sábado, 16 de janeiro de 2021 By: Fred

{clube-do-e-livro} Livro, Affonso Romano de Sant´Anna - Paródia, Paráfrase e Cia





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S�rie Princ�pios
Affonso Romano
de Sant�Anna

PAR�DIA,
FAR�FRASE
& CIA




7� edi��o
5�impress�o
editora �tica





Dire��o
Benjamin Abdala Junior, Samira Youssef Campedeili

Prepara��o de texto
Jos� Pessoa de Figuelredo

Projeto gr�fico (miolo)
Antonio do Amaral Rocha

Arte-final
Ren� Etiene Ardanuy
Joseval de Souza Fernandes

Capa
Ary Normanha
Agradecemos a Jiro Takahashi
a sua psrticipa��o no projeto inicial
das s�ries Princ�pios e Fundamentos.





ImpresstoeAcabento
Lis Grfica e Editora lida
ISBN 85 08 00703 5


2003
Todos os direitos reservados pela Editora �tica Rua Bar�o de Iguape, 110�CEP 01507-900
Caa Post 2937- CEP 01065-970 S�o Paulo�SP
Tel.:0XX113346-3000-Faco)0(113277-4146
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e-mail: editora@atica.com br

Sum�rio

1. Introdu��o 5
2. Proposi��es 7
3. Par�dia 11
Considera��es iniciais 11 Significados 12 Par�dia e estiliza��o: paralelos 13
4. Par�frase 16
Considera��es iniciais 16
Par�frase e tradu��o 18
Equ�vocos 19
Pareceres de ling�istas e fil�sofos 20
5. Pausa para exemplo e outras anota��es 23
6. Polariza��es e modelos 27
Par�dia e par�frase: uma oposi��o forte 27 A quest�o das vozes 29
Par�dia e representa��o 30
Constata��es 32
7. Reformulando Tynianov e Bakhtin 34
Retomando o fio da meada 34
Proposta de um primeiro modelo 35
8. A no��o de desvio 38
Proposta de um segundo modelo 41
9. A apropria��o 43
Uma t�cnica de configura��es 43

Conte�dos 46
Proposta de um terceiro modelo 47
10. Aplica��es e novas observa��es 51
Dois exemplos de apropria��o 51 Jorge de Lima: um enigma finalmente esclarecido 54
11. Manuel Bandeira:
uso e abuso da intertextualidade 60
A tradi��o refeita 60
Peculiaridades 62
12. Intertextualidade: literatura e a quest�o do desvio65
O comum no liter�rio 66 O liter�rio no comum 67 Uma ilustra��o did�tica 69 A cozinha jornal�stica 71
13. Automatiza��o e desautomatiza��o cultural 73
Cinema e outras se��es 74
Abrindo os ba�s... 76
Carnavaliza��o 78
14. Concluindo e indagando 81
Exemplos cl�ssicos 83
Um problema epistemol�gico 85
Uma quest�o aberta 87
15. Vocabul�rio critico 91
16 Bibliografia comentada 95





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Introdu��o

Voc� vai come�ar a ler um ensaio n�o muito conven imprenscional. Ao inv�s de apresentar aqui quest�es resolvidas e definidas, estou levantando diversos pontos para serem repensados. At� hoje, por exemplo, estudou-se a quest�o da par�dia como algo isolado. Como se fosse um efeito solto entre os demais. Na melhor das hip�teses, um ou outro estudioso a comparou com a estiliza��o. Pois bem.
Escrevendo e reescrevendo este texto h� mais de anos, me pareceu que a par�dia s� pode ser estudada se, no m�nimo, a estudarmos ao lado n�o s� da estiliza��o, mas tamb�m da par�frase e da apropria��o. Para tanto apresento diversos modos e modelos de articular esses termos numaan�lise de textos. O aluno (ou professor) pode escolher v�rios modelos com que trabalhar. Esses modelos s�o pontos de partda e n�o pontos de chegada. Exatamente como eu dizia num livro anterior___ An�lise estrutural de romances brasileiros. Por isto meu texto vai e vem e n�o teme incorrer em excessos. Recordo meu erro, destaco as fraquezaz cr�ticas e procuro avan�ar exibindo isto ao leitor. Assim privil�gio alguns autores como Manuel Bandeira, Oswald de Andrade e Jorge de Lima. Quanto a










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este, � importante assinalar que s� uma t�cnica de leitura como a que propormos pode ajudar a resgatar de vez o enigma que at� recentemente era o Inven��o de Orfeu. Por outro lado, este estudo n�o � s� liter�rio. Estou interessado numa vis�o semiol�gica do problema. Por isto considero tamb�m a moda, o jazz, a pintura cl�ssica e moderna, a dan�a, a m�mica, o cinema, as est�riasem quadrinhos, a contracultura dos ans 60 e at�a t�cnica jornal�stica de apresentar as not�cias. Neste sentido, este livro tavez interesse tanto os estudantes de letras quanto aos de arte e comunica��o. A par�dia, a par�frase, a estiliza��o e a apropria��o, redefinifos e dinamizados conceitualmente, nos ajudam a esclarecero enigma do que � �liter�rio� e a entender a forma��o da ideologia atrav�s da linguagem.O estudo vai come�ar com quatro proposi��es ou considera��es iniciais. Depois desenvolvo v�rios modos de leitura. O texto ir� ficando cada vez mais claro, quanto mais formos nos aproximando da pr�tica da an�lise e coment�rios sobre autores e obras. Na verdade, como estive preocupado em ir definindo os termos que estava usando, o �Vocabul�rio cr�tico� ao final do livro torna-se quase desnecess�rio. Mas talvez ajude. Vamos em frente.









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Proposi��es

Este estudo parte das seguintes observa��es iniciais:
1. A par�dia � um efeito de linguagem que vem se tornando cada vez mais presente nas obras contempor�neas. A rigor, existe uma conson�ncia entre par�dia e modernidade. Desde que se iniciaram os movimentos renovadores da arte ocidental na segunda metade do s�c. 19, e especialmente com os movimentos mais radicais do s�c. 20, como o Futurismo (1909) e o Dada�smo (1916), tem-se observado que a par�dia � um efeito sintom�tico de algo que ocorre com a arte de nosso tempo. Ou seja: a freq��ncia com que aparecem textos parod�sticos testemunha que a arte contempor�nea se compraz num exerc�cio de linguagem onde a linguagem se dobra sobre si mesma num jogo de espelhos.
N�o significa isto, contudo, que a par�dia seja uma inven��o recente. Como mostrarei em diversas partes deste estudo, ela existia na Gr�cia, em Roma e na Idade M�dia. Talvez o que tenha ocorrido modernamente seja n�o apenas uma intensifica��o do seu uso e, por isso, um interesse maior da cr�tica, o que faz com que, de repente, pare�a que a par�dia seja um tra�o de nossa �poca.









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Por isto, quando se diz que a par�dia � uma forma de a linguagem se voltar sobre si mesma, � tamb�m necess�rio adicionar alguns racioc�nios. Recentemente a especializa��o da arte levou os artistas a dialogarem n�o com a realidade aparente das coisas, mas com a realidade da pr�pria linguagem. Como resultado, ocorreu um certo ex�lio e seq�estro do fazer art�stico. A literatura, por exemplo, tornou-se mais liter�ria. Sobretudo quando algumas formas de comunica��o come�aram a concorrer com ela. O jornalismo, por exemplo, de alguma maneira substituiu a literatura convencional. Ali�s, n�o a substituiu exatamente, mas provocou um deslocamento. Entre jornalismo e literatura ocorreu a mesma coisa que Walter Benjamim havia assinalado entre a pintura e a fotografia: o uso e o avan�o da fotografia tornaram a pintura um setor mais livre para avan�os formais. A pintura deixou de ser �fotogr�fica� e numa de suas tend�ncias extremas chegou rapidamente ao Abstracionismo (1908); isto para n�o falar na Arte Conceitual (1961), que eliminou de vez a presen�a da cor e da moldura, transformando a obra numa variante do happening.
Concorrendo, portanto, com jornais, televis�es, cinemas, etc., a linguagem liter�ria muitas vezes acabou por alargar seu espa�o internamente, numa alquimia de materiais estil�sticos e formais que tornam o texto liter�rio um c�digo que s� os iniciados podem decodificar. Dentro dessa especializa��o, surge a par�dia como efeito metaling��stico (a linguagem que fala sobre outra linguagem), e, como veremos mais adiante, � poss�vel distinguir n�o apenas uma par�dia de textos alheios (intertextualidade) como uma par�dia dos pr�prios textos (intratextualidade).
2. A segunda observa��o que aqui fa�o introdutoriamente � mais particular, e remete para o nome de Mikhail Bakhtin. Especialmente nesta �ltima d�cada o nome desse formalista russo tornou-se conhecido. Ele havia Publicado em 1928, em seu pa�s, um estudo � Prohle,nas da obra








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de Dostoi�vski �, que s� foi traduzido para o Ocidente, via Fran�a, em 1970. No Brasil, a tradu��o direta do russo feita por Paulo Bezerra � de 1981.
Desde ent�o, Bakhtin passou a ser refer�ncia obrigat�ria nos estudos sobre par�dia. Preocupado em caracterizar os efeitos c�micos de diversas obras liter�rias, ele acabou extrapolando e, em vez de se limitar apenas ao estudo da par�dia, acabou dando uma grande contribui��o aos estudos socioliter�rios modernos, formulando os princ�pios b�sicos da teoria da carnavaliza��o. Em outra parte deste estudo voltarei ao t�pico: par�dia e carnavaliza��o. Por ora, no entanto, quero apenas fazer um reparo.
Embora o nome de Bakhtin seja sempre relacionado ao estudo da par�dia, seria mais justo darmos o cr�dito a outro formalista russo, que dez anos antes de Bakhtin produziu alguns ensaios onde exp�s com agudeza aquilo que Bakhtin genialmente exporia mais tarde. Estou me referindo a luri Tynianov e ao seu texto sobre Gogol e Dostoi�vski publicado em 1919. Que motivos levaram muitos a destacar mais Bakhtin em desfavor de Tynianov, n�o sei. Talvez uma defasagem na chegada dos textos dos te�ricos russos ao Ocidente dificultada pela censura do governo sovi�tico. Quanto ao fato de Bakhtin n�o se ter referido a Tynianov, permanece o mist�rio. Mas esse, para n�s, � um per�odo muito nebuloso, em que o pr�prio Bakhtin teve que escrever sob pseud�nimo ou usando nomes de companheiros, para fugir � censura.
3. A terceira observa��o introdut�ria � esta: tanto Tynianov quanto Bakhtin trabalharam apenas com os conceitos de par�dia e de estiliza��o. Minha proposta � sair dessa dicotomia simples e introduzir dois elementos que complementam melhor o quadro de rela��es. Nesse sentido, vou desenvolver contrastivamente al�m daqueles conceitos, tamb�m os conceitos de par�frase e apropria��o. Parte-se do princ�pio de que numa teoriza��o sobre a linguagem, dentro e fora da literatura, a par�frase e a apropria��o






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funcionam como elementos de tens�o que explicam melhor os pr�prios conceitos de par�dia e estiliza��o.
4. A �ltima proposi��o inicial � que esses conceitos � par�dia, par�frase, estiliza��o e apropria��o � interessam n�o s� � literatura, mas tamb�m aos estudos semiol�gicos em geral. Podem ser desenvolvidos a prop�sito do jazz, da pintura, da confec��o dos jornais, das festas de carnaval, do sistema de moda, etc. Sem me limitar � teoria da literatura, estou procurando um enfoque semiol�gico amplo. Neste sentido se comprovar� que os problemas fundamentais da linguagem n�o s�o apenas ling��sticos,
mas tamb�m se repetem com outros materiais, em outros dom�nios art�sticos. A semiologia reaparece ent�o como o espa�o geral onde essas quest�es podem e devem ser colocadas

















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Par�dia


Considera��es iniciais

Come�o por redefinir par�dia tra�ando uma breve hist�ria do termo e vendo como modernamente se aprofunda o seu entendimento.
O termo par�dia tornou-se institucionalizado a partir do s�c. 17. A isto se referem v�rios dicion�rios de literatura. No entanto j� em Arist�teles aparece um coment�rio a respeito desta palavra. Em sua Po�tica atribuiu a origem da par�dia, como arte, a Hegemon de Thaso (s�c. 5 a.C.), porque ele usou o estilo �pico para representar os homens n�o como superiores ao que s�o na vida di�ria, mas como inferiores. Teria ocorrido, ent�o, uma invers�o. A epop�ia, g�nero que na Antiguidade servia para apresentar os her�is nacionais no mesmo n�vel dos deuses, sofria agora uma degrada��o. Essa observa��o de Arist�teles revela um enfoque marcadamente �tico e mostra que os g�neros liter�rios eram t�o estratificados quanto as classes sociais. A trag�dia e a epop�ia eram g�neros reservados a descri��es mais nobres, enquanto a com�dia era o espa�o da representa��o popular.










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Alguns autores, no entanto, apontam Hipponax de �feso (s�c. 6 a.C.) como �o pai da par�dia�. Para este estudo, contudo, � irrelevante o fato de se localizar a g�nese no s�culo 5 ou no 6 a.C.
Significados
� mais importante ir rastreando, por enquanto, as defini��es do termo. Ali�s, tais defini��es nunca constitu�ram um grave problema. O dicion�rio de literatura de Brewer, por exemplo, nos d� uma defini��o curta e funcional: �par�dia significa uma ode que perverte o sentido de outra ode (grego: para- ode)�. Essa defini��o implica o conhecimento de que originalmente a ode era um poema para ser cantado. Por isto, Shipley , mais acuradamente, registraria que o termo grego par�dia implicava a id�ia de uma can��o que era cantada ao lado de outra, como uma esp�cie de contracanto. A origem, portanto, � musical. Em literatura acabaria por ter uma conota��o mais espec�fica. O pr�prio Shipley, no seu dicion�rio de literatura,, discrimina tr�s tipos b�sicos de par�dia:
a) verbal � com a altera��o de uma ou outra palavra do texto;
b) formal � em que o estilo e os efeitos t�cnicos de um escritor s�o usados como forma de zombaria;
e) tem�tica � em que se faz a caricatura da forma e do esp�rito de um autor.
Modernamente a par�dia se define atrav�s de um jogo intertextual. A esse respeito, como veremos mais adiante em Manuel Bandeira, pode-se falar de intertextualidade (quando um autor utiliza textos dc outros) e intratextualidade





* SHIPLEY, Josephe T. Dictionary of World Literature r. New Jersey, Littlefield, Adans & Co., 1972.

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(quando o escritor retoma sua obra e a reescreve). Essa anota��o, no entanto, n�o � t�pica da par�dia. Tamb�m ocorre na par�frase, como observaremos oportuna- mente. Por isto � que � necess�rio trabalhar mais essa quest�o da intertextualidade.
De uma maneira geral, por�m, os autores que antecederam os dois formalistas (Tynianov, 1919, e Bakhtin, 1928) definiam a par�dia dentro de uma certa sinon�mia. Aproximavam-na do burlesco, considerando-a como um subg�nero. Nesta linha, mesmo autores mais contempor�neos definem a par�dia tamb�m por contig�idade, considerando-a um mero sin�nimo de pastiche, ou seja, um trabalho de ajuntar peda�os de diferentes partes de obra de um ou de v�rios artistas.
Par�dia e estiliza��o: paralelos
O conceito de par�dia tornou-se mais sofisticado a partir de Tynianov, quando ele o estudou lado a lado com o conceito de estiliza��o. E, para ir j� familiarizando o leitor com essa palavra, acho mais conveniente transcrever dois textos, um de Tynianov e outro de Bakhtin, assinalando assim a coincid�ncia de seus pensamentos. E, quando tivermos essa informa��o, poderemos ent�o passar ao estudo da par�frase e da apropria��o, que s�o os dois termos que aqui coloco ampliando o quadro te�rico original.
a) Tynianov: �a estiliza��o est� pr�xima da par�dia. Uma e outra vivem de uma vida dupla: al�m da obra h� um segundo plano estilizado ou parodiado. Mas, na par�dia, os dois planos devem ser necessariamente discordantes, deslocados: a par�dia de uma trag�dia ser� uma com�dia (n�o importa se exagerando o tr�gico ou substituindo








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cada um de seus elementos pelo c�mico); a par�dia de uma com�dia pode ser uma trag�dia. Mas, quando h� a estiliza��o, n�o h� mais discord�ncia, e, sim, ao contr�rio, concord�ncia dos dois planos: o do estilizando e o do estilizado, que aparece atrav�s deste. Finalmente, da estiliza��o � par�dia n�o h� mais que um passo; quando a estiliza��o tem uma motiva��o c�mica ou � fortemente marcada, se converte em par�dia� *.
b) Bakhtin: �com a par�dia � diferente. Aqui tamb�m, como na estiliza��o, o autor emprega a fala de um outro; mas, em oposi��o � estiliza��o, se introduz naquela outra fala uma inten��o que se op�e diretamente � original. A segunda voz, depois de se ter alojado na outra fala, entra em antagonismo com a voz original que a recebeu, for�ando-a a servir a fins diretamente opostos. A fala transforma-se num campo de batalha para intera��es contr�rias. Assim, a fus�o de vozes, que � poss�vel na estiliza��o ou no relato do narrador (em Turgueniev, por exemplo), n�o � poss�vel na par�dia; as vozes na par�dia n�o s�o apenas distintas e emitidas de uma para outra, mas se colocam, de igual modo, antagonisticamente. � por esse motivo que a fala do outro na par�dia deve ser marcada com tanta clareza e agudeza. Pela mesma raz�o, os projetos do autor devem ser individualizados e mais ricos de conte�do. � poss�vel parodiar o estilo de um outro em dire��es diversas, a� introduzindo acentos novos, embora s� se possa estiliz�-lo, de fato, em uma �nica dire��o � a que ele pr�prio se propusera�** .
Esses dois textos s�o bem claros e mostram que os autores estavam voltados especificamente para o estudo, do texto liter�rio. Mas uma aplica��o do conceito de estiliza��o






* La destruction. Change. Paris, n. 2, N. d.
** Op. cit.

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fora da literatura poder� ampliar esse quadro de observa��es, a exemplo do que ocorre na moda e no jazz. Tamb�m o conceito de �outro� (que aparece naqueles textos e que modernamente se tornou mais sofisticado) pode ser exposto sob um �ngulo psicanal�tico e social. Deixarei isto para. mais tarde, ressaltando por ora que nosso esfor�o ser� por retirar aquelas observa��es do campo restrito da literatura e ir penetrando num universo semiol�gico mais amplo, o que inevitavelmente acarretar� uma complexidade maior desses termos.








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Par�frase

Considera��es iniciais
At� agora j� temos uma no��o introdut�ria de par�dia e estiliza��o.
Para que o leitor se situe melhor, devo adiantar que, desde 1972, antes mesmo de conhecer os textos te�ricos de Bakhtin e Tynianov, tentei esbo�ar uma teoria da par�dia e da par�! rase confrontando-as com dois conceitos de mimesis. O resultado disto foi o ensaio �Modernismo � Po�ticas do centramento e do descentramento�, apresentado no Festival de Ouro Preto (1972), numa atividade destinada � reavalia��o do Modernismo. Interessava-me mostrar que o conceito de par�dia s� poderia ser devidamente trabalhado quando posto em tens�o com o conceito de par�frase. E que, al�m do mais, ao contr�rio do que se pensava, o Modernismo oferecia uma pluralidade de linguagens onde surgiam a par�dia, a par�frase, a miniesis consciente e a mimesis inconsciente.
Posteriormente retomei aquele mesmo ensaio desenvolvendo mais especificamente OS conceitos dc par�dia e










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par�frase para estudar a evolu��o da poesia brasileira at� nossos dias. O resultado dessas pesquisas � o livro M�sica popular e moderna poesia brasileira (Vozes, 1977). Posteriormente, na Universidade do Texas (Austin), apresentei tamb�m uma confer�ncia sobre este t�pico, em 1977: �For a Theory of Language: Towards a New Concept of Parody and Paraphrase�. Ainda uma vez tornei a repensar isto tudo numa apostila usada em cursos meus na PUC/RJ (1979).
Aqui retomo muitas das id�ias contidas nesses trabalhos tentando corrigi-las e ampli�-las a partir de uma corre��o e amplia��o das teorias expostas por Tynianov e Bakhtin. � um gesto de inter e intratextualidade cont�nua.
Recomecemos pela par�frase. Ao contr�rio da par�dia, n�o encontramos uma hist�ria do termo para- phrasis (que j� no grego significava: continuidade ou repeti��o de uma senten�a). Se a par�frase est� do lado da imita��o e da c�pia, compreende-se a n�o-hist�ria do termo, porque a hist�ria geralmente se interessa por aqueles que provocam ruptura e corte, trazendo alguma inven��o e descontinuidade. Em geral, a hist�ria � a hist�ria da diferen�a, do acr�scimo, e n�o da repeti��o.
No entanto o termo par�f rase tem um sentido diversificado. � importante adiantar isto. Tomemos taticamente uma defini��o oficial deste voc�bulo: �� a reafirma��o, em palavras diferentes, do mesmo sentido de uma obra escrita. Uma par�frase pode ser uma afirma��o geral da id�ia de uma obra como esclarecimento de uma passagem dif�cil. Em geral ela se aproxima do original em extens�o� *. Ao dizer isto, o dicion�rio de Beckson e Ganz exemplifica fazendo uma par�frase-convers�o de um trecho de um poema de John Donne (1572-1631) para a prosa.






* BECKSON, Karl & G�NZ, Arthur. Literary Terms: A Dictionary. New York, Farrar-Strauss and Giroux, 1965.

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Par�frase e tradu��o
J� nesse exemplo anterior, o que transparece � o conceito de par�frase como tradu��o ou transcria��o. Este t�pico por si s� mereceria mais aten��o (num outro trabalho que n�o este). Desde Goethe, passando por Walter Benjamin at� Roman Jakobson e Octavio Paz, t�m-se levantado as nuan�as da tradu��o como cria��o, transcria��o, inven��o e estiliza��o. Certamente que h� tradutores de v�rios tipos, que v�o desde os mutiladores incompetentes do texto at� aqueles que procuram atrav�s da inven��o uma certa co-autoria. Este tipo de atividade se aproxima do que em m�sica se chama de arranjo, ou do que tamb�m se chama de int�rprete. No arranjo, o m�sico se apropria da obra alheia e introduz maneiras pessoais de interpretar o texto musical original. � um co-autor numa atividade que pode ir do simples parasitismo a uma certa dose de inven��o. Tamb�m o pianista-int�rprete, por exemplo, trabalha nessa dire��o. O int�rprete assinala a maneira como ele l� uma obra musical.
Na literatura, a aproxima��o entre tradu��o e par�- frase aparece explicitamente em John Dryden (1631-1700), poeta, dramaturgo e cr�tico ingl�s, para quem �o tradutor (se ele ainda tem esse nome) assume a liberdade, n�o apenas de variar de palavra e sentido, mas at� de abandonar ambos quando h� oportunidade� *. Dryden, na verdade, distingue entre met�f rase: �converter um autor palavra por palavra, linha por linha, de uma l�ngua para outra�, e par�- frase: �tradu��o com amplitude quando o autor continua aos olhos do tradutor para que este n�o se perca, mas n�o segue as palavras t�o estritamente, sen�o o sentido� **.






* Apud DEUTSH, Babette. Poetry Handbook: A Dictionary oj Terms.
New York, Funk & Wagnall, 1974.
* * Idem, ibidem.
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Equ�vocos
Essa proximidade entre par�frase e tradu��o levou alguns cr�ticos do new criticism a uma quest�o equivocada. Cleanth Brooks, no ensaio �Heresia da par�frase� (no livro The Well Wrought (Jrn), rejeitou a no��o de que o poema possa ser parafraseado sem sofrer viol�ncias. E advertiu: �a verdade � que essas formula��es nos deslocam do centro do poema ao inv�s de nos conduzir a ele; o �sentido em prosa� do poema n�o � uma prateleira na qual o material do poema (isto �, as imagens, met�foras, tens�es, ritmos, etc.) fica dependurado. Isto n�o representa o �interior�, o �essencial�, o �real�, da estrutura do poema�*.
Por a� se observa que Brooks n�o admite a id�ia da tradu��o. E por pouco ele poderia usar a terminologia dos formalistas russos e dizer que o que ocorre � uma estiliza��o. Essa posi��o te�rica revel.a uma postura ideol�gica. O que quer Brooks com aquelas palavras: �interior�, �essencial�, �real�? O que diz exatamente com �validade das tradu��es�? Ora, o que se depreende desse pensamento � que os �conte�dos� s�o intraduz�veis. Cada ser tem seu enigma, seu mist�rio impenetr�vel. Isto � t�pico da ideologia rom�ntica e idealista. Pensar em termos de �ess�ncia� ou em �termos absolutos�, enquanto uma interpreta��o mais materialista tenta nos seduzir com o oposto. Ou seja: introduzindo a id�ia de �relatividade� da ess�ncia e da verdade, e anotando que �a verdade�, se � que existe tal coisa, n�o tem localiza��o certa. Surge sim, das for�as em rela��o num determinado sistema. Ela n�o preexiste. Surge da pr�tica.
Embora muitos cr�ticos do new criticism discordem de Brooks, 1. A. Richards segue na mesma linha. Ele distingue entre discurso cient�fico, o qual pode ser parafraseado,






* BECKSON & GANZ, op. cit.

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e discurso po�tico, que n�o pode ser parafraseado. Quer dizer: em literatura a par�frase j� seria cria��o ou ent�o estiliza��o. Essas discuss�es entre idealistas (que acreditam nas ess�ncias) e materialistas (que investem nas formas) s�o intermin�veis. Atualmente isto voltou � pauta, quando v�rios ling�istas, inclusive Noam Chomsky, consideraram as possibilidades de se constru�rem verdadeiras m�quinas de tradu��o a partir de uma teoria sem�ntica e sint�tica moderna, O que, ali�s, a inform�tica modernamente tem desenvolvido mostrando que essas m�quinas s�o poss�veis.
Pareceres de ling�istas e fil�sofos
E nessa linha que a lingU�stica hoje aproxima tradu��o e par�f rase, ressaltando o car�ter did�tico de ambas na transmiss�o da t�cnica do aprendizado: �a compreens�o de uma l�ngua sup�e que se possa fazer corresponder a cada enunciado outros enunciados desta mesma l�ngua considerados sin�nimos e semanticamente equivalentes (ao menos em certos pontos de vista): induzi-los para a mesma l�ngua em que est�o formulados. Segundo alguns ling�istas norte-americanos agrupados em torno de Z. S. Harris, a descri��o de uma l�ngua comporta, como parte integrante (e sem d�vida essencial), a constru��o de um algoritmo de par�frase, ou seja, um procedimento mec�nico, um c�lculo que permite prever, a partir de todo enunciado, o conjunto de suas par�frases poss�veis�*.
Por a� estamos penetrando num terreno mais �spero, mas inevit�vel, que � o da filosofia e da l�gica. Na verdade, todo estudo te�rico da linguagem ou come�a ou acaba






* DUCROT, Oswald & TovoRov, Tzevetan. Dicionarjo enciclop�dico de las ciencias dei lenguaje. Buenos Aires, Siglo Veintuno, 1974.
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se situando no espa�o da filosofia. E apenas para ficar com um leve exemplo ligado mais aos aspectos que estou desenvolvendo, tome-se a obra de Rudolf Carnap � A estrutura l�gica do mundo * A� encontramos o uso sistem�tico da parfrase como modo de traduzir f�rmulas simb�licas. Aqui a par�frase � nomeada como uma RS (Recoilection of Similarities). Como diz esse pensador, para cada f�rmula e constru��o simb�lica devemos ter uma par�frase em palavras. E o objeto dessa RS � tornar a f�rmula mais compreens�vel.
Essa t�cnica da par�frase, fora da filosofia, agora na psican�lise, foi utilizada por Freud. E, guardadas as devidas propor��es, Sarah Koffman faz uma abordagem da quest�o ao tratar do �resumir� e do �interpretar� em Freud. Considerando o resumo que Freud faz do romance Gradiva, de Jensen, ela diz: �A glosa freudiana parece implicar o duplo sentido do termo: ser ao mesmo tempo suplemento ocioso, menos rico que o texto que apenas parafraseia, e ainda um complemento indispens�vel: faz o texto chegar at� ele pr�prio, transformando um texto obscuro num texto claro, fazendo-o passar do impl�cito ao expl�cito. A glosa, compreendida nesse duplo sentido, permitiria n�o s� ser fiel ao texto, como tamb�m torn�-lo intelig�vel� **.
Nessa linha, a quest�o dos limites entre �interpretar� e �resumir� � muito t�nue. O resumo j� seria uma interpreta��o, e n�o haveria nunca par�frase pura, sen�o um segundo texto sobre um primeiro acrescido de diferen�as. Assim, qualquer tradu��o j� seria uma interpreta��o.
Em verdade, tanto a ci�ncia quanto a arte e a religi�o usam da par�frase como instrumento de divulga��o. Mais




* The Logical Siructure a� the World. Berkeley and Los Angeles,
Univ. of California Press, 1967.
** KOFFMAN, Sarah. Resumir. Interpretar. Trad. Silviano Santiago.
Rio de Janeiro, PUC, 1975.

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do que um efeito ret�rico e estil�stico ela � um efeito ideol�gico de continuidade de um pensamento, f� ou procedimento est�tico. Esse lado pragm�tico da par�frase no s�c. 18 pode ser ilustrado por uma obra intitulada: Tradu��es e par�f rases em versos de v�rias passagens das Sagradas Escrituras colecionadas e preparadas por um comit� da assembl�ia-geral da Igreja da Esc�cia (1 745-1 781). Igualmente
h� algumas edi��es da B�blia, at� em portugu�s, onde o texto sagrado � parafraseado para uma linguagem mais atual. Pode-se assim considerar que onde a ci�ncia usa a par�frase como um passo formal para clarificar afirma��es e f�rmulas, a religi�o e a arte a usam como modo de transmitir valores ou manter a vig�ncia ideol�gica de uma linguagem.



















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Pausa para exemplo e outras anota��es


A essa altura, o leitor j� tem uma informa��o b�sica sobre os conceitos de par�dia, par�f rase e estiliza��o. Para tornar esta apresenta��o menos �rida, vou dar logo um exemplo liter�rio, para que as coisas fiquem mais claras. Tomemos o ultracl�ssico poema �A can��o do ex�lio�, de Gon�alves Dias, possivelmente o poema mais parafraseado, estilizado e parodiado de nossa literatura. Depois da cita��o de sua primeira estrofe, transcreverei algumas varia��es feitas sobre ele por alguns autores modernistas:

Texto original: Gon�alves Dias:

Minha terra tem palmeiras
Onde canta o sabi�,
As aves que aqui gorgeiam
N�o gorgeiam como l�.

Exemplo de par�f rase: Carlos Drummond de Andrade
no poema �Europa, Fran�a e Bahia�:

Meus olhos brasileiros se fecham saudosos
Minha boca procura a �Can��o do Ex�lio�.






Como era mesmo a �Can��o do Ex�lio�?
Eu t�o esquecido de minha terra.
Ai terra que tem palmeiras
onde canta o sabi�!
Exemplo de estiliza��o: Cassiano Ricardo em �Um dia depois do outro�:
Esta saudade que fere
mais do que as outras qui�a, Sem ex�lio nem palmeira onde cante um sabi�...
Exemplo de par�dia: Oswald de Andrade em �Canto de regresso � p�tria�:
Minha terra tem palmares onde gor gela o mar
os passarinhos daqui n�o cantam como os de l�.
Sem estabelecer um coment�rio exaustivo desses textos, o que vem sendo feito por cr�ticos em situa��es diversas e que pode ser mais bem desenvolvido em sala de aula, consideremos o seguinte: bastam alguns coment�rios sobre essa primeira estrofe do poema de Gon�alves Dias e o estabelecimento de compara��o com aqueles outros textos para constatarmos que existe um processo comum em todas aquelas variantes textuais: um deslocamento.
Na par�frase de Drummond, o deslocamento � m�nimo e ocorre uma t�cnica de cita��o e transcri��o direta do poeta rom�ntico. J� no texto de Cassiano o desvio aumenta, inclusive pela afirma��o ao contr�rio, pois a �saudade� � descrita na aus�ncia da �palmeira� e do �sabi�� (�sem ex�lio, nem palmeira/ onde cante um sabi��). Ocorre um jogo de diferencia��o em rela��o ao texto original sem que, contudo, haja trai��o ao seu significado primeiro.







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J� no texto de Oswald o distanciamento � absoluto. Ocorre um processo de invers�o do sentido, com um deslocamento completo. Substitui-se logo o nome comum �palmeiras� � pelo nome pr�prio �Palmares�, mas com letra min�scula. Introduz-se logo uma cr�tica hist�rica, social e racial. A substitui��o do ing�nuo termo rom�ntico �palmeira� pelo nome do famoso quilombo onde os negros liderados por Zumbi foram dizimados, em 1695, tem um efeito ir�nico e cr�tico, introduzindo um coment�rio social.
Oswald usou da paronom�sia (palavras com sons semelhantes e sentido diverso). Usou esse efeito que existe nas brincadeiras cotidianas: �n�o confundir capit�o de fragata com cafet�o de gravata�; n�o confundir �Carolina de S� Leit�o com ca�arolinha de assar leit�o�. Constr�i-se assim uma forma bastante pr�xima ao original. Diferente do que faria Murilo Mendes, distanciando-se da rima, da m�trica e da musicalidade numa outra p�r�dia de Gon�alves Dias, tamb�m intitulada �Can��o do ex�lio� e que come�a assim:
Minha terra tem macieiras da Calif�rnia onde cantam gaturanos de Veneza.
Preservando uma semelhan�a sonora e r�tmica, Oswald desarranja o sentido do texto original. Contrap�e a est�tica modernista � est�tica rom�ntica, contrasta a aliena��o social � den�ncia hist�rica e transforma o discurso do branco na afirma��o do preto.
O resto da estrofe refor�a o movimento de invers�o. No verso seguinte: �onde gorgeia o mar�, o autor modernista consegue um efeito surrealista praticando o nonsense. Aquele verso claro e linear de Gon�alves Dias: �as aves que aqui gorgeiam/ n�o gorgeiam como l��, aqui se transforma numa frase logicamente incompreens�vel: �Minha terra tem palmares/ onde gorgeia o mar�. E assim o leitor vai trope�ando em coisas ins�litas, passando pelos �estranhamentos�






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de que falavam os formalistas russos. � uma leitura em duas vozes: uma em presen�a (texto moderno, parod�stico) e outra em aus�ncia (texto rom�ntico, parodiado).
Este r�pido exemplo nos possibilita tamb�m uma outra considera��o, que pode parecer �bvia, mas que � relevante: os conceitos de par�dia, par�frase e estiliza��o s�o relativos ao leitor. Isto �: depende do receptor. Se o leitor n�o tem informa��o do texto de Gon�alves Dias, achar� no texto de Oswald apenas uma s�rie de disparates. Isto equivale a dizer, em outros termos: estiliza��o, par�- frase e par�dia (e a apropria��o, que veremos proximamente) s�o recursos percebidos por um leitor mais informado. � preciso um repert�rio ou mem�ria cultural e liter�ria para decodificar os textos superpostos.
E, � medida que esses efeitos s�o muito usados pelos autores modernos, configura-se que a leitura de suas obras requer certa especializa��o. Como obras metaling��sticas, usando a inter e a intratextualidade, descrevem um discurso fechado ou, ent�o, restrito ao entendimento dos especialistas.






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Polariza��es e modelos


Par�dia e par�frase: uma oposi��o forte
Em outras partes deste ensaio desenvolveremos as rela��es entre par�dia, par�frase, estiliza��o e apropria��o. Por ora, quero voltar atr�s taticamente para trabalhar com uma oposi��o mais forte e simples: par�dia/par�frase. Isto obviamente implica uma s�rie de riscos, dos quais estou avisado. Mas como este � um ensaio em progresso, torna-se l�cito, por ora, enfatizar esses dois termos, explorando uma oposi��o que surgia nas primeiras escritas deste texto, em 1971. Proximamente, como j� disse, tomarei outras dire��es complementares e mais complexas. Mas aqui � necess�rio exaurir didaticamente esses dois elementos que se polarizam a ponto de podermos dizer que mais do que par�dia e par�frase estamos diante de dois eixos:
um eixo para fr�sico e um eixo parod�stico.
Feitas essas ressalvas, constatemos que a par�dia, por estar do lado do novo e do diferente, � sempre inauguradora de um novo paradigma. De avan�o em avan�o, ela constr�i a evolu��o de um discurso, de uma linguagem, sintagmaticamente. Em contraposi��o, se poderia dizer que a par�frase, repousando sobre o id�ntico e o semelhante,









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pouco faz evoluir a linguagem. Ela se oculta atr�s de algo j� estabelecido, de um velho paradigma.
Por exemplo: numa constru��o parafr�sica se poderia dizer muito aproximadamente do poeta: �Minha terra tem laranjeiras onde canta a juriti�. Ou seja: onde Gon�alves Dias p�s �palmeiras�, leia-se �laranjeiras�, onde escreveu �sabi��, leia-se �juriti�. Haveria uma substitui��o superficial, mas se manteria o mesmo discurso, refor�ando o aprendizado. Um verdadeiro corte no sentido do poema ocorre no cl�ssico exemplo de Oswald: �Minha terra tem palmares/onde gorgeia o mar�.
O refor�o dos paradigmas pela repeti��o � muito usado no aprendizado das l�nguas: Bob has a car, Mary has a dog. S� depois de assimilar as constru��es paradigm�ticas ir� o estudante caminhando sintagmaticamente at� que se estabele�a uma rela��o dial�tica em que paradigma e sintagma se tornam mesclados. E a maturidade de um discurso se revela quando o autor, atingindo a par�dia, liberta-se do c�digo e do sistema, estabelecendo novos padr�es de rela��o das unidades.
Do lado da ideologia dominante, a par�frase � uma continuidade. Do lado da contra-ideologia, a par�dia � uma descontinuidade. Assim como um texto n�o pode existir fora das ambival�ncias paradigm�ticas e sintagm�ticas, par�frase e par�dia se tocam num efeito de intertextualidade, que tem a estiliza��o como ponto de contato. Falar de par�dia � falar de intertextualidade das diferen�as. Falar de par�frase � falar de intertextualidade das semelhan�as.
Enquanto a par�frase � um discurso em repouso, e a estiliza��o � a movimenta��o do discurso, a par�dia � o discurso em progresso. Tamb�m se pode estabelecer outro- paralelo: par�trase como efeito de condensa��o, enquanto a par�dia � um efeito de deslocamento. Numa h� o refor�o, na outra a deforma��o. Com a condensa��o, temos dois elementos que se equivalem a um. Com o deslocamento temos um elemento com a mem�ria de dois. Por isto �







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que se pode falar do car�ter ocioso da par�f rase e do car�ter contestador da par�dia. Na par�frase algu�m est� abrindo m�o de sua voz para deixar falar a voz do outro. Na verdade, essas duas vozes, por identifica��o, situam-se na �rea do mesmo. Na par�dia busca-se a fala recalcada do outro.
A quest�o das vozes
Isto que estou colocando aqui, cruzando os n�veis ling��stico e psicanal�tico da leitura, aprofunda algo que Bakhtin afirmou quando destacou que o �estilizador utiliza a palavra do outro�, ou quando destacou que �ele trabalha com o ponto de vista do outro�. Esse �outro� do texto do te�rico russo � sin�nimo de �algu�m�. Aqui nessas considera��es, no entanto, quando digo outro, uso a acep��o moderna: aquela voz social ou individual recalcada e que � preciso desentranhar para que se conhe�a o outro lado da verdade.
Ora, a ideologia tende a falar sempre do mesmo e do id�ntico, a repetir suas afirma��es tautologicamente diante de um espelho. Por isto � que, assumindo uma atitude contra-ideol�gica, na faixa do contra-estilo, a par�dia foge ao jogo de espelhos denunciando o pr�prio jogo e colocando as coisas fora de seu lugar �certo�. J� a par�frase � um discurso sem voz, pois quem est� falando est� falando o que o outro j� disse. � uma m�scara que se identifica totalmente com a voz que fala atr�s de si. Nesse sentido, ela difere da par�dia, pois, nesta, a m�scara denuncia a duplicidade, a ambig�idade e a contradi��o. Por isso � que, usando um paralelo numa linguagem m�stica, se pode dizer: a par�frase faz o jogo do celestial, e a par�dia faz o jogo do demon�aco. O angelical � a unidade, o demon�aco � a divis�o. E j� que falei em jogo, posso acrescentar nova








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compara��o: na par�frase n�o h� a tens�o entre os dois jogadores, � como se estivessem jogando o mesmo jogo, do mesmo lado. Enquanto a par�dia � uma disputa aberta do sentido, uma luta, um choque de interpreta��o.
Mas aqui pode-se anotar uma quest�o sobre os limites da pr�pria par�dia: a par�dia pode banalizar-se. Pode ocorrer que esse efeito t�cnico se transforme num artif�cio f�cil. Pode ocorrer que a par�dia vire at� uma esp�cie de �estilo de �poca�, que seja a linguagem banal de uma gera��o ou de uma �poca. Assim, os que se incorporam a esse tipo de linguagem acabam fazendo par�frase ao inv�s de par�dia. Isto ocorreu de alguma maneira com o Modernismo e com as artes futuristas. A par�dia tornou-se t�o normal, t�o esperada, que perdeu parte de sua for�a original. � o mesmo que ocorreu com certos movimentos de vanguarda: de tanto repetirem seus efeitos, acabaram codificados e perderam seu elemento de surpresa. Por isso terminaram obras de museu.
Par�dia e representa��o
H� tamb�m uma rela��o que se pode explorar entre a par�dia e a representa��o. Porque se, por um lado, a par�dia, como j� vimos, tem uma origem musical (a ode que � cantada junto com outra ode), ela tem tamb�m uma pr�tica teatral curiosa. Assim � que ela tem uma fun��o complementar nas pe�as dram�ticas. E estabelece-se uma rela��o entre par�dia, com�dia e libera��o das tens�es. Quer dizer: a par�dia tem uma fun��o cat�rtica, funcionando como contraponto com os momentos de muita dramaticidade. Como a Enciclop�dia de poesia e po�tica de Princeton coloca: �de uma maneira geral, par�dia e literatura burlesca originaram-se do drama, exprimindo um impulso b�sico num contraponto com os temas tr�gicos. De









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Arist�teles a Shakespeare (e no nosso tempo), o interl�dio c�mico, com seus paralelos rid�culos com a pe�a principal, funcionava como uma par�dia, propiciando uma pausa e um riso cat�rtico�
Mas, por outro lado, pode-se entender a par�dia como algo mais que uma representa��o, mais que um simples efeito teatral. E nessa dire��o � preciso recuperar a palavra representa��o num sentido psicanal�tico. E isto n�o � dif�cil nem muito complexo. Pois se a id�ia de representa��o implica o sentido de dramatizar algo, o conceito psicanal�tico de representa��o se define como uma re-apresenta��o. O que � isto? A re-apresenta��o psicanal�tica seria a emerg�ncia de algo que ficou recalcado e que agora volta � tona. N�o � simplesmente algo que se est� apresentando, mas aquilo que veio ao cen�rio de nossa consci�ncia nos trazendo informa��es que estavam ocultas. � como o que ocorre com o fen�meno do sonho. O sonho nos re-apresenta algum desejo n�o realizado no dia-a-dia. O sonho nos possibilita desrecalcar e liberar certas tens�es.
Ora, o que o texto parod�stico faz � exatamente uma re-apresenta��o daquilo que havia sido recalcado. Uma nova e diferente maneira de ler o convencional. � um processo de libera��o do discurso. � uma tomada de consci�ncia cr�tica.
Da� que se possa dizer, ainda dentro de um campo psicanal�tico,, que se pode estabelecer um paralelo entre a par�frase e aquilo que se chama de est�gio do espelho no desenvolvimento da crian�a. Dizem os especialistas que a crian�a nos seus primeiros anos de vida tem uma rela��o muito curiosa cdm a sua imagem projetada no espelho. Ela n�o sabe em princ�pio que aquela imagem ali � dela mesma. Pode, como acontece tamb�m com alguns animais e aves, achar que aquela imagem � de um outro parceiro, quando � a sua pr�pria imagem. � como se dissesse que num certo est�gio a crian�a tem dificuldade de saber qual







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o limite entre o seu corpo e o corpo do outro, qual o limite entre o seu corpo e o corpo de sua m�e, por exemplo.
Por isto, fazendo um paralelo, pode-se dizer que o est�gio do espelho corresponde � par�frase: � a dificuldade de se saber, afinal, de quem � determinado discurso, qual o verdadeiro autor, pois os textos se confundem num jogo de espelhos. E como se o texto passasse de pai (ou m�e) para filho, como se houvesse uma mistura indiferenciada do corpo da m�e e do corpo do filho, O filho-texto olhando-se indiferenciadamente nos olhos da m�e.
J� a par�dia � diferente. E o texto ou filho rebelde, que quer negar sua paternidade e quer autonomia e maioridade. A par�dia n�o � um espelho. Ou, ali�s, pode ser um espelho, mas um espelho invertido. Mas � melhor usar outra imagem. E, ao inv�s do espelho, dizer que a par�dia � como a lente: exagera os detalhes de tal modo que pode converter uma parte do elemento focado num elemento dominante, invertendo, portanto, a parte pelo todo, como se faz na charge e na caricatura. E eu diria, usando ainda um racioc�nio psicanal�tico, que a par�dia � um ato de insubordina��o contra o simb�lico, uma maneira de decifrar a Esfinge da M�e Linguagem. Ela difere da par�frase na medida em que a par�frase se assemelha �quele que dorme edipianamente cego no leito da M�e Ideologia. Sendo uma rebeli�o, a par�dia � parricida. Ela mata o texto-pai em busca da diferen�a. E o gesto inaugural da autoria e da individualidade.
Constata��es
N�o se espante o leitor com essas compara��es todas. Antes se rejubile como eu ao constatar que essa quest�o toda, que aparentemente era s� Iing��stica e ret�rica, na verdade espraia-se por todas as formas de conhecimento. Raz�o por que anteriormente eu j� falara que era melhor








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conceber um eixo parafr�sico e um eixo parod�stico, em torno dos quais se organiza basicamente o conhecimento. Sim, porque esses eixos est�o na raiz de uma teoria do conhecimento. S�o formas de conhecer o mundo.
Por isso posso penetrar livremente em compara��es at� m�sticas e teol�gicas, para dizer que a par�frase pretende ser a linguagem do Para�so. Por qu�? Porque ela � supostamente a linguagem do homem antes da queda, quando tudo era igual e indiferenciado. J� a par�dia � um ru�do, a tenta��o, a quebra da norma. Etica e misticamente a par�dia s� poderia estar do lado demon�aco e do Inferno. Marca a expuls�o da linguagem de seu espa�o celeste. Instaura o conflito. Mais ainda: � um trabalho humano, um esfor�o de condenados pensando o discurso celestial paterno. E vejam s� que n�o estou tresvariando sozinho. O m�stico Jacob Boehme considerava a linguagem de Ad�o como a linguagem sem pecado. Essa seria a linguagem sem mancha, sem temporalidade, celestial. Por isso acho que a par�dia � a linguagem pecaminosa. Ela lembra o homem de sua temporalidade, coloca seus p�s no ch�o, contrap�e a com�dia ao sublime.
E aqui posso fechar este t�pico contrastivo entre par�dia e par�frase. Mas n�o sem antes fazer uma alus�o a outro paralelo, pois, situando-se na linha da continuidade, em alguns casos a par�frase pode resvalar para uma parafrasia, que � o nome de uma enfermidade caracterizada pela �fraqueza intelectual�. O texto parafr�sico pode converter-se tamb�m numa outra enfermidade, num tipo de afasia que � a ecolalia: a repeti��o sonora (e eu diria tamb�m ideol�gica) do discurso alheio. E, da mesma maneira que a par�frase � o recalque da linguagem pr�pria e a repress�o do desejo da linguagem ou da linguagem do desejo, a par�dia surge como o insaci�vel desejo. E n�o estranha que as ideologias est�ticas e pol�ticas que controlam o cen�rio social considerem as par�dias sempre como um discurso in-desej�vel.



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Reformulando Tynianov e Bakhtin


Retomando o fio da meada
At� agora estivemos estabelecendo basicamente os seguintes n�cleos demonstrativos:
a. lembrando sucintamente a trajet�ria do conceito de par�dia;
b. introduzindo o conceito de estiliza��o segundo Tynianov e Bakhtin, em confronto com o conceito de par�dia;
c. valorizando o conceito de par�f rase em suas nuan�as, mostrando que pode ser correlacionado aos anteriores.
A partir daqui vamos sugerir tr�s modelos novos para a redefini��o desses termos. Para que isto ocorra, passaremos agora a ver as diferen�as entre as postula��es anteriores e as minhas.
Ora, Tynianov e Bakhtin tinham desenvolvido a oposi��o entre:
par�dia x estiliza��o








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Esta oposi��o me parece insuficiente por v�rias raz�es. Primeiramente porque recai num dualismo que pode revelar um v�cio manique�sta de pensamento. Naqueles meus estudos anteriores j� mencionados, tamb�m incorri nesse erro operando uma oposi��o:
par�dia x par�frase
Embora veja nessa oposi��o um modelo te�rico bastante rico, como demonstrei analisando textos liter�rios e textos de m�sica popular, esse dualismo pode ser enriquecido criando-se algumas nuan�as intermedi�rias.
Um outro problema daquela oposi��o estipulada por Tynianov e Bakhtin � que ela � usada exclusivamente para estudos na �rea do romance, privilegiando dois autores:
Dostoi�vski e Gogol. Desinteressam-se assim dos fen�menos extraliter�rios e extraling��sticos, que s�o igualmente importantes. E � evidente que se esse modelo tem alguma validade semiol�gica � porque pode ser utilizado no dom�nio da dan�a, pintura, jazz, moda, etc.
Finalmente, um outro questionamento surge em rela��o ao modelo de Tynianov/Bakhtin: talvez a estiliza��o n�o seja apenas um dado opositivo � par�dia, mas algo mais complexo, algo que chamarei de efeito e que pode ocorrer tanto dentro da par�dia quanto dentro da par�- frase. Em outros termos: a dualidade par�dia/estiliza��o me parece fraca, de pouca pertin�ncia, deixando alguns vazios que poderemos tentar compreender.
Proposta de um primeiro modelo
Estamos assim nos tornando aptos a produzir um primeiro modelo te�rico diferente do sugerido pelos formalistas russos. Por isto � l�cito desde j� perguntar: n�o seria a par�dia uma esp�cie de estiliza��o negativa, em oposi��o








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� par�frase, que seria uma estiliza��o positiva? Evidentemente que esses termos �negativa� e �positiva� n�o t�m a� nenhum valor ideol�gico ou �tico, sen�o que indicam uma aproxima��o maior ou menor em rela��o ao modelo original. Assim � que talvez pud�ssemos falar da par�f rase como um efeito pr�-estilo, e da par�dia como um contra-estilo. Quando a estiliza��o se d� na mesma dire��o ideol�gica do texto anterior, transforma-se numa par�frase; se ela ocorre em sentido contr�rio, constitui-se numa par�dia. Assim nos seria permitido falar n�o apenas em estiliza��o, na acep��o original de Bakhtin, mas em contra-estiliza��o, configurando o efeito parod�stico.
Poder�amos assim visualizar esse modelo:
(1) texto original


(2) par�frase .................................. (3) par�dia
pr� estiliza��o contra

Este modelo problematiza a rela��o do texto n�o mais dualisticamente, mas de uma maneira tri�dica. A estiliza��o deixa de ser apenas um dado positivo em rela��o a um texto original, como indicavam Bakhtin e Tynianov. O desvio que o texto sofre pode ocorrer em duas dire��es. Assim isto equivale a dizer que a estiliza��o � uma t�cnica geral, e a par�dia e a par�frase seriam efeitos particulares. necess�rio, por isto, diferenciar efeito e t�cnica. E, para esclarecer, em outros termos, pode-se dizer quc a estiliza��o � o meio, o artif�cio (= t�cnica), e a par�dia e a par�frase so o fim, o resultado ( = efeito).
Com esses racioc�nios j� ter�amos avan�ado em rela��o aos estudos anteriores. H� um modelo novo e corrigido




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para operacionalizar a leitura dos textos. Os conceitos de estiliza��o negativa e positiva, de pr� e contra-estilo, introduzem uma revis�o no conceito de par�dia/par�frase, associando agora o conceito de estiliza��o.
De alguma maneira poderia at� dar por encerrado este estudo aqui, pois esse modelo � bastante funcional. Prefiro, no entanto, seguir outro caminho. Isto �: dando ao leitor a op��o de ficar por aqui, sigo numa outra dire��o, desfazendo taticamente o modelo triangular proposto e partindo para outras especula��es.









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A no��o de desvio


Podemos, portanto, partir para outro tipo de racioc�nio tentando apagar taticamente aquela primeira proposta de modelo, que j� era diferente da de Tynianov e Bakhtin. Como se estiv�ssemos numa sala de aula, apaguemos o quadro e recomecemos experimentalmente de outra forma. Pensemos em tr�s elementos:
a) par�f rase
b) estiliza��o
e) par�dia
Trabalhemos com a no��o de desvio. Consideremos que os jogos estabelecidos nas rela��es intra e extratextuais s�o desvios maiores ou menores em rela��o a um original. Desse modo, a par�frase surge como um desvio m�nimo, a estiliza��o como um desvio toler�vel, e a par�dia como um desvio total.
Vejamos a estiliza��o enquanto desvio toler�vel. Por desvio toler�vel estou significando algo quantitativamente verific�vel, sem me envolver em problemas qualitativos. Ou








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seja: esse desvio toler�vel seria o m�ximo de inova��o que um texto poderia admitir sem que se lhe subverta, perverta ou inverta o sentido. Seria a quantidade de transforma��es que o texto pode tolerar mantendo-se fiel ao paradigma inicial.
Isto me permite dizer que o escritor que produz este tipo de efeito trabalha numa �rea de pouca diferen�a em rela��o ao original. E esse tipo de desvio mais do que toler�vel � tamb�m um desvio desej�vel, sem o que ele pode cair na par�frase pura e simples e perder o sentido de autoria.
Assim, na estiliza��o n�o ocorre uma �trai��o� � organiza��o ideol�gica do sistema como ocorreria na par�dia, onde h� uma pervers�o do sentido original. Por exemplo: a estiliza��o enquanto efeito semiol�gico poderia ser ilustrada n�o apenas na literatura, mas tamb�m no jazz. No jazz h� a possibilidade de se introduzir um tratamento pessoal no discurso, numa atitude criativa constante. Lan�ado o tema, os diversos instrumentistas ou cantores perseguem o n�cleo tem�tico aproximando-se e se afastando, mas mantendo um jogo de identidades e diferen�as em rela��o ao tema original.
A pe�a cl�ssica do jazz se mostra como um tabuleiro de armar. O ouvinte reconhece aqui e ali uma nota ou uma linha mel�dica. Mas o instrumentista logo oculta a matriz mel�dica, velando-a com outros disfarces. Estabelece-se um jogo de entrega e resist�ncia. Neste sentido, a estiliza��o est� para o jogo assim como a par� frase est� para o ritual. No ritual, a participa��o individual � m�nima. H� uma hierarquia e uma linguagem estabelecidas. No jogo h� uma flexibilidade, e o resultado � imprevisto, apesar das regras que cercam os elementos. O ouvinte treinado para o jogo musical, por exemplo, consente, aceita o ocultamento, aguarda que o tema retorne � superf�cie para o aplauso e o gozo est�tico. Ocorre, � verdade, que a








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linha mel�dica ocultadora da melodia original se torna ela pr�pria uma melodia aut�noma e pode at� tornar-se preferida do espectador, que assim substitui o original pela obra estilizada.
Curiosamente, no entanto, mesmo no jazz, al�m da estiliza��o existe a par�frase como um efeito. No artigo �O noneto de Lee Konitz: o exerc�cio da par�frase�, Lu�s Orlando Carneiro comenta como o conjunto de Lee Konitz, em grava��o de 1977, retoma Miles Davis de 1948-49, realizando o que o articulista chama de �releitura�, �transcri��o� e �cita��es�. Diz ele: �O noneto compraz-se em se dedicar, �s vezes, a nost�lgicas releituras de Armstrong, Parker, Coltrane, Tristano, e de alguma coisa do jazz que marcou a West Coast na d�cada de 60. Konitz e o impec�vel Warne Marsh (sax-tenor), seu companheiro dos tempos da escola de Tristano, j� haviam feito com sucesso o que os m�sicos chamam de re-master a- tune, ou melhor, re-master o tema (ou parafrase�-lo) a partir de um solo famoso ou importante, anteriormente gravado. Foi o que os dois fizeram, por exemplo, com uma admir�vel transcri��o do solo que Lester Young gravou sobre a melodia de Pound Cake, em 1939, com a orquestra de Count Basie� *.
Mesmo em m�sica cl�ssica ocorre algo ilustrativo a respeito da par�frase. Lembre-se daquela pe�a de Liszt �Par�frase e concerto sobre a A�da de Verdi�. E tanto na m�sica quanto na literatura pode-se medir a diferen�a entre a estiliza��o e a par� frase se colocarmos a estiliza��o no �mbito do desvio toler�vel e a par�j rase na margem do desvio m�nimo.







* CARNEIRO, Lu�s Orlando. O noneto de Lee Kornitz: o exerc�cio da par�frase. Jornal do Brasil, Caderno li. Rio dc Janeiro, 18 maio 1979.

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Proposta de um segundo modelo
Se reun�ssemos os tr�s termos em defini��b, ter�amos:
par�f rase estiliza��o par�dia
(desvio m�nimo) (desvio toler�vel) (desvio total)
De uma outra maneira ainda poder�amos dizer: a diferen�a entre esses termos est� em que a par�dia de forma, a par�frase conforma e a estiliza��o reforma. Entre eles h� um sinal de diferen�a. Mas mesmo havendo essa diferen�a, pode-se tentar agrupar esses tr�s termos em dois conjuntos, tendo em vista que existe uma natural aproxima��o entre a estiliza��o e a par�frase, enquanto a par�dia coloca-se num outro espa�o. Sem d�vida, a par�dia deforma o texto original subvertendo sua estrutura ou sentido. J� a par�frase reafirma os ingredientes do texto primeiro conformando seu sentido. Enquanto a estiliza��o reforma esmaecendo, apagando a forma, mas sem modifica��o essencial da estrutura.
Por isso � l�cito dizer que a par�frase e a estiliza��o fazem parte de um mesmo conjunto em oposi��o � par�dia. Sendo que a par�frase a� seria algo semelhante �quilo que em matem�tica se chama �diferente de zero�, ou seja, um valor quase impercept�vel de diferen�a, enquanto a estiliza��o corresponderia ao valor 1. Nessa rela��o, a par�dia poderia ser algo semelhante a � 1.
Como nosso esfor�o � estabelecer v�rios modelos para entender as nuan�as desses conceitos, talvez mais valha configurar o que estamos dizendo em dois conjuntos:
conjunto 1 conjunto 2








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N�o se depreenda dessa separa��o espacial que exista uma incompatibilidade total entre esses recursos ou que eles n�o possam existir num mesmo texto. H� textos que possuem esses (e outros) atributos, ocorrendo um deslizamento de efeitos de uma parte para outra do discurso. Assim, dependendo da rela��o intertextual (ou intratextual), podemos conceber a estiliza��o como um meio caminho entre a par�frase e a par�dia. E assim estar�amos de novo numa forma��o tri�dica:
1 2 3
Par�frase < .........................> Estiliza��o <........................... > Par�dia
Este modelo seria um avan�o em rela��o ao anterior, quando se estudou par�dia e par�frase contrastivamente, considerando-as efeitos de estiliza��o (pr�-estilo/contra-estilo). Ter�amos j� sa�do de um racioc�nio dualista, e corrigido e ampliado o conceito de estiliza��o esbo�ado por Tynianov e Bakhtin, correlacionando-o necessariamente n�o apenas com par�dia, mas tamb�m com par�frase.






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A apropria��o


Uma t�cnica de configura��es
Apropria��o � um termo de entrada recente na cr�tica liter�ria. A rigor, n�o foi exaustivamente ainda definido. Aqui tratarei de configurar melhor o seu sentido, inclusive correlacionando-o com o conceito de par�frase, estiliza��o e par�dia.
A t�cnica da apropria��o, modernamente, chegou � literatura atrav�s das artes pl�sticas. Principalmente pelas experi�ncias dada�stas, a partir de 1916. Identifica-se com a colagem: a reuni�o de materiais diversos encontr�veis no cotidiano para a confec��o de um objeto art�stico. Ela j� existia nos ready-made de Marcel Duchamp, que consistia em apropriar-se de objetos produzidos pela ind�stria e exp�-los em museus ou galerias, como se fossem objetos art�sticos. Foi assim que ele tomou um urinol de lou�a, em 1917, e o exp�s como obra de arte. Da mesma maneira, tomou uma roda de bicicleta e cravou-a de cabe�a para baixo num banco (1913) e exp�s um porta-garrafas (1914) para a admira��o do p�blico.










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A t�cnica da apropria��o, que vem do primeiro Dada�smo, volta ao Uso em torno dos anos 60, quando surge a pop art. Aqui os artistas manipulavam objetos da sociedade industrial para constru�rem suas obras. Por exemplo, Andy Warhol apropriou-se de algumas latas de sopa Campbel!. Ou melhor, retratou, de maneira quase fotogr�fica, 200 latas daquela marca de sopa sobre uma tela (1962). Por sua vez, Daniel Spoerri, em seu �Quadro Armadilha� (1966), pega diversos objetos cotidianos e cola sob uma superf�cie: roda de bicicleta, guarda-chuva, cal�as, camisas, sapatos, urinol de doentes e at� mesmo um quadro e uma escultura. Tudo colado numa superf�cie. J� Christo Jaracheff apresenta outra obra: �Embrulho no carrinho do shopping� (1964), simplesmente pega um carrinho de supermercado, coloca dentro dele todos os produtos comprados embrulhados e amarrados num pl�stico.
A essa t�cnica se chama tamb�m de �ssemblage (reuni�o, ajuntamento). Mais do que retratar, o artista coleciona, cata s�mbolos do cotidiano e agrupa isto sobre um suporte. � uma cr�tica da ideologia, um retrato industrial do tempo. O mesmo Daniel Spoerri, por exemplo, tem um trabalho intitulado �O caf� da manh� de Kishka� (1960), que pertence ao Museu de Arte Moderna de Nova York: h� uma t�bua revestida colocada sobre uma cadeira. Sobre esta t�bua est�o diversos objetos usados num caf� da manh�: copos, latas, cinzeiros, colheres, cafeteiras, etc. O artista se apoderou dos objetos do dia-a-dia e converteu-os em s�mbolos.
Independente do fato de o expectador gostar ou n�o do resultado, � importante anotar que tipo de efeito isso produz. Ora, essa t�cnica art�stica, t�o moderna, na verdade usa de um artif�cio velh�ssimo na elabora��o art�stica: o deslocamento. Deslocamento que est� muito pr�ximo daquele estranhamento e do desvio de que falamos anteriormente no princ�pio deste estudo. Tirado de sua normalidade,








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o objeto � colocado numa situa��o diferente, fora de seu uso.
Os artistas que trabalham nesse tipo de produ��o est�o interessados em estabelecer um corte com o cotidiano usando os pr�prios elementos que povoam nosso cotidiano. Ao inv�s de representarem, eles re-apresentam os objetos em sua estranhidade. Claro que poder�amos at� introduzir uma diferencia��o nos graus de apropria��o, e falar de uma apropria��o de primeiro grau e uma apropria��o de segundo grau. Isto equivaleria a dizer: a apropria��o � de primeiro grau quando � o pr�prio objeto que entra em cena; e � de segundo grau, quando ele � representado, traduzido para um outro c�digo. Assim, quando Andy Warhol pinta as latas de sopa, ele est� no campo da representa��o de segundo gra�; e, quando Spoerri cola os objetos sobre a t�bua, est� trabalhando em primeiro grau. Mas ambos os resultados s�o um resultado simb�lico. Mexem com significados e conceitos.
Por isso � que esse tipo de t�cnica, de alguma forma, se enquadra dentro do que ficou conhecido nos anos 60 como arte conceitual. Ou seja: a id�ia da realiza��o � que � importante. A forma � secund�ria. O artista est� querendo desarrumar, inverter, interromper a normalidade cotidiana e chamar a aten��o para alguma coisa. Mas � um tipo de t�cnica que est� presente tamb�m num outro g�nero de arte dos anos 60, que � o happening. O happening � um �acontecimento� imprevisto numa cena p�blica, de prefer�ncia. Mas n�o � um teatro. � o desenrolar de cenas ca�ticas onde objetos e pessoas s�o manipulados. No happening de Claes Oldenburg apresentou em Chicago, em 1963 � �Gayety� � por exemplo, h� carros numa �rea urbana, e a� come�am a surgir coisas e pessoas: um homem de costas sobre um carrinho de rolim�, pessoas deitadas como mortas sobre o asfalto inundado de pedras de gelo, manequins, pneus, um caminh�o-tanque e um homem








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lavando o asfalto. � um �acontecimento�. Uma interfer�ncia no cotidiano, um antiteatro usando os objetos triviais.
Conte�dos
Os entusiastas deste tipo de manifesta��o h�o de ver a� um conte�do parod�stico. Uma par�dia levada ao paroxismo ou exagero m�ximo. E se, para efeito de racioc�nio, concord�ssemos com isto, poder�amos acrescentar que, enquanto radicaliza��o da par�dia, a apropria��o � uma t�cnica que se op�e � par�frase e diverge da estiliza��o. � um gesto devorador, onde o devorador se alimenta da fome alheia. Ou seja, ela parte de um material j� produzido por outro, extornando-lhe o significado. �, de alguma forma, um desvelamento, ou, para usar uma express�o psicanal�tica, um desrecalque e o retorno do oprimido.
Enquanto, na par�frase e na par�dia, podem-se localizar, respectivamente, um pr�-estilo e um contra-estilo, na apropria��o o autor n�o �escreve�, apenas articula, agrupa, faz bricolagem do texto alheio. Ele n�o escreve, ele transcreve, colocando os significados de cabe�a para baixo. A transcri��o parcial � uma par�f rase. A transcri��o total, sem qualquer refer�ncia, � um pl�gio. J� o artista da apropria��o contesta, inclusive, o conceito de propriedade dos textos e objetos. Desvincula-se um texto-objeto de seus sujeitos anteriores, sujeitando-o a uma nova leitura. Se o autor da par�dia � um estilizador desrespeitoso, o da apropria��o � o parodiador que chegou ao seu paroxismo.
Como no caso da par�dia, o que caracteriza a apropria��o � a dessacraliza��o, o desrespeito � obra do outro. H� uma reifica��o da obra: um modo de transformar a obra do outro em simples objeto e material para que eu








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realize a minha. Por exemplo, quando Salvador Dali toma a famosa Mona Lisa de Leonardo da Vinci e pinta-lhe uns bigodes, est� se apropriando de um signo cultural e invertendo-lhe satiricamente o significado.
Com efeito, existe uma rela��o entre o surgimento da t�cnica da apropria��o e aquilo que Walter Benjamin chamou de �decl�nio da aura� na obra de arte. Ou seja, desde que nossa sociedade entrou na era industrial e que se tornou f�cil reproduzir um original atrav�s de foto, disco, cinema, xerox, posters, etc., houve uma altera��o no conceito da pr�pria obra de arte que deixou de ser aquele objeto �nico e insubstitu�vel. Num universo onde as coisas podem ser reproduzidas e podem estar ao alcance de todos, a rela��o m�tica com a obra se modifica. Haveria, pode-se dizer, uma rela��o entre a apropria��o e a sociedade de consumo. Nesta sociedade, os objetos assumiram o lugar dos sujeitos. O sujeito n�o � mais o centro. Indiv�duos e objetos s�o descart�veis.
Proposta de um terceiro modelo
Por aqui, estamos chegando ao terceiro modelo proposto neste estudo, mas agora encadeando os quatro termos em destaque. Na verdade, poderemos conceber esses quatro termos divididos em dois conjuntos:











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Em ambos os conjuntos h� uma grada��o: a par�frase � o grau m�nimo de altera��o do texto, e a estiliza��o, o desvio toler�vel. Entre elas h� um parentesco evidente no eixo das similaridades. A par�dia � a invers�o do significado, que tem o seu exemplo m�ximo na apropria��o. Por isso, pode-se dizer que par�frase � a apropria��o de cabe�a para baixo.
Poderia algu�m argumentar: mas n�o seria a par�- frase tamb�m uma apropria��o? � justa a quest�o. Mas ela perde sua pertin�ncia se fizermos uma diferencia��o: na par�frase, a apropria��o � fraca. Ou melhor, ela se d� pela inser��o do apropriador naquilo que � apropriado. Ou, simplificando, o texto original � que deglute o texto segundo, deixando nele a sua marca: A par�frase � uma quase n�o-autoria. J� a apropria��o propriamente dita, por se situar n�o no conjunto das similaridades, mas no conjunto das diferen�as, � uma variante da par�dia e tem uma for�a cr�tica. � uma interfer�ncia no circuito. N�o pretende re-produzir, mas produzir algo diferente. Como veremos adiante, essas marcas � que far�o de Jorge de Lima um estilizador e um parafraseador, enquanto Oswald de Andrade � um parodiador e apropriador.
E, j� que nos referimos anteriormente �s artes pl�sticas, mostrando nelas a origem moderna da apropria��o, talvez pud�ssemos ilustrar agora os limites entre par�frase e estiliza��o, ainda na pintura. Um t�pico exemplo de par�frase e estiliza��o encontramos na pintura neocl�ssica de David (1748-1825). Ao retratar as batalhas de Napole�o ou as cenas no interior dos pal�cios, tentava fazer crer que eram cenas gregas e romanas. Na verdade, transferia a corte francesa para um cen�rio antigo. Os personagens de seu tempo figurados como na pintura renascentista e cl�ssica. � a pintura da par�frase por excel�ncia. H� um paradigma a ser seguido. Aquele Napole�o e os nobres franceses s�o uma reedi��o de Carlos Magno, Alexandre









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e J�lio C�sar. Onde se lia J�lio C�sar, leia-se Napole�o, onde se leu Gr�cia e Roma, leia-se Fran�a. E a�, evidentemente, o pintor ocupar� tamb�m um espa�o do pintor cl�ssico, algu�m miticamente j� instalado na hist�ria. Por isto, ali�s, � que o estilo dessa pintura � o neocl�ssico. Esse �neo� implica apenas um prolongamento, reedi��o, e n�o um questionamento do passado.
Curiosa a rela��o entre o eixo parafr�sico e os regimes totalit�rios. Veja-se o que ocorreu com a arquitetura italiana durante o fascismo de Mussolini, o que ocorreu com o cinema alem�o durante o nazismo, e com a arte em geral na R�ssia e na China depois das revolu��es comunistas. A arte passou a ser a arte da reprodu��o, da c�pia. A arte foi submetida a um texto autorit�rio, a um c�digo im�vel. Os artistas deixaram de ser criadores, para serem s�ditos.
Seguindo esta ordem de racioc�nio, seria l�cito aproximar a par�dia e a apropria��o tamb�m de um regime pol�tico e dizer que se assemelham mais a um universo democr�tico? Com efeito, o deslocamento da propriedade do texto, a elimina��o dos donos da escrita, a possibilidade de cada criador manipular o real do texto segundo suas inclina��es cr�ticas, nos conduzem a esse racioc�nio. Mas nessa mesma linha seria l�cito tamb�m aproximar par�dia e apropria��o tamb�m de decad�ncia. Em que sentido? Tem raz�o Alfredo Bosi quando lembra que Hegel e Marx vincularam par�dia � decad�ncia: �A �ltima fase de uma forma hist�rica mundial � a sua com�dia. Os deuses j� feridos de morte uma vez, tragicamente, no Prometeu Acorrentado de �squilo, tiveram de morrer uma vez mais, comicamente, nos di�logos de Luciano� *.





* Cf. cita��o de Alfredo Bosi em O ser e o tempo na poesia. S�o Paulo, Cultrix, 1977, p. 166.

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Claro que conviria definir melhor o que seja �decad�ncia�. Decad�ncia bem pode ser o est�gio normal de transforma��o e metamorfose. Com efeito, a arte do fim do s�culo 19 foi conhecida como decadentista, e foi dela que surgiu a grande par�dia que � a arte moderna. No caso brasileiro, o Modernismo � sinal amb�guo de morte de uma est�tica antiga e surgimento de uma nova. E como Nietzsche j� lembrava, s� pode haver ressurrei��o onde houver morte. Por isto, paradoxalmente, pode-se entender o termo �decad�ncia� num sentido que agrada aos fil�sofos alem�es, de Heidegger a Adorno. Ou seja, a obra de arte como �ru�na�, como possibilidade de desvelamento, desocultamento e revela��o de um mundo novo pelo processo de desconstru��o das coisas que se acham na apar�ncia da realidade.






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Aplica��es e novas
observa��es


Dois exemplos de apropria��o

Exemplos significativos de apropria��o em nossa poesia ocorrem com Oswald de Andrade no livro Pau Brasil (1924). Ele recorta textos de Pero Vaz de Caminha, G�ndavo e outros viajantes e historiadores coloniais, e os disp�e num contexto diverso, fazendo uma re-leitura do passado e uma leitura do presente. Exemplo � esse poema da s�rie �Pero Vaz Caminha� (Oswald n�o escreve o de antes de Caminha):

A descoberta

Seguimos nosso caminho por este mar de longo
At� a oitava P�scoa
Topamos aves
E houvemos vista de terra

As frases s�o extra�das de par�grafos distintos, do in�cio da carta de Caminha, compondo um texto novo. Mas n�o h� uma s� palavra de Oswald. Ali�s, a palavra






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de Oswald vem no t�tulo. Esse t�tulo � que assinala o deslocamento.
Igual t�cnica reaparece na quarta parte dessa s�rie intitulada:
As meninas da gare
Eram tr�s ou quatro mo�as bem mo�as e bem gentis
Com cabelos mui pretos pelas esp�duas
E suas vergonhas t�o altas e t�o saradinhas
Que de n�s as muito bem olharmos
N�o t�nhamos nenhuma vergonha
De novo, frases inteiramente recortadas da carta de Caminha e submetidas a um novo sentido: as �ndias do texto original se misturam �s �meninas� expostas na gare de uma sociedade moderna industrial. � como se o autor moderno estivesse se apoderando da linguagem do autor antigo para descrever uma cena, que estruturalmente continua id�ntica, apesar da diferen�a de quase 500 anos. As mo�as da gare, em seu primitivismo, lembram ao poeta aquelas �ndias.
Nessa linha oswaldiana, Silviano Santiago publicou Crescendo durante a guerra numa prov�ncia ultramarina* . Colecionou textos representativos, segundo sua �tica, das diversas ideologias brasileiras, revivendo o clima de sua inf�ncia e da Segunda Guerra Mundial. Atrav�s desses textos alheios, fala o menino de ontem no adulto de hoje. J� na introdu��o, ali�s, ele explica sua atitude numa ep�grafe: �Levando em conta a base ling��stica de toda a comunidade, em lugar de basear-me exclusivamente nos fatos e selecionar os acontecimentos mais extraordin�rios (. . . ) �. Esta frase de Peter Mandke explicita a t�cnica da maioria dos textos. Digo textos e n�o poemas, porque






* Rio de Janeiro, Francisco Alves, 1978.


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esta classifica��o � irrelevante para quem opera com essa t�cnica.
O autor, no entanto, opera uma ligeira diferen�a em rela��o a Oswald. Se no modernista era o tftulo ir�nico que mostrava a dire��o cr�tica do texto, aqui, al�m do t�tulo, temos no final do �poema� a fonte de onde o autor sacou o texto. Veja-se este texto tirado de Pl�nio Salgado:
As apoteoses & o mart�rio
Nas horas de grandes manifesta��es coletivas dos cultos patri�icos. eram os integralistas
que realizavam as apoteoses m�ximas da P�tria
e que aclamavam
as autoridades constitu�das. No dia em que tiv�ssemos uma persegui��o federal o nosso crescimento seria espantoso, porquanto � da pr�pria �ndole e natureza do nosso movimento crescer pela m�stica do mart�rio.
E, assim, outros trechos transcritos de M�rio de Andrade, Graciliano Ramos, Jo�o Cabral de Meio Neto, Get�lio Vargas, Lu�s Carlos Prestes, v�o se sucedendo, se cruzando com textos escritos at� em ingl�s. O autor �recorta� jornais, revistas em quadrinhos e livros constituindo um universo ling��stico-ideol�gico. N�o h� diferen�a entre poesia e prosa. E a rigor talvez n�o seja um livro de poesia. Talvez possa ser tido como um livro de ensaio. � mais uma �obra conceitual� do que �liter�ria�. O que conta � o conceito, a id�ia organizadora do livro. A realiza��o t�cnica do verso � secund�ria, ali�s, como sucede tamb�m em Oswald.






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Esses, Contudo, n�o s�o aqui os �nicos exemplos de apropria��o. Esta t�cnica tem outros matizes, e ela vai voltar, nos Cap�tulos seguintes, na apropria��o para 1 r�sica de Jorge de Lima e na apropria��o que Bandeira faz n�o apenas de textos alheios, mas at� de textos dele mesmo.
Jorge de Lima:
um enigma finalmente esclarecido
No cap�tulo anterior, introduzindo a quest�o da apropria��o, referi-me a uma apropria��o parod�stica, significando uma subvers�o do sentido original do texto. Mas existe tamb�m uma apropria��o para fr�sica. E este t�pico encaixa-se numa quest�o mais ampla: de como a teoria da literatura hoje tem instrumentos n�o s� para aprofundar certos problemas, mas tamb�m para Solucionar alguns enigmas que angustiavam os cr�ticos do passado.
Quando Jorge de Lima, na d�cada de 50, publicou Inven��o de Orfeu, a cr�tica ficou pasma e desorientada. Diante daquele texto ins�lito e enigm�tico, passou-se para o elogio. Assumiu-se, ent�o, a atitude de deixar a explica��o daquele longo poema para o futuro. Murilo Mendes, entre outros, advertia: �(. . .) o trabalho de exegese do livro ter� que ser lentamente feito, atrav�s dos anos, por equipes de cr�ticos que o abordem com amor, ci�ncia e intui��o, e n�o apenas com um frio aparelhamento anal�tico� *.
Em 1977, o prof. Lu�s Busato apresentou como tese de mestrado na Pontif�cia Universidade Cat�lica do Rio de Janeiro a tese: Montagem: processo de cotnposi��o em Inven��o de Orfeu**�. De alguma maneira, ap�s esse trabalho o poema de Jorge de Lima deixou de ser t�o enigm�tico.





* SIM�ES, Jo�o Gaspar. Jorge de Lima. Obra Completa. vol. 1. Aguilar, Rio de Janeiro, 1968, p. 609.
** Rio de Janeiro, �mbito Cultural Edi��es, 1978.

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Tamb�m n�o foi preciso um trabalho de equipe como queria Murilo Mendes. Sendo um trabalho intuitivo, contou tamb�m com a compreens�o te�rica moderna.
Fazendo um trabalho de confronto das fontes inspiradoras de Jorge de Lima, Busato aprofundou observa��es j� feitas por C�sar Leal e outros estudiosos. Colocou frente a frente Jorge de Lima e os textos da Divina com�dia, de Dante, Para�so perdido, de Milton, Os lus�adas, de Cam�es, a Eneida e as Ge�rgicas, de Virg�lio. Mas essa exaustiva tarefa n�o foi um cl�ssico estudo de �fontes� ou de �influ�ncias�, sen�o uma an�lise da intertextualidade numa acep��o atual.
A quest�o nos remete para algo mais que a simples par�frase. Vai nos colocar num outro dom�nio: o da apropria��o parafr�sica, porque Jorge de Lima realmente se apodera dos textos cl�ssicos como se fossem seus, falando atrav�s deles. Ele segue e dilata o sentido original sem tra�-lo.
Vejamos alguns exemplos da par�frase em Jorge de Lima:
a) compara��o entre a Divina com�dia e Inven��o de Orfeu:
Divina com�dia:
De tantas coisas quantas eu ver pude
Ao teu grande valor e alta bondade
A gra�a referir, devo e virtude. (......) Sendo eu servo, me deste a liberdade
Pelos meios e vias conduzido,
De que dispunha a tua potestade.
Seja eu do teu valor fortalecido,
Porque minha alma, que fizeste pura
Te agrade ao ser seu v�nculo solvido.
(Para�so, XXXI)






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Inven��o de Orfeu:
De tantos climas quantos eu ver pude, a teu grande esplendor e alta porfia, a gra�a referir, devo Al�ghieri,
nas palavras que a Deus s�o tamb�m minhas:
Sendo eu servo me deste liberdade, pelos meios e vias conduzido,
de que dispunha a tua potestade.
Seja eu do teu valor fortalecido,
porque minha alma, que fizeste pura te louve ao ser seu v�nculo solvido.
(Canto IV, XIX)
Lu�s Busato, em sua tese reveladora, arrola ainda muitos outros exemplos contrastivos. Este que extra� serve especialmente para problematizar a quest�o do pl�gio e da par�frase. Evidentemente, Jorge de Lima n�o estava exercendo o pl�gio no sentido convencional e antigo. Se assim fosse, ele n�o daria, naquelas estrofes citadas, a cita��o direta do nome de Dante (�a gra�a referir, devo Alighieri/nas palavras que a Deus s�o tamb�m minhas�). Esse coment�rio que o pr�prio poeta faz � explicitador da inten��o de citar e de se apropriar de Dante. Mas n�o � a apropria��o parod�stica, sen�o a apropria��o para fr�sica. Com essa distin��o clarifica-se mais o processo estil�stico utilizado. Ao contr�rio da apropria��o parod�stica, que inverte o significado ideol�gico e est�tico do texto, a apropria��o parafr�sica prolonga o texto anterior no texto atual.
Em sua an�lise intertextual, Lu�s Busato demonstra que Jorge de Lima utilizou-se de tradu��es em portugu�s para transportar o texto dos cl�ssicos para o seu. Assim, a Divina com�dia � a� citada atrav�s da tradu��o de
J. P. Xavier Pinheiro; o Para�so perdido, em tradu��o de Ant�nio Jos� Lima Leit�o, e a Eneida, em tradu��o







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de Odorico Mendes. Essa tradu��o de Odorico Mendes � a mais usada das fontes de Jorge de Lima. E o analista mostra ainda a par�frase das Ge�rgicas, de Virg�lio, atrav�s da tradu��o de Ant�nio Feliciano de Castilho.
Ora, o que caracteriza o gesto parafr�sico � a fidelidade ao modelo original. Veja-se mais este exemplo:
Eneida:
Irm�o, tu me iludias? Que foi isto
Que aras, tochas, fogueiras, me aprestavam?
Lan�am fachos ao cume. � frente Pirro
A machadadas racha os umbrais duros,
E �reos port�es descrava da couceira;
Traves descose, firmes robles fende,
E cava ampla abertura. O interno centro
Aparece e �trios longos patenteia;
Aparecem de Pr�amo os retretes,
Mans�es de priscos reis; e um corpo em armas
Cobre o limiar. Envolta em prantos
Longo ecoa; as ab�badas ululam
Com fem�neo gemer, triste alarido (......)
(Eneida, livro II)

Inven��o de Orfeu:
Irm�, tu me iludias? Dize irm�, que aras, tochas, fogueiras acendias?
Lan�am fachos aos l�rios. E eis que Duende a machadadas racha esses umbrais; e antro mals�o descrava das correntes, traves descose, ferros e a�os funde e cava ampla afli��o, O interno fogo aparece, e �trios longos escancaram-se. Aparecem do Inferno os capit�es. Mans�es de Gr�o-Beliais; e um monstro exangue




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cobre o limiar. A ilha � um pranto imenso, pranto, pranto; as ab�badas ululam com p�nico gemido atormentado (...)
(Canto VI, VIII)
O trabalho de Busato � mais amplo e minucioso, n�o s� entrando na explana��o estil�stica, mas cotejando at� mesmo os temas que aparecem num poeta e outro. Entre outras coisas, al�m de mostrar outras fontes de Jorge de Lima, como a B�blia, confronta diversos textos de Os lus�adas com Inven��o de Orfeu.
Mas onde a t�cnica de Jorge de Lima chega ao seu paroxismo, e num enriquecimento da quest�o da intertextualidade, � no aproveitamento que Jorge de Lima faz do pr�prio Jorge de Lima, citando-se a si mesmo dentro do pr�prio poema. Ou, dizendo de outro modo: a cria��o de uma par�f rase de segundo grau, pois o texto inicial j� n�o � puramente de Jorge de Lima, mas, por exemplo, uma par�frase de Cam�es. Assim, ter�amos: Cam�es (texto A), Jorge de Lima (texto A�) e Jorge de Lima (texto A�):
Inven��o de Orfeu
Estavas, linda In�s, repercutida nesse mar, nessa est�tua, nesse poema e t�o justa e t�o plena e coincidida, que eras a alma da vida curta; e extrema quando se esvai na terra a curta vida. Tu te refluis na vaga desse tema, eterna vaga, vaga em movimento, agitada e tranq�ila como o vento.
(Canto II, XIX)
Inven��o de Orfeu
Existe, linda In�s, repercutida nessa plaga de sonho, nesse poema, e t�o lua formida e coincid�da




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entre luares, de s�bito diadema, que � trajet�ria muda mais renhida, e te refluis na vaga desse tema, constante vaga, vaga em movimento, pr�diga e vinda como o pr�prio vento.
(Canto IX, I)
Qual � efetivamente a t�cnica utilizada pelo poeta? Ele trabalha pela substitui��o. � essa a sua t�cnica estil�stica. Abre � sua frente dois ou mais textos de autores cl�ssicos (ou mesmo seus) e vai trocando palavras e sintagmas em busca de varia��es muito mais f�nicas e sem�nticas que propriamente ideol�gicas e est�ticas. � como se ele fosse um m�sico, um executante da obra alheia, retomando temas e improvisando. Como, talvez, um m�sico de jazz.
Evidentemente que a explica��o dessas apropria��es parafr�sicas n�o esgota o poema de Jorge de Lima. Mas esclarece bastante sua leitura. Dessa an�lise aprendemos a l�-lo n�o mais linearmente, mas contrastivamente. E essa estrutura de composi��o revela formalmente o processo de cria��o justamente aproximado da colagem e da montagem.





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Manuel Bandeira: uso e abuso da intertextualidade


A tradi��o refeita
Ilustra��o tamb�m rica e curiosa de par�frase, estiliza��o, par�dia e apropria��o localiza-se em Manuel Bandeira. Neste poeta rev�m aquele t�pico que T. S. Eliot t�o bem tratou em �Tradi��o e talento individual�. Ou seja, Bandeira � um refazedor da tradi��o. Um leitor dos cl�ssicos e um reescrevedor de poesia. Ele cultiva as formas cl�ssicas dentro de um esp�rito de �imita��o�. Reescreve sonetos, madrigais, can��es, baladas, baladilhas, etc. Exercita-se em sonetos italianos, sonetos ingleses e escreve em portugu�s arcaico um �Cantar de amor�.
Alguns de seus textos, no entanto, merecem aten��o mais minuciosa sob o ponto de vista deste estudo. Por exemplo, os quatro poemas: �� maneira de ...� , onde pratica estilos semelhantes aos de Alberto de Oliveira, Oleg�rio Mariano, Augusto Frederico Schmidt e E. E. Cummings. Nesses casos n�o se trata de uma apropria��o ou de uma par�frasc linear como aquela praticada por Jorge de Lima, em que o autor vai substituindo palavras e sintagmas intencionalmente, sempre com o texto original







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em presen�a. Elegendo uma forma mais aleat�ria, realiza um discurso que ecoa o discurso alheio. Faz dois sonetos, um � maneira de Alberto de Oliveira, outro � maneira de Oleg�rio Mariano. Quanto a Schmidt, usa o seu verso longo. E quanto a Cummings, usa o verso quebrado cheio de par�nteses e sinais de �nfase:
�. E. E. Cummings
Thank you for the exquisit iam th an k you too (or also) for the Cumm nings� po? e! mal! An d now- get into this brazilian hamoo ck and
Iet me sing for you:
Lullaby
�Sleep on and on�� Xaire. Elizabeth.
Nestes textos, dif�cil � separar a estiliza��o da par�dia. Poderia bem Bandeira estar brincando, zombando, gozando a maneira de Cummings fazer poesia. Onde algu�m poderia ver um louvor, outro poderia ver uma s�tira. Ali�s, o cr�tico e o estudante devem estar preparados para encontrar textos de dif�cil e amb�gua classifica��o. Tamb�m dif�cil � negar que a� existe a par�frase. Pode-se mesmo dizer que a identifica��o entre os poemas de Bandeira e suas fontes se d� naqueles tr�s n�veis estabelecidos por Shipley e que citamos no princ�pio deste trabalho. S� que






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Shipley erroneamente restringia aqueles tr�s n�veis apenas � par�dia, e eles podem ser aplicados � par�frase e � apropria��o. Refiro-me ao confronto verbal, formal e tem�tico dos textos.
Peculiaridades
Em Bandeira, � poss�vel encontrar uma s�rie de comportamentos peculiares quanto � intertextualidade. Observa-se, por exemplo, que ele tem uma verdadeira fixa��o no poeta Augusto Frederico Schmidt, pois, al�m de um longo poema intitulado: �� maneira de. . . �, onde escreve como se fosse o pr�prio Schmidt, tem tr�s outros textos com estes t�tulos sintom�ticos:
�Poema desentranhado de uma prosa de Augusto Frederico Schmidt�
�Soneto em louvor de Augusto Frederico Schmidt�
�Soneto plagiado de Augusto Frederico Schmidt�
Certamente outras compara��es podem ser feitas entre Bandeira e v�rios outros poetas. Feitas essas aproxima��es � luz de uma teoria moderna da linguagem, o autor apresenta uma obra muito mais interessante. E o que poderia passar de brincadeira, numa an�lise conservadora, agora transforma-se em algo sintom�tico de um comportamento estil�stico da literatura moderna.
Curioso � assinalar em Bandeira a autotextualidade, ainda mais apurada que aquela encontrada em Jorge de Lima. Estou usando aqui autotextualidade como sin�nimo de intratextualidade. � quando o poeta se reescreve a si mesmo. Ele se apropria de si mesmo, parafrasicamente. Refiro-me especialmente ao poema �Antologia�, que � a s�ntese que Bandeira fez de sua pr�pria po�tica. Ele extraiu de v�rios poemas alguns pensamentos-versos que acha fundamentais.








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Antologia
A vida
N�o vale a pena e a dor de ser vivida.
Os corpos se entendem, mas as almas n�o.
A �nica coisa a fazer � tocar um tango argentino.
Vou-me embora pra Pas�rgada!
Aqui eu n�o sou feliz.
Quero esquecer tudo:
� A dor de ser homem..
Este anseio infinito e v�o
De possuir o que me possui.
Quero descansar
Humildemente pensando na vida e nas mulheres que amei...
Na vida inteira que podia ter sido e que n�o foi.
Quero descansar.
Morrer.
Morrer de corpo e de alma.
Completamente.
(Todas as manh�s o aeroporto em frente me d� li��es [de partir).
Quando a Indesejada das gentes chegar
Encontrar� lavrado o campo, a casa limpa,
A mesa posta,
Com cada coisa em seu lugar.
Estimulados por este procedimento, v�rios escritores localizaram na obra em prosa de Bandeira outros versos dispersos. David Arrigucci Jr. publica sete �Poemas por acaso na prosa de Manuel Bandeira� * e cita a fonte. E, nessa linha, o caso mais curioso � o �Poema encontrado por Thiago de Melio no Itiner�rio de Pas�rgada�, que Bandeira, ele pr�prio, acabou por incorporar � sua obra po�tica:




* Achados e perdidos. S�o Paulo, Polis, 1979.

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V�nus luzia sobre n�s t�o grande
T�o intensa, t�o bela, que chegava
A parecer escandalosa, e dava
vontade de morrer.

Em Bandeira, essa t�cnica de cruzamento de textos � variada. Quem quiser mais exemplos pode pesquisar ou pode confirmar num outro poema, �Balada das tr�s mu lheres do Sabonete Arax��, como ele desenvolve essa t�cnica. Para conferir, pegue-se o estudo de S�nia Brayner * sobre as fontes desse poema, uma vez que ela vai a Lu�s Delfino, Rimbaud, Eug�nio de Castro, Shakespeare, Lamartme Babo e Castro Alves, para explicar sua t�cnica de composi��o.
















* Fortuna cr�tica de Manuel Bandeira. Rio de Janeiro, Civi1iza��o Brasileira 1980.

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Intertextualizadade: literatura, imprensa e a quest�o do desvio


De repente nos damos conta de que as quest�es suscitadas em torno da par�dia, par�frase, apropria��o e estiliza��o desembocam num problema te�rico, que � o de saber qual � o espec�fico liter�rio. Sobretudo os formalistas russos, no princ�pio do s�culo, se interessaram por isto. Queriam achar a literariedade do texto, aquilo que fazia com que o texto liter�rio se distinguisse dos demais.
Pelo que vimos at� agora, as quest�es em torno da par�dia, par�frase, apropria��o e estiliza��o podem ser vistas atrav�s da medi��o do desvio. J� em outro cap�tulo falei de desvio toler�vel, desvio m�nimo e desvio total. O que significa que a identifica��o desses procedimentos passa pela no��o de semelhan�a e diferen�a entre os textos aproximados.
Na verdade, a quest�o do liter�rio e do n�o-liter�rio passa tamb�m pela quest�o da ideologia e dos c�digos que organizam os diversos saberes. Cada �poca estabelece o que � liter�rio ou n�o. Cada nova escola ou manifesta��o redefine o est�tico e incorpora novas maneiras de ler o mundo. O que n�o era est�tico ontem pode ser est�tico amanh�. Na medida em que a teoria e a pr�tica da escrita









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evoluem, evolui tamb�m o conceito p�blico do que seja literatura. Por exemplo: em outra �poca que n�o o Modernismo, muitos dos �poemas piadas� n�o teriam o status de liter�rio. E foi com muita dificuldade que esse g�nero de poesia se afirmou entre n�s. Seguramente, muitos dos pr�prios poetas que o praticaram n�o estavam seguros do car�ter �liter�rio� que poderiam esses textos ter futuramente.
De uma maneira ampla pode-se dizer que as linguagens s�o formuladas em espa�os diversos dentro do cotidiano. H� uma linguagem burocr�tica, uma linguagem jornal�stica, outra linguagem informal nas ruas, etc. Pois bem. A literatura tem a sem-cerim�nia de se apropriar dessas linguagens todas. E, ao se apropriar delas, cria um espa�o novo a partir do qual elas podem ser relidas. Relidas parafr�sica ou parodisticamente. Mas, em qualquer dos casos, sempre haver� um desvio. Desvio m�nimo ou desvio total, sempre haver� o tal desvio.
Passemos a algumas explicita��es do que aqui apenas insinuamos.
O comum no liter�rio
A intertextualidade em Manuel Bandeira nos possibilita, por exemplo, partir para as considera��es sobre as t�cnicas utilizadas no texto liter�rio e na imprensa. E, para ir diretamente ao assunto, tomemos um poema intitulado:
Poema tirado de uma not�cia de jornal
Jo�o Gostoso era carregador de feira-livre e morava
no morro da Babil�nia num barrac�o sem n�mero
Uma noite ele chegou no bar Vinte de Novembro
Bebeu
Cantou
Dan�ou
Depois se atirou na Lagoa Rodrigo de Freitas e morreu [afogado.







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Aqui, evidentemente, se trata de algo mais que uma simples par�frase. Possivelmente de uma estiliza��o. A passagem do texto prosaico ao po�tico atrav�s de diversos efeitos:
a) a valoriza��o do apelido ao inv�s do nome do personagem. Na not�cia de jornal viria o nome real identificando o tipo;
b) a disposi��o das frases em forma de versos. O que j� indica um deslocamento, a passagem da s�rie jornal�stico-prosaica para a s�rie liter�rio-po�tica. Ainda que o poema tivesse sido publicado em jornal no lugar da not�cia, devido � informa��o que se tem de que � assim que se apresenta um poema, isto j� despertaria no leitor outro tipo de relacionamento com o texto;
c) o ritmo enfatizado pela repeti��o dos tr�s verbos:
�bebeu/cantou/dan�ou�, cada um numa frase, sugerindo uma seq��ncia mel�dica;
d) a aus�ncia de pontua��o, efeito t�pico da poesia moderna, sugerindo uma leitura mais subjetiva do texto. E dessa organiza��o espacial que a poesia tamb�m se alimenta para organizar sua mensagem.
O liter�rio no comum
� um exerc�cio curioso esse de proceder um estudo dos recursos te�ricos que serven na passagem de um texto comum para um texto liter�rio. Tamb�m no sentido contr�rio: a passagem do liter�rio para o comum. Pois � poss�vel encontrar aqui e ali, dentro de um jornal ou em outros contextos, textos de estrutura liter�ria inequ�voca.
Neste sentido, leio uma not�cia publicada em O Estado de S. Paulo (15-08-1972). E surge a indaga��o: haveria alguma diferen�a entre ela e um poema em prosa? Vejamos:







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Ingl�s vela a �ltima flor
�Leeds, Inglaterra (UPI-JB) � Os bot�nicos da Univerdade de Leeds cuidam 24 horas por dia de uma �nica flor numa colina pr�xima. � a �ltima orqu�dea que restou na Inglaterra. �Estamos decididos a n�o deixar que essa planta morra� � declarou o bot�nico William Sledge�.
Certamente, um dos mecanismos para se entender a passagem da linguagem cotidiana para a literatura � o estudo da par�dia, par�frase, estiliza��o e apropria��o. Num jornal di�rio temos um exemplo bastante rico de como essas linguagens se cruzam e se superp�em.
Geralmente no �primeiro caderno� ou �cabe�a� do jornal (com as not�cias das ag�ncias e telegramas internacionais) encontramos a par�frase. A estiliza��o s� vai ser introduzida nos artigos assinados, que individualizam os coment�rios e introduzem vari�veis de subjetivismo nas not�cias. Em geral, o �segundo caderno� ou o �caderno B� mostra essa parte. �, por isso, o setor mais aberto e talvez mais ameno e procurado pelo leitor. � o lugar dos cronistas da mundanidade e do cotidiano. N�o estranha que essas colunas e essa parte do jornal sejam mais liter�rias, mais livres, e at� na pagina��o se note mais inventividade e os t�tulos sejam mais ir�nicos e tenham uma medida maior.
A par�dia nos jornais de classe A e B (de maior poder aquisitivo) fica restrita �s charges pol�ticas, a um ou outro coment�rio humor�stico eventual. A par�dia ocupa pequeno espa�o nesses jornais �s�rios�. Ela vai se caracterizar nos jornais marginais, nos seman�rios, em publica��es n�o di�rias. Assim, alguns jornais podem se especializar nesse tipo de linguagem parod�stica comentando o texto dos jornais �s�rios�, debochando de um texto anterior, numa atividade intertextualizadora. Alguns jornais desse tipo n�o evitam parodiar-se a si mesmos nem se contradizer. A not�cia a� se desvia tanto do fato ocorrido, �deforma� tanto a realidade, �degrada� de tal forma o original, que se situa no terreno da �caricatura�. � curioso e sintom�tico

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que os jornais parod�sticos n�o sejam di�rios. Eles carecem que o texto a ser parodiado tenha sido publicado anteriormente ou tenha se acumulado na mem�ria do leitor durante uma semana ou mais. Ele vive da not�cia j� consumida. Ele n�o d� o �furo�, ele debocha do �furo� ou valoriza um aspecto s� do todo.
Uma ilustra��o did�tica
H� um texto do jornalista e escritor Lago Burnet, intitulado �Quem tem medo do sublead?�*, que me possibilita ainda mais ilustrar o que estou tentando explicitar, agora n�o apenas na linguagem est�tica, mas tamb�m na jornal�stica. Da� se poder� confirmar a vig�ncia da par�dia, estiliza��o, apropria��o e par�frase no �mbito da teoria da comunica��o.
O lead � a parte do texto que abre a not�cia. A�, em poucas linhas, o leitor deve encontrar n�o apenas uma introdu��o � not�cia, mas uma informa��o sobre quem, o que, quando, onde, como e por que algo aconteceu.
O autor d� um exemplo:
O Tenente Manuel Bandeira matou o banc�rio Alfr�nio
(Quem) (O que) (Quem)
Peixoto, ontem �s 23 horas, na Ladeira da Mem�ria,
(Quando) (Onde)
com o dorso de um dicion�rio, por quest�es gramaticais.
(Como) (Por que)
Neste texto did�tico existe j� uma par�dia: ele pressup�e personagens de nossa vida liter�ria (Manuel Bandeira, Afr�nio Peixoto) e personagens da cr�nica policial da d�cada de 50 (Tenente Bandeira e o banc�rio Afr�nio, envolvidos na morte de Marina). O resto da �not�cia�






* De jornal em jornal. Rio de Janeiro, Record, 1962.
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continua no mesmo tom par od�stico e ir�nico, e, em vez da Ladeira do Sacop�, onde ocorreu o crime verdadeiro, temos a Ladeira da Mem�ria. A arma do crime, em vez de um rev�lver � um dicionrio, e a raz�o do crime n�o � amorosa, mas gramatical, j� que os implicados (na par�dia) s�o dois escritores.
Evidentemente que n�o � esse aspecto do artigo de Lago Burnet que nos interessa exatamente. Se me detive nessa exemplifica��o, foi para que o leitor se familiarizasse, de maneira agrad�vel, com a terminologia e a t�cnica jornal�sticas. De resto, a par�dia, como se v�, tem uma fun��o at� did�tica, e, o que n�o se aprende pela trag�dia, aprende-se pela com�dia.
Mas Burnet cita um ecemplo de tentativa de constru��o do lead, que nos interessa mais de perto. Ele toma a primeira estrofe do Hino Nacional, escrito por Os�rio Duque Estrada, poeta parnasiano do fim do s�culo:
Ouviram do Ipiranga as margens pl�cidas de um povo her�ico o brado retumbante e o sol da Liberdade em raios f�lgidos brilhou no c�u da P�tria nesse instante.
Vamos acompanhar o que diz o jornalista para observarmos a grada��o na constru��o da par�frase do lead. Diz ele: �a primeira pergunta que nos ocorre �: Quem Ouviram? Ent�o, n�o sem esfor�o, descobrimos o sujeito da frase: as margens pl�cidas�. Partindo da�, redigi o seguinte lead:
As margens pl�cidas do Ipiranga ouviram o brado retumbante de um povo her�ico no instante em que o sol da Liberdade, em raios f�lgidos, brilhou no c�u da P�tria.
Confesso que n�o me agradou essa primeira f�rmula. As margens n�o representam o fundamental na not�cia, s�o simples acess�rios paisag�sticos, um acidente geogr�fico, ao







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p� da letra do hino, O importante � o brado. Parti ent�o para esta f�rmula:
O brado retumbante de um povo her�ico foi ouvido pelas margens do Ipiranga no instante em que, no c�u da P�tria, o sol da Liberdade brilhava em ralos f�lgidos.
Desculpem-me, o perfeccionismo �s vezes figura, como no caso do lead, no �mbito das minhas cogita��es profissionais. Como not�cia, achei ainda que esse novo lead era muito obscuro. E resolvi dar nome aos bois, tornando a informa��o de Duque Estrada acess�vel �s massas. Meus modestos conhecimentos de Hist�ria do Brasil levaram-me assim a identificar no autor do brado retumbante a figura insigne do Imperador Pedro 1. No brado identifiquei o �Independ�ncia ou Morte�. E fiz isto:
O Imperador Pedro 1 proclamou a Independ�ncia do Brasil
�s margens do Rio Ipiranga, em S�o Paulo, tornando o Pa�s,
a partir desse instante, liberto de compromissos c�m a
Corte de Portugal.
Este texto ilustra bem a passagem da par�frase � estiliza��o. As duas primeiras tentativas est�o na �rea da par�frase, e a �ltima, contando com uma contribui��o de pesquisa e apurando mais os dados do texto original, coloca em forma direta o que h� de fundamental atr�s do texto obscuro do poeta.
A cozinha jornal�stica
� claro que, nos casos cotidianos da vida de um jornal, o lead dificilmente ter� que operar a convers�o de um poema em prosa jornal�stica. Portanto, a estiliza��o n�o ser� o efeito comum, e sim a par�frase. A not�cia que vem pelo telex chega � mesa do redator e dele requer um tratamento






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mais a n�vel da tradu��o e da condensa��o. Ali�s, faz parte da atividade jornal�stica a cren�a de que o jornalista � um �tradutor� da verdade. Essa, pelo menos, � uma cren�a antiga, e, evidentemente, ing�nua. A rigor, a not�cia n�o � apenas �vista� ou �presenciada� de maneira diferenciada por diversos rep�rteres em sua fonte, mas sofre tamb�m um tratamento que passa pelo �subjetivismo� dos redatores e pela �ideologia� de cada jornal. Todos esses �desvios� da not�cia metamorfoseiam o sentido original. Por isso, em muitos casos � necess�rio ler v�rios jornais para se medir as �diferen�as� e tirar uma m�dia entre a �verdade� e a �mentira� e se aquilatar individualmente a not�cia.
N�o apenas temos os jornais da �situa��o� e da �oposi��o� enfocando aspectos diversos ou �interpretando� diversamente o ocorrido, mas temos as muitas �vers�es� atrav�s das �ticas das diversas �direitas�, diversos �centros� e diversas �esquerdas�, cada uma comportando diversas outras �subjetividades�, todas elas se autodefinindo como a �aut�ntica� e �verdadeira�. Esta quest�o, evidentemente, come�a a decolar do espa�o trivial da informa��o e penetrar no espa�o filos�fico sobre a defini��o do que seja �realidade� e �verdade�. Em breve estaremos chegando � conclus�o ir�nica de que n�o h� fato, mas apenas �vers�es� dos fatos.
Os fil�sofos de escola francesa, nos �ltimos anos (Michel Foucault, Jacques Derrida, etc.), trabalharam bastante essa quest�o, ensinando-nos que o texto � algo sempre em movimento, que h� uma correla��o entre as diversas escritas, e que a �nica maneira de se aproximar o quanto poss�vel de uma certa verdade � estar preparado para ler todos os artif�cios que os textos nos preparam. E � nessa linha que desenvolvo aqui este estudo, porque a quest�o da par�dia, da par�frase, da estiliza��o e da apropria��o est� relacionada, em �ltima inst�ncia, com a procura da verdade.



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Automatiza��o e desautomatiza��o
cultural


O jogo que se estabelece entre esses dois extremos que s�o a par�frase e a par�dia � o mesmo jogo entre a automatiza��o e a desautomatiza��o da informa��o. Pela automatiza��o, tem-se um refor�o da linguagem conhecida. Pela desautomatiza��o, tem-se a contesta��o desta mesma linguagem. E a cultura s� pode se estabelecer se houver um certo equil�brio entre esses dois movimentos. Pois uma sociedade totalmente burocratizada em sua linguagem � vizinha da morte, assim como a sociedade continuamente inovadora se identifica com o caos.
Toda linguagem se estabelece atrav�s de um processo de automatiza��o. E � assim que se aprende e que se ensina qualquer l�ngua. Contudo a tarefa do escritor � exatamente desautomatizar os sintagmas. Ele trabalha no sentido de des/velar (como queriam os metaf�sicos) ou des/construir (como dizem os estruturalistas). Da� a rela��o entre �linguagem liter�ria� e �desvio� ou �estranhamento�.
Curiosamente, n�o apenas o ensino da l�ngua, mas tamb�m o de literatura pode-se valer disto. Ou seja: como manipular a par�frase, a estiliza��o, a par�dia e a apropria��o no processo de aprendizado. Por exemplo:






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O professor F�bio Lucas fez experi�ncia neste sentido com seus alunos de literatura brasileira na Universidade de Minnesota. N�o apenas desenvolveu estudos cr�ticos sobre os autores, mas realizou uma convers�o estil�stica que, saindo da par�frase, situa-se no �mbito da estiliza��o. Ou seja, os alunos tomavam um conto de Guimar�es Rosa � �O famigerado� � e o reescreviam em linguagem de Rubem Fonseca; ou �O desempenho�, de Rubem Fonseca, e o convertiam num estilo de Guimar�es Rosa. Esse exerc�cio, ao mesmo tempo ling��stico e liter�rio, exige um conhecimento profundo das t�cnicas de cada escritor.
Lembra, de algum modo, o que disse no princ�pio deste estudo a respeito da �transcria��o�, da �tradu��o�, do �arranjo� e �interpreta��o�. Mais do que uma �tradu��o� ou �vers�o�, � um modo de colocar, pela estiliza��o (que pode resultar at� parod�stica), o discurso de um autor em outra clave. � semelhante ao que ocorreria se, numa escola de pintura, se tomasse um quadro de Salvador Dali repintando-o em estilo de Chagall e Picasso, numa demonstra��o de controle dos diversos c�digos desses autores. O que, ali�s, os grandes mestres sempre fizeram. Basta tomar a �Olympia� de Monet para se observar que � uma apropria��o de uma figura de Tiziano.
Cinema e outras se��es
Mas, como se exemplifica a estiliza��o, a par�dia, a par�frase e a apropria��o em outros setores art�sticos? Recentemente surgiu em nossas telas um exemplo magn�fico e audacioso. Woody Alien, em Zelig, apropriou-se de diversas cenas e personagens hist�ricos. Tomou essas cenas reais e, atrav�s de truques cinematogr�ficos, introduziu nelas o seu personagem Zelig, que passa a contracenar com o Papa, com Hitler e com outros personagens famosos.








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Apropriou-se das cenas e introduziu a�, pela corros�o, a par�dia.
Se tomarmos, ali�s, as com�dias de cinema tipo Gordo e Magro e Carlitos, veremos que o que fazem � desautomatizar o nosso dia-a-dia. Nas suas hist�rias existe uma outra lei da gravidade, outro c�digo social e outra l�gica dos acontecimentos. Os objetos t�m outra utilidade que n�o a convencional, e o corpo est� al�m do princ�pio da vida e morte.
Algo semelhante sucede em outros espet�culos numa �rea semelhante, como a m�mica e a dan�a moderna. Um espet�culo de dan�a do core�grafo Alvin Nikolais assume o car�ter de par�dia e estiliza��o. Ele usa diversas figuras no lugar do corpo humano. S�o formas geom�tricas em movimenta��o. O corpo humano se funde com os objetos. Um tipo de efeito que outro conjunto de m�mica e dan�a, os su��os do Mummanchanz, faz ainda mais ousadamente. A� introduz-se de vez o riso. Um tubo de pl�stico se articula como se fosse ao mesmo tempo uma pessoa e um inseto. Uma enorme fruta, de repente, abre-se como se fosse uma grande boca e coloca a l�ngua para fora. Ouer dizer, n�o � a fruta que � comida, ela � que � a boca que come. Por outro lado, os rostos dos figurantes s�o um bolo de massas que assumem formas as mais imprevistas. Do lado do c�mico, esse tipo de dan�a e m�mica difere, por exemplo, da dan�a criada pelo core�grafo Maurice Bejart. Neste, em geral, h� muito mais estiliza��o, e n�o par�dia. Est� a meio caminho entre a linguagem cl�ssica e a moderna. Recria sem explodir os limites do c�digo.
Se tomarmos um outro tipo de manifesta��o, os chamados �comics� e �est�rias em quadrinhos�, vamos constatar uma coisa curiosa. A d�cada de 60 assistiu ao surgimento de in�meras publica��es, tentando desmistificar os her�is das hist�rias infantis. Dentro do clima de contracultura refor�ou-se o anti-her�i. Tentou-se acabar com o aspecto








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angelical dos super-her�is, mostrando que s�o n�o apenas pessoas normais, mas, ao contr�rio, de t�o normais s�o iguais a qualquer pessoa. Na televis�o surgiu uma nova vers�o de Bat Man e Robin, onde se introduziu uma humaniza��o dos tipos, �s vezes, perto da com�dia. Por outro lado, uma s�rie de revistas tipo Mad refor�a o aspecto sat�rico e grotesco, desmistificando a linguagem cotidiana.
� curioso observar como esse tipo de tend�ncia veio contrabalan�ar publica��es onde os her�is apareciam como deuses infal�veis. Her�is, tipo Pr�ncipe Submarino, Homem- Borracha, Homem-Aranha, Tocha Humana e outros, que fizeram a del�cia de uma gera��o de adolescentes, agora v�em surgir entre eles um novo Super-Homem � aquele que o cinema mostrou recentemente, onde a hist�ria � contada de um ponto de vista diferente, introduzindo-se o humor e o anti-hero�smo. Pois � isto que os filmes sobre Super-Homem dirigidos por Richard Lester mostram. O mesmo Lester, ali�s, que dirigiu os Beaties no Help, atualizando o cinema tipo �pastel�o�.
Abrindo os ba�s...
Falar sobre os anos 60 � falar sobre a quest�o da contracultura e suas rela��es com o sistema de invers�o de pap�is sociais que ela prop�s. Como se sabe, os anos 60, nos Estados Unidos, por exemplo, possibilitaram a revis�o da problem�tica do negro, do �ndio, dos homossexuais, das mulheres, e deu origem ao movimento hippie. Sem entrar em divaga��es sobre essas quest�es que extrapolam nosso trabalho, vamos nos ater somente a um detalhe. Refiro-me � rela��o entre a contracultura a� desenvolvida e a recria��o da moda.
Em outros termos mais objetivos: quando os hippies abriram os ba�s de seus av�s (ou o ba� da pr�pria hist�ria)








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e de l� tiraram os casacos, os chap�us, cal�as e saias para us�-los cotidianamente, estavam praticando um gesto de apropria��o. Da mesma forma se apropriaram tamb�m de vestimentas primitivas de �ndios, hindus e negros. Misturaram todos os estilos e �pocas num tipo de moda solta e criativa. Cada indiv�duo decretava seu pr�prio modo de vestir. Cada um iniciava o seu pr�prio paradigma, fazendo as combina��es mais ins�litas. Depois de algum tempo, chegou-se a uma m�dia que caracterizou o estilo hippie. Nesse momento, o que era inven��o parod�stica pessoal converteu-se em par�frase, e apareceram as lojas e butiques fabricando industrialmente os produtos antes artesanais. Assim, o que era um deslocamento e uma contesta��o passou a ser automatizado pela sociedade de consumo. Mas, no princ�pio, quando os Beatles, ou qualquer outro hippie, sa�am com roupas militares e religiosas, estava ali patente uma atitude cr�tica e dessacralizadora. Mas a sociedade de consumo, dialeticamente, sacralizou tudo isto de outra forma, quando, revertendo a par�dia, converteu-a em par�frase.
O que ocorreu com as roupas, ocorreu tamb�m com v�rios s�mbolos culturais. Por exemplo, as bandeiras de muitos pa�ses desceram dos mastros e se converteram em tema de roupas, guarda-chuvas, sacolas de supermercado e butiques. Entre os artistas americanos e ingleses, as bandeiras de seus respectivos pa�ses foram temas de obras onde se denunciava a brutalidade da guerra e do capitalismo. No Brasil, significativamente, j� o movimento �Pau-Brasil�, na �poca do Modernismo, utilizou a bandeira na capa do livro de Oswald, substituindo o lema �Ordem e Progresso� pela express�o �Pau-Brasil�. Mas, na d�cada de 70, quando Lincoln Volpini, seguindo talvez os exemplos de artistas pl�sticos estrangeiros, como Jasper John, utilizou a bandeira nacional no Sal�o Global de Belo Horizonte, foi processado como incurso no art. 57 da Lei de Seguran�a








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Nacional. O j�ri � Frederico de Morais, Rubens Gershman, M�rio Cravo e Caryb� � tamb�m foi processado. E o artista foi condenado a um ano de pris�o. Como era r�u prim�rio, n�o teve que ir para a cadeia. Mas a obra, conforme mandava a lei, foi destru�da. Por ser parod�stica e por ser uma apropria��o, parecia uma afronta aos donos do regime militar em curso no pa�s.
Carnavaliza��o
Na verdade, a moda e as artes dos anos 60 instauraram uma carnavaliza��o. Houve uma invers�o de pap�is, um deslocamento dos significados. Misturou-se a no��o de �lixo� e �luxo�. Por isso, algumas butiques adotaram at� esse nome de �lixo� e passaram a vender roupas usadas e velhas, ou mesmo roupas de soldados que estiveram no Vietn�. O jeans virou moda e nivelou os gostos e classes, e o blue-jeans chegou at� a ser usado como smoking. Num certo momento de reformula��o e contesta��o, o lixo ocidental foi trazido para a sala de visitas de nossa sociedade de consumo *.. Esse era, obviamente, um efeito de degrada��o, de contesta��o semi�tica e ideol�gica.
Com a roupa, dessacralizou-se tamb�m o corpo e sua postura. As pessoas podiam ficar mais relaxadas, ter longos cabelos e barbas. Rompeu-se a sintaxe tradicional em todos os sentidos: assim como os limites entre o masculino e o feminino se tornaram mais sutis, com o surgimento do culto da androginia, a pr�pria fala, sint�tica e semanticamente, sofreu mudan�as not�veis. Os jovens, enfim, atrav�s do �poder jovem�, chegaram a construir uma linguagem para eles pr�prios, com um sentido impenetr�vel para outros.





* Sobre isto tratei mais longamente em M�sica popular e moderna poesia brasileira. Petr�polis, Vozes, 1978.
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Obviamente o sistema reagiu como sempre, e em breve a estiliza��o e a par�frase reocuparam o seu espa�o. Em pouco tempo as butiques de todo o Ocidente passaram a produzir em s�rie aquelas roupas dentro da t�cnica da reprodu��o e da imita��o. A cultura hippie come�ou a se imitar a si mesma. O que originalmente era um ato de contracultura, de contra-estilo, passou a ser moda. E a moda � exatamente a par�frase e a estiliza��o. Os elaboradores da moda s�o chamados, ali�s, de estilistas e estilizadores. E � neste sentido que se pode tra�ar aqui outro paralelo ainda neste �mbito: a rela��o entre a maneira original de se vestir no princ�pio da d�cada de 60 e o carnaval. O movimento hippie foi eminentemente um movimento de carnavaliza��o, na medida em que procedeu a uma invers�o do cotidiano, fazendo a superposi��o do sacro e do profano, do velho e do novo, ultrapassando as barreiras da interdi��o em diversos n�veis. E a vestimenta (ou a nudez) carnavalizadora tem essa fun��o parod�stica. A� est� o mundo �s avessas de que fala Ernst Curtius e que aparece em muitas obras medievais. E para estudar a carnavaliza��o, Bakhtin foi tamb�m � Idade M�dia para localizar os textos onde se debochava das Escrituras Sagradas. De resto, esse mundo �s avessas est� na pintura de Breughel, O velho, e em Jeronymo Bosch.
Claro que o carnaval n�o � todo ele um fen�meno parod�stico. H� que ressaltar que o efeito carnavalizador � uma coisa, e a festa institu�da como carnaval pode ser bem outra. Por exemplo, Peter Weidkun estuda o carnaval na cidade su��a de Basle, e mostra como a� ele est� bastante codificado, colocando-se do lado do limpo, da ordem e, dir�amos, da estiliza��o, sen�o da par�f rase. Igual fen�meno se pode ver mesmo no Brasil, se compararmos os desfiles oficiais e o carnaval nos bairros e ruas. Nas avenidas oficiais, com a presen�a das autoridades, convidados nacionais e estrangeiros, um policiamento ostensivo e ingressos pagos,








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a rigor, assiste-se a uma estiliza��o do carnaval brasileiro, totalmente diverso do carnaval parod�stico dos blocos de sujos, dos cl�vis e outras representa��es mais agressivas e grotescas.
No carnaval parafr�sico, quando os bailarinos de uma ala de escola de samba desfilam imitando os nobres franceses ao tempo de Lu�s XV, eles est�o levando a s�rio aquele empreendimento. Todo o esfor�o � para tornarem-se o mais poss�vel parecidos com o modelo. O mesmo vale para as alas das baianas, dos capoeiristas, dos �ndios, etc. A inten��o � a c�pia, a imita��o e a mimesis. Mesmo as comiss�es de frente, que se apresentam de smoking, chap�u de coco e bengala, n�o est�o fazendo uma par�dia, nem operando um deslocamento. Est�o se esfor�ando por representar a nobreza e a aristocracia do samba, sintomaticamente, � maneira dos senhores brancos, ricos e poderosos.
A id�ia da par�frase e estiliza��o ainda se intensifica pela utiliza��o de uma hist�ria e de um enredo que remetem a um acontecimento da hist�ria geral ou do pa�s, mas sempre no sentido de revalidar o discurso oficial. Por isso, essas escolas de samba, em que pese � exuber�ncia e ao arrebatamento que provoquem no espectador, convertem-se em ilustradoras e dramatizadoras de quadros ideol�gicos de nosso cotidiano. N�o � � toa que figurinistas, bailarinos profissionais, core�grafos, estilistas, historiadores e escritores s�o convocados para assessorar esses monumentais espet�culos ideol�gicos. A par�dia a�, quando existe, � uma exce��o.





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Concluindo e indagando


Qual foi o caminho que fizemos at� agora?
� bom que o sintetizemos para que possamos encaminhar uma finaliza��o deste trabalho. Vejamos:
1. Primeiramente, esforcei-me por demonstrar que os estudos at� hoje se centralizavam em oposi��es bin�rias, tomando a oposi��o entre par�dia e estiliza��o, inserindo- se a� um estudo meu anterior que opunha par�dia a par�- frase. Essas dualidades t�m v�rias nuan�as que aqui foram exemplificadas pela presen�a dos quatro elementos: par�dia, par�frase, estiliza��o e apropria��o.
2. Em segundo lugar, tratei dessa quest�o do ponto de vista atual que v� o jogo dos textos como uma t�cnica de intra e intertextualidade. Esse conceito explica muito melhor certos comportamentos num Manuel Bandeira e num Jorge de Lima, tirando a quest�o do enfoque velho que apenas falava de �fontes�, �influ�ncias� e �pl�gios�.
3. Forneci v�rios modelos para o estudioso desenvolver. Ele pode utilizar um ou outro, ou todos ao mesmo tempo, conforme a potencialidade do texto que vai examinar. Pode ficar, por exemplo, no confronto: par�dia e estiliza��o. Pode utilizar par�dia e par�f rase. Pode somar







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a esses o Conceito de apropria��o. Pode tamb�m avan�ar e utilizar o crit�rio da intertextualidade da diferen�a e intertextualidade da semelhan�a, colocando em dois conjuntos opositivos: par�frase & estiliza��o �versus� par�dia & apropria��o. Neste sentido, como uma variante, pode ver os matizes v�rios desses termos e trabalhar com os conceitos de apropria��o parod�stica e apropria��o parafr�sica. Pode ainda entender a par�f rase como pr�-estilo e a par�dia como contra-estilo e, finalmente, trabalhar a quest�o do desvio, vendo na par�f rase o desvio m�nimo, na estiliza��o o desvio toler�vel e na par�dia o desvio total.
Em todos esses modelos expostos h� a inten��o de indicar a flexibilidade do racioc�nio, exigindo sempre do analista uma constru��o e uma inven��o te�rica � altura dos textos que surgirem. Pois qualquer modelo est�tico seria uma camisa-de-for�a que empobreceria a leitura. E a leitura deve antes ser t�o criativa quanto a escritura.
4. Por outro lado, desenvolvi, fora da literatura, exemplifica��es de como os efeitos meiicionados acima ocorrem na moda, no jazz, no carnaval, na contracultura, nas est�rias em quadrinhos, na imprensa, na tradu��o, no cinema, nas artes pl�sticas, na dan�a, na m�mica, etc. Nesse sentido, este estudo tem um enfoque mais do que liter�rio: semiol�gico.
Nesta parte conclusiva quero indicar basicamente mais duas quest�es:
1. Primeiramente, que a par�dia � um efeito n�o s� moderno, mas tamb�m muito antigo, e que a afirmativa de que par�dia caracteriza sobremodo a literatura atual pode ser uma distor��o anal�tica sobre o presente e uma falta de conhecimento do passado.
2. Em segundo lugar, destacar que a par�dia, par�- frase, estiliza��o e apropria��o s�o efeitos que podem e devem coexistir no discurso, democraticamente, e que se deve evitar a id�ia de que qualquer desses efeitos � �melhor�






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ou �mais necess�rio� que o outro, pois todos fazem parte do sistema.
Exemplos cl�ssicos
Comecemos por este paralelo: a rela��o que sempre se estabelece entre par�dia/modernidade e imita��o/antiguidade at� que ponto � leg�tima? Pode ser tomada, assim, simplesmente, ou � o resultado de um enfoque cr�tico normativo e deformador?
Vejamos. De fato, existe uma constat�vel rela��o entre antiguidade e imita��o. Tomemos alguns exemplos cl�ssicos. J� na obra do famoso conceptista barroco Baltazar Graci�n (1601-1658) � Agudeza e arte de ingenio � encontramos este conselho sobre a arte da imita��o:
�Encontramos na terceira causa da agudeza, que � exemplar, o ensino mais f�cil e eficaz pela imita��o (...) Assim, o celebrado Cam�es imita, e n�o rouba, o grande Virg�lio em seu Os lus�adas, descrevendo a morte de Dona In�s de Castro. A destreza est� em transfigurar os pensamentos, em transpor os assuntos�*.
Agora, vejam s�. Esse verso a que alude Graci�n � �Estavas linda, In�s, posta em sossego/dos teus anos colhendo os doces frutos� � sintomaticamente vai aparecer num espanhol, que � Garcilaso de la Vega: �Goged de vuestra alegre primavera/el dulce fruto�. E aqui neste estudo me referi � utiliza��o que Jorge de Lima fez desses versos, via Cam�es, e depois da utiliza��o que ele mesmo fez do pr�prio verso, j� modificado, em outra parte de Inven��o de Orfeu (Canto II e Canto IX).
H� exemplos m�ltiplos do aprendizado pela imita��o e par�frase, confirmando o que dissemos, no princ�pio





* Buenos Aires, Espasa Calpe, s. d.
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deste livro, sobre a imita��o parafr�sica como t�cnica pedag�gica. Com efeito, esse preceito que valorizava a imita��o vigorou, no Ocidente, at� o s�c. 18, e se exemplifica nessa rela��o entre Petrarca (1304-1374) e Cam�es (1524-1580):
Petrarca: lo cantarei d�amor si novamente
Gam�es: Eu cantarei do amor t�o docemente
Petrarca: L�Amante nell�amato se transforma
Gam�es: Transforma-se o amador em cousa amada
Petrarca: Che chonta ii dei non vai difesa umana
Gam�es: Que contra o c�u n�o vai defesa humana
Petrarca: Benedetto sia �1 giorno e �1 mese e l�anno
Gam�es: Ditosos sejam o dia e hora quando
Observem. Certos versos, como esses, acabam tendo uma trajet�ria rica, passando pela pena de v�rios escritores. Num ensaio especificamente sobre a trajet�ria de um verso de Garcilaso � �Em cuanto, � hermos�sima Mar�a� � o ensa�sta J. M. Alda Tes�n * cita seis grandes autores que o reutilizaram sempre atrav�s de par�frases. Seriam somente aqueles seis autores a se apoderarem dele? Certamente muitos outros. Inclusive o nosso Greg�rio de Matos e Guerra (1633-1696), parafraseador e estilizador de espanh�is e portugueses. Autor que, ali�s, ficar� melhor entendido se lhe aplicarmos v�rios dos modelos aqui apresentados para reconhecer a textura dos textos.
Como hoje se sabe, o drama Romeu e Julieta, de Shakespeare, foi tirado de novelas italianas e particular- mente de um romance de Luidgi Porto, escrito primitiva- mente em 1592. E, como dizia o velho 1. M. Pereira da Silva, em livro publicado ainda no s�culo passado: �� o




* Fortuna de um verso garcilassiano. Revista de Filologia Espanhola. 1943. v. XVII.

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assunto de Otelo extra�do igualmente de uma novela italiana escrita por Cintio�. Sobre Macbeth pode-se dizer que �pertence o assunto a uma legenda descrita na cr�nica de Hollinshede, e verificada na Esc�cia no correr do s�c. 11�. E, finalmente, que �extraiu Shakespeare da cr�nica de Hollinshede e de um velho drama ingl�s de 1594 de autor desconhecido, o assunto de Rei Lear�*.
Um problema epistemol�gico
E assim poder�amos ir desenvolvendo outras exemplifica��es e refazendo o sempre pejorativo conceito de pl�gio. Mas � melhor deslocar logo a quest�o e levantar um problema epistemol�gico. Ou seja, um problema sobre a pr�pria �tica do analista e da t�cnica mesma de an�lise. Da�, para avan�ar j� a quest�o, a pergunta: quando tantos cr�ticos come�am a achar identidades ou, em caso contr�rio, a achar diferen�as entre as obras, isto � mesmo sinal de que as obras t�m predominantemente essas caracter�sticas? Ou seria mais realista admitir que isto � o resultado do pr�prio enfoque te�rico e cr�tico, que privilegia ora a identidade ora a diferen�a? N�o seria a pr�pria cr�tica uma conseq��ncia de certo modo de ver o mundo? Ou seja, ser� que um per�odo de identidades ou de diferen�as n�o contamina at� os instrumentos de an�lise? Ser� que, tanto quanto o criador, tamb�m o cr�tico n�o acaba se inserindo dentro de um certo �estilo de �poca�, dentro de uma certa maneira ideol�gica de ver as coisas?
Estou, portanto, introduzindo uma quest�o que chamei de epistemol�gica e que indaga os pr�prios instrumentos meus de an�lise, procurando limpar o olho do analista dos v�cios de posicionamento. Por exemplo: at� recentemente,







* SILVA, J. M. Pereira da. Poesia �pica e poesia dram�tica. Rio de Janeiro/Paris, Garnier, 1889.
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nos cursos de literatura utilizava-se com �xito o m�todo de estudo da literatura conhecido como estilos de �poca. Assim, a hist�ria das artes seria uma sucess�o de estilos:
Idade M�dia, Renascimento, Barroco, Classicismo, Romantismo, Realismo, Simbolismo, Modernismo, O professor, conforme esse m�todo, esfor�ava-se por mostrar a identidade estil�stica das obras dentro de cada etapa dessas. Mostrava-se que os autores viviam nas mesmas conting�ncias hist�ricas e sociais, e isto explicava, de uma maneira geral, os seus estilos. Isto normalizava at� os estilos de literaturas situadas em espa�os t�o distintos como o da brasileira e da francesa. Cada um daqueles per�odos poderia ser ilustrado em qualquer literatura ocidental.
O estudante e alguns professores t�m a tend�ncia de tomar certas divis�es e esquemas como sendo os �verdadeiros�. No entanto � preciso ter em mente que a compreens�o da literatura como o suceder de estilos de �poca � uma conseq��ncia de um conceito determinado de hist�ria, que vem do s�c. 19, no qual se acreditava que a hist�ria progredia numa seq��ncia de tese, ant�tese e s�ntese. Por isso � que se diz que a Idade M�dia tomada como tese teria o Renascimento como ant�tese e o Barroco como s�ntese. E assim por diante. Mas esse � um conceito te�rico, que pode ser contestado. Embora ele possa ser contestado de alguma maneira, o importante � procurar em cada modelo, mesmo dentro de sua precariedade, o quanto ele � funcional. E o modelo dos estilos de �poca � funcional para o ensino da literatura. Claro que ele deveria ser um entre muitos outros a que o estudante deveria ter acesso.
Por exemplo: pode-se pensar a hist�ria da literatura brasileira e latino-americana como uma sucess�o de tr�s fases, dentro do que temos chamado de par�frase, estiliza��o e par�dia. H�, efetivamente, um per�odo onde predomina a imita��o (at� o s�c. 18), um per�odo rom�ntico onde se introduz uma certa individualidade nacional, e um









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per�odo moderno onde o processo criador atingiu maior autonomia.
Em outros termos: o Brasil at� o s�c. 18 viveu no dom�nio da par�frase. Seja porque a epistelne da imita��o era predominante no mundo ocidental, seja porque o pa�s fosse ainda imaturo para produzir obras mais individualizadas. Um segundo per�odo ocorre no s�c. 19, uma esp�cie de descoberta da estiliza��o. Neste sentido, o Romantismo � um avan�o. Sendo um per�odo de valoriza��o do indiv�duo, do nacionalismo e do subjetivismo, propicia uma caracteriza��o ou particulariza��o maior da literatura nacional. E, enfim, um terceiro per�odo seria o parod�stico, e coincidiria com os movimentos de vanguarda que em nossa cultura s�o representados em torno do Modernismo (1922). Um per�odo cr�tico, autocr�tico de nossa cultura, em que, tecnicamente, a par�dia foi muito utilizada.
Uma quest�o aberta
Mas � essa coloca��o pertinente, ou esgota ela a leitura de nossa hist�ria cultural? Evidentemente que ela explica apenas um dos �ngulos da quest�o. Pode-se complementar essa vis�o e demonstrar integrativamente que j� em Greg�rio de Matos, no s�c. 17, existia a par�dia e que a par�frase sobrevive no moderno Jorge de Lima, especialmente em Inven��o de Orfeu (1954).
Da mesma maneira, como demonstrei no ensaio �Modernismo: po�ticas do centramento e do descentramento�, a linguagem do Modernismo, ao contr�rio do que se propala, n�o � s� a da par�dia, antes a� se manifestam a par�frase e pelo menos dois tipos de mimesis. De resto, Auerbach tentou mostrar que a literatura contempor�nea se caracterizaria por uma mescla de estilos. Isto seria uma forma de ir entrando no que outros chamam de modernidade






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Ou seja, enquanto em outros per�odos havia autoritariamente um estilo hegem�nico, hoje democraticamente v�rios estilos convivem entre si.
Um outro exemplo r�pido: se acompanharmos o estudo que Mikhail Bakhtin fez do riso e do carnaval na Idade M�dia, vamos nos surpreender constatando que a par�dia era um efeito comun�ssimo, inclusive dentro da pr�pria Igreja, onde os Evangelhos eram dramatizados ou apresentados de uma forma bastante diversa da ortodoxa. Igualmente, em diversas pe�as de Shakespeare, surge a par�dia, realizando, ali�s, o seu papel etimol�gico: um texto que entrecorta o outro texto. E assim alguns personagens e textos s�o um coment�rio debochado da pr�pria hist�ria em andamento.
Mas anteriormente eu disse que h�, da parte da cr�tica, uma tend�ncia em privilegiar ora as identidades ora as diferen�as quando l� os textos. Com efeito, durante muito tempo o estudo da chamada literatura comparada foi sobretudo um estudo das identidades e semelhan�as. Procurava-se cotejar e aproximar um autor de outro autor que teria sido a sua fonte ou origem. Criava-se assim uma depend�ncia e uma hegemonia de uma obra (ou cultura) sobre a outra. Com isso, apagava-se a diferen�a entre as obras, em prol da semelhan�a. Assim, um cr�tico que se compraz em assinalar o d�bito de Garcia Marques para com Faulkner, ou de Machado de Assis para com Sterne, corre o risco de diminuir um em fun��o do outro, pois trabalha sobre o eixo das identidades, apagando, �s vezes, as vis�veis diferen�as.
Mas pode-se dar tamb�m o contr�rio: que um enfoque te�rico privilegie as diferen�as em detrimento das identidades. � isso que uma leitura vanguardista da hist�ria da poesia faz separa os autores que introduziram altera��es formais e despreza os demais. Constr�i-se assim uma hist�ria da diferen�a. Da mesma maneira que a vis�o parafr�sica


[2]


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(do id�ntico) sugere um imobilismo artificial na hist�ria da produ��o art�stica, a vis�o parod�stica (do diferente) resvala para um consumismo, para um novismo novidadeiro, uma busca da originalidade a todo custo.
E � isso que come�ou a ser incentivado alucinadamente pelas vanguardas do princ�pio do s�culo: a busca da originalidade, muita vez gratuita. O amor � diferen�a, � inova��o, fez com que a palavra ruptura come�asse a surgir em diversos textos cr�ticos, significando que a modernidade se caracterizaria por isto. N�o contente em valorizar a ruptura, a revolu��o, o novo, come�ou-se tamb�m a procurar na pr�pria hist�ria a tradi��o das rupturas. Da� que muitos ensa�stas tenham se deliciado com jogos verbais como este: a ruptura da tradi��o e a tradi��o da ruptura.
� uma forma, digamos, dial�tica de dar � ruptura n�o s� uma legitimidade, mas um lastro hist�rico. E assim �, acabar�amos concluindo, o contr�rio do que se quer, pois, na hora em que a diferen�a pode ser localizada dentro de um eixo de semelhan�as, demonstrando que este � um comportamento comum, a diferen�a perde parte de sua originalidade. E, curiosamente, a arte de vanguarda, que trouxe tantos benef�cios � nossa cultura, paradoxalmente se deixou prender num dilema, que Edoardo Sanguinetti * muito bem colocou. Num primeiro instante � o her�ico -pat�tico �, a vanguarda tenta impor a diferen�a e quebrar as normas; mas num segundo tempo � o momento c�nico�, ela procura se instalar no mercado j� no n�vel do consumo.
Por isso, � importante finalizar esclarecendo uma vez mais que o discurso em sua plenitude s� se realiza quando se desenvolvem v�rias linguagens simult�neas e interdependentes. A par�dia precisa da par�frase tanto quanto ambas





* Sociologia da vanguarda. In: LIMA, Lu�s Costa, org. Teoria da cultura de massa. Rio de Janeiro, Paz e Terra, 1978.

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precisam da estiliza��o e da apropria��o. Esses e outros efeitos que porventura existam e que outro ensa�sta pode descobrir comp�em n�o s� o texto liter�rio, mas tamb�m o tecido social.
E o cr�tico, tanto quanto o artista, deve se sentir livre para adotar todas as virtualidades da linguagem sem se meter na camisa-de-for�a de certas op��es que, a pretexto de serem radicais, n�o passam de solu��es autorit�rias. Pois a verdadeira arte n�o � repressora, sen�o sin�nimo de liberdade.








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Vocabul�rio cr�tico


Condensa��o: outro efeito que Freud tamb�m trabalhou mais claramente, antes que a ling��stica dele se apoderasse. Como, no sonho, podemos fundir duas personagens numa s�, formando um elemento h�brido, tamb�m a met�fora em literatura � essa fus�o. Quando digo: p� de mesa, estou falando de p� e de mesa ao mesmo tempo.
Deslocamento: na verdade, esse termo come�ou a ser mais empregado por Freud em sua teoria dos sonhos, e depois foi aproximado a conceito semelhante em lingU�stica. Psicanaliticamente � isto: ao inv�s de uma figura, tem-se outra em seu lugar. Ao inv�s de algu�m sonhar com a irm�, sonha com uma outra conhecida que tem o nome da irm�. Nos estudos liter�rios, entende-se esse deslocamento como sin�nimo de meton�mia, figura de linguagem na qual a parte � representada pelo todo. Assim, na meton�mia, ao inv�s de falar navio, falo vela; ao inv�s de igreja, falo altar, etc.
Epistemologia: s� nas �ltimas d�cadas tornou-se mais evidente que o estudo da �verdade� do texto s� pode ser realizado a partir de um enfoque epistemol�gico. Epistemologia � sin�nimo de teoria do conhecimento. Para se








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�conhecer� e se aproximar da �verdade�, a primeira provid�ncia, de um ponto de vista epistemol�gico, � saber quais os instrumentos que estamos usando e por que os estamos usando. Neste sentido, a epistemologia nos ajuda a nos desvencilharmos de ilus�es e ideologias, quando coloca basicamente essa quest�o: quando pensamos, a partir de que ponto de vista pensamos, o que estamos pensando?
Formalismo russo: movimento que surgiu na R�ssia, na d�cada de 1910-1920, mas que foi reprimido pelo regime comunista, a partir dos anos 30. Possibilitou o surgimento da Sociedade para o Estudo da Linguagem Po�tica (OPOYAZ). Do grupo faziam parte ling�istas como Roman Jakobson, luri Tynianov, Eikhenbaum, etc. Os formalistas introduziram um novo conceito de hist�ria liter�ria, descobriram t�cnicas novas de leitura do texto po�tico e da prosa. Eles s�o o ber�o do estruturalismo, que se configura nos anos 50 e 60, sobretudo na Fran�a.
Happening: uma forma de arte surgida na d�cada de 50, conjugando artes pl�sticas e teatro, mas ao mesmo tempo fazendo quest�o de dizer que n�o � nada disto. Surgiu em Nova York. Os �acontecimentos� ocorriam em qualquer lugar: ambientes fechados ou vias p�blicas, e a inten��o era interromper a normalidade prosaica do dia- a-dia com uma nova estrutura de pensamento.
Ideologia: sendo este um termo em torno do qual se escreveram tratados, aqui nos interessa lembrar simplesmente que ideologia n�o � apenas o credo de um partido, nem aquilo que vem expresso na superf�cie dos textos e comportamentos, mas uma certa estrutura profunda que se encontra no inconsciente das pessoas, das culturas e dos textos. Estudar a ideologia de um texto � saber ler sobretudo a sua camada oculta.
Mesmo. Outro: nas �ltimas d�cadas o pensamento filos�fico franc�s redefiniu esses termos, que assim chegaram






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� literatura. Mas a melhor maneira de entend�-los � admitir que entre eles h� outra -palavra indispens�vel que � ideologia. Assim, uma obra est� do lado do mesmo, quando repete valores da ideologia dominante; e est� do lado do outro, quando revela aspectos ocultos e denuncia a pr�pria ideologia.
Modernidade: termo usado por v�rios ensa�stas alem�es e franceses, que estuda de que maneira, na passagem do s�c. 19 para o s�c. 20, atrav�s sobretudo das vanguardas, estabelece-se uma nova no��o de tempo e espa�o. A modernidade, al�m de uma nova est�tica, nos deu tamb�m Freud (e a no��o de inconsciente), nos deu Einstein (a teoria da relatividade e uma nova vis�o do universo) e, com Saussure, o desenvolvimento da ling��stica, que possibilitou o aprofundamento das quest�es da linguagem e da teoria da literatura.
New criticism: corrente de cr�tica (�Nova cr�tica�) surgida nos Estados Unidos a partir dos anos 20 e que deu ao estudo do texto po�tico, sobretudo, um car�ter mais t�cnico. Contudo o nome do movimento s� se cristalizou em 1941, quando John Crowe Ranson publicou o livro The New Criticism. Seus representantes, como T. S. Eliot, 1. A. Richards, William Empson, Allen Tate, procuram no poema as suas virtualidades est�ticas e n�o os vest�gios sociol�gicos, hist�ricos e outros que tais, que s�o considerados dados contextuais.
Paradigma: no sentido de padr�o, modelo. Na lingU�stica, o termo pode ser trabalhado com mais sofistica��o, mas aqui prevalece o sentido de semelhan�a dos elementos perfilados. Assim, quando digo que o verbo cantar serve de paradigma para os verbos da primeira conjuga��o, estou dizendo que ele serve de modelo, embora haja verbos que n�o obede�am a esse paradigma e que sejam por isso exce��es. J� o sintagma, ao inv�s de verticalizar o estudo da l�ngua, diz mais sobre as rela��es sint�ticas






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e sem�nticas na arma��o da frase. O sintagma � a dinamiza��o dos paradigmas. E a l�ngua se arma em torno desses dois eixos.
Semiologia: pode ser definida como a disciplina que estuda os sinais e como os sinais se organizam em sistema. Ferdinand de Saussure (1857-1913) deu um grande impulso a essa forma de saber aplicando-a � ling��stica. O termo existe tamb�m em medicina, referindo-se ao estudo dos sintomas e sinais. Alguns preferem o termo semi�tica, se bem que � mais comum usar-se semiologia para os estudos de texto, e semi�tica para os estudos onde os sinais podem ser os da moda, das artes e outros signos concretos e pict�ricos.
Teoria da carnavaliza��o: uma forma de estudar os textos liter�rios e mesmo a cultura de um povo, procurando os efeitos c�micos e parod�sticos que mostram como a com�dia pode revelar alguns tra�os do inconsciente social. Atrav�s do estudo das m�scaras, do grotesco, do riso, das ant�teses entre vida e morte, religi�o e festa, viol�ncia e orgia, inverno e primavera, carnaval e quaresma, pode-se estudar a dial�tica da pr�pria vida. Os princ�pios b�sicos desta teoria est�o no livro de Bakhtin � Problemas da obra de Dostoi�vski �; o Brasil tem-se mostrado um campo f�rtil para esse estudo, e muitos te�ricos est�o tentando alargar e aperfei�oar aqui as id�ias embrion�rias de Bakhtin. No texto deste livro fornecemos v�rios exemplos mais explicativos.




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Bibliografia comentada


BAKHTIN, Mikhail. Problemas da obra de Dostoi�vski. Rio de Janeiro, Forense, 1981.
Esse � o livro fundamental para se come�ar a estudar a quest�o da carnavaliza��o, a partir dos conceitos de literatura dial�gica, monol�gica, s�tira menip�ia e di�logo socr�tico. Mas o texto de Bakhtin que tamb�m nos interessa, aquele escrito sobre par�dia e estiliza��o, est� na revista Change, mencionada em outro t�pico. Segundo alguns autores, aquele livro sobre Dostoi�vski � de 1928; segundo outros, � de 1925. V. Teoria da literatura em suas fontes. Org. Lu�s Costa Lima, Livraria Francisco Alves, 1965.
BUSATO, Lu�s. Montagem: processo de composi��o em Inven��o de Orfeu. Rio de Janeiro, �mbito Cultural Edi��es, 1978.
Esse livro traz sugestiva introdu��o de Gilberto Mendon�a Telies sobre alguns dos t�picos aqui apresentados. �, realmente, o livro que desmistifica perante a cr�tica os mal-entendidos sobre Inven��o de Orfeu.
DUCROT, Oswald & TonoRov, Tzevetan. Diccionario enciclop�dico de las ciencias dei lenguaje. Buenos Aires, Siglo Veintiuno, 1974.
� um �til dicion�rio que procura explicar n�o s� termos usuais na ling��stica, mas sobretudo os termos mais recentes que surgiram do cruzamento da literatura com outras disciplinas.








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KOFFMAN, Sarah. Resumir. Interpretar. Trad. Silviano Santiago. Rio de Janeiro, Departamento de Letras da PUC/ /RJ, 1975.
Sarah Koffman � uma te�rica na linhagem de Jacques Derrida, fil�sofo franc�s que nos �ltimos anos ajudou a desenvolver conceitos fundamentais entre a literatura e a filosofia.
MATTA, Roberto da. Carnavais, malandros e her�is. Rio de Janeiro, Zahar, 1979.
Nesse livro, o autor aborda exaustivamente a quest�o da carnavaliza��o.
SANT�ANNA, Affonso Romano de. M�sica popular e moderna poesia brasileira. Petr�polis, Vozes, 1978.
Nesse livro tento um paralelo entre m�sica e poesia, mostrando como a par�dia e a par�frase iam ocorrendo tanto no Modernismo como em Noel Rosa, tanto em Cassiano Ricardo quanto em Ary Barroso, etc. O estudo vem at� os anos 70 com a influ�ncia das vanguardas po�ticas na m�sica popular e termina com considera��es sobre a literatura marginal, o underground e diversos conjuntos musicais.
� . Pol�tica e paix�o. Rio de Janeiro, Rocco, 1984.
Os estudos sobre a carnavaliza��o t�m nesse livro uma vincula��o semiol�gica. Ele ainda traz uma an�lise de nosso cotidiano, expandindo muito das categorias at� ent�o conhecidas.
SANTIAGO, Silviano. Uma literatura nos tr�picos. S�o Paulo,
Perspectiva, 1978.
Neste livro, Silviano utiliza o conceito de apropria��o. Ele � tamb�m importante para se estudar aquela quest�o das �fontes� e �influ�ncias� de que falo no final deste ensaio.
� . Crescendo durante a guerra numa prov�ncia ultramarina. Rio de Janeiro, Francisco Alves, 1978.
� um livro de textos que recortam a ideologia social e liter�ria do pa�s durante os anos da ditadura de Vargas.



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