Elizabeth Lowell
Rio quer estar com Laura, rir com ela, protegê-la. Mas além disso, quer tocá-la, descobrir a quente e suave textura daquele corpo de mulher.
Provar do doce mel da boca macia, sentir a resposta úmida de seus sentidos, até ouvi-la gritar seu nome, envolta em ondas de prazer.
Porém, Rio é um índio indomável como o vento que sopra no canyon, e sabe que Laura só pertencerá a um homem: aquele que conseguir desvendar o grande enigma
de sua vida...
Valley of the Sun -1985 Elizabeth Lowell
Originalmente publicado pela Silhouette Books,
Divisão da Harlequin Enterprises Limited.
Verão Eterno (c) 1987 - para a língua portuguesa
EDITORA NOVA CULTURAL LTDA.
Tradução: Diana Barreto
Digitalizado e revisado por Edna Fiquer sem fins lucrativos num projeto de fã para fâs.
CAPÍTULO I
Da fazenda Vale do Sol, podia-se avistar ao longe as montanhas de Sierra Perdida. Majestosas, tudo nelas indicava a presença de água em abundância: vales recobertos
por relva macia, florestas e bosques verdejantes e lagos de água cristalina. Laura Gardener no entanto estava muito distante de todo aquele paraíso. A dura realidade
de sua terra seca fazia com que Sierra Perdida fosse um sonho para ela e para outros fazendeiros cujos poços haviam secado.
Contudo ela havia decidido lutar e jamais desfazer-se de sua fazenda Vale do Sol.
Laura precisava muito de água para seu gado e suas terras, mas não tinha grandes ambições; Não queria um grande rio de águas profundas ou um enorme lago cheio
de peixes. Uma pequena lagoa seria o suficiente para matar a sede de seu gado e regar as plantações de alfafa e cevada. Era só isso o que ela queria, uma pequena
fonte de água que jamais secasse.
No entanto, era apenas um sonho, pois a realidade, desconcertava. Possuía um velho caminhão-pipa que mal funcionava, e com muito esforço ela o conduzia pela
estradinha empoeirada. Seus braços doíam, mas sabia que não podia parar pois esse era o único meio de abastecer seu rancho.
A Vale do Sol localizava-se no Estado de Nevada, onde o sol abrasador brilha sem parar, fazendo com que tudo morra se não houver o precioso líquido. Contudo,
Laura acreditava que dias melhores poderiam chegar: o preço do gado poderia subir e talvez conseguisse vender algumas cabeças por uma quantia razoável. Mas ainda
assim faltaria dinheiro para algo urgente: trocar seu velho caminhão-pipa por um mais novo. A única alternativa seria contratar um geólogo sério e responsável para
construir um poço artesiano em suas terras. Depois, munida de um relatório assinado por ele, poderia conseguir um empréstimo junto ao banco. Já havia colocado um
anúncio no jornal e esperava que algum profissional competente pudesse ajudá-la, pois acreditava firmemente que um de seus velhos poços secos poderiam produzir água
novamente.
Havia a esperança de chuva também. Da janela de seu caminhão, Laura observou algumas nuvens rodeando os picos das montanhas de Sierra Perdida. Mas eram muito
poucas e estavam longe de sua fazenda. Talvez chovesse nas montanhas, mas não em suas terras, onde o solo já rachava pela falta de água, e o gado amontoava-se ao
redor dos poços secos, na tentativa desesperada de matar a sede.
O chapéu de vaqueiro fazia sombra em seu rosto, sem contudo esconder a boca carnuda, mas fechada com um ar de preocupação. Os olhos cor de mel eram como um
raio de luz iluminando o semblante cansado, e os cabelos sedosos e ruivos estavam presos e escondidos dentro do chapéu. Algumas mechas soltas caíam pelo pescoço
de pele alva. Por um instante, enquanto dirigia, imagens do passado vieram a sua mente. Laura lembrava-se do pai e do poço de água pura e fresca que ele havia encontrado
no mesmo dia em que ela nascera. Mas o poço havia secado e, a menos que um milagre ocorresse, ela completaria vinte e quatro anos sem nenhuma água na Vale do Sol.
O caminhão-pipa estava vazio e precisava buscar água no rancho de John Turner. Apesar de serem vizinhos, havia muita água nas terras de Turner, enquanto Laura
não tinha uma gota sequer em sua fazenda. A única coisa que ela tinha no momento eram planos e sonhos, da mesma forma que seu avô e seu pai tiveram.
Apesar das dificuldades, Laura amava a Vale do Sol como jamais amara algo em sua vida. Outras moças poderiam sonhar com namorados, casamentos felizes, muitos
filhos, mas todos esses sonhos haviam morrido quando ela completara dezoito anos. A vida lhe ensinara que o amor pode terminar, mas a terra dura para sempre e Laura
acreditava na eternidade. Jamais abandonaria o homem que amasse. Sua mãe o fizera, e sua irmã mais velha, Julie, tinha numerosos casos de amor.
Após dirigir o velho caminhão-pipa pela estradinha, Laura chegou ao vale onde se localizava um dos poços de água de John Turner, seu vizinho. A relva verdejante
indicava a presença de água nas profundezas do solo e, no poço, o líquido precioso brotava puro, fresco e cristalino. O gado de Turner estava por perto, pastando
calmamente no capim macio. Era incrível que dois lugares tão perto um do outro pudessem ser tão diferentes.
Laura abriu a porta amassada do caminhão, descendo com agilidade apesar de todo o cansaço. Depois de se assegurar que a válvula do tanque do caminhão estava
bem fechada, colocou uma mangueira na bomba de água de Turner, e atarrachou a outra ponta na boca do tanque de seu caminhão. Era assim que ela transportava água
para seu gado diariamente, com muito esforço, pois seu equipamento era velho e obsoleto. Tinha esperança de que todo aquele trabalho terminasse com a chegada da
estação das chuvas.
No início, quando seus poços ainda não haviam secado completamente, Laura enchia o caminhão-pipa uma vez a cada três ou quatro dias. Com o atraso das chuvas,
as viagens passaram a ser feitas a cada dois dias, diariamente, duas vezes por dia, até que ela se viu obrigada a encher o caminhão quatro vezes por dia. Trabalhava
obstinadamente até que seus braços não pudessem mais dirigir o pesado e velho caminhão. Só então ia dormir, assustada com o gemido de seu gado sedento.
Laura queria terminar o trabalho logo, mas ainda tinha de colocar água no radiador de seu caminhão. Entretanto, apesar da pressa, debruçou-se sobre a água que
enchia o poço, mergulhando os braços até a altura do cotovelo. Depois, molhou suas roupas e refrescou o corpo, para em seguida banhar o rosto, rindo com a deliciosa
sensação que a água fresca lhe dava.
Foi nesse instante que Rio se aproximou com seu cavalo, atraído pelo som do riso de Laura. Ele havia observado todo o trabalho que ela tivera para encher o
caminhão. Quis ajudá-la no início, mas algo nela o impediu. Apesar de muito cansada, Laura mostrava a graça de um cavalo selvagem. Bonita e muito decidida, conseguia
fazer com que todo o equipamento funcionasse apesar de tão antigo. Seu riso inesperado era como água brotando em terra seca, e, agora, suas roupas molhadas revelavam
as formas de um corpo tão exuberante quanto os cabelos de cobre que brilhavam ao sol. As pernas longas eram perfeitamente torneadas, e a blusa molhada ressaltava-lhe
os seios redondos. Rio estava encantado com a maravilhosa visão daquela mulher, de aparência delicada, mas ao mesmo tempo tão decidida e independente.
Agora Rio entendia por que John Turner havia tentado persuadir Laura a casar-se com ele. Desde que voltara para sua fazenda há dois anos, nenhum envolvimento
amoroso estava nos planos de Laura, e Rio queria muito saber quem era aquela mulher que se importava mais com uma fazenda seca do que com um homem, mesmo que ele
fosse um rico fazendeiro como Turner. Qualquer outra mulher teria cedido em troca da água tão preciosa.
Mas não Laura. Sozinha, ela tentava fazer com que seus sonhos se tornassem realidade. Após colocar o chapéu, Laura ligou a bomba de água para encher o balde.
Aquela máquina também era antiga e funcionava com dificuldade; o gerador demorava a pegar, obrigando Laura a movimentar a alavanca várias vezes seguidas. Foi nesse
momento que Rio decidiu intervir:
- Posso ajudar?
Aquela voz máscula assustou Laura, entretida que estava com a bomba de água. Ao soltar a alavanca repentinamente, quase foi atingida por ela na altura do rosto
se Rio não a puxasse rapidamente. Ele a segurou com um braço, impedindo com o outro que a alavanca continuasse a se movimentar. Laura, quase instintivamente, apoiou
suas mãos nos ombros dele. Foi então que ela percebeu a força daqueles braços vigorosos e os músculos rijos que formavam os ombros largos.
- Eu... obrigada - disse Laura, ao sentir-se segura no chão novamente.
Então observou Rio fazer a velha máquina funcionar com uma facilidade que a fascinou. Alto, com uma constituição física adequada à altura, ele era um homem
atraente. Apesar de estar com chapéu de vaqueiro, podia-se perceber os cabelos lisos, de um preto azulado muito brilhante. Laura também notou que as roupas estavam
limpas, e o par de botas era de couro da melhor qualidade. A fivela do cinto de prata gravada coma imagem de um feiticeiro indígena pedindo chuva. A pele era bastante
escura, e olhando a cor do cabelo com a fivela, podia-se dizer que o sangue indígena corria em suas veias.
Naquele instante, a mangueira começou a espirrar água pela junção entre a bomba e o tanque do caminhão. Tentando deter o vazamento, Rio ficou todo molhado,
o que provocou uma reação de constrangimento em Laura.
- Desculpe, esqueci de avisá-lo que a junção está com defeito!
Ele então tirou a camisa para melhor executar o serviço.
Laura notou o peito musculoso, peludo e bronzeado com o mesmo tom dourado do rosto. Não, ele não era um simples vaqueiro, pois vaqueiros queimam o rosto sob
o forte sol de Nevada, mas quando tiram suas camisas, a pele é branca como leite. Era muito atraente sem camisa.
Quando terminou o trabalho, ele falou com voz calma e um ligeiro sotaque do Oeste:
- Em certos casos, até um acidente pode ser providencial.
Em seguida, checou o equipamento para ver se tudo estava em ordem. Laura o observou cuidadosamente e depois falou:
- Você não é um vaqueiro...
Surpreso, Rio olhou para ela com seus grandes olhos de um azul tão intenso que parecia ofuscar. Laura então explicou-se:
- Ê que vaqueiros não queimam a testa devido ao uso do chapéu, e o peito e as costas são sempre brancos por causa da camisa.
Ele sorriu. De início, Laura pensou que fosse apenas um guardador de gado, mais alto e mais forte que a maioria deles, mas apenas isso. Mas ao vê-lo sem camisa
mostrando a pele toda dourada, e também inteligência e destreza, concluiu que havia algo mais nele.
- Laura Gardener - disse ela, tirando sua luva de trabalho e estendendo-lhe a mão direita.
- Rio
A mão forte envolveu a de Laura, e ela fôde sentir todo o calor e segurança que aquele homem transmitia. Reparou que os dedos dele eram longos, com unhas limpas
e bem-cuidadas, mas havia algumas cicatrizes ao redor das juntas. Ele não parecia ser um homem rude, ao contrário, muito gentil e educado.
Suspirando quase sem perceber, ela voltou a colocar a luva de couro, sentindo-se muito bem na presença daquele homem. Laura se lembrou então de que já ouvira
aquele nome antes. Rio. Sem um primeiro nome ou sobrenome. Simplesmente Rio. Um homem diferente. Talvez Lee, um velho amigo da família da mãe de Laura, já o tivesse
mencionado.
- Acho que já ouvi seu nome antes - disse ela.
- Talvez... nos mapas... rio Colorado, rio Grande - continuou ele, sorrindo.
- É, talvez... -concordou ela, percebendo que ele não tinha intenção de falar sobre si mesmo.
Rio então continuou:
- Há muitos rios cujos nomes você deve ter ouvido falar... Os índios foram os primeiros habitantes deste lugar, depois o homem branco veio e deu novos
nomes aos mesmos rios. Ouvi dizer que você está procurando água...
Laura mal conseguia prestar atenção ao que falava, tão fascinada que estava por ele.
Deveria ser difícil para ele lidar com o preconceito indígena que as pessoas da região demonstravam. Só então ela se deu conta do que ele falara:
- Sim, é verdade. Estou precisando de um bom geólogo.
- Um geólogo que queira se arriscar, assim como você? - Depois de alguns segundos, ele continuou: - Você é uma sonhadora, e eu... eu sei achar água.
O sorriso de Laura desapareceu. É claro que Rio havia lido o anúncio que ela colocara no jornal, mas aquela atitude indicava que não pensava como ela. Por alguns
instantes, Laura desapontou-se, e pensou ser ele mais um explorador interessado apenas no dinheiro que pudesse conseguir. E mesmo que ele não fosse um explorador,
o que o fazia pensar que poderia achar água na Vale do Sol, quando geólogos profissionais não haviam conseguido? Que experiência tinha ele? Com que direito fazia
comentários sobre seus planos e seus sonhos? Sim! Era exatamente isso o que ele estava fazendo. Rio estava se oferecendo para trabalhar com ela e ao mesmo tempo
dizendo que todo o trabalho seria inútil. "Sonhadora." Então era isso o que ele pensava.
- Não - Laura respondeu de modo frio e impessoal. E depois continuou: - Eu nem gosto de me arriscar e nem sou uma tola. Acredito que há condições de
se construir um poço artesiano no solo da Vale do Sol. Uma boa chance!
Rio observou a mudança na atitude de Laura. Agora ele tinha certeza que aquela mulher sozinha, jovem e de aparência delicada realmente havia recusado John Turner
e recusaria qualquer interesseiro que dela tentasse se aproximar. A Laura que ele via agora era alguém que não pedia e não aceitava favores de ninguém. Sabia o que
queria e sua terra estava em primeiro lugar. Rio podia entendê-la muito bem, afinal era isso o que ele próprio sempre quisera: o Oeste, rico e selvagem. Contudo,
continuou a conversa sem muitas explicações.
- Sonhar não significa ser tolo.
Laura não respondeu. Apenas lembrou-se dos sonhos de sua mãe e de sua irmã. Sonhar não significava ser tolo, mas muitos sonhadores morriam jovens, desiludidos
com a vida, esperando o amor de alguém que jamais encontrariam. Ela sabia muito bem como controlar seus próprios sonhos, queria apenas o possível. Seu desejo era
um simples poço artesiano, e não um sonho de amor; afinal a fazenda era a única coisa que poderia durar para sempre, mesmo com todos os problemas que ela lhe causava.
- Converse com Lee, e decida depois- disse Rio calmamente. Em seguida, virou-se e montou sua égua. Laura reparou que o animal era ágil, dando a impressão
de ter sido domado há pouco tempo.
"Bonito animal... ", pensou ela, lembrando-se de seu cavalo Tufão. Achou que aqueles dois animais poderiam ser excelentes reprodutores, e antes que Rio fosse
embora, fez um convite:
- Se algum dia você quiser cruzá-la, eu tenho um lindo garanhão e...
- Sim, Tufão - interrompeu ele calmamente, dando uma volta com a égua ao redor de Laura.
Tanto o animal como o cavaleiro demonstravam graça e destreza. Laura surpreendia-se com a beleza daqueles movimentos.
- Sim, Tufão - disse ela, boquiaberta com a harmonia da cena. Em seguida, Rio saiu a galope, deixando para trás o barulho da água que enchia o caminhão-pipa.
O poço de Turner estava quase vazio, mas Laura não se preocupou. Sabia que o nível da água logo seria resposto, e afinal ela teria feito o mesmo para um vizinho
necessitado. Turner tinha muita água. Uma vez ele tentou convencer o pai de Laura que a salvação para a Vale do Sol seria fazer um encanamento que fizesse a água
chegar até lá, mas na realidade tudo o que ele queria era o corpo de Laura, nem mesmo uma mulher para ser sua esposa. Ele até tentara conseguir à força o que ela
não quisera entregar.
As lembranças daquela horrível noite quando ela completara dezoito anos lhe vieram à mente, mas afastou-as rapidamente. Estava com pressa, queria chegar logo
à fazenda para falar com Lee. Talvez ele conhecesse Rio e pudesse dizer algo a seu respeito. Afinal, quem quer que tivesse passado por Nevada, Lee conhecia.
Estava difícil desmontar e guardar todo o equipamento, e Laura já se sentia muito cansada. Sozinha, não conseguia ser mais rápida, e além disso ainda teria
que dirigir o caminhão cheio de água de volta até o Vale do Sol. Se ao menos Rio estivesse lá para ajudá-la...
Quando Laura chegou à sua fazenda, estava morrendo de calor e exausta. Mesmo no final da tarde o sol ainda era muito forte naquela região.
- Lee! - gritou ela, ao avistá-lo entrando na caminhonete, que era o outro meio de transporte da fazenda, além do caminhão-pipa. Ele virou-se e pode vê-la descer
do caminhão, e correr em sua direção. Recebeu-a com um sorriso:
- Voltou cedo hoje. Tem limonada na cozinha para você.
- Gelo também? - perguntou ela brincando, pois sabia que aquele velho homem adorava limonada gelada, mas detestava encher as bandejas de gelo do congelador.
Lee tentou parecer ofendido, mas tudo o que conseguiu foi continuar em tom de brincadeira:
- Você me conhece bem, não é menina?
- Também! Depois de todos estes anos. . . - respondeu ela.
Laura então passou seu braço em torno da cintura de Lee e conduziu-o à cozinha. Há dois anos, quando decidira voltar à fazenda para morar lá, usou parte do
dinheiro que ganhara trabalhando como modelo e reformou a velha cozinha, transformando-a no lugar mais fresco da casa. Colocou no centro uma grande mesa de carvalho,
onde passavam as noites jogando cartas e conversando sobre seu pai, tios, avós, bisavós, suas mulheres, seus filhos, enfim, pessoas que já haviam vivido na Vale
do Sol.
Lee era um livro de histórias vivo, e fascinava-a com o conhecimento que tinha do Velho Oeste. Sua família trabalhara para a família da mãe de Laura durante
muitos anos. No entanto, a mãe de Laura jamais quis continuar a história dos Gardener, pois detestava a Vale do Sol e tudo o que se relacionasse com ela.
- Você já ouviu falar num homem chamado Rio? - perguntou Laura rapidamente, querendo pensar em outro assunto. Ela jamais amara alguém como amara sua mãe, mas
também jamais odiou alguém como a ela.
- Um homem forte, calmo, parecido com índio?
- Sim, e com um sorriso encantador - respondeu ela.
Lee olhou-a de um modo diferente:
- Então ele deve ter gostado de você. Rio não é homem de muitos sorrisos.
- Talvez ele estivesse rindo de mim - disse ela, lembrando-se dos comentários que ele fizera sobre seus planos.
- Hum! Não acredito!
- Mas você não falou que ele não é homem de muitos sorrisos?
- Rio só ri dos tolos. Você pode ser muito teimosa, mas com certeza não é tola - respondeu Lee, seriamente.
Laura então afagou-lhe o ombro carinhosamente. Apesar da idade, ele ainda era seu braço direito e melhor amigo, da mesma forma como fora com o pai dela.
- Em que ele trabalha? - quis saber ela, tomando sua limonada e sentando-se perto dele.
- Ele doma cavalos selvagens.
- Só isso?! - exclamou ela desapontada.
- Se você fosse ele, veria que isso é bastante. A vida dele é estar entre os animais. Sabe cuidar muito bem deles. Não conheço ninguém melhor para fazer o que
ele faz.
Laura tomou um gole da limonada e suspirou. Depois continuou:
- Ele disse que pode descobrir água. Falou para
conversar com você e decidir depois.
Lee olhou-a então com muita atenção e falou pausadamente:
- Ele gostou de alguma coisa em você..
Ela olhou-o de modo desconfiado.
- Não, Laura, não é nada do que você está pensando. Não há dúvida que você é muito bonita, e ele bastante homem para notar isso. Mas se falou que pode achar
água na Vale do Sol, é porque você fez algo que ele gostou.
- Ele estava perto do poço de Turner. Tudo o que eu fiz foi tentar fazer aquela maldita bomba funcionar - respondeu ela.
Lee fitou Laura atentamente. Aquela menina que ele conhecera havia se tornado uma mulher tão bonita quanto a mãe, só que com uma diferença: ela não odiava a
fazenda, e se considerava parte dela. Seus cabelos ruivos e seu sorriso delicioso faziam com que os homens suspirassem por ela. Mas no coração de Laura parecia haver
lugar só para uma coisa: a fazenda Vale do Sol. Enquanto a irmã mais velha, Julie, fugia do trabalho, Laura dedicava-se a ele com empenho.
- Rio gostou da sua coragem. Esta é a única coisa que ele respeita... coragem - falou Lee, lentamente.
- Bom, isso eu tenho e muito. .. Você acha que ele pode fazer o serviço para nós?
Lee olhou fundo nos olhos de Laura e depois respondeu pensativamente:
- Menina, se houver água nesta fazenda, pode ter certeza de que Rio a encontrará
- Como?
- Não sei como, mas sei que ele conseguirá. Ouvi dizer que ele é como um feiticeiro para descobrir água. Aliás, ele é neto de índios. Ouvi dizer também que
já foi soldado e fez muitos mapas. Conhece a região como ninguém. Foi criado numa reserva indígena, do outro lado das montanhas de Sierra Perdida.
- Você acredita nisso tudo? - perguntou Laura curiosa.
- Acredito sim, e digo mais.. . Rio é mais rápido e esperto do que uma cobra. Não se esqueça de que ele é meio índio. Quando briga, ganha sempre. Uma vez eu
o vi bater em três homens de uma só vez.
- Que horror! Então ele deve ser um selvagem!
- Selvagem é John Turner, que gosta de magoar as pessoas.
Laura sabia que aquilo era verdade porque ela também conhecia aquele lado de Turner.
- Rio é camarada quando as pessoas são boas para ele. Laura, aqueles três homens estavam.armados com facas e criaram uma grande discussão porque não
queriam que índios se misturassem com homens brancos. Eles bem mereceram aquela surra! - explicou Lee.
Lauta ouviu atentamente e depois falou:
- Você realmente gosta dele, não é?
- Se Deus tivesse dado filhos a mim e a Lucy, ele é o filho que eu gostaria de ter tido.
Por um instante, Laura ficou sem palavras. Ela nunca ouvira Lee falar com tanto carinho de alguém como de Rio.
- Onde você o conheceu? - perguntou ela.
Lee hesitou, como que não querendo contar. Mas depois falou:
- Na verdade, Lucy o conheceu primeiro, mas acho que se ela estivesse viva, não se incomodaria em contar. A irmã dela se casou com um homem de descendência
indígena. Depois de algum tempo, ele a abandonou, deixando-a sozinha com quatro crianças. Quatro crianças mestiças. Ainda há muitas pessoas que não gostam de índios,
como aqueles três homens de quem eu falei. Na verdade, eles estavam judiando dos sobrinhos de Lucy quando Rio apareceu:
- Ah! Agora entendo por que você o admira tanto. Espero que eles tenham aprendido a lição - Laura falou.
- Pelo menos eles aprenderam a não bater mais em crianças - continuou Lee, de modo enfático.
Naquele momento, Laura concluiu que já sabia tudo o que precisava para contratar Rio. Talvez ele não achasse água, mas tinha certeza de que ele não a enganaria.
- Obrigada, Lee - disse ela, beijando-lhe a testa.
- Você vai contratá-lo?
- Sim! Vou! Só que não tenho a menor ideia do que fazer para encontrá-lo.
- Não se preocupe com isso. Quando você precisar dele, ele aparecerá - respondeu Lee, sorrindo.
- Mas como ele vai saber que eu estou precisando dele? - perguntou Laura de modo apreensivo.
- Do mesmo jeito que as flores sabem quando desabrochar. Ele simplesmente ficará sabendo.
Laura parecia impaciente. Lee olhou-a de modo calmo e seguro, e depois falou com firmeza:
- Não se preocupe! Ele é Rio! Ele saberá!
CAPITULO II
Laura achou aquela ideia um absurdo.
- Ele saberá! Como se isso fosse possível! Eu não tenho tempo para esperar que Rio apareça misteriosamente! Preciso de água e preciso contratá-lo logo! - retrucou
ela um tanto exaltada.
- É, você sempre foi um pouco apressada, menina. Nesse caso, posso dar um jeito de encontrá-lo para você, por um precinho bem camarada - falou Lee, brincando.
- Que precinho é esse? - perguntou Laura, já. sabendo do que se tratava.
- Cubos de gelo por uma semana - respondeu ele, sorrindo.
- Combinado! Mas, de qualquer maneira, sou sempre eu que encho as bandejas de água.
- Sim, só que dessa vez não vou ficar me sentindo culpado.
Laura riu meneando a cabeça, fazendo com que o cabelo macio se mexesse.
- Rio está domando cavalos para Turner - continuou Lee.
- Oh, não! - lamentou Laura.
A última coisa que ela queria era falar com John Turner. Desde que voltara a viver na Vale do Sol, ele havia tentado persuadi-la a casar-se com ele de todas
as maneiras. Quanto mais Laura recusava, mais Turner insistia. Apesar de ter superado o terror que ele lhe causava, ainda o odiava profundamente pela maneira brutal
como a tratara alguns anos atrás. Ficar perto dele já era insuportável para ela.
- Ele incomodou você. novamente? - perguntou Lee de imediato.
- Desde que consegui hipotecar a Vale do Sol no banco da tia dele, ele age como se fosse meu dono.
- Posso estar com quase setenta anos, mas se ele tocar em você, Deus me ajude, porque eu mato aquele sem-vergonha - disse Lee friamente.
Laura acariciou a mão de Lee, demonstrando agradecimento por tanto cuidado para com ela. Mesmo quando o pai dela ainda era vivo, Lee a protegia como se fosse
sua própria filha, principalmente de John Turner. Muito mimado, John enfurecia-se sempre que não podia ter o que queria. O pai dele, Jase Turner, havia impedido
que ele pusesse as mãos em Laura, mas depois de sua morte ninguém mais conseguiu controlá-lo.
Tudo acontecera quando o pai de Laura também já havia morrido. Tendo sido obrigada a aprender novamente a diferença entre as promessas de um homem e a realidade
dos desejos sexuais, Laura colocara de lado os sonhos de um "bom" casamento que seu pai tinha para ela.
Mas agora, diante do fato de que sua fazenda estava morrendo, nada mais importava. Decidida, pegou o telefone, e discou um número rapidamente;
- Alô, Sally? É Laura - disse ela à governanta de Turner.
- Espere um pouquinho que eu vou chamar John - disse Sally rapidamente.
- Não, não é preciso.. .
Mas não adiantou. Sally já havia deixado o telefone. Com angústia, Laura esperou que ele viesse falar com ela. Enquanto isso, Lee observava a expressão de Laura
e lembrava-se com muita mágoa de quando, há seis anos, Jase Turner a trouxera em seus braços, muito pálida e com o rosto todo escoriado. Nem parecia uma garota de
dezoito anos!
Lee suspirou. Ele não gostava de pensar sobre o passado. A única coisa boa daquela época era Lucy, sua mulher, Wayne, o pai de Laura, ambos já falecidos, e
Laura, obviamente. Ela tinha sobrevivido ao passado, e ao lado dela as esperanças se renovavam. Ele faria de tudo para que aquele sorriso maravilhoso jamais desaparecesse.
- Alô, John? Avisei Sally que não precisava incomodá-lo - falou friamente.
- Não é incomodo nenhum falar com você.
- Gostaria de deixar um recado para um de seus empregados, um homem chamado Rio.
Por um instante, Turner se calou, Depois, mudando o tom de voz, perguntou:
- O que você quer com ele?
Laura esperou um longo momento antes de responder, e rispidamente continuou:
- Desculpe por incomodar. Até logo, John.
- Espere, espere boneca, não seja tão orgulhosa. Só estou cuidando dos seus interesses.
Laura não respondeu, e então Turner continuou:
- Esse Rio não quer saber de nada e além disso... bem... além disso ele é o tipo de homem que adora dar uma mãozinha às mulheres. Acho que você me entendeu,
não é boneca?
- Obrigada, John. Eu sei cuidar de mim mesma - respondeu ela, seca.
E sabia mesmo. Não tivera condições de impedir o que houve quando tinha dezoito anos, mas agora as coisas eram diferentes e já não era mais a mesma tola e ingênua
de outrora. Turner então insistiu na conversa:
- Pensei que você e Lee domesticassem seus cavalos sozinhos. Os que sobraram, quero dizer. Mas se quisesse, eu te daria três dos melhores cavalos que o dinheiro
pode comprar. E se é o Tufão que está dando problemas, terei muito prazer em domá-lo. Ele é selvagem demais para uma mulher.
Laura se calou por alguns segundos. Quando respondeu, falou num tom bem impessoal, sem dar resposta à nenhuma das propostas de Turner:
- Se por acaso você encontrar Rio, diga-lhe que telefonei.
- Talvez ele não apareça por alguns dias. Ele se acha muito independente. Acho melhor você me dizer qual é o problema. Ele vai querer saber. .. 'iM
- Ele já sabe o que é - respondeu Laura, cortando a conversa.
- Espere! Você vem ao meu churrasco amanhã?
Laura teve que se conter para não ofendê-lo, e foi com grande esforço que ela respondeu num tom educado:
- Desculpe, tenho muito o que fazer.
- Você está trabalhando demais, boneca. Não precisa fazer isso. Posso cuidar de você. Ê o que eu mais quero. Colocarei até água encanada na sua fazenda. Será
o meu presente de casamento. Que tal?
- Obrigada por dar meu recado a Rio - respondeu Laura firmemente, colocando um fim àquela conversa inconveniente.
- Tudo bem, boneca. Mas sei que algum dia você ainda vai me aceitar - respondeu Turner rindo.
Laura desligou e virou-se para Lee, que a fitava com olhos preocupados:
- Ele ainda está te perseguindo?
- É apenas o velho jogo dele. Se eu aceitasse, tenho certeza de que ele desistiria na hora.
Lee abanou a cabeça:
- Não acredito.
Laura sorriu e continuou:
- Nem eu acredito, mas, de certa forma, é o que ele faria. Se me tivesse, depois de algumas semanas já estaria cansado de mim. Ele é assim.
- Tem razão. E é assim que vai morrer. Aliás, ele vai morrer bem cedo se tentar pôr as mãos em você novamente.
- Não sei o que teria feito se não fosse você. Eu te amo, Lee - disse Laura, abraçando-o.
Lee afagou os olhos de Laura com sua mão grande e calosa; depois, num tom paternal olhou-a com carinho.
Se por acaso Rio telefonar... - continuou Laura.
- Menina, você não quer me acreditar - Lee falou paciente. - Rio vai encontrá-la. Ninguém precisa avisá-lo de que você quer falar com ele. Acredite!
Laura então terminou sua limonada e saiu. Lee tomou mais um pouco e saiu apressado à varanda para avisar Laura:
- Vou fazer feijão e carne para o jantar.
- Faça uma salada também - gritou ela, entrando na cabine do caminhão. - Tem alface, tomate e cebola na geladeira.
- Isso é comida de coelho, e eu não vou. . .
O som do motor do caminhão impediu que Laura ouvisse o que Lee estava dizendo. Sabia que ele detestava preparar salada, mas sempre acabava cedendo. Além disso,
não era possível ir sempre à cidade para comprar legumes frescos, o que significava que o que fosse comprado precisaria ser usado até o fim.
Enquanto dirigia, Laura observava seu gado empoeirado no pasto. Ao longo da estradinha, havia um encanamento velho recoberto por areia que indicava que naquele
local já houvera água no passado. O poço que abastecia a fazenda havia secado há mais de vinte e cinco anos. Seu pai o perfurara profundamente até chegar às rochas,
e um outro poço havia sido feito a alguns quilómetros dali.
Aquele segundo poço tinha o nome de Laura, e era a água dele que abastecia diretamente a casa da fazenda. Havia ainda um outro, cuja água irrigava as pastagens
e servia o gado. Entretanto, o pasto agora estava seco e a bomba de água que servia os três poços havia sido desligada, pois agora era um objeto inútil. Apesar de
todos os esforços, a água que Laura conseguia trazer estava longe de ser suficiente para abastecer sua casa, seu gado e seu pasto, obrigando-a a vender muitos de
seus animais, já que a seca parecia não mais terminar.
As plantações e o gramado ao redor da casa há muito já haviam morrido, bem como todas as árvores, com exceção das mais antigas, cujas raízes se aprofundavam
no solo. A horta ao lado da cozinha havia morrido também, já que a água obtida mal dava para o gado. Toda a água trazida da fazenda de Turner era depositada numa
cisterna localizada no subsolo da casa. Laura a usava com parcimônia, e ainda assim parecia que o gado estava cada dia mais sedento e o sol cada vez mais quente.
Mas logo deveria chover; afinal, toda seca terminava mais cedo ou mais tarde. Tudo que Laura precisava era aguentar firme até que as chuvas viessem e alimentassem
seus poços novamente. Então a grama seria renovada, o gado engordaria, e a Vale do Sol viveria novamente.
Com o dinheiro economizado quando trabalhara como modelo, Laura poderia sobreviver por mais um ano, ou até mais, com um pouco de sorte. Ainda teria o suficiente
para pagar a hipoteca da fazenda, sem precisar usar o dinheiro que havia reservado para a perfuração do novo poço. Descobrir o local exato desse poço era da maior
importância já que, sem ele, a fazenda estaria irremediavelmente perdida dentro de pouco tempo.
O sol estava se pondo e Laura observou as terras secas e queimadas. As montanhas de Sierra Perdida continuavam majestosas, recobertas por vegetação verde luxuriante,
fazendo um forte contraste com os tons bege das pastagens secas. Antes, quando as correntes de água da região ainda não haviam secado, muitos lagos se formavam,
rodeados por belas árvores onde se encontravam pássaros e animais típicos do local. Agora, inacreditavelmente, aquelas correntes haviam secado, espantando toda a
fauna e a beleza do lugar. Era o momento de se recorrer aos poços, mas desta vez nem eles haviam resistido.
O cheiro forte de terra entrava pela janela do caminhão. Laura respirou profundamente deixando que o perfume a reavivasse, pois, apesar do sol forte estar destruindo
o local, ainda assim Laura amava aquela terra. O pôr-do-sol tinha tons alaranjados e a noite era povoada por estrelas luminosas.
Ao sair da estradinha da Vale do Sol, Laura pegou um atalho que em dias chuvosos estaria lamacento e intransponível. Agora, contudo, totalmente empoeirado.
Laura dirigia o camínhão com muita dificuldade, tentando evitar que ele derrapasse durante o trajeto. Foi logo depois de uma curva perigosa que ela o avistou: Rio
estava lá, parado ao lado de sua égua, como que esperando por alguém.
Surpresa com a súbita visão, Laura perdeu o controle da direção, indo de encontro ao tanque de água onde seus animais bebiam. Assustados com o enorme caminhão,
eles se espalharam em direção à estradinha, mas imediatamente Rio montou sua égua e reuniu o gado, colocando-o num lugar mais afastado do tanque. Era bonito ver
Rio em seu animal, conduzindo o gado com extrema destreza.
Laura fechou os olhos por alguns segundos, não acreditando no que tinha acontecido: com a força da batida, a carga preciosa começou a vazar de algum lugar debaixo
do caminhão. Seu gado já precisava andar muito para encontrar pasto adequado, e agora teriam que ficar com, sede por mais tempo.
Laura desceu do caminhão e com olhos experientes checou se seu gado estava bem. Em seguida, vistoriou o caminhão, e foi com grande desânimo que constatou que
a junção da mangueira que enchia o caminhão de água havia sido danificada. Nesse instante, Rio voltava para perto dela e logo percebeu o que havia acontecido. Viu
que Laura tentava desamassar a junção sozinha, mas não tinha força suficiente. Então unindo suas forças às dela, conseguiram atarrachar a ponta da mangueira de um
modo que a água não mais vazasse.
Laura suspirou aliviada. Rio olhou para ela, querendo saber se se dava conta da força de vontade que tinha. Marcas de suor e poeira corriam pelo rosto delicado
dela, e mechas do cabelo ruivo saíam do chapéu como chamas ardentes. Seus olhos claros agora pareciam mais escuros e os lábios tinham um tom pálido, que contrastava
com as maçãs do rosto vermelhas. Rio notou que ela estava muito cansada e imaginou quantas viagens já teria feito do poço de Turner até o Vale do Sol.
Gentilmente Rio pegou-lhe as mãos. Ele estava surpreso em ver como dedos tão delicados tinham força para atarrachar uma mangueira tão pesada e desajeitada.
Não entendia por que Lee não estava com ela ajudando-a num trabalho tão rude e tão árduo.
- Obrigada. Vou pegar a chave inglesa - disse Laura.
Ela voltou rapidamente, trazendo uma chave inglesa tão comprida quanto seu braço, só que muito mais pesada. Rio tirou-lhe a chave das mãos e Laura observou
como era fácil para ele atarrachar a rosca da mangueira ao tanque. Os ombros largos e os músculos das costas contraíam-se num movimento ritmado e harmónico, demonstrando
que aquele trabalho era muito fácil para ele.
- Agora afaste-se. Vamos ver se está tudo em ordem - disse ele, abrindo a válvula da mangueira para ver se não havia mais vazamento de água.
Laura olhou aquele homem de pele dourada, apreciando como sozinho ele conseguia dar conta de tudo. Sentou-se no chão e recostou a cabeça no tanque do caminhão,
demonstrando grande cansaço.
- Obrigada. Eu te devo um favor.
Rio meneou a cabeça lembrando-se de quando vira Laura banhar o rosto suave, e das roupas molhadas que lhe marcavam o corpo exuberante. Era uma imagem tão linda
e inesperada como um arco-íris no deserto. Só por aqueles instantes de extrema beleza, Laura não lhe devia nada.
- Não. Você não me deve favor algum - disse ele num tom calmo.
Ela olhou para ele, mas Rio estava concentrado no caminhão. Quando terminou, pegou a mangueira e colocou a outra ponta no tanque dos animais. Precisava enchê-lo
novamente para que o gado pudesse beber.
- Tudo pronto, vou soltar a água - avisou ele.
No instante que a água começou a jorrar, os animais, sedentos, amontoaram-se ao redor deles, quase prensando-os de encontro ao caminhão. Mugiam e empurravam-se
muito na ânsia de conseguir beber alguma água, fazendo com que Rio saísse de perto deles e se abrigasse debaixo do tanque do caminhão, junto a Laura.
- Eles estão loucos de tanta sede - comentou Rio, sabendo que tinham passado por um momento perigoso.
Aos poucos, todos os animais conseguiram beber, chegando quase a esvaziar o tanque de água. O som dos mugidos era muito alto e eles sabiam que se conversassem
naquele momento, não conseguiriam fazer-se ouvir. Laura deitou-se no chão empoeirado, apoiando a cabeça no chapéu, e, com os olhos fechados, sentiu uma onda de prazer
ao estirar o corpo cansado. Havia tido um dia bastante duro e este era o momento que ela sempre esperava com ansiedade: conduzir o caminhão de volta para a Vale
do Sol.
Rio olhou para ela e sorriu ao vê-la deitada a seu lado. Contudo ele não sabia se ela estava cansada demais pelo dia agitado que tivera, ou se simplesmente
não queria lhe dar atenção pelo fato de ele ser um mestiço. Então ele se lembrou de como ela o olhara enquanto consertava a junção da mangueira: havia uma expressão
de admiração em seu rosto.
Rio sentiu-se tentado a deitar-se ao lado de Laura, para descansar por alguns minutos. O dia para ele começara muito cedo, antes do nascer do sol, e o trabalho
com os cavalos de John Turner era bastante árduo.
Contudo, ele adorava o que fazia, principalmente por que os cavalos de Turner eram os melhores de Nevada.
Infelizmente, Turner não tinha a menor sensibilidade para lidar com animais e acabava por machucá-los usando-os em rodeios. Da mesma forma, Turner não sabia como
tratar uma mulher nem como cuidar da terra: usava tudo o que elas podiam oferecer e não dava nada em troca. Não tinha a menor ideia do que significava ter sentimentos.
Rio observou Laura novamente e concluiu que ela não era o tipo de mulher para se levar para a cama num dia e dizer "até logo" no outro. Mas a imagem dela com
as roupas molhadas moldando-lhe o corpo não lhe saía da mente. Entretanto, Rio não queria magoá-la de forma alguma. Ela era muito bonita, mas não achava justo que
pelo fato de ela estar necessitando de ajuda, alguém pudesse explorá-la. Por isso mesmo, Rio não fez nenhum gesto em direção à ela; sabia que Laura não se entregaria
casualmente a qualquer homem, da mesma forma que ele jamais se entregara totalmente a qualquer mulher. Com trinta e três anos, Rio já havia aprendido muita coisa
sobre a vida e sobre si mesmo. Era um homem experiente. Uma das coisas aprendidas era que seu nome indígena, "Irmão do Vento", significava muito mais do que um simples
nome, mas toda uma tradição secular que ele finalmente aceitara. Durante toda sua vida procurara algo que fosse mais belo e poderoso do que o Oeste, para perceber
que aquele era realmente seu lugar, com regatos cheios de peixes, montanhas majestosas e grandes vales onde ninguém conseguia chegar. A procura havia terminado e
ele havia encontrado sua terra e a si mesmo.
Esse era o outro fato de sua vida: educado como branco, convivera com brancos durante a infância, e muitas mulheres brancas não aceitavam sua descendência indígena.
Seu silêncio e sua maneira de perceber a vida incomodavam quem não fosse sensível como ele. Além disso, muitas mulheres não queriam um filho com sangue indígena
nas veias.
Afastando a visão do corpo de Laura de sua mente, Rio puxou o chapéu até os olhos, controlando seus desejos da mesma forma como se controlava quando alguém
o chamava de "mestiço". Corajoso, nunca nenhum homem o enfrentara de igual para igual, mas sempre em grupos, e às vezes até armados com facas. Rio aprendera a não
depender de ninguém para defender-se e por isso mesmo tornou-se um homem forte, mas solitário. Talvez esse fosse o seu destino, e ele já o havia aceitado. . . Irmão
do Vento.
O gado andava ao redor do caminhão, levantando uma nuvem de poeira avermelhada. A água que saía da mangueira enchia o tanque dos animais e o perfume selvagem
de água, gado e poeira misturava-se no ar. Laura amava aquele odor tão familiar, que a fazia relaxar ainda mais e sentir-se mais leve. Ela percebeu que estava quase
pegando no sono a quilometros de distância de sua casa, ao lado de um estranho que estava tão perto dela a ponto de poder ouvir sua respiração.
Entretanto, aquela sensação não a incomodou. Desde que completara dezoito anos, aprendera muito sobre as pessoas, e principalmente sobre os homens. Rio não
demonstrava ser o tipo de homem que pularia sobre ela num momento de fraqueza. Sabia que ele a achara muito bonita, mas Rio jamais teria alguma atitude sórdida para
com ela.
E mesmo que ela não tivesse percebido isso, ainda havia o fato de Lee confiar nele. Quando Lee confiava em alguém, era porque aquela pessoa tinha realmente
um átimo caráter. Laura só lamentava não conhecer Rio o suficiente para poder usar o ombro largo como um confortável travesseiro. Ela sorriu ao imaginar-se deitada
sobre ele, e foi sorrindo que caiu num sono profundo.
Rio olhou-a por um longo tempo, achando que eles não haviam sido feitos um para o outro. Depois, aproximando-se de Laura, colocou-lhe a cabeça cuidadosamente
em seu ombro. Ela se mexeu um pouco, sem contudo acordar. Ao contrário, aninhou-se ainda mais nos braços de Rio, procurando uma posição mais aconchegante. Rio teve
ímpetos de acordá-la, mas achou melhor não fazê-lo.
Em silêncio profundo, tentando não pensar em nada, resolveu entregar-se ao doce prazer de ter aquela bela e suave mulher adormecida em seus braços. Ela parecia
confiar nele mais do que ele próprio.
CAPITULO III
O sol estava se pondo, misturando tons alaranjados e carmins, num verdadeiro esplendor da natureza. A noite chegava calma e majestosamente. A água que ainda
jorrava pela mangueira do caminhão refletia os raios luminosos do entardecer. O gado, já com a sede saciada, pastava perto de altas árvores, enquanto a égua de Rio
descansava perto dele.
Com a cabeça de Laura ainda apoiada em seu ombro, Rio observava o pôr-do-sol daquela terra selvagem e bela. Ele já havia visto muitos lugares sem igual, contudo
jamais vira um pôr-do-sol tão maravilhoso, principalmente agora, com Laura deitada languidamente em seus braços. Tê-la junto a si dava-lhe uma estranha sensação
de prazer e incerteza, como se ele fosse um estranho numa terra proibida. Talvez fosse essa sensação que sua avó sueca tivera quando se enamorou por um pagé. Eles
tinham se conhecido quando ela veio ensinar catecismo numa reserva indígena.
A égua mexeu a pata da frente, afastando uma mosca persistente. Rio reparou que a noite se aproximava como um veludo macio, e relutantemente percebeu que já
era mais do que hora de acordar Laura, que dormia em seus braços. Então, gentilmente, colocou-lhe a cabeça novamente sobre o chapéu. Ela gemeu baixinho, quase em
silêncio, como se não tivesse gostado da nova posição. Rio então passou os lábios sobre o cabelo macio dela, para depois recostar-se no pneu do caminhão novamente,
não mais tocando-lhe um único dedo.
- Laura! - chamou ele, baixinho, colocando a mão sobre o ombro delicado. Depois, mais alto, chamou-a novamente:
- Laura!
Confusa com a situação, ela acordou repentinamente, quase batendo com a cabeça no caminhão caso Rio não a tivesse segurado. Sorrindo, só alguns instantes depois
é que Laura se deu conta de que havia pegado no sono ao lado do homem mais interessante que já conhecera.
- Espero não ter ressonado enquanto dormia - brincou ela.
Rio mudou a expressão de mesma forma que a lua cheia ilumina uma noite escura.
- Desculpe desapontá-la, mas você não ressonou nenhuma vez - disse ele num tom gentil.
- Então você teve sorte, porque com o cansaço que eu estou. . . puxa, não sabia que esta terra poderia ser um colchão tão confortável - declarou ela, espreguiçando-se
como uma gata.
- É. . . hoje foi meu dia de sorte. . . mas o chão não é tão macio assim. . . - respondeu Rio, num tom enigmático.
Laura olhou para ele surpresa, não entendendo o que ele queria dizer, mas antes que pudesse pedir alguma explicação, Rio levantou-se e conduziu a égua até o
tanque de água fresca. Laura também ergueu-se em seguida, sacudindo a poeira da roupa. Ao olhar a água cristalina, teve ímpetos de tirar toda a roupa é mergulhar
dentro do tanque, mas, com um suspiro, afastou aquela ideia da mente.
- Este tanque nunca verá outra água que não seja a de Turner - falou Rio com segurança, enquanto observava a égua beber. Depois, virando-se para Laura, percebeu
como aquelas palavras a tinham desapontado.
- Esqueça a ideia de cavar um poço aqui. Só seria perda de tempo, de dinheiro e mais gado seu iria morrer - continuou ele.
Laura nada respondeu. Não que ela não pensasse naquela possibilidade, mas é que Rio havia sido direto demais. Ela queria protestar, perguntar-lhe como poderia
ter tanta certeza, mas resolveu não fazê-lo, porque no fundo de seu coração sabia que Rio estava certo. Sabia que ele conhecia aquela terra como ninguém e que poderia
confiar nele.
Laura queria chorar, mas conseguiu controlar-se. Sentia-se como se estivesse acordando de um sonho maravilhoso e mergulhando num pesadelo. Ela tinha dinheiro
suficiente para aprofundar o poço que tinha o nome dela, mas não para descobrir e perfurar um novo poço. Só agora é que ela percebia que tinha passado aqueles anos
todos querendo reviver um poço que já estava morto. Sentia-se desolada.
- Laura...
- Tudo bem, eu entendo - respondeu ela, sabendo que Rio não tivera a intenção de magoá-la.
Odiando-se por tê-la magoado, Rio perguntava-se se ela realmente entendera o que ele queria dizer. Quanto mais ela sonhasse com um poço morto, menos chances
teriam de procurar água em outro local da Vale do Sol.
- Pensei que se perfurasse mais profundamente até dar nas rochas, encontraria água artesiana. Você tem certeza de que este poço está morto? Como pode
estar tão certo? - perguntou ela em voz baixa, mal disfarçando o choro que lhe apertava a garganta.
Rio não respondeu, apenas olhou-a com seus olhos claros como a água que Laura queria encontrar. Ele tinha certeza, mas não sabia como explicar. Era algo que
tinha a ver com seu instinto, e com sua experiência de vida e trabalho em terras secas.
- Bem, obrigada por ter sido honesto comigo. Você poderia ter acabado com meu dinheiro e ido embora se quisesse - disse Laura, mais conformada.
- É isso que te disseram a meu respeito? - indagou ele seriamente.
- Não. E mesmo que me tivessem dito que você é explorador, depois de tê-lo conhecido eu não acreditaria numa única palavra. Sei que você não é mentiroso nem
desonesto - respondeu ela, olhando-o direta-mente nos olhos.
Por um longo momento, eles se olharam em silêncio. Ela confiava nele e sabia que não lhe mentiria. Ele confiava nela e sabia que não lhe pediria nenhuma prova
do que estava dizendo:
- Se houver água em sua fazenda, eu vou achá-la para você - disse Rio com a mesma voz firme e segura de quando dissera que o outro poço estava morto.
Laura sorriu com tristeza, e depois continuou:
- A menos que a água esteja perto da superfície, porque não tenho dinheiro suficiente para descobrir e perfurar um novo poço.
- Primeiro, temos que descobrir o lugar certo. Só depois nos preocuparemos em como tirar a água de lá. Até que eu termine meu trabalho com Turner trabalharei
para você à noite e nos fins de semana. Depois, poderei trabalhar durante todo o dia diariamente. Meu salário será casa e comida para mim e meu cavalo.
- Isso não é justo para você - disse Laura, mas Rio continuou a falar sobre seus planos, sem dar importância ao que ela havia dito.
- Vi um velho equipamento de perfuração no seu celeiro. Vamos consertar o que for possível. Tenho algumas peças que poderei trazer, assim não gastaremos muito.
Sua despesa maior será encanamento e combustível.
- E seu pagamento! Não é justo que você trabalhe apenas por casa e comida - retorquiu Laura com firmeza.
Rio sorriu levemente. Seus olhos estavam mais escuros agora, tão misteriosos e radiantes como a luz do amanhecer, e foi olhando para ela que ele continuou:
- Também não é justo que você faça o trabalho de dois homens apenas para salvar sua fazenda.
Laura não respondeu. Não tinha outra saída a não ser aceitar a proposta de Rio.
- Você acha que conseguirá fazer tudo sozinha até que as chuvas cheguem? - perguntou ele.
- Não sou diferente das outras pessoas... Também me canso, mas farei tudo que estiver ao meu alcance para salvar meu rancho - declarou ela.
Rio se lembrou das pessoas que conhecia, de como faziam tão pouco e de como reclamavam por não conseguirem o que queriam. Ele evitava aquelas pessoas. O outro
tipo de pessoa, como Laura, que lutava muito para tornar um sonho realidade, fazia com que Rio se ligasse a ela como chuva em terra seca. Estas eram as pessoas a
quem ele ajudava, dava tudo o que estivesse a seu alcance, aceitando apenas o que elas podiam oferecer. Quando seus sonhos se realizavam, então Rio partia como o
vento, em silêncio, pelo Oeste selvagem, na busca de algo que nem mesmo ele sabia bem o que era.
- Eu vou te ajudar, e juro por Deus como casa e comida já me serão suficientes. Não quero dinheiro como pagamento. Se eu descobrir um poço, trarei dez
éguas para serem cruzadas com Tufão. Você cuidará delas e dos filhotes como se fossem seus, e de vez em quando virei à Vale do Sol, pegarei os cavalos que quiser
e sempre deixarei as éguas para serem cruzadas com o seu melhor reprodutor. Desde que a água do poço que eu descobrir continue a jorrar. . . e até hoje nenhum dos
poços que descobri secaram - disse Rio, olhando-a profundamente nos olhos.
Laura fechou os olhos, mas ainda tinha a imagem de Rio em sua mente, com a pele dourada, os olhos claros e profundos e a voz macia como veludo acariciando-lhe
a pele.
- Sim, Rio. Dez éguas para Tufão. E mais se você quiser. Cavalos, gado, seja lá o que for. Tenho muita terra, mas nenhuma água. Pelo menos por enquanto.
. . - disse ela com voz calma.
Rio observou Laura, e viu que ela estava sendo sincera e que confiava nele. Só que ele não podia garantir que aquele sonho se tornaria realidade:
- Às vezes não há água para ser encontrada - falou num tom bastante real.
Ela esboçou um sorriso.
- Sim, eu sei. Mesmo nesse caso suas éguas serão cruzadas e eu cuidarei dos filhotes enquanto a Vale do Sol existir.
- Se não houver água, o trato fica desfeito.
- De modo algum, suas éguas serão cruzadas em qualquer circunstância. Traga-as quando quiser - disse ela com firmeza, para depois continuar: - Tufão ficará
contente com a ideia. Tenho usado minhas quatro éguas para cuidar do gado e há mais de um ano que elas não reproduzem.
O sorriso de Rio parecia iluminar a escuridão da noite. Ele estendeu a mão para Laura, e ela pegou-a sem hesitação, selando o trato que haviam feito. Aquela
mão forte passou-lhe uma agradável sensação de calor, como se o sol a estivesse aquecendo. Aquele toque mágico parecia dar vida a todos os sonhos de Laura, e ela,
sonhando com o futuro novamente, pôde sentir o coração batendo aceleradamente.
- Enquanto o poço der água - reafirmou suavemente, enquanto apertavam-se as mãos.
As palavras de Laura ecoaram nos ouvidos de Rio como o vento nas colinas. Queria dizer-lhe para não confiar tanto, entretanto, não era isso o que ele realmente
queria. Quanto a encontrar água, ela podia acreditar nele, mas os sentimentos de Laura eram um outro assunto e era isso que fazia com que Rio sentisse o pulso dela
acelerado. Ela não se apercebera daquele fato, mas Rio sabia disso com tanta certeza como sabia que poderia encontrar água. Laura achava que a possibilidade de seu
sonho se realizar é que a estava excitando, mas ele sabia que não era só aquilo, pois também podia sentir uma incrível sensação de sensualidade invadindo-lhe o corpo.
Rio não podia mais desligar-se de Laura. O sonho de encontrar água era tão forte e arrebatador quanta ela. Era por isso que ele queria e devia ajudá-la. Há
muito tempo que ele não sonhava e -o vazio deixado dentro dele pela ausência de sonhos era tão grande que nem mesmo o vento ou o ar poderiam preencher.
- Quando você pode começar? - perguntou Laura, sentindo a segurança e o calor que o corpo de Rio transmitia.
- Já comecei.
- Já!?
- Andei dando uma olhada nos seus poços secos.
- Ah!
Laura não disse mais nada. Nem Rio. Não havia mais nada para ser dito, já que os poços da Vale do Sol estavam mortos.
- Entendi. Então já é mais do que hora de cumprir minha parte do trato. Lee já deve estar esperando para o jantar. Não há nada de especial, apenas carne, feijão,
salada e pão.
- Salada? - perguntou Rio com os olhos arregalados.
- Não venha me dizer que você é mais um desses vaqueiros que acham que salada é comida de coelho - disse Laura brincando.
O riso de Rio envolveu-a como uma carícia, da mesma forma que sua voz máscula e macia.
- Pelo contrário. Às vezes tenho vontade de comer só legumes frescos - comentou ele, rindo.
- Que bom! Então vamos para casa exigir nossos direitos de coelhos.
Rio recolheu a mangueira que tinha enchido o tanque dos animais. Laura ajudou no que pôde. Depois de guardarem tudo, ambos estavam molhados e sujos.
- Fique à vontade para dar um mergulho no tanque antes de ir jantar - disse Laura, limpando as mãos sujas nas calças de brim. Depois, continuou: - É
o que eu faço normalmente; acho mais divertido do que tomar banho na banheira e, até a próxima ida à fazenda de Turner, isso é tudo o que teremos: uma bucha e uma
pia com água. Mas. . . a bucha é da melhor qualidade - Laura falou com um sorriso maroto.
Rio percebeu que a falta de água na casa da fazenda já estava num estado desesperador. Não havia água suficiente para o gado e para abastecer a casa também.
O dia simplesmente teria que ser mais longo e Laura uma máquina para conseguir transportar mais água. Rio assobiou para a égua, que imediatamente balançou a cabeça
e se dirigiu até ele. Em seguida, pegou as rédeas e entregou-as a Laura.
- Espere alguns segundos até que ela se acostume a seu peso mais leve. Ela é o melhor animal que existe para se cavalgar à noite. Vá com ela que eu dirijo
o caminhão. Não me espere para o jantar. Acho que vou demorar um pouco.
Laura pegou as rédeas automaticamente. Em princípio, hesitou, mas depois decidiu seguir as instruções de Rio: ou confiava nele ou não confiava, e já sabia que
ele era um homem bastante confiável.
- A marcha à ré está bem enguiçada. Evite usá-la, se possível, mas se for mesmo necessário, fique preparado para o pior: ela é mesmo um diabo. As chaves
estão no contato. Ah. . . mais uma coisa: não confie no marcador de combustível, ele sempre marca meio tanque. Se você andar mais do que cinquenta quilómetros, é
melhor abastecer. O diesel está no tanque
azul no lado esquerdo do celeiro.
Rio abanou a cabeça e olhou-a com um olhar bastante surpreso:
- Você sempre confia assim em estranhos?
- Não. Não confio de modo algum em estranhos. E. . . também não durmo embaixo de caminhões com estranhos. E você? Costuma deixar estranhos montarem seu animal?
- perguntou ela de modo direto.
- Nunca!
Aquela simples palavra disse mais do que todo o sermão de Laura e ela pôde perceber que nunca alguém havia montado a égua além de Rio. Antes que ela pudesse
dizer mais alguma coisa, Rio aproximou-se dela, pegou-a no colo e colocou-a sobre a égua. Em princípio, o animal estranhou o pouco peso de sua amazona, mas após
acalmá-la com palavras de afeto, Laura conseguiu que ela a aceitasse. Com um pequeno puxão nas rédeas, o animal levantou as orelhas e começou a galopar pela escuridão
da noite.
- Te vejo lá em casa - disse Laura ao partir, sabendo que o vento levaria suas palavras até aquele homem, que imóvel a observava partir no meio da noite.
- Há uma jaqueta na mochila - avisou Rio.
Quando Laura já estava nas terras de seu rancho, sentiu-se feliz por estar usando a jaqueta de Rio. Também estava contente por estar cavalgando aquela égua. Realmente,
ela era um ótimo animal para se cavalgar à noite, pois muitos cavalos tinham medo da escuridão noturna, mas Fiel, este era seu nome, parecia nada temer.
Havia luz numa das janelas da casa e Lee esperava por ela:
- Que belo pónei! É de Rio? - perguntou Lee, demonstrando satisfação.
- É - respondeu Laura laconicamente.
Como Laura não dissesse mais nada, Lee resolveu especular:
- O caminhão quebrou?
- Não. . .
Lee esperou que ela lhe desse alguma explicação, mas como Laura continuasse calada, resolveu perguntar num tom zangado:
- Você está querendo arrumar problemas, menina?
Sorrindo, Laura desceu do animal e respondeu:
- Não. Só estou querendo jantar.
Murmurando alguma coisa que ela não pôde entender, o velho homem entrou na cozinha, batendo a porta atrás de si. De fora, Laura gritou:
- Ponha mais um lugar na mesa!
A porta da cozinha abriu-se imediatamente e Lee apareceu novamente:
- Ele aceitou? Ele vai achar água para você?
- Ele vai tentar.
Lee deu um grito de contentamento, fazendo a égua pular de susto. Laura então conduziu o animal para o estábulo, e apesar de muito cansada, escovou-lhe toda
a poeira do pêlo. Depois, colocou feno na manjedoura e água fresca no tanque.
Após ter certeza de que Fiel estava bem-cuidada, fechou a porta do estábulo e dirigiu-se à casa da fazenda. Estava tão cansada que mal conseguia andar. Um longo
banho quente era tudo o que ela queria, contudo só havia água para beber e para um rápido banho com bucha.
Havia uma bacia com água quente esperando por ela em seu quarto. Rapidamente Laura tirou as roupas e lavou-se cuidadosamente, recusando-se a pensar numa banheira
cheia de água quente. Após vestir-se e escovar os cabelos, desceu para a cozinha apressadamente, tamanha era a fome que sentia.
- O jantar já está pronto? - perguntou ela, com água na boca.
- Está, e a comida é bem leve. Pode se sentar - disse Lee, indicando a mesa.
Lee ia temperar a salada, mas seus dedos com artrite pegavam a lata de óleo com dificuldade. Laura percebeu que ele sentia dor, e sem querer ofendê-lo decidiu
ajudá-lo:
- Deixe que eu tempero a salada. Você coloca óleo demais - interveio Laura, sabendo que Lee era orgulhoso.
- Comida de coelho! Não sei como você pode gostar disso! Quando Rio vai chegar? - inquiriu Lee, não suportando a visão do prato de salada em sua frente.
- Não sei. Ele disse para não esperá-lo para o jantar.
- Então vou servir a "verdadeira" comida agora. Sorrindo, Laura não respondeu.
- O preço da carne abaixou - disse Lee.
- Que milagre! Com o dinheiro economizado, poderemos comprar ração especial para o gado.
- Não! - afirmou Lee. Laura olhou para ele surpresa.
- Por que não?
- Porque não haverá mais gado quando a primavera chegar. Teremos que vender outras cabeças. Você sabe disso - respondeu Lee preocupado.
- Não! Ainda posso conseguir água para eles por um período mais longo. Talvez as chuvas cheguem logo - disse Laura assustada.
Lee ia começar a discutir, mas desistiu. Apenas aconselhou-a:
- Não se mate, meu bem. Nada vale o esforço de uma vida. Quanto mais você esperar para vender, mais magro seu gado vai estar e mais baixo será o preço
que você conseguirá por ele, O pasto já está secando e não há nenhum sinal de chuva.
As palavras de Lee irritaram Laura, exatamente porque ela sabia que eram palavras verdadeiras, isso fez com que ela reagisse imediatamente:
- Se o problema for o pasto, transportarei ração para o gado da mesma forma como tenho transportado água.
Lee abanou a cabeça e não disse nada. Sabia que mesmo se os dois trabalhassem vinte e quatro horas por dia, não conseguiriam transportar água e ração para todo
o gado. O dia não tinha horas suficientes para tanto trabalho e nem eles teriam forças para tanto. Laura era jovem, mas teria que descobrir suas próprias limitações.
Lee, com mais idade e experiência de vida, sabia que isso aconteceria mais cedo ou mais tarde e preocupava-se, não por ele mas. . . por Laura. Por sua querida menina,
ele seria capaz de aguentar todos os males do mundo, mas, e se ela não conseguisse realizar seu sonho? E se não houvesse mais água na Vale do Sol? Ela era a filha
que ele não teve, mas sabia que não poderia mover montanhas por ela.
Silenciosamente, Lee dirigiu-se ao fogão, colocou um pouco de manteiga numa frigideira e começou a fritar o bife de Laura. Ela então colocou o feijão e a salada
na mesa e serviu-se de ambos. Em seguida, abriu o forno e retirou o pão ainda quentinho; o aroma era irresistível.
- Coma enquanto está quente - disse Lee, colocando o bife de Laura na mesa.
Imediatamente Laura começou a cortar e comer seu bife:
- Hum! Está delicioso - disse ela com satisfação.
Enquanto isso, Lee fritava seu bife sorrindo, contente por ver que Laura apreciava sua comida. Logo, o único som que se ouvia era o de talheres nos pratos e
o barulho da água que fervia para o café.
Já satisfeita, Laura contou a Lee o trato que havia feito com Rio, preocupada com a provável reação que ele teria sobre a casa e a comida como parte do combinado.
Lee ouviu a tudo em silêncio, abanando a cabeça às vezes, e sorriu com aprovação ao saber de todos os detalhes do trato.
- Bem, é melhor ligar o aquecedor para um banho quente - disse Lee de repente, limpando a boca com um guardanapo de papel.
Laura olhou para ele como se tivesse ouvido um absurdo:
- O quê? - perguntou ela sem entender.
- Você não quer um bom banho quente, menina?
- Bem, é claro que sim, mas. . .
- Então não fique me olhando dessa maneira e vá logo ligar o aquecedor.
- Lee, se eu tomar banho, amanhã não teremos água para beber - explicou ela, falando bem pausado para que ele entendesse bem o que significava um "banho"..
- É claro que teremos. Teremos um caminhão, cheinho. O que você acha que Rio está fazendo até agora. . . passeando com o velho caminhão-pipa?
Laura abriu a boca sem acreditar:
- Você realmente acha que. . . - perguntou ela, sonhando com um delicioso banho quente.
- Por que você não pergunta a ele mesmo?
No silêncio da noite, o barulho do caminhão-pipa entrando no rancho parecia mais alto que o de costume.
- Ele voltou logo - comentou Lee.
Laura não conseguia falar uma palavra sequer, tão surpresa que estava com o acontecido. Imediatamente ela levantou-se da cadeira e dirigiu-se para a varanda
na frente da casa.
- Onde você quer que eu o coloque? - perguntou Rio.
- Nos fundos - respondeu ela. Depois, dirigindo-se à cabina do caminhão, ofereceu-se para ajudar.
- Deixe que eu faço o resto agora. Você deve estar morrendo de fome. Entre na cozinha e vá jantando.
Surpreso, Rio olhou para ela por um momento, não acostumado a receber tanta consideração, principalmente de uma mulher tão cansada como ele sabia que Laura
deveria estar. Então, ele sorriu gentilmente:
- Obrigado, mas não é preciso. Não vai demorar muito. Entre e vamos juntos - disse Rio.
Laura subiu na cabina e Rio conduziu o caminhão para os fundos da casa. Em seguida, ela pegou uma lanterna no porta-luvas, iluminando as mãos de Rio enquanto
ele fazia a ligação do tanque de água do caminhão com a cisterna subterrânea da casa. Logo eles puderam ouvir o barulho da água enchendo a cisterna.
- Qual o tamanho da cisterna? - perguntou Rio.
- Metade do tanque de água do caminhão. Entre e vá comer. Eu ficarei olhando.
Rio ia dizer alguma coisa, mas pôde ouvir Lee chamá-lo:
- Venha comer logo antes que eu jogue sua comida para os porcos.
- Você tem porcos? - perguntou Rio, baixinho.
- Não. Mas ainda não tive coragem de dizer para ele que precisei vendê-los.
- Você é muito gentil - disse Rio.
- Apenas para algumas pessoas, e Lee é uma delas - disse Laura sorrindo.
- John Turner também? - perguntou Rio sem jeito, sem saber por que mencionara aquele nome.
Laura olhou para ele com um ar de surpresa.
- Nunca fico perto dele tempo suficiente para ele interferir em minha vida.
- Desculpe! Sei que não é da minha conta.
Laura sacudiu os ombros demonstrando não incomodar-se:
- Todo mundo nas redondezas de vez em quando fala sobre isso. Não vejo por que você deveria ser diferente.
Rio ia começar a falar, mas resolveu calar-se:
- Pode falar, mas, por favor, seja original. Não venha me dizer que Turner é um canalha sem-vergonha, porque isso eu já estou cansada de saber. E não me diga
que ele é rico, porque isso não me interessa.
- Ele tem incomodado você? - perguntou Rio, num tom muito sério.
Algo na voz de Rio fez Laura desejar que fosse dia para que ela pudesse ver a expressão no rosto dele claramente.
- Nada que eu não possa resolver sozinha - respondeu ela.
- Se precisar de ajuda, é só me avisar.
- Você vai ter que entrar na fila depois de Lee - disse Laura de modo direto.
- Será um prazer.
Laura teve a nítida impressão de que Rio estava realmente querendo ajudá-la. Aparentemente ele e John Turner não se davam muito bem e isso não surpreendia ninguém.
Qualquer pessoa com um mínimo de amor-próprio não se daria bem com Turner. Sua arrogância era tanta, que mal se podia acreditar que existia alguém como ele.
- Rio, se você demorar mais um minuto, não vou esquentar mais a sua comida. Menina, volte já para a cozinha. Esse diabo de caminhão não vai fugir e você
sabe disso - chamou Lee enfurecido.
Após um momento de hesitação, Laura checou se a rosca da mangueira estava bem atarrachada, e em seguida guardou a lanterna no porta-luvas. Rio esperou Laura
fechar o caminhão, e junto com ela dirigiu-se à cozinha, onde Lee os esperava impacientemente. Enquanto andavam, Rio mantinha-se calado e calmo ao lado de Laura.
Por um instante, aquele momento até a fez esquecer-se do cansaço e do trabalho puxado que teriam no dia seguinte. Uma grande sensação de bem-estar percorria o corpo
de Laura e a única coisa que ela queria naquele momento era rir de felicidade.
- Lee, há quanto tempo! - disse Rio, estenden-do-lhe a mão.
- Tempo demais! - respondeu Lee, cumprimentando-o afetuosamente.
Só Laura notou que Rio hesitou quando observou as mãos de Lee com artrite. Para não machucá-lo, apertou-lhe a mão firme, mas gentilmente. Rio preocupara-se
com o velho amigo e Laura percebeu que estava certa em confiar naquele homem tão honesto e gentil.
- Judy mandou lembranças e as crianças querem que você apareça para a ceia do dia de Ação de Graças. Eles já estão pulando de alegria por imaginar que
você vai visitá-los - disse.
Lee olhou para Laura como que pedindo permissão, depois respondeu sem prometer nada:
- Se tudo der certo, vamos ver. . .
Rio entendeu que Lee não queria deixar Laura sozinha numa comemoração familiar. Laura entendeu também, mas achava que Lee deveria ir. Judy era cunhada de Lee,
irmã da esposa que ele tanto amara e, fora ela, todos da família já haviam morrido. Mas Laura sabia que ele não iria sem ela, e achou melhor ficar calada.
- A água já está quente - disse Lee, apontando a bacia e a toalha.
Rio então imediatamente tirou o chapéu, arregaçou as mangas da camisa e lavou-se tanto quanto possível.
Quando terminou, pegou a bacia e despejou o conteúdo numas plantinhas na frente da cozinha que teimavam em sobreviver.
Enquanto Rio jantava, Laura aproveitava o raro momento de relaxamento, sem fazer absolutamente nada, apenas bebericando o gostoso café que Lee lhe oferecera.
Deixava que sua mente flutuasse, sonhando com um pasto verdinho e gado gordo, andando ao redor de um lago. Laura só se deu conta de que os homens conversavam, quando
começaram a falar sobre venda de animais:
- Quantas vacas você vai vender? - perguntou Rio, apreciando um suculento pedaço de bife.
- Nem mesmo uma - respondeu Laura imediatamente.
Rio olhou para ela imediatamente e Lee achou melhor intervir:
- A patroa não quer saber de vendas - explicou ele, dando uma baforada no seu cachimbo.
Rio continuou a comer sem nada falar.
- Você vai me dizer que se eu não vender o gado agora vou perder dinheiro? - perguntou Laura, querendo demonstrar que já havia ouvido aquela estória.
- Seria perda de tempo, afinal você sabe dos riscos que corre melhor do que ninguém - disse Rio.
Laura então acordou de seu sonho, vendo uma realidade fria e cruel.
- Quando você for fazer o aparte do rebanho, use minha égua se eu não estiver aqui para ajudá-la. Ela diminuirá o trabalho pela metade.
Laura acenou afirmativamente, incapaz de falar, pois estava se sentindo insegura e com vontade de chorar. Quanto mais gado vendesse, mais depressa teria de
leiloar seu belíssimo rebanho da raça Angus. Aquele rebanho era o ponto principal de seus sonhos, e desfazer-se dele seria um pesadelo em sua vida. Talvez o futuro
fosse diferente, com água abundante e risos de felicidade. Talvez então pudesse até amar um homem que também a amasse, ter filhos com ele e envelhecer na Vale do
Sol. Mas até lá, quem sabe o que poderia acontecer?
Laura colocou a caneca de café na mesa e levantou-se apressadamente. Desde que completara dezoito anos jamais se dera ao luxo de sonhar com filhos ou com o
amor de um homem, e não seria agora, com tantos problemas a resolver, que ela iria sonhar com isso. Afinal, tinha outros sonhos, sonhos que dependiam apenas de sua
força de vontade, e não dos sentimentos e necessidades de um homem. Durante toda sua vida, conhecera poucos homens de respeito e, para ela, nenhum deles era digno
de ser pai de seus filhos.
- Será que a água já está quente? - perguntou Laura.
- Não tanto. Mas estou esquentando água para você. Levarei assim que estiver quente - respondeu Lee.
- Não se preocupe. A água já deve estar boa - disse ela, dirigindo-se ao fogão para pegar dois grandes baldes de água. Nesse momento, as longas mãos de Rio
apareceram à sua frente, levantando os dois baldes do fogão com tal facilidade que a deixaram admirada.
- Obrigada - murmurou ela.
Rio acenou com a cabeça silenciosamente. Ao subir as escadas atrás de Laura, não pôde deixar de admirar o balançar dos quadris arredondados e as pernas longas
e bem torneadas. Por um segundo, imaginou-se ao lado dela dentro de uma banheira. Mas imediatamente afastou aquela ideia de sua mente. Ele esperou enquanto ela tapava
o ralo da velha banheira, observando que as costas delicadas e os seios arredondados eram também muito atraentes. Sob a luz do banheiro, o cabelo sedoso tomava um
lindo tom avermelhado, dando a Rio ímpetos de passar os dedos por ele. Ela olhou para ele com olhos brilhantes como gotas de orvalho.
- Pronto, pode despejar a água - disse ela, tentando imaginar porque ele a estaria olhando tão intensamente.
O corpo de Rio estava em chamas e seu coração batia aceleradamente. Ele não entendia por que estava agindo como um adolescente na presença de uma mocinha em
seu primeiro baile. Ele sabia que não era mais um adolescente e muito menos Laura era esse tipo de moça.
Sem dizer uma palavra, Rio esvaziou os dois baldes de água quente na banheira, virou-se e deixou Laura olhando-o com a mente cheia de sonhos.
CAPÍTULO IV
Pelo inesperado friozinho daquela noite, podia-se saber que o inverno estava para chegar. O ar estava bastante seco, as estrelas brilhavam num céu sem nuvens
e a brisa fresca indicava que o vento Norte seria mais forte do que se pensava.
Laura fechou os botões da jaqueta de brim e correu em direção ao celeiro. Um galo já ciscava nervosamente, apesar de o sol ainda não ter despontado, e as galinhas
cacarejavam como se já fosse de manhã. Colocou ração para as aves e checou os ninhos. Felizmente a seca não incomodava as aves e os ovos eram recolhidos regularmente
todos os dias.
Laura só percebeu que Rio já havia levantado quando viu que a égua já tinha sido escovada e estava comendo. Por um momento, pensou que ele nem tivesse dormido.
Pegara no sono enquanto tomava banho só acordando ao ouvir o som do caminhão-pipa sendo dirigido para a frente da casa.
Rio já havia saído com o caminhão pela noite adentro, antes que Laura terminasse o banho.
Mesmo sem perguntar, ela sabia onde ele tinha ido.
Lee já havia se retirado para seu barracão, que Lucy, sua finada esposa, havia transformado numa confortável casinha. Desde que ela morrera, ele mesmo cuidava
dos afazeres domésticos de lá, não querendo que ninguém o ajudasse. Por esse motivo, Rio teria que ficar ou no outro barracão ou na casa principal.
Já era muito tarde para arrumar o barracão para Rio dormir, por isso, naquela noite, ele teria que dormir no sofá da sala. Laura arrumou o lugar e deixou um
bilhete para ele, retirando-se para o quarto. Depois de algum tempo, o som do caminhão acordou-a. Ouviu o barulho do chuveiro e a porta da sala sendo fechada. Depois,
nenhum ruído mais foi feito e Laura pôde dormir até o despertador acordá-la às cinco horas da manhã.
Carregando os ovos frescos numa cesta, ela correu de volta à casa. Ao passar pela porta da sala, hesitou por alguns segundos; depois, abrindo apenas um espaço
por onde pudesse enxergar, viu que suas suspeitas eram verdadeiras: Rio já havia partido, deixando tudo arrumado como se nem tivesse dormido lá. Era como se ela
tivesse apenas sonhado que ele dormira lá: não havia nenhum sinal dele.
Pela janela, Laura viu que a caminhonete também não estava mais no lugar habitual. Desapontou-se por alguns segundos. Gostaria de poder tomar o café da manhã
com Rio, conversar com ele, um estranho que já lhe parecia mais familiar do que muitos conhecidos, mas tudo indicava que naquela manhã isto não seria possível.
Lee também não estava na cozinha como era de costume. Havia apenas um bilhete sobre a mesa dizendo que havia levado Rio até a fazenda de Turner e estaria de
volta antes do meio-dia. Laura tomou o café da manhã rapidamente, colocou o café restante numa garrafa térmica e dirigiu-se rapidamente ao caminhão-pi-pa. Havia
mais três tanques no rancho onde a água era estocada. É claro que não conseguiria enchê-los completamente, pois não haveria tempo suficiente. Tudo que poderia fazer
seria enchê-los o suficiente para evitar que o gado morresse de sede.
Com um suspiro, Laura abriu a barulhenta porta do caminhão e entrou na cabine. O motor custou a pegar. Em seguida, ela virou a direção e ia dirigindo-se à estradinha
quando percebeu pelo peso que o caminhão já estava totalmente cheio de água. Rio não só enchera o tanque do gado, como também deixara o caminhão cheio, tudo para
economizar trabalho a Laura. Ela nem acreditava nos próprios olhos. Teve vontade de chorar de alegria.
Entre lágrimas, pensava que não se emocionava enquanto quase se matava de trabalhar, mas era só alguém preocupar-se com ela e ajudá-la, que ela não parava de
chorar. Teve que enxugar os olhos várias vezes antes de conseguir dirigir o caminhão até o tanque mais próximo. Era tarde e o gado deveria estar com sede, entretanto,
curiosamente eles não estavam se amontoando ao redor do bebedouro como normalmente faziam.
Laura tremeu de pavor. O que teria acontecido aos animais? Estariam perdidos? Teriam sido roubados? Ou pior, teriam morrido de sede?
Aproximando-se do bebedouro, entendeu o que se passava: Rio já o havia enchido de água e os animais já estavam saciados. Para que os animais pudessem ter bebido
e o tanque ficasse cheio novamente, enquanto ela descansava na banheira e dormira profundamente pela primeira vez em muitos meses, Rio fizera duas viagens até a
fazenda de Turner. Ele trabalhara em silêncio, pois sabia o quanto era teimosa para admitir que não teria tempo nem forças para transportar água sozinha até a fazenda.
- Oh, Rio, assim não vale! - murmurou para si mesma, sentindo o gosto das próprias lágrimas. Percebeu que Rio apenas demonstrara o que deveria ser feito caso
ela não quisesse se desfazer dos animais que ainda restavam.
Laura perguntava-se se iria usar aquela água ou continuar sentada chorando. Enxugando os olhos, dirigiu-se ao próximo tanque, com medo de descobrir que Rio
tinha chegado primeiro do que ela. Contudo, de longe concluiu que ele não tinha estado lá porque o gado estava reunido ao redor do bebedouro quase vazio. Imediatamente
ela parou o caminhão ao lado do tanque, colocou a mangueira dentro dele, e esperou que se enchesse enquanto o sol começava a despontar seus primeiros raios luminosos.
Adorava ver o dia amanhecer, com seus pálidos tons rosados rodeando a esfera alaranjada e incandescente. Milagrosamente, um novo dia nascia sempre, renovando as
esperanças. Apesar da seca e do medo de perder tudo, aquele momento era sagrado para Laura e ela sabia apreciá-lo em todo seu esplendor.
Logo seria hora de buscar mais água e o caminho até a fazenda de Turner era longo e cansativo. Além disso, o caminhão-pipa era velho e desconfortável, piorando
as agruras, da viagem. Dirigir aquele monstro de lata era um verdadeiro teste de bravura, por isso Laura aproveitava cada segundo enquanto a água era despejada,
descansando e recuperando as forças.
Ao entrar no pequeno vale onde se localizava o poço de Turner, sabia que só pararia de trabalhar quando o caminhão estivesse cheio novamente. O jipe cuidadosamente
polido de Turner estava estacionado em frente ao poço. Laura gelou: a última coisa que ela queria era encontrá-lo, mas depois da seca e da hipoteca no banco da tia
dele, ele estava sempre por perto, como uma ave de-rapina.
- Bom-dia, John. Você se levantou cedo - disse Laura, enquanto retirava a mangueira de trás do caminhão.
- Onde está Lee? - perguntou ele, abruptamente.
Laura olhou para ele espantada, sem entender o porquê daquela pergunta.
- Não sei, você precisa dele para alguma coisa? - inquiriu ela.
- Eu não, mas está na cara que você precisa dele! Veja só, dirigindo esse velho caminhão e arrastando essa mangueira pesada para lá e para cá como um vaqueiro
qualquer. Se Lee está velho demais para trabalhar, despeça-o. Só um idiota continuaria pagando salário a um homem que não faz nada - vociferou Turner.
Laura arrumou a mangueira de modo que nenhuma água vazasse quando o gerador fosse ligado, tentando se controlar ao máximo para não estourar com a arrogância
desmedida de Turner.
- E então? - reiterou ele, indo atrás de Laura.
- Então o quê? - perguntou ela, desembaraçando a mangueira.
- Eu fiz uma pergunta!
- E eu respondi. Não sei onde está Lee - disse ela.
- Não foi isso o que eu quis dizer e você entendeu muito bem - falou Turner irritado, tirando o chapéu da cabeça e batendo com ele na perna.
Pelo canto dos olhos, Laura viu o cabelo vermelho brilhar à luz do sol, e lembrou que uma vez seu coração já batera forte por aquele homem. Todavia, ele agora
não significava mais nada para ela.
- Laura, responda-me! - ordenou Turner num tom ameaçador.
De repente ela se lembrou de que estava usando e dependia da água de Turner. Era aquele fato que a obrigava a não ignorá-lo por completo e continuar a falar
com ele.
- Tudo que você perguntou eu já respondi. Se você quer outra resposta, faça outra pergunta - respondeu Laura sem se alterar.
- Que diabo Rio estava fazendo na sua fazenda ontem à noite? - ele quis saber.
Controlando-se ao máximo para não demonstrar sua raiva, Laura respondeu sem se alterar:
- Ele trabalha para mim à noite.
- Mas eu te disse para não contratá-lo.
Laura continuou a apertar a rosca da mangueira e nada falou:
- E então Laura? Eu não avisei você?
- Por acaso eu digo a você como dirigir sua casa? - ela perguntou continuando a lidar com a mangueira.
- Mas eu sou homem!
- Quando você dirigir com seus testículos, então aceitarei seu argumento. Enquanto isso, dirigirei minha fazenda como qualquer pessoa normal faria, usando minha
cabeça e minhas mãos.
Turner olhava-a sem se mover, absolutamente calado. No entanto, pela expressão de seus olhos, Laura podia perceber que ele estava louco de raiva.
- Despeça Rio! - ordenou ele.
- Não! - insistiu ela.
Naquele instante, a água do poço de Turner começou a correr para o caminhão de Laura. Ele então não perdeu a oportunidade.
- Você gosta de usar minha água?
Laura tentou não demonstrar que estava com medo de perder o precioso líquido.
- Por acaso você está querendo dizer que se eu não despedir Rio não vai mais permitir que eu use sua água?
Turner hesitou. Do jeito como Laura falara, a proposta não parecia muito sensata. Ele não ignorava que nas redondezas todos sabiam dos esforços de Laura para
manter a Vale do Sol. Se soubessem que ele impedira o uso da água, água esta que ele não precisava, apenas por dar emprego a um mestiço, certamente ficariam contra
ele.
- Nenhuma mulher decente ficaria sozinha com Rio - argumentou ele.
- Por que não? - Laura fingiu calma, para depois continuar num tom bastante duro: - Por acaso ele promete casamento a alguma garota ingenua, lhe dá champanhe
no dia que completa dezoito anos e depois agarra-a até que ela fique aos prantos e toda escoriada? Por acaso Rio joga uma nota de cem dólares na mão dessa garota
e depois avisa que está noivo, mas que sempre que puder vai fazer-lhe uma "visitinha"? Por acaso o pai de Rio leva essa garota para a casa dela de carro, fazendo
um sermão para que ela não espere se casar com um rapaz de uma classe social superior à dela?
Com um gesto de mão, Turner tentou ignorar os argumentos de Laura.
- Rio não vale nada. Já teve todas as mulheres do Oeste.
- Por acaso alguma delas está acusando Rio de alguma coisa? - retrucou Laura.
Turner estava irritado, mas não conseguiu responder.
- Se as mulheres gostam de Rio, qual é o problema? - perguntou ela num tom gentil.
- Acontece que elas não são minhas mulheres e você é!
- Não! -- respondeu Laura de imediato.
- Droga! É claro que você é minha! Você me deseja e não quer admitir isso.
- Você é louco!
Turner corou de raiva e depois vociferou:
- Escute aqui, menina. Já ouvi demais suas velhas ladainhas. Sua mãe era uma alcoólatra e seu pai um perdedor. E mesmo seus avós não passavam de simples
camponeses sujos de terra. Que diabo! Você deveria se orgulhar por eu estar te oferecendo muito mais de cem dólares.
- Mas eu não quero você - falou Laura pronunciando lenta e cuidadosamente cada uma das palavras.
Turner sorriu e meneou a cabeça, demonstrando muita confiança em si mesmo:
- É claro que você me quer, garota. Só não admite isso. Quer ver como estou certo?
Em seguida, com ar zombeteiro, caminhou em direção à Laura, que imediatamente pegou uma pesada chave de fenda, ameaçando-o com ela. Ele riu e deu mais um passo:
- É isso mesmo, garota. Lute, lute comigo. Eu fico louco de prazer quando uma mulher luta comigo, lembra-se?
Laura lembrava-se bem. Em seguida, após jogar a chave de fenda no chão, conseguiu escapar das mãos de Turner, entrando imediatamente na cabine do caminhão e
travando a porta por dentro. Ele riu e pegou a ferramenta do chão. Naquele instante, o som de um veículo entrando no vale em alta velocidade chamou sua atenção.
Ainda rindo, Turner virou-se para ver quem era, imaginando ser um de seus homens.
Laura sentiu um grande alívio quando avistou sua venha caminhonete e Lee ao volante. Só então se deu conta de que estava atemorizada. Enquanto Lee se aproximava,
ela tentava se acalmar, sabendo que agora estava salva e que seu velho amigo saberia cuidar do caso.
No instante seguinte, contudo, Laura percebeu que não poderia contar a Lee que Turner tentara abusar dela novamente. Se ele soubesse, ficaria tão louco que
lutaria com aquele canalha e ela não queria que isto acontecesse. Sabia que Lee iria apanhar demais para sua idade, já que Turner tinha um prazer sádico em judiar
de pessoas mais fracas.
- Bom-dia, velho homem. Finalmente você resolveu aparecer. Pensei que ela fosse fazer todo o trabalho sozinha - disse Turner assim que Lee desceu da
caminhonete.
Lee olhou para Turner com os olhos apertados, como se soubesse que ele estava mentindo. Depois, vendo a ferramenta nas mãos de Turner e Laura trancada na cabine
do caminhão, teve certeza de que algo quase acontecera.
- Bem, agora estou aqui - disse Lee com segurança.
- Então, acho que já posso voltar para a fazenda. Até mais ver, garotinha - despediu-se Turner, sorrindo.
- Até logo, Turner.
A voz de Laura era sem expressão alguma, como seu rosto. Só quando o jipe de Turner já estava saindo do vale é que Laura desceu do caminhão.
-- Estou contente por vê-lo - declarou ela tentando demonstrar naturalidade. Depois, continuou: - É muito chato ficar conversando com as vacas enquanto o caminhão
enche de água.
- Ele colocou a mão em você? - perguntou Lee num tom de preocupação.
- Não! - respondeu Laura com honestidade, mas escondeu o fato de que ele só não conseguira porque ela correra para o caminhão.
Lee olhou para ela desconfiado. Seus lábios tremiam quando falou:
- De hoje em diante eu faço o transporte da água.
- De jeito nenhum! Mas se você quiser praticar tiro ao alvo, adoraria sua companhia - disse ela sorrindo.
Lee olhou-a por um longo momento. Laura sorria aquele sorriso habitual, mas estava muito pálida. Lee sabia que Turner havia tentado alguma coisa. Quando levara
Rio à fazenda dele, ouviu um dos empregados dizer que ele havia levantado cedo para checar o poço do vale. Jamais fizera isso e exatamente esse fato chamou a atenção
dele, pois era esse o poço de onde Laura retirava água.
Pior de tudo, sabia que Laura não lhe diria nada pelo mesmo motivo que não queria que ele transportasse a água - suas mãos estavam fracas para trabalho pesado.
Bem no fundo de seu coração, Lee odiava o destino que lhe roubara a esposa, e agora impedia-o de ajudar e defender a pessoa que era para ele como uma filha.
- A partir de hoje, acompanharei você nas viagens com o caminhão-pipa - disse Lee em tom baixo.
Laura não discutiu, aliviada por saber que não mais enfrentaria Turner sozinha. Ele simplesmente não conseguia entender o significado da palavra não. Não era
apenas um incentivo para uma briga, e até uma luta, mas para Laura essa ideia era assustadora e repugnante.
Lee, então, dirigiu-se à caminhonete e tirou um rifle que estava no banco de trás. Após carregá-lo, voltou para Laura sorrindo. Alguma coisa naquele sorriso
fez Laura agradecer por ser amiga dele.
- O gatilho mais rápido do Oeste - brincou Lee com a voz rouca de raiva. - Numa seca dessas, as cobras se aproximam dos poços; é preciso ter muito cuidado.
Laura, se você estiver em perigo e eu não estiver por perto, mantenha esse rifle sempre perto de você, entendeu? - perguntou ele, olhando-a fundo nos olhos.
Laura tentou sorrir, mas não conseguiu. Apenas abraçou Lee.
- Entendi sim, não se preocupe.
- Vou dar uma olhada no gerador. Vá até aquele monte e treine um pouco. Faz tempo que não praticamos tiro ao alvo juntos.
Laura não teve como negar. Após pegar o rifle e a munição, dirigiu-se ao monte onde não correria o risco de atingir algum animal. Então, quando avistou um toco
de árvore, atirou nele até que se reduzisse a lascas. Em seguida, voltou ao poço onde Lee cuidava do gerador.
- Você é incrível, Lee, conseguiu tirar aquele barulho maldito do motor.
Ele sorriu, satisfeito por saber que ainda podia ser útil. Laura então foi checar o nível de óleo do gerador, e descobriu que Lee já o havia feito:
- Já chequei tudo. Por hoje você não precisa mais se preocupar com esse motor velho - disse ele, demonstrando alegria.
Laura sorriu. Queria dizer alguma coisa, mas não sabia como começar. Resolveu então ir direto ao assunto:
- Vou telefonar para Hawthorne quando chegar em casa. Ele quer comprar alguns dos meus bois.
Lee tirou o chapéu, coçou a cabeça e voltou a colocar o chapéu.
- Quantas cabeças você pretende vender?
Ela fechou os olhos, tentando não pensar no momento doloroso de separar-se de parte do seu gado.
- Ainda não sei. Metade talvez. Sim, metade. O pasto que ainda existe será suficiente para as outras cabeças.
- Hawthorne vai usar seus próprios empregados para levar o gado?
- Foi o que ele fez na última compra. Caso não seja possível, contratarei os filhos de Johnston. Eles adoram um rodeio.
- Sim, bons meninos. Um pouco inexperientes, mas sempre se é inexperiente quando se é jovem.
Para Laura, aquilo era uma grande verdade. Ela suspirou e olhou ao redor. Vivera naquele lugar até os catorze anos, mas depois, por insistência de sua mãe e
de Julie, mudaram-se para Los Angeles. Entretanto, Laura jamais esquecera a fazenda e o fato de seu pai ter que sustentar duas casas. Se não fosse por isso, ele
teria dinheiro para ter perfurado mais poços. Mas a mãe não queria que as filhas crescessem naquele lugar sem nenhuma "civilização". Todos os lucros da fazenda eram
então enviados para Los Angeles.
- Pobre papai! - suspirou Laura, sem perceber que havia falado alto.
Lee colocou o braço ao redor do ombro de Laura:
- Não fique com pena dele. Ele fez o que queria e mandou o resto para o inferno.
- Mas ele trabalhou duro demais - disse ela, tentando conter as lágrimas.
- Ele adorava essa vida e o Oeste. Sua mãe também sabia disso.
Laura reparou que ele não mencionara Julie. A irmã mais velha, uma bela criança mas muito frágil, era incapaz de suportar um dia mais quente, quanto mais o
calor do Oeste. Mas Laura era diferente. Ela amava aquele lugar, mesmo com suas agruras, e adorava observar o gado andando pelas pastagens. Nascera para aquela terra,
mas sua mãe jamais entendera isso. Lee continuou a relembrar o passado:
- Seu pai costumava levar você com ele quando ia trabalhar com gado, e isso fazia ambos muito felizes.
Laura sorriu, mas de um modo meio triste. Ela amara muito o pai. Amara a mãe também, mas só se dera conta do fato quando a mãe morreu. Foi naquele dia também
que Laura descobriu cartas que seus pais escreveram um para o outro enquanto estavam separados.
- Mamãe amava papai.
Lee suspirou:
- Sua mãe era uma mulher de emoções profundas e fortes. Amor e ódio se confundiam para ela. Quando você se descontrola, fica parecida com ela. Você também
herdou a coragem e a força de caráterde seu pai e deve ter.alguma coisa de Julie também.
Lee abanou a cabeça, como se quisesse afastar as tristes lembranças do passado:
- Pobre Julie, bonita como uma flor. . . e. . . jovem demais para morrer.
Laura sentiu um nó na garganta. Ela amara sua irmã mais velha, que infelizmente passara por vários casos amorosos, sentindo-se depois profundamente rejeitada
e deprimida. Laura tentou ajudá-la, mas Julie nunca fora capaz de entender a realidade. Após a morte da mãe então, descobriu as drogas e começou a fazer uso delas,
para morrer dois anos depois.
- Não fique tão deprimida, querida - disse Lee, afagando gentilmente os cabelos de Laura. Depois, continuou: - Julie não foi feita para este mundo, há
pessoas que são assim. Então nós as enterramos e enxugamos as lágrimas, porque a vida continua. Você foi feita para este mundo, Laura, e eu tenho certeza disso.
Você é forte, decidida e bondosa. Você foi feita para amar um bom homem e ter lindos filhos e filhas com ele. Você e sua família vão reconstruir a Vale do Sol, e
então toda a dor e lágrimas do passado terão germinado novas sementes.
Laura olhou para o rosto envelhecido de Lee. Os olhos dele brilhavam e ela sentiu que aquelas palavras eram como uma bênção celestial. Então beijou-o carinhosamente
no rosto.
- Você é um bom homem, Lee, o melhor que já conheci.
Lee sorriu timidamente e entregou-lhe um lenço vermelho para que enxugasse as lágrimas que lhe escorriam pelo rosto.
- Obrigada. Ultimamente há mais lágrimas em mim do que água no meu poço.
- É que você está cansada, meu bem. Afinal, tem feito o trabalho de dois homens.
A única resposta de Laura foi um longo e sonoro suspiro. Após alguns segundos, ela continuou:
- Mas não de dois homens como Rio. Será que chegou a dormir esta noite?
- Ele é um homem forte - respondeu Lee num tom de aprovação.
- Mas não é justo que ele. . .
- Não é justo deixar as vacas sem água - interrompeu Lee, para depois continuar: - Você fica se preocupando sobre o que não é justo, e fica sem tempo de sorrir.
Escute meu conselho, menina, já vivi o bastante para saber que sorrir também é importante.
- Mas o mínimo que eu posso fazer por ele é arrumar o outro barracão para que fique confortável - disse Laura.
- Não se preocupe, ele dormiu bem no sofá. Se fizer muito frio, poderá usar o outro quarto de cima - declarou com naturalidade.
Laura olhou para ele surpresa.
- Algum problema? - quis saber.
- Desde que voltei para a fazenda, você tem sido amigo inseparável de seu rifle. É só algum rapaz me dizer "oi" que você já está com ele nas mãos. Mas com Rio.
. . você fala até para ele dormir na casa da fazenda. Não entendo você. . . - disse Laura com ar de interrogação.
- Ele é diferente - falou Lee, num tom de quem sabia o que estava dizendo. - Rio não vai colocar a mão em você. Ele não é cego não, sabe que você é muito bonita,
mas não vai permitir que nada aconteça.
- Por quê? - perguntou ela, muito curiosa e surpresa.
- Porque ele tem muito respeito por você e por ele mesmo, para fazer algo que sabe que não vai dar certo.
- O que você quer dizer com isso?
- Rio sabe que você é o tipo de mulher que é para sempre, e ele. . . bem. . . Rio é o tipo de homem que não tem parada.
Laura não disse nada simplesmente porque não gostou do que ouvira. No fundo de seu coração, sabia que Lee estava certo, absolutamente certo. No entanto, também
era do fundo de seu coração que desejava que estivesse errado.
CAPÍTULO V
Com os braços doloridos de tanto dirigir, Laura desceu da cabine do caminhão-pipa espreguiçando-se. Mesmo com apenas metade do gado que anteriormente possuía,
o dia ainda não era suficientemente longo para todas as viagens necessárias. Desde que vendera parte de seus animais a Hawthorne, Laura vinha trabalhando incessantemente
para cuidar das cabeças restantes.
Olhou para as montanhas de Sierra Perdida com ansiedade. Majestosas e imponentes, elas estavam distante da terra seca da Vale do Sol. Nuvens esparsas flutuavam
ocasionalmente no céu e a temperatura havia caído para 28°C durante o dia e até 20°C à noite. Apesar da previsão de chuvas provenientes de uma frente vinda do Canadá,
e mesmo com o ar mais úmido, nenhuma gota sequer ainda havia caído. Contudo, algumas nuvens já se formavam na região das montanhas, e pequenos regatos que desciam
Sierra Perdida já possuíam mais água. Mas as pastagens e ravinas continuavam secas e morrendo pouco a pouco. Caso não chovesse muito e logo, nem os pequenos regatos
resistiriam. Aliás, se não chovesse logo, Laura teria que começar a transportar feno para o gado, alem de todo o trabalho com a água. Os animais já haviam escavado
tanto a terra, na tentativa de encontrar algum capim fresco, que logo o solo estaria danificado demais até para ser replantado.
- Laura, você está arrumando mais problemas. Já tem trabalho demais. Cuidado! - disse ela para si mesma.
Não muito longe, uma vaca da raça Angus vinha em direção a ela:
- Alô, Violeta, onde está seu filhote? - perguntou Laura sorrindo, passando a palma da mão vigorosamente sobre o lombo do animal. Violeta fungou como que respondendo.
- Ah, ele está andando lá longe? Bem, o que você esperava de um bezerrinho mimado? - perguntou Laura, acariciando a orelha do animal. Violeta sabia que era
o animal favorito de Laura e adorava ser acariciada por sua dona. Não era só pelo fato do gado Angus ser consideravelmente mais valioso que Laura o preferia, mas
era com aqueles animais que ela iria reconstruir a fazenda. Todo o futuro da Vale do Sol estava depositado no sonho de um novo poço e naquelas cabeças de gado.
Violeta era muito mais do que um animal de estimação. Quatro de seus filhotes tinham recebido altas propostas e Laura havia recusado todas elas. Queria que
Sol da Meia-Noite, o mais novo dos filhotes, fosse o pai de um novo rebanho Angus na futura fazenda Vale do Sol. Seu sonho era ter uma linhagem altamente selecionada,
e, para ela, dinheiro algum poderia pagar aquela grande ambição.
Pensando no futuro rebanho, Laura observava os animais que bebiam água no tanque. Outros deles ali-mentavam-se do feno fresquinho que Lee havia trazido no dia
anterior. Laura observava cada vaca, conhecendo cada uma individualmente, atenta a qualquer arranhão ou contusão que pudessem ter. Mas todos estavam bem, nada os
incomodava. Talvez até estivessem melhor que a própria dona.
De repente, Violeta parou de beber água e virou a cabeça. Laura acompanhou-lhe o movimento e viu Rio andando em direção a ela. Ao aproximar-se, ele sorriu e
afagou o pescoço do animal, que imediatamente colocou a extensa língua para fora.
- O que você faz para ela gostar tanto de você? - perguntou Laura, enquanto Rio colocava algo na boca de Violeta.
- Sal - respondeu ele, sorrindo. - Este é um bom rebanho, um dos melhores que já vi.
- Obrigada, eles são o meu presente, a minha contribuição para o futuro da Vale do Sol - disse ela, sem disfarçar o orgulho que sentia por seus animais.
- Sua família não criava gado Angus? - perguntou ele.
Laura tirou o chapéu e passou a mão pelos cabelos, deixando que a brisa movimentasse os sedosos fios:
- Não. Meu pai sempre quis, mas nunca conseguiu. O primeiro Angus que comprei com o dinheiro do meu trabalho foi Violeta. Mas meu pai não viveu para ver sua
cria.
- Você já foi modelo, não é mesmo?
Laura imaginou qual seria sua aparência naquele instante: botas empoeiradas, calça de brim desbotado, camisa de trabalho, chapéu amassado. Então sorriu desajeitadamente:
- Há muito tempo, num outro país.
Rio então observou o belo perfil de Laura, o cabelo sedoso e brilhante, os seios jovens e firmes e as pernas longas e roliças. Em suas andanças, ele já conhecera
mulheres belíssimas, mulheres que fizeram os homens desejá-las, mas jamais encontrara uma que o atraísse tanto, física e espiritualmente como Laura. Ele queria conversar
com ela, rir com ela, ajudá-la, protegê-la, enfim, estar com ela ao lado de seu radiante sonho.
Mas, além disso, ele queria tocá-la, descobrir a quente e suave textura daquele corpo de mulher, provar do doce mel daquela boca macia, sentir a resposta úmida
de suas entranhas, até ouvi-la gritar seu nome, envolta em ondas de prazer.
Com tais pensamentos em mente, Rio chamou-se várias vezes de tolo. Sabia que Laura não havia sido feita para ele. Sua mente sabia disso, mas seu corpo másculo
lutava desesperadamente contra aquela imposição dó destino. A simples presença de Laura fazia com que ele a desejasse como jamais desejara outra mulher em sua vida.
Entretanto, ele não se atreveria a mais do que isso. Rio não tinha nada para oferecer-lhe, a não ser achar a água que ela tanto queria. Ele só tinha um sonho para
dar-lhe. Quando o sonho do poço se realizasse, então o vento o chamaria, e ele partiria novamente.
Laura merecia muito mais do que aquilo: uma realidade plena, e não apenas um sonho.
- Imagino que você tenha sido uma excelente modelo - disse ele com calma, desviando seus pensamentos para outro assunto.
- Excelente? Não sei. Ganhei muito dinheiro, mas nunca fui capa de nenhuma revista internacional, se é isso o que você quer dizer.
- Você queria ser famosa? - perguntou ele, não disfarçando uma ponta de curiosidade.
- Nunca me incomodei com isso.
- Por que não?
- Tudo que eu sempre quis foi a Vale do Sol. Depois que mamãe e Julie morreram, nada mais me prendia a Los Angeles, e eu então estava livre para voltar para
casa.
- Você não quer mais trabalhar como modelo?
Laura olhou para Rio com os olhos brilhantes como ouro.
- Não! Toda vez que vou para Los Angeles, não me sinto uma pessoa da cidade. Posso até me comportar como tal, mas não gosto da cidade. Assim, achei que já tinha
economizado dinheiro suficiente para manter a fazenda, pagar os impostos que faltavam, reunir um novo rebanho e colocar a Vale do Sol de pé novamente. Meu Deus,
como estava enganada, como eu era ingénua! Só agora sei que não existe dinheiro suficiente quando se tem uma fazenda seca, quase morrendo - falou ela encolhendo
os ombros e dando um sorriso um tanto irónico.
- Você não poderia voltar a ser modelo?
- Você poderia morar na cidade? - perguntou ela de imediato.
- Já morei.
- Mas não vive, mais lá.
Laura olhou para seu bonito gado preto e para a água brilhante e cristalina que saía da mangueira em direção ao tanque dos animais. Depois, lentamente continuou:
- Eu poderia apenas sobreviver na cidade, mas viver verdadeiramente, só me é possível aqui. Este é o meu passado, o meu presente, o meu futuro. A Vale
do Sol é o único lar que eu sempre terei, mesmo que esteja morando em outro lugar. É isso o que eu sempre senti, e sempre será assim, porque esta terra é parte de
mim.
Rio tinha ímpetos de colocar seus braços ao redor de Laura, apertá-la gentilmente de encontro a seu corpo, prometer-lhe que acharia o poço que permitisse que
ela vivesse para sempre em sua terra tão amada. Mas ele não podia nem abraçá-la nem fazer-lhe promessas. Promessas são apenas palavras, e palavras não realizam nada.
Foi assim que aprendeu com os pais quando ainda era um garoto. Não que eles tivessem sido cruéis, mas era assim que eles queriam fortalecer o sangue indígena que
havia em Rio.
Em silêncio, Laura e Rio observavam o gado movimentar-se sob os primeiros raios de sol daquela manhã. Só então ela notou que era sexta-feira, e que Rio deveria
estar trabalhando na fazenda de Turner:
- Você terminou o trabalho com os cavalos de Turner?
- De certo modo.
- Como assim? O que você quer dizer com isso? - perguntou ela, virando-se para ele.
Ele sorriu com um certo desdém, lembrando-se da conversa que tivera com Turner:
- John Turner me disse para escolher: ou trabalho só para ele, pelo triplo do que eu estou recebendo agora, ou trabalho só para você. Acho que é melhor cavar
um poço com as mãos do que ser empregado dele.
- Ele e aquela maldita arrogância! Vou resolver isso junto com você! - retrucou Laura furiosa.
- Não vai, não! - Os problemas que eu tenho com Turner são meus, e não seus - respondeu Rio com segurança e firmeza.
- Não neste caso; ele está fazendo isso porque não quer que você trabalhe para mim. Até ameaçou cortar o fornecimento da água caso não despedisse você.
Rio disse alguma coisa baixinho, e Laura ficou contente por não entender:
- Quando ele te ameaçou? - perguntou Rio, querendo saber de toda a verdade.
- Isso não tem importância. Mas foi só um blefe. Ele queria apenas me assustar.
Rio abanou a cabeça e falou:
- E depois disso, ele arruma vinte e quatro horas de trabalho para mim na fazenda dele. . .
Laura não respondeu. Agora estava explicado porque Rio vinha tendo pouco tempo para achar o local do poço na Vale do Sol.
- Ele anda dizendo que você está noiva dele - continuou Rio, querendo esclarecer toda a situação.
Imediatamente Laura corou de raiva:
- Isto é uma grande mentira!!
Pela fúria das palavras de Laura, ele teve certeza de que ela dizia a verdade:
- É por isso que você tem levado esse rifle com você ultimamente?
- Lee disse para eu levá-lo porque com esse calor há muitas cobras perto dos poços... - respondeu ela, não querendo prolongar o assunto.
- É, Lee é um homem experiente. Sabe o que diz - falou Rio secamente. Depois, de modo direto, disparou a pergunta que Laura tanto temia:
- Por acaso Turner tentou alguma coisa contra você?
Laura olhou para Rio, e viu que havia violência naqueles olhos azuis e profundos. Ela olhou para as montanhas sem nada dizer. Não queria criar confusão, mas
também não tinha coragem de mentir para ele.
- Laura? - perguntou Rio novamente, mas de modo carinhoso.
- Não foi nada sério - respondeu ela finalmente, para depois continuar. - É que aquele cabeça-dura não aceita a palavra "não" muito facilmente.
- Da próxima vez, tente usar a chave de fenda para convencê-lo - disse Rio, pegando a ferramenta do caminhão.
- Esta ideia também me passou pela cabeça - respondeu ela, olhando de lado para ele.
Rio percebeu que Laura estava sendo sincera e sorriu. Ao mesmo tempo, prometeu a si mesmo que jamais a deixaria transportar água sozinha.
Ele se lembrou de que não estaria sempre por perto para protegê-la. Laura notou uma ponta de preocupação no semblante de Rio. Não sabia porque ele se alterara
tanto com as atitudes de Turner. Tentando desanuviar o ambiente, imediatamente mudou de assunto:
- Eu também tenho dinheiro para pagar seu salário. Não tanto quanto Turner, mas. . .
- Não! - Rio interrompeu-a abruptamente. - Nada mudou no nosso trato. Casa e comida para mim e meu cavalo, pasto e um reprodutor para minhas éguas.
- Desde que haja água na Vale do Sol.. .
- Eu vou achar essa maldita água, custe o que custar - disse Rio, arrancando o chapéu da cabeça.
Laura viu que ele observava as montanhas de Sierra Perdida. Abanou a cabeça lentamente e então colocou o chapéu novamente:
- Haverá chuva esta noite. Uma boa chuva! Não o suficiente para encher os poços, mas água para encher os buracos naturais e reviver regatos secos. Dentro de
mais ou menos uma semana, já poderemos transportar água apenas uma vez por dia, duas no máximo. Entretanto, teremos que transportar feno para os animais - disse
Rio, com voz segura.
- Eu farei o transporte da água. Não contratei você como um simples empregado da fazenda.
- Isso é verdade, acontece que estou me oferecendo como voluntário para o trabalho - acrescentou Rio.
- Não posso permitir que. . .
Rio cortou-lhe as palavras com um olhar sério e profundo, deixando bem claro que ele também era tão decidido quanto ela. Além do mais, havia um outro motivo
que impelia Rio a acompanhar Laura até a fazenda de Tiirner...
- Se nós dividirmos o trabalho do transporte da água, você terá tempo para me acompanhar na procura do poço - continuou, surpreendendo-se com suas próprias
palavras.
Sabia que essa era mais uma das razões pelas quais havia se oferecido para trabalhar na Vale do Sol. A ideia de cavalgar por aquela terra ao lado de Laura não
lhe saía da mente. Ele não poderia tê-la, mas ao menos poderia fazer parte de seu sonho por algum tempo, preenchendo o enorme vazio que havia nele desde quando
deixara de acreditar em sonhos.
- Aposto que há lugares na Vale do Sol onde você jamais pisou. É sua terra, Laura, seu sonho e seu futuro. Você deve conhecer cada palmo da terra que é sua
- disse Rio gentilmente.
Ela então olhou para aqueles olhos de um azul tão profundo como a noite, percebendo toda a solidão que havia neles, solidão de quem estava habituado a falar
apenas com as profundezas de sua mente. Laura queria muito saber dos segredos escondidos naquele coração solitário, e que riquezas e águas doces haveriam naquele
homem, riquezas jamais tocadas por alguém.
Mas ela não era uma tola, e sabia que, por outro lado, também haviam perigos escondidos nele, como um terremoto prestes a desmoronar tudo.
Entretanto, o perigo faz parte da vida e esse era também um dos motivos que fazia Laura amar sua terra. A Vale do Sol não era.para qualquer pessoa. Só os fortes
conseguiam sobreviver às agruras do Oeste. Só estes poderiam descobrir os prazeres de se viver naquela terra: os raios do sol se escondendo atrás de uma colina,
a fragrância dos pinheiros recendendo dos vales, o frescor da brisa suave, o poder de uma águia voando para alimentar os filhotes, o perfume misterioso de um cactus
desabrochando à noite. E a terra... a terra propriamente dita, com sua sinfonia de tons dourados e acobreados. Estes eram apenas alguns dos momentos de intenso esplendor
que a Vale do Sol poderia oferecer, mas apenas a quem também se oferecesse a ela.
Seria Rio capaz de deliciar-se com aqueles momentos? Haveria outros prazeres que aquela terra poderia oferecer? Conseguiria ele desfrutar daquelas belezas com
Laura?
- Sim. Gostaria de cavalgar por estas terras com você - disse Laura, baixinho.
Ele observou aqueles olhos cor de mel. Girando a cabeça lentamente, falou de seus próximos planos:
- Vou levar minhas coisas para a casa da fazenda. Ficarei no outro quarto de cima se não houver problemas. Assim você e Lee não precisarão mais ficar andando
nas pontas dos pés toda vez que tiverem que passar pela sala.
- Tudo bem - falou Laura, tentando disfarçar uma estranha sensação por saber que Rio estaria dormindo no quarto ao lado do dela. No entanto, ela bem sabia que
ele poderia até dormir em seu próprio quarto pois jamais a molestaria. Nenhuma atitude nele indicava que estivesse interessado sexualmente por ela. Todavia, ele
se sentia bem em sua companhia. Até Lee comentara que jamais havia visto Rio sorrir como sorria quando estava perto dela.
- Você vai encher o outro poço agora? - perguntou ele.
- Vou.
- Já estou pronto para ir com você.
- Você já comeu? - perguntou ela.
Rio encolheu os ombros como se aquilo não fosse importante. Laura olhou para o nível do tanque. Não estava todo cheio.
- O tanque estará cheio em vinte minutos e o café da manhã fica pronto em meia hora - avisou ela.
- Mas você não precisa. . .
- É melhor se apressar - disse ela, cortando qualquer objeção por parte dele. - Se você não estiver lá quando os ovos mexidos estiverem prontos, jogarei tudo
para os porcos que não existem. Vai ser um grande desperdício.
- Ele sorriu largamente, mostrando lindos dentes alvos em contraste com a pele morena. Então, saudou-a com um aceno de chapéu, num tom de voz macio e elegante:
-- Sim, madame. A senhora é quem manda.
Laura riu alto, não resistindo à deliciosa brincadeira. As atitudes de Rio eram finas e gentis, contudo ele irradiava uma incrível masculinidade. Era impossível
não se sentir atraída por ele.
Ao virar-se para voltar para casa, Rio piscou para Laura após ouvir o som de sua risada. Ele não conseguia se lembrar qual fora a última vez que se sentira
tão sereno e feliz. Havia algo de maravilhoso e excitante em estar na presença de Laura, pelo fato de ser a mulher que era, e por toda a esperança de um novo futuro
que significava.
Laura também estava bem-humorada, e continuou assim, mesmo quando a rosca da mangueira enguiçou. Após arrumá-la e recolher a mangueira, dirigiu o caminhão para
dentro da fazenda e trancou o portão de entrada. Depois lavou-se e foi para a cozinha. Imediatamente percebeu que Rio também estava bem-humo-rado: seu lugar à mesa
estava posto, prato, talheres, caneca de café, guardanapo. . . e um par de botas colocado sob a cadeira.
Laura riu alto, sentindo-se como uma adolescente. Depois de tudo que ouvira sobre Rio, não imaginava que ele também pudesse fazer brincadeiras. Ainda sorrindo,
ela então acendeu o forno e colocou o prato de Rio e uma grande travessa dentro. Em seguida, tirou algumas grossas fatias de bacon do refrigerador e dourou-as numa
frigideira de ferro. Depois, cortou algumas batatas numa outra panela. Logo que o bacon e as batatas ficaram prontos, despejou ambos na travessa, colocando-os no
forno novamente para que se mantivessem quentes e apetitosos. Logo após, passou uma farta quantia de manteiga em algumas torradas, colocando-as no forno também.
Ao ouvir Rio que descia as escadas, pegou a cesta de ovos para retirar alguns, e com com enorme surpresa que descobriu ramos de flores do campo perfumando a
cesta. Era como se uma promessa de vida estivesse repentinamente se materializando. Então fechou os olhos e aspirou aquela delicada fragrância. Ao abri-los, Rio
já estava na cozinha, observando-a com uma expressão de fome e carinho. Sorriu para ele, desejando que ele fosse sempre assim, querendo-o, mesmo sabendo que ele
jamais a tocaria.
- Obrigada - disse ela simplesmente.
- Minha avó as chamava de "flores da chuva"; só aparecem quando a chuva está para chegar.
Laura tocou as pétalas delicadas, imaginando como gostaria de acariciar a pele de Rio.
- Como seu avô as chamava? - perguntou ela, lembrando-se que Lee uma vez lhe dissera que o avô de Rio havia sido um feiticeiro da tribo Zuni.
Rio fechou os olhos, tentando visualizar os rituais que presenciara quando criança. As delicadas flores eram usadas como remédio e admiradas por sua grande
duração. Lentamente, Rio voltou à sua infância, lembrando-se de frases ritualísticas, sons sagrados e uma cultura a que ele há muito tempo não mais pertencia. As
tradições de seus avós eram uma união de credos das tribos Zuni, Navajo, Apache e até mesmo de rituais cristãos, mas Rio não podia mais entendê-los ou fazer uso
deles.
- Não há uma tradução real para o nome destas flores. Eu sempre as chamei de "flores da esperança", porque florescem em épocas e lugares onde nada mais
consegue brotar - explicou ele.
Houve um silêncio entre eles, mas um silêncio que muito queria dizer. Quando Laura olhou para as profundezas daqueles olhos azuis, teve a certeza, pela primeira
vez em sua vida, que ela queria muito aquele homem. A simples ideia de não ter Rio, de jamais tê-lo, causava-lhe uma dor tão intensa que a obrigava a afastar aquele
pensamento de sua mente o mais rápido possível.
Com as mãos trémulas, Laura pôs água sobre um pires de porcelana e delicadamente colocou as flores sobre o líquido transparente. Depois, depositou o pires na
mesa entre o lugar dela e o de Rio. As flores se mexiam suavemente na água, como se quisessem transmitir alguma mensagem secreta.
- Como você quer seus ovos? - perguntou Laura, com a voz embargada de emoção.
- De um jeito que não dêem trabalho - respondeu ele.
Rio então passou por Laura e pegou o grande bule de café de cima do fogo. inadvertidamente o braço dele tocou o dela. O breve contato transmitiu um forte calor
a ele, surpreendendo-o e perturbando-o; mas, no entanto, nenhuma emoção pôde ser'percebida em seu semblante. Há muito que ele aprendera a disfarçar seus sentimentos,
conseguindo controlar-se ao extremo. Quase no mesmo instante, Laura, ao pegar ovos na cesta, esbarrou a mão no braço de Rio. Imediatamente ela percebeu o calor e
a força que aqueles músculos lhe transmitiam, sentindo-se tentada a aumentar o contato físico e passar a palma da mão por todo o braço de Rio.
- Desculpe - disse ela, retirando a mão imediatamente como se tivesse tocado em fogo. Então, perguntou para desviar a atenção:
- Quantos ovos você quer?
- Quatro - respondeu Rio, percebendo que os dedos de Laura tremiam.
Saber que aquele rápido contato físico também deixara Laura perturbada, fazia com que algo explodisse dentro dele.
Observava-a enquanto tomava seu café: os cabelos sedosos presos na nuca caíam-lhe gentilmente sobre o pescoço, em cachos maravilhosos. Ele queria muito pegar
uma mecha daqueles fios entre os dedos, levá-los aos lábios, e então beijar a pele acetinada do pescoço de Laura. Rio só percebeu que queria tanto acariciar aquele
cabelo sedoso, quando, num gesto impensado, já esticava a mão para tocá-lo. Conseguiu controlar-se a tempo, maldizendo-se pela atitude que quase poria todo o relacionamento
deles a perder.
Rio sentou-se à mesa, e tentou conversar com Laura para diminuir a tensão que pairava entre ambos:
- Estive dando uma olhada nos relatórios que o último geólogo fez. Homem sério, não há dúvida, mas não conhece absolutamente nada sobre esta região.
- Ele era recém-formado, rapaz de cidade grande. Ficou muito aborrecido por não achar água na Vale do Sol - falou Laura, fritando os ovos.
Ela colocou os ovos no prato aquecido de Rio, e depositou na mesa a travessa com as batatas tostadas, o bacon dourado e as torradas recobertas com manteiga
derretida. Depois, serviu também mel, um pote de cerejas em conserva e começou a preparar sanduíches que comeriam na hora do almoço. Entre alguns goles de café,
cortava fatias de pão feito em casa, recheando-as com suculentos bifes acebolados. Algumas maçãs e um pacote com biscoitos caseiros completaram a cesta que levariam
para o trabalho.
Quando tudo estava cuidadosamente embrulhado, ela colocou mais um pouco de café em sua caneca, e sentou-se à mesa em frente a Rio. Ele devorava sua refeição
em silêncio, mas Laura não se incomodava com aquela ausência de palavras. Sabia que trabalho pesado dava muito apetite e que qualquer conversa naquele momento não
seria bem-vinda. Rio sentia-se à vontade, sabendo que Laura entendia e respeitava seu silêncio. Comeu tudo, limpou o prato com um pedaço de pão, e depois suspirou,
demonstrando estar satisfeito:
-- Você realmente cozinha muito bem - disse ele com sinceridade.
Ela sorriu levemente. Há muito tempo aprendera a cozinhar e gostava de lidar na cozinha.
- Obrigada. Mas é fácil preparar um bom café da manhã quando se tem tudo à mão e um acompanhante faminto.
- Isso é o que você pensa! Os cozinheiros das fazendas onde já trabalhei não têm a mesma opinião.
Laura sorriu. Aprendera a cozinhar aos sete anos de idade, já que sua mãe detestava cozinha e tudo que se relacionasse a ela. Depois, lembrou-se de um fato
divertido:
- Uma vez fui fazer um bolo de chocolate e colo quei sal no lugar do açúcar. Ficou tão ruim que nem o cachorro conseguiu comê-lo.
Rio abriu-se numa deliciosa gargalhada e, para Laura, aquele riso inesperado era a melhor recompensa por seu café da manhã. Ela riu também, lembrando-se da
reação de Lee:
- Até hoje, toda vez que eu faço um bolo de chocolate, Lee pega um pedacinho para experimentar. Só depois é que ele come à vontade.
- Nesse caso, obrigado pelo aviso, vou me lembrar de fazer o mesmo - disse Rio, ainda sorrindo.
Ele então terminou de tomar seu café, levantou-se bem disposto, deixando Laura imersa em pensamentos. Como seria bom que Rio fosse o homem da casa, o seu homem,
da sua casa. Entretanto, no instante seguinte ela afugentou tais ideias da mente. Rio não era homem de criar raízes; era, isto sim, como o vento que alisa a terra,
sempre em movimento, à procura de algo sem nunca encontrar um ponto de chegada. Ela até podia ler aquela verdade nos olhos azuis cristalinos e no silêncio que muitas
vezes pairava entre os dois.
Rio percebeu um certo ar de tristeza em Laura. Imaginava que ideias teriam apagado aquele doce sorriso de seus lábios. De repente, quis muito saber o que a
teria preocupado. Mas nada perguntou, pois sabia que qualquer pergunta só causaria mais tristeza, mais ressentimentos. Afinal, ele era assim. . . Irmão do Vento.
CAPITULO VI
Após o café da manhã, Laura e Rio saíram em direção às pastagens da fazenda Vale do Sol.
- Por onde você quer começar? - perguntou Laura andando ao lado de Rio, dirigindo-se aos pastos localizados atrás do celeiro.
-- Vamos começar a explorar a partir da divisa ao Norte - disse ele, indicando Sierra Perdida ao longe.
- Então é melhor pegarmos um cavalo bem resistente. A Vale do Sol se estende por quinze acres ao Sul e cinquenta e dois acres até a divisa ao Norte.
- Há mata na fazenda? - perguntou ele, surpreso com o enorme tamanho da Vale do Sol.
- Matas? Que nada! Todas as grandes matas são de propriedade do governo. A parte da fazenda que se estende para o Norte é toda em aclive. Existe muito mogno,
pinheiros e juníperas. Nada mais do que isso.
Rio sorriu com uma certa ironia, já sabendo que essa seria a resposta de Laura:
- Essa vegetação cobre todo o Estado, de Nevada. O governo se apossou das melhores terras, deixando as piores para os índios, e o restante para quem
tiver forças suficientes para explorá-las.
- Apesar de selvagem, é uma terra maravilhosa - falou Laura.
- Muitas pessoas não têm a mesma opinião - disse Rio num tom seco. - Olham para a vegetação rasteira e as montanhas nuas e não vêem a hora de sair de Nevada.
Talvez seja preciso nascer aqui para se apreciar a beleza do local.
- Minha mãe nasceu aqui e odiava isto tudo.
- Minha mãe também - admitiu Rio. - Talvez por ter sido criada numa reserva indígena. Não sei...
- Seu pai gostava daqui?
Rio fez um som que poderia ser o de uma risada, mas era alto demais para tal:
- Ele odiava esta terra até mais do que minha mãe. Ele nasceu no Norte, onde há florestas e lagos, mas odiava-os também. Mas, na verdade, o que ele mais
de testava era ser chamado de "índio", principalmente porque o pai dele era escocês. Meu pai nunca aceitou o fato de que o que existe é apenas o que as pessoas vêem,
e elas não o viam como branco.
Rio encolheu os ombros, sentindo-se oprimido pelas lembranças do passado. Havia um certo cinismo em seu tom de voz, que assustava Laura.
- Quando olho para você, vejo um bom homem, com algumas mágoas - disse ela.
Ele olhou para ela rapidamente. Ia começar a dizer alguma coisa, quando ouviu o som de patas de cavalos. Virando-se para ver o que era, viu Tufão que pulava
a cerca do pasto onde outro cavalo fazia a corte para duas das éguas de Laura. Quase todo preto, com as patas brancas, Tufão aproximou-se rapidamente dos outros
animais, movendo-se com graça e agilidade, fazendo com que Rio o segurasse pelo pescoço.
Ambos confiavam um no outro, pois Rio já havia liei com ele. Desde que viera trabalhar na Vale do Sol, diariamente conversava com ele, afagava-lhe e lhe dava
um pouco de sal grosso, muito apreciado por cavalos.
Tufão relinchou para Rio e ele sorriu:
- Você é um grande sentimental, não é verdade? - perguntou Rio.
Laura não gostou muito do que Rio dissera e imediatamente retrucou:
- Só até colocar uma sela sobre ele. Aí você verá quem é o grande Tufão.
- Quer dizer que ele gosta de galopar? Pois não parece - disse Rio surpreso.
- Depois que ele aceitar o cavaleiro então fica calmo como água. Mas não é qualquer um que consegue amansá-lo. Ele ainda precisa de muito treino.
- É. Mas você não tem tempo para ele - falou Rio, entendendo o que Laura queria dizer.
- Mesmo que tivesse mais tempo, não poderia me arriscar a ser atirada ao chão por ele. Imagine se eu quebro um braço ou uma perna. . . como poderei continuar
a cuidar do rebanho e da fazenda? Tufão terá que esperar pela chuva, depois sim, poderei domar esse diabinho.
Rio sorriu ao imaginar Laura sendo jogada ao chão. Não que ele achasse que ela fosse má amazona, já a havia observado cavalgar Fiel. Mas Tufão era grande, forte
e ainda tinha um temperamento bastante agressivo.
- Ele é bom para trabalhar no campo? - perguntou Rio.
- Ele nasceu nas colinas perto daqui e foi selvagem até os três anos de idade - explicou Laura.
- Fiel também. Ela correu livre pelas colinas até dois anos.
- Foi você quem a pegou?
- Sim, mas ela também me deu muito trabalho.
Rio então olhou as montanhas distantes e se lembrou:
- A mãe dela foi domada para ser cavalo de fazenda. Era uma bela égua com sangue árabe, incrivelmente forte e resistente. O pai também tinha boa linhagem.
- Como você a pegou? - perguntou Laura.
- Usando o método mais antigo que existe, inventado pelos índios há mais de cem anos, quando os cavalos nem eram tão conhecidos na América. Eu simplesmente
a montei.
Laura virou-se e fixou seus olhos em Rio. Já ouvira Lee lhe contar muitas histórias de homens que domavam cavalos selvagens usando apenas as mãos. Seguiam os
animais incessantemente até que os cavalos estivessem tão cansados que não mais pudessem andar. Era cruel para o animal, mas para o cavaleiro também.
- Não foi assim tão ruim - disse Rio adivinhando os pensamentos de Laura. - Eu a seguia e ia deixando pedaços de sal grosso no caminho de modo que ela confiasse
em mim até deixar montá-la. No dia que coloquei uma corda em seu pescoço, já éramos amigos e ela não me temia mais.
- Quanto tempo demorou até que ela confiasse em você?
- Dois meses. Três talvez, não sei. Eu não estava preocupado com o tempo. O campo é bom para isso...
- Isso o quê? Perder a noção do tempo? - perguntou Laura, sem entender bem o que ele queria dizer.
Os olhos azuis de Rio olhavam para o nada. De repente, notou novamente Tufão que cavalgava junto com as éguas.
- Posso montar Tufão hoje?
- Se você está querendo quebrar um braço, tudo bem - consentiu Laura com uma certa ironia.
- Vou tentar não cair.
Então Laura lembrou-se que Rio sempre trabalhara como domador de cavalos selvagens.
- Na verdade, gostaria muito que você o cavalgasse - disse Laura com franqueza. - Quanto mais você lidar com ele, mais fácil será para eu montá-lo depois.
Rio não perdeu tempo com mais conversas. Imediatamente colocou sua mochila no chão, dirigiu-se para Tufão, e antes que Laura pudesse mudar de ideia, ele já
o havia selado. Depois, segurando as rédeas fortemente, montou-o com decisão, apesar do protesto do animal.
Imediatamente Laura subiu na cerca temendo que Tufão viesse atrás dela. Contudo, Rio não permitiu que o animal a seguisse; ao contrário, manteve-se firme sobre
o cavalo, apesar de todas as tentativas de atirá-lo ao chão ou na cerca.
Sorrindo levemente, Laura observava o homem e o animal que se testavam mutuamente, ambos querendo demonstrar sua força e vigor. Tufão pulava incessantemente
como se quisesse deixar claro que não aceitaria seu novo cavaleiro com facilidade. Rio poderia ter usado as esporas, mas preferiu não fazê-lo.
Depois de algumas voltas pelo curral, Tufão acalmou-se.
- Um ponto para você - disse Laura.
- É, mas alguma coisa me diz que eu não posso me descuidar nem por um segundo - falou Rio.
- Não se preocupe, você já conseguiu.
- Já tive um cavalo como ele.
- E o que aconteceu com ele? - perguntou Laura com curiosidade.
- Eu o troquei por um cachorro e depois dei o cachorro. Afinal, ele era feio como o diabo! - disse Rio num tom de brincadeira.
Laura riu alto, não acreditando numa palavra do que ele dizia.
Com um suspiro, Rio afrouxou as rédeas, encostou as esporas levemente em Tufão, esperando para ver como o animal reagiria. Imediatamente o garanhão empinou
a cabeça, deu um grande pinote, exigindo de Rio toda a destreza e habilidade para manter-se na sela. Laura sabia que não seria nada fácil conseguir domar Tufão,
mas depois de alguns momentos de apreensão, percebeu que nem o cavalo nem o cavaleiro sairiam machucados. Descendo da cerca e já mais calma, simplesmente apreciou
a bela cena, homem e animal numa maravilhosa demonstração de força e poder.
De repente, Tufão relinchou e empinou a cabeça para trás, como se quisesse ver o rosto do homem que o havia montado sem cair no chão.
- Pronto? - perguntou Rio a Tufão.
A resposta do garanhão foi encostar o focinho na bota de Rio, esperando por novas ordens tão calmo quanto um carneirinho.
- Acho que você conseguiu. Não acredito que ele tente derrubá-lo novamente - disse Laura, demonstrando contentamento.
- Ainda bem! - murmurou Rio, sentindo os efeitos daquela cavalgada em todos os músculos do corpo. Depois, olhando para o delicado corpo de Laura, não entendeu
como ela conseguia montar aquele cavalo tão agressivo:
- Você deve ser uma exímia amazona!
- Pode ter certeza de que já levei muitos tombos - disse Laura, num tom pesaroso.
Meneando a cabeça, Rio observava a serenidade com que ela aceitava seus limites. Naquele instante, prometeu a si mesmo que jamais deixaria Laura montar Tufão
enquanto ele não estivesse absolutamente dócil. Temia que ela se machucasse.
- Você quer montar Fiel, ou prefere usar algumas de suas éguas?
- Vou montar Campeã. Ela é a favorita de Tufão e acho que ficará mais calmo se ela estiver por perto.
Rio olhou para o garanhão com uma certa desconfiança.
- Não se preocupe - disse Laura sorrindo. - Desde que você não tire a sela dele, nada acontecerá. Ele só volta a ser selvagem no instante em que lhe tiram a
sela.
- Quer dizer que este é o segredo! - exclamou Rio.
- Exatamente!
Laura então aproximou-se de Tufão, deixando escapar uma deliciosa gargalhada. Há muito que não se dava ao luxo de ter emoções além do trabalho árduo. Depois,
respirando longamente, olhou para Rio emocionada:
- Você tem sido bom para mim - disse ela ainda
com um sorriso nos lábios.
Por evitar que você quebre um braço ou uma perna? - perguntou ele, num tom sério.
- Não. Por me ensinar a rir novamente. Eu já tinha quase me esquecido de como é bom dar uma longa gargalhada.
Aquelas palavras mergulharam na mente de Rio como água em terra seca. Ainda comovido, ele tocou-lhe o rosto com as pontas dos dedos:
- É você que está me ensinando - disse ele, com voz segura, mas suave.
- Ensinando o quê?
- A ter lindos sonhos. Você não imagina como seus sonhos e seu riso têm me feito bem. . .
Depois, fechando os olhos, pensou em promessas que não deveriam ser feitas porque não poderiam ser cumpridas:
- Ah! Como eu gostaria que Deus me tivesse feito diferente.
- Não! - exclamou Laura, ainda tremendo pelo toque da mão de Rio. Depois continuou, sem disfarçar a emoção que sentia no momento:
- Eu não mudaria nada em você, do mesmo modo que não trocaria a Vale do Sol por nenhum outro lugar. Fui feita para viver aqui, Rio. . .
Laura teve que se conter para não dizer que havia sido feita para ele também. Mas nem precisou mencionar aquelas palavras: Rio pôde ouvi-las tão claramente
em tua mente, como se ele próprio as tivesse dito para si mesmo. E então, teve uma repentina sensação de medo.
Quando abriu os olhos novamente, Laura não estava mais lá: já havia se dirigido para o curral, de onde conduzia uma égua acinzentada usando apenas as delicadas
mãos. O animal era grande, forte, mas movia-se de maneira muito mansa e calma. Laura então fechou o portão do curral e dirigiu-se ao celeiro juntamente com a égua
Campeã, para lá pegar uma sela e uma manta.
Rio desmontou Tufão e foi ajudar Laura a escovar a égua. Depois, checou as ferraduras e as rédeas cuidadosamente e a selou. Fez tudo com muita habilidade já
que passara praticamente toda a vida lidando com cavalos.
Quando Campeã estava pronta, ele amarrou as duas mochilas na sela de Tufão, montando-o num único movimento.
- Como o último geólogo andava pela fazenda? - perguntou ele, fechando o portão do curral sem desmontar seu cavalo,
- De jipe - respondeu Laura, olhando de lado para Rio. O rosto dela estava sereno, e a voz, calma e controlada. Era como se ele não a tivesse tocado, como se
nada tivesse sido dito entre eles.
- Provavelmente ele deixou de examinar uma grande parte da fazenda - disse ele, seguindo Laura que dirigia Campeã para um atalho empoeirado.
- Ele tinha um monte de mapas da região.
- Mapas! Só servem para economizar trabalho, mas não são suficientes quando se procura água.
- Eu já esperava por isso - Laura falou suspirando. Depois continuou: - Aliás, eu nunca entendi como ele dizia que não havia nenhuma água artesiana na minha
fazenda, apenas olhando para aqueles mapas.
Rio puxou levemente as rédeas de Tufão, dirigindo-se para a mesma estradinha empoeirada por onde Laura já ia. Às vezes galopando, às vezes mais devagar, chegaram
a percorrer alguns quilómetros.
Então olhou para Laura:
- De acordo com meu mapa, a estrada termina daqui a três quilómetros. Existe algum atalho depois para se chegar até a divisa da fazenda?
- Seu mapa está errado! A estrada termina daqui a um quilómetro. Houve um desmoronamento que destruiu o restante - corrigiu Laura.
- Esse é o problema dos mapas. A terra está sempre mudando, mas os mapas continuam os mesmos.
- Há uma trilha que conduz até o Campo Pinon. Papai costumava caçar lá. Se não me engano, este lugar é bem perto da divisa. É difícil ter certeza sem uma boa
exploração do local.
- Às vezes é difícil mesmo com um relatório nas mãos. Muitos geólogos têm opiniões diferentes sobre o mesmo local. Além disso, uma grande parte da região ainda
não foi sequer colonizada. Pouco se sabe sobre o local.
Com a ausência de chuvas, a antiga trilha ainda estava bem visível. Havia marcas de pneus na poeira.
- Caçadores? - perguntou Rio, apontando as marcas.
- Não. Foi o geólogo. Ele quis vir até aqui para ter uma visão geral da fazenda.
- Bem, pelo menos ele tinha alguma ideia do que estava fazendo. E é isso que nós vamos fazer também.
A trilha seguia até a parte desmoronada, terminava, depois recomeçava mais à frente, indo até perto das montanhas. Rio conduzia Tufão com cuidado, procurando
alguma marca que indicasse que o geólogo já estivera por lá. Mas não havia nada. A estrada havia se tornado bastante íngreme e podia se avistar o deserto abaixo
e a cordilheira de Sierra Perdida mais à frente.
- Acho que esse foi o ponto mais longe onde ele chegou. Eu disse que o Campo Pinon proporcionava uma vista melhor, mas ele me disse que daqui já estava
bom - declarou Laura:
Ela olhou para as montanhas de Sierra Perdida, reparando que a divisa de seu rancho se estendia até o sopé da cordilheira, como um enorme cobertor. Havia um
deserto que separava Sierra Perdida da próxima cordilheira. Pequenos vales cobertos de grama e árvores não tão comuns cobriam as divisas da fazenda, havendo também
muita vegetação rasteira, espessa e luxuriante, dando até a impressão de uma floresta.
A rápida mudança na altitude das montanhas, as planícies e serras se alternando, formando verdadeiros tapetes multicoloridos, simplesmente fascinavam Laura.
Até onde a vista podia alcançar, viam-se montanhas após montanhas, enfileirando-se como uma corrente natural de beleza e esplendor.
- Quanto você sabe sobre a geologia desta região? - perguntou Rio pensativo.
- Muito pouco - admitiu Laura, apontando para a vista a sua frente.
Rio olhou para o horizonte distante e depois falou, ainda com o mesmo ar absorto:
- Você vive num lugar privilegiado, Laura. A superfície terrestre está sendo pressionada pelo subsolo, até que se parta. O mesmo acontece na África,
por exemplo, nos lugares onde a superfície se rompe, grandes lagos são formados.
Seus olhos continuavam a observar o local, de uma maneira que só ele sabia entender e seu tom de voz era o de um homem inteligente e que sabia muito do mundo
que o cercava.
- Hoje à noite vou te mostrar alguns mapas do que está acontecendo aqui. Outros lugares já passaram pelo mesmo processo de assentamento de camadas. É
muito interessante ver como o mar vai pressionando o terreno subterraneamente. É isso que forma esta cordilheira: a força interior do subsolo pressionando para cima.
Os olhos de Rio brilhavam quando ele olhou para Laura. Aquela voz hipnotizava-a e criava visões de água abundante em sua mente, como ela jamais imaginara. Ele
continuou a explicar-lhe o que acontecia com a Vale do Sol:
- É daí que vem o seu problema de ausência de água. Muitas montanhas ainda estão se formando por aqui. Elas bloqueiam as nuvens que vêm do oceano, deixando
muito pouca chuva escapar. Além disso, não há mais tanta umidade na atmosfera como havia há alguns anos. Estamos atravessando um ciclo de secas. Há uns cem anos,
havia água onde agora há essa vegetação rasteira, eram lagos grandes e profundos que inundavam as brechas naturais da superfície terrestre; consequentemente, havia
menos calor e menos evaporação de água. Os homens moravam ao redor dos lagos, vivendo de pesca e caça abundante, vendo vastos campos de flores silvestres.
Laura ouviu tudo em silêncio, fascinada pelas palavras daquele homem que parecia ter mil anos de idade. Era difícil entender como ele poderia saber tanto. E
então continuou a explicar; Quando a última era glacial terminou, as condições climáticas mudaram, e as grandes chuvas não mais caíram. Os grandes lagos
começaram a se evaporar e a diminuir cada vez mais. E assim, toda aquela imensidão de água desapareceu, ficando apenas alguns pequenos lagos que existem até hoje.
Rio observava a terra que agora se estendia a sua frente, e continuou num tom de voz suave, mas muito seguro:
- Hoje quase não há mais água aqui que corra para o mar. Os poucos rios correm para o deserto e desaparecem por lá, nas bacias existentes entre as montanhas.
E o vento sempre sopra por lá, como se soubesse dos segredos que há no subsolo.
Por um momento, Rio ficou calado. Laura ouviu tudo em silêncio, reparando no som do vento seco que uivava sobre a Vale do Sol. Ela queria fazer muitas perguntas,
mas tinha medo de cortar a fluidez do raciocínio de Rio. Ela queria ver o mundo com a mesma visão daquele homem fascinante: uma sequência de mudanças e renovações,
mares e montanhas, rios e nuvens, todos colaborando para o milagroso aparecimento da água.
Ele então recomeçou a falar:
- Há alguns casos raros onde os lagos se mantêm por mais tempo. A água se evapora, forma nuvens e a chuva fresca cai novamente. Mas isso só acontece
se a água do lago for salgada. Assim, não é toda água que se evapora, porque uma parte dela é absorvida pela
terra e armazenada entre as pedras, pedregulhos e grãos de areia, ficando lá por anos e anos, até que alguém a descubra. Ainda há bastante água no subsolo desta
região, Laura, mas teremos de trabalhar muito para achá-la.
Laura olhou para sua fazenda com esperanças renovadas. Rio havia lhe dado a possibilidade de um novo futuro, talvez até de sonhos realizados. Ele notou que
os olhos dela tinham uma luminosidade especial, refletindo toda a beleza do local que os cercava. Ela o ouvira como ninguém jamais fizera, não só com os ouvidos,
mas com toda sua alma. Naquele momento, a única coisa que ele queria era retirá-la daquela sela e deixá-la fluir sobre seu corpo como água fresca no deserto, unindo
seus corpos do mesmo modo que suas mentes haviam se unido na busca do mesmo objetivo.
Entretanto, sabia que não tinha o direito de desejá-la, e no momento seguinte puxou fortemente as rédeas de Tufão, dirigindo-se para o fim do atalho. Quando
Laura, montada em Campeã, moveu-se para ficar ao lado dele, Rio não teve coragem de olhá-la. Tinha medo de que ela pudesse ver o desejo que havia em seus olhos,
e medo de ver o mesmo desejo nos olhos de Laura. Se isto acontecesse, talvez ele não mais conseguisse se conter. Então, a tomaria nos braços másculos e a conheceria
tão profundamente como fazia com aquela terra. Depois, quando o vento soprasse, ele a abandonaria da mesma maneira que a água dos lagos se evaporam.
Rio cavalgava em silêncio, perguntando-se se as chuvas se maldiziam por ter deixado a terra seca e machucada.
CAPÍTULO VII
Eles cavalgaram em silêncio, até que Rio pôde observar as montanhas, as rochas e o céu, sem mais perturbar-se pelo desejo que tanto lhe atormentava o corpo
e a mente. Ele sabia como lidar com as necessidades passionais de seu corpo, mas o ardor que sua mente sentia por Laura era algo absolutamente novo para ele.
Depois de algum tempo ele explicou que uma grande parte da divisa da fazenda não mais correspondia ao mapa devido aos inúmeros desmoronamentos. Já conseguia
controlar-se novamente, e sua voz era clara como se nenhuma sensação houvesse passado por seu corpo sedento.
- Nenhuma porção de terra deve ser posta de lado quando se procura água artesiana. Quando foi feito o último mapeamento de sua fazenda? - perguntou ele.
- Em 1865, logo depois que Nevada se tornou Estado. Foi quando os bisavós de minha mãe decidiram saber a extensão exata das terras - disse Laura, sorrindo.
Rio suspirou e arrumou o chapéu na cabeça:
- Isso explica tudo. Algum de seus ancestrais imaginou que houvesse apenas vegetação rasteira por estes lados e não incluiu nenhuma parte da bacia subterrânea.
- Meu bisavô bem que tentou, mas só precisou construir uma barreira para diminuir o fluxo das correntes formadas pela água das chuvas. Naquela época,
não tínhamos necessidade de pesquisar água artesiana, então o governo ficou com a parte da bacia subterrânea e nós ficamos com a parte montanhosa. Além disso, ainda
poderíamos criar gado nas terras do governo e nunca nos preocupamos muito em colocar cerca para delimitar nossa propriedade.
Rio perguntou, interessado:
- Os poços naquela época eram muito fundos?
Laura encolheu os ombros sem muita certeza do que sabia:
- É difícil dizer. Você sabe, naquele tempo tudo era mais fácil e abundante. Mas com as secas, o nível da água foi diminuindo cada vez mais e chovendo
cada vez menos. Tenho a impressão que a cada ano que passa esta terra fica cada vez mais seca...
Rio percebeu que Laura estava angustiada e resolveu não fazer mais perguntas. Lado a lado eles cavalgaram em silêncio até atingir uma área não muito montanhosa
coberta por árvores típicas do local. Mais adiante, estava o Campo Pinon, e quando lá chegaram os cavalos suados demonstravam cansaço devido à longa caminhada íngreme
que haviam feito.
Finalmente, a trilha os conduziu a uma clareira onde os pinheiros cresciam em profusão. Aquele local sombreado contrastava bastante com a região acidentada
de Pinon. O ar era mais fresco lá e algumas aves repentinamente começaram a voar como que avisando outros animais de que havia intrusos no local.
Rio olhou ao redor com olhos de quem havia passado a maior parte de sua vida no Oeste selvagem. Depois, observando o local mais cuidadosamente, notou que aquela
clareira estava localizada num só bloco de terra, indicando que a superfície havia se rompido logo abaixo, no sopé daquela elevação recoberta por pinheiros.
Rio dirigiu-se à frente da elevação, onde as montanhas se tornavam repentinamente altas e íngremes. A rocha que formava aquelas montanhas dizia muito a quem
soubesse decifrá-las. E Rio sabia.
- O que você está procurando? - perguntou Laura.
- Sinais de que estas rochas possam ter absorvido água no passado.
Laura olhou para ele e para a montanha, sem saber muito bem o que pensar.
- É difícil acreditar,, mas alguns tipos de rochas são verdadeiras esponjas, podendo absorver enormes quantidades de água.
Em seguida, ele pegou seu mapa e um lápis e continuou a explicar o que pensava:
- Muitos de seus poços foram perfurados em locais com este tipo de rocha, fazendo com que a água fosse se aprofundando cada vez mais. É por isso que
muitas pessoas acham que esta região é estéril, mas na verdade é uma das mais ricas e raras do planeta.
Laura percebeu a emoção que havia no tom de voz de Rio e sentiu-se ainda mais atraída por ele. Ela também amava aquela terra agreste, cujas riquezas não estavam
facilmente à mão. Laura, assim como seu pai, sabia que aquela fazenda daria muita coisa a quem soubesse entendê-la.
Ela se perguntava quem Rio realmente seria, e como alguém com tantos conhecimentos poderia andar vagueando pelo Oeste, como o vento fazia, deixando símbolos
enigmáticos por onde passava. O que o forçava a viver como o vento? Haveria alguma coisa que faria mudar e estabelecer-se num lugar? No fundo de seu coração, Laura
sabia que nada poderia segurar o Irmão do Vento, nem mesmo os sonhos de uma mulher. Rio continuava sua dissertação sobre a região e suas características:
- Na realidade, o que precisamos encontrar é uma camada de rochas que não tenha deixado a água passar.
- E como acharemos essa camada se ela está localizada entre rochas de diferentes características?
Rio gostou da pergunta de Laura. Ela entendia tudo o que ele dizia, ao contrário de tantos outros para quem ele já havia explicado as mesmas coisas. Rio sabia
que Laura podia compreender aquela terra como poucos. Mas será que, da mesma maneira, ela conseguiria compreender o desejo que ele sentia por ela? Virando-se para
ela, Rio tentou responder-lhe a pergunta, apesar de estar com a mente voltada para ela e não mais para as rochas e montanhas:
- Se as outras camadas forem estreitas, não haverá problemas, mas se no entanto elas se estenderem, a água da chuva será mais facilmente absorvida e
formará pequenos regatos entre as montanhas.
Por um momento Rio ficou em silêncio. Depois, desmontou de Tufão e tirou uma pequena caixa preta de sua mochila. Ao abri-la, Laura notou um espelho de um lado,
e o que parecia ser uma bússola do outro. Depois, inclinando a caixa em direção a um pedaço de rocha, Rio anotava alguma coisa em seu mapa. O mesmo processo foi
repetido com vários tipos de rochas. Vendo que Laura o olhava com curiosidade, ele lhe explicou o que fazia:
-- Este é um tipo especial de bússola que mede a inclinação de uma camada geológica.
- E o que você descobriu?
- Que há uma inclinação razoável, mas não suficiente para absorver muita água. Desse modo, imagino que há uma corrente subterrânea iniciando-se aqui e continuando
até alcançar sua fazenda, sem nenhuma zona bloqueando o curso da corrente.
- E se houver alguma zona de bloqueio?
Rio montou Tufão novamente e respondeu:
- Às vezes a água se acumula nestas zonas. Outras vezes há tantas barreiras que é impossível descobrir por onde a água corre.
- Você acha que existe alguma barreira absorvendo a água da minha fazenda? - perguntou Laura, demonstrando preocupação.
- Parece que sim, mas esta análise que acabei de fazer não é muito significativa. É uma zona de transição entre a fazenda de Turner e a sua. As montanhas localizadas
na fazenda dele não absorvem água de modo algum. Toda ela forma, correntes ou ajunta-se na superfície formando lagos.
- Então é por isso que ele tem tanta água? Ela não se aprofunda pela terra, simplesmente fica se acumulando na última camada de rocha, apenas esperando que alguém
a tire de lá - concluiu Laura.
- De um certo modo, sim, mas cedo ou tarde a água será usada totalmente e tudo ficará seco.
- Mas então as montanhas localizadas na minha fazenda são diferentes?
- As que estão localizadas ao Norte daqui, sim. E as planícies também. Nelas você pode perfurar até cinquenta metros que só encontrará cascalho seco.
Laura olhou para o horizonte e suspirou com pesar ao pensar que poderia perfurar tão profundamente e não encontrar nem uma gota de água. Acabaria com seu dinheiro
e com seus sonhos também. Rio percebeu que ela estava assustada e se amaldiçoou por ter sido tão realista:
- Desculpe, mas foi para isso que você me contratou. Não pretendo de modo algum desperdiçar seu dinheiro e perfurar onde não haja a menor possibilidade
de encontrar água - disse ele, tocando o rosto delicado com as pontas dos dedos.
Aquelas palavras e aquele toque dissiparam-lhe o medo completamente. Então colocou a mão sobre os dedos morenos, num gesto de renovada confiança:
- Sei disso. Acredito em você.
E isso era a pura verdade. Jamais confiara em alguém como nele. Jamais depositara os seus sonhos nas mãos de alguém, como fizera com ele, e, da mesma forma,
jamais pensara que alguém poderia lhe dar algo, numa troca de confiança e amor.
Com Rio, entretanto, essa troca parecia possível. A cada dia ele a fascinava cada vez mais, com suas palavras, seu modo de ser, seu toque gentil. Laura imaginava
quando ele romperia as rochas que existiam nela, para descobrir a maravilhosa água do amor.
Na realidade, aquele pensamento aterrorizava-a, ainda mais.
- Há outros blocos de rocha como esse ao Sul do rancho? - perguntou Rio, conduzindo Tufão de volta ao Campo Pinon.
Por um momento, imersa em seus pensamentos, Laura não respondeu. Em seguida, ainda sentindo-se em conflito com seus medos, Laura olhou-o e respondeu:
- Não. Campo Pinon é um marco na Vale do Sol, exatamente por ser único e diferente.
- Há algum penhasco, vale, ravina, algum lugar onde eu possa fazer análise de rochas?
Laura tentou se lembrar de lugares onde tais rochas pudessem ser encontradas, qualquer marco que pudesse ser significativo.
- Do lado de lá. Vê aquela clareira depois da casa da fazenda? - perguntou ela.
- Sim.
- Logo em frente, escondida atrás da montanha, existe uma antiga estrada. Há cerca de cem anos, havia um local de mineração lá perto. Ouro ou prata, não me lembro
muito bem. E mais à frente, perto do Canyon do Vento, havia uma outra mina. Ambas foram desativadas há muito tempo, mas parte da estrada ainda existe. O canyon é
bastante profundo e a terra é diferente lá, se despedaça facilmente e nem a vegetação rasteira consegue crescer bem naquele local.
- Perfeito. Pelo que você disse, deve ser um ótimo lugar para se analisar.
- Bem, se você acha... mas lembro-me que aquela estrada era assustadora. ..
- Você não precisa vir comigo. Aliás, vai ser um trabalho bastante cansativo.
Ela olhou para ele e sorriu, sabendo que o acompanharia a qualquer lugar.
- Há alguns outros locais, até se chegar lá, onde não existe nenhuma rocha - disse Laura, querendo dar todos os detalhes possíveis sobre a Vale do Sol.
- Vamos examiná-las também. Há algum sinal de água nestes lugares? Por exemplo, grama sempre verde, vegetação mais alta ou qualquer coisa parecida?
- Bem, há um outro canyon chamado o Canyon do Estribo, e há também a bacia de Silver Rock na parte mais baixa da fazenda.
Rio então abriu seu mapa novamente, e olhou-o insistentemente:
- Há alguma coisa especial na bacia de Silver
Rock?
-- Sim, lembro-me que há uma grande área de vegetação diferente. Minha família a chamava de Bota do Caçador, pois tem o formato de uma bota.
Rio sorriu ao ouvir o nome, e pediu que ela marcasse com um lápis, no mapa, o local onde se localizava aquela área. Laura tentou, mas ao olhar o mapa perdeu
a localização. A quantidade de dados marcados em todos os lugares do papel era impressionante, e, por aquilo, ela deduziu que Rio já vinha estudando o solo da Vale
do Sol há muito tempo. Havia símbolos, notas enigmáticas, e todas as margens estavam anotadas. Laura sentiu-se atordoada.
- Não consegue localizar-se? - perguntou ele, observando a reação de Laura.
- Não. . . mas não é só pelo mapa. É você. . . Nada parece fazer sentido. Você é um domador de cavalos, mas possui altos conhecimentos geológicos. Você trabalha
para mim há duas semanas, mas o mapa da região onde se localiza a fazenda tem anotações anteriores a este período...
De repente ela parou de falar e ficou pensando que afinal ela não sabia quem era Rio. Apenas um nome, que não era indígena nem inglês. Ninguém sabia de onde
ele vinha nem para onde ia, e, apesar de tudo, Lee confiava nele como num filho. As pessoas diziam que ele era mau, mas havia sido tão educado e gentil para com
ela que a única coisa que queria era abraçá-lo e jamais deixá-lo partir.
Laura não teve chance de dizer o que pensava, pois Rio já começara a falar:
- Já ouvi falar sobre você por todo o Oeste. Um barqueiro em Idaho uma vez me disse que havia uma mulher em Nevada, num lugar chamado Vale do Sol, que
precisava de ajuda. Em Utah, um fazendeiro me disse que o irmão dele ouviu dizer que uma mulher chamada Laura precisava muito de água, mas ninguém conseguia perfurar
um poço para ela. Uma vez encontrei água para um criador de bois e ele me disse que vendera o melhor gado Angus que tinha para uma mulher com lindos olhos e muito
esforçada, e que ela perderia todo seu rancho se não chovesse logo.
Laura ouviu tudo com um grande aperto na garganta, não conseguindo controlar as lágrimas. O fato de saber que outras pessoas se preocupavam com ela e queriam
ajudá-la, emocionava-a profundamente. Ela não queria chorar, mas os sentimentos que a dominavam eram fortes demais. Rio então continuou a falar:
- Depois de tanto ouvir o vento murmurar seu nome, seus sonhos, resolvi voltar para Nevada. Quanto mais eu me aproximava da Vale do Sol, mais ouvia
as pessoas falarem sobre você. Sempre que trabalhava para alguém, diziam-me que você precisava de ajuda. Todos diziam a mesma coisa: "Ela é uma boa mulher, Rio.
Ajuda-a a encontrar água do mesmo modo como você nos ajudou".
O azul dos olhos de Rio era tão intenso como cristal brilhando ao sol. Laura olhou-o com a mesma intensidade, sentindo que aquelas palavras a penetravam, quebrando
a barreira invisível que ela construíra ao seu redor. Ele ainda tinha muito o que dizer:
- Eu não sabia se podia ajudá-la e só a procurei quando tive certeza de que podia fazer algo por você. Já encontrei água em lugares terrivelmente secos,
mas em outros, não havia água nenhuma para ser encontrada. Eu não sabia se a Vale do Sol era um desses lugares. Então estudei muitos mapas da região, conversei com
peritos da universidade e até com indígenas da reserva. Em seguida, um piloto fez vários voos comigo sobre sua fazenda, enquanto eu fotografava cada palmo da Vale
do Sol. Aqueles voos me ajudaram a economizar muito tempo.
As lágrimas que lhe caíam pelo rosto impediram que Laura o olhasse com clareza, mas mesmo assim ela conseguiu perguntar:
- Por que, Rio? Por que tanto trabalho por alguém que você nem conhecia?
Nunca alguém havia feito aquela pergunta para Rio. Normalmente as pessoas ficavam felizes por aceitar o que ele oferecia e jamais perguntavam por que ele queria
ajudar. Mas Rio já havia se feito aquela pergunta muitas vezes, sem contudo saber a resposta. Ele simplesmente ajudava alguém apenas em troca de casa e comida, e
depois partia. Só que ninguém o conhecia realmente: ele era um enigma indecifrável para todos, e para ele também. Vivia ajudando outros a realizar seus sonhos, e
perguntava-se sempre quando realizaria seus próprios sonhos e criaria raízes em algum lugar, ao lado de alguém.
Até aquele momento, nenhum sonho o seduzira tanto como o vento soprando sobre a face da terra. Ele nem acreditava mais que algum dia pudesse sonhar.
- Admiro as pessoas que são fortes o suficiente para sonhar, como você - disse ele, acariciando-lhe o rosto delicado, e sentindo nos dedos o calor das lágrimas
de Laura.
- Você é forte, Rio. Quais são seus sonhos? - murmurou ela suavemente.
- Eu não tenho sonho algum. Parei de sonhar no dia em que descobri o que significava ser mestiço.
Laura abanou a cabeça lentamente, como se quisesse negar a dor que Rio sentia, e a sua própria dor ao perceber que estava se apaixonando por um homem que não
tinha sonhos. Ela fechou os olhos e tentou parar de chorar. Então, lentamente, ele inclinou-se sobre ela e encostou os lábios nos olhos dela, sentindo a quentura
e o sal das lágrimas que ainda caíam. Ele queria senti-la mais, muito mais, percebendo que ela o atraía de uma maneira forte, até mais do que o vento.
- Não chore, Laura, está tudo bem - murmurou ele, beijando-a suavemente, desejando terrivelmente que todos os sonhos se concretizassem num futuro rico e feliz.
Ele queria parar de tocá-la, lembrar-se de que não deveria jamais tocá-la, pois ele era o homem errado para ela. Para ele, aquela era uma verdade inegável. Lentamente,
então, Rio endireitou-se na sela, não mais a tocando.
- Eu vou ajudá-la a achar seu poço e seu sonho - disse ele.
- Mas. . . e você? E depois? - perguntou ela, abrindo os olhos para evitar que as lágrimas caíssem.
- Sonharei com você por enquanto, depois, quando o vento soprar, partirei com ele.
Laura desviou seu olhar de Rio. Pór um momento, derrubando todas as barreiras que há muito a protegiam, ela teve ímpetos de gritar para que ele ficasse. Depois,
ainda chorando, teve a certeza de que ele havia tocado em seu coração profundamente. Sabia que amaria aquele homem sem sonhos, mesmo se ele não encontrasse água
na Vale do Sol.
- Quero sonhar por você, Rio. Sonharei com você até que possa ter seus próprios sonhos - prometeu ela, num ténue fio de voz.
Laura enxugou os olhos com o próprio braço. Em seguida, já mais calma, começou a decifrar o intrincado mapa de Rio, até que pudesse localizar-se nele. Depois,
com muita segurança, começou a assinalar os lugares principais de sua fazenda.
Rio olhava-a em silêncio. Queria explicar-lhe o que significavam tantas marcas no mapa, mas depois do que a ouvira dizer, sabia que caso se aproximasse dela
novamente, seria para tocá-la com todo o ardor. Algumas vezes, quando ele partia, havia alguma mulher que gritava para que ele ficasse, mas Laura tinha sido diferente.
Ela fora a primeira mulher a entendê-lo profundamente, e a primeira também a chorar por ele não ter sonho algum.
- Colocarei os outros nomes à noite - disse Laura dobrando o mapa. - A Bota do Caçador é bem perto daqui. Aquela elevação natural é inacreditável. Não
existe nada parecido na Vale do Sol.
Laura falava sem olhar para Rio. Não confiava mais em si mesma. Sabia que se visse aquele desejo novamente nos olhos de Rio, não conseguiria mais controlar
as lágrimas e nem a si própria. Então, com um movimento rápido nas rédeas, conduziu Campeã à trilha que levava até a Bota do Caçador.
Mantendo Tufão parado, Rio ficou olhando Laura desaparecer na curva que contornava a montanha. Jamais se sentira tão sozinho como naquele instante, com as
doces palavras de Laura ecoando em sua mente: "Sonharei por você até que tenha seus próprios sonhos. Sonharei por você. Sonharei. Por você".
- Não, Laura - disse ele para si mesmo. - Não desperdice seus sonhos comigo. Eu já esqueci como se sonha, não sonhe por mim.,
Entretanto, aquela promessa de Laura continuava a ressoar em sua mente, fazendo-o tremer de emoção. Mesmo que ela dissesse que o amava, nada poderia tê-lo
atingido tão profunda e fortemente como aquele promessa.
Só então percebeu que aquilo era tudo o que ela havia dito. Com a cabeça abaixada, ele olhava para seus dedos que seguravam as rédeas. Tufão se mexeu, indicando
que queria seguir Campeã. Depois de um longo momento, ele finalmente afroxou as rédeas, permitindo que Tufão seguisse pela trilha tortuosa. O grito agudo de um falcão
foi ouvido ao longe, um grito trazido pelo vento.
CAPÍTULO VIII
Lee não sabia o que fazer, preocupado com a comemoração do dia de Ação de Graças:
- Tem certeza de que quer que eu vá? Não estou disposto a viajar até Salt Lake City só para comer um peru recheado. Também há perus muito gostosos aqui em Nevada
- falou ele, franzindo a testa.
- Lee, vá visitar sua cunhada. Não ficarei sozinha, e mesmo se ficasse não seria tão ruim assim.
- Não sei, não. Laura. Rio fica fora a maior parte do tempo e você vai acabar se sentindo sozinha.
- Lee, se você não for, juro que vou selar Campeã, cavalgar até Campo Pinon e só vou voltar depois do dia de Ação de Graças.
- Não acredito - respondeu ele com alguma ansiedade.
- Pois pode acreditar que farei mesmo - disse ela com firmeza.
Lee suspirou. Sabia que não tinha outra alternativa. Arrumou uma mala e dirigiu-se até a caminhonete, sendo seguido por Laura:
- Não me sinto bem em deixá-la e ainda ir com a caminhonete.
- Rio me autorizou a usar o jipe se eu precisar ir à cidade. Não vai haver nenhum problema - falou Laura, para despreocupar Lee.
- Também não precisa me mandar embora desse jeito. Sei que não sou querido - disse ele, abrindo a porta da caminhonete e atirando a mala dentro.
Ia revidar quando percebeu que Lee estava apenas brincando. Resolveu então agir do mesmo modo:
- É isso mesmo. Vá logo porque eu não gosto de você - declarou, abraçando-o afetuosamente. Ele a segurou longamente nos braços antes de entrar no carro. O vento
soprava e desalinhava os cabelos de Laura, e então Lee lhe afagou a cabeça com carinho.
- Estarei de volta no fim do mês, antes que Rio encontre um bom lugar para perfurar. Mantenha o rifle sempre junto à você. Com essa chuva que caiu, as cobras estão
todas saindo por aí...
Laura ficou calada, sabendo que ele se referia a Turner. Entretanto, além de alguns poucos telefonemas, ele não a incomodara mais. Talvez tivesse finalmente
aceitado um "não" como resposta.
- Cuide-se bem, Lee - disse ela, acenando com a mão.
- Você também, querida, não se sinta sozinha.
- Não precisa se preocupar - respondeu ela, sorrindo.
Apesar de estar sorrindo, havia um certo ar de tristeza em Laura. Mesmo com Rio por perto, ela se sentia solitária e aquilo era algo novo para ela. Antes da
chegada de Rio, vivia sozinha mas não se sentia solitária. Depois, com a vinda dele, tudo mudara. Apesar de todos os esforços para não se envolver emocionalmente
o que ela mais desejava agora era falar com ele, estar com ele, e até mesmo tocá-lo. Entretanto não podia. Ele parecia chuva de verão, que rápido chega e rápido
se vai. E ela era como a terra, imóvel, e sabia que a chuva, assim como o vento, nunca ficam para sempre.
O vento às vezes até pode voltar. E Rio voltaria também, de tempos em tempos, mas apenas para pegar alguma de suas éguas. Laura não podia evitar, mas imaginava
quantas mulheres no Oeste ficavam ansiosas e saudosas, esperando que ele voltasse. Mas ela não queria ser mais uma delas.
Contudo, ela já sentia saudades dele, mesmo sem Rio tê-la tocado.
Laura estava triste e ao mesmo tempo grata por ele tê-la deixado sozinha desde o dia em que estiveram em Campo Pinon. Conversava com ela, é verdade, mas apenas
sobre assuntos referentes à fazenda. Na sua voz não havia mais emoção, nem desejo em seus olhos. Ele não mais a tocara desde aquele dia. Nem uma única vez, mesmo
que fosse de uma maneira casual.
Lee estava certo. Rio tinha muito respeito por ela e por si mesmo para começar algo que depois terminaria abruptamente.
Às vezes Laura não sabia se ria ou se chorava pela peça que o destino lhe pregara. Sempre ouviu seus pais discutirem por não saber se ficavam definitivamente
na fazenda, ou se a vendiam. Ela sempre achou que se eles se amassem, tudo seria resolvido porque o amor era a única coisa que importava. Depois, viu seus pais se
separarem apesar de se amarem muito. Ela jurou, então, que jamais amaria um homem, porque o preço era alto demais, e a dor da separação interminável. Ainda podia
se lembrar das cartas de seus pais e de como o amor poderia machucar.
"Eu te amo, Debbie. Volte para mim. Preciso de você. Sinto desesperadamente sua falta no fim do dia, quando tudo parece incompleto e vazio."
E a resposta de sua mãe, sempre a mesma:
"Venda a fazenda. Não posso vê-lo destruir-se por essa maldita terra. Nada vale esse sacrifício. Eu te amo muito, Wayne, te amo demais".
No final, a Vale do Sol matara o pai de Laura, como a mãe previra. E matara a mãe dela também. Após a morte do homem que ela tanto amara, não chegara a viver
mais de um ano. E apesar de todos os dissabores, eles haviam se amado apaixonadamente, mas também amarga e cruelmente.
A Vale do Sol fora mais forte que o amor entre eles.
Laura aprendera que o amor tinha limitações. Ela vira os pais e a irmã serem destruídos em nome dele, e não acreditava que alguém pudesse mudar por amar alguém;
afinal, os pais não conseguiram ser felizes, mesmo se amando com paixão.
Laura não era tola. Sabia que estava se apaixonando por Rio e também que aquele fato não mudaria nada em suas vidas. Rio a deixaria de qualquer maneira, do
mesmo modo que o vento. Ela havia criado raízes na Vale do Sol, e, mesmo que conseguisse rompê-las, tudo seria o mesmo. Rio era o que era e vivia da maneira como
tinha escolhido, nada o mudaria também.
E ela amava o que ele era, apesar de sofrer por ele.
Laura cruzou os braços, sentindo-se vulnerável e sozinha num novo mundo. Talvez tenha acontecido o mesmo à mãe, quando percebeu que teria de abandonar o homem
que amava. E o pai, como reagiu ao saber que a mulher que tanto amava o abandonaria? O amor que sentiam um pelo outro jamais os conciliou, derrotando-os até a morte.
- Laura? Algum problema? Lee está doente?
A voz de Rio demonstrava preocupação. Laura olhou para ele e viu um semblante abatido. Sabia que Rio se preocupava com ela e que a estava protegendo da única
maneira possível: deixando-a sozinha. Ele também estava perturbado. Rio fazia tudo para que ela não sentisse sua falta. Laura tinha uma fazenda seca, e Rio sabia
localizar água. Isso era tudo que poderia haver entre eles.
- Laura? O que é? Há alguma coisa que eu possa fazer? Há quanto tempo você está parada aqui?
- Lee está bem. Foi para Salt Lake City - disse ela com voz calma, depois de ter a certeza de que jamais amaria um homem como amava Rio. Não havia lugar para rancor
no coração dela, porque aceitava os fatos como eram.
- Como foi o trabalho hoje? Encontrou algum lugar bom para perfurarmos?
- Diga-me qual é o problema? - exigiu ele.
- Nada pode ser mudado - falou, entendendo as limitações de ambos. Se fosse diferente, Rio não se sentiria fascinado por ela nem ela por ele.
- Eu não mudaria nada, mesmo se pudesse, e você. . . bem. . . você é Rio. Não mudaria nada, mesmo que isso significasse um grande lago na Vale do Sol.
O sorriso triste de Laura fez com que Rio se sentisse ainda pior:
- Laura, eu não queria que isso acontecesse - disse ele, tocando-lhe o rosto com as pontas dos dedos, para imediatamente fechar a mão num punho cerrado.
- Estou indo para a cidade. Parte do meu equipamento acabou de chegar. Não me espere para o jantar, porque dormirei por lá esta noite.
Ela acenou com a cabeça, concordando. Ventava e os cabelos de Laura esvoaçavam como se alguém os estivesse acariciando. Ao entrar na cozinha e fechar a porta
atrás de si, de repente ela percebeu que estava sozinha e que mesmo que estivesse com Rio, não poderia lhe contar o que acabara de descobrir.
"Eu te amo, Rio, e desejaria muito que você também me amasse, mas isso não importa. Mesmo que você me amasse, ainda assim você teria que partir. Eu te entendo
Rio. Sei que você vai se odiar por me magoar, mas eu já estou magoada. Que droga!"
O vento parou, e permitiu que Laura ouvisse Rio partir em seu jipe. Sentia-se cansada apesar de ser oito horas da manha. Sentou-se à escrivaninha. A primeira
coisa que lhe chamou a atenção foi um bilhete que ela havia escrito para si mesma a um ano atrás: "Segunda prestação da hipoteca em 15/01".
Por um momento ela olhou para o bilhete sem se preocupar. Havia separado o dinheiro para o pagamento, e a venda de metade do gado, apesar de dolorosa, havia
lhe dado dinheiro suficiente para a perfuração do poço, sem precisar mexer no dinheiro reservado para a hipoteca. Suspirou e começou a examinar o livro de contabilidade
da fazenda.
Depois de algumas horas, lembrou-se de que tinha de buscar água. Então, saiu de casa imediatamente e dirigiu-se para o poço de Turner. Chegando lá, notou que
não havia nem sinal dele. Desde o dia em que tentara abusar dela, nunca mais o vira. Lutando contra o vento forte, Laura desceu do caminhão e desenrolou a mangueira.
O trabalho agora já não era tão difícil quanto antes, pois Rio havia substituído a velha rosca por uma nova, e Lee arrumara o gerador e fizera com que ele pegasse
mais facilmente. Rio fazia boa parte do trabalho árduo, agora, aliviando-lhe bastante do cansaço.
Ao voltar para a fazenda, Laura avistou suas cabeças de gado. Ultimamente havia chovido o suficiente para que a pastagem renascesse. Contudo, se o pasto secasse
novamente, Laura teria que transportar ração novamente, ou vender mais cabeças de gado.
Após uma segunda viagem à fazenda de Turner, deu-se ao luxo de tomar um delicioso banho na banheira, e, depois dele, sentiu-se mais forte e segura de si. Enxugou-se
com movimentos leves e suaves, passou um creme perfumado por todo o corpo e dirigiu-se a seu quarto para se vestir. Cansada de tanto usar a velha calça de brim desbotado,
camisa- de trabalho e botas, queria colocar algo macio que lhe acariciasse a pele e a fizesse sentir-se verdadeiramente mulher.
E por que não? Lee não estava lá para dizer-lhe que ela só trabalhava e jamais se divertia. E Rio também saíra, de modo que não poderia pensar que ela estava
querendo seduzi-lo com roupas femininas e o corpo perfumado. Esta noite ela seria uma mulher, sozinha e solitária, mas uma mulher bonita e sensual.
Laura colocou delicados toques de maquilagem que ressaltaram o brilho dos olhos e o veludo dos lábios. Depois, tirou do armário um cáftan de finíssima seda
francesa, num tom verde que fazia um belíssimo contraste com os olhos cor de mel. Em seguida, prendeu o cabelo de um modo sofisticado e colocou um par de brincos
de ouro que pertencera à sua avó. Sandálias de salto alto acentuavam a beleza das pernas longas e torneadas que apareciam pelas aberturas laterais do cáftan. Aquele
modelo era um dos mais belos que usara quando trabalhava como modelo e havia lhe custado uma pequena fortuna. Contudo, ela jamais se arrependera, pois sempre que
o usava, melhorava seu estado de espírito.
Laura se olhou no espelho e viu alguém que era quase uma estranha para ela, uma mulher bonita e elegante, que poderia estar vivendo em qualquer lugar com conforto,
mas escolhera a Vale do Sol para construir seu lar.
- Espero que meu jantar fique bom, afinal, estou vestida para uma verdadeira ceia - disse ela para si mesma, ainda olhando-se no espelho.
Sentia-se bem melhor agora. Desceu as escadas, e foi para a cozinha. Era uma loucura cozinhar com aquela roupa, mas estava um tanto ousada naquela noite. Depois
de abrir uma garrafa de vinho que reservara para quando Rio achasse o local ideal para o poço, colocou um pouco num copo de cristal, sentindo o delicado buque da
bebida. Decidiu que aproveitaria ao máximo o prazer daquele momento.
Ventava bastante quando Laura tirou uma galinha do refrigerador, desossando-a com uma faca que Rio havia afiado para ela. Em seguida, lavou as mãos e tomou
um pouco de vinho. Foi naquele instante que ouviu o som de um carro parando em frente à sua casa.
"É Rio. Ele deve ter decidido voltar mais cedo", pensou ela.
Então ouviu a porta do carro bater, o ruído de botas entrando na varanda e a porta da frente sendo aberta. Segurou a respiração, sentia falta de Rio, só que
em vez dele, ela viu John Turner. Ele saía da sala de estar e dirigia-se à cozinha como se fosse o dono da casa e de tudo que havia nela.
A primeira reação de Laura foi de decepção, mas, depois, sentiu uma profunda raiva:
- Você sabia que pessoas educadas batem à porta e esperam ser atendidas? - perguntou friamente.
Ventava tão forte lá fora que a casa chegava a tremer, nenhum som de dentro podia ser ouvido lá fora.
- É esta a maneira de receber seu noivo? Quem você estava esperando? - perguntou ele, sem disfarçar um sorriso sarcástico.
- Ninguém - respondeu ela.
- Está pensando que sou bobo? Nenhuma mulher se veste assim se não for para esperar um homem.
- Isso não é dá sua conta - respondeu ela, abrindo a geladeira e retirando presunto e queijo. Ignorando Turner deliberadamente, cortou fatias do presunto e do
queijo enquanto ele observava cada movimento seu.
- É Rio. Eles estavam certos. Ele já conseguiu o que queria - disse Turner um tom de voz ameaçador.
Os dedos de Laura se apertaram ao redor do cabo da faca. Com muita raiva e algum medo, cortou pedaços do peito de frango. O único som que se podia ouvir, era
do vento uivando lá fora, até que ela resolveu falar:
- Não me interessa o que você pensa, na minha casa mando eu.
Turner ouviu o que ela dizia e percebeu que ela estava louca de raiva.
- Eu avisei que, se você empregasse Rio, as pessoas iriam comentar.
Laura tentava demonstrar naturalidade, mas sem Lee e Rio por perto, e com aquele homem dentro de sua casa, ela estava realmente apavorada.
- As pessoas comentam sobre qualquer coisa.
- Mas não sobre minha futura esposa - disse ele abruptamente.
Laura queria gritar, amaldiçoar Turner, mas estava assustada. No entanto, sabia que se demonstrasse fraqueza, no instante seguinte ele estaria sobre ela, arras-tando-a
no chão duro.
- O que faz você ter tanta certeza de que vou me casar com você? - perguntou ela, com curiosidade.
- O fato de eu ser o único homem que terei você. Tenho certeza disso, boneca - disse ele com satisfação, sorrindo maliciosamente. Depois, continuou: - Qualquer
homem que me conheça sabe que se alguém chegar perto de você, vou mandá-lo para o chão com minhas próprias mãos. Com fome, boneca? Eu estou com uma fome dos diabos.
Ela queria dizer que Rio não tinha medo dele, mas achou melhor ficar calada. Sabia que se o irritasse, as coisas poderiam piorar de uma vez.
- Eu sei que quando você voltou para a Vale do Sol, ainda estava louca da vida comigo por causa daquela nota de cem dólares e nem queria me ver. Tudo
bem. Enquanto isso, eu tive muitas mulheres e muito tempo para esperar que você mudasse. As outras mulheres acabaram me enjoando, mas, com você na cama, sei que
nunca me aborrecerei - disse ele, gargalhando freneticamente.
O ar de repulsa que Laura fez não passou despercebido de Turner. No entanto ele sorriu, procurando demonstrar que não se incomodava com aquela rea-ção:
- Você gosta de se imaginar na cama comigo, não é, boneca? Vem cá, vem. Eu tenho algo especial para você.
- Não!
- Hei! Não precisa se preocupar. Minhas intenções são as melhores possíveis. Não tocarei em você até que estejamos casados, se é assim que você quer.
- É! É assim que eu quero! - disse Laura de modo raivoso.
- Então vamos, nenê. Há um homem na cidade que pode nos casar agora mesmo e...
- Não!
- O que você quer dizer com não? - ele falou exasperado.
- Exatamente o que você ouviu: não. N-Ã-O. Será que ainda não entendeu? Você só me quer porque não me pode ter. Você mesmo disse que as mulheres te cansam. Vai
se cansar de mim também - explicou-se, tentando não demonstrar o medo que lhe invadia o corpo.
- Não, não vou não. Você é a única mulher que teve a coragem de dizer não para mim, e isso me deixou louco por você. Vamos, vamos logo para a cidade - disse Turner,
mostrando que estava ficando impaciente.
- Não!
Então ele a ameaçou com a mão fechada:
- Escute aqui! Já estou ficando cheio de tanto ouvir você dizer "não". A brincadeira acabou! Rio não está aqui e há muitas mulheres atrás dele. Eu sei
que ele está querendo você e por isso decidi vir aqui dar uma surra naquele vagabundo de uma figa. Eu sei que ele está na cidade, mas não tem importância, depois
eu o pego de jeito! Mas você está aqui agora, nenê, e eu vou te torcer se você não parar de me dizer "não". Entendeu, boneca?
Turner estava vermelho de ódio e tinha o punho levantado, pronto para bater em Laura. Por um momento, ela pensou no rifle que estava no caminhão, mas como
poderia imaginar que seria atacada por uma cobra na sua própria cozinha.
A porta dos fundos nunca parecera tão longe. Laura até pensou em aceitar a "proposta de casamento", de modo que conseguisse tempo para se livrar dele na cidade,
mas sabia que ele não esperaria tanto para violentá-la. Sem Rio para defendê-la, percebeu que estava perdida e sem alternativa:
Olhou para a porta dos fundos novamente.
- Se você correr, vou te agarrar antes que você alcance a porta. Aliás, é assim que eu gosto...
Laura ouviu o barulho do vento, e mais do que nunca desejou ser livre e forte como aquele vendaval.
- Eu. . . eu vou mudar de roupa para que possamos nos casar na cidade - declarou ela, pensando que, poderia saltar pela janela do quarto e fugir usando
a égua Campeã.
Turner observou o cáftan que Laura vestia:
- Tudo bem, boneca, só que eu vou junto ver você se trocar. Será como um salgadinho antes da grande ceia. Talvez eu dê uma mordidinha. . . bem aqui...
- disse ele, estendendo a mão para Laura.
Desviando-se rapidamente, ela conseguiu escapar das garras de Turner, mas não o suficiente: ele lhe rasgara o cáftan na altura dos quadris, chegando a ficar
com um pedaço do pano macio nas mãos. Laura ficou parada. Sabia que se se movesse, só iria excitá-lo ainda mais, já que ele gostava de se sentir forte, lutando com
mulheres.
- É assim que você empenha sua palavra? Você disse que não me tocaria até que estivéssemos casados - falou ela, procurando demonstrar o máximo
de calma possível.
- Quer dizer então que você finalmente resolveu se casar comigo? - perguntou ele, ansiosamente.
Lentamente, Laura apoiou as mãos na mesa e sentiu o cabo da faca encostar em seus dedos.
- Ainda bem! Eu já estava ficando cansado de ficar correndo atrás de você. Além disso, ainda existem a hipoteca, a água. . . você não poderia continuar a me dizer
"não".
- Eu emprestei o dinheiro do banco, não de você. Disseram-me que para isso eu teria que fazer um pagamento depois de um ano. Nada no contrato dizia para eu ir
para a cama com você - retrucou Laura, tentando trazer um pouco de raciocínio àquela situação tão absurda.
- Minha tia é dona do banco e eu sou o sobrinho favorito dela. Se não fosse por mim, você já teria perdido essa fazenda boneca. Eu até poderia ter comprado isso
aqui e fazer você ganhá-la de volta a cada noite, como qualquer prostituta, mas preferi ser bom com você.
- Fiz todos os pagamentos dentro do prazo - disse ela, aparentando calma.
- É. Infelizmente você tem conseguido. Ouvi dizer que ainda tem o dinheiro que economizou. Bem, bem, você não me dá outra alternativa. Não vai mais ter a minha água
e eu vou pegar o que é meu, agora! - gritou Turner completamente fora de si.
Em seguida, agarrou-lhe o cáftan e lançou-se sobre ela, fazendo-a perder o equilíbrio. Aquela boca nojenta beijou os suaves lábios de Laura de modo cruel,
mordendo-a ferozmente. Ele a arrastou pelos quadris, pressionando-a contra a mesa:
- Que tal bem aqui, nenê? Eu e você nesta grande mesa de carvalho? - perguntou ele sem soltá-la.
Laura sentia-se enojada. O que mais desejava era ver-se livre daquele toque selvagem, daquele cheiro, daquela força obscena. Com tremendo esforço, sorriu,
tentando acalmá-lo:
- Por que não na cama? Você ficaria todo sujo de gordura aqui - sugeriu ela, pensando rapidamente num modo de escapar.
Turner hesitou, surpreso com aquela reação inesperada. Seus braços soltaram Laura.
- Bem. . .
Imediatamente Laura correu para longe, não sem antes pegar a faca que estava na mesa. Mas ele moveu-se mais rapidamente, impedindo-lhe a passagem:
- Assim está muito bem, boneca. É assim mesmo que eu gosto - falou ele com um sorriso irónico. Foi naquele instante que ele percebeu a faca na mão de Laura. Seu
sorriso murchou, e seus olhos ficaram espantados:
- Jogue essa faca! - ordenou ele. - Brincadeira é brincadeira, mas faca não.
- Então saia já da minha casa - disse Laura, numa voz fria como o gelo.
Turner hesitou antes de falar:
- Você não teria coragem, e quando eu te pegar juro por Deus que vou fazer você se arrepender por ter pensado em me atacar.
O som do vento era mais forte do que o som das botas de Turner andando ameaçadoramente em direção à Laura.
CAPÍTULO IX
Uma voz fria como o vento de inverno pôde ser ouvida na sala de estar:
- Eu realmente deveria deixar que ela o estripasse!
Rio já estava na soleira da porta da cozinha, olhando Turner com olhos cortantes.
- Só que Laura não está acostumada a ver tanto sangue. Eu estou, Turner. E quero ver de que cor é o seu. Duvido que seja vermelho.
Então ele andou lentamente em direção a Turner, demonstrando força, controle e até violência a cada movimento. A presença inesperada de Rio pegou a todos de
surpresa. Laura correu para perto dele, dirigindo-se à sala de estar.
- Vá para fora, Laura, estarei lá num minuto - disse ele sem tirar os olhos de Turner. Antes que Laura pudesse responder, Turner ainda tentou agarrá-la,
estirando o braço, mas com um forte puxão Rio a livrou dele. Contudo o rápido movimento colocou Rio em desvantagem, permitindo que Turner avançasse sobre ele. Encolhida
no sofá, Laura pôde ver os dois homens se engalfinharem no chão, com tanta violência que fez a sala tremer.
Acostumado a fazer uso frequente de seu peso superior e músculos rudes, Turner atingiu Rio no rosto fortemente. Entretanto, Rio conseguiu levantar-se e atingir
seu oponente com um violento soco no estômago. Enquanto contorcia-se de dor, Turner foi novamente atingido, dessa vez com um brutal golpe no pescoço. Sem poder defender-se,
perdeu o equilíbrio caindo inconsciente de cara para o chão.
Imediatamente Rio dirigiu-se para Laura:
- Laura? Você está bem?
- Eu. . . Rio. . .
Ela não sabia o que responder. Tudo acontecera tão rapidamente! Apesar do que Lee lhe dissera, ela não imaginava que Rio fosse tão forte e ágil, a ponto de
conseguir derrotar Turner, que tinha tanta fama de brigão.
Rio pegou a faca das mãos de Laura e ajoelhou em frente a ela:
- Você está bem? Ele não te machucou, não é? - perguntou, procurando nela algum sinal de dor. Foi só então que ela pôde dar vazão a toda emoção e medo contido.
Começando a tremer violentamente, deixou que as lágrimas lhe corressem copiosamente pelo rosto. Pálida como cera, fortes soluços impediam que ela conseguisse respirar
melhor. Rio viu sangue escorrendo de um corte no delicado lábio e sabia que Turner havia feito aquilo. Laura via violência e ódio nos olhos de seu amado.
- Não. . . não. Ele não. .
Mas ela não conseguiu falar. Sua mão apertava o braço de Rio como que para sentir toda a segurança que ele lhe transmitia.
- Laura.. . - falou suavemente, queria tocá-la mas continha-se. Se ele a tocasse, não conseguiria parar e a beijaria toda para afastar a brutalidade
de que ela havia sido vítima. Queria muito acariciá-la com a boca, com a língua, até vê-la tremer num êxtase de paixão e não mais de medo.
Um gemido animalesco de Turner ecoou pela sala. Rio olhou para ele e controlou-se ao máximo para não lhe apertar a garganta. Jamais fora tão difícil conter-se
como fazia naquele momento.
- Rio. . . Rio. . .
- Está tudo bem, Laura - disse ele, tentando acalmá-la.
Turner gemeu novamente. Imediatamente Rio pegou-o pelo braço virando-o de frente.
- Turner, está me ouvindo? - perguntou ele friamente.
Como Turner nada falasse, Rio lhe bateu com a palma da mão no rosto. Ele então abriu os olhos, demonstrando que ainda sentia dor, e levantou-se. Parecia estar
com medo de Rio.
- Escute, Turner. Agora é entre mim e você. Se voltar a tocar em Laura, acabo com você. Entendeu?
- Tudo que eu sei é que você é como o vento - disse Turner.
Foi a única coisa que ele disse. Sabia que Rio um dia partiria e deixaria Laura sem defesa. Laura também conhecia aquela verdade, e teve medo, um grande medo.
- É isso mesmo, Turner. Eu sou como o vento. Estou em todos os lugares, vejo tudo, ouço tudo e sei de tudo. Se você tocar em Laura novamente, é bom
ficar olhando para todos os lados e todos os lugares antes de dormir. Reze a Deus para que eu não te encontre. Um dia você ouvirá o vento, vai se virar e verá que
eu estarei lá. E então, eu te matarei.
O vento forte batendo na casa fez com que a porta da frente se abrisse repentinamente. Rio empurrou Turner para fora, seguiu-o até a varanda, esperou que ele
entrasse no jipe e fosse embora. Depois, fechou a porta, virou-se para Laura e notou que ela ainda tremia. Lentamente ela se levantou do sofá e ficou de frente para
ele:
- Eu sei que você não. . . não quer. . . mas poderia me abraçar, por favor? Por favor, não suporto mais a sensação de Turner ter me agarrado - disse
ela num tom desesperado.
Rio então veio até ela, enlaçou-a com os braços e apertou-a gentilmente contra o corpo. Por longos, longos momentos, continuou a abraçá-la, até que ela não
mais tremesse e se sentisse segura:
- Se você não viesse, eu teria usado a faca. . . eu teria...
- Eu sei - murmurou ele, encostando o rosto no cabelo macio de Laura.
- Como você sabe? - perguntou ela, com certa curiosidade.
- Porque você é mulher de um só homem. . . e Deus que nos ajude mas. . . eu sou esse homem! - disse ele inclinando o rosto para ela, e encostando a boca com muito
cuidado nos lábios ainda trémulos de Laura. Depois, com a ponta da língua, acariciou-lhe gentilmente o corte no lábio. Ela gemeu baixinho e encostou-se mais a ele.
- Dói? - perguntou ele, com os lábios junto aos dela.
- Não - respondeu ela, olhando-o com olhos semifechados.
Ela não conseguia falar. Trémula, movia a cabeça suavemente de um lado para o outro, oferecendo os lábios macios num silêncio que muito queria dizer. Rio entendeu.
Com pequenos, mas ardentes movimentos, ele acariciava-lhe os lábios com a língua, lambendo todo e qualquer vestígio de Turner. Laura gemia, e se deixava envolver
por todo aquele calor e ternura. Seus lábios se abriram num convite silencioso, convite aceito por Rio com um profundo suspiro de prazer. A língua máscula e vibrante
atingiu então as profundezas da boca de Laura, aumentando seu desejo de maneira incontrolável. Mas ele sabia que não deveria estar fazendo aquilo.
- Laura. . . Laura.. . diga-me para parar.
Os olhos dela se abriram, luminosos, de tanta emoção.
- Eu te amo - murmurou ela, encostando a boca nos lábios dele.
- Oh, meu Deus. Não quero magoar você - disse ele, enterrando o rosto na pele acetinada do pescoço de Laura.
- Sei disso - ela falou com a voz serena.
- Eu não tenho passado, nem presente, nem futuro. Eu sou o vento.
. - Sim, eu sei - concordou ela, acariciando-lhe o rosto com os lábios.
- Então, diga-me para parar e ir embora - falou ele, com a voz rouca de desejo.
- Nunca, meu amor.
Ela sorriu, mas havia uma ponta de tristeza em seu semblante.
- Laura. . .
- Beije-me - falou ela, colocando-se na ponta dos pés.-
- Laura. . . eu não. . .
O calor dos lábios e da língua aveludada de Laura fizeram-no gemer profundamente. Ele tomou-lhe a boca da mesma forma como ela fazia. O suave encontro de suas
línguas fez explodir a paixão dentro de ambos, e antes que o longo beijo terminasse, ele já tinha certeza de que desejava-a como jamais desejara outra mulher.
- Temos de parar - disse ele, com a voz rouca de prazer.
- Por quê? - perguntou Laura, olhando-o profundamente nos olhos.
Em seguida, movendo os quadris lentamente, Rio fez com que Laura sentisse seu sexo que pulsava enrijecido.
- É por isso que temos de parar - murmurou ele.
O sorriso de Laura era como seu corpo suave, só convite e excitação.
- Esta é a melhor razão que eu conheço para não pararmos - disse ela baixinho, beijando-lhe os cantos da boca.
- Laura!
- Eu não estou pedindo para você ficar para sempre. Nem mesmo peço que me ame. Tudo o que quero é sentir sua vida pulsar dentro de mim. E só isso, Rio, você, dentro
de mim.
Aquelas palavras arrancaram dele um doce suspiro de prazer. Ele não podia mais resistir àquela torrente de amor. Depois, sem mais se negar, levantou-a nos
braços:
- Não vou mudar de ideia e não fugirei de você. E mesmo que quisesse correr, não poderia, porque você me enfraquece Rio.
Ele pôde sentir os tremores de desejo e prazer que percorriam o corpo de Laura. Depois, sorrindo, com ela ainda em seus braços, começou a subir as escadas.
- Sei que você não vai fugir, minha pequena sonhadora. Deus, como eu te quero! Na verdade, estou carregando você apenas para tentar me controlar - disse ele, pressionando
fortemente a língua para dentro da boca de Laura.
- E está funcionando? - perguntou ela, querendo encontrar desejo naqueles doces olhos azuis.
- O que você acha?
- Acho que seu quarto é mais perto do que o meu - disse ela sorrindo, ao mesmo tempo que passava a ponta da língua pelo rosto moreno.
- Você tem razão.
Ele parou e beijou-a novamente, sentindo com a língua a suave textura daquela boca quente e macia. Sons roucos emergiam das profundezas da garganta de Laura,
e ele se perguntava se conseguiria ter mais prazer do que já sentia, mesmo quando ele estivesse dentro dela.
Rio não sabia se conseguiria esperar, ou se a tomaria lá mesmo nas escadas. Via que ela também estava louca de desejo. Seus olhos se entreabriram e a boca
procurava por mais beijos. Ele então terminou de subir as escadas, com passos largos e fortes. A porta do quarto estava aberta; empurrou-a com o pé, e cuidadosamente
colocou Laura na cama. De repente ficou quieto, não mais olhou-a nem beijou-a.
- Algum problema? - ela perguntou, passando os dedos pelas costas musculosas de Rio.
- Você está me deixando descontrolado. Não consigo nem mesmo esperar para tirar-lhe a roupa.
Laura quis sorrir, mas não conseguiu, o desejo que a consumia estava se tornando insuportável. Seus dedos tremiam ao abrir o zíper que havia na frente do cáftan.
O tecido suave caiu, revelando seios redondos e bicos rosados que se enrijeceram ainda mais ao toque da língua, dos dentes, da boca de Rio.
Ele abraçou-a, e deixou que suas pernas tocassem as dela. Depois, levantou-a até que a boca sedenta ficasse na altura dos seios firmes e rijos. Com pequenos
e lentos movimentos, ele apertou os mamilos delicadamente com os lábios, obtendo dela uma resposta imediata de prazer. Ela gritava o nome do amado cada vez mais,
e ele obedecia, acariciando-a com a língua.
A pele de ambos ardia em chamas e ele pôde então acariciar uma das longas pernas de Laura. Os seios tremiam enquanto ela respirava e os mamilos contraídos
indicavam a resposta a tantas carícias sensuais.
Ele jamais vira algo tão bonito, nem mesmo a terra fértil e verdejante. Com mãos trémulas e apressadas, abriu rapidamente a camisa e abriu o cinto de couro.
Depois, tirou o restante das roupas, jogou-as no chão e postou-se nu em frente à mulher que tanto desejava. Já não era mais capaz de esconder que o sangue
pulsava violentamente dentro dele.
Ela o observava sem nenhum medo ou pudor, e então os delicados dedos de Laura tocaram-lhe o centro do prazer. Ele contraiu os dedos e gemeu ao sentir que ela
passava as mãos em seu membro enrijecido.
Depois, levou-lhe as mãos até a boca, beijou e mordeu suavemente os dedos finos e carinhosos, e esfregou-os em seu peito másculo. Na verdade, ele queria mordê-la
muito mais, e ela também. Ela o queria com tanta ansiedade que tremia e produzia sons selvagens de paixão.
As mãos morenas de Rio passeavam por todo aquele lindo corpo, querendo-a toda, dos pés à cabeça. Os dedos brincavam com os pêlos macios que recobriam seu sexo,
para depois acariciá-la gentilmente, para sentir se ela já estava pronta para ele.
- Rio? - chamou ela, abrindo os olhos.
Ele viu que ela o desejava, e que sua atitude lhe causara medo. Então a beijou, procurando dar-lhe toda a segurança que podia.
- Está tudo bem, sonhadora.
- O que você está. . . ? - perguntou ela, percebendo que ele parara de acariciá-la para abrir um pequeno envelope onde havia um preservativo. Ela não queria aquilo.
Ela o queria todo, com tudo que era dele.
- Não! Não quero nada entre nós! Nada! - murmurou ela, segurando-lhe a mão.
Rio estava surpreso e agradecido por aquele atitude, vendo que ela o queria tanto a ponto de não temer que seu sémen a inundasse. Na realidade, a única coisa
que ele pretendia era proteger-lhe de algum problema futuro, mas, para Laura, nada que viesse de Rio poderia ser mal para ela.
Curvou-se sobre ele, passando os quentes lábios pelo membro viril que latejava de paixão. Os dedos morenos se crisparam imediatamente, enquanto Rio se deliciava
com aquela carícia voluptuosa.
- Mulher! Você é verdadeiramente mulher! - disse ele com voz grossa.
Todo seu corpo tremia selvagemente com o eco das palavras amorosas de Laura e os doces lábios que o acariciavam incessantemente. Uma tempestade de sensualidade
crescia entre eles, e então ele decidiu que era o momento de voltar a acariciá-la. Ela se abriu para ele, liberando um quente rio de prazer enquanto os dedos descobriam
os segredos que haviam naquela caverna quente e úmida. Laura derretia-se de tanto prazer, e ele sabia que era chegado o momento de penetrá-la.
Rio preocupava-se, pois não queria machucá-la. Para evitar que Laura não sentisse dor alguma, deitou-se de costas e colocou-a sobre ele, até que suas pernas
se tocassem em toda a extensão. As mãos fortes acariciavam as costas de Laura e as nádegas firmes e arredondadas. Em seguida, ele pegou-a nos quadris e roçou-a suavemente
contra seu corpo. Os gemidos de prazer de ambos ecoavam pelo quarto, fazendo com que eles se esquecessem que ventava forte lá fora. Ela olhou para ele cheia de desejo.
Acompanhando os movimentos de Rio, movia-se sobre ele num prazer desesperado.
- Não imagino como você poderia me machucar - murmurou ela, com olhos cheios de amor.
- Sonhadora, linda sonhadora - falou ele, baixinho.
Involuntariamente, ele fechou os olhos, entregando-se totalmente àquele momento maravilhoso de sentir-se dentro de Laura como numa caverna acolhedora.
Então ele percebeu que não havia se enganado. Na verdade, ele podia sentir que Laura jamais estivera com outro homem antes dele.
- Meu Deus, agora acho que sou eu quem está sonhando - falou ele entre gemidos.
Queria colocar as mãos nos quadris arredondados e puxá-la fortemente para si, mas agora, mais do que nunca, deveria ser muito cuidadoso. O rosto de Laura contorcia-se
de prazer, enquanto ela se movimentava sobre ele. Olhos fechados, boca entreaberta, ela se abandonou ao corpo de Rio.
- Quero você todo - murmurou ela, deixando-se penetrar por ele o máximo que uma mulher pode querer. - Ajude-me Rio - pediu ela ardorosamente.
Ele olhou-a e viu que não havia medo em seu semblante. Aquelas palavras fizeram-no destruir a última barreira que ainda poderia haver entre eles.
- Vá devagar, minha mulher, mexa-se com cuidado.
Os dedos de Rio acariciaram os mamilos enrijecidos que saltavam como pontas de cristal. Ele deixou que Laura se excitasse o máximo para depois penetrá-la com mais
força. Ela o acompanhava ritmadamente. Naquele instante ele não era mais o vento, mas a chuva no deserto, e sabia que logo desaguaria uma tempestade de amor de seu
corpo.
- Não se mova! Espere um pouco, minha sonhadora, ainda é cedo e você não está pronta.
Lentamente, Laura abriu os olhos e olhou para o homem que amava. Suado, cada músculo do corpo de Rio estava quente e rígido. Ele penetrava a mente, o coração,
o corpo daquela sonhadora e aquilo era tudo o que ela queria.
Rio segurou os quadris de Laura, evitando que ela se movesse, mas não podia fazer nada contra os movimentos internos e involuntários que percorriam o sexo
de Laura.
- Oh, Deus, não. . . - ele falou entre dentes.
Em seguida, nada mais disse. Laura estava sobre ele contorcendo-se de prazer, e Rio se entregou para ela como se fosse o vento que o chamava. Com os olhos
fechados, e sentindo o mais intenso prazer de sua vida, Laura deixava que o homem que amava se movesse intensamente dentro dela. Depois, com um sorriso, esticou-se
sobre o peito musculoso, contente por ouvir que o coração de Rio batia descompassadamente.
Rio foi relaxando aos poucos e recomeçou a acariciar-lhes os cabelos, as costas, os quadris. Laura levantou a cabeça e olhou para os olhos azuis de Rio. Ele
movia-se novamente dentro dela, com movimentos ritmados.
- Rio? - perguntou ela sem entender. Não imaginava que ele ainda estivesse sedento de desejo.
- Você acha que eu a deixaria insatisfeita?
- Mas não estou insatisfeita. Nunca senti tanto prazer em toda minha vida.
Rio sabia porque ela dizia aquilo. Sem jamais ter se deitado com outro homem, Laura não sabia o que um orgasmo poderia lhe proporcionar.
- Nunca perdi o controle com uma mulher. Você foi a única que conseguiu me descontrolar e eu a desejo novamente.
- Não entendo - murmurou ela.
- Você já vai entender - disse ele, virando-se de lado e beijando-a ternamente.
Laura sentiu a língua de Rio em sua boca e a sensualidade daquelas mãos morenas em seus seios. Ele pe-gou-lhe os mamilos entre os dedos e pressionou-os suavemente.
Ela gemia e movia o corpo, agarrando-se a ele numa verdadeira dança de prazer. Depois, acariciando-lhe os pêlos macios, ele pressionou a mão no sexo de Laura, fazendo-a
sentir que havia mais, muito mais.
- Rio. . . eu. . . - murmurou ela com a respiração entrecortada.
Enquanto ele acariciava-lhe a parte mais sensível, Laura gritava e enterrava-lhe as unhas nas costas musculosas. Rio a conduzia para as alturas do prazer,
e depois esperava que ela se acalmasse, para em seguida recomeçar tudo novamente.
- Rio?
Um certo medo podia ser percebido na voz de Laura, já que ela não sabia exatamente a que outros delírios de paixão poderia ser levada.
- Minha pequena sonhadora, venha para mim - disse ele, ainda acariciando-a.
Laura gritou alto quando ele a penetrou novamente; conheceu então o significado da palavra "orgasmo", pela primeira vez em sua vida. Uma corrente frenética
corria por ela como um forte vendaval. Agarrava-se a Rio fortemente, e ele fazia o mesmo enquanto lhe beijava as lágrimas salgadas. Laura estava envolta pelo êxtase,
e a cada pulsação de seu sangue, dizia que o amava.
Rio ouvia aquelas palavras, sentindo os espasmos intensos que agitavam o corpo de Laura, até que seu próprio corpo entrou em êxtase novamente. Ele queria esperar
mais, dizer que normalmente conseguia se controlar, mas a única coisa que conseguiu foi entregar-se a ela totalmente.
- Quando subia as escadas, perguntei-me se conseguiria aguentar todo o prazer que você poderia me proporcionar. Agora sei que não posso - ele declarou,
mordiscando-lhe o ombro delicado.
A resposta dela foi um grito seguido por nova onda de espasmos, quentes e incontroláveis.
Então, juntos, percorreram a maravilhosa trilha do amor, consumindo-se em ondas de prazer intenso e total.
Quando a tempestade de êxtase terminou, eles ficaram lá, corpos brilhando de suor e umidade, ainda fortemente unidos. Rio beijava-a carinhosamente. Ele também
jamais experimentara mais doce e selvagem prazer como uma mulher, achando mesmo que seria impossível sentir mais. Era como se um novo vento o chamasse, longa e intensamente.
Rio pronunciou-lhe o nome ternamente, beijando-a profundamente. Ele não entendia por que ainda a beijava tão vorazmente, já que seus desejos haviam sido saciados.
Sentia que ela era o vento que tanto o chamava. Então a abraçou e fez com que ela pegasse no sono em seus braços.
Rio não dormiu. Pela janela, via a luz do luar envolver o corpo prateado de Laura. Depois, sem conseguir controlar-se novamente, começou a beijá-la e acariciá-la
ardentemente. Ela acordou lenta e languidamente, murmurando o nome dele. Momentos depois, ele estava sobre ela, enquanto Laura gritava e se entregava mais uma vez
ao êxtase que a sacudia intermitentemente. Ele não deixou nem um palmo daquele corpo feminino sem carícias, dividiu com Laura aquele momento maravilhoso repleto
de sensualidade.
Era o nome dela que ele tinha nos lábios, e suas vozes estavam unidas e entrelaçadas da mesma forma que seus corpos suados, iluminados apenas pela luz do luar
prateado.
CAPÍTULO X
Laura acordou com a delicada fragrância das flores da chuva. Abrindo os olhos, viu que Rio tinha um buque delas nas mãos, e o sorriso dele parecia um raio
de sol a iluminá-la. Beijando-lhe os lábios docemente, ele então puxou as cobertas sobre ela, escondendo as curvas daquele corpo de mulher.
- Nessa noite aprendi que não tenho a menor força de vontade no que se refere a você, assim quero cobri-la para que não me sinta tentado novamente - disse ele,
apoiando a mão nas cobertas que envolviam Laura.
- Por quê? Você não quer que eu o tente mais? - perguntou ela, colocando-lhe os braços ao redor do pescoço.
Ele riu alto, ao mesmo tempo que pegava-lhe a mão e passava a ponta da língua entre os delicados dedos.
- Quanto mais a tenho, mais quero tê-la. E se não me controlar, as únicas explorações que farei na Vale do Sol serão aqui nesta cama.
- Que ótima ideia! - murmurou ela, entrelaçando seus dedos nos dele.
- Você quer dizer que não quer mais cavalgar comigo? Creio que encontrei um lugar interessante para se pesquisar. Não quer vir junto?
Depois daquelas palavras, a sonolência de Laura desapareceu.
- Você realmente achou o lugar para perfurarmos?
- Ainda não tenho muita certeza, mas até agora as chances parecem muito boas. Ia pesquisar ontem, mas depois resolvi ir à cidade... e. . .
Ele olhou para ela de um modo intenso, querendo saber como ela se sentia em relação ao que acontecera entre eles.
Seu sorriso esmoreceu ao se lembrar por que ele saíra na noite anterior. Rio queria evitar um contato mais íntimo entre eles e uma grande dor no futuro.
- Laura... eu...
- Não - disse ela, colocando os dedos nos lábios dele. - Sei que você não queria o que aconteceu. Mas aconteceu! Não tenho esperanças de mudá-lo, e tampouco espere
que eu mude. Mas eu te amo, Rio, este fato não mudará.
Ele a beijou levemente, depois levantou-se e saiu do quarto. Era como se não conseguisse se controlar na presença de Laura.
- Seu banho quente está pronto. Quando terminar, venha tomar o café da'manhã - disse ele, descendo as escadas.
- Onde vamos hoje? - perguntou ela, saindo da cama.
- É uma surpresa.
Laura sorriu, indo ao banheiro e encontrando um delicioso banho quente à sua espera. Depois de se ensaboar, ficou deitada por longos minutos na banheira, até
que o aroma da cozinha chegou até ela. Relutante, ela se levantou e procurou uma toalha. Não havia nenhuma no banheiro e o armário de toalhas estava no corredor
frio e gelado.
Foi naquele instante que Rio apareceu com uma toalha macia nas mãos.
- Está faltando alguma coisa? - perguntou ele, fechando a porta para que o vento frio não entrasse. Ela então dirigiu-se a ele e o beijou longamente.
- Era isso que estava faltando, mas se não pararmos agora, nenhum de nós terá disposição para cavalgar - disse ele, sentindo-lhe o corpo quente.
- Principalmente se o cavalo for Tufão - brincou ela.
- Acho que vou deixá-lo hoje no curral. Ele me parece meio nervoso esta manhã.
Laura fechou os olhos e sentiu o corpo másculo de Rio.
- Rio? - murmurou ela.
- Sim?
- Saia imediatamente daqui antes que eu o arraste para dentro da banheira - falou ela, ficando na ponta dos pés e encostando os lábios nos dele. Por um instante,
Laura pensou que ele ia tirar as roupas, mas controlando-se ao máximo para não tocá-la, ele se retirou do banheiro.
- O café da manhã está pronto - disse ele, do corredor. Sua própria reação de desejar Laura tão intensamente a qualquer hora do dia, deixou-o um tanto perturbado.
Quando Laura desceu para a cozinha, a mesa já estava posta: havia panquecas, presunto e ovos. Ela olhou para tudo não acreditando em todas aquelas delícias.
- Coma bem. Você estará com muita fome na hora do almoço - aconselhou ele.
Laura já estava faminta e sabia que Rio estava certo. Quando comeu a última panqueca, viu que ele a olhava sorrindo. Então Rio lhe beijou os lábios novamente.
- Doce. . . - disse ele.
- Calda de morangos é sempre doce.
- Não é a calda que é doce. É você. Vamos logo antes que eu mude de ideia - falou ele, suspirando e levantando-se da cadeira.
- Onde vamos? - perguntou ela novamente,
- Ao Canyon do Vento.
Então ele colocou o café restante numa garrafa térmica, pegou o saco com sanduíches que já havia preparado, colocou o braço ao redor dela, e saíram para o
novo dia que os esperava. Laura lhe passou o braço pela cintura e recostou a cabeça levemente no ombro largo. Depois, ao chegarem perto do curral, ela pulou a cerca
com movimentos graciosos, indo em direção à Campeã.
- Você tem pernas maravilhosas - disse ele fascinado.
Ela o olhou sorrindo:
- Foi assim que consegui dinheiro para manter minha fazenda. Sapatos, vestidos. . . Aquele cáftan verde foi um dos últimos modelos que desfilei.
- E você o usa agora quando está sozinha.
- Foi assim até a noite passada. Turner sabia que eu estava só porque viu você na cidade.
- Eu sei. Um dos empregados do armazém me contou que quando Turner me viu lá, subiu no jipe e saiu correndo como louco. Então eu voltei para cá o mais rápido que
pude - disse Rio, com uma expressão dura.
- Estou contente que você tenha vindo.
- Pode ter certeza de que eu estou muito mais - falou Rio emocionado, num misto de ódio por Turner e desejo por Laura.
Rio então foi até o celeiro, de onde pegou sua égua Fiel. Ela parecia muito acostumada ao dono e agia como se soubesse para onde iam.
Enquanto Laura observava Rio, ela pensava que além de feliz, sentia uma grande dor em seu coração.
"Você já sabia que ele partiria. A noite passada não mudou nada. Nada mudará o rumo das coisas. Você se apaixonou pelo vento e o vento não tem parada. Não
tem o direito de reclamar; afinal, ele lhe deu tudo o que pôde, mais do que a qualquer outra mulher e mais do que qualquer homem já te ofereceu. Não pode dizer que
não acha isso suficiente e fazê-lo odiar-se. É -isso que é amor para você?", pensava Laura.
Laura montou Campeã, e lado a lado os dois animais começaram a subir a estrada empoeirada, lutando contra o vento forte.
Ocasionalmente, Rio olhava para Laura, percebendo que ela ia ficando cada vez mais triste. Queria abraçá-la, dizer-lhe que tudo estava bem, compreendia porque
ela se sentia assim. Ás vezes, Laura olhava para os olhos azuis de Rio e sorria. A paz daquela manhã e o barulho dos cascos dos cavalos na estrada eram como um bálsamo
para sua mente torturada. Rio também gostava daquele silêncio, e mais do que isso, com Laura a seu lado dividia com ela aquele momento de paz interior. Outras mulheres
não conseguiam apreciar aqueles instantes silenciosos, mas Laura era diferente, mais sensível e compreensiva.
Rio se inclinou e passou a mão pelo rosto de Laura. Ela sorriu e olhou para ele com um olhar tão luminoso quanto o sol daquela manhã. Uma onda de desejo invadiu-lhe
o corpo másculo novamente, como se uma fonte seca começasse a jorrar água doce mais uma vez. Ele a tocou novamente para ter a certeza de que ambos eram reais e que
não estava sonhando.
Finalmente os dois cavalos chegaram à entrada do Canyon do Vento. O ar era bastante pesado naquele local, dificultando a respiração. Lá se iniciava a velha
estrada que conduzia à mina abandonada e Laura sentiu-se aliviada por Rio não querer percorrê-la em toda a sua extensão.
- O que estamos procurando? - perguntou ela.
- Nada que possamos ver.
- Assim vai ficar muito difícil, não é?
Rio arrumou o chapéu e sorriu levemente:
- Olhe para o pico da Águia - pediu ele. - O que você vê?
Laura olhou para o alto pico que conhecia desde a sua infância:
- Rochas, pedras, muitas pedras.
- Agora feche os olhos. Você verá muito mais assim. Lembra-se da camada de rochas de que lhe falei?
- Aquela que retém a água e não deixa que ela se aprofunde no solo? - perguntou Laura, lembrando-se da conversa que tiveram em Campo Pinon.
- Exatamente. Agora imagine que a camada está intacta, com pouquíssima inclinação para cima.
Rio então olhou para Laura, observando os longos cílios negros e lembrando-se do perfume que aquela pele macia rescendia. Depois voltou a concentrar-se no
pico da Águia.
- Aquele pico tem exatamente estas características. A espessura das camadas não varia muito, mas o granito que circunda as camadas tem grandes variações de espessura.
- Mas se as camadas de granito variam, como saber onde perfurar? Se você pegar um local onde o granito se aprofunda demais, nunca chegará até a água - disse Laura,
com um ar de preocupação, não percebendo bem o que Rio pretendia.
- É por isso que existe a Escola de Minas do Colorado. Se você tirar o diploma de doutor em mineralogia, terá uma boa chance de acertar o local - disse Rio, com
naturalidade.
Os olhos de Laura se abriram de surpresa, ao perceber o que ele dissera. Em algum tempo no passado, Rio se formara doutor em mineralogia numa das mais famosas
faculdades de geologia dos Estados Unidos. Ela o olhava intensamente, imaginando se conseguiria descobrir mais coisas sobre ele, mas, naquele momento,
Rio só conseguia se concentrar no pico da Águia, demonstrando que sabia muito bem o que dizia.
- Por outro, lado, não há muita rocha calcária visível deste lado do canyon. Provavelmente foi por isso que o último geólogo desistiu - falou Rio, sem
contudo explicar a ideia que lhe ia pela mente:
"Isso e o fato do avô dele não ter sido um feiticeiro indígena para ensinar-lhe a sentir a água correndo sob os pés", pensou ele.
- Acontece que há muita rocha calcária nestas montanhas. Ela pode ser vista nos lugares onde a erosão foi mais forte. Tudo indica que por causa disso
há água, a milhares de metros do solo, sendo armazenada há milhões de anos.
Laura respirou profundamente. A ideia de que podeira haver tanta água esperando para ser encontrada era incrível.
- Você acha que pode haver uma grande bacia subterrânea? - perguntou ela com ansiedade.
- É para isso que estamos aqui. Precisamos pesquisar se vale a pena arriscar a perfuração neste local. Ainda existe uma possibilidade de não encontrarmos nada.
- Como você vai decidir?
Rio hesitou, já havia usado todos os meios convencionais para a análise das rochas do local. A única coisa que faltava era lançar mão dos conhecimentos que
seu avô lhe transmitira. Ele andaria pelo canyon, esperando ouvir o eco da água correndo sob seus pés. Era como se correntes invisíveis de eletricidade pudessem
atingi-lo, dando-lhe a certeza que tanto queria. Era uma sensação sutil e impossível de ser descrita. Os homens brancos chamavam aquilo de feitiçaria e não acreditavam
naqueles ensinamentos. Contudo, eles o ajudaram muito a localizar água em muitas outras fazendas secas.
- Usando minha experiência. É assim que eu decido: sinto a terra e ela me sente.
- E se você não sentir nada?
- Procuro em outro lugar - disse ele, desmontando da égua e abrindo a enorme mochila que sempre trazia consigo.
Depois, retirou dela um par de botas de alpinismo, e calçou-as no lugar das botas de vaqueiro.
- Aprendi a usar meus instintos. Meu avô foi um bom professor - ele explicou ao amarrar as botas.
Laura queria fazer mais perguntas, mas sabia que a mente de Rio estava em outro lugar. Ele começou a andar pelo solo do canyon, concentrando-se em algo que
Laura não podia ver ou sentir. Após desmontar, ela sentou-se numa pedra, aquecendo-se sob o delicioso sol da manhã para observar o homem que tanto amava.
O solo do Canyon do Vento era tão árido que quase nada crescia lá. Toda a água da chuva era imediatamente absorvida pelas rochas porosas e era difícil imaginar
que poderia haver água naquele local.
Laura arrumou o chapéu na cabeça, pensando nas dificuldades que seu pai tivera para perfurar um poço. Ela o amara muito, e aquela terra tão preciosa o havia
matado, antes mesmo que ele achasse uma única gota de água. Era como se ele soubesse que havia água, mas não para ele, e cada vez que Laura o visitava no verão,
estava mais velho e cansado.
Quando Laura completara dezenove anos, seu pai sofrera um derrame e, após alguns dias no hospital, veio a falecer. A mãe dela odiou tanto a Vale do Sol por
aquilo, que só não a vendeu porque ele havia deixado metade da fazenda em testamento para Laura. Sua mãe nunca mais veio à Vale do Sol, e .Laura ficou com a incumbência
de sustentar a família e cuidar da fazenda. Trabalhava incessantemente como modelo e raramente tinha tempo para visitar Lee.
Antes que Laura completasse vinte anos, sua mãe morreu num acidente de carro. Entretanto, Laura sabia que não fora um acidente: cansada de viver, ela provocara
a própria morte. Alguns dias antes, disse apenas que queria que metade dos lucros dela fossem para Julie.
Contudo, a Vale do Sol não dera lucros, pelo menos no período de dois anos que levou para Julie se matar com drogas e desespero. Mesmo depois da morte dela,
o único dinheiro que chegava à Vale vinha do trabalho de Laura como modelo. Depois, não suportando mais a vida em Los Angeles, Laura voltou para viver na terra que
tanto amava. Pensava que o trabalho seria fácil, que a seca passaria como passara em outros anos, mas estava enganada. Dessa vez tudo seria pior, como que para testar
seu amor pela Vale do Sol.
Forçada a fazer uma segunda hipoteca da fazenda, pagava juros altíssimos, sem retorno nenhum, e muito do seu dinheiro já havia sido gasto com explorações de
locais para poços.
Sentada naquela pedra, ela perdeu a noção de quanto tempo estava pensando sobre o passado, quando viu Rio andando pela margem Sul do Canyon do Vento. Havia
muitas pedras que caíam do alto das montanhas naquele local. Ela não queria perturbá-lo em seu trabalho. Resolveu ir cavalgar Campeã enquanto puxava Fiel pelas rédeas,
enquanto Rio observava as rochas com extraordinária paciência.
Laura descobriu uma larga cavidade no solo do canyon. Após tirar as pedras maiores do lugar, estendeu um acolchoado e acabou pegando no sono ali mesmo, aquecida
pela carícia dos raios do sol. Depois, foi acordada por um beijo tão doce quanto a água que procuravam:
- Acorde, pequena sonhadora - murmurou Rio, com os lábios encostados aos dela.
- Mas o sonho estava tão bom. . .
- Com o que você estava sonhando? - perguntou ele, sorrindo.
- Com você. Você e um poço cheio de água. Tudo num sonho só.
Rio segurou-a entre os braços. Com o sol da manhã, os olhos dele brilhavam como pedras preciosas, e o cabelo negro chegava a ter reflexos azulados. Ela o olhou,
sabendo que ele estava certo: era mesmo mulher de um só homem, e Rio era aquele homem. Nada poderia mudar aquele fato. Seu amor seria sempre dele. Laura aceitaria
tudo o que ele pudesse oferecer, principalmente um filho daquele amor tão intenso.
Rio a beijou novamente, mas com muito cuidado, como se ela fosse um sonho do qual não quisesse acordar:
- Você é tão linda, mais linda que toda a água que eu puder encontrar.
O sol iluminou os olhos cor de mel de Laura e ele viu que não podia mais tocá-la ou acabaria por fazer amor com ela lá mesmo, naquele macio acolchoado.
- Hora do almoço - disse ele, pegando a mochila com café e sanduíches.
- Presunto ou rosbife?
- Ambos - respondeu ela, se espreguiçando.
- Você está realmente sonhando se pensa que vai comer os dois sanduíches - disse ele sorrindo.
- Dois? Você quer dizer que só fez dois sanduíches?
- Bem, depois de todo aquele café da manhã. . . pensei que. . .
Ela olhou para ele em silêncio, morta de fome. Ele a olhou de modo constrangido, oferecendo-lhe os dois sanduíches.
- Não, você precisa mais do que eu. É você quem está fazendo todo o trabalho pesado - falou ela, devolvendo-lhe os sanduíches com firmeza.
Em seguida, Rio tirou mais dois sanduíches da mochila, fitando-a com um ar matreiro. Imediatamente ela pegou os sanduíches, e ambos comeram rapidamente, repartindo
o café que havia na garrafa térmica. Ao final, ainda sobrou um sanduíche, que ele embrulhou e colocou na mochila novamente.
Apesar do café, Laura ainda sentia-se sonolenta.
- Aborrecida? - perguntou Rio.
- Contente - respondeu ela, pensando em como poderia estar aborrecida com Rio a seu lado.
- Tem certeza?
- Por quê? - perguntou surpresa.
- Porque toda vez que cavalgamos juntos, ou eu falo o tempo todo sobre geologia ou fico completamente calado. Então, pensei que você poderia estar aborrecida.
Laura olhou para ele por alguns instantes, percebendo que ele estava muito sério.
- Em Campo Pinon, você me fascinou com suas visões. Vi continentes e mares se movendo sob a terra, florestas e geleiras, vales e cordilheiras. Rio,
nunca estive ao mesmo tempo mais excitada e mais calma e segura em toda minha vida. Hoje vi você andar pelo canyon. Você sabe coisas sobre a terra que ninguém mais
sabe. . . Como poderia estar aborrecida a seu lado, você que é como um irmão do vento?
Aquelas palavras atingiram a mente de Rio profundamente. De alguma maneira, ela soubera que ele tinha aquele nome, nome dado numa cerimónia indígena que pouquíssimos
homens brancos conheciam.
- Você vê tudo, talvez demais. . . - disse Rio, levantando-se abruptamente, sentindo que os olhos de Laura liam sua mente.
Afastando-se dela e dirigindo-se de volta ao canyon, ele percebeu que havia sido um tanto rude para com Laura. Não conseguia mais controlar as emoções como
sempre fizera. Seu avô lhe dizia para ouvir, ouvir tudo atentamente, e era o que ele fazia agora, tentava encontrar uma resposta para seu ato. Contudo, a única coisa
que ele podia sentir e ouvir, era o amor de Laura por ele. Nada mais parecia tão importante, nem domar um cavalo selvagem, nem a água escondida no solo. O amor de
Laura era como o vento, não pedia nada em troca, e talvez fosse isso o que o perturbava tanto: ela lhe oferecia tudo e não lhe pedia nada.
Tenso, Rio experimentava aquele sentimento pela primeira vez em sua vida. Então caminhou em direção a Laura, sentindo o sol em sua pele, o murmúrio do vento
e a terra sob seus pés. Uma terra difícil, mas com muito a oferecer. Rio fechou os olhos, lembrando-se de sua infância entre os índios. Um arrepio lhe percorreu
o corpo, sinal da forte sensibilidade que tinha quando percebia que havia água no subsolo. Dentro daquelas rochas, a água era invisível como um fantasma, mas certamente
estava lá. De alguma maneira ele tinha certeza de encontrá-la, doce e profunda sob seus pés.
Laura viu que ele caminhava em direção à ela. Viu também quando ele parou de um modo estranho, absolutamente imóvel, como se algo estivesse errado:
- Rio? - chamou ela de longe.
Ele não respondeu. Laura então correu até ele, e notou que aqueles olhos azuis olhavam para o nada de um modo assustador.
- Rio? - perguntou ela novamente, mas num tom bastante suave, como se tivesse medo de acordá-lo daquele estranho transe. Ela o tocou e sentiu que ele tremia como
se houvesse um terremoto no local. Rio puxou-a para si repentinamente:
- Meu verdadeiro nome é Irmão do Vento - falou ele, revelando o que jamais dissera a qualquer outra pessoa.
Então ele a beijou, enquanto o canyon murmurava os segredos da água escondida nas profundezas da terra. Aquele foi um momento de grandes revelações.
CAPÍTULO XI
- Minha querida, você deveria ter me chamado antes - falou Lee, saindo da caminhonete e estendendo os braços para Laura.
Ela desceu os degraus da varanda correndo e abraçou-o afetuosamente:
- Queria que você tivesse boas férias - disse ela encostando a cabeça no peito dele.
- E o poço?
- Você voltou a tempo de me ajudar a montar o equipamento - disse Rio.
Lee reparou que Rio estava em casa com Laura. Ao subir os degraus, olhou para ele com ar de preocupação:
- Ouvi dizer na cidade que vocês tiveram problemas com Turner.
Laura sentiu um arrepio ao se lembrar do que acontecera. Rio então afagou-lhe gentilmente os cabelos ruivos, como se quisesse lhe transmitir segurança. Ela
então virou a cabeça e beijou-lhe a palma da mão. Lee observou aquele gesto de carinho, entendendo no mesmo instante tudo o que ele significava. Deliberadamente,
Rio colocou o braço ao redor de Laura e puxou-a para si.
- Turner não vai mais voltar. Ele sabe que Laura é minha mulher.
- É verdade? - perguntou Lee, olhando para Laura.
- É - respondeu ela, lembrando-se do que Lee lhe dissera sobre Rio - Não fique bravo - continuou ela.
- Bravo? Eu estou é muito contente. Bem-vindo ao lar - disse ele a Rio, segurando-lhe a mão. - Já era mais do que hora de você encontrar uma boa mulher e se
estabelecer. E não existe mulher melhor do que Laura - continuou ele.
Ela ia começar a protestar, explicar que não era nada daquilo, mas Rio beijou-lhe os lábios levemente, impedindo que ela falasse.
- Eu sei - disse Rio gentilmente.
Aquelas palavras tanto podiam ser uma resposta à declaração de Lee ou ao protesto silencioso de Laura.
- Isso merece uma comemoração! - disse Lee alegremente, entrando na casa e indo diretamente ao pequeno bar que havia na sala de estar.
- À saúde dos dois - brindou ele, pegando três copos de cristal e servindo uísque para todos.
Laura sorriu e bateu seu copo no de Lee. Depois, virou-se para Rio, e percebeu um olhar de profunda intensidade. Sua mão tremia sem conseguir se mover. Rio
então bateu seu copo cuidadosamente no de Laura, e depois no de Lee. Ela queria assegurar a Rio que ele não precisava se preocupar, que o que havia acontecido entre
eles fora uma opção dela também. Mas Lee estava lá, sorrindo como uma criança, e ela apenas disse com os olhos o que não podia dizer com palavras.
Laura tomou um gole da bebida olhando Rio pelo copo de cristal. Ele também a olhou, procurando algum traço de emoção no rosto dela. Rio podia ver amor nos
olhos de Laura, e então, tocando seu copo no dela novamente, aproximou-se e beijou-a lentamente, procurando ouvi-la e senti-la como se ela fosse uma terra estranha
cheia de segredos que ele queria descobrir.
- Acho melhor ir trocar de roupa... Quanto tempo tenho? - perguntou Lee meio sem jeito.
- Tempo para quê? - indagou Laura, sorrindo.
- Para me preparar para o casamento de vocês - disse ele, um tanto arrependido de ter feito aquela pergunta.
- Não há nenhuma pressa - disse Laura, num tom calmo e seguro.
Aquilo foi um claro aviso para que Lee mudasse de assunto, mas há muito tempo que ele se considerava padrinho dela.
- O que você quer dizer com isto? Menina, quero que meus netos nasçam com todas as bênçãos e direitos - falou ele, levantando as sobrancelhas num
ar de zanga sutil.
- Lee, dê tempo ao tempo - aconselhou Rio, demonstrando estar tenso com a situação.
Lee abriu a boca surpreso, fechando-a em seguida. Somente um tolo não perceberia que Rio estava ficando bravo, e Lee não era tolo.
Por um momento, o ambiente ficou pesado. Lee olhou para Laura e percebeu que ser mulher de Rio não significava ser a futura esposa dele. Imediatamente ele
sentiu um ódio profundo: Laura havia se dado para um homem que não a merecia verdadeiramente.
"Isso não faz sentido. Rio não é um sem-vergonha qualquer que não pode ver uma mulher bonita em sua frente. Ele não tocaria em Laura se não a quisesse para
sempre", pensou ele.
- Tome bem conta de Laura, porque ela vale mais do que nós dois juntos - declarou Lee, olhando fundo nos olhos de Rio.
Depois, em silêncio, tomou o restante da bebida que havia em seu copo, colocou a garrafa no bar, e dirigiu-se à caminhonete para pegar as coisas que havia
trazido. Rio e Laura o seguiram, ajudando-o a carregar sacos e pacotes de alimento.
Laura logo percebeu que em qualquer trabalho da fazenda, Rio ficaria com a parte mais pesada. Ele não queria que ela fizesse grandes esforços.
- Deixe que eu carrego - disse ele, colocando o pesado saco de arroz nas costas.
- Rio, estou acostumada a fazer isso desde que tinha doze anos.
- Bem, então é melhor se desacostumar. Nós temos um trato, minha mulher: você sonha por mim e eu moverei montanhas por você - disse ele, beijando-a levemente.
Lee tossiu alto da varanda:
- É sim, Laura., Você sabe, quem não trabalhar, não vai receber comida.
Rio soltou uma gargalhada e roubou outro beijo de Laura. Lee tentou não sorrir, mas acabou desistindo. Afinal, ele nunca vira Rio tão aberto e livre como agora.
E Laura, bem, Laura parecia que tinha o sol a brilhar dentro de si. Vendo tanta felicidade, achou melhor não se preocupar com datas de casamento, ou com o passado
de Rio, ou com o coração vulnerável de Laura. Afinal, só um tolo abandonaria uma mulher como Laura, e Rio não era nada tolo.
Laura levou os legumes para a cozinha, notando que Lee já estava bem-humorado novamente. Ela se sentiu aliviada! Temia que ele não aceitasse o fato de ser
a mulher de Rio... por algum tempo. Sem alianças, sem festa, sem "até que a morte os separe". No entanto, sabia que poderia dar a Lee o que ele mais desejava: uma
criança que o chamaria de vovô e preencheria muito de seu tempo.
Um filho de Rio era o que Laura desejava ardentemente. Ainda não fora naquele mês, mas esperava que no próximo as coisas fossem diferentes. Era sua última
chance já que quando o poço jorrasse água, Rio partiria. Ela tinha tanta certeza daquele fato como tinha de que queria ter um filho dele.
Contudo, dentro dela uma voz triste a atormentava.
" Por que ele tem de partir? O que existe em outros lugares que ele não possa encontrar aqui, na Vale do Sol?"
Mas não havia resposta para aquela pergunta. Naquela noite, enquanto ela pensava na saudade que sentiria de Rio, repentinamente ele entrou no quarto, fechou
a porta atrás de si e pegou-na nos braços:
- Sinto muito, pequena sonhadora - disse ele, passando-lhe as mãos pelas costas delicadas.
Por um momento ela imaginou que ele lera sua mente. Então suspirou ao perceber sobre o que ele tentava falar:
- Lee não vai mais tocar no assunto. Acho que agora ele já entendeu - disse Rio.
Laura não sabia o que havia para ser entendido.
- Ainda bem. Talvez ele possa me explicar - falou ela.
- Explicar o quê?
- Você.
- O que você não entende sobre mim? - perguntou ele.
- Porque você vai partir.
Antes que Rio pudesse dizer algo, ela o beijou e depois murmurou:
- Não se preocupe. Não importa. Entender você não mudaria nada mesmo. Eu o amo e você partirá de qualquer maneira. Me ame enquanto você está aqui, Irmão do
Vento, me ame agora - pediu ela, movendo as mãos pelos ombros largos e pelo peito másculo.
Rio acariciou-lhe os cabelos macios, olhando-a de modo intenso. O que ele viu no semblante de Laura perturbou-o: dor e aceitação, paixão e amor. Amor, mais
do que tudo. Ela o amava como ninguém mais, e ele jamais imaginara que alguém pudesse amá-lo daquela maneira.
- Laura, eu não quero magoá-la. Por favor, não permita que eu a magoe - falou ele baixinho.
As mãos delicadas se moveram pelo corpo musculoso, sentindo todo o calor e a força que havia nele.
- Eu o quero tanto que estou até tremendo. Não percebe como eu. . .
As palavras de Laura ficaram perdidas na boca de Rio. Ela tremeu mais ainda quando sentiu-lhe o doce sabor dos lábios quentes. A mão dela acariciava-lhe o
peito, os quadris. Depois, tentando abrir-lhe a fivela do cinto de couro, desapontou-se ao ver que não conseguia. Ele riu baixinho:
- É isso mesmo o que você quer? - perguntou, dando um passo para trás. Arrancou as roupas de trabalho, e ficou nu em frente a ela. - É isso? - perguntou
ele novamente.
Imediatamente ela o abraçou fortemente, lambendo-lhe os lábios com movimentos suaves de sua língua, excitando-o profundamente. Ela pressionou o corpo contra
o dele provocando-o com movimentos voluptuosos. A cama estava alguns passos atrás, ele então a puxou para que se deitasse. Laura acariciava-lhe o rosto, os ombros
e o peito, e quando ele tentou abrir-lhe a blusa, exclamou:
- Não! Deixe-me sonhar! Deixe-me sonhar com você...
Depois, tirando as roupas rapidamente, jogou-as no chão e aproximou-se dele. Rio ainda não captara o que ela pretendia. Laura começou a se mover sobre ele,
aquecendo-o e tocando-o em toda a sua extensão, como se fosse um raio de sol a acariciá-lo. O prazer da boca feminina correndo por todo o seu corpo produzia um êxtase
tão imenso que ele mal podia respirar. Quase como um sonho, ela o tocava com a língua sensível até que ele percebeu que se não a acompanhasse nesse sonho, ela morreria.
- Laura... - ele falou com a voz rouca e a respiração ofegante.
Como resposta aquela língua ardente caminhou sobre o músculo que arfava de prazer! No instante seguinte, ele a deitou, estendendo seu corpo tenso sobre o dela.
Ela sorria de modo sensual, esfregando as pernas longas e torneadas nas de Rio.
Mas agora era a vez de Rio sonhar, e de Laura apreciar aquele sonho tão fascinante. Movendo-se sobre ela como o vento envolveu-a numa torrente de paixões,
levou-a até o pico do prazer para depois esperar, sonhando com aquele momento inusitado. Finalmente, penetrou-a, beijando-a loucamente, e ouviu um grito abafado
que vinha do âmago de Laura. Moviam-se juntos como se fossem um só corpo, um só sonho, num ritmo cada vez mais acelerado, até que espasmos de prazer intenso os dominaram
no clímax incontrolável.
Laura adormeceu abraçada fortemente a Rio, sem se preocupar com as respostas às suas dúvidas. Ela era a terra e ele era o vento que trazia a chuva, e sobre
aquela realidade não pairava dúvida alguma.
- Acorde, sonhadora. Temos que cavar um poço - falou Rio, aninhando-se nos seios de Laura.
Ela abriu os olhos lentamente. Os primeiros raios do sol já iluminavam o quarto e Laura sorriu ao ver o rosto dele. Depois, passando-lhe os dedos pelos cabelos
negros, beijou-lhe docemente a fronte.
Ele movia a cabeça, numa resposta sensível àqueles carinhos. Depois, com um som de prazer, beijou suavemente as pontas rosadas dos seios firmes.
Por um momento, os dois se perderam no calor da suave carícia, até que Rio, suspirando, levantou-se relutantemente e dirigiu-se ao corredor. Após alguns minutos,
Laura levantou-se, atraída pelo barulho de água corrente. Quando ela entrou no banheiro, Rio já terminava o banho. Ele a beijou no nariz e puxou-a para o chuveiro.
A água ainda não estava muito aquecida:
- Brrr! Como você aguenta essa água fria? - perguntou ela, tremendo de frio.
- Ê para não ter problemas.
- Por acaso você está me chamando de problema?
Beijando-a, fez com que ela esquecesse a pergunta e a temperatura da água. Depois, entregou-lhe o sabonete e saiu antes que começassem algo que não teriam
tempo para terminar. Laura não se demorou no banho apesar de a água já ter esquentado. Sabia que Lee estava ansioso para ir ao local do poço, assim como ela. Aquele
seria o primeiro dia de perfuração e ela se sentia como uma criança que queria ganhar um presente. Aquele poço significava o renascimento de toda a Vale do Sol.
Por outro lado, quando a água fosse encontrada, Rio a deixaria.
O aroma do bacon e do café já podia ser sentido. Quando Laura desceu para a cozinha, Rio entregou-lhe uma xícara de café. Da janela podia se ver o amanhecer
com sua luz suave, e ó céu absolutamente sem nuvens, sinal de que a manhã seria muito fria.
- Nem sinal de chuva. Esta seca está sendo a pior de todas. E os tanques dos animais? - perguntou Lee, servindo o bacon.
- Eu os enchi ontem - disse Rio, tomando um gole de café quente.
- Isso eu vi. Sou velho mas não sou cego. Você vai preparar os ovos, menina, ou vai ficar esperando para comer tudo o que eu fizer? - perguntou Lee, sem maldade.
Apressadamente, Laura colocou a xícara de café na mesa e começou a quebrar os ovos numa frigideira. Em alguns minutos o café da manhã estava servido.
Após comerem em silêncio, Lee e Rio colocaram canos e galões de combustível na caminhonete, enquanto Laura preparava alguma coisa para o jantar. Em seguida,
os três subiram no veículo e rumaram para o Canyon do Vento.
Logo que pegaram a estrada principal da fazenda, sentiram o solo bastante irregular. Tudo dentro da caminhonete chacoalhava, indicando que aquele caminho seria
melhor percorrido a cavalo. Sentada entre os dois, às vezes Laura olhava para Rio e observava-lhe o perfil másculo e o maravilhoso azul dos olhos. Vendo que ela
o olhava, ele tirou uma das mãos do volante e acariciou-lhe o rosto delicado. Depois, voltou a concentrar-se na estrada difícil e perigosa.
Laura tinha uma outra impressão do Canyon do Vento agora. Já não o achava tão árido e sabia que o futuro da Vale do Sol estava lá.
Rio, vendo a ansiedade no rosto dela, quis preveni-la de que não poderia garantir uma perfuração bem-sucedida. Havia água no Canyon do Vento sem dúvida nenhuma,
e formava um grande rio subterrâneo, mas talvez a uma profundidade tão grande que tornaria a perfuração inviável. E se as rochas subterrâneas fossem resistentes
demais para o equipamento? Será que a sorte os ajudaria a ponto de dar tudo certo?
A única maneira de descobrir a que profundidade a água estava, era fazendo a perfuração do local. Se o tempo, o dinheiro e a sorte ajudassem, logo teriam a
resposta.
Contudo, era o fator tempo o que mais preocupava Rio. Já achara água em questão de dias, mas levara meses para atingi-la em outros locais. A segunda prestação
da hipoteca de Laura venceria em um mês e meio e Rio sabia que o dinheiro dela não era infinito. Temia que tivesse de usar o dinheiro da hipoteca numa perfuração
longa e custosa.
Ele queria que o veio de água estivesse perto da superfície, mas sua experiência e seus instintos lhe diziam que a água estava longe, muito longe, perto do
limite do dinheiro e dos nervos de Laura.
A caminhonete andava com dificuldade pelo pedregoso vale do Canyon do Vento. Nas duas semanas que Lee estivera fora, Rio já havia tirado todas ás grandes pedras
do caminho e cortado todas as árvores maiores que dificultavam o acesso ao local. Era o máximo que poderia ser feito já que não tinham nem tempo nem dinheiro para
aplainar o local adequadamente.
Rio estacionou a caminhonete ao lado do equipamento que já transportara. Havia uma escavadeira pequena e já bastante usada, que contudo funcionava muito bem.
Rio a usava sempre em suas escavações, e ela sempre se saíra bem, mesmo nos lugares mais inóspitos. O equipamento de perfuração também não causava muito boa impressão.
Montado com velhas peças encontradas no celeiro de Laura, e mais outras que Rio já possuía, parecia que ia desmontar com a ação do vento.
- Ainda bem que isto não é um concurso de beleza. Perderíamos com certeza - disse Lee, descendo da caminhonete.
A única resposta de Rio foi um resmungo, enquanto tirava outros suprimentos do veículo. Mesmo trabalhando rapidamente, Laura tinha a impressão de que jamais
iniciariam a perfuração. Nervosa e apreensiva, tudo o que queria naquele momento era ver o motor da escavadeira em funcionamento.
Rio observou a reação de Laura quando o motor foi ligado: andava de um lado para outro, não suportando o barulho ensurdecedor.
- Você logo se acostuma - disse Rio, em voz alta.
- Eu sei. Ficando surda, é o que você quer dizer.
Rio deu uma alta gargalhada e tomou Laura em seus braços.
- Me dê um beijo primeiro. Depois pegue a chave de rosca número um.
Laura o beijou longamente, fazendo com que ele desejasse estar a sós com ela. Tudo nela o atraía: sua sensualidade, a serenidade de seu silêncio, sua determinação
e sua inteligência. Para Laura o mesmo acontecia, adorando estar com Rio, falar com ele ou ficar em silêncio perto dele.
Rio soltou Laura lentamente. Ela se recompôs e dirigiu-se ao quadro de ferramentas. Após localizar a chave número um, olhou Rio de longe: usava luvas de trabalho,
controlava cada parte da escavadeira. Laura acenou para ele e viu que a máquina já funcionava a todo vapor, produzindo um barulho estranho e muito alto. Quando a
escavadeira atingiu o solo, muita poeira foi levantada, mas aparentemente tudo estava bem.
Rio sabia que a primeira parte era a mais fácil e rápida de todo o processo, pois nenhuma rocha resistente se localizava na superfície. Contudo, quando atingissem
maior profundidade, encontrariam rochas com milhões de anos. Aí sim, tudo ficaria mais difícil e demorado.
O poço propriamente dito estava localizado sob aquelas rochas milenares, mas em compensação a água seria tão abundante que resistiria à qualquer seca.
Depois de algumas horas, Laura percebeu que não fazia sentido ficar ao lado da máquina observando o trabalho dos outros. Decidiu voltar à fazenda, onde muito
trabalho a esperava. Precisava checar se o gado estava bem, recolher os ovos no galinheiro, ver os cavalos e ir até a cidade para pagar algumas contas.
Ainda havia algumas peças da perfuradora que precisavam ser levadas para conserto e mais duas a ser encomendadas. Os gastos preocupavam-na, mas sabia que deveriam
ser feitos. O que Rio precisasse, ela conseguiria. Ademais, sem aquelas peças novas, o trabalho seria ainda mais demorado e Rio não tinha muito mais tempo para ficar
na Vale do Sol.
Aquela ideia perturbou-a profundamente, apesar de Laura não ter dinheiro para aguentar por muito tempo. Tudo estava ficando bem mais caro do que ela esperava,
devido aos altos preços e à necessidade de peças mais modernas.
Apesar de não ter dito nada a Lee nem para Rio, seria necessário mexer no dinheiro da hipoteca para poder arcar com as despesas.
Antes de ir, Laura perguntou a Rio se ele precisava de algo. Para sua surpresa ele disse que sim, e a chamou para perto de si. Depois, tirando as luvas de
trabalho, pegou-lhe o rosto suave e a beijou ternamente.
- Preciso de você, Laura - falou ele, encostando a boca no ouvido dela.
Ela começou a chorar de emoção, abraçada a ele com o rosto colado ao séu pescoço.
- Estou aqui. Sempre estarei aqui para você - disse ela com segurança.
Ele a abraçava tão fortemente que Laura mal podia respirar.
- Cuidado quando dirigir a caminhonete. É difícil manter o volante com o estado da estrada. Não se esqueça de deixar o rifle carregado ao seu lado. Cuidado
com as cobras! - aconselhou ele.
- Você acha que Turner. . .
- Não. De jeito algum. Se eu achasse que poderia tocá-la novamente, teria acabado com ele. É só por precaução. Você é preciosa demais. Nada deve acontecer
a você - disse ele, beijando-a novamente. Depois continuou: - Não posso explicar. Não consigo bem entender o que acontece comigo, mas a simples ideia de que algo
possa te magoar me faz sofrer profundamente.
Laura notou uma emoção intensa nos olhos de Rio. Pela primeira vez, chegou a ter um fio de esperança de que ele não a deixaria. Aquela possibilidade a fez
tremer. Talvez ela e Rio pudessem viver juntos numa nova Vale do Sol, criando filhos e se amando até que o sol se pusesse pela última vez. A terra ainda continuaria
depois deles, a água fresca correria e seus filhos viveriam a promissora realidade dos sonhos dos pais.
Ambos estavam emocionados naquele momento. Ela jamais se sentira tão bela para ele, quase que luminosa em seu profundo amor por ele. No entanto, Rio sentia-se
muito mal por saber que poderia ser o destruidor de toda aquela felicidade que Laura aparentava.
"Laura, minha bela sonhadora. Não deixe que nada a magoe. Mesmo eu. Principalmente eu."
CAPÍTULO XII
A perfuração não ia muito bem. Uma peça atrás da outra começava a dar problemas devido à grande resistência das rochas, atrasando o trabalho às vezes por algumas
horas, às vezes até por alguns dias.
As camadas de rocha eram espessas e por demais resistentes, não havia a possibilidade de elas armazenarem água. Rio trocava as brocas da máquina, perfurando
insistentemente. O barulho era terrível e o trabalho incessante, a frustração e incidentes mecânicos aumentavam cada vez mais.
Quando Laura percebeu a preocupação de Lee e de Rio, parou de perguntar se estava tudo bem. Ela os levava para o Canyon do Vento ainda de madrugada e os pegava
após o entardecer. Nesse meio tempo cuidava sozinha da fazenda. Ainda não chovera em quantidade suficiente, o que significava viagens à fazenda de Turner, acompanhada
de seu rifle. Turner, por sua vez, não havia mais dado sinal de vida e Laura esperava que ele realmente não aparecesse.
De repente as pessoas da cidade começaram a ir à Vale do Sol. Sempre tinham uma desculpa qualquer: vender ou comprar uma sela, cruzar uma égua ou convidar
para uma churrascada; mas, na realidade, o que todos queriam saber era a respeito do novo poço:
"Como vai indo o poço, Laura? Há alguma chance de água? Que diabo de lugar, bem no meio de um canyonl Você pretende achar água artesiana lá? Nunca ouvi falar
de água artesiana naquele vale, e olhe que a minha fazenda é do outro lado do canyon. Tenho pena de você. Perfurar já é caro, e.ainda naquele local... "
Aqueles eram os mais educados. Os outros, incluindo os homens de Turner, achavam que pelo fato de Laura ter se tornado mulher de Rio, estava disponível a qualquer
homem que aparecesse. Nenhum deles dizia algo de modo explícito porque temiam a reação de Rio. No entanto, olhavam-na cóm olhos cheios de desejo, irritando-a profundamente.
"Ouvi dizer que Lee foi para Salt Lake City. Ficou muito tempo sozinha? Ah, sim, Rio estava lá. Aquele andarilho tem um olho para mulheres, hein? Ouvi dizer
que ele tentou comprar uma fazenda por aqui no passado. . . mas não tinha dinheiro algum. Imagino que a sua fazenda deva ser bem interessante para ele..."
Laura ignorava aquelas insinuações olhando-os friamente até que saíssem de perto dela. Quanto aos convites para festas e churrascos, recusava todos dizendo
que o trabalho lhe tomava muito tempo.
Finalmente, as camadas de rochas resistentes começaram a dar lugar a rochas mais frágeis. Foi um momento de grande emoção quando Rio analisou uma amostra.
Contudo, a pedra era frágil, mas muito seca, indicando que não havia água naquela profundidade. A perfuração continuou, cada vez mais funda, levando consigo muito
do dinheiro e dos sonhos de Laura.
Depois de alguns dias, as mãos de Lee estavam doloridas demais para que pudesse continuar com aquele trabalho tão árduo. Laura reparou quando certa manhã ele
derrubou a cafeteira, mal conseguindo segurá-la. Lee precisava de descanso, mas era orgulhoso e teimoso demais para admitir tal fato. Laura então resolveu "convencê-lo"
sutilmente.
- Lee, preciso ir à cidade agora cedo e gostaria que você ficasse em casa tomando conta de tudo. Muita gente estranha tem aparecido por aqui ultimamente. Rio,
você acha que dá para ficar sem Lee por um dia?
- Vou tentar - disse ele, querendo dizer que a presença de Lee era muito importante.
Ela agradeceu-lhe com os olhos, percebendo que havia entendido suas intenções. Lee, por sua vez, achou ruim ficar em casa quando havia tanto para ser feito.
Em seguida, com muita preocupação, Rio entregou à Laura uma lista de peças novas que precisavam ser adquiridas. Ela leu o papel, tentando disfarçar a consternação
que sentia em relação aos novos gastos. Parte do dinheiro da hipoteca já havia sido gasto e tudo indicava que continuaria a ser usado. Na realidade, aquele era o
verdadeiro motivo de sua ida à cidade naquela manhã. Tentaria negociar com o banco um novo prazo para aquela prestação. Queria conseguir tempo suficiente até que
a água fosse encontrada.
Laura sabia que a água estava lá e que Rio queria achá-la para ela. Podia até perceber que aquele poço estava se transformando num sonho para ele, que jamais
tivera algum sonho.
- Você não vai nem me perguntar se estamos mais perto da água? - indagou Rio, com ansiedade nos olhos azuis.
- Você sabe?
- Não.
- Então não há razão para perguntar - respondeu ela, sorrindo.
Rio pegou-lhe a mão e a beijou gentilmente num gesto de agradecimento.
- Depois de quatro semanas de perfuração e encontrando apenas rochas duras, muitas pessoas já estariam desesperadas. . . - disse ele.
- Muitas pessoas não têm esperanças - retrucou ela.
- Sonhadora, minha linda sonhadora - falou ele, beijando-lhe a palma da mão.
O calor daquele beijo permaneceu em Laura durante todo o trajeto para a cidade. Lá, ela encomendou as novas peças, pagando adiantado metade do preço. Depois,
dirigiu-se ao pequeno banco onde o gerente já a esperava. Ele sabia que muito dinheiro vinha sendo retirado da conta de Laura no último mês. Homem paciente, deixou
que ela lhe contasse toda a história, para finalmente lhe responder não. Disse-lhe que ela estava baseando o futuro pagamento num sonho e que eles não aceitavam
sonhos como dinheiro. Em seguida, explicou-lhe que a única saída seria arrumar um avalista que aceitasse arcar com aquela dívida. Naquele instante o telefone tocou
e o gerente o atendeu, ouvindo atentamente o que a pessoa do outro lado da linha falava. Depois, pediu licença e retirou-se da sala por alguns minutos.
Laura o aguardava, sentindo que estava perdendo as forças. Afinal, não esperava que seu pedido fosse recusado e tudo indicava que o gerente não mudaria de
ideia.
Um barulho na sala chamou a atenção de Laura. Vi-rando-se para a porta quase desmaiou ao ver que não era o gerente, mas sim John Turner.
- E agora? Como é que você vai tratar o .homem que vai salvar sua fazenda? - perguntou ele, rindo. - Vamos fazer um trato, você e eu. Eu assino sua hipoteca
e você vem a mim sempre que eu estalar os dedos. Não quero mais saber de andarilhos já que estou pagando muito por você. Ou você manda-o embora ou eu. . . Bem, a
escolha é sua, nené. Eu e sua fazenda, ou nada. E também não quero mais saber daquele velho vagabundo que vive por lá.
A cabeça de Laura parecia que ia explodir com tantas pressões. Rio demorava para achar água e a abandonaria quando o poço jorrasse, e agora, Turner. Tomada
de ira, ela se levantou abruptamente com os olhos duros e frios como gelo:
- Saia do meu caminho - falou entre dentes.
Turner andou até ela, parando tão perto dela que podia até sentir o perfume daquele corpo macio.
- Quer uma caneta? - perguntou ele, quase encostando o braço nos seios dela.
- Que tipo de flores você prefere? - retrucou ela.
- Flores? - indagou ele sem entender.
- É. Para o seu enterro.
Turner corou de raiva.
- Não encostei um dedo em você, e, se você disser algo diferente para ele, você é uma grande mentirosa.
- Você não terá que esperar por Rio. Não sou sua vítima para rastejar a seus pés. Se você me tocar novamente, eu mesma vou te caçar, só que não usarei a faca
da cozinha. Dessa vez usarei meu rifle.
Em silêncio, Turner se contorceu num sorriso cruel:
- No dia dezesseis de janeiro, estarei no seu rancho acompanhado do delegado. E neste dia, vou adorar ouvir você implorar, ajoelhada aos meus pés.
- Isso não vai acontecer. Não sou como as outras mulheres que você usa e depois joga fora. Nem sou como as pessoas a quem você empresta dinheiro, que preferem
entregar tudo a ter que lutar. Por acaso você já quis alguma coisa que não pertencesse a outra pessoa? Uma vez sequer nessa sua vidinha mimada?
A única resposta de Turner foi o rubor em seu rosto.
- Foi o que pensei - disse Laura com segurança. - Você ainda é um bebé. Enterrado em brinquedos, mas sempre quer o que está na mão de outra pessoa. Você
fica obcecado enquanto não o consegue. Aí você tira aquele brinquedo à força e olha em volta para ver com o que as outras pessoas estão brincando. Você não cresceu,
Turner, mas isto é problema seu, não meu. Não importa o que aconteça à fazenda, a Rio ou a qualquer outra coisa, jamais serei mais um de seus brinquedos.
Turner saiu, batendo a porta atrás de si. Muito pálida, lentamente Laura começou a recuperar a respiração. Quando não mais tremia, pegou a bolsa e saiu. No
banco, poucas pessoas pareciam ter dado importância ao que acontecera naquela pequena sala. Em seguida, dirigiu-se à casa de um vendedor de artigos de prata, onde
encomendou seus presentes para Lee e Rio. Ela nem podia acreditar que só faltavam alguns dias para o Natal, pois jamais se sentira tão sem vontade de festejá-lo.
Logo que chegou à fazenda, Laura correu ao pasto para checar o rebanho de gado Angus. Um bezerrinho caminhou até ela, belo e vigoroso.
- Você é tão lindo que faz com que eu me sinta pavorosa - falou ela, acariciando-o com a mão. Depois de distribuir ração a todos, olhou-os cuidadosamente:
nenhum aparentava ter algum problema.
Por alguns momentos ela ficou lá parada, assegurando-se que tudo estava bem com seu gado. Sem perceber, ela sorria, satisfeita por estar no meio dos animais.
Afinal eles eram muito mais do que um belo rebanho: eles eram o futuro da Vale do Sol.
- Boa-noite para todos. Cresçam bastante e fiquem bem fortes.
Em seguida, levou para a cozinha as provisões que havia comprado e começou a preparar o jantar. Quando Lee e Rio voltaram, ela esperou que eles tomassem banho
para poder servir o jantar.
- Venham logo antes que eu jogue tudo aos porcos - brincou ela como usualmente fazia. Normalmente, Rio respondia com um grande beijo, mas naquela noite,
contudo, ele apenas a abraçou fortemente como se precisasse de conforto e esperança.
- Como foi o dia hoje? - perguntou ela gentilmente.
Ele a abraçou mais forte.
- Finalmente atingi outra camada de rochas, mas ela também está completamente seca.
Laura sentiu um frio lhe penetrando o corpo. Abraçada a ele, podia sentir-lhe o coração que batia fortemente.
- Vamos, você se sentirá melhor depois que comer - disse ela sorrindo.
Rio acariciou-lhe o rosto e os lábios. Ia falar, mas resolveu beijá-la antes:
- Não existe ninguém como você, Laura.
Naquela noite, sem precisar falar, mas entregando-se a ela inteiramente, Rio lhe deixou bem claro que só ela o chamava como o vento. Ele até chegara a sonhar
que a perfuração no Canyon duraria eternamente, podendo assim ter a alegria inacreditável do amor de Laura para sempre.
Entretanto, Rio também sabia que deveria achar água logo, pois quanto mais tempo ficasse ao lado dela, mais a machucaria. A ideia de magoá-la era como uma
faca atravessando-lhe o coração e a mente.
Na manha seguinte, Rio disse à Laura que iria apressar os trabalhos de perfuração.
- Precisamos achar água logo, caso contrário você não terá nenhum dinheiro para o pagamento da hipoteca em janeiro.
Ela olhou para ele e meneou a cabeça lentamente. Sentia que ele estava preocupado.
- Darei um jeito, Rio. Não há necessidade de você se matar de trabalhar. Teremos o tempo que você precisar.
Ele a olhou de modo intenso, pressentindo que ela pensava em outra coisa.
- Um dos sobrinhos de Lee chegará depois do Natal para nos ajudar. Só então aumentarei as horas de trabalho - explicou ele.
Laura nada disse, percebendo que não tinham outra alternativa.
A noite de Natal foi passada no local da escavação. Laura iluminou o lugar com um lampião, trouxe algumas frutas e pipoca e assou um peru num espeto montado
por Lee e Rio. Depois cantaram velhas canções de Natal ao som desafinado da harmónica de Lee. Lágrimas corriam pelo rosto dele e de Laura ao se lembrarem de outros
natais. Em seguida, usando os copos de cristal, brindaram à saúde de todos e à água do futuro poço.
Por um momento, em silêncio absoluto, ficaram ouvindo o vento e sentindo a paz que ele trazia. Depois, Lee dirigiu-se ao caminhão, voltando com dois presentes.
Para Rio, uma bonita fita de chapéu feita de pele de cobra. Para Laura, um belo cinto do mesmo material. Rio deu a Lee um novo par de luvas de trabalho, resistentes
o suficiente para que os dedos doentes não ficassem doloridos após o árduo trabalho.
Laura escondera seus presentes dentro de uma caixa de mantimentos. Ela deu o de Lee primeiro, uma belíssima fivela oval de prata, com um cavalo de madrepérola
incrustado sobre ela. Imediatamente ele tirou o cinto, substituindo a velha fivela de latão por aquela que ganhara.
Enquanto Lee arrumava seu cinto, Laura entregou a Rio seu presente. Ele olhou para ela por um longo momento, segurando o pequeno pacote ainda embrulhado. Dentro
da caixa, protegido por papel de seda, havia um lindo bracelete feito de uma única peça de prata fundida. Com uma abertura suficiente para ser colocado no pulso,
a peça tinha o nome indígena de Rio do lado de fora, gravado com pequenos pedaços de turquesa polida. Do lado de dentro, uma inscrição: "Enquanto a água correr".
Rio admirou a perfeição do trabalho, leu a inscrição e sentiu-se profundamente emocionado. Ao olhar para Laura, não conseguia se lembrar quando fora a última
vez que alguém lhe dera um presente, ainda mais algo confeccionado especialmente para ele.
- Obrigado - murmurou, abraçando-a e beijando-a sem parar, como se tivesse medo que ela fosse embora da mesma forma que o vento. - É como você, inesperado
e perfeito.
Por um momento ele parou de abraçá-la. Depois abriu o colarinho da camisa e passou a mão pelo pescoço.
- Seu presente não está embrulhado. Eu quis dá-lo a você da mesma maneira que o ganhei: ainda quente com o calor do corpo de quem o usava - disse ele,
tirando do próprio pescoço um colar indígena. Depois, continuou: - Pertenceu à minha bisavó, à minha avó e
à minha mãe. Ela o deu para mim quando me deixou com meu avô para voltar à cidade de onde viera.
O colar brilhante nas mãos de Rio tinha pequenas flores feitas de moedas de prata retorcida. Com mais de cem anos, era uma mistura das culturas branca e indígena,
trazendo em si a história de tantas vidas que fez Laura tremer ao tocá-lo.
- Rio, não posso aceitar. . .
Ele a silenciou com um beijo. Depois, desabotoou-lhe a blusa e o colocou no pescoço. Laura sentia o colar sobre os seios, a prata acariciando-a e transmitindo-lhe
o calor do corpo de Rio.
- Rio. . . - ela tentou falar mais uma vez sem contudo conseguir.
- Minha avó uma vez me disse que um dia eu acharia a mulher certa para usá-lo. Eu nunca acreditei nisso até o dia em que a vi ao lado do poço de Turner, deixando
que a água escorresse por todo o seu corpo. Talvez um dia sua filha use este colar e aí você falará a ela sobre o, homem que o deu a você. Não consigo pensar em
algo mais bonito do que essa prata sendo aquecida pelo calor de um filho nascido do seu ventre.
- E. . . e os seus filhos? - perguntou ela, com a voz embargada.
Rio sorriu, mas de uma maneira profundamente triste.
- Uma vez eu quis que uma mulher tivesse um filho meu. Foi na cidade, antes que eu me aceitasse com meu nome indígena, Irmão do Vento. Ela me amava,
mas era branca e não queria ter filhos mestiços.
- Então ela não te amava verdadeiramente.
Ele abanou a cabeça.
- Ela estava apenas sendo honesta consigo mesma. Sempre fui grato a ela por isso. Outra mulher poderia ter se casado comigo e só me dizer depois. Isso aconteceu
com um primo meu.
- Eu não sou assim. Quero muito. . .
A voz de Laura tremia quando Rio voltou a falar:
- Então decidi que jamais pediria a uma mulher para ter um filho meu.
Laura sentia que as lágrimas contidas estavam quase sufocando-a. Imaginava se estaria carregando no ventre o filho de Rio. Filho este a quem ela daria aquele
colar um dia. Filho este que o pai talvez jamais conhecesse.
Por um longo momento os dois ficaram em silêncio. A mão de Rio se entrelaçava nos cabelos de Laura, fazendo refletir em seu bracelete a luz suave do lampião.
No céu, as estrelas brilhavam esfusiantemente.
Naquele instante Lee se aproximou de onde Rio e Laura estavam. Ao ver as lágrimas que caíam pelo rosto delicado, ficou calado. O som de um coiote podia ser
ouvido ao longe e a escuridão parecia reviver os espíritos da noite.
- Meu avô adorava o Natal - disse Rio, relembrando o passado. Laura ficou surpresa com o que ouvia.
- É verdade. Era a época em que toda a família se reunia e cantava canções natalinas. Ele dizia que podia ouvir o Grande Espírito no ar, como se fosse a chuva
levando a poeira do ano que estava para terminar.
- Então por que ele não se converteu ao cristianismo? - perguntou Laura delicadamente, não escondendo uma ponta de curiosidade.
- Ele se converteu.
- Mas eu pensei que ele fosse um feiticeiro.
- Ele era também.
Rio então puxou Laura para si, passou os lábios pelos cabelos sedosos e tentou explicar:
- Bem, ele achava que havia deuses indígenas, mas estava convencido que ò deus do homem branco era superior. Para os índios, a prova do poder divino está
em se viver o dia a dia. Seus filhos falavam uma língua europeia, aprendiam a história da América e adoravam
um deus europeu. E isso para ele era a força do poder.
Rio parou por alguns segundos e depois continuou:
- Entretanto, os coiotes ainda uivam suas canções mais antigas que o homem, a chuva ainda cai de uma nuvem, e o vento ainda é irmão de alguns homens.
- Seu avô ainda vive? - perguntou Laura.
- Sim. Ele está no grito do coiote e no assobio do vento. Ele está na canção de Natal do homem branco e perto dos deuses indígenas. No coração dele havia lugar
para tudo e para todos, e eu me sinto feliz com a ideia de que ele possa estar em todos os lugares.
Perto da fogueira, Lee ouviu o que eles falavam e terminou o assunto com um solene "Amém". Não queria ver Laura chorando.
O vento soprou forte, levantando uma espiral de poeira. Lee então se espreguiçou:
- Bem, acho que vou descansar esses velhos ossos numa cama macia.
- Levarei Laura de volta daqui a pouco -- disse Rio.
- Fiquem à vontade - disse ele, subindo no caminhão.
- E você? Não vai voltar para a fazenda - Laura perguntou a Rio.
- Não. Eu já trouxe um pequeno colchão e uma manta.
- Tem lugar para nós dois? - perguntou ela, aca-riciando-lhe o peito másculo.
Aquele toque de Laura provocou um arrepio em Rio. Levantando-se, ele a puxou para a cama que havia improvisado e lá mesmo fizeram amor. Com uma paixão desesperada,
ele murmurava-lhe palavras sensuais aos ouvidos, sentindo uma enorme necessidade de penetrá-la em todas as partes do corpo e da mente. Mais uma vez ele lhe proporcionou
um êxtase total. Quando ela gritou o nome de Rio ao atingir o prazer absoluto, ele se deu para ela como a chuva se dava para a terra.
Bem antes que o sol aparecesse, a perfuração já havia começado com toda a força. Os dias se passavam e todos viam que as camadas de rocha se alternavam entre
si, mais resistentes e mais frágeis, uma após a outra. Rio nada dizia, apesar de demonstrar cansaço e preocupação. O sobrinho adolescente de Lee, que viera de Salt
Lake City, trabalhava com todo o vigor, permitindo assim que Lee tivesse algum descanso.
Toda tarde Laura ia vê-los, levando um sorriso nos lábios e alimentos numa cesta. Menos uma vez. Naquela tarde ela não foi ao Canyon do Vento porque sabia
que não conseguiria sorrir. Acabara de vender todos os animais que ainda restavam na Vale do Sol, com exceção de Tufão. Sabia que não poderia desfa-zer-se dele uma
vez que ele fazia parte do trato que assumira com Rio: usá-lo como reprodutor enquanto a água jorrasse.
Com aquele dinheiro, Laura pagara a prestação da hipoteca, assim como o transporte das peças que havia encomendado. Depois, de volta à fazenda onde não havia
mais gado foi checar Tufão, que demonstrava estar sentindo muita falta das quatro éguas. Ela se sentia triste e desesperançada como o sol que se punha naquele momento.
Ao virar-se, viu que Rio estava atrás dela.
- Onde está o gado? - perguntou ele muito sério, já imaginando o que havia acontecido. A data lhe respondia tudo: 15 de janeiro.
- McNally, que mora em Utah, comprou todos os meus animais. Ele ficou maravilhado com a notícia quando lhe telefonei. Ao ver os bezerros de Violeta, disse
que se arrependera de tê-la vendido.
- E as éguas de Tufão? Você as vendeu também? - Rio perguntou num tom severo.
- Sim. Todas. Menos Tufão.
- Meu Deus. . .
Rio fechou os olhos, não acreditava no que ouvia.
- Laura, meu diploma em hidrologia e geologia nunca garantiu água para ninguém. Com o dinheiro da venda você deveria garantir uma nova vida para você, e não
jogá-la todo dentro de um buraco seco!
Ela colocou as mãos nos ombros dele.
- Não vendi meu gado por causa dos seus diplomas. Tenho visto você andar pela terra. Vi como você se comunica com ela. Vi você sentir a presença de água
sob seus pés. E vi seu presente de Natal, tão misterioso e ao mesmo tempo tão real como meu amor por você.
Laura olhava para Rio com uma emoção profunda, que se refletia naqueles olhos de um azul cristalino.
- Rio, eu sei que a água está lá. Se for possível atingi-la, sei que você conseguirá. E se for impossível, viveremos sabendo que pelo menos fizemos
tudo que estava ao nosso alcance. Não temos por que nos envergonhar se não "conseguirmos. Só se envergonha quem não luta por seus ideais.
Rio a fitava de uma maneira estranha e intensa. Depois, abraçando-a fortemente, teve a certeza de que ninguém jamais o amara e o entendera tanto como Laura.
Também foi naquele momento que ele teve a certeza de que acharia água para ela nem que tivesse de cavar até o inferno.
Primeiro foi Lee. Depois seu sobrinho. Ambos sucumbiram à exaustão daquele trabalho tão árduo, incessante e desapontador. Laura então começou a ajudar Rio
na perfuração, acostumando-se àquele equipamento tão esquisito e de difícil manejo. Trabalhavam até a noite e dormiam um nos braços do outro. Às vezes ela acordava
durante a noite, ficava observando as estrelas até que Rio a beijava e a acariciava intensamente. Ela sonhava que Rio ficaria sempre com ela, procurando água na
Vale do Sol eternamente.
Numa manhã, contudo, o sol nasceu trazendo consigo um forte barulho parecido com um trovão. No mesmo instante Rio agarrou Laura, afastando-a rapidamente da
máquina perfuradora.
- Corra! - disse ele, puxando-a para longe.
- Qual é o problema? - ela perguntou, quando finalmente pararam de correr.
- Vai chover, pequena sonhadora. Vai chover por mais de mil anos.
Laura olhou para o céu, não vendo nenhuma nuvem. A perfuradora então produziu um novo barulho assustador.
- Rio? Será que. . .
Laura parou de falar, com medo de acreditar naquela possibilidade.
- Sim! - falou Rio rindo exultante.
Repentinamente a água começou a jorrar pelo buraco perfurado, subindo ao céu e caindo como uma chuva prateada, formando uma cortina cintilante ao redor da
máquina. Após a explosão inicial, o jorro de água começou a diminuir até chegar à metade do que estava. Num ritmo incessante, corria sem parar, demonstrando que
haviam alcançado a bacia subterrânea. Laura correu então para perto da água que saía, e deixou que a chuva prateada molhasse todo o seu corpo. Depois, atirou-se
nos braços de Rio, beijando-lhe o rosto molhado pelo líquido precioso.
- Ê doce! - disse ela, rindo e chorando ao mesmo tempo.
- Muito doce! - falou Rio, beijando-lhe os olhos.
- A água. . . eu me refiro à água. Temia que encontrássemos água salgada, mas ela é doce e fresca.
- Não tão doce quanto você - murmurou ele.
- Obrigada - falou Laura, passando-lhe a mão pelos cabelos molhados.
Laura agradecia e o beijava incessantemente, mas ao contrário de responder com outras carícias, como sempre fazia, Rio gentilmente a colocou no chão e ficou
muito sério.
O vento soprava pelo canyon, murmurando os segredos da terra.
- Precisamos contar a Lee - ele falou. Em seguida, beijou-a fortemente mais uma vez, para depois soltá-la rapidamente como se não pudesse tocá-la. Seus olhos
sombrios.
- Rio? - perguntou ela, pressentindo que alguma coisa ruim estava para acontecer. Então ela ouviu o chamado do vento e começou a tremer, sabendo do que se
tratava.
- Não. . . Não! Ainda não! Não agora! - murmurou, fechando os olhos cor de mel.
Em seguida, ela se virou e colocou a mão sobre a própria boca, lembrando-se que prometera a si mesma jamais pedir para ele ficar. Lutava para controlar as
emoções que corriam por todo o seu corpo, sabendo que se falasse algo destruiria todos os bons momentos que havia compartilhado com Rio. Já fora forte muitas vezes
em sua vida, e agora era chegado o momento de ser mais forte do que nunca, o momento de dizer adeus ao homem que amava.
- Laura - disse Rio, tentando ser gentil. Seu tom de voz era irreconhecível.
- Sinto muito! Você não vê que se eu não partir agora será pior depois? Agora sei que jamais deveria ter tocado em você - falou ele, num tom de quem se amaldiçoava.
Depois de um longo momento, Laura se virou para ele com o rosto extremamente calmo:
- Você me deu tudo o que podia e isso foi muito mais do que já esperei de qualquer homem. Não fique bravo com você mesmo por isso, Rio. Eu não estou
com raiva de você. Eu te amo, mas sei que meu amor não é suficiente. Eu já sabia disso antes mesmo de me
apaixonar por você.
A voz de Laura ficou bastante suave quando ela ergueu as mãos para a água que caía:
- Você realizou meu sonho. Eu poderia realizar o seu, mas você não tem nenhum sonho e o que eu sonhei por você não foi forte suficiente para mantê-lo junto
a mim. Assim, eu te darei tudo que posso e tudo o que quer: a liberdade do vento.
- Laura. . . Deus meu! Como eu desejaria ser um homem diferente - falou ele desesperançado.
- Não! Não se odeie, Rio. Se você fizer isso, vai me odiar também e eu não suportaria isso. Se de alguma maneira você se lembrar de mim, lembre-se de que eu
o amei muito, completo. Mesmo a sua parte vento - disse Laura, fechando os olhos, com medo de olhá-lo e perceber ódio naqueles doces olhos azuis.
Por um instante, Laura teve a impressão de sentir o calor da boca de Rio sobre seus lábios. Então o vento soprou, levando tudo consigo, o calor aconchegante,
e o homem também. Quando finalmente abriu os olhos, já estava sozinha.
- Eu te amo, Irmão do Vento - murmurou ela.
O barulho da água que corria foi a única resposta que Laura obteve.
CAPITULO XIII
Laura dirigia a caminhonete pela horrível estrada que conduzia ao Canyon do Vento. O homem sentado ao lado olhava para a terra seca ao redor sem demonstrar
emoção alguma. Depois, mexendo-se um pouco no assento, ele suspirou e falou:
- Se você me dissesse que havia água neste lugar, diria que você estava louca.
Laura olhou para Bill Hunter ao seu lado, voltando depois a se concentrar na estrada perigosa.
- Muitas pessoas pensavam que eu estava louca, inclusive o gerente do banco onde você trabalha. Foi por isso que eles exigiram este relatório do novo
poço, antes de me concederem um empréstimo.
Laura pensou no banco que praticamente era de Turner. Não se incomodara em pedir mais um empréstimo, pois jurara que jamais ficaria em débito com pessoas relacionadas
a John Turner.
- Quem descobriu o poço para você? - perguntou Bill com curiosidade.
- Um homem chamado Rio.
- Rio? Um homem alto? Parece um índio, mas tem olhos azuis?
- Ele mesmo! - respondeu ela de modo sucinto.
- Bem, se soubesse disso antes, teria economizado toda essa viagem. Quando Rio acha um poço, a água nunca pára de jorrar.
Ela tentou não perguntar, mas queria muito saber notícias de Rio. Talvez Bill soubesse de algo.
- Você conhece Rio? - perguntou ela, de modo tão casual quanto podia.
Ele sacudiu os ombros.
- Não posso dizer que alguém realmente conheça Rio. Fomos colegas de escola.
Imediatamente Laura fitou o geólogo.
- Sim, sei que pareço mais velho do que ele e real mente sou. Rio mal tinha completado dezesseis anos quando começou a faculdade de geologia e minas.
Com
vinte anos já tinha se doutorado. É o homem mais bri lhante que conheci. . . e o mais solitário também. Ser índio não é algo muito bom em algumas partes do Oeste.
Muitos homens teriam se transformado em fascínoras se tivessem sido tratados como Rio foi. Mas ele não, apesar de tudo. Quando ficava nervoso, simplesmente ia para
as montanhas, e depois. . . bem. . . depois voltava mais calmo e sereno. Imagino que até hoje deve existir quem queira maltratá-lo.
Laura apertou o volante com as mãos de um modo bastante tenso. Não suportava a ideia de que alguém poderia magoar Rio, como aquela mulher que não quisera ter
um filho dele. Laura desistiria até mesmo do poço para que isso acontecesse com ela, e era com ansiedade que aguardava a possibilidade de uma gravidez naquele mês.
- Como você o conheceu? - perguntou Bill.
Ele teve que repetir a pergunta para que Laura acordasse de seu sonho.
- Ele ouviu dizer que eu precisava desesperadamente de um poço.
- Sim. Este é Rio. É incrível! Ele poderia ser muito rico se quisesse, mas, ao contrário, sempre procurou pessoas que estivessem em má situação, mas com muita
garra para lutar. Como pagamento aceita um boi, verduras, ou apenas casa e comida, jamais explorando quem quer que seja. Ouvi dizer que ele tem animais por todo
o Oeste, mas dinheiro não, jamais aceitou dinheiro.
- Acho que eles os pagam com sonhos - disse Laura pensando alto.
- Como assim?
- Rio é um homem sem sonhos. Quando ele encontra alguém que possa sonhar, então ele os ajuda.
Após um longo silêncio, Bill comentou o que Laura dissera.
- Nunca pensei nisso, mas agora que você disse, acho que é exatamente o que acontece. Imagino que você deve ter entendido Rio muito mais que as outras
pessoas.
Laura não respondeu.
- É uma pena que ninguém tenha ajudado Rio quando ele ainda era bem jovem para sonhar. Ele teve uma infância terrível. Pais alcoólatras, solto pelas ruas.
Depois, quando começou a ficar muito selvagem, seus avós o pegaram.
- Quantos anos tinha ele naquela época?
- Doze ou treze. - Bill então tragou uma baforada de seu cigarro e continuou: - Não sei o que o avô dele fez para conseguir que ele se endireitasse. Ele era
um índio muito bom, pelo que ouvi dizer. Também era forte e seguro como uma rocha.
Laura queria se concentrar na estrada, mas tudo que conseguia ver em sua frente era Rio quando jovem, sozinho e maltratado.
- Os pais dele ainda vivem?
- Não. Morreram ao bater o carro num poste quando saíam de um bar. Rio tinha uns quinze anos quando tudo aconteceu.
Laura se perturbou ao ouvir aquilo.
- Que estrada péssima! - comentou Bill, sendo chacoalhado dentro da caminhonete.
Dirigindo em silêncio, ela queria muito que Bill continuasse a falar sobre Rio. Era como se pudesse cole-cionar pequenos fragmentos dele em sua mente.
- Você deve ser amigo dele, já que sabe tanto sobre sua vida - finalmente falou Laura.
Bill deu mais uma tragada no cigarro.
- Digamos que eu seja um admirador dele. Saber sobre a vida de Rio é quase um hobby para mim.
- Por quê?
- Minha tese de doutoramento foi sobre localização de água em terrenos áridos. Até então aquilo era para mim um assunto meio desinteressante, mas Rio ouviu
falar sobre meu trabalho. Uma vez fomos os dois a um deserto a Oeste daqui.
Bill sorriu ao se lembrar:
- Ele tinha uns dezessete anos, mas já era bem desenvolvido para a idade. Antes que eu pudesse ter minar a análise das rochas, ele já havia localizado
água.
Bill olhou pela janela e continuou:
- Achar água é minha profissão, mas o que eu mais gostaria era de sentir a presença dela como Rio faz. Como não posso, coleciono histórias sobre o as
sunto e o nome de Rio sempre aparece nessas histórias. Ele sabe achar água desde que tinha treze anos.
Laura surpreendeu-se:
- É verdade! - disse Bill, apagando o cigarro.
- Sei muita coisa sobre ele: seus pais, avós, os poços que perfurou, as pessoas que ajudou, os cavalos que domou, os homens com quem brigou, as mulheres que
pôde ter, mas não quis. Bem, sei bastante sobre coisas e pessoas relacionadas a ele, mas, na verdade, não sei absolutamente nada sobre ele. Nem mesmo seu nome. Aliás
ninguém sabe. É um homem bastante reservado e não participa seus segredos a ninguém.
"Meu verdadeiro nome é Irmão do Vento."
Aquelas palavras de Rio ecoavam na mente de Laura, fazendo com que ela tivesse de se controlar ao máximo para não chorar. Agora Laura tinha certeza absoluta
de que Rio repartira com ela suas coisas mais mais profundas e secretas.
A caminhonete derrapava bastante naquela estrada empoeirada. Após uma subida, já se podia avistar um pequeno lago com uma fonte artesiana jorrando no meio.
O geólogo segurou a respiração, sem acreditar que toda aquela água jorrava bem no meio de um canyon seco e árido.
Eles saíram do carro para apreciar melhor aquela maravilha da natureza. Depois, retirando alguns formulários do bolso e fazendo perguntas rápidas, Bill começou
a escrever em seus papéis. Quando ela lhe disse quanto Rio tivera que perfurar, ele assobiou, espantado com o que ouvira.
- Você tem fibra, senhora. Qualquer outro teria desistido antes de chegar à metade. Não admira que você precise de um empréstimo. Ouvi dizer que com
exceção de seu reprodutor, você vendeu tudo que havia . na fazenda para pagar a perfuração do poço.
Laura fechou os olhos lembrando-se do belo gado Angus que tanto adorava.
- É verdade.
Em seguida, Bill Hunter mediu a altura da fonte artesiana.
- Quanto a fonte desceu desde que houve o primeiro jorro?
- Ela não desceu mais depois de jorrar por alguns minutos.
- Você vai colocar uma tampa sobre o jorro?
- Não agora, sei que deveria mas. . . Laura não conseguia falar.
- Sim, eu sei o que você quer dizer. É algo para você ver e se lembrar, não é? Você sabe que poderia fazer uma pequena represa, aproveitando a própria
inclinação das montanhas? Assim a água poderia cor rer pelo solo do vale criando um riacho onde antes tudo era seco. Depois, com a ajuda de alguns canos e da gravidade,
você poderia ter água encanada além do seu lago artesiano.
A ideia agradou Laura. Ela sorriu e Bill percebeu que era a primeira vez que ela sorria num espaço de horas.
- Não se preocupe com sua fazenda, senhora. Quando o banco receber minhas recomendações, conseguirá dinheiro suficiente para reconstruí-la. Não será nem metade
do que precisa, mas você tem muita garra. Vai conseguir!
- Obrigada.
- Não me agradeça. Agradeça a Rio. Para um homem sem sonhos, ele se esforça bastante para realizar o sonho dos outros.
- Pode abrir! - gritou Lee, dando uma última rosqueada na ligação que iria trazer água encanada para a fazenda.
Laura abriu a válvula e imediatamente ouviu o barulho da água enchendo a cisterna subterrânea. O velho caminhão-pipa fizera sua última viagem do Canyon do
Vento até a fazenda. Aposentado após tanto trabalho, ele agora fora substituído por um encanamento novo e reluzente, que começava na casa da fazenda e ia até as
profundezas do poço que Rio havia perfurado. Logo outros encanamentos seriam colocados, levando água fresca para o gado e irrigando as plantações. Mas para isso
não havia pressa, já que não havia gado também. As novas cabeças chegariam no outono, quando as plantações de alfafa e aveia já estivessem crescidas.
Outono... Laura se lembrou de que havia sido num outono que Rio aparecera dizendo que poderia achar água. Fora também no outono que eles fizeram amor pela
primeira vez. Aquelas lembranças agitavam Laura. Ela pensava que com o tempo acabaria esquecendo aqueles momentos maravilhosos, mas, ao contrário, eles ficavam cada
vez mais fortes dentro dela. Na verdade, era em seu útero intumescido onde a presença de Rio era mais sentida, e ela mal podia esperar o próximo outono, quando o
filho de seu amado nasceria. Ansiava por acalentar aquela criança nos braços, ouvindo-lhe o choro frágil.
- É o som mais lindo que já ouvi - falou Lee com satisfação, ao ouvir o barulho da água que corria.
Ele olhou para Laura, percebendo que ela não o escutava. Laura jamais fora a mesma pessoa desde que Rio partira. Ela não sorria mais como antes, e quase nunca
saía. Agora era uma mulher em sua totalidade, sem nenhum traço de menina. A Vale do Sol sempre fora importante para ela, mas agora, significava toda sua vida. Nos
três meses seguintes após a ida de Rio, outros homens vieram à fazenda para convidá-la para festas ou churrascos. Contudo, sua resposta era sempre a mesma: não.
Uma vez Lee tentou convencê-la a-sair, mas tudo o que ela disse foi:
- Sou mulher de um só homem.
Naquele instante, o som de um pesado caminhão acordou-a de seus sonhos. Olhou para Lee, nenhum dos dois sabia do que se tratava.
"É Rio. Ele deve estar de volta", pensou ela.
Laura se surpreendeu com seu próprio pensamento, não imaginava que ainda alimentasse esperanças a respeito. Depois, ao ver um estranho ao volante do caminhão,
toda sua ansiedade caiu por terra.
- Perdeu-se? - perguntou ela ao motorista, quando ele parou.
- Seu nome é Laura?
- É.
- Onde você quer que eu ponha?
- Ponha o quê?
- As sementes.
Laura reparou que o caminhão estava carregado de sementes de alfafa e aveia.
- Não encomendei nenhuma semente. Estas sacas não pertencem a mim.
- Rio me mandou trazer e eu trouxe. Onde você quer que eu ponha?
- Eu mostro onde! Você disse que Rio mandou tudo isso? - perguntou Lee. bastante surpreso.
O homem não respondeu, apenas descarregou as sacas de semente em silêncio, aceitando uma xícara de café em seguida. Quando o caminhão partiu, Lee reparou que
as sementes eram da melhor qualidade.
Laura não falou nada. Apenas observou as sementes, pensando que agora ela poderia começar a reconstruir a Vale do Sol. Naquela noite, ela sonhou com o filho
de Rio correndo pelos campos verdes cobertos de alfafa. Mas o sonho logo acabou e Laura acordou com o barulho do que parecia ser um trovão. Levantando-se rapidamente,
olhou pela janela e viu que não estava chovendo. A única coisa que havia lá fora era um comboio de caminhões cheios de cabeças de gado.
"Será Rio?", pensou ela.
Vestindo-se rapidamente, correu para a varanda e viu que o sol estava começando a nascer.
- Você é Laura? - perguntou um homem gordo, enquanto descia da cabine do primeiro caminhão.
- Sim.
- Meu nome é Martin - disse ele estendendo-lhe a mão. O cheiro do gado fazia Laura sonhar com seus animais.
- Sim, você é realmente Laura. Ele me disse para procurar por uma mulher que tivesse sonhos nos olhos.
Laura abriu os grandes olhos cor de mel.
- Foi Rio quem o mandou?
- Foi sim. Onde você quer que eu descarregue o gado?
- Mas eu não encomendei nenhuma cabeça, Sr. Martin, deve haver algum engano. Não tenho como pagar.
- Mas a senhora não tem que pagar nada. Rio não avisou que nós viríamos?
Ela balançou a cabeça negativamente.
- Bem, esse é mesmo Rio. Ele estava bem nervoso quando falou comigo. Apareceu quatro meses antes do combinado e nem mesmo, parou para uma xícara de café. Apenas
me deu seu nome e me disse para trazer para cá tudo o que eu devia a ele.
- Para cá? Mas de onde o senhor veio? - perguntou Laura, completamente atónita.
- De Montana. Foi um trabalhão danado transportar esse gado todo até Nevada e achar a Vale do Sol. Não que eu me incomode. Se Rio me dissesse para levá-los
para o Havaí, eu teria ido.
Ele olhou para a pastagem atrás da casa.
- Será que aquela cerca aguenta esses bezerros? Laura fechou os olhos e suspirou:
- Sim!
Ela abriu a porteira do pasto. Não sabia como iria arrumar ração para todas aquelas cabeças, havia mais de cem, e o segundo caminhão ainda não descarregara.
Lembrou que poderia comprar feno com o dinheiro economizado com as sementes.
O barulho do gado entrando na pastagem era um som maravilhoso para Laura.
- Eles são bonitos - murmurou ela, emocionada.
- Você é realmente uma fazendeira. Ninguém acharia esses novilhos bonitos - falou ele rindo.
Laura hesitou por um momento. Queria muito saber como Rio estava, mas não tinha coragem de perguntar.
- Não sabia que Montana estava atravessando uma seca - disse ela, querendo que ele falasse sobre Rio.
- Não é uma seca forte. Aliás não foi por causa de água que encontrei Rio. Ele me salvou a vida. Três homens estavam roubando meu gado. Quando soube, fiquei
tão louco da vida que não pedi ajuda e fui sozinho enfrentá-los. Aquele gado era toda a minha vida. Bem, para encurtar a história, eles me bateram tanto que se não
fosse Rio aparecer bem naquela hora, eu teria morrido. Ele me levou ao médico, recuperou todo o meu gado e cuidou da fazenda para mim até que eu me recuperasse.
Aí eu lhe disse que metade do que eu tinha era dele, como agradecimento por tudo que ele fizera. Ele recusou, dizendo que nem Deus tinha tanto. Nunca me pediu nada,
até agora - disse ele, sorrindo.
Martin e seus homens partiram depois de algumas horas. O resto do dia foi relativamente calmo até que chegou a hora do jantar. Laura e Lee mal haviam começado
a comer quando dois caminhões enormes entraram na estrada da fazenda. Eles se olharam em silêncio, imaginando o que seria dessa vez. Ao ouvirem o barulho dos caminhões
estacionando em frente à casa, abriram a porta e saíram à varanda:
- Onde colocamos o feno?
Os motoristas eram marido e mulher, e estavam acompanhados de seus quatro filhos adolescentes, todos muito queimados de sol.
Lee lhes mostrou o barracão onde o feno era guardado, conversou com eles por alguns minutos e voltou para explicar a Laura quem eram e porque estavam ali.
- Rio os mandou. Vieram do México.
Eles eram a família Webster. Depois de tudo descarregado, tomaram café e disseram que aquilo era uma pequena parte do que deviam a Rio. Falaram também que
Rio quisera só aquilo, mas que se Laura precisasse de mais feno para o gado, era só avisar.
Na tarde seguinte, mais dois caminhões transportando gado apareceram na Vale do Sol para descarregar os animais lá. Laura pensava que nada mais a surpreenderia,
mas estava enganada. Quando leu nos caminhões o nome Gado Preto - McNally, sentiu um grande arrepio. Fora dele mesmo que ela comprara sua vaca Violeta, e depois
a vendera com seus bezerros novamente a ele.
- Bob? Bob McNally? - perguntou ela, ao ver o homem magro descendo do caminhão.
- Eu mesmo. Que belo lugar esse aqui, hein? - disse ele olhando ao redor. - Ouvi dizer que estava meio seco, mas Rio me disse que resolveu esse probleminha.
Bob então se espreguiçou como quem tivesse passado várias horas ao volante. Depois, quando o outro motorista desceu, ele perguntou:
- Bem, onde quer que eu deixe o seu gado Angus?
Atrás de Laura, Lee segurava uma gargalhada. Ele então fez um gesto ao outro motorista, mostrando a porteira da pastagem. Quando o primeiro caminhão passou, Laura
começou a discutir com Bob McNally.
- Meu Angus? Se eles pertencem a alguém, são de Rio e não meus.
- Não foi bem isso o que ele disse. Rio disse que são todos seus - explicou ele, apoiando-se no caminhão.
- Não posso ficar com eles. Não fiz nada para ganhá-los.
Bob olhou para Laura, percebendo a honestidade daquela mulher:
- Não foi isso o que ele disse. Ele falou que você vendeu seu gado, seus cavalos, seu futuro, tudo porque acreditava nele. Quando todo mundo teria desistido,
você continuou. E você fez isso sabendo que as chances estavam contra você. Isto tocou Rio de uma forma que ele jamais havia sentido. Isso o abriu para a vida. Sim,
Laura, eles são todos seus.
- Mas...
- Cuidado para não ser pisoteada, senhora - disse o outro motorista enquanto soltava o gado no pasto.
Laura não criou mais objeções. Ela não podia, mesmo porque reconhecera entre o rebanho seu animal de estimação.
- Violeta!
A vaca abaixou a cabeça, reconhecendo a voz que lhe era tão familiar. Seus filhotes vinham atrás dela, fortes e vigorosos.
- Não posso aceitá-los. Eles nunca foram de Rio - disse ela emocionada.
Bob balançou os ombros.
- Sem Rio, eu não teria absolutamente nada do que tenho agora. Ele tinha apenas quinze anos quando encontrou água para mim. Em troca, eu lhe dei duas novilhas
e o uso para reprodução do meu melhor touro. Ele nunca voltou para pedi-los até agora. Com o tempo, o touro teve muitos bezerros e então eu decidi que metade do
meu rebanho pertencia a ele. Agora, se você não concorda, fale você mesma com ele. Eu não tenho intenção nenhuma de discutir com Rio - falou Bob, sorrindo.
Sem se decidir de modo consciente, Laura afagou a cabeça de Violeta.
- Eles são de Rio. . . enquanto a água jorrar.
- Tem mais um aqui. Eu acharia melhor que ele ficasse no estábulo, mas a escolha é sua - disse Bob, dirigindo-se para a parte de trás do caminhão. Laura e
Lee o seguiram, e viram um belíssimo touro preto descendo a rampa do caminhão. Vigoroso e cheio de músculos, era fácil de ver a magnífica linhagem do animal. Contudo,
muito manso, ele parou calmamente, como que aguardando uma ordem do que deveria fazer. Laura se emocionou profundamente ao ver aquele touro Angus olhando para ela.
- Não posso! De forma alguma posso aceitar esse touro. Sozinho ele vale mais do que todo o rebanho Angus reunido.
- Você quer que eu diga a Rio que não há lugar para ele no estábulo? - perguntou Bob com alguma ironia.
- Sim! Não! Oh, Rio! Eu não pedi para você se sentir culpado por minha causa! - bradou Laura num tom de desespero.
Ela então se virou e saiu correndo em direção à casa. Lee e Bob se olharam e conduziram o touro ao estábulo.
Naquela noite, quando Laura se deitou, sua mente parecia um turbilhão. O vento trazia até ela o balido do gado e o delicioso perfume do feno. Só que, para
ela, tudo aquilo era um sonho. O gado, o feno, as sementes, tudo pertencia a Rio, mas o sonho era dela. Dela e do homem que não tinha sonhos, e que ela tanto amava.
Quando os primeiros raios do sol despontaram, Laura acordou assustada com o som de uma porta de caminhão sendo batida e a voz de um homem chamando por alguém.
- "Seria Rio?", pensou ela, pulando da cama e olhando pela janela. Mas tudo o que viu eram cinco caminhões que transportavam cavalos. Após vestir-se, desceu
as escadas correndo e dirígiu-se à varanda na frente da casa.
- Bom-dia, a senhora é Laura? - perguntou um dos motoristas, com sotaque do distante Estado do Tennessee.
- Sim, sou eu.
- Muito prazer - disse ele, tocando com a mão a aba do chapéu. Depois, virou e assobiou, chamando um dos outros motoristas:
- Hei, Jake! Essa aqui é a mulher de Rio!
Jake aproximou-se dela, cumprimentou-a e perguntou:
- Onde a senhora quer que a gente descarregue?
- Como?
- Onde a gente coloca os cavalos? Rio disse que a senhora precisa de ajuda.
- Mas eu não tenho como pagar vocês - falou Laura com preocupação.
Jake sorriu gentilmente:
- Isso não faz diferença, senhora. Nós também não tínhamos como pagar Rio e isso não impediu que ele nos ajudasse. Não vai impedir que a gente ajude a senhora
também.
- Mas...
- Senhora, eu realmente espero que não nos crie uma encrenca com Rio. Nesse momento, ele tem certeza que nós estamos aqui fazendo essa entrega.
Para terminar com a discussão, Lee mostrou a eles o segundo barracão. Pareciam homens acostumados a lidar com gado e cavalos.
- Senhora? - chamou Jake.
- Sim?
- Este aqui é especialmente para a senhora - disse ele, tirando Fiel do caminhão. - Rio disse que a senhora gostava de cavalgá-lo e que ficará preocupado se
a senhora montar um cavalo selvagem.
- Obrigada - agradeceu ela sem alternativa. Desde que vendera suas éguas, não mais cavalgara com medo de perder seu bebé numa das investidas de Tufão.
Nas semanas que se seguiram, gado de corte e gado reprodutor continuaram a chegar de quase todos os Estados do Oeste. Laura desistira de se opor, uma vez que
todos os motoristas eram unânimes em afirmar que deviam algo a Rio e jamais fariam algo diferente do que haviam combinado com ele.
Fazia cinco meses que Rio partira, e Laura achava que teria realmente de aceitar aquele fato: a perda de Rio e o ganho do poço, do gado, e principalmente de
seu filho que se mexia em seu ventre. Eia queria ser forte o suficiente para não se destruir com as saudades que sentia dele. Ao contrário, procurava ver Rio em
cada amanhecer, em cada gota de água que saía do poço, e em todas as vezes que o vento soprava murmurando o nome de seu amado...
Então, mais uma tarde veio, mais um caminhão chegou a Vale do Sol, e mais uma vez um homem perguntou:
- Onde coloco os animais?
Laura virou-se e viu magníficas éguas descendo a rampa do caminhão e serem conduzidas ao curral. Com pêlos sedosos e rabos que se agitavam ao vento, ela estava
fascinada pela beleza dos animais. Por um minuto até sonhou com os filhotes de Tufão correndo pela relva macia.
A vida na fazenda agora seria diferente: os animais de Rio, a terra de Laura, um filho deles, a fonte artesiana jorrando sem parar, tudo criando uma promessa
de vida eterna na Vale do Sol.
A fazenda se erguera novamente.
Contudo, lágrimas caíam silenciosamente pelo rosto de Laura. Desde que Rio partira, ela não havia chorado uma única vez, mas agora não podia mais evitar. Ver
que o sonho de sua família, de seu pai e o dela própria se realizava, não lhe trouxe a felicidade que esperava encontrar. Ela continuava sozinha com seu sonho de
viver ao lado de Rio.
Laura dirigiu-se ao celeiro com lágrimas nos olhos. Jake e Lee repararam que ela chorava enquanto pegava uma sela.
- Vai cavalgar? - perguntou Lee.
Ela apenas balançou a cabeça, sem conseguir lalar.
- Então é melhor montar Fiel - sugeriu Jake.
Laura meneou a cabeça novamente.
Os dois homens saíram e voltaram rapidamente com a égua de Rio. Lee ajudou-a a montar e lhe entregou as rédeas nas mãos. Depois, enquanto Laura saía do curral
já montando Fiel, os dois se olharam e falaram:
- Será que ela vai se recuperar? - perguntou Jake entre um longo suspiro.
- Acho bom que ela se recupere porque senão sou capaz de escalpelar aquele safado de uma figa.
- Avise se precisar de ajuda. Eu e os meninos viremos na hora. Nós devemos muito a Rio, mas Laura é a melhor mulher que já conheci. Não merece isso - falou
Jake num tom de raiva.
Fiel sabia onde ir mesmo sem ouvir a voz de sua dona. Seguia pela estrada empoeirada e Laura, sem se preocupar com o caminho, pensava que não era tão forte
como supunha, e muito menos forte que o necessário para continuar a viver na Vale do Sol. As lágrimas lhe escorriam pelo rosto e o vento não conseguia enxugá-las.
Fiel parou bem perto da margem do lago artesiano. A relva ao redor já crescia alta e macia, fortalecida pela água que a irrigava. Laura desmontou, sentou-se
no chão e admirou o magnífico pôr-do-sol do Oeste. No entanto, os tons alaranjados e dourados não foram suficientemente atraentes para que ela deixasse de pensar
em Rio. A lembrança dos momentos maravilhosos passados junto a ele só lhe arrancavam mais lágrimas desesperadas. Não conseguia mais ver o sol e nem sentir o vento
lhe acariciando os cabelos. Estava perdida em suas memórias e em seu sonho irrealizável.
- Laura?
Aquela voz vinha como de um sonho, quente e aconchegante como uma carícia. Então, delicadamente Rio afagou-lhe os cabelos, chamando-a para a realidade.
Ainda chorando, ela se virou e pôde ver Rio por entre as lágrimas. Por um momento, teve a impressão de que ainda estava sonhando, mas foi naquele instante
que ela percebeu que aquela visão era metade realidade, metade sonho.
Rio lhe dissera, antes de partir, que algum dia voltaria para ver seus animais, mas que depois partiria novamente.
Ele a chamou mais uma vez e depois ajoelhou-se ao seu lado. Laura lhe pegou a mão e encostou-a em seu rosto, perguntando-se por que a metade de um sonho machucava
mais do que um sonho inteiro. Ele a abraçou carinhosamente, como se ela fosse muito frágil.
- Sinto muito, nunca quis magoar você - murmurou ele, embalando-a docemente e repetindo aquelas palavras incessantemente. Parecia que com isso ele queria
afastar aquelas lágrimas e substituí-las pelos sonhos antes tão acalentados.
Laura simplesmente se abandonou àqueles braços fortes, emocionada demais para falar ou fazer qualquer coisa. Não tinha forças para mais nada, a não ser entregar-se
totalmente àquele momento.
- Passei toda minha vida vagando pelo Oeste, procurando . . . alguma coisa. Como o vento, jamais encontrei o que procurava. Então um dia cheguei à Vale
do Sol e encontrei você lutando por um sonho. Quis ajudá-la como já fizera com outras pessoas, e então... acabei ficando. Depois. . . comecei a sonhar também - disse
ele baixinho, encostando os lábios ao cabelo de Laura. - E sonhei com uma mulher que amava essa terra mais do que qualquer coisa. Entretanto, ela arriscou tudo que
amava por acreditar que um homem conseguiria achar água para ela onde ninguém mais pudera. Eu sonhei com uma mulher forte o bastante para lutar contra a seca, mas
ao mesmo tempo delicada o suficiente para colocar meu corpo em brasas. Sonhei com uma mulher que se entregou toda para mim e não pediu nada em troca. Sonhei com
uma mulher que olhava para um mestiço e via um homem. E amava esse homem.
Rio abraçou-a com mais força, sem saber se sentia mais amor por Laura, ou ódio por si mesmo. Só de uma coisa ele tinha certeza: tirara os sonhos dos olhos
de Laura, deixando o vazio do vento substituí-los.
- Meu sonho e seu amor me amedrontaram - admitiu ele numa voz rouca. - Era como se uma bela gaiola se fechasse ao meu redor, exigindo que eu ficasse.
Então eu corri, corri muito para tentar encontrar a liberdade por todos os lugares onde já havia estado. Tudo estava lá, mas nada era como antes. Não havia sonhos
em lugar nenhum, e nada tocou minha alma. Tudo que havia era o vento, tão vazio quanto eu.
Com um som profundo de ansiedade, Rio beijou Laura. Ela se agarrou a ele, sentindo o calor que ele irradiava. Laura tentou falar, dizer-lhe que o amava, mas
tudo que conseguia era chorar. No final, ela o olhou com olhos de quem aceitava tudo, até mesmo o vento.
- Então eu voltei à Vale do Sol - disse Rio, querendo explicar a Laura o que ele mesmo mal começava a entender. - Encontrei a fazenda bonita, mais bonita
até que meus sonhos, só que você não estava lá. Ninguém sabia onde você estava, quando voltaria, ou até mesmo se voltaria. Jake me olhou nos olhos, disse que você
chorava e que seria melhor que eu não te magoasse novamente.
Rio abraçava Laura fortemente, quase com medo que ela se evaporasse num pesadelo terrível.
- Então vim para cá, procurando lembranças, e encontrei você, meu sonho dourado.
Ele a beijou profundamente, provando mais uma vez do doce mel da boca de Laura.
- Case-se comigo, sonhadora - murmurou ele. - Ame este homem tanto quanto amo você.
- Rio... - disse ela sem parar de chorar, mesmo quando oferecia-lhe os lábios novamente. - Eu não quero e não posso aprisionar o vento. Você me odiaria por
isso.
- Nunca - respondeu ele carinhosamente. - Descobri que o vento é triste e vazio, e não é livre. Como eu sem você. Você é minha liberdade.
Ele a olhou por um momento, observando aqueles olhos de cor dourada como o sol. E foi olhando para ela que ele continuou a falar:
- Case-se comigo! Fique comigo! Você...
Naquele instante ele hesitou. Depois, beijando-a mais uma vez, fez com que mais lágrimas corressem pelo belo rosto de Laura.
- Você não precisa ter filhos meus - murmurou ele. - Sei que isto é pedir demais a uma mulher mesmo nos meus sonhos.
Laura ria e chorava ao mesmo tempo. Depois, murmurando todo seu amor por Rio, desabotoou a blusa e a calça de brim. Em seguida, pegou a mão de Rio e a passou
sobre o colar indígena e sobre a mulher-mãe que o usava: os seios intumescidos, a cintura um pouco mais grossa e o ventre um tanto saliente com a presença do filho
de Rio. Ela sentiu que ele de repente tremia, e viu uma esperança inacreditável naqueles olhos azuis.
- Sim! - falou ela baixinho entre lágrimas e sorrisos.
Rio curvou-se, e ela pôde sentir aqueles lábios quentes se movendo sobre sua pele macia. Mais do que isso, ela podia sentir as lágrimas de Rio caindo docemente
em seus seios até que ele se aninhou sobre o útero crescido de Laura, murmurando todo seu amor por ela.
As palavras, o toque, as lágrimas de Rio deram-lhe a certeza de que ele ficaria para sempre com ela. Terra e água jamais se separariam e, como a água que jorrava
da fonte perto deles, o amor deles jamais cessaria, trazendo vida e esperança a tudo que tocassem.
O vento acariciava a superfície prateada do lago artesiano. Naquele instante, os dois apaixonados se entrelaçavam sobre a relva macia. O canyon já não era
árido como antes, e sonho e realidade haviam se fundido numa nova vida para a Vale do Sol.
FIM.
Elizabeth Lowell
Provar do doce mel da boca macia, sentir a resposta úmida de seus sentidos, até ouvi-la gritar seu nome, envolta em ondas de prazer.
Porém, Rio é um índio indomável como o vento que sopra no canyon, e sabe que Laura só pertencerá a um homem: aquele que conseguir desvendar o grande enigma
de sua vida...
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