domingo, 1 de agosto de 2010 By: Fred

Nicola Cornick



Trilogia The Brides of Fortune
Confissões de uma Duquesa
The confessions of ao Duchess

DISPONIBILIZAÇÃO: DANI P
TRADUÇÃO: DANI P
REVISÃO INICIAL: DANI P
REVISÃO FINAL: SILVIA HELENA
FORMATAÇÃO: KARINA RODRIGUES

Pégasus Lançamentos

Informação da Trilogia The Brides of Fortune
Livro 1 — Confissões de uma duquesa — Distribuído
Livro 2 — The Scandals of An Innocent — Em revisão
Livro 3 —  The Undoing of a Lady — Na lista




Argumento: Casar-se de novo? Jamais!
Quando se invocou uma antiga lei de tributos, por virtude da qual todas as damas não casadas deveriam contrair matrimônio ou pagar a metade de suas riquezas, o tranqüilo povoado de Fortune´s Folly se viu invadido por uma avalanche de solteiros caça dotes. Depois do que Laura, a duquesa viúva, havia sido obrigada a suportar em seu primeiro casamento, não estava disposta a casar-se. Ainda que seu antigo amante, Dexter Anstruther, fosse uma tentação tão irresistível, ela sabia que seus segredos destruiriam qualquer possibilidade de compartilhar o futuro com ele. Mas Dexter, jovem, bonito e escandalosamente atraente, estava decidido a descobrir, valendo-se dos meios que fossem necessários.





Prólogo
Vá, toma sua vara, e com a linha de um perito, rastreia a corrente com sutilidade.
E, se fracassas nas profundidades quietas, tranqüilas, talvez nos redemoinhos agitados o prêmio seja teu.
Thomas Doubleday

Brook's Clube, Londres, julho de 1809

— Rejeitou-me!
Sir Montague Fortune entrou rapidamente na biblioteca do Brook's Clube, tirou os contadores da mesa de jogo com a beirada da manga da jaqueta e, sem desculpar-se, deixou-se cair com indignação em uma cadeira, junto ao conde de Waterhouse. Passou uma mão trêmula pelo cabelo e fez um gesto impaciente a um dos empregados do clube para pedir um brandy.
— Descarada e ingrata! — murmurou — Que eu, uma das fortunas de Fortune's Folly queira me unir a tipos inferiores e seja rejeitado! — engoliu a metade do licor de repente e olhou o grupo que o rodeava com fúria — Sabem o que disse que sou? Um cavalheiro bêbado com os olhos vidrados! — pegou a garrafa de brandy, que o empregado havia deixado em uma mesinha que tinha a seu lado, encheu a taça e franziu ligeiramente o cenho — Alguém sabe o que significa bêbado.
— Não — respondeu Nathaniel Waterhouse — Dex foi o que esteve em Oxford enquanto nos fazíamos loucuras. Dex?
Dex Anstruther afastou seus ardilosos olhos azuis do Times e olhou o senhor de Fortune's Folly, depois à garrafa, e depois o senhor outra vez.
— Significa que bebe muito, Monty — respondeu. Depois observou Miles, lorde Vickery, o quarto membro do grupo, que estava sorrindo zombeteiramente ante a indignação de Montague Fortune.
— Perdi algo? — perguntou Miles — Quem é essa dama que com tão bom critério rejeitou a oferta de casamento de Monty?
— Ficou tanto tempo na Península que não se inteirou do rumor, velho amigo — disse Waterhouse — Monty esteve tentando conquistar à senhorita Alice Lister. A senhorita em questão é, ao que parece, uma antiga empregada que se converteu na herdeira mais rica de toda Fortune's Folly. Ele ofereceu sua mão e seu coração em troca de seu dinheiro, mas a moça é sensata e o rejeitou — disse, e se virou para Monty Fortune — Não veio até Londres só para nos dar a má notícia, não é, Monty?
— Não — soprou Montague — vim para uma reunião com meus advogados, e estudar os documentos de Fortune's Folly.
— Muito louvável — murmurou Dexter — Exatamente o que alguém deveria esperar de um latifundiário responsável.
Monty o olhou com cara de poucos amigos.
— Não é pelo bem de meus arrendatários — protestou — É para ficar com o dinheiro!
— Com o dinheiro de quem? — perguntou Dexter.
— Com o dinheiro de todo o mundo! — ladrou Sir Montague — Não é justo que a metade da população de Fortune's Folly seja mais rica que seu senhor.
Os outros trocaram olhares de diversão. Os Fortune eram uma família aristocrática antiga, perfeitamente respeitável, mas com um conceito muito alto de si mesmos. E a obsessão pelo dinheiro de Sir Montague era considerada de muito mau tom.
— E quais são seus planos, Monty? — perguntou Miles.
— Vou exercer meus direitos de dono e senhor — disse Sir Montague com petulância — Há uma lei medieval, chamada O Tributo das Damas, que nunca se derrogou. Permite ao senhor do feudo cobrar um dízimo a cada mulher não casada do povoado.
Miles assobiou de assombro.
— E de quanto é o dízimo?
— Posso ficar com a metade de sua fortuna! — anunciou triunfante Monty.
Fez-se um silêncio de assombro em todo o grupo. Finalmente, Dexter saiu de seu estupor.
— Mas, como é possível? Por quê?
— Já disse isso — respondeu Sir Montague — Por uma lei medieval. Como as terras de Fortune's Folly pertenciam à igreja, foram eximidas quando as leis seculares se revogaram no século dezessete. Eu descobri, por acaso, que todos os tributos e os impostos são aplicáveis ainda. Nos séculos recentes não se haviam arrecadado só pela boa vontade do senhor.
— E você não tem boa vontade — disse ironicamente Nat.
— Agora que a senhorita Lister me rejeitou, não. Se tivesse me aceitado, eu seria o mais generoso dos donos.
— E um dos mais ricos — murmurou Dexter.
— Todas as mulheres… a metade de sua fortuna — murmurava Nat Waterhouse enquanto bebia um pouco de brandy — Isso significa… - seu talento para a matemática, que nunca tinha sido muito grande, falhou — Isso é muitíssimo dinheiro, Monty! — protestou.
— Sei disso — respondeu Sir Montague com um sorriso de satisfação — Ainda não comprovei, mas se diz que a fortuna da senhorita Lister é de oitenta mil libras, e que a senhora Everton embolsou umas cinqüenta mil libras pelos termos do testamento de seu marido…
Miles lhe lançou um olhar agudo.
— Também pode aplicar o tributo às viúvas, além das solteiras?
— A todas as mulheres que não estejam casadas — afirmou Sir Montague.
— Mas… minha prima vive em Fortune's Folly — disse Miles — Não pode depená-la, Monty! Não é aceitável socialmente! Não é aceitável absolutamente!
Dexter interveio:
— Então, se as damas de Fortune's Folly decidem casar-se, ficarão isentas de pagar o tributo?
Sir Montague assentiu.
— Isso, Dexter. Entendeu de primeira. Já entendo por que conseguiu um emprego no governo.
Dexter franziu os lábios.
— Obrigado, Monty. Alegra-me saber que meus poderes de dedução são tão agudos como pensava. Assim… Você anuncia a aplicação do Tributo das Damas e as senhoras de Fortune's Folly terão que decidir se preferem te entregar a metade de sua fortuna ou preferem entregá-la completamente a seus maridos pelo contrato matrimonial.
Nat estremeceu.
— Vão ficar furiosas, Monty. Espero que esteja preparado.
Sir Montague encolheu os ombros.
— Não podem fazer nada para evitar. A lei está do meu lado. Digo-lhes que o plano é perfeito.
Os outros se olharam.
— Monty, velho amigo — disse Miles suavemente — Por muito que desaprove sua avareza, acredito que acaba de converter Fortune's Folly em uma feira matrimonial, em um refúgio para todos os que estamos…
— Sem perspectiva — disse Dexter — Sem provisão, míseros…
— Sem nada — disse Nat — e procurando uma esposa rica.
— Tem razão — disse Sir Montague com um esplêndido sorriso — converti Fortune's Folly no maior mercado matrimonial da Inglaterra!







Capítulo Um
Fortune's Folly, Yorkshire, setembro de 1809

Viúva. Era uma palavra muito solitária.
A maioria das pessoas pensava que as viúvas eram figuras cômicas, mas Laura pensava que as viúvas eram as pessoas mais solitárias do mundo.
Naquele dia, sua solidão a tinha empurrado ao rio, com um vestido de musselina azul claro e um casaco azul marinho, um chapéu e uma novela na mão. Havia lido em algum lugar que as coisas belas da natureza acalmavam os espíritos inquietos e, portanto, havia decidido que atiraria o bote no rio e leria rodeada de uma paz bucólica, sob as copas dos salgueiros que circundava a margem.
Entretanto, aquela cura da natureza estava sendo muito decepcionante. Para começar, o bote estava cheio de folhas amarelas, e quando Laura conseguiu tirá-las, tinha sujado as luvas. Sentou-se e abriu o romance, mas não podia concentrar-se na leitura porque tinha a cabeça cheia de preocupações. Além disso, soprava um vento muito frio. Laura franziu o cenho por sua falta de atenção e tentou desfrutar. Laura adorava o campo. Tinha sido criada naquela paisagem de Yorkshire, e havia vivido no campo a maior parte de sua vida, embora houvesse passado os dois anos anteriores em Londres. Pensou que talvez o fato de retornar ao lar de sua infância mitigaria o sentimento de vazio que há agarrava aqueles dias, mas não havia sido assim, e não podia entender por que. Não estava só no mundo: tinha uma maravilhosa filha de três anos, Harriet, e passava muitíssimo tempo com ela. Fortune's Folly era um povoado muito concorrido, e havia feito muitas amizades ali. Além disso, tinha uma grande família de primos em todas as capas da boa sociedade. Por outro lado, não sentia falta de seu defunto marido, Charles, porque haviam vivido separados durante quase todo seu matrimônio. É obvio, Laura havia se sentido muito impressionada ao saber de sua morte. Toda a sociedade havia ficado impressionada ao saber que um homem podia ser tão libertino como para ter se matado com três de suas amantes ao perder o controle de sua carruagem de cavalos e ter provocado um acidente. Entretanto, Laura não sentia falta do duque extraviado. O que tinha sentido com sua morte havia sido um grande alívio. Alívio.
Sentimento de culpa.
Emoção.
Havia sentido uma grande emoção, uma grande impaciência, ao saber que Hattie e ela eram livres. Depois, tinha se sentido culpada outra vez, e mais sozinha do que nunca tinha se sentido em sua vida.
Havia ido a Fortune's Folly com a intenção de forjar um futuro para sua filha e para si mesma. Queria que Hattie crescesse no campo, assim depois de passar o ano de luto obrigado, havia deixado Londres e tinha ido aquele povoado de Yorkshire, próximo a Skipton, onde sua avó havia lhe deixado de herança uma casa modesta, o Velho Palácio. Tinha um nome grandioso, mas Laura pensava que deveria chamar-se o Velho Castelo, porque era um edifício medieval, com todos seus inconvenientes.
Seu irmão e sua cunhada haviam se empenhado em que fosse viver com eles, mas Laura sabia como seria essa situação: a viúva acolhida por caridade, que devia cumprir constantemente a vontade de seu irmão. Sabia que era melhor a pobreza na solidão que a dependência, por muito digna que fosse. Além disso, a situação de Hattie seria mais intolerável que a sua se fosse criada como uma parente pobre. Não tinham por que agüentar. Regulando, fazendo economias de todo tipo, cultivando uma horta, cuidando de árvores frutíferas e um favo de abelhas, fabricando e arrumando, tinha que ser preferível viver por si mesma, com Hattie e alguns poucos empregados, a ser mantida por seu irmão.
Sua filha era uma fonte constante de alegrias e revelações para ela. As duas juntas se arrumariam bem, e Laura estava certa de que pouco a pouco, o sentimento de solidão desapareceria. Só esperava que sua melancolia não afetasse Hattie. Hattie era uma menina muito feliz.
Deixou o romance e desamarrou o bote. Como não conseguia concentrar-se na leitura, daria uma volta breve pelo rio. A atividade física a manteria ocupada e ao mesmo tempo, poderia admirar a paisagem do outono. Empurrou o bote brandamente e se sentou para desfrutar da amena corrente do rio.
Entretanto, assim que o bote se afastou do refúgio da margem, Laura percebeu que a correnteza trazia uma força inesperada. A água corria com rapidez, e ela ficou nervosa. Com os dentes apertados, tentou remar para voltar para a margem, mas era torpe e o rio era muito poderoso. Um dos remos caiu se afastou flutuando. O bote continuou avançando de maneira errática pelo rio.
Enquanto Laura via o remo se afastar, pensou com impotência que a vida se afastava muito, freqüentemente, do que alguém havia planejado. Ali estava ela, uma viúva de trinta e quatro anos com uma filha pequena, sem um peni e com um futuro incerto. E naquele momento, suas perspectivas imediatas não pareciam muito melhores que as perspectivas a longo prazo. De fato, parecia que iam ser muito úmidas e desagradáveis. Tinha que pensar em como sair dali sem pôr em risco sua vida, por não falar de sua dignidade.
O bote roçou o leito pedregoso do rio e Laura tentou agarrar-se ao galho de uma árvore, que estava pendurado por cima de sua cabeça. Não conseguiu, e ainda rasgou a manga da jaqueta. Maldição. Não podia se permitir o luxo de comprar roupa nova. Seria a única duquesa de todo o país que usaria uma roupa remendada. As pessoas iam fazer comentários sobre sua pobreza a suas costas. Inclusive a pequena sociedade de Fortune's Folly estava cheia de fofocas, e quase ninguém era amável.
Laura pegou o remo que lhe restava e o moveu com energia, mas com pouca habilidade, e o bote começou a virar lentamente, ao contrário de sua intenção. Remou com um pouco mais de força e o bote girou com mais rapidez, e ela começou a enjoar-se. Agarrou-se a um galho, e embora a casca tenha lhe arranhado os dedos, conseguiu que o bote deixasse de girar. Entretanto, a embarcação deu um forte puxão, como se alguém a tivesse empurrado desde atrás. O galho se quebrou e a golpeou na parte traseira da cabeça antes de cair na água. Laura ouviu o ruído de alguns palitos quebrados, como se alguém estivesse correndo.
Com o balanço do bote, Laura sentiu náuseas. Soltou o segundo remo e se segurou na beirada da embarcação. Só podia esperar que o bote parasse e que a correnteza a devolvesse à margem, porque naquele momento estava muito desorientada e enjoada para fazer outra coisa.
Entretanto, o bote não parou. A correnteza, cada vez mais rápida, arrastou-o ao centro do rio. Laura sabia que devia saltar, mas já era muito tarde. Pareceu ouvir alguém gritando, mas o som se perdeu no rugido da água e os roce das pedras contra o casco do bote. Virou violentamente, e jogou Laura pela amurada. Ela notou que o rio se fechava sobre sua cabeça. O ruído lhe encheu os ouvidos, a água encheu seus pulmões e só viu o rosto sorridente de sua filha antes que tudo escurecesse.












Capítulo Dois
Dexter Anstruther estava pescando.
Aquele dia agradável de outono era perfeito para pescar pintados nos trechos rochosos do rio Tune. Dexter gostava de pescar porque era uma atividade tranqüila, relaxante e solitária, e todo um contraste com os assuntos violentos, inquietantes e desagradáveis aos quais devia enfrentar em seu trabalho para o Ministério do Interior. Na semana anterior, Dexter havia dirigido a captura de um delinqüente brutal especializado em roubos e extorsões. Também tinha albergado a esperança de que lorde Liverpool, o ministro do Interior, lhe concedesse a permissão que tanto necessitava. Entretanto, Liverpool tinha outros planos.
— Necessito que vá a Yorkshire e apanhe a um maldito assassino — disse lorde Liverpool, e enquanto o fazia, partiu uma pluma entre os dedos, e jogou as duas metades a um lado, com irritação — Lembra a morte de Sir William Crosby, Anstruther?
— Sim, milorde — respondeu Dexter. Sir William Crosby, o magistrado de Yorkshire, tinha levado um tiro acidentalmente enquanto caçava, no mês anterior — Pensei que havia sido um acidente de caça.
Lorde Liverpool negou com a cabeça.
— Assassinato — disse com uma expressão lúgubre — Arrumaram tudo para que parecesse um acidente, mas Crosby era canhoto, e o ângulo da bala demonstrava que era impossível que tivesse levado um tiro ao tropeçar e cair. É uma moléstia, mas o fato é que não podemos deixar que esses canalhas saiam com a sua.
— Claro que não, milorde — disse Dexter — Mas se é um caso claro de assassinato, é competência da polícia local e não dos Guardiões… — ficou calado ao ver que Liverpool agitava a cabeça furiosamente e procurava outra pluma para destroçar.
— Não posso permitir que um policial do povoado torpe se encarregue disto, Anstruther — ladrou — É muito complexo. Pode ser que esteja envolvido Warren Sampson. Quando morreu, Crosby estava investigando alguns negócios turvos nos quais andava metido Sampson. Muito oportuno, não acha?
Dexter franziu os lábios. Isso dava uma aparência muito diferente às coisas. Fazia vários anos que corria o rumor de que Warren Sampson, um homem de negócios, proprietário de várias fábricas e imensamente rico, promovia o descontentamento social e as rebeliões no norte de Inglaterra.
Sampson era muito preparado, e não havia nada que pudesse atribuir a ele; trabalhava com intermediários, e se acreditava que incentivava os levantamentos nas fábricas para poder roubar o negócio de seus rivais. Além disso, havia cometido várias fraudes contra companhias seguradoras, e outras coisas do estilo. Lorde Liverpool estava furioso porque as autoridades não conseguiam apanhá-lo.
— Diz-se que um dos capangas de Sampson é membro da nobreza local — disse Liverpool — É o filho entediado de um senhor rural que busca emoções e talvez algum ganho extra. Pode ser que ele seja o assassino, Anstruther. Tudo isto é um maldito inconveniente, mas terá que levar este caso com suma precaução.
Dexter suspirou.
— E tem idéia de onde se encontra este delinqüente aristocrático, milorde?
— Sampson possui terras ao redor de Peacock Oak e Fortune's Folly — disse lorde Liverpool — e Crosby vivia perto. O problema é que todos os delinqüentes insignificantes estão por essa zona neste momento. Lógico, quando esse idiota de Monty Fortune fez correr a voz de que converteu o povoado em feira de casamento da Inglaterra. O povoado está abarrotado de visitantes, e todos os delinqüentes da zona querem sua parte do bolo.
Dexter entendia o problema. Inclusive os caçadores de fortunas pobres haviam ido ao povoado, e sempre teriam um relógio ou uma caixa de rapé que valia a pena roubar, e os ladrões poderiam obter bons lucros das herdeiras ricas. Certamente, nenhum delinqüente resistiria à tentação, e entre os pequenos ladrões podia haver algum canalha mais perigoso enviado por Warren Sampson.
— Enquanto você estiver lá, também pode se dedicar a procurar uma esposa rica, Anstruther — disse lorde Liverpool — Não pense que ignoro que a situação financeira de sua família é precária. Sua mãe não é capaz de fazer economias, suas irmãs precisam apresentar-se em sociedade e seus irmãos requerem uma educação muito cara. Tem que se casar com uma herdeira. Os homens pobres são mais vulneráveis ao suborno e não posso ter um agente assim trabalhando para mim.
— A mim não me ocorreria sucumbir a uma chantagem, por muito desesperada que seja minha situação, milorde — disse Dexter com frieza.
Apertou os punhos para conter-se e não dizer a seu superior o ofendido que se sentia pela sugestão.
— Não fique sensível comigo, rapaz — grunhiu Liverpool, ao notar o gesto — Sei que é de confiança, mas talvez outros de sua família não o sejam, e onde há uma debilidade… — sacudiu a cabeça — Vá a Fortune's Folly. Se não conseguir uma noiva rica lá, então lavo as mãos contigo. Mas procure encontrar primeiro nosso malfeitor, antes de se render aos encantos de alguma jovem dama. Este assunto de feira matrimonial de Fortune's Folly é a cobertura perfeita para sua presença em Yorkshire, mas se concentre primeiro no trabalho e na caça de uma fortuna depois.
— Sim, milorde — disse Dexter.
— Te dou dois meses — disse lorde Liverpool. — Quero que isto esteja solucionado antes do Natal, Anstruther. O tempo é suficiente. Se tiver sorte, talvez possa pescar um pouco, também. Se pegar o assassino, tenta que culpem a Sampson, também, e se, além disso, voltar casado com uma mulher rica fará um bom trabalho.
— Sim, milorde.
Dexter sentiu encolher o coração. Não havia modo de raciocinar quando lorde Liverpool estava com aquele mau humor. E para falar a verdade, Dexter sabia que o ministro tinha razão: necessitava uma mulher rica desesperadamente, e desde que Monty Fortune havia anunciado suas intenções no Brook's Clube aquela noite, ele mesmo havia estado pensando em ir a Yorkshire para encontrá-la.
O problema era que Dexter não queria casar-se. Daí que estava pescando aquele dia, em vez de cortejando alguma das damas que se reuniam naquele parque. O fato de perseguir descaradamente uma fortuna ofendia seu sentido da honra. Entretanto, tal e como lhe havia dito Miles Vickery, a honra era um luxo muito caro e Dexter não podia permitir-se.
O pai de Dexter havia morrido cinco anos antes, depois de jogar uma fortuna que não tinha. O honrado James Anstruther tinha saído cambaleando de seu clube uma noite, de caminho a um lugar no qual afogar suas dores, e havia terminado atropelado por uma carruagem. Seu filho mais velho tinha ficado com uma pilha de dívidas e com seis irmãos para cuidar. Por sorte, havia conseguido evitar a ruína até que terminou seus estudos em Oxford, o qual, ao menos, assegurou-lhe que pudesse conseguir um trabalho no governo. Entretanto, não era muito bem pago, e a senhora Anstruther e seus filhos tinham gostos caros e extravagantes.
Algumas pessoas têm um progenitor irresponsável; Dexter havia tido dois. Naquele sentido, o honrado senhor Anstruther e sua esposa tinham muito em comum: sua afeição ao jogo, suas aventuras e sua decadência em geral.
Dexter, o filho mais velho e o único dos sete membros da "miscelânea Anstruther" de quem podia assumir com segurança que era filho de seu pai, tinha visto seus pais oscilarem entre a crise financeira e o desastre emocional desde que tinha uso da razão. Aos doze anos havia decidido que sua vida seria exatamente o contrário da de seu pai: racional, controlada e sem emoções perigosas que nublassem seu julgamento.
Casar-se-ia responsavelmente, com uma mulher que pudesse lhe ser fiel, de modo que seus filhos soubessem exatamente quem eram seus pais. Nunca toleraria que sua prole sofresse o estigma e a ignomínia que sempre haviam sofrido seus irmãos e ele: os sorrisos dissimulados, os olhares, as referências veladas às aventuras desastrosas de seus pais e à ilegitimidade dos filhos.
Aquele modo racional de se expor a vida o tinha mantido no bom caminho até os vinte e dois anos, quando havia sucumbido a um episódio de abandono sexual espetacular, excitante, durante o qual tinha perdido a virgindade e havia se apaixonado profundamente. O incidente havia sido um desastre, e tinha fortalecido todas suas crenças sobre a necessidade de uma vida calma e controlada. Por causa de sua juventude e inexperiência, tinha interpretado mal a situação e havia pensado que seus sentimentos eram correspondidos. Quando descobriu que não era certo, sentiu-se desiludido e zangado, e procurou consolo em aventuras com cortesãs que quase não podia permitir-se, até que lorde Liverpool o chamou.
Não havia mais sons que o canto de uma ave junto à margem do rio, e os mergulhos de cabeça dos peixes. O dia era muito tranqüilo. Dexter puxou de novo o anzol pensando no casamento sossegado e racional que tinha planejado.
— Tente não meter os pés pelas mãos neste caso, como fez no assunto Glory, Anstruther — disse lorde Liverpool ao despedir-se — Foi um completo desastre.
Dexter se moveu com desconforto naquele momento, enquanto refletia sobre a conversa. O assunto Glory o qual tinha se referido lorde Liverpool havia sido um caso muito desafortunado. Quatro anos antes, Dexter e seu colega Nick Falconer haviam fracassado em sua tentativa de prender uma bandoleira chamada Glory, uma heroína popular que era a menina mimada dos vales de Yorkshire.
Glory lutava pela justiça a seu modo inimitável, roubando os ricos para dar aos pobres, como Robin Hood. Inclusive Dexter pensava nela como uma heroína, e isso era um traço sentimental que o irritava profundamente, porque não deveria pensar nela absolutamente.
O carretel do fim da vara se afundou, indicando que havia fisgado um peixe. Dexter começou a enrolar a linha.
Ouviu o ruído de algo que caía na água, seguido de um impropério, e depois viu passar um remo flutuando que se enredou brevemente na linha e o fez perder o peixe. Dexter também soltou um juramento, e depois viu outro remo passando diante dele. Então, viu Laura, a duquesa viúva de Cole, avançando com a correnteza em um bote.
Dexter se ergueu e a olhou com curiosidade.
O bote girava lentamente e se dirigia para a balsa de pesca, e Laura estava sentada muito erguida, agarrada a ambos os lados do bote. Parecia que estava aniquilada. Dexter não acreditava que soubesse nadar; a maioria das mulheres não sabia, porque era algo que não as ensinava. E tinha razão ao ficar assustada; em menos de um minuto, o bote se encontraria com as pedras, Laura cairia da balsa e poderia afogar-se. Havia ainda a possibilidade de que golpeasse a cabeça ao cair, ou que a saia do vestido se enredasse nas pernas e a arrastasse ao fundo.
O que, sem dúvida, era o que merecia, por haver lhe dado uma noite perfeita de amor quatro anos antes e depois destroçar seu coração, demonstrando assim que não era mais que uma criatura fria, calculista, egoísta e hipócrita.
Não era porque ele estivesse amargurado.
Não lhe importava que Laura Cole se afogasse.
Demônios.
Laura Cole ia se afogar em um minuto e ele estava ali, vendo como acontecia.
Dexter puxou a vara, tirou a jaqueta e se jogou rapidamente na água. Nas margens do rio não era fundo, mas no meio sim era fundo. O bote chegou à parte superior da represa e se deteve com um rangido quando o casco se chocou contra as pedras.
— Salta! — gritou ele.
Laura se virou para ele. Seu rosto era um borrão pálido. Agarrava-se com tanta força a beira do bote que tinha os nódulos brancos contra a madeira escura. Não se moveu.
Dexter tinha a água pelo peito, e a correnteza era muito forte. Teve que fazer um esforço para manter os pés no chão. Estendeu o braço para pegar o bote, mas naquele mesmo instante, a quilha se deslizou com um rangido pelas pedras da represa, elevou-se formando um ângulo muito pronunciado e lançou Laura ao rio, por cima da represa, para a balsa de pesca que se formava do outro lado, mais abaixo. Ela caiu à água com um grande mergulho de cabeça. Dexter balbuciou uma imprecação e permitiu que a correnteza o arrastasse por cima da represa e o fizesse cair na balsa, perguntando-se por que demônios estava correndo um risco tão grande. Sentiu-se como se todo o ar dos pulmões tinha saído de seu corpo com a queda. A água gelada o deixou frio até os ossos, e seu som invadiu os ouvidos. Impulsionou-se para cima e sacudiu a cabeça para tirar a água dos olhos, procurando desesperadamente Laura.
Então a viu.
Estava lutando como louca contra o peso da saia de seu vestido, que a puxava para baixo. Dexter a pegou com força e a colocou contra si para protegê-la da força da correnteza. E, face ao arriscado da situação e do frio, seu corpo reagiu imediatamente ao notar os seios de Laura contra seu peito, ao lembrar outra situação em que ela também havia estado entre seus braços, nua, cálida e sedutora.
Foi óbvio que Laura também notou sua resposta. Afastou as mechas de cabelo molhado da face e se ruborizou.
— Senhor Anstruther! O que está fazendo?
Laura deu exatamente a nota de uma duquesa viúva escandalizada, e Dexter se admirou pela facilidade com que assumiu aquele papel. Ninguém que a ouvisse naquele momento pensaria que ele esteve fazendo amor apaixonadamente durante uma tarde e uma noite inteira com ele.
— Estou salvando-a de afogar-se, Excelência — disse Dexter amavelmente. — Entretanto, se tiver alguma objeção posso soltá-la.
Ilustrou suas palavras afrouxando o braço com o qual a segurava.
Laura soltou um grito afogado e se aferrou a ele com todas suas forças, cravando as unhas em seus braços. Dexter lembrou imediatamente de como arranhou suas costas com as unhas enquanto se movia, com abandono sensual, debaixo dele. Tentou ignorar aquele pensamento, apagar aquela lembrança de sua mente, mas fracassou infelizmente. Seu corpo se endureceu ainda mais, e ele pensou que ia estalar ou que ia deitá-la sobre a margem e fazer amor. Esteve a ponto de soltar um grunhido.
— Senhor Anstruther, sempre acha tão excitante estas situações? — perguntou Laura em um tom tão frígido que teria tranqüilizado o mais ardente dos homens.
— Sempre — disse ele com expressão sombria.
Inclinou-se, deslizou um braço por debaixo de seus joelhos e a levantou do chão. A julgar pela cara de assombro de Laura, ninguém deve ter feito isso em sua vida. Talvez não fosse surpreendente, porque era uma mulher alta. Ele media mais de um metro noventa de estatura, e ela era poucos centímetros mais baixa. Certamente, a muitos homens resultaria intimidadora.
Empurrado pela correnteza, ele caminhou para a margem e depositou Laura suavemente sobre a areia. Ela havia perdido um sapato, e Dexter percebeu que seu outro pé, coberto por uma meia molhada de seda, era grande para uma mulher, mas que entretanto tinha uma forma delicada com uma leve curva. Quem dera o contraste entre a altura de Laura e sua aparente fragilidade não o atraísse tanto. Ela não era de seu gosto, e não queria sentir-se atraído por aquela mulher sob nenhum conceito.
— Agradeço sua ajuda — disse Laura em um tom igualmente frio — Agora pode partir.
Dexter tinha intenção de fazê-lo, mas aquela despedida o incomodou muito. Ficou ali, observando como ela tentava escorrer a água da saia. A musselina molhada rodeava o corpo e marcava todas suas curvas, as de seus seios, pequenos, redondos, com pontas para cima, e as deliciosas linhas arqueadas de seus quadris.
De repente, aquele dia de outono lhe pareceu abrasador. Seu cérebro deixou de funcionar coerentemente, e diante da poderosa rajada de desejo que se apoderou dele, não pôde evitar sua enorme ereção, que o tecido molhado de suas calças marcava com nitidez.
Laura tinha deixado de escorrer a saia, havia se incorporado e estava olhando-o com indignação.
— Senhor Anstruther, um cavalheiro não olha fixamente uma dama dessa maneira tão inculta. E tampouco exibe uma reação tão forte… — interrompeu-se, fazendo um vago gesto para a ereção de Dexter.
Dexter poderia tê-la corrigido. Por muito que tentasse controlar seus desejos, era obrigado a admitir que nenhum homem com sangue nas veias ficaria olhando embevecido quando a protagonista de suas fantasias mais abrasadoras estava diante dele. Entretanto, pela inclinação belicosa de seu queixo, suspeitava que Laura não fosse gostar nada aquela correção. Havia começado a tremer de frio, e estava esgotada e zangada. Embora ele não tivesse tempo para suas falsas amostras de respeito, depois das coisas que sabia dela, percebia que aquele não era o melhor momento para falar sobre o assunto.
Com um passo, Dexter se aproximou dela e se virou para pegá-la nos braços. Ela ficou absolutamente rígida quando notou seu contato.
— Onde se aloja? — perguntou.
— Vivo no Velho Palácio — respondeu ela — mas não há nenhuma necessidade que me leve até lá desta maneira. Deixe-me imediatamente no chão, senhor Anstruther. Insisto!
Ele fez caso omisso e começou a caminhar decididamente para o portão do parque que conduzia ao Velho Palácio.
O cabelo de Laura estava começando a secar, e tinha mechas castanhas claras pelo rosto. Os tinha cortado desde que Dexter havia visto pela última vez, e os cachos que tinha na nuca eram muito atraentes. Dexter se estremeceu dos pés a cabeça. Ela cheirava a ar fresco e a rosas; o aroma, que estava em seu cabelo e em sua pele, deixava-o com o desejo de colocar o rosto na curva de seu pescoço e saboreá-la. Perguntou-se se seu sabor seria como se lembrava. E se perguntou se beijaria como ele recordava. Imaginou que não.
Naqueles dias se inclinava a pensar que em meio aquele amor juvenil a havia imaginado muito mais perfeita do que era na realidade, e que a compatibilidade física assombrosa que ele acreditava que existia entre eles não foi mais que produto de sua inexperiência. Um beijo só era um beijo. Laura Cole não era nada especial, e não voltaria a perder a cabeça por ela.
Entretanto, daria muito para comprová-lo…
Como se tivesse lido seu pensamento, Laura tentou separar-se dele, manter distância entre seus corpos.
— Não se alarme — disse Dexter — Está completamente a salvo. O único que vou fazer é levá-la para casa, não assaltá-la. Nem sequer me agrada.
Laura arqueou as sobrancelhas.
— De verdade? Pois parece que há partes de você às quais sim caio muito bem, senhor Anstruther.
— Certo. Sempre foi assim. Entretanto, não discernem tanto como meu cérebro.
Laura soltou uma gargalhada de desagrado.
— Então, economize mais inconvenientes e me permita que volte para casa caminhando. Não necessito sua ajuda. De fato, nem sequer sabia que estava em Fortune's Folly.
— Nem eu tampouco sabia que você estava aqui.
— Uma lástima. Se soubesse, poderíamos ter escolhido um destino distinto e nos economizar o trago desagradável de voltar a nos ver.
Dexter voltou a ignorar seus comentários e abriu de um chute o portão do parque. Depois começou a caminhar através do campo para a casa. O menos que ela lhe devia era um pouco de sobressalto social. De novo, sentiu ira e desprezo. Laura o tinha mandado embora de sua casa na manhã seguinte de seu apaixonado encontro. Ele havia pedido que fugisse com ele, e ela havia dito que não era mais que um jovem estúpido. Tinha rido de sua sugestão, e havia convertido seu amor novo e ingênuo por ela em algo que parecia de mau gosto. Ele tinha suas palavras gravadas na memória: "Será que acreditava que para mim isto era algo mais que uma aventura breve e agradável? Ainda tem que aprender muito. Não foi mais que prazer…"
Laura se moveu entre seus braços e suspirou. Dexter esteve a ponto de suspirar também. Seu corpo seguia pedindo a gritos uma satisfação, mesmo que sua mente a desprezasse tanto. Fazer com que Laura se sentisse tão incômoda era uma pequena vingança, ainda que tiver contato físico com ela não fosse uma idéia muito sensata, mas Dexter pensava que o merecia.
— Sabe? Não deveria sair sozinha para remar se não sabe nadar — disse ele suavemente.
— Sei nadar — replicou ela com exasperação — Por desgraça, não possuo um guarda-roupa muito grande, e preferia não nadar com um vestido de musselina.
— Muito próprio de uma mulher — disse Dexter — Se lhe apresenta a alternativa de saltar à água e estragar o vestido ou ser salva de um afogamento, prefere não saltar.
— Havia me esquecido que se converteu em um perito no assunto feminino, senhor Anstruther — disse Laura — Que fortuito é que a experiência que adquiriu nas casas de encontros e nos bordéis tenha proporcionado uma visão tão clara da mente feminina. Está mudado.
— Sim — disse Dexter, com uma pontada de raiva no estômago — Não sou o mesmo homem que você conheceu.
— É óbvio. Quatro anos podem mudar muito um homem.
— Passaram-se quatro anos? — perguntou ele, fingindo indiferença. Não ia admitir que soubesse com toda precisão o tempo que havia passado, em meses e dias, e certamente em horas, se fosse sincero — Tinha esquecido.
— É obvio. Os homens sempre esquecem tudo.
Bom, sem dúvida ela sabia por experiência. Dexter tentou que não o afetasse. Abriu a porta do jardim de sua casa e começou a percorrer o caminho para a porta.
Os jardins do Velho Palácio estavam abandonados e cheios de erva daninha. Parecia que a casa estava fechada e silenciosa. Dexter olhou a seu redor.
— Onde estão seus empregados?
— Não tenho muitos empregados. Provavelmente estão trabalhando pela casa, e minha filha ainda está no povoado com sua babá, assim não vai sair ninguém para nos receber.
Dexter nunca havia conhecido uma duquesa que não tivesse um regimento de empregados. Entretanto, talvez Charles Cole tivesse deixado Laura sem herança, e sem meios para manter a filha. O novo duque era quem ostentava o título agora, e parecia que não tinha boa relação entre Henry Cole e a viúva de seu primo, assim que ele tampouco ia mantê-la. De qualquer modo, ninguém abriu a porta quando Dexter chamou, pela segunda vez, com mais força.
— Oh, me deixe descer! — disse Laura, que claramente, havia perdido a paciência, e saltou dos braços de Dexter antes que ele pudesse impedir. — Eu posso abrir a porta e estou gelada e molhada. E você também está impregnado, senhor Anstruther. Necessita uma troca de roupa? Acredito que há roupa de meu avô em algum lugar da casa, se o necessitar.
— Obrigado, Excelência — disse Dexter, com uma leve inclinação da cabeça — mas recolherei meus pertences de pesca e voltarei para a estalagem tal como estou.
Laura olhou o atoleiro de água que estava se formando aos pés de Dexter.
— Mas isso provocará conjeturas, se alguém o vir.
— Não tanto como o fato de que me vejam voltar para a estalagem Morris Clown vestido com a roupa georgiana de seu avô, imagino — disse Dexter.
—Meu avô era todo um dandi — disse Laura — Talvez instaurasse um novo estilo. Ainda que suponha que isso não o interessa, senhor Anstruther. É muito frívolo para alguém de natureza séria, não é assim? Ou mudou também nesse sentido?
Dexter sentiu a tentação de responder a isso. Teve que admitir que estivesse resultando difícil resistir às provocações de Laura. Ela tinha uma maneira de meter-se sob a pele como nenhuma outra pessoa que Dexter tinha conhecido.
Estava deliciosa, pensou ele, naquele desalinho molhado. Outros homens não se fixavam em Laura porque sua beleza não era da variedade óbvia que admirava a sociedade.
Para ele, seu atrativo estava no olhar direto e belo de seus olhos castanhos claros, e na brancura de sua cútis, salpicado de sardas. Tinha o cabelo castanho claro, e os lábios carnudos, um pouco encurvados para cima, como se sempre estivesse a ponto de sorrir. O fato de que já não fosse uma jovenzinha e tivesse umas pequenas rugas ao redor dos olhos aumentava sua beleza para ele, porque lhe acrescentava caráter… Dexter se conteve antes de deixar-se levar por completo. Não tinha sentido deixar-se cegar pela beleza física de Laura. A mulher que havia sob a fachada era uma mulher manipuladora e fria.
— Pensando bem, aceitarei sua oferta e mudarei de roupa, obrigado — disse ele, e a seguiu ao interior do vestíbulo de pedra do Velho Palácio — Hoje sopra um vento muito fresco e não tem sentido que me resfrie. Alguém deve ser prático.
— É obvio — respondeu Laura — Sei que você se orgulha de seu pragmatismo, senhor Anstruther.
A casa estava silenciosa. O chão estava coberto com tapetes antigos e as paredes estavam cobertas com tapeçarias igualmente escuras e velhas, que mostravam cenas de guerra sangrenta e de caça. Havia uma grande armadura medieval em um canto; na parede por cima da chaminé, havia uma cabeça de cervo, e no batente da janela, uma raposa dissecada e comida pelas traças. Em outro canto havia um cavalinho infantil e uma boneca de porcelana muito bonita, sentada em uma cadeirinha.
— Vejo que seu avô tinha outros hobbys além de interessar-se pela moda — disse Dexter, ao observar os escudos que estavam pendurados, com precariedade, nas paredes.
— Não, era minha avó. Saía a montar a cavalo com os cães todos os dias, e sabia disparar um arco. Dizia que um dos dois tinha que pensar em algo mais que não fosse o corte de sua roupa — explicou Laura. Depois, assinalou dois retratos e disse — São aqueles.
O defunto lorde Asthall era exatamente um dandi do século dezoito, pensou Dexter. Tinha os olhos castanhos e o cabelo negro, um nariz pronunciado e o queixo forte. Sua expressão era amoral, arrogante. Quanto a Lady Asthall, era uma amazona imponente, vestida com um vestido de caça, assim que talvez tivessem formado um bom casal.
— Foram felizes juntos? — perguntou a Laura.
— Não acredito. Meu avô era um terrível mulherengo — disse Laura, confirmando as suspeitas de Dexter — Surpreende-me que minha avó não lhe disparasse uma flecha com seu arco.
— E sua filha herdou a mesma capacidade esportiva de sua avó?
Houve um silêncio estranho. Ao olhá-la, Dexter percebeu que tinha fechado a cara e estava fria, como se ele tivesse tocado em um assunto do qual ela não queria falar.
— Hattie ainda é muito pequena — disse ela tensa — Pode montar em um pônei pequeno se for a seu lado, e adora seu cavalo de brinquedo, assim talvez quando for mais velha queira montar.
Houve outro silêncio. Dexter ouvia o zumbido de um besouro que tinha ficado preso contra o cristal da janela, e o som do rio ao longe. Sentiu-se um pouco inquieto ao pensar que Laura vivia naquele lugar tão antigo sozinha com uma filha pequena, mas não parecia que tivesse muitas coisas de valor que roubar. Certamente era certo que Charles Cole havia deixado sua esposa sem dinheiro. Laura estava sem um xelim, sozinha e desprotegida. E Dexter se incomodou por aquilo o inquietar tanto.
A porta no final do corredor se abriu, e o mordomo caminhou devagar para eles.
— Excelência! Não havia ouvido o sino.
Dexter ficou horrorizado ao reconhecer Carrington, o mordomo de Cole Court. Quatro anos antes, aquele homem era vigoroso e saudável. Entretanto, havia envelhecido incrivelmente, e parecia muito frágil. Estava encurvado, suas mãos tremiam e sua voz não era mais que um sussurro. Dexter duvidava que pudesse segurar uma bandeja, e menos ainda anunciar as visitas.
— Não importa Carrington — disse Laura suavemente — Por favor, poderia acompanhar o senhor Anstruther à lavanderia enquanto eu vou procurar roupa seca para ele? Tivemos um pequeno acidente.
— Um acidente? Oh, senhora…
— Não se preocupe — interrompeu Laura — Não foi mais que uma queda no rio. Se for tão amável…
O mordomo assentiu e se ergueu com um gesto que parecia um eco triste de sua antiga autoridade.
— Por aqui, senhor, se for tão amável.











Capítulo Três
Dexter seguiu o cambaleante mordomo pela velha escada de pedra. Em mais de uma ocasião teve que estender a mão para segurar o homem, quando parecia que estava a ponto de tropeçar e cair pelas escadas abaixo. Dexter não podia acreditar que Carrington tivesse mudado tanto, e sentiu a tentação de lhe perguntar o que havia acontecido, mas o mordomo tinha cara de confusão, e não parecia o reconhecer. Deixou Dexter na lavanderia, onde ardia um bom fogo em uma estufa e os lençóis que estavam secando perfumavam o ar com lavanda. Depois, Carrington desapareceu.
Dexter tirou a camisa molhada com um grande alívio, porque estava gelado. Também tinha as botas cheias de água, e era uma das coisas mais desagradáveis que tinha experimentado na vida. Esperava que não tivessem estragado. Eram novas, e não podia se permitir o luxo de comprar outro par. Havia investido em alguns objetos novos para transmitir verdade a seu papel de caça dotes, porque não acreditava que pudesse cortejar uma herdeira com aspecto de mendigo. Lorde Liverpool havia lhe dado pouco dinheiro para tais gastos, assim agora sua carteira estava vazia.
Ouviu que alguém batia na porta e se virou. Laura estava na soleira com os braços cheios de roupa. Estava olhando seu torso nu, e tinha as bochechas muito ruborizadas. Olhava-o pasma. A roupa escorregou das mãos e se inclinou para recolhê-la sem poder afastar a vista dele.
— Trouxe… eh…
Dexter se surpreendeu pelo fato de que ela atuasse como uma virgem assombrada, quando na realidade era uma mulher experiente, uma viúva com uma menina. Não havia necessidade de que fingisse ante ele depois de tudo o que havia ocorrido. Além disso, ela não tinha nenhum pingo de pudor. Na cama, com ele, quatro anos atrás, havia sido aberta e generosa, cálida e atrevida. Sua desinibição doce e sedutora havia sido uma das razões pelas quais havia se apaixonado tão desastrosamente por ela. Havia parecido muito honesta, sem reservas.
Entretanto, depois tinha se encarregado de tirá-lo de seu engano, rapidamente. Não se interessava por ele nem por sua devoção, isso era o que havia dito. Pela manhã o expulsou sem contemplações, com um desprezo frio e aristocrático, porque não queria que os empregados o vissem ali…
Entretanto, naquele momento parecia que havia esquecido toda sua indiferença, porque estava olhando-o como se nunca tivesse visto um homem meio nu, como se estivesse confusa e intrigada de uma vez. Aquilo despertou a sensualidade de Dexter, reavivou o fogo que tinha conseguido apagar.
Embora uma voz interior lhe indicasse que fazer algo a respeito seria perigoso e irresponsável, ele a ignorou. Precisava saber, precisava demonstrar a si mesmo que Laura não tinha nada de especial, que o que havia experimentado com ela não era mais que uma imaginação muito vívida. Desse modo se libertaria do passado. Já não era um jovem inexperiente, assim não corria o risco de se apaixonar por ela outra vez.
Deliberadamente, agachou-se e tirou as botas. Quando se levantou, Laura ainda o estava olhando. Então, ele começou a desabotoar as calças.
— Quer que tire isso também? — perguntou Dexter com a voz rouca.
— Não! Pare! — exclamou ela ao se despertar do transe. Deixou a roupa sobre uma mesa e lhe lançou um olhar assassino — O que está fazendo?
— Estou tirando a roupa molhada — respondeu Dexter, e passou o olhar pelo corpo, dos pés a cabeça — Você deveria fazer o mesmo, Excelência. Está… muito desalinhada.
Viu que ela engolia saliva. Seus olhos castanhos se escureceram, e o desejo inconsciente que se refletiu neles fez com que Dexter sentisse uma nova rajada de desejo. O calor da sala, a intimidade daquele pequeno espaço, o aroma de lavanda e sua própria nudez eram uma combinação poderosa. Dexter deu um passo para ela, e depois outro. Laura retrocedeu, e assim continuaram até que ela ficou presa entre a parede e Dexter, com uma camisa nas mãos, no alto como se fosse uma armadura.
— Senhor Anstruther — disse Laura com um sussurro — Isto é muito indecoroso.
— Estava com muita pressa em me tirar a roupa na última vez que nos vimos — replicou Dexter — e nos dois sabemos que seu respeito pelo decoro é só uma fachada para o público.
Tirou a camisa das mãos dela e a jogou a um lado, e avançou ainda mais para ela. Então viu dor e calor nos olhos de Laura.
— Não o convidei para…
— Para continuar onde o deixamos? Talvez não. Mas agora que entendo o que desejas…
— O que desejo?
— Sim. Uma aventura. Sem complicações, sem compromisso. Há quatro anos, disse-me que o sexo só era prazer para ti. Assim que isso é o que estou te oferecendo agora. Uma aventura, nada mais que prazer.
Ela pôs uma mão em seu peito e o empurrou.
— Eu não disse que o que queria era uma aventura!
Ele sentiu uma raiva fria, e respondeu aspereza.
— Há quatro anos pedi que fugisse comigo, e em vez de fazê-lo, riu de mim e me expulsou de sua casa. Ficou muito claro que não queria nenhum envolvimento emocional.
— Não, é certo… mas não queria que interpretasse como desejo de ter uma aventura.
— Não? — a raiva de Dexter aumentou vários graus — Assim que o único que queria era uma noite de paixão, e quando saciou seu apetite já não desejava outra coisa a não ser se livrar de mim.
Dexter não lhe deu a oportunidade de responder. Sua crença de que poderia controlar-se se derrubou; inclinou a cabeça e a beijou, decidido a demonstrar que não havia nada único em sua resposta a ela, e que nunca tinha havido.
Assim que se encontraram, soube que havia perdido. Suas bocas se encaixaram com a mesma perfeição que ele se lembrava, como se fossem feitas uma para a outra. Seus corpos se uniram suavemente, sem dificuldade, com o mesmo aprimoramento de antes. Reconheceram-se com um instinto mais antigo que o tempo, e a sensação de que se pertenciam era forte e perigosamente sedutora. Os velhos sentimentos começaram a despertar.
Ele a persuadiu para que separasse os lábios e aprofundou em seu beijo, deslizou sua língua dentro para procurar e acariciar. Ela tinha o sabor doce do mel.
Dexter sentiu uma hesitação nela, sob a resposta cálida e impotente que ela não podia negar, e esteve a ponto de retroceder, mas um momento mais tarde, a insegurança de Laura tinha desaparecido e se apertou contra ele. Correspondeu a suas demandas com uma necessidade ardente, e deslizou as mãos por seu torso nu, provocando sensações que formaram uma tormenta de desejo físico. Aquela era a duquesa secreta que ele se lembrava, a mulher que respondia sem medo nem pudor, que se entregava por completo. Fez-se a mesma cascata de sensações e emoções, uma explosão de sentimentos, um estalo de fogo no sangue. A força disso tudo esteve a ponto de fazê-lo perder a cabeça.
Entretanto, quando quis abraçá-la com mais força, ela se retirou entre ofegos.
— Não! Não pode ser — exclamou, e deu alguns passos para trás, com a mão na testa — Não quero.
Algo da febre candente que o havia provocado se mitigou, e nessa ocasião, Dexter conseguiu recuperar o controle com um grande esforço. Assim, o que parecia tão real, tão perfeito, não havia sido nada mais que uma ilusão. De novo, para ela não havia significado nada.
— Me perdoe — disse com sarcasmo — mas me deu a impressão de que correspondia a meu beijo, Excelência. Só tinha curiosidade em comprovar se meu acesso aos prostíbulos havia me mudado?
Ela se estremeceu, e suas bochechas se tingiram de vermelho.
— Devo ter em conta minha reputação — disse — Fortune's Folly é um povoado pequeno, e não posso me permitir o luxo de perder o bom nome…
Dexter começou a rir.
— Na última vez não teve tanto cuidado, e eu juraria que ainda me deseja.
— Isso não tem nada a ver. Agora a muito mais coisas em jogo.
— É uma hipócrita. Sempre preocupada com as aparências — disse. Agachou-se para pegar a camisa molhada do chão e calçou as botas ensopadas — Não a incomodarei mais, e não necessito a roupa — disse — Retornarei tal e como estou.
— Vai assim? De minha casa? — perguntou Laura, que tinha ficado assombrada.
— É obvio. Se alguém mexericar, pode dizer que estive arrumando suas armaduras medievais.
— É um absurdo.
— Como já disse, sempre esteve muito preocupada em aparentar decoro em público, quando na intimidade, é capaz de quebrar todas as regras — disse, e fez uma brusca reverência — Bom dia, Excelência.
— Senhor Anstruther — disse ela.
Sua voz deteve Dexter na porta.
— Acredito que seria melhor que nos evitássemos no futuro.
— É obvio — respondeu ele — Será um prazer.
Naquela ocasião, saiu sem que ela tivesse que convidá-lo a partir.



Capítulo Quatro
Havia mudado. O Dexter Anstruther que ela havia conhecido quatro anos antes nunca teria falado nem atuado daquele modo. Tinha-se convertido em um homem duro, experiente e cínico. E ela havia contribuído para que fosse assim.
Depois de colocar uma roupa limpa e seca, Laura se sentou diante do espelho para pentear-se e desfazer os nós do cabelo. Seu corpo tremia suavemente, de maneira frustrante, com um desejo insatisfeito. Tinha despertado depois de quatro anos de celibato, e estava fazendo exigências. Maldito Anstruther! Teria sido melhor que não o tivesse conhecido.
A primeira vez que haviam se visto, Dexter estava à caça e captura da famosa salteadora de estradas Glory, para levá-la ante a justiça. Só por esse motivo, Laura, que havia saído a cavalgar mais de uma vez com as Garotas de Glory, tinha se mantido afastada dele. Havia rumores de que Dexter era um Guardião, homens que trabalhavam incógnito para o ministro do Interior, com a missão de proteger a segurança do país dentro de suas fronteiras. Devido à guerra contra Napoleão, todo mundo era muito consciente do perigo que podia espreitar no estrangeiro, mas também era muito importante a ameaça do descontentamento social.
Lembrou que, quando Dexter havia chegado a sua festa de Cole Court, não havia chamado a atenção como homem a princípio, salvo pelo fato de que era muito bonito. Tinha o cabelo castanho, de um tom dourado, os olhos azul safira e um corpo impressionante. A princípio, Laura havia se sentido precavida ante aquela beleza, porque sabia muito bem o que significava ser a garota do canto a que ninguém olhava nos bailes. Nunca, nem em suas mais ardentes fantasias, teria imaginado que chamaria a atenção de um homem tão atraente, tão espantoso como Dexter Anstruther.
Lentamente, e sutilmente, ela tinha começado a conhecê-lo, quase sem perceber e a vê-lo de um modo diferente. Era considerado, amável, e sabia escutar. Laura, que estava habituada a total indiferença de seu marido, sentiu que ser o ponto central de atenção de Dexter era algo muito sedutor. Havia começado há passar mais tempo com ele, e tinha se apaixonado. Ao perceber, já era muito tarde para salvar seu coração.
Havia lutado contra seus sentimentos. Sua relação com as Garotas de Glory era um segredo que devia guardar zelosamente. Além disso, não só era oito anos mais velha que Dexter, mas também além disso estava casada, era duquesa e aos olhos de todo mundo, um dos pilares da comunidade. Havia muitas razões pelas quais sua estúpida paixão por Dexter estava condenada ao fracasso, e Laura havia tentando ignorar seus sentimentos o melhor que pôde.
Então, uma tarde Dexter a havia encontrado sozinha e destroçada, depois que Charles a tinha traído e abandonado, e ela ainda tinha perdido uma de suas melhores amigas. Dexter a havia consolado, e ela tinha se apoiado nele. Laura não sabia em que momento o consolo havia se convertido em desejo, e o desejo em paixão. Ele a tinha surpreendido por completo, havia sido arrastada a território desconhecido.
Entretanto, pela manhã, a febre havia passado, e Laura tinha visto seus atos como o que eram na realidade. Havia ocultado de Dexter sua culpa e seus delitos. E pior ainda, tinha sido infiel ao seu marido, havia tomado a virgindade de um homem oito anos mais novo que ela e o tinha usado para acalmar sua dor.
Para Laura, que não estava familiarizada com o prazer sensual, aquela noite havia sido feliz, mas de todos os modos, sabia que era errado. E quando Dexter tinha rogado que fugisse com ele, que se afastasse de Charles e deixasse para trás toda a infelicidade, ainda que para ela fosse uma grande tentação, soube que era o pior poderia fazer.
Ainda via o rosto de Dexter quando havia pedido que se fosse com ele. Sua expressão era de impaciência, mas também de esperança, e tinha aquele brilho da felicidade recém encontrada que ela se lembrava de quando era jovem. Ao vê-lo, Laura sentiu todo o peso dos oito anos de diferencia que havia entre eles. Sabia que se aceitasse o que ele estava sugerindo, o afundaria para sempre. Para um homem de sua idade, no começo de sua carreira, sem dinheiro e sem contatos, sem outra coisa que um bom nome e integridade, o fato de fugir com uma duquesa casada muito mais velha que ele seria um absoluto desastre. O escândalo o destruiria, e nunca poderia recuperar-se.
Assim que o expulsou de sua casa.
Havia sido cruel, porque pensava que se explicasse os motivos que tinha para se afastar dele, Dexter tentaria fazer com que mudasse de opinião, e ela seria muito fácil de convencer. Havia feito mal a ele, havia partido o coração dele e, ao mesmo tempo, havia partido também o seu. Havia feito com que pensasse que ela era uma desavergonhada e uma infiel. E agora, quatro anos mais tarde, ela acabava de expulsá-lo de novo, e ele continuava pensando que era uma hipócrita e qualquer.
Quando havia se afastado de Dexter há quatro anos, havia pensado que tudo terminaria assim. Não havia imaginado que o resultado de seu apaixonado encontro seria sua bela filha, Harriet.
Havia demorado muito para perceber que estava grávida. No princípio, ante seu atraso, acreditou que a tristeza que sentia havia afetado seus ciclos. Ficou casada com Charles dez anos sem ficar grávida, e durante aquele tempo, havia chegado a pensar, gradualmente, que nunca teria filhos.
Aquilo havia sido uma grande dor para ela, e mais ainda porque a causa era que seu marido nunca ia a sua cama.
Quando tinha engravidado de Hattie, não havia sentido enjôos matinais, e continuou montando a cavalo até os seis meses. Ao lembrar-se daquele tempo, perguntou-se se não teria estado negando a verdade, ou se estava tão assombrada por ter ficado grávida depois de tantos anos, que temia que tudo fosse uma ilusão. Fosse qual fosse o caso, não disse nada até que sua amiga Mari Falconer havia perguntado com tato por sua gravidez, e ela tinha admitido diante de sua melhor amiga que o bebê não era de Charles. Quando seu marido soube, havia jurado que lhe tiraria o bebê assim que nascesse. Havia gritado e tinha batido nela e a havia empurrado pelas escadas…
Laura fechou os olhos para afastar a lembrança de tudo aquilo. Não tinha por que voltar a pensar nisso.
Charles tinha morrido, e seu ódio já não podia fazer estrago nem a ela nem a Hattie… Entretanto, sentia-se inquieta, e sabia que a razão era Dexter. Não tinha imaginado que pudesse encontrá-lo em Fortune's Folly. Não havia imaginado que voltaria a vê-lo. Dexter não podia saber a verdade sobre Hattie, porque se a verdade saísse à luz, as pessoas saberiam que sua filha era ilegítima, e sua vida seria destroçada para sempre.
Laura se estremeceu ao pensar nisso. Embora não acreditasse que Dexter fizesse mal deliberadamente a uma menina inocente, se soubesse que era sua filha, talvez quisesse fazer parte de sua educação e conhecê-la abertamente. A infidelidade e a ilegitimidade haviam convertido sua família no assunto de todos. Laura não imaginava que Dexter quisesse o mesmo para sua filha. Talvez sugerisse que Hattie fosse viver com sua própria família.
Era possível que tentasse lhe tirar sua filha.
Laura estava disposta a morrer antes de entregar Hattie. E faria tudo o que estivesse em suas mãos para evitar que nenhum rumor, nem escândalo manchassem seu futuro por causa da desgraça de sua mãe.
Assim, nunca falaria com Dexter sobre sua filha. Hattie deveria continuar sendo a filha do duque de Cole. Durante os três anos anteriores, o único propósito da vida de Laura tinha sido proteger sua filha, e isso não iria mudar.
Lembrou-se do sorriso de Hattie, suas bochechas rosadas e redondas, sua boquinha e seus cachos negros. Não se parecia com Dexter. Tinha os mesmos olhos castanhos de Laura, e a cor da pele e de cabelo de seu avô, mas, além disso, Laura pensava que não se parecia com ninguém em particular. Portanto, certamente Dexter não reconheceria Hattie se a visse pelo povoado. Não obstante, Laura não correria riscos. Não ia esconder Hattie, é obvio, porque as pessoas notariam e falariam, mas seria muito cuidadosa.
Estava tão absorta em seus pensamentos que não ouviu o som da porta principal nem os passos pela escada. Um momento depois, a porta da sala se abriu de repente, e Hattie se lançou nos braços de Laura, com um doce pegajoso na mão. A julgar pelas avantajadas bochechas da menina, Laura suspeitou que o resto do doce já estava em sua boca.
— Mamãe, mamãe! Caramelo!
— Já vejo — respondeu Laura, sorrindo por cima dos cachos de sua filha à babá, que havia seguido Hattie até o quarto e estava na soleira da porta — Se divertiu querida? Espero que tenha se comportado bem.
— O senhor Blount deu a Lady Harriet alguns doces, senhora — disse Rachel — Espero que não se importe. E a senhora Morton lhe deu alguns laços de cor lilás para o cabelo, e um pouco de renda para fazer o vestido de uma boneca. As pessoas são muito generosas.
— Sim, é certo.
Laura deu um beijo na bochecha de Hattie, e lhe acariciou os cachos. Sabia que muitos dos lojistas de Fortune's Folly sentiam lástima por ela, porque não tinha marido e estava em uma situação econômica difícil. Entretanto, como se sentiam incômodos mostrando caridade a uma duquesa, sempre davam presentes a Hattie.
Quase toda a roupa da menina foi feita com restos de tecidos da loja da senhora Morton, e Hattie ia se daria muito bem como resultado da generosidade do dono do armazém, porque não passava um dia sem que lhe desse uma bolsinha de doces, ou um pacote de bolachas, ou uma bolacha cuja nova receita estava provando, aparentemente.
A senhora Carrington, que era a governanta e cozinheira de Laura, grunhia dizendo que ela era muito capaz de fazer suas próprias bolachas, mas dizia em voz baixa porque sabia, como todos outros, que sem a generosidade dos vizinhos os habitantes da casa morreriam de fome.
— O senhor Wilson me deu dois nabos — disse Rachel, com uma risada — Disse que Lady Harriet podia fazer um farol com um para o Halloween, e com o outro, a senhora Carrington poderia fazer uma sopa.
— Isso seria delicioso — disse Laura — embora não entendo como conseguiu trazer tudo para casa — acrescentou, sorrindo a Hattie. Gostaria de fazer um farol, carinho?
— Sim — disse a menina, retorcendo-se entre os braços de sua mãe. Quando Laura a deixou no chão, Hattie se virou esperançosamente para Rachel — Podemos fazê-lo agora?
— Agora não, milady — disse Rachel com firmeza — É hora de comer.
— Não me diga — disse Laura resignadamente — que o senhor Blount também lhes deu bolinhos.
— Sim, e bolachas de aveia, e geléia de morango — disse Rachel — Disse que iria estragar se não levasse — depois estendeu a mão para Hattie — Vamos senhorita. É hora de lavar as mãos.
— Posso fazê-lo sozinha — disse Hattie com dignidade, e Laura conteve o sorriso.
— É muito independente — disse Rachel — Já verá senhora. Logo irá caminhando ao povoado sozinha se o permitimos. É muito decidida, o tesouro.
Laura escutou enquanto Rachel levava Hattie para lavar as mãos. Sua filha tagarelava todo o tempo sobre o farol que iriam fazer, e conseguiu que Rachel lhe prometesse que iriam brincar no prado mais tarde. Laura escutou a meias enquanto ordenava e dobrava a roupa de Hattie, com uma mistura de satisfação e uma melancolia que não podia entender.
Rachel havia dito que Hattie era muito decidida. A pequena Hattie, independente e feliz, com seus cachos de ébano e sua natureza valente… Laura se sentiu embargada pelo orgulho e o assombro, por ter podido fazer um milagre como sua filha, pelo fato de que Dexter e ela tivessem criado algo tão delicioso e extraordinário. Nunca deixaria de ter aquela sensação reverencial.
Também se sentiu muito culpada. Estava negando a Dexter o prazer de conhecer sua filha e de vê-la crescer. Estava lhe tirando aquele direito, mesmo que ela não quisesse fazê-lo, mas não podia fazer outra coisa. Não podia arriscar o futuro de Hattie, nem sua felicidade, nem sua segurança.
O som da campanhia da porta a tirou de seu devaneio.
— Olá? — perguntou uma mulher em baixo — Laura? Está em casa?
Laura, aliviada pela distração, desceu ao vestíbulo. Carrington não estava em nenhuma parte; não havia ouvido a campanhia. Laura suspirou. Não tinha sentido lamentar os defeitos de seu mordomo nem de sua governanta porque ela os havia contratado deliberadamente para salvá-los de um futuro incerto.
A saúde do mordomo havia declinado muito durante os últimos anos, devido às exigências constantes e excessivas da nova duquesa de Cole, e Laura, que se sentia culpada por ter deixado os Carrington a mercê de Faye Cole, havia lhes oferecido um novo lar. Entretanto, depois de um ano havia pensado que teria sido melhor contratar empregados para que cuidassem deles. Tanto o senhor como à senhora Carrington estavam muito castigados, já não eram mais que uma sombra do que haviam sido.
A senhorita Alice Lister era vizinha de Laura. Vivia em Spring House, uma bonita vila contigua ao Velho Palácio. Naquele momento, estava no vestíbulo, olhando pela porta do salão. Usava um chapéu de palha e um vestido de musselina muito bonito, de riscas amarelas e brancas, com um casaco combinando.
Laura gostava de Alice. A senhorita Lister havia sofrido a rejeição de quase toda a alta sociedade do povoado, sobre todo daqueles que eram muito conscientes de seu status e a quem espantava o fato de que uma antiga faxineira tivesse dinheiro, comprou uma bela casa e foi viver entre eles. Tais coisas contradiziam a ordem natural, e as damas de Fortune's Folly não estavam dispostas a dar a Alice sua aprovação.
Depois havia chegado Laura, o peixe mais gordo do pequeno lago de Fortune's Folly, e Alice e ela haviam se tornado amigas imediatamente. Laura também gostava muito de Alice porque não era servil nem aduladora, e dizia as coisas como as via, estivesse falando com uma duquesa ou com um rapaz de estábulo. E, como ela havia vivido rodeada de mentirosos detestáveis quase toda sua vida, encontrava-o refrescante.
— Chamei — disse Alice — Pensei que talvez tivesse ido dar um passeio pelo rio está tarde… — de repente, ficou calada — Oh! Sim esteve no rio.
— Como sabe? — perguntou Laura.
— Tem uma erva do rio no cabelo. O que aconteceu?
Laura suspirou.
— Não estou muito segura. Estava no bote e perdi um remo, assim tentei remar com o outro, mas terminei dando voltas.
— Não tente nunca remar com um só remo. Não serve de nada.
— Agora já sei. Peguei um galho, mas se quebrou, e a correnteza arrastou o barco até a represa. Ao chocar contra as pedras, lançou-me no lago.
Laura fez uma pausa. Por acaso tinha imaginado que alguém havia dado ao bote um bom empurrão? Ela não havia visto nada, porque o sol a cegava, mas tinha parecido ouvir passos…
Não. Aquilo tinha que ser sua imaginação. Naquele momento, a exclamação de temor de Alice a devolveu à realidade.
— Laura, não! Machucou-se?
— Felizmente, não. Deveria ter saltado à água e ter nadado até a margem, mas golpeei a cabeça, e estava muito enjoada — explicou. Depois tomou ar profundamente e disse — Foi uma sorte que o senhor Anstruther estivesse por ali e tenha me tirado da água.
— O senhor Dexter Anstruther? — perguntou Alice com os olhos abertos como pratos — O cavalheiro misterioso que se aloja na estalagem de Morris Clown?
— Sim. Estava pescando próximo.
— Isso me pareceu — disse Alice — Cruzei-me com ele justo quando chegava. Estava molhado, e levava vários peixes. Isso respondeu a muitas das perguntas que estava me fazendo.
— Como, por exemplo?
— Por que há um atoleiro de água na entrada de sua casa, e rastros molhados no vestíbulo, para começar.
— Tem talento para a investigação — disse Laura.
— Sim — respondeu Alice, e depois franziu o cenho — O senhor Anstruther é um pouco estranho, não acha?
Assim não era como Laura descreveria Dexter. Incrivelmente bonito pecaminosamente tentador e muito perigoso, talvez, mas não estranho…
— Laura?
— Em que sentido te parece estranho? — perguntou com cautela.
— Não estou segura. Algumas vezes me dá a sensação de que se comporta como um homem mais velho do que é, porque não pode ter mais de vinte e sete anos.
— Na realidade, só tem vinte e seis — disse Laura, antes de poder conter-se — A que se refere com o de que parece mais velho?
— A que é muito sério e responsável.
— Pode ser que pareça, mas há dois anos diziam que era o libertino mais imprudente de toda Londres — disse Laura, e sentiu outra pontada de culpa. Tinha medo de que o comportamento de Dexter fosse responsabilidade dela — Ainda que antes fosse muito responsável.
— Antes do que?
"Antes que perdesse a virgindade comigo e estragasse seu caráter".
Laura engoliu saliva.
— Antes que… eh… antes que se convertesse em um libertino imprudente.
— Então era responsável antes, e responsável depois, e ocorreu algo no meio que fez com que se comportasse de um modo distinto — disse Alice, com uma expressão pensativa — Pergunto-me o que seria.
— Sim, eu também me pergunto isso.
Laura moveu distraidamente alguns dos adornos que havia sobre o console, enquanto Alice cravava nela seu olhar inteligente.
— De todos os modos, como sabe?
— O que?
— A idade do senhor Anstruther. Como sabe que só tem vinte e seis anos?
— Porque conheço sua mãe — disse Laura, e percebeu que tinha que mudar de conversa se não quisesse delatar por completo seus sentimentos — Somos da mesma geração.
— Oh, vamos, Laura, isso não pode ser. Você não pode ter muito mais de trinta anos!
— Tenho trinta e quatro para ser exata, menina.
Entretanto, Alice ainda não tinha terminado com aquele assunto. Baixou a voz e olhou para trás com um gesto conspiratório.
— Há rumores de que o senhor Anstruther trabalha para o governo, sabia?
— Não tem por que sussurrar — disse Laura -— Hattie e Rachel estão lá em cima, e não há ninguém em casa, salvo os senhores Carrington, que estão mais surdos que uma taipa.
— Não parece que te interesse muito — disse Alice com desilusão — O que ocorre contigo é que sempre mantém perfeitamente a compostura, Laura. Não há nada que altere sua calma. Imagino-me que é conseqüência de ser duquesa.
— Sei ocultar bem o que sinto — admitiu Laura — Essa é a conseqüência natural de ser duquesa.
— De todos os modos, não vim para falar disso. Vai me oferecer um chá?
— É obvio. Eu mesma farei — disse Laura, e se dirigiu para a escada de serviço.
— A senhora Carrington está tendo outro dia ruim? — perguntou Alice, enquanto desciam para a cozinha.
— É o que temo — disse Laura — Está amanhã, antes do café da manhã, tinha tantas dores que quase não podia segurar as frigideiras, então lhe disse que se fosse deitar com um tijolo quente sob a cama.
— Deveria contratar mais um empregado — disse Alice — Um empregado competente. Não pode ficar sempre fazendo o chá.
— Tenho Molly e a Rachel, que são perfeitas. E ainda há Bart para cuidar do jardim.
— Bart é tão velho que nem sequer pode inclinar-se. Sei que você mesma cuida do jardim, Laura. Não pense que não percebi. Com a exceção de Rachel e Molly, tem um asilo para empregados incapacitados aqui.
— Bom, não tem nada de mau que eu faça o chá — disse Laura — Não tem nenhum mistério fazer chá. Nem cozinhar, e vestir-se sozinha, nem cultivar uma horta.
— Mas você é duquesa — disse Alice com horror — Não fica bem.
Laura começou a rir.
— Sou uma duquesa pobre. E isso é o mais maravilhoso: como sou uma duquesa viúva, posso fazer o que quiser. Meus parentes não podem meter-se em minha vida e me dizer o que tenho que fazer, ainda que o tentem, e não tenho obrigações sociais porque Henry e a temível Faye se converteram nos duques de Cole. E, além de tudo, a rainha Maria Antonieta brincava de ser uma leiteira, não?
— E olhe como terminou — replicou Alice com melancolia.
— Eu não tenho intenção de perder a cabeça, nem metaforicamente, nem na prática.
— Quase me esqueci! Tenho uma notícia incrível — disse Alice de repente — Há um terrível alvoroço na cidade. Estamos em uma boa confusão, e é culpa minha. Lembra que rejeitei a oferta de casamento de Sir Montague Fortune em julho?
— É obvio — disse Laura, enquanto pegava a caixa do chá.
— Pois parece que, para vingar-se, desenterrou alguma lei antiga que o dá direito de reclamar a metade da fortuna de todas as mulheres não casadas de Fortune's Folly. Oh, Laura, todas terão que casar-se ou dar a Sir Montague seu dinheiro!
— Não fala sério! Isso não pode ser legal! É injusto!
— Parece que sim, é legal — disse Alice — Ainda que vendêssemos todas nossas propriedades e nos fôssemos do povoado, não nos liberaríamos, porque a lei se aplica às mulheres não casadas que vivam no povoado agora. Assim agora me pergunto se não deveria me casar com ele para salvar todas as senhoras de Fortune's Folly.
— Eu não a aconselho — disse Laura, contendo a risada enquanto colocava a medida de chá no bule — Rejeitou Sir Montague por um motivo, não?
— Sim. Não me agrada.
— Claro. E você gostaria menos se casasse com ele por uma chantagem — afirmou Laura, enquanto vertia água fervendo no bule — Além disso, suspeito que agora que Sir Montague percebeu que pode tirar a metade da fortuna de todas as mulheres do povoado sem casar-se, não se contentará com apenas uma mulher na felicidade matrimonial.
— Não, suponho que não — disse Alice — O que podemos fazer?
Laura pegou a caixa de bolachas de uma estante e a pôs nas mãos de sua convidada.
— Prova estas bolachas de aveia do senhor Blount — disse, e suspirou — Bom, Sir Monty vai ganhar muito pouco dinheiro comigo, porque não tenho nada salvo está casa e uma miséria para me manter. Mas isso não significa que queira lhe dar nada, e certamente, posso ajudar às demais, se quiserem que o faça. Escreverei a meu advogado em seguida para pedir um conselho sobre quais medidas podemos tomar contra Sir Montague. Certamente, haverá muitas coisas que podemos fazer para frustrar seus planos. Possivelmente possamos celebrar uma reunião na biblioteca dentro de alguns dias…
Laura sentiu uma inesperada rajada de emoção. Organizar uma revolta contra o senhor do castelo não era grande coisa, mas ao menos, ela se sentia como se estivesse fazendo algo proveitoso, ativo. Fazia muito tempo que sentia falta de uma causa.
Alice a olhava com admiração.
— Que generosa é, Laura! Que prática! Cedo conseguiremos que Sir Montague se retire.
— Tudo isto explica a presença do senhor Anstruther em Fortune's Folly! — exclamou Laura repentinamente — Deve ter vindo conseguir uma esposa rica. Esse vilão! — acrescentou cada vez mais indignada — Todo mundo sabe que é mais pobre que um rato. Só é um caça dotes!
— Não é o único — disse Alice — Quando vinha, cruzei-me com muitos cavalheiros de Londres. Quase não pude atravessar a praça do mercado sem que um ou outro me abordasse.
— Bem — disse Laura, mexendo o conteúdo do bule com tanto ímpeto que uma parte da infusão derramou pela mesa — pois vão comprovar que as senhoras de Fortune's Folly não são presas fáceis. Que arrogância! Pensar que podem vir aqui com seu refinamento da cidade e levar todas as solteiras ao altar…
Pegou as xícaras do suporte com uma violência que pôs em perigo sua antiga porcelana. Assim Dexter Anstruther tinha ido a Fortune's Folly à caça de uma herdeira rica. Bom, pois lhe ensinaria que havia cometido um engano. Ela mesma se encarregaria de que lamentasse ter tentado encontrar uma mulher com dinheiro.


Capítulo Cinco
Dexter tinha na mão uma carta da duquesa viúva de Cole. Lembrava a Laura Cole que tinha conhecido anos antes: a perfeita duquesa, elegante e refinada.

Querido senhor Anstruther, agradeço-lhe muito a ajuda que me prestou ontem quando me resgatou do rio…

Dexter suspirou. Como sempre, Laura mostrava um grande respeito pelas convenções. Entretanto, o que esperava que dissesse?

Querido senhor Anstruther, muito obrigado por sua oferta de converter-se em meu amante, atendendo à mútua conveniência e ao prazer. Depois de ter refletido sobre este assunto, temo que devo recusar. Face ao ocorrido no passado, já não tenho nenhum interesse romântico em você…

Pensando com tranqüilidade, com maturidade, atentamente, Dexter percebeu que tentar seduzir Laura não havia sido o mais inteligente que poderia ter feito. Devia ter lembrado que tinha ido a Fortune's Folly, primeiro, para trabalhar, e depois, para encontrar uma esposa rica. Laura Cole era uma viúva pobre e pouco idônea. O fato de que ele a desejasse tanto como sempre era irracional, um motivo de distração em seus principais assuntos, e devia ignorá-lo, sobre tudo depois de que ela deixou claro que o desdenhava.
De todos os modos, a necessidade de vê-la outra vez, de falar com ela, de estar ao seu lado, obcecava-o. Encolheu-se no assento, com exasperação.
— Vamos a sala de reunião, sim ou não? - perguntou Miles Vickery, que estava ao seu lado. Ou vai ficar aí relendo essa carta toda a noite?
Miles tinha chegado uma hora antes, com novas instruções de lorde Liverpool, e com a intenção de encontrar uma herdeira para si mesmo antes o possível. Com um suspiro, Dexter dobrou a nota de Laura e a guardou no bolso.
— Desculpe-me. Não sabia que tinha tanta pressa.
— Tenho que procurar uma mulher rica — disse Miles — Pensei que você também.
— Como as damas acabam de saber que vão perder a metade de sua fortuna se não se casarem antes de um ano, duvido que nos recebam com alegria — disse Dexter ironicamente.
— As convenceremos — replicou Miles — As cativaremos para que compartilhem nosso ponto de vista. Comprometer uma dama é um modo muito efetivo de assegurar sua fortuna.
— E muito desonroso — disse Dexter.
Entretanto, sabia que não podia se permitir o luxo de ter escrúpulos nem princípios. Miles tinha levado também uma carta de sua irmã, Annabelle, em que a moça o lembrava todas as razões pelas quais devia casar-se com uma mulher rica, tais como os gastos extravagantes de sua mãe e as perdas nos jogos de seus irmãos.
Também havia uma carta da pupila de seu pai, Caroline Wakefield. Todo o mundo sabia que era outro membro da Coleção Anstruther, fato dissimulado sob a falsa respeitabilidade de uma tutela. Em sua missiva, Caro lhe dizia com aborrecimento que não prestasse atenção às tolices de Belle, e que se todos os membros da família decidissem economizar e encontrar um emprego, ele não deveria casar-se por dinheiro.
Dexter sorriu com resignação e guardou as cartas em sua maleta. Caro tinha crescido com poucas ilusões sobre seu lugar no mundo, e uma visão muito mais prática que a de seus irmãos para os assuntos financeiros. Dexter tentou imaginar a cabeça oca de Belle indo trabalhar para ganhar a vida, e fracassou lamentavelmente.
— Deveria ficar aqui trabalhando — disse, assinalando a carta de lorde Liverpool — e você também. O ministro menciona que há alguém que pode nos ajudar com o assunto de Warren Sampson, e que você me apresentará a essa pessoa…
— Mais tarde — disse Miles. O pegou pelo braço e o tirou do gabinete — De todos os modos, isto é trabalho, Dexter. Tem que escutar as fofocas e conhecer os suspeitos. E que melhor modo de fazê-lo do que se acotovelando com todos os caça dotes e as herdeiras que haverá na sala de reunião?
Saíram à praça do povoado. Era uma noite tempestuosa. Soprava um vento forte e a lua aparecia de vez em quando atrás das nuvens rasgadas. A estalagem Morris Clown, que datava de tempos medievais, estava na parte sul da praça, em frente à sala de reunião do povoado, que era um edifício pequeno, mas bonito. Fortune's Folly era uma aldeia até que, cinqüenta anos antes, o avô de Sir Monty havia aproveitado o fato de que se pensava que as fontes naturais que rodeavam o povoado eram medicinais. Tinha criado um balneário em um pequeno parque, havia erguido o edifício da casa do povoado e tinha propiciado que Fortune's Folly se convertesse em um lugar exclusivo. Havia casas novas e lojas, e no verão, o povoado se enchia de visitantes de Harrogate e York. Além disso, naquele momento tinha se convertido na feira matrimonial de Inglaterra, e tinha atraído também a plebe.
— Oh, Deus Santo — disse o senhor Argyle, o mestre de cerimônias, com consternação, ao vê-los — Dois homens mais não. Que desastre!
Abriu as portas da sala de reunião e Dexter percebeu imediatamente qual era o problema. Estava literalmente cheio de cavalheiros com traje de noite e quase não havia uma dama.
— Todos os visitantes respeitáveis partiram do povoado — disse o senhor Argyle — Dizem que Fortune's Folly se encheu de descarados que diminuem o nível do povoado.
— Tem razão — disse Miles. Depois pegou o braço de Dexter — Olhe, lá está o libertino Jasper Deech. Há anos está procurando uma esposa rica.
— E você também — comentou Dexter — E eu também.
— Isso é diferente — disse Miles, com expressão ofendida — Deech é muito desagradável — afirmou, e fez uma pausa — Não é impossível que seja ele quem está envolvido nos delitos. Perguntei-me muitas vezes de onde tira o dinheiro. E aquele dali é Warren Sampson — disse, e assinalou um homem de meia idade, corado, que se balançava para trás sobre os calcanhares enquanto observava à concorrência — Não acredito que esteja aqui para procurar mulher. Ele não necessita mais dinheiro.
— Homens assim sempre querem incrementar seu capital — ironizou Dexter — Acreditava que já estava casado.
— Enterrou sua segunda esposa no ano passado, assim talvez esteja procurando substituta. E, falando de indivíduos desagradáveis, não é aquele Stephen Armitage? Que está adulando Laura Cole. Não é casamento o que ele está procurando ali! Mostrou seu interesse por ela em Londres, inclusive antes que ela terminasse o luto. Que maneiras tão nefasta.
Dexter se virou tão rapidamente que quase derrubou três copos de limonada da bandeja que levava um dos empregados. Desculpou-se e tentou conter as bebidas antes que caíssem em seus sapatos e nos de Miles.
— Laura está bela esta noite — comentou Miles, olhando para a duquesa viúva com admiração — Sempre pensei que é muito mais bonita do que pensavam, e agora que se livrou do desprezível marido floresceu, claramente…
Interrompeu-se e começou a gaguejar quando Dexter o agarrou pelo lenço do pescoço e começou a puxar com força.
— Mostra muita familiaridade mencionando o nome de batismo de sua Excelência com tanta intimidade — disse entre dentes. A idéia insuportável de que Miles pudesse ser outro dos amantes de Laura se formou em sua cabeça, e não pôde descartá-la, por muito que o tentasse. Miles era um mulherengo de primeira ordem, e suas conquistas eram legendárias.
— Tranqüilo amigo — protestou Miles, movendo os braços e tentando respirar — Laura é minha prima! Conheço-a desde que somos crianças. Por que não iria chamá-la por seu nome de batismo?
— É sua prima?
— Sim, isso lhe disse. Não se lembra que disse em Londres que tinha uma prima que vive aqui? E de todos os modos, que mosca te picou, Dexter?
Dexter o soltou.
— Não sei — disse — Pensava que sua prima era a duquesa de Devonshire.
— E é — respondeu Miles, ofendido — O que houve? Tampouco tem por que conhecer todas as ramificações de minha família. Tenho primos por toda parte, embora não seja seu assunto.
— Boa noite, Miles. Senhor Anstruther…
Dexter e Miles se sobressaltaram em uníssono. Laura estava em frente a eles, com um maravilhoso vestido de seda azul escuro, bordado com diminutos brilhantes. Estava linda. Dexter se sentiu excitado só vendo-a.
Laura levava o cabelo recolhido com um passador combinando com o vestido, de diamantes. Seu cabelo brilhava e tinha reflexos dourados, e parecia que estava pedindo que tirassem as presilhas e o acariciassem. Dexter ficou imóvel, como se acabasse de receber um golpe que o deixou aniquilado. Sua fria racionalidade nunca havia estado tão longe. Não podia mover-se. Não podia falar.
— Há algum problema? — perguntou Laura, observando significativamente as mãos de Dexter, que ainda estavam sobre os ombros de Miles.
— Absolutamente — respondeu Dexter, que reagiu, alisou a jaqueta de seu amigo e abaixou os braços rapidamente — Só que lorde Vickery tem um defeito em seu guarda-roupa.
— A próxima vez, melhor será que chame meu alfaiate antes de tentar arrumar você mesmo — disse Miles, lhe lançando um olhar assassino. Ajeitou a jaqueta e fez uma reverência a Laura. Pegou sua mão e a beijou.
— Como está, Laura? — disse, e a Dexter pareceu que dava um acento especial em seu nome de batismo — Me alegro em vê-la de novo. Está divina. Acredito que seu traje deve ser uma das criações de madame Hortense.
— Pensava — disse Dexter aspereza, sem poder conter-se — que sua Excelência era seu parente, Miles.
— Não muito próxima — disse Miles, sorrindo a Laura.
— Agradeço pelo elogio, Miles — disse Laura, com um sorriso — mas não se incomode em perder tempo comigo enquanto há outras damas mais ricas e mais dispostas no salão — ficou na ponta dos pés e lhe deu um beijo na bochecha — De todos os modos, é um verdadeiro prazer vê-lo.
— Sempre tão elegante — disse Miles, sorrindo.
— E tão impermeável as suas adulações — respondeu Laura com outro sorriso — Por favor, lembre-se que sou uma duquesa viúva, Miles, não uma garota ingênua a que vai enrolar com seus elogios.
— Você é a viúva mais sedutora que conheci em minha vida — disse Miles — E conheci muitas, de todos os modos imagináveis.
— Já está bem, Miles — disse Laura — Não quero saber nada de suas conquistas, e tampouco tenho intenção de me converter em uma delas.
— Oh, de acordo — disse Miles com um suspiro — Espero que Hattie esteja muito bem — disse, adotando um tom mais familiar — Minha mãe me deu alguns presentes para ela. Se puder visitá-la amanhã…
Dexter sorriu. A imagem de um libertino absoluto como Miles viajando de Londres com brinquedos infantis no baú era irresistível. Miles o olhou com cara de poucos amigos.
— É obvio — disse Laura — Hattie ficará muito contente de te ver.
— Estupendo.
Laura se virou para Dexter com um sorriso muito mais frio.
— Perguntava-me o que o trouxe a Fortune's Folly, senhor Anstruther — disse. — Suponho que tanto você quanto Miles vieram por conta do vergonhoso decreto de Sir Montague. É o único motivo que me ocorre que possa atrair tão ao norte a dois cavalheiros tão pouco idôneos para que uma dama lhes conceda sua mão.
— Um homem deve cumprir com seu dever — disse Miles com uma expressão sombria — por muito repugnante que possa parecer.
— Que visão mais idealista do casamento, Miles — disse Laura, rindo — E você, senhor Anstruther? Tem os mesmos sentimentos? Sua mãe expressou claramente seu desejo de que você encontre uma esposa rica e dócil.
— Dexter tem que trabalhar em dobro para encontrar uma garota que se adapte a ele — disse Miles, sorrindo maliciosamente para Dexter — É muito… suscetível.
— Certamente, não encontrará uma noiva adequada porque a maioria das moças de hoje em dia tem a inteligência suficiente como para não ser dóceis — disse Laura — Isso é o que quer, senhor Anstruther? Uma cabeça oca?
— E o que há de suas expectativas de casamento, Excelência? — perguntou ele suavemente. — Depois de tudo, é uma mulher solteira e neste momento, reside em Fortune's Folly. Também a afeta o imposto que Sir Montague quer aplicar. Está resignada a lhe entregar a metade de sua fortuna?
Laura começou a rir.
— Claro que não, senhor Anstruther! Entretanto, minha fortuna é tão pequena que imagino que não sou uma parte importante do plano de Sir Montague.
— Duvido que haja alguma quantia de dinheiro que não pareça importante a Sir Montague, Excelência.
— Bom, pois no meu não vai colocar as mãos — disse secamente Laura.
— Então, vai se casar para evitar o imposto? — disse Dexter, desfrutando da faísca de raiva que havia provocado nos olhos de Laura.
— Isso é menos provável que o fato de que entregue voluntariamente minha minúscula fortuna, senhor Anstruther — disse ela — Já tive um marido, e não tenho vontade de ter um segundo.
— Estou fascinado por conhecer seu plano para solucionar este dilema — disse ele — Só pode casar-se, ou pagar, não é assim? — acrescentou, e arqueou as sobrancelhas — Não acredita que está presa, Excelência? O decreto de Sir Montague tem o peso da lei, ainda que seja de muito mau gosto. Você não irá querer violar a lei, não é? Uma duquesa, pilar da comunidade…
— Se pode recorrer as leis nos tribunais — disse Laura.
— Ah, entendo. Quer gastar uma dinheirama que não possui em advogados, para não cumprir com a vontade de Sir Montague.
— O que conta são os princípios.
— E você tem princípios tão altos… — comentou Dexter, com uma pontada de irritação ante uma frase tão hipócrita.
— Como você, senhor Anstruther — disse Laura — Um modo excelente de passar o tempo: combinar a busca de esposa com a busca de uma amante no mesmo lugar!
A intensidade de sua conversa havia aumentado tanto que, sem perceber, haviam se aproximado muito um do outro e quase estavam se tocando. Ao perceber, Dexter desejou acariciar a bochecha e beijá-la de novo. Ambos haviam se esquecido de Miles, que estava observando-os com as sobrancelhas arqueadas.
— Me desculpem — murmurou — já vejo que não me necessitam. Acho que vou à sala de jogo.
Dexter percebeu o pasmo dos olhos de Laura e viu que haviam deixado que a conversa chegasse muito longe. Ela afastou o olhar e levou uma mão à garganta, e Dexter notou que começou a tremer ligeiramente. Ele sentiu também a mesma inquietação. Havia perdido o controle, tinha se esquecido de tudo em meio a potencia daquele momento com ela.
Houve um alvoroço do outro lado da sala, e os dois se voltaram, com alívio, e viram que Sir Montague Fortune havia entrado no salão com seu irmão, Tom, e que imediatamente tinha recebido um copo de limonada na cara. Quem perpetrou aquele ataque tinha sido uma jovem incrivelmente bela. Tom Fortune, um jovem com um senso de humor bastante cáustico, do qual seu irmão carecia, estava rindo enquanto sacudia algumas gotas que haviam caído em seu casaco.
— Monty! — gritou a debutante — Como se atreve a montar um plano para roubar meu dinheiro, grandíssimo bruto? Encarregar-me-ei de que pague!
— Conhece Lady Elizabeth Scarlet, a meio-irmã de Sir Montague? — perguntou Laura — Sua mãe se casou primeiro com o pai de Sir Montague e depois, de sua morte, com o conde de Scarlet. Lizzie é a pupila de Sir Montague agora que seus dois progenitores estão mortos. Naturalmente, causou-lhe um grande desgosto com seu plano de arrecadação. Tem uma relação um pouco volátil.
— Nunca o teria imaginado — disse Dexter, e sacudiu a cabeça com desaprovação — Parece que Sir Montague merece a metade da fortuna de sua irmã só por ter que suportar semelhante lavadeira.
Laura arqueou uma sobrancelha.
— O que estirado soa para sua idade, senhor Anstruther. Claramente, Lady Elizabeth é uma das mulheres às quais deve eliminar de sua lista de candidatas. Já entendo o que quis dizer Miles sobre você ser muito suscetível.
Dexter a olhou desconfiadamente.
— E por que pensa que tenho uma lista, Sua Excelência? — perguntou.
— É o tipo de coisa que você faria. Investigação, preparação, organização... é sua maneira de atuar, não, senhor Anstruther? Claro que tem uma lista. É o tipo de homem que pensa que tem tudo sob controle e de repente vê formar uma espiral que não pode dominar.
— Não me diga que aprova o comportamento de Lady Elizabeth — disse Dexter com irritação — Não concorda absolutamente com a idéia do decoro público que você respeita com tanta convicção.
— É obvio. Tem razão. Não aprovo que tenha arrojado limonada na cara dele. O chão de madeira pode manchar — disse ela, olhando Dexter com frieza. Depois observou como Sir Montague se retirava da sala, secando o rosto com um grande guardanapo branco, e suspirou — Retira-se em meio ao caos. Quem dera fosse tão fácil ganhar a guerra como esta primeira batalha.
De repente, Laura se virou para ele.
— Se pensa encontrar uma noiva rica e ingênua em Fortune's Folly, deve pensar melhor, senhor Anstruther — disse — Seria um engano.
— Me fascina descobrir que tem tanto interesse por meus planos de casamento, Excelência — respondeu Dexter.
— Não tenho nenhum interesse em você nem em seus planos — disse ela — Só é uma advertência. Não queremos caça dotes por aqui.
— E está certa — perguntou ele em um tom cada vez mais íntimo — de que não tem nenhum interesse pessoal em meu caso?
Laura soltou uma gargalhada seca.
— Tem uma opinião muito boa de você mesmo, senhor Anstruther. Por que iria me importar? Eu não o procurei esta noite. Não desejo a companhia de um homem tão hipócrita para censurar meu comportamento e depois aderir-se ao duplo padrão. Você é como o resto dos homens. E, como já disse antes, busca uma esposa dócil e uma amante submissa ao mesmo tempo.
Dexter começou a rir.
— Ninguém poderia dizer que você é submissa, Excelência.
— E tampouco poderá dizer que sou sua amante! — disse Laura bruscamente, entrecerrando os olhos com desdém — Quanto ao da esposa dócil, sugiro que a esqueça também e parta de Yorkshire. Estou certa de que você está muito melhor adaptado à vida em Londres. Além disso, vai ter muitos problemas para encontrar uma dama que aceite sua oferta de casamento se antepor a pesca a sua noiva, como parece que prefere fazer. Tem que saber que os homens de verdade não pescam.
— Até o momento não tive queixa, senhora — disse ele — Foi você que rejeitou um homem de verdade porque não podia ficar a sua altura.
— Como se atreve…?
Elevou a mão, mas ele a segurou com firmeza pelo pulso.
— Não irá me bater em público, não é? Isso seria um comportamento muito escandaloso por parte da perfeita duquesa viúva de Cole — disse ele — Está disposta a acabar com essa fachada pública, Excelência, ou quer que eu faça por você?
Durante um momento, olharam-se nos olhos e ele viu a fúria nas profundidades dos dela, e também a sombra do medo de que ele pudesse cumprir sua ameaça e beijá-la ali mesmo, diante de todo mundo. Laura puxou a mão para libertá-la e deu um passo atrás. Estava muito ruborizada e tinha os olhos muito brilhantes.
— Comporte-se, senhor Anstruther — disse — Será que não pode controlar-se? Eu só havia me aproximado até aqui para falar com Miles. A próxima vez que o ver junto a você, prosseguirei meu caminho.
— Isso é o que você diz, mas faz um bom tempo que seu primo se afastou, e você ainda continua aqui, apesar de eu ter sugerido que nos evitássemos no futuro.
Laura mordeu o lábio.
— Algo que tem fácil remédio. Boa noite, senhor Anstruther. Espero que volte logo para sua casa. Seu lugar é em Londres, onde seus hábitos irresponsáveis de libertino serão mais apreciados.
Depois, virou e se afastou de Dexter. Ele tomou ar profundamente e relaxou um pouco. Entretanto, suas últimas palavras o deixaram gelado.
"Seus hábitos irresponsáveis de libertino".
Era mais parecido com seu pai do que queria. Mal se reconhecia quando estava com Laura. Perdia o controle, e parecia que sua necessidade dela distorcia tudo.
Viu como vários célebres mulherengos abordavam Laura enquanto ela se dirigia à saída, e sentiu que seu sangue fervia ao pensar que aqueles homens, certamente, viam Laura como uma viúva que poderia lhes proporcionar entretenimento amoroso que mitigasse o tédio de cortejar uma herdeira virginal. Talvez pensassem que podiam cortejar uma debutante durante o dia e seduzir uma viúva de noite. E possivelmente ela aceitasse suas propostas. Dexter não conseguia sentir indiferença por ela.
Entretanto, desejar Laura com todas suas forças, beijá-la, arder de vontades de fazer amor e perder a cabeça por ciúmes de outros homens eram algo de sua vida passada. Não era o comportamento de um homem responsável, com princípios, que não queria outra coisa que uma existência ordenada e uma noiva dócil.
Viu como lorde Armitage se inclinava para olhar o decote de Laura com a desculpa de lhe beijar a mão. Sentiu uma onda de fúria primitiva e se perguntou se ia terminar enfrentando em duelo todos os libertinos que abundavam por Fortune's Folly. Porque se colocassem um dedo sobre Laura, era o que ia fazer, e não seria a atitude de um homem racional.
Enfiou um dedo pela gola da camisa para afrouxá-la um pouco. Não sabia por que estava pensando assim. Era algo alheio ao seu caráter. Demônios, já havia perdido o controle. E, para um homem que se orgulhava de seu sólido sentido comum era inexplicável. Não tinha idéia de onde podia terminar.

* * * * *

Laura apertou as mãos enquanto se dirigia à saída da sala de reunião. Tinha a palma da mão muito quente sob a luva. Tinha um comichão no corpo e um nó de excitação, e também de raiva, no estômago. O impulso de virar para olhar Dexter Anstruther era quase muito forte para resistir.
Que demônios estava ocorrendo? Era a duquesa de Cole, e havia recebido príncipes e dignitários. Não tinha desfrutado com isso, mas havia cumprido com suas obrigações com encanto e aprumo. Nunca tinha permitido que um homem fizesse tremer sua compostura.
Dexter era capaz de fazê-lo com uma só palavra, com o mais leve dos roce. Sua presença era como uma ardência no sangue, exasperante, provocador, impossível de passar por cima. Ela não podia suportá-lo. Atormentava-a. Havia jurado que se manteria longe dele, e, entretanto ele tinha razão: havia procurado sua companhia deliberadamente e não tinha sentido fingir o contrário. Era uma tolice, era perigoso e era irresistível.
Entretanto, sabia que não devia esquecer o mais importante. Tinha que lembrar que era essencial proteger Hattie. Não podia arriscar-se a expô-la, e por esse motivo, era uma necessidade absoluta manter Dexter fora de sua vida. Ela mesma deveria estar buscando boas candidatas à esposa para se libertar de sua problemática presença. Entretanto, pensar em Dexter comodamente casado com outra era como uma punhalada no coração. Ficava de muito mau humor só de imaginar.
E ao ver aproximar-se do novo o duque de Cole com sua esposa, Faye, e sua filha Lydia, seu estado de ânimo não melhorou. Faye Cole tinha o aspecto de um fazendeiro que apresentava sua melhor vitela no mercado. Sorria a todos os cavalheiros que via, e empurrava suavemente Lydia para frente, para que os conhecesse. Lydia tinha vinte e dois anos, e já a considerava uma solteirona; Laura percebeu que Faye devia estar tentando aproveitar a situação criada pelo Tributo das Damas para encontrar por fim um marido para sua filha. Os novos duques não viviam em Fortune's Folly, mas Cole Court ficava suficientemente perto dali para que pudessem aproveitar a avalanche de pretendentes que havia invadido o povoado.
E Lydia, vestida com um traje de cetim rosa que não a favorecia, tinha cara de estar horrorizada ante a situação.
— Prima Laura! — disse Henry, e beijou sua mão com uma melosa galanteria. Faye foi muito menos afetuosa e assentiu com tensão — Espero que nos vejamos muito, prima, durante nossa estadia em Fortune's Folly — disse Henry.
— Obrigado, primo Henry, mas não saio muito.
— Como deve ser — disse Faye.
-— As viúvas não devem deixar-se ver? — perguntou Laura, e viu que a senhorita Lydia Cole continha um sorriso.
Então, Lydia viu Dexter Anstruther, e seu rosto se iluminou, convertendo-a em uma jovem muito mais animada e bonita. Laura sentiu uma pontada de ciúmes. Dexter e Lydia haviam se conhecido quatro anos antes, em Cole Court, e parecia que haviam desfrutado mutuamente de sua companhia. Laura sabia que se Dexter quisesse encontrar uma esposa de verdade, Lydia Cole era uma boa candidata. E Henry e Faye estavam tão desesperados para casar a filha que certamente aceitariam um homem de sobrenome antigo e linhagem nobre ainda que não tivesse fortuna. Laura sabia que seria um bom casamento para ambos. Assim, teria que reprimir a inveja que sentia ao pensar no assunto. Seus sentimentos ingovernáveis eram problema só seu.
De repente, sentiu pânico ao perceber que se Dexter e Lydia se casassem, isso converteria Dexter em parte da família Cole, e, portanto, o aproximaria de sua filha. Embora ela quase não visse Henry e Faye, e eles nunca haviam mostrado o mínimo interesse por Hattie, no pequeno mundo da alta sociedade não poderia esconder Hattie da família de Charles para sempre. Suspirou ao pensar que a rede de enganos se esticava um pouco mais a seu redor, e ao redor de sua vida vazia.
— Deixar-lhes-ei para que possam cumprimentar o senhor Anstruther — disse com cansaço, ao ver como Faye olhava com interesse aquele candidato — Estou certa de que ficará muito contente ao lhe ver.
— É muito bonito, mas não tem dinheiro, não é? — disse Faye pensativa, avaliando Dexter como o faria um vendedor de cavalos — Entretanto, isso mesmo faria com que se sentisse agradecido por conseguir a mão da filha de um duque.
— Mamãe! — exclamou Lydia, enquanto ruborizava profundamente ante aquela grosseria de sua mãe.
— O que? — perguntou Faye com impaciência — Não tem por que se indignar, Lyddy. Todos sabem por que estamos aqui, assim será melhor que anime um pouco o cavalheiro.
Laura olhou Lydia com solidariedade, porque parecia que a pobre garota estava a ponto de sair correndo da sala de reunião.
— Sim, mamãe — disse Lydia com um sussurro.
Enquanto Laura saía, Faye já estava arrastando Lydia para o outro extremo do salão, para abordar Dexter, enquanto Henry as observava com a expressão calculista de um homem que estava pensando em quanto ia lhe custar o casamento. Laura viu como Dexter pegava a mão de Lydia e se inclinava sobre ela, e sentiu o ciúme lhe espetando o estômago.
Quando chegou à porta, não pôde evitar voltar-se de novo. Dexter ia com Lydia para o centro do salão, onde a pessoas estavam se colocando em formação para uma dança folclórica. Ele não a olhou. Parecia que já a tinha esquecido.

* * * * *

Lydia Cole era uma moça observadora. Já havia percebido que Dexter Anstruther, ainda que fingisse que era indiferente a Laura, havia olhado de esguelha enquanto a duquesa viúva deixava o salão. Também tinha percebido que, embora dançasse e conversasse com ela de maneira muito agradável, tinha a mente em outra parte, ou em outra pessoa. Lydia sabia que não era o objeto de sua atenção. Na realidade, quase não tinha sua atenção.
E se sentia muito aliviada. Dexter Anstruther, com seu cabelo castanho dourado e seus olhos azuis, seu físico imponente e sua presença autoritária, assustava-a. Era muito bonito, muito preparado e muito entristecedor para ela.
Lydia sabia que sua mãe estava decidida a casá-la, e também sabia que Dexter estava procurando uma esposa rica. Teria sido uma combinação perfeita. Mas não era, porque os sentimentos de Dexter pertenciam à outra pessoa… e porque ela… bom, ela sentia algo por um homem completamente inapropriado. Estava quase certa de que tinha se apaixonado a primeira vista.
Ao olhar sua mãe, que estava a ponto de saltar sobre Dexter e obrigá-lo a anunciar diante de todo mundo o compromisso com sua filha, Lydia suspirou. Tudo podia complicar-se muito. Devia se assegurar de que não a obrigassem a casar-se com Dexter, e tinha que tentar curar-se de sua paixão por outro cavalheiro. Tomara tivesse vontade suficiente para consegui-lo. Não estava segura.
Depois de um breve sorriso, a atenção de Dexter voltou a fixar-se em outra parte. Lydia não se importava nem um pouco, porque tampouco estava pensando nele. Do outro lado do salão, seus olhos se encontraram com os do cavalheiro de seus afetos. Ele manteve o olhar e sorriu significativamente, e ela esqueceu todo o resto naquele instante. Parecia que ele também estava interessado nela. Isso fez com que seu coração se acelerasse. O amor a primeira vista era maravilhoso.








Capítulo Seis
— Bem — disse Laura a seu primo — quando vai me dizer o que se passa Miles? Está toda a tarde muito inquieto.
Estavam sentados na galeria, olhando como Hattie brincava com um peão que Miles havia comprado em Hamley's, a loja de brinquedos de Londres. Rachel estava ensinando à menina como fazer girar o peão para que as cores brilhantes da parte superior do brinquedo se convertessem em um arco íris giratório, e Hattie emitia gritinhos de emoção. O sol, que entrava pelas janelas com grades iluminava sua carinha entusiasmada e destacava os matizes avermelhados de seu cabelo negro.
Em um determinado momento, a menina olhou Laura com o rosto inclinado do mesmo modo, exatamente, como fazia Dexter. Laura sentiu seu coração se acelerar e olhou rapidamente Miles, mas parecia que ele estava estudando com toda atenção um dos retratos do século dezessete de algum antepassado Asthall com uma intensa concentração.
Sobre o tapete desgastado havia outros presentes de Miles, um livro de poemas infantis, um grupo de menores animais de madeira e uma boneca com um vestido e um chapéu combinando.
Também havia um vestido de brocado vermelho, mas Laura tinha decidido reservá-lo para o Natal, para que Hattie não se convertesse em uma menina mimada. Miles havia levado alguns presentes para Laura, amêndoas surrupiadas do Gunters e um livro que ela desejava ler; Laura se sentiu comovida, porque sabia que a situação financeira de Miles era quase tão se desesperadora quanto a sua.
Hattie havia monopolizado a atenção de Miles durante a primeira hora de visita, e a Laura pareceu que ele tinha se defendido muito bem. Entretanto, estava claro que uma parte de sua mente estava em outro lugar, assim enquanto Hattie brincava com o peão, Laura levou seu primo à parte.
— Miles? — insistiu, e seu primo ergueu os ombros e suspirou.
— Tenho que falar contigo de uma coisa, Lal — disse-lhe. Tinha o olhar fixo em Hattie e falava em voz baixa — Necessitamos sua ajuda.
Laura o olhou com acuidade. Conhecia aquele tom, meio firme, meio de desculpa. Significava que ela não ia gostar do que ia ouvir, mas que teria que fazê-lo de todos os modos.
— Lorde Liverpool? — perguntou ela — Sempre soube que, ainda que me dissesse que tudo havia terminado, isso não seria o final do assunto.
Dois anos antes, ela havia ajudado o ministro do Interior em troca do perdão por sua participação nas aventuras das Garotas de Glory. Tudo havia sido mantido em segredo para evitar o escândalo, e Liverpool tinha lhe prometido que nunca mais voltaria a mencioná-lo, mas Laura não era tão ingênua para acreditar. E ali estava Miles, dois anos depois, lhe pedindo ajuda. Laura devia ajudá-lo porque com o que sabia e Liverpool a tinha presa pela manga.
— É só informação — disse Miles com um gesto conciliatório — Temos que averiguar tudo o que possamos sobre Warren Sampson. Ou, melhor, Dexter precisa saber, porque este caso é dele…
— Tenho que falar com Dexter? Miles, não tenho inconveniente em te contar tudo o que sei sobre Sampson, mas, por que tenho que dizer ao senhor Anstruther?
— E por que não? É um caso de Dexter, Laura. Eu vim a Fortune's Folly por outro assunto.
— Já sei! Apanhar uma moça rica! Ontem à noite te vi colocando em prática seus encantos com a senhorita Lister — disse ela. Depois abaixou a voz e prosseguiu — E está amanhã ouvi os empregados mexericando. Diziam que passou a noite com uma das garçonetes da estalagem Morris Clown. Não me parece bem, Miles, e se alguém se inteira de que é tão libertino, nunca conseguirá uma esposa.
Miles começou a rir.
— Estamos falando das conseqüências de seus maus atos, Lal, não de meus. Vamos, Dexter está investigando este caso para lorde Liverpool e eu só vim ajudá-lo, assim é com ele quem tem que falar.
— Mas… não posso falar com o senhor Anstruther! Ele foi o encarregado de prender Glory, há quatro anos. Nunca se inteirou de que era eu… Oh, já sabe a que me refiro! Como vai se sentir quando descobrir…? — interrompeu-se com desespero. Quando Dexter soubesse a verdade, veria sua rejeição como outro ato de manipulação bem calculado de sua parte — Não sabe ainda, não é?
— Não, acredito que não — respondeu Miles alegremente — E o que importa? Você já tem o perdão, Lal. O único que está fazendo é nos ajudar, nos dar um pouco de informação. Estou seguro que Dexter verá os benefícios de tudo isso, e não vai se sentir indignado porque evitou sua captura há quatro anos.
— Pois eu não estou tão segura! — disse Laura com nervosismo. A idéia de ver-se ante Dexter e ter que lhe revelar que havia sido Glory, a assaltante de estradas, resultava-lhe intolerável. Abriu as mãos com um gesto de desespero — Já sabe quão obstinado pode chegar a ser o senhor Anstruther. O mais provável é que me dê um sermão sobre a crueldade de meus atos e adote uma atitude virtuosa e cheia de princípios! Oh, não o suportaria!
Miles estava rindo.
— Admito que Dexter, às vezes, é muito honrado, mas lembre-se de que você atuou como Glory para vingar os pobres e os fracos. Você também tem fortes princípios, Lal.
— Duvido que o senhor Anstruther veja assim — disse Laura com amargura.
— E que importância tem isso, afinal? — perguntou Miles — A não ser que… — ele a olhou com astúcia — A não ser que sua boa opinião seja muito importante para ti.
— Pois não — mentiu Laura — O que ocorre é que ele já me acha uma pessoa desagradável. Com isto me desprezará por completo.
— Poderia me enganar se não os tivesse visto juntos na sala de reunião, Lal. Nunca havia me sentido tão fora de lugar. O que Dexter sente por ti não é desagrado, precisamente.
Laura notou um intenso calor nas bochechas.
— Bom, pois depois disto sim irá sentir.
— Mas o fará? — insistiu Miles.
— Pois claro — disse Laura com sarcasmo — Você me propôs isso como se eu tivesse escolha, Miles, mas na realidade não tenho. Diga ao senhor Anstruther que me encontrarei com ele esta noite na estalagem da Meia Lua. Não posso permitir que me visite. Todo o povoado se daria conta, e já sou escandalosa o suficientemente. E, por favor, avise Josie para que nos reserve um gabinete privado.
— Quer que te acompanhe?
— É obvio que não! Fui salteadora de estradas. Tenho uma pistola, e sei me cuidar — disse. Depois se interrompeu — Desculpe — acrescentou, ao ver a expressão confusa de Miles — mas estou muito nervosa. Obrigado por seu oferecimento, mas não é necessário. E eu gostaria de te pedir, por favor, que não diga ao senhor Anstruther quem sou Miles. Se alguém tem que explicar, sou eu.
— Como quiser — disse Miles — Enviarei o aviso a Dexter. Obrigado, Lal.
— Não me agradeça. Só faço porque me obrigou Miles. Direi ao senhor Anstruther tudo o que possa para ajudar na investigação, e depois acabou.
Certamente, acabou para ela e para Dexter, pensou amargamente. No fundo, ela sempre soube que não tinham futuro, mas aquele era um assunto diferente. Depois que ele conhecesse a verdade, nunca mais iria querer voltar a vê-la nem pensar nela.

* * * * *

Dexter havia conhecido muitas tabernas decadentes, e a estalagem da Meia Lua tinha mais categoria que nenhuma delas. Entretanto, a clientela continuava sendo rude. Quando entrou, várias cabeças se viraram para olhá-lo, mas rapidamente, os homens voltaram a fixar sua atenção nas canecas de cerveja. Dexter perguntou por Josie Simmons, a proprietária. Instantes depois, Josie saiu pela porta e o olhou dos pés a cabeça, em jarras. Era uma mulher grande, tão alta quanto Dexter, mas o dobro de larga, e tão sólida que ele entendeu muito bem por que nenhum dos bêbados se pôs desagradável quando ela os pediu que se fossem.
— Senhor Anstruther — disse — Soube que Glory quer vê-lo.
Nos vales de Yorkshire ainda se falava de Glory como se fosse uma lenda.
— Não — disse Dexter — Eu que quero ver Glory.
Josie quase sorriu.
— Bom, pois Glory ainda não chegou, mas se quiser entrar…
Praticamente, ela o arrastou para dentro de uma sala pequena com várias cadeiras junto a uma chaminé.
— Trar-lhe-ei algo de beber — disse Josie, indicando que se sentasse em uma delas — Interessa-lhe brandy, senhor Anstruther?
— Não, obrigado — disse ele com tensão. Não queria beber nada.
— Vai necessitar — disse Josie, e saiu pela porta traseira.
Uma vez sozinho Dexter começou a passear pela sala, e se deteve para abrir as cortinas descoloridas e olhar para fora, para a escuridão. Nunca havia se sentido tão nervoso em uma missão. Não podia ficar quieto, e não queria beber nada. Quando Miles havia lhe dito que sua informante era Glory e que estava disposta a reunir-se com ele para falar sobre Warren Sampson e seus sócios, Dexter tinha ficado boquiaberto.
Entretanto, Miles havia se negado a responder qualquer de suas perguntas. Só havia dito que lorde Liverpool tinha concedido a Glory o perdão há vários anos antes, e que naquela ocasião ela estava os ajudando só por boa vontade. A Dexter não restou mais remédio que esperar e preocupar-se com seu encontro com uma mulher que, quatro anos antes, tinha sido sua besta negra e sua heroína secreta.
A porta se abriu e Dexter se virou. Na soleira havia uma mulher que usava uma capa azul escuro e uma máscara da mesma cor. Era muito alta e estava muito erguida. Ele também se endireitou quando ela entrou na sala e fechou a porta. Depois, a mulher começou a desatar os laços da máscara.
Dexter a reconheceu um segundo antes que tirasse o capuz.
Era Laura Cole. Ao perceber, sentiu encolher o coração. Teve a sensação de que sempre soube a verdade, e, entretanto, tinha sido muito lento ou muito cego para vê-lo.
— Sou Glory, senhor Anstruther — disse — Acredito que necessita minha ajuda.
Laura Cole era a célebre salteadora de estradas, Glory.
A duquesa viúva de Cole era uma bandoleira.
Ainda que já houvesse acreditado, Dexter sentiu outra onda de estupefação ao olhar Laura. Pigarreou e disse:
— Se você é Glory — disse — então sim queria vê-la.
Laura afastou o olhar.
— Fui Glory em algumas ocasiões.
— O que quer dizer?
— Eu era Glory algumas vezes, e outras vezes era minha prima Hester que interpretava o papel.
— E é óbvio que Miles sabia — disse Dexter, com amargura, ao precaver-se de que seu amigo soube durante todo o tempo e tinha lhe ocultado.
— Miles só sabe por que foi ele quem conseguiu de lorde Liverpool a anistia para mim, há dois anos — disse Laura.
Aproximou-se lentamente da chaminé, sentou-se em uma das cadeiras e ficou olhando o fogo. Ele caminhou lentamente pela salinha, sem poder deixar de pensar e de perguntar-se como havia podido ser tão tolo e não ter percebido tudo desde o começo. Quando Nick Falconer e ele haviam ido a Peacock's Oak quatro anos antes com o propósito de capturar Glory, Lady Hester Berry, a prima política de Laura, era a maior suspeita. Entretanto, aquela última saída das Garotas de Glory, em que haviam cavalgado para salvar o marido de Hester, John Teague, outra pessoa ocupava o lugar de Glory, e essa pessoa devia ter sido Laura. Foi Laura quem ajudou a deter a carruagem que levava Teague a julgamento, quem tinha mirado nele, e quem, no papel de Glory, o tinha beijado antes de seduzi-lo com sua própria identidade, mais tarde, naquele mesmo dia…
O coração deu um salto, e sentiu uma terrível amargura. Por fim, sua noite apaixonada com Laura e a rejeição posterior tinham sentido. Ela não era só uma aristocrata aborrecida que tomava e deixava amantes a capricho.
Era pior que isso.
Havia feito amor com ele para distraí-lo de seu dever. O cativou, enfeitiçou e o afastou de sua missão para que ele se esquecesse que devia capturar Glory.
E seu estratagema havia funcionado.
Havia funcionado tão bem que ele tinha se apaixonado por ela.
A dor que sentia no peito era tão aguda que teve que respirar profundamente. Devia controlar sua fúria. Não podia permitir que sua ira pessoal interferisse na investigação. Tinha que conseguir toda a informação possível sobre o caso.
— E pensar que nunca imaginei — disse ele — Eu sabia que você dispara perfeitamente.
— É obvio — disse Laura — Nasci e me criei no campo.
— E monta a cavalo como um cossaco — acrescentou Dexter — O cata-vento de Cole Court tinha forma de bandoleiro — disse ao lembrar-se — Foi brincadeira sua?
— Meu particular senso de humor — disse Laura com um sussurro — Acho que a maioria das pessoas não entendem.
Dexter passou a mão pelo cabelo. De repente, com violência, explodiu em cólera.
— Maldita seja, Laura! No que estava pensando? A duquesa de Cole cavalgando por aí como se fosse uma bandoleira?
Ela o olhou com desdém.
— Essa é sua única objeção, senhor Anstruther? Que sou duquesa, e que, portanto esse comportamento não era próprio de mim?
— Sabe muito bem que se tivesse conseguido prendê-la, a teriam enforcado.
— Felizmente, não foi assim. Mas não vim para falar do passado, senhor Anstruther. Só vim para ajudá-lo em sua investigação atual sobre Warren Sampson. Não temos por que falar de nenhuma outra coisa.
— De verdade? — inquiriu Dexter, fervendo de raiva.
A porta se abriu e apareceu Josie.
— Vai mal, não é? — disse, ao ver o rosto tenso de Laura e a cara furiosa de Dexter — Isso eu pensava.
— E de que outro modo poderia ser? — perguntou Dexter.
— Já disse que necessitaria o brandy — respondeu Josie. Deixou uma bandeja com duas taças e uma garrafa de licor na mesa — Cortesia da casa. Deve ter sido uma surpresa desagradável para você, senhor Anstruther.
— Pode se dizer que sim. Sei que as Garotas de Glory guardavam aqui seus cavalos. Sem dúvida, o próximo que descobrirei será que a senhora Carrington também cavalgava com elas.
Josie olhou Laura com os olhos muito abertos.
— Não lhe escapa uma, Excelência! Bill Carrington era um cavaleiro magnífico, inclusive sem cela, quando era jovem! Sua mãe sempre dizia que lhe dava medo que escapasse com o circo. Poderia ter se unido a nós e ter feito companhia a Lenny. Ah, bom… — disse com um suspiro — Já é muito tarde. Deixo-os tranquilos — acrescentou, e saiu.
— Pensava que as Garotas de Glory eram só mulheres.
Laura sorriu.
— Os requisitos de participação no grupo eram… flexíveis — disse.
— Como seus princípios — disse Dexter, e o momento de relaxamento se desvaneceu, como o sorriso de Laura.
— Podemos falar de Warren Sampson, senhor Anstruther? Estou impaciente para partir.
— Muito bem. Diga-me tudo o que sabe dele.
— Foi nosso vizinho em Peacock Oak durante vários anos. Era… e provavelmente continua sendo um chefe cruel e um latifundiário avaro. Eu o detestava.
— Mas não se relacionava socialmente com ele.
— Não. Ele era um homem que alcançou sua posição por seus próprios meios, e eu era uma duquesa. Não nos mesclávamos com ele salvo por acaso, como ontem na sala de reunião.
— E o que sabe deste indivíduo?
— É duro e brutal.
— Debilidades?
— A vaidade. E o amor desmedido pelo dinheiro.
— Não quer conseguir a aceitação social da aristocracia?
— Nunca tentou consegui-la de mim — disse Laura. — Na realidade, não acredito que Warren Sampson se importe muito com status social, só quanto aos benefícios econômicos que poderia lhe reportar. Nisso é bem pouco comum. Muitos homens que conheci quiseram sua riqueza para ascender postos na sociedade, mas Sampson não.
Aquilo era interessante, pensou Dexter, e poderia lhe dar pistas sobre o comportamento de Sampson. Se não se importava com a aceitação, tão somente o dinheiro, e tinha vários negócios ilegais e lucrativos funcionando, certamente teria optado por acabar de vez com as ameaças de Sir William Crosby de expô-lo como o criminoso que era.
— Quando era Glory, em uma ocasião, queimou suas cercas. Causou prejuízo e cometeu, além disso, o delito de incêndio provocado. Por que o fez?
— Porque Sampson havia cercado as terras comuns e se negava a permitir que os boiadeiros levassem a pastar ali seus animais. É um homem odioso. Havia subido os aluguéis e levou algumas famílias à ruína e à fome, senhor Anstruther, e riu deles quando foram lhe pedir ajuda.
— Em outra ocasião, roubou seu banqueiro e repartiu o dinheiro entre seus trabalhadores. Por quê?
— Porque esse dinheiro era deles, foi justiça. Tinha prometido a eles que pagaria seu salário e depois o reteve. Nós, as garotas de Glory, nos limitamos a restabelecer o equilíbrio.
— Violou a lei.
— Sim. Muitas vezes. Para reparar uma injustiça.
— Você não tem direito de fazer essas valorações. Essa é a responsabilidade dos representantes da lei.
Laura encolheu os ombros.
— Entendo sua desaprovação, senhor Anstruther. Como vamos ficar de acordo nisto quando você jurou que defenderia a lei, e eu me vi obrigada a violá-la, ainda que o fizesse por boas razões? De todos os modos, estamos aqui para falar de Warren Sampson, não de meus delitos.
Dexter suspirou.
— Muito bem. Como podemos apanhá-lo?
Laura fez uma pausa e refletiu.
— Acredito que através de sua vaidade e de seu amor pelo dinheiro. Estendendo uma armadilha, usando uma isca financeira tão apetitosa que não possa resistir a mordê-la. É muito inteligente para que o apanhem de outro modo. Trabalha atrás de uma cortina de fumaça de valentões e criminosos pagos.
— Sim. Pensamos que Sir William Crosby foi assassinado por um deles.
— Miles me disse que a morte de Crosby foi acidente. Se for certo que Crosby queria desmascarar Sampson, é muito provável que pagasse com a vida.
— E se também é certo que Sampson tem alguns dos nobres locais no bolso, quais podem ser?
Laura ficou silenciosa durante um momento.
— Não sei. Algum segundo filho entediado, que não tem dinheiro suficiente para saldar suas dívidas de jogo, talvez. Há muitos por Yorkshire.
— Me diga seus nomes.
— O filho de Sir James Wheeler, por exemplo. Diz-se que seu pai lhe dá uma atribuição muito pequena. Sempre estão zangados. Tom Fortune é um jovem a quem agrada armar animação, mas nunca pensei que fosse mau, embora possa estar errada. E também há Stephen Beynon. Está sempre com Tom — disse Laura, e sacudiu a cabeça — Não sei. É difícil, porque pode tratar de pessoas as quais Sampson comprou, ou a quais está chantageando. O vi falando com Henry Cole ontem à noite, e me pareceu estranho, porque Faye nunca se rebaixaria a tratar com um burguês a menos que tivesse uma muito boa razão. É muito consciente de sua posição de duquesa de Cole.
— Acredita que Sampson recorreria à chantagem?
— Estou certa que sim, se for benéfico para ele.
— Sabe onde se reúnem os capangas de Sampson?
— Na estalagem do Leão Vermelho, em Stainmoor — disse Laura, e de repente, seu tom de voz mudou — Não vá, senhor Anstruther. É muito perigoso. Nem sequer eu teria ido ao Leão Vermelho, e isso porque caía bem à clientela.
Dexter arqueou uma sobrancelha.
— Então, agora se preocupa com meu bem-estar?
Laura afastou o olhar.
— Eu não gostaria que fosse ferido.
Fez-se um silêncio tenso. Dexter não podia manter-se quieto. A fúria e a frustração que sentia eram muito violentas para isso. Mesmo sabendo que não estavam ali para falar do passado, ele não podia evitar lembrá-lo uma e outra vez. Necessitava uma explicação por parte de Laura. Seu orgulho exigia. Depois de caminhar de um lado a outro durante alguns segundos, aproximou-se da lareira.
— Me explique uma coisa — disse com aspereza — O assunto das Garotas de Glory era para você só uma questão de princípios?
— Não — respondeu Laura — Em parte sim, mas não completamente — disse com uma expressão sombria — A verdade é que a primeira vez que cavalguei com as Garotas de Glory, fiz por Charles. Charles sentia tanta indiferença por mim que eu queria impressioná-lo. O quis muito, com desespero, durante muitos anos, e estava ansiosa para que me notasse.
— Queria que seu marido soubesse que era uma bandoleira?
— Sim. Queria que Charles soubesse. Estou sendo muito sincera com você, senhor Anstruther. Espero que entenda. Quis Charles durante muito tempo, de uma maneira tão profunda, que se converteu em um hábito para mim. Estava disposta a fazer qualquer coisa para ganhar sua atenção. Queria que me visse de verdade, não que passasse seu olhar por cima de mim. Queria que percebesse que eu existia — disse Laura, e teve que respirar profundamente — Meu amor por ele me levou a um ponto próximo à loucura, a um ponto em que fiz coisas temerárias para chamar sua atenção.
Ela olhou para cima. Tinha os olhos cheios de dor e tristeza, tanto, que Dexter estendeu o braço para ela por instinto, antes que sua mão caiu de novo a seu lado.
— O mais irônico é que Charles sabia que eu era Glory e não se importava — prosseguiu ela, suavemente — Ao final, não havia nada que eu pudesse fazer para ganhar seu interesse, e mais ainda seu afeto. Via-me como um ornamento para seu ducado, e não queria nada de mim, além de que fosse uma anfitriã elegante. E, ao fim, meu amor por ele morreu.
— Charles Cole sabia que você era Glory e não fez nada? — perguntou ele com estupor. Não podia acreditar que o duque de Cole soubesse que sua mulher era salteadora de estradas e isso não provocasse uma resposta nele. O que acontecia com aquele homem?
— Sim — disse Laura com um sorriso zombeteiro — Está pensando que como ele era juiz de paz e de todos os modos não fez nada para me deter? Nem todo mundo tem uma moral tão alta como a sua, senhor Anstruther. Não se importava.
— Então, nem sequer agia por princípios. Assombra-me.
— De verdade? Mas você não quer aceitar nenhuma justificativa, não é senhor Anstruther? Quando disse que havia atuado por princípios, de todos os modos desprezou meus atos. A ironia de tudo isto é que na realidade, não somos tão diferentes. Como você, eu valorizo a integridade e a honra, e me guio por esses princípios. Entretanto, os mantenho unidos à humanidade, senhor Anstruther, porque sem compaixão, essas qualidades não tem valor. Mas você… não transige nunca, não é? Não pode ceder.
— Eu jurei defender a lei — disse Dexter — As Garotas de Glory não a respeitavam. É simples assim.
— Deveria ser, mas não é. Pense nos homens, mulheres e meninos que haveriam morrido de fome se as Garotas de Glory não tivessem distribuído os soldos de Sampson. E, entretanto, Warren Sampson não teria tido que comparecer ante a justiça por sua cobiça e sua crueldade. A lei não o teria tocado. Pense nas pessoas cuja forma de vida fica destruída pela mesquinharia dos latifundiários, que vedam seus passos às terras comunais. Pense nas mulheres às quais são obrigadas a contrair matrimônio contra sua vontade, e aos trabalhadores das fábricas, que cumprem jornadas intermináveis em troca de uma miséria, e nas pessoas que são esmagadas pela brutalidade e a avareza de seus donos. Essas são as injustiças que a lei nunca remediará senhor Anstruther. Entretanto, as Garotas de Glory podiam repará-las. Talvez não fosse estritamente legal, mas tinha uma certa moralidade, e certamente, era algo humanitário.
Dexter gelou. O que Laura disse tinha poder de sedução, o impulsionava a avaliar os princípios nos quais havia acreditado sempre. Ela falava com tal convicção que ele queria acreditar. Seu desejo por ela e a admiração secreta que sempre sentiu por Glory eram como uma debilidade que minava sua determinação. Se cedesse uma vez, talvez se quebrasse e caísse. O medo acabou com todo o resto.
— Bonitas palavras — disse com aspereza — mas a verdade é que você não é mais que uma delinqüente. Enganou-me mais de uma vez. Recebeu-me em sua cama uma noite, e na manhã seguinte me mandou embora sem contemplações. E agora entendo tudo.
Laura elevou o queixo.
— O que quer dizer?
— Tudo foi uma mentira, não? Um engano. Fez amor comigo para me distrair de meu dever, para que eu, pobre idiota, ficasse embevecido pensando em você e não tivesse lugar na cabeça para nenhuma outra coisa. Deve ter percebido o que eu sentia por você. Eu era jovem e não acho que fui muito hábil dissimulando meus sentimentos quando ficamos juntos. Assim viu a oportunidade perfeita para me distrair e nunca imaginar que você fosse Glory, para que não suspeitasse o que havia feito. Não é mais que qualquer sem coração.
Laura o olhou fixamente, e ele sentiu uma grande dor na alma ao ver a expressão de seu rosto. Por um instante devastador, Dexter viu como sua fachada se desmoronava e deixava exposta toda à dor. E depois, a visão desapareceu.
— Pode acreditar no que quiser — disse Laura.
De novo, seus olhares ficaram presos. Dexter estudou seu semblante. Tinha que estar mentindo. Tinha que ser falsa. Ela o havia enganado desde o primeiro momento. Entretanto, seus olhos eram claros e honestos. Ele sentia que sua ira se apagava que era substituída pela dúvida, a esperança, o desejo. Sem poder evitar a acariciou no braço, do cotovelo ao pulso. Laura estremeceu. Seus olhos se escureceram, e pestanejou sem perceber enquanto o calor da excitação lhe ruborizava a pele. Separou os lábios, e Dexter se inclinou para ela.
A porta se abriu de repente, e Josie entrou na sala. Eles se separaram, enquanto o fogo crepitava e assobiava por causa da corrente de ar. Laura lhe lançou um último olhar de preocupação e depois pegou sua capa e a pôs.
— O carro está preparado — disse Josie, olhando os dois com desaprovação — E bem a tempo. Parece que o senhor Anstruther teve toda a ajuda que merecia esta noite.
Dexter olhou Laura, que tinha a cabeça baixa. Ele não podia ver seu rosto, salvo o perfil, iluminado com a luz dourada do fogo. Quando ela o olhou, sua expressão estava vazia de emoções, como se aquela rajada de dor intensa e a imensa atração que havia entre os dois não tivessem existido nunca.
— Obrigado, Josie — disse Laura, e se virou para Dexter — Lhe desejo sorte em sua investigação. Boa noite, senhor Anstruther.
Josie se colocou de lado para que ela pudesse sair da sala, mas se interpôs no caminho de Dexter quando tentou segui-la.
— A deixe em paz — disse Josie ameaçadoramente.
Dexter ficou olhando-a. Assombrava a quão protetora era aquela mulher com Laura. Perguntou-se quanto saberia. Quando ele esteve em Cole Court, quatro anos antes, percebeu que Laura tinha a lealdade dos vizinhos de Peacock Oak e dos povoados circundantes. Havia sido uma senhora boa e generosa para eles, e uma benfeitora querida. Se os vizinhos sabiam que, além disso, era Glory, provavelmente a teriam em maior estima.
— Agradeço sua lealdade para a duquesa, senhora Simmons — disse brandamente — mas estou seguro de que sabe cuidar de si mesma.
Josie soltou um suspiro.
— Isso você não sabe, senhor Anstruther. E estou certa de que tampouco se importa. Já fez estrago suficiente. Culpar Sua Excelência pelo que fez, quando não havia ninguém mais que nos defendesse! Deveria prestar mais atenção a seu redor, e pensar um pouco. Homens!
Depois, saiu da sala, balbuciando entre dentes.
Dexter voltou a pensar em Laura. Naquele momento em que a havia olhado nos olhos, deixou de acreditar em sua culpa, mas o cinismo tinha sussurrado que ela sempre negaria tê-lo utilizado. Era uma mulher mais velha, experiente, que certamente tinha amantes com freqüência para mitigar o aborrecimento de seu casamento. Ele só tinha sido mais um. O que houve entre eles tinha terminado quatro anos atrás. Na realidade, havia ficado apoiado em segredos e mentiras, e nunca começou de verdade. E agora, ele tinha que levar a cabo uma investigação e encontrar uma herdeira para cortejar. Sua vida era tão simples quanto isso, e ia continuar assim.
Entretanto, ainda que dissesse uma e outra vez que o assunto estava terminado para sempre, tinha a sensação de que não poderia se desfazer de Laura Cole tão facilmente por muito que o tentasse, nem tampouco de seus sentimentos por ela.













Capítulo Sete
— Obrigado a todas por vir — disse Laura.
Percorreu com o olhar todos os presentes na biblioteca. Parecia que haviam acudido todas as mulheres de Fortune's Folly, e não só as afetadas pelo Tributo das Damas de Sir Montague. Todas estavam ali, da anciã senhora Broad, que vivia na última casinha da High Street e cujas posses eram duas galinhas e uma ovelha, até a meio-irmã de Sir Montague, a herdeira Lady Elizabeth Scarlet. Lady Elizabeth estava sentada junto à Lydia Cole, com a cabeça inclinada para frente e as mãos pousadas com decoro no colo, em contraste com seu comportamento da noite anterior.
Laura pensou que era extraordinário. Seda mesclada com fios de lã, comércio com antigas fortunas. Conversavam e riam juntas, unidas por uma causa. Laura nunca havia visto tal grau de aceitação social. A única exceção era sua prima política, Faye, a duquesa de Cole, que estava horrorizada por ter tido que relacionar-se com a plebe. Já que Henry e Faye não viviam em Fortune's Folly, Laura teve a tentação de sugerir a Faye que economizasse o desgosto de ter que mesclar-se com as massas e que voltasse para Cole Court.
Elevou as mãos e pediu atenção. Então, todas ficaram em silêncio, obedientemente.
— Não esperava que viessem tantas de vocês a está reunião.
— Todas viemos apoiar — disse a senhora Lovell, uma mulher esperta que tinha se casado menos de um ano com um advogado do povoado — Depois de tudo, se meu querido Archie sofresse um acidente e morresse, eu estaria na mesma situação que vocês. O que está fazendo Sir Montague é revoltante!
— Obrigada — disse Laura.
— Meu marido está tentando aproveitar está oportunidade para casar minha pobre Mary — disse Lady Wheeler, a esposa de um barão, olhando com um sorriso de afeto sua filha, uma jovem caseira que estava ao seu lado, muito ruborizada — Está recebendo todo tipo de patifes em casa porque diz que é o único modo de conseguir um marido. É uma barbaridade!
Por toda a sala se ouviu um murmúrio de solidariedade, embora Laura não soubesse se era pelo fato de que o desumano pai de Mary Wheeler quisesse casá-la de tal modo, ou pelo fato de que a garota tivesse uma mãe tão pouco sensível. Lydia Cole se ruborizou e olhou de esguelha a sua mãe. A pobre Mary Wheeler não era a única naquela situação.
— Sinto muito, senhora — disse Laura.
— Sir Montague é um animal — opinou a senhora Broad — Está amanhã enviou seu administrador a minha casa, para que me advertisse que ia perder uma das galinhas e a metade da ovelha — disse, e cruzou os braços com um gesto beligerante — Perguntei que metade queria, se a dianteira ou a traseira. Prefiro deixar que me corte a língua antes de voltar a me casar, e lhe disse isso — olhou a seu redor, e quando viu Lady Elizabeth Scarlet, sua expressão se suavizou — Que Deus te abençoe, filha, sinto falar mal de seu irmão, mas o que está fazendo é um escândalo!
— Oh, não se preocupe comigo — disse Lady Elizabeth alegremente, com uma faísca de bom humor nos olhos — Monty é um absoluto canalha, mas quando eu tiver terminado com ele, lamentará.
— Pois sim — disse Laura ao lembrar-se do incidente da limonada — Entretanto acredito que Lady Elizabeth, mesmo que uma ação direta possa ser muito boa em alguns casos, precisamos tomar cuidado ao enfrentamos este problema.
— É obvio Excelência — disse Elizabeth com um recato que não enganou nem um pouco Laura.
— Estive procurando nos livros antigos de meu avó — continuou Laura — E encontrei algumas coisas que podem ser úteis. Ao desenterrar o Tributo das Damas, também reviveu outras leis medievais do povoado, entendem?
As damas entendiam. Houve outro alvoroço de debate e especulações, e todas falaram sobre quais daqueles costumes eram mais adequados para seus propósitos.
— Há o direito de levar os porcos ao bosque do senhor em troca do montante — disse a senhora Broad de repente. — Isso lembra os tempos de meu pai. Ele levava os porcos ao bosque para comer bolotas e a pastar.
— Pois não vejo por que só podem ser os porcos — disse Elizabeth. — Temos muitos cavalos no estábulo. Adorariam pastar nas flores de Monty. A plantação de outono é sua maior alegria, e estou certa de que essas flores têm um sabor tão doce quanto seu aroma — explicou, e olhou a seu redor. — Alguém tem coragem para levá-los para pastar no jardim?
— Eu ficarei encantada em emprestar minha ovelha, Lady Elizabeth — disse a senhora Broad com um sorriso resplandecente.
— Acredito que também existe o Direito de Pasto e Redil, pelo qual, as ovelhas abonam as terras do senhor em troca da provisão de redil — disse Laura.
— Minha ovelha é muito boa — disse a senhora Broad com orgulho — Creio que deixará uma boa quantidade de esterco na grama do senhor Montague.
Laura começou a rir. Entretanto, a expressão de Faye Cole era de desgosto.
— Isto é muito infantil — disse. — Será que não deveria todo mundo cumprir a vontade do senhor? — perguntou, e olhou Lydia — Eu vim aqui hoje para dizer que esta é uma oportunidade excelente para uma mãe que quer o melhor para sua filha. De fato — acrescentou, lançando um olhar venenoso a Alice Lister — certas senhoritas de origem humilde não deveriam ter sido tão rápidas na hora de rejeitar a generosa oferta de Sir Montague.
Houve um silêncio embaraçoso. Alice respirou profundamente, e parecia que estava a ponto de explodir, quando Elizabeth interveio em seu lugar.
— De minha parte — disse — sempre considerei a senhorita Alice como a uma irmã. Não precisa sacrificar-se em um matrimônio com Monty para convertê-lo em um acordo formal.
Houve algumas gargalhadas, e Faye soltou um bufo. Não ia permitir que a vissem contradizendo a filha de um conde em público, mas a expressão de seu rosto deixava clara a opinião que tinha sobre as meninas francas que necessitavam mão firme.
— Obrigado — disse Laura. — Sempre é útil escutar pontos de vista contrários. Bom, fazemos uma votação? Que levantem a mão todas aquelas que estão de acordo em levar o gado ao jardim do senhor.
Todo o mundo levantou a mão, com exceção de Faye e de Lydia, a quem sua mãe não o permitiu.
— Bem, o resultado está claro — disse Laura com energia — Lady Elizabeth, podemos encarregá-la de falar com todas as damas que queiram levar os animais aos jardins de Sir Montague?
— É obvio — disse Elizabeth com os olhos muito brilhantes. — Será um prazer.
— Muito bem. Celebraremos outra reunião em poucos dias — disse Laura — para falar sobre novas medidas. Todas as idéias serão bem-vindas, senhoras. Deixou-o em suas mãos.
— É uma vergonha que tenha presidido uma reunião como esta! — Vaiou Faye ao ouvido, enquanto as damas de Fortune's Folly saíam da biblioteca ao sol de outono da praça do mercado — De verdade, Laura, assombra-me! É a duquesa viúva de Cole. Há poucos anos se mesclava com a plebe na sociedade de horticultura de Harrogate. Isso era errado, mas este grupo de renegadas e malevolentes! Não dou crédito!
— Não me estranha que Sir Montague e você estejam de acordo, Faye — comentou Laura, tentando não exasperar-se. — São almas gêmeas.
Recolheu a pasta em que havia compilado como resultado de sua investigação e a colocou sob o braço.
— Sua atitude é antediluviana — continuou — As damas de Fortune's Folly não são malevolentes. É Sir Montague quem merece esse nome.
— Tolices! — exclamou Faye enquanto saíam à praça, seguidas a contra gosto por Lydia. — Se a senhorita Lister tivesse aceitado a condescendência que demonstrou Sir Montague ao lhe oferecer casamento, nada disto teria acontecido. Não posso acreditar que se atreveu a vir à reunião de hoje.
— E por que não viria? O Tributo das Damas a afeta tanto como às demais.
— Sim — disse Faye — mas ela não é uma dama, não?
Laura teve que apertar os dentes para não lhe responder.
— De todos os modos — continuou Faye, sem notar a raiva de Laura — suponho que já que aconteceu tudo isto, é a oportunidade perfeita para que as moças como minha querida Lydia encontrem marido. O senhor Anstruther quase não podia se afastar dela na sala de reunião, e ontem passeou conosco pelo parque. Fez um elogio a Lyddy sobre seu aspecto encantador. Estava assanhado!
— De verdade? — perguntou Laura, tentando não deixar tremer a voz. De repente, aquele dia outonal lhe parecia menos ensolarado, e o vento mais mordente.
Pensou que não deveria estranhar aquilo. Depois de tudo, havia visto Dexter com a Lydia na sala de reunião. Entretanto, tinha um nó na garganta.
— Prestou muita atenção em Lydia desde o começo — prosseguiu Faye — Mencionou como sua conversa era inteligente e quão contente ficaria de voltar visitar Cole Court de novo, agora que você já não está lá, Laura…
— Me parece que não disse nada disso, mamãe — interveio Lydia, com uma expressão de desafio. — Só dançamos uma vez na sala de reunião, e ontem me perguntou por minha saúde muito amavelmente, mas nada mais.
— Bom — disse Faye, empurrando com segurança uma folha seca do chão com a ponta do guarda-chuva — Estou certa de que te teria dedicado mais elogios se tivesse sido um pouco mais agradável com ele, Lyddy. Os cavalheiros gostam que os animem um pouco. Por outra parte, o senhor Anstruther deveria estar agradecido de poder casar-se com uma Cole de Cole Court — continuou. — Está na ruína. Só tem sua boa aparência, um sobrenome antigo e um trabalho estúpido de secretário para esse velho tolo de Liverpool. Seu pai era um indivíduo instável e parece que o mesmo senhor Anstruther vai por esse caminho há alguns anos, com suas cortesãs, suas atrizes e suas aventuras com mulheres casadas…
— Mamãe! — exclamou Lydia, ruborizando até as orelhas — Não posso acreditar que queira que me case com um homem por quem só sente desprezo.
— Tolices, Lyddy. Uma mulher é tola se pensar que seu marido não vai ter seus caprichos, e tem que lembrar que ele se casa contigo por seu dinheiro e você com ele por… — Faye se interrompeu como se estivesse tentando dar com um bom motivo.
— Para escapar de sua mãe — murmurou Laura entre dentes.
— Porque é o único que te aceita! — terminou Faye de maneira triunfal. — Lá está precisamente! — exclamou, e caminhou apressadamente para a entrada do balneário. — Olááá! Senhor Anstruther!
Laura sentiu encolher o coração. Tinha a esperança de que se passassem alguns dias mais até que voltasse a ver Dexter, para poder recuperar a compostura. O fato de ter estado com ele na estalagem da Meia Lua, de ter falado com ele sobre o passado, havia despertado lembranças que ela quase não havia conseguido enterrar.
— Se me desculparem — disse, mas Faye a pegou pelo braço e puxou ela para frente.
— Será que tem que ser sempre tão egoísta? — sussurrou com fúria. — Demonstra algum sentido familiar e nos ajude a caçar o senhor Anstruther para Lyddy!
Como a alternativa era encetar-se em uma resistência indigna na metade da rua, Laura se rendeu e permitiu que Faye a arrastasse para os degraus do balneário. Dexter e seu amigo, Nat Waterhouse, detiveram-se quando Faye se equilibrou sobre eles como um gavião. Ambos estavam impecavelmente vestidos e Laura tentou não olhar Dexter, mas foi impossível. Teve que fechar os olhos durante um segundo para se defender da atração que sentia por ele.
Quando os abriu de novo, percebeu que Dexter havia notado tudo, e pior ainda, que tinha lido sua mente com precisão. Ele arqueou as sobrancelhas, em um gesto que não era especialmente amistoso, mas sim desafiante, e Laura ficou nervosa. Umedeceu os lábios e viu que ele olhava sua boca, e a ela sentiu seu estômago encolher.
— Oh, senhor Anstruther — disse Faye. — Lydia estava desejando vê-lo. Não é que ontem passamos muito bem no parque?
— Muito bem — disse Dexter. Afastou o olhar de Laura e fez uma leve reverência — chegaram bem a tempo, senhoras. Havia prometido a lorde Waterhouse que o iniciaria nos prazeres das águas sulfurosas do balneário, mas parece que não tem boa disposição para prová-la. Entretanto, agora que chegaram, sem dúvida cederá, ante uma persuasão mais agradável que a minha.
— Espero que me desculpem, mas eu não os acompanharei — disse Laura — Tenho que trabalhar, e não penso em obrigar ninguém a tomar as águas — disse, e assinalou a Faye — Entretanto, estou certa de que Sua Excelência e a senhorita Cole ficarão encantadas de acompanhá-los.
No rosto de Faye se refletiu a desaprovação pelo cortante descrédito dos benefícios das águas sulfurosas e a gratificação de saber que Lydia e ela teriam os dois cavalheiros só para elas.
Entretanto, o sorriso se apagou de seus lábios quando Nat fez um gesto para que subisse com ele as escadas, mas Dexter ficou para trás e pegou Laura pelo braço.
— Espero que tenha voltado sem problemas para casa depois de nossa reunião na estalagem — murmurou.
— Como pode ver — respondeu ela com frieza — E você, senhor Anstruther? Teve ocasião de visitar a estalagem do Leão Vermelho?
— Sim — respondeu Dexter — Pensei que a estalagem da Meia Lua era perigosa, mas o Leão Vermelho era pior. Tive sorte de sair dali com vida. E isso foi antes que soubessem para que tinha ido.
— O adverti — disse Laura — Valeu à pena?
— Sim me advertiu, e temo que não, não valeu a pena. Não consegui nenhuma informação útil. Lembrou-me quando estava perseguindo Glory. Ninguém queria falar comigo.
— Ninguém falava de Glory por lealdade. Entretanto, ninguém fala de Sampson por medo, senhor Anstruther. Há uma diferença — disse ela, e puxou suavemente o braço para que ele a soltasse — Desculpe-me. Não quero distraí-lo de sua perseguição ao dinheiro da senhorita Cole… perdão. De seu galanteio à senhorita Cole.
Dexter sorriu.
— E o que é tão urgente para que você saia correndo com esses papéis?
— Nada em particular — disse Laura — Você é muito receoso, senhor Anstruther, o qual supõe que não é surpreendente, tendo em conta sua profissão, mas lhe asseguro que aqui não há nada mais interessante que um assunto legal — com um sorriso zombeteiro, acrescentou — Espero que não lhe resulte muito descortês que prefira muito mais meus documentos a sua companhia e a de lorde Waterhouse.
Uma rajada de vento agitou a pasta e Laura se sobressaltou. Os papéis caíram no chão e começaram a dispersar-se pela praça, empurrados pela brisa, em todas as direções. Enquanto ela corria para recuperá-los, Dexter se agachou e recolheu alguns, e leu por cima os textos com seus agudos olhos azuis.
— Leis e tributos medievais… direito de redil… aproveitamento do bosque…
— Me devolva isso! — disse Laura, que abandonando a atitude de suprema dignidade, tentou pegá-los. Dexter os afastou e sorriu paternalmente. Laura teve vontades de dar um chute no chão, sobre tudo em cima dos pés de Dexter.
— Assim está pensando em dar a Sir Montague um pouco de seu próprio remédio — disse ele lentamente — Muito inteligente de sua parte.
— Sou inteligente — respondeu Laura, ruborizada. O último que queria era dar informação ao inimigo. Imaginava Dexter indo a Fortune Hall para contar a Monty Fortune tudo o que haviam planejado, e caindo por terra sua vingança.
— Sim — disse Dexter — Certamente, é. Seria um tolo o adversário que te subestimasse, como eu fiz — acrescentou, e lhe entregou os papéis com um gesto muito cortês - Entretanto, pensou que se declarar a guerra aos cavalheiros do povoado, eles responderão.
— Estou impaciente — disse Laura com sinceridade — As damas de Fortune's Folly estão preparadas para a batalha.
Dexter sorriu.
— Será toda uma guerra — prometeu. — Vai lamentar ter nos enfrentado — disse, e baixou a voz. — Quanto a mim mesmo, posso ser muito obstinado quando quero algo. E tenho a necessidade de deixar a situação as claras contigo…
— De verdade? Era de esperar que um homem não aceitasse que o vençam. Importaria que te animasse a se unir à senhorita Cole e a sua mãe? Eu tenho que ir.
— Para colocar em marcha seu plano?
— Exatamente.
— Mas se digo a Sir Montague o que propõe, estragarei tudo.
— Diga e vá para o inferno.
Dexter começou a rir.
— Que delicada é.
Laura encolheu os ombros.
— Você pode agüentar. Estou segura de que não necessita palavras doces de mim.
— O que necessito de ti… — murmurou Dexter. Seu olhar deixava bem claro o que queria dela. O fogo que ardia em seus olhos a abrasou — Neste momento — disse Dexter pensativamente — o que necessito é te beijar até deixá-la sem respiração.
A porta da entrada do balneário se abriu e saíram um par de damas que os olharam com curiosidade. Laura se sobressaltou e se virou para evitar seus olhares inquisitivos. Seu semblante estava muito sério.
Ante a interrupção, Dexter também recuperou o senso comum.
— Está certa de que não quer nos acompanhar para tomar as águas do manancial? — perguntou, assinalando para a porta — Podemos fazer um brinde pelas iminentes hostilidades entre os caça dotes e as damas de Fortune's Folly.
— Não, obrigado — respondeu Laura — A água sulfurosa é repugnante e pode matar qualquer um com um temperamento fraco.
Dexter deixou escapar outra gargalhada.
— Então, surpreende-me que não recomende que eu tome um litro — disse com uma reverência — bom dia então, Excelência.
Virou-se e subiu alguns degraus, mas novamente, voltou-se para Laura antes de entrar.
— Pensou em portagem? — perguntou — É o direito de cobrar um imposto por atravessar a ponte do rio Tune. Se investigar, saberá que a ponte pertence ao povoado, e não ao senhor, porque pagou por assinatura pública. E Monty tem que cruzar o rio cada vez que vem a Fortune's Folly de sua casa. Poderia tirar muito dinheiro dele e o incomodar intensamente…
Laura entreabriu os olhos com desconfiança.
— E por que me dá está vantagem, senhor Anstruther?
Dexter encolheu os ombros.
— Pensei que poderia igualar mais o conflito.
Laura se sentiu indignada.
— Porque as senhoras não têm a mesma malícia e capacidade para a mentira que os homens? — perguntou docemente.
— Absolutamente — disse Dexter, que enfiou as mãos nos bolsos — Observei que a mente feminina pode ser inigualável na sedução e engano.
Aquilo pensou Laura, foi dirigido a ela. Faria bem em não esquecer que ele tinha uma opinião muito baixa dela.
— Entretanto, acredito que os homens se organizam muito melhor para levar a cabo um plano. Temos a cabeça fria, a força e a determinação necessárias para chegar ao êxito.
— E a presunção — saltou Laura, fervendo — Acaba de me proporcionar o melhor motivo para derrotar os homens de Fortune's Folly. O faremos nessa arrogância insofrível que padecem. Já veremos quem ganha, senhor Anstruther.

* * * * *

Dexter tomou outro gole de café e pensou que Laura tinha razão em uma coisa: era muito mais agradável que a água sulfurosa que havia tomado no balneário. Naquele dia passou uma hora cortejando a senhorita Cole, e afogando-se com os tópicos que dizia além da água sulfurosa que estava tomando. Convenceu-se de que as famosas águas de Fortune eram nocivas para a saúde e que certamente levavam muitas enfermidades. Se os visitantes do balneário começassem a cair como moscas, já sabia por onde tinha que começar a investigação.
Enquanto isso havia descoberto que Lydia tinha tão pouca vontade de aceitar seus elogios quanto ele de fazer, assim os dois tiveram que esforçar-se para manter uma conversa pouco natural sob o olhar sardônico de Nat e o olhar indulgente de Faye Cole.
Depois de voltar a ver Laura, Dexter percebeu que seu cortejo a Lydia não era mais que uma paródia vazia. Sentia por Laura uma fome que não queria reconhecer, que não entendia, e que não podia reprimir. E o fato de que ela tivesse sido Glory, a infame bandoleira, não fazia mais que inflamá-lo. Sentir aquele desejo por uma mulher que não gostava dele e a quem não podia ter deixava em pedacinhos seu prezado sentido comum e sua capacidade de domínio. Seus sentimentos por ela eram primitivos, intensos e furiosos, e muito estranhos para que ele pudesse sentir-se cômodo. Tinha tentado reprimir aquela faceta selvagem de seu caráter durante muito tempo. Não ia permitir que o dominasse naquele momento.
Os outros, Sir Montague Fortune, seu irmão Tom, Nathaniel Waterhouse e Miles Vickery, estavam tomando vinho ou brandy aquela tarde, mas era muito cedo para Dexter, que bebia com muita moderação. Seu pai jogava, fumava e bebia, entre outras coisas, e Dexter sempre havia se mantido afastado daqueles vícios como se fossem a peste. Nem sequer em seus piores dias de excessos tinha se sentido atraído pelo brandy. Parecia que Laura Cole era o único que o atraía com intemperança e excesso. Não podia tirá-la da cabeça.
— Bem, e como vai seu plano, Monty? — perguntou Miles a seu anfitrião — Já depenou alguma dama rica? Ou alguém anunciou planos de casamento?
— O plano vai muito bem — disse Monty, esfregando as mãos — Meu administrador está visitando as propriedades do povoado que estão afetadas pelo imposto para estabelecer qual é o valor que me corresponde. As senhoras terão um ano para casar-se ou para dar seu dinheiro, e como em um par de meses vêm as festas de Natal, haverá muitas oportunidades para que os cavalheiros peçam a mão de… — de repente se interrompeu enquanto olhava pela janela com estupor — É uma ovelha que está pastando em minha grama?
— Há um rebanho — disse Tom muito cooperativamente — Olhe, estão entrando pelo portão do prado…
Sir Montague já havia ficado em pé de um salto e estava chamando a gritos seu administrador enquanto corria para a saída.
Os outros se olharam e o seguiram mais devagar. Quando chegaram ao terraço, encontrou-se com Lady Elizabeth Scarlet, Laura Cole e Alice Lister, que estavam guiando à última das ovelhas pelo portão, para os jardins.
Assim que viu Laura, Dexter sentiu a mesma rajada de desejo de sempre. Era sua tentação mais secreta e proibida. Usava um simples vestido verde, tinha os olhos brilhantes e a face rosada pela brisa fresca. Ele não pôde evitar que sua visão o afetasse profundamente. Seus sentimentos estavam muito emaranhados, a luxúria, a cautela, a lógica e o desejo lutavam dentro dele.
— Isto é invasão de moradia! — gritou Sir Montague, com o rosto congestionado de indignação, enquanto descia os degraus para o jardim — Detenham-se agora mesmo!
— Não seja idiota, Monty — respondeu Lady Elizabeth — Como vou invadir meu próprio jardim? — perguntou. Depois assentiu para saudar os outros e sorriu para Nat Waterhouse — Boa tarde, cavalheiros. Então você também veio, Nat! Claramente, Fortune's Folly está cheio de indigentes estes dias. Você também está procurando uma cabeça de vento com a qual casar?
— Melhor uma cabeça de vento que uma megera — respondeu Nat — Como está, Lizzie?
— Ainda muito selvagem para seu gosto — respondeu Lady Elizabeth — Mas sou rica, Nat, muito rica! Frustrante, não é?
— Nada tentador — disse Nat, sorrindo.
— Pode ser que você não seja invasão, Lizzie, mas as ovelhas sim! — interveio Sir Montague — Tire-as daqui agora mesmo!
— É uma pena, mas não podemos fazer isso, Sir Montague — disse Laura, com cara de lamentar muito. — Temos que cumprir a lei. É o Direito de Pasto e Redil. Encontrará todos os detalhes na mesma página dos arquivos da paróquia onde figura O Tributo das Damas.
Dexter sorriu dissimuladamente ao ouvi-la.
— As ovelhas podem pastar em suas terras em troca de que deixem nelas seu abono — prosseguiu Laura, assinalando à ovelha mais próxima, que estava ilustrando na prática sua explicação.
— Mas se eu não quero seu abono! — respondeu Sir Montague — As detenha!
— Não acredito que se possa impedir uma ovelha fazer o que lhe dita a natureza — disse Tom, sorrindo. Dexter viu que olhava Laura com apreciação, e teve vontade de pegá-lo pelo pescoço e tirá-lo a chutes do jardim.
— Estão destroçando as margaridas do Natal — disse Sir Montague queixosamente, enquanto as ovelhas mascavam com entusiasmo as flores violetas do arbusto mais próximo — E as rosas tardias! Isto é horrível!
— Como o Tributo das Damas — concordou Laura — Muito horrível.
— E a grama! — prosseguiu Sir Montague, enquanto passava uma mão trêmula pela testa — Meus jardineiros haviam preparado para o inverno com todo o esmero!
— É muito mais rico que a erva dos prados — disse Laura — Às ovelhas vão adorar — acrescentou, sorrindo com calma a Sir Montague — E agora que começa a fazer frio pelas noites, também poderão se beneficiar de um redil como é devido.
— Nos estábulos — disse Lady Elizabeth com grande praticamente.
— Mas se lá estão meus cavalos de caça! — exclamou Sir Montague com horror — Não podem colocar às ovelhas com meus cavalos!
— Com certeza que se darão estupendamente bem — disse Laura. Depois sorriu a todo o grupo, e olhou a taça de brandy que Nat tinha na mão — Não os distrairemos mais de seus passatempos, cavalheiros. E está tarde? Vão idear novos impostos com os quais espoliar às damas de Fortune's Folly?
— Touché — murmurou Dexter, enquanto Sir Montague gaguejava inutilmente.
Dexter olhou Laura e ela esboçou um pequeno sorriso de triunfo. Sua boca bela e generosa se curvou para cima de uma maneira irresistível. Dexter sentiu o impacto daquele sorriso como um golpe no estômago. Perguntou-se como seria beijá-la, e deu um passo para ela antes de se reprimir e se controlar. Entretanto, Miles notou e olhou seu amigo curiosamente. Dexter se moveu com desconforto. Devia terminar com aquela paixão que sentia por Laura antes que o desviasse de seu caminho racional uma vez mais. Não precisava entender por que estava acontecendo. O único que precisava era terminar com isso. A dificuldade radicava em que não sabia como.
— Não acho que deva sentir-se segura da vitória ainda, Excelência — disse lentamente — O jogo acaba de começar.
— Bem — disse ela em tom cortante — Então, os deixaremos com seu brandy para que retomem o conselho de guerra. Boa sorte, cavalheiros.
Dexter observou sua esbelta figura enquanto se afastava e saía pelo portão, seguida por Elizabeth e Alice.
— Lá se vão três mulheres decididas a causar estragos — murmurou Miles Vickery.
— No mais amplo sentido da palavra — concordou Dexter.
Percebeu, divertido, que Miles não podia deixar de olhar Alice Lister, que tinha se virado para fechar o ferrolho da cancela e havia lançado a Miles um olhar extremamente severo ao surpreendê-lo observando-a.
— Acho que está perdendo tempo, amigo — disse Dexter — Parece que a senhorita Lister é imune ao seu famoso encanto.
— Veremos — disse Miles, e sorriu — Já sabe como gosto de desafios, Dexter. Quanto maior é a dificuldade, mais prazer há no jogo e… — seu sorriso se tornou muito amplo — a senhorita Lister me resulta quase irresistível.
— Trinta guinéus que não consegue — disse Tom Fortune alegremente.
— Seduzi-la, ou me casar com ela? — perguntou Miles.
— As duas coisas — disse Tom — Ou qualquer das duas. Monty, me emprestaria trinta guinéus?
— Feito — disse Miles — O melhor seria que me desse o dinheiro agora, Fortune.
— Um pouco de respeito — disse Dexter com aspereza.
— Por quê? Pensa que a aposta deveria ser mais alta? — perguntou Miles, e olhou Tom — Pode ser que tenha razão, Fortune. Trinta guinéus é uma quantia muito mesquinha pela virtude de uma dama.
Dexter emitiu um som de desgosto.
— É um canalha, Miles. Nat… — disse, voltando-se para Nat Waterhouse — Conhece Miles há muito tempo. Por favor, que o faça ver a razão…
Nat sacudiu a cabeça.
— Estou esperando vê-lo cair, Dexter, e me dá a sensação de que…
— Esqueçam as mulheres! — interrompeu Sir Montague, pegando o braço de Dexter — Meu jardim é muito mais importante! O que posso fazer Dexter? Isto é um desastre!
— Mande procurar um pastor para que leve às ovelhas outra vez à pradaria — disse Dexter — É fácil, Monty.
— Para mim não — disse melancolicamente Sir Montague. Elizabeth não permitirá isso.
— Vamos, Monty — disse Nat Waterhouse — Se anime. O que temos que fazer é planejar uma boa resposta. Primeiro, tome um pouco mais de brandy. Parece que necessita.
Uma vez que Sir Montague foi revivido com outra taça e estavam instalados de novo em frente ao fogo, Monty Fortune recuperou as forças.
— Tudo isto é culpa da duquesa viúva de Cole — resmungou — Todos viram que era a líder. Miles, Sua Excelência é sua prima. Não pode convencê-la para que desista?
— Não acredito, Monty. Como você mesmo disse, Laura é uma duquesa viúva. Ninguém diz às viúvas o que tem que fazer.
— Tolices! Ela teria que fazer o que ordene. A desobediência é o menos atraente em uma dama, seja qual for sua hierarquia.
— Se quiser contar à duquesa qual é sua opinião a respeito, Monty — disse Dexter secamente — estou certo que ela te daria audiência.
Sir Montague se rendeu, grunhindo.
— Talvez pudesse eximi-la do Tributo das Damas, e com isso, entraria em razão.
— Não acredito — disse Miles, e suspirou — Laura não tem dinheiro próprio. Está fazendo pelas demais, Monty, não por si mesma. Sempre gostou de defender as causas justas. Lembro que quando era pequena fez uma campanha que durou dias, para conseguir dias livres para os empregados e melhorias nos salários dos peões das fazendas. Era uma menina selvagem. Montava qualquer cavalo dos estábulos, e deixava meus tios loucos. O único que queriam era que sua filha se convertesse em uma dama.
E não havia dúvida, pensou Dexter, de que ao menos na superfície, os condes de Burlington haviam conseguido que sua filha fosse uma dama perfeita e muito correta. Só sob aquela superfície, Laura se convertia em alguém muito pouco correto, como ele sabia. Entretanto, a explicação de Miles sobre o caráter de Laura era interessante. Colocava de relevo o fato de que ela se apaixonava por certas causas, e que se esforçava para ajudar a outros. Era a justificativa que havia dado para seu trabalho como Glory, a necessidade de corrigir os males que a sociedade não remediava. De novo, Dexter sentiu admiração por ela, e teve que reprimi-la sem piedade.
Sir Monty tinha o cenho franzido de assombro.
— E isso é o que deveria ser! — disse Monty piedosamente — Dias livres para os empregados? Idéias perigosas, sediciosas! Muito indecoroso.
Dexter se moveu com desconforto em sua cadeira. Percebeu que o desprezo que manifestava Sir Montague pela filantropia de Laura lhe causava um grande aborrecimento, e despertava nele um profundo sentimento protetor. Ele mesmo tinha visto o que Laura fazia pelos fazendeiros e trabalhadores mais pobres de Cole. Sua generosidade era bem conhecida, e não tinha interesses pessoais.
Dexter fez caso omisso de Sir Montague e se virou para Miles.
— Parece que admira sua prima — disse.
— Sim a admiro — disse Miles — Não há muitos membros de nossa família que tenham princípios.
— Não me parece que destroçar meu jardim seja ter princípios — disse Sir Montague, e apelou a outros — Me digam o que tenho que fazer! Minhas flores! Minha preciosa grama! Tudo feito migalhas!
— Bom — disse Dexter, que havia perdido a paciência — certamente haverá pessoas que pense que tampouco você tem princípios por ter ressuscitado O Tributo das Damas, Monty, e que agora está levando seu castigo.
Viu que Miles, Nat e inclusive Tom dissimulavam o sorriso ante a verdade de sua afirmação. Sir Monty não contava com muitas simpatias, nem sequer com a de seu irmão.
— Mas eu tenho direito a aplicar esse imposto! — exclamou com indignação Sir Montague — É a lei.
— E também o Direito de Pasto e Redil — disse Nat, com o olhar fixo na esbelta figura de Lady Elizabeth, que entrava pelo portão do jardim com um balde de ração para as ovelhas.
— Tal e como vejo — disse Dexter — tem duas opções, Monty. Ou cede e revoga O Tributo das Damas…
— Nunca! Perderia muito dinheiro.
— Ou combate o fogo com o fogo.
— Mas, como? Essas malditas mulheres!
Nat estava rugindo.
— Por que não invoca algum mais de seus poderes de senhor do castelo, Monty?
— Sempre resta o direito de senhor feudal — disse Sir Montague avidamente.
Miles se engasgou com o brandy.
— Eh, Monty, isso não se pode fazer! O prenderiam se raptasse todas as recém casados em sua noite de núpcias. Parece como algo que faria eu mesmo — acrescentou pensativamente — Uma idéia muito tentadora.
A Dexter também pareceu. A idéia de seqüestrar Laura Cole e levá-la à horta lhe parecia toda uma tentação.
— Esqueça do direito de Senhor Feudal (droit de seigneur) — disse a Sir Montague com irritação, tentando concentrar-se — Monty, tem que explorar outros dízimos que possa aplicar.
— O que realmente necessito é que morram alguns dos arrendatários — disse então Sir Montague — Assim poderia ficar com seu segundo melhor imóvel em lugar de cobrar um dízimo.
— E seria sua mulher ou seu cavalo? — perguntou Tom em um murmúrio.
— Isso depende do arrendatário — disse Miles com um sorriso — E de sua esposa.
— E do cavalo — acrescentou Tom, rindo.
Dexter deixou sua xícara de café em uma mesinha com alguma brutalidade. Já havia tido suficiente com os problemas que o próprio Sir Montague havia provocado e com o interminável debate que suscitavam. Não tinha vontade de ajudar aquele homem a roubar a metade da população de Fortune's Folly sua herança.
— Nos veremos mais tarde, senhores — disse enquanto se levantava — pedi o jantar na estalagem, e depois vou assistir ao recital de harpa que será celebrado na sala de reunião.
— Sem dúvida, em companhia da encantadora senhorita Cole — disse Tom — Que inocência virginal, Dexter, e aliada com o dinheiro, além disso. Muito sedutor.
— Obrigado, Tom — disse Dexter com frieza.
— E com sua menos sedutora mamãe — acrescentou Nat. — O admiro muito, Dex.
— Se atar por toda a vida, conscientemente, a Faye Cole além da sua filha requer uma grande coragem — concordou Miles.
As brincadeiras de seus amigos não serviram para mitigar a irritação de Dexter. Enquanto voltava caminhando ao povoado, pensou em que Nat e Miles estavam muito dispostos a felicitá-lo por seus progressos na captura de uma herdeira, e igualmente contentes de que não fossem eles os que percorressem o caminho para o altar com Lydia Cole.
Ao pensar em Lydia, inevitavelmente, terminou pensando em Laura. Estava obcecado, enfurecido. Ela havia conseguido fazer isso em uma semana. Em quinze dias, seu corpo e sua mente estariam convertidos em pedacinhos. Aquela não era maneira de se conduzir de um homem com sentido comum.
Perguntou a si mesmo se seria o suficientemente velhaco para casar-se com Lydia quando o que queria na realidade era fazer amor com Laura. Talvez para outros homens não fosse um problema, mas ele tinha a sensação de que quando se visse na cama com Lydia, durante sua noite de núpcias, seria incapaz de consumar o casamento, porque a senhorita Cole seria a mulher equivocada, no lugar equivocado, no momento equivocado.
E, entretanto, que alternativa tinha? Toda sua família dependia de que ele fizesse um bom casamento. E lorde Liverpool havia lhe dado um ultimato para que encontrasse uma mulher rica, ou para que procurasse outro trabalho. Não podia fracassar.
Murmurou um juramento e cruzou a rua para a praça do mercado. Fazia frio naquela noite; soprava o vento do norte. Entretanto, o povoado estava cheio de atividade, embora estivesse anoitecendo. Havia um aroma delicioso de carne assada flutuando no ambiente, que provinha da estalagem, e que o lembrou que seu jantar estaria pronto muito em breve.
Estava atravessando a praça empedrada quando viu Laura desaparecer pelo caminho que conduzia para as ruínas do priorado e do Velho Palácio. Estava segurando a capa com ambas as mãos para evitar que o vento a arrebatasse. Dexter titubeou, e depois continuou caminhando para a estalagem, mas de repente, viu que alguém se punha a caminhar atrás dela e que pegava o mesmo caminho. Parecia uma presença furtiva, e se mantinha nas sombras. Dexter se arrepiou, e seu instinto profissional despertou. Sem pensar duas vezes, ele também se ocultou nas sombras e seguiu às figuras para a escuridão.


Capítulo Oito
Laura deixou a lanterna, com cuidado, sobre o chão de pedra, e se levantou para pegar uma garrafa da estante. Guardava todo seu vinho ali, no porão do priorado, porque as escadas que desciam à adega do Velho Palácio eram muito altas, e Carrington quase caiu em mais de uma ocasião. Lá, Laura guardava suas próprias receitas, que fermentavam e borbulhavam brandamente no canto, e também o que restava da coleção de extraordinários vinhos de seu avô.
Como naqueles dias, Laura quase não recebia visitas ou dava festas, normalmente terminava bebendo sozinha, o qual, sem dúvida, era o último recurso de uma duquesa viúva anciã e triste: dar sorvos a seu xerez na poltrona da lareira, como uma velha bêbada.
Aquela noite havia um concerto de harpa na sala de reunião, mas ela não tinha vontade de participar para ver Dexter Anstruther e a seu primo Miles e a seus amigos revoando ao redor das herdeiras de Fortune's Folly. Em vez disso, ficaria em casa, tomando uma taça de vinho e lendo um bom livro, e ideando novas formas de vingança para Sir Montague Fortune. O plano das ovelhas havia saído muito bem, e era hora de fazer algo diferente.
Laura escolheu uma garrafa de champanha de flores de sabugueiro e a olhou com olho crítico. À luz brilhante da lanterna, tinha um brilho tão dourado como a palha ao sol. Claramente, estava pronto para ser consumido. Junto a seu lugar, no suporte, havia um espaço vazio que parecia que tivessem retirado algo recentemente, pelo desenho que fazia o pó na madeira. Laura franziu o cenho. Também guardava ali sua geléia de abrunhos (o mesmo que ameixas) e as geléias de cítricos, porque as frutas se conservavam melhor naquele local fresco. Estava certa de que ultimamente, ela não havia levado nenhum frasco, mas não podia imaginar que outra pessoa podia ter descido às ruínas do priorado em busca de geléias.
De repente, ouviu um som no longo e escuro corredor que havia atrás dela, e se virou com a garrafa agarrada pelo gargalo, em atitude defensiva. Seria uma pena esbanjar aquela boa champanha, quebrando a garrafa na cabeça de um intruso, mas o faria se fosse absolutamente necessário. As sombras se moveram, e Dexter Anstruther entrou no círculo de luz que desenhava a lanterna na adega. Laura ficou tão surpreendida que esteve a ponto de deixar cair a garrafa.
— Senhor Anstruther! O que está fazendo aqui?
Dexter a olhou olhou a garrafa e voltou a olhar o rosto de Laura.
— Poderia, por favor, abaixar a garrafa? — disse — Deixa-me nervoso.
Ela fez o que ele havia pedido e abaixou a garrafa. Fez-se um estranho silêncio entre eles, e ele a observou de pés a cabeça, mas não com apreciação masculina, como das outras vezes, mas sim a avaliando minuciosamente.
— Está sozinha?
Laura ruborizou ante o que implicava sua pergunta.
— É obvio! Será que pensa que recebo aqui meus amigos pela noite?
— Não sei, o faz?
— Não. Você é muito ofensivo, senhor Anstruther. Mas como, de todos os modos, não é assunto seu. Não tem por que me interrogar em minha própria casa — espetou Laura — E ainda não respondeu minha pergunta. O que está fazendo aqui?
— A estava seguindo — disse Dexter — É perigoso andar pelas ruínas do priorado de noite, Excelência.
— Estava me seguindo? — perguntou Laura com assombro — Não o vi.
Dexter sorriu de repente, e seu sorriso fez com que Laura se estremecesse.
— Não seria muito bom em meu trabalho se tivesse me visto — comentou. Seu sorriso desapareceu — E não era o único que a seguia, Excelência. A razão pela qual vim procurá-la é que vi alguém atrás de você pelo caminho. Pareceu suspeito.
Laura arqueou as sobrancelhas.
— Que estranho que se nomeou meu protetor, senhor Anstruther. Estou segura de que deve estar confuso. Não há ninguém mais por aqui, e eu só vim por uma garrafa de champanha.
Dexter pegou a garrafa, olho com atenção e começou a tirar a rolha.
— Não — disse Laura rapidamente — Tem que girar a rolha, não puxar…
Era muito tarde. A cortiça se liberou com um som que retumbou pelos muros de pedra, e o champanha saiu como um jorro, derramando-se sobre Dexter e molhando sua calça sobre as pernas musculosas. Laura tentou não ficar olhando. Pegou um dos panos que utilizava para envolver as garrafas de vinho e o estendeu para que se secasse. Ela não ia fazer. Secar as calças de Dexter Anstruther seria pedir muito a sua capacidade de contenção.
— Oh, veja. O adverti. É champanha, e é muito volátil.
— Já percebi — disse Dexter. Secou o rosto com o pano e depois o passou pelo cabelo molhado — A próxima vez que necessite uma arma, só tem que tirar a cortiça, em vez de golpear alguém com a garrafa.
— Terei isso em conta.
Laura observou as gotas de champanha que ele tinha pelo cabelo. Queria tocá-las. Melhor, as queria lamber. Notou um calor repentino no ventre, e respirou profundamente para controlar-se.
— Bom, talvez seja melhor sairmos — acrescentou, e de repente, teve uma horrível duvida — Não terá fechado a porta do final do corredor, não é, senhor Anstruther? Mantinha-se aberta com uma pedra.
— É obvio que não — disse Dexter.
— Bem. A porta só pode se aberta por fora. Se fechar… — Laura parou quando uma rajada de vento entrou pelo corredor e esteve a ponto de apagar a chama da lanterna — Se fechar, ficaríamos aqui presos.
Soou um forte ruído ao final do corredor, quando a porta se fechou de um golpe devido ao vento. Pareceu que os muros do priorado tremiam devido ao impacto.
— Assim — disse Dexter.
— Sim — disse Laura, escutando o eco do choque da porta com a pedra — Assim.

* * * * *

Dexter demorou dois minutos para confirmar que haviam ficado trancados na adega do priorado, e que não havia modo algum de abrir a porta. Apoiou uma mão contra a pedra inflexível e repassou mentalmente o momento havia descido as escadas. Havia comprovado minuciosamente que a saída estivesse clara antes de entrar na adega. Aquela era uma precaução elementar.
A porta se mantinha aberta, com uma enorme pedra que não teria podido mover-se por acidente. Assim, a conclusão era que alguém, talvez a pessoa misteriosa que seguia Laura, havia os prendidos ali.
Dexter soltou uma maldição entre dentes e percorreu o corredor até a adega. Aquilo estava bem empregado, por sucumbir ao impulso de seguir Laura. Sabia que não devia ter se metido naquela confusão. Depois de tudo, uma mulher que tinha representado o papel de salteadora de estradas não só era capaz de cuidar de si mesma, mas também merecia todos os problemas que ela mesma causava.
Laura estava sentada no chão, envolta em sua capa para se proteger do frio daquela noite de outono, com a garrafa de champanha de sabugueiro meio vazia a seu lado. Mantinha a compostura e tinha uma expressão serena, como se estivesse se preparando para um picnic inesperado e longo. Dexter se perguntou se sentia tanta calma como aparentava.
— Parece que tem razão — disse ele — A porta não se abre.
Laura elevou os olhos. A luz da lanterna fazia que seus olhos parecessem muito escuros, e sua expressão era inescrutável.
— Que tedioso — disse cordialmente — Como pode ter ocorrido?
— Acredito que alguém nos prendeu. Talvez tenha sido a pessoa que a estava seguindo antes.
— Com certeza está imaginando coisas — disse Laura — por que iriam querer fazer semelhante coisa?
— Talvez porque antes era Glory, a salteadora de estradas, e no curso de sua carreira temerária certamente travou algumas inimizades. Parece tão bom motivo quanto qualquer outro.
— Percebo sua desaprovação, senhor Anstruther — disse Laura — mas não estou de acordo com você. Ninguém sabia que eu era Glory, e, portanto, ninguém pode querer vingar-se. Além de você, quero dizer — acrescentou com um suspiro — E agora está aprisionado por ter se incomodado em me resgatar! Talvez devesse ter pensado melhor, antes de tentar me ajudar. Geralmente, cuido muito bem de mim mesma.
Dexter suspirou com irritação. Era exatamente o que ele pensou um minuto antes. Entretanto, Laura lhe provocava algo mais que um simples sentimento de proteção. Provocava um sentimento de posse primitivo. Resultava desesperador, depois que ela o tratou tão mal, e a desprezava por isso.
— Por favor, não me agradeça — disse ele, iracundo por suas próprias debilidades, e olhou Laura nos olhos — Mais cedo ou mais tarde lembrarei que não devo oferecer minha ajuda quando não a necessita. Geralmente, não demoro tanto para aprender.
— Isso seria o melhor. Estou certa de que isto não é mais que uma brincadeira de meninos. A menos que seja a idéia infantil de vingança que tem Sir Montague, claro.
— Já havia pensado nisso — admitiu Dexter — mas me parece um pouco cruel de sua parte me fazer sofrer também me prendendo com você.
Laura sorriu.
— Ao melhor — disse com doçura — pensou que seria um castigo perfeito para mim, o fato de me deixar aqui presa com você, senhor Anstruther.
De novo, Dexter sentiu a frustração e o desejo acendendo seu sangue em igual medida. Castigo era uma palavra para descrever o que ele sentia. Tortura era outra.
— Verdadeiramente, é uma situação difícil para os dois, Excelência, depois que tenhamos chegado à conclusão de que devíamos nos evitar — disse Dexter — mas estou seguro de que podemos confiar em sua capacidade de controle.
— Oh, claro — disse Laura — A capacidade de controle é algo infalível, não é? E depois de ter deixado claro que nenhum dos dois quer ficar preso com o outro, talvez deva concentrar-se no que vamos fazer a respeito.
Dexter suspirou e enfiou as mãos nos bolsos. Laura não o havia convencido de que aquilo não era mais que uma brincadeira de crianças, mas estava de acordo em que o melhor que podiam fazer era sair dali antes o possível, por muitos motivos.
— Suponho que não há mais saídas do edifício — disse.
Laura o olhou com irritação.
— Acredita que estaria aqui sentada se tivesse? Não, senhor Anstruther, não há mais portas, nem janelas, ainda que haja um toalete ao fim do corredor, que dá ao fosso. Entretanto, não me agrada tentar escapar por esse conduto.
— Irei dar uma olhada — disse Dexter — Posso levar a lanterna?
— É obvio — respondeu Laura — Sem ela não veria nada.
— Não tem medo ficar sozinha às escuras?
— Não, claro que não — Laura o olhou com a cabeça inclinada e um leve sorriso — E você, senhor Anstruther? Muitas pessoas tem medo. Não é para envergonhar-se. Não acredito que aqui haja nada pior que umas quantas aranhas e ratos, mas posso protegê-lo, se estiver nervoso.
— É obvio que não estou nervoso — disse ele com aborrecimento — Só queria me assegurar de que você se sentia a salvo.
— Que amável de sua parte. Claro que me sinto a salvo com você, senhor Anstruther. Reconforta-me o fato de que você seja um dos Guardiões, e que, portanto, tem que me proteger, ainda que não lhe caia bem.
Dexter suspirou. Olhou a garrafa de champanha, e voltou a olhar Laura.
— Está bêbada? — perguntou.
— Ainda não — respondeu Laura — Só um pouco embriagada — disse, com aquele sorriso cativante que acelerava seu pulso — Não tenha medo, senhor Anstruther. Não vou me equilibrar sobre você. Nem sequer me agrada muito.
Dexter apertou os dentes e pegou a lanterna do chão.
— Voltarei dentro de pouco.
E quando voltou, viu que Laura tinha aberto uma segunda garrafa de champanha e tinha os olhos encantadoramente brilhantes.
— Como foi?
— Talvez uma criança coubesse no buraco — disse Dexter — mas tem razão, nenhum de nós dois entraríamos por ele.
— Não estou de acordo com o fato de enviar crianças pelas lareiras, nem a outros espaços pequenos — disse Laura com solenidade — É uma prática bárbara.
— Claro que é. Eu tampouco — disse Dexter com brutalidade — Só queria dizer que você e eu somos muito grandes para passar pela abertura. Não estava defendendo o trabalho infantil.
Sentou-se junto a ela. A suave fragrância floral de seu perfume o envolveu, invadiu seus sentidos. Dexter sabia que era muito imaginativo pensar que também podia sentir seu calor, mas agora que havia comprovado que não tinham escapatória, estava começando a sentir o frio e a umidade da adega, e Laura e a lanterna eram as únicas coisas brilhantes que havia ali. À pálida luz do abajur, ela parecia suave, cálida e tentadora.
Também parecia algo mais que embriagada agora, com seus cachos revoltos e a pele rosada, e os olhos resplandecentes. Era uma combinação fascinante, e Dexter sentiu um desejo repentino e esmagador de se aproveitar dela. É obvio, não era algo que ele teria pensado normalmente. A idéia de seduzir uma mulher em uma adega era desonrosa e imoral, era o tipo de coisa que faria Miles Vickery.
"Nos dois podemos confiar em sua capacidade de controle".
Apertou a mandíbula com força. Aquela ia ser uma noite muito, muito longa.
— Acredito — disse de repente — que bebeu muito champanha.
Laura lhe lançou um olhar zombeteiro.
— Creio que não lhe parece bem que as mulheres bebam sozinhas. Ou talvez não aprove que bebam absolutamente, senhor Anstruther? Percebi que você não bebê uma gota de álcool.
— Beber não é aconselhável nem para os homens nem para as mulheres — disse Dexter com algo de tensão — E o álcool deve ser bebido com moderação. As mulheres têm muito menos capacidade para beber que os homens, assim talvez sim fosse uma boa idéia que elas não bebessem.
— Claro — disse Laura — Parece que estudou o fenômeno profundamente, senhor Anstruther.
— Só em meu trabalho.
— Claro — repetiu Laura — Imagino que você é muito disciplinado para embebedar-se, senhor Anstruther — disse, e lhe estendeu a garrafa de champanha — Eu, entretanto, penso que será melhor que tome um pouco disto para me salvar de beber sozinha.
Dexter a olhou com assombro.
— Está bebendo diretamente da garrafa?
— E o que vou fazer? Não há taças — disse Laura rindo — Creio que parecerá pouco digno de uma duquesa viúva.
Dexter não pensava que fosse pouco digno, mas sim muito atraente. Observou como ela levava a garrafa aos lábios, fechava os olhos e bebia. Derramou uma diminuta gota de líquido dourado pela comissura dos lábios, e Laura a recolheu com a língua. Foi algo assombrosamente excitante para Dexter. Enquanto ela mantinha a cabeça inclinada para trás, seu cabelo castanho estendido pela capa fazia um suave som ao roçar-se com o veludo, um som que para ele era muito sensual. Todos os cachos refletiam o brilho da luz da lanterna. Dexter tinha vontades de acariciá-la. Queria enredar as mãos em seu cabelo, e fazer com que inclinasse a cabeça, e beijar aquela boca ampla e bela, até que ela estivesse suspirando contra seus lábios e seu corpo estivesse suave e dócil sob suas mãos…
Laura lhe estendeu a garrafa.
— Sua vez.
Dexter pegou o champanha e pôs os lábios onde haviam estado os dela, e sentiu uma rajada de luxúria por todo o corpo ao apenas pensá-lo. Demônios, parecia que não importava o que fizesse aquela mulher. Tudo servia para despertar seus sentimentos mais e mais.
— É muito reconfortante — disse ele, surpreso, enquanto o líquido descia por sua garganta — É uma receita sua?
— Algo mais que herdei de meu avó — disse Laura — Talvez se pergunte por que guardo meus vinhos aqui em vez de no Velho Palácio, senhor Anstruther. De fato, assombra-me que não o tenha perguntado, porque este é um lugar bastante irracional para usar como adega.
— Sim me perguntei isso — admitiu-o.
— Há vários motivos. O primeiro é que o porão da casa se alaga facilmente, e, além disso, as escadas são muito altas e perigosas. Entretanto, a razão mais importante é que minha avó transladou a adega para cá, e eu não me incomodei em voltar a mudá-la. Ela queria afastar o vinho de meu avô. Ao fim de seus dias, era um terrível bebedor.
— Sinto muito — disse Dexter — Mencionou que era um libertino. Não sabia que, além disso, era um bêbado.
— Oh, temo que fosse prodigioso em ambos os sentidos — disse Laura — Entretanto, minha avó percebeu que se fosse difícil chegar ao vinho, ele não beberia. Parece-me um plano muito ardiloso. Era um homem muito preguiçoso, e não se incomodaria em vir aqui cada vez que desejasse um gole.
Dexter assentiu. Pegou outro pouco de champanha, e notou que passava borbulhando pela língua e a garganta até o sangue.
— É delicioso — disse a Laura enquanto devolvia a garrafa.
— Sim, obrigado. A receita é muito boa — respondeu ela, e o olhou pensativamente — assim, senhor Anstruther, como já sabemos que ficamos presos, pensa que alguém sentirá sua falta e vir buscá-lo?
— Temo que não seja provável — disse ele — Os hóspedes da estalagem de Morris Clown vão e vêm a vontade. Ainda que não tenha o costume de passar a noite fora, a menos que seja por questões de trabalho.
— Claro, claro. Apesar de sua reputação passada, duvido que você seja tão desmedido agora, senhor Anstruther. Passar a noite fora com outras mulheres não é o melhor modo de ganhar sua herdeira inocente, não é?
Ao ver como Laura levava a garrafa de champanha aos lábios outra vez, delicadamente, Dexter sentiu o impulso irresistível de ser desmedido com ela, ali mesmo, no chão da adega. As herdeiras podiam ir ao inferno. Pigarreou e reprimiu sem piedade sua luxúria.
— E você, Excelência? É possível que os empregados notem sua ausência?
— Talvez — disse Laura — Rachel se surpreenderá de que não tenha chegado a tempo para deitar Hattie, embora suponha que me atrasei nada mais. E os senhores Carrington certamente já estarão deitados. Retiram-se muito cedo. Até manhã pela manhã, não se preocuparão comigo.
— Que frustrante — disse Dexter — E não pensou em contratar empregados um pouco mais ativos, que se dêem conta das coisas um pouco antes? Vivendo sozinha, como vive, seria melhor ter alguém em quem confiar e apoiar-se.
Laura ficou vermelha de indignação.
— Não necessito ninguém mais. Sei que todo mundo pensa que os Carrington são incompetentes…
— E são — interrompeu Dexter.
— Porque Faye Cole os deixou loucos com suas incessantes exigências quando se converteu em duquesa! — protestou Laura — Era espantoso trabalhar para ela. O pobre Carrington desmoronou sob a pressão, e a senhora Carrington nunca teve uma saúde muito robusta. Foi minha culpa. Deixei os empregados a mercê da Faye… — Laura se deteve, olhou a garrafa de champanha e respirou profundamente — Peço desculpas. Não é apropriado que eu critique a duquesa de Cole diante de você.
Dexter sabia que se referia a ser inapropriado porque Faye Cole podia converter-se em sua sogra em um futuro próximo, mas na realidade, ele estava mais interessado naquele estalo veemente que havia tido Laura por causa da champanha. De novo, parecia que era a protetora dos fracos, de um modo bondoso, generoso e pouco prático. Dexter sentiu por ela uma ternura que não pôde evitar.
— De todos os modos — prosseguiu Laura, em tom defensivo — me agrada fazer as coisas. Nunca tinha podido fazer antes.
— Por quê? Eu acreditava que a posição de duquesa tinha privilégios enormes.
— Em alguns sentidos sim, senhor Anstruther, mas em outros, eu diria que ser duquesa é muito frustrante. Quando eu era menina, dava por certo que seria duquesa, assim que minha mãe me educou para isso desde muito cedo. Nunca ia a nenhuma parte sem a companhia de um par de empregados, no caso de necessitar algo. Era muito inconveniente ter sempre a alguém a meu lado.
Dexter ficou boquiaberto.
— Educaram-na para ser duquesa?
— Claro. Charles e eu estávamos noivos desde o berço — disse Laura — Assim eu seria duquesa e tinha que me comportar como tal.
— Sua mãe devia sentir-se muito satisfeita quando, ao final, tudo saiu segundo seus planos — disse Dexter — Imagine quão decepcionada teria ficado se o acordo fosse desfeito.
— Creio que se sentiu muito satisfeita — disse ela com um tom de amargura — Entretanto, ninguém me perguntou o que queria para meu futuro. Assim entenderá por que vivo agora uma vida um pouco menos convencional do que deveria como duquesa viúva de Cole.
— Tornar-se salteadora de estradas é verdadeiramente menos que convencional para um par do reino — comentou Dexter.
— Não me referia a isso — disse Laura — Importar-se-ia de deixar de me lembrar isso senhor Anstruther? Por favor, tente deixá-lo para trás. Se lorde Liverpool pôde me perdoar, parece que você também deveria ser capaz.
— Muito bem — disse Dexter com um suspiro — Devemos nos concentrar que nenhum dos dois irá deitar-se esta noite. O que sugere que façamos?
— Que esperemos até amanhã — respondeu Laura — e que então, peçamos ajuda gritando. Alguém passará por perto quando amanhecer, e ainda que os muros sejam muito grossos, talvez nos ouçam.
— Me dá a sensação de que está muito calma, face às circunstâncias, Excelência.
— Esperava que desmaiasse? Não entendo o que ia conseguir com isso.
— Talvez nada — concedeu Dexter.
— Mas encaixaria mais com sua visão de como deve se comportar uma mulher, não é senhor Anstruther? Ser tão independente não é próprio do sexo feminino. Sei disso.
— E eu sei que pensa que tenho opiniões muito conservadoras — disse Dexter com tensão — mas terá que admitir que você não se adapta a meu conceito de idoneidade feminina absolutamente.
— Oh, Por Deus — disse Laura, sorrindo — Sinto-me consternada ao ouvir isso, senhor Anstruther. E me vejo obrigada a lhe perguntar, idoneidade para que?
— Para o casamento, é obvio — disse Dexter.
Lutou para clarear a cabeça. Tinha a mente um pouco embaralhada. A verdade pensou vagamente, era que Laura o deslumbrava. O tinha enfeitiçado, mas era inadequada em todos outros sentidos. De todos os modos, ele não estava sopesando a possibilidade de casar-se com ela. Ainda que fosse rica, havia muitas razões pelas quais aquilo seria um engano. Ela apelava a seu lado selvagem, aquela faceta de si mesmo em que se parecia tanto a seu pai e que tentava reprimir para ser responsável sensato e confiável.
Dexter olhou a garrafa de champanha. Sua mente escorregava e se deslizava enquanto tentava analisar o que Laura tinha de especial. Era como uma estrela brilhante e dissidente. Era a tentação de desviar do caminho que ele pensava que devia seguir. Aquilo era quase poético. Estranho, porque ele não era um homem poético absolutamente.
Olhou de novo a garrafa de champanha. Estava quase vazia. Nada de poético…
Estava bêbado.
Pestanejou ante a garrafa vazia, a prova. Não estava certo de como havia acontecido, porque ele sempre se regia pela moderação. O único que sabia era que estava aturdido e um pouco instável, e que se sentia um pouco perdido. Era uma sensação curiosamente atraente.
Laura se moveu e seus braços se roçaram. Estavam sentados com as costas apoiada na pedra fria. Os laços que abotoavam sua capa haviam se afrouxado, e a capa havia caído para trás e deixava entrever as linhas esbeltas de seu pescoço e das curvas de seus seios por cima do decote do vestido verde. Ao ver a textura suave e a cor delicada de sua pele à luz da lanterna, Dexter quis acariciá-la. Assim que permitiu que aquilo lhe passasse pela cabeça, não pôde pensar em outra coisa. Estava preso em uma adega com Laura Cole. Não devia tocá-la. Não devia pensar em beijá-la. Não devia pensar em fazer amor com ela.
Notou a garganta tão seca como se tivesse tentado engolir areia.
— Acho que está bêbado senhor Anstruther — disse Laura.
— Acho que sim — disse ele.
— E também acho que você imagina que quer ter uma esposa dócil que lhe torne a vida confortável — continuou Laura em um tom suave — mas que se a tivesse, perceberia que não era o que queria absolutamente. Acredite, eu fui à esposa perfeita durante anos, ao menos na aparência, e nem meu marido nem eu fomos felizes.
— Eu não sou como seu marido — disse Dexter, com uma necessidade instintiva de protestar ante aquela comparação com Charles Cole. Ao ver o sorriso e a pequena covinha de Laura, Dexter esteve a ponto de perder o controle.
— Não — disse Laura — É certo.
Dexter teve a sensação de que, a cada palavra que pronunciavam, aquela conversa se dirigia a um terreno perigoso.
— Para começar, eu nunca a teria ignorado — disse com dignidade — Nunca teria permitido que galopasse pelo condado desfazendo ofensas e atando fogo às coisas.
— Alegra-me saber que não teria me ignorado.
Ignorá-la? Teria tido muitas dificuldades para tirar as mãos de cima. Dexter se moveu com desconforto. Estava tenso, e muito excitado.
O sorriso se apagou dos lábios de Laura.
— Fui tão infeliz com Charles — disse suavemente — Algumas vezes me deixava louca. E algumas vezes, cometi loucuras, ou fiz coisas que não estavam bem.
Então o olhou fixamente, e Dexter sentiu encolher o coração ao ver a honestidade refletida em seus olhos.
— A noite que passei com você… — sussurrou, e desceu o olhar — Estava errado em muitos sentidos, mas o desejava…
Dexter ficou sem fôlego. Elevou uma mão para afrouxar o lenço do pescoço, mas sem saber como, terminou acariciando a bochecha de Laura, com delicadeza. Seu estômago encolheu de desejo e saudade. Laura tinha o olhar escuro e desfocado de alguém que havia bebido um pouco de mais; suas pálpebras se fecharam tremulamente e seus lábios se separaram. Dexter se viu a beira do abismo.
Estava bêbado.
Estava aproveitando-se.
Não era um cavalheiro, mas tampouco ela era uma dama…
A necessidade, o apetite e a frustração que o haviam atormentado cada vez que via Laura se fundiram em um arrebatamento de desejo. Aproximou-se dela e a beijou, a princípio suavemente, e depois com paixão, grosseiramente, tentando encontrar a resposta que necessitava desesperadamente dela. Naquele momento soube o que queria. Não queria ser respeitável. Não queria ser conformista. Não queria, nem sequer, ter o controle da situação.
Desejava Laura Cole com todas suas forças. Era como uma febre de seu sangue da que, por muito que quisesse, nunca poderia curar-se.











Capítulo Nove
Laura sabia o que teria dito sua mãe: que nenhuma dama, e menos uma duquesa viúva, deveria beber champanha e em seguida encontrar um prazer impudico, mas profundamente satisfatório, nos braços de um homem. Ela havia demorado anos para compreender que havia muitas coisas nas quais sua mãe estava equivocada, e aquela era uma delas. Só uma vez havia se abandonado àquelas delícias embriagadoras, e tinha jurado que nunca voltaria a fazê-lo, mas naquele momento, ao sentir o corpo forte de Dexter contra o seu, com as mãos enterradas em seu cabelo dourado e sentindo como ele exigia resposta a seus beijos, Laura não tinha dúvidas.
Lembrou-se vagamente por que era tão má idéia fazer aquilo. Sabia que tinha que guardar segredo. Se deixasse que Dexter se aproximasse dela, arriscava a desvelar a paternidade de Hattie. Entretanto, necessitava-o muito… ele afastava sua solidão. E ela se sentia completamente em paz entre seus braços.
Aconchegou-se contra o calor de seu corpo. Ele voltou a beijá-la. O impacto daquele beijou sobre seus sentidos foi devastador. A boca de Dexter era firme contra a dela, e Laura percebeu o sabor do champanha em sua língua. Era algo absolutamente delicioso. Suas mãos masculinas eram igualmente quentes, e deslizaram por debaixo da capa para aferrá-la pela cintura. Ela notava o calor que ele desprendia abrasando-a através da seda do vestido. Ele virou a língua, intimamente, e cobriu sua boca de carícias preguiçosas. Não havia hesitações em suas ações, nem inexperiência.
Foi Laura que se sentiu como uma inocente, que estremeceu com nervosismo e desespero enquanto os sentimentos e as emoções a embargavam. Estava paralisada pela força e a autoridade do corpo de Dexter, e quando ele a apertou contra si com uma exigência implacável, ela notou que seus mamilos endureciam contra a muralha musculosa do peito dele. Sentia comichões de prazer no ventre e gemeu contra seus lábios, apoiando-se contra a parede da adega para poder manter o equilíbrio.
Dexter a seguiu e a prendeu contra a pedra, fazendo o beijo ficar mais profundo contra os lábios de Laura, acariciando a língua até que sentiu que seu corpo ia derreter por culpa daquele desejo candente.
Ela pensou que nunca tinha sentido um prazer tão intenso. Depois de quatro anos no deserto, aquilo era doce e vivificador. Pensou que fosse morrer de gozo, e então, Dexter deslizou a mão para cima para libertar um de seus seios de sua prisão no sutiã do vestido. Roçou a pele nua com os dedos, com uma carícia leve, mas firme e o corpo de Laura se curvou como um arco ao sentir aquele contato.
Ele voltou a beijá-la, lenta e profundamente, e conseguiu capturar todos seus sentidos em uma espiral cega, afundando no êxtase puro. A palma de sua mão era cálida contra a curva do seio e então, de repente, beliscou seu mamilo ereto, uma e outra vez, e Laura se arqueou de novo enquanto as sensações doces e ardentes embargavam todo seu corpo. O muro de pedra a sustentou enquanto Dexter se desfez de sua capa e libertou seu outro seio. O vestido caiu até a cintura de Laura com um suave assobio de seda.
Dexter inclinou a cabeça e prendeu um dos mamilos inchados com a boca, e o lambeu com delicadeza. Laura se retorceu contra a parede, impressionada e fascinada por seu próprio instinto, que a empurrava a pressionar o seio contra os lábios e os dentes dele. Sentia uma necessidade esmagadora de exigir a satisfação absoluta que desejava, e ao mesmo tempo, temia que seu corpo se quebrasse por causa do prazer extremo daquela sensação.
— Dexter, por favor — disse, lutando por respirar — Não posso… necessito… Não posso suportá-lo. Tem que parar.
Ele riu.
— Não acho que vá parar.
— Não posso pensar… — murmurou ela, mas ele riu de novo, separando a boca dela durante uma fração de segundo, durante a qual Laura sentiu seu fôlego contra a umidade da pele.
— Por sorte, não temos necessidade de pensar absolutamente — disse ele, e voltou a acariciar o seio com a língua, a brincar com o mamilo sensibilizado até que tremeram as pernas incontrolavelmente e teve medo de cair no chão. Só se manteve em pé porque ele a estava segurando pela cintura.
— Isto não é próprio de ti — ofegou — Dexter…
Suas palavras se interromperam quando mordiscou perversamente o seio, e a fez grunhir.
— Sou eu — sussurrou ele com a voz rouca — Não me reconheço quando estou contigo, Laura. Só sei que isto é o que quero.
Laura se rendeu.
— Então não pare — ofegou — Faça o que faça, não pare.
Ele voltou a rir e prendeu o mamilo de Laura entre os dentes, e roçou sua ponta com a língua. Laura estava a ponto de gritar.
— Ah! Não pare. Por favor. Mais forte… só um pouco mais forte…
Era de verdade ela mesma, rogando a Dexter com a voz quebrada que cativasse seus sentidos com aquele prazer cego? Sentiu que ele a segurava com força pela cintura e há inclinava um pouco para a parede. Tinha os seios completamente expostos ante sua boca, e mesmo que o ar gelado da adega envolvesse sua pele, o calor de seu sangue percorria as veias com força, e foi aquele contraste o que fez com que estremecesse. Dexter estava mordiscando ambos os seios naquele momento, sugando seus mamilos, lhe dando prazer de uma maneira tão habilidosa com os lábios e os dedos que a tensão havia começado a crescer no ventre de Laura. Tremia intensamente e não podia ficar em pé.
— Por favor. De verdade, não posso suportar mais…
Ele começou a rir e cobriu os seios com diminutos beijos, com diminutas mordidas que a fizeram soluçar. Estava indefesa entre seus braços, a mercê de sua força. Estremecia tanto que pensou que fosse desmoronar. Seu corpo esperava na agonia do desejo.
Um nó de prazer escuro e abrasador se formou no mais profundo de seu ser e se desatou com violência, convertendo-se em um êxtase, e Laura notou que seu corpo se convulsionava de uma maneira insuportável. Gemeu, aferrando-se aos ombros de Dexter, e ele a beijou de novo, enquanto continuava beliscando suavemente o mamilo, enquanto ela se sentia atravessada por uma mistura de prazer e dor. Todo o mundo se iluminou enquanto ela chegava ao clímax desesperadamente em seus braços.
— Dexter!
Foi uma liberação tão deliciosa que ela se perdeu no momento, e quando finalmente seus sentidos reviveram, percebeu que Dexter a havia envolto na capa de veludo. Segurava-a entre seus braços enquanto os pequenos tremores que percorriam seu corpo se acalmavam por fim. Ela tinha a cabeça apoiada em seu ombro e percebia o aroma de sua pele, e sentiu uma grande felicidade ao apoiar a bochecha contra a curva de seu ombro. Pensou vagamente que talvez devessem conversar, mas tinha a mente aturdida pelo álcool e o prazer. Mais tarde, pensou. Mais tarde conversariam. Sentia-se completamente satisfeita e feliz. E caiu adormecida.

* * * * *

A casa que o Duque de Cole havia alugado para a estadia de sua família em Fortune's Folly era, por necessidade, a maior de todo o povoado. Nenhuma outra teria estado à altura de Sua Excelência. Fortune Hall e o Velho Palácio já estavam ocupados, claro, o qual era uma pena, mas de todos os modos, o duque havia conseguido que lhe alugassem Chevrons, uma bonita casa propriedade de um advogado rico, cuja gota o levou ao sul, a um clima mais quente.
A senhorita Lydia Cole, que voltava de um concerto de harpa celebrado na sala de reunião, passou nas pontas dos pés diante da porta do quarto de sua mãe, e rezou para que a duquesa não despertasse. Sua mãe, que tinha a constituição de um boi, havia sucumbido inesperadamente a um resfriado naquela tarde e caiu de cama, e Lydia teve como acompanhante outras das damas. Lady Bexley era muito mais relaxada que a duquesa e Lydia pode escapar e aceitar que a acompanhasse para casa certo cavalheiro. Haviam falado a sós de volta à sala de reunião. E depois, ele a beijou ao lhe dar boa noite. Lydia ficou assombrada, sabia que era horrível que um cavalheiro se comportasse tão mal, mas também tinha ficado muito surpresa ao descobrir que desfrutou do beijo. Ainda naquele momento sentia um comichão por todo o corpo, até os dedos dos pés.
— Lydia? Venha aqui!
O grito retumbante da duquesa não indicava que sofresse de dor de garganta, e com um suspiro, Lydia deu a volta e entrou no quarto de sua mãe. Cheirava a caramelos de violeta que tanto gostava à duquesa, e a outra coisa… um aroma que Lydia não conhecia bem, mas que se parecia bastante ao de álcool. Sim, cheirava como se a duquesa tivesse bebido. Entretanto, Lydia sabia que era impossível. Devia ser alguma infusão que sua criada tinha preparado, e cujo aroma se parecia muito ao vinho.
— Que tal foi o concerto, meu amor? — perguntou a duquesa, dando alguns tapinhas na colcha para que sua filha se sentasse a seu lado — foi atento contigo o senhor Anstruther?
— O senhor Anstruther não foi, mamãe — disse Lydia, e viu como se escurecia a expressão da duquesa. Rapidamente, acrescentou — Mas lorde Vickery estava lá, e Sir Jasper e lorde Armitage…
— Isso não tem importância — interrompeu Faye — Nunca conseguiremos que nenhum desses se case contigo! — exclamou, e cravou em Lydia um olhar fulminante, como se fosse culpa dela que o senhor Anstruther estivesse ausente — Que irritante! Vá a seu quarto. Tenho que pensar.
Lydia saiu ao corredor e fechou a porta cuidadosamente. A casa estava silenciosa. Sabia que seu pai não estava em casa. Inclusive em um lugar tão pequeno como Fortune's Folly, o duque era capaz de encontrar uma faxineira disposta a saciar sua luxúria.
Laura entrou em seu quarto, atirou-se sobre a cama e ficou olhando para o nada, sonhadoramente. Era uma sorte que sua mãe a tivesse despedido tão bruscamente, porque assim não teria que lhe dar um relatório detalhado sobre cada minuto da noite.
Lydia sorriu. Aquela noite poderia rememorar aquele beijo sem que ninguém a incomodasse, nem repetisse a ameaça de que se não se casasse seria expulsa da família.
Com um suave murmúrio de felicidade, fechou os olhos e se abandonou ao seus sonhos.

* * * * *

Quando Laura despertou, a lanterna havia se apagado e estava escuro. Doía-lhe a cabeça, tinha a boca ressecada e estava sedenta e gelada. Pensou que talvez tivesse situações menos românticas que aquela, mas não lhe ocorria nenhuma.
Sentia-se desgraçada.
Seu corpo traiçoeiro tinha despertado, e o desejo se apropriou dela enquanto lembrava tudo o que havia ocorrido, as sensações que as mãos e os lábios de Dexter haviam produzido suas carícias e seu sabor. Entretanto, naquele mesmo instante se assustou ao lembrar as liberdades que havia permitido. Tinha tomado muito champanha. Havia perdido o comedimento, e uma vez mais, havia respondido atrevidamente a Dexter. Ele tinha averiguado facilmente que podia fazer com o controle de seus sentidos, e pensaria que sua reação a ele era outra amostra de sua falta de vergonha.
O prazer e a alegria que havia experimentado se desvaneceram. Lembrava que havia rogado a Dexter que fizesse amor com ela. Havia sentido falta de suas carícias durante quatro longos anos, e havia sido algo celestial estar outra vez em seus braços. Havia conseguido desterrar durante umas horas a fria solidão que a assediava. Entretanto, naquele momento sentia mais mortificação que prazer. Aquela noite havia ficado com Dexter Anstruther a quem pensava que houvesse conhecido uma vez, antes que tantas coisas tivessem se interposto entre eles. Tinha se esquecido dos segredos que ocultava e das mentiras que os mantinham separados. Havia procurado o homem complicado e apaixonado que uma vez mostrou seu afeto por ela, e acreditou encontrá-lo de novo. Entretanto, agora percebia que era tudo uma ilusão.
"Não me reconheço quando estou contigo, Laura".
Lembrava. Aquele Dexter Anstruther era um homem decidido a ser convencional, um caça dotes que desejava uma noiva rica, que negava sua natureza selvagem e apaixonada. Aquele não era o homem a quem Laura procurava, nem o que necessitava.
Dexter estava dormido. Laura não o via na escuridão, mas ouvia sua respiração compassada. Ele ainda a mantinha entre seus braços, mas não a segurava, e seu corpo já não dava calor. Gelada e desorientada pelo champanha, a escuridão e a repentina tristeza, Laura se separou suavemente de Dexter e se foi para o toalete da adega.
Assim que saiu de novo, notou uma corrente de ar fria e começou a tremer. O vento soprava pelo corredor exterior. Laura se surpreendeu por não ter despertado antes. A porta estava aberta de par em par, e a frágil luz da lua, via as sombras mais escuras das ruínas do priorado contra o céu, e as estrelas brancas e brilhantes por cima.
Durante um instante não pôde acreditar. A porta da adega estava aberta. Nunca haviam ficado presos.
— Laura?
Não tinha ouvido Dexter aproximar-se, mas se virou e o viu junto a ela.
— A porta está aberta! Não estávamos trancados!
— Impossível — disse Dexter em tom de incredulidade — A porta estava fechada firmemente.
— Pois agora está aberta!
Laura sentia uma mistura de raiva e indignação. Tomara o tivesse comprovado. O ocorrido durante as últimas horas não teria acontecido jamais. Dexter não teria feito amor com ela na intimidade da adega. Ela não teria adormecido em seus braços, e não teria sido feliz durante um curto tempo, antes de perceber que aquela felicidade só estava apoiada na luxúria, e que não podia ser sua por muitas razões.
— Vou para casa.
— Laura, espere!
De repente, Dexter falava com ansiedade. Pôs uma mão no ombro para detê-la, mas ela escapou e se apressou a sair.
— Laura, não!
No mesmo instante em que ouviu sua última advertência, Laura ouviu também o ruído das pedras contra as rochas, e um pequeno rolar de seixos que precediam a queda de uma grande rocha. A lua saiu de entre as nuvens. Laura se virou. Algo se dirigia para ela rapidamente, e assim que entendeu, atirou-se a um lado. Dexter a pegou e a jogou ao chão, e com o peso de seu corpo pareceu que escapava todo o ar dos pulmões. Sentiu um terrível golpe no ombro e imediatamente, teve uma dor parecida à navalhada de uma folha incandescente. Tudo ficou escuro.










Capítulo Dez
Laura não soube quanto tempo esteve inconsciente, porque não foi muito, e quando recuperou o conhecimento, desejou fervorosamente ficar adormecida. Todo seu corpo estava envolvido por uma dor ardente. Era tão intenso que não podia pensar nem falar. Via luz atrás das pálpebras fechadas, e durante um segundo pensou que fosse dia, mas então lembrou o que havia ocorrido e percebeu que era a luz das velas. Dexter deveria tê-la levado para casa.
Sentiu que mãos se moviam sobre ela com um cuidado infinito. Cada toque lhe causava uma onda de agonia e provocava suores frios. Ouviu a voz de Dexter.
— Não quebrou nenhum osso, mas o golpe fez com que o ombro se desencaixasse…
Laura via figuras movendo-se entre a neblina de sua dor. Alguém lhe tocou a testa com um pano fresco, e com um grande esforço, ela conseguiu abrir os olhos. Estava deitada no sofá de seu salão. O rosto de Dexter estava sobre ela, com uma expressão grave, e com os olhos azuis tão escuros e intensos que Laura pensou que devia estar zangado com ela, e tentou estender a mão para ele.
— Sinto muito…
— Não tente falar. Não se mova.
Laura fez outro esforço.
— Carrington… Por favor, não se preocupe. Tudo o afeta muito ultimamente…
Viu que Dexter sorria durante um instante, e que algo brilhava em seus olhos, algo parecido à ternura, que por algum motivo, fez com que Laura tivesse vontade de chorar.
Ele a acariciou na bochecha com delicadeza.
— Você é que não deve se preocupar. Os senhores Carrington se angustiaram muito quando a trouxe, mas os enviei de novo para se deitarem. Molly mandou Bart procurar o doutor Barlow. Virá em breve.
— Meu ombro… — Laura soltou um gemido de dor ao tentar mover-se, porque sentiu uma nova onda de dor — O que aconteceu?
— Tenta ficar quieta — disse Dexter em tom de calma, ainda que seus olhos estivessem cheios de tensão — Uma pedra da alvenaria da torre do priorado caiu e a golpeou. Seu ombro desencaixou.
— Dói… muitíssimo…
Alguém abriu a porta, e Laura ouviu os passos urgentes de Molly.
— A esposa do doutor Barlow diz que teve que sair para atender um parto e que demorará mais de uma hora, senhor — disse a moça com angústia — Oh, senhor… Excelência! O que vamos fazer?
Laura ouviu que Dexter soltava um juramento e o olhou. Sabia a resposta a aquela pergunta.
— Tem que colocar meu ombro no lugar, Dexter — sussurrou — Não posso suportar esta dor. Não poderei esperar uma hora até o médico venha.
Dexter tomou sua mão. Tinha uma expressão atormentada.
— Laura, não posso…
— Deve ter feito isso alguma vez — disse Laura — Por favor. Sei que é te pedir muito, mas sei que pode fazê-lo.
— Sim, já o fiz antes. Mas… teria que te fazer muito dano, Laura. Não sei se serei capaz.
— Faça o que faça, não pode ser pior que agora — disse ela — Mas, por favor, diga a Molly que se vá. Acho que desmaiaria.
— Oh, senhora — sussurrou Molly, e começou a chorar.
Dexter se virou para a empregada.
— Vá esquentar um pouco de água, Molly, e prepare a cama de Sua Excelência. Eu a subirei em dez minutos.
— Dez minutos! — exclamou Laura — Duvido que possa agüentar dez segundos mais.
Entretanto, sentiu alívio misturado com aquela agonia. Dexter ia ajudá-la. Não ia falhar.
Ele pegou uma taça de brandy e a aproximou dos lábios.
— Beba, Laura — disse com a voz rouca, com uma expressão dura como o granito — Vai necessitar.
Depois disso, tudo se tornou muito impreciso para Laura. Dexter pôs a mão sob seu cotovelo e lhe estirou o braço. Foi uma eternidade. A dor alcançou em plenitude por todo seu corpo, e Laura teve que agarrar-se ao braço do sofá, com tanta força que rasgou a tapeçaria. Dexter não a olhou. Estava concentrado na tarefa. Ela pensou que talvez, se ele visse qual era a expressão de seu rosto, desmoronaria, porque estava tão tenso e tão rígido que parecia quase explosivo. Em certo momento, Laura não pôde reprimir um ofego de dor, e percebeu que Dexter a olhava. Tinha umas profundas rugas de angustia nos olhos, e os lábios apertados.
— Continua — sussurrou Laura — Se parar agora, nunca o perdoarei por isso.
Laura pareceu ver um leve sorriso em seus lábios. Então, ele puxou de seu cotovelo através do peito e dobrou o pulso para trás, para o ombro direito. Soou um horrível rangido, mas enquanto Laura fazia provisão de força para poder suportá-lo, a dor desapareceu e ela esteve a ponto de desmaiar de alívio.
Abriu a boca para lhe agradecer, mas ele jogou um pouco de brandy pela garganta.
— Agora a levarei ao seu quarto — murmurou.
Pegou-a nos braços, e Laura percebeu que Dexter estava tremendo. Ficou impressionada. Sabia que havia pedido algo muito difícil, mas ao pensar no que poderia lhe custar, sentiu-se profundamente comovida. Ele a segurava com delicadeza, como se fosse de cristal, e Laura se viu invadida por uma emoção quase insuportável ao pensar no que ele havia feito por ela. Tinha vontade de chorar.
— Já quase chegamos — sussurrou ele contra seu cabelo — Agüenta.
Laura assentiu. Sentia a cabeça incrivelmente pesada contra o ombro de Dexter. O brandy corria feroz por suas veias, e estava a debilitando tanto que quase não podia manter-se desperta.
— Obrigado — sussurrou.
O rosto de Dexter estava muito perto do dela, e de repente, Laura se sentiu inundada de amor por ele. Era irresistível, devorador. Elevou a mão ilesa para acariciá-lo na bochecha.
— Tive que te obrigar a ir — disse.
De repente, parecia imperativo conseguir que ele entendesse o que havia acontecido de verdade quatro anos antes. Não podia suportar que ele tivesse uma opinião tão baixa dela quando o amava tanto. A urgência de seus sentimentos a perturbou, e se retorceu um pouco.
— Tem que deixar que te explique… — começou a dizer.
— Shh — disse Dexter, e de novo, roçou o cabelo com os lábios — Não fale agora. Entendo.
Laura não acreditava que ele entendesse, e lutou um pouco contra as ondas de escuridão que alagavam sua mente.
— Preciso explicar isso — voltou a dizer com tristeza. Não podia formar as palavras necessárias. Sentia-se impotente, desesperançada.
Entretanto, ele a abraçou com força, e lá estava o consolo. Deixou de resistir à escuridão e deixou que o calor e a firmeza do corpo de Dexter a envolvessem, e depois, já não se lembrou de mais nada durante muito tempo.

* * * * *

Ao despertar, a luz fez mal aos seus olhos. Sentia marteladas na cabeça e o sabor ácido do brandy na boca.
Abriu os olhos com cuidado e os fechou de novo, quando as formas familiares de seu dormitório apareceram iluminadas pelo sol. Ela estava na cama, e Dexter Anstruther estava sentado ao seu lado, lendo com a cabeça inclinada e o cabelo dourado um pouco despenteado…
Laura abriu os olhos de novo e os tambores de sua cabeça retumbaram com tanta força que grunhiu de dor.
Dexter Anstruther estava em seu quarto. Ao ouvir seu grunhido, Dexter a olhou, deixou o livro de lado e se inclinou para frente. Laura cravou os olhos em sua garganta, que era suave e tinha uma deliciosa cor dourada. Era óbvio que havia tirado o lenço do pescoço. E também a jaqueta. Tinha a camisa aberta na gola, e ela percebeu seu aroma limpo, masculino. Lembrava bem de seu encontro abrasador e erótico na adega.
Também se lembrava que a tinha levado nos braços, a noite anterior, à cama. Lembrava a delicadeza e a determinação com a que encaixou seu ombro. E lembrava que havia pensado, em seu estado de embriaguez, que estava apaixonada por ele outra vez. Embora uma vez sóbria, esperava que aquele sentimento tivesse desaparecido.
Não era assim.
Sentiu um amor intenso por ele, tão intenso que se estremeceu. Fechou os olhos e apertou com força as pálpebras. Não serviu de nada. O amor não desapareceu. Tinha capturado seu coração com uma tenacidade que ela nunca poderia destruir.
Queria Dexter Anstruther. Sempre o quis, e seria tola se quisesse se convencer do contrário.
Levantou-se, se apoiou contra o travesseiro, e olhou o rosto de Dexter.
— Que horas são?
Sabia que sua voz devia soar como a de um bêbado depois de passar uma longa noite na cidade. Provavelmente, também cheirava como um bêbado. Encolheu-se debaixo dos lençóis, mortificada.
Viu que Dexter pegava a jarra de água e lhe servia um copo. Aproximou-se e o colocou com suavidade nos lábios. Laura bebeu com avidez, com sobressalto.
— Obrigado.
— De nada — disse ele. Havia calor em sua voz, ainda que Laura também notasse algum de retraimento — É muito tarde, pela manhã.
— Hattie! — exclamou Laura.
O pensamento de sua filha afastou todo o resto de sua cabeça. Levantou-se de um salto e depois voltou a apoiar-se no travesseiro, ao sentir um puxão doloroso no ombro.
— Ainda sente o ombro dolorido — disse Dexter — e tem cortes no braço. Molly fez o curativo — disse ele — Não se preocupe por sua filha. Rachel veio me dizer que ia levar Hattie ao povoado, e que viria visitá-la quando retornassem.
— A viu? — perguntou Laura — Viu Hattie?
— Não, não a vi, mas está perfeitamente bem — respondeu Dexter — Rachel lhe explicou que está um pouco doente, mas que ficará bem em seguida. Assegurou-me que Hattie não está aborrecida e que desejava te trazer flores da estufa da senhorita Lister.
— Graças a Deus — suspirou Laura, e relaxou contra o travesseiro, cheia de alívio.
Viu a expressão do rosto de Dexter e percebeu que ele havia interpretado mal sua preocupação. Dexter pensava que ela tinha medo de que Hattie estivesse assustada porque sua mãe estava doente. De repente, sentiu-se muito culpada, porque ele tinha se apressado em tranqüilizá-la, quando estava ocultando dele um segredo tão grande, tão importante, de uma forma tão imperdoável. A dor e o remorso se tornaram muito mais agudos devido ao amor que Laura sentia por ele. Estava negando a Dexter o direito de conhecer sua própria filha. Era horrível de sua parte, mas por Hattie, pela segurança de seu futuro, devia manter-se em silêncio. Dexter não podia saber que a menina era filha sua, ou tentaria tirá-la dela.
— Tem um aspecto de cansada — disse Dexter brandamente, e sua clara preocupação fez com que Laura se sentisse pior — Como se sente?
— Me sinto como se tivesse bebido uma garrafa de brandy inteira — disse Laura, e depois acrescentou, olhando-o desconfiadamente — Não terá me dado uma garrafa inteira, não é, senhor Anstruther?
Dexter franziu os lábios.
— Mais ou menos a metade — admitiu. — Tinha muitas dores.
— E pensar que não aprova que as mulheres bebam — murmurou Laura, e virou a cabeça para ele para poder olhá-lo bem. Dexter a estava observando com uma expressão que fez com que se sentisse muito acalorada, inquieta. De repente, parecia que sua respeitável camisola de viúva e as mantas grossas a estavam asfixiando.
— Me despiu e me deitou? — perguntou antes de poder conter-se.
— Não. Foi Molly.
Laura relaxou um pouco.
— Graças a Deus.
Então, viu o sorriso irônico que se desenhou nos lábios de Dexter e percebeu que ele estava lembrando seu encontro da adega, e certamente, com detalhes tão vívidos como ela mesma o lembrava. Estaria pensando que tanto recato por sua parte era um pouco tardio. E Laura se sentiu mais acalorada ainda.
— Lembra algo de ontem à noite? — perguntou Dexter.
Laura teve a tentação de refugiar-se na amnésia.
— Não lembro nada depois que colocou meu ombro no lugar — admitiu — e antes…
— Sim? — insistiu Dexter, com o olhar muito intenso, brilhante.
— É tudo nebuloso — desculpou-se Laura.
— Estava falando comigo enquanto a subia pelas escadas — disse Dexter — Talvez lembre.
De repente, Laura não estava certa de que quisesse se lembrar. O olhou com insegurança.
— O que disse? Certamente só eram balbucios causados pelo álcool.
Dexter sorriu vagamente.
— Queria me explicar algo — disse — Quando se lembrar, se lembrar…
— É obvio, contarei imediatamente — assegurou Laura, de um modo completamente falso.
Dexter vacilou. Depois de alguns instantes, perguntou:
— Pensou que o que ocorreu ontem à noite talvez não fosse um acidente?
Laura ficou olhando-o com atenção. Tinha tanta dor de cabeça que começou a sentir-se enjoada.
— Não, não havia pensado. Não foi só uma pedra que caiu da torre? Creio que só foi má sorte…
Dexter negou com a cabeça.
— Talvez tenha sido algo deliberado. Teve muito sorte. Tanta sorte quanto para não morrer. Não se lembra de que nos trancaram de propósito?
— Sim, mas… Acreditei que… pensei que só fosse uma brincadeira pesada, que quem tivesse nos trancado houvesse retornado mais tarde para nos libertar. E estou segura de que a queda da pedra não foi provocada. Não vi ninguém, e é óbvio que a torre do priorado está em ruínas. Não posso acreditar que não foi um acidente!
Ele suspirou.
— Para mim, pôde ser perfeitamente uma armadilha, Laura, concebida com inteligência e a pôs em funcionamento com habilidade. Prenderam-nos e depois soltaram, e você estava tão contente de ficar livre que fez o que teriam feito nove em cada dez pessoas: sair correndo diretamente para a armadilha.
Laura tentou analisar. Lembrou que, quando estava passeando no rio, na semana anterior, teve a sensação de que alguém empurrava o bote para o meio da correnteza. Por acaso estavam tentando lhe fazer mal? E se fosse assim, por quê? Queria alguém fazer mal a Hattie? Era um pensamento intolerável. Mordeu o lábio.
— O que ocorre? — perguntou Dexter imediatamente. Havia estado observando-a, e era muito inteligente para que tivesse escapado seu gesto.
— Nada…
— Laura quando caiu no rio semana passada…
Laura o olhou fixamente. Como poderia supor?
— Me perguntei — admitiu ela — se alguém havia empurrado o bote. Tive essa sensação, mas estava cega pelo sol e não vi ninguém. É um pouco desatinado — disse, e suspirou — Creio que estou imaginando coisas. E parece que você está alimentando minha imaginação. Não há nenhum motivo pelo qual alguém possa querer me trancar na adega, a menos que seja uma brincadeira de mau gosto. E quanto à queda da pedra, foi um acidente…
Dexter soltou uma gargalhada seca.
— Não há nenhum motivo? Não falamos disso ontem à noite? Estou começando a me perguntar se não estará tentando apagar da mente sua antiga vida de delinqüente, extravagante e temerária!
— Pode ser que sim — respondeu Laura com irritação — mas você o compensa, porque se nega a deixar em paz esse assunto! — acrescentou, e suspirou — Por favor. Preciso dormir. Asseguro que não estou em perigo, e que ficarei perfeitamente a salvo quando se for.
Dexter exalou um suspiro de resignação.
— Demônios, Laura, é muito teimosa — disse, passando a mão pelo cabelo — Ao menos, me prometa que não vai a nenhum lugar perigoso, nem vai fazer nada imprudente.
— Prometo isso — disse Laura, enquanto seus olhos se fechavam sem que pudesse evitar — Duvido que vá a alguma parte durante uma temporada.
Virou a cabeça e fechou os olhos para conter a ameaça repentina das lágrimas. Ela nunca chorava; era só porque se sentia frágil e sozinha. Queria que Dexter ficasse com ela, desejava-o com todo seu coração, mas ao mesmo tempo, sabia que tinha que conseguir que partisse. Não seria nada bom permitir-se o luxo de satisfazer aqueles sentimentos, tão novos e intensos, que estava experimentando por ele.
— Obrigado por me ajudar ontem à noite, Dexter — disse ela — Sempre serei grata por isso.
— Laura, falando de ontem à noite…
— Não — disse ela rapidamente — Não aconteceu nada importante. Esqueçamos.
Depois de um instante ouviu Dexter suspirar, e também como se afastava da cama.
— Conversaremos quando se sentir mais forte. Conversaremos Laura.
Laura não respondeu. A porta se fechou atrás dele, e ela se sentiu completamente só. Entretanto, sabia que era melhor assim. Havia muitas coisas que se interpunham entre eles. Ele queria calma, estabilidade e um casamento rico, ainda que tivesse que sacrificar a paixão. Ela queria proteger Hattie, a qualquer preço, do estigma da ilegitimidade. E assim terminava tudo.









Capítulo Onze
— Laura! Como está?
Alice Lister deixou um ramo de rosas sobre o console do vestíbulo e retirou as luvas antes de dar a Laura um abraço inesperado. Depois, afastou-se um pouco e observou sua amiga com seu perspicaz olhar castanho.
— Oh, Meu Deus! Está muito pálida! Não é muito cedo para que se levante?
— Não me passa nada — disse Laura, rindo enquanto devolvia o abraço a sua amiga — Ao menos, não me acontecia nada antes que me dissesse que pareço uma bruxa!
— Eu não disse tal coisa! — protestou Alice, e franziu um pouco o cenho — Está um pouco pálida, isso é tudo, e não é de estranhar, depois do acidente que teve. Rachel me contou que se livrou de uma ferida muito pior.
Laura se perguntou o que exatamente Rachel havia dito a Alice na manhã anterior, e mais importante ainda, o que Dexter havia dito a Rachel que devia contar a quem se aproximasse para saber da duquesa. Certamente, não podia ser a verdade, que ele havia passado a noite anterior com ela. Se aquele rumor começasse a circular por Fortune's Folly, sua reputação ficaria destroçada, e ele perderia toda oportunidade de casar-se com Lydia. Encolheu os ombros ligeiramente, tentando reprimir um sentimento de aborrecimento. Sentiu uma cãibra no ombro, que a lembrou de ser mais cuidadosa.
— Tive sorte — disse, sorrindo a Alice — Caiu uma pedra da torre…
— Isso foi o que ouvi — disse Alice — Ficou inconsciente, e conseguiu chegar à casa sozinha com um esforço enorme. Que horror!
— Sozinha — repetiu lentamente Laura — Sim, sim, assim foi.
Assim era aquela a história que Dexter tinha feito circular. Com certo alívio, aproximou-se do sino e puxou com força para avisar Carrington.
— Seu primo me contou tudo — disse Alice — Lorde Vickery é um homem muito inquisitivo. Acabava de encontrar com ele na rua e quando disse que ia visitá-la para ver como estava, interrogou-me sem piedade sobre o que havia ouvido a respeito de seu acidente, e quem estava falando sobre isso, e sobre outras muitas coisas que não eram assunto dele!
— Entendo — disse Laura, e de repente, soube por que Alice tinha as bochechas tão rosadas e uma expressão tão agressiva — Sinto muito. Miles é muito protetor comigo.
— Não precisa te proteger de mim! — resmungou Alice — Eu sou sua amiga! Parece-me um homem muito…
— Muito dominante?
— Bom, não, não é isso — disse Alice — Não do todo. Não é desagradável. De fato, pode ser muito encantador, se quiser, ainda que eu não corra perigo de me deixar enrolar por ele, claro.
— Claro que não — assentiu Laura — Rachel me contou que Lady Elizabeth e você detiveram Miles quando ia cruzar a ponte está amanhã e exigiram que pagasse o portagem — acrescentou — Isso deve ter colocado a prova todo seu encanto.
Alice esboçou um sorriso de picardia.
— Sim, é certo. Incomodou-se muito. E vários dos homens mais jovens decidiram cruzar pelas pedras para evitar o pagamento do tributo, e caíram à água! Elizabeth e eu o passamos muito bem.
— Devemos pensar em outras leis medievais para atormentar os cavalheiros. O baile da semana que vem será uma estupenda oportunidade — acrescentou, e recolheu o ramo de rosas do console — São para mim? Muito obrigado, Alice. São belas.
— Sei que Hattie te trouxe lilás ontem, mas as flores frescas jamais sobram em uma casa. Acha que a senhora Carrington poderá colocá-las na água, ou vou eu à cozinha?
— Estou segura de que a senhora Carrington poderá fazê-lo. Seus arranjos sempre são muito elegantes. Creio que hoje se encontra um pouco melhor, e fez uma bolacha de frutas e maçã para o chá. Diz que é uma receita medicinal.
— Parece algo delicioso! — exclamou Alice.
Naquele momento, Carrington apareceu da cozinha, e se aproximou de Alice cambaleando para pegar seu casaco, suas luvas e seu chapéu. Quase se dobrou com o leve peso dos objetos. Pôs o buquê de flores em cima da pilha, e as flores se balançaram como uma um barquinho em um mar tormentoso.
— Trarei a bandeja do chá, Excelência — disse — E, permitiria-me lhe dizer quão contente estou de ver sua Excelência com tão bom aspecto está amanhã? — sacudiu a cabeça com horror e acrescentou — Não tinha idéia, nem a mínima idéia de que estava na adega a outra noite…
— Por favor, não se preocupe, Carrington — disse Laura. Ao vê-lo tremer tanto, teve medo de que caísse toda a pilha ao chão — E não tenha pressa com a bandeja do chá.
— Pobre Carrington — disse Alice, observando ao mordomo com preocupação enquanto se afastava cambaleando-se — Poderá arrumar-se?
— Creio que terá que trazer a bolacha separada — disse Laura, enquanto guiava Alice ao salão — mas acredito que poderá fazê-lo, e o agrada fazer essas coisas por si mesmo. É muito orgulhoso.
Molly tinha acendido o fogo no salãozinho, e com suas chamas brilhantes na lareira e o sol do outono alagando-o todo, o aposento parecia quase alegre. Alice se deixou cair, com um suspiro, em um muito velho sofá de veludo, e Laura ocupou sua poltrona de sempre contra o fogo. Era consciente de que Alice a estava escrutinando, como se não tivesse acreditado que já se encontrava bem de tudo.
— Deixa de me olhar assim! — disse com severidade — Estou perfeitamente bem.
— Se você estiver certa… — disse Alice, nada convencida — Onde está Hattie está amanhã?
— Está dormindo uma sesta — disse Laura — estivemos brincando na galeria com os brinquedos que Miles lhe trouxe de Londres. Deu-lhe um peão precioso, e uma boneca a quem ela chamou Emily, e alguns animais de madeira para que comece uma fazenda. Hattie estava tão entusiasmada que acabou esgotada.
— Lorde Vickery não me parece o tipo de homem que se interessa pelas crianças — disse Alice — Surpreende-me.
— Miles é um padrinho muito atento para Hattie — disse Laura, divertida ao comprovar o interesse que seu primo despertava em Alice, e que sua amiga não podia dissimular.
— E, entretanto, é um libertino e um caça dotes — disse Alice com aborrecimento — É muito desconsiderado por sua parte ter também virtudes que fazem impossível odiá-lo por completo!
— Se lembrar que é intrometido e inquisitivo — disse Laura ironicamente — estou certa de que não te resultará difícil.
Naquele momento, Carrington entrou no salão com a bandeja do chá e a depositou junto à Laura. Depois se retirou para ir procurar a bolacha. Toda a operação durou cinco minutos.
— Por favor, me deixe servir o chá, Carrington — disse Laura, porque o mordomo, ao levantar a bule com as mãos trêmulas, derramou parte do conteúdo sobre o tapete.
— Senhora — disse Carrington com dignidade — não poderia permiti-lo.
Laura teve que conformar-se cortando a bolacha enquanto ele servia o chá a Alice.
— É uma enfermidade terrível a que sofrem — sussurrou Alice enquanto Carrington, depois de cumprir com seu dever, retirava-se com o bule vazio. — A duquesa de Cole devia ser um monstro para tê-los deixado tão maltratados!
— É muito triste — disse Laura, assentindo — E por favor, não mencione aos Carrington que Faye e Henry estão em Fortune's Folly, Alice, ou se afundarão por completo.
— É obvio que não — disse Alice, comendo um pedaço de bolacha — Cruzei com a duquesa na praça e, é obvio, ignorou-me. Acabava de abordar o senhor Anstruther na rua para convidá-lo a uma caçada em Cole Court.
Laura sentiu outra pontada de dor ao ouvir aquilo, mas não no ombro, mas sim no coração. Aquele convite de Cole era o passo seguinte mais lógico para o cortejo de Lydia. Perguntou-se por que não o tinha pensado de antemão. Quem dera não lhe importasse tanto.
— Talvez Faye pense que se passar uma semana de matança sem sentido desperte no senhor Anstruther um ânimo mais amoroso — disse, de muito mau humor.
Alice soltou uma risada.
— Pobre Lydia. Sua mãe esteve empurrando-a para todos os cavalheiros de Fortune's Folly, não é? Não me surpreenderia que a duquesa vendesse sua filha ao melhor licitante!
— Pelo amor de Deus, nem sequer o mencione, porque certamente lhe pareceria uma estupenda idéia. Já imagino isso, um leilão público na praça do povoado!
— De todos os modos, o senhor Anstruther rejeitou o convite — disse Alice, olhando Laura de relance — Não parecia que lhe agradasse muito.
— É estranho, porque foi par de baile de Lydia várias vezes ultimamente — disse Laura, cortando com fúria a bolacha de seu prato — Acredito que logo pedirá que se case com ele, e depois não poderá atirar a culpa a ninguém mais que a si mesmo por ter pensado que valeria a pena agüentar a semelhante sogra com intento de ser rico.
— Ele não a conhece há muito tempo — disse Alice, observando pensativamente sua amiga.
— Conheceram-se há alguns anos — respondeu Laura — Além disso, um oportunista não demora muito em avaliar o valor do dote de uma herdeira, Alice, e todo o mundo sabe que o senhor Anstruther tem intenção de apanhar uma fortuna.
Alice sorriu.
— Parece que este assunto a perturbada muito, Laura.
— Absolutamente — respondeu Laura rapidamente. Por um momento, havia esquecido quão observadora era sua amiga.
— Talvez então, a duquesa o convide a passar o Natal em Cole Court — disse Alice.
— Talvez — concordou Laura.
Ao imaginar Dexter recém comprometido com Lydia, celebrando o Natal em Cole Court, Laura sentiu uma pontada de dor, porque de repente percebeu que aquilo seria o começo de sua tortura, uma tortura sem fim. Viria o casamento de Dexter e Lydia, a lua de mel, o nascimento de seu primeiro filho e o batismo, e depois a aparição de uma prole de pequenos Anstruther. Seria uma família. Ficariam unidos.
Com esforço, afastou tudo aquilo da cabeça antes que Alice pudesse notar sua infelicidade.
— Vai ao recital do balneário desta noite? — perguntou a sua amiga com a voz trêmula.
— Temo que sim — respondeu Alice com uma expressão sombria — Mamãe decidiu que ficaria bem. Agrada-lhe a música, mas eu não tenho ouvido — disse, e olhou atentamente Laura — Ficou muito pálida, Laura. Encontra-se bem?
— Perfeitamente, obrigada — respondeu Laura com um sorriso, apesar da angustia que sentia.
Nunca havia feito confidências à outra pessoa. Percebeu que nem sequer sabia fazê-lo. O que podia dizer a Alice, depois de tudo? Que havia passado a noite com o pretendente de Lydia? Que estava apaixonada por ele, embora ele pensasse que era qualquer?
Rachel bateu na porta, e Hattie entrou no salão dando gritinhos de alegria. Pegou Alice pela mão e a puxou para lhe mostrar sua nova boneca, e Laura as seguiu, sorrindo e conversando, como sempre havia feito em Cole Court, elegante, reservada, a duquesa viúva perfeita uma vez mais.






















Capítulo Doze
Dexter estava sentado em uma cadeira desconfortável na sala de concertos do balneário. Esfregou a nuca e tentou relaxar enquanto esperava que começasse o recital.
Aquela noite, a conversa na mesa de Sir Montague havia sido forçada. Todas as herdeiras que haviam recebido convite o declinaram, com a exceção inevitável de Lydia Cole. De fato, só havia três mulheres pressente: Lydia, sua mãe e Lady Elizabeth Scarlet, que havia declarado que o único motivo pelo qual jantava em companhia de seu irmão era que do contrário morreria de fome. Sir Montague estava quase incandescente de raiva pelo fato de que as damas de Fortune's Folly tivessem feito semelhante desprezo, e grunhiu durante todo o jantar.
Dexter tinha se sentado entre Lady Elizabeth e Lydia. Lady Elizabeth passou toda a noite acossando Nat Waterhouse, que parecia imune a suas brincadeiras, enquanto a senhorita Cole passou quase todo o tempo em silêncio. Respondia aos comentários amáveis de Dexter com monossílabos, e sua mãe observava como um falcão os progressos do feliz cortejo desde seu lugar, do outro lado da mesa. Havia sido horrível.
E o resto do dia não havia sido muito melhor. Dexter tinha se reunido com Miles e com Nat para falar sobre os avanços da investigação sobre o assassinato de Sir William Crosby. Na realidade, não haviam tido muito sobre o que falar. Dexter não havia tido nenhum êxito em suas averiguações no Leão Vermelho, e Nat não obteve muita informação nova de suas conversas com o policial local que havia se encarregado do caso no começo. Miles havia entrevistado o guarda-florestal e os batedores que estavam no imóvel de Sir William quando havia recebido o disparo, mas parecia que ninguém ouviu nem viu nada estranho. O único que havia chamado a atenção de Dexter era uma nota, na transcrição da visita que havia mantido Miles com a viúva de Crosby, Letícia Crosby, sobre um anel que tinha sido roubado do cadáver de seu marido.
— O relatório original do policial não o mencionava — comentou Dexter.
— Lady Crosby disse que era algo muito privado para contar a um policial — respondeu Miles com petulância — Sir William era um homem simples de Yorkshire, que tinha reputação de ministrar uma justiça severa. Ela pensou que não fosse contribuir a preservar essa imagem de seu marido se soubesse, depois de morto, que usava um anel com uma mecha do cabelo de sua esposa, e com suas iniciais gravadas. Era uma tolice sentimental, conforme dizia ele, e só o fazia para agradá-la.
Nat começou a rir.
— E como demônios conseguiu que lhe contasse isso, Miles? — perguntou. Depois fez uma pausa — Não, esqueça que lhe perguntei. Que tolo sou. Já imagino isso.
— Não era meu tipo, amigo — disse Miles — E inclusive eu tenho escrúpulos suficientes para não seduzir uma viúva recente — acrescentou, mas logo se interrompeu — Embora agora que o penso, lembram-se de Lady Compton…?
— Nos poupe disso. — disse Dexter — Então, o anel havia desaparecido quando levaram o corpo para casa?
— Exato — disse Miles — Certamente, o assassino o roubou.
— E por que iria fazer algo assim — perguntou Nat — se não levou a cigarreira de prata de Sir Crosby, nem sua caixa de rapé?
— Talvez fosse um troféu — disse Dexter — Ou talvez o levou para provar a outra pessoa que Sir William estava morto de verdade.
— Para provar a Sampson — disse Miles — se ele fosse o instigador. Se encontrarmos o anel, talvez encontremos o assassino.
— Pode ser — assentiu Dexter — Embora também possa ser que o tenha destruído, ou que o tenha dado a sua amante.
— Não acho que o tenha destruído, por vaidade — disse Nat.
É obvio Warren Sampson não usava o anel de Sir William Crosby aquela noite. Havia cumprimentado Dexter lhe estreitando a mão com firmeza e com sua habitual cordialidade, e além do enorme brilhante que usava no alfinete do lenço do pescoço, não usava mais jóias. O duque e a duquesa de Cole haviam sido muito corteses com ele e o haviam convidado a sentar-se com eles, mas Sampson havia declinado o convite e se uniu à família Wheeler.
Dexter tentou encontrar uma posição cômoda naquela cadeira desmantelada. O panorama da noite que viria resultava difícil de suportar. Uma vez mais, Lydia estava sentada ao seu lado, e Faye Cole tinha se sentado ao outro. Lydia estava calada, como sempre, observando sua bolsa com aparente encantamento. Faye estava olhando Dexter fixamente, tentando coagi-lo para que começasse outra conversa insatisfatória com sua filha.
— Lydia e eu estávamos comentando como a duquesa viúva parece doente esta noite — disse Faye, e se inclinou para frente para dirigir-se a sua filha, impedindo que Dexter pudesse ver o resto da sala — Não é o que estávamos dizendo, Lyddy? Não comentamos que Laura aparenta todos e cada um dos trinta e quatro anos que tem, e alguns mais?
— Você estava dizendo isso, mamãe — respondeu Lydia — Eu acho que está muito bem e muito bonita, como sempre.
— A duquesa viúva? — perguntou Dexter — Está aqui?
Faye se apoiou no encosto da cadeira e por fim, ele pôde ver a totalidade da sala de concertos. Laura estava do outro lado, sentada junto à Alice Lister e a Lady Elizabeth Scarlet. Usava um vestido de seda arroxeado, mas se aquilo era uma concessão ao seu status, Dexter pensou que havia fracassado espetacularmente em aparentar que era uma viúva respeitável. A seus olhos, o vestido tinha uma cor muito viva, e marcava muito bem sua silhueta esbelta, muito para ser recatado. Laura usava um xale combinando com o vestido nos ombros, preso com um broche de brilhantes entre os seios. Parecia um presente que estava esperando que o abrisse, suntuosa, provocativa e gloriosamente tentadora.
Dexter sentiu ao mesmo tempo desejo e indignação. Claramente, Laura ainda estava muito fraca para se levantar da cama, e mais ainda para assistir a um concerto. Talvez tivesse muito bom aspecto, Lydia tinha razão, mas não tinha prestado nenhuma atenção à advertência de Dexter. Tinha dito que não correria nenhum risco e que se mantivera afastada do perigo e, entretanto, havia saído acompanhada só por Alice e Elizabeth. Dexter sentiu uma fúria protetora. Esperava que ela tivesse ouvido suas palavras no dia anterior, e entretanto, ali estava, desafiante, decidida e independente, todos as características que censuraria na mulher que se converteria em sua esposa, e que entretanto, encontrava atraentes em Laura…
Seus olhos se encontraram. Laura o saudou com um muito leve assentimento, como se fosse um conhecido mais, e voltou a concentrar-se em sua conversa com Alice. Dexter fervia de frustração. Ela estava tão fria… como se sua relação sexual na adega, temerária, abrasadora e completamente escandalosa não tivesse acontecido nunca, e como se ele não tivesse passado o resto da noite em circunstâncias íntimas a seu lado.
O deixou furioso que ela mantivesse a compostura com tanta facilidade.
Faye continuava falando, embora ele já não a ouvisse.
— Nunca teve o aspecto necessário para desempenhar o papel de duquesa, a pobre criatura. As duquesas deveriam ter aprumo e estilo…
Dexter se levantou da cadeira e se dirigiu para Laura, ignorando o ofego de indignação de Faye e a curiosidade mal dissimulada do resto dos participantes do concerto.
— Podemos trocar algumas palavras, se não se importar, Excelência — disse entre dentes. Pegou-a pelo braço e fez com que se levantasse.
— Que demônios está fazendo? — inquiriu Laura em voz baixa, quando ele a afastou dos outros e estavam quase escondidos atrás do vaso de barro de uma samambaia enorme.
— Eu poderia te perguntar o mesmo — disse Dexter — Não esperava te ver aqui esta noite. Será que perdeu a cabeça? Por que tem fez algo tão perigoso?
— Vir a um recital não é algo perigoso — disse Laura com altivez.
— E agora interpreta mal minhas palavras deliberadamente! Acaba de se recuperar do acidente e já sai à rua, e sem a companhia de um empregado que possa te proteger nada mais e nada menos! É que tem que satisfazer sua ânsia destrutiva de um modo tão imprudente? Não a proibi expressamente fazer qualquer coisa que pudesse te colocar em perigo?
Laura notou que as bochechas ardiam de fúria.
— Me proibir? — repetiu ferozmente — Quem pensa que é Anstruther?
— Sou o homem com quem passou a noite há menos de dois dias. Ou será que já se esqueceu? A frieza com a qual me saudou me faz suspeitar que sim.
Laura apertou os lábios carnudos até que formaram uma linha fina.
— Acreditava que seria melhor para os dois esquecê-lo — disse ela docemente — Como recordará, sofro uma severa amnésia em tudo relacionado com esse assunto.
A ira de Dexter se intensificou até o ponto de que esqueceu todo o resto.
— Me parece que sua aparente amnésia está um pouco exagerada — disse — mas ficarei encantado de te lembrar o que ocorreu entre nós a qualquer momento e em qualquer lugar que você escolha…
— Vim lhes dizer que o concerto está a ponto de começar — disse Miles suavemente — E também que Fortune's Folly já tem pregoeiro, e não necessita que você faça mais anúncios, Dexter. Não é muito discreto iniciar uma discussão atrás de algo tão pouco substancial como uma planta em um vaso de barro.
Laura suspirou com exasperação, virou e se afastou. Dexter, que de repente lembrou onde estava, voltou a seu assento. Lydia evitou olhá-lo, e Faye Cole lhe lançou um olhar de fúria que quase não pôde dissimular com um sorriso frio. A orquestra começou o primeiro acorde e o solista começou a tocar.
O concerto tinha tão pouca assistência quanto o jantar de Sir Montague. A maioria das damas de Fortune's Folly estavam ausentes, e o estranho resultado foi que quase três quartos do público eram cavalheiros. A metade deles se foram no intervalo, quando perceberam que suas presas não haviam ido ao concerto, e se encaminharam à estalagem de Morris Clown afogar suas dores no álcool. Ao fim só ficaram Dexter, Miles, Lydia Cole e sua mãe, Laura, Alice, Lady Elizabeth e meia dúzia de pessoas mais no salão de recitais.
A soprano alemã que haviam contratado para a noite cantava com uma estridência cada vez maior, e seu público diminuiu. Ao final só houve um escasso aplauso.
— Um conselho, amigo — disse Miles laconicamente, quando Dexter e ele se dispuseram a sair — Tente se concentrar no objetivo principal — sugeriu. Dexter o olhou com desconcerto, assim Miles continuou — A senhorita Cole Dexter. Ficou olhando Laura toda a noite, em vez de olhar sua prima política.
Dexter passou a mão pela testa.
— Preciso falar com Sua Excelência outra vez.
— Aconselho que não o faça — disse Miles — Sei que há algo entre vocês, mas não pode chegar a nada. Ela não tem dinheiro, e, além disso, não acredito que seja o tipo de mulher que cumpre seus requisitos. É muito independente.
Miles assinalou Lydia com a cabeça.
— Poderia ser pior, sabe? — disse a Dexter — A mãe é horripilante, eu sei, mas a senhorita Cole é uma moça calada, dócil. Justo o que você quer. E sua fortuna é mais que respeitável.
— Sei disso — disse Dexter — Mas não acho que possa pedir à senhorita Cole que se case comigo.
— Isto é um negócio, Dexter — disse Miles, em um tom cada vez mais duro — Tente-o. Não pode se permitir hesitações de nenhum tipo. Corteje sua herdeira com um pouco de paixão. Neste momento, sua atuação dá pena. Representa o papel de pretendente fogoso, e o faça de maneira convincente. Algumas vezes, todo tem que nos sacrificar por conseguir um bem maior.
— O que acaba de dizer? — inquiriu Dexter.
Miles havia dado alguns passos para a porta, mas naquele momento se virou para Dexter com um olhar de perplexidade.
—Disse que todo tem que fazer sacrifícios para conseguir um bem maior. Pensa em sua família, Dexter…
— Não, antes disso. Disse "representa o papel e faça de maneira convincente".
Miles encolheu de ombros, desconcertado.
— Faça com que o cortejo seja mais doce, ainda que não tenha o coração nisso. Sei que parece cínico, mas é o melhor, ao menos até que o nó seja feito e seja muito tarde.
Depois de um instante, ao ver que Dexter não respondia, Miles franziu o cenho.
— Encontra-se bem?
— Perfeitamente, obrigado — disse Dexter, embora tivesse a sensação de que acabavam de lhe dar um golpe na cabeça com um pau — Não me espere. Voltarei diretamente para casa.
Miles assentiu e saiu do salão de concertos, ainda perplexo. Dexter viu que se detinha no vestíbulo para falar com Laura e Alice. Viu que Laura inclinava a cabeça para cima para que Miles lhe desse um beijo na bochecha, e a luz iluminou a curva de sua bochecha e arrancou brilhos de seu cabelo castanho. Depois, ela também partiu. O som das vozes sossegou e Dexter ficou sozinho, enquanto os músicos recolhiam seus instrumentos e as partituras, e os serventes começavam a apagar as velas.
"Representa o papel… e o faça de maneira convincente".
Miles havia dito aquelas palavras, e Dexter tinha lembrado imediatamente o sussurro de Laura enquanto ele a levava nos braços a sua cama pelas escadas.
"Tive que te obrigar para que fosse".
Não havia sido uma tolice fruto do álcool nem da febre. Lembrou aquele momento, na adega, em que teve Laura entre os braços, suave e doce, lhe revelando em meio de uma leve embriaguez que o havia desejado aquela noite em Cole, mas que o que havia feito era errado em muitos sentidos.
Dexter sentiu frio nos ossos.
Pensou em Laura Cole que tinha o respeito de todos os que a conheciam, que sempre tentava salvar a pessoas como os Carrington. Pensou em quatro anos atrás, quando Laura havia feito amor com ele de uma maneira terna e apaixonada, e tinha sussurrado expressões de carinho durante a noite. Aquela não era a mesma mulher que o tinha mandado embora de sua casa à manhã seguinte com palavras frias e duras. Durante aqueles quatro anos, seu aborrecimento não havia permitido ver a verdade. Entretanto, naquele momento já sabia.
Aquela noite haviam se abandonado às emoções, mas pela manhã, Laura tinha pensado que havia feito algo horrível e que o único modo de arrumar as coisas era afastá-lo. Não queria lhe destroçar a vida, a carreira nem o futuro de sua família. Havia fingido que não se importava que aquela noite não tinha sido mais que um jogo para ela. Dexter sentiu seu o estômago se encolher.
Sabia que tinha razão. Seu instinto dizia. Aquela era a mesma Laura Cole que mantinha empregados que não podiam trabalhar para salvá-los da pobreza, que tentava ajudar às mulheres de Fortune's Folly a escapar do Tributo das Damas, cujo primo falava com admiração das causas que ela empreendia.
Quatro anos antes, ela quis salvá-lo. Era o que fazia sempre. Só seguia os ditados de seu caráter, de sua personalidade. Laura tentava ajudar às pessoas. Havia partido seu coração e o tinha afastado de si porque era o que tinha que fazer e talvez, só talvez, também houvesse partido seu próprio coração.
"Tive que te obrigar para que fosse".
— Desculpe senhor. A sala de reunião vai fechar — disse um empregado. Dexter percebeu que a sala de concertos estava quase às escuras.
— Obrigado.
Saiu à rua. O vento soprava entre as árvores e arrastava as folhas secas pela praça. As luzes da estalagem de Morris Clown brilhavam na escuridão. Ficou no meio da praça do mercado, com a roupa agitada pela brisa, enquanto os últimos passantes o olhavam com curiosidade e seguiam seu caminho apressadamente.
Tentou se convencer de que as coisas não haviam mudado. Devia deixar escondido o passado. Não devia ir em busca de Laura para exigir que lhe dissesse a verdade. O que ia ganhar com isso?
O único que deveria fazer era se sentir grato com Laura, porque ela havia percebido que ele era muito jovem e inexperiente para ver, naquele momento, que fugir com ela teria sido a ruína para os dois. Teria destroçado por amor sua carreira profissional, seu futuro e as esperanças de sua família, e aquilo não se correspondia com o modo ordenado em que queria dirigir sua vida. Deveria lhe agradecer por ter impedido que ele cometesse o maior engano de sua vida, e deixar o assunto resolvido.
Mas o fato de saber que Laura havia terminado sua aventura com ele porque se importava, e não porque ela fosse uma desavergonhada sem coração, mudava todas as coisas.










Capítulo Treze
— Excelência, tem uma visita — disse Carrington com a voz trêmula — Sinto muito lhe dizer, Excelência, que se trata do duque de Cole.
Durante um horrível instante, Laura pensou que Carrington estava se referindo a Charles e que havia perdido as faculdades por completo. Então, percebeu que a porta da biblioteca estava aberta, e viu Henry ante o fogo, com as mãos atrás das costas e o peito para fora com importância, como se tratasse de um pombo com as plumas cavadas. Não era de estranhar que Carrington estivesse tão assustado. O mordomo não sabia que o novo duque e sua esposa estavam em Fortune's Folly. O fato de ver seu antigo senhor deveria lhe haver lembrado as exigências desumanas de Faye e sua própria decadência física.
— Obrigado, Carrington — disse Laura.
— Espero senhora — disse Carrington com muita formalidade — que a senhora Carrington e eu a tenhamos servido sempre até o limite de nossa capacidade.
— É obvio que sim — disse ela com total sinceridade.
— E espero que não haja nenhuma possibilidade de que retornemos a Cole Court.
— Pois claro que não, Carrington — disse Laura com firmeza.
— Obrigado, senhora — respondeu Carrington com alívio — Sabemos que não pode se permitir nos manter…
— Carrington — interrompeu Laura, em tom amável — por que não vai com a senhora Carrington à cozinha, a desfrutar de uma boa xícara de chá com essa deliciosa bolacha de maçã? Não tem por que se preocupar com nada.
Sacudindo a cabeça, ela o viu afastar-se se cambaleando para a escada de serviço e percorreu o corredor para averiguar o que podia querer dela o duque de Cole.
— Henry — disse Laura quando entrou na biblioteca e fechou a porta — Que prazer mais inesperado. Não o acompanharam Faye e Lydia?
Henry tinha uma expressão ligeiramente furtiva.
— Não, não vieram. Estão no balneário. Parece que Faye gosta muito das águas de Fortune's Folly.
Ou a companhia dos cavalheiros que estavam à caça de uma herdeira, pensou Laura com dureza. Ao ver que Henry estava incômodo, percebeu que sua esposa não sabia que havia ido visitá-la. Sentiu curiosidade.
— Tem uma bela vista daqui — disse Henry, enquanto se aproximava da janela e olhava para o jardim, e mais à frente, para os prados e a curva do rio — Satisfaz-me comprovar que o Velho Palácio é a residência adequada para a duquesa viúva de Cole. Não seria de acordo com a dignidade da família que vivesse em um lugar pobre.
— Para mim é muito conveniente — disse Laura.
— Bem, bem — murmurou Henry, e deu uma volta pela sala — Suponho que está um pouco velho, mas pode se arrumar as instalações e renovar os móveis e as tapeçarias, e tudo ficaria muito bem.
Laura arqueou as sobrancelhas. Estava segura de que Henry não havia ido para falar sobre as reformas de sua casa.
— Há um tempo estive pensando — disse Henry bruscamente — que é um escândalo que Charles a deixasse tão necessitada. Sinto muito te dizer, prima Laura, que a pessoas do povoado falam, sabe?
— As pessoas falam sobre mim?
— Pois sim — respondeu Henry — Dizem que é muito pobre para poder se casar por causa do Tributo das Damas, prima Laura. Os cavalheiros não a consideram uma candidata adequada.
— Graças a Deus — disse Laura com alívio.
Henry avermelhou de desaprovação.
— Não a entendo, prima. Uma Cole não pode ser considerada inadequada, nem sequer uma Cole que só leve o sobrenome por casamento. É muito indecoroso!
Laura franziu o cenho.
— Perdoa minha falta, primo Henry, mas, está me dizendo que seria melhor que eu fosse uma viúva rica, presa de aventureiros sem escrúpulos?
— Exato! — exclamou Henry com um sorriso de satisfação — Com sua distinção social, deveria ser a melhor candidata de toda Fortune's Folly, não uma viúva pobre que tem que lutar por alimentar sua filha. Sempre pensei que Charles era um indivíduo incapaz, e isto o confirma.
— Sim, bom… — Laura esfregou a testa.
Supunha que, com o esnobismo de Henry e Faye, o que Henry estava dizendo tinha sentido. Parecia que era ruim para a família e o ducado que as pessoas falassem em tom desdenhoso de sua pobreza. Não se importava absolutamente enquanto pudesse manter-se, manter Hattie e manter as pessoas que dependia dela, mas era óbvio que a Henry sim importava.
— Por favor, não deixe que isto te angustie, nem a Faye tampouco — disse — Eu me dou bem com a renda vitalícia que meu avô me deixou. Por outra parte, meu irmão Burlington me ofereceu que fosse a viver com ele, mas já conhece meu caráter tristemente independente, primo Henry. Eu prefiro viver aqui.
— Burlington só é conde — disse Henry — Você depende do ducado de Cole, prima Laura, e por esse motivo, cheguei à conclusão, ainda que com reticência, de que é minha responsabilidade compensar as más disposições de Charles. Terá sua atribuição de viuvez.
— Estou certa de que deve ter custado muito tomar essa decisão — disse Laura com ironia. O acordo que haviam assinado inicialmente o pai de Laura e Charles Cole estipulava que ela teria dez mil libras anuais para toda a vida. Entretanto, não podia acreditar que Henry, a quem alguns chamariam parcimonioso e outros miserável, diretamente, o restituíra.
— Querido Henry — disse — É muito generoso, mas rogo que pense bem. Sei que o ducado de Cole demorará anos em recuperar dos esbanjamentos de Charles, e não me ocorreria aceitar dinheiro que serviria melhor para restaurar o solar.
Henry assentiu solenemente.
— Tem razão, é obvio. Charles esgotou a fortuna dos Cole vergonhosamente, mas o ducado está se recuperando, e me alegro de poder dizer que minhas próprias terras sempre estiveram em uma situação muito melhor. Falei com seu irmão e combinamos…
— Falou com Burlington? — perguntou Laura bruscamente.
— É obvio — respondeu Henry com cara de assombro — Isto é um assunto de homens, prima Laura. Só estou contando por cortesia o que decidimos. Falei com Burlington e combinamos que ele dará cinco mil libras à atribuição e eu contribuirei outras cinco mil. Assim, a honra ficará satisfeita. Laura imaginou com facilidade seu pomposo irmão e a seu primo político, igualmente pomposo, sentados juntos, planejando seu futuro. Basil já havia deixado claro seu desgosto pelo fato de que ela não quisesse ir viver em Burlington. Certamente, veria aquela colaboração com Henry como um modo perfeito para controlar sua irmã dissidente, porque uma vez que a tivessem presa pela manga, os dois poderiam lhe dizer o que tinha que fazer. Nenhum deles havia considerado que fosse necessário consultá-la. E lá estava Henry, lhe apresentando o que pensava que fosse a solução a todas suas dificuldades e olhando-a como se esperasse que o abraçasse pelo pescoço com uma gratidão servil.
Laura lutou com seus sentimentos. Por um lado, ter dez mil libras ao ano seria maravilhoso para ela e para Hattie. Poderiam empregar um jardineiro que ajudaria Bart a cuidar do imóvel e a horta da qual dependia a casa. Poderia arrumar as janelas e as goteiras antes do verão, e poderia comprar roupa nova para Hattie, sem depender da generosidade dos Falconer e de Miles, e de outros amigos. Entretanto, a outra face da moeda era a idéia intolerável de que Henry e Basil sempre interferissem em seus assuntos e lhe dissessem como tinha que gastar o dinheiro e como tinha que viver sua vida…
— Sinto-me afligida, primo Henry — disse com sinceridade.
— É obvio! É lógico que se sinta superada por nossa magnanimidade! — exclamou Henry, assentindo.
— Suponho — continuou Laura — que os termos do acordo seriam os mesmos de antes, quer dizer, que se eu voltasse a me casar, a atribuição se suspenderia.
De novo, Henry se mostrou incômodo, e Laura se perguntou o que estaria tramando exatamente.
— Burlington e eu combinamos — disse — que se casar de novo, te concederia a soma de vinte mil libras no lugar de sua atribuição.
Laura ficou a ponto de engasgar-se.
— Mas… isso é muito irregular! Não há nenhuma estipulação assim no acordo…
— Por favor, não se preocupe, prima Laura — disse Henry com um sorriso de superioridade — Sei que os assuntos de finanças não são para a mente feminina, assim deixa que seu irmão e eu arrumemos tudo. Combinamos que seria muito mesquinho te deixar sem um peni. Portanto, proporcionaremos a você um dote.
— Mas, e O Tributo da Dama? — disse Laura — Com sua generosidade, estão me convertendo em objetivo de todos os caça dotes que invadiram o povoado…
Naquele momento, Laura ficou calada, porque acabava de compreender qual era o verdadeiro objetivo de Henry Cole e de seu irmão. Tinha se equivocado ao pensar em que queriam dizer como tinha que viver sua vida. O que queriam na realidade era livrar-se dela.
— Querem que me case! — exclamou — Basil e você querem que me converta em um bom partido!
Henry agarrou as mãos nas costas e se balançou para trás sobre os calcanhares. Não parecia se incomodar muito com a descoberta de seus planos.
— Uma mulher, sozinha e desprotegida no mundo, sempre é uma carga para sua família — disse — Dado que não queira aceitar a hospitalidade de seu irmão, pensamos que seria melhor que tivesse o controle e a guia de um marido…
— Sempre e quando vocês aprovem esse marido — disse Laura, que ficava cada vez mais furiosa.
— Naturalmente — disse Henry, surpreso — Estou seguro de que é consciente de que, a sua idade e com seu aspecto, suas possibilidades de se casar são muito poucas.
— Entretanto, com o dote como suborno e um montão de aventureiros pobres por aqui — disse Laura — certamente isso me serviria para capturar alguém medianamente aceitável!
— Precisamente! Alguns dos cavalheiros que vieram a Fortune's Folly não valem para nada, mas alguns são respeitáveis. Poderia ter em conta lorde Chesterton ou Sir Laurence Digby, por exemplo.
— Para rejeitá-los de plano — disse Laura — Sir Laurence já enterrou quatro esposas, e não tenho vontade de ser a quinta, e há um bom motivo pelo qual lorde Chesterton não se casou ainda: possui vários hábitos desagradáveis.
— Mas no matrimônio terá que saber fazer vista grossa com muitas coisas — disse Henry virtuosamente — Certamente, depois de ter estado casada com Charles, entende-o bem.
— Depois de ter estado casada com Charles, não tenho vontade de suportar os hábitos desagradáveis de nenhum outro — respondeu Laura. Depois perguntou — Me diga uma coisa, o que opina Faye dos planos que tem para mim?
Havia tocado um ponto sensível. Henry pigarreou várias vezes.
— Isto não tem nada que ver com minha esposa — disse depois de um momento — Ela só tem que se preocupar em estabelecer Lydia.
— Através do casamento, suponho. Então, certamente precisará manter sua fortuna intacta para o dote de Lydia. Não pode me financiar também, por muito generoso que seja.
Entretanto, Henry não se deixou convencer.
— Parece que quando Lydia e você já não estejam em nossas mãos, poderemos nos felicitar por ter feito um bom trabalho.
— Agradeço que se preocupe tanto por meu bem-estar, primo Henry, mas devo rejeitar sua oferta. De fato, posso dizer com sinceridade que me afligi.
— Não pode rejeitar o dinheiro — disse Henry com alegria — Já escrevemos a Churchward para que redija os documentos. Minha querida Laura, o único que pode fazer é aceitar seu destino — acrescentou, e fez uma reverência — Sairei sozinho, já que esse idiota do Carrington é um incompetente. Espero que, quando receber o dinheiro, o primeiro que faça seja contratar um bom mordomo — disse, e assentiu pensativamente — De fato, acho que me ocuparei pessoalmente desse assunto.
— Não, não vai fazer isso — disse Laura cheia de raiva — Estou satisfeita com os serviços dos senhores Carrington, Henry, e te rogo que não interfira no manejo de minha casa. Insisto em rejeitar seu dinheiro.
Henry se limitou a agitar a mão desdenhosamente.
— Veremo-nos esta noite no Baile da Travessura, prima Laura, onde certamente será tratada com a atenção que merece, como uma das melhores candidatas a casamento de Fortune's Folly!
Enquanto Henry saía da biblioteca, Laura teve a tentação de pegar uma das peças de porcelana de sua avó e lançar-lhe à cabeça para desafogar-se. Em vez de fazê-lo, serviu-se uma grande taça de vinho. Ao menos, havia uma coisa que Henry não sabia. Não teria a menor oportunidade de reconhecê-la no baile aquela noite, nem de reconhecer nenhuma outra das herdeiras. Embora a notícia de sua repentina riqueza se estendesse como a pólvora, nenhum cavalheiro poderia reconhecê-la entre a multidão.
Ainda que aquilo não resolvesse o problema do dinheiro. Afundou-se na poltrona e tomou um bom gole de vinho. Teria que ir perguntar a senhor Churchward o que podia fazer para ajudá-la, porque não tinha a mínima intenção de tolerar as tentativas de Basil e de Henry para se desfazer dela subornando alguém. No momento, entretanto, não podia fazer nada. O duque de Cole, contra sua vontade, a havia convertido em uma das mulheres mais ricas de Fortune's Folly. Perguntou-se quanto tempo passaria antes que todo o povoado soubesse da notícia.





















Capítulo Quatorze
— Há um problema — disse Miles Vickery.
— Outro? — perguntou Dexter com tensão. Havia chegado tarde ao baile de Sir Montague Fortune aquela noite, o pretendente morno, arrastando os pés, depois de outro dia de investigação infrutífera sobre o caso Crosby, naquela ocasião visitando o cenário do assassinato. Sir William, conforme havia declarado seu guarda-florestal, tinha se afastado para atender suas necessidades naturais enquanto caçavam, e por isso não havia testemunhas do crime. Dexter havia examinado minuciosamente o lugar onde tinha sido encontrado o corpo, mas não havia descoberto mais pistas. Só o anel desaparecido podia vincular o assassino com sua vítima.
Para aumentar a frustração de Dexter, Laura Cole e Elizabeth Scarlet o haviam detido de caminho ao povoado e exigido o pagamento do pedágio. Enquanto lhes entregava seus últimos penis, Dexter se perguntou por que demônios havia sugerido que cobrassem aquele imposto. Por estúpida arrogância, supôs tal e como havia afirmado Laura.
Havia visto Lydia Cole absorta em uma conversa furtiva com um cavalheiro na praça do povoado enquanto entrava na estalagem de Morris Clown. Tanto Lydia como seu pretendente, se por acaso aquele cavalheiro o fosse, haviam desaparecido ao vê-lo. Dexter se perguntou se Faye Cole imaginava que sua filha se encontrava com um homem em segredo. Ainda continuava pondo Lydia diante dele em todas as oportunidades possíveis, porque aparentemente, não tinha percebido que nem Dexter nem Lydia desejavam. Sua aproximação havia sido inútil desde o começo, um cortejo frio que havia se tornado gelado. Entretanto, Faye era a única pessoa que não percebia. Inclusive Sir Wheeler tinha notado que Dexter quase não falava com Lydia, e em uma conversa havia deixado cair, com a sutilidade de uma marreta, que sua filha Mary teria um dote de trinta mil libras.
Talvez Dexter quisesse aquelas trinta mil libras, mas não queria Mary Wheeler, embora fosse o tipo de esposa que não alteraria absolutamente sua vida.
Dexter sonhava com Laura. Sofria por ela. Havia tentando se convencer de que não era nada mais que um impulso físico que terminaria por desaparecer, mas não podia. Não sabia como podia deixar de desejá-la. Parecia que o fato de saber que ela havia terminado sua relação porque se importava, e não porque não se importasse nada, tinha mudado todos seus planos. Queria saber a verdade completa. Estava obcecado.
Olhou para a multidão de damas que abarrotavam o salão de Fortune Hall. Ao menos por aquela noite haviam decidido suspender as hostilidades, e todas as herdeiras do povoado, porque o evento havia se reduzido só para aquelas mulheres, haviam aceitado o convite de Sir Montague. Com seus dominós de seda, formavam um mar glorioso de cores. Deveria ter sido um ambiente muito vantajoso para os caçadores de fortuna sem escrúpulos; mas como havia dito Miles, havia um problema, e Dexter viu imediatamente qual era.
Sir Montague havia decretado que o baile devia ser a fantasia, e por isso, todos os convidados levavam máscara. Não havia forma de identificar às damas, e muito menos de saber se eram herdeiras ou não.
Dexter soltou um grunhido.
— Deveria ter imaginado que Monty estragaria tudo — disse — por que decidiu que fosse um baile de máscaras?
— Gostava do título de Fantasia da Travessura — disse Miles, sorrindo — Mas por desgraça, não pensou nas conseqüências — franziu o cenho enquanto passava o olhar pela multidão — E há mais. Não acreditava que teria tantas mulheres em Fortune's Folly, e menos herdeiras. Não me parece possível.
— Não o é — disse Dexter com uma expressão sombria.
Miles ficou olhando-o com pasmo.
— Então, quem são todas estas mulheres? De onde saíram?
— Não sei — disse Dexter — Vizinhas, amigas… todas elas convidadas das damas, para nos confundir, suspeito, e como vão disfarçadas, é impossível distinguir às herdeiras de verdade das intrusas.
— Bom, que me crucifiquem — disse Miles — E como vamos encontrar uma esposa rica entre tantos chamarizes? Isto não é jogo limpo.
— Sim o é, se quiser vencer Sir Montague em seu próprio campo — disse Dexter, e suspirou — É muito inteligente. Eu esperava que não viesse ninguém esta noite, mas em vez disso, há tantas mulheres mascaradas que não podemos distinguir. Imagino que sua prima tem algo a ver com isto, Miles. Tem todas as características de uma de suas idéias.
Olhou a seu redor em busca de Laura. Não sabia se estava ali ou não, ainda que Miles houvesse mencionado aquele dia que talvez participasse. Com um só olhar percebeu que havia ao menos uma dúzia de mulheres da mesma altura e com a mesma cor de pele que Laura. Em teoria, não ia poder distingui-la. Entretanto, havia algo em seu sangue, um comichão de impaciência, que lhe deu a entender que ela estava presente e que ia encontrá-la entre tanta pessoas.
"A reconheceria inclusive na escuridão…"
Sir Montague chegou naquele instante. Estava congestionado de raiva e, por trás da máscara, parecia que os olhos iam sair das orbitas de aborrecimento e frustração.
— Dexter, faça algo! — rogou — Eu não convidei tantas mulheres a minha casa! Estive tentando encontrar uma herdeira de verdade, mas cada vez que tento falar com uma mulher, me diz que vale cinquenta mil libras! — parecia que iria explodir de fúria — Não há comida suficiente para tantos convidados, e tive que pedir mais à cozinha. Não permitirei que digam que não se come bem em minha casa! Mas vão terminar com tudo o que há na despensa, como essas malditas ovelhas com o jardim!
Dexter começou a rir.
— Aceite, Monty. Voltaram a ganhar.
Monty arregalou os olhos.
— Exigirei que retirem as máscaras! As enviarei para casa!
— Se fizer isso, parecerá mais tolo ainda… — Dexter se deteve e começou de novo — Isso seria muito pouco elegante, Monty. Todos falariam mais de ti do que falam agora, e não falariam bem.
— Malditas sejam! — Sir Montague estava quase chorando — O único eu queria era seu dinheiro!
— Pois já deve saber que não querem lhe dar isso — Dexter disse e sorriu — Me desculpe Monty. Tenho que ir procurar alguém.
Enfiou-se no meio da multidão. Lá onde olhava, via oportunistas tentando desesperadamente identificar às damas mascaradas. A sua vez, parecia que as damas estavam muito dispostas a flertar, mas nada dispostas a identificar-se. Viu Nat Waterhouse, lânguido com um dominó negro, inclinado em um canto, falando com uma dama que podia ser, ou não, Lady Elizabeth Scarlet. À dama em questão tinha cachos de cabelo avermelhado saindo por debaixo do capuz, mas o mesmo acontecia a outras três senhoritas que havia perto dali. Ela estava olhando recatadamente Nat por trás de sua máscara, com uma atitude muito pouco parecida com as maneiras francas de Lady Elizabeth. Nat tinha cara de estar totalmente desconcertado.
Uma dama com um dominó verde se aproximou de Dexter e, atrevidamente, solicitou sua mão para o conjunto de dança que estava se formando. Ele a rejeitou com amabilidade. No salão de baile fazia calor, e o ambiente estava passando de cortesmente convencional aos flertes claros e febris. As mascaradas tinham algo de desinibido, algo de abandono. Vários casais estavam se afastando para continuar suas conversas em cantos escondidos. Miles estava dançando com Alice Lister, e ainda que mantinha uma distância perfeitamente decorosa, em seus olhos e em seu sorriso havia algo que não era decoroso absolutamente. Dexter esperava que a senhorita Lister conhecesse a reputação de libertino de Miles e o tratasse como merecia.
Dexter viu Lydia Cole, que usava um dominó rosa e estava dançando com um homem a quem ele não reconheceu, enquanto Faye os olhava com cara desgraçada. Por uma vez, Lydia parecia feliz. Tinha os olhos meio fechados e um sorriso sonhador, e fazia caso omisso da desaprovação da duquesa.
Um instante depois viu também Sir James Wheeler, empurrando literalmente sua filha Mary para os braços de lorde Armitage, que a levou triunfalmente para dançar. Dexter pensou com ironia que suas oportunidades de casar-se com uma mulher de fortuna estavam diminuindo segundo a segundo. Provavelmente, lorde Liverpool lavaria as mãos com respeito a ele. Os credores de sua mãe estariam pedindo sangue.
Sir Montague Fortune passou a seu lado, correndo, açoitado por duas mulheres que riam e que pareciam suspeitamente um par de damas de vida fácil. Sir Monty não estava se queixando, na realidade. Parecia que seu estado de ânimo havia melhorado muito.
Dexter continuou procurando Laura entre a multidão.
Quando o número de pessoas diminuiu um pouco, a um extremo do salão, viu diante de si uma mulher que usava um dominó azul escuro. Estava de costas para ele. Dexter notou que seu coração se acelerava. Ela se virou lentamente. Sob seu capuz, ele viu um cacho de cabelo castanho antes que ela o guardasse com uma mão enluvada. Seus olhos, ocultos por uma máscara azul safira, pareciam profundos e misteriosos. Laura. Tinha que ser ela.
— Senhora… — disse ele, e a alcançou de um só passo.
— Senhor?
A dama se virou para ele. Seus lábios se curvaram em um sorriso tentador, mas que ao mesmo tempo, não prometia nada a aquele caça dotes. Avaliou-o de pés a cabeça com um olhar frio.
— Concede-me esta dança? — Dexter quis pegar sua mão para dirigi-la à área de dança, onde estavam começando uma polonesa.
Ela se afastou dele, esquiva, como sempre.
— Obrigado, mas esta noite não danço — disse, e seu tom, frio como o gelo, causou calafrios em Dexter. Falava tão baixo que ele não pôde reconhecer sua voz com total segurança. Ela manteve o capuz rodeando seu rosto.
— Então, se não dança, o que faz aqui? — perguntou ele — Sente paixão pelas mesas de jogo? — disse, e a olhou de esguelha — Gostaria de me desafiar?
De novo, ela esboçou seu sorriso leve e misterioso.
— Não às cartas. O desafiaria a uma batalha de inteligência. Mas eu não aposto, senhor, e suspeito que você tampouco — disse, e o olhou com a cabeça inclinada, pensativamente — Não me parece que seja um jogador, nem tampouco um homem que cometa excessos.
— Está sugerindo que não tenho vícios? — perguntou Dexter.
Ela riu.
— Claro que não. Quem de nós pode garantir isso? Você não, senhor, por sua expressão.
— O que quer dizer?
— Que é um caça dotes muito bonito em busca de uma esposa rica? — disse ela com um sorriso zombeteiro — Que vergonha! Isso é um grande vício.
Dexter riu também, com arrependimento.
— Você é rica? Estou seguro de que nos daríamos muito bem, já que parece que não posso enganá-la.
— Pode ser que seja uma herdeira. Quem poderia adivinhá-lo, entre tantas pessoas? Mas se o fosse, estaria esperando um bonito cortejo em troca de meu dinheiro.
— Mas pensaria que não é mais que uma atuação, e que meus elogios são hipócritas — observou Dexter — porque já adivinhou que estou procurando uma fortuna.
— Isso é certo. Se paquerasse comigo, eu saberia que tudo o que quer na realidade é percorrer o caminho para o altar com meu dinheiro.
— Isso não seria tudo o que eu iria querer — disse Dexter.
Naquela oportunidade, a pegou pela mão, e ela permitiu. O contato com ela acendeu seu sangue tanto quanto a conversa engenhosa que estavam mantendo. Era tentadora e sedutora.
— Desfrutaria cortejando-a — disse — e me asseguraria de que você também desfrutasse.
Ela abriu muito os olhos, com um olhar de diversão.
— É muito direto, e perigoso também. Uma dama com menos experiência talvez se sentisse tentada a acreditar, enquanto que eu sei que, depois de ter afirmado que não tinha intenção de paquerar comigo, isso é precisamente o que está fazendo.
Dexter pegou duas taças de vinho da bandeja que levava um empregado e guiou à dama por volta de uma alcova, onde havia um sofá com almofadas debaixo de uma janela. Estava iluminado com um grande candelabro, disposto na parede. Ela se sentou a um extremo do sofá, mantendo uma escrupulosa distância dele. Quando Dexter lhe entregou a taça de vinho, ela arqueou as sobrancelhas.
— Então, a bebida está entre seus vícios? Não teria imaginado.
— Estou começando a tomar gosto — disse Dexter — Conhecemo-nos, senhora? Tenho uma assombrosa sensação de familiaridade com você, como se já tivéssemos chocado espadas ao menos uma vez.
Na bochecha da dama apareceu uma covinha. Dexter a observou com fascinação.
— Como vou saber se já nos conhecermos? — murmurou ela — Um caça dotes pode ser… — fez uma pausa — Tão decepcionante e parecido com outros…
Dexter se encolheu ao receber aquele golpe.
— É dura, senhora. Será que não vê nada aqui, esta noite, que a agrade?
Ela sorriu.
— Oh, há algumas coisas aqui que me agradam, sim — disse, e olhou para o salão, cheio de bailarinos com trajes de cores — Há muitos homens com dominós negros. Que interessante. Talvez pensem que as cores claras são muito femininas para eles.
— Sir Montague usa um traje vermelho — comentou Dexter.
A dama começou a rir.
— E pensar que todos sabemos o que quer dizer com um dominó vermelho! — disse, sacudindo a cabeça — Admito que também é muito divertido ver os caça dotes tentando averiguar que damas são herdeiras e que damas não o são. O fato de ver Montague fazendo a corte a um par de atrizes pensando que são duas debutantes ricas… — voltou a rir. Bom, provavelmente termine pagando por seus favores, em vez de conseguir uma fortuna!
— Sim — disse Dexter — foi muito inteligente. Seu plano?
— Talvez — disse a dama, e inclinou a cabeça levemente — O fato, senhor, é que os cavalheiros de Fortune's Folly pensam que todas as damas são presas fáceis. Sempre e quando elas tenham dinheiro, não importa nenhuma outra coisa. Bom, não é certo. Importa que seja bonita, também. Não é algo imprescindível, se for rica, mas é desejável. É como se estivessem adquirindo um cavalo. O aspecto, o pedigree, o valor… — a dama encolheu os ombros — Às mulheres de Fortune's Folly não gostam que as tratem como gado.
— Acredito que as mulheres de Fortune's Folly deixaram bem claro sua desaprovação — disse Dexter.
— Não o suficientemente claro para esse idiota do Sir Montague — respondeu ela, e suspirou quando Monty Fortune passava por eles, açoitado pelas duas atrizes, que emitiam gritinhos de júbilo — Oh veja, deveria haver imaginado que ele passaria bem de todos os modos! Que frustrante!
— Nem todo mundo procura uma fortuna por avareza e mesquinharia — disse Dexter — Talvez não deveriam julgar todos os cavalheiros pelo exemplo de Sir Montague.
Ela o olhou, e o sorriso se apagou de seus lábios.
— Talvez não. Quais são suas razões, senhor?
— Eu estou em busca de uma fortuna porque minha família é pobre — disse Dexter lentamente. Era muito importante para ele contar a verdade de sua situação — Sou o mais velho de sete irmãos e irmãs, que necessitam uma educação e uma ajuda para entrar na sociedade. Tenho uma mãe viúva que não entende o significado da palavra economizar. Tinha um pai instável, esbanjador, o pior exemplo de homem que eu poderia ter seguido — explicou com um suspiro — Sinto que tenho a obrigação de mantê-los e de cuidá-los. Além disso, meu chefe exigiu que me casasse para assegurar-se de minha honestidade. Os credores de minha família me exigem isso porque estamos completamente hipotecados e temos dívidas de vários milhares de libras — disse, e encolheu os ombros com impotência — Aí estão minhas razões.
Ela escrutinou seu rosto como se quisesse avaliar sua sinceridade.
— Então, é uma pena que se sinta tão mal em capturar uma esposa rica — disse, e voltou a sorrir — Observei você. Alguns homens o vem como um desafio e se divertem com isso, mas você… não acredito que o esteja bem. Não coloca o coração nisso.
— Odeio isso — disse Dexter com uma veemência pouco habitual, e viu a surpresa refletida nos olhos da dama — Ofende meu sentido de honra, ainda que reconheça que seja necessário.
— Ofende seu sentido da honra pedir a mão de uma dama sem amor?
— Eu gostaria de pedir a mão de uma dama, ao menos, com respeito mútuo.
Ela tomou um sorvo de sua taça de vinho enquanto refletia.
— O respeito é uma aspiração digna — disse — e pode crescer, com o tempo. Mas, sem amor, o matrimônio é algo muito frio. Acredite, eu sei.
— E o amor é uma ilusão perigosa — disse Dexter. Era como se precisasse reafirmar sua crença na racionalidade sobre a emoção. Sentia-se como se seus valores lógicos estivessem escapando, arrastados pela corrente de sentimentos inegáveis que fluía entre eles.
A dama começou a rir.
— Como pode um homem ser tão cínico!
— Então, acredita no amor? — perguntou Dexter.
— É obvio.
— Esteve apaixonada alguma vez?
— Duas vezes — respondeu ela lentamente — Estive apaixonada duas vezes em minha vida. A primeira vez fiquei apaixonada por meu marido, como deve ser, suponho.
Dexter se inclinou para frente.
— E a segunda? — perguntou, com o coração apertado.
— A segunda vez me apaixonei por acidente — disse ela suavemente — Não esperava isso. Nem sequer estou certa de como aconteceu. Entretanto, foi o pior que pôde me acontecer, porque eu não era livre.

* * * * *

Havia dito coisas demais.
Assim que falou, Laura notou que seu coração se encolhia de medo. Tinha se deixado seduzir pela intimidade de sua situação, pelo olhar de Dexter, havia esquecido tudo e ido diretamente até os limites da indiscrição. Havia se deixado enganar… não, tinha enganado a si mesma, acreditando, por um momento, que podia ser sincera com Dexter, quando na realidade, sua proximidade não era mais que uma ilusão perigosa.
Laura não queria que as coisas fossem assim. Quando Dexter havia se aproximado, não podia acreditar que tivesse ocorrido a ele tentar flertar com ela. Entretanto, rapidamente lembrou que tinha se convertido em uma herdeira, e suas insinuações cobraram sentido. Dexter deve ter ouvido os rumores de que acabava de adquirir uma fortuna, e com a crueldade de um verdadeiro oportunista, havia transpassado seus cuidados de Lydia a ela. De todos os modos, seu noivado com Lydia não havia chegado a se concretizar, e Laura sabia que ela era a melhor aposta. Havia se convertido em uma mulher tão rica quanto Lydia e já tinha demonstrado que era muito vulnerável ante ele. Era de mau gosto, mas lógico. Ao pensar, Laura se sentiu estupefata, desiludida e zangada.
Quantas mais voltas dava a todo o assunto, mais se enfurecia por causa daquela tentativa de sedução de Dexter. Ao fim decidiu seguir o jogo para averiguar até onde chegava, para ver que tipo de galanteador era sob sua fachada de idoneidade. Ele tinha se descrito como um caçador de fortunas contra sua vontade, que queria casar-se com uma mulher rica só para beneficiar quem dependia dele, mas Laura pensava que era parte de seu plano para ganhar sua compreensão, e também seu dinheiro.
Entretanto, e apesar de ficar em guarda e ter armas contra ele, em algum momento de sua conversa havia esquecido a cautela e falado mais do que devia. Havia confiado nele porque lhe parecia sincero. Não havia podido evitar. O queria, e queria acreditar nele. E por isso, permitiu que ele a conduzisse quase a uma revelação íntima. Laura esteve a ponto de admitir que Dexter era o outro homem a quem havia amado.
Se ele soubesse disso, e soubesse que Charles e ela haviam ficado separados de fato, só teria que dar um passo muito pequeno para perguntar-se pela paternidade de Hattie. Ela colocou sua filha em perigo com sua indiscrição. Tinha comprometido a segurança de Hattie por ter falado com tanta leveza. Pensou no horrível escândalo que se desataria se surgisse a menor suspeita de que Hattie não era filha de Charles, mas sim de Dexter. O futuro de sua filha ficaria prejudicado irreparavelmente, e tudo seria culpa dela.
— Laura? — Dexter deve ter notado sua repentina ansiedade, porque tentou pegar sua mão — O que houve?
—Tenho que ir — disse ela.
Invadida pelo pânico, retirou a máscara e a deixou sobre o assento. Estava furiosa consigo mesma além de com ele. Tinha sido uma tola por confiar em Dexter, embora só fosse durante um instante, e por expor-se e expor sua filha ao escândalo. Além disso, ele havia sido um canalha por tentar cortejá-la friamente, só por seu dinheiro.
— Desculpe-me — disse ela — Foi uma paquera muito agradável, senhor Anstruther, mas acredito que não vai servir de nada. Já sei que não foi muito bem cortejando minha prima, e sem dúvida, agora já sabe que sou uma herdeira. Entretanto, me transpassar seus cuidados com tanto descaramento, embora tenha uma opinião tão má de mim…
Interrompeu-se. Dexter ficou tão assombrado que seu coração encolheu. Era óbvio que não tinha se informado da atribuição que Henry havia lhe outorgado.
Dexter não sabia que ela era uma herdeira.
De repente, Laura teve a desconcertante sensação de que tinha interpretado mal toda a situação. Havia acreditado que Dexter queria flertar com ela, seduzi-la se pudesse e colocá-la em uma situação comprometedora por dinheiro. Naquele momento, entretanto, teve a convicção de que ele pretendia algo totalmente diferente. Havia sido sincero ao lhe dizer que odiava perseguir uma mulher por sua fortuna. Havia contado a ela a dolorosa verdade sobre sua família e suas obrigações. Ela o havia julgado erroneamente.
Dexter também tinha tirado a máscara, e a ira que saía de seus olhos azuis era tão intensa que a deixou cravada no lugar.
— Não tenho idéia do que quer dizer — disse com calma — mas me sinto… desiludido pelo fato de que tenha pensado isso de mim. Não tenho nenhum interesse na fortuna que tenha caído repentinamente em suas mãos, Laura. O que quero, na realidade, é te perguntar o que sentia de verdade aquela manhã, há quatro anos, quando me mandou embora de sua cama e de sua vida. Creio que mentiu naquela ocasião, ao me dizer que eu não te importava nem um pouco. Acredito que sou o homem de quem acaba de falar. Agora me diga a verdade, Laura.
Laura ficou olhando-o em silêncio. As palavras de Dexter haviam acabado com os últimos vestígios de pretensão entre eles. Era certo que aquele flerte entre eles era uma sedução, mas o que queria na realidade Dexter era a verdade. Havia calculado todas suas perguntas para tirar isso dela. Havia criado aquela conversa deliberadamente para pegá-la de surpresa, para induzi-la a revelar muito. E ela havia estado a ponto de fazê-lo.
— Laura?
Sem que nenhum dos dois percebesse, Alice Lister tinha se aproximado deles e pôs uma mão no braço de Laura.
— Me desculpe por incomodar — disse — mas minha mãe e eu já vamos, e queria saber se deseja que a levássemos para casa na carruagem. Mamãe diz que as delícias de marisco de Sir Montague não lhe fizeram bem, e tem náuseas, e eu temo que as atenções de tantos libertinos me produziram o mesmo efeito. Espero — acrescentou, ao ver que Laura e Dexter continuavam olhando-se — não ter interrompido um momento delicado…
— Absolutamente, Alice — respondeu Laura, reagindo por fim — Eu estava desejando partir.
Virou-se para Dexter, e viu que ele tinha os lábios franzidos com um gesto cínico, ao ver que ela ia sem responder.
— Boa noite, senhor Anstruther — disse ela — Não acho que tenhamos mais a nos dizer.
Dexter ficou em pé e lhes fez uma reverência. Seu olhar azul continuava muito frio.
— Boa noite, Excelência. Boa noite, senhorita Lister.
Alice passou a mão pelo braço de Laura e juntas se dirigiram à saída.
— Meu Deus — sussurrou — O senhor Anstruther pode chegar a ser muito frio e cortante quando quer. O que lhe disse para desgostá-lo tanto, Laura?
Ela exalou um longo suspiro. Estava um pouco trêmula.
— Há algo que quer saber — respondeu — mas eu não desejo falar disso.
Alice a olhou com curiosidade.
— Deve ser muito importante.
Laura negou com a cabeça.
— Não era nada de importante, Alice. Nada absolutamente.

* * * * *

Lydia Cole estava amontoada entre os braços de seu amante no caramanchão que havia ao final dos jardins de Fortune Hall. Gostava de pensar que era seu amante, mesmo que na realidade, não tivessem feito amor. Aquilo, é obvio, era algo completamente proibido e estava fora de toda questão, mas ela queria seu amante e estava segura de que ele a queria também. Assim, eram amantes no sentido estrito da palavra.
De fato, Lydia o queria tanto como para querer ficar sozinha com ele e arriscar-se ao escândalo de que os descobrissem, e ao perigo ainda maior de que Faye se inteirasse de tudo. Quando pensava no que ocorreria se sua mãe soubesse a verdade, Lydia estremecia, porque não havia nenhuma possibilidade de que pudesse casar-se com aquele cavalheiro. Seus pais nunca o aprovariam. Entretanto, aquela situação impossível, e a desesperança de sua paixão, faziam com que Lydia se sentisse mais ardente.
Aquela noite fazia frio. Havia lua cheia, e reluzia objetiva, enorme, no céu negro. Entretanto, Lydia não notava o frio do ar, porque estava envolta na capa negra de seu amante. Era cálida, e cheirava a ele, e aquele aroma fazia com que lhe desse voltas a cabeça. Apoiou a cabeça contra seu peito e notou que lhe acariciava o cabelo suavemente com o nariz. Como gostava disso. Seus beijos eram tenros, e suas carícias também. Ele nunca a assustava com uma paixão violenta.
Ele procurou com a língua a delicada curva de sua orelha, e ela estremeceu até os dedos dos pés.
— Te quero… — sussurrou.
— Sei disso, carinho, sei… — disse ele. Havia um sorriso em sua voz, e Laura se sentiu fraca ao ouvi-la. Ele devia querê-la para lhe falar com tanta ternura.
— Tenho um presente para ti — continuou seu amante — Fecha os olhos e estende a mão.
Lydia obedeceu. Ouviu um som metálico quase imperceptível quando ele pôs algo na palma de sua mão.
— Abre os olhos.
A luz da lua, pálida e dura, fez brilhar o pendente que tinha na mão, e converteu os elos da cadeia de ouro em prata. Ele devia havê-lo levado ao pescoço, porque o metal estava quente de seu corpo. Lydia o acariciou com reverência. Na corrente havia um anel, uma grossa aliança, e ela viu que tinha umas iniciais gravadas no interior, embora não houvesse suficiente claridade para poder as distinguir.
— São suas iniciais — disse-lhe ele — Um 'L' e um 'C' — acrescentou muito satisfeito consigo mesmo.
Lydia soltou um pequeno ofego de assombro.
— Mas isto é um presente muito caro! Não posso aceitá-lo. Como vai se permitir isso.
— Shh — disse ele, e lhe pôs um dedo sobre os lábios — Quero que use isso. E não deixe que ninguém o veja. No momento tem que ser nosso segredo.
— É obvio — disse Laura, afligida — É obvio, mas…
Ele fez com que girasse o rosto para cima e interrompeu seus protestos com um beijo. Lydia suspirou. Ele devia querê-la muito, verdadeiramente, para lhe dar um presente tão precioso. Ela se sentia segura e querida, e muito feliz, e relaxou contra ele com outro pequeno suspiro. O beijo se fez cada vez mais profundo, quase imperceptivelmente, e Laura se rendeu a mais doce, lenta e gentil das seduções sob a luz da lua.























Capítulo Quinze
Laura abriu a portinhola do prado e, mantendo alta a lanterna, começou a caminhar através do prado, para o Velho Palácio. Alice se preocupava muito por Laura ir sozinha para casa no meio da escuridão, e queria enviá-la na carruagem, mas Laura a tinha convencido de que fazer a viagem pela rodovia demoraria dez minutos e não queria causar a Alice mais moléstias. A pobre Alice já estava angustiada porque sua mãe se encontrava muito mal por causa das delícias de marisco e tinha descido do carro com mais velocidade que aprumo em sua pressa para ter privacidade. Laura se perguntou se a cozinheira de Sir Montague havia se visto obrigada a servir o peixe que ia dar aos gatos do estábulo para poder dar de comer a todos os participantes da festa naquela noite.
A lua brilhava tanto que a lanterna era quase desnecessária, e Laura via por aonde ia com toda claridade. Havia percorrido aqueles caminhos desde que era menina, e a lembrança da noite nas ruínas do priorado foi à única coisa que a impulsionou a pegar com força a lanterna com uma mão, e com a outra, a culatra de sua diminuta pistola de madrepérola. Pensava no que Dexter havia dito: que não ficasse em perigo. Entretanto, não havia nada que se movesse naquela paisagem banhada de luz da lua. Não havia homens com um dominó negro rondando pelas ruínas do priorado, salvo em sua imaginação.
Subiu os degraus da porta principal do Velho Palácio e a encontrou aberta. Entrou em casa e não encontrou nem rastro de Carrington. Parecia que todos estavam dormindo.
O vestíbulo estava silencioso e em penumbra. Laura retirou a capa dos ombros, tirou os sapatos e se dirigiu nas pontas dos pés à escada de pedra. Sentia alívio por estar em casa. Sentia-se segura.
Não havia dado mais que três passos quando se abriu a porta da biblioteca e Dexter apareceu. Tinha a máscara de Laura nas mãos. Laura ficou imóvel. Dexter olhou seus pés descalços, e depois, a pistola de madrepérola.
Sorriu levemente, ainda que o sorriso não alcançasse seus olhos, que permaneceram frios.
— A história se repete — disse — Importar-se-ia em baixar a pistola? Coloca-me nervoso.
— Estava seguindo seu conselho de tomar precauções — disse ela, com a respiração entrecortada, enquanto colocava a pistola na bolsa.
— Isso não era o que eu queria dizer — respondeu Dexter ironicamente, e deu um passo para ela — Me diga, sempre toma com tanta leveza sua segurança pessoal?
—Já tivemos está conversa — disse Laura — Estava a salvo, e sabe que disparo muito bem. De fato, tem sorte de que não tenha disparado por te acreditar um intruso.
— Com certeza que teve a tentação de fazê-lo — disse ele — mas não entrei na casa. Carrington abriu a porta, como é normal com as visitas — explicou, e fez um gesto para a biblioteca — Importaria? Quero falar contigo, e não é uma conversa que possamos ter no vestíbulo.
Laura titubeou. Via nos olhos de Dexter que ele continuava zangado, e teve a sensação de que, se não entrasse por seu próprio pé à biblioteca, ele a levaria nos braços. Seu coração acelerou. Era muito consciente de seu olhar quando passou por diante dele para a porta. Dexter tinha uma expressão dura, fria, reservada.
Ele fechou a porta, girou a chave na fechadura e se apoiou contra a parede.
— Parece-me que não terminamos nossa conversa de antes — disse agradavelmente — Já sabe o que quero Laura. Quero que me diga a verdade. Mandou-me embora Cole Court fingindo que eu não importava nada. Disse que aquilo não havia sido mais que um jogo para ti. Insinuou que se deitava com homens todo o tempo. Mentiu mais de uma vez.
Laura sentiu um arrebatamento de raiva.
— E o que? Você não tinha nem um peni. Estava começando sua carreira e era oito anos mais jovem que eu. Eu estava casada, era duquesa. Não podia fugir contigo, porque teria destroçado sua vida e a minha. Tinha que conseguir que fosse — disse. Com um suspiro, a raiva desapareceu tão rapidamente como havia surgido — Foi mais fácil assim, Dexter.
Dexter se afastou da porta com um movimento ágil e a prendeu em um canto, com as costas contra as estantes. Laura se apertou contra os livros, mas não pôde escapar de sua presença. Era muito esmagadora.
— Era mais fácil conseguir que te odiasse — disse Dexter com dureza.
— Se quer pensar isso, continue — respondeu ela, olhando-o de maneira desafiante — Sabia que se me odiasse, partiria e não iria querer voltar a ver-me.
— Entendo — disse Dexter muito devagar — Agora entendo tudo.
— De todos os modos, já não importa. O que ocorreu entre nós pertence ao passado. Eu não tenho intenção de ressuscitá-lo.
Dexter estava sacudindo a cabeça.
— Eu preciso saber o que sentia, Laura — disse — Deve-me a verdade.
— Para que? As coisas não vão mudar…
— Dar-me-ia paz — disse Dexter — Sabe como são as coisas para mim, Laura? Estive cortejando Lydia Cole durante o mês passado, mas percebi que não podia pedir que se casasse comigo, nem tampouco podia fixar minha atenção em nenhuma outra moça. E o motivo? O motivo é que só vejo a ti. Só posso pensar em ti. Você é tudo o que desejo.
Laura elevou uma mão para deter suas palavras.
— Não — sussurrou — Não diga isso.
— Por que não? É a verdade. Não me importa admiti-lo ante ti. Queria me casar com Lydia por seu dinheiro, já lhe disse isso. E, entretanto, não posso pedir a nenhuma mulher que se case comigo porque ainda estou obcecado com o que ocorreu contigo. Acho que preciso me reconciliar com o passado, ou sempre será igual.
— Esqueça o que ocorreu entre nós. Esqueça o que eu pudesse sentir! Não importa. O que importa é que evitamos cometer um grande engano que teria estragado nossa vida para sempre. Encontra outra herdeira, Dexter, se não puder cortejar minha prima. Há muitíssimas no povoado! Deixe o passado quieto.
— Tomara pudesse. Tentei por todas as razões que te contei esta noite — disse Dexter. Então, mudou seu ponto de ataque — Está noite me disse que se apaixonou duas vezes — sussurrou — Disse que foi um engano por que não era livre. Fui eu o homem por quem se apaixonou Laura?
Laura teve a respiração cortada devido à angústia. Tudo estava se desenredando rapidamente. Hattie corria perigo. Ela tinha percebido que havia contado muito a Dexter durante a festa. E Dexter não ia esquecer uma só palavra do que tinha lhe dito.
Ele segurou brandamente seu queixo e a obrigou a olhá-lo. Laura começou a tremer.
— Laura, me olhe. Estava apaixonada por mim?
Aquele momento foi eterno. Seria capaz de olhar Dexter nos olhos e mentir? Suas defesas estavam a ponto de derrubar-se. Entretanto, devia proteger Hattie…
— Não. Você não é o homem por quem me apaixonei.
Ela viu uma emoção passageira em seus olhos, e depois, Dexter a soltou e se afastou. Laura se sentiu tão aliviada que respirou profundamente. Tremiam-lhe tanto as pernas que pensava que fosse cair. Mentir a Dexter resultava impossível, difícil; era como um eco horrível do que havia dito quatro anos antes quando o tinha afastado de seu lado.
— Sei que não é certo — disse Dexter.
Nem sequer estava zangado. Voltou a olhar Laura, e sua expressão especulativa a assustou mais do que a teria assustado a ira.
— Está mentindo outra vez — insistiu ele, pensativamente — Não sei por que é tão importante para ti negar a verdade, mas tem que haver um motivo. Do que tem medo, Laura?
— Está imaginando coisas, Dexter. Será que não pode aceitar que não te quis? — perguntou Laura, e encolheu os ombros com um grande esforço — Sinto muito. Entretanto, disse que o que desejava era te libertar do passado. Agora já pode fazê-lo.
Houve uma pausa. Seus olhos ficaram presos. Ela umedeceu os lábios ressecados, e ele cravou um olhar quente, brilhante, com algo que fez que o estômago dela se encolhesse.
— Disse que era o único que importava — sussurrou Laura.
— Eu também menti — disse Dexter.
Então, voltou a aproximar-se dela e de repente, passou a mão pela nuca e começou a beijá-la, com fome, com dureza. A compostura de Laura se fez migalhas com o impacto daquele beijo. Seu ofego de assombro se perdeu sob a pressão dos lábios de Dexter. Ele meteu a mão entre seu cabelo e sujeitou a cabeça, beijando-a sem piedade com uma força emocional devastadora. Laura começou a dar voltas à cabeça. Pôs ambas as mãos contra seu peito e tentou afastá-lo de si.
— Isso era o que queria — disse Dexter, com a respiração tão entrecortada quanto a dela — Isso é o que sempre quis.
— Não podemos reviver o passado — disse Laura — Dexter, não podemos fazer isto. Agora tudo é diferente.
— Talvez não.
Voltou a beijá-la, com mais suavidade naquela ocasião, brincando com sua língua e enrolando-a para que respondesse, em vez de fazer exigências. Laura teve a sensação de que o calor de seu corpo masculino a abrasava. O aroma de sua pele lhe embriagou os sentidos. Era como uma tortura feliz. Ela sentia toda sua excitação contra si, sentia a urgência de suas carícias; em um segundo, ele a havia tomado em seus braços e a levava até o sofá de veludo verde para sentá-la sobre suas coxas. Afastou-lhe o cabelo da face com dedos trêmulos e a olhou fixamente.
— Laura… é tão bela… como vou poder me curar deste desejo?
A voz de Dexter era uma súplica e dentro dela surgiu calor e a excitação. Ser desejada era algo intoxicante que a enchia de um poder feminino embriagador. Charles nunca a havia desejado. Havia lhe dito que era fria e deixado sua cama. Entretanto, Dexter havia adorado cada centímetro de seu corpo com as mãos e os lábios. Ela havia perdido os escrúpulos em meio às emoções quentes e turbulentas que despertava. Laura necessitava aquele consolo, como quatro anos antes.
Pôs a mão na bochecha dele e notou a severidade de sua barba incipiente contra a palma. Dexter emitiu um gemido do mais profundo da garganta, e depois a estendeu sobre o sofá. A cabeleira castanha de Laura se derramou pelo veludo verde. Ele se inclinou sobre ela, e o fogo abrasador de seus olhos azuis cortou o fôlego de Laura.
— Pode ser que você não queira me dizer como se sentiu — disse — mas eu vou contar como foi para mim aquela noite em Cole Court — levou uma mão até seu ombro e afastou o vestido, seguindo o rastro do tecido com os lábios sobre sua pele — Queria fazer amor contigo — disse, e sua voz se reduziu a um sussurro. Ela notava sua respiração contra a curva da clavícula — Para mim foi como um sonho feito realidade. Do primeiro momento em que a vi te desejei, Laura. Eu era jovem e idealista, e você foi como uma deusa para mim. Sonhava contigo. Tive os sonhos mais vívidos, apaixonados e eróticos de minha vida.
O coração de Laura pulsava com violência contra o fino algodão de seu sutiã. Notava os batimentos do coração ressoando por todo seu corpo, e através do sofá no qual estava tombada. Estava paralisada pelo brilho do calor que via em seus olhos e pelo toque de seus lábios contra o pescoço e o ombro nu. Tinha a pele insuportavelmente sensível, e pedia a gritos suas carícias. Os mamilos endureceram enquanto se retorcia no sofá, movendo-se de um modo que só seria para inflamá-la mais.
— Sabia que não era livre — continuou Dexter. Inclinou a cabeça até o decote de seu vestido e passou a língua pelas elevações de seus seios, e a afundou no oco que havia entre eles — Deveria ter me importado, mas não foi assim. Não fui tão honrado como eu acreditava. Não fui quando chegou a hora de acalmar meu desejo por ti.
Deteve os lábios sobre um de seus seios e mordiscou o bico inchado que se desenhava com tanta claridade contra a seda do vestido. Laura reprimiu um ofego e se segurou a sua camisa com ambas as mãos, arqueando-se para ele.
— Converti em realidade minhas fantasias mais selvagens com a duquesa em meu leito — murmurou, e afastou o sutiã para despir ambos os seios para seus lábios e sua língua — Foi delicioso. Você foi deliciosa, Laura.
Beijou-a de novo, e ela deslizou os braços pelo pescoço e o atraiu para si, desfrutando do tato de seu cabelo sedoso entre os dedos, e da aspereza de sua bochecha contra sua própria suavidade. Sob a opressão da roupa, todo seu corpo ansiava acariciar o dele. Ela não queria que tivesse barreiras. As palavras de Dexter haviam conjurado todas as recordações do tempo que haviam passado juntos, e toda sua urgência doce e devastadora, e Laura queria sentir tudo aquilo outra vez, de repente, com desespero. Queria perder-se no passado e na ilusão de amar e ser amada.
Afundou os dedos ansiosos em sua camisa e a tirou da cintura da calça para poder passar as mãos pelos planos musculosos de suas costas. Suas carícias arrancaram um grunhido de Dexter. Laura sentiu que ele estremecia dos pés a cabeça, e aquilo despertou uma necessidade igual nela. Tinha se esquecido de onde estava quase de quem era, porque seus sentimentos estavam tão embaraçados com as sensações daquele momento que não podia pensar em outra coisa. O calor da sala, as chamas da lareira, as sombras que dançavam nas paredes, tudo servia para criar um lugar íntimo e privado, no qual os dois estavam sozinhos e o mundo não podia alcançá-los.
Dexter se moveu levemente e Laura sentiu o ar frio roçando suas coxas, enquanto a saia de seu vestido subia até seus quadris. A sensação de frescor era aguda em contraste com o calor que sentia por dentro. Dexter estava ajoelhado entre suas coxas agora, e ela sentia tanta necessidade por ele que quase se afogava. Ele tinha uma expressão grave em meio à penumbra da sala, e quando a olhou nos olhos, seu semblante era de determinação.
— Laura… — sussurrou.
Ela percebeu, talvez com certo atraso, que ele estava fazendo um esforço supremo para recuperar o controle de si mesmo, e de repente, não quis que parasse. Não podia suportar ficar desejando-o outra vez, depois de tantos anos sentindo falta dele e de desejar suas carícias. Todos seus desejos naturais haviam ficado reprimidos durante muito tempo. A solidão uivava dentro dela. Se ele a deixasse naquele momento, aquela solidão ia devorá-la. Seria insuportável. Se quebraria em duas.
Fez com que a beijasse de novo, mas sentiu sua resistência antes que ele suspirasse contra seus lábios.
— Desejo-te — sussurrou Laura — Não me deixe. Por favor, não me deixe agora.
Então, quis desabotoar a calça, porque não queria lhe dar tempo para pensar e rejeitá-la. Não pôde desabotoar os botões porque tinha os dedos trêmulos. Dexter começou a rir com arrependimento.
— Espera — disse.
Seus dedos se roçaram, e ele afastou as mãos suavemente. Laura se apoiou contra as almofadas e fechou os olhos, tentando levá-lo consigo, mas ele resistiu. Durante um instante, ela temeu que Dexter se levantasse e se afastasse, mas então, notou que puxava a combinação para cima, pelas coxas, e ofegou. Ele acariciou a pele suave do abdômen nu, com roces delicados, que lhe produziram estremecimentos no mais profundo do corpo.
Laura emitiu um som pela garganta. Tinha a pele mais e mais quente à medida que ele desenhava linhas desde seu ventre para sua coxa. Dexter cobriu seu sexo com a mão e ela gemeu, e todo seu ser começou a tremer incontrolavelmente quando ele a separou e começou a explorá-la. Laura sentiu um prazer que a fez sacudir-se. Mas aquilo não era o que queria. Não naquela ocasião.
— Não! — sussurrou, e o pegou pelo braço — Desta vez quero te sentir dentro de mim.
Notou que ele se detinha.
— Laura… — disse Dexter. Sua voz era tão rouca que ela quase não a reconheceu.
— Por favor — suplicou. Era o único modo que poderia sentir-se completa. Queria desterrar a solidão — Necessito-te.
O olhou. O corpo de Dexter estava tenso por seus esforços de contenção, e ele tinha os olhos escurecidos pelo desejo. Ela estendeu uma mão para ele, e viu que seu controle se rachava.
Ele tremia tanto como ela quando se estendeu entre suas coxas e ela notou a ponta de sua ereção deslizar-se para seu interior. O prazer a invadiu, e Laura beijou Dexter com uma fome desesperada, deslizando as mãos por suas costas e por suas nádegas para acolhê-lo por completo. Ele empurrou um pouco mais e ela temeu que fosse desfazer-se de felicidade. Dexter deslizou as mãos sob ela, enredando-se em sua saia, elevando-a para afundar-se profundamente em seu corpo, e uma doce agonia se apoderou de Laura enquanto ele a penetrava e a impulsionava para o clímax.
Dexter percebeu o próximo que estava. Retirou-se um pouco. Roçou a testa com os lábios antes de beijá-la com doçura, mas com ardor.
— Espera…
— Não posso! — sussurrou Laura com angústia, e se retorceu sob ele.
— Diga-me que me queria quando fizemos amor antes — exigiu Dexter. Sua voz era uma sedução escura. Desceu os lábios até a pele suave da curva de seu pescoço — Sei que eu era o homem que amava. Admite.
— Ah! — Laura gemeu com desespero.
O êxtase brilhava sedutoramente próximo, mas justo fora de seu alcance. Tentou obrigá-lo a que descesse a cabeça para poder beijá-lo e apagar a pergunta dos lábios dele e afastar aquele pensamento da cabeça, mas ele se manteve firme. Depois inclinou a cabeça para saborear a pele do oco da base do pescoço de Laura. O toque de sua língua provocou nela outra descarga de luxúria, e Laura se estremeceu, ao limite.
— Diga-me.
Sua voz era calma, insistente, inegável…
Ela tinha sentimentos muito fortes por ele, muito expostos, muito crus para poder negá-los. Ele se moveu dentro dela, levemente, mas o suficiente para atormentá-la mais à frente do suportável.
— Não… — sussurrou Laura, aferrando-se a uma faísca de rebelião — Não vou dizer isso. "Mas sempre te amarei"
— Ah… — ela ouviu sua voz, cheia de ira e de diversão de uma vez — Minha Laura, tão obstinada…
"Minha Laura…"
Dexter acariciou seu pescoço com a boca, na mais leve das carícias, e depois se moveu para seu seio, e ela sentiu o eco daquele toque no mais profundo do ventre. Seu corpo deu um passo mais, tremulamente, para o êxtase. Ela gemeu, pedindo mais. Ele se conteve. Ela se retorceu, procurando o corpo dele, e a plenitude que podia lhe dar.
— Maldito seja… — ela quase odiou Dexter por lhe negar o prazer.
Então, ele a invadiu, com força, rapidamente, uma e outra vez, e capturou seus gemidos de alívio na boca com outro beijo longo e profundo. A cabeça de Laura dava voltas. O prazer se intensificou irresistivelmente, tão próximo…
Dexter voltou a ficar imóvel. Manteve-a imóvel com seu peso, e o corpo de Laura se moveu e saltou para seguir sentindo-o por dentro, quente e duro, enchendo-a. Ela se aferrou a beira do clímax.
— Será que quer me castigar? — perguntou, retorcendo-se desesperadamente para tentar alcançar o clímax — porque se for assim, está conseguindo…
— Talvez…
Laura ouviu o sorriso na voz de Dexter, e sentiu indignação, fúria, que mesclados com seu desejo frustrado, conseguiram que grunhisse.
Por fim, Dexter se moveu, mas só para deslizar-se mais para seu interior. Elevou-a para que recebesse seus ataques. Manteve-a em silencio com os lábios sobre sua boca. A impressão se fez mil pedaços dentro dela. Mais forte, mais profundo, mais implacável… Sentiu que a boca de Dexter se curvava em um sorriso contra seu seio, enquanto lambia e chupava o mamilo. Seu corpo estremeceu sem poder evitá-lo, gritou para que lhe concedesse a plenitude, agitou-se para responder às investidas de Dexter, e Laura esqueceu tudo enquanto por fim o mundo girava e caía sobre ela. Dexter voltou a beijá-la e se apoderou de seus gritos enquanto se apoderava de todo seu corpo. Não se deteve, mas sim continuou afundando-se nela uma e outra vez, e todo o corpo de Laura tombou contra o veludo do sofá, e ela sentiu que as costas de Dexter se arqueava, e seus músculos se esticavam quando o êxtase se apoderou dele. Seu clímax arrastou a ela também, de novo, inundando-a por completo naquelas deliciosas sensações.
Durante alguns instantes continuaram juntos, e depois Dexter se moveu um pouco e a aconchegou, com um gesto protetor, na curva de seu ombro. Laura não tinha idéia de quanto tempo havia passado. Estava suada e pegajosa. Queria esquecer-se de tudo e dormir, mas sabia que muito cedo teria que mover-se.
Teria que pensar.
Não sabia por onde começar.
Voltou à cabeça e olhou Dexter. Ele sorriu e lhe acariciou o cabelo com os lábios, e ela sentiu outra onda de amor esmagadora que não pôde evitar. Tinha medo do que pudesse lhe dizer. Como ia negar seus sentimentos por aquele homem?
— Laura… — disse Dexter.
— Não podemos falar agora.
Laura sentiu pânico e se levantou do sofá. Suas mãos tremiam enquanto arrumava torpe a roupa. Não queria ouvir como Dexter se desculpava ou minimizava os sentimentos e as emoções que estavam tão emaranhados dentro dela. Laura não era uma mulher que pudesse entregar-se a uma relação sexual despreocupada e enfrentar os momentos posteriores com aprumo e sofisticação. Tampouco sabia enfrentar os detalhes práticos. De repente, teve uma visão horrível de Carrington, esperando pacientemente fora da biblioteca que eles saíssem para fechar a casa e deitar-se.
— Talvez seja melhor que saia pela janela — disse — Os empregados…
— Não vou sair pela janela como se fosse um ladrão — respondeu Dexter. Sua voz soou tão zangada que Laura se sobressaltou — Entrei pela porta principal, e vou sair por ali.
Ficou em pé. Parecia que não se preocupava absolutamente com sua nudez. À luz do fogo, seu corpo parecia bronzeado e firme. Laura engoliu saliva e se esqueceu do que estivera a ponto de dizer. Ele começou a vestir a calça e enfiou a camisa pelo pescoço. Laura, distraída, tentou procurar as palavras mais adequadas.
— Só acreditava que se partir agora, e poderíamos fingir que não aconteceu nada…
— Uma idéia assombrosamente má — disse Dexter, com um gesto duro. Aproximou-se dela e, com cuidado, abotoou os botões que escorregavam entre os dedos trêmulos de Laura.
— Laura, você deve perceber que isso não serviria — disse ele, em um tom mais suave — Não está pensando com clareza.
— Não posso pensar com clareza quando está perto — disse Laura.
— Eu tampouco posso quando você está perto — respondeu ele — E por isso estamos nesta situação, para começar.
— Seu lenço está muito amassado — disse Laura com desespero, movendo-o nervosamente entre as mãos — Eu não sei atar isso e parece…
Interrompeu-se, porque ele estava muito masculino, viril, e parecia que acabava de fazer amor apaixonadamente com ela, e ela sabia que era impossível fingir outra coisa.
— Oh, Deus…
Alguém chamou com firmeza à porta da biblioteca. Laura se sobressaltou. A maçaneta girou, mas felizmente, a porta continuou fechada.
— Não abra! - sussurrou Laura — Se você não escapar pela janela, acredito que eu o farei.
Dexter fez caso omisso. Aproximou-se despreocupadamente da porta e girou a chave. Durante um instante, Laura conteve uma gargalhada de histeria na garganta ao pensar em que a duquesa viúva de Cole estava a ponto de ser pega in fraganti com seu amante, e que a situação estava girando mais e mais descontroladamente até transformar-se em um torvelinho. A porta da biblioteca se abriu, e Carrington apareceu na soleira. Nem um só músculo de seu rosto se moveu ao vê-los.
— Lorde Vickery e a senhorita Lister estão aqui, Excelência — disse.
— Peça que esperem… — disse Laura, mas era muito tarde.
— Lal! - exclamou Miles enquanto entrava na sala — Estava preocupado com você. Fui a Spring House de visita e a senhorita Lister me disse que tinha vindo caminhando para casa, assim pensei que devia me assegurar de que estava bem…
— E eu quis vir, também — disse Alice — porque foi culpa minha que não viesse na carruagem.
Miles lançou um olhar de exasperação a Alice.
— Embora — disse — eu já havia explicado à senhorita Lister que não era necessário e que podia ficar em casa a cuidar de sua mãe…
Então, ficou calado. Olhou Laura, depois Dexter, e depois Laura de novo. Houve um longo silêncio enquanto Alice e ele assimilavam a cena que tinham diante de si.
Naquele momento, Laura podia ver através dos olhos de seu primo. Viu seu vestido amassado e seu cabelo revolto, e viu o grau de nudez de Dexter, que era mais reveladora que qualquer palavra. E então, Miles atravessou a sala e antes que Dexter pudesse reagir, desferiu um gancho limpo e científico na mandíbula. Alice soltou um gritinho de alarme.
— Miles! O que faz?
Laura segurou seu primo pelo braço e o afastou. Dexter levou uma mão ao queixo e fez um gesto de dor ao tocá-lo, mas não tentou defender-se nem vingar-se, e Laura entendeu por que. Para Miles, aquilo era uma canalhice. Dexter levaria a culpa do acontecido mesmo que fosse ela que havia rogado para que ficasse e fizessem amor.
— Estou defendendo sua honra, já que parece que te importa tão pouco, Laura — espetou Miles, e se voltou para ela — Que demônios aconteceu aqui? Não, melhor será que não respondam a isso. Por seu aspecto, é óbvio.
— Não é seu assunto! — disse Laura — Por favor, rogo-te que saia e leve a senhorita Lister — então se virou para Alice — Alice, sinto muitíssimo. Este não é lugar para ti.
— Bom ao menos resta algo de decência — disse Miles — Senhorita Lister, insisto em que me espere no vestíbulo.
— Nem pensar! — respondeu Alice, elevando o queixo — Laura é minha amiga, e acho que talvez necessite minha ajuda.
Miles sacudiu a cabeça com incredulidade.
— A única vez em minha vida que tento proteger uma inocente — disse com amargura — e me rejeitam — virou-se para Laura e perguntou — Recebe com freqüência seus amantes na biblioteca, prima?
— É obvio que não — respondeu Laura, indignada — Será que pensa que tudo teria saído tão mal se tivesse o costume de fazê-lo? Oh, não, se tivesse prática nisto, teria as arrumado com mais aprumo.
Pela extremidade do olho, viu que Dexter esboçava um leve sorriso de arrependimento. De repente, sentiu-se ansiosa por terminar com aquela situação antes que ele pudesse intervir e piorar tudo.
— Dexter e eu…
— Assim agora o chama Dexter, eh? — perguntou Miles em um tom assassino — Não me surpreende.
— Lorde Vickery — disse Alice — seria melhor que deixasse de interromper…
Miles a olhou com exasperação.
— Obrigado, senhorita Lister — disse — Sabe que agora terá que se casar com Anstruther — acrescentou olhando sua prima. E depois se virou para Dexter — Sabia que queria se casar com uma mulher rica, Anstruther — disse com frieza — mas nunca pensei que caísse tão baixo. Comprometer deliberadamente Laura no mesmo dia em que soube que possui uma fortuna…
Laura ficou horrorizada. Em meio a tudo aquilo, havia esquecido o dinheiro.
— Vou rejeitar o dinheiro de Henry — disse a Miles — assim isso não tem importância.
Dexter a estava olhando com o cenho franzido.
— Acho que não entendo. Não sabia que tinha uma fortuna entre as mãos antes, quando mencionou, e não entendo…
— Oh, não finja que não sabe! — interrompeu Miles, com desprezo — Não se falava de outra coisa esta noite em Fortune Hall! Nunca teria acreditado de ti, Anstruther. Sabia que havia algo entre minha prima e você, mas acreditava que tinha algo de honra. Entretanto, se propôs comprometer uma duquesa viúva que é o suficientemente mais velha para ser sua mãe…
Tanto Laura como Alice deixaram escapar um ofego de protesto ao mesmo tempo em que Dexter dava um passo à frente e ficava cara a cara com Miles. Tinha uma expressão muito tensa. Falou em voz baixa.
— Não fale de sua prima com essa falta de respeito, Vickery, ou me verei obrigado a te desafiar.
Seu tom era tão firme e tão frio que Miles deu um passo atrás.
— Peço perdão — disse a Laura — Não ficou bem de minha parte — acrescentou, e olhou de novo Dexter — Sabendo do dinheiro ou não, decepcionou-me, Anstruther. Não o acreditava um canalha sem princípios. Estava cortejando uma debutante rica ao mesmo tempo em que seduzia uma viúva para se entreter…
— Não fez semelhante coisa! — protestou raivosamente Laura — Agradeceria se não armasse uma confusão terrível por nada, Miles — disse — Nem que desse um tiro no senhor Anstruther, e criasse um escândalo de verdade onde não existe.
Miles arqueou as sobrancelhas sem acreditar na resposta. Laura ia falar outra vez, mas Dexter a afastou com firmeza.
— Agradeço que fale em meu nome, Excelência — disse brandamente — mas eu devo aceitar a responsabilidade de tudo isto.
— É obvio que sim! — disse Miles, e adotou uma pose de pugilista.
— Não, não é assim! — insistiu Laura, interpondo-se entre eles — Sou perfeitamente capaz de aceitar minha responsabilidade. Além disso, não aconteceu nada importante.
Dexter a olhou de tal modo que ela se ruborizou.
— Deus Santo — disse ele em voz baixa, de modo que só Laura pudesse ouvi-lo — é a segunda vez que diz algo parecido. Devo estar perdendo o juízo.
Miles a olhou com incredulidade.
— Encontro-te meio nua, a sós com um homem que foi um famoso mulherengo, e ainda se empenha em dizer que não aconteceu nada?
— Isto é uma loucura — disse Laura —- Senhor Anstruther, devo pedir que parta…
— Claro que não — disse Dexter, com os olhos muito brilhantes — E antes que aproveite algum dos absurdos comentários de seu primo como munição contra mim, me permita lhe dizer que nunca a considerei o suficientemente velha para ser minha mãe. Essa idéia é absurda e matematicamente impossível.
— Não está ajudando, senhor Anstruther — disse Laura entre dentes. Percebia que a situação estava lhe escapando das mãos — Não entendo por que quer prolongar estas circunstâncias tão embaraçosas, assim sugiro que ao menos fique calado!
— Desculpe — disse Dexter — Só queria deixar claro que não tem sentido dizer que você seja mais velha, porque não é certo.
— Obrigado — respondeu Laura cerimoniosamente — Entretanto, tenho oito anos mais que você, senhor Anstruther, e também tenho a intenção de devolver o dinheiro que pensavam me outorgar como dote. Essas duas razões são suficientes para terminar aqui qualquer relação que pudesse haver entre nós. Sugiro-lhe que acabemos com está farsa e que volte a cortejar sua herdeira…
Ela se interrompeu ao ver o sorriso que havia nos olhos de Dexter.
— Não antes que tenhamos falado disto adequadamente.
Laura fez um gesto de exasperação.
— Não há nada mais que falar. Já discutimos suficiente esta noite. O importante — acrescentou, olhando Miles e a Alice também — é que além de nós quatro, ninguém sabe que você e eu ficamos juntos esta noite, senhor Anstruther, e não há necessidade de as coisas irem mais longe.
Dexter deu um passo para ela.
— Não estou de acordo — afirmou — A visitarei amanhã para lhe fazer uma oferta de casamento.
— E eu não estarei em casa.
Ao ver a expressão de Dexter, Laura se virou rapidamente para Miles antes que tivesse tempo de responder.
— Agradeço sua preocupação, Miles, mas não é necessária. Eu sou capaz de cuidar de mim mesma.
— A visitarei amanhã — repetiu Dexter.
— Senhor Anstruther! — exclamou Laura, em tom de advertência.
— Por que é tão obstinada, Laura? —interveio Miles, e lançou a Dexter um olhar fulminante — Suponho que Dexter está tentando fazer o correto.
— Oh, se meta em seus assuntos, Miles! — espetou Laura, abandonando sua atitude digna. De repente, sentia-se esgotada. A culpa do que havia acontecido era sua, e a conseqüência daqueles momentos de incrível paixão com Dexter era que ele devia lhe fazer uma oferta de casamento só porque os haviam surpreendido. Aquelas eram as regras da sociedade, e nem sequer uma duquesa viúva podia lhes fazer caso omisso. E muito menos uma duquesa viúva que tinha um primo tão empenhado em defender sua honra, mesmo que ela não quisesse.
Laura percebeu que Dexter não deixava de olhá-la. Aproximou-se dela e pegou sua mão, e ela sentiu um tremor de emoção por dentro. Ele a acariciou brandamente, distraidamente, com o polegar na palma, e ela teve que reprimir um calafrio.
—Veremo-nos amanhã na Colina de Fortune, as onze — disse. Só estava concentrado nela, como se Miles e Alice não estivessem na biblioteca.
— Não vou — disse Laura.
— Sim, vai — respondeu ele. Levou a mão de Laura aos lábios e aquele toque despertou nela todas as sensações que estava tentando negar — Irá, ou eu virei procurá-la. Boa noite, Excelência.

* * * * *

Enquanto caminhava de volta para Spring House pelo parque, Alice Lister ficou desconcertada ao ver Miles Vickery seguindo-a sob a luz da lua. Ela havia se despedido bruscamente dele no vestíbulo do Velho Palácio, e havia dito que não necessitava que a acompanhasse até em casa.
Olhou para trás, por cima do ombro, uma vez mais. Ainda que Miles não se apressasse, suas pernas longas estavam cortando a distância que havia entre eles. Ao vê-lo, Alice sentiu uma pontada de pânico e, em vez de esperá-lo, como teria feito uma dama sensata, começou a correr até que chegou à esquina do muro do bosquezinho e atravessou o portão que dava ao túnel de árvores. Ali parou para recuperar o fôlego e repreendeu a si mesma por seguir aquele impulso tão tolo. Certamente, Miles só queria se assegurar de que chegasse em casa sã e salva. Não tinha por que fazer-se de tola e sair fugindo dele. Era uma mulher de vinte e dois anos, não uma moça tola incapaz de falar com um cavalheiro tão bonito, ainda que fosse um libertino.
E, entretanto, Miles Vickery era muito bonito… seus olhos castanhos a abrasavam com seu calor. Alice sabia que ele a admirava, porque havia deixado claro desde o instante em que haviam se conhecido. E ela… bom, ela gostava dele, gostava muito, mais do que deveria gostar de um mulherengo e caça dotes. Apenas ao pensar nele sentia calor, e aquela era uma noite de outono muito fria. O vento revolvia as folhas caídas das macieiras e as aproximava dos pés.
Apoiou uma mão na cancela e tentou fechá-la quando Miles apareceu de repente pela esquina do muro e pôs uma mão sobre a dela para impedir que se afastasse.
— Senhorita Lister — disse — Importaria que falássemos?
— Eu… sim, é obvio — disse Alice. Deixou de tentar escapar e esperou que ele atravessasse o portão e se unisse a ela sob as árvores.
— Queria me assegurar de que estava a salvo — disse Miles, lentamente.
— De verdade? — perguntou ela com a voz irritante — Asseguro que não há nenhum perigo em voltar para casa sozinha em Fortune's Folly.
Miles sorriu. O gesto sublinhou as linhas de expressão de seus olhos, e Alice sentiu um nó quente no estômago outra vez. Pestanejou e disse que não devia ser tão boba. Sabia quais eram as verdadeiras intenções daquele homem, e que seus comentários sobre sua preocupação por ela eram só um truque.
— Talvez — disse — também queria me pedir que não repita nada do que ouvi esta noite com respeito a sua prima.
Miles não negou.
— Asseguro que não vou contar nada a ninguém. Laura é minha amiga, e a respeito.
— Mas deve ter se sentido muito impressionada ao saber que o senhor Anstruther e ela são amantes.
— Talvez tenha ouvido dizer que uma vez fui uma empregada, senhor Vickery. É necessário muito para que eu me impressione. Ouvi e vi coisas que o impressionariam.
— O que torna muito mais surpreendente — disse ele — que tenha conservado esse ar de inocência.
— Não acho que você reconheceria a inocência mesmo que se tropeçasse com ela — replicou Alice — Sei que é um libertino consumado.
Miles começou a rir.
— Reconheço a inocência em você — disse — e a desejo. Desejo lhe ensinar muitas coisas, senhorita Lister.
Pegou-a pelo queixo e fez com que o olhasse nos olhos. Ela notou seus dedos frios contra a bochecha, e piscou. Perguntou-se se ele seria capaz de ver em seu rosto a desavergonhada excitação que havia lhe acelerado o pulso. E era óbvio que sim, porque soltou uma exclamação em voz baixa e seu olhar se escureceu enquanto se inclinava para sua boca.
Alice soltou um gritinho afogado. Nunca a haviam beijado, e de repente percebeu que não sabia o que fazer. Sentiu os lábios de Miles, frios e firmes contra os seus, em um beijo delicado, mas também aterrador pelo que tinha de perigoso. Alice entendeu instintivamente que aquele era um homem que sabia o que estava fazendo, um libertino cruel que a estava tratando com delicadeza não porque era amável, mas sim porque estava calculando o melhor modo de seduzi-la. Miles fez com que separasse os lábios com suavidade, e ela sentiu sua língua na boca, acariciando-a com a leveza de uma pluma, tentadoramente. Ela abriu os lábios depois de uma leve hesitação, e o beijou também. Sabia que devia se afastar dele, mas era o suficientemente honesta para reconhecer que não queria. Era muito agradável que um homem absolutamente perito a beijasse sob a luz da lua. Ou talvez a palavra agradável não fosse suficiente para descrevê-lo. Era completamente delicioso.
Quando Miles a soltou, por fim, ela notou que seus joelhos tremiam. O olhou, e pareceu que via assombro e desconcerto em seus olhos. Entretanto, só durou um instante, e depois, sua expressão se tornou de novo completamente destemida. Ela não tinha idéia do que podia estar pensando. Talvez o tivesse feito muito ruim… talvez fosse muito torpe beijando. Não podia sabê-lo. O que sim sabia era que não deveria ter se deixado atrair para aquela situação, para começar. Uma das coisas mais importantes que havia aprendido durante sua vida como empregada era evitar os libertinos perigosos.
— Encontra-se bem, senhorita Lister? — perguntou Miles, e de novo, Alice sentiu aquela insidiosa atração que minava todas suas defesas.
"De verdade se preocupa".
— Estou perfeitamente — mentiu — Se esta é sua idéia de garantir que cheguei a salvo em casa — acrescentou — creio que deveria terminar o trajeto sozinha.
Miles quase sorriu.
— Talvez sim.
Alice se afastou dele, reprimindo o impulso de olhar para trás. Mesmo que não o visse, sabia que ele a estava vigiando até que entrou pelo portão do jardim de sua casa e pensou que, de verdade, Miles Vickery estava preocupando-se com ela. O coração se derreteu.
"É uma tola, Alice Lister".
Sabia que lorde Vickery tinha a habilidade suficiente para convencê-la de que era sua pessoa e não seu dinheiro o que mais o interessava. E, entretanto, temia que apesar de ter um sentido comum tão sólido, estava se apaixonando por ele.
Capítulo Dezesseis
Dexter estava sob a bomba de água do pátio da estalagem de Morris Clown, estremecendo-se sob a cascata de água fria que caía pela cabeça e pelo corpo, molhando sua camisa e gelando-o até os ossos. Estava tão fria que fazia mal, e o vento de outono que soprava dos prados fez com que estremecesse ainda mais. Entretanto, desejava mais. Necessitava a claridade de mente que proporcionava aquela ducha fria.
A noite anterior tinha dito a Laura que a pediria em casamento. Sentia-se triunfante depois de tê-la possuído, cheio de pura satisfação masculina ao saber que ela o tinha amado, negasse ou não, e exultante porque tivesse sido completamente sua, estava completamente decidido a reclamá-la em público. Desejava-a, e ia tê-la. Não ia sair pela janela como se fosse um ladrão e deixá-la sozinha enfrentando às conseqüências. Como parecia que era incapaz de controlar aquela paixão por Laura, domaria seus impulsos dentro do matrimônio. Era uma solução sensata.
Entretanto, depois de passar aquela noite sem dormir, os demônios da pobreza e o medo haviam voltado a atacá-lo, a esfolá-lo por sua falta de disciplina. Se não podia convencer Laura para que ficasse com o dinheiro que Henry Cole desejava lhe dar como dote, então não teria nenhuma oportunidade de fazer um casamento vantajoso. Estaria falhando com sua família. E tudo porque aqueles impulsos traiçoeiros haviam destruído a vida de seus pais, e agora ameaçavam causar estragos também na sua.
Entretanto, pensou na noite anterior. Fazer amor com Laura tinha sido tão prazeroso, tão delicioso quanto ele se lembrava. Havia tido a mesma sensação de plenitude e de correção que sempre sentia quando estava com ela. Cada vez que fazia amor com ela era mais intenso que a vez anterior. Não conseguia que seu desejo por ela cessasse, e pensar que podia obtê-lo era inútil.
Não gostava de sentir-se assim. Era irracional. Lembrava-lhe quão indigna podia chegar a ser a paixão física. Dexter não queria perder o controle sobre seus impulsos nem o respeito por si mesmo, não queria perder seu caminho, como havia feito durante sua loucura juvenil. Aquilo estava muito perto dos excessos temerários de seus pais.
Estremeceu de novo sob a correnteza fria. Na realidade, era muito tarde. Já havia perdido seu caminho. Havia fracassado em sua tentativa de contenção. Havia feito amor com Laura e os haviam surpreendido. Ela podia dizer que já não era uma jovenzinha ingênua que pudesse perder a boa reputação, mas ele era um homem de honra, um status ao qual ia se aferrar com unhas e dentes, e estava obrigado a pedir que se casasse com ele. Se não o fizesse seria um patife, e por outro lado, Miles, como primo de Laura, desafiaria-o em duelo e tentaria matá-lo.
Casar-se com Laura tinha seus benefícios. Não só a queria em sua cama, mas também, além disso, por algum motivo que não entendia bem, necessitava seu calor e sua atitude aberta ante a vida. Dexter sabia que, por causa de sua determinação por ser responsável, também podia pecar por ser muito sério. Laura conseguia distraí-lo daquela seriedade, embora existisse o perigo de que tal frivolidade pudesse ir muito longe. No fundo, Dexter não estava seguro de que queria viver sem aquela sensação de plenitude que ela produzia. Se perdesse Laura, sentiria-se como se faltasse uma parte de si mesmo. Seria como se desfizesse, sem cuidado, do que lhe convertia em um ser íntegro.
Não obstante, tais pensamentos eram inúteis. Sacudiu a cabeça com aborrecimento. Pensar assim não era prático. Tinha que admitir que casar-se com Laura era prejudicial para todos seus planos. Ela não era rica e pensava rejeitar o dinheiro que o novo duque queria lhe atribuir. Além disso, Laura não podia lhe oferecer uma vida sossegada, plácida. Não seria uma esposa dócil. Se pedisse que se casasse com ele, estaria submetendo seu futuro ao caos que sempre quis evitar. Seria algo imprudente, perigoso. Irresponsável. Estaria falhando com os que dependiam dele. E Dexter não queria todos aqueles riscos.
Saiu da ducha.
— Quero falar contigo, Anstruther.
Dexter enxugou a água dos olhos e viu Miles Vickery, que lhe estendia uma toalha. Não era exatamente um gesto conciliador; Miles o estava olhando como se tivesse vontade de lhe dar um murro. Tinha uma expressão tensa, e seus olhos castanhos, tão parecidos com os de Laura, tinham um olhar duro. Ao vê-lo assim, Dexter se perguntou se não teria perdido para sempre a boa opinião de um de seus melhores amigos por seu comportamento na noite anterior. De ser certo, não podia culpar Miles. Se alguém seduzisse Annabelle ou Caro ele o mataria.
Pegou a toalha e esfregou com força o cabelo.
— Sei que queria me dar outro murro, ou algo pior — disse, ante o silêncio de Miles — Eu sentiria o mesmo em seu lugar. O que fiz é inadmissível.
Miles relaxou um pouco.
— Não posso culpar um homem por ser um libertino quando eu também o sou — admitiu — mas de todos os modos…
— Mas de todos os modos, você não teria se comportado assim com minha prima.
Naquela ocasião, Miles ficou a ponto de sorrir.
— Não. Acredito que não, embora… — encolheu os ombros — Bom, na realidade, provavelmente sim. Mas pensava que você fosse melhor homem que eu.
— E agora sabe que não é certo.
Miles ergueu de ombros.
— De verdade vai pedir a Laura que se case contigo, Anstruther?
Dexter se deteve.
— Seria o mais honrado.
— Por Deus Santo, não peça por cavalheirismo. Se isto é só uma aventura sem importância para ti, então te peço que faça o mais decente e termine com ela. Eu nunca vou falar do acontecido, e estou seguro de que a senhorita Lister tampouco. A reputação de Laura estaria a salvo.
Então, enquanto Dexter o olhava com assombro, Miles disse:
— Laura merece algo melhor, Anstruther. Já esteve presa em um matrimônio infeliz. Merece alguém que a queira de verdade, completamente e para sempre. Assim termine com isto, e assim poderá se casar com a senhorita Cole por seu dinheiro, como tinha planejado a princípio, ou poderá procurar outra candidata, e Laura poderá procurar alguém que a queira de verdade. De todos os modos, duvido que Laura te aceite. Já ouviu o que disse ontem à noite. Não tem mais vontade de submeter-se a um matrimônio que você de pedi-lo.
Depois, afastou-se, e deixou Dexter perguntando-se se era possível sentir-se mais desonroso do que se sentia. Miles havia resumido de maneira precisa a situação: havia dito a Dexter que abandonasse Laura para seguir com seus planos de casar-se com Lydia por seu dinheiro. A integridade de Dexter se revoltou. Descrevia a situação com as palavras cruel, oportunista e mulherengo, ou era muito generoso? E se levava a cabo seu plano original, converteria-se exatamente nisso.
"Termine com ela. Merece alguém que a queira de verdade…"
Dexter já não acreditava no amor. Não queria acreditar. Um amor assim tinha que ser perigoso e podia obrigar a um homem a cometer todo tipo de ações irrefletidas. Amar alguém completamente e para sempre, como Miles havia dito, seria extraordinário. Dexter nem sequer estava seguro se existia um amor assim. E, mesmo que existisse, não estava seguro se valia a pena o risco que havia que correr por ele. Não era o que ele sentia por Laura. Desejava-a apaixonadamente, mas aquilo tinha que ser só um assunto de possessão física.
Sabendo tudo aquilo, talvez devesse fazer o que Milles havia sugerido e afastar-se, para que Laura pudesse encontrar o amor com outro homem. Assim que aquela idéia tomou forma em sua cabeça, e era um pensamento completamente racional que havia resultado de uma seqüência lógica de idéia, percebeu que não gostava. De fato, tinha um grande problema com ela. Em concreto, tinha problemas com a possibilidade de que Laura se casasse com outro homem, ou que outro homem fizesse amor com Laura, ou que estivesse em um raio de cinco metros de Laura. Ela era sua. Ele a desejava. Necessitava-a. Não estava disposto a permitir que outro homem a tivesse. A fúria primitiva daquele sentimento de posse o deixou assombrado, embora no fundo soubesse que era parte de todas as emoções turbulentas que Laura despertava nele.
Entrou na estalagem para colocar roupa limpa e preparar-se para seu encontro com Laura, pensando durante todo o tempo na diferença aterradora que havia entre os dois caminhos que se estendiam ante ele. Podia sacrificar sua honra, dizendo a Laura que o que houve entre eles havia terminado e depois embarcar em um matrimônio sem paixão, sem vida, com Lydia ou com qualquer outra herdeira. Por outra parte, poderia sacrificar todos seus planos de segurança e de riqueza e pedir a Laura que se casasse com ele. A teria, e teria a paixão selvagem que ardia entre eles, mas não teria dinheiro nem segurança, nem a vida estável que desejava, e se aquela paixão se consumisse, ficaria sem nada.
Tinha que tomar uma decisão, e tinha muito pouco tempo para fazê-lo.
Saiu do povoado a cavalo e passou diante da enorme fogueira que estavam construindo os meninos do povoado para celebrar a noite de Guy Fawkes, na pradaria que havia junto ao rio. O caminho de Fortune Hill discorria entre muralhas de pedra cinza. Depois se abria aos pastos, e dos pastos passava a uma vegetação de samambaias e urzes, que se voltava dourada ao sol do outono. Dexter continuou cavalgando para o alto da colina até que todo o povoado e o rio, e os vales mais à frente, apareceram ante ele. O vento sacudia a face.
Viu Laura quando seu cavalo coroava o topo da colina. Ela havia amarrado sua égua, uma bela castanha com uma mancha branca que ele reconheceu de seu encontro com as Garotas de Glory, e estava sentada em uma pilha de pedras da muralha ruída. Estava olhando pensativamente para o vale e os paramos longínquos. Usava uma jaqueta de montar marrom avermelhada, que parecia com as folhas caídas do outono.
Ela elevou a vista quando ele desmontava, e seus olhos se encontraram.
Durante um instante, olharam-se fixamente. Dexter pensou que ela tinha algo diferente, uma expressão de vulnerabilidade no rosto, que ele nunca havia visto. Tinha olheiras, como se não tivesse dormido. Seu coração se encolheu. Laura quase nunca baixava a guarda. Todas as decisões impossíveis que devia tomar se uniram como uma tortura e, sem poder evitar, a abraçou e a apertou contra si. Ela encaixava perfeitamente contra seu corpo e imediatamente, Dexter se sentiu reconfortado. Não era um sentimento de luxúria, mas sim algo muito mais profundo e mais terno. Laura levantou instintivamente o rosto para ele e Dexter a beijou suavemente e se afundou nas profundidades de seu desejo por ela, acrescentado pelas recordações da noite anterior.
Vários minutos depois, ele percebeu que ela usava calça de montar em vez de um traje de amazona, e que parecia que debaixo daquela calça estava nua. Ficou tão assombrado que afastou a mão inclusive enquanto seu corpo reagia e se endurecia mais que antes. Aquilo sim era luxúria rampante.
— É mais fácil montar assim — disse Laura, respondendo sua pergunta silenciosa — e com calça, uma mulher não pode usar roupa interior.
"Calças de montar. Sem roupa interior. Deus Santo".
Dexter não soube o que refletia em seu rosto. Provavelmente, o mesmo apetite incontrolado que sentia por dentro, porque ela deu um passo atrás.
— Não esperava que descobrisse — disse ela — Pensava que íamos conversar. Embora suponha que deveria havê-lo pensado, dado que não parece que possamos resistir um ao outro. O deixei boquiaberto, Dexter?
— Isso quase não descreve meus sentimentos — respondeu ele.
Ela cravou um olhar penetrante.
— Suponho que não. E menos ainda depois de ontem à noite. E, entretanto, devemos conversar. Não parece que tenhamos nenhum problema nas relações físicas, não é? É em outros aspectos onde radica o problema. Não vim aqui para retomar nossa aventura onde a deixamos ontem. Levo toda a noite acordada, tentando decidir o melhor que podemos fazer, e vim para deixar claro que o que há entre nós deve terminar Dexter. Espero que esteja de acordo comigo. Não tem por que se sentir obrigado a me pedir que se case contigo pelo que aconteceu. É um homem livre.
Dexter esperou sentir um grande alívio, como deveria ser. Laura estava negando-se a aceitar sua oferta. Estava o deixando livre.
Esperou. Não ocorreu nada. Não se sentiu aliviado, nem reconfortado, nem tranqüilizado. Olhou-a; Laura tinha o cabelo revolto pelo vento e as bochechas rosadas, e a jaqueta e a calça de montar marcavam sua figura esbelta. Dexter voltou a notar aquele sentimento de posse, quente, masculino.
— É por que há outro homem com o qual prefira se casar? — inquiriu. Apenas pensar em todos os caça dotes que iriam cortejá-la agora que tinha dinheiro, sentiu o ciúmes como uma punhalada no coração.
Ela o olhou com desdém.
— Absolutamente. Depois de tudo o que passei, acha que sou o tipo de mulher que se deitaria contigo e depois desejaria casar-se com outro?
— Não. Não acredito que você seja assim.
Laura suspirou.
— O único que ocorre é que não quero voltar a me casar. Como vou querer, se minha experiência no matrimônio foi tão infeliz? — ao ver que ele estava a ponto de interrompê-la, levantou uma mão — Sei que você não é como Charles. Claro que não. Mas eu não poderia me casar com um homem que não me quer, e eu não estou segura de que você acredite no amor, Dexter. Não estou certa de que queira acreditar. Ontem à noite disse que era uma ilusão perigosa, e disse que o único que requer de seu casamento é respeito mútuo.
Dexter encolheu os ombros.
— Quando era jovem, acreditava no amor — disse ele — Atribuía-lhe os sentimentos de luxúria e paixão. Era uma ingenuidade. Agora sei que o amor é uma palavra bonita para o desejo físico. Faz com que soe mais aceitável.
Laura fez um gesto de desgosto.
— Parabéns, Dexter — disse — Isso fez com que pareça cínico e retrógrado de uma vez. Não sei como consegue. Então, suponho que vê o matrimônio como uma questão de negócios. Assim deve ser. Queria se casar com uma moça rica e dócil para ter um casamento cômodo.
— Isso seria o ideal — disse Dexter — Não sou um homem que se permite aventuras sem sentido, assim sempre tive a esperança de que o casamento também tivesse uma parte física. Esperava que fosse agradável.
— Agradável! — exclamou Laura com desprezo — Isso é o que sentiu ontem à noite, Dexter? Que foi agradável? Rejeita o poder das emoções e, entretanto, não pode desterrá-lo de sua vida. Assim finge que o amor é menos importante do que é e o chama de outras maneiras, e pensa que pode mantê-lo em uma caixa, sob controle. Sabe? Sinto pena de sua pobre esposa. Está oferecendo algo falso, vazio, um matrimônio no qual não irá querer mais que seu dinheiro e uma vida tranqüila. Ah, e momentos agradáveis na cama. Que tipo de existência é essa?
— Uma existência racional — disse Dexter — Uma vida tranqüila, ordenada, é o ideal — disse ele.
— Que tedioso!
— Isso é gracioso vindo de ti — respondeu Dexter, que havia perdido a paciência e, como sempre com Laura era incapaz de conter-se — Desde o começo se escondeu atrás de uma fachada de correção, quando na realidade é libertina, apaixonada, desavergonhada e selvagem…
Inconscientemente, ele havia dado um passo para ela com cada palavra que pronunciava, e naquele momento, pegou-a pelos braços e a beijou com toda a frustração que sentia. Sua boca seduziu a de Laura implacavelmente, afundando-se em sua suavidade, exigindo uma resposta.
— Admita! — exclamou ela, enquanto saía de seus braços e se plantava ante ele, respirando agitadamente — representei o papel de perfeita duquesa em público, mas ao menos sou o suficientemente honesta para admitir que sou selvagem e apaixonada sob as aparências. Quando me casar, se alguma vez voltar a me casar, quero que meu marido o entenda, e que me aceite como sou. Não pode ser que queira me mudar para me adaptar a sua idéia convencional da vida. Assim não posso me casar com um homem que, em segredo, censura a atração que sente por mim e não sabe o que pensar dela.
— Equivoca-se — disse Dexter, e voltou a tomá-la nos braços — Vai se casar comigo, Laura.
— Não — respondeu ela, desafiante. Tentou escapar dele, e Dexter teve que apertar os dentes ao sentir os movimentos provocadores de seu corpo.
— Você não quer se casar comigo, na realidade — disse ela — O que quer é se libertar de sua paixão por mim para poder se casar com uma moça dócil que cumpra todos seus requisitos para ser uma esposa perfeita. Isso é o que ocorreu ontem à noite! Queria romper o feitiço que há entre nós!
— E fracassei — respondeu Dexter — Não tenho escolha, Laura, e você tampouco. Temos que nos casar. É a única maneira em que a posso tomar com honra.
Então voltou a beijá-la, mas Laura se afastou dele. Parecia que estava assustada. O coração de Dexter encolheu ao vê-la.
— Laura…
— Não posso me casar contigo — sussurrou — Você não me quer, e não sabe… — interrompeu-se. Parecia que estava aterrorizada.
— Tudo sairá bem — disse Dexter — Laura, confia em mim. Nos casaremos logo. Conseguirei uma licença especial…
— Não, Dexter. Há muitos motivos pelos quais não posso me casar contigo, mesmo que quando fico ao seu lado, os esqueço.
Dexter a pegou pela mão. De repente, estava ansioso para impedir que Laura partisse com aquela negativa.
— É por Hattie? — perguntou — Entendo que a princípio será confuso para ela, mas é muito pequena, e as crianças se adaptam com facilidade. E eu tenho seis irmãos pequenos, assim sei um pouco o que posso esperar. Juro que serei um bom pai para ela, e com o tempo, virá a me aceitar…
Dexter ficou calado. Laura tinha os olhos cheios de lágrimas. Havia tanta dor e incerteza em seu semblante que ele, instintivamente, quis abraçá-la, mas ela retrocedeu. Aquela angústia lembrou Dexter da noite anterior, quando Laura queria negar seu amor a todo custa, e ele havia percebido que estava assustada por algo.
— Não é isso — disse ela — Oh, Dexter, é tão bom homem… — então, lhe escapou uma gargalhada, que quase foi um soluço — É um bom homem, apesar de suas opiniões equivocadas sobre o amor — disse, sacudindo a cabeça um pouco — Sinto muito. É minha culpa, mas não podemos nos casar.
Dexter permaneceu imóvel enquanto a via afastar-se. Queria chamá-la para que lhe desse uma explicação.
Precisava entendê-la, descobrir a verdade. Entretanto, parecia que ela estava tão triste, e tão decidida, que algo o manteve em seu lugar. Não podia se livrar da sensação de que quando tinha se desculpado, Laura não o havia feito por rejeitar sua oferta de casamento, mas sim por outra coisa completamente diferente, por algo que ele não podia entender.






Capítulo Dezessete
Quando Laura terminou de escovar sua égua, colocou-a no estábulo e lhe deu de comer, começou a sentir-se um pouco melhor. O sentimento de culpa cansativo que a invadiu quando Dexter havia falado com tanta delicadeza de Hattie tinha cedido um pouco.
Perguntou-se se talvez tivesse dado uma resposta diferente a Dexter para sua proposta de casamento se ele tivesse dito que a amava. Ela o tinha amado durante quatro anos, e estava apaixonada por ele, mas sabia que ele não sentia o mesmo por ela. Desejava-a, mas isso não era o mesmo que amor. E, além disso, Dexter era muito convencional. O calor de sua paixão abandonava os elementos mais conservadores de seu comportamento, mas ele estava lutando contra isso todo o tempo. Ela não queria casar-se com um homem que lutasse contra sua atração por ela, em vez de celebrá-la. Um dia, talvez tivesse êxito e conseguisse dominar aquela paixão, e perder todo seu interesse por ela. Laura não queria ver-se presa em outro matrimônio no qual seu marido só requeresse que ela cumprisse com seu ideal de comportamento adequado e decoroso.
Pensou no que podia acontecer se dissesse a Dexter que teve uma filha com ele. Conhecendo-o como o conhecia, Laura sabia que ele podia ver a paternidade de Hattie como outro dos motivos pelos qual deviam casar-se, para normalizar outra situação irregular que havia entre eles. Ele pediria que se casassem porque queria fazer o correto, mas também porque isso ordenaria os eventos e os converteria em algo decoroso. O fato de cuidar de Laura e de sua filha seria o mais responsável sob o ponto de vista de Dexter. Encaixaria com suas idéias do que era o comportamento mais adequado.
Suspirou. Não tinha ocultado a verdade sobre Hattie para não casar-se com ele, mas sim porque tinha medo da absoluta convicção de Dexter sobre o que ficava bem, a inflexibilidade com a que perseguia Laura para conhecer a verdade faria com que quisesse reconhecer Hattie publicamente. Tinha medo de que ele não entendesse suas razões para seguir com a ficção. Tinha medo de que ele não entendesse suas razões para querer proteger Hattie.
Entrou pela porta do Velho Palácio e encontrou Alice Lister no salão com Hattie sobre o colo, lendo a história da bondosa dos sapatinhos.
Alice olhou Laura e sorriu.
— Bom dia, Laura. Vim me assegurar de que estava bem.
— É muito amável de sua parte, tendo em conta tudo o que te fiz passar ontem à noite — disse Laura, um pouco sobressaltada — Sinto muitíssimo, Alice. Deve ter ficado horrorizada.
— Pois não — disse Alice serenamente — É certo que me surpreendi um pouco, mas desde o começo tinha percebido sua debilidade pelo senhor Anstruther. E não se esqueça Laura, que nem sempre fui uma herdeira. Quando era empregada, vi coisas que horrorizariam a ti.
Laura se inclinou para dar um beijo na cabeça de Hattie. Sua filha estirou os braços e os passou pelo pescoço, e escondeu a carinha em seu cabelo.
— Mamãe cheira a cavalo — anunciou.
Laura começou a rir.
— Obrigado, querida. É obvio, tem razão. Tenho que trocar de roupa e me lavar, e depois, se quiser podemos brincar com sua casinha de bonecas.
— Quero um papai para minha casinha — disse Hattie — Só tenho uma mamãe e uma Hattie. Eu gostaria de ter um irmão e uma irmã também, mamãe, se quiser.
Formou-se um nó duro no pescoço de Laura. Olhou Alice, e sua amiga fez uma cara de compreensão.
— Os pais e os irmãos não são fáceis de encontrar, querida — disse Laura a Hattie.
— Temo-me que é minha culpa — disse Alice em voz baixa, enquanto Rachel levava Hattie ao andar de acima, ao quarto de brinquedos, para preparar a casinha — Hattie me disse que, como seu papai havia morrido, ela não podia ter outro. Quando eu lhe expliquei que algumas vezes, uma mamãe pode voltar a casar-se, disse-me que era estupendo, e que queria outro papai imediatamente.
Durante um instante, Laura não pôde dizer uma palavra.
— Sinto muito — disse Alice com ansiedade — Pensava que se aceitasse a proposta do senhor Anstruther…
— Entendo — disse Laura.
— Mas o rejeitou — disse Alice.
— Sim — respondeu Laura — Não posso me casar com Dexter, Alice. Há muitos motivos… — suspirou, e seguiu explicando-se — Dexter diz que tem que casar-se comigo porque é o único modo de poder me ter com honra.
— Que romântico! — exclamou Alice.
— Mas também insinuou que era contra sua vontade, e contra seu sentido comum, e que não havia nenhum motivo racional para que se sentisse do modo em que se sente. De verdade, Alice, é pomposo, obstinado e prolixo, e só quer uma mulher dócil e uma vida perfeitamente ordenada…
— Assim é como eu suspeitava — disse Alice, com os olhos brilhantes — Está apaixonada por ele. Parecia isso. Não acreditava que o aceitasse como amante se não se importasse de verdade.
— Lembra meu defunto desposo Charles!
— Deus Santo, esse é o pior insulto que você pode dedicar a um homem, assim a entendo!
— Ainda que — prosseguiu Laura — não posso entender como pode um homem beijar como Dexter, e fazer amor como Dexter, e tão decidido a ser chato!
— Huumm. Claramente, está apaixonada por ele. Que divertido é vê-la tão zangada com ele.
— Bom, e que diferença há se estou apaixonada de verdade? — perguntou Laura. Retirou o chapéu e o deixou de lado com um suspiro, e depois passou uma mão pelo cabelo revolto — Terminou Laura. Não posso me casar com Dexter, e não posso ter uma aventura com ele, porque Miles o mataria, e porque, além disso, tem razão, eu não sou das que tem aventuras escandalosas. Tenho que pensar em Hattie antes de aceitar Dexter como amante, e destroçar minha reputação e o futuro de minha filha.
— É uma pena, tendo em conta que o quer — disse Alice — mas entendo que não esteja feita para levar uma vida de escândalos, Laura. Quanto ao matrimônio, bom… — seu olhar perceptivo passou pelo rosto de Laura, e Alice sorriu — Se me disser que tem bons motivos para rejeitar o senhor Anstruther, acreditarei.
— Sim os tenho — disse Laura — e não deveria estar falando destas coisas contigo, Alice, ainda que você tenha experiência nestes assuntos. Não posso acreditar que estejamos tendo está conversa! Sua mãe ficaria espantada se soubesse — disse com um suspiro — Sou uma má influência. Oh, sinto muito.
— E brincar de família feliz com Hattie não te vai ajudar.
— Suponho que não — disse Laura, com outro suspiro. Aos poucos minutos, subiu a seu quarto para trocar-se. Ouvia Hattie falando com Rachel sobre as pessoas que viviam em sua casa de bonecas, a mãe, o pai, os dois meninos e as duas meninas…
"Quero um papai para minha casinha, e um irmão e uma irmã".
Laura se sentou pesadamente na beira da cama.
O que mais desejava Hattie era pertencer a uma família, e a Laura lhe doía o coração por ter que negar-lhe isso. Pensou de novo em como havia enganado Dexter sobre a paternidade de Hattie, e sentiu a habitual culpa atazanando o peito. Havia feito pelo melhor dos motivos. Isso tinha que ser o suficientemente bom.

* * * * *

Dexter ficou pescando toda à tarde. O discorrer tranqüilo do rio e a neblina fria que surgia da água haviam tranqüilizado um pouco seu estado de ânimo, mas havia coisas que o preocupavam ainda.
O mais exasperante e mortificante de tudo era o fato de que Laura o tivesse rejeitado. Ele sabia que havia a possibilidade de que não o aceitasse, e estava seguro de que sentiria alívio por ser livre para casar-se com uma herdeira. Em vez disso, havia sentido uma fúria possessiva que não conhecia limites. Assim, havia decidido a convencê-la para poder controlar a paixão que havia entre eles de uma maneira sensata. Mas ela não tinha se deixado persuadir. E tudo isso significava que estava frustrado e insatisfeito, e que era consciente de que não entendia os assuntos que os mantinham separados. Não gostava de deixar assuntos sem terminar. Uma das razões pelas quais era tão bom em seu trabalho, geralmente, era seu caráter implacável.
Voltava para estalagem, atravessando os prados, quando ouviu o som de vozes. O sol já estava baixo no horizonte e Dexter teve que cobrir os olhos com a mão. Viu Laura e Alice junto à margem do rio, brincando com uma menina que estava fazendo girar um aro. A menina corria e ria, e Dexter a ouviu chamar com entusiasmo sua mãe.
Percebeu que nunca tinha visto à pequena Lady Harriet Cole, e se deteve um instante a olhar. Viu como Laura tomava sua filha nos braços e girava com ela até que as duas estiveram enjoadas e caíram juntas sobre a erva. Dexter sorriu. Parecia estranho ver Laura brincando com sua filha, completamente fácil e sem reservas. Sentiu a mesma emoção que havia experimentado ao vê-la saudar Miles com tanto prazer, aquela primeira noite na sala de reunião. Sentia-se como um intruso que estava olhando uma cena. Por algo que não entendia e que não era racional, queria conhecer aquele sentimento de pertencer e o queria ter com Laura.
Hattie ria com entusiasmo. Dexter ouviu seus risinhos enquanto se levantava e pegava o aro. Sua toca havia caído, e os últimos raios do sol brilhavam sobre seu cabelo e iluminavam seu rosto. Tinha o cabelo negro como à asa de um corvo, encaracolado e forte, que nascia formando um minúsculo bico em sua testa. Embora fosse tão pequena, tinha uma expressão de força e concentração enquanto fazia girar o aro. Dexter havia visto aquela expressão muitas vezes.
Seu coração deu um tombo. Ficou sem respiração.
Alice o tinha visto. Elevou a mão para saudá-lo, mas devia ter visto a expressão de seu rosto, porque voltou a baixar a mão. Com cara de apreensão, disse algo a Laura. Laura ficou imóvel, e o sorriso se apagou de seus lábios. Pôs-se de pé rapidamente e começou a correr atrás de sua filha, com a erva alta da pradaria lhe golpeando a saia.
— Hattie! — exclamou, e Dexter percebeu o tom de medo de sua voz — Hattie! Espera!
Hattie não fez caso. Seguiu girando seu aro até que chegou junto a Dexter, e ele pegou o aro com a mão e o deteve automaticamente.
Hattie inclinou a cabeça para trás para poder olhá-lo, com outro gesto tão familiar para ele que o coração encolheu. Dexter colocou um joelho na erva, junto a ela, para que ficassem ao mesmo nível.
— Olá — disse Hattie. Tinha olhos grandes e castanhos, como os de Laura. Dexter sentiu que algo se retorcia por dentro — Quem é você?
— Sou Dexter.
— Eu me chamo Harriet — disse a menina — mas pode me chamar Hattie.
Olhou a vara de pescar que Dexter havia deixado no chão e lhe perguntou:
— O que estava fazendo?
— Pescando.
Hattie sorriu. Para Dexter, aquele sorriso foi como se o apanhassem o coração em um punho e o apertassem com força. Pensou que fosse morrer.
— Mamãe e eu vamos pescar — disse Hattie — Eu pego peixes com minha rede. Depois os soltamos. Você pescou algo?
— Não — disse Dexter. Tinha a voz rouca, e pigarreou — Esta tarde não.
— Bom — disse Hattie — Quando pescar tem que soltar os peixes — sorriu de novo, e o coração de Dexter saltou outra vez — Cai-me bem — anunciou a menina.
— Hattie… — Laura havia chegado junto a eles e pegou sua filha nos braços, afastando-a de Dexter com um gesto protetor.
Parecia que também lhe havia cortado o fôlego. Segurou com força Hattie, como se pensasse que ele a fosse arrebatá-la. Tinha um olhar de medo. Hattie era a única que não havia percebido a tensão que havia entre eles, porque estava rindo e se movia nos braços de sua mãe. Puxou o laço que Laura levava no cabelo, e o cabelo se soltou, formando um halo avermelhado ao redor de seu rosto, ao entardecer. Laura afastou algumas mechas da face com os dedos trêmulos.
Dexter se pôs lentamente em pé. Ao olhá-la, sentiu uma raiva enorme. Nunca havia sentido nada igual, nem sequer quando ela o mandou embora de Cole Court como um cão. Estava furioso, a ponto de perder o controle.
Manteve um tom tranqüilo pelo bem de Hattie.
— Acredito — disse — que se esqueceu me contar algo quando estava sendo tão honesta comigo ontem à noite.
Laura abriu muito os olhos, com horror.
— Como sabe? — sussurrou — Ela não se parece com você e não poderia dizer isso.
Ali estava. Não havia negativas, nem enganos, nem desculpas. Havia outras pessoas que sabia que Hattie era sua filha, mas ele não. A mente de Dexter funcionava a toda pressa enquanto tentava analisar todas as implicações.
— Quem sabe que é minha? — perguntou com dureza.
Laura estava aturdida.
— Seus padrinhos, Nick e Mari Falconer. E acho que Miles suspeita, embora nunca dissesse nada…
— Não podemos falar disto agora, diante da menina — disse ele, e tomou ar. — Irei te visitar dentro de uma hora. Espere-me em casa.
Laura elevou o queixo.
— Não posso. Miles virá jantar…
— Então, desfaça-se dele — ordenou Dexter — Digo-o a sério, Laura.
Tinha medo de ficar ali. Não sabia quanto tempo mais poderia controlar-se, e não queria dizer nada, em meio da angústia e a fúria, que em seguida pudesse lamentar. Tinha medo do que ela devia estar vendo em seu rosto. Nunca havia sentido uma falta de controle tão aterradora. Deu a volta sem dizer uma palavra mais, mas ao chegar à grade, olhou para trás. Alice, que havia permanecido um pouco afastada, havia tomado Hattie pela mão e caminhava com ela para o Velho Palácio. Hattie tinha parado para recolher umas margaridas que ainda floresciam no prado. O som de sua voz alegre foi se afastando pouco a pouco.
Laura ainda estava onde a havia deixado, com o olhar fixo nele. A fúria, a dor e a agonia escaldavam as vísceras de Dexter. Nunca teria imaginado que algo pudesse fazer tanto estrago. Pensou em Laura, lhe ocultando a existência de sua filha, e em Hattie, que levava o sobrenome de um homem a quem ele desprezava. Laura não havia contado nada mais que mentiras. Ele havia acreditado que por fim, tudo havia ficado esclarecido entre eles, mas inclusive então, ela havia guardado seus segredos. Ele havia começado a confiar em Laura de novo, mas ela nunca havia tido a intenção de lhe confessar a verdade sobre sua filha.
Teve a sensação de que algo se quebrava dentro dele. Sempre havia tentado valer-se do senso comum e da razão para se proteger dos excessos das emoções. Entretanto, aquela proteção havia desaparecido. A dor o estava destroçando por dentro. Naquele momento, só podia fazer uma coisa, e assim que refletiu sobre ela, sentiu-se melhor, mais tranqüilo, mais controlado, de novo racional.
Tinha que insistir para que Laura se casasse com ele.
Ela havia recusado sua proposta aquela manhã, mas agora Dexter sabia que tinha uma filha. Fechou os olhos, e viu as imagens de sua própria infância contra as pálpebras: a confusão nos rostos de seus irmãos e irmãs quando ouviam os falatórios sobre a miscelânea Anstruther, as cicatrizes que todos aqueles escândalos haviam deixado no coração, e o modo em que havia tentado ignorar a dor, as dúvidas intermináveis sobre sua filiação e sobre se era verdadeiramente o filho de seu pai.
Ia insistir em que Laura e ele se casassem. Assim, Hattie formaria parte de sua família. Oficialmente, seria sua filha adotiva, mas faria a menina conhecer sua verdadeira origem assim que fosse o suficientemente maior para entendê-lo. Casando-se com Laura, ele imporia ordem naquele caos. As duas seriam suas.
Laura se converteria em sua esposa, e a paixão desmedida que havia ocasionado o nascimento de sua filha ilegítima estaria, ao fim, sob seu controle. Tudo seria ordenado e tranqüilo de novo. Por um momento, perguntou-se como ia poder viver com Laura sabendo que ela havia feito tanto mal, mas de novo, sua lógica o resgatou, lhe dizendo que não havia nenhuma diferença. O que importava era ter as rédeas da situação. E as teria. Tudo iria ficar bem.

* * * * *

Lydia estava ansiosa. Pegou com desinteresse a comida de seu prato e observou pela enésima vez os convidados reunidos na mesa de Sir Montague aquela noite, ainda que soubesse que seu amante não estivesse presente. Aquele dia só o havia visto um breve instante, enquanto ele estava entabulando uma conversa com outro homem no balneário. Ele a havia olhado e a ignorado como se não tivesse a mínima importância, e Lydia tinha se sentido ferida, ainda que se tivesse dito que era parte de seu segredo.
Tentou consolar-se com a lembrança das amostras de carinho de seu amante depois que fizessem amor na noite anterior, durante o baile de máscara. Entretanto, naquele momento aquilo também a angustiava. Não sabia se havia se tornado louca por permitir que a seduzisse à luz da lua. Naquele momento tinha parecido tão romântico, e o queria tanto, que havia se entregado a ele sem pensar nas conseqüências, mas ao refletir com mais calma, sentia calafrios. Não tinha dito nada de voltarem a ver-se. O único que proporcionava certa tranqüilidade a Lydia era o calor do anel que havia lhe dado de presente e que agora estava pendurado no pescoço, contra o peito.
Brincou com a fruta cristalizada até que sua mãe elevou o braço e lhe arrebatou a colher. Caiu sobre a mesa com um tinido que ressonou no súbito silêncio.
— Fique quieta! — sussurrou sua mãe com fúria — Vamos, Lyddy, o que te ocorre hoje? Tem rosto de funeral!
— Não me ocorre nada, mamãe — respondeu Lydia.
Faye estava especialmente zangada com ela aquele dia, depois de havê-la visto dançar com seu amante durante o baile da noite anterior. Havia interrogado uma e outra vez Lydia para conseguir que lhe dissesse seu nome, e quando Lydia havia fingido que não sabia do que estava falando, Faye a atirou a escova de cabelo. Por sorte, havia falhado, mas Lydia percebeu que o gênio de sua mãe, sempre instável, estava à beira do colapso.
— Então, sorria! — prosseguiu Faye — Sorria e finja que está contente, ou nunca caçará um marido! — disse, acompanhando suas palavras com um sorriso tão tenso que Lydia pensou que ficaria bem ao boneco de Guy Fawkes que iam queimar aquela noite na fogueira. Sem poder suportar mais, Lydia se levantou e empurrou para trás a cadeira.
— Me desculpem — disse para toda a mesa — Não me sinto bem.
Faye a olhou com assombro.
— Lydia! Venha aqui! Digo-te que venha!
Lydia caminhou para a porta com a voz de sua mãe nos ouvidos. Um lacaio lhe abriu a porta e ela a atravessou com uma palavra de agradecimento e sem olhar para trás. No corredor para a saída não havia nenhum empregado, porque Sir Montague empregava poucos criados para economizar dinheiro. Fazia frio porque a porta do pátio estava aberta. Lydia ouviu as vozes longe de dois homens que estavam falando.
À medida que ela se aproximava, a conversa terminou, e um homem entrou pela porta no corredor em penumbra.
— É você! — disse ela — Oh, onde estava? Queria te ver e…
Ele esteve ao seu lado com um só passo e a pegou com firmeza pelo braço.
— Shhh! Supõe-se que não estou aqui.
Lydia percebeu que ia abrigado para o exterior, com uma grossa capa negra. Cheirava a ar fresco e a fumaça de lenha. Ao perceber o aroma de sua pele, a cabeça começou a lhe dar voltas e recordou tudo o que havia acontecido na noite anterior. A urgência de seu pedido a fez ficar calada, e emocionada também.
— Mas, por quê? — sussurrou — Vive…
Naquela ocasião, ele a silenciou com um beijo. Foi algo feliz. A cabeça dava mais e mais voltas.
— Viu alguém mais? — perguntou, ao afastar de seus lábios. Para Lydia pareceu uma pergunta estranha, mas o beijo a havia distraído tanto que não perguntou nada.
— Pareceu-me que estava falando com alguém — confessou — mas não estava certa.
Ele voltou a beijá-la. Naquela ocasião, Lydia sentiu alívio em sua forma de abraçá-la, antes que se transformasse em uma urgência distinta.
— Venha — sussurrou ele.
Abriu uma porta e a empurrou dentro. Estava muito escuro, e Lydia percebeu o aroma de cera e a limpador de prata.
— Onde estamos? — perguntou-lhe, assombrada.
— Em um dos armários de limpeza.
Ela sentiu um sorriso em sua voz, embora não pudesse vê-lo na escuridão. De repente, ele começou a lhe desabotoar o vestido. A Lydia deixou escapar um ofego.
— Não podemos fazê-lo aqui!
— Sim, podemos.
Lydia pensou em sua mãe, que estaria devorando a sobremesa na sala de jantar, e sentiu um enorme arrebatamento de desobediência. Depois de tudo, podia ser selvagem, pensou. Podia rebelar-se.
— É verdade.




























Capítulo Dezoito
— O senhor Anstruther, Excelência.
Eram as seis em ponto quando Carrington acompanhou Dexter ao salão do Velho Palácio. Laura havia tomado um pouco de brandy, como se fosse um remédio, para acalmar-se, e depois havia tentado ler uma revista enquanto esperava. Entretanto, não podia concentrar-se na leitura e, com exasperação, havia se levantado e se pôs a olhar pela janela.
Quase tinha escurecido, e a lua, que na noite anterior brilhava com força, estava oculta atrás de uma nuvem. A noite parecia lúgubre e ameaçadora. Deixou que a cortina caísse em seu lugar e se voltou para a chaminé para tentar sentir o conforto do calor do fogo.
Laura respirou profundamente enquanto se virava para Dexter. Sentia ansiedade e medo. O sentimento de culpa a corroia, e a tensão lhe havia provocado uma intensa dor de cabeça. No longo momento que transcorreu até que Carrington fechou a porta e os deixou sozinhos, percebeu que Dexter estava muito elegante, como se tivesse feito um esforço especial com seu aspecto aquela noite. Usava uma camisa branca antiga e uma calça sem uma só ruga. Suas botas reluziam. E ao ver o esforço que ele havia feito com aquele traje imaculado, somado a seu olhar implacável, o coração de Laura encolheu com um sentimento de perda.
— Gostaria tomar algo comigo, senhor Anstruther? — perguntou.
Sorriu ironicamente ao pensar no conselho que teria lhe dado sua mãe para que mostrasse o comportamento adequado de uma duquesa em uma situação como aquela.
"Quando seu amante a visite para falar sobre sua filha ilegítima, da qual você não tinha lhe contado nada, ofereça uma taça de vinho".
Aquilo não figurava no livro de etiqueta de uma duquesa viúva, certamente.
— Obrigado — disse Dexter.
Laura serviu uma taça de vinho e ele a aceitou, mas depois a deixou imediatamente sobre uma mesa, como se não tivesse interesse para ele. Estava concentrado em Laura, silencioso, vigilante, cheio de tensão e antagonismo.
— Hattie é minha filha — disse.
— Sim.
— Soube assim que a vi — disse ele. Depois, seu tom de voz endureceu. — Me ocultou deliberadamente para que eu não adivinhasse?
— Na realidade, não — disse Laura — Eu não pensava que fosse reconhecê-la — acrescentou, e pigarreou — Como soube? Eu acreditava que não se parecia absolutamente a sua família.
Lembrou então aquele momento na galeria, quando Hattie havia olhado para cima com um gesto exatamente igual ao de Dexter. O parecido, às vezes, era uma questão de pequenos gestos, mais que de aspecto físico.
— Tem a mesma expressão decidida que eu — disse Dexter — E, além disso, está isto.
Entregou um pequeno relicário. Laura o pegou e o abriu. Dentro havia uma fotografia. Era de uma menina tão parecida com Hattie, que a respiração de Laura se entrecortou.
— É minha meio-irmã, Caro Wakefield, quando tinha cinco anos — disse Dexter com severidade — Pode que tenha ouvido dizer que era a pupila de meu pai. Isso é uma amável mentira para ocultar o fato de que era sua filha ilegítima, e parte da miscelânea Anstruther.
— Tem os mesmos olhos azuis que você — disse Laura.
Ela se sentiu aturdida. Estava a ponto de chorar. O fato de ver aquele parecido, de ser consciente pela primeira vez de que Hattie pertencia a uma família maior, era um sentimento extraordinário.
— Enquanto que Hattie tem os olhos escuros. Castanhos, como os teus.
Laura elevou a vista. Estavam falando relaxadamente, mas sob a superfície, ela notava toda a dor e a fúria que se interpunham entre os dois.
Dexter passou a mão pelo cabelo e o remexeu por completo.
— Agora vejo que tudo encaixa. De fato, não sei como não havia percebido antes. Há quatro anos, em Cole Court, você me disse que Charles e você estavam separados. Entretanto, um ano depois, mais ou menos, inteirei-me de que tinha tido uma filha, e pensei… — encolheu-se os ombros e continuou falando com frieza — que só tinha me contado outra mentira mais.
— Não — disse ela.
"Outra mentira mais".
Laura se sentiu muito triste.
— Não. Agora percebo. O parecido de Hattie com Caro deixa bem claro quem é seu pai. Caro se parece com a família de meu pai. Meu irmão Roly também. O cabelo loiro e os olhos azuis são da família de minha mãe.
— Deveria ter pensado — disse Laura — Hattie não se parece com você. Assim pensei que…
— Que nunca perceberia?
— Acreditava.
— E não pensava me dizer isso nunca?
— Não.
Ela percebeu a acusação em seu silêncio.
— E por que faria isso? — disse-lhe em tom defensivo — Charles ainda vivia quando nasceu Hattie. Todo mundo assumiu que era filha sua, e eu não ia sugerir o contrário. Imagine o escândalo se tivesse sabido a verdade, Dexter! Teria sido um grande problema.
— Sempre tão preocupada em proteger sua reputação? Sei que isso é o que mais te importa.
— Está confundindo — respondeu ela com indignação — Eu só queria proteger Hattie. Por isso ocultei tudo. Acha que queria marcá-la como filha ilegítima, e que crescesse à sombra da desonra de sua mãe? Por isso não lhe disse nunca.
Dexter se afastou alguns passos dela, com um grande rechaço nos olhos.
— E você pensava que eu ia falar com todo mundo sua suposta desonra, e condenar a nossa filha à ruína? Que tipo de homem pensa que sou?
— Nunca pensei que fosse fazer de propósito. Tinha medo. O escândalo tem uma forma inevitável de filtrar-se e machucar quem menos o merece, por muito que se tente mantê-lo em segredo — disse ela com desespero — Já sabe que se alguém sussurrasse que Hattie é ilegítima, causaria um grande escândalo.
— Entendo que não me dissesse isso quando Charles vivia, mas que não me dissesse isso depois de sua morte…
— E o que ia fazer? Escrever tranquilamente para informar que tinha uma filha de dois anos? Além disso, eu já sabia qual era sua opinião sobre mim. Pensei que duvidaria que Hattie fosse sua filha, e que eu a tinha posto em perigo para nada.
Dexter tinha uma expressão muito dura.
— Bom, pode ficar tranqüila. Não duvido nada de quem é o pai de Hattie. — disse com aspereza — Ao menos, isso é algo sincero entre nós.
Laura estremeceu. Aquela mesma manhã, ele a havia abraçado e demonstrado ternura, ainda que não amor. Naquele momento parecia que a odiava.
— Como estavam separados, Charles deveria saber que Hattie não era sua filha — disse ele — O que ocorreu quando soube que estava grávida?
Laura o olhou. Não queria contar, não queria lembrar as coisas terríveis que Charles havia feito, mas sabia que já não podia ocultar nada mais ao Dexter.
— Charles retornou a Cole Court, de Londres, quando eu estava grávida de seis meses — disse. Teve que interromper-se para engolir saliva, e continuou — Estava bêbado e muito violento. Insultou-me por haver ficado grávida de outro homem. Empurrou-me pelas escadas. Recordo que estava aterrorizada pelo bebê. Nos dez anos de matrimônio com Charles, nunca pensei que pudesse conceber um filho, e não podia suportar a idéia de perdê-lo. Se a tivesse perdido, não teria podido seguir vivendo, Dexter. E Charles… ele ficou me olhando, enquanto eu estava no chão, e me disse que esperava que meu filho estivesse morto. Depois, afastou-se.
Dexter fez um gesto instintivo de horror e repulsão.
— Mais tarde — disse ela — escreveu-me para me dizer que ia tirar Hattie de mim — suas palavras brotavam com ansiedade, derramavam-se depois de tanto tempo de restrição — Charles ameaçou me denunciar. Iria me tirar Hattie e me desterrar. A princípio não disse nada por orgulho, mas à medida que se zangava mais, e se sentia mais amargurado, suas ameaças se fizeram mais e mais cruéis — Laura cobriu o rosto com as mãos brevemente — Tinha muito medo — disse — Hattie era tudo para mim, o mais maravilhoso do mundo. Não teria podido suportar que… — interrompeu-se — E então, Charles se matou. E eu me alegrei.
Notou que Dexter lhe acariciava o braço com suavidade.
— Sinto que tivesse que passar por tudo isso sozinha.
Laura ficou imóvel, rígida sob sua carícia, com o medo e a tristeza trancados dentro de si. Queria que a tomasse entre seus braços, mas sabia que não obteria sua absolvição. Afastou-se, e ele a deixou ir.
— Obrigado — disse — Creio que é um dos motivos pelos que me propus manter Hattie a salvo, a todo custo, durante estes anos.
— Mas isso não justifica que não me dissesse que eu era seu pai.
O coração de Laura encolheu.
— Entendo que esteja zangado…
— Duvido que o entenda — disse Dexter. Seu tom era perigosamente sereno, mas Laura notava a tensão nele, quase sem controle — O aborrecimento não vale para descrever o que sinto agora. Descobrir que sou o pai de sua filha, saber que nunca pensava em me dizer isso... — Dexter sacudiu a cabeça — Bom, pode ser que tenha me negado o direito de cumprir minhas responsabilidades por minha filha estes anos, mas já não o fará mais, Laura. Casará comigo. Desta vez terá que me aceitar. Casará comigo pelo bem de Hattie. Diz que tudo o que fez foi para proteger sua filha. Bem, agora que finalmente sei que é minha essa é minha responsabilidade.
Laura colocou uma mão na testa.
— Não! Não posso me casar contigo agora que sei que está tão zangado comigo, e não pode querer nos oferecer seu amparo.
Dexter se aproximou dela. Seu semblante era de granito.
— O farei por Hattie. Não permitirei que cresça sem saber que sou seu pai, e menos sabendo que sempre vai pensar que seu pai era Charles Cole, um homem cruel e dissoluto.
— Mas vais estragar tudo de bom que eu consegui — argumentou Laura desesperadamente — Quando Hattie estiver com sua família, e a pessoas vejam como é parecida com alguns de seus irmãos, haverá rumores! Dirão que tivemos uma aventura antes que Charles morresse, e arrastarão pelo pó o nome de Hattie! Dexter, a única coisa que sempre quis é que Hattie estivesse a salvo. Você diz que quer protegê-la, e o melhor modo de fazê-lo é que nos deixe em paz.
Dexter sacudiu a cabeça.
— Sempre haverá fofocas. As pessoas não poderão comprovar nada. O fato é que Charles estava vivo quando Hattie nasceu, e nunca disse que era ilegítima. E agora que ele está morto, estarão mais seguras sob o amparo de meu sobrenome que sem ele. Não vou permitir que me exclua mais da vida de Hattie, Laura.
— Mas isso não significa que tenhamos que nos casar — disse Laura — Você pode ver Hattie…
— Isso sim que causaria falatórios — disse Dexter — porque se supõe que eu não tenho nenhum vínculo com ela.
Laura ficou em silêncio. Aquilo era certo. Elevou ambas as mãos e exclamou:
— Mas não entendo por que não pode aceitar as coisas como são! Assim é como se fazem as coisas…
— Eu não as faço assim — disse Dexter. Sua ira era evidente naquele momento. Chispava no ambiente — Sei que meia sociedade tem aventuras e filhos ilegítimos, e todos fazem o que está em sua mão por evitar o escândalo. Quem vai saber melhor que eu, com minha história familiar? E, como eu nasci em semelhante situação, estou absolutamente decidido a que nenhum de meus filhos tenha que suportá-lo. Estou disposto a manter a mentira do parentesco de Hattie fora da família. Depois de tudo, só é nosso assunto, e de ninguém mais. Entretanto, dentro da família, Hattie saberá exatamente quem é seu pai, e não haverá maus entendidos nem mentiras. E, para que isso aconteça você se casará comigo.
— Não posso me casar contigo — afirmou Laura — Agradeço o que quer fazer, Dexter. Admiro seu sentido da honra, que te impulsiona a fazer o que pensa que é melhor para Hattie, inclusive com o desagrado que sente por mim. Entretanto, não tem por que preocupar-se pela menina. Nicholas e Mari Falconer são os padrinhos de Hattie, e nunca permitirão que lhe falte nada, nem material e emocionalmente. E eu tenho muitos familiares, como Miles, que me ajudarão…
Dexter se moveu bruscamente para ela, e Laura ficou calada.
— A Hattie sempre faltará um pai — disse ele, entre dentes — e eu não vou permitir. Ou será que prefere aceitar qualquer outra opção, a caridade de outras pessoas, antes de me aceitar? Pensa que vou ficar de braços cruzados olhando como outro homem mantém minha filha, quando é meu dever, e eu estou disposto a fazê-lo?
— Não estou te rejeitando por isso…
— Se não me aceitar, Laura, serei eu quem dirá a todo mundo que Hattie é minha filha, e suas mentiras não valerão para nada.
Laura ficou boquiaberta.
— Você não é capaz de fazer algo assim! Não é esse tipo de homem!
— Equivoca-se. Sou exatamente esse tipo de homem. Farei isso, e muito mais, para conseguir que aceite minha proposta. Acredito que deixei bem claro que quero que Hattie e você vivam comigo, e se o único meio de consegui-lo é dizer a todo mundo que ela é minha filha, farei.
— Diz que quer o melhor para Hattie — disse Laura, que tinha se encolerizado ante a decisão de Dexter — e, entretanto, a ameaça e a utiliza como se fosse moeda de troca.
— Só quero protegê-la — disse Dexter — admitiu que não está unida a sua família, Laura. Quero que Hattie cresça em uma família cheia de amor.
— Não sei como vai ser feliz quando souber que seu pai obrigou sua mãe a casar-se com ele, e que não suportam estar um com o outro — replicou Laura — Além disso, não pode aparecer um dia e começar a viver conosco pelas boas. Hattie não o conhece!
— Já disse está amanhã que as crianças se adaptam facilmente. Hattie me conhecerá rapidamente. Com seis irmãos menores, tenho experiência com as crianças. Pode confiar em mim.
Laura o olhou. Era certo que Hattie seria mais aberta que ela. Quando havia conhecido Dexter, aquela mesma tarde, o havia aceitado sem problemas. Era uma menina feliz porque, apesar de tudo o que havia acontecido, Laura tinha trabalhado muito duro para que nada nem ninguém ameaçasse nunca a segurança de Hattie. A menina daria a Dexter seu amor incondicional e Laura sabia instintivamente que Dexter nunca trairia o amor e a confiança de sua filha. Laura era consciente de toda a felicidade que poderia proporcionar uma relação assim aos dois. Dexter seria um magnífico pai. Entretanto, o preço era que também que teria que ser seu marido. Seria um marido que sempre a odiaria por seu engano. Embora, se a alternativa era que Dexter revelasse a verdade sobre o parentesco de Hattie, o que podia fazer Laura? Sentiu uma dor amarga por dentro.
— Muito bem — disse finalmente — Casarei-me contigo por Hattie. E aceitarei o dinheiro que me darão Henry e meu irmão como dote, pelo bem da família. Entretanto, será um casamento de conveniência, Dexter. Tem que ser. Vai se casar comigo só para ser o pai de Hattie, não meu marido.
Ela se interrompeu. Nos lábios de Dexter tinha se desenhado um sorriso inquietante.
— Minha querida Laura — disse — engana-se. Eu desejo ser seu marido em todos os sentidos. Por que vamos ter um matrimônio de conveniência?
— Porque nós não gostamos um do outro — respondeu Laura bruscamente.
— Acreditava que ontem deixamos claro, em sua biblioteca, o muito que nos gostamos.
— Estou falando de confiança e de respeito, não de luxúria — disse Laura — Isso é o que me disse que necessitava em um casamento. Você não sente nenhuma dessas duas coisas por mim.
Dexter não a contradisse. Seguia tendo um sorriso perturbador.
— Essas qualidades são desejáveis, mas não imprescindíveis para ter relações íntimas — murmurou.
— Que cínico — disse Laura com desesperança — Não posso fazer amor contigo sabendo o muito que te desagrado.
Dexter sacudiu a cabeça.
— Estou certo que pode. Eu ainda te desejo, e isso é importante.
Então, deslizou a mão pela nuca e a atraiu para si até que a beijou. Seus lábios eram frios, firmes, quase delicados, mas não houve nenhuma ternura para ela. Apesar de tudo, Laura sentiu um arrebatamento de paixão por todo o corpo, e sem poder evitá-lo, abriu os lábios em resposta às exigências de Dexter. Quando a soltou, os dois tinham a respiração entrecortada, e os olhos brilhavam de desejo.
— Vê? — perguntou no mesmo tom frio — Não necessita confiança, nem estima, nem respeito por minha parte. Conseguirei uma licença especial e nos casaremos em quinze dias.































Capítulo Dezenove
Era o dia do casamento de Laura, o sol de outono brilhava no céu e os murmúrios em Fortune's Folly eram ensurdecedores. Todo mundo comentava que a duquesa viúva de Cole ia se casar com o senhor Anstruther com uma pressa escandalosa e com uma licença especial. Laura sabia que a metade do povoado estava sugerindo que ela havia tido uma aventura com Dexter, e que estava grávida. A outra metade pensava que ele era um caça dotes muito bonito e que ela era uma mulher muito velha que havia caído rendida diante de seus encantos. Ambos eram rumores escandalosos, e para Laura estavam muito perto da verdade para permitir que se sentisse cômoda.
Olhou-se no espelho, já vestida de noiva. Não havia tido tempo de encomendar um traje novo para a ocasião, e havia selecionado um vestido muito bonito, ainda que antigo, que não tinha posto desde seus primeiros dias de casada com Charles. Era de seda rosa escuro, bordado com casulos de rosa de uma cor mais clara. Favorecia-lhe muito, mas o mais importante daquele vestido era que o havia posto quando era feliz, antes que o fantasma da desatenção e indiferença de Charles a tivesse escurecido e mudado sua vida. Era como se ao colocá-lo para aquele casamento, estivesse fazendo uma promessa de confiança, estivesse demonstrando uma grande esperança em encontrar junto a Dexter a felicidade que tanto ansiava.
E mesmo assim, experimentou um momento de pânico ao ver seu reflexo. Como ia suportar aquela farsa de casamento? Dexter não a amava. Só amava Hattie. Claramente, não amava Laura como ela o amava.
Durante os quinze dias que haviam passado desde que ele havia insistido em que se casassem, Laura tinha apagado todas as dúvidas de sua mente e havia se concentrado só na necessidade de fazer o que tinha que fazer para proteger Hattie. Dexter havia ido visitá-la todos os dias, mas haviam passado muito pouco tempo conversando, e ele não a tinha tocado nenhuma única vez. Sua única intenção era começar a conhecer sua filha. Haviam ido juntos fazer voar o cometa de Hattie, ou a lanchar junto ao rio. Algumas vezes Alice os tinha acompanhado, e Rachel também havia ido, o que tinha facilitado a situação para Laura e para Hattie, a princípio. Mas Hattie havia aceitado Dexter em sua vida com toda a franqueza de seu caráter, e a Laura tinha doído o coração ao ver a natureza confessada do amor de sua filha. Para Hattie tudo era tão simples, tão fácil…
Por parte de Dexter, também, Laura pensava que o amor era incondicional. Doía vê-lo olhando Hattie com tanto orgulho e afeto, porque só servia para sublinhar tudo o que havia negado durante os quatro anos anteriores. E então, quando Dexter elevava a vista e a olhava, a ternura se evaporava de seus olhos, e Laura sabia que não a tinha perdoado.
— Está linda, Laura — disse Alice, enquanto colocava suavemente a mão no braço e a tirava de seu devaneio — Tome. Cortei algumas das últimas rosas de minha estufa para que tenha um arranjo. Já é hora de sair.
Laura pegou o pequeno arranjo e inalou a fragrância das flores. As rosas cheiravam como os últimos dias do verão.
— Obrigada — disse.
Alice sorriu, e Laura percebeu, com uma pontada de remorso, de que sua amiga pensava que ia casar se com Dexter por amor, e não porque não restava mais remédio. Alice havia ficado muito contente quando tinha anunciado o compromisso. Era uma das poucas pessoas que recebeu a notícia sem fazer nenhum julgamento. Laura não tinha coragem para lhe dizer que tudo era mentira.
Deliberadamente, havia escolhido para casar-se na primeira hora da noite, quando a maioria dos habitantes curiosos de Fortune's Folly estariam já em casa. Não tinha vontade de que seu casamento se convertesse em um espetáculo. As únicas pessoas que queria que estivessem lá eram Alice, que seria sua dama de honra, e Miles, que a entregaria ao noivo. Ela nem sequer queria que acudisse Hattie, mas Dexter tinha se empenhado. Ele sim queria que sua filha estivesse lá e que visse seus pais casarem-se, mas Laura sabia que a ocasião era por seu bem, não pelo de Hattie. Dexter estava deixando claro, publicamente, que as duas eram suas, sem nenhum fingimento.
Hattie estava com Rachel no corredor, pequena, sonolenta, esfregando os olhos e com um pequeno arranjo de rosas sem espinhos que era uma versão em miniatura do de Laura. Laura sentiu formar um nó na garganta ao acariciar a bochecha suave de sua filha com os lábios. Miles também estava lá, um Miles estranhamente solene, com um semblante sério e severo. Sorriu ao vê-la, e Laura se esforçou para lhe devolver o sorriso.
— Está bem, Lal? — perguntou ele, e Laura assentiu, com as lágrimas a ponto de aparecer.
Miles pegou Hattie nos braços e juntos saíram do Velho Palácio para a igreja.
Pelo caminho, Laura se estremeceu dentro de sua capa, mas não só pelo frio daquela noite de outono, mas também de nervosismo. O chão estava escorregadio pelo rocio, e ela agradeceu o apoio do braço de Alice. O vigário de Fortune's Folly estava esperando na porta da igreja, e na eterna calma do interior do templo, estavam Dexter e seu padrinho, Nat Waterhouse. Quando se aproximaram, Miles assentiu rigidamente a Nat, mas ignorou Dexter por completo. Laura olhou Dexter nos olhos. Ele a estava olhando também, e por um momento, pareceu que estava deslumbrado, e algo mais, mas em um segundo a frieza voltou a apoderar de seus olhos.
— Queridos irmãos — começou o vigário.
A missa terminou em um abrir e fechar de olhos. Laura soube que devia ter dado as respostas apropriadas, mas ao final, não lembrava nada.
Dexter a beijou brevemente, com os lábios frios e distantes. Parecia que não tinha nenhuma emoção para ela.
Hattie se abraçou ao pescoço de Dexter e lhe deu um beijo, e então, Dexter sim sorriu; o sorriso foi terno e cheio de carinho para sua filha, e o coração de Laura encolheu de pena ao ver que ele sentia um amor tão puro por Hattie, e nenhum por ela. O amor que ela sentia por ele era impossível de ignorar. Havia temido que, como com Charles, seu amor por Dexter murchasse devido à raiva que ele sentia por ela, mas não havia sido assim. Ao vê-lo com sua filha, experimentou uma grande ternura. Desejava desesperadamente que ele a quisesse, e ainda que soubesse que não seria assim, não podia renunciar a esperança de que um dia as coisas mudassem.
Miles beijou Laura, mas nem sequer estreitou a mão de Dexter. Olhou seu antigo amigo com desagrado, com os ombros erguidos, com antagonismo em todos os ângulos de seu corpo.
— Adverti-te que não se casasse com ela a menos que fosse de verdade — disse a Dexter — Se me inteirar de que Laura não é feliz, Anstruther, virei te buscar.
Depois, assentiu bruscamente para Alice e partiu. Durante um momento, houve um brilho de aborrecimento nos olhos de Dexter. Depois pegou Hattie nos braços e se virou para Laura.
— Vamos para casa? — perguntou com uma impecável cortesia.
Alice ficou nas pontas dos pés para dar um beijo a Laura.
— Espero que seja muito feliz — sussurrou.
Hattie estava tão cansada quando voltaram para casa caiu adormecida nos braços de Dexter. Laura o observou enquanto a levava a seu quarto. Era extraordinário. Parecia que tudo continuava igual e, entretanto, as coisas não poderiam ser mais diferentes. A senhora Carrington havia preparado um cordeiro delicioso para o jantar, mas Laura não tinha fome. Estava sentada sozinha na sala de jantar, e o guisado congelava em seu prato. Ela pensou, com ar taciturno, que aquilo parecia um funeral, e não um casamento.
A porta da sala de jantar se abriu e se fechou com firmeza. Laura percebeu que Dexter se sentava atrás dela em uma cadeira.
— Está cansada? — perguntou ele. Acariciou-lhe a bochecha de uma maneira suave, mas impessoal — Talvez devêssemos nos deitar.
Laura não disse nada. Havia chegado o momento da verdade, e se sentia assustada. Saiu da sala e subiu as escadas diante dele, mas no último degrau, virou-se de repente e disse:
— Dexter, não posso fazê-lo. Você… eu… tenho a sensação de que já não te conheço.
Ele pegou sua mão e acariciou a palma com o dedo polegar, e imediatamente, Laura sentiu um comichão por todo o corpo.
— Conhece-me — disse Dexter, e a beijou.
Sem que ela pudesse evitar, seus lábios se abriram sob a inflexível pressão da boca de Dexter. Sua língua a invadiu, doce e sedutora. O corpo de Laura o reconheceu imediatamente e se encheu de um desejo trêmulo. Sentiu que seus joelhos tremiam e encolheu os dedos dos pés dentro dos sapatos de seda rosa, enquanto ele seguia beijando-a e se afundava em sua boca até que ela teve que retroceder para poder tomar ar.
Dexter soltou um som de satisfação do fundo da garganta e a pegou em braços. Cruzou a soleira de seu quarto e a estendeu na cama. A combinação de Laura subiu pelas coxas, e se sentou rapidamente para cobrir-se. O beijo encheu seu corpo de desejo, mas sua mente seguia distanciada, fria e preocupada. Não podia responder a Dexter daquele modo. Não queria. Todo o resto estava retorcido e quebrado entre eles por seu sentimento de culpabilidade e pela falta de perdão de Dexter.
Dexter estava afrouxando o lenço do pescoço. Deixou-o cair descuidadamente no chão. Seguiu sua camisa. Laura afastou rapidamente a vista, mas antes viu seu peito musculoso, largo. O desejo aumentou. E também o pânico. Quis transmitir algo de sua inquietação a Dexter, fazer um último esforço para que a entendesse.
— Por que estamos fazendo isto? Nem sequer te agrado neste momento, Dexter, e muito menos me quer. E eu já te disse que não posso ter relações sexuais sem amor, só pelo prazer físico…
— E eu te disse que estou certo de que pode sim — respondeu ele, com uma expressão implacável. Aproximou-se da cama, e o colchão se afundou sob seu peso quando se sentou junto a ela — Será meu objetivo, querida Laura, te demonstrar que pode.
A Laura sentiu seu estômago se contrair, com uma impaciência que a horrorizou e a excitou ao mesmo tempo. Olharam-se, e Dexter estendeu a mão para o laço rosa que abotoava a gola do vestido. Ele roçou com os nódulos a elevação do seio por cima do vestido. Laura permaneceu sentada, tensa e muito erguida, com todos os sentidos em alerta. Dexter desmanchou o laço, pensativamente, entre os dedos, e depois deu um puxão e soltou.
— É minha mulher, e quero fazer amor contigo — sussurrou, enquanto desabotoava o primeiro botão de seu sutiã — Vou fazer amor contigo e será muito prazeroso para os dois.
Enredou a outra mão entre seu cabelo e inclinou a cabeça para frente para poder beijá-la íntima, profundamente, para poder marcá-la com sua posse. A cabeça de Laura começou a dar voltas. Seus sentidos arderam. Ele tinha tomado tudo aquele dia, pensou ela, enquanto a tombava contra a colcha e se estendia sobre ela. Era sua esposa, levava seu sobrenome, ele tinha sua filha e o único que necessitava para completar a apropriação era tomar seu corpo. Sua alma, que uma vez havia lhe dado voluntariamente, seria o único que ele não poderia tocar. Então, por que não ia render-se aquele calor delicioso e intenso que minava todas suas defesas? Queria sentir o gozo físico de suas carícias, e no momento, aquilo teria que ser suficiente. Não queria lutar mais contra ele, nem contra seu próprio instinto. Estava cansada, sentia-se só, e queria saborear a ilusão de ser amada.
Dexter se apoiou em um cotovelo e começou a lhe desabotoar o sutiã com movimentos lentos, detendo-se ao dar suaves beijos na pele branca à medida que abria os botões. Já livre do conflito entre seu pensamento e seus desejos, Laura relaxou e ficou dócil sob suas mãos, e sua respiração foi fazendo-se entrecortada. Fechou os olhos e deixou vagar a mente, pensando nada mais que no prazer carnal e na necessidade que estava se apoderando dela.
Dexter desceu o sutiã, e Laura ficou nua até a cintura. Então, ele pegou um de seus seios na palma da mão e baixou os lábios até a ponta ereta. Laura não tentou reprimir o gemido que lhe escapou e ele se deteve escutá-lo antes de tomar o mamilo entre a língua e os dentes e chupá-lo suavemente. Laura se retorceu sobre a cama, lhe apertando atrevidamente o seio contra os lábios enquanto ele o acariciava com a língua.
— Como se sente agora? — perguntou ele em voz baixa, suave.
— Tenho calor… — a voz de Laura soou distante, inclusive para si mesmo — E estou trêmula…
— Bem — disse ele. Ela sentiu a curva de seu sorriso contra o seio nu — Então, é prazeroso para ti?
— Completamente — disse Laura com um ofego, e se arqueou para cima como um arco tenso, quando lhe mordeu delicadamente a pele.
Dexter deslizou a mão pela curva de seu estômago e depois retirou o vestido, a combinação, as meias e deixou tudo de lado, em um monte descuidado. Ela ficou pálida, nua e exposta sobre a cama, e ainda que tivesse os olhos fechados, sabia que Dexter a estava olhando, passando lentamente o olhar por cada centímetro trêmulo de seu corpo. Uma pequena parte de sua mente disse a Laura que as coisas não deveriam ser assim entre eles, e por um impulso, tentou lançar mão de algo com o que cobrir-se, mas ele afastou suas mãos.
— Não se cubra. Quero vê-la — disse, e deixou um rastro de fogo com os dedos no ventre. Depois girou a língua, com picardia, em seu umbigo — É muito bela, Laura.
Colocou a mão sobre a pele de seda de sua coxa, e Laura se estremeceu. Aquela carícia calculada estava muito perto do coração de sua feminilidade, e ela se pôs tensa durante um segundo. Depois permitiu que separasse suas pernas e se deslizasse suavemente para baixo para lhe lamber a carne excitada que estava acariciando.
Dexter elevou um pouco a cabeça.
— Como se sente agora?
Laura emitiu um gemido ao notar o habilidoso toque de sua língua sobre o mais secreto dos lugares de seu corpo.
— Quero…
— Isto?
Então, Dexter deslizou a língua dentro de sua fenda ardente.
Ela deixou escapar um pequeno grito e, inconscientemente, arqueou-se para cima de novo, com uma súplica muda. Lentamente, com sabedoria, ele prolongou o prazer, completando todas as carícias, todos os roces, enquanto Laura movia os quadris sem poder conter-se, procurando a liberação. Ele foi implacável, controlado. Laura não podia sentir outra coisa que a necessidade que pulsava dentro dela.
Percebeu, vagamente, de que ele se afastava para tirar o resto da roupa, e de que depois se deitava a seu lado na cama, com o corpo duro e quente, e a tirou de seu sonho sensual por um momento. Laura colocou as mãos sobre seu peito ao notar sua ereção contra a coxa com algo parecido ao assombro.
— Pegue.
Eram palavras de Dexter, não suas, uma ordem em vez de uma petição. Laura abriu os olhos de par em par enquanto ele se movia e se colocava entre suas coxas, onde seu corpo ainda pulsava exigindo satisfação. Ele a moveu levemente e quando esteve perfeitamente colocada para acolhê-lo, Laura notou a ponta de sua ereção tocando-a, um segundo antes que ele investisse e se afundasse em seu corpo tenso, trêmulo.
Ele a beijou com uma posse primitiva enquanto entrava nela com atacadas seguras, fortes, que não permitiam pausa. Sua exigência sobre Laura era absoluta.
— Abre os olhos.
Não havia ternura nele, só uma necessidade total de que ela fosse sua e só sua, e de que o reconheceria. Laura abriu os olhos e viu a ordem severa em seu rosto, no olhar intenso e no brilho de seus olhos. Ela ardia e ansiava o clímax enquanto ele a empurrava mais e mais para o limite. Laura se deixou levar até o êxtase, afundou-se no prazer obrigada pelo impulso insistente do corpo de Dexter no seu. Entretanto, no último momento, notou que se retirava dele, de modo que ainda que seu corpo estivesse dominado pelas convulsões do prazer absoluto, sua mente ficou fria e intacta, e ela se sentiu estranhamente vazia.
Seus olhos ficaram presos nos de Dexter. Ele havia se detido e a estava observando. Afastou-lhe o cabelo úmido da face, e posou os dedos durante um segundo sobre sua bochecha, com algo parecido a uma carícia. Entretanto, não havia afeto em seus olhos.
— Não se esconda de mim, Laura — disse ele.
O corpo de Laura vibrava ainda pela intensidade de seu orgasmo, e ele seguia dentro dela, forte e duro, enchendo-a. Laura sabia que não havia chegado ao clímax. O que havia feito era lhe demonstrar que podia obter prazer, e que suas negativas eram vazias. Seu corpo podia responder sem amor e sem outro motivo que o desejo físico e o prazer. Havia-o feito. Ele havia demonstrado. Entretanto, não era suficiente para ele. Agora queria também sua mente. Queria sua submissão completa.
Dexter se moveu de novo, suavemente, mas a fricção foi suficiente para enviar a Laura ondas de sensações por todo o corpo. Quando se retirou dela, Laura não pôde conter um pequeno choramingo de decepção. Então, lhe deu a volta e elevou seus quadris no ar, e ela ficou impressionada ao notar que lhe separava as pernas e voltava a penetrá-la. O escuro prazer a invadiu. Exposta, vulnerável a seu olhar e as suas carícias, entretanto se sentiu incrivelmente excitada.
O ritmo aumentou de novo. Naquela ocasião, ele se afundou profundamente e se retirou lentamente, uma e outra vez, e a cada investida, os seios de Laura se moviam languidamente e seus mamilos se roçavam contra a colcha, lhe causando uma estimulação insuportável. Dexter deslizou as mãos para acariciar os seios antes de elevar os quadris com um uma mão e passar a mão por seu ventre para acariciar o centro terno de seu sexo. A pressão, intensa e deliberada, da invasão de seu corpo, fez fluir em Laura um prazer ardente como a lava, que se fazia mais e mais intenso, até que não pôde resisti-lo mais. Ela gemeu e gemeu com uma felicidade deliciosa, e sentiu que Dexter também sucumbia a seu êxtase. As sensações se fundiram em sua mente com uma chama cega e Laura se esqueceu de tudo e se abandonou ao prazer.
Depois rolou pela cama e se deitou de barriga para cima, saciada, vagamente consciente de que Dexter estava ao seu lado, escutando sua respiração acelerada.
Laura girou a cabeça levemente, e uma lágrima grossa se derramou pela bochecha até que caiu no travesseiro com um golpe.
— Laura? — perguntou Dexter em voz baixa — Por que chora?
Até aquele momento, Laura não havia percebido que estava chorando. Então, seus sentimentos alcançaram as sensações de seu corpo e destruíram o prazer lânguido que a havia invadido depois de fazer amor com ele. Seu corpo estava cheio e satisfeito, mas em sua mente só havia vazio, solidão, escuridão.
— Choro porque foi maravilhoso, Dexter — disse — e não deveria ter sido, porque não havia amor nisso.
Dexter franziu o cenho. Estava deitado na cama, em sua magnífica nudez, sem fazer qualquer gesto para cobrir-se. Era glorioso. Ela queria acariciá-lo. Não. Queria abraçá-lo e estender-se contra ele, e deleitar-se com sua intimidade.
Queria aconchegar-se entre seus braços e dormir, e despertar e encontrá-lo ali, aferrando-a contra seu coração. Entretanto, ele havia deixado bem claro o que queria, e não era nenhum elemento de ternura. O desespero de seus desejos golpeou Laura com força.
Levantou-se da cama e pegou sua roupa do chão. Não ia ficar ali nem deixar que ele a visse chorar, ou pior ainda, ficar ao seu lado e sentir-se perdida e só.
— Demonstrou que tinha razão — disse com serenidade — Pode-se fazer amor sem que se importe, e pode me dar prazer, mas não significa nada. Entende Dexter? É algo vazio e sem valor. Isso é seu casamento.
Atravessou a porta que comunicava ambos os quartos e se trancou em seu dormitório. O quarto pareceu cálido à luz das velas, familiar e reconfortante. Era como se nada tivesse mudado. Mas sim havia mudado. Nada era igual. Laura secou outra lágrima do rosto e pôs a camisola. Estava frio, porque Molly não tinha acendido o fogo, certamente pensando que não seria necessário aquela noite. Deitou-se na cama e se aconchegou com força para se defender do frio. Entretanto, o frio estava em seu interior. E não se foi.

* * * * *

Dexter estava pescando. Fazia uma bela tarde e estava à beira do rio Tune, observando como o sol do entardecer arrancava brilhos da água. Deveria estar desfrutando da paz que envolvia o rio. Entretanto, não era assim. Deveria ser feliz. E não era.
Lançou o anzol com uma força exagerada. Agora tinha tudo o que queria, ordenado, organizado e sob controle. Tinha sua filha, tinha o dinheiro, ou ao menos o teria assim que o advogado, o senhor Churchward, tivesse terminado de redigir os documentos legais do casamento. Havia escrito a sua mãe para contar que havia se casado e que poderia ajudar seus irmãos e saldar as dívidas da família. Tinha seu trabalho em Londres, ao qual ia retornar assim que tivesse resolvido o caso Crosby. Também tinha escrito a lorde Liverpool para dizer que havia se casado e que esperava progredir na investigação, assumindo que Miles quisesse seguir trabalhando com ele.
Laura era sua mulher.
Ao pensá-lo, experimentou sentimentos incômodos. Remorsos na consciência, culpa… não estava acostumado a sentir-se culpado por nada. Sempre havia tentado fazer o correto em sua vida, e acreditava em sua própria integridade. Inclusive naquele momento em que sentia arrependimento pela forma como estava tratando Laura, dizia-se que a tinha obrigado a casar-se com ele pelo bem de Hattie, e que com o tempo, aprenderiam a viver mais comodamente um com o outro. Ela era sua esposa, e por isso, agora encaixava em sua ordenada vida.
Moveu-se com desconforto enquanto sua consciência voltava a protestar. Estavam casados há uma semana, mas ele não passava tempo com Laura deliberadamente. A estava castigando. Estava tão amargurado, sentia-se tão traído pelo fato de que tivesse ocultado que Hattie era sua filha… Não podia evitá-lo. Viviam como estranhos, salvo que todas as noites, ele ia a sua cama e faziam amor com um ardor apaixonado. Entretanto, aquilo também era parte de sua vida ordenada. Assim, Dexter podia manter suas necessidades físicas sob controle, as satisfazendo no leito matrimonial. Tudo era disciplinado e racional.
Mas não. Não o era. Faltava uma peça de sua vida, e nem sequer com toda sua lógica e seu intelecto podia averiguar qual era. Dexter fechou os olhos durante um segundo. Quando os abriu de novo, o sol que se refletia na água esteve a ponto de cegá-lo. Sabia que estava insatisfeito com seu casamento. Ele, que tinha tudo arrumado exatamente como sempre havia querido, estava infeliz. Era algo inexplicável.
Com um suspiro, recolheu a vara e se pôs de volta para o Velho Palácio. Quando estava entrando nas pradarias, viu Hattie correndo para ele pela grama, acompanhada por sua babá e por Alice Lister. Alice moveu a mão para saudá-lo de longe, despediu-se de Rachel e de Hattie e se encaminhou para Spring House.
Dexter deixou a vara no chão e pegou Hattie nos braços. A menina lhe rodeou o pescoço e gritou de alegria. Dexter teve um sentimento intenso de amor que o sacudiu por dentro. Com Hattie, tudo era muito fácil. Ela dava seu carinho de uma forma tão generosa…
— Estou recolhendo pedras para mamãe — disse — São um presente.
Então, retorceu-se para que ele a deixasse no chão e correu para o rio, onde continuou recolhendo pedrinhas que entregava a Rachel, que a sua vez as colocava no bolso de seu avental.
Dexter voltou lentamente para o Velho Palácio, deixou a vara no abrigo e entrou em casa para lavar-se. Depois desceu as escadas e se encontrou com Hattie no vestíbulo, colocando as pedrinhas em um desenho no chão. Tinha o mesmo olhar de concentração, de determinação, que ele. Quando a menina elevou a vista, viu que seus olhos eram os de Laura.
— Papai — disse Hattie lentamente, como se estivesse provando a palavra. Depois sorriu, e Dexter se viu inundado de amor por ela, novamente.
Abriu-se a porta do salão, e Laura apareceu no vestíbulo. Para Dexter ela parecia estar cansada. Era óbvio que havia estado escrevendo, porque tinha os dedos manchados de tinta. Os olhava com certa irritação, e tentou limpar na saia. Tinha olheiras marcadas, e ele sentiu uma pontada de culpa insuportável. Dexter percebeu que tinha que arrumar as coisas entre eles, mas não sabia como. De repente, sentiu-se como quando era jovem e havia se apaixonado por Laura, e a tinha perdido. O instinto pedia que se retirasse à segurança de seu mundo ordenado, mas ele sabia com toda segurança que não encontraria consolo ali. Tinha que fazer algo diferente. Não sabia o que, entretanto. Aquilo lhe causou terror. Ele, que enfrentava o perigo, e inclusive à morte, durante seu trabalho, estava aterrorizado de seus próprios sentimentos.
— Dexter… — disse Laura quando o viu.
Ele a pegou da mão, e ela o olhou com uma expressão de assombro.
— Queria passar o dia comigo amanhã? — perguntou ele — Os dois sozinhos? Eu gostaria muito.
Laura ficou desconcertada, e aparentemente assustada, e Dexter se sentiu como um completo canalha por afastá-la tanto dele.
— Não estou certa — murmurou, evitando seus olhos, olhando Hattie.
— Por favor — sussurrou Dexter, e lhe apertou a mão até que Laura o olhou — Por favor — repetiu suavemente — Laura, tenho que falar contigo. Temos que falar de muitas coisas.
— Estou de acordo em que temos que falar — disse ela, mas ainda vacilava.
— Então, passaremos o dia juntos manhã — disse Dexter — Talvez pudéssemos ir montar a cavalo.
Ela sorriu com cautela.
— Isso seria… agradável.
— Tentarei com que seja — disse Dexter.
Percebeu que Hattie estava olhando-os, e pela primeira vez, parecia que tinha um olhar de receio, como se tivesse sentido que havia tensão entre eles mesmo que fosse muito pequena para entendê-lo.
— Sei que temos que tentar — murmurou Laura — pelo bem de Hattie.
— Não só por isso — disse Dexter — mas também por…
— Quero ter um irmão — disse Hattie do tapete — Mamãe, papai, quero ter um irmão ou uma irmã.
Laura pestanejou.
— Chamou-te papai — sussurrou.
— Sim — disse Dexter, e se aproximou um pouco dela — Acredito que Hattie sente que ganhei essa honra, mas não estou seguro de que mereça o título teu marido.
Laura estava confusa, como se não entendesse bem o que lhe estava dizendo. Dexter soltou sua mão e se agachou junto a sua filha.
— Acredito que demoraremos um pouco em te trazer um irmão ou uma irmã, tesouro — disse ele — Primeiro tenho que conhecer sua mãe.
Laura ruborizou.
— De verdade? — perguntou — Diz a sério, Dexter?
— Sim. Começaremos esta noite.
— Ia levar Hattie à fogueira — disse Laura, e olhou o relógio — Começa dentro de meia hora.
— Então iremos juntos — disse Dexter — Estou certo de que será uma noite estupenda. E depois, podemos falar.
A porta da área de serviço se abriu, e apareceu Carrington, arrastando um pouco os pés.
— Poderia falar com você um momento, Excelência? — perguntou a Laura com grande dignidade — À senhora Carrington e nós gostaríamos de lhe pedir permissão para ir ver a fogueira de esta noite.
— É obvio que sim, Carrington — respondeu Laura, sorrindo — Eu adoro que saiam a dar um passeio. Rachel e Molly preferem ficar em casa. Parece que não gostam de fogueiras.
— Não, Excelência — disse Carrington — Sua casa se queimou quando eram pequenas, e após odeiam estas festas.
— Não, não pode ser um momento do ano muito feliz para elas — disse ela. Olhou Dexter, e viu algo em seus olhos que lhe encolheu o coração — Oh, Carrington — disse ao mordomo — Uma coisa mais. Importaria de se dirigir a mim como senhora Anstruther, agora que me casei?
— Será um prazer, Excelência — disse Carrington. Depois se dirigiu para a escada de novo e fechou a porta ao sair.
Laura pegou Hattie nos braços.
— Laura — disse Dexter, comovido pelo que ela acabava de fazer — Espera…
Ela negou com a cabeça.
— Temos que nos arrumar — disse — Falaremos depois, Dexter.
E naquela ocasião, sorriu. Ele sentiu uma emoção desconhecida por dentro, que o afastou mais que nunca da razão e do senso comum. Era perigoso, aterrador. Parecia-se muito ao amor.

Capítulo Vinte

Todos os habitantes de Fortune's Folly haviam ido à fogueira de Guy Fawkes aquela noite. Laura viu Montague entre a multidão, com Miles, Nat Waterhouse, Lady Elizabeth Scarlet e Alice Lister. O senhor e a senhora Carrington estavam falando com a senhora Morton, a costureira do povoado. O senhor Blount estava assando castanhas na fogueira, e já havia dado umas quantas a Hattie.
A noite era fria, e no céu brilhavam as estrelas brancas. O fogo crepitava e assobiava, e as chamas lambiam as calças puídas do boneco de pano. Os meninos do povoado haviam feito um trabalho excelente. O boneco de pano usava uma peruca de palha e um velho chapéu de feltro, e uma máscara que se parecia de um modo inquietante a Sir Montague Fortune. Laura se perguntou se Lady Elizabeth a teria pintado. Dizia-se que era muito boa pintora.
Hattie se aconchegou nos braços de Laura e observou a fogueira extasiada, com uma maçã caramelizada em uma mão e um pedaço de bolacha na outra. Com Dexter tão atento, além disso, Laura se sentia quase como se fossem uma família de verdade, como se a pena, a desconfiança e a dor das últimas semanas tivessem terminado por fim. Aquele breve momento no vestíbulo havia lhe dado esperanças, e ainda que Dexter não a quisesse, e estivesse fazendo aquela tentativa pelo bem de Hattie, para que sua filha tivesse uma infância mais feliz que a que haviam tido seus irmãos e ele, não era impossível que com o tempo construíssem um casamento sobre o respeito mútuo, conforme desejava Dexter. Seria uma pálida imitação do que ela queria dele, mas era um começo.
Faye Cole estava um pouco afastada da multidão, estremecendo de frio dentro de suas peles. Não parecia muito contente de estar ali, e Laura se perguntou por que havia ido à fogueira. De Henry Cole não havia nem rastro. Não era o tipo de evento que Faye pudesse gostar, mas possivelmente o visse como outra oportunidade de atrair um marido para Lydia. Quando lorde Armitage havia passado por diante delas, Faye havia tentado empurrar sua filha para ele, mas Lydia não havia se deixado avassalar. Estava junto a sua mãe com rosto frio e muito triste. Acariciava febrilmente com os dedos uma corrente de ouro que levava a pescoço.
— Será melhor que se apresse, filha — ouviu dizer Laura a Faye — ou essa descolorida de Mary Wheeler tirará a lorde Armitage. Primeiro sua prima leva o senhor Anstruther, e agora lorde Armitage está fazendo a corte a essa chorosa…
Laura viu a expressão de Lydia um segundo antes que Faye, e soube exatamente o que ia ocorrer. Virou-se para Dexter para lhe entregar Hattie e poder intervir, mas quando deu um passo para elas, já era muito tarde. Lydia havia chegado ao limite.
— Não quero me casar com lorde Armitage! — gritou a moça, e várias pessoas que estavam perto dela, incluída Laura, sobressaltaram-se pelo agudo de sua voz. — Ouve-me, mamãe? Não queria me casar com o senhor Anstruther, e não quero me casar com lorde Armitage!
Faye deu um passo atrás.
— Se cale, boba — sussurrou com fúria — Ninguém vai querer casar-se contigo se fizer uma cena em público!
— Não me importa! — gritou Lydia — Estou farta de que me diga o que tenho que fazer. Nunca me pergunta o que quero. Acossa-me, e papai vai por aí tendo filhos bastardos com qualquer criada que possa encontrar, e eu não importo a ninguém!
— E não vai importar nunca a ninguém se te comportar assim! — respondeu Faye a sua filha, gritando também. Estava congestionada de ira pelo estalo de sua filha — Se cale! Digo que se cale!
O resto das pessoas, atraídas pelo inconfundível som de um conflito, tinham-se aproximado. Todos tinham uma cara ávida à luz do fogo, mas nem Lydia nem Faye perceberam. As coisas já haviam ido muito longe para poder dissimulá-las.
— Sim há alguém a quem importo! — prosseguiu Lydia — O senhor Fortune quer casar-se comigo! Deu-me um anel! — tirou a corrente de ouro do pescoço, e mostrou a sua mãe a aliança que brilhava junto à fogueira. Laura ouviu que, a seu lado, Dexter soltava uma exclamação repentina.
— Senhorita Cole… — disse.
Faye segurou a Lydia pelo braço, fazendo caso omisso da intervenção de Dexter.
— O senhor Fortune! Tom Fortune, que não tem nada a oferecer, nem sequer um bom sobrenome? Tem caído muito baixo, menina.
— Como se atreve! — disse então Sir Montague — Direi-lhe que o sobrenome Fortune é muito mais antigo que o dos Cole, senhora! Nossos ancestrais provêm do tempo da Conquista!
— Os Fortune só são cavalheiros, e os Cole são duques! — gritou Faye, muito mais alto do que havia gritado Lydia, cheia de raiva — E se seu irmão tentou desencaminhar minha filha, Sir Montague, isso demonstra o ressentimento da família Fortune!
— Amo Tom — disse Lydia, que tinha começado a chorar — Ia partir com ele.
A moça estava girando a aliança entre os dedos. Faye arrancou a corrente de seu pescoço e o anel caiu no chão. Miles o recolheu. Laura viu como o examinava e depois o fazia um gesto de assentimento, quase imperceptível, a Dexter.
— Estúpida! — disse Faye, venenosamente, a sua filha — O senhor Fortune não te quer! Estou certa de que só queria uma coisa de ti! Se te quer, onde está agora?
— Não sei — disse Lydia, chorando. Seus ombros haviam afundado, e estava encolhendo-se — Não sei. Ia reunir-se comigo no estábulo esta noite para escaparmos juntos, mas não estava lá…
O resto de suas palavras se afogaram entre soluços, e foi Elizabeth Scarlet quem se aproximou e passou o braço pelos ombros para consolá-la.
Hattie havia notado a malevolência do ambiente e havia começado a choramingar. Laura a abraçou. Todo mundo estava imóvel, assombrados pelo que estavam presenciando.
— Laura — disse Dexter com urgência — Tenho que ir atrás Tom Fortune. Miles eu temos que encontrá-lo. Sinto muito.
— Claro — disse Laura. Estava confusa pela rapidez com a que tudo se havia desenrolado ao seu redor. Os soluços dilaceradores de Lydia haviam cessado, mas sua devastação havia sido horrível.
— Então, Tom é o criminoso quem estão procurando? É o capanga de Warren Sampson?
— Acredito que sim — disse Dexter — A aliança que tinha Lydia provinha do cadáver de Crosby. Acredito que também Tom foi quem tentou te fazer mal, Laura, aquele dia no rio, e nas ruínas do priorado. Sampson e ele devem saber que foi Glory, e tinham medo do que pudesse saber — explicou com uma expressão dura — Tentou te matar, e só por isso tenho que apanhar Tom.
Seu olhar tinha se tornado, de repente, tão primitivo e tão feroz, que Laura ficou impressionada. Não havia nada de calma nem de contenção em Dexter naquele momento, só fúria e uma emoção violenta que quase lhe cortava a respiração.
Segurou-o pela manga do traje. Já não havia tempo para o orgulho nem o engano entre eles.
— Tome cuidado — disse — Por favor, Dexter, tome cuidado. Por Hattie… e também por mim.
Viu como o olhar de Dexter se suavizava, e durante um segundo, Laura pensou que estava vendo o reflexo de seu amor nele. Era algo tão poderoso que ela se sentiu desfalecida.
Dexter deu um beijo em Hattie na cabeça.
— Seja boa, querida — disse — Voltarei logo.
Depois olhou Laura.
— Não quero ir; mas voltarei logo, juro-lhe — disse com a voz rouca. Deu-lhe um beijo duro, breve, que deixou Laura trêmula. Logo se foi.
Uma vez que terminou o espetáculo, a pessoas retornaram para suas casas, sem dúvida, para falar da notícia da desonra de Lydia Cole. Só ficaram umas quantas pessoas, falando em voz baixa contra o fogo. Lady Elizabeth e Nat Waterhouse estavam juntos, e ele segurava suas mãos em um gesto de consolo. Laura teve outra pontada de angustia. Tinha esquecido que Tom era o meio-irmão de Elizabeth. Ela sentiria muito sua deserção.
Hattie havia caído adormecida contra o ombro de Laura. Alice se aproximou delas.
— Nunca havia ficado tão impressionada em minha vida — disse. Estava muito pálida — Pobre Lydia. E pobre Elizabeth! Será verdade que Tom Fortune é um sedutor desumano? Tem que ser um engano!
— Não acredito — disse Laura — É pior que isso, Alice. É um assassino. Parece que foi ele quem matou Sir William Crosby. Todos pensávamos que o responsável fosse Warren Sampson, mas parece que foi Tom.
Alice, de repente, assustou-se.
— E o senhor Anstruther e lorde Vickery foram atrás dele?
— Tudo irá bem, Alice — disse Laura, compreendendo a causa de sua angústia — Miles ficará a salvo. Estou segura disso.
As chamas se moveram e crepitaram e, de repente, com um rangido de copas e troncos que se quebravam, o boneco de pano caiu da fogueira e rolou até o chão. O chapéu caiu. A peruca de palha ardia e também a máscara com o rosto de Sir Montague, e sob ela…
Alguém gritou quando o cadáver de Warren Sampson se virou e ficou imóvel, olhando cegamente o céu da noite.


— Uma fogueira do mais horripilante, senhora — disse Carrington, quando levava uma jarra de chocolate quente ao salão, mais tarde, aquela noite. Hattie já estava deitada, e a casa estava silenciosa — Quem ia pensar que o jovem senhor Fortune era um sedutor e um assassino? Faz-me perder a fé no gênero humano.
— Pois sim, Carrington — disse Laura, e pegou a xícara de suas mãos antes que caísse — Muito obrigado. Imagino que nem você nem a senhora Carrington o haverão passado muito bem esta noite. Lamento.
— Não foi o que pensávamos, senhora — assentiu Carrington.
— Sugiro que tomem um pouco deste delicioso chocolate para acalmar os nervos — disse Laura, sorrindo — Por favor, diga à senhora Carrington de minha parte que está delicioso e que é exatamente o que necessitava depois de tanta impressão.
Carrington titubeou.
— Muito obrigado, senhora — disse a Laura, e pigarreou — Excelência… — interrompeu-se, e começou de novo, com a voz trêmula — Excelência, há uma coisa que queria lhe confessar. Algo que você desconhece.
— Um segredo, Carrington? — perguntou Laura com desconcerto — O que é o que tem que me confessar?
— Oh, senhora… Fui eu quem a trancou na adega!
Laura teve uma surpresa tão grande que esteve a ponto de derramar o chocolate sobre o tapete.
— Você, Carrington? Como é possível?
— Oh, senhora… Foi um engano. Pensava que você era a duquesa de Cole!
Laura arqueou as sobrancelhas.
— Pensou que eu era Faye Cole? Mas, por quê? Eu acreditava que nem sequer sabiam que a duquesa estava em Fortune's Folly nesse momento. E por que ela ia descer a minha adega?
— Foi um terrível engano — repetiu Carrington, retorcendo as mãos — A senhora Carrington viu sua Excelência no povoado e a seguiu até o priorado uma tarde. Estava roubando a geléia de sua adega, senhora! Pensamos que se pudéssemos deixá-la trancada, demonstraríamos ao mundo o tipo de pessoa que é…
— Espere! — disse Laura — Faye Cole estava roubando em minha adega?
— Sempre teve uma dependência horrível da geléia com genebra de endrina, senhora. Quando trabalhávamos para ela em Cole, a senhora Carrington se voltava louca pela quantidade de potes que tinha que fazer. Todos os arbustos de abrunhos ficavam nus! Tem um apetite antinatural, senhora. É inquietante!
— Pois sim — murmurou Laura — Estou assombrada, Carrington. E mais ao pensar em que a senhora Carrington e você tivessem planejado capturar a duquesa e revelar seus hábitos extraordinários ao mundo!
— Sim, senhora — disse Carrington com consternação — Verdadeiramente, foi muito ruim por nossa parte, senhora, mas a duquesa sempre nos tratou com tanto desprezo e crueldade…
— Sei — disse Laura — Sei o muito que sofreram em Cole, e o sinto. Entendo Carrington.
— Oh, obrigado, senhora! — disse Carrington, que ia começar a chorar de alívio a qualquer momento — Quando cheguei àquela noite em casa e a senhora Carrington me disse que você não havia retornado, percebi que havia cometido um engano tremendo. Assim saí correndo para o priorado e abri a porta de novo. Mas no processo, devo ter feito com que se movesse alguma das pedras da torre e… — deteve-se de novo, como se fosse a desmaiar-se — Oh, senhora, quando me inteirei de que estava ferida… estava disposto a me entregar à polícia.
— Bom, pois me alegro de que não o fizesse — disse Laura — Ao menos, esse acidente é algo que não podemos atribuir a Tom Fortune.
— Não, senhora — disse Carrington — Eu gostaria de lhe pedir um favor muito grande, senhora…
— Sim, Carrington?
— Não diga ao senhor Anstruther! — rogou Carrington — Todos percebemos que é muito protetor com você, senhora, e me dá medo pensar o que faria se soubesse que eu fui o responsável por seu acidente!
— Acreditam que é muito protetor comigo? — perguntou Laura.
Sem perceber, sorriu. De não ter sido por aquele momento em que Dexter partia, talvez teria dito ao mordomo que estava equivocado, mas agora… Agarrou a xícara de chocolate com força para sentir seu calor nas mãos. Agora, ao menos, tinha uma pequena esperança.
— Pensamos que a quer senhora — disse Carrington com solenidade — como deve ser — acrescentou. Depois fez uma reverência — Se isso é tudo, senhora, e pensa que pode me perdoar…
— É obvio — disse Laura — Não pense mais nisso, Carrington.
— Obrigado, senhora — disse Carrington, e partiu. Quando o mordomo fechou a porta, deixou Laura sozinha, pensando em Dexter e rezando para que estivesse a salvo.












Capítulo Vinte e um

— Lizzie, sinto muitíssimo — disse Laura.
Estava tomando chá com Lady Elizabeth Scarlet e com Alice Lister no balneário. Fortune's Folly era um efervescer de rumores aquela manhã, porque todo o mundo estava falando do que havia acontecido a noite anterior.
— Sempre soube que Tom era um descarado — disse Lady Elizabeth com tristeza — mas não tinha nem idéia de que o fosse tanto.
Estava um pouco pálida e muito mais calada que o habitual. Sua vivacidade havia se apagado aquele dia.
— Oh, era fácil tentar convencer de que não havia nenhum problema, porque Tom podia ser tão encantador e tão simpático, justamente o contrário de Monty! Mas desde menino, sempre estava metido em apuros, e à medida que ficava mais velho se tornava mais e mais selvagem… — disse, e sacudiu a cabeça — Perdia muito dinheiro no jogo, e em mais de uma ocasião esteve a ponto de matar um homem em uma briga. Deveríamos ter percebido que sua propensão à violência ia causar problemas graves.
— Mas você não podia saber que estava associado com o senhor Sampson, nem aonde ia levar tudo isto — disse Laura para consolá-la.
— Suponho que não. Lorde Waterhouse me disse que acreditam que Tom aceitou dinheiro de Warren Sampson em troca de fazer o trabalho sujo, porque Sampson pagou suas dívidas de jogo. Matou Sir William Crosby em nome de Sampson. Este estava chantageando Tom, mas ao fim, Tom se voltou contra ele.
— Foi horripilante quando apareceu o corpo do senhor Sampson rolando da fogueira — disse Alice, estremecendo-se — Se eu fosse o tipo de mulher que desmaia, esse seria o momento que teria escolhido para fazê-lo.
— Ao menos, a duquesa de Cole desmaiou e deu a todos um pouco de paz — disse Elizabeth — Pobre Lydia! Tom sempre teve uma terrível reputação, mas seduzir à filha dos duques de Cole!
— Espero que Lydia esteja bem — disse Alice ansiosamente — Primeiro, a traição do senhor Fortune, e depois, seus pais que a tiraram de casa a meia-noite para evitar o escândalo!
— Temos que averiguar o que podemos fazer por ela — disse Laura.
Já havia decidido que iria a Cole e tentaria ajudar Lydia. A reputação de sua prima estava destroçada, mas além disso, Lydia tinha o coração partido, e necessitaria alguém mais amável que Faye para consolá-la.
— Espero - continuou Laura - que Sir Montague esteja bem, Lizzie.
Lady Elizabeth pôs cara de desgosto.
— Oh, Monty não merece sua preocupação, Laura. Não suporto sua crueldade. Sabe que já lavou as mãos quanto a Tom? Inclusive vai ficar com o pequeno imóvel que Tom herdou em Witheshaw e a vai incluir no Tributo das Damas. Sua avareza não conhece limites!
— Deus Santo — disse Alice — Sabia que era ambicioso, mas isso é muito!
— Livrou-se de uma boa, Alice — disse Lady Elizabeth — Ainda que já sei que nunca teria aceitado a proposta de casamento de Monty — acrescentou, com um sorriso — E quem o faria, quando um homem como lorde Vickery é muito mais divertido?
— Lorde Vickery é um libertino — disse Alice, ficando escarlate, e olhou Laura — Sinto muito, Laura, porque sei que é seu primo, mas é verdade!
— Oh, não se desculpe — disse Laura alegremente — Sei o que Miles é, mas acredito que também tem suas boas qualidades.
— Teria que buscar muito — respondeu Alice com irritação — Se estivesse interessada em fazê-lo, coisa que não estou — afirmou, e esmagou o açúcar furiosamente com a colherinha — Teve notícias do senhor Anstruther, Laura? Encontraram Tom? Vão voltar logo para casa?
— Temo que é um pouco cedo para ter notícias — disse Laura.
Tentou não ficar triste, porque sabia que suas amigas a estavam olhando, e sabia que Alice necessitava que a animassem.
— Estou segura de que o senhor Anstruther está impaciente para voltar assim que puder — disse Lady Elizabeth, sorrindo — Todos vimos como te beijou na última noite, Laura. É uma pena que Nat não seja com lorde Vickery.
— Mas então, você não teria ninguém a quem atormentar, Lizzie — respondeu Laura, e viu que Lady Elizabeth ruborizava antes de agitar a mão com elegância.
— Oh, Nat e eu somos velhos amigos — disse com petulância — Por isso sempre estamos brigando. Não é mais que isso.
O senhor Argyle, o mestre de cerimônias, aproximou-se da mesa.
— A última declaração de Sir Montague sobre O Tributo das Damas, senhoras — disse com importância — Cada dama não casada do povoado deverá pagar um tributo de quatro xelins por janela e um tributo de dois xelins por cão.
— Mas se eu tenho seis spaniels! — protestou Lady Elizabeth — E Monty sabe. Já ficou com toda minha atribuição deste trimestre, o muito desgraçado!
— E eu tenho pelo menos vinte e quatro janelas! — disse Alice, que havia empalidecido. Isto é horrível!
Enquanto o senhor Argyle fazia sua ronda pela sala, elevou-se um murmúrio de raiva entre todas as mulheres que se inteiravam da notícia. Laura observou pensativamente seu avanço.
— Estive pensando — disse — que desde que me casei não as ajudei em sua luta contra O Tributo das Damas. Foi muito negligente da minha parte. Mas agora tenho uma idéia — acrescentou — Ainda que pareça um pouco duro fazer isto a Sir Montague quando acaba de ter um desgosto tão enorme com seu irmão…
— Oh, não permita que isso a detenha — disse Elizabeth amargamente — Pensa no imposto sobre as janelas. Pensa em meus cães.
— Muito bem. Se estiverem certas… Há uma coisa que fará muito dano a Sir Montague.
— Vamos vender seus cavalos?
— Não — disse Laura — Não é tão mau.
— Então, deve ser algo sobre sua adega — disse Elizabeth — Isso é o único que o preocupa neste momento.
— Exatamente — disse Laura — Tenho um plano.
— E acha que o senhor Anstruther nos ajudará? — perguntou Alice timidamente — Me perdoe Laura, mas não parece o cavalheiro mais indulgente do mundo no que se refere a violar a lei.
Laura sorriu com remorso.
— Bom, não, não o é. Provavelmente, desaprovará com firmeza. Temo que meus planos não se encaixam com a idéia que tem Dexter do comportamento mais apropriado, mas como neste momento não está, não tem por que inteirar-se.
Serviu-se mais chá e começou a explicar sua estratégia, esperando fervorosamente que tivesse razão e que Dexter não se inteirasse daquele plano até que fosse muito tarde.

* * * * *

Dexter e Miles saíram de Newcastle para o sul, uma semana mais tarde.
Haviam detido Tom Fortune quando tentava pegar um navio para a Alemanha, e o haviam deixado no cárcere da cidade.
— Lorde Liverpool ficará contente — disse Miles, a noite do segundo dia de viagem para o vale de Tune — Warren Sampson está morto, e seu assassino, preso. Fizemos um bom trabalho.
— Sim — disse Dexter — Compensará um pouco meu fracasso ao não capturar Glory em meu último caso por estas terras.
Miles começou a rir.
— Nunca a teria capturado, amigo.
— Não — disse Dexter — Com ela encontrei a fôrma de meu sapato.
Notou que Miles o olhava fixamente. Sua amizade tinha se restabelecido durante aqueles dias que haviam passado trabalhando juntos, e ao estilo masculino, não precisavam falar disso.
Entretanto, havia algo que Dexter queria perguntar.
— Miles — disse lentamente — Quando soube que Laura era Glory?
Houve um silêncio tão longo, que ele pensou que Miles não fosse responder. A pergunta causou uma leve tensão entre eles, porque haviam evitado deliberadamente falar de Laura durante todo o tempo que haviam ficado juntos.
— Não soube na época — disse Miles por fim — mas depois de um par de anos, Nick Falconer veio me ver e me pediu que o ajudasse a pedir o perdão para Laura a lorde Liverpool. Acho que o fez por Hattie, para que Laura não corresse perigo no futuro.
— Então, Nick sabia — disse Dexter lentamente — e você sabia, e lorde Liverpool sabia, e ninguém me disse? Por quê?
— Provavelmente porque sabíamos que era o único que se zangaria — respondeu Miles — Você tem um conceito muito rígido do que está bem e o que está errado, Dexter. Jamais cede.
— Não — disse Dexter — Creio que não.
Lembrou que Laura havia dito que os dois estavam no mesmo bando, lutando pela justiça, mas que ele era muito inflexível para reconhecê-lo. Ela tinha razão. Ele era muito obstinado por medo de perder os princípios, como havia acontecido com seu pai.
Os cavalos chapinhavam no vau que havia junto à estrada de Fortune Hall. Estava começando a anoitecer.
— Você admira Laura pelo que fez, não é? — perguntou Dexter.
— E não era o único. Quando lorde Liverpool a conheceu, também sentiu admiração por ela — disse Miles, e começou a rir — Sempre foi mais pragmático que você, Dexter, mais capaz de adaptar a aplicação da lei se o beneficiava.
Dirigiram os cavalos para o longo passeio que levava a Fortune Hall. Os cervos pastavam entre as árvores, junto às ovelhas e os outros animais dos habitantes do povoado.
— Tinha razão no que disse outro dia — admitiu Dexter — Laura merece alguém que a queira e a aceite como é, e não alguém que queira mudá-la para que se encaixe em sua idéia de comportamento correto e sensato. Agora percebo.
— Alguém como você, talvez — disse Miles, olhando-o de relance — É um tolo, Dexter. Demorou muito para ver isso — acrescentou com um suspiro — Bom, ao menos não tive que te dar um tiro. O melhor será que vá procurar Laura e o diga. Já perdeu suficiente tempo.
— Farei. O direi assim que tenhamos dado a Sir Montague a má notícia da detenção de seu irmão — disse Dexter, e olhou Miles fixamente — E você, Miles? Vai procurar à senhorita Lister?
— Eu não — disse Miles, com uma expressão desanimadora — Vou a Londres. Ouvi falar da filha de um comerciante muito, muito rico, cuja fortuna faz com que a da senhorita Lister pareça uma miséria — respondeu, e esporeou o cavalo antes de que Dexter pudesse responder.
Encontraram Fortune Hall às escuras. Não havia empregados por lá, e tiveram que atar os cavalos a um poste do estábulo.
— Demônios — disse Miles, quando ninguém respondeu a sua chamada e tiveram que entrar por si mesmos — Pensava que Monty fosse ficar muito mal por seu irmão, mas não tinha nem idéia de que ficaria tão, tão mal.
Os dois percorreram o corredor de entrada, quase não iluminado, e entraram no salão. A figura de Sir Montague quase não era visível. Estava sentado em uma grande cadeira de carvalho, diante do fogo. Tinha a cabeça agachada, e quando entraram, nem sequer se moveu.
— Monty! — exclamou Dexter, colocando a mão no ombro — Monty, amigo!
Sir Montague elevou o rosto com uma expressão trágica.
— Dexter. Miles. Como estão?
Miles e Dexter se olharam.
— Trazemos más notícias, Monty — disse Dexter — Alcançamos Tom em Newcastle. Está no cárcere de lá… — interrompeu-se quando Sir Montague assentiu levemente.
— Bom, pois que não espere minha ajuda — disse — Maldito descarado. Além disso, tenho que me ocupar de coisas mais graves que os desmandos de Tom. Essas malditas mulheres! Não podem imaginar o que fizeram agora.
Dexter franziu o cenho, perguntando-se se o descobrimento de que seu irmão era um criminoso havia tornado Sir Montague louco.
— Que mulheres, Monty?
— Minha própria irmã! O que fiz para merecer irmãos tão ingratos? E a senhorita Lister, essa víbora vestida de mulher — acrescentou, e sua expressão se tornou malévola — E sua esposa, Dexter! Sua prima, Miles! Livra-se do tributo casando-se e agora tem a espantosa audácia de dirigir essas mulheres em sua pior atrocidade! — exclamou, e enxugou a testa com a manga da jaqueta.
Dexter franziu os lábios.
— Ora, sim que está afetado, Monty. O que fizeram agora minha esposa, a senhorita Lister e sua própria irmã?
— Minha adega! — choramingou Sir Montague — Disseram que existe um antiguíssimo tributo sobre o vinho, que me obriga a compartilhar um quarto de minha adega com os habitantes do povoado em honra a São Amando, o patrono dos mercados do vinho. Como se esses camponeses pudessem apreciar minha adega! Que desperdício! Levaram meu clarete! Minha champanha! Elizabeth mostrou onde estava, e a senhorita Lister ajudou a carregá-lo na carruagem, e a senhora Anstruther o levou, não faz mais de dez minutos!
— Deus Santo — disse Miles, horrorizado — Mas se sua adega é o único motivo pelo qual venho jantar aqui, Monty!
— Temo que as damas de Fortune's Folly foram muito longe desta vez — disse Dexter.
— Completamente de acordo, Dexter — disse Sir Montague, assentindo vigorosamente. De repente, parecia muito mais animado — Se não me devolverem o vinho, chamarei à polícia.
— Eu me ocuparei de Laura pessoalmente — disse Dexter — Deixe comigo, Monty.
Pegou Miles pelo braço e o tirou do salão.
— Só há um modo de fazer isto. Empreste-me seu cavalo, Miles? O meu está cansado e não está à altura da tarefa.
Miles arqueou as sobrancelhas.
— Com gosto, amigo, mas, o que vai…?
— E sua pistola.
— E minha pistola — repetiu Miles. Olhou Dexter sem entender nada, mas imediatamente, sorriu — Ah… sabe que o roubo de carruagens e seqüestro são delitos capitais, Dexter? — perguntou.
— Claro que sei — respondeu Dexter — Me dê à dita pistola, Miles, e irei. E se alguém perguntar, você não sabe nada de um assalto.
— Cada dia me falha mais a memória — disse Miles, e deu uma palmada no ombro de Dexter — Boa sorte. Eu vou dar um pouco de Porto a Monty, assumindo que restou algo.

A carruagem que Laura tinha alugado na estalagem de Morris Clown avançava lentamente, chiando, pelas curvas da estrada de York, e ela se apoiou contra o encosto e escutou o tinido das garrafas de vinho de Sir Montague Fortune. A incursão em sua adega havia ido bastante bem. Tinha pegado só um quarto das garrafas, mas pela reação de Sir Montague, Laura suspeitava que havia pego seu melhor um quarto. Sir Montague tinha ficado furioso, havia choramingado e retorcido as mãos, e ordenado a seus empregados que as detivessem. Naquele momento, Lady Elizabeth havia dado a contra-ordem, e os pobres empregados não haviam sabido o que fazer.
Laura sorriu. Pensava que os habitantes de Fortune's Folly iriam desfrutar muito dos vinhos de Sir Montague. E quase tinham direito a prová-los. Sob as antigas leis, Sir Montague tinha que dar o vinho ao povoado, assim tecnicamente, ela não o havia roubado, mas ele não o ofereceu por sua própria vontade… Laura se moveu no assento com um pouco de desassossego.
Havia prometido a Dexter que seus dias de reparar as injustiças dos ricos contra os pobres haviam terminado, mas estava aproximando-se perigosamente do limite. Dexter não ia aprovar. Na realidade, Laura tinha cometido uma ilegalidade. Essa era a razão pela qual havia enviado Alice e Elizabeth ao povoado para dizer que o vinho estava a caminho. Não queria que as acusassem de roubo e que sofressem os rigores da lei. Aquilo seria responsabilidade sua.
Suspirou. Não, verdadeiramente, Dexter não ia ficar contente. Seu comportamento não era ajustado à idéia que ele tinha de uma esposa sensata. Era uma sorte que ele não soubesse o que havia feito ou sua reconciliação em crescimento estaria em perigo. Se ele retornasse e encontrasse sua mulher presa no cárcere de Skipton por roubo… Laura estremeceu e olhou pela janela para distrair-se. Talvez brincasse sobre isso diante de suas amigas, mas não poderia suportar perder Dexter outra vez.
Chegou o trecho reto de estrada anterior ao povoado e o coche pegou velocidade. Estavam passando por uma estreita garganta do caminho. O sol já havia se posto detrás das colinas e fazia frio. Tudo estava cheio de sombras.
— Alto!
Laura deu um pulo ao ouvir aquela ordem. Quase não podia acreditar. Os vales estavam vários anos livres de assaltos, e perpetrar um roubo tão perto do povoado era uma loucura. A carruagem deu um giro brusco a um lado, e as garrafas entrechocaram nas caixas. Por um momento, Laura temeu que se quebrassem. Logo percebeu que o chofer, um dos moços da estalagem de Morris Inn, não era nenhum herói. Não o pagavam o suficiente para que pensassem em resistir. O homem deteve os cavalos e se manteve em um silêncio prudente.
Alguém abriu de par em par a portinhola do coche. O ar gelado invadiu a cabine, e Laura estremeceu e rebuscou em sua bolsa sua diminuta pistola de madrepérola.
— Tenho uma pistola — disse — e sei usá-la.
Junto à porta havia um homem montado em um cavalo negro, envolto em uma capa e com outra pistola, muito maior que a dela, na mão. Sua sombra era enorme e ameaçador contra o céu escuro. Laura olhou seu rosto e sentiu que sua cabeça dava voltas.
Era Dexter.
Não podia acreditar. Dexter nunca, nunca assaltaria uma carruagem. Dexter nunca violaria a lei. Dexter nunca…
Viu que sorria, mesmo que seu olhar fosse de frieza. Ele moveu levemente a arma e disse:
— Sugiro que guarde seu brinquedo se não quer que o arrebate de um tiro da mão.
Ao ver a determinação em seus olhos, Laura começou a acreditá-lo.
— O que está fazendo…?
Não pôde continuar a pergunta, porque Dexter a pegou pelo braço e a tirou do carro sem dizer uma palavra mais. Pegou-a pela cintura com força, com um só braço, e a colocou na cela, diante dele. Depois fez um gesto ao chofer com a pistola.
— Siga até o povoado. Estarão esperando-o — disse. Pegou meia dúzia de garrafas de champanha de uma das caixas e as enfiou com habilidade nos alforjes do cavalo — Levo estas, e também à dama. Continue.
O chofer olhou Laura durante um segundo, com uma expressão furtiva e culpada, e continuou o caminho. Dexter esporeou o cavalo e se dirigiu para os paramos. O céu estava coberto de nuvens e haviam começado a cair flocos de neve. Dexter não disse nada. Laura tentou virar-se para olhá-lo no rosto, mas ele apertou os braços a seu redor e a pressionou com força contra seu peito.
— Dexter, o que está fazendo? — perguntou Laura com a voz entrecortada — Isto é seqüestro e assalto armada. Quando o chofer chegar ao povoado e contar, chamarão à polícia.
— Sir Montague já terá feito isso — respondeu Dexter com dureza — Quer recuperar seu vinho.
Laura ficou em silêncio. Assim estava zangado por isso. Havia ido a Fortune Hall e tinha sido informado do que ela havia feito. Estava horrorizado pelo fato de que ela tivesse voltado para sua antiga vida de maldades. Certamente, pensava que Laura havia voltado a trair sua confiança. Com sua falta de respeito pelas convenções e seu empenho por fazer o que acreditava que era certo, era exatamente o contrário ao que ele sempre havia querido em uma esposa. Entretanto, isso não explicava por que a havia seqüestrado de uma carruagem e tinha roubado a champanha de Sir Montague.
— Dexter — disse — não entendo nada! Você é muito sensato para fazer isto. É uma loucura! E é perigoso. Ainda que não seja ilegal que um homem seqüestre sua esposa, se é que é possível, ameaçou um homem com a ponta de pistola. E roubou champanha de Sir Montague! Podem te prender, e sua carreira ficaria destruída. Vamos para casa e falemos disto razoavelmente.
— Economize o discurso, Laura — disse Dexter — Está noite percebi que o último que necessito é ser sensato. E se não quer que seu marido a seqüestre, deveria tê-lo pensado antes de violar a lei!
Laura ficou calada. Não podia acreditar no que estava passando, mas havia começado a recuperar-se face ao extraordinário da situação. Dexter a segurava com força, e ela sentia a tensão de seu corpo, mas também havia algo mais: algo de promessa e inclusive de amor, e em um dado momento, ele virou a cabeça levemente e roçou seu cabelo com os lábios, acariciando-a. Nenhum dos dois voltou a falar. O cavalo seguiu a estrada até que começaram a descer até o povoado seguinte. Quando entravam no pátio da estalagem da Meia Lua, Dexter desmontou e desceu Laura do cavalo, tomando-a nos braços em vez de deixá-la no chão. Laura ficou surpreendida e retorceu como uma louca quando ele a passava pela porta para o bar da estalagem, que estava cheio até a bandeira. Fez-se um silêncio absoluto quando o atravessaram. Laura se sentiu mortificada.
— Desça-me! — sussurrou com fúria — Todo mundo está nos olhando! Dexter, me coloque no chão! Já me castigou o suficiente. Oh! Minha prima Hester vinha aqui para escolher homens. Todo mundo vai acreditar que eu sou igual!
— Então, estão acostumados a este tipo de coisas — disse Dexter, segurando-a com força — e como todos conhecem suas corridas como Glory, tampouco vão se assustar muito.
Dexter olhou Josie Simmons, que estava em jarras, observando-os.
— Há um quarto livre — disse, assinalando com a cabeça as escadas.
— Josie! — exclamou Laura. Depois viu um homem atrás de sua amiga — Lenny! Será que não vai me ajudar?
— Acredito que não necessita ajuda, senhora — disse Josie com admiração — Bem feito, senhor Anstruther. Não acreditava que tivesse guelra. Pensava que era muito prolixo para isto. Mas já vejo que não.
Dexter entregou uma garrafa a Josie.
— É a melhor champanha de Sir Montague — disse — Há mais nos alforjes do cavalo — acrescentou, e olhou para o bar — Que o desfrutem.
— Dexter! — protestou Laura.
Dexter sorriu.
— Nós não o necessitamos querida — disse, e começou a subir as escadas.
Alguém soltou uma aclamação. Laura se enfureceu mais ainda ao perceber que Dexter não se alterava ao subir os degraus, fechar a porta do quarto de um chute e a deixar de um bote na metade da enorme cama.
— E agora — disse Dexter — por fim vamos falar.
— Está zangado comigo? — perguntou Laura — Entendo que não aprove minha apropriação do vinho de Sir Montague…
— Não me importa nada o vinho de Sir Montague — disse ele sem olhar — Nem tampouco me importa O Tributo das Damas, nem minha detenção iminente por assalto a mão armada. Neste momento, o único que me importa é você, Laura — afirmou.
Retirou a capa e se sentou junto à Laura na cama. Pegou suas mãos, e ela percebeu sua tensão. Tinha uma pulsação na mandíbula.
— Eu te amo — disse Dexter, e sua expressão se relaxou, como se tivesse se livrado de uma pesada carrega — Já está. Por fim disse. Ao fim tive a valentia de admiti-lo diante de ti. Amo-te muito, Laura, e não resta nem um pensamento racional na cabeça, e por uma vez, me alegro.
— Ama-me? — sussurrou ela. Não podia acreditar no que acabava de ouvir, e se aferrou às mãos de Dexter para não separar-se nunca dele.
— Equivoquei-me ao te obrigar a que se casasse comigo — disse Dexter com a voz rouca — Sinto muito. Estava ferido, zangado porque você tinha me ocultado a verdade, e queria que Hattie e você estivessem comigo, mas fiz errado. Queria me assegurar de que Hattie nunca tivesse que suportar os falatórios e os comentários que perseguiram minha família toda a vida, e queria que crescesse sabendo quem é seu pai. Não queria que ela tivesse que suportar tudo o que eu suportei, ou teria me comportado de um modo tão irresponsável como meu pai.
Laura fechou os olhos durante um segundo.
— Sabia que era muito doloroso para ti — sussurrou — e nunca teria te ocultado a verdade se não tivesse acreditado que era o melhor para Hattie. Sinto muitíssimo, Dexter.
Dexter se aproximou dela e a abraçou.
— Eu sempre tive pavor de cometer os mesmos enganos que meus pais — disse — Sempre diziam que estavam apaixonados, mas se comportavam como libertinos. Quando estavam juntos juravam amor eterno, e depois brigavam, separavam-se e tinham aventuras tempestuosas — disse ele, e agachou à cabeça — Eu me aferrei à ordem e à lógica porque era o único que me parecia seguro. E a única vez que o rejeitei e me permiti ter uma aventura como as de meus pais, meu mundo terminou consumido no caos.
— Quando eu o seduzi e depois te mandei embora — disse Laura, brandamente — Meu amor, sinto muitíssimo.
— Shhh — o disse, e pôs um dedo nos lábios — Fez o que acreditava que estava bem. Fez porque me queria, não pelo contrário. Quando falamos na colina, eu te disse que já não acreditava no amor, e você me respondeu que tinha medo. E tinha razão, Laura. Amava-te, mas fingia que só sentia luxúria porque tinha medo do que me aconteceria se baixasse a guarda e me permitisse te amar, como antes. Entretanto, já não tenho medo — disse, e a olhou nos olhos — Você é o mais importante de minha vida, Laura, e quero que nossa existência esteja cheia de paixão, de emoção e de amor. Quero que nosso casamento seja feliz, não um deserto vazio de sentimentos, como pensava antes.
Laura lhe deu um beijo.
— E será — prometeu.
Dexter mordeu delicadamente seu lábio; com lentidão, dubiamente, ela separou os lábios e ele a beijou docemente, com reverência.
— Eu não posso ser a esposa perfeita que você quer — sussurrou Laura quando se separaram. Tinha as bochechas cheias de lágrimas — Sou como sou Dexter, selvagem, temerária e todas as coisas que você censurava.
— Isso é o que eu adoro em ti — respondeu ele com ternura — Beijou-a de novo e lhe acariciou o cabelo — Amo-te porque é comprometida, apaixonada, e porque sente as coisas de verdade. Não quero te mudar, Laura, e não posso te deixar. Agora o sei.
Laura o puxou para que se deitasse a seu lado sobre a cama.
— Vamos fazer amor em uma estalagem? — perguntou, lhe acariciando a bochecha, sem poder deixar de sorrir.
— E por que não? — perguntou Dexter, e começou a lhe desabotoar o vestido. Ela estremeceu voluptuosamente.
— Talvez me pareça mais com Hester do que pensava — sussurrou Laura — Não tinha percebido a desavergonhada que sou até que o conheci.
Dexter passou as mãos por todo o corpo dela, acariciando, explorando.
— E cada vez que fazia amor contigo — disse ele — jogava a sensatez e a lógica pela janela e me perdia em ti. Tinha que ter percebido que estava lutando por ganhar uma guerra perdida e que na realidade não queria ganhar. Tinha muito medo de me permitir sentir. Perdoe-me, Laura, por favor.
— O perdôo — disse Laura, com um sorriso resplandecente — Te amo.
— Isto poderia ser muito, muito ruim — disse Dexter depois de um momento.
— Ruim? Contigo? — perguntou Laura, e deixou escapar um ofego ao sentir seus lábios sobre o pescoço — Mas como?
— Porque te amo — respondeu Dexter — e você me ama. E por fim, admitimos abertamente, e não há segredos nem reservas. Queixava-se porque era bom quando não confiávamos um no outro…
Laura se arqueou contra ele.
— Não estava me queixando exatamente, Dexter — disse ela, e acariciou a bochecha dele com a palma da mão — Mas me alegro de saber que desta vez será com amor — sussurrou.
Ele cobriu sua boca por completo. Atraiu-a para si, adorou cada linha e cada curva de seu corpo com os lábios e as mãos e ela chorou um pouco ao final, mas de alegria naquela ocasião, e teve a sensação de que ele também chorava, quase.
Horas depois, Laura despertou de um sono profundo e plácido para ouvir que alguém esmurrava a porta do quarto. Ouviu um bulício que provinha do bar da estalagem, e soube que estava cheio de bagunceiros, que a noite estava bem avançada e que possivelmente todos haviam desfrutado da champanha de Sir Montague.
— Está aqui a polícia, senhora — disse Josie através da porta — vieram prendê-los por roubar a champanha de Sir Montague, e o senhor Anstruther está sendo acusado também de assalto e seqüestro.
Laura se meteu entre os braços de Dexter, pele contra pele, desfrutando de seu calor e da sensação de pertencer, de plenitude.
— Por favor, lhes diga que foi um mal-entendido, Josie — disse — lhes diga que eu resolverei o problema com Sir Montague. Diga — acrescentou, enquanto Dexter lhe mordiscava suavemente o ombro — que vou disparar eu mesma se tentam deter Dexter.
— Muito bem, senhora.
— Oh, e por favor, diga a todo o mundo que eu convido esta noite — acrescentou — Obrigado, Josie.
Voltou a mover-se, e seu seio ficou no lugar onde havia estado seu ombro. Dexter havia aproveitado para colocar-se em um lugar mais vantajoso, mas Laura o afastou rindo.
— Deveríamos ir para casa — disse — Por mais que tenha desfrutado de minha estadia aqui, preferiria estar em casa contigo.
Dexter se estirou para pegar sua roupa, suspirando.
— Muito bem — disse — mas só se me prometer que voltaremos a ser temerários e bagunceiros muito cedo.
Laura sorriu.
— Podemos sê-lo muito cedo, na realidade — sussurrou — Hester me contou uma vez que havia feito amor em uma carruagem durante todo o trajeto de casa.
Ela viu que se desenhava um sorriso nos lábios de Dexter enquanto se inclinava para beijá-la.
— Bom, então, a que estamos esperando?


















Epílogo
Dezembro de 1809

— Me parece incompreensível — disse Faye Cole em um tom desagradável, durante o café da manhã, um par de semanas depois — que Laura se faça chamar agora senhora Anstruther. Parece que se sente orgulhosa de ter se casado com um dom ninguém como Dexter Anstruther. Ela, que foi a duquesa de Cole!
— Talvez seja incompreensível para ti, mamãe — disse Lydia, afastando seu prato de torradas intactas, com uma expressão de repugnância — Imagino que você não pode entender uma coisa assim.
Sua mãe a olhou sem afeto.
— Suas opiniões sobre o casamento não são muito confiáveis, não acha, Lyddy? Esqueceu-se que estava disposta a fugir com um criminoso?
— Não é provável que me permita esquecê-lo — disse Lydia.
Tomou um gole de chá, mas deixou a xícara imediatamente sobre a mesa, e empalideceu. Nenhum de seus pais percebeu. O duque estava concentrado na leitura do jornal, e a duquesa estava ocupada com um frasco de geléia.
— Não sei como vamos conseguir te casar agora que sua reputação está pelo chão, Lyddy — disse Faye — Suponho que poderíamos pagar alguém, mas acredito que seu dote não será suficiente, ainda que o senhor Anstruther tenha devolvido o dinheiro que seu pai tentou dar a Laura — acrescentou, lançando a seu marido um olhar venenoso — O qual é extraordinário, agora que o penso.
— O tipo diz que se casou com ela por amor — grunhiu Henry Cole — Maldito idiota!
— Falando de outra coisa, Lyddy, ultimamente tem uma cara muito pálida — continuou a duquesa, voltando para seu objetivo principal — Não é de estranhar que nenhum homem se interesse por ti. Lyddy? — viu como sua filha tampava a boca com a mão, levantava-se bruscamente da cadeira e saía correndo da sala — Lyddy!
A portada ressonou por toda a sala.
A duquesa olhou seu marido.
— Não sei o que acontece com está menina — disse — De verdade, Henry, é um completo mistério.

* * * * *

Estava nevando em Fortune's Folly. Do céu cinza caíam flocos grossos que formavam redemoinhos. Hattie estava brincando fora, gritando de emoção. Ia fazer um boneco de neve com Rachel.
Laura estava sentada no batente da janela, olhando-as.
— Vou sair em um instante para ajudar — disse — porque parece muito divertido, mas antes queria saber o que dizem as cartas.
Dexter rompeu o selo da primeira das cartas e se sentou a lê-la.
Notícias maravilhosas! Sua irmã Annabelle lhe escrevia com uma grande emoção.

Mamãe vai casar-se de novo! O noivo é um admirador da juventude, que a tinha pretendido antes que se casasse com papai (ao menos, acredito que foi antes, ainda que também poderia ter sido enquanto). Em qualquer caso, é um militar que pode comprar a Charlie uma fila no exército. E Roly conseguiu uma bolsa de estudo para Oxford, com o qual sua manutenção não será proibitiva. Caro se reencontrou com uma antiga amiga do colégio com a qual pensa abrir uma escola. Não tinha nem idéia de que quisesse trabalhar, mas me assegurou que se sentirá muito mais feliz se ocupando de algo mais que de um casamento!
O qual só me deixa a mim, Queridíssimo Dexter, mas estou segura de que se me proporcionar o mais extravagante e emocionante baile de apresentação, ver-te-á livre de mim rapidamente. Não tenho escrúpulos ao admitir que alguns cavalheiros já foram muito atentos comigo quando saí às compras pela cidade com mamãe. Não me surpreende porque sou muito bonita, assim que imagino que não terei problemas para conseguir um marido…

Havia muito mais na mesma linha, mas Dexter deixou a carta a um lado com um sorriso. A carta de Caro era muito mais breve.

Querido Dexter, já terá se informado por Belle de que sua mãe vai casar-se. O senhor Sandforth parece um cavalheiro agradável, ainda que seja um pouco obtuso e está completamente embevecido com sua mãe, mas nenhuma das duas coisas tem por que ser ruim. Provavelmente o arruinará em um mês, mais isso é seu problema. Por sorte, é muito rico.
Suponho que Belle não demorará muito em seguir à senhora Anstruther ao altar. Gostaria de dar um baile de apresentação, mas tem que ser depressa, porque é tão romântica que talvez fuja a Gretna antes de tempo.
Pensando-o bem, se quiser economizar o dinheiro, espera a que a natureza siga seu curso. Quanto a mim, vou ser muito feliz dirigindo uma escola. Encaixa com minha natureza administradora…

A terceira carta era de lorde Liverpool. A letra era bicuda e negra, e o papel tinha algumas manchas de tinta, devidas provavelmente à irritação.

Anstruther ordeno que volte imediatamente para Londres. Chegou a meus ouvidos que seqüestrou sua própria esposa. Embora não seja ilegal, esse tipo de comportamento é repreensível e absolutamente não é o que esperava de ti. Espero que as acusações de assalto e roubo sejam só um mal-entendido.
E já que mencionamos o assunto de seu matrimônio, parece que fez uma verdadeira porcaria. Adverti-te que não se distraísse Anstruther. Tinha uma tarefa muito fácil, e me inteirei que se casou com uma viúva que não tem dinheiro, e com uma filha, que será uma boca mais que alimentar. É inexplicável e totalmente incompetente de sua parte, e se não fosse pelo fato de que a dama em questão tem toda minha admiração, despedir-te-ia imediatamente…

Dexter soltou a carta, cobriu-se o rosto com as mãos e começou a rir. Laura pôs uma mão sobre o ombro e ele a olhou. Ela também sorria.
— O que acontece?
— Nada — disse ele, lhe entregando as cartas de suas irmãs — Não vai passar nenhuma das coisas que eu mais temia, e ninguém precisa agora do meu dinheiro.
— Uma boca mais que alimentar — disse Laura brandamente, inclinando a cabeça para ler a carta de lorde Liverpool, que estava sobre a mesa — Oh, Meu Deus, acredito que lorde Liverpool vai dar um ataque quando souber que vai haver outro Anstruther que alimentar, e tão logo depois do casamento…
Dexter a olhou com os olhos muito brilhantes.
— Quer dizer que…?
Laura tinha a face iluminada de felicidade.
— Nossa família vai crescer, Dexter — disse, e em seus olhos apareceu uma sombra de ansiedade — É muito irresponsável por nossa parte, ao não ter dinheiro agora que devolveu meu dote?
— Provavelmente — respondeu Dexter, e lhe deu um beijo — mas ao menos tenho meu trabalho, agradeço a ti. Como vê lorde Liverpool te admira muito.
— Então, pode ser o padrinho de nosso filho — disse Laura, e o pegou pela mão — Vamos dizer a Hattie que vai ter um irmão. Com certeza ficará muito contente.
E juntos, saíram à neve.




Fim



Apresenta...

 

 

 

Trilogia The Brides of Fortune

Confissões de uma Duquesa

The confessions of ao Duchess

Nicola Cornick

 

DISPONIBILIZAÇÃO: DANI P

TRADUÇÃO: DANI P

REVISÃO INICIAL: DANI P

REVISÃO FINAL: SILVIA HELENA

FORMATAÇÃO: KARINA RODRIGUES

 

 

Argumento:

Casar-se de novo? Jamais!

Quando se invocou uma antiga lei de tributos, por virtude da qual todas as damas não casadas deveriam contrair matrimônio ou pagar a metade de suas riquezas, o tranqüilo povoado de Fortune´s Folly se viu invadido por uma avalanche de solteiros caça dotes. Depois do que Laura, a duquesa viúva, havia sido obrigada a suportar em seu primeiro casamento, não estava disposta a casar-se. Ainda que seu antigo amante, Dexter Anstruther, fosse uma tentação tão irresistível, ela sabia que seus segredos destruiriam qualquer possibilidade de compartilhar o futuro com ele. Mas Dexter, jovem, bonito e escandalosamente atraente, estava decidido a descobrir, valendo-se dos meios que fossem necessários.

 

Informação da Trilogia The Brides of Fortune

Livro 1 — Confissões de uma duquesa — Distribuído 

Livro 2 — The Scandals of An Innocent — Em revisão

Livro 3 —  The Undoing of a Lady — Na lista

 

Série em revisão com o grupo Pégasus Lançamentos.

 

Link do e-book em doc.

http://www.4shared.com/document/S4Ix4Kgj/Nicola_Cornick_-_Trilogia_The_.html

Link do e-book em txt.

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