sábado, 6 de junho de 2020 By: Fred

{clube-do-e-livro} LANÇAMENTO Nº02 NOITE : O PRIMITIVO - CHESTER HIMES - FORMATO : PDF, TXT E EPUB

CHESTER HIMES

O PRIMITIVO

Um romance arrebatador de

paix��o e destrui����o

do "melhor novelista negro

da atualidade".

��� Chicago Tribune

CONTRA A MAR��

Kriss era uma mo��a bonita que trabalhava ardua-

mente, bebia muito, amava muito, sempre. N��o

tinha preconceitos contra seus amantes, contanto

que eles lhe dessem o calor humano pelo qual

ansiava.

Primeiro, ela encontrou Jess�� Robinson em Chica-

go, e ele levou-a para a cama naquela mesma

tarde. Depois ambos estiveram em New York,

mais velhos, mais sensatos, mais desesperados.

Eles se juntaram violentamente, como se tentassem

fazer o tempo voltar... excluir o mundo ao redor

d e l e s . . . obliterar todo tabu e conven����o...

Mas n��o puderam se livrar da cor da pele ��� ou das

sinistras paix��es que se ergueram para os destruir.

CHESTER HIMES

O PRIMITIVO

Tradu����o de:

0. MACEDO JR.

Revis��o de Tradu����o:

CASSANDRA RIOS

T��tulo original: The Primitive

Copyright �� 1955 ��� by Chester Hirnes

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Direitos exclusivos para

a l��ngua portuguesa adquiridos por

Editora Mundo Musical Ltda.

Rua Visconde do Rio Branco, 53 ��� Rio

Rua Sande, 559 ��� S��o Paulo

que se reserva a propriedade desta edi����o

Impresso no Brasil

Printed in Brazil

N.�� do Cat��logo ��� 500,190

CAP��TULO 1

O rel��gio su����o dourado no suporte, soava delicadamente,

interrompendo o sil��ncio do pequeno quarto escuro. A

mulher deitada numa cama de solteira, estendeu o bra��o

nu �� procura de algo no len��ol azul claro. Encontrou apenas

o vazio. Ficou r��gida, faltou-lhe o f��lego, seu corpo nu

debaixo dos cobertores tornou-se frio e suas emo����es foram

momentaneamente calcadas pelo p��nico cego que ela sempre

experimentava ao acordar e encontrar-se sozinha.

Quando o p��nico chegava, como sua primeira percep����o

consciente do dia, ela achava a solid��o terr��vel. Mais do

que mera solid��o, porque uma pessoa pode sentir-se solit��ria

nos bra��os do amante, ao lado do esposo, no meio da

multid��o. Ela sempre tinha se sentido solit��ria com Ronny,

durante os dez anos de seu casamento. N��o se recordava

uma vez sequer de ter acordado ao seu lado e n��o ter

pensado primeiro em outras coisas, outros homens. Mas

havia a seguran��a de sua presen��a, o fato de estar ele ali,

com o cora����o pulsando a seu lado, assegurando-lhe que

ela n��o estava sozinha, que seus desejos e emo����es, seu

viver e respirar estavam associados com o de outrem, for-

mando um todo, at�� o momento que sua primeira zanga,

seu lamento infantil separasse-os novamente. Por��m, mesmo

assim havia seguran��a, infundida pela proximidade de sua

carne, formada e modelada naquela coisa muitas vezes

repulsiva chamada "homem".

A solid��o era seu maior medo, a solid��o sempre tinha

sido seu maior medo; maior de que seu medo de tornar-se

uma alco��latra ou uma prostituta, as duas erup����es menores

da doen��a chamada solid��o. Mesmo quando crian��a em

North Dakota, uma crian��a solit��ria, expatriada pela sua

heran��a alem�� durante os anos que seguiram a primeira

guerra mundial, ela tinha temido a solid��o. Sua m��e vinha

de uma linhagem de robustos camponeses noruegueses.

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por��m seu pai era o ��ltimo refugo mal-humorado de uma

linha de nobreza germ��nica, amargurado pela derrota alem��,

atormentado pelo seu isolamento, um derrotado, um homem

solit��rio, desprezado e arredio, que se sentava no fundo das

casas de contrabandistas, e bebia para esquecer. Ela n��o

podia pensar em seu pai sem chorar. Ele era a ep��tome da

derrota. N��o derrotado como um homem em batalha, mas

como uma mulher que �� derrotada pelo seu sexo, pela

ultrajante indignidade de gerar crian��as em per��odos mens-

truais. Como uma prostituta que tinha visto uma vez em

um bar da Terceira Avenida, cantando uma can����o: "N��o

faz diferen��a a g o r a . . . " Sua derrota tinha enchido a casa

de um l��gubre desespero, dentro do qual havia crescido,

sempre no limiar do terror, algumas vezes dentro do terror,

mas nunca longe do mesmo; e o sentimento de completa

solid��o de alguma forma tinha vindo de seu pai tamb��m,

de uma maneira que ela n��o podia entender.

Agora era mais. Agora, quinze anos depois de ter se

casado com Ronny para fugir do desespero que tinha se

instalado em sua casa, solid��o na cama ao acordar era

uma indica����o de seu fracasso como mulher. Ter vivido

trinta e sete anos neste mundo, cinco dos quais em New

York, onze em Chicago; ter dormido com homens sem

conta (uma vez ela tinha contado mais de oitenta e sete),

a maioria dos quais a tinha respeitado, muitos a tinham

amado, sentiram uma forma de afei����o por ela ��� e agora,

encontrar-se sozinha, sem ser amada, com o elo que os

unia, quebrado, completamente desaparecido; era quase

uma derrota. Quantas vezes durante os cinco anos ap��s o

seu div��rcio com Ronny, tinha acordado sozinha. Tinha

apenas uma vaga id��ia. Muitas! Diversas! E n��o porque

desse demonstra����o de ser dif��cil de se conseguir. Ela era

f��cil, muito f��cil, sabia, mas n��o podia evitar. Dificilmente

procedeu assim por outra raz��o a n��o ser mant��-los pr��-

ximos. Deus, que palermas alguns deles provaram ser.

Mas, no momento de acordar, antes que sua mente

tivesse restaurado suas defesas, recobrado sua serenidade,

manifestado suas justifica����es, robustecido seus antagonis-

mos, eregido suas racionaliza����es; nesse momento de aban-

dono emocional, quando a mente n��o est�� completamente

destacada do corpo, quando os pensamentos s��o vagamente

org��sticos, at�� uma extens��o indefesa e obscura; quando a

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mente feminina �� submetida a um breve periodo de hones-

tidade, ela n��o podia responsabilizar os homens por tudo

aquilo. Consideraria o assunto mais tarde, no decorrer do

dia. A noite era ocasi��o para chorar, o dia para mentir;

por��m a manh�� era a hora do medo.

Era algo terr��vel enfrentar esse medo todo dia no mo-

mento de acordar, enfrentar outro dia vazio que somente

poderia ser preenchido por ela pr��pria. No seu aparta-

mento situado nos fundos do primeiro andar, circundado

pelos penhascos de concreto de outros edif��cios, t��o distante

dos sons de vozes e tr��fego como do pico do Everest; um

verdadeiro calabou��o, onde a luz do dia somente penetrava

por poucas horas �� tarde quando ela raramente estava ali,

essa sensa����o de estar s�� era quase completa, n��o somente

desligada de outras pessoas, de outras de sua esp��cie, mas

desligada do tempo, das esta����es, da dist��ncia, da vida, de

toda vida ��� vida de cachorro, vida de gato, vida de ba-

rata ��� desligada da eternidade. Era como acordar em um

t��mulo.

Por um momento ela permaneceu im��vel, r��gida, com-

batendo o p��nico. Vagarosamente, seus pensamentos come-

��aram a tomar forma em forma de mem��ria, e os aconteci-

mentos da noite anterior retornaram como as seq����ncias

de um sonho. Bill tinha aparecido por um momento antes

do jantar, para trazer alguns mapas ilustrados da It��lia,

Cec��lia e Majorca. Ela estava planejando fazer uma viagem

�� Europa no pr��ximo ver��o e ele estava procurando ser

prestativo. Ele tinha estudado arquitetura dois anos antes,

em Roma, e por conseguinte era uma autoridade sobre a

Europa. Bill era um tipo prestativo, alto, magro, sardento,

de cabelos vermelhos, perseverantemente jovial e assexuado

como batatas cozidas frias.

Eles tinham ficado absorvidos num interc��mbio de rela-

tos de suas grandes aventuras. Ele vivera em uma

miser��vel pens��o, pr��xima �� uma zona de ru��nas bolorentas,

incapaz de falar a l��ngua, repugnado com a imund��cie, n��o

tinha feito conhecimentos e fora infeliz todo o tempo.

Quanto a ela, passara tr��s semanas em Paris, h�� tr��s anos

atr��s, numa tentativa de reconcilia����o com seu marido,

a qual se transformara em um pesadelo, pois tinha de cuidar

dele durante seus longos per��odos de embriaguez, e ao

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mesmo tempo procurava dormir com quem estivesse ��

disposi����o, como forma de protesto. Ele chorava longa

e cansativamente sobre suas vidas arruinadas, tinha

prometido solenemente, entre l��grimas, casar-se com ela

de novo. (Ela teria se casado com ele novamente se pudes-

se ter encontrado meios de conserv��-lo de p�� o tempo sufi-

ciente). Mas, ela decidiu que n��o valia a pena. Ele tinha

estado b��bado desde o momento de sua chegada at�� o mo-

mento de sua partida. Talvez fosse por medo de ter de

dormir com ela novamente. Ele n��o podia esquecer o fato

de ter ela se divorciado dele para casar-se com um negro.

Ela n��o se casar�� com um negro, mas isso n��o importava.

Talvez ele tivesse medo de dormir com ela novamente por-

que isso poderia trazer uma renova����o dos seus impulsos

homossexuais, dos quais se livrara pela psican��lise, gastan-

do dez mil d��lares. N��o podia ter sido apenas por causa do

negro, porque ele soubera que mesmo enquanto estavam

casados e juntos, ela dormira com negros. Tudo que ele

fizera no fim, fora alistar-se no ex��rcito como soldado raso,

quando poderia ter solicitado um posto. Deus sabia que ele

gostava de negros tanto quanto qualquer outra pessoa. Seu

amor por eles tinha-o impelido, ele, um rapaz do Mississippi,

a devotar os dez melhores anos de sua vida a eles. Dez anos

frustrados, dominados pela culpa, nos quais ele fora enga-

nado pela esposa, anos que uma vez chamou em um lamento

post-mortem "o brilhante, reluzente mundo das rela����es

raciais!" Por dez anos, ele fora um negr��filo, um negr��filo

exagerado que apreciava as camas das esposas dos seus

colegas negros sem a m��nima condescend��ncia, qualquer

que fosse. Ele tinha sido analisado para livrar-se de uma

inclina����o homossexual, a fim de que pudesse gerar um

herdeiro, e ficou patenteado mais tarde que ele gostava

menos de negros. Aquilo pareceu-lhe estranho. Ele discutiu

o assunto com ela por longo tempo.

Mas, ela n��o mencionou o fato a Bill. Ele a respeitava,

ela n��o ousava feri-lo. Ele pensava que ela era pura. Talvez,

n��o pura. Mas, n��o f��cil. Ela tinha um emprego t��o res-

peit��vel que ele n��o podia pensar de outra forma, sendo o

rapaz simp��tico que era, o tipo que acredita que o emprego

faz a senhora. Talvez, " c a s t a " fosse uma palavra melhor.

Bem, por que n��o?, ela perguntou a si pr��pria. Ela nunca

tinha se sentido inteiramente como uma prostituta em tem-

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po algum. Al��m disso, era agrad��vel ter um homem que

pensasse assim dela.

��s dez horas, percebendo que atrapalhara seu jantar,

ele convidara-a para ceiar, mas ela declinara do convite.

Seria um fim amargo para a noite, sair para jantar com

Bill e voltar para casa e dormir sozinha.

Ent��o, quando Bill ia saindo, Harold entrou cambalean-

do, b��bado como sempre. Ela n��o tinha vergonha de Harold,

n��o tinha vergonha de nenhum de seus amigos de cor, dos

poucos que lhe restavam. Al��m disso, Harold era um homem

que causava boa impress��o quando estava s��brio. E houve

uma ��poca em que ela o respeitara mais do que qualquer

outro homem que conhecera, na verdade, ela o venerara.

De qualquer forma, Bill j�� o encontrara ali antes. Mas,

por que cargas d'��gua tinha ele que se arrastar para sua

resid��ncia toda vez que ficava desamparadamente b��bado?

Subitamente, lembrou-se de ter-lhe emprestado outros

vinte e cinco d��lares. "Que diabo!", disse ela alto. Naquela

ocasi��o, havia decidido romper com ele definitivamente.

Apenas sentou-se a beber com ele para confort��-lo, pois

estava magoado, deprimido e como sempre, tinha se esque-

cido de comer. Depois que lhe emprestou o dinheiro, ficou

t��o enraivecida que o expulsara do seu apartamento, apesar

de �� essa altura, ele mal poder ficar de p�� e come��ar a

chorar ridiculamente, lamentando seu cruel destino.

"��� Voc�� ganha mais dinheiro do que eu, e al��m disso

�� quinze anos mais velho!", ela reprovou-o amargamente.

Tudo o que Harold significara para ela durante seu primeiro

ano na universidade, aqueles "anos brilhantes, reluzentes",

dos quais ele tinha sido parte, n��o era mais uma realidade,

era apenas uma recorda����o. Naquela ��poca, ele fora um

grande homem na universidade, um homem que ia a certos

lugares, que n��o ligava para ela, uma simples mocinha do

interior.

Agora, o que ela mais temia era a irrealidade. Os anos

pareciam feitos de p��. Lembrava-se da autoconsidera����o

lamuriante dos homens... Ronny chorando, no seu quarto,

no hotel Comodoro, naquele inverno, quando ela se divor-

ciara dele e viera para New York, casar-se com T e d . . .

��� N��o se case com um negro, K r i s s . . . N��o me mate,

K r i s s . . . Eu sei que tenho sido um bastardo, mas n��o me

d e s t r u a . . . eu sou do Mississippi.

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Ela replicara com sensual crueldade:

��� Volte para o Mississippi, v�� se chafurdar e dormir

com todas aquelas negras com as quais voc�� cresceu, con-

forme voc�� sempre se gabou. Voc�� n��o sabe como possuir

uma mulher b r a n c a . . .

Com l��grimas molhando- suas meias de nylon, ele

respondera:

��� Por favor, Kriss, n��o fa��a isso! Eu me submeterei

�� sua an��lise. Eu lhe darei um filho...

Sua estocada final:

��� D�� um filho a voc�� mesmo, seu verme; voc�� tem

tentado bastante!

"Que vida miser��vel!", ela pensou. "Eu sou uma boa

mo��a realmente". De alguma maneira, o estranho pensa-

mento trouxe-lhe v��vidas e pungentes lembran��as de Williard

no ano em que ele era um astro fulgurante do time de

football da escola, e dos dois abortos quando tinha dezesseis

anos, os quais n��o lhe permitiram ter filhos.

"Preciso telefonar �� minha m��e hoje �� noite", disse a

si mesma, decididamente, tateando ��s cegas, procurando

agarrar-se �� ��ltima oportunidade de ligar-se �� realidade.

Olhou para o mostrador luminoso do rel��gio. Eram oito

e dez. Subitamente, sentou-se e com os p��s nus encontrou

as chinelas douradas. Seu corpo nu, pesado pelos anos, era

um tanto bud��stico. Sua mente estava obtusa, embotada,

inconsistente, mas ela n��o tinha ressaca. Nat, seu m��dico,

avisara-lhe para beber somente do melhor u��sque, "porque

continha menos ��lcool am��lico. Ela pagava seis d��lares e

quarenta e dois centavos por um quinto do seu Scotch, e

bebia seis garrafas por semana, em m��dia. Mas, n��o im-

portava o quanto bebesse, o fato �� que nunca tinha ressacas.

No aspecto f��sico, era desagradavelmente saud��vel. Eram

somente as terr��veis depress��es do acordar.

Levantou-se, foi para o lugar onde costumava tomar o

caf�� da manh�� e acendeu as luzes da sala de visitas. O

hall de entrada de seu apartamento era em forma de ��ngulo

que se alargava na dire����o da cozinha e do lugar onde ela

tomava o caf�� da manh��. Este continha uma mesa de car-

valho de cor clara, na qual repousavam um cinzeiro de prata

com diversas pontas de cigarro amassadas e dois copos para

u��sque e soda sobre dois descansos de prata. Aqui, o hall

fazia ��ngulo uma vez mais, terminando em um espelho de

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corpo inteiro na porta do arm��rio, situado em frente do

banheiro e dormit��rio. O canto mais afastado do lugar onde

ela tomava o caf�� da manh�� era cortado diagonalmente por

uma arcada que se estendia at�� �� sala de visitas, localizadas

um degrau mais baixo do que o resto do pequeno e bem

projetado apartamento.

Era uma sala moderna, com uma bel��ssima decora����o.

As paredes da frente eram pintadas em uma tonalidade

pastel, cinza e r��sea. O assoalho era coberto por um tapete

cor-de-rosa e a parede do outro lado, com suas duas janelas

dando para uma parede de concreto era completamente

coberta por cortinas marrom escuro que iam do teto ao

assoalho.

Um arm��rio de carvalho de cor clara, vistoso e bem

polido, estava encostado �� parede acinzentada. Sobre o

mesmo havia um desenho a carv��o, representando tr��s ant��-

lopes em fuga. Em frente das cortinas marrons, estava uma

televis��o de cor clara em um suporte de tr��s pernas, enci-

mada por uma delgada figura feminina, esculpida em carva-

lho de cor caramelo. Junto �� parede cor-de-rosa, via-se

uma escrivaninha de carvalho de tonalidade clara e uma

cadeira tubular forrada com espuma de borracha e coberta

por um tecido felpudo acinzentado remov��vel. Ainda nesta

parede, havia tr��s quadros, uma grande pintura a ��leo de

uma pequena ��ndia sentada desconsoladamente no meio-fio

de uma cal��ada, lembrando a famosa pintura de um pequeno

��ndio, feita por Diego Rivera; uma aquarela menor em dese-

nho abstrato, a qual bem podia ser o retrato de pulm��es

inflamados; e um desenho em pastel, algo l��gubre e amea-

��ador, de uma polin��sia mostrando seus grandes seios nus

e grandes olhos redondos. O sof�� ao lado da parede do

quarto de dormir, com seu estofamento verde acinzentado,

parecia ter uma m�� reputa����o, semelhante ��quela de uma

matrona envelhecida, por��m invicta, entre um grupo de

beldades, gasta, mas n��o esquecida. Ao lado dele, ficava

uma cole����o de mesas com a parte de cima de vidro, as

qua:s se adaptavam umas sobre as outras, e em cima destas,

havia copos para u��sque e soda em descansos de prata e

um cinzeiro de vidro cheio de pontas de cigarro com manchas

de batom. Justamente ao lado do arm��rio estava a cadeira

favorita de Kriss que tinha tr��s pernas, espaldar vertical

e um espa��o entre o assento e as costas, para pegar o tra-

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seiro de mulheres bem acolchoadas, como uma vez foi suge-

rido pela revista de quadrinhos "New Yorker".

Algumas vezes, esse quarto dava satisfa����o a Kriss, e

ela n��o fazia segredo disso. Os quadros tinham sido pintados

por artistas que tinham conseguido bolsas de estudos da

Institui����o Chicago, e eram considerados bons e valiosos por

aqueles que entendiam dessas coisas. Por��m, naquele mo-

mento, quando ela foi ligar a televis��o, o aposento tinha

um ar matinal que contribu��a para manter sua depress��o

geral.

A l��mpada na mesa revelava que seu corpo era forte

e bem conservado, considerando a idade e os abusos a que

tinha se submetido. Os seios haviam ca��do um pouco, por��m

ainda eram firmes. Os ombros eram elegantes e apesar de

salpicados por pequeninas espinhas, eram volutuosos como

uma pintura de Botticelli. As pernas eram longas e esplen-

didamente torneadas, os joelhos eram lindos, por��m o est��-

mago era um tanto saliente e protuber��ncias semelhantes a

pneus tinham se formado acima dos quadris. A pele era

muito delicada. A penugem nos bra��os e na base da espinha

era dourada. Os cabelos cortados curtos �� moda da mulher

de neg��cios, tinham uma translucidez castanha que se apro-

ximava do ouro. O rosto de malares proeminentes contras-

tava com o nariz reto, pequeno, delicado, e os imensos olhos

azuis eram ligeiramente v��treos, saltados e inclinados para

cima e para fora. Um famoso escritor e cr��tico de New

York, um velho famoso por suas frases floridas, dissera

uma vez que ela era t��o elegante como quatro pav��es. Mas,

ele somente a tinha visto quando estava vestida. Agora,

quando curvou-se, assumindo uma posi����o inc��moda e nada

lisonjeira de uma dan��arina de can-can sem traje, parecia

grotesca.

Justamente naquele momento, a luz apareceu na tela

de vinte polegadas e a fisionomia de um homem de cr��nio

alvacento iluminada por um amplo sorriso, juntou-se �� hor-

rorosa agita����o daquela manh�� desta era tele-at��mica, que

inspira intransigentes antiquados padecendo de ressaca a

correr para a cozinha e cortar a garganta. Os olhos felizes,

sorridentes, enrugaram-se nos cantos e fitaram astuciosa-

mente sua anatomia, fazendo-a sentir-se, subitamente, inde-

cente, amoral.

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��� Oh!, ela exclamou, sem querer, protegendo-se com as

m��os.

O som do aparelho estava muito alto. Uma voz jovial

saiu dos l��bios sorridentes do rosto feliz:

��� Voc�� est�� com excesso de peso? Sente-se cansado?

Sofre de depress��o de manh��? Sente mau gosto de b��lis ao

levantar-se?

Esse ruidoso catecismo martelando sobre seu humor

m��rbido, mexeu com ela. Fez o que sempre fazia quando

agitada: deu risada.

��� Ent��o, isto �� o que voc�� precisa!, a voz informou.

��� O que?, ela perguntou ao rosto feliz, com seu humor

espont��neo vindo em seu socorro.

O rosto desapareceu instantaneamente e em seu lugar

apareceu a m��o de um gigante segurando uma garrafa

gigantesca com o r��tulo virado para a frente:

��� Isto!

��� Que diabo!, exclamou ela, enfadada.

A voz continuou:

��� Sim! Este en��rgico laxativo, impregnado de vitaminas,

tamb��m cont��m clorofila. N��o s�� estimula as fun����es da

natureza, mas tamb��m proporciona uma melhora depois de

uma noite sem sono. Voc�� vai para o trabalho com o corpo

limpo, a mente alerta e h��lito agrad��vel.

Kriss baixou o volume, ainda rindo. Havia um humor

vulgar na situa����o ��� ela contaria a Dorothy ��� por��m ainda

estava um pouco desconcertada. Fora a primeira vez que

ligara a televis��o durante os comerciais e pego o rosto de

Gloucester quase se aninhando nas suas coxas. Sabia que

era tolice, mas sentia-se embara��ada. Foi impelida a fazer

algo travesso, como dan��ar fazendo striptease ou sacudir

o traseiro. Todavia, mostrou respeitabilidade e afastou-se

do televisor com apropriada dignidade. Por��m, sentiu os

olhos apreciadores de Gloucester no corpo nu. Olhou sobre

o ombro e imaginou quantos sorrisos amplos e corpos nus

passeavam toda manh�� diante do seu olhar divertido na

televis��o. O rosto sorridente de um chimpanz�� de estima����o

apareceu na tela. O pequeno animal pulou com tal alegria

que Kriss, impulsivamente, afastou-se de sua vista e trope-

��ou na cadeira de tr��s pernas, caiu sobre as mesas de caf��

e derrubou o cinzeiro de vidro no valioso tapete cor-de-rosa.

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Foi obrigada a sorrir. Mattie, sua arrumadeira de cor.

que vinha tr��s dias por semana, iria jurar que ela estava

b��bada. Agora, ela se sentia um pouco b��bada. Animada-

mente, disp��s-se a iniciar sua rotina matinal.

Pegou o exemplar do "New York Herald-Tribune" no

tapete do lado de fora da porta. Primeiro, deu uma olha-

dela na janela de Judas, a fim de certificar-se de que o

litoral estava livre; p��s ��gua a ferver para fazer caf��;

ficou um momento olhando as monices do chimpanz�� na

tela da televis��o. Em seguida, dedicou os cinco minutos de

praxe ��s fun����es corporais e entrementes deu uma olhada

nas principais not��cias. Vagamente, a voz da televis��o pene-

trou na sua consci��ncia, irradiando as not��cias da manh��,

o que de acordo com o costume moderno, �� a incumb��ncia

do noticiarista. As manchetes de ambas as fontes eram

as mesmas: "Truman encampa a ind��stria de a��o"; os

mesmos nomes surgiram: John L. Lewis; Dean Acheson;

General Dwight D. Eisenhower, Major William O'Dwyer,

Rainha Juliana e Pr��ncipe Bernhard; a NATO era elogiada

e pouco criticada; o Departamento de Estado era criticado

e pouco elogiado; a Uni��o Sovi��tica era criticada totalmente;

nada era elogiado totalmente; McCarthy tinha encontrado

dois mil comunistas escondidos entre as camisas esportes

estampadas do Presidente e tinha proclamado que Truman

n��o era en��rgico com os comunistas; todos generais de cinco

estrelas decidiram candidatar-se a Presidente, por��m

MacArthur que havia se tornado general de seis estrelas

desde sua destitui����o na Cor��ia passara a frente dos outros,

certamente devido a essa estrela extra, que os democratas

de Truman insinuaram ter sido colocada na sua t��nica por

ele pr��prio e sem a devida autoridade; todos concordavam

que era "��poca de mudar", mas qual seria a mudan��a,

ningu��m sabia ao certo, a n��o ser que os democratas deve-

riam ser substitu��dos pelos republicanos, conforme apregoa-

vam insistentemente os republicanos; o juiz do Supremo

Tribunal William O. Douglas recomendava uma revolu����o

de camponeses para acabar com a escravid��o econ��mica em

zonas atrasadas; um professor de Harvard insinuou que foi

uma revolu����o de camponeses que come��ou toda a desordem,

mas foi prontamente condenado como espi��o comunista por

McCarthy e foi visto pela ��ltima vez desaparecendo inespe-

radamente de uma janela de um d��cimo segundo andar; as

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for��as dos Estados Unidos na Cor��ia tinham matado sete

mil comunistas chineses no dia anterior, mas a guerra ainda

prosseguia devido ao fato de sete mil comunistas chineses

terem nascido durante a noite, conforme afirmou categori-

camente um professor da Universidade de Columbia.

Depois de digerir essas not��cias, Kriss tomou banho,

escovou os dentes, p��s uma cinta nova, tirou os prendedores

de meias de um par sujo que estava no saco, dentro do

arm��rio, onde deixava a roupa de baixo e meias para a

empregada lavar. A roupa suja dentro do cesto no banheiro

ia para a lavanderia. Tirou um par de meias de nylon da

gaveta no meio do arm��rio, e antes de p��-las certificou-se

que n��o estavam desfiadas. Depois foi para a cozinha,

derramou a ��gua fervente na cafeteira, colocou duas fatias

de p��o branco no tostador autom��tico e continuou a vestir-se,

fazendo uma breve pausa diante do espelho do arm��rio para

adorar suas pernas. Dentro das meias de nylon, suas pernas

eram delgadas e esbeltas. Seus quadris estavam firmemente

sustentados pela cinta, mas para seu infinito desgosto o

est��mago projetou-se e o maldito pneu de bicicleta tornou-se

vis��vel. Precisava fazer dieta, resolveu pela mil��sima vez,

embora soubesse que n��o era a alimenta����o, mas a grande

quantidade de bebida que ingeria. N��o podia passar sem

beber. Mas, precisava parar, antes que se tornasse uma

daquelas mulheres varonis e barrigudas que ela tanto des-

prezava. Mas, n��o devia se queixar muito sobre o seu peso

atual. Quando emagrecia, os seios ca��am. Nunca tinha usado

soutien. Este era um dos seus orgulhos. As combina����es

eram suficientes para manter seus seios mais ou menos

firmes.

Escolheu um vestido vermelho de uma das filas de vesti-

dos no arm��rio, um ter��o dos quais era vermelho. Ela gos-

tava de vermelho, combinava com sua pele delicada, seus

olhos azuis e cabelos louros. Al��m disso, o vermelho fazia-a

sentir-se audaciosa, e ela n��o se dava bem no mundo sem

esse sentimento de aud��cia.

Tirou do arm��rio de medicamentos um frasco de com-

primidos azul-acinzentados que estava ao lado de um frasco

contendo c��psulas amarelas e vermelhas de barbit��rico. Os

comprimidos eram patenteados, relativamente novos no mer-

cado e feitos de uma combina����o de dexedrina e amilobar-

bital. As indica����es no r��tulo diziam: "Indicado para os





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estados de ang��stia mental e emocional". A primeira vez

que lera o r��tulo dissera a si pr��pria: "Sou eu, Sou eu,

todo o tempo". Depois de engolir um com um pouco de

��gua, jogou alguns deles dentro de uma caixinha laqueada,

a fim de levar para o escrit��rio. O estoque de l�� tinha

acabado.

Depois, trouxe a torrada e o caf�� e sentou-se em um

tamborete �� extremidade da mesa para assistir televis��o.

Comeu metade da torrada e bebeu duas x��caras de caf��

ado��adas com sacarina. Na tela da televis��o, Gloucester

estava entrevistando o chimpanz��.

��� Quem voc�� acha que ser�� escolhido pelo Partido

Republicano para ser Presidente?, ele perguntou.

��� O general do ex��rcito de cinco estrelas, Dwight D.

Eisenhower, ser�� escolhido no primeiro escrut��nio, ��� repli-

cou prontamente o chimpanz��.

��� Est�� seguro que n��o ser�� o senador Taft?, ��� pergun-

tou Gloucester, que era um partid��rio leal de Taft.

��� N��o, nem mesmo para Vice-Presidente ��� assegurou

o chimpanz�� positivamente. Tudo que Bob Taft conseguir��

ser�� um grande abra��o de Eisenhower, quando o General

apressar-se pela rua logo ap��s sua escolha, para congratular

o senador Taft pela sua perda e pedir unidade partid��ria.

O senador Richacd Nixon da Calif��rnia ser�� indicado para

Vice-Presidente, e em 28 de setembro de 1952, ele ir�� ��

televis��o ��� da mesma forma que voc�� e eu ��� para defender

um fundo pol��tico, colocado �� sua disposi����o por homens

de neg��cios da Calif��rnia, cidad��os inocentes e patriotas,

muitos dos quais j�� se envolveram em neg��cios de bens

im��veis e est��o impedidos no seu desejo de investir em

propriedades de aluguel barato do programa de controle

de aluguel da administra����o democr��tica, o qual parado-

xalmente precipita o encarecimento do aluguel. O sr. Nixon

tamb��m revelar�� sua condi����o financeira para completa

satisfa����o dos republicanos e completo descontentamento

dos democratas. Depois, ele se apressar�� para o trem

especial de campanha do indicado pelo Partido Republicano,

o General do Ex��rcito, Eisenhower, a fim de posar para uma

par��dia de cine-jornal, uma com��dia de Jerry Lewis e Dean

Martin: "Este �� o meu rapaz".

��� Que possibilidades tem Eisenhower de ser eleito, ���

perguntou Gloucester, condescendentemente.

16

��� Em 4 de novembro de 1952, o indicado pelo Partido

Republicano para a Presid��ncia, o General do Ex��rcito de

cinco estrelas, Dwight D. Eisenhower ser�� eleito Presidente

dos Estados Unidos por 442 votos eleitorais e 33.938,285 votos

populares. Definitivamente, uma vit��ria esmagadora, a

maior vota����o popular na Historia da sua Rep��blica, dando

assim ao senador McCarthy um mandato para livrar a na����o

de sua pr��pria mentalidade, ��� declarou o chimpanz��, cheio

de t��dio. ��� Afinal de contas, isto n��o produzir�� nenhum

efeito em chimpanz��s, chimpanz��s n��o pensam. Respondi

suas perguntas?, ��� concluiu rispidamente, ansioso para

receber o pagamento pelo seu aparecimento.

Kriss olhou para o chimpanz��, horrorizada. "Como pode

ele dizer tais coisas. Roosevelt morreu h�� apenas sete anos",

pensou ela com indigna����o.

A p��lula fez efeito rapidamente no est��mago vazio. O

tremendo est��mulo f��sico proporcionado pelas cinco miligra-

mas de dexedrina contrabalan��adas pelas trinta e duas mili-

gramas de amilobarbital e aliadas �� cafe��na contida nas duas

x��caras de caf�� forte foi elevado ao m��ximo da efici��ncia,

dando ao c��rebro uma luminosidade sobrenatural, uma luci-

dez quase insuport��vel, como Hemingway escrevendo uma

novela. Nessa altura ela j�� tinha penteado o cabelo, em-

poado o rosto suavemente, pintado os l��bios de vermelho

como era apropriado, passado um pouco de vaselina nas

p��lpebras superiores e posto os adornos adequados: um

rel��gio de pulso de ouro, com pulseira de couro no pulso

esquerdo; um broche de ouro em forma de folha com uma

pedra azul escura sobre o seio esquerdo; um colar de ouro

e dois brincos dourados. Com estes atavios e mais seus

an��is de casamento e compromisso, os quais ainda usava

pela mesma raz��o que ainda conservava o nome de casada,

sentia-se capaz, serena, alerta e muito segura. Adorava suas

pequenas p��lulas pela seguran��a que elas lhe davam. Assim

enfeitada e ornamentada a ponto de satisfazer o gosto mais

exigente, emocionalmente fortificada pelas drogas recente-

mente patenteadas, um tanto divertida pelas momices do

chimpanz�� na televis��o, com as faculdades mentais agu��a-

das pela ess��ncia das vinte e cinco miligramas do puro caf��

americano, sentiu-se uma eficiente administradora, pronta

para enfrentar o dia.

17

Agora, podia pensar em Dave Levine. Ele n��o a tinha

visitado novamente. Ela tentara arduamente casar-se com

Dave e quase tivera sucesso, por��m sua m��e que era muito

ortodoxa e, incidentemente, quem controlava o cord��o da

bolsa, apesar de Dave manter um apartamento em

Manhattan, tinha impedido. Desde ent��o, ela o odiou. N��o

podia suportar a humilha����o de ter ele rompido o compro-

misso antes que ela o fizesse. Tentou despertar algum pre-

conceito racial para sustentar seu ego, mas foi em v��o.

N��o alimentava preconceito racial contra qualquer pessoa.

Na verdade, a maioria das pessoas que mais admirara eram

judeus e negros. Assim, n��o adiantava o esfor��o. A trag��dia

era que ela gostava da m��e de Dave, pela sua maneira

benevolente, afetuosa, cordial. Gostava mais dela do que

do pr��prio Dave, cuja influ��ncia sobre ela fora faz��-la

sentir-se inferior. "Vigarista! Praticamente viveu ��s minhas

custas o ano passado", ela disse a si pr��pria, tentando outra

t��tica para espica��ar sua zanga. Mas, raciocinando, perce-

beu que n��o podia aceitar a mentira. Desejou que fosse

verdade, que fosse ao contr��rio, assim quando ele a visitasse

na pr��xima vez diria: "Saia da minha casa, seu bastardo!

Saia da minha vida. Voc�� s�� tem me explorado desde que

me conheceu. Volte e case-se com aquela mo��a em Bronx,

Susan ou Vivien, ou qualquer que seja o nome!" Ela sabia

muito bem o nome da mo��a. Era Denise Rose, uma mo��a

muito bonita, cujos progenitores tinham dinheiro, diploma-

ra-se em Smith, viajara bastante pela Europa, lia bons

livros e fazia da arte um passatempo. Agora, Denise, como

ela pr��pria, queria se casar e dar belos filhos a seu marido,

um para se dedicar a neg��cios, outro para estudar advocacia

em Harvard, uma menina para se casar com um dos seus

bons amigos. Intimamente, Kriss achava que Dave era um

bobo por n��o ter se casado com ela h�� muito tempo passado.

��� Os irm��os Brooks, ah, exclamou, apressando-se para

desligar a televis��o. De volta, examinou o conte��do de sua

bolsa. Tinha tr��s notas de vinte, duas de dez, uma de cinco

e tr��s de um. Ao meio-dia passaria por Best & Co. e pagaria

sua conta. Na bolsa de moedas estavam as moedas para

a passagem de carro. A bolsa ainda continha a caixinha

laqueada com p��lulas; um envolt��rio esmaltado de batom

com tabletes de sacarina; um batom vermelho chin��s de

um d��lar; um estojo de maquilagem pl��stico incrustado a





18


ouro, redondo e achatado; uma magn��fica cigarreira de

ouro, longa e achatada, que Fuller oferecera no seu aniver-

s��rio, o ano passado e por coincid��ncia uma carta do pr��-

prio Fuller que havia chegado ao escrit��rio no dia anterior,

dizendo que ia de avi��o a Los Angeles, a neg��cios; um

isqueiro dourado Dunhill, oferecido por Dave, como presente

de natal; uma caneta tinteiro de noventa e oito centavos

de uma das drogarias Whelan; um livro de cheques de um

banco filiado a Manhattan Company; dois len��os de linho

limpos com iniciais; meio ma��o de cigarros Chesterfield,

que era os que fumava, exceto quando desejava causar

impress��o com a cigarreira de ouro ��� mas, nunca fumava

antes do almo��o; as tr��s chaves necess��rias para entrar

no seu apartamento, outra chave para a entrada lateral do

pr��dio do seu escrit��rio, duas pequenas chaves chatas das

grandes malas Hartman, as quais n��o usava desde sua

viagem �� Europa, todas presas em um chaveiro; e uma

caderneta de endere��os, de couro, contendo o endere��o de

seis mulheres solteiras e dois homens, sem indicar se estes

eram solteiros ou casados. Um era um tal Jim Saxton de

Dallas, Texas; o outro um tal Kenneth McCrary de Hollywood,

Calif��rnia. Era uma bolsa limpa, de bom gosto e relativa-

mente arrumada.

De um dos arm��rios onde guardava os casacos, escolheu

um de tecido xadrez, de peso m��dio e tonalidade neutra.

P��s luvas pretas de algod��o, pegou a bolsa e o jornal da

manh��, tomou um ��ltimo gole de caf��, a essa hora t��pido,

deixando uma mancha de batom na x��cara, apagou as luzes

atr��s de si e partiu para o trabalho. Eram exatamente nove

horas, hora de chegar ao escrit��rio, adquirira o h��bito de

chegar tarde, e para ela era praticamente imposs��vel chegar

na hora certa. "�� melhor acautelar-me", pensou. Mais

cedo ou mais tarde, seu chefe, Kirby Reynolds, a admoesta-

ria, de forma delicada, certamente, pois ele era uma pessoa

muito simp��tica, mas ela n��o gostaria daquilo.

Abrindo a porta do corredor, encontrou Mattie que ia

entrando. Mattie era uma negra imensa que nunca usava

maquilagem ou demonstrava o m��nimo interesse pela sua

apar��ncia pessoal. Seu rosto estava sempre sujo, o cabelo

encarapinhado sempre despenteado e suas roupas velhas t��o

amarrotadas que parecia ter dormido em cima das mesmas.

19

Vendo Kriss, seu rosto iluminou-se com um sorriso pro-

fissional, mostrando uma fila de dentes grandes amarelados

com obtura����es de am��lgama aqui e ali.

��� Bom dia, senhora Cummons.

Ela parecia psicologicamente impedida de pronunciar o

nome "Cummings", apesar de Kriss uma vez t��-la ouvido

pronunciar distintamente: "Senhor Drummings". Contudo,

Kriss n��o teve meios de descobrir que o cavalheiro a quem

ela se referia se chamava "Drummond".

Kriss tamb��m sorriu para ela, daquela forma divertida

que a fazia t��o querida.

��� Estou atrasada novamente, Mattie. Parece que n��o

h�� jeito de sair na hora certa.

��� A sinhora priciza casa, sinhora Cummons. �� tudo

qui a sinhora priciza, ��� Mattie replicou com espont��nia

familiaridade. O que ela n��o sabia sobre a vida amorosa

de Kriss, advinhou ��� A sinhora n��o tem de dizisti.

Kriss n��o sabia ao certo, durante essas trocas de pala-

vras, se Mattie estava fazendo tro��a ou manifestando uma

profunda convic����o. Sorriu constrangida e apressou-se pelo

corredor, enquanto seus saltos soavam por toda parte.

Fora, foi saudada por uma luminosa manh�� de abril.

O edificio onde estava seu apartamento, uma estrutura de

oito andares, de tijolos, constru��do em 1930, dava para a

Rua Vig��sima Primeira, entre a Terceira Avenida e a extre-

midade sul de Lexington, em Grammercy Park.

Era uma rua agrad��vel, considerou, enquanto caminha-

va animadamente �� luz do sol. Luxuosa, sofisticada. �� sua

esquerda, o velho Hotel Irving, de frente para o parque; ��

sua direita, uma moderna casa de apartamentos de tijolos

amarelos, aluguel caro, com bonitas janelas que ficavam

iluminadas �� noite, mostrando decora����es maravilhosas.

Ali, havia riqueza e luxo de uma forma tranq��ila e exclusiva.

Havia riqueza em tradi����o tamb��m. Ela gostava daquilo

ali. Gostava de New York, mas gostava dali mais do que

qualquer outro lugar onde morara em New York, porque ali

se sentia confiante, exclusiva. Sua esta����o de telefone era

Grammercy ��� Acima e �� direita da rua, poucas portas do

Grammercy P a r k " , ela sempre dizia, quando orientava

amigos para seu endere��o; nunca, "Abaixo, �� direita, poucas

portas da Terceira Avenida". Mas, gostava tamb��m daquela

20

parte da Terceira Avenida, onde havia tantas lojas

maravilhosas.

A rua estava vazia desde o " r u s h " das oito e meia.

Apenas, o pessoal do ponto de taxi que dava para Lexington

e as pessoas de servi��o estavam por ali ��quela hora tardia.

Algumas amas no parque cuidavam das suas obriga����es.

"Preciso obter uma chave", lembrou-se. Era um parque

particular circundado por uma grade de ferro alta. Os

port��es ficavam fechados. Por��m, os moradores da vizi-

nhan��a podiam alugar uma chave por doze d��lares anuais

��� ou eram vinte ��� solicitando �� Associa����o do Grammercy

Park. As ��rvores j�� estavam ficando verdes, e as tulipas

vermelhas e amarelas estavam florescendo em lotes bem

cuidados. Que faria ela com uma chave, francamente n��o

sabia. Ningu��m que conhecia, seria encontrado namorando

em um banco duro, num parque friorento, quando havia seu

apartamento t��o pr��ximo, belamente mobiliado, equipado

com televis��o e cama. Depois de um momento, refletiu,

"Namorando? Que palavra antiga para expressar aquilo!"

Ela continuou pela Rua Vig��sima Primeira at�� a Quarta

Avenida, virou na dire����o norte para a entrada do metr��

na Rua Vig��sima Segunda. Havia um sorriso nos seus

l��bios. Sentia-se feliz. Transeuntes, mesmo os rudes tip��-

grafos e os propriet��rios de armaz��m da vizinhan��a notaram

sua felicidade e sorriram para ela. Tamb��m sorriu para

eles, lembrando-se subitamente do ditado do Harlem que

muitas vezes ouvira em casa de Maud: "Prefiro ser poste

de cachorro em New York do que Governador Geral do

Estado do Mississippi".

21

CAP��TULO 2

Ele sonhara intermitentemente. No princ��pio, sonhara

que estava patinando em algum lugar no meio de uma mul-

tid��o e ca��ra em um buraco no gelo. "Socorro! Socorro!",

gritara, enquanto a corrente gelada o arrastava. Agarrara

na borda do gelo, mas n��o podia nadar e a ��gua fria puxa-

va-o para baixo. "Socorro! Socorro!", gritava de novo,

desesperadamente, quando sentiu as for��as lhe faltarem.

Mas, nenhum dos outros patinadores, todos eles casais, rapa-

zes e mo��as, homens e mulheres olharam em sua dire����o

ou deram qualquer demonstra����o de terem ouvido seus

gritos. Patinavam ao redor do buraco, sorrindo, conversan-

do, absorvidos uns nos outros. "Jesus Cristo! Eles nem

mesmo me v��em!", pensou ele, quando as for��as lhe aban-

donaram completamente e foi tragado pela ��gua gelada,

dominado por um medo e p��nico.

Acordou, encaminhou-se para a c��moda e encheu um

copo de gin. A claridade da noite entrava pelas duas jane-

las laterais mostrando sua silhueta no espelho. Suas m��os

tremiam e seus dentes castanholaram na borda do copo

quando engoliu o gin. Conservou a boca aberta, ofegando

at�� recobrar o f��lego, depois voltou para a cama.

"Aquilo me p��s nocaute", pensou.

Mas, sonhou novamente. Sonhou que estava em um ban-

quete, sentado pr��ximo da extremidade da mesa onde duas

bonitas louras estavam sentadas lado a lado. Mas, havia

um espa��o vazio entre seu assento e a extremidade, o que

lhe impedia de falar com elas. Ent��o, o homem �� sua direita

levantou-se e foi embora, porque n��o gostava de seu vizinho

do outro lado e ele ficou sentado �� mesa do banquete entre

duas cadeiras vazias. Subitamente, sentiu-se isolado. Tinha

uma vaga id��ia de ser o ��nico negro no banquete, mas isso

nada tinha que ver com a sensa����o de isolamento, at�� que

um negro elegante, bem vestido, confiante, redator de uma

23

revista, pessoa que conhecia muito bem, passou sem falar

e sentou-se �� cabeceira da mesa. Ent��o, refletiu: "Jesus

Cristo! At�� este bastardo me ignora!" Mas, quando o ban-

quete acabou e os h��spedes come��aram a sair, uma negra

de cabelo arrumado e diversas cicatrizes salientes nas faces,

mas muito bem vestida em traje de gala rosa-beige e capa

de cetim preta, parou por um momento ao lado de sua

cadeira e sorriu para ele. ��� "N��o se preocupe", ��� disse.

��� "Voc�� conseguir�� algu��m para ir. Continue tentan-

do". ��� Ele se sentiu t��o grato que quis beijar sua m��o,

mas ela j�� tinha descido as escadas e ele viu quando a mes-

ma entrou num luxuoso carro estrangeiro com o redator

que o ignorou.

��� Jess�� Robinson, ��� murmurou dormindo. Sua voz foi

t��o mal��vola que praguejou por entre os dentes cerrados:

��� "Seu grande idiota!" ��� Seu corpo foi sacudido por uma

f��ria selvagem e seu pulso direito moveu-se amea��adora-

mente. Ent��o, um clar��o ofuscante como o clar��o de um

rel��mpago, expandiu-se ruidosamente no seu c��rebro e ele

gritou: "��� Unh!". ��� Seu corpo ficou quieto, mas come��ou

a ranger os dentes, produzindo um som igual a de ratos

roendo.

Em seguida, sonhou que desceu as escadas da sala do

banquete e foi para um pequeno estacionamento, onde havia

um congestionamento de v��rios carros, todos eles tentando

sair. N��o havia ordem e os carros estavam correndo uns

para os outros, morcegando p��ra-lamas e travando-se pelos

p��ra-choques. No centro do estacionamento viu um ��nibus

grande e ao lado dele um homem baixo, atarracado, o qual

lavava o ve��culo vagarosamente. De repente, houve uma

agita����o e um homem grande de olhar feroz, veio da traseira

do ��nibus e come��ou a descompor o homem baixo em voz

alta e descontrolada. "Eu lhe quebro os dentes", gritou.

Uma multid��o estava ao redor e algu��m disse: "Ele est��

b��bado". O homem atarracado recuou e diversos especta-

dores tentaram conter o homem grande. Mas, ele livrou-se

deles e, maldosamente, chutou o rosto do homem baixo.

Errou por polegadas, mas com a for��a do chute o sapato

escapou do p��, voou acima da multid��o e desapareceu de

vista. O homem grande estava t��o enfurecido que ergueu

o punho e atingiu o homem baixo na boca, apesar de seis

ou sete homens tentarem cont��-lo. Ent��o, ergueu o punho

24

esquerdo e bateu-lhe novamente. Todos achavam que era

hora do homem baixo correr. Mas, ao inv��s, este abaixou

a cabe��a e com toda a for��a bateu no est��mago do homem

grande. "Oof", o homem grande ficou sem f��lego e cur-

vou-se para frente, por��m endireitou-se e mais enfurecido

que nunca, procurou ver para onde o outro tinha ido. Agora

era realmente a hora de correr, todos acharam, mas o

homem baixo veio por detr��s dele, pegou uma pesada cadei-

ra de carvalho e deu uma forte pancada na sua cabe��a.

"Jesus Cristo!", gritou o homenzarr��o, gemendo dolorosa-

mente como um cachorro ferido, e caiu de bru��os como se

estivesse morto.

No sono, Jess�� sorriu e murmurou: "Bem feito!"

Depois teve o sonho mais doce. Tinha dezessete anos de

idade e estava brigando de brincadeira numa cama com a

garota mais linda que jamais vira, tentando beij��-la. Ela

era morena, tinha cachos pretos curtos e seus olhos brilha-

vam alegremente enquanto lutava para se livrar dele. Seu

corpo era delgado, forte, curvil��neo, e ela usava saia e blusa

larga com gola de marinheiro. Fez uma volta r��pida, livrou-

se e estendeu-se longe dele, com o corpo tenso pela luta.

Mas ao inv��s de fugir, deitou-se passivamente de costas,

com o cabelo espalhado na colcha branca. Ele inclinou-se

para frente, fitando seus olhos risonhos e beijou-a terna-

mente. Ele sabia que era a primeira vez que ela tinha sido

beijada, e tamb��m a primeira vez que tinha beijado uma

mo��a. Sentiu uma agrad��vel sensa����o espalhar-se pelo seu

corpo.

Abriu os olhos. A sensa����o agrad��vel ainda estava com

ele. Ficou im��vel, mal respirando, tentando prolong��-la.

Mas, imediatamente, sua mente come��ou a analis��-la, dis-

sec��-la, separ��-la, demoli-la, torcendo-a de uma forma e de

outra.

Era agrad��vel por ser t��o pura. Nunca durante sua

vida sentira um sentimento sexual puro, nem mesmo com

sua esposa. Todavia, pura n��o era apenas uma palavra.

Seus pensamentos come��aram a folhear as p��ginas de dicio-

n��rio de sua mem��ria: "Bom" ��� veja o que est�� escrito

embaixo: agrad��vel, virtuoso, admir��vel... n��o entendi

i s t o . . . e limpo? simp��tico? ��timo? . . . aqui est�� o maldito

"bom" novamente. Arruinaram esta palavra: bons crist��os,

bons americanos, bons negros, boa m a t a n �� a . . . deve haver

25

outra palavra que seja realmente adequada... Mas, n��o

estava no seu vocabul��rio.

Sexo em sua mentalidade, sempre representara algo

sujo, um tanto misterioso, talvez um tanto s��rdido tamb��m.

Nem sempre em mau sentido, por��m sempre um pouco man-

chado, conseq����ncia de sua cria����o protestante, sua mem��-

ria grotesca, sua imagina����o estranha. No sonho, contudo,

este sentimento tinha sido completamente imaculado.

A risada de Leroy atravessou a porta fechada e ele

ouviu os detest��veis cachorrinhos correndo pelo h a l l . . .

"Napole��o, comporte-se. Venha p��r a coleira, coisinha

ruim". Era uma voz de falsete, de homem efeminado.

"Homossexuais", ele observou. "Os cachorros tamb��m".

Toda do��ura dissipou-se e a solid��o aproximou-se envol-

vente. Estava deitado diagonalmente na grande cama de

mogno e teve de rolar para alcan��ar a mesa onde estavam

cs cigarros. "N��o h�� nada mais solit��rio do que uma cama

de casal", pensou, acendendo um cigarro. Com a primeira

tragada, a tontura voltou. Estava ainda muito b��bado para

ter ressaca. A cabe��a estava perturbada, o corpo descon-

juntado e tudo tinha um aspecto deformado como um an��n-

cio de quatro cores, cada um delas um pouco fora de linha.

Contudo, o c��rebro estava ativo. Nunca tinha diminu��do

sua atividade durante os ��ltimos cinco anos. Estava sempre

cheio de emo����es definidas, frustra����es dilacerantes, esta-

dos de negro desespero, acessos de autodestrui����o, tudo em

termos de causa e efeito, de impacto racial e import��ncia

psicol��gica ��� esterco intelectual, mas sempre se aborrecen-

do quando um problema insol��vel martelava a cabe��a, como

um guerreiro desesperado. Por mais que bebesse, por mais

que fizesse para amortecer seus pensamentos, havia essa

parte da sua mente que nunca se relaxava, que nunca se

entorpecia. Estava sempre tensa, hipersens��vel, incerta,

sonhando ��� deveria haver uma maldita raz��o para isso,

para aquilo. Tudo tinha come��ado com a publica����o do seu

segundo livro, h�� cinco anos passados... Deveria haver

alguma raz��o para todo o ��dio, animosidade e gratuita m��

vontade, para a idiotice americana, amadurecida como

queijo enlatado.

Na noite anterior vagara de bar em bar, procurando

encontrar algu��m de apar��ncia sadia para uns momentos

de amor. No Ebony tentara entender-se com a recepcionista,

26

que era o tipo da mo��a de espet��culos, a qual os rapazes

chamavam "O Modelo Bronzeado". A espelunca estava pra-

ticamente vazia e ela viera sentar-se com ele. Tentou

beij��-la, recordava-se. Lembrava-se tamb��m que ela tinha

lhe pedido para acompanh��-la no dia seguinte at�� Atlantic

Beach, onde pegaria o novo Cadillac que encomendara, e

que ele dissera que gostaria de satisfaz��-la, mas precisava

ir ��s docas da Rua Vig��sima Segunda para pegar um tran-

satl��ntico que encomendara. Ela ficara zangada e dissera-

lhe para ir para o inferno. Ele replicava que desejaria que

ela ficasse zangada antes de beber os sete u��sques ��s suas

custas.

"Todo mundo est�� solit��rio nesta maldita cidade",

pensou amargamente.

Voltara para casa e come��ara a beber gin e a ler "O

Espectador" de Gorki, esperando que a combina����o o tor-

nasse inconsciente. Mas, a est��ria viera e fora como lera

antes, confundindo-se com est��rias de sua pr��pria imagi-

na����o, at�� que ele ficasse sepultado em um mundo novo e

aterrador. Seus pensamentos continuaram a revolver-se,

virando-se ora para uma ora para outra passagem, presos

aqui e ali por uma linha, como as roupas de algu��m em

uma noite de amoreira silvestre. "Amar, amar! A vida ��

t��o terr��vel ��� �� um tormento quando n��o se a m a ! . . . Um

habitual ��� agarre isto ��� uma habitual falta de desejo da

parte dos outros para olhar dentro de sua alma, bondosa-

mente, ternamente. Voc�� precisa aprender isto: todas as

mulheres sofrem incuravelmente de solid��o. Isto �� a causa

de tudo que �� incompreens��vel para voc��s homens ��� infide-

lidades inesperadas e tudo. Nenhum de voc��s procura, nenhu-

ma de voc��s anseia por esta intimidade com um ser humano

como n �� s . . . " . E seus pensamentos sempre voltaram ��quela

passagem que descrevia o afogamento de B��ris, amigo de

Clim. "Clim ouviu algu��m na multid��o perguntar grave-

mente, duvidosamente: "Mas havia realmente um rapaz?

Talvez n��o houvesse um rapaz, absolutamente.

��� Jess�� Robinson.

��� m m m m . . . Jack Robinhon... James Robinson... Jeff

Robinson... Jim ��� n��o temos nenhum Jess�� Robinson

catalogado aqui.

��� m m m m . . . Jeff... J i m . . .

��� Mas eu vivi quarenta e oito anos no m u n d o . . .

27

��� m m m m . . .

��� Eu era um escritor! Escrevi dois livros ��� sobre

negros...

��� m m m m . . .

��� Eu era americano ��� um americano negro. Escrevi

sobre o problema negro na Am��rica...

��� Ah, sim! Um problema muito s��rio. N��s estamos

muito interessados no problema do n e g r o . . .

��� Ent��o, voc��s certamente ouviram falar sobre mim.

Escrevi dois livros abordando o problema negro. Estive nos

jornais, na se����o de cr��ticas sobre livros. Eles criticaram

meus livros, um deles disse ��� lembro-me muito bem: Ro-

binson escreve como o anjo negro da vingan��a, com a pena

mergulhada em fel . . . Voc��s devem ter ouvido falar sobre

mim!

��� Jess�� Robinson... Vamos v e r . . . Jeff... J i m . . . En-

g r a �� a d o . . . Voc�� est�� positivamente certo de que havia um

Jess�� Robinson? . . . T a l v e z . . .

��� Pense nisso: metade dos homens e mulheres no mun-

do inteiro nestes poucos momentos est��o se amando, mesmo

quando voc�� e eu ...Meu querido, meu inesperado...

��� Talvez n��o existisse nenhum Jess�� Robinson, abso-

lutamente. ..

��� Ou magnanimidade, compaix��o por uma mulher, em

uma p a l a v r a ! . . .

��� Senhor! N��o h�� ningu��m neste caix��o!

��� N��o �� Jess�� Robinson...

��� Ningu��m!

��� Mas Jess�� Robinson...

��� Quem �� Jess�� Robinson?

��� Aquele que morreu de solid��o. �� a primeira vez na

hist��ria que um negro morre de solid��o. Em todos j o r n a i s . . .

��� Mas n��o h�� ningu��m neste caix��o!

��� Deixe-me v e r . . . m m m m . . . vazio como o prato de

coleta de um pastor! . . . Mas, onde est�� o corpo de Jess��

Robinson?

��� Agora, voc�� est�� me perguntando... P a r a come��ar

eu n��o acredito que Jess�� Robinson jamais tenha existido!...

Ele abriu os olhos abruptamente. A ponta do cigarro

estava queimando seus dedos e esmagou-a no cinzeiro de

vidro colocado em cima do velho arm��rio de mogno, que

servia de mesa. Al��m do cinzeiro estava um pacote de

28

cigarros Camel pela metade, um chocolate de vinte e cinco

centavos, comido pela metade, uma caixa de quartilho de

leite pela metade, um despertador branco, esmaltado, com

o vidro quebrado, e um copo manchado de leite, exalando

cheiro de gin. Tudo estava amontoado como uma repug-

nante ninhada de h��bridos ao redor de uma garrafa esf��rica

contendo uma solu����o verde, ninhada esta que ainda inclu��a

a base de uma l��mpada com um grande abajur rosa claro,

frouxamente colocado em uma arma����o feita para algo

diferente. Dentro do arm��rio, detr��s das portas fechadas,

estavam as pilhas de manuscritos in��ditos, c��pias de carbono,

pap��is velhos e cartas que ele sempre tinha conservado

junto de si, levando-os de lugar para lugar, agarrando-se

a eles anos ap��s anos, para lembrar-se ��� n��o importa o

que fizesse para ganhar a vida ��� que era um escritor por

profiss��o.

De acordo com o mostrador quebrado do rel��gio eram

oito e dez. O sol estava sobre o East River, mais ou menos

na Rua 125.a, al��m dos apartamentos do Harlem e ao sul

da Triborough Bridge, mas em linha reta com Flusinhg.

A luz do sol penetrando pelas persianas abertas projetava

escadas de luz e sombra no verde p��lido da parede oposta,

e debaixo das persianas, onde elas n��o alcan��avam o peito-

ril das janelas, um bloco de luz ca��a obliquamente sobre o

div��, uma coisa horr��vel de cor verde, vermelha e amarela.

As janelas que dava para o sul, de quem olha do

quinto andar da Rua 142.a, entre as Avenidas Convent

e Amsterdam, no meio daquela cordilheira de pedra, prova-

velmente da ��poca glacial, que se estende ao longo da costa

ocidental da Ilha Manhattan, da Rua 135.a aos Cloisters. Ele

n��o podia ver o Rio Hudson porque nesse ponto a Avenida

Amsterdam era mais alta e a Broadway estava no meio.

Mas, sobre os tetos das casas do outro lado da rua, podia

ver a arcada de pedra da entrada de City Colege, as torres

da Catedral Riverside Drive e em dias claros o topo do

Edif��cio Empire State. Ele nunca ficava impressionado com

a vista. Gostava mais dali porque muitas vezes de noite

costumava ficar nu com as luzes acesas e persianas puxa-

das e ningu��m podia v��-lo pelas janelas.

Levantou-se e examinou seu corpo no espelho. Era um

corpo forte, musculoso, da cor de papel manilha e com as

propor����es espada��das de um pugilista. Do pesco��o para

29

baixo parecia estar entre os vinte e cinco e trinta anos.

mas o rosto mostrava a idade. Era inchado de tanto beber

e tinha a apar��ncia abatida e morta de um proxeneta do

Harlem. As janelas do fundo atrapalhava seu reflexo, ent��o

inclinou-se para frente e olhou para sua imagem de perto.

"Jess�� Robinson", disse alto. Era o coment��rio reflexivo

de um homem cujo nome tinha sido t��o repetido e ultrajado

que havia se tornado um an��tema para si pr��prio, "Eu devia

ter lhe tapeado com aquela r a m e i r a ! " N��o percebeu que

falara alto. Vinha falando alto, sozinho, h�� muito tempo,

sem saber. "De qualquer forma". N��o importa o que pre-

tendia dizer, esqueceu antes de dizer.

A c��moda era coberta por um peda��o de tape��aria des-

fiada em ambas as extremidas, e sobre a qual estavam em

desordem: artigos de toalete, pentes, escovas, um sab��o

verde em um pires amarelo, tr��s escovas de dentes em um

copo sujo, um aparelho de barbear enferrujado em um estojo

pl��stico, uma faca enorme de cabo de medrep��rola, feita

na Dinamarca, um frasco de iodo, uma lata de bandagens,

um frasco vazio de t��nico para cabelo, uma garrafa de ��gua

vazia, uma garrafa de gin com tr��s dedos de gin, um copo

sujo, um saco marrom contendo tr��s ovos, e alguns envol-

t��rios de f��sforos de papel, usados pela metade.

Passou a m��o pelo queixo e achou que precisava fazer

a barba. Em seguida, esticou o l��bio inferior e soprou para

dentro das narinas para verificar se estava com mau h��lito.

Achou que n��o estava. Derramou o resto de gin no copo,

p��s dois ovos dentro e encheu-o de leite. Com a m��o ligei-

ramente tremendo, bebeu tudo de uma s�� vez. Depois levou

um peda��o de chocolate �� boca e mastigou-o distraidamente.

Acreditava que essa dieta de ovos, leite e chocolate desse-lhe

grande pot��ncia, embora n��o soubesse porque precisava de

pot��ncia. Era o come��o de abril, e n��o tinha dormido com

mulher desde antes do natal. Sabia que nenhum dos seus

conhecidos acreditaria nisso. "Apenas carregando meu

rev��lver", disse. "Programa de Prepara����o". O pensa-

mento divertiu-o. Sorriu pelo nariz. "Melhor n��o deixar os

invertidos saberem", pensou. "N��o ser��o capazes de se

manter �� dist��ncia".

De repente, sentiu um mau cheiro. Abaixou-se, cheirou

perto das pernas da c��moda, do fundo do guarda-roupa e

das pernas do velho arm��rio. O p�� f��-lo espirar. "Conside-

30

rando o que pago por este quarto, eles deviam limp��-lo de

vez em quando", disse. Ent��o, imaginou uma voz pergun-

tando: "Que voc�� disse, menino?". Ele replicou: "Tudo que

disse foi: quanto mais p�� mais esfrega����o, patr��o".

Finalmente localizou a ��rea do mau cheiro em umas

manchas marrons-escuras no assoalho, perto das pernas de

sua cama. Definitivamente era cheiro de urina de cachorro.

"Bastardinhos imundos. Eu os envenenarei", murmurou

col��rico, enquanto se levantava. Depois, pensou meio diver-

tido: "Todo o mundo tem agido desonestamente comigo,

por que n��o devem fazer o mesmo os cachorros de Leroy?".

Mentalmente, brincou com a id��ia: "Somente n��s os cachor-

ros, patr��o. Que foi que voc�� disse, menino?... Tudo que

disse, patr��o, foi: quanto mais p��s de cama mais cachorros".

Por um momento ficou olhando para os dedos dos p��s,

distraidamente. "Todos os p��s negros s��o brancos nas solas",

disse. Naquele lado da cama estendia-se um velho tapete

persa, mas a cor ainda era boa e brilhante. "Imagino onde

eles arranjam todos estes trastes", disse. "Sem d��vida,

Leroy. Refugos de seus amigos brancos. Imagino como ���".

Sem terminar o pensamento, vestiu um pijama de flanela

descorado que estava dobrado no espaldar da cadeira, cal��ou

os chinelos de borracha, cobriu-se com roup��o raiom azul

escuro, ensebado nos punhos e colarinho, e foi para o toalete.

Seu quarto e o de Leroy davam para um pequeno vest��-

bulo que levava a um grande sal��o, o qual era separado

da sala de visitas por uma divis��o de vidro. Mas, o sal��o

estava sempre escuro' porque as persianas da sala de visi-

tas permaneciam fechadas. Jess�� nunca sa��a do seu quarto

sem um sentimento misto de respeito, admira����o e zomba-

ria, inspirado pelos fant��sticos m��veis abarrotados em

todos os cantos. O simples fato de atravessar o sal��o torna-

va-se uma jornada perigosa, que jamais deveria ser empreen-

dida rapidamente ou quando se estivesse b��bado, sem o

dom��nio total dos sentidos.

Na passagem estreita, justamente �� esquerda da sua

porta, ficava o rel��gio de madeira com mais de seis p��s

de altura, o qual ele tinha apelidado "o ata��de da m��mia".

Na obscuridade, com seu acabamento escuro, representava

um risco constante, e s�� algu��m dotado de uma habilidade

excepcional poderia ter se lembrado de coloc��-lo ali. �� direi-

ta, estava um vaso muito grande de sempre-vivas artifi-

31

ciais em cima de um trip�� oscilante. Bem em frente da

divis��o de vidro havia uma est��tua de m��rmore branco,

rachada, repousando precariamente num suporte de pernas

de ferro. A entrada para o quarto de Leroy era razoavel-

mente protegida por duas pequenas mesas, arranjadas como

uma armadilha para tanques na linha Siegfried. Ao lado

das sempre-vivas de pl��stico estava outra mesa com um

grande rel��gio dourado que nunca trabalhava e um aqu��rio

vazio. Al��m, via-se uma escrivaninha antiquada e uma

arma����o para guarda-chuvas enferrujada, ambas bloquean-

do eficientemente a entrada para o estreito hall, sempre

escuro, pelo qual se passava quando se desejava alcan��ar

o corredor. Quando a pessoa n��o quebrava o quadril em

uma, trope��ava na outra e batia com os dentes em um

raspador de p��, colocado ali no escuro �� exata dist��ncia

para atingir a dita pessoa na boca, no caso da mesma cair.

Na parede do fundo do hall ficava uma c��moda, enci-

mada por uma estante de vidro abarrotada de livros velhos,

folhas de m��sica empoeiradas, discos de vitrola quebrados

e copos de u��sque espalhados. Por sua vez, a estante servia

de poleiro para uma coruja estofada, a qual naquele ambien-

te dava a n��tida impress��o de ser real.

No outro lado do hall estava uma mesa grande com a

parte de cima de m��rmore, apoiando-se na parede e servin-

do para uma estranha parada de animais que come��ava

com o grande urso coberto de fitas e terminava com os

tr��s s��bios macaquinhos esculpidos em um caro��o de p��sse-

go. Jess�� chamava-a "A Arca de Leroy".

O jovem Pai, que dormia com Leroy, estava sentado

na beira da cama desarrumada, com um pijama de listras

verdes e brancas, telefonando. "Foi quando meu amor

desceu", dizia rindo ruidosamente, mas interrompeu-se ��

vista de Jess��, e pareceu embara��ado. Inclinou a cabe��a

e Jess�� disse: "Bom dia". Tinha cerca de vinte e oito

anos, Jess�� supunha. Era um mo��o de boa complei����o,

apar��ncia viril, tez s��pia, cabelo encarapinhado cortado

curto, sorriso afetuoso e com um olhar de cor��a, muito

adequado �� sua fun����o. "Faunesse", pensou Jess��. "Casua-

lidade sufragista". Andou habilmente pelo passo trai��oeiro

que levava �� cozinha; o banheiro ficava em frente e o

quarto do snr. Ward �� direita.

32

A porta do snr. Ward estava fechada, como de costume,

e n��o havia jeito de saber se ele estava ou n��o. O snr.

Ward era um homem escuro, baixo, retaco, parcialmente

calvo, de olhar l��mpido. "A Imagem de Deus", Jess�� pensou

meio divertido. "G��nese 1:27: "Contudo, se n��o tivesse

sido eu, n��o teria admitido".

Entrou na cozinha com inten����o de fazer caf��, mas a

devasta����o que viu desencorajou-o. O balde de lixo estava

completamente inundado, o lixo tinha se espalhado ao lado do

aparador, havia latas de cerveja vazias, carapa��as de caran-

gueijo, ossos de galinha, garrafas de gin, copos quebrados

e o que parecia ser v��mito seco. A mesa do caf�� da manh��

estava coberta de pratos e x��caras sujas e migalhas de p��o,

os esp��lios do caf�� da manh��; na pia havia pilhas de pratos

sujos, as ru��nas da festa da ��ltima noite. No fog��o imundo

estavam empilhados utens��lios de cozinha enegrecidos e

diversos coadores de caf��. No aquecedor havia x��caras de

gordura, caixas de f��sforos engorduradas, um vidro de sal,

uma lata de pimenta e uma ca��arola cheia de arroz queima-

do. Nos combustores estava uma bacia para lavar lou��as,

cheias de carapa��as azuladas de carangueijo, as quais pare-

ciam metais submetidos �� uma t��mpera irregular. Debaixo

do fog��o estava a cama do cachorro, feita de trapos imun-

dos e cercada por camadas de jornais, manchados onde os

cachorros tinham urinado.

Jess�� recordava-se de ter ouvido na noite passada, um

dos rapazes dizer de maneira bem feminina: "Eu me sinto

t��o desnecess��rio". Ele achou: "Muito certo. Desnecess��rio

e inexpurgado tamb��m".

Abriu o refrigerador para pegar seu leite. Recuou um

pouco e olhou. A prateleira de cima estava abarrotada de

latas de cerveja; na segunda havia ovos, manteiga, duas

garrafas de leite, uma garrafa de suco de frutas, tr��s gar-

rafas de coca-cola e um quarto de gasosa de laranja. Mas,

sua vasilha de leite tinha desaparecido. Na prateleira abaixo

via-se a carca��a de um peru assado, metade de um bolo,

um prato de quiabos cozidos, um prato com galinha frita

e um quarto de garrafa de gingerale. A ��ltima prateleira

continha a metade de um presunto assado, uma travessa

com mistura cinzenta que se parecia muito com uma pasta

de cimento granulado ��� uma especialidade de Leroy, feita

de milho cozido e quiabo ��� tr��s quartos de uma torta de

33

batata doce, dois p��s de porco cozidos e um prato de amei-

xas secas ensopadas. Na bandeija de vidro debaixo do con-

gelador estava uma por����o de peixes inteiros, provavelmen-

te, pargos. "N��o se importe com as asas, Senhor", ele disse.

"Ponha os v��veres. Deixe voar quem andou descansando

tanto tempo".

Quando ia tomar um gole de u��sque de uma das garra-

fas, ouviu a porta de fora abrir e os cachorros correrem

ladrando para o banheiro. O vaso estava entupido. "N��o ��

de imaginar!", disse.

A janela estava levantada e ele olhou distraidamente

na dire����o do convento, o qual ficava pr��ximo. Imaginava

se as freiras sabiam que esp��cie de vizinhos tinham. Ouviu

Leroy entrar na cozinha e conversar com os cachorros na

sua voz choramingueira. "Deixe Nero em paz, Napole��o.

Voc�� sabe que ele n��o tem nenhum dente. Cachorro ruim!

Cachorro ruim! Se voc�� n��o se comportar eu dou chicota-

das no seu traseiro". Ouviu o barulho da corrente quando

Leroy pendurou-a na ma��aneta da porta.

Aguardou um momento, esperando que Leroy fosse

embora, assim n��o teria que falar com ele, mas ouvindo-o

remexer na pia, resmungando para si pr��prio: "Agora tenho

que lavar todos estes pratos, eles devem pensar que sou

m��e deles", entrou furtivamente no hall, com esperan��a de

n��o ser notado, mas Leroy viu-o e saudou-o alegremente:

��� Bom dia, snr. Robinson, pensei que estivesse fora.

��� Bom dia, snr. Martin. N��o, cheguei cedo. ��� Sempre

fez quest��o de chamar snr. Martin e snr. Ward com estrita

formalidade, para evitar intimidade; o outro ele chamava

Pai porque era o ��nico nome que sabia.

Leroy era um negro alto, com mais de seis p��s de altu-

ra, uma barriga protuberante e m��os calosas. Tinha tirado

o casaco e chap��u e arrega��ado as mangas da camisa. A

cal��a preta do uniforme de chofer era folgada e estava

desabotoada em cima, de modo que sua barriga podia

expandir-se livremente. Seu rosto era redondo, chato e os

olhos ligeiramente saltados. Isto lhe dava uma express��o

de perp��tua surpresa que combinava admiravelmente com

o ambiente. Sempre que olhava para Jess�� suas p��lpebras

baixavam lascivamente e sorria com avidez, dando ao rosto

a express��o de um criminoso confrontando sua v��tima. Era

um olhar coquete, mescla de admira����o, indulg��ncia, res-

34

peito e desejo, com o qual esperava um dia vencer a reserva

de Jess��.

��� Aceita um caf��? Fiz caf�� fresco agora mesmo. ���

Pegou uma x��cara e um pires, alvoro��ado como uma vi��va

impaciente.

��� N��o, obrigado, vou voltar para a cama. Caf�� me tira

o sono.

Leroy pareceu desalentado.

��� Toda vez que lhe convido para tomar alguma coisa

comigo, o senhor j�� tomou ou vai dormir, queixou-se. ���

Um dia destes vou desistir de convid��-lo.

"Por que diabo n��o desiste?", pensou, mas ao inv��s,

sorriu e disse:

��� O senhor sempre me convida na hora errada, snr.

Martin. Hoje �� meu dia de beber.

Procurou apressar-se antes que Leroy replicasse, mas

o cachorrinho Napole��o, que estava esperando sua oportu-

nidade, avan��ou para ele, latindo furiosamente e come��ou

a morder seus calcanhares. Ambos os cachorros eram lulus

da Pomer��nia, puro-sangue com pedigree registrado, o que

havia de melhor na esp��cie. Napole��o era filho de Nero,

que agora, velho, com pelo emaranhado, sem dentes e quase

cego, passava a maior parte do tempo quieto em sua cama.

Os cachorros foram dados a Leroy por um antigo patr��o,

um rico fabricante de vestidos que sempre acariciou o dese-

jo de criar Dobermans ao inv��s de Pomerianos. Quando

sua esposa morreu, decidiu satisfazer esse antigo desejo

e ofereceu a seu chofer os Pomerianos, que na verdade

tinham sido dela e n��o dele. Se Leroy apreciou a ironia

da decis��o, ningu��m sabe. Eram cachorros muito valiosos,

ou pelo menos tinham sido durante a vida da snra. Fishbein,

e Leroy gostava muito deles, em parte devido a seu antigo

valor, em parte porque eram cachorros efeminados. Por��m,

Jess�� n��o somente os desprezava, mas a toda ra��a em geral,

embora dos dois gostasse mais de Nero, porque ia morrer,

o que ele achava que todo Pomer��nio devia fazer. Assim,

quando aquela peste veio morder seus calcanhares, seu

impulso foi dar-lhe um pontap�� nas costelas, o que sempre

fazia quando ningu��m estava por perto.

Leroy gritou:

Napole��o! Napole��o! Sua coisa ruim! Venha aqui e

deixe o snr. Robinson em paz. ��� Olhou lascivamente para

35

o rosto de Jess��. ��� Ele gosta do senhor, ��� disse com duplo

sentido. ��� S��o mordidinhas de amor. Puxou pelo papai.

��� Ah! N��s nos entendemos, ��� replicou Jess��, apressan-

do-se para seu quarto.

Despiu-se e come��ou a vestir-se. "Preciso de um cinto

da castidade para passar por esta porta", murmurou. Tinha

posto cal��as, camiseta e sapatos, quando algu��m bateu na

porta.

��� Entre.

Leroy entrou com uma bandeija.

��� Oh, snr. Robinson! O snr. me disse que ia para a

cama, disse acusadoramente.

��� Mudei de id��ia, Jess�� rebateu rispidamente, mas

abrandou a r��plica brusca acrescentando: ��� Lembrei-me

que tinha muita coisa a fazer.

��� Trouxe-lhe um lanche. Assim o senhor n��o iria para

cama com fome ��� disse Leroy, colocando a bandeija na

c��moda e olhando de relance para o torso semi-nu do outro.

Na bandeija havia um prato com sandu��ches de peru,

meia garrafa de u��sque, a garrafa de gingerale gelada do

refrigerador, um copo, misturador, balde de gelo e uma fatia

de bolo.

"N��o sou r��, sua cobra", pensou Jess��, mas vendo o

u��sque, abrandou-se. Parece espl��ndido. Talvez por causa

disso deva mesmo ir para a cama.

A express��o de Leroy n��o mudou, mas ele deu a impres-

s��o de esfregar as m��os.

��� Sabe o que dizem: deixe sua consci��ncia ser seu

guia. Estava olhando para os ombros de Leroy como se

pudesse dar uma mordida neles.

��� N��o tenho muita alternativa esta manh��, ��� respon-

deu Jess��, vestindo a camisa rapidamente. "Se der um

passo na minha dire����o, corto-lhe a garganta", pensou.

��� Mas, eu tomo um trago, ��� acrescentou.

��� Oh, sirva-se, ��� disse Leroy, procurando afugentar

seu desapontamento. Eu fiz para o senhor.

"Suponho que fez a bebida tamb��m", pensou Jess��.

Tomou um bom trago e quando Leroy virou-se para sair,

ele parou-o.

��� Um momento, snr. Martin. Quero mostrar-lhe onde os

cachorros est��o usando minha cama como ��rvore.

Leroy olhou e procurou sentir o cheiro.

36

��� Coisas ruins! Aposto que foi Napole��o, aquele des-

gra��ado. Vou traz��-lo aqui, p��r seu nariz naquilo e dar-lhe

uma surra.

��� N��o h�� necessidade disso. Apenas queria mostrar-lhe.

Minha porta tem que ficar fechada. ��� Ele n��o tinha chave

e sua inten����o era dizer que desejava que fechassem a

porta do seu quarto quando entrassem na sua aus��ncia para

mexer nas suas coisas. Leroy entendeu perfeitamente o

que ele queria dizer.

��� O cachorrinho n��o fez por mal. Quando h�� necessi-

dade de ir, n��o h�� nada que se possa fazer sen��o ir, mesmo

se tratando de cachorros.

Leroy sorriu, mas conteve-se quando estava prestes a

dar um tapinha no ombro de Jess�� e dizer: "N��o h�� nada

que se possa fazer sen��o ir". Ao inv��s acrescentou quase

asperamente, por causa do esfor��o para exercer tanto con-

trole sobre sua pessoa:

��� Vou limpar tudo enquanto o senhor estiver fora. ��� E

saiu do quarto apressadamente.

"Jesus Cristo, como fui me misturar com esses homos-

sexuais?", Jess�� perguntou a si pr��prio. Contudo, n��o estava

t��o envolvido como queria fingir. Tr��s semanas antes, logo

depois de ter conseguido os quinhentos d��lares pela op����o

de sua novela mais recente, deixara seu emprego como

porteiro em White Plains e viera para New York procurar

um quarto.

Havia consultado uma agente, escolhida ao acaso nos

an��ncios classificados de um seman��rio do Harlem, e ela

mandara-o ver uma tal snra. Susie Braithewaite, no andar

de cima, a qual tinha registrado um quarto na sua ag��ncia.

Na verdade, o quarto estava alugado e por um bom pre��o,

quinze d��lares por semana, a um gar����o que usava-o somen-

te nos seus dias de folga e uma ou duas noites no intervalo

deles. Por��m, Susie n��o gostava do fato do gar����o levar

mo��as brancas ali, e quando ele n��o as trazia, elas vinham

de qualquer maneira e ficavam no sagu��o, onde podiam

ser vistas pelas outras respeit��veis donas de casa negras,

e tocavam a sineta at�� que algu��m atendesse. Ela tinha

decidido mandar o gar����o embora.

N��o falou a seu marido da sua inten����o antes de Jess��

telefonar para marcar uma entrevista. Ent��o ela telefonou

para ele na tinturaria onde trabalhava como passador. Ele

37

protestou. Era um homem ajuizado, sabia que dinheiro valia

mais que respeitabilidade. Al��m disso, ela suspeitava que

o gar����o de vez em quando punha algumas garotas no seu

caminho.

Mas, ela ficou atra��da por Jess�� �� primeira vista e n��o

quis deix��-lo ir embora. Era uma dessas mulheres de pele

bronzeada que dava a impress��o de ser voraz na cama.

Jess�� calculava que tinha cerca de vinte e cinco anos. Seu

corpo era forte, atl��tico, tinha os seios de uma ama de leite

e os quadris altos, arqueados de uma moleira. Ela passou a

ponta da l��ngua pelos l��bios polpudos, sensuais, tornando-

os vermelhos e ��midos, e fitou-o nos olhos com um olhar

vidrado, todo ansiedade. Ele fitou-a tamb��m, sentindo-se

desvanecer a ponto de n��o poder mover-se, ciente de que

seus olhos estavam implorando: agora! sim, agora! por

favor, agora! tem que ser agora! oh, a g o r a . . . e os dela

replicando: agora n��o! voc�� sabe que n��o pode ser agora!

mas, logo! espere um pouco! n��o pode e s p e r a r . . . ,

Assim, ela arranjou-lhe aquele quarto no andar debaixo,

corroo snr. Martin. Ele devia ter percebido �� primeira vista

que o snr. Martin era um invertido. Mas, n��o se podia

esperar que um homem nas suas condi����es fosse muito

observador. Pagou o aluguel e mudou-se para ali antes de

perceber "a coisa". Certamente poderia ter se mudado depois

da primeira semana. Mas, n��o valia a pena o trabalho.

��� Que me importa o que as pessoas pensem, ��� excla-

mou desafiadoramente, dando um n�� Duque de Kent na sua

gravata vermelho-escura.

��� Devia ter feito a barba, disse, enquanto punha o

su��ter de malha, cinzento. ��� Gostaria que aquele borra-

notas conseguisse um emprego e sa��sse daqui algumas vezes.

��� De um v��o acortinado na parede, que fazia as vezes de

guarda-roupa, tirou um palet�� esporte cinzento, escovou os

sapatos de camur��a marrom escura e serviu-se de um drink.

Estava come��ando a sentir um ligeiro calor. "Nada mal

para um homem de idade", disse, olhando-se no espelho.

Seu cabelo estava cortado muito curto, mas isso n��o podia

ter sido evitado. Fora a um barbeiro em White Plains, o

qual cortara um lado mais curto que o outro, ent��o para

deixar os dois lados iguais quase raspara sua cabe��a, como

na est��ria da mesa de jantar que virou disco voador. "Boa

id��ia n��o ter feito a barba l��", pensou. "Os dentes teriam

38

aparecido nos maxilares". P��s um chap��u marrom escuro

de aba curta, tomando cuidado para ficar direito. O chap��u

escondia seu cabelo encarapinhado e real��ava sua pele

bronzeada e fei����es semi-caucaseanas. Serviu-se de outro

drink, e notando que a garrafa estava quase vazia, derra-

mou o resto no copo e bebeu tudo de um trago, fazendo

uma careta. "N��o posso passar sem isto, filho!", disse a si

pr��prio. Sentiu-se muito alegre, a ponto de sorrir.

Percebeu que cambaleava um pouco quando a porta do

hall abriu. Uma bola de pelos marrom disparou da furna

embaixo da mesa para morder sua canela, mas uma voz

sol��cita veio da sala de visitas escura:

��� Napole��o! Napole��o! Comporte-se!

Jess�� deu uma olhada na sala de visitas. O snr. Ward,

sentado em uma cadeira de bra��os, assistia um programa

matinal de televis��o. Estava com um roup��o de algod��o,

rasgado. No suporte de bronze havia uma garrafa de u��sque

e um copo cheio at�� a metade.

��� Bom dia, snr. Robinson. ��� Seu cumprimento foi

educado, respeitoso e impessoal.

��� Bom dia, snr. Ward.

A porta do quarto de Leroy estava fechada. Jess�� acen-

deu as luzes e andou cautelosamente pelo hall estreito,

rodeando sete mesas e um n��mero incr��vel de trastes no

caminho.

A porta estava bem fechada por ferrolhos em cima e

em baixo, e tr��s fechaduras. Uma barra de a��o longa e

pesada estendia-se da fechadura central at�� um esteio no

assoalho. Esta fechadura era aberta retirando-se a extremi-

dade superior da barra do seu encaixe e passando-a atrav��s

de um suporte na parede quando a porta abria-se para

dentro. "Forte Knox", murmurou Jess��, enquanto lidava

com as fechaduras e ferrolhos. Ouviu o snr. Ward dizer:

��� Eu apago as luzes, snr. Robinson.

��� Obrigado, snr. Ward, agradeceu.

Do lado de fora da porta, no corredor ladrilhado, havia

um capacho de ferro e borracha soldado a uma corrente

curta; esta por sua vez estava presa a um ferrolho e o

ferrolho estava enterrado no concreto do assoalho. Tinha

de fechar as tr��s fechaduras novamente com chaves dife-

rentes. ��� N��o acredito que estas pessoas confiem umas

nas outras, ��� murmurou.

39

Uma negra velha, alta, delgada, acabava de sair do

apartamento vizinho. Olhou para ele com ar cr��tico e desa-

provador. Um casal saiu de um apartamento mais distante

e fitou-o curiosamente. 0 superintendente veio do elevador

e sorriu para ele intencionalmente, como se houvesse um

segredo entre eles.

Jess�� estava sorrindo para si mesmo quando entrou no

elevador. "Todos eles pensam que sou um dos rapazes",

considerou. Aquilo divertiu-o. Notou que uma mo��a muito

bonita num canto do elevador, provavelmente uma estudan-

te ou modelo, estava encarando-o. Ele piscou para ela. Ela

continuou fitando-o, sem mudar a express��o. Quando o eleva-

dor parou no andar t��rreo, ela apressou-se para a porta

externa de vidro, como uma senhorita muito independente

e competente a caminho do emprego ��� qualquer que fosse

ele ��� com os saltos batendo ritmicamente nos ladrilhos e o

corpo alto, el��stico, balan��ando graciosamente. "Voc��

nasceu no lado errado do g��nero, filho", ele disse a si pr��-

prio, meio divertido.

Era uma manh�� ensolarada de abril. Ficou em frente

do apartamento por um momento, olhando a rua para cima

e para baixo. Aquela parte da Avenida Convent, do City

College at�� a Rua 145a, era muito atraente e limpa. Seus

velhos edif��cios pitorescos bem cuidados e suas casas de

apartamento com frente de pedra e tijolo, contribu��am para

fazer dela uma das mais agrad��veis zonas residenciais do

Harlem. Os estacionamentos eram restritos e o macadame

negro ligeiramente inclinado era marginado por ��rvores

que come��avam a ficar verdes. Era agrad��vel ficar no sol

observando os estudantes passarem", em grupos alegres e

festivos, quando vinham do Independent Subway na esquina

de St. Nichols e a Rua 145a. "Grandes arranha-c��us cres-

cem de pequenos icones. O c��u �� no primeiro andar, por

favor", pensou ele.

Agora que estava vestido e ao ar livre n��o sabia para

onde ir. N��o conhecia ningu��m que pudesse visitar ��quela

hora. "Em hora nenhuma", exclamou alto. Dois homens

que passavam olharam para ele. Desviou o olhar. Ainda n��o

estava com fome. S�� o fato de pensar em tomar caf�� sozi-

nho em alguma espelunca do Harlem deixou-o repugnado.

Os bares ainda n��o estavam abertos. Decidiu ir �� Rua Quadra-

g��sima Segunda e ver o que estavam exibindo em algum

40

cinema barato. Os cinemas abriam ��s oito. "Uma boa coisa,

voc�� gostar de cinema, filho", pensou. "De outra forma

voc�� acreditaria em toda aquela tolice sobre seu pa��s que

aprende todo dia".

Come��ou a descer a ladeira em dire����o �� Rua 145a.

"Eu estou descendo, mas �� l�� em cima", pensou ele. Todo

mundo ia em dire����o contr��ria. Desceu a rua caminhando

contra a multid��o. Cambaleava um pouco, mas n��o se sentia

b��bado. Milh��es de pensamentos agitavam-se no fundo de

sua mente, desenhando modelos grotescos que dissipavam

seu j��bilo.

41

CAP��TULO 3

Kriss desceu do ��nibus na Rua Quinquag��sima Nona,

entrou na Rua Sexag��sima e depois caminhou pela Avenida

Madison.

Por mais de vinte anos os vereadores deixaram as

velhas senhoras da esp��cie "Ch�� e Ars��nico" utilizar uma

faixa da Avenida Madison, como uma ��rea reservada, um

lugar onde elas pudessem levar seus c��es e gatos a passear.

Ent��o, veio o dia apocal��ptico em que a calma e distinta

atmosfera foi destru��da pelos demolidores e escavadeiras

cavando os alicerces de modernos edif��cios. As velhas

senhoras ativaram seu ars��nico e se aventuraram, mas os

trabalhadores das classes mais baixas n��o bebiam ch��.

Assim, elas foram for��adas a passar o tempo detr��s das

cortinas e a levar seus c��es e gatos a passear de manh��

cedo e �� tardezinha, quando o perigo dos animais serem

transformados em hamburger era m��nimo.

Elas consideravam os limpos e brilhantes edif��cios pro-

fana����es, verdadeiras torres de Babel, no que n��o estavam

muito erradas, conforme os acontecimentos provaram.

Ent��o, elas guardaram as folhas de ch�� e aguardaram o

momento prop��cio.

Mas, o fim amargo teve lugar quando a Mans��o Godwin

foi oferecida ao Instituto ��ndia e a ��rea reservada foi inva-

dida por uma ral�� de empregados: judeus do Brooklyn,

italianos do Bronx, irlandeses da Cozinha do Inferno, negros

do Harlem e americanos de lugares remotos como Akron,

Ohio, Gary, Indiana, Tulsa, Oklahoma.

Agora, as velhas senhoras levam seus c��es e gatos a

passear com olhos velados e ouvidos tapados, vendo somen-

te a gl��ria do passado, lembrando-se apenas da pl��cida

nobreza de outrora, com a amargura estampada nos l��bios

enrugados, cheias de tristeza e pesar por terem de presen-

ciar aquele dia.

43

Kriss gostava das velhas senhoras. Sempre lhes sorria

e de vez em quando trocava algumas palavras com elas.

P a r a v a para acariciar a espinha arqueada de um mimado

gato persa, dizendo amorosamente, com sincera admira����o:

"Oh, n��o �� ador��vel! N��o �� uma coisa linda!". Ou dizia

sorrindo para um velho Scottie cego que havia confundido

a perna de um cavalheiro por um poste e estava prestes

a aliviar a natureza: "N��o, n��o querido, a�� �� a perna de

um homem", e gentilmente guiava-o para o lugar apropriado.

As velhas senhoras gostavam dela. "Ela �� a ��nica dama

do bando. �� uma pena que tenha de se juntar com tal lixo,

coitada".

Mas, naquela manh�� n��o havia velhas senhoras por ali

e Kriss teve de se contentar com as sauda����es de alguns

pombos gordos que andaram para o lado de m�� vontade

a fim de deix��-la passar.

Eram nove e vinte quando subiu os degraus de pedra

e entrou na Mans��o Godwin. ��quela hora, o sal��o de recep-

����o com sua fonte de m��rmore, ponto focal da congrega-

����o, estava deserto. A ��gua n��o mais cascateava das quatro

bocas do Brahma de m��rmore, em correntes ilimitadas,

imateriais, infinitas, sobre o grupo de querubins travessos

na bacia vazia, mas as quatro faces da alma suprema

olhavam para todos que entravam com intelig��ncia compla-

cente e bem-aventuran��a. Kriss tinha uma vez flertado

com o conceito br��mane, anos atr��s, quando era caloura na

Universidade de Chicago, e havia tentado dormir com um

hindu. Mais tarde, passando sobre as quatro faces desta

monstruosidade, sentiu a estranha sensa����o de que no final

de contas talvez a vida fosse apenas um sonho.

A mans��o, constru��da em forma de U ao redor de um

p��tio interno, era uma estranha combina����o de arquitetura

da Renascen��a, impressionismo indiano e presun����o inglesa

adaptados �� id��ia b��sica do encanamento, ilumina����o e con-

forto americano. O edif��cio dava uma id��ia n��tida da perso-

nalidade do velho Marcus Corn��lius Godwin, que o tinha

constru��do. M. Corn��lius Godwin trouxe uma fabulosa for-

tuna da ��ndia, no s��culo dezenove e morreu em 1905, aos

oitenta e nove anos, ent��o um br��mane convicto, embora

seus parentes n��o levassem isto em considera����o. Ao mor-

rer, deram-lhe um enterro episcopal. O velho Godwin amou

a ��ndia, mas ficou profundamente impressionado pelo comer-

44

cialismo insens��vel e idolatria da aristocracia brit��nica.

Contudo, nos seus ��ltimos anos, descobriu para seu vexame,

que perdera o entusiasmo por mon��culos, castelos fr��gidos,

as coisas corretas e as conversas que contavam com um

vocabul��rio menor do que aquele usado por um zulu que

falasse ingl��s. Assim, em 1880 ele construiu esta monstruo-

sidade para passar seus dias finais com conforto e estilo.

N��o era uma resid��ncia confort��vel no sentido moderno da

palavra, mas era aquecida por uma fornalha que no inverno

consumia uma m��dia de duas toneladas de carv��o; e sobre-

vivera apesar de sua decora����o rococ��, os espelhos em

cada volta avisando-o da morte pr��xima, os anjos de tama-

nho natural bem �� vista no teto dos quartos, prontos para

lev��-lo embora no momento da not��cia, e a sala de visitas

cem suas janelas de caixilhos de chumbo dando para a

Avenida Madison. Havia um retrato de tamanho natural do

velho no sagu��o em frente �� escada dupla.

A maioria dos empregados fazia tro��a do velho pirata

com seu porte um tanto marcial, suas sui��as e express��o

austera, apelidando-o "O Rosto no Quarto de Ouro". Mas,

Kriss adorava o vener��vel velho e quando ningu��m estava

por perto, muitas vezes ficara alguns minutos diante do seu

retrato. Ele lembrava-lhe seu bisav��, que ela se recordava

vagamente ter visto quando tinha cinco ou seis anos. Ele

tinha a mesma express��o austera, a grande floresta de

sui��as brancas, e seus olhos eram azuis e frios como os de

Godwin no retrato. Sua m��e sempre afirmara que seu bisav��

era um genu��no conde alem��o, mas Kriss quando crian��a

pensava que ele era Deus.

Todavia, nessa manh�� ela n��o passou pela frente do

retrato, seguiu apressada por um corredor lateral em dire-

����o ao elevador.

O pessoal do instituto ocupava quatro andares. O andar

principal com seu jardim n��o era usado, sendo conservado

como museu, e os quartos dos empregados no fundo �� direi-

ta, estavam fechados e vazios, exceto uma su��te, que era

ocupada pelo superintendente.

O escrit��rio de Kriss era no terceiro andar e havia sido

quarto de h��spede, mas agora estava dividido em tr��s peque-

nos escrit��rios, sendo o dela o do centro. De passagem,

ela sorriu e disse al�� a Dorothy Stone, a secret��ria de Kirby,

cujo escrit��rio ficava a sua esquerda. Dorothy tamb��m

45

sorriu para ela, dando a impress��o que tinha muita coisa

para contar, mas Kriss n��o parou.

Seu escrit��rio era mobiliado com uma escrivaninha com

a parte de cima de vidro, sobre a qual estavam diversas

pilhas de papel datilografado, seu telefone, um tinteiro, um

vaso de porcelana vazio e um pequeno globo de vidro

representando o mundo; uma m��quina de escrever coberta

por um pl��stico num suporte de metal; a cadeira da escri-

vaninha e duas cadeiras estofadas de espaldar reto, sobras

da mob��lia original. No peitoral da janela �� sua esquerda,

uma pomba havia feito seu ninho e agora estava chocando

quatro ovos. Kriss emitiu um som e a pomba olhou para

ela indignada. Ela deu uma risada infantil ��� sua risada

particular reservada para animais, crian��as e comediantes

de televis��o. "Continue", ela cochichou. "Eu n��o quero

chocar os seus ovos velhos". A pomba mexeu-se nervosa-

mente. "Agora, voc�� sabe como eu me sinto quando voc��

fica ali olhando para mim o tempo todo", disse ela. Em

seguida, pendurou o casaco num cabide no canto e sentou-se

�� escrivaninha.

O Instituto foi criado gra��as �� uma doa����o deixada por

Godwin e sua finalidade era trazer estudantes indianos

ambiciosos para estudar nos Estados Unidos. Por mais de

vinte e cinco anos tinha sido dirigido por uma equipe de

mulheres idosas, professoras aposentadas e pessoas assim,

que bancaram a ama-seca para um pequeno grupo de hindus

de alta casta, enquanto eles freq��entaram as Universidades

Ivy League. Mas, ap��s a guerra, durante a cruzada da ��ndia

pela sua independ��ncia, o Instituto tornou-se surpreendente-

mente importante como fonte de refer��ncia e ponto de con-

tato, n��o somente no campo da educa����o, mas tamb��m para

o governo federal, empresas privadas e outras grandes insti-

tui����es. Assim sendo, os membros do conselho diretor orga-

nizaram e aumentaram o pessoal para mais de duzentos.

Tendo logo ultrapassado o modesto fundo de onze milh��es

de d��lares deixados por M. Corn��lius Godwin, o novo Insti-

tuto ��ndia era subvencionado por mais de uma d��zia de

outras institui����es e indiretamente pelo governo federal.

Kriss come��ara com um sal��rio de cinq��enta d��lares

semanais, h�� quatro anos e meio passados, quando a equipe

de auxiliares era relativamente menor. No momento seu

sal��rio era de seis mil d��lares anuais e tinha o t��tulo de

46

assistente do diretor. Escrevia os sum��rios dos projetos do

Instituto, os quais eram enviados como prospectos �� todas

institui����es subvencionadoras e ao Departamento de Estado.

Ela era importante, bem-quista e tinha um emprego per-

manente.

Entretanto, ela gostara mais de seu emprego tempor��-

rio na Institui����o Chicago. Nessa manh��, como em todas

as manh��s ao enfrentar o dia tedioso de trabalho, recor-

dava vividamente seu escrit��rio na velha mans��o em

Chicago, dominando a ampla ��rea que formava um c��rculo

de exclusividade, a pl��cida rotina personalizada, o beijo

matinal do presidente ��� isto ��, depois que ela come��ara

a dormir com ele ��� almo��o no terra��o, bridge na sala de

jogo antes do jantar, palestra e bebida depois, as visitas:

profissionais negros de boa apar��ncia, artistas, escritores,

reitores de universidade e presidentes; a excita����o de esco-

lher o que ela queria para a noite, que era a ��nica raz��o

que sempre tinha para voltar para seu apartamento naque-

les dias. Essa recorda����o durou apenas um momento, mas

formou um bloco preciso. Ela ainda estava alerta, impacien-

te, confiante, mas sua mente recusava-se a empenhar-se na

tarefa diante dela.

Levou uns quinze minutos lendo o jornal da manh��. Em

seguida, escolheu seu trabalho, chamou sua secret��ria no

andar debaixo, entregou-lhe os pap��is para serem datilogra-

fados, e rapidamente leu os sum��rios para os erros tipogr��-

ficos. Ela era uma revisora h��bil, com total dom��nio na pon-

tua����o e constru����o gramatical e al��m disso, uma excelen-

te escritora com prosa clara e explanat��ria. Suas senten��as

eram sempre concisas, nunca amb��guas, constru��das com

not��vel simplicidade e objetividade e em seq����ncia l��gica

e perfeita. Os homens s�� acreditavam que uma mulher escre-

vesse t��o bem depois de serem levados ao seu escrit��rio

e se defrontarem com a autora. Ent��o, eles queriam marcar

um encontro com ela.

��s dez horas come��ou a escrever �� m��o e continuou

sem interrup����o por uma hora, ao fim da qual tinha escrito

nove p��ginas. ��s onze, Anne Sayers, sua assistente, entrou

para lhe perguntar se queria caf��.

��� Sim, querida, obrigada, ��� replicou sem levantar a

vista.

47

Anne era uma mulher muito grande, de mais de seis

p��s de altura, com um rosto redondo, agrad��vel, cabelos

castanhos ondulados, e viva como um chicote. Ela compi-

lava os dados para os sum��rios, verificava os fatos e n��me-

ros nas fontes. Seu escrit��rio estava localizado na ala de

quem olha para o tribunal. Havia somente mulheres naquela

se����o e predominava uma atmosfera semelhante a de um

col��gio interno. Anne tinha um guarda-lou��as no seu escrit��rio

onde guardava ch��, caf��, biscoitos para ch��, salgadinhos para

cocktail, queijo, latas de hors d'oeuvres e usualmente uma

garrafa de clarete e uma de sherry; e certamente, x��caras,

pires, a����car e creme, quando se lembrava de trazer. Uma

cafeteira el��trica, um servi��o de cocktail e um jogo de

prataria completavam o estoque. A ��nica coisa que Kriss

se preocupava em ter no seu escrit��rio para tomar era u��sque,

o qual estava em um frasco de prata na gaveta do meio de

sua escrivaninha; mas caf�� era sempre bem-vindo ��quela

hora, pois ela podia tomar outra p��lula com ele.

Poucos minutos mais tarde, Anne voltou com o rosto

pegando fogo.

��� Maldito seja!, grunhiu furiosa.

Kriss olhou para ela surpresa.

��� Qual �� o problema, Anne?

��� O miser��vel do Watson novamente!

Watson era o diretor do pessoal. Ele desaprovava as

mo��as fazerem caf�� e torrada no banheiro do outro lado

do corredor, e quis afixar um aviso proibindo, mas Kriss

n��o oncordou. Ent��o, ele iniciou uma campanha que n��o

podia ser refutada. Todo dia ��s onze, quando as mo��as

come��avam a fazer caf��, ch�� e torrada, ele tinha que res-

ponder ao chamado da natureza. Ficava pacientemente ao

lado da porta, esperando sua vez, at�� que as mo��as sa��ssem;

ent��o entrava e fechava a porta. Elas o desprezavam.

��� Parece que ele podia ir em outro lugar enquanto n��s

est��vamos fazendo caf��!, resmungou Anne, enfurecida.

��� Nunca houve um patife como ele, ��� murmurou Kriss,

tentando consol��-la.

��� Eu ainda vou xingar aquele homem, ��� prometeu Anne.

Dorothy ouviu-as falando sobre Watson e veio da porta

adjacente.

��� Kirby disse que vai instalar um toalete no escrit��rio

de Watson, ��� falou sorrindo para Kriss.

48

��� Bem, vou voltar e bater na porta, ��� acrescentou

Anne desafiadoramente. ��� Ele j�� teve tempo suficiente.

Kriss sorriu.

��� Ele n��o �� um pato, querida.

Anne n��o p��de deixar de sorrir. Quando esta saiu, Dorothy

aproximou-se da escrivaninha e olhou por sobre o ombro

de Kriss, mas ao inv��s de comentar a respeito do trabalho,

pegou ternamente nos cabelos de Kriss e comentou:

��� Seu cabelo �� sempre t��o sedoso!"

Kriss ficou ligeiramente embara��ada. Dorothy vivia

sempre fazendo coment��rios sobre seus vestidos, seu porte,

dizendo qu��o linda ela era, qu��o brilhante todos a achavam.

De vez em quando ela perguntava a si mesma se Dorothy

n��o seria l��sbica. Mas, ela gostava de Dot. E valia a pena

ser boazinha para ela. Como secret��ria confidencial de

Kirby, ela tinha informa����es sobre tudo que acontecia a

n��vel executivo e contava tudo a Kriss, na mais estrita con-

fian��a, naturalmente. Al��m disso, Kriss tinha pena dela.

Dot era uma mulher t��o acanhada e sens��vel, t��o suscept��-

vel! Era realmente pura de cora����o. Kriss imaginava se ela

j�� dormira com um homem. Possivelmente sim, mas ela

nunca ouvira os le��es rugirem quando Dorothy passava pela

biblioteca da Rua Quadrag��sima Segunda.

��� �� minha apar��ncia campesina, Kriss sorriu. ��� Voc��

est�� com uma linda blusa, meu bem.

��� Oh, esta coisa velha! ��� Era de nylon branco, de

estilo masculino, usada com um grande la��o preto. ��� Voc��

j�� viu antes.

Kriss desejava que Dot usasse coisas mais femininas.

Seria bom para ela.

Deixe de desprezar-se, ��� quis dizer. A express��o de

auto-censura de Dot deixava-a ligeiramente zangada. Subita-

mente, mudou de assunto.

��� Watson vai continuar s�� at�� o dia em que Anne se

sentar em cima dele, ��� disse. ��� E ele n��o sabe quanto

Anne pesa.

��� Oh, isso me" lembra da anedota que queria lhe contar.

A snra. Donahue contou-me �� noite passada. ��� Ela sorriu.

��� N��o sei onde a snra. Donahue ouve tais coisas.

Kriss conhecia a snra. Donahue, a semi-inv��lida de

oitenta e dois anos com quem Dorothy morava, e sabia

porque a velha senhora contava a Dorothy aquelas anedo-

49

tas rabelesianas ��� ela achava-a uma inquilina muito direita,

distinta e respeit��vel. Sorriu para Dorothy maliciosamente:

��� Conte-me, querida.

Anne entrou naquele momento com o caf�� e Dorothy

hesitou; n��o podia tolerar intimidade com outra mulher.

Mas, quando Kriss instou-a:

��� Vamos, Dot, conte a Anne tamb��m, ela come��ou:

��� Bem ��� olhou para Anne e disse: ��� Ouvi esta da

minha locat��ria.

Anne relanceou a vista para ela e continuou servindo o

caf��.

��� Ela sabe, querida, disse Kriss.

��� Bem ��� um texano estava vagando pela cidade usan-

do um chap��u de dez gal��es...

Anne fixou Dorothy, mas engoliu as palavras:

��� N��o diga? Ao inv��s, deu a ferroada no texano an��ni-

mo: ��� Com ��gua no c��rebro.

Kriss sorriu:

��� Sem d��vida, querida, mas n��o dez gal��es?

��� Justamente como um texano. Sempre exagerando.

��� Voc��s querem ouvir a est��ria ou n��o, ��� Dorothy

queixou-se.

��� Deixe Dorothy contar a est��ria dela", pediu Kriss.

��� Esse texano encontrou um ator na Broadway vestido

como quaker. Ele nunca tinha visto um quaker antes. Apro-

ximou-se do ator e disse: ��� Por favor, amigo, fale em

quaker para mim. ��� O ator sorriu indulgentemente e tentou

passar, mas o texano reteve-o pelo bra��o: ��� Vamos, s��cio,

fale em quaker para mim. Eu nunca ouvi ningu��m falar em

quaker. ��� O ator tentou safar-se, mas o texano agarrou-o

firmemente. ��� Eu digo o que vou fazer se voc�� falar quaker

para mim. Eu pagarei para voc�� a melhor comida que h��

no 21. ��� Ouvindo aquilo, o ator virou-se vagarosamente,

fixou-o nos olhos e disse: ��� Corrompei-vos!

Kriss sorriu ingenuamente. ��� Algu��m devia contar isso

a Watson. A ��ltima parte, quero dizer.

At�� Anne sorriu.

��� Eu vou contar a ele. Espere e ver��.

Dorothy olhou para seu rel��gio.

��� Oh, tenho que correr; Kirby me quer antes do almo��o.

��� Sorriu para Kriss um sorriso de s��plica. Eu queria

lhe pedir para ir comigo ao museu de arte moderna, esta

50

noite. �� a inaugura����o da exposi����o Monet. ��� Pelos cantos

dos olhos, Kriss viu Anne olhar rapidamente para ela, enquan-

to recolhia as x��caras e os pires. Uma vez elas tinham

discutido a paix��o de Dorothy por exposi����es de arte, mas

agora sentia-se desleal por ter feito assim.

��� Eu estou t��o cansada, meu bem! N��o podemos ir em

outra ocasi��o?, ela pediu.

Anne afastou-se com as coisas que trouxera, sem fazer

coment��rios.

��� Oh, K r i s s . . . ��� Ela tinha prometido a si pr��pria n��o

ficar sentida se Kriss n��o pudesse ir, mas sua voz revelou

seu desapontamento.

Kriss teve pena dela.

��� Oh, querida, estou t��o cansada! Em seguida condes-

cendendo, disse: ��� Por que voc�� n��o vem jantar comigo

hoje �� noite?

��� Mas, m a s . . . , ela n��o foi capaz de perguntar.

��� Ele n��o estar�� l�� �� noite, Kriss garantiu. Nem outra

noite qualquer, ��� pensou amargamente.

No momento, Dorothy estava feliz. Parecia uma mo��a

que tivesse sido convidada para um encontro.

��� Certo, mas voc�� promete-me deixar fazer tudo?

Kriss imaginou se Dorothy entendia suas pr��prias emo-

����es. Um v��u cobriu seus olhos.

��� Prometo, respondeu, sorrindo mecanicamente. Se eu

me encontrar na cama com Dorothy, ser�� o fim amargo,

pensou.

��� Vamos marcar para as sete e meia.

��� "Combinado, ��s sete e meia".

Arrependeu-se imediatamente. Mas pelo menos, ficar

com Dorothy seria melhor que ficar sozinha. Qualquer coisa

seria melhor que ficar sozinha.

��� Seu patife! ��� ela pensou, tomada de uma s��bita ira,

sem saber se a raz��o desta era Ronny, Ted, Dave ou algum

outro em particular.

51

CAP��TULO 4

Jess�� veio do metr�� pela galeria com suas tabacarias,

barbearias, engraxatarias, armarinhos, casas de flores,

lanchonetes, casas de banho turco, e foi para o lado norte

da Rua Vig��sima Segunda, pr��xima �� drogaria da esquina.

"��� Isto �� o que se entende por sub-mundo", considerou de

passagem, e contemplou o lado de cima com igual avers��o.

De onde estava, na esquina da Oitava Avenida ��� um

lugar empestado de mesquinhos rufi��es, onde um homem

podia comprar um rev��lver a partir de quinze d��lares ���

at�� o velho edif��cio de pedra do Times, no ��ngulo estreito

onde a Broadway cruza a S��tima Avenida, havia um movi-

mento febricitante. Os outrora famosos teatros que se

amontoavam em ambos os lados da rua, eram agora cine-

teatros de segunda e terceira categoria de pre��os baixos

a competir com as galerias de tiro ao alvo, circos e arenas,

onde Jack Johnson tinha boxeado nos seus dias de decl��-

nio. De permeio havia as numerosas joalherias com seus

leil��es fraudulentos todas as noites, espeluncas, restauran-

tes onde os pr��prios fregueses se servem, lojas de artigos

de esporte, lojas de cal��ados, sapatarias, livrarias que lidam

principalmente com pornografia, hot��is de segunda classe

e pens��es imundas.

"A Broadway do homem pobre", pensou Jess��, mal

humorado, enquanto seu olhar investigador passeava dos

letreiros luminosos dos cinemas para a fisionomia dos tran-

seuntes. Ent��o, passou a repetir mentalmente os mesmos

chav��es: "Mistura de r a �� a s . . . j�� fundidas, agora enferru-

j a n d o . . . a ��ltima oportunidade... Eu fa��o quente para

v o c �� . . . mais quente do que voc�� imagina, companheiro...

Este �� o lado do para��so ��� o caminho �� por a q u i . . . " Seus

olhos pararam em um casal de cor. O homem era preto,

alto e vestia um terno de cor creme; a mulher tinha a cor

53

de inhame e podia pesar umas cem l i b r a s . . . "Abrigo dos

Negros t a m b �� m . . . "

Adiante dele um homem baixo, escuro, de terno azul

listrado, recuou de uma espelunca e gritou furiosamente:

��� Venha aqui fora, seu bastardo e eu lhe mostrarei!

Um homem alto, forte, louro, com apar��ncia de sueco,

com um avental branco e as mangas da camisa arrega��a-

das, obviamente o gar����o, arremessou-se para a cal��ada.

Seu rosto estava vermelho de raiva.

��� N��o me chame de bastardo, seu filho da puta.

O homem baixo permaneceu no seu lugar, desafiadora-

mente.

��� N��o me chame filho da puta, seu bastardo! Voc�� est��

aqui fora e eu vou dar um chute na sua bunda.

O gar����o derrubou-o com um soco.

O homem baixo levantou-se cambaleando e ficou em

posi����o de luta.

��� Agora, voc�� n��o tem balc��o para lhe proteger ��� disse.

O homem louro derrubou-o novamente com um soco.

Jess�� recordou-se do seu sonho no qual o homem atarra-

cado tinha dado uma pancada na cabe��a do homem grande

com uma cadeira de carvalho, e disse sorrindo: ��� "Lei

das compensa����es".

Um policial aproximou-se com passos tardos e separou-os.

Vamos, vamos, volte para o seu trabalho antes que eu

lhe ponha no xadrez, ��� ele disse ao gar����o, dando-lhe um

empurr��o. Depois, virando-se para o homem baixo: ��� Por

que voc�� n��o escolhe um do seu tamanho? Houve risadas

na multid��o.

��� Ele me ofendeu, ��� disse o homem baixo, justificando

sua atitude.

��� Vamos com isso, o policial disse. ��� "Garanto que

voc�� nunca foi escoteiro.

��� Nunca foi um menino, filho, pensou Jess��. ��� Onde

voc�� estudou psiquiatria?

Adiante uma livraria atraiu sua aten����o. Parou por

um momento para ver se encontrava ali os dois livros que

tinha escrito. Havia v��rios livros de escritores negros, mas

n��o de sua autoria. "Voc�� cair�� morto no dia em que encon-

trar uma pessoa que j�� leu seu livros", disse a si pr��prio.

Seu olhar encontrou o t��tulo "O Horizonte Perdido". "Bom

e perdido aqui mesmo", pensou.

54

Lembrou-se de um editor que rejeitara seu segundo

livro, queixando-se:

��� Por que voc��s sempre escrevem sobre essas coisas?

Alguns de voc��s t��m talento de verdade. Por que n��o tentam

escrever sobre gente, apenas gente.

��� Voc�� quer dizer gente branca, ele replicou.

O editor enrubesceu:

��� N��o digo gente branca, digo gente. Por exemplo,

pessoas sobre as quais Maugham e Hilton escrevem.

Sorriu ao recordar-se e sua amargura esvaiu-se. "Eu

devia ter-lhe dito que n��o conhe��o nenhum esquim��, e que

os esquim��s eram as ��nicas pessoas que eles deixaram, que

nem mesmo conhe��o homens macacos ou macacos tampouco,

embora ele n��o acreditasse nisto pois pensa que estou muito

perto da ��frica". O pensamento divertiu-o enquanto cami-

nhava vagarosamente, sem prestar aten����o ao homossexual

que o seguia de perto. "Meu povo n��o fez a coisa direita

ao meu lado", disse alto. Eles n��o deviam ter deixado se

apanhar".

De repente, virou-se e andou sobre os seus passos em

dire����o a outra livraria que tinha na mem��ria, desconcer-

tando o homem que o seguia. Olhou para os t��tulos sem

v��-los, uma esp��cie de gesto reflexo. "O que realmente

deveria ter dito ao idiota era: "por que voc�� n��o l�� O Velho

Testamento? Ou mesmo Rabelais?", sorriu ao pensar nisso.

Essa seria a maneira certa de ter come��ado aquele maldito

livro: "O negro acordou, sentou-se, co��ou a cabe��a cheia

de piolhos, levantou-se, fez uma volta, cuspiu, sentou-se

novamente, comeu uma bacia de mi��dos de porco, odiou

os brancos por uma hora, saiu e roubou galinhas, estuprou

uma mulher branca, foi linchado por uma turba, co��ou a

cabe��a encarapinhada e disse: patr��o, eu fui linchado. Estou

t��o cansado que nem posso ficar com os olhos abertos. E o

patr��o disse: v�� para casa dormir, negro; �� s�� para o que

voc��s prestam. Assim, ele voltou para sua cho��a, roubou um

mel��o no caminho, comeu o mel��o, casca e tudo, deitou-se

na sua enxerga, pestanejou, bochechou e dormiu, odiando

os brancos".

��� N��o podemos publicar esta porcaria, ��� o editor diria.

��� Por que n��o?, ��� ele perguntaria.

��� �� muito amarga. O povo j�� est�� cansado desta forma

de protesto.

55

��� N��o �� protesto, �� s��tira.

��� S��tira? A s��tira deve ser espirituosa, ir��nica, sarc��s-

tica; deve apelar ao intelecto. Esta porcaria fede.

��� Toda porcaria fede. Est�� surpreendido?

��� Com que?, ��� uma voz efeminada perguntou ao seu

lado.

Pela primeira vez, ele reparou no homossexual. Era

grande, louro, estava bem vestido, tinha um rosto agrad��-

vel e vorazes olhos azuis.

Jess�� virou-se e foi embora sem replicar. Pouco adiante,

duas mo��as muito pintadas ladeando um homem alto sa��ram

do Hotel Dixie, passaram perto dele e se dirigiram para

um carro que estava �� pouca dist��ncia. Ele sentiu o aroma

do "Meu pecado" de Lanvin e quedou-se a olhar avidamente

para suas pernas esbeltas nas meias de nylon. Pensou em

voltar para a Oitava Avenida e rumar para a parte de cima.

Havia sempre prostitutas perambulando por ali, mesmo de

manh�� cedo. Sempre tivera medo de doen��as, n��o s�� por

causa dele pr��prio, mas tamb��m por medo de contaminar

sua esposa. ��� "Voc��s n��o acreditam que h�� um negro

assim, acreditam?", pensou.

Por um momento, seus pensamentos recuaram at�� 1944,

quando os liberais estavam tentando desesperadamente

eleger Roosevelt para um quarto per��odo, e o Comit�� de

A����o Pol��tica dominado pelo furor, apregoava: "Moralize

com Sidney; Sidney Hillman e os rapazes. Pelo menos uma

vez por dia ele pensava naquele tempo, mais com admira-

����o do que pesar. "A maior ��poca da Hist��ria da Rep��blica

para namoro inter-racial", considerou. "Nada como a pol��-

tica para arranjar amor de branco, e de preto tamb��m".

Depois de um momento, disse alto: "Velho Jimmy! Ser�� que

conseguiu o bastante?". Jimmy era tenente da marinha,

naquela ��poca um rapaz elegante nos seus vinte anos.

Agora escrevia para Hollywood. Ele tinha visto h�� algumas

semanas atr��s, um filme Classe A cujo enredo tinha sido

escrito por Jimmy. Cleo, a esposa de um editor de jornal

era doida por ele.

��� Esta �� Cleo, Jimmy, ela �� capaz de fazer muita coisa

dependurada num candelabro, ��� foi assim que Maud apre-

sentou-os. Por um momento seus pensamentos detiveram-se

agradavelmente em Maud.

56

��� Que cadela!, ��� ponderou. ��� Uma grande mulher.

Realmente not��vel! ��� Muitas vezes ele considerou a possi-

bilidade de escrever uma novela sobre ela, mas nunca fora

capaz de imaginar como seria a est��ria. "Grande Madame,

na verdade. Trabalhava com seus pr��prios instrumentos.

Al��m disso, era uma tapeadora, mentirosa, ladra, mestra

da intriga, sem consci��ncia ou escr��pulo, e respeit��vel tam-

b��m. Aqui estava a tram��ia ��� respeitabilidade". Setiu-se

um tanto c��nico e divertido. "Aqui est�� o truque, filho. Aqui

est�� uma prostituta que �� uma grande l��der social negra,

que �� amiga dos poderosos, que almo��a com a esposa do

prefeito, entret��m os ricos, os milion��rios em todos os tipos

de comit��s inter-raciais, ao passo que voc��, b e m . . . voc��

com a sua chamada integridade n��o passa de uma praga,

um chato".

Nessas alturas achava-se na S��tima Avenida. Em frente

estava o edif��cio do Times. Do outro lado da Rua Vig��sima

Segunda havia um restaurante com mesas do lado de fora.

Acima, �� sua esquerda, estava um pequeno cinema espe-

cializado em filmes misteriosos e estranhos, mostrando um

grande cartaz de um homem selvagem com pele de leopardo,

carregando uma loura semi-vestida.

��� Justamente o que voc�� deveria ser, filho, ��� disse a

si pr��prio. "Voc�� poderia agarrar uma tamb��m e correr

e tudo que eles fariam era fazer um filme sobre isso".

Al��m, estava a frente resplandescente do Hotel Astor, dando

para o Times Square e do outro lado o Hotel Claridge, que

uma vez alojara o Sal��o da Ci��ncia no segundo andar, onde

ele trabalhara como porteiro. Pensou na escada de m��rmore

que tinha de esfregar cinco vezes por dia.

��� Quem estar�� lhe esfregando agora?, ��� ele parodiou

a can����o popular: "Quem a estar�� beijando agora?" Mas,

o Sal��o da Ci��ncia tinha desaparecido, n��o mais existia, e o

Grande Caminho Branco, �� luz do sol da manh��, parecia

nu, repulsivo ou t��o vulgar como um estrip-tease feito ao

acordar em um quarto sujo de hotel.

Agora, ele somente sentia uma profunda e crescente

solid��o. "Voc�� pr��prio fez isto, filho", disse. "Voc�� pensou

que estava sendo nobre". Entrou no primeiro cinema sem

ver o que estavam exibindo. Comprou o bilhete e caminhou

pelo longo e estreito sal��o de entrada, cheio de espelhos

e ornamentado com os cartazes das pr��ximas atra����es,

57

at�� o interior escuro e antiquado. Virou �� direita e subiu

a escada de tapete gasto e empoeirado, o qual tinha um

cheiro forte de urina e foi para a galeria, a qual por sua

vez tinha um cheiro desagrad��vel de gente mal asseada.

Desceu a perigosa escada que levava �� fila da frente, e

sentou-se entre um jovem branco e um preto adormecido,

um assento distante de cada. Subitamente, sentiu-se exausto.

��� Voc�� pensa demais, filho, ��� disse a si pr��prio. ��� "Sua

cabe��a �� para n��dulos e n��o para pensamentos". E depois:

"Al��m disso, �� anti-americano".

Kriss ficou no seu escrit��rio at�� seis horas a fim de

terminar o relat��rio de projeto do Reverendo John Saxton

para fundar uma Escola Indiana Protestante. Depois, tomou

o ��nibus Madison Avenue para ir para casa. De uma manei-

ra geral, ela gostava dessa viagem ao longo das vitrinas

iluminadas das lojas, da brilhante entrada do edif��cio C.B.S.,

das pir��mides de an��ncios, da velha Random House. O

��nibus entrava na Rua Vig��sima Segunda, passava pelo

Grand Central, P a r k Avenue e Lexington, descrevendo uma

linha curva pelo cora����o da cidade, a qual come��ava onde

os vendedores falavam em voz alta e terminava em

Grammercy Park, com sua exclusividade tranq��ila e sofis-

ticada. Nas noites que Dave vinha, ela podia ouvir o pulsar

do seu cora����o. Ela amava a cidade e todos que moravam

nela, mas nunca quando estava s��; na solid��o, a cidade

era como uma pris��o. Agora, os rostos cansados que via

eram como reflexos da sua alma. Ela tinha medo do seu

apartamento vazio.

Da Rua Vig��sima Terceira foi para a Terceira Aveni-

da, onde parou na sua mercearia favorita para comprar

galinha defumada, ervilhas e batatas congeladas e hortali-

��as. Quando virou a chave na fechadura sentiu-se como se

fosse expirar. A mente estava paralisada e o corpo seco

como uma palha. Foi direto para a cozinha, p��s a bolsa

e compras no aparador e preparou uma dose de u��sque e

soda com dois cubos de gelo. Somente depois de tomar um gole

sentiu-se ligeiramente humana novamente. Pendurou o

casaco, levou a bebida em um descanso de prata para a

sala de visitas, acomodou-se na cadeira de tr��s pernas e

abriu a revista New Yorker da ��ltima semana.

58

Era sempre nessa hora, depois de um dia ��rduo e esta-

fante, que a imagem de Ronny vinha �� sua cabe��a. Depois

que a bebida come��ou a fazer efeito, ela recordou-se das

coisas felizes, das conversas que varavam a noite at�� dia

claro, diante do fogo, da maneira como "cortavam seus

a m i g o s " . . . "Se Hal pudesse erguer seu c��rebro �� tr��s p��s

de altura, faz��-lo voltar para sua cabe��a, seria um grande

homem", Ronny dizia. Ela sorria daquela maneira misterio-

sa, sensual, com aquela express��o de mulher infiel que

nenhum pintor na terra jamais captou. "Se voc�� se casar

novamente, Kriss, eu darei refer��ncias. Direi que com voc��

nunca fiquei chateado", ele costumava dizer.

Sorriu, lembrando-se do elogio.

Depois do segundo drink ela pensou: "Seu bastardo,

voc�� arruinou minha vida!" O que em grande parte era

verdade, se algu��m pudesse considerar arruinada, uma

mulher de trinta e sete anos, uma administradora executiva

com seis mil d��lares anuais, brilhante, saud��vel, elegante

como quatro pav��es, sensual e altamente respeit��vel.

O que ela queria dizer em tais ocasi��es era que ele

arruinara suas oportunidades de ser feliz. Sendo um homos-

sexual, ele sempre dormia com ela com complexo de culpa,

e o fato de saber que n��o lhe dava prazer aumentava este

complexo, o qual nutrido pela bebida fazia-o correr para

qualquer pessoa com quem pudesse realizar o ato sexual.

Depois, sentia-se impelido a confessar, entre l��grimas,

todas as suas infidelidades. Quando estavam em lua-de-mel

em Ge��rgia, ele dormiu com a beldade sulista cuja virgin-

dade venerava at�� que ela rompeu com ele para casar com

um policial menos reverente. No Mississippi dormiu com a

m��e de sua cozinheira mulata, em North Dakota com a tia

da empregada de Kriss e na viagem de volta para Chicago

com toda vagabunda que aparecia, e confessava chorosa-

mente todas estas infidelidades t��o logo aconteciam. Ela

muitas vezes conjecturava sobre as compensa����es que o

Criador tinha estabelecido; isto ��, fazer um homem t��o

inteligente, t��o erudito, t��o brilhante e ao mesmo tempo t��o

negativo em outro aspecto.

Suas primeiras infidelidades foram uma prote����o contra

a prote����o de suas amigas. Mais tarde, quando soube que

ele era homossexual, sua promiscuidade tornou se uma

amenidade social... Ela sorriu maliciosamente, lembrando-

59

se como escolhia-os diante dos seus olhos. Naquele tempo

ela pensava ��� o pensamento lhe dava tanto prazer quanto

o ato ��� que o estava enganando. Mas agora, fazendo um

retrospecto, percebia que ele n��o s�� sabia como tamb��m

tolerava...

"Ser casada com um homossexual �� viver uma vida

esquisita. A mulher tem que ser irm��, m��e, pai, confessor,

ama-seca e governanta; mas nunca esposa.

Enquanto sorvia seu quarto drink o telefone tocou. Foi

para o quarto de dormir atend��-lo.

��� �� a snra. Cummings quem fala.

Do outro lado da linha n��o houve propriamente uma

risada ou um suspiro, mas uma esp��cie de sopro vindo

pelas narinas e boca. E ela soube, com suas emo����es rapida-

mente difundidas, mesmo antes de ouvir a voz suave, que

esta diria com seu quase indistingu��vel receio:

��� Al��, Kriss querida, �� Jess��".

No instante seguinte tudo retornou: Chicago e Maud,

aquele divino fim-de-semana que Fern estragou mais tarde

com todas aquelas mentiras sobre ela e Jess�� em New

York. Ela esteve muito perto de am��-lo ou qualquer deles,

com exce����o de Ted, certamente.

"Eu realmente amei Ted", disse a si pr��pria. Mas

depois quando ele se casou com uma negra em Los Angeles

desprezou-o. Ela nunca sentiu desprezo por Jess��, embora

n��o soubesse porque. Ele merecia desprezo mais do que

qualquer outra pessoa, e ela desejou desprez��-lo quando per-

guntou com mal��cia:

��� Assassinou sua esposa? Ele sorriu e sua tens��o

relaxou-se.

Jess�� tinha estado esperando no seu quarto para tele-

fonar-lhe desde as tr��s horas da tarde. A id��ia veio-lhe no

cinema naquela manh��, mas decidiu n��o telefonar para seu

escrit��rio. Fazia tr��s anos que n��o a via e n��o sabia que

esp��cie de recep����o iria ter. A ��ltima vez que a vira havia

sido desastrosa. No caminho de casa pegou uma garrafa

de gin e ficou esperando at�� as sete e meia. Ent��o, decidiu

descer e usar o telefone p��blico, porque as duas extens��es

do apartamento estavam no quarto de Leroy e do snr. Ward,

e ele n��o queria ser ouvido por eles. Kriss era imprevis��vel,

podia dizer: ��� "V�� para o inferno!", e desligar. Ele n��o





60




queria ser visto com a boca aberta, segurando um fone

mudo.

Fez a chamada do sal��o do subsolo, onde havia um

telefone antiquado. Enquanto esperava, duas meninas boni-

tas em idade escolar vieram do apartamento do superinten-

dente e olharam para ele ao passar. Ele assobiou um peda-

��o da m��sica "Se eu tivesse voc��" e elas entraram no

elevador sorrindo. De repente, sentiu um certo p��nico de

estar perdido num mundo que n��o mais entendia, uma sen-

sa����o que ultimamente vinha se apossando dele.

"Seu bobo, para que est�� fazendo isto?", perguntou a

si pr��prio, inundado pela mar�� de seus desapontamentos e

frustra����es. Quando ouviu a voz dela, seu cora����o pulsou

mais vagarosamente. Sabia que n��o sentia nada por ela,

apenas queria dormir com uma mulher branca novamente.

Mas depois ele sorriu e tudo ficou bem.

��� Eu a amo, querida Kriss, ��� ele murmurou. ��� Voc��

diz coisas t��o lindas!

Ela n��o respondeu, mas ele ouviu seu risinho de satis-

fa����o, e sabia que ela adquirira aquela express��o sensual,

misteriosa que sempre repetia quando seus homens a pro-

curavam novamente.

��� Eu vendi um livro, ��� ele disse. Eu gostaria de lhe

convidar para jantar.

��� Voc�� est�� morando na cidade agora?

��� Voltei h�� uma semana. Aluguei um quarto no Convent".

Houve uma pausa. Depois ela perguntou:

��� Sua esposa est�� com voc��?

Ocorreu-lhe subitamente que nunca ouvira-a dizer o

nome de Becky.

N��s estamos separados, ��� ele respondeu ��� Faz quase

um ano que n��o a vejo.

Ela ficou em sil��ncio por um momento, ent��o perguntou:

��� Quando seu livro vai ser publicado?

��� Bem, na verdade, n��o est�� realmente vendido. Hobson

tem uma op����o sobre o trabalho. Eles querem fazer alguns

cortes.

��� Qual �� o t��tulo?

Eu Estava Procurando Uma Rua.

��� Espero que n��o seja nada parecido com a ��ltima

coisa que voc�� escreveu, ��� ela comentou maliciosamente. ���

61

Estou cansada de ouvir voc��s negros choramingarem. Eu j��

tenho minhas pr��prias preocupa����es, que n��o s��o poucas.

Ele sorriu:

��� Este livro n��o �� um protesto, meu bem. Fiz uma paz

em separado.

Embora ela n��o falasse imediatamente, ele sabia pelo

seu sil��ncio que ela considerava aquilo uma concess��o espe-

cial a si pr��pria.

��� Eu tenho compromissos para hoje e amanh�� �� noite,

disse ela. ��� Mas quinta-feira �� noite estou livre.

Ele tentou disfar��ar seu desapontamento:

��� Que horas posso v��-la?

��� ��s sete e meia. Voc�� sabe meu endere��o?

��� Eu vejo na lista telef��nica.

��� Ent��o estamos combinados, eu o espero ��s sete e

meia, ela disse um tanto bruscamente.

��� Ent��o at�� l��, querida. N��o fa��a nada que eu n��o fa��o.

��� N��o h�� praticamente nada, ela concluiu com mal��cia,

e desligou.

Vagarosamente, ele caminhou para o elevador. "Filho,

coma seu corvo com gosto", murmurou. Naquele instante

a porta do elevador abriu e o superintendente surgiu arras-

tando uma escada. Olhou ao redor e vendo apenas Jess��,

pareceu surpreso.

Pensei te-lo ouvido conversando.

Jess�� sorriu, sem perceber que tinha falado alto.

��� J�� lhe pegaram ouvindo coisas, ele disse.

��� Outros o pegaram falando sozinho.

��� N��o demorarei.

��� N��o demore muito, ��� concluiu o superintendente com

ar insinuante.

Jess�� fechou a porta do elevador. "Este mundo", disse.

"Que faria um homem sem pecado?".

Kriss foi para a cozinha, preparou seu quinto drink

e levou-o para a sala de estar. Ligou a televis��o para

pegar "A Fam��lia Goldberg" que aparecia ��s sete, mas o

programa estava chegando ao fim.

"Diabo de Jess��", murmurou, tomada de uma s��bita

raiva. "A Fam��lia Goldberg" era seu programa favorito.

Enraivecida, ela desejou que ele tivesse ficado velho e feio.

62

"Negros famintos!", disse, mas inconscientemente emen-

dou: "Famintos por algumas e voc�� sabe quais". Sorriu.

Por um momento arrependeu-se de n��o t��-lo convidado ime-

diatamente. Por��m, logo depois achou melhor assim. Dot

poderia ficar ofendida e emburrada.

N��o havia nada na televis��o que quisesse ver. Assim,

foi para a cozinha com a inten����o de desembrulhar as bata-

tas congeladas para descongel��-las, mas percebendo que o

copo que carregava na m��o estava vazio, esqueceu as

batatas. Estava preparando o sexto drink quando a campai-

nha tocou. Foi abrir a porta depressa, sem cambalear, mas

caminhando de uma maneira diferente, como se oscilasse

sobre seu arco p��lvico, de uma forma que sentiu a cinta

apertar-lhe.

��� Entre, Dot querida!, ��� ela convidou sorrindo. ��� Estou

meio tocada.

63

CAP��TULO 5

��s seis horas Jess�� j�� estava pronto. Antes de ir queria

tomar algumas cervejas e gin para sentir-se calmo e com

disposi����o. Kriss n��o tolerava um acompanhante nervoso e

silencioso; queria que seu negros fossem alegres, interes-

santes, ardentes e at�� fren��ticos.

" P a r a que diabo mais iria ela querer um negro", pensou.

"N��o para sua ��rvore geneal��gica". Houve ocasi��es antes

em que se sentiu assaltado pela futilidade de sua posi����o

quando acompanhava mulheres brancas. Ent��o mergulhou

em um negro desespero, n��o p��de dizer uma palavra ou

sorrir, perdeu o desejo e retirou-se em sil��ncio, taciturno.

Se isso acontecesse, Kriss ficaria furiosa e o expulsaria de

sua casa a pontap��s.

Ele tinha vestido seu terno novo de flanela azul, com-

prado h�� uma semana em uma loja de penhores na Avenida

Colombo, a qual oferecia refugos de f��brica e modelos de

manequins ligeiramente usados pela metade do pre��o. Era

um terno bonito, de tecido macio importado. Com ele usava

sapatos pretos comprados na Wanamaker, uma camisa

branca e uma gravata de seda branca e cinza com um

desenho abstrato, ambas adquiridas em uma liquida����o da

Gimbel.

"Tudo que voc�� precisa agora �� um guarda-chuva, um

chap��u coco, pele branca, cabelo liso, uma costeleta de

carneiro e um copo de clarete. Ent��o, voc�� est�� no cami-

nho certo para reformar o mundo, filho", disse a si pr��prio,

depreciativamente. Em seguida acrescentou: "De qualquer

maneira, voc�� tem as devidas inclina����es".

Deu uma olhada no tempo. Estava chuviscando. P��s o

chap��u, uma capa de chuva descorada que Kriss tinha

admirado h�� sete anos passados, quando era nova e eles

eram uma novidade um para o outro e uma garrafa de

bourbon debaixo do bra��o.

65

Achou o nome dela, Snra. Kristina W. Cummings, debai-

xo da fenda para cartas no vest��bulo, e tocou a campainha

ao lado dela. Depois de um momento Kriss comprimiu o

bot��o que abria a porta. Ele entrou e andou apressado pelo

corredor ladrilhado, satisfeito por n��o encontrar ningu��m,

e no fim virou �� esquerda na dire����o do seu apartamento.

Ela abriu a porta antes que ele tocasse a campainha

novamente e por um impercept��vel momento se encararam,

os sorrisos de sauda����o congelados nos seus l��bios. Em um

vestido preto sem mangas, bem decotado, ornamentado com

um colar de prata e um par de magn��ficos braceletes, ela

era na verdade, uma mulher muito elegante. Por��m, n��o

era a mulher da qual se lembrava; n��o encontrou o m��nimo

tra��o da mo��a doidivana de quem uma vez gostara. Ao

contr��rio, assim num r��pido julgamento, ela lhe pareceu

uma mulher confiante, sem gra��a, algo desinteressante,

envolvida em uma impregn��vel respeitabilidade.

Da sua parte, ela n��o viu nele nada do irrespons��vel

ca��ador de mulheres, com um sorriso pronto e olhos bri-

lhantes com quem passara aqueles tr��s dias esquisitos, da

sua fren��tica sensualidade semelhante �� uma flama afro-

dis��aca, nem nada do repulsivo b��bado que tanto a enfure-

cera quatro anos mais tarde, mas que pelo menos possu��a

uma certa amarga efervesc��ncia que o fazia interessante.

Este homem diante dela com a velha capa de chuva que ela

reconheceu imediatamente, estava morto. A dor tinha se

instalado t��o profundamente dentro dele que tinha se tor-

nado parte do seu metabolismo. N��o que tivesse mudado

muito na apar��ncia exterior, nem se aproximava do tanto

que ela esperava tivesse ele mudado. Externamente quase

n��o mudara, o rosto continuava jovem, o porte, atl��tico,

embora a cabe��a parecesse muito menor, em virtude do

cabelo estar cortado muito curto e tamb��m escasseando ���

ela gostava de homens com cabelo, com muito cabelo. Era

dentro que a luz tinha se apagado.

Mas, ambos se recuperaram instantaneamente.

��� Eu estou gorda, ��� disse, voltando a sorrir tentado-

ramente. Ele notou nos seus brilhantes olhos azuis uma

delicada orla vermelha, como se tivesse chorado recente-

mente.

��� Eu estou magro, anuiu ele, tamb��m sorrindo para

ela. E um tanto desalentado, desde que ela n��o mais pare-

66

cia ser o tipo que apreciaria o que ele tinha trazido, acres-

centou: ��� Eu trouxe bourbon em vez de flores.

Pela primeira vez ela sorriu como nos velhos tempos.

Vamos beber nossas flores.

Ele foi para a sala de estar enquanto ela preparava os

drinks, Scotch para ela e bourbon para ele, e quando ela

os trouxe ele disse com sincera admira����o:

��� Voc�� tem uma bela resid��ncia, Kriss. �� examinando-a

cuidadosamente, acrescentou: ��� Sabe, voc�� est�� bonita

tamb��m.

Ela sentou-se na sua cadeira favorita de tr��s pernas,

satisfeita com a lisonja.

��� Minha assistente Anne ajudou-me a fazer a decora-

����o. Ela est�� estudando decora����es dom��sticas e as lojas

lhe fazem um desconto.

��� Ainda est�� no mesmo emprego?

��� Ainda estou no Instituto. E com voz cheia de orgu-

lho: ��� Eu sou uma mo��a importante agora. Sou assistente

do diretor. Isto fora dito em car��ter vingativo e ele ima-

ginava vagamente o que poderia ter acontecido com ela.

��� Voc�� sempre v�� Maud?

��� Eu a vi pelo natal em uma festa na casa de Ed Jones.

Ela procurou me ignorar no princ��pio, mas quando viu como

Ed e todos os outros eram gentis comigo, chegou-se a mim

fingindo que n��o tinha me visto antes. Ela ouviu dizer que

eu tinha algo a ver com o envio do pessoal para a ��ndia e

queria aproveitar-se de mim novamente. Eu fiquei fria

como gelo.

��� Como est�� Ed? ��� ele perguntou polidamente. ��� N��o

que eu d�� a m��nima aten����o para ele ��� pensou. Ed Jone

era um artista negro de sucesso que dirigia uma escola de

arte particular.

��� Bem. Eu gosto de Julia, ela �� t��o meiga e sincera!

��� Ela �� uma bela mo��a, ��� embora nunca a visse, mas

achou que era necess��rio ser agrad��vel.

��� Eu estava morrendo de medo quando entrei naquela

festa, Kriss confessou. ��� Fazia anos que eu tinha estado

em uma festa de negros e n��o sabia que tipo de est��rias

Maud havia espalhado sobre mim. Por��m, Ed foi muito

gentil e eu conhecia a maioria das pessoas ali. Ent��o, Dinky

Bloom disse: ��� De alguma forma, Kriss �� uma de n��s. Tem





67


se esfregado tanto com negros que ela pr��pria j�� �� meia

negra:

Ela sorriu seu sorriso sensual, misterioso, pensando nas

implica����es da afirma����o.

Ele estava pensando na mesma coisa, mas n��o perma-

neceu assim.

��� Que aconteceu entre voc�� e Maud? N��o mais os vi

desde que tivemos aquela discuss��o.

��� Deus, aquela mulher me magoou. ��� Sua voz revelava

o quanto.

��� Eu morei com eles quando fui para New York pela

primeira vez.

��� N��o sabia.

��� Eu praticamente pagava o aluguel deles e a conta das

bebidas. Eu dormia naquela sala de estar onde voc�� ficou,

e quando eles se divertiam ��� o que acontecia toda noite,

servindo minha bebida ��� eu n��o podia dormir antes que

todos os convidados sa��ssem, embora Joe fosse para seu

quarto dormir e deixasse sua companhia sentada. E eu

tinha de levantar antes de todos eles. Ent��o, quando rompi

com Ted, Maud rejeitou-me, por assim dizer. Desde ent��o

temos sido como irm��s.

��� Eu sei, ��� ele disse em pensamento. Amantes, que-

rida, n��o irm��s. Maud nunca gostou de uma pessoa com

quem n��o pudesse dormir ��� homem ou mulher. Eu a conhe-

��o. Depois de uma ligeira pausa, ele perguntou:

��� Por que haveria ela de se incomodar? N��o era da

conta dela, era?

��� Oh, ela queria que eu me casasse com Ted. Assim,

ela podia dormir com ele quando eu e Joe estiv��ssemos

trabalhando.

Ele pegou o copo vazio e quando ela foi para a cozinha

a fim de preparar novos drinks, ele seguia-a, conjecturando

se devia beij��-la agora ou mais tarde. Ela n��o parecia estar

com disposi����o para ser beijada, assim ele disse:

��� Que bela cozinha! Tudo t��o bem arrumado!. Quando

voltaram para a sala de estar, ele acrescentou:

��� Eu gosto do seu apartamento. Desta vez ela n��o falou

nada e ele olhou para ela, por��m o pensamento estava dis-

tante. "O diabo, filho, �� que voc�� n��o se lembra de nada

daquele fim-de-semana; voc�� ficou b��bado o tempo todo e

68

nunca se lembrou de nada depois que a beijou pela primeira

vez.

Mas, perguntou alto:

��� Que aconteceu com voc�� e Ted? A ��ltima vez ��� ali��s,

a ��nica vez ��� que vi voc��s juntos foi numa festa no

Brooklyn. Acho que foi a ��nica vez que vi Ted ��� a ��nica,

se bem me lembro. Recordo-me que ele era um rapaz de

boa apar��ncia.

��� Eu praticamente sustentei aquele rato, ��� comentou

com maldade. ��� Ele estava sempre correndo atr��s de gente

branca insignificante, pensando que eles o fariam rico. Ele

pensava que eu n��o sabia de nada, mas eu sabia de tudo.

��� Que ele est�� fazendo agora?

��� Espero que esteja morto.

��� Voc�� provavelmente desejaria que eu estivesse morto

tamb��m, ��� pensou.

No sil��ncio que se seguiu, percebendo que necessitavam

um do outro, ambos agora banidos da ��nica vida excitante

que tinham conhecido, ambos ansiando pela plenitude sexual,

perdidos e solit��rios, proscritos vagando juntos ao l��u depois

que a paix��o se extinguira, encarando a possibilidade de

dormirem juntos, o que no momento nenhum desejava, eles

se odiaram.

Ela olhou para seu rel��gio e disse, de maneira ofensiva:

��� Vamos sair agora ou vamos beber nosso jantar?

Ele teve impulso de dizer: ��� V�� para o inferno, eu vou

posssu��-la, goste ou n��o, mas controlou-se, armou um sor-

riso delicado e disse ao inv��s:

��� N��o seria a primeira vez.

��� Se voc�� pretende ficar b��bado, pode sair agora mes-

mo, ��� ela avisou grosseiramente.

��� Eu pretendo lev��-la para jantar ��� concluiu sem

alterar-se.

��� A ��ltima vez que o vi, voc�� estava detestavelmente

b��bado. Imundo. Deus! Voc�� estava asqueroso. E eu o

queria tanto!.

Ele olhou para ela, aturdido:

��� O que eu fiz? A ��ltima coisa que me lembro ter feito

foi vomitar no sof�� branco de Don.

��� Deus! Como Ralph ficou furioso! Se voc�� n��o esti-

vesse t��o b��bado ele teria lhe batido.

69

Ele sentiu-se pungentemente embara��ado:

��� Eu n��o o censuro.

��� Eu o teria ajudado.

��� Mas, o que fiz a voc��?

��� Jess��! Se v o c �� . . .

Naquela tarde ele levara Roy para Don ver algumas

das suas gravuras. Aquele havia sido o ver��o seguinte ��

sua visita �� col��nia luxuosa dos artistas chamada "Skiddoo",

e ele estava doente, doente da cabe��a. O lugar deixara-o

doente, mais do que qualquer outra coisa em toda sua vida

��� ou talvez ele estivesse doente quando fora para l��. Talvez

o livro o fizesse doente ��� aquele segundo livro ��� e talvez

o "Skiddoo" apenas trouxesse �� tona o que estava no fundo.

Algum dia, ele teria de sentar-se calmamente e descobrir

porque a odiara o "Skiddoo" e todos os artistas que esta-

vam l��. Mas Roy fora uma exce����o; ele gostava de Roy

e esperava que Don comprasse algumas de suas gravuras

para ajud��-lo. Ao inv��s e comprar as gravuras, Don apro-

veitou a visita deles como pretexto para dar uma festa.

��s seis horas mais ou menos, uma d��zia de pessoas esta-

vam agrupadas ao redor da grande mesa circular para

cocktail e Don servia sem parar um gin forte chamado

"Gimlet". A ��ltima coisa que se lembrava ter feito antes

de vomitar no sof�� fora atormentar uma mulher chamada

Muriel Smith que ele desprezava. Ao entrar, ela repudiara

as gravuras de Roy e sentando-se no centro do assoalho,

tirara os sapatos e lan��ara-se em uma discuss��o em voz

alta sobre um grande ator negro com quem dormira inter-

mitentemente durante anos. Ela era uma daquelas louras

imprudentes, j�� maduras, sempre espalhafatosa e ofensiva.

Na ��ltima campanha quando os comunistas e os negros tra-

balharam juntos novamente para eleger Roosevelt, ela tra-

balhalhara para o Comit�� Central do Partido Comunista;

e depois da publica����o do livro anti-comunista de Jess��, ela,

como todos os seus conhecidos comunistas e maioria dos seus

amigos negros, deixara de falar com ele. Ele lembrava-se

ter-lhe dito: "Muriel, querida, eu sei que voc�� tem uma

mente limpa, bonita e uma alma pura, mas seus p��s est��o

sujos. Olhe para eles. Realmente sujos e nem um pouco

t��o bonitos como sua mente. N��o se sente embara��ada

quando vai para a cama com homens estranhos e esses p��s

sujos? Ele recordava-se da sua f��ria, e embora n��o se

70

lembrasse quando Kriss chegara, lembrava-se de ter pis-

cado para ela. Depois tomara outro drink, e a pr��xima

coisa que se lembrava ter feito fora vomitar no sof��...

��� O que eu lhe disse?

��� Jesse! Se v o c �� . . .

��� Diga-me o que eu disse.

��� N��o vou repetir o que voc�� disse. Nunca em toda

minha vida ningu��m me disse as coisas horr��veis que voc��

disse. Se eu fosse um homem teria lhe quebrado a cara.

Ele balan��ou a cabe��a:

��� Eu estava doente. E para si pr��prio: "Mais doente

do que pensava, filho".

��� Jamais quero lhe ver daquela forma novamente.

��� Eu superei aquilo. Fiz uma paz em separado. S��rio.

Ela levantou-se:

��� �� melhor irmos; est�� ficando tarde.

��� Tem algum lugar em mente para irmos?

��� Oh, qualquer lugar onde nos sirvam rapidamente.

N��o quero me aborrecer esperando.

��� Que tal o "Nick's?

��� Est�� bem. Podemos comer bifes l��.

Eles estavam tensos e silenciosos no taxi quando este

contornou Grammercy Park com sua pl��cida escurid��o e

passou pelas velhas mans��es com suas aldravas de bronze,

raspadores de p��s e luzes brilhantes, e virou ao sul para

Irving Place. De passagem, ele relanceou para a frente do

bar pitoresco, onde afirma-se, O'Henry passou muitas horas

meditando, e pensou: "N��s dois, filho, eu e voc��". Pouco

mais tarde, quando chegaram na Rua D��cima Quarta, seus

pensamentos voltaram ao editor n��scio.

Eu devia ter dito a ele o seguinte: "E se eu tivesse

conhecido homens macacos, eles teriam sido a prog��nie dos

homens macacos e n��o dos pares do reino, e como sou o

tipo do pessimista ingrato, antipatri��tico, de mente amarga

e alma s��rdida, s�� posso pensar sobre os homens macacos

como meio homem e meio macaco, os quais nunca servir��o

filho... nunca servir��o!" Ele disse as ��ltimas palavras alto,

sem perceber, e Kriss lan��ou-lhe um olhar irritado.

��� O que?

Ele olhou para ela, perplexo:

��� O que o que?

��� Voc�� disse: nunca servir��o! O que: nunca servir��o?

71

��� Oh! ��� ele olhou para ela e disse a primeira mentira

que lhe veio �� cabe��a. ��� Eu estava pensando sobre a ma-

neira que voc�� disse que procedi em casa de Don. Devia

realmente estar doente.

��� Jesse! Se voc�� ficar b��bado novamente, nunca mais

falarei com voc�� durante toda minha vida, ��� ela avisou com

voz zangada e amea��adora. Eu juro!

Ela estava cega de raiva consigo pr��pria por v��-lo de

novo, porque precisava dele sexualmente. Se pudesse dor-

mir com ele e logo em seguida decapit��-lo, gostaria da

sua companhia. Mas, ele dormiria com ela e iria embora

sentindo-se bem porque tinha dormido com uma mulher

branca, e ela podia ficar sem v��-lo at�� que desejasse uma

mulher branca novamente.

��� Negros! Negros! Negros!, ��� ela pensou na sua raiva

cega.

��� N��o se preocupe, meu bem, n��o ficarei, ��� ele mur-

murou zangado por ser for��ado a repetir uma promessa que

j�� fizera exclusivamente por vergonha.

Ela viu uma mulher passeando com um poodle pela

Union Square. "Pelo menos, eles s��o melhores do que ca-

chorros", ��� pensou, invadida por uma alegria t��o estuante

que sua raiva aplacou-se e virou-se para ele, sorrindo mali-

ciosamente, desejando que ele pudesse ler seu pensamento.

Mas, ele n��o percebeu. Quando o taxi entrou na S��tima

Avenida, ele, subitamente, imaginou porque ela escolhera

o "Nick's". "Associa����o de id��ias, sem d��vida", pensou,

e depois: "Que diabo, filho, que se passa na sua cabe��a?

Sua ��ltima visita ao "Nick's" havia sido tr��gica. Fora

ap��s sua visita ao "Skiddoo". Ele levara sua esposa para

um jantar na casa de Paul ��� um dos outros escritores que

estiveram no "Skiddoo" ��� em uma tarde quente de domingo

no m��s de Julho; ou melhor, a um jantar em Greenwich

Village no apartamento de uma rameira chamada Kathy,

com quem Paul vivera a intervalos naquele ver��o.

Roy fora tamb��m, levando uma mulher de apar��ncia

muito distinta e respeit��vel, a qual ele apresentou como

Estelle. Naquele apartamento sujo de dois quartos ela pare-

cia t��o deslocada quanto Becky.

Paul j�� bebera um bocado quando eles chegaram. Usava

uma camisa estampada que parecia ter servido como pano

para limpar, cal��as brancas incrivelmente sujas, cujos

72

fundilhos estavam completamente pretos. Kathy, por sua

vez, estava com um traje de passeio amarrotado que parecia

ter feito diversas excurs��es �� Coney Island desde que fora

�� lavanderia pela ��ltima vez. Com os cabelos despenteados

e l��bios lambusados, eles davam a impress��o de terem se

levantado da cama naquele preciso momento.

O jantar veio de uma casa de comest��veis na esquina.

Consistiu de fatias de ovos duros, de fragrantes fatias de

salchichas bolonhesas, fatias de tomate cobertas por uma

massa amarela e salada de repolho, e foi servido em uma

mesa coberta por um papel com manchas de vinho e ovos.

Paul providenciara oito quartos de cerveja dom��stica,

um gal��o de sherry da Calif��rnia, e desde que a dama de

Roy bebera somente um pouco de sherry e Kathy apenas

um quarto de cerveja, restara bastante bebida para os tr��s

tr��nsfugas do "Skiddoo". Eles acharam vinho e cerveja

uma combina����o satisfat��ria durante sua perman��ncia l��.

Becky bebera para combater o desespero.

Quando o sherry acabou, Paul e Kathy come��aram a

falar com pieguice, de uma maneira que pressagiava uma

a����o arrebatada �� qualquer momento. Temerosa de que

essa a����o tivesse lugar ali mesmo no assoalho, o que n��o

seria de estranhar em Greenwich Village, e como n��o tinha

curiosidade sobre os h��bitos psic��ticos dos escritores, Estele

fora embora calmamente. Uma hora mais tarde, sem se

lembrar o que acontecera no interim, Jess�� viu-se no

"Nick's" com Becky entre ele e Roy, pedindo tr��s garrafas

de cerveja. O gar��om cobrara setenta centavos cada. Ele

n��o notara nada at�� que a mulher �� sua esquerda perguntou:

��� Quanto ele cobrou por sua cerveja?

Ele olhou para ela, tentando focaliz��-la.

��� Setenta centavos, respondeu. ��� Por que?

��� N��s tomamos uma cerveja um pouco antes de voc��s

entrarem e ele cobrou apenas trinta e cinco centavos, ��� ela

informou.

Ele n��o se lembrava do que acontecera imediatamente.

Depois, lembrava-se que gritara:

��� Que diabo de cerveja �� esta que voc��s cobram tanto!

Voc��s n��o est��o em Georgia, puxa! N��s estamos em Ne York.

O chefe dos gar��ons e o gar����o tentaram explicar-lhe

que depois das onze quando a orquestra tocava, os pre��os

dobravam, mas ele n��o deu ouvidos �� explica����o. Com os

73

pensamentos desordenados como estava, julgava-se prejudi-

cado e queria fazer prevalecer seus direitos.

��� Eu n��o estou sentado em nenhuma mesa!, continuou

gritando, fazendo-os saber que conhecia os fatos. ��� N��s

estamos de p�� neste maldito bar, e voc�� cobrou dos outros

aqui, trinta e cinco centavos.

��� N��o posso suportar isto!, ��� Becky gritara subita-

mente e correra para fora gritando histericamente: ��� N��o

posso mais suportar isto. N��o posso! N��o posso!

A princ��pio, ficara completamente desnorteado, da forma

que ficaria se de um momento para outro se visse nu no

Times Square. Depois, sentira o corpo inteiro convulsio-

nar-se, como se fora tocado pela presen��a da morte. "Becky,

querida! Becky! Espere, querida", ele gritara aflito, e cor-

rera atr��s dela cambaleante, com o c��rebro tornando-se

instantaneamente s��brio, mas o corpo ainda b��bado. "Que

�� que h��, querida?

Virando-se rapidamente para escapar dele, ela ocorrera

pelo meio da S��tima Avenida em dire����o contr��ria a um

carro que vinha, esperando ser morta.

O som da brecada e sua r��pida a����o lan��ara-o em p��ni-

co. Agarrara-a pela cintura tentando lev��-la para um lugar

seguro. Mas, quando ele a tocara, ela enlouquecera e lutara

histericamente. Na luta, ca��ram no meio da rua e ficaram

rolando e se agitando como duas pessoas lutando desespe-

radamente. Sem perceber o que acontecera, Roy correra

atr��s deles para separ��-los. Os fregueses do "Nick's" e

dos bares adjacentes vieram �� rua para ver o negro brigando

com sua mulher, e muitas outras pessoas agruparam-se nas

cal��adas, observando a cena com a mesma curiosidade.

Finalmente um policial viera e levantara-o.

��� Eu n��o quero que a machuquem!, ��� ele gritara para

o policial, tentando empurr��-lo.

O policial agarrara seu bra��o e torcera-o para detr��s

das suas costas e Roy ajudara Becky a levantar-se. Em

virtude da histeria de Becky e do pasmo da multid��o, o

policial permitira-lhes tomar um carro para a delegacia.

Roy fora solto, mas ele e Becky passaram a noite na

cadeia.

Aquilo fora a coisa mais horr��vel que j�� acontecera com

Roy, e no dia seguinte ap��s o interrogat��rio ele se revelara

a Jesse como homossexual e criticara acerbamente todos os

74

homens brancos que Jesse encontrara naquele ver��o, do

qual mais tarde sempre se lembrou com o Ver��o do Da-Da-

Dee, uma melodia sem nome que trauteava durante as noites

no "Skiddoo", quando vinha das espeluncas de manh�� cedo,

aborrecido, sujo e embriagado. Seu tema b��sico vinha de

uma can����o popular cantada por Ella Fitzgerald que tinha

palavras assim: "Eu conseguirei desde que tenha v o c �� . . . ,

mas ele ignorava isso. Era uma melodia que cantarolava

quando tinha vontade de cair na sarjeta e nunca mais se

levantar.

E por que, depois daquilo, ele decidiu voltar ao "Nick's"

com Kriss? ��� "H��bito", pensou gravemente, enquanto des-

ciam do taxi. "Eles sempre voltam �� cena ��� que tipo de

est��rias de detetive voc�� andou lendo, n��o sabe disso?"

Foram levados �� uma mesa ao lado da "Dixieland Band".

O lugar parecia completamente diferente daquele que ele

guardara na mem��ria, e n��o podia conceber porque fizera

tal barulho. Tudo parecia perfeitamente normal.

Ele pensou em um rapaz que conheceu no Harlem, o

qual lhe disse que fumava maconha porque ela o fazia sen-

tir-se normal. "Sabe de uma "coisa, Jess��, s�� me sinto nor-

mal quando estou alto".

Jess�� imaginava, meio divertido, se uma mulher branca

teria o mesmo efeito sobre ele. "Pegue uma mulher branca

e voc�� passa da esquizofrenia para a homogenia", ele pen-

sou meio sorridente, mas captou um olhar t��o mal��volo no

rosto de Kriss, que emendou o pensamento: "Voc�� deve ter

comprado o bilhete errado, filho".

Ela tinha estado a pensar: "Dave que v�� para o infer-

n o ! " . A ��ltima vez que estivera ali fora levada por ele

e ela percebera a inveja das outras mulheres. Agora ela

sentia a indiferen��a delas, o que lhe deixava um tanto en-

vergonhada, e indiretamente estava com raiva de Jess��

porque este odiava Dave. Se Jess�� fosse grande como Char-

lie Thompson, o funcion��rio do governo com quem ela pas-

sou um fim-de-semana em Cleveland, agarrando-se posses-

sivamente no seu bra��o enquanto caminhava pelo "Euclid",

ela poderia sentir-se audaciosa. Ou se ele fosse espl��ndido

como Ted, ela nem precisaria olhar para ver como elas

receberiam aquilo; ela apenas se relaxaria e se sentiria

odiada. Todas elas desejariam Ted, com seu cabelo preto,

cheio, cacheado e seu bigode macio. Ele chegou a dormir





75


com uma Lady ��� qual era seu nome? ��� L a d y . . . , de qual-

quer forma, uma lady aparentada com um duque ��� durante

a guerra quando estava em Londres com a Cruz Vermelha.

Eles conversavam sobre aquilo e muitas vezes ele dizia para

lisonjear-lhe: "Ela era uma Lady, mas voc�� �� uma mulher,

meu bem".

Ela olhou para Jess��, em sil��ncio, quando ele fez o

pedido.

��� N��o, ambos mal passados.

��� . . . e para beber, sr?

��� .. .para mim, Scotch, e para a senhora, Scotch e soda.

Suas vozes derivaram pela sua consci��ncia. Ela ima-

ginava o que tinha visto nele que tanto a atra��ra uma vez.

��� Voc�� parece triste, querida Kriss, ��� ele observou.

Pela primeira vez ela degelou-se um pouco, contente por

ele ter notado isso.

��� Triste, realmente, ��� concluiu ele. ��� Mas esta triste-

za lhe d�� uma apar��ncia simp��tica. Est�� sofrendo por causa

de seu amor?

Ela sorriu: ��� Quando eu fui para a Universidade rezava

para ficar doente, assim, ficaria magra, p��lida e com uma

apar��ncia atraente. Eu era desagradavelmente sadia, com

toda a pujan��a de North Dakota em mim. Sonhava em ter

tuberculose e ficar parecida com a Dama das Cam��lias.

Ele sorriu interiormente. "Transparente". Era um ter-

mo que os negros usavam para louras, o qual ela aprendera

na Institui����o, e quando ele acrescentou:

��� De qualquer forma, voc�� est�� transparente agora,

meu bem, ��� ela lhe deu um sorriso sensual.

Ela notou pelos cantos dos olhos que a loura que ele

tinha estado a olhar, olhou-o longamente, e ent��o come��ou

a sentir uma esp��cie de calor desfazendo sua letargia. Ele

podia ser astuto, ela achou.

Vendo sua mudan��a, ele continuou no mesmo estado de

esp��rito, tentando deix��-la com boa disposi����o. "Como filan-

dras. Se n��o fosse a mesa eu lhe beijaria". O desejo fluin-

do dos seus c��lios para os seus brilhantes olhos azuis. "Como

champanhe cor-de-rosa".

Mas o gar����o trouxe os bifes e os interrompeu. Ele pediu

mais bebidas e perguntou curiosamente:

��� Tem tido not��cias de Ronny, Kriss?

Ela congelou-se novamente:

76

��� Ele me escreve todo m��s. Est�� na ��ustria ��� com

o Departamento de Estado.

��� Eu sei. Soube que ele estava casado novamente.

��� Ele tem um filho agora.

��� Tem? E pensou consigo mesmo: "Ele deve ter dado

a luz �� crian��a".

Ela enrubesceu:

��� Ele est�� curado agora.

��� Realmente? Como �� sua esposa? Voc�� a conhece?

��� Eu nunca a vi, por��m Arty a conheceu em Chicago.

Ele diz a todo mundo que ela �� uma edi����o barata de mim.

��� Eu acho que a vi uma vez em uma festa em casa

de Haroldo, disse um tanto desinteressado. ��� Ele a trouxe,

se �� a mesma mo��a. Enquanto falava seu olhar vagou na

dire����o da loura sentada �� outra mesa. Seus olhares se

encontraram e por um momento eles ficaram olhando um

para o outro.

Percebendo isto, Kriss sugeriu:

��� Vamos!. Falou de um modo que parecia uma im-

preca����o.

Eles voltaram para o apartamento em sil��ncio e quando

ela abriu a porta, virou-se para ele e com a raiva estampada

nos olhos, disse brutalmente:

��� Jess��, eu n��o quero que voc�� entre, a n��o ser que

esteja realmente livre de sua esposa. Estou esjoada de ver

esposas de negros me odiando.

Falou assim para se vingar, por causa da loura com

quem ele trocara olhares no restaurante.

Mas, ele n��o percebeu sua inten����o. Entendeu suas pala-

vras como se elas n��o tivessem outra implica����o a n��o ser

aquela revelada. Disse sem se alterar:

��� Estou realmente livre dela, e acrescentou para si

pr��prio: "H�� um limite ��� mesmo para os negros h�� um

limite, sua meretriz".

��� Se voc�� est�� mentindo, eu o mato, ��� disse ela

asperamente.

��� Voc�� tem que me enterrar, querida. Eu n��o sou

segurado, ��� disse ele calmo e bem humorado.

Ela se acalmou tamb��m. Entrou no hall e permitiu

que ele entrasse. Depois de pendurarem suas capas foram

para a cozinha e ele ficou ao lado, silencioso, enquanto ela

preparava drinks com quatro dedos de u��sque.

7 7

P a r a fazer o estado de ��nimo continuar, ele disse:

��� Kriss, meu bem, eu sempre a quis, mesmo quando

n��o podia t��-la mas se voc�� quer que eu v �� . . .

Ela virou-se rapidamente, abra��ou-o e beijou-o longa-

mente, sentindo-se grande e pesada nos seus bra��os. Seus

olhos se fixaram por um momento, mas de repente lem-

brou-se do que tinha sentido por ele uma vez e livrou-se do

seu abra��o.

Olhando para seu rel��gio, disse bruscamente:

��� �� hora de Barry Gray, e apressou-se para a sala

de estar, enquanto ele a seguia com os drinks. Um homem

magro, de boa apar��ncia e nariz aquilino apareceu na tela

da televis��o e come��ou a dizer algumas coisas sobre negros.

Ela se sentou na cadeira de tr��s pernas, escutando-o

como se ele fosse Deus. Ele se sentou no sof�� e bebeu seu

drink sem falar. "Conversa fiada ��� ��ndios", pensou. Levan-

tou-se para preparar outro drink. Kriss deu seu copo

tamb��m.

Ele os preparou mais fortes do que antes e beijou seus

cabelos quando colocou o dela no descanso. Retomando seu

lugar, ele fitou seu perfil, ignorando a televis��o, e pela pri-

meira vez notou rugas no pesco��o carnoso. A pr��xima coisa

que notou foi que seu copo estava vazio e um filme estava

sendo exibido. Levantou-se para preparar mais drinks para

ambos e notou que ambas as garrafas estavam quase vazias.

"Devo estar ficando b��bado", pensou quando se. chocou

contra a parede ao retornar para a sala de estar. "Poder

da sugest��o".

Ele n��o se lembrava de ter alcan��ado a sala de estar.

Sua pr��xima a����o consciente foi encontr��-la inerte no len��ol

azul claro, com os olhos fechados. Ele ficou olhando para

ela at�� que a mensagem do desejo fosse transmitida ao

c��rebro, ent��o ele ouviu sua pr��pria voz dizendo num tom

ligeiramente chocado:

��� Que diabo, voc�� �� branca!

Ela abriu os olhos e olhou para ele com o ��ltimo lam-

pejo de prazer sensual.

��� Eu sou t��o branca quanto uma pessoa pode ser, ���

ela respondeu distintamente.

Por um longo tempo seus sentidos ficaram embotados

pela embriaguez at�� o ponto da insensibilidade. A primeira

rea����o dela foi a lembran��a:

78

Ele entrou em seu escrit��rio em Chicago, pouco antes

do meio-dia, usando a mesma capa de chuva, ent��o nova e

um tanto vistosa, um terno tipo jaquet��o com lapelas caseadas

a m��o. Seu cabelo era longo e bastante engordurado, e ela

notou logo seus longos c��lios e lindos olhos. Ele n��o pareceu

o tipo do jovem escritor a quem tinham dado bolsa de estu-

dos, nem tampouco faminto, erudito ou intelectual. Pareceu

mais um bom amante, com aquele ar de fren��tica animali-

dade mal contida debaixo daquelas maneiras respeit��veis.

Ela o levou ao almo��o dos administradores da empresa para

ser apresentado ao presidente e outros funcion��rios. Depois

f��-lo esperar no seu escrit��rio enquanto acabava alguns rela-

t��rios. Ele se sentou em uma das desconfort��veis cadeiras

de espaldar reto e ficou olhando para ela o tempo todo,

refreando seu desejo com polidez at�� o momento que n��o

p��de mais suportar o ardor. Ela lhe sugeriu sair, fazer

o que tivesse de fazer, e depois ir ao seu apartamento ��s

seis horas para jantar. Ronny estava no ex��rcito, no exte-

rior. Ele trouxe bourbon como dessa vez, e ela fez seu

especial goulash. Depois eles se sentaram no sof�� na sala

de estar, bebendo vagarosamente, e ele lhe contou tudo a

seu respeito; ela recusando-se a atender o intermitente tocar

do telefone. Todo aquele tempo ficaram sentados nas extre-

midades do sof��, virados um para o outro, ela com suas

pernas acomodadas debaixo dela e ele com uma das suas

debaixo dele. Ent��o ele disse:

��� Acho que vou beij��-la, e seu rosto adquiriu uma ex-

press��o terna quando ela lhe ofereceu a boca. Ele apro-

ximou-se, e aquele beijo foi t��o penetrante como o momento

da concep����o. Ele despiu-se primeiro e foi para a cama e

��� que coisa! ��� cobriu-se quando ela veio do quarto de

banho, e pela sua express��o em presen��a da sua nudez, ela

percebeu que ele tinha tudo que jamais quisera de um

homem.

Mais tarde, sentados no sof�� novamente, ela leu "Este

�� o Meu Bem-Amado". Depois no tapete branco de pele de

urso, eles leram um para o outro, risonhamente, as primei-

ras inclina����es amorosas de John Donne.

Uma vez eles foram juntos �� zona dos negros. Ela ado-

rou todo instante que estiveram l��. Aquela noite, ele com

seus belos olhos s�� para ela e com a bebida em uma casa





79


amiga, foi um sonho celestial. Ela o amou ent��o, e mais

ainda quando na manh�� seguinte na cozinha ele disse

��� Deus! Como gostaria de me casar com voc��!.

E na terceira manh�� depois que se vestiu e arrumou a

mala a fim de continuar a viagem para a Calif��rnia e ao

encontro de sua esposa, ele pediu humildemente:

��� Posso possu��-la uma vez mais?.

Ele a possuiu e fez a promessa solene de se divorciar

de sua esposa e se casar com ela. Ela acreditou e esperou

que eles casassem para sempre.

"Eu teria me casado com ele naquela ��poca", pensou

ela. Agora, pensando sobre aquilo novamente, tendo-o con-

servado afastado dos seus pensamentos por tantos anos, fe-

chou os olhos e deixou que a inconsci��ncia se apoderasse

dela.

No momento seguinte ele estava dormindo, rangindo os

dentes como rato roendo madeira, agitando-se e atacando na

sua f��ria inconsciente.

80

CAP��TULO 6

O rel��gio su����o dourado no suporte soava delicadamente,

interrompendo o sil��ncio do pequeno quarto escuro. Uma

mulher na cama de solteiro estendeu o bra��o �� procura de

algo no len��ol azul claro. Encontrou um corpo humano, e o

p��nico que come��ara a se avolumar dentro dela esvaiu-se

subitamente. Ser�� Dave?, conjecturou. Olhando para o lado,

vislumbrou na penumbra no travesseiro adjacente, um obje-

to redondo, impreciso, parecido com um coco coberto por

cabelos crespos. Jess��!, lembrou-se. Fechou os olhos, e

lembrando-se da sua objeta aceita����o do seu atroz compor-

tamento, sentiu-se satisfeita. "Eu o farei comer ra��zes",

decidiu e silenciosamente deu uma joelhada nas suas costas.

��� Uh, ele grunhiu.

Acordando t��o furioso quanto estava quando foi dormir.

Seu olhar espantado investigou o quarto escuro e encontrando

tudo estranho, sentiu suas emo����es se dissiparem. Estava

prestes a saltar da cama para descobrir a raz��o de estar

ali quando reconheceu ao lado dele na cama, a cabe��a de

Kriss. "Pronto para dar no p��, hein filho?", pensou sorrin-

do para si pr��prio.

Ela parecia estar dormindo. Achegou-se �� ela. "Talvez

n��o acorde", pensou esperan��oso. Um tanto divertido, lem-

brou-se de um sketch burlesco de um sujeito em um quarto

de hotel bisbilhotando um casal em lua-de-mel no quarto

adjacente que estava tentando fechar uma mala abarrotada.

��� Assim n��o, ��� ele disse quando ela tentava fech��-la

com as m��os.

��� Eu a ponho no ch��o e voc�� fica em cima.

As orelhas do bisbilhoteiro se empinaram.

Mas mesmo assim a mala n��o fechava. Ent��o ela disse:

��� Bolas, n��o d�� ��� fique voc�� em cima.

As orelhas do bisbilhoteiro abanaram-se com frenesi.

Ainda assim n��o fechava. Ent��o ela sugeriu:

81

��� Vamos n��s dois ficar em cima.

Neste momento o bisbilhoteiro arrombou a porta cont��-

gua e gritou:

��� Isto eu tenho que ver.

Mas, Kriss o empurrou e disse com voz fria, ditatorial:

��� Jess��, eu tenho que ir trabalhar. Voc�� n��o tem nada

a fazer sen��o perambular pelos bares do Harlem e pode

dormir o dia todo.

��� ��timo, exclamou, e virou-se para continuar a dormir.

��� Voc�� n��o pode dormir aqui!, ��� ela comentou, tentan-

do empurr��-lo da cama.

��� Minha empregada vem hoje de manh�� fazer a lim-

peza, ela mentiu, e para enfurec��-lo acrescentou:

��� Volte para sua esposa, ela lhe deixar�� dormir o dia

inteiro. Ela sempre deixou.

Quando ele se levantou e disse:

��� V�� para o inferno, - ela sorriu maliciosamente.

Ele encontrou a tomada do hall, acendeu a luz e foi para

o quarto de banho sem dizer nada. Antes que fechasse a

porta, ela teve uma r��pida vis��o do seu corpo, da pele

s��pia, dos ombros largos, das costas fortes e pernas bem

configuradas, quase sem pelos, que bem podiam ser as

pernas de uma mulher, e pensou com amargura em outras

mulheres que j�� o tinham visto de manh��. "Ele �� cinco

anos mais velho do que eu", pensou, abandonando-se a um

complicado racioc��nio o qual atribu��a sua apar��ncia jovem

ao fato de pessoas brancas como ela sustent��-lo a fim de

que ele pudesse escrever cada quatro ou cinco anos um

livro ofendendo os brancos; quanto a ela, tinha envelhecido

procurando defender os negros pregui��osos. "Se eles tives-

sem de trabalhar t��o arduamente quanto eu, morreriam

todos", concluiu.

Ele olhou para seu reflexo untuoso no espelho e pensou:

"Voc�� n��o parece nem um pouco diferente, filho". Na ar-

ma����o havia cinco escovas de dentes; na prateleira de vidro

na parede, perfumes, ��guas de col��nia, pente, escova e

uma caixa de talco; e ao lado da banheira, uma toalha de

banho cinza e outra branca. Dentro do arm��rio de medica-

mentos encontrou dois aparelhos de barbear, um pacote de

giletes, muitos frascos rotulados com receitas m��dicas, um

bast��o s��ptico, um pente de homem, lo����o de barbear e um

frasco com comprimidos azuis que tinham a forma mas n��o

82

a cor de dexedrina. "Homem, mulher e m��dico", pensou,

mas imediatamente se corrigiu: "A est��tua da mulher mo-

derna em cima de uma drogaria, ajudando com a m��o

direita um homem nu a ir para a cama profil��tica e ace-

nando com a m��o esquerda para o vulto de um m��dico no

��ltimo plano.

Quando ele veio do quarto de banho, ela disse como se

falasse a uma empregada:

��� Jess��, ponha ��gua a ferver para o caf�� e fa��a

torradas.

Ele foi para a sala de estar sem dizer nada e encontrou

suas cuecas entre suas outras roupas amontoadas no ch��o.

Ela sorriu luxuriosamente do seu ressentimento silencioso.

��� Pegue o jornal no lado de fora da porta e ligue a

televis��o para Gloucester, ela ordenou.

Depois de p��r a roupa de baixo, meias, sapatos e cal��as,

ele foi para a cozinha, derramou o resto de Scotch e bour-

bou em um copo, acabou de ench��-lo com ��gua da torneira

e bebeu tudo de uma s�� vez. Em uma prateleira ao lado

do fog��o, viu uma garrafa de sherry importado e meia gar-

rafa de vermouth. Abrindo a geladeira encontrou restos

de bife, uma perna de galinha defumada e dois bolinhos

de carangueijo; comeu tudo vorazmente.

A bebida fez efeito imediatamente, e ele come��ou a se

sentir bem alegre, mas ligeiramente encandeado, como se

tudo tanto material como espiritual estivesse um pouco fora

da linha. "O que eu receito para o mundo �� a cont��nua

embriaguez", pensou divertido, quando p��s dois ovos crus

no copo, encheu-o de leite e bebeu o conte��do.

��� Jess��!, ��� ele ouviu Kriss chamar do quarto de dormir.

Naquele momento ele se sentiu muito indulgente para

com ela. Voltou para o quarto de dormir e acendeu a luz.

��� Sim, querida, perguntou.

��� Fez o que eu disse para voc�� fazer?, ��� ela pergun-

tou, sorrindo com humor infantil. Ele percebeu que ela

dissera aquilo para aborrec��-lo.

Puxou as cobertas de cima dela e �� luz r��sea seu corpo

nu parecia um nu de Van Dyk. Sentado na cama ele lhe

fez c��cegas at�� deix��-la quase hist��rica. Ent��o disse:

��� Isto �� o que voc�� ganha por ser t��o m��, ��� e deixou

que ela pegasse o jornal e fizesse o caf�� e as torradas.

83

Ela se levantou e ligou a televis��o para Gloucester antes

de levar o jornal para o " J o �� o " a fim de come��ar o ritual

da manh��. Ele se sentiu maravilhosamente bem, sem im-

pulsos sexuais e quase completamente privado dos sentidos.

Aquele era o estado de esp��rito que gostaria de sentir para

sempre, mas paradoxalmente, n��o podia continuar daquela

maneira. Assim, foi para a cozinha e bebeu um copo de

vermouth. Houve uma ligeira transforma����o. Seus pensa-

mentos voltaram vivos, mas n��o v��vidos e cerca de dez

grau fora da linha de conformidade.

��� Quer ovos, menina? ele perguntou e n��o obtendo

resposta foi at�� a porta do quarto de banho e disse:

��� Escalde um ovo para mim.

Ela estava escovando os dentes e sua voz saiu abafada:

��� Eles est��o na geladeira. Eu n��o estou pondo esta

manh��. ��� acrescentou com duplo sentido.

��� Sopa de galinha agora. Eu devia escrever "Um Per-

fil de Mulher ao Amanhecer" para o "New York", ele pen-

sou quando voltou para a cozinha, onde fritou seis fatias

de bacon e dois ovos, escaldou um ovo em ��gua vinagrada

e o serviu com torrada e uma x��cara de caf��.

��� Seu caf�� est�� pronto, ��� avisou.

Depois fez quatro torradas com manteiga, trouxe seu

bacon e ovos fritos para a mesa e come��ou a comer.

Ele se esquecera de aumentar o volume da televis��o

e ficou surpreso quando viu um homem e um chimpanz��

na tela.

��� Bom Deus! Os russos est��o aqui!, ��� ele gritou para

Kriss, excitado.

��� Oh, voc�� deve ouvir isso; ele �� a coisa mais engra-

��adinha que existe, ��� comentou ela apressando-se para

aumentar o som.

Ela arrastou a mesa que ficava em frente da arcada

para que eles pudessem ver, sentou-se no tamborete, ao lado

dele e concluiu sorrindo antecipadamente:

��� Ele diz as coisas mais fant��sticas que voc�� pode

imaginar.

Ele olhou novamente e viu as duas caras. Depois de

escutar um momento percebeu que o homem estava entre-

vistando o chimpanz��.

��� Bem, o que acontecer�� depois disso?, ��� Gloucester

perguntou ao chimpanz�� com um sorriso condescendente.

84

��� No dia primeiro de julho, funcion��rios respons��veis

dos Estados Unidos afirmar��o que o trabalho escravo existe

na R��ssia em uma extens��o desconhecida na hist��ria da

humanidade, ��� o chimpanz�� replicou sorrindo.

"N��o um russo, afinal de contas", Jess�� pensou. "Nem

mesmo um homem-macaco. Deve ser um homem-homem".

��� Isso n��o �� novidade, Gloucester protestou. ��� Voc��

deve prever novos acontecimentos.

��� Est�� bem, replicou o chimpanz��. ��� No dia 8 de setem-

bro uma mulher chamada Bella V. Dodd dar�� testemunho

diante do Subcomit�� de Seguran��a Interna de New York.

��� Quem se importa com isto?, Gloucester interrompeu

rudemente. ��� As pessoas est��o sempre testemunhando...

��� Espere! Espere!, disse o chimpanz��. ��� Em seguida,

a Junta de Educa����o de New York declarar�� que os ex-co-

munistas que admitirem afilia����o n��o perder��o o cargo de

professor se estiverem realmente arrependidos. O chim-

panz�� olhou para Gloucester expectante. ��� Isto n��o soa

como uma doutrina maravilhosa?

��� Atenha-se aos fatos e se esque��a das doutrinas, ���

Gloucester acrescentou zangado.

��� Justamente o que estou relatando, fatos, n��o ima-

gina����o, o chimpanz�� murmurou astuciosamente. ��� No dia

21 de maio, a Espanha fascista ser�� admitida na UNESCO.

No dia 2 de junho o secret��rio Trygve Lie negar�� que a

N.U. �� um ninho de comunistas. Em 13 de julho, generais

dos Estados Unidos em viagem de inspe����o �� Iugosl��via,

apoiar��o ajuda militar a este pa��s. Em 14 de outubro, o

senador O'Connor de Maryland solicitar�� a N.U. a demitir

americanos contratados por este organismo que se recusa-

sem a dizer se s��o comunistas ou n��o. Em 15 de outubro,

ap��s a reorganiza����o do Diret��rio Sovi��tico, Stalin dir��

em pa��ses capitalistas que a "chamada liberdade individual

n��o mais existe". Em 16 de outubro, o Secret��rio de Estado

Dean Acheson solicitar�� a N.U. a continuar a luta na Cor��ia,

por tanto tempo quanto for necess��rio, a fim de impedir a

agress��o e restabelecer a paz e seguran��a. No dia 8 de

novembro, a pol��cia atirar�� em negros desordeiros em Kim-

berley, ��frica do Sul, matando catorze e ferindo trinta e

nove. Negros africanos estar��o protestando contra a segre-

ga����o governamental de negros africanos na ��frica. O inte-

resse do chimpanz�� diminuiu. Ele come��ou a olhar ao redor





85


procurando bananas. "A policia atirar�� em uma turma de

negros africanos ingratos, impressionando-os com a boa

vontade do homem branco para com os negros africanos

que respeitam a lei do homem branco na ��frica, ��� o chim-

panz�� concluiu bocejando, com um ar de extremo t��dio.

Afinal de contas, ningu��m estava atirando em chimpanz��s.

��� Sujeitinho ��-toa!, ��� exclamou Kriss. ��� Imagine se

isto �� poss��vel, os Estados Unidos dando ajuda militar aos

comunistas na Iugosl��via!

��� �� o que eu vou fazer! Vou escrever um livro sobre

chimpanz��, Jess�� exclamou. Depois perguntou: ��� N��o h��

nenhum problema de chimpanz��, h��?

��� N��o que eu saiba, ��� Kriss respondeu. Todos os que

tenho visto ��� a maioria deles no zool��gico ��� pareciam bem

satisfeitos.

��� Acho que voc�� est�� certa, Jess�� disse. ��� Nunca ouvi

dizer que um chimpanz�� fosse linchado por ter estuprado

uma mulher branca ou fosse chamado de comunista.

��� N��o, disse Kriss pensativamente. ��� Mas uma vez no

zool��gico, eu vi um chimpanz�� olhar de soslaio para mim.

��� Puxa!, disse Jess��. ��� Isto os incrimina. Olhar de

soslaio para uma mulher branca �� considerado estupro em

alguns estados. Se eu escrever uma est��ria de amor entre

chimpanz��s, uma certa mulher branca lembrar-se-�� de um

chimpanz�� que olhou de soslaio para ela e os cr��ticos dir��o:

"Robinson escreveu outro protesto s��rdido, por que aquele

bastardo n��o p��ra e faz suas ora����es?

��� Voc�� podia escrever sobre cobras, ��� Kriss sugeriu.

��� Todo mundo odeia cobras.

��� Mas eu n��o conhe��o nenhuma cobra, Jess�� reba-

teu. Eu vi algumas no zool��gico de Bronx, mas n��o posso

dizer que cheguei a conhec��-las.

��� Provavelmente, nenhum novelista jamais conheceu

um duque, mas isto n��o os impede de escrever, ��� Kriss disse.

��� Eu sei, mas eles n��o escrevem sobre duques. Escre-

vem sobre o velho princ��pio: a consci��ncia s�� vai at�� a

cintura.

��� Por que voc�� n��o os l�� e aprende? ��� Kriss perguntou.

��� Mas �� abaixo da cintura onde o problema de cor

est��, ��� Jess�� salientou.

��� Dispositivos, ��� Kriss corrigiu. ��� N��o s��o as posi-

����es, mas os dispositivos que criam o problema de cor.

86

��� As posi����es fazem os dispositivos e os dispositivos

fazem as posi����es, Jess�� exp��s, sentindo-se muito h��bil. ���

Se houvesse mais dispositivos e menos posi����es, o problema

seria resolvido logo, ou inversamente, se houvesse mais posi-

����es e menos dispositivos, ele seria solucionado logo.

Com aquela profunda an��lise, ele foi para o quarto de

banho dar o n�� na gravata. Tudo parecia t��o perfeitamente

normal que se esqueceu de surripiar algumas p��lulas como

pretendera. Mentalmente, come��ou a cantarolar a melodia

"da-da-dee". O assoalho estava adernando primeiro em uma

dire����o e depois em outra, conservando todas as coisas em

perspectiva normal. Quando ele terminou de se vestir, bei-

jou Kriss no pesco��o.

��� Quando a vejo novamente, querida?

��� Telefone-me s��bado ao meio-dia, ela disse sorrindo

meigamente. Ela se sentia maravilhosamente sadia e alegre.

��� Voc�� vai ver seu amor hoje �� noite, ��� ele perguntou.

Ela sorriu seu sorriso misterioso, sensual.

Na porta da frente ele espiou pelo olho m��gico para

ver se n��o havia ningu��m. Ouviu passos e esperou at�� a

porta da frente abrir e fechar. Ent��o, apressou-se pelo

corredor, descansando somente quando alcan��ou a rua.

��� N��o que eu me incomode por mim pr��prio, pensou.

Mas n��o sabia quais seriam as conseq����ncias se o vissem

sair do apartamento dela de manh�� cedo.

Ela se importava menos do que ele, mas ele n��o sabia

disso.

Eram nove e pouco quando Jess�� chegou ao apartamento

onde morava. "Espero que todos estes homossexuais este-

jam no trabalho", pensou. "Ou pelo menos visitando outros

ninhos. N��o acendeu a luz do hall porque teria de voltar

para apag��-la depois de acender a segunda luz. Enquanto

tateava seu caminho pelo trai��oeiro t��nel chocando-se contra

uma e outra coisa, Napole��o veio disparado da cozinha,

latindo furiosamente e come��ando a morder seus calcanha-

res. Ele lhe deu um pontap�� mas n��o acertou, bateu na

perna de uma mesa, invis��vel na escurid��o e sentiu uma

dor aguda correndo perna acima.

��� Seu bastardo!, ��� sibilou. ��� Espere at�� que eu lhe

pegue no claro!

��� Napole��o, comporte-se, ��� disse Leroy com sua voz

efeminada.

87

��� Voc�� ainda n��o conhece o sr. Robinson?

��� Oh! ele n��o est�� me incomodando, ��� Jess�� mentiu,

em seguida murmurou: "Seu vira-lata maricas" Depois

continuou alto: ��� Ele est�� apenas dizendo al��.

Leroy estava esperando por ele na sala da frente, na

penumbra, mostrando um sorriso amplo no rosto redondo.

��� Acho que Napole��o gosta do senhor, ele murmurou

pudicamente. ��� Ele est�� apenas flertando. E sacudiu o dedo

para o animalzinho de olhos esbugalhados: ��� P a r e de flertar

com o sr. Robinson.

Complacentemente, o cachorro dirigiu-se para a cozinha,

onde seu velho antepassado estava dormitando debaixo do

fog��o, a sonhar com jovens le��es fazendo travessuras na

costa africana.

"Perfeitamente normal", Jess�� pensou. Sadio como a

vida. Tentou passar por Leroy dizendo apenas:

��� Estive jogando a noite toda. Estou exausto.

Mas, Leroy acrescentou:

��� Sua esposa esteve aqui a noite passada depois que

o senhor saiu. Ela queria pegar alguns cobertores.

��� Oh!. Subitamente tudo ficou louco, anormal em um

mundo insano.

��� O senhor estava escondendo de mim, Leroy acusou

coquetemente. Mas, vendo uma express��o desolada dese-

nhar-se no rosto de Jess��, abandonou a frivolidade rapida-

mente. ��� A senhora Robinson �� uma mulher de muito boa

apar��ncia.

��� Obrigado. ��� O rosto de Leroy dan��ou diante dos

seus olhos e ele pensou que ia ficar doente. Cambaleou cega-

mente para seu quarto.

��� Oh, ia esquecendo. Ela quer alguns len����is tamb��m,

Leroy acrescentou. ��� E pediu para dizer ao senhor que

ela vai bem. Perguntou como o senhor ia e eu lhe d i s s e . . .

��� Obrigado, Jess�� o interrompeu, conseguindo final-

mente chegar �� porta do seu quarto. ��� Eu arranjo as coisas

que ela quer hoje de manh��. Muito obrigado. ��� Fechou a

porta na cara de Leroy.

��� Quem sincroniza estas coisas?, ��� pensou, e no mo-

mento seguinte estava de bru��os na cama, chorando. "N��o

permita que ela sofra, Deus. N��o permita que ela sofra,

por favor". Ele continuou rezando repetidas vezes at�� que

88

o paroxismo passou. Ent��o, levantou-se e apoiando-se na

c��moda fixou seu reflexo devastado.

"Jess�� Robinson", disse em uma voz totalmente f��til.

"Jess�� Robinson, deve haver muitas coisas simples nesta vida

que voc�� n��o sabe. Algumas pequenas coisas. Algo que todo

ser humano sabe, menos voc��". Depois de um momento,

sem perceber que tinha se movido, encontrou-se na janela

olhando para os apartamentos do Harlem. Sua vis��o abran-

gia um mar de tetos que ia da Rua 135a e Oitava Avenida

at�� se perder na n��voa do East River, semelhante a ondas

de ��gua suja ao sol da manh��, movendo-se o bastante para

compor uma deforma����o emba��ada. Todo negro nesta cida-

de menos voc��". Havia uma linha em um trabalho que es-

crevera para um di��rio de brancos, anos atr��s, que todos

os negros contestaram: "Apenas uma f�� simples e pura

nos brancos e os d i a s . . . " Esqueceu aquilo durante dez

anos; agora voltava �� tona da sua consci��ncia. "Seu mal,

filho, �� que voc�� n��o tem f��".

A distor����o tremeluzente dos tetos deu-lhe n��useas.

"Deve ser a forma que todos v��em o mundo", pensou amar-

gamente. Sentou-se no sof��, curvou-se e engoliu o v��mito

que estava na boca. "�� normal", tentou convencer-se a si

pr��prio. "Qualquer f.d.p. que v�� isto de outra forma �� louco.

Bastardo sem n��usea, anormal. Recolha-o. Andar por a��

gritando: "Paz, �� maravilhoso! Prenda-o. Amea��a �� socie-

dade". Subitamente, ele pensou na redatora que depois de

ler as provas de granel de seu primeiro romance, a qual

tinha sido proposta para ganhar um pr��mio, disse que se

sentira nauseada. "Senhora fina! Perfeitamente normal!"

Sentiu grande necessidade de uma bebida. Quando es-

tendeu as m��os verificou que tremiam, sentiu que as pernas

tremiam tamb��m. N��o conseguiria chegar ao armaz��m, mas

podia telefonar pedindo uma garrafa. Por��m, quando se

levantou, olhou para o rel��gio na c��moda e soube que eram

nove e pouco. Os armaz��ns n��o abriam antes das dez. Por

um momento pensou em pedir um drink a Leroy, mas deci-

diu ao contr��rio. "Se tiver de olhar para aqueles olhos vora-

zes de gavi��o, vomito", pensou. Seu reflexo no espelho

mostrou que ainda estava todo vestido, incluindo a capa de

chuva. O chap��u ca��ra na cama enquanto estivera chorando.

Subitamente, tudo estava de volta e ele sabia que todos

os seus pensamentos errantes tinham sido uma prote����o.

89

mas sem resultado. Tudo estava de volta e ele n��o podia

escapar, n��o importa quanta bebida ingerisse. Deitou-se na

cama sem despir-se, com os sapatos sobre a colcha, p��s o

chap��u sobre o rosto e cedeu ��quilo, chorando baixinho.

"Jess�� Robinson! Como aquelas pessoas fazem isso, filho?

O homem branco est�� se emporcalhando nelas tamb��m. Como

pode esta gente conservar suas esposas, criar suas crian��as

e fazer sucesso? Por que voc�� n��o acredita tamb��m? Dizem

que depois da primeira mordida tem gosto de a����car. Como

pode ser voc�� o ��nico a agir como bobo? E eu acho que

voc�� est�� sendo nobre t a m b �� m . . . "

No ��ltimo inverno, ele e Becky estavam juntos e mora-

vam em um ref��gio isolado em uma pequena ilha em New

York, onde ele era zelador. Os cobertores e len����is que

ela queria, eram parte de refugos dos propriet��rios, os quais

eles adquiriram por pre��os mais baixos.

Foi agrad��vel viver ali entre as casas vazias, longe das

agruras da vida da cidade moderna; sem concess��es e de-

n��ncias, sem intrigas maliciosas e infidelidades arrasado-

ras, sem o problema negro e o reluzente mundo das rela����es

raciais com toda sua excita����o e desespero ��� o fren��tico

sexo inter-racial, as fren��ticas e c��micas reuni��es inter-ra-

ciais, o esp��rito humor��stico e o rancor anormalmente agu-

��ados, a apar��ncia enganadora da fraternidade e troca de

belas id��ias em um jardim fantasmag��rico de esperan��a,

e o implac��vel ��dio de todos eles, brancos e pretos, se n��o

concordarmos que a hist��ria foi feita na cama ��� sem com-

peti����o mesquinha e solapadora com seus irm��os negros

pelos favores dos brancos, a qual sempre lhe lembrava umas

linhas do poema devastador de Francis Robert White, inti-

tulado: "Tr��s Modos de Fome".

A mis��ria assumir�� a forma de Lysippan

Um animal de dimens��es humanas

De cabe��a pequena e grande envergadura

Cujas articula����es se despeda��am

E se despeda��am novamente

Na luta selvagem por fim contestados.

Seu servi��o era leve, trabalhava com o ancinho, fazia

pequenos reparos, e absolutamente nada quando a neve

chegava em novembro. Os propriet��rios sabiam que ele era

escritor e lhe deram o emprego por essa raz��o, acreditando

90

que era uma pessoa honesta, e principalmente porque que-

riam algu��m para vigiar a propriedade. Ele e Becky mora-

vam num belo chal�� com aquecimento central, uma lareira

e bastante lenha, e tinham um carro �� disposi����o. Havia

tamb��m um pequeno terrier de um dos propriet��rios que

ficou com eles, e na adega um tonel de vinho feito em

casa que tinha gosto de moscatel, mas era seco e muito forte,

o qual eles beberam durante o inverno. 0 vinho estava

cheio de mosquitos mortos e precisava ser coado, mas uma

ocasi��o para exibir sua robustez ele o bebeu com os mos-

quitos mortos flutuando dentro do copo.

"Ah, mosquitos �� escabeche. Mosquitos �� escabeche

s��o deliciosos", ele disse divertindo-se com esta par��dia de

uma boa novela escrita por um negro que fora sobejamente

elogiada por todos os cr��ticos n��o-chauvinistas.

Aquele inverno foi muito frio. O lago congelou e os pes-

cadores ficaram sentados ao lado do fogo cuidando das suas

redes. Gradualmente, ele foi encontrando uma paz interior

que nunca encontrara antes, e a amargura resultante do vil

ataque ao seu segundo livro quase deixou de existir. Tinha

come��ado seu livro: "Eu estava procurando uma r u a " . Em

certo sentido, ele quase havia encontrado aquela rua.

Quando a primavera chegou e o grupo de ver��o voltou,

seu servi��o terminou. Ele tinha comprado um sedan Ply-

mouth com parte do dinheiro que havia economizado, no

qual eles foram para Bridgeport, Connecticut, e alugaram

um quarto em uma casa de uma vi��va que era empregada

dom��stica. Por que Bridgeport? Por que n��o Yonkesr? Ou

New Haven? Nunca realmente soube. Naquela ��poca ele

sabia que Bridgeport tinha um prefeito socialista e lembra-

va-se vagamente de ter passado de carro por l�� e achado

o lugar uma cidade agrad��vel.

Toda manh�� ele ia para Barnum Park e estacionava

seu carro em uma sombra ao lado do Sound. Ent��o, senta-

va-se no banco traseiro com a m��quina de escrever no

colo e escrevia. O barulho das ondas e os gritos das gaivo-

tas pescando nos baixios eram inefavelmente calmantes, e

ele estava em paz com seu trabalho.

Seu dinheiro acabou no m��s de Julho e eles decidiram

voltar para New York, onde ela tentaria conseguir emprego

no Departamento Welfare. Anunciou a venda de seu carro

por cem d��lares na se����o de classificados de um di��rio local.

91

No dia em que o an��ncio apareceu, Becky pegou os

��ltimos d��lares que eles tinham e foi para New York fazer

a solicita����o para emprego, pretendendo voltar �� noite, dei-

xzando-lhe meio d��lar para cigarros.

��s onze e meia, ele acertou a venda do carro com um

jovem oper��rio da f��brica G.E., o qual ficou de voltar com

o dinheiro logo depois das quatro, hora em que sa��a do

trabalho.

��s tr��s e meia, ele dirigiu o carro para a esquina do

Fairfield Boulevard a fim de comprar cigarros. De volta,

quando afastou-se do meio-fio, o p��ra-choque da frente

bateu no p��ra-lama de um Buick Roadmaster novo que

estava passando muito perto �� sua esquerda. O Buick era

dirigido por uma senhora branca de cabelos grisalhos; usava

um imaculado conjunto de cor malva que podia ter custado

mais do que ele ganhara com seu segundo livro, no qual

ele trabalhara mais de um ano. Ele era uma pessoa muito

importante e apesar de estar dirigindo do lado errado de

uma rua de m��o ��nica e seu h��lito recender �� finos cock-

tails, ela chamou um policial e exigiu que ele fosse preso

por irresponsabilidade na dire����o. Isso aconteceu, n��o por-

que ela odiasse negros ou desejasse humilh��-lo de alguma

maneira, mas simplesmente porque seu marido vivia cons-

tantemente avisando-a para dirigir cuidadosamente e ela

pretendia provar pelo registro da ocorr��ncia que estava

dirigindo bem.

Mas ele n��o ficara preocupado. N��o violara nenhuma

lei. Como poderiam eles prend��-lo?

Descobriu logo que para prend��-lo era necess��rio muito

pouca habilidade. O policial disse: "Siga-me" e montou em

sua motocicleta. "Mostre o que uma pessoa ing��nua pode

fazer", Jess�� pensou amargamente enquanto o seguia no

seu calhambeque amassado.

O sargento sentado �� escrivaninha fixou sua fian��a em

vinte e cinco d��lares.

��� Mas, eu sou um escritor americano bem conhecido,

disse. O senhor pode me soltar sobre intima����o.

O sargento replicou que a lei n��o permitia.

��� Voc�� devia ter dito a ele que era porteiro, filho, Jess��

recriminou-se. ��� Todos americanos confiam em porteiros

negros e criadas negras ��� mesmo com suas crian��as.

92

Era ter��a-feira e sua locat��ria s�� estaria em casa quinta-

feira e ele n��o conhecia mais ningu��m a quem pudesse

apelar. Contudo, antes de mand��-lo para o xadrez, o sargen-

to lhe deu permiss��o para telefonar a sua esposa ��s oito

horas, quando ele esperava que ela estivesse em casa. Mas,

a guarda foi substitu��da ��s seis e a guarda da noite n��o

tinha ordens para deix��-lo telefonar. Ele sabia quanto ela se

preocupava quando ele n��o aparecia em casa, e o desespero

foi tomando conta dele �� propor����o que a noite avan��ava.

"N��o deixe isso abate-lo, filho", disse a si pr��prio. "Carac-

ter��stica racial, como s��filis, servilidade e roubo". Recordou-

se de um peda��o de uns versos burlescos:

Algumas pessoas dizem que negro n��o rouba

Mas eu encontrei um no meu trigal

Ent��o, come��ou a compor tolices para passar a noite:

��� Que voc�� est�� fazendo em meu trigal, negro?

��� Que trigal, patr��o?

��� Este trigal onde voc�� est��, negro

��� Oh, este trigal?

��� Sim, este trigal!

��� Eu apenas vim para ver o capim crescer, patr��o.

��s onze horas da manh�� seguinte ele foi levado �� pre-

sen��a do juiz. Mas a motorista do Buick tivera um choque

muito forte e n��o pudera comparecer, assim a audi��ncia

foi adiada por uma semana. Todavia, deram-lhe permiss��o

para telefonar. Primeiro ele telefonou para casa. Como

ningu��m atendeu, em desespero, telefonou para o irm��o de

Becky em Baltimore, Maryland. Este prometeu-lhe mandar

cem d��lares pelo tel��grafo, endere��ados �� cadeia da cidade.

Becky teve de pernoitar em New York a fim de avistar-

se com o diretor do pessoal ��s nove horas daquela manh��

e s�� voltou �� Bridgeport por volta das onze horas. Quando

ela entrou em casa o telefone estava tocando, mas parou

quando o atendeu. Notou que o carro n��o estava l�� e pensou

que ele o tivesse vendido; mas, quando o jovem oper��rio

apareceu ��s onze e meia com o dinheiro para compr��-lo,

ela come��ou a ficar preocupada. Notou que a cama estava

feita e ficou com medo que ele estivesse ferido, ent��o

come��ou a telefonar para os hospitais. S�� depois de uma

hora, ocorreu-lhe que ele pudesse ter sido preso por infra-

����o do regulamento de tr��nsito. Telefonou ��s delegacias

93

de pol��cia e soube que ele fora preso por irresponsabilidade

no volante.

Exatamente na mesma hora em que Becky estava falan-

do com o policial sentado �� escrivaninha, Jess�� estava sendo

posto num carro de presos juntamente com outros presos

a fim de serem enviados para a pris��o do estado. Desde

que ela n��o havia depositado o dinheiro da fian��a, n��o

mais podia permanecer na cadeia municipal. Na pris��o do

estado ele foi fotografado, tiraram-lhe as impress��es digi-

tais, deram-lhe um uniforme azul de algod��o com seu n��mero

marcado na camisa e o trancafiaram em uma cela no tercei-

ro renque. Ele continuou dizendo a si pr��prio que o dinheiro

da fian��a chegaria a qualquer momento e tentou desespera-

damente n��o pensar em Becky. Mas, gradualmente, enquan-

to as horas passavam, a hilariedade come��ou a emanar das

profundezas do seu desespero. "Voc�� deveria ter ficado l��

em cima naquela ��rvore, filho", pensou. "Voc�� n��o est��

seguro no solo com senhoras motoristas e bombas at��micas".

Quando Becky chegou ao tribunal soube que ele n��o

pudera depositar o dinheiro da fian��a e fora posto sob a

cust��dia da pris��o do estado. Primeiro ela telegrafou a seu

irm��o em Baltimore, pedindo-lhe vinte e cinco d��lares,

depois apressou-se para a pris��o do estado, mas foi infor-

mada que visitas s�� eram permitidas com um passe dado

pelo tribunal, e somente durante as horas de visitas nas

ter��as e quintas. Era quarta-feira. Voltou para casa apressa-

da a fim de ver se o dinheiro havia chegado e encontrou

um telegrama de seu irm��o dizendo que enviara cem d��la-

res para a cadeia da cidade.

Assim sendo, ela voltou rapidamente para a cadeia da

cidade. Disseram-lhe que o dinheiro chegara, mas como o

preso j�� havia sido posto sob a cust��dia da pris��o estadual,

fora mandado de volta para o tel��grafo. Depois de conse-

guir com o promotor p��blico um passe para ver Jess��,

apressou-se para o tel��grafo a fim de sacar o dinheiro, mas

o telegrama estava endere��ado a Jess�� e eles n��o podiam

lhe dar o dinheiro. Ela explicou que seu marido estava na

pris��o do estado esperando pelo dinheiro para fazer a fian-

��a. Disseram-lhe que tinha de obter uma declara����o dele,

contra-assinada pelo diretor da pris��o, autorizando-os a entre-

gar-lhe o dinheiro. Ela correu para a pris��o do estado e

felizmente conseguiu uma audi��ncia com o diretor da pris��o.





94


Ele disse que sentia muito, mas n��o era permitido aos

presos receber dinheiro de fora, e que s�� podia permitir-

lhe visitar seu marido nos dias de visita. Ent��o, ela come-

��ou a chorar.

Eram quatro horas da tarde e o tel��grafo fechava ��s

cinco. Nesse ��nterim, Jess�� j�� fora levado para o refeit��rio,

onde jantara macarr��o e repolho cozido acompanhados de

p��o velho, e levado de volta para sua cela. "De qualquer

maneira, a alimenta����o �� melhor do que na R��ssia ��� dizem

os jornais", ele pensou.

Felizmente, o diretor da pris��o n��o podia ver mulher

chorar e aquela parecia ser uma mulher direita. Ele imagi-

nou como mulheres decentes como ela podiam se misturar

com maridos t��o imprest��veis. Ent��o, ele cedeu, fazendo-a

entender que estava violando as regras da pris��o, mas veria

o que podia fazer. Mandou datilografar uma declara����o

dando-lhe autoridade para sacar o dinheiro. Depois mandou

o documento por um guarda �� cela de Jess�� para este assin��-

lo. Depois ele contra-assinou. Quando a formalidade termi-

nou faltavam quinze para as cinco.

Ela correu escada abaixo e procurou um taxi. Na segun-

da rua achou um e chegou ao tel��grafo cinco minutos antes

de fechar. Sacou o dinheiro, voltou e afian��ou Jess��. Quando

ele chegou na sala da frente, viu logo que ela estivera cho-

rando. Seu corpo estava tremendo e seus olhos transtorna-

dos pela dor pareciam imensos no pequeno rosto em forma

de cora����o.

��� Vamos sair daqui, ele disse.

Eles voltaram para a delegacia de pol��cia em frente da

qual parara seu carro. Tinha uma multa no p��ra-brisa por

ter estacionado ali durante a noite. Ele p��s a multa no

bolso, deu partida no carro e rumou para casa.

O jovem que queria comprar o carro estava esperando

por ele na varanda. Jess�� descontou vinte e cinco d��lares

do pre��o combinado por causa do p��ra-choque empenado e

o p��ra-lama amassado, e o comprador ficou satisfeito.

Becky preparou um jantar r��pido e eles comeram em

sil��ncio. Depois, ele disse: ��� Vamos arrumar as malas.

Eles tinham duas malas guarda-roupas e tr��s valises,

mas n��o podiam acomodar tudo que tinham dentro delas,

assim deixaram algumas roupas e diversas pinturas no

95

por��o da casa da locat��ria. Ent��o, foram para a esta����o

e deixaram as malas aos cuidados de um carregador.

��s oito horas da manh�� seguinte eles pegaram o New

Haven Limited. Quando desceram na Grand Central Station,

ele parou por um momento ao lado de um recipiente para

jogar pap��is usados, rasgou a multa e jogou os peda��os

dentro dele. Seus pensamentos usualmente t��o plet��ricos,

compuseram para a ocasi��o apenas isto: "Miser��vel!"

E agora, nove anos mais tarde, deitado na sua cama

no seu quarto alugado, b��bado e completamente vestido,

recordando o incidente, pensou: "Bastante natural". E

depois de um momento de considera����o no qual percebeu

que tudo aquilo tinha acontecido em uma cidade americana,

democr��tica, liberal, moderna, com um prefeito socialista,

na metade do s��culo vinte, sem nenhuma mal��cia ou injus-

ti��a deliberada por parte de ningu��m: "Perfeitamente

normal! Acontece em toda ��poca. Isso prova. Certo tamb��m,

n��o h�� d��vida. Atitude correta da parte de todo mundo. De

qualquer forma, inevit��vel. Mesmo da minha parte. A pulga

lhe morde, voc�� a esmaga. Se a pulga diz: Ouch!, �� perfei-

tamente normal. Que diabo voc�� espera uma pulga esmagada

dizer ��� Aleluia?"

Por um momento pensou em Becky. "Duro para ela",

considerou. Imaginava porque ela suportara aquilo por tanto

tempo ��� doze anos. "Amor? Eu amava a Deus tamb��m,

mas este amor n��o durou doze anos". Come��ou a chorar

baixinho. "Eu a amava tamb��m. Ainda a amo, suponho".

Mas, ele a tinha abandonado.

Quando, pouco depois do incidente em Bridgeport, ela

conseguiu emprego em um hospital cerca de trinta milhas

de New York, ele decidiu p��r um fim na far��a de bancar

o marido. Ela dormia no emprego e tinha um dia de folga

por semana. Eles tinham alugado um quarto em Bronx onde

ela viria passar o dia de folga, conforme combinaram. Mas

depois de um m��s, ele n��o p��de mais suportar ficar sentado

ali, dia ap��s dia, datilografando algo que nenhum americano

t��pico inseguro toleraria ler, e enfrentar seu olhar assom-

brado toda vez que ela vinha para ficar algumas horas.

Ent��o, ele disse a ela:

��� Becky, vamos nos separar. Se algum dia eu for um

sucesso, voltaremos a viver juntos, mas agora vamos tentar

separados.

96

Agora, a lembran��a da m��goa estampada nos seus olhos

f��-lo levantar-se. O chap��u que estava cobrindo seu rosto

caiu no ch��o sem ele perceber. Fixou seu reflexo untuoso

no espelho. Seus olhos estavam vermelhos como brasas e

sua vis��o imprecisa. "Jess�� Robinson", falou para sua

imagem. "Voc�� pensava que estava sendo nobre? N��o existe

tal coisa, filho. Isto �� uma distor����o de confian��a, �� qual

eles recorrem para fazer rebeldes como voc��, que n��o se

submetem e se adaptam voluntariamente, se suicidarem,

poupando-lhes assim o trabalho de acabar com voc��s. Neg��-

cio sujo, filho. A essas alturas voc�� j�� deve saber disso".

Mas, ele imaginava que raz��o teria ela para querer os

cobertores e len����is, se estavam em abril, com o tempo

esquentando e onde ela trabalhava tudo era bem mobiliado

e havia bastante roupas de cama. Tinha a impress��o de

que algo que n��o sabia estava acontecendo. Sentia no t��rax

uma compreens��o que ia e vinha, dificultando sua respira-

����o. "Negro anormal", ele disse ao seu reflexo. "Oh, cora-

����o, n��o perca sua natureza... Imagino de onde o velho

plagiador tirou aquilo tudo. Mas serve, ajusta-se. De qual-

quer forma �� uma imagem. O mesmo que o snr. Ward.

Quem pode suportar os a��oites e desprezo do tempo, a injus-

ti��a do opressor, a contum��lia do orgulhoso, a ang��stia do

amor desdenhado, a tardan��a do Senhor, a insol��ncia e o

desd��m com a adaga desembainhada? Quem pode dizer que

isto faz menos sentido do que: Aben��oados s��o os humildes

porque eles herdar��o a terra. Aben��oados s��o aqueles que

passaram fome e sede �� procura da justi��a porque eles

ser��o recompensados. Aben��oados s��o os misericordiosos

porque eles obter��o miseric��rdia. Ou n��o s��o ambos sem

nenhum sentido?"

Notou que eram dez e dez. "Maldito seja eu", conside-

rou. Limpou o rosto oleoso com uma toalha de banho, p��s

os ��culos para sol e o chap��u e tirou a capa. Havia uma

leve mancha de baton na camisa, mas isso n��o tinha impor-

t��ncia.

Quando saiu do quarto, a porta do quarto em frente

estava aberta e ele viu Leroy ao lado da cama usando uma

camisa de meia no seu corpanzil negro. "�� onde aqueles

rapazes e r r a r a m " , pensou. "Aqueles que lamentaram,

aqueles que reclamaram e aqueles como Henry James que

evitaram e ignoraram. Se um deles tivesse escrito: Ai de

97

mim! Pobre cultura, eu o conheci quando ele era um cama-

rada galhofeiro, imaginoso, que me carregou nas costas

umas mil vezes. Aqui pendem aqueles l��bios que n��o sei

quantas vezes beijei. Mas agora sua casa foi tomada pela

torpeza e um camarada mesquinho e s��rdido sem humor

ou requinte. Como eu desprezo esta prole malnascida. Por��m

eu penso, caros amigos que isso �� uma forma de vida e

que ele est�� aqui para ficar, pelo espa��o de mil anos ���

ele deveria ter se envolvido com Homero".

Napole��o arremessou-se da cozinha escorregando no

assoalha encerado, latindo furiosamente, mordendo seus

calcanhares, perturbando momentaneamente a corrente de

seus pensamentos. A voz melodiosa de Leroy se fe zouvir:

"Napole��o, comporte-se e pare de latir para o snr. Robin-

son. O snr. Robinson sabe que voc�� est�� aqui".

Quando tateava seu caminho pelo corredor escuro, com

o cachorro latindo aos seus calcanhares, voltou aos seus

pensamentos: "Antigamente era somente o esporte dos reis,

depois chegou ��s classes m��dias, aristocracia e novos ricos

e �� massa. Todo mundo �� ign��bil agora. Provavelmente uma

boa coisa, tamb��m".

98

CAP��TULO 7

Dave vinha jantar e Kriss vestiu seu peignoir vermelho

de seda, embelezado com drag��es dourados e p��s suas sand��-

lias de camur��a vermelha com fios de ouro. Pelo menos,

ele lhe telefonara dizendo que queria v��-la, e ela o convi-

dara para jantar. Sabia que ele vinha para jantar, mas se

jantaria, dependia da dire����o que seus pensamentos tomas-

sem meia hora antes de sua chegada, conting��ncia cuja

considera����o afastava da cabe��a tomando rapidamente

sucessivas doses de u��sque.

Mas, na verdade, uma probabilidade recusava-se a deri-

var de sua mente, a prova era o traje vistoso que usava

no momento. Ela sabia que isto era o bastante para deix��-

lo arrepiado. Ela o tinha adulado para comprar as sand��lias

para combinar com o peignoir, o qual soube mais tarde

tinha sido oferecido por Fuller Halperin ��� ali��s, a infor-

ma����o veio dela mesma: que Fuller pagara cem d��lares por

ele e lho oferecera naquele fim de semana em Washington

na ��poca de natal, quando Dave pensara que ela fora ��

Chicago a neg��cios. Afinal de contas, Dave era um advoga-

do e n��o podia se esperar que conhecesse mercadorias.

Al��m disso, Dave achava que as sand��lias n��o somente a

faziam parecer, mas tamb��m provavam que ela era uma

prostituta, e porque a simples vista delas lhe excitavam, ele

as considerava suas sand��lias.

Agora, ela sorria maliciosamente, sentada em sua cadei-

ra de tr��s pernas, folheando o ��ltimo n��mero do New

Yorker, apreciando as est��rias em quadrinhos enquanto

sorvia seu quinto u��sque e soda, uma combina����o extrema-

mente intelectual. A mal��cia do seu sorriso n��o estava rela-

cionada com seu divertimento no New Yorker, mas com

a considera����o da conting��ncia que n��o derivava da sua

mente e a reflex��o adicional que Dave desejaria dormir

com ela porque ela parecia uma prostituta; e sentar-se-ia

99

olhando-a, pensando como ela dormira com o tal Fuller du-

rante o ano do seu "compromisso" e recebido dele em pre-

sentes e dinheiro quase tanto quanto seu sal��rio, o que pro-

vava ser ela uma prostituta. "Deus sabe com quantos outros

ela j�� dormiu", ele pensaria, desejando-a da forma que os

homens bons e maus no mundo inteiro desejam prostitutas

e mulheres prom��scuas e se desprezam por causa disso.

O pensamento acendeu uma fagulha de raiva dentro

dela. "Seu patife", pensou. "Seu judeu patife! Eu n��o sou

boa para voc��?". Come��ou a chorar, seu rosto matronal

distendeu-se e enrugou-se, careteando da mesma forma que

h�� muitos anos passados, aquela meninazinha alourada a

quem chamavam "Holandesa" fez quando sua m��e esbofe-

teou seu pai porque ele perdera sua mercearia em um peque-

no lugarejo de North Dakota. "Voc�� arruinou minha vida,

seu patife". No momento de tortura emocional ela n��o sabia

a quem este ��ltimo "patife" era dirigido.

Desde que Dave a abandonara, houve momentos como

esse, nos quais se sentia confusa, sem saber quem real-

mente tinha arruinado sua vida. Nos ��ltimos anos sua mem��-

ria vinha confundindo o grande acontecimento que fora a

perda da sua virgindade com a ��poca em que teve difteria.

A confus��o originava-se da recorda����o de sua inquietude

que fora a mesma em ambos os casos. Agora vinte e um

anos mais tarde isso era o m��ximo que podia se lembrar

claramente de cada acontecimento.

Uma vez eles foram patinar no pequeno a��ude de azenha.

Era um dia muito frio, com rajadas fr��gidas soprando do

Canad��, mas para agradar, Willard gostava de patinar e ela

n��o o deixou. Embora estivesse indisposta, sentiu-se feliz

em deslizar segurando seu bra��o.

Encontrando sua m��e fora, quando voltaram para casa,

ele entrou com ela. Algo em sua atitude f��-la saber que ele

lhe pediria. Olhou para ela com aquele sorriso de lado apre

ciador que sempre fazia seu cora����o vibrar.

Ent��o, sua garganta doeu e ela se sentiu mal a ponto

de desmaiar. N��o queria nada melhor do que ir para a cama,

mas sentiu uma estranha agita����o que a for��ou a ficar com

ele. Teve medo de desapont��-lo; ele tinha tantos outros luga-

res para ir e havia tantas outras mo��as que o queriam.

Teve receio de admitir que estava t��o doente. O quarto

100

come��ou a ficar indistinto. Contra sua vontade ela disse:

"�� melhor voc�� ir para casa Willard; estou muito doente".

Depois que ele saiu ela pensou: "Realmente, devo estar

muito doente para mand��-lo embora". Ent��o, foi para a

cama trope��ando pela escada.

A princ��pio, sua m��e pensou que ela tivesse um resfria-

do, mas no dia seguinte o m��dico disse que ela tinha difteria.

Outra vez, Willard chegou logo ap��s sua m��e ter sa��do

para fazer uma visita. Eles tocaram a vitrola e dan��aram,

e subitamente, ele puxou-a para o sof��, ao lado dele. Ela

sabia o que ia acontecer. Sentiu a mesma agita����o que

sentira antes e tinha medo de desapont��-lo.

Ele p��s seu bra��o esquerdo ao redor de sua cintura e

aninhou seu seio esquerdo na m��o. Seu olhar ao mesmo

tempo confiante e exigente hipnotizou-a. Ela se sentiu desin-

tegrar quando seus l��bios tocaram os dela.

Ela desviou a vista dele, mal respirando, e quando sentiu

seu toque, suplicou: "Oh, Deus, fazei-o gostar de mim, Deus".

Ent��o, tudo se foi quando sentiu a primeira dor aguda,

e ela ofegou.

��� "�� isso?", ela perguntou a si pr��pria. "�� isto que

os faz delirar tanto? O que lan��ou ao mar uns mil navios?".

Depois tornou-se consciente do seu ��xtase e aquilo foi a sua

recompensa. "Eu entreguei-me a ele", ela pensou e o pensa-

mento inflamou-a com exalta����o. Contudo, houve um momen-

to de p��nico. Ela teve certeza que morreria no mesmo instan-

te se ele n��o tivesse gostado. Mas ele p��s seus bra��os ao

redor dela, aconchegou-a novamente e beijou-a apaixonada-

mente. Ela ent��o soube que ele gostara dela, e ficou t��o

reanimada e feliz que chorou. "Oh, Willard, eu o amo com

todas as for��as do meu cora����o".

Um ano mais tarde ela foi para Chicago e assumiu um

compromisso com Ronny, o qual ela a princ��pio desprezou.

Mas, a turma decidiu que ela era a mo��a para ele e sempre

os deixava juntos. Naquela ��poca, ela n��o p��de entender

porque ela uma mo��a de olhos azuis, cabelos louros, faces

coradas era suposta ser o par para aquele mississipiano

parrudo e misantropo, de cabelos pretos, brilhante, um b��ba-

do habitual e que odiava os ianques. Ele n��o deu a impress��o

de se interessar por ela tampouco. Uma vez correndo pela

escada da Casa Internacional com a turma, ela deixou cair

101

seu len��o, ele deu uma olhada para o len��o e continuou a

caminhar.

��� U��! Ronny, uma das mo��as mais velhas gritou indig-

nada. ��� Onde est��o seus modos sulistas? Por que voc�� n��o

pegou o len��o de Kriss?

Ele olhou Kriss com indiferen��a e quando ela se aproxi-

mou, respondeu:

��� Ela �� uma nortista, est�� acostumada a pegar suas

coisas.

Ela nunca o peroou por aquele procedimento. Contudo,

andaram juntos durante o primeiro per��odo letivo, antipati-

zando-se mutuamente, por��m ela procurando excit��-lo ao

ponto de v��-lo pedir, ent��o ela recusaria e diria o quanto

ele a desagradava. Mas ele jamais deu indica����o que pedi-

ria. Todavia, ser vista com ele lhe deu algum prest��gio.

Um jovem pr��ncipe siam��s de cara de boneca, pele

aveludada e olhos negros de cor��a come��ou a cortej��-la,

enviando-lhe flores e doces e levando-a a jantares em res-

taurantes finos. Ela passou um fim-de-semana com ele em

New York. Quando Ronny soube disso, imprecou contra ela,

chamando-a "amante de negro", perguntou de um s�� f��lego

como podia ela fazer tal coisa com ele e em seguida pediu-a

em casamento. Ela n��o entendeu naquela ��poca as sutile-

zas da supremacia branca que inspiraram este branco supe-

rior a pedir sua m��o em casamento, ela que tinha dormido

com um negro, e considerando que antes desse incidente

(do qual se recordava como sendo apenas um pouco mais

excitante do que uma excurs��o d�� YWCA) ele n��o prestava

muita aten����o a ela. Finalmente, ela teria sua vingan��a,

n��o fora uma carta de sua m��e dizendo que seu pai estava

doente e que eles n��o podiam mais mant��-la ali. Desse modo,

ela aceitou a proposta e no dia seguinte eles anunciaram seu

noivado ao pessoal. No dia imediato o pessoal organizou

uma festa para celebrar o acontecimento, e mesmo a essas

alturas ela n��o sabia que eles estavam celebrando. Depois

de uma bebedeira foram levados, entre manifesta����es de

alegria para um apartamento que havia sido providenciado

para a cerim��nia pr��-nupcial. Ela n��o tinha obje����es de

qualquer esp��cie, estava curiosa e com a certeza de que era

ador��vel. Tinha apenas a palavra de Willard para conven-

c��-la disso, mas n��o era o bastante, pois este era uma autori-

dade no assunto. Ela encontrou na cama uma bela camisola

102

de dormir que real��ava seus encantos. Mas, ele ficou reme-

xendo na cozinha e quarto de banho por quase uma hora,

sem tirar o palet��, insens��vel aos seus encantos que ela

exibia sedutoramente em sua camisola de dormir, e subita-

mente anunciou:

��� Eu vou dar um pulo at�� a drogaria da esquina para

comprar escovas de dentes, uma vez que n��s vamos passar

a noite juntos.

Uma hora mais tarde ele voltou, exausto, com duas

escovas de dentes novas e caiu num sono profundo, enquanto

ela permaneceu acordada e enfurecida at�� de madrugada.

Assim, eles selaram seu compromisso e enfrentaram o dia

seguinte com dentes brilhantes.

Naquele ver��o ela trabalhou em um projeto de pesquisa

da WPA, dirigido por Harold Ramsey, o qual estava se

tornando impressionado com o seu destino, julgando-se um

Sigmund Freud negro na mais negra das zonas de negros.

Foi uma era gloriosa de pesquisa, ingenuamente designada

pelos terminologistas americanos como o "Problema Negro"

��� como se este dilema americano sobre o que fazer com

vinte milh��es de descendentes de escravos americanos,

libertados da servid��o como resultado de uma guerra civil

sanguinolenta e outorgados o direito de igualdade pelo devido

processo da emenda constitucional, fosse algum enigma que

os pobres maquinaram para mortificar a intelig��ncia dos

brancos e pudessem eles resolv��-lo no momento que notas-

sem, se assim o desejassem.

Educadores negros em grande n��mero aceitaram este

desafio e se dispuseram com grande entusiasmo, considera-

velmente aumentado pelo dinheiro dos brancos, a encontrar

a solu����o ��� encontrar soava mais impressionante do que

confeccionar e mais consciencioso do que afetar.

Naturalmente, Kriss ficou grandemente impressionada

com Harold Ramsey, um dos maiores ap��stolos dessa nobre

causa, se bem que naquele tempo ele n��o a notasse. Ela

sentir-se-ia encantada e honrada em casar com ele e associar

sua culpa genu��na com seu tormento profissional, mas infe-

lizmente ele j�� era casado com uma mulher branca com

quem era sempre visto andando pela cidade em seu grande

autom��vel novo, sendo convidado para jantares e cocktails,

para n��o dizer consultado pelos modernos negr��filos ricos

103

��� al��m disso, duas esposas seria ultrajante, mesmo em

Chicago.

Assim, na primeira segunda-feira de Outubro ela se

casou com Ronny, com uma sensa����o de culpa. Mas, s�� em

Junho do ano seguinte, ela descobriu que seus amigos for-

��aram seu casamento porque ele era bissexual.

Eles alugaram um apartamento de tr��s quartos em uma

velha mans��o transformada em pr��dio de apartamentos e

devotaram-se �� sua vida de casado, isto ��, trabalhar, estu-

dar e farrear com os outros inquilinos nas mesmas condi-

����es, um variegado agrupamento de estudantes, artistas,

escritores e jovens g��nios. Uma ocasi��o houve uma festa

em um dos apartamentos, e como de costume, eles mudaram

de apartamento para apartamento quando a bebida acabava,

com o grupo se tornando cada vez maior. ��s tr��s horas da

manh�� seguinte quando Kriss chegou ao seu apartamento,

cambaleando, ajudada por um desconhecido e encontrou

Ronny com uma artista sem valor, que morava em cima,

disse indignada:

��� Eu n��o vou dormir no sof��. Seu acompanhante disse

que n��o havia necessidade de discuss��o porquanto sua cama

de casal no pavimento ficava sempre desocupada. Assim,

��s oito horas, ela voltou mais sonolenta do que antes, e

encontrou Ronny com um robusto marinheiro. Dessa vez ela

estava sozinha e inferiorizada em n��mero, de modo que

teve de dormir no sof��.

Naquela noite entre choro e bebida, Ronny relatou a

triste est��ria de seu amor por um her��i de football, um

amigo do peito, de inf��ncia, para n��o dizer companheiro

de cama, que tinha sido morto a machado por um negro

numa ca��ada que eles fizeram durante o ver��o. O negro foi

perseguido, encontrado e linchado. Isto era mais uma expli-

ca����o do motivo pelo qual ele tinha dormido com o mari-

nheiro do que uma justificativa por ter devotado sua vida

ao problema negro. Era uma explica����o razo��vel para ambas

as atividades, mas naquela ��poca ela n��o entendeu isso e o

desprezou por ambos os relatos.

"Piolhos! Todos eles s��o piolhos!", ela pensou. Julgan-

do-a por um c��digo de moral que nenhum deles aceitava

para si pr��prio. "Deus sabe que eu devia saber". Ela teve

rela����es sexuais com o presidente da Institui����o durante o

tempo em que Ronny esteve no ex��rcito. Ele era um dos

104

homens mais acatados e mais importantes no seu ramo em

todo o mundo, mas no fundo n��o passava de um miser��-

vel como os outros. Muitas vezes depois de comparecerem

a confer��ncias nas quais assuntos de alta relev��ncia tinham

sido abordados, ele a acompanhava a sua casa e batia-lhe

impiedosamente, at�� que ela cedesse a todos seus desejos.

Depois houve aquele fanado herdeiro de um dos mais glo-

riosos nomes comerciais da na����o, que lhe exigia um relato

v��vido e detalhado do seu comportamento com negros ��� ela

tinha de inventar nomes quando estes n��o lhes ocorria ���

ent��o ele a espancava at�� que ela pedisse miseric��rdia, e

depois a confortava sensualmente.

Como podiam eles achar que ela n��o era suficiente-

mente boa para eles?, pensou solu��ando. Como podiam, se

eles pr��prios fizeram-na ser o que ela era.

Assim s e n d o , e l a r e c l a m o u c o n t r a aquilo c o m t o d a a

amargura de sua a l m a , ao m e s m o t e m p o a c e i t a n d o o julga-

mento moral de que e s t a v a arruinada. Deram-lhe um b��ba-

do para pai, um ordin��rio p a r a ser seu p r i m e i r o a m a n t e ,

dois abortos que lhe causaram a perda da fertilidade, um

homossexual para marido, um punhado de homens impor-

tantes cuja lux��ria foi obrigada a satisfazer sem nenhuma

satisfa����o em troca; isso tudo adicionado ao seu corpo forte

e sadio, com seus impulsos naturais. N��o havia l��gica

nessas coisas. Mas eles a crucificaram quando come��ou a

ter amantes negros.

"Kriss est�� resolvendo o problema negro na cama",

eles diziam dela. "Resolvendo seus pr��prios problemas na

sua cama ao lado do problema negro". Ao mesmo tempo,

achando que ela n��o era bastante boa para eles, tratavam-

na como uma coisa suja. Eles a fizeram se sentir como uma

coisa suja mesmo antes que ela tivesse pensado em dormir

com um negro; e somente quando dormiu com um negro

se sentiu absolutamente segura de que n��o era uma coisa

suja. Eles tinham feito o mesmo com os negros. Assim sendo,

com estes nunca se sentiu arruinada porque eles jamais a

consideraram uma arruinada. Eles eram arruinados por

terem nascido negros, arruinados aos olhos da sua ra��a,

e sorriam da idiotice da ra��a que arruinava suas pr��prias

mulheres e as jogavam na cama com homens de outra ra��a

que tinham igualmente arruinado. P a r a falar a verdade,

alguns dos negros com os quais teve rela����es sexuais pro-

105

varam ser muito esquisitos, mas nada foi mais esquisito do

que perceber que tinha se casado com um homossexual.

Tiveram mesmo a desfa��atez de falar sobre sua honra.

"�� sobre isto que o patife est�� preocupado ��� sua honra?",

perguntou a si pr��pria. Ele comeu seu alimento, gozou sua

companhia, teve prazeres na sua cama, especialmente quan-

do descobriu que ela era uma prostituta com quem n��o tinha

de se casar. E tem mais: quando o apartamento dela foi

pintado, alguma tinta sobrou. Ele levou a sobra para pintar

seu apartamento. Essa tinta tinha sido preparada por um

negro que fora recomendado a ela por amigos negros e que

cobrara tr��s vezes mais do que o justo pelo trabalho de

pintar seu apartamento, fora o material.

Depois de abusar desse jeito, o patife vinha certamente

agora buscar seu rel��gio que deixara empenhado com ela

o m��s passado para pagar seu imposto de renda, depois de

decidir que ela n��o servia para casar com ele.

��� Eu o farei rastejar, seu patife, ela decidiu.

Como era sexta-feira de noite ela podia beber at�� ficar

inconsciente e repudi��-lo ainda mais quando ele estivesse

com ela. Porque sabia, n��o importa a forma como se sen-

tisse agora, que ele uma vez quisera desesperadamente

casar com ela. N��o deixaria levar seu rel��gio, mesmo que

ele tivesse dinheiro para pagar sua d��vida, E queria ser

uma desgra��ada se lhe desse jantar.

Desejou que Jess�� tivesse deixado alguma coisa ��� chap��u

ou palet�� ��� que ela pudesse colocar em algum lugar onde

ele visse.

Mas, quando o viu mudou de id��ia. Ele era um homem

alto, empertigado. Estava com um terno cinza escuro

"Brooks Brothers", sapatos pretos, camisa listrada e gra-

vata escura. A aus��ncia de enchimentos no palet�� dava-lhe

uma apar��ncia "Pall Mall", por��m seu rosto n��o tinha nada

do esnobismo obscuro dos fugitivos do socialismo. Era um

rosto comprido, com nariz pronunciado, ossos espl��ndidos

e boca sensual. Um sorriso indulgente desenhou-se nos seus

l��bios quando a viu com o peignoir vermelho.

��� Al��, Kriss, ele saudou com sua voz grave, bem arti-

culada. ��� Esperando companhia?

Seu cora����o enterneceu-se e ela, subitamente, sentiu-se

vulgar. Toda vez que ele a via depois de uma curta aus��n-

cia sempre a impressionava por ser t��o limpo e elegante,

106

exatamente da maneira como ela imaginava um homem de

Harvard. De repente, teve vontade de agrad��-lo, ser moder-

na, comedida e provar que era uma boa perdedora; e por

saber que estava cortejando outra mulher desejava mais

do que nunca dormir com ele. Seus olhos azuis debaixo das

p��lpebras untadas de vaselina dan��aram com sensualidade.

��� Voc�� �� a companhia agora, ��� ela murmurou, prece-

dendo-o quando entraram na sala de visitas.

Embora ele tivesse as chaves do seu apartamento, tanto

da porta de fora como da porta de dentro, preferiu tocar

ambas as campainhas para enfatizar sua posi����o; e quando

a seguia pelo hall p��s as tr��s chaves na mesa do hall.

Ela levou seu copo para ench��-lo de novo e perguntou-

lhe sorrindo maliciosamente:

��� Scotch ainda? Ou mudou para Kummel?

Ele se sentou no sof��, ignorando a estocada.

��� Viu a exposi����o de Monet?

��� Dot queria que eu fosse com ela, mas eu estava

muito cansada", respondeu da cozinha, murmurando as

palavras de uma maneira que aprendera com Maud.

��� O que?

��� Um momento, querido. ��� Depois de misturar as bebi-

das, p��s as batatas congeladas para degelar e o bife para

esquentar, e por um momento hesitou se devia ou n��o fazer-

lhe panquecas de batatas, que ele adorava. Mas, decidiu

que era muito trabalho; faria salada com ervilha como

planejara, embora desejasse fazer-lhe alguma coisa espe-

cial. Sentiu um calor de paix��o ao recordar a s��bia observa-

����o de Maud: "Tudo que os homens gostam �� comida,

bebida e mulheres", e um formigueiro percorreu-lhe o corpo

at�� as pontas dos dedos. Mas, quando passou pela mesa e

viu as tr��s chaves que ele colocara ali sub-repticiamente,

seu humor tornou-se frio e malicioso, e a ��nica coisa quente

que restou dentro dela foi raiva. Todavia, sua apar��ncia

externa permaneceu a mesma, chegou a sorrir. Assim, Dave

n��o notou sua transforma����o.

��� Dot quis me levar, ��� disse ela, colocando seu copo

em um descanso de prata, na mesa ao lado dele. ��� Mas eu

j�� vi o melhor de Monet no Louvre, e al��m disso eu estou

cheia de Dot.

Ele sorveu sua bebida e p��s na mesa, sorrindo distraida-

mente para ela.

107

��� Que andou fazendo ultimamente?

A pergunta enfureceu-a, principalmente porque ele pare-

cia preocupado e n��o se incomodava nem um pouco pelo que

ela andava fazendo. Sentiu impulso de dizer-lhe: "Dormindo

por a��, seu patife! Que voc�� a c h a ? " . Mas apenas sorriu de

uma maneira que sempre o irritou, pois lhe lembrava a

forma que sua irm�� sorria quando ela fazia alguma traves-

sura.

��� Oh, as coisas de sempre, ��� comentou. ��� Fui �� uma

festa domingo ��� uma festa da nossa equipe em casa de

Kirby em Bronxville. Arty esteve aqui segunda-feira ��� en-

controu-se com ele? ��� Ele fez que sim com a cabe��a. ��� Foi

de avi��o para Chicago comparecer a uma confer��ncia. E

ter��a-feira, Johnny levou-me para assistir "Os Rapazes e

as Bonecas" ��� a terceira vez que assisto. Voc�� sabe que me

levou para assistir pela primeira vez, �� engra��ado como

sempre. ��� Ela sorriu ��� Eu adoro aquela cena do jogo de

dados. Depois fomos ao "Versailles". Quarta-feira Fuller

levou-me para fazer compras. Olhou distraidamente para

ele a fim de ver o efeito da sua estocada, mas ele parecia

n��o estar escutando. "Voc�� n��o precisa tentar ser t��o supe-

rior, seu patife, eu me lembro do tempo em que isto lhe

mataria", ela pensou maldosamente, continuando a falar

alto e a sorrir meigamente,

��� Oh, apenas as coisas comuns que uma mo��a solteira

faz em New York. ��� E depois de uma ligeira pausa: ��� Jess��

Robinson esteve aqui a noite passada.

Algo em sua voz f��-lo olhar para ela:

��� Jess�� Robinson?

��� Oh, est�� certo. Voc�� n��o o conhece. Voc�� conheceu

Harold.

��� Ele �� soci��logo tamb��m?

Ela sabia que ele queria perguntar se era outro negro,

e ela sorriu de uma maneira vagamente sensual.

��� Ele �� novelista. Mas est�� certo, voc�� n��o l�� novelas.

��� Ela acabou a bebida e olhou para ele. ��� Mas n��o �� para

isto que eu o quero, ela acrescentou, sentindo uma alegria

perversa ao notar um rubor colorir suas faces.

Ele mal tocara no copo, mas ela perguntou meigamente:

��� Quer outro drink, querido?. ��� Sabia que ele detes-

tava Scotch e nunca bebia mais de uma dose de u��sque e

soda e somente em reuni��es sociais. Ele balan��ou a cabe-

108

��a, meio zangado. Ela disse: ��� "Est�� bem. Jess�� pratica-

mente limpou-me, embora trouxesse uma garrafa. ��� Ela

sorriu vendo seu rubor aumentar. ��� Seja como for, todos

escritores bebem como loucos.

��� Voc�� �� uma boa parceira para ele, murmurou.

��� Parceira para a bebida, parceira para a cama, pen-

sou ela. ��� Eu quase casei com ele uma ocasi��o, confessou

sorrindo sensualmente, e arremessou-se para a cozinha

mexendo os quadris mais do que usualmente.

Finalmente, ela alcan��ou aquela superioridade que sem-

pre alcan��ava com Ronny quando ap��s t��-lo corneado na

sua cara, desafiava-o para acus��-la. Sentiu uma deliciosa

sensa����o pecaminosa a qual foi aumentada �� vista das bata-

tas que degelavam e do sangue que escorria do bife. "Voc��

pode com��-lo cru, seu patife!", pensou, tomando meio copo

de Scotch puro antes de misturar u��sque com soda. Quando

voltou para onde Dave estava, cambaleava um pouco e

sabia que estava ficando b��bada. Colocando a bebida com

muito cuidado no descanso de prata em cima do arm��rio,

sentou-se na sua cadeira favorita de tr��s pernas, t��o diver-

tida e interessada pelo espet��culo de si pr��pria quanto qual-

quer espectador curioso estaria.

��� Eu quase me casei com voc�� uma vez tamb��m, ��� ela

recome��ou; seu sorriso agora era t��o malicioso que parecia

distilar uma pe��onha pegajosa. ��� Sempre uma companheira

para a cama, por��m jamais uma noiva.

Ele ficou escarlate, mexeu-se no assento, como se agu-

lhas e alfinetes lhe picassem, mas conservou seu tom de

voz grave, coordenado.

��� Eu realmente n��o devia ter vindo, Kriss, mas eu

queria deixar suas chaves e pegar meu rel��gio. Eu lhe darei

um cheque referente a import��ncia com os respectivos

j u r o s . . .

��� Oh, espere at�� depois do jantar, querido... Voc�� sabe

que foi convidado para jantar?

��� Oh, e u . . . Ele era um homem simp��tico e ela o tinha

encurralado. Por favor, seja sensata, Kriss. Voc�� sabe que

eu sei que n��o vai preparar nenhum jantar. Voc�� sabe que

a conhe��o muito bem.

��� Voc�� deve me conhecer muito bem, ��� disse ela rude-

mente. ��� J�� que dormiu comigo.

109

Ele ficou vermelho at�� a raiz dos cabelos. ��� Por amor

de Deus, Kriss, n��o podemos fazer um negocio simples sem

uma briga s��rdida?

��� Voc�� pode porque �� um cavalheiro. ��� Ela sorriu

subitamente, e gritou: ��� Mas eu n��o posso porque sou uma

prostituta. Foi como voc�� me chamou, lembra-se?

��� Por amor de Deus! Voc�� est�� jogando isto na minha

cara novamente. N��s est��vamos zangados e voc�� me chamou

de coisa pior.

��� Sua m��e lhe disse que eu era uma prostituta ou voc��

descobriu por si mesmo?

Ele encolheu os ombros enojado.

��� Minha m��e gosta de v o c �� . . .

��� Mas eu n��o sou judia. Se eu entrasse na sinagoga

e . . . , sorrindo ��� se o Rabi tivesse me circuncidado, seria

eu uma boa judia para ela?

��� P a r e com isso, Kriss, pare!, ele pediu em voz baixa,

zangado. ��� Isto n��o nos leva a lugar nenhum...

��� Certamente, n��o, querido...

��� . . . e �� tolice nos separarmos odiando um ao outro...

��� Voc�� sempre me odiou, ela gritou, cheia de c��lera.

��� Voc�� odeia todos os crist��os, seu verme! Seu patife

metido a besta. Voc�� pensa que sou sujeira debaixo dos

seus p��s?

��� ...deixe-me dar-lhe um cheque de cem d��lares, eu

levo meu rel��gio e estamos quites. Certo?

��� P a r a que os vinte e cinco d��lares a mais? Uma gor-

jeta? Ou voc�� quer passar a noite comigo? Fuller sempre

me d�� pelo menos cem d��lares toda vez que dorme comigo.

��� Vendo a cor fugir do seu rosto, ela pensou: "Eu sou uma

meretriz!"

Seu rosto alongado, elegante assumiu uma express��o de

infinita piedade.

��� Voc�� sempre me odeia quando fica b��bada, ��� disse,

como se estivesse um tanto entorpecido. ��� Por que voc��

sempre me odeia quando est�� b��bada?

Sua piedade atingiu-a como uma bofetada de desprezo,

machucando-a mais do que seu ��dio ou uma bofetada real;

e ela disse chorando, insensatamente:

��� Seu filho da p u t a . . . e se o telefone n��o tivesse tocado

naquele momento, ela teria chorado licenciosa e repugnan-

110

temente como uma prostituta b��bada com o c��rebro consu-

mido pela bebida e doen��a, choraria sem saber porque

estava chorando.

Foi cambaleando para o quarto de dormir e por meia

hora manteve uma conversa incoerente com um sindicalista

de Washington a caminho de Detroit, que estava passando

a noite no "Comodoro" e procurava convenc��-la a ir onde

ele estava para tomarem um drink juntos. Ela o recha��ava,

mas ficou brincando com ele no telefone. Ele dizia:

��� O q u e ? . . . O q u e ? . . . N��o a entendo... Voc�� parece

M a u d . . . Fale um pouco mais a l t o . . . Voc�� est�� b �� b a d a ? . . .

e ela replicava:

��� V�� comprar algum, seu bastardo, sorrindo de permeio.

Sua inten����o era deixar Dave esperando.

Sentado, ele folheava o New Yorker, com o rosto p��lido

tremendo ligeiramente, perturbado por uma c��lera que mal

podia conter. Tinha assinado um cheque de setenta e nove

d��lares e cinq��enta centavos, dando-lhe seis por cento de

juros sobre o empr��stimo e o colocara em cima do arm��rio

ao lado do seu copo vazio. Agora, queria apenas pegar seu

rel��gio e ir embora.

Mas, ela ignorou o cheque, pegou seu copo e cambaleou

para a cozinha a fim de ench��-lo novamente, falando incoe-

rentemente todo o tempo:

��� Ele queria que eu fosse ao "Comodoro" e dormisse

com ele ��� disse "drink", mas esta �� a forma que voc�� diz

quando quer i s t o . . . , ��� sua voz enfraqueceu enquanto ela

tateava pela cozinha, mas aumentou de volume quando

voltou: ��� uma vez que um negro dorme com Kriss, ele

nunca esquece. Todos eles voltam. Ela sorriu com infinito

prazer. Nunca esquecem. Eu tomei Ted d e . . . Ele levan-

tou-se e come��ou a caminhar na dire����o da porta. ��� Est��

certo, v�� para o inferno, seu rato! Eu dormi com Jess�� a

noite passada!, ela gritou t��o alto quanto p��de, mas Dave

tinha fechado a porta atr��s de si e n��o a ouviu.

Ela olhou para o cheque como se estivesse estupidifi-

cada. Ficou ligeiramente s��bria e temeu ficar sozinha.

Cambaleando para o telefone, apoiando-se na parede, ela

telefonou para Jess��. Uma voz de homem, muito cort��s, a

voz do sr. Ward, informou-a que Jess�� n��o estava. Ela

foi tomada de tal f��ria que o aparelho tremeu na sua m��o.

111

"Provavelmente na cama com alguma meretriz negra",

blasfemou interiormente. ��� Provavelmente com sua espo-

s a . . . Se eu o encontrar dormindo com sua esposa eu o

mato!, ela murmurou. A raiva passou t��o depressa quanto

chegara, e ela come��ou a sorrir. Tateando pela n��voa diante

de si, achou o disco do telefone e come��ou a discar outro

n��mero, sem saber que o sr. Ward ainda estava esperando

pacientemente do outro lado da linha para ver se havia

algum recado para Jess��.

��� Al��, �� o Hotel Windemere?

��� N��o a entendo, ��� o sr. Ward replicou. ��� A senhora

estava perguntando pelo sr. Robinson.

��� Robinson?. Ela esquecera que ele estava vivo. ��� Oh,

Jess�� Robinson. Jess�� Robinson que se dane!

Tentou colocar o fone no gancho mas n��o acertou, ele

caiu detr��s do suporte e ficou balan��ando. Ela foi camba-

leando para o banheiro.

Vagarosamente, procurou ��s apalpadelas dentro do arm��-

rio o frasco de p��lulas de dormir, os quais naquele momento

n��o podia ver. Finalmente suas m��os o encontraram. Apro-

ximou-o dos olhos a fim de n��o cometer nenhum erro. O

frasco estava cheio at�� a borda de c��psulas vermelhas e

amarelas. Retirou a rolha e derramou-as todas em uma

das m��os. Com a outra abriu a torneira da pia e encheu

o copo pl��stico de sua escova de dentes. "Por que voc��

fez isso comigo?", ela solu��ou, sofrendo por outra coisa que

n��o sabia o que era. "Por que voc�� fez isso comigo?".

Abrindo bem a boca, jogou as c��psulas dentro com uma das

m��o e ergueu o copo de ��gua com a outra. Elas a engas-

garam um pouco, mas depois desceram. Ela n��o sabia que

apenas quatro c��psulas tinham ca��do na boca, o resto espa-

lhara-se no ch��o e na pia. Ela pensou que as tinha engo-

lido todas, e atordoada pelo ��lcool, aceitou a morte com o

pensamento: "Agora tente pegar o rel��gio, seu patife", e

alcan��ou a cama e caiu de bru��os nela.

112

CAP��TULO 8

Quando voltou do armaz��m de bebidas naquela manh��,

Jess�� parou no apartamento do superintendente e pegou as

chaves do dep��sito onde suas malas grandes estavam guar-

dadas. Da mala-arm��rio que continha os remanescentes do

tempo que trabalhara como zelador, tirou dois cobertores,

quatro len����is e quatro fronhas para Becky. Olhou para

os trastes empoeirados ao redor dele, malas abandonadas,

mob��lia quebrada, carros de crian��a usados, e tentou n��o

pensar nela.

Leroy estava fora com os cachorros e ele conseguiu

atravessar o corredor escuro sem ser assaltado. Na c��moda

estava uma carta do escrit��rio de Hobson, pedindo-lhe para

telefonar. Ele telefonou do quarto de Leroy e o editor per-

guntou se ele podia aparecer de tarde ��s tr��s horas.

��� O que agora?, ��� pensou, ficando alvoro��ado, enquan-

to o mundo se deformava novamente. Suspirando, ele der-

ramou o bourbon barato no copo e o bebeu de um gole, fazen-

do uma careta que o espelho refletiu.

Tirou o palet�� e camisa e preparou-se para fazer a

barba. Ent��o, meio sorridente, disse: ��� �� melhor me livrar

desta catinga de branco; n��o h�� necessidade de me arriscar,

e se despiu. A ��gua da casa era sempre escaldante. En-

quanto enchia a banheira considerou: "Superintendente es-

perto; n��o �� o carv��o dele". Espichou-se na ��gua quente e

continuou com os seus pensamentos. "N��o pode ser um

negro, um negro n��o usa o carv��o dos brancos para esquen-

tar ��gua para outros negros e tomar banho tamb��m. N��o

�� um negro americano. Deve ser um Mau Mau disfar��ado

de zelador a produzir carv��o e escassez de ��gua".

O escrit��rio de Hobson era um edif��cio na Quarta Ave-

nida. Uma recepcionista idosa e sisuda o confundiu com

um mensageiro quando ele pediu para ver o sr. Pope. Quan-

do ele explicou que desejava falar sobre seu pr��prio manus-

113

crito, ela enrubesceu ligeiramente apressou-se a anunci��-lo

ao sr. Pope.

��� V�� at�� o fim do corredor e vire a direita, ela orien-

tou, sorrindo simpaticamente. ��� O escrit��rio dele �� o ��ltimo

no canto. Ele estar�� esperando pelo senhor. Isto �� da me-

lodia: "Estarei esperando por voc��, Nellie", ��� pensou,

sorrindo interiormente. ��� N��o espero que ele pule da janela.

N��o tenho tanta sorte assim.

James Pope era um homem magro, alto, de cabelos

grisalhos, com um bigode brit��nico, misto de Chamberlain

e Eden, e usava roupa de tweed "Brooks Brothere". Ele

rodeou a escrivaninha para apertar a m��o de Jess��, com

um sorriso apolog��tico enrugando seu rosto estreito.

��� Bem-vindo ao recanto do esp��rio. ��� Ele apertou a

m��o de Jess�� e soltou-a rapidamente.

"Preto n��o �� ? " , Jess�� pensou, mas disse alto, sorrindo:

��� Como vai, Jim? Voc�� nos entendeu mal. N��s gostamos

de editores.

Pope puxou uma cadeira de couro, gasta.

��� Sente-se, ��� disse. Foi para detr��s da escrivaninha

e lhe ofereceu cigarros. Jess�� n��o aceitou.

��� N��o posso dizer quanto os censuro, ��� Pope conside-

rou. ��� Atualmente as coisas est��o p��ssimas para as editoras.

Jess�� sentiu o fundo do seu est��mago cair. Quantas

vezes j�� ouvira essas palavras, sempre um pr��logo para a

rejei����o. Mas conservou a apar��ncia.

��� N��s, os escritores modernos estamos estragados. Anti-

gamente, um escritor passava fome numa mansarda durante

cinq��enta anos e escrevia setenta livros, todos eles obras-

primas. N��s escrevemos apenas um livro e queremos ficar

ricos. Eu ponho a culpa disso em Margaret Mitchell.

O rosto de Pope retomou sua express��o habitual de ver-

gonha e culpa, semelhante ��quela de um homem que assas-

sinou sua m��e, jogou o corpo em um po��o, para depois ser

assombrado para sempre pela sua fisionomia meiga e

sorridente.

��� Receio ter m��s not��cias para voc��.

Jess�� apenas olhou para ele, pensando: "Quaisquer que

sejam as m��s not��cias que voc�� tem para me dar ��� como

se eu n��o soubesse ��� voc�� vai ter de diz��-las sem minha

ajuda. Eu sou um daqueles negros impolidos".

114

��� Lemos seu livro seis vezes e o sr. Hobson decidiu

desistir da op����o.

Jess�� estava preparado para isso desde o momento em

que lera a carta de Pope, mas agora, antes que a rea����o

se manifestasse ele se sentia apenas argumentativo.

��� Eu pensei que voc��s iam fazer alguns cortes.

Pope enrubesceu ligeiramente.

��� Era minha opini��o. Eu gosto do livro. Lutei por ele

at�� o fim. Acho que tudo que precisa �� alguns cortes. Po-

r��m, Hobson acha-o uma autobiografia fict��cia, e tamb��m

n��o gosta do t��tulo.

"Eu Estava Procurando uma Rua", Jess�� citou, revol-

vendo aquelas palavras na cabe��a. "Eu estava procurando

uma rua que pudesse entender", pensou, e por um momento

perdeu-se na lembran��a da procura.

��� Ele disse que d�� a impress��o de um bombeiro pro-

curando o endere��o de uma prostituta, ��� Pope comentou

com seu sorriso apolog��tico.

Jess�� sorriu:

��� Uma raz��o para ser vendido.

Pope assumiu novamente sua apar��ncia de culpa e

vergonha.

��� A verdade �� que a fic����o vai muito mal. Este �� o

nosso pior ano para a fic����o.

��� Por que ent��o n��o o publica como uma autobiografia?

��� Daria no mesmo. Hobson acha que o p��blico j�� est��

farto de romances de protesto, e em considera����o, devo

dizer que concordo com ele.

��� Contra que protesta este livro?, ��� Jess�� argumentou.

��� Se h�� algo nele, �� trag��dia, mas n��o protesto.

��� Na opini��o geral dos leitores �� muito sofrido. �� muito

forte ��� e em alguns aspectos quase vulgar.

��� Que voc�� me diz de Rabelais? Da Educa����o de Gar-

gantua? H�� algo mais vulgar do que isso?

Pope olhou para ele com os olhos semicerrados e

arrazoou:

��� Mas certamente voc�� percebe que �� s��tira. Rabelais

estava satirizando a Renascen��a humanista ��� e certamente

uma das melhores s��tiras j�� e s c r i t a s . . . por��m isto aqui

��� bateu de leve no manuscrito cuidadosamente embrulhado

em papel marrom que estava em cima da escrivaninha ��� ��

protesto no duro. �� muito v��vido, mas destitu��do de humor.

115

Encerra demasiada amargura e carece da simples p��ndega

animal.

��� Eu n��o estava escrevendo sobre animais...

��� O leitor �� envolvido em um torvelinho de amargura

e desespero do princ��pio ao f i m . . .

��� Eu pensei que houvesse algo engra��ado nele.

��� Engra��ado!, Pope encarou-o incr��dulo.

��� Aquela parte onde os progenitores usam traje a rigor

no funeral do filho mais velho, ��� Jess�� lembrou, observando

a express��o de Pope e pensando "Que podia ser mais en-

gra��ado do que negros com traje a rigor? Aposto que voc��

ri com o diabo quando v�� Amos e Andy na televis��o".

Pope olhou como se tivesse rapidamente se defrontado

com uma cobra, mas era muito cavalheiro para perguntar

a cobra se ela era venenosa.

��� Muito bem, talvez voc�� n��o ache aquilo engra��ado...

��� Aquilo me fez chorar, ��� Pope acusou solenemente.

"Suponho que voc�� pensa que n��o chorei quando escrevi

aquela parte", Jess�� pensou, por��m disse em voz alta:

��� Mas, como voc�� concluiu que o livro �� um protesto?

Parecendo subitamente perdido, Pope respondeu:

��� Voc�� matou um filho e destruiu o outro, matou o pai

e arruinou a m �� e , . .

Jess�� pensou: "Da mesma forma que voc�� tamb��m en-

contra ruas que n��o entende. �� por isto que o livro �� um

protesto; os negros devem sempre viver felizes e nunca

morrer".

Pope deu de ombros:

��� Shakespeare.

Jess�� meneou os ombros:

��� Jesus Cristo! Uma boa coisa ele n��o estar vivendo

agora. Seus amigos jamais conseguiriam publicar um livro

sobre ele.

Pope sorriu:

��� Voc�� �� um escritor bom como o diabo, Jess��. Por que

n��o escreve um romance sobre um negro bem sucedido?

Uma est��ria inspirada? O p��blico est�� cansado de ler sobre

os apuros dos negros pobres e oprimidos.

��� Eu n��o tenho tanta imagina����o.

��� Que tal sobre voc�� mesmo. Voc�� certamente �� uma

est��ria de sucesso, publicou dois livros que foram muito

bem recebidos.

116

��� �� o que tenciono.

��� N��o o entendo.

"Claro que n��o entende", Jess�� pensou. N��o se deu ao

trabalho de lembrar-lhe que alguns momentos antes ele

chamara de autobiografia, romance rejeitado. Ao inv��s,

levantou-se e pegou o manuscrito.

��� N��o h�� nada mais f��til do que argumentar com uma

rejei����o.

��� Voc�� n��o nos deve nada, ��� disse Pope, levantando-se

tamb��m.

Jess�� sorriu:

��� Se eu recebesse quinhentos d��lares de cada seis leito-

res, logo alcan��aria Norman Vincent Peale.

Pope acompanhou-o at�� o elevador, apertou o bot��o e

ficou com ele.

��� De minha parte eu gostei do livro, Jess��. �� um

trabalho poderoso.

��� Obrigado.

��� E por favor, n��o pense em mim como inimigo. Man-

tenha contato comigo.

��� Manterei, obrigado.

��� Vou ficar em "Brealoaf" no m��s de agosto. Gostaria

muito que voc�� fosse passar um fim-de-semana comigo.

Jess�� lhe deu uma olhadela curiosa.

��� Obrigado.

A porta do elevador abriu. Eles apertaram as m��os

novamente.

��� Boa sorte com o seu manuscrito, ��� disse Pope.

��� Obrigado.

Havia duas mulheres e tr��s homens ao lado do ascens-

sorista, por��m, Jess�� j�� estava ensimesmado e n��o os viu.

��� Jess�� Robinson, ��� ele disse distintamente.

Uma das mulheres levou um pequeno susto e todos se

viraram para olh��-lo.

��� Que voc�� achou, filho, ��� ele continuou:

��� Eles o barbearam de gra��a e ainda lhe foreceram

um drink.

As duas mulheres foram para o canto mais distante do

elevador e olharam para a frente. Os homens fixaram-no

curiosamente, mas ele estava alheio. Sorriu.

��� O burro, ��� exclamou.

117

Jess�� p��s o manuscrito na c��moda no meio de outros

trastes, derramou o bourbon barato num copo at�� a metade

e o bebeu de um gole, fazendo uma careta que o espelho

refletiu. "Voc�� estava procurando uma rua, hein, filho",

murmurou. "Mas tudo que encontrou foi um beco sem sa��da".

Ele almo��ara bem, comera duas costeletas de porco fritas,

batatas fritas e torta de ma���� em um restaurante na Avenida

Amsterdam, mas estava com fome novamente. Os ovos

tinham acabado e o leite azedara. Ent��o, mastigou um

peda��o de chocolate distraidamente e derramou outro drink,

pensando: "Quando estiver em d��vida, mantenha-se indife-

rente, beba uma garrafa de bourbon. E depois de um mo-

mento: "Voc�� se empregou para isto, filho. Ningu��m o

obrigou. Voc�� foi o melhor porteiro que Briggs & Sons j��

tiveram; o pr��prio velho Briggs d i s s e . . . " Seus pensamen-

tos se perderam, sua mente ficou vazia e por um momento

ele permaneceu com o polegar direito comprimindo a boche-

cha esquerda e com o indicador acariciando o l��bio superior.

Em seguida deu uma olhada na sua caderneta de banco

e verificou que restavam apenas $198.47 dos $500.00 que

tinha. Sentiu um ligeiro choque. "Oh, como o lucro �� fugaz",

pensou e recitou alto alguns versos que aprendera na sua

inf��ncia:

Oh, como o pernil cheira

Oh, como os pensionistas gritam

Quando ouvem aquele sino tocar.

Sorriu silenciosamente e disse: "Est�� muito certo". A

primeira coisa de que se apercebeu foi que estava cami-

nhando pelo Convent em dire����o do City College. Durante

as duas horas que transcorreram sua mente foi um espa��o

vazio. Eram seis e trinta de uma suave noite de abril. Os

estudantes iam em grupos para o metr�� na Rua 145a. Ele

foi em outra dire����o, caminhando contra a multid��o. Cam-

baleava um pouco, mas n��o se sentia b��bado. Embora n��o

soubesse quando sa��ra de casa nem para onde pretendia ir,

n��o estava preocupado. Estava acostumado a estas perdas

de mem��ria, e tanto quanto sabia, nada horr��vel jamais lhe

acontecera durante uma delas. No momento n��o se lem-

brava da rejei����o, mas se sentia estranhamente deprimido

por uma raz��o que n��o podia especificar, e nos mares pro-

118

fundos da mem��ria come��ou a cantar silenciosamente sua

n��nia particular: "da-da-dee".

di

dee

deeeee

dee

da

da da-da-da





do


da-da


dee

dee-dee

d a





da


dee-dee


doooooooo

do

Na Rua 140." desceu a ladeira ��ngreme em dire����o ��

Avenida S��o Nicolau. Aos seus sentidos perturbados, a

ladeira pareceu plana, mas seu corpo tendia a cair, assim

come��ou a correr a fim de n��o ficar atr��s de sua cabe��a

que parecia estar um pouco a frente dele. Quando passou

pela igreja na esquina da Avenida Hamilton, pensou meio

divertido: "Abri a porta, irm��os, o diabo est�� me perse-

guindo; eu vou aparecer uma vez mais por todos os lados do

quarteir��o uma vez m a i s . . . "

Em seguida percebeu que estava sentado sozinho no

" F r a n k ' s " comendo torta de ma���� coberta com sorvete e

que um irm��o escuro, troncudo, sentado com uma irm��

escura, rechonchuda, �� mesa em frente a ele, dizia com um

sorriso tolerante: �� uma teoria interessante, jovem ��� pare-

ce-me que j�� ouvi isto antes ��� mas n��o acredito que resol-

veremos nosso problema criando um estado s�� de negros.

P a r a quem ir��amos trabalhar? Meu ponto de vista �� o

seguinte: precisamos de mais negros donos de f��bricas. Os

negros ricos deviam montar mais f��bricas para dar emprego

aos negros pobres. �� assim que os brancos fazem e por

isso que eles conseguiram tudo. Tome Joe Louis e todo o

dinheiro que ele t i n h a . . .

A aten����o de Jesse se desviou. A mulher parecia desa-

provar. Ele imaginava o que o outro tinha dito. Finalmente,

quando o homem terminou de expor suas teorias sobre negros

propriet��rios de f��bricas, negros propriet��rios de navios,

negros propriet��rios de arranha-c��us, e perguntar porque

os negros do sul n��o se juntavam e compravam uma grande

extens��o de terra, os do norte n��o se juntavam e faziam

seus pr��prios autom��veis, distilavam seu pr��prio u��sque e

119

enlatavam seus pr��prios legumes, e os da ��frica do Sul

n��o exploravam seus pr��prios diamantes, Jess�� disse:

��� �� apenas uma id��ia.

Sentiu-se s��brio quando olhou ao acaso para as fisiono-

mias dos comensais. Havia aqui e ali casais inter-raciais

e nos fundos, diversos brancos, provavelmente fam��lias,

agrupados ao redor de tr��s mesas. Embora o restaurante

estivesse localizado na Rua 125.a, no cora����o do Harlem,

quando Jess�� veio �� New York pela primeira vez, h�� seis

anos passados, os negros s�� eram servidos em um lado.

Agora, eles podiam comer em qualquer lugar. "V��, meni-

no", disse a si pr��prio. "Algum dia acordaremos e nota-

remos que a quest��o racial "j�� era", que tudo mudou, que

todas as pessoas est��o vivendo em completa harmonia, sem

nenhuma preocupa����o com a cor. Sorriu pelo nariz e acres-

centou: "Mas o velho Gabriel vai ter um trabalho danado

com a sua trompa".

O gar����o lhe trouxe a conta de um rosbife, sopa e salada.

��� Devo ter comido isto, ��� murmurou.

Em resposta ao olhar perplexo do gar����o acrescentou:

��� �� sempre bom saber o que se come.

��� O senhor pode sempre contar com o " F r a n k ' s " , ���

disse o gar����o, sorrindo.

A conta era $3.05. "Muito certo", Jess�� pensou. "Fiz

mal em n��o ter vindo aqui primeiro".

Fora a noite estava quente. Todos os moradores do

Harlem pareciam ter vindo para a rua. Jess�� caminhou

pelo meio da multid��o, empurrando e sendo empurrado.

Aqui e ali uma voz ��spera e forte se destacava do barrulho

efervescente. O inesquec��vel cheiro de maconha pairava

naquela atmosfera de vapores de motores, ��guas-de-col��nia

baratas, ��lcool, mau h��lito, suor fedorento, poeira e fumo.

"Ir flutuando para o c��u em um sonho", Jess�� pensou.

Foi para a S��tima Avenida e ficou por um momento

vendo os pretos ricos passarem com seus brotos em Cadil-

lacs lustrosos. "Voc�� n��o pode competir com eles, filho",

disse. "O c��u j�� �� aqui, n��o precisa ir adiante". Deu uma

volta e foi para o bar Apollo, onde come��ou a beber gin

com cerveja. Uma prostituta negra, desmazelada, aproxi-

mou-se de um preto alto com um terno de gabardine verde

que estava sentado em um tamborete ao lado dele e pergun-

tou-lhe com voz grossa:

120

��� Quer ver uma garota, querido?.

��� Onde est�� ela?, ��� ele perguntou. Jesse sorriu con-

sigo mesmo.

Em seguida viu-se na galeria do Cine Apollo assistindo

um filme de gangsters. Uma n��voa formada por vapores de

maconha tornava indistintos os rostos estranhos que apa-

reciam na tela. Dois ladr��es no filme estavam discutindo

por causa de um roubo, quando um deles sacou do rev��lver

e matou o outro. Jess�� pensou: "Resolvido agora". Algu��m-

do outro lado disse: "Vem f��cil, vai f��cil". Outro acrescen-

tou: "Pegue o seu no c��u". P a r a n��o ser sobrepujado um

terceiro disse: "Abra a porta, Pedro". Jess�� disse: "Seu

povo, filho".

Os vapores de maconha que inalara, deixaram-no em-

briagado e o filme que era em preto e branco come��ou a

ficar colorido. "Se eu ficar sentado aqui o tempo suficiente,

o problema resolver-se-�� por si pr��prio", pensou. "Todo

mundo ficar�� verde".

Saiu e caminhou debaixo de um brilhante c��u purpura;

as casas de c��modo escurecidas pela fuma��a pareciam tijo-

los vermelhos, janelas amarelas e peitoris verdes; e as luzes

dos bares caindo no caminho sujo eram como fogos fosfo-

rescentes. "N��o �� de admirar porque eles fumam", pensou.

Depois disse alto:

��� Todo homem �� seu pr��prio Nero.

��� O qu��?, ��� uma voz feminina perguntou.

Olhou ao redor e viu uma mulher de bra��os com ele.

��� Al��, ��� disse.

��� Al��, ��� ela respondeu, pensando que ele estava ca-

��oando. Ele tinha estado a pagar-lhe bebida no "Small's"

durante uma hora e agora ela o estava levando para sua

casa.

��� �� aqui, meu bem, ��� ela disse, dirigindo-o para um

pr��dio de apartamentos de cor violeta. Olhou bem para ela

e viu que era uma mo��a bonita, morena, em um traje azul.

Sua boca de l��bios polpudos parecia um rim de carneiro e

seus brilhantes olhos negros eram como duas baratas g��meas.

Ela sorriu com dentes t��o amarelos quanto can��rios.

�� uma e meia encontrou-se tendo dificuldade com as

chaves da porta da frente do apartamento onde morava.

N��o sabia se tinha ido para a cama com a mulher ou n��o,

porque no momento j�� a esquecera. N��o sabia h�� quanto

121

tempo estava lidando com as chaves. Finalmente, conseguiu

abrir a porta e teve quase a mesma dificuldade para fech��-

la de novo. Vagarosamente, andou ��s apalpadelas pelo hall

escuro. Napole��o rosnou, mas n��o atacou, n��o tinha certeza

se era um gatuno ou apenas o inquilino. Jess�� notou logo

que a roupa de cama desaparecera. Em seguida seu olhar

se dirigiu para o manuscrito.

At�� ent��o, nada parecera estranho. Agora ele estava

mergulhado em um estado mental onde nada parecia natural.

Becky tinha se ido, e o livro voltara. Voc�� n��o pode casar

com um livro. "Por mais que voc�� durma com ele, voc�� n��o

consegue filho", pensou. "Al��m disso, filho, voc�� deveria

ter procriado mais manuscritos que a era Vitoriana". Olhou

para seu reflexo no espelho. O rosto oleoso estava abatido,

os olhos vidrados e fundos, e duas linhas profundas emol-

duravam a boca. "Jess�� Robinson", disse. "Voc�� n��o pode

comer amargura, filho. De qualquer maneira, �� natural.

Na����o crist��. N��o se esque��a disto. Os pag��os castraram

todos os escravos negros. Os crist��os deixaram-nos ter fa-

m��lias. �� maneira crist��. Lucrativa tamb��m. N��o se esque-

��a do lucro. Quanto mais papais mais negrinhos gerados.

N��o fique triste, filho. Lembre-se, era neg��cio. Engra��ado,

realmente. Engra��ado como o diabo se voc�� entender a ane-

dota do ingl��s que disse ao canibal: "Voc�� me come, seu

selvagem, mas vai sofrer o diabo para me digerir. Ningu��m

jamais digeriu um ingl��s. Os negros n��o s��o dif��ceis de

digerir, mas nossos crist��os t��m est��mago fraco. Eles n��o

podem digerir sua pr��pria Cristandade. Que pena! filho.

�� t��o mal e t��o triste que voc�� est�� louco. N��o adianta ficar

furioso, filho. N��o os censure tampouco. Foi muito dif��cil

para eles conquistarem este mundo, n��o faz sentido deixa-

rem agora que alguns idiotas lamuriantes como voc�� parti-

cipem dele. Povo ajuizado. Veja o que eles fizeram com a

Cristandade. Aqui um pobre m��rtir morreu para fazer seu

povo livre. E este povo usou sua filosofia para escravizar

o mundo. Se isto n��o for esperteza, tem que ser. Fique

esperto tamb��m, filho. Seja feliz. Sorria. Os grandes dentes

brancos de um negro valem mais do que uma educa����o

superior. Mostre seus dentes, filho. Mostre seu valor.

Mostre suas gengivas com um sorriso". Procurou a gar-

rafa de u��sque e achou-a quase acabada. N��o se lembrava

de ter bebido a maior parte dele. "N��o �� de admirar",

122

disse, derramando o que restava em um copo. Ergueu-o

para seu reflexo e disse: "Sorria". Careteou quando a be-

bida queimou garganta abaixo.

Antes de acabar de se despir, a n��nia come��ou fraca-

mente nos mares profundos da sua mem��ria:

dee-dee-dee-dee dee dee dee dee

o

o o o o doooooooooooooooooooo

Depois de ter ido para acama ficou por um momento

matutando sobre o que faria com o manuscrito, se empe-

nhar-se nele com afinco, fazendo os necess��rios cortes e

revis��es, antes que o dinheiro acabasse ou procurar encon-

trar outro editor e conseguir um contrato primeiro. "Um

escritor escreve, um lutador luta", murmurou finalmente.

"Voc�� se precipitou, filho. Esta �� a ��poca dos grandes luta-

dores negros. O pr��ximo s��culo ser�� o dos grandes escrito-

res negros. Eles fizeram uma brincadeira suja com voc��.

Voc�� podia ter sido um grande lutador, mas algum piadista

p��s uma pena na sua m��o. Voc�� devia t��-lo espetado

dee-dee-dee-dee dee dee dee dee

o

o o o o o doooooooooooooooooooo

Quando ele se deitou o quarto rodou. Seu cora����o bateu

vagarosa e fortemente como uma bomba artesiana, sacudindo

o corpo todo. Sentiu-se fisicamente exausto, mas a mente

continuou febril, agitando-se convulsivamente, como se esti-

vesse nas vascas da agonia. Decidiu ler e pegou "O Espec-

tador" de Gorki. O livro se abriu e ele se viu lendo repeti-

damente com um atordoamento febril as duas linhas que j��

lera umas cem vezes: "Clim ouviu algu��m na multid��o per-

guntar gravemente, cheio de d��vidas: "Mas havia realmente

um rapaz? Talvez n��o houvesse rapaz absolutamente". Ele

estava convencido que aquelas palavras continham uma men-

sagem, que por meio delas alguma for��a estivesse se esfor-

��ando algum profundo conhecimento, talvez toda a solu����o

para o mist��rio, o qual n��o podia i n t e r p r e t a r . . . Talvez n��o

houvesse um rapaz absolutamente... Talvez n��o houvesse

um rapaz absolutamente..." Sobre a ��gua encrespada flu-

tuava apenas um bon�� de astrac��. As pequenas ondas que

123

se formaram estavam avermelhadas aos raios do crep��s-

culo... Talvez n��o houvesse um rapaz absolutamente...

Batendo no rapaz! Esta �� a forma que os negros intelec-

tuais se referem a discuss��es do problema negro: Batendo

no r a p a z ! . . . Talvez n��o houvesse problema absolutamen-

t e . . . Aquele �� o len��ol que voc�� conseguiu alvejar. Qual ��

seu plano, Charlie C h a n ? . . . Ele sentiu que a solu����o estava

contida em uma senten��a. Em duas palavras, talvez... Ele

tentou a combina����o de p a l a v r a s . . . Preto-amor... preto-

m a g r o . . . branco-direito... branco-luz... repetir-derrotar...

mudan��a-mesmo... mudan��a-ficar... mudan��a-sempre...

Ad��o-��tomo... beige-idade... sangue-preto... sangue-mistu-

r a r . . . tempo-queda... tempo-n��vel... Mas seus pensamentos

voltaram repetidas vezes para a combina����o: branca-mu-

I h e r . . . Ele sofreu um frenesi de frustra����o... problema-

mulher... problema-Negro... problema-branco... branca-

mulher... O esfor��o deixou-o aturdido... fim-rapaz... fim-

problema... fim-branco... fim-fim... A n��usea cresceu em

seu est��mago como uma bomba prestes a a r r e b e n t a r . . . "

Alguma coisa chegou ao fim. Maldito seja! . . . O quarto

come��ou a rodopiar. Ele fechou os olhos para firm��-lo...

Ele sonhou que estava em uma casa com mil quartos

de diferentes tamanhos feitos inteiramente de espelhos de-

formados. Havia outras pessoas ao lado dele, mas n��o podia

dizer quantas porque seus reflexos iam para o infinito nos

espelhos deformados. Nem podia ver suas formas verda-

deiras, porque em um espelho eles pareciam an��es e em

outro esqueletos. Tomado de p��nico, ele correu de quarto

para quarto, procurando encontrar uma forma humana fami-

liar, mas viu somente os reflexos grotescos, as faces brutais

de algumas deforma����es, os sorrisos meigos de outras, as

bocas gentis, os olhares sinistros, os sorrisos trai��oeiros, as

carrancas amea��adoras, rancorosas e bestiais, santas e

sofredoras, graciosas e bondosas, e ele sabia que nenhuma

delas e.a o rosto verdadeiro; continuou a correr com um

terror fren��tico at�� que encontrou uma porta e fugiu. A

casa estava numa colina mais alta que O Empire State

Building e dos degraus ele podia ver toda a Ilha Manhattan

da Battery ao Cloister, o East e West Side, e podia ver todas

as pessoas nas ruas e trabalhando nos edif��cios e nos lares,

como se as paredes fossem de vidro, os pretos e os brancos,

os crist��os e judeus, povos de todas as nacionalidades que





124


moravam e trabalhavam ali naquele lugar, lado a lado, dia

ap��s dia, todos fisicamente bem, com express��es normais

nos seus rostos, e ele via dentro de suas mentes e lia seus

pensamentos, e estes eram pensamentos normais que tinham

estado associada com a mentalidade humana desde o prin-

c��pio da hist��ria registrada, mas do seu ponto de vista, esta

luta normal pela exist��ncia parecia t��o fortemente defor-

mada pela idiotice emocional, amores e ��dios insensatos,

ambi����es lun��ticas, paix��es bestiais, racioc��nios grotescos,

comportamento fant��stico, que ele se virou com horror e

voltou correndo para a casa dos espelhos deformados, onde

por compara����o tudo pareceu normal.

Ele se agitou no sono, rangeu os dentes e gemeu, e uma

vez fez um movimento como se estivesse esfaqueando algu��m

e gritou com f��ria insensata: "Eu o mato!"

��s nove horas, acordou, levantou-se e olhou para seu

corpo nu no espelho. O rosto estava inchado e tinha o brilho

oleoso causado pelo excesso de bebida; os olhos estavam

vidrados e com uma express��o que se aproximava da estu-

pidez. Repuxou os l��bios e examinou os dentes amarela-

dos. Ainda n��o tinha ressaca, mas seus sentidos estavam

amortecidos. Por cinco minutos fitou o manuscrito embru-

lhado no papel sem nenhum pensamento consciente. O quar-

to parecia ondular quase imperceptivelmente. Fora o dia

estava cinzento. Virou a aten����o para o rel��gio e observou

o ponteiro dos minutos mover-se de 9:7 para 9:10. Sem

estar consciente da raz��o porque fazia assim, pegou a faca

de cabo de madrep��rola, abriu-a e ficou olhando para o ma-

nuscrito por dois minutos. Abruptamente, com um grito de

raiva, um som animal, metade ��ivo e metade grito, esfa-

queou o manuscrito com toda sua for��a. A l��mina forte pene-

trou nas p��ginas sem quebrar. Ent��o de repente, tudo

ficou preto em sua mente.

Grunhiu uma risada e disse alto "Realmente, protesto

agora!" A combina����o deste pensamento com a vis��o da

faca enterrada no manuscrito, divertiu-o amplamente. "Voc��

�� um rapaz formid��vel, filho", disse. "Pope devia ver isto

agora". Mas, �� um n�� freudiano, n��o um n�� g��rdio, filho".

O pensamento de qualquer sorte, firmou-o um pouco. "Mere-

ce um drink", disse. Pela primeira vez notou a garrafa

vazia de u��sque. "Morta tamb��m", disse meio sorridente.

"Mate-os todos".

125

P��s o roup��o, os sapatos de casa e foi para o banheiro.

A porta do quarto de Leroy estava aberta, mas ele e seu

rapaz estavam fora. Pela janela entreaberta, olhou para a

parede do convento. Napole��o veio da cozinha e rosnou

quando ele passou.

Passando pela cozinha viu duas garrafas de u��sque par-

cialmente cheias entre as ru��nas orgi��sticas. Obedecendo

um impulso, bateu na porta do sr. Ward, como ningu��m

respondeu, foi para a cozinha e encheu um copo de u��sque,

tirando metade de cada garrafa. Napole��o ficou �� dist��ncia

e rosnou amea��adoramente. Nero pestanejou sonolento na

sua cama debaixo do fog��o. Na pia havia pilhas de pratos

sujos. O balde de lixo detr��s da porta estava cheio de cara-

pa��as de carangueijos. Ele bebeu o u��sque de um trago,

ofegou, careteou, e depois disse sorrindo: "Talvez eles

bebam puro".

O cachorro rosnou para ele de novo. Cuidadosamente,

Jess�� p��s o copo na mesa. "Filho, disse para o cachorro.

Isto vai ser o seu Waterloo". Pegou um cinto de couro no

arm��rio das vassouras. Percebendo sua inten����o, Napole��o

procurou prote����o debaixo do fog��o ao lado de seu pai.

"Seu papai n��o pode lhe ajudar agora, filho", disse, adian-

tando-se. E seu papai de brincadeira n��o est�� aqui". Bateu

no cachorro com a ponta do cinto. O animal ganiu e correu

para a cozinha. A��oitou-o no traseiro quando ele passou pela

porta. O cachorro escorregou no assoalho encerado. Se-

guindo-o rapidamente, ele lhe bateu novamente, escorregan-

do e chocando-se contra a c��moda. O animal latiu e o homem

imprecou. O cachorro correu para o quarto de Leroy. Ele

o seguiu. O cachorro agachou-se debaixo da cama. Ele se

ajoelhou e o atingiu de lado. O cachorro correu para o hall

novamente. Ele o perseguiu e o a��oitou outra vez, chocan-

do-se contra a est��tua de m��rmore que bloqueava a pas-

sagem. Fez um esfor��o desesperado e pegou a est��tua antes

que ela ca��sse no ch��o, amortecendo sua queda, e caiu por

cima dela. Levantou-se meio tr��mulo e com algumas machu-

caduras e a rep��s na mesa. "Boa coisa voc�� n��o estar em

Georgia, filho", disse a si mesmo. "Caso de estupro iniciado

e encerrado".

Voltando �� cozinha, viu o cachorro tremendo em um

canto debaixo do fog��o. "Que isto lhe sirva de li����o", disse

a ele, repondo o cinto no arm��rio das vassouras. Sorrindo,

126

acrescentou: "Sim senhor, justamente da forma que os

brancos batem em n��s, negros; bati tanto na cabe��a daquele

bastardo negro que n��o tive mais for��as".

Bebeu o resto do u��sque e voltou para seu quarto. As

paredes tinham ficado firmes e ele se sentiu quase normal.

"Telefonar a Kriss ao meio-dia", lembrou-se.

Depois de tomar banho, barbear-se, escovar os dentes

e vestir um conjunto esporte, foi ao banco e retirou cinq��en-

ta d��lares. Em seguida, tomou caf�� com salchichas fritas,

ovos mexidos, canjica e torradas. No caminho de casa parou

em um bar e tomou gin e cerveja; depois comprou uma

garrafa de u��sque bourbon barato em um armaz��m de bebi-

das para levar consigo.

Encontrou Napole��o no hall da frente, espiando cuida-

dosamente embaixo da mesa que servia para a estranha

parada de animais, para ver se era amigo ou inimigo.

"Inimigo!", ele disse entre dentes e o cachorro fugiu para

a cozinha. Os homossexuais ainda estavam fora, assim,

desarrolhou sua garrafa e derramou nas respectivas gar-

rafas a quantidade que tinha bebido. Depois pegou alguns

cubos de gelo e uma garrafa de ginger-ale. O manuscrito

esfaqueado na c��moda acusava-o. "Desde que ningu��m vem

para o enterrar, Cesar, eu pr��prio o enterrarei", disse e c

guardou no arm��rio ao lado de sua cama. Isto feito, sentou-

se no sof�� e sorvendo u��sque contemplou a cidade cinzenta

no dia cinzento: "Sete milh��es de pessoas. Se cada pessoa

tem meia libra de c��rebros, s��o tr��s milh��es e quinhentas

mil libras de c��rebros. Parece que esta quantidade de c��re-

bros devia produzir a solu����o", pensou. "Mas n��o acontece

assim. H�� algo errado. A solu����o ainda est�� no c��u e o

anjo que puseram para tomar conta do compartimento cere-

bral n��o sabe ler. Mesmo que os c��rebros passassem Deus

os condenaria por falta de ingredientes racionais. Se Deus

n��o substitu��-lo logo, vai perder o mundo. �� uma p e n a . . . " .

��s doze horas, p��s o chap��u, pendurou a capa de chuva

no bra��o, foi ao subsolo e telefonou a Kriss. O telefone dela

estava ocupado. Saiu do edif��cio e foi para a Rua 145.a. Cam-

baleava um pouco, mas n��o se sentiu b��bado. Figuras fan-

tasmag��ricas passavam por ele e os edif��cios balan��avam

suavemente. Sentiu-se sard��nico e autodepreciativo. "Pro-

curando a fonte dos milagres, hein, filho?", pensou.

127

Ocorreu-lhe enquanto cambaleava ao longo do seu cami-

nho que desde seu regresso �� cidade n��o tinha encontrado

na rua, uma vez sequer, uma pessoa conhecida. "Voc�� ��

um castelo no ar, filho", murmurou. "Algo que voc�� inven-

tou. Outras pessoas fumam diferentes misturas".

Na Rua 145.a, virou em dire����o ao Restaurante Chin��s.

Depois de tomar dois gin-e-cerveja, telefonou a Kriss nova-

mente. O aparelho ainda estava ocupado. "Desista", murmu-

rou irritado, e tomou mais dois gin-e-cerveja, imaginando

com quem ela poderia estar falando tanto tempo e sentindo-se

vagamente ciumento. Depois desta tentativa, come��ou a se

sentir frustrado. "Est�� certo, querida", disse. "Este ��

Sugar Hill ��� se um n��o quiser, outro quer.

O cheiro de piment��o frito na cozinha do sub-solo des-

pertou seu apetite. Sentou-se �� mesa e pediu torta de carne

de porco e piment��o e depois "Egg Foo Young". A comida

eliminou sua irrita����o, mas quando se levantou para tele-

fonar sentiu-se tenso novamente. "��timo", disse, decidindo

ir para o apartamento dela ao inv��s de telefonar novamente.

Quando saiu vislumbrou algu��m com rosto moreno em forma

de cora����o que pensou ser Becky. Enquanto n��o percebeu

o engano, seu cora����o pulsou angustiosamente. Notou que

ofegava. A cena familiar modificou-se, tornou-se estranha.

"N��o aquela rua, filho", disse, e entrou no bar novamente.

Enquanto bebia outro gin-e-cerveja come��ou a estudar seu

reflexo no espelho.

Uma mulher de pele bronzeada, bem vestida, elegante,

sentada a dois lugares distante dele, observou:

��� Ele parece familiar, n��o parece?

�� sua vis��o um tanto emba��ada ela parecia ter a idade

de Kriss e ser solit��ria e prudente. Ent��o, sua aten����o voltou

para si mesmo.

��� V�� aquele sujeito, ��� ele come��ou, apontando para seu

reflexo. ��� �� o que os brancos chamam um primitivo.

Ela sorriu da sua ingenuidade:

��� N��o deixe que isto o preocupe, meu bem. Eles gos-

tam de primitivos.

Ele continuou como se n��o a tivesse ouvido:

��� Ele �� perigoso, uma amea��a �� sociedade. Logo, ele

ser�� t��o branco, rico e respeitado quanto negro, pobre e

desprezado. Isto prova ali mesmo que ele �� louco...

128

A pr��xima coisa que percebeu foi que eram cinco horas

e ele estava entrando no pr��dio onde morava, a fim de ver

Susie, consolando-se com o ad��gio sem gra��a: "Uma barata

na sopa do dia �� mais nutritiva que todo o mel do pr��ximo

ano".

N��o tinha lembran��a da amarga invectiva contra si pr��-

prio: "Aquele sujeito pensa que �� escritor. Ele uma vez

escreveu para ser publicado: "Considero meu dever escre-

ver sobre a verdade como eu a vejo". E ele fez mais pes-

soas infelizes, provocou mais ��dio ��� e animosidade ��� dei-

xe-me dizer-lhe ��� fez mais inimigos com sua vers��o da

verdade do que o pr��prio Senhor".

��� Ent��o, por que voc�� faz isso, meu bem?, ��� ela per-

guntou calmamente.

A pergunta o assustou. Depois de um momento de refle-

x��o, ele respondeu:

��� Entende o que eu quero dizer? Louco, sem d��vida

alguma. Quer dizer a verdade. Crucifique-o logo, antes

que ele encontre algum tolo que acredite nele.

N��o se lembrava de ter telefonado a Kriss tr��s vezes;

de ter pedido �� telefonista para fazer a liga����o; de ter

conclu��do que Kriss deixara o fone fora do lugar para evitar

falar com ele porque havia algu��m l��; de ter voltado para

o bar e pago a conta; de ter inten����o de ir ao apartamento

de Kriss e for��ar sua porta; da mulher que o parou, perce-

bendo sua inten����o:

��� Por que se preocupar com uma mulher branca, meu

bem, se ela n��o o quer ver?

��� Como voc�� sabe que ela �� branca?

��� Eu ouvi voc�� dizer �� telefonista um n��mero de

Gramercy.

N��o tinha lembran��a de ter pago o almo��o dessa mulher

e ter almo��ado tamb��m ��� dessa vez carne de porco ��� de

ter ido ao " J i m m y ' s " e ouvir um comediante nato interpre-

tar maravilhosamente uma vers��o de "O Que Faz O Trigo

Crescer", recitando os seguintes versos com voz vigorosa:

Oh, est�� t��o escuro e acolhedor aqui dentro da vagem

Diziam dois pequenos gr��os a se esfregar

Ent��o, eles come��aram a fazer rimas, rimas para crian��as

Onde havia somente dois gr��os antes

H�� tr��s, quatro ou mesmo mais agora.

129

N��o se lembrava de ter atravessado a rua para jogar

vinte-e-um com essa mulher e outra que eles pegaram, de

perder quinze d��lares e come��ar uma discuss��o; de ter

come��ado a ir para casa a fim de pegar sua faca e depois

ter mudado de id��ia e tomado o metr�� para ir ao aparta-

mento de Kriss; de ter tocado a campanhia continuamente

durante cinco minutos; de ter ido para debaixo de sua jane-

la e insult��-la; do zelador ter aparecido e amea��ar chamar

a pol��cia; de ter se sentado no "White B a r " na Rua Vig��si-

ma Terceira e ficado bebendo gin-e-cerveja e telefonando

para ela cada quinze minutos; de ter desistido finalmente

e tomado o metr�� para a c i d a d e . . .

Assim, agora ele imaginava vagamente porque devia

se consolar, pois quando veio a si, n��o sabia que tivera

inten����o de visitar Susie, pensava que ia telefonar nova-

mente. Foi ao subsolo e telefonou a Kriss no mesmo estado

de esp��rito que estava quando telefonara pela primeira vez,

sem nenhuma lembran��a das suas horas de ��dio e frustra����o.

Nos mares profundos da sua mem��ria ele estava canta-

rolando alegremente "da-da-dee", quando ouviu o telefone

tocar claramente e depois Kriss dizer com sua voz incon-

fund��vel: "A sra. Cummings".

130

CAP��TULO 9

O som do telefone tocando acordou Kriss ��s quatro e

meia. Ela estava dormindo quando Jess�� tocou a campanhia

e fez aquele barulho todo uma hora mais cedo. Levantou-se

abruptamente e anormalmente alerta. Viu logo que o fone

estava fora do gancho e que ca��ra detr��s da mesa, e quando

o pegou o som cessou. Advinhou que era Jess�� quem estava

do outro lado da linha e sorriu alegremente. N��o sofreu

nenhum dos seus p��nicos habituais por causa de seu tele-

fonema. Ao inv��s, experimentou uma sensa����o deliciosa por

ele pensar que ela estivesse a conversar com algu��m. Ent��o,

percebeu que eram quatro e meia, e ela tinha lhe pedido

para telefonar ao meio-dia. Talvez ele tivesse tentado lhe

telefonar em v��o desde o meio-dia. Sentiu-se um pouco

culpada por for����-lo a isso e ao mesmo tempo teve receio

que ele n��o telefonasse novamente. Mas, esta apreens��o

foi rapidamente dispersada por uma sensa����o anormal de

bem estar. Sentiu-se mais descansada e reanimada do que

em qualquer outra ��poca durante anos, e por um momento

n��o se importou que Jess�� telefonasse ou n��o. Por um ins-

tante brincou com a id��ia de n��o atender quando ele tele-

fonasse e ent��o pensasse que ela tivesse sa��do com algum

outro. Seria uma boa li����o para ele, pensou. Negros!

Negros! Negros! Tudo que eles querem �� beber seu u��sque

e dormir com voc�� ��� ficavam furiosos quando ela n��o

cumpria o compromisso... Sorriu com maliciosa sensuali-

d a d e . . . Deixe-o encontrar alguma meretriz no Harlem.

Durma com Maud. Ela sempre o quis. Esse nome des-

pertou um cortejo de lembran��as que ela n��o podia supor-

tar, da mesma forma que n��o podia suportar sua ang��stia

mental e emocional sem as suas p��lulas. Eles me jogaram

aos negros, pensou acusadoramente; embora, talvez se

referisse a sua ra��a inteira quando usou o pronome "eles".

Sabia apenas que desejava ter se casado com um homem

131

branco, culto, direito, bem sucedido na vida, e ter crian��as

como qualquer outra mulher branca.

Quando o telefone tocou novamente ela tinha certeza

que era Jess��. Pegou o fone e disse: "A sra. Cummings"

��� Al��, Kriss, querida, divertiu-se muito?

��� N��o o entendo, querido.

��� �� bastante compreens��vel. Voc�� tirou o fone do gan-

cho. Ele j�� foi?

Ela sorriu para si pr��pria, mas deu a impress��o de estar

zangada quando disse:

��� S��o cinco horas, Jess��, e eu estou com fome.

��� Cinco horas!, ��� ele exclamou espantado.

��� Onde voc�� esteve, querido?

��� Tenho lhe telefonado desde o meio-dia; as horas pas-

saram sem eu perceber, ��� acrescentou ele defensivamente.

��� Devo ter derrubado o fone quando fui para a cama, ���

explicou ela maliciosamente, sabendo que ele n��o acredita-

ria nisso. Voc�� devia ter vindo e tocado a campainha.

��� Tive inten����o.

��� N��o tem import��ncia. Eu dormi bem.

��� Aposto que sim, ela o ouviu murmurar, e para espica-

��ar seu ci��me completou: ��� Estou com muita fome, que-

rido. ��� Sentiu-se deleitada com a id��ia de faz��-lo ciumento.

��� N��o �� de admirar, ��� ela o ouviu murmurar, e conti-

nuou a espica����-lo sadisticamente:

��� Um bom sono sempre me deixa faminta.

"�� o bastante", pensou zangado, mas disse alto:

��� Voc�� est�� roubando minhas linhas, querida.

Ela sorriu, mas fez sua voz parecer prosaica:

��� Traga um bife com voc��, querido. Meu a��ougue est��

fechado agora.

��� Certo. Alguma coisa mais?

��� Qualquer coisa que voc�� goste.

��� ��timo. Vejo-a daqui a pouco.

��� Venha depressa, querido, sinto-me solit��ria.

Quando ela foi para o banheiro, viu as p��lulas de dormir

espalhadas no ch��o, e a lembran��a da visita de Dave a

noite passada trouxe-lhe um f��til desespero. "Diabo!", ela

exclamou um tanto contrariada e arrependida. Ela n��o se

lembrava de ter telefonado a Jess��, nem de ter tentado o

suic��dio. Pensou que tivesse derramado as p��lulas acidental-

mente quando tomara sua dose habitual. Estava contrariada

132

por Dave sair zangado e de maneira t��o abrupta, e estava

arrependida por ter-lhe permitido v��-la t��o b��bada. Ela

tinha freq��entemente se enfurecido com ele, mas nunca

antes fizera um papel t��o degradante. E depois de terem

estado t��o pr��ximos a se casar, ela lamentava profundamen-

te ter-lhe dado motivo de sentir-se aliviado por n��o ter casa-

do com ela. Achou que precisava de um drink, mas indo

para a cozinha, viu o cheque e as chaves que ele deixara

no arm��rio e na mesa, ent��o, sentiu que nem dois ajudariam.

Depois de ter pegado as p��lulas, escovado os dentes,

enxaguado a boca, tomado banho, esvaziado e lavado os

copos e cinzeiros, colocou o cheque embaixo das chaves ao

lado de um vaso, de forma que Jess�� pudesse v��-lo. Assim,

eliminando de sua pessoa e do ambiente todos os vest��gios

da debacle da noite anterior, sua sensa����o de derrota dis-

sipou-se e ela readquiriu sua auto-confian��a. P��s um ves-

tido verde-amarelado e as sand��lias douradas. Penteou o

cabelo, pintou as unhas e l��bios, passou sombra nas p��lpe-

bras superiores e se examinou no espelho de corpo inteiro

da porta do arm��rio. Seu reflexo branco-amarelalo com

olhos azuis e rosto alvo, tendo as cortinas marrons ao fundo,

afetou-a como uma pintura de um sonho sexual feita por

um Rubens do s��culo XX com as cores de Van Gogh. Ela

adorava suas pernas com tal ��xtase que por diversos minutos

ficou ali acariciando-as volutuosamente. Depois, com viva

efici��ncia, mais como mulher de neg��cios do que como dona

de casa telefonou para o armaz��m onde comprava bebidas,

pedindo duas garrafas de Scotch, e uma garrafa de gin, de

vermouth e de sherry. Tamb��m telefonou para a casa de

comest��veis onde costumava comprar, pedindo br��coli, ervi-

lhas e batatas congeladas, uma libra de manteiga, p��ozinhos

"Pepperidge F a r m " , uma libra de tomates maduros, salada

verde e seis garrafas de ��gua "Canad�� Dry", provando o

ad��gio que diz que os bebedores de u��sque nunca comem

sobremesa. Em seguida, preparou um drink e o levou para

a sala de estar. Enquanto folheava o "New Yorker", sabo-

reou seu aroma. Lembrou-se sorrindo de um di��logo de

Hemingway:

"Em que est�� pensando, querida?"

"Em u��sque".

"Que tem o u��sque?"

"Qu��o delicioso ��".

133

A primeira vez que a campainha tocou era o rapaz com

a bebida. Ela fez um cheque de vinte e cinco d��lares, e ele

lhe deu de troco tr��s d��lares e trinta e cinco centavos. Ela

lhe deu trinta e cinco centavos de gorjeta e ele lhe deu um

sorriso simp��tico.

Quando a campainha tocou outra vez era Jess��. Com

sua capa de chuva, ��culos escuros, e bra��os cheios de embru-

lhos, ele parecia um g��ngster fugindo da Fl��rida. Kriss,

sorriu com prazer.

��� Espero que ningu��m o tenha reconhecido, ��� disse.

��� N��o posso tirar estas coisas de mim com as minhas

m��os deste jeito.

Colocou os embrulhos na mesa da cozinha, pendurou a

capa, p��s os ��culos no bolso, voltou e beijou-a. Ela estava

abrindo os pacotes com uma express��o satisfeita; gostava

de receber coisas, gostava que os homens gastassem com

ela. Encontrou bife, um presunto, uma libra de rins de

vitela, duas libras de salchicha de porco, duas garrafas de

Scotch, uma garrafa de bourbon, gin e vermouth.

��� Pelo menos voc�� n��o pretende se debilitar, ��� ela

disse sorrindo.

��� Voc�� disse que estava com fome, querida, ��� ele anuiu,

olhando para sua boca, seios e pernas. ��� Voc�� sabe qual

�� "A Trindade do Harlem". Seu olhar luxurioso f��-la sor-

rir sensualmente. Comer, beber e a m a r " , ele completou e

beijaram-se.

��� �� sobre isto que eu devia escrever, ��� ele mumurou,

com a boca encostada na dela, enquanto acariciava suas

pernas com as pontas dos dedos.

��� O que?, ��� perguntou ela.

��� As maneiras de amar. Eu podia escrever um cap��tulo

sobre cada uma.

��� Voc�� sabe todas elas, querido?

��� N��o, mas as que n��o souber voc�� me ensina.

A campainha tocou novamente. Um homem entrou com

os comest��veis, e enquanto Kriss pagava, Jess�� se ocupou

em tirar os cubos de gelo da geladeira e encher os reci-

pientes para gelo. Subitamente, ela lembrou-se de ter-lhe

telefonado a noite passada. Quando o homem saiu, ela

virou-se para ele, cheia de zanga e exclamou:

��� Jess��, se voc�� estava com outra mulher ontem a noite,

quero que voc�� v�� embora agora mesmo.

134

Ele n��o se surpreendeu nem um pouco com essa explos��o.

��� N��o dormi com ningu��m, querida, ��� afirmou, enquan-

to abria uma garrafa do Scotch dela e preparava um drink

para ele.

��� Fa��a um para mim tamb��m, ��� ela pediu, quando foi

para o banheiro retocar a pintura dos l��bios.

��� Meu copo est�� aqui.

Ele p��s o dela novamente no descanso que estava em

cima do arm��rio, o seu na mesa e sentou-se no sof��. Vindo

do banheiro, ela parou um momento diante do espelho para

adorar suas pernas, ficando numa posi����o que ele tamb��m

pudesse admir��-las.

��� Eu lhe telefonei ��s duas horas da madrugada, ��� ela

mentiu. ��� E voc�� n��o estava em casa.

Ele n��o tinha id��ia da hora que voltara para seu quarto

e n��o podia teimar com ela.

��� Meu livro foi rejeitado e eu tomei um porre, explicou.

Ela sorriu contente, embora n��o soubesse porque se

sentia t��o contente com a sua m�� sorte.

��� Eu gosto de seu terno, ��� ela comentou, ajeitando-se

de uma maneira que ele pudesse ver melhor suas coxas,

assim, ele poderia devolver o elogio.

Ele devolveu:

��� Eu gosto de suas pernas, disse. ��� Voc�� tem umas

pernas maravilhosas, querida.

Ela se sentiu desvanecer em um ��xtase sensual; seus

olhos azuis dan��aram apaixonadamente.

��� Ronny dizia que eu errei minha voca����o, que eu devia

ter sido uma corista.

��� Pensei que voc�� ia dizer mundana, ��� disse ele. Ent��o,

impulsivamente, ajoelhou-se diante dela no tapete e beijou

suas pernas. Ela massageou ternamente seu cabelo enca-

rapinhado. Ent��o, empurrou-o e amea��ou-o:

��� Se voc�� dormir com sua esposa novamente, Jess��,

eu o mato.

Ela se sentou tremendo de raiva. Eles come��aram a

beber como se fosse sua noite de trabalho e estivessem

sendo pagos pelo que bebessem.

��� Chega de mulheres negras me acusarem de ter rou-

bado seus maridos.

��� Afinal de contas, voc�� n��o pode censur��-las, querida.

Voc�� dormiu bastante com eles.

135

��� Nunca dei a m��nima import��ncia para nenhum deles.

��� Voc�� deu seus pontap��s.

Ela sorriu mal��volamente:

��� Se eu os tivesse tratado com apre��o e considera����o,

eles teriam morrido.

��� Por que voc�� fez isso com eles?

Ela esvaziou seu copo e o estendeu para ele.

��� Prepare drinks para n��s, querido.

Ele esvaziou o seu e preparou mais dois.

��� Eu apenas queria conhec��-los, ��� ela disse sorrindo

feiticeiramente. ��� Queria saber como eles eram por dentro.

��� Afinal de contas, que melhor lugar para estudar as

origens do que no ovo.

��� Quando eu estava estudando antropologia na Univer-

sidade, a turma dizia que antropologia era o estudo do

homem abra��ando a mulher.

��� Rela����es raciais �� o estudo do homem preto abra-

��ando a mulher branca, ��� ele parafraseou.

��� Eu aprendi mais sobre negros em uma noite do que

o Tio Whitney em vinte anos de associa����o.

Jess�� sentiu um lampejo de avers��o, mas subitamente

ficou alegre.

��� Isto me lembra uma anedota que uma das minha

locat��rias costumava contar ��� ele come��ou, mas ela a

interrompeu bruscamente:

��� Voc�� vai preparar os drinks, Jess��?

Ele olhou para ele e viu duas ao inv��s de uma. "Eu fico

com a que n��o fala", pensou.

Cambaleou um pouco quando foi para a cozinha e a pin-

tura abstrata dan��ou na parede como uma orgia de gatos

esfolados. G��nio mau, pensou, muito divertido com a sua

perspectiva anuviada. Enquanto preparava as bebidas, gritou:

��� Come��o a fazer o jantar, querida?, e a ouviu respon-

der qualquer coisa sobre batatas. Ele encontrou o pacote

delas e colocou-o no fog��o para descongelar.

Quando lhe servia a bebida, disse:

��� Voc�� chegou muito tarde, Kriss. Se voc�� tivesse vivido

no s��culo XVIII seria uma famosa cortes��, e teria contri-

bu��do para fazer a Hist��ria ao inv��s da Sociologia, como

agora.

Como recompensa ela puxou-o e beijou-o.

136

��� Por que voc�� n��o se casou comigo em Chicago, Jess��?

Eu teria me casado com voc�� em Chicago.

Ele se sentou novamente, bebeu metade do seu drink e

se sentiu subitamente velho.

��� P a r a lhe dizer a verdade, querida..., ele come��ou,

tencionando dizer-lhe que n��o se lembrava de nada do seu

fim-de-semana em Chicago, o qual n��o significara nada para

ele e que ficara b��bado o tempo todo, mas ela n��o o ouvia,

t��o emocionada estava pela sua lembran��a sentimental.

��� Eu o amei naquele fim-de-semana, Jess��. Por que

voc�� fez aquilo?

��� Fern �� louca, ��� ele exclamou. ��� Eu jamais a toquei.

Na ��poca em que passamos juntos o fim-de-semana eu mal

a conhecia. Tudo que e u . . .

��� Ela espalhou pela cidade que ia se divorciar de Mose

e que voc�� ia se divorciar de sua esposa...

��� Eu n��o entendo como d i a b o . . .

��� Eu a ouvi dizendo a Alice e um grupo em uma festa.

Fiquei t��o magoada! E ela �� t��o feia! Mesmo Mose n��o

dormia com ela. Ele apenas estava com e l a . . .

��� Tudo que fiz ��� Maud pediu-me para acompanh��-la

at�� o metr��, e n��s paramos no " F a t Man's", tomamos um

drink e foi t u d o . . .

��� E voc�� me disse que ia se divorciar de sua esposa

e casar comigo. Virou-se para ele, perturbada pela raiva.

��� Jess��, se voc�� dormir com sua esposa enquanto estiver

dormindo comigo...

"�� o que eu gostaria de ver", ele pensou, mas quando

ela persistiu:

��� Eu n��o quero ver nenhuma meretriz atr��s de mim

com uma faca, ��� ele tamb��m foi tomado por tal raiva que

a sala lhe pareceu incandescente.

"Esta meretriz quer que eu a mate", pensou, agarrando

no sof�� para manter o controle.

��� At�� Maud pensou que eu andava atr��s de Joe. Elas

me crucificaram. Cadelas negras!

Ele come��ou a se levantar para esbofete��-la quando o

telefone tocou e ele se sentou; o quarto dan��ava loucamente

diante dos seus olhos.

Ele cambaleou pesadamente quando foi atender o tele-

fone. Ele acabou sua bebida e chupou o gelo para refrescar

137

a cabe��a. Ele a ouviu falar de um jeito que nenhuma pessoa

em estado normal diria que aquela era uma voz s��bria:

��� �� a sra. Cummings.

Ele pensou: "Que pre��o n��s pagamos pela respeitabi-

lidade". Ent��o, com sua voz natural e com entusiasmo de

b��bada:

��� Oh, querido, venha aqui. Jess�� est�� aqui e n��s esta-

m o s . . . Por que voc�� bebe aquela droga horrorosa, querido?

Voc�� ganha bastante para comprar bebida b o a . . . Voc�� ga-

nha mais do que eu, seu patife. Voc�� tem de racion��-lo...

E traga seu u��sque, a ��ltima vez que voc�� esteve aqui, bebeu

t o d o . . . Eu o deixo entrar, querido... Claro que estamos

s��brios, apenas come��amos... Tome um t �� x i . . .

��� Harold vem aqui, ��� ela anunciou do hall. ��� Espero

que esteja s��brio e n��o caia no meu assoalho.

��� Faz anos que eu n��o vejo Harold, ��� ele disse quando

ela levou os copos para preparar drinks. ��� Desde que ele

veio �� New York. Eu vi Bebe uma vez e ela me disse que

ele estava vivendo com voc��.

��� Aquela prostituta mentirosa! ��� Ela p��s os copos na

mesa e caiu pesadamente em uma cadeira. ��� Ela vinha

aqui toda hora e me pediu para falar com Harold e eu n��o

o v i a . . .

��� Quando eu estava em Chicago em 48, ele ofereceu

uma festa a mim e B e b e . . .

��� .. .H�� cinco anos, e um dia ele veio aqui com o del��rio,

caiu no assoalho e me pediu para telefonar a sua psiquiatra

em Chicago...

��� .. .ele estava doente e queria que eu a chamasse. Ele

estava tomando morfina...

��� . . . e r a s��bado e ela n��o estava no consult��rio...

��� .. .a mesma? Nancy, qual �� s e u . . .

��� . . . Rotchild... E ele n��o sabia o n��mero do telefone

de sua resid��ncia. N��o estava na lista. Ela era tamb��m a

analista de Ronny e eu telefonei para o restaurante onde

ela s e m p r e . . .

��� ...Todas estas pessoas est��o ficando curadas de

a l g o . . .

��� E quando eu lhe disse que n��o podia encontr��-la, ele

se virou de bru��os e desistiu. Tive que chamar Nat ��� meu

m��dico e . . .

��� Por que voc�� n��o o deixou dormir? Ele t e r i a . . .

138

��� Aquele patife urinou no meu tapete e tremia tanto

que pensei que estivesse morrendo. Telefonei a Nata e o

enviei para o hospital onde eu ficava. Tive de inscrev��-lo

e isto me custou vinte e quatro d��lares por dia. Nat queria

que ele fosse mandado para "Bellevue"...

��� . . . P o r que voc�� n��o deixou? Diabo...

��� ...Oh, eu n��o podia suportar aquilo. "Bellevue"

soava como o fim do mundo ��� todos aqueles b��bados vaga-

bundos ��� e Harold foi um grande homem. Nat disse que

eu era uma tola. Quis que eu chamasse a pol��cia e dissesse

que ele n��o tinha meios para se m a n t e r . . .

��� ...Onde estaba Bebe? Ela tinha algum dinheiro na-

quele t e m p o . . .

��� ...Tinha se divorciado no ano anterior...

��� Eu o teria deixado ir para "Bellevue". L�� eles est��o

acostumados a tratar de dipsoman��acos...

��� . . . E l e foi por conta p r �� p r i a . . . dois dias mais tarde,

deixou o hospital, voltou para seu apartamento ��� ele tinha

um pequeno apartamento em Houston ��� chamou a pol��cia

e disse que estava doente e que era indigente...

��� .. .Que horas s��o, meu b e m ? . . .

Ela olhou para seu rel��gio, pulou da cadeira e foi cam-

baleando at�� a televis��o, como se tivesse ficado fren��tica.

��� Sid Caesar e Imogene Coca. Misture as bebidas,

querido, enquanto eu sintonizo.

"Oh, diabo!", ele a ouviu gritar, enquanto andava vaci-

lando para a cozinha, levando os copos vazios, como um

homem morrendo de sede, cambaleando pela sua ��ltima

milha em um deserto escaldante e com a vista escurecida

por uma tempestade de areia, e quando voltou para a sala

de estar com os copos cheios, pensou em Donovan entrando

cambaleando em seu apartamento, onde eles estavam fazen-

do a ��ltima festa do "WPA" ��� na ��poca em que eles foram

dispensados por dois dias, um pouco antes do fim ��� com a

camisa suja desabotoada, os suspens��rios dependurados, as

cal��as prestes a cair do corpo magro, os olhos azuis vidra-

dos, o cabelo vermelho caindo na testa p��lida, com uma

express��o obstinada no rosto feio e uma garrafa de u��sque

em cada m��o, olhando triunfantemente para os seus colabo-

radores de olhos arregalados e dizendo: "Eu consegui",

antes de cair de bru��os.

139

Ela tomou sua bebida da m��o dele, deu-lhe um beijo

amistoso e sentou-se no sof�� ao seu lado.

��� Eu adoro Imogene Coca, voc�� n��o gosta?

Ele olhou com aten����o para os pigmeus enevoados na

tela, tentando focaliz��-los, e a pr��xima coisa que se deu

conta foi que Harold estava entrando na sala, com a m��o

estendida, dizendo com sua voz jubilosa de tenor:

��� Jess��, que me conta, velho?

Jess�� se levantou bruscamente e eles apertaram as m��os

calorosamente.

��� Puxa! Harold. Estou contente em lhe ver! ���, excla-

mou com entusiasmo de b��bado. ��� Realmente contente.

��� �� o diabo, homem, �� o diabo. Eu estava pensando

em usar um turbante e posar como ��ndio, igual ��quele pastor

Sam que andou pelo sul. Ficou nos melhores hot��is e . . .

Kriss lhe serviu um drink. P��s o copo no arm��rio ao

lado da sua cadeira de tr��s pernas. Sentou-se novamente

no sof�� e o interrompeu irritadamente:

��� Harold, quer fazer o favor de se sentar a fim de que

eu possa ver a tela.

Ele era um homem grande, troncudo, bronzeado, de

tra��os en��rgicos, parecendo rude e vigoroso no seu palet��

marrom de tweed e cal��as de gabardine. Quando ele sorriu

para Kriss, meio magoado e meio indulgente e a obedeceu

como uma crian��a repreendida, Jess�� sentiu outro tremor

de raiva. "Ela se julga Deus", pensou.

Harold estava sentado inclinado para a frente, falando

de uma coisa e de outra, quando Kriss o interrompeu nova-

mente:

��� Se voc�� e Jess�� querem conversar v��o l�� para fora.

Este �� o meu ��nico p r a z e r . . . �� n i c o . . . " .

Ela sorriu infantilmente de uma gra��a na televis��o e

Jess�� divertiu-se, pensando naquelas revistas em quadrinhos

que mostravam um n��ufrago em uma ilha tropical com

uma mulher bonita, queixando-se que seu r��dio n��o fun-

cionava.

��� Uma meretriz com dois homens... N��o uma n��ufra-

ga em uma ilha tropical, com palmeiras, mas com a sombra

dos arranha-c��us e o prazer da televis��o...

Ele se levantou tremendo e disse:

��� Vou preparar um drink.

140

Kriss estendeu seu copo e Harold apressou-se a esvaziar

o seu.

��� Estou sentindo cheiro de algo diferente, ��� Jess�� disse,

encostando o copo vazio no seu est��mago.

Kriss sorrindo:

��� �� o paralde��do de Harold.

Jess�� cheirando:

��� Paraldeido? Tem cheiro de formaldeido.

��� Em "Bellevue", eles d��o isto a alco��latras, Kriss

explicou, sorrindo, esquecendo o programa por causa do

mal estar de Harold.

��� N��o sorria, minha querida. Voc�� pode tomar isto

algum dia, Harold advertiu acerbamente.

Jess�� cambaleou cozinha adentro, sorrindo consigo pr��-

prio: "Pobre idiota, embalsamando-se antes de estar morto".

Quando parou para colocar os copos na mesa a fim de

aprumar-se, notou pela primeira vez as chaves sobre o

cheque. Empurrou as chaves para um lado e olhou para o

cheque procurando se concentrar. Mas, tudo que fez sentido

foi a quantia, e ele pensou enquanto continuava a andar:

"Filho se a carne estiver muito cara, voc�� tem que tomar

sopa".

Quando viu as batatas no fog��o, decidiu preparar o jan-

tar. Tomou um gole, tirou a grelha, colocou-a sobre a

mesa, acendeu o forno, p��s o bife na grelha, e a pr��xima

coisa que notou foi que estava no sof�� ao lado de Kriss e

perguntando a Harold:

...Aconteceu com aquela carta de Chicago que voc��

ia escrever para o New Democrat. Eu o comprei por algum

tempo, mas nunca vi sua produ����o.

Sentia-se razoavelmente s��brio e bastante l��cido.

��� Nunca ouvi falar d e l e s . . . depois daquele almo��o no

" C h e r i o ' s " . . . ia revisar seu l i v r o . . .

��� .. .mataria todos que gostassem d e l e . . . aquelas coisas

de mau gosto...

��� .. .esp��cie de livro, Jess�� velho... esp��cie de livro...

os brancos n��o v��o permitir...

Kriss virou-se para Jess��, inflamada pela raiva e gritou:

��� Se este livro �� como o ��ltimo, eu nunca mais falarei

com voc��!

��� ...nunca lhe perdoarei, meu velho, nunca lhe perdoa-

rei. Eles i r �� o . . . Harold estava dizendo isto enquanto Jess��

141

olhava furiosamente para Kriss. ��� Voc�� o leu? Todas as

pessoas...

��� Eu o detestei ��� e tem m a i s . . .

��� . . . inclui todos os b r a n c o s . . .

��� .. .todos eles, Hal, todos eles sem nenhuma exce����o...

��� . . . s e u verme, se voc�� escrever outro livro como...

Ele olhou para seu olhar esgazeado, cheio de um ��dio

insensato e sentiu a n��usea apossar-se dele.

��� ...Escrevi-o para v o c �� . . . para lhe a g r a d a r . . . , ��� ele

estava dizendo sem perceber o que tinha dito.

Ela estava dizendo:

��� . . . j a m a i s mencione isto em minha casa novamente!

��� e Harold, eu estou enjoada de suas lam��rias! Negros! ���

acha ��� somente as pessoas importam...

Harold ia cambaleando em dire����o da cozinha para

pegar outro drink e Jess�� estava murmurando em parte para

si pr��prio:

��� .. .levou uma s u r r a . . . levou uma surra na c a b e �� a . . . " ,

e Kriss sorria maliciosamente, e estava insuportavelmente

quente no apartamento, e Jess�� estava falando para si

mesmo. ��� " . . . a ��nica vez que tentei ser j u s t o . . . para todo

mundo... n��o odiei ningu��m... pensei que eles diriam:

"Finalmente um negro que �� j u s t o . . . e eles o apedreja-

r a m . . . eles o estriparam, filho... o derrubaram e o chuta-

r a m . . . �� engra��ado... aceite o ��dio, mas odeie a compai-

x �� o . . . odeie a objetividade... odeie a an��lise... odeie-a!...

faz sentido assim m e s m o . . . somente racional... a culpa atrai

o ��dio, mas odeia a r a z �� o . . . odeia a piedade... odeia o

perd��o acima de t u d o . . . nunca perdoa o p e r d �� o . . . grande

ra��a assim m e s m o . . . certo t a m b �� m . . . conquistou o mun-

d o . . . prova que eles est��o c e r t o s . . . nunca odeie o ��dio ���

primeiro mandamento... ame o ��dio... o ��dio �� que faz

conquistas... ame aquele f.d.p. como m �� e . . . nunca amei

m��e tampouco... nunca amei nada a n��o ser o ��dio... ��� No

meio deste solil��quio desconexo, ele se lembrou repentina-

mente de ter andado pelo "Skiddoo" em uma manh�� de

abril, ��s quatro horas da manh��, pensando: "Eu gostaria

de encontrar uma rua de gente simples que eu pudesse

e n t e n d e r " . . . E ent��o, os pensamentos desconexos novamen-

te: "O que voc�� nunca soube, o que voc�� nunca soube...

Sua cabe��a parecia arrebentar com o esfor��o que fazia para

encontrar aquela coisa simples que ele nunca soube o que

142

era e da qual nos momentos de extrema embriagu��s estava

sempre t��o pr��ximo... "O que voc�� nunca soube, Jess��

Robinson... o que voc�� nunca s o u b e . . . " e nos mares pro-

fundos da sua mem��ria come��ou a cantarolar a n��nia:

deee-do-deee-do-deee-do

d

e

eee-do-daaaaaaaaaaaaaaaaaa

" . . . d a puta, Jess��, da p u t a . . . odiou os brancos tanto

que teve de se tornar uma prostituta para e l e s . . . "

E Kriss dizendo: "...prostituta quando voc�� casou com

ela".

" . . . n �� o mais do que voc��, meu c a r o . . . voc��s negros...

ela b r a n c a . . . tudo parte do p r o b l e m a . . . "

E Jess�� dizendo: " . . . e n t r e g o - m e . . . fiz paz em sepa-

rado. . . "

E Harold dizendo: " . . .ela n��o podia ser minha esposa...

n��o a esposa de um n e g r o . . . tinha que ser a prostituta de

um b r a n c o . . . "

Depois, Kriss lembrou-se como tentou entende-lo a prin-

c��pio, achando-c t��o excitante, t��o perigoso e t��o superior

a ela que lhe perdoou seus ares superiores, sua indiferen��a

e seus coment��rios c��usticos tais como aquele que fez em

uma festa inter-racial quando ela contava uma anedota a

respeito do "Tio Mois��s", que era o "homem faz tudo" de

sua madrasta no Mississippi. Ele se virou para ela e disse:

��� O irm��o de sua m��e, sem d��vida. E depois de ter

dormido com ele, uma noite ela foi dormir b��bada e com o

cigarro aceso e tocou fogo na cama; telefonou-lhe para vir

apagar o fogo e ele replicara zangado:

��� Jogue um balde de ��gua na cama, minha querida. ���

Ele casou com uma ex-mundana, que tinha sido esposa de

um extorsion��rio que era tamb��m um homossexual. Ela

subiu na vida, e mais ainda depois de casar com Harold.

Ele a deixou domin��-lo porque vinha dormir com ela algu-

mas vezes enquanto sua esposa dormia com seus amigos

brancos e dizia n��o saber porque Harold nunca p��de faz��-la

feliz quando Kriss gostaria tanto que ele a fizesse.

As lembran��as fizeram-na col��rica, lembrou-se que

nunca p��de domin��-lo e que uma vez ca��ra nos seus p��s e

gritara histericamente: "Negros! Negros! Negros! Voc�� ��

t��o ruim quanto ela! Todos os negros! Estou enjoada de

143

negros! Desde que o conheci voc�� n��o tem falado de outra

coisa a n��o ser negros! Sua raiva a fazia falar distintamen-

te. "Estou cansada de ver voc��s negros sempre choramin-

gando ao redor de mim. Estou saturada de todos voc��s".

Jess�� ergueu-se cambaleando e com um violento empur-

r��o jogou-a no sof��.

��� Diga mais alguma coisa sobre n e g r o s . . . , ��� ele come-

��ou, procurando encontrar seu rosto na n��voa de sua raiva

para atingi-lo. Mas, ao inv��s, viu Harold ajoelhado diante

dela, abra��ando seus quadris, com as l��grimas descendo

pelas suas faces e a fisionomia lamentosamente alterada,

suplicando roucamente: ��� N��o me diga isso, Kriss! N��o

procure me magoar. Passamos muitas coisas juntos, minha

querida... parecidos... voc�� e e u . . . n��o h�� diferen��a...

nos derrotou... mulher branca e homem preto sempre der-

rotados j u n t o s . . . n��o procure magoar o velho Harold...

por favor, n��o procure, minha querida, no mesmo rio jun-

t o s . . . voc�� casou com um homossexual... eu casei com uma

prostituta... voc�� n��o pode passar sem negros... da mesma

forma que eu n��o posso passar sem mulheres b r a n c a s . . .

Ela acariciou seu cabelo e o consolou:

��� N��o chore, querido... Kriss n��o tenciona lhe magoar...

T��-lo feito chorar deu-lhe um prazer t��o pervertido que

se transformou em desejo sexual por ele de uma maneira

mais intensa do que jamais sentiu em todos os anos de

sua cr��tica arrog��ncia.

��� Kriss toma conta de voc��, querido... p��e voc�� na

c a m a . . . lhe faz feliz... ��� Sentiu suas l��grimas mornas nas

suas m��os secas com ��xtase orgi��stico.

Jess�� percebeu vagamente na sua raiva insensata e

embriagu��s estupidificante que estava presenciando um

ritual sexual de lacera����o, no qual os dois se flagelavam

mutuamente com excita����o sexual, e achou que um profun-

do amor frustrado entre eles estava se degenerando em

crueldade. Ela come��ou a chorar tamb��m e quando suas

l��grimas deslizando pelas suas faces e ca��ram nos seus

cabelos, ele se sentiu arrebatado e enterrou seu rosto molha-

do no seu colo.

Aquilo era demais para Jess��. Ele desempenhou seu

papel tamb��m. Rudemente, agarrou Harold pelo colarinho

e o levantou com um safan��o.

144

��� V��o para o inferno! disse. Fa��am amor quando eu

n��o estiver aqui!

Harold mostrou as m��os abertas com um gesto de inoc��n-

cia, como se para mostrar que n��o tinha ases escondidos.

��� . . . n �� o tenha ci��mes de mim, meu velho... a flama

se apagou... na verdade, nunca foi a c e s a . . . ��� E depois

com uma risada depreciativa: ��� Kriss tentou fazer um

grande romance.

Kriss olhou-os com m a l d a d e . . .

��� Piolhos, murmurou. Levantou-se, entrou cambaleando

no quarto e bateu a porta.

��� Esta mulher est�� doente, ��� Jess�� disse, esclarecido

por uma r��pida percep����o subconsciente. ��� Realmente doen-

t e . . . os negros a m a g o a r a m . . . realmente a m a g o a r a m . . .

��� Sabe, Jess��, sabe, velho, uma vez que um branco

trabalha para a causa de Sam nunca se esquece.

��� Que acha de um drink?

��� Deus aben��oe o u��sque. O homem n��o pode viver

em ele.

A pr��xima coisa que Jess�� percebeu foi que ele e

Harold estavam sentados �� mesa comendo p��ezinhos torra-

dos, bife cru quente, batatas quentes nadando em manteiga

e fatias de tomate frias com molho holand��s. Harold estava

dizendo numa voz razoavelmente s��bria:

��� .. .a pipoca se misturou com os fluidos da cabe��a e a

corrente sangu��nea a levou para o c��rebro, provocando uma

febre escaldante, sabe, e o calor estourou o milho com tal

for��a que ela passou atrav��s do cr��nio para o cabelo; ��

assim que se pega caspa, velho.

Jess�� deu uma gargalhada e se sentiu quase s��brio.

��� Econ��mico tamb��m. Voc�� economiza, n��o precisa

comprar um utens��lio para fazer pipoca. Mas eu n��o gosto

de pipoca.

Harod sorriu.

��� Isto me lembra uma anedota...

��� Onde est�� Kriss?, ��� Jess�� perguntou.

Harold olhou para ele interrogativamente.

��� Est�� no quarto dela, a n��o ser que se transformou

em pecado, como os rapazes diziam...

��� Preciso acord��-la; ela n��o comeu nada. ��� Olhou para

a porta fechada. Ela estava doente?

Harold sorriu maliciosamente.

145

��� Voc�� devia saber, velho. Voc�� entrou e lhe perguntou

se queria comer.

Jess�� se sentiu embara��ado porque n��o se lembrava de

ter feito isso.

��� Que ela respondeu?

��� Voc�� podia ouvir melhor que eu, velho. Voc�� estava

l�� ao lado dela, por��m se eu me lembro direito, ela disse

para voc�� ir para o inferno e levar sua comida com voc��.

Jess�� sorriu.

��� Sabe, aquela mulher �� louca. ��� Depois seriamente:

Mas, ela est�� magoada. Imagino o que aconteceu entre

ela e Ted.

��� Ele pegou-a com Joe e quebrou-lhe a mand��bula.

��� N��o �� de admirar! Eu pensei que fosse Maud q u e m . . .

��� Maud deu o fora nela depois daquilo, ��� Harold lam-

beu os l��bios condimentando a fofoca.

��� Nunca soube que embrulhada foi aquela.

��� Maud fez Kriss se divorciar de Ronny e ficar com-

prometida com Ted, e quando ela se casasse com este elas

se revezariam na cama com ele. Mas Kriss demorou tanto

que Maud n��o p��de esperar e Kriss ficou irritada, e voc��

s a b e . . .

Eles se interromperam quando a porta do quarto abriu.

Kriss veio para o hall. Seus olhos estavam vermelhos

de chorar. Seu rosto estava manchado pelas l��grimas e

com as marcas da colcha, mas a raiva que sentiu foi t��o

violenta que a tornou s��bria.

��� Eu ouvi o que voc��s disseram, ��� ela disse. ��� Levan-

tem-se da minha mesa e saiam de minha casa. ��� Mas o

rid��culo de mandar dois negros pararem de comer e sa��rem

de sua casa de manh�� cedo, provocou-lhe risos.

Contudo, Harold preferiu mostrar-se ofendido. Levan-

tando-se com dificuldade e exibindo um ar de dignidade,

sorrindo despreocupado dos seus maus modos, como se sair

da casa fosse a coisa correta a fazer quando algu��m era

mandado, disse:

��� Certamente, minha querida. Sua companhia n��o me

interessa. Eu somente vim porque voc�� me convidou...

��� . . . l h e convidando a s a i r . . .

��� . . . v e r Jess��, com q u e m . . .

��� . . . e o leve com v o c �� . . .

146

��� ...quer ficar com voc��, minha querida, embora quem

voc�� q u e r . . .

��� . . . p a r a voc�� sair imediatamente, e s t a . . .

��� . . . d a minha maneira, minha querida...

��� ...quero que voc�� v�� tamb��m Jess��!

Arrastando o tamborete no qual estava sentado, Jess��

ergueu-se com esfor��o e come��ou:

��� Eu n��o vou a nenhum maldito lugar, e se Harold

quiser ficar e beber minha bebida...

��� . . . e u n��o, meu velho, eu n��o. Como Bert Williams

dizia:

quando os companheiros

brigam

e a lei est�� �� porta

algu��m fica

e a lei demora

e faz de si pr��prio um grande her��i

��� mas algum outro

eu n��o

eu n��o, velho. Mas eu tomo um drink de despedida.

Os dois foram cambaleando para a cozinha. Jess�� derra-

mou u��sque em dois copos at�� a metade e eles o beberam

de um gole, mal sentindo o gosto, e andaram oscilando

para a porta. Jess�� fechou a porta atr��s dele. O ��ltimo

drink f��-lo momentaneamente s��brio e ele se sentiu enfa-

dado da mal��cia de Harold. Encontrou Kriss preparando um

drink e sugeriu:

��� Voc�� precisa comer alguma coisa, querida. Mas ela

se virou para ele e disse furiosamente:

��� Nunca mais eu vou dormir com voc��, Jess��!

��� Eu n��o ligo nem um pouco!

��� Volte para sua esposa, s e u . . .

��� Por que n��o para outra mulher branca? Por que

sempre de volta para minha esposa?

��� Voc�� me odeia! ��� ela exclamou tomada pela f��ria.

��� Eu n��o a odeio. Apenas quero alguma paz, um pouqui-

nho de paz. Voc��s mulheres brancas sempre querem ser

estupradas. Eu n��o tenho vontade de fazer isto. Estou

muito velho, muito cansado. Mas se voc�� quiser, farei da

melhor forma que puder. Se isto n��o a satisfaz...

��� Voc�� odeia os brancos!

147

��� N��o esteja certa disso!, acrescentou ele, lembrando-

se da anedota do branco que disse a um negro: "Voc�� n��o

odeia os brancos, odeia Mois��s?" Ela levou sua bebida e

espetou o bife frio e parcialmente comido.

��� Est�� cru, disse sorrindo.

��� Que voc�� espera de dois canibais. Toste-o bem para

voc��, querida. As senhoras b r a n c a s . . .

��� Seu patife! Voc�� me odeia...

Ele sentiu um violento impulso de espanc��-la at�� faz��-la

calar-se.

A pr��xima coisa que percebeu foi que estava ajoelhado

diante do forno tentando colocar o bife na grelha. O cheiro

acre do g��s f��-lo consciente.

��� Diabo de forno!, ��� exclamou. Levantou-se rapida-

mente, riscou um f��sforo e jogou na grelha. A chama espa-

lhou-se com uma pequena explos��o.

"Bomba de hidrog��nio!", pensou. "Esta �� a forma de

fazer, filho. Uma explos��o total!" E depois de um momento:

��� "Seja paciente. Eles pr��prios far��o isto!"

A pr��xima coisa que percebeu foi que estava sentado ��

mesa do hall rabiscando no fim de uma folha de papel de

m��quina de escrever: "e n��o seja t��o desafiadora porque

eu a m a t a r e i . . . " . Ele j�� tinha escrito na p��gina: "Querida

Kriss, voc�� gosta de se sentir odiada porque isto a absolve

do seu sentimento de culpa. Tamb��m a ajuda a suportar

a derrota. Voc�� sempre sentiu a necessidade de pagar pela

adula����o ��� ali��s, ��� por tudo ��� boa vontade, bom dia,

divertimento ��� por tudo ��� paga por isto com seu corpo.

Paga, paga, paga. Algu��m lhe diz que voc�� �� bonita. Pague.

Algu��m diz que voc�� �� esperta. Pague. Pague com voc��

mesma ��� consiga desconto. Gostaram de voc��, ent��o.

Vendem-lhe este negro. Pague por ele com seu corpo. Uma

troca justa. Todo mundo feliz. Muito divertimento. Sem

frustra����o. Sem luta. Apenas divertimento. A forma que

deve ser. Eles levam o cr��dito, mas voc�� leva o bobo. O

sistema americano. Nada de mais, Voc�� ficou anti-ameri-

cana. N��o pague mais por um negro com o corpo. Agora

a��oite o negro com ele. Use-o como arma suja e barata

para lutar. N��o a censuro. Acontece com a maioria das

mulheres. Apenas, n��o gosto das mulheres com quem isto

acontece. N��o tente me machucar com ele porque voc��

148

sabe, querida, que eu posso lhe machucar mais do que nin-

gu��m. Por que eu posso lhe matar. Assim, n��o me pressione.

Seja uma boa mo��a e p a g u e . . . "

Subitamente, o cheiro de alguma coisa queimando aler-

tou seus sentidos. Vendo a fuma��a sair pela porta da cozi-

nha, ele pulou e correu para o compartimento enfuma��ado.

Por um momento ficou com o dom��nio total dos sentidos.

Percebeu instantaneamente que o bife tinha pegado fogo.

Calmamente, desligou o g��s, abriu a janela, espetou o

bife queimado com um garfo de cabo longo, jogou-o na pia

e abriu a torneira de ��gua fria em cima dele. "Muito preto

para Kriss, agora", pensou.

A pr��xima coisa que se deu conta foi que era domingo

de tarde.

149

CAP��TULO 10

Kriss nunca sonhava. Por��m, o desconforto f��sico muitas

vezes penetrava seu subconsciente de uma forma id��ntica a

de um sonho. No sono tornou-se consciente de uma forma

id��ntica a de um sonho. No sono tornou-se consciente de

estar com frio e acordou imediatamente. Antes de abrir os

olhos estendeu o bra��o nu �� procura de algo no len��ol azul

claro. Encontrou apenas o vazio. Recordou todos os aconte-

cimentos da noite anterior num lampejo de mem��ria. Ficou

r��gida, faltou-lhe o f��lego e suas emo����es foram momen-

taneamente calcadas pelo p��nico cego que sempre experi-

mentava ao acordar e encontrar-se sozinha.

��� Que diabo!, ��� ela exclamou com crucial mortifica-

����o. N��o porque estivesse arrependida de ter mandado

Jess�� embora, mas por ele ter ido. Ela sentiu como se seu

belo corpo branco a tivesse tra��do. Tinha sido muito ruim

quando Dave se fora, a n��o ser por causa de Jess�� ��� por

causa de qualquer outro n e g r o . . .

Abriu os olhos e viu que tinha dormido descoberta.

Criticamente, examinou seu corpo negligente. De sua posi-

����o inclinada viu a colina suave da barriga entre os montes

achatados dos seios, e al��m a vaga silhueta dos p��s de

artelhos grossos contra a janela aberta. Lembrou-se do

tempo que tinha um est��mago chato e decidiu parar de beber

por um m��s. Lembrando-se quanto tinha bebido a noite pas-

sada ficou enfurecida. ��� Jess�� que v�� para o inferno, ���

murmurou, como se ele a tivesse for��ado a beber contra

sua vontade.

Estava escuro no quarto; a porta aberta deixava ver

uma parede cinzenta e fora parecia uma noite cinzenta.

Acendeu a luz e olhou para o rel��gio dourado. Os ponteiros

estavam em 6:11. Pegou-o e percebeu que estava parado.

Ela discou para "O Tempo", e enquanto esperava olhou

para seu corpo com desgosto. Uma voz de contralto ronronou

151

afetadamente: "Quando ouvirem o sinal ser��o precisamen-

t e . . . uma e trinta e dois e um q u a r t o . . . " Soou a Kriss como

uma voz sensual, ao passo que um homem ficaria irritado,

e ela a escutou falar de novo, imaginando que tipo de mulher

seria aquela: loura ou morena, rechonchuda ou mignon,

jovem ou idosa.

Levantou-se, acertou o rel��gio e ia para o banheiro pelo

hall quando ouviu algu��m murmurando:

��� Fazer amor com voc��. Que diabo!

Ent��o, ela foi para a sala de estar. Na semi-escurid��o

viu roupas espalhadas no ch��o e um corpo bronzeado grotes-

camente enroscado no sof��, com um len��ol amarrotado

debaixo dele e um cobertor cobrindo a cabe��a e os ombros.

Estava de frente, com o traseiro comprimindo o encosto do

sof��. Sua presen��a aliviou-a instantaneamente do p��nico e

vexame. Quando o ouviu gritar com frustra����o:

��� N��o brinque por a��, ��� sorriu e se sentiu bem. Por

longo tempo ficou sem falar, e ent��o gritou cheio de raiva:

��� Eu a mato!, e deu um chute t��o violento que o ded��o

bateu na mesa do cocktail e derrubou um copo no ch��o.

��� Uhn!, ele gemeu de dor, mas n��o acordou. Virou-se

de barriga para baixo, apertando-se contra o sof��. Ela ouviu

umas palavras confusas que soavam como:

��� agora, est�� melhor, querida, mas sua pele est�� ��spera.

Na obscuridade, seu corpo bronzeado sem a cabe��a,

parecia uma est��tua de bronze e ela sentiu um impulso de

ajoelhar-se ao lado dele e acarici��-lo. Mas, sua curiosidade

sobre o que ele ainda podia dizer foi mais forte e ela o

deixou dormir.

Fez sua toalete matinal t��o rapidamente quanto poss��vel,

escovou os dentes e banhou-se depressa. Quando estava de

p�� em frente do espelho examinando suas pernas, com um

ouvido apurado para escutar, sentiu abruptamente seu

est��mago cair. N��o tinha sentido ressaca ao acordar, mas

agora sentiu tanta fome repentinamente que ficou nauseada.

Quando acendeu a luz na cozinha ficou parada, conster-

nada com o que viu. A janela que dava para a escada de

inc��ndio estava aberta e um rosto estava espiando da janela

do apartamento em frente. Estava chovendo tristemente,

com aquela desola����o caracter��stica de um domingo despre-

z��vel em uma cidade grande. Rapidamente, fechou a janela

e puxou as persianas para se isolar tanto do dia sombrio

152

como do rosto gordo e calvo do vendedor do outro lado,

que h�� dois meses vinha tentando em v��o encontr��-la aciden-

talmente no corredor. A grelha estava fora do forno e cha-

muscada e um peda��o de carne torrada jazia na pia engor-

durada. Uma ca��arola com batatas queimadas, um envol-

t��rio de papel queimado e algo dentro de uma panela que

lembrava a espuma de uma po��a d'��gua estavam em cima

do fog��o. A caixa de papel��o na qual os comest��veis tinham

sido entregues estava rasgada em cima da mesa. Foi ent��o

que ela viu a faca enterrada no centro da porta. Quatro

p��ezinhos estavam atravessados na l��mina, e esta fora enter-

rada na porta com tal viol��ncia que permanecia em posi-

����o, como se esperasse pelo fogo para churrasquear. Kriss

fitou-a por algum tempo, mais por curiosidade do que por

medo, imaginando o que Jess�� tinha em mente quando fizera

aquilo, e concluiu em seguida que os p��ezinhos espetados

talvez simbolizassem o amor sinistro de um negro amargu-

rado por uma branca b��bada. Olhando-os sentiu-se subita-

mente fraca de fome, a ponto de desmaiar. Comeu uma

fatia de p��o branco, p��s ��gua para fazer caf�� e ferver os

ovos, e entrou no hall para abrir um espa��o na mesa. At��

ent��o n��o tinha visto o bilhete, e enquanto o lia, decifrando

os rabiscos, sua excita����o foi aumentada pela frustra����o

velada contida nas amea��as de b��bado e teria ido a ele se

n��o ouvisse a ��gua ferver.

Ela fez caf��, duas torradas, ferveu um ovo, pegou o

Herald Tribune no tapete do lado de fora da porta e abriu

um espa��o na mesa. Enquanto tomava caf��, come��ou a ler

o jornal metodicamente, da primeira �� ��ltima p��gina. Lia

rapidamente, tomando notas mentais de todos os itens refe-

rentes ao Instituto ��ndia e outras institui����es. Sua brilhante

mentalidade condensava os fatos, descartava-se das repeti-

����es jornal��sticas e funcionava com elevado grau de efici��n-

cia, o que de acordo com os cientistas de Harvard era apan��-

gio das pessoas que levam vida normal, comem dietas equi-

libradas, s��o felizes e compat��veis no casamento e nunca

provam bebida intoxicante. Com uma parte da sua mente

prestava aten����o a Jess�� rangir os dentes e murmurar zan-

gado no sono, e uma vez com o divertimento terap��utico

que os seres humanos inferem das momices dos macacos no

zoo, parou um momento para observ��-lo agitar-se como uma

enguia numa rede. "Eu a mato", ele gritou num acesso de

153

raiva e deu um murro na parede com tal for��a que ela foi

ver se a pintura tinha sido danificada. Depois ele se virou

de lado e acomodou a m��o machucada entre suas pernas.

Sorriu pelo nariz e disse com voz distinta: "Eu peguei o

meu, agora pegue o seu". Kriss sorriu infantilmente e con-

tinuou a ler uma nota do Secret��rio de Estado Acheson

dirigida ao Presidente Truman, na qual ele dizia que se o

sofrimento n��o fosse erradicado dos pa��ses subdesenvolvi-

dos poderia ser usado por uma nova ditadura "mais terr��vel

que a da Uni��o Sovi��tica".

Desde o princ��pio do seu sono Jess�� sonhou in��meras

cenas horr��veis de crimes, lutas selvagens e argumentos

apopl��ticos, os quais foram todos varridos da mem��ria ao

acordar pelo ��ltimo sono macabro de milh��es de negros,

homens, mulheres e crian��as sendo levados de um penhasco

para um desfiladeiro sem fim por uma multid��o jovial de

cavaleiros brancos, e ele os via desaparecer, onda ap��s onda,

como zumbis mudos, sem zanga, protesto ou s��plica, por��m

quando sua vez chegou, ele gritou aterrorizado: "Mas eu

assinei o papel!". Ent��o, os jovens cavaleiros esporearam

suas montarias na dire����o dele e um deles disse: "Quem

falou que voc�� sabe 1er?", e pisoteando-o empurrou-o para

a borda do penhasco, e enquanto ele ca��a rebolando-se, viu

colunas de cavaleiros galopando pelo c��u e pensou meio

divertido numa est��ria que seu pai contava sobre dois escra-

vos que foram roubar a casa do pernil em uma noite escura

e chuvosa. O dono da casa estava esperando dentro e quando

o primeiro escravo estirou a m��o por debaixo de uma t��bua

frouxa para surripiar um pernil, ele lhe deu uma forte pan-

cada com um martelo. Ouvindo seu companheiro gemer de

dor e sacudir a cabe��a, o segundo escravo pensou que ele

tivesse tirado um pernil do gancho e perguntou entusiasma-

do: "Pegou o seu?". O primeiro escravo replicou com igual

entusiasmo: "Sim, peguei, agora pegue o seu".

Ele acordou no meio de sua queda e sentindo o cobertor

ao redor do pesco��o, pensou que algu��m estava tentando

estrangul��-lo, e desesperado, deu um pulo para tr��s a fim

de pegar as m��os criminosas. Caiu de lado no assoalho

com um ru��do surdo. Quando finalmente arrancou o cober-

tor criminoso, viu Kriss sentada �� mesa, sorrindo para ele.

��� Voc�� estava tendo maus momentos, querido, ��� ela

explicou ��� Algum marido estava tentando mat�� lo?

154

��� Pensei que estava sendo estrangulado, ��� ele con-

fessou acanhadamente.

Ela sorriu:

��� Voc�� n��o devia lutar tanto, querido. N��o teria tanto

medo.

Ele se levantou, jogou o cobertor no sof�� e esfregou o

quadril machucado.

��� Estes bastardos pulam em cima de mim enquanto

estou dormindo, ��� disse zombando de si pr��prio. ��� Por que

n��o v��m lutar quando estou acordado e s��brio?

��� Quanto acontece isso, querido?

Notando suas roupas no ch��o, o copo derrubado, o sof��

desarrumado, os cinzeiros amontoados e os pratos sujos,

sorriu pelo nariz e disse a si pr��prio: "Kilroy esteve aqui.

Numa bebedeira tamb��m. Kilroy n��o, Leroy". Subitamente,

percebendo que tinha dormido em um len��ol, perguntou

abismado:

��� Voc�� arrumou o sof��?

��� N��o, querido, quando fui para a cama voc�� estava

cozinhando. ��� Ela sorriu. ��� Voc�� estava se divertindo

cozinhando.

Ele se lembrou do bife queimado e sorriu:

Certo! Ent��o, percebeu que ela o fitava analiticamente.

��� Qual �� o meu lance?, perguntou.

��� Voc�� tem um belo corpo, Jess��, ela disse com honesta

lasc��via.

"N��o podia ser de outra forma", ��� ele pensou. "Com

tanto exerc��cio que fiz com o pano de ch��o e a p �� ! "

��� Se ainda tiv��ssemos escravos, eu pagaria um ano de

sal��rio por voc��.

��� N��o seja t��o miser��vel!

��� Eu ficaria com voc�� como animal de estima����o, dar-

lhe-ia uma coleira de ouro e uma placa com o nome.

��� P a r a inveja de todas as damas dos Pequineses porque

eu falo.

��� Voc�� pode fazer mais do que falar, querida.

��� N��o tenho sua fineza, evidentemente.

Ela sorriu:

��� Voc�� est�� tendo um tempo dif��cil, querido, n��o est��?

��� Se isto continuar... ��� Mas interrompeu-se porque

teve um s��bito ataque de diarr��ia e teve que correr. "Fiu!",

155

pensou. "Bastardos, n��o s�� me espancam quando estou dor-

mindo, mas tamb��m me fazem comer com os gavi��es".

Depois examinou seu rosto intumecido no espelho. Tinha o

brilho oleoso de um proxeneta, e os olhos estupidificados

agora amarelados pela icter��cia pareciam inumanos. "O

Dr��cula Negro", disse. Sentiu-se agradavelmente aturdido

e ligeiramente alegre na sua desordem mental, a qual era

perfeitamente normal, mas o corpo estava dolorido e

machucado.

��� Kriss, meu bem, ��� ele perguntou, pondo a cabe��a

fora da porta. ��� Voc��, por acaso, n��o me bateu com o

ati��ador enquanto eu estava dormindo?

��� N��o, querido, lamento confessar.

Olhou para o espelho e balan��ando a cabe��a para seu

reflexo, disse: "Jess�� Robinson, que h��, filho?" E enquanto

tomava banho: "Se voc�� n��o come��ar logo eles v��o lhe

mandar cultivar o solo em Bush League". P��s uma gilete

nova no aparelho de barbear dela, fez a barba, usou seu

pente e escova na carapinha molhada e a primeira escova

de dentes que encontrou, pensando: "N��o deixe os higie-

nistas lhe pegarem, rapaz".

Voltando �� sala de estar, p��s as cuecas, meias e sapa-

tos e pendurou o resto de suas roupas no arm��rio do hall.

Depois, aproximou-se dela por detr��s, curvou-se e beijou-

lhe a nuca, notando com uma ligeira repugn��ncia uma

pequena erup����o nas suas costas.

��� Pegue meus ��culos, querido, ela ordenou. ��� Est��o

no suporte no qua,rto de dormir.

Ele foi busc��-los obedientemente, pensando: "Esta

meretriz adora me fustigar". Alto, ele perguntou:

��� Que tal o caf��, querida?

��� J�� tomei, querido. Estava comendo enquanto voc��

brigava com seus inimigos no sono.

Ele come��ou a dizer:

��� Chama aquilo caf�� para uma mo��a crescida como

voc��?, ��� mas instantaneamente percebeu que ela era uma

mo��a muito crescida para tal observa����o.

Entrando na cozinha, exclamou:

��� Not��vel, Leroy trouxe todos os rapazes! ��� E acres-

centou divertido, quando viu a faca enterrada na porta:

��� Iluminou uma trilha para o snr. Ward tamb��m. E depois

156

a si pr��prio: "Que diabo, filho, nesta marcha voc�� nunca

ser�� um Hamlet". Mas por um instante sua normalidade

desordenada foi sacudida por um tremor de medo. "Preci-

so dar o fora daqui", pensou, mas rapidamente afogou seu

temor em um drink. Quando come��ou a beber o resto do

bourbon notou que eles tinham bebido duas garrafas de

Scotch e meia de bourbon.

��� Jess��, ��� Kriss falou t��o abruptamente ��s suas costas

que ele levou um, susto muito grande e derrubou o copo

vazio na pia, onde ele se despeda��ou.

��� Que diabo! Kriss, ele protestou ofegando.

Ela se divertiu �� larga com seu susto, mas conteve-se

o tempo necess��rio para dizer maldosamente:

��� Eu quero aquela porta consertada. N��o vou ter voc��s

negros aqui para destruir meu apartamento. Maud, uma

vez, cortou minha mesa da sala de jantar inteira com uma

faca de cozinha...

��� Maud? Eu pensei...

��� Foi em Chicago. Ela tentou fazer Harold me pagar o

dinheiro que devia e ele a esbofeteou.

��� Bom para ele!

Mas ela n��o o permitiu se safar t��o facilmente:

��� Custou-me trezentos d��lares para pintar este lugar e

eu n��o vou permitir que voc��s n e g r o s . . .

��� Trezentos d��lares! Ao inv��s de pagar esta import��n-

cia eu dormiria com o pintor um n��mero igual de horas.

Sorrindo, ela se aproximou dele e o apertou com for��a,

machucando-o:

��� Dormiria?

��� Ui! D��i!

Seus corpos se juntaram e eles se beijaram com habili-

dade mec��nica, mas seus ��culos lhe fizeram lembrar dese-

nhos animados de africanos nus com cartola, e ele demorou

a corresponder.

Por um momento ela se sentiu ardente, mas logo esfriou.

Afastando-se dele disse:

��� Jess��, quero que voc�� d�� um jeito nesta bagun��a

que voc�� e Harold fizeram...

Seus olhos amarelados revelaram uma f��ria t��o selva-

gem que ela come��ou a rir. Suas m��os tremiam quando ele

derramou um drink para se firmar. Bebendo-o de um gole,

ele disse ofegando:

157

��� Uma destas vezes, querida...

��� Oh, Jess��, por que voc��s n��o beberam o bourbon?, ���

ela se queixou com genu��na emo����o. ��� Voc�� e aquele patife

beberam todo meu Scotch...

��� Ele �� seu amigo, querida.

��� Eu o odeio!, ela disse mal��volamente e voltou sua

aten����o para o jornal.

"Bem, enquanto houver comida h�� esperan��a", ele disse

consigo mesmo. Depois de fazer um drink, preparou para

si quatro salchichas, quatro fatias de rim, tr��s ovos fritos

e assou dois p��ozinhos.

��� Vai fazer uma viagem, querido?, ��� ela perguntou

quando viu seu prato.

��� Voc�� me chamou de negro faminto!

��� Faminto, de qualquer maneira.

��� N��o, eu gosto mais do negro faminto. Gosto de pensar

em mim como negro quando estou fazendo amor com voc��.

Ela virou o rosto dele para si e beijou sua boca engor-

durada, depois do que, ele teve dificuldade de engolir a

comida.

Quando ele acabou de comer, lavou os pratos, limpou o

ch��o e o fog��o e areou a grelha, enquanto ela fez a cama,

arrumou a sala de estar, varreu o tapete e jogou o lixo no

incinerador. Ent��o, ele p��s as cal��as e camisa e ela vestiu

seu peignoir vermelho de seda e cal��ou as sand��lias turcas

e se sentaram nos seus respectivos lugares, ele no sof�� e

ela na cadeira de tr��s pernas com u��sque e soda gelado sobre

descansos de prata ao alcance da m��o, para assistirem um

programa de televis��o. Naquele momento, eles compunham

um quadro representando a tranquilidade dom��stica de

Manhattan num domingo �� tarde. O simp��tico diretor do

Zool��gico Lincoln de Chicago que comandava o show, tinha

alcan��ado o climax de uma cena lidando com um par de

cobras venenosas, quando o telefone tocou.

��� Que diabo!, ��� Kriss exclamou. As cobras sempre a

fascinaram; quanto mais venenosas maior a fascina����o.

Al��m disso, o diretor tinha sido mordido duas vezes no

show anterior e ela n��o queria perder a oportunidade de

v��-lo mordido novamente.

Seu primeiro impulso foi ignorar o telefone, mas depois

de deix��-lo tocar por tempo suficiente para esgotar a paci��n-

158

cia de quem telefonava, correu para atend��-lo. Misturado

com o som da televis��o, Jess�� a ouviu falar incoerentemente

e com uma efus��o que nunca mostrara para qualquer homem

ou mulher, e pensou sonhadoramente: "Tire uma carta,

qualquer c a r t a " . Com seu quarto drink entrou num mundo

de completa indiferen��a ao qual s�� dava uma vaga aten����o

e ouvia as coisas pela metade. Apenas fingira estar inte-

ressado no programa da televis��o para agradar Kriss.

Agora, fechou os olhos e come��ou a brincar com palavras:

Movi-me um pouquinho

P a r a repreender uma mo��a

Mas a mo��a teve a coragem

De se sentar e n��o se submeter

Embora a castigasse e ela se ajustasse e batesse e ela

se refreasse

Devo admitir que n��o podia submeter o esp��rito

E tive de desistir...

��� Era Don, ��� Kriss disse, e ele abriu os olhos. ��� Ele

vem a��. Voc�� gosta de Don, n��o gosta, querido?

��� Oh, claro, ��� ele respondeu, pensando. "Eu gosto de

tripa grande, voc�� gosta de tripa grande?"

��� Ele est�� na lei seca, s�� bebe coca-cola. ��� Ela estava

t��o excitada como se sua mais ��ntima amiga viesse visit��-la.

Seu rosto adquiriu uma express��o de enternecedora simpatia

quando acrescentou:

��� Eu amo Don, ele �� t��o meigo quando est�� s��brio!

��� Ningu��m pode ser um bom servi��al sem ser meigo

algumas vezes, ��� ele acrescentou e ela ficou zangada.

��� Jess��, se voc�� vai ser detest��vel...

��� ...querida, querida, eu a a m o . . .

��� Don tem sido um anjo para mim e . . .

��� N��o discutamos mais, querida.

Ela se abrandou.

��� Fa��a drink para n��s, querido, enquanto eu pe��o coca-

cola. ��� E gritando para ele na cozinha:

��� Pegue gelo, querido.

"Pegue gelo, querido., fa��a drinks, querido... lave os

pratos, querido... esfregue o ch��o, querido... beije o dedo

do meu p��, querido... concerte minha porta, querido", ���

ele murmurou para si pr��prio quando retirou o gelo do reci-

piente, mas na parte mais profunda da consci��ncia ainda

estava brincando com as rimas:

159

. . . m a s se voc�� permitir

Eu muito humildemente perdoarei

Desejo somente transmitir

O que melhor se ajustaria

N��o, benef��cio

Alguma mo��a

Oh, definito

P a r a saber

Eu emitiria...

��� Jess��!

Ele levou um susto t��o grande que o recipiente de gelo,

voou de sua m��o e caiu na pia fazendo um estardalha��o.

Kriss estava na porta sorrindo.

��� Em que est�� pensando, querido?

Distraidamente, ele tinha deixado a ��gua correr sobre

os cubos de gelo at�� dissolv��-los.

��� Sobre repreens��o, querida, ��� ele balbuciou ao

recobrar-se.

��� Bem, pense no gelo agora, querido. ��� Don estar��

aqui em um minuto.

��� Sim, querida, eu pensarei no gelo agora, querida. H��

algo mais em que voc�� quer que eu pense, querida?

O entregador da casa de comest��veis trouxe doze garra-

fas de coca-cola, quatro garrafas de ��gua Canadian Dry, latas

de queijo e nozes, e para mostrar que era homem de men-

talidade, piscou para Jess�� confidencialmente. "N��o �� o que

voc�� est�� imaginando, mano", Jess�� pensou. "Tenho dor-

mido no sof��".

Ent��o, Don chegou com seis garrafas de pepsi-cola para

ele e uma garrafa de Scotch para Kriss; ela lan��ou seus

bra��os ao redor dele como uma m��e orgulhosa e o beijou.

Os dois entraram na cozinha falando incoerentemente.

��� . . . p a r e c e muito melhor, querida...

��� . . . n e m uma gota em dez dias e . . .

��� . . . t �� o preocupada com sua sa��de, querido, quando...

��� ...comendo como um c a v a l o . . .

Ouvindo a palavra cavalo, Jess�� lembrou-se de uma

anedota que circula nos meios psiqui��tricos.

Psiquiatra (entrevistando jovem acusado de ter assassi-

nado sua m��e):

��� Voc�� liga para garotas?

160

Jovem: A�� est�� o problema, n��o ligo.

Psiquiatra: Voc�� liga para rapazes?

Jovem: N��o.

Psiquiatra: P a r a que voc�� liga?

Jovem: Cavalos. Eles s��o a ��nica coisa que me fazem

ardoroso".

Psiquiatra: ��guas ou garanh��es?

Jovem (horrorizado): "O senhor me toma por pederas-

ta, doutor?

Kriss estava sorrindo idiotamente:

.. .t��o feliz, querido...

Don estava dizendo bobagens, rindo ruidosamente e

ofegando como se tivesse corrido uma hora e agora estivesse

mascando uma pedra.

��� Jess��, ha h a . . . malandr��o ha h a . . . vomitando no

meu sof��...

��� .. .Sinto sobre aquilo, Don...

��� .. .n��o me incomodei com o sof�� ha ha, mas Ralph

teve de limp��-lo. Tomei na cabe��a desde que vi voc��s pela

��ltima vez ha ha. Eu lhe contei, Kriss?

��� Eu ainda estava morando l��, querido.

Ela lhe deu um copo de coca-cola gelada e ele a bebeu

sofregamente, sorrindo mesmo enquanto virava o copo, e

olhando para Jess�� de maneira incisiva, como dissesse:

"Todos n��s, os vagabundos aqui juntos". Ele era um homem

alto, um anglo-sax��o de boa complei����o; seu rosto elegante,

de ossos fortes, tinha o rubor do alco��latra e seus tra��os

eram corro��dos em conseq����ncia da constante dissipa����o e

incrivelmente deformados pelo deliberado subjetivismo para

a pervers��o sexual. Al��m disso, ele n��o tinha feito a barba.

Naquele dia chuvoso, sombrio, tinha sa��do com a cabe��a

descoberta e o cabelo cortado �� escovinha estava grudado

na cabe��a. Usava um palet�� esporte de caxemira verde, uma

camisa cor-de-rosa aberta no pesco��o, cal��as de flanela

Oxford cinzas, velhas, sujas e frouxas e sapatos de t��nis

que uma vez tinham sido brancos em p��s que tamb��m tinham

sido brancos uma vez. Se n��o fosse pela risada descontro-

lada que indicava uma deteriora����o definida do c��rebro,

poderia ser considerado humano. Anatomicamente era mas-

culino. Tinha freq��entado Harvard durante tr��s anos, at�� o

come��o do seu ano superior, quando fora encarcerado secre-

161

tamente por acusa����es morais ��� o sil��ncio sobre o assunto

custou a sua fam��lia vinte mil d��lares.

Considerando estes fatos, Jess�� pensou: "Confere. Um

homem de Harvard. N��o h�� duas maneiras diferentes".

Sendo descendente de uma muito velha e muito rica

fam��lia bostoniana da mais alta proemin��ncia social, ele

obviamente n��o podia ficar em Boston. A fam��lia de Don

n��o quis correr o risco de ver sua ficha policial se transfor-

mar em assunto de fofoca para os colunistas; arranjou-lhe

um passaporte e exilou-o para New York em lugar de alguma

ilha ensolarada do Mediterr��neo, onde podia beber at�� mor-

rer, os conhaques baratos com outros bostonianos exilados,

esperando que os bourbons nativos fossem igualmente letais.

Contudo, o rapaz tinha melhor constitui����o do que eles

imaginaram.

Chegando �� New York com Ralph, seu companheiro

negro, fixou resid��ncia no River Side e se tornou o patrono

do negro. Soube-se disto por interm��dio de Maud. Natural-

mente, ela o descobriu imediatamente. Ela podia farejar

homossexuais brancos �� milhas de dist��ncia. Com sua assis-

t��ncia ele facultou v��rios benef��cios aos negros e propor-

cionou os fundos necess��rios para criar bolsas de estudos

em v��rias academias de negros para estudantes de arte

promissores. Suas festas inter-raciais em benef��cio dos

negros tornaram-se t��o famosas e bem sucedidas que ele

comprou uma casa grande em Gramercy Park para acomo-

dar mais negros beneficiados e fazer mais benef��cios. A

primeira vez que Jess�� compareceu a uma das festas em

casa de Don, n��o foi convidado e chegou ��s onze horas.

Encontrou todo mundo b��bado e um jovem elegante com

camisa branca de seda, rindo infantilmente, p��s na sua m��o

um copo de cristal contendo rum gelado. Ele o bebeu polida-

mente e come��ou a dan��ar muito achegado com uma mulher

que estava �� disposi����o, e o que se lembrou em seguida foi

que estava sentado na cozinha abrindo latas e latas de

anchovas e jogando as latas vazias em um canto e contem-

plando o Rio Hudson deslizar pregui��osamente em um dia

chuvoso. Agora, olhando para este derrelito com camisa

cor-de-rosa, a dois pulos da idiotice, pensou um tanto diver-

tido: "N��o h�� ningu��m aqui que j�� n��o tivesse estado

antes, patr��o".

162

Eles levaram as bebidas para a sala de estar. Don parou

no caminho para ir urinar ��� o tro��o mais horr��vel que

voc�� pode imaginar; enfraquece sua bexiga, algo horr��vel

ha ha", depois observou: " . . . e u me sinto como uma crian-

��a ha ha". P a r a provar isto trouxe um tamborete de madei-

ra e se sentou nele como uma crian��a. Ent��o, ofegante,

come��ou a contar o que aconteceu no seu bar favorito no

Harlem.

��� Eu tenho freq��entado o "Becky's" por muitos anos;

todo mundo me conhece... ��� sentado no seu lugar de costu-

me, ele apenas convidou o homem junto dele para tomar

um drink.

��� Eu n��o o conhecia, querida... e uma mulher que

nunca tinha visto sup��s que ele estava querendo tomar o

homem dela ��� mas asseguro-lhe querida ha ha nada era

mais remoto...

��� . . . s e u mal, querido, �� que voc�� sempre est�� pagando

bebida para esses negros famintos e . . .

��� .. .Bucky lhe dir��, querida. Eu n u n c a . . .

��� ...apenas gostaram de voc�� pelo seu dinheiro. Todo

aquele dinheiro gasto em bebida com aqueles n e g r o s . . .

"Deve ter pago muita bebida para se livrar de um quarto

de um milh��o de d��lares em seis anos", Jess�� pensou.

��� . . . m a s nunca procurei tomar o homem de nenhuma

meretriz ha h a . . . Tudo que precisava fazer era assobiar...

��� ...espero que tenha aprendido a li����o, querido...

Jess�� pensando: "Eu teria comprado tr��s negros adultos,

tr��s negrinhos para criar e guardado o resto do dinheiro".

Aquela mulher que ele nunca tinha visto, deu uma pan-

cada na sua cabe��a com uma garrafa de u��sque, deixando-o

inconsciente.

��� . . . J e s s �� , eu sangrei como um porco sangrado ha ha.

N��o sei como cheguei em casa ha ha. Bucky deve t e r . . .

��� ...mandado em um t��xi, querido. Voc�� estava com

uma toalha ao redor da cabe��a e alguns negros...

��� ...tomou conta de mim como uma crian��a ha ha. Eu

tinha uma por����o de amigos. Todo mundo...

��� . . . e Ralph ficou t��o danado que voltou com sua

pistola...

��� ...estava com tanto medo que eles batessem na

meretriz ha ha que n��o pude suportar...

163

Este relato incoerente era interrompido a cada dois

minutos; primeiro, para ele ir �� cozinha buscar mais coca-

cola e segundo, para ir ao toalete.

"A pausa que refresca", pensou Jess��.

��� ...penetra nos rins como agulhas ha ha. Eu bebo

seis d��zias de garrafas por dia ha ha e tem o mais terr��vel...

"N��o admira que este filho da m��e faz como "O Velho

Fiel", Jess�� pensou.

��� . . . m a s a gente precisa beber alguma coisa ha h a . . .

��� . . . m a s voc�� est�� t��o bem, querido...

Kriss adorava aquele homem porque ele era como uma

irm��; eles podiam discutir seus assuntos e falar candida-

mente da ��ltima noite com o amante. Al��m disso, era uma

pessoa da alta sociedade de Boston, que fazia tudo direito,

e uma vez a levou �� sua mans��o ancestral ��� quando toda

a fam��lia estava fora, certamente ��� e eles tiveram momen-

tos gloriosos, indo de bar a bar em Boston, �� procura de

homens; t��o diferente do patife Ronny, que andava furtiva-

mente com a pior esp��cie de vagabundos. Mas esta era a

diferen��a entre Boston e Mississippi; os bostonianos eram

cultos.

Quando ele veio do toalete, Kriss perguntou:

��� Por que voc�� n��o come algumas nozes, querido?

"N��o olhe para mim!", Jess�� pensou, apontando para

a bebida na mesa. Ent��o, subitamente, sua mente divagou,

vedando o som de vozes e ele come��ou novamente a brincar

com palavras:

Seja um paladino

Sem medo

P a r a arruinar o branco

E destruir o ��dio

Que os homens certo

E ao menos uma vez

Tudo ser�� certo

Especialmente se algu��m �� severo

Quando sua mente voltou �� realidade, ouviu Kriss dizer:

��� Como v��o as coisas com voc�� e Garner, querido?

E Don come��ou a contar a est��ria triste da morte lenta

do seu glorioso romance com um negro elegante, de cabelos

crespos, um oficial do ex��rcito. O romance atingiu seu

cl��max h�� tr��s anos atr��s, quando eles fizeram um cruzeiro

164

�� Martha's Vineyard, e ficaram t��o encantados com a tole-

r��ncia cega e o isolamento id��lico de New England que

decidiram ficar l�� em ��xtase inebriante pelo resto de suas

vidas. Don comprou uma casa antiquada, mob��lia e uma

caminhonete para ir e voltar da cidade, mas naquele primei-

ro inverno eles n��o foram �� cidade muito freq��entemente

e n��o tiveram um s�� momento desagrad��vel. Por��m, no

ver��o seguinte, o irm��o de Garner, Jack, um advogado de

Philadelphia, e sua esposa, Geraldine, uma colunista inte-

ligente, com seu filho e herdeiro, um rapazinho de doze anos,

vieram visitar o local e gostaram tanto que resolveram ficar.

Don ficou t��o encantado que lhes passou a escritura da

casa, pensando que todos eles viveriam agradavelmente ali

para sempre. Mas, Geraldine era uma pessoa da alta socie-

dade e seus h��spedes eram quase sempre negros ilustres.

Ent��o, eles acharam o arranjo exdr��xulo e que era descon-

certante ver um jovem b��bado, n��o barbeado, vestido apenas

de roup��o, andar pela casa a toda hora, embora ele fosse

um bostoniano de elite. Assim sendo, Geraldine logo deixou

de apresent��-lo aos seus distintos h��spedes e come��ou a

arquitetar meios e formas de p��-lo para fora de sua casa.

��� E e ela foi t��o longe ha ha, que um dia estava diri-

gindo a caminhonete a fim de pegar alguns h��spedes na

esta����o e eu lhe pedi para ir junto, pois precisava fazer

algumas compras; nunca aprendi a dirigir e " P a p a i " estava

dormindo. Ent��o, eu a ouvi dizer baixinho aos h��spedes que

eu era o jardineiro ha ha. N��o me incomodei muito com

aquilo, mas logo em seguida ela levou minha televis��o da

sala de estar para seus h��spedes...

��� Voc�� n��o a deixou fazer isto, querido? Sua pr��pria...

��� .. .ela �� t��o desgra��ada ha ha e eu positivamente n��o

estava em condi����es de fazer uma cena envolvendo...

Finalmente chegaram a um ponto de viver como estra-

nhos dentro de casa, cada um com seus convidados, comendo

em horas diferentes, sentando-se em lados opostos na sala

para ter conversas separadas, passando uns pelos outros

sem se falarem, cada grupo agindo como se o outro fosse

invis��vel.

��� Assim, eu disse a " P a p a i " : Se voc�� n��o ficar do meu

lado eu o deixarei. Agora, ele e s t �� . . .

165

��� Jess��!, ��� Kriss gritou repentinamente. Ele levou um

susto t��o grande que os peda��os de queijo que estava comen-

do voaram no ar como balas de chumbo.

Ela exclamou sorrindo:

��� Prepare mais drinks, querido. E voc�� podia juntar-se

a n��s se n��o t e m . . .

��� Estou escutando todas as palavras. Fascinante. Me-

lhor do que "Temporada no Inferno" de Rimbaud. Melhor

do que " M a c b e t h " . . .

��� Voc�� conhece Garner, Jess��?

��� Oh, certamente, eu o conheci em sua c a s a . . .

��� P r e p a r e os drinks primeiro, querido.

��� Sim, querida.

Quando Jess�� foi para a cozinha fazer os drinks, Don

foi ao toalete e quando Jess�� voltou, Kriss estava lendo uma

carta que Garner tinha escrito a Don.

��� Ele o quer de volta, querido.

��� Ele vai beber at�� morrer ha ha, mas eu positivamente

n��o me incomodo ha ha.

��� Mas sua casa, querido! Voc�� n��o v a i . . .

��� Eles podem ficar com ela ha ha. Eu positivamente

n��o posso ser amolado...

Engolindo a n��usea, Jess�� esfor��ou-se para ficar de p��.

Tentou fixar sua vis��o no que parecia ser um grande n��me-

ro de olhos de peixe mutilados movendo-se na superf��cie

de um mar de sangue coagulado, mas o gosto putrefato da

n��usea veio do est��mago mais r��pido do que p��de engoli-la

e c��imbras de diarr��ia lhe atacaram com a rapidez do rel��m-

pago. Com grande dificuldade, ele disse polidamente, pro-

nunciando cada palavra separadamente, em voz grossa e

vigorosa:

��� Se ��� voc��s ��� meus caros ��� me desculparem ��� eu ���

irei ��� a o . . . , e cambaleou para o banheiro, chocando-se pesa-

damente contra o canto da arcada. Don se levantou com

um pulo e o pegou pelo bra��o. Ele se lembrava de ter che-

gado l�� na hora H, de ouvir vagamente um som pairando

acima e outro som mais vago ainda no hall, de se sentir

meio divertido com tudo aquilo e de tentar p��r o pensamento

em palavras: "Apenas, pagar na mesma moeda ha ha".

166

CAP��TULO 11

Eram sete e quinze quando voltou a si. Estava deitado

na cama nu e meio descoberto. Pela janela parcialmente

aberta viu que era uma noite triste. Al��m de sentir frio,

sentiu-se s��brio e perigosamente deprimido. Os pensamen-

tos martelavam em seq����ncia racional: L i v r o . . . rejei����o...

Becky... cobertores... K r i s s . . . mulher b r a n c a . . . mundo

do homem branco, filho...

Zero �� um zero

E cinco �� um algarismo

Cinco para o homem branco

E zero para o negro.

Voc�� se empregou para o servi��o, filho, ningu��m lhe

for��ou", ele pensou, e ent��o: "O que eu realmente devia

ter dito ao i m b e c i l . . . " Sua mente bateu numa parede.

"0 que, filho?", perguntou alto.

Levantou-se da cama, pensando com amargo diverti-

mento: "E querida ha ha deixaram-me sem fala!"

Foi para o banheiro de p��s descal��os. Kriss na sua

cadeira favorita, com u��sque e soda a seu lado, assistia um

dos seus programas de televis��o favoritos, "Sr. Peepers",

e julgando que ningu��m a via, sorria e n��o o ouviu. Ela

e Don tinham arrumado o que estava desarrumado. Depois

ela tinha grelhado o presunto que Jess�� trouxera e prepa-

rado seu jantar. Agora, sendo entretida, pela ci��ncia mo-

derna, deliciosamente intoxicada pelo u��sque, com um negro

saud��vel e qualificado esperando-a, no seu pr��prio aparta-

mento, na maior cidade do mundo, com a noite adiante deles,

ela se sentiu maravilhosamente bem.

Instintivamente, Jess�� fechou primeiro a janela do

banheiro, para evitar que os vizinhos vissem um negro no

apartamento de uma mulher branca. Depois, estudou seu

reflexo no espelho. "Pelo que voc�� continua procurando,

167

filho? Um milagre?", ele perguntou a si pr��prio. "Voc��

vai continuar a olhar para si at�� ver alguma coisa que n��o

quer ver". Em seguida, escovou os dentes, gargarejou, to-

mou banho quente e depois frio at�� que seus dentes casta-

nholassem.

Estava se enxugando, quando Kriss olhou pela porta e

perguntou sorrindo:

��� Como se sente agora, querido?

Enquanto se enxugava, olhou para ela com cuidadosa

indiferen��a. O que viu foi uma loura amadurecida, de papa-

das, olhos azuis, com est��mago saliente e pele t��o branca

como barriga de peixe, sorrindo para ele, de acordo com

sua interpreta����o, da mesma maneira idiota e estranha que

os americanos brancos sorriem para os negros, n��o importa

qu��o destitu��dos de gra��a os negros possam ser, como se

sorrir para os negros fosse t��o obrigat��rio quanto defender

o hino nacional.

��� Eu me sinto bem, ��� ele respondeu calmamente.

Mas ela estava disposta a se divertir. Disse:

��� Se voc�� n��o fizer desta uma boa noite, Ad��o, est��

despedido.

��� Que diabo! P a r e com isso! ��� ele pediu zangado.

��� Todos a bordo!, ��� ela gritou sorrindo. "Tut-tut!",

seu c��rebro explodiu com f��ria assassina e ele a teria esbo-

feteado se ela n��o o tivesse abra��ado e beijado. O ressenti-

mento dele aumentou seu prazer.

Desvencilhou-se sem dizer nada, odiando-se por desejar

dormir com esta mulher branca ou qualquer outra mulher

branca, mas no outro lado de sua mente estava um tanto

divertido pela imagem de si pr��prio: "Mesmo assim, muito

l��gico. Realmente inevit��vel. Os negros t��m que desejar

possuir mulheres brancas. N��o h�� outra alternativa para a

forma que eles estabeleceram. N��o seria humano se n��o

desejassem. Absolutamente certo tamb��m. N��o apenas

l��gico, inevit��vel e certo, por��m tamb��m essencial em nossa

cultura. Equil��brio necess��rio. Al��m disso, que diabo mais

pode se esperar ��� o pa��s est�� cheio de mulheres brancas

que desejam ser amadas e tudo desde Saucy Dames at��

Henry James indica que elas foram as primeiras com o

m��ximo....."

��� Voc�� est�� com fome, querido?, ��� ela perguntou

solicitamente.

168

Usando sua melhor escova na carapinha molhada, fazen-

do um esfor��o para aborrec��-la, ele replicou abruptamente:

��� N��o.

Todavia, sua r��plica um tanto grosseira apenas contri-

buiu para aumentar sua euforia. Sorrindo, ela disse:

��� Vou lhe preparar um drink enquanto voc�� se veste,

querido.

��� Eu mesmo preparo, ��� ele disse, empurrando-a e indo

nu para a cozinha.

Ela trouxe seu copo e preparou um drink enquanto o

observava desarrolhar uma garrafa de gin, derram��-lo em

um copo at�� a metade e beb��-lo. Ele ofegou e ela sorriu.

P a r a ela, esta era a melhor parte de tudo; todas suas m��goas

se dissiparam ao contemplar a autodestrui����o sintom��tica

de um negro frustrado na sala de uma mulher branca. Ela

ficou excitada pela express��o de ��dio no seu rosto e n��o

o apertou novamente por medo de ser esbofeteada.

��� Voc�� p��s Don em uma embrulhada, querido, ��� ela

disse.

Ele derramou outra dose de gin para enevoar sua pers-

pectiva agu��ada, na qual tudo parecia t��o estranho e incri-

velmente depravado.

��� Parece que toda vez que voc�� o v�� fica enjoado,

querido.

��� N��o �� para admirar.

��� Ele disse que seria interessante v��-lo s��brio.

��� Que me importa o que ele disse!

Ousadamente, ela lhe deu um belisc��o e se esquivou

antes que ele pudesse reagir.

��� Apresse-se, querido, ��� ela avisou alegremente.

"Apressar-se para que?", ele murmurou para si pr��prio.

E depois: "Filho, voc�� deve ir para casa". Mas, deixar a

pequena cela de libertinagem e invadir a escurid��o exterior

foi um pensamento que lhe provocou um temor incompre-

ens��vel. Foi como se durante suas vinte e seis horas no

seu apartamento, o lado de fora tivesse se tornado o desco-

nhecido e fosse infestado por perigos e maldades, e o que

era mais para se temer, pelos imponder��veis da chamada

normalidade, os quais se revelavam muito aterradores para

serem enfrentados. Dentro ele se sentia seguro quando

suficientemente b��bado se afundava em uma dem��ncia

precoce que convinha e complementava a meretriz. Al��m

169

disso, ele n��o tinha dormido com ela ainda. Depois de tomar

outro gin foi nu para a sala de estar e aproximando-se de

Kriss quando ela sintonizava a televis��o, pegou-a pela cintu-

ra e puxou-a para ele.

��� Deixe esta bobagem para l��, ��� disse roucamente.

��� Eu v o u . . .

Ela sorriu alegremente, encostando-se nele, mas quando

ele a empurrou rudemente, procurando descer o fecho ��clair

do seu vestido, ficou enraivecida.

��� Jess��, se voc�� derrubar minha televis��o!

Por um momento sua mente ficou let��rgica, sem pensa-

mentos, e a pr��xima coisa que percebeu foi que ela estava

lutando debaixo dele no assoalho, com o vestido rasgado na

frente, sorrindo, e sua f��ria era tamanha que ela se sentia

sexualmente excitada. O telefone tocou e sua mente se

retraiu com uma total dispers��o de paix��o, como uma tar-

taruga puxando sua cabe��a.

��� Que diabo, deixe-me atender o telefone!, ��� ela gritou.

Sua repentina animosidade transformou sua carne em

algo muito indesej��vel. Sua paix��o diluiu-se, deixando-o com

um desejo desapaixonado quase cl��nico de segur��-la pela

garganta com uma m��o e esbofete��-la com a outra. Mas,

ela come��ou a lutar com o p��nico louco de algu��m que est��

sendo afogado por outrem.

��� Deve ser meu chefe, seu palerma! ��� e fugiu antes

que ele a pudesse esbofetear.

Ele ficou observando as linhas brancas e negras cor-

rendo furiosamente na tela da televis��o, umas atr��s das

outras, como se a inten����o do est��dio fosse retratar a con-

t��nua distor����o. Ent��o, ouviu uma voz dizer: " . . . e agora,

senhores e senhoras da audi��ncia da televis��o, estas s��o as

not��cias do mundo". Ele pensou: "Podem ser not��cias para

voc��, filho, mas eu j�� sei de tudo isto".

��� Walter Martin e Lucille v��m daqui a pouco, ��� Kriss

anunciou do hall..

��� Aquele asno, ��� ele murmurou irritado.

��� Jess��, ��� ela refutou maldosamente: ��� Se voc�� vai

ser desagrad��vel, eu quero que voc�� v�� embora agora

mesmo.

��� Kriss, meu bem, ��� ele disse animadamente, levan-

tando-se com dificuldade. ��� A pr��xima vez que voc�� me

disser para ir embora eu lhe arranco os dentes.

170

Eles se vestiram em silencioso antagonismo. Ela p��s

seu vestido preto de festas e as j��ias que tinha usado no

"Nick's", e ele seu traje de fim-de-semana terap��uticamente

recomendado para uma mulher de neg��cios, branca e sexual-

mente frustrada.

Walter, com sua agressiva personalidade, veio galopando

como o poderoso Ricardo Cora����o de Le��o, e quando a m��o

poderosa do homem poderoso o agarrou nos ombros, Jess��

pensou: "Confira-me o t��tulo, rapag��o. Confira-me o t��tulo!"

Walter era um dos editores de uma revista de negros, de

sucesso, e conseq��entemente sabia tudo conhec��vel dentro

do dom��nio do conhecimento humano e muito fora dele ��� uma

grande quantidade fora dele. Ele era um homem elegante,

com um bigode elegante e tinha a cor de lama seca. Cada

duas semanas ele ia �� uma barbearia na S��tima Avenida e

por quatro d��lares eles lhe aplicavam uma pasta branca na

sua carapinha que a tornava t��o macia e lisa como cabelo

de branco. Seu cabelo foi morto por este tratamento. Toda-

via, Walter preferia cabelo morto de branco a carapinha

viva de negro.

Colocando seu drink na escrivaninha raramente usada,

ele virou a cadeira da escrivaninha, de forma a ficar de

frente para a sala. Depois, sentou-se �� maneira de um

administrador e tomou o comando da conversa.

��� Eu estava em S��o Francismo a semana passada,

entrevistando o Major Robinson ��� n��o �� parente de Jess��

��� sobre o problema das favelas de negros que tem aumen-

tado desde a guerra. O que o Major Robinson n��o s a b e . . .

"Voc�� lhe disse, certamente", Jess�� pensou e deixou

de escutar para examinar Lucille, que estava sentada ao

lado dele no sof��. Ela era uma mulher pequena, morena,

de cintura delgada, rosto estreito e bonito, boca sensual e

pernas longas. Cheirava a mulher-e-perfume, e Jess�� acen-

deu um cigarro para n��o ser perturbado por isto. Aprovei-

tando um momento em que o homem poderoso e a mulher

branca estavam tomando um drink, ela disse a Jess��:

��� Ouvi dizer que voc�� escreveu um novo livro, ��� mas

Walter foi muito r��pido, e tendo uma grande garganta, sem

d��vida, tomou conta da conversa de novo antes que ele

pudesse replicar.

��� O mal de Jess�� �� que escreve para um n��mero limi-

tado de leitores...

171

��� .. .odeia os brancos t a n t o . . . , ��� Kriss estava tentando

dizer, mas a voz forte de Walter silenciou-a.

��� Tem que escrever de uma forma que o povo leia

seus livros, Jess��.

��� . . . o professor que me ensinou a escrever fez uma

brincadeira de mau gosto... ��� Jess�� estava tentando dizer,

por��m Walter n��o tinha simpatia por nenhuma voz a n��o

ser a sua pr��pria:

��� Voc�� escreve de maneira muito simples, mas o que

eles v��em? Em minha profiss��o dizemos que uma fotogra-

fia vale por dez p �� g i n a s . . .

��� Ele jamais escrever�� um livro de sucesso se n��o

p a r a r . . . , ��� Kriss disse em voz fina, mas Walter a inter-

rompeu:

��� Tome Dickens ��� imagem clara em toda p��gina,

grande composi����o, preto no b r a n c o . . .

Jess�� se intrometeu:

��� Sua libido est�� aparecendo.

Kriss tinha come��ado a dizer:

��� Os brancos est��o cansados de serem odiados por

v o c �� s . . . , quando rapidamente percebeu o significado do

chiste de Jess�� e parou de sorrir, olhando furtivamente para

Lucille.

��� O que estou tentando dizer a Jess�� �� . . . , ��� Walter

disse convincentemente, e Jess�� encostou sua cabe��a no

sof�� e contemplou os sons brilhantes e matizados balan��a-

rem-se no mar ensanguentado. Achou aquilo tudo muito

idiota e se sentiu isolado em um vago divertimento.

��� Por que voc�� e Kriss n��o d��o a Jess�� uma oportu-

nidade de se defender, ��� Lucille interrompeu o grande ho-

mem, audaciosamente, e Jess�� disse em voz grossa e anima-

do pela embriaguez:

��� Meu pr��ximo livro vai ser um extraordin��rio best

seller. Vai ser escolhido pelos sete clubes ��� pelos onze

e �� . . . , ��� e por uma vez captou a aten����o de todos os pre-

sentes. Sorrindo pelo nariz, disse vagarosamente:

��� �� princ��pio eu estava indeciso. Ia escrever minha

autobiografia e intitul��-la: "A Velha Criada Negra de Massa

Faz Sua ��ltima Viagem ao Quarto de Banho", mas os edito-

res fizeram obje����o ao uso do pronome " s u a " ��� eles acha-

ram que devia s e r . . . " , ele estava vagamente ciente de que

172

Kriss estava sorrindo, Walter parecia aborrecido e Lucille

o fitava cheia de espanto, "assim tive de desistir. Agora,

vou escrever a biografia do grande macaco grande que

governa todos os macacos pretos na floresta. Os macacos

pretos o conhecem como o sr. A. Certamente, o t��tulo ser��:

"E Os Macacos Levaram". Acho tanta gra��a que n��o p��de

continuar.

��� Voc�� est�� brincando, ��� Walter come��ou.

��� N��o me diga que voc�� sempre soube, ��� ele inter-

rompeu, ofegando.

��� Estou tentando lhe dizer algo que �� para seu pr��prio

bem. Voc��s escritores n e g r o s . . .

��� N��o olhe para mim, patr��o. Eu n��o fiz nada.

��� ...quero que voc�� ou��a, negro! Estou lhe dizendo

algo. Walter estava ficando zangado.

��� ...ouvindo todas as palavras, p a t r �� o . . .

��� Jess��!, ��� Kriss exclamou rispidamente, furiosa por

ser ignorada. Mas, recobrou seu bom humor pelo susto que

ele levou, derrubando o copo.

��� Fa��a drinks para n��s, querido, ��� disse sorrindo

animadamente.

Ele se levantou sorrindo e disse:

��� Por um meigo olhar dos seus belos olhos azuis, atra-

vessarei o oceano mais profundo, mesmo que seja de g i n . . .

Cambaleou pela sala apertando os copos na barriga e

depois foi para a cozinha esbarrando na mesa e na parede.

Espontaneamente, Lucille levantou-se do seu lugar para

ajud��-lo, mas Walter percebendo sua inten����o pelo sorriso

malicioso de Kriss, fez-lhe sinal para ficar sentada.

Jess�� encheu um quarto de um copo com gin e o bebeu

depressa para firmar as garrafas que estavam come��ando

a fingir que eram r��pteis.

E a pr��xima coisa que percebeu foi que estava sentado

na cadeira de tr��s pernas de Kriss, falando em voz normal,

com grande anima����o para Harold que estava sentado em

um tamborete no outro lado da sala, entre o sof�� e a escri-

vaninha, com as costas viradas para a parede, escutando

com o prazer de algu��m ouvindo seus inimigos mal��volos.

...Sem preconceitos ou concess��es, e ele lhe odiar�� para

sempre. Por��m, chame-o santo ou bastardo, e ele lhe amar��

ou p e r d o a r �� . . .

173

Kriss estava sentada no sof��, falando de assuntos pro-

fissionais com Lucille, que trabalhava para uma institui����o

em Brooklyn, farejando sua feminilidade da mesma maneira

que Jess�� tinha farejado anteriormente, fitando com lux��ria

inconsciente seus l��bios que ela umedecia com a ponta da

l��ngua entre as senten��as. Enquanto isso acontecia, Walter

estava recostado na cadeira da escrivaninha, olhando para

todo grupo com a express��o de c��nico desd��m, a qual ele

tinha ensaiado assiduamente para ocasi��es como esta, mas

que vista de fora parecia muito mais a express��o carrancuda

de um negro acuado, " . . . p o r q u e voc�� �� um negro", Jess��

continuou conversando com Harold sem prestar aten����o

aos outros.

��� Ele n��o acreditar�� que voc�� possa v��-lo como ele ��.

Se voc�� �� um negro ruim ele espera que voc�� o odeie e se

voc�� �� negro bom ele sabe muito bem que voc�� o ama.

Mas, ele n��o sabe o que fazer com um negro que n��o o

ama nem o odeia...

��� A n��o ser mat��-lo!, ��� Harold replicou, sorrindo de-

preciativamente, como se tivesse avisado ��quele negro para

tomar cuidado.

��� Jess��, meu velho, sabe que descobri que h�� uma coisa

que leva um homem branco a m a t a r . . .

��� Mulheres brancas.

��� Jess��, velho, deixe-me dizer-lhe o que descobri. O

americano branco quer que voc�� possua suas mulheres...

��� Tudo o que voc��s negros pensam �� sobre mulheres

brancas, Walter disse enfadado, e Kriss atra��da pela inveja

inconsciente revelada em sua voz, abandonou Lucille no meio

de uma senten��a e cambaleou pela sala na dire����o dele para

consol��-lo. Sentou-se no bra��o de sua cadeira de frente para

ele e de costas para a sala e beijou-o sorrindo todo tempo,

murmurando incoerentemente:

��� Jess�� odeia muito os brancos. Voc�� n��o odeia os

brancos, querido, odeia?

��� . . . m a s se voc�� suspeita que sabe como ele p e n s a . . .

Harold estava dizendo e Jess�� o interrompeu:

��� . . . l h e mata, t��o certo como..., ��� e Kriss murmu-

rando sensualmente:

��� ...diga-me que voc�� n��o odeia os brancos tamb��m,

querido...

174

E Walter acariciando-a, mas tentando falar �� volta dos

seus obros para Harold e Jess��:

��� �� hora de voc��s negros dizerem suas ora����es...

��� . . . s a b e como ele �� inseguro, d��-lhe um problema que

n��o pode resolver e ele entra em p��nico, n��o sabe p e n s a r . . .

��� . . . j �� lhe contei a est��ria d e . . .

��� . . . a ra��a branca jamais resolveu um simples pro-

blema em toda sua hist��ria, exceto por extermina����o. ��ndios

mortos, ��ndios b o n s . . .

��� . . . e u fui para Connecticut trabalhar de zelador para

este sujeito ��� um advogado de New York, pessoa de impor-

t��ncia em uma firma que lidava com neg��cios de cinema.

��� ...filho da m��e, velho, �� um filho...

��� tinha uma bela fazenda ��� usada para criar cavalos

puro-sangue antes que ele a tivesse adquirido ��� havia belos

est��bulos, assoalhados e com luz el��trica...

��� .. .lhe digo, velho...

��� ...est��vamos l��, Becky e eu, at�� que o filho da m��e

apareceu em um ver��o e quis que eu e Becky fiz��ssemos

o servi��o de casa ��� n��s desistimos ��� mas isto n��o inte-

ressa. ..

Havia um grande galo amarelo na pocilga, umas galinhas

garnis��s em um galp��o e dezessete patos gordos em um

galinheiro cercado de arame. O advogado decidiu ter algu-

mas galinhas poedeiras. Assim, num fim-de-semana ele veio

e matou os patos com uma espingarda. Depois, foi de carro

encomendar duas d��zidas de frangas e pegar um negro

para depenar os patos, servi��o que Jess�� tinha se recusado

a fazer. Na semana seguinte, Jess�� limpou e caiou o gali-

nheiro, revolveu o terreno com o forcado, comprou sacos

de ra����o de duzentas libras, foi de jeep pegar as frangas e

instalou-as na sua nova casa. Mas um dos sacos continha

ra����o para porcos, e ele sem saber disto alimentou-as com

ela. Os ovos produzidos sa��ram mal formados e com a

casca mole. Quando o advogado voltou na semana seguinte,

examinou os ovos de casca mole e declarou peremptoria-

mente que a deformidade era devido ao fato do galo t��-los

fertilizado. O negro ignorante que tinha depenado os patos

passou por l�� depois do jantar para receber seu pagamento.

O advogado chamou Jess�� para a cozinha e os tr��s ficaram

sentados duas horas bebendo u��sque Canadian Club, tentan-

do decidir o que fazer com o galo. O negro ignorante suge-

175

riu que o galo deveria ser castrado, mas Jess�� disse que

primeiro eles precisariam descobrir os inimigos. Assim, o

advogado foi �� sua biblioteca e trouxe um volume sobre

cria����o de galinhas, mas tudo que descobriu acerca de galos

foi que havia uma parte de sua anatomia referida como

"os prim��rios". Sendo um advogado familiar com todos os

termos, teve autoridade para afirmar peremptoriamente que

"os prim��rios" eram os inimigos, mas n��o havia avenida

para o ataque. Jess�� n��o entendia como o galo que estava

na pocilga, �� meia milha distante, pudesse ter fertilizado

os ovos, mas certamente nada disse, visto que estava beben-

do o bom u��sque do advogado. Finalmente, a solu����o explo-

diu no advogado como uma tempestade cerebral. Bateu dra-

maticamente a m��o aberta na mesa e disse em voz de um

general dando ordem para atacar:

��� Jess��! Mate o galo!

��� . . . e que isto lhe sirva de li����o, velho, ele far�� isto

toda vez.

��� Certo. Mas o que me d e i x a . . . ��� Na orla de sua vis��o

ele viu subitamente o rosto de Lucille observando seu marido

acariciar Kriss; havia algo em sua express��o de desespero

refreado que lhe lembrava Becky ��� e o mundo exterior

precipitou-se para dentro aos trambolh��es. Interrompeu-se

no meio de uma senten��a, levantou-se com esfor��o e camba-

leou para a cozinha, por��m sua mente tinha se tornado s��bria

e empedernida. "Ningu��m jamais ser�� feliz a n��o ser fa-

zendo algu��m infeliz", pensou.

Entrando no hall, gritou:

��� Kriss! Kriss! Venha aqui um minuto, por favor,

querida.

Ela ouviu a urg��ncia em sua voz e pensou que a bebida

estivesse acabando. Ele a viu aproximar-se com os ombros

erguidos, na atitude quase masculina que assumia quando

fazia uma conquista, e a precedeu ao entrarem na cozinha.

��� Por que voc�� n��o cresce?, ��� ele perguntou.

Ela percebeu instantaneamente a que ele se referia e

sua sensa����o de culpa lhe deu ao rosto uma express��o

inocente.

��� Que h��, querido?

��� Voc�� sabe muito bem o que h��. Voc�� est�� fazendo

Lucille infeliz, agarrando-se a Walter desse jeito.

176

��� Ela n��o se incomoda, querido. �� a p e n a s . . .

��� Que diabo n��o se incomoda. Qualquer mulher se

incomodaria. Al��m disso, voc�� tem toda a vantagem; n��o

tem marido p a r a . . .

��� Ela sabe que n��o estou tentando ficar com Walter,

querido.

��� Ent��o que diabo voc�� est�� tentando fazer?

��� Voc�� �� o ��nico que est�� preocupado, querido, ��� ela

respondeu sorrindo, e acrescentou: ��� Eu apenas estou

curiosa para saber o que o faz excitado.

��� Eu sei muito bem que voc�� est��. Voc�� pensa que um

homem s�� fica excitado quando est�� entre os len����is.

��� Estou apenas curiosa para saber o que se passa na

cabe��a de um negro, querido.

��� P a r e de flertar com ele, est�� bem?.

Ele erigiu enraivecido, e virou-se para n��o lhe dar um

murro. A voz alta de Walter veio da sala de estar:

��� . . . o mal de voc��s negros �� . . . Com uma viol��ncia

incontrol��vel, ele pegou uma faca e decepou o gargalo de

uma garrafa vazia.

��� Que est�� acontecendo com Jess��, ��� ele ouviu Harold

perguntar e Kriss replicar cinicamente:

��� Ele est�� como cachorro na mangedoura.

��� A meretriz quer morrer, ��� disse ele.

Harold entrou na cozinha e viu a faca em sua m��o e a

garrafa decepada na mesa. Sorrindo grunhiu:

��� Morta agora?

Jess�� pegou-a e sacudiu-a.

��� Morta antes, ��� replicou.

Harold verificou que as outras garrafas estavam vazias.

��� Todas mortas.

Jess�� come��ou a abrir a ��ltima garrafa de gin.

��� N��o deixemos esta viva.

Harold deu sua risada auto-depreciativa. Como Bert

Williams dizia:

��� Enquanto a bebida estiver correndo livremente e seu

bolso estiver cheio de dinheiro ��� estarei com voc��, homem.

Jess�� tomou um drink e apressou-se cambaleando para

o banheiro.

Voltando para a sala de estar percebeu que Kriss e

Lucille tinham ido para a cozinha. Walter com uma perna

no bra��o da cadeira, estava dizendo:

177

��� . . . �� hora de voc�� negros dizerem suas ora����es.

Jess�� imaginou se estava ouvindo em dobro. "O c��rebro

do rapaz emperrou", pensou.

��� Voc�� tem que se juntar �� ra��a humana, ��� Walter

acrescentou.

"Separando agora", Jess�� pensou.

��� Sabia que ia acontecer. Sobrecarregado. Disse alto

e devagar: ��� ...tenho sido macaco por muito tempo para

mudar agora ��� sinto-me muito desconfort��vel como ser

humano.

Harold sorriu.

��� Como voc�� conseguiu, Walt? O homem recusou-nos,

eu e Jess��.

��� ...disse que n��o havia vagas, ��� Jess�� murmurou. ���

Sabia que estava mentindo.

��� Voc��s negros querem fazer palha��adas, ��� Walter

atreveu-se aborrecido e Harold acrescentou, rindo:

��� Os peixes nadam.

Jess�� murmurou:

��� Que voc�� espera que os palha��os fa��am ��� represen-

tar Macbeth?

��� O que as mo��as est��o fazendo l�� dentro?, ��� Walter

murmurou irritado, levantando com muita eleg��ncia a manga

do palet�� para ver as horas. Se n��o contasse com uma

audi��ncia feminina e admiradora estaria pronto para sair.

Harold sorriu:

��� N��o fique preocupado.

��� Isso n��o me preocupa; eu sei que posso..., ��� Wal-

ter murmurou defensivamente.

Jess�� o interrompeu, murmurando:

��� �� o que voc�� ganha por juntar-se �� ra��a humana.

Harold sorriu:

��� Nada �� demasiado estranho para os seres humanos,

Walter. Agora, n��s os macacos, temos apenas um caminho...

Sorrindo, Jess�� ergueu-se com esfor��o e cambaleou para

a cozinha. Lucille saudou-o com um olhar acusador.

��� Voc�� n��o devia ter dito aquilo a Kriss, Jess��, eu

n �� o . . . , ela come��ou.

Kriss a interrompeu:

��� Ela sabe que eu n��o tenho nenhuma inten����o...

Lucille continuou:

178

��� ...pensei nada sobre isso, absolutamente. Kriss

s e m p r e . . .

Kriss endere��ou a Jess�� um sorriso maliciosamente

meigo e vingativo.

��� Ela sabe que �� o meu j e i t o . . .

Jess�� foi tomado por uma raiva t��o violenta que o

deixou s��brio.

��� N��o seja t��o sabida! ��� Ele disse a Kriss, e vendo

nos seus olhos o primeiro lampejo de ofensa, esbofeteou-a

com tal viol��ncia que ela rodopiou na dire����o do fog��o.

Ele ia espanc��-la de novo quando Lucille interveio e

disse indignadamente:

��� Voc�� n��o devia fazer isso, Jess��! Voc�� est�� louco!

Eu n��o sou infeliz!.

Olhando para seu rosto aflito, sua raiva dissipou-se.

"Agora, esta meretriz magoada tem que defender a

outra meretriz que a magoou para provar-lhe que n��o estava

magoada, mas a outra sabe muito bem que ela estava

magoada e tem certeza que ela n��o ignora isto", ele pensou

enojado.

Kriss se virou para ele com o rosto inflamado pela

raiva e disse:

��� Seu miser��vel! Eu vou...

Ele se afastou como se desapercebido da sua exist��ncia,

voltou para a sala de estar e se sentou desafiadoramente

na cadeira de tr��s pernas.

Ela se aproximou e por detr��s dele, esbravejou:

��� Jess��, eu quero que voc�� v�� para casa, ao que ele

replicou no mesmo tom:

��� Kriss! V�� para o inferno!

Harold riu inocentemente e come��ou a recitar:

��� Quando os camaradas brigam e a lei est�� �� porta.

Walter o interrompeu:

��� Quando os negros aprenderem a se comportar...

��� Voc�� tem tudo calculado, n��o tem, rapaz? ��� Jess��

sentiu uma fria malevolencia para com todo mundo. ��� Tem

seu c��rebro grande e gordo entupido de solu����es, hein, rapaz?

Detr��s dele Kriss estava repetindo:

��� Jess��, eu quero que v o c �� . . . , ��� mas a ��ltima obser-

va����o de Jess�� tinha atingido Walter em um ponto fraco, e

ele gritou zangado:

179

��� Voc��s negros miser��veis sempre bagun��am t u d o . . .

��� Por que n��o muda o disco, rapaz? Voc�� andou falan-

do sobre a mesma coisa...

��� Eu falo sobre qualquer assunto que me agrade. Fui

convidado para vir a q u i . . .

��� Bem, v�� para casa ent��o.

��� V�� para casa voc��! Kriss j�� pediu tr��s vezes!

��� Tome conta de Lucy e eu tomo conta de Kriss, filho.

As bochechas de Kriss incharam como uma cobra vene-

nosa quando ela ouviu esta ofensa feita a todas mulheres

brancas:

��� S e u . . .

Mas Walter ficou cego de raiva ao ser relegado a ��nico

defensor de todas as negras ��� um grande homem como ele.

��� N��o me chame de filho, negro! ��� gritou.

��� Ou��a, filho..., ��� Jess�� come��ou em tom protetor,

mas antes que acabasse, Walter pulou e abriu uma faca

de interruptor.

��� Eu corto sua garganta amarela!, ��� ele amea��ou

perigosamente.

Kriss foi sacudida por uma emo����o s��dica, e se sentiu

ao mesmo tempo excitada e repugnada; excitada pela pers-

pectiva de ver Jess�� se contorcendo no assoalho com o san-

gue jorrando da sua garganta e repugnada porque sua pele

era branca.

Lucille avan��ou e lan��ou seus bra��os ao redor de Walter,

contendo-o, enquanto Harold levantava-se rapidamente e

sa��a do caminho.

��� Eu lhe m o s t r o . . . , ��� Walter disse alterado, tentando

livrar-se dos bra��os de sua esposa.

Jess�� ficou sentado em sil��ncio e impass��vel, observando

a cena com uma curiosidade indiferente; sem nenhuma

rea����o ao perigo, qualquer que fosse ele, mal percebendo

sua pr��pria participa����o. Era como se estivesse assistindo

com interesse impessoal alguma exibi����o de idiotice vaga-

mente v��lida, mas n��o muito nova, como Hollywood tratan-

do de um tema negro.

"Agora a senhora branca tem n��s, os negros, matando

uns aos outros", ele pensou com vago dissabor mas n��o com

surpresa, e depois meio divertido:

��� Agora, eu realmente acredito que o negro se juntou

�� ra��a h u m a n a . . . O negro est�� certo t a m b �� m . . . atitude

180

c o r r e t a . . . negro b o m . . . passos de tradi����o... n��o �� de admir a r que eles o permitiram juntar-se �� ra��a h u m a n a . . .

Ent��o, sua percep����o consciente veio e foi como as luzes

de um an��ncio que acende e apaga, deixando uma s��rie de

impress��es confusas e n��o relacionadas. Walter estava sen-

tado como antes, sorrindo para ele, zombeteiramente:

��� Eu sei o que est�� lhe preocupando..., ��� e ele pr��-

prio ainda na mesma posi����o, pensando: "De qualquer for-

ma, o negro ganhou o s e u . . . "

Depois todo mundo ficou de p��, movendo-se, enquanto

ele dava palmadinhas no ombro de Walter e dizia com gran-

de benevol��ncia:

��� Eu gosto de voc��, homem, estou contente porque voc��

encontrou a combina����o...

Ent��o, os Martins foram embora e Kriss que estava de

p�� em frente da televis��o, p��s seu casaco e disse a Harold

que estava ao lado, com atitude repreensiva:

��� Eu vou para casa com voc��.

Harold balan��ou a cabe��a e replicou:

��� Fa��a um grande her��i de si pr��prio..., e ambos

come��aram a falar ao mesmo tempo.

��� Voc�� tem que me levar para casa com voc��, querido...

��� Mas algum o u t r o . . .

��� N��o vou ficar aqui com este man��aco.

��� Eu n �� o . . .

��� Voc�� n��o vai para lugar nenhum!, ��� Jess�� disse em

voz clara, perigosa.

��� Voc�� �� um psicopata! ��� Kriss exclamou, com os olhos

faiscando de indigna����o, e depois pegando Harold pelo

bra��o: ��� Vamos, querido, leve-me para sua casa.

"Eu dou um jeito nesta senhora, agora mesmo", Jess��

pensou e cambaleou em dire����o da cozinha para pegar a faca.

��� N��o a corte, homem, n��o a corte! ��� Harold gritou

alarmado, quando Jess�� voltou, brandindo a faca.

��� Espanque-a com seu punho, mas n��o a corte!

��� N��o diga ��quele man��aco para me bater, seu idiota,

��� Kriss gritou, colericamente, dirigindo-se agora ao seu

protetor.

"O homem est�� certo", Jess�� pensou.

��� A senhora apenas precisa de um pouco de graxa preta

para o pr��ximo concurso de dan��a.

181

Alto, ele disse:

��� Certo!, ��� colocando a faca cuidadosamente em cima

do arm��rio de forma a n��o deixar marca no revestimento,

atingiu-a na mand��bula com toda for��a. Espantado, ele a

viu bater na televis��o e cair no ch��o.

��� N��o lhe d�� ponta-p��s, homem, ��� Harold advertiu

apressadamente.

��� Peguei-lhe, instrutor, ��� Jess�� disse.

Harold riu:

��� Considere a deprecia����o.

Nenhum deles se moveu para ajudar Kriss enquanto ela

se esfor��ava para ficar de p��. Com curiosidade cl��nica,

Jess�� a viu primeiro ajeitar a televis��o no suporte, depois

puxar para baixo a saia que tinha sido levantada, e pensou:

"A propriedade, primeiro, a virtude em segundo lugar", e

quando finalmente, ela o olhou cheia de malevolencia, ele

acrescentou: "��dio em terceiro lugar. Boa coisa para saber".

Ela ficou em sil��ncio com medo que ele lhe batesse de

novo, mas disse a si pr��pria: "Jess��, voc�� �� um negro com

quem jamais dormirei novamente enquanto viver!", dando-

lhe seu ��ltimo castigo. Em seguida, sem proferir palavra,

tirou todas suas roupas, jogou-as no assoalho, cambaleou

para a cozinha e preparou um drink. Voltou para o hall e

posou nua o tempo necess��rio para Jess�� saber o que estava

perdendo; depois foi para o quarto de dormir, e fechou a

porta com uma pancada que pareceu um tiro.

��� Quente agora, ��� Harold disse, rindo.

��� Explodiu, ��� Jess�� concluiu.

De comum acordo foram tomar um drink na cozinha,

e n��o encontrando mais gin, abriram a garrafa de sherry.

��� Estou ficando cansado de tolerar estas meretrizes

brancas descarregarem em cima de mim, ��� Jess�� murmu-

rou, sentindo-se queimar vagarosamente com o que era o

come��o de raiva acumulada.

��� Est�� me ouvindo! ��� ele gritou enfurecido. "CAN-

SAAAADO". E tomou um imenso gole de sherry para refres-

car seu c��rebro flamejante. Todavia, qualquer que tenha

sido o coment��rio feito por Harold sobre este acesso, ele

nunca soube, pois quando a bebida abrasadora explodiu no

seu est��mago, sua percep����o consciente se extinguiu e s��

retornou quando come��ou a sonhar, um pouco antes de

acordar.

182

CAP��TULO 12

Ele sonhou que estava escrevendo um relato humor��s-

tico, gentil, l��rico e meigo de suas experi��ncias como cozi-

nheiro em um grande pa��s em algum lugar, e cada cap��tulo

que terminava era impresso em p��ginas verde claro de linho

irland��s; cada p��gina tinha na margem desenhos de antigos

eg��pcios feitos �� m��o; o livro com as p��ginas impressas e

as n��o preenchidas era encadernado em couro marroquim

verde escuro com os cantos dourados e era intitulado "Pa-

ra��so para os Porcos". O t��tulo estava gravado no couro

e seu nome embaixo em letras prateadas:

Eu descobri que n��o precisava matar porcos porque eles

produziam seis ou sete polegadas de salsichas por dia capri-

chosamente recheadas dentro dos seus intestinos, e eu sim-

plesmente tinha que ir �� pocilga e cort��-las. Havia sempre

bastante para todos e mais alguma sobra, e na manh�� seguin-

te uma quantidade igual tinha crescido. A senhora para

quem eu trabalhava ��� n��o vou mencionar seu nome porque

ela �� muito famosa e poderia se sentir embara��ada ��� ��

princ��pio n��o quis comer as salsichas porque pensou ser

cruel para os porcos cort��-las. Mas, quando mostrei que

os porcos n��o sentiam nenhuma dor e qu��o felizes eles eram

por darem um pouco de salsicha todo dia ao inv��s de serem

abatidos de repente e transformados em presunto, ela con-

cordou em comer salsichas e gostou muito. A forma pela

qual eu descobri que ela gostava de salsicha foi esta: Ela

estava sentada no terra��o com "Lembran��as das Coisas

P a s s a d a s " de Proust, aberto no seu rega��o, mas ao inv��s

de ler estava olhando para seus acres ensolarados com uma

express��o sonhadora.

��� Perdoando a ousadia, senhora, posso perguntar-lhe em

que est�� pensando?, ��� indaguei.

��� Em salsichas.

��� Que t��m as salsichas, senhora?

183

��� Como s��o deliciosas!

Fiquei feliz por v��-la feliz e os porcos ficaram felizes

por nos verem felizes.

Mas, um dia um dos porcos recusou-se a nos dar seu

pouquinho de salsicha. Eu sabia que ele n��o estava ficando

ressequido, porque comia tanta lavagem quanto qualquer

outro e parecia igualmente gordo. Assim, depois do caf��

eu o levei ao matadouro para ter uma conversa franca

com ele.

��� Por que voc�� se recusa a nos dar seu pouquinho de

salsicha como os outros porcos fazem?, ��� perguntei.

��� Estou sem salsichas, ��� ele respondeu.

Mas, percebi pela sua apar��ncia desprez��vel e maneira

culposa pela qual evitou meus olhos que os fabricantes de

salsichas o tinham subornado.

��� Por que voc�� me mente?, ��� perguntei. Sua expres-

s��o me diz que voc�� passou para o outro lado.

��� �� verdade, ��� ele afirmou. ��� Al��m disso, n��o tenho

mais tripas.

��� Voc�� prefere ser abatido pelos fabricantes de salsi-

cha ou nos d��, n��s que somos seus amigos, um pouquinho

de salsicha todo dia?, ��� perguntei bruscamente.

��� Eu n��o sei porque lhe udeio tanto quando voc�� foi

t��o bom para mim, ��� ele grunhiu pateticamente, enquanto

l��grimas gordas escorriam dos seus olhos pequenos.

Ouvindo isto, os outros porcos que nos tinham acom-

panhado ao matadouro esperando v��-lo abatido, pensaram

que eu ia perdo��-lo e come��aram a gritar: "Abata o trai-

dor! Abata o traidor!"

Mas, quando vi suas express��es s��dicas, recordei-me

das palavras do Nosso Salvador e lhes disse: "O que de voc��s

n��o tiver costeletas de porco seja o primeiro a cortar a

garganta de seu irm��o!" Ent��o, virei-me para o porco recal-

citrante e disse: "Que isto lhe sirva de li����o: porcos come-

r��o porcos da mesma forma que cachorros comer��o

cachorros".

No momento de acordar, lembrou-se do sonho comple-

tamente e pensou um tanto divertido: "Muito certo!" Depois

enquanto ficava orientado, percebeu que dormira no sof��

na sala de estar.

A sala parecia mais desarrumada do que na manh��

anterior. As roupas de Kriss estavam empilhadas como ela

184

as deixara quando fizera striptease, mas n��o havia sinal das

suas. Levantou-se e achou-as cuidadosamente penduradas no

arm��rio do hall.

��� Agora eu sei que estava embriagado, ��� disse alto.

Depois, examinou o rosto no espelho do banheiro. Pa-

recia o mesmo. "O tro��o lhe embalsamou bem", pensou.

Sua cabe��a estava esquisita, sentia dores lancinantes

no c��rebro quando se movia rapidamente e a boca tinha

mau gosto. O corpo estava ligeiramente entorpecido, como

se o sentido do tato estivesse danificado e fizesse coisas

contr��rias ao c��rebro.

N��o tinha id��ia que horas eram. Quando entrou no

quarto de dormir para dar uma olhada no rel��gio, viu pela

janela parcialmente aberta que era uma manh�� chuvosa

e cinzenta. Com receio de acordar Kriss, olhou para o rel��-

gio sem acender a luz. P a r a ��s 3:16, ent��o, ele teve de

acender a luz para encontrar seu rel��gio de pulso. No ��nte-

rim ele a olhou demoradamente. Ela estava deitada de cos-

tas, com os bra��os estirados, como se estivesse preparada

para ser enterrada, e dormia t��o pacificamente que mal

parecia respirar. "Deve estar morta", pensou ele. Estava

coberta at�� o pesco��o e o rosto exposto tinha uma express��o

serena e estava admiravelmente belo. "Todas as mulheres

parecem mais bonitas quando est��o deitadas de costas",

pensou, enquanto contemplava sua fisionomia marm��rea e

pura. "�� uma pena que elas n��o possam funcionar dormin-

do. Quando voc�� as acorda, as preocupa����es come��am".

Soube pelo rel��gio de pulso que estava em cima da c��moda

que eram 8:23, e pensou em acord��-la a fim de que ela

chegasse no servi��o na hora, mas mudou de id��ia. "Deixe-a

para Gabriel, filho, muito tarde para alcan��ar agora", e foi

tomar um drink na cozinha. Restavam apenas duas gar-

rafas de vermouth. Abriu uma e bebeu um copo cheio.

Levando uma garrafa e um copo para a sala de estar, deci-

diu rapidamente vestir-se e sair antes que Kriss acordasse.

Enquanto tomava banho, entreteve-se imaginando uma in-

ven����o por meio da qual algu��m pudesse morder um con-

junto de escovas de dentes el��tricas ligado �� parede e ter os

dentes escovados enquanto tomasse banho. "Imagino por-

que ningu��m pensou nisto antes", disse. "T��pica inova����o

americana. Adapta-se perfeitamente ao sistema americano.

Se milh��es de cidad��os americanos gastarem trinta segun-

185

dos toda manh�� desta maneira, veja quanto tempo economi-

zar��o para ganhar dinheiro. Vend��-la seria a coisa mais

f��cil do mundo. O slogan da propaganda seria este: "Por

que ser lamuriento quando as escovas el��tricas Parker far��o

seus dentes belos e brilhantes? Muito longo. N��o se queixe!

D�� brilho aos seus dentes! Este �� m e l h o r . . . " Ele podia

visionar B. Smart, um homem de neg��cios, calvo, gordo,

barrigudo, mas simp��tico e ainda cheio de energia, tomando

seu banho frio matinal com os dentes aferrados nas escovas

el��tricas quando de repente foi atacado por trismo por ter

ficado muito tempo debaixo da ��gua, tentando cantar o coro

do "Old Shagging Riley" enquanto seus dentes estavam sendo

escovados. E antes que pudesse se livrar seus dentes foram

gastos at�� as ra��zes e as pequenas escovas laboriosas esta-

vam desgastando sua maxila. "Nada s��rios", ele ouviu o

administrador executivo da firma dizer. "Tais riscos s��o

de se esperar. Um acidente perfeitamente normal em nossa

��poca mec��nica. Boa publicidade tamb��m. N��o se pode

vender estas coisas sem um m��nimo risco. Grandes joga-

dores, os americanos. Gra��as a Deus, tenho dentes p��rti-

c o s . . . " Riu alto, pensando no velho sr. Smart cortando

filets no " 2 1 " com suas maxilas afiadas. "Eu tenho um

not��vel senso de humor", pensou. "T��o tipicamente ameri-

cano quanto a m��quina de dar brilho aos dentes. Rio da

desgra��a, mas dos outros, n��o da minha. Preciso me lem-

brar de lhe dizer algo na pr��xima vez que solicitar afilia����o

�� ra��a humana. A combina����o do banho quente com o vinho

tornou-o s��brio e novamente ele temeu sair e enfrentar o

desconhecido. Assim, ao inv��s de vestir-se como tencionava,

foi para a sala de estar, sentou-se no sof�� e acabou com

a garrafa de vinho. "Coragem, filho", disse, sentindo-se

ligeiramente melhor. "�� mais barato com a garrafa ���

best seller". Mas, faltando a coragem que o bourbon daria

n��o se sentiu seguro para enfrentar o desconhecido l�� fora.

"A raz��o pela qual os italianos nunca venceram uma guer-

r a " , ele pensou. "Bebem esta droga. Mesmo assim estu-

praram a Abiss��nia. Deve ser bom para estupro". Levou

a garrafa para a cozinha e l�� a substituiu pela cheia. "Tal-

vez se voc�� bebesse bastante disto, filho, fizesse algumas

conquistas tamb��m. Faz muito bem �� meretriz. Mas, a

Abiss��nia era preta, n��o sei qual �� o efeito em mulheres

brancas". Enquanto tirava a rolha olhou para a devasta����o

186

levada a cabo durante a noite. "Diga que ganhamos esta

guerra", pensou. "N��o sei quem vencemos, mas esta �� cer-

tamente uma na����o libertada". Encheu um copo do vinho

arm��tico e o bebeu sem pausa, ent��o precatou-se: "N��o

termine como Mussolini, filho. Aquele bastardo ficou t��o

furioso para estuprar uma negra que ateou fogo em todo

mundo branco. Por uma raz��o que n��o sabia especificar,

foi assaltado por um sentimento de remorso. Levou a gar-

rafa e o copo para a sala de estar e por um momento ficou

como se estivesse estupidificado. Com uma parte de sua

mente pensou: Eles est��o vigiando a R��ssia. �� melhor

vigiar Mussolini tamb��m", e com a outra parte, por nenhu-

ma raz��o ��bvia: "Assim sendo, a consci��ncia faz de todos

n��s c o v a r d e s . . . " . Ent��o, com a primeira parte: "Nenhum

t��nico fabricado �� t��o bom quanto a��oitar um negro", e

com a segunda parte, estranhamente deprimido: "Toda sua

consci��ncia est�� abaixo do cinto, nunca acima", ent��o, com

a primeira parte: "Pobre Kriss, �� uma pena que n��o seja

bastante forte para lhe a��oitar, filho; ela daria tudo depois

para lhe curar", e novamente com a segunda parte: "Voc��

n��o pode mudar a natureza; o povo de Kentucky diz que

suas ostras nativas e miolos t��m o mesmo gosto; ali��s, t��m

melhor gosto porque t��m mais alma".

Involuntariamente, andou, ligou a televis��o e se sentou

no sof��. A voz vinda da televis��o, prendeu sua aten����o:

" . . .tratado de paz restabelecendo o Jap��o como na����o sobe-

rana e independente, entrar�� em vigor no dia 6 de maio,

uma lei federal exigindo que os j o g a d o r e s . . . " . Quando viu

dois rostos na tela da televis��o sorrindo para ele, percebeu

que Gloucester estava realizando suas entrevista de todas

as manh��s com o chimpanz�� profeta. Involutariamente,

levantou-se e gritou para Kriss, pensando:

��� Ela quer ouvir isto, ��� mas seu grito n��o a acordou

e ele ouviu o chimpanz�� dizer:

��� A Alemanha Oriental anunciar�� planos para organizar

um ex��rcito a fim de se proteger contra a agress��o. "��

melhor deix��-la dormir", pensou. "Devemos ter bebido be-

bidas diferentes", e se sentou novamente.

��� . . . o porteiro negro de vinte e sete anos, Irving

Greene, confessar�� ter provocado vinte inc��ndios nos ��lti-

mos dois anos, incluindo o inc��ndio de 18 de junho no qual

187

sete pessoas morreram. Ao ser perguntado porque fizera

isto, responder�� que foi pelo fato de ter gostado da excita����o.

" . . . N e r o negro", Jess�� pensou.

��� ...nova s��rie de reportagens acerca de discos voa-

dores vistos sobre Washington e outras partes da na����o

resultaram em uma proclama����o da For��a A��rea dizendo

que os objetos n��o eram uma amea��a para os EE.UU...

��� ...pesadelos subversivos...

��� . . . e m 7 de agosto, a Corte Suprema da Fl��rida rejei-

tar�� o apelo de cinco negros que procuram entrar na Uni-

versidade da Fl��rida, e decretar�� que eles n��o ser��o admi-

tidos enquanto iguais facilidades n��o forem encontradas na

Escola de Agricultura e Mec��nica para negros da Fl��rida.

��� ...matem��ticos sulistas...

��� . . . o General Eisenhower solicitar�� aos sulistas pro-

teger os direitos dos n e g r o s . . .

��� .. .bela p a l a v r a . . .

��� . . . s e r �� julgado por homic��dio em primeiro grau da

sra. Kristina W. Cummings, branca, divorciada, assistente

do diretor do Instituto ��ndia. Os advogados de defesa indi-

cados pelo Estado para Robinson alegar��o insanidade tem-

por��ria, baseados no fato de que Robinson depois de beber

excessivamente em um fim-de-semana no apartamento da

sra. Cummings em Gramercy Park, ficou t��o intoxicado

que no momento de cometer o crime n��o estava consciente

das suas a �� �� e s . . .

" . . . F a d i g a de garrafa", Jess�� pensou. "A mesma coisa

que choque de granada, apenas soa p i o r . . . "

��� . . . a acusa����o dir�� que ap��s uma discuss��o durante

a qual ele a derrubou com um soco, o acusado entrou no

seu quarto de dormir com a faca de cozinha e a esfaqueou

no cora����o enquanto ela estava deitada na cama. Em se-

guida, limpou o sangue do corpo da v��tima, trocou a roupa

de cama e arranjou a v��tima na cama limpa em posi����o

de dormir, com os olhos fechados e os bra��os estendidos ao

longo do corpo. Depois, tomou banho, vestiu-se, embrulhou

a faca assassina e as toalhas e roupas sujas de sangue em

dois sacos de papel de compras, p��s no bolso umas chaves

extra do seu apartamento, as quais ele tinha visto antes

num vaso em cima de uma mesa, caminhou pela Rua Vig��-

sima Terceira at�� o East River e jogou os sacos contendo

as provas no rio. Isto feito, voltou para o apartamento,

188

despiu-se, pendurou suas roupas cuidadosamente no arm��-

rio de roupas do hall da sra. Cummings, arrumou o sof�� da

sala de estar para dormir e dormiu imediatamente...

��� . . . o que voc�� ganha por ler tanto Faulkner, filho, ���

Jess�� disse.

��� . . . a defesa alegar�� que ele estava completamente

fora de si durante todo este tempo; a acusa����o afirmar��

que ele a esfaqueou porque foi tomado por uma f��ria selva-

gem por ela ter se recusado a ceder aos seus desejos; a

defesa dir�� que ele estava completamente inconsciente dos

seus desejos e de se sentir ofendido, e poderia somente ter

agido sob o dom��nio de um ressentimento subconsciente con-

tra a mulher que o convidou para passar um fim-de-semana

no seu apartamento com inten����es imorais, e depois de dois

dias de constante bebedeira e sedu����o, deixou de cumprir

sua parte do acordo...

��� ...diga voc�� a eles, mano! D�� uma salchicha ou ser��

abatido para presunto.

��� .. .rejeitar�� o apelo de insanidade...

��� ...deve conseguir uma c��pia da transcri����o para

mostrar a todos aqueles cr��ticos que andam lhe chamando

de p s i c o p a t a . . . "

��� e Robinson ser�� condenado a ser eletrocutado na

pris��o de Sing Sing em 9 de dezembro...

��� .. .progress��o elementar...

��� Geralmente, neste programa, n��o consideramos crime

um acontecimento digno de jornais, ��� Gloucester repreen-

deu o chimpanz��, um tanto desdenhosamente. "O que voc��

acha t��o extraordin��rio neste caso?

CHIMPANZ�� (sorrindo maliciosamente): N��o haver��

ind��cio de estupro.

JESS��: Filho da m��e b��bado. A ��nica raz��o.

GLOUCESTER (embara��ado): Oh! N��o diga!

CHIMPANZ�� (sorrindo maliciosamente): Sim, digo. E

al��m disso, no dia 17 de maio de 1954, a Suprema Corte dos

EE.UU. submeter�� �� aprova����o uma decis��o contra a segre-

ga����o racial em todas as escolas p��blicas dos EE.UU.

JESS�� (com a clarivid��ncia de b��bado): Ent��o, a agonia

come��a...

GLOUCESTER (sardonicamente): Ou��a, meu amigui-

nho, voc�� n��o est�� deixando sua imagina����o ir muito longe?

A minha repugn��ncia por qualquer forma de discrimina����o

189

racial contra nossos irm��os de cor �� t��o grande quanto a

minha d��vida sobre o sul apoi��-la ��� o fim da segrega����o,

quero dizer...

JESS��: O rapaz est�� se precipitando. N��o s a b e . . .

GLOUCESTER: . . . o governo federal, quero dizer...

JESS��: ...pensa que ele est�� brincando comsentimen-

tos; neg��cio inofensivo, ele pensa; matou mais gente do

q u e . . .

GLOUCESTER: . . . s �� o muito en��rgicos quanto a esta

quest��o de direito dos estados dentro da federa����o. Eles con-

sideram este p r o b l e m a . . . "

J E S S �� : . . .o tempo integra; o homem liquida...

GOUCESTER: ...lutar��o bravamente pelo que eles

julgam certo. Mas, eu n��o tenho nenhuma d��vida...

JESS��: . . . m a t e o galo, filho! Fa��a isto todo tempo. A

��nica resposta ao esclarecimento que o homem jamais

entendeu...

CHIMPANZ��: (com uma indiferen��a enfadada): Eu re-

lato as not��cias como as prevejo. (Afinal de contas, chim-

panz��s nunca foram segregados em escolas p��blicas dos

EE.UU.).

GLOUCESTER: Porque o sul devia mesmo ir �� guerra

novamente.

JESS��: Eles riram de Hitler tamb��m quando ele se

sentou para tocar: "Alemanha, Alemanha acima de tudo!"

CHIMPANZ�� (animando-se): Isto me lembra uma ane-

dota que me contaram sobre o General��ssimo F r a n c o . . .

GLOUCESTER (espantado): General��ssimo Franco?

CHIMPANZ��: Havia muita pobreza na Espanha e o go-

verno de Franco n��o conseguia um centavo dos E.U. Eles

tinham o s��rio problema da mendic��ncia, igual ao seu pro-

blema negro, que precisava ser resolvido. Al��m disso, os

uniformes de Franco estavam ficando um tanto pu��dos.

Assim sendo, o General��ssimo se reuniu com seus ministros

para ver o que se podia fazer com estes problemas, espe-

cialmente o problema dos uniformes. Depois de uma sema-

na de delibera����es, os ministros encontraram a solu����o ideal.

Incorporados, eles correram para o pal��cio e exigiram uma

audi��ncia imediata com o General��ssimo.

��� Qual �� a solu����o, rapazes?, ��� ele perguntou.

��� Declare guerra aos E.U.!, ��� eles disseram em coro,

exultantes.

190

O General��ssimo Franco considerou a quest��o. Pensou

na prosperidade do Jap��o e Alemanha no ap��s-guerra. Pare-

cia ser a solu����o perfeita. Mas, ele foi assaltado por uma

d��vida muito s��ria.

��� Mas, se eu ganhar a guerra?, ��� ele perguntou.

JESS��: ��� Certo! Imagine se o sul tivesse ganho a

g u e r r a . . .

O tempo da entrevista se esgotou, e abruptamente, veio

um comercial. Uma m��o apareceu segurando o que �� pri-

meira vista parecia ser um isqueiro comum.

��� Presto!, a voz fingida do anunciador fez-se ouvir;

o polegar apertou um bot��o na parte de cima e uma chama

projetou-se para cima.

��� Acenda seu cigarro. L��bios segurando um cigarro

apareceram e o cigarro foi aceso.

��� Presto! Um dedo m��nimo apertou um bot��o na porta

debaixo do isqueiro e uma chama projetou-se para baixo.

��� Acenda seu cachimbo. ��� Dentes segurando um ca-

chimbo apareceram e o cachimbo foi aceso.

��� Presto! ��� A m��o apertou ambos os bot��es ao mesmo

tempo e o que tinha sido um simples isqueiro para cigarro

e cachimbo, transformou-se em uma cozinha moderna com-

pletamente equipada com utens��lios brilhantes e esmaltados.

��� Por que dissipar energias?

A voz fingida perguntou solenemente, quando "Presto",

o mais not��vel de todos os dispositivos, n��o s�� resolve o

problema para voc�� rapidamente, mas tamb��m lhe prepara

uma refei����o com a mesma rapidez.

E realmente, havia um peru se tostando em um forno

autom��tico, enquanto em cima do fog��o vegetais congelados

se descongelavam; pratos se lavavam felizes em uma pia

cheia de espumas formadas por elas pr��prias; camisas se

lavavam laboriosamente na lavanderia autom��tica, que, al��m

disso, secava, passava e virava os colarinhos quando era

necess��rio; e ao lado da porta da cozinha o refrigerador

autom��tico " P r e s t o " estava ativamente ocupado em con-

gelar e descongelar queijos, manteiga, sucos de frutas e a

misturar u��sque e soda, e todo o tempo funcionando inteira-

mente com ar viciado, sem nenhum custo para o proprie-

t��rio (perfeito para os moradores da cidade), enquanto no

outro lado do compartimento um aparelho de ar condicio-

191

nado autom��tico estava purificando o ar at�� o momento em

que o refrigerador "Presto" disse: "Veja, mano, eu como

ar viciado, voc�� est�� tirando a comida da minha boca!"

Ao que o aparelho de ar condicionado replicou: "Alimento

para sua boca, ele diz, nesta na����o auto-consumidora".

��� N��o demorar�� muito agora diante d a . . . , ��� Jesse

come��ou a sorrir, quando uma voz negroide, abemolada,

saudou-o ��s suas costas:

��� Bom-dia!

Virou-se assustado, e vendo uma negra forte, usando

trajes profissionais para limpeza, sorrindo sorrateiramente

para ele no hall, levantou-se rapidamente e come��ou a correr.

Mas ela disse:

��� Eu sou Mattie, ��� e ele se controlou.

��� �� um alivio!, ��� disse. ��� Que ter�� acontecido com

Kriss?

Seus pequenos olhos matreiros apreciaram seu f��sico

musculoso, o sof�� e a garrafa, depois ela iniciou seu tra-

balho, juntando os copos e cinzeiros sujos, achando t��o natu-

ral encontrar um negro nu, sorrindo e falando sozinho, no

apartamento de uma senhora branca numa segunda-feira

de manh��, como encontrar baratas na cozinha. Mas, ele

deduziu pelo seu riso astuto, silencioso, que ela n��o lhe dava

muita import��ncia.

��� Ela n��o tem muita considera����o pelo r��tulo Robin-

son, filho, ��� ele pensou meio divertido, quando pegou a gar-

rafa e o copo e foi para o quarto de dormir.

Colocando-os ao lado do telefone, no suporte, ele se certi-

ficou de que a porta estava fechada, sentou-se na beira da

cama, encheu o copo de vinho at�� a metade e o bebeu. Tudo

ficou deliciosamente enevoado novamente e ele se sentiu

relaxado e indiferente.

��� Sua empregada est�� aqui, ��� ele avisou Kriss.

Ent��o, lembrando-se do escrutinio matreiro da empre-

gada sobre sua pessoa, pensou.

Ela provavelmente imagina porque eles se esqueceram

de me jogar novamente no Rio Harlem. Ouvindo-a andar

pelo apartamento, limpando e arrumando, ele percebeu que

seu momento de enfrentar o desconhecido l�� fora tinha sido

adiado temporariamente. Fora, o dia frio e cinzento parecia-

lhe perigoso, enquanto no pequeno quarto escuro havia uma

192

atmosfera de seguran��a deliciosamente inebriante. Meio

divertido, come��ou a sentir por Kriss uma amizade calorosa.

��� Kriss, querida, ��� disse tentadoramente, procurando

acord��-la, mas depois mudou de id��ia e decidiu tirar uma

soneca. Escorregou debaixo dos cobertores sem perturb��-la

e dormiu instantaneamente.

Teve sonhos horr��veis. Sonhou que estava correndo por

geladeiras sem fim e acordou alguns minutos mais tarde,

morrendo de frio, sem saber o que tinha sonhado.

��� Puxa! Voc�� n��o est�� com frio, Kriss?, ��� perguntou.

Ela n��o respondeu. Ele se levantou e abriu a janela com

estr��pito. Depois sentou-se na beira da cama e encheu o

copo de vinho. Seus dentes castanholaram na borda do copo.

Agora, ele tinha certeza que ela estava acordada e perma-

necia em sil��ncio para aborrec��-lo.

��� Sabe, querida, voc�� pode ser muito desagrad��vel, ���

disse zangado, e quando sua zanga aumentou, acrescentou:

��� Um dia desses voc�� vai meter os p��s pelas m��os". ���

Ent��o, espica��ado pelo seu cont��nuo sil��ncio, virou-se para

ela furiosamente e avisou: ��� Goste voc�� ou n��o, e u . . . ��� Sua

voz parou bruscamente quando ele agarrou seus ombros nus.

Sua carne fr��gida queimou-lhe as m��os.

A pr��xima a����o da qual teve ci��ncia ocorreu dois minu-

tos e meio depois. Estava ajoelhado na cama tentando faz��-la

respirar por meio da respira����o artificial; e vendo suas

l��grimas escorrer sobre a ferida no cora����o causada pela

faca, pensou que ela estivesse come��ando a sangrar nova-

mente. Sentiu uma frustra����o t��o furiosa que come��ou a

bater-lhe insensatamente no rosto e ombros, rogando com

voz solu��ante:

��� Respire, respire!

A pr��xima coisa que percebeu foi que estava ajoelha-

do ao lado da cama, solu��ando e rezando:

��� ...tenha miseric��rdia dela, D e u s . . . perdoe-a, D e u s . . .

ela era uma boa mo��a, D e u s . . . n��s ��ramos os b a s t a r d o s . . .

o Senhor tem que perdo��-la, D e u s . . . Subitamente, ocorreu-

lhe: "aqui, est�� voc�� pedindo a Deus para perdoar-lhe pelo

que voc�� fez a Deus". Interrompeu-se, levantou-se e acabou

a garrafa de vinho. A bebida acalmou seu p��nico. Olhou

para o corpo novamente e pensou: "Voc�� n��o sabe realmen-

te que fez isto", por��m no pr��ximo lampejo: " P a r a quem

voc�� est�� mentindo, filho? Voc�� sabia antes de todo mundo.

193

Voc�� sabia disto dois dias antes de acontecer. Talvez, desde

a primeira vez que eles lhe magoaram por voc�� ter nascido

negro". Desapercebido do que estava fazendo, curvou-se e

cobriu o corpo completamente, com len��ol e cobertor, como

se para enterrar a pr��pria a����o.

Procurou com a m��o o bolso para tirar um cigarro.

Percebeu ent��o que estava nu, e instintivamente puxou as

persianas antes de acender a luz. N��o havia cigarros �� vista,

mas encontrou um na cigarreira de ouro na bolsa de Kriss

que estava aberta na c��moda e o acendeu com seu isqueiro

dourado. Daquela parte da sua mente que persistentemente

analisava seu pr��prio comportamento veio a percep����o de

que n��o estava apavorado. "De qualquer forma, muito tarde

para correr", pensou. "Muito tarde para consertar, ent��o

seu destino ��� trag��dia".

Obedecendo a um impulso, curvou-se, descobriu o rosto

de Kriss e acomodou as cobertas ao redor da sua garganta.

Suspirando fortemente, disse ao rosto marm��reo:

��� Desculpe, querida, ent��o com amarga auto-condena-

����o:

��� Ele a mata e diz: desculpe-me, depois do que ele fez

um esfor��o tremendo para n��o rezar novamente.

Sentou-se na beira da cama com as costas viradas para

o corpo sem vida. "Voc�� finalmente fez, filho", ele disse,

e quando a percep����o total do que tinha feito penetrou sua

intelig��ncia, sua mente ensimesmou-se e tornou-se vedada

dentro de um humor sard��nico auto-lacerante, de modo que

imaginou o corpo de sua v��tima como o resultado final da

sua pr��pria vida. "Produto final do impacto do Americanis-

mo em um Jess�� Robinson ��� um negro. Sua resposta, filho.

Voc�� andou procurando por isto. O homem negro mata a

mulher branca. Toda a prova que voc�� precisa agora.

Behaviorismo absolutamente incontest��vel de um ser huma-

no masculino. O mais humano de todos os comportamentos.

Os seres humanos s��o a ��nica esp��cie animal na qual os

machos matam as f��meas. Prova al��m de qualquer d��vida.

Jess�� Robinson junta-se �� ra��a humana. Bom artigo para o

Post. "Ele se juntou �� Ra��a Humana". Todos os leitores

americanos ass��duos saber��o exatamente qual foi a sua

inten����o; voc�� era um negro, por��m matou uma mulher

branca e se tornou um ser humano. Sabia que eles fariam

experi��ncias em n��s at�� que nos fizessem humanos. A forma

194

crist��. Embora eles n��o saibam o que est��o fazendo. Estra-

gando completamente uma boa coisa. A melhor coisa que

eles jamais tiveram para todos os seus males sociais. Seja

feliz ��� Tire uma soneca... Sente-se deprimido? Linche um

negro! Banido da Hierarquia? Coabite com um negro. Colo-

cando o toco de cigarro apagado no cinzeiro sobre o supor-

te, levantou-se, acendeu outro cigarro da cigarreira de Kriss

e sentou-se na mesma posi����o. "Seu mal, filho", seus pensa-

mentos continuaram. "�� que voc�� se esfor��ou muito para

agradar. Isto mostrou exatamente que voc�� era um primi-

tivo. Um ser humano nunca tenta agradar. N��o �� restrin-

gido pela consci��ncia como um primitivo. A raz��o pela qual

ele �� humano. Todos os outros animais s��o restringidos

pela consci��ncia. Chame isto de instinto, mas �� consci��ncia

da mesma forma. A raz��o porque sua vida foi t��o amarga,

filho. Voc�� teve consci��ncia". Percebeu ent��o que nos mares

profundos da sua mente estava tamb��m pensando em Becky.

Por��m, n��o mais podia visualiz��-la; ela parecia apenas um

espectro. "N��o �� a pessoa realmente", disse a si pr��prio.

"Apenas sua consci��ncia. D�� uma consci��ncia a todos os

primitivos. Mas, n��o existe mais. N��o h�� mais preocupa����o

sobre o que �� certo ou errado. Apenas sobre o que �� vanta-

joso. Voc�� �� humano agora. Quando voc�� entrou pela porta

do fundo da Companhia de Alquimia da Am��rica era um

primitivo cheio de coisas chamadas princ��pios, integridade,

honra, consci��ncia, f��, amor, esperan��a, caridade e quejan-

dos, e ao sair pela porta da frente voc�� era um ser humano,

completamente purgado. Fim de um primitivo; come��o de

um humano. Bom t��tulo para um livro, mas um livro tendo

no t��tulo a palavra humano n��o ser�� vendido na Am��rica.

Os americanos s��o muito sens��veis com esta palavra. N��o

querem saber que eles s��o humanos. N��o os censure. Prop��em

o ��nico problema que nunca foram capazes de resolver,

apesar de todos os seus dispositivos ��� o problema humano.

Mas eles saber��o muito bem que voc�� �� humano. Estar��

em todos os jornais: Um negro mata uma branca. N��o ��

apenas o comportamento natural, plaus��vel, l��gico, inevit��-

vel, psiqui��tricamente compuls��rio e sociologicamente con-

clusivo de um ser humano, mas tamb��m �� matematicamente

acurado e politicamente correto. O negro tem que contar

com meios para se juntar �� ra��a humana. O velho Shakes-

195

peare sabia. Imagine se ele tivesse feito Otelo beijar a

meretriz e fazer as pazes. Ele o teria desumanizado. N��o

custou muito para saber. Tudo certo l�� em pequenos alga-

rismos. Dois mais dois s��o quatro. Alguns cidad��os de cabe��a

feliz est��o come��ando a asseverar que s��o cinco, e outros

bastardos de cora����o infeliz dizem que s��o apenas tr��s,

mas de qualquer maneira s��o quatro. A forma que o sistema

funciona. Todo ele teria que ser mudado para se conseguir

tr��s ou cinco. Imagino porque nesta ��poca eles n��o decidi-

ram aceitar isto. O pr��prio sistema deles tamb��m. O seu

agora tamb��m, filho. �� uma pena Kriss n��o estar aqui

para lhe ver incorporado �� ra��a humana". Sua fisionomia

se relaxou num sorriso simp��tico. "Ela seria a ��nica que

entenderia".

Uma pancada soou na porta, mas o som n��o penetrou

suas percep����es vedadas.

��� Sinhora Cummons priciza de mais alguma coisa?

" . . . q u e pena, querida Kriss", ��� ele estava pensando.

"Passou os dez melhores anos de sua vida tentando nos

juntar �� ra��a humana e agora n��o est�� aqui para ver seu

primeiro recruta!"

Ele n��o ouviu o som dos passos diminuindo nem a porta

ser aberta e fechada. Ao levantar o fone para chamar a

pol��cia, parou abruptamente, pensando: "Ela nunca o per-

doaria por estar despido, filho". Foi para o banheiro, bar-

beou-se, escovou os dentes novamente e vestiu-se completa-

mente, dando n�� na gravata diversas vezes antes de conse-

guir um n�� perfeito Duque de Windsor em forma de V.

"Agora, voc�� pode dizer-lhes que passou por aqui para matar.

Nada desrespeito sobre i s t o " . . . Examinou seu rosto no

espelho. L��grimas corriam pelas suas faces p��lidas. "N��o

chore, filho", disse. "�� realmente engra��ado. Voc�� apenas

precisa entender o sentido da brincadeira".

Voltando ao quarto de dormir ele disse ao corpo de Kriss:

��� Agora n��s todos estamos quites, ��� e sorrindo branda-

mente por debaixo das l��grimas, pegou o telefone e pediu

a delegacia de pol��cia. Sendo atendido, pediu para falar com

o departamento de homic��dio, pensando: ��� Boa coisa eu ter

lido est��rias de detetives; de outra forma n��o saberia como

fazer.

Finalmente, uma voz enfadada disse:

196

��� Sim... departamento de homic��dio.

��� Meu nome �� Robinson, Jess��.

��� Sim... Robinson. Quem quer que fosse, sua voz soava

como se suas cal��as estivessem cheias de chumbo.

��� Eu sou preto.

Houve uma ligeira pausa e depois a voz disse:

��� Que �� isso?

��� Onde voc�� andou a vida toda, rapaz, n��o sabe o que

�� um preto?

��� Est�� certo! Acabe com a brincadeira! Qual �� a

encrenca?

��� Eu sou preto e acabei de matar uma mulher branca, ���

Jess�� disse, dando o endere��o e desligando em seguida. "Isto

vai tirar o chumbo dos seus fundilhos", pensou meio divertido.

197



composto e impresso na

planimpress gr��fica e editora

rua anhaia, 247 - s.p.







---------- Forwarded message ---------
De: Bons Amigos lançamentos 


o Grupo Só Livros com sinopses tem o prazer de lançar hoje mais uma obra digital  para atender aos deficientes visuais. 
 
O PRIMITIVO - CHESTER HIMES

 Livro doado por Bezerra e digitalizado por Fernando Santos

Sinopse:
Um romance de suspense, paixões e destruição escrito pelo melhor romancista negro do "mundo de hoje" Chicago Tribune


Este e-book representa uma contribuição do grupo Bons Amigos e  Só Livros com Sinopse para aqueles que necessitam de obras digitais como é o caso dos deficientes visuais e como forma de acesso e divulgação para todos. 

É vedado o uso deste arquivo para auferir direta ou indiretamente benefícios financeiros. 

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