Autor: Adriana Assun��o
G�nero: Novela.
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� 2004 Edimpresa Editora, Lda
Direitos reservados. Nenhuma parte deste livro poder� ser =reproduzida, por qualquer meio e em qualquer forma, sem =autoriza��o pr�via e escrita do editor
Revis�o: Teresa Nunes
Capa: Alexandra Belmonte
Foto da capa: Casa da Imagem
Pagina��o: Ana Isabel Almeida
Produ��o gr�fica: Pedro Guilhermino
Impress�o e acabamento: Mateu Cromo-Artes Gr�ficas
Data de impress�o: Junho de 2004
Dep�sito legal: 972 - 611 - 989 - 8
ISBN: 972 - 611 - 989 - 8
Tiragem: 150000 exemplares
Impresso em Espanha
Digitaliza��o: F�tima Chaves
Correc��o: Dores Cunha
Cap�tulo I
Aos quarenta e dois anos, Madalena sentia a sua vida aproximar-se de uma =encruzilhada. O div�rcio recente deixara-a desamparada e a monotonia =do emprego na recep��o de uma firma de imobili�rio imprimia um =sabor amargo ao correr dos dias. O seu casamento durara catorze anos e =as boas recorda��es ficavam-se pelos primeiros cinco ou seis. =Depois, lembrava-se apenas das discuss�es intermin�veis, das =noites de solid�o e da previs�vel descoberta do romance de =Ant�nio, seu ex-marido, com uma colega de trabalho. Foi o pretexto =para colocar um ponto final na sua antiga vida e decidir come�ar tudo =de novo. Quatro meses depois do div�rcio, turbulento e muito =desgastante, os planos de Madalena come�avam a desmoronar-se. A =solid�o, agora total, reflectia-se em todas as divis�es da casa e =provocava-lhe um mal-estar cada vez maior, marcado pela in�rcia e =pela incapacidade de tomar iniciativas. Sabia que tinha de dar um novo =rumo ao seu quotidiano mas ainda n�o tinha encontrado a forma certa =de o fazer. As aulas de ioga tinham-na ajudado a preencher os primeiros =tempos, mas agora sentia que precisava de mais qualquer coisa para dar =sentido � sua vida. Durante o tempo em que foi casada com Ant�nio, =habituou-se aos longos passeios de fim de semana. Chegaram mesmo a fazer =algumas viagens memor�veis, como aquela em que partiram rumo ao =Alentejo e descansaram numa das mais bonitas pousadas que alguma vez =tinha visto. A lareira a um canto da sala ampla e os pequenos-almo�os =com ch� e bolinhos caseiros acabados de cozer j� n�o passavam =de boas recorda��es. Agora, as viagens eram apenas de casa para o =trabalho e do trabalho para casa, num metropolitano escuro e cheio de =gente. Por vezes deixava-se vaguear pelas ruas, olhando as montras ou =mesmo tomando caf� numa dessas pastelarias de bairro. Mas n�o lhe =sabiam bem os passeios solit�rios; nunca fora uma mulher que gostasse =de sil�ncios pesados e a companhia de algu�m era-lhe cada vez mais =essencial. Madalena sabia que n�o podia continuar a adiar a sua vida =daquela forma, esperando por uma reconcilia��o que obviamente =n�o iria acontecer. Ant�nio trocara-a por outra mulher e n�o =valia a pena continuar a massacrar-se por causa disso. Era preciso =continuar a viver, mesmo que fosse preciso aprender a faz�-lo de =outra maneira. A decis�o estava tomada!
No dia seguinte, quando regressou do escrit�rio onde trabalhava, =Madalena dedicou-se de corpo e alma � primeira de uma s�rie de =mudan�as importantes. Olhou com aten��o para a sala onde tinha =passado tantas noites ao lado de Ant�nio, entre a televis�o e uma =conversa mais calorosa, e come�ou a desenhar as mudan�as. =Cortinados, estofos e tapetes, tudo seria trocado e mudado de s�tio =para que n�o restassem mem�rias a pesar-lhe no dia-a-dia. O mesmo =aconteceria no quarto, onde a cama de casal guardava ainda, sem se saber =muito bem como, um pouco do ambiente de amor e paix�o que h� muito =tinha desaparecido. Antes de deitar m�os � obra, resolveu ligar =para a sua amiga de sempre, Mariana, e pedir-lhe ajuda. Para al�m de =ser a sua melhor amiga, sempre pronta para a ouvir e para dar conselhos =nos bons e nos maus momentos, Mariana tinha um enorme gosto e uma m�o =certeira para a decora��o. Chegara mesmo a trabalhar num =ateli�, mas tinha preferido dedicar-se � empresa que abrira com =mais dois s�cios, um deles o seu namorado de h� muitos anos, =Francisco. Por op��o pr�pria, nunca tinham casado e mantinham =cada um o seu apartamento. Mas eram felizes assim, ao que parecia. =Madalena aceitava, mas n�o conseguia imaginar uma vida assim para si. =Precisava de partilhar o mesmo espa�o e o dia-a-dia com algu�m que =estivesse sempre presente...
- Mariana? � a Madalena...
- Ol�, querida. Como est�s?
- Bem, vou andando... Olha, queria pedir-te ajuda para fazer algumas =mudan�as c� em casa. Quero uma decora��o nova, com outras =cores...
- Parece-me uma excelente ideia! Acho que est�s mesmo a precisar =disso, para mudar de ares e de pensamentos.
- Pois �. Por isso te queria pedir alguns conselhos. Quando � que =podemos combinar?
- Por mim, pode ser ainda hoje. Passo por a� dentro de uma hora.
- Obrigada, amiga. At� j�. -At� j�.
Quando Mariana tocou � campainha j� Madalena tinha retirado =cortinados e tapetes, pronta para uma remodela��o que significasse =tamb�m algumas mudan�as na sua vida. Durante toda a tarde, as duas =amigas discutiram tecidos e cores, almofadas e estados de esp�rito... =Folhearam todos os cat�logos que Mariana tinha trazido do =escrit�rio e pesaram os pr�s e os contras de todas as =decora��es poss�veis e imagin�rias. S� quando caiu a =noite se aperceberam do passar do tempo e decidiram sair para jantar, =agora que Madalena tinha finalmente tomado algumas decis�es, ainda =que dissessem apenas respeito � decora��o da sua casa. Como =costumava dizer Mariana, a casa � o reflexo da nossa alma, e por isso =Madalena estava t�o satisfeita com as mudan�as que se anunciavam. =Mariana ligou para Francisco, avisando-o de que n�o
estaria em casa nessa noite e as duas amigas sa�ram para o fresco da =noite � procura de um restaurante agrad�vel para continuarem a =conversa. A sugest�o partiu de Mariana, j� que Madalena h� =muito que n�o sa�a para jantar fora, e acabaram por se dirigir ao =novo restaurante tailand�s que tinha aberto h� poucas semanas na =zona mais antiga da cidade. Nenhuma das duas tinha alguma vez provado =comida tailandesa e o exotismo fascinava-as profundamente, pelo que se =prepararam para a experi�ncia com alguma ansiedade. Foram no carro de =Mariana, estacionaram junto ao rio e avan�aram rua fora at� � =porta vermelha e dourada do restaurante.
A receb�-las estava um empregado impecavelmente vestido, a farda =branca com alguns toques a lembrar os tecidos tradicionais do seu =pa�s de origem e a simpatia de quem n�o se cansa de bem receber. =Madalena ficou deslumbrada com o espa�o e com as cores quentes que se =espalhavam pelas paredes e pelas mesas. Alguns tecidos eram mesmo =parecidos com os que tinha escolhidos naquela tarde, com Mariana, para a =nova decora��o da sua sala, e isso pareceu-lhe uma coincid�ncia =quase improv�vel. Cada mesa, coberta com uma toalha branca de linho =sob um pequeno pano estampado, tinha um casti�al onde as velas =flutuavam como barcos � deriva. As fotografias e pinturas que se =espalhavam pelas paredes mostravam paisagens bel�ssimas, horizontes a =perder de vista entre o verde dos canaviais e as �guas em movimento =dos rios e canais. Sempre sonhara com uma viagem assim, mas o seu =ex-marido nunca fora um apreciador de destinos ex�ticos. E agora que =estava sozinha tamb�m n�o lhe parecia uma boa oportunidade para =viajar para t�o longe... Estava Madalena envolta nestes pensamentos =quando Mariana lhe interrompeu o sil�ncio:
- Est�s bem, Madalena?
�- Sim. Estava apenas a pensar...
- Podemos ficar naquela mesa junto � janela ou preferes outra?
- A da janela est� bem.
Sentaram-se entre a janela com vista para o rio e uma estranha estatueta =de madeira escura, representando um homem e uma mulher de m�os dadas =e com um olhar quase beat�fico, perdido no horizonte. O empregado, =que entretanto se apercebera do fasc�nio de Madalena por tudo quanto =via � sua volta, tomou a iniciativa de lhe explicar:
- � a est�tua de dois deuses do nosso pante�o. Representa o =amor entre o homem e a mulher e � uma esp�cie de imagem protectora =de todos os casais.
Madalena agradeceu a explica��o com um sorriso e permaneceu =silenciosa, olhando a est�tua e pensando na tristeza de se encontrar =s�. Foi Mariana quem escolheu os pratos, j� que Madalena mal =conseguia orientar-se entre tantos ingredientes.
Quando as travessas fumegantes come�aram a chegar � mesa, Madalena =ficou ainda mais impressionada. Os cheiros que se libertavam daquela =comida transportavam-na para uma terra que n�o conhecia e que, sem =conseguir perceber por que motivo, lhe parecia cada vez mais atraente. =Enquanto provavam os diferentes pratos, as duas amigas iam trocando mais =ideias e opini�es sobre a nova decora��o da casa de Madalena. =Esta, por seu lado, cada vez insistia mais nos ambientes quentes e com =tom oriental, mesmo sem perceber o porqu� do fasc�nio repentino e =crescente que lhe inundava a mente. Entusiasmadas com a conversa, =acabaram por ficar no restaurante quase at� a hora do fecho, =petiscando iguarias ex�ticas e conversando
sobre as suas vidas. Mariana mostrava-se muito feliz com o seu romance =com Francisco e Madalena acabou por confesssar a enorme tristeza que =vinha sentindo nos �ltimos tempos.
- Devias mudar alguma coisa mais na tua vida, para al�m da =decora��o da casa - disse Mariana - �s vezes � preciso =desistirmos de algumas coisas, dedicarmo-nos a novos projectos, para =podermos esquecer o passado e prosseguir com a nossa vida.
- Eu tamb�m penso assim, Mariana, mas n�o sei por onde =come�ar... A verdade � que me sinto cada vez mais sozinha naquela =casa sempre vazia. E mesmo que j� n�o tenha vontade de estar com o =Ant�nio, depois de tudo o que ele me fez, tamb�m n�o sei com =quem tenho vontade de estar.
- Precisas de voltar a apaixonar-te...conhecer algu�m que te encante =e que te mostre que o Ant�nio era um chato e que a vida pode ser =muito mais divertida do que tu pensas...
- Ora, essas coisas n�o acontecem quando a gente decide. Ainda para =mais com esta idade... j� n�o tenho dezoito anos, Mariana, e a =idade tamb�m conta quando falamos de sentimentos.
- Que disparate! Podemos sempre apaixonar-nos, em qualquer idade. Basta =que nos cruzemos com a pessoa certa. E �s vezes a pessoa certa =est� mesmo debaixo do nosso nariz, s� que n�s n�o estamos =preparadas para a ver com olhos de ver.
- Pois sim... Ent�o, no meu caso, a pessoa certa deve andar escondida =e eu devo estar a ficar m�ope!
Riram as duas e a conversa continuou no mesmo rumo at� que acabaram =por se levantar, dando por encerrado um jantar do qual Madalena n�o =se esqueceria t�o cedo...
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J� no carro, Madalena lamentou o facto de ser t�o tarde e de ainda =estar a p�, sendo o dia seguinte um dia de trabalho:
- Se calhar dev�amos ter sa�do mais cedo. J� passa das onze e =meia e amanh� � dia de trabalho...
- N�o faz mal. Com o carro, est�s em casa num instante e, daqui a =nada, j� est�s a dormir como um anjinho.
- Sim, mas tens de te desviar do teu caminho para me deixar em casa.
- E que import�ncia tem isso? O carro serve para nos fazer chegar =mais depressa aos s�tios, ou n�o? N�o me custa absolutamente =nada deixar-te em casa e depois seguir para a minha. Al�m disso, eu =nem sequer tenho de acordar t�o cedo como tu...
Madalena acenou afirmativamente e voltou a recolher-se aos seus =pensamentos, silenciosa como ultimamente era seu h�bito. Lembrava-se =de Ant�nio, sempre decidindo rumos e destinos ao volante do =autom�vel enquanto ela se limitava a ser transportada. Nunca tirou a =carta de condu��o porque Ant�nio gostava muito de guiar e a =levava quase sempre onde era preciso. Claro que, muitas vezes, acabava =por n�o ir onde queria porque Ant�nio n�o lhe apetecia ir =tamb�m. Agora apercebia-se da enorme depend�ncia que isso =significava e arrependia-se de ter sido t�o passiva durante todos =aqueles anos. Afinal, h� muitas d�cadas que as mulheres guiavam =sem nenhum constrangimento social e ela nunca havia sabido aproveitar o =facto...
- Se calhar, devia tirar a carta.
- A carta? - perguntou Mariana, distra�da.
- Sim. A carta de condu��o.
- J� n�o � a primeira vez que te dou essa ideia. N�o porque =me custe levar-te a casa, antes pelo contr�rio, mas porque
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� sempre bom termos a nossa autonomia... Lembras-te de quando estavas =casada, que nunca podias ir a lado nenhum sozinha, porque s� o =Ant�nio sabia guiar?
- Sim... Estava a pensar nisso agora mesmo.
- Bom, ainda vais a tempo de aprender a conduzir. Madalena concordou e =ficou a pensar naquela ideia repentina. Mariana deixou-a � porta de =casa e seguiu, deixando Madalena uma vez mais entregue � sua =solid�o. Mas as coisas pareciam come�ar a mudar na sua =cabe�a... Quando entrou em casa j� n�o sentiu de modo t�o =intenso o peso da sala silenciosa. Tinha tomado algumas decis�es =importantes naquele dia, tinha conhecido um espa�o deslumbrante e =tudo o que precisava era de mudar realmente algumas coisas na sua =vida.
Madalena deixou a imagina��o vaguear por canaviais e paisagens de =sonho. N�o conseguia perceber o fasc�nio que as imagens da =Tail�ndia exerciam sobre si. Nunca tinha estado no Oriente e, apesar =de sempre ter achado todos aqueles pa�ses muito interessantes, nunca =tinha sentido um apelo t�o grande apenas por causa de algumas =fotografias e de um restaurante, por sinal muito agrad�vel. De =qualquer modo, n�o pensava em viajar sozinha, muito menos para a =Tail�ndia, pelo que se deixou adormecer sem dar mais import�ncia =ao assunto. No dia seguinte, depois do trabalho, iria procurar uma boa =escola de condu��o e come�ar a mudar realmente alguns =h�bitos da sua vida.
Cap�tulo II
Quando os primeiros raios de sol entraram pelas frestas da persiana, =Madalena despertou com uma agrad�vel sensa��o de bem-estar, =coisa que j� n�o sentia
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h� muito tempo. Depois do duche r�pido e do pequeno�=almo�o, saiu para a rua e at� a entrada do metropolitano lhe =pareceu mais convidativa, sem o peso escuro que habitualmente lhe =reconhecia. J� no cais subterr�neo, as pessoas que se cruzavam =consigo, andando a toda a velocidade, n�o a incomodavam como era =costume. Apesar da pressa e do stresse que ali reinava, Madalena =permanecia calma e descontra�da, como se um peso enorme tivesse =come�ado a abandon�-la. Ela pr�pria n�o saberia descrever a =sensa��o ou encontrar-lhe um motivo, mas sentia-se muito bem assim =e n�o pretendia estragar o dia com a busca de explica��es para =o seu bem-estar inesperado. Sentia-se bem e pronto! Chegada ao =escrit�rio, Madalena nem sequer sentiu aquela resist�ncia inicial =que anuncia as primeiras horas do trabalho di�rio. Com uma esp�cie =de luminosidade clara a rodear-lhe os passos, cruzou os corredores e =secret�rias do escrit�rio com o gesto seguro de quem se sente bem =consigo pr�pria. Algumas colegas notaram a diferen�a e uma delas =exclamou mesmo:
- Madalena, est�s diferente... Pareces outra, desde ontem � tarde! =Passou-se alguma coisa?
- N�o. Sinto-me bem e � apenas isso. - respondeu, afastando-se =para evitar interrogat�rios mais curiosos, at� porque n�o tinha =nada de concreto para contar.
O dia passou sem sobressaltos, ainda que Madalena estivesse =constantemente � espera das cinco horas da tarde... Queria sair =depressa do escrit�rio para poder procurar a escola de condu��o =e come�ar a cumprir as suas resolu��es novas. � hora de =almo�o aproveitou para folhear as p�ginas amarelas em busca de uma =escola que n�o ficasse muito longe de casa ou do escrit�rio. =Seleccionou quatro escolas e acabou por copiar para um bloco a
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morada de duas delas, cujo nome lhe inspirou confian�a. Queria tratar =de tudo naquele dia, para come�ar a ter li��es o mais depressa =poss�vel.
�s cinco horas saiu do edif�cio onde trabalhava e voltou a =dirigir-se para o metropolitano. Pelos seus c�lculos, teria de sair =na esta��o seguinte para chegar a uma das escolas que procurava. =Rosa dos Ventos era o nome que lhe tinha despertado a curiosidade. =Afinal, como � que se escolhe uma escola de condu��o se n�o =temos qualquer refer�ncia para al�m do nome?
Novamente � superf�cie, demorou alguns minutos at� encontrar a =rua certa. N�o precisou de procurar o n�mero, j� que a fila de =carros todos iguais n�o deixava margem para d�vidas. O edif�cio =da escola ficava mesmo a meio da rua e os instrutores alinhavam-se junto =aos carros, aguardando os pr�ximos alunos. Madalena entrou, subiu as =escadas e achou-se na secretaria da escola, pronta para concretizar a =sua mais recente decis�o.
- Boa tarde - disse.
- Boa tarde - respondeu a senhora que se encontrava atr�s do =balc�o - Posso ajud�-la?
- Sim. Eu queria tirar a carta e gostava de saber o que preciso de fazer =e quais s�o as condi��es da vossa escola. Seguiu-se a habitual =troca de informa��es, entre os dados pessoais de Madalena e as =informa��es sobre hor�rios, aulas de c�digo e ve�culos a =gasolina ou a gas�leo. Quando terminaram, Madalena estava inscrita na =Rosa dos Ventos e poderia come�ar a frequentar as aulas de c�digo =a partir daquele momento. Era surpreendente...
- Quer dizer que, se quiser, posso assistir j� � pr�xima aula? =- perguntou Madalena, quase sem acreditar na rapidez de tudo aquilo.
- Claro que sim - disse a funcion�ria da escola - A
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pr�xima aula come�a j� daqui a quinze minutos. Se quiser =esperar, pode come�ar hoje mesmo. Madalena n�o pensou duas vezes. =Voltou a descer as escadas, para aproveitar os �ltimos raios de sol =do fim da tarde e para espreitar os carros onde iria aprender a =conduzir. Um quarto de hora depois estava sentada numa sala grande e bem =iluminada, cheia de sinais de tr�nsito nas paredes, regras escritas e =um ecr� virado para as filas de cadeiras que ocupavam a maior parte =do espa�o. Outras pessoas foram entrando e procurando os lugares =vagos para come�arem a aula. Madalena olhou para os seus colegas e =sorriu... Nunca pensara voltar aos bancos de uma escola, ainda que fosse =de condu��o. A maioria das pessoas que ali estava tinha pouco mais =do que dezoito anos acabadinhos de fazer e preparava-se para tirar a =carta rapidamente, assim numa esp�cie de �nsia de se afirmar na =idade adulta. Mas havia outras pessoas, algumas da idade de Madalena ou =mesmo mais velhas, que por um motivo ou por outro n�o tinham tirado a =carta na altura esperada.
Entretanto, o professor de C�digo chegou e a aula teve o seu =in�cio. Madalena e um outro rapaz come�aram por apresentar-se, =j� que eram novos naquela escola, e a li��o decorreu sem =sobressaltos. Uma hora depois, Madalena saiu para a rua com uma estranha =sensa��o de felicidade. Sentia-se bem porque estava, finalmente, a =viver a sua vida sem a tristeza a invadi-la a cada passo. Dirigiu-se =para a esta��o, apanhou logo o metro e caminhou para casa com os =passos muito mais leves do que era costume. J� em casa, n�o =resistiu a ligar para Mariana para lhe contar a novidade.
- Mariana? Sou eu. N�o vais acreditar...
- Apaixonaste-te?
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N�o, que disparate! Inscrevi-me numa escola de condu��o e j� =comecei a ter aulas de c�digo.
- A s�rio? Que bom, Madalena...
- Pelas contas da senhora da secretaria, poderei come�ar a ter aulas =de condu��o dentro de duas semanas.
Mas isso � �ptimo! Depois temos de combinar umas voltinhas, mas =ser�s tu a segurar no volante... Riram ambas com a ideia e Madalena =despediu-se logo depois de combinarem um novo encontro para =resolverem
os Pormenores finais da sua nova decora��o.
Os dias que se seguiram decorreram entre as aulas de c�digo a que =Madalena assistia diariamente, com a aplica��o de uma aluna =rec�m-chegada ao liceu, e as entregas
novos tapetes e cortinados para a sala e para o quarto que j� n�o =pareciam os mesmos. Quando os trabalhos de decora��o chegaram ao =fim, Madalena deparou-se com uma casa que lhe parecia nova e, o que era =mais importante, t�o diferente da casa onde passara os �ltimos =anos com t�o poucas recorda��es que valessem a pena, vistas a =esta dist�ncia. Agora, os tecidos estampados e as cores quentes =marcavam presen�a na sua sala, conferindo um ar oriental que lembrava =a decora��o do restaurante onde tinha jantado com Mariana, h� =apenas umas semanas. No quarto, a cama de ferro fora substitu�da por =uma mais leve, de madeira, grande e espa�osa como Madalena gostava, =mesmo dormindo sozinha. Pelas novas cortinas entrava agora uma luz mais =agrad�vel, uma esp�cie de m�sica brilhante que lhe tornava as =manh�s suaves e encorajadoras. Faltava apenas convidar Mariana para =tomar ch� e para apreciar a sua �nova� casa. O =convite era para essa tarde, depois do exame de c�digo... =Entra�. espero que gostes da minha nova casa!
- Est� linda, Madalena! N�o parece a mesma casa...
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Sentaram-se confortavelmente no sof�, entre as almofadas =rec�m-chegadas de uma loja de importa��o de artigos orientais, =e Mariana perguntou, ansiosa:
- E o exame de c�digo?
- Essa era a outra novidade... Passei! E posso come�ar a ter aulas de =condu��o amanh� mesmo.
- Oh, parab�ns, Madalena! Fico muito feliz por ti.
A conversa prolongou-se tarde fora, entre os pormenores da =decora��o e o entusiasmo de Madalena pelas aulas de =condu��o. Pouco antes do jantar, Mariana saiu e Madalena preparou =alguma coisa r�pida e leve para comer. Apesar de ser sexta-feira, =queria levantar-se cedo no dia seguinte, para aproveitar as aulas da =manh�. Nunca tinha guiado e parecia-lhe mais f�cil come�ar num =dia em que a cidade n�o estivesse cheia de tr�nsito. Adormeceu com =a imagem de uma longa estrada a embalar-lhe os sonhos...
Cap�tulo III
Quando despertou, pela manh�, demorou alguns segundos a reconhecer o =espa�o que a rodeava. Por breves momentos, chegou mesmo a imaginar =que estava de f�rias num qualquer pa�s distante, mas a realidade =tomou forma e percebeu que a estranheza era apenas motivada pela nova =apar�ncia do seu quarto. Levantou-se satisfeita com as mudan�as e =ansiosa com a ideia de ter a primeira aula de condu��o. O duche e =o pequenoalmo�o passaram-se em poucos minutos e Madalena saiu para a =rua pronta para come�ar uma nova fase. Como sempre, apanhou o metro e =caminhou, depois, alguns metros at� � rua onde ficava a Rosa dos =Ventos. Os carros alinhados l� estavam e Madalena dirigiu-se
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� secretaria para saber qual era o ve�culo a que se devia dirigir. =A senhora da secretaria, com a simpatia que lhe era habitual, =indicou-lhe o n�mero vinte e tr�s e disse-lhe que devia ser o =sexto ou o s�timo da fila, �quela hora. Madalena voltou a descer =as escadas e procurou a plaquinha com o n�mero no vidro dianteiro dos =v�rios carros, at� encontrar o vinte e tr�s. Esperou alguns =minutos, at� que um homem moreno e com um sorriso muito franco se =aproximou:
- Bons dias! � para o vinte e tr�s?
- � sim. Muito bom dia.
Madalena estava fascinada com o olhar daquele homem. Os olhos muito =escuros e brilhantes deixaram-na estonteada e s� conseguia pensar que =tinha de entrar no carro para que a aula, a t�o esperada aula de =condu��o, pudesse ter in�cio.
- Chamo-me Pereira e serei o seu instrutor de condu��o - disse, =estendendo a m�o firme mas delicada em direc��o a Madalena.
- Muito prazer. Sou a Madalena.
Depois de um breve aperto de m�o, o instrutor Pereira abriu a porta =do lado do condutor e, com um gesto suave, convidou Madalena a =sentar-se. Depois contornou o ve�culo e entrou pela porta =contr�ria, acomodando-se no banco ao lado de Madalena. A partir deste =momento, a sua voz melodiosa inundou o pequeno espa�o do carro, =explicando a Madalena como funcionavam os diferentes componentes de um =ve�culo. Madalena escutava atentamente as instru��es sobre os =pedais, as mudan�as e as luzes de sinaliza��o, mas n�o podia =deixar de pensar que a voz do instrutor Pereira lhe dava uma calma =interior nada comum em algu�m que nunca guiou e se prepara para =colocar um carro em andamento pela primeira vez.
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Madalena colocou a chave na igni��o e rodou a m�o, sentindo a =vibra��o do motor a responder ao seu gesto. Come�ar a rodar foi =mais f�cil do que alguma vez tinha imaginado e, com a ajuda preciosa =do seu instrutor, em breve deixava para tr�s a rua da Rosa dos =Ventos, aventurando-se com calma pelas outras art�rias da cidade. Era =uma sensa��o totalmente nova e Madalena gozava o momento com muita =satisfa��o, ainda que nunca perdesse a aten��o ao que estava =a fazer, para n�o colocar em perigo nenhum dos dois ocupantes do =carro. Pereira ia orientando o percurso do ve�culo, avisando Madalena =para virar � esquerda ou � direita e dando-lhe tempo para =sinalizar devidamente todas as manobras. Logo naquela primeira viagem =aprendeu a inverter a marcha, a mudar de direc��o � esquerda e =� direita e a manter o carro no centro da faixa respectiva. Era muito =para um dia s�, mas o que mais a impressionou foi, na verdade, a =figura do instrutor. A pele morena e o cabelo muito liso e brilhante =faziam de Pereira um homem atraente, com um certo toque de exotismo que =fascinava Madalena. Mas o que mais encantava naquele homem eram os =modos, delicados e corteses sem nunca perder a firmeza, e a voz, =inspirando calma e muita seguran�a. Madalena nunca tinha conhecido um =homem assim e estava ligeiramente atordoada... Podia ser apenas o =nervoso da condu��o, mas come�ava a suspeitar que havia algo =mais. Foi a voz do instrutor Pereira a quebrar-lhe o fio dos =pensamentos:
- Que tal, para primeira vez? Podemos marcar j� a aula de =segunda-feira?
- Correu muito bem - balbuciou Madalena - Segunda-feira ter� de ser =depois das dezassete horas.
- Muito bem. �s dezassete e trinta, est� bom?
- Sim, est�.
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- Ent�o fica combinado. Bom f�m-de-semana! Pereira voltou a =apertar-lhe a m�o ao desejar um bom f�m-de-semana e Madalena =p�de sentir com mais intensidade a suavidade do seu toque. Ficou =ainda alguns minutos na rua, olhando para aquele homem que nunca tinha =visto antes e com quem passaria a encontrar-se diariamente...
Cap�tulo IV
J� em casa, Madalena n�o se sentia capaz de nenhum movimento. =Sentada no sof� da sala, agora estofado com novas cores, pensava com =satisfa��o no facto de ter come�ado, finalmente, as suas aulas =de condu��o. Mas a imagem do instrutor Pereira n�o lhe sa�a =da cabe�a e Madalena come�ava a irritar-se consigo mesma:
- Que tontice, pare�o uma mi�da embevecida com o professor!
Depois riu-se do facto de estar a falar sozinha e decidiu
preparar alguma coisa para almo�ar. Tinha decidido ir
passear durante a tarde e n�o queria perder mais tempo
com aquela cisma.
Pouco depois do almo�o, o toque do telefone anunciou um
convite de Mariana. Francisco estava fora e a amiga queria
companhia para ir ao cinema, � sess�o da tarde. Madalena
aceitou; afinal, n�o tinha planos muito concretos e sempre
podia espairecer as ideias.
J� na rua, perto do cinema, resolveu contar � amiga que
as aulas de condu��o j� tinham come�ado.
- A s�rio? E s� agora � que me dizes... Que tal correu?
- Muito bem. Acho que tenho jeito para guiar e, al�m disso, gostei =bastante do instrutor.
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- Isso � muito importante para que as aulas corram da melhor maneira. =Eu, por exemplo, quando tirei a carta
tive um instrutor muito antip�tico e at� um pouco brusco, o que me =dificultou bastante a vida.
- Este � exactamente o inverso...
Madalena deixou a frase em suspenso e ficou com um ar de felicidade =pouco compreens�vel para quem s� est� a falar das aulas de =condu��o. Mariana interrogou-a:
- H� mais alguma coisa que eu deva saber? Madalena estremeceu:
- N�o, nada. Absolutamente. N�o sei porque � que dizes isso. =Estava apenas a elogi�-lo.
- N�o tinha perguntado tantas coisas.., Ser� impress�o minha ou =a minha amiga de sempre est�, como direi, apaixonada...?
- Que disparate, Mariana! Imagina-me l� apaixonada por um instrutor =de condu��o! Que ideia...
- N�o sei qual seria o problema. � uma profiss�o como outra =qualquer. Al�m disso, tenho quase a certeza de que est�s =apaixonada. Nunca te vi falar assim de ningu�m desde que te separaste =do Ant�nio.
J� estavam � porta do cinema e Madalena decidiu n�o ripostar. A =amiga conhecia-a demasiado bem. O problema era que ela pr�pria n�o =queria admitir que o fasc�nio pelo instrutor Pereira teria de ser =algo mais do que um simples entusiasmo de quem come�a a aprender =alguma coisa de novo. Aquela calma que sentia sempre que ele lhe =explicava alguma coisa n�o era normal...
- Madalena! O filme vai come�ar. Queres acordar ou vais ficar a� =pasmada, a pensar no teu instrutor ex�tico? Mariana soltou uma =gargalhada enquanto puxava a amiga para dentro da sala.
- N�o estava a pensar nele...
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- Sim, sim, eu acredito...
Madalena sentou-se, sentindo alguma irrita��o, e o filme =come�ou.
Quando voltaram a sair para a rua, Madalena n�o conseguia dizer uma =palavra sobre o filme pela simples raz�o que nem sequer dera pelo que =acontecera no grande ecr�. Estava absorta, completamente distra�da =com as lembran�as daquela manh�.
Mariana n�o insistiu e deixou a amiga em casa, entregue aos seus =pensamentos. E os pensamentos de Madalena n�o conseguiam afastar-se =de Pereira. De onde teria sa�do aquele homem? A beleza ex�tica que =o caracterizava s� era vencida pela simpatia e pelos modos que =utilizava sempre que falava ou explicava qualquer coisa. A pele muito =morena e os olhos escuros faziam lembrar um qualquer pa�s oriental, =mas Madalena n�o conseguia decifrar qual. E depois havia a voz, =aquela voz imposs�vel de descrever e que a deixava sempre em =suspenso, ansiosa, mas que, ao mesmo tempo, lhe dava uma seguran�a =que n�o se lembrava de sentir h� muito tempo, em nenhuma =situa��o. O resto do fim-de-semana passou sem novidade. No =entanto, Madalena come�ou a capacitar-se de que talvez sentisse =alguma coisa muito intensa relativamente ao seu instrutor de =condu��o. E n�o sabia se isso era bom... Afinal, professores e =alunos deviam ocupar cada qual o seu lugar, sem confus�es de =esp�cie nenhuma, muito menos de ordem sentimental. Mas n�o podia =evitar pensar nele...
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Cap�tulo V
Na segunda-feira passou o dia todo � espera das cinco e meia, com uma =sensa��o de ansiedade que lhe pesava no est�mago e a deixava =sem vontade de muitas conversas. As colegas do escrit�rio voltaram a =fazer perguntas, mas Madalena absteve-se de responder. � hora =marcada, dirigiu-se para o ve�culo n�mero vinte e tr�s. Junto =� porta, a primeira coisa que vislumbrou foi o sorriso de Pereira, =recebendo-a como se estivesse realmente feliz por voltar a =encontr�-la.
- Ent�o, o resto do fim-de-semana foi bom? - disse, enquanto se =dirigia para o seu lado.
- Sim, obrigada - respondeu Madalena, um pouco atrapalhada. Sempre fora =um pouco t�mida, mas hoje sentia-se uma verdadeira adolescente.
Pereira, no entanto, estava decidido a quebrar o gelo. Tinha simpatizado =com Madalena desde o primeiro momento e, al�m disso, um bom ambiente =era essencial para que as aulas de condu��o decorressem de forma =tranquila. Madalena colocou o carro em andamento e Pereira indicou-lhe =as direc��es a seguir, como da �ltima vez. Percorreram algumas =avenidas e outras ruas menos movimentadas e Pereira resolveu come�ar =a conversa, para aligeirar a inseguran�a que Madalena parecia sentir =em rela��o � condu��o.
- Que tal � a sensa��o de conduzir? Gosta?
- Sim, muito. Sempre quis aprender a guiar, mas nunca se =proporcionou.
- Estamos sempre a tempo...
- Espero bem que sim - riu Madalena, pensando se conseguiria levar a bom =porto a sua condu��o.
Pereira sorriu tamb�m, retribuindo a boa disposi��o da
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sua aluna. Uma vez mais a aula decorreu sem incidentes e os sessenta =minutos pareceram a Madalena apenas um breve momento. Estaria realmente =apaixonada? Mas como, se nada sabia sobre o seu instrutor e se poucas =palavras haviam trocado para al�m das necess�rias ao bom =funcionamento das aulas? Seria poss�vel ter um sentimento como esse =por algu�m que se conhecia t�o mal? As ideias come�avam a =baralhar-se e Madalena chegou mesmo a pensar em pedir para trocar de =instrutor, com medo que a sua aprendizagem pudesse ser prejudicada por =toda aquela confus�o de sentimentos e impress�es. Mas n�o o =fez. N�o teve coragem para abdicar da companhia di�ria daquele =homem que a fascinava, apesar de pouco mais saber sobre ele para al�m =do apelido pelo qual toda a gente o tratava na Rosa dos Ventos. Esse =era, ali�s, um dos mist�rios que a atra�am no seu instrutor: o =seu primeiro nome. Ainda por cima porque nenhum outro instrutor daquela =escola era tratado apenas pelo apelido. Teria um nome de que n�o =gostava? Ou procurava n�o mostrar logo � primeira as suas origens? =Madalena n�o fazia a menor ideia, mas sabia que queria muito =descobrir aquele e outros mist�rios.
Cap�tulo VI
Os dias foram passando e as aulas de condu��o foram-se sucedendo. =Madalena j� n�o tinha muitas d�vidas sobre o seu fasc�nio =por Pereira, mas n�o se atrevia a fazer-lhe demasiadas perguntas. =Apesar de tudo, a simpatia m�tua era vis�vel e as reac��es =de Pereira faziam crer que o seu fasc�nio era correspondido. Um dia, =quando passavam pela Avenida da Liberdade,
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cruzaram-se com uma carrinha carregada de palmeiras, talvez com destino =a algum jardim p�blico. Ao ver as palmeiras, Pereira exclamou com ar =feliz:
- Parecem mesmo as �rvores do pa�s dos meus pais. Madalena, =surpreendida, n�o resistiu a perguntar-lhe de onde eram os pais. =Sempre desconfiou que Pereira teria origens orientais, talvez indianas =devido � cor da pele. Mas a resposta deixou-a petrificada:
- Tail�ndia. Os meus pais s�o tailandeses, mas eu j� nasci em =Lisboa, poucos anos depois de eles emigrarem para c�.
Madalena n�o aguentou a surpresa... Num relance, lembrou-se do jantar =com Mariana no restaurante tailand�s e do fasc�nio que sentiu =quando l� entrou. Recordou-se das suas decis�es de mudan�a, =todas tomadas depois desse jantar, e das fotografias que a levaram a =escolher uma decora��o t�o ex�tica para a sua casa. Quando =despertou dos seus pensamentos, apercebeu-se de que o carro estava =parado. � instrutor Pereira for a obrigado a usar o seu trav�o =para evitar um acidente, j� que Madalena estava completamente absorta =e esquecera-se de que estava a conduzir numa das mais movimentadas =avenidas da cidade de Lisboa.
- Sente-se bem? Passa-se alguma coisa?
- N...n�o. Est� tudo bem - gaguejou Madalena - � que n�o =esperava... n�o esperava...
- O qu�? - perguntou Pereira um pouco desiludido, pensando que =Madalena n�o gostava do facto de ter origens tailandesas...
- A Tail�ndia... � dif�cil de explicar, mas eu tenho uma =liga��o muito forte com esse pa�s sem saber porqu�. Pereira =sorriu, algo intrigado, e disse a Madalena que gostava de perceber =aquilo que ela tinha acabado de dizer.
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- Espero que n�o considere isto um abuso, porque n�o � essa a =minha inten��o, mas podia convid�-la para um caf� e podia =explicar-me melhor essa sua rela��o com a Tail�ndia. Afinal, =� o pa�s dos meus antepassados e gostava de perceber o que � =que leva uma portuguesa a manter com ele uma rela��o t�o =forte.
- Eu... Eu acho que n�o h� nenhum problema em tomarmos caf� =depois da aula. Sim, aceito o convite. Terminada a aula, Madalena e =Pereira dirigiram-se para um caf� simp�tico que havia perto da =Rosa dos Ventos. Sentaram-se, pediram dois caf�s e Madalena esperou =que Pereira contasse mais sobre as suas origens. Mas Pereira estava =cheio de curiosidade sobre o que Madalena tinha dito no carro e n�o =esperou muito para insistir:
- Afinal, que esp�cie de rela��o mant�m com a =Tail�ndia?
- Eu n�o sei explicar... Acho que aquelas paisagens e aquelas cores =quentes mudaram a minha vida.
- Ah! - afirmou Pereira, mais esclarecido - Ent�o j� l� =esteve?
- N�o, nunca, infelizmente...
Agora � que Pereira n�o percebia nada e Madalena n�o sabia como =clarificar a situa��o. Numa esp�cie de inspira��o =moment�nea e inexplic�vel, come�ou a falar sobre a sua vida e =sobre o jantar no restaurante tailand�s, atropelando palavras e =ideias com o nervosismo inerente � situa��o. Contou a Pereira =sobre o seu passado, o casamento com Ant�nio, a trai��o e o =div�rcio. Depois falou-lhe do tempo de solid�o e do princ�pio =de depress�o que come�ava a ser diagnosticado, at� ao momento =em que um simples jantar mudou a sua maneira de encarar a vida. O =restaurante tailand�s tinha sido o princ�pio de uma nova fase, e =agora, sem que ela percebesse porqu� nem como,
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aparecia-lhe ele, Pereira, instrutor de condu��o com origens =tailandesas.
Pereira sorriu ternamente antes de come�ar a falar, visivelmente =atrapalhado:
- No meu pa�s h� uma lenda que diz que todas as pessoas t�m =algu�m � sua espera nesta vida, embora nem sempre se consigam =encontrar. Para que se cruzem com a pessoa que as espera � =necess�rio que beneficiem da protec��o dos deuses que protegem =os casais...
- Sim, eu vi esses deuses - disse Madalena, atropelando as pr�prias =palavras - Estavam l�, no restaurante. Era uma est�tua muito =bonita, em madeira escura...
Depois disto ficaram ambos sem palavras. A timidez de Madalena n�o =era menor do que a de Pereira e acabaram por manter o sil�ncio at� =se irem embora. J� � porta do caf�, com o vento a acentuar o =in�cio da noite, Pereira agarrou suavemente a m�o de Madalena e =disse, baixinho:
- Gilberto. Era Gilbert, por causa de uma av� francesa, mas fiquei =Gilberto porque nasci em Lisboa. Chamo-me Gilberto, embora toda a gente =me conhe�a por Pereira na Rosa dos Ventos. Se n�o quiser voltar a =ter aulas de condu��o comigo, podemos providenciar a troca de =instrutor para que...
Madalena interrompeu-o, correspondendo ao toque da sua m�o:
- N�o � preciso. Podemos continuar com as aulas sem qualquer =problema. Para al�m do mais est�o a acabar... E deixe-me dizer-lhe =que Gilberto � um nome muito bonito, com uma sonoridade =perfeita...
- Ent�o, at� amanh�, Madalena...
- At� amanh�, Gilberto...
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Cap�tulo VII
Nessa noite Madalena decidiu que n�o podia continuar com aquela =aventura mirabolante sem falar com a sua amiga. Al�m do mais, fora =ela que a levara ao tal restaurante tailand�s... Ligou para Mariana, =quase sem conseguir falar.
- Mariana? Sou eu, a Madalena. N�o podes imaginar o que se est� a =passar...
- Hum... Est�s apaixonada pelo teu instrutor de condu��o?
- Sim, mas... Bom isso tu j� sabias, n�o era? O que tu n�o =sabes � que ele � filho de pais tailandeses!
- Tailandeses? Mas isso � uma tremenda coincid�ncia... Como � =que isso foi acontecer?
Madalena contou tudo � sua amiga, n�o escondendo nenhum pormenor. =Depois de muito tempo ao telefone, despediram-se com a promessa de =Madalena dar not�cias no dia seguinte.
A aula que se seguiu � conversa de Gilberto e Madalena foi um momento =carregado de tens�o. Para al�m de ser a �ltima aula de Madalena =antes de se apresentar a exame, era vis�vel que ambos estavam =apaixonados um pelo outro, mas nenhum queria quebrar o protocolo =esperado entre instrutor e aluna numa aula de condu��o. Nesse dia, =estava combinado fazerem um percurso maior, apanhando a via r�pida =Lisboa-Sintra para que Madalena testasse a velocidade e regressando a =Lisboa pela estrada de Sintra. E assim foi.
Madalena guiou at� Sintra com a destreza que caracterizava j� a =sua condu��o e Gilberto n�o p�de esconder o orgulho que =sentia por isso. Chegados a Sintra, pararam um pouco para o descanso =regulamentar antes de darem
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meia volta e regressaram � estrada que os levaria � via r�pida =para Lisboa, agora escurecida pelo adiantado da hora. A m�sica tocava =na r�dio, baixinho para n�o distrair Madalena, e Gilberto ia dando =as suas indica��es quando um inesperado estrondo fez parar o =carro. Madalena assustou-se profundamente, sem conseguir perceber a =origem daquele barulho. Gilberto, experiente nestas coisas da estrada, =percebeu logo o que ali se passava. Um pneu furado, em plena estrada de =Sintra, ainda antes de chegar � auto-estrada. Sem se atrapalhar =demasiado, Gilberto disse:
- Bom, n�o � uma boa not�cia, mas pelo menos posso aproveitar =para lhe dar algumas no��es de mec�nica. Al�m disso, mudar =um pneu faz parte dos conhecimentos requeridos para obter a carta de =condu��o, por isso vamos continuar com a nossa li��o como se =n�o fosse nada. Madalena sorriu, um pouco mais descontra�da, e =perguntou a Gilberto se tinham mesmo de se tratar por voc�. Ele =respondeu negativamente e o ambiente entre os dois tornou-se =visivelmente mais pr�ximo. Dirigiram-se ambos ao porta-bagagens, em =busca do pneu sobressalente e Gilberto come�ou a opera��o de =troca de pneu, explicando a Madalena todos os passos que dava. Depois de =levantar o carro e de desapertar todos os parafusos que sustentavam o =pneu furado, Gilberto precisou da ajuda da sua aluna para puxar o pneu =para fora do eixo. E foi quando Madalena se baixou para o ajudar que as =coisas se precipitaram, sem que nenhum dos dois tivesse uma no��o =muito clara do que se iria passar a seguir. As m�os tocaram-se =furtivamente, primeiro ao de leve, depois com mais intensidade, e nenhum =dos dois resistiu ao toque. Banhados pelo luar de Sintra, � beira de =uma estrada vazia �quela hora, Madalena e Gilberto trocaram o =primeiro beijo com
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a intensidade pr�pria de quem h� muito espera encontrar a sua =metade. J� dentro do carro, Gilberto aproximou-se um pouco mais de =Madalena, puxando-a suavemente para si enquanto a beijava uma e outra =vez. Madalena respondia com a proximidade quase vertiginosa do seu corpo =e dos seus l�bios, sussurrando o nome de Gilberto junto do seu =ouvido. Nunca pensara em fazer amor assim, no meio da rua, resguardada =apenas pela fragilidade de um carro, mas o apelo da paix�o foi mais =forte e foi exactamente isso que aconteceu naquele lusco-fusco =imposs�vel de descrever sem atrai�oar a beleza do momento. As =m�os de Gilberto percorreram o corpo de Madalena, provocando-lhe um =arrepio profundo e inevit�vel, e a situa��o precipitou-se. =Instrutor e aluna transformaram-se em amantes e deixaram-se levar pela =emo��o, fazendo amor nos bancos do carro, � luz de um luar =memor�vel que nenhum dos dois haveria de esquecer. Os corpos =ondulantes de ambos reflectiam-se um no outro como se se vissem ao =espelho e, no momento de maior emo��o, Gilberto disse a Madalena =que gostaria de lev�-la � Tail�ndia. E foi com a imagem das =paisagens verdejantes que tanto a haviam fascinado que Madalena se =entregou no corpo daquele homem deslumbrante, deixando-se tocar como se =sempre se tivessem conhecido e como se nenhum dos dois tivesse mais =passado para al�m daquela entrega. Entre car�cias e suspiros =profundos, o tempo foi passando e quando os seus corpos se separaram, o =olhar de Gilberto brilhava ainda mais do que o costume e Madalena =sentia-se perdida num qualquer local paradis�aco. A emo��o que =sentia era tanta que, esquecendo a timidez que a caracterizava desde =sempre, disse a Gilberto:
- Vem comigo para casa hoje! Quero que conhe�as o resto da minha vida =antes de me mostrares a tua terra.
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Gilberto sentiu-se lisonjeado com o convite e aceitou, explicando a =Madalena que, antes disso, era preciso que ela guiasse de volta a Lisboa =e � Rosa dos Ventos. E era preciso tamb�m que ele se dirigisse =� secretaria e arranjasse uma boa explica��o para aquele =atraso, para al�m do inesperado furo no pneu.
De volta � realidade, Madalena levou o carro at� � porta da =escola de condu��o sem a menor hesita��o e dirigiu-se para =casa, deixando a Gilberto um cart�o com as indica��es da sua =morada e da melhor maneira de l� chegar. Queria preparar-lhe um =jantar inesquec�vel...
Cap�tulo VIII
Quando Gilberto tocou � campainha foi recebido com um beijo caloroso =e com o espanto de quem n�o esperava encontrar uma casa como aquela. =Os tecidos e toda a decora��o lembravam-lhe as casas tradicionais =do seu pa�s natal, apesar de estar em plena Lisboa, a muitos =quil�metros de dist�ncia da Tail�ndia e das suas cores. =Madalena tinha acendido uma pequena espiral de incenso e tinha preparado =um verdadeiro banquete, com legumes estufados, batatas assadas com molho =de iogurte e um peixe grelhado com uma mistura de ervas cuja receita lhe =tinha sido dada pelo empregado do restaurante tailand�s onde tudo =tinha, afinal, come�ado, mesmo que ela nessa altura n�o sonhasse =com o que viria a seguir.
Jantaram com os olhos postos um no outro, trocando hist�rias antigas =e falando da Tail�ndia com o mesmo fasc�nio, embora Madalena nunca =tivesse estado l�. Gilberto elogiou a comida e prometeu a Madalena =lev�-la
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a jantar ao tailand�s nos pr�ximos dias, assim que ela se livrasse =do exame de condu��o e do compromisso com a Rosa dos Ventos. =Madalena sorriu, entusiasmada com a ideia, e serviu o caf� antes de =convidar Gilberto a mudarem-se para o sof�.
Madalena n�o conseguia resistir ao olhar daquele homem e a =proximidade turvava-lhe os pensamentos. Os seus dedos procuraram a face =de Gilberto, desenhando-lhe os contornos com suavidade e tocando a sua =boca muito devagar. Gilberto respondeu com mais car�cias, antecedendo =um beijo que parecia n�o ter fim. Uma vez mais, os corpos de ambos se =tocaram, mas agora sem o nervosismo da primeira vez e sem o perigo de =uma estrada semideserta. Fizeram amor no sof� de Madalena uma e outra =vez, acabando por se aninharem confortavelmente na cama nova, at� =agora vazia. Gilberto beijava o corpo de Madalena com uma suavidade que =a fazia perder o controlo, enquanto se debatiam com o prazer um do outro =at� as for�as se esgotarem.
Adormeceram assim, entre um beijo e outro, com os corpos suados do amor =e do desejo que n�o queriam reprimir. No dia seguinte nenhum dos dois =trabalhava, pelo que se mantiveram na cama at� � hora do =almo�o, trocando beijos e fazendo planos para depois do exame de =Madalena. Era como se esse dia, quase a chegar, fosse uma esp�cie de =barreira que tinham de transpor antes de come�arem a viver as suas =vidas de modo diferente.
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Cap�tulo IX
Chegara o dia do exame de Madalena. � hora marcada, Gilberto e o =examinador do centro de exames encontravam-se junto do carro, cedendo a =passagem a Madalena para o lugar do condutor. O exame correu muito bem, =e nem outra coisa seria de esperar. Parecia que Madalena tinha nascido =para conduzir, avan�ando pela estrada com muita aten��o e com =uma enorme destreza. N�o falhou nenhuma mudan�a de direc��o, =estacionou correctamente em todos os locais indicados e manteve =constantemente um controlo admir�vel sobre o carro e as manobras que =executava. O examinador n�o hesitou em consider�-la apta para =conduzir e Madalena foi nesse mesmo dia tratar de toda a papelada =necess�ria para a carta de condu��o. Uma semana depois tinha a =carta nas suas m�os, acabada de chegar pelo correio, e o compromisso =com a Rosa dos Ventos chegava ao fim. Telefonou para Gilberto, =contando-lhe a novidade, e depois para Mariana, que exigiu uma =comemora��o � altura l� mais para o fim-de-semana:
- N�o penses que te escapas, l� porque andas de namorado novo! =Vamos jantar fora e sair depois, como nos velhos tempos, sem horas para =voltar para casa e sem carro para nos preocupar.
- Mas se vamos comemorar o facto de eu ter tirado a carta...
- Tens raz�o. Ent�o fazemos tudo � mesma, mas tu n�o bebes =nem uma gota de �lcool para poderes trazer o carro de volta...
Riram alegremente enquanto faziam planos para a comemora��o de =arromba. Mas Madalena ansiava por outra comemora��o, com Gilberto, =o homem que a ensinara
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a conduzir sem medos ou inseguran�as e que fazia, agora, parte da sua =vida, mesmo que ela ainda n�o soubesse explicar muito bem como. Perto =da hora de jantar, a campainha quebrou o sil�ncio, agora =agrad�vel, do seu apartamento. Era Gilberto, impecavelmente vestido e =com um enorme ramo de rosas nas m�os:
- Vamos jantar fora?
- Oh, Gilberto, n�o te esqueceste...
- Nunca me esque�o das minhas promessas. A mesa j� est� =marcada, � s� chegarmos. E, claro, levas tu o carro! Madalena =sorriu, trocou de roupa num instante e desceu as escadas ao lado de =Gilberto. Ele de fato e ela de vestido escuro e brilhante iam, =finalmente, jantar juntos ao restaurante tailand�s onde tudo tinha =come�ado. J� estavam juntos h� dois meses, mas Gilberto dizia =sempre que s� queria ir ali com Madalena depois de conclu�do o =processo da carta de condu��o. E assim foi, mesmo que Madalena =tenha insistido v�rias vezes para que l� fossem antes. Chegaram =mesmo a passar � porta do tailand�s, a caminho de qualquer outro =s�tio, e Madalena protestava sempre que queria entrar e jantar ali =mesmo. Mas esse foi o �nico desejo que Gilberto n�o lhe =concretizou, deixando-a � espera do momento certo para ali jantarem =juntos, logo depois de tudo estar resolvido na escola de condu��o =onde ele era professor e ela aluna.
Madalena levou o carro at� ao restaurante com a concentra��o e =o al�vio de quem acaba de obter a carta de condu��o. Estacionou =junto do rio, quase no pont�o, como tinha feito com Mariana h� uns =meses, e olhou a porta vermelha e dourada com a felicidade estampada no =rosto. Quando entraram no restaurante, n�o se espantou de ouvir =Gilberto cumprimentar o empregado numa l�ngua desconhecida
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para si antes de se sentarem na mesa reservada. Seria aquela, =certamente, a l�ngua dos pais de Gilberto. Parecia um conjunto de =sons harmoniosos, uma esp�cie de acorde produzido num instrumento com =uma musicalidade muito pr�pria,
Gilberto convidou-a a provar uma s�rie de iguarias que, da outra vez, =tinham passado desapercebidas e foi explicando pacientemente a origem de =cada prato. Repetiram o peixe que Madalena havia provado da outra vez e =que era, afinal, peixe grelhado � moda dos apanhadores de arroz de =Banguecoque. Comeram v�rias combina��es diferentes de legumes e =provaram alguns molhos muito intensos, uns picantes e outros n�o, mas =todos cheirando aos arrozais e �s longas extens�es de verde da =Tail�ndia. Pelo menos, era essa mistura de cheiros que Madalena =imaginava quando olhava para as fotografias que decoravam as paredes do =restaurante, ou mesmo quando se aproximava, provocante, de Gilberto, ele =pr�prio cheirando um pouco a incenso e a especiarias. Quando a =sobremesa j� tinha chegado, Gilberto p�s um tom muito solene e =agarrou a m�o de Madalena com a suavidade que o caracterizava:
- Madalena, queria perguntar-te uma coisa... -Diz.
- Queres casar comigo?
Madalena ficou sem fala e os olhos brilharam de emo��o.
- Mas... N�o ser� um pouco precipitado?
Gilberto olhou-a em sil�ncio, deixando-a sentir a profundidade do seu =olhar antes de voltar a falar:
- V�s aquela est�tua? - perguntou, apontando a imagem dos dois =deuses protectores dos casais que tanto haviam fascinado Madalena na =primeira vez que os viu - H� sempre
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algu�m � nossa espera neste mundo e o facto de n�o agarrarmos o =momento quando � preciso agarr�-lo deixa os deuses muito =tristes...
Madalena sorriu e apertou a m�o de Gilberto com muita for�a. =Queria muito passar o resto dos seus dias ao lado daquele homem de pele =morena, que a compreendia, que a respeitava e que a sabia enlouquecer =apenas com o toque das m�os na sua pele.
- Aceito, Gilberto, claro que aceito. Com a condi��o de passarmos =a lua-de-mel na Tail�ndia!
- Mas isso fazia parte dos meus planos desde que pensei em pedir-te para =casares comigo... - disse Gilberto, visivelmente emocionado - Partiremos =logo depois do casamento para uma viagem inesquec�vel! Ficamos =instalados em Banguecoque, perto dos arrozais e das extens�es de =�gua que tanto queres conhecer. Ficar�s a conhecer a terra dos =meus pais, onde passei algumas longas f�rias da minha inf�ncia e =onde j� n�o vou h� mais de sete anos. Madalena e Gilberto =casaram-se na Bas�lica da Estrela, rodeados pelos familiares mais =chegados e por alguns amigos. Apesar da magnific�ncia do s�tio, e =das flores ex�ticas que enfeitavam o altar e os bancos corridos da =igreja, foi um casamento discreto e sem agita��es. Os pais do =noivo acolheram Madalena na fam�lia como se sempre soubessem que =seria ela a escolhida e a m�e de Madalena, vi�va h� muitos =anos, recebeu Gilberto como se de um novo filho se tratasse. Logo depois =do casamento, antes mesmo de partirem ambos em direc��o ao =aeroporto e, depois, � Tail�ndia dos seus sonhos, Mariana ainda =teve tempo de dizer a Madalena, em tom de brincadeira:
- Da pr�xima vez que fores a um restaurante ex�tico, v� l� o =que te acontece...
Riram ambas, abra�ando-se em jeito de despedida.
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Madalena voltaria apenas da� a quinze dias e seria pouco prov�vel =que telefonasse entretanto...
Cap�tulo X
Quando o avi�o come�ou a ensaiar a aproxima��o ao solo, =Madalena apertou a m�o de Gilberto e sentiu a ansiedade a pesar-lhe =no est�mago. N�o tinha nenhum medo de andar de avi�o, nem =sequer de aterrar, como acontecia com Mariana. Mas a aproxima��o =do s�tio que tanto queria conhecer e que tinha um papel t�o =importante na vida do seu novo marido deixava-a muito nervosa. Como =seria, na realidade, a Tail�ndia, longe do restaurante ex�tico =junto ao rio, em Lisboa? Madalena sentia-se fascinada com as imagens da =Tail�ndia, mas nunca pensou que a realidade superasse profundamente =todas as fotografias que vira. Assim que sa�ram do aeroporto de =Banguecoque, Madalena ficou sem palavras perante tamanha beleza. =Gilberto, por seu lado, estava comovido pelo regresso � terra de =origem dos seus pais e n�o conseguia dizer quase nada. Depois de =algum tempo de espera, apanharam um t�xi e deixaram-se conduzir =assim, naquele sil�ncio confort�vel, at� ao hotel onde ficariam =instalados.
Chegados ao quarto, com uma janela que se rasgava para a paisagem =bel�ssima do canal, os noivos abra�aram-se e Madalena =sussurrou:
- � linda, a tua terra. Podia viver aqui para sempre...
- Infelizmente, temos ambos de voltar para os nossos trabalhos em =Lisboa. Mas enquanto isso n�o acontece, vamos fazer destes dias os =mais inesquec�veis das nossas vidas! Vem, vamos passear na praia =fluvial que se v� aqui da janela. Vais ver que � um dos s�tios =mais bonitos que
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alguma vez conheceste. E � a �minha� praia, a =praia da minha inf�ncia, onde brincava com amigos que j� n�o =vivem aqui e que, provavelmente, pouco se lembrar�o do �=Portugu�s�.
- N�o digas isso, Gilberto. Tenho a certeza de que nenhum deles se =esqueceu de ti - disse, beijando-o ternamente e afastando dos seus olhos =aquela tristeza nost�lgica que parecia querer apoderar-se dele. J� =de fato de banho e roupa de praia, Madalena e Gilberto apanharam o =primeiro riquex� que passou � porta do hotel e dirigiram-se para a =praia mais pr�xima, uma extens�o de areia a perder de vista, =branca como a luz que envolvia todo o local, e com o azul forte da =�gua a vislumbrar-se ao longe. Caminharam durante muito tempo, =absorvendo a beleza da paisagem em sil�ncio e tocando nas m�os um =do outro a cada passo. O desejo tornou-se mais intenso com o passar dos =minutos e Madalena acabou por parar, aproximando-se devagar do corpo de =Gilberto e acariciando-lhe o torso nu. Gilberto estremeceu e fechou os =olhos, procurando gravar aquele momento para sempre na sua mem�ria. =Quando abriu os olhos, Madalena estava nua e, para al�m deles, n�o =havia mais ningu�m naquela praia deserta. Beijando-se sem parar, =aproximaram-se de uma pequena embarca��o tradicional que parecia =abandonada e deixaram-se cair l� para dentro, tocando-se e dizendo um =ao outro palavras impronunci�veis. Os corpos nus de ambos =misturavam-se ao sabor do desejo, despertando sentidos que pareciam =adormecidos. Gilberto percorria o corpo de Madalena com a ponta dos =dedos, enquanto esta se aproximava mais e mais, tornando o seu corpo e o =de Gilberto apenas um.
Por entre as car�cias e os beijos, nenhum dos dois se apercebeu do =balan�ar do pequeno barco. Pensaram que a
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turbul�ncia se devia � agita��o dos seus corpos enquanto =faziam amor como se fosse a primeira vez... Quando o sossego lhes venceu =as for�as, Madalena e Gilberto descobriram-se rodeados de �gua por =todos os lados. A princ�pio assustaram-se, julgando-se muito longe da =costa. Mas depois Gilberto reconheceu a proximidade de um canavial que =desembocava na praia e onde costumava apanhar r�s quando era uma =crian�a e as f�rias com os pais o levavam at� ali. Remou =vigorosamente, com a ajuda de um ramo que por ali estava ca�do, e =trouxe Madalena at� ao local de onde tinham partido, antes de se =perderem de desejo no corpo um do outro. E foi entre gargalhadas =bemdispostas que colocaram os p�s em areia firme, voltando a colocar =os fatos de banho antes de regressarem ao hotel.
Cap�tulo XI
O regresso a Lisboa deu-se quinze dias depois, com pouca vontade mas com =a alegria de quem se prepara para partilhar uma vida nova.
Madalena e Gilberto decidiram que a casa de Madalena seria o seu ninho =de amor. Para al�m de n�o ser alugada, ao contr�rio da casa =onde Gilberto vivia anteriormente, tinha sido decorada por Madalena na =altura em que um jantar no restaurante tailand�s come�ara a mudar =a sua vida. E nunca a decora��o de uma casa retratou de maneira =t�o fiel os sentimentos de quem a habita. Madalena e Gilberto =sentiam-se a viver um sonho ex�tico, mesmo sabendo que se encontravam =em Lisboa, a muitos milhares de quil�metros das �guas =paradis�acas onde passaram a lua-de-mel. Agora, de regresso aos seus =trabalhos, partilhavam os dias entre os momentos de paix�o e de =loucura,
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amando-se como se ainda estivessem rec�m-casados, explorando um =pa�s distante e muito quente e trocando o corpo pelo desejo por entre =canaviais e embarca��es perdidas.
Madalena j� nem sequer se lembrava de Ant�nio, das discuss�es e =das l�grimas que ocuparam aquele apartamento durante tanto tempo. =Tempo demais, como dizia Mariana e como a pr�pria Madalena =reconhecia, agora que tinha encontrado a felicidade nos bra�os =acolhedores de outra pessoa.
Gilberto, por seu lado, continuava a dar aulas de condu��o, =planeando abrir uma escola pr�pria. J� tinha nome, claro: a =Estrada da Vida. Primeiro tinha pensado em Estrada do Amor, mas =pareceu-lhe pouco adequado para uma escola de condu��o. No =entanto, era isso que sentia quando se lembrava das primeiras aulas de =Madalena e queria que o seu novo neg�cio prestasse homenagem � =mulher que amava e que lhe mudara, definitivamente, a vida. Uma vez por =ano, passaram a deslocar-se � Tail�ndia durante as f�rias, =chegando mesmo a levar consigo os pais de Gilberto, cheios de saudades =da sua terra. E sempre que chegavam a Banguecoque, o destino era o =mesmo: a praia fluvial onde um canavial escondia algumas =embarca��es abandonadas e onde Gilberto e Madalena faziam amor =como se fosse a primeira vez, os corpos molhados com o calor e as ondas =e os olhos fechados � espera do anoitecer. Ali tinham alcan�ado um =n�vel de entendimento s� acess�vel aos casais que beneficiavam =da protec��o dos deuses e ali regressavam todos os anos, com o =desejo pronto para se cumprir e a certeza de que se amariam para o resto =da vida, em Lisboa ou na Tail�ndia.
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fim
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De: antónio veloso
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