E o Directório alemão
Rafael Poch*
30.Jul.10 :: Outros autores
"Segundo Der Spiegel a Chanceler Angela Merkel e o seu ministro
Schäuble encomendaram já um projecto de medidas para o caso de o
pacote de ajuda ao euro se mostrar insuficiente para tirar de apuros
os bancos europeus e as economias nacionais. Tratar-se-ia do seguinte:
a troco da reestruturação da dívida, tirar aos governos de países como
Grécia, Portugal, Espanha e outros, o pouco que lhes resta de
soberania, criando um directório com amplos poderes, com base em
Berlim, que governe amplos aspectos das suas economias e políticas
orçamentais. Este cenário, assinala o documento, "requereria
restrições da soberania" e colocaria a política orçamental sob
controlo de, "um indivíduo, ou grupo de indivíduos, familiarizados com
as características regionais da nação devedora", nomeados pela
Alemanha entre um comité de peritos. (.) A torpeza do governo alemão
na sua nova ânsia de governar a Europa e sair globalmente fortalecida
da crise, parece alcançar níveis antes insuspeitados."
A nova tese teológica diz que a crise do euro foi ocasionada pelo
descalabro orçamental dos países da Europa meridional. A sua
verdadeira origem parece ter-se volatilizado: a irresponsabilidade
financeira dos bancos e dos investidores. O verdadeiro contexto geral,
que envolvia, tanto os estúpidos investimentos especulativos do
capital obtido pela Alemanha graças à sua egoísta estratégia
exportadora, ou os correspondentes investimentos dos bancos franceses,
como a ladroagem espanhola ou os enganos orçamentais gregos, que eram
citados nos media como sendo óbvios no Outono de 2008, foi substituído
por um pesadelo que tem a dívida no centro.
A dívida pública criada pelos milhões dedicados a salvar os bancos, é
apresentada como a causa de todos os males, mas já não se atribui nem
aos bancos, nem às políticas neoliberais dos últimos vinte anos, que
reduziram impostos a empresas e aos mais ricos da forma mais
desavergonhada. Nos últimos doze anos, os impostos a empresas foram
reduzidos na Europa em 12%. Na Alemanha a redução foi de 27% em vinte
anos. Desde 1990, os impostos aos mais ricos baixaram 9,5% na
Alemanha, 13% em França e Espanha e 6% em Itália.
Nada de tudo isso tem que ver com a dívida, contraída, diz-se, porque
«vivemos acima das nossas possibilidades», pelo que, concluem, a crise
deve combater-se com uma combinação de cortes sociais e do sector
público, e de aumento de impostos ao consumo, o que prepara o terreno
para a recessão e a estagnação.
Os jornalistas continuam lendo os mesmos relatórios dos bancos, os
mesmos «peritos», e os mesmos meios de comunicação «de referência»,
que demonstraram a sua completa incompetência, o seu cinismo, ou as
duas coisas ao mesmo tempo, antes da crise. Para valorizar as
mensagens que hoje nos estão lançando, há simplesmente que recordar os
disparates que nos diziam antes da quebra, quando o «serviço de
estudos» do Deutsche Bank assegurava, por exemplo, que; «em Espanha, a
festa continuará até 2020», ou quando San Rodrigo Rato, considerado
pouco menos que um génio pela direita de Madrid, proclamava, na
qualidade de Director do FMI, durante a sua visita a Pequim em
vésperas da quebra, a «excelente saúde» da economia mundial.
Para compreender a actual política europeia, há que recordar quem são
os seus cozinheiros. Por exemplo, em matéria de «regulação dos
mercados financeiros», ou seja, as medidas que devem ser introduzidas
como paliativo para a economia de casino na Europa, a Comissão
Europeia se assessora com 19 «grupos de peritos», entre os quais se
contam 229 «representantes da indústria financeira», ou seja,
lobbystas dos bancos, que têm uma maioria de quatro contra um
respectivamente aos peritos procedentes das universidades, dos
sindicatos ou da sociedade civil, assinala a Netzwerk Alter-UE.
A linha política da disciplina fiscal, da redução do défice, da
dívida, das dimensões do governo e do sector público, que nos governou
antes da crise, esgrime-se agora como programa para sair dela.
Trata-se de reduzir o Estado de bem-estar, cortar os direitos
laborais, debilitar os sindicatos, reduzir os salários e aumentar a
exploração para, por fim, aumentar os lucros das classes empresariais.
Muitos advertem que esta linha condenará à recessão e à estagnação
países como a Grécia, Espanha, Portugal e talvez outros.
A impressão é clara: a direita utiliza a crise para impor o seu
programa a nível global, e parece que com isso nos arrasta para um
segundo estoiro, mas o seu líder na Europa já não são os Estados
Unidos, mas a Alemanha, um país que quer, «aproveitar a crise para se
ver fortalecida no G-20», como diz a Chanceler Angela Merkel.
Numa entrevista ao Financial Times em Maio passado, o Ministro das
Finanças alemão, Wolfgang Schäuble, explicava de forma muito clara o
programa continental: cada país deve usar a crise para realizar as
«reformas» com que sempre sonharam os seus empresários: cortar nas
despesas sociais e no subsídio de desemprego na Alemanha, tirar aos
trabalhadores franceses os seus supostos privilégios derivados da
«rigidez do sistema laboral», acabar com o sector público do Sul da
Itália. A respeito da Espanha, dizia Schäuble naquela entrevista,
«deve resolver o problema do seu mercado laboral demasiado regulado».
«Cada país tem os seus problemas específicos e dispõe da sua própria
margem orçamental de manobra», resumia.
O problema consiste em como manter certa estabilidade e consenso
social na aplicação desta linha, tendo em conta que a imensa maioria
da população não é composta por empresários, mas antes por
assalariados e utentes do Estado social. Em Berlim fala-se nestes dias
do Professor Herfried Münkler, da Universidad Humboldt, um
«historiador das ideias» que afirma, na revista da Sociedade Alemã de
Política Externa (DGAP), que não nos faria mal um pouco de ditadura e
reabilita, «a necessidade de uma solução Bonapartista» para a crise na
Europa, enquanto outro «pensador», o filósofo de amplo consumo
televisivo, Peter Sloterdijk, denuncia no seu último livro a «ditadura
do Estado social» e do sistema impositivo. São mensagens do mesmo teor
das que lançou o Presidente da Comissão Europeia, José Durão Barroso,
na reunião que manteve em Junho com representantes sindicais europeus:
«se não se aplicarem os pacotes de medidas de austeridade nos países
mais endividados poderá desaparecer a democracia como a conhecemos
actualmente», disse Barroso, segundo palavras do sindicalista John
Monks.
Bonapartismo? Ditadura? No mundo desenvolvido não são necessários tais
recursos. Como qualificar a forçada volta de Zapatero à Espanha, ou
dos socialistas gregos, obrigados ambos em questão de horas, a
praticar o contrário do que foi o seu discurso ou as suas promessas
eleitorais? Algo muito parecido a um golpe de estado derrubou, em 24
de Junho, o primeiro ministro australiano Kevin Rudd, que tinha
entrado em choque com os interesses do poderoso sector mineiro, ao
qual pretendia impor um milionário «Imposto aos super-lucros com
recursos» (RSPT). A imprensa de Robert Murdoch, que controla o grosso
da informação no país, havia levado a cabo uma agressiva campanha
contra o imposto, apresentado como uma ameaça a ao investimento e ao
emprego. Rudd também apoiava uma perspectiva de retirada do
Afeganistão, em dois ou quatro anos, do contingente australiano ali
destacado, que era apoiada por 61% dos australianos e irritava
Washington. A sucessora de Kudd, Julia Gillard, alcandorada ao cargo
de primeira ministra pelo golpe no seio do Partido Trabalhista, voltou
atrás com tudo. Ninguém se mexeu na Austrália, nem em Espanha. Só a
Grécia, com as suas cinco greves gerais traz, de momento, algo ao
conceito «democracia», mas o filme ainda não acabou e ninguém pode
prever por donde irá, digamos, no ano que vem.
Adiantando-se a qualquer eventual e complicado intento, por exemplo
dos gregos, de reduzir unilateralmente a sua dívida, como fizeram os
argentinos (que não tinham o inconveniente de estar sujeitos ao câmbio
do Euro), a Alemanha já está urdindo uma estratégia para Setembro.
Segundo Der Spiegel a Chanceler Angela Merkel e o seu ministro
Schäuble encomendaram já um projecto de medidas para o caso de o
pacote de ajuda ao euro se mostrar insuficiente para tirar de apuros
os bancos europeus e as economias nacionais. Tratar-se-ia do seguinte:
A troco da reestruturação da dívida, tirar aos governos de países como
Grécia, Portugal, Espanha e outros, o pouco que lhes resta de
soberania, criando um directório com amplos poderes, com base em
Berlim, que governe amplos aspectos das suas economias e políticas
orçamentais. Este cenário, assinala o documento, "requereria
restrições da soberania" e colocaria a política orçamental sob
controlo de, "um indivíduo, ou grupo de indivíduos, familiarizados com
as características regionais da nação devedora", e que seriam nomeados
pela Alemanha entre um comité de peritos.
O Ministro Schäuble compara os países com empresas. «Quando uma
empresa entra em falencia, os credores devem renunciar a uma parte dos
seus créditoss. O mesmo se deve aplicar em casos de falência
nacional", diz. O pequeno inconveniente é que tal plano "colocaria a
nação devedora numa posição de submissão colonial", observa o
Financial Times. E o colonialismo e a paz nunca se deram bem. A
torpeza do governo alemão na sua nova ânsia de governar a Europa e
sair globalmente fortalecida da crise, parece alcançar níveis antes
insuspeitados.
* Jornalista, actualmente correspondente do jornal catalão La
Vanguardia em Berlim.
Este texto foi publicado no diário catalão La Vanguardia de 18 de
Julho de 2010: www.lavanguardia.es/lv24h/20100718/53967584528.html
Tradução de Carlos Coutinho
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Regina Equileprote
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O Nvda fuma muito!!!
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