marta olhava-a com curiosidade, vendo-a

ofegante, cabelos molhados e com l��grimas a lhe saltarem dos

olhos.

��� O que foi que aconteceu, dona Sheila?

��� N a d a . . . foi a garoa... foi o t e m p o . . .

152

N��o Deixe de Ler!

C A S S A N D R A RIOS

A Noite tem mais Luzes

A Paran��ica

As Mulheres dos Cabelos de Metal

As Vedetes

Anast��cia

Censura

A Santa Vaca

Marcelina

Muros Altos

Mutreta

O Bruxo Espanhol

O Gamo e a Gazela

Um Escorpi��o na Balan��a

O Prazer de Pecar





A SAIR


O Gigol��

A Lua Escondida








De: Bons Amigos lançamentos 



o Grupo Só Livros com sinopses tem o prazer de lançar hoje mais uma obra digital  para atender aos deficientes visuais.  

A Piranha Sagrada - Cassandra Rios

Livro doado por Leandro Medeiros e digitalizado por Fernando Santos
Sinopse:
Loira, linda e sexy.Ela poderia conseguir tudo que quisesse... Mas o inesperado a esperava.


 Este e-book representa uma contribuição do grupo Bons Amigos e Só livros com sinopses  para aqueles que necessitam de obras digitais como é o caso dos deficientes visuais 
e como forma de acesso e divulgação para todos. 
É vedado o uso deste arquivo para auferir direta ou indiretamente benefícios financeiros. 
 Lembre-se de valorizar e reconhecer o trabalho do autor adquirindo suas obras.

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