quinta-feira, 31 de março de 2016 0 comentários By: Fred

{clube-do-e-livro} Arthur Conan Doyle - Sherlock Holmes - A coroa de Berilos, Arthur Conan Doyle - Sherlock Holmes - A escola do priorado, Arthur Conan Doyle - Sherlock Holmes - A inquilina do rosto coberto, Arthur Conan Doyle - Sherlock Holmes - A liga dos


-

 

Arthur Conan Doyle - Sherlock Holmes - A coroa de Berilos
Arthur Conan Doyle - Sherlock Holmes - A escola do priorado
Arthur Conan Doyle - Sherlock Holmes - A inquilina do rosto coberto
Arthur Conan Doyle - Sherlock Holmes - A liga dos ruivos

--




--

Abraços fraternos!

 Bezerra

Livros:

http://bezerralivroseoutros.blogspot.com/

 Áudios diversos:

http://bezerravideoseaudios.blogspot.com/

https://groups.google.com/group/bons_amigos?hl=pt-br

 

 

'TUDO QUE É BOM E ENGRADECE O HOMEM DEVE SER DIVULGADO!

PENSE NISSO! ASSIM CONSTRUIREMOS UM MUNDO MELHOR."

JOSÉ IDEAL

' A MAIOR CARIDADE QUE SE PODE FAZER É A DIVULGAÇÃO DA DOUTRINA ESPÍRITA" EMMANUEL

--
--
Seja bem vindo ao Clube do e-livro
 
Não esqueça de mandar seus links para lista .
Boas Leituras e obrigado por participar do nosso grupo.
==========================================================
Conheça nosso grupo Cotidiano:
http://groups.google.com.br/group/cotidiano
 
Muitos arquivos e filmes.
==========================================================
 
 
Você recebeu esta mensagem porque está inscrito no Grupo "clube do e-livro" em Grupos do Google.
Para postar neste grupo, envie um e-mail para clube-do-e-livro@googlegroups.com
Para cancelar a sua inscrição neste grupo, envie um e-mail para clube-do-e-livro-unsubscribe@googlegroups.com
Para ver mais opções, visite este grupo em http://groups.google.com.br/group/clube-do-e-
---
Você recebeu essa mensagem porque está inscrito no grupo "clube do e-livro" dos Grupos do Google.
Para cancelar inscrição nesse grupo e parar de receber e-mails dele, envie um e-mail para clube-do-e-livro+unsubscribe@googlegroups.com.
Para mais opções, acesse https://groups.google.com/d/optout.

{clube-do-e-livro} : Anne O'Brien - amor divino, Anne Osterlund - Aurelia, Anne Rice - A Dádiva Do Lobo







Anne O'Brien
Amor Divino

Tradu��o/Pesquisa:GRH
Revis�o: Maria Emilia
Leitura Final:Deia
Formata��o: Ana Paula G,



Nota da Revisora Maria Emilia:
Livro bom. Gostei. A autora manteve os personagens com caracter�sticas mais pr�ximas da �poca, o que n�o � muito comum. Fora isso n�o tem muita embroma��o e as emo��es
acontecem no tempo certo. E tem um pouco de aventura e mist�rio tamb�m.

Nota de leitura final deia:
Gostei do livro, tem romance, tem suspense.Adorei 'Malinder, O Negro', como nosso mocinho � conhecido..rsrsrsrsrs...Tem uma prima dele, meio atirada, que cria algumas
situa��es irritantes para a mocinha,mas como sempre, os homens n�o percebem a rivalidade entre as mulheres..rsrsrsrs...Gostei!

Argumento:
Nas fantasmag�ricas profundezas do priorado de Llanwardine, Elizabeth de Lacy est� a ponto de se tornar uma freira quando lhe dizem que tem que se casar com o inimigo
ferrenho de sua fam�lia.

Lorde Richard Malinder deve providenciar um herdeiro, e sua uni�o com a fam�lia de Lacy pode ser proveitosa... mesmo que fosse apenas para manter por perto seus
inimigos...

Elizabeth n�o tinha esperado sentir uma atra��o t�o intensa, nem encontrar um Richard t�o gentil, compreensivo e incrivelmente charmoso. Seus bra�os pareciam fortes
sob suas m�os e o desejo e a antecipa��o aumentavam enquanto se dirigiam diretamente ao leito conjugal...









Um

Welsh Marche, 1460

No priorado de Llanwardine, em Welsh Marche, na �rea fronteiri�a entre a Inglaterra e Gales, a pequena sala tinha paredes e ch�o de pedra e um telhado ondulado.
Uma umidade fria impregnava tudo, proporcionando um brilho desagrad�vel � luz da �nica lamparina. Dava a impress�o de que o c�modo estava em desuso fazia muito tempo,
exceto naquela noite escura em que duas mulheres e uma gata n�o podiam deixar de tremer de frio e de medo. A porta estava garantida por dentro com uma tranca, as
venezianas fechadas para evitar olhares curiosos.

As mulheres estavam sentadas uma de frente � outra e entre elas havia um �spero tampo de madeira apoiado sobre dois cavaletes, no qual em um dos cantos a gata
estava deitada com uma bola. As duas figuras estavam cobertas por capas escuras. Uma delas, a de mais idade, era Jane Bringsty, uma mulher gorda, de rosto redondo
e vestida com as roupas de uma criada. A outra era Elizabeth de Lacy, filha de umas das principais fam�lias aristocr�ticas do Distrito. P�lida e magra era ainda
jovem, e ia vestida completamente de negro e levava a touca branca e negra das freiras. Em sil�ncio, tirou de um saco de lona quatro velas de sebo, que disp�s formando
um quadro diante de sua criada. Jane colocou um prato de barro no centro, encheu-o de �gua e levantou o olhar.
-Tem certeza milady?
-Tenho - ela respondeu apesar de seus dentes baterem de frio.
-Se for assim...
Jane olhou � gata, que deu imediatamente � volta para lavar as patas e as orelhas com estudada indiferen�a. Com um suspiro de resigna��o, a mulher remexeu
em um bolso e tirou alguns pacotinhos antes de acender as velas, das quais come�ou a sair uma fuma�a acre e densa, quase em tanta quantidade quanto da luz.
-A arte da adivinha��o � perigosa - ela disse, mudando de postura sobre o tamborete-. E se nos seguiram? E se nos descobrem aqui?
-N�o nos seguiram, e este hospital est� vazio - respondeu, apoiando as m�os na mesa com as palmas para baixo e os dedos separados. Nenhum anel adornava
aquelas m�os de n�dulos inflamados e pele avermelhada. Apertava os l�bios e sua boca ficava reduzida a uma linha fina.
-Mesmo assim - respondeu, olhando-a com aten��o. Tinha um rosto encovado e sombras t�o escuras como hematomas sob os olhos. A moldura que lhe proporcionava
a touca n�o servia para real��-la, mas ao contr�rio: as chamas tr�mulas e indecisas distinguiam mais seus defeitos.
Elizabeth franziu o cenho, irritada.
-Fa�a-o logo, Jane. Voc� � muito melhor adivinha que eu.
-Tenho mais pr�tica, isso � tudo.
De um dos pacotes tirou um punhado de folhas de Artemisa e se disp�s a ler o futuro de sua ama.
Primeiro espremeu na m�o algumas folhas e as colocou nas chamas para que desprendessem seu aroma penetrante. Com os olhos fechados inspirou profundamente
e a seguir jogou o resto na �gua.
-Venha para mim pelos Poderes da Palavra - ela entoou apenas em um sussurro, enquanto com o dedo indicador da m�o esquerda desenhava patr�es aleat�rios
no centro do recipiente, e seguiu assim enquanto inspirava profundamente seis vezes. A seguir se deteve para contemplar e interpretar o desenho que tinham feito
�s folhas.
-O que v�?
-Cale-se e espere.
Elizabeth entrela�ou as m�os para ficar quieta.
-E ent�o?
N�o podia esperar mais.
-Tudo est� turvo, milady. Nuvens. Um derramamento de sangue - Jane elevou o olhar-. Morte.
-A minha?
-N�o. Para voc�... uma viagem, provavelmente. Um castelo escuro, mas n�o sei se o que a aguarda nele seja uma boas-vindas ou um recha�o, um amigo ou um
inimigo. N�o posso diz�-lo.
-Gra�as a Deus! -exclamou. Uma viagem.
-Cale-se, milady. N�o � apropriado o nomear aqui.
Elizabeth assentiu, mas seguiu perguntando sem deixar de ela mesma olhar para a tigela de barro como se pudesse entender suas imagens.
-Quando ser� essa viagem? Logo? Ou me ficarei velha irremediavelmente antes de partir? Estarei...
Elizabeth de Lacy ficou em sil�ncio imediatamente, com o olhar cravado no que via. Na superf�cie das �guas removidas apareceu um rosto coroado por um cabelo
escuro que parecia alvoro�ado pelo vento. Olhos cinza, de olhar intenso e tormentoso, pareciam olh�-la com determina��o desde aquele rosto extraordinariamente belo.
O nariz era reto, as ma��s do rosto marcadas, o queixo firme. Sem d�vida era bonito. E enquanto se admirava por sua simetria e perfei��o teve a sensa��o de cair
presa por seu olhar, de que aquele ser se colocava sob a sua pele e grudava em seus ossos. Sentiu um n� formar-se no peito. Era aquilo uma possess�o? Respirou fundo
e se deu conta de que estava contendo a respira��o. Seria obra do maligno? Seria boa ou m� aquela conex�o com um desconhecido? Uma estranha consci�ncia sensibilizou
sua pele e um fino v�u de suor molhou a parte de acima de seu l�bio superior apesar da umidade e do frio na sala. Ela levou uma m�o aos l�bios enquanto os olhos
do desconhecido a olhavam severos. N�o podia imaginar aqueles l�bios curvando-se em um c�lido sorriso. N�o havia cordialidade neles; apenas um duro e frio cinismo.
-Quem �? -perguntou em voz baixa-. Parece um homem capaz de alterar o sonho.
A imagem seguia olhando-a fixamente, retendo seu olhar como se fosse capaz de meter-se em sua cabe�a e ler os segredos de seu cora��o, de modo que ela corou.
E talvez aqueles l�bios se curvassem mal perceptivelmente em um sorriso. Ou talvez fosse s� um movimento da �gua. Elizabeth umedeceu os seus.
Jane se separou da mesa e bastou que passasse sua m�o para que aquilo voltasse a ser um prato com �gua e ervas.
-N�o sei lhe dizer. Esta noite tudo est� cinza e indefinido. Mas vejo dois homens nas sombras, ambos no contorno de sua vida.
-Dois? Eu s� vi um.
-Dois - insistiu-. Ambos de cabelo escuro. Um � digno de confian�a, mas o outro vai provar ser um tem�vel inimigo.
Elizabeth apoiou o queixo nas m�os entrela�adas, ainda embargada pelo rosto que tinha visto materializar-se sobre a �gua.
-Muito bem, mas como saberei qual � qual? Como poderei distingui-los?
-Utilize sua cabe�a e seu cora��o, milady. Do que outro modo poder� consegui-lo?
-Eu o farei se conseguir escapar deste lugar.
Um profundo desespero tinha impregnado sua voz, e Elizabeth baixou a cabe�a como faria qualquer outra monja, mas n�o para orar. Parecia imensamente cansada.
Quando voltou a levant�-la, seus olhos escuros estavam opacos e sem brilho. Sua criada ro�ou suas m�os com as dela em um gesto de compaix�o, ao qual Elizabeth respondeu
respirando profundamente e se acomodando.
-Jane voc� trouxe o que pedi?
-Sim. N�o foi dif�cil. As freiras me vigiam muito menos do que a voc� - abriu os outros pacotes sobre a mesa. Isto � o que queria: celid�nia.
As p�talas cheias e as folhas em forma de cora��o daquelas flores tempor�s estavam deprimidas e tristes.
Elizabeth assentiu.
-Excelente. Para escapar ao encerramento n�o desejado ou a qualquer tipo de reclus�o. Que Deus me ajude, mas a necessito. O que � todo o resto?
Jane abriu outros pacotes sobre a mesa e expos uma mistura de ra�zes feias e folhas secas.
-Verbena, para ajud�-la a escapar dos inimigos. E asp�rula, para assegurar a vit�ria.
Elizabeth tomou com dois dedos um galhinho lenhoso.
-Confrei para a seguran�a e o amparo em uma viagem. Posso necessit�-la se sua vis�o for certa.
Pela primeira vez seus l�bios esbo�aram um sorriso m�nimo e o olhar que tinha cravado em sua serva se esquentou.
-N�o fazemos nenhum dano dando um empurr�ozinho ao destino, milady -Jane guardou tudo em uma pequena bolsa de couro fechada por um cord�ozinho e a ofereceu
a sua senhora-. Leve-a junto � pele, milady, e se assegure de que n�o a vejam outros olhos que os seus.
Elizabeth a colocou sob suas roupas.
-Eu a levarei, e pedirei a Deus e a sua misericordiosa m�e que trabalhem para n�o ficar louca neste lugar.
-Suponho que n�o fazemos nenhum mal em convocar quantos poderes possamos em sua ajuda milady - Jane apagou as velas com um gesto r�pido e se levantou. O
gato se levantou tamb�m e se esticou prazerosamente, disposto a partir-. Voltemos antes que alguma das irm�s repare em sua aus�ncia e flexione o bra�o direito em
nome da Sagrada Obedi�ncia.
-Am�m! -replicou Elizabeth com todo seu cora��o, que j� tinha provado o sabor do chicote.
Em seu cora��o e em seu pensamento, era Elizabeth de Lacy, e n�o a irm� Elizabeth, algo que ela nunca seria, quem fervia de ira e rebeldia, tremia de amarga
frustra��o. Sua vida em Llanwardine era insuport�vel, come�ando pela horr�vel comida, passando pelo frio congelante e as noites sem fim, at� a �gua de gelo na qual
era sua obriga��o esfregar as ta�as e terrinas que usavam as irm�s de maior idade. Ao levantar o que restava das velas, as mangas se escorregaram para tr�s, deixando
descoberto uns bra�os magros e punhos muito fr�geis, muito delicados, como se fossem quebrar na primeira provoca��o. Nunca tinha sido uma menina robusta, mas agora
a palidez da pele de seu rosto a deixava quase transparente, e os rastros viol�ceos que sublinhavam seus olhos os deixavam profundos. Tinha os dedos avermelhados
e �speros pelo trabalho duro e as frieiras. Sabia que devia comer mais, mas era imposs�vel lhe fazer passar pela garganta algo que n�o fosse um peda�o de p�o duro
ajudado por uma colherada do gordurento cozido que serviam. Era uma batalha constante entre sua cabe�a e seu ventre, mas a gordura do cozido ficava na boca e o sabor
ran�oso das verduras revolvia seu est�mago.
Iria passar o resto de seus dias naquele desterro? Ficaria velha e morreria ali?
N�o. N�o! N�o podia acreditar que a vida fosse ser para ela apenas aquele supl�cio de pobreza e obedi�ncia, priva��es e sofrimentos at� o dia de sua morte.
Tinha apenas vinte e um anos e Deus sabia bem que n�o tinha recebido o chamado para ser freira. Ele via e compreendia seus sofrimentos e n�o podia querer acorrent�-la
a semelhante destino, apesar da determina��o de seu poderoso tio, sir John de Lacy, em mant�-la encerrada ali at� que se dobrasse e lhe jurasse obedi�ncia.
E n�o, nunca poderia contrair casamento com Owain Thomas com o �nico fim de conseguir outra alian�a para sua fam�lia na Welsh Marches. Jamais! Ela estremeceu
ao se recordar de sir Owain, um cavalheiro alto e fraco, j� quase sem cabelo e velho o bastante para ser seu pai, um rascunho de homem que se inclinou sobre sua
m�o com a lux�ria escapando pelos olhos e se transmitindo por suas m�os de dedos ressecados e �speros. Ao aceitar casar-se com ela, seus olhos a tinham encarado
com a frieza de um r�ptil, e recordar o contato com ele � fez estremecer. Fosse o que fosse o que a vida lhe proporcionasse, ao menos tinha escapado desse horror.
Elizabeth se encaminhou � cozinha do priorado, onde uma vez mais afundaria as m�os naquela �gua gelada. A sua mente voltou o rosto que tinham conjurado,
o olhar intenso do homem de cabelo escuro que a tinha feito tremer. N�o tinham sido as g�lidas correntes do lugar o que tinha movido seus h�bitos, mas sim algo dentro
dela que ele tinha feito florescer.
Richard Malinder, senhor de Ledenshall, estava concentrado limpando a lamina de sua espada e compunha naquela tarefa uma imagem agrad�vel, se � que tivesse
chegado a saber disso ou lhe importasse. Sua constitui��o e temperamento eram os de um soldado, e as finas rugas que sulcavam seu rosto denotavam determina��o e
certa inflexibilidade. No brilho de seus olhos havia um inc�modo cinismo. Era moreno de pele, com o cabelo negro, os olhos de um cinza escuro e o nariz reto e bem
formado, perfeito para a arrog�ncia. Tinha as ma��s do rosto bem marcadas, a boca perfeitamente desenhada e era capaz de certo encanto em seus gestos, mas naquele
momento apertava os l�bios com seriedade. Em resumo, era um homem atraente, ou ao menos isso as mulheres estavam acostumadas a dizer, mas de temperamento vivo e
imperioso, de modo que n�o era f�cil lidar com ele. Um dos Malinder Negros, que podia encantar e atrair, mas cujo car�ter era t�o forte quanto sua apar�ncia. O motivo
pelo qual franzia o cenho naquele momento era a mensagem enviada por De Lacy e que tinha chegado fazia menos de uma hora, umas not�cias que tinham lhe causado profunda
surpresa.
Maude de Lacy, a filha de dez anos de sir John de Lacy, a menina que estava destinada a ser sua esposa, tinha morrido de uma febre.
N�o o tinha pressentido. Como ia imagina-lo se que a menina tinha apenas dez anos. Lamentava sua morte, sem d�vida, e tinha enviado as palavras de condol�ncia
adequadas a seu pai, sir John de Lacy, senhor de Talgarth. A morte da �nica filha de sir John era muito dolorosa, embora Richard mal fosse capaz de encontrar entre
suas lembran�as algum detalhe pessoal daquela criatura de cabelo castanho vestida de azul intenso, que corria rindo atr�s de um cachorrinho no p�tio de sua casa.
Foi � �nica ocasi�o em que a viu, quando se selou seu compromisso.
Mas sob sua afli��o corria uma corrente de al�vio carregada de culpa. Aquele casamento ia ser uma alian�a que seu cora��o nunca tinha desejado, um acordo
pol�tico no qual a menina tinha sido simplesmente uma moeda de troca utilizada na luta pelo poder na fronteira. Estava claro que sir John pretendia o apanhar em
uma uni�o com os Lacy da qual n�o pudesse escapar, com o fim de que pudessem dominar a Marche entre eles. Mas sir John seria um aliado inc�modo nas presentes circunst�ncias.
A lealdade dos De Lacy para com a casa dos York n�o encaixava com o apoio dos Malinder ao rei Henry de Lancaster. Tampouco o tinha muita gra�a ver-se prometido a
uma menina t�o pequena.
Entretanto, tinha que reconhecer a necessidade de voltar a casar-se depois do falecimento de Gwladys, sua esposa. J� era hora de dar um herdeiro a seus
dom�nios, disse-se enquanto seguia limpando a lamina da espada com um pano macio. Contanto que sir John n�o tentasse remediar aquele repentino colapso das negocia��es
lhe oferecendo outra noiva da fam�lia. E se lhe propusesse que fosse sua sobrinha, Elizabeth de Lacy, que ocupasse o lugar de sua filha no leito nupcial dos Malinder?
Richard deixou de lado a espada e apoiou as costas na cadeira. Elizabeth de Lacy. Uma mo�a dif�cil, com interesse demais nas escuras artes. Conhecia sua
reputa��o, j� que os rumores se estendiam com toda rapidez pela Marche. Nada de bom se dizia dela. Uma garota brusca, de rosto anguloso... bom, na verdade j� era
uma mulher, e de l�ngua afiada. Pouca resist�ncia, pouca beleza, poucas emo��es femininas em resumo, era ainda uma menina quando teve que assumir o controle da casa
de sua fam�lia em Bishop's Pyon e a educa��o de seu irm�o menor depois da morte de seu pai, e permanecia solteira apesar de sua idade. Se acrescentasse � mistura
sua falta de pudor ao falar e seus conhecimentos de nigromancia... Richard fez uma careta. N�o, certamente n�o era uma noiva atraente.
De qualquer modo era pouco prov�vel que a oferecesse. Os rumores diziam que a tinha enviado ao priorado de Llanwardine para tomar os votos sob a autoridade
de lady Isabel de Lacy, sua tia av�, que era a prioresa ali. Se John podia dizer que a mo�a tinha descoberto sua voca��o, mas a maledic�ncia dizia que tinha sa�do
de sua casa para n�o encontrar-se com sir John.
-De qualquer modo, tampouco a quero - ele disse ao sabujo que estava sentado junto a ele antes de levantar-se-. Seja qual for � raz�o pela qual Elizabeth
de Lacy tenha ouvido a chamada de Llanwardine, s� posso dizer obrigado, Meu Deus!
Em um c�modo circular da torre que fechava a grande fortaleza que os Lacy tinham em Talgarth, mais ao norte, um homem colocou a t�nica negra dos magos em
cima de sua roupa. Nicholas Capel, sacerdote renegado, nigromante, leitor de hor�scopos e conselheiro pessoal em todos os assuntos n�o ortodoxos de sir John do Lacy,
acendeu uma �nica vela. O professor Nicholas Capel era um homem de ambi��o sem fim e fina pervers�o, e segundo ele tudo estava a ponto de florescer e dar um fruto
especial.
Poder! Que mais se podia desejar? O poder para manipular, para dobrar um homem a sua vontade como as pe�as de um tabuleiro de xadrez. O poder para destruir,
se fosse necess�rio.
Acomodou-se atr�s da mesa em uma cadeira de bra�os e encosto alto pintado com s�mbolos estranhos e cujas pernas eram como espadas cobertas de sangue. Retirou
o pano de veludo que cobria um cristal, e apoiando as palmas abertas sobre a madeira, olhou atentamente � bola de cristal.
-Que futuro aguarda aqui?
Ao lado da bola havia tr�s peda�os de um pergaminho rasgado, escritos com a letra de Capel. Tr�s nomes. John de Lacy, seu senhor naquele momento... ou ao
menos isso acreditava o feroz magnata. Sorriu. De Lacy jamais seria seu amo. Richard Malinder de Ledenshall, cujo poder ia aumentando na Marche, e seguiria crescendo
se n�o se tomassem as medidas necess�rias para fre�-lo. E a seguir seu pr�prio nome, pelo qual todo mundo o conhecia: Nicholas Capel.
-Nossos destinos est�o conectados - cobriu os tr�s nomes com as m�os-. Sei. Mostre-me o futuro!
O que lhe mostrou a bola o surpreendeu. Era uma figura feminina de cabelos escuros, alta e magra.
-Quem � voc�?
A figura deu a volta e ele viu seu rosto.
-Elizabeth de Lacy? -sussurrou-. Eu n�o esperava isso.
Na bola de cristal as figuras apareciam em sil�ncio, quase como se executassem complicados passos de dan�a, at� que John de Lacy e ele desapareceram e no
centro da esfera ficaram Elizabeth de Lacy e Richard Malinder. Com uma cad�ncia suave foram se aproximando um do outro como se puxados por cordas invis�veis. Sorriram.
Malinder lhe ofereceu a m�o e Elizabeth p�s nela seus dedos para que ele pudesse beij�-los delicadamente. Ent�o lhe ofereceu os bra�os e ela deu um passo para deixar-se
abra�ar. A cena desprendia intensidade quando ele se inclinou para beij�-la, e ela o permitiu agarrando-se a ele, t�o perto que era como se fossem um s� ser. A saia
escura de seu vestido lhe envolveu as pernas, sua cabeleira lhe descansou no ombro, e o beijo foi intermin�vel, enfeitado com uma intensa paix�o.
Capel franziu o cenho.
-De modo que voc� tamb�m vai ter seu pr�prio papel, Elizabeth de Lacy. Parece que os dois est�o destinados a ser amantes, e isso me surpreende. Pode ser
que ao final n�o seja t�o boa ideia deixar que apodre�a solteira em um priorado. Possivelmente deva ignorar sua teimosia e te encontrar um novo caminho.
A cena mudou. Richard desapareceu e Elizabeth ficou sozinha. Em seus bra�os um menino rec�m-nascido de cabelo escuro. Um amontoado de nuvens escuras amea�ava
uma tormenta.
Capel sorriu e depois de jogar o pano sobre a bola se recostou na cadeira e apagou a vela, sumindo os amantes no esquecimento. Permaneceu um longo tempo
�s escuras, tecendo, desfazendo e voltando a tecer em sua cabe�a at� que a tape�aria resultante servisse a seus prop�sitos. Utilizaria seus poderes a favor de John
de Lacy enquanto servisse a seus interesses. Era vantajoso ser o poder atr�s da luva de ferro do qual ningu�m suspeitaria. E depois? Bem depois, tudo seria revelado.
Mas de uma coisa tinha certeza: Richard Malinder e Elizabeth de Lacy deviam ser reunidos para serem usados como uma porta � grandeza.


















Dois


Elizabeth de Lacy permanecia de p� do outro lado da porta cravejada da c�mara privada da prioresa, entretida em arrumar as dobras de seu h�bito e a touca
de novi�a. Tinha sido convocada a seus aposentos e estava muito nervosa, embora n�o pudesse adivinhar que pecado teria cometido e pelo qual j� n�o tivesse sido castigada.
Bateu com suavidade. Uma vez recebida � ordem de entrar se deteve na soleira, olhando primeiro surpresa e depois com desconfian�a.
-Entre irm� Elizabeth.
Obedeceu a aquela voz serena e bem modulada. Inclinou-se primeiro perante a prioresa com as m�os ocultas pelo seu h�bito e o olhar baixo, antes de dedicar
uma rever�ncia a seu tio, sir John de Lacy.
Elizabeth n�o prestou aten��o � eleg�ncia e comodidade que havia naquele c�modo, completamente diferente das celas do priorado nas quais ela vivia. Toda
sua aten��o estava posta no homem que permanecia de p� junto � cadeira da prioresa. E ao segundo homem que tamb�m de p� permanecia um passo mais atr�s. O que acontecia
ali?
-Tem visita, irm� Elizabeth.
Elizabeth sentiu o poder de sua presen�a quando ele a olhou. A energia de seu tio enchia a sala, embora n�o sua pessoa. De estatura media, magro, musculoso,
com o cabelo escuro e os olhos azuis que falavam do sangue Gales que corria na fam�lia De Lacy durante gera��es, sir John irradiava uma for�a controlada. Sua express�o
denotava impaci�ncia, oculta atr�s de uma m�scara deliberada de indiferen�a.
-Tem um bom aspecto sobrinha.
Elizabeth inclinou a cabe�a com arrog�ncia como resposta, seu �nico amparo contra aqueles olhos de olhar penetrante. Sabia bem qual devia ser seu aspecto
e n�o podia oferecer uma imagem agrad�vel � vista, com aquele h�bito negro que lhe roubava a escassa cor que restava em suas faces, ainda mais evidente sem o amparo
do v�u. N�o pensava em sorrir, nem tampouco em lhe dar a boas-vindas.
Tampouco ia reconhecer a presen�a do homem que acompanhava seu tio, Nicholas Capel. Alto, impressionante com seu cabelo at� o ombro, a sua era uma presen�a
habitual em Talgarth. Que fun��o desempenharia para seu tio? A de conselheiro? A de servo? Tinha a impress�o de que aquele homem n�o serviria a ningu�m mais alem
de a si mesmo. Dizia-se que era sacerdote expulso por ter cometido pecados inconfess�veis, mas em sua opini�o era um nigromante que servia ao diabo. Vestido de negro
da cabe�a aos p�s, seus olhos sem fundo a despiam de tudo que usava exceto da carne que cobria seus ossos. Ela estremeceu.
-Tomei uma decis�o no que respeita a seu futuro, Elizabeth.
Seu cora��o deu um salto no peito, embaixo daquele tecido negro e grosseiro que irritava sua pele. Um inesperado raio de esperan�a a atravessou, e teve
a impress�o de que todos os pressente notaram, mas n�o permitiu que se mostrasse em sua express�o.

-E que decis�o tomou, sir John?
-Vai voltar para casa - Elizabeth olhou brevemente � prioresa, mas n�o encontrou nada nela-. Bom, n�o exatamente para casa, mas sim vai deixar o priorado.
-Entendo.
Mas n�o entendia nada.
Algu�m bateu com suavidade � porta e a abriu. Era um jovem que conseguiu devolver a Elizabeth pela primeira vez a cor que h� tanto tempo tinha perdido.
-David! N�o sabia que estava aqui.
-� que estava me ocupando dos cavalos...
Em outro momento teria acorrido imediatamente para saud�-lo. Em outro momento teria se jogado nos bra�os do irm�o que tinha criado na inf�ncia, apertando-o
contra seu peito. Em outro momento o prazer de contemplar suas fei��es, sua express�o familiar e risonha a teria feito rir, beijando-o na face e lhe alvoro�ando
o cabelo. Mas sob o severo olhar da prioresa, da desconfian�a de seu tio e do olhar sinistro de Capel, n�o se moveu de onde estava e esperou.
-Elizabeth! - ele exclamou, e esquecendo todo protocolo, foi ao seu lado para tom�-la pelos ombros e beij�-la na face. Depois a estudou atentamente com
seus olhos azuis t�o De Lacy-. N�o podia deixar de aproveitar a ocasi�o de v�-la.
-Tem um bom aspecto. Como est� Lewis?
-E nosso irm�o quando n�o esta bem? J� lhe contou sir John?
-N�o. N�o me contou nada - ela respondeu, lhe apertando as m�os com for�a antes de solt�-lo. Seria muito f�cil deixar-se levar pelas emo��es e n�o devia
demonstrar suas debilidades. Ainda n�o tinham lhe falado qual era o plano que tinham reservado para ela-. O que quer de mim tio? -perguntou-lhe voltando-se para
sir John-. Por que tenho que voltar para casa... ou n�o voltar exatamente?
Melhor sab�-lo quanto antes, por mais desagrad�vel que pudesse ser a resposta.
-Minha filha Maude morreu.
-Sim - sua express�o se suavizou um pouco-. N�s soubemos, e eu sinto muito.
A prioresa interveio rapidamente.
-N�o estamos t�o encerradas aqui c para n�o nos inteirarmos de tudo o quanto ocorre. J� oferecemos nossas preces ao senhor pela alma dessa crian�a sir John.
Ele assentiu, mas continuou dirigindo-se a sua sobrinha.
-� minha inten��o que ocupe o lugar de Maude no enlace acordado com lorde Richard Malinder de Ledenshall, e seja voc� quem honre o contrato nupcial.
Elizabeth conteve o f�lego. Que surpresa. Livrou-se das garras de Llanwardine, mas a que pre�o? Voltava a ser uma pe�a na partida de xadrez que De Lacy
mantinha para obter ainda mais poder na Welsh Marches.
-Deveria ter imaginado n�o �? Volto a ser uma noiva, mas desta vez vou me casar com um partid�rio da casa de Lancaster e n�o da dos York. Vou casar com
o inimigo. Seus ardis parecem ter se tornado mais arteiros, tio.
Ignorou a tosse afogada de seu irm�o e cravou o olhar em sir John, que parecia vermelho de ira. Preferiria n�o arejar suas diferen�as diante de lady Isabel,
mas o que isso importa agora?
-Voc� vai descobrir que Malinder � uma possibilidade muito mais agrad�vel que sir Owain. Sua pol�tica n�o tem que a preocupar - ele replicou, deixando claro
que n�o ia tolerar desobedi�ncia ou que seguisse expondo as roupas sujas da fam�lia-. Ter� uma escolta daqui at� Ledenshall, o lar de Malinder.
-De modo que n�o vou poder ir antes at� em casa, a Bishop's Pyon.
-Tio - interveio David-, n�o acha que seria mais adequado...
-� melhor que viaje diretamente a seu novo lar, milady - Capel falou em tom conciliador-. A cerim�nia pode celebrar-se assim que chegue.
"Melhor para quem?", ela se perguntou.
Elizabeth se limitou a abaixar o olhar. Que opini�o merecia aquela inesperada mudan�a? Meses atr�s mal teve tempo de pestanejar antes de recha�ar a proposta
de casamento com sir Owain Thomas, mesmo sob o risco de incomodar seu tio. Mas naquele momento j� estava h� certo tempo em Llanwardine, e tinha aprendido uma dura
li��o. Aquela nova proposta seria sem d�vida melhor, mais satisfat�ria que a vida que levava ali. Muitas vezes tinha chegado a pensar que qualquer vida seria melhor
do que aquela, por exemplo, quando a chamada nas horas primas a arrancava da cama e a levava para a capela g�lida. Quando as m�os ficavam duras de frio ao cavar
no gelo para extrair as �ltimas ra�zes do inverno na horta.
Mas Richard Malinder... o que sabia dele? Corriam inumer�veis rumores a respeito dele, de sua crescente autoridade, do poder cada vez maior de sua espada
e de seu punho em nome do rei Enrique, da casa dos Lancaster. Malinder o Negro, que tinha perdido sua primeira esposa em uma gravidez que levado a ela e a crian�a.
Queria casar-se com esse homem? Era o inimigo. Um partid�rio dos Lancaster, que apoiava ao homem que reclamava seus direitos ao trono com o nome de Enrique IV, enquanto
que a tinham criado para seguir � outra linha sangu�nea, a dos Plantagenet, a casa dos York. O que resultaria em casar-se com um homem cujas inclina��es pol�ticas
se opunham frontalmente �s suas? A ang�stia cresceu. Insistiria em que mudasse suas alian�as? E se fosse assim, poderia faz�-lo?
Outra ideia lhe veio � cabe�a. Chamavam-no de Malinder o Negro. Seria o seu belo rosto que tinha visto desenhar-se na �gua? Seria ele um dos homens morenos
que tinham aparecido na profecia de Jane e que podia ser igualmente amigo ou inimigo? N�o havia modo de saber. Os homens de sua vida eram todos morenos: seus irm�os
Lewis e David. O pr�prio sir John. Inclusive aquela tem�vel criatura chamada Nicholas Capel, que naquele momento lhe sorria como se fosse capaz de ler inclusive
em sua alma. A predi��o de Jane n�o tinha lhe dado nenhuma pista.
Devia decidir se queria aquele casamento e decidir j�. Sir John j� a olhava franzindo o cenho. Bem, por que n�o aceitar a oferta? Todos os homens eram ambiciosos
e ego�stas, uns seres nos quais n�o se podiam confiar. Richard Malinder apenas iria quer�-la como avalista da paz entre duas fam�lias que potencialmente podiam enfrentar-se
na Marche. E para que desse um herdeiro a casa Malinder, � claro. Isso ela poderia aceitar. Ao menos ele n�o era uma casca seca, nem t�o velho como os outros. Afinal
acabou sendo uma decis�o simples. Aquele casamento ia proporcionar lhe os meios necess�rios para sair dali, a chave de uma porta fechada e trancada, e o destino
talvez quisesse lhe oferecer outra oportunidade antes que o casamento chegasse enfim, prendendo-a a uma vida cheia de regras e for�ada a obedi�ncia. Poderia p�r
ponto final ao controle de sir John sobre sua vida. E que a Virgem a ajudasse, porque e ia faz�-lo! Conceder sua m�o em casamento ao senhor de Ledenshall lhe daria
posi��o, autoridade, certa independ�ncia e uma via de fuga de seu cativeiro.
No final ia ser a decis�o mais f�cil de todas as que tinha tomado.
-Muito bem, sir John. Eu me casarei com Richard Malinder.
Sir John sorriu satisfeito.
-Que assim seja.
-E ele aceitou minha m�o senhor?
Tinha que perguntar-lhe. Precisava saber qual tinha sido sua rea��o diante da possibilidade de ter a ela como esposa em lugar de sua prima Maude.
-Ainda n�o est� tudo acordado, mas n�o haver� dificuldade alguma. Vai aceit�-la. Seu dote ser� t�o abundante que seria uma loucura a recha�ar.
"Ainda n�o contou certo?". "Ele nem sequer sabe!"
-Nesse caso, � �bvio que aceitar�, se voc� se dispuser a comprar sua decis�o - a inexplic�vel esperan�a que tinha abrigado de que Richard Malinder pudesse
quer�-la por ela mesma morreu em seu peito-. Que absurdo foi ter perguntado isso.
Uma vez que haviam partido as visitas, Elizabeth ficou a s�s com sua tia av�.
-T�m muitos talentos e dons que oferecer para Richard Malinder - lady Isabel lhe assegurou.
-Talentos? Dons? Jamais tive prova disso. Meu pai n�o mostrou afeto algum por mim, e Owain Thomas me queria por meu sangue Lacy - Elizabeth engoliu em seco
para afogar a comisera��o que amea�ava transbordar. N�o estava disposta a se deixar levar por ela-. E agora s� me aceitam como substituta. Substituta da esposa falecida
para lorde Malinder. De minha prima Maude. N�o por minha pessoa - a resposta soou temperamental-. Que felicidade posso esperar, ou ao menos que toler�ncia em um
casamento onde j� somos inimigos antes de colocar os an�is?
-Sempre h� esperan�a - a prioresa era uma mulher severa, mas atingia certa compreens�o-. Antes que nos deixe, quero lhes dizer algo e quero que me escute
com aten��o: se alguma vez se encontrar precisando de ajuda, j� sabe onde pode procurar ref�gio. Agora mesmo a �rea est� tranquila, mas eu temo que n�o ser� sempre
assim. Se voltar a se declarar a guerra entre os York e Lancaster, vai se encontrar no olho do furac�o, como todos n�s. Se o perigo for grande, voc� e os seus sempre
ser�o bem-vindos aqui. N�o duvide. Logo ir� soar o sino das ter�as. Rezaremos uma Ave Maria para que cheguem bem em Ledenshall.
Alguns dias mais tarde, o ru�do de cascos de cavalos sobre as pedras do p�tio fez com que Richard Malinder abandonasse os documentos que estava examinando
para aproximar-se da janela. O que viu abaixo o fez sorrir encantado, uma express�o que n�o era muito generosa no rosto do senhor de Ledenshall. Desceu as escadas
de dois em dois degraus para dar a boas-vindas aos Malinder Vermelhos, comandados por um homem que desmontou e se virou para ajudar uma dama a desmontar entre palavras
de encorajamento. Parte da escolta come�ou a levar os cavalos para outro lado, enquanto outros se ocupavam de descarregar a bagagem carregada nos animais e em uma
pequena carreta.
-Rob! Veio pensando em ficar? -perguntou surpreso ao ver aquele monte de caixas e pacotes que ia se reunindo sobre as pedras do p�tio.
-Vim para as bodas - Robert Malinder, apelidado o Vermelho por seu cabelo, respondeu sorrindo e se virou de mau humor para a mulher que estava atr�s dele,
tirou-lhe o p� do estribo e lhe disse mal educado se pensava em descer do cavalo antes do anoitecer.
-As not�cias viajam r�pido - se surpreendeu Richard-. Conforme parece, soube do evento antes que eu!
Os primos estreitaram a m�o direita em reconhecimento de parentesco, amizade e alian�as pol�ticas. Robert Malinder. Alto, forte, ruivo e de olhos verdes.
Branco de pele, embora naquele momento estivesse um tanto vermelha pelo frio. N�o se parecia com os Malinder de Ledenshall exceto em sua estatura e corpul�ncia,
mas era inconfundivelmente um dos Malinder Vermelhos dos Moccas.
-Sempre � bom para n�s saber o que os De Lacy andam tramando - Robert explicou sem necessidade-. E temos nossas fontes - hesitou apenas um instante-. Lamentamos
saber da morte de Maude.
Antes que pudesse elaborar uma resposta que n�o o comprometesse, sua aten��o ficou apanhada em outra coisa.
-E bem, meu querido Richard. Ser� que n�o pensa em me dar as boas-vindas, depois de ter feito t�o longa viajem apenas para v�-lo?
Notou um toque suave no bra�o e se voltou com um sorriso de boas-vindas. Em um momento seu est�mago fez um n� e seu sorriso se murchou. Gwladys! A imagem
de sua esposa encheu tudo antes que o sentido comum e a brutal realidade tomassem o controle. Claro que n�o era ela. Gwladys estava morta. Piscou v�rias vezes olhando
o rosto que tinha � altura do ombro e se sentiu rid�culo. Gostaria que a mo�a n�o tivesse notado sua rea��o inicial. Mas a semelhan�a estava ali, t�o forte que era
inc�moda: cabelo loiro acobreado delicadamente preso, oculto em sua maior parte pelo capuz da capa de viagem. Os mesmos olhos verdes como esmeraldas real�ados por
longas pestanas. Sobrancelhas bem desenhadas, nariz reto e pele imaculada. Creme e rosa em compara��o com as faces avermelhadas de Robert. Anne Malinder era uma
beleza e Gwladys e ela eram primas, ambas compartilhando os tra�os da fam�lia.
-Anne. N�o havia tornado a lhe ver desde... - desde suas bodas, quando n�o tinha olhos para nada mais que sua esposa e ela era ainda apenas uma daminha
de honra na celebra��o-. Desde antes que crescesse!
Richard, incomodado por necessitar de boas-vindas adequadas, examinava a irm� de Robert cuja cabe�a j� alcan�ava seu ombro.
-Pois j� veja: cresci o suficiente para me casar - ela respondeu, e suas espessas pestanas cobriram o brilho de seus olhos-. Convenci meu irm�o para que
me trouxesse com ele porque me ocorreu pensar que sua nova esposa talvez necessite de um pouco de companhia feminina. E n�o a de uma aia, embora acredite que seja
alguns anos mais velha que eu.
-Foi um pensamento muito considerado.
-Claro. Devemos lhe dar as boas-vindas embora seja partid�ria dos York e um pouco velha para se casar - ela declarou, inclinando a cabe�a. Seus olhos verdes
brilharam como duas pedras preciosas.
Richard a olhou franzindo o cenho, mas o rosto da menina brilhava com uma inocente complac�ncia. Seguia tendo a m�o em seu bra�o e se deu conta de que at�
suas m�os eram como as do Gwladys: pequenas, magras, feitas para usar belos an�is. Abaixou-se e a beijou nas faces.
-Bem-vinda a Ledenshall, Anne.
-N�o me restou mais rem�dio que traz�-la - protestou Robert. Os cavalos e os homens de armas por fim se dispersaram em busca de calor e de um pouco de comodidade
depois da viagem, uma vez tendo colocado toda a bagagem em seu lugar com r�pida efic�cia. Os primos, depois de admirar a qualidade dos animais de montaria dos Malinder
entraram tamb�m no sal�o principal.
-N�o importa.
Lorde Richard pediu a uma criada que trouxesse mais cerveja, p�o e carne.
-� que me amea�ou de vir sozinha se eu n�o estivesse disposto a acompanh�-la e n�o deixou de chatear a nossa m�e at� que conseguiu. Anne pode ser um verdadeiro
incomodo quando se aborrece ou quando lhe negam algo - Robert tirou luvas e a capa, deixou-os em um banco e come�ou a soltar o cintur�o com no qual se prendia a
espada, n�o sem amaldi�oar sonoramente suas m�os torpes e congeladas-. Suponho que se aborrece por n�o ter companhia feminina de sua idade. E com a promessa de umas
bodas no horizonte... bom, tive que traz�-la- ele sacudiu as botas dando umas patadas contra o ch�o-. Est� um tempo detest�vel para viajar!
-Ter� toda a companhia que quiser durante os pr�ximos dias.
Recuperado depois da surpresa inicial de v�-la, tinha podido relegar o desconforto a um canto. Encheu a jarra de cerveja de Robert, que a bebeu encantado.
Um vapor esbranqui�ado come�ava a brotar de suas roupas e de suas botas �midas.
-Isto est� melhor - disse, passando-a m�o pelo rosto.
A criada chegou com pratos de comida e acrescentou um pouco mais de lenha ao fogo. O c�o voltou a deitar-se junto � lareira, uma vez passada a excita��o
dos rec�m-chegados.
-Tiveram uma viagem tranquila?
-Muito - com o dorso da m�o ele limpou a boca-. Os galeses parecem tranquilos por sua vez. E com este tempo... ningu�m se move.
-Descanse os p�s um momento.
Robert resmungou algo enquanto seguia bebendo junto ao fogo. Logo, deixou-se cair em uma cadeira e p�s os p�s em uma banqueta.
-Vamos me conte tudo. Assim vai se aliar com os De Lacy, apesar da morte de Maude.
-Sim. Vou me casar com a sobrinha de sir John.
Richard cravou o olhar em sua jarra de cerveja. O nome de Elizabeth de Lacy tinha substitu�do rapidamente ao de Maude no contrato nupcial. Em interesse
da paz em March, o casamento Malinder - de Lacy se manteria se ele, Richard Malinder, concordasse com isso. Respirou fundo. Sir John era um homem obcecado por sua
ambi��o, e quanto ao professor Capel, seus olhos de obsidiana tinham brilhado com um interesse conspirador durante todo o processo, e embora tivesse permanecido
em sil�ncio e se mostrou respeitoso em rela��o aos protagonistas do ato, havia algo nele que lhe dava repulsa.
-Suponho que sabe onde se coloca.
-Assim espero - respondeu mantendo o tom leve de voz-. E sim, ouvi os rumores, mas n�o � poss�vel que seja t�o ruim quanto dizem. Antes n�o a quis; e mais:
jurei que n�o teria nada a ver com ela, mas mudei de opini�o. Sir John est� entusiasmado e n�o vi raz�o para que atrasar todo o processo.
-Desde que mantenha os olhos e os ouvidos bem abertos quanto �s inten��es de De Lacy - lhe aconselhou Robert, de repente muito s�rio-. Mantenha suas costas
vigiadas. Sir John deve ter um motivo oculto... sempre tem. Quando vai acontecer a cerim�nia?
-Logo. Ela vir� diretamente para c� do priorado de Llanwardine. � de boa fam�lia, tem idade suficiente para casar-se e foi criada para ser uma competente
castel�. � o tipo de mulher perfeita para mim porque necessito de um herdeiro. E, al�m disso, tem um dote extraordin�rio.
Olhou para seu primo com um inesperado brilho divertido no olhar, atravessou a sala, abriu a tampa de um pesado cofre de carvalho e remexeu em seu interior
at� encontrar um cilindro antigo e desgastado de pergaminho, que desenrolou e alisou sobre a mesa prendendo-o com uma jarra e a m�o. Em seguida, apoiando-se sobre
a mesa, leu atentamente at� encontrar o par�grafo que procurava.
-Devia ver isto, Rob.
O que lhe mostrava era um mapa de tra�ado tosco e tinta que j� estava perdendo a cor, que representava a extens�o das posses da fam�lia Malinder. Eram formid�veis
vistas assim, representadas naquela tinta azul �ndigo. Por um lado estavam as terras dos Malinder Negros, que formavam um s�lido bloco na March central e oriental,
com Ledenshall situado na Welsh Marches ocidental. E a seguir as posses de seus primos ruivos, principalmente ao sul de Gales. Os Malinder eram uma fam�lia poderosa.
-� formid�vel - corroborou Robert-. Malinder Negros e Vermelhos unidos.
-�. E por isso � compreens�vel que de Lacy tema nossa influ�ncia e deseje congra�ar-se conosco. Mas olhe para o dote da mo�a. Sir John diz que seus t�tulos
prov�m da linha materna de sua fam�lia, os Vaughan de Treetower, uma fam�lia com importantes conex�es na March, e essas propriedades ficariam incorporadas �s nossas
- Richard se referia aos territ�rios estipulados no contrato matrimonial e assinalou a localiza��o dessas terras-. Aqui, e aqui tamb�m. E esta faixa de terreno -
foi passando o dedo pelas terras com as quais contribuiria sua futura mulher-. Eu diria que sir John as escolheu cuidadosamente - ele acrescentou pensativo.
Robert assentiu. Se as terras da Elizabeth fossem ficar incorporadas �s dos Malinder, Richard seria dono de um territ�rio compacto, quase um bloco sem fissuras.
-Mais que generoso o dote.
-Muito talvez? -Richard se levantou e deixou que o pergaminho voltasse a enrolar-se antes de guard�-lo no cofre. Depois se sentou sobre a tampa e apoiando
os antebra�os nas pernas, olhou para seu primo-. Parece um movimento bastante irrefletido. Consolidar meu poder desse modo na zona central da March a custa do seu
pr�prio... sir John n�o � tolo. Por que o ter� feito ent�o? Porque valoriza meus encantos e quer ver-me sentado � mesa de sua fam�lia?
Robert grunhiu.
-N�o me ocorre nada menos prov�vel.
-Nem a mim. Ele p�s muito empenho em me convencer a aceitar sua proposta, e ela � muito mais vantajosa para mim que quando concordei em me casar com Maude.
Por qu�?
-Ter� tanta vontade de se livrar da garota?
-N�o. N�o acredito - Richard passou as m�os pelo cabelo e as entrela�ou sobre a nuca, e contemplou suas pernas cruzadas franzindo o cenho, quase como se
elas pudessem lhe oferecer a resposta que procurava-. Se o problema fosse � garota em si, por que n�o deix�-la no priorado de Llanwardine onde s� possa ser irritante
para a prioresa? N�o. Sir John tem algo em mente e para isso precisa aliar-se comigo. Ser� que o est� fazendo para que n�o preste muita aten��o no que faz ele na
March? Poderia ter comprado minha anu�ncia com muito menos, j� que n�o tenho disputas abertas com ele a menos que v� longe demais e apesar de sua alian�a com a casa
dos York, de modo que n�o h� nada que n�o esteja vendo - o sol arrancou um brilho em seus olhos ao virar a cabe�a-. O que tenho claro � que sir John considera Elizabeth
e suas propriedades como a isca da armadilha.
-E voc� o rato inocente?
Robert apoiou o quadril contra a borda da mesa e pegou a jarra de cerveja.
-Mm... n�o t�o inconsciente. Mas qual � a armadilha? Isso � o que n�o sou capaz de discernir.
-Como eu disse antes, primo... t�m que ter olhos na nuca.
-� o que penso em fazer, porque h� outra pergunta: ser� que o queijo que pensa colocar para ca�ar ao rato, quer dizer, a pr�pria Elizabeth de Lacy, desconhece
este ardil? Ou por acaso � parte interessada no escuro e sinistro plano de sir John?
Richard deixou sua pr�pria pergunta vagar no ar. Nunca havia se sentido inclinado a tais balb�rdias, e, entretanto tinha que reconhecer que o casamento
apresentava grandes vantagens para ele. Uma esposa com umas invej�veis posses... sempre que se mantivesse alerta, n�o correria perigo. E se a mo�a n�o era suport�vel
ou moderadamente atraente, iria lhe importaria muito? Desde que fosse capaz de levar as r�deas de Ledenshall em sua aus�ncia e trazer ao mundo a seus filhos, seria
uma esposa aceit�vel.
-Surpreende-me que se exponha a selar uma alian�a com uma fam�lia que estaria disposta a arrancar o rei Enrique do trono e p�r em seu lugar o duque dos
York - comentou Robert.
-Em minha isso opini�o isso seria inclusive vantajoso, Rob. Melhor ter uma janela pela qual espiar aos nossos inimigos a que nos peguem despreparados, de
modo que se for verdade que sir John est� conspirando contra mim...
-E Elizabeth de Lacy vai ser essa janela.
-Por que n�o?
-A jovem conta com minha simpatia - Robert brindou com sua jarra-. Objeto de intriga em ambos os lados da alian�a.
Richard se levantou para encher a jarra.
-Duvido que cheguemos a isso, mas basta de maquina��es por hoje. O contrato j� est� assinado. A dama parece considerar o casamento comigo prefer�vel a passar
a vida em um convento ou nos bra�os de Owain Thomas, assim deveria me sentir lisonjeado e honrado - declamou com um toque de a�o no olhar e na voz-, desde que seja
consciente de que uma vez que tenha cruzado essa soleira, sua lealdade dever� ser para comigo e n�o para sua fam�lia. N�o tolerarei que participe da pol�tica da
fam�lia De Lacy.
Robert elevou de novo sua jarra.
-Ent�o, se j� est�o decidido, bebamos pelo �xito deste novo empreendimento.
Richard elevou sua jarra.
-Am�m! � sa�de de minha frut�fera uni�o com Elizabeth de Lacy!
























Tr�s

Elizabeth chegou a seu novo lar em plena tormenta. O grupo chegou sem cerim�nia alguma ao p�tio exterior, cavalos e cavaleiros em uma ca�tica mar� de cascos
e barro sob o aguaceiro. Richard olhou para o c�u, saturado de nuvens cinza, e se fosse supersticioso o teria interpretado como uma premoni��o de cat�strofe. Tudo
o que faltava era um par de corvos que passassem grasnando apavorados.
Ent�o os port�es se abriram com um gemido e em seguida se fecharam atr�s deles. Os servos apareceram para cuidar das necessidades dos viajantes. Dois homens
jovens, irreconhec�veis com suas capas e respectivos capuzes, davam as ordens. Deviam ser irm�os de Elizabeth. Desceram dos cavalos e tinham ido ajudar das damas,
mas Richard se adiantou depois de procurar com o olhar a mais jovem das duas, bem equipada contra a tormenta.
Como um gesto de boas-vindas se adiantou para ajudar sua prometida a descer do cavalo.
-Venha, milady. N�o � a boas-vindas que eu gostaria de lhe oferecer. Deixem-me a ajudar...
N�o respondeu. Tinha o rosto meio escondido pelo capuz e ele se colocou ao lado de seu esgotado cavalo e rodeando sua cintura a ajudou a desmontar, mas
a �nica resposta que recebeu foi um grunhido de advert�ncia. Entre as dobras de sua capa apareceu um tufo de cabelo escuro e umas garras letais que lhe deixaram
um superficial, mas ensanguentado arranh�o no dorso da m�o.
T�o grande foi � surpresa, que Richard ficou im�vel contemplando o arranh�o, e seu grunhido de dor se pareceu muito com o do gato que estava enroscado nas
dobras da capa de Elizabeth. Ao olhar de novo para cima se encontrou com dois pares de olhos fixos nele, uns felinos e sem d�vida contrariados, dourados e sem piscar,
cravados nele desde dentro da capa; os outros, escuros, igualmente fixos nele, como um animal selvagem observaria um ca�ador da seguran�a de sua toca. Inquietos,
desconfiados e ao mesmo tempo desafiantes, gato e ama o examinaram.
Elizabeth foi primeira em falar.
-Me perdoe milord. Assustou-a.
As palavras de boas-vindas de Richard haviam se dissolvido na lama.
-Eu a surpreendi? Voc� veio desde Llanwardine com uma gata no colo?
-Tinha que traz�-la e n�o havia outro modo de faz�-lo.
Durante um momento seus olhares se entrela�aram, o dele at�nito, o dela defensivo. Ent�o Elizabeth piscou para tirar a �gua que tinha ficado nos c�lios
e o contato se quebrou.
-N�o se preocupem - respondeu Richard para n�o continuar com a conversa. A chuva aumentava-. Vamos sair deste tempo infernal. O animal tamb�m. Se puder
evitar que volte a me atacar, eu a ajudarei a desmontar.
Agarrando-a com firmeza pela cintura, a ela e � gata, elevou-a para deposit�-la no ch�o. Pesava como uma pena. Foi um al�vio ver que deixava o felino nos
bra�os de sua criada antes que ele a pegasse por um bra�o para convid�-la a entrar no sal�o, onde aguardava uma pequena recep��o. Notou sem duvida certa retic�ncia
por sua parte, mas por qu�? N�o tinha lhe parecido t�mida nem ter falta de confian�a naquele primeiro contato. Tinha o olhado diretamente nos olhos. Ent�o, por que
se continha? N�o era a rea��o pr�pria de uma mulher teimosa e desenvolvida, que era como tinham lhe pintado Elizabeth de Lacy, e Richard franziu o cenho. Ia ser
sua esposa e senhora de Ledenshall, assim aquela absurda relut�ncia n�o ia lhe ser permitida e com decis�o a empurrou suavemente para o sal�o. Os servos se ocuparam
da capa empapada. Havia um bom fogo aceso do qual todos se aproximaram. Serviu-se vinho.
Para o bem ou para o mau, sua prometida j� estava em casa.
O primeiro era o primeiro, pensou Richard e procurou entre o grupo pelo irm�o mais velho de Elizabeth. N�o foi dif�cil localiz�-lo. A estatura dos De Lacy
e sua cor de pele era a marca generalizada nos sobrinhos de sir John. Richard fez um � parte com aquele jovem e magro de vinte e poucos anos, que o olhou com uma
express�o n�o de todo hostil. Era o momento de iniciar a constru��o de pontes entre as duas fam�lias.
-Tenho que lhe agradecer por ter acompanhado sua irm� at� aqui - ele disse, apertando sua m�o.
-N�o me deram escolha milord. Sir John o ordenou.
-Felizmente j� est�o todos aqui. Um mau dia para uma viagem t�o longa - o desconforto de suas posturas pol�ticas era evidente para ambos, mas por um consentimento
impl�cito e comum, decidiram deix�-las de lado para outra ocasi�o-. Imagino que ser� bem vindo beber algo refrescante.
Richard fez um gesto e uma das cridas ofereceu uma jarra de cerveja ao jovem.
Lewis aceitou e bebeu, e seu senso de humor aflorou pela influ�ncia do calor e da cerveja.
-Minha irm� se alegrar� de ter chegado. Postergar a viagem estava fora de qualquer possibilidade. Eu duvido que fosse poss�vel convenc�-la a permanecer
em Llanwardine mais uma s� noite. Talvez voc� deseje que eu a presente formalmente - ele sugeriu.
-Eu j� tive uma apresenta��o um tanto dolorosa faz um instante - respondeu sorrindo, e ficou feliz em ver o mo�o relaxar ao lhe mostrar o arranh�o na m�o-.
Sobreviverei, embora n�o possa lhe dizer o mesmo da gata.
-Ha! Selvagem e imprevis�vel... mas a menina dos olhos de lady Bringsty e, portanto, intoc�vel.
-Tem certeza? -perguntou, sorrindo.
-Certamente eu n�o me arriscaria! Mas Elizabeth � muito mais amig�vel que sua gata - aventurou e com um sorriso malandro, acrescentou-: ao menos, a maior
parte do tempo. Mas eu tomaria cuidado com lady Bringsty se estivesse em seu lugar.
Com o cenho franzido seguiu a dire��o do olhar de Lewis. Do outro lado da sala estava a mulher que protegia e apoiava a Elizabeth de Lacy.
-A voz da experi�ncia - sentenciou com um sorriso-. Eu agrade�o pelo conselho.
E quando tinha come�ado a andar em dire��o �s duas mulheres, uma m�o o agarrou pela manga.
-Tenho que lhe dizer algo mais, Malinder, e me atreveria a dizer que n�o vai gostar.
Richard se voltou e viu que Lewis falava s�rio de novo, quase tenso, como se fosse entrar em terreno lamacento, mas decidido a faz�-lo de qualquer jeito.
-Elizabeth negar�, mas n�o teve uma vida f�cil. Nosso pai, Philip de Lacy, nunca sentiu afeto por algum de seus filhos, enquanto que sir John apenas a considera
um meio para conseguir um fim. Foi um ato desprez�vel envi�-la para Llanwardine. Elizabeth merece ao menos alguma alegria, certa dose de felicidade, porque at� agora
teve muito pouco disso em sua vida - cravou seu olhar brilhante nos olhos de Richard e de repente este teve a sensa��o de que ele era mais velho que a sua idade-.
Se lhe fizer mal... eu juro que me prestara contas por isso, Malinder, sem me importar quem �.
Richard ficou olhando as fei��es apaixonadas do mo�o, sem alterar-se com sua amea�a, surpreso pela profunda lealdade do jovem e da mostra que inesperadamente
tinha lhe dado a respeito da exist�ncia de Elizabeth do Lacy. Gostava de Lewis de Lacy precisamente por essa brutal lealdade.
-A dama receber� toda a considera��o poss�vel da minha parte. Posso liber�-la do controle de De Lacy, se isso for o que quer dizer. E eu espero que possa
ser feliz aqui.
Tinha falado em um tom leve, consciente do calor abrasador no olhar de Lewis.
Ent�o o mo�o concordou.
-Isso � o que desejo para ela. Venha e lhe apresentarei. Elizabeth...
Lewis se aproximou dela, tocou seu bra�o e ela se voltou lentamente. E foi assim como Richard Malinder obteve sua primeira imagem verdadeira da mulher que
era sua prometida, que provocou nele uma rea��o c�ndida que o surpreendeu.
Um rato ao meio afogado teria tido um aspecto melhor que o dela. Apesar da capa grossa que usava a tormenta a tinha ensopado at� os ossos, o que n�o causava
um efeito precisamente favorecedor. O traje escuro que levava n�o era um h�bito de freira, mas acabava igualmente pouco atraente com suas dobras empapadas e enlameadas
totalmente grudadas em seu corpo. Era alta - seus olhos ficavam virtualmente de frente aos seus-, mas estava muito magra o que a deixava muito angulosa. Reparou
em seus pulsos ao v�-la beber a cerveja quente: os ossos eram quase vis�veis atrav�s da pele transl�cida, as clav�culas saindo pelo decote fechado do vestido. A
touca empapada grudava em seu cr�nio e emoldurava um rosto no qual o que mais chamava a aten��o eram as ma��s do rosto fundas e um nariz reto e fino, j� que o cabelo
estava completamente coberto pela touca. Sua pele apresentava um aspecto descolorido, p�lido, e na bochecha tinha um respingo de barro. Parecia tensa, esgotada pela
falta de sonho. Sua boca era generosa, com um l�bio inferior carnudo que certamente brilharia em um sorriso se � que alguma vez sentisse vontade de sorrir, mas naquele
momento parecia tenso e linear. Uns olhos escuros e insond�veis o observavam com receio e as sobrancelhas, de uma fina curva, elevaram-se ligeiramente. Como esperava
sua resposta? Com certa dose de confian�a? Com inquieta��o bem dissimulada? Fossem quais fossem os sentimentos que escondia, aquela mulher n�o era uma presen�a cativante.
Quando se aproximou dela e Elizabeth de Lacy se virou para conhec�-lo formalmente, Richard viu que seus olhos se abriram e que uma luz lhe brilhava neles.
Ela apertou com mais for�a a ta�a que tinha na m�o, a cor iluminou suas ma��s do rosto e seus l�bios p�lidos se entreabriram como se fosse expressar algum pensamento.
Mas deve ter mudado de opini�o porque os fechou e abaixou o olhar.
Sua rea��o diante dele... tinha sido surpresa? Temor? O que estaria pensando?
Mas sua pergunta ficou relegada ao notar um movimento ao lado de Elizabeth. Anne Malinder se aproximou em sil�ncio como se pretendesse oferecer apoio a
Elizabeth em uma ocasi�o t�o tensa quanto aquela. Embelezada em um damasco azul e rico, sua cabeleira loiro avermelhada coberta com um v�u transparente e sua face
delicadamente rosada, era a viva imagem da feminilidade, com suas curvas arredondadas e sua surpreendente beleza. Uma imagem involunt�ria lhe veio � mem�ria: a de
Gwladys, que tamb�m gostava da cor azul. A imagem lhe proporcionou uma desafortunada e terr�vel compara��o com a que ia ser sua nova esposa.
Seu cora��o caiu aos p�s.
Richard, um homem de maneiras impec�veis, voltou deliberadamente sua aten��o a Elizabeth, cuidando para que seu torvelinho interior n�o se refletisse exteriormente,
e ao tomar sua m�o de dedos longos e frios, ele se perguntou se haveria na anatomia daquela mulher algum ponto de sangue quente.
-Bem-vinda a Ledenshall, Elizabeth de Lacy.
Ele levou sua m�o aos l�bios em uma sauda��o breve e formal. Seus dedos estavam t�o gelados quanto suspeitava, tinha a pele �spera, os n�dulos inflamados
e vermelhos.
J� recuperada do que a tivesse inquietado, Elizabeth inclinou a cabe�a com um movimento quase impercept�vel.
-Obrigado milord Malinder. � uma honra para mim que deseje contrair casamento comigo - seu olhar seguia sendo franco-. Estou muito grata de estar aqui.
Sua voz o surpreendeu um pouco. Era grave e suave, com uma profundidade que era muito atraente. Seu cora��o afundou ainda mais. No momento era aquela a
parte mais atraente daquela mulher.
Elizabeth se concedeu um pouco de tempo para admirar o quarto que ia ser o dela. Com o teto de madeira e as paredes de gesso decoradas com flores que o
passar do tempo havia tornado de cores delicadas, um ch�o de ladrilhos formando mosaico... tudo isso a envolvia em um manto de riqueza e comodidade. Um fogo ardia
na lareira de pedra e umas velas de cera tinham sido acesas em um alto candelabro para obrigar �s sombras a retirarem-se. A cama, oh, maravilha, tinha umas cortinas
de seda estampadas e uma cabeceira, e o dossel preso ao teto por cordas de seda e borlas. Depois das priva��es em Llanwardine era um puro sonho se imaginar deitada
ali, sob o cobertor de seda e sobre o luxo de um colch�o de penas e uns finos len��is de linho. Um ba� de carvalho, uma cadeira de penteadeira, um lavat�rio com
seus acess�rios. Elizabeth foi examinando tudo com um suspiro de puro deleite. Naquela casa tiveram muito trabalho para conseguir que se sentisse bem-vinda, e a
tens�o que lhe oprimia o cora��o como um punho afrouxou um pouco. Tinha as m�os apertadas ao lado do corpo e lentamente as abriu.
Antes de poder expressar seu agradecimento sua aten��o foi apanhada pelo que viu ante o fogo: uma maravilhosa banheira de madeira. E baldes de �gua fumegante
que os servos tinham deixado ali. Com uma gratid�o que n�o podia expressar com palavras, tirou o vestido que estava grudado em seu corpo. Seu aspecto ao chegar n�o
poderia ter sido pior. N�o queria nem imaginar embora no fundo soubesse como devia ter sido. Que desagrad�vel surpresa devia ter sido para Richard Malinder ver sua
prometida pela primeira vez como se acabassem de tir�-la arrastada de um rio. Seu �nico consolo era que s� podia melhorar. Um sorriso c�nico se desenhou em seus
l�bios ao recordar sua rea��o ao v�-la.
Richard Malinder era sem d�vida o homem cujo rosto tinha aparecido na bola de cristal. As mesmas fei��es atraentes, o mesmo cabelo negro. E ao pousar nela
seus olhos cinza havia sentido como derretiam seus ossos e um desejo de toca-lo que com muita dificuldade conteve. Era tudo o que uma mulher podia desejar em um
marido se lhe importava a beleza f�sica.
Era uma verdadeira trag�dia que ela n�o pudesse igualar-se a ele em beleza.
Mas n�o devia esquecer que seu futuro marido era um partid�rio de Lancaster, e, portanto, seu inimigo. Seria uma estupidez se deixar seduzir por um rosto.
E o que era o que Jane havia lhe dito em sua advert�ncia? Dois homens morenos: um amigo, o outro inimigo.
Se Richard Malinder acabasse sendo seu inimigo, n�o devia baixar a guarda.
Tinha percebido claramente a tens�o nele ao aproximar-se, at� que suas boas maneiras o tinham obrigado a agir com galanteria. Era o momento que temia. Tinha
tido que se esfor�ar em apresentar um exterior neutro que n�o revelasse o medo que sentia no cora��o. E ele se mostrou t�o frio e formal que com certeza devia gostar
t�o pouco daquele enlace quanto a ela. Uma pena que n�o tivesse nada que pudesse recomendar para faz�-lo mudar de opini�o. Nada comparado com a encantadora priminha
que at� naquele momento a observava com a cabe�a inclinada e um brilho divertido no olhar.
Seus escassos pertences j� estavam ali. Jamais uma noiva de uma fam�lia poderosa tinha ido ao lar de seu prometido t�o mal provida. Jane Bringsty deixou
a gata no ch�o, e o animal ocupou sua cesta habitual da qual contemplava o que acontecia com um olhar hostil antes de dedicar sua aten��o a sua pelagem empapada
com intensa concentra��o. Gostaria que pudesse ser t�o f�cil para ela acomodar-se naquele novo ambiente.
Jane Bringsty, ajudada por uma voluntariosa Anne, come�ou a abrir os pacotes sobre a cama com a inten��o de encontrar um vestido adequado, o que era imposs�vel,
reconheceu Elizabeth, que conhecia o conte�do. Enquanto, com as m�os r�gidas de frio, tirava os grampos da pesada touca e ao baixar os bra�os sentiu e ouviu a rea��o.
Sabia perfeitamente a que correspondia. Ela tinha acabado por acostumar-se... ou quase.
-OH... -Anne a olhava fixamente.
-As freiras - ela se obrigou a lhe explicar- acreditam que o cabelo comprido fomenta a vaidade e distrai uma mulher de sua voca��o e do verdadeiro significado
da vida. Pelo menos n�o me barbearam a cabe�a. Poderia ter sido pior.
-N�o muito! -respondeu Anne com devastadora franqueza.
O que dizia era verdade, embora seu coment�rio fosse pura mal�cia. Um cabelo extremamente curto lhe cobria a cabe�a, cortado de qualquer maneira, e que
por isso com muita dificuldade lhe cobria o cr�nio.
Consciente de que n�o ia ter controle algum sobre o que ia ocorrer a seguir, Elizabeth se preparou mentalmente, agradecida pelas velas serem poucas. Tirou
o vestido e depois a an�gua at� ficar nua, tremula e �mida, junto � banheira. Uma pequena corrente de ar lhe ro�ou a pele do ombro e do pesco�o, como se uma porta
acabasse de abrir, e teve um pressentimento que a empurrou a elevar a cabe�a e olhar para tr�s. Era certo: a porta estava entre aberta e ali, im�vel na escurid�o,
havia uma figura escura. Certamente teria batido na porta e ao n�o receber resposta, tinha decidido abr�-la para perguntar se necessitava de algo. Aquilo estava
sendo o pior dos pesadelos. Richard Malinder ia estar a par de seus mais �ntimos segredos.
Permaneceu im�vel, tanto quanto ele, com os olhos e a boca aberta, consciente do que devia estar vendo. Seu rosto n�o revelaria emo��o alguma, mas podia
imaginar que pensamentos abarrotariam sua cabe�a. Horrorizada o viu baixar o olhar para seus ombros, suas costas, as n�degas, as coxas e de novo ao rosto. Apesar
de ter sido um gesto r�pido e ligeiro, teve a sensa��o de que seu olhar tinha tomado posse de cada cent�metro de sua pele... e o resultado tinha que ter sido deprimente.
Que vergonha! Sentiu um estremecimento mitigado apenas pela ideia de que a luz escassa da sala dissimularia o mais desagrad�vel de suas cicatrizes.
Mas isso n�o era o pior. Virgem do c�u! Ele se atreveria a entrar? Sentiria a necessidade de dizer algo, de chamar ainda mais a aten��o sobre ela? E se
fosse assim se veria obrigada a abandonar a pouca dignidade que restava e agarrar com um pux�o suas roupas e cobrir sua vergonha? Rezou pedindo que tivesse sensibilidade
suficiente para retirar-se e n�o humilh�-la mais. N�o bastava que sua linda prima pudesse ver em primeira m�o seu castigo?
Como se tivesse podido ouvir seu rogo, como se lesse a ang�stia de seu rosto, Richard Malinder fez uma leve inclina��o e se retirou fechando a porta. Tudo
aquilo n�o tinha durado mais que uns segundos, mas para ela tinha sido como se fosse toda uma vida de exposi��o, de escrut�nio, de julgamento.
Enquanto isso, Anne Malinder, que n�o percebeu nada, olhava para Elizabeth com seus olhos verde esmeralda.
-Mas o que lhe fizeram?
Elizabeth se viu como Anne devia estar vendo-a. Como Richard Malinder deve t�-la visto. Seus ossos mal estavam cobertos de carne. As costelas podiam ser
vistas sem dificuldade, bem como os quadris e os ombros.
Tinha os seios pequenos e sem desenvolver. O seu podia ser o corpo de um menino por sua magreza, apesar de sua idade e de seu sexo. Se Richard procurava
esposa para lhe dar filhos, n�o tinha escolhido bem. Mortificada pela vergonha, como se suas defici�ncias fossem todas culpa dela, Elizabeth deu as costas a aquela
audi�ncia n�o desejada para escolher uma camisola e ocultar-se daquela inspe��o, um movimento que permitiu que a luz das velas iluminasse seus verg�es prateados,
j� curados, mas vis�veis, e que Anne Malinder os visse.
Um sil�ncio carregado de tens�o saturou o quarto, que um instante depois foi quebrado por um t�mido risinho. A prima de seu prometido cobriu a boca com
as m�os, mas Elizabeth soube que n�o havia piedade naqueles olhos brilhantes.
-O que acha que dir� Richard quando a vir?
Pela primeira vez olhou de verdade � menina que estava junto � cama com um de seus simples e antiquados vestidos em suas belas m�os, e imediatamente reconheceu
nela o perigo. N�o havia amizade naqueles faiscantes olhos verdes.
Mas sua observa��o n�o deixava de ser certa. Aquela jovem era tudo o que ela n�o era. Bela, bem educada, suave, desenvolvida na sociedade daquela casa.
E prima de lorde Richard. N�o teve nenhuma d�vida respeito de suas inten��es: queria Richard para ela, e lamentava por sua presen�a ali. Sua franqueza denotava uma
inoc�ncia infantil, mas reconheceu sua ast�cia.
Seus vestidos estavam sem d�vida na �ltima moda e real�avam uma figura da qual ela carecia. N�o era de estranhar que lorde Ledenshall tivesse posto a mesma
cara que teria se fosse golpeado com um machado de guerra ao ver como arteiramente se situava junto a aquela que ia ser sua esposa...
Richard se importaria com o aspecto que ela tivesse, desde que sua alian�a lhe proporcionasse os frutos pretendidos e pudesse lhe dar um herdeiro? Ela n�o
era mais que a substituta de Maude afinal. N�o devia esquec�-lo.
-Me perdoe milady - sorriu Anne, adotando uma express�o contrita como de quem reconhece ter cometido uma indiscri��o e quer pedir desculpas-. N�o deveria
ter falado com tanta franqueza. N�o pretendia te ofender.
Mas � mo�a tinha problemas para dissimular o brilho de triunfo no olhar.
"Sim pretendia!", pensou Elizabeth, engolindo as palavras. Consciente de que tinha nela um inimigo, alarmada pela rea��o de Richard Malinder diante do que
tinha visto Elizabeth lhe devolveu o sorriso perfurando-a com seus olhos negros como a noite.
-Por que se desculpa? N�o disse nada mais que a verdade, tenho que reconhecer. Talvez eu possa lhe revelar o que pensa milord quando souber. E se considerar
que pode saber suas palavras, certamente. E agora... - ela continuou lhe dando as costas-, estou desejando desfrutar desta banheira!
Elizabeth, consciente de que tinha alimentado sua inimizade, meteu-se na �gua quente com um suspiro de al�vio. Que recep��o � prometida de Richard Malinder.
Suspirou. Iria pensar sobre tudo isso no dia seguinte.
No momento as linhas de batalha tinham ficado claramente desenhadas.
Uma vez na cama, a ponto de adormecer, n�o podia deixar de dar voltas a uma impress�o. At� que ponto ele a teria visto naquele breve exame? Tinha sido um
instante e ela estava quase na penumbra, mas teria bastado para faz�-lo lamentar de sua decis�o? N�o tinha podido ler nada em seu rosto, mas podia imaginar. Desilus�o
no m�nimo, mas possivelmente repulsa, ultraje. E o que diria quando ele a visse nua e a plena luz em seu leito nupcial? Porque teriam necessariamente que consumar
o casamento . Ele n�o se casava com ela por seu intelecto nem por sua educa��o pouco convencional, n�o �? E se a tocasse apenas por necessidade, porque n�o tivesse
escolha, ou pior ainda, por pena? A ideia lhe encolheu o cora��o.
Richard se retirou rapidamente de um dom�nio t�o �ntimo e feminino e permaneceu em sil�ncio uns minutos junto � porta. A impress�o que levou se podia comparar
com a espetada de uma lan�a bem afiada na carne, n�o menos. N�o deveria ter ido. O que era que tinha visto naquele breve instante, no que tinham ficado cravados
seus olhos, esquecendo-se de todo o resto? Uma noiva com marcas de chicote nas costas... OH sim, tinha certeza, embora a intensidade do castigo desconhecesse pela
luz pobre da sala. Uma noiva que o olhava com medo nos olhos. Teriam utilizado o l�tego para obrig�-la a casar-se com ele? A possibilidade de que o tivessem considerado
necess�rio lhe acelerou a respira��o. Tinha a impress�o de que tudo que desejava Elizabeth de Lacy era passar uma noite em seus bra�os, como se o ato do amor n�o
fosse para ela mais que um assalto, e o toque de sua carne algo que tinha que suportar. Pediu a Deus que n�o tivesse medo e que n�o se separasse dele. N�o poderia
tolerar, de verdade n�o poderia, que sua esposa voltasse a afastar-se dele.



















Quatro

Ledenshall parecia um lugar frio e lavado em excesso pela chuva. Assim Elizabeth o via de sua c�mara. Soprava um vento desagrad�vel, mas n�o tinha inten��o
de ficar deitada.
-Agora este � meu lar - ela disse com firmeza ao quarto vazio.
Semanas de regras e badaladas do sino constantes a tinham feito despertar antes da alvorada. Com os primeiros movimentos do castelo, � medida que os servos
iam come�ando suas tarefas do dia, e sem nenhuma pressa para tomar o caf� da manh�, Elizabeth sentiu desejos de explorar. Colocou o vestido que tinha mais � m�o,
apesar de que o tecido fosse �spero e desagrad�vel e que teria feito lady Anne sorrir com mal�cia, e o cobriu com uma pesada capa forrada de pele que tinha pegado
emprestada. Era muito mais curta que seu vestido, j� que mal chegava ao meio de sua perna, entretanto era quente e luxuosa, melhor que qualquer coisa que ela tinha.
Fechou-a no pesco�o e sentiu um pequeno estremecimento de prazer ao notar o toque e a suavidade da pele, e teria sa�do para iniciar suas investiga��es se n�o tivesse
recordado um pequeno detalhe com uma careta de desgosto. Procurou um simples v�u de linho e o colocou sobre a cabe�a para ocultar sua vergonha dos olhares curiosos.
Durante uma hora se deixou levar por seu desejo sem que ningu�m para impedi-la ou proibi-la de algo. Das salas principais da fam�lia em uma ala comparativamente
nova desceu ao grande sal�o, rel�quia do castelo original com sua torre quadrada. Ali as janelas eram ainda flecheiras, os tetos altos, os espa�os vastos e as correntes
letais, suficientes para deslocar a fuma�a e fazer as tape�arias que decoravam as paredes tremerem.
Depois foi �s cozinhas, onde com um breve sorriso e uma palavra de sauda��o Elizabeth aceitou um peda�o de p�o, antes de pegar a escada que conduzia �s
defesas exteriores, de cujas ameias contemplou as colinas nuas e as �rvores sem folhas e o caminho enlameado que conduzia de volta a Llanwardine.
Seu �nimo melhorou. Pela m�e de Deus jamais retornaria ali! A seguir desceu de novo para dirigir-se aos est�bulos enquanto sacudia os miolos de p�o das
m�os e do adamascado da capa. A capela. Despensas e armaz�ns, uma aut�ntica toca de corredores e portas, tudo foi percorrendo e todo o tempo foi consciente dos olhares
e os coment�rios em voz baixa de soldados e servos que sabiam que aquela rec�m-chegada curiosa ia ser sua nova senhora.
Richard Malinder, madrugador tamb�m, ficou vendo-a investigar. Viu o movimento, viu-a sair do sal�o principal levando uma capa muito usada que estava curta
e conduzir sua figura alta pelo p�tio. Percebeu sua energia, o passo leve e confiante da dama que explorava seu lar. Sua curiosidade, sua agilidade ao subir rapidamente
as escadas e parar para admirar a vista de todos os �ngulos. E falava com as pessoas ao passar junto a eles: os soldados da guarda, com seu administrador, mestre
Kiplin, que respondeu a alguma pergunta com um leve assentimento e um gesto de seu bra�o. Com as mo�as que trabalhavam na leiteria. Com qualquer um que cruzasse
seu caminho. Era como se a criatura p�lida e reservada do dia anterior tivesse renascido como uma mariposa, uma mariposa um tanto insignificante, uma tra�a provavelmente
- ele sorriu-, a partir de uma larva.
Deveria falar com ela. Tinha concordado em casar-se com ela, n�o? Teve que conter um suspiro ao record�-la nua e vulner�vel, desconfiada como um cervo ante
os c�es de ca�a. J� n�o restava tempo para lamenta��es, de modo que subiu a escada ao encontro de sua prometida, que apoiada em um dos parapeitos de pedra contemplava
as distantes colinas galesas.
Elizabeth se virou rapidamente ao ouvir suas botas na pedra e seu olhar era solene, observador, atento, mas direto tamb�m. Esperando adivinhar seu humor.
-Vejo que a viagem n�o lhes causou nenhum dano.
-N�o. Estou bem recuperada da umidade. Obrigado, milord.
N�o disse nada mais. Permaneceu im�vel, precavida, enquanto ele avan�ava. Depois ele lhe ofereceu a m�o como um convite, e Elizabeth colocou a dela em sua
palma sem hesitar. Richard sentiu despertar seu interesse. Talvez n�o fosse t�o desconfiada a n�o ser um pouco s�ria, cuidadosa em n�o revelar muito de si mesma
at� t�-lo conhecido melhor. Ent�o lhe surpreendeu ao faz�-lo virar a m�o para tocar o arranh�o ainda avermelhado.
-Sinto o ocorrido.
Ele arqueou as sobrancelhas.
-Espero que o animal n�o esteja oculto embaixo das dobras de sua capa esta manh�- ele disse com humor.
-N�o.
Sua boca esbo�ou um m�nimo sorriso, e seus olhos azuis escuros que refletiam a cor intensa da capa, adquiriram um brilho dourado dos raios do sol.
-Deseja que a chame de Beth? Ou Bess? - ele perguntou-. Como a chama sua fam�lia?
-Elizabeth - respondeu com seriedade.
-Ent�o eu a chamarei Elizabeth tamb�m - o detalhe era revelador. Alguma vez teriam utilizado com ela um nome informal que sugerisse afeto?-. Merece sua
aprova��o?
-O que?
-Ledenshall - ele fez um gesto que abrangia o que tinham ao seu redor-. Seu novo lar.
-Certamente - respondeu, e uma cor rosada subiu por seu pesco�o, como se a tivesse pego em uma esp�cie de grosseria-. Espero que n�o tenha se importado.
-� �bvio que n�o. � seu lar e � livre para desfrut�-lo - respondeu, reparando na contradi��o entre confian�a e vulnerabilidade, e pensou o que poderia lhe
dizer para que se sentisse mais c�moda-. Lamento que tenham tido que passar esta prova sozinha. Seu tio deveria ter estado aqui para receb�-la.
Ela corou ainda mais.
-Eu estou certa de que podemos nos arrumar sem ele, milord. Sir John � a �ltima pessoa que esperaria que se preocupasse em tornar mais c�moda minha chegada
aqui.
Portanto o que se dizia sobre a dist�ncia entre tio e sobrinha era verdade. Elizabeth tinha ficado o olhando diretamente nos olhos, com a cabe�a inclinada,
alerta, e Richard n�o estava acostumado a que uma jovem o olhasse de um modo t�o s�rio, sem um sorriso ou um convite no olhar. Estava lhe medindo, sem d�vida. Suas
palavras o surpreenderam ainda mais.
-Sejamos sinceros, milord. N�s dois sabemos que estou aqui como substituta de minha prima Maude por desejo de sir John - declarou-. E para voc� as conex�es
da fam�lia De Lacy poderiam ser uma vantagem na Welsh Marches. N�o tem por que fingir entre n�s. Voc� n�o me queria e eu sei, mas imagino que sir John deve ter sido
muito persuasivo com meu dote, que suponho deve consistir principalmente nas terras de Vaughan que recebi de minha m�e. E � �bvio, necessita de um herdeiro Malinder.
E eu farei tudo que esteja ao meu alcance para agrad�-lo.
Isso sim que era falar claro. Mas se suas palavras o deixaram perplexo, ele tratou de ocult�-lo e lhe respondeu do mesmo modo.
-Se tudo o que dizem � verdade, eu garanto que ser senhora de Ledenshall lhe ser� muito mais agrad�vel que a vida que levava como freira em Llanwardine.
As vantagens s�o numerosas para ambos os lados.
A cor de suas bochechas piorou como se tivesse lhe dado uma bofetada e lamentou sua falta de fineza. A resposta dela n�o se fez esperar.
-Isso � verdade. Lamento que tenham perdido a Maude. Prometia ser uma mulher de grande beleza e esp�rito.
O que podia responder a isso? O sil�ncio foi se estendendo at� que ficou claro que n�o esperava palavras bajuladoras por sua parte.
-Sei muito bem qual � a imagem que me devolve o espelho, milord - ela se virou um pouco para olhar al�m dos muros-. Tentarei ser para voc� tudo o que uma
esposa deve ser. N�o deve se inquietar por minha lealdade, se � que o preocupa, porque n�o desejo que seja uma dificuldade entre n�s - desta vez o surpreendeu que
abordasse um assunto t�o espinhoso, quase como se tivesse podido ler seu pensamento. Tinha que reconhecer o valor de sua sinceridade, dado que se conheciam ha t�o
pouco tempo-. Minha fam�lia � partid�ria da casa dos York. Voc� e eu fomos criados como inimigos do ber�o, e eu sempre considerarei que os direitos ao trono dos
Plantagenet s�o superiores aos desse pobre e louco rei Enrique. Mas lhe juro que minha lealdade no casamento estar� com voc�.
Richard olhou a sua noiva com uma complexa mistura de estupefa��o e admira��o e decidiu ser t�o claro quanto ela.
-Meu juramento � o de apoiar ao rei Enrique, seja qual for seu estado, porque ele � o rei por direito pr�prio, enquanto que os Plantagenet levam a trai��o
no sangue - ele sorriu um pouco ao ver que ela recebia sua acusa��o erguendo-se-. Vejo que nesse assunto nunca poderemos estar de acordo, mas com tanta sinceridade
entre n�s, tudo ir� bem.
-Espero que sim. Ambos somos adultos e valorizamos a lealdade e a sinceridade entre um homem e sua esposa. Desagradam-me a falsidade e as meias verdades.
-A mim tamb�m.
Como ela era forte embaixo daquela apar�ncia de fragilidade, que capacidade para o controle dada as circunst�ncias, embora tamb�m fosse pouco reconfortante
sua presen�a. Tinha a impress�o de estar negociando uma alian�a com um inimigo em potencial estando �s bandeiras de guerra ainda erguidas em ambos os lados.
-E a cerim�nia de nossas n�pcias? -perguntou sem pre�mbulos.
-Logo. N�o h� raz�o para prolongar a espera - ele se apoiou contra o parapeito para contemplar as emo��es que passavam pelo rosto dela-. Se � que � de seu
gosto, � claro... suponho que n�o devo subestimar a quantidade de tempo que uma mulher necessita para estas coisas.
-N�o tenho obje��o alguma, porque me falta experi�ncia.
Suas palavras eram acompanhadas de um impercept�vel movimento de ombros, como se n�o lhe importasse.
Embora ele a olhasse arqueando as sobrancelhas, o instinto lhe dizia que n�o era verdade. Sim se importava, mas n�o estava disposta a admitir. Certamente
n�o admitiria nada de nada diante ele... no momento. Pegou suas m�os de novo e as envolveu com seus dedos calejados pelo uso das r�deas e da espada. As seus n�o
estavam muito melhor, pensou; n�o eram suaves, estavam completamente avermelhados, com os n�dulos inflamados, a pele rachada e as unhas descascadas e quebradas.
N�o eram as m�os de uma dama de bom ber�o, e imaginar como devia ter sido sua vida em Llanwardine o fez apertar os dentes.
-Aqui n�o ter� que esfregar o ch�o, milady.
-Gra�as a Deus - respondeu olhando as m�os com desagrado-. Est�o assim por ter que arranhar a terra gelada para extrair ra�zes. E de romper o gelo da �gua
para esfregar a lou�a depois das refei��es.
-Frieiras? -perguntou n�o sem certa compaix�o, e as tocou com os dedos.
Elizabeth suspirou.
-Eu temo que sim. E nos p�s. Jane Bringsty me aplicou unguentos de poejo, mas n�o serviram que nada.
-Aqui cuidaremos de voc�. N�o vou permitir que uma dama que vai casar com um Malinder sofra deste modo.
Ele voltou a olhar as m�os delas ainda nas dele. Estavam destro�adas e deviam doer, mas tinha os dedos longos e finos, e umas unhas ovais muito belas. Bem
cuidadas seriam umas m�os bonitas, o que lhe recordou que devia lhe oferecer algum s�mbolo de sua uni�o, mas para um anel ainda era cedo. Esperaria que ela pudesse
lev�-lo com orgulho e satisfa��o. Mas j� sabia exatamente o que ia lhe dar.
Elizabeth n�o tentou soltar-se, e quando em um nobre gesto de cavalheirismo Richard se inclinou para beijar suas m�os destro�adas pelo trabalho, sentiu
que ela apertava ligeiramente as dele. Aquele pequeno gesto de confian�a o comoveu e surpreendeu, de modo que se sentiu animado a vir�-las e depositar um beijo na
palma, que ao contrario era t�o suave que ficou um instante mais ali, as esquentando com sua respira��o para depois, ao erguer-se, viu que o observava com os olhos
muito abertos. Ficou enfeiti�ado por seu fundo violeta e sentiu vontade de acalm�-la e acarici�-la como faria com um potro rec�m-domado.
Durante um instante n�o fizeram outra coisa que olhar-se, at� que ela retirou suas m�os e o momento se rompeu.
-Des�amos. O vento sopra forte aqui - ele disse, e a conduziu escada abaixo-. E tem que tomar o caf� da manh�. Tenho que lhe apresentar quem ainda n�o conhe�a
na casa.
Ao chegar ao p�tio ele colocou a m�o dela em seu bra�o para voltar para aos sal�es, sem d�vida satisfeito com o que tinha ocorrido. Podia ser uma mulher
franca at� a beira do desconforto, uma pessoa com a qual n�o ia ser f�cil viver, muito obstinada e decidida, mas pelo menos tinham conseguido chegar a um acordo
entre eles.
Enquanto isso, Elizabeth de Lacy se esfor�ava por conter a luz de esperan�a que tinha lhe esquentado o cora��o. "Cuidado!"", ela se advertiu. Seria muito
f�cil permitir que ele rompesse as barreiras que t�o eficazmente tinha constru�do ao longo dos anos para proteger da dor seu cora��o. Mas Richard Malinder era um
homem respeitador. Tinha-lhe mostrado uma compreens�o que n�o esperava, e seu bra�o era forte.
-O que foi? - ele perguntou com um sorriso, como se tivesse se dado conta do que estava pensando. Mas Elizabeth, depois de pensar um pouco, limitou-se a
negar com a cabe�a e a baixar o olhar. Como dizer a aquele homem que se preocupava com sua felicidade e o estado de suas m�os, que era incrivelmente bonito? Que
seu cabelo escuro alvoro�ado pelo vento, as linhas e os planos de seu rosto faziam palpitar o cora��o dela?
Um repentino golpe de vento puxou sua capa e seu v�u. Ela jogou as m�os � cabe�a para segur�-lo, consciente apenas do magnetismo daquela figura que tinha
t�o perto e com a qual logo ia unir se. Consciente apenas de que queimava o sangue onde ele havia tocado. O rastro de sua boca na palma ainda queimava como um ferro
quente.
Antes que se separassem na porta principal, seus caminhos se cruzaram com o de Robert, que tinha estado observando descaradamente sua chegada, e com uma
inclina��o e um sorriso se despediu de Elizabeth.
-Uma pena que...
Mas n�o terminou a frase ante o olhar de advert�ncia de seu primo.
-N�o se preocupe, eu sempre fui um pouco curto de tato - e depois, sem poder reprimir-se, acrescentou-: Mas n�o vai negar que n�o � precisamente uma gracinha!
Richard ficou olhando para seu primo enquanto procurava a resposta adequada e de repente se encontrou pensando em Gwladys. Bela e desej�vel de rosto e corpo,
o sonho de qualquer homem. Recordava-se de ser jovem e estar apaixonando-se perdidamente por sua beleza indiscut�vel, de sua resposta f�sica diante ela, do desejo
de beij�-la, acarici�-la, possu�-la. Lembrava-se do orgulho que lhe inspirava como esposa e as esperan�as que lhe tinha dado conceber seu casamento com ela. Como
lhe cortava a respira��o e seu instinto respondia assim que como o olhar. E agora Elizabeth... uma mulher complicada que despertava nele... o que? N�o estava certo.
-N�o, n�o � uma gracinha, mas ao menos � sincera. Acredito que seria incapaz de fingir - respondeu sem dar-se conta da aspereza de seu tom at� que viu Robert
o olhar surpreso-. Diferente de Gwladys, que...
N�o continuou. Robert sentiria curiosidade em saber onde terminava aquele irrefletido coment�rio que ele n�o deveria fazer feito. Mas ao menos estava certo
de que seu primo n�o perguntaria.
E ele se descobriu saltando da formosa Gwladys para Elizabeth de Lacy. N�o era um salto t�o inc�modo como podia ter imaginado. N�o � bonita, mas tampouco
� insossa. Fala com as pessoas. Tem uns belos olhos. Se expressa abertamente, sem fingimentos. Seu contato � firme e respondeu ao toque de minha m�o. Ro�ou o arranh�o
como se lhe importasse minha dor. Respondeu quando beijei sua m�o. Como seria...?
Como seria beij�-la na boca?
Richard acabou chamando-se de idiota.
Elizabeth encontrou ref�gio em seu quarto, onde p�de avaliar e admirar-se do efeito que Richard Malinder causava nela. Mal tinha se ajoelhado diante do
fogo que tinham acendido quando a porta abriu e apareceu lady Anne, a viva imagem da moda feminina. Usava uma sobreveste aberta nos lados e arrematada com pele,
que se ajustava ao seu vestido de um verde intenso apertado at� o quadril, com uma saia que ca�a em dobras marcadas a partir de um cintur�o com pedras combinando,
um modelo que sem d�vida pretendia chamar a aten��o para as suaves curvas da mo�a. O v�u transparente n�o ocultava de modo algum seu maravilhoso cabelo.
-Elizabeth, se necessitar de algo para as bodas, Richard vai amanh� a Hereford - anunciou dando-se import�ncia.
-Obrigado. Falarei com ele - respondeu.
Anne se sentou comodamente junto ao fogo, entrela�ou as m�os e sorriu.
-Acho que ter� tempo para ir visitar lady Joanna.
Houve um longo sil�ncio no qual contemplaram as bolinhas de p� suspensas no ar que o sol iluminava. Aquelas palavras n�o eram nem um pouco inocentes, e
sim carregadas e letais, e Elizabeth estava bem ciente disso, de modo que levantou o rosto e esperou.
-N�o sabe? Claro... � normal - Anne arregalou os olhos, a viva imagem da compaix�o-. Mas � melhor que saiba o que todo Ledenshall sabe.
-E do que se trata? -perguntou por fim-. Quem � Joanna?
-A amante de Richard. Todo mundo sabe que tem uma amante em Hereford.
"Ah!"
-E voc�, pensando em meu bem-estar, acreditou que era seu dever me informar, n�o �?
-� claro. Voc� acha que fui pouco sens�vel? Perdoe-me, querida Elizabeth, mas pensei que gostaria de sab�-lo. N�o pretendia te incomodar com isso. Eu nunca
iria querer feri-la deliberadamente.
Seu sorriso era afligido. Seu olhar, n�o.
Incr�vel que fosse capaz de n�o perder as estribeiras. Que surpresa. Inclinou a cabe�a e a olhou fixamente. Quando falou o fez com uma voz r�gia, serena.
-Os assuntos de Richard concernem apenas a ele, sem d�vida. E pode ser que a mim tamb�m quando estivermos casados, mas certamente n�o concerne a voc�.
-Claro que n�o. � �bvio. Perdoe meu engano.
Mas o estrago j� estava feito.
Quando voltou a ficar sozinha, Elizabeth permitiu que a f�ria que levava dentro passasse das chamas �s cinzas. Assim Richard tinha uma amante em Hereford
chamada Joanna. � claro que queria conhecer esse detalhe de sua vida, e sem d�vida Richard podia tomar uma amante se isso o agradava, mas preferia n�o ouvi-lo da
l�ngua viperina de lady Anne. Apertou os punhos. N�o podia explicar como tinha sido capaz de conter-se e n�o atacar a aquela criatura maliciosa, verbalmente ao menos.
Mas cravou as unhas nas palmas da m�o ao recordar da qu�o incrivelmente bela que era Anne Malinder, particularmente quando o sol iluminava seu cabelo dourado avermelhado
e reverberava em seus olhos cor esmeralda.
Seus pensamentos voltaram para seu prometido e seu cora��o encolheu. Tinha-lhe parecido um homem am�vel em seu encontro nas ameias, e sim, ele o era, mas
apenas porque n�o lhe importava nem um pouco. N�o necessitava de uma rela��o �ntima com ela al�m da estritamente necess�ria para conceber um herdeiro. Que absurdo
tinha sido permitir que essa semente de esperan�a arraigasse em seu cora��o.
Elevou a cabe�a, ergueu-se e jogou m�o do orgulho como tantas vezes tinha feito em sua vida. Conseguiria levar a bom porto aquele casamento e utilizaria
Richard Malinder como ele tinha previsto utilizar a ela, se isso era tudo que podia fazer. Administraria o castelo de Ledenshall com sua melhor capacidade. Iria
se vestir para o casamento como se esperava de uma noiva da fam�lia Malinder. Desafiaria a determina��o de lady Anne em feri-la e mago�-la, e jamais mostraria debilidade
alguma perante ela nem respondia a seus sarcasmos. Se a frente de batalha tinha sido desenhada no dia anterior, naquele momento se declarou a guerra.
Naquele estado de �nimo se encontrou com Jane Bringsty, que foi procur�-la com um passo firme e decidido pensando em lhe oferecer bons conselhos e po��es
de ervas.
-H� algo que deve fazer antes de passar mais noites embaixo deste teto, milady.
Jane lhe entregou um pequeno frasco com uma subst�ncia verde e pegajosa que desprendia um aroma bastante desagrad�vel. Elizabeth enrugou a testa.
-Use e n�o se preocupe. Vai lhe cair bem.
Sem protestar mais, Elizabeth aplicou obedientemente aquele unguento de poejo nas m�os, o que lhe trouxe a lembran�a dos l�bios de Richard Malinder em sua
maltratada pele.
-O que � o que devo fazer antes de passar mais tempo aqui? -perguntou-lhe, contendo o f�lego quando aquela massa come�ou a lhe arder na pele.
-Se desfazer dessa mulher... de lady Anne Malinder.
Elizabeth olhou sobressaltada para sua donzela e n�o encontrou a picardia que esperava em seu rosto a n�o ser um pouco mais denso e severo.
-Acredito que estamos de acordo, Jane - respondeu. -N�o a suporto, mas voltar� para Moccas assim que as bodas terminem.
-Amanh� j� seria tarde. Um pouquinho de beladona no vinho seria suficiente, n�o com inten��o de machucar, � claro, mas...
-N�o, Jane - ela a cortou severamente-. N�o far� tal coisa. N�o tenho medo dela.
-Pois deveria. � um verdadeiro perigo.
-Voltou a consultar as folhas?
-E se o tiver feito? -respondeu movendo-se pelo quarto para dobrar a capa emprestada antes de virar-se para sua ama com o olhar s�rio-. Mas eu n�o preciso
faz�-lo. E a voc� tampouco, se for sincera. � f�cil ler suas inten��es. Eu v�-lo por seus interesses, mas ela n�o.
-O que viu?
A curiosidade a empurrava a perguntar, embora intimamente se repreendesse por anim�-la a tais coisas.
-N�o muito, mas o bastante para saber - satisfeita, ela tampou o frasco-. O homem moreno que busca seu mal continua aqui, mas agora isso n�o importa. Anne
Malinder � uma ruiva de l�ngua venenosa da qual sai inveja e ci�mes pelos olhos. Ela o quer para ela, e se seguir meu conselho, uma pequena enfermidade a convenceria
a voltar para casa e se afastar de voc� e de seu senhor. Posso apostar que n�o teria vontade de dan�ar com dor nas pernas e nas tripas.
Imagin�-la prostrada assim era encorajador e Elizabeth desfrutou por um instante da imagem. Logo olhou indignada para Jane e para sua pr�pria complac�ncia.
-Me ou�a bem, Jane: n�o o far�.
-Pois vai lamentar!
-Est� me sugerindo que lorde Richard n�o vai ter a capacidade ou a inclina��o de resistir a Anne Malinder?
-Que homem seria t�o tolo em resistir a um corpo como o dela e a um convite t�o descarado? -espetou, com os bra�os nos quadris-. Use a cabe�a, milady. Ela
se veste como quem vai a uma festa na corte, mostrando uma boa por��o de decote tendo em conta que estamos no inverno.
-� poss�vel - a imagem da Anne com um precioso vestido de veludo esmeralda se materializou ante seus olhos-. Mas cada uma se veste como quer.
-Um pouco de p� de ac�nito serviria - continuou Jane-. Tremeria como tivesse mal�ria, e n�o teria mais remedeio que cobrir-se.
A ideia a fez sorrir.
-Oh n�o, Jane! -insistiu, apesar do qu�o sugestivo era a ideia.
-Muito bem, milady - Jane respondeu irritada, e com a po��o na m�o se disp�s a sair do quarto, mas se deteve na porta-. Vai lamentar. Depois n�o diga que
n�o a adverti isso.
E a fechou.
A gata saltou em suas pernas em busca de algumas caricias, bocejou e cravou seus grandes olhos nos de sua dona. E Elizabeth pensou que eles pareciam com
o olhar verde de lady Anne.
-Eu sei. Vivemos rodeados de influ�ncias, umas benignas e outras malignas - passou a m�o pela cabe�a e o lombo negro da gata, o que conseguiu um imediato
ronrono de prazer-. Richard Malinder � moreno como as asas de um corvo, mas n�o � o homem das predi��es de Jane. Eu o vi. Na bola, em Llanwardine e senti um la�o
especial com ele embora dissesse a mim mesma que n�o era assim - afundou os dedos em seu pelo e a gata arqueou as costas-. N�o � meu inimigo. N�o pode s�-lo - murmurou-,
mas o que ele pensa de mim?
E Elizabeth se deixou levar pelos devaneios.

















Cinco

Nos dias que precederam �s bodas, Elizabeth se sentia suscet�vel e afligida, embora no fundo o problema fosse que estava sozinha. Lewis tinha voltado para
Talgarth para informar a sir John que tinha chegado bem. David tamb�m a tinha abandonado para unir-se a Richard em sua visita a Hereford. Inclusive seu prometido
se foi, e sua despedida, � vista de todos no p�tio, tinha sido formal, apressada e inquietante.
-Deus lhe guarde milady. Estarei de volta para a cerim�nia.
Uma breve inclina��o de cabe�a, um apert�o em sua m�o e se afastou para montar em seu garanh�o baio. Isso era tudo o que ia dizer? Talvez fizesse isso assim
por ser influenciado pelas circunst�ncias, j� que estavam rodeados de soldados e carretas carregadas, ou talvez a antecipa��o por voltar a ver sua amante, o impedisse
de concentrar-se em outra coisa, mas enquanto o via segurar as r�deas de sua montaria, n�o estava disposta a lhe conceder o benef�cio da d�vida. Ele estava-se despedindo
dela como se para ele n�o tivesse a menor import�ncia, e o olhar que lhe dedicou foi mal humorado.
Quis a casualidade que Richard percebesse isso e durante um momento que pareceu muito longo ficou olhando-a; depois entregou as r�deas ao seu escudeiro,
tirou as luvas e voltou para junto dela.
-N�o h� modo adequado de que um noivo se despe�a de sua doce prometida.
Elizabeth sorriu ante o cinismo de suas palavras. Devia ter lido seus pensamentos. Mas ele pegou seu rosto entre as m�os e passou os polegares pelas suas
bochechas, e antes que ela pudesse se afastar a beijou na boca diante de toda a audi�ncia.
Calor e poder. Uma posse breve, mas intensa. Sentia-se incapaz de pensar em algo e o ar n�o chegava aos seus pulm�es, e quando ele se separou e a olhou
arqueando as sobrancelhas, n�o encontrou o que dizer. Seria aquilo um cortejo? Ou talvez uma forma de dobr�-la a sua vontade. Ele lhe parecia um homem implac�vel,
como ficou demonstrado quando a puxou para que o acompanhasse at� seu cavalo.
Uma vez na sela se inclinou para aproximar-se.
-Sorria para mim, Elizabeth.
Mas ela se manteve s�ria, com o queixo erguido.
-Talvez sorria quando eu voltar.
E partiu, deixando-a s� no p�tio.
De repente ela se sentia abandonada, e n�o fazia mais que aguardar sua volta, embora nunca o tivesse admitido perante algu�m. N�o deixava de agu�ar o ouvido
tentando perceber o som dos cascos dos cavalos, de vozes fortes no p�tio, do aviso dos guardas no port�o ou nas ameias, do ru�do das corentes ao abaixar a ponte,
mas sempre se tratava de convidados que chegavam para o casamento.
Como ele podia lhe importar tanto? Apenas o conhecia h� vinte e quatro horas, disse-se com um suspiro enquanto observava o caminho das ameias. Quem sabe
tivesse decidido chegar no tempo exato para prometer-lhe fidelidade no altar. Talvez ele pouco se importasse, j� que seu casamento se apoiava apenas em raz�es pol�ticas.
E a ela tampouco deveria se importar. Com certeza para ele dava no mesmo ter que casar-se com o traje de viagem coberto pelo p� do caminho, manchado de suor depois
de uma semana de subida pela Welsh Marches. Por que ent�o a ela se preocupava com seu pr�prio aspecto, quando para Richard Malinder s� importaria a alian�a pol�tica
que selaria seu casamento ?
Os dias foram passando e a hora das bodas se aproximava. O que estaria fazendo que o retinha tanto tempo fora? Provavelmente Anne Malinder tinha raz�o e
sua visita a Hereford tinha a ver com sua rela��o com uma mulher chamada Joanna. Era como se uma m�o gelada apertasse seu cora��o, mas ocultava sua ansiedade atr�s
de um exterior solene, aperfei�oado com uma longa pr�tica. Mas sua paci�ncia ia se esgotando dia a dia.
Enquanto isso, ela sentia-se cada vez mais frustrada pelas bem-intencionadas tentativas de melhorar seu aspecto e as cr�ticas menos que sutis de lady Anne
a seus defeitos.
-Sinto-me como um ganso que engordam para um banquete - murmurou quando lhe deixaram um prato de empanada de veado, crocante e dourado, enquanto costurava
seu vestido de noiva. Mesmo assim, agradecida, tentou comer. Tinha que faz�-lo se n�o quisesse que Richard ficasse horrorizado perante sua falta de carne sobre os
ossos. Se ele pudesse contar suas costelas facilmente, a afastaria com um olhar enojado. Sem d�vida Joanne tinha tentadoras curvas que atraiam Richard ao seu leito,
ent�o ela tinha que comer.
Sentia-se virtualmente sitiada por Jane, que cobria de po��es e unguentos suas m�os, al�m de faz�-la beber, apesar de seus protestos, uma infus�o de casca
de salgueiro para clarear e proporcionar brilho a sua pele. Mas era poss�vel, pensou n�o sem certa satisfa��o, que a alian�a deslizasse facilmente al�m de seu n�dulo
em lugar de ficar presa.
Para seu cabelo o que precisava era de um milagre. Em seus piores momentos de depress�o, recordava de como tinha sido: comprido, grosso e liso. Negro, com
o brilho das plumas de uma gralha. T�o negro quanto o de Richard. Imaginou, sem poder conter o sorriso, como seria que ele pudesse deslizar sua m�o por ele, antes
que se obrigasse a voltar para a realidade. Seguia tendo-o curto e quase grudado ao cr�nio como o pelo de um animal. O lavava no embriagador l�quido a base de flores
de lavanda maceradas em vinho que Jane jurava que era um rem�dio eficaz, mas o crescimento de seu cabelo seria quest�o de tempo, algo do que n�o dispunha antes do
casamento, ent�o teria que preparar um v�u que pudesse cobrir a maior parte do dano. N�o podia, e n�o estava disposta a faz�-lo, casar-se com a touca de uma freira.
O vestido de noiva tinha sido medido, cortado e confeccionado em um luxuoso veludo de um vermelho intenso, a cor do melhor vinho de Bordeaux, o que poderia
trazer cor para suas p�lidas bochechas e que tinha sido desenhado para cobrir suas marcadas clav�culas e seu busto pequeno. Tinha sido um curioso milagre que Richard
Malider tivesse tido o detalhe de oferecer-lhe isso.
-Vai ser um vestido lindo - anunciou Anne Malinder-. E que l�stima que seu busto n�o seja generoso o bastante para usar um corpete. Eu sim poderia faz�-lo.
De fato, o vestido que confeccionei para a ocasi�o � um modelo que a pr�pria rainha Margaret usou. Sua figura sim que � proporcionada - Anne olhou para Elizabeth
antes de continuar. -Acredito que � costume utilizar um fio do cabelo da noiva quando se costura seu vestido para que traga boa sorte - ela acrescentou enquanto
movia a agulha, n�o mais afiada que sua l�ngua, com maestria-. Duvido que isso seja poss�vel, Elizabeth querida. Poder�amos p�r um dos meus se quiser. Seria perfeito.
Elizabeth sabia como se controlar e reteve as palavras que lutavam para sair de seus l�bios, mas a senhora Bringsty saltou em sua defesa.
-N�o s�o necess�rios tais artif�cios, milady. H� outros encantos que a m�e natureza proporciona que podem benzer esta uni�o.
E no decote do vestido se costuraram v�rias folhas de erva donzelas e de lunaria para pedir boa sorte e felicidade no casamento , um amuleto que Elizabeth
contemplou com tristeza. Ia necessitar de algo mais que um punhado de folhas para benzer seu casamento , particularmente se seu futuro marido estava desfrutando
de uma animada rela��o com aquela tal de Joanna.
O assunto que tinha levado Richard a Hereford ocupou mais tempo do que esperava, j� que tinha uma responsabilidade particular em faz�-lo, t�o inevit�vel
que o fez voltar para Ledenshall menos de vinte e quatro horas antes do enlace, o que, se houvesse pensado atentamente, teria percebido que acarretaria consequ�ncias.
Encontrou Ledenshall mergulhado em um ar festivo, cada m�nimo espa�o dispon�vel ocupado por um parente pr�ximo ou long�nquo. Tamb�m descobriu que sua noiva o esperava
no p�tio, uma noiva que tinha pouco tempo para ele e que o tinha recebido dura, s�ria, dedicando apenas a ele e a seu irm�o David algumas palavras ao passar. Nem
ao menos um sorriso, que era o m�nimo que cabia se esperar entre uma dama e seu apaixonado. Quase ao igual a sua partida.
-Bem-vindo a casa.
Seu tom dizia tudo.
Richard desmontou.
-Elizabeth... atrasamos-nos.
-Eu sei.
-Encontra-se bem?
-Sim.
Franziu o cenho. Sua brutalidade o incomodava. De modo que pelo visto estava decidida a levar a sua aspereza at� suas �ltimas consequ�ncias, n�o? Pois bem...
s�rio frente a ela, sem deixar de olh�-la aos olhos, ofereceu-lhe a m�o com a palma para cima, a��o clara a qual devia responder. Mas sua encantadora noiva cruzou
as m�os nas costas.
Richard se manteve firme, consciente de que todos os olhos estavam postos neles. O orgulho o fez apertar a mand�bula. N�o ia tolerar que o desafiassem daquela
maneira em seu pr�prio castelo, e menos ainda por uma mo�a que n�o era sua esposa. Esperou. E esperou at� que Elizabeth, ruborizada e a contra gosto, apenas ro�ou
sua m�o com a dela e ele, instintivamente, segurou-a com for�a quando ela tinha inten��o de afast�-la. Depois a levou aos l�bios e a beijo devagar.
-Elizabeth, eu n�o a abandonei, como pode ver.
-N�o, milord.
Mas a tens�o de sua m�o n�o cessava.
Era isso o que temia? Que sua aus�ncia fosse um recha�o? N�o podia ser, agora que j� a tinha em sua casa como sua prometida. A um requerimento de mestre
Kiplin deu a volta para dispor da carga que levavam os animais e quando voltou a virar-se tudo que viu foi � figura de sua noiva que se afastava, com os ombros formidavelmente
retos, para a porta.
-Bom... - ele passou a m�o pelo cabelo revolto e sentindo crescer a ira at� que viu o sorriso do David e arqueou as sobrancelhas-. O que � que disse?
-Nada -ele riu-. E n�o disse nada h� dias. Esse � o problema.
-E o que deveria ter feito?
-Voltar antes. Como v�, Elizabeth tem car�ter.
-J� o vejo - ele respondeu, lhe dando uma palmada nas costas-. Ent�o, acha que devo temer sua vingan�a?
David se p�s a rir.
-Eu n�o tenho medo de Elizabeth.
Richard sorriu. O que esperava ele de sua prometida? Certamente muito mais do que tinha recebido. Tinha se despedido com o cenho franzido e o tinha recebido
do mesmo modo. O atraso n�o tinha sido de tudo culpa dele, mas Elizabeth de Lacy n�o se incomodou em averiguar sua causa antes de lhe jogar a culpa. Seu g�nio come�ou
a ferver de novo, e se desiludiu ao compreender que o acordo, a compreens�o que pareciam ter alcan�ado em sua conversa, evaporou-se em sua aus�ncia.
Dado que n�o era pr�prio dele deixar as coisas sem resolver, dirigiu-se a casa e a alcan�ou no grande sal�o.
-Madame!
Seu tom imperioso a fez para apesar de que tinha posto um p� no primeiro degrau.
-Milord.
Alcan�ou-a dando grandes passos.
-Quando volto para minha casa, espero encontrar uma esposa que me d� graciosamente as boas-vindas, e n�o com uma harpia de voz �spera. N�o penso em dar
um espet�culo para a minha gente, nem permitir que os intrigue com sua falta de propriedade e boa cria��o. Meu atraso n�o foi minha decis�o, nem deveria voc� como
esposa question�-lo - sua irrita��o era grande e n�o considerou a for�a nem a dire��o de suas palavras-. Esperava que os falat�rios que correm pela Welsh Marches
sobre sua obstina��o e falta de cortesia n�o fossem mais que meras intrigas sem fundamento e puro exagero.
Viu-a apertar os punhos e os l�bios, perder a cor e respirar fundo depois do ataque de suas palavras. Seus olhos, de repente escuros, n�o se separaram dos
dele e teve que admirar sua coragem, mas sem se deixar afetar pelo sofrimento, inclusive pela dor que via em sua express�o. Seguiu decidido a deixar claro seu ponto
de vista sobre o respeito que devia haver no casamento .
-N�o admito desculpas para um comportamento grosseiro em minha casa, milady.
Ela desceu por fim o olhar.
-N�o, milord. N�o h� desculpa poss�vel.
-Espero que me receba e a meus convidados com amabilidade.
-Sim, milord. Desculpe-me. Agi mal.
-Ent�o, estamos de acordo.
-Sim, milord. N�o voltarei a ser culpada de... maus modos.
Esperou para ver se dizia algo mais, surpreso por sua anu�ncia, mas como ela seguia de p� com a cabe�a baixa e a ele n�o ocorria nada mais a dizer e inclusive
come�ava timidamente a lamentar sua escolha de palavras, deu meia volta e saiu.
Elizabeth o viu partir. Sem d�vida tinha cometido um engano, mas como confessar que tinha sido o medo o que a tinha feito agir assim? Medo de comparar-se
com a bela Anne Malinder, que sem d�vida urdia sua trama para ser a substituta da igualmente encantadora Gwladys. Medo de sua rela��o com a amante em Hereford. A
vergonha a cobriu dos p�s a cabe�a. Richard tinha raz�o, e ela n�o sabia como arrum�-lo. O desespero a fez tremer, mas se obrigou a subir as escadas com a dignidade
de uma rainha.
No alto a esperava Anne Malinder vendo tudo, observando-a, esperando-a com um sorriso de verdadeiro deleite.
-Vejo que Richard j� retornou. Discutiu com ele?
-N�o. Entendemo-nos � perfei��o.
A mo�a deu um passo para ela.
-Voltar� para os bra�os de Joanna sem perder um minuto se voc� voltar a discutir com ele - ela riu-. Seu comportamento n�o � pr�prio de uma doce prometida,
mas eu falarei com ele por voc�. Sempre pude dirigir ao Richard, inclusive quando era uma menina, algo que agora j� n�o sou. N�o se preocupe Elizabeth, que eu me
ocuparei de suas necessidades.
-N�o me cabe nenhuma d�vida!
Tinha sido a gota que enchia o copo. Deixou atr�s a sua rival e se encerrou em seu quarto lamentando os enganos que tinha cometido e sem encontrar um modo
de desculp�-los.
Enquanto isso, no p�tio do castelo, Richard seguia rememorando a tristeza daqueles olhos azuis e quase lamentava a ira de suas palavras. S� lhe faltava
que a senhora Bringsty se plantasse diante dele com inten��o de lhe falar.
-Preciso falar com voc�, milord.
-N�o tenho tempo agora - replicou, e teria passado reto se ela n�o o tivesse agarrado pela manga-. E ent�o? -espetou.
-N�o a mostre em p�blico, milord.
E antes que pudesse lhe perguntar algo, desapareceu. Mas tampouco precisava lhe perguntar ao que se referia. N�o necessitava de seu aviso... ou talvez sim,
porque com tanta pressa n�o tinha tido tempo de pensar nas repercuss�es para Elizabeth do antigo costume de que o noivo e a noiva virtualmente se despojassem de
suas roupas diante dos convidados, um h�bito que fazia parte das celebra��es das bodas quase tanto quanto o interc�mbio de promessas perante o sacerdote. A lembran�a
da marca das chicotadas que tinha nos ombros o fez decidir. Apesar do ocorrido, n�o podia submet�-la aos olhares de todas aquelas pessoas.
Lamentava ter lhe falado desse modo. Havia cantos ocultos e inc�modos em sua noiva dos que ainda nem sequer tinha se aproximado.
A porta da c�mara circular que Nicholas Capel tinha em Talgarth estava bem fechada. N�o podia permitir que algu�m pudesse presenciar a cerim�nia que ia
celebrar. O casamento era iminente, e tinha chegado o momento de passar � a��o. Bastaria modelar duas figuras com a cera de duas velas. Apertou, arredondou, limou
e lavrou at� que conseguiu ter duas figuras sobre a mesa, homem e mulher, torpemente modelados, mas facilmente reconhec�veis nus e sexualmente expl�citos.
O casamento estava assegurado, mas n�o faria mal dar um empurr�o ao destino. Capel entrela�ou as m�os em um gesto de autoridade.
-Vamos reunir ao casal, com ou sem seu consentimento. Asseguremos-nos de que Malinder seja capaz de ter um herdeiro com ela.
Capel jogou �gua em uma terrina de prata com s�mbolos crist�os lavrados na borda, e murmurou palavras em latim para benz�-la. Depois ele salpicou as duas
figuras com o l�quido sagrado.
-Nomeio-os a ambos: Richard Malinder. Elizabeth de Lacy.
De um pequeno pacote tirou v�rias coisas: dois cabelos escuros da cabe�a de Richard Malinder e outros dois de Elizabeth de Lacy, compridos como os tinha
antes de ir para Llanwardine. A seguir, colocando-os em torno do pesco�o das figuras, as colocou cara a cara, peito contra peito, pernas contra pernas, e com arame
as uniu.
-Que sua uni�o seja eficaz e frut�fera - murmurou com uma venenosa satisfa��o e um sorriso de triunfo.
Como era cr�dulo John do Lacy, e com que facilidade se convenceu de que deteria a autoridade. Que f�cil era conseguir que seguisse seus conselhos se fizesse
dan�ar o poder diante de seu nariz como se fosse uma cenoura, um p�ssego suculento que cairia da �rvore por apenas estender a m�o.
Mas n�o ia ser De Lacy quem ia recolher a fruta madura.
Richard ofereceu a m�o a sua noiva, e Elizabeth p�s a sua delicadamente na dele. Ele assentiu para lhe dar �nimo, e apertou com suavidade seus dedos para
que juntos pudessem subir os degraus que os separavam do altar no qual os aguardava o sacerdote. Mas antes tinha que lhe dizer algo.
-Perdoe minhas palavras de ontem.
-N�o h� nada que perdoar. Sou eu quem deve lhe pedir desculpas por minha falta de cortesia.
-Eu as aceito.
Com suas novas roupas, Elizabeth se sentia forte e confiante. Inclusive uns d�beis raios de sol tinham decidido benz�-la e acompanh�-la naquele dia. Seu
escasso calor a consolava, animando-a a relaxar. Logo deixaria de ser Elizabeth de Lacy. Manteve a cabe�a alta, a postura erguida, segura de sua classe e posi��o
como senhora de Ledenshall. Por que n�o ia ser feliz?
Afinal se equivocou, porque Richard Malinder n�o tinha inten��o de casar-se com ela com sua roupa de campanha e o p� de quatro dias de viagem. Justamente
o contr�rio. Estava magn�fico. Seu cabelo brilhava ao inclinar a cabe�a para receb�-la. Suas roupas eram de brocado verde e negro cujo estampado consistia em ondas
flu�das. A t�nica chegava at� o joelho e era debruada com uma pele escura, e a posi��o que ocupava ficava clara aos olhos de todos gra�as ao cintur�o de ouro e pedras
preciosas com que tinha na cintura e no qual pendurava uma espada, e aos an�is que trazia nas m�os. Uma pesada corrente de ouro e pedras descansava sobre seus ombros.
Richard Malinder podia interpretar o papel de cortes�o assim como o de soldado ou senhor de uma fortaleza.
Que mulher n�o desejaria casar-se com um homem assim? Elizabeth o olhou nos olhos e o que viu em seu rosto a tranquilizou: o brilho de compreens�o do que
ia ser uma dura prova para ela naquele dia, mas tamb�m uma clara admira��o. E v�-lo coloriu suas bochechas.
Richard s� era consciente da m�o fria que levava na sua e das sutis diferen�as entre aquela mulher e a inquieta criatura com a qual tinha trocado opini�es
na muralha fazia menos de uma semana. Certamente tinha estado ocupada em sua aus�ncia. Alta e elegante, o rico veludo que a envolvia e que formava a cauda do vestido,
as linhas flu�das de seu corpo eram toda gra�a e suavidade, nada tinham a ver com a lembran�a que tinha de uma mulher sem encanto nem atrativo.
As mangas de seu vestido acabavam em uns punhos de pele, sobre os quais flutuavam umas mangas cortadas que ca�am vaporosas at� ro�ar a parte inferior do
vestido. O sol brilhava nas dobras de um v�u que lhe ro�ava os ombros.
Assim n�o era precisamente uma gracinha, n�o �? Bem, mas por Deus que n�o se parecia em nada com a criatura empapada cuja gata tinha lhe deixado uma boa
lembran�a no pulso. Possivelmente fosse tamb�m capaz de convencer a sua propriet�ria de que n�o precisava mostrar as unhas.
Quando se colocavam ante o sacerdote tudo come�ou a ganhar claridade e intensidade para Elizabeth, inclusive o fato de que uma nuvem escura tinha abafado
o sol e que todos os convidados se amassavam em suas capas. N�o era uma premoni��o. N�o. Com voz clara Richard detalhou o dote com o qual contribu�a sua noiva, cuja
import�ncia foi uma surpresa inclusive para ela, embora pensando bem devesse ter sido necess�rio para comprar aquele ia ser seu marido. Certamente o pre�o que John
de Lacy tinha pagado era muito alto. Gostaria que Richard chegasse � conclus�o de que havia valido a pena.
Depois tudo ocorreu t�o depressa que quase ficou sem f�lego. Por fim era Elizabeth Malinder em lugar de esposa de Cristo, e seus l�bios se ro�aram em um
beijo simb�lico. Em seguida um anel de ouro profusamente entalhado entrou com suavidade, com muita suavidade, al�m de seus n�dulos at� ficar em seu lugar definitivo.
O banquete teve lugar no grande sal�o.
Elizabeth compartilhou a ta�a e o prato destinado aos noivos com seu marido ante os gritos de j�bilo dos presentes, que j� come�avam a esvaziar suas ta�as
de cerveja e vinho, que eram rapidamente enchidas de novo. Em uma tentativa in�til de n�o pensar nas horas que estavam por chegar, procurou sua fam�lia entre o burburinho
das pessoas.
Ali estava sir John, moreno e ap�tico, com um toque de arrog�ncia e condescend�ncia. Ao seu lado estava sua segunda esposa, lady Ellen, calada e introvertida.
Tamb�m podia ver Lewis um pouco mais longe, vestido para a ocasi�o, mas com um ar solene, nem contente nem natural, o que era pouco comum nele.
E David, animado e contemplando tudo com um brilho no olhar. Naquele momento seguiu a dire��o do olhar de sir John e viu que observava a Richard. Calibrando,
medindo, com os l�bios apertados e algo no olhar que n�o podia decifrar, mas que sem d�vida n�o era agrad�vel. Ao seu lado se sentava mestre Capel. Sua presen�a
sim era uma surpresa. Viu-o inclinar-se para murmurar algo no ouvido de sir John, e este sorriu. Seu tio sempre andava maquinando algo.
O banquete estava a ponto de acabar, e um estremecimento de antecipa��o e preocupa��o lhe percorreu as costas, uma sensa��o que a fez recordar com nitidez
das palavras de Anne Malinder: "O que dir� Richard quando a vir?"
Anne se tinha posto a rir para tirar import�ncia de seu coment�rio e Elizabeth sentiu uma arcada na garganta ao imaginar a seu marido deixando-a seminua
em p�blico. Teria visto o alcance de suas cicatrizes? Ela lhe causaria repulsa? Nem sequer ia poder ocultar-se embaixo de uma cabeleira solta quando os convidados
invadissem a c�mara nupcial. Quando lhe tirasse o v�u. O que diria de verdade? Que coment�rio cruel e humilhante trocariam os convidados entre si?
-Qual � o problema? - Richard perguntou-lhe em voz baixa.
Devia ter estado observando-a, e lhe comoveu que se preocupasse com ela.
-Nada, milord, al�m do fato de que me sinto observada em todos meus movimentos, tanto por sua fam�lia quanto pela minha.
-E isso lhe importa? � a senhora de Ledenshall e pode fazer o que lhe agrade. Olhe para mim - ele lhe pediu ao ver que ela baixava o olhar com um sorriso
que suavizou a austeridade de suas fei��es-. Vamos dar aos nossos convidados algo sobre o qual especular.
Elizabeth se encontrou sorrindo tamb�m.
-O que sugere?
Antes que se desse conta, ele inclinou-se e a beijou na boca, n�o como na igreja, mas sim de um modo mais quente, cheio de promessas. Quando se separou,
Elizabeth ficou olhando com os l�bios entreabertos, as bochechas avermelhadas e um estranho calor no ventre.
-Certamente dar� o que falar - murmurou.
-Isso eu espero!
E para surpresa e deleite dela, voltou a beij�-la.
Com a lembran�a da boca de sua esposa, Richard aproveitou a oportunidade de circular entre os convidados. Todos seus sentidos estavam em alerta apesar das
numerosas doses que tomou, j� que estava claro que Elizabeth n�o era a �nica De Lacy que mostrava sinais de tens�o.
-Lewis.
Procurou uma cadeira desocupada e se sentou junto ao jovem.
-Milord...
-Richard! - ele lhe disse sorrindo-. Seu irm�o j� me faz sentir-me mais livre usando meu nome de batismo.
-� que meu irm�o n�o sabe o que � o respeito - ele respondeu tentando sorrir.
-Est� muito sombrio para uma ocasi�o como esta. Algo o aflige?
Houve uma breve pausa at� que Lewis tomou uma decis�o.
-N�o. S� que... eu diria...
-Pode falar. Sou muito discreto... para um partid�rio de Lancaster, quero dizer - ele brincou com a esperan�a de tirar o veneno que estava incomodando o
irm�o de Elizabeth, mas n�o conseguiu.
-N�o � nada - em seu rosto seguia a express�o severa e olhou para outro lado-. N�o tenho desculpa, e n�o deveria me mostrar assim nas bodas de minha irm�.
Alegro-me por voc�... e por ela.
Suas palavras n�o lhe deixavam outra op��o que mudar de tema, mas sem d�vida Lewis tinha uma preocupa��o que o acossava.
-Que Deus benza sua uni�o - as m�os de Ellen de Lacy apertaram as de Elizabeth com mais for�a do que a ocasi�o requeria-. Espero que possa dar um filho
a seu marido. Eu n�o pude.
-Eu realmente sinto muito.
Elizabeth sabia da dor que Ellen suportava, mas nunca a tinha escutado falar t�o abertamente disso. Era uma dama muito reservada e que vivia sob o julgo
de seu marido, de modo que guardava seus pensamentos para si.
-E deve sentir muita falta de Maude.
-Sim. Todos n�s temos saudades. Gostava dela como se fosse minha pr�pria filha, mas sir John esperava poder ter um herdeiro.
-Estou certa de que n�o a culpa, Ellen - estava tudo menos certa, mas n�o sabia o que lhe dizer para consol�-la da dor que via em seu olhar. Lady Ellen
tinha ficado gr�vida em duas ocasi�es de um var�o, mas tinha perdido aos dois.
-D� na mesma.
-N�o � feliz? -aventurou-se.
Ellen apertou suas m�os.
-N�o se preocupe Elizabeth, e desfrute do dia de suas bodas.
Mas Elizabeth sabia que n�o tinha respondido a sua �ltima e pouco delicada pergunta, e acreditou perceber uma tremenda infelicidade antes que a dama se
virase. Tudo era inexplicavelmente inquietante.


















Seis

Elizabeth tirou o vestido e o dobrou. Ficou com a an�gua e tirou o elaborado v�u para por uma touca de linho presa por um diadema simples. Ainda n�o ia
ficar com a cabe�a descoberta. Jane teria continuado agitando ao seu redor, mas Elizabeth j� estava cansada e lhe pediu que sa�sse para sentar-se na borda da cama
e esperar com as m�os entrela�adas. Tinham-lhe dado um monte de conselhos por ser virgem, embora a maioria j� tivesse ouvido antes e acreditava que era melhor ignorar
quase todos. Inclusive lhe deram uma ta�a de vinho aquecido para acalmar seus nervos, mas decidiu n�o beb�-la. Preferia enfrentar Richard Malinder com a cabe�a em
seu devido lugar.
N�o demorou. Richard e seu ruidoso acompanhamento subiram as escadas e ouviu seus passos no corredor. Teria sido imposs�vel n�o ouvir os gritos e a risada,
as piadas grosseiras a suas custas, assim para preparar-se levantou e se colocou de costas para o fogo, de modo que ficasse parcialmente oculta pelas cortinas da
cama. Uma coisa era enfrentar a aquela prova com a coragem dos de Lacy e outra bem diferente era convidar a especula��o. A porta se abriu e a anima��o entrou. Elizabeth
engoliu em seco para tentar descer o n� que o medo tinha formado em sua garganta, obrigando-se a permanecer erguida e com o olhar para frente.
Richard n�o entrou, mas sim ficou na porta e dando as costas para ela impediu a passagem daqueles que pretendiam entrar.
-Esta noite n�o passam daqui, amigos.
Tinha falado com a voz tranquila e alegre, mas carregada de firmeza e completamente s�bria.
-Tem vergonha, n�o �, Richard?
-Melhor falar que tenho experi�ncia. J� passei por isso antes - declarou, sem mover-se nem um cent�metro e com a m�o na fechadura como barreia-. J� recebi
todos os conselhos que podia precisar naquela ocasi�o. Alguns vieram inclusive de voc�s mesmos. E n�o me serviram.
-Pode ser que n�o, mas ap�s n�o deixou de p�-los em pr�tica, n�o �, patife?
Uma gargalhada encheu a sala.
-Como queira, mas o que est� claro � que esta noite n�o os necessito. Boa noite, cavalheiros. No grande sal�o os espera toda a cerveja que possam engolir.
Bebam a minha sa�de e a de minha esposa at� que j� n�o sejam capazes de levantar o bra�o.
E bateu com a porta nos narizes deles. Seus gritos e gra�as foram se apagando.
-Gra�as a Deus. Eu me esqueci do qu�o escandalosos podem chegar a ser. Vou ficar surdo durante uma semana.
Elizabeth n�o podia acreditar na boa sorte que tinha tido. Ele o teria feito por ela? Sua considera��o a comoveu, e estava claro que seus coment�rios pretendiam
acalmar seus nervos.
-Voc� esteve magistral. E foi muito atencioso de sua parte.
-Pura sobreviv�ncia, pode me acreditar.
Quando Richard come�ou a soltar o cintur�o da espada, Elizabeth se aproximou rapidamente para segur�-la, e a corrente de ouro, que deixou sobre a tampa
de um cofre. Se ele se deu conta de como recuperava a confian�a quando tinha no que ocupar a mente e as m�os n�o o disse, mas entregou o broche de ouro e rubis que
lhe fechava a t�nica no pesco�o. Ela deixou-o de lado e o ajudou a tirar a sobreveste de pele e os an�is. Quando ficou de camisa e cal��o esperou. Ele a olhou aguardando
tamb�m, e um calafrio lhe percorreu as costas.
Depois sorriu.
-Agora... em algum lugar h�... - ele olhou a seu redor antes de ir at� um dos cantos-. Fiz com que o subissem antes - disse, lhe oferecendo um pacote de
consider�vel tamanho-. Tive que voltar para a Hereford por causa disso, e quase me faz me perder meu pr�prio casamento - sorriu-. Espero que voc� goste, milady...
e que n�o volte a me chamar a aten��o por isso.
Elizabeth teve o decoro de corar e morder o l�bio ao se recordar da brutalidade com que o tinha recebido, deixando-se levar pelo medo de que tivesse passado
aqueles dias nos bra�os e curvas de Joanna. Depois de seu confronto tinha chegado � conclus�o de que n�o era um homem ao qual se devesse desafiar sem um bom motivo,
e mesmo assim havia lhe trazido um presente.
-O que �? - ela disse, pegando o pacote nas m�os.
-N�o vai saber se n�o o abrir.
Elizabeth controlou outro estremecimento de prazer, mas ao mesmo tempo se repreendeu por n�o ter pensado e ter algo para lhe oferecer. Soltou o la�o que
fechava o pacote e sobre a cama apareceu uma capa.
Uma exclama��o de prazer escapou de seus l�bios. Veludo azul, escuro como a noite, delicado como qualquer objeto que se fosse usar na corte de um rei, adornado
com zibelina e um maravilhoso capuz para proteg�-la do frio.
-Precisava de uma - ele disse, sentando-se na cama com um sorriso enquanto ela acariciava seu presente, maravilhando-se com sua suavidade e qualidade antes
de p�-la sobre os ombros. A capa ca�a em suntuosas dobras at� seus p�s e se movia com exagerada eleg�ncia enquanto ela passeava pelo quarto.
-Pentesilea, sem d�vida - ele comentou.
-Hum?
-A rainha das amazonas, se bem me lembro.
-Isso mesmo - ela replicou, recordando de seus conhecimentos dos textos cl�ssicos e do ass�dio de Troia-. Mas morreu na batalha. E lutava com os seios de
fora.
-Isso mesmo - ele respondeu.
Elizabeth seguiu indo e vindo com a capa at� deter-se diante dele.
-�... linda - ela lhe disse com os olhos brilhando de prazer, e levou a pele � bochecha-. Suponho que n�o resta mais remedeio que o perdoar por ter retornado
t�o tarde.
-Certamente. E tamb�m tenho isto - acrescentou-. Vai necessitar disso tamb�m.
Ofereceu-lhe outro pacote muito menor, do tamanho da palma de sua m�o.
-Outro presente? Fez algo que eu deva saber e que quer que eu perdoe? -ela lhe perguntou franzindo o cenho.
Ele se p�s a rir a gargalhadas, um som robusto que encheu o quarto e tingiu de vermelho as bochechas de Elizabeth.
-N�o, eu juro que n�o. Mas sim, trata-se de outro presente. � minha esposa e � um prazer para mim lhe presentear.
Era um broche para segurar a capa, mas n�o se parecia em nada com qualquer outro que tivesse visto, com seu desenho de c�rculos entrela�ados. Uma combina��o
de le�es em miniatura e cervos com galhadas e l�nguas de ouro saltava e rugia em sua m�o, e a orla dourada e vermelha brilhava a luz das velas. Era uma joia cheia
de vida e cor que a fez sorrir.
-Como o soube?
-Tenho minhas fontes.
-O emblema de minha m�e, Matilda Vaughan do Treetower.
-Eu sei.
-Prenda-o para mim - ela exclamou surpresa e imensamente feliz.
-Eu o encomendei de um ferreiro de Hereford, e me pareceu muito apropriado para voc�, uma dama t�o feroz.
-Voc� acha isso? -ela lhe perguntou o olhando no rosto, convencida de que estava rindo dela, mas n�o era assim.
Richard decidiu n�o responder, e se limitou a lhe servir uma ta�a de vinho.
-Sente-se comigo - ele disse.
Elizabeth n�o queria separar-se da capa, e a deixou sobre a cama ao sentar-se. Ele se serviu de vinho e a olhou muito s�rio.
-Eu sugiro minha esposa, que brindemos por nosso compromisso: pela lealdade e a honra. Para que ningu�m se interponha entre n�s, n�o importa quem seja e
n�o importa o motivo.
Elizabeth assentiu.
-Brindemos por isso.
-E por nosso futuro juntos.
Elevaram a ta�a e beberam o vinho quente at� que com um dram�tico calafrio, Richard deixou a ta�a de lado.
-Muitas especiarias para meu gosto. Agora tenho que a levar para a cama ou aguentar todo tipo de coment�rios sobre minha virilidade.
Ele ficou de p� e abriu a cama, mas n�o soltou os len��is.
-O que h�? - ela perguntou, embora tivesse dado a impress�o de saber.
-Venha e olhe - os len��is de linho estavam cobertas de folhas secas, p�talas de flores e pequenos caules-. O que � isto?
Elizabeth tampou a boca com a m�o, indecisa entre come�ar a rir ou amaldi�oar a sua donzela. Jane n�o ia deixar nada ao azar.
-N�o vou lhe dizer isso.
Os olhos de Richard brilharam.
-� minha virilidade ou sua fertilidade o que se persegue com isto?
Elizabeth sorriu. Menos mal que n�o estava zangado.
-Ambas as coisas, imagino - respondeu, removendo com um dedo as folhas de visco e aveleira para ajudar � concep��o e as de lavanda para despertar o desejo.
Inclusive parecia ter mo�do bolotas, �s quais tinha acrescentado milefolio e p�talas de rosa para assegurar uma uni�o feliz e duradoura.
-� coisa de Jane, e tenho que lhe dizer que suas inten��es sempre s�o boas.
-Ah, sim? -duvidou enquanto afastava tudo aquilo com a m�o-. Parece-me mais que pretende que tenhamos urtic�ria. Melhor n�o saber o que p�s no vinho quente.
Venha, milady. Provemos os len��is - ele disse, a puxando suavemente pelos pulsos-. Permita-me tirar seu v�u.
E o fez.
E olhou. Elizabeth teria preferido fechar os olhos, mas queria ver qual era sua rea��o. O desespero a deixava im�vel. Richard n�o disse nada, nem fez coment�rio
algum, nem alternou um mil�metro sua express�o. Desatou os cord�es de suas an�guas e deixou que ca�ssem ao ch�o, deixando-a indefesa diante ele. De novo se negou
a fechar os olhos para n�o ver a compaix�o ou o desgosto em seu olhar. Queria ser capaz de enfrentar isso, assim engoliu seco e esperou vendo como ele percorria
seu corpo com os olhos at� chegar de novo ao seu rosto. Respirou fundo com os dentes apertados.
-D� a volta, Elizabeth.
Ela o fez e teve que conter as l�grimas que amea�avam brotar quando ele n�o a olhava.
-Me olhe - ele esperou que ela se virasse por completo antes de falar. Sua voz era baixa, mas firme, e n�o p�de detectar nem piedade nem repulsa, pelo que
ficou eternamente grata-. Elizabeth... Elizabeth, n�o me tinha dado conta.
-Do que? -perguntou, umedecendo-os l�bios ressecados.
-De que estava... de que era assim.
Elizabeth conteve de novo o desejo de chorar.
-Acreditava que tinha me visto. Que sabia do pior. Naquela primeira noite...
-Foi s� por um instante na escurid�o. Acreditei ver as marcas de um chicote, mas n�o tinha nem ideia disto... Llanwardine? -perguntou olhando seu cabelo,
e levantou uma m�o como se quisesse toc�-lo, mas a deixou cair.
-Sim.
-E isto? -perguntou, olhando as cicatrizes claras que marcavam suas costelas.
Ela estremeceu ante seu olhar, seu rosto impass�vel, e demorou um momento para decidir lhe dizer a verdade.
-S� em parte.
Viu-o apertar os dentes e acreditou que compreendia.
-Espero que n�o tenham usado esse tipo de persuas�o para convenc�-la a se casar comigo.
-N�o. Era Owain Thomas a quem n�o podia suportar. Mas... � que n�o era uma novi�a obediente.
-E tampouco comia.
Sabia que ele estava vendo os ossos da clav�cula saltados, os seios quase esgotados, os quadris estreitos, e tentou diminuir a import�ncia disso.
-Sua cozinheira organizou toda uma cruzada para me fazer engordar.
E n�o p�de conter um estremecimento ao estar nua ali com o frio colando � pele.
Sua resposta foi imediata.
-Me perdoe. Fui muito descuidado.
Rapidamente ele colocou a capa sobre seus ombros, e ela imediatamente se sentiu quente em suas dobras de zibelina.
Assim p�de mascarar seu al�vio. Aquela noite estava disposta a aceitar sua compaix�o. N�o queria inspirar piedade, mas era melhor que asco. Era admir�vel
sua sensibilidade, sua considera��o, e sentiu que o tremor de seus membros parava.
At� que Richard levantou um bra�o e deixando-se levar por um impulso passou a m�o por seu cabelo. Sem pensar ela se encolheu e arregalou os olhos.
Ele retirou imediatamente a m�o, como se a tivesse posto sobre uma chama.
-N�o se separe de mim. Eu nunca lhe faria mal. Como pode pensar isso? -seu tom era �spero e em seus olhos havia sentimentos que n�o sabia interpretar. Inclusive
chegou a lhe parecer ira, ou provavelmente desespero, embora n�o soubesse que explica��o dar.
-N�o pretendia faz�-lo. � que me surpreendeu. Sonhei que o fazia e eu gostava, embora em meu sonho meu cabelo fosse como antes, comprido, espesso... e n�o
assim. Envergonho-me de meu aspecto.
Richard relaxou visivelmente. O que teria pensado que acontecia? Era evidente que algo o tinha afetado, algo que ela tinha feito ou dito. Mas fosse o que
fosse, o momento parecia ter passado. As linhas duras que rodeavam sua boca se suavizaram.
-N�o h� por que envergonhar-se. A culpa n�o � sua. � lindo seu cabelo, Elizabeth, e mais suave que a pele de uma marta - declarou, e se aproximou para beij�-la
na t�mpora-. Logo seu cabelo voltar� a ser longo e muito formoso, e quando for assim, eu o acariciarei como fiz em seu sonho.
Elizabeth sorriu e contemplou uma luz de esperan�a no futuro. Tinha perdoado suas palavras e estava lhe dando amostras de sua profunda benevol�ncia, de
uma compreens�o que n�o teria podido imaginar.
-Quer apagar a vela? - ela pediu, e ele o fez.
A escurid�o resultou ser uma b�n��o para ambos. Para Elizabeth porque a envolvia em um manto de anonimato quando ele voltou a toc�-la com extraordin�ria
intimidade. Algo capaz de esconder seu escasso conhecimento, sua falta de confian�a em sua capacidade de agradar, suas ansiedades. Era muito consciente de sua falta
de encanto e a escurid�o acalmou seus temores. No escuro n�o importava. Se em seu rosto aflorava desgosto ou uma mera toler�ncia ele n�o o veria. Assim s� teria
que suportar.
Mas suportar n�o foi � palavra que abriu caminho em seu pensamento. Mas sim um inesperado prazer. Seus temores come�aram a derreter-se no calor das car�cias
de suas m�os e no delicado toque de seus l�bios no rosto. O sentir ao seu lado, seus m�sculos firmes, sua pele, acabou sendo surpreendente t�o surpreendente quanto
o prazer que descobriu nisso. Se ele podia toc�-la, ela tamb�m poderia faz�-lo, e sentiu um forte desejo de faz�-lo, assim deixou suas m�os vagarem pelos firmes
planos de seu peito e seus ombros, uma viagem �ntima e pr�pria. T�o atraente, t�o masculino. Como n�o ia desfrutar daquele poder, embora em sua cabe�a se perguntasse
aonde tudo aquilo ia lev�-la?
Para Richard a falta de luz facilitava a tarefa de seduzir e tentar. As sombras ocultavam a falta de per�cia dela que poderia inquietar a qualquer noiva
inexperiente. Entretanto, n�o havia estupidez em suas respostas, mas sim delicadeza e eleg�ncia, e quando seus primeiros temores se dissiparam tornou mais confiada.
Tinha a pele suave como o veludo, seus movimentos eram graciosos e femininos, e quando para sua surpresa ela se estendeu contra ele, pressionando seu peito, quadris
e as coxas com um profundo suspiro, despertou seu desejo imediatamente e se avivou.
Mas ia conter se. Falava-lhe em voz baixa para acalmar seus temores, sabendo que era uma mulher que necessitava da convic��o do intelecto mais que a sedu��o
da carne, de modo que ia falando � medida que acariciava e descobria.
Pensamentos �mpios e doces pensava Elizabeth, mas t�o apetitosos. Palavras sussurradas em seus l�bios, sobre seu cabelo, contra a pulsa��o acelerada sob
a pele do pesco�o. Sabia que eram adula��es rid�culas, mas que lhe proporcionavam um tremendo prazer, ao mesmo tempo em que reconheciam sua inoc�ncia. Mas tamb�m
foram tornando mais imperativas ao esquentar sua boca e seus beijos mais profundos, sua l�ngua deslizando entre seus l�bios para possu�-la. A pele se arrepiou, mas
a sensa��o n�o a desagradou. Compreendeu a urg�ncia na tens�o de seus m�sculos, na necessidade de sua intensa ere��o que lhe ro�ava a perna. Um estremecimento lhe
percorreu o corpo inesperadamente, um n� de calor no ventre ao compreender que a necessitava. Seus temores de que tivesse que vencer a repugn�ncia para tom�-la por
pura necessidade se dissiparam ao sentir sua boca em um de seus seios.
Apesar de tudo, Elizabeth se sentia encantada.
Lentamente, muito lentamente, enquanto que com a l�ngua a acariciava e excitava, foi deslizando uma m�o por seu ventre e mais abaixo e ao mesmo tempo sua
pele experimentava pequenos estremecimentos. Em um instante conteve o f�lego e ficou r�gida, mas pouco a pouco voltou a relaxar e ao mover uma perna ro�ou sua ere��o.
Ent�o foi a vez dele de conter o f�lego, seu controle fazendo equil�brios sobre o fio de uma navalha. Seria f�cil deixar-se levar, mas se apoiou nos antebra�os para
respirar fundo.
Elizabeth ficou imediatamente r�gida em seus bra�os como se fosse v�tima do olhar de Medusa.
-O que houve? Fiz algo errado? Eu n�o sabia...
Havia voltado o p�nico. Ent�o seus medos n�o andavam muito longe. Richard a silenciou com a boca, suavemente, apesar da necessidade que sentia de enterrar-se
nela e tomar o que era dele.
-N�o. Nada. � apenas prazer - murmurou.
Ela permaneceu um instante mais sem mover-se, como se calibrando suas palavras.
-Certamente, sabe como utilizar as palavras, Richard Malinder - ela disse, e voltou a relaxar.
Aquela mulher sabia o quanto era sedutora? Certamente n�o.
-Doer�? -perguntou, embora na verdade n�o fosse uma pergunta.
-Sim - ele respondeu com sinceridade, moderada por um toque dos l�bios e uma car�cia de suas m�os-. Mas n�o ser� insuport�vel, se eu for habilidoso o bastante.
-Estou segura de que o � - em seus olhos prendeu um atenuado brilho da lareira e Richard ficou consciente de que o observava, atenta a todos seus movimentos,
ainda desconfiando, ainda refletindo-. Confio em voc�.
Tal confian�a em seus talentos foi � gota final. Procurou com a m�o e descobriu a umidade que havia entre suas coxas antes de colocar-se sobre ela e penetr�-la
at� que se sentiu preso em suas profundezas.
Houve desconforto e dor, mas foi moment�neo, e tal como ele tinha prometido, n�o foi insuport�vel. Elizabeth ficou quieta, conteve o f�lego, consciente
apenas do peso de sua posse e do perfil de seus ombros iluminados pela luz do fogo. Enchia seus pensamentos, seu corpo, sua vis�o. Em seu quarto frio em Bishop's
Pyon para onde a tinha levado seu tio, nas celas de Llanwardine onde o casamento com Richard Malinder n�o tinha sido sequer imaginado, ela jurou que nunca outorgaria
esse tipo de poder a nenhum homem. E tinha se equivocado.
Entregou-se �s demandas daquele homem com uma necessidade urgente, com uma falta total de conten��o.
Inclusive quando ele se permitiu levar para alcan�ar sua pr�pria satisfa��o, deixando-a sozinha com o sabor insinuado das sensa��es deliciosas que lhe percorriam
o corpo, mas que ao mesmo tempo permaneciam fora de seu alcance, suada, com seus membros frouxos, Elizabeth voltou a olha-lo surpreendida por aquela nova consci�ncia
de si mesma.
-J� est� feito.
Pouco tempo depois, recuperado o sentido e o pulso, Richard desabou ao seu lado.
Elizabeth virou. Isso era tudo o que podia dizer? J� pensava em partir? N�o gostaria que se aconchegasse junto a ele deixando-se rodear por seus bra�os,
que era o que ela desejava? De repente se sentiu tremendamente t�mida, mas se obrigou a lhe perguntar por que precisava saber.
-Fui... - ela engoliu em seco-... o que esperava?
"Fui um absoluto desastre comparada com a inimit�vel Gwladys?" Com o olhar perdido na escurid�o, aguardou sua resposta.
-Elizabeth Malinder - n�o havia censura em suas palavras, a n�o ser apenas uma esp�cie de humor pregui�oso-. Voc� � t�o pouco corajosa? N�o me parecia uma
covarde.
Estava rindo dela?
-E n�o sou! N�o me desgostou!
E se cobriu com os len��is at� debaixo do queixo.
-Gra�as a Deus! Uma mulher sincera! -Richard afastou os len��is e a acariciou lentamente desde seu ombro at� o punho para levar no final sua m�o aos l�bios
como fez em outra ocasi�o-. Melhorar� milady. E agora, venha aqui.
E a abra�ou com for�a, retendo-a mesmo que ela lutasse por sua liberdade. N�o conseguiu libertar-se, mas sim se encontrou apanhada contra aquele belo corpo
que tanto admirava. E Richard sentiu que toda a tens�o a abandonava, e que inclusive sorria.
-O que voc� tem?
Ela ocultou o rosto.
-Que � verdade que n�o me desgostou.
-Que belo elogio! -ele riu, sentindo seu cabelo contra a bochecha-. Tentarei melhorar. Logo.
Talvez n�o fosse demorar muito, tendo em conta o que sentiu quando lhe surpreendeu a beijando meigamente na bochecha.
Uma pequena explos�o de triunfo lhe percorreu o corpo junto com uma exultante sensa��o de ter obtido seu objetivo, que nada tinha que a ver consigo mesma
a n�o ser com ele. Mais satisfat�rio ainda que as artes adivinhat�rias. Jane Bringsty n�o a tinha advertido. E com esses pensamentos, adormeceu.
Richard n�o era capaz de conciliar o sonho. Sua aten��o estava acelerada e n�o podia esquecer o que acabava de descobrir. A vida n�o tinha sido f�cil para
ela, era o que Lewis tinha lhe dito, e seu �dio de John de Lacy se intensificou.
Desapaixonadamente repassou as impress�es que sua esposa lhe tinha causado. Sim, era magra, fraca provavelmente, mas n�o carecia de encanto. Tinha uma pele
firme e suave e uma figura que n�o parecia sugerir que a concep��o pudesse ser f�cil para ela, mas com os cuidados que pensava lhe oferecer floresceria. Seus pensamentos
voltaram de repente para presente ao senti-la suspirar.
De modo que aquela mulher era Elizabeth de Lacy, uma complicada trama de medos inibidores, sinceridade tem�vel e emo��es intensas. Apostaria seu melhor
garanh�o que suas respostas n�o eram incutidas pelo dever ou pela esmerada educa��o da criada que fazia o papel de m�e. Havia fogo nela, ou possivelmente uma fonte
de paix�es transbordante que ele poderia descobrir. Mas uma inc�moda premoni��o o assaltou enquanto apoiava a bochecha sobre seu cabelo: n�o ia ser uma tarefa f�cil
ganhar a dama e dom�-la, se � que era isso o que realmente queria. Ele n�o procurava mais que compreens�o, afeto no melhor dos casos, e, entretanto... a ideia o
pegou despreparado, mas n�o o desagradou.
Seria uma experi�ncia que valia a pena tentar, talvez at� mesmo para os dois.
-Milord! Milord Malinder!
Em algum momento entre as horas mais escuras da meia noite e o p�lido amanhecer do final do inverno algu�m chamou discretamente � porta de seu quarto e
ouviu um sussurro urgente, forte o bastante para despertar seus ocupantes, mas n�o a toda a casa. Richard despertou e o que sentiu primeiro foi o calor de Elizabeth
abra�ada a ele, aconchegada em seus bra�os.
-Milord! Deve vir imediatamente!
O chamado e a voz se tornaram mais urgentes de modo que se levantou com um gemido, acendeu uma vela e p�s os p�s no ch�o.
-O que h�? -perguntou Elizabeth,sonolenta.
-N�o sei. Uma urg�ncia que n�o pode esperar - bocejou, estremeceu de frio e passou as m�os pelo rosto-. Certamente algum dos convidados que caiu no fosso
depois de exceder com a cerveja -resignado come�ou a por as meias e a t�nica-. Durma, Elizabeth. N�o demorarei.
Aproximou-se para beij�-la no cabelo e abrig�-la com as roupas da cama antes de recolher espada e o manto para se proteger do frio da noite. A porta se
fechou e voltou a reinar o sil�ncio.
Elizabeth se deslizou sobre o len�ol para colocar-se sobre o rastro de calor que tinha deixado seu corpo e continuou dormindo.
No p�tio, em um canto sombrio entre a capela e a torre, Richard se agachou junto a um corpo ca�do de barriga para baixo no lugar que as sombras eram mais
escuras. Mestre Kiplin, Simon Beggard, capit�o da guarni��o de Ledenshall, e um dos guardas esperavam inc�modos por sua rea��o. Simon mantinha em alto um lampi�o
e a conversa foi em sussurros. Era melhor n�o alertar a ningu�m ainda.
-Quem o encontrou?
-Eu, milord - respondeu o guarda-. � meu turno. Por esta parte h� ratos, assim desci para ver... e quando me deparei com isto, despertei ao capit�o Beggard.
Richard tocou o corpo, que j� estava frio. N�o havia d�vida: estava morto. O lampi�o, cuja chama oscilava com o vento forte, era suficiente para revelar
a mancha escura que empapava suas roupas entre as omoplatas. Um dos convidados, veludo e damasco, coberto de sangue e de barro. Eram roupas de festa.
-Aproxime a luz. Mestre Kiplin me ajude a vira-lo.
Moveram o corpo para que a luz atingir seu rosto e Richard respirou fundo ao ver a confirma��o de seus piores temores. Tinha reconhecido o cabelo escuro,
a constitui��o magra, o damasco das roupas.
-Isto � mau, milord - disse Simon Beggard.
-N�o poderia ser pior.
Richard se levantou com uma express�o indecifr�vel.
-O que faremos milord?
-O que? -Richard seguia com o olhar cravado no corpo. Faria o que fosse necess�rio fazer e se preocuparia depois com as consequ�ncias-. Levem-no � capela.
� o mais perto e adequado no momento, imagino. A presen�a de Deus frente a uma morte violenta e in�til.
Suas instru��es n�o podiam ocultar � ira que o invadia perante semelhante derramamento de sangue, in�til e possivelmente desastroso.
Transportaram o corpo e o depositaram no banco de madeira na parede do fundo. Richard tirou a capa e o cobriu com ela. A lumin�ria iluminou um rosto vazio,
os olhos totalmente abertos possivelmente pela surpresa, os l�bios relaxados, a pele cinzenta e com um tom cer�leo. Uma repentina corrente fez ondular a capa e o
cabelo.
-Roubo milord? -perguntou Simon Beggard em voz baixa, mas sua voz reverberou no teto.
-� poss�vel. N�o t�m joias - Richard as recordava. N�o restava nem sinal dos caros an�is que usava. Pode ser que tamb�m uma corrente. E tinham levado a
espada-. Que Deus nos ajude, porque nos espera uma dura noite de trabalho.
E come�ou a dar ordens.
-Mestre Kiplin, v� procurar sir John. Tente n�o despertar todo o castelo. Quanto menos gente houver aqui, melhor. Amanh� j� teremos mais do que suficiente.
Simon v� procurar sir Robert. Pergunte ao guarda viu algu�m depois da meia noite, ou algo fora do normal, mesmo que lhe pare�a uma tolice.
Sa�ram rapidamente deixando ao guarda junto ao cad�ver.
-Mantenham fechada a porta at� que eu volte - Richard disse, e por um instante se deteve nos degraus nos quais tinha pronunciado suas promessas naquele
mesmo dia-. Tenho que dizer a minha esposa.
Elizabeth despertou por completo, ainda feliz, quando Richard entrou no quarto com um lampi�o e se aproximou da cama.
-O que acontece?
Ele sentou-se na borda da cama, deixou a lanterna e pegou suas m�os.
-Trago m�s not�cias, Elizabeth.
Ela se apoiou em um cotovelo.
-Era verdade que algu�m caiu no fosso?
Mas a alegria desapareceu de sua voz ao ver sua express�o.
-Necessito que se levante.
-Me diga o que ocorreu.
N�o tinha sentido dar rodeios.
-Seu irm�o. Lewis. Est� morto.
Houve um instante de intenso sil�ncio. Elizabeth sentiu que as palavras se congelavam e ficavam s�lidas dentro de seu peito, a impedindo de respirar. N�o
podia falar. N�o podia pensar. Suas m�os se agarraram �s dele e o sangue abandonou seu rosto � luz da lumin�ria. Sentia os olhos ardendo, mas secos, embora cheios
de ang�stia, e de repente o afastou para levantar-se da cama.
-Leve-me ao seu lado?
-Sim.
Ajudou-a vestir-se, a p�r os sapatos, a se abrigar com sua capa nova e a cobrir a cabe�a com o capuz para lhe oferecer intimidade. Gostaria de poder proteg�-la
da dor t�o facilmente. Em seguida lhe deu a m�o e a conduziu para junto de seu irm�o.
Elizabeth se ajoelhou junto ao corpo de Lewis e afastou a capa. Algu�m tinha lhe fechado os olhos e colocado �s m�os sobre o peito para que parecesse em
paz, e Elizabeth lhe tocou o rosto, os l�bios. Depois as m�os.
-Lewis... ai, Lewis - sua voz se quebrou ao o nomear, e passou as m�os por seu peito, pelos ombros, como se procurando a ferida fatal-. Como morreu?
-Uma ferida de arma branca - respondeu Richard-. Nas costas.
Estava junto a ela como uma sombra protetora, com a m�o em um ombro, e ela agradecia sua presen�a.
-N�o posso acreditar que n�o volte a despertar. Que nunca volte a me falar. Foi ele quem me acompanhou at� aqui desde Llanwardine - ela passou a m�o pelo
cabelo, ro�ando suas t�mporas-. Eu o amava. Era uma das poucas pessoas que me amavam. E agora est� morto.
Richard a fez levantar-se e a abra�ou, e ela se agarrou a ele. Atrav�s de sua dor percebeu a for�a de seus bra�os consolando-a como o fizeram suas palavras,
embora seu cora��o estivesse partido em dois.
-O culpado pagar� Elizabeth, seja quem for.
-N�o resta d�vida.
Uma voz �spera trovejou da porta, e Elizabeth sentiu que a afastava e a colocava atr�s de suas costas, quase como se quisesse proteg�-la do que pudesse
ser dito.
Sir John de Lacy estava completamente s�brio, assim como o capit�o de sua guarda em Talgarth, sir Gilbert de Burcher, um soldado corpulento que estava junto
a ele. Elizabeth sentiu a tens�o de seu tio enquanto olhava para Lewis, ela e Robert, que tinha seguido a sir John, e por �ltimo a Richard, que aguardava de p� no
centro da capela, diretamente na linha de vis�o de sir John, junto ao corpo morto de seu herdeiro.
-Quem tem o sangue de meu sobrinho em suas m�os?
-N�o temos provas. Apenas a faca - Richard lhe mostrou a adaga cuja l�mina estava empapada de sangue at� o punho-. A deixaram junto ao corpo. Mas quanto
a seu dono... � uma faca simples e comum que poderia pertencer a qualquer.
-Um gesto arrogante deix�-la assim, junto ao corpo.
Uma voz nova, suave e perigosa, carregada de implica��es. Elizabeth reconheceu a presen�a de Nicholas Capel, que tinha sa�do das sombras. Sentiu seu olhar
percorr�-la de alto abaixo e estremeceu involuntariamente.
Sir John se aproximou de seu sobrinho.
-Exijo vingan�a - resmungou, os l�bios brancos como um pergaminho.
-Contra quem? -perguntou Richard-. N�o se viu a ningu�m no p�tio depois das celebra��es. Meu capit�o segue interrogando aos guardas, mas n�o temos provas
contra ningu�m.
-A quem sugere voc�, Malinder? Custa-me acreditar que um De Lacy fosse capaz de cometer semelhante crime contra a pessoa de meu herdeiro.
Elizabeth conteve o f�lego ante semelhante acusa��o. O que era aquilo? Seu tio estava disposto a acusar a um Malinder por aquele crime?
-De modo que pensa que foi um Malinder.
Os olhos de Richard jogavam fogo ao repetir em palavras seus pensamentos.
-Sir John est� muito afetado. N�o pretendeu implicar tal coisa - interveio Capel.
-Basta! -espetou-. Todo mundo chegar� � conclus�o mais �bvia. Viemos como convidados a sua casa, em busca de uma alian�a duradoura com nosso mais recalcitrante
inimigo na Welsh Marches. Viemos de boa f� e cheguei a lhe confiar a minha sobrinha, e agora meu herdeiro est� morto. Inclusive voc�, Malinder, deve aceitar que
as provas parecem enormemente pesadas.
Ao seu lado, a imobilidade de Richard parecia uma amea�a em si mesmo. Embaixo daquele exterior controlado Elizabeth podia sentir seu temperamento arder,
e at� com a dor pela perda de seu irm�o rogou para que aquela conten��o continuasse. Quando viu que a m�o de Richard se fechava ostensivamente sobre o punho de sua
espada, aproximou-se e o agarrou pela manga. Qualquer coisa para impedir um confronto que transformasse a celebra��o de seu casamento em um massacre. Brevemente
a olhou e soube captar a mensagem.
-N�o h� provas que possam assinalar a um culpado, de modo que lhe sugiro que contenha as acusa��es, sir John. Sem provas n�o seria acertado alimentar a
inimizade contra minha pessoa e os meus.
-Medirei minhas palavras enquanto esteja sob seu teto, embora desprotegido - espetou-. No que ficou a alian�a selada com seu casamento e a esperan�a de
amizade? -dirigiu-se a Elizabeth, que seguia com a m�o posta em seu bra�o-. Est� unida a este homem ante a lei e Deus, mas tome cuidado com quem confia nesta casa,
Elizabeth. Meu conselho � que n�o confie em ningu�m.
-Eu o terei em conta, milord.
Foi tudo o que p�de dizer. O horror era muito espesso. Richard acusado de assassinar seu irm�o a sangue frio.
N�o podia sequer contempl�-lo, assim optou por adiantar-se e cobrir o corpo de Lewis com a capa at� debaixo do queixo e beij�-lo na testa. A seguir, antes
que a emo��o pudesse transbordar, saiu da capela sem dizer uma palavra a mais e sem voltar olhar para tr�s.
Mais tarde, a s�s na capela, Robert olhou para seu primo com o cenho franzido.
-N�o posso acreditar no que aconteceu. Quase d� medo casar-se.
-E eu quase me sinto tentado de te dar a raz�o.
Richard se levantou e contemplou o cad�ver do jovem que tinha estado disposto a lhe oferecer sua amizade. O homem que umas horas antes parecia inquieto,
mas que n�o tinha podido compartilhar com ele suas preocupa��es. "Era uma das poucas pessoas que me queria", havia dito Elizabeth, o que o tinha feito desejar poder
afast�-la dali, daquela trag�dia, e consol�-la com car�cias. Mas tudo o que tinha podido fazer era permanecer de p� ao seu lado e presenciar como encarava a dor.
E ao recordar de sua ang�stia sentiu uma onda de compaix�o, seguida imediatamente por um frio estremecimento de temor.
-No que pensa?
-Que antes que acabe este dia, meu nome ficar� unido ao de um crime brutal e imerecido. Meu lar, meu casamento, minhas motiva��es... tudo arrastado pela
lama por culpa deste assassinato - ele se voltou para seu primo e a ira que tinha brilhado em seus olhos ao enfrentar sir John se tornou gelo-. Sir John n�o partir�
de Ledenshall sem fazer p�blica minha rela��o com o crime, e eu n�o estarei em posi��o de refutar suas acusa��es apesar de ser inocente, j� que suas palavras conter�o
argumentos apoiados na velha quest�o entre os Malinder e os de Lacy e atrair� a aten��o p�blica, al�m de desatar especula��es de todo tipo.
Fez uma pausa e recordou o acontecido na �ltima hora. Seu pensamento se deteve em um em particular.
-Acha que o acusar� abertamente? Mas que motivo voc� teria para fazer algo assim?
-Pense um pouco, Rob. Pense em minha posi��o dentro da din�mica da fam�lia De Lacy gra�as a meu casamento - Richard moveu a cabe�a e saiu da capela sem
ter a resposta que queria oferecer a sua esposa. Uma resposta que pudesse salvar um vislumbre de esperan�a, a possibilidade de entender-se com Elizabeth, de manter
vivas as cinzas de seu casamento .
Tinha ati�ado o fogo e se sentou junto a ele, esperando, do mesmo modo que o tinha esperado naquela mesma noite antes que a morte fazer sua presen�a para
destro�ar e dividir. Para lhe partir o cora��o em peda�os pela dor. "Morto. Assassinado. Meu irm�o est� morto". Sua cabe�a parecia incapaz de assimilar o que seus
olhos tinham visto. Continuava com a capa sobre os ombros. N�o tinha acendido as velas, de modo que a sala seguia �s escuras, mas n�o havia paz nem consolo no ar,
e nem sequer o calor do fogo conseguia devolver a temperatura a seu sangue.
-E ent�o?
Ela virou-se ao ouvi-lo entrar. Toda a esperan�a que tinha depositado em seu futuro juntos, o prazer surpreendente que tinha desfrutado nos bra�os de seu
marido, tinham ficado destro�ados e substitu�dos pela desola��o e a dor que sua mente ainda se negava a assimilar. A acusa��o de sir John tinha ficado cravada, embora
ainda n�o havia entendido tudo.
-Eu deixei Lewis aos cuidados do reverendo. Ele organizou o necess�rio para que amanh� seja levado para Talgarth, mas a decis�o � de sir John.
Richard tirou o cintur�o com a espada e o deixou de lado antes de verter �gua na bacia para lavar as m�os.
-Sabe de algo mais?
Parecia profundamente cansado.
-Nada. Ningu�m ouviu nem viu nada-. Ele se aproximou dela enquanto secava as m�os em uma toalha de linho, observando-a, atento a qual fosse sua rea��o depois
do ocorrido-. Ningu�m se recorda de quando Lewis saiu do sal�o. Sabemos que suas joias e sua espada desapareceram, e encarreguei a Simon Beggard que reviste as acomoda��es
dos servos, mas duvido que encontremos algo. Quem quer que as tenha levado imaginaria que se levaria a cabo uma revista. A �nica coisa que falta � revistar as acomoda��es
dos convidados...
Conteve um gemido de protesto, porque sabia que algo assim n�o se podia fazer.
Tinha levado consigo uma garrafa de vinho do Bordeaux, serviu-se de uma ta�a e a bebeu em um gole. E como se de repente tivesse perdido o controle, jogou
a ta�a contra a parede, constatando depois com desgosto como o vinho tinha manchado as tape�arias e como a ta�a de metal, amassada pelo golpe, rodava pelo piso.
Elizabeth nem sequer se encolheu. N�o sentia nada.
-Me desculpe. Foi imperdo�vel - ele disse, fazendo um esfor�o por conter sua raiva e sentando-se ao seu lado-. J� escutei as palavras de sir John - disse-.
O culpado tem que ser um Malinder porque � impens�vel que seja um de Lacy. E voc� o que pensa, Elizabeth? -parecia lhe importar sua opini�o-. Prometemos nos respeitar
mutuamente e confiar um no outro faz apenas umas poucas horas, mas esta morte... esta morte colocou um enorme obst�culo em nosso caminho e n�o nos conhecemos o suficiente
para poder contorna-lo.
-Prometemos n�o permitir que algo se interponha entre n�s -recordou, e sua voz lhe pareceu que provinha de outro mundo.
-� verdade. E agora Lewis, com sua morte, fez precisamente isso. E as acusa��es de sir John nos separaram ainda mais.
Elizabeth pressentiu uma incontrol�vel amargura debaixo da raiva. Tinha que tomar uma decis�o, uma decis�o imposs�vel.
-Voc� n�o o fez.
-N�o. Tenho um �libi excelente, n�o acha? Estava em seu leito. Mas um de meus homens poderia ter usado a adaga seguindo minhas ordens. Ainda n�o me conhece
o suficiente. Como lhe culpar se decide me responsabilizar?
A dureza de sua voz, quase buli�osa, conseguiu abrir caminho na dor que a deixava aturdida, obrigando-a recordar de sua ternura, de sua considera��o. Aquele
homem n�o era seu inimigo. Elizabeth analisou o que lhe diziam a cabe�a e o cora��o. N�o, n�o o conhecia, mas desejava com todas suas for�as confiar nele. Entretanto,
n�o podia esquecer completamente das palavras de seu tio: "Est� unida a este homem ante a lei e Deus, mas tome cuidado com quem confia nesta casa Elizabeth. Meu
conselho � que n�o confie em ningu�m."
-N�o teriam apunhalado Lewis pelas costas.
-N�o. Nunca - concedeu, levantando-se para andar pelo quarto-. Mas se tivesse pagado pelos servi�os de um assassino, n�o teriam se preocupado com esses
detalhes.
Compreendeu que o que estava fazendo era pintar o pior cen�rio poss�vel diante dela antes que sir John o fizesse. Parou de repente e sem virar-se, apenas
inclinando a cabe�a, acrescentou:
-Voc� me acha capaz de ordenar o assassinato do irm�o de minha esposa em nossa noite de n�pcias, ao mesmo tempo em que a tinha nos bra�os, ao mesmo tempo
em que a beijava?
-Richard... - as l�grimas que se esfor�ava em conter conferiam aspereza a sua voz, mas engoliu seco e continuou. Sabia que tinha que faz�-lo, sabia que
tinha que perguntar, e o instinto lhe dizia que ele n�o mentiria-. Prometemos ser sinceros um com o outro, que escutar�amos ao nosso instinto, e que n�o permitir�amos
que os outros nos manipulassem. Eu o conhe�o o suficiente para saber que � um homem fiel � sua palavra, e que me dir� a verdade.
-Sem duvidar - perceber a agonia de sua voz o fez deter-se e ajoelhar-se perante ela para olh�-la nos olhos. A seguir lhe ofereceu as m�os como quem sela
um juramento de lealdade ante um rei. S�rio e reverente, inclinou a cabe�a ante ela-. Juro ante Deus que jamais seria capaz de causar a morte de um membro de sua
fam�lia a sangue frio. Eu n�o matei Lewis, nem ordenei ou autorizei que algu�m o fizesse. N�o sou respons�vel por sua morte. � minha esposa, e a protegerei e honrarei
at� o dia de minha morte.
Elizabeth contemplou sua cabe�a inclinada, as ondas despenteadas de seu cabelo, que desejou poder acariciar como agradecimento e aceita��o de seu juramento.
"Eu n�o matei Lewis". Mas ainda n�o podia faz�-lo, ainda que desejasse acreditar. Ent�o Richard elevou o olhar e permaneceu ante ela, apanhado na tens�o que havia
entre ambos. O que ela viu em seus olhos, fosse incerteza ou f�ria, a empurrou a apertar suas m�os.
-Sim. � o que queria que dissesse.
N�o tinha se dado conta antes de quanto estava assustada, ou de em que medida precisava aceitar o juramento de Richard Malinder e confiar nele, mas diante
deles se estendia o sangue e a viol�ncia que fazia anos ficava entre as duas fam�lias e que naquele momento se materializava no corpo sem vida de Lewis. As l�grimas
come�aram a rodar por suas bochechas ao perceber o qu�o profundo era o abismo que os separava.
-Pode confiar em mim e aceitar minha palavra?
-� o que desejo. Tentarei faz�-lo.
-Sei que � dif�cil para voc�. Seu irm�o morreu sob meu teto e sua rela��o comigo �... bem, � como uma fortaleza sem alicerces. Como posso esperar que ponha
seu cora��o e sua alma em minhas m�os depois de t�o pouco tempo?
Suas palavras, brutalmente francas, deram no alvo. Assim como a desoladora realidade da morte do Lewis. J� n�o podia controlar os solu�os que a sacudiam
e tampou o rosto com as m�os para permitir que a dor, que tanto tempo tinha contido, sa�sse para fora.
-Ah, Elizabeth...
Ele a puxou para que se sentasse no ch�o junto a ele, diante do fogo, e a abra�ou com for�a para que chorasse sobre seu ombro. E ela chorou por Lewis e
por ela mesma. Pelo abismo aberto aquele dia entre duas poderosas fam�lias, entre ela e Richard, enquanto seu marido a embalava nos bra�os, murmurando palavras de
consolo, lhe oferecendo o calor e a seguran�a de seu corpo.
N�o podia pedir nada mais, embora a acusa��o de sir John se erguesse entre eles.
Quando por fim os solu�os foram acalmando-se, Richard a tomou em bra�os e a levou para a cama, e ali continuou abra�ando-a at� que o esgotamento a fizesse
adormecer. Ele permaneceu acordado at� que o c�u come�ou a clarear, ruminando os acontecimentos, temendo que a paz na Welsh Marches tivesse ficado quebrada se sir
John decidisse vingar-se dele. Outra sanguinolenta ferida na luta pelo poder das casas dos York e Lancaster, com Elizabeth no olho do furac�o, presa entre sua fam�lia
de nascimento e a rec�m-adquirida por casamento . Sofria por ela, e enquanto pousava delicadamente os l�bios em sua t�mpora, fez outra promessa que pretendia guardar
at� o dia de sua morte.
-Juro perante Deus que descobrirei o assassino, Elizabeth. E o porei diante de voc� para que fa�a justi�a. Ent�o eu vou ganhar sua confian�a.
E que Deus lhe concedesse a for�a e a sabedoria necess�rias para saber se esquivar as flechas que sir John do Lacy dispararia antes de tirar o p� de Ledenshall
dos sapatos quando o dia amanhecesse. A ira e a dor por ela fizeram uma fenda nele, amarga como o sedimento do l�pulo na cerveja.















Sete

Elizabeth percebia o que tinha a seu redor como se o visse atrav�s do tecido de um v�u.
Como se quisesse zombar do acontecido, o c�u amanheceu aberto, de um azul p�lido e imaculado, limpo e di�fano depois do orvalho. O sol brilhava com a claridade
do inverno e aquela formosura contrastava horrivelmente com suas emo��es de dor e f�ria impotente, que destro�avam a cena que tinha lugar no p�tio de Ledenshall.
A maioria dos De Lacy e Malinder haviam partido na alvorada, guardando seus trajes de bodas, inc�modos e conscientes do temor criado pela viol�ncia. Apenas
restavam no p�tio sir John e lady Ellen, j� montados, sem ter pronunciado nenhuma das habituais express�es de despedida. Nicholas Capel aguardava com sir Gilbert
de Burcher e sua escolta a certa dist�ncia, � direita da carro�a que levaria o corpo de Lewis para seu lar. E de p�, perto do grupo, mas um pouco afastado, estava
David, com suas roupas de viagem e segurando as r�deas de seu cavalo. Nas poucas horas transcorridas desde o banquete seu rosto se tornou p�lido e esgotado.
-Monte, rapaz. N�o podemos esperar mais por voc�.
O tom desanimado de sir John chamou a aten��o de Elizabeth, que r�gida, de novo com touca e v�u, a capa caindo em linhas retas at� os p�s, comportava-se
com dignidade, apoiando-se na presen�a de seu marido a sua direita. N�o havia modo de saber o que Richard sentia naquele momento, embora vendo como estavam marcados
os tend�es de seu pesco�o e mand�bula, deduzisse que se mantinha sob controle para concluir aquele triste assunto de modo t�o r�pido e indolor quanto fosse poss�vel,
e mantendo as formas corretas. Mas as palavras de seu tio abriram a porta para algo totalmente inesperado.
-David? - ela olhou de repente para seu irm�o. N�o tinha percebido seu traje nem seu cavalo-. David vai partir agora?
Quase n�o podia controlar o p�nico. Perder David ao mesmo tempo em que Lewis era quase insuport�vel.
-Ele vem comigo - respondeu seu tio, olhando para ele e n�o para ela, o desafiando a recha�ar o pedido de sua irm�. Estava claro que j� tinham falado do
assunto.
-N�o! - ela disse negando com a cabe�a e em voz baixa, apesar de sentir vontade de gritar de dor- Permita que fique.
-Ele vem comigo.
David ignorou a ordem, entregou as r�deas para um criado e se aproximou de sua irm� para abra��-la, torpe pela dor, mas consciente de que era necess�rio.
-Elizabeth - ele disse em voz baixa-. Eu ficaria... e mais, preferia ficar em vez de voltar para Talgarth, mas n�o me resta op��o. Ele utiliza minha pouca
idade para me controlar, e minha posi��o agora que Lewis... - ele engoliu seco-... agora que sou o herdeiro de Lacy.
-Mas por qu�? -o desespero lhe deu um n� na garganta ao saber que ia ficar ali sozinha com sua dor, em uma fam�lia que ainda era de desconhecidos para ela.
Sem soltar os bra�os de seu irm�o, voltou-se para seu tio-. Por que n�o pode ficar?
Aquelas fei��es escuras, o rosto austero e enrugado, n�o continha nem um pingo de compaix�o.
-David � meu herdeiro, e n�o vou permitir que fique aqui.
-Rogo-lhe isso, tio - n�o queria suplicar-. Apenas por uns dias.
-Tenho que lhe dizer isso de outro modo, sobrinha? -replicou, aproximando-se mais de seus anfitri�es e elevando a voz-. Ser� que sua dama de companhia n�o
soube usar sua magia para ver o cora��o daqueles que as rodeiam? Daqueles que desejam a perdi��o de nossa fam�lia? Jamais deveria ter proposto esta uni�o. O que
aconteceu aqui ontem � noite me confirmou as suspeitas que sempre mantive a respeito dos Malinder Negros.
-Que necessidade eu tenho de usar magia? -Elizabeth o olhou desafiante, tanto para proteger Jane Bringsty quanto aos Malinder-. Est� cometendo uma injusti�a
com lorde Malinder, que recebeu aqui como...
-N�o tenho herdeiro direto - ele a interrompeu, o que fez com que lady Ellen contivesse o f�lego diante de semelhante humilha��o p�blica-. Lewis foi assassinado,
e depois de David, quem herdaria todas as terras que os de Lacy t�m na Welsh Marches? Suponho que n�o necessita que lhe diga isso, n�o? Voc� � �bvio. E quem seria
o principal benefici�rio dessa heran�a?
"Richard!" aquilo foi como um golpe direto no cora��o.
-De modo que me diga: tenho que ser mais claro? N�o penso em permitir que David permane�a um segundo mais neste lugar desprotegido - ele cuspiu.
-Sir John tem raz�o.
Capel tinha aproveitado o momento para aproximar-se com seu cavalo, e embora seu tom fosse tranquilo e conciliador, havia em seus olhos um brilho inquietante-.
� melhor, dadas �s circunst�ncias, que o jovem David venha conosco.
Elizabeth olhou para seu irm�o e depois para seu marido. David, inc�modo com aquele intercambio no qual ele era involuntariamente o centro da aten��o; Richard,
imp�vido e calado, mas sem deixar de olhar para o homem que estava destruindo deliberadamente seu bom nome e sua reputa��o de homem de honra. Seria poss�vel que
seu marido, a sangue frio e em sua noite de n�pcias, tivesse orquestrado a morte de Lewis para refor�ar sua posi��o gente a heran�a de Lacy? Tudo em que Elizabeth
podia pensar era no juramento que ele lhe tinha feito na noite anterior, em sua sinceridade, na integridade que tinha percebido em seu olhar ao se ajoelhar diante
dela. Daria o que fosse para n�o acreditar em sua culpa, mas o peso da incerteza era quase insuport�vel e t�o evidente quanto o corpo de Lewis. Seu sangue mancharia
aquela rela��o rec�m-forjada at� que a verdade fosse exposta. Sentiu que ele ficava r�gido ao seu lado e que a ira emanava dele como ondas, mas seu dom�nio era impec�vel.
Era esperado algo assim? Talvez.
-David n�o corre perigo algum aqui, e nunca correr� - ele disse com uma voz de gelo-, do mesmo modo que Lewis n�o morreu por minhas m�os ou por meu desejo.
N�o pretendo me apropriar das terras dos De Lacy.
Sir John elevou uma m�o como se n�o quisesse escutar suas palavras e sem dizer nada mais puxou as r�deas de seu cavalo e se afastou, fazendo um gesto ao
condutor do carro f�nebre para que come�asse a se mover. A partida com todo seu veneno e toda sua mal�cia estava em marcha. Lady Ellen se voltou para ela um instante,
com os olhos carregados de remorso.
-David! -grunhiu sir John.
Mas o jovem n�o se deixou pressionar.
-N�o � decis�o minha - ele ainda disse a sua irm� depois de beij�-la na bochecha-. N�o posso dar cr�dito �s acusa��es de sir John, e voc� tampouco deveria
faz�-lo. Voc� se magoaria muito, e n�o deve permiti-lo.
-Suas palavras tocam meu cora��o.
Era apenas um jovem, e sua maturidade a surpreendeu. Possivelmente a morte de Lewis o tinha feito crescer. Beijou a m�o de sua irm� e depois se voltou para
Richard enquanto lhe estendiam as r�deas-. Desfrutei de sua companhia, Richard.
Apertaram as m�os como despedida e Richard se obrigou a sorrir.
-Sempre ser� bem-vindo aqui, tanto por voc� mesmo quanto pelo bem de sua irm�.
-Eu sei. Virei se e quando me for � poss�vel, mas pode ser complicado... cuide bem dela.
-� minha inten��o faz�-lo.
Ele subiu na sela.
-Sei que n�o foi voc� quem matou meu irm�o.
Elizabeth se agarrou � m�o de seu irm�o uma vez mais, at� que o movimento do cavalo a obrigou a solt�-la.
Ela subiu em uma das ameias apenas para ver como se afastava a triste prociss�o. Toda sua fam�lia partia o emblema dos De Lacy, prata sobre campo vermelho,
via-se entre as �rvores. Tanto sangue, tantas diferen�as irreconcili�veis. Viu David virar-se mais uma vez antes que as �rvores da borda da aldeia os engolisse.
Como ia poder formar uma opini�o sem um mapa que a guiasse naquela nova rela��o, sem contar com o apoio da tradi��o em uma nova fam�lia? S� podia contar com uma
coisa: que seu cora��o e seu instinto se opunham violentamente cada vez que sua cabe�a tentava dar raz�o � maldade e ao rancor de seu tio. Pronunciou as palavras
em sil�ncio, elevando ao mesmo tempo uma ora��o na qual pedia poder acreditar sem fissuras que Richard Malinder n�o era o respons�vel pela morte de Lewis. Seu irm�o
tamb�m acreditava nisso.
Deu a volta e come�ou a descer as escadas que a conduziam para sua nova vida, lutando contra o desespero e a desconfian�a, perguntando-se o que ia dizer
a Richard Malinder quando chegasse ao p�tio onde sem d�vida ele ainda a aguardava.
A Elizabeth incomodou bastante que Richard mal se desse conta de que voltava, j� que estava concentrado na conversa que mantinha com Robert Malinder.
-O que voc� faria agora sir John se foi, Rob?
-Encarregaria algu�m para que envenenasse sua cerveja, ou que atravessasse com meu a�o em uma noite escura - Robert corou ao perceber, embora fosse muito
tarde, a semelhan�a entre o que acabava de dizer e os mais recentes acontecimentos-. Perdoe-me milady. Foi um coment�rio irrefletido e cruel.
Ela negou com a cabe�a. Foi tudo o que p�de fazer.
-A sensibilidade nunca foi o ponto forte de Rob - respondeu seu marido, e a surpreendeu ao pegar a m�o para p�-la em seu bra�o e acariciar seus dedos frios.
Um gesto intuitivo de propriedade, de unidade, que a consolou um pouco-. Al�m de pensar em como levar a cabo sua vingan�a - ele continuou, e apertou com mais firmeza
sua m�o quando ela fez um gesto de retir�-la-, a que acha que se dedicar� na Welsh Marches?
-Bom! -Robert passou a m�o pelo rosto quando chegaram a um peda�o ensolarado do p�tio. Richard aproveitou para fazer a sua esposa adiantar-se e subir as
escadas que conduziam ao parapeito. Tudo isso sem lhe soltar a m�o-. Se estivesse em seu lugar, faria tudo o que estivesse ao meu alcance para lhe criar problemas.
Pode ser que atacasse algum de seus castelos.
-Exato. Portanto tenho que p�r em marcha imediatamente uma demonstra��o de for�a - Richard olhou para sua esposa, pesaroso-. Ningu�m esperaria de mim que
andasse daqui para l� na Welsh Marches no dia seguinte de meu casamento, mas o melhor a fazer � uma demonstra��o com punho de ferro antes que sir John possa voltar
para Talgarth e organizar-se.
Robert assentiu.
-Quer companhia?
-Se estiver disposto a vir -Elizabeth sentiu que Richard lhe apertava a m�o quando a promessa de a��o entrou em sua corrente sangu�nea-. Duas horas. Deixarei
Simon Beggard e uma guarni��o completa aqui. Vai estar preparado, Rob?
-� �bvio - ele respondeu, e se apressou a come�ar com os preparativos.
Richard fez o mesmo. Soltou a m�o de Elizabeth com apenas o esbo�o de um sorriso e a abandonou na escada para dirigir-se em busca dos soldados. Se acreditou
que sua posi��o como esposa de um Malinder podia supor um direito exclusivo � aten��o e ao tempo de seu marido, enganara-se por completo. Ela bem que poderia ser
uma pedra do parapeito na conversa que tinham mantido, exceto pela for�a e o calor da m�o dele, � claro.
Duas horas mais tarde, Richard a viu de p� nas escadas que conduziam ao grande sal�o, envolta em sua capa e com o vento puxando seu v�u, e n�o p�de evitar
se sentir um tanto culpado, embora tamb�m tivesse que admitir que sua partida supusesse certo al�vio. A dolorosa morte de Lewis ia demorar a cicatrizar, e quando
tivesse transcorrido um tempo prudencial poderia descobrir quais eram seus pensamentos. Entretanto, deix�-la em um momento como aquele lhe parecia uma decis�o sem
qualquer sensibilidade, abandonando-a com o �nico consolo de seu recha�o �s acusa��es de sir John. Mas n�o podia fazer outra coisa. Permitir que os de Lacy minassem
sua autoridade na fronteira e que atacassem sua propriedade era impens�vel. Com a menor provoca��o, toda a Welsh Marches poderia elevar-se em armas, e com a propens�o
dos galeses a meter-se em conflitos...
Por�m a culpa seguia lhe roendo as v�sceras e o desejo de ficar era intenso. Ali estava ela, alta e erguida, o orgulho e a dignidade de seu sangue abrigando-a
como as dobras da magn�fica capa. N�o restava a menor d�vida de que faria respeitar sua autoridade em sua aus�ncia. Apesar de tudo que ocorreu nas �ltimas vinte
e quatro horas, ou possivelmente por isso, confiava em sua lealdade. Mas abandon�-la naquele momento n�o era uma boa estrat�gia. P�lida e abatida pela falta de sonho,
havia rastros de sofrimento sob seus olhos e na linha de sua boca. Seus pensamentos n�o faziam mais que suceder uns aos outros em c�rculos, e teve que reprimir um
gemido.
-Elizabeth - ele se aproximou dela olhando-a nos olhos-. Isto n�o fazia parte de meus planos.
-Eu suponho que n�o.
-Vai ser uma r�pida sa�da pela Welsh Marches. Voltarei assim que as circunst�ncias me permitam.
-Sim.
-Voc�s ser� a autoridade m�xima aqui em minha aus�ncia. N�o abra as portas para ningu�m exceto para mim. Eu diria que nem sequer ao seu tio enquanto eu
n�o estiver de volta, mas acredito que n�o lhe ocorrer� vir depois do que ocorreu ontem � noite - ele tomou suas m�os-. A menos que seja para lev�-la de volta a
Talgarth longe de minha influ�ncia, se acreditar que sou o autor da morte de Lewis.
Aquelas palavras levavam uma pergunta impl�cita, que ela se apressou a responder.
-Sir John n�o vir�, e eu n�o iria com ele. � o que desejava ouvir?
-Sim. Precisava sab�-lo.
E Richard se deu conta do que era o que lhe tinha deixado t�o preocupado enquanto preparava a sa�da.
-Sou sua esposa, e meu dever est� aqui.
N�o havia alegria em sua declara��o, mas n�o restava mais rem�dio que aceit�-lo. Com o tempo talvez mudasse seus sentimentos.
Um raio de sol abriu caminho entre as nuvens e foi iluminar o broche que fechava a capa dela. Gostou que tivesse decidido usa-lo. Os animais brilhavam com
fogo e luz, e n�o p�de resistir a toc�-lo.
-Brilha com tanta intensidade quanto seu esp�rito, milady. Sou um homem muito afortunado de ter uma esposa com tanta for�a e determina��o.
Richard se inclinou para beijar sua m�o, deixando-a com seu sabor, com seu contato. Viu o sangue subir a suas bochechas e escurecer seus olhos.
-At� logo. Tenha coragem, Pentesilea!
Pegou as r�deas e montou, fazendo um gesto para que Robert e os soldados o precedessem para sair. Mas ela abandonou sua posi��o e desceu correndo as escadas.
-Richard! -ela o chamou e ele se deteve. Quando chegou a seu lado, p�s sua m�o sobre a dele, que segurava as r�deas-. Que Deus o proteja.
-Reze para que assim seja, milady.
Mais tarde, naquela mesma noite, antes de retirar-se para uma cama vazia, Elizabeth se sentou sozinha em seu quarto. Tinha pedido a Jane que sa�sse, mas
que deixasse a gata, uma decis�o que havia lhe rendido um olhar severo de sua dama de companhia. Estava sentada no sil�ncio, rodeada de sombras. Um irm�o assassinado
e o outro em uma dist�ncia imposta. Seu tio estava decidido a fazer acusa��es p�blicas de cobi�a e morte, jurando vingar-se pelo sangue derramado. Conhecia os perigos,
a presen�a da morte em qualquer momento de descuido, uma flecha perdida. Um ataque deliberado.
Do�a-lhe o cora��o, e varias vezes passou a palma da m�o pelo esterno, como se aquela press�o r�tmica pudesse acalmar sua dor. Como ia poder passar o tempo
lendo, bordando ou jogando xadrez quando suas lealdades e emo��es estavam sendo despeda�adas? Sabia o que devia fazer, mas devia faz�-lo em sil�ncio, secretamente.
-Por que n�o confeccionar um amuleto? - ela perguntou � gata sonolenta. - N�o faria mal a ningu�m, e se pudesse proteger ao Richard...
A gata saltou da cama com as orelhas alertas e a cauda movendo-se de um lado para o outro com nervosismo, como se compreendesse o dilema de sua ama. Elizabeth
tomou como aprova��o, acendeu uma vela e se sentou diante dela. Sobre a mesa estava a cole��o de ervas e folhas do jardim em toda sua agonia invernal.
-Verbasco para a coragem... embora n�o o necessite. Acredito que Richard � um homem valente. Confrei para a seguran�a nas viagens. Verbena e g�lio -murmurou,
pegando com dois dedos-, para a vit�ria e para escapar �s amea�as dos inimigos.
Fez com elas uma bola t�o prensada quanto p�de e foi para a cama em busca de algo que necessitava e que podia estar nos travesseiros ou na roupa da cama.
Sim, como esperava um cabelo negro facilmente reconhec�vel, j� que era muito comprido para ser dela. Acrescentou-o � bola e o atou com um fio vermelho de seda que
tinha encontrado em uma mesa de costura. E logo, ao mesmo tempo em que fazia mais tr�s n�s, murmurou-. Os ato para que o protejam.
-� tudo o que posso fazer - acrescentou depois-. N�o poder� usa-lo, mas posso convocar sua for�a protetora em seu nome. Se meu tio decidir atacar... n�o,
n�o pode ser. Quem matou Lewis? Por Deus, que n�o tenha sido Richard Malinder.
Mas a gata n�o respondeu. Apenas se limitou a olh�-la sem pestanejar. Elizabeth suspirou, completou o encantamento e acariciou a gata das orelhas at� a
cauda com suavidade antes de colocar a bolinha na cabeceira da cama oculta atr�s das cortinas, onde ningu�m pudesse v�-la ou que a confundissem com um repelente
de tra�as.
Quando a gata come�ou a ronronar, sentou-se a seu lado.
-Fiz o quanto pude. Rezei a Deus lhe pedindo que volte s�o e salvo, e tenho apenas um dia de casada. N�o sei ainda o que sinto por ele, mas n�o estou predisposta
contra ele.
O animal saltou da cama e se espregui�ou esticando-se.

















Oito

Elizabeth e Jane estavam no canto entre as novas acomoda��es e o muro exterior original do castelo. Mesmo com o frio que fazia naquela manh� de mar�o, era
�bvio que aquilo tinha sido um horto com seus sulcos paralelos, seus estreitos caminhos e pavimenta��es.
-Algu�m neste castelo deve ter algo mais que um interesse passageiro. Note nisto - a nova senhora do Ledenshall inspecionava uma trepadeira frut�fera que
crescia sobre a parede mais protegida daquele espa�o-. Acredito que � um pessegueiro. Mas agora tudo est� selvagem e abandonado.
Tudo estava asfixiado pelas ervas daninhas.
-Lady Gwladys certamente n�o - comentou Jane.
Gwladys! Elizabeth sentiu a acostumada pontada de ci�mes no cora��o. A incompar�vel Gwladys. Mas deu de ombros.
-Bem. Ent�o as plantas n�o despertavam seu interesse.
-Dizem que poucas coisas despertavam. Dizem que...
Mas se deteve.
-Que mais dizem dela?
-N�o muito. Que era muito bonita - Jane fez uma careta de desgosto-. O certo � que aqui n�o s�o dados aos falat�rios. Se quiser saber algo mais de lady
Gwladys, ter� que perguntar a lorde Malinder.
-Pode ser que eu o fa�a.
Elizabeth se disp�s a perambular pelos caminhos quase apagados, pulando atoleiros, consciente de que tinha um tremor de inquieta��o no ventre.
Lady Anne entrou com seu passo elegante no quadro para unir-se a elas, mas se deteve na beira dos terra�os, levantando as saias com uma deliciosa careta
de desagrado. A pele escura que usava em torno do pesco�o suavizava suas fei��es e iluminava seu cabelo. Era, sem d�vida, uma jovem muito bela.
-Ah, est�o aqui. N�o sabia a quem pertenciam as vozes. O que perderam aqui? -perguntou, contemplando os atoleiros e o barro-. O que est�o fazendo?
-Planejando iniciar uma horta.
Elizabeth deu a volta para sair. Anne tinha diminu�do o prazer que se dispunha a desfrutar.
-Deve esperar que Richard volte - ela disse.
-Sim, claro.
-Minha querida Elizabeth... - ela adotou um tom e um ar encantador-, n�o deve danificar suas m�os - disse, mostrando seus dedos longos e elegantes-. Richard
gosta que uma mulher tenha as m�os suaves e femininas. J� me disse isso.
-Nesse caso, deveria tomar cuidado, n�o �? Talvez fosse melhor que n�o sa�sse de casa.
-Certamente que contribuiria - Anne respondeu muito s�ria-. Mas j� vejo as m�os destro�adas de Llanwardine, se n�o me engano.
Elizabeth resistiu em ocultar as m�os nas dobras de suas saias, o que tinha sido seu primeiro instinto.
-� poss�vel que Richard volte esta mesma semana, e gostar� de ter um pouco de companhia feminina depois de passar dias e dias marchando pela Welsh Marches,
todo cheio de p�, piolhos e companhia masculina - Anne enrugou o nariz-. Voc� canta Elizabeth?
-N�o.
-Toca o ala�de talvez?
-N�o.
Sabia fazer ambas as coisas e muito bem, mas n�o estava disposta a competir com ela.
-Eu fa�o as duas coisas � claro. Minha m�e considerava que eram aptid�es essenciais para uma dama que desejasse fazer de seu lar um lugar c�modo e acolhedor
para seu marido. Ser� um prazer para eu cantar e tocar para Richard.
-N�o deseja voltar para casa quando Robert retorne? -perguntou Elizabeth e apertou o passo. Tinha come�ado a cair um bom aguaceiro.
-Sim - ela respondeu antes de desviar-se para um ref�gio-. Acreditava que ainda poderiam desfrutar de minha companhia. As rela��es com a fam�lia s�o muito
importantes, n�o �?
-Embora em certas ocasi�es tamb�m possam chegar a ser insuport�veis - as palavras tinham sido murmuradas por Jane, que n�o tinha podido conter mais sua
frustra��o-. Sinto-me mais tentada do que nunca em envenenar a ta�a dessa mulher antes que termine o dia de hoje. Vomitar e ter c�ibras abdominais lhe daria algo
no que pensar. E uma pequena dose de humilha��o faria bem a sua alma.
Elizabeth sentiu vontade de lhe dar raz�o, mas era melhor n�o animar Jane quando ela estava com essa disposi��o.
-Nem pense em faz�-lo Jane, ouviu?
-Claro que ouvi. T�m muitos princ�pios, milady. � meu dever, como o foi desde dia em que nasceu, procurar sua felicidade.
-Mas para isso n�o � necess�rio envenenar a prima de meu marido.
-N�o � a prima de seu marido quem me preocupa, e sim a mulher que deseja ser amante dele.
-Jane, ela n�o... ele n�o o faria!
-Pois isso � exatamente o que essa mulher deseja. Voc� vai permitir? Sob seu pr�prio teto? Bastaria que ele levantasse uma sobrancelha para que ela corresse
para meter-se em sua cama.
-E pensa que meu senhor me trataria com semelhante falta de respeito?
-N�o! N�o � isso o que quero dizer, mas olhe milady: acredito que lady Anne estaria disposta a interpretar mal qualquer gesto por parte de seu senhor marido.
Os homens s�o tolos quando enfrentam uma mulher t�o manipuladora quanto ela.
-Tudo o que faz � paquerar.
Jane riu.
-Paquerar! Tem muita mais mal�cia nisso.
E era certo, Elizabeth reconheceu com um suspiro.
-Pois n�o o fa�a nada. Eu a pro�bo.
Jane abriu a boca para voltar ao ataque, mas mudou no �ltimo momento.
-Tome cuidado - foi tudo o que disse antes de partir em dire��o a suas acomoda��es, deixando Elizabeth rodeada de folhas mortas. Esperava ter deixado claro
quais eram seus desejos naquele assunto, mas n�o podia estar segura.
Aquela noite, em sua pr�pria c�mara, Jane Bringsty desprezou as ordens de sua senhora com uma aus�ncia absoluta de culpa. Ningu�m devia minar a felicidade
de Elizabeth de Lacy. Ningu�m! A gata e ela estavam contemplando as evolu��es do rato que tinha na jaula. O animal farejou o conte�do do prato, o p�o empapado em
uma subst�ncia azul escura e logo deu fim em seu conte�do. Diante da audi�ncia que a contemplava sem compaix�o, o rato come�ou a retorcer-se e a saltar de dor, at�
que caiu de lado e n�o voltou a se mover.
-Morta - murmurou contrariada, e levou a jaula para a pilha de lixo para se desfazer do cad�ver-. Tenho que ter mais cuidado e ser mais precisa na quantidade.
A beladona pode resultar num veneno arriscado, e embora a tenta��o seja grande, n�o posso mat�-la. Mesmo que ela seja como uma cadela no cio-. Olhou � gata com um
sorriso travesso -. Causar�amos muito barulho.
A gata se ro�ou contra suas saias como se estivesse de acordo.
-Apanharemos Anne Malinder. E se ela decidir cravar suas garras no senhor de Ledenshall, j� saberemos o que temos que fazer, n�o �?
Quando Richard voltou, cansado, mas satisfeito com seus esfor�os na fronteira, Elizabeth n�o foi imediatamente receb�-lo, j� que estava ocupada brigando
com a massa de ra�zes e ervas da horta. Ouviu o grito de aviso da sentinela, o atrito met�lico e o gemido do rastelo ao levantar-se. Quando conseguiu arrumar um
pouco a roupa, a pequena for�a armada estava j� desmontando com muito ru�do, confus�o e conversas.
Ali estava ele, no centro da algazarra, desmontando de seu garanh�o. Chegava, como todos outros, coberto de p� e suor da campanha, com armadura, botas e
capa salpicadas de barro. Parecia um soldado mercen�rio, quase igual a aqueles que se dedicavam � pilhagem na fronteira, mas ent�o por que ele acelerava seu pulso
e o cora��o batia como um tambor? De repente se sentiu consciente de sua pr�pria apar�ncia, por desgra�a n�o muito melhor que a dele, uma saia velha com a barra
manchada de barro. Inclusive o fino tecido de seu v�u parecia ter recolhido todo o tipo de semente seca e rastros de barro. E quanto a suas m�os... tal como Anne
a tinha advertido, eram um caso perdido, j� que n�o tinha podido esfreg�-las para tirar os restos de terra. Que triste impress�o ia causar naquele homem cuja opini�o
tanto lhe importava. Suspirou exasperada ao mesmo tempo em que limpava as m�os na saia sem conseguir nada, e se disp�s a aproximar-se.
Anne Malinder chegou antes dela.
Claro. Tinha estado o esperando com aquela capa "favorecedora" que n�o cobria por completo seu belo vestido, nem disfar�ava seu amplo decote. Um v�u leve
real�ava o formato oval de seu rosto, suas sobrancelhas cuidadosamente desenhadas, os surpreendentes olhos verdes cravados sem disfarce e provocadores nele. N�o
podia fazer nada exceto fechar os olhos e comparar-se irremediavelmente com ela. E recordar as acusa��es ofensivas de Jane.
Quando voltou a abri-los presenciou uma cena que sem d�vida tinha sido cuidadosamente planejada pela dama como se fosse um cap�tulo dram�tico de uma hist�ria
de cavalaria. O cavalheiro que voltava de atacar uma tarefa dif�cil, cansado e sofrido, s�rio e solene, disposto a satisfazer sua dama. A mulher, refinada e elegante,
pondo uma m�o no bra�o de seu campe�o enquanto o olha com atrevimento. O cavalheiro inclinando-se para escutar as palavras dos tentadores l�bios de sua dama. Quantas
vezes n�o tinha visto aqueles mesmos gestos executados por aquela Malinder? P�s-se a andar para integrar-se a um quadro no qual n�o havia lugar para ela, sem sentir-se
nem refinada, nem elegante, mas sim, como Morgana, um esp�rito maligno que se interpunha entre eles. Chegou a tempo de ouvir como Anne sussurrava no tom mais doce
poss�vel.
-Eu senti sua falta Richard. Espero que voc� tamb�m o tenha feito... mesmo que seja s� um pouco.
Richard sorriu olhando para sua prima.
-Anne... � claro que ...
N�o p�de saber o que mais ele haveria dito por que ambos se deram conta de sua presen�a.
-Estava dizendo ao Richard o quanto sentimos sua falta, Elizabeth querida, e que nos alegramos muito de que tenha retornado s�o e salvo.
O sorriso de Anne era brilhante, e a evidente troca do singular pelo plural fez ranger seus dentes, assim como o bater de suas p�lpebras de c�lios grossos.
Deliberadamente se obrigou a sorrir com a mesma complac�ncia. As palavras foram muito mais dif�ceis de dominar.
-Bem-vindo a casa milord. Tudo o que sua prima disse � verdade.
-Elizabeth.
Ele sorriu olhando-a fixamente, e com uma m�o t�o suja quanto � dela, acariciou-a do ombro ao pulso. Como se de verdade sentisse algo por ela. Como se quisesse
lhe perguntar: est� bem? Conseguiu assimilar sua dor? Sentiu que o seu sangue todo subia �s bochechas quando ele se aproximou e lhe beijou a t�mpora justo ao lado
do v�u.
-D� a impress�o de que esteve ocupada em minha aus�ncia -comentou ao reparar em seu aspecto, surpreso.
-Assim �.
Elizabeth respirou fundo desesperada. Ele estaria consciente de que Anne mantinha sua m�o perfeita em sua manga? Parecia cansado, esgotado, mas bem, e umas
linhas de sujeira emolduravam seus olhos e sua boca. Talvez estivesse muito fatigado para reparar na sauda��o de sua prima. E n�o resistiu quando o puxou pelo bra�o
para conduzi-lo para dentro. Elizabeth ouviu suas palavras � dist�ncia.
-Venha, Richard. Deve estar cansado e sedento. Pedirei � cozinheira que prepare uma dessas empanadas de cordeiro que voc�s tanto gosta.
"Ser� poss�vel? Empanada de cordeiro! E por que eu n�o sabia que ele gosta desse prato?"
Com a moral � altura de seus chinelos manchados de barro deu a volta e se encontrou frente a frente com Jane, que devia ter visto tudo do alto da escada.
Sua cara dizia tudo. Jogava fa�scas pelos olhos e olhava zangada para todo mundo, inclusive sua patroa, ou talvez especialmente a ela, que se negava a abrir os olhos
e ver o que estava ocorrendo diante de seu nariz.
Implac�vel, olhava-a nos olhos movendo a cabe�a. Tanto se tinha entendido o que queria lhe dizer quanto se n�o, Jane deu a volta imediatamente com uma agilidade
surpreendente em um corpo t�o robusto e desapareceu amaldi�oando todo mundo, deixando que Elizabeth a seguisse em seu ritmo... enquanto tentava n�o se aprofundar
na dor que sentia no cora��o.
Uma hora depois, os soldados exaustos se reuniam no grande sal�o para contar com todo luxo de detalhes o �xito da expedi��o empreendida e para assegurar
de que todos os redutos Malinder estavam seguros. Os criados levaram bandejas bem abastecidas de carne e a cerveja come�ou a circular livremente. O volume de ru�do
cresceu ao ritmo da comida e da bebida, e as explica��es dos soldados foram ficando cada vez mais valentes e ousadas. Era uma atmosfera de celebra��o a qual Richard
n�o p�s restri��o alguma, de modo que o banquete foi o auge da campanha at� que apenas restaram ossos e sobras para os c�es. De sobremesa se serviu vinho quente
e doces.
No entanto, lady Anne n�o demorou a come�ar a se mover inquieta em seu assento. O sangue saiu de seu rosto, a deixando com uma cor esverdeada que ficava
estranha com a cor de seu cabelo, e viu que agarrava sua ta�a com uma m�o crispada enquanto que levava a outra ao ventre.
-Acho que comi muito - ela disse mordendo o l�bio inferior-. Muitos doces, certamente.
Sua pele se tornou assustadoramente p�lida e um v�u de suor brilhava em seu l�bio superior.
-Talvez seja o vinho quente, que est� muito temperado. Falarei com a cozinheira para que n�o abuse da noz moscada.
Elizabeth a olhava fixamente e suas suspeitas come�aram a crescer ao ver como suava e como escureciam suas pupilas.
Um gemido afogado foi � resposta que Anne p�de lhe dar. Viu-a levantar-se e apoiar-se na mesa.
-Tenho que ir... o vinho! Acho que... - ela levou a m�o � boca-. N�o me sinto bem... d�i-me a cabe�a...
E dando meia volta, quase trope�ando com os outros, saiu a toda pressa do sal�o, cobrindo-a boca com as m�os.
Elizabeth teve a sensa��o de ter virado pedra. Aquilo nada tinha a ver com as especiarias do vinho. Sabia exatamente a que se devia e sentiu que o medo
a agarrava, um medo que se viu abonado ao ver que, seja por m� sorte ou por coisas do destino, Jane entrava naquele momento no sal�o pela porta que o conectava com
as cozinhas. A express�o que adotou ao ver Anne passar foi de inoc�ncia, mas para o olho perito de Elizabeth era inconfund�vel.
Por acaso n�o tinha sido Jane quem tinha servido o vinho a todos?
N�o podia deixar de olh�-la, acossada como se sentia por uma terr�vel suspeita. Ela elevou ligeiramente as sobrancelhas quando se deu conta de que sua ama
a olhava fixamente e com suprema satisfa��o manteve seu olhar. Era poss�vel que inclusive sorrisse levemente. E Elizabeth soube! Teve que agarrar-se a borda da mesa.
O que podia fazer ou dizer? Se Jane era culpada, tamb�m ela o era. N�o podia articular uma palavra, n�o podia compreender em sua extens�o total o horror do que Jane
fazia. A tens�o ficou insuport�vel naquela atmosfera impregnada pelo aroma de carne assada e fuma�a de madeira. Inclusive era dif�cil respirar. E se Anne Malinder
perdesse a vida?
De repente ficou de p�.
-Me desculpe milord. Tenho que me ocupar de uns assuntos. Deixo-o em companhia da cerveja. Jane... necessito de sua ajuda.
Nem sequer olhou para Richard... n�o se atreveu por temer o que podia ver, ou o que sem d�vida ele interpretaria de sua pr�pria rigidez. Suas tripas ardiam
e estava quase t�o p�lida quanto Anne tinha estado. Sem esperar para ver se Jane a seguia, saiu do sal�o para um hall vazio em que pudesse ter um pouco de intimidade.
Uma vez ali se virou para encarar sua dama de companhia.
-O que lhe deu?
-Nada forte. N�o morrer� - ela respondeu erguendo o queixo. N�o estava arrependida-. Sei o que me fa�o.
-Jane... eu te proibi que...
-Sei que o fez milady, mas ela merece cada segundo de desconforto que vai padecer. Essa mulher n�o � melhor que uma rameira - a express�o de Jane se carregou
de mal�cia-. Eu a adverti disso, mas j� que voc� n�o quis me escutar, decidi lhe baixar um pouco a ousadia.
-Jane! Ser� que n�o se d� conta do que fez?
-Foi f�cil, milady - ela respondeu, deliberadamente interpretando mal a pergunta com um brilho de triunfo nos olhos-. Voc�s n�o ia faz�-lo, assim tive que
ser eu.
Estava claro que ia ser incapaz de convencer Jane de que o que tinha feito estava errado, assim ficou olhando-a. N�o ia se arrepender, e Elizabeth sabia
que devia repreender sua dama por sua crueldade, mas ao mesmo tempo entendia por que tinha dado semelhante passo e n�o podia culp�-la completamente por saber ler
o car�ter de Anne.
-Beladona?
-Sim. Ensinei-a bem.
-Suponho que no fundo deveria dar gra�as a Deus porque n�o � outra coisa. O ac�nito a teria matado.
-Vai se recuperar logo. Talvez assim volte para Moccas. Se seguisse meu conselho, milady...
Mas o conselho de Jane morreu em seus l�bios e seus olhos se arregalaram. Elizabeth experimentou um calafrio e soube que j� n�o estavam sozinhas. Lentamente
deu a volta e viu confirmado o pior de seus temores. Richard. Richard, que mal podia controlar a ira que escapava das fei��es de seu rosto e da incredulidade de
seu olhar. Ele moveu-se sem fazer ru�do e com uma enervante gra�a se plantou junto a elas. Seus olhos se pousaram na Elizabeth, n�o em sua serva.
-Me fale deste incidente. Eu me equivoco ao interpretar o que acabo de ouvir e ver entre voc� e sua dama de companhia? Com certeza estou equivocado.
Suas palavras soaram suaves e amea�adoras.
Elizabeth, com o cora��o na garganta, procurou uma explica��o que pudesse derreter aquela f�ria. Era dif�cil interpretar mal sua conversa, e agora esperava
uma explica��o, embora a condena��o aguardasse disposta sob suas palavras. Embora durante um segundo se dissesse que n�o deveria acus�-la com tanta facilidade, desgra�adamente
o ocorrido n�o deixava outra op��o. Mesmo assim, tentaria proteger Jane.
-N�o entendo a que se refere milord.
Sua primeira inten��o foi dar um passo atr�s, mas n�o o fez. Procurava febrilmente umas palavras que pudessem sufocar a ard�ncia da acusa��o, mas n�o as
encontrou.
-Sim entende. Entende perfeitamente. N�o � tola - ele a agarrou pelo pulso e a puxou sem saber que seus dedos estavam cravando em sua carne, embora soubesse
que ela merecia-. O que sabe de tudo isto Elizabeth? Diga-me que estou enganado.
Ela engoliu em seco procurando freneticamente por uma explica��o. Ia contra sua natureza mentir, mas lhe dizer a verdade faria com que sua ira reca�sse
sobre a cabe�a de Jane.
-N�o, Elizabeth. N�o me equivoco, n�o �? -sua voz era apenas um sussurro, mas n�o por isso menos amea�adora quando a obrigou a se separar uns passos de
Jane-. � respons�vel pela rea��o de Anne por algo que comeu ou bebeu?
-Por que seria?
Ele ia se atrever a acus�-la desse modo sem ter provas?
-Aqui ocorreu algo - ele disse com aspereza-. Voc� tem uma reputa��o, minha senhora, que a precede. Dizem que conhecem as artes escuras -esperou um segundo
antes de continuar-. A envenenou?
N�o havia modo de neg�-lo, assim aproveitou a brecha que se abriu entre eles para fazer a admiss�o.
-N�o. N�o � veneno, e n�o morrer�. Um mero desconforto do qual se recuperar� em breve.
O que podia dizer? Negar todo conhecimento seria, dadas �s circunst�ncias, rid�culo em extremo.
-No vinho?
Elizabeth nem sequer olhou para Jane, que permanecia im�vel escutando-os.
-Sim. No vinho quente.
-Envenenou a minha prima? -a ira com que a olhou ao descobrir que suas suspeitas eram certas, a queimou -. Posso saber por que, em nome de Deus, quis machucar
Anne? Suponho que deveria me alegrar de que n�o tenha envenenado minha ta�a e n�o a sua. Acaso sir John lhe pediu que se vingasse em qualquer um que leve o sobrenome
Malinder por causa da morte de Lewis? Umas quantas gotas... do que? Em minha cerveja, e a vingan�a da fam�lia De Lacy estaria completa.
N�o confiava nela. A morte de Lewis pairava sobre eles, assim como os velhos confrontos entre os Malinder e os De Lacy. Elizabeth viu a verdade e a temeu,
mas estava decidida a proteger Jane e sua pr�pria honra.
-Beladona. E n�o, milord - ela fez uso de toda a sua dignidade para enfrenta-lo. Como se atrevia a conden�-la sem provas?- Se de verdade tivesse sido minha
inten��o o matar e vingar a morte de meu irm�o, n�o teria usado beladona, e sim ac�nito. � muito mais dif�cil de rebater. Sua morte teria sido assegurada e sem rem�dio
- ela sorriu com amargura-. Ou se sua morte tivesse sido meu objetivo, ainda mais eficaz teria sido cravar uma adaga entre suas omoplatas enquanto dormiam em meu
leito.
Richard pareceu surpreender-se de que tivesse admitido abertamente sua culpa.
-Quer dizer, que � culpada.
Elizabeth sentiu que Jane se aproximava e imediatamente a segurou pelo pulso. Para apoi�-la ou para adverti-la. Mas n�o deixou de olhar ao senhor de Ledenshall.
Antes que Jane pudesse falar, Elizabeth fez uma confiss�o.
-A responsabilidade � toda minha como voc� suspeita. Atribua aos ci�mes de uma mulher se for seu gosto, porque Anne Malinder possui todos os atributos dos
quais eu care�o -voltou o rosto mas manteve a voz firme, quase brutal-. V� Jane. N�o a necessito. Conhece o rem�dio que aliviar� lady Anne. N�o queremos que sofra
em excesso. Sua fam�lia n�o o desejaria. V�! - ela repetiu com toda a autoridade que p�de quando Jane foi falar-. N�o t�m nada o que fazer aqui, e n�o quero que
diga nenhuma palavra sobre este assunto.
O resultado pendia de um fio. Elizabeth queria que Jane obedecesse e por fim esta assentiu e fez o que lhe pedia. Deixou o casal se enfrentando em um espa�o
de veneno e virul�ncia muito pior do que a beladona teria podido provocar. Elizabeth arrancou por fim sua m�o da pris�o de Richard, mas seguiram se encarando.
-N�o posso acreditar no que acabo de ouvir de seus pr�prios l�bios.
-Entretanto, n�o lhe custa nada me acusar, certo? E sem provas. Sem sequer saber de ao certo se sua prima tinha sido envenenada.
-Pelos pregos de Cristo, Elizabeth! Era imposs�vel n�o ver o olhar de culpa que havia entre voc�s. Voc� e essa sua dama endiabrada. Sua cumplicidade estava
escrita em seus rostos.
-Era f�cil pensar assim se n�o confia em mim, e se est� decidido a agir sem provas.
Observou-o um instante sem deixar de se impressionar pela magnitude de sua ira, que parecia emprestar intensidade a suas fei��es e poder aos seus espl�ndidos
olhos. Respirou fundo para acalmar as chamas que sentia no est�mago perante o magnetismo de Richard Malinder antes de aferrar-se � sensa��o de injusti�a. Como se
atrevia a julg�-la e conden�-la? A injusti�a que estava cometendo a fazia atacar outro assunto de peso. N�o ia ser ela a �nica a carregar a culpa. Podia lamentar
suas palavras, mas o desespero a empurrava.
-Levou-o a Hereford sua viagem pela Welsh Marches?
-Sim. E o que? O que tem isso a ver com que tenha envenenado minha prima?
-J� que o que est� se tratando aqui � a confian�a, suponho que ter� encontrado tempo de visitar sua amante em Hereford. E que n�o tenha transcorrido a visita
discutindo o pre�o da l�.
-O que?
Se a surpresa ante sua admiss�o tinha sido grande, aquela foi maior. Por um momento ficou mudo, apenas capaz de olhar para sua esposa, uma mulher que se
atrevia a questionar seus atos e sua integridade.
-Esperava que ningu�m me contasse? -continuou, negando-se a que sua f�ria a silenciasse. Toda a amargura que tinha lhe provocado sab�-lo, a humilha��o de
que pudesse encontrar satisfa��o f�sica com outra mulher, aflorou naquele momento-. Pois saiba que o fizeram, inclusive antes que nos cas�ssemos. Aparentemente �
algo do qual se fala abertamente aqui. N�o estava nem um dia em Ledenshall quando me informaram de sua rela��o com uma mulher em Hereford. Acredito que se chama
Joanna, n�o? E, entretanto diz que sou eu quem n�o lhe inspira confian�a. As promessas que fez diante do sacerdote n�o duraram muito, n�o �? Dias, talvez? Eu diria
que poucas coisas inspiram t�o pouca confian�a quanto esta.
Richard franziu o cenho.
-N�o � seu assunto quem eu visito em Hereford - espetou.
-Ah, n�o? - ela s� conseguia pensar em que n�o o tinha negado, portanto devia ser verdade-. Sou sua esposa, e acredito que um assunto assim me concerne.
-Isto � absurdo milady, e n�o tem nada a ver com o caso que nos ocupa. Admitiu o delito. Como se atreve a usar veneno contra um membro de minha fam�lia?
- ele caminhou at� a janela e voltou-. Por acaso me casei com uma bruxa? Com uma envenenadora?
-E me casei eu com um assassino e ad�ltero?
Pronunciou aquelas palavras antes de poder cont�-las. Que terrivelmente destrutivas eram em seu poder. Estavam em sua boca, no ar que havia entre eles,
no contra-ataque efetuado antes de poder refletir.
-A morte de Lewis segue sem ser explicada. Anne ficar� inc�moda algumas horas, mas n�o tentei mat�-la. Mas meu irm�o sim est� morto!
O que n�o deixou mais nada a dizer entre ambos. Elizabeth respirou fundo para desfazer-se da b�lis daquela acusa��o.
-Richard... eu n�o...
-J� disse o suficiente.
Elizabeth resistiu ao desejo de v�-lo partir. N�o ia permitir que visse a dor em seu olhar, nem a devasta��o que sentia porque ele acreditasse que fosse
capaz de utilizar uma arma t�o desprez�vel quanto o veneno para conseguir seus pr�prios fins. Que esperan�a restava agora de conseguir confian�a? A possibilidade
tinha sido destru�da por Jane, que tinha acreditado agir no melhor interesse de sua senhora. Elizabeth se p�s a rir, mas sua risada soou vazia pelo desastre que
a aguardava. Se n�o ria, come�aria a chorar.
Foi � cozinha e ali encontrou Jane preparando uma infus�o de casca de salgueiro que ajudaria Anne Malinder. Seria f�cil, muito mais f�cil que fechar o abismo
que aberto com o Richard. N�o tinha nem ideia de que caminho seguiria sua rela��o com seu marido.







Nove

Anne Malinder se meteu na cama, muito esgotada, muito ultrapassada pelos v�mitos e a diarreia para questionar a fonte do problema que lhe atacava o ventre
com tanta viol�ncia. Como Jane Bringsty havia predito, a beladona foi facilmente combatida e expulsa de seu sistema. Depois de tr�s dias tudo que restar� para recordar
� dama sua m� sorte era uma dor intensa entre os olhos e o est�mago sens�vel que se alterava com a menor men��o de comida. P�de levantar-se da cama, sentar-se junto
ao fogo em seu quarto e tomar um pouco de vinho. N�o haveria efeitos duradouros. Era a �nica boa noticia em Ledenshall.
Richard Malinder perambulava por seu castelo em uma nuvem de mau humor. Mantinha-se a dist�ncia de todo o mundo, afundando-se em pergaminhos sobre os im�veis
e os alugu�is. Era estranho, diziam os habitantes do castelo, ver seu senhor t�o parcimonioso com as palavras. Richard seguia dando voltas � situa��o em cuja raiz
s� havia um problema: Elizabeth. Como tinha se deixado convencer por John do Lacy a casar-se com ela? Mal tinham transcorrido uns dias da cerim�nia e sua vida era
um inferno. O que podia lhe dizer quando tinha admitido ser respons�vel por um ataque sobre o bem-estar de sua prima, e possivelmente contra sua vida? E ela, que
tinha administrado a terr�vel droga, ainda tinha a temeridade de acus�-lo pelo assassinato de seu irm�o.
Depois de tudo o que tinha acontecido entre eles, quando ele acreditava ter chegado a uma aparente compreens�o, quando se descobria desejando voltar para
casa para poder estar com ela o surpreendia exibindo o mais puro �dio contra toda a fam�lia Malinder. Como podia ter sido t�o inocente? Estava a ponto de perder
o controle e deu um golpe num monte de documentos que tinha sobre a mesa e do qual saiu uma nuvem de p�. Como podia ter acreditado sequer por um instante que aquele
casamento podia ser feliz?
A ira n�o cessava de arder em seu interior.
Mas havia algo que n�o o deixava desfrutar dessa ira, uma consci�ncia que o obrigava a enfrentar � verdade que havia em na outra acusa��o. Tinha dado por
certa sua culpa inclusive antes que ela confessasse. E se de verdade tinha interpretado mal a situa��o... com uma careta pensou na poss�vel injusti�a. Mas no final
tinha confessado! Recordava bem as palavras de Richard sobre venenos e o frio do a�o, e Elizabeth tinha estado presente quando as pronunciou.
E, entretanto, n�o podia acreditar que fosse capaz de usar um veneno. Mas o tinha admitido, n�o?
E acusa-lo de que ter uma amante em Hereford... para deslocar a aten��o de seus pr�prios pecados, � claro. A sensa��o de injusti�a voltou a criar vida.
Terrivelmente infeliz, Elizabeth se retirou para seu quarto, onde se viu obrigada a tomar medidas desesperadas para aplacar ao menos uma de suas feridas.
N�o era razo�vel, mas a tristeza a empurrava. Em qualquer caso n�o conseguiria afundar ainda mais no abismo que a separava de Richard.
Ao dar-se conta de que tinha perdido um par de luvas e visto que se recordava de t�-los consigo no quarto de Elizabeth, Richard foi busc�-los. Poderia ter
enviado um criado para peg�-los, mas isso teria sido pura covardia. Se sua esposa e ele n�o tinham nada que dizer-se, que assim fosse. Bateu levemente � porta e
entrou. Descobriu sua esposa sentada diante da lareira, iluminada pelas velas e a express�o de seu rosto quando a olhou era de desconforto.
-O que fez?
Ante ela, no ch�o, havia uma terrina cheia com um l�quido e velas. Com um gesto r�pido passou a m�o sobre o l�quido e as velas.
-Nada.
-N�o minta, Elizabeth. O que � isto?
Aproximou-se dela e a apreens�o cresceu. Nigromancia em Ledenshall? Nunca o permitiria.
-Estava tentando adivinhar.
Elizabeth se levantou, limpando as cinzas das saias e olhando-o abertamente nos olhos.
-Adivinhar? -sabia a que se referia e sentiu que o cora��o dava um salto. Sua voz passou a ser um murm�rio por temer ser escutado, mas n�o dissimulou sua
ira-. Voc� se atreve a fazer tais pr�ticas em minha casa? Acha que eu gostaria que prendessem minha esposa e a queimassem na fogueira por bruxaria?
Elizabeth se ergueu desafiante.
-Dado que s� voc� e eu sabemos o que eu fazia aqui, duvido que isso pudesse ocorrer.
Richard passou por cima do desafio.
-E o que faz? Tenta encontrar outro meio de se desfazer de minha prima?
Assim ele estava decidido a atac�-la com aquilo uma e outra vez, sem prova.
-N�o preciso adivinhar nada para isso- Elizabeth hesitou um segundo antes de voltar a avivar o fogo-. Estou tentando ver o rosto do assassino de Lewis.
-Ah! Ent�o era isso. E viu o meu rosto em sua bola de cristal?
-N�o - ela respondeu com sinceridade-. N�o vi nada de nada. S� escurid�o.
-Mas n�o confia em mim. N�o pode aceitar minha palavra de que sou inocente. Duvido que alguma vez o fa�a - ele arrematou com uma inef�vel amargura.
Elizabeth n�o podia permitir que suas palavras a abrandassem, j� que ele tampouco confiava nela.
-N�o tenho experi�ncia em minha vida que possa me animar a confiar em um homem. N�o o conhe�o, Richard Malinder; n�o sei nada de voc� al�m de suas palavras
de inoc�ncia, que bem poderiam ser vazias.
Uma admiss�o desesperadamente fraca que Richard n�o ia admitir.
-Como pode ser t�o indiscreta? - ele reclamou com um gesto da m�o no ar-. Ao menos, espero discri��o de voc� - disse, segurando as cortinas da cama. Duas
figuras de cera, obscenas em sua crua sexualidade, ca�ram em sua m�o. De repente ficou im�vel. Ouviu que Elizabeth tomava ar.
-Elizabeth! -Richard olhou a sua esposa com incredulidade-. Responda-me porque isto � ainda pior. O que �?
Elizabeth n�o podia ocultar seu horror.
-Bruxaria! -sussurrou.
-Bruxaria! Bom, voc� sabe melhor do que eu. E se estas... estes objetos s�o o que parecem... Voc� me acha incapaz de lhe fazer um filho sem a ajuda desta
obscenidade?
Seus olhos, sempre t�o serenos, ardiam.
-N�o... n�o � coisa minha.
-T�o limitadas lhe parecem minhas habilidades como homem? N�o recordo que se queixasse de meu desempenho, nem que lhe parecesse incapaz de romper sua virgindade.
Elizabeth n�o podia afastar o olhar daquelas duas criaturas de cera.
-Eu n�o as fiz.
-Ent�o deve ter sido sua dama de companhia. Lembro-me das ervas que havia em nosso leito na noite de n�pcias. Diga a ela que venha aqui - ordenou e fez
um movimento como se fosse atir�-las ao fogo.
-N�o! - ela gritou, lhe agarrando o bra�o.
-Por que n�o?
-N�o o fa�a, eu lhe rogo. Esta magia �... complicada. O fogo poderia os danificar se derreterem.
E Richard viu tal ang�stia em seu rosto que abaixou a m�o.
-Fa�a vir a sua dama.
Calada e firme, Jane parou bem na soleira da porta, olhou o quarto com o cenho franzido e foi at� aos bonecos de cera. Elizabeth a viu ficar im�vel.
-Voc� fez isso? - Richard quis saber-. � coisa sua?
-N�o, milord.
-Posso acreditar em voc�? - ele perguntou, as olhando para ambas.
-Essas imagens s�o daninhas. Pretendem impor a vontade de outra pessoa, e Jane nunca me faria mal - Elizabeth respondeu por ela.
-Mas a mim sim poderia querer fazer mal! Quem pode saber o que traz entre as m�os?
-N�o, milord - Jane respondeu-. Eu n�o faria mal a voc�; s� a aqueles que pretendessem fazer mal a minha senhora. Lady Elizabeth se preocupa mais por voc�
do que imagina inclusive mais do que ela mesma imagina. Por que eu ia querer lhe machucar?
-Assim deveria lhe ser agradecido! -o que estava ocorrendo em sua casa o estava afetando muito, e n�o era capaz de pensar em outra resposta-. Se desfa�a
imediatamente disto. Suponho que sabe como faz�-lo.
E colocando-os na m�o de Jane, saiu da quarto.
-De quem s�o? Quem os p�s a�?
Elizabeth se atreveu a expressar o temor que as acusa��es de Richard a tinham feito guardar para si mesma.
-N�o sei. Tampouco sei como chegaram at� aqui.
Sentia a tens�o de Jane, algo que n�o servia precisamente para tranquiliz�-la.
-Algu�m muito interessado em seu casamento - ela continuou com um sorriso d�bil-. N�o se preocupe milady. Destruirei esta abomina��o sem que a afete. N�o
permitirei que lhe fa�am mal. Deveria me ter deixado lhe disser a verdade - acrescentou.
-Voc� acha? Bom... certamente a partir de agora n�o confiar� em mim, n�o acha?
A verdadeira profundidade do abismo que separava aos senhores de Ledenshall ficou assumiu um tom mais funesto quando dois dias mais tarde Richard entrou
no pequeno sal�o onde Elizabeth tomava o caf� da manh�. Agindo por impulso e respondendo a sua educa��o como senhora do castelo, e possivelmente com a inten��o de
ajeitar as coisas, Elizabeth se levantou e serviu para seu marido uma cerveja.
Sua express�o foi glacial ao olhar para a ta�a e depois para sua mulher.
-Obrigado, mas n�o.
E se aproximou da mesa para servir-se ele mesmo de cerveja em outra ta�a, deixando-a com a que tinha preparado nas m�os. Viu como suas bochechas ficavam
da cor da cera e os olhos se escureciam de pesar.
-Richard.
Sua voz era clara e autorit�ria, quase como se tivesse ordenando uma batalha de uma das ameias do castelo. Alta e erguida, aproximou a ta�a aos l�bios,
bebeu um gole e depois outro, sem deixar de olhar para seu marido. Logo outro mais.
-Com isto bastaria para me proporcionar uma horr�vel morte, ou isso acredita - deixou a ta�a sobre a mesa-. Se continuar viva, estarei presente na refei��o
do meio-dia, como sempre. Voc�s decidir�, Richard, se quer compartilh�-la comigo - ela passou ao seu lado, toda arrog�ncia e orgulho-. Como v�, ainda n�o sofri seus
efeitos.
-Elizabeth...
Richard esticou o bra�o, mas ela o ignorou. Seguiu andando e fechou a porta a suas costas com extrema suavidade.
Dem�nios do inferno!Que diabos o tinha empurrado a provoc�-la desse modo, al�m do mau humor que tinha ap�s outra noite sem dormir? Equivocou-se ao recha�ar
o ramo de oliveira que tinha lhe oferecido. Sua a��o tinha sido imerecida e descort�s, inclusive cruel, mas o empurrava uma profunda dor que sentia no cora��o e
que era incapaz de superar. Ervas e flores secas entre os len��is era uma coisa. Manias de velhas. Mas usar artes adivinhat�rias, figura de cera... gelavam-lhe o
sangue. T�o pouca considera��o mereciam suas habilidades amorosas? Ele a havia sentido tremer sob suas m�os. Na cama n�o se queixou de nada. � mais: tinha respondido
com paix�o, estremeceu com suas car�cias. O que a teria empurrado a recorrer a semelhante bruxaria para atra�-lo ao seu leito? Sua virilidade nunca havia sido questionada.
Quanto � nigromancia, como podia fingir ignor�ncia ou aceita��o de semelhantes pr�ticas diab�licas por parte de sua esposa e sua dama de companhia? Fechar
os olhos n�o era uma possibilidade. Entretanto a tinha ferido... uma vez mais! Sua falta de controle p�s suas emo��es em xeque, mescladas com a franca admira��o
que sua esposa despertava nele. Como o desafio de ter bebido a cerveja de sua ta�a tinha sido como um golpe na sua cara com uma luva e ela sabia.
O que havia dito sua dama? Que palavras tinha usado que tinha prendido sua aten��o e que n�o podia esquecer? "Lady Elizabeth se preocupa mais por voc� do
que imagina, inclusive mais do que ela mesma imagina".
O que devia fazer agora?
Elizabeth chorou inconsol�vel, como n�o tinha feito desde a morte de sua m�e quando era uma menina. Como podia ser t�o cruel? Como podia pensar t�o mal
dela? O dano era irrepar�vel, como se demonstrava por sua aus�ncia a cada noite em sua cama. Sentia o cora��o vazio e t�o desolado como o leito.
Jane Bringsty abriu os bra�os para consol�-la, murmurando palavras que pretendiam acalmar seus solu�os.
-Sh... Voc� se importa muito com esse homem, n�o �? -murmurou.
-Sim.
-Ele pode ser o cavalheiro de cabelo escuro da bola de cristal - disse, a bochecha apoiada sobre a cabe�a de Elizabeth-. Pode ser seu inimigo.
-N�o. N�o �. Ou n�o o seria se eu mesma n�o o houvesse posto contra mim. Como pude agir assim, Jane?
-Ele lhe fez mal, e voc� se limitou a devolver o golpe.
-N�o pensei. E agora me odeia.
-N�o a odeia.
-Eu sou t�o pouco atraente Jane, que preciso recorrer � magia negra para chamar sua aten��o, como ele me acusou? Tenho t�o poucos atrativos que tenho que
recorrer ao veneno para me desfazer de uma rival? Sei que n�o posso me comparar com Anne Malinder ...
-Sinto lhe ter causado dor, minha menina.
Elizabeth se levantou e secou as l�grimas.
-Sei que o fez por mim, mas o abismo que nos separa n�o admite a constru��o de pontes.
-Por acaso havia alguma possibilidade antes? - Jane perguntou com amargura-. Rapidamente ele a julgou e condenou. Que respeito h� nisso?
E isso era o que mais pesava para Elizabeth, na alma e no cora��o.
Richard se obrigou a pensar a fundo, e os resultados foram desagrad�veis. Quando as labaredas de sua ira se reduziram a uma mera palpita��o, o senso comum
come�ou a abrir caminho na mar�. N�o parecia pr�prio de Elizabeth usar veneno. O fio de uma espada talvez, mas n�o veneno. Ent�o, em quem reca�a a culpa? N�o era
�bvio? Numa figura rechonchuda com um par de figuras na m�o, que sabia o que fazer com ela, como as fazer desaparecer...
Jane Bringsty.
Tinha o conhecimento necess�rio, disso tinha certeza, mas quanto �s quais podiam ser seus motivos... como podia saber o que motivava uma mulher como ela?
A pergunta chave era: Elizabeth sabia o que sua dama de companhia trazia entre as m�os? Teria lhe dado � permiss�o para faz�-lo? Mas ser� que a senhora Bringsty
necessitava da permiss�o de sua ama para aplicar suas negras artes? A modera��o que acabava de descobrir cambaleou ante a possibilidade de que ambas pudessem agir
em coniv�ncia, mas outra dose de senso comum o fez ver que, apesar do pouco tempo que as conhecia, estava convencido de que a senhora Bringsty era perfeitamente
capaz de atuar por iniciativa pr�pria e sem dar a m�nima para as consequ�ncias. O mais prov�vel era que Elizabeth tivesse agido por um sentimento de honra mal dirigido
para proteger a sua dama, enquanto que ele... ele apenas tinha sido intolerante e parcial. N�o tinha sido nem am�vel nem compreens�vel...
Com sua atitude tinha jogado no lixo o acordo original de serem sinceros um com o outro, de impedir que as press�es exteriores os dividissem. Com que facilidade
tinha ca�do no p�ntano da desconfian�a e das acusa��es. E dado que as primeiras palavras iradas quem tinha pronunciado fora ele, a carga reca�a sobre seus ombros;
era ele quem devia fazer as pazes com ela. Um vago desconforto se alojou em seu interior. Era pior que partir em campanha contra o inimigo.
Deus o protegesse das mulheres dif�ceis e obstinadas.
Encontrou Elizabeth em seu quarto. Chamou, esperou que ela o convidasse a entrar e fechou a porta devagar a suas costas. Devia ser cuidadoso com a estrat�gia
que ia usar se queria alcan�ar a paz com aquela batalha de vontades.
Estava sentada no batente da janela, meio encolhida nos almofad�es com um livro sobre os joelhos e a gata adormecido a seus p�s. Da porta p�de ver que se
tratava de um pequeno livro de ora��es, dourado e colorido com tons brilhantes, e encadernado com um rico couro. Mesmo assim teve a impress�o de que n�o tinha sua
aten��o no missal. Ela levantou a cabe�a ao v�-lo entrar, mas nem falou nem se moveu. A luz estava as suas costas e tocava as bordas de seu v�u. N�o podia ver seu
rosto nem qual tinha sido sua rea��o ao v�-lo, de modo que n�o restava mais rem�dio que confiar no instinto e na integridade inata para tratar com ela como merecia.
Talvez assim conseguisse desfazer o n� de culpa que tinha agasalhado nas entranhas. Aproximou-se devagar at� ficar diante dela, mas se deteve antes que pudesse sentir-se
intimidada.
-�... um livro muito bonito - ele disse com suavidade.
-Sim. Foi um presente da prioresa de Llanwardine quando me parti - ela passou a m�o sobre os caracteres negros, surpresa de n�o escutar de seus l�bios mais
recrimina��es como esperava-. Disse-me que n�o tinha voca��o para religiosa, mas que possivelmente suas palavras, a beleza do que est� escrito nele, me proporcionariam
paz.
-E � assim?
-N�o - sua voz era apenas um sussurro-. N�o me ajudou a encontr�-la.
Ele deu mais um passo.
-Prometemos que falar�amos um com o outro, Elizabeth. Que ser�amos os mais sinceros poss�veis.
-Sim. Parece que faz um s�culo disso.
-Por que n�o me disse a verdade? Por que me ocultou que tinha sido coisa de sua dama de companhia?
Elizabeth se surpreendeu. Fechou o livro, deixou-o de lado e ficou em p�.
-Como sabe?
-Quando parei de estar furioso com voc�, percebi que n�o podia t�-lo feito, e, portanto s� restava uma possibilidade �bvia. Por que n�o me contou?
Elizabeth lhe respondeu com uma candura devastadora.
-Porque Jane � minha serva, o que a faz minha responsabilidade. E porque me achou culpada antes de sequer saber que existia um delito. N�o pode negar isso.
N�o, n�o podia faz�-lo, assim que se desculpou.
-Foi minha culpa. Interpretei mal seus olhares e me equivoquei. N�o tenho desculpa.
O sil�ncio se estendeu entre eles. Elizabeth permaneceu com os bra�os estendidos ao longo do corpo. "E agora o que digo? O que querer� de mim?" Ent�o Richard
baixou a cabe�a com grande formalidade.
-O engano foi meu. Voc� pode me perdoar, minha esposa?
-Sim - seu cora��o encolheu, mas ainda n�o podia sentir-se aliviada-. Mas Jane � a culpada. E sua prima sofreu.
Ele respirou fundo.
-Por que? O que p�de motiv�-la a fazer isso?
Elizabeth olhou para outro lado pela vergonha que lhe davam seus motivos, mas ele p�s as m�os em seus ombros para obrig�-la a olh�-lo.
-Me deve dizer isso.
Elizabeth suspirou.
-� que... Anne n�o deixa de ficar com voc� para reclamar sua aten��o me roubando isso... o que admito n�o � dif�cil de conseguir. Jane est� com ci�mes por
mim, e pretendia lhe dar uma li��o.
A surpresa foi t�o grande para ele que se p�s a rir.
-Mas se � minha prima! Uma menina, �s vezes um pouco chata com seus ares de import�ncia. Desfruta de poder usar roupas elegantes e de captar a aten��o de
quem est� ao seu redor. Sendo a �nica mulher da fam�lia, sempre foi convencida e mimada. Conhe�o-a desde crian�a e lhe repito isso: � apenas uma menina.
-Ent�o tenho que lhe dizer que n�o a olhou com aten��o ultimamente milord - ela respondeu-. J� n�o � uma menina, e n�o deixou nem um momento de nos dizer
isso.
Ele arqueou as sobrancelhas.
-Eu acreditava que se queixava de que tivesse podido olh�-la com muita aten��o!
-Disso n�o poderia lhe acusar - o certo � que nunca o tinha visto lhe dando esperan�as-, mas n�o significa que Anne n�o tenha postos seus olhos em voc�.
E n�o pode negar que ela tenta constantemente flertar com voc�.
-N�o. Isso eu percebi, mas mesmo assim, n�o � mais que uma menina atordoada.
-Embora eu me esfor�asse, eu n�o poderia ser nem a metade engenhosa que ela �. Entendo que se parece muito com Gwladys. � muito bonita - ela admitiu, entrela�ando
as m�os para evitar que tremessem.
-Sim, � - ele aceitou, aceitando as consequ�ncias-, e sim, se parece com Gwladys, agora ainda mais que antes. De verdade suspeitava que pudesse ter uma
aventura com ela apenas um par de semanas depois de nosso casamento? -n�o sabia se devia se sentir adulado por sua preocupa��o, ou aborrecido porque tivesse acreditado
capaz de faz�-lo, at� que se deu conta olhando para o azul safira de seus olhos da profunda dor que lhe tinha causado o comportamento de Anne e seu pr�prio descuido.
Deveria ter imaginado. Deveria ter visto o que acontecia. Sorriu com certa tristeza pela dor que lhe tinha infligido e depois esticou o bra�o para lhe acariciar
a bochecha. Um gesto carregado de ternura que acabou por derreter os cristais da resist�ncia de Elizabeth.
-Sou inocente de todas as acusa��es, Elizabeth, exceto de minha inconceb�vel inoc�ncia na hora de julgar a situa��o. Anne n�o � um perigo para voc�. Acredita
em mim?
Ela inclinou a cabe�a para olha-lo e assentiu.
-Sim. Lamento as coisas que disse.
-E eu. Voc� sabe que eu n�o matei seu irm�o.
-N�o sei. Voc� jurou n�o ter tido nada que ver com isso.
-Mas � algo que segue pendente entre n�s como uma negra entidade de desconfian�a, n�o �? Elizabeth...
Olhou-a franzindo o cenho, como se procurasse a palavra adequada.
-Sim?
-Foi Anne quem lhe disse que tenho uma amante em Hereford?
-Sim. Joanna.
-Ela foi durante um tempo, mas bem antes que voc� chegasse j� t�nhamos rompido - as faces dele ruborizaram -. � minha esposa, e n�o lhe faria mal nem a
humilharia mantendo uma amante. Prometi honr�-la e minhas promessas seguem intactas, apesar de suas acusa��es.
-OH. Eu acreditava que...
-Pois agora j� n�o t�m que dar mais voltas. Eu disse a verdade.
-Sim - lhe dava trabalho dizer aquelas palavras, mas sentiu um al�vio enorme-. Era odioso para mim - ela admitiu-. Podia compreender sua necessidade, mas
a achava detest�vel.
-Lamento que nos tenhamos afastado tanto - disse ele com um sorriso triste-. Quando voltava para casa descobri que sentia vontade de te ver, mas de repente
me vi preso no meio de um drama inesperado. N�o � precisamente o que desejava.
Ele pegou suas m�os nas deles, palma com palma, o contr�rio do gesto daquela primeira noite juntos. Imensamente tranquilizador. Mas quando as mangas do
vestido se recuaram e ele viu o resto das contus�es que tinha, ficou im�vel.
-Eu fiz isto?
-Sim - ela respondeu, mas n�o havia condena��o em sua voz, e, al�m disso, veio com as m�os para entrela�ar seus dedos com os dele-. Estava muito zangado.
-Me perdoe - ele lhe pediu em voz baixa, horrorizado ante a constata��o de que tinha sido capaz de marc�-la sem querer, e prometeu a si mesmo que jamais
voltaria a faz�-lo-. Nunca faria mal de prop�sito, embora pare�a que j� o fiz.
Suspirou e se inclinou para beijar suas marcas.
-N�o temo voc�.
-N�o h� desculpa para isto.
-N�o h�. Nem para voc�, nem para mim.
Richard a olhou nos olhos e passou os n�dulos dos dedos pela bochecha.
-Talvez possa lhe compensar.
-Talvez - ela respondeu, e as mariposas que sentia no est�mago revoaram de novo. Provavelmente era poss�vel que as feridas curassem.
-A gata est� adormecida, n�o �? -perguntou com um sorriso.
-Sim.
-Ent�o, me arriscarei - e foi beijando um a um seus dedos para depois colocar as m�os sobre seu peito-. Se prestar aten��o, se dar� conta de que meu cora��o
pulsa mais depressa do que o normal. Necessito-a, minha senhora, se � que n�o corro nenhum perigo em acompanha-la ao leito.
-Ser� bem-vindo.
Apesar de suas palavras, para Elizabeth n�o foi f�cil. Havia muito entre eles, muitas palavras iradas de ambas as partes para abrir os bra�os e a mente
a aquela intimidade. Ela estremeceu um pouco, tensa, consciente de novo de suas car�ncias. Mas Richard lhe desabotoou o vestido com facilidade e o deixou cair no
ch�o quando ela teria se aferrado a ele, e lhe fez amor devagar, com irrestrita ternura, inexoravelmente quando sentiu sua resist�ncia. Empregou uma paci�ncia ilimitada
para conquistar sua desconfian�a, para vencer a dor que sabia que devia ter sentido, para curar a ansiedade germinada nas sementes amargas que Anne Malinder tinha
enterrado nela.
O choque de suas vontades foi suavizando-se gradualmente, foi dissipando-se, dissolvendo-se gra�as �s car�cias de suas m�os e de sua boca. Car�cias suaves,
doces press�es. Um rem�dio para as feridas que ambos tinham infligido e que serviu para que Elizabeth se convencesse de que podia voltar a suspirar em seus bra�os,
a desfazer-se. E a confian�a voltou.
-Sinto muito - ele murmurou, e suas palavras soaram afogadas contra seu peito-. Sinto n�o ter acreditado em voc�. E sinto as palavras que disse.
-E eu sinto ter me deixado levar pelo mau g�nio -quase n�o p�de acabar a frase ao sentir que ele lhe lambia um mamilo-. Minha falta de f� em sua integridade.
N�o houve mais palavras. A boca de Elizabeth desenhou um caminho sobre o ombro de Richard at� chegar ao ponto na base de seu pesco�o no qual melhor podia
sentir seu pulso. Ali se deteve para saborear a for�a da vida que lhe empurrava enquanto com as m�os se atreveram a lhe acariciar as costas e os quadris.
A paci�ncia de Richard foi ficando curta at� que desapareceu.
-Necessitamos do poder das figuras de cera? -perguntou, olhando-a nos olhos.
-N�o - ela respondeu sem pestanejar-. N�o necessita mais que seu pr�prio poder.
Penetrou-a com for�a, profundamente, o que lhe produziu uma vergonhosa satisfa��o, e Elizabeth se encontrou sorrindo quando tinha acreditado que nunca voltaria
a sorrir.
Ent�o o desejo f�sico apagou todas as lembran�as desagrad�veis, todas as diferen�as que tinham surgido entre eles.



























Dez

Do oeste vinha um bom tempo e a guarni��o de Ledenshall p�de dedicar-se a treinar para grande al�vio de seus homens. Era um trabalho duro, mas a exig�ncia
f�sica aliviava a monotonia dos meses de inverno. Os guerreiros da casa Malinder esticavam e fortaleciam seus m�sculos, aperfei�oando suas habilidades com a espada
e a adaga, a lan�a e a alabarda no combate corpo a corpo. Em todas as partes do castelo se ouvia o entrechocar do metal, as os gritos de ordens do sargento. As pe�as
das armaduras, que t�o facilmente se oxidavam e emboloravam, foram desembrulhadas, limpas, polidas e reparadas. Os arcos foram esticados de novo e substitu�ram as
plumas das flechas.
Mas inevitavelmente o trabalho se tornou aborrecido, e numa manh� clara colocaram uma s�rie de fardos de palha na zona de pr�ticas fora dos muros e foi
organizado um campo de tiro para realizar um concurso que inspirasse interesse e certo grau de concentra��o. Desse modo, como o senhor de Ledenshall bem sabia, se
acrescentaria um pouco de pimenta ao treinamento.
E de fato os homens tomaram como uma festa. O sol brilhava, fazendo desaparecer o saudosismo do inverno. Colocaram bancos para a audi�ncia, mestre Kiplin
se ofereceu para cuidar das apostas e milagrosamente apareceu um grande barril de cerveja. Alguns servos que puderam escapar de suas tarefas sa�ram para apreciar
o concurso, e Elizabeth ocupou seu lugar.
Jane Bringsty se colocou atr�s dela com os bra�os cruzados. Inclusive Anne saiu de seu quarto apesar do vento, bem embrulhada em suas peles de inverno,
consciente de que real�ariam sua beleza.
O concurso come�ou. Usavam o arco longo, muito apreciado por sua precis�o, velocidade e longa trajet�ria das flechas, al�m da for�a final com que dava o
golpe. Seis flechas para cada participante que deveriam cravadas na distante, mas facilmente identific�vel mancha colorida. Os m�sculos do ombro e do bra�o se flexionavam
e se estendiam para esticar aqueles impressionantes arcos de madeira de teixo com os extremos arrematados em chifre e a corda de crina prensada. Robert Malinder
era muito bom e se gabava disso com uma t�pica, mas encantadora falta de mod�stia e um arco bastante extravagante. A audi�ncia aplaudia, assobiava e apostava nele,
j� que sua grande experi�ncia era por todos conhecida.
Mas Elizabeth queria ver como competia seu marido na final. Era rid�culo e sabia, mas queria que ganhasse que a vit�ria fosse dele. Que tola! Mas sab�-lo
n�o fez que desejasse menos que ele tivesse o triunfo.
E n�o demorou em levar uma desilus�o, j� que logo viu que n�o ia ganhar, e que n�o esperava que o fizesse, pois inclusive ele mesmo o admitiu, dando de
ombros e acomodando-se no banco junto a ela para observar as evolu��es de seus homens e anim�-los. O arco n�o era seu esporte e nunca o tinha sido, e sua falta de
per�cia era aceita com bom humor. Afinal, ningu�m podia duvidar da excel�ncia do senhor de Ledenshall com a espada e sua habilidade com a lan�a montado em seu cavalo
nas justas. A� sim que demonstrava seu verdadeiro valor.
Mas no final n�o se importou. Elizabeth o viu ocupar seu posto e colocar-se de lado em frente do alvo, aguentando as brincadeiras de Robert sobre qual era
o objetivo que pretendia alcan�ar e se todos deviam se proteger. Contemplou como seus m�sculos se esticavam sob a t�nica com movimentos suaves como a �gua, com as
pernas abertas, e como se levava o arco � frente de seu rosto, com aquela longa flecha, enquanto a brisa alvoro�ava seu cabelo. A concentra��o de seu rosto era m�xima,
seu olhar firme e por fim soltou a flecha. Viu e ouviu seu pr�prio coment�rio jocoso sobre sua falta de per�cia e o ouviu rir a gargalhadas quando n�o conseguiu
atingir o arco.
Elizabeth viu e ouviu, permitiu que seus olhos desfrutassem das linhas longas e magras de seu corpo e suspirou. Seu sangue ardia nas veias e sentia as bochechas
avermelhadas e pensou, contendo o f�lego, que era ainda mais tola do que pensava.
A prova chegava a seu fim. Mestre Kiplin se adiantou para fiscalizar o pagamento das apostas enquanto Richard contemplava �s pessoas ali reunidas.
-Algu�m mais dos pressente deseja p�r a prova suas habilidades? Talvez tenhamos um campe�o que ainda n�o se deu a conhecer.
Desde seu banco, Elizabeth retorcia as m�os. Quanto desejava voltar a esticar o arco, sentir sua for�a ao deixar escapar a flecha. Fazia tanto tempo.
-Minha m�e n�o me permitiria - Anne murmurou em voz baixa, como se tivesse pressentido suas inten��es. -Que atrevimento! Tenho certeza que Richard tampouco
o aprovaria.
Suas palavras acabaram por faz�-la decidir, e ficando em p� disse:
-Eu. Eu quero participar - declarou em voz alta-. Se algu�m estiver disposto a apostar um par de moedas, � claro.
Olhou a seu redor. Tinha despertado a curiosidade de alguns e os coment�rios de outros.
-Isto sim que eu n�o esperava - Richard disse, lhe oferecendo a m�o para que se adiantasse-. Presumo que devo ser eu quem cobre a aposta.
Elizabeth se colocou na linha, feliz com sua resposta e se afastou o v�u preso na gola pesco�o do vestido para que n�o a incomodasse. J� tinha tirado a
capa. Richard escolheu para ela um dos arcos menores, com seis das melhores flechas, finas e arrematadas com suas plumas de ganso cinza e se colocou ao seu lado.
Sorria, seus olhos brilhavam e parecia satisfeito com o inesperado momento. Elizabeth pegou o arco, mas n�o o esticou.
-Qual � sua aposta, milord?
-O que voc� oferece milady?
-Meus seis disparos ir�o acertar o alvo. N�o me arriscaria a me p�r em rid�culo - ela declarou com um sorriso.
-Detecto o pecado de orgulho em voc�? Nesse caso, aposto um nobre de ouro que n�o � capaz de faz�-lo milady - ele se virou e elevando a voz, perguntou-.
Voc� ouviu mestre Kiplin?
-Certamente. E o acho vergonhoso milord! A dama merece seu apoio.
-E um pouco mais de f� em meu talento. S� um nobre, milord?
Richard a olhou em sil�ncio e percebeu a curva provocadora de seus l�bios e o movimento de suas p�lpebras. Quantas facetas ocultas tinha a mulher com a
qual se casou impelido apenas pelo desejo de assinar uma forte alian�a na Welsh Marches, com a esperan�a de alcan�ar uma rela��o f�cil e tolerante com fins pol�ticos.
Com a esperan�a de que ao menos n�o se repelissem um ao outro. E, entretanto sua esposa se atrevia a o desafiar e ele gostava. O que sentia por ela era... bom, n�o
estava certo, mas seguramente n�o era toler�ncia. Ent�o ela o olhou por cima da mort�fera arma que segurava com tal seguran�a, e seu cora��o disparou.
Tudo que podia ver, tudo no que podia pensar naquele momento era naqueles olhos azul �ndigo que o atra�am para suas profundezas, das que j� n�o poderia
escapar. Ele afogou-se naquele intenso azul pleno de do�ura. O calor do sol nos ombros, as conversas ao seu redor cessaram. Tinha os l�bios entreabertos como se
o chamasse a tom�-los, e j� sabia bem qu�o sedutores podiam ser. Estavam apenas a uns cent�metros de dist�ncia, e seu corpo estava pr�ximo o bastante para que lhe
chegasse o aroma das ervas que utilizava para banhar-se, o calor de sua pele, como se as camadas de linho e seda n�o existissem. O desejo se manifestou em seu ventre
imediatamente e seus m�sculos se esticaram. Foi aquilo o que lhe fez dar-se conta de onde estavam.
-Richard?
Obrigou-se a inclinar-se diante dela para aceitar a aposta.
-O orgulho acima de tudo, Elizabeth - ele sussurrou em seu ouvido e ela estremeceu-. Muito bem! -anunciou-. Dois nobres de ouro que n�o pode acertar o alvo.
Uma risada despreocupada veio das pessoas ao redor. Confiante, segura de si mesmo, Elizabeth ocupou seu lugar, levantou o arco, colocou a flecha, esticou
o arco at� que chegou � sua orelha como a tinham ensinado. Concentrou-se no alvo, e deixou que aquele fino m�ssil voasse.
E ele foi cravar se no fardo de palha. � �bvio que sim. N�o tinha nenhuma d�vida.
Fez-se o sil�ncio na audi�ncia.
Sentia o olhar de Richard nela. Com uma serenidade absoluta pegou outra flecha e fez o mesmo. Depois outra. E outra. Tranquila, sob controle, talvez com
um leve movimento de cabe�a quando preparou a �ltima flecha, mas as seis acabaram cravadas no alvo. E duas delas dentro da marca vermelha. Um rugido de aprecia��o
se elevou do povo e Elizabeth se voltou para Richard, com as bochechas avermelhadas, os olhos brilhantes, cheia de �xito. Vitoriosa.
-Perdeu milord. Deve-me dois nobres de ouro.
-Isso parece. E eu sempre pago o que devo - e lhe tirando o arco das m�os, rodeou-a pela cintura-. Aparentemente n�o tenho mais que me preocupar pela defesa
deste castelo quando estiver ausente.
E se inclinou para beij�-la na bochecha, mas a seguir o fez nos l�bios, o que a fez avermelhar ainda mais. Ganhou seu reconhecimento, sua admira��o. Sua
aprova��o p�blica.
-Quem lhe ensinou com tanta efic�cia um esporte t�o masculino?
-Foi Lewis - ela respondeu com naturalidade, mas n�o quis abaixar o olhar quando viu que ele se entristecia perante a lembran�a. Mas n�o queria que sua
dor pudesse truncar um evento feliz-. Sentia prazer em enervar sir John. Lewis era um grande arqueiro, acredito que inclusive melhor que Robert.
-E voc� tamb�m �. Acho que Lewis ficaria orgulhoso de sua pupila hoje. Dela e de sua coragem.
Richard n�o podia ter falado melhor, ao menos na opini�o de Elizabeth. Pegou sua m�o, palma com palma, e deixou que o calor acalmasse sua dor.
-Richard!
Anne Malinder, insistente apesar de sua palidez e sua formosa fragilidade, chegou junto a eles e p�s sua longa e elegante m�o no bra�o de Richard para chamar
sua aten��o e afasta-lo de Elizabeth.
-Impressionaram-me suas habilidades. Esteve magn�fico.
Sem f�lego, Elizabeth esperou. Iria ver o que Anne fazia? Seguiria sendo imune a seu talento para flertar?
Richard se p�s a rir.
-Nesse caso deve estar cega, Anne. Aqui t�m � campe� do dia. N�o eu, a n�o ser minha esposa.
Uma fina linha sulcou a testa de Anne.
-Voc� acha adequado que a senhora de Ledenshall se exiba desse modo?
-� �bvio. Minha esposa esteve magn�fica na competi��o.
Seu sorriso foi para Elizabeth e ela respirou fundo em um momento de intensa e cega claridade. Entre o ouro que tinha apostado contra ela e aqueles descarados
elogios, sentia... o que sentia? O que tinha feito? Apaixonou-se por Richard Malinder?
N�o tinha experi�ncia no amor, mas era como se a flecha tivesse acertado diretamente no cora��o, marcando-a por toda vida. Certamente teria dado um passo
atr�s ante uma declara��o aberta de amor, mas dar-se conta daquela intensa emo��o a ultrapassou, enchendo sua mente e seu cora��o. Mas um repentino desespero a empurrou
a manter os l�bios selados. Como podia carregar Richard com uma emo��o que ele n�o desejava inspirar nela?
-Nesse caso, faria bem em me ensinar, Richard querido? -insistiu Anne, abaixando o olhar para ocultar o brilho enciumado de seus olhos.
-N�o, priminha. Seu irm�o o far� muito melhor que eu - deu um passo atr�s para obrig�-la a tirar a m�o de seu bra�o e levando a de Elizabeth aos l�bios,
beijou-a-. Celebremos sua vit�ria com uma ta�a de vinho.
E dando as costas a Anne Malinder, eles afastaram-se dela.
Possivelmente fora aquele conquista sem import�ncia. Possivelmente fosse o reconhecimento geral, ou at� inclusive o orgulho que viu no rosto de seu marido.
Fosse o que fosse Elizabeth abriu os bra�os e o leito para o seu senhor com uma desconhecida confian�a e uma boa disposi��o. Quando ele se ofereceu a lhe demonstrar
sua pontaria em outro campo que n�o era o do arco, ela o animou sem retic�ncias, e sob a maestria de suas m�os e sua boca descobriu toda uma tape�aria de sensa��es
desconhecidas para ela, e uma falta de controle inimagin�vel at� ent�o. Imediatamente tentou libertar-se.
-N�o! Deve parar agora...
-Nem o sonhe. Voc� deve desfrut�-lo.
Ele continuou acariciando com a l�ngua a base de seu pesco�o at� chegar ao suave monte de seus seios, onde lambeu a c�pula de seu mamilo. E quanto a suas
m�os, viajavam sem limite algum entre suas pernas.
-Eu...
Se tivesse sabido o que em realidade era aquilo... conteve a respira��o ao sentir seu f�lego no ventre e cravou as unhas nos ombros dele.
-Territ�rio inexplorado -murmurou Richard, esquentando sua pele com o f�lego -. Considere uma aventura. Voc� tem medo Elizabeth?
-N�o. Nunca...
E teve que agarrar-se com ainda mais for�a aos j� maltratados ombros de Richard porque os tremores que sentia no ventre, ardentes e doces, a fizeram explodir
com uma luz cegante, como em uma daquelas ilustra��es da queda de estrelas fugazes que tinha visto em um dos mais question�veis livros de Jane.
-OH!
-N�o tem muito que dizer - respondeu Richard com um sorriso travesso, ainda segurando-a, esperando que passassem os tremores. E a seguir, com surpreendente
velocidade, colocou-se de modo que a deixou apanhada entre o colch�o e seu corpo, de modo que n�o pudesse escapar. E n�o � que restasse a energia necess�ria para
faz�-lo.
-Parece muito satisfeito - ela comentou, ainda tremendo depois do esplendor de seu descobrimento. Richard sorria e seus olhos brilhavam na escurid�o.
-E estou - respondeu, beijando o vale entre seus seios-. E agora, minha amazona est� disposta a utilizar suas artes de mulher para me torturar al�m do que
posso suportar?
Elizabeth se lan�ou a isso e obteve o mais satisfat�rio dos resultados, impelida por sua nova confian�a, enquanto Richard, excitado e dolorosamente preparado
para ela, alcan�ou seu cl�max gra�as a ela. Apenas podia maravilhar-se da profundidade do desejo que aquela complexa mulher despertava nele.





















Onze

-Richard, sinto falta de David.
Richard acabava de voltar da viagem no qual tinha acompanhado Robert e Anne pela Welsh Marches de volta a Moccas. Tinha estado fora quase duas semanas,
e Elizabeth n�o se permitiu admitir nem diante si mesma nem diante ele o quanto tinha sentido sua falta. Os dias de sua aus�ncia tinham lhe parecido eternos. Quase
n�o tinha conseguido aguardar que desmontasse, e o tinha seguido at� seus aposentos.
Richard parecia n�o t�-la ouvido, de modo que insistiu.
-Gostaria que pudesse estar aqui.
-Eu sei - ele respondeu enquanto tirava a pesada jaqueta de couro e soltava o cintur�o da espada com um suspiro de al�vio-. E n�o vejo rem�dio para isso
enquanto que David permane�a sob a autoridade de seu tio. Talvez, quando for mais velho, poder� ter um pouco mais de liberdade.
Elizabeth apertou os l�bios. Cada vez estava mais longe de sua fam�lia, e n�o recebia carta alguma deles, e nenhum tipo de comunica��o. N�o era de se esperar
o contr�rio, mas sentia falta de David e enquanto seu marido estava ausente e passava as noites sozinha, chorava e sonhava com Lewis.
-Poderia ser. Mas gostaria que soubesse...
-Gostaria de saber quem empunhava a adaga ou a quem pertencia o ouro que pagou ao assassino. Queria saber se era meu.
Inc�moda e sobressaltada, Elizabeth franziu o cenho. Era incr�vel o qu�o intuitivo Richard podia ser com seus pensamentos.
-E eu n�o posso fazer nada para ajudar - ele continuou, e pegou seu rosto pelo queixo para que o olhasse-. Exceto possivelmente nisto...
Surpreendendo-a ele se inclinou para frente, empurrou-a suavemente pelo pesco�o e pousou seus l�bios nos dela, uma car�cia leve que durou pouco, mas que
depois, quando ambos j� tinham tomado ar, renovou-se e voltou mais profunda, mais intensa. Aquele beijo durou mais do que esperavam, e Richard n�o a soltou ao acabar,
mas sim seguiu retendo seu rosto nas m�os.
Tinha o surpreendido ser capaz de ler com tanta claridade seu pensamento. Muitas coisas o tinham surpreendido ultimamente, como por exemplo, o quanto que
tinha sentido falta de sua esposa naqueles �ltimos dias. Como uma e outra vez se descobria pensando no que ela estaria fazendo, se estaria segura em sua aus�ncia,
se estaria contente. Ser� que ela pensava menos nele? N�o se atrevia a pensar nessas coisas, embora se visse obrigado a admitir que sentisse falta dela. N�o, n�o
esperava nada daquilo, e se sentia inc�modo at� certo ponto. Franziu o cenho ao contemplar seu rosto voltado para ele. A desconfian�a seguia estando a�, por mais
que tentasse neg�-la. E n�o havia muito que pudesse fazer a respeito. Mas o beijo tinha despertado seu sangue e seus apetites. Nada lhe daria mais prazer que tomb�-la
sobre a cama, tirar aquele vestido grosso de l� por mais elegante que pudesse ser, e redescobrir a pele p�lida e firme que havia debaixo. Nada havia nada melhor
que deitar-se junto a ela, pele contra pele, e afundar-se em sua carne para moderar a exig�ncia imperativa que devia ser t�o �bvia para ela quanto era para ele.
Podia faz�-lo naquele mesmo instante...
Mas voltou para o presente ao recordar que a estava olhando com o cenho franzido e ent�o ro�ou a bochecha dela com os dedos para tranquiliza-la.
-N�o pretendo lhe culpar.
-N�o. Eu j� imaginava, mas a ferida continua aberta, n�o �?
Ela fez uma careta por sua pr�pria debilidade, mas ele moveu a cabe�a para limpar o desejo urgente que o assediava e poder enfrentar �s ansiedades de Elizabeth.
Estava se tornando uma necessidade para ele faz�-lo.
-Bom, minha preocupada esposa, a fronteira est� mais tranquila do que nunca, assim se desejar poderia lev�-la a Talgarth para visitar seu irm�o.
-Pode ser - ela respondeu e conteve o f�lego, n�o s� por seu beijo, mas sim porque desejava que tomasse essa decis�o, que se arriscasse.
-N�o quero p�r sua vida em perigo - ele disse, pesando os riscos-. Mas suponho que podemos confiar que sir John seja capaz de tratar conosco de um modo
civilizado. Imagino que n�o v� querer manchar sua pr�pria morada. E afinal, voc� � de seu sangue. Lady Ellen ficar� encantada de te ver - ele sorriu, e o gesto foi
devastador para ela-. Enviarei um mensageiro para avis�-lo de nossa chegada. Assim n�o poder� fingir que o pegamos de surpresa - acrescentou com cinismo-. Eu n�o
gostaria que nos repelisse como se f�ssemos uma for�a hostil.
-Dentro de duas semanas � o anivers�rio de David.
-Ent�o, que melhor momento para que o visite uma irm� que o adora?
Elizabeth lhe devolveu o sorriso e impulsivamente o beijou nos l�bios, um gesto improvisado que surpreendeu a ambos.
-Ultimamente parece que estamos de acordo em tudo, minha senhora!
-Assim parece milord.
-Se pudesse dispor de um banho de �gua quente, se importaria em me ajudar a tirar todo o p� do caminho? Assim poderia me apresentar diante de voc� em condi��es
de beij�-la devidamente... e de lhe dedicar algum outro gesto que demonstre a alta estima em que a tenho... - acrescentou, ro�ando a mand�bula dela com a ponta do
polegar-. E voc� poderia me demonstrar como uma esposa recebe seu marido depois de uma longa aus�ncia.
Richard a apertou contra si sem se importar com o p� e o suor e se apoderou de sua boca, enquanto com uma m�o percorria seu corpo desde o nascimento dos
seios at� o quadril. E ali se deteve, e ergueu a cabe�a. Voltou a mover a m�o para percorrer a curva de seu quadril, a curva da cintura e a ineg�vel colina de seu
seio.
Olhou-a surpreso, mas com um brilho de mal�cia nos olhos.
-Curvas? De onde sa�ram?
Seu reconhecimento lhe causou um prazer desmedido.
-Bem deve ter sido quando voc� n�o olhava.
-Mm... talvez eu devesse te examinar mais de perto - ele disse, e voltou a pegar seu rosto entre as m�os, j� consciente da nova forma mais cheia de suas
bochechas, seus magn�ficos olhos, do delicado arco de suas sobrancelhas. E isso renovava a exig�ncia de sua virilha, a for�a de sua ere��o, que sentia latejar. E
daquela vez sua boca lhe transmitiu uma promessa que lhe acelerou o pulso e o sangue-. Esse banho, poderia n�o demorar muito? -sussurrou.
-T�o pouco quanto imediatamente.
Elizabeth se voltou para ocultar a repentina onda de calor que subiu ao seu rosto, o prazer que cantava em seu cora��o. Sim, tinha sentido falta dele, sem
se importar com as d�vidas e as incertezas, e poderia lhe receber em seu lar.

-Bom o que acha que ocorrer�, minha senhora? Ir�o abrir os port�es, ou sir John nos receber� com uma chuva de flechas?
Richard mudou de postura sobre a sela. O grande grupo havia parado em uma colina para contemplar a principal fonte de poder da fam�lia De Lacy. Diante deles
se elevavam os imponentes muros de pedra cinza de Talgarth, com a ponte levadi�a elevada e o restelo abaixado.
Elizabeth n�o soube o que responder. No peito levava um n� de apreens�o e compreendia a desconfian�a de Richard.
-Talvez n�o dev�ssemos ter vindo.
-Lembre-se que n�o pude escolher - ele respondeu com ironia.
Elizabeth o olhou. Tinha os l�bios apertados e franzia o cenho.
-Lamento, mas voc� estava de acordo.
-Tinha que a trazer para lhe demonstrar que o bem-estar de David me preocupa, especialmente depois de que voc� e sua fam�lia me acusaram de matar Lewis.
Elizabeth mordeu a l�ngua. Ainda restava um res�duo de amargura entre eles, que costumava aparecer quando Richard baixava a guarda. A acusa��o de sir John
e sua ambival�ncia na hora de aceitar sua declara��o de inoc�ncia seguiam ardendo. Um sil�ncio inc�modo se estendeu entre eles.
-H� uma gralha nesse galho da esquerda - interveio Jane Bringsty, que cavalgava atr�s deles-. Est� nos olhando. N�o � uma boa premoni��o.
Ningu�m respondeu. Elizabeth contemplou a cor irisada das plumas da ave. N�o, n�o era um bom press�gio, mas j� tinham chegado at� ali, assim instigou seu
cavalo tocando seus flancos com os calcanhares e continuaram para Talgarth.
Os Malinder iam passar apenas dois dias em Talgarth. Sua chegada n�o foi recha�ada nas portas da impressionante fortaleza, mas ficou claro que aceitavam
sua presen�a nela a contra gosto. Quando seus cavalos e sua escolta foram conduzidos por seus alojamentos, os Malinder foram convidados a entrar em grande sal�o
com toda a frieza que sir John dedicaria a um inimigo, para cuja presen�a n�o restava mais rem�dio que tolerar. No estrado estava o pr�prio sir John olhando-os com
frieza, lady Ellen sorrindo ao seu lado e arriscando-se a ser alvo da ira de seu marido ao receber aos rec�m-chegados com carinho. Atr�s deles estava mestre Capel,
negro e �spero como um dos corvos que grasnavam por cima das ameias. Ou possivelmente mais como uma ave de rapina, pensou Elizabeth, ao sentir a for�a de seus olhos
ao olh�-la. E a seguir estava David, que respondeu imediatamente � chamada de seu cora��o: apesar das advert�ncias de sir John, saltou do estrado para abra�ar sua
irm� com alegria.
-Elizabeth! E Richard. Tenho tanto que lhes contar. Passaram anos desde... bom, desde que nos vimos pela �ltima vez.
Elizabeth experimentou um enorme al�vio ao encontr�-lo bem, mas que durou pouco. Assim que passou o instante das boas-vindas seu rosto se apagou imediatamente
como a chama de uma vela sob o apaga velas, seus l�bios se apertaram e seu rosto adquiriu uma maturidade for�ada e prematura. Havia problemas, com certeza, mas n�o
poderia abord�-los at� que estivessem sozinhos.
-Parece-me que cresceu - lhe disse-. J� est� quase t�o alto quanto eu.
David ia responder, mas foi chamado � reserva por sir John, que reconheceu imediatamente a presen�a de visitas em sua casa. Richard respondeu com igual
compostura e com uma leve inclina��o de cabe�a. Ellen expressou sua complac�ncia e mestre Capel permaneceu em seu habitual sil�ncio. Ent�o os Malinder foram conduzidos
�s acomoda��es dos convidados.
-Conhece algum rem�dio para o mal olhado? -Richard murmurou para Elizabeth enquanto subiam as escadas atr�s do silencioso mordomo de sir John.
Elizabeth, surpreendida diante um pedido t�o inesperado, virou-se para olhar Jane, que os seguia de perto.
-Sim - admitiu.
-Ent�o sugiro que o utilize. Pelo bem de todos.
-Mestre Capel?
Elizabeth tamb�m tinha percebido o brilho feroz que se ocultava atr�s do aspecto sereno de seus olhos. Era quase imposs�vel n�o perceber. Era o ardor, quase
o antagonismo de uns olhos que procuravam cada segredo, cada fraqueza. Ela estremeceu-se ao recordar.
Richard esperou que o mordomo partisse e a porta estivesse fechada.
-Mestre Capel, sim. Pergunto-me que fun��o tem nesta casa. O que pode ter sir John para reter um homem como ele a seu lado?
-Dizem que � um nigromante - Jane interveio.
Elizabeth suspirou.
-Eu acredito. Eu n�o gosto que David esteja aqui.
-Tampouco eu - Richard deu uma olhada �s acomoda��es que tinham lhes atribu�do-. Capel me faz pensar em morcegos e sapos - fez uma careta e se aproximou
da janela. De ali podiam contemplar colinas de Brecon cobertas de n�voa que os rodeavam-. Irei me sentir melhor quando tivermos partido deste lugar. Acho que vou
ter que dormir com a adaga sob o travesseiro.
Tinham levado um presente para David: um falc�o de plumagem cinza escura com as asas e a cauda listrada, equipado com correias, campainhas e um capuz com
borlas. Um precioso exemplar filhote dos falc�es de Richard, uma ave que voaria maravilhosamente e que traria muitas alegrias a David. Mas o mo�o n�o p�de nem ver
nem desfrutar de seu presente porque eles mal estavam � uma hora ali quando avisaram que tinha sido vitima de uma febre que o confinaria a sua cama. Quando Elizabeth,
assustada, insistiu em v�-lo, encontrou-o recostado contra uns almofad�es, semi-inconsciente, febril e incomodado, avermelhado e com uma erup��o na pele. Movia-se
inquieto quando p�s a m�o na sua testa, e nem respondia a suas palavras, nem reconhecia sua voz. Mestre Capel estava junto � cama com as m�os entrela�adas sobre
suas roupas negras.
-O que ele tem? -perguntou-lhe com ansiedade.
-Nada grave milady.
-A peste? -perguntou, quase sem atrever-se a pronunciar a palavra maldita-. N�o parece, mas...
-N�o, n�o � a peste. N�o h� nada que temer milady - a voz de Capel soava profunda e surpreendentemente doce, certamente parecida com os tons aveludados
da serpente que tentou Eva no para�so-. Um desses acessos de febre que os jovens costumam ter quando se excedem em suas demonstra��es de for�a. Vai se recuperar
em seguida com descanso e sono.
-O que est�o fazendo por ele? -perguntou-lhe pegando uma m�o de David entre as suas-. Tenho certos conhecimentos sobre febres. Poderia...
-N�o � necess�rio, milady. Tenho meus pr�prios m�todos - ele avan�ou para ajud�-la a levantar-se da cama pondo uma m�o firmemente em seu cotovelo para que
n�o pudesse resistir - Aconselho que se retire. Seu irm�o deve descansar. E se sua febre acabar por ser contagiosas, eu n�o gostaria que voc� a levasse como uma
lembran�a de seu gentil visita.
-Acha que estou em perigo?
-N�o - respondeu, e seu olhar parecia cheio de conhecimento, de compreens�o. Quase parecia sincero-. Mas seu bem-estar � nossa preocupa��o.
Deve dar um herdeiro a Ledenshall, um filho que no futuro possa reclamar as terras da fam�lia Malinder.
-Bom... - aquela inesperada conversa a fez duvidar-. Assim espero, sem d�vida.
-Seu tio sempre se preocupa por voc�, embora �s vezes suas maneiras um tanto bruscos possam ocult�-lo.
-E me fez sair da sala como se fosse uma serva que o estorvasse - ela contou mais tarde a Richard-. � mais: me proibiram de voltar pelo bem da minha pr�pria
sa�de.
- David est� em perigo?
Sua esposa ia e vinha pelo quarto, t�o tensa quanto uma raposa em uma ca�ada.
-Ele diz que n�o, mas na realidade n�o sei. A febre se apresentou de repente, e mestre Capel tem as chaves de seu quarto. Como n�o vou me preocupar?
Richard a olhou franzindo o cenho.
-Acredito que dever�amos partir. Seja qual for o problema, n�o lhe fazemos nenhum bem ficando aqui. Eu preferiria a ter de novo na seguran�a dos muros de
Ledenshall.
-E deixar David assim? Mestre Capel diz que n�o corre perigo, mas nem sequer posso entrar em seu quarto!
E vendo seu medo e o brilho das l�grimas em seus olhos, a preocupa��o de Richard desbancou � ira pela forma que sir John os estava tratando.
-Lady Ellen n�o permitiria que lhe fizessem nenhum mal - exp�s, rezando que assim fosse e que Elizabeth se deixasse convencer-. Quero lhe afastar daqui,
amanh� a primeira hora. Est� de acordo?
A seguran�a de Elizabeth come�ava a ser sua preocupa��o principal, e a urg�ncia de consegui-la galopando montada em um veloz corcel. Abra�ou-a contra seu
peito, surpreso pela necessidade que sentia de t�-la perto.
E Elizabeth se deixou tranquilizar por seus bra�os, respirou fundo e se apoiou nele.
-Suponho que � o melhor - suspirou.
Richard a apertou mais.
-Ent�o, vamos para casa.
Os Malinder j� tinham montado e estavam preparados para partir. Sir John, que n�o tinha tentado faz�-los mudar de ideia, deixou a despedida nas m�os de
sua esposa, que com um sorriso fraco se aproximou de Elizabeth.
-Cuidarei dele - ela lhe assegurou-. Para mim David � o filho que n�o tive. N�o deixarei que lhe ocorra nada.
Elizabeth pegou sua m�o.
-N�o sabe o quanto lhe agrade�o por isso.
-Tenho algo para voc� - disse em voz t�o baixa que Elizabeth teve que abaixar-se da sela para ouvi-la.
Ellen tomou sua m�o como se fosse se despedir, e em sua palma deixou um objeto pequeno e duro.
-De David - ela disse, lhe apertando a m�o-. Consegui pass�-lo sem que os guardas o vissem. Estava l�cido e me disse que lhe desse isso - Ellen deu um passo
atr�s e sorriu de novo-. Sei que � boa no manejo das ervas. Meu jardim cresceu maravilhosamente esta primavera e o confrei cresce por toda parte, assim como o lev�stico.
Talvez possa lhes dar uso.
-Eu o farei lady Ellen.
Mas apesar da normalidade de sua resposta, apertava com for�a o objeto que tinha na m�o e o cora��o tinha transbordado. Com certeza todos os que estavam
ao seu redor podiam ouvir.
A voz de Ellen voltou a ser um sussurro.
-Tenho medo.
Richard aproximou seu cavalo.
-Podemos ajudar?
-Ellen - trovejou a voz de sir John-. Deixe-os ir. T�m uma viagem muita longa pela frente sem que voc� os entretenha.
-Sim, milord. � �bvio. Que Deus os acompanhe. N�o, n�o pode me ajudar, Richard. V� para casa e cuide de Elizabeth, que eu cuidarei de David, n�o tema.
E sa�ram sob o enorme restelo em dire��o as colinas centrais da Welsh Marches, Elizabeth acompanhada de exasperados temores. Sabia exatamente o que era
que Ellen tinha lhe entregue e que ela tinha guardado no corpete de seu vestido.
Assim que desmontaram em Ledenshall, Elizabeth n�o se demorou. Sem dizer uma palavra, recolheu as saias e subiu correndo as escadas do grande sal�o para
dirigir-se a seu quarto, aonde Richard chegou pouco depois e a encontrou sentada diante do fogo, agasalhada em um pesado robe de veludo e sem v�u. N�o tinha visto
tal ang�stia em seu rosto desde a morte de Lewis. Um pergaminho estava desdobrado sobre um pequeno cofre que tinha ao lado e havia duas joias ao seu lado. Estava
as olhando fixamente, tinha perdido a cor nas bochechas e seus olhos gotejavam horror. A rica cor verde do robe s� real�ava a palidez de suas bochechas e de seus
l�bios.
-Elizabeth - ele fechou a porta. Devia ser pior do que se imaginava-. O que h�? Diga-me!
Ela negou com a cabe�a, como se pretendesse impor um pouco de coer�ncia em seus pensamentos.
-N�o sei. N�o estou segura - ela agarrava com for�a aos bra�os da cadeira-. N�o, n�o � certo. Acredito que sim que sei, mas n�o quero acreditar.
Richard colocou um tamborete em frente dela e apoiou os antebra�os nas pernas, mas preferiu n�o tocar nas joias at� que ela estivesse preparada. Tampouco
falou at� que ela tivesse os pensamentos ordenados e o olhasse no rosto. Quando o fez, seu cora��o se encolheu ao ver a ang�stia que palpitava em seus olhos.
-OH, Richard... - ela escolheu o c�rculo prateado com uma ametista no centro e o mostrou sobre a palma-. Conhe�o este anel. David o deu a Ellen para que
ela me desse.
-E?
-Pertence... pertenceu ao Lewis.
Richard arqueou as sobrancelhas e tomou o singelo anel de m�os de sua esposa.
-Tem certeza?
-Sim. N�o posso estar errada. Eu o dei de presente. Quando eu era jovem e muito tola, queria lhe dar um presente... seu cavalo tinha quebrado uma pata e
foi sacrificado. Era t�o jovem e estava t�o triste, embora tentasse ser valente, mas eu sabia que chorava por seu cavalo. N�o tinha nada mais para lhe dar. O anel
tinha pertencido a nossa m�e, e certamente � m�e de sua m�e tamb�m. A inscri��o est� muito gasta, pode ver, e a pedra n�o est� bem esculpida. Foi uma tolice, mas
eu queria que o tivesse - ela secou uma l�grima-. Mesmo ent�o o anel era muito pequeno para que pudesse coloca-lo assim que o pendurou em um cord�o no pesco�o e
me prometeu que o levaria sempre. E que eu saiba sempre o levou sob a t�nica.
-Talvez o tenha dado ao David - ele disse, tentando oferecer alguma explica��o que n�o fosse a evidente.
-N�o, n�o acho. Eu o dei de presente para ele, e n�o acredito que o desse a algu�m.
Ele tampouco acreditava.
-Mas como? -perguntou, depois de um breve sil�ncio, apontando a outra joia.
-Ah, o broche. Estava escondido no pacote de ervas que Ellen me deu.
Empurrou o peda�o de papel e o broche para ele. Continha apenas tr�s linhas.
Encontrei isto em poder de seu tio. Sei que h� mais.
Vai reconhec�-lo.
S� posso imaginar o que implica.
Era um broche, uma pe�a bonita de ouro e rubis em cabochon. Richard admirou seu peso e o trabalho do ouro, embora sentisse um n� no est�mago ao perceber
o que significava. Se seus temores eram certos, a tristeza que verteria sobre Elizabeth seria tremenda. A posse daquela gema distinguiria o respons�vel pela morte
de Lewis. Os rubis ardiam � luz das velas como um fogo em suas v�sceras.
-Quando o viu pela �ltima vez? - ela perguntou-lhe ante seu sil�ncio.
-N�o sei com certeza - respondeu, mas n�o queria p�r em palavras seus temores-. O trabalho do ourives � magn�fico. Uma pe�a espl�ndida, italiana diria eu.
-Sim. E de um valor consider�vel, assim nunca a usou. Foi um presente de meu pai para Lewis, uma joia de fam�lia.
-Entendo.
E seus temores se viram confirmados.
-Quando o vi pela �ltima vez estava em seu chap�u para segurar uma pluma, no chap�u que Lewis usava em nossas bodas - como se o significado de suas palavras,
da situa��o que representavam lhe aparecesse perante os olhos pela primeira vez, Elizabeth cobriu o rosto com as m�os-. N�o me atrevo a pensar como p�de chegar �s
m�os de David e Ellen - se levantou de repente para caminhar ao outro lado do quarto s� para descarregar parte de sua f�ria, afastando as saias de seu robe com um
chute-. Sei o que suspeito. S� pode haver uma resposta, e � que ele matou Lewis. Sir John o matou... ou fez que o matassem. � a �nica explica��o poss�vel para que
estas pe�as acabassem em Talgarth. E o broche nas m�os de sir John. N�o duvido da palavra de Ellen. E que outra raz�o pode haver? -seus pensamentos seguiam fluindo
a toda velocidade-. Agora tem David em suas m�os, e eu n�o posso fazer nada a respeito.
E deu um golpe com as m�os no alto do encosto da cadeira que ocupava.
-Ainda n�o t�m mais que provas circunstanciais - respondeu Richard com a voz de um homem que agia de acordo com a lei, apesar da ira que tinha come�ado
a arder em seu est�mago perante semelhante brutalidade. Mas precisamente por isso tinha que tentar manter sua imparcialidade, sua capacidade de racioc�nio. De equil�brio.
Se ela n�o fosse capaz de raciocinar com serenidade, ele devia ser pelo seu bem.
-� a �nica explica��o. Do que outro jeito chegaram ali? -Elizabeth come�ou a andar de novo-. Por que Ellen as entregou para mim com tanto segredo?
-Sim - suspirou. - Nisso eu tenho que concordar.
-Vai me ajudar?
Estava no outro extremo do quarto quando se virou para olh�-lo. A luz fraca das velas ocultava a maior parte de sua ang�stia, mas sua voz tremia. Era um
grito desesperado pedindo ajuda que ele n�o podia ignorar. Entretanto, sabia que devia pesar as provas e considerar devagar o melhor meio de agir.
-A fazer o que, exatamente?
-A resgatar David e a conseguir que sir John pague por seu crime abomin�vel. Que outra coisa poderia ser? - ela perguntou, levantando os bra�os com impaci�ncia.
Richard respirou fundo e avaliou a gravidade do que ela estava lhe pedindo e como ela reagiria se visse em sua resposta uma negativa ou um conselho.
-Me escute Elizabeth: acho que David n�o corre perigo em Talgarth. Acredito que sir John lhe atribuiu um papel em seus planos, quaisquer que sejam. Certamente
vai utiliza-lo; provavelmente pretende mold�-lo do jeito que ele queira, para encaix�-lo em seu desejo de como deve ser o herdeiro da fam�lia De Lacy, mas n�o o
matar�.
-N�o quero que tenha que ficar ali como um prisioneiro enquanto um assassino o molda, como voc� diz. Voc� realmente acha que a repentina enfermidade de
David que o manteve quase inconsciente e confinado em seu leito foi pura coincid�ncia? N�o. Eu temo por sua vida.
-N�o, eu n�o acho que tenha sido uma coincid�ncia, e sim uma maneira de evitar que mantivesse uma conversa �ntima com voc�. Certamente a febre foi provocada
pelas habilidades de mestre Capel. Mas agora que j� n�o est� l�, David n�o sofrer� dano algum. O dele � o �nico sangue De Lacy, al�m do seu, que poder� herdar as
terras de Talgarth depois da morte de sir John.
-Mas se apenas se trata da heran�a... se isso significa tanto para meu tio, por que matar Lewis?
-Eu n�o sei.
-Meu tio matou meu irm�o - ela repetiu, como se n�o pudesse assimilar o verdadeiro significado. Depois olhou para Richard-. Deve ser levado perante a justi�a.
-Estou de acordo, mas o que eu posso fazer? - ele levantou-se para aproximar-se dela-. Temos um caso contra sir John que n�o resistiria a um julgamento.
Nenhuma testemunha para depor e que pudesse dizer a verdade, nem alguma prova que possa demonstrar incontestavelmente sua culpa. Seus criados n�o ir�o declarar algo
contra ele se derem valor a seus bolsos, e pode ser que inclusive as suas vidas. Tudo o que temos s�o duas joias que foram descobertas fora de seu lugar habitual
- ele se sentia t�o frustrado e furioso quanto ela, mas sabia controlar-se melhor-. N�o sou um desses deuses antigos que podiam se vingar lan�ando um raio contra
o ofensor, sem ter que assumir as consequ�ncias e as responsabilidades, e sem ter que prestar contas a um superior - Elizabeth continuava andando e s� se deteve
quando ele se plantou diante dela-. N�o posso resgatar David a menos que me aventure a um ass�dio completo contra Talgarth. Pense nisso, Elizabeth.
Mas naquele instante ela era incapaz de raciocinar.
-O sangue de meu irm�o pede vingan�a, milord - ela disse com os olhos arregalados-. E o tudo que lhe ocorre para me dizer � que n�o h� provas!
-Eu sei, e sei que est� sofrendo, mas a vingan�a deve se limitar ao �mbito da justi�a, e para isso � necess�rio reunir provas.
-Assassinou Lewis e pretende jogar em voc� a culpa disso diante de todas as pessoas. Deliberadamente espalhou a semente da d�vida inclusive em meu pr�prio
cora��o. Voc� pode desculpar semelhante desonra? Pretende me dizer que n�o merece castigo?
-N�o, mas eu acho que voc� n�o est� se atendo a raz�o. T�m que descansar. Vai adoecer se n�o souber deix�-lo de lado por esta noite.
-Raz�o? O que tem que a ver a raz�o com tudo isto? - ela retrucou furiosa.
O que podia lhe dizer? J� tinham acabado suas palavras. Ela estava al�m do consolo, mas voltou a tentar.
-Venha comigo para cama, e amanh� voltaremos a analisar tudo.
-Voc� n�o se importa! Por acaso n�o � homem o bastante para me ajudar?
Com um movimento r�pido e um golpe de sua m�o aberta, derrubou um candelabro e sua vela sem pensar no perigo da chama nas cortinas ou no ch�o.
Aquilo foi o que p�s Richard em movimento.
-Basta, Elizabeth! -ele disse, a puxando pelas suas m�os-. Claro que me importa. E lhe prometo que farei o que esteja ao meu alcance.
E ao olhar o seu rosto viu como as l�grimas de ang�stia come�avam a substituir �s da ira. Como sofria por ela. Tudo o que desejava era poder diminuir sua
tortura.
-Por acaso eu tenho que procurar a vingan�a sozinha? - ela sussurrou, agarrando-se a ele.
-N�o - ele respondeu, comovido at� tal ponto que era quase incapaz falar-. Ser� que j� n�o lhe disse que � minha? N�o est� sozinha nisto.
Seus olhares se entrela�aram com for�a e de repente se sentiram conscientes um do outro. O desejo explodiu ardente e implac�vel como uma chama. Richard
a apertou contra ele e a reteve quando ela come�ou a resistir ante uma investida t�o inesperada de seu sangue. Tinha pretendido ser delicado, acalmar sua dor, apagar
sua ira a base de car�cias e palavras como fez da �ltima vez, mas soube naquele mesmo instante que a do�ura n�o serviria para nada. Al�m disso, se sentia sobrecarregado,
com os sentidos de cabe�a pra baixo pela necessidade. Desejava-a e ponto. Desejava-a naquele instante, cheia de orgulho e determina��o em obter justi�a para Lewis.
Deixou que seu instinto decidisse e que o corpo dominasse � cabe�a, que seus bra�os a segurassem com for�a antes de inclinar-se e beij�-la, e n�o com o
beijo que pretendia ser uma sugest�o, e sim como um gesto saturado de desejo que a fez separar os l�bios para que ele pudesse afundar a l�ngua em sua boca. O fogo
se avivou imediatamente para consumi-los, para dominar tudo. A ang�stia e o desespero que Elizabeth levava dentro dela se transformaram em exig�ncia e tamb�m o prenderem,
fazendo ambos arderem, lhes roubando o ar, fazendo-os tremer.
N�o foi uma sedu��o. O desejo e a necessidade, surpreendendo a ambos, assumiram o controle e empurram Richard a peg�-la em seus bra�os para lev�-la � cama.
Seu robe n�o apresentava para ele dificuldade alguma, tampouco sua roupa mais formal, e os objetos desapareceram para que a pele de ambos pudesse se unir. Suas car�cias
se reencontraram com as novas curvas de sua esposa, embora estas ficassem relegadas a um segundo plano no exato momento, e sua boca se apoderou da dela, pressionando-a
com o corpo, lhe exigindo uma resposta. Elizabeth estremeceu se arqueando contra ele, agarrando-se em suas costas e seus ombros, cora��o com cora��o, pernas com
pernas, o mais perfeito dos emparelhamentos. Os len��is se enredavam em seus corpos e eles se desfizeram deles com impaci�ncia.
Ele penetrou-a com um �nico movimento.
-Elizabeth! -gemeu seu nome e ficou quieto, com os olhos fechados e ardendo de calor, intoxicando-se com seu corpo como o mais desejado dos prazeres, ainda
mais quando ela elevou os quadris para que pudesse chegar ainda mais dentro. Ambos permaneceram im�veis um momento.
-Elizabeth de Lacy - murmurou, surpreso, com uma luz de incerteza no olhar-, o que � voc�?
E depositou uma linha de beijos na curva elegante de seu pesco�o antes que a necessidade voltasse a apoderar-se dele e come�asse a mover-se dentro dela,
contra ela, seu ritmo contagiando-se a seu corpo, animando-a a acompanha-lo, consciente apenas de seu dom�nio. A sensa��o cresceu em seu interior at� que s� p�de
gemer e tremer perante aquele desconhecido poder, mais doce, porem muito mais intensos que antes. E teve que se agarrar a ele ante o medo de ser incapaz de resistir
ou de controlar a resposta de seu corpo.
-Tenho medo - ela gemeu, mas o prazer a sacudiu de tal maneira que n�o p�de dizer nada mais.
E Richard tampouco lhe deu a oportunidade, mas sim continuou guiando-a com uma m�o especialista, com car�cias firmes que anularam sua vontade at� que gritou
surpresa e extasiada. S� ent�o, depois de um f�rreo controle, rendeu-se � mulher que considerou sua cativa, surpreso de sentir-se indefeso em seus bra�os.
Depois, um consider�vel tempo depois, quando tinha conseguido reordenar seus dispersados pensamentos ap�s aquele assalto emocional, Elizabeth se encontrou
nos bra�os de Richard, esgotada. Triste, � claro, mas sem o asfixiante peso da dor. Em algum momento da tormenta, uma dose de satisfa��o a assaltou, apropriou-se
de sua energia e permaneceu em seu interior como um rio de �guas tranquilas que a acariciava e acalmava. E quanto � intensa emo��o que a levou a responder a todas
suas demandas, ainda resistia em lhe dar um nome. Ou � explos�o de prazer letal que tinha viajado por seu sangue e que contra todo o bom senso a tinha empurrado
a exigir dele. Sentiu como ardiam suas bochechas ao recordar seu comportamento. Melhor que estivessem nas sombras. Uma vozinha abria caminho obstinadamente em sua
cabe�a.
"Se apaixonou por ele. Por mais que o negue, a prova est� em seu pr�prio sangue. N�o pode seguir evitando a verdade. Voc� o ama".
E contra semelhantes palavras, n�o havia defesa.
-Richard - ela se virou para olha-lo, apoiada como estava sobre seu peito, consciente do batimento acelerado de seu cora��o e sua respira��o desordenada.
Agradava-lhe muito que ele fosse t�o afetado quanto ela-. Fui injusta com voc�.
-Sim, � verdade - ele replicou, beijando-a na cabe�a-. Se n�o estou enganado mostrou uma opini�o bem pobre de minhas habilidades, tanto como senhor de Ledenshall
e, quanto o que ainda � ainda pior, como homem.
Ela se p�s a rir.
-H� n�o! Necessito de experi�ncia, mas suas habilidades s�o... milagrosas, eu diria.
E acariciou seu peito, feliz para ao ouvi-lo rir.
-Assim eu espero.
Embaixo daquela risada, Richard se sentia sobressaltado por sua falta de controle com Elizabeth. A atra��o que ela demonstrava por ele o tinha surpreendido,
assim como o respeito que tinha chegado a sentir por ela. Mas a necessidade de faz�-la sua, de possu�-la por completo se transbordava. N�o se tratava apenas de uma
conex�o f�sica, mas sim de algo mais profundo que o empurrava para ela. Franziu o cenho. Certamente n�o era mais que compaix�o pela dor que lhe tinha infligido seu
pr�prio tio, que era quem deveria t�-la apoiado e protegido. Talvez tamb�m houvesse certa dose de admira��o por sua for�a de vontade ante o ass�dio. E respeito,
� �bvio. Sim, devia ser isso. N�o era dif�cil para ele sentir admira��o e respeito. E como ia imaginar se que ia ser t�o tentadoramente feminina sob suas palavras
duras e sua franqueza... t�o desej�vel. Ambas. A lux�ria sempre era uma resposta f�cil.
-Sir John de Lacy pagar� por seus delitos. Mais cedo ou mais tarde. N�o permitirei que saia impune e n�o pague pela dor que lhe causou. � minha esposa,
e � meu dever e meu desejo a proteger e impedir que lhe fa�am mal.
Foi um juramento solene que ambos reconheceram como tal, e que destruiu todas as barreiras que se ergueram entre eles pelo sangue derramado de Lewis. Haveriam
outras, no futuro, j� que Elizabeth n�o era t�o inocente para imaginar que viveriam para sempre em um mar de rosas, mas ao menos aquele desprez�vel crime ficaria
em seu lugar.
-Nunca deveria ter duvidado de voc�.
-N�o deveria, � verdade, mas como voc� mesma disse em uma ocasi�o, n�o me conhecia. Nosso casamento n�o estava destinado a ser f�cil, e pode ser que agora
possamos encontrar um caminho mais reto entre os dois.
-Voc� me perdoa por minha falta de confian�a?
-Poderia faz�-lo - ele respondeu, e rapidamente se colocou sobre ela-, mas acredito que preciso saber que n�o vai voltar a duvidar com tanta facilidade
de minhas habilidades.
Viu o brilho de seus olhos, a curva irresist�vel de seus l�bios, a linha de seus ombros e voltou a sentir-se prisioneira.
-O que sugere? O que poderia lhe oferecer para ressarci-lo?
Sentiu que voltava a ter uma ere��o sobre suas coxas, e lhe rodeou o pesco�o com os bra�os para puxa-lo e o convidar para o festim de sua boca. E Richard
n�o vacilou em aceitar o seu convite.


Richard fez o quanto p�de. N�o hesitou em comprar informa��o de viajantes davam ouvidos aos murm�rios. David tinha sido visto montando ao lado de seu tio,
junto a ele tamb�m em Hereford. Parecia gozar de boa sa�de e montava seu cavalo com energia. Nada que pudesse preocupar sua irm�.
Elizabeth e Jane voltaram a usar a bola de cristal, mas esta lhes revelou pouco, embora tampouco pressagiasse desastres.
-N�o prova nada - disse Jane.
-Mas se voc� n�o o v�.
-David est� s�o e salvo.
Era toda a seguran�a que sua amiga estava disposta a lhe oferecer.
Enquanto isso, os senhores de Ledenshall observavam um ao outro sem que nenhum deles quisesse admitir a surpreendente profundidade do sentimento que se
desenvolveu entre eles, desde aquela noite de paix�o desenfreada.






Doze

O inverno deu lugar � primavera, e com ela os maltratados caminhos ficaram mais transit�veis, e com isso chegou � esta��o de feiras e mercados. Os Malinder
de Ledenshall, com dois s�lidos carros de bagagem e uma grande escolta, dirigiram-se a Leominster na ocasi�o da feira de maio, esperando desfrutar dos postos de
venda, do aroma das especiarias, da m�sica e do entretenimento na rua principal e do mercado de gr�os; na grande pra�a do priorado se colocou um poste decorado com
ramos de carvalho, flores e la�os.
Richard se dispunha a ir cuidar de uns assuntos que tinha na Hospedaria Talbot, mas antes olhou para Elizabeth com uma severidade pouco habitual nele.
-O que h�? -perguntou ela.
Com os l�bios apertados e express�o solene apesar da felicidade que reinava ao seu redor, Richard a surpreendeu, porque quando ela pensava que ia tocar
sua bochecha com a m�o, embora em p�blico e em uma rua t�o abarrotada como aquela n�o fosse o correto, limitou-se a ajeitar seu v�u. Aquele gesto t�o �ntimo e simples
lhe gerou um aut�ntico prazer.
-Teme por mim? N�o vou correr nenhum perigo - ela o tranquilizou, pondo a m�o em seu pulso-. Imagino que deu instru��es a seus homens de que n�o me percam
de vista.
-Nunca me perdoaria se lhe acontecesse algo.
A felicidade naquele momento foi t�o brilhante para Elizabeth quanto as novas rosas que tinha na horta de Ledenshall. Richard raramente dava voz a seus
sentimentos. Alguma vez chegaria a lhe dizer que a amava? Sentiria alguma vez essa emo��o por ela, a noiva que n�o queria? Seu amor por ele teria que bastar, e ela
ficou contemplando-o, vendo desaparecer seus ombros entre o povo.
Sua escolta n�o teve muito no que ocupar-se, exceto talvez em manter aos ladr�ezinhos a distancia ou controlar aos mendigos que pediam sem cessar.
-Milady por compaix�o!
Elizabeth sentiu que lhe puxavam a manga.
Estava no p�tio de uma estalagem vendo a um grupo de m�sicos, acrobatas e bailarinos itinerantes atuarem enquanto tomava uma ta�a de cerveja que era bem-vinda
como meio de combater o crescente calor. Um menino andrajoso e sujo, com um cabelo t�o emaranhado e comprido que mais parecia o pelo de alguma das ovelhas Ryeland
que eram vendidas na rua principal, com um chap�u enfiado at� as sobrancelhas, agachou-se a seu lado e lhe estendeu as m�os manchadas por alguma enfermidade. O menino
tinha despertado sua compaix�o, e n�o permitiu que sua escolta o afastasse sem mais, n�o sem antes lhe p�r uma moeda na m�o.
-Milady - ele insistiu em puxar sua manga. Elizabeth abaixou o olhar e reparou em seu chap�u rasgado-. V� ao priorado e entre pela porta sul. Antes do meio-dia.
Isso foi tudo antes que um dos homens de sua escolta o separasse com um empurr�o dado com a bota. Deveria prestar aten��o em um mendigo andrajoso e comido
pelas pulgas? Quem podia querer falar com ela e temia faz�-lo em uma rua � vista de todos? A �nica solu��o para satisfazer sua curiosidade era ir, claro. Nada podia
lhe ocorrer em ch�o sagrado, com as idas e vindas dos monges e o resto da comunidade em um dia de mercado, assim decidiu dirigir-se � porta sul.
Ali n�o havia ningu�m, que era quase o que esperava, mas assim ao menos poderia rezar uma ora��o pela alma de Lewis.
Elevou a m�o para empurrar a pesada porta quando uma sombra caiu na entrada ao seu lado. Uma figura apareceu e se camuflou nas sombras do p�rtico. Ela se
virou, alerta, e colocou a m�o na adaga que levava discretamente sob a capa.
Com o sol perfilando sua figura, reconheceu ao mo�o do p�tio da estalagem.
-O que quer de mim? - ela perguntou-lhe, mantendo firme a voz apesar do pulo que lhe deu o cora��o quando o mo�o se aproximou. Pensava em atac�-la? Roub�-la?
Seria um assassino enviado por sir John? Puxou a adaga e sua lamina brilhou nas sombras.
O mo�o continuou aproximando-se.
-Onde est�? - perguntou Richard, procurando entre o povo do mercado da manteiga.
-Foi ao priorado milord - respondeu um homem de sua escolta.
O temor afetou Richard. Tinha conseguido dissimular o medo que sentia pela seguran�a de David em Talgarth para acalm�-la, mas a seguran�a de Elizabeth n�o
era um assunto f�til, e um calafrio de alarme lhe percorreu as costas.
-O que quer de mim? -repetiu Elizabeth.
-Terra sagrada - a voz do mo�o tinha perdido o ar pat�tico que tinha no p�tio da estalagem, e em seguida tirou o desfeito chap�u e a pele de ovelha sob
a qual tinha oculto seu cabelo escuro-. Terreno sagrado, irm�zinha querida. N�o necessita da adaga.
-David! Por amor de Deus! Mas o que..
-Calada! -preveniu, e puxou sua manga como tinha feito antes para faz�-la entrar no priorado, junto � tumba de um antigo prior-. As paredes t�m ouvidos,
pelo menos em Talgarth.
-O que faz aqui? -perguntou-lhe, pondo a m�o em seu bra�o coberto de sujeira-. O que houve?
-Tinha que partir, mas me vigiavam...
Olhou por cima do ombro para o altar, iluminado por umas velas.
-Como chegou at� aqui?
-Isso n�o importa. Basta que tenha chegado. Sei que recebeu o anel.
-Sim, mas tem que...
A porta que ficava a sua direita se abriu. Ouviram passos. Um movimento de David fez brilhar a lamina da arma que levava, e ao mesmo tempo em que empurrou
Elizabeth para que ficasse � sombra da tumba. Mas n�o demorou a visivelmente relaxar-se e inclusive rir.
-Richard!
-Bom, pelo menos os dois est�o armados, o que suponho que deveria me alegrar -foi seu coment�rio.
Mas p�s sua m�o na de Elizabeth, um gesto tranquilizador que a fez suspirar. Deixou que ficasse com a adaga e que a pendurasse no cinto.
-Eles o seguiram?
-� poss�vel... ou prov�vel - respondeu David, desafiante-. N�o penso em voltar para Talgarth. N�o me importa o que digam.
Elizabeth se deu conta de que seu irm�o estava muito perto do p�nico por seu modo de expressar-se. E aparentemente Richard tamb�m percebeu, porque n�o se
op�s:
-Fique aqui e esconda essa adaga a menos que queira chamar a aten��o. Espere junto � grade dentro de trinta minutos. Passaremos na frente com a carro�a
e pararemos por algum motivo... que ainda n�o me ocorreu. Suba nele e se esconda sob as compras. Meus homens n�o o impedir�o. Haver� uma roupa para poder se disfar�ar.
E n�o levante a cabe�a at� que cheguemos a Ledenshall.
-Vou fazer isso - ele assentiu com um sorriso que brilhou na escurid�o, e embainhou a adaga-. N�o sabe o grato que estou!
-Me agrade�a depois. Vamos, Elizabeth. Vamos por a pantomima em curso.


-Bem! Agora me conte o que fazia o herdeiro da fam�lia De Lacy escondido no priorado de Leominster com as roupas de um mendigo.
De volta a Ledenshall e j� no sal�o privado, colocaram cadeiras e tamboretes em torno de uma mesa redonda. David, j� esquecido do disfarce de mendigo, bem
lavado e com umas roupas emprestadas por Richard que ficavam um pouco grandes, engoliu a metade da jarra de um gole e limpou a boca com o dorso da m�o.
-Assim est� melhor. Mas acredito que ainda pica.
-Fale David! -urgiu Elizabeth.
-Por onde come�o? - ele perguntou-se com um ar de cansa�o. Havia tristeza em seus olhos. Elizabeth lhe estendeu as m�os para oferecer consolo, mas ele a
recha�ou para tirar das dobras de sua t�nica outra joia que imediatamente captou a luz quando a depositou sobre a mesa. Era um pendente, desenhado para ser usado
em uma corrente de ouro como s�mbolo da posi��o de um homem; um pendente volumoso e com muito ouro, no qual estavam engastadas umas luminosas safiras.
-Do Lewis?
Elizabeth o pegou nas m�os e o que estava acontecendo � fez dar-se conta de que David j� n�o era um menino. Os fatos mais recentes tinham lhe arrebatado
� juventude e a inoc�ncia. N�o reconhecia a joia, mas mentalmente estabeleceu a conex�o.
-Sim. Uma compra recente - ele sorriu com tristeza-. Lewis tinha a ambi��o de um cortes�o e eu o atormentava por isso, ria dele... Gostaria de n�o o ter
feito.
Elizabeth assentiu.
-Suponho que o usava em nosso casamento, n�o �?
-Sim.
-�s safiras se atribuem propriedades m�gicas - murmurou, examinando a joia-, mas n�o puderam preservar a vida de Lewis - e inclinando-se para frente agarrou
os pulsos de seu irm�o-. Fale-me do anel David.
-Pensei que o reconheceria. Encontrei-o nada menos do que nas m�os de Gilbert de Burcher, o comandante da guarni��o de nosso tio.
-De Burcher?
Richard, que tinha permanecido em silencio at� aquele momento, levantou-se de sua cadeira e afastou a jarra de cerveja que mal havia tocado.
-Sim, do Burcher. Caiu de sua bolsa quando a deixou de lado junto com a t�nica para um treinamento. N�o se deu conta de que eu a recolhi e guardei isso.
Tampouco disse algo sobre sua perda. Imagino que n�o deve ter demorado a perceber que n�o a tinha, mas n�o causou alvoro�o por isso. Provavelmente n�o se atreveu.
-Um presente de sir John pelos servi�os prestados? -Richard sugeriu.
-Sim. Ou Gilbert ficou com ele porque tinha muito menos valor que o resto das pedras. Pode ser que pensasse que seu senhor n�o sentiria falta dele - David
franziu o cenho-. Outra coisa: de Burcher possui agora recursos econ�micos que n�o tinha antes. Dedica-se a jogar sem escr�pulos.
-E se bem me lembro- Richard acrescentou-, sir Gilbert esteve aqui com sir John para o casamento.
-Voc�s acham que ele obedeceria �s ordens de sir John... at� o ponto de chegar ao assassinato? -perguntou Elizabeth, ao que Richard respondeu sem vacilar.
-Conhe�o-o, e � um grande soldado, mas sem nenhuma compaix�o. Acredito que teria sido capaz de faz�-lo sem remorsos.
-Estou de acordo - disse David-. Venderia sua alma pelo melhor pre�o, e seguiria as ordens de sir John mesmo que o levasse ao pr�prio inferno.
-E este pendente - Elizabeth o retinha na m�o como objeto de seu irm�o-, como chegou a suas m�os?
-Foi coisa de Ellen. Aparentemente o encontrou em Talgarth, mas n�o quis me dizer onde.
-Em posse de sir John - disse Elizabeth-, ou ao menos isso dizia na carta que me enviou junto com o broche. Suponho que v�m do mesmo lugar.
-Sim. � muito desgra�ada, embora o oculte bem. Ajudou-me a escapar para que pudesse me afastar de Talgarth. N�o sei do que suspeita, mas queria que eu fosse.
Com sua colabora��o consegui me esconder em uma carro�a - David esfregou o ombro. Os caminhos eram ruins-. Esperava ver seus homens na feira. N�o imaginava que encontraria
diretamente voc� -tomou outro gole e olhou para sua irm� com preocupa��o-. Espero que n�o culpem Ellen pelo meu desaparecimento. Sir John pode ter a m�o dura. Certamente
pode declarar-se inocente e atribuir minha fuga a minha m� cabe�a, ou a que sou um malcriado.
-Possivelmente - Elizabeth tentou sorrir-. Acha que Ellen deporia contra sir John?
David se p�s a rir com aspereza.
-� �bvio que n�o! N�o sobreviveria.
-Possivelmente queira faz�-lo por se tratar de um assassinato. Eu o faria!
-Claro que sim!
-E eu! -uniu-se Richard-. Acredito que deve aceitar que Ellen seguir� obedecendo �s exig�ncias de sir John. Nem todas as esposas s�o t�o resolvidas quanto
voc�.
Elizabeth sentiu que o sangue se amontoava em suas bochechas.
-Por que estava t�o doente quando estivemos em Talgarth?
-Eu tamb�m lhe estive pensando nisso. N�o durou muito, mas tive muita febre e tinha a cabe�a atordoada. Recuperei-me surpreendentemente r�pido ap�s a sua
partida. Mestre Capel disse que eram os humores de meu corpo, e que suas po��es os tinham reordenado - ele fez uma careta ao recordar-. Acho que n�o queriam que
falasse com voc�.
-Isso � o que pensamos - Richard respondeu enquanto analisava as palavras do jovem.
-H� algo mais, Elizabeth: mestre Capel queria saber o dia e a hora de seu nascimento.
Ela o olhou surpresa.
-E as deu?
David franziu o cenho, inc�modo.
-Sim. A pergunta me pegou de surpresa e n�o vi raz�o para n�o dizer-lhe apesar de agora desejar n�o t�-lo feito. N�o sei para que ele queria saber, embora
quem sabe o que esse homem faz em suas acomoda��es? Pode ser que seja coisa de minha imagina��o e nada mais.
-Assim espero - os pensamentos de Elizabeth foram a toda velocidade, mas n�o queria falar disso. N�o queria preocupar Richard-. Duvido que tenha import�ncia.
Talvez esteja reunindo a hist�ria da fam�lia para engrandecer sir John - ela se voltou para Richard, que a olhava em sil�ncio e pensativo. Claro que ele n�o podia
ver as implica��es de tudo aquilo com tanta claridade quanto ela-. O que vamos fazer agora?
-Fazer?
Richard ergueu o rosto como se pudesse ler seu pensamento.
-Contra sir John.
-N�o podemos fazer nada dentro da lei - respondeu-. Sir John negar� todas as nossas acusa��es e ningu�m poder� dar testemunho direto do crime.
-Sim, mas...
-Elizabeth - ele suspirou-, j� tivemos antes esta mesma conversa, e n�o tem sentido que voltemos a ela. J� conhece minha opini�o. As not�cias que David
nos trouxe serviram para corroborar o que pens�vamos, mas n�o muda em nada a situa��o. Ante a lei estamos sem argumentos.
Ela olhou para o outro lado. Aquela situa��o se interpunha entre eles.
Richard se levantou, p�s as m�os com suavidade sobre seus ombros para lhe transmitir seu calor, mas seu rosto seguiu impass�vel.
-Vou deixa-los sozinhos para que possam imaginar todo tipo de cru�is castigos contra sir John, mas eu n�o quero fazer parte deles e farei tudo o que esteja
em meu poder para impedir que possam tomar uma decis�o que os ponha em perigo ou que possa arrastar � Welsh Marches a um luta armada - ele olhou ent�o para David-.
Espero que possa lhe dar um bom julgamento da situa��o, David. Sua irm�, compreensivelmente, est� mais inclinada aos extremos.
E saiu da sala deixando Elizabeth dividida entre a culpa e sua pr�pria teimosia e frustra��o.
-Tem raz�o e voc� sabe - ele disse-. N�o podemos fazer nada contra sir John.
-Vai perdoar a morte de Lewis? - ela espetou intolerante, mas imediatamente lamentou haver feito semelhante acusa��o.
-� �bvio que n�o. Acaso precisava pergunt�-lo?
-N�o, mas acredito que dever�amos...
-N�o penso em tomar parte em um assassinato, ou no que seja que anda pensando.
-� t�o teimoso quanto Richard! -acusou-o, mas sorriu no fim.
-E eu pensei que me receberia em Ledenshall com carinho. Como eu poderia esperar algo assim?
Elizabeth se levantou com inten��o de apagar as velas, mas David a deteve.
-Uma coisa mais.
-Do que se trata?
-Quando mestre Capel me perguntou o dia de seu nascimento, tamb�m me perguntou pelo de Richard. Eu n�o sabia, assim n�o pude dizer-lhe.
Elizabeth se esqueceu das velas e seus temores tomaram forma.
-Sim. Fez bem.
Mas n�o disse nada. N�o tinha sentido assustar mais ao David.
Elizabeth acorreu imediatamente ao po�o de sabedoria que era Jane Bringsty.
-Jane, se queria praticar os segredos da astrologia e pretendesse realizar uma carta astral...
Apesar do adiantado da hora, Jane estava ocupada dobrando roupas de Elizabeth para coloca-las em uma prensa de roupa, mas ao ouvir suas palavras ficou im�vel.
-Quer que o fa�a, milady?
-N�o, mas se tivesse que faz�-lo, necessitaria do dia e da hora do nascimento?
-Sim. Para determinar sob que influ�ncia de que planeta nasceu o interessado.
-E para que serviria essa carta?
-Bom... a verdade � que eu o tenho feito em contadas ocasi�es - Elizabeth se surpreendeu em saber que alguma vez o tinha feito-, e certamente n�o recentemente,
mas o faria para descobrir seu estado de sa�de. Mental e corporal. O efeito dos planetas em sua vida e temperamento. E tamb�m o usaria para...
Mas n�o terminou a frase e franziu o cenho.
-Para?
A Elizabeth custava respirar. Jane confirmaria seus piores temores?
-Para conjurar o dia e a hora de sua morte - ela lhe disse com inquietante franqueza.
Elizabeth se limitou a assentir.
-Eu achava isso.
Assim que o nigromante de sir John se atrevia com a astrologia, n�o �? Com que fim? Para que queria o dia e a hora de nascimento de Richard e o dela? N�o
gostava da dire��o de seus pensamentos, nem tampouco podia compartilhar com algu�m suas preocupa��es. N�o ia falar lhe disso com Richard, porque j� havia motivos
suficientes de atrito entre eles.
E quanto � sir John... para ela tinha as m�os manchadas de sangue. Se Richard e David n�o estavam dispostos a ajud�-la, seria ela mesma quem iria procurar
um modo de castig�-lo. Tinha paci�ncia. Esperaria que chegasse o momento adequado e o teria tudo planejado para esse instante. Nada de po��es secretas nem de encantamentos
de duvidoso efeito, como lhe aconselharia Jane. Sir John devia responder por seu desprez�vel crime em p�blico.
Mas devia aumentar suas precau��es. Tinha que encontrar um modo de faz�-lo que n�o envergonhasse Richard. "Jamais me perdoaria isso se lhe ocorresse algo",
havia dito numa declara��o de um marido possessivo a sua esposa, mas sem a carga do amor. Ela levaria essa carga por decis�o pr�pria, com alegria, apesar da dor
que a acompanhava. Com todo o peso dessa emo��o em sua alma, podia repetir as palavras de Richard. Seu marido n�o devia ser comprometido: nunca a perdoaria se alguma
de suas a��es pudesse acarretar uma condena��o para ele. N�o a amava, mas seu amor por ele coloria todas as decis�es que tomava. Richard n�o devia sofrer por nenhum
ato dela.

















Treze

Elizabeth estava no solar, a sala com janelas em que se podia tomar o ar fresco, os p�s apoiados em um descanso para os p�s, meditando. Desejava n�o sentir
tanta press�o no peito e que seu cora��o n�o pulsasse com tanta for�a. Com certeza Richard poderia ouvi-lo. Estava no m�s de junho, na v�spera do dia de S�o Jo�o,
ocasi�o tradicional de festejos, competi��es de for�a e habilidade na Welsh Marches, a oportunidade perfeita para levar a cabo sua vingan�a contra sir John. Mas
para conseguir teria de mentir a Richard, que a estava esperando.
Engoliu seco e o olhou. Era dif�cil enfrenta-lo, mas se obrigou a n�o desviar o olhar.
-Eu decidi que n�o vou - ela declarou.
-Por que?
-N�o me sinto bem - ela mordeu um l�bio-. Minha cabe�a... e o est�mago doem.
-D�i a cabe�a - ele repetiu sem dissimular sua descren�a-. Tanto que n�o pode ir � feira de S�o Jo�o?
Sua determina��o n�o fraquejou.
-Sim.
Richard empurrou suavemente seu queixo.
-Por que n�o acredito?
-N�o tenho nem ideia, milord. N�o est� em minha natureza fingir. N�o confia em mim?
Do�a-lhe que fosse assim, embora soubesse que merecia sua censura pelo que estava planejando.
Richard a olhou inclinando a cabe�a.
-N�o esta gr�vida, n�o �?
Elizabeth corou.
-N�o - ela respondeu-. Voc� seria o primeiro, a saber, se fosse isso.
A ideia lhe produziu um doce estremecimento de antecipa��o.
-Ent�o, n�o vou poder lhe convencer a me acompanhar?
-N�o!
E rezou porque n�o insistisse mais. Mentir para Richard lhe dava dor no cora��o e na cabe�a.
-Como quiser.
Acreditava que por fim ele tinha aceitado seu desejo, mas de repente ele se agachou diante ela, e r�pido como um falc�o a beijou na boca.
-Pois me parece que est� �tima minha senhora - e voltou a beij�-la com paix�o, lambendo seus l�bios, com a m�o em sua nuca para mant�-la cativa-. De fato,
eu a acho deliciosa demais para que se encontre t�o mal. Poder�amos celebrar o solst�cio do ver�o aqui s� os dois se for seu desejo. � mais do que hora de que conceba
um filho, e que melhor momento que este?
Com os olhos totalmente abertos, Elizabeth n�o encontrou o que dizer.
-N�o diz nada? Por que eu esperaria que me convidasse a sua cama? Cuidado Elizabeth.
Outro beijo lhe roubou o pouco f�lego que restava, e o olhar especulador que lhe dedicou antes de sair da sala a enervou.
Suas bochechas ardiam, seu cora��o parecia um tambor, a respira��o era entrecortada e o corpo tinha ficado frouxo. Estava enganada, ou de verdade tinha
detectado desilus�o em seu rosto? Por que tinha que fingir e manda-lo embora? Respirou fundo para aceitar a necessidade de faz�-lo: Richard n�o podia, n�o devia
estar envolvido no arriscado passo que ia dar.
Na solid�o era mais f�cil concentrar-se no plano previsto, recordar a hist�ria que se contava de um de seus ancestrais nos long�nquos dias da conquista.
Sybil de Lacy, uma gloriosa hero�na de sua inf�ncia, um assunto de intermin�vel fascina��o para ela, tinha sido capaz de cravar uma adaga no assassino que tinha
matado a seu senhor porque queria casar-se com ela. Poderia imit�-la? Se n�o podia agir de acordo com a lei, o faria fora dela e cobraria sua vingan�a executada
por sua pr�pria m�o, como tinha feito Sybil. Desse modo libertaria Richard e David dessa carga. E quanto � qual seria a repercuss�o para si mesma, nem sabia nem
se importava. Tudo que tinha em mente era que o sangue de seu irm�o seria vingado. A alma que a espreitava em sonhos conseguiria por fim descansar.
-Ele j� foi? - a sua fiel Jane lhe perguntou.
-Sim - esta respondeu, olhando pela janela-. Se estiver decidida a fazer algo �til, venha comigo.
Rapidamente saiu pela porta do quarto de Richard e come�ou a procurar com urg�ncia entre cofres e ba�s. Achou o que procurava envolto com um pano �spero.
-Leve isto - disse, entregando a Jane um pacote-. Se re�na comigo nos est�bulos dentro de meia hora. Mande preparar dois cavalos.
-Se esque�a de uma vez de tudo isso! N�o sei o que pretende fazer, mas pressinto o perigo.
Elizabeth se esquivou. Tinha-lhe acabado a paci�ncia.
-Esquecer � justo o que quero. N�o fa�a nada, diz milord, e por uma vez vejo que ambos concordam. Mas n�o penso em permitir que meu tio escape sem pagar
por ter vertido o sangue de Lewis! Se Richard n�o for fazer nada, eu sim o farei.
E dizendo isto, disp�s-se a pegar um par de objetos emprestados do recinto dos soldados. Um quarto de hora depois pegavam suas montarias em dire��o da feira
de S�o Jo�o.
Toda a Welsh Marches tinha ido � feira do solst�cio do ver�o. As cores distintas de cada fam�lia se estendiam por toda parte, os emblemas ondulavam na brisa
c�lida e tanto a casa dos York como a dos Lancaster contavam com uma grande representa��o. Mas durante aquele dia suas diferen�as ficariam esquecidas. O sol brilhava,
a cerveja corria abundantemente e os conflitos ficavam relegados a um segundo plano pela causa da unidade local e da celebra��o.
Richard tinha aguardado pelo evento, como todos os anos, mas naquele momento apertava os dentes, frustrado. Deveria ser capaz de desfrutar da ocasi�o, mas
inexplicavelmente n�o podia deixar de pensar em Elizabeth, no seu comportamento estranho e na aspereza de suas palavras. E no fato de que n�o tivesse pedido que
ficasse.
"N�o confia em mim?", tinha-lhe perguntado irritada.
Bem nem sempre. De fato, estava se perguntando o que se trazia nas m�os. Quando Elizabeth adotava aquela express�o inocente, era quando ele mais temia.
Como sabia melhor do que ningu�m podia ser teimosa, imprudente em sua lealdade a aqueles aos quais amava. Dif�cil, intransigente e caprichosa, mas mesmo assim a
admirava. Despertava a curiosidade nele, desfrutava do fogo de sua uni�o f�sica... seu corpo despertou imediatamente ao imagina-la levando seu herdeiro em seu seio,
antes que deliberadamente afastasse seus pensamentos desse caminho e se centrasse no �ltimo comportamento de Elizabeth. Sua intui��o lhe dizia que algo n�o ia bem,
mas depois do epis�dio do veneno podia acreditar que mantivera sua dama controlada, e que ela n�o transpassaria a linha do que se considerava um comportamento aceit�vel
da senhora de Ledenshall. Talvez houvesse uma explica��o perfeitamente razo�vel, embora n�o fosse sua habitual forma de agir. Talvez pretendesse manter-se afastada
de seu tio para evitar qualquer confronto.
Ele se distraiu com a chegada de Anne Malinder, magnificamente vestida, exibindo seu prometido, Hugo Mortimer de Wigmore, rico e de bom ber�o. Richard n�o
caiu. Podia perceber o inquisitivo olhar daqueles penetrantes olhos verdes at� a dist�ncia, e pela primeira vez se alegrou de que nem Elizabeth nem Jane Bringsty
estivessem presentes.
Ent�o acompanhado por David e com assuntos puramente masculinos em mente, abriu caminho para ir � busca de Robert Malinder, que estava presenciando, com
uma jarra de cerveja na m�o, uma competi��o de arqueiros.
-Richard! - ele cumprimentou, preparando duas jarras de cerveja-. E David. Eu achei que estava em Ledenshall. Seu tio aprova que confraternize com o inimigo,
ou escapou sem sua permiss�o?
Certamente o tato n�o figurava entre as virtudes de Robert.
Mas David n�o o estava escutando. Ficou im�vel e tinha o olhar cravado em um ponto a meia distancia. Em seguida agarrou Richard por um bra�o.
-Richard!
Mas seu cunhado n�o parecia querer lhe dar aten��o.
-Ande, v� tomar outra jarra de cerveja e procure algum arqueiro com o qual falar mais parece uma pulga no lombo de um c�o.
-Mas, Richard, olhe! Olhe ali!
Queria que o menino o deixasse em paz e olhou para onde ele apontava.
A figura de um jovem alto e magro com uma capa pendurando no bra�o ia caminhando pela parte exterior do tumulto sem olhar nenhuma s� vez para o espet�culo.
Em um instante o reconheceu e o sangue gelou em suas veias.
-Deus bendito!
-Eu pensei que era Lewis - murmurou David-, mas � claro, n�o pode ser. Mas se me perguntassem isso, eu diria que...
-Sei exatamente o que diria - interrompeu Richard.
-Ela o fazia quando era pequena: colocava a roupa de Lewis, pegava um cavalo e sa�a. At� que nosso pai lhe tirou o habito com uma boa palmada. O que estar�
fazendo?
-Como eu vou saber o que minha esposa est� fazendo? -replicou. J� tinham sa�do atr�s dela usando dos cotovelos e das desculpas, mas havia muita gente.
-E por que leva um arco e um feixe de flechas? - perguntou Robert, que os seguia-. Ela n�o pretende participar de um concurso t�o p�blico como este, n�o
�?
-N�o - Richard respondeu olhando para David, e pela forma que o mo�o lhe devolveu o olhar, soube que os dois pensavam o mesmo-. Mas poderia considerar...
e se o fizer, a festa de S�o Jo�o se converter� em um campo de batalha.
Foram saindo do grosso do tumulto e puseram-se a correr.
Elizabeth se maravilhava em ser capaz de manter o sangue frio como o gelo e a respira��o tranquila. Da colina em que tinha se colocado teve que entreabrir
os olhos para enfocar John de Lacy. Seria f�cil lan�ar aquelas flechas arrematadas com plumas de ganso contra aquele homem arrogante e cruel para que o esp�rito
de Lewis pudesse descansar em paz. N�o tinha nenhuma d�vida. Todas tinham sido analisadas e descartadas. Sybil de Lacy estaria orgulhosa dela. A sombra de um sorriso
tocou seu rosto, e sem pensar mais, escolheu uma flecha.
Richard a viu imediatamente no lugar que tinha escolhido. A capa descansava a seus p�s com o feixe de flechas, todas exceto uma, que estava colocando no
arco. Toda sua aten��o estava posta na distante figura de seu tio, o assassino, claramente vis�vel entre as pessoas por sua t�nica de azul intenso e seu chap�u enfeitado
com uma pluma, e Richard conteve o f�lego quando a viu levantar o arco, apontar e esticar a corda. Serena, destemida e decidida. Levaria a cabo seu plano, ou perderia
a coragem no �ltimo instante? N�o. N�o podia contar que ela ainda pararia pensar. Se arriscaria a p�r em perigo a vida de outros? Mas sua pontaria era excelente,
e consideraria que o risco era justific�vel para vingar Lewis. Estava p�lida, mas tinha os l�bios apertados pela concentra��o. Ela teria parado para considerar as
repercuss�es se alcan�asse seu objetivo? O peso de uma condena��o por assassinato cairia sobre suas costas, e com tantas testemunhas sem d�vida a condenariam.
Sentiu que uma gota de suor lhe corria pelas costas. Com certeza ela n�o parou para considerar aspectos t�o corriqueiros de sua decis�o.
Todas aquelas ideias passaram por sua cabe�a � velocidade de um raio enquanto decidia o que devia fazer. Se gritasse para distra�-la chamaria a aten��o
sobre eles, algo que queria evitar, e tampouco tinha certeza de que conseguiria faz�-la desistir. Se esperasse estar perto o bastante para lhe arrebatar o maldito
arco, j� podia ter atirado a primeira de suas flechas.
Deus!
Mas tampouco p�de evitar sentir certa admira��o por uma mulher que considerava levar a cabo semelhante plano e que o executasse com tal perfei��o. Se o
olhar de falc�o de David n�o a tivesse localizado, a flecha teria sa�do de seu arco e teria ido cravar se no negro cora��o de De Lacy sem que ningu�m se inteirasse.
A decis�o sobre como atrapalha-la escapou de suas m�os.
-N�o! Elizabeth pare! -gritou David, elevando os bra�os e movendo-os freneticamente para chamar sua aten��o-. N�o! N�o o fa�a!
Elizabeth ficou im�vel, mas n�o abaixou o arco, limitando-se unicamente a olhar em sua dire��o. Richard ficou at�nito ao entender a express�o de seus olhos.
E tudo o que podiam fazer era correr a toda a velocidade que lhes permitissem as pernas na subida. Elizabeth n�o se moveu nem um mil�metro, e seguia apontando
com o arco. Viu-a respirar fundo e soube que n�o iam chegar a tempo. Como temia, viu a flecha sair do arco e voar por cima das cabe�as de quem estava mais pr�ximo
para tomar a dire��o de seu objetivo. Um grito surgiu de entre o povo, confus�o, vozes iradas, enquanto Elizabeth voltava a colocar outra flecha no arco, esticava
a corda, apontava como se tivesse todo o tempo do mundo para enviar uma flecha inofensiva a um fardo de palha, como tinha feito em Ledenshall.
Empurrado por um temor maior que qualquer outro que tinha sentido em sua vida, Richard tomou a �nica decis�o poss�vel.
Antes que pudesse soltar a flecha, Elizabeth sentiu um golpe tremendo no flanco, de uma for�a t�o grande que a derrubou no ch�o e ficou sepultada sob um
consider�vel peso. Como �ltimo recurso, Richard tinha se jogado contra ela como teria feito contra um inimigo em combate mortal. N�o � que fosse uma solu��o muito
fina, ele pensou enquanto permanecia jogado sobre ela, recuperando o f�lego, mas tinha sido decisiva. Elizabeth n�o podia acreditar no que estava acontecendo. Estava
p�lida como a cera e seus olhos brilhavam como brasas. Uma f�ria cega parecia emanar dela aos borbot�es. Durante uns segundos se perguntou se estaria ferida, mas
n�o havia tempo para isso. As pessoas j� os rodeavam e um clamor de vozes se elevava em torno de sir John, que talvez n�o estivesse vivo.
-N�o posso respirar - sua mulher o olhava carrancuda-. Est� me esmagando. Como se atrevem a intervir? Est� me machucando! Deixem que eu me levante.
-Pelos pregos de Cristo, Elizabeth, esse � o menor de seus problemas!
E enquanto se levantava mordeu a l�ngua por n�o deixar escapar as palavras acesas que brigavam para sair e queimar a ambos, antes de puxar sua mulher pelo
pulso para levant�-la do ch�o. Seria um desastre que o vissem brigando com ela sobre a grama, junto a um arco e uma aljava cheia de flechas, se � que John de Lacy
jazia morto com uma flecha similar cravada no peito.
-N�o deveria ter me detido! Deixe-me terminar!
Estava t�o furiosa que era incapaz de raciocinar.
Richard n�o soltou seu pulso e tentou recuperar a calma. Sair daquele embrulho ia requerer mais sorte do que habilidade.
-Sir John vive, mas est� ferido. No bra�o ou no ombro, n�o sei - Robert disse enquanto chegava junto a eles-. Ao menos segue em p�.
-Bom. Ent�o h� esperan�a.
Recolheu a capa do ch�o e a colocou em Elizabeth sobre os ombros, com o que ficou coberta dos p�s a cabe�a quando colocou o capuz. A seguir a empurrou para
que ficasse atr�s de Robert como se fosse um jovem escudeiro que esperava a seu senhor.

-N�o diga uma palavra, nem se mova at� que eu lhe diga isso! Tentem ficar invis�vel - ele gritou com a esperan�a de que sua ira a empurrasse a obedecer-.
Se d� valor a sua vida e a sua liberdade, far� o que lhe digo. A sua, ou a minha? - ela reagiu, mas ele n�o permitiu nem uma fresta de resist�ncia. N�o havia tempo-.
� o escudeiro de Robert e vai esperar atr�s dele para lhe render seus servi�os. Mantenha o olhar baixo, o rosto abafado e a boca fechada.
Sem esperar que concordasse ele deu a volta. Um grupo de soldados de Lacy tinha come�ado a percorrer a feira a toda pressa, alguns brandindo a espada. Tinham
estimado acertadamente a dire��o da flecha. Rezando para que sua sorte seguisse brilhando, recolheu o arco e a aljava e os p�s nas m�os de David.
-Mas o que...?
-Interprete o papel como se sua vida dependesse disso, e pode ser que seja assim. � um mo�o atordoado, sem disciplina nem ju�zo, e inexperiente com um arco.
Um mo�o que merece uma boa palmada por sua estupidez de hoje.
Isso foi o suficiente. David adotou o ar arrogante de um jovenzinho e uma express�o de tristeza.
-Esperemos que seu tio n�o queira levar mais � frente suas pesquisas quando vir de quem se trata. Se alguma vez teve a inten��o de ser um ator, agora �
o momento.
Richard sacudiu o p� da t�nica, passou uma m�o pelo cabelo e adotou o ar de confian�a e autoridade a ponto de sobejar uma situa��o t�o rid�cula quanto aquela
enquanto rezava para que sua imprevis�vel mulher com semelhante veia vingativa se mantivesse calada.
-Malinder! -sir John chegou at� eles ofegando. O sangue manchava a manga de sua t�nica e l gotejava pelos dedos-. O que � o que fazem? Pretende p�r em perigo
outra vida de minha fam�lia, tendo a meio mundo por testemunha?
Com um gesto da m�o indicou a seus homens que rodeavam ao culpado.
-Sir John... o que posso dizer? -Richard tamb�m tentou usar todo o talento de ator que pudesse ter. Uma desculpa, um toque de humor, uma amostra de ira-.
Gra�as a Deus que n�o est� gravemente ferido.
-N�o gra�as a voc� - ele replicou.
-N�o sou o culpado, milord - explicou, abrindo as m�os-. Aqui t�m o culpado.
E de um pux�o apresentou David ao seu tio.
-David! -o rosto de sir John se congestionou de sangue ao ver seu sobrinho-. David? -repetiu com aspereza.
Fingindo-se cheio de confian�a e mau humor, David inclinou a cabe�a desafiante.
-S� estava praticando. Eu tenho que participar do torneio e n�o queria deixar em mau lugar meu sobrenome contra os arqueiros de Glamorgan.
-Disparou nas pessoas?
Ele deu de ombros com insol�ncia.
-� um insensato! Feriu-me com uma flecha!
-Foi um acidente. J� lhe disse que estava praticando - ele repetiu, e olhou a roupa de seu tio-. Acho que a ferida n�o � grave, senhor.
Sir John parecia a ponto de estourar ante tanta insol�ncia e Richard decidiu intervir.
-Praticando com tanta gente ao redor? Suponho que apontava � �guia que sobrevoava a feira agora a pouco, n�o �? E onde supunha que ia cair a flecha? Poderia
ter matado a algu�m! -Richard interpretava � perfei��o o papel de tutor, mostrando um espl�ndido desgosto ante a atitude do jovem-. Visto que vive sob meu teto a
pedido de sua irm�, cujos desejos e felicidade s�o minha prioridade, aceitar� minha autoridade e meu julgamento. N�o penso em tolerar desobedi�ncia ou indisciplina!
-sem avisar lhe deu com a m�o um bom golpe em um lado da cabe�a que o derrubou no ch�o, nem tanto pela for�a quanto pela surpresa, mas conseguiu o efeito desejado-.
Poucas vezes vi uma amostra de tal soberana estupidez em um jovem que aspira ser cavalheiro. Deveriam ter te aplicado a necess�ria dose de disciplina faz tempo.
Hoje poderia ter tingido suas m�os de sangue.
-Mas n�o foi assim.
David permaneceu sentado no ch�o.
-N�o. A sorte sorriu para voc�, com uma boa fortuna que n�o merece. Sir John s� est� ferido. Se levante.
David o fez e seguiu mostrando-se t�o irracional e descort�s como antes.
-Sir John poderia fazer que o a�oitassem at� seu �ltimo f�lego. Converteu-nos em objeto de especula��o de todas as fam�lias da Welsh Marches - Richard o
olhou com desprezo e depois se voltou para De Lacy-. Apresento-lhe de novo minhas desculpas, sir John. Talvez voc� mesmo deseje lhe aplicar o castigo.
-Sim... bom - ele permaneceu em sil�ncio um momento mais-. N�o � necess�rio - acrescentou, j� sem a agressividade de antes-. � jovem e aprender� a li��o.
Richard respirou fundo, consciente da f�ria que Elizabeth continha com muita dificuldade. Como era poss�vel que John de Lacy n�o se desse conta? Mas aparentemente
n�o tinha reparado na insignificante figura coberta com uma capa e com o olhar baixo que aguardava atr�s de Robert Malinder.
-Necessita que o atendam, milord - ele disse, apontando seu bra�o-. Ainda sangra.
-� uma ferida superficial - respondeu olhando para David-. J� � hora de que volte para Talgarth. Necessita de disciplina, bons modos e treinamento antes
que lhe permita ocupar meu lugar.
A seguir inclinou a cabe�a como reconhecimento ante os Malinder e desceu a colina em dire��o ao torneio de arqueiros que j� tinha come�ado.
David manteve a cabe�a baixa e movia a terra com um p� at� que seu tio se perdeu entre o povo.
-E ent�o? Conseguimos? - perguntou sem levantar a cabe�a, mas sorrindo de orelha a orelha.
-Acredito que sim. Interpretou � perfei��o seu papel! -Richard sorriu enquanto recolhia o arco e as flechas-. Acredito que tem um veio de comediante. Agora
estou em d�vida contigo. E gra�as a Deus, tem a cabe�a dura!
David se p�s a rir para tirar a tens�o.
Tudo tinha terminado, disse-se Richard com um suspiro de al�vio. Ao menos at� que chegassem em casa e tivesse que enfrentar � ira de Elizabeth.
Em Ledenshall, Elizabeth abandonou a capa, asfixiada de calor, e o chap�u de veludo, mas ficou com a t�nica e as meias de Richard. No caminho de volta para
casa tinha come�ado a refletir sobre seus atos. E n�o � que lamentasse o que tinha feito. N�o podia lament�-lo! Mas os perigos que implicava uma a��o t�o p�blica
e provocadora lhe tinham ficado nitidamente expostos. Sem a intercess�o de seu marido e seu irm�o, as coisas teriam ido de um modo bem diferente, particularmente
para Richard, apesar de seu bem esbo�ado plano. Mesmo assim, n�o podia arrepender-se do que tinha feito.
-N�o sei o que lhe dizer.
A voz de Richard n�o continha uma condena��o, mas sim mais uma aceita��o o que s� serviu para fazer crescer seu sentimento de culpa.
-N�o pode dizer nada. Sei o que todos pensam - ela levantou o queixo-. Mas se n�o tivessem me detido, a morte de Lewis estaria vingada.
-E a voc� teriam levado coberta por correntes e haveria uma corda lhe aguardando. De todo modo n�o estou convencido de que vamos ficar impunes. Muita gente
viu o ocorrido. Ningu�m interveio, nem se atreveu a apontar com o dedo, j� que sir John parecia ter engolido nossa farsa, mas n�o acredito que as coisas acabaram
por a�. Tenho certeza que ouviremos falar que o arqueiro n�o era David, a n�o ser a senhora de Ledenshall disfar�ada.
-Sybil de Lacy se vingou cravando uma adaga no cora��o de seu inimigo!
-Mas voc�s n�o � Sybil de Lacy! E ela, seja quem for, deveria ter sido mais preparada! -exclamou, batendo um punho na mesa-. Suponho que ela tamb�m deve
ter sido a fofoca da fronteira.
Era verdade. Ela equivocou-se permitindo que as emo��es controlassem seus atos. A culpa cresceu, mas n�o deu seu bra�o a torcer.
-Pois deixe que falem. N�o tenho nada mais a dizer. Vou deixar que voc� continue destruindo minha moral, minha fam�lia e meu car�ter, a favor de sua moral
acomodada. Eu n�o estou com humor para arrependimentos - e acrescentou depois-. Ningu�m se preocupou em saber se estava bem depois de que me jogasse contra o ch�o!
-Voc� mereceu - ele espetou.
E se era poss�vel caminhar graciosa vestida com t�nica, meias e botas, Elizabeth o fez.
N�o podia adiar mais. Uma vez que seu g�nio, e o dele, esfriaram, Richard enquadrou os ombros e seguiu sua mulher. Ela j� tinha tirado seu traje emprestado,
como se de repente a lembran�a do dia fosse inc�moda, e o tinha jogado sobre a cama. Obviamente o estava esperando, com as costas retas e o queixo levantado.
Embora n�o o olhasse de frente, falou antes sequer de que tivesse fechado a porta.
-N�o o diga. Sei que n�o deveria t�-lo feito. Sei que deveria ter pesado a satisfa��o pessoal e as consequ�ncias... e n�o o fiz. Mas mesmo assim, desejava
ter tido �xito.
Richard n�o se aproximou dela. Permanecia com as costas contra a porta e sua voz soou completamente fria, apesar de que seu g�nio ardia ainda.
-Se tivesse conseguido, todos n�s estar�amos agora no centro das aten��es. Voc� chegou a considerar em profundidade as repercuss�es pol�ticas deste assassinato?
Com tantos senhores presentes, acompanhados por suas escoltas, com a palavra guerra nos l�bios e no cora��o, a morte do De Lacy com uma flecha lhe transpassando
o cora��o teria sido a chama que acenderia o confronto. Teria sido a primeira feira de solst�cio de ver�o que teria como resultado um banho de sangue... com os Malinder
e Os de Lacy no olho do furac�o. Gela-me o sangue s� de imaginar.
Elizabeth seguia sem o olhar.
-Eu s� podia pensar no Lewis. Eu errei.
Aquela confiss�o era transcendental, e Richard deixou vagar um pouco seus pensamentos. Parecia sentir-se t�o s� e triste... assim que sua esposa tomava
emprestadas as roupas de Lewis quando desejava escapar de ser uma mo�a? At� que Philip teve que convenc�-la empregando a for�a de seu bra�o, sem d�vida. A ira que
tinha cozinhado em seu interior durante toda a tarde afrouxou um pouco e sentiu a necessidade de tirar um pouco de peso dos ombros. Ela errou, sim, e tinha estado
a ponto de arrast�-los ao desastre, mas compreendia a motiva��o e a dor que a tinham empurrado a faz�-lo.
Sem fazer ru�do se aproximou dela, abra�ou-a e a apoiou contra seu corpo enquanto contemplava o entardecer. Em um primeiro instante ela permaneceu tensa,
mas logo relaxou com um suspiro.
-Acreditava que ainda estava muito zangado - ela disse, mortificada.
-E o estou, mas me parece que n�o h� nada que possa lhe dizer que voc� mesma n�o tenha dito. Que sentido teria ent�o a criticar com minhas palavras se voc�
mesma j� tinha feito esse trabalho? Tamb�m eu n�o posso fazer nada que n�o seja confiar em que recupere o ju�zo, al�m de encerr�-la na torre ou n�o tirar a vista
de cima de voc� nem por s� um segundo - ele apoiou o queixo em sua cabe�a e percebeu que por mais estranho que pudesse parecer, estava tendo uma ere��o-. Sabe que
h� quem a chame de a Fera Negra dos Malinder?
N�o sabia se estava sendo engra�ado ou se desmotivava a notoriedade de sua esposa.
-O que?
Elizabeth se virou para olh�-lo.
-Aparentemente h� quem viu de verdade o incidente, e como usava uma t�nica e uma capa escura... eu ouvi falarem quando part�amos.
-OH! - ela permaneceu um instante em sil�ncio-. Eu pus David em perigo, n�o �? Quando assumiu a culpa em meu lugar, quero dizer.
-Voc� p�s a todos em perigo. Seu tio j� deve estar em Talgarth repassando o ocorrido na cabe�a, dando voltas nos detalhes que n�o casam. Como explicar que
estiv�ssemos todos na colina vendo David lan�ar uma flecha que acabou cravando-se em seu tio? Sir John chegar� provavelmente � conclus�o de que fui eu quem o convenceu
a tentar. Uma conspira��o familiar, digamos: que fosse um De Lacy quem matasse a outro De Lacy - mas de repente se deu conta do que acabava de dizer-. Mas isso j�
foi o que aconteceu com Lewis. Perdoe-me, Elizabeth. N�o pretendia ser t�o �spero.
Ela suspirou.
-Sinto - ela o disse em voz muito baixa, mas com um sentimento profundo.
-Eu sei. Sabia que o lamentaria assim que deixasse que essa sua cabe�a dura governasse seu cora��o.
Ela n�o respondeu.
-N�o deve voltar a faz�-lo - continuou Richard em voz baixa-. Nem isso, nem qualquer outra coisa que possa ferir sir John ou comprometer nossa posi��o.
Uma fa�sca � tudo que se necessita para incendiar a Welsh Marches.
-S� queria fazer algo... faz�-lo sofrer como Lewis sofreu. E voc� n�o...
Richard decidiu n�o reabrir a ferida e permaneceu em sil�ncio, abra�ando-a, rodeando a de calor e consolo.
-Tem que me prometer isso Elizabeth.
-De acordo.
-Diga.
-Prometo que n�o farei nada que ponha em perigo a vida de sir John.
-Embora n�o fa�a nada para salv�-lo se for o caso.
Respirou fundo outra vez.
-E prometo n�o fazer nada que comprometa sua honra. � o suficiente?
-Com isso basta. Quantos problemas me causou!
-Mm... e tomei emprestadas suas roupas.
-� uma mulher valente, Pentesilea. Uma verdadeira amazona, com ou sem suas roupas. Mas da pr�xima vez, deixe em casa o arco - a fez virar-se entre seus
bra�os e lhe passou m�o pela bochecha-. Eu a machuquei ao derruba-la? Foi tudo o que me ocorreu.
Elizabeth suspirou e apoiou a bochecha em sua palma da m�o. Enchia-lhe o cora��o que estivesse de acordo e que se preocupasse. Embora n�o a amasse, aquela
do�ura era j� mais do que tinha sonhado, e lhe estava agradecida por isso.
-N�o. Um par de arranh�es, nada mais. E eu me merecia isso.
-Nunca - ele respondeu, e a beijou com suavidade nos l�bios.
Em Talgarth, Nicholas Capel respirou fundo, colocou sua t�nica negra e se concentrou no que tinha diante de si.
As cartas que tinha sobre a mesa eram italianas, de cores intensas e carregadas de poder. O Louco. A Imperatriz. O Enforcado. A roda da Fortuna. Todas elas,
em suas m�os, trabalhariam para Nicholas Capel. Estudou a carta que tinha na m�o direita. Sabendo o momento exato do nascimento de Elizabeth, n�o tinha sido dif�cil
descobrir sua carta astral e assim poder olhar mais de perto seu destino. Recordou da imagem que tinha visto em sua bola de cristal: Richard Malinder e Elizabeth
de Lacy frente a frente, as m�os entrela�adas, a ponto de beijar-se. Seus corpos se uniam ao encontrarem-se seus l�bios, tal como ele tinha esculpido em cera. Satisfeito,
considerou a pergunta que ia fazer.
-Est� gr�vida?
Uma breve pausa. Sua respira��o mal movia a chama que tinha junto ao bra�o.
-Ser� um var�o?
Uma a uma foi virando as cartas para revelar sua mensagem. Arregalou os olhos.
-Sim!
Acariciou suavemente a superf�cie das cartas como se pretendesse absorver seu poder. Tinha chegado o momento de agir. Se Elizabeth era f�rtil, se j� levava
em seu ventre um var�o como diziam as cartas, cada coisa estava em seu lugar para que Malinder morresse. Apagou a vela. Do mesmo modo se apagaria a vida de Malinder.
Nicholas Capel sorriu.

















Quatorze

O dinheiro estava trocando de m�os entre Richard e um pastor quando Robert entrou no sal�o principal de Ledenshall.
-Quem era esse?
-Um pastor de Pembridge - Richard respondeu em um tom pensativo-. Um grande grupo de invasores galeses est� preparando algo, ou assim pensa ele. Imagino
que deveria ir dar uma olhada. Uma demonstra��o de for�a tamb�m n�o estaria ruim.
Ao menos serviria para deixar de lado a cat�strofe em seus pensamentos. Livrou-se de uma batalha em Northampton, um choque desesperado no qual o ex�rcito
dos York tinha sa�do vitorioso. O rei Enrique, bloqueado e em inferioridade num�rica, tinha ca�do prisioneiro nas m�os dos partid�rios dos York, e sua esposa e seu
filho tinham fugido para proteger sua vida. A ideia de que o duque de York podia chegar a ser rei da Inglaterra o espreitava na vig�lia e no sono.
Percorreram os caminhos mais pr�ximos com uma patrulha bem disciplinada e armada. Nada. Tudo tranquilo.
-Imagina��es de um pastor b�bado, eu suponho - comentou ao final. Come�ava a chover, e as nuvens que surgiam pelo oeste amea�avam mais-. Voltemos para casa.
N�o vamos conseguir nada ficando por aqui e com este tempo. Os galeses devem ter partido faz dias, se � que estiveram aqui.
Entretanto, Richard sentia uma esp�cie de pressentimento que n�o o deixava em paz. Talvez a tranquilidade fosse exagerada. Ao seu sinal, a patrulha p�s
aos cavalos a galope.
Um pouco mais adiante, avan�ando devagar para eles, um grupo de viajantes apareceu depois de uma curva do caminho com carro�as carregadas, um pequeno rebanho
de gado e um grupo heterog�neo de c�es. O lugar no qual os grupos iam se cruzar n�o era o melhor, j� que se estreitava com as �rvores, que ao n�o havia sido destru�do
tinham sido invadindo, al�m das ervas daninhas e o mato rasteiro. Richard fez um gesto a seus homens para que se detivesse e se ficassem em um lado e assim dar passagem
aos viajantes.
O gado foi o primeiro a passar, com a cabe�a encurvada e uma frustrante lentid�o, at� que um feroz latido partiu de entre os arbustos a sua esquerda. Seguiu
um agudo grito de dor e uma algazarra de ru�dos t�o ensurdecedora quanto uma matilha de c�es atr�s de um rastro. O resto do grupo abandonou seus deveres de vigil�ncia
e correu para socorrer seu companheiro.
-Cuidado! Emboscada! Aten��o �s �rvores!
Richard elevou a voz por cima do vozerio quando reconheceu o que acontecia. Por que tinha demorado tanto em perceber? Figuras a cavalo sa�ram de entre as
�rvores de ambos os lados do caminho enquanto uma chuva de flechas que partiam do bosque come�ou a cair sobre eles como se fosse chuva.
N�o havia lugar para que os atacantes ou as v�timas tomassem posi��es no caminho enquanto o gado continuasse entre eles, e ao dar-se conta disso e depois
de um silencioso sinal, quem tinha preparado a emboscada abandonou o seu plano e se retiraram de novo para o bosque.
-Por ali!
Richard apontou para a direita ao mesmo tempo em que puxava a espada. Os soldados se dividiram em dois grupos e sa�ram atr�s dele, lan�ando-se � floresta
com gritos e o retumbar dos cascos dos cavalos.
Tudo terminou t�o rapidamente quanto tinha come�ado. �geis e ligeiros, imposs�veis de apanhar entre tanta o mato, os p�neis e seus cavaleiros se fundiram
com o bosque, de um modo que Richard n�o teve outro rem�dio que convocar a seus homens para voltar � estrada. Um dos pastores tinha o bra�o atravessado por uma flecha,
e um dos soldados tinha sido atingido no ombro, justo acima do colete de couro, mas nenhuma das duas feridas era grave.
-Deviam ser os invasores galeses que lhe falaram. Ao menos temos um deles.
Uma vez reagrupados para voltar para casa, Robert desmontou a borda do caminho para virar um cad�ver que n�o tinham visto at� ent�o.
-N�o tem emblema nem cores distintivos. Deve ser um gal�s sim.
Richard se agachou junto ao corpo.
Cabelo escuro, olhos fr�geis e entrecerrados pela morte, o assaltante era alto e estava bem formado, diferente da constitui��o mais musculosa dos galeses.
-N�o o conhe�o - ele disse.
Ia levantar quando o brilho de um objeto de ouro chamou sua aten��o. A adaga do morto, que ainda permanecia presa ao cintur�o da espada com sua capa de
couro lavrado, o punho muito decorado e adornado com pedras semipreciosas ao estilo italiano, com uma prote��o finamente entalhada. Soltou o fecho que o prendia
ao cintur�o. Aquela pe�a era �nica, nada a ver com a adaga que levaria um simples soldado. Ou um ladr�o gal�s.
-O que voc� acha Rob?
Haviam retornado a marcha e Richard seguia remoendo o ocorrido.
-N�o sei o que pensar - respondeu seu primo-. Um ataque surpresa de ladr�es oportunistas?
-Eu diria que n�o - muito s�rio, ele abaixou-se para evitar um galho baixo, e voltou a contemplar a adaga que levava na m�o. Certamente n�o parecia o tipo
de arma que pudesse pertencer a um ladr�o vulgar -. Era um grupo grande, bem escondido e no lugar mais vantajoso para seus prop�sitos. Uma verdadeira emboscada,
mais que um encontro fortuito. Mas se �ramos n�s seu objetivo, ou se o era o grupo de viajantes e seu gado...
-Eu sei bem no que apostaria!
-E eu. Se pudesse descobrir a identidade desta arma...
Richard a guardou na bota.
-Eu diria que algu�m lhe odeia, primo.
-E eu acredito nisso.
Richard p�s a seu cavalo num trote. Voltaria sobre isso mais tarde, quando tivesse tempo para pensar, mas a impress�o de que aquilo n�o tinha sido um ataque
aleat�rio ganhava for�a. Algu�m ansiava sua morte, e n�o por acaso, e sim com determina��o.
Elizabeth tamb�m se sentia inc�moda.
Richard estava ensimesmado, de mau humor e com pouca paci�ncia. Tinha ocorrido algo que ele n�o lhe estava contando. Sabia da derrota do rei em Northampton,
e que tinha sido feito prisioneiro, e isso bastaria para que Richard andasse taciturno. Tamb�m havia a possibilidade de que as tens�es entre eles n�o tivessem desaparecido
desde sua tentativa de atravessar com uma flecha o negro cora��o de seu tio. Mas havia algo mais. Richard estava tremendamente preocupado, at� o ponto que tinha
a sensa��o de estar vivendo permanentemente sob nuvens de tormenta.
Assim Elizabeth se sentia mal.
Nos �ltimos dias ela tinha dado a pensar que tinha uma possibilidade para tirar seu senhor daquele mau humor... se tivesse um herdeiro pelo qual lutar,
um futuro que considerar n�o s� para si mesmo e sim para um filho que levasse seu sobrenome. Tinha que acelerar as coisas e da� o saquinho de nozes que levava no
cintur�o, j� que qualquer mulher inteligente sabia que levar uma noz com sua casca ajudava a ficar gr�vida. Esse desejo tamb�m explicava as sementes de papoula que
jogava no vinho. Era simplesmente quest�o de tempo.
Quanto ao papel que Richard tinha que interpretar naquela obra, n�o podia queixar-se. N�o mostrava retic�ncia alguma para compartilhar seu leito. Desejava-a,
e sua virilidade estava fora de qualquer d�vida. Mas algo faltava: ternura, aten��o talvez. Havia uma falta de dedica��o apesar de sua invari�vel delicadeza. E esse
era o problema. Enquanto antes a tomava sempre com uma paix�o irrefre�vel, �s vezes com humor, sempre com considera��o por seu pr�prio prazer, agora se mostrava...
distante. Continuava beijando-a, abra�ando-a, levando-a para o prazer... mas era como se contivesse tanto seus pensamentos quanto suas rea��es. Como se temesse abrir-se
para ela dizendo muito ou mostrando muitas emo��es. E de seus pensamentos e preocupa��es, dos sonhos que turvavam seu descanso e das inquieta��es que lhe faziam
franzir o cenho, mantinha-a completamente � parte. �s vezes, quando suas respectivas necessidades f�sicas tinham sido saciadas,saia sem lhe dar nenhum tipo de explica��o
e se retirava para seu quarto.
Todo isso n�o deveria preocupar Elizabeth de Lacy, que tinha chegado ali do priorado de Llanwardine sendo uma noiva n�o desejada. Aquela Elizabeth n�o tinha
ilus�o a respeito de seu casamento j� que sabia que n�o era mais que um acordo pr�tico. Mas agora lhe importava. Encheu uma terrina com ervas perfumadas para tranquilizar-se
e esmagou os ramos de lavanda com as m�os para separa-los das flores.
Com firmeza, em sil�ncio, inesperadamente, sem pretens�o, o amor tinha se apoderado dela do mesmo modo que aquele penetrante aroma enchia seus sentidos.
Lembrava-se de t�-lo admitido, embora a contra gosto, no dia que Richard pagou a quantidade apostada depois dela ganhar o concurso de arco e flecha. Desde ent�o
o amor que sentia por ele, forte e dominante, tomou conta de tudo, enchendo cada espa�o por menor que fosse, em seu cora��o e em sua cabe�a, e j� n�o podia escapar
dele. E n�o era apenas pela beleza de seu rosto ou de seu corpo. Nem por como cuidava dela, por seu apoio incondicional quando a dor a dobrou depois da morte de
Lewis, ou quando a deixou louca at� o ponto de atentar contra a vida de seu assassino. Tamb�m n�o era por sua honra, ou seu sentido da justi�a, nem por sua capacidade
de enfrentar a uma crise e conseguir tirar proveito dela.
Recordava do desastre da feira de solst�cio de ver�o com um estremecimento de horror. Recordava sua disposi��o sem fissuras de que ela chorasse de dor,
empapando a t�nica, sem que nem por um instante mostrasse esse sentimento t�o masculino de desconforto ante os sentimentos de outro ser humano.
Ent�o, a que se devia seu amor? N�o podia diz�-lo. Tudo que sabia com certeza era que o amava. Seu corpo firme combinado com suas ternas car�cias. Ou a
paix�o que se desprendia de sua boca e de suas m�os e que a fazia arder. Ele n�o a amava, � claro. Apertou com mais for�a os ramos de lavanda. Mas sentia falta do
homem que falava com ela. Que ria com ela. Que sabia despertar seu corpo para um prazer que nem sequer sabia que existia.
-Maldita seja sua sombra... - murmurou entre dentes. Sentia falta da intimidade que tinha come�ado a dar por garantida. E seu cora��o do�a ao suspeitar
que Richard n�o fosse feliz e sentia-se incapaz de fazer algo a respeito. Como ia poder faz�-lo se ele nem sequer lhe dirigia a palavra? Do�a-lhe ser incapaz de
romper sua carapa�a. Gwladys, a dama de todas as virtudes e todos os talentos, teria sabido acalm�-lo com suaves palavras e elegantes beijos!
Richard havia voltado a ausentar-se. Ia percorrer suas terras e nem sequer lhe havia dito aonde ia ou por que. Ela sentia falta dele. Sentia-se sozinha
sem ele. E desesperadamente inquieta por uma raz�o que n�o conseguia imaginar.
E foi precisamente isso o que a empurrou a tomar uma decis�o: ia a Bishop's Pyon. O que Richard podia ter que objetar a isso? Por alguma raz�o, de novo
essa incerteza, sentia a necessidade de voltar para lugar no qual tinha passado seus anos de inf�ncia.
-Vou a Bishop's Pyon - disse a Jane-. E n�o v� me dizer que Richard n�o o deixaria, porque ele n�o est� aqui para aprovar ou desaprovar. Eu vou.
E aquela desobedi�ncia lhe proporcionou um prazer inaudito.
Quando Ledenshall apareceu por fim diante de seus olhos, foi dif�cil para Richard r livrar-se da nuvem negra que parecia t�-lo engolido fazia dias. Gostaria
se devesse apenas ao aprisionamento e o estado mental do rei, embora fosse verdade que ele nem sequer reconhecesse seu pr�prio nome, e seu filho ainda n�o tinha
completado dez anos. Aparentemente n�o havia nada no caminho do duque de York at� o trono. Seria poss�vel que ele reconhecesse o duque como rei da Inglaterra? Nunca!
Nem vivo nem morto! Mas no momento essa n�o era sua principal preocupa��o. As repercuss�es do conflito na Welsh Marches eram mais imediatas, j� que a lei e a ordem
se desintegraram alarmantemente e a seguran�a j� n�o podia ser garantida.
Seu est�mago revolvia s� ao recordar a cena que seus homens e ele acabavam de deixar atr�s e que tinha sido incapaz de evitar. Os corpos de inocentes viajantes
esparramados sem vida em uma sarjeta. O sangue e os membros enredados, mulheres, crian�as e homens. Roubados, nus e passados na faca. N�o tinha estado ali quando
os ladr�es atacaram e o resultado tinha sido que os viajantes tinham pagado com a vida. A responsabilidade de tudo isso lhe pesava sobre os ombros.
E se Elizabeth tivesse ca�do presa de semelhantes monstros? Melhor nem pens�-lo.
E quanto ao ataque dos galeses... Teria sido fortuito, ou se tratava de uma emboscada perfeitamente preparada na zona de mais vegeta��o e onde o caminho
se estreitava que tinha ficado sobrepujada pela inesperada chegada de um rebanho? Seria ele seu objetivo? E se fosse assim, de quem era o ouro que tinha pagado aos
mercen�rios?
Um nome seguia aparecendo persistentemente em seu pensamento.

Mas n�o havia modo de saber, portanto por que permitia que continuasse avinagrando seu humor? Dem�nios... deveria t�-lo deixado atr�s fazia dias. Ledenshall
estava diante dele, familiar, acolhedor, e sentiu que seu esp�rito se aliviava. Estava h� muito tempo deixando que tudo aquilo o afetasse. Melhor deixar de lado
seus temores pelo futuro, manter firme sua autoridade na Welsh Marches e limitar-se a esperar que os acontecimentos se desenvolvessem em Londres. Suas profundas
reservas sobre o futuro rei n�o afetariam em nada o confronto entre partid�rios dos York e dos Lancaster.
Mas antes de tudo tinha que falar com Elizabeth, o que j� deveria ter feito fazia semanas.
Um fais�o saiu assustado dos arbustos que cresciam ao lado do caminho e voou o que fez seu cavalo dar uns coices e se deslocar nervoso para o outro lado.
Como se a cor ruiva do animal tivesse despertado suas lembran�as, a sua mem�ria acorreu � lembran�a de Gwladys. N�o podia haver duas mulheres t�o diferentes quanto
Elizabeth e ela. Uma t�o bela que podia lhe deixar sem respira��o. A outra...
Mas que desastre tinha sido seu casamento com Gwladys. Assaltada permanentemente por inexplic�veis temores e nervos que n�o tinham nada a ver com a realidade,
sua mulher sempre o tinha olhado como um coelho que observava uma �guia. Temia-o. Possivelmente temesse a todos os homens. Ao menos temia e recha�ava a rela��o �ntima
entre marido e mulher, a tal ponto que deitar-se com ela tinha sido um pesadelo para ambos. Por mais ternura, por mais paci�ncia e considera��o que mostrasse apesar
de sua juventude e inexperi�ncia, Gwladys n�o suportava que a tocasse sem estremecer-se de recha�o, at� o ponto de passar dias trancada em seu quarto bordando, escutando
m�sica e rezando. Seu contato com o povo de Ledenshall se reduzia ao m�nimo. Era t�o bela quanto a imagem da virgem que havia na capela, e como ela carecia de alma,
com seu sorriso vazio e seus olhos inexpressivos. Gwladys sempre se mostrou fria e insens�vel. Quando se deitava com ela tinha a sensa��o de faz�-lo com uma est�tua
de pedra at� o ponto de que se proteger com os travesseiros, cobrindo-se com as mantas at� o pesco�o. Se n�o fosse uma lembran�a t�o dolorosa para ele, o teria feito
rir.
Mas Elizabeth n�o era nem fria nem insens�vel. N�o recha�ava suas car�cias. Tinha provado que era uma mulher tremendamente complexa. Decidida, sincera at�
um ponto quase alarmante, mas ao mesmo tempo vulner�vel, agoniada pela tristeza de seu passado e as crueldades do presente. Gwladys tinha sido bela, mas Elizabeth...
diante de seus olhos se materializou a imagem de umas ma��s do rosto elegantes, uns magn�ficos olhos profundos como a noite, uns cabelos, que embora fossem curtos,
j� dava para afundar as m�os em suas sedosas mechas, a suave linha da mand�bula e o queixo. Elizabeth possu�a uma atra��o muito pessoal, e pensar nela o fez estremecer
de desejo. De repente a necessidade de v�-la, de toc�-la, ficou quase insuport�vel.
Sem questionar a pressa Richard aplicou as esporas nos flancos do cavalo, esporeando pelos remorsos que sentia por seu comportamento daquelas �ltimas semanas,
nas quais deliberadamente a tinha afastado dele para que n�o tivesse que suportar a carga das preocupa��es que constantemente o assaltavam. N�o tinha sido nem um
bom marido nem um amante atento, mesmo sabendo que seu comportamento a magoava. Pensar em como tinha aceitado as demandas de seu corpo lhe provocou uma imediata
e surpreendente lux�ria. J� era hora de arrumar o que tinha quebrado. Elizabeth merecia outro comportamento de sua parte, e ao aproximar-se da porta da muralha,
deu-se conta de que sorria.
Mas o sorriso desapareceu de seu rosto assim que entrou em casa e se encontrou com mestre Kiplin, que fez uma rever�ncia como sauda��o.
-Milord. Acreditava que era a senhora... mas possivelmente tenha decidido ficar para passar a noite ali. Mal h� luz.
-Onde ela est�?
-Foi a Bishop's Pyon milord.
-Bishop's Pyon!
-O irm�o de milady foi com ela, milord - ele contrap�s preocupado por sua resposta-. E o comandante Beggard a acompanhou com uma escolta armada.
-O que? -a resposta foi t�o violenta quanto o ataque de uma serpente-. E se pode saber por que dem�nios teve que ir ao Bishop's Pyon?
-Bem milord...
-Os caminhos s�o perigosos. H� mais de uma d�zia de bandos beligerantes na �rea. Vou procura-la.
Montou de novo em seu cavalo e partiu para Bishop's Pyon com um medo terr�vel no cora��o.

























Quinze

Elizabeth n�o passou a noite em Bishop's Pyon.
Na verdade n�o sabia por que lhe tinha ocorrido � ideia de ir at� l�, um inexplic�vel desejo que s� podia atribuir a seu nervosismo naqueles �ltimos dias,
ou ao desejo de reviver alguns dos momentos mais felizes de sua inf�ncia, quando sua m�e ainda vivia. A breve visita n�o lhe proporcionou satisfa��o alguma, e se
alegrava de voltar para Ledenshall. Al�m disso, possivelmente Richard j� houvesse retornado.
Havia outra raz�o pela qual desejava ir de Bishop's Pyon: seu inexplic�vel encontro com Nicholas Capel. Ele n�o tinha lhe explicado por que estava ali;
apenas que viajou para atender uma solicita��o de sir John.
Mostrou-se educado e respeitoso. Inclusive tinha perguntado por sua sa�de enquanto a olhava com um profundo interesse, particularmente ao seu rosto, mas
tamb�m da cabe�a aos p�s. Tinha sido dif�cil n�o se encolher diante de semelhante exame. Inclusive tinha chegado a segurar seus pulsos sem que ela pudesse evitar,
para olhar a fixamente � seu rosto como se pretendesse ler algo nele.
-Mestre Capel! -exclamou, dando um pux�o, mas ele n�o a soltou.
-Da �ltima vez que nos vimos, milady, em Talgarth sua sa�de me preocupou- ele disse com suavidade-. S� desejava me convencer de que j� se encontra bem.
-Sim eu estou bem. Por que n�o ia estar?
-Por nada, milady. Eu fico mais tranquilo.
E a soltou.
N�o a tinha amea�ado em nenhum sentido, e, entretanto... seguia tendo consci�ncia de sua tentativa de fazer um mapa astral, e um calafrio lhe percorreu
as costas. Logo chegou David, e p�s um ponto final a qualquer discuss�o pessoal.
-Seu tio gostaria fosse visita-lo em Talgarth, milady.
-Obrigado, mestre Capel. Eu irei considerar.
Mas � �bvio n�o ia faz�-lo. N�o tinha nada que dizer a sir John. E sim, se alegraria de estar de volta a Ledenshall. Era estranho que j� o considerasse
sua casa. E que sentisse aquele intenso desejo de ver Richard esperando-a no p�tio, disposto a desc�-la da �gua com seus bra�os fortes, sorrindo s� para ela. O que
tinha acontecido em t�o pouco tempo? Nenhum outro homem lhe tocava t�o fundo quanto ele. Nenhum outro homem podia lhe roubar o cora��o e o f�lego, lhe inflamar o
sangue com apenas um olhar, com o menor toque de suas m�os. Nenhum outro tinha roubado seu cora��o como aquele homem fronteiri�o que tinha sua felicidade e sua satisfa��o
na palma da m�o, que parecia agora decidido a criar uma dist�ncia entre eles que antes n�o existia, e que Deus sabe onde estaria naquele momento!
Jamais tinha amado a um homem como amava a Richard Malinder. Ai est�! J� tinha usado as palavras exatas, embora tivesse sido apenas para si mesma. Sentiu
que o sangue se amontoava nas suas bochechas imaginando-se de novo em seus bra�os, beijando-o, com ele a envolvendo em um milagroso estado de felicidade. Inclusive
podia at� mesmo sabore�-lo, cheir�-lo, imaginar suas m�os sobre sua carne nua, de tal modo que n�o podia deixar de pensar no deleite que era capaz de lhe proporcionar
o Malinder Negro.
E nesse momento, quando j� se aproximavam � colina cuja descida os levaria �s portas de Ledenshall, ali estava ele, a todo galope. Salpicado de barro e
suado, assim como � companhia que o escoltava, com os pend�es Malinder ondulando no ar sem vento. Ali estava, como se seus pensamentos tivessem podido invoc�-lo
por arte de magia.
Tinha o cenho franzido e os dentes apertados.
-� Richard. Vem nos receber - disse David,mesmo sabendo que n�o era necess�rio.
Elizabeth sentiu que seu cora��o dava um salto, e que lhe dava trabalho respirar, como j� sabia que ocorreria, e seu rubor se tornou quente enquanto se
preparava para o confronto.
Mas Richard se limitou a colocar-se junto a eles, de modo que a discuss�o ficava postergada. Limitou-se a saud�-la com uma brusca inclina��o de cabe�a,
de modo que ficava claro que n�o estava de humor para falar do que fosse e Elizabeth n�o tentou iniciar uma conversa com ele. Para que? Melhor deixar para David.
Quando chegou a seu quarto, Elizabeth estava furiosa. Meia hora de subida acompanhada pelo bate-papo de seu irm�o e seu marido tinham esgotado sua paci�ncia.
Tirou a capa e as luvas e as atirou na cama. Eles a tinham ignorado por completo, os dois. Sob sua displic�ncia estava furioso. Sob a tranquila conversa com o David,
a ira fervia. Ela o tinha visto na tens�o com a qual segurava as r�deas, no g�lido fogo de seus olhos. Pois n�o ia aguentar! Uma coisa era admitir que o amasse at�
as �ltimas consequ�ncias, mas se ia ter uma troca sincera de pontos de vista com Richard, n�o estava com humor para mostrar-se complacente. Estava cansada, sentia-se
ignorada e n�o estava de bom humor. Primeiro Capel examinando-a como se fosse uma criatura estranha de suas cartas m�gicas; depois Richard, cavalgando para seu lado
com um cenho de tormenta, sem d�vida furioso por sua decis�o de viajar para Bishop's Pyon. Ia ouvi-la quando se dignasse a aparecer.
A porta de seu quarto se abriu. Era Jane, que levava uma jarra de �gua e uma bacia.
-Jane, estou gelada e morta de cansa�o.
Ela tentou se livrar do mau humor enquanto Jane preparava a �gua e uma ta�a de vinho quente, e logo acrescentava uns troncos � lareira. A seguir a ajudou
a tirar o vestido, as meias e esquentou seus p�s e m�os. Em seguida lhe colocou uns chinelos macios e um roup�o que a envolvia em suas acolhedoras dobras desde debaixo
de seu queixo at� o ch�o, presa por uma faixa � cintura; depois, tirou-lhe o v�u e penteou seu cabelo, que j� formava uma cabeleira curta. Quando o vinho j� estava
quente e o aroma das especiarias enchia a sala, Jane lhe serviu em uma ta�a.
-Deduzo que lorde Richard n�o est� muito contente.
-N�o, e desconhe�o a raz�o. Nosso interc�mbio de palavras foi muito breve no momento - ela tomou um gole-. Suponho que pode ser por minha visita a Bishop's
Pyon... mas n�o, n�o est� contente.
-Mm...
Jane tinha se plantado diante dela com os bra�os na cintura.
Elizabeth n�o tinha reparado nisso, j� que tinha o olhar posto no ramo de canela que girava em sua ta�a de vinho.
-N�o quer me falar. S� grita comigo como se fosse uma serva, ou um dos c�es que se deitam sob seus p�s. Como posso o ajudar se n�o souber o que lhe acontece?
- era bom falar do que a estava preocupando h� semanas-. Se ele quisesse me contar.�.
Tamb�m franzindo o cenho, Jane aproximou um candelabro e com ele na m�o examinou o rosto de sua senhora.
-E agora o que? -perguntou Elizabeth.
-Deixe-me lhe dar uma olhada - ela disse, aproximando mais a luz. As sobrancelhas com seu belo desenho, os olhos escuros um tanto cansados, o rosto oval,
agora mais arredondado, mas conservando suas elegantes ma��s do rosto. Deixou o candelabro e pegou a m�o de sua senhora para examinar sua palma e percorrer com um
dedo suas linhas.
-Sei...
-Sei o que?
Elizabeth afastou a m�o de um pux�o. Era a segunda vez no mesmo dia que algu�m a tratava como se fosse um inseto estranho.
-Juro, Jane, que n�o estou com humor para adivinha��es.
-Nada de adivinha��es milady - o rosto de Jane se enrugou em um estranho sorriso-. Est� tudo claro para quem sabe ler. Est� gr�vida.
-O que?
-Talvez tenha sido uma boa esta��o para as nozes.
-N�o! N�o pode ser. Eu n�o sabia...
-Desde quando � necess�rio saber para ficar gr�vida? Eu o vejo em seu rosto, t�o claro como um meio-dia de ver�o.
-N�o!
-� tolice acirrar-se ao contr�rio, milady. J� aparece. Est� de poucas semanas.
-De poucas semanas - ela repetiu, enquanto tentava esclarecer suas emo��es. Estava aturdida. Surpreendida. Encantada.
-Milord pode n�o ter falado muito com voc�, mas o resto parece ter feito com maestria.
Elizabeth levou as m�os aos l�bios. Seria essa a causa de sua inquieta��o? O que Richard diria?
-Jane! Se for verdade... nem pense em falar disso com algu�m.
-N�o sou dada aos falat�rios milady.
Elizabeth a olhou meio de lado.
-Quando quiser que algu�m saiba... quando quiser que ele saiba, serei eu quem vai falar.
Jane partiu e Elizabeth permaneceu na cadeira junto ao fogo. A gata saltou para seu rega�o como se percebesse sua necessidade de consolo. N�o era aquilo
o que desejava? Talvez. Era o que Richard queria: um herdeiro para seu sobrenome. Mas n�o ia contar. Ainda n�o. Ela tinha que assimil�-lo antes. Levou a m�o ao ventre
e saboreou a ideia com prazer.
Mas antes ela e seu marido tinham que esclarecer algumas coisas.
Quando Richard entrou em seu quarto sem bater, se achou v�tima de um ataque direto e r�pido como o de um falc�o. Elizabeth se levantou, soltando � gata
sem compaix�o e avan�ou para ele. Tinha a cabe�a erguida, os ombros para tr�s e as costas retas. Preparada para a batalha.
Suas inten��es n�o estavam claras nem sequer para si mesmo quando fechou a porta, mas o terror que tinha lhe causado sua irrefletida viagem, isso sem mencionar
seu empenho em n�o parecer nem sequer um pouco arrependida, empurrou-o a batalha. Recordava-se de sua decis�o anterior de lhe falar, de abrir seu cora��o, inclusive
de aceitar consolo, tudo isso ficou esmagado como uma mosca. Ele tinha se detido apenas para tirar a capa e a espada antes de subir as escadas de dois em dois, seus
pensamentos sendo atropelados pela ira justificada. N�o ia permitir que por um capricho se desse ao luxo de sair a campo aberto. N�o ia permitir que pusesse sua
vida em perigo, de modo que o resto de seus pensamentos ficou imediatamente exilado em sua cabe�a, seu cora��o se gelou e o peito contraiu. Era sua esposa, sua mulher,
e a amava. Precisava proteg�-la. N�o podia imaginar sua exist�ncia sem ela, e por isso ela n�o tinha o direito de expor-se desse modo ao perigo. Amava-a apesar de
ser teimosa como uma mula. Quando a tinha visto avan�ar para ele, tudo que queria era subi-la em seu pr�prio cavalo e lev�-la para casa... at� que a viu elevar o
queixo e o olhar desafiante.
E mesmo assim, apesar disso, e por isso, amava-a...
Amava?
N�o! O amor n�o tinha lugar entre suas emo��es. O amor debilitava a um homem, comprometia suas decis�es. A vida com Elizabeth seria muito mais f�cil se
fosse apoiada no respeito, inclusive no afeto.
Mas seu cora��o se empenhava em estelar se o contra o peito. O que sentia pela Elizabeth era muito mais forte que o afeto, muito mais intenso que o simples
desejo de proteger. Mas quando tinha ocorrido aquilo? N�o tinha nem ideia. Ainda estava se recuperando da surpresa de seu descobrimento quando suas primeiras palavras
chegaram aos ouvidos, t�o sutis e conciliadoras como um direto no queixo.
-Antes que digam algo, me deixe lhe deixar algo claro, Richard: posso ir a Bishop's Pyon sempre que me parecer oportuno. N�o necessito de sua permiss�o.
Sabia que devia controlar seu g�nio, morder a l�ngua. Aquela mulher era seu amor n�o? Mas de novo o resto de p�nico que havia sentido ganhou a partida.
Seguia obstinado a sua garganta. Mas ia tentar manter a calma, ser razo�vel, embora ela n�o o fosse. E dana-se!
-N�o se voc� se p�e em perigo com isso, minha senhora. N�o � livre para arriscar sua vida e sua seguran�a quando lhe agradar. Far� o que eu lhe diga.
-Em perigo? Eu n�o estive em perigo!
-Em perigo, sim. Pelos ladr�es. Pelos bandidos que acampam por todo o pa�s aproveitando-se das circunst�ncias.
-Confia em Simon n�o? Ele me acompanhava.
-Sim, mas se d� conta de que � um alvo perfeito?
Ela voltou a elevar o queixo e um impulso perverso a animou a continuar. Estava disposta a provocar algumas chamas a mais.
-Pelo amor de deus mulher! Ser� que n�o se d� conta de seu valor como ref�m? Ou at� mesmo como objeto de um roubo. Parou para pensar sequer no valor de
sua capa? Nesse maldito broche que fui t�o est�pido para lhe dar de presente. Nos cavalos. A lei e a ordem n�o existem na fronteira com o rei prisioneiro e os galeses
entrando e saindo a seu bel prazer. Assim � imposs�vel garantir a seguran�a dos viajantes. E voc� nega a exist�ncia de perigo!
-Est� bem! N�o tinha pensado.
Elizabeth estava furiosa porque se deu conta de que ele tinha raz�o. E estava comovida porque se preocupava com ela.
-Alguma vez voc� pensa? -a f�ria confiscou seu controle, e ele se encontrou dizendo coisas que prometeu n�o mencionar-. Hoje mesmo vi o horrendo resultado
de um roubo a menos de cinco milhas daqui, em minhas pr�prias terras. Quer que lhe conte isso? Corpos nus atirados na sarjeta, viajantes inocentes, mulheres, crian�as
e seus maridos, despojados de sua dignidade, assaltados e saqueados para roubarem suas joias. E a vida. Isso � o que temia que pudesse lhe ocorrer.
Seu cora��o encolheu, mas n�o deu marcha para tr�s. N�o podia distanciar-se nem dar um passo atr�s. Uma f�ria cega palpitava em seu interior, ardia em seus
olhos pedindo a��o. Ambos ficaram olhando-se, fixamente, bufando como gatos se enfrentando em um telhado, dispostos a saltar um sobre o outro. O ar estava carregado.
-N�o vai se por em perigo - continuou Richard, com o rosto em chamas-. Espero como esposa minha que �, que seja discreta, mas me parece que voc� n�o conhece
o significado dessa palavra. A Fera Negra dos Malinder � a fofoca da Welsh Marches.
Estava perdendo o controle, e ela sabia.
-Farei o que me agrade - ela espetou.
E esperou contendo o f�lego.
Richard a agarrou pelos ombros.
-N�o, n�o o far� se com isso se puser em perigo. N�o quando sua lealdade entra em conflito com as minhas.
E a sacudiu, mas sem perder o controle de sua for�a.
-Ah, era isso. Voc� pensou que ia me unir a meu tio para participar dos planos dos yorkistas contra voc� no seio dos De Lacy?
-N�o, claro que n�o...
-Que injusto! Como se atreve a me desonrar assim?
-Se cale...
-N�o vou calar-me! - ela soltou-se de suas m�os para caminhar at� o outro lado do quarto e voltar dali-. J� tive sil�ncio mais que suficiente de voc� durante
estes �ltimos dias. � mais do que hora de que me fale e me conte o que � o que est� lhe deixando de mau humor, como uma vespa em um monte de ma��s.
-Elizabeth, eu lhe advirto que n�o vou tolerar...
-N�o vai tolerar o que Richard? -Elizabeth atravessou o quarto agarrou a lapela de seu marido com as duas m�os e o beijou na boca-. N�o? O que � que n�o
vai tolerar?
E de novo voltou a lhe beijar.
Ambos ficaram desconcertados.
Elizabeth foi primeira em recuperar-se e dizer o que tinha na cabe�a. O que ia perder?
-Eu me importo. Preocupa-me v�-lo infeliz e intranquilo. Aborrece-me v�-lo distra�do e preocupado. Detesto que me deixe de fora de suas preocupa��es como
se n�o signific�ssemos nada um para o outro, mesmo que tudo que compartilhemos seja uma cama e n�o consigamos concordar com quem deve levar a coroa.
Voltou a beija-lo apaixonadamente.
-E o que t�m a dizer agora?
-Isto... muito pouco - seus pensamentos ficaram pendurados no ar-. Elizabeth...
-Richard! -repreendeu-o. Ainda n�o estava satisfeita.
E ele se encontrou perdido no brilho de seus olhos, e sem saber como come�ou a derramar as palavras que tinha destilado em seu cora��o enquanto voltava
para Ledenshall. Os sentimentos que o tinham lan�ado a essa f�ria irracional quando descobriu sua aus�ncia.
-Ser� que n�o se d� conta de que a amo? - E como ela ia dar-se conta se nem eu mesmo sabia? -. A possibilidade de perd�-la, ou de que algo possa lhe ocorrer
me destro�a. N�o tem nada que ver com a pol�tica, nem com as alian�as de sua fam�lia. Eu dou a m�nima que seja partid�ria dos York ou dos Lancaster. Se a atacassem,
se lhe fizessem mal, eu mesmo acabaria ferido. Se a assassinassem... viver sem voc� seria imposs�vel. Eu te amo...
Era muito estranho ouvir-se dizer aquelas palavras em um quarto silencioso. Esperar por sua resposta...
-Ah, Richard...
N�o podia ler nada em sua express�o. Tudo que fez foi umedecer os l�bios com a l�ngua. Ele pegou suas m�os nas dele.
-Eu te amo, Elizabeth, embora n�o possa dizer por que cheguei a amar a uma mulher t�o dogm�tica e teimosa como voc�.
-O mesmo eu posso dizer de amar um homem arrogante e dominante que quer me impor obedi�ncia a todo custo.
Ele escutou sua resposta e lhe custou um momento ser capaz de assimilar uma declara��o de amor t�o surpreendente como aquela. Na verdade, como tinha sido
tamb�m a dele. Mas de novo foi Elizabeth quem se recuperou antes. Respirou fundo, deixando claro que sua exaspera��o era naquele momento mais evidente do que seu
amor. Dava a impress�o de que ainda n�o compreendia nada. Como podia ser t�o lento? Ia ter que deixar-lhe claro como a �gua!
-Eu te amo, Richard Malinder, e que Deus me ajude! E agora o desafio a que permane�am em sil�ncio. Tolo... meu muito adorado tolo.
E em um segundo estava em seus bra�os. Quem fez o primeiro movimento n�o se poderia dizer, mas esse foi o resultado.
-Estou sujo.
-N�o me importa. Eu tamb�m estou.
Ca�ram na cama.
-Temia por voc�. N�o podia suportar lhe perder. Te amo.
-Demonstrem-me isso. Demonstre-me o quanto.
-Vai v�-lo o agora mesmo.
A cabe�a teve um papel muito pequeno no que ocorreu a seguir. Foi uma necessidade absoluta, um fogo que ardia entre os dois, que consumia e abrasava todas
as suas diferen�as. Beijos desesperados, m�os movendo-se desmandadas, roupas que tiradas de qualquer maneira at� que n�o houvesse nada que os separasse. As m�os
de Elizabeth, suaves como a seda sobre seu peito, sobre seu ventre, em seus quadris, agarrando sua ere��o, estiveram a ponto de faz�-lo perder o controle.
-N�o! Ainda n�o!
E respirou fundo para recuperar o dom�nio de seu corpo.
Agarrando-a pelos pulsos, Richard os segurou por cima da cabe�a enquanto devorava seus l�bios. E a seguir, antecipando essa mesma do�ura entre suas coxas,
e porque j� n�o podia resistir mais, com um movimento decidido a penetrou.
-Richard...
A voz da Elizabeth se dissolveu naquele f�lego quebrado e arqueou o corpo ao florescer as sensa��es e obrig�-la a pedir mais.
-Me olhe, Elizabeth. Fique comigo O beijo que lhe deu foi todo ternura, todo delicadeza, apesar do tumulto que os tinha unido naquele momento.
-Sim... - murmurou quando come�ou a mover-se dentro dela, a possuir e encher, e se estremeceu sob seu peso, j� sentindo sua urg�ncia-. Sei quem �, Richard.
E lhe devolveu a car�cia com adora��o.
-E eu sei quem � voc�.
Foram as �nicas palavras que trocaram durante um tempo, at� muito depois de que tivessem chegado ao cl�max e Richard acabasse afundando o rosto em seu cabelo.
A respira��o recuperou seu ritmo normal e o sangue se esfriou. O pensamento demorou um pouco mais a voltar ao normal, at�nito como estava pela explos�o
de paix�o que os tinha arrastado, at� que os aromas que permaneciam entre ambos despertaram os sentidos de Elizabeth e ela enrugou o nariz. P�, cavalo e couro. N�o
era desagrad�vel, mas desejou um bom banho de �gua perfumada, embora n�o sentisse vontade de mover-se, assim apoiou a bochecha no peito de Richard e desfrutou de
escutar seu cora��o pulsando com for�a.
-Eu te amo, Elizabeth. Poderia beijar a terra que pisa. Por que me foi t�o dif�cil me dar conta?
Richard a abra�ou com mais for�a contra seu corpo. Tinha vivido com ela, discutido com ela, e Deus sabia que tinham estado em desacordo. Mas pegando seu
rosto entre as m�os examinou cada tra�o, t�o querido para ele. Como n�o tinha visto sua beleza depois de Gwladys, ser� que ela o tinha cegado e danificado para outras
mulheres? E ali tinha estado todo o tempo. Um cabelo sedoso, uns olhos de olhar intenso e misterioso. Uma beleza �nica. Por que n�o a tinha visto nem reconhecido
at� aquele momento? Suas curvas deliciosas, firmes e delicadas ao mesmo tempo, sedutoramente suaves ao contato de sua m�o e sua boca.
-Porque n�o me queria - respondeu Elizabeth com o cora��o na m�o.
-Acho que n�o sabia o que queria, mas agora sim sei.
-N�o sou rival para Gwladys - ela suspirou-. Isso n�o pode negar.
-N�o. N�o se parece nada com ela gra�as a Deus! -Richard p�s um dedo em seus l�bios quando foi dizer algo-. Mas n�o falemos mais de Gwladys esta noite.
Eu lhe disse o qu�o bonita �?
-N�o - ela teria virado para outro lado se ele o tivesse permitido-. Ningu�m nunca me disse. E certamente eu dava pena quando cheguei a voc�.
Beijou-a meigamente nos l�bios.
-Ent�o eu vou dizer isso. Brilha como o sol no horizonte, como a mais cara de minhas joias. � mais preciosa que todas minhas terras, que todas as minhas
posses. � toda minha vida.
Elizabeth n�o p�de responder. Estava muito cheia de emo��o, satisfeita estando deitada junto a ele e se deixando ir por aquele mar de felicidade incomensur�vel.
Amavam-se. Um milagre, t�o brilhante e precioso quanto seu Livro de Horas. Um milagre no qual quase n�o podia acreditar, mas acaso ele n�o o havia dito com suas
pr�prias palavras? Assim como ela tinha feito. N�o o tinha demonstrado com o corpo? Assim como ela tinha respondido, e pensar nisso a fez corar. Pensaria nisso mais
tarde; agora aproveitaria pausadamente, porque ainda n�o tinham terminado. N�o ia soltar ainda ao senhor de Ledenshall do anzol, embora ele pudesse beijar o ch�o
que ela pisava, conforme dizia.
De verdade havia dito isso?
-Richard, me diga por que a derrota de Enrique o preocupa tanto. Por que n�o pode ou n�o quer apoiar a um York, se � que temos que aceitar a um rei da casa
dos York Plantagenet?
-Mm?
Elizabeth lhe deu com uma cotovelada nas costelas.
-Preciso saber.
-E quando n�o? Achava que estava adormecida. Eu estava - ele se moveu o bastante para lhe cobrir o ombro de beijos-. Mas agora j� n�o estou - murmurou.
-Richard! - ela protestou, mas estremeceu-. Richard diga-me o que o incomoda. Por que � t�o terr�vel para voc� que um membro da casa dos York ocupe o posto
do rei Enrique? Ambos t�m sangue real.
-J� vejo que o amor n�o a suavizou - protestou, mas algo j� tinha mudado em seu cora��o, e contou tudo: seu desespero pela instabilidade de Enrique, por
sua incapacidade para dirigir o pa�s. A destrui��o da lei e da ordem a que havia visto expostos sob seu comando. Todas as preocupa��es que tinham feito t�o desagrad�vel
sua marcha pela fronteira. Elizabeth j� sabia de tudo aquilo, mas do que n�o tinha nem ideia e a que ele se referiu foi o vergonhoso comportamento do duque de York
depois da batalha de St. Albans. Richard Plantagenet, e depois o duque, ordenaram a execu��o de sir Thomas Malinder, o pai de Richard, decapitando-o.
-Meu pai n�o tinha por que morrer. Poderiam t�-lo enviado para a pris�o, ter pedido um resgate por ele como pediram por outros l�deres dos Lancaster. Foi
um assassinato pol�tico com o qual pretendiam tirar um rival da Welsh Marches. Foi um ato vingativo e sangrento que n�o posso perdoar. Sinto n�o ter lhe contado
isso. � habito que eu tenho de guardar meus pensamentos e n�o compartilh�-los.
-Eu o perdoarei apenas se n�o voltar a faz�-lo.
Quis que o momento n�o ficasse muito s�rio, embora se sentisse comovida por ele ter compartilhado algo t�o pessoal e amargo para ele com ela, e com uma
m�o acariciou seu peito como se pudesse alisar os rastros da dor e conseguir um futuro livre disso. O velho duque tinha acabado morto em Wakefiel no m�s de dezembro
anterior, e seu t�tulo tinha reca�do para seu filho de dezessete anos, Edward, conde de March.
-Tudo o que se pode fazer em minha opini�o � esperar e deixar que os acontecimentos se desenvolvam em seu pr�prio ritmo. Pode ser que Edward, o novo duque,
seja um homem mais f�cil de seguir.
-Esperemos que assim seja.
Richard pegou sua m�o e a beijou na palma. Elizabeth compreendeu o gesto. Por que teria se mantido calado por tanto tempo? Mas n�o lhe falou da emboscada,
nem tampouco de sobre quem reca�am as suspeitas em sua averigua��o. Ainda estavam come�ando e n�o era o momento de carregar aquele incipiente amor com temores por
sua seguran�a.









Dezesseis

A festividade do solst�cio de inverno chegou, e Elizabeth j� tinha certeza: iam ter um filho. Ainda n�o disse nada, j� que em muitas ocasi�es se perdia
o nen� antes que se soubesse de sua exist�ncia, mas tinha deixado de ter o per�odo e embora sofresse as altera��es pr�prias de seu estado, gra�as a uma infus�o de
folhas bals�micas, conseguia aguenta-las bem.
-Eu n�o lhe disse? - Jane se gabou enquanto ajudava a sua senhora a p�r um elegante vestido de brocado da cor de ametistas com umas luxuosas sobremangas
que ca�am at� o ch�o, um espl�ndido decote e um corpete salpicado de p�rolas. E Elizabeth a perdoava. Era uma maravilhosa not�cia pela qual s� podia se alegrar.
Tinha decidido que contaria a seu marido na noite de Reis, fazendo disso um presente, e lhe agradava esperar um pouco mais e desfrutar adiantado de sua felicidade.
No jantar beberam, trocaram as ta�as, continuaram bebendo um na marca que os l�bios do outro tinha deixado na borda do copo, olhando-se nos olhos e expressando
com isso todas as emo��es que n�o se atreviam a p�r em palavras. Algo que nem se atreveram a imaginar no banquete de seu casamento.
Logo, deixando ali aqueles que com certeza beberiam e festejariam at� a alvorada, retiraram-se para suas acomoda��es. Elizabeth serviu uma ta�a de vinho
e se sentou junto a ele, levando consigo as ta�as de estanho e uma caixinha entalhada.
-Tenho um presente de Reis para voc�, milord - ela disse passando a m�o sobre a delicada madeira da tampa.
-Ah, sim? E do que se trata?
-Quando nos casamos voc� me ofereceu v�rios pressente, e agora queria lhe dar eu um como s�mbolo do amor que sinto por voc�.
Richard a beijo no cabelo pegou a caixa de suas m�os e abriu a tampa adornada. Havia um pacote de veludo e o abriu: era um jogo de xadrez em marfim, maravilhosamente
esculpido, com um cavalheiro montado em seu cavalo, os bra�os em alto para empunhar a espada, a lan�a e o escudo. Possivelmente podia tratar-se, estudando atentamente
a magn�fica cota de malha e as dobras da sobreveste, um cruzado de anos atr�s. Era de um corte magn�fico, uma antecipa��o das magn�ficas torres, bispos e pe�es que
completavam o jogo.
-S�o magn�ficos - Richard pegou a figura do rei na m�o, com sua coroa, sua espada e suas roupas r�gias-. O que acha que ser�: York ou Lancaster?
Elizabeth suspirou e se apoiou nele.
-O certo � que n�o sei. E neste momento, a verdade � que n�o me importa.
-Que esposa mais complacente voc� est� hoje! -exclamou, colocando o rei junto a sua esposa de costas reta e express�o severa-. E o que eu posso lhe dar
eu em troca, minha senhora?
-Voc� j� me deu um presente - respondeu, abaixando o olhar. Ainda ia fazer lhe esperar um pouco mais, embora n�o muito. Ardia de vontade de contar.
-Al�m da capa e o broche, n�o. E lhe ofereci isso antes de chegar a te querer - ele respondeu, abra�ando-a pela cintura.
-N�o me refiro a isso - ela respondeu, e tomou um gole de vinho. A seguir o olhou nos olhos-. Deu-me um filho. Levo em meu seio seu herdeiro, Richard.
A emo��o cresceu ao ver como suas palavras tinham chegado ao cora��o dele. Seu sorriso encheu seu rosto de luz, como se tivesse ganhado uma batalha.
-Um filho! -ali estava em seu rosto. O deleite. A r�pida preocupa��o por ela. Como o adorava por isso-. Quanto faz que... quanto tempo faz que sabe?
-Jane me disse isso apenas uma semana depois de que ocorreu!
-� a predi��o de uma bruxa?
-N�o. Jane � muito h�bil lendo os signos, mas agora eu tenho certeza. Meu corpo me disse. Eu diria que faz tr�s meses.
Ela virou-se para encara-lo.
-Como n�o sei o que lhe dizer, acredito que devo te beijar.
E o fez, derrubando naquele toque dos l�bios toda a ternura e o sentimento de posse que levava dentro tanto para ela quanto para seu filho que estava por
nascer.
-Ter� um herdeiro antes do pr�ximo ver�o - ela sussurrou quando p�de.
E nenhuma outra coisa ia satisfaz�-lo al�m de leva-la para a cama e am�-la uma vez mais. Elizabeth sentiu que n�o podia ser mais feliz. O futuro lhe sorria.

O futuro se tornou amea�ador na forma de um mensageiro real que trazia um documento urgente.
-Elizabeth, eu tenho que ir - Richard disse de repente-. Vai acontecer uma batalha e me convocaram a me unir ao exercito da rainha, em nome do rei, com
a for�a que seja capaz de reunir.
De repente ele se viu apanhado no pensamento dos preparativos de uma viagem com os suprimentos de guerra, por uns caminhos alagados, at� que percebeu que
Elizabeth n�o tinha respondido e levantou o olhar com um sorriso deliberado.
-N�o morrerei, eu lhe prometo isso. Estarei de volta antes que voc� note.
-Voc� n�o pode saber. Eu rezarei por sua seguran�a.
Aproximou-se dele. O n� de ansiedade que tinha estado presente desde os primeiros dias de seu casamento e inclusive depois da brilhante gloria de descobrir
o amor que sentiam um pelo outro, ainda seguia presente nela como um gr�o de areia em uma p�rola. Aquele n�o era o melhor momento para perguntar, mas sabia que devia
faz�-lo. Mesmo que fosse por puro ego�smo, mas podia n�o haver outra oportunidade de faz�-lo. "Perguntem a ele", havia lhe dito Jane. E ia faz�-lo.
-Richard... me dir� uma coisa antes de ir?
-O que quiser.
Ele n�o percebeu a inquieta��o que se refletia em seu rosto.
-Sei que � uma tolice, mas... fale-me de Gwladys. Nunca me fala dela.
-O que quer saber?
Elizabeth franziu o cenho.
-Voc� a amava? Continua levando-a em seu cora��o?
Claro. Era isso. Ele n�o o tinha considerado, nem sequer lhe tinha ocorrido pensar que Elizabeth, em sua vulnerabilidade quando chegou de Llanwardine, tinha
vivido com o temor de que seu cora��o seguisse nas m�os de sua primeira esposa. Richard deixou de lado a carta e a abra�ou apoiando sua testa contra a dela.
-Amava-a? -repetiu Elizabeth.
-Se a amava? N�o, n�o a amava.
-Eu pensava que a tinha amado. Que a amava muito para vir a me amar. Era muito bonita.
-Elizabeth! J� n�o te falei que te amo? -Richard lhe acariciava o cabelo-. N�o t�m nada a temer de Gwladys. N�o � um espectro que me exija lealdade, que
possa pisar na barra de vestido cada vez que se vire.
-Eu n�o sabia. Nunca t�nhamos falado dela.
Elizabeth esperou, e Richard soube que teria que lhe dar explica��es, e o fez do modo mais simples que foi poss�vel.
-Gwladys era uma mulher muito bela, mas a intimidade do casamento a aterrorizava. Suportava minhas demandas porque considerava que era meu direito, mas
nunca encontrou prazer algum nisso. Encolhia-se cada vez que a tocava, ela detestava que o fizesse, o que me fazia sentir como um b�rbaro. Tentava ser delicado,
respeitador, mas ela n�o notava a diferen�a. Duvido que diferenciasse entre uma sedu��o e uma viola��o. Para ela era um al�vio que n�o fosse ao seu leito. Meu �nico
consolo era pensar que teria recha�ado a qualquer homem, mas eu era muito jovem e sempre conservei a d�vida se era eu o problema.
-OH...
A Elizabeth n�o ocorreu nada que pudesse acalmar uma ferida t�o profunda e pessoal. Um v�u de tristeza obscureceu seu olhar e em sil�ncio amaldi�oou � preciosa
Gwladys pela dor que tinha infligido a seu marido. De repente recordou de algo.
-Agora me lembro... quando nos deitamos juntos pela primeira vez, eu me encolhi quando foi tocar meu cabelo, ou melhor dizendo, o cabelo que n�o tinha.
Senti vergonha.
Ele esbo�ou um sorriso triste.
-E eu pensei... bom, j� imagina o que pensei quando me pareceu que n�o queria que a tocasse. N�o poderia passar pelo mesmo uma segunda vez. Gwladys e eu
nos conhec�amos por toda a vida, desde que �ramos crian�as - ele lhe ofereceu uma m�o para que fossem sentar se nos almofad�es do batente da janela, que atrav�s
de seus vidros entrava o sol e esquentava tudo-. Acreditava que por sermos amigos, que n�s t�nhamos afeto suficiente para que pudesse se transformar em amor e no
que nossas fam�lias consideravam um casamento desej�vel. Mas me equivoquei. Inclusive a amizade que t�nhamos murchou. Gwladys foi retirando-se pouco a pouco para
seu mundo de bordados e rezas. Desempenhava seu papel como esposa e senhora de Ledenshall sem uma mancha, mas s� no estritamente necess�rio. Quando perdeu ao menino
na gravidez, n�o voltei a visitar seu leito. Foi um al�vio para ela e para mim tamb�m.
-Sinto ter lhe recordado tudo isso.
-Tanto quanto sinto eu lhe ter preocupado. Suponho que deveria ter lhes contado isso faz tempo - Richard lhe levantou o rosto a empurrando suavemente pelo
queixo e secou uma l�grima com a ponta do polegar-. N�o tema, Elizabeth. T�m todo meu cora��o, meu amor e meu respeito. Ainda n�o sabia?
-Sei agora - seu sorriso foi brilhante e o desejo palpitou em seu olhar-. Eu n�o me afastarei de voc�, Richard!
-J� o vejo - ele respondeu rindo, e a beijou na testa-. E tamb�m deve saber minha amazona, que voc� � para mim mais formosa que qualquer outra mulher, no
passado e no futuro.
A d�vida que ainda albergava seu cora��o de n�o ser digna de seu amor se dissolveu em felicidade. Ningu�m rondava os pensamentos de Richard que n�o fosse
ela.
O dia da partida de Richard chegou. Elizabeth despertou muito cedo, tanto que a luz s� era capaz de criar cinzas no quarto silencioso. Em algum momento
da noite se virou para Richard e ele, embora adormecido, tinha a rodeado com seu bra�o para t�-la perto. Tinha a m�o posta sobre seu peito e notava o tranquilo subir
e descer de sua respira��o. Seu perfil se destacava com aquela luz incipiente, as pestanas escuras desenhando a curva de seus olhos, o cabelo ondulado e escuro.
Gostaria a luz se apressasse e pudesse estudar seu rosto sem que ele percebesse, para gravar aquele momento para sempre, porque naquela mesma manh� partiria com
seus homens para a inevit�vel batalha em nome do rei prisioneiro. Morte ou gl�ria.
A escurid�o seguiu cedendo e Elizabeth seguiu desfrutando de seu calor, sua proximidade, seu aroma, a marca de sua carne na pr�pria. Quanto o amava. E o
milagre era que ele amasse a ela, e ainda mais que Gwladys j� n�o fosse uma sombra a espreitando. O ci�me que cercava seu cora��o se derreteu. Se ao rei Enrique
fosse restitu�do o trono havia a possibilidade de que Richard pudesse voltar para casa e que ambos pudessem viver com certa normalidade. Mas s� Deus sabia quando
voltaria a v�-lo. N�o conseguia pensar em outra alternativa. Incapaz de seguir permanecendo im�vel, ela ergueu a m�o para tocar seu cabelo e riscar a linha de seus
l�bios com um dedo. E sentiu que sorria.
-Esta acordada - ele murmurou, voltando-se para ela para beij�-la no ponto em que o pesco�o se unia ao ombro.
-Sim.
-Quase posso a ouvir pensar.
-S� o muito que o amo - ela murmurou, contente de que despertou-.Eu sentirei muita saudade Richard.
Abra�ou-a com for�a para saborear sua pele e o perfume de ervas de seu cabelo antes de ter que deix�-la. E tamb�m se permitiu fazer amor, para lhe deixar
a lembran�a da for�a de seu desejo uma vez mais. Ela se esticou com um suspiro ao sentir como encaixavam � perfei��o, e Richard controlou o ritmo de seu movimento
naquele quente santu�rio que era apenas dos dois. Delicado, terno, sem a paix�o abrasadora que �s vezes os consumia, foi um encontro lento e longo que poderia acompanh�-los
quando os dias e a dist�ncia se estendessem para separ�-los. At� que Elizabeth se estremeceu contra ele e Richard deixou que sua rendi��o chegasse. At� que os dois
ficaram tombados um junto ao outro, a respira��o acelerada, mas por fim satisfeitos.
Ela abra�ou-se a ele como se n�o fosse deix�-lo partir, embora soubesse que n�o devia faz�-lo. A carga que deviam suportar as mulheres era a da espera,
e de ocupar suas m�os e sua mente para poder afastar o medo do resultado da batalha.
Como se tivesse lido seu pensamento, Richard se apoiou em um cotovelo para olha-la no rosto. Estava s�rio.
-Necessito que leve as r�deas do castelo por mim, Elizabeth. Em meu nome e no de seu herdeiro. Que proteja a minha gente e minhas terras. Voc� o far�?
-Com todo meu cora��o, meu amor...
Uma batida � porta do quarto cortou a conversa.
-Milord! Milord!
O tom era muito assustado, e a voz t�o jovem que Richard saltou da cama, colocando por cima uma manta para abrir a porta. Era um dos ajudantes da cozinha.
-Mestre Beggard me envia para busc�-lo, milord - o menino estava sem f�lego, e tinha os olhos arregalados-. Diz que v� imediatamente. Assediam-nos.
-Quem nos assedia? O que ocorre?
-Mestre Beggard me pediu que lhe dissesse que � uma for�a hostil.
-Lhe diga que vou agora mesmo.
O mo�o saiu correndo.
-O que est� acontecendo? - Elizabeth perguntou com ansiedade, recordando a outra ocasi�o em que Richard tinha sido arrancado de seu lado. Foi na noite da
trag�dia de Lewis.
-N�o sei, mas o averiguaremos em seguida.
Do balc�o se desfrutava de um ponto de observa��o perfeito para calibrar o problema. Richard chegou junto a seu comandante e olhou para fora. Diante do
castelo, desdobrando-se j� junto �s muralhas em ambas as dire��es, havia uma consider�vel for�a de guerreiros e arqueiros. Carros com mantimentos se viam na zona
onde estava se levantando um acampamento. Certamente n�o pretendiam tomar aos habitantes do castelo de surpresa. As ordens se transmitiam a gritos, as maldi��es
flutuavam no ar �mido enquanto os homens manobravam com o equipamento para coloc�-lo em seu lugar, ou descarregavam o necess�rio para atender aos animais. Era uma
for�a formid�vel, preparada para ficar.
-Um ass�dio, milord? -perguntou Simon.
-Deve ser. Parecem dispostos a ficar.
Robert se uniu a eles, alertado pelo alvoro�o e a agita��o crescente.
-Esta visita n�o parece trazer boas inten��es - ele disse rindo, embora sem humor-. A quem adv�m preparar um ass�dio em pleno m�s de fevereiro e estando
a situa��o entre os York e Lancaster em um ponto t�o cr�tico?
-N�o sei - Richard voltou a olhar para frente, consciente de algo que n�o foi mencionado-. O que v� Rob?
-Al�m de um contingente grande e bem organizado que parece decidido a tomar o castelo?
-Olhe-os, Rob!
-Ah! -Robert assentiu-. Sem rosto e sem nome.
Mas foi Simon Beggard quem p�s em palavras o pensamento.
-N�o h� distintivos, milord. Nem pend�es, nem estandartes, nem arauto... ao menos que eu veja. N�o sabemos quem nos ataca.
-E o mais prov�vel � que pretendam nos manter nessa ignor�ncia - Richard respondeu-. Quem viria contra n�s desse modo? Necessitar�o ao menos de tr�s meses
para nos render. Temos provis�es suficientes e nosso fornecimento de �gua � seguro. No que est�o pensando, pelo amor de Deus? Com certeza sabem que eu n�o vou negociar.
-A� t�m a resposta - disse Robert assinalando ao caminho pelo que se aproximavam cavalos, lenta e trabalhosamente, arrastando pesadas rodas atr�s deles-.
Quem quer que seja tampouco pretende negociar - os cavalos levavam quatro grandes canh�es-. � um inimigo poderoso, Richard. Algu�m que pretende fazer um buraco nas
muralhas do castelo e entrar.
Richard ficou contemplando como os canh�es se colocavam em suas posi��es, declarando sua horr�vel finalidade. Algu�m, escondido atr�s do anonimato, pretendia
destruir a muralha. E j� que n�o havia arauto que seguindo a tradi��o os convocasse a parlamentar antes que come�asse o ataque, os atacantes n�o estavam interessados
em oferecer condi��es para a rendi��o.
Os habitantes de Ledenshall receberam logo o primeiro disparo de canh�o, logo seguido por outro e outro mais. Ao fim de uma hora, as pedras da muralha come�avam
a sofrer. O resultado final n�o podia ser mais �bvio.
-O que faremos? -perguntou Robert, alheio ao p� cinza que cobria suas sobrancelhas vermelhas-. N�o podemos ficar aqui sentados enquanto nos amassam.
Richard via claramente qual ia ser o resultado: a parede iria cedendo e se criariam grandes aberturas. Os guerreiros da casa Malinder lutariam at� o final
para defender Ledenshall, disso n�o tinha d�vida, mas e ao final? A rendi��o. A captura. A morte.
-Estamos apanhados como ratos esperando a que os c�es tenham a oportunidade de nos partir o pesco�o - ele analisou.
N�o havia modo de sair de Ledenshall que n�o fosse enfrentando-se ao inimigo.
Alem disso, � claro, havia a poterna, uma pequena porta que dava no fosso, totalmente em desuso e coberta de vegeta��o.
Seguindo as ordens de Richard, os homens se reuniram em torno da mesa do sal�o principal. Poderia ter esbo�ado seu plano desenhando-o no p� acumulado em
sua superf�cie.
-Estamos em perigo.
Olhou a cada um dos rostos que tinha a seu redor. N�o tinha sentido fingir, mas sua voz se mantinha serena e seus gestos gotejavam confian�a. Quando um
m�ssil impactou no primeiro andar da torre que tinham sobre suas cabe�as nem sequer se encolheu.
-Se ficarmos aqui, eles ir�o nos matar ou nos far�o prisioneiros. Proponho um plano. Usaremos a poterna, justo ao amanhecer, quando os homens s�o mais suscet�veis.
Rob, voc� e Simon ficar�o aqui comandando a resist�ncia, como se ainda continu�ssemos apanhados. Responder�o com fogo para chamar a aten��o e abrir�o as portas principais
como se tiv�ssemos pensado em sair por ali. Assim distrairemos sua aten��o e n�o estar�o prestando aten��o no fosso quando abrir a poterna.
Richard esperou para ver Robert assentir a contra gosto.
-Quero tirar as mulheres daqui. Se as muralhas cederem, n�o acredito que possam sair daqui sem sofrer danos. Vamos p�-las a salvo e eu irei � busca de homens
armados em minhas terras. Ent�o voltarei a levantar o ass�dio. Quatro ou cinco dias no m�ximo.
-De onde tirar� os cavalos? -perguntou Robert.
-Da estalagem... ou isso eu espero. Tentarei que um homem saia na escurid�o e os advirta.
-Posso ser eu? - David perguntou com os punhos apertados sobre a mesa e os olhos cravados em Richard, lhe rogando e desafiando ao mesmo tempo.
-� claro - respondeu. J� tinha levado em considera��o o orgulho dos De Lacy. Como ia p�-lo fora de perigo sem deixar em embargo sua capacidade?-. Vai se
disfar�ar de campon�s e vir� comigo. Necessitarei de ajuda para tirar as mulheres.
David assentiu. O disfarce contribu�a ao sentido de aventura.
-Eu o farei.
-Bom menino! Achava que ia discutir comigo sobre isso Agora, irei comunicar a not�cia.
-N�o penso em ir! N�o vou deixa-lo aqui!
No solar Elizabeth o enfrentava. A enfurecia que quisesse tir�-la do castelo e afast�-la dele.
-N�o estou perguntando Elizabeth - ele respondeu, apertando os dentes. Mas j� esperava algo assim, n�o?-. � uma ordem.
Suas palavras n�o sortiram grande efeito.
-N�o vou consentir que me tire daqui envolta em algod�es. Ficarei ao seu lado e brigarei contra quem quer que se atreva a atacar nosso lar. Contra qualquer
um que ouse p�r sua vida em perigo.
Apesar de tudo tinha que admirar seu esp�rito de luta, mas aquele n�o era o momento.
-Me escute, minha louca - ele a afastou da perigosa janela e levou-a para o centro do c�modo, obrigando-a a sentar e escutar, segurando-a pelas m�os-. Olhe-me
e escute. N�o sabemos que objetivo tem este ataque. N�o sabemos se se aplicam neste caso as regras habituais porque aparentemente n�o, e n�o posso estar seguro de
que se negociar ou inclusive se me render, poder� sair ilesa. Tampouco podemos resistir indefinidamente a sua capacidade de artilharia. Trata-se de algu�m que est�
muito decidido a nos derrotar, assim n�o espero quartel. Este plano... sei que parece uma fuga, mas acredito que ajudar� a equilibrar as for�as. Tenho que saber
que est� a salvo. Uma vez que tenha sa�do daqui e n�o corra perigo, terei um problema a menos na cabe�a. Tenho que me ocupar de meus homens e do povo de Ledenshall.
Pense nisso.
Suas palavras tinham sido claras e simples, e chegaram com facilidade ao intelecto de Elizabeth, a sua consci�ncia atrav�s do v�u da incerteza e do medo.
E � claro n�o lhe disse nada que ela j� n�o tivesse pensado. Mas n�o podia trope�ar. N�o podia o abandonar a sua sorte.
Richard viu a negativa escrita em seu rosto.
-Eu te amo, Elizabeth... � toda a minha vida, e sua seguran�a � e sempre ser� minha maior preocupa��o -p�s as m�os sobre seus ombros-. E se algo me ocorresse,
que Deus queira que n�o seja assim, o filho que leva em voc� assegurar� a continuidade do legado Malinder - como ia poder resistir a algo assim?-. A deixarei em
um lugar seguro e irei em busca de uma for�a formada por meus pr�prios arrendat�rios com a qual voltarei para romper o ass�dio. � a �nica sa�da. T�m que me dar raz�o.
E ela deu.
-Tenho medo - admitiu, apoiando-se contra seu ombro.
-Eu sei. Mas � uma mulher valente, e far� o que tiver que fazer. Como Malinder e como De Lacy.
N�o poderia t�-lo dito melhor. Elizabeth levantou a cabe�a e o olhou. Estava p�lida, mas parecia decidida.
-Me diga o que quer que eu fa�a.
-Preciso te levar para um lugar seguro. Ainda n�o decidi aonde, mas...
-A Talgarth? Nem morta!
-N�o! Talgarth, n�o.
-Sei aonde podem me levar - ela disse de repente-. Sei onde estaremos a salvo. Mas deve me prometer que me resgatar� dali.
-� �bvio que a resgatarei.
Richard a beijou com paix�o, com imensa ternura. Logo se levantou e p�s em suas m�os uma roupa facilmente reconhec�vel.
-Ponha isso- ele lhe disse, contendo a risada-. Se formos viajar atrav�s do campo e contra um inimigo desconhecido, tomaremos todas as precau��es poss�veis.
Pode se vestir de rapaz com minha ben��o.

















Dezessete

A noite estava escura, as nuvens eram baixas e soprava um vento g�lido que trazia rajadas de chuva; uma noite perfeita para escapar. Durante as horas mais
escuras, pouco depois da meia noite, dois homens por separadamente escapuliram pela poterna para esgueirar entre as linhas, evitando os fogos e as tendas. N�o ouviram
nada que pudesse indicar uma captura.
Richard respirou fundo, aliviado.
Pouco antes do amanhecer, com uma t�mida claridade aparecendo no leste, um pequeno grupo se reuniu no jardim vestido de modos muito desiguais, mas todos
envoltos em capas escuras e cobrindo a cabe�a. Richard viajaria como se fosse um personagem de import�ncia da cidade, e sob sua capa levava uma espada e uma adaga.
Elizabeth vestida de homem e David com uma adaga no cinto e outra na bota, passariam por seus criados. Jane Bringsty se vestiu de esposa de um comerciante, e desde
que n�o parassem para olhar atentamente, tudo o que veriam seria um pequeno grupo de viajantes bem abrigados contra o frio.
Enfim Richard apertou a m�o de Robert.
-Fa�a uma boa demonstra��o de for�a, Rob. Dependemos disso se quisermos que isto d� certo.
E todos se puseram em marcha com Richard na frente, David na retaguarda, e se afundaram na luz cinza carregada de chuva.
A sorte estava com eles quando sa�ram pela pequena porta. Capas escuras, nuvens baixas, uma repentina rajada de chuva. No momento crucial uma chuva de flechas
voou das ameias de Ledenshall em dire��o do canh�o para chamar a aten��o e distrair aos atacantes. O grupo ouviu o ru�do da enorme porta principal ao abrir-se, como
se planejassem escapar por elas, com gritos �speros, o pisotear dos cascos e um par de notas de trombeta. Richard elevou o rosto. Robert tinha planejado bem, e Richard
se obrigou a esquecer da seguran�a de sua casa, de sua fam�lia, ante a urg�ncia da miss�o que tinha diante de si.
Chegaram logo � estalagem, onde os aguardavam tr�s cavalos j� selados.
Jane Bringsty subiu em um, David em outro, e Elizabeth se apoiou no estribo de Richard para montar na sua garupa. E sa�ram a galope, deixando para tr�s
o ru�do e o brilho das chamas sobre o castelo, onde os arqueiros de Robert estavam fazendo um magn�fico trabalho.
Por fim, Llanwardine. J� era noite escura, por isso as monjas j� haviam se retirado a seus leitos duros. Os muros do Priorado pareciam amea�adores. N�o
havia luzes, mas detiveram seus cavalos diante da porta e desmontaram.
Um gemido escapou de Elizabeth; do�am-lhe os m�sculos depois da intermin�vel viagem. Mais de uma vez adormeceu agarrada � cintura de Richard, a bochecha
apoiada sobre o �spero tecido que o cobria, aferrando-se ao seu calor e a sua proximidade, � for�a de seu corpo e de sua vontade; em sua mente apareciam imagens
preocupantes e pavorosas das quais era imposs�vel fugir at� que n�o conseguia separar a realidade dos sonhos.
-Quem poderia dizer que me alegraria de estar aqui - ela murmurou.
Richard fez soar o sino da porta e ouviram seu eco no interior, mas n�o perceberam nenhum sinal de que houvesse algu�m ali. Voltou a soa-lo com impaci�ncia,
e ent�o ouviram o ru�do de passos que se aproximavam.
Uma pequena portinhola com barrotes se abriu na enorme porta e Richard se aproximou.
-Somos viajantes que foram pegos pela noite e solicitamos a hospitalidade do Priorado. N�o temos m�s inten��es. Eu sou Malinder de Ledenshall, e trago duas
mulheres comigo que necessitam de um lugar seguro para descansar.
Ouviram uma chave girar e o estalo continuado de uma corrente antes que se abrisse a porta e os iluminasse o brilho de uma lanterna. Ali estava a prioresa
em pessoa, com a luz no alto para ver os rostos de quem chamava a sua porta. Seus olhos viajaram por todo o grupo e de novo voltaram para Elizabeth quando esta tirou
o capuz.
-Disse que poderia vir se estivesse em dificuldades.
-E s�o bem-vindas.
A prioresa abriu a porta e os convidou a entrar no santu�rio.
Eles conseguiram ter um instante de intimidade. Apesar das roupas t�o grosseiras com as quais se vestiram eram um casal magn�fico naquele sal�o nu e o iluminavam
com o calor e o amor que havia entre eles. Pareciam feitos um para o outro, sem d�vida.
-Adeus, Elizabeth. Que Deus a guarde.
-Que ele o mantenha com vida.
Nenhum dos dois encontrava outras palavras, ambos afogados no medo do futuro. Havia muita probabilidade de que n�o voltassem a ver-se seguravam as m�os
enquanto se devoravam com os olhos, at� que Richard se inclinou sobre os l�bios de sua mulher e depositou um beijo suave como uma promessa.
-Voltarei para te buscar.
-Sim - ela respondeu, lhe apertando as m�os-. N�o tenho nenhum objeto dar para que o acompanhe.
-N�o necessito. Tudo que preciso saber � que est� a salvo aqui.
-N�s dois estaremos, o nen�m e eu.
-Sim, mas, sobretudo voc�. E se ocorrer o pior... - ele p�s um dedo sobre seus l�bios quando ela foi opor se a esse pensamento-. Se eu tiver que morrer,
eduque a crian�a como eu teria gostado, como meu herdeiro. Voc�s ter� o poder at� que ele seja major de idade.
-Assim o farei - seus olhos brilhavam, mas Richard sabia que n�o ia chorar-. Agora deve ir.
S� havia tempo para um �ltimo beijo, uma �ltima declara��o desesperada pela perda. De amor e de paix�o imposs�vel. Tudo o que n�o podia dizer foi posto
naquele beijo para que ele pudesse recordar de seu sabor enquanto estivesse longe. E ela recordaria dele por sua vez.
-T�m todo meu amor. N�o posso suportar, Richard...
-Como voc� tem o meu. Seja valente, Elizabeth, meu amor. Meu cora��o. Minha vida.
E partiu deixando-a sozinha, com o cora��o cheio de amor, com o pensamento cheio de temor.
Richard percorreu a Welsh Marches para reunir parceiros em sua ajuda. Partiram para o Ledenshall t�o r�pido quanto foi poss�vel, e para que os informassem
enviaram exploradores, que ao voltar lhes disseram de que o ex�rcito de ass�dio devia ter suas pr�prias fontes de informa��o. Deviam saber que a for�a Malinder se
aproximava porque tudo que restava deles que recordasse seu ataque era uma s�rie de feias fortifica��es e quatro canh�es. Assim que os pend�es e estandartes anunciaram
sua chegada � colina, Robert e Simon Beggard sa�ram da fortaleza para inspecionar o iminente colapso de uma parte da muralha.
-Chegou bem a tempo, Richard - o rosto de Robert se iluminou com um sorriso-. Melhor tarde do que nunca.
Os primos apertaram as m�os sem necessidade de dizer algo mais.
Richard examinou as fissuras no muro e deu um chute em um monte de escombros que tinha a seus p�s.
-N�o queriam ser vistos.
-N�o. Alguma ideia?
-Acho que sim.
Tinha tido tempo de refletir durante a longa jornada por suas terras, e s� um nome voltava uma e outra vez a sua cabe�a como o instigador de tudo aquilo.
N�o saberia dizer por que, mas tinha certeza que sabia quem era o respons�vel. S� havia um homem na Welsh Marches que podia comandar semelhante for�a, al�m dele
mesmo. At� o momento carecia de provas, por isso devia ater-se � lei. Mas tinham posto em perigo a vida de Elizabeth e seu lar tinha padecido os rigores de um ataque.
J� n�o podia continuar sentado sem fazer nada.
O resto do dia se passou fazendo os reparos mais urgentes nos muros enquanto Richard ia inventariando os danos. Podia ter sido pior. Uma se��o do muro ia
ter que ser reconstru�da, embora os alicerces n�o parecessem ter sofrido. As cozinhas, onde David tinha pedido p�o e carne para os rec�m-chegados, al�m dos est�bulos,
teriam que ser reconstru�dos em sua totalidade, mas a estrutura do torre�o estava intacta. Ao menos Elizabeth teria um lar ao qual voltar. Robert estava ao seu lado
contemplando os danos. Os dois homens tinham marcas de exaust�o no rosto.
-Um dia mais e essa se��o teria ca�do para dentro - apontou Robert, reconhecendo o que ambos sabiam-. N�o ter�amos podido mais manter o castelo.
-Tem minha gratid�o, Rob - Richard afastou o olhar daquela destrui��o. Tinha tomado uma decis�o por fim. O que ia pedir lhe era muito, mas ia faz�-lo de
qualquer jeito-. Agora tenho que lhe pedir um favor.
-Outro? - ele protestou, se apoiando contra o muro e limpando o rosto com a manga-. Tinha pensado em ir para casa.
-De Lacy est� envolvido em tudo isto. Tem que ser ele. Se lhe pedisse isso, voc� e seus homens cavalgariam comigo contra ele?
Robert n�o chegou a responder. Os cascos de uma for�a ligeira que se aproximava pelo caminho chamou sua aten��o.
-Temos visita - comentou Richard-. E a julgar pelas bandeiras, � um de Lacy.
Em Llanwardine, rodeada e se separada do mundo pelas Montanhas Negras, o tempo avan�ava pesadamente para Elizabeth, apesar de que tentava n�o pensar na
comida horrorosa e no alojamento desconfort�vel. Ao menos lhe oferecia guarida.
Mas era o n�o saber o que deixava seus nervos a flor da pele e a impedia de dormir a noites. Em Ledenshall teria sido poss�vel enterrar suas preocupa��es
embora tivesse sido apenas durante umas horas, em alguma atividade, mas em Llanwardine, nos g�lidos dias do m�s de fevereiro, quando a horta n�o tinha nada mais
que erva, s� dependia de sua pr�pria for�a e coragem para aferrar-se � esperan�a.
N�o recebiam visitas. N�o tinham not�cias.
E Elizabeth, com suas roupas emprestadas de freira, foi ajoelhar se na capela do priorado em busca de consolo, um consolo que jamais pensou em encontrar
ali. O vasto espa�o entre seus arcos e o sil�ncio a ajudaram a esvaziar sua cabe�a do terror que a mantinha paralisada, ajudando-a a pensar racionalmente. Ali pediu
� Virgem pela seguran�a de Richard.
Tudo que podia fazer era esperar, e rezar para que aquele h�bito negro que usava n�o fosse uma espantosa premoni��o do que a aguardava no futuro.


-Tia Ellen! -exclamou David, t�o surpreso quanto Richard-. O que faz aqui?
Ellen de Lacy n�o fez um movimento de entrar no pequeno sal�o ao qual a convidavam, mas permaneceu na soleira com uma estranha imobilidade, envolta em uma
capa salpicada de lama na barra. Pelo que podia se ver sob o capuz, seu rosto habitualmente impass�vel estava p�lido e tinha os l�bios apertados. Sua inesperada
presen�a em Ledenshall tinha deixado Richard at�nito, mas um desconforto premonit�rio se alojou em seu ventre. N�o podia ser portadora de boas not�cias.
-David. E Richard... - suspirou-. Gra�as a Deus. Haviam me dito que os encontraria aqui.
Richard reagiu por �ltimo, mas com cautela, agarrando-se � vaga esperan�a de que seus temores fossem infundados.
-Ellen... n�o deveria ter vindo at� aqui com uma escolta t�o reduzida. � muito perigoso tal como est�o as coisas.
Imaginar a uma mulher de linhagem viajando quase sozinha pela Welsh Marches o angustiava, e rapidamente ele lhe ofereceu seu bra�o para faz�-la entrar,
consciente da aparente fragilidade sob sua determina��o, quando se tirou a capa ele a recolheu, e colocou uma cadeira junto ao fogo.
-Desculpe a falta de comodidade. Tivemos alguns problemas...
-N�o importa - ela cortou com impaci�ncia, olhando fixamente para Richard-. Tenho que lhe falar - sua express�o ficou de repente desfigurada pela tristeza,
e a m�o que apoiava em seu pulso se tornou uma garra. Surpreso diante de tanta emo��o, Richard percebeu o qu�o esgotado ela estava-. Refleti muito sobre isto, e
estive a ponto de desistir de vir at� aqui...
Ellen ficou sil�ncio quando David voltou com ta�as de vinho. Aceitou uma, mas n�o bebeu, e come�ou a falar com incerteza no princ�pio, mas sua voz foi tomando
firmeza.
-Sei, ao menos em parte, o que ocorreu em Talgarth. Tenho olhos e vejo. E tamb�m escuto... embora seja atr�s das portas, que Deus me perdoe! Percebe o que
me vi empurrada a fazer? Semelhante comportamento em minha pr�pria casa! N�o me � pr�prio remexer entre os documentos de meu marido, procurando Deus sabe o que...
caixas fechadas, gavetas e cofres. Inclusive cheguei a interrogar aos servi�ais.
Um temor desconhecido a asfixiava. Deixou de lado a ta�a, entrela�ou as m�os no colo, abriu-as, logo voltou a segur�-las. Richard as segurou com firmeza
para ajud�-la.
-Deveria me envergonhar, mas n�o � assim.
-Me conte o que sabe Ellen. Diga-me o que a trouxe at� aqui.
-Sim, sim claro - ela fechou os olhos um momento para concentrar-se, e depois come�ou com a voz firme-. Voc� sabe da morte de Lewis.
N�o era uma pergunta, e sim uma afirma��o, e os olhava para ambos, David e Richard, que n�o esperava um enfoque t�o direto.
-Sabemos da joia que enviou para Elizabeth, e as que deu a David. Disse que estavam em posse de sir John.
-Sim. Em seu quarto. Roubei-as dali - ela declarou com os olhos totalmente abertos, como se espantada por sua pr�pria admiss�o, mas sem lament�-la-. S�
me ocorre uma raz�o pela que pudessem estar ali. Sir John devia saber de onde provinham e qual era a identidade de seu propriet�rio, de modo que tamb�m devia saber
qual era a m�o que empunhava a espada que tomou a vida de Lewis. Foi Gilbert de Burcher. Sei que foi ele. E depois impediram que David tivesse contato com Elizabeth
e com voc�s quando vieram a Talgarth com o falc�o - David assentiu quando Ellen se voltou para ele-. Foi coisa de Capel. Ele tem uma m�o boa com as ervas e os rem�dios.
-De modo que suspeitamos sim que sir John teve algo a ver com a morte de Lewis - Richard disse com toda a tranquilidade na voz que foi capaz-. Mas por que
ia realizar semelhante monstruosidade? Lewis era seu sobrinho, e o herdeiro mais capaz que um homem pode pedir.
-Deve pensar que eu fiquei louca - ela se lamentou. Parecia a ponto de voltar a chorar, mas tinha o olhar cravado em Richard, como se com isso tivesse o
poder de faz�-lo ver e aceitar a verdade-. Tem que ser pelo poder, a terra, a ambi��o... milord est� cego de ambi��o, cego pelo desejo de possuir toda a Welsh Marches
central, sem rival algum, sem interfer�ncias. N�o imaginam do que � capaz. E Capel tem muito que ver em tudo isso.
Durante um momento caiu em um inc�modo sil�ncio.
-Siga, eu lhe rogo.
Ellen piscou.
-Quer sua morte, Richard.
-Minha morte! -j� o havia dito. Simples e sinceramente. A suspeita que tinha do ataque-. Eu posso acreditar?
-Por que n�o? Pense um momento: insistiu em seu casamento com uma De Lacy. Quando Maude faleceu lhe prop�s sem vacilar Elizabeth. Se ela conceber seu herdeiro
e voc� convenientemente desaparecer, deixando-a s� e desprotegida, quem cuidaria da enferma vi�va e seu filho? Sir John, � �bvio, o sol�cito tio. Quem governaria
as terras dos Malinder enquanto o menino crescia? John de Lacy. Quem estaria disposto a manipular e maquinar at� conseguir semelhante posi��o de for�a?
Olhou para Richard mais uma vez e n�o precisou dizer nada mais.
-Ellen - ele lhe perguntou muito devagar-, sir John sabe que Elizabeth est� gr�vida?
-OH, sim. Mestre Capel possui dons extraordin�rios. Diz que Elizabeth levar� a gravidez at� o fim e que ser� um var�o - ela disse com desprezo, o que era
ainda mais surpreendente dada � do�ura de suas fei��es. -Pode ler os sinais da sa�de e da enfermidade do corpo, do estado da natureza, do passado e do futuro. Juro
que deve ter vendido sua alma ao pr�prio diabo! E utiliza seus poderes para aumentar os desejos de sir John, e os seus pr�prios. Com suas artes adivinhat�rias foi
capaz de reconhecer o estado de boa esperan�a de Elizabeth. Sabe sem nenhum tipo de d�vida.
-Mas toda a trama de sir John se apoia em um ponto - Richard tinha recolhido toda a informa��o que continham as apaixonadas palavras de Ellen e sua cabe�a
trabalhava febrilmente em todas as implica��es-: que eu tenho que morrer.
-� claro. Por que n�o? Matou Lewis, n�o �? Por alguma raz�o foi necess�rio dispor de sua vida. Por que n�o iria fazer o mesmo com a sua, se o considerar
necess�rio? - ela cravou as unhas em suas m�os-. Viu sua vida amea�ada, Richard? Ocorreu algo recentemente que o tenha obrigado a se p�r em guarda? Eu diria que
sim.
Ele ficou pensando-o, como se n�o tivesse feito outra coisa naqueles �ltimos dias. Era imposs�vel neg�-lo.
Ellen come�ou a perder a paci�ncia.
-Me fale do ass�dio, Richard.
Isso chamou sua aten��o.
-O que voc� sabe disso?
-Voc� vai se surpreender com o que sei. Os homens tendem a ignorar a presen�a de uma mulher calada que se ocupa de suas coisas e n�o faz coment�rios em
rela��o ao que ocorre diante de seu nariz. Como se fosse idiota ou incapaz de entender. E n�o sou nenhuma das duas coisas! Eu lhe falarei do ass�dio a Ledenshall
se precisar para convenc�-lo de minha integridade. Homens sem identificar. Um ataque bem organizado. Sem arautos e sem quartel, porque n�o havia inten��o de que
sa�sse com vida. E quatro canh�es para bater nos muros do seu castelo. Os mesmos canh�es que passaram ao menos duas noites no p�tio de Talgarth a caminho de Ledenshall.
Richard respirou fundo. Ellen tinha revelado o que sem d�vida devia ser a verdade.
-De modo que sir John estava atr�s do ass�dio.
Como suspeitava.
-� �bvio. N�o foi dif�cil conseguir soldados e cavalheiros que n�o se importassem em combater sem ins�gnia nem bandeira.
-Mas um ass�dio... - lhe dava trabalho aceit�-lo-. Por que um ataque t�o extremo?
-Sir John j� n�o conhece a modera��o. Um ass�dio que alcan�asse seu prop�sito lhe teria dado o controle de Ledenshall e de sua Elizabeth com um s� golpe.
-Entendo - murmurou-. Minha morte teria resultado em seu benef�cio na Welsh Marches. De Lacy exerceria o controle total, desde que Elizabeth lhe cedesse
a autoridade sobre Ledenshall, e o cuidado e a cria��o de seu filho. E isso ela nunca faria.
Mas lhe horrorizou saber o que sem d�vida Ellen responderia.
-E acha que sir John n�o sabe? De verdade acha que n�o est� preparado para enfrentar � resist�ncia de Elizabeth? Destruir� qualquer oposi��o com t�o pouca
compaix�o quanto a que se tem por um frango quando lhe retorce o pesco�o para us�-lo no caldo.
-Voc� diz que ele seria capaz de fazer dano a Elizabeth? Estamos falando de morte?
Fez a pergunta que ele mesmo podia responder. A amea�a era real. Mentalmente viajou a Llanwardine, onde umas freiras indefesas guardavam a sua mais apreciada
posse.
-Se for necess�rio o faria. N�o se arredaria de um assassinato se com isso pudesse conseguir sua vis�o de poder. J� tem o sangue de Lewis em suas m�os.
Que diferen�a pode supor uma vida mais... ou duas? -lady Ellen apertou a ta�a entre as m�os. Ainda n�o tinha terminado-. Sir John tem um bando de malfeitores galeses
ao seu dispor. Acredito que j� os enviou contra voc�.
-Sim - e de certo modo foi um al�vio admiti-lo-. Mas por que Lewis? -perguntou, voltando para a �nica pe�a que ainda n�o encaixava no quebra-cabe�a.
-N�o sei - Ellen enrugou o nariz-. Lewis era um jovem promissor, e gosto de pensar que foi porque se negou a comungar com os planos de milord. Sir John
cometeu um engano e confiou parte de seu plano a Lewis. Acho... confio que Lewis o amea�ou de contar tudo a Elizabeth e a voc�. E se fosse assim, Lewis n�o podia
seguir com vida. Enquanto voc�, David... - ela o olhou compassiva-, voc� seria um herdeiro mais f�cil de dirigir, jovem o bastante para ser moldada a imagem e semelhan�a
de sir John.
David, que tinha escutado tudo em sil�ncio, ficou como se o tivessem golpeado na cabe�a com uma clava.
-E dado que milord conseguiu carregar a culpa da morte de Lewis sobre seus ombros - ela voltava a olhar para Richard-, ningu�m se incomodou em questionar
a verdade das acusa��es, sobretudo quando sir John mantinha um fingido luto por seu herdeiro perdido, como quem tem o cora��o partido - fez uma careta-, quando na
verdade o que n�o tem � cora��o, como eu sei muito bem. J� n�o podia me calar mais. Tinha o dever de lhe contar.
-De modo que me acusou da morte de Lewis - Richard seguia encaixando as pe�as que compunham um mosaico t�o complicado quanto os que adornavam o pal�cio
real de Westminster-. Voc� teve que suportar muito.
Levou a m�o de Ellen aos l�bios maravilhando-se da for�a interior daquela mulher, do valor de uma dama a qual nunca tinha dedicado muito tempo ou considera��o.
Mas Ellen afastou a m�o.
-Richard! Estamos perdendo tempo aqui. Deve ir em busca de Elizabeth. � imperativo! Ela corre um grave perigo.
-N�o, n�o, voc� est� enganada. Sei onde ela est� e se encontra a salvo.
-N�o! -Ellen voltou a lhe apertar o bra�o-. N�o se atreva a me tratar com condescend�ncia! Elizabeth n�o est� a salvo. Sei para onde a levou: Llanwardine.
Richard teve uma descomunal surpresa. Olhou para David, que negou com a cabe�a. Ele n�o tinha sido a fonte de informa��o. Ellen ignorou a troca de olhares.
-E acredito que sir John j� deve estar ali... para leva-la para Talgarth - ela concluiu em um sussurro-. Para leva-la � for�a se for necess�rio.
-Mas sir John n�o sabe... - Richard franziu o cenho-. Ellen... como sabe onde est� Elizabeth?
-Foi Capel quem descobriu. N�o se pode subestimar Nicholas Capel - lady Ellen moveu a cabe�a amargurada-. Eu tenho medo dele. E o detesto. Ele sabe, embora
veja que voc� ainda t�m d�vida.
Seu sorriso era triste, mas compreensivo.
Tinha d�vidas, mas j� n�o eram suficientes para n�o enviar David para selar os cavalos, o que lhe deu a oportunidade de fazer a lady Ellen a pergunta que
ardia em sua cabe�a.
-Ellen... por que faz isto?
Viu-a cravar o olhar em suas m�os ossudas e brancas e acreditou que n�o ia responder. Entretanto, quando levantou o rosto viu que sua express�o era satisfeita
e ela falou com calma.
-A humilha��o pode ser uma motiva��o forte. Meu casamento parecia poder satisfazer a ambas as partes. O casal perfeito para unir propriedades na Welsh Marches
- seu sorriso ficou muito triste-. Mas eu n�o era capaz de levar ate o fim �s gesta��es, e desde que me casei com sir John n�o houve um s� dia de minha vida em que
n�o tenha me recordado desse fracasso. E as coisas pioraram quando Maude morreu... assim digamos que � vingan�a... nada mais que a rea��o de uma esposa amargurada
e abandonada. E eu poderia t�-lo amado. Mas agora sei muito e n�o posso suportar esse peso sobre minha consci�ncia.
Ellen se levantou e recolheu sua capa do encosto da cadeira.
-Vejo que o amor � poss�vel entre Elizabeth e voc�. � algo espl�ndido, que ilumina tudo o que h� ao seu redor. Mesmo que ambos estejam empenhados em neg�-lo
- ela sorriu-. Gostaria de ter tido essa mesma possibilidade. Mas nunca poder� ser.
-Aonde ir� agora?
-Para casa. A Talgarth. Onde se n�o l�?
Deixou que Richard lhe pusesse a capa sobre os ombros e os dois foram at� a porta, onde Richard se deteve para recolher sua pr�pria capa e suas armas, que
estavam guardadas em um arm�rio. Ao tir�-lo uma adaga saiu de seu lugar, escorregou e estava a ponto de bater contra o ch�o quando com excelentes reflexos Richard
p�s a m�o para que ca�sse em sua palma. Ellen ficou paralisada.
-Essa adaga...
Ela a pediu e ele a deixou em sua m�o, e ela a examinou com aten��o � luz das velas.
-O que h�? -Richard franziu o cenho olhando a arma que Ellen seguia tendo na m�o-. A reconhece?
-Sim. Sei quem � seu dono. Eu me pergunto como � que est� em suas m�os, Richard.
-Me diga o que sabe primeiro.
-� uma pe�a de qualidade, mas est� bem gasta - ela passou os dedos pelo punho-. Se tirar a adaga de sua capa - ela a devolveu para que o fizesse-, ver�
que tem uma marca no final da l�mina. Digo-lhe como chegou a�? - ele a puxou. Era verdade-. Foi empregada contra um inimigo em batalha. Acabou colidindo contra a
coura�a do seu peito, mas n�o o matou. Eu o ouvi contar a hist�ria muitas vezes sobre uma jarra de cerveja - hesitou-. Em Talgarth.
Richard passou o dedo sobre a parte deformada. Era o prego final no ata�de de sir John, afundado ali por pura casualidade.
-Ent�o, quem � seu dono?
-Thomas Morgan. Um cavalheiro gal�s de Builth. Um dos soldados de sir John. Como � que voc� a tem?
-Pertenceu a um homem que tentou me atacar - respondeu Richard, pegando-a pelo punho.
-E ent�o, Richard Malinder: tenho que lhe dar mais alguma prova? Que pena que a flecha de Elizabeth na feira do solst�cio de ver�o n�o alcan�ou seu objetivo.
Mas Richard j� tinha aberto a porta e descia as escadas.
Com um punhado de soldados escolhidos, Richard Malinder voltou a percorrer sob o v�u da noite o caminho at� Llanwardine, acompanhado de Robert, que a toda
custo quis ir com ele. Ia conhecer at� a �ltima pedra do caminho. Avan�avam em um tenso sil�ncio, apertando suas montarias. Os m�sculos cansados de Richard se queixavam,
mas n�o podia parar. Elizabeth n�o tinha no��o do perigo que corria. Ela se achava a salvo ali. O medo cavalgava sentado sobre seu ombro, uma presen�a cansativa
que escurecia todos seus movimentos e que se empenhava, apesar de sua resist�ncia, em lhe apresentar uma imagem sangrenta diante de seus olhos do que podia encontrar
em Llanwardine.














Dezoito

Santa M�e de Deus, Virgem bendita. Vos rogo mantenham meu marido com vida.
A voz da prioresa atravessou a ang�stia das preces de Elizabeth chamando para as completas, a �ltima ora��o do dia.
Que n�o lhe aconte�a nada, eu lhe rogo. Permita que volte com vida. Proteja-o de seus inimigos.
Pedia o mesmo uma e outra vez, como quem passa as contas de um ros�rio, sem pedir nada para si mesma. E logo acrescentou, com vergonha de n�o t�-lo feito
antes, amparo para David e Robert.
Atr�s dela estava Jane, que vigiava cada um de seus movimentos como uma f�mea de falc�o cuidaria de seus filhotes, porque a morte aparecia nas imagens que
iam a ela no incenso, em seus sonhos e nas cartas que consultava a cada noite em segredo. Um homem seco e escuro amea�ava sua senhora. N�o podia distinguir suas
roupas e seu rosto permanecia an�nimo, evasivo como a n�voa galesa. Sua �nica certeza era que a morte chegaria na m�o dele.
Jane se aninhou em suas roupas para se proteger do frio, sossegando suas frustra��es. Para que serviam aquelas mulheres com suas vozes �speras, seus latins
vazios, enclausuradas naquele vale desolado? Para que serviam os sinais que lhe estavam dando conhecer, se n�o podia l�-los? Suas vis�es costumavam ser muito claras,
mas agora n�o conseguia ver o futuro, envolto como estava nessa n�voa densa, mais opaca � medida que iam passando as horas. Ser� que estava ficando velha? Tudo que
podia fazer era ficar em guarda, at� naquele lugar de muros altos, r�gidas regras e de uma tranquilidade t�o gelada que podia transformar em pedra a alma de qualquer
um.
Mas aquela noite tudo parecia tranquilo. Deixou o olhar vagando entre as freiras j� amadurecidas, a elegante figura da prioresa e Elizabeth, t�o forte,
t�o decidida. Ela n�o ia participar das rezas, mas tampouco estava disposta a perder de vista a sua senhora, que ia sendo afetada pela inatividade a cada dia que
passava. Cuidaria de Elizabeth at� que a morte lhe arrancasse o �ltimo f�lego.
As rezas come�aram e Jane suspirou fundo.
O servi�o terminou e as freiras come�aram a sair, as mais fortes ajudando �s mais doentes. Naquela g�lida e �mida noite de fevereiro se congregaram todas
ao p� da escada para acender as velas que as ajudariam a ir a suas celas. De repente algo pareceu revolver-se entre elas e Elizabeth deu um passo para tr�s. S� se
ouviu um murm�rio urgente e ela viu as cabe�as com suas toucas negras assentirem e virarem. A prioresa se voltou para Elizabeth.
-Temos visita. Desejam falar com voc�.
O cora��o lhe subiu � garganta e Elizabeth engoliu em seco.
-� Richard?
-N�o, querida. N�o �. Eu a acompanharei - ela p�s a m�o no bra�o de Elizabeth, mas olhou para Jane com um incomum gesto de entendimento-. N�s duas a acompanharemos.
Lembre-se que n�o est� sozinha, irm�. Tenha coragem.
Mas Elizabeth s� podia sentir medo. N�o era Richard? Quem sabia que ela estava ali, al�m de seu marido e de seu irm�o? Quem ia procur�-la? E se era outra
pessoa, seria portadora das piores not�cias?
Ela jamais teria podido imaginar a identidade dos impacientes visitantes que a esperavam no sal�o. N�o tinham se sentado e pareciam incomodados. Tampouco
tinham tirado suas capas de viagem e pareciam ansiosos em partir. Quando abriram a porta eles se voltaram ao mesmo tempo: sir John de Lacy, Gilbert de Burcher e
Nicholas Capel.
-Sir John - Elizabeth umedeceu os l�bios, que tinham ficado secos-. O que o traz � Llanwardine, tio?
Mas sua aten��o estava posta em Nicholas Capel. Ele estava junto � porta, mas lhe dava a sensa��o de que era ele quem dominava a cena como se aquela figura
sempre vestida de negro e com rosto s�rio ostentasse a autoridade final naquela pequena sala. Como tinha ocorrido algo assim? Naquele momento sir John de Lacy lhe
pareceu p�lido e indefeso em compara��o.
Mestre Capel inclinou a cabe�a ante ela, e o medo gelou sua pele. Elizabeth sentiu que Jane ficava im�vel e emitia uma esp�cie de rugido surdo, e que a
prioresa se colocava a sua direita, aproximando-se sutilmente. Era imposs�vel passar por cima da aura inquietante que flutuava em torno daquele homem, embora n�o
houvesse nada desrespeitoso ou amea�ador em suas maneiras. Grave e formal, ele inclinou-se ante as tr�s mulheres, mas seu olhar e sua sauda��o foram para Elizabeth.
-Milady Malinder � um prazer encontr�-la aqui.
As chamas das poucas velas que estavam no sal�o oscilaram, cobrindo seu rosto de sombras.
Elizabeth afastou o olhar dele para p�-lo em seu tio.
-Por que est�o aqui? - ela repetiu. O medo era como uma capa pegajosa que sentia sobre sua pele. Um pensamento n�o deixava de golpear em sua cabe�a: como
ele sabia que ela estava ali?
Sir John se aproximou, e poderia ser compaix�o o que viu em seu rosto. Ao falar sua voz soou carregada de compreens�o e luto. Entretanto, o olhar inquisitivo
de Capel a obrigou a o olhar de novo. N�o havia compaix�o em sua pessoa, dissesse o que dissesse.
-N�o h� modo de lhe dar a not�cia com delicadeza, Elizabeth -seu tio disse de repente -. � Malinder. Acabou ferido ao voltar para o cerco.
-N�o! N�o pode ser!
Olhou para todos. Richard, morto? Ferido? N�o podia ser. Recha�ando a l�gica, agarrando-se ao instinto, sua mente resistia. Como n�o ia ter sentido em seu
cora��o se algo tivesse acontecido com Richard? Tinha que ser um engano.
-Ele continua vivo, milady, em Ledenshall -Capel interveio -. Mas foi ferido gravemente. Sir John pensou que gostaria de estar ao seu lado. Deve nos acompanhar.
Elizabeth resistiu � g�lida escurid�o que a amea�ava afogando seus sentidos. Respirar j� era um esfor�o colossal. Se Richard estava ferido de morte... a
imagem esteve a ponto de faz�-la cair de joelhos, assim tomou a �nica decis�o que podia tomar.
-Sim. � claro que eu tenho que ir at� ele.
Sentiu que sir John pegava sua m�o, lhe falando como se fosse uma menina.
-Trouxemos uma numerosa escolta para garantir sua seguran�a. Chegaremos antes da meia noite se partirmos agora. Trouxemos um cavalo para voc� e nos ocuparemos
de todas as suas necessidades. Devemos sair imediatamente.
Tudo o que podia ver e ouvir eram a urg�ncia, a preocupa��o e a compaix�o. Tudo que podia imaginar era Richard jazendo em Ledenshall, sofrendo dores horr�veis
e com a morte batendo a sua porta, o peito e o cabelo cobertos de sangue. Naquele pesadelo era como se pudesse tocar � morte que se deteve junto ao seu leito, suas
negras vestimentas ocupando tudo, disposta a envolver tamb�m a ele. A n�usea e o desmaio amea�avam, mas conseguiu controlar-se. Mas de repente sentiu a m�o de Jane
Bringsty que a agarrava com for�a por um bra�o e piscou, se obrigando a pensar, consciente de estar lutando contra uma barreira de afli��o impenetr�vel.
-Chegaremos a tempo? -perguntou, e as palavras chegaram a seus ouvidos como de uma grande distancia.
-Assim espero milady. Por isso reze - Capel respondeu sem afastar o olhar de seu rosto, para assegurar-se de que acreditasse, de que obedecesse. Ela sabia,
mas n�o podia resistir-. Mas como diz sir John, deve chegar a seu lado o quanto antes. Seria um engano perder mais tempo aqui.
De novo Elizabeth se sentiu seduzida por aquele sotaque, denso como um doce mel e que parecia envolver seus sentidos.
-Sim, claro que devo os acompanhar imediatamente.
Ent�o ouviu a voz de Jane, insistente, que parecia arranc�-la da borda de um precip�cio.
-N�o o escute, milady. Quem pode garantir que seja verdade que milord est� ferido? E para quem imagina que mestre Capel pode estar rezando? Para o diabo
em pessoa, eu diria. Eu n�o gosto, milady - pediu puxando sua manga.
-Devo ir para seu lado - ela insistiu, resistindo.
Mas Jane n�o cedia.
-Isto n�o est� certo! Escute-me senhora!
-Richard est� ferido.
Era tudo no que podia pensar, e a horrenda vis�o se aproximava cada dia mais. Estava a ponto de morrer. Por que estava a� perdendo tempo quando seu sangue
estava empapando a cama?
-Eu n�o gosto disto - Jane repetiu, agarrando-a pelas saias.
Elizabeth se soltou com um pux�o e avan�ou para a porta. E quando sa�ram e o ar frio lhe bateu no rosto, ouviu a voz preocupada da prioresa.
-E por que n�o esperar � alvorada?
E Elizabeth hesitou. Um pensamento abriu caminho em sua cabe�a. Quem podia assegurar que fosse verdade? Podia confiar em sir John? Podia confiar em Nicholas
Capel? Sabia no fundo de seu cora��o que n�o.
Como se houvesse sentido sua resist�ncia, sir John se colocou ao seu lado, empurrando-a suavemente para frente.
-N�o devemos nos atrasar. Partimos imediatamente.
-Sim. E eu disse que irei com voc�.
Nicholas Capel sorriu.
Elizabeth viu aqueles l�bios finos curvarem-se, o brilho de seus olhos escuros que refletia a vit�ria. E naquele momento soube que estava errando. Naquele
estranho e sagrado lugar, tudo estava errado. Como se o mundo se inclinasse mais do devido, empurrado por uma for�a de prop�sito perverso. E ela n�o era a �nica
que se sentia assim. Quando a prioresa se colocou diante de sir John, elevando uma m�o para det�-lo, seu tio desembainhou a espada.
-Saia do caminho mulher.
-N�o vou faz�-lo. Questiono sua sinceridade em tudo isto sir John.
Pareceu ficar pensando se devia afasta-la com um golpe. Elizabeth esperou segurando o f�lego, quase incapaz de compreender o que estava acontecendo. Com
um grunhido, sir John trocou o punho e com um a parte plana da espada deu um terr�vel golpe em um bra�o da prioresa, com tanta for�a que a boa mulher caiu de joelhos
com um grito.
-Fique advertida, prioresa. Saia de meu caminho - e dirigindo-se a seu comandante acrescentou- Leve-a para fora.
-Sim milord.
Gilbert de Burcher agarrou Elizabeth por um bra�o e a arrastou para a porta, insens�vel �s tentativas dela de chut�-lo, mord�-lo e arranh�-lo. Tudo o que
aconteceu naqueles �ltimos minutos a tinha despertado, fazendo-a consciente do perigo real que corria. Aquilo era um sequestro que bem podia terminar em sangue.
Richard estaria ferido ou seria uma desculpa para tir�-la do santu�rio? O que sir John pretendia com ela e seu filho? A f�ria lhe deu a for�a necess�ria para brigar.
N�o tinha a quem recorrer, nada que lhe desse for�as exceto sua pr�pria determina��o de resistir, e brigou para soltar-se das garras de sir Gilbert empurrada pelo
desespero. Nunca se renderia. Nunca permitiria que o herdeiro da casa dos Malinder ca�sse nas m�os de sir John.
A paci�ncia de seu tio se esgotava. Embainhou a espada, empurrou Jane para tira-la do no meio e agarrou Elizabeth pelos bra�os para sacudi-la pr�xima a
seu rosto.
-Economize o f�lego e a for�a para a viagem! Eu a levarei arrastada at� o cavalo se for necess�rio. Ningu�m vai vir te resgatar. Eu te tratarei com considera��o,
mas n�o me pressione - e a lan�ou contra de Burcher-. Vamos!
Elizabeth se viu sendo arrastada implacavelmente pelo claustro.
-N�o! N�o vou com voc�!
Elizabeth resistia como podia, e em um descuido arranhou a bochecha De Burcher, arrancando a pele e o fazendo sangrar.
-Vadia! Bruxa! Merecem o apelido que lhe deram.
De Burcher ergueu a m�o enluvada e Elizabeth soube que ia golpea-la. Mas n�o ia se intimidar com isso. Firmou bem os p�s no ch�o e esperou o golpe.
-Eu o aconselho que n�o toque em minha esposa. Tire suas garras dela ou eu juro ante Deus que cobrarei isso em sangue.
Richard!
Elizabeth ficou paralisada, sem prestar aten��o sequer � dolorosa press�o que a m�o daquele animal fazia em seu bra�o. Voltou-se como p�de para a porta.
Richard! N�o estava ferido. A morte n�o o espreitava em Ledenshall. Milagrosamente estava ali, em Llanwardine. N�o se incomodou em perguntar como ou por que, mas
sim se deixou levar por um intenso al�vio. A M�e de Deus tinha respondido a suas preces. A chegada de Richard poria fim a aquela cena de horror. Tudo se arrumaria.
Ao ouvir aquela ordem, todos se voltaram para o arco da entrada. Duas figuras estavam ali sob o dintel esculpido, ocultas atr�s das sombras, mas Elizabeth
n�o podia confundir aquela figura alta, e a ordem imperiosa. A luz se refletia na espada que j� tinha na m�o. Robert, igualmente preparado, estava junto a ele.
-Soltem imediatamente a minha mulher - ele repetiu ao ver que De Burcher n�o se movia. A ordem parecia perfeitamente razo�vel, quase um pedido, mas ningu�m
podia ignorar a luz de seu rosto ao avan�ar. Uma f�ria abrasadora o iluminava. Com uma m�o soltou o broche que fechava sua capa e a deixou cair.
-Malinder... veio -o rosto de sir John se enrugou com um sorriso satisfeito-. N�o o esperava, mas por que n�o? Por que n�o p�r fim a tudo aqui mesmo? Todos
os meus planos frutificariam de uma vez. N�o poderia ser melhor - ele se voltou para Burcher, que seguia segurando Elizabeth-. Deixa-a. Mate-o.
Richard levantou a espada.
-O que � isto, sir John? Necessita de um velhaco como esse para que fa�a seu trabalho sujo? Por acaso teme me enfrentar?
-N�o o temo. E at� mesmo um velhaco pode matar.
E Elizabeth recebeu um empurr�o para que De Burcher pudesse virar, de espada na m�o, e enfrentar Richard.
-Elizabeth.
Uma s� palavra que expressava toda a preocupa��o de Richard por ela.
-Estou bem.
-N�o a feriram?
Elizabeth negou com a cabe�a e seus olhares se entrela�aram uns segundos, dizendo tudo. Ent�o ele p�de dedicar toda sua aten��o a seu advers�rio, que j�
tinha come�ado a riscar um c�rculo com a ponta da espada levantada e na outra m�o, uma adaga. Elizabeth retrocedeu um passo. N�o devia distra�-lo, mas n�o podia
afastar o olhar dele.
Richard respirou fundo observando De Burcher, tentando controlar seu g�nio, esfriar o sangue que ardia cheio de ira, para poder enfrentar a aquele homem
com fria determina��o e julgamento claro. Ao entrar no claustro o �nico pensamento que tinha era o de castigar o homem que tinha maltratado sua esposa. Gilbert de
Burcher arrastava sua mulher contra sua vontade, segurando seus pulsos e a carregando com ele. Entretanto, o controle era a chave contra aquele formid�vel soldado
que tinha recebido a ordem de acabar com sua vida. O mesmo homem ao que tinham pagado para matar Lewis de Lacy.
-Responder�o por seus atos contra minha esposa - ele disse, quando sua respira��o e seu temperamento o obedeceram-. E pela morte de seu irm�o.
-Lewis, n�o �? E que provas t�m disso? -sua resposta foi imediata, com um sorriso zombeteiro-. Vamos lorde Malinder. Vejamos quem ganha esta m�o.
Richard estava preparado quando De Burcher o atacou com uma agilidade impr�pria para um homem t�o corpulento, e a batalha foi aberta. Ataque, defesa. Estocada,
parada. Ataque, finta. Ambos suportando a dificuldade das sombras e do pavimento desigual, ambos centrados na vit�ria porque os dois eram conscientes de que a derrota
significaria a morte. Suas espadas, pesadas o bastante para partir um cr�nio, para partir um osso, subiam e desciam com o ru�do de metal contra metal, enquanto as
adagas voavam para encontrar pontos fracos, defesas descuidadas. Ambos tinham m�sculo e agilidade pelo treinamento constante, eram de estaturas parecidas e similares
na largura dos ombros. Dois oponentes formid�veis.
Elizabeth assistia com horror, incapaz de admirar a destreza de Richard, incapaz de pensar em outra coisa que n�o fosse ao pior dos resultados vendo a igualdade
dos opositores. Ambos ensanguentados, ambos respondendo golpe com golpe. Ela tampou a boca com as m�os quando a espada de Burcher atravessou a manga de Richard e
chegou a sua carne. Sentiu a ard�ncia em seu pr�prio corpo quando Richard fez um gesto de dor antes de lan�ar-se a um novo ataque.
At� que a esperan�a, com um brilho incipiente, come�ou a palpitar em seu peito. Richard brigava com uma raiva disciplinada e perfeitamente canalizada, lan�ando
um implac�vel e constante assalto empurrado pela necessidade de vingan�a. Sua espada golpeava, sua adaga voava, bebia sangue. Elizabeth sabia que n�o ia haver tr�gua,
nem clem�ncia para o vencido.
E a luta continuou durante uma eternidade, irreal e macabra no claustro de Llanwardine, ante a audi�ncia das esposas de Cristo, sobre o gramado central,
sob as arcadas esculpidas. Nada se ouvia exceto os golpes de suas botas, os grunhidos de esfor�o, as respira��es entrecortadas, o vaio da dor quando o a�o encontrava
a carne.
O final tinha que chegar. O esgotamento cobrou seu pre�o e a borda levantada de um ladrilho decidiu. De Burcher trope�ou e perdeu o equil�brio por um d�cimo
de segundo, mas bastou para distra�-lo e para que Richard pudesse aproveitar-se com uma finta e um avan�o letal. A estocada final alcan�ou De Burcher no peito, debaixo
das costelas, com o final da ferida para cima, direto no cora��o. Caiu como uma pedra.
Robert se agachou para vira-lo.
-Est� morto.
-Eu sei. Era minha inten��o.
Sem f�lego, com o suor caindo pelo rosto e o sangue de um corte profundo no antebra�o. O fogo do inferno s� se apagou de seus olhos quando Robert o tocou
no bra�o e o devolveu ao presente e ao assunto inacabado que o aguardava.
Atentos como estavam todos ao confronto mortal, ningu�m tinha reparado em Nicholas Capel, o nigromante. Ningu�m o viu tirar uma adaga da manga e avan�ar.
N�o at� que esteve entre os observadores, a l�mina brilhando na luz escassa.
De todos os pressente, Jane Bringsty era quem se encontrava mais perto da s�ria figura. Sentiu que um punho lhe apertava o cora��o. A escurid�o que rodeava
mestre Capel era mais densa que a de suas negras roupas. Ali estava a origem de tanta maldade, os poderes escuros que tinham dificultado suas vis�es. A quem pretenderia
atacar? A Elizabeth? Todas as vis�es de Jane se cristalizaram em uma certeza. � �bvio que pretendia atacar Elizabeth. Por acaso n�o o tinham revelado isso suas vis�es,
sonhos e cartas? Ali estava o homem escuro que ia atacar a sua senhora, que era seu pior inimigo. Aquela adaga pretendia lhe arrebatar a vida. N�o podia ser! Elizabeth
e o menino n�o podiam sofrer, e sem pensar Jane se lan�ou para diante para desviar o trajeto da l�mina. Mas o nigromante, surpreso, deu a volta, e aquela pequena
e terminante figura tentou segurar o punho daquele homem alto e poderoso.
A luta era desigual, e o elemento surpresa n�o bastou. Seja por acaso, seja deliberadamente, a l�mina se cravou com uma terr�vel facilidade entre suas costelas.
Jane caiu aos p�s de Nicholas Capel quando Robert, muito tarde, muito lento, separou-o com um empurr�o.
-Jane!
Elizabeth se deixou cair de joelhos junto a sua amiga, sua ador�vel companheira, incapaz de compreender aquele inesperado giro do destino depois dos horrores
daquela noite.
-Jane... Jane! -gritou, superada pela vulnerabilidade total daquela figura enfraquecida, das fei��es enrugadas que naquele momento revelavam sua idade-.
N�o! N�o pode ser!
Tentou faz�-la recuperar o sentido enquanto procurava enlouquecida por sua ferida, mas soube imediatamente que n�o ia poder fazer nada. A ferida era fatal,
embora Jane abrisse os olhos por pura for�a de vontade. O sangue manchou seus p�lidos l�bios ao tossir. Muito sangue. A l�mina tinha perfurado seu pulm�o, para o
que n�o havia rem�dio.
Richard se ajoelhou junto a elas, empregando sua for�a para ajudar Elizabeth a levant�-la e apoi�-la contra ele, enquanto a respira��o de Jane se tornava
ofegante e se afogava em seu pr�prio sangue. Quando seus olhares se encontraram ambas reconheceram o que j� sabiam. Elizabeth leu a verdade, a compaix�o, e seus
olhos se encheram de l�grimas.
Apertou com for�a sua m�o.
-Eu vi a morte - disse enquanto Elizabeth seguia tentando tampar a ferida com suas saias-. Mas n�o pude ver a verdade. Acreditava que era sua morte a que
me informavam as cartas, e era a minha.
Jane fez uma careta de dor insuport�vel.
-Salvou-me a vida Jane - ela lhe limpou suavemente o sangue da boca e da bochecha, inclinando-se para beij�-la na t�mpora-. Sempre me amou e cuidou de mim.
Como eu a voc�.
-Foi a filha que nunca tive - falar era um esfor�o descomunal para ela, mas puxou Elizabeth para lhe sussurrar-: cuide do beb�. Ensine-lhe tudo o que deve
saber.
-Eu o farei.
A prioresa se ajoelhou junto a eles, segurando o bra�o ferido entre as dobras do h�bito.
-Por favor... - Jane mostrou os dentes, mas n�o era um sorriso-. Conhe�o a morte. N�o reze por mim - a dor voltou a reclam�-la e a fez gemer-. N�o nos faria
bem nenhum. Eu vou morrer, e voc�s n�o conseguiriam piedade de Deus para mim.
Sem prestar aten��o ao sangue, Isabel de Lacy se inclinou uma vez mais para beijar Jane na testa.
-Ent�o n�o rezarei por ti - disse, embora fizesse o contr�rio em seu cora��o-. Mas te desejo uma feliz viagem, Jane Bringsty.
-Obrigado. Protegeu-nos. Salvou a minha senhora.
A respira��o de Jane se fazia mais entrecortada.
-Salvaria a qualquer alma das garras do maligno, e sem d�vida ele esteve presente aqui esta noite. Descanse em paz, irm�. Sejam quais fossem nossas diferen�as,
fomos uma ao final.
-Uma freira e uma adivinha? Quem o diria...
Um riso se converteu em tosse. E tudo terminou.





Dezenove

A quietude do momento foi quebrada pelo �spero ro�ar de uma espada que sa�a de sua bainha. Richard se levantou ao mesmo tempo em que ajudava Elizabeth a
fazer o mesmo, e ambos descobriram que sir John de Lacy os enfrentava com a arma na m�o.
-Matou o meu comandante Malinder, mas ainda n�o ganhou. Nem o far�.
Richard apertou Elizabeth contra seu corpo para enfrentar a seu tio. Ele estava cansado, suas feridas sangravam, mas seu tom era de desafio.
-O que pretende agora, De Lacy? Vai me matar j�, ou vai querer levar a n�s dois at� Talgarth? Assim poder� orquestrar minha morte de modo mais conveniente
em uma de suas masmorras, enquanto submete Elizabeth a uma estreita vigil�ncia at� que nas�a a crian�a.
-Sim... bem sim - De Lacy sorriu mostrando os dentes-. N�o me ocorre um plano melhor.
Elizabeth ficou im�vel na prote��o do bra�o de Richard. Como ele podia admitir com aquela frieza o ardil e o assassinato? E o que Richard sabia que ela
desconhecia? Ela voltou-se para olh�-lo, mas sua aten��o estava em sir John.
-N�o pode me deter Malinder. Meus soldados os escoltar�o - disse, erguendo a espada.
-N�o, De Lacy. Voc� est� enganado. Suas arg�cias j� n�o se sustentam.
Elizabeth se surpreendia com o qu�o tranquilo parecia seu marido diante de tal provoca��o.
-O que aconteceu aqui esta noite, a meada de duplicidade j� se est� cambaleando. Muita gente sabe ou o suspeita. Voc� realmente acha que ningu�m vai suspeitar
de um punhado de mortes muito convenientes para voc�? Vai ter que silenciar a lady Isabel, para come�ar. E sir Robert. E ter� que me matar se quiser ter controle
sobre meu filho porque sabe que resistirei a voc� at� a �ltima gota de meu sangue. Jamais lhe entregarei voluntariamente. E Elizabeth tampouco.
-Richard!
Elizabeth n�o podia acreditar no que estava ouvindo.
-A decis�o ser� sua, certamente - o sorriso se transformou em uma careta-. Ningu�m poder� falar contra mim. Neste momento eu tenho, a todos, na palma de
minha m�o.
-E David? Est� t�o certo de que se render� a seus manejos, do modo que Lewis se recusou a fazer? E se resistir, tamb�m o matar�?
-Deixe David comigo. � jovem, e aprender� a reconhecer o que � de seu melhor interesse. Logo lhe ensinarei a gl�ria de sua heran�a. N�o ter� rival em toda
a Welsh Marches - sir John riu asperamente, fazendo um gesto com a m�o que desdenhar da import�ncia do assunto-. Nada pode deter o avan�o do que tem que ocorrer
- ele olhou para Elizabeth-. Mas primeiro tenho que me ocupar de sua comodidade, querida.
-N�o entendo...
-Seu tio - disse Richard, vibrando de f�ria-, tem uma campanha perfeitamente planejada anterior ao nosso casamento. Pretende me matar e tomar posse de todas
as terras dos Malinder atrav�s de meu herdeiro.
-Isso � verdade? -perguntou, at� sabendo que era verdade-. E espera que aceite sua hospitalidade enquanto urdem a morte de Richard? Jamais o farei. Gritarei
seus pecados para o mundo inteiro!
Sir John se limitou a olh�-la com tanta despreocupa��o como se fosse uma menina pequena empenhada em sair-se com a sua criancice. Transbordava confian�a
por todos os poros da pele e sua linguagem corporal era de orgulho.
-Lewis me amea�ou do mesmo modo, e n�o me restou mais op��o do que o eliminar. Deveria tomar isso como uma advert�ncia Elizabeth.
Ela o olhou boquiaberta ante tal confiss�o.
-Ningu�m acreditar� em voc�, minha teimosa sobrinha, mesmo que pudesse encontrar algu�m disposto a escutar seus del�rios. Sofre de uma enfermidade de mulheres
causada pela repentina e inesperada morte de seu marido em uma emboscada galesa. Se chegar aos ouvidos de algu�m, atribuirei semelhante historia aos del�rios de
uma mente transtornada. Al�m disso, esta se dando muita import�ncia. Voc� foi e � uma De Lacy antes de ser uma Malinder. Onde est� sua lealdade, mo�a? Vir� comigo
para Talgarth e quando nascer a crian�a n�s administraremos a heran�a Malinder juntos.
Tremendo, Elizabeth n�o se atreveu a olhar para Richard, temendo que sua pr�pria debilidade se ela se permitisse contemplar a possibilidade de sua morte,
se pensava no sangue que mesmo naquele momento gotejava de seu bra�o ao ch�o. Mas n�o podia permitir o que seu tio pretendia fazer. N�o podia deixar que ele se sa�sse
com a sua. Teria que negociar. Naquele momento soube que daria sua vida se n�o houvesse outra alternativa, mas restava uma possibilidade...
-Sir John! -soltou-se de Richard e plantando-se diante seu tio afastou a ponta de sua espada e o obrigou a olh�-la-. N�o podemos chegar a um acordo? Por
que n�o me oferece um trato? Em troca da vida de meu marido, eu lhe devolverei as terras de meu dote. E n�o � pouca coisa... incrementaria suas posses na Welsh Marches
central. N�o lhe parece o suficiente?
-Quanta lealdade, Elizabeth. Assombram-me - ele zombou-. N�o, n�o � coisa pouca. Afinal tive que p�r uma isca grande para que o rato a mordesse e que n�o
pudesse recha�ar o casamento. Mas essa pequena parcela, comparada com todas as terras dos Malinder que posso tomar, em nome de seu filho...
-Tamb�m ter� que tomar minha vida - ela respondeu, embora soubesse desde o come�o que seria um gesto in�til.
-Que assim seja. Enquanto isso, Elizabeth, como eu disse, ningu�m acreditar� em seus del�rios.
-Sim v�o acreditar em mim,eu acho.
Aquelas poucas palavras ca�ram como as p�talas de uma rosa sobre a grama verde no meio de toda aquela tens�o. Um som de sapatos de sola macia soou no pavimento
e todos se viraram. Ellen de Lacy entrou serena no claustro e se deteve junto a seu marido, tirou o capuz e entrela�ou as m�os. Quem n�o sabia o que estava se desenvolvendo
ali diria que era a imagem perfeita da esposa submissa.
-Sir John - ela disse-, deveria soltar sua sobrinha e deix�-la partir - olhou aos presentes -. E ao lorde Richard tamb�m. Se lhes ocorrer algo, contarei
o que sei, e se voc� negar n�o servir� de nada. H� muitas pessoas aqui que sabem a verdade.
-Ellen! Isto n�o � seu assunto! O que faz aqui? -uma m�scara de preocupa��o apareceu em seu rosto, mas o sangue tinha gelado em suas veias e sua pele era
cinzenta � luz das velas-. Deveria estar em Talgarth.
O sorriso de Ellen, incrivelmente sereno, seguiu em seu lugar.
-Eu estou ausente h� v�rios dias de Talgarth milord. Senti uma necessidade de visitar Ledenshall. E aparentemente, tamb�m senti a necessidade de estar aqui
- ela declarou, e deu um passo atr�s quando ele fez um movimento para agarrar seu pulso-. Eu tenho que limpar minha consci�ncia, milord, porque guardei segredos
que nunca deveria ter guardado. Rezei por isso e preciso lavar minha consci�ncia. Acredito que o estado de minha alma imortal depende disso.
Sir John avermelhou de repente.
-Sua alma imortal? Que bobeira � essa? O que pode lhe atormentar?
Ele voltou a lhe oferecer uma m�o, mas ela retrocedeu de novo, como se temesse que o contato com ele pudesse polu�-la.
-Sei sobre Lewis - ela disse com toda claridade-. E sei o que tinha planejado para Elizabeth, tudo orquestrado entre voc� milord, e esse homem... essa criatura
que chama de conselheiro. Sabia que a vida de Richard estava em perigo, assim decidi falar.

-E falar com quem? -de repente De Lacy ficou im�vel, e uma profunda ruga atravessou sua testa-. Quem ia te escutar? - ele inquiriu, tentando fazer uso de
sua autoridade sobre uma mulher que jamais em todo o tempo em que estavam casados se atreveu a opor-se a ele.
-Eu - respondeu uma voz. Parecia jovem e carregada de emo��o.
Detr�s dela, sob os arcos escuros, apareceu David.
Elizabeth sentiu por fim que a esperan�a era poss�vel quando ouviu de Lacy conter o f�lego, sua arrog�ncia pela primeira vez encarquilhada. Aquilo tinha
que ser o fim. J� era muito. Instintivamente De Lacy elevou a espada, e um brilho de metal captou o olhar de todos. Contra quem ia usa-la?
Foi David quem falou.
-N�o, sir John. N�o pode faz�-lo. Pense no que est� a ponto de fazer tio. Quer seguir manchando as m�os de sangue?
Mas a resposta de sir John foi para sua esposa.
-Ellen... devia ter confiado em mim.
-N�o podia. Tantas mentiras... no que pensava? E Lewis... mataram Lewis. N�o podia permitir que tamb�m fizessem mal a Elizabeth.
-Voc� me destruiu.
-N�o. Voc� destruiu a si mesmo.
Sir John olhou ao grupo de espectadores hostis como se pela primeira vez percebesse a enormidade do que tinha feito. A ponta da espada abaixou. Elizabeth
sentiu que Richard apertava a sua na m�o. N�o duvidava de que ele a usaria para proteg�-la, mas j� n�o podia mais.
-Richard - ela esperou que ele a olhasse-. Deixe estar. Todos n�s sabemos que � o culpado, mas esta noite j� houve sangue demais aqui. N�o mais, eu lhe
pe�o.
Viu-o hesitar. Viu seu desejo de vingan�a, mas ao final, com gratid�o, viu a raz�o, a compaix�o.
-Muito bem, esposa - ele disse abaixando a cabe�a-. Ser� como voc� quer. O sangue de sir John de Lacy n�o manchar� minhas m�os.
Sir John embainhou a espada e a noite o engoliu.
De Nicholas Capel, vivo ou morto, n�o restava nem rastro.
Elizabeth permaneceu de p� olhando a seu redor. Era imposs�vel assumir tanta brutalidade depois de um per�odo t�o longo de inatividade e espera. Era como
estar no olho de um furac�o, rodeada dos ventos da mentira, viol�ncia e morte no claustro de Llanwardine, depois do que tinha restado um sil�ncio implac�vel. A seus
p�s estavam os restos mortais da mulher que tinha lhe dado seguran�a durante toda sua vida, que a tinha envolvido em confian�a, consolo e conselho. Possivelmente
esse conselho n�o tivesse sido sempre o mais acertado ou honesto, certamente quase nunca tolerante, mas sempre teve a finalidade de proteger e alimentar. Ela enfrentou
� morte por Elizabeth de Lacy, como tinha sido no final. Era muito dif�cil de assumir, uma pesada laje que lhe oprimia o peito.
As freiras tinham come�ado a ocupar-se dos mortos e a cuidar de sua prioresa ferida. Que estranho. Piscou para desfazer-se das l�grimas que por fim tinham
chegado a seus olhos. A destrui��o de seu casamento , de sua vida, n�o havia partido da hostilidade entre partid�rios dos York e do Lancaster, mas sim de seu pr�prio
sangue. Todas as maquina��es de sir John eram destinadas a conseguir a morte de Richard. Inclusive a sua pr�pria, se n�o aceitasse seus desejos. Tudo para ficar
com o herdeiro da casa Malinder. E apesar de que tivesse atuado sob a influ�ncia de Nicholas Capel, isso n�o o absolvia de seus horrendos pecados, porque tinha seguido
suas pr�prias diretrizes.
E ali estava Richard Malinder, o centro de seu mundo, o homem que enchia por completo seu horizonte e que a olhava como se ela enchesse o dele. Ficaram
sozinhos no claustro e a atmosfera carregada tinha se dissipando, deixando em seu lugar uma grata tranquilidade, embora as pedras do piso manchadas de sangue dessem
testemunho das barbaridades ali cometidas. A �nica vela que tinham deixado apenas projetava um brilho amarelado que evanescia o resto do lugar em sombras. Durante
um momento iam poder ter intimidade.
Os dois se olharam de onde estavam lendo com a mente ao mesmo tempo em que com os olhos. Elizabeth contemplou seu cabelo despenteado, as rugas de cansa�o
que o marcavam em torno da boca por causa da veloz cavalgada que deve ter feito para chegar ali e resgat�-la. Havia sangue em suas roupas, na manga, e seguia tendo
a espada obscurecida pelo sangue em sua m�o. Mas suas fei��es e o feroz brilho de seu olhar seguiam sendo o que ela mais amava e queria. Tinha lutado por ela e mataria
o homem que lhe teria feito mal sem hesitar. Havia retornado por ela. Enfrentou a seu tio, e no final tinha tido a for�a necess�ria para n�o acabar com outra vida.
Para ele, vestida com aquele severo h�bito e o v�u de linho, ela parecia-se muit�ssimo com a freira rebelde que tinha chegado a Ledenshall um ano antes
para assumir uma posi��o da qual esperava obter pouca felicidade. Mas agora era sua esposa e a conhecia, e amava. Via a beleza que havia nela. Teria dado sua vida
por ela.
Tinham estado separados muito tempo. Soltou a espada no ch�o, abriu os bra�os e ela se apertou contra ele. Assim f�cil. Abra�ou-a e ela se apoiou contra
seu peito com um suspiro que saiu do seu intimo.
-Gra�as a Deus que est� a salvo. Rezei para que chegasse este momento.
Elizabeth apoiou a testa em seu ombro e respirou o aroma de suor e p�, o met�lico aroma do sangue, encheu-se da maravilha de t�-lo ali enchendo seus pulm�es,
correndo por suas veias at� que seu corpo tremeu.
-Est� bem. Voc� e o menino - n�o era uma pergunta, porque tinha visto em seu rosto que era verdade, em seu corpo que se apertava contra ele. Respirou fundo
e apoiou a bochecha nas dobras do v�u. Logo, para animar um pouco o momento que amea�ava o empurrar a mostrar umas emo��es pouco masculinas, levantou o rosto e perguntou
rindo-: N�o permitiu que voltassem a lhe cortar o cabelo?
Uma risada suave foi toda a resposta que necessitava.
-J� percebi que n�o esbanjou o tempo que durou a espera - ele disse, lhe acariciando as costelas e os quadris, e notando a carne que os cobriam.
-N�o, porque sabia que viria a me buscar - sua respira��o lhe acariciou a bochecha-. Este lugar foi um santu�rio, e n�o uma pris�o para o resto de meus
dias. Mas, Richard... foi muito duro esperar sem saber nada e morta de incerteza. Quando sir John me disse que estava ferido e a beira da morte...
Um estremecimento a sacudiu da cabe�a aos p�s e ele a abra�ou im�vel, e assim eles permaneceram aconchegados nas sombras, uma s� entidade sem divis�o.
-Eu te amo, Elizabeth - murmurou contra seus l�bios.
-E eu amo voc�.
-Olhe para mim.
E quando ela o fez ele a beijou com tanta ternura e do�ura, um contraste t�o brutal com o sangue e a morte que os rodeava que seu cora��o tremeu.
As l�grimas chegaram por fim. Richard as saboreou e sem deixar de a abra��-la foi secando as que rolavam pelas bochechas.
-Sinto n�o ter podido salv�-la.
-Eu a amava muito. Jane foi para mim a m�e que nunca tive.
-Ent�o, estou em d�vida com ela por cuidar de minha esposa por mim.
-Primeiro cuidou de minha m�e e depois cuidou de mim por toda a vida, quando ningu�m mais se importava...
N�o p�de seguir. Chorou amargamente por todas as lembran�as e a perda com Richard abra�ando-a sem impedir que aquela dor sa�sse.
Por fim conseguiu recuperar a calma.
-Jane me salvou a vida. Deixou que a faca que acreditava destinado para mim se cravasse em sua carne. Mas estava errada n�o �? Agora eu o vejo.
-Sim - Richard afastou seu cabelo �mido das bochechas. - Pensou que sua vida corria perigo, mas n�o podia saber que n�o era assim. A adaga de Capel n�o
era destinada a voc�. Voc� era o pilar sobre o qual se apoiava o plano de seu tio; o tinha sido desde que a deixaram sair de Llanwardine. Capel teria usado a adaga
contra mim, ou contra qualquer um que houvesse se interposto no seu caminho, mas tanto sua sa�de como a da crian�a que leva dentro era de vital import�ncia para
o futuro de De Lacy.
Richard a conduziu a sali�ncia de pedra que servia de banco nas paredes do claustro e que as freiras usavam para sentar e ler ou para desfrutar de suas
horas de descanso, e ali lhe contou toda a hist�ria de fraudes e conspira��es sem escr�pulos tendo todo o tempo as m�os de sua mulher entre as dele. E ao contar
aquela historia com palavras se deu conta de qu�o bem tudo encaixava, a trama de uma tape�aria que amaldi�oaria sir John de Lacy como traidor e assassino.
-De modo que eu era um meio para conseguir um fim. Sempre o fui... um modo de consolidar a posi��o de meu tio na Welsh Marches. Nosso filho herdaria as
terras dos Malinder e lhe teria dado a chave necess�ria para incorporar suas posses �s dele. Mas por necessidade tinha que desaparecer.
-Sim.
Ele pegou pelos punhos e o reconfortou sentir seu pulso.
-E eu tamb�m - ela entendeu, olhando-o com os olhos muito abertos-. Uma vez que tivesse nascido o menino, e se eu resistisse.
-Sim. Teria que o ter aceitado como seu tutor - pensar nisso ressuscitou a raiva e sem dar-se conta apertou as m�os at� que Elizabeth protestou-. Perdoe-me
- disse imediatamente, e se levou seus pulsos aos l�bios-. � imposs�vel contempl�-lo sem... - n�o terminou-. Possivelmente sir John pensou que poderia lhe convencer.
-Ent�o � que n�o me conhece mesmo! E David teria substitu�do Lewis. Seria seu herdeiro, um que poderia convencer a n�o fazer perguntas e a limitar-se a
obedecer, algo que Lewis n�o teria feito.
-Certamente. Mas pelo que se v�, tamb�m n�o conhece bem o David. O rapaz se parece bastante com sua irm�, e raciocina por conta pr�pria.
Ela ficou pensando um momento e em seguida tampou o rosto com as m�os, mas sua voz soou forte.
-Que vergonha, Richard. Como podia ter pensado em semelhante final quando me entregou a voc� em casamento ? E voc� me aceitou ignorando que tinha planejado
sua queda... e sua morte.
-N�o t�m do que se envergonhar. Foi uma arma inocente que usaram contra mim. N�o t�m culpa de nada - ele empurrou com suavidade seu queixo para que o olhasse-.
Como v�, ele n�o p�de fazer nada contra mim. Estou ileso - no final se levantou da fria pedra, pendurou a m�o dela em seu bra�o e juntos se dirigiram � sa�da do
claustro-. Quer deixar Jane aqui?
-N�o. � um esp�rito muito inquieto para ficar aqui - respondeu-. O que pensaria de ver-se rodeada de freiras acendendo velas e rezando por ela? Acho que
descansaria melhor em Ledenshall.
-Eu vou arranjar isso.
A dor voltou a mord�-la e ela se alegrou enormemente de ter Richard ao seu lado.
-N�o posso acreditar que esteja aqui - murmurou-. Disseram-me que estava a ponto de morrer.
Ela beijou-o na boca com ternura, com delicadeza, confirmando com as palmas de suas m�os que a vida palpitava sob seu peito.
-Onde posso ficar at� que amanhe�a? -ele lhe perguntou, exausto.
-Venha comigo - pegou sua m�o, com a outra segurou a vela e o conduziu at� seu pr�prio quarto, fechando a porta atr�s de si -. Isto � o melhor que posso
oferecer - uma esp�cie de risada flutuou no ar no qual se via a respira��o-. As irm�s se escandalizariam se soubessem que o trouxe aqui, mas n�o penso em permitir
que nos separem.
Viu a acomoda��o, pouco mais que uma cela, com os olhos de Richard. As paredes com sua brilhante capa de umidade, o ch�o nu, uma �nica janela sem vidro
pela qual entrava o frio ar da noite. A estreita cama e a aus�ncia de qualquer tipo de mobili�rio, exceto um crucifixo nu na parede. Nada que pudesse oferecer comodidade
ao convidado.
A careta de Richard disse tudo.
-Uma verdadeira penit�ncia! E essa cama, se n�s formos compartilh�-la, � estreita como um ata�de. Ai! Elizabeth me perdoe... - ele disse ao dar-se conta
de sua estupidez.
Ela p�s um dedo sobre os l�bios dele antes de selar sua boca com os dela e empurr�-lo docemente sobre a cama onde ambos se deitaram com um desconforto ao
qual nenhum teria renunciado. Mais precioso que o mais suntuoso dos quartos, melhor que o mais suave dos colch�es, o mais fino dos len��is, aquele duro catre lhes
ofereceu tudo que necessitavam. Sem despir-se, o calor de seus corpos abra�ados compensou a pu�da manta com que se cobriram. Por decis�o m�tua deixaram a vela ardendo
at� que se consumiu, como se quisessem manter as imagens do que aconteceu naquela noite encerrada na escurid�o, enquanto sussurravam palavras de amor, aceitavam
serenamente o que tinha estado a ponto de destru�-los e celebravam uma uni�o insepar�vel de corpo e mente. Foi a mais doce e mais triste das reconcilia��es, mas
no fim uma estranha satisfa��o os envolveu. A vis�o da morte, do assassinato e do medo, foi desaparecendo gradualmente, at� que ambos mantiveram sil�ncio, satisfeitos
em apenas estar juntos depois de tudo que os tinha separado.
Richard se manteve acordado at� a alvorada. Elizabeth pode dormir um pouco at� que soou o sino da prioresa chamando para as primas. Sem dizer uma palavra
se moveram juntos para consumar uma cura que ambos necessitavam. Beijos doces, doces suspiros, despirem-se minimamente para reafirmar seu amor. O movimento lento
das m�os, a respira��o entrecortada como o �nico som no quarto. Colocando-se sobre ela, Richard a encheu, possuiu-a, entregou-lhe toda sua ternura, que Elizabeth
recebeu o rodeando com seu corpo e com seu amor, todo o tempo sem deixar de olh�-lo nos olhos, mergulhando-se no amor que via em seu rosto. A respira��o entrecortada,
completamente perdidos em um mundo que as quatro paredes daquela cela guardavam, moveram-se juntos no mais doce dos ritmos at� que tudo se completou.
As palavras dela, sussurradas contra seus l�bios, expressaram o desejo de ambos:
-Me leve para casa, Richard. Me leve para Ledenshall.












Ep�logo

Todas as superf�cies estavam cobertas com uma grossa camada de p�. Respiravam-no, bebiam-no e o comiam; at� os len��is da cama se tornaram �speros por causa
dele. Entretanto, ambos estavam de volta em casa e o cora��o de Elizabeth ficou leve como um p�ssaro.
Ellen estava em Talgarth e David se ocupava de cuidar dela. Sir John estava em Londres, pedindo justi�a ao novo rei da casa dos York, o jovem Edward.
Nicholas Capel tinha desaparecido sem deixar rastro. Elizabeth estremeceu como se uma nuvem tivesse abafado o sol. Seus delitos e os de sir John tinham
ficado sem castigo. E quanto ao futuro... melhor n�o pensar nisso. A bola de cristal n�o tinha sido usada desde a morte de Jane.
Vozes � dist�ncia lhe informaram onde estava Richard. A muralha que tinha cedido sob o ataque dos canh�es ocupava grande parte de seu tempo. E o resto,
ele passava dedicando-se a ela. Elizabeth era consciente do quanto que ele se controlava para n�o p�-la entre almofad�es, o que ela agradecia, e sorriu como um gato
estendido no sol ao se recordar da expectativa com que brilhavam os olhos dele ao olh�-la.
No parapeito do muro, Richard desdobrou o plano para os novos edif�cios que queria construir e olhou para onde Elizabeth se deteve, no alto das escadas
que partiam do sal�o principal, com as saias formando redemoinhos pelo vento, a cintura j� mais dilatada, e segurando o v�u, um gesto muito feminino.
Imediatamente ele foi para seu lado. As amea�as sofridas eram ainda muito recentes para poder esquec�-las facilmente. Perd�-la era impens�vel.
-O que esta fazendo?
-E precisa perguntar? Posso escrever meu nome no p� que o cobre tudo!
Beijou-a nos l�bios acariciando seu ventre, mas n�o lhe ocorreu dizer que descansasse. Conhecia-a bem.
-N�o se preocupe. David ser� um excelente senhor de Talgarth - lhe assegurou. Tinha pressentido a sombra que ainda empanava seus pensamentos.
-Eu sei.
Richard passou um bra�o pela cintura dela e apoiou a bochecha sobre seu v�u. Era um privil�gio poder desfrutar daquele momento de sol de l� encima e contemplar
a atividade do p�tio, onde estavam preparando uns blocos de pedra. At� que uma figura felina e familiar se enredou em seus p�s, desceu pela escada e atravessou o
p�tio para dirigir-se aos est�bulos com as orelhas alerta, os flancos volumosos e dilatados sob o pelo.
-Outra que j� pensa no que vir� - comentou Richard.
-Espero que pelo menos uma das duas obtenha o que deseja - ela sorriu ao ver desaparecer � gata pela porta-. E que os gatinhos tenham melhor temperamento
que sua m�e.
-Am�m. E acredito que minha Fera Negra tamb�m est� contente.
-Mais que contente - ela disse, transmitindo em suas palavras todo o amor que havia entre ambos.
-Milord!
Do p�tio Simon Beggard elevou uma m�o quando come�avam a mover um enorme bloco de pedra com cordas e alavancas.
Richard beijou a m�o que Elizabeth tinha pendurada em seu bra�o resistindo com esfor�o � tenta��o de ficar um momento mais ao sol com ela. O futuro se apresentava
cheio de promessas.
O tempo diria que tipo de homem ia ser Edward de York, o novo rei. Um homem melhor que seu pai, certamente, e possivelmente um rei capaz de trazer a paz
a um reino despeda�ado pela guerra.
-Eles precisam - suspirou Elizabeth, empurrando-o.
-Mais tarde eu volto! -suspirou, e desceu rapidamente as escadas para falar da constru��o da muralha.
Com o herdeiro dos Malinder lhe dando chutes no ventre e o cora��o transbordando de felicidade, Elizabeth ficou no alto das escadas vendo-o trabalhar.

Fim
NT. Welsh Marche � um termo que, no uso moderno, denota uma �rea indefinida ao longo e ao redor da fronteira entre Inglaterra e Pa�s de Gales no Reino Unido The
precise meaning of the term has varied at different periods. O significado preciso do termo tem variado em diferentes per�odos. The English terms Welsh March , The
March of Wales , in Medieval Latin Marchia Walliae , [ 1 ] were originally used in the Middle Ages to denote a more precisely defined territory, the marches between
England and the Principality of Wales , in which Marcher lords had specific rights, held to some extent independently of the king of England . Os termos em ingl�s
Welsh March, O marco do Pa�s de Gales, em latim medieval Marchia Walliae, foram usadas originalmente na Idade M�dia para denotar um territ�rio mais precisamente
definido, o territ�rio entre a Inglaterra e o Principado de Gales , em que senhores Marcher tinham direitos espec�ficos, realizados em certa medida, independentemente
do rei da Inglaterra

Ebooks distribu�dos sem fins lucrativos e de f�s para f�s.
A comercializa��o deste produto � estritamente proibida













1


Anne O'Brien - amor divino
Anne Osterlund - Aurelia
Anne Rice - A Dádiva Do Lobo

-- 


--

Abraços fraternos!

 Bezerra

Livros:

http://bezerralivroseoutros.blogspot.com/

 Áudios diversos:

http://bezerravideoseaudios.blogspot.com/

https://groups.google.com/group/bons_amigos?hl=pt-br

 

 

'TUDO QUE É BOM E ENGRADECE O HOMEM DEVE SER DIVULGADO!

PENSE NISSO! ASSIM CONSTRUIREMOS UM MUNDO MELHOR."

JOSÉ IDEAL

' A MAIOR CARIDADE QUE SE PODE FAZER É A DIVULGAÇÃO DA DOUTRINA ESPÍRITA" EMMANUEL

--
--
Seja bem vindo ao Clube do e-livro
 
Não esqueça de mandar seus links para lista .
Boas Leituras e obrigado por participar do nosso grupo.
==========================================================
Conheça nosso grupo Cotidiano:
http://groups.google.com.br/group/cotidiano
 
Muitos arquivos e filmes.
==========================================================
 
 
Você recebeu esta mensagem porque está inscrito no Grupo "clube do e-livro" em Grupos do Google.
Para postar neste grupo, envie um e-mail para clube-do-e-livro@googlegroups.com
Para cancelar a sua inscrição neste grupo, envie um e-mail para clube-do-e-livro-unsubscribe@googlegroups.com
Para ver mais opções, visite este grupo em http://groups.google.com.br/group/clube-do-e-
---
Você recebeu essa mensagem porque está inscrito no grupo "clube do e-livro" dos Grupos do Google.
Para cancelar inscrição nesse grupo e parar de receber e-mails dele, envie um e-mail para clube-do-e-livro+unsubscribe@googlegroups.com.
Para mais opções, acesse https://groups.google.com/d/optout.
Vida de bombeiro Recipes Informatica Humor Jokes Mensagens Curiosity Saude Video Games Car Blog Animals Diario das Mensagens Eletronica Rei Jesus News Noticias da TV Artesanato Esportes Noticias Atuais Games Pets Career Religion Recreation Business Education Autos Academics Style Television Programming Motosport Humor News The Games Home Downs World News Internet Car Design Entertaimment Celebrities 1001 Games Doctor Pets Net Downs World Enter Jesus Variedade Mensagensr Android Rub Letras Dialogue cosmetics Genexus Car net Só Humor Curiosity Gifs Medical Female American Health Madeira Designer PPS Divertidas Estate Travel Estate Writing Computer Matilde Ocultos Matilde futebolcomnoticias girassol lettheworldturn topdigitalnet Bem amado enjohnny produceideas foodasticos cronicasdoimaginario downloadsdegraca compactandoletras newcuriosidades blogdoarmario arrozinhoii