53 passos
Marisa Lajolo
O QUE ��
LITERATURA
Copyright �� Marisa Lajolo
Capa:
123 (antigo 27)
Artistas gr��ficos
Caricaturas:
Em��lio Damiani
Revis��o:
Jos�� E. Andrade
editora brasiliense s. a.
01223 ��� r. general jardim, 160
s��o paulo ��� brasil
" . . . a literatura existe. Ela �� lida, vendida, estuda-da. Ela ocupa prateleiras de bibliotecas, colunas de
estat��sticas, hor��rios de aula. Fala-se dela nos jor-
nais e na T V . Ela tem suas institui����es, seus ritos,
seus her��is, seus conflitos, suas exig��ncias. Ela ��
vivida cotidianamente pelo homem civilizado e
contempor��neo como uma experi��ncia espec��fica,
que n��o se assemelha a nenhuma o u t r a . "
( R . Escarpit, Le Litt��raire et le social)
"Perguntar-se o que pode a literatura? �� j�� uma ati-
tude mais cient��fica do que perguntar-se o que �� a
literatura?, mas seria melhor ainda perguntar-se
o que podemos fazer da literatura?"
(Idem, ibidem)
I
N��o faz tanto tempo, o mundialmente famoso
soci��logo norte-americano Marshal McLuhan come-
teu a especial delicadeza de dizer a um grupo de es-
critores reunidos num congresso do Pen Club que
eles, escritores, eram nada mais nada menos do que
" o s ��ltimos sobreviventes de uma esp��cie em vias
de extin����o" pois "j�� n��o serve para nada escrever
e publicar livros" (Teoria da Literatura).
Um livro que ��� exatamente por ser um livro ���
registra e difunde o progn��stico de McLuhan, de-
fende opini��o oposta, assinada pelo professor V �� t o r
Manuel de Aguiar e Silva: "a literatura n��o �� um jo-
go, um passatempo, um produto anacr��nico de
uma sociedade dessorada, mas uma atividade art��s-
tica que, sob multiformes modula����es, tem exprimi-
do e continua a exprimir, de modo inconfund��vel, a
alegria e a ang��stia, as certezas e os enigmas do ho-
Marisa Lajolo
mem. Foi assim com ��squilo e com O v �� d i o , com
Petrarca e com Shakespeare, com Racine e com
Sthendal, com E��a e com James J o y c e ; continua a
ser assim com Sartre e com Beckett, com Jorge
Amado e com Nelly Sachs, com Norman Mailer e
com Cholokhov, com Miguel T o r g a ou com Her-
berto H��lder. E assim h�� de continuar a ser com os
escritores de amanh��. Apenas variar�� o tempo e o
m o d o " (Idem).
Mas, tanto McLuhan quanto V �� t o r Manuel s��o
pessoas muito especiais: s��o intelectuais, pensado-
res, produtores de conhecimento. Freq��entam con-
gressos, escrevem livros, t��m sua opini��o ouvida,
discutida, comentada. Assim, por mais divergentes
e contradit��rios que sejam seus pontos de vista so-
bre a literatura, h�� algo de comum entre eles: am-
bos assumem suas posi����es a partir de uma tradi����o
cultural que vem se construindo h�� s��culos. O que
�� literatura, para qualquer um deles ��� como para
qualquer intelectual de sua classe e quilate ��� exige
uma resposta que retoma, atualiza e prolonga tudo
o que j�� foi, at�� hoje, pensado sobre o assunto.
Para encurtar a conversa, a posi����o que cada um
deles assume perante a literatura �� uma posi����o cul-
ta, inserida numa tradi����o cultural que, se tem o
respaldo de muitos s��culos, tem tamb��m a civiliza-
����o burguesa por horizonte.
A q u �� m e al��m deles, uma multid��o de gente
an��nima: voc��, eu, n��s todos eventualmente j�� nos
perguntamos e j�� nos respondemos o que �� litera-
O que �� Literatura
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tura. Perguntas permanentes, respostas provis��rias.
T �� o permanentes umas e provis��rias outras quanto
o s��o as perguntas e respostas com que lidam os in-
telectuais do time dos McLuhan e V �� t o r Manuel.
S�� que sem o reflexo do espelho, das cita����es, dos
interlocutores.
Ent��o, em igualdade de condi����es, �� arrega��ar as
mangas e pagar pra ver.
II
Ser�� que �� errado dizer que literatura �� tudo
aquilo que cada um de n��s considera literatura?
Por que n��o incluir num conceito amplo e aberto
de literatura as linhas que cada um rabisca em mo-
mentos especiais? Ou aquele conto que algu��m
escreveu e est�� guardado na gaveta? Por que excluir
da literatura o poema que seu amigo fez para a na-
morada, s�� mostrou para ela e para mais ningu��m?
Por que n��o chamar de literatura a hist��ria de bru-
xas e bichos que de noite, �� hora de dormir, sua
m��e inventava para voc�� e seus irm��os? Por que ne-
gar o nome de literatura aos poemas mimeografa-
dos que o jovem autor vende para a plat��ia depois
do espet��culo ou na feira hippie de domingo?
Estes textos n��o t��m a mesma cidadania liter��-
ria que o romance famoso com cr��tica no jornal e
comentado na escola?
O que �� Literatura
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�� abrir os olhos e olhar em volta, para as pilhas
de livros que habitam bibliotecas e livrarias, para os
textos que nos contemplam distribu��dos em volan-
tes mimeografados ou pintados a spray em alguns
muros e edif��cios da cidade, e remeter a eles a per-
gunta: o que �� literatura?
Certos livros s��o muito conhecidos. Est��o �� ven-
da em qualquer livraria, todos conhecem o nome
de quem os escreveu.
O todos acima �� um modo de dizer. Digamos,
quase todos, o u , melhor ainda, quase todos de uma
certa classe, pois nenhum M O B R A L conseguiu ain-
da transformar nem em leitores e muito menos em
consumidores de livros a percentagem dos cento e
vinte milh��es de brasileiros, que, por direito de ida-
de, poderia ter acesso a bibliotecas e cong��neres.
Mas, ent��o, esses quase todos de uma certa classe
dizem ter lido ou pretender ler tal ou qual autor.
Jorge A m a d o , Vin��cius de Morais e Castro Alves
parecem se incluir neste caso. S��o badalados, estu-
dados nas escolas, citados. Os vivos est��o sempre
recebendo convites para confer��ncias, noites de
aut��grafos, feiras de livros. E ��s vezes brigam. Co-
mo diz D r u m m o n d :
0 poeta municipal
discute com o poeta estadual
qual deles �� capaz de bater o poeta federal.
Enquanto isso o poeta federal
tira ouro do nariz.
(Reuni��o)
12
Marisa Lajolo
J�� outros escritores n��o desfrutam desta por as-
sim dizer unanimidade. Est��o em outro esquema.
Seus nomes s��o desconhecidos, suas obras s��o dif��-
ceis de serem encontradas em livrarias, n��o cons-
tam das bibliotecas, ningu��m fala delas . . . s��o es-
critores que imprimem seus livros �� pr��pria custa e
v��o vend��-los de porta em porta ou de mesa em
mesa, em restaurantes, bares, cinemas e teatros das
grandes cidades.
Enquanto isso tem-se not��cia de que em peque-
nas cidades, cantadores de feira, repentistas, conta-
dores de hist��rias ��� embora amados e respeitados
por seu p��blico ��� raramente projetam seus nomes
para al��m dos locais por onde passam.
N u m movimento oposto, em segmentos extre-
mamente modernos e requintados da sociedade, li-
vros de grande sucesso ��� os best-sellers ��� s��o escri-
tos por uma esp��cie de trabalho em linha indus-
trial: a produ����o da obra come��a com um levanta-
mento das expectativas do p��blico: tipo de hist��ria
que prefere, toler��ncia maior ou menor a sexo e
viol��ncia, cen��rios e ambientes de maior I B O P E ,
coisas assim. C o m base nesta pesquisa escreve-se
um romance por assim dizer sob medida para o p��-
blico. C o m o investimento comercial, livros deste fi-
gurino correm riscos m��nimos em termos de retor-
no financeiro.
E a��? C o m formas t��o diferentes de produ����o e
circula����o de objetos igualmente denominados lite-
ratura, ser�� que �� poss��vel defini-la?. Vamos chamar
O que �� Literatura
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igualmente de literatura os romances de autores
consagrados como ��rico Ver��ssimo e as produ����es
quase an��nimas de cantadores de feira e autores
marginais? V �� o para o mesmo saco (de gatos . . .)
best-sellers escritos quase que de encomenda e re-
quintadas obras de vanguarda que apenas poucos e
eleitos entendem? E cabe tamb��m a etiqueta litera-
tura para aqueles autores como Rui Barbosa e Coe-
lho Neto, que quase s�� sobrevivem em manuais e
aulas caret��ssimas?
Antes que voc�� desista e feche este livro, fique
sabendo que o problema n��o aflige s�� leitores e au-
tores an��nimos. Confunde tamb��m gente mais
gra��da, diretamente envolvida na quest��o. Por
exemplo, escritores, mesmo os de renome.
M��rio de Andrade, escritor brasileiro da primeira
metade deste s��culo, parece ter resolvido a quest��o
de maneira exemplar: irritado com as intermin��veis
discuss��es sobre o conto, virou a mesa e p u x o u o
tapete das pol��micas sisudas: " T a n t o andam agora
preocupados em definir o conto que n��o sei bem se
o que vou contar �� conto ou n��o, sei que �� verda-
d e " (Contos Novos). Em outro momento, o mesmo
M��rio de Andrade explode de n o v o : " C o n t o �� tudo
aquilo que o autor chama de c o n t o " . Primazia
absoluta da inten����o do autor, den��ncia radical do
arbitr��rio e relativo das teorias que definem, reba-
tem, discutem e muito pouco dizem ao autor e ao
leitor.
Rubem Braga pode ser outro exemplo de desaba-
14 Marisa Lajolo
fo. Sentindo-se expulso de uma das v��rias hist��rias
da literatura brasileira que correm mundo ( ! ! ! ) ,
considerou-se vingado no momento em que uma
antologia de suas cr��nicas foi inclu��da numa cole-
����o com um t��tulo explicitamente liter��rio.
Outros escritores ��� poetas, romancistas, teatr��-
logos ��� tiveram e t��m momentos semelhantes de
revolta: n u m gesto largo de independ��ncia, deram
soberania ao indiv��duo que escreve, atribuindo a
ele ��� a ele e talvez a seus leitores ��� o direito de
chamar ou n��o alguma coisa de literatura.
Veja o leitor como �� f��cil ser irreverente quando
se vai de m��os dadas com M��rio de Andrade e Ru-
bem Braga. Embora n��o sejam da Academia, eles
s��o da patota. Somos incorrig��veis, n��o ��? Gratos
pela for��a que nos deram, voltamos a indagar de
nossos bot��es.
Ser�� que s��o literatura os poemas adormecidos
em gavetas e pastas pelo mundo afora, os romances
que a falta de oportunidade impediu que fossem
publicados, as pe��as de teatro que, como dizia Fer-
nando Pessoa, jamais encontrar��o ouvidos de gen-
te? Ser�� que tudo isso �� literatura? E, se n��o ��, por
que n��o ��? Para uma coisa ser considerada litera-
tura tem de ser escrita? T e m de ser editada? T e m
de ser impressa em livro e vendida ao p��blico?
Ser�� ent��o que tudo o que foi publicado em li-
v r o �� literatura? Mesmo aquele romance de alta sa-
canagem, que todo mundo l�� escondido e gosta?
E os livros que nenhum professor manda ler, de
O que �� Literatura
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que cr��tico nenhum fala, que jornais e revistas sole-
nemente ignoram?
A resposta �� simples. T u d o isso ��, n��o �� e pode
ser que seja literatura. Depende do ponto de vista,
do sentido que a palavra tem para cada u m , da si-
tua����o na qual se discute o que �� literatura.
M��rio de Andrade
III
Mas chega de rodeios. A paci��ncia �� curta, n��o ��
verdade, impaciente leitor? E vamos a um final-
mente que d�� a sensa����o de que n��o perdemos tem-
po, e que, por esta altura, j�� estamos mais pr��xi-
mos de um conceito de literatura do que est��vamos
quando contempl��vamos este livrinho do lado de
fora da vitrina da livraria.
O finalmente �� que a obra liter��ria �� um objeto
social. Para que ela exista, �� preciso que algu��m a
escreva e que outro algu��m a leia. Ela s�� existe en-
quanto obra neste interc��mbio social.
N u m mundo como o nosso, essa rela����o bin��ria
entre o produtor e o consumidor de obras liter��-
rias �� mediada por muitas inst��ncias: a do editor,
a do distribuidor, a dos livreiros, para ficarmos s��
nas alf��ndegas que o t e x t o paga para ter direito a
ser impresso, a circular e, eventualmente, a ser lido.
O que �� Literatura
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H��, ent��o, na sociedade moderna, uma esp��cie
de corredor comercial pelo qual deve passar a obra
liter��ria antes que se cumpra sua natureza social, de
criar um espa��o de intera����o est��tica entre dois su-
jeitos: o autor e o leitor (epa! com este "espa��o de
intera����o est��tica entre dois sujeitos" parece que os
fina/mentes v��m de cambulhada e chovem sobre o
t e x t o , n��o ��, leitor amigo?). Vamos sair de fininho
deste circuito, cujo reconhecimento, no entanto, ��
indispens��vel na caracteriza����o do sistema contem-
por��neo de produ����o da obra liter��ria. Sob este as-
pecto, n��o tem choro nem vela: a literatura iguala-
-se a qualquer produto produzido e consumido em
moldes capitalistas, isto ��, confunde-se com esmal-
tes de unhas, marcas de carro e supermercados.
Mas, h�� mais coisas, entre o autor e o leitor, de
que a sombra sinistra do sistema capitalista de pro-
du����o. Para que um texto seja considerado literatu-
ra (e aqui, talvez, alguns leitores gostassem de uma
inicial mai��scula . . . Literatura) �� preciso algo mais
do que o livre tr��nsito entre seu autor e um eventual
leitor. Parece ser necess��rio o aval dos canais com-
petentes. Quem s��o estes canais? Pois ��. Quem s��o?
Canais competentes s��o todas aquelas inst��ncias
��s quais cumpre referendar a li terariedade. ��s quais
compete, por uma esp��cie de acordo entre cavalhei-
ros, estabelecer (mesmo que pela cr��tica demolido-
ra), o valor ou a natureza art��stica e liter��ria de
uma obra considerada liter��ria por seu autor ou
eventuais leitores.
18
Marisa Lajolo
�� necess��rio, portanto, para que uma obra seja
considerada parte integrante do conjunto de obras
liter��rias de uma dada tradi����o cultural, que ela
tenha o endosso de certos setores mais especializa-
dos, aos quais compete o batismo de um texto co-
mo liter��rio ou n��o liter��rio.
E quem s��o estes setores especializados?
S��o poucos, ou muitos, mas sempre os mesmos,
que Narciso acha feio o que n��o �� espelho: os inte-
lectuais, a cr��tica, a universidade, a academia. Algu-
mas destas entidades s��o ".entidades" entre aspas.
N��o s��o institucionalizadas. Sem sede nem cartei-
rinha, pairam nas nebulosas esferas do subentendi-
do, do dito nas entrelinhas, do tacitamente consen-
tido. Outras n��o. A Academia ��� a Brasileira de Le-
tras, por exemplo ��� al��m de sede tem uniforme e
espada. A cr��tica j�� �� mais sutil: inclui tanto as aze-
das opini��es de um desafeto do autor, quanto o
minucioso (mas nem por isso mais insuspeito) estu-
do de uma obra numa publica����o especializada em
cr��tica liter��ria.
Entre as inst��ncias respons��veis pelo endosso do
car��ter liter��rio das obras que aspiram ao status de
literatura, a escola �� fundamental. A institui����o es-
colar �� das que h�� mais tempo e com maior efici��n-
cia v��m cumprindo o papel de avalista e fiadora da
natureza e valor liter��rios dos livros em circula����o.
Podia-se acompanhar historicamente o sucessivo
acumular de compet��ncias que foi dotando a escola
de um poder de censura ��� em nome do bom gos-
O que �� Literatura
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to ��� sobre a produ����o liter��ria. Mas seria demo-
rado, n��o ��, leitor? Vamos ent��o por um atalho,
a reflex��o sobre a palavra cl��ssico e seus derivados,
de tr��nsito t��o freq��ente em livros e aulas de lite-
ratura, e tema do p r �� x i m o cap��tulo.
IV
�� primeira vista, cl��ssicas s��o as obras produzi-
das num determinado per��odo da tradi����o liter��ria:
os velhos autores da antiga Gr��cia e Roma, os mais
modernos ��� mas igualmente antigos ��� escritores da
Europa renascentista. Mas, desse significado (indi-
car as obras produzidas numa determinada ��poca),
cl��ssico ��� suas flex��es e derivados ��� passou a indi-
car um j u �� z o de valor: tanto para uma partida de
futebol quanto para um livro.
Nesta outra acep����o, a de significar excel��ncia,
boa qualidade, um autor ou texto para serem consi-
derados cl��ssicos n��o precisam ser contempor��neos
nem da Gr��cia de Eur��pides, nem da Fran��a de Ra-
cine, nem mesmo do Portugal de Cam��es. Basta
apenas que o escritor ou o t e x t o sejam reconheci-
dos como excelentes, acima de qualquer suspeita . . .
�� s�� nesse sentido que se pode dizer que Rubem
O que �� Literatura.
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Braga �� um cl��ssico da cr��nica, ou Noel Rosa um
cl��ssico da m��sica popular brasileira.
E qual foi o passe de m��gica pelo qual a palavra
cl��ssico (a, os, as, ismo. . .) desenvolveu um signi-
ficado segundo sobre um significado primeiro? O u ,
melhor ainda: qual �� o significado primeiro e qual ��
o segundo? Sem cartolas nem coelhos, a jogada est��
na palavra derivada de classis, palavra latina que sig-
nifica classe de escola. Os cl��ssicos, ent��o, eram
chamados cl��ssicos por serem julgados adequados
�� leitura dos estudantes, ��teis na consecu����o dos
objetivos escolares. E como a escola, na sele����o de
seus textos, privilegiava os autores mais antigos,
vem da�� talvez a superposi����o de significados.
Come��a assim, bem antigamente, o papel da es-
cola de ser uma das mais importantes inst��ncias
que legitimam uma obra, n��o s�� como boa ou m��
literatura, mas como literatura ou n��o literatura.
Os tra��os de institui����o avalista e sancionadora da
produ����o que se pretende liter��ria persistem em
outras maneiras de dizer: a escola rom��ntica, a
escola de Recife e, mais uma vez, na maravilhosa
irrever��ncia de M��rio de Andrade, para quem " e m
arte: escola = imbecilidade de muitos para vaidade
dum s �� " .
T e m , assim, marcas muito fundas de seu lugar
social de origem toda a discuss��o sobre o que �� lite-
ratura. Reconhecer o lugar social que marca esta
discuss��o n��o implica em negar sua validade, sua se-
riedade. Implica apenas em assumir sua relativida-
22
Marisa Lajoh
de, em negar sua superioridade, seu car��ter de ver-
dade maior e absoluta.
A discuss��o nestes termos de o que �� literatura
costuma ser s��ria. Profunda. Bem formulada. J�� faz
muitos s��culos que certos homens v��m se empe-
nhando em definir, para melhor compreender e do-
minar, a natureza dos textos que os encantam. Esse
esfor��o cont��nuo de defini����o faz com que as for-
mula����es mais modernas constituam uma forma de
di��logo que retoma, rebate e prolonga as anterio-
res. Incorporam conceitos de outras ci��ncias huma-
nas. Exigem, de quem quer discuti-lo, um m��nimo
de familiaridade com a linguagem da filosofia, da
hist��ria, da lingu��stica, da sociologia, da antropolo-
gia, de quantas logias mais se quiser.
Calma, leitor indignado e impaciente. Para entrar
na e participar da plen��ria desta discuss��o, �� preci-
so ter ingresso. Para dizer a verdade, comprar in-
gresso. N��o d�� para pegar o bonde andando, que o
tombo �� quase certo. E os ingressos ��� livros, cur-
sos, escolas ��� nem est��o por a��, nem s��o oferta gr��-
tis. Custam exatamente o que custa pertencer ��
classe dominante o u , pelo menos, ter acesso a suas
formula����es culturais. Que, ali��s, �� o que se costu-
ma exigir quando se pretende avaliar "instru����o",
" c u l t u r a " , "saber", e t c , e t c , etc.
De uma vez por todas, a viagem pelos conceitos
costuma interessar apenas a uns poucos. Por exem-
O que �� Literatura
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pio, s�� aos que usam ��culos, que os outros est��o
ocupados demais com a pr��pria sobreviv��ncia e,
portanto, ignoram a viagem do bonde fant��stico,
cujos primeiros passageiros conhecidos foram pro-
vavelmente Plat��o e Arist��teles, revezados depois
por uma pequena multid��o de cidad��os do n.jndo
igualmente ilustres.
Definitivamente, ent��o, quem escreve e l�� um li-
v r o como este aqui, j�� est�� a meio caminho do ocu-
lista. As situa����es nas quais precisamos de uma res-
posta para a pergunta o que �� literatura? s��o muito
marcadas. Se n��o t��m fard��o e beca, t��m lousas,
exames e livros como cen��rio. O script �� o que nos
deram e, queiramos ou n��o, precisa ser decorado;
incorporado, entendido.
H��, portanto, que escolher o t o m de v o z certo,
o que n��o impede ningu��m de mostrar a l��ngua
quando todos est��o de costas. O u , os mais afoitos,
em pleno palco, o de frente para a plat��ia. Que o
mais �� guardar-se pra quando o carnaval chegar.
V
Mesmo ��� e talvez principalmente ��� de uma pers-
pectiva culta, definir literatura exige uma razo��vel
m��o-de-obra. Nem do ponto de vista tradicional,
acad��mico e elaborado, literatura tem uma defini-
����o, no sentido em que podem ser definidos ��� com
certa unanimidade ��� um composto qu��mico, um
acidente geogr��fico, um ��rg��o do corpo humano.
Pode-se definir, sem muito sangue na arena, ��gua,
cordilheira, aparelho respirat��rio, coisas assim. Mas
a poeira �� muita quando se tenta definir literatura,
liberdade, arte e cong��neres. A�� as perguntas s��o
muitas e as respostas poucas. T e m tanta gente pen-
sando no assunto (ali��s, sempre teve) e tantas e t��o
diferentes s��o as respostas sugeridas que n��o d��
para eleger uma delas como verdadeira e jogar no
lixo todas as outras.
O que �� literatura? �� uma pergunta que tem v��-
O que �� Literatura
25
rias respostas. E n��o se trata de respostas que, pau-
latinamente, v��o-se aproximando cada vez mais de
uma grande verdade, da verdade-verdadeira. N��o ��
nada disso. N��o existe uma resposta correta, por-
que cada tempo, cada grupo social tem sua respos-
ta, sua defini����o para literatura. Respostas e defi-
ni����es ��� v��-se logo ��� para uso interno.
J�� houve centenas de tentativas de definir o que
�� literatura. Nessas investidas, v��rios t��m sido os
crit��rios pelos quais se tenta identificar o que torna
um t e x t o liter��rio ou n��o liter��rio: o tipo de linguagem empregada, as inten����es do escritor, os temas
e assuntos de que trata a obra, a natureza do proje-
to do escritor. . . tudo isso j�� teve ou ainda tem
sua hora e sua vez. Cada uma destas defini����es ��
parcial em si mesma. E em conjunto, mais do que
se anularem umas ��s outras, complementam-se,
ajustam melhor certos aspectos e, acima de tudo,
correspondem ao que foi ou �� poss��vel pensar de li-
teratura num determinado contexto da vida do ho-
mem.
Estabelecer, afinal, o que uma coisa �� pode n��o
valer tanto a pena. Desconfio, e meus bot��es con-
cordam, que a literatura continuar�� a ser o que ��
para cada u m , independente do que outros digam
que ela ��. De qualquer forma, a ascens��o e queda
de conceitos de literatura parece seguir uma din��-
mica pr��pria e n��o exclusiva: pensadores, escrito-
res, artistas e demais interessados discutem, escre-
vem, polemizam (antigamente ��s vezes at�� duela-
26 Marisa La jo lo
vam) e, com isso, modulam conceitos que parecem
explicar de forma convincente o que �� literatura
em vista da produ����o de seu tempo. Giram os pon-
teiros. De repente, come��am a surgir novos tipos de
poemas, romances e contos passam a manifestar
perfis inovadores, surgem formas novas e n��o pre-
vistas de cria����o liter��ria e .. . engatam-se novas
discuss��es, novas teorias, at�� que a poeira assenta,
para de novo levantar-se em nuvem tempos depois.
O que quero dizer �� que h�� uma profunda rela-
����o entre as obras escritas num per��odo ��� e que,
portanto, configuram a literatura deste per��odo ���
e aquilo que, nestas obras, costuma ser identifica-
do como o espec��fico liter��rio. Desenvolve-se, as-
sim, uma esp��cie de di��logo ininterrupto entre a
pr��tica e a teoria da literatura. Em outras palavras:
os conceitos de literatura (lembre-se da ressalva, lei-
tor: certos conceitos, os de tradi����o filos��fica, inte-
lectual . . .) s��o inspirados pela leitura das obras li-
ter��rias (perd��o, leitor, mas de novo outra ressalva:
de certas obras, de livre tr��nsito nos meios filos��fi-
cos e i n t e l e c t u a i s . . . ) . Reciprocamente, as obras
liter��rias de um certo tempo, por serem perme��veis
ao interc��mbio, incorporam tais formula����es, vali-
dando-as aos olhos de seus formuladores.
Teoria e pr��tica liter��ria, ent��o, correm o risco
de se repetirem uma �� outra. A partir de certo mo-
mento, a quase perfeita identidade entre te��ricos e
escritores torna-se redundante. Eco rec��proco, o
t e x t o liter��rio e sua teoria chegariam ao impasse do
O que �� Literatura
27
sil��ncio. A volta por cima �� o momento da vanguar-
da, da subvers��o de tudo o que se disse e se fez em
termos de literatura.
�� nessa subvers��o radical que a literatura retoma
sua din��mica. Brechas-no aparato conceituai, lin-
guagens novas no horizonte da produ����o liter��ria.
E recome��a o di��iogo, n��o s�� do t e x t o liter��rio
com sua teoria, mas da produ����o liter��ria de um
dado per��odo com todo o conjunto de obras que o
precedeu. Rompe-se a�� o c��rculo vicioso de uma
teoria e uma pr��tica que constituem um espelho no
qual.se miram uns e outros.
Mas, seja como for, mesmo de uma perspectiva
intelectual, as defini����es propostas para literatura
importam menos do que o caminho percorrido pa-
ra chegar a elas. O u , como dizia Fernando Pessoa,
o que importa mesmo �� esperar D. Sebasti��o, quer
venha ou n��o.
Apontar, ent��o, como a literatura foi diferente-
mente concebida em diferentes momentos da hist��-
ria �� o caminho esperado. No tempo devido iremos
a ele, mesmo que esse percurso n��o me pare��a afe-
tar muito o relacionamento das pessoas com os tex-
tos cuja leitura lhes d�� prazer. Reivindico, portan-
to, o direito a miragens e caretas, para as quais os
leitores est��o devidamente convidados.
No intervalo, um ajuste de contas: da literatura
com a linguagem.
VI
V a m o s come��ar o ajuste de contas pedindo so-
corro ao Aur��lio que, no lugar competente (p��gi-
na 845), ensina que:
L I T E R A T U R A [ D o lat. litteratura.] S.F. 1. Arte de compor ou escrever trabalhos art��sticos em prosa ou verso. 2. O
conjunto de trabalhos liter��rios dum pa��s ou duma ��po-
ca. 3. Os homens de letras: A literatura brasileira fez-se
representar no col��quio de Lisboa. 4. A vida liter��ria.
5. A carreira das letras. 6. Conjunto de conhecimentos
relativos ��s obras ou aos autores liter��rios: estudante de
literatura brasileira; manual de literatura portuguesa. 7.
Qualquer dos usos est��ticos da linguagem: literatura oral
q.v. 8. Fam. Irrealidade, fic����o: Sonhador, tudo quanto
diz �� literatura. 9. Bibliografia: J�� �� bem extensa a literatura da f��sica nuclear. 10. Conjunto de escritos de propa-
ganda de um produto industrial.
O que �� Literatura
29
S��o, como se v��, dez diferentes significados reco-
bertos pela mesma palavra. Mas, antes que algum
leitor mal-humorado me acuse de passar a bola para
o Aur��lio em vez de entrar eu mesma em campo
para a partida, aviso: o que me interessa l�� do ver-
bete dele, por enquanto, �� a informa����o primeira,
que vem entre colchetes: [do latim litteratura.].
A forma latina litteratura nasce de outra palavra
igualmente latina: littera, que significa letra, isto ��,
sinal gr��fico que representa, por escrito, os sons da
linguagem. 0 parentesco letras/literatura continua
em express��es como cursos e academias de letras,
homens letrados, be\as-letras e tantas outras. Insi-
nua-se, por a��, uma estreita rela����o entre a palavra
literatura e a no����o de l��ngua escrita, pergaminho
com iluminuras, papel impresso, etc.
Corra, leitor cauteloso! V�� conferir no verbete do
Aur��lio quantas vezes a no����o de escrita est�� impl��-
cita ou expl��cita nos significados que ele atribui a
literatura.
Aos olhos da nossa tradi����o cultural, o d o m �� n i o
da escrita vale muitos pontos, �� timbre de distin-
����o, atestado de superioridade intelectual, marca
de valor: tanto para indiv��duos quanto para civili-
za����es. Que os esc��ndalos anuais em torno da assim
chamada calamidade-reda����o nos exames vestibula-
res o atestem. Assim, o entrela��amento da no����o
de literatura com a linguagem escrita favorece um
conceito de literatura que privilegia a manifesta����o
escrita sobre a oral.
30
Marisa Lajolo
Some-se a isso o fato de que, antes de significar
o que significa hoje, o termo literatura recobria ou-
tros significados: o de erudi����o, de conhecimentos
gramaticais, de dom��nio das l��nguas cl��ssicas... foi
s�� a partir dos meados do s��culo X V I I I que a pala-
vra literatura foi tendo atenuado seu significado de
atividade intelectual superior mas generalizada, e
fortalecido o significado mais p r �� x i m o do que hoje
ela nos sugere.
Mas, se hoje a palavra literatura em algumas si-
tua����es j�� rompeu com a conota����o de altos sabe-
res e elevadas ci��ncias, este rompimento n��o foi
total: gravita ainda, em torno da palavra (e da no-
����o de) literatura um restinho do halo de serieda-
de e respeitabilidade que aureolava seus antigos
usos.
Ilustrando essa import��ncia da escrita no estabe-
lecimento da teoria e da hist��ria liter��ria, vamos
voltar no tempo, ��s primeiras manifesta����es pol��-
ticas do velho Portugal, todas de car��ter eminente-
mente oral: as can����es de amigo e de amor. C o m o
sugere a palavra can����o, eram originalmente textos
orais, cantados e dan��ados pelos coloridos jograis
e trovadores da Idade M��dia portuguesa. No entan-
to, essa produ����o oral s�� se transforma em docu-
mento liter��rio a partir do momento em que �� re-
gistrada e recolhida em cancioneiros.
O curioso �� que na compila����o, os textos deixam
de.ser o que eram: m��sica, dan��a e palavra, e pas-
sam a ostentar a frialdade e distanciamento do tex-
O que �� Literatura
31
to s�� escrito, das linhas secas e despidas de m��sica.
Distancia-se, assim, o registro que temos (e sobre o
qual se constr��i a hist��ria liter��ria) de nossas ori-
gens liter��rias, das apresenta����es musicais e movi-
mentadas dos artistas que apresentavam simulta-
neamente a m��sica, o canto, a dan��a.
Neste mesmo sentido ��� da elitiza����o e do res-
friamento do que se chama literatura ��� o nosso
dia-a-dia tamb��m �� eloq��ente: olhando �� nossa vol-
ta, vemos como explode uma cultura rica em mati-
zes visuais, riqu��ssima em sonoridades, tons e semi-
tons. O corpo reivindica o espa��o que tanto tempo
a repress��o confinou ao limite das roupas e dos mo-
vimentos s��brios do decoro burgu��s. O corpo re-
conquistado explode em movimento, em dan��a, em
sensa����es. Assim, movimento, visualidade, sonori-
dade, geralmente ausentes (ou apenas latentes) no
texto escrito, manifestam-se gloriosamente na m��-
sica popular, sem d��vida ref��gio contempor��neo
da literatura.
A admiss��o da MPB no p��dio da literatura, no
entanto, n��o �� t��o tranq��ila assim: fora os que tor-
cem de cara o nariz, existem os que cobram sua ad-
miss��o: o pre��o �� ser a MPB pass��vel de uma refle-
x��o que, passando por cima de seus elementos n��o
estritamente verbais, aplica a ela os mesmos crit��-
rios e categorias tradicionais na literatura escrita.
Isto s�� para n��o falar da telenovela, tamb��m sem
direito ao p��dio liter��rio . . . intelectual nenhum
que se preze assiste a ela.
32
Marisa Lajolo
Essa desconfian��a de tudo o que n��o �� escrito,
ou de tudo que ao escrito acrescenta outros c��di-
gos, n��o nasce da azeda m�� vontade da cr��tica, n��o.
��, talvez, a marca de sua impot��ncia para lidar com
qualquer coisa que, ao contr��rio dela, n��o tenha
ra��zes cultas e nobres.
VII
Quando o homem n��o era mais s��mio, mas ainda
n��o era completamente humano, no come��o de tu-
do, ele se maravilhou com a linguagem.
Foi atrav��s dela, talvez naquele tempo limitada a
ru��dos muito primitivos, ainda pr��ximos do grito
animal, que suas coisas ausentes se fizeram t��o pre-
sentes como se nunca passaram. O que era remoto
e perigoso tornou-se familiar e amoldou-se �� di-
mens��o humana.
Bichos, plantas, rios e montanhas receberam no-
mes. Foram reproduzidos em desenhos, foram sim-
bolizados por sons e sinais gr��ficos. Completou-se a
transforma����o: o homem n��o era mais um ser entre
outros seres, mas o ser capaz de simbolizar todos
os outros. E, nessa faculdade de simboliza����o, esta-
va latente a possibilidade de conhecimento e dom��-
nio.
34
Marisa Lajolo
As lendas e hist��rias que contam o poder m��gico
de certas palavras, vivem nos lembrando disso: a ca-
verna de Ali Baba abria-se por for��a m��gica do
abre-te s��samo\ Nas mitologias da sociedade mo-
derna, o Capit��o M��rvel invoca, com a palavra SHA-
ZAN, as qualidades ol��mpicas e her��icas dos deuses
e semideuses que lhe delegam superpoderes.
T a m b �� m testemunho vivo desta for��a m��gica
que se atribui �� linguagem e que sempre fascinou o
homem �� o tabu que cerca a pron��ncia de algumas
palavras. C��ncer talvez seja o melhor exemplo con-
tempor��neo do medo que certas palavras provo-
cam. Esta seq����ncia de seis letras tem um eco t��o
terr��vel e profundo, que s�� �� pronunciada raramen-
te. Em lugar da precis��o fria deste termo para no-
mear a doen��a, usamos circunl��quios, express��es
atenuantes: "aquela doen��a", "mal t e r r �� v e l " s��o f��rmulas substitutas: tomam o lugar de c��ncer,
assim como mal de Hansen e mal dos deuses assus-
tam menos do que lepra e epilepsia.
Parece, ent��o, que, em rela����o a certas palavras,
o homem se comporta como se acreditasse que a
simples pron��ncia delas tivesse o poder de defla-
gar a realidade da coisa nomeada. Em outras pala-
vras: a presen��a do nome seria suficiente para car-
rear a presen��a do ser que ele nomeia.
O u t r o exemplo ainda, para os leitores c��ticos
que acreditam piamente que as palavras s��o pala-
vras e nada mais: na tradi����o judaica ortodoxa, a
palavra deus n��o pode ser escrita com todas as le-
O que �� Literatura
35
tras, em obedi��ncia ao preceito "n��o tomar��s seu
santo nome em v��o". No aportuguesamento do
preceito escreve-se D'us. D'us, ent��o, na mutila����o
de sua integridade, reproduz a desigualdade da rela-
����o homem/deus na perspectiva judaica e judaico-
-crist��. Mesmo no prosaico uso de letras mai��sculas
nos nomes pr��prios pode ser vista uma conven����o
que transfere, para o universo verbal da modalida-
de escrita, as marcas que assinalam a especificida-
de de um certo tipo de seres numa certa vis��o de
mundo.
Em ambos os procedimentos, novamente as mar-
cas da suspeita de identidade entre nome e coisa, a
mesma identidade que faz evitar a pron��ncia do
nome de certas doen��as.
Nos usos que o homem faz da linguagem, em
in��meras outras situa����es, as palavras se tecem de
forma a intensificar ou atenuar o relacionamento
do homem com o mundo das coisas.
Temendo a viol��ncia do mundo dos seres, e ao
mesmo tempo fascinado por ele, o homem vive e se
move entre palavras, ora fortalecendo, ora atenuan-
do o v��nculo destes dois mundos: o original dos se-
res e o simb��lico da linguagem.
O relacionamento linguagem/mundo, ent��o, ora
esgar��a e diminui a dist��ncia e a conven����o que se-
param palavras e coisas, ora cimenta e fortalece o
espa��o que se interp��e entre as coisas e as palavras.
0 homem, assim, constantemente se faz recordar
que os nomes n��o s��o as coisas. Mas, no mesmo
36
Marisa Lajolo
movimento, percebe que as coisas s�� existem para
ele, homem, quando incorporadas �� sua linguagem.
E �� nesse jogo de avan��os e recuos, entre a momen-
t��nea certeza de que as palavras e coisas constituem
uma unidade e a igualmente moment��nea ang��stia
de que palavras e seres jamais se interpenetram, que
se configura a linguagem. E �� desta linguagem, na
sua manifesta����o mais radical, que surge a litera-
tura.
*
Participando da natureza ��ltima da linguagem ���
simbolizar e, simbolizando, afirmar a dist��ncia en-
tre o mundo dos s��mbolos e dos seres simbolizados
��� a literatura leva ao extremo a ambig��idade da
linguagem: ao mesmo tempo em que cola o homem
��s coisas, diminuindo o espa��o entre o nome e o
objeto nomeado, a literatura d�� a medida do artifi-
cial e do provis��rio da rela����o. Sugere o arbitr��rio
da significa����o, a fragilidade da alian��a e, no limi-
te, a irredutibilidade de cada ser. ��, pois, esta lin-
guagem instauradora de realidades e fundant�� de
sentidos a linguagem de que se tece a literatura.
Nada, entretanto, de receitas liter��rias. Nem
prescri����es, nem proscri����es. T o d a e qualquer pala-
vra, toda e qualquer constru����o ling����stica pode fi-
gurar no texto e ����tera/��z��/o. O u , ao contr��rio, n��o
literaliz��-lo coisa nenhuma, apesar de todo o pedigri
38 Marisa Lajolo
liter��rio que certas palavras e constru����es parecem
arrastar atr��s de si.
N��o ��, portanto, o uso deste ou daquele tipo de
linguagem que vai configurar a literatura. 0 registro
coloquial, o parnasianos nativo da sonetol��ndia, as
met��foras de palanque . . . qualquer tipo de lingua-
gem nem anula o liter��rio, nem necessariamente o
provoca, �� a rela����o que as palavras estabelecem
com o contexto, com a situa����o de produ����o e lei-
tura que instaurama natureza liter��ria de um texto.
Assim, n��o se pode falar numa distin����o aprio-
r��stica entre linguagem liter��ria e, por exemplo, lin-
guagem coloquial. O que torna qualquer linguagem
isto ou aquilo �� a situa����o de uso. A linguagem pa-
rece tornar-se liter��ria quando seu uso instaura um
universo, um espa��o de intera����o de subjetividades
(autor e leitor) que escapa ao imediatismo, �� predic-
tibilidade e ao estere��tipo das situa����es e usos da
linguagem que configuram a vida cotidiana.
Parece que o milagre se d�� quando, atrav��s de
um texto, autor e leitor (de prefer��ncia ambos) sus-
pendem de alguma forma a conven����o de significa-
do corrente. Assumindo ou recusando o c��mbio
oficial da linguagem de seu tempo, mas de qualquer
forma fecundando-o t��m, no texto, um momento
de verdade que, com licen��a do poetinha, "n��o seja
imortal posto que �� chama, mas que seja infinito
enquanto d u r e " .
O texto liter��rio, ao mesmo tempo que significa,
como que sugere os limites da significa����o. Dribla o
O que �� Literatura
39
leitor, sugerindo-lhe que o que diz �� e n��o ��, por-
que o dizer, em literatura, tira sua for��a, paradoxal-
mente, do relativo e provis��rio.
Na situa����o de produ����o e significa����o do texto
liter��rio, o contexto estabelecido tende a elidir as
fronteiras entre o que �� primeira vista seria cient��fi-
co, ou t��cnico ou prosaico.
Cansado de bl��bl��-bl��, leitor? Plim Plim. T e x t o s
para refrig��rio.
L I �� �� O SOBRE A �� G U A
Este l��quido �� ��gua:
quando puro, �� inodoro, ins��pido, incolor;
reduzido a vapor
sob press��o e a alta temperatura
move os ��mbolos das m��quinas
que por isso se denominam
m��quinas de vapor
�� um bom dissolvente, embora com exce����es:
mas de um modo geral
dissolve tudo bem
��cidos, bases e sais
Congela a zero graus centesimais
Ou ferve a cem
Quando �� press��o normal
40
Marisa Lajolo
Foi nesse l��quido
que numa noite c��lida de ver��o,
sob luar gomoso e branco de cam��lia
apareceu a boiar o cad��ver de Of��lia
com um Nen��far na m��o.
(Antonio Gede��o, Poesias Completas)
RECEITA DE HER��I
Tome-se um homem feito de nada
Como n��s em tamanho natural
Embeba-se-lhe a carne
Lentamente
De uma certeza aguda, irracional
Intensa como o ��dio ou como a fome.
Depois perto do fim
Agite-se um pend��o
E toque-se um clarim.
Serve-se morto.
(Reinaldo Ferreira)
C O R A �� �� O
Cora����o, grande ��rg��o propulsor,
distribuidor do sangue venoso e arterial
Cora����o, tu n��o ��s sentimental
O que �� Literatura
41
Mas, entretanto, dizem que ��s o cofre da paix��o.
Cora����o, n��o est��s do lado esquerdo,
nem tampouco do direito,
ficas no centro do peito,
eis a verdade.
Tu ��s pro bem-estar de nosso sangue
o que a casa de deten����o
�� para o bem da humanidade
Cora����o de sambista brasileiro
Quando enche o pulm��o
Faz a batida do pandeiro
Eu afirmo, sem nenhuma pretens��o,
que o amor faz dor no cr��nio
Mas n��o ataca o cora����o.
(Noel Rosa)
POSITIVISMO
A verdade meu amor mora num po��o
�� Pilatos l�� na b��blia quem nos diz
E tamb��m faleceu por ter pesco��o
O infeliz autor da guilhotina de Paris
O amor vem por princ��pio,
a ordem por base,
o progresso �� que deve vir por fim
desprezaste esta lei de Augusto Comte
E foste ser feliz longe de mim.
42
Marisa Lajolo
Vai, orgulhosa, fingida
Vai aprender a li����o
No c��mbio certo da vida,
a libra sempre foi o cora����o.
Noel Rosa.
IX
�� assim a literatura a porta de um mundo aut��-
nomo que, nascendo com ela, n��o se desfaz na ��lti-
ma p��gina do livro, no ��ltimo verso do poema, na
��ltima fala da representa����o. Permanece ricoche-
teando no leitor, incorporado como viv��ncia, eri-
gindo-se em marco do percurso de leitura de cada
um.
Da�� o engano de quem acha que o car��ter huma-
nizante e formador da literatura vem da natureza
ou quantidade de informa����es que ela propicia ao
leitor. Literatura n��o transmite nada. Cria. D�� exis-
t��ncia plena ao que, sem ela, ficaria no caos do ino-
meado e, conseq��entemente, do n��o existente para
cada um. E, o que �� fundamental, ao mesmo tempo
que cria, aponta para o provis��rio da cria����o.
Trocando em mi��dos, que venha em meu socor-
ro Gon��alves Dias. Com ele e com Manuel Bandeira,
44
Marisa Lajolo
com palmeiras e com Pas��rgadas, �� bola pra frente,
que o jogo �� a ta��a.
Quando Gon��alves Dias chora de saudades da P��-
tria dizendo que sua terra TEM PALMEIRAS ON-
DE CANTA O SABIA, "palmeiras" e "sabi��" s��o tra��os leves, por assim dizer s�� acidentalmente re-lacionados �� sensa����o de saudade, de finitude do
homem, de sua familiaridade maior com certos es-
pa��os e resist��ncia a outros. 0 tra��o da paisagem ��
circunstancial: brasileiro, quase verde-amarelo. No
texto do poeta, no entanto, transformam-se e signi-
ficam muito mais do que meros elementos da flora
e da fauna brasileiras. Evocam, em cada leitor, sua
palmeira e seu sabi��, que podem n��o ter existido,
mas cuja exist��ncia se pressente a partir da leitura.
Talvez fique mais claro o que entendo por signi-
ficado fundante da literatura se apelar para outros
versos, aqueles em que Manuel Bandeira criae cele-
bra a utopia de sua Pas��rgada:
Vou-me embora pra Pas��rgada
L�� sou amigo do rei
L�� tenho a mulher que eu quero
Na cama que escolherei
Vou-me embora pra Pas��rgada.
(Estrela da Vida Inteira)
N��o vem ao caso a precis��o geogr��fica e hist��rica
da Pas��rgada; se �� pr��xima ou distante, se tem rei
ou vive em regime republicano. A q u i , a irrelev��ncia
O que �� Literatura
45
de pedirmos �� literatura provas documentais do
que afirma �� bem clara. Pas��rgada, terra da utopia,
sublinha o car��ter fant��stico daquilo que em Gon-
��alves Dias pode confundir-se com a paisagem real.
T a n t o Pas��rgada quanto a terra de onde Gon��alves
Dias sente saudades t��m exist��ncia apenas liter��ria,
nascidas da viv��ncia dos poetas e recriadas na expe-
ri��ncia de seus leitores.
T u d o isso, leitor, para dizer que n��o precisam ser
verdadeiras as hist��rias que a literatura conta. Ali��s,
tamb��m n��o precisam ser inver��dicas. T a n t o faz.
Importa bem pouco saber se Iracema, a virgem dos
l��bios de mel, vagava enamorada nas alvas praias
dos verdes mares bravios. Idem para a certid��o de
casamento do casal Capitu e Bentinho, que viveu as
d��vidas do ci��me ao tempo do segundo imp��rio
brasileiro. N��o vem ao caso indagar se eles existi-
ram como pessoas. T i a Nast��cia, tendo ou n��o sido
a bab�� de um dos filhos de Lobato, ganhou o amor
dos leitores do s��tio. Como fic����o, como cria����o, as
personagens encarnam o que poderia ter sido. O
que, para parodiar o Chico, anda na cabe��a e anda
nas bocas. Ou andava, no tempo de cada um.
0 mundo da literatura, como o da linguagem,
ent��o, �� o mundo do poss��vel. Esta afirma����o n��o
tem nada de novo. J�� Arist��teles, respondendo a
Plat��o, dizia que, enquanto a hist��ria narrava o que
realmente tinha acontecido, o que podia acontecer
ficava por conta da literatura.
Devagar, leitor. Esse compromisso da literatura
46
Marisa Lajolo
com o mundo poss��vel n��o implica no abandono
do projeto de fazer do presente seu ponto de parti-
da ou de chegada. N��o serei o poeta de um mundo
caduco. T a m b �� m n��o cantarei o mundo futuro. Es-
tou preso �� vida e olho meus companheiros, j��
advertiu D r u m m o n d , que tem sempre raz��o.
N��o se trata, portanto, de banir da literatura o
cotidiano, o hoje, o aqui e o agora. Antes pelo con-
tr��rio. A hist��ria vivida e sofrida pela multid��o de
leitores est�� sempre presente, no direito ou no aves-
so do texto.
A pr��pria cria����o da utopia se nutre sempre de
uma imagina����o ancorada na realidade, mesmo os
mundos ed��nicos como a Pas��rgada de Bandeira,
ou os labirintos degradantes e assustadores como
os percorridos pelas personagens de Zero, de In��cio
de Loyola.
Os mitos e espa��os po��ticos nascem n��o s�� da
realidade circundante, compartilhada por autor e
leitores, mas tamb��m do di��logo com tudo o que,
vindo de tempos anteriores, constitui a chamada
tradi����o liter��ria. �� como se a literatura fosse um
constante passar a limpo de textos anteriores, cons-
tituindo o conjunto de tudo ��� passado e presente ���
o grande texto ��nico da literatura.
Prontinho, prezado leitor. Veja agora com que
destreza, com que arte fa��o eu a ��ltima transi����o
deste livro. A recupera����o do passado no presente,
�� a deixa de que eu precisava para viajar um pou-
co, contemplando de mais perto diferentes concep-
O que �� Literatura
47
����es de literatura at�� hoje respeit��veis. Mas, cuida-
do: eu disse algumas, e a hist��ria �� a que se quer
oficial . . . Portanto, respira����o profunda, cintos
apertados, pitada de pirlimpimpim. Vamos aos gre-
gos.
Drummond e os acad��micos.
V e r como foi concebida a literatura desde que o
homem come��ou a registrar suas preocupa����es com
ela ��, de certa forma, ficar sabendo como os que ti-
nham e t��m acesso a v o z e v o t o a conceberam. Des-
de os gregos, criou-se uma linhagem de defini����es
que, embora muitas vezes conflitantes, t��m em co-
m u m sua origem letrada.
Vai por ��gua abaixo a intocabilidade de*certas
defini����es quando vemos que s��o sociais os crit��-
rios que filtram o que vai e o que fica. O prest��gio
de alguns conceitos, endossados por certas institui
����es ou percursos de circula����o, condena outros ��
desmemoria dos homens, ao menos daqueles que
registram a tradi����o cultural. Ou seja, n��o h�� con-
cep����o acima de suspeita.
�� preciso, portanto, estar atento e forte e levar
em conta que as defini����es apesar (ou por causa...)
O que �� Literatura
49
da pretens��o �� universalidade mostram as cicatrizes
da classe de origem. Reconhecer no entanto os fil-
tros ideol��gicos da hist��ria das teorias liter��rias n��o
anula a import��ncia de conhec��-las. Trata-se de
uma porta, t��o larga ou t��o estreita quanto outra
qualquer. E, se p��e a nu a fragilidade do edif��cio,
permite tamb��m o ingresso nele, que �� de onde ele
pode ser observado.
O passado s�� sobrevive em forma de linguagem,
no que resta dele transformado em presente, no
que dele se cristalizou nos documentos conhecidos.
E o car��ter parcial destes documentos herdados ��
indiscut��vel. Se muitos documentos registram o
que Hor��cio pensava da poesia, onde est��o os do-
cumentos que registram o que pensavam dela a mu-
lher e os escravos do poeta?
Ent��o, repetindo ainda uma vez, que nunca �� de-
mais, os documentos refletem sempre os olhos que
os escreveram e quase sempre os que os l��em. Li-
dando com eles, a escolha n��o �� minha nem sua;
e at�� a nossa literatura �� filtrada pela dist��ncia e
pelas viv��ncias: a que n��o temos do passado, e a
que temos do presente.
Por tudo isso, a tu m�� hist��rica que vai come��ar
no p r �� x i m o cap��tulo n��o vai ser longa. Sem d��vida,
alguns turistas v��o reclamar do itiner��rio, que ou-
tro seria o de sua prefer��ncia. Paci��ncia! As passa-
gens est��o compradas e a companhia, embora acei-
te reclama����es, n��o devolve o dinheiro. Para os in-
satisfeitos, o percurso admite, no m��ximo, como
50
Marisa Lajolo
qualquer texto escrito, o abandono no meio do ca-
minho, �� ir cuidar de outra coisa, que o resto ��
literatura . . . �� vontade, leitores! Qualquer sele����o
�� sempre arbitr��ria e pessoal, e o m��ximo de liber-
dade �� o direito de andar sozinho, como j�� dizia o
mesmo M��rio de Andrade l�� de tr��s, ao fundar o
desvairismo.
XI
A ordem, senhores passageiros, �� apertar os cin-
tos e n��o fumar. A primeira parada tem no hori-
zonte o perfil da acr��pole grega. Come��amos por
l��, onde se pensa ser o come��o, antes de Cristo, no
tempo dos gregos antigos. Aparentemente desapa-
recidos, eles deixaram muitos rastros, muitas pis-
tas e, quando menos se espera, ressuscitam.
Esta ressurrei����o �� uma forma de perman��ncia.
A cultura grega sobrevive, e n��o s�� nos objetos e
textos que nos legou. Ela permanece tamb��m na
heran��a cultural que permeia nosso dia-a-dia e, de
forma talvez mais viva, nas sucessivas reinterpreta-
����es que seu modo de vida inspirou, e parece con-
tinuar inspirando.
Um dos belos momentos de ressurrei����o �� o que
se contempla nos textos abaixo, de um poeta mo-
derno portugu��s: Fernando Pessoa, na linguagem
52
Marisa Lajolo
de seu heter��nimo Ricardo Reis:
"T��o cedo passa tudo quanto passa!
Morre t��o jovem ante os deuses quanto
Morre! Tudo �� t��o pouco!
Nada se sabe, tudo se imagina.
Circunda-te de rosas, ama, bebe
E cala. O mais �� nada."
(Obra Po��tica)
Para ser grande s�� inteiro: nada
Teu exagera ou exclui.
S�� todo em cada coisa. P��e quanto ��s
No m��nimo que fazes
Assim em cada lago a lua toda
Brilha, porque alta vive.
(Ibidem)
As rosas amo do jardim de Ad��nis,
Essas volucres amo, L��dia, rosas,
Que em o dia em que nascem,
Em esse dia morrem.
A luz para elas �� eterna, porque
Nascem nascido j�� o sol, e acabam
Antes que Apolo deixe
O seu curso vis��vel.
Assim fa��amos nossa vida um dia
Inscientes, L��dia, voluntariamente
Que h�� noite antes e ap��s
0 pouco que duramos.
(Ibidem)
O que �� Literatura
53
Nos poemas transcritos (e em quase todos os
atribu��dos a Ricardo Reis), Fernando Pessoa d��
sangue novo e rep��e em circula����o v��rios tra��os
que aprendemos a considerar como helenizantes.
�� claro que n��o se trata de poesia grega, leitor ran-
zinza e desconfiado. Que entre gregos de que falo
e Fernando Pessoa h�� muitos s��culos e mais o cris-
tianismo. Mas ir l�� paga ped��gio e a companhia de
turismo teme perder seus clientes se come��ar a ma-
����-los com an��lises, vocabul��rio, situa����o hist��rica
B outras miudezas.
Como eu dizia, ent��o, nestes versos de Pessoa os
Bcos gregos se multiplicam: sobretudo, o comedi-
mento do tom, a sobriedade da dor e da alegria, a
certeza da insignific��ncia e da grandeza do homem
repontam insistentemente.
Sirvam, pois, os textos de Pessoa, de passaporte
3 souvenir da breve excurs��o em terras gregas. A
fala agora �� do guia da excurs��o que, como todo
guia, recita informa����es mais ou menos decoradas.
J�� se sabe: os mais sens��veis �� beleza esque��am o
guia e contemplem o mundo: no caso, os textos de
Homero, P��ndaro, S��focles ou Safo. O u , em ��ltimo
caso, os de Pessoa, sempre melhores do que a canti-
lena do cicerone.
Come��ando bem antes de Cristo, e para efeitos
culturais confundindo-se com a origem de tudo, ��
na Gr��cia antiga que se costumam localizar as pri-
meiras reflex��es mais sistem��ticas sobre aquilo que
ainda hoje chamamos literatura.
54
Marisa lajolo
O nome de Homero, por exemplo, �� bastante co-
nhecido. Quem �� que n��o sabe que ele celebrou,
nos versos da Odiss��ia, as aventuras de Ulisses,
guerreiro grego que regressou ao lar e aos bra��os de
Pen��lope depois de v��rios e conhecidos epis��dios
her��icos e sentimentais?
F o i , portanto, na Gr��cia antiga, de m��rmores
brancos e deuses ol��mpicos, que come��ou a tomar
forma um conceito e uma pr��tica de literatura cu-
jas metamorfoses ��ltimas s��o as que se conhecem
hoje. Mas os gregos n��o praticavam s�� a poesia.
T a m b �� m o teatro parece ter nascido dos textos dos
gregos ��squilo, Eur��pides e S��focles. A trag��dia
grega, na interpreta����o de quase todos os que se
preocuparam com ela, deixou tamb��m sua marca
na cultura ocidental, que por longos tempos viu no
teatro grego n��o s�� um modelo de linguagem dra-
m��tica, mas a representa����o dos grandes problemas
humanos: os chamados conflitos existenciais.
Mas fique claro que o mundo n��o era s�� a Gr��-
cia. E nem foi monop��lio dos gregos o dar sentido
�� vida atrav��s da linguagem liter��ria. Muitos outros
povos ��� a dizer a verdade talvez todos ��� entrela��a-
ram seu que fazer di��rio �� m��sica, �� dan��a, �� poe-
sia. Mas como n��o eram umbigo do mundo, ficam
confinados a esse par��grafo curtinho, �� O pre��o de
n��o terem conquistado o mundo . . .
Foi no mundo cl��ssico dos gregos que come��a-
ram as primeiras diverg��ncias s��rias entre os que
discutiam o que era, para que servia a literatura
O que �� Literatura
55
(embora n��o usassem esta palavra). Plat��o, te��rico
rigoroso e ��s vezes mal-humorado, foi implac��vel
com a poesia. Queria expuls��-la do conv��vio dos
homens, porque, dizia ele, a poesia era mentirosa:
era a imita����o da imita����o da imita����o . .. e o fil��-
sofo, v��-se logo, n��o sabia que as coisas podem
tamb��m ser o avesso do avesso do avesso .. .
A id��ia de catarse ��� purifica����o das emo����es por
sua amplia����o m��xima ��� veio com Arist��teles, que
saiu a campo em defesa da dama-poesia exilada
por Plat��o. E entre um e outro e depois dos dois, o
debate continua at�� hoje.
Aos olhos de hoje, a literatura deles (gregos) pa-
rece uma atividade fundamentalmente integrada ��
vida grega. Forma de exprimir sentimentos coleti-
vos, forma de comunica����o com os deuses, forma
de purifica����o (pela express��o) das grandes emo-
����es, a literatura grega, mais do que frios textos
escritos, era entrela��ada �� vida p��blica e coletiva
da Gr��cia.
Nos teatros, nas pra��as e nos templos, a literatu-
ra n��o era um privil��gio dos que liam, mas uma es-
p��cie de celebra����o. E como celebra����o coletiva,
al��m de cumprir o papel que lhe estava reservado,
ainda tinha a chance de repercutir profundamente
na vida de cada u m , como, ali��s, pode repercutir
ainda hoje (de forma diferente) em quem a leia.
Quem sabe o fino leitor j�� se cansou dos gregos,
principalmente de gregos tratados com t��o pouco
respeito . . . A quem quer seriedade e sisudez pago
56
Marisa Lajolo
com um piparote, e envio diretamente a Plat��o e
Arist��teles, nos respectivos endere��os. L�� se en-
contra o rigor reclamado. E, sem mais, vamos �� Ida-
de M��dia.
XII
Com a expans��o do mundo grego, que conquis-
tou col��nias e submeteu povos em todo o mundo
ent��o conhecido, sua tradi����o cultural firmou-se.
Alargou-se, ricocheteou por outras plagas e, bem
mais tarde, multitransfomada, deitou ra��zes na
Europa. De l��, nas caravelas dos colonizadores,
chegou a outras plagas, inclusive ao Brasil.
Os gregos e seus descendentes fizeram a cabe��a
de muitos poetas antigos (inclusive brasileiros, que
recebiam via Europa) e de alguns modernos mais
discretos. E ainda hoje invadem os lares, como por
exemplo quando entre os plim-plim da TV acom-
panhamos os passos de H��rcules ou de ��dipo. Mas
entre o mundo grego e a luz azulada da T V , muitos
s��culos nos contemplam. Entre eles, os que consti-
tu��ram a Idade M��dia.
O mundo crit��o da Idade M��dia conheceu e de
58
Marisa Lajolo
certa perspectiva lutou contra as tradi����es culturais
do mundo grego. Mas, de outra perspectiva, acei-
tou-as, medievalizou-as, incorporou-as. (Leitor, n��o
funda a cuca. Seja compreensivo e dial��tico, admita
que as coisas s��o e n��o s��o, e passe em frente).
Antes dos crist��os, ali��s, j�� os romanos (e com eles
todas as suas col��nias espalhadas pelo mundo) ha-
viam adotado a tradi����o grega, adaptando-as �� sua
individualidade ��nica de povo irreprodut��vel. Qual-
quer povo ��, ali��s, t��o irreprodut��vel, que a tentati-
va de todos os colonizadores de imporem ��� com a
domina����o militar, econ��mica e pol��tica ��� a cultu-
ral, como forma de legitima����o das anteriores, nun-
ca d�� certo. Melhor dizendo, nunca d�� inteiramen-
te certo.
F o i , depois da cristianiza����o ��� ao tempo em que
os templos gregos e romanos iam sendo substi-
tu��dos na linha do horizonte por catedrais de
torres pontiagudas e vitrais coloridos ��� que o con-
ceito de literatura passou a abranger diferentes
formas de express��o, e a literatura come��ou a
cumprir novos pap��is na vida do homem e da cole-
tividade. O que parece permanecer intocado �� a
for��a da palavra como forma de simbolizar o
mundo e o lugar das pessoas no mundo.
T a n t o as civiliza����es cl��ssicas da Gr��cia e Roma,
quanto a medieval, s��o per��odos em que a socie-
dade organizou-se segundo padr��es muito r��gidos:
nobres de um lado, plebeus de outro; senhores de
terra de um lado (do mesmo que os nobres), servos
O que �� Literatura
59
de gleba de outro; diferen��as sociais r��gidas, gente
separada de gente, homens com poder de vida e de
morte sobre outros homens e mulheres.
E a literatura absorve e irradia isso tudo, mesmo
que numa linguagem cifrada, inacess��vel talvez para
quem n��o a viveu em sua hora. Parece que j�� na-
queles tempos remotos os textos liter��rios eram
produzidos e consumidos por poucos. Os poucos
que tinham acesso �� palavra. Como diria O Pasquim,
perd��o, leitores. C o m o �� que fui dizer que "os
textos liter��rios eram produzidos e consumidos por
poucos"? �� o velho v��cio flagrado em p��blico:
chamar de literatura apenas a produ����o verbal que
circula e �� aplaudida pelos poucos eleitos. . .
Vamos ent��o remendar depressa, e dizer que os
g��neros considerados nobres pelo seu parentesco
com o classicismo come��aram a ter sua circula����o
restringida: primeiro, porque eram proibidos (sen-
do pag��os, poderiam p��r minhocas nas cabe��as que
a Igreja esfor��ava-se por cristianizar e manter cris-
tianizadas) e porque pouca gente conhecia grego e
que tais. Mas, mesmo separando-se desta tradi����o
da nobreza cl��ssica, o que se chama produ����o lite-
r��ria medieval n��o inclui (ou inclui pouco e em po-
si����o secund��ria) a tradi����o oral, os cantos de tra-
balho, as narrativas populares . . . como eu j�� disse,
perd��o, leitores.
Mais do que Idade M��dia, houve idades m��dias.
Os complicados s��culos que separam a dissolu����o
do mundo cl��ssico do surgimento dos tempos
60 Marisa Lajolo
modernos viram um mundo (leia-se Europa, que a
Am��rica n��o era ainda um tupi tangendo um
ala��de. Era Pindorama, e isso lhe bastava. . . ) repar-
tido em feudos e burgos. As cortes (cintilantes) e
as festas da Igreja prenunciavam, a seu modo, o
bul��cio do mundo moderno que estava por vir.
Na Idade M��dia musical e aventureira que se
destaca das can����es trovadorescas e das novelas de
cavalaria, quase n��o sobra espa��o para os oprimi-
dos, para a escravid��o dos mosteiros e conventos,
para o autoritarismo da Igreja Cat��lica. O que a
vers��o oficial selecionou foi, como sempre, uma
literatura que, embora tardiamente recolhida e
aparentemente composta ao embalo de vinhos e
dan��as, nas tabernas e nas ruas, s�� muito raramente
escapa de um ponto de vista aristocr��tico e cor-
tes��o.
Mas em outros momentos, �� verdade que mais
raros, confluem para os textos medievais a mal��cia
e o jogo de cintura do povinho mi��do, sempre ��s
voltas com a autoridade, seja a da m��e zelosa da
castidade da filha, ou a do nobre sovina que n��o
cumpre o prometido.
Vozes me dizem que �� hora de abafar o bla-bla-
-bla do guia com a sonoridade do t e x t o . Se s��o
vozes da consci��ncia ou dos leitores, n��o sei. Sei
que obede��o, calo e chamo em meu socorro vozes
de hoje, que ressuscitam tons medievais. Em lugar
de Dom Dinis, quem me socorre �� Caetano, que
canta o amor de Clara, mo��a irm�� da donzela
O que �� Literatura
61
medieval, que vive seu amor entre o cotidiano de
mulher e o mar que leva pra longe o amado.
quando a manh�� madrugava
calma
alta
clara
clara morria de amor
faca de ponta flor e flor
cambraia branca sob o sol
cravina branca amor
cravina amor
cravina e sonha
a mo��a chamada clara
��gua
alma
lava
alva cambraia no sol
galo cantando cor e cor
p��ssaro preto dor e dor
um marinheiro amor
distante amor
e a mo��a sonha s��
um marinheiro sob o sol
onde andar�� o meu amor
onde andar�� o amor
no mar amor
no mar ou sonha
62 Marisa Lajolo
se ainda lembra o meu nome
longe
longe
longe
onde estiver numa onda num bar
numa onda que quer me levar
para o mar de ��gua clara
clara
clara
clara
ou��o meu bem me chamar
faca de ponta dor e dor
cravo vermelho no len��ol
cravo vermelho amor
vermelho amor
cravina e galos
e a mo��a chamada clara
clara
clara
clara
alma tranq��ila de dor
A gente grave achar�� no exemplo umas apar��n-
cias de pura mistifica����o, ao passo que a gente
fr��vola n��o achar�� nele seu cantor usual. Mas eu,
que ainda espero angariar as simpatias dos leitores,
continuo apostando em Caetano, em Chico, em
O que �� Literatura
63
Milton e em todos os que revivem, no Anhembi e
Canec��o, a pra��a medieval, e no ritmo e na cor das
can����es, a gaia ci��ncia dos trovadores e jograis
andarilhos pela Europa medieval.
Caetano Veloso.
XIII
Este cap��tulo se abre com um par��ntese. E se
fecha com outro, ali��s, o mesmo: ele �� um par��n-
tese, onde os interessados poder��o fazer uma
excurs��o paralela. A pretexto da Idade M��dia, ��
claro, mas ver��o paisagens n��o exclusivas. Se o
leitor n��o �� dado a contempla����es gratuitas, pode
saltar; que fique no hotel, e v�� direto para o pr��xi-
mo cap��tulo.
Os textos a que a tradi����o reserva o nome de
literatura, embora nascendo de uma elite e a ela
dirigidos, n��o costumam confinar-se ��s rodas que
det��m o poder. Transbordam da�� e, como pedra
lan��ada ��s ��guas, seus ��ltimos c��rculos v��o atingir
as margens, ou quase. Seus efeitos, a inquieta����o
que provocam, podem repercutir em camadas mais
marginalizadas, mais distantes dos c��rculos oficiais
da cultura.
O que �� Literatura
65
�� desse cruzamento do mundo simbolizado pela
palavra em estado de literatura com a realidade
di��ria dos homens que a literatura assume seu
extremo poder transformador. Os mundos fant��s-
ticos criados pelo texto n��o caem do c��u, nem t��m
g��nese na inspira����o das musas. O mundo represen-
tado na literatura, simb��lica ou realistamente,
nasce da experi��ncia que o escritor tem de uma
realidade hist��rica e social muito bem delimitada,
universo que autor e leitor compartilham, a
partir da cria����o do primeiro e da recria����o do
segundo, �� um universo que corresponde a uma
s��ntese ��� intuitiva ou racional, simb��lica ou rea-
lista ��� do aqui e agora que se vive.
Excurs��o terminada. Regresso �� Idade M��dia,
onde os leitores dissidentes aguardam. Mas, na
aus��ncia dos que viajaram, e na sesta dos que dor-
miam no hotel, passou-se o tempo, e com ele a
Idade M��dia, que come��a a desbotar suas cores,
perante o mundo moderno que chega. Mas n��s,
para chegarmos a ele, precisamos de alguns vistos
no passaporte.
Nem l�� nem c��, j�� abandonando o mundo
medieval, mas sem cruzar as fronteiras do mundo
moderno, vamos deixando para tr��s a Idade M��dia,
seus textos l��ricos e melodiosos, o guia sol��cito
retoma a palavra e informa: h�� muitos s��culos,
quase at�� as portas de mil e oitocentos, a literatura
era produzida de um modo muito diferente do
de hoje, quando os livros s��o impressos em s��rie,
66 Marisa La joio
vendidos em livrarias, constituem renda para seu
autor e lucro para a editora. T u d o isso resume os
livros ao que deles disse, meio profeticamente,
Fernando Pessoa, quando desabafou: livros s��o
pap��is pintados com tinta. . .
Este prosaico circuito que a literatura percorre
hoje para chegar das m��os do escritor ��s do leitor
n��o existia antigamente. N��o era assim no tempo
de Homero, nem de V i r g �� l i o , nem na Idade M��dia.
T a m p o u c o era assim at�� quase as v��speras de mil
e oitocentos. . .
Nos tempos muito antigos ��� na Idade M��dia,
por exemplo, o artista era financiado por algu��m
��� rico e geralmente muito poderoso. O escritor
n��o precisava preocupar-se em agradar ao p��blico
indiferenciado. Bastava angariar as simpatias de
seu patrono: o mecenas que, garantindo-lhe cama,
comida e roupas, financiava-lhe a aventura inte-
lectual.
Sem d��vida, esta forma de produ����o marcou for-
temente a literatura, imprimindo nela o selo de
atividade de luxo, e no poeta a marca de cidad��o
ocioso, sup��rfluo, n��o produtivo. E, indiretamente,
caracterizou o escrever literatura como a atividade
elitizada que se conhece at�� hoje. Por volta ainda
dos s��culos X V I I *e X V I I I eram os sal��es da aristo-
cracia que, abrindo-se com ch��s e bolinhos precur-
sores das academias de hoje, entre veludos e
brocados recebiam da boca dos poetas suas ��ltimas
composi����es.
O que �� Literatura
67
O artista a bra��os com um p��blico numeroso e
pagante veio depois, bem depois. E por isso vai
para o p r �� x i m o cap��tulo. Chega de Idade M��dia, de
trovadores cantando can����es em festas palacianas e
em tavernas de rua. De teatro nas c��maras reais, de
fantoches e pantomimas nos quadros das Igrejas.
Pulando os muitos s��culos que sucederam a Idade
M��dia, chegamos ao mundo moderno da Renas-
cen��a, e o modern��ssimo de depois dela, onde nos
deteremos, anunciando o salto por sobre a Renas-
cen��a, com o perd��o de todos os renascentistas.
Trata-se, na verdade, de uma obra difusa, esta .. .
XIV
C o m o se amea��ou no cap��tulo anterior e como se
prenunciava em agita����es sociais aqui e ali, o mun-
do aristocr��tico de regras, modelos, padr��es e nor-
mas foi pelos ares. A vida modernizou-se e, na mo-
derniza����o, atenuou o autoritarismo de suas fei����es
(ao menos de algumas); nasceu destas cinzas o mun-
do burgu��s, naquele tempo rom��ntico e liberal.
Com a vit��ria pol��tica da burguesia, na Fran��a
de 1789, come��a um novo ciclo cultural. Firma-se
uma nova cultura, uma nova linguagem que redefi-
nir�� a posi����o do homem no mundo e a natureza
deste mundo. Homem e mundo bastantes dife-
rentes dos vistos e registrados pelos olhos cl��ssicos,
medievais e renascentistas.
Na literatura, esta virada foi o Romantismo.
Comparada com a concep����o cl��ssica, a con-
cep����o de literatura assumida e praticada pelos
O que �� Literatura
69
rom��nticos democratizou-se muito. Produ����es
liter��rias a que, aparentemente, a literatura cl��ssica
torcia o nariz, ganharam direito de cidadania.
Exemplos, leitor incr��dulo? O romance que, em-
bora descendente da ilustre epop��ia cl��ssica, aban-
donou o ber��o aristocr��tico e, recolhido ao jornal,
foi buscar seus leitores em um p��blico mais largo,
indiferenciado e sem pedigri liter��rio.
0 guia se desculpa pela pressa e chama a aten����o
dos viajantes para deter os olhos neste ponto do
processo: a democratiza����o do t e x t o liter��rio como
objeto. Aos manuscritos antigos, �� impress��o rudi-
mentar e primitiva, �� exist��ncia de poucos e caros
exemplares, responde o jornal, ve��culo democr��tico
de textos de id��ntica pretens��o. E depois? Depois
�� o livro de bolso, os poemas na m��sica, os fasc��-
culos de banca, os grafiti de parede. Mas como este
depois �� o nosso hoje, �� bom voltar ao ontem, o
s��culo X I X .
Sob muitos aspectos, a literatura rom��ntica foi
uma festa, em que l��grimas e sorrisos borbulhavam
do cora����o de leitores ��� muitos e muitos leitores e
leitoras ��� comovidos com o que liam. Aos olhos de
hoje, esta concep����o e esta pr��tica rom��ntica de
literatura parecem ter-se fundado na emo����o, fan-
tasia, imagina����o, sentimento. E acima de tudo na
liberdade.
Nos textos rom��nticos, esta liberdade manifesta-
-se de v��rios modos: na linguagem adotada, na
musicalidade dos ritmos, na desobedi��ncia �� raz��o
70
Marisa Lajolo
cerceadora das perip��cias, na concep����o de perso-
nagens arrebatadas pela pr��pria fantasia que,
transbordando, contagiava leitores e autores.
Ambos, por assim dizer, coniventes com as regras
do jogo.
Este conceito e esta pr��tica de literatura como
alguma coisa que toca profundamente as pessoas,
como transbordamento de uma alma para outra,
parece durar at�� hoje. Talvez voc�� ache isso, n��o
sei. ��s vezes, como Caetano, eu acho que somos
todos um pouco muito rom��nticos. E parece que
o poeta brasileiro ��lvares de A z e v e d o tamb��m
acreditava nisso tudo e o disse com todas as letras,
no texto com que apresanta sua Lira dos Vinte
Anos, que ele sugere c o n s t i t u i r . . .
"Cantos espont��neos do cora����o, vibra����es
doridas da lira interna que agitava um sonho,
notas que o vento levou, ��� com isso dou a lume
estas harmonias.
S��o as p��ginas despeda��adas de um livro n��o
l i d o . . .
E agora que despi a minha musa saudosa dos
v��us do mist��rio do meu amor e de minha soli-
d��o, agora que ela vai seminua e t��mida por
entre v��s, derramar em vossas almas os ��ltimos
O que �� Literatura
71
perfumes do seu cora����o ��� �� meus amigos,
recebei-a no peito, e amai-a como consolo que
que foi de uma alma esperan��osa, que depunha
f�� na poesia e no amor ��� esses dois raios lumi-
nosos do cora����o de Deus."
L��grimas enxutas, leitorinha rom��ntica? Volte-
mos, ent��o, ao p��o-p��o queijo-queijo com que o
gula da excurs��o anunciava a abertura dos diques
que represavam a emo����o e o sentimento. A pr��tica
liter��ria que espartilhava o texto com normas e
regras, cedeu lugar a outro figurino, que via a liber-
dade com valor maior.
Em certos casos, e por alguns momentos, a lite-
ratura como pr��tica e espa��o da liberdade poss��vel
ao escritor dos come��os do s��culo X I X �� fecunda:
faz o texto assumir, abertamente, a fun����o de de-
n��ncia de uma vida social injusta, de reivindica����o
de uma nova ordem social. Em uma palavra, �� a
poesia das esquinas e dos com��cios, da participa����o
pol��tica praticada e vivida nos limites poss��veis do
sisudo tempo de afirma����o da burguesia.
Faltam exemplos, leitor libert��rio? Valho-me
de Castro Alves, poeta colosso, sujeito mo��o que
soube o que fez. E o que fez ele? Fecundou sua
poesia na luta contra a sociedade brasileira escravo-
crata contempor��nea sua, gritando para quem
quisesse (e quiser ainda) ouvir:
72
Marisa Lajolo
Adeus, meu canto! �� hora da partida . . .
0 oceano do povo s'encapela!
Filho da tempestade, irm��o do raio,
Lan��a teu grito ao vento da procela.
�� tempo agora pra quem sonha a gl��ria
E a luta.. . e a luta, essa fatal fornalha.
Onde referve o bronze das est��tuas
Que a m��o dos seclos no futuro talha. . .
E pendido atrav��s de dois abismos
Com os p��s na terra e a fronte no infinito
Traz a b��n����o de Deus ao cativeiro.
Levanta a Deus do cativeiro o grito!
Sinto-me �� beira de perder o leitor, e com ele
o emprego. Id��ia fixa, fino leitor? D'us te livre,
leitor, de uma id��ia f i x a , como essa que me est��
perseguindo, de que o gentil leitor continua a des-
confiar do guia e ruminando que j�� ouviu falar
desse tipo de poesia caminhando e cantando e se-
guindo a can����o. Que poesia social e libert��ria n��o
foi privil��gio rom��ntico, que tampouco as normas
e conven����es liter��rias ficaram sepultadas nos lon-
g��nquos tempos cl��ssicos. Ab-so-lu-ta-men-te cer-to,
O que �� Literatura
73
leitor! Na mosca. Concep����es e pr��ticas liter��rias
n��o se isolam no momento em que nascem, nem se
segmentam com a nitidez a que as confina uma
r��gida hist��ria dos estilos. Elas s��o, antes de mais
nada, vivas. E, como coisas vivas, repontam antes e
depois de sua vig��ncia oficial. Menos ostensivas,
entrela��adas a outras tend��ncias, empurradas a
muque para dentro ou para fora, mas desta ou da-
quela forma sempre presentes. Nas escolas, na vida,
bancos, prociss��es. Nem que seja na mem��ria.
Portanto, retifique seu nariz, meu quase ex-leitor,
que continuo ciceroniando a viagem.
J�� parece ser tempo de deixar os poetas rom��n-
ticos a s��s com suas l��grimas, suspiros e eventuais
brados de indigna����o e revolta. Outra ocorr��ncia
importante que marcou a literatura rom��ntica foi
o acelerado desenvolvimento do romance, g��nero
liter��rio desconhecido ��� ou melhor, considerado
menor, registrado como secund��rio, n��o valorizado
��� na tradi����o anterior ao Romantismo. Mas isso
merece cap��tulo novo. L�� iremos.
XV
Nova excurs��o dos viajantes, rumo agora ao ateli��
do romancista, para ver como este novo persona-
gem da vida liter��ria tece suas teias de sedu����o.
C o m a palavra, Joaquim Manuel de Macedo, prosa-
dor brasileiro da primeira metade do s��culo pas-
sado, e de ibope alto entre os leitores contempo-
r��neos seus (e alguns nossos). �� assim q��e ele
apresenta A Moreninha, sua primeira grande obra:
"Eis a�� v��o algumas p��ginas escritas, ��s quais me
atrevi a dar o nome de Romance. N��o foi ele
movido por nenhuma dessas tr��s poderosas ins-
pira����es que tantas vezes soem amparar a pena
dos autores: gl��ria, amor, interesse. Deste ��lti-
mo estou eu bem a coberto com meus vinte e
tr��s anos de idade, que n��o �� na juventude que
O que �� Literatura
75
ele pode dirigir um homem; a gl��ria, s�� se
andasse ela ca��da de suas alturas, rojando as asas
quebradas, me lembraria eu, t��o pela terra ras-
tejo, de pretender ir apanh��-la. A respeito do
amor n��o falemos, pois se me estivesse o buli-
��oso a fazer c��cegas no cora����o, bem sabia eu
que mais proveitoso me seria gastar meia d��zia
de semanas aprendendo numa sala de dan��a, do
que velar trinta noites garatujando o que por a��
vai. Este pequeno romance deve sua exist��ncia
somente aos dias de desenfado e folga que
passei no belo Itabora��, durante as f��rias do ano
passado. Longe do bul��cio da corte e quase em
��cio, a minha imagina����o assentou l�� consigo
que bom ensejo era esse de fazer travessuras, e
em resultado delas saiu A Moreninha."
(A Moreninha)
S��o por demais evidentes as marcas de levian-
dade com que Macedo quer embrulhar seu romance
e seus leitores. Ele d�� seu recado dizendo nas entre-
linhas: n��o me esforcei muito, escrevi ao sabor da
imagina����o, n��o fiquei prestando aten����o a regri-
nhas. . . Mas o leitor arguto nas entrelinhas das en-
trelinhas l�� mais: l�� que ele �� homem de posses, que
tira f��rias, que conhece a vertiginosa vida da corte
e, sem d��vida, que sonha com a forma liter��ria, que
ningu��m �� de ferro, n��o �� mesmo?
76
Marisa Lajolo
Mais ou menos a mesma �� a leitura do romance
Amor de Perdi����o que Camilo Castelo Branco (seu
autor) sugere ao p��blico, quando fala de sua obra:
"Escrevi o romance em quinze dias, os mais
atormentados de minha vida. T��o horrorizada
tenho deles a mem��ria, que nunca mais abrirei
Amor de Perdi����o, nem lhe passarei lima sobre
os defeitos das edi����es futuras, se �� que n��o
saiu tolhi��o incorrig��vel da primeira. N��o sei se
l�� digo que meu tio Sim��o chorava, e menos sei
se o leitor chorou com ele. De mim lhe juro
q u e . . . "
(Obra Seleta)
A q u i l o que o pudor do romancista o impediu
de confessar ��� o choro ��� o clima rom��ntico n��o
o impediu de sugerir, identificando-se, com isso, ��
personagem e ao leitor/leitora, para quem a quali-
dade de um romance, naquele tempo, parecia me-
dir-se pelas l��grimas e suspiros que provocava.
Perd��o, leitor. N��o fica bem exemplificar sempre
e apenas com autores da tradi����o vern��cula. Pois
n��o corre por a�� que �� literatura em l��ngua portu-
guesa �� pobre pobre de marre marre marre? E os
meus exemplos todos ��� maiores ou pelos menos
m��dios no metro da tradi����o luso-brasileira, pare-
O que �� Literatura
77
cem encolher e ficam mixuruqu��ssimos ao lado dos
rom��nticos do naipe dos B y r o n , Goethe e outras
ilustrices liter��rias do primeiro mundo. . . N��o ��
isso o que nos dizem os livros? Pois n��o �� isso o
que est�� em jogo, leitor europeizado.
Sem nenhum ufanismo verde-amarelo me parece
razo��vel que se comece a pensar sobre literatura a
partir da brasileira; que se parta da produ����o local.
No m �� x i m o , da matriz. Entre outras raz��es, porque
textos brasileiros e portugueses n��o s��o mediados
por outros idiomas, outras hist��rias, outras pluma-
gens. S��o, por assim dizer, prata da casa. Que re-
pousem em paz, portanto, os modelos europeus,
perante os quais somos, parece que necessaria-
mente, menores. Em outras palavras, cante l�� que
eu canto c��, como quer Patativa do Assar��.
E, dito isto, �� tempo de mudar de cap��tulo e de
pr��tica liter��ria.
XVI
Nem s��, no entanto, de l��grimas, suspiros de
amor e de saudade, brados de revolta, romances
a��ucarados e poemas libert��rios comp��s-se o
mundo que a literatura do s��culo X I X construiu.
Por volta da metade do s��culo passado, leitores e
autores j�� eram outros, menos ing��nuos. Politica-
mente, o sonho da liberdade-igualdade-fraterni-
dade j�� tinha acabado. Era a cultura burguesa
assumindo h��bitos culturais mais condizentes com
as suas novas prerrogativas pol��ticas e econ��micas:
o proletariado se multiplicava nas f��bricas e come-
��ava a gritar nas ruas. A situa����o est�� mais para os
corti��os do que para as moreninhas e mo��os loiros.
Com tudo isso, a representa����o de mundo proposta
pelos rom��nticos perdeu a for��a e o sentido.
0 conceito e a pr��tica rom��ntica de literatura
parecem tornar-se inadequados para uma situa����o
O que �� Literatura
79
mais complexa, em que a burguesia imp��e sua
viol��ncia econ��mica e pol��tica, sem as m��scaras do
humanitarismo liberal. Parece que ent��o, quando o
barulho da industrializa����o crescente se fazia ouvir
dominante, o poder da linguagem rom��ntica mur-
chou; dos laborat��rios dos cientistas vinham teses
inc��modas quanto �� natureza humana; a cren��a nos
microsc��pios, metros e esquadros afastou para os
fundos a imagina����o e a fantasia, e a literatura co-
me��ou a se pensar como documento o retrato de
uma sociedade que ela considerava injusta.
�� a virada realista que aponta no horizonte, que
se instaura na ra��a e no susto, �� a hora e a vez de
levar adiante um conceito e uma pr��tica de litera-
tura que se concebem representa����o do real e que
abominam qualquer rastro de deforma����o deste
real pelo sentimento ou imagina����o.
Num certo sentido, atilado leitor, a literatura foi
e �� sempre realista, t�� certo. Por mais deformado,
transformado ou transfigurado que seja, o real
esteve e est�� nos livros, para quem quer v��-lo.
A c h o ��s vezes, inclusive, que s�� se tem acesso ao
real quando ele humaniza, isto ��, se conforma
a alguns dos c��digos que o instauram em linguagem
humana. As linguagens humanas n��o se esgotam
com a palavra, claro, mas a literatura �� talvez a
mais ampla delas. O que a chamada literatura
realista vai propor, ent��o, n��o consistir�� exata-
mente numa novidade: o que ela inova ��, como
sempre, o conceito de realidade que instaura, a
80 Marisa Lajolo
sensa����o de "verdadeiro" (veross��mil) que ela quer
dar ao leitor, a linguagem que ela usa e como a usa
para fazer tudo isso. Mas n��o antecipemos os su-
cessos. J�� que estamos de acordo, prosseguimos no
que interessa. ..
Trata-se de um figurino novo. No af�� de docu-
mentar o real, de fundir-se o mais poss��vel �� reali-
dade ��� e nisso afirmando seu vanguardismo em
rela����o, por exemplo, aos rom��nticos ��� os realistas
come��am renegando o passado, como, ali��s, cada
uma a seu tempo, todas as vanguardas.
N��o �� nem nunca foi f��cil afirmar a autonomia
e originalidade de uma concep����o liter��ria em re-
la����o ��s que a precederam. T u d o come��a sempre
com muito sangue, suor e cerveja, para n��o falar
das resmas de pap��is e litros de saliva.
No caso das ��ltimas d��cadas do s��culo X I X , a
rebeldia desfraldou v��rias bandeiras e seguiu v��rios
caminhos: em alguns textos, a nova concep����o de
literatura implicava no abandono da linguagem ��
vontade e no retorno �� linguagem de fraque e car-
tola; em outros, a solidariedade a seu tempo con-
sistia no abandono dos ambientes refinados e lu-
xuosos e no mergulho no dia-a-dia dos oprimidos e
miser��veis; para outros ainda, a virada era o enfo-
que quase obsessivo de personagens criados com ri-
gor que via na ci��ncia se modelo mais p r �� x i m o .
Ao homem-emo����o-e-sentimento seguiu-se o
homem-instintos, o homem-corpo, o homem-
-org��nico. Mas essa ��nsia cient��fica, essa por assim
O que �� Literatura
81
dizer tomada de posse do corpo pela literatura n��o
tinha nada de prazerosa. Nada de descontra��do e
alegre. A descoberta do corpo no final do s��culo
passado foi acompanhada de uma esp��cie de senti-
mento de pecado, bastante parecido com a sen-
sa����o culposa das leituras de banheiro e fundo de
quintal, �� como se, em nome da ci��ncia, o homem
presente na literatura deste tempo recusasse a di-
mens��o de puro esp��rito e sentimentos excelsos
que parece (hoje) ter-se projetado da literatura
rom��ntica. Mas, com tudo isso, n��o conseguiu
escapar da no����o de pecado e desvio que acompa-
nhava esta elei����o de aspectos f��sicos e concretos
como pr��prios do t e x t o liter��rio.
Um epis��dio curioso que envolve Coelho Neto
ilustra bem esta concep����o liter��ria em voga na
segunda metade do s��culo X I X . Por que Coelho
Neto, leitor modernista? Porque ele foi um escritor
que virou o s��culo, que tagarelou por muitas e
muitas obras escritas ao longo de muitos e muitos
anos. Escreveu tanto, tanto, que ��s vezes acertou.
E exatamente na tagarelice de sua obra, ela ��
exemplar do fim do s��culo, a vers��o tropical da
belle-��poque parisiense, onde tinham os olhos os
que viviam a vida liter��ria.
Mas vamos �� hist��ria. Deu-se que Coelho Neto,
ao acabar seu romance Inverno em Flor, teve medo
de n��o ter sido suficientemente rigoroso e cient��-
fico. Assustado com a hip��tese de que seu trabalho
fosse considerado imaginoso e fantasista, planejou
82
Marisa Lajolo
uma forma de evitar isso apoiando-se, se n��o na
ci��ncia, ao menos em seus sacerdotes mais �� m��o,
alguns cientistas cariocas. Foi assim que antecedeu
o lan��amento do livro de uma esp��cie de consulta
aos cientistas (na pior das hip��teses, leitor mali-
cioso, v��-se logo que o procedimento poderia fun-
cionar como fort��ssima propaganda do livro, n��o
�� mesmo?). E vamos ao texto que ele dirigiu aos
doutores, �� abaixo:
Exmo. Sr. Dr
Capital Federal, 15 de dezembro de 1897 ���
Antes do julgamento propriamente liter��rio do meu ro-
mance Inverno em Flor do qual tomo a uberdade de enviar
um exemplar a V. Excia, desejava ouvir a opini��o dos espe-
cialistas sobre o m��todo seguido na apresenta����o gradativa
do caso de um del��rio cr��nico de evolu����o sistem��tica, com
estigmas heredit��rios.
Todo o romance gira em torno duma psicose, conseq��ente-
mente �� sobre o tipo essencial de Jorge Soares que espero a
palavra erudita de V. Excia, pedindo mais a fineza de reme-
ter-me para a minha resid��ncia, permitindo-me fazer dela o
uso que me convier.
Com a mais alta considera����o
Subscrevo-me, de V. Excia admirador.
Coelho Neto
(in Alu��sio de Azevedo)
O que �� Literatura
83
Seria covardia recorrer ��s entrelinhas, quanto as
linhas s��o t��o eloq��entes quanto ��s inten����es de
Coelho Neto. E como, ao que me conste, n��o deve
ningu��m melindrar seus leitores, confio a cada um
a tarefa de juntar dois mais dois e ver que s��o
mesmo quatro, apesar da sedu����o do cinco. Grande
jogada a de Coelho Neto, n��o?
XVII
Pausa. O u t r o cap��tulo e outro t e x t o . Agora em
versos, que o surto de anti-romantismo n��o aco-
meteu somente a prosa: contagiou tamb��m a
poesia. Parnasiemos um pouco, nos quatorze versos
de um soneto. Um soneto que, s�� por constituir
uma estrutura po��tica fixa de quatorze versos,
tinha quase sido exilado pelos rom��nticos e que
passou, pela mesma raz��o, a ter ibope entre os p��s
e anti-rom��nticos.
0 texto foi publicado em Tarde, ��ltimo livro de
Bilac, editado j�� no s��culo X X , mas com marcas
bem claras do que tinha sido a poesia um pouco
antes disso:
A UM POETA
Longe do est��ril turbilh��o da rua,
Beneditino, escreve! No aconchego
O que �� Literatura
85
Do claustro, na paci��ncia e no sossego.
Trabalha, e teima, e lima, e sofre, e sua!
Mas que na forma se disfarce o emprego
Do esfor��o; e a trama viva se construa
De tal modo, que a imagem fique nua,
Rica mas s��bria, como um templo grego.
N��o se mostre na f��brica o supl��cio
Do mestre. E, natural, o efeito agrade,
Sem mostrar os andaimes do edif��cio:
Porque a Beleza, g��mea da Verdade,
Arte pura, inimiga do artif��cio,
�� a for��a e a gra��a na simplicidade.
(Poesias)
Investindo-se da fun����o de conselheiro, o pr��n-
cipe dos poetas legisla: comanda no imperativo, de-
finindo �� sua maneira as tarefas do poeta de seu
tempo, que "trabalha, e teima, e lima e sofre e
s u a . . . " . Mais adiante, ele teoriza mais, delineando
os atributos do poema, recorrendo ao modelo mar-
m��reo e imp��vido do templo grego, imobilizado
logo depois na rigidez do edif��cio.
Mas, se essa consci��ncia artesanal do fazer po��-
tico poderia ��� v�� l��, leitor, com uma certa boa
vontade de quem l�� o texto ��� ser vista como incor-
86
Marisa Lajolo
pora����o ao fazer po��tico do rigor econ��mico do
modo de produ����o industrial, ledo engano! A preo-
cupa����o com o fazer, os garimpos da linguagem em
que os parnasianos tanto se esmeraram n��o s��o
assumidos abertamente. Muito pelo contr��rio: o
que Bilac prop��e que se atinja via trabalho com a
linguagem tem de se diluir na apar��ncia do n��o
premeditado, do espont��neo, do natural.
N��o me estendo mais. O leitor de bom senso per-
cebe sozinho a trapa��a do terceto final, onde as
mai��sculas de Beleza e Verdade contradizem, na
pretens��o �� universalidade que sugerem, a clara
rela����o com o momento hist��rico em que surgem.
0 r��tulo de natural, superposto ao que ��, inegavel-
mente cultural e hist��rico, tem sido bastante con-
veniente, n��o �� verdade, leitor?
Mas, embora o t o m professoral e conselheiro seja
corriqueiro nos textos que cr��em a linguagem lite-
r��ria ve��culo convincente da Verdade e da Beleza
(com mai��sculas, como queria Bilac), foi por a��
que o t e x t o come��ou a criar um real que fazia da
percep����o sensorial ponte entre o leitor e o es-
critor. Essa imers��o no sensorialismo ��� j�� sei,
leitor, voc�� sabe que isso se desdobra muito no
simbolismo: �� verdade ��� preserva o autor de envol-
vimentos mais inc��modos com outras realidades
que seu texto criava. Mas, leitor, convenha que j��
se trata de um come��o. J�� �� o in��cio de uma lingua-
gem que come��a a se concretizar, mesmo sem o
saber, como ocorre no Vila Rica, do mesmo Bilac:
O que �� Literatura
87
V I L A RICA
O ouro fulvo do ocaso as velhas casas cobre;
Sangram, em laivos de ouro, as minas, que a ambi����o
Na torturada entranha abriu da terra nobre:
E cada cicatriz brilha como um bras��o.
O ��ngelus plange ao longe em doloroso dobre.
0 ��ltimo ouro do sol morre na cerra����o.
E, austero, amortalhando a urbe gloriosa e pobre,
O crep��sculo cai como uma extrema-un����o.
Agora, para al��m do cerro, o c��u parece
Feito de um ouro anci��o que o tempo enegreceu. ..
A neblina, ro��ando o ch��o, cicia, em prece.
Como uma prociss��o espectral que se m o v e . . .
Dobra o sino. . . Solu��a um verso de Dirceu. . .
Sobre a triste Ouro Preto o ouro dos astros chove.
(Poesias)
F��lego, leitor desabituado de ritmos parna-
sianos. . . Leituras m��ltiplas, deixando-se im-
pregnar pela atmosfera antiga, sensorial e hist��rica
que o poeta constr��i ao longo dos quatorze versos.
Papai Aur��lio necess��rio para o fluxo do primeiro
verso? Dicion��rio enciclop��dico requerido para
88
Marisa Lajoio
o Dirceu do verso 13? Mais do que saber que
Dirceu �� o velho Tom��s A n t o n i o Gonzaga que
arrastou seus amores por Mar��lia na O u r o Preto
da Inconfid��ncia, a teoria �� ver e ouvir. O signi-
ficado do poema constr��i-se agora a partir de uma
percep����o (tanto do autor quanto do leitor)
guiada pelos sentidos, dispersa em impress��es
sensoriais.
Esta Vila Rica de Bilac tem muito de artesanal.
Casa de ferreiro, espeto de ferro e laboriosamente
trabalhado. S�� para come��ar, o "��ngelus que
plange ao longe em doloroso d o b r e " �� bonito
demais. Sonoriza e, sonorizando, atenua os brilhos
dos dourados nobres enfatizados em cada um dos
quatro primeiros versos. E, mortos os ouros no
��ltimo ouro do sol, resta apenas a paisagem n��o
geogr��fica, mas suspensa na mem��ria e no sonho,
que transfere para al��m e para os astros a vis��o
quase psicod��lica de uma cidade imersa em cores,
sons e sensa����es.
A for��a e a import��ncia da percep����o e cons-
tru����o da realidade a partir de suas dimens��es con-
cretas retornam num outro t e x t o , o abaixo trans-
crito: imobilizadas agora, elas se cristalizam na
dist��ncia instaurada entre quem fala e o que esse
algu��m fala. Na viol��ncia das luzes, das cores nos
contornos n��tidos e sensa����es t��teis precisas que
ressurgem nas sete estrofes da Fant��stica de
Alberto de Oliveira, poeta contempor��neo (e quase
cunhado) de Bilac:
O que �� Literatura
89
Erguido em negro m��rmor luzidio.
Portas fechadas, num mist��rio enorme,
Numa terra de reis, mudo e sombrio.
Sono de lendas um pal��cio dorme.
Torvo, imoto em seu leito, um rio o cinge,
E, �� luz dos plenil��nios argentados,
V��-se em bronze uma antiga e bronca esfinge,
E lamentam-se arbustos encantados.
Dentro, assombro e mudez! quedas figuras
De reis e de rainhas; penduradas
Pelo muro pan��plias, armaduras,
Dardos, elmos, punhais, piques, espadas.
E inda ornada de gemas e vestida
De tiros de matiz de ardentes cores,
Uma bela princesa est�� sem vida
Sobre um toro fant��stico de flores.
Traz o colo estrelado de diamantes.
Colo mais claro do que a espuma j��nia,
E rolam-lhe os cabelos abundantes
Sobre peles nevadas da Issed��nia.
Entre o frio esplendor dos artefactos.
Em seu r��gio vest��bulo de assombros,
H�� uma guarda de an��es estupefactos,
Com trombetas de ��bano nos ombros.
90
Marisa Lajolo
E o sil��ncio por tudo! nem de um passo
D��o sinal os extensos corredores;
S�� a lua, alta noite, um raio ba��o
P��e da morta no t��lamo de flores.
Quase fim da linha, que o cansa��o da viagem j��
marca alguns rostos. �� fechar as malas, embrulhar
as lembran��as e preparar o cora����o para o regresso
�� vida real, o que vamos celebrar no p r �� x i m o cap��-
tulo.
Olavo Bilac.
XVIII
Quase todas as concep����es de literatura que se
sucederam ao longo do longo s��culo X I X parecem
ter comungado a cren��a (ou fazer de conta que
acreditavam) na transpar��ncia todo-poderosa da
palavra. Embeber-se e fazer embeber em sentimen-
tos, transmitir emo����es, amarrar-se em verdades
cient��ficas do tempo, fazer o sentido emergir de
contornos claros e real��ados por torrentes de luz
que destacam massas e volumes. . . s��o todas for-
mas semelhantes, pr��ximas.
De certa forma, parecem ter-se esgotado no rea-
lismo as poss��veis sa��das para uma concep����o e
uma pr��tica de literatura que se queria transpa-
rente, tradutora de um mundo. O fim do s��culo foi
tamb��m o fim da cren��a na neutralidade de uma
linguagem liter��ria. Ruiu a concep����o de uma
significa����o ��nica e linear. A literatura realista,
92
Marisa Lajolo
apostando na possibilidade de uma reprodu����o n��o
distorcida do real, paradoxalmente, abriu caminho
para a id��ia de que, mais do que um significado
determinado, o que �� pr��prio da literatura �� ence-
nar a pr��pria linguagem.
E posto isso, retornamos ao s��culo X I X , que j��
Machado de Assis vivia dizendo a seus leitores que
eles eram leitores, que ele era um autor, e que o
texto era apenas (!) um t e x t o .
C o m o eu j�� disse, quase ponto final. Estamos
virando a esquina do s��culo X X . E nem adianta
resmungar que �� uma pena que sobre pouco tempo
para o que est�� mais p r �� x i m o . . . ocorre que �� velo-
cidade de qualquer viagem soma-se a velocidade
pr��pria das paisagens, que sambalan��am vertigi-
nosas em torno, virando de cabe��a pra cima o que
estava pra baixo, e vice-versa. E mais ainda: o hoje
que est�� p r �� x i m o de n��s mereceu considera����es
v��rias, ao longo de toda a viagem. Quem n��o perce-
beu na hora, volte atr��s e confira. Ou n��o volte e
acredite.
Para efeitos liter��rios, o s��culo X I X fecha para
balan��o um pouco antes da virada para mil e
novecentos. Somando tudo, ele foi uma esp��cie
de pano de amostra de festa. Nele, a cren��a no
poder criador da linguagem como forma de ima-
ginar o mundo, ou como forma de recriar com
transpar��ncia uma realidade que se queria defi-
nitiva, teve sua hora e sua vez. Neje se teceu
uma literatura que se queria mim��tica do que
O que �� Literatura
93
se gostaria que fosse o real, do que se achava que
era a realidade.
Mas todos estes fios de representa����o se esgar-
��am e se esfiapam, e ao fim do s��culo passado,
pouco mais, pouco menos, altera����es �� vista: a lite-
ratura como linguagem est�� sozinha, sem prestar
contas ��s teorias que a viam como forma de inter-
preta����o da realidade com uma pr��tica liter��ria
inquietante. T a l v e z valha a pena assinalar aqui que
aquilo de que se desacredita, nesta altura dos acon-
tecimentos, �� a realidade e n��o a literatura. Desa-
credita-se de uma realidade compreens��vel, de um
real convers��vel a palavras, de um mundo cuja
significa����o esteja no exterior da linguagem.
Renuncia, ent��o, a literatura posterior ao entre-
-s��culos (e igualmente a contempor��nea nossa) a
qualquer anseio de totalidade premeditada. A lite-
ratura, seus produtores e seus te��ricos mergulham
na grande aventura da significa����o provis��ria e que
tem nesse provis��rio a arma de sua perman��ncia.
Exceto o grande p��blico (ainda atrelado ao sus-
pense e �� verossimilhan��a do s��culo anterior, todos
os outros (ali��s bem poucos, j�� se sabe. . .) v��em
a literatura como instaura����o de uma realidade
apreens��vel apenas na medida em que permite o
encontro de escritor e leitor sem que, entre ambos,
haja qua��quer acordo pr��vio quanto a valores,
representa����es, etc. (exceto, �� claro, .o acordo
pr��vio inerente a qualquer situa����o de linguagem, o
que j�� n��o �� pouco).
94 Marisa Lajolo
E a partir da��, �� a vertigem e o abismo. Depois
que algu��m, Dostoievisky, disse que se Deus n��o
existe, ent��o, tudo �� permitido, o sinal verde ficou
aberto: livre tr��nsito para o experimentalismo, para
a perman��ncia teimosa de antigas f��rmulas ao lado
das novas, para os processos de produ����o que v��em
no artesanato forma de resist��ncia ao anonimato
da produ����o em s��rie. E o irresist��vel ingresso da
literatura no rol dos objetos de consumo.
Mas nem por isso todo o mundo se livrou de
concep����es mais antigas, nem as funeralizou e en-
terrou em terra santa. Nada disso. Os clubes de
poesia desse interior de deus e do diabo na terra do
sol mostram que nenhuma vanguarda conseguiu,
por exemplo, banir o soneto. Que o figurino dos
quatorze versos encerrados na chave de ouro con-
tinua tendo seus adeptos.. . Portanto, leitor fiel e
levemente nost��lgico, legitimidade tamb��m para
seus madrigais e sentimentalices, que tudo �� per-
mitido e s�� �� proibido proibir.
Despido da cren��a nas imagens de si mesmo,
profundamente desconfiado da linguagem que
herdou e reconstr��i a cada dia, o escritor contem-
por��neo est�� s�� e n��.
A viol��ncia do hoje roubou o direito ao sonho
que, ali��s, acabou. A posteridade tornou-se o ama-
nh�� de manh��, e o pedir um caf�� pra n��s dois o
��nico projeto talvez poss��vel. Em particular no Bra-
sil, a televis��o que, branca-e-preta ou em cores faz
viver tanto o casamento real quanto o fuzilamento
O que �� Literatura
95
de Sadat, precedeu o dom��nio da leitura. Somos um
povo telespectador; n��o somos nem nunca fomos
um pa��s de leitores.
Somos um povo sem tradi����o escrita. E estamos
chegando �� era do descart��vel, quando a literatura,
como pr��tica, corre o risco de tornar-se igualmente
descart��vel. Como resist��ncia a isso, adota a lingua-
gem do bit, �� registrada a spray, parece ter a dura-
bilidade de uma folha volante mimeografada, a
perenidade do eco do grito.
Por outro lado, o momento �� tamb��m de plane-
jamento, efici��ncia, rapidez. Stop. A vida parou.
E a literatura desse nosso momento renuncia ��s
vezes ao significado verbal. No predom��nio do
visual sobre o verbal, no uso das cores e de todo o
requinte da ind��stria gr��fica, a literatura objeta-
liza-se ��s vezes, talvez como ��nica forma poss��vel
de consci��ncia cr��tica da objetaiiza����o.
�� nesta gel��ia geral, que o poeta desfolha a ban-
deira e a for��a ressurge e explode ao compasso
dos discos e das fitas, no embalo do corpo e da v o z
que, na can����o, recupera a for��a m��gica da lingua-
gem liter��ria da palavra que instaura seu sentido.
E o resto �� chegar da viagem, e fechar este livro.
E depois abrir outros, muitos outros: livr��es e
livrinhos, livros e revistas, panfletos e jornais. ��
ouvir m��sica e cantar e seguir novelas, que a festa
�� de arromba e, j�� se sabe, o melhorotempo escorv
de longe, muito longe, mas bem dentro aqui.
s ��� J
INDICA����ES PARA LEITURA
Nos par��grafos finais, sugerem-se livr��es e livri-
nhos. Que sejam benvindos todos os textos, prin-
cipalmente os de que se gosta ou se vem a gostar na
solid��o do encontro. Afinal, para quem quer saber
o que �� literatura o melhor mesmo �� mergulhar na
pr��pria, sem mais delongas. Shakespeare e Guarnie-
ri, Cam��es e Caetano, Machado e Gabeira, sem
esquecer nenhum.
Ao lado dessa leitura, que �� a fundamental, para
muitos pode valer apenas o mergulho paralelo em
textos que se perguntaram e se responderam o que
��, para que serve e como se faz literatura. Para
estes, as sugest��es de um menu leve e sem riscos
de ressaca: Literatura e Sociedade, de A n t o n i o C��n-
dido, onde o mestre focaliza, como indica o t��tulo,
v��rios aspectos da complexa rela����o da obra liter��-
ria com o contexto social em que surge, circula e
�� consumida. Na mesma linha, Le litteraire et le
Social, de Escarpit, re��ne uma s��rie de ensaios que
O que �� Literatura
97
tentam dar conta e problematizar o bin��nio litera-
tura/sociedade, no percurso de produ����o e consu-
mo do t e x t o . Vale notar, neste livro, sua preocupa-
����o em discutir os tra��os institucionais da literatura.
Qu'est-ce que la litt��rature?, de Sartre, inexplica-
velmente n��o traduzido, �� obra fundamental. Na
tentativa de responder �� pergunta-t��tulo O que ��a
literatura?, Sartre enfatiza particularmente a situa-
����o do escritor e do leitor, antecipando, com isso,
problemas que at�� hoje se colocam para quem se
questiona sobre a natureza e a fun����o da literatura.
ABC da Literatura, de Ezra Pound, �� outro livro
interessant��ssimo (e curtinho). C o m uma irrever��n-
cia deliciosa, Pound investe contra alguns dos pre-
conceitos mais correntes em rela����o �� literatura e
abre alternativas muito fecundas para o relaciona-
mento leitor/texto. 0 didatismo impl��cito no t��tu-
lo, aliado �� ironia de seu autor, faz da obra uma
excelente porta de entrada para quem se preocupa
com problemas de teoria e hist��ria da literatura.
Em O que �� Poesia Marginal, Glauco Mattoso,
para encaminhar a discuss��o do que �� marginal em
poesia, trata, tangencia de escanteio, de v��rios as-
pectos da produ����o liter��ria n��o marginal o que,
portanto, interessa muito a n��s todos.
A Teoria da Literatura, de V �� t o r Manuel de
Aguiar e Silva e as Posi����es da Cr��tica em Face da
Literatura, de David Daiches, s��o obras igualmente
��teis, sobremaneira para quem se interessar por
uma sistematiza����o ampla de problemas e hip��te-
98
Marisa Lajolo
ses da Teoria Liter��ria ( V �� t o r Manuel) e por acom-
panhar, ao longo do tempo, as diferentes perspec-
tivas que a cr��tica e a teoria assumiram perante os
textos liter��rios (David Daiches). Na mesma linha a
Teoria Liter��ria de Ren�� Wellek e Austin Warren ��
tamb��m uma admir��vel s��ntese did��tica dos princi-
pais t��picos relativos �� teoria liter��ria.
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Perdi����o/Pref��cios) in Obra Seleta, R.J., Ed. Jos�� Aguillar, 1 ed., 1960, 2 vols., p��g. 318 do primeiro volume.
a
ALU��SIO AZEVEDO (sele����o de textos, notas, estudo biogr��fico hist��rico e cr��tico e exerc��cios por Antonio Dimas) S.P.,
Abril Educa����o, 1980, Col. Literatura Comentada, p��g. 100.
BILAC, O. - "A um Poeta", in Poesias, R.J., Livr. Feo. Alves, 2 3 a ed., 1949, p��gs. 339/40.
O L I V E I R A , A. de ��� "Fant��stica" in Presen��a da Literatura Brasilei-
ra (Antonio C��ndido e Aderaldo Castelo), R . J . - S . P . , Dl FEL, 7 ed., 1978, p��g. 186.
a
Biografia
Maria L a j o l o nasceu e vive em S��o P a u l o , e m b o r a para
efeitos de nostalgia e saudosismo declare-se santista: estu-
d o u no Col��gio Canad��, lia e declamava V i c e n t e de Carva-
l h o , participava do concurso Penas de O u r o .
C u r s o u Letras na Maria A n t �� n i a , deu aulas no C u r s i n h o do G r �� m i o e no E q u i p e . F e z p��s-gradua����o, mestrado e
d o u t o r a m e n t o e m T e o r i a Liter��ria, n a U S P . A t u a l m e n t e , �� professora no Instituto de Estudos da L i n g u a g e m , na U N I -
C A M P ( D e p a r t a m e n t o d e T e o r i a Liter��ria).
A n t e s , durante e depois disso t u d o , rabiscou coisas, sozi-
nha ou em co-autoria. Algumas f o r a m publicadas, outras
engavetadas. E n t r e as primeiras, Caminhos da Linguagem,
l i v r o did��tico escrito j u n t o c o m Haquira e Plat��o. C o m a
Samira, c o o r d e n o u as duas primeiras s��ries de Literatura
Comentada, cole����o para a qual preparou antologias de
Machado de Assis, Bocage, L o b a t o . O mais �� coisinha m i �� -
da, pref��cios e artigos em revistas e jornais aqui e ali.
editora Brasiliense
r. general jardim, 160 ��� cep 01223
Se voc�� quiser receber informa����es regu-
lares sobre as cole����es de Bolso da Bra-
siliense, preencha e remeta-nos o ques-
tion��rio abaixo.
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Nas Livrarias Imprensa ���
An��ncio O Recomenda����o de amigo Q
Indica����o de Professor Q
Segundo a autora, existem escritores, poetas, que deram soberania a outros escritores e até leitores para chamar ou não suas obras de literatura. De acordo com ela, tanto pode ser, como não ser literatura, os poemas que guardamos com carinho, os romances que sequer foram publicados, peças de teatro esquecidas pelo tempo, ou mesmo aqueles livros que nenhum professor indica, mas que gostamos de ler, tudo depende do sentido que temos a interpretá-los.
Fonte:
https://www.coladaweb.com/literatura/o-que-e-literatura
1 )https://groups.google.com/forum/#!forum/solivroscomsinopses
Blog:
Este e-book representa uma contribuição do grupo Bons Amigos e Só livros com sinopses para aqueles que necessitam de obras digitais como é o caso dos deficientes visuais
É vedado o uso deste arquivo para auferir direta ou indiretamente benefícios financeiros.
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Bezerra
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