domingo, 1 de agosto de 2010 By: Fred

PEGASUS LANÇAMENTOS APRESENTA - ANDREA KANE - PERSEGUIDA


Pégasus Lançamentos apresenta:




PERSEGUIDA
Andrea Kane




Disponibilização e tradução: Jo Slavic
Revisão: Roberta Lelis
Revisão Final: Paty Ignácio e Leniria
Formatação: Leniria









Nota da revisora Roberta:


Para quem gosta de um bom romance estilo policial, esse é um prato feito. O livro reúne supense, sensualidade, perseguição, luxúria, intrigas... Quando você pensa que já sabe de tudo, inclusive o final... Tudo muda! Tem algumas cenas hot, mas o destaque do livro é o suspense e a perseguição.
Boa leitura!!!








Resumo:
"Estarei te vigiando…"
Taylor não podia esquecer as últimas palavras de Gordon, o homem que a encheu de terror e que levou à morte a mulher que ela queria como a uma irmã. Agora, Gordon estava morto, mas seu fantasma parece continuar atormentando-a. Taylor só encontra ajuda no advogado Reed Weston, que é torna-se mais que um amigo. Ambos suspeitam de Jonathan, irmão gêmeo de Gordon, que é obcecado por Taylor. Qualquer homem que se aproxime da jovem pode acabar morto, vítima de um misterioso assassino que parece estar decidido a tudo. E Taylor, psicóloga que aconselha a dezena de pessoas todos os dia em seu programa de rádio, não pode fazer nada para sentir-se segura.






Capítulo 1




SÁBADO, 14 DE SETEMBRO, 14h35min
RUA SETENTA E DOIS, OESTE DE NOVA IORQUE


Tinha sido uma jornada infernal.
Quatro horas na sala de reuniões do Colégio Dellinger. Dois descansos de cinco minutos, suficientes para ir ao lavabo. Três casais de pais hostis em uma atitude de profundo rechaço. Essa é mais uma das tardes apreciadas por Taylor, perdida devido à administração de uma escola privada de elite, que simplesmente não queria alterar o estado das coisas. Todas as partes implicadas pareciam olhar apenas para o seu próprio umbigo, e pareciam ter esquecido que, no olho dessa tormenta, se decida a sorte de três meninos de dezessete anos cujas vidas estavam a ponto de ruir.
Na qualidade de terapeuta, Taylor tinha tentado desesperadamente falar a favor dos adolescentes. Conhecia seus temores: o temor do fracasso, de não se adaptar, de defraudar aos pais. O temor de amadurecer.
Acaso alguém recordava o quanto era traumática essa etapa de transição?
Ao que parecia ninguém lembrava, porque os acontecimentos do dia tinham sido tão exasperantes, quanto familiares.
Depois de empregar a todas as técnicas psicológicas possíveis e não chegar a nenhuma conclusão, Taylor saiu da reunião de portas fechadas totalmente frustrada, preocupada e com uma dor de cabeça que não aguentava. Quando chegou em casa, passou apressada pelo vestíbulo do prédio onde morava. Não podia se alegrar porque sua companheira de apartamento, sua prima Stephanie, havia partido para a região de Hamptons. Agora tinha todo o apartamento para ela. Tudo o que desejava agora era um banho quente, dois comprimidos super fortes e um longo sono. A última coisa que esperava, ou necessitava, era encontrar Gordon Mallory na sala de estar da entrada, instalado tão comodamente, como se ele mesmo fosse o proprietário. Ao vê-lo engoliu em seco e desejou não ter entrado tão tranquila. Dirigia-se a seu apartamento e agora já não podia evitar que a visse. Se soubesse que ele e Stephanie estavam nesse mesmo andar, teria dado meia volta e esperado que partissem, para voltar alguns instantes depois e desfrutar de um pouco de paz e solidão. Mas era muito tarde. Encontrava-se justamente do outro lado da sala de estar, em frente a Gordon. Stephanie não se via por nenhuma parte, mas, conhecendo sua prima, Taylor pensou que estaria em seu apartamento reunindo algumas roupas de última hora para sua farra noturna no iate do Gordon, farra essa que compartilhariam com outros vinte convidados. Afinal, não eram todos os dias que se reunia com um grupo de jovens investidores que tinham ganhado uma quantidade de dinheiro, graças a sua participação em um investimento conjunto, neste caso orquestrado por Gordon. Era o privilégio dos que vive intensamente.
—Taylor. — Gordon inclinou sua cabeça morena e delgada e arqueou as sobrancelhas em forma de saudação. Ao que parecia, estava indo do aparador até o sofá, bebendo goles de seu uísque enquanto reordenava o conteúdo da bolsa de Stephanie para essa noite. Era a imagem da segurança em pessoa. Sentia-se como em sua casa, disso não havia dúvida.
Também era verdade que Stephanie desejava que ele se sentisse assim desde o primeiro dia. Gordon se ajustava maravilhosamente à lista de qualidades que devia ter um noivo na opinião de Stephanie: Era rico, bonito, tinha grandes gestos e muita lábia. Uma autêntica pérola. Conhecia todo mundo que devia conhecer, e sempre ia aos locais onde Stephanie tinha que ir. E, além disso, era um homem alto,sexy, com experiência e ambição. Um caminho rápido ao êxito. Era decididamente o tipo de homem que fazia Stephanie vibrar. Mas havia algo perigoso em Gordon que não deixava de inquietar Taylor. Em seus olhos castanhos e duros, via-se uma espécie de crueldade indolente. O tipo simplesmente não despertava nenhuma confiança. Mas por desgraça, em Stephanie sim.
—Olá, Gordon. —Taylor o saudou com tom cordial, mas distante.
Ele estava vestido de maneira informal, calça cáqui, uma camisa pólo e mocassins, mas não havia nada de informal em sua atitude e nem em sua expressão quando olhou Taylor de cima a baixo, examinando-a como quem admira uma fina obra de arte.
— Que agradável interrupção — disse ele —. Não ouvi você entrar.
— Já me dei conta. — Taylor estava acostumada a esses sinais que diziam "Eu te desejo". Formava parte de seu "modus operandi". Mas esta vez seu olhar era descarado com uma intensidade evidente. A garrafa de uísque sobre o aparador tinha ficado aberta, esperando que ele se aproximasse para servir-se de outro copo. Quantos teria se servido?
Taylor deixou cair sua bolsa e cruzou os braços, com os olhos cravados no copo.
— Quanto uísque tomou?
— Este é o segundo — respondeu ele, e deixou o copo —. Não se preocupe. Só estou relaxando, mas estou sóbrio.
Sim, claro, pensou ela. Relaxando. Queria dizer na verdade se aquecendo.
— Parece-me bem. Você e Stephhanie planejaram um fim de semana muito animado. Mas deixe pra se embebedar durante a festa, não antes.
— É um bom conselho. Vou parar nesse copo.
Taylor sentiu que sua dor de cabeça piorava. Não tinha vontade de se aborrecer e nem de discutir com Gordon. Só queria que ele fosse embora.
— Não sabia que você e Stephanie ainda estariam aqui — disse, sem ocultar sua indiferença — São quase três. Não estava marcado para sair a essa hora seu voo para Montauk? Seria uma lástima se o perdesse.
Os finos traços da face de Gordon endureceram.
— Por isso se chama voo particular. O helicóptero esperará até que cheguemos. Tirando sua maneira tão amável de me despachar, por que está com tanta pressa? Espera alguém?
— Só minha privacidade. Ouça, não pretendia ser grosseira, mas tive um péssimo dia e tenho uma dor de cabeça insuportável. Esperava ficar um bom tempo sem fazer nada, tomar um banho quente e dormir por muitas horas.
— Pobrezinha — disse ele, e a hostilidade se desvaneceu. Gordon diminuiu a distância que havia entre os dois, pondo as mãos em seus ombros e começou a massagear-lhe brandamente — Não é certo que a tensão danifique um corpo tão perfeito. O que você acha de uma massagem nas costas para aliviar o estresse?
Essas poucas palavras a alertaram. Aquele não era um gesto amistoso. Era um gesto íntimo. Também era sua proximidade e sua maneira de colocar-se frente a ela, porque parecia uma barreira. Instintivamente, Taylor deu um passo atrás com um gesto exagerado, cortando pela raiz qualquer contato.
— Não, obrigado — disse, e lançou um rápido olhar para o apartamento de sua prima, perguntando-se em que momento apareceria Stephanie. Enquanto pensava, reinava um silêncio estranho na sala. Não se ouviam as portas do armário batendo, nada de gavetas fechando-se com um ruído surdo, nem se ouvia Stephanie tagarelando de seu apartamento como de costume. Era estranho. Stephanie era uma garota sempre animada e cheia de vida, que se fazia notar quando estava em casa.
Taylor sentiu que um calafrio de apreensão lhe percorria as costas.
— Stephanie está em seu quarto? — perguntou — vou dar uma mão.
— Stephanie não está.
O calafrio se converteu em um nó na garganta.
— O que quer dizer com "não está"? Onde ela ficou?
— Ainda está em um teste para conseguir um papel — disse Gordon, olhando seu relógio — Chegará tarde. Suponho que me encontrará no heliporto.
— Então, como entrou ?
Na boca de Gordon se desenhou um sorriso duro que torceu seus lábios enquanto fazia soar umas chaves no ar.
—Com isto. Stephanie me pediu que passasse por aqui para recolher algumas roupas que se esqueceu na última hora. Harry não disse?
Harry era o porteiro. Agora que pensava, não o tinha visto ao passar apressada pelo vestíbulo.
— Não o vi.
— Ah, me esqueci, tem razão. Harry saiu durante sua hora de descanso.
— Ah, sim? —Taylor sentiu o coração bater com força. Deu outro passo para trás, calculando se tinha espaço suficiente para esquivar-se de Gordon e correr para a porta — Que estranho. Normalmente Harry não tem hora de descanso no meio da tarde.
— Faz calor, e ele tinha sede. Dei-lhe dinheiro para que fosse ao Starbucks a tomar um sorvete.
— Faz quanto tempo?
— Uns dez minutos. Foi quando olhei pela janela e a vi caminhando pela rua. — Gordon aproximou-se ainda mais e fechou o cerco — Queria que este nosso encontro fosse íntimo. — Estirou a mão e roçou seu cabelo cor de mogno— Vejamos o que podemos fazer para tirar esse estresse que se queixava…
Aquelas palavras bastaram. Taylor não sabia se Gordon estava bêbado ou se tinha falsas esperanças. E não tinha a menor intenção de ficar para averiguar. Tinha que sair dali.
Tentou sair disparada para a porta.
Gordon a apanhou com tanta violência que lhe fez mal. Apertou-a com força pela cintura e com a mão livre lhe agarrou os punhos.
— Shhh — murmurou contra sua face, e ela cheirou o uísque em seu fôlego— Assim só conseguirá que doa ainda mais a cabeça. — Levantou-a no ar e quase a carregou para seu apartamento — Eu sei como aliviá-la.
— Me solte! — exclamou ela, e quis livrar-se de seu abraço, agitando os braços para soltar-se, empurrando-o com todo o corpo para impedir que seguisse avançando. Não conseguiu, porque já tinham chegado a seu apartamento.
— Deixe de resistir — ordenou ele — Você deseja isso tanto quanto eu.
— Não, não é verdade. Não pode ser. Nem agora, nem nunca. — Taylor enganchou os pés na soleira da porta, ancorando-se com força e conseguiu resistir que continuasse empurrando-a.
Levantou a cabeça, olhou-o de frente e tentou fazê-lo raciocinar em meio daquele delírio — Não sei o que lhe fez pensar que eu desejo que isto aconteça, mas temos idéias diferentes. Por isso me solte, vá embora daqui e esqueceremos esta desagradável cena.
Dava a impressão de que Gordon se divertia. Com uma passada, Gordon rompeu a débil distância entre ele e Taylor, que se encontrava na soleira e arrastou-a até a cama.
— Você está totalmente equivocada! Isto pode acontecer sim! E não será desagradável. Posso assegurar que não desejará pensar que nunca ocorreu.
Taylor gritou já em pânico.
— Não! Não! — Seguiu lutando como um animal encurralado, resistindo com toda sua força. Mas Gordon tinha uma mão de ferro. E parecia absolutamente convencido de que os dois desfrutavam por igual
— Me Solte!
Gordon cravou-a na cama, esquivando-se dos golpes que Taylor lhe dava, além das duras joelhadas que tentava dar no meio das pernas. Montou-se escarranchado sobre ela e bloqueou as pernas enquanto colocava seus pulsos acima de sua cabeça com uma só mão. Com a outra, começou a massagear o pescoço, como se pretendesse acalmá-la, e acariciou o cabelo. Esmagou a boca de Taylor com seus lábios para silenciá-la.
— Shhh — Sussurrou — Você não tem nem ideia de como isso vai ser bom!.
Taylor teve vontade de vomitar.
— Sei exatamente o que necessita. Darei tudo e com sobra.
— Me deixe… Não quero... —Taylor conseguiu pronunciar as palavras assim que teve uma pausa. Desesperada, Taylor tentava que fazer que a entendesse; queria frustrar as fantasias que ele havia tecido pensando neles dois.
— Claro que quer! Demonstrarei isso em um momento, e depois disso me rogará para que dê mais. Prometo-lhe isso. — Tinha começado a desabotoar sua blusa enquanto ele acariciava-a nos ombros, os braços e o decote. Quando ela quis evitar o contato de sua mão, ele redobrou a força com que lhe apertava os pulsos— Chega de jogos, Taylor! Não resista! Cansei de esperar! Chegou a hora.
— Não chegou, não! — Taylor mordeu seus lábios, retorcendo-se de dor. Aproveitou o momento de debilidade de Gordon para liberar seus braços e começou a golpeá-lo no peito com toda sua força - Me solte seu maluco! Tire suas mãos asquerosas de cima de mim!
Assim que viu a reação de Gordon, soube que esse gesto lhe custaria caro.
Gordon estremeceu com uma violenta descarga de tensão. Ficou quieto e levantou a cabeça para olhá-la. Um duro e sinistro brilho passou em seus olhos, obscureceu-os até quase enegrecê-los. Um segundo depois a agarrou pelo pescoço e começou a lhe pressionar a traquéia.
— Nunca volte a me falar dessa maneira. Entendeu? Não tolerarei isso, nem de você, nem de ninguém.
Um medo frio como uma faca cravou Taylor enquanto se retorcia em busca de ar.
— Entendi.
— Sim?
— Sim. Sinto muito…
O brilho escuro no olhar do Gordon se suavizou.
— Assim está melhor.
— Está me machucando.
— Não me diga. Não era isso o que pretendia. —Gordon aliviou a pressão em sua garganta. Inclinou a cabeça até ficar entre seus seios e passou a língua pelo decote. Taylor sentiu que lhe revolviam as vísceras. Pensar. Tinha que pensar.
— Stephanie! — Começou a dizer— Isto a destroçará. Não podemos fazer isto.
— Jamais saberá.
— Gordon, Stephanie te ama.
Ele soltou uma gargalhada e ela sentiu seu fôlego quente na pele.
— O que Stephanie sente não é amor, é paixão. —Começou a lhe esfregar o quadril enquanto procurava o botão das calças — Stephanie é fogo — murmurou — Excitante. Quente. Irreprimível — disse, e baixou o zíper — Você é névoa. Evasiva. Intangível, difícil de capturar. — Com a palma da mão tinha começado a apertar a barriga, enquanto seus dedos lhe roçavam o cinto—. Você é o que há de mais excitante. Mas isso você sempre soube. Estava me provocando.
— Não! — Taylor segurou a respiração, querendo apartar-se de suas mãos — Está equivocado.
— Não me equivoco — respondeu ele, e sossegou seus protestos com outro beijo — Não preciso me equivocar com os sinais. Os teus eram claros como a água. Só tinha que esperar o momento adequado. E o momento chegou, o momento perfeito para que gozemos um com o outro. Quero que fique louca com o que posso dar. E assim será. — Deslizou os dedos sob a calcinha e seguiu para baixo— Deixa de falar. Só tem que sentir. Só sentir. Como se estivesse a ponto de afogar-se, Taylor reatou sua luta, lançando chutes e retorcendo-se com todas suas forças.
Da sala de estar, chegou uma voz que falava pelo interfone.
— Gordon? — Até eles chegou à voz de Stephanie, com um timbre metálico que provinha do interfone do vestíbulo— Já voltei. Harry disse que ainda está aí em cima. Vem logo! Não sabe a vontade que tenho de conhecer seu iate.
Taylor ficou paralisada e cravou o olhar em Gordon, perguntando se agora ele pararia e se a voz de Stephanie teria chegado até sua mente cega pela luxúria.
— É minha prima… — sussurrou. Não podia arriscar-se a provocar sua ira de novo — Está te esperando.
— Assim parece — conveio ele, apertando a mandíbula.
— Parece que não é o momento mais adequado.
— Pode crer que não.
Pela primeira vez, Taylor sentiu um indício de esperança.
— Será melhor que vá.
Mas sua esperança foi varrida pelo olhar de Gordon, com os lábios apertados e a mão ainda lhe apertando a traquéia.
— Espero que isso não seja uma ordem.
— Não, não é uma ordem… É uma sugestão… Só lhe peço isso…
— Tá bom. —Gordon não afrouxou a pressão. Manteve uma mão fechada em torno do pescoço de Taylor, enquanto procurava algo em seu bolso. Taylor viu que tirava algo, um objeto prateado que dançava em frente aos olhos, brilhando a luz do entardecer. Gordon apertou com força e aumentou a pressão sobre sua traquéia—. Em breve teremos outra ocasião para acabarmos com isto, Taylor — assegurou— Te dou minha palavra. Tenha paciência. Fique tranquila e não faça tolices. Apertou com mais força, até que o apartamento começou a escurecer e Taylor viu umas manchas negras que dançavam ante seus olhos.
Gordon se inclinou e roçou sua boca com seus lábios.
— Até mais - murmurou, justo antes que ela perdesse o sentido — Estarei te vigiando!
















































Capítulo 2




Taylor voltou a si, tossindo e com a garganta ressecada, procurando enviar um pouco mais de oxigênio a seus pulmões.
Não tinha sido um pesadelo. Tinha ocorrido de verdade. O estado de sua roupa era um aviso flagrante, como era a dor na garganta.
Rapidamente, varreu o apartamento com um olhar. Gordon não estava.
O relógio de pêndulo que ficava na parede marcava três e vinte e cinco. Gordon deve ter encontrado com Stephnie abaixo. Agora estavam a caminho do heliporto. Levantou-se de repente, mas em seguida caiu para trás ao sentir um forte puxão no pulso. Girou e olhou para ver o que acontecia. Estava algemada à cabeceira metálica da cama. E o telefone do criado mudo tinha desaparecido. Era evidente que Gordon tinha tirado-o dali, antecipando que Taylor ligaria para Stephanie ou à polícia informando o que tinha ocorrido. Queria ganhar tempo, e tinha conseguido. Inclusive o maldito celular estava fora de seu alcance, dentro de sua bolsa, que tinha ficado na sala de estar. Estava encrencada. Mas não tinha a menor intenção de permanecer assim.
Tentou gritar. O único som que pôde articular foi um grasnido rouco. Com um gesto desesperado, puxou as algemas. Estavam fechadas, como era de esperar.
Bom, tinha que se soltar por outros meios. Começou a atirar da cabeceira, tentando afrouxá-la, utilizando a mão livre como ponto de apoio. Os postes metálicos da cabeceira eram tubulares, a parte mais fraca da cama. Demoraria para romper o poste onde estava algemada, mas não era impossível. Arrancaria o maldito poste embora demorasse toda a noite. Empenhou-se nisso durante quase duas horas, até sentir que o poste começava a ceder. Redobrou seus esforços, atirou-se de um lado a outro com todas suas forças até que, com um estalo, o poste cedeu e se partiu pela metade. Deslizou as algemas entre as duas partes quebradas e saltou da cama. A princípio, fraquejaram-lhe as pernas. Entre o esgotamento, a tensão emocional e a dor palpitante das feridas, além da insuportável enxaqueca que tinha declarado, Taylor se sentia um lixo. Conseguiu recompor-se e esperou até que as pernas deixassem de tremer. Seu olhar se deteve no relógio. Eram cinco e quinze. Tempo suficiente para que Gordon e sua prima tivessem zarpado. Possivelmente. Dirigiu-se à cozinha, agarrou o telefone e discou o número de Stephanie. Respondeu-lhe a caixa postal. Maldita seja. Isso significava que já tinham zarpado e que Stephanie não queria que a incomodassem. Bem, Stephanie e Gordon celebravam uma festa essa noite com umas vinte pessoas. Entre tanta gente, sua prima estaria a salvo. Era evidente que Gordon não contaria nada a Stephanie, por mais bêbado que estivesse. Por hora, não havia perigo. Mas se Gordon acreditava que sairia dessa, logo descobriria que estava equivocado. Embora conseguisse celebrar sua noite no iate, ela se asseguraria de que um comitê de boas vindas o estivesse esperando quando voltasse.
A chamada seguinte foi para a polícia. Discou o número.
— Departamento de polícia. É uma emergência?
— Quero denunciar uma agressão. — A voz lhe saiu rouca e sentiu uma dor infernal na garganta e no pescoço—. É no número cento e vinte e três da Rua Setenta e dois, lado Oeste, apartamento 5 F.
— Você é a vítima?
— Sim.
— E o agressor está ainda aí?
— Não. Já se foi. —Taylor sentiu uma irritação na garganta e teve um acesso de tosse.
— Senhora, está bem? — perguntou rapidamente a operadora — Está ferida?
— Estou bem — respondeu Taylor — Só assustada. — Acabou de dar as informações necessárias à telefonista e lhe assegurou que não tinha sido violada e que suas feridas não requeriam uma ambulância. Sentiu-se aliviada quando lhe confirmaram que viriam dois agentes de polícia para vê-la.
Chegaram pouco depois e se identificassem como os agentes Slatter e Hillman, da Vigésima Delegacia de polícia. Sentaram-se no sofá de Taylor para tomar o depoimento, não sem antes abrir e tirar as algemas que ainda estavam penduradas em seus pulsos.
— O agressor entrou à força em sua casa? —perguntou Slatter quando Taylor havia acabado de relatar os fatos.
— Não. — Taylor se acomodou em sua poltrona macia, com um gesto de dor, enquanto esfregava o braço — Tinha uma chave. Minha prima, que vive aqui comigo, lhe deu.
— Então, não é um desconhecido.
— Não. Chama-se Gordon. Gordon Mallory. É um… um amigo de minha prima — disse, depois de uma pausa.
— Um amigo. — Slatter repetiu a palavra com tom cético — Também é amiga dele?
— Certamente que não.
— De acordo, fica claro que não entrou à força. Tinha uma arma?
— Se quer dizer uma faca ou uma arma de fogo, não. Só se valeu da força física.
— Há dito que suas feridas não a deixaram incapacitada —assinalou Hillman —.
Então, por que demorou duas horas em denunciar a agressão?
— Por isso. —Taylor mostrou as algemas que agora estavam nas mãos de Slatter — Gordon me estrangulou até que perdi os sentidos e me algemou a cama. Também tirou o telefone do quarto para que não pudesse chamar e pedir ajuda. Demorei bastante em me soltar e ligar para a polícia.
— Pelo visto, tinha as algemas no braço direito. Isso explica os cortes nos pulsos. Mas também tem uns machucados impressionantes no pulso esquerdo.
— Imobilizou-me pela força.
— De acordo. — Hillman trocou um rápido olhar com seu companheiro. – Isso explica tudo.
— Sim, isso mesmo — respondeu Taylor, nervosa — E o estrangulamento explica minha rouquidão e os machucados no pescoço.
— É claro que sim — conveio Hillman com um tom de voz que Taylor teve vontade de ranger os dentes. Sua insinuação era perfeitamente clara.
— Disse que ele tinha bebido — continuou Hillman.
— Uísque. Segundo ele, só tinha tomado duas taças.
— Estava como se estivesse bêbado?
— Na realidade, não. Estava como se delirasse.
— Como se delirasse. Em outras palavras, equivocou-se com você e com os sinais que transmitia.
— Eu não transmiti nenhum sinal.
— Então o cara é um egocêntrico. Disse que foi uma agressão sexual. No entanto, não houve violação.
— Foi apenas questão de sorte. Minha prima chamou do interfone. Foi então que Gordon mudou de idéia. Por isso não conseguiu.
— Diz que a estrangulou. Mas só até deixá-la inconsciente.
— Queria me atordoar, não me matar. Tem a intenção de acabar o que começou. Ele mesmo disse isso.
— Ameaçou-a? O que foi o que disse, concretamente?
— Que voltaria. Que teríamos todo o tempo que precisasse. E que estaria me vigiando. — Taylor estava a ponto de desmoronar-se, física e emocionalmente. Inclinou-se para frente para pôr fim ao desagradável interrogatório— Escute agente Hillman, deixemos de ambiguidades. Não se trata de um encontro sexual de pervertidos que acabou mau. Trata-se de uma agressão. Gordon Mallory me atacou e ponto. Agora, queria saber se irá detê-lo ou não.
Hillman deixou de escrever e olhou-a.
— Vamos apresentar a denúncia, senhorita Halstead. Um inspetor se encarregará de seguir o caso. E de seguir o senhor Mallory. Interrogaremos o acusado e faremos um estudo de seus antecedentes. Agora, se o deteremos ou não, isso dependerá do que encontrarmos.
Taylor voltou a tossir com dificuldade e dor.
— Duvido que tenha antecedentes por algum delito. Então, segundo o que você diz, parece que será sua palavra contra a minha.
— Não posso lhe dar uma resposta quanto a isso… Não até que se leve a cabo a investigação. — Hillman se levantou e Slatter o imitou imediatamente—. Se está preocupada por sua segurança, o melhor será que passasse algumas noites com sua família ou com amigos. Ou pode pedir um reforço policial, se fizer sentir-se mais tranquila. Mas, como você disse, esta noite esse tipo não representa nenhum perigo. Neste momento, está em alguma parte navegando pelo Atlântico. Eu, em seu lugar, cuidaria desses cortes e feridas, tomaria um bom gole de algo e iria dormir. Um dos inspetores da delegacia de polícia a procurará amanhã, neste número ou em seu celular.
— Bem. — Doía tudo em Taylor e tinha os nervos à flor de pele. O agente Hillman tinha razão. Essa noite tinha outras coisas para fazer. E necessitava urgentemente dormir um pouco — Obrigado, aos dois — disse, e se recompôs, apoiando-se no respaldo da cadeira para se sustentar—. Agradeço que tenham vindo. Acompanharei vocês até a porta.
Trinta minutos mais tarde, depois de uma taça de chá, dois analgésicos e uma ducha, Taylor colocou a camisola, assegurou-se de que a tranca de segurança estivesse posta, passou o ferrolho da fechadura na porta de entrada e se meteu na cama.
Assim que apoiou a cabeça sobre o travesseiro, adormeceu.
Despertou com o telefone. Era um som estridente. Persistente. Longínquo.
Taylor se inclinou, procurando o telefone em seu criado mudo de cerejeira. As pontadas nos pulsos e as dores musculares lhe trouxeram vivas lembranças do que tinha ocorrido aquela tarde. Também recordou que não havia tornado a conectar o telefone de seu quarto.
Resmungando entre os dentes, dirigiu-se com passos vacilantes à cozinha, até que tropeçou com um tamborete enquanto procurava o interruptor da luz. O piso estava às escuras. Era bem tarde da noite. E quando finalmente conseguiu acender a luz, viu que o relógio da cozinha marcava as quatro e dez da madrugada. Quem diabos, ligava a essa hora?
Gordon.
Taylor sentiu que o coração parava de bater, ao mesmo tempo em que liberava uma dose de adrenalina. Em um abrir e fechar de olhos, estava completamente acordada. Ficou olhando o telefone e a tela para ver quem chamava. Leu "Privado". Aquilo não lhe disse nada. Por que tinha que pensar que era Gordon? Embora pudesse ausentar-se de sua festa privada tempo suficiente para fazer uma chamada, por que motivo ligaria?
A mão tremeu quando desprendeu o fone.
— Alô?
— Senhorita Halstead? —perguntou uma voz muito formal.
— Sim?
— Sou o inspetor Hadman, da Décima nona Delegacia de polícia. Sinto chamá-la há esta hora, mas houve um acidente.
— Um acidente? — Era a última coisa que Taylor esperava. Ainda assim, sentiu que algo gelava por dentro e apertou com força o telefone— Que tipo de acidente?
— Uma explosão em uma embarcação. Aconteceu na costa do Long Island, em um iate que pertencia a Gordon Mallory. O iate estava ancorado a uns trinta quilômetros de Montauk. O departamento de polícia do condado do Suffolk identificou de dezenove a vinte pessoas porque a maioria dos passageiros era residente de Upper East ou de West Sede. — Seguiu uma pausa incômoda— Um desses passageiros era sua prima, Stephanie Halstead.
— Sim… é verdade. — Taylor deixou-se cair no chão, com os joelhos encolhidos e apoiando-se contra a parede— E Steph… feriu-se?
— Sinto muito. Todos os que estavam a bordo morreram.
Meu Deus, não! Não podia ser. Era impossível que Steph…
— Está certo disso? — perguntou— Não há alguma possibilidade de que alguém saísse vivo da explosão e…?
— Estou seguro. O acidente ocorreu ao entardecer. Desde então, a guarda costeira não parou que procurar no mar. Recuperaram… alguns restos e objetos pessoais. Mas acredite, não há sobreviventes.
Taylor ficou muda enquanto imaginava os corpos flutuando no mar. Não, não era possível, pensava. Não podia ter acontecido isso a sua prima, a sua querida e sempre alegre prima Steph. Stephanie, tão cheia de vida, tentando ganhar um lugar entre as estrelas da Broadway, seu sonho de toda vida. Steph, cheia de esperanças e sonhos. Com toda a vida pela frente. Era impossível que tivesse morrido.
— Senhorita Halstead? — perguntou o inspetor de polícia - Você está bem?
— A guarda costeira recuperou algo que pertencesse a Stephanie? —perguntou ela. Agarrava-se a qualquer possibilidade por menor que fosse e sabia, possivelmente, que Steph não estivesse a bordo.
Pode ser que no último momento decidisse não ir. Possivelmente…
— Estava a bordo — confirmou o inspetor Hadman—. Há testemunhas que a viram quando o iate abandonou o deque. Descreveram-na como… alta, magra, cabelo brilhante e vermelho até os ombros. Estava usando um vestido de festa, de seda, cor turquesa.
Taylor fechou os olhos com força. Stephanie usou esse vestido em seu aniversário. E tinha guardado-o para uma ocasião especial.
— A sua tia e seu tio já foram notificados. Neste momento, estão no local do acidente. Falei a eles que a chamaria, porque eles não estavam em condições de falar com ninguém. Sinto muito — acrescentou.
— Agradeço — disse Taylor, com voz neutra. Logo ouvia o que lhe diziam. Apenas compreendia. Ou sentia. Ficou insensível.
—Se estiver disposta, eu gostaria de passar para falar com você mais tarde, pela manhã.
— O quê? —Taylor não conseguia processar o que lhe dizia o inspetor Hadman. Esforçava-se para recuperar um pensamento racional. Tinha que chamar seus pais tinha que entrar em contato com seus tios, arrumar a mala. Ninguém estava tão perto de Stephanie como ela. Tinha que confrontar a situação.
— Quero lhe fazer algumas perguntas.
— Perguntas? — Taylor fez um esforço para se concentrar-se — A respeito do que?
— Não do que, mas sim de quem — corrigiu o inspetor — Sobre o dono do iate, Gordon Mallory. É uma das vítimas. Encarreguei-me de uma investigação sobre ele. Soube que você apresentou uma denúncia contra ele nesta mesma noite.
— E o quê isso importa agora? Está morto.
— Só cumpro com meu trabalho, senhorita Halstead. Você o denunciou sobre uma agressão. Os agentes Hillman e Slatter, da Vigésima Delegacia de polícia, redigiram um relatório. Estou trabalhando com eles e tenho que fazer um relatório do caso para fechá-lo. Só lhe peço uns minutos de seu tempo.
— De acordo. — Taylor já era incapaz de controlar-se. Tinha que voltar para a cama queria ficar sozinha— Venha cedo, às oito. Depois dessa hora terei que me ocupar de algumas roupas. Por Stephanie. Ela contava comigo.
Era verdade. Steph sempre tinha contado com ela.
Só que desta vez tinha falhado.


































Capítulo 3



QUINTA-FEIRA, 19 DE DEZEMBRO. 16h55min
746, Park AVENUE, Nova Iorque

Taylor Halstead. Na sessão de terapia.
A idéia ainda lhe parecia uma ironia, inclusive depois de dois meses de sessões semanais com a doutora Phillips. Como terapeuta, Taylor sabia melhor que ninguém o quão importante eram estas visitas, e quanto necessitava. Aproximavam-se as festas. Tinham passado três meses da morte de Steph. E ela ainda não conseguia ficar livre dos pesadelos nem do sentimento de culpa. Na verdade isso estava ficando pior, tanto em frequência como em intensidade. Como profissional, conhecia os sinais. Necessitava de ajuda. Mas o paradoxo de tudo isso era que, pela primeira vez em sua vida, ela se encontrava em uma posição dependente, quando o normal era que outros dependessem dela. Ela era sempre a forte, a mulher inteira, a líder. A que lutava com seus próprios problemas, e com os dos outros, sem alterar-se. A que tinha aprendido desde sua infância a manter em segredo suas vulnerabilidades. Tinha razões de sobra. Em todas as coisas importantes de sua vida, sempre as tinha arrumado por conta própria. Em termos materiais, tinha vivido como uma princesa. Filha única, criada em um apartamento de cobertura de luxo no Central Park West, cuidada por uma corte de babás. Embora o dinheiro jamais tivesse faltado não se podia dizer o mesmo de seus pais. Sua mãe viajava como uma louca, seu pai trabalhava obsessivamente, e esse acerto convinha aos dois. Divorciaram-se quando ela tinha onze anos. Depois, tinham-na enviado a um internato e a acampamentos de verão.
Chegou o final da infância. E veio a adolescência, e a estreita amizade com Stephanie.
A vida de sua prima era quase uma cópia exata da sua. Não era de sentir saudades, porque Anderson e Frederick Halstead pareciam mais um par de clones que dois irmãos. Clones ambiciosos e egocêntricos. Steph tinha crescido em uma casa maravilhosa de Bronxville, Nova York, onde ainda viviam seus pais, quando não estavam em viagens internacionais. Seguiam casados, provavelmente porque nenhum dos dois desejava passar pelo calvário financeiro de ter que dividir sua fortuna. As duas famílias não estavam acostumadas a ver-se com muita frequência quando Taylor e Stephanie eram meninas, embora as duas fossem filhas únicas e tinham a mesma idade e apesar de que não levava mais de uma hora de carro entre Bronxville e Manhattan. Mas elas tinham criado vínculos durante aqueles esporádicos encontros. Estavam acostumadas a brincar dizendo que uma era a ratinha da cidade e a outra a ratinha do campo, embora, na realidade, nenhuma das duas queria voltar para casa. No fim, sua relação era o melhor que restou de sua infância. E quando seus pais decidiram mandá-las ao mesmo internato, elas aproveitaram a oportunidade para consolidar sua amizade, inclusive com a oportunidade de converter-se em irmãs adotivas. A verdade era que as duas necessitavam de algum tipo de fidelidade em suas vidas. E, no caso do Steph, certa estabilidade.
Stephanie era uma garota emocionalmente frágil e necessitava de muita atenção. Sempre ia procurando algo que enchesse o vazio, era impetuosa, maluquinha, sempre assediada por desigualdades que Taylor não podia responder. Eram feridas que pareciam aumentar à medida que passavam os anos. Sua impressionante beleza não lhe ajudava muito, só lhe garantia travar amizade com gente equivocada e meter-se em problemas. E Taylor sempre estava aí para ajudar. Era divertido, mas às vezes se sentia como se Stephanie fosse um cometa e ela o fio, sempre segurando sua prima para trazê-la de volta à realidade.
A única válvula de escape para Stephanie era seu amor pelos palcos. Tinha desejado ser atriz desde que interpretou o papel de Pippi Calças Largas em uma obra de teatro na escola primária.
— Não é só porque ser ruiva —tinha confessado a Taylor —. É porque sou boa. Falo sério Taylor, é como se me convertesse em Pippi. É difícil explicar. Mas quando estou no palco, todo o resto desaparece.
Taylor a entendia melhor do que Stephanie acreditava. A necessidade de escapar era tão real como a cor de seu cabelo.
Além da motivação, a verdade era que Stephanie tinha talento. Ela a tinha visto desde o princípio no internato, quando sua prima ganhava o papel principal em todas as obras, e se convertia em cada um dos personagens que interpretava. Depois de graduar-se, Stephanie tinha se matriculado na Escola de artes Tisch, da Universidade de Nova Iorque, absolutamente decidida a converter-se em uma estrela da Broadway. E provavelmente haveria conseguido, se a vida não lhe tivesse sido arrebatada.
Taylor suspirou e afundou na poltrona enquanto esperava a doutora Phillips. Olhou pela janela do elegante e luxuoso consultório, observando como caíam os flocos de neve, pequenas bolinhas brancas do céu que ia cobrindo tudo, além de ver os transeuntes caminharem depressa para a estação do Grand Central. Sentia-se triste. Em outros tempos ela também tinha tido esse tipo de energia. Mas nos dias que se seguiam, só ficava a energia para lutar com seus alunos e conversar com seu público na rádio. Já sua vida privada, estava indo por água abaixo.
— Olá, Taylor, sinto tê-la feito esperar. — Era a doutora Eve Phillips que havia entrado, vestida com um elegante traje de pele de camelo. Lançou-lhe um sorriso amável enquanto se dirigia à mesa e abria seu histórico. A doutora Phillips era uma psiquiatra de primeira categoria com uma lista de clientes tão extensa como impressionante. Não era de se admirar. Tinha sido escolhida por seu pai. E Anderson Halstead sempre escolhia o melhor. Não tinha sido idéia de Taylor deixar que seu pai encontrasse uma terapeuta para ela, e nem sequer tinha falado que procurava uma. Mas do jeito que as coisas estavam um dia tinha chamado-a para falar sobre a herança de Stephanie e a havia encontrado deprimida. Taylor tinha respondido com uma voz trêmula, e notava-se o quanto custava concentrar-se para pensar em outra coisa. Mesmo assim agüentou firme, porque demonstrar fraqueza diante do pai era algo impensável. Mas ele era um homem perspicaz, e a tinha pressionado até que ela reconheceu que já não se sentia em paz consigo mesma.
Seu pai não tinha deixado-a tranquila. Tinha insistido em encontrar a melhor psiquiatra de Nova Iorque e em pagar as sessões. Taylor não tinha energia para opor-se, nem para discutir com ele.
E ali estava agora.
— Não tem porque desculpar-se comigo — assegurou à doutora Phillips—. Cheguei cedo. Foram bons esses 5 minutos de espera.
A doutora Phillips assentiu e se inclinou por cima da mesa.
— Tem um aspecto de cansada. A noite foi muito dura?
— Mais do que dura — disse Taylor e, esfregando a nuca, levantou-se e foi para o divã de cor creme onde gostava de sentar-se durante as sessões—. Sinto-me como se tivesse sobrevivido a um choque de trens.
— Voltou a ter pesadelos?
Taylor assentiu com a cabeça.
— Algo diferente? —A doutora Phillips não tinha papas na língua. Sabia que Taylor era especialista em terapia familiar. De nada serviria utilizar as típicas técnicas que sua paciente reconheceria em seguida.
— Não é que fosse diferente, mas sim mais intensa — suspirou Taylor, e cruzou as pernas — Não parava de ouvir Stephanie gritar. Eu tentava chegar até ela, mas algo me impedia.
— Algo ou alguém?
— De qualquer forma, era Gordon, real ou simbolicamente. Ele era o que me impedia de chegar a tempo até Stephanie — refletiu, inclinando a cabeça em direção a analista — Suponho que o sonho de ontem à noite foi tão intenso, porque ontem recebi uma cópia do relatório sobre o acidente. O inspetor Hadman me enviou por fax.
— Ah, sim? — inquiriu a doutora Phillips— E o que dizia?
— Exatamente o que suspeitavam a guarda costeira. A investigação diz que não foi um atentado terrorista, e sim uma avaria nos ventiladores de escapamento. O flamejante iate de Gordon era tão espetacular e fora de série como ele, um Hatteras de vinte metrôs, com motor à gasolina para alcançar maior velocidade. A gasolina é muito mais inflamável que o diesel. A avaria fez que acumulassem os vapores da gasolina e, quando o motor entrou em marcha, o iate voou pelos ares. — A voz de Taylor tremia ao falar, mas ela não desviou o olhar quando a doutora olhou-a —. Agora me perguntará se ao ler esse relatório tive a sensação de que tudo foi concluído. A resposta, na verdade, é não. Nunca me importou muito como as coisas aconteceram e sim o motivo.
A doutora Phillips franziu o cenho.
— De fato, nunca acreditei que uma folha de papel com detalhes sobre os problemas mecânicos permitiria concluir nada. Sua prima morreu. Você se sente responsável. Também tem medo, sente-se impotente e com raiva. Todas essas emoções se concentram em uma só pessoa, Gordon Mallory. Desgraçadamente, não está aqui para que possa projetar sua raiva nele.
— Então, por que me sinto assim? —inquiriu Taylor com um gesto de impotência.
— Pela mesma razão que não concluiu nada sobre a morte de Stephanie. Porque não há corpos. Se os houvesse, se obrigaria a ir além da negação e do golpe que recebeu, para a aceitação. E, no caso de Gordon, para o alívio. Esse homem agrediu-a, Taylor. E embora não tenha ocorrido à violação, violou-a. Sim, ele foi indiretamente responsável pela morte de sua prima pra você. Mas aqui não se trata só de Stephanie. Trata-se de você. Gordon Mallory atacou-a. Tem direito de sentir raiva por si mesma, não só por sua prima.
— Sei — disse Taylor, com uma voz fraca — E é o que sinto. Não posso deixar de reviver o que passou em meu quarto nesse dia. Ele só esteve ali um momento, mas foi como se durasse uma eternidade. Dá-me raiva não ter controlado melhor a situação, não ter feito nem uma maldita coisa para detê-lo. Violentaria-me,se Stephanie não tivesse aparecido — disse, deixando um silêncio doloroso — Por outro lado, se tivesse ficado para consumar o que tinha começado, teria perdido a viagem no iate e Steph ainda estaria viva — concluiu Taylor.
— Digamos que é mais provável que você se convertesse numa ruína física e emocional, para logo em seguida partiria para o iate, atrasando-se em 1 hora no máximo — respondeu a doutora Phillips — E então estaria pior que agora, e Stephanie teria morrido de qualquer maneira.
Taylor fechou os olhos com força. Sabia que a doutora Phillips estava certa.
— Sinto como se Gordon fosse um fantasma que não deixa de me perseguir — sussurrou — Por isso pedi esse relatório de antecedentes. Sentia que necessitava de algo tangível. E não consegui nada.
Nada exceto uma biografia que bem poderia ser publicada no National Enquirer.
Gordon Mallory tinha crescido em um magnífico imóvel no East Hampton, Long Island, na casa do Douglas Berkley, um banqueiro e investidor milionário. Sua mãe, Belinda Mallory, que já tinha falecido, tinha trabalhado de criada na casa de Berkley, e seu irmão gêmeo, Jonathan, era uma espécie de grande consultor de comércio internacional. Não era de se admirar, já que Douglas Berkley, embora não tenha assumido seu papel de pai, tinha financiado a educação dos dois. Era pós-graduado em administração de empresas por Harvard, tinha feito carreira em Ciências na universidade de Princeton e um doutorado na London School of Economics para Jonathan. O resultado era que Gordon tornou-se um consultor comercial e Jonathan era perito em comércio internacional.
Naquela biografia constava todo tipo de fofocas. Mas Taylor não procurava nada disso. Procurava… não sabia o quê. Antecedentes criminais. Uma história de violência. Incidentes que implicassem a outras mulheres. Algo. Não havia nada disso.
Deveria sentir-se aliviada. Mas não era assim.
As indagações sobre o passado só revelavam feitos. Não tocavam questões relativas à psique de uma pessoa, nem exploravam as consequências de fatos ocorridos na infância. Ninguém entendia isso melhor que ela. Quantos adolescentes ela atendia em seu escritório todos os dias. Isso era uma prova mais evidente. Informações sobre antecedentes não falavam das emoções. Não descreviam o perfil mental de uma pessoa. Não o descreviam a menos que seu estado mental a conduzisse a comportar-se como um criminoso. Uma conduta criminal que estivesse documentada.
Queria desenhar um quadro completo e objetivo de Gordon Mallory. Possivelmente isso permitiria esclarecer algo.
As entrevistas com os colegas do Gordon não tinham revelado grande coisa. Descreviam-no como um homem ambicioso, arrojado e que subiu para a cúpula em uma velocidade supersônica. Fascinava-lhe as mulheres bonitas, os carros rápidos e o risco. Tinha amigos íntimos? Não. Tinha sócios profissionais que confiassem nele? Ao que parecia, não. Só uma multidão de faces que trocava de mês em mês. Em um último intento, Taylor tinha viajado até East Hampton e tinha tratado de falar com Douglas Berkley ou com sua mulher, Adrienne, depois de informar-se sobre a cerimônia privada que tinham celebrado em memória a Gordon. Tinha-lhe dado seu nome ao mordomo, explicando que sua prima Stephanie tinha sido uma das vítimas da explosão no navio. Havia-lhe dito que só queria falar um momento com os Berkley. Mas o homem se limitou a negar com a cabeça dizendo que os Berkley não queriam ver ninguém em relação àquele assunto. E depois de oferecer suas condolências, havia-na despachado.
Outro beco sem saída.
Estava a ponto de procurar na Internet o nome de Jonathan Mallory através de sua empresa de consultoria com sede em Manhattan, mas então descobriu o arquivo de um recorte de jornal onde mencionava que ele e Gordon eram gêmeos. Só a idéia de encontrar-se face a face com uma pessoa igual a Gordon era mais do que podia aguentar. Além disso, pelo visto, os irmãos moviam por caminhos totalmente diferentes, de modo que Taylor nem sequer pôde averiguar se tinham tido algum tipo de contato. E, embora fosse assim, se ela se encontrasse com Jonathan Mallory, o que perguntaria? Perdão pela pergunta, mas alguma vez seu irmão deu amostras de uma conduta agressiva ou desequilibrada? Com certeza isso daria esplêndidos resultados. Jonathan a expulsaria de seu luxuoso escritório em Chrysler Building em um tempo recorde.
Onde mais podia procurar?
A busca começava a obcecá-la. Era um sintoma pouco saudável, e ela sabia. Tinha-o visto em outras pessoas.
Mas como explicar à doutora Phillips, ou a qualquer pessoa, o rastro que tinham deixado em sua consciência as últimas palavras de Gordon? Já era bastante traumático imaginar que continuasse sentindo o seu bafo de uísque, que recordasse seu toque obsceno. Mas essas palavras, sua maneira de dizer, o olhar ameaçador quando havia dito que a estaria vigiando. Taylor sentia-se perseguida por elas, de dia e de noite, no sonho e acordada. Às vezes se dava conta de que se virasse e olhasse trás, ele ainda estaria ali, em alguma parte, de algum jeito, vigiando-a como havia prometido.
Certamente, era impossível que isso acontecesse.
— Taylor. — A voz da doutora Phillips a chamou de volta à realidade. Olhava a Taylor como se a esquadrinhasse, procurando em seu rosto um olhar penetrante — Falta uma semana para o Natal. Quais são seus planos?
Natal? Soava como uma palavra de outro planeta.
— Nada especial.
A doutora Phillips suspirou.
— Escuta, já sei quão comprometida está com seu trabalho, com seus dois trabalhos. Mas, como todos os colégios, o seu fechará até meados de janeiro. Assim não terá ninguém para consultar. E quanto a seu programa de rádio, estou segura de que a emissora pode liberá-la alguns dias. Por que não vai passar uns dias com sua família?
Sua família. Taylor sentiu um conhecido sabor amargo, só com a menção da palavra. Sua mãe não celebrava os Natais. Passava as férias no rancho Canyon, em Massachusetts, descansando. Seu pai, como de costume, estava em viagem de negócios, desta vez em Londres. Seu tio se encontrava em algum lugar no Japão consolidando uma importante fusão de empresas. E sua tia, proprietária de uma exclusiva agência de viagens que trabalhava para os ricos de Park Avenue, estava em Acapulco, explorando as virtudes de um novo complexo turístico. Para seus clientes, claro. Não. Os natais em família estavam totalmente descartados, embora se dessem as melhores circunstâncias. E este ano era a última coisa que desejava.
— Agradeço-lhe a idéia, doutora Phillips. Mas realmente preciso ficar sozinha. E não é só para pensar. Para relaxar também. A rotina de um trabalho ou do outro me deixaram esgotada. Queria ter tempo para dormir até tarde, recuperar algumas leituras e passar momentos com meus colegas da rádio, antes e depois do programa. Além disso, essa semana receberemos milhares de chamadas. Você sabe melhor que ninguém que as férias são um motivo de enorme depressão para muita gente.
— É claro que sim. — A doutora Phillips assentiu com um sotaque de tristeza— Eu também tenho que receber muitos pacientes durante esses dias. Só estarei livre nos dias vinte e quatro e vinte e cinco — disse, com um olhar irônico — Assim, se quiser, faremos nossa sessão como de costume na quinta-feira pela tarde. —Ao ver que Taylor assentia, adicionou — Trarei um pedaço de meu famoso bolo de nozes. Na verdade, trarei uma parte grande para que possa levá-lo para a rádio. Sou das que cozinham bolos uma vez ao ano. E essa ocasião é precisamente no Natal. O problema é que me entusiasmo muito. Minha família se queixa de que não podem se mover até final de janeiro. Assim seria um favor aceitar o presente.
Taylor respondeu com um ligeiro sorriso.
— Não terá que insistir muito. Agradeço e aceito o presente. Meus companheiros da rádio são como dragas. Eles engolem tudo o que encontram na frente. Ficarão encantados.
— Vocês formam um grupo muito unido, não? São amigos e colegas.
Unidos? O grupo do DVNY tinham sido seus salvadores durante os últimos meses. Não estavam sempre grudados nela, prestando gestos fúteis de simpatia como todas as pessoas que conhecia. Não tinham mandado flores, não tinham feito doações nem cozinhado bolos. Só lhe davam uma palmada de vez em quando ou murmuravam suas condolências ou se ofereciam para substituí-la ou lhe traziam um sanduíche ou uma taça de café. Eram pequenos gestos, mas oferecidos com profunda sinceridade. Era curioso, porque todos os que trabalhavam na rádio eram muito diferentes. Tinham diferentes histórias, diferentes personalidades e, como não podia deixar de ser, diferentes programas, desde a "Revista Esportiva", com o estilo bronco do Hill, até o seu próprio "Falando com os jovens", um programa de terapia familiar centrado nos problemas dos adolescentes que provocava chamadas tanto dos meninos e garotas como dos pais. O programa ia ao ar todas as noites de oito as dez. Ainda assim, o grupo dava uma mão quando fazia falta.
— É verdade que somos bastante unidos — reconheceu — Como se fôssemos uma pequena família.
— Bem. Então indico que faça planos com eles fora do estudo —aconselhou a doutora Phillips — Inclusive para a véspera de natal. É bom estar sozinha um tempo. Mas não é bom estar muito tempo sozinha.
— Mensagem recebida. Está claro.
Taylor não tinha amigos íntimos, só "conhecidos". Com a exceção de Steph, seu lema era: Gente, quanto mais longe, melhor! Assim sentia-se mais segura. A doutora Phillips não estava de acordo. Incentivou-a a aprofundar suas relações, inclusive as amorosas. Bem. Possivelmente algum dia, se encontraria a pessoa adequada. Mas essa pessoa ainda não tinha aparecido. De modo que só contava com uma pessoa, ela mesma.
— Taylor — insistiu a doutora Phillips.
— Certo, certo. Nestas férias me converterei na rainha da vida social. —Taylor tentava dar a impressão de que estava animada, mas sabia que não seguiria o conselho da doutora Phillips de passar o dia de Natal acompanhada e sabia que a doutora sabia. Seria um dia tranquilo. Estaria a sós com suas emoções, tentando pôr ordem em sua vida. Além disso, tinha que revisar um montão de anúncios de aluguel. Esse seria o primeiro passo. Dar um tempo para mudar-se para um lugar diferente, menor. Tempo para deixar de dar voltas no vazio. Tempo para fazer algo definitivo para sair do ostracismo. Natal. Um dia de paz. Possivelmente o conseguiria.
Mas não foi assim.
Na manhã de Natal, Taylor despertou, ligou o computador para olhar os anúncios de aluguel daquele dia e encontrou um cartão postal em seu correio eletrônico.
Era uma saudação natalina, com um desenho de uma paisagem nevada, e uma chaminé de tijolo, Noel com o perfil sombreado, preparando-se para descer pela chaminé da casa. Ao abrir o postal, pelos alto-falantes do computador soou a alegre canção popular de "Papai Noel vem à cidade". Com a melodia, apareceu na tela a letra de um dos versos da canção:
Ele a vê quando está dormindo.
Sabe quando está acordada.
Sabe quando se comportou bem ou mau.
Assim, comporte-se bem, Por Deus.
Mais abaixo, havia uma mensagem pessoal:
Como Papai Noel, estarei te vigiando.
A carta não estava assinada.


Capítulo 4

Taylor ficou paralisada.
Antes de mais nada, entrou em contato com a empresa que tinha enviado o postal. Ao menos, tentou. Só escutou uma gravação que desejava alegremente um Feliz Natal e convidava a chamar de novo ao dia seguinte.
Fez isso. Mas não chegou muito longe.
O encarregado do serviço de atendimento aos clientes explicou que só registravam os dados que o emissor dava sobre si mesmo, quer dizer, seu nome e seu correio eletrônico. Neste caso, a pessoa que tinha enviado o postal tinha dado o endereço do correio eletrônico de Taylor, tanto na opção do receptor como na do emissor. A empresa não podia lhe dar mais informações.
Em poucas palavras, era impossível localizar a origem da postal, o que significava que não havia maneira de relacioná-la com Gordon.
Não importava. Taylor sabia intuitivamente que Gordon tinha mandado. E apenas pensar nisso já a deixava doente, porque significava que quando a tinha forçado naquela tarde não havia sido por um espontâneo ataque de luxúria. Significava que Gordon tinha planejado tudo de antemão e que tinha programado a entrega do postal para aquele dia. Toda essa relação fictícia era fruto de sua mente doente e tinha dado muito mais importância do que ela pensava.
De acordo, pensou Taylor, tentando desesperadamente controlar suas emoções. De modo que Gordon tinha enviado o postal. E a tinha posto como algo mais que sua próxima conquista sexual. Pelas coisas que lhe havia dito naquele dia, era evidente que estava obcecado por ela. Via-a como uma presa, como alguém que desejava controlar.
E que importância tinha isso? Agora tudo tinha terminado. Gordon tinha morrido. Havia escrito o postal, meses antes e programado a data de entrega para 25 de dezembro. Disso não havia dúvida.
Tinha que conservar a calma.
Quase tinha conseguido convencer-se da explicação quando chegou o dia do Ano Novo. Mas aquele dia recebeu outro postal eletrônico. Com o coração aos pulos, Taylor clicou no mouse para abri-lo.
Quando o postal se materializou em sua tela, escutou a saudação das alegres notas da popular canção natalina "Inverno no país das maravilhas".
Que ironia.
No desenho, nada convidava ao otimismo. Era outra cena noturna. Esta vez, uma cabana na lonjura de um monte ermo. Árvores nuas. Em primeiro plano, um manto de neve. No interior da cabana, só havia uma janela que iluminava a silhueta de uma mulher. Era uma cena que transmitia uma inquietante sensação de isolamento, e Taylor olhou-a e sentiu um calafrio.
O verso estava escrito com letras negras sobre a neve. Intitulava-se "Meus desejos para o ano novo":
Como a neve sem rastros de pegadas, o ano novo se apresenta
Um começo novo, e tudo o que promete
Longínquo como um monte nevado
É o livro em branco onde te verei escrever.
Não estava assinado.
Mas não era necessário.
Estarei-te vigiando…
Outra vez a mesma mensagem implícita, ou possivelmente não, Taylor intuía a ameaça de Gordon, e, igual ao postal anterior, figuravam seu próprio nome e correio eletrônico como emissor e receptor.
Taylor não perdeu o tempo.
Às nove da manhã de dois de janeiro falou por telefone com o inspetor Hadman da Décima nona Delegacia de polícia, relatando atropeladamente os detalhes do incidente de cabo a rabo.
— Me escute senhorita Halstead — disse ele com voz pausada — Em primeiro lugar, não há nenhuma prova de que Gordon Mallory lhe enviasse esses postais. Dito isto, é verdade que, pelo modus operandi e a redação, é algo um pouco estranho. Suponhamos que ele as mandou. Você sabe como funcionam estas páginas Web de envio de postais. Pode dar-lhe instruções para mandar a postal um ano depois de escrevê-la. Podemos deduzir que Mallory programou uma para o dia de Natal e outra para Ano Novo.
— Já sei disso, inspetor. Também sei que isto se chama perseguição, embora o tipo tenha morrido. Está claro que Gordon me escolheu faz algum tempo. Quem sabe quantos postais estarão programados para que vão aparecendo em meu computador com o passar do ano.
— Entendo o que quer dizer —respondeu Hadman com tom discreto, pensando a melhor maneira de acalmá-la — Eu aconselharia a trocar o endereço eletrônico. Assim, qualquer outro postal que tenha enviado não chegará a suas mãos.
— Mas…
— Deixe correr, senhorita Halstead. Gordon Mallory está morto.
— Está certo disso? — disse ela, ouvindo sua própria voz trêmula — Absolutamente certo? Embora ainda não tenha aparecido o corpo? — O pânico tinha se apropriado dela antes daquele absurdo, e sabia disso perfeitamente. Mas precisava de uma última confirmação do inspetor Hadman.
— Sim — disse Hadman —. Estou seguro. Confirmaram que Mallory estava a bordo do iate quando zarparam. A explosão foi enorme. Não houve sobreviventes. As águas na costa do Montauk estão infestadas de tubarões. Assim, como disse, Gordon Mallory está morto. Deixe de se torturar.
Sim, claro, pensou Taylor. Para ele é fácil dizê-lo.
— Tudo bem, inspetor. Tentarei.
— Ótimo. E não esqueça o que lhe disse sobre trocar seu endereço eletrônico.
— Não esquecerei. Entrarei em contato imediatamente com meu provedor de Internet. Obrigado por me atender — disse, e desligou.

8 DE JANEIRO. 20h30min
EDIFÍCIO CHRYSLER 405 LEXINGTON AVENUE, Nova Iorque

Jonathan Mallory se reclinou na cadeira de seu escritório enquanto escutava com interesse a conversa que vinha do programa "Falando com os jovens", da WVNY. Dois psiquiatras de reconhecido prestígio falavam sobre os traumas da infância na vida adulta. A moderadora da reunião era a apresentadora do programa, Taylor Halstead. Era uma mulher brilhante. Jonathan já a escutava há várias semanas. Tinha muito que dizer a respeito dos meninos a sua volta, os pais e suas responsabilidades, sobre as relações familiares e como resolver os problemas. Se aquela mulher queria escutar histórias sobre infâncias desgraçadas, ele poderia contar algumas anedotas que lhe dariam vertigem.
Na verdade, tinha esperado ter a oportunidade de fazer precisamente isso. Supunha que Taylor Halstead entraria em contato com ele. Halstead fizera muitas perguntas aos amigos de Gordon, justo depois da explosão. Perguntava sobre Gordon e sua família. Sabia que ele existia, que vivia e trabalhava em Manhattan. Por isso acreditava que um dia apareceria em seu escritório, sobretudo depois que Douglas e Adrienne fecharam a porta na cara quando tinha ido em Hamptons. Mas não tinha aparecido. Pior para ela. Teria sido muito mais fácil seguir as pistas.
Em breve saberia disso,mas precisamente na próxima semana. Halstead pegaria o dinheiro e sumiria sem dizer uma palavra ou seguiria com suas investigações. Essa última opção poderia trazer problemas e isso o obrigaria a atuar.
Jonathan levantou-se para aproximar-se do aparador.
Ficou quieto escutando concentradamente aquele tom de voz sincero de Taylor enquanto expunha a seguinte pergunta a seus convidados: Como pode um menino traumatizado superar as dificuldades e seguir em frente, rumo ao futuro?
Com um sorriso tenso, Jonathan se serviu de um uísque.

RADIO WVNY. 22h03min
SÉTIMA AVENIDA, Nova Iorque
ESTUDO B

A luz vermelha escrita "no ar" se apagou.
O produtor Kevin Hodges fechou o microfone e anunciou:
— acabamos.
Do interior de seu estudo privado de gravação, tenuamente iluminado, Taylor bebeu um gole refrescante de suco de Mirtilo e se separou do microfone e da mesa de
Mixagem, onde coordenava suas atividades com um desdobramento impressionante de dials, interruptores e organizadores do outro lado da parede, o espaço onde reinavam seu produtor e o técnico de som. Encontrou o olhar do Kevin ao outro lado da larga janela retangular, que era sua única conexão com o mundo exterior, e lhe acenou com os polegares para cima. Logo se reclinou em sua cadeira, tirou o fone de ouvido e sorriu a seus convidados ao outro lado da mesa.
— Foi fenomenal! Houve pontos muito importantes, sobretudo o fato de que os traumas da infância não têm porque destroçar a vida de um indivíduo. Pode-se tratar com terapias e apoio emocional. É bom que os jovens saibam. Agradeço-lhes que tenham vindo.
— O prazer foi nosso. — A doutora Mazer abandonou uma das cômodas cadeiras destinadas aos convidados, distribuídas em torno da mesa de trabalho de Taylor e recolheu suas anotações — Espero que tenha servido de algo às pessoas que não tiveram coragem para ligar.
O doutor Felmore apertou a mão de Taylor.
— Seu estilo é admirável — elogiou — Uma combinação de empatia e transparência. Acredito que alcançará muitos jovens.
— Assim espero. Certamente esse é o objetivo do programa. —Taylor levantou a vista quando a grosa porta de seu santuário se abriu e Laura Michaels, sua ajudante, apareceu.
—Tenho que revisar alguns assuntos contigo, quando puder.
— Nós temos que ir — disse a doutora Mazer — Poderíamos repetir a dose algum dia.
— Eu gostaria de muito.
Taylor esperou que saíssem seus convidados e se virou para Laura.
— Vai, desembucha, o que tem aí? Cartas? e-mails? Ligações?
— Tudo isso. — Laura se instalou na cadeira em frente a Taylor e começou a organizar a correspondência sobre a mesa.
— Bonito programa — comentou Kevin pelo microfone que conectava a sala de produção com o estudo de Taylor.
— Sim, e tem que reconhecer que a doutora Mazer faz um bolo de chocolate de maravilhoso! — comentou Rick Shore, o técnico de som de Taylor, enquanto cortava outra fatia. Logo tirou o CD-ROM com a gravação do programa dessa noite e o etiquetou — Sabe? — disse, voltando-se para Kevin — acredito que os bolos deveriam ser um requisito para os convidados que vêm ao programa.
— Claro, mas então seu tamanho não deixaria-o chegar aos controles — respondeu Kevin, que acabava de apagar os interruptores — Será melhor que venha rápido, Taylor, ou só ficarão as migalhas.
— Obrigado por me avisar — disse ela, sorrindo.
— Por certo, Romeo voltou a ligar esta noite. Queria saber se queria almoçar com ele no domingo.
— E você o que lhe disse?
— Que já tinha um compromisso, e se interessava receber um conselho, deveria chamar-me para fazer alguma pergunta, não para convidar para um encontro.
— Está bastante claro — disse Taylor, franzindo os lábios. Desde que trabalhava no programa, acostumou-se a todo tipo de chamadas estranhas. Era normal que quando se falava de questões pessoais, a gente se identificasse. Alguns a viam como uma amiga pessoal, outros detestavam suas opiniões e a tratavam como alguém sobre quem descarregar seus açoites, e outros queriam convidá-la para ir para casa e conhecesse mamãe. Todos os que trabalhavam no WVNY eram profissionais do assunto. Sabiam quando teriam de estar em guarda com pessoas que ligavam. O sujeito em questão ligava a cada dois dias para pedir um encontro com Taylor.
— Precisa da gente para algo? —perguntou Rick, que acabava de desconectar a equipe, enquanto guardava seu pedaço de bolo — Porque me esperam em casa. Se está tudo acabado, eu vou.
—Vá — disse Taylor, e despachou todos — Eu vou revisar algumas coisas com Laura, e logo também irei. Tenho uma reunião na escola na primeira hora da manhã — voltou-se para a Laura — Venha, me diga, o que tem aí?
— Isto aqui eu vou levar para olhar em casa — disse ela, e deslizou um montão de documentos para Taylor— Vou lê-los quando tiver tempo. — Assinalou outro montão de papéis – Esses são os que temos que revisar juntas. Mas antes… — disse, e tirou um papel cor rosa onde anotava as mensagens telefônicas e o passou para Taylor— Seu advogado ligou pra você. Pediu que retornasse assim que pudesse. Taylor franziu o cenho. Agarrou a mensagem olhou. Joseph Lear. Ligaria assim que possível.
— Disse do que se tratava?
— Algo sobre uma reunião.
Uma reunião? Que estranho. Normalmente, quando chamava Joseph, era para falar da herança de Stephanie, pois Taylor tinha sido nomeada testamento.
— Ligarei pra ele amanhã de manhã.
— Disse que estaria em seu escritório até as onze da noite. Tinha que colocar a papelada em dia.
— Pois, nesse caso, chamarei agora mesmo.
— Esperarei lá fora. — Laura se levantou, saiu do estúdio e fechou a porta.
Taylor discou o número dos advogados e logo caiu na mesa de Joseph.
Atendeu ao terceiro toque, com voz pastosa e cansada.
— Sim?
— Olá, Joseph, sou Taylor Halstead. Queria falar comigo?
— Taylor, sim. — ouviu-se um ruído de papéis — Horace Randolph, de Harter, Randolph e Collins me ligou. Quer que nos reunamos com ele. Harter, Randolph e Collins? Taylor sabia que era uma companhia de advogados das mais importantes de Park Avenue.
— E por que desejava ver-me senhor Randolph? Não atua com direito comercial?
— Sim, mas sua empresa também representa clientes individuais influentes. E Horace especializou-se em recursos de investimento e heranças.
— Recursos de investimento e heranças? Tem algo que ver com Stephanie?
— Ao que parece, sim. Harter, Randolph e Collins representam os interesses de Douglas e Adrienne Berkley, e também os de Jonathan e Gordon Mallory.
Taylor sentiu que o estômago se o fazia um nó.
— O senhor Randolph te disse algo de concreto sobre esta reunião?
— Só que tem a ver com a sociedade que Gordon Mallory tinha criado com o grupo de investidores que morreram no acidente do iate. Horace marcou o encontro para o dia treze de janeiro às quatro da tarde. Tudo bem?
Taylor olhou sua agenda. O colégio acabava as duas e quarenta e cinco. Chegar a Park Avenue as quatro não seria problema.
— Sim, há essa hora está bem.
— Ótimo. Esperarei no vestíbulo as três e cinquenta.
— Estarei lá.

















Capítulo 5



13 DE JANEIRO, 16h20min
Harter. RANDOLPH & COLLINS
Park AVENUE 270, Nova Iorque


Os escritórios do Harter, Randolph e Collins tinham certo ar de clube de cavalheiros da Inglaterra vitoriana. Revestimentos de madeira, elegantes poltronas estofadas de couro, e um ambiente masculino de elite típico do velho mundo, do vestíbulo até a biblioteca. Depois de uma espera de quinze minutos, uma mulher de meia idade, de aspecto muito formal, convidou Taylor e Joseph a entrar na "pequena" sala de reuniões. Era uma sala tão grande que Taylor se perguntou de que tamanho seria a "grande" sala de reuniões.
A partir dali, Horace Randolph, um senhor de aspecto distinto de sócio majoritário, substituiu-a. Aproximou-se até a porta a saudá-los, desculpou-se pelo atraso e os acompanhou até a mesa de nogueira.
Havia outras duas pessoas esperando-os, um homem e uma mulher. A mulher tinha um aspecto impecável e eficiente. Estava sentada e tinha as costas totalmente retas, quase rígidas. Suas mãos descansavam sobre seu laptop e tinha um pequeno gravador frente a ela. Sem dúvida era a secretária do senhor Randolph.
O homem era muito diferente. Impressionante. Não diria que era bonito, mas havia algo muito singelo nele, e muito masculino. Não era masculino tipo James Bond, mas sim um tipo masculino tipo corredor de esqui, ou que acampa nas montanhas. Era curioso, parecia cômodo com seu traje do Brooks Brothers. Possivelmente eram seus traços. Eram traços americanos, mas tinha um bronzeado impecável mesmo sendo inverno. Provavelmente acabou de passar uns dias ao sol. Seu cabelo era negro como carvão, mas com reflexos dourados. Tinha uns olhos que podiam cravar seu interlocutor contra a parede. Eram olhos de um intenso negro azulado, chamativos e penetrantes. Quanto à idade, era várias décadas mais jovem que Horace Randolph, teria uns trinta e cinco anos aproximadamente, mas com o mesmo ar de segurança inata. Quando se levantou para saudá-la, Taylor viu que também era alto, mais de um metrô e oitenta. Traje Brooks Brothers e sapatos L.L. Bean. Um conjunto interessante.
— Senhorita Halstead, lhe apresento Reed Weston, um de nossos advogados — explicou o senhor Randolph — Estará presente nesta reunião na qualidade de testemunha. Joseph, vocês já se conhecem.
—Claro que sim. Alegro-me de vê-lo Reed. — Joseph parecia ligeiramente surpreso, mas não desconcertado.
— Digo o mesmo, Joseph. — O olhar de Reed posou rapidamente em Taylor, uma avaliação masculina instintiva, e lhe estendeu a mão — Senhorita Halstead, muito prazer.
— Senhor Weston — respondeu ela, quando se estreitaram as mãos. Voltou-se para Horace Randolph, e encolheu os ombros, como manifestando sua curiosidade — Posso perguntar o porquê desta reunião? Quero dizer, concretamente. Joseph me disse que tem a ver com a herança de minha prima.
— Sim. Por favor, sente-se. — Randolph assinalou com um gesto a cadeira frente à Reed Weston ao outro lado da mesa.
Ela obedeceu. Joseph se sentou junto a ela e deixou a pasta diante dele.
Horace Randolph escolheu a cadeira em frente a Joseph e entrelaçou as mãos sobre a mesa.
— Como você sabe, representamos a herança de Gordon Mallory. Como também sabe a empresa do senhor Mallory criou uma sociedade com um grupo de investidores, aos quais todos faleceram no trágico acidente em seu iate no mês de setembro. Sua prima Stephanie era uma das investidoras. Dado que ela e todos os outros estão mortos, o testamenteiro da herança do senhor Mallory, Douglas Berkley, decidiu que não tem sentido seguir adiante com a sociedade.
— Entendo. — Taylor estava intrigada. Joseph lhe tinha informado que Douglas Berkely era o testamenteiro. O testamento era uma questão de domínio público, junto com todos os outros documentos arquivados para a validação testamentária. Entretanto, sua decisão de dissolver a sociedade… agora. Era uma decisão interessante — Continue.
Randolph se inclinou para diante, com o olhar fixo, estudando sua reação.
— Com o fim de levar a cabo a dissolução, o senhor Berkley oferece comprar os interesses de cada um dos sócios investidores, incluída qualquer revalorização por cima do investimento inicial. Se chegar a um acordo… — Fez um sinal a sua secretária, que o entregou um documento. Este documento é um simples contrato de venda. Diz em termos legais o que acabo de lhe explicar. Em poucas palavras, nosso escritório está autorizado para lhe fazer a entrega de um cheque pelo valor total do investimento de sua prima. Só precisa assinar este contrato e o assunto estará resolvido — assegurou, e deslizou o documento sobre a mesa para Joseph.
Joseph lhe lançou um olhar e o entregou a Taylor.
— Está tudo em ordem.
— Imagino que sim. — Taylor lhe sustentou o olhar — Entretanto, queria ter um momento para lê-lo e revisá-lo contigo a sós, para entendê-lo bem e logo discutir o assunto com os pais do Stephanie. Como sabe, não estou acostumada a tomar decisões importantes relacionadas com sua herança, sem consultá-los.
— Absolutamente de acordo.
— Claro que sim — conveio Horace Randolph com uma expressão neutra —Como você achar melhor. Joseph pode voltar a falar comigo dentro de dois dias. Dois dias. Meu Deus, sim que tinha pressa.
Taylor girou e inclinou a cabeça para Reed Weston com a intenção de que ficasse claro ao menos uma das respostas.
— Você trabalha com o senhor Randolph na dissolução desta sociedade?
Naqueles olhos negros azulados apareceu um brilho de diversão.
— O senhor Randolph não necessita da minha ajuda. Mas represento aos Berkley. Conheço-os há anos.
— Entendo. — Mas não estava tão segura de entendê-lo.
Reed Weston jogou para trás sua cadeira e se recompôs.
— Se pensa levar o contrato, então não precisará de mim para nenhuma pergunta nem para testemunhar a assinatura dos documentos. Sendo assim, com licença.
— Acredito que a senhorita Halstead também tenha que partir — disse o senhor Randolph com voz suave, enquanto se levantava—. Parece-me que tem que preparar-se para um programa de rádio. — voltou-se para sua secretária e lhe falou pela primeira vez — Senhorita Posner, quer fazer o favor de xerocar o contrato não assinado para o senhor Lehar e a senhorita Halstead e acompanhá-los à recepção?
— Sim senhor.
A senhorita Posner saiu disparada para a porta, seguida de perto pelo resto do grupo. Isso é que se chama "um minuto" em Nova Iorque... pensou Taylor, olhando seu relógio depois de recolher seus papéis e despedir-se. Quando viram que não ia assinar nesse momento, os advogados de Gordon deram a reunião por acabada.
Taylor morria de vontade de falar a sós com seu advogado.
Mas sua intenção se viu truncada quando, no meio do corredor, Joseph se aproximou de outro advogado, alguém que o estava esperando. Genial. Teria que esperar se queria ouvir o que pensava Joseph.
Combinaram que ela o chamaria no dia seguinte e Taylor continuou pelo corredor. Deteve-se no lavabo feminino antes de sair.
Uma dissolução rápida e discreta da sociedade pensou, enquanto se penteava. Tudo aquilo parecia um pouco confuso. Não ilegal. Só um pouco estranho. Mas claro tudo relacionado com Gordon Mallory era turvo. De modo que não tinha do que sentir saudades. Estava perdida em seus pensamentos quando saiu do lavabo e deu meia volta até chegar ao vestíbulo. Falou com a recepcionista e agarrou a maçaneta da pesada porta de madeira ao mesmo tempo em que esta se abria, entrando um homem que quase a derrubou.
— Perdoe — disse, ajudando-a a recuperar o equilíbrio—. Tudo bem?
Taylor elevou a cabeça para responder, mas as palavras ficaram presas na garganta quando viu os duros olhos castanhos de traços angulosos que tinham ficado gravados em seus pesadelos desde setembro. Empalideceu e deixou escapar um gemido enquanto se soltava com um gesto brusco.
— Me solte!
— O que?
— Disse para me soltar! — exclamou, golpeando-lhe as mãos para que lhe soltasse os cotovelos, e se girou para sair correndo, com a sensação de que estava à beira de um ataque de nervos.
A recepcionista a olhou como se estivesse louca. O mesmo aconteceu com os outros doze empregados que tinham saído de seus escritórios ao escutar a discussão.
Taylor engoliu em seco, porque o sentido comum lhe dizia que o que via era impossível. Ao mesmo tempo, a realidade lhe impôs com um peso que lhe esmagou. O irmão gêmeo. Passaram-se uns segundos desta cena surrealista antes que chegasse Reed Weston, abrindo espaço até ela.
— Senhorita Halstead? — disse, notando a palidez de seu rosto e olhando ao homem a seu lado — O que houve?
— Eu… pensava… mas não… — balbuciou ela, e logo recuperou a respiração — Deve ser seu irmão.
— Chocamos na porta — explicou o homem atrás dela —. Mas, a julgar por sua reação, não estava preparada para encontrar-se comigo. Peço-lhe desculpas. — virou-se para olhá-la, mas sem intenção de tocá-la — Meu nome é Jonathan Mallory, senhorita Halstead. Não sabia que você estaria aqui. Sinto tê-la impressionado tanto.
— Eu… — Taylor se umedeceu os lábios com a ponta da língua — Bom. Dei-me conta de quem era faz uns três segundos. — Falava com um tom agudo e frágil.
Maldição tinha que recuperar a compostura, pois não tinha o costume de perdê-la. E não era que não soubesse que Gordon tinha um irmão gêmeo, idêntico a ele. Só que a tinha sido pega de surpresa, uma surpresa que claramente não estava em condições de assimilar.
Mas tinha que tentá-lo.
— Sinto muito, senhor Mallory. — O sobrenome em sua boca tinha um sabor amargo e Taylor teve que esforçar-se para pronunciá-lo enquanto olhava a imagem clônica de Gordon vestido com um traje ligeiramente mais convencional—. Não sabia que poderia encontrá-lo por aqui. Se soubesse… — Surpreendida, Taylor se deu conta de que estava a ponto de perder o equilíbrio.
— Deixe que lhe traga uma cadeira e um pouco de água. —Reed Weston tomou-a pelo braço e saiu do vestíbulo — Jonathan — disse, olhando por cima do ombro —, Volto daqui a pouco.
— Não tem pressa.
Quando Reed Weston a levou até seu escritório e lhe ofereceu sentar-se em uma cadeira, Taylor seguia vendo pontos negros.
— Ponha a cabeça entre os joelhos e respire — lhe sugeriu.
Taylor lhe obedeceu.
Alguém lhe ofereceu um copo de água.
— Beba.
Levantou-se para beber um gole comprido.
— Obrigado. — a tontura começava a passar—. Estou bem.
Ele se inclinou junto a sua mesa, olhando-a concentrado.
— E tudo isto é só por que encontrou com Jonathan?
—Não, não sou tão patética —murmurou ela — Ainda não comi e hoje já andei bastante. Encontrar-me com ele foi a gota d'água.
Sem dizer uma palavra, Reed se inclinou para trás e apertou o botão do interfone.
— Cathy?
— Sim, senhor Weston?
— Sobraram algumas madalenas da reunião desta manhã. Agradeceria-lhe que trouxesse algumas a meu escritório.
— Sim, senhor.
— Vão lhe trazer um lanche — disse, ajeitando-se.
Taylor bebeu a água e deixou o copo na mesa.
— Não precisa — disse, e quis levantar-se — Estou bem. Só um pouco estressada.
— Estressada e faminta — corrigiu ele, detendo-a — Não quero que desmaie na Park Avenue. É a hora do rush. Encontrará lá fora uma correria na estação do Grand Central.
Com um indício de sorriso, Taylor se voltou a sentar.
—É verdade. —Jogou um olhar a seu redor, dando-se conta pela primeira vez de onde estava. Os móveis dessa sala eram tão sóbrios e tradicionais como o resto do escritório. Entretanto, o tamanho da sala, isso sim que era interessante. Era um espaço grande, muito maior que as outras salas onde tinha estado com a exceção das que ocupavam os sócios fundadores. E a vista também era impressionante, um visual panorâmico que olhava o sudeste. Uma sala agradável.
Pelo visto, Reed Weston estava bem cotado.
— E qual é o veredicto?
Taylor lhe devolveu um olhar rápido, e escolheu com cuidado suas palavras.
— Que você é um vencedor. Que o valorizam. E que provavelmente se converterá em sócio efetivo apesar de ser muito jovem, se é que já não o é.
— Não o sou — disse ele, com um sorriso torcendo o canto dos lábios — Mas obrigado pelo voto de confiança.
— Não acredito que necessite.
Taylor ficou em silêncio quando entrou a secretária de Reed com um prato com duas madalenas recheadas de amora.
— Obrigado, Cathy. — Com um gesto, Reed lhe indicou que entregasse o prato a Taylor — São para a senhorita Halstead — disse, e esperou que Taylor o aceitasse —Por hoje é só — acrescentou — Já pode ir para casa. Terminaremos com essas cartas amanhã de manhã.
— Sim, senhor. — A mulher, de aspecto robusto e eficiente, com o cabelo castanho grisalho e um traje cor azul marinho muito formal, despediu-se e saiu da sala.
— Coma — disse, assinalando as madalenas.
Não precisava insistir. Taylor deu uma dentada.
— Sinto tê-lo incomodado e lamento todo esse escândalo. Já o deixarei em paz.
— Fique tranquila. Descanse.
Taylor deu mais umas mordidas e deixou o prato de lado.
— Sinto-me muito melhor. Obrigado.
— De nada.
Pelo visto, Reed não tinha nenhuma pressa. Seguia olhando-a atentamente.
Taylor cruzou as pernas e entrelaçou os dedos sobre o colo.
— Senhor Weston…
— Reed.
— De acordo… Reed. Suponho que Jonathan Mallory veio vê-lo.
— Mmm.
— Isso significa que além de representar Douglas Berkley, representa ele também…? Não sei muito bem como definir o senhor Jonathan Mallory. É muito poderoso para necessitar um tutor legal.
— É verdade. — Taylor se deu conta pelo brilho nos olhos de Reed, que sabia que ela procurava informação, mas ele não parecia se incomodar — Entendo. E, sim, represento Jonathan. Conhecemo-nos faz tempo.
— Conheceram-se através de Douglas Berkley?
— Não. Na universidade. Nós dois nos graduamos de Princeton.
— Assim, são amigos?
— Somos sócios por questões de negócios.
Suas respostas eram vagas. Sem dúvida era uma questão de privilégios entre advogado e cliente. De acordo. Taylor pensou que o abordaria de outro ângulo.
— Voltando para o de seu futuro promissor na companhia, entendo que representa a alguns clientes importantes, como Douglas Berkley. Além disso, está especializado em algum ramo do direito?
Ele não se alterou.
— Sou bastante versátil. Mas, sim, sou especializado em casos penais.
Era uma resposta que Taylor não esperava.
—Como para representar a presidentes executivos corruptos que extorquiram seus investidores?
Outra insinuação que soava divertida.
— Às vezes, embora em geral seja bastante aborrecido.
— Aborrecido. — Taylor despachou o comentário com um gesto — Tenho a impressão de que seja a modéstia. Assinaturas como Harter, Randolph e Collins não representam traficantes de drogas. Representam empresas enormes e a magnatas comerciais. — Como Douglas Berkley, pensou — Deve ser um advogado defensor brilhante.
— Faço o que posso — disse Reed, franzindo o cenho — Terminou o interrogatório, ou ainda há mais?
Tome cuidado, disse Taylor para si mesma, reprovando-se pela atitude. Não pressione. Consiga o que puder. Joseph preencherá as lacunas.
— Sinto muito. Não era minha intenção converter isto em um interrogatório.
— Claro que sim. Mas não importa. Não se preocupe — disse Reed, que se recostou na cadeira e cruzou os braços—. Agora me diga, por que é fascinada tanto Douglas e Jonathan?
Era uma pergunta justa.
Ela apostou por uma evasiva.
— Não é que me fascinem. Despertam minha curiosidade. Minha prima saía com Gordon Mallory quando morreram na explosão do iate. Tínhamos uma relação muito estreita. É normal que queira perguntar pela família e os amigos de Gordon.
— Pode ser que sim — respondeu Reed — Mas não é normal que tenha essa reação de pânico quando de repente se encontra com seu irmão gêmeo. Ou que quase desmaie quando pronuncia seu nome.
Taylor não respondeu.
— Gordon não era seu amigo, é isso?
Bom, isso já era o bastante.
—Já está na minha hora — disse Taylor, e levantou-se — Meu programa de rádio me espera e um cliente o espera.
Em vez de insistir, Reed guardou a meia madalena que sobrou e a envolveu num guardanapo.
— Leve — disse, e entregou a Taylor o pequeno pacote improvisado — Termine de comer pelo caminho. Seus ouvintes não gostarão que desmaie durante o programa.
— Nisso tem razão — disse ela, sorrindo enquanto o aceitava — E obrigado de novo por me resgatar — acrescentou, e se virou para sair.
—Taylor? Posso chamá-la assim? —perguntou Reed, e ela se deteve.
— Sim. — Lançou-lhe um olhar inquisitivo ao ver que se aproximava.
— Acredito que deveria acompanhá-la. Será mais fácil. — Não acrescentou porque Jonathan Mallory ainda está no vestíbulo, embora esse fosse o sentido de seu oferecimento. Pela segunda vez nos últimos minutos, Taylor não se opôs. Queria sair dali, e queria fazê-lo o mais rapidamente possível. Sem maiores problemas.
Caminhou junto a Reed Weston pelo corredor para a mesa da recepção. Sentiu alívio ao ver que o vestíbulo estava vazio e que não havia empregados curiosos olhando-a. Ninguém, exceto Jonathan Mallory, que continuava sentado na recepção folheando o Wall Street Journal.
— Tudo bem? — perguntou ao ver que se aproximavam.
— Sim —assegurou Reed — Taylor só precisava comer algo — disse, e se adiantou para abrir a porta—. Não se esqueça de comer essa madalena. Manterá você de pé até que possa comer algo.
— Farei. — Taylor se deteve, fazendo um esforço para olhar Jonathan—. Por favor, me perdoe. Estou cansada. Tive um sobressalto. Devolveu-lhe um sorriso e Taylor sentiu um calafrio. Era o mesmo sorriso de Gordon.
— Entendo. Não se preocupe, meu ego se recuperará.
— Alegra-me em sabê-lo. — Tinha que sair dali — E bem, não quero roubar mais o seu tempo. Senhores, adeus.
Cinco minutos mais tarde, Reed fechou a porta de seu escritório e se voltou para Jonathan.
— O que você acha que aconteceu com ela para provocar tal reação?
Seu cliente, aparentemente imperturbável, sentou-se.
— Não tenho nem idéia. É evidente que tinha algum problema com Gordon.
— Problema? Sim, isso é certo — disse Reed, afrouxando a gravata de seda azul. Deu uns passos e se sentou na cadeira atrás de sua mesa — Tem alguma idéia de que problema poderia ser?
— Nem a mais remota. Gordon e eu não tínhamos uma relação muito estreita.
Reed não insistiu.
— O que te fez mudar de idéia e vir mais tarde?
— Não mudei de idéia. Sua reunião durou mais do esperado ou começaram bem mais tarde. Eu cheguei na hora marcada.
— Não começamos até as quatro e meia — disse Reed.
— E como foi?
— A Srta. Halstead mostrou-se muito precavida. Queria falar com seu advogado e com os pais de sua prima antes de qualquer decisão. Mas não se negou.
— Bom. Demorará alguns dias e depois assinará.
— Assim espero.
— Não parece muito otimista — disse Jonathan, franzindo o cenho.
— Não estou. Algo a incomoda. E esse algo tem que ver com Gordon. Possivelmente o culpe pela morte de sua prima. Possivelmente seja outra coisa. Seja o que for, é muito possível que isso influa em sua decisão. Lembre-se que não necessita do dinheiro.
— Precisa encerrar o assunto.
— Estou de acordo. A pergunta é, quando desejará fazê-lo? Possivelmente queira esperar um tempo até que passe com o que lhe está incomodando?
— Possivelmente. —Jonathan pensou no possível inconveniente, e encolheu os ombros como dando a entender que deixava correr — Nos ocuparemos disso quando chegar o momento. Se for necessário, falarei com Douglas. Encontraremos uma solução — disse e pigarreou —. Ela perguntou algo a meu respeito?
— Bom, fez-me algumas perguntas. Queria saber se eu representava-o como advogado, como nos conhecemos, esse tipo de coisas.
— Ah, sim? Nada de minha relação com Douglas?
— Referiu-se ao feito de que tem Douglas como aval. De modo que se souber algo mais, oculta.
— Ninguém consegue te enganar, Reed. Se ocultasse algo, você saberia. Teria sabido disso logo em seguida.
— Sim, possivelmente teria alguma idéia. Mas neste caso, não.
Jonathan se acomodou em sua cadeira.
— É muito atrativa, não te parece? Reconheci-a pela foto que tem a WVNY em seu Site. Mas é muito mais bonita em pessoa. Uma beleza autêntica.
Aquele comentário pessoal, quase íntimo, de Jonathan, surpreendeu Reed.
—Não olhei o site — respondeu, com tom evasivo —. Mas é verdade que é belíssima.
— Tem certa elegância — continuou Jonathan, com um olhar pensativo, abstraído — Os rumores dizem que sua prima também era estupenda. Uma ruiva deslumbrante, traços perfeitos, algo fora de série. Taylor é mais sutil. Tem esse cabelo vermelho, mas um pouco mais escuro, e seus olhos também são escuros, entre castanhos a negros. São muito chamativos e expressivos. Gosta de desviar o olhar —disse, e os lábios lhe torceram —. Digo isso porque me olhava como se eu mesmo fosse Satanás.
Aquilo estava cada vez mais interessante.
— Não sabia que tinha ficado tão encantado.
Jonathan pareceu sair de um sonho.
— Não diria que fiquei encantado. Nem sequer a conheço. Mas tenho olhos. É muito bonita. Também tenho ouvidos. Escutei seu programa de rádio. É inteligente. Não é fácil encontrar uma bela mulher que também seja inteligente e tenha classe, tudo em uma só pessoa.
—Tem razão — concordou Reed, com certa cautela — Ainda assim, no seu lugar, eu trataria de evitá-la. É evidente que não estava nada contente de encontrar-se com a imagem viva de Gordon.
Jonathan lhe lançou um olhar firme.
— Pode ser que sim, ou pode ser que não.



















Capítulo 6


14 DE JANEIRO. 10h30min
COLÉGIO DELLINGER
RUA OITENTA E CINCO ESTE,
Nova Iorque


Taylor fechou a porta de seu escritório deu a volta e foi sentar em sua cadeira. O acumulo de tensão, impaciência e rancor que se via no casal impecavelmente vestido, refinado e rico que estava sentado frente a ela era evidente. Eram os pais do Chris Young. O doutor Edward Young e a doutora Olivia Young. Edward era um urologista de muito prestígio, conhecido em todo o país. Olivia era neurocirurgiã no Hospital Monte Sinai. O encontro não prometia nada bom. Para começar, Olivia tirou sua busca e deixou-a diretamente sobre o tampo da mesa de Taylor. — Tenho um paciente na UTI — anunciou, e dirigiu a Taylor um olhar penetrante — vim com o tempo muito apertado.
— Eu também — afirmou seu marido com uma voz autoritária que certamente colocava sua equipe médica de cabelos em pé — Do que se trata essa reunião?
— Trata-se do Chris — disse Taylor, e colocou as mãos sobre a mesa — É algo muito sério; de outro modo, não lhes teria pedido que deixassem seus pacientes.
— Suas notas neste trimestre foram excelentes — Edward se apressou em dizer — Exceto em inglês, porque tirou um B. Todos sabem que inglês não é o forte de Chris. Sua carreira universitária já está definida e, entre seu ensino médio, que numa escola tradicional, e todos os esportes que pratica…
— Isto não tem nada que ver com as notas de Chris, nem com sua futura carreira universitária — interrompeu Taylor —. Tem a ver sobre sua conduta. — Em situações como aquela, o melhor era abordar as coisas diretamente. Embora soltassem faíscas. Taylor se inclinou para frente, nem vacilante nem querendo evitar seus olhares. — escolhi a propósito este momento para a entrevista porque todos os alunos estão em uma assembléia e quero economizar uma represália da parte de vocês em seu filho nesse momento.
— Represália? Por quê?
— Porque Chris há se insinuando várias vezes de maneira muito pouco apropriada.
— O que ele disse? — perguntou Olivia, que se tinha ficado boquiaberta.
— Não se trata de um problema que saiu do nada — acrescentou Taylor — Para ser sincera, Chris me assediou quando estava na oitava série. Naquela época, não me preocupava. Estava crescendo. Não é estranho que um menino em pleno descobrimento de sua sexualidade se apaixone por sua professora ou por uma tutora. Suas paqueras eram inócuas, risinhos entre amigos quando nos cruzávamos no corredor, e um olhar ou um sorriso de vez em quando. Mas quando seus olhares e sorrisos se fizeram mais ousados, chamei-o em meu escritório e tivemos uma conversa. Falamos do respeito e das condutas corretas e incorretas. Disse-lhe o que pensava com toda clareza. E, ao final, ele entendeu. Além disso, Chris começou a distrair-se com uma vida social normal, extremamente ativa. Sua popularidade deslanchou quando o nomearam capitão da equipe de hóquei. As garotas foram atrás dele como moscas.
— E então, qual é o problema?
— O problema é que neste trimestre as coisas tomaram um rumo negativo.
— O processo de seleção para ingressar na universidade é muito estressante, senhorita Halstead — recordou Edward, com voz gélida — A senhora sabe melhor do que ninguém.
— Sei. E por isso mesmo fui muito mais indulgente com Chris do que deveria ser. Mas agora ultrapassou os limites. No mês passado, Chris começou a fazer comentários muito desagradáveis. Se quiserem que seja mais detalhista, não tenho nenhum problema em reproduzi-los.
— Não se incomode — disse Olivia, elevando a mão para economizar-lhe.
— Pensei que quereriam sabê-lo. Em todo caso, justo antes das férias de inverno, disse a Chris que se não corrigisse imediatamente seu comportamento, chamaria vocês a comparecerem na escola. É evidente que minha advertência não o dissuadiu. Desde que voltamos das férias, as coisas pioraram. Cada vez que pode, Chris aparece em meu escritório e me convida para sairmos. A semana passada entrou depois do horário escolar, colocou o braço sobre meus ombros e sugeriu que — e cito literalmente seu filho — "saíssemos esta noite, numa noite de prazer"; e começou a falar explicitamente o que faria e da habilidade que tinha para fazê-lo. Suponho que não preciso fazer um desenho. — Taylor ficou olhando fixamente — Seu filho já não é um adolescente inconsciente. É um jovem de quase dezoito anos muito cheio de si. Adverti-lhe não poucas vezes de sua conduta negativa, mas ele não tem feito nada para modificá-la. Algo tem de ser feito. Devemos é insistir neste ponto, que pode se qualificar como perseguição. Para mim, isso quer dizer que necessita de ajuda, e por isso os chamei. Temos que resolver isto juntos. Vocês são seus pais e têm que intervir antes que seja muito tarde.
Edward Young fechou os olhos.
— Perseguição. Não estará você ameaçando nos processar?
A resposta era tão típica e tão exasperante que Taylor teve que fazer um esforço para conservar um tom sereno.
— Não, doutor Young, não tenho nenhum interesse em processá-los. O que me interessa é ajudar a seu filho. Para isso, necessito que vocês colaborem. Falta muito pouco tempo para que Chris deixe de viver em sua casa. Depois, irá à universidade e estará sozinho. Tem que estar preparado para isso. Até agora, tomou um rumo muito negativo.
— Um rumo negativo? — depois de descartar o temor de um processo, Edward parecia mais divertido que preocupado — Não lhe parece um pouco melodramática, senhorita Halstead? Pode ser que Chris necessite de algumas lições sobre como controlar-se e que o recorde do código ético de seu colégio, e me assegurarei de que se inteire destas duas coisas, mas dificilmente qualificaria sua paquera com você como destrutivo. Você é jovem. É atraente. E é uma profissional muito competente. Em poucas palavras, é um perfeito modelo de virtudes. Se algo tivesse que dizer, diria que meu filho a idolatra.
— Não, doutor Young, seu filho não me idolatra. Há certas questões psicológicas que precisam ser tratadas, não só por minha parte, mas também por vocês dois juntos com um terapeuta que possa oferecer ajuda em particular. Insisto que vocês têm que tomar as rédeas neste assunto, e têm que fazer isso agora, antes que Chris vá à universidade.
Edward abriu a boca para dizer quem sabe o que, mas sua mulher o fez calar com um forte apertão no braço.
— Agradecemos sua preocupação, senhorita Halstead — disse, com uma voz que poderia gelar um jarro de água — A partir de agora, nós cuidaremos disso.
Com certeza que sim, pensou Taylor com um toque de ironia quando minutos depois se despediu deles e fechou a porta. Agora mesmo estariam a caminho da sala do diretor e apresentar uma queixa contra mim. Em lugar de refletir, solucionarão o problema me fazendo responsável do caso. Não se surpreenderia que Chris, como muitos outros alunos do Dellinger, siga descontrolado pela vida a fora. Taylor despencou em sua cadeira com um suspiro e massageou as têmporas.
Nem sequer eram onze da manhã e já estava acabada. A verdade era que não tinha parado durante toda a manhã. As nove tinha ido correndo assinar o contrato de aluguel do apartamento que tinha visto. Tinha chegado antes dos outros candidatos graças a uma das professoras do colégio, amiga do inquilino que partia. Era exatamente o tipo de apartamento que Taylor procurava. Estava perto do que morava agora, só duas quadras de distância na Rua Setenta e quatro, e em perfeitas condições. Tinha uma distribuição similar, uma cozinha moderna, uma sala de estar no nível inferior e um banheiro de ladrilhos cor malva. Tinha um quarto a menos, menos metrôs quadrados e não despertava lembranças traumáticas. Não começaria a pagar o aluguel até março, o que lhe daria tempo suficiente para embalar suas coisas, subarrendar seu apartamento atual e fazer o necessário para fechar esse episódio de sua vida. Falando de fechar… Taylor olhou seu relógio e viu que já eram mais das onze da amanhã. Aproveitaria para ocupar-se de sua seguinte prioridade, que era falar com Joseph.
Pegou o telefone e ligou.
Ele respondeu em seguida.
— Taylor, sinto muito sobre ontem. Não tinha nem a menor ideia do que nos esperava naquela reunião.
— Deixa pra lá. Não há o que se desculpar. —Taylor tirou sua cópia do contrato e o revisou enquanto falava — Além disso, tudo foi mais que conveniente. Queria falar contigo em particular e antes queria esclarecer algumas dúvidas — disse, e deixou o contrato na mesa — O que me incomoda na verdade não é o contrato e sim a origem da decisão.
— O que quer dizer?
— Gordon está morto. Douglas Berkley se ocupa de seus bens. Se a empresa de Gordon era tão lucrativa como fez acreditar Stephanie, por que quereria o senhor Berkley dissolver a sociedade? Por que não assumir o papel de diretor geral da empresa de Gordon e seguir funcionando com a empresa e a sociedade?
— É o mesmo que pensei eu — disse Joseph, com um ligeiro grunhido — A única coisa que me ocorre é razões pessoais ou que Douglas Berkley fará alguns projetos, tendo decidido que esta sociedade não era tão lucrativa assim como esperava.
— Embora fosse assim, por que o senhor Randolph mostrou tanta pressa? E por que necessitava que um advogado criminalista estivesse presente na reunião?
Um longo silencio seguiu-se do outro lado, e Taylor deduziu que Joseph estava surpreso.
— Taylor, não sei o que insinua com essas perguntas —disse — Mas posso te dizer que Harter, Randolph e Collins é uma companhia com excelente reputação. E a reputação de Douglas Berkley é igualmente irrepreensível. Estou seguro de que não há nada que falte à ética neste assunto. No que se refere à Reed Weston, devo reconhecer que me surpreendeu vê-lo na reunião. Mas ele explicou a que se devia sua presença. É verdade que é basicamente um advogado criminalista, mas também se ocupa de outras questões legais. Está claro que entre elas se incluem os assuntos legais do Douglas Berkley. De modo que eu não suspeitaria nada estranho pelo fato de que acompanhasse a Horace.
Tudo o que dizia Joseph tinha sentido. Mas não lhe bastava. Possivelmente a companhia que se ocupava da herança de Gordon ia vento em popa, mas a empresa de Gordon não.
— Faria-me um favor? —perguntou Taylor—. Poderia chamar o senhor Randolph e esclarecer algumas questões? Por exemplo, por que o senhor Berkley tomou a decisão de pôr fim à sociedade e por que quer minha resposta tão rápida. Entre advogados, podem falar com franqueza.
— Falar com franqueza? —inquiriu Joseph — O que você está tentando descobrir?
— Não sei — disse Taylor, respirando fundo.
Outra pausa, durante a qual Taylor imaginou Joseph negando com a cabeça, frustrado.
Deveria estar pensando que sua reação era exagerada.
Possivelmente era.
— De acordo, Taylor — disse Joseph finalmente — Ligarei para Horace. Ligarei de volta pra você durante o dia.




15 DE JANEIRO. 13h35min
EAST HAMPTON, LONG ISLAND


Jonathan aceitou o copo que Douglas entregou e se afundou em seu sofá. Embora um manto de neve cobrisse o outro lado das vidraças temperadas e a propriedade de vinte e cinco acres, no interior da sala climatizada o ar era quente, denso e úmido. Jonathan afrouxou a gravata e se acomodou para desfrutar de seu uísque.
— Se continuar suando assim vai morrer desidratado — disse Douglas, mexendo seu Martini — Por que não coloca um traje de banho?
— Hoje, não. Não tenho tempo. Tenho que voltar para a cidade. —Jonathan ficou olhando a piscina, onde Adrienne seguia indo de um lado a outro, exercitando seu corpo escultural que parecia o de uma jovem de vinte e cinco anos em lugar dos cinqüenta e cinco que tinha. Mas não, seu corpo era o santuário de sua vida. Tinha-o mimado e aperfeiçoado desde que Jonathan a conhecia.
Douglas o olhava com ar concentrado. Aproximou-se para sentar-se na cadeira junto a ele, com uma toalha ao redor do pescoço molhado. Douglas era um homem de aspecto distinto que já se aproximava dos setenta anos, alto e em boa forma física, olho acinzentado e cabelo grisalho. Conservava a mente lúcida de um jovem. E sabia muito bem que qualquer que fosse o assunto que Jonathan tinha vindo tratar, não podia ser nada bom.
— Bem. Diga logo no que está pensando. É o negócio? Quer voltar a rechaçar minha oferta?
— Não tem nada que ver com a Berkley and Company — disse Jonathan, sacudindo a cabeça—. A verdade é que não tive nem um momento de paz, muito menos para voltar a pensar em sua oferta. As coisas no trabalho ficaram muito caóticas, e o que você e eu queremos fazer não está sendo tão fácil como esperávamos.
Douglas tirou os olhos de sua mulher, que agora saía da piscina para secar-se, e se virou para olhar Jonathan.
— Gordon? — perguntou, embora já soubesse a resposta.
Jonathan respondeu com um gesto da cabeça.
— E agora é o que?
— É Taylor Halstead. Voltou a entrar em cena — disse Jonathan resmungando — É a única que não assinou o contrato. Além disso, Horace me ligou ontem à noite para me dizer que seu advogado tinha ligado. Sua cliente havia feito algumas perguntas.
— Que tipo de perguntas?
— Por que quer dissolver a sociedade. Por que temos tanta pressa em finalizar a transação. — Jonathan franziu o cenho — Isso não nos traria problemas. Horace mostrou-se evasivo. Disse que não tinha liberdade para falar as razões de seu cliente.
Mas há mais. Encontrei-me ao acaso com Taylor Halstead depois da reunião e ela ficou branca como uma vela quando me viu. Gritou para que não me aproximasse, esteve a ponto de ter um ataque de nervos ali mesmo na recepção. Reed teve que levá-la a seu escritório para acalmá-la. E acredite-me, Taylor Halstead não dá a impressão de ser uma histérica.
Douglas resmungou uma imprecação e bebeu o que estava na taça.
— Maldito Gordon — murmurou — Embora esteja morto, continua sendo um pé no saco. O que fez a essa mulher?
— Não sei. Mas Reed tem razão. Não se trata só de associar Gordon com a morte de sua prima. Estava bastante alterada, não era uma simples irritação. E o fato de que seja tão perspicaz… não sei o que pensar.
— Temos que averiguá-lo — disse Douglas, esfregando a têmpora — Temos que acabar com esta sociedade antes que alguém se dê conta de que era tudo uma fraude.
— Que fraude? —inquiriu Adrienne, enquanto esfregava a exuberante cabeleira. Colocou um penhoar para se cobrir e tampar o biquíni e foi servir-se de um Martini.
— Nada que tenha que preocupar-se, carinho — lhe assegurou Douglas — Se trata somente de um negócio que está nas mãos de Jonathan.
Adrienne olhou seu marido por cima dos óculos.
— Jonathan é consultor de comércio internacional — disse — Não trabalha para você, pelo menos não ainda. Isso significa que este problema tem a ver com Gordon.
—Já te disse — insistiu Douglas com um suspiro — não há nada para preocupar-se. Jonathan e eu nos encarregaremos disso.
Os olhos verdes claro de Adrienne brilharam com um indício de irritação.
— Então se encarregue disso logo. Enquanto isso, eu não faria mais reuniões, nem de negócios, nem sociais, até que isso seja resolvido. Do contrário, o escândalo nos comerá vivos.
Jonathan permaneceu à margem da discussão, concentrado em seu uísque. Tinha muitos anos de prática na arte de ocultar seu desprezo por Adrienne, tantos que se havia convertido em um profissional. Além disso, as coisas tinham mudado. Agora importavam quase nada suas opiniões. Tinha sua própria maneira de fazer as coisas.
— Vou a minha sessão de massagem — anunciou Adrienne, e deixou sua taça vazia. Inclinou-se e deu um leve beijo na boca de seu marido — Falaremos sobre isso mais tarde — disse, lançando um olhar a Jonathan ao passar — Adeus, Jonathan. Desejo que você tenha uma boa viagem de volta à cidade.
Ele balançou a cabeça como resposta, e conservou uma expressão neutra enquanto olhava-a sair da sala. Logo se voltou para Douglas.
— Como você quer que eu resolva isso?
— É evidente que você não pode aproximar-se de Taylor Halstead pessoalmente — disse, franzindo o cenho.
— É verdade. Não agora. — Ficou em silêncio por um tempo, pensando em suas palavras. E logo prosseguiu — Suponho que ainda queira manter-se incógnito nesse assunto.
— É o melhor. Se me envolver, ficará pior que agora.
— Estou de acordo. Estava pensando em pedir a Reed que se ocupasse disso. É uma pessoa bastante distante de Gordon e não representa nenhuma ameaça.
— É verdade — disse Douglas, assentindo com gesto pensativo—. Além disso, não podemos nos esquecer que é um tipo encantador como poucos e é muito eficiente quando se trata de convencer as pessoas que são relutantes. — Lançou a Jonathan um olhar malicioso — Ainda não sabemos quanto Taylor Halstead pôde averiguar de tudo isto. Colocou o nariz em todas as partes do acidente.
— E se descobrir o verdadeiro vínculo entre Gordon, você e eu?
Douglas se encolheu de ombros.
—Isso não é tão fácil. Se aceitar minha oferta, todo mundo saberá qual é esse vínculo.
— Sim, e Adrienne ficará como uma fera. Nisso não mudou. E já se passaram trinta e cinco anos.
— Deixe que eu me ocupe de Adrienne. Vá ver Reed e lhe peça que fale com Taylor Halstead, para ver se consegue acalmar as coisas. Temos que limpar a ofensa de Gordon e enterrar o passado.
Enterrar o passado. Uma interessante maneira de escolher as palavras pensou Jonathan, e acabou seu uísque.
Havia certas coisas que não se podiam enterrar.
Pelo contrário, havia outras que sim era possível enterrar.

























Capítulo 7


24 DE JANEIRO. 22h35min

Essa noite, ao sair do estudo da WVNY, Taylor se sentia preocupada. E não era por seu programa "Falando com os jovens". Era por uma questão legal.
Joseph havia devolvido o telefonema um dia depois de falar com ela. Disse em termos nada ambíguos, que Horace Randolph se mostrava inflexível em dois aspectos: não divulgava os assuntos de seus clientes e a ética de Douglas Berkley estava acima de qualquer suspeita. Estupendo. Isso não lhe dizia nada. Entretanto, a semana e meia que tinha transcorrido em meio ao silêncio, isso sim é que era eloquente.
O senhor Randolph queria que Taylor assinasse o contrato e levasse a cabo a transação com a maior rapidez possível. Mas tinham se passado dez dias e não entraram em contato com seu advogado para saber como foram as coisas. Por que o escritório de Harter, Randolph e Collins tinha exercido algum tipo de pressão? Tratava-se somente de lhe dar liberdade para pensar ou tinham trocado de estratégia?
Taylor não sabia por que lhe importava tanto. Stephanie tinha morrido. Seus investimentos financeiros, bons ou maus, eram supérfluos. E se Gordon a tinha enganado, era preferível que ela não soubesse.
Cruzou o vestíbulo, subiu a gola do casaco para proteger do frio de janeiro e se dirigiu à porta giratória que dava à Sétima Avenida. Ao sair, estremeceu com o frio da rua. O ar estava gélido, caíam pequenos flocos de neve que ficavam flutuando no ar, e era impossível saber se acumulariam-se. Fazia frio, o ambiente era sombrio, triste e era mais tarde que de costume. Dessa forma, não era uma noite para andar de metrô. Estava a ponto de parar um táxi quando uma Mercedes SUV negro se deteve junto à calçada onde ela esperava. Abriu-se a janela do passageiro e apareceu a cabeça do condutor.
— Olá, quer uma carona?
Depois do susto, Taylor reconheceu os penetrantes olhos negros azulados e o bronzeado invernal de Reed Weston.
— O que faz você por aqui? — perguntou.
Sem responder, ele abriu a porta.
— Sobe, levarei-a para casa.
Aquilo era muito estranho para colocar em palavras.
— Assim, sem mais?
— Assim, sem mais.
— Para onde vai? —perguntou Taylor, entrecerrando os olhos.
— Para onde quer que vá — disse ele, e deu umas batidinhas no assento a seu lado — Venha, deve fazer uns quatro graus aí fora. E meu carro é muito mais cômodo do que um táxi.
Era uma situação transparente. Mas era muito interessante para renunciá-la.
— De acordo. — Taylor se aproximou, entrou no carro e fechou a porta—. E agora me dirá que passava justamente pelo meu bairro — disse ela, e ajustou o cinto de segurança – É muita coincidência que tenhamos nos encontrado no mesmo lugar à mesma hora.
Ele logo sorriu e pôs o carro em marcha.
— Sinto decepcioná-la, mas sabia a hora que acabava seu programa. Estava esperando-a. De fato, dei a volta no quarteirão quatro vezes — confessou, olhando-a de soslaio — Agora, por que não me diz onde mora?
— Quer dizer que não averiguou onde moro? Decepciona-me.
— Não se decepcione. Sou advogado, não investigador particular. Mas na adivinhação sou muito bom. —Lançou-lhe um olhar cheio de curiosidade — Vejamos, diria que no Upper West Sede, possivelmente à altura da Rua Setenta. Perto do denso tráfico e do parque.
Taylor se deu conta de que o comentário a fazia sorrir.
—Não é tão ruim. É na Rua Setenta e Dois Oeste. Mas não está perto do parque. Fica mais próximo de Lincoln Center — disse, e o sorriso se apagou de seu rosto — Por que não me conta a verdade?
— Vim para conversar.
— Sério? Não ocorreu pensar que possivelmente não estou de humor para conversar? Levo horas falando. Estou acabada.
— Por isso escolhi uma sexta-feira de noite. Amanhã poderá dormir.
Por alguma razão, irritou-lhe seu raciocínio.
— E se tivesse um encontro?
Reed não pareceu lhe incomodar sua pergunta.
— Então me desculparia e pediria que falássemos outro dia. Por quê? Tem um encontro?
— Não. Não se trata disso. Se você queria sair comigo, poderia ter usado o telefone. Ou tinha medo que desse um não?
— Seu número de telefone não está no catálogo. A única maneira que tinha de entrar em contato contigo era através da rádio ou de seu advogado. Não queria usar Joseph de intermediário, e não acredito que seus ouvintes gostariam que pedisse um encontro enquanto estava no ar. — Reed a olhou de soslaio e se parou no sinal vermelho—. Equivoco-me?
Taylor o olhou com um ligeiro sorriso nos lábios.
—Tem razão. Mas isto não é um encontro a não ser um bate-papo de negociações.
Ele guardou um momento em silêncio.
— Possivelmente sejam as duas coisas. — antes que ela pudesse responder, o semáforo mudou, e Reed voltou sua atenção à rua—. Sou um convidado bem educado e inofensivo. Mas se sentir-se incômoda, podemos tomar uma xícara de café em território neutro.
Taylor sentiu aquela tensão familiar lhe apertando o peito. Reed só queria comportar-se bem. Não tinha nem a menor ideia da aflição que havia lhe causado.
—Taylor? — insistiu Reed.
Ela tragou com dificuldade. Já era hora de superar aquilo. Reed Weston tinha suas intenções, mas essas intenções não incluíam o domínio mediante imposição física.
—Vamos a meu apartamento, está bem. Há onde estacionar a meia quadra de distância. Prepararei um pouco de café.
Ele percebeu a tensão em sua voz e franziu o cenho com gesto pensativo. Mas não quis fazer perguntas.
— De acordo.
Seguiu em silêncio e, vinte minutos mais tarde, Taylor abria a porta do seu apartamento. Convidou-o a entrar e deixou cair às chaves e a bolsa numa cadeira, mas antes tirou o celular e o colocou no bolso. Tê-lo consigo dava certa segurança.
— Pode deixar o casaco na entrada da porta, vou fazer um café.
— Tudo bem — disse ele, obedecendo, e avançou pelo corredor até chegar à sala de estar situada em um nível inferior — Bonito lugar — disse, olhando para a cozinha.
— Obrigado. Penso me mudar logo.
— Estou vendo — respondeu. Era evidente que tinha visto as caixas onde Taylor havia começado a embalar suas coisas — Já encontrou outro apartamento?
— Sim — disse Taylor, e saiu da cozinha, convidando-o a sentar-se no sofá com um gesto — O café estará pronto em um minuto. Enquanto isso pode começar a me interrogar.
Reed esperou a que se sentasse e logo a imitou, deixando uma distância de uma almofada entre os dois. — Não tinha intenção de interrogá-la. Não estamos em um tribunal.
— Bem, então, está me pressionando. Jonathan Mallory pediu que viesse para ver-me?
— Na verdade, sim. — Ao dizer a verdade, Reed a surpreendeu—. Ele e Douglas Berkley. Mas não custou muito me convencer. Estive pensando em você desde que saiu do escritório.
Taylor respirou fundo.
— Não tinha intenção de fazer um escândalo.
— E Jonathan não tinha intenção de dar um susto. Não sabia que estaria ali.
— Não o duvido.
Reed descansou um braço sobre o respaldo do sofá.
— Para responder a sua pergunta, é verdade que Jonathan e Douglas me pediram que falassem cm você. Não para pressionar, só para ter uma idéia do que pensa. É evidente que sua reticência para assinar o contrato está de alguma forma relacionada a Gordon. Pensa que é o culpado da morte de sua prima? É isso o que pensa?
O assobio da cafeteira salvou Taylor de ter que responder imediatamente.
— O café já está pronto — disse. Levantou-se e se dirigiu à cozinha —. Como prefere o seu?
— Puro — Reed a seguiu até a cozinha e se instalou sobre um banquinho junto ao aparador.
Agradeceu com a cabeça quando lhe entregou a xícara fumegante — vai responder a minha pergunta?
Taylor apoiou os cotovelos no suporte e o olhou fixamente enquanto bebia um gole de seu café.
— Posso fazer algumas perguntas primeiro?
— Com toda liberdade — disse ele, reforçando suas palavras com um gesto do braço.
— Por que tanta pressa em dissolver a sociedade?
— Meus clientes perderam um ser querido. O mesmo aconteceu às famílias das demais vítimas. É natural que as pessoas implicadas queiram deixar para atrás certas coisas. Por que isso parece estranho?
— Não me parece estranho. Não em si mesmo. E os que morreram não eram pessoas tão decentes e honoráveis como você insinua.
— Eu não insinuo nada. Você sim — disse Reed, entrecerrando os olhos — A integridade de quem se refere?
— Gordon. — Taylor falou sem rodeios —. Agora, talvez sua família e seus amigos queiram proteger sua imagem. O que me leva a seguinte pergunta: Por que você estava presente nessa reunião? Você trabalha como advogado criminalista. Gordon fazia algo ilegal?
Reed lançou-lhe um olhar penetrante com seus olhos negro azulados, mas conservou uma expressão neutra.
— Por que está tão segura de que a conduta de Gordon não era escrupulosa? O que ele fez para que tenha tantas suspeitas… e tanto medo?
Taylor soltou uma risada seca e sacudiu a cabeça.
— Você é bom. Mais que muito bom. Não só evitou minha pergunta, mas também me devolveu outra em troca.
Reed deixou sua xícara e se inclinou para frente.
— Ocupo-me mais que casos penais. Estava nessa reunião porque Douglas Berkley me pediu isso. Ele é meu cliente. Jonathan Mallory também. E ponto. Agora, me diga o que havia entre você e Gordon? Parecia algo pessoal. Tinha algum tipo de relação com ele?
Taylor sentiu a bílis subindo pela garganta.
— Não.
— Tenho razão. Era pessoal.
— Era um manipulador. Utilizava as pessoas. Stephanie só era mais uma de suas vítimas. Desgraçadamente, pagou com sua vida. — Taylor se surpreendeu ao ver que sua mão o tremia. O café salpicou o suporte e ela aproveitou para agarrar uma esponja e limpá-la.
Reed se aproximou e lhe tomou a mão.
— Há algo mais. O que é?
— Para começar, culpa — disse ela, lhe devolvendo o olhar—. Stephanie não somente minha prima. Também era minha melhor amiga. Sinto-me responsável. Sabia que Gordon não lhe traria nada de bom. — Todos os indícios apontavam a isso. Tentei convencê-la. Mas pelo visto, não consegui. Agora é muito tarde.
— Você não é responsável por…
— Não se incomode com o discurso de expiação — interrompeu Taylor — Sou psicóloga. Conheço todas as razões e ramificações de minhas emoções. Também sei que é mais fácil ocupar-se dos fantasmas dos outros do que combater os próprios. De modo que deixe como está.
— De acordo, deixarei. Mas a outra parte de minha pergunta você não respondeu. O que te fez Gordon? Não a sua prima, mas a você.
Taylor sentiu que se apoderava dela uma calma glacial. Tinha falado dos detalhes com bastante frequência com seu terapeuta e com a polícia. As palavras não faziam mal. Era a recordação que a perseguia. De modo que não importava se Reed Weston soubesse.
— Quer uma resposta? Tentou me violentar.
Esta vez foi Reed que teve uma reação de assombro. Dilataram-se as pupilas.
— Quando?
— No dia em que morreu. Aqui, neste apartamento. Estava me esperando quando cheguei em casa. Supunha-se que tinha vindo recolher roupas para Steph. Ao menos isso foi o que disse. Não demorei em me dar conta de que suas intenções eram outras.
Reed apertou os lábios até que não eram mais que uma linha que refletia sua seriedade.
— Diz que tentou violentá-la. O que o deteve? Você?
— Por desgraça, não. — Esta era a parte difícil, a parte que a fazia sentir-se pouca coisa e culpada—. Stephanie o deteve. Chamou inesperadamente pelo interfone.
Gordon se foi, mas me deixou inconsciente e atada à cama com uma algema.
— Meu Deus — murmurou Reed, e ficou com o olhar fixo no suporte.
— Agora já sabe por que perdi a calma quando me encontrei de sopetão com Jonathan Mallory. E por que não tenho muita confiança quando se trata de seu irmão morto.
— Já. E por isso anda com seu celular no bolso, mesmo em casa, como se fosse para se proteger — disse Reed, e lhe lançou um olhar discreto — Machucou-a?
— Já superei. A polícia registrou minha denúncia por assalto. Um inspetor ia ocupar-se de mim a partir do dia seguinte. Mas então ocorreu a explosão no iate. Como não tinha sentido investigar a um homem morto, o caso foi arquivado. Não sei que castigo esperava Gordon, mas era insignificante comparado com o que lhe aconteceu — disse Taylor, com voz tremente — Mas Stephanie e as demais pessoas… Não mereciam morrer com ele. Essa injustiça me põe doente.
— Entendo por que. — Reed bebeu um longo gole de café, e Taylor teve a impressão de que tivesse preferido que fosse licor — Sinto muito. Não tinha nem ideia disto. Meus clientes tampouco. Agora entendo por que se mostrou tão precavida quando lhe pediram para assinar o contrato e por que se assustou tanto quando encontrou com Jonathan.
Duvido, queria dizer Taylor. Não poderia entender nem a metade. Mas engoliu as palavras. Enfim, Reed tentava mostrar sua simpatia. Não tinha sentido reprovar-lhe dessa maneira.
— Tem razão — disse Reed, como se tivesse lido o pensamento—. Não posso saber o que você passou, é lógico que não. Mas posso sentir empatia. Tenho três irmãs, duas cunhadas e quatro sobrinhas. Ensinei a todas elas técnicas de defesa pessoal. Vivemos em um mundo muito agressivo.
Essa breve informação surpreendeu Taylor. Não pelo fato em si, pois parecia um homem que se encontrava satisfeito consigo mesmo. E, certamente, tampouco era as técnicas de defesa pessoal. Isso podia imaginar sem problemas. Mas mencionar sua família, que parecia um grupo muito unido? De certa forma, parecia-lhe um pouco estranho. Pela primeira vez, Reed soltou um sorriso.
— Não me olhe assim. Já sabe que até os tubarões têm família.
— Suponho que sim. Só que custa um pouco imaginar você como parte de um clã grande e muito unido.
— Pois, essa é a verdade. Somos sete irmãos. Tenho três irmãos e três irmãs.
Todos estão casados e têm filhos, exceto um irmão e eu. Tenho sobrinhos e sobrinhas… os Weston estão dispersos por todo o país.
— Tá bom — Era um dado muito especial, como saído de um conto de fadas — De onde é?
— De um pequeno povoado em Vermont. Meus pais ainda vivem lá. Reunimo-nos durante as férias e quando conseguimos escapar uns dias.
Isso explicava o bronzeado de inverno.
— É fantástico, sobretudo para seus sobrinhos e sobrinhas. Não há nada que possa substituir uma família que te ama.
— O mesmo que eu penso — Reed lhe lançou outro olhar cheio de curiosidade—. É uma opinião pessoal ou profissional?
— As duas.
— Vi sua biografia na página Web da WVNY —disse Reed assentindo com a cabeça — Você se especializou em terapia familiar, não só na rádio, mas também na Escola Dellinger. Deve ter boa relação com os adolescentes.
— Isso depende de quem. E de quando — disse Taylor, com um indício de sorriso — Me entrego totalmente, e trabalhar com eles me traz muita satisfação.
— Dellinger é um dos melhores colégios. E dos mais caros.
— O qual gera um tipo muito diferente de pressões nos alunos. —Taylor se ajeitou para servir mais café—. Esses meninos estão submetidos à pressão de ter êxito desde que nascem. Só isso lhe acrescenta grandes fortunas e falta do apoio emocional que poderia compensá-lo, algo que acontece frequentemente, e o resultado disso são adolescentes solitários, sentidos e assustados, que não sabem a quem recorrer e têm uma auto-estima nula. —Taylor voltou para sentar-se junto ao suporte—. Não quero minimizar o desafio que expõem os jovens com dificuldades econômicas. Mas a falta de atenção dos pais pode dever-se à necessidade de chegar ao fim de mês e não ter tempo para estar com os filhos, ou o costume de viajar pelo mundo de um lado a outro e esquecer que têm filhos.
— Estou de acordo — disse Reed, que escutava enquanto tomava seu café — Pelo visto, você é muito comprometida com seu trabalho.
— Não me imagino sendo de outra maneira.
Algo brilhou nos olhos do Reed. Foi só um momento, e se desvaneceu tão rápido como havia aparecido.
— E o que você tem com sua família? — perguntou. São muitos ou poucos?
Taylor esteve tentada de dizer inexistente.
— Sou filha única — se limitou a responder— Por isso foi muito duro perder Stephanie. Suas palavras ficassem embargadas. Reed pigarreou.
— Escute Taylor, não tenho nenhuma intenção de convencê-la para que assine esse contrato. Se não pode, não pode — afirmou, e se calou por um momento — Só me diga com detalhes o que está de acordo para que possa dar uma resposta a meus clientes. E com quais não está de acordo.
— Quer dizer, tirando Gordon?
— Sim.
Um advogado da defesa de primeira categoria disse isso? Reed Weston era uma caixa de surpresas.
— Sua lealdade profissional é para com seus clientes — disse Taylor, assinalando o evidente — Isso já entendi.
— Eu também. Mas a lealdade profissional não inclui a invasão de sua intimidade. Se não quer que saibam o que aconteceu com Gordon, eu respeitarei.
Taylor ficou em silêncio e refletiu durante um algum tempo.
— Agradeço-lhe isso, mas acredito que eles já sabem como era Gordon. Assim lhes diga o que quiser.
Levantou a cabeça e encontrou o olhar de Reed.
— No que diz respeito ao contrato, assinarei. Quanto mais penso nisso, mais me dou conta da pouca importância que tem. Tudo isto tem que ver com dinheiro. Ele não me devolverá Stephanie nem apagará o que fez Gordon. Será melhor que corte estes vínculos de uma vez por todas. Ajudará-me a seguir em frente, como diz o povo. — Enquanto falava, sabia que era verdade — Chamarei Joseph na segunda-feira e disporemos o que seja necessário. Pode dizer a seus clientes que fiquem tranquilos. Não me oporei a que liquidem a sociedade de Gordon, embora creia que seus motivos são suspeitos.
— Está certa disso? — perguntou Reed, que não queria nem confirmar nem negar suas especulações.
Ela assentiu com a cabeça.
— Não necessito e nem quero o dinheiro. Minha família tampouco. Você faz o cheque. Eu o endossarei em nome da Fundação para o Desenvolvimento do Teatro, em lembrança de Stephanie. Ela gostaria disso.
— Dedicava-se ao teatro? —perguntou Reed, com um de seus olhares curiosos.
— Sim. Era atriz. De fato, era uma futura estrela da Broadway — disse Taylor com um sorriso triste, e fixou o olhar em sua xícara de café, sem sequer saber por que contava isso a Reed — Estava mais perto de cumprir seu sonho do que imaginava. No último dia de sua vida chegou tarde em casa porque se apresentou a um teste para um espetáculo novo da Broadway. Era um papel secundário importante. E o deram. Seu agente me chamou para dizer-me isso por respeito a sua memória. Se estivesse viva, deveria começar no dia um de fevereiro.
Fez-se um silêncio pesado no ambiente.
— Acredito que tinha muito talento — disse Reed após um tempo.
— Sim, é verdade.
Reed se inclinou para frente e pôs sua mão sobre a dela.
— Taylor, acredite em mim, sinto muito.
O consolo e o contato… eram agradáveis. Muito agradáveis. Tinha chegado o momento de pôr fim a isso. Taylor se levantou.
— É tarde — disse — Estou esgotada.
— Certo. — Reed respondeu seu gesto e a imitou — Não era minha intenção incomodar.
— Não me incomodou. É só que dói voltar a falar de tudo o que Steph tinha pela frente. Mas é uma dor que não se pode evitar, como não se pode evitar que já não esteja aqui.
— Com o tempo será mais suportável.
— Estou certa que sim. Como dizem, o tempo cura tudo.
— É verdade. Também, às vezes, podemos dar uma mão ao tempo.
Taylor engoliu saliva e não respondeu.
Reed lhe lançou um de seus olhares cheios de curiosidade.
— Você vai mudar por causa das lembranças que tem de Stephanie ou pelo que aconteceu com Gordon?
Era uma pergunta que podia responder com franqueza.
— Pelas duas coisas. E porque tem certo sentido. Este apartamento tem mais espaço do que necessito. Mudarei para um apartamento de um quarto só a umas poucas quadras daqui — anunciou, e um indício de sorriso lhe torceu os lábios — Fica mais perto do parque.
— Ah — Reed sorriu — Acaba que minhas faculdades de adivinhação, ao final, são bastante boas.
— Suponho que sim. — houve um clima muito especial, um pouco parecido com camaradagem, além de despertar entre os dois uma faísca de sensualidade. A atração não surpreendeu Taylor. Parecia que estava guardado dentro dela e chegou a tona. Mas era a última coisa que estava disposta a pensar nesse momento. Estava decidida a cortar o mal pela raiz e dar uma volta em Reed. Acompanhou-o ao corredor e lhe entregou seu casaco.
— Quando será a grande mudança? —perguntou ele, enquanto colocava o casaco.
— Começo a pagar o aluguel no início de março. Assim falta umas cinco ou seis semanas.
— Bem — Reed se deteve, lançou um olhar com face de perito para a sala de estar e disse — Isso nos deixa com bastante tempo. Para o que tenho pensado, necessitaremos de uma sala grande e limpa como essa.
— Perdão? —disse Taylor, e pestanejou—. No que está pensando?
Um brilho maroto iluminou seus olhos negros azulados, mas quando respondeu, Reed falou muito sério. Não havia maneira de equivocar-se, a julgar pela decisão que se refletia na rigidez de seu queixo.
— Em fazer com que se sinta menos vulnerável. Conseguir que esteja menos nervosa quando está a sós com um homem. Taylor surpreendeu sua perspicácia. Normalmente, conseguia ocultar seus sentimentos. Mas ele tinha adivinhado. Interessante. Sua curiosidade a impulsionava a ir até o fim e averiguar o que pretendia.
— Agora, explique. Como pretende realizar esse milagre?
Ele respondeu com gesto imperturbável.
— Com aulas de defesa pessoal. Escolha a noite que queira. Começaremos na semana que vem.





































CAPITULO 8


28 DE JANEIRO. 10h33min
HARTER, RANDOLPH & COLLINS


Reed deu uma olhada na assinatura de Taylor no contrato e deixou o documento de lado. Levantou-se de seu escritório e olhou pela janela. Taylor Halstead era uma mulher fora de série. Bonita, sensível e capaz de carregar o peso do mundo sobre seus ombros. Não precisava ser um psiquiatra para descobrir que se culpava pela morte de sua prima. Ou que ainda se sentia completamente indefesa quando estava a sós com um homem em seu apartamento.
Reed não podia fazer grande coisa para ajudá-la com a culpa, mas não tinha dúvida de que podia ajudá-la com seu medo. Queria ajudá-la. Havia algo em Taylor, algo nesse ser amável e solitário que se ocultava atrás de sua fachada de mulher serena, auto-suficiente e elegante, que o intrigava. As pobres garotas ricas não eram seu tipo. Mas ela era diferente. Uma mulher complexa. E havia algo muito mais profundo em Taylor Halstead do que aparentava. E, sim, era verdade que se sentia atraído por ela. Muito atraído. Taylor era tal como Jonathan a havia descrito, e inclusive mais. Taylor era uma pessoa de sólidos princípios, uma mulher apaixonada. Ele intuía. Jonathan também intuía isso. Era evidente que também se sentia atraído por ela. E ficaria ficado morrendo de ciúmes depois das aulas de defesa pessoal que Reed tinha decidido lhe dar. Pior para ele. Reed não devia a Jonathan absolutamente nada. E já lhe tinha dado mais da conta. Na universidade, tinham formado parte da mesma equipe de remo, tinham seguido juntos a disciplina de direito comercial o mesmo semestre e tinham ido juntos a muitas festas nos fins de semana; festas onde tomavam cerveja morna e perseguiam garotas fogosas. Entretanto, suas personalidades não se encaixavam. De modo que, embora as circunstâncias tinham favorecido uma relação mais ampla e complexa do que Reed pensasse desde sua graduação, essa relação tinha girado unicamente em torno dos negócios.
Abstraído, Reed ficou olhando os táxis que subiam por Park Avenue, até que viu chegar uma limusine negra frente a seu edifício. Sem dúvida era o carro do Douglas Berkley. Ele e Jonathan tinham uma reunião prevista para ver quem ficaria à frente de suas gestões. Reed os contaria como tinham ido às coisas até o momento que mostrou o contrato assinado. Ficariam contentes ao ver o resultado. Ficariam menos contentes ao conhecer as razões pelas que Taylor se mostrou reticente a assinar. Mas superariam; Esse era o problema. Não só com eles, mas também com a maioria dos clientes que Reed representava. Eram pessoas tão pouco sensíveis, tão absortas em si mesmas que para eles o justo ou injusto era algo secundário em relação com a inocência ou a culpabilidade. Além disso, ser inocente não tinha o mesmo significado de antes. Significava obter um veredicto de não um culpado, e não importava se o acusado era ou não o autor do delito.
Reed tinha começado naquela profissão com vontade, quando era jovem e ingênuo, embora não fosse tolo. Tinha sido o primeiro de sua família em seguir seus estudos além da escola universitária do condado, até chegar a Princeton e logo à Faculdade de Direito de Harvard. Conhecer o Jonathan Mallory mudou sua vida. Por outro lado, não sabia quem era Jonathan, não naquela época. Não até que Jonathan esteve com a corda no pescoço, quando se embebedou até o delírio e lhe contou sua verdadeira relação com Douglas Berkley.
Reed tinha ficado atônito, mas não tinha tido tempo para dar muitas voltas, pois ficou muito ocupado lhe salvando a pele. Na verdade, fez isso em duas ocasiões.
Não havia meio termo. Ainda assim, as intervenções de Reed haviam arrojado seus dividendos. Uma recomendação de Douglas o colocou muito a frente dos outros licenciados de Harvard, igualmente brilhantes como ele, jovens que competiam por uma oportunidade. Tinha aproveitado a ocasião sem pensar duas vezes e tinha entrado pela porta da frente desse prestigioso escritório de advocacia decidido que se cumprisse o futuro pelo qual tanto tinha lutado. Podia triunfar sem renunciar aos valores com que o tinham educado. Estava seguro. Representaria a pessoas das altas esferas, gente influente, e o faria atendo-se à ética, de uma maneira que lhe permitisse viver consigo mesmo e que fizesse sentir-se orgulhosa a sua família.
E aí acabava esse conto de fadas.
Entretanto, depois de dez anos na profissão, às vezes se perguntava se era capaz de distinguir entre mentiras e verdades, ou se havia se tornado tão insensível como seus clientes. A pressão de triunfar, a adrenalina galopante que se apropriava dele em uma sala de tribunal, tentação de chegar a ser sócio no escritório, tudo aquilo tinha estado a ponto de acabar com o homem que tinha sido.
Agora, todo isso ia se acabar.
Reed tinha aguentado mais que suficiente. Agora queria ampliar os horizontes.
Não queria abandonar a profissão legal. Queria abandonar a indolência dessa mania de ganhar todas as causas, tão típica no mundo dos altos interesses do Harter, Randolph e Collins. Queria abrir seu próprio negócio, um escritório pequeno e seleto. Tinha acumulado dinheiro e contatos mais que suficientes. Seu objetivo era representar clientes com os quais sentisse certa afinidade em lugar de representar aos que estavam bem cotados. Seria advogado generalista, não advogado criminalista. Isso lhe permitiria estabelecer relações com seus clientes. E a diversidade seria estimulante depois de tantos anos especializado em direito penal. Já havia pensado em alguns advogados para se associar nesse projeto; advogados cujas competências se complementariam com as suas e ampliariam a credibilidade e a experiência de seu escritório. Juntaria-se com eles quando chegasse o momento. Mas antes tinha que se aproximar dos que mandavam na Harter, Randolph e Collins. Como devia! Sobretudo com Harter, seu mentor, a quem tinha dado o crédito de sua crescente ambivalência e sua vontade de ir embora. Não ia ser nada agradável. Além disso, uma vez iniciado esse difícil assunto, não haveria volta.
Bateram na porta e Reed voltou para a realidade. voltou-se a porta.
— Entre.
— Olá, Reed. — Douglas Berkley entrou na sala seguido de Jonathan, e sua presença era tão imponente como tinha sido nesses doze anos. Berkley era um autêntico tubarão dos negócios.
— Douglas, Jonathan. — Reed se adiantou a saudá-los, primeiro um apertão de mãos em Douglas, depois em Jonathan — Sentem-se — ofereceu, com um gesto para as cadeiras em frente a sua mesa — Posso lhes oferecer algo para beber?
— Não, obrigado. — Douglas estava preparado para começar, com o cotovelo apoiado no braço da cadeira enquanto olhava fixamente a Reed—. Jonathan disse que você resolveu a situação.
Reed assentiu com a cabeça.
— Sinto ter falado em términos tão críticos — disse, olhando a Jonathan —, mas queria acabar com os assuntos pendentes antes de entrar nos detalhes.
— Não me senti ofendido, a não ser curioso — disse Jonathan, inclinando-se para diante com as mãos sobre os joelhos — O que houve?
Reed sentou-se, procurou o contrato assinado e o deslizou sobre a mesa para que eles o olhassem.
— Taylor assinou-o.
— Excelente — disse Douglas com um suspiro de alívio —. Agora já tudo resolvido. Por fim podemos encerrar este assunto. — Lançou a Reed um olhar malicioso — Assinou o cheque do caixa dois?
— Assim parece. Mandei Joseph por mensageiro. Taylor Halstead tem a intenção de doá-lo a uma instituição que Stephanie apreciava.
— Isso não é nenhuma surpresa — disse Douglas, encolhendo os ombros.
— Me diga Reed — interveio Jonathan, que pensava precisamente no que Reed havia Imaginado —. Voltemos para Taylor Halstead. É evidente que a convenceu para que assinasse. Ela contou por que não se decidia? E por que perdeu as estribeiras quando se encontrou comigo?
— Sim — disse Reed, jogando com a caneta que sustentava — Para começar, sua opinião sobre Gordon não é nada aduladora… além do que pensava que Gordon tinha extorquido de seus investidores.
Douglas entrecerrou os olhos.
— Tem provas?
— Não — disse Reed, sacudindo a cabeça—. Sabe que ganharam com as perdas. E Gordon está morto. Não lhe interessa se aprofundar na natureza de suas atuações, podem acreditar.
— Bem.
— E quanto ao outro? — insistiu Jonathan.
Reed deixou cair sua caneta e ficou olhando.
— Pelo que contou, na última noite, Gordon passou pelo apartamento que Taylor compartilhava com sua prima. Stephanie não estava. Taylor sim. E Gordon a agrediu.
— Maldito seja. —Douglas girou a cabeça e girou o pescoço com um gesto de repugnância não dissimulado.
— Violentou-a? — perguntou Jonathan com expressão impassível.
— Por sorte, não. Stephanie chegou ao prédio e chamou pelo interfone. Gordon partiu com ela ao heliporto. Deixou Taylor algemada à cama e inconsciente.
— Isto está cada vez mais repugnante. — Douglas se levantou e se serviu de um copo com água—. Foi ferida gravemente?
Reed olhou seu cliente sem pestanejar.
— Não sei. Não parecia muito disposta a revelar detalhes. Só disse que o denunciou, mas a investigação foi arquivada depois da explosão do navio.
— De modo que a policia soube do fato.
— Há um relatório policial, sim. — Reed começava a irritar-se, tal como tinha previsto. Não importava que uma mulher tivesse sido vítima de uma agressão. O que importava era proteger o nome da família. E os negócios.
Como de costume, guardou suas impressões.
— Douglas, eu em seu lugar não me preocuparia. A denúncia de Taylor se encontra em uma pasta marcada como «Caso encerrado» em algum arquivo da delegacia de polícia. Não há nem o menor indício de perigo de que o assunto acabe publicando no Newsweek.
Douglas não respondeu, e se limitou a olhar fixamente seu copo.
—Taylor disse isso? —perguntou Jonathan.
— Disse-me que queria esquecer todo o acontecido. Não tem nada contra vocês dois. Assim como o contrato já está assinado e podem proceder à dissolução da sociedade. Problema solucionado.
— Por agora — disse Douglas. Bebeu a água que ficava no copo e o deixou na mesa com um golpe seco — Estou certo de que Gordon nos deixou outras surpresas. Dava a esse menino todas as oportunidades possíveis. Mas não foi o suficiente.
Reed escolheu suas palavras com cuidado.
— Há outros fatores que intervêm na formação do caráter, Douglas. Alguns estão a seu alcance, outros não.
Douglas lhe lançou um olhar.
— Acredita que deveria ter feito público esse fato desde o começo? Crê que se houvesse anunciado ao mundo que Gordon e Jonathan eram meus filhos o resultado teria sido diferente?
— Certamente que sim — murmurou Jonathan — Adrienne teria deixado-o há muito tempo.
— Não se trata disso — respondeu Douglas — Neste caso, não. Estou perguntando a Reed se pensa que Gordon teria sido diferente se eu o tivesse reconhecido publicamente como meu filho.
— Não sei — respondeu Reed, sinceramente — O que quis dizer é que às vezes as pessoas nascem com determinados defeitos de caráter que não se pode atribuir aos pais, e sim à biologia, o meio e a sorte que toca — disse Jonathan com tom neutro — Em qualquer caso, não procuremos problemas. Reed arrumou as coisas. Sigamos adiante. — reclinou-se com as mãos entrelaçadas sobre os joelhos—. Quanto tempo esteve com Taylor?
— Uma hora, mais ou menos — disse Reed, encolhendo os ombros — Fomos tomar um café.
— No Starbucks?
— Em seu apartamento.
— É mesmo? —Havia um sotaque de irritação na voz do Jonathan—. Deve ter sido muito agradável.
— Não, não foi. — Reed queria agarrar o touro pelos chifres — Graças a Gordon. Taylor é uma massa de nervos quando está em sua própria casa. Vou lhe dar umas aulas de defesa pessoal.
Passaram-se uns segundos de silêncio, até que Jonathan pigarreou.
— Olhe, suponho que Taylor estaria de acordo.
— É uma boa idéia — interveio Douglas, olhando Reed com um gesto de aprovação —. Isso será uma atitude positiva e acredito que, por causa disso respeitará a minha família, e isso deixará um sabor bem mais agradável do que lhe deixou Gordon.
— Eu penso o mesmo. — Reed olhava Douglas, mas falava com Jonathan — Embora tenham acontecido há alguns meses, Taylor ainda tem as emoções à flor de pele. Algo que recorde Gordon a faz desmoronar.
— Imagino. – Os lábios de Douglas se fecharam em uma linha fina — Faça o que precisar para que recupere a confiança em nós.
Desta vez Reed olhou Jonathan diretamente. Queria que sua mensagem fosse clara e inequívoca.
— Essa é precisamente minha intenção.

11h50min

Reed estava sentado tranquilamente em seu escritório; Douglas e Jonathan já tinham partido. Jonathan estava de saco cheio. Entretanto, Reed não podia deixar de pensar na reação que tinha observado em Douglas. Que recupere a confiança em nós. Que esqueça a conduta de Gordon. Que flua uma atitude positiva para que essa mulher não se converta em um estorvo.
Já tinha aguentado tudo o que podia. Inclinou-se para o telefone e chamou a secretária pelo interfone.
— Sim, senhor Weston.
— Cathy, verifique se o senhor Randolph ou o senhor Collins estão livres. Tenho que falar com eles. É importante.
— Sim, senhor.
Três minutos mais tarde, a secretária lhe devolveu a chamada.
— O senhor Randolph está em seu escritório. Pode recebê-lo agora. O senhor Collins está vindo dos tribunais. Reunirá com vocês assim que chegue.
— Obrigado.
Reed jogou sua cadeira para trás e se levantou. Tinha chegado o momento de fazer o que levava tempo postergando.
Já começava a se sentir melhor.














































Capítulo 9


1 DE FEVEREIRO. 16h25min
CEMITÉRIO DO GREEN VALLEY
CONDADO DO WESTCHESTER, Nova Iorque.

Taylor estacionou o carro junto ao bosque privado de árvores que marcavam os limites da propriedade da família Halstead. Ainda faltava uma boa parte antes de chegar à sepultura de Steph, mas não importava. Caminhar lhe daria tempo para recuperar-se.
Detestava ir a esse lugar, ficar olhando a austera lápide em que tinham gravado o nome de Stephanie, seu breve tempo nesta vida, muito breve com seus vinte e sete anos e a frase de rigor: "Nossa filha muito amada". Dizia tão pouco a respeito do que Stephanie tinha sido, de sua vida e de sua morte.
Mas hoje era um dia especial. E Taylor se sentia obrigada a comemorá-lo.
Pegou o presente que havia trazido, fechou o carro com uma batida e pôs-se a andar.
No horizonte o sol girava para o oeste como uma bola de fogo. Taylor avançou pelo terreno gelado, com a grama ainda úmida com as poças de água da neve que tinham ficado depois da tormenta no começo da semana. Fechou o casaco para proteger do frio.
A temperatura estava baixando. Mas ela tinha chegado agora de propósito. Queria ficar sozinha.
O silêncio reinava no cemitério quando chegou ao famoso lugar. Como sempre, o coração se encolheu ao chegar junto à sepultura. Essa era a parte mais difícil. O lugar do descanso final onde Stephanie não descansava. Seu corpo tinha ficado fragmentado em mil pedaços. A única coisa que estava enterrada nesse lugar era um caro ataúde de mogno comprado por Frederick e Candace Halstead, que continha os restos simbólicos que Taylor tinha posto no interior. O relógio caro e chamativo presente de Taylor quando ingressou na Academia Tisch, o urso de pelúcia o qual Stephanie tinha dormido no internato e que ainda guardava junto a sua cama, o exemplar de Pippi Calças Largas que conservava na estante, entradas de duas obras favoritas da Broadway e o pulôver de caxemira que sempre usava quando fazia um teste. Seu amuleto da sorte, como costumava chamá-lo.
Que ironia. Não o tinha posto para aquele último teste. Mas tinha conseguido o papel da mesma forma, embora jamais soubesse. Mas amuleto da sorte? Não. Quem sabe se tivesse colocado o maldito pulôver teria demorado no teste tempo suficiente para que o iate do Gordon zarpasse sem ela e…
Taylor ficou olhando o chão. Era evidente que fazia pouco tempo que seus tios tinham vindo. Um elegante arranjo floral adornava a lápide de Steph. Taylor ficou um bom momento recolhida em si mesmo, um momento longo e silencioso. Logo se agachou e deixou o delicado ramo de rosas de seda sobre a sepultura. Uma dúzia era da reluzente cor vermelha. Pareciam tão reais como se as tivessem tirado de uma roseira. Mas não. As flores de verdade se murchavam. Estas durariam para sempre.
— Hoje é a noite da estréia, Steph — murmurou — Estou muito orgulhosa. Dedicou-se a fundo e conseguiu o papel. Teria causado sensação. Estas são para você. São por todas as noites de estréia e por todas as ovações que merecia e que lhe faria feliz — murmurou Taylor, e engoliu com dificuldade — Sinto a sua falta Steph.
Deixou escapar um comprido suspiro e se agachou apoiando-se nos calcanhares. Tudo parecia tão irreal. Uma trama bem desenhada. Um cenário aprazível e natural. Uma morte prematura e violenta. Ela não necessitava este lugar santificado para sentir-se perto de sua prima. Não passava nem um só dia sem que se sentisse perto de Stephanie. Quando escutava a canção "Memories" do musical Cats na rádio, quando cheirava o chocolate quente com nata no Starbucks ou via duas amigas rindo enquanto saíam do Pookie & Sebastian. Coisas que lhe traziam à memória fragmentos de lembranças. E uma forte sensação de perda.
Seguia-a atormentando a idéia de que deveria ter feito algo para impedi-lo.
Essa idéia nunca sairia de sua cabeça.
— Deveria ter te convencido de que não fosse — disse, em voz alta — Sabia que Gordon traria problemas. Deveria ter deixado isso muito claro pra você. Tentei, mas falhei. Sinto muito. Não havia nada mais a dizer.
Com um calafrio, tirou suas luvas de couro da bolsa e as colocou.
— Agora voltarei para a cidade — disse, com um sorriso agridoce nos lábios ao imaginar a resposta de sua prima — Não, não tenho um encontro — disse — Esta noite, não. Esta noite tenho que me ocupar de algumas questões pendentes. Mas amanhã tenho uma aula de defesa pessoal com um advogado de Park Avenue, um homem muito complexo e intrigante. Sim, é muito atraente. Você diria que é um bombom. Por hora, é só alguém que conheci. Se as coisas mudarem, te contarei… - Fez isso uma breve e emotiva pausa — Se é que sou capaz de deixar que elas mudem.
Piscou para reprimir uma lágrima e começou a se levantar.
A suas costas algo quebrou um ramo.
Taylor elevou a cabeça de repente. Levantou-se em seguida com todos os sentidos alerta.
Olhou a seu redor.
Nada. Só as sombras do crepúsculo.
Ainda quando disse pra si mesma que não havia nada, teve a estranha sensação de que alguém a observava. Algo se apoderou dela, como um fantasma escuro e horrível. E por mais que tentasse, não conseguia desprender-se dessa sensação.
Começou a respirar rapidamente. Estava imaginando coisas. Não havia outra explicação. Encontrava-se em uma zona de bosque. O ruído que tinha chegado até seus ouvidos seria o de um pássaro ou um esquilo.
Tinha conseguido convencer-se disso quando, de repente, ouviu um rangido, algo como um sussurro que vinha de uma árvore próxima. Voltou o olhar para o lugar de onde vinha o ruído e divisou uma sombra que se movia entre os troncos. Uma forma humana.
— Quem está aí? — perguntou, tomada pelo medo.
Silêncio.
— Perguntei quem está aí? —Tinha começado a retroceder com o coração lhe retumbando no peito.
Ouviu-passos na grama. Passos que se aproximavam dela.
Taylor pôs-se a correr.
Ofegando, cruzou o terreno a toda velocidade, e procurou o lugar onde tinha deixado seu carro enquanto se desvaneciam os últimos raios de luz.
Os passos se aproximavam. Agora se ouviam com claridade. Taylor escorregou numa parte de gelo. Conseguiu manter o equilíbrio e seguiu correndo, amaldiçoando-se pelo segundo que havia perdido. Ao divisar o carro, procurou suas chaves. Tirou o chaveiro do bolso, apontou para o carro e apertou o botão que abria as portas e desativava o alarme.
Soou um bip eletrônico e ao ver piscar as luzes soube que o contato estava aberto. Faltava pouco para chegar. Só uns metrôs e estaria a salvo.
Chegou até o coupé, abriu bruscamente a porta, temendo que em qualquer momento alguém a agarraria pelas costas. De repente, deu-se conta de que os passos tinham cessado. O cemitério sumiu em um fantasmagórico silêncio.
Onde estava seu perseguidor?
Não tinha intenção de esperar para descobrir.
Meteu-se no assento do condutor, fechou as portas com as trancas e, com o fôlego entrecortado, pôs a chave no contato.
De repente ouviu o ruído de alguém que punha-se a correr, desta vez não para ela e sim na direção contrária.
Virou-se para ver de onde vinha, olhando minuciosamente a seu redor, tentando ver algo sob a luz do crepúsculo. Um leve movimento lhe fez girar a cabeça. Uma figura corria para as portas do cemitério. Era evidente que não era alguém que tinha vindo visitar os mortos.
Tinha desaparecido.
Quem quer que fosse, tinha desaparecido.
Tremendo furiosamente, apoiou-se contra o encosto do carro.
Maldito seja. Acreditava que tinha superado. Mas agora voltava a experimentar esse mesmo sentimento de impotência.
Respirou fundo, tentando acalmar a respiração e os batimentos do coração de seu coração descompassado.
Já basta, disse-se a si mesma. Não tem nada que ver contigo. A sombra teria vindo ver algum parente, ou possivelmente gostava de rondar pelos cemitérios. Ao ver uma presa fácil, a teria seguido para pegar algum dinheiro fácil.
Possivelmente.
Então, por que não lhe tinha aproximado enquanto estava ajoelhada junto à sepultura, em lugar de esperar que o visse e só então persegui-la?
E, sobre tudo, por que não podia deixar de pensar que tinha estado ali durante todo o tempo que ela tinha passado junto à Stephanie?
Estaria Vigiando-a?


2 DE FEVEREIRO. 10h30min
RUA SETENTA E DOIS


Naquela noite Taylor não conseguia dormir. Levantou-se de madrugada e ocupou seu tempo em montar caixas e guardar os itens de cozinha. Não teria que mudar-se até em 1 de março. Mas tinha que ocupar seu tempo com algo.
Estava esparramada sobre uma cadeira, empacotando uns potes de sobremesa quando o porteiro do edifício anunciou a chegada de Reed. Saltou da cadeira e foi até o interfone para pedir a Harry que o deixasse subir.
Três minutos mais tarde, Reed bateu na porta.
— Olá — disse Taylor ao abrir, com a respiração um pouco entrecortada.
— Olá, tudo bem? — Reed franziu o cenho ao ver seu aspecto um pouco agitado, com o cabelo avermelhado num coque improvisado e a camiseta e calças de lycra, umedecidos pelo suor —. Parece que começou sem mim.
— O que? Ah, não — disse, dando-se conta de que estava despenteada — Estava embalando algumas coisas.
— Já começou? Isso é que se chama ser precavida. — Reed desabotoou o agasalho impermeável e pendurou-o no gancho da entrada. Estava com um moletom negro que ficava muito sexy. Por visto, o estilo L.L. Beans ficava tão bom nele como o estilo Brooks Brothers.
— Suponho que é uma característica minha isso de fazer as coisas o mais rápido possível — reconheceu Taylor, com uma voz pausada.
— Está tudo bem? — perguntou Reed depois de lhe lançar um olhar de sondagem.
— Sim, por quê? Estou tão ruim assim?
Ele não se deixou despistar por sua pergunta tipicamente feminina. Na verdade, Taylor soube, por sua expressão, que ele se deu conta de que, neste caso, não era típica. Era simplesmente um intento de esquivar-se da pergunta que tinha feito.
— Não vou morder esse anzol. Não me refiro a seus atributos físicos. É que parece esgotada, como se não tivesse dormido ontem à noite. E porque penso que este desdobramento de energia deve-se à tensão, não à decisão de avançar com a embalagem das caixas.
Taylor arqueou uma sobrancelha e cruzou os braços sobre o peito.
— Estou começando a me perguntar se há tanta diferença assim entre o direito e a psicologia.
Ele sorriu ligeiramente.
— É provável que não. Interpretar a atitude das pessoas é a base de nossas profissões, a sua e a minha. E agora, quer me contar o que acontece ou não deveria me intrometer?
— Ontem foi um de fevereiro — se limitou a explicar ela — Seria a noite de estréia de Steph. Fui ao cemitério para comemorar a ocasião. Suponho que foi a experiência foi mais difícil do que esperava.
— Isso explica — disse Reed — Prefere que deixemos a aula para outro dia?
— Não. —Taylor se arrependeu de ter rechaçado a oferta tão rápido e com tanta firmeza — Já disse não duas vezes — disse em seguida, ao ver uma faísca de curiosidade em seus olhos — na terça-feira de noite tive que ficar na rádio e na quinta-feira caiu essa tormenta de neve tão espantosa, além disso, você tinha uma reunião que durou até meia-noite. A verdade é que o fim de semana é o melhor momento para os dois. Meu nível de energia está melhor pela manhã e nenhum dos dois tem que trabalhar, não? — perguntou, com um sorriso zombador, imaginando que era bastante provável que Reed tivesse que trabalhar nos sábados e domingos.
— Não, hoje não — reconheceu ele, e assinalou para a sala de estar — Tudo bem pra você?
Taylor o seguiu.
— Tenho uma dúzia de garrafas de água na geladeira. Podemos usá-las quando for necessário.
Reed pôs-se a rir.
— Isso soa muito duro. Não vou treinar como se fossem exercícios militares. Trata-se de técnicas básicas. Se minhas sobrinhas, que têm oito, nove, onze e doze anos podem com isso, e você também poderá.
— Não esteja tão seguro. Os meninos são muito mais flexíveis que os adultos. Taylor se deteve no centro da sala de estar parou em frente a ele — O que o levou a aprender defesa pessoal?
— Meu irmão Rob é policial. Anda sempre obcecado com a segurança, ainda mais quando se trata da família.
— Alguma de suas sobrinhas ou sobrinhos são filhos dele?
— Não. Rob e eu somos os únicos solteiros da família Weston. Eu estudava direito quando ele começou sua formação tática e Cambridge ficava bastante perto para que eu voltasse frequentemente para casa. Assim ia com mais frequência que os outros. As aulas de defesa pessoal me distraíam dos sete dias da semana que dedicava a estudar. Rob me ensinava tudo o que ele aprendia.
— E você transmitiu seus conhecimentos a outros membros da família, sobre tudo às mulheres.
— Sim — disse ele, franzindo uma escura sobrancelha — Então, cumpro os requisitos? Vai me dar o emprego?
— Sinto muito — disse Taylor, e riu — Não tinha intenção que soasse como um interrogatório. É um aspecto de sua vida que me parece fascinante. Francamente, nunca tive a experiência de viver em uma família grande e unida. Eu adoraria saber mais sobre eles… depois de aprender a dominar alguns truques básicos.
— O que acha de termos um incentivo a mais? — disse ele, meio brincando, meio falando a sério — Para cada técnica que aprenda contarei algo a respeito de algum dos meus irmãos.
— E se eu aprender rápido? Poderei saber dos seus sobrinhos e sobrinhas?
— Claro. Mas só se pedirmos algo para comer. Para falar tanto, terei que me alimentar.
— Parece-me justo. — Para Taylor, aprender tudo isso e rápido era um grande alívio. Parecia tão… normal, como um bálsamo depois do arrepiante episódio do dia anterior — Estou preparada.
— Bom. — Reed ficou mais sério e adotou uma atitude mais parecida com a do profissional responsável que ela tinha conhecido há duas semanas em seu escritório — Começaremos por desenvolver seu sentido da distância. Ensaiaremos com uma distância longínqua, meia e próxima até que possa manter a distância exata que queira sem pensar nisso. Depois, passaremos a girar em círculo. Estas duas habilidades são essenciais. Quando tiver dominado-as, repassaremos algumas técnicas básicas de interceptação. Depois, ensinarei algumas técnicas de ataque e um lembrete para que as recorde por seu nome. De acordo?
— De acordo — assentiu Taylor, perguntando-se se havia algo que Reed Weston não soubesse fazer com perfeição. Não se admiraria que conquistasse um cargo diretor em Harter, Randolph e Collins. Na verdade, tinha vontade de começar e conhecer tanto o resultado como a prática da defesa pessoal.
Uma hora e meia, mais tarde, não estava tão segura.
Estava esgotada, mais mental que fisicamente, depois de passar um bom tempo treinando para aprender a lançar ordens para que seu corpo respondesse de maneira simultânea. A coordenação e sincronização eram mais difíceis de dominar que os exercícios.
—Já basta. — Com um gesto de cansaço, Taylor se deixou cair nas macias almofadas do sofá que tinham posto contra a parede para aumentar o espaço disponível na sala de estar — Entre as estratégias e de andar em círculo, começo a me sentir como um falcão. Um falcão muito cansado e enjoado.
Reed se aproximou sorrindo. Era incrível ver seu aspecto impecável, como se acabasse de sair de uma reunião, com apenas umas gotas de suor na frente e a respiração tão regular como a de um professor de ioga.
— Poderia chegar a odiá-lo — disse Taylor.
— E vai — disse ele, e sorriu com mais gana — Porque não só a farei se sentir mais segura consigo mesma, como também vou alimentá-la. Não se mova. Pedirei uns sanduíches por telefone. E quando voltar trarei duas garrafas de água fresca.
—Está bem. Possivelmente odiar seja uma palavra muito forte. Pode ser que só seja inveja — disse Taylor, e lhe lançou um olhar fingindo aborrecimento — Não poderia ao menos suar um pouco, como qualquer ser humano? Ou não faz esse tipo de coisa?
— Sim, claro que suo — disse ele. Não havia lugar para equívocos com esse brilho vicioso em seu olhar — Mas com exercícios mais intensos que os que acabamos de fazer.
Taylor se deu conta de que se ruborizou. Ela o tinha procurado.
— Que gracioso, muito gracioso. Mas, voltando para nosso tema, eu gostaria de um sanduíche de rosbife com pão de centeio, o acompanhamento normal e um pepino japonês gordo e amargo. Enquanto pede, dedicarei-me a pensar em tudo o que quero saber a respeito de sua família.
— Parece até um plano. Volto em seguida.
Quarenta minutos mais tarde, estavam sentados à mesa da cozinha, comendo seus sanduíches e bebendo água fresca.
— Chegou o momento de me falar da sua família — falou ela.
— Pois pergunte.
— Disse que são sete irmãos. Em que lugar está você?
— O quinto — disse Reed, e deixou o sanduíche de peru de lado. O que parece se fizer um apanhado geral? Assim nós economizaremos tempo e responderei a sua primeira roda de perguntas.
— De acordo. — Taylor também deixou seu prato.
— Do maior para o menor, começaremos por minha irmã Lisa. Tem trinta e nove anos. Ela e seu marido, Bill, vivem em Phoenix. Ela é professora. Ele é diretor de um colégio. Têm dois filhos, Shari e Katie, de doze e nove anos respectivamente. Deixarei para mais minha tarde elogios sobre as duas meninas, quando chegarmos ao capítulo das sobrinhas e sobrinhos. Se não, não acabaremos nunca com esta lista.
Reed bebeu um longo gole de água e continuou. — Depois, vem Kyle. Tem trinta e oito anos. É um super vendedor na empresa de venda de carros da família de sua mulher, Joy, e vivem em Cleveland. Têm dois filhos gêmeos, Jake e Scott, de dez anos. A terceira é Shannon. Tem trinta e sete anos e ela e seu marido, Roger, são peritos em eletrônica. Trabalham em tecnologia da informação em uma empresa em Denver. Sua única filha, April, tem oito anos. Outro gole de água e uma pausa. — Mark tem trinta e seis anos. Ele e sua mulher, Jill, ainda vivem em Nova Inglaterra. São proprietários de um albergue de esqui em New Hampshire. Kimberley e David, seus filhos, têm onze e sete anos. Logo venho eu. Depois vem Meredith, trinta e quatro anos. É uma mãe de cabo a rabo. Seu marido se chama Derek e têm dois filhos, Craig e Andy, e há um terceiro que vem a caminho. Vivem em Dallas porque Derek trabalha na prefeitura de a cidade. Meredith faz as bolachas mais impressionantes que jamais tenha provado. Tem um pequeno negócio de confeitaria, que administra desde que casou. As pessoas do Texas é que tem sorte. E, por último, Rob, do que já te falei. Chama-se Benjamim, tem trinta e dois anos e é inspetor do Departamento de Polícia de São Francisco. Quando resolver sentar a cabeça, a costa oeste se encherá de corações partidos. O que parece para começar?
A cabeça de Taylor dava voltas.
— Que impressionante. Não era uma brincadeira quando dizia que há Westons por todo o país. E o me diz de seus pais? Disse que ainda vivem em Vermont?
— Sim. Na enorme e velha casa de campo onde crescemos todos juntos. São donos de uma loja de olaria na cidade há quarenta anos. A minha mãe é fascinada em trabalhar com cerâmica, e fabrica as peças da loja. São belas e fora do comum. Se um turista entra para olhar, nunca sai com as mãos vazias. Inclusive os que vivem ali o ano todo ainda compram coisas. Tem muito talento.
O orgulho de Reed saltava à vista. Igual ao seu forte vínculo familiar.
— Invejo-o — disse Taylor, com ar melancólico — Deve ser alucinante ter tanta gente que te queira na vida.
—É sim — disse Reed, olhando seu sanduíche, com um olhar ausente — Acredito que não dava muita importância quando era menino. Ou possivelmente pensava que assim era como tinha que ser. Agora já não penso igual.
Taylor ficou olhando.
— Importaria se fizer uma pergunta pessoal?
— Adiante.
— O caminho que você escolheu, quero dizer, este ritmo de vida tão acelerado, com as altas esferas, muito dinheiro e muita falsidade… parece algo diferente do resto de sua família. O que foi que o motivou?
— Eu mesmo — disse Reed, e apoiou um cotovelo na mesa — Tinha um plano de futuro muito ambicioso, além de tudo isso que comentou. Tinha um expediente acadêmico que me ajudou a conseguir uma beca e ajuda econômica, e aproveitei a oportunidade. E aqui estou.
Notava-se algo indefinível de irritação em sua voz, uma matiz que tomou Taylor de surpresa.
— Não está contente com sua decisão?
— O que é isto? Está me analisando?
— Não, é só uma pergunta. Não tem porque responder.
— Digamos que estou passando por um período de reestruturação de minha vida, e que levo vários meses em uma introspecção, voltando a conectar com certos valores muito sólidos e íntegros com que tinha começado a perder contato. Quando voltei para casa no Natal encontrei-me face a face com tudo isto. Entendi algumas verdades fundamentais que queria recuperar com toda a alma, ou que possivelmente só me fazia falta recordar.
A maneira como Reed lhe contou aquilo fez Taylor pensar em algo novo e não muito bom.
— Estas verdades e esta reestruturação têm que ver com uma mulher?
Ele se voltou para olhá-la, e seus olhos escuros se voltaram mais intensos quando entendeu a pergunta de Taylor e porque a fazia. Sacudiu lentamente a cabeça, como se olhasse para o momento presente.
— Não, não é uma mulher — disse, e seguiu um silêncio eloquente—. Ao menos até agora, não.
A tensão no espaço que compartilhavam aumentou subitamente, uma tensão carregada com algo muito mais imediato do que Taylor imaginou. Ela tinha aberto essa porta por vontade própria. O problema era que agora não sabia se estava preparada para dar o próximo passo e cruzar a soleira. Embora isso não significasse que não queria fazê-lo.
— Me alegro — se ouviu dizer, como respondendo a ambas as partes da equação.
— Ah, sim?
— Sim.
— Pois, eu também. — Reed se levantou e, ao fazê-lo, levantou-a junto. Aproximou-a e rodeou-a pela cintura com um abraço, levantou-lhe o queixo e a beijou.
Foi um beijo explícito, carregado de sexo, embora não asfixiante. Reed se apoderou de sua boca em uma progressiva aproximação. Acariciou-lhe o pescoço por trás, lhe abrindo os lábios com os seus e deslizando a língua, saboreando-a, suave. Continha-se, decidido a tomar só o que ela quisesse, ou o que estivesse emocionalmente disposta a lhe dar. Taylor não sabia para se estava preparada. Mas sabia que era não havia se sentido tão bem há muito tempo.
Aproximou-se dele, tomou pelos braços e jogou a cabeça para trás para lhe facilitar a entrada. Reed entendeu seu gesto e a atraiu para ele, levantando os braços de Taylor ao redor de seu pescoço, inclinando sua boca sobre a dela e beijando-a até que Taylor acreditou perder o sentido. Quente e lento era um despertar erótico e apaixonado a uma tremente promessa.
Possivelmente uma promessa muito espantosa.
Taylor pôs as mãos sobre o peito dele e empurrou, com o fôlego entrecortado, até pôr uma distância de um braço entre os dois, tentando recuperar o equilíbrio.
Reed não tentou voltar a estreitá-la. Só a olhou, respirando entre ofegos.
— Deveria me desculpar?
Ela negou com uma silenciosa sacudida da cabeça.
Desta vez ele se aproximou, tomou o queixo com o dedo indicador para levantá-lo até que o olhar de Taylor encontrasse o seu.
— Está segura?
— Sim — disse Taylor, que finalmente conseguiu articular algo — Claro que estou segura. Você me beijou, mas eu também te beijei.
— Já sei. — A expressão de Reed seguia sendo solene —. Isso não significa que agora não se arrependa. Ainda tem lembranças desse tipo que não lhe são precisamente agradáveis.
Mais que a surpreender, sua sensibilidade a emocionou.
— Nada do que aconteceu recordou Gordon. E não, não estou arrependida. Sinto-me confusa e um pouco perdida.
— E você gosta de controlar.
— Não aos outros, mas sim a mim mesma.
— Te entendo. — Reed agarrou a garrafa de água e bebeu um gole — Assim iremos devagar — decidiu, e deixou a garrafa —. Por hora.
— Por hora? —inquiriu Taylor—. O que significa isso?
— Quer dizer até irmos mais rápido.
— E quando será isso?
— Quando estiver preparada — explicou ele, roçando sua bochecha — Não se preocupe. Não teremos problemas de comunicação. Eu saberei percebê-lo. — Em sua boca apareceu um sorriso — E se me equivocar, sempre poderá usar comigo alguma das técnicas de defesa que ensinarei. E então, será uma perita.
Taylor riu. A risada era uma sensação quase tão agradável como o beijo.
No exterior, do outro lado da Rua Setenta e dois, o homem se deteve e olhou seu relógio. Lançou um olhar para o edifício de Taylor com um amargo brilho no olhar. Reed Weston levava horas ali dentro. Aquilo era intolerável, e não fazia parte de seus planos. Nenhum homem fazia parte de seus planos. Nem Reed nem ninguém. Só ele. Teria que ocupar-se desse problema, antes que as coisas fugissem das suas mãos. Subiu a gola do casaco e reatou a marcha.

12h45min
Considerando como estava esgotada, Taylor pensou que cairia na cama e dormiria em seguida. Depois de não ter pregado o olho na noite anterior, depois de uma extenuante aula de defesa pessoal com Reed e da continuação inesperada dessa aula… Todo isso junto, tanta atividade física e mental, pensava, lhe fariam dormir até esquecer-se do mundo. Mas não houve tal esquecimento.
Com um suspiro, sentou-se na cama, dobrou as pernas e apertou os joelhos contra o peito. A propósito de complicações emocionais, Reed Weston era uma complicação enorme. Tinha aparecido quando ela se sentia vulnerável. Isso não era bom. E ela sentia uma atração descomunal por ele. Isso era ainda pior. Se começassem uma relação, tudo apontava para um montão de razões equivocadas.
Reed havia dito que iriam devagar… até que fossem mais rápido. Era uma declaração tão ambígua como inquietante.
Taylor só desejava conhecer as regras do jogo. Toda relação tinha suas regras.
Normalmente, era ela quem as definia. Neste caso, parecia que as regras já estavam definidas para ela.
Isso não era nada habitual. Sempre era Taylor, a que controlava. Taylor, a que se ocupava de tudo e de todos. Taylor com suas emoções postas a bem guardadas. Taylor desembaraçando-se como uma meada de linho.
Levou os dedos às têmporas que palpitavam com força, tentando desfazer da dor e da insônia com uma massagem.
Sim, genial. De verdade acreditava?
Não estava admirada de não conseguir dormir. Sofria de uma sobrecarga emocional. Não era só isso, porque não podia parar de pensar nesse incidente estranho e aterrador do sábado no cemitério. O tipo seria só um visitante excêntrico, algum sinistro desconhecido, ou havia estado ali expressamente por ela?
Aquela especulação não tinha sentido. O tipo tinha desaparecido. O incidente havia passado. Estava exagerando as coisas mais do que devia.
Soava o telefone. Estridente. Insistente.
Taylor despertou de repente, com o corpo suado. O relógio da rádio marcava 03h55min. A última vez que a tinha despertado com uma chamada telefônica em plena noite havia sido quando o navio de Gordon tinha explodido e Stephanie tinha morrido.
Acendeu o abajur e ficou olhando a tela de cristal líquido do telefone. Dizia "privado", igual à última vez.
Tremendo, levantou o fone.
— Alô?
— Está sozinha. — Uma voz masculina, com um timbre que flutuava de maneira estranha, raspou em seus ouvidos —. Boa garota. Continue assim… pelo bem de todos. Ouviu-se um clique e encerrou-se a comunicação.

































Capítulo 10


3 DE FEVEREIRO. 18h45min.
WVNY

Devia ser um trote. Não podia ser outra coisa.
Era a enésima vez que Taylor dizia para si mesma nessa noite. A voz estava distorcida, era falsa. Sua qualidade sintética e as variações de seu timbre sugeriam que tinha sido transmitida através de um desses aparelhos para modificar a voz que se podia comprar na Internet por menos de cinquenta dólares.
Possivelmente tinha sido uma turma de adolescentes que gostava de brincadeiras. Digitaram números ao acaso e o resultado era o seu. Logo, quando ouviram a voz de uma mulher, lançaram essa mensagem dramática. Ou possivelmente tinha sido Chris Young. Possivelmente queria vingar-se daquela conversa que tinha tido com seus pais fazia duas semanas e meia. Não. Impossível. Seu número de telefone não aparecia no guia. Chris não teria como conseguir o número. Ninguém podia encontrá-lo. Não havia nenhuma relação entre a chamada e o incidente do sábado no cemitério. Eram dois fatos inquietantes, mas não relacionados, uma pura coincidência.
Taylor tirou a jaqueta e decidiu deixar de especular. Era inútil. Podia seguir dando voltas e recorrer à lógica, mas não podia acalmar seus nervos.
Não tinha pegado o olho o resto da noite. Ficou acordada, tremendo, esperando que ligassem novamente. Mas não tinham ligado. E ela não pode relaxar. O resultado foi que sua capacidade de concentração no colégio naquele dia tinha sido nula. Para piorar as coisas, Chris Young tinha lhe lançado um olhar estranho e provocador ao passar por ela pelo corredor. Estava rígida e com uma expressão gélida no rosto. Acaso queria averiguar os resultados de sua travessura?
Meu Deus, que confusão!
Dirigiu-se à sua cabine na rádio. Passou pelo departamento de programação, pôs a cabeça na cozinha, onde havia quatro companheiros reunidos em torno de umas bolachas que desapareciam a toda velocidade. Apareceu pelo tempo suficiente de saudar com um sorriso de desculpa.
— Olá, meninos. Sinto chegar tarde.
— Olá, não se preocupe — disse Bill Warren, que levava a Revista esportiva, um programa de duas horas anterior ao dela, lhe lançando um sorriso torto—. Tinha decidido que se não chegasse as sete, eu me ocuparia de seu programa. Teria sido um êxito total.
— É claro que sim. —Jack Taft, o diretor de programas, deixou sua taça de café onde se lia "Diretor da Rádio que sempre se supera", e emitiu um som parecido a um grunhido — Teria perdido metade da audiência antes de receber a primeira chamada.
— Nada disso — protestou Bill, e seu sorriso se alargou — Sou um tipo muito intuitivo. Não tem mais que perguntar.
— Não fará falta — lhe assegurou Taylor, obrigando-se a sorrir — Sua reputação joga contra você. É doce como um gatinho. — Tinha que concentrar-se em programa. Havia um montão de trabalho a sua espera para despachar uma hora antes de sair ao ar. Do jeito que estavam às coisas, sua caixa de e-mails teria que esperar, mas isso não importava. Só significava que acabaria tarde. Mas, bom, de qualquer forma, não poderia dormir. Assim, que importância tinha? Quanto à papelada que tinha pendente, Laura estaria entrando e saindo durante as pausas do programa para ajudá-la. Por agora, o que precisava era comunicar-se com seu produtor — Onde está Kevin? — perguntou.
— No estudo — respondeu Jack — Está esperando-a. Tem um montão de chamadas na lista. Parece que vai ser uma noite agitada.
— Bem. Quanto mais agitada, melhor. Esta noite não estou com ânimo para monólogos.
O diretor de programas lançou-lhe um olhar de simpatia.
— Tiveste um fim de semana ruim?
— Muito ruim.
Jack respeitou seu comentário e deixou correr.
— De acordo, chega de bate-papo. Bill acabou o descanso. Entraremos no ar em quarenta e cinco segundos. Taylor agarra um donut, ou o que ficar na caixa e vá à cabine.
Taylor lançou-lhe um olhar de agradecimento.
— Rick chegou?
— Sim. Está repassando uns detalhes do áudio com Dennis.
Dennis era um técnico de som com um grande futuro pela frente. Era um pouco tímido, embora depois de um tempo com a equipe ele se entrosou. Além disso, havia algumas estagiárias com quem consolar-se. Sally Carter era uma loira alegre que fazia estágio na rádio. Estudava em uma escola de comunicação e esperava pôr um pé no departamento de produção da emissora. E James Birney era um tipo encantador, cheio de sardas. Tinha uma licenciatura em publicidade e trabalhava em vendas tentando captar novos clientes. Quanto a Rick, era um companheiro muito eficiente, mas o estava passando por maus bocados. Seu matrimônio ia por água abaixo. Taylor pigarreou.
— Como está Rick? Vão melhor as coisas?
— Parece que não. Não conta grande coisa.
— Irei vê-lo agora. — Taylor lançou um olhar à caixa vazia de donuts, convertida em um montão de miolos e partes soltas, e entreabriu os olhos. –- Direi que aconteceu algo com o lanche. — Dirigiu-se à cabine de onde transmitia o programa, decidida a conservar sua frágil serenidade. Sua decisão durou menos de um minuto.
— Olá, Key — disse Taylor saudando seu produtor quando entrou na sala —. Sinto chegar à última hora.
— Não se preocupe, ao menos por esta noite —assegurou Kevin, recolocando o fone que acabava de falar — Amanhã de noite será outro conto. Temos programada uma convidada. A autora de "Meninos maus, pais piores". A mulher é um pouco histérica. Será melhor que chegue cedo para prepará-la.
— Estarei presente e chegarei cedo. Prometo.
Soou o telefone de Kevin.
Taylor deu um salto, como se tivessem cravado uma faca em si.
Kevin franziu o cenho e respondeu a chamada sem deixar de olhá-la enquanto falava, formulando as perguntas habituais para obter a informação que necessitava e logo pôr a chamada na lista de espera.
— Quer me dizer o que foi isso? — perguntou, fazendo girar sua cadeira para olhá-la.
Ela passou a mão trêmula pelo cabelo.
— O que?
— Ora. Acaba de dar um salto até o teto quando tocou o telefone. O que está deixando-a tão nervosa?
— A vida — respondeu Taylor, encolhendo os ombros — Sou um caso perdido. Estes dias poderiam me pôr o apelido de "Hipersensível".
Antes que Kevin pudesse responder, entrou Rick, seguido do técnico novo, Dennis, que começou a escolher uns discos.
Deteve-se atrás de Rick, que ficou parado observando Taylor.
— Olá. — A saudação de Rick era calorosa, mas seu sorriso e seu olhar eram frios. Tinha um aspecto horrível, estava cansado e de mau humor — Começava a me preocupar. Nunca chegou tão tarde.
— Já sei. De verdade, sinto muito. Foram dias muito agitados. — Taylor não quis entrar em detalhes.
Dennis ficou na soleira da porta vacilante, apoiando o peso ora em um pé, ora no outro, com gesto nervoso.
— Rick, se quiser, deixo estes discos aqui e trabalharei contigo outra noite.
Rick inclinou a cabeça olhando Taylor.
— Disse a Dennis que podia presenciar o programa desta noite, já que estamos a sós e não temos convidados.
— É obvio — disse Taylor e fez um gesto para Dennis entrasse — Esta noite é uma boa noite. As coisas estão um pouco enroladas porque cheguei um pouco tarde. Sente-se e olhe como Rick e Kevin fazem seus malabarismos. Se quiser aprender, não há ninguém que faça melhor que eles nesta profissão. Embora se o que você quer é um donut, esqueça. O último foi detonado por Bill faz uns minutos.
— Não pode ser — disse Rick com uma careta — É um recorde, inclusive aqui! Essa caixa durou só dez minutos.
—Irei comprar mais — ofereceu Dennis —. Assim terão uns minutos para começar antes que comece a incomodar com minhas perguntas — disse e saiu da cabine.
Rick olhou Taylor, preocupado.
— Há tanta tensão nesta sala que isto parece o set de uma telenovela. O que está havendo?
— Estávamos falando justamente disso quando entrou — informou Kevin —. O telefone tocou e Taylor quase teve um ataque.
— Por quê?
Os dois ficaram olhando Taylor. Era evidente que esperavam uma explicação.
— Escutem — disse ela com um suspiro — houve alguns episódios neste fim de semana que me deixaram esgotada. Podemos deixar isso pra lá?
— Não. — Rick não se mordia a língua — Que coisas? É esse advogado que está dando aulas de defesa pessoal? Aconteceu algo contigo? Tentou algum truque? É isso que a deixou assim?
— Não. — O paradoxo era que o que aconteceu entre ela e Reed era a parte culminante de seu fim de semana — no sábado, quando visitei a sepultura de Stephanie, havia um tipo estranho no cemitério. Perseguiu-me. Eu corri até chegar ao carro e ele desapareceu. Suponho que era um assaltante que no final mudou de idéia. Em qualquer caso, fiquei apavorada. E para piorar, ontem à noite me ligou um maluco, um tipo que falava com um desses aparelhos que distorcem a voz. Disse-me que continuasse dormindo sozinha. Suponho que as duas coisas juntas me deixaram nervosa.
— Taylor. — Rick não estava disposto a deixar o tema — É uma pessoa bastante sensata. Acredita que o tipo do cemitério e o que ligou era a mesma pessoa?
— O senso comum me diz que não. Mas minhas emoções me dizem outra coisa. Assim, sim, tudo junto me desequilibrou um pouco. Quanto à chamada, trouxe-me lembranças da noite em que ligou o inspetor da polícia para me contar sobre a explosão do iate — disse Taylor, e calou — Ouçam meninos, podemos deixar de falar disto? Preferiria me concentrar no programa. Terei algo concreto e normal em que trabalhar, e isso me acalmará — De acordo?
— De acordo, de acordo. — Kevin lançou um olhar rápido em Rick, que seguia com o cenho franzido—. Vê aí dentro e se prepare. Laura está a ponto de chegar. Só para que saibam as primeiras chamadas que tenho em espera são as chamadas de todas as segundas-feiras pela noite… Duas relações conflitantes e a típico encontro do fim de semana que acabou mau.
Taylor assentiu com a cabeça e se fechou na cabine do estudo.
Rick conectou os controles de som, falando com Kevin, mas sem olhá-lo.
— Eu não gosto disso.
— Nem eu, tão pouco — reconheceu Kevin — De modo que é melhor que estejamos alerta, por acaso.
— De acordo.
Rick pôs fim à conversa quando entrou Dennis com uma caixa de donuts.
— Pegue uma cadeira — disse Rick com um gesto — A angústia adolescente está a ponto de começar. — Fez uma careta, e mentalmente pensou a outra coisa — E isso não é nada comparado com a angústia que estes afortunados adolescentes terão quando forem adultos.

20h32min
Taylor terminou de beber sua garrafa do Poland Springs enquanto acabavam os anúncios da primeira meia hora e soava o gingle da emissora WVNY. Tinha matado sua sede, tinha a garganta e a boca úmidas e estava preparada para ocupar-se da próxima chamada.
Lançou um olhar à tela do computador, onde ficava a lista das chamadas em espera. Como de costume, Kevin tinha escrito as frases chave habituais para lhe dar uma ideia do que escutaria. A primeira linha dizia: Fred, aluno de instituto. Está louco por uma garota de sua classe. Não sabe como dizer-lhe isso, e nem se atreve a falar com seus pais.
Nos lábios de Taylor apareceu um sorriso triste. Sim, recordava essa época um pouco estranha de sua vida.
Começou a chamada.
— Bem-vindos. Aqui é Taylor Halstead, preparada para atender suas chamadas. Olá, Fred, entendi que há alguém especial, alguém a quem gostaria de conhecer melhor.
— Já a conheço — respondeu ele, com uma voz que Taylor reconheceu imediatamente. Era Romeo.
— De fato, conheço-a melhor do que ela acha — seguiu ele —. Como esta noite, por exemplo. Esta noite sei que está super estressada e precisa relaxar. Gostaria de convidá-la para uma sobremesa. O que acha Taylor, às onze?
De repente Taylor sentiu o coração martelando contra o peito. Kevin e Rick ficaram pálidos e Kevin fez um gesto para desconectar a chamada.
Taylor sacudiu energicamente a cabeça para detê-lo.
— Agradeço o convite, Fred — disse, falando com toda a calma que pôde — mas só estou disponível para dar conselhos, e só enquanto estejamos no ar. Estou segura de que há alguma garota de seu colégio estaria encantada de sair contigo. Chame-a. Desejo boa sorte. Taylor escutou sua risada quando pendurou o fone.
Kevin passou aos anúncios. Logo fechou o microfone, e apertou a mandíbula ao ver que Taylor afundava a face entre as mãos.
— Maldito seja, Taylor, sinto muito. O filho da mãe modificou a voz. Nunca havia feito isso antes. Além disso, nunca se chamou Fred. Sempre disse Romeo.
— Está bem, pois escolheu uma noite de cão para ser criativo.
— Sim, e eu escolhi uma noite de cão para colocar a pata. Embora seja uma coincidência. Um convite inofensivo. Não se deixe levar por sua imaginação — disse Kevin, deixando escapar um suspiro de auto-recriminarão —. Pode me dar um castigo quando acabar o programa. Coloquei a pata até o fundo.
Taylor levantou lentamente a cabeça.
— Não é culpa sua — ela assegurou —. Todos sabem que se alguém quer burlar os controles, sempre encontrará uma maneira de fazê-lo.
— É o típico ligador, Taylor. — Kevin já tinha feito um gesto para que trouxessem um disco pré-gravado se por acaso fosse necessário, mas sobre tudo, queria acalmá-la. O melhor para ela nesse momento era seguir com o programa.
— O típico ligador? — repetiu ela duvidosa.
— Sim, estes meninos sempre fazem o mesmo. Romeo, ou Fred, ou como se chame, tinha feito isso antes. Para ele, todas as noites são à noite. Já lhe disse isso. Quer sair com você. E é tão estúpido que acredita que conseguirá. É um alucinado, mas não está louco. Não vejo nenhum dos sinais habituais. Nada de ameaças desequilibradas, nenhuma referência sexual saída do tom, não sabe nada pessoal a respeito de ti nem de sua vida.
— É verdade — concordou Taylor.
— Entendo que é a última coisa que devia acontecer esta noite — acrescentou Kevin com voz pausada—. Mas olha por uma maneira mais realista. O menino não disse nada novo. Foi o mesmo apelo de sempre. A mesma insinuação. Mas não deu resultado. Não deixe que ele afete-a.
— Tem razão — disse Taylor e lançou a seu produtor um tímido sorriso antes de olhar a lista de chamadas em sua tela —. Está certo de que o terapeuta deste programa não é você?
— É obvio — disse ele, sorrindo — Aprendi com uma profissional. O anúncio está acabando. Pega o microfone e faça o que sabe fazer melhor.
— Fez muito bem — comentou Rick, quando cortou a comunicação entre as duas cabines.
— Sim — resmungou Kevin — Agora, esperemos que tudo o que disse seja verdade.
Rick assentiu com um gesto duro e ajustou o nível de áudio.
Se esse Romeo voltasse a ligar…
— A próxima vez eu reconhecerei qualquer voz ou nome que utilize — resolveu Kevin — Direi um par de coisas a esse idiota. E se houver a menor suspeita de que é algo mais que um maluco solitário e inocente que está babando por você Taylor, irei chamar à polícia e direi que localizem a chamada.
— Bem. — Rick ficou preocupado olhando Taylor através do vidro — O melhor será não correr riscos.

22h45min
Laura colocou a cabeça no pequeno escritório matizado de Taylor. Ali, Taylor estava acostumada a responder os e-mails, fazer suas investigações e manter conversações preliminares por telefone com seus futuros convidados.
— Olá. — Taylor parecia surpreendida de vê-la —. Pensava que já tinha ido.
— Queria ver como estava.
— Estou bem.
— Bem — disse Laura e pigarreou —. Ouça, sei que disse que não quer que passe nenhuma chamada mas tem um rapaz ao telefone. Não é Romeo — acrescentou em seguida ao ver que Taylor ficava rígida—. Chama-se Reed Weston. É a terceira vez que chama nos últimos vinte minutos. Perguntei-lhe que o que se tratava, mas o único que diz é que é uma chamada pessoal. Parece do mais normal. Quer que passe isso ou que tapeie?
Taylor sentiu um alívio que a deixou enjoada.
— Passe-me isso disse a Laura — Já pode ir para casa. Obrigado por ser minha fiel guardiã. — Esperou que Laura passasse a chamada, agarrou o fone e apertou a tecla que piscava — Olá.
— Olá — escutou-se uma ligeira estática na voz. Pelo visto, chamava de um celular — Falar contigo é mais difícil que falar com o presidente. Além disso, pensa voltar para casa em alguma hora? Pensava que eu é que era um viciado no trabalho.
— Minha ajudante sempre me protege — disse Taylor sorrindo — Além disso, não me lembrava que você e eu tínhamos um encontro.
— Não tínhamos. Acabo de inventar isso. Quero vê-la. Dei a volta no quarteirão tantas vezes que os policiais que vigiam o bairro estão me olhando estranho. De fato, havia pensado em me arriscar e estacionar em fila dupla o tempo suficiente para subir para te ver.
— É mesmo? E teriam levado sua Mercedes em três minutos.
— Exatamente. Assim me dê uma oportunidade e desça.
Taylor esfregou as têmporas e suspirou.
— De verdade, Reed, não tenho vontade de andar esta noite, e menos ainda para uma aula de defesa pessoal. Estou dormindo em pé.
— Nada de passeio. E nada de aulas. O que acontece é que trouxe um spray de pimenta para que o leve na bolsa. Troco isso por uma taça de vinho em seu apartamento. O que acha?
Diabos, que bom soava isso. Uma pausa na tensão dos últimos dias e, sim, uma possibilidade de ver Reed.
— É um bom negociador, advogado. Parece-me bom. Dê-me cinco minutos. Encontrarei-me com você onde for mais fácil.
— Descerei pela Sétima. Estarei em frente ao seu edifício. Perto da luz e do guarda — acrescentou Reed diretamente.
— Estarei lá.



















Capítulo 11



Dez minutos mais tarde, Taylor entrava no carro junto a Reed. Fechou a porta e se recostou contra o assento com um suspiro.
— Normalmente, estaria furiosa. Eu não gosto que ninguém tome decisões por mim. Mas hoje farei uma exceção.
Reed arrancou e se afastou da calçada. Virou à direita em direção oeste para a Décima Avenida, logo em direção norte para o prédio de Taylor.
— Normalmente não tomo decisões no lugar de ninguém. Mas por acaso esta noite liguei o rádio e estive escutando seu programa por um momento.
— Ah, ou seja, soube da ligação de Romeo.
— Quem?
— Romeo. O tipo que queria me convidar para sair. É um dos habituais. Só que esta vez disse que se chamava Fred e Kevin não se deu conta. — Taylor contou o que havia passado e também algo da história de seu admirador.
— Não. — Reed não parecia muito contente — Perdi a chamada de Romeo. Só notei algo em sua voz, um tom como irritado. Assim pensei que cairia bem uma taça de vinho.
— Foi um dia daqueles. Romeo só foi a gota d'água — Taylor lançou um olhar de soslaio — Por certo, tampouco estou acostumada que me entendam tão facilmente.
— Será melhor que vá acostumando. Tenho que reconhecer que sua máscara é quase perfeita. A minha também. Só temos um problema. Entre você e eu há uma sintonia extraordinária, ou não se deu conta disso ainda?
—Dei-me conta.
Fizeram o resto do percurso em silêncio, mas era um silêncio agradável, nada tenso.
— Você sim que tem face de estar esgotado — comentou Taylor quando já se encontravam acomodados no sofá de sua sala de estar com um par de taças de Cabernet — Na verdade, já que estamos falando com tanta franqueza, tenho a clara impressão que a reestruturação de sua vida que falou ontem tem a ver com algo grande, algo bastante estressante. Quer me contar sobre isso? Sou boa para escutar.
— Não vou negar — disse Reed, sorrindo — Esta noite pude comprovar suas habilidades quando se trata de escutar. Mas acredito que seus conselhos não me serviriam. Já não sou um adolescente.
— Que interessante, porque agora está se comportando como se fosse —assinalou Taylor — Esquivando das minhas perguntas e da ajuda que te ofereço. Um comportamento tipicamente adolescente. Deduzo que não quer se abrir, então.
O sorriso do Reed desapareceu, e se recostou contra a almofada do sofá. Não parecia ofendido e sim esgotado.
— Não é que não queira. É que não posso. Ainda não. A situação é instável. Não seria ético falar disso.
— Ah. Tem a ver com um cliente e se sente incômodo representando-o. — Taylor bebeu um gole de vinho — Imagino que teve uma boa quantidade de casos assim.
— Muitos. — Reed colocou a mão no bolso da jaqueta e tirou um frasco — Aqui tem o spray de pimenta que prometi. Continua sendo um dos melhores dissuasivos que há. Ardem os olhos do atacante como se fosse fogo e isso dá tempo para correr e pedir ajuda.
— Isso me dará mais tranquilidade. —Taylor agradeceu com um sorriso, agarrou o frasco e colocou em sua bolsa — Obrigada.
—Taylor. — Reed deixou a taça de vinho — Isto não é um jogo. Eu não posso explicar o que me está acontecendo. Quando puder, farei-o. Seu dilema é diferente, e muito mais grave que o meu, a julgar pelo que estou vendo. Conte-me o que te deixou tão alterada. Está mais nervosa que quando a vi ontem, e está claro que está à beira de um colapso, além de muito cansada.
Taylor desejou que Reed não fosse tão perspicaz.
— Chega Reed. — deu-se conta de que o tom de sua voz não soava muito convincente — Apenas conheço-o. É muito cedo para contar minha vida.
— Muito bem. Pois então, para quem conta? A seus pais? Seus amigos? A terapeuta?
Taylor intuía suas intenções. E estava muito extenuada para brincar de esconde-esconde — Meus pais não são desses que a gente conta o que está acontecendo. Meus amigos só sabem o essencial e meu terapeuta conhece meu estado de ânimo só até quinta-feira da semana passada. Satisfeito?
— Não, já que me deu a razão. Está claro que não confia em ninguém. —Reed se virou para olhá-la de frente — Por que será que não me surpreende?
— Porque sou igual a você?
— Bravo! — exclamou Reed, e ficou em silêncio — Me conte ao menos o essencial, o que contou aos seus amigos.
O vinho e o esgotamento começavam a mesclar-se, lentamente dando voltas na consciência de Taylor, relaxando suas inibições, aliviando os danos.
Acabou o Cabernet com um gole, deixou a taça e virou para olhá-lo fixamente.
— Quer que seja franca? Lá vai: ao escutar sua voz por telefone esta noite, vi que podiam acontecer duas coisas: amortecer meus temores com vinho ou afogá-los com prazer físico. E agarrei as duas. Tenho uma tolerância muito baixa para o álcool, assim, uma taça de vinho, possivelmente duas, basta para que a amortização tenha êxito. E quanto a afogá-los… O beijo que nos demos ontem foi impressionante. Pensar nisso foi a única coisa que me ajudou a sobreviver as últimas vinte e quatro horas. Assim… — Entrelaçou as pernas até ficar sentada sobre os joelhos, levantou o queixo e se inclinou de maneira que os rostos quase se tocassem — O vinho já está fazendo efeito. E você, está no ponto?
Reed estendeu o braço e enredou os dedos no cabelo de Taylor, deslizando a mão por debaixo de seu cabelo para lhe acariciar a nuca.
— Suponho que seu deu conta de que acaba de me informar que me está me usando?
— Mmm. — Taylor fechou os olhos lentamente e moveu a cabeça contra a mão de Reed —. Não estou usando-o. Estou me perdendo.
— Isso quer dizer que posso buscá-la? —Tomou-a para pô-la em cima de suas pernas e levantou seus braços para que lhe rodeassem o pescoço.
— Esta noite? Sim. — Logo que sussurrou essas palavras, a boca de Reed se abriu sobre a sua, absorvendo o som com seus lábios. Passou-lhe um braço por trás das costas e a levantou para aproximá-la ao beijo, devorando-a com uma intensidade faminta que ela sentiu até a ponta dos pés. Aproximou seus corpos, deixando seus seios apertados contra seu torso, respirando com ofegos breves, pouco profundos que se misturavam com os dele. A língua de Reed deslizou em sua boca até apoderar-se da dela com movimentos eróticos e prolongados.
Taylor se ouviu gemeu. Deixou-se levar pelas sensações, o coração lhe pulsando com força contra as costelas. Começava a consumir-se em um lento ardor que se estendia e voltava mais intenso com um ritmo quase inquietante. Não tinha nem idéia de quanto tempo estavam ali sentados, beijando-se como se quisessem devorar um ao outro. Só sabia que era maravilhoso. Reed tinha colocado a mão por baixo do pulôver e lhe acariciava a pele nua das costas como uma massagem, mas sem fazer o gesto de lhe soltar-lhe o fecho, embora já tivesse passado a mão no local em mais de uma ocasião. Tampouco separou os lábios, salvo para deslizá-los pelo pescoço e tomar a pulsação com a boca na garganta e, ao final, para lhe dar beijos suaves como plumas pelas bochechas e o nariz antes de levantar a cabeça. A cabeça de Taylor girava como um redemoinho. Relaxou a mão que tinha firmemente agarrada à nuca de Reed, deixando cair sobre suas pernas e olhando-o através dos olhos semicerrados. Ele estava tão alucinado como ela, e um fino véu de suor cobria sua fronte.
Observou-a com os olhos semicerrados.
— Está bem?
Ela assentiu, lambendo os lábios inchados.
— Estou bem. Não tinha que…
— Sim, tinha que — a interrompeu — Não vai acontecer nada mais. Esta noite, não. Disse para irmos devagar. Falei sério.
Ela o olhou, estudando seu rosto.
— É um tipo pouco comum, Reed Weston.
— A verdade é que não. Estou louco para estar dentro de ti. Mas tenho outras razões para me mostrar tão paciente. Estou decidido que confie em mim. E isso não vai ser da noite para o dia, sobretudo se tiver pressa para ir pra cama contigo. Assim, quero ir devagar, física e emocionalmente. — Acariciou-lhe com doçura os braços, de acima abaixo — Fale-me. Conformo-me com o essencial, como você disse. O que a deixou tão assustada?
Taylor soltou um bufo arisco. Não tinha vontade de baixar a guarda. Queria ficar onde estava flutuando no longínquo e delicioso prazer dos últimos minutos. Mas, como estava acostumada a dizer a seus alunos e às pessoas que ligavam para a rádio, escapar não era nenhuma solução. Os problemas lhe perseguiriam onde fosse ou lhe esperam para cravar as unhas quando voltasse.
Era o momento de seguir seu próprio conselho.
Contou a Reed o incidente de sábado no cemitério e a inquietante ligação de segunda-feira, a altas horas da noite.
— O sentido comum me diz que os dois episódios não estão relacionados, que tudo isto não foi mais que uma coincidência horripilante, mas… — interrompeu no meio da frase para ficar de pé lentamente e aproximar-se da janela. Ali ficou olhando o céu na noite.
— Mas? — insistiu Reed.
— Mas me derrubou. Estou mal. De repente, todo mundo me parece suspeito. Tremo-me toda quando os homens me olham com desejo pela rua, quando os ouvintes da rádio me pedem para sair com eles. Não estou acostumada a ter este comportamento tão paranóico, não sei como explicar.
Reed se levantou para aproximar-se e ficou atrás dela. Tinha as mãos tensas quando as colocou sobre seus ombros e a girou para que estivesse face a face com ele.
— Taylor, acredita que alguém fez isso tudo?
Essa pergunta direta e a dura expressão no rosto de Reed fizeram com que ela sentisse calafrios nas costas.
— Tudo isso, não — respondeu, em um intento de escolher a interpretação menos ameaçadora—. Mas me sinto vigiada. Ao menos, isso diz meu instinto. Mas não estou certa de que meu instinto seja objetivo. Neste caso, não.
— Por quê?
Taylor fez uma pausa antes de responder.
— Digamos que me sinto hipersensível com este tema.
— Hipersensível. Isso significa tem a ver ainda com o ataque de Gordon.
Ela assentiu.
— Sim.
— De acordo. Desde o dia do acidente, Gordon prometeu que voltaria. Disse-me que acabaríamos o que tínhamos começado. Avisou-me que tivesse paciência, que fosse boazinha e que tomasse cuidado. E, ao final de tudo, disse que estaria me vigiando. Essas palavras, o ar brutal em seus olhos… Não posso tirar essa lembrança da cabeça.
— Agora entendo por que… — disse Reed, apertando a mandíbula.
— Há mais. —Taylor cravou os olhos nos de Reed — Me sentia mal pelo que havia acontecido. Dizia a mim mesma que não tinha sido mais que um incidente espontâneo e asqueroso, provocado pelo fato de que Gordon tinha bebido muito. Logo chegaram as férias. E com elas dois e-mails.
Taylor lhe descreveu aquelas sinistras mensagens, fazendo um esforço para manter um tom impassível, embora não pudesse evitar o tremor que aparecia em sua voz.
— Encerrei o e-mail, mas sigo temerosa com a chegada das férias, e se por acaso haverá alguma mensagem sinistra flutuando na internet. Essa sensação de invasão parece que não vai acabar nunca.
Reed voltou a apertar a mandíbula, desta vez mais forte.
— Assim, entre o ataque premeditado e os e-mails, não é nenhuma loucura pensar que estava obcecado contigo.
Taylor baixou a vista e soltou uma risada desinteressada.
— Entretanto, nos últimos dias fui trocando radicalmente a opinião. O que aconteceu me faz rogar a Deus que fosse Gordon quem enviou as mensagens; assim teríamos provas para comprovar. A sensação de que um intruso entrou em sua vida pesa muito mais que o medo e a vulnerabilidade. E se as mensagens não fossem de Gordon? E se o ataque sexual não foi uma obsessão, a não ser simplesmente um tiro no ar? E se tiver sido outra pessoa que me enviou esses e-mails, alguém que está vivo e que segue por aí me vigiando, me espreitando? Ocorreu a outras celebridades da rádio. E se desta vez estiver caído por mim? E se a pessoa que está fazendo isso tudo é a mesma que esteve no cemitério e a mesma que me ligou ontem à noite?
— Ouça. — Reed a deteve em plena escalada de seu arrebatamento, e a envolveu em um feroz e reconfortante abraço. Acariciou-lhe lentamente a cabeça com o queixo, e ao sentir que tremia, franziu o cenho. Tinha o olhar fixo na janela e, de repente, seus pensamentos deram um amargo giro, um giro que esperava jamais se repetir. Mas não podia ignorá-lo. Tudo encaixava. A obsessão. Os truques mentais. A teimosia egocêntrica. A sensação de impunidade. Não podia dizer nada a Taylor. Primeiro teria que verificá-lo por conta própria.
Esperava descobrir algo capaz de apagar a ansiedade que se abateu sobre ele. Senão, enfartaria. Estava entre a cruz e a espada.
Voltou a fixar-se em Taylor e no que poderia fazer por ela.
— Então é por isso que esta a beira de um ataque de nervos — murmurou — Está lutando com muitas coisas, e está fazendo tudo sozinha.
Taylor não respondeu. Fechou os olhos com força e respirou fundo. Sentia-se aliviada por contar aquela história macabra para alguém, mas também horrorizada por ter feito isso com um homem que tinha conhecido fazia menos de um mês. Um homem que tinha uma relação muito mais antiga e familiar com os amigos de Gordon do que com ela.
Bom, era muito tarde para arrepender-se.
— Não tinha intenção de te submeter a uma descarga emocional tão forte — murmurou, ocultando a face no peito de Reed.
— Shh, não fale mais nada. — separou-se dela e colocou o rosto entre as mãos com uma expressão grave. Tinha que ganhar tempo. Só tinha um dia para procurar algumas respostas. Logo, logo saberia como proceder. Enquanto isso, o principal era conseguir que ela estivesse a salvo, tranquila e capaz de controlar-se.
— confiaste em mim para dividir seus problemas — disse ele — Agora confia em meu conselho. Não dê asas à sua imaginação, ainda não. Você mesma disse que o maluco do cemitério e a sinistra chamada telefônica poderiam ser dois incidentes isolados. Quanto a seu instinto, ele te diz que alguém está te vigiando; e eu sou dos que acreditam que terá que devemos confiar em nosso instinto. Mas embora tenha acertado, esta pessoa poderia ser tão inofensiva como um seguidor muito entusiasmado. Assim, tome suas precauções e só. Feche a porta da frente com duas voltas, e mais a tranca interna. Quando sair, misture-se com as pessoas. Isso significa que não dará mais passeios solitários pela Sétima Avenida às onze da noite. Tenha os olhos bem abertos e o spray à mão. Se acontecer algo, outro telefonema, algum estranho que veja rondando por sua casa, pelo colégio ou pela rádio, algo que pareça suspeito, entre em ação!
— Que ação? — disse Taylor, exigindo algo — A polícia não quer saber de nada se não tiver provas. Não acredito que sejam grandes partidários do instinto.
— Bem. Então contratará a um investigador particular. Ligarei para meu irmão de São Francisco. Tem um montão de contatos em Manhattan. Encontraremos alguém. Até lá, agüente firme. Leve sua vida como sempre. Afirme sua confiança em si mesma, melhorando suas habilidades de defesa pessoal. No sábado faremos a próxima aula. E agora, vamos tomar outra taça de nosso vinho.
Taylor se sobressaltou ante a mudança do tema.
— Nosso vinho?
— Sim. Relaxar a mente e o corpo, estar tranquila… Tudo isso é parte do processo. E aí entra o Cabernet. — Pegou-a pela mão e a conduziu de volta ao sofá — Sente-se. Servirei as taças. Ela obedeceu, e se recostou no sofá enquanto Reed levava as taças até a mesa para enchê-las de vinho.
— Não coloque muito — ela recordou — Já disse, duas taças é meu limite. Senão, amanhã no colégio parecerei um zumbi e terei uma enxaqueca daquelas.
— Não se preocupe — tranquilizou-a, completando lentamente sua tarefa — Não danificarei sua reputação de psicóloga escolar deixando que se arraste pelos corredores sob os efeitos de uma ressaca. Só servirei meia taça, justo o necessário para cortar o efeito. Enquanto você saboreia seu vinho, farei uma massagem no pescoço e nos ombros. O que você acha?
O que lhe parecia isso? Espetacular.
Taylor sorriu por dentro.
— Sabe, se você está tentando me paquerar, jogando seu charme de cavalheiro andante, está fazendo muito bem.
— Me alegro. — Lançou-lhe uma piscadela ao aproximar-se com as taças — Os cavalheiros andantes são muito fáceis de confiar.
— Já me disseram.
Reed se sentou a seu lado, saboreando o vinho e observando como ela fazia o mesmo. Quando viu que começava a relaxar, deixou a taça e a virou para que ficasse de costas para ele.
— Tome outro gole — lhe ordenou, pondo a palma das mãos sobre seus ombros — E feche os olhos.
Não precisou dizer isso duas vezes. Taylor estava esgotada pelo dia que passou, pela conversa, por sua própria apreensão e a explosão emocional. A única coisa que queria era abandonar-se e esquecer-se de tudo.
Tomou outro gole de vinho e deixou escapar um suspiro suave enquanto Reed começava a lhe fazer uma massagem nos ombros para relaxar a tensão. Encontrou os nós que tinha nos músculos e trabalhou até que desapareceram, deslizando os dedos por seu pescoço, massageando cada vértebra para logo baixar e amassar com os polegares os pontos duros na parte superior de suas costas.
— Sente-se bem? — murmurou ele.
— Mais que bem. Incrível. — Taylor moveu o pescoço de um lado a outro, apoiando-se na pressão de suas mãos —. Ensinam isto na Faculdade de Direito?
— Não. Não em Harvard. Ali ensinam a se matar para conseguir êxito. Nos verões apareciam cursos de gestão de estresse. Em um deles aprendi a fazer massagens.
— Que sorte a minha. — As palavras de Taylor foram se apagando e não resistiu quando Reed se inclinou para frente para pegar sua taça e deixá-la na mesa.
— Estou quase a esmagando — observou ele, sem fazer um gesto para aliviá-la de seu peso e voltar para sua posição original —. Além disso, acredito que já basta por hoje.
— Sim, senhor psicólogo. —O vinho formava redemoinhos em seu interior, apaziguando alguns sentidos e excitando outros. Tremeu ao sentir a respiração de Reed roçando-lhe o pescoço — E, quanto a essa decisão que vamos pouco a pouco, está seguro que não quer mudar de opinião?
— Convencido. — Reed recolheu o cabelo e o jogou para o lado para poder beijar-lhe a nuca — Frustrado, mas convencido.
Ela se voltou com o rosto elevado para ele, o olhar franco, embora possivelmente um pouco embotada.
— Não tem que se sentir frustrado.
Nos olhos negros de Reed brilharam minúsculas faíscas.
— Sim, temo que sim.
— Por quê?
— Porque neste momento é muito vulnerável. — Beijou-a, saboreando sua boca de uma maneira que fez que o coração estalasse contra as costelas —. Tampouco está totalmente segura de que pode confiar em mim, ainda não. — Outro beijo, este mais profundo que o anterior, enquanto Reed lhe apertava as mãos com força pelas costas —. E, além disso, está um pouco muito bêbada. — Ela se deixou cair contra ele, e Reed sorriu, sustentando-a com seu próprio peso —. Mas, sobre tudo, porque está quase dormindo.
Levantou-a nos braços e se encaminhou pelo corredor, aparecendo dois dormitórios. Não foi difícil adivinhar qual dos dois era o seu. O quarto de Stephanie era austero, estava quase vazio. Só restava um par de móveis e, sobre a penteadeira, um par de cacarecos e uns CD de música da Broadway. O dormitório contigüo era, sem sombra de dúvidas, o de Taylor. Reed percebeu seu perfume ao levá-la para dentro. Os móveis de cerejeira laqueados e um de madeira de havia eram tão elegantes e discretos como ela, e as estantes de livros na parede do fundo estavam cheias de textos de psicologia. No criado-mudo, amontoava-se uma pilha ordenada de papéis com o cabeçalho de Dellinger, certamente para que Taylor os revisasse antes de dormir.
Deixou-a sobre a cama com suavidade e ficou olhando as finas formas de seu corpo, as delicadas curvas, pensando que jamais tinha desejado tanto a uma mulher como agora a desejava. Possivelmente essa fora a explicação da prolixa espera a que estava se submetendo desta vez. Ou era isso ou estava simplesmente louco por postergar algo que queria com tanta força que o fazia tremer de desejo. Entretanto, algo lhe dizia que o que estava ocorrendo entre Taylor e ele era um assunto de certa transcendência. De modo que tomaria uma ducha fria. Sim, estava disposto a tomar todas as duchas que precisasse. O desfecho valeria a espera.
Inclinou-se, acomodou-lhe o travesseiro debaixo da cabeça e a cobriu até o pescoço com a manta macia que viu dobrada sobre a cadeira de balanço. Acariciou-lhe o cabelo, sorrindo quando ela murmurou seu prazer com o contato de sua mão. Logo, com um suspiro suave, Taylor enrolou-se com a manta.
Reed se inclinou e ajustou o alarme da radio-relógio. Taylor o mataria se chegasse tarde ao colégio. Saiu do quarto na ponta dos pés e se dirigiu à cozinha. Viu o telefone e se aproximou para anotar o número. Chamaria-a no dia seguinte antes do programa de radio para assegurar-se de que tudo ia bem.
Agarrou seu casaco e saiu do apartamento. Ficou alguns minutos assegurando-se de que a porta estivesse bem fechada. Quando comprovou que sim, desceu pela escada até o vestíbulo. Subiu a gola do casaco e saudou o porteiro com um leve gesto da cabeça antes de sair à rua. Tirou seu celular do bolso enquanto se dirigia ao estacionamento. Tinha que enviar aquela mensagem. O resultado seria uma reunião muito desagradável, mas não tinha outra alternativa.
Deixou o recado na secretária eletrônica e desligou.
A resposta não demoraria em chegar.











Capítulo 12

4 DE FEVEREIRO. 12h30min
RESTAURANTE MONTEBELLO120.
RUA CINQÜENTA E SEIS ,Nova Iorque


O restaurante já estava cheio quando entrou Jonathan Mallory. Sacudiu os flocos de neve do casaco de cachemira, o tirou e o entregou à garota do guarda-roupa, que lhe deu o número. Lançou um olhar ao redor e esperou que o maître lhe encontrasse um lugar.
Depois de um minuto, acompanharam-no até sua mesa.
Reed já tinha chegado. Elevou a vista da carta ao ver quem se aproximava.
— Me alegro de que tenha podido vir, apesar do encontro inesperado.
— Deu-me a clara impressão de que não tinha alternativa. — Jonathan se acomodou em sua cadeira, tomou a carta e esperou que ele e Reed estivessem sozinhos antes de prosseguir — Sua mensagem soava mais como uma citação judicial do que como um convite para almoçar. Disse-me que era urgente, onde e a que hora, mas não o motivo. E deixou a mensagem à uma e dez da madrugada. Não me pareceu muito bem. Diga-me, então, o que aconteceu? Meu irmão, que descanse em paz, tornou a criar problemas a Douglas?
Reed não respondeu imediatamente. Olhou para Jonathan, sondando os sutis sinais de apreensão. O tom de Jonathan era frívolo e sua expressão parecia puramente de curiosidade, mas Reed percebeu que havia uma tensão latente. A pergunta era por quê?
— Primeiro, peçamos — sugeriu Reed, quando o garçom se aproximou — Assim poderemos falar sem que nos interrompam.
— De acordo, Reed — disse Jonathan assim que o garçom lhe trouxe seu uísque e a Reed uma água com gás e logo se afastou com seus pedidos —. É evidente que desta vez Gordon se meteu numa boa confusão. De modo que vamos direto ao assunto e vejamos como podemos arrumá-lo.
—Não é tão simples — disse Reed e bebeu um longo gole de água —. Esta confusão de fato, não concerne só a Gordon. Também tem a ver com Taylor Halstead e o que Gordon fez a ela.
— Taylor Halstead. — Jonathan pronunciou seu nome com um claro tom de irritação — Olhe que não esperava ouvir esse nome nem em sonhos. Não tinha nem idéia de que ela existisse antes daquela reunião de algumas semanas atrás.
— Claro que sabia. Lembra-se? Contei a você e Douglas que lhe estava dando aulas de defesa pessoal.
— É verdade. Tinha me esquecido.
É claro que sim, pensou Reed, observando o quase imperceptível movimento na mandíbula de Jonathan.
— Enfim, Taylor e eu estamos saindo. Abriu- se comigo, e me contou alguns detalhes, bastante inquietantes, sobre a agressão de Gordon, e o que aconteceu depois. Há certas implicações que devo mencionar.
Jonathan cortou uma parte de pão com gesto vigoroso.
— Estou ouvindo — repetiu, com um tom cortante que falava por si só.
Como se percebesse sua atitude transparente, Jonathan começou a passar a manteiga no pão.
— Quer dizer que estão saindo juntos? — perguntou, com ar despreocupado, como se quisesse minimizar seu interesse pela vida pessoal de Reed.
Mas Reed não se deixaria enrolar.
— É isso o que quero dizer — confirmou — E não me diga que é uma surpresa. Nós dois sabemos que não.
— Por que diz isso? — inquiriu Jonathan elevando o queixo com um olhar de cautela.
Reed ficou em silêncio por um tempo, suficiente para fazê-lo sofrer.
— Porque no dia que estava em meu escritório, você entendeu perfeitamente minha mensagem. Sabia que queria me aproximar de Taylor.
— Certo. O dia que disse que eu estava fora de jogo, porque fisicamente era igualzinho a Gordon. — A pesar do tom cortante de seu comentário, também se percebia nos olhos de Jonathan um indício de alívio evidente. Imaginou-se que Reed se referia a um motivo diferente, mais direto, referindo o fato de que ele sabia que estava se encontrando com Taylor? Como, por exemplo, que o tinha visto ir e vir de seu piso?
— E bem, resulta que a atração é mútua — seguiu Reed, provocando deliberadamente Jonathan com a esperança de despertar nele uma reação — Na verdade, atração é pouco. É mais que isso. Embora seja algo que acaba de começar, é bastante intenso. Reed sabia que tinha arrojado uma carga de profundidade. Mas obteve a resposta que queria.
Jonathan deixou sua faca sobre a mesa com um golpe seco.
— Felicidades. Propõe-se seduzir Taylor Halstead e levá-la pra cama. Estupendo. Maravilhoso. Voltemos para o começo. O que contou a respeito de Gordon?
Reed se inclinou para ele.
— Você se incomoda que Taylor e eu tenhamos uma relação?
— Por que teria que me incomodar?
— Porque está caído por ela. É bastante evidente pelo modo como a descreveu na primeira vez em meu escritório, como a olhava no vestíbulo e como está me olhando agora.
Jonathan franziu o cenho.
— Que observador é. E por que pensa isso?
— Você me conhece. — Reed não se agradava com o que estava vendo e ouvindo. Nem o que estava sentindo —. Eu não me dedico a jogar. Mas também não sou cego. Você quer Taylor, e não a terá. De modo que, como você ficará neste caso? Ficará esperando ou passará à ação?
Produziu-se um momento de silêncio gélido.
— Queria saber o que está insinuando, concretamente.
— É uma pergunta muito clara. Vais retirar-se com suas perdas ou pensa jogar com isso e ver o que acontece?
— Deixa ver se eu entendi — disse Jonathan, com expressão endurecida —. Improvisaste esta história toda e este almoço com a intenção de me exigir que não dê em cima de Taylor, uma mulher que só vi uma vez? Ou temos algum assunto mais sério para falar?
— As duas coisas. — Tinha chegado o momento de pôr suas cartas sobre a mesa — Nos conhecemos faz tempo, Jonathan. Conheço-o. Conheço sua família e sua história. De modo que direi com toda franqueza. Gordon não estava em seus planos. Sua agressão contra Taylor não foi espontânea. Foi planejada e foi um ato de perversão. O que necessito averiguar é se para ele, Taylor tinha se convertido em uma obsessão. Mesmo assim, a perseguição seguiu depois dessa noite. Mas também quero saber se alguém o substituiu. Gordon, ou outra pessoa, jogava com Taylor, estava assustando-a. Estava obcecado por ela, seguia, mandava-lhe cartas de amor por correio eletrônico, já a imaginando sendo sua. Você sabe do que estou falando, pois você passou por isso. A pergunta é a seguinte: pensa repetir sua atuação?
Jonathan se ruborizou violentamente.
— Que filho de puta você é. Não posso acreditar que volte levantar a questão depois de tantos anos. Contou para Taylor todos estes detalhes sórdidos? Quer se assegurar em dobro que sinta repugnância ao encontrar-se comigo?
— Não disse nenhuma palavra. Fui diretamente à fonte… Você. — Reed não ia deixar-se intimidar pela ira de Jonathan. Ao contrário, pensava utilizá-la para seus próprios fins — Agora, responda a minha pergunta. Voltou para seu antigo costume de ficar obcecado com uma mulher até ao ponto de acossá-la? Sim ou não?
— Está falando de algo que aconteceu faz doze anos — disse Jonathan, depois de respirar fundo.
— Não aconteceu uma vez, e sim duas. Primeiro na universidade. E depois na Faculdade de Direito. A segunda vez esteve a ponto de ir para cadeia.
— E você me resgatou com sua encantadora intervenção e suas brilhantes habilidades de advogado. Bravo eu paguei o favor com acréscimo. A gratidão de Douglas foi sua galinha dos ovos de ouro. Graças a ele, entrou no Harter, Randolph e Collins. Agora é rico. Respeitam-lhe. E é provável que um dia desses vire sócio majoritário. Assim é como me paga isso?
— Não tenho por que agradecer disse Reed, com os olhos lançando faíscas — Elaborei uma estratégia que funcionou, e que impediu que as duas mulheres apresentassem uma denúncia. E quanto aos motivos que o fiz, foi por pensar realmente que era inocente, apesar de sua exagerada presunção e de sua idéia arrogante de que podia ter algo, ou a pessoa, que quisesse. Nunca me importou a segurança dessas mulheres. Sabia muito bem que sua principal debilidade era acreditar que as mulheres se apaixonavam por ti, mas não era verdade. Voltou a acontecer agora?
Jonathan estava furioso. Tragou com dificuldade e, quando falou, sua voz era cortante como uma lasca de gelo.
— Tenho trinta e cinco anos. Sou inteligente. Ambicioso. Um consultor em comércio internacional muito respeitado com ganhos de sete cifras. Como meu advogado, sabe que estou a ponto de assumir um cargo importante de diretor na Berkley and Company. Acredita sinceramente que estaria disposto a arriscar tudo perseguindo uma mulher, por mais desejável que seja? Não teria nem a motivação nem o tempo. De modo que não, não mandei cartas de amor à sua amiguinha. Está satisfeito?
— Suponho que terei que estar — disse Reed olhando-o fixamente.
— Suponho que sim — disse Jonathan. Lançou o guardanapo para o lado e se levantou — Vou voltar ao trabalho. Esse assunto me tirou o apetite — disse, e ficou em silêncio — E, caso sua cabecinha bêbada de paixão sofra um lapso passageiro enquanto estiver na cama com Taylor, lembre-se de sua responsabilidade ética. Não falará de minha conduta no passado. Acredite isso não seria muito bom para seu futuro profissional.
Reed viu Jonathan sair do restaurante a grandes passos, sentindo que sua ameaça implícita ficou suspensa no ar. Não tinha sido nenhuma surpresa. Tampouco evocava uma inquietação pessoal em Reed. Jonathan jamais se pronunciaria aos sócios majoritários de Harter, Randolph e Collins, não com esse assunto. Isso seria abrir a caixa da Pandora e revelar seu passado, um passado cuja blindagem tinha trabalhado muito.
E se ao final decidisse ir até eles? Dane-se ele.
Havia aspectos mais importantes de seu breve confronto com Jonathan que deveria pensar. Sua indignação tinha sido uma necessidade. Culpado ou inocente, era a resposta natural ao interrogatório de Reed. Quanto a sua negação, era verdade que tinha certo ar de verdade. O problema era que havia coisas que não encaixavam. Para começar, a linguagem corporal de Jonathan. Reed intuía que era algo mais que indignação o que Jonathan sentia. Estava assustado.
Mas havia outras coisas que tampouco se encaixavam.
Por exemplo, preocupava-lhe que a fascinação romântica de Jonathan com Taylor fosse irracional. Sua maneira de partir o pão, seus comentários entrecortados. Ainda não estava disposto a deixar correr o tema, por mais que fingisse o contrário. Toda sua atitude de indiferença era uma fachada. Jonathan desejava Taylor, e isso era visível. Além disso, seu interesse pela informação nova e nociva que Reed tinha sobre Gordon era, no melhor dos casos, morna. Tinha saído do restaurante sem pedir nem um só detalhe, sem perguntar que coisa concreta tinha divulgado Taylor, e como essa coisa concreta poderia afetar Douglas.
Para um homem que estava a ponto de converter-se em diretor do escritório de seu pai, parecia uma postura muito pouco rigorosa.
Reed franziu o cenho, pensando nas únicas duas vezes que tinha visto Jonathan comportar-se dessa maneira tão desequilibrada, pouco habitual e autodestrutiva.
Os dois casos em questão tinham a ver com belas mulheres ruivas que ele tinha se envolvido. Nenhuma das duas lhe correspondeu. Nas duas ocasiões, Jonathan havia se tornado obsessivo e tinha passado o limite.
Nos dois casos, Reed tinha intervindo e ganhado a gratidão de Jonathan. Após esses casos, nada. Talvez até agora.
Reed franziu o cenho e deixou seu prato de lado. Tudo o que Jonathan disse hoje era verdade. Teria que estar louco para voltar a fazer o mesmo. Estaria arriscando todo seu futuro, um futuro que tinha uma grande cobrança. Entretanto, ali estava, o mesmo padrão. E o perfil. Taylor tinha os mesmos traços que as outras duas garotas, a mesma beleza e discreta elegância, inclusive a mesma cor de cabelo.
E Jonathan a desejava.
Além disso, ela sentia que estavam vigiando-a.
Era Jonathan quem espiava? Reed ainda não estava certo. Tampouco estava seguro que o confronto desse dia melhoraria ou pioraria as coisas. Se Jonathan tinha uma fixação por Taylor, se ele tinha mandado esses cartões por correio eletrônico e a espreitava, desistiria agora ou insistiria ainda mais, sabendo que ela e Reed tinham uma relação íntima?
Olhou rapidamente o relógio e viu que eram quase duas horas. Pediu a conta e tirou seu cartão de crédito. Voltaria para seu escritório, revisaria suas mensagens e ligaria para Taylor. Melhor, iria vê-la. Possivelmente passaria pela Escola Dellinger e a escoltaria pessoalmente até em casa.
Enfim, não podia discutir suas preocupações sobre Jonathan com ela.
Mas isso não impedia que pudesse acalmar-se desempenhando o papel de escolta pessoal.















Capítulo 13

14h45min
ESCOLA DELLINGER


Taylor jogou a bolsa por cima do ombro, saiu de seu escritório e fechou a porta.
O colégio se encontrava ainda em plena atividade, as equipes esportivas se reuniam para seus treinamentos e as diferentes atividades celebravam suas sessões semanais.
Havia algo muito agradável na Escola Dellinger, pensou Taylor enquanto abria caminho pelos corredores. Era um ambiente que sempre havia se sentido muito bem e, ultimamente, era como um bálsamo reconfortante que lhe ajudava a superar as dificuldades dos meses passados. Se tivesse que definir sua essência, diria que era uma combinação de simplicidade e a esperança própria da juventude mesclada com a segurança de viver uma rotina estável e segura.
Essa tarde pensava ficar para assistir os treinamentos. Entretanto, só tomou um café durante todo o dia. E tinha que comer alguma coisa porque havia prometido a Kevin que essa noite chegaria cedo para esperar sua convidada. Além disso, aparecer no ginásio para demonstrar seu apoio aos programas esportivos do Dellinger não era uma idéia muito boa. Indevidamente toparia com Chris Young e essa perspectiva não tinha nenhuma graça. Quanto menor as oportunidades de topar com ele e piorar a situação, melhor.
Deteve-se no corredor para tirar uma pastilha de hortelã da bolsa quando escutou em suas costas uma voz nada agradável.
— Olá, Taylor.
Virou-se, tensa, e se encontrou face a face com Jonathan Mallory.
Não queria repetir a cena da última vez. Mas ao vê-lo ali, em sua escola, em seu território…
— O que faz você aqui? — perguntou com uma voz cortante.
Ele não deu a entender que percebia o alarme de Taylor ante sua presença. Meteu as mãos nos bolsos com uma expressão neutra, entrecerrando seus olhos escuros.
— Um de meus clientes tem uma filha que estuda aqui. A garota pertence ao clube de jovens líderes empresários dos Estados Unidos. Pediram-me que venha a lhes dar uma palestra sobre o comércio internacional. Por isso estou aqui — explicou, com os lábios ligeiramente torcidos— por que não se participa? Estou seguro que achará fascinante. E depois poderíamos tomar um café e conversamos. E, para que saiba — acrescentou com voz rouca e penetrante — não me pareço em nada com meu irmão.
Taylor só pensou em sair correndo. Possivelmente Jonathan Mallory não se parecesse em nada com seu irmão, mas a deixava de cabelo em pé.
— Não há nenhuma dúvida de que é diferente — atinou a dizer, e suas palavras tinham sabor de serragem—. É muito amável de sua parte perder seu tempo para falar com os meninos do clube. Como se chama a filha de seu cliente?
— Dana Coleman. — Jonathan parecia muito satisfeito ao vê-la falando tranquilamente com ele. E esses olhos… se parecia tanto com Gordon que Taylor sentiu-se arrepiar.
— Dana, sim. — Se não se separasse dele perderia toda a calma — É uma garota brilhante.
— Não me surpreende. Seus pais são licenciados de Yale —Jonathan fez um gesto para a sala de aula onde tinha que dar a palestra –- O que me diz? Você gostaria de se juntar a nossa reunião e logo tomamos um café?
— Não posso. — Taylor percebeu a sutil reação e se deu conta de que tinha sido muito brusca. Respirou fundo para acalmar-se e baixou o tom — A reunião parece muito interessante. O problema é que não comi nada hoje e a esta altura estou faminta. — Não era uma mentira — Agora mesmo ia comer um sanduíche.
— Isso soa ainda melhor. — Jonathan a olhou com um sorriso lento, o sorriso de Gordon — Antes que comece a reunião, pedirei umas pizzas. Se não me engano, os adolescentes e as pizzas são como os ursos com o mel. Os jovens podem comer e você pode recuperar as forças. Depois, tomaremos nosso café — disse, e pôs a mão em seu braço.
Taylor deu um passo atrás instintivamente e retirou o braço.
— Não.
Referia-se ao convite e ao contato físico. Ela sabia e Jonathan também. Deu-se de conta por sua expressão de aborrecimento.
Mas ele não ia renunciar. Taylor o viu na rigidez de sua mandíbula. Como era possível que queria convidá-la quando agia como um coelho assustado em sua presença?
— Não — repetiu ele lentamente, como se a palavra fosse desconhecida — Porque não?
— Por várias razões.
— A primeira é que me pareço com Gordon.
— Sim. — Taylor não ia mentir.
— Não superará esse sentimento até que me conheça. —Jonathan não esperou sua resposta — Quais são as outras razões?
— Meu outro trabalho — disse, sentindo falta de uma razão não tão pessoal, o argumento mais irrefutável — Eu apresento um programa de rádio na WVNY. É um programa de terapia familiar. Os adolescentes ligam para contar seus problemas e os pais para falar de seus filhos adolescentes. — Deixa de dizer tolices, Taylor — Tenho uma convidada esta noite e prometi a meu produtor que chegaria cedo. — Olhou seu relógio, incapaz de ver a hora, embora tampouco importasse —. Não tem nem idéia do trabalho que terei nas próximas horas. Comerei pelo caminho.
— Entendo. —Jonathan não tinha acreditado, mas não podia discutir com ela esse caso, podemos deixar para outro dia.
— Não posso.
— Por que não?
Sentia-se abandonada. Genial.
— Esse é o último motivo. E possivelmente o mais importante. Estou saindo com alguém.
—Já sei. Reed Weston.
—Ele disse isso? —perguntou Taylor com um gesto brusco da cabeça.
—Comentou — disse Jonathan, encolhendo os ombros—. Também me disse que era recente. De modo que suponho que não é exclusivo.
Esse comentário realmente fazia mal.
— Não é nada bom misturar as relações.
— Ah, uma mulher de um só homem. Que reconfortante.
Era um fato ou estava brincando com ela?
— Não, falo sério — esclareceu ele, interpretando sua expressão — Hoje em dia, a fidelidade é uma virtude pouco freqüente.
— Sim, assim sou eu. Fiel — disse Taylor, forçando um tom intransigente — De qualquer forma, eu vou indo. — Deu um passo para a porta — Boa sorte com os meninos do clube.
— Taylor — ele a deteve, mas desta vez verbalmente. Não tentou voltar a tocá-la.
— Sim? — Taylor só pensava em sair daí.
— Não pode me conhecer se continuar fugindo.
Ela se virou lentamente.
— Não estou fugindo. Vou comprar um sanduíche, tenho coisas a fazer e vou para o trabalho.
— As coisas seriam diferentes se não fosse o irmão gêmeo do Gordon?
— Como disse, estou saindo com Reed. De modo que é inútil.
— Na verdade, não. — Jonathan tirou um cartão de visita e lhe entregou —. Se mudar de ideia, me chame. Não se arrependerá.
Já estou arrependida. Agarrou o cartão e o colocou no bolso. Era a única maneira de pôr fim a esse desagradável encontro.
— De verdade, tenho que ir.
— De acordo. — Sua expressão voltava a ser escura — Então será até a próxima.
A próxima? Não era nada provável.
Taylor respirou o ar frio e refrescante ao sair pelas portas do Dellinger. Até ali chegava o ambiente quente da escola. Esperava que Jonathan Mallory não fosse tornar suas visitas em um costume.
Deixou atrás a grade do colégio e se deteve com expressão de assombro ao ver Reed esperando na calçada.
— Olá — saudou-a Reed. Aproximou-se franzindo o cenho com um olhar malicioso ao vê-la tão aflita —. Tudo bem?
— Na verdade, não.
— O que houve?
— Estou a ponto de desmaiar de fome — disse ela, esfregando as têmporas.
— Está mais branca que uma folha de papel. — Reed tomou-a pela cintura — Venha. Vamos comer algo.
Dez minutos mais tarde se encontravam em um pequeno restaurante italiano comendo um panini de rosbife e provolone.
— Obrigado. — Taylor sentia que recuperava a energia, junto com a cor de suas bochechas — Tudo que comi hoje foi uma barra de cereais, uma xícara de café e três colheradas de iogurte. O peito de frango que descongelei para o jantar é pequeno e logo que chegar em casa terei tempo para comer. Tenho que chegar cedo à rádio porque esta noite tenho uma convidada. É uma mulher um pouco nervosa, e Kevin me matará se não chegar a tempo para preparar a entrevista.
— Então me alegro ter resgatado-a.
Taylor lançou um olhar zombador.
— Não tinha por que saber que estava a ponto de desmaiar de fome. Assim, a que devo esta inesperada visita?
— Vim desejar boa noite.
— Como? — perguntou ela, e seu olhar zombador se acentuou.
— Ontem à noite dormiu antes que pudesse dizer isso. Por isso é que vim para corrigir essa falta.
— Sim. Tem muita consideração — disse Taylor com uma faísca de humor em seus olhos.
— E sou muito galante — ele sugeriu.
— Sim, isso também. —Taylor deu outra dentada em seu sanduíche — É sempre tão fácil assim deixar o trabalho no meio do dia?
— É quase impossível, mas escapuli.
— Agradeço o lanche e seus sentimentos — disse ela com um olhar rápido e ficou séria — E me sinto adulada por seus cuidados. Mas me dá a impressão de que não sou o único motivo pelo qual fugiu do trabalho. Tenho razão?
Reed tinha vontade de contar o que o que acontecia.
— Suponho — respondeu, dando de ombros — Mas, acredite, estou tão atraído por você que seria capaz de escapar de qualquer lugar, em qualquer momentoso por você Suas palavras provocaram um leve tremor em Taylor, enquanto a lembrança da noite anterior passava como um relâmpago por sua mente.
— Certamente estou muito agradecida por sua compreensão ontem à noite. Fiquei literalmente como uma pedra. Não me lembro de nada depois do sofá. Mas me dei conta de que não fez… Colocou-me na cama e me deixou com a roupa em lugar de…
— Não tenho o costume de me aproveitar das mulheres quando estão dormindo — disse Reed, acabando a frase que tinha começado Taylor. Tomou a mão para aproximar-lhe à boca e roçá-la com os lábios — Além disso, quando colocá-la na cama sem roupas, não penso em voltar para casa. Será para ficar. E tampouco será quando estiver profundamente adormecida. Será quando estiver acordada, bem acordada.
A tensão sexual era palpável no ar, e a cor que Taylor tinha recuperado nas bochechas se intensificou.
— Me alegro em saber — respondeu ela com franqueza, sem intenção de fingimentos. Seria um absurdo ficar assim a estas alturas. Os dois sabiam qual era o destino de sua relação, ao menos no plano físico. A única pergunta era quando chegaria o momento.
— Foi tudo bem hoje? — perguntou Reed trocando de tema.
— Sim e não — suspirou Taylor — Se sua pergunta se referir a alguma perseguição, a resposta é não. Hoje estivemos apenas meu spray de pimenta e eu.
— Mas?
— Mas tive um encontro desagradável.
— Com os pais de um de seus alunos?
— Não. Com Jonathan Mallory.
— Jonathan? — perguntou Reed, com um olhar de surpresa — Onde diabos isso aconteceu?
— Na escola. Justo antes de sair. Ia dar uma palestra em um clube dos alunos.
Reed torceu a boca em um gesto de raiva.
— Que estranho, não comentou isso. Hoje almocei com ele.
— Hoje?
— Sim. Faz só três horas.
— Está zangado? — disse Taylor estudando com curiosidade a reação do Reed.
— É claro que sim. Falamos de você. Não disse nenhuma palavra do encontro no colégio.
— Disse que estávamos saindo. Disse-me que sabia.
— Mas mesmo assim te procurou.
— Não foi exatamente isso — disse Taylor, encolhendo os ombros — Parecia que queria redimir-se, dar a entender que não se parece em nada com Gordon. Sim, pediu-me que saíssemos, mas não de maneira ofensiva, não era isso. Só que… — disse, e guardou silêncio.
— Continue.
— É que me faz sentir incômoda. Não sei por quê. Tento separá-lo de Gordon, mas não gosto de estar com ele. Põe-me os cabelos de pé.
— É isso é a última coisa que necessita neste momento. Falarei com ele.
— Reed, não tem que defender minha causa — disse Taylor sorrindo — Eu sou capaz de cuidar de mim mesma. Faço isso há quase vinte e oito anos.
— Sim, é muito. —Reed tomou um gole de café— Chegou à hora de aprender a contar com alguém mais, ou ao menos confiar um pouco em alguém.
— Já confio em um pouco em você. Mas demorarei um tempo para confiar muito.
—Sei. — Reed guardou silêncio e lhe nublou o ânimo enquanto pensava no que tinha de dizer a ela e como ia dizer — Esta tarde liguei para meu irmão Rob. Ele e seu companheiro tinham que sair para investigar algo muito importante, mas me disse que a noite me daria alguns nomes. E, não, não estou tomando decisões por você — acrescentou rapidamente — O que vai fazer com esses nomes é problema seu. Eu só tento ser eficiente, e fazê-lo rápido. De modo que não me corte a cabeça por isso.
— Alguns nomes. — Taylor deixou seu sanduíche — Quer dizer investigadores particulares? —Quando Reed assentiu com a cabeça, ela largou o prato — Não vou cortar sua cabeça, mas a verdade é que estou confusa. Pensava que esperaríamos alguns dias antes de tomar a decisão ou ao menos esperar até a próxima vez que eu sentisse que estão me vigiando. O que mudou?
— Nada. — Reed sentia a mentira como areia na boca —. Só que ficarei mais tranqüilo ao tomar esta iniciativa. Assim não terá que esperar… se tiver que contratar a alguém.
— Tem razão. — Taylor se cruzou de braços e ficou olhando — Por que não me conta tudo? O que aconteceu entre o momento em que saiu do meu apartamento e chamou seu irmão?
Reed respondeu com um bufo. Por razões éticas, não podia contar sobre Jonathan, mas não duvidava de que podia falar das outras possibilidades que o tinham mantido acordado quase toda a noite.
— Me ocorreu um montão de coisas, começando pelo fato de que não pude trancar o fecho ao sair de sua casa, e que ontem à noite não fechou a porta com duas voltas de chave. Que mais? O que parece o fato de que representa um refúgio emocional… e quem sabe outras coisas mais… para um montão de adolescentes, e que qualquer um deles poderia estar tão desequilibrado para tentar converter suas fantasias em realidade? Ou como o fato de que não só é uma pessoa pública, mas também tem uma família rica, que a converte em uma excelente presa para algum seqüestrador ou chantagista, e isso inclui, potencialmente, alguém que possa ter alguma conta pendente com seu pai. Isso parece o suficiente? Ou quer que continue?
— Já pode parar. — O tom do Taylor era comedido, mas a intensidade de seu olhar não tinha mudado — Nada disto é novo para mim. Já pensei em tudo isso. Estou segura que você também pensou, assim que contei minha situação. Tem uma mente aguda e analítica. Reflete sobre as possibilidades à velocidade do raio. E mantém a cabeça limpa e lúcida. Todo isso forma parte de sua condição de super advogado de defesa, ou pelo menos foi o que me contou minha fonte.
—Um super advogado informaria que tudo isso são rumores e hipóteses — respondeu ele sem dar maior importância.
—Parece-me justo — respondeu ela — Direi então de outra maneira; a partir de minhas observações pessoais, minha conclusão é que é muito preparado e que não tem medo. Assim me dê outra explicação.
Isso foi precisamente o que fez Reed, mas desta vez apostou por um tipo de ingenuidade diferente, embora igualmente arriscada.
— Tem razão. Não estou acostumado a ter medo. Mas conservar a calma só funciona em situações em que não estou pessoalmente comprometido, e nunca com meus clientes. Contigo não. Contigo tenho uma relação pessoal. De modo que não servem as mesmas regras. Desta vez sabia que a tinha convencido. Taylor não podia discutir com ele, porque os dois sabiam que essa era a verdade. A pergunta era: como reagiria ela?
Não demorou em inteirar-se. Taylor entrecerrou os olhos e agitou em seu assento, com um gesto de desassossego. Mas era impossível saber se sentia surpresa pela franqueza de seu reconhecimento ou por suas próprias e permanentes dúvidas sobre se Reed tinha dito ou não toda a verdade. Em qualquer caso, deixou correr.
— De acordo, ou seja, que ligou para seu irmão. Obrigada… acredito. Enquanto isso veio me procurar no colégio como um pai preocupado, tenho que supor que também assumiu o papel de investigador particular?
A comparação fez Reed sorrir.
— Um pai preocupado? Eu não diria isso. Mas sim como uma escolta cautelosa. Quanto ao papel de investigador particular, tem que reconhecer que seria um ponto muito atraente em meu currículo.
— Sem falar de sua capacidade para quebrar o gelo em situações incômodas — Marcou Taylor, e ficou olhando-o, pensativa — Seu currículo, né? Isso significa que o está atualizando?
Ele franziu o cenho.
— Reed, não quero pressioná-la. Vim para falar contigo, ou só para escutar. Já sabe que o apoio moral funciona em ambos os sentidos.
— Sim, já sei. — Reed estirou a mão para lhe acomodar uma mecha atrás da orelha —.
Pode não acreditar, mas tenho muita vontade de confiar em você. Eu acredito que poderá me ajudar a entender as coisas com muita perspectiva.
— Ainda falta um pouco.
— Sim, tem razão. Ainda falta um pouco. Mas será logo.
Mentalmente, Reed contava os dias. Os sócios fundadores tinham pedido duas semanas para revisar sua situação e chegar a algum tipo de acordo em relação com as condições de sua renúncia em seguir na companhia e montar seu próprio negócio. Era o tempo que ele tinha concedido. Tinha se passado uma semana, ficaria outra. Depois, se ocuparia do necessário. Muito em breve estaria se despedindo.
— Por certo, senhor investigador, esta noite está livre — disse Taylor interrompendo sua linha de pensamento—. Na rádio me colocarão num táxi quando acabar o trabalho.
— De verdade? Quem fará isso?
— Jack Taft — disse sorrindo, e explicou —. Jack é nosso diretor de programas. Sempre me manda para casa num táxi quando trabalho até depois da meia-noite. É uma maneira de redimir seu sentimento de culpa.
— E hoje é uma dessas noites?
— É claro que sim. Vamos gravar um programa especial orientado à universidade. Com sorte, sairei do estudo antes da uma. Terei um serviço de escolta até em casa. E a partir daí, o porteiro se ocupará de mim. Assim volte para casa cedo e durma um pouco. Assim poderá solucionar melhor seu dilema, com a mente limpa, embora não totalmente clara.
— De acordo — assentiu Reed — Mas não saia do edifício até que o táxi esteja na porta. Assim não estará sozinha. Além disso, dizem que será uma noite gélida, temperaturas baixo zero. Assim não saia.
— Entendido. Nada de estar sozinha e de gelar-me na rua.
— Sim. E ligarei amanhã com os nomes que Rob me dará.
Reed não conseguia desprender-se de sua inquietação.


Capítulo 14
4 DE FEVEREIRO. 18h03min
WVNY

Quando Taylor chegou à rádio, reinava o ambiente alegre de sempre nos estúdios. A Revista esportiva tinha começado sua segunda hora e a emissão se ouvia em todas as dependências. Taylor sorriu enquanto avançava a passos rápidos pelo corredor e escutava o acalorado debate de Bill com um aficionado sobre uma arbitragem duvidosa no campeonato da Superbowl de na semana anterior.
Entrou depressa em seu estúdio de gravação e olhou para Kevin enquanto tirava o casaco.
— Cheguei na hora? — perguntou com tom provocador.
Ele levantou a vista do livro que lia um exemplar de "Meninos maus, pais piores" e assentiu com a cabeça.
— Sim. Bernice Williams ainda não chegou. Chamou seu agente para dizer que está a caminho e que estaria pronta para começar às sete e quinze.
— Perfeito. — Taylor passou a escova pelo cabelo desarrumado pelo vento — Isso me dá uma hora para me preparar, despachar com Laura e olhar alguns e-mails. Quanto a Bernice, sugeri-lhe que não chegasse antes da hora. A útima coisa que precisa é ficar aqui esperando antes de entrar no ar. Se nos vê correndo de cima abaixo como peru tonto, só ficará mais nervosa. Desta outra maneira, farei-a entrar em minha cabine as sete e quinze, estará concentrada e tranqüila e logo revisaremos algumas pergunta do formato habitual para esquentar os motores. Uma vez dentro, estará bem.
— Por isso você é a psicóloga e eu o produtor. O único tema com o qual posso discutir é o que Bill está falando nesse momento, ou seja, a zona do gol.
— Será melhor que não compartilhe esse tema com Bernice — disse Taylor soltando um risinho.
— De acordo — conveio Kevin e se reclinou em sua cadeira, jogando com uma pluma enquanto olhava a tela do computador. Franziu o cenho de maneira visível.
— O que houve? — perguntou Taylor — Está com cara que algo te incomoda muito. E está jogando com a pluma, o que não é bom sinal. — Em sua voz apareceu um toque de tensão — É Romeo? Tornou a ligar?
— Não — disse Kevin, sacudindo a cabeça — É Rick.
— Rick? — Assim que soube que o tema de conversa era o técnico de som, Taylor fechou a porta — Aconteceu algo com Marilyn?
— Pois, diria que sim. Chegou à meia hora feito um trapo. Tinha bebido um bocado, não havia dúvida. Pôs-se a murmurar algo a respeito dos acordos de separação e as minutas dos advogados. Sobre tudo, não parava de falar de seus filhos e do que aconteceria se dessem a Marilyn a custódia. Caiu, pôs-se a se chorar e logo se foi. Não tornou a aparecer depois disso. Nem sequer sei se voltará para ocupar o programa.
—OH, não. —Taylor apoiou os cotovelos na bancada junto à mesa de Kevin, cobrindo o rosto com as mãos. Tinha rezado para que não chegassem a isto. Rick e Marilyn tinham três filhos maravilhosos, uma filha de onze anos, e dois meninos de nove e seis anos, e adoravam aos três. Sobre tudo Rick. Seus filhos eram sua vida. Se ele e Marilyn se separassem e o juiz desse a custódia a ela… ela não sabia o que seria dele.
— Não disse ao Jack que Rick se foi, mas se não voltar logo não haverá outra alternativa.
— Já sei. Mas espera um pouco — pediu Taylor — Nós dois conhecemos Rick. Precisa estar um momento a sós quando fica bêbado. Ainda poderia estar em algum lugar do edifício. Mas embora não o esteja não nos deixará na mão, por pior que esteja. É muito responsável para nos deixar enrolados sem um substituto.
— Eu opino o mesmo — disse Kevin apontando para a porta — Basta fazer o que tem pendente com Laura. Avisarei quando Rick chegar ou quando chegar nossa convidada.
— Ou se acabar o tempo e ter que avisar Jack.
— Sim, de acordo, farei.
Ao final, Rick e Bernice chegaram um depois do outro.
Taylor se encontrava de volta em seu estúdio, de pé junto ao escritório de Kevin enquanto este agarrava a contra gosto o telefone para avisar Jack o que estava acontecendo. Depois disso entrou Rick.
— Olá. —Tinha os olhos vermelhos. De tanto beber? Taylor não estava certa. Mas tinha os ombros cansados — Sinto ter chegado em cima da hora. Mas tenho tempo de sobra para montar tudo e fazer um teste de som com a nossa convidada.
— Não se preocupe. Nem sequer chegou ainda. —Taylor pôs uma mão no braço — Rick, você está bem?
Ele a olhou com olhos atormentados.
— Não. Mas poderei fazer o programa, se é isso o que quer saber.
— Não, não referia a isso. Já sei que pode fazer o programa. O me preocupa é…
— Olhe Taylor, agradeço que se preocupe — interrompeu, afastando-se dela — Mas há coisas que nem sequer você pode ajudar. Não quero falar disso. Não quero sua compaixão. Só quero fazer este maldito programa e ficar só em algum lugar com uma garrafa de bourbon.
Taylor não teve tempo de responder. A porta se abriu e Jack entrou acompanhado de Bernice Williams.
— Chegou nossa convidada — anunciou.
— Senhora Williams, bem-vinda. —Taylor estendeu a mão para a mulher gordinha e madura cujos olhos vagavam de um lado a outro como os de um pardal espantado — Se recorda de meu produtor, Kevin Hodges, e de nosso técnico de som, Rick Shore?
— Sim, é obvio. — A escritora assentiu com a cabeça, e era como se vibrasse de tanta ansiedade que sentia ao dar a mão aos pressente —. E, por favor, me chame de Bernice. Sinto-me mais a vontade se nos chamamos pelo nome de batismo.
— Estupendo. Nós também. Aqui somos um grupo muito informal. —Taylor avisou com um olhar ao gerente de que tudo estava nos eixos.
Jack captou a mensagem.
— Deixo-a em excelentes mãos — disse tranquilizando Bernice, olhou em direção a Rick. O técnico de som estava acostumado a ser mais amigável, mas hoje tinha emitido só uma breve saudação e se foi para mesa de mixagem — Assim, relaxe e fique bem à vontade.
— Assim farei.
Jack vacilou um instante.
— Ouça Rick, parece esgotado. Essa vai ser uma longa noite. Se necessitar de um descanso, me avise. Direi a Dennis que o substitua.
— Obrigado. — Rick falou em tom cordial, mas seu corpo estava tenso — Estou bem. Além disso, a estas alturas posso fazer este trabalho com os olhos fechados.
—Já sei. — Jack lançou um olhar rápido para Kevin, que fez um gesto com a cabeça para indicar que tinha tudo sob controle.
— Muito bem. — Jack foi para a porta — Logo passarei por aqui. Tenham um programa sensacional.

21h45min
RUA OITENTA E SEIS, Nova Iorque

Jonathan estava deitado na cama, olhando o teto com os braços embaixo da nuca, usando-os como almofada.
O dia inteiro foi para o brejo.
Tudo tinha saído errado, desde seu desacordo com Douglas, passando pelo desagradável episódio do almoço com Reed, o não terminante com que Taylor tinha lhe respondido e a tarde inteira indo de um lado a outro para arrumar a ofensa.
Tinha tentado falar com Douglas desde quatro da tarde. Mas este esteve ocupado toda tarde em reuniões, e depois tinha saído para um jantar de negócios onde não podia contatá-lo. Genial. Tinha deixado uma mensagem na casa de Douglas em Upper East Sede, esperando passar a noite ali ao invés de pedir ao chofer que o levasse até os Hamptons. Em qualquer caso, não tinha a menor intenção de ligar para a casa de East Hampton. Com a sorte que tinha, certamente Adrienne atenderia, e não tinha nenhuma vontade de falar com aquela mulher. Não entendia o que Douglas via nela. Além do evidente, certamente. Aquela mulher tinha uma face e um corpo que despertava paixões mortais. Mas tudo o que havia por baixo disso era lixo e superficialidade. Muito diferente de Taylor, em quem se mesclava a beleza com a profundidade.
A comparação lhe esticou a mandíbula. Não podia deixar de pensar nela, e no fato de que estava saindo com Reed. Se tivesse tido um pouco mais de tempo, as coisas poderiam ter sido diferentes. Mas Reed tinha tirado esse tempo. Além disso, tinha em seu poder uma arma carregada, uma arma com a que podia destroçar sua vida. Teria que adotar uma atitude mais agressiva. Teria que mover-se com rapidez e acelerar todo seu plano.
Estava decidido, e isso é o que faria.
Deu um puxão, aproximou seu laptop e enviou um e-mail urgente a Douglas. Resolveria este último tema pendente, sem importar onde passasse esta noite. Douglas consultava seu BlackBerry com regularidade. Se fosse muito tarde, leria-o a primeira hora da manhã. Depois, chamaria-lhe e se ocuparia de tudo.
Deu uma olhada no rádio despertador. Eram nove e cinquenta. Nove e cinquenta?
Resmungou uma imprecação e se aproximou do criado mudo e ligou a rádio.
A voz cálida e intensa do Taylor inundou o quarto.
— Bernice, nestes últimos minutos finais, eu gostaria de resumir algumas coisas. Sua opinião expressada em seu último livro, "Meninos maus, pais piores", é que a maioria dos traços negativos que vemos nos adolescentes são um produto do meio familiar. Não são provocados nem pela escola nem por seus companheiros, mas sim por seus pais.
— É verdade — respondeu a outra mulher —. Eu não digo que esses traços não sejam reforçados por seus companheiros ou inclusive pelos meios de comunicação. Em minha opinião, a origem está no lar. Por mais que os adolescentes neguem, — e muitos negarão — o maior impacto em suas vidas provém das figuras adultas mais próximas. Entretanto, como verá em meu livro, acredito que estranhamente você não encontra, entre aspas, um menino mau sem encontrar também um pai pior.
— É uma opinião muito radical — observou Taylor — Mas só para esclarecer as coisas para nossos ouvintes, o que acontece aos pais com filhos em conflito que fazem tudo o que podem da intervenção pessoal até a terapia profissional, e ainda assim não conseguem melhorar as coisas?
—Isso que comenta é uma situação diferente e as estatísticas o demonstram. — Bernice fez uma pausa, provavelmente para tomar um gole de água — Ao entrevistar a pais como os que você descreve, a maioria das vezes descobrirá que definem seus filhos como em conflito, difíceis ou deprimidos, inclusive curvados pelos deveres escolares e as pressões sociais. Dificilmente utilizam a palavra "maus".
— Entendo. Assim você não põe todos os meninos que tem conflitos no mesmo saco.
— É obvio que não. O que digo é que existe a tendência entre os pais que são negativos com seus filhos adolescentes, pais que eximem a si mesmos da responsabilidade de ajudá-los na transição da adolescência à idade adulta, e de taxar esses filhos de maus. Na realidade, é mais fácil rechaçá-los que reconhecer que o verdadeiro problema são suas próprias competências como pais.
Taylor deu a entender sua aprovação.
—Bem, Bernice, nos deu muitas coisas no que pensar esta noite. Agradeço por ter vindo falar conosco e espero com muita vontade os e-mails que receberemos de nossos ouvintes sobre este complexo tema. Acabamos de conversar com Bernice Williams, a autora de "Meninos maus, pais piores". Encontrarão um exemplar em qualquer livraria. É um livro fascinante que despertará reflexões relevantes para os pais e adolescentes em geral. Bernice, muito obrigada por sua companhia esta noite.
— Foi um prazer.
— Estamos em "Falando com os adolescentes", com Taylor Halstead. Boa noite. Amanhã, voltaremos para nosso formato habitual e estarei aqui com vocês no WVNY as oito em ponto, esperando suas ligações. Até lá, meu conselho é que não fiquem no frio e se cuidem.
Soou o gingle da WVNY e Jonathan desligou o rádio. Gostava mais quando Taylor estava sozinha. Então se concentrava só em sua voz e podia pensar na paz e o prazer que transmitia. Quanto à autora, só havia descoberto a ponta do iceberg com seu conceito de "meninos maus e pais piores". Na verdade, essa frase era a maior simplificação do século. Seria melhor dizer «meninos manipulados, pais pervertidos».
Ao final, isso não tinha importância. Tudo se reduzia à sobrevivência dos mais fortes.






Capítulo 15
22h00min. WVNY

A luz que assinalava "no ar" se apagou e Kevin indicou a Taylor e Bernice que tinham acabado. Logo se Virou para Rick.
— Fez um grande trabalho. Agora quero que volte para casa. Ensinou Dennis mais que suficiente para que se encarregue de uma hora de gravação. Pode repassar o ensaio com ele antes de ir, se com isso se sente melhor. Mas não começaremos até dentro de uma hora e meia, quando os universitários despertem. Assim é melhor que vá dormir.
— Dormir? — perguntou Rick com uma risada oca — Aonde? Estou a tantas noites dormindo no sofá que perdi a conta.
— Vá pra casa, Rick.
— Estava acostumado a voltar para casa por meus filhos. Agora, como estão as coisas, quem sabe quanto tempo seguirei tendo como incentivo. — Rick esfregou seus olhos, consciente de que começava a divagar — Tem razão. Já não vou servir para grande coisa aqui esta noite. E é verdade que Dennis se pode encarregar de tudo. Não necessita de um repasse. — Olhou através do vidro e viu Taylor e Bernice levantando-se a ponto de sair da cabine — Não tenho vontade de conversar com nossa convidada.
— Não se preocupe. — Kevin já tinha pegado o telefone— Pedirei a Dennis que se ocupe em gravar o disco. E Taylor entenderá. Vá logo.
— De acordo, obrigado. — Com gesto incerto, Rick se levantou, agarrou a jaqueta e dirigiu-se à porta — É a hora do bourbon — murmurou.


5 DE FEVEREIRO
02h15min. RUA SETENTA E DOIS, Nova Iorque
Taylor estava dormindo profundamente.
A sessão de gravação tinha durado mais do que de costume, sendo que era a primeira vez que Dennis ficava na mesa de mixagem, o qual o obrigava a ser muito metódico. Mas também era bastante bom e só tinham perdido uns dez minutos. Taylor tinha chegado em casa à uma e quarto, foi para cama à uma e meia e, cinco minutos mais tarde, já estava no país dos sonhos.
O estridente som do telefone acabou por despertá-la apesar do esgotamento que nublava sua mente, embora não bastou para impedir a apreensão que sentiu como um nó no ventre. — Meu Deus, por favor, outra vez, não.
Saiu em busca do telefone, e levou o fone ao ouvido.
— Alô? — atinou a dizer.
—Taylor, sou eu. —A voz do Rick parecia pastosa, estranhamente tensa e Taylor se sentou de repente na cama.
— Rick? Onde está?
— No vestíbulo de seu edifício. Estou falando pelo celular. — Seguiu uma risada desinteressada —. Seu porteiro não quer me deixar subir. Não me conhece.
— Passe para ele. Ouviram-se uns ruídos como se alguém manuseasse algo e, em seguida, o vigilante noturno, George, atendeu.
— Sinto muito, senhorita Halstead. Pensei que…
— Não tem problema, George. É um colega de trabalho. Agradeço sua preocupação. É evidente que está bêbado. Mas poderei controlá-lo. Assim deixe-o subir.
— De acordo. — George não parecia muito convencido, mas em um instante soou o interfone e ela soube que tinha deixado Rick entrar.
Taylor saltou da cama, procurou seu penhoar, colocou-o apressadamente e foi atender a porta. Rick soava como se estivesse a ponto de desmoronar-se. Não estava segura de poder ajudá-lo, mas tinha que tentar. Passou a mão pelo cabelo, dirigiu-se à porta e esperou que Rick chamasse, não sem antes aproximar-se do olho mágico para assegurar-se de que era ele. Correu o ferrolho e abriu.
— Olá.
Rick se apoiou no marco da porta. Tinha o casaco aberto, os olhos frágeis, quase fechados e a face rubra. O fedor do álcool era tão forte que Taylor quase teve náuseas. Cheirava a um gambá.
— Louvo sendo por louvo de ande — balbuciou, e deu um passo vacilante para o saguão — Não queria peeeeerrturbar. Maldita seja tuuuuuudooo me dói muito.
— Entra e sente-se. Prepararei um pouco de café.
— Nada de café. — Rick fez um gesto de rechaço —. Só queria… não sei o que queria.
Queria que com sua varinha mágicaaaaa fizesse tudo desaparecer. Você tem esse efeito sobre as pessoas. — Ficou olhando com olhos torturados e injetados em sangue — Acabou, Taylor. Tudo se acabou. Marilyn, os meninos, tuuuuudo.
— Rick, por favor. — Levou-o para a cozinha e o fez sentar-se em um banquinho — Deixa que prepare um pouco de café.
— Não tenho sede. A menos que tenha um pouco de Jack Daniel's.
Taylor se apoiou no suporte e se encarou a ele.
— Não sei como estarão as coisas com a Marilyn. Mas com os meninos, não acabará nada. São seus filhos. E são loucos por você.
— Marilyn terá a custódia — disse e seus olhos se encheram de lágrimas —. Disse-me isso e tem razão. Tenho feito tudo errado. Bebo. Fico deprimido. Passo o fim de semana dormindo. Às vezes estou tão ausente que não posso me concentrar no que me dizem os meninos e me converti em um desastre de pai. Isso é o que dirá o advogado da Marilyn ao juiz e me tirarão eles. Não viverei depois disto.
— Está adiantando muito às coisas. É um pai genial. Só que agora está passando por um mau momento. A depressão requer um tratamento. Verá alguém e se submeterá ao tratamento que necessita. Trocará a perspectiva de todos, de sua família e a do juiz.
— O que preciso é me colocar em uma garrafa e não voltar a sair nunca mais.
— Isso é a última coisa que necessita.
Rick esfregou as têmporas.
— E a última coisa que você precisa é que eu venha incomodar desta maneira. — Levantou a cabeça e uma faísca de consciência racional brilhou em seus olhos — Sou um porco. Devo ter dado o maior susto ao chamar por telefone a estas horas da noite.
— Não se preocupe — disse Taylor sem alterar-se — Foi você.
— Sim, mas poderia ter sido esse maluco que liga. Tornou a Ligar?
— Não, graças a Deus.
— De acordo. — Rick franziu o cenho e expressou seus pensamentos em voz alta tal como veio à cabeça — Kevin se ocupará de saber quem é esse Romeo. Esse advogado que gosta muito, está ensinando defesa pessoal ultimamente. Tudo sairá bem. Tem muita gente que cuida de você.
— De você também.
Por um momento, Rick não respondeu e ficou olhando o chão. Quando voltou a elevar o olhar, havia tanta impotência em seus olhos que Taylor teve vontade de chamar Marilyn para lhe dar um puxão de orelhas.
— Estou cansado, Taylor — disse com voz fraca, fazendo um esforço por levantar-se — cansado de brigar. Cansado de tentar que as coisas saiam bem. — Quis fechar o casaco, mas o deixou pela metade— Tenho que ir. Tenho que dormir.
— Sim, é verdade —disse Taylor franzindo o cenho, preocupada com o estado de Rick — Quer que chame Marilyn? Posso lhe dizer que esta noite dormirá aqui no sofá.
Rick respondeu com uma risada oca.
— Sim... Também se aproveitaria e usaria isso contra mim. Mudaria totalmente a história e diria ao advogado que estou transando com outra.
— Ela sabe que isso não é verdade.
— O que sabe e o que faz são duas coisas diferentes. — Rick estirou uma mão e apertou o braço de Taylor — Obrigado por me escutar — disse e se dirigiu à porta.
— Rick. — Taylor o seguiu e agarrou-o pelo braço — Bebeu muito.
— Então é uma sorte que não conduza. — Rick viu que Taylor estava preocupada e forçou um sorriso — Ouça, nem sequer caminharei. Pegarei o metrô até Time Square. Dali sai a cada vinte minutos o número sete para Flushing. Chegarei em casa em menos de uma hora, de acordo? Estou mais que sóbrio para chegar aonde tenho que ir — disse e lhe deu um tapinha na bochecha — Volta pra cama. Tudo se arrumará amanhã.



03h25min
ESTAÇÃO DE METRÔ DE TIME SQUARE, Nova Iorque
O maldito metrô não chegava nunca.

Rick passeava pela plataforma, esfregando os braços para proteger-se do frio. O trajeto do apartamento de Taylor até a entrada do metrô o tinha deixado congelado e não conseguia sacudir o frio. Logo se recordaria como tinha chegado da Rua Setenta e dois até Time Square, nem como tinha chegado até ali. Entretanto, ali estava. A plataforma se achava virtualmente vazia devido à hora e à temperatura abaixo de zero. Às três da madrugada com graus abaixo de zero gente normal estava em sua casa metida na cama. Os únicos masoquistas como ele que havia no metrô, sem contar os pobres mendigos que tinham entrado para não morrer de frio, eram quatro ou cinco adolescentes drogados e um homem que vestia um agasalho impermeável com capuz, sentado em um banco com a face afundada em um livro.
Rick não entendia como alguém podia ter vontade de ler nessas condições.
Com um estrondo, o trem entrou finalmente na estação e se deteve. Rick subiu. O vagão que tinha escolhido estava vazio. Deixou-se cair em um assento e cruzou os braços sobre o corpo para se aquecer. O cara do agasalho impermeável entrou detrás dele. Dirigiu-se para o fundo do vagão e se deteve junto à porta que dava ao vagão seguinte. Afundou-se no assento. Seguia enfiado em sua leitura.
A quantidade de álcool que Rick tinha consumido começava a fazer efeito. Tinha uma dor de cabeça espantosa e sentia o estômago revolto. Ficou sentado muito quieto, olhando diretamente pelo guichê que tinha à frente. Isso lhe serviu até que o trem saiu da estação. Depois, vieram-lhe as ânsias com o movimento do vagão, que foram aumentando à medida que aumentava velocidade. Certamente, ver como passava zumbindo o mundo subterrâneo ante seus olhos era pior. Estava a ponto de vomitar.
Fechou os olhos com força.
Não funcionou.
Sentindo que vinha uma ânsia, inclinou-se para diante no assento lutando contra o protesto inoportuno de seu corpo. Não ia vomitar no chão do vagão. Pelo visto, o tipo de agasalho impermeável não estava tão certo. Levantou-se de repente, fechou o livro e foi direto para a porta do fundo. Girou a maçaneta um par de vezes e logo resmungou uma imprecação quando a porta não se abria. Voltou a tentar abri-la, visivelmente agitado quando esta não cedeu. O tipo tinha uma vontade louca de sair dali. Rick não o culpava. O pobre homem estava sozinho em um vagão de metrô com um bêbado perdido que estaria a ponto de jogar as tripas pela boca a qualquer momento.
Rick teve pena. Além disso, um pequeno passeio lhe ajudaria a conter as náuseas melhor que ficar sentado. Apertou os dentes, agarrou-se no ferro mais próximo e levantou-se. Deu uns passos vacilantes para a porta. O cara do capuz estava de costas para ele e o agasalho impermeável era tão grande e volumoso que era impossível saber o que havia por baixo. Ainda assim, Rick sentiu que o tipo estava tenso quando se aproximou.
— Não se preocupe, não vou assaltá-lo — balbuciou Rick — Só ajudarei a afastar-se de mim. — Dirigiu-se para o outro lado, querendo chegar à porta e abrir da maçaneta com todas as suas forças.
Surpreendeu-se ao descobrir que a maçaneta não resistiu. A porta se abriu brandamente.
— Devia estar emperrada — murmurou para si. Quis retroceder e deixar que o tipo passasse — Pode passar. Problema solucionado.
O tipo do agasalho impermeável fechou-lhe o caminho.
—Tem toda a razão. Problema solucionado.
Com um empurrão, lançou Rick pela porta e, com as duas mãos, impulsionou-o por cima da barreira da segurança que unia os dois vagões. Rick desapareceu nos trilhos do metrô. Soltou um grito que ficou afogado pelo rugido do trem que seguiu seu trajeto, impassível, em direção ao Flushing.





Capítulo 16


5 DE FEVEREIRO. 14h30min

Uma mensagem de Jack. Taylor soube que tinha acontecido algo no momento em que viu a nota cor de rosa. Jack nunca a chamava na escola. Quando queria falar com ela algo particular, deixava-lhe uma mensagem na secretária eletrônica de casa, pedindo que chegasse antes do trabalho ou que saísse mais tarde.
A mensagem era curta e clara: Vêem diretamente a WVNY assim que acabar no colégio.
Taylor chegou num tempo recorde. Tinha o estômago feito um nó.
Com apenas um olhar para a expressão pálida de Jack ao entrar em seu escritório, soube que o pior estava pôr vir.
— Taylor, sente-se. — Jack apontou o sofá estofado. Esperou que ela se acomodasse nas almofada para aproximar-se e ficar de pé junto a ela — Tenho que dar uma notícia. Tem que ver com o Rick.
Não. Não.
— O que aconteceu? —perguntou ela com tom seco, segura de que se tratava de uma repetição da trágica notícia sobre Steph.
— Houve um acidente no trem número sete a meia-noite. Um homem que havia bebido muito perdeu o equilíbrio quando passava entre dois vagões. —Jack tragou com dificuldade — caiu na via, debaixo do trem. Morreu imediatamente. Era Rick.
Taylor tinha a garganta apertada e juntou as mãos com tanta força que apenas as sentia. — Isso é verdade?
Para Jack não estava sendo nada fácil. Queria economizar os detalhes mais horripilantes.
Tinha cara de estar muito doente.
— Embora o corpo estivesse destroçado, a descrição, as partes da carteira de identidade na carteira, os pedaços de roupa e, sobre tudo, o anel de casamento… eram todos de Rick. Farão um teste de DNA para confirmar, mas estão seguros.
Ela inclinou a cabeça, tudo estava frio e quieto em seu interior.
— Conte-me o tudo.
— Rick não chegou em casa ontem à noite. Marilyn esperou a que os meninos fossem para a escola, e logo ficou a fazer chamadas. Ninguém o tinha visto. Chamou aqui por volta das oito. Estava bastante transtornada. Contei-lhe que Rick partiu da emissora ontem à noite justo depois do final do seu programa. Kevin estava em meu escritório quando recebi a ligação. Disse-lhe que Rick não se encontrava nada bem ao partir e que possivelmente foi a algum bar. Para Marilyn, isso foi a gota d'água. Ligou para os bares do bairro, inclusive a alguns hotéis. Nós fizemos o mesmo. O proprietário de um bar se lembrava de tê-lo visto por ali a uma da manhã. Depois disso, nada.
— Eu posso prosseguir a partir daí — conseguiu dizer Taylor —. Rick veio a minha casa um pouco depois das duas. Ficou meia hora. Estava bêbado, muito bêbado. Parecia um farrapo humano, emocionalmente falando. Sentia-se como se o mundo estivesse vindo abaixo.
— Sim, Marilyn disse-me isso. Mas, com ou sem divórcio, ela ainda o amava. Estava desesperada. Ao não encontrá-lo em nenhuma parte, chamou à polícia e denunciou o desaparecimento. A delegacia de polícia fez suas averiguações. A descrição de Marilyn encaixava com a da vítima de um acidente de que tinham informado por volta das quatro da madrugada. Foi à delegacia de polícia e identificou os objetos pessoais que informei. Chamou-me depois disso.
Era evidente que estava em estado de choque. Nem sequer me lembro do que lhe disse… — murmurou Jack e falhou a voz — Enfim, é tudo o que sei. O que aconteceu em sua casa?
— Rick me disse que queria desculpar-se por ter estado tão antipático antes do programa — murmurou Taylor, com lágrimas nos olhos — Na verdade, queria que eu oferecesse um fio de esperança. Tentei. — Taylor levantou a cabeça — Marilyn já falou para as crianças?
— Não sei. Não falei com ela desde que partiu da delegacia de polícia. Ia ao necrotério. Tinha que identificar os restos. Meu Deus, o que posso dizer?
— Não há palavras. Acredite-me, sei disse. A única coisa que pode fazer é estar ali, para o que ela e os meninos possam necessitar. — Taylor sentiu que estava fora de seu próprio corpo, falando com Jack como se fora uma terceira pessoa, uma psicóloga objetiva.
— Chamarei Marilyn. — Taylor escutava sua própria voz — Eu perdi a uma pessoa amada por uma morte violenta. Posso escutar. Posso ajudar a falar com a polícia. No mínimo, posso dar o nome de um excelente terapeuta que trabalha em grupo com crianças. Esses pobres pirralhos vão necessitar.
Taylor se levantou e foi para a porta. Aconteceu de novo. Outra morte. Outra perda sem sentido, prematura. Outro funeral. Outra situação da qual Taylor se sentia responsável.
Possivelmente se houvesse dito as palavras certas, se tivesse insistido com Rick que ficasse e passasse a noite em seu sofá, obrigá-lo a pensar em tudo aquilo pelo que merecia a pena viver… possivelmente as coisas tivessem sido de outra maneira. Possivelmente estaria vivo.
— Taylor? — A voz do Jack a deteve — Tire uma folga essa noite. Poremos um dos programas pré-gravados em lugar da programação habitual.
Ela se deteve na soleira e se virou para olhar Jack.
— E Kevin? Deve estar um trapo.
— Está. Enviei-o pra casa. Sally é uma bolsista genial. Poderá se virar com um programa gravado. E Dennis poderá ocupar-se do som.
Jack limpou a garganta.
— Tenho tudo sob controle. Não se preocupe. Vá.
Taylor assentiu com a cabeça.
—Obrigado, Jack. Darei um toque mais tarde.
Taylor abandonou o edifício e ficou paralisada; não via às pessoas, nem o tráfego, nem notava o frio. O frio que sentia vinha de dentro, e nem sequer a temperatura gélida do exterior podia comparar-se. Sem pensar, tirou o celular e ligou para a lista telefônica.
— Necessito o número de Harter, Randolph e Collins — disse ao responder à operadora.
Reed lia um relatório quando o chamou sua secretária. Teclou o botão do interfone.
— Sim, Cathy?
— Perdoe por incomodar, senhor Weston, mas Taylor Halstead está ao telefone. Mostrou-se muito insistente e quer falar com você. Diz que é importante. E parece que está alterada.
Reed se esqueceu do relatório.
— Ponha-me na linha.
Quinze minutos depois, Cathy deixava Taylor entrar no escritório de Reed. Ele a olhou e em seguida viu seu rosto branco como a neve e suas mãos tremulas.
— Cathy, isso é tudo. E não quero interrupções. Nenhuma — disse a sua secretária.
— Sim, senhor Weston.
Quando a porta se fechou e ficaram a sós, Reed se aproximou dela e a agarrou pelos ombros.
— O que houve? Tinha uma voz espantosa por telefone. E seu aspecto é pior ainda. Aconteceu algo com você no Dellinger?
— O que? — Demorou um momento em entender o motivo da preocupação de Reed.
Logo negou com a cabeça — Não. Nada a ver. Não me aconteceu nada. — Tremia, mas não podia parar — Perdoe. Não queria irromper assim em seu escritório. Que grosseira e pouco profissional.
— Não. Disse para que viesse.
— Não pensei. Simplesmente liguei, ouvi sua voz e vim voando. Não vou passar por tudo isto sozinha. Não tenho força emocional pra isso.
— Taylor, está me assustando. O que houve? O que é o que não poderá suportar sozinha?
Ela levantou o rosto e o olhou com olhos tristes.
— Perder a uma pessoa que quero bem.
Reed ficou muito quieto.
— A quem perdeu?
— Rick Shore. Meu técnico de som. Trabalhamos juntos na WVNY desde que comecei. É como um irmão mais velho, sempre dependente de mim, preocupado quando me estressava. Quando Stephanie morreu, esteve ao meu lado como uma galinha choca, me ajudando a suportar tudo, assumindo algumas das minhas responsabilidades no programa. E o outro dia, quando contei da chamada desse brincalhão e o do cara que me vigiava no cemitério, ficou uma fera. Ele mesmo estava passando por um inferno pessoal, mas sempre era muito afetuoso comigo. Rick era assim. Como amigo dele, sempre podia contar com ele. E agora está morto. — Os olhos do Taylor estavam secos, mas sua voz soava oca.
— Estava doente?
— Não. Morreu em um acidente espantoso. Foi nesta madrugada. Um instante antes estava vivo e no seguinte tinha morrido. Igual a Steph. E, também como Stephanie, sua morte foi violenta e espantosa. Ia a caminho de sua casa. Pegou o metrô. Trocou de vagão. Caiu debaixo do trem. Morreu destroçado.
— Meu Deus. —Reed fez uma careta e abraçou Taylor, instintivamente, em um intento de protegê-la, sabendo muito bem que era impossível — Ouvi algo nas notícias a respeito de um homem sem identificação que tinha morrido no metrô. Jamais me ocorreu que fosse alguém do WVNY. Sinto muitíssimo — murmurou acariciando seu cabelo.
Ela ocultou a cabeça em seu peito.
— Vem aqui, sente-se. — Reed a levou até o sofá sob a janela — Quer beber algo? — Só um pouco de água.
Reed serviu um copo, o trouxe e se sentou a seu lado.
— Houve testemunhas?
— Que eu saiba, não. É provável que o trem estivesse vazio. Eram as três e alguma coisa da madrugada.
Com voz fraca, Taylor pôs Reed a par dos detalhes, incluindo a visita de Rick em sua casa de última hora e o motivo.
Reed juntou as palmas das mãos enquanto processava tudo o que Taylor havia dito. Logo fez uma pergunta óbvia.
— Dado o estado de ânimo de Rick, há alguma possibilidade de que seja suicídio?
Taylor tinha pensado nisso. Era por isso que se sentia tão culpada. E, não obstante, ao escutar as palavras em voz alta, estremeceu-se com uma careta de dor.
— Não quero preocupá-la — disse Reed em seguida — É só uma teoria viável. Digo-lhe isso por dois motivos. A primeira, porque a polícia a interrogará sobre seu estado de ânimo, e dois, por que… se por alguma razão pense nisso… não quero que se sinta culpada além da conta. Já está carregando muito nesse sentido. — Vacilou um instante e logo se lançou as cegas contar uma verdade que não estava seguro que ela poderia assimilar nesse momento — Olhe, Taylor, este mundo não depende de você. É humana. O que pode fazer tem um limite. Pode aconselhar às pessoas, inclusive ser dura com elas para convencê-las para que tomem as decisões certas. Mas não pode viver suas vidas. Isso é problema deles. Afinal, todo mundo é responsável por si mesmo. E isso também serve para o caso de Rick. — Outra pausa, breve como um batimento do coração — E também vale no caso de Stephanie.
Sem responder, Taylor tomou um gole de água.
— Está zangada — concluiu Reed com tom inexpressivo — estrapolei.
Taylor inclinou a cabeça para ele com um sorriso tenso, agridoce nos lábios.
— Não estou zangada. Agradeço sua análise. Não só é verdade, mas também é justamente o que precisava escutar. É que simplesmente não me tinha dado conta até que disse isso tudo. — Deixou o copo de água—. Quanto a sua pergunta sobre Rick, já tinha pensado na possibilidade de que se suicidara. Havia algum indício? Sim, suponho que sim. Depressão. Desesperança. Esgotamento. A necessidade de escapar. Inclusive solidão e abandono. Mas há uma coisa que nega tudo, e que faz com que me sinta absolutamente segura de que a morte de Rick foi um acidente.
— Seus filhos.
— Exatamente. Reed, não tem nem ideia do muito que os amava. É verdade que o aterrorizava perder a custódia. Mas no fundo, sabia que isso não ia passar. Simplesmente, não acredito nisso.
Reed assentiu com a cabeça.
— Entendo o que quer dizer.
— A verdade é que estava bêbado. Não estava em plenas faculdades. Também estava abatido. Quando Rick se sentia deprimido, costumava caminhar de cima abaixo, como um leão enjaulado. Minha impressão é que não podia estar quieto. Deve ter caminhado, ou ir de um lado a outro, de vagão em vagão, tentando acalmar-se.
— Não teria tido problemas para ir de um extremo ao outro do trem —adicionou Reed — Não às três da madrugada de um dia de semana. Estaria virtualmente sozinho. No máximo haveria um par de passageiros a mais. Assim se Rick andava por aí cambaleando por uma das plataformas entre os vagões, ou apareceu pela porta e perdeu o equilíbrio, não haveria ninguém para detê-lo, nem sequer para vê-lo.
Taylor se estremeceu.
— Não posso nem imaginar.
— Não imagine, então. — Reed tirou suavemente seu cabelo do rosto — E agora o que vai fazer?
— Tenho que ligar para Marilyn. Quero ver como está ela e os seus filhos, e se há algo que eu possa fazer.
Reed voltou a assentir com a cabeça.
— Esta noite não fará seu programa de rádio, verdade?
— Não. Jack vai substituí-lo por um de meus programas pré- gravados e pedirá a uma estagiária de produção que substitua Kevin. — Taylor esfregou as têmporas — Jack é muito bom. Não poderia ter feito o programa, esta noite não. Duvido que Kevin possa fazer também. Jack é uma boa pessoa. Enviou a nós dois para casa.
— Para casa. De verdade tem vontade de ir para casa?
Taylor compreendeu a pergunta do Reed.
— A verdade? Não. É difícil de viver ali desde que Stephanie morreu. Está cheio de lembranças dela e do que aconteceu com Gordon naquela noite… — Sua voz foi se apagando Enfim, basta dizer que tenho muita vontade de me mudar. Estou contando os dias para partir dali. Além disso, esta noite… francamente, a verdade é que não quero estar a sós com meus pensamentos.
— Muito bem. — Reed ficou de pé — Então vou dizer como vamos passar esta noite. Já são quase cinco. Eu acabarei meu trabalho. Você ligará para Marilyn. Fale com ela tudo o que seja necessário. Quando estiver preparada, vamos. Passamos em seu apartamento, faz uma bolsa com o que necessite para passar a noite e logo vamos para minha casa. Pediremos comida Chinesa e veremos um DVD. Podemos falar ou não falar. O que você quiser. — Reed esquadrinhou os olhos frágeis de Taylor e esclareceu suas intenções, se por acaso se sentia incômoda —. Tenho um quarto de hóspedes. Sempre está pronto. Com uma família grande como a minha, continuamente há alguém que chega sem avisar. Tenho que estar com tudo preparado.
Taylor entendeu.
— Duvido que possa dormir. Mas obrigada. Parece um plano maravilhoso. O galante Reed Weston ao resgate, uma vez mais.
Tomou-a mão, ajudou-a a ficar de pé, levou sua mão aos lábios e a beijou.
—Tudo vai sair bem, Taylor. Você cuidará para que assim seja. E eu também.
Ela deixou escapar um suspiro cheio de cansaço.
— Odeio ter que depender dos outros.
— Não me diga. Mencionou isso só uma dúzia de vezes. Como mencionou também que odeia que a interpretem mal. Pois, chateia-se a toa. Acostumei-me às duas coisas.
Agora que penso, a lista de coisas às quais terá que se acostumar comigo é longa. Sabe o que? Farei a lista eu mesmo e entregarei, assim a terá à mão. Mas não se incomode em criticá-la. Não é negociável.
Pela primeira vez em muitas horas, a risada de Taylor brotou espontânea.
—Obrigada por me alertar sobre isso

23h45min
RUA SESSENTA E OITO

Taylor estava estendida tranquilamente na cama do quarto de hóspedes no apartamento de Reed, olhando o teto e escutando a sirene de um caminhão de bombeiros que passava. Sentia-se destroçada emocionalmente depois da dramática conversa com Marilyn, que tinha girado em torno dos meninos e como ia dar a notícia. A pobre mulher estava ainda em estado de choque, mas enfrentava com valentia o que a esperava. Tinha vindo sua irmã para acompanhá-la e ficar com ela, e seus pais chegariam num vôo do Arizona no dia seguinte. Ainda assim, tinha anotado o número do telefone do terapeuta especialista em grupo infantil que Taylor tinha recomendado. Também seguia obstinada à insistência de Taylor de que não deixasse que a culpa se apoderasse de sua crise emocional. A morte de Rick tinha sido um acidente. E ponto. Independentemente do rumo que tomassem as perguntas da polícia, ela não era responsável. A vida dava duros golpes. Este era um deles. E o divórcio que planejava sobre eles não podia negar os anos de boas relações. Taylor insistiu a Marilyn que a chamasse por telefone cada vez que se sentisse fraquejar. Marilyn tinha agradecido de todo coração e logo tinha pendurado o fone para enfrentar o inferno que nenhuma terapia poderia aliviar.
Taylor fazia mais uma chamada, dessa vez para Kevin. Queria saber como estava e informar que se necessitasse falar com ela essa noite, a encontraria em seu celular, já que não estaria em sua casa.
Justo depois de falar com Kevin e desligar, tomou a decisão de que, embora Jack transmitisse uma declaração oficial pela rádio, renderia a Rick uma homenagem pessoal no dia seguinte durante seu programa. Não sabia muito bem como fazê-lo sem desmoronar-se, mas encontraria uma maneira. Rick tinha sido um membro muito querido da equipe de produção. Merecia uma homenagem. E Taylor tinha a intenção de lhe dar. Redigiu algumas linhas enquanto Reed acabava seu trabalho. Parou quando não podia continuar escrevendo. Era muito recente e ela estava muito esgotada. Pensou que escreveria no dia seguinte ou que improvisaria e falaria do coração. Possivelmente falaria das duas opções amanhã em sua terapia com a doutora Phillips. Ela sempre tinha uma visão perspicaz das coisas, sobre tudo quando as emoções de Taylor estavam nubladas por questões emocionais. Além disso, necessitava dessa sessão. Tinha que desafogar-se, falar do que estava vivendo.
Já estava mais que preparada para partir quando Reed desligou seu computador e deu por terminada sua jornada.
O resto da tarde e noite tinha sido justo o que necessitava.
Reed tinha estado maravilhoso. Tinha acompanhado-a ao seu apartamento e esperado enquanto ela preparava suas coisas. Depois, tinha levado-a até ali. Seu apartamento no Upper East Sede era um lugar agradável e espaçoso onde se respirava um ambiente quente e masculino. Instalaram-se na acolhedora sala de estar e tinham seguido os planos de Reed ao pé da letra. Eles pediram comida Chinesa, assistiram um filme, uma comédia, que era a única coisa que ela se sentia capaz de olhar, e conversaram.
Não falaram do Rick, mas sim deles dois.
Reed falou das reuniões familiares, das travessuras de suas sobrinhas e sobrinhos e da animação que se armava quando o clã completo dos Weston se reunia na casa de campo de seus pais na Nova Inglaterra. Era uma bênção que a casa fosse de pedra, dizia Reed. Se não, teria ido pelos ares fazia muito tempo. Em contrapartida, Taylor contou mais detalhes sobre ela mesma, e tinha compartilhado histórias de sua vida e de suas idéias como nunca antes. Tinha falado de sua própria família, que claramente era a antítese da dele. Havia descrito seus primeiros anos de uma vida sufocante e isolada no Central Park West e havia falado desse vínculo único que depois se desenvolveu entre ela e Stephanie. Falou do internado, de como se sentia responsável por Stephanie e de como, além da beleza deslumbrante de sua prima e de sua amalucada alegria, havia uma garota insegura que frequentemente tomava decisões equivocadas por motivos justos.
— E você sempre estava ali, sua amiga inseparável — disse Reed — E, além disso, sua conselheira, sua consciência e sua força.
— Não me faça parecer uma figura tão nobre. Tinha meus próprios problemas com que lutar. Ainda os tenho. Acredite, sei, sou psicóloga. Sou muito consciente de como e porque acabei com esta bagagem emocional. O que não significa que não possa me desprender dela.
— Bagagem emocional. Quer dizer que sempre tem que ser a que controla? Essa falta de confiança e sua necessidade de fazer as coisas sozinha?
— Sim, essa é a lista.
— E o que aconteceu com os homens?
— O que acontece com eles?
— Que importância tiveram em sua vida até agora? Porque, pelo que conta, sua prima era a rainha dos eventos sociais. E você? Queira ou não, é uma mulher bela, inteligente e apaixonante. Tem que ter havido homens em sua vida.
— Homens, não. Só momentos — disse Taylor, encolhendo os ombros e respondendo a pergunta com a mesma franqueza com que tinha respondido às outras —. Não tinha relações duradouras. As relações significam renunciar ao controle e à independência. Também exigem confiança.
— Ah, de maneira que todos os fatores negativos em um só pacote.
— Assim é. Por outro lado, não me deixava seduzir pelos cilindros largos ao azar. Essa fórmula já a provei quando ia à universidade, mas em meu caso não deu resultados. Muito vazio e muito degradante. De modo que optei pelos momentos.
Reed a olhava pensativo.
— Importaria-se com a pergunta o que é um momento?
— É um por agora. Não é uma confusão casual, e não é uma relação. Às vezes não é mais que um flerte. Às vezes é algo um pouco mais comprometido. É um ato de equilíbrio. Mas é honesto. E alivia a solidão sem sacrificar o orgulho nem a auto-suficiência.
— E o sexo? Que lugar ocupa nesses momentos? —perguntou Reed, cujos lábios se tinham crispado com um gesto nervoso—. Porque, em minha experiência, o sexo demora algo mais que um momento, inclusive quando é medíocre.
— É verdade. Razão pela qual não o tenho em conta, ao menos desde minha etapa de experimentação. Não demorei muito em me dar conta de que não podia separar a intimidade física da emocional. De modo que, em geral, o sexo ficou marginalizado.
Reed não respondeu. Ficou olhando o vazio, refletindo sobre suas palavras.
Pouco depois, deram-se uma boa noite.
Agora Taylor se perguntava se essa parte da conversa teria sido um engano. Reed tomava as coisas entre eles com muita calma. Acaso teria deduzido com suas palavras que ela tinha dado um freio? Se fosse assim, estava totalmente equivocado. De fato, estava começando a ficar louca pela tensão sexual que ardia entre eles e que ainda não haviam dedicado um tempo para explorar. Ela queria dar esse passo, queria que acontecesse o inevitável, embora tivesse uma idéia bastante clara do que estava em jogo. O risco. Parecia uma idéia absurda depois de um dia como esse. Tinha morrido um amigo muito próximo. A vida era breve e terrivelmente imprevisível. Possivelmente autoproteger-se dava segurança, mas também muita solidão. E, em alguns casos, a compensação simplesmente não valia à pena.
Inquieta, Taylor deu a volta na cama. Perguntava-se se Reed estaria dormido e, se não estava, no que estaria pensando. Estaria se fazendo as mesmas perguntas que ela?
Estaria debatendo-se para saber se o momento tinha chegado?
Só havia uma maneira de averiguá-lo.
Taylor lançou a roupa de cama para um lado, levantou-se e saiu quarto de hóspedes. A porta do quarto de Reed estava entreaberta e no interior brilhava um fulgor avermelhado. Dirigiu-se até ali e, com um ligeiro golpe, abriu-a de uma vez e ficou na soleira.
Reed estava estendido de costas na cama, mas não lia como ela imaginou, mas sim olhava o teto com os braços cruzados detrás da cabeça, em uma postura muito parecida com sua postura uns minutos antes. Sobressaltou-se quando a viu entrar e se virou para apoiar-se sobre o cotovelo.
— Esta tudo bem? — perguntou.
— Não. — Taylor deu uns passos até a cama e só parou quando suas pernas toparam com o colchão. O coração tinha disparado, e não podia acreditar que estivesse realmente fazendo isso. Mas agora não pensava voltar atrás, não nesse momento em que se encontrava a escassos centímetros de onde queria estar. Embora acabasse desfeita emocionalmente. Deu-se conta de que estava vestida apenas com uma camisola virtualmente transparente, contra a luz que projetava o abajur de Reed. Instintivamente, cruzou os braços sobre os seios e logo se deu conta da contradição de seu gesto.
Deixou-os cair.
Ficou absolutamente quieta e deu a Reed a oportunidade de ver o que quisesse o tempo que quisesse.
Não a decepcionou sua reação. Os traços de Reed se endureceram enquanto passeou a vista por cada centímetro do que lhe oferecia, atrasando-se nos lugares mais tentadores, até que Taylor se sentiu possuída por uma onda de calor.
— Não — repetiu ela, com um sussurro lento e quente —. Não estou bem. E você?
— Não. — Reed se levantou, agarrou-a pelo braço e atirou-a até fazê-la cair sobre ele na cama, os dois separados só pelo edredom. Buscou-lhe a nuca e atraiu sua boca para seus lábios — Certamente, não estou nada bem. Mas agora mesmo vou mudar esse estado.
— Bom.
Beijaram-se, um beijo quente e faminto. Taylor sentia as vibrações entre os dois, como se o edredom não estivesse ali. A camisola tinha subido até os quadris e a ereção de Reed pulsava contra todo seu corpo, endurecendo-se mais quando ela se aproximava e abria as pernas para acolhê-lo.
Reed deixou escapar um grunhido áspero e, com um esforço sobre-humano, conseguiu separar-se de sua boca, ofegando no lugar de respirar enquanto a olhava com fogo em seus olhos.
— Isto não tem nada de lento.
— Não — balbuciou ela — Não é lento. E não quero que o seja — acrescentou, esfregando-se sensualmente contra ele.
— Taylor — disse Reed, e sua voz soou como se afogasse. Seus dedos se perderam no cabelo dela, tremendo enquanto tentava separa-la dele em lugar de aproximar — sei que quer isto. E Deus sabe que eu também quero — disse, com uma risada tremula — Diabos, acredito que vou explodir se não possui-la agora.
— E a que espera?
— Então está segura de que quer isso agora? Porque o momento…
Selou seus lábios com um dedo.
— Estou segura. Quero-o tanto que morrerei se agora você resolver fazer o número do sir Galante. —Taylor se sentou escarranchada sobre ele, tirou a camisola por cima da cabeça e a jogou para o lado — Disse que saberia que não haveria falhas na comunicação.
Pois, saiba. Isto é exatamente o que quero. Aqui. E agora. Era o único incentivo que ele necessitava.
Atirou do edredom e lhe ajudou, retorcendo-se, apoiando-se em um joelho e logo na outra até que Reed o tirou do meio. Com o edredom no chão, fez roda-la sobre os lençóis, pô-la de costas e ele montou em cima.
Estava nu. Taylor sentia até o último centímetro de sua pele, quente, dura e desesperada por penetrá-la. Reed a beijou, e sua boca estava tão quente como o resto de seu corpo, enquanto lhe separava as pernas com os joelhos. Colocou a mão entre os dois e a abriu com os dedos; encontrou sua fenda suave e molhada ao tato, que respondia, tremula.
Taylor deixou escapar um grito.
— Maldita seja. Não posso aguentar mais. — Reed estava tremendo quando a esmagou contra a cama e procurou a entrada com seu pênis — Taylor… sinto muito.
— Não pare. —Taylor não podia aguentar mais que ele. Levantou os quadris e com os joelhos lhe apertou pelos lados para que a penetrasse.
Com um só movimento, ele entrou até o fundo e foi como se o mundo parasse por um momento sublime e insuportável. Reed deixou escapar um som rouco e inarticulado, apertando com força os dentes ao sentir um prazer físico indescritível, enquanto ela segurava a respiração e o envolvia com os braços pelas costas, tentando mantê-lo imóvel. Ali. Justo ali. Embora parecesse impossível, ele o fez ainda melhor, empurrou uma fração mais, estirando-a e enchendo-a além de tudo o que esperava.
Taylor fincou as unhas nas costas e já sentia que o orgasmo começava a desenrolar-se do nada, estirando-a.
Reed também sentiu. Retirou-se e voltou a entrar, mas desta vez o fez lentamente, com uma lentidão enlouquecedora, acariciando-a por dentro e por fora, sentindo Taylor enroscar-se mais e mais ao redor de seu corpo.
Ela chegou ao clímax precipitadamente, com uma sensação tão plena de prazer que não podia nem respirar, e menos ainda gritar. Agitou-se entre convulsões, uma e outra vez, irradiando seus espasmos desde seu vórtice, crescendo em intensidade, explorando até o último centímetro da poderosa ereção de Reed.
Este cedeu ante seu último esforço de contenção.
Agarrou Taylor pelos quadris e saiu, e logo voltou a entrar, liberando seu orgasmo nessa segunda penetração. Somou suas contrações às dela e se derramou em seu interior como um jorro, pronunciando seu nome entre os dentes, apertando com força. Derrubou-se sobre ela, com a face afundada no pescoço de Taylor. Ele se deixou cair sobre o colchão, sentindo-se tão fraco como se acabasse de correr uma maratona.
Voltando à realidade e o tic-tac do relógio em alguma parte do quarto se mesclou com o rumor surdo e as buzinadas dos carros na rua. Mas nenhum dos dois se moveu, como se a difícil respiração que os sacudia tirasse as últimas energias que restara.
Foi Reed que emitiu o primeiro som discernível, um grunhido prolongado e surdo.
Taylor respondeu com uma risada ligeira, logo que levantou um pé e se esfregou contra a panturrilha de Reed.
— Está bem? —murmurou ele.
— Fantástica. Espetacular — disse, e seguiu uma pausa —. Embora você esperasse seguir com a marcha "lenta", acredito que não conseguiu.
Reed respondeu com uma risada rouca que vibrou contra a pele dela.
— Não estou seguro de estar ainda vivo.
— É claro que está vivo — assegurou Taylor.
— Apenas vivo — disse ele, e sacudiu ligeiramente a cabeça — Nunca perdi o controle dessa maneira.
— Inspirei-o.
— Mais que inspiração. Fez com que tirasse coisas de mim que nunca… — Tragou com dificuldade e se separou, dando a entender claramente que não estava preparado para seguir falando disso — Peso muito. Não quero esmagá-la — disse, trocando de assunto. Apoiou-se sobre os cotovelos e fez um esforço pouco convincente de sair de cima dela.
— Nem se atreva — disse Taylor, pondo fim a essa ideia e envolvendo-o com suas extremidades — quero-o aí onde está.
— Quem toma as decisões por quem? — perguntou ele, com o cenho franzido.
— Eu tomo as decisões. — Taylor sorriu. Jamais em sua vida se sentiu tão desinibida — Nunca disse que minhas regras fossem recíprocas. Além disso, esse fogo relâmpago que falou, foi incrível. Mais que incrível. Ainda assim, também gostaria de tentar lento. Só para comparar.
— Quer tentar agora? — Seu sorriso era a sedução pura. Reed rodou-os até que ela ficou em cima, embora seguisse dentro dela — Eu também. Quero prová-la lentamente… muito mais lento. Assim que recuperar as minhas forças.
— E quando será isso? — perguntou ela, deixando que seus joelhos se deslizassem para ambos os lados levantando rapidamente os quadris.
Reed respirou com um assobio, e seu pênis se endureceu dentro dela.
— O que acha de agora mesmo?
— Agora mesmo me parece perfeito.
Estavam estendidos em silêncio. Reed brincava com as mechas do cabelo de Taylor.
Sua atitude era pensativa. Ela percebeu.
Olhou-o e o surpreendeu olhando-a por baixo de suas pálpebras cansadas.
— Reed, o que aconteceu? Está pensando em algo. No que?
— Estou pensando se você está bem de verdade — respondeu ele, sem rodeios — Se possivelmente isso tudo não foi muito precipitado para você, ou se isso foi uma reação pelo que aconteceu hoje.
— Estou bem e não é uma reação — disse Taylor, apoiando o queixo no peito de Reed — Sim, estive pensando nas voltas que dá a vida. Nestas circunstâncias, é compreensível. Mas isso não influiu na minha vontade de fazer o amor contigo. Desejava-o há dias. A espera valeu à pena — disse, levantando-se um pouco para olhá-lo nos olhos — Reed, nós dois sabíamos para onde ia esta relação. Postergá-la até que resolvêssemos toda minha bagagem emocional teria sido pouco realista e uma perda de tempo bastante tola.
Reed franziu as sobrancelhas. Não a contradisse, mas tampouco parecia disposto a deixar isso de lado. — Continuo querendo que confie em mim e que possa contar comigo… Não só na cama, e sim na vida real.
— Já sei. E espero conseguir.
— E Taylor… — Havia uma intensidade nele que ela soube que não era uma questão para discussão o que estava a ponto de dizer — Isto que temos é uma relação…, não um momento.
— Sei — disse ela, com voz fraca —. E se quer perguntar-me, direi que sim, que estou morrendo de medo. Mas é um risco que quero correr.
Nos olhos do Reed apareceu uma faísca de ternura.
— Bem — disse ele, e aproximou sua boca a dela — Voltemos para tema que nos ocupa. Pelo visto, temos o golpe denominado de relâmpago. O que você acha se tentarmos algo intermediário antes de começar com o lento?





Capítulo 17


6 DE FEVEREIRO
01h15min. RUA SETENTA E DOIS OESTE

Aproximou-se do edifício onde Taylor vivia. Tinha vindo mais cedo, mas ela havia saído. Esperava que estivesse bem. A notícia tinha que ter sido um duro golpe para ela. Mas não teve outra alternativa. Precisou fazer aquilo. Alegrava-se de não ter que castigá-la. Sabia que não era culpa dela. Os homens não paravam de persegui-la. Mas ela os rejeitava. A todos. Nunca ficavam para passar a noite. Todos tentavam. Mas ela os obrigava a ir embora. Agora tinha dado uma lição a um deles.
Custava-lhe acreditar que tinha sido tão fácil. Seguir a esse estúpido bêbado até a estação de metrô, com um livro que tinha comprado em uma máquina o bilhete para que não tivessem pistas. E ir com ele até Time Square. Com a cabeça oculta pelo capuz de seu agasalho impermeável e o nariz afundado em um livro, não poderiam identificá-lo nas câmaras de vigilância.
Não tinha sido mais que um passageiro noturno gelando a bunda no metrô de Nova Iorque. E depois, quando trocou para a linha do Flushing, tudo tinha sido moleza. Agora possivelmente outros aprenderiam a lição.
Cruzou a rua. O apartamento de Taylor ficava a meia quadra.
Sentiu a mesma emoção de sempre quando se aproximava dela. Salvo que desta vez era melhor. Agora tinha recuperado o controle, apesar do contratempo inicial. Estava a ponto de cumprir seu sonho. Logo seria dela.
Chegou a seu destino, sentindo que o coração lhe pulsava com força.
Uma hora mais tarde, a emoção se transformou em ira.
Onde diabos, estava ela?
A princípio, pensou que possivelmente dormia. Mas sabia que fazia isso com uma pequena luz acesa. E o quarto estava completamente às escuras. Isso significava que ainda não havia chegado.
Aonde teria ido? Com quem?
Uma onda cheia de suspeitas o varria, mesclava-se com a fúria que já lhe retumbava nas veias. Poderia estar em muitos lugares… Com uma amiga, ou com alguém da família. Ou com o Reed Weston.







Capítulo 18


QUINTA-FEIRA, 6 DE FEVEREIRO. 18h50min
WVNY

O ambiente na emissora de rádio era sombrio.
Todos se ocupavam de suas tarefas cotidianas, todos faziam suas tarefas ainda em estado de choque, como zumbis, falando uns com outros em voz baixa a respeito da cerimônia fúnebre. Só os responsáveis diretos pelos programas e reuniões, só se falavam com a mais absoluta necessidade e só durante o momento que estavam no ar, conseguiam injetar um mínimo de entusiasmo em suas vozes. Mas assim que acabavam seus espaços de duas horas, ficavam tão solenes como o resto do pessoal da WVNY.
Jack tinha reunido a todos para receber a notícia de Marilyn. Tinha contado o acontecido sem rodeios, com lágrimas nos olhos enquanto falava. Para quem não estava presente, enviou um memorando singelo de caráter oficial, e logo um comunicado de condolências, expressando sua dor aos meios de comunicação. Quanto à intenção de Taylor de transmitir uma homenagem pessoal no começo de seu programa, Jack estava totalmente de acordo. Faltava uma hora para começar, e os ânimos no estúdio de Taylor estavam pelo chão. Ela se encontrava no balcão junto à mesa de Kevin lendo sua homenagem a Rick, mas sem assimilar nenhuma palavra. Enquanto, Kevin se ocupava de pôr os telefonemas na lista de espera. Balançou a cabeça quando Sally lhe perguntou amavelmente, pela terceira vez, se queria que voltasse a mixar essa noite.
— É para que tenha um dia mais para se recuperar — sugeriu Sally.
— Não — insistiu Kevin, sacudindo a cabeça — Acredite, a última coisa que preciso é mais tempo para pensar. — Fez girar a cadeira para olhá-la de frente —. Obrigado, Sal. Não é que não lhe agradeça por isso ou que acredite que não é capaz de dirigir o programa. Ontem à noite fez um trabalho estupendo, e estou certo de que faria um trabalho tão bom com Taylor ao vivo. Mas ficarei louco se não me começar a trabalhar — disse, e seguiu um silêncio pesado — Além disso, preciso sentir que participo da homenagem que Taylor fará a Rick.
— Entendo.
— Isso, se eu puder aguentar a homenagem sem que acabe desmoronando — murmurou Taylor. Deixou suas notas e as meteu no bolso da jaqueta.
— Será capaz — assegurou Sally, e deu em Taylor um leve apertão no braço antes de recolher suas coisas para partir. Inclinou sua loira cabeça, seu caráter normalmente dinâmico agora apagado pela tristeza — Já, já encontrará a força… e as palavras adequadas. Sempre encontra.
— Obrigada — disse Taylor, e olhou Sally com apenas um sorriso enquanto se dirigia à porta. Queria compartilhar de seu otimismo. Mas agora estava muito sensível e trêmula. Teria que sobrepor-se, não só para dizer o que queria na homenagem, mas também para continuar o programa como fazia diariamente.
Sally passou junto a Dennis. Este deu um passo para entrar na sala, deteve-se, bagunçou os cabelos, mostrando um olhar miseravelmente incômodo.
— Eu… escutem meninos. Não sei o que dizer. Jack disse para eu vir, mas penso que não deveria estar aqui.
Taylor o olhou com simpatia. Dennis tinha se formado com Rick e o considerava seu mentor. Agora mesmo, parecia que só desejava que a terra o tragasse.
— Dennis, por favor, não se sinta assim — disse Taylor, e com um gesto lhe pediu que entrasse —. Este é o lugar onde deveria estar. É onde Rick quereria que estivesse. Escuta, pode até parecer que as circunstâncias sejam terríveis, mas você é quem deve substituí-lo. Rick acreditava que você era feito para este ofício. A dor que sentimos por sua perda não tem nada a ver com a fé que temos em sua capacidade. Sentimo-nos agradecidos por tê-lo aqui — disse, e estendeu a mão — Bem-vindo a nossa equipe.
— Obrigado — disse Dennis, e estreitou a mão com um gesto tímido.
— De acordo, o mesmo digo eu. — Kevin se levantou e também lhe ofereceu seu aceno — Bem-vindo a bordo.
— É muito amável de sua parte — disse Dennis, olhando para o chão—. Não sou muito bom com as palavras. Mas me sinto… quero dizer. É que não posso acreditar… Quisesse… — Sabemos — lhe interrompeu amavelmente Taylor —. Direi uma coisa. Temos um momento antes que entremos no ar. Instale-se e vá para mesa de mixagem. Irei atrás de café para todos. Logo poderá nos contar algo de sua vida e assim nos conheceremos melhor.
— Está segura de que gostaria disto esta noite? — perguntou Dennis, com expressão de não acreditar-. Taylor assentiu com a cabeça. Nessas circunstâncias, era uma boa estratégia psicológica injetar um elemento de normalidade nas relações entre todos. Dava excelentes resultados para potencializar o nível de confiança do grupo e para conseguir voltar para uma certa normalidade.
— Muito segura. Sinceramente, se voltar a olhar as notas que apontei sobre Rick, perderei a calma. Preferiria me sentar e conversar com vocês, meninos. Ajudará a todos a fazer um programa normal.
— Estou de acordo. — Dava a impressão de que Kevin estava mais aliviado—. Darei a pauta para o Dennis enquanto toma o café.
Dez minutos depois, estavam sentados tomando café, Kevin estava em frente a seu escritório,
Dennis estava atrás da mesa de mixagem e Taylor do outro lado da mesa.
— Me diga, há quanto tempo é aficcionado em rádio como todos daqui? — perguntou Taylor. Observou que Dennis relaxava um pouco.
— Desde a vida toda. Sempre quis trabalhar em uma emissora de rádio. O que acontece é que não estava seguro do que acabaria fazendo aqui. Sempre fui um bom com a eletrônica e os computadores e, quando era adolescente, era um fanático por rádio. Ainda sou.
Depois, fiz alguns trabalhinhos em emissoras de pouco destaque. Aprendi muito, incluído os aspectos técnicos.
— Sim, já sei o que quer dizer com o de trabalhinhos — sorriu Kevin —. A quais emissoras de pouco destaque se refere?
— As que me quisessem. Venho de um povoado em Nebraska, e saí dali quando tinha dezesseis anos. Andei com a mochila nas costas por todo o país por um par de anos, parando aqui e ali para fazer pequenos trabalhos em distintas emissoras. Fiz de tudo, desde mensageiro até técnico de som.
— Por que veio ao Oeste?
— Queria conhecer Nova Iorque. Era um risco. Meu sonho era jogar na primeira divisão. Mas Manhattan está cheia de emissoras de rádio. Eu só queria pôr o pé em alguma. Estava disposto a fazê-lo sem que me pagassem, só para aprender e demonstrar do que era capaz. Tive sorte. Jack me deu uma oportunidade.
— Jack tem bom olho para o talento — disse Taylor — Assim não é só sorte — Trocou de assunto, e deu um toque mais ligeiro e pessoal à conversa, para o caso de Dennis se sentisse interrogado. Queria que relaxasse, não que se sentisse tenso. — Como aqui não há segredos, poderia nos dar alguns dados sobre sua vida pessoal. Já sabe, a família, sonhos, interesses… Esse tipo de coisas.
— Não se esqueça dos casos que tive — acrescentou Kevin rapidamente.
Dennis o olhou surpreso, mas não se ofendeu. De fato, sorriu.
— Vejamos minha família quase desapareceu. Meu sonho é ganhar a loteria. Compro dez bilhetes duas vezes na semana. Meus interesses são ler revistas de informática e jogar com qualquer aparelho eletrônico. Ah, e também tenho uma noiva.
— Detalhes? — pressionou Kevin — Qual o nome? É sério?
O sorriso se fez mais largo e Dennis ruborizou-se.
— Chama-se Ally. Suponho que seja sério. Já veremos. É bonita e não acredita que eu seja um maluco da informática.
— Quanto tempo estão juntos?
— Quatro ou cinco meses.
— Vá, Kevin, parece um jornalista sentimental — disse Taylor, com ânimo de provocar— Disse para que conversássemos não que interrogássemos — disse, e olhou para Dennis — Não liga pra ele. Adora saber tudo sobre a vida amorosa das pessoas. — Uma piscada — Talvez queira fazer comparações.
— Não, não é necessário. A verdade é que sou um campeão. — Agora Kevin também sorria, parecia que estava recuperando seu aspecto habitual — OH, Taylor, falando do amor em nossas vidas…
— Deixa assim — se apressou a dizer Taylor—. Não me leve pra esse terreno.
— Ah, ou seja, você está aprontando algo.
— Kevin, corta essa. — Taylor se levantou e olhou seu relógio — Olhe à hora. Será melhor que volte para meu estudo e comece a me preparar — disse, e se virou para ir.
— Taylor — interrompeu Kevin. Esta vez sua voz era séria, nada de brincadeiras, e ela deu a volta e lançou um olhar cheio de curiosidade — Não sei se as coisas são sérias, mas me alegro que ontem à noite não estivesse sozinha.
— Sim, eu também me alegro — disse ela, assentindo com a cabeça — O mesmo digo de você. Alegro-me que Phyllis estivesse contigo quando chamei. — Respirou lentamente — Não são frases feitas, digo-lhe isso de todo coração.
Kevin não parecia surpreso.
— Uma sábia decisão. É o melhor que tem.
— Assim espero.

20h03min
EDIFÍCIO CHRYSLER

Jonathan escutou atentamente enquanto Taylor fazia um tributo quente e emocionado a seu desaparecido técnico de som. Era perfeito, como tudo o que ela fazia uma mensagem cheia de amizade, reconhecimento e dor. Tremeu sua voz em um par de ocasiões, mas, no final, sobrepôs-se. Assim era Taylor. Entretanto, parecia tão frágil.
Tinha que comunicar-se com ela.
Ligaria um pouco depois das dez, quando já não estivesse no ar, mas seguisse para o edifício. Assim, obteria toda sua atenção e poderia tirar todo partido possível.
Se quisesse ganhar Taylor e com rapidez, melhor seria dar passos decididos e concretos. Sentia a presença de Reed na vida dela, eclipsando-o como uma nuvem escura e sufocante. Falando em Reed, perguntou-se se o filho de puta já teria falado com o Douglas. Duvidava. Douglas diria por telefone quando tinham combinado o jantar para amanhã à noite. Isso não significava que Reed não fosse falar o que estava pensando.
Duas vezes e decidia contar suas suspeitas a Douglas. Para falar a verdade, Jonathan não confiava que Reed guardasse silêncio. Tinha que assinar aqueles malditos documentos com Douglas, antes que pusessem tudo fosse por água abaixo.
Por outro lado, não estava tão preocupado. Embora Reed falasse antes que assinassem os documentos, não danificaria as coisas, só as atrasaria.
Não, Reed não seria a principal escolha. Essa honra o levava a mesma pessoa que o prendia durante anos. Adrienne.
Também tinha bolado uma maneira de tirar-lhe esse espinho.
Jonathan voltou a pensar em Taylor, e o envolveu a calidez de sua voz, que nesse momento assegurava à mãe de uma adolescente que sua relação não era para se desesperar, que fazia o correto para seu filho e que o queria.
Imaginava enquanto falava, com toda sua discreta beleza e sua delicadeza. Com sua educação clássica, sua mente lúcida e a calidez que aninhava em seu coração, Taylor seria a companheira perfeita para ele quando assumisse o cargo de diretor executivo do Berkley & Company.
A companheira por excelência. A mulher perfeita. A mãe perfeita.
Agradava-o essa idéia, perguntou-se se seus filhos herdariam esse exuberante cabelo vermelho.

22h15min
WVNY

Laura apareceu na porta do escritório de Taylor. O cenho franzido delatava sua preocupação.
— Taylor, é a terceira vez que este tipo chama nos últimos quinze minutos pedindo para falar com você. E o único número que aparece na tela é «privado». Quer que chame à polícia?
Ela entrelaçou as mãos sobre a mesa. Não queria ter uma reação exagerada. Dessa vez não. — Ainda não quis dar seu nome?
— Não. A única coisa que diz é que é pessoal. Não soa como se estivesse bêbado nem drogado. Só parece inexplicavelmente urgente.
— De acordo — disse Taylor, e elevou o queixo — Diga-lhe que estou falando pela outra linha. Diga que volte a tentar dentro de cinco minutos. Logo desligue e disque asterisco cinquenta e sete.
— Quer que peça que localizem a chamada?
— Claro que sim. Quando voltar a ligar, diga que continuo ocupada. E volta a fazer o mesmo. Desligue e localiza a chamada. Isso deve bastar à polícia. Duas chamadas telefônicas são suficientes para qualificar como perseguição.
— Se for com essas intenções — recordou Laura — Pode ser que seja um admirador insistente.
— Arriscarei-me.
— Em qualquer caso, como quer que me livre dele? —perguntou Laura, assentindo com a cabeça.
— Quando chamar pela terceira vez, diga que sente, mas minha outra chamada era uma emergência e que acabo de sair… acompanhada de um segurança — acrescentou Taylor rapidamente, pensando que o tipo poderia encontrar-se perto do edifício e possivelmente decidisse ficar dando voltas para surpreendê-la a sós. Se soubesse que tinha uma escolta armada, possivelmente trocaria de opinião.
— De acordo. Também pedirei a um dos meninos da segurança que consiga um táxi para que a leve para casa.
— Obrigada. Você leu o meu pensamento.
Com expressão grave, Laura desapareceu para seguir suas instruções.
Taylor sentia que o coração pulsava com força. Obrigou-se a conservar a calma. Tinha muito tempo para especular. Laura devia localizar a chamada e logo a polícia tomaria a substituição. De uma ou outra maneira, descobriria quem a chamava essa noite.
Descobriu-o antes do que esperava.
Sete minutos mais tarde entrou Laura.
—O cara não é tolo. É evidente que se deu conta do que estávamos fazendo. Assim cedeu e me deu seu nome.
Taylor se afundou em sua cadeira, aliviada, mas nervosa.
— Suponho que isso significa que tinha razão. Deve ser inofensivo.
— Isso saberá você. É Jonathan Mallory.

































Capítulo 19

22h45min
EDIFÍCIO CHRYSLER

Jonathan estava cego de raiva.
Taylor não queria falar com ele. Nem sequer depois de dizer a sua secretária quem era.
Tinha-o feito para economizar tempo. Era evidente que essa tal Laura tinha tentado localizar sua chamada seguindo as instruções de Taylor. Assim, tinha economizado a dor de cabeça. E qual era sua recompensa?
Essa historinha do telefonema e das pausas (também, sem dúvida, seguindo instruções de Taylor). Nem sequer lhe tinham dado a oportunidade de dar um "oi" a Taylor. Simplesmente não queria ficar ao telefone. Por que, maldita seja? Já não podia tratar-se de Gordon. Não depois de tanto tempo. Já teria que ter digerido o impacto. Além disso, embora ainda ficasse nervosa com a ideia de um encontro face a face com ele, isso não explicava por que nem sequer lhe falava. Haviam tido uma conversa perfeitamente civilizada no Harter, Randolph e Collins, quando ela inteirou-se de quem era. Ou, mas bem, quem não era. E embora ainda se mostrasse um pouco nervosa durante seu encontro na Escola Dellinger, não tinha sido mal educada. Não, era certo que sua atitude se devia a algo um pouco mais profundo que Gordon. Atenção, não algo, a não ser alguém.
Reed.
Que diabos ele lhe disse? Teria encontrado alguma maneira engenhosa de passar por em cima do segredo profissional entre advogado e cliente? Teria dado alguma indireta a respeito da debilidade de Jonathan por ruivas, sem divulgar os desagradáveis detalhes de seu passado? Se fosse assim, tinha-lhe irradiado alguma idéia… uma semente que destruiria suas possibilidades de conseguir o que tanto desejava? Merda.
Serviu-se de um uísque, bebeu-o de um gole e se serviu de outro.
Só havia uma maneira de chegar à verdade. Não pensava perder tempo em especulações. Tinha que descobrir o que acontecia.
Engoliu o segundo uísque, bebe alguns goles do terceiro copo e pegou o telefone, agarrou o fone e o acomodou torpemente sob o queixo. Inclinou-se para frente e olhou de relance o teclado até enfocá-lo. Logo discou o número do celular de Reed.
Reed respondeu ao terceiro toque. Soava distraído.
— Alô? — O ruído de fundo era um zumbido estático. O ruído da rua. Reed estava em seu carro. — Olá, aonde vai? Vai procurar sua amiguinha?
Seguiu um silêncio e, ato seguido, Reed emitiu um grunhido desagradável.
— Jonathan? Quanto bebeu? Pela sua voz, deve estar um trapo.
Tomou um gole de uísque.
— Se parece isso, é graças a você.
— Fiz uma pergunta. Está bêbado?
— Espero estar. Daqui a pouco, suponho.
— Está em sua casa ou no escritório?
— No escritório. Acabo de passar trinta fodidos minutos tentando me comunicar com Taylor.
— O que diz? — perguntou Reed, trocando de tom de voz — Com Taylor? Como?
— Está com ciúmes?
— Jonathan eu advirto…
— Você me adverte? — perguntou Jonathan, e algo nele disparou — Você, que quebrou a regra mais importante do juramento de um advogado? Contou pra ela, filho de puta? O que contou?
— De que complicação está falando? O que contei? Não fiz isso, vontade não me falta, mas não disse nenhuma palavra.
— Então, por que não respondeu a minhas chamadas?
— De verdade, você tem que fazer essa pergunta?
Jonathan soltou uma imprecação.
— Não me venha outra vez com essa história sobre Gordon. Já é velho. Fomos gêmeos.
Fomos idênticos fisicamente. Ele era um fodido bode manipulador. Eu sou um homem de negócios, respeitado, que logo chegará ao mais alto degrau. Ele está morto, eu estou vivo. Acabaram-se as comparações.
— Jonathan, delira como se estivesse louco — disse Reed, contendo a respiração —. Tome uma aspirina, vá para cama, durma e cure a bebedeira.
— Falando em dormir, esta noite pensa em dormir na casa de Taylor ou na sua? — Era uma pergunta mal exposta, e toda a amargura e o sarcasmo que Jonathan estava acostumado a reprimir saíam agora flutuando com toda claridade — Sabe de uma coisa? Não importa. Optarei pelo mais prático. Ligarei para o seu celular e pedirei para falar com ela. Assim conseguirei, sem que tenha importância em que cama está. Pode ser que interrompa no meio de sua sedução. Mas é um risco que terei que correr. Não penso abandonar. Tenho grandes planos para essa mulher.
Esse pequeno discurso levou por água abaixo qualquer indício de controle emocional no outro extremo.
— Ouça Jonathan, deixe Taylor em paz, maldito seja. — A advertência de Reed era como uma saraivada de gelo — Ou não será meu juramento de confidencialidade que será rompido, mas sim o seu pescoço diretamente. Nem se aproxime dela. Falo muito sério.
— Ah, sim? Pois eu a quero. E isso sim é que digo a sério. Não me subestime, não sabe o que sou capaz de fazer para consegui-la. — Alterado como estava, Jonathan se deu conta de que nunca tinha visto Reed tão zangado. Também se deu conta de que era ele quem alimentava essa raiva, de que estava falando muito mais da conta, de que tinha ido muito longe. Mas não podia reprimir-se.
Tomou um gole e o uísque escorreu pelo pescoço de sua camisa.
— Conseguirei falar com ela, Reed. Cedo ou tarde. E não será só por telefone. Pode me ameaçar com tudo o que queira, mas terá que sair de sua cama e de sua vida. E quanto ao nosso pequeno segredo, o segredo com que me ameaça, pode esquecer. Quando Taylor e eu estejamos juntos, eu mesmo contarei. Ela entenderá. Taylor tem algo que faz com que alguém se sinta vivo — disse, e seguiu uma risada rouca — Acredite meu passado não é nada comparado com o resto da família Berkley.
— Jonathan…
— Não me atrapalhará, Reed —saltou Jonathan —. E sabe por quê? Porque não penso perder esta vez. Planejei tudo muito bem. Todo o plano é perfeito.
Taylor é perfeita. Ela e eu seremos perfeitos juntos. Assim, será melhor que saia do meu caminho.
Jonathan sorriu ao desligar, sabendo que desprezaria a furiosa advertência de Reed de que não se metesse.


23h55min
RUA SETENTA E DOIS.

Taylor estava estendida na cama, com o olhar fixo no telefone, perguntando-se se era muito tarde para ligar para Reed quando soou o interfone do vestíbulo.
Levantou-se e foi até o corredor.
— Sim, George.
— Sinto incomodá-la tão tarde, senhorita Halstead, mas está aqui o senhor Weston. Insiste em vê-la.
— Obrigado, George, pode dizer que suba — respondeu profundamente aliviada. Colocou robe e foi até a porta. Olhou no olho mágico e deixou Reed entrar, antes que tocasse a campainha.
—Alegro-me que tenha vindo. Justo neste momento estava pensando em ligar ou não.
Reed parecia cansado e pesaroso e, para ouví-la, entrecerrou os olhos.
— Por quê? Houve algo?
Taylor lançou um olhar de curiosidade.
— Quer dizer, depois das notícias da morte do Rick, de ter feito uma homenagem e logo ter que seguir com todo um programa? Sim, aconteceu algo. Por que tenho a sensação de que você já está informado?
— Deixemos para depois esta roda de perguntas agora, Taylor, por favor — disse Reed, com um bufo. — Esta noite, não. Só me diga o que ocorreu. Eu responderei, se puder.
— De acordo. Esta noite Jonathan Mallory ligou para a rádio. Não só uma vez, mas sim várias. Insistia em falar comigo. Eu não atendi. — Deu uma pausa, e Taylor ficou olhando a expressão de Reed, que não se alterou — Vejo que não está surpreso.
—É verdade.
— Então diga tudo o que sabe.
—Jonathan me contou que tentou entrar em contato — disse Reed, e tirou o casaco com um gesto rápido, sem sequer incomodar-se de pendurá-lo. –- chamou-me faz uma hora, em meu celular. Queria saber se passaríamos a noite juntos e, se era assim, no apartamento de quem, para saber aonde ligar.
Taylor ficou atônita.
— Não tem meu número. Não sai no guia. Assim, como poderia me ligar aqui?
— Os números que não saem no guia podem ser conseguidos. Além disso, não acredito que isso tenha importância. Diz que ligará em meu celular e pedirá para falar contigo. Assim, estará seguro de conectar, sem se importar onde estejamos.
— Esta noite?
— Sim.
— É meia noite — disse Taylor, sentindo um comichão gelado lhe percorrendo pela coluna.
–- Começa a me deixar nervosa — disse, e olhou fixamente Reed — Não sei o que quer falar comigo, mas você sabe. Por isso veio, porque está preocupado. E tenho a impressão de que não se trata de um assunto legal. Diga-me o que está passando. E será melhor que não saia a expressão "assunto confidencial" de sua boca.
— Não sairá. — Reed sabia que tinha que ter com cuidado. Não podia falar do passado de Jonathan, e isso incluía os dois incidentes de loucura que ele conhecia de perto. Sem dúvida, podia revelar sua obsessão atual, seu interesse romântico por ela, e até sua bebedeira quando o tinha confessado. Isso não rompia nenhuma regra de confidencialidade. E que o pendurassem não desse a Taylor suficiente informação para que tomasse suas precauções, se o que precisava era proteger-se de Jonathan.
— Reed… — urgiu ela.
— Jonathan Mallory quer ter algo com você — disse, com voz neutra —disse que saísse do seu caminho para deixá-lo atuar, agora que teve tempo para superar ser idêntico com Gordon.
— Perdão? — atinou a dizer Taylor, surpreendida.
— Você me ouviu. Está convencido de que vocês dois poderiam ter algum tipo de relação mais séria.
— Não posso acreditar — disse Taylor, apartando a cabeça e passando uma mão pelos longos cabelos, enquanto tentava digerir o que Reed acabava de contar— É uma loucura! Só vi esse cara algumas vezes. A primeira vez assustou-me porque pensei que era Gordon. A segunda vez quase morri de medo. Pediu-me que saíssemos e disse que não. Sem rodeios. De onde terá tirado a idéia de que poderíamos ter algum tipo de relação?
— Não posso dar uma resposta sobre isso — disse Reed, franzindo o cenho — A única coisa que posso supor é que entre escutar seu programa de rádio e a atração que acredita existir entre vocês, pensa que há algum tipo de conexão entre os dois, como se pudesse entender. Enfim, estava bastante bêbado quando me chamou para soltar todo esse lixo em mim.
— Atração? Conexão? —Taylor ficou olhando Reed, totalmente desconcertada pela explicação, e com uma sensação espantosa de déjà vu — O delírio será um traço genético nessa família? Porque Jonathan Mallory soa quase igualmente desequilibrado que…
— Taylor calou antes de pronunciar o nome do Gordon — Crê que será capaz de… fazer… algo?
— Não. — Reed podia responder abertamente a essa pergunta — Jonathan é persistente, mas não é violento.
— Genial. Tampouco o era seu irmão… até aquela noite — disse Taylor, e começou a Tremer —. Reed desejo que Jonathan desapareça de cena. Conseguirei uma ordem de afastamento, se precisar. Com tudo o que está acontecendo, sinto-me incapaz de dirigir isto também.
— Sei. — Reed se aproximou e lhe acariciou os ombros—. Por isso vim.
Taylor elevou o queixo com ar resolvido, mas os lábios tremeram ao falar.
— Não penso atender às suas ligações. Terá que atuar de intermediário. Dizer-lhe que não me interessa… nem pensar nele, nem sair com ele nem ter uma relação com ele. Quanto ao que te disse que saia do seu caminho, é uma intrusão e raia em uma obsessão doentia. Diga que sou eu quem toma as decisões sobre minha vida social. Diga-lhe que com os dramas que tenho vivido, tenho problemas para toda uma eternidade. Diga-lhe que… — balbuciou, e a voz fraquejou, como se algo nela se quebrado. Começou a chorar e as lágrimas escorregaram por suas bochechas quando se tampou a face — Não posso acreditar que eu esteja desmoronando desta maneira — soluçou — Nunca me aconteceu algo assim…
Reed a abraçou e acariciou seu cabelo sustentando-a assim por um momento.
— Possivelmente necessite. Você acumulou muitos problemas.
— Quando começou a ligar esta noite para a rádio, quase tive um ataque de nervos — disse, afundando a face no peito do Reed — Não parava de ligar e não queria dizer quem era, e…
— E tinha medo porque pensava que era esse louco que liga a noite.
Ela assentiu com a cabeça.
— Isto não é muito diferente. Tenho medo. Tenho muito medo.
— Não tema. Direi a Jonathan que te deixe em paz.
— E ele levará em conta? Montou-se um filme na sua cabeça que está tão longe da realidade que… — de repente, Taylor ficou rígida em braços do Reed — Você não pensou que Jonathan Mallory é quem estava me perseguindo, não?
Antes que Reed respondesse, produziu-se um breve silêncio. Mas foi suficiente para que Taylor se apartasse e o olhasse para examinar a expressão em sua face.
— Reed?
— Não sei — respondeu ele, secamente — Não acredito, mas não posso assegurar isso.
— Mas minha pergunta não o deixou surpreso. O que significa que você também já tinha pensado nisso.
— Sim, também tinha me ocorrido.
— Apoiando em algo mais que especulações.
— Taylor, não continue. — Reed endureceu a mandíbula, mas sua expressão era mais de dor que de convencimento — Já falei mais do que me permitem os limites éticos. Não posso dizer nada mais…
— Está-me dizendo que…? — disse ela, com os olhos totalmente abertos de estupor.
— Estou dizendo que não posso falar de meu cliente. Mas asseguro que não ficarei de braços cruzados se vir que corre perigo. Há uma grande diferencia entre a teimosia e a agressão física. Jonathan tem problemas, mas não é Gordon. Não deixe que as emoções lhe nublem a razão. Peço- que confie em mim. Sei que não está de todo preparada para fazê-lo. Mas tente.
Taylor ficou um momento olhando-o com os olhos alagados de lágrimas.
— Pareço um desastre —murmurou finalmente — Tenho as emoções à flor de pele. E você tem razão. Já nem sequer posso distinguir entre Gordon e Jonathan. Sinto-me como se estivesse revivendo uma versão do que aconteceu em setembro. A pergunta é, trata-se de um medo irracional ou de uma lógica irrefutável? Não sei. Nem sequer posso confiar em meu próprio julgamento. Como posso confiar em você?
— Por isso está discutindo os sentimentos entre nós. Porque sabe que não deixarei que ninguém lhe faça mal. E porque sabe que conheço todos os fatos, incluindo os que não posso falar e que saberei proceder com inteligência.
Taylor sentia a cabeça a ponto de explodir.
— Entendo o que diz, mas…
— Mas para é um salto enorme. Entendo — disse Reed e a abraçou com mais força, até que Taylor apoiou a cabeça debaixo de seu queixo — Dá o salto. Embora não seja mais porque eu sou mais objetivo que você, neste caso. Posso separar a razão da emoção. Salvo quando te toco. É o único momento em que minha objetividade desaparece.
Taylor entendia essa parte sem problemas.
— Já nem sequer posso pensar —murmurou — Estou esgotada. Muitos estímulos. E pouco sono.
— Quer dizer nada de sonho. Você não tem dormido nada — corrigiu ele, lhe beijando o cabelo — Nem você nem eu dormimos. Falando de estímulos.
— Não referia a isso.
— Já sei. Mas eu sim. O que aconteceu entre nós ontem à noite é mais exaustivo do que você pode imaginar, além do que não tinha me dado conta de que não dedicamos tanto tempo. Por isso sinto tanta tensão emocional.
— Suponho que tem razão — conveio Taylor, com um suspiro — É uma ironia, mas tinha pensado dedicar esta noite a me recuperar. Pensei que se ficasse sozinha, poderia pensar em tudo o que aconteceu nesses últimos dias e carregar um pouco as pilhas emocionalmente. Parecia uma idéia estupenda, sobre tudo porque, depois do programa, estava tão esgotada que já não podia dar um passo. Tinha pensado em chegar em casa, tomar um banho e ir pra cama. Mas como vê, as coisas não saíram assim.
Reed se separou e lhe agarrou o queixo, buscou-lhe o olhar com expressão duvidosa.
— Quer que vá?
— Não, não quero. — De repente estava totalmente acordada e sacudiu a cabeça com toda convicção quando ouviu sua pergunta — Todo mudou desde que recebi essas chamadas de Jonathan Mallory. Ainda não tinha curado minhas feridas quando chegou alguém, abriu as antigas e pôs sal ainda por cima. Quando me chamou, estava olhando o telefone, me perguntando se era muito tarde para te ligar. Ia implorar que viesse pra cá.
— Então me alegro de ter vindo.
— Eu também me alegro. Falando em telepatia. —Taylor lutava contra seu instinto natural de proteger-se de outros e, no final, renunciou a todas as perguntas que não tinham resposta para abandonar-se ao momento — Fique. Necessito de você.
No olhar de Reed brilhou uma faísca de ternura e agarrou a face com as duas mãos.
— Não penso ir a nenhuma parte. Até manhã de manhã. Ficarei contigo toda a noite — anunciou, e pigarreou, para logo esclarecer o que tinha pensado, no caso de Taylor ainda ter alguma dúvida — E se o que quer é que te abrace, será tudo o que farei.
— Nem pense isso. —Taylor secou as lágrimas e começou a desabotoar sua camisa — Quero muito mais que isso. Quero bater a porta e deixar o mundo lá fora, com todas suas coisas feias. Quero voltar a viver todas as sensações incríveis de ontem à noite. E quero descobrir sensações novas contigo — afirmou, com um sorriso choroso — Além disso, ainda estamos aperfeiçoando a arte da lentidão, lembra-te? É como minhas aulas de defesa pessoal. Precisa muita prática para dominar bem. Não é isso o que me ensinou?
Reed esboçou um sorriso e tirou seu robe. Levou-a até o quarto.
—Como poderia esquecer?
Taylor estava nua quando chegaram à cama. Reed a deixou brandamente e se afastou para tirar o resto da roupa. Por um breve instante, deteve-se e se aproximou da janela. Olhou para baixo, para a rua escura. Nada.
A última coisa que fez antes de abandonar-se nos braços de Taylor que lhe esperavam foi agarrar sua jaqueta, procurar o celular que guardava em um dos bolsos e desligá-lo.
Era até ali que chegariam as chamadas de Jonathan.
Nada de maus momentos. Nada de interrupções.
Nada mais do que Taylor.
Estendeu-se ao seu lado e a cobriu com todo seu corpo.


SEXTA-FEIRA, 7 DE FEVEREIRO
04h35min

O ruído estridente do telefone no criado mudo quebrou o silêncio do quarto.
Com a cabeça apoiada no peito do Reed, Taylor despertou de repente de seu sonho.
— OH, não — sussurrou.
— Deixa que eu atendo — pediu Reed, que já tinha sentado na cama, e se inclinou por cima de Taylor para chegar até o fone.
— Não. — Taylor o sustentou pelo braço — Se for ele, o tipo que me ligou da última vez, Ficará louco se responder um homem a esta hora da noite. Deixe que eu atendo.
Ficou olhando o telefone e observou o odioso titulo de "privado" piscando na tela de cristal líquido. Buscou ânimo e agarrou o fone.
— Sim?
— Onde estava ontem à noite? —Era a mesma voz pastosa, embora o timbre estava alterado para fazê-la mais rouca, como um barítono —esperei horas.
Taylor tremeu sem poder controlar-se.
— Esperar? Esperar onde? Quem é?
— Responda a minha pergunta.
Taylor fez um esforço por fazer aflorar à psicóloga que havia dentro dela.
— Faleceu uma pessoa que eu gostava muito. Estava muito transtornada para ficar sozinha. Fiquei na casa de uns amigos.
— Amigos. — A voz estava muito distorcida para saber se ocultava ou não certo cepticismo.
— Sim — confirmou — E agora me diga, quem é e por que me esperava?
— Disse para dormir sozinha. E falava sério. Não me obrigue a tomar medidas drásticas.
Antes que Taylor pudesse responder, cortou-se a comunicação.























Capítulo 20

08h35min. Harter, RANDOLPH & COLLINS

Douglas Berkley negou com um gesto a xícara de café que Reed lhe oferecia e nem sequer incomodou-se em sentar-se. Ficou de pé atrás de uma das cadeiras macias cor de chocolate, apoiado no respaldo com as duas mãos.
— Tenho uma reunião às nove e meia, Reed. O que pode ser tão urgente que não possa esperar até terminá-la?
Reed não faria rodeios.
— Temos um problema — disse em tom seco — Não pode esperar.
— Tem algo a ver com os documentos? Porque, tudo anda nos trilhos. Esta noite me reunirei com Jonathan para jantar. Ainda faltam alguns detalhes para esclarecer. Voltarei para Hamptons na segunda-feira pela manhã e na terça-feira estarei preparado para assinar os papéis e dar a notícia, tal como tínhamos previsto.
— Não se trata da empresa. Trata-se de Jonathan.
— O que aconteceu com Jonathan? — inquiriu Douglas franzindo a sobrancenha.
Reed relatou a série de acontecimentos de cabo a rabo, atendo-se aos fatos e deixando de lado qualquer conjetura. Quando acabou, Douglas tinha os lábios apertados e sua expressão era sombria.
— Crê que Jonathan é o que está perseguindo Taylor Halstead?
— Depende do momento. Às vezes, parece-me absurdo, que Jonathan jamais atiraria pela amurada seu futuro dessa maneira, e menos agora. Outras vezes, como ontem à noite, quando ficou tão grosseiro por telefone, lembro-me do Jonathan de antes, que estava convencido de que todas as mulheres que desejava também o desejavam, e que podia estabelecer uma relação simplesmente…
— Não tem por que recordar-me, disse Douglas, e se aproximou do aparador para servir-se um gole de água — É ruiva, como as outras?
— Sim. Mas, a diferença das outras, esta tem namorado.
— Jonathan sabe?
— Eu mesmo disse. Sem rodeios, e sem cortes.
Douglas inclinou a cabeça para Reed, entendendo a mensagem implícita com toda clareza.
— Em outras palavras, Taylor Halstead tem uma relação contigo.
— Sim. E eu estava com ela ontem à noite quando a chamaram por telefone. Alerto que Taylor é uma mulher forte. Mas está a ponto de enlouquecer. E eu não vou deixar que isso aconteça.
— Entendo. Está-me dizendo então que há um conflito de interesses? Que não pode representar Jonathan?
— Só se for ele quem persegue Taylor. Tem que averiguar a verdade. Embora eu não levasse a sério, as coisas poderiam ficar muito feias. Taylor é uma personalidade da rádio. Sua família está bem relacionada. E Joseph Lehar é um excelente advogado. Não demorará nada em ocupar-se deste assunto. Não preciso dizer o escândalo que desabaria, por não falar das conseqüências legais. O momento não poderia ser pior. Está a ponto de lançar Jonathan à luz pública, reconhecer acima de todo mundo que é seu filho e herdeiro depois de todos estes anos, e lhe entregar as rédeas de uma empresa multimilionária. Aconselho sinceramente que antes disso acontecer, poderia ser uma autêntica bomba relógio. Assim, com ou sem mim, se fizer falta poderá minimizar os danos.
Douglas resmungou uma imprecação e se afrouxou a gravata.
— Quanto contou Taylor Halstead?
— Você já me conhece bem. A única coisa que disse é que Jonathan está interessado nela. Mas isso bastou para assustá-la. O que aconteceu com Gordon está muito vivo ainda em sua memória. Jonathan e Gordon são gêmeos. São idênticos.
— Tão idênticos, não.
— Para você, não. Nem para as pessoas que os conhece muito bem. Mas Taylor não pertence a essa categoria.
—Já basta. — Douglas acabou seu copo de água e o deixou na mesa com um golpe seco — Me parece que Jonathan e eu vamos ter que falar muito sério esta noite — disse, e franziu os lábios com uma expressão pensativa — Ontem à noite, quando ligou, disse que tinha um assunto delicado que falar comigo. Possivelmente ele mesmo pensa contar essa história
— Possivelmente. Mas isso não deveria nos tranquilizar. Nas outras duas ocasiões, também veio correndo lhe contar. Reed interrompeu a resposta de Douglas com um gesto — Ouça Douglas, eu também quero que seja inocente. Deixemos como está. Você me liga para me contar o que descobrir, está bem?
— Farei isso.
Reed limpou a garganta.
— Falou tudo isto com Adrienne? Ela está de acordo com sua decisão?
— Sim, de acordo. — disse Douglas, voltando a franzir o cenho — Olhe Adrienne não é uma grande admiradora de Jonathan. Não deveria sentir amores por ninguém, dadas as circunstâncias de seu nascimento. E tendo nessa conta duas situações desastrosas em que se meteu na universidade e que não serviram para que ela o visse com melhores olhos. Mas tudo isso é irrelevante. Adrienne sabe por que estou preparando Jonathan para que assuma a direção do Berkley and Company.
— Porque é seu filho.
— Sim. E Berkley and Company é meu legado. Quando se trata de meus negócios, Adrienne sabe muito bem que eu tenho a última palavra. Mas também sabe que Jonathan é muito competente e que levará a cabo um estupendo trabalho. Ela está satisfeita com seu estilo de vida, sua fortuna e seu status social. Não está disposta a arriscá-los por nenhum motivo. De modo que se tiver algum desagrado, já o superou, sobre tudo porque sabe, que se eu morrer, todas minhas propriedades, incluída a empresa, irão parar a suas mãos. A metade das ações já está em seu nome. E ela revisa os benefícios e as projeções com olho de águia. Acredite, sempre estará vigilante, também no que se refere a Jonathan.
— Não é o futuro de Adrienne o que me preocupa — respondeu Reed com a voz cortante — Adrienne é uma mulher inteligente. Sabe velar por seus interesses. Só esperava que sua relação com Jonathan tivesse melhorado.
— Os dois mantêm uma atitude civilizada. Nunca será mais que isso.
— Não, já supunha isso. — Reed sorveu um gole de café — Adrienne o acompanhará na próxima semana para a execução dos documentos?
— Um dia depois. Minha idéia é assinar os documentos, anunciá-lo publicamente e logo apresentar Jonathan na terça-feira. Essa noite jantará comigo e com os vice-presidentes da empresa. Na quarta-feira, meu chofer acompanhará Adrienne a Manhattan. Poderá fazer suas compras, visitar o Metrôpolitan ou ir ver uma peça de teatro na Broadway pela tarde, o que ela queira. Depois, ela e eu seremos os anfitriões de uma celebração privada no Cerque em honra ao Jonathan. — Douglas respirou, aliviado —. Pensava em convidá-lo.
Suponho que já não vale à pena. A menos que, para então, tenha-te convencido de que Jonathan não tem nada que ver com esta… esta… merda.
— Obrigado, Douglas, mas acredito que de todas maneiras não é boa idéia. Neste momento, Jonathan está furioso comigo. Pode ser que estivesse bêbado, mas falava sério. Realmente tem a esperança de que Taylor e eu terminemos nossa relação. Isso não acontecerá. De modo que evitarei o escândalo potencial oferecendo minhas felicitações na terça-feira pela manhã. E deixaremos assim.
Douglas assentiu, embora não estava muito contente.
— Suponho que é a decisão mais acertada — disse, e esfregou o pescoço por trás — Meu papel como pai foi desastroso, não é? —perguntou-lhe, olhando-o como se esperasse uma resposta.
Reed respondeu com toda a sinceridade que pôde.
— Em primeiro lugar, eu não sou ninguém para julgar isso, já que não sou pai. Em segundo lugar, não me concerne absolutamente. E, terceiro… — disse, e calou por um momento — Escute Douglas, fez o que fez, e ponto. Deu a Gordon e Jonathan todas as vantagens materiais. E quando sua mãe morreu depois de que eles partiram para estudar na universidade e com Adrienne, que se sentia dessa maneira… digamos que teve certas dificuldades.
— Dificuldades. Bonita maneira de dizê-lo. E bem, só espero que essas dificuldades não voltem a apresentar-se… outra vez. Nesta ocasião, tenho uma possibilidade decente de perpetuar meu nome e minha empresa. — dirigiu-se à porta e se virou antes de abri-la –- manterei-o informado.
14h35min
ESCOLA DELLINGER
Faltavam dez minutos para que acabassem as aulas. E logo seria hora de voltar para casa.
Casa. O último lugar onde queria ir.
Estava sentada em seu escritório, fazendo anotações em uma folha de papel, com a mente abarrotada de perguntas, as mesmas que a tinham açoitado durante todo o dia. Quem a perseguia? Quem a vigiava, lhe esperava, ligava para ela no meio da noite? Era ou não Jonathan Mallory? E se era ele, até onde chegava sua obsessão? Era ele ou Gordon o remetente dessas cartas horripilantes? Onde acabava um gêmeo e onde começava o outro? E até onde chegaria Jonathan para conseguir o que procurava?
Não parava de pensar nas postais do correio eletrônico. Ao princípio, pensava que era muito pouco provável que Jonathan as tivesse enviado. Ao fim e ao cabo, quando as havia recebido nem sequer o conhecia.
Mas depois caiu na conta de que ele sim a tinha conhecido a ela. Ao menos em sentido figurado. Fazia tempo que escutava seu programa. E se de verdade tinha uma personalidade delirante, seria capaz de construir todo tipo de fantasias a partir de uma suposta conexão com ela durante essas sessões radiofônicas.
Mas, claro, também poderia ser o caso de muitas outras pessoas.
Meu Deus, pensava, estou perdendo a cabeça.
Inclinou-se sobre a mesa e começou a recolher os papéis que tinha que levar para a casa essa noite. Já era hora de acabar e fechar.
Agachou-se para recolher sua bolsa de couro e a deixou sobre a mesa em frente a ela. Entre a agitação do dia e seu estado de desassossego, tinha se esquecido de olhar os papéis do dia anterior.
Ainda estavam dentro, esperando que os tirasse e os arquivasse. Com um gesto de mal-estar, tirou o montão de documentos e jogou a cadeira para trás. Da bolsa deslizou sobre a mesa uma caixa branca e retangular, envolta como um presente. Era uma caixa das que contêm jóias, pequena, plana e quadrada com uma fina fita dourada.
Taylor ficou atônita. Olhou a caixa como se fosse um objeto estranho.
Jamais a tinha visto. Não era dela e tampouco estava em sua bolsa na noite anterior nem na primeira hora da manhã quando tinha procurando na bolsa por uma caneta. A menos que Reed a tivesse colocado antes dela sair de casa… Não. Surpresas não eram seu estilo. E menos agora, quando ela se sobressaltava com algo fora do normal.
O que era e quem a tinha posto aí?
Agarrou a caixa e, com as mãos tremendo, quis averiguar a resposta a sua primeira pergunta. A fita se desprendeu e Taylor abriu a tampa.
Dentro, em um leito de algodão, havia um colar, uma singela corrente de ouro, com uma só pedra preciosa pendurando dela.
A pedra era um rubi, vermelho como o sangue, em forma de lágrima.
Sobre o algodão níveo, o contraste entre o carmesim e o branco era tão estremecedor como a postal do correio eletrônico que tinha recebido o dia de Ano Novo. E o impacto simbólico era inconfundível. Seu sangue, sua lágrima. Em torno de seu pescoço. Era de uma vez um presente e uma ameaça.
Do interior da caixa, caiu um cartão.
Um escuro pressentimento se apoderou de Taylor.
Agarrou o cartão com um gesto brusco. A breve mensagem estava escrita à máquina e sem assinar.
Um tributo a sua beleza. Um aviso de que me pertence. Leve-a em meu nome. Estarei te vigiando.
Com um gemido e desesperada, Taylor se deixou cair na cadeira e soltou o cartão com a caixa como se queimassem. Afundou a cabeça entre as mãos.
— Não — sussurrou em voz alta, tremendo de pés a cabeça — Por favor, por favor, não.
Ele a tinha posto ali, em sua bolsa, entre suas coisas pessoais. Tinha estado ao seu lado, possivelmente inclusive tocando-a, em algum lugar entre sua casa e a escola. Talvez, em uma esquina enquanto ela esperava que trocasse a luz do semáforo. Ou possivelmente quando se deteve a comprar o periódico da manhã. Ou na entrada do colégio. Ou…
Basta, Taylor. Basta!
— De quem é isso?
A voz de Chris Young impregnou o seu pânico.
Taylor levantou a cabeça, confusa, e ficou olhando.
— O que?
— Esse colar. Quem deu isso de presente isso? O almofadinha ou o advogado próspero?
Taylor não atinava a dar um sentido às palavras do Chris.
— Os dois são almofadinhas — prosseguiu Chris de maneira inexpressiva — Por sua cara de tragédia, acredito que quem enviou isso seja o senhor almofadinha. Se tivesse sido o advogado, estaria no sétimo céu. Está tão gamada nele.
Ao final, entendeu o sentido das palavras de Chris. Referia-se a Jonathan e Reed.
— E você o que sabe…?
Ele a olhou fixamente até que Taylor afastou a vista.
— Intento fazer uma idéia da competência. E, se quiser minha opinião, não estão à altura. Não sei se me entende — acrescentou com crueldade.
— Chris… — Taylor estava a ponto de perder os sentidos — Quando viu que…?
— Eu vejo tudo, senhorita Halstead. É o que faço melhor. Vigiá-la. — Piscou o olho — Falta pouco para a formatura. Logo ensinarei o que está perdendo.
— Me vigiar? — conseguiu dizer Taylor.
— Como um falcão.
As palavras que tinha empregado eram mais do que Taylor podia suportar. Colocou a caixa e o cartão em sua bolsa, apartou Chris com um empurrão, e saiu a toda pressa de seu escritório.
Cinco minutos depois, estava lá fora na escada do colégio olhando de um lado ao outro, com ar despreocupado, como tinha instruído Mitch Garvey. Não era nada fácil aparentar indiferença, sobre tudo depois do que acabava de ocorrer. Mas tinha passado pelo lavabo de mulheres para molhar o rosto com água fria e recuperar a calma.
Aliviada, comprovou que ele estava ali. Ombros largos e musculosos, trinta e poucos anos, vestindo roupa de rua; Mitch estava de pé junto à calçada lendo um periódico. Olharam-se brevemente e ele inclinou a cabeça para ela com um gesto leve, logo esperou que Taylor voltasse a entrar no colégio antes de dobrar o periódico e dirigir-se à recepção até a sala particular onde tinham acordado encontrar-se.
— Olá, senhorita Halstead. — O homem lhe estendeu a mão — Estou aqui, a sua disposição.
Parecia um encontro surrealista. Contudo, ali estava ela, indo a esse homem como se fora um salva-vidas. Que o era nesse momento.
Taylor estendeu a mão.
— Obrigado, senhor Garvey. Não posso lhe dizer quanto lhe agradeço que tenha vindo em seguida. Acreditava que passaria mais tempo antes de necessitasse… Na verdade, não esperava necessitar o amparo de que falamos. Mas como foram as coisas, não posso lhe dizer quanto me alivia que esteja aqui.
Ele a esquadrinhou com olho perito.
— Ocorreu algo.
De novo, Taylor se pôs a tremer.
— Sim Encontrei uma caixa na bolsa. Dentro havia um colar. Com uma nota. São dele.
— Está segura?
— Sim. — Com um gesto brusco, tirou ambas as coisas e as entregou de maneira violenta. Queria desprender-se delas o quanto antes — Aqui está.
O investigador particular colocou a mão em um bolso de seu casaco e tirou uma bolsa com fechamento hermético.
— Ponha-os aqui dentro.
Rastros. Claro. Ao Taylor nem sequer lhe tinha ocorrido.
— Comprovarei a origem do colar, a caixa e o cartão — assegurou, voltando a guardar a bolsa de plástico no bolso—. Diga-me só uma coisa, quando o encontrou?
— Faz dez minutos.
— E, antes disso, quando foi a última vez que olhou dentro de sua bolsa?
— Esta manhã, antes de sair de casa.
O homem apertou os lábios.
— Assim sendo, colocaram o presente no colégio ou no caminho ao colégio.
— No colégio? —Taylor ficou branca — Não me ocorreu isso. Quer dizer que acredita que alguém entrou aqui e…?
— Não. — Garvey negou com um gesto enérgico da cabeça — Seria muito arriscado. Acredito que é mais provável que se mesclou com as pessoas da rua na primeira hora da manhã e o colocou na bolsa enquanto esperava em alguma esquina.
— A menos que seja um de meus alunos — murmurou ela, quase para si — Nesse caso, já teria estado no Dellinger.
O detetive particular arqueou as sobrancelhas.
— Suspeita de alguém?
— Sim. Não. Não sei. —Contou sobre Chris Young, e a história de sua relação.
— Averiguarei — disse Garvey — Embora Chris Young teria que andar com muita discrição para que se desse bem. Enfim, será fácil comprovar.
— Você não acredita que seja ele — deduziu Taylor.
— Acredito que devemos investigar todas as pistas que possamos. Mas, não, penso que Chris Young não corresponde ao perfil.
— Meu Deus, isso tudo é tão insuportável — Taylor passou a mão pelo cabelo com um gesto frágil e tremulo e logo lhe lançou um olhar como de desculpas — Sinto muito.
— É perfeitamente compreensível. — Ao falar, a voz do homem era séria e com um ar de autoridade que em Taylor resultou muito tranqüilizador — Comecemos pelo princípio. Em primeiro lugar, me chame Mitch. Soa mais natural. Assim, se alguém nos vir juntos, será mais fácil dissimular que somos conhecidos ou colegas de trabalho. Em segundo lugar, não se desculpe pela urgência. Estou acostumado a agir sem muita antecipação. E, em terceiro lugar, o contato entre nós será feito por Rob. Isso terá categoria de prioridade.
Taylor conseguiu sorrir.
— Assim Rob Weston e você trabalharam juntos durante alguns anos?
— Sim. Em São Francisco. Rob acabava de subir para inspetor. Eu ia pelo mesmo caminho. É um policial dos bons. Eu também. Só que a ele lida melhor em seguir as normas. Por isso ele está no corpo de polícia e eu na investigação particular.
O estilo depravado de Mitch se desvaneceu e adotou um ar de investigador.
— Revisemos as instruções.
— De acordo.
— Feche a porta com chave. Não fique espremida entre uma multidão de gente. Mas tão pouco vá a nenhum lugar deserto. Tenha cautela depois que escureça. Não troque de destino sem me avisar de antemão. Além disso, leve sua vida como de costume. Não se comporte de maneira estranha. Quando sair à rua, não vá olhando de um lado a outro para ver se estou lá. Estarei. Mas não queremos que se dê conta a pessoa que a está vigiando. Tem meu número do celular e o número de minha casa. Se ocorrer algum problema, utilize-os. Entrarei em contato com você a cada dia. De acordo?
— De acordo. —Taylor aspirou fundo —. Agora vou para casa. Depois…
— Depois irá à emissora de rádio. Já sei. Fiz o dever de casa.
O olhar de Mitch era firme e alentador.
— Tente não preocupar-se. Se chegarem perto de você de novo, lançaremos a isca.














































Capítulo 21


19h35min. RESTAURANTE OAK ROOM
QUINTA AVENIDA COM CENTRAL Park SUL, Nova Iorque


O jantar tinha sido bem estranho.
Jonathan não podia dizer o que era com exatidão, mas algo não parecia bem.
Franziu o cenho, olhando o rosto de Douglas enquanto tentava discernir que idéias passavam por sua cabeça. Tinham tomado uma taça e já foram para a salada, mas a conversa não passava das surpresas daquela semana na Bolsa e de um lucrativo negocio em que se embarcou Berkley & Company.
A verdade é que tinham coisas mais importantes para falar.
— Revisei as mudanças de última hora que incorporou na redação dos documentos —disse, para introduzir o tema — Tudo bem. Estamos preparados.
Douglas se deteve com o garfo a meio caminho e logo o levou a boca.
— Disse-me que tinha um assunto difícil de que queria falar. Não tem a ver com Berkley & Company então?
— Diretamente, não. Mas não há dúvida de que pode afetar à empresa. Tem a ver com Gordon.
— Com Gordon?
— Sim. —Jonathan entrecruzou as mãos e se inclinou para frente para transmitir o que tinha que dizer com toda solenidade — A operação de «sanear aos investidores» que seguiu ao acidente foi a situação mais difícil de todas as que tivemos com respeito a Gordon no passado. Por isso, decidi averiguar até que ponto andava metido nos negócios sujos. Está morto, mas qualquer que seja o dano que tenha feito, poderia voltar e nos trazer problemas. Por isso, decidi encarregar uma pequena investigação.
— E... — respondeu Douglas, como se essa resposta fosse a última coisa que quisesse escutar. Na verdade, era-o. Durante anos tinha reagido como um avestruz quando se tratava dos problemas de Gordon.
— E não é nada agradável. Gordon passou anos enganando a seus clientes, roubando milhões de dólares mediante uma comercialização excessiva de seus investimentos para aumentar suas comissões.
— Apropriação indevida?
— Sim. Fez carreira com isso. Ah, e cada vez que um cliente queria cobrar suas ações, Gordon se limitava a agarrar o dinheiro de um para pagar o outro. Tinha benefícios mais que suficientes para ir atirando. Meu irmão alcançou uma pequena fortuna. Com esse método, vivia no limite. — disse Jonathan, franzindo o cenho — Por desgraça, também morreu no limite antes de poder desfrutá-lo.
Douglas apertou a mandíbula.
— Por que está contando tudo isto, concretamente?
— O que quer dizer? Estou contando porque temos que tomar medidas para minimizar os danos.
— Que curioso que utilize essa expressão. É muito possível que tenhamos que minimizar os danos, mas não será pelos negócios sujos de Gordon. Esses limpei faz muito tempo. Já não há nada que possa saber.
Jonathan o olhou com expressão de assombro.
— Sabia?
— Claro que sabia. De verdade acredita que sou tão estúpido para não saber que meu filho andava metido em negócios escusos? Não cheguei onde estou por obra do azar, Jonathan. Quando se trata de negócios me escapam poucas coisas. Sobre tudo quando influi no futuro de minha empresa. Por que acha que o escolhi para me suceder na Berkley & Company? Gordon era brilhante, mas, infelizmente, não basta ser brilhante. Para o êxito a longo prazo, é essencial uma conduta honesta e ética, tanto nos negócios como nas questões pessoais — disse; e guardou silêncio um momento — De acordo, não?
Jonathan tentava juntar os fatos, mas o tom crispado de Douglas não passou despercebido. De repente, ativou um alarme.
— Você sabe que estou de acordo. Por isso dei esta informação. Gostaria que me dissesse que já sabia. Teria economizado muita angústia.
— Em outras palavras, não teria se mostrado tão ambíguo na hora de aceitar minha oferta de trabalho, se soubesse que me encarreguei de limpar os negócios sujos de seu irmão?
Já sabe como sou bom para me desembaraçar de certas coisas.
Já foram dois. As indiretas não eram pura casualidade.
Tinha chegado o momento de agarrar o touro pelos chifres.
— Falou com o Reed — disse Jonathan em tom neutro.
— Sim. — Douglas esperou que servissem o segundo prato e, com um gesto, recusou outra rodada de vinho — Por que não me conta o que está passando?
Jonathan conservou um aspecto inexpressivo.
— Reed e eu desejamos a mesma mulher. Isso se chama rivalidade amistosa.
— Não me parece amistosa.
— E o que quer dizer com isso?
Douglas apartou seu prato.
— Esteve perseguindo Taylor Halstead?
— Perseguindo… — Jonathan deixou seu guardanapo com um gesto brusco — Acredita nele. Acredita que persigo Taylor como um adolescente namorador.
— Não seria a primeira vez. Nem a segunda. A conduta é exatamente a mesma, Jonathan. Você se convenceu que uma ruiva bonita o deseja mais que você a ela. Esta vez é mais grave. Ela não te quer para nada. —Douglas tentava manter a calma — Segundo Reed, quase o ameaçou para que se afastasse dela, o que é absurdo, porque ele deixou bastante claro que têm uma relação com ela
— Ah, sim? Pois, nesse caso, por que o chamou para te pedir que intervenha?
— Não para que intervenha. Para saber a verdade. Reed está preocupado, sobre tudo depois da chamada de ontem à noite.
— Estava bêbado. Disse-lhe algumas coisas num tom elevado. Queria…
— Não refiro a essa chamada. Refiro a que fez para Taylor às quatro e meia da madrugada em que a advertia que dormisse sozinha.
Produziu-se um silêncio tenso.
— Disse a Reed que ligaria. Insistiu em que faria contato com Taylor nessa noite.
— Já disse, estava bêbado. —Jonathan tinha elevado a voz e tentando controlar sua raiva — Isso não quer dizer que esteja maluco.
— Mas é verdade que deseja a essa mulher — disse Douglas, também elevando a voz.
— Sim, é verdade que a desejo. E, sim, acredito que ela também me desejaria, se nos desse uma oportunidade. Mas Reed a protege como se fosse seu cão de guarda. Conseguiu que nem sequer responda a minhas ligações.
— Me parece que é uma decisão dela, e que você deveria respeitá-la.
Jonathan aspirou entre dentes.
— Não posso acreditar que estejamos falando disto. Você já tomou partido.
— Me convença do contrário. Nada me faria mais feliz.
— O que quer? Gravações das chamadas? Cartas dos sócios de minha empresa lhe contando quão estável sou e as horas que passo trabalhando?
— Baixa a voz — ordenou Douglas olhando a seu redor e notando as olhadas curiosas das mesas vizinhas —. Está fazendo uma cena.
Jonathan apertou os dentes, lutando contra o rancor e a raiva que se apoderavam dele. Maldito Reed Weston. Se esse filho de puta lhe tinha quebrado seus planos, a parte mais decisiva de seu futuro pagaria com o inferno.
— Quer que diga a verdade? — resmungou — Pois direi isso. Depois da explosão do iate, você e eu estávamos ocupados em resolver a última fraude de valores que envolvia Gordon. Taylor Halstead era parte desse acerto. Jamais a tinha visto até o dia de sua reunião no Harter, Randolph & Collins, quando topei com ela na recepção. Havia escutado seu programa de rádio? Sim. Tinha a impressão de que ela e eu estávamos conectados? Sim. Tinha-a ela? Claro que não. Ser parecido com Gordon a espantou. Assim que a deixei em paz, dei-lhe tempo para acostumar-se. Mas antes que pudesse fazer algo, Reed entrou em cena. Estava de saco cheio? É claro que sim. Sou melhor partido que ele? Sim, maldita seja. Mas quanto a segui-la por toda parte, mandar-lhe correios eletrônicos sinistros, e fazer chamadas telefônicas que só faria um louco? Não.
Jonathan ficou olhando fixamente Douglas.
— Disse a Reed e agora digo isso: quero Taylor. Imagino um futuro junto a ela. Mas só se os sentimentos forem mútuos. Acredito que poderiam sê-lo. Assim que a chamei para convidá-la para sair. E, sim, embebedei-me e deixei que a testosterona ganhasse a partida quando disse a Reed que saísse do meio. Mas nada disso é perseguição. É só tenacidade e interesse. Convenci-o?
Douglas guardou silêncio um bom tempo. Ficou sentado, com expressão tensa e o olhar fixo no Jonathan. Logo voltou a aproximar seu prato e agarrou seus talheres.
— A verdade é que sim. Agora, coma a carne. Está esfriando.

23h35min
A fita de vídeo zumbia silenciosamente e ele se inclinou para frente para olhar a mesma cena pela terceira vez nos últimos dez minutos. Era sua filmagem preferida. Havia captado tudo o que Caracterizava Taylor, tudo o que para ele tinha um sentido mais profundo. Esperou o momento preciso e teclou «pausa». Fez um zoom em seu rosto ao sair da emissora de rádio. Era a noite seguinte que se livrou do cretino que trabalhava com ela. Em seu rosto se refletiam múltiplas emoções. O medo era a mais excitante, inclusive mais que a dor e a resignação. Vulnerável e atemorizada, era perfeita. Como um formosa peça de argila, esperando para que ele a moldasse. Ou a esmagasse.
Bebeu o resto de seu uísque.
Logo. Logo seria dela. O colar era seu presente para ela. Ela seria o presente para ele.
Sua estratégia funcionava como um mecanismo de relojoaria.
O jantar com o Douglas tinha acabado melhor do que esperava. Tinha conseguido tudo o que se tinha proposto e mais.
Só faltava Adrienne.
Reclinou-se na cadeira, imaginando o desenlace. Quando Adrienne descobrisse o que estava acontecendo, seria muito tarde para ela. Agora via seu rosto. Primeiro viria o impacto, logo o medo e, ao final, o mais puro terror.
Tinha esperado muito tempo para que chegasse esse momento.
Faltava só uns dias.











Capítulo 22

TERÇA-FEIRA, 11 DE FEVEREIRO. 09h45min
Harter, RANDOLPH & COLLINS

Reed repassou os documentos pela última vez. Logo chamou Cathy e pediu que fizesse cópias e as levasse à sala de conferências. Seus clientes chegariam a qualquer momento.
Esperava que Douglas soubesse o que fazia.
Com um suspiro, Reed se levantou e começou a passear de um lado a outro do escritório. Douglas estava convencido de que Jonathan era inocente. Segundo ele, tudo o que Jonathan havia dito no jantar parecia ser verdade.
Reed ainda tinha suas dúvidas.
Mas tinha aconselhado a Douglas o melhor que podia. Ao final, a decisão de incorporar Jonathan à empresa, reconhecê-lo como filho dele e lhe atribuir um lugar como comandante era de Douglas. Se tinha julgado mal a situação, as conseqüências também seriam responsabilidade dele.
Reed tinha a consciência tranquila. Fazia seu trabalho. E, para falar a verdade, o futuro da Berkley & Company não era sua principal preocupação.
Sua principal preocupação era Taylor.
Não tinha recebido mais presentes. Não do maldito rubi que tinha encontrado há quatro dias. Mitch não tinha medido esforços para averiguar de onde tinha saído o colar. Tinha investigado em joalherias de luxo como Tiffany's, Cartier e Harry Winston, onde compravam gente rica como Jonathan. Nenhuma delas reconhecia a mercadoria. Havia levantado todas as joalherias de penhor de um extremo ao outro da Rua Quarenta e sete. Sem sorte. Tampouco tinha tido na comprovação dos rastros digitais. As únicas digitais no colar, na caixa e no cartão eram de Taylor.
Chris Young estava definitivamente descartado. A investigação de Mitch havia descoberto que o guri era tal como o tinha imaginado: um adolescente rico e mimado, que jamais tinha comprado nada sem utilizar o cartão de crédito que Mamãe e Papai tinham lhe dado. E eram eles quem recebiam diretamente os extratos da conta.
Sem que tivessem chegado mais presentes, sem rastros digitais nem possíveis suspeitos, o assunto tinha acabado em um beco sem saída.
Quanto às chamadas telefônicas, tampouco tinham seguido depois de sexta-feira. Também era verdade que Taylor tinha estado sozinha todas essas noites, e que Mitch ou seu sócio, Jake, tinham vigiado seu prédio com extremado zelo.
Reed morria de vontade de vê-la. Passavam-se horas falando por telefone todas as noites, como dois adolescentes. E no domingo, Taylor tinha passado toda à tarde em sua casa, em sua cama. Quando se levantou para vestir-se e voltar para seu apartamento, Reed sentiu vontade de estrangular ao bode que a perseguia. Se não tivesse sido pela segurança de Taylor, haveria fechado a maldita porta com chave e a teria convencido para que ficasse. Tudo o que havia entre eles era extraordinário, e não só na cama. Quanto mais se conheciam, mais forte ficava o vínculo. Inclusive começava a surgir a confiança que para Taylor tanto custava dar, sempre e quando não saísse de repente o nome de Jonathan. Nesse caso, a tensão se voltava tão forte que se podia cortar com uma faca.
Taylor entendia os fatos. Jonathan era cliente de Reed, um cliente que negava havê-la chamado, exceto àquela noite na rádio. Reed tinha que ater-se a sua palavra. Taylor dizia que o respeitava. Se pensasse friamente, Reed estava seguro de que era verdade. Mas o que passava no plano emocional? O assunto era muito diferente.
A verdade era que até que encontrassem ao tipo que a perseguia, e descobrissem que não era Jonathan, não poderiam fechar a brecha entre eles.
Confiava que Mitch chegasse logo ao fim do caso.
Reed aproximou o olhar pela janela. Era paradoxal pensar como todas as coisas tinham alcançado um ponto crítico ao mesmo tempo. Sua relação com Taylor, a crise pessoal dela e a crise profissional dele.
Os sócios o tinham convocado a uma reunião para na quinta-feira pela tarde. Podia passar algo, do mais cordial até o mais abertamente desagradável. O tempo o diria.
Uma chamada na porta interrompeu seus pensamentos. E Reed se virou quando Cathy apareceu.
— Perdão, senhor Weston. Pediu-me que avisasse quando chegassem o senhor Berkley e o senhor Mallory. Já estão aqui. Acabo de acompanha-los à sala de reuniões. O senhor Randolph já está aqui.
— Chegou a hora do espetáculo. — Reed fechou a jaqueta, meteu a caneta no bolso e se dirigiu para a porta — Obrigado, Cathy, agora vou.

18h15min
Completou-se mais uma fase do plano.
Acabou de refrescar-se no lavabo de cavalheiros pensando na frenética atividade daquele dia.
A assinatura de documentos, o fax com a notícia. A distribuição maciça de correios eletrônicos. A nota de imprensa. E agora, dentro de quarenta e cinco minutos, o jantar com os vice-presidentes da empresa.
Os assuntos financeiros estavam nos trilhos.
Agora terei que abordar os assuntos pessoais.
Taylor havia tornado a dormir com Reed Weston. Não em seu próprio apartamento, mas sim no dele.
Aquilo o enfurecia ainda mais. Estava burlando sua inteligência e desobedecendo suas ordens. Era um engano fatal por sua parte. E, além disso, acreditava que tinha desistido. Mas claro, ele queria que pensasse assim. Por isso tinha evitado propósito chamá-la no domingo pela noite, para que acreditasse que estava a salvo. Que se enganasse com uma falsa sensação de segurança. Queria surpreendê-la com a guarda baixa. E isso faria. Assim seu medo seria mais intenso, mais evidente e muito mais excitante.
Com isso teria Taylor sob seu controle. O próximo passo era Adrienne. E chegaria no dia seguinte.
Esperava-lhe uma grande surpresa.


12 DE FEVEREIRO. 03h40min
RUA SETENTA E DOIS OESTE
Taylor estava acordada quando soou o telefone.
Foi quase como se o esperasse. Talvez sim o esperasse. Os dias tinham transcorrido muito tranquilos e agora se apoderava dela uma turbadora sensação de insegurança, como se encontrasse no olho do furacão. Entretanto, como ela sabia, o olho do furacão sempre passava, igual à falsa sensação de calma que trazia consigo. Logo vinha o furacão e arrasava tudo.
Lançou um olhar à tela do telefone. Era um gesto mecânico, só para contar ao Mitch. Ela sabia que diria «privado». E assim foi. Desprendeu o fone.
— Alô?
— Agora se ocupa de fazer chamadas de casa? — perguntou aquela pastosa voz masculina.
Chamadas de casa? O coração do Taylor se disparou. Tomara que se equivocasse com o significado da insinuação. Calma. Tinha que conservar a calma.
— Não entendo — atinou a dizer — O que significa isso?
— Significa que sou mais inteligente que você. Significa que sei tudo o que faz e com as pessoas com as o faz. Significa que estou zangado por sua excursão do domingo. Muito zangado. Sobre tudo depois de mandar esse agradável e belo colar. É minha. Só minha. Recorde. Você não quer que me zangue.
Taylor não tinha interpretado nada mal. Ele sabia. Deus santo sabia.
Um pânico atroz se apoderou dela. Espremendo o cérebro, procurou a resposta mais adequada que pudesse dar a alguém que se encontrava a beira do abismo.
Taylor optou pelo lado seguro.
— Tem razão. Não quero que se zangue. Possivelmente se me contasse…
— Não me fale nesse tom paternalista — advertiu ele.
— De acordo. —Algo no interior do Taylor se quebrou e a invadiu uma emoção incontrolável — O que quero é que me deixe em paz — balbuciou — Deixe de me ligar. Deixe de me mandar presentes. Simplesmente, me deixe em paz. — pôs-se a tremer — me deixe em paz!
Desligou de repente e, recordando as instruções do Mitch, voltou a agarrar o telefone para marcar o número asterisco cinquenta e sete. Logo, atirou-se bruscamente na cama e apoiou-se contra a cabeceira, respirando num ritmo lento e profundo para recuperar a calma. Com a calma veio a razão e Taylor quis dar-se um soco por sucumbir a um impulso tão estúpido. Sem dúvida, tinha piorado as coisas.
Como era de esperar, o telefone voltou a soar, estridente, insistente.
Não queria dar-se por vencido.
Taylor agarrou o fone e o levou ao ouvido.
A princípio, não houve mais que um silêncio insuportável, balizado só por uma respiração ofegante e irritada. Logo veio a resposta e foi tão horrível como havia esperado.
— Puta. — Em sua voz vibrava uma fúria incontida que nenhuma distorção podia ocultar— Até agora esse foi seu pior engano. Ninguém me fala dessa maneira. Ninguém. E ninguém desliga na minha cara quando estou falando.
— Sinto muito — respondeu ela rapidamente — Não queria ser grosseira nem antipática. Só que… estou tão…
— Assustada? Bem. Deveria estar. E agora com maior razão.
— Por favor, me diga quem é e o que quer de mim.
— Saberá quando estiver preparada. Mas roga a Deus que me tranqüilize antes de que chegue esse momento.
Ou o que? queria gritar Taylor. O que pensava fazer comigo?
— Eu ponho as regras. Você as obedece. Não quero outros homens. Eu sou o homem. Fale-me com respeito. Nunca volte a desligar na minha face. E não tente ser mais esperta que eu. Perderá… e pagará por isso. De modo que não volte a me desafiar nem a me insultar, nunca mais.
Clique.

04h25min
RUA SESSENTA E OITO ESTE
Reed se levantou de repente e agarrou o telefone ao segundo toque. Só podia ser uma pessoa.
— Taylor?
— Tornou a ligar — disse ela com voz tremente — Duas vezes. Desliguei na sua cara e voltou à ligar.
— Disse ao Mitch?
— Imediatamente. Disse-me que não havia ninguém rondando perto de casa. Assim fez contato de outra parte.
— Ou de algum lado onde não pudessem vê-lo. — Reed estava desesperado. Queria abraçá-la, consolá-la —. Taylor deixe-me que vá buscá-la. Chegarei pela entrada de serviço e a trarei de volta a minha casa. Não quero que esteja sozinha.
—Não! — Taylor esteve a ponto de gritar. Reed se deu conta de que estava chorando — Sabe quando estou contigo. Por isso chamou.
— O que quer dizer? O que disse?
Taylor contou a conversa.
— Merda. — disse Reed esfregando a mandíbula com força — De modo que não só está perseguindo. Está ameaçando. Também vigia, tal como suspeitava, não só dentro de seu prédio aonde quer que vá.
— Sim. — Taylor tentou rir, em um esforço desesperado por lutar contra a histeria — Que sorte a minha. Tenho um perseguidor em toda parte.
— Marcou o número asterisco cinquenta e sete?
— Às duas vezes.
— Então, me escute. Mitch se encarregará disto. Irá falar com a polícia. Desta vez terão que levar a sério. Localizarão a chamada e encontrarão a esse tipo. E logo atribuirão a um inspetor.
— Suponho. Mas, maldito seja. —Taylor suspirou e as lágrimas voltaram a tingir sua voz — Por que me descontrolei desta maneira? No que estaria pensando? Sou uma psicóloga com experiência. Meu perseguidor é um desequilibrado. E o que faço eu? Deixo me dominar por sua obsessão por me controlar. Tentei canalizar sua fixação para transformá-la em idolatria em lugar de hostilidade. Agora já não é. Ele queria me ter em um pedestal. Isso implicava adotar uma atitude total e casta. Danifiquei as duas coisas ao dormir com você e agora questionei sua autoridade. Para ele, foi a gota d'água. Como pude ser tão estúpida?
— Basta. — disse Reed, apertando o fone — Deixa de se culpar. É humana. Está assustada. Escute-me, é quase dia. Falaremos um momento. Pode ser que durma. Em qualquer caso, seguirá falando por telefone. Eu não desligarei até que esteja pronta para ir ao trabalho.
Taylor não recordava sentir-se emocionada.
— Reed, é uma maravilha. Obrigado. E, sim, estou bastante tocada. Assim que esta noite aceitarei sua proposta. Mas não pode ser uma solução permanente. Não pode ficar todas as noites ao telefone comigo.
— Quer apostar algo?
Taylor não pôde evitar uma risada.
— Me cobrará essas horas?
— Não se preocupe com isso. É muito possível que muito em breve troque minha carteira de clientes e minha orientação legal.
— O que quer dizer isso?
— Falaremos disso no fim de semana. Quando chegar esse momento, contarei isso tudo. Teremos muito tempo para falar, a respeito disso e de outras coisas importantes que estou pensando.
— De acordo. Assim, vamos nos converter em colegas telefônicos.
— Nada disso. Nós vamos escapar. Juntos. Sozinhos. Sairemos de Manhattan e iremos a alguma parte, os dois sozinhos. Para te afastar desta loucura, mas também para nos encontrar a sós. Se não, serei eu que ficarei louco. Além disso, na sexta-feira é o dia de São Valentim. É o fim de semana perfeito para que os amantes tomem um descanso.
— Um descanso — repetiu Taylor apesar de suas lágrimas — Começa a falar como um autêntico romântico.
— Isso parece — disse ele, e guardou silêncio — Iremos. Taylor Preciso estar contigo.
— O que acontecerá ele se souber?
— Não se inteirará. Falaremos com o Mitch e com a polícia. Encontraremos alguma maneira de esquivá-lo.
Taylor sentiu o primeiro fio de esperança desde a chamada daquele estúpido. Possivelmente havia uma possibilidade de que ela e Reed pudessem desfrutar de um pouco de normalidade.
— Aonde iremos?
— Isso é segredo. Você só tem que ter uma mala preparada na sexta-feira. Depois de seu programa de rádio, iremos.















































Capítulo 23


QUARTA-FEIRA, 12 DE FEVEREIRO. 17h10min
RUA OITENTA E DOIS ESTE, Nova Iorque

Adrienne entrou em sua casa, tirou o casaco de pele e o pendurou no armário.
A exposição no Museu Metrôpolitano tinha sido uma maravilha. Cento e vinte desenhos extraordinários de Leonardo Da Vinci, em uma exposição especial que duraria todo o mês. Tinha estado horas passeando pelo museu. Era justo o tipo de atividade que necessitava para não pensar sobre essa noite.
Com um suspiro de desgosto, olhou seu relógio. Ainda faltavam várias horas antes que tivesse que assumir o papel de anfitriã nessa farsa de jantar para Jonathan. Tinha previsto o tempo necessário para relaxar-se. Primeiro passo, preparar uma jarra de Martini. Segundo passo, tomar uma taça enquanto relaxava e se metia no jacuzzi do piso de acima. Isso a sossegaria. Recuperaria a compostura e estaria preparada para quando Douglas chegasse a casa, sem dúvida transbordante de entusiasmo pelos acontecimentos dos últimos dias e pela nomeação de seu querido filho. Ela o escutaria, sorriria, e logo se vestiria para sair para jantar no Le Cerque.
Toda essa montagem a punha doente.
Mas, como sempre, saberia dirigi-lo.
Passou a mão por sua espessa cabeleira de cor mogno, agora umedecida pelos flocos de neve. Essa noite recolheria o cabelo em um coque e colocaria seu vestido Armani com o comprido decote nas costas. Pode ser que seu estado de ânimo estivesse pelo chão, mas seu aspecto seria espetacular. Apesar de sua idade, faria com que todos os homens se fixassem nela. Agora estava de melhor ânimo. Entrou na sala e se dirigiu sem vacilar ao aparador.
— Adrienne. Chegou justo à hora.
Virou-se bruscamente e viu Jonathan, acomodado no sofá com um copo de uísque em a mão.
— Mas o que…
— O Martini está preparado — disse ele, assinalando a mesa com um gesto — Forte e seco, como você gosta. Quer que sirva uma taça?
Sua surpresa começava a transformar-se em cautela.
— Claro que sim — disse, consentindo com um gesto e cruzando os braços sobre o peito. –- A que devo esta visita surpresa?
Jonathan serviu uma taça do Martini e a passou.
— O que acontece? Não me diz nenhuma palavra para me felicitar? Nenhuma palavra para me dar as boas vindas? Estou decepcionado.
— Duvido. — Adrienne se deixou cair em uma cadeira macia, cruzou uma perna bem torneada sobre a outra e bebeu um gole de sua taça — Por fim tem o que sempre quis. Seguro que se sente muito iludido — disse, franzindo o cenho —. Como conseguiu deixar o escritório e vir para esta visita?
— Sai cedo para me preparar para a grande festa dessa noite. Na verdade, lhe esperava antes. E logo me lembrei da exposição de Da Vinci. Suponho que foi vê-la.
Os olhos de Adrienne brilhavam.
— Não acredito nisso. Você nunca supõe nada, Jonathan. O teu negócio é saber.
—Tem razão. O meu negócio é saber. Tenho por princípio saber tudo o que me afeta — disse, e bebeu o resto do uísque — E isso me recorda o motivo de minha visita. Pensei que poderíamos ter um bate-papo amigável.
— A respeito do que?
— Gordon.
— Ah, sim. — perguntou ela, e bebeu outro gole —. O que passa com o Gordon?
Jonathan se inclinou para diante.
— Irei direto ao assunto. Sei tudo. Tudo sobre sua vergonhosa montagem, até como tinha planejado incriminar a minha mãe. Além disso, tenho provas. Gordon estava mal da cabeça, mas era esperto. O bastante esperto para saber que seria necessário ter algo para negociar contigo. Demorou um tempo, mas um dia encontrou a ocasião esperada. Foi durante um de seus encontros pouco felizes. Gravou sua conversa. Eu tenho a gravação. E a usarei, se for obrigado a fazê-lo.
Adrienne ficou pálida como um morto.
— Não acredito — balbuciou
— Já esperava — disse ele. Tirou um gravador pequeno e teclou a tecla «Play». Ouviram duas vozes, a de Gordon e a de Adrienne. Estavam os dois enfurecidos, mas as vozes eram perfeitamente inteligíveis. Discutiam sobre uma ameaça feita fazia muitos anos, uma ameaça que tinha trocado o destino de algumas pessoas, por certo vidas. –- por certo, é uma cópia, disse Jonathan. Pulsou «Stop» e ficou observando a expressão de Adrienne.
— O que quer de mim? — inquiriu ela, com voz seca.
— Isso é o melhor de tudo. Nada. Não quero absolutamente nada. — A boca de Jonathan era uma linha apertada e sinistra — Salvo que terá que sair de meu caminho. Berkley & Company é minha criatura. Meu futuro. Não o seu. Você seguirá assim, seguirá sendo a esposa troféu de Douglas. Desfruta de sua galinha dos ovos de ouro. Isso não me importa. Mas não se intrometa nos negócios e nem em nenhuma das decisões financeiras ou pessoais que meu pai tome a meu favor. Se limite a sorrir, a me dar seu apoio e a aceitar os talões dos dividendos que eu der. Se não, verei-me obrigado a falar com Douglas. Farei-lhe escutar esta fita, breve mas demolidora. Você não quer isso, verdade?
Seguiu um silêncio de morte.
— Pense — disse Jonathan — Pode começar esta noite, portando-se como uma anfitriã perfeita, me dar as boas vindas a esta família e aos negócios com os braços abertos.
— É um bode miserável — disse Adrienne, com um olhar de ódio mortal.
— Bode, sim. Miserável? Isso depende da quem lhe pergunte. Agora bem, qual é sua resposta? Posso contar com sua colaboração?
Adrienne deixou seu Martini e se levantou.
— Por agora, sim. Depois, veremos.
— O que significa isso?
— Significa que quero ver como se adapta a seu novo papel. Além disso, quero me assegurar de que siga sendo um menino bom, como o foi desde que por fim cresceu. É verdade que foi um bom menino, não?
Jonathan entrecerrou os olhos.
— Por que essa pergunta?
— Não é o único que sabe o que está passando.
— Não tenho nem idéia do que você quer saber. Será outra de suas panaquices. E isso significa que não tem nem a menor prova.
— Está disposto a correr esse risco? — Adrienne lhe devolveu um sorriso duro — O jogo da extorsão se pode jogar entre dois, Jonathan. Se me derem um golpe, eu o devolvo. De modo que deixemo-lo em equilíbrio. Reconheço que essa pode ser sua melhor carta e que seja mais interessante que a minha, mas, por outro lado, tenho minha influência sobre Douglas, que é muito superior à sua. Não acredito que faça falta me estender sobre os detalhes.
— Pode economizar os detalhes de sua vida sexual.
— De acordo. Assim, para responder a sua pergunta, sim, respeitarei seu ultimato. Por agora. Douglas acredita que tem as habilidades necessárias para que sua empresa prospere. De modo que estou disposta a fazer alguma concessão. Mas saiba que estou de olho em você. Ao fim e ao cabo, em suas mãos tem a empresa de Douglas e meu futuro. — Adrienne acabou lhe lançando um olhar cortante — Vou subir e tomar um banho. Você vai pra casa e se arrume para esta noite. Minha farsa de madrasta solidária começa às sete e meia.

18h15min
WVNY

Taylor estava sentada só no estudo de gravação. Kevin e Dennis se achavam ao outro lado dos controles, mas ela não tinha vontades de socializar, perdida como estava em seus pensamentos.
Por uma questão de personalidade, sempre se sentia obrigada a fazer uma análise das situações. Agora se sentia uma vítima.
Tinha estudado todas as publicações de psicologia que abordavam os elementos constitutivos da personalidade patológica. Tinha consultado várias páginas na Internet que tratavam em detalhe o tema dos perseguidores, sua psique, os traços de sua personalidade e de seu comportamento. E tinha chegado a entender muito bem o que acontecia com esse tipo. No mínimo, sofria um transtorno delirante, ou um transtorno psiquiátrico mais grave, como a esquizofrenia. Era um obsessivo. Um ressentido. Um depredador. A diferença de outros perseguidores mais benignos, este não interessava manter sua identidade em segredo, não eternamente. Nesse momento, desfrutava do poder e do controle que lhe brindava seu anonimato. Permitia-lhe aterrorizá-la, sem temor às repercussões. Mas Taylor estava convencida de que sua intenção era mostrar-se à luz do dia. Tinha um plano de ataque, um plano que faria com que seu prelúdio de insultos fosse um jogo de meninos.
Ele era assim. Mas quem era? Quem?
Tinha contatado a polícia. Derivaram sua chamada ao inspetor Hadman da Décima nona delegacia de polícia, o mesmo policial que tinha dado a notícia da morte de Stephanie. Hadman tinha se reunido com ela, mas não na delegacia de polícia, por medo de que o perseguidor a seguisse, e sim no Café Krispy Kreme da Rua Setenta e dois. Mitch a acompanhou.
Para qualquer um que olhasse da rua, parecia uma reunião de negócios. Hadman havia elaborado uma lista de todas as pessoas que Taylor nomeou como potenciais perseguidores. Também havia dito que faria um seguimento da localização da chamada e que comunicaria os resultados. E, enquanto isso havia um nome que não podia tirar da cabeça, nem de dia nem de noite. Jonathan Mallory.
Procurava não obcecar-se com ele, mas não o conseguia. Havia algo nele que mantinha viva a suspeita. Taylor não parava de dizer que se devia ao feito de que Jonathan Mallory era um clone de seu irmão Gordon, ao menos fisicamente. Mas uma voz interior não a deixava tranquila, dizia-lhe que havia algo mais.
Deveria ter falado com ele quando chamou na rádio naquela noite. Se tivesse escutado sua voz, poderia havê-la comparado com a voz sintetizada que ligou para sua casa e, possivelmente, descartá-la, se não pelo timbre, ao menos pelo tom e o vocabulário que usava. Talvez só escutá-lo poderia ter julgado seu estado mental, e isso a teria tranquilizado. Possivelmente deveria ter se reunido com ele.
Não, isso era uma imprudência. Estimulá-lo e pôr em risco sua segurança e sua estabilidade emocional, não. Não havia nem que pensar nessa possibilidade. Mas, se houvesse alguma alternativa…
De repente, levantou a cabeça, como iluminada.
Claro, como não tinha ocorrido antes?
Largou o periódico do dia e repassou a seção de negócios até que encontrou o que procurava. Ali estava. Era justo o que tinha lido pela manhã enquanto tomava o café. Levantou-se, foi até a porta e a abriu de repente.
— Kev? Dennis? — chamou — Poderíamos emitir um programa pré-gravado esta noite?
Kevin lançou um olhar de cautela.
— Se for necessário fazê-lo, claro. Por que?
— Porque Reed e eu vamos a uma festa.

19h45min
LE CERQUE
455 MADISON AVENUE, Nova Iorque

Vários convidados já tinham entrado na Biblioteca — um dos elegantes salões de recepção de Le Cerque — tomando vinho e degustando os canapés frios e quentes.
Taylor cruzou a porta de braços dados com Reed.
— É uma senhora festa — observou Taylor, olhando ao redor — Meu pai daria sua aprovação. É do estilo das que ele organizaria.
Reed não sorriu. Sabia que esse ligeiro sarcasmo era só uma fachada. Sentia-a tensa como a pele de um tambor. De fato, até podia perceber sua leve vibração. Agora pensava que estava louco por ter dito que sim.
— Obrigado por me trazer — disse Taylor, com voz nervosa — Sei que tem seus problemas, mas tenho que ver Jonathan Mallory. Não a sós, porque poderia correr perigo, mas sim em um ambiente de grupo mais inócuo. Tenho que falar com ele, observá-lo enquanto fala com os demais. Tenho um olho bem treinado. E possivelmente possa pôr meus temores à prova.
— Ou possivelmente consiga que aumente sua ansiedade e dê um passo mais para o limite.
— Estou disposta a correr o risco.
Reed suspirou ruidosamente, e com isso conseguiu reduzir um pouco a tensão.
— Está linda — murmurou, e acariciou o braço, roçando a manga de seu vestido de noite. Era um vestido de cor chocolate, sóbrio e singelo, com um fino canutilho dourado nas bordas das mangas e no pescoço. Ficava um pouco apertado, e isso acentuava sua figura esbelta e ressaltava ainda mais o tom de sua pele. Era a elegância de Taylor em toda sua magnitude.
— Obrigada — disse ela, forçando um sorriso — Você também está muito bonito. Com seu traje italiano, sua gravata de seda… Estou impressionada.
Agarrou sua mão.
— Ainda pode mudar de opinião. Ninguém nos viu ainda. Podemos ir, se quiser.
— Nem pensar — respondeu ela, com tom alegre — levou muito tempo para me maquiar.
Taylor voltou a percorrer o salão com o olhar.
Mais à frente do ambiente festivo, aquilo era uma grande demonstração de poder. Homens e mulheres influentes e elegantes brindavam e conversavam civilizadamente enquanto faziam o impossível por escutar as conversações a seu redor. Os garçons uniformizados se deslocavam de um lado a outro oferecendo aos convidados canapés e champanhe em taças aflautadas, como complemento das bebidas que se serviam no bar.
Um garçom se fixou em Taylor e Reed e se apressou a lhes servir, com a bandeja de prata na mão. —Gostaria de um brioche com patê? — perguntou.
— Obrigada, mas agora, não — disse Reed, que acabava de ver o convidado de honra. Encontrava-se ao outro lado do salão junto a Adrienne e Douglas. Os convidados formavam redemoinhos a seu redor e o felicitavam com sorrisos bem ensaiados e sutis exibições de elegância.
— Ah, ali está — disse Taylor — O homem que acaba de entrar no clã dos Berkley. Reed a olhou rapidamente de soslaio, medindo sua reação. Taylor tinha empalidecido ligeiramente, mas sua atitude aparentava integridade.
— Suponho que os que estão a seu lado são Douglas e Adrienne Berkley.
— Sim, assim é.
— Adrienne tem um aspecto impressionante.
— Suponho que é normal. Dedica-se a beleza vinte e quatro horas por dia — Reed replicou baixo.
— Parece-me bem. Isso demonstra tenacidade e um grande respeito por si mesmo.
— Mais amor por si mesma.
— Parece que não a estima muito — disse Taylor, voltando-se para olhá-lo.
— Por Deus, o que a faz pensar isso?
— Uma hipótese acertada — disse Taylor, desta vez com um sorriso sincero. E em seguida franziu os lábios — Imagino que não será fácil para ela. Seguro que a imprensa e os ecos de sociedade estarão atentos ao acontecimento. Um enteado que tem que reconhecer fingindo afeto, ao menos em público. Tremo só de pensar como deve ser essa relação na realidade.
— Você não gostaria de averiguá-lo. Quanto à notícia, não afetará porque já sabia.
— Pelo visto, você também. Não me admira que a representação legal dos Berkley tenha sido tão complicada. —Taylor respirou fundo e lentamente, e agarrou Reed pelo braço — Em qualquer caso, voltemos para o nosso plano. Não esperemos mais. Agora mesmo, temos a favor o elemento surpresa. Vamos lá.
Cruzaram o salão abrindo espaço entre a multidão de convidados.
Douglas foi o primeiro em vê-los. Arqueou as sobrancelhas mas os olhou com expressão satisfeita, possivelmente até com alívio. Adrienne seguiu seu olhar e, ao vê-los, avaliou Taylor de acima abaixo com um olhar tipicamente feminino. Logo se fixou no braço de Reed, que agora rodeava possessivamente Taylor pela cintura. Fez uma careta, como se desfrutasse de uma diversão muito íntima.
— Reed — disse Douglas, e lhe estreitou a mão — Me alegro muito de que ao final tenha podido vir. E esta deve ser a senhorita Halstead. Ouvi falar muito de você. Por fim, é um prazer conhecê-la. Sou Douglas Berkley; apresento a minha mulher, Adrienne. Acredito que já conhece Jonathan.
— Senhor Berkley, senhora Berkley — disse Taylor, trocando saudações, sem perder de vista Jonathan pela extremidade do olho. Este parecia absolutamente atônito, e em seus olhos duros apareceu certa irritação ao vê-la pela primeira vez com Reed como casal.
Taylor não se deixou intimidar por essa ira velada.
— Olá, senhor Mallory. Voltamos a nos a encontrar. —Taylor se girou e lhe estendeu a mão — Felicidades. Deve ser uma noite muito especial para você.
— É sim — respondeu ele, com tom bem mais seco. A saudação foi tão cortante como sua atitude — Não sabia que viria com a senhorita Halstead. Acreditava que tinha outros compromissos.
— A verdade é que sim — disse Reed, sem alterar-se — Mas pude postergá-los. Queria vir para oferecer meus melhores desejos.
— Que amável de sua parte. E a senhorita Halstead? —Jonathan inclinou a cabeça olhando para Taylor — Seu programa de rádio se transmite entre as oito e as dez. Não o faz direto?
Taylor quis que sua resposta fosse impessoal. Quanto menos revelasse de si, mais interessado estaria ele e, com sorte, delataria-se com maior facilidade.
— É verdade, é ao vivo. Salvo quando me encontro impossibilitada, estou de férias ou me retiro a uma ocasião especial, como esta. Então meu produtor emite programas pré-gravados.
— Sinto-me honrado de que esta seja uma ocasião especial para você. Honrado, é claro que sim. Possivelmente por isso não lhe a mão.
— Me alegro de ter vindo —assegurou Taylor — Imagino quão contente deve estar se sentindo. Pelo reconhecimento pessoal e profissional das pessoas que respeita e aprecia. Não posso imaginar nada mais adulador.
Não soube se tinha sido sua saudação que sortiu efeito, ou os próprios pensamentos ocultos de Jonathan. Mas foi como se tivesse acendido um interruptor. De repente, Jonathan Mallory se transformou em uma pessoa diferente, cálida e encantadora. A tensão desapareceu de seu rosto. Sorriu-lhe, com um sorriso muito pessoal, e cobriu-lhe as duas mãos, ainda juntas, com sua mão livre.
— Tem toda a razão. A verdade é que é muito adulador. E me agrada que haja vindo para compartilhar a ocasião. Como saberá, tentei me comunicar com você. Agora teremos a oportunidade de conversar.
O próximo passo correspondia a ela. E mais valia atuar com cuidado. Por mais que quisesse controlar a situação, Taylor não queria dar a Jonathan Mallory uma impressão equivocada. Embora não tivesse nada que ver com a perseguição, era evidente que estava obcecado por ela. E suas mudanças de ânimo eram, por dizê-lo de algum jeito, inquietantes. Taylor lhe respondeu com um sorriso, mas cuidou para que fosse um sorriso impessoal, não amistosa.
— Se tiver um momento, será um prazer.
— Senhorita Halstead — disse Douglas, depois de pigarrear — agora que veio, queria lhe dar os pêsames pela morte de sua prima, e me desculpar por não tê-la recebido quando veio para ver-me em minha casa. Para ser justo, não me encontrava no melhor momento. Estava muito pesaroso pelo impacto do acontecido. Gordon também era meu filho, como você certamente sabe. Minha dor era… bem, suponho que não tenho por que explicar-lhe. Você mesma terá vivido essa dor. Em qualquer caso, não estava com ânimo para receber visitas. Incluídas as visitas de boa fé, como a sua. Assim lhe peço, por favor, que perdoe-me.
—Não se desculpe — disse Taylor, que tinha intuído um indício de sinceridade em suas palavras — Foi um momento horrível. Também sinto pela perda que sofreu.
— Agradeço sua sensibilidade — disse Adrienne, que não tinha pronunciado, e que agora olhava Taylor com um sorriso doce — Jonathan — seguiu, com os olhos cravados nele e lançando um olhar fugaz à mão de Taylor, ainda presa na sua — por que não deixa que o senhor Reed e a senhorita Halstead vão provar algo? — Voltou para dirigir-se a Taylor—. Estão a ponto de servir lagosta com abacate. O recomendo.
— Eu adoraria.
— Claro que sim — disse Jonathan, e com um sinal chamou um garçom. Taylor observou que uma veia lhe tinha inchado na cabeça. Jonathan tinha a mandíbula tão apertada que parecia estar a ponto de desencaixar-se. A insinuação de Reed ficou comprovada. Entre Jonathan e sua madrasta pulsava uma tensão muito evidente, tão grande que faria naufragar a toda uma frota.
Taylor se serviu de um medalhão de lagosta, e aproveitou essa pequena pausa para apartar-se e deixar que outros convidados se aproximassem para felicitar Jonathan. Reed se aproximou dela e, enquanto isso pegou duas taças de champanhe de uma bandeja. Entregou-lhe uma.
— Tudo bem?
— Até agora, sim.
— Isso depende de sua perspectiva. — Reed a olhou com um sorriso relaxado e falso de encontro social, um sorriso que expressava o contrário de suas palavras quando lhe respondeu — Se esse bode te segue olhando como se fosse a Mona Lisa, quebrarei e arrancarei até o último dente.
Taylor tremeu ligeiramente os lábios.
— Que idéia mais edificante. Mas acredito que ainda não estou preparada para o número do homem das cavernas.
— Eu tampouco. Mas quando se trata de você… tudo são surpresas.
Algo no tom de Reed fez com que Taylor elevasse o olhar enquanto levava a taça de champanhe aos lábios. Ficou observando a intensa expressão em sua face e, de repente, o coração bateu forte.
— Por certo, já está tudo preparado para nosso fim de semana —avisou Reed, com a voz enrouquecida, sem deixar de olhá-la — Reservei uma cabana em uma estação de esqui muito pequena e muito exclusiva em Vermont. Sairemos na sexta-feira de noite. Poderíamos voltar na segunda-feira, se quiser matar as aulas e não ir ao colégio. Acredito que tem direito a alguns dias de férias.
—Tenho alguns — disse Taylor, engolindo com dificuldade — Isso seria um sonho. O problema é que não sei esquiar. Acredito que ainda não tinha confessado isso.
—Sim, já tinha comentado. Por isso reservei esse lugar.
Produziu-se um silêncio carregado de intenções sexuais. E logo Reed agarrou a mão com que Taylor ainda sustentava a taça de champanha, e a levou aos lábios.
— Beba, dará forças para nosso fim de semana.
— Não necessito de mais força — disse ela, com uma piscada — Mas pode ser que você sim é que necessite, depois de três dias comigo na cabana.
Reed respondeu com uma risada sonora.
— Estou disposto a correr o risco — anunciou.
A alguns metrôs de distância, Adrienne observava a conversa entre Taylor e Reed com grande interesse. Embora não podia ouvir o que diziam, era impossível não fixar-se na química que destilavam. Separou-se de Douglas, que nesse momento falava com um amigo, e se inclinou para Jonathan.
— Se tiver alguma fantasia com Taylor Halstead, já pode ir esquecendo — murmurou — Essa mulher está loucamente apaixonada por Reed Weston. E é um sentimento correspondido. Muito correspondido. Observa com seus próprios olhos — sugeriu, destacando-lhe com um olhar.
Jonathan se fixou neles e seguiu bebendo seu uísque.
— Cala a boca, Adrienne — resmungou — Fecha sua maldita boca.
— De todos os modos, não teria funcionado — seguiu ela, em voz baixa e tom provocador — É o tipo de mulher que procura um homem que tenha uma força e um poder inatos, e não alguém que o tenha herdado de Papai ou que o tenha posto como um verniz.
— Maldita seja, Adrienne, advirto-lhe isso…
Nesse momento, Douglas se separou de um grupo, rodeou Adrienne pelos ombros com um braço firme e se inclinou para o Jonathan.
— Basta, já — disse, com um assobio de voz — Não podem se controlar por uma noite?
— Diga a sua mulher.
— Estou dizendo isso a você. É uma festa em sua honra. Quero que esteja à altura.
— Tem razão. É hora de celebrá-lo com outro gole — disse Jonathan, e se afastou.
— Adrienne — disse Douglas com voz pausada —. Por favor, não o provoque. Não precisa submetê-lo a mais tensões.
— Não está tenso — disse Adrienne, encolhendo os ombros — Está obcecado. Outra vez. E a mulher que o obceca nem sequer sabe que existe. Outra vez. Correção: sabe que existe, mas prefere ignorar a verdade.
— Já,já passará.
— Se você diz carinho — disse ela, e acariciou o queixo justo quando se aproximava outro convidado.
Olhando por cima de sua taça, Taylor seguia os passos de Jonathan.
— Acredito que o trio feliz acaba de ter uma pequena rusga — informou a Reed.
— Não me surpreenderia.
— Jonathan está no bar. Acredito que me aproximarei e pedir uma taça de Merlot — disse, e deixou sua taça sobre uma bandeja que passava — Não demorarei.
— Irei junto — disse Reed, agarrando-a pelo braço.
— Se me acompanhar, não tiraremos a limpo. Só conseguiremos ferir sua suscetibilidade. Se aproxime de Douglas e Adrienne. Eu estarei do outro lado do salão.
— E se ele se insinuar?
— Então farei um sinal para que me ajude.
Reed assentiu, com muito pesar.
— De acordo. Tem cinco minutos — disse.
— Que sejam dez.
— De acordo, dez. Mas se eu não gostar do que vejo, irei de qualquer jeito.
— Só me prometa que não fará uma cena.
— Nada de cenas —assegurou Reed — Me limitarei a tirá-la rápido daqui.
Taylor se aproximou do bar. Passou a mão pelo cabelo como se estivesse absorta em seus pensamentos.
— O que posso servir senhorita? — inquiriu o garçom.
— Eeh… sim, uma taça de Merlot, por favor. — Enquanto esperava, jogou com um guardanapo, e logo agarrou a taça que entregou o barman.
— Bebendo a sozinha? — Era Jonathan, que tinha aproximado-se por trás.
Ela se girou com um gesto de surpresa fingida.
— Ah, não me vi que estava aqui. Estava pensando.
— Certo — disse ele, e tomou outro comprido gole de uísque — Não parece muito contente. Há algum problema no paraíso?
— Suponho que fala de Reed e mim. Não, nenhum problema, só que ultimamente não estou passando muito bem. Acontece nas melhores famílias.
— Isso não discuto — conveio Jonathan, e fez uma pausa para preencher seu copo. Jogou outro gole e logo inclinou a cabeça para olhá-la fixamente — Se fizer uma pergunta, me dará uma resposta sincera?
— Sim, posso — disse Taylor, sentindo uma tensão no peito, mas conservando a calma.
— Sim, claro que pode. Mas não sei se desejará responder.
— Não saberei até que me pergunte isso.
— Parece-me bem — disse ele, e fixou o olhar nela — Ainda tem medo de mim?
Taylor sabia que devia medir sua resposta.
— Medo de você? Em que sentido?
— Direi de outra maneira — corrigiu ele — Ainda vê Gordon quando olha para mim?
— Em certos momentos fugazes, sim. — A melhor estratégia era responder com sinceridade — Não tem nada de estranho, pois são parecidos. Isso é… era… idêntico. Mas se pergunta se o confundo com ele, mentalmente, a resposta é não.
Jonathan ficou olhando seu copo meio vazio.
— O que meu irmão fez foi desprezível. Lamento que tenha tido que viver uma coisa assim.
Era remorso ou manipulação?
—Já passou — respondeu Taylor — Além disso, tive sorte. Poderia ter sido pior.
— Sim, já me disseram isso. Alegro-me de que Gordon foi interrompido — Voltou para escrutinar seu rosto, como se quisesse sondá-la. Um olhar de sondagem, mas estavam vítreos. Taylor suspeitou que estava quase bêbado — Então, do que tem medo?
Queria saber algo. Mas o que?
— Você já sabe a resposta — disse ela, com um olhar direto, querendo saber se o estava incitando a algo — Inventou um vínculo emocional entre os dois que não existe. Disse a Reed que se afastasse de mim para que pudesse me conhecer mais a fundo. Entendido que isso se chama ser autoritário e alimentar falsas esperanças.
Jonathan nem sequer pestanejou.
— Sempre diz as coisas tal como são, né?
—Tento, sim.
— E me vê como alguém irracional e dominante.
— Equivoco-me?
Jonathan bebeu o que ficou no copo.
— A vida é como um jogo de xadrez, Taylor. E eu sou um jogador perspicaz e competitivo. Eu gosto de ganhar. Manipulo e me aproveito das circunstâncias para conseguir esse resultado. Isso me transforma em uma pessoa dominante? Suponho que depende de como olhe isso. Mas irracional? Não. Justamente o contrário. Sou um homem muito sistemático. Não se consegue os resultados que deseja ao se contentar com menos. Isso responde a sua pergunta?
Taylor respondeu deixando-se levar por seu instinto.
— Na verdade, não. Provoca-me mal-estar e inquietação. É esse seu objetivo?
— Por que teria que ser esse meu objetivo? — perguntou ele, franzindo o cenho.
— Porque pode ser que para você ganhar seja mais importante que conseguir algo. Pode ser que signifique fazer o poder mediante a intimidação. É isso?
— Essa é sua teoria ou de Reed? — perguntou ele, voltando a franzir o cenho.
— Minha. Não estão perseguindo Reed. A mim sim.
— E você crê que sou eu o que a persegue?
— É você?
— Se dissesse que não, acreditaria em mim?
— Não sei.
— Então estamos num beco sem saída, não parece?
Taylor não podia contradizê-lo nesse ponto.
— Sim, suponho que sim.
— E se soubesse com certeza que eu não sou o que a persegue, daria uma oportunidade a nós dois?
— Não insista nisso em chama de «nós». Isso nunca existirá.
— Por quê? — perguntou ele, apertando a mandíbula— Porque me pareço com Gordon? Ou porque não sou Reed?
— Porque não tenho esse sentimento por você.
— Só o tempo dirá — disse Jonathan e deixou seu copo.
— Não, o tempo não o dirá — respondeu Taylor, sem vacilar. A frustração havia apoderado dela. Possivelmente o tipo não delirava. Possivelmente só era um executivo que não estava disposto a aceitar a derrota. Mas intuía que não era isso.
Taylor ficou olhando fixo, tentando desesperadamente compreender aquela mente desviada e impenetrável, tentando adivinhar seus pensamentos. E então acrescentou a cereja que coroava o bolo. Ou o prego que selaria seu ataúde, tudo dependia do rumo que as coisas tomassem.
—Me escute, Jonathan. Nunca ocorrerá isso que diz. Nem agora, nem nunca. Está claro?
Uma faísca brilhou nos olhos do Jonathan. Ressentimento? Determinação?
Taylor não sabia com certeza.
—Mais claro do que você pensa. Mas, enfim, eu conto com os fatos a meu favor. Você, não. Ao menos no momento. Mas isso mudará. Com o tempo, também mudarão seus sentimentos. Conheço-a, Taylor. Sei o que está tramando — avisou, e lhe roçou ligeiramente a mão. Foi um contato tão breve quanto desconcertante — Agora, se me perdoar, irei me reunir com meus convidados.
Afastou-se em direção à multidão, e deixou ao Taylor paralisada.




















Capítulo 24


QUINTA-FEIRA, 13 DE FEVEREIRO. 04h37min
RUA SETENTA E DOIS OESTE

Taylor despertou de um salto. Estava banhada em suor. Agarrou as mantas e olhou para a penumbra do quarto, com o coração lhe pulsando como um martelo no peito.
Não houve nada. Não havia ninguém. Um pesadelo. Só tinha sido um pesadelo.
Procurou o relógio despertador e olhou os dígitos. Tremeu quando se deu conta de que ainda faltavam duas horas para que aparecesse o dia.
Tinha dormido menos de quarenta minutos. Deitou-se a meia-noite. Havia passado o resto do tempo olhando o telefone, criando ânimo para quando soasse.
Mas o telefone tinha permanecido mudo.
Os olhos ardiam de cansaço. Fechou-os com força, desejando descansar, embora não pudesse dormir. Tinha uma longa jornada pela frente, incluindo sua sessão com a doutora Phillips.
Além disso, com um pouco de sorte, o inspetor Hadman teria informação sobre o número de telefone que teria que localizar. Possivelmente lhes daria algumas respostas, ou ao menos lhes daria uma pista clara. E ela saberia se a pista apontava a Jonathan Mallory.
Renunciou à idéia de descansar e acendeu o abajur, abriu o texto de psicologia que descansava em seu criado mudo e voltou a ler a seção sobre os traços psicóticos da personalidade.
Adormeceu. No aposento penetrava a débil luz do sol quando voltou a sobressaltar-se em seu sonho. Já era de dia. O relógio marcava seis e quinze, e o alarme estava a ponto de tocar.
O filho de puta não tinha chamado. Taylor se levantou da cama e foi à cozinha preparar um café. Deus necessitava desesperadamente de um pouco de cafeína. Era a única coisa que ajudaria a manter-se acordada durante o dia.
Serviu-se uma segunda xícara de um café forte e puro quando soou o telefone. Na tela leu o número de Reed. Agarrou o fone.
— Olá — disse, e o colocou no oco do ombro — Espero que tenha dormido melhor que eu.
— Não dormi. — A julgar por sua voz, Reed estava arrebentado — Quero pegar esse louco e elimina-lo de sua vida.
— Não é o único. Tive uns pesadelos horríveis cada vez que fechava os olhos. Não sei quem é esse homem, mas ainda anda solto por aí. Além disso, não posso tirar da cabeça a sensação de que está a ponto de acontecer algo espantoso. Sinto-me assim desde minha conversa com Jonathan.
Reed respondeu com um grunhido.
— Sim, me pareceu uma conversa bastante estranha. Não sei se foi porque tinha bebido muito ou porque realmente delira. Mas posso assegurar que vou averiguar quem é. —Seguiu uma pausa tensa — Tenho uma reunião importante no escritório esta tarde. Não tenho nem idéia de quanto durará. Mas ligarei quando terminar, antes que saia da terapia ou mais tarde no seu celular.
Taylor não deixou passar o tom grave de Reed.
— É a reunião, não? A reunião que trocará o curso das coisas em sua vida.
— Sim, chegou o momento.
Taylor procurava as palavras mais adequadas. Queria oferecer o mesmo tipo de apoio emocional que ele tinha dedicado ultimamente.
— Reed, sei que não pudemos tocar o tema em profundidade, mas sei que é uma decisão importante. Também tenho uma idéia bastante clara do que se trata, ou ao menos sei o essencial. Espero que tudo saia como você deseja. Só queria dizer que estarei pensando em você e que estarei aqui se tiver vontade de falar.
Ele guardou silêncio por um tempo. E logo se limpou a garganta.
— Obrigado. — Parecia mais emocionado do que ela esperava — Falo sério. O fato de que esteja aqui por mim… significa muito para mim.
— Até um cavalheiro com brilhante armadura necessita uma bela dama — disse Taylor, sorrindo — Quem, se não eu, daria-lhe ânimo?
— É verdade. Mas que saiba que este cavalheiro em questão necessita desta dama para lhe dar ânimo.
— Não esquecerei.
— Ligarei mais tarde — disse ele, e calou um momento —. E, Taylor,… se cuide.
— Farei isso. —Seu sorriso se desvaneceu.

09h30min
Harter, RANDOLPH & COLLINS

Reed estava revisando uma declaração quando soou seu interfone.
Com gesto ausente, pulsou o botão.
— Sim, Cathy?
— O senhor Harter acaba de chegar — anunciou a secretária em voz muito baixa e tensa — O senhor Randolph e o senhor Collins estão com ele. Chamaram-me e me pediram que se reunisse com eles o mais rápido possível na sala de reuniões.
Reed franziu o cenho e deixou os papéis.
— chegou o senhor Harter?
— Sim, senhor. E quer que deixe o que está fazendo.
— Vou. — Reed apagou o interfone e se levantou. Que estranho. Richard Harter dificilmente ia ao escritório. Reed tinha previsto que estivesse presente essa tarde durante sua reunião com os outros sócios majoritários, mas ainda faltavam seis horas. E Reed não era tão egocêntrico para acreditar que algo definido como "urgente" tivesse a ver com ele e com seu futuro. Colocou rapidamente a jaqueta do traje e se dirigiu à sala.
O ambiente na sala de conferências era mais sombrio. Os três homens que tinham contratado Reed estavam sentados juntos e falavam em um sussurro tenso. Reed bateu na porta como era de rigor e apareceu.
— Reed. — Richard Harter foi o primeiro em falar — Entre e feche a porta.
Reed obedeceu. O ambiente que reinava na sala o fazia sentir-se cada vez mais incômodo.
— O que acontece?
— Um duplo homicídio — disse Horace Randolph, que não gastava palavras nem tempo em vão — Foi ontem à noite. Descobriram os dois corpos faz há uma hora — anunciou, e seu olhar solene se encontrou com a do Reed—. As vítimas são Douglas e Adrienne Berkley.
— O que? —perguntou Reed, boquiaberto.
— Ouviu bem — confirmou Horace —. Douglas não chegou a uma reunião pela manhã. É algo que nunca tinha ocorrido. Seus colegas ligaram para seu escritório. Sua secretária ligou para o celular. Não respondia. A secretária foi de táxi até sua casa na Rua Oitenta e dois. Tampouco respondiam. Finalmente, chamou à polícia. Vieram dois agentes para averiguar o que houve. Pelo visto, os assassinatos ocorreram em algum momento entre uma e seis da madrugada. Douglas tinha o pescoço quebrado. Adrienne foi violada e estrangulada.
— Meu Deus. — Reed se deixou cair em uma cadeira — Foi um roubo? A polícia tem alguma pista de quem ou quais foram os assassinos?
— Sim e não. Não foi um roubo. A fechadura não foi forçada, e tampouco foi desligado o alarme. Não roubaram nada. E sim, ao que parece, a polícia tem um suspeito, embora não tenham uma ordem de prisão. Querem falar com Jonathan Mallory. Agora está a caminho do nosso escritório, e depois pediram que se dirija à Décima Nona delegacia de polícia.
Reed ficou como paralisado por uma descarga.
— Acreditam que Jonathan matou Douglas e Adrienne?
— Como disse Richard, não prenderam a ninguém… ainda não — disse Albert Collins — Mas a polícia interrogou Jonathan na cena do crime. Querem interrogá-lo de novo. Chamou-nos faz uns minutos para nos contar isso e disse que vem em seguida.
— Deve estar destroçado.
— Assim é. A polícia notificou o crime assim que acharam os corpos. Ele estava em seu escritório, e se apresentou imediatamente. — Seguiu uma tosse nervosa — As provas circunstanciais são cada vez mais concludentes. A fechadura não foi forçada, nem havia sinal de resistência. E tudo ocorreu depois do anúncio nos meios de comunicação que Jonathan tinha sido nomeado diretor do Berkley & Company e depois que Douglas reconhecesse que Jonathan era seu filho. Digamos que o Departamento de Polícia de Nova Iorque tem umas perguntas a fazer no momento.
— Imagino. — Reed pensava a toda velocidade com sua reação habitual de advogado da defesa — Disse que Adrienne foi violada. Havia rastros de sêmen?
— A polícia pediu uma amostra do DNA de Jonathan — disse Collins, assentindo com a cabeça — Ele está de acordo, mas disse que queria que seus advogados estivessem pressentes, para isso e para posteriores interrogatórios.
— Bem.
Richard Harter pôs as mãos sobre a mesa e se inclinou para diante.
— O fundamental é o seguinte: Quando Jonathan chegar, queremos que fale com ele a sós.
— Por quê? — perguntou Reed, admirado.
— Porque não queremos nos inteirar do que diga.
A realidade começava a impor-se lentamente.
— Richard, com todo respeito, pode ir direto ao ponto? O que quer me dizer, exatamente?
— Só o que entendeu. Reed, esta situação é um ninho de vespas. Nossa compainha representa os interesses de Douglas e Adrienne Berkley. Se por alguma razão decidem que Jonathan é culpado destes crimes, estaremos ante a um enorme conflito de interesses — disse Harter, e guardou silêncio um momento — Serei franco contigo. Todos sabemos que quer sair de nossa empresa. Quer se estabelecer por sua conta. E quer fazê-lo com nossa concordância e, provavelmente, com alguns clientes nossos que prefeririam ficar contigo. E bem, direi qual é o trato: Facilitaremos a renúncia em tudo que for possível. Ajudaremos a começar, recomendaremos e derivaremos alguns casos se houver excesso de trabalho. E não impediremos que vá com nenhum dos clientes que queiram segui-lo a seu novo escritório. Será uma separação limpa e amistosa. Como contrapartida, queremos que se encarregue de seu primeiro cliente.
— Jonathan Mallory.
— Correto.
Reed franziu os lábios.
— É uma oferta interessante. Mas me deixem que faça uma pergunta: o que acontecerá se amostra de DNA tomada na cena do crime não coincidir com a do Jonathan?
— Então terá um caso muito mais fácil de resolver. E terá a gratidão eterna de um jovem extremamente rico e bem conectado. Em qualquer caso, sua nova escrivaninha terá um começo espetacular, e isso falará bem de nossa empresa.
— Dito de outra maneira, inocente ou culpado, não querem participar da representação de Jonathan.
Collins suspirou.
— Este caso sairá em todos os jornais de Nova Iorque. Enquanto estamos aqui falando, a notícia já está nas televisões locais. O nome de Jonathan ficará relacionado com este caso, declarem-no culpado ou não. Não queremos essa má imprensa. Além disso, ainda temos que nos ocupar dos testamentos e propriedades do Douglas e Adrienne.
— Nos dois casos, Jonathan é o herdeiro e encarregado de administrar as propriedades — refletiu Reed em voz alta — E desaparecendo Douglas e Adrienne, também é o único beneficiário — disse, com um bufo — mais uma prova incriminatória.
— De modo que entende nossa posição.
— Está clara como a água.
— E?
Passaram uns segundos que pareceram eternos. Até que Reed fez sua contraproposta.
— Reunirei-me com Jonathan quando chegar. Sozinhos, como me pediu. Informarei a situação e dos termos de sua representação, quer dizer, que seu advogado será o senhor Reed Weston, e não Harter, Randolph & Collins. Se aceitar esses termos, estarei de acordo. Escutarei o que tem que dizer, e logo o acompanharei à Décima Nona Delegacia de polícia. Entretanto, se negar, espero que não voltem atrás em sua oferta. Quero sua palavra de que cooperarão plenamente com minha nova compainha, incluindo todos os benefícios que mencionaram, aconteça o que acontecer depois de minha conversa com Jonathan. Dou-lhes minha palavra de que farei todo o possível para convencê-lo a aceitar-me como seu advogado. Mas não posso obrigá-lo. De modo que, se ele prefere buscar outro advogado, sigo confiando em que respeitarão nosso acordo. O que lhes parece o trato?
Os três sócios trocaram olhares. Continuando, Harter assentiu com a cabeça.
—Trato feito.
Reed entrou em seu escritório e ligou a televisão de tela plana instalada sobre a mesa, e pôs no canal local. Como se temia, a notícia já estava nas ruas.
— Houve um duplo homicídio na residência dos Berkley, situada no Upper East Sede, muito perto da Quinta Avenida e do Museu Metrôpolitano de Arte Moderno — comunicava um correspondente — A polícia não se pronunciou até o momento. Tudo o que podemos contar é que Douglas e Adrienne Berkley foram assassinados entre a uma e as seis da madrugada. Não há provas de que se trate de um roubo…
Reed desligou o televisor com o controle remoto.
Deixou-se cair em sua cadeira e tentou processar tudo o que acabava de ocorrer, enquanto pensava no enorme desafio que lhe esperava.
Assumia um grande risco, um risco maior do que supunham os três velhos sócios. Havia mais complicações em torno de Jonathan Mallory do que eles sabiam, e se acumulavam muitas mais provas circunstanciais contrárias.
Em primeiro lugar, estava a antipatia entre Jonathan e Adrienne, com a tensão resultante entre ele e Douglas, além de sua precária saúde mental nos últimos tempos. Se a isso se acrescentasse os turvos feitos de seu passado, para a acusação o caso esse seria um caso ganho.
Quanto ao estado mental de Jonathan, havia outro assunto muito difícil.
Taylor.
Era Jonathan o que a perseguia? Reed tinha acreditado que não, mas à luz desse horrível duplo homicídio, já não sabia o que pensar. A estranha conversa que tinha tido com Taylor na noite anterior bastava para ficar em guarda. Se a polícia se inteirava, e certo que se inteiraria, porque sem dúvida interrogariam aos garçons do Le Cerque, saberiam tudo. Taylor teria que falar todas as suas suspeitas em relação a Jonathan. E aquele seria o golpe de misericórdia para seu cliente.
Essa era sua visão como profissional. Mas também tinha uma visão pessoal. Se Jonathan era detido e julgado, chamariam Taylor como testemunha da acusação: O trabalho de Reed o obrigaria a destroçá-la.
Massageou as têmporas. Não podia chegar tão longe em suas especulações, por hora não. Antes tinha que reunir-se com Jonathan. Tinha que escutá-lo, estudá-lo atentamente enquanto falavam. A linguagem corporal era muito eloquente, sobre tudo em circunstâncias traumáticas como aquelas. Quanto a sua conversa, não seria nada agradável. Teria que ser totalmente franco. Nada de rodeios. As cartas sobre a mesa. Assim, não só teria uma perspectiva mais rigorosa, mas também entenderia melhor o estado mental do Jonathan. Acabariam as conversações diplomáticas, e o mesmo ia pelas táticas de apaziguamento. Tinha que saber se Jonathan era culpado ou inocente. E não só dos assassinatos. Também tinha que saber sobre a perseguição de Taylor.
Desejava com toda a alma que sua intuição não o enganasse. Que Jonathan tivesse um mundo de problemas psicológicos, mas que não era um criminoso. Porque, gostasse ou não, Reed estaria envolvido totalmente no assunto. Tinha dado sua palavra aos três sócios. Se sua intuição finalmente falhasse, estaria acabado, profissional e pessoalmente. Taylor jamais aceitaria esta situação. E, sobre tudo, não saberia lutar com ela.
Tinha que parar de pensar. Reed se afastou de sua mesa de trabalho, levantou-se e se serviu de um copo de água. Primeiro os fatos. Depois, a especulação.
Olhou seu relógio, inquieto.
Jonathan não demoraria para chegar.

09h45min
ESCOLA DELLINGER

Taylor já não podia esperar mais.
Entrou em seu escritório e chamou o inspetor Hadman.
Ouvia-se muito barulho de fundo quando respondeu.
— Hadman — disse o inspetor com voz enérgica.
— Olá, inspetor, sou Taylor Halstead. Perguntava-me se tinha localizado esse número de telefone.
— O número de telef… ah, sim. — despistou — Ia chamá-la esta manhã, mas isto está uma loucura desde que cheguei. Sim, localizei o número. Mas tal como imaginava, não me deu nenhuma pista. O número é de um telefone móvel e pré-pago.
— Bom, e não pode averiguar quem o comprou?
—Impossível. Estes telefones compram em lojas, aeroportos, em qualquer lugar. Com sorte, poderíamos localizar o lugar. Mas isso tampouco nos serviria. É provável que o tipo pagou em dinheiro e não se exige identificação para comprar num caso desses. As compras anônimas de telefones móveis não são incluídas na Patriot's Act, a nova lei de segurança. Não há maneira de vincular o número com o tipo que fez a chamada.
— De acordo. Assim não avançamos na identificação desse tipo. — Taylor lutava contra uma frustração crescente — Há alguma outra coisa que possamos fazer para…?
— Ouça senhorita Halstead, não quero interrompê-la, mas acaba de cair em cima de nós um duplo homicídio. Seu perseguidor terá que ficar em segundo plano.
Isso explicava todo aquele barulho.
Apesar de sua ansiedade pessoal, Taylor se sentiu um pouco culpada.
— Desculpe-me, inspetor. Não tinha nem idéia. Deixo-lhe para que…
— Saiu em todas as notícias —lhe interrompeu ele — Surpreende-me que não esteja informada.
— Estive no colégio desde a primeira hora da manhã.
— Assassinaram Adrienne e Douglas Berkley.
— Adrienne e Douglas Berkley? — As mãos do Taylor começaram a tremer — Assassinaram-os? Mas sim os vi ontem à noite! Como ocorreu? Sabe quem foi?
— Não posso dar detalhes do caso. Entretanto, agora que sei que esteve com eles ontem à noite, terei que falar com você. O que? — gritou a alguém na delegacia de polícia — Senhorita Halstead, tenho que ir.
Clique.
Taylor pendurou o fone no suporte do telefone, olhando-o fixamente enquanto os pensamentos se formavam redemoinhos em sua mente. No computador escreveu o endereço da página da Web de cbsnewyork.com e procurou a notícia sobre o duplo homicídio. Os Berkley… mortos. Assassinados em sua própria casa.
O artigo não mencionava se tinham entrado na casa forçando a entrada. O assassino teria sido um conhecido? Alguém que teria outros motivos para desfazer-se deles?
Sentiu um calafrio por todo o corpo ante uma idéia sinistra que acabava de ter. Alguém. Alguém que obteria muito dinheiro e muito poder com suas mortes, por não mencionar a enorme satisfação de executá-los com suas próprias mãos. Sentiu a bílis na garganta quando pensou no único nome que, por lógica, se insinuava. Não. Não podia ser. Mas isso explicaria a sinistra sensação que tinha tido toda a noite, a sensação de que algo espantoso tinha acontecido, embora não tivesse recebido uma chamada de seu perseguidor.
Na noite anterior acreditou que jogava com ela.
E se não tinha sido assim? E se não a tinha chamado porque estava muito ocupado em algo muito mais sinistro? Taylor estremeceu.
As informações dos meios de comunicação não podiam responder este tipo de perguntas. Tinha que falar com Reed. A essas alturas, já estaria informado dos homicídios.
Os Berkley eram clientes deles. Ele teria mais detalhes.
Agarrou o telefone e discou o número de seu escritório.
— Harter, Randolph e Collins.
— Reed Weston, por favor.
— Um momento.
Esperou enquanto passavam a chamada. Respondeu a secretária de Reed.
— Escritório do senhor Weston.
— Sim, Cathy, sou Taylor Halstead. Posso falar com o senhor Weston, por favor?
— Sinto muito, senhorita Halstead, ele está com um cliente.
— De acordo. Mas é muito urgente. O senhor Weston sabe que de outro modo não o interromperia. Se lhe disser que sou eu, estou segura de que atenderá. Prometo que serei breve. Cathy limpou a garganta, visivelmente incômoda.
— Normalmente, faria o que me pede. Mas neste caso, tenho instruções de não interromper por nenhum motivo. Sem exceções. Sinto muito, senhorita Halstead, mas não posso lhe passar a chamada.
Uma pausa tensa.
Então Taylor decidiu lhe dar uma mão.
— De acordo, Cathy, entendo. Por favor, deixe ao senhor Weston uma mensagem de que me chame assim que possa.
— Farei isso.
Com uma ansiedade que só aumentou, desligou.
Reed estava com um cliente. Não podia interromper por nenhum motivo.
Plantou os cotovelos sobre a mesa passando-se ambas as mãos pelo cabelo.
Deus santo! Pouco a pouco se apoderava dela a angústia de saber exatamente quem era esse cliente de Reed.















Capítulo 25


09h55min. HARTER, RANDOLPH & COLLINS

Jonathan cravou os olhos em Reed como se acabasse de ver um fantasma.
— Está me dizendo que esta compainha não me quer representar? Em outras palavras, acreditam que sou culpado. E nem sequer escutarão o que tenho a dizer?
— Não é isso. — Reed entrelaçou as mãos sobre sua mesa — Acreditam que há um conflito de interesses já que eles representam os bens de Douglas e Adrienne. Sabem que vou instalar-me por minha conta e que como advogado de defensa sou muito bom nos tribunais. Por isso me deram o caso. A menos que prefira que eu não o represente, e seria um grande engano, considerando tão bem que o conheço e o muito que sei sobre você, sua história e de suas relações com Douglas e Adrienne. Mas a decisão é tua, e deve tomá-la agora.
— Genial. — Jonathan o olhou com receio — Já não se pode dizer que goste disso.
— Isso é irrelevante. Não faz diferença que eu goste. Nem sequer faz diferença que eu creia em sua inocência. Preciso representá-lo. E necessito que me explique os fatos para que possa proteger seus interesses. Isto é um negócio, Jonathan, nada pessoal. Pode estar metido em uma boa confusão. Necessita de um bom advogado criminalista. Assim, ou confia em minha competência como advogado ou não confia.
— É um bode arrogante, sabe que é o melhor. —Jonathan ficou de pé arranhando a nuca e começou a andar de um lado a outro do escritório. Dava a impressão de que tinha os nervos destroçados — Ainda não posso acreditar que tenham morrido — murmurou.
Reed o observou com atenção. Não havia dúvida de que estava em estado de choque. Mas era porque se inteirou dos assassinatos ou porque ele os tinha cometido?
— Jonathan, antes que diga uma palavra a mais, necessito uma resposta. Quer que lhe represente ou não?
— Sim. Quero.
— Bem. Então sente. — Reed assinalou uma cadeira. Ao mesmo tempo, levantou-se, cruzou a sala, serviu-lhe um copo de água e o pôs nas mãos com um gesto brusco
— Beba isto. E tente relaxar. Esperam-nos na Delegacia de polícia dentro de uns minutos. Não vou demorar para chegarmos lá. Assim comecemos pelo mais elementar. Como pensa se declarar?
— Não culpado! —Jonathan lhe cravou um olhar feroz — E acontece que é verdade. Eu não matei Douglas e Adrienne.
— Há alguém que possa confirmar seu paradeiro entre a uma e as seis da madrugada?
— Por desgraça, não. Estava em casa, na cama, como a maioria das pessoas a essa hora da noite.
— Alguém o viu chegar em seu prédio, o porteiro, um vizinho, alguém?
Um suspiro lento.
— O porteiro. Trocamos umas palavras antes que eu subisse.
— Que tipo de palavras?
— Pedi que não deixasse passar aos jornalistas. Alguns repórteres me seguiram até em casa.
— Bem. Então tem a várias pessoas que podem testemunhar seu paradeiro às… — Um olhar perplexo — A que hora chegou a casa?
— Perto da meia-noite. E fiquei ali, toda a noite — acrescentou em tom enfático.
— E Douglas e Adrienne? Partiram de Le Cerque à mesma hora que você?
— Não. Ficaram ali, despedindo-se dos últimos convidados.
— De acordo. — Reed anotou um par de coisas, sem trocar de expressão — E o enviaram à casa cedo porque estava bêbado; provocou-os até que ficaram de saco cheio de você, além de ter se comportado de forma vergonhosa em público.
Jonathan apertou a mandíbula, mas não negou.
— Algo assim.
Reed deixou a caneta e sustentou sem vacilar o olhar de Jonathan.
— Ainda não tenho o relatório oficial da polícia. Assim me diga o que sabe. Não quero surpresas. Sei como os mataram. Romperam o pescoço de Douglas e estrangularam e violaram Adrienne. Evidentemente, encontraram sêmen. Que mais deveria saber?
Jonathan tragou com dificuldade.
—Ao chegar lá, os investigadores investigavam a cena do crime em busca de rastros de pisadas, fios de roupa, o típico dos forenses. Não me deixaram entrar. Quando tiraram as bolsas com os corpos, abriram-nas para que identificasse Douglas e Adrienne. Logo os levaram ao laboratório forense. Os policiais me disseram que não teriam mais detalhes até que se realizassem as autópsias.
— Que tipo de perguntas fizeram os inspetores?
Jonathan tomou um gole de água.
— Quando foi a última vez que havia visto vivos Douglas e Adrienne, se sabia de alguém que desejasse vê-los mortos, e onde me encontrava entre uma e as seis da madrugada. Perguntaram pela festa em Le Cerque, e sobre os benefícios e responsabilidades que aconteceriam com o falecimento de ambos.
— E você disse…?
— Nada coerente. Estava emocionado. Mas quando me perguntaram se estaria disposto a proporcionar uma amostra de DNA como procedimento de rotina, percebi que eu era um suspeito. Assim acessei a análise de DNA, mas disse que queria que estivesse presente meu advogado.
— Algo mais que deveria saber sobre a cena do crime?
Com gesto grave, Jonathan assentiu com a cabeça.
— Uma das coisas que vi colocarem em uma bolsa é um copo de uísque vazio que encontraram sobre a mesa do salão. Se for o copo que eu acredito, quando colherem as digitais, verão que são as minhas.
— E por que isso?
— Porque eu estive na casa ontem antes da festa.
— Para visitar Douglas?
— Não, Adrienne.
— Adrienne? Santo Deus, o que foste ver com ela?
— É a mulher de meu pai.
— Desembucha Jonathan. Odiava Adrienne. Ela também o odiava.
— Nos dávamos bem.
— Sim, claro. Adrienne não se dava bem com ninguém, salvo Douglas. Ele reconheceria você e Gordon faz anos se ela não tivesse pressionado para que não fizesse. Isso dava muita raiva.
— Não tanto para matá-la. E você sabe muito bem que eu respeitava Douglas. Era meu pai, Por Deus, mesmo que não o anunciasse em público até agora. Mas, ainda assim, ocupou-se de mim. Deu-me uma casa, uma educação de elite, contatos empresariais importantes. Deu-me isso tudo.
— É verdade. Mas terá muito mais agora que ele e sua mulher já não estão aqui.
Jonathan golpeou a mesa com o copo.
— Merda, Reed, eu não os matei.
Reed franziu os lábios.
— De acordo, digamos que, no momento, acredito em você. Passaremos por cima das provas circunstanciais, o móvel do crime, tudo. Tenha em conta que a polícia não será tão generosa.
— Estou seguro que não.
— Continuemos. Falemos de seu estado de ânimo. Está se comportando como um desequilibrado ultimamente. E é suspeito de algo mais do que a tragédia de ontem à noite.
Jonathan ficou tenso.
— Refere-se à situação com Taylor.
— Sim. E, embora você não goste, vamos falar dela. Sem emoções nem ameaças, com fatos e contando a verdade. Tenho que saber no que consiste sua atitude irracional. Poderia influenciar a polícia.
— Vai me contar que Taylor acredita que sou eu quem a está acossando? — perguntou Jonathan com incredulidade.
— Claro que não. Mas ela esteve na festa ontem à noite. É certo que interrogarão a todos os convidados. E quando chegarem a ela…
— Meu Deus. — Jonathan afundou a cabeça nas mãos. Isso é uma merda de pesadelo interminável. Retratarão-me não só como um homicida maníaco, violento e ambicioso, mas também como um perseguidor psicótico. Valeria mais me encerrar em uma cela e atirar a chave.
—Não pire — aconselhou Reed, atento a cada detalhe da reação do Jonathan. Estava cada vez mais convencido de que o tipo era inocente — Não quero que perca. Aconteça o que acontecer, tem que conservar a calma. Recorde que se não cometeu os crimes de ontem à noite, o DNA o demonstrará. Muita gente odeia a seus familiares. Alguns inclusive acabam levando muito dinheiro quando morrem. Mas as pessoas não saem por aí rompendo o pescoço de seu pai ou violando e estrangulando a sua madrasta só para conseguir o que querem. — Reed cravou os olhos, duvidoso — antes de abandonar este escritório, ficam por explorar duas perguntas importantes que ainda não têm resposta. A primeira, por que foi ver Adrienne? E dois, onde pretende chegar em relação a Taylor?
—Já sabe o que pretendo — respondeu Jonathan, abordando primeiro a segunda pergunta — Fui muito direto contigo a respeito. Eu acredito que Taylor é a mulher para mim. Pretendo conquistá-la.
—Tem uma maneira muito estranha de demonstrá-lo. A conversa que teve com ela ontem à noite era delirante.
— Contou o que lhe disse? —Jonathan soltou uma exalação —. Claro que lhe contou isso. Terei parecido um bêbado lunático. Possivelmente seja verdade que sou um lunático. Por Deus que tenho motivos. Isso é o que queria contar e o que insinuava quando disse que ela não sabia de toda a verdade. Diria mesmo, mas não era nem o lugar nem o momento. Mas, sim, acredito que se ela soubesse de tudo, as coisas mudariam radicalmente. Ela é uma terapeuta que trabalha com problemas emocionais. Teria compreendido quem sou e por que. E me haveria ajudado a encontrar a paz que estou procurando.
Reed franziu a sobrancelha.
— Não entendo.
— O que quer entender? —Jonathan se voltou a levantar e cruzou a sala até o aparador. Ignorou a água e se serviu de um uísque.
—Não beba — lhe advertiu Reed — Terá que estar sóbrio quando falarmos com a polícia.
— Estarei. — Jonathan tomou um gole com vontade — Acredite me faria falta mais um uísque para nublar minhas faculdades mentais. E muitíssimo mais para apagar todos os meus demônios.
Virou-se para Reed. Quando voltou a falar, sua expressão era pétrea, quase ausente.
— Perguntou-me por que tinha ido ver Adrienne. Fui vê-la para dizer que tenho provas muito graves contra ela, provas que deixariam Douglas petrificado se as descobrisse.
—Assim fez chantagem?
Jonathan encolheu de ombros.
—Depende do que considere chantagem. Pedi-lhe que deixasse de interferir em minha relação com Douglas e em minha trajetória profissional no Berkley and Company. Disse-lhe que podia ter todo o dinheiro, o prestígio e a fama que quisesse. Sempre e quando me deixasse fazer o que eu quero. Eu conseguiria para Douglas uma fortuna maior do que já tinha. Suponho que Adrienne sabia, porque não discutiu comigo por isso. Disse-me que se eu cumprisse com o que tinha prometido, ela não colocaria obstáculos.
Reed se inclinou para diante.
— Que provas eram essas?
— Uma fita. Gordon a gravou faz anos. Suponho que pensou que algum dia serviria para algo.
— Gordon? — Era o último nome que Reed esperava ouvir — Estavam os dois metidos nisto?
Algo nas palavras que Reed usou chamou a atenção de Jonathan por sua ironia, já que soltou uma gargalhada seca.
— Não, Reed. Gordon andava metido em suas coisas, mas parecia bastante preparado para me incluir nas provas, caso precisasse.
— O que havia na fita?
Outro sorriso amargo e Jonathan tomou com um gole o que ficou do uísque.
— Uma discussão que revelava uma faceta da mente pervertida e sádica de nossa madrasta.
Para Reed as peças começavam a se encaixar de uma história muito perversa.
— Será melhor que se explique.
— Serei breve para que a nenhum dos dois nos dê vontade de vomitar. Sabe que minha mãe, Belinda Mallory, trabalhava de criada na casa de Douglas. Foi assim como se conheceram e como Gordon e eu fomos concebidos.
— Sim, disse-me isso.
— O que você não sabe é a profundidade do ódio de Adrienne. Foi inflamando com os anos, sobre tudo porque nunca conseguiu dar ao Douglas um filho próprio. Estava obcecada com Gordon e comigo. Sobre tudo com Gordon. Ele era o menino mau dos dois, o selvagem, o desafio. Desde pequeno, esses traços a punham nos nervos. Quando adolescente, seduziam-na.
Reed ficou imóvel.
— Está-me dizendo que tiveram uma relação sexual?
— Ouça, alguma vez viu O graduado? A diferença está em que Gordon só tinha quinze anos. E por muita vontade que tivesse de transar, não queria fazê-lo com Adrienne. Ele a rejeitou. Ofereceu, um incentivo para que trocasse de opinião. Isso é o que tenho na fita.
— Que incentivo?
— Ameaçou plantando algo valioso no quarto de minha mãe, como uma dessas jóias extravagantes que Douglas lhe comprava, para logo acusá-la de roubo, conseguindo que a detivessem. Se a acusação acabasse em uma condenação, genial, nossa mãe apodreceria no cárcere. Se não, Adrienne jurou que conseguiria que jamais pudesse trabalhar com outra família. Acabavam-se os ganhos. Acabava-se tudo. E quanto a nós, quem sabe? Adrienne teria empregado todas suas artimanhas para convencer Douglas de nos jogar na rua. É muito provável que tivesse conseguido. Ao fim, ele não nos tinha reconhecido. Não ocupávamos um lugar oficial em sua vida. No fundo, nossa mãe era tudo o que tínhamos. Só éramos uns pirralhos. Assim, contra sua vontade, Gordon se transformou no escravo sexual de Adrienne.
— E você sabia? —perguntou Reed, com uma careta.
— Naquela época, não. Passou vários anos. Inteirei-me por acaso. Uma noite tive vontade de tomar ar. Peguei o carro e fui ao clube náutico de Douglas. Dava um passeio pelo deque onde tinha o iate atracado. Não pude evitar ouvir Gordon e Adrienne brigando como cães raivosos. Vomitei. Logo voltei para casa. Quando Gordon chegou, enfrentei-o. Contou-me a situação. Francamente, eu não acreditei. Não era precisamente um tipo indefeso, uma vítima, e tampouco um filho decente e fiel. É verdade que tentava salvar seu traseiro, o e de nossa mãe, mas de todos os modos eu me fixava em seu papel de amante, transando com a mulher de seu pai. Encaixava bem com seu caráter. Mas quando me deu a fita, soube que não mentia. —Jonathan fez uma careta com os lábios que, ao torcer-se, transformou-se em um sorriso amargo — Darei uma cópia. Poderá escutá-lo você mesmo.
Reed soltou uma exalação.
— A mulher era mais perigosa do que pensava e, além disso, uma perseguidora sexual. Sua mãe ficou sabendo?
— Graças a Deus, não. Morreu feliz e sem saber nada dessa história tão sórdida, enquanto nós estávamos na universidade.
— Sim. De câncer. Lembro-me. — Reed esfregou a mandíbula com a palma da mão — O problema é que estes fatos não lhe ajudarão no caso. Prejudicam-lhe. Explicam a razão de que seu copo de uísque vazio estivesse na casa. Mas também contribuirão para que as autoridades tenham uma coisa a mais para utilizar contra você. O que Adrienne fez a você, sua mãe, a seu irmão… dirão que você quis se vingar, fazer dano e humilhá-la e, finalmente, matá-la. Entende meu ponto de vista?
Jonathan assentiu com expressão sombria.
— Sim, entendo. Mas por que eu mataria Douglas?
— Por ter ignorado o evidente. Por ficar do lado de sua mulher e dar as costas a seus filhos e a sua mãe, quando necessitavam seu amparo. Porque esperava que mostrasse respeito por uma mulher que para você era uma louca pervertida e, além disso, vagabunda. Acredite, a acusação tirará o máximo proveito disto.
— Não fiz isso, Reed. Eu não a violei. Não os assassinei.
— Bom, já ouvi o bastante para saber em que situação está. — Reed se pôs de pé — Vamos a delegacia de polícia. Farão esfregação bocal em você para a amostra de DNA. Ofereceremos-nos para ajudar no que for preciso. Mas durante o interrogatório, deixe que eu o conduza. Não perca a calma. Não responda nada a menos que eu lhe diga isso e, quando falar, seja o mais breve possível. Nada de detalhes. Se comporte como um filho emocionado e pesaroso que está horrorizado pelo que passou.
— E essa é a verdade.
Reed assentiu com um gesto da cabeça.
— Assim é.
Cathy levantou a vista quando viu Reed sair com Jonathan.
— vou sair um momento com o senhor Mallory, Cathy —informou Reed — poderá me encontrar no celular. Alguma chamada?
Ela se inclinou para ele e entregou dois papéis rosados.
—Estas duas mensagens são urgentes. Todo o resto pode esperar.
Reed olhou as mensagens. O primeiro era de Richard Harter. Pedia-lhe que fosse ao seu escritório o mais rápido possível para lhe informar do resultado da reunião com o Jonathan. De acordo. Passaria para vê-lo agora. Assim, os sócios poderiam suspirar aliviados e começar a tomar as medidas necessárias para despedir-se de Reed como advogado do escritório e facilitar o caminho de sua nova empresa.
A segunda mensagem era de Taylor.
Reed franziu o cenho e elevou o olhar.
—Cathy, chame à Décima Nona delegacia de polícia e diga que o senhor Mallory e eu vamos para lá. Jonathan me espere na recepção. Tenho que ver alguém antes de irmos.
Jonathan lançou para Reed um olhar zombador. Sabia perfeitamente aonde ia.
— De acordo. Diga aos velhos companheiros que não se preocupem. Não acontecerá nada.
Reed se afastou pelo corredor e se deteve ante a mesa da secretária do Richard Harter.
— Está me esperando — anunciou.
Ela assentiu com um gesto, agarrou o telefone e teclou o interfone.
— O senhor Weston quer vê-lo, senhor. Já pode entrar — avisou a Reed.
— Obrigado — disse ele, e chamou uma vez à porta.
— Entre, Reed.
Reed fechou a porta a suas costas.
—Tudo vai segundo o previsto — disse indo ao ponto — Mas não posso ficar. Agora tenho que ir à Delegacia de polícia com Jonathan.
A mensagem era bastante clara.
Harter limpou a garganta e se aproximou de Reed.
— Entendo que será um começo difícil para você. Também entendo o paradoxo da situação porque, para lançar a compainha que procurou com tanto afinco, vê-se obrigado a começar precisamente com um desses casos que tanta vontade tem de deixar. Mas é um bom advogado. Jonathan Mallory tem sorte de tê-lo ao seu lado. Meu conselho é: não deixe de pensar na recompensa.
—Tem razão. Farei isso — disse Reed, e guardou silêncio, olhando ao homem que havia sido seu mentor — Richard, agradeço tudo o que tem feito por mim. Sei que você mesmo se encontra em uma posição muito desagradável, mas recorda, não é a prática do direito penal o que me ofende. É defender a uns idiotas que sei que são culpados de crimes horríveis e indescritíveis, mas que também são bastante ricos e poderosos para me pagar e conseguir que saiam impunes.
— Crimes horríveis e indescritíveis — disse Harter, em voz baixa — Acredito que violação e o assassinato poderiam qualificar-se assim.
— Eu também.
— Então, pode que este seja um desses casos.
— Possivelmente. Não acredito. Acredito sinceramente que Jonathan é inocente. Duvido que a polícia tenha provas suficientes para detê-lo. Mas se me equivoco, ao menos não terei a necessidade de tomar uma ducha cada vez que saio do tribunal.
— Fique frio, Reed — disse Harter, com uma risada afogada — Tudo sairá perfeitamente. Quanto a acreditar em seu cliente, para a maioria dos advogados, é uma vantagem. Para você, é uma necessidade. Assim me sinto um pouco menos culpado e um pouco mais aliviado — assegurou. Deu em Reed uma palmada no ombro e estendeu a mão para saudá-lo, desejando toda a sorte do mundo.
—Obrigado. — Reed o imitou —. Estou ansioso por pôr mãos à obra com este desafio.
—Mantenha-me a par do que ocorre.
— Manterei.
Reed pegou seu celular assim que saiu do escritório de Harter. Discou o número da Escola Dellinger enquanto se dirigia à sala de recepção.
Respondeu a operadora e transferiu para sala de Taylor.
Ela respondeu ao primeiro toque.
—Taylor Halstead.
— Sou eu. Tudo bem?
— Bem? — perguntou ela, incrédula —. Ontem à noite mataram dois clientes seus. Como pensa que tudo poderia ir bem?
—Referia-me a você.
Ela ignorou a pergunta.
—Reed, não sai da Internet; estive lendo as últimas notícias. Os jornais não dizem grande coisa. Necessito que me diga algo mais.
— Não posso.
Seguiu um silêncio pesado.
— Não pode — repetiu Taylor —. Por quê?
— Porque não tenho mais detalhes que você.
— A polícia tem previsto deter alguém?
— Duvido. A investigação acaba de começar.
— Até que ponto Jonathan Mallory está comprometido nessa investigação?
Seguiu outro silêncio, desta vez mais tenso que o anterior. Reed tinha a sensação de que uma brecha começava a formar-se entre eles.
— Não posso falar agora, Taylor — disse, com um bufo —. Estou em meio de uma reunião com um cliente. Só chamei porque sua mensagem parecia urgente e queria me assegurar de que não tinha problemas.
— Está com o Jonathan Mallory, não é isso?
Ele não respondeu.
— Meu Deus. Então ele é um dos suspeitos — disse Taylor, com voz tremula.
— Não posso falar disto contigo. Já sabe. Tenho que desligar. Já disse, só queria me assegurar de que não tinha recebido mais chamadas ameaçadores.
— Não, nenhuma só chamada. Mas, claro, agora não estou admirada. O tipo que esteve ligando e perseguindo, e cuja identidade estou cada vez mais convencida, é o cliente com o qual está reunido.
Reed estava a ponto de entrar no vestíbulo. Viu Jonathan que passeava de um lado a outro, esperando-o.
—Não podemos falar agora — disse ele —. Ligarei mais tarde.
—Não estou segura de que tenha a presença de ânimo nem a objetividade para escutar.
—Só há uma maneira de averiguá-lo — disse Reed, e calou, esperando sua resposta.
Demorou um momento em produzir-se.
—De acordo, Reed —disse ela, com voz fria — Esperarei sua chamada. Enquanto isso, não me incomodarei em fazer a mala para nossa viagem. Algo me diz que nosso fim de semana na montanha se postergou.
Ouviu-se um «clique» sonoro e Reed soube que tinha desligado.


18h45min
WVNY

Essa noite quando Taylor entrou no estúdio de gravação Jack estava sentado com Kevin, Dennis e Laura.
— Olá — disse ela, arqueando uma sobrancelha — O diretor de programas em pessoa me espera com toda a equipe para me saudar. A que se deve esta honra?
— Estamos preocupados com você — disse Jack, sem rodeios.
— Por quê?
— Não tente se fazer de inocente — disse Kevin com um bufo —. Ontem à noite saiu cedo daqui para ir a essa festa de Jonathan Mallory em Le Cerque. Horas mais tarde, o anfitrião e a anfitriã foram assassinados em seu domicílio. Somos uma emissora de rádio. Temos nossas fontes. Sabemos que a polícia interrogou ao Mallory. Era um interrogatório rotineiro ou acreditam que é o culpado?
—Não sei — respondeu Taylor, encolhendo os ombros e tirando o casaco — Têm lido os jornais… E sabem o mesmo que eu.
— E o que há com esse tipo com quem está saindo? — perguntou Jack — Não é ele o advogado de Mallory?
— Minha mãe — disse ela, pestanejando — Não tinha nem idéia de que minha vida era um livro aberto. — Se sua relação com Reed Weston é privada, será melhor que diga a ele —interveio Laura — Ligou quatro vezes para seu número privado nos últimos vinte minutos. — Entregou os papéis com as mensagens — Quer falar com você antes que saia ao ar.
— De acordo.
— Não é o único que ligou — disse Dennis, removendo-se em sua cadeira — Também a polícia entrou em contato. Laura não estava em seu escritório, e transferiram a chamada aqui para cima, e atendi. O inspetor… — disse, lançando um olhar à mensagem que havia escrito… — Hadman quer falar com você manhã.
Kevin se inclinou para frente.
— Por que Hadman que falar? Já se ocupou de rastrear as chamadas do Romeo, e se encontrou em um beco sem saída. O mesmo com esse menino do Dellinger, Chris Young. Hadman tem mais pistas?
— Não. O número que deu a companhia Telefônica não conduziu a nada.
— Então, por que ligou? —inquiriu Kevin.
— Porque vão interrogar a todos os convidados à festa de ontem à noite. Quanto a meu perseguidor, agora não é um assunto prioritário.
— Não há nada sobre Jonathan Mallory?
— Não. Nada — confirmou Taylor, e ajustou as mangas do pulôver — Francamente meninos, eu agradeço sua preocupação, mas não precisa. Estarei bem.
— Já, claro. Mas há maneiras e maneiras de estar bem — disse Jack — recebeu muitos golpes nestes últimos meses. Começando por sua prima. Depois Rick. Logo, um cara que a persegue… que ainda não encontraram. E agora isto. — cruzou os braços com um gesto decidido — Amanhã acompanharei-a a Delegacia de polícia. Já dirão a que horas vai.
— O mesmo digo — avisou Kevin — Estarei contigo assim que me peça isso.
—Tenho uma aula cedo pela manhã na Universidade de Nova Iorque — disse Laura, oferecendo- se — Posso faltar a esse compromisso. Só tem que me avisar.
— Eu tenho menos responsabilidades que ninguém aqui. — Esta vez foi Dennis o que interveio, sem acanhamento nem vacilações. Era uma questão de fidelidade—. Assim se esse inspetor Hadman tem que falar contigo e não avisar com antecipação, eu acompanharei.
Taylor se emocionou com a generosidade de seus companheiros.
— Agradeço isso. A todos. Digo a sério. Mas não será necessário. Mitch, meu investigador privado, me acompanha a todas as partes. Irá comigo à delegacia de polícia na primeira hora da manhã ou depois das aulas no colégio. Já me arrumarei.
— Isso que há dito é uma opinião, nada mais. — Por seu tom de voz, via-se que Jack levava momento preparando o que queria dizer—. Todos acreditam que necessita umas férias.
Duas semanas, a partir de agora mesmo. Tem que sair de Manhattan, se afastar de más lembranças e das crises que está sofrendo. Voltará a tempo para mudar para seu apartamento novo.
E, quem sabe! Possivelmente quando voltar já esteja tudo resolvido.
— Jack, não posso — protestou Taylor, sacudindo a cabeça.
— Por que não? Por causa da escola Dellinger? Não começam as férias de inverno na semana que vem?
Taylor ficou olhando.
— Isso. Chame seu amiguinho e diga que a acompanhe.
A proposta ficou flutuando no ambiente.
— Sinto muito — disse Jack—, suponho que é um tema delicado.
— Eu diria um tema discutível — corrigiu Taylor, sem dissimular uma ligeira crispação — Duvido que Reed esteja livre.
Produziu-se outro silêncio, breve, mas incômodo.
—Talvez deveria confirmá-lo — sugeriu Laura, tímida — Ou ao menos devolver a chamada. Soava bastante nervoso.
— Acredito que está agitado. Deseja me explicar por que está jogando a carreira fora por Jonathan Mallory — disse, com um gesto brusco de indiferença — Ligarei agora e saberei o que está acontecendo. Não têm por que escutar atrás da porta. Sairei e contarei o que acontecer quando desligar. — Deu um passo para seu estúdio e logo se virou para olhá-los — Uma vez mais, vos agradeço. São os melhores — disse, e saiu.
Ficou olhando o telefone por um momento. Possivelmente Kevin tinha razão. Possivelmente as circunstâncias haviam mudado desde sua conversa com Reed essa manhã.
Embora, na realidade, duvidava disso. Agarrou o telefone e discou o número do celular de Reed.
Era evidente que ele tinha identificado a chamada porque respondeu imediatamente.
— Até que enfim! — saudou — Começava a me perguntar você iria responder minhas chamadas.
— Claro que ligaria. Aqui estou.
— Bem — disse Reed, com voz agitada — aconteceram muitas coisas. Muitas coisas das quais temos que falar. Assim tomei algumas decisões. Mitch irá ao seu apartamento esta noite.
Tem a chave que você deu. Entrará e ficará. Acenderá as luzes, para que fique claro que há alguém dentro.
— Até que hora?
— Até manhã. Passará a noite ali.
— Ah, sim? E eu, onde estarei?
— Em meu apartamento comigo. Jake te apanhará na rádio e a levará a meu apartamento — avisou Reed, e seguiu uma pausa densa — Não diga que não, Taylor. Temos que falar.
Taylor se sentia rasgada, confusa e, por algum motivo, traída. Possivelmente fosse absurdo, dado que ainda ignorava o que tinha feito Reed e que não tinha feito. Sem saber em que ponto se encontrava a investigação. Tampouco sabia o que aconteceria aos dois.
Mas devia isso a si mesma e a Reed.
— De acordo, irei — aceitou, finalmente — Mas só para falar. Ou, neste caso, escutar. Não penso ficar. A menos que me sinta satisfeita com o que escute.
Reed deixou escapar um suspiro.
— Não pressionarei. Você porá as regras. O único pedido que faço é que venha a minha casa, que se sente face a face comigo e me escute, com uma atitude aberta.
— A parte de ir, me sentar para conversar e escutar me parece bem; já da atitude aberta será mais difícil. Tentarei Reed. É a única coisa que posso prometer por agora. Já disse, não sou nada objetiva quando se trata de Jonathan Mallory.
— Entendo. — Reed soava tão cansado que Taylor não pôde deixar de sentir uma pontada de simpatia. Possivelmente ela tivesse vivido sensações muito fortes durante aquele dia, mas ele também tinha sido espremido num rolo compressor.
— Parece esgotado — disse, com voz afetuosa — Possivelmente deveríamos deixar isso para outra noite.
— Não, esta conversa não pode esperar — disse ele, e guardou silêncio — Mas agradeço pela preocupação e seu carinho.
— De acordo, mas as duas coisas que disse são apenas por você — advertiu ela — Não para seu cliente.
— Bem. Já sei a que se refere. Não reprovo isso. O que faço é contar contigo.
— Para que? Minha presença? Minha atenção exclusiva? Já as tem. Qualquer outra coisa — disse Taylor, e suspirou — Digamos que eu não esperaria nada.









Capítulo 26
22h45min. RUA SESSENTA E OITO ESTE
Reed agarrou o casaco de Taylor e fechou a porta.
— Jake trouxe-a sem problemas?
— Como um relógio. — Taylor lançou uma olhada no ambiente perguntando-se como podia ser que um lugar que há alguns dias parecia tão quente e acolhedor agora se houvesse ficado tão frio e estranho.
— Fique a vontade — disse Reed, fazendo um gesto para o sofá de couro ocre na sala de estar — servirei uma taça de vinho. — Quando se dirigia ao bar, fixou-se na expressão precavida de Taylor e se deteve — Só quero que relaxe, não é para fazer baixar a guarda. Acredito que sabe por experiência própria que não seduzo as mulheres quando estão intoxicadas.
Taylor sentiu um pingo de vergonha.
—Tem razão. Não merece isso. O que acontece é que foi um dia insuportável.
— Não direi mais. — Reed continuou com o que fazia. Serviu duas taças de Merlot e as levou ao sofá onde Taylor se acomodou.
Ela tirou os sapatos de salto baixo e ocultou os pés recolhendo-os sob as coxas.
Viu que Reed tinha uma lareira. As chamas chispavam alegremente e difundiam um fulgor quente pela sala que a aliviou do frio, embora só do frio exterior. Interiormente demoraria muito mais em sentir a calidez.
— Primeiro, as más notícias — disse Reed, para começar, e se sentou a seu lado —Tinha razão no do fim de semana. Tive que cancelá-lo. Sinto mais do que imagina. Mas estão acontecendo muitas coisas que não me permitem me ausentar.
— Disso estou segura — assentiu Taylor, e bebeu um gole do Merlot — Em troca, me obrigaram a sair de férias. Jack me ordenou que tirasse duas semanas, começando hoje mesmo. Suponho que tem razão. Necessito-as.
Reed acentuou o cenho franzido com cada uma de suas palavras.
— Vai a alguma parte? —inquiriu.
A severidade de seu tom a surpreendeu, e sentiu a pontada de um pensamento desagradável e intrusivo.
— É uma pergunta legal ou pessoal?
Reed deixou sua taça sobre a mesa com um golpe.
— Maldição, Taylor. Temos que chegar a isto? Vai interpretar todas as perguntas que faço, cada palavra que digo, como se só queria averiguar dados para reforçar minha posição como advogado?
— Não é isso o que quero. Mas não sei se posso evitá-lo.
— Então, me deixe que dê um motivo para tentar. — Reed pegou a taça que deixou sobre a mesa, e sujeitou Taylor pelos ombros — Lhe perguntei isso porque não quero que vá a nenhuma parte. Não sem mim, e menos ainda sozinha. Estarei preocupado e, sobre tudo, sentirei sua falta. Por quê? Porque estou apaixonado por você. Acredite, não estava em meus planos. Mas assim aconteceu. E não poderia ter acontecido em pior momento. E queria que soubesse antes de que nós falemos tudo o que temos pendente.
Deixou de apertá-la com tanta força ao sentir que Taylor estremecia, e então a olhou em busca de uma reação.
— Me diga algo.
Taylor se sentiu embargada por uma emoção intensa que chegou à garganta e custou engolir. —Não sei o que dizer — atinou a balbuciar.
— Me diga ao menos que me acredita em mim.
— Acredito.
— É um bom começo. Agora, me diga que você sente o mesmo.
Ela respondeu elevando o queixo e sacudiu a cabeça com um gesto brusco.
— Não quero. Quero me levantar e sair daqui assim que me diga que agora representa a Jonathan Mallory, que é o que fará, estou certa. Quero respeitar minha resolução de que nunca me converteria em uma tonta que se deixa enganar e acreditar que o amor pode tudo. Queria acreditar que é assim. Mas não posso. Porque eu também estou apaixonada. Está contente agora?
— Sim — disse ele, e com os lábios roçou as maçãs do rosto, primeiro uma, logo a outra, antes de cobrir a boca com um beijo lento e tenro — Muito contente.
— Que bom — murmurou Taylor, e apartou a boca — Porque não vejo por onde vamos começar.
— Por quê? Porque não estamos de acordo com a identidade de seu perseguidor? Já estava, pensou ela. Afastou-se uns centímetros e agarrou a taça, como uma barreira tanto física como simbólica entre eles, mas também como um bálsamo emocional para a conversa que os esperava.
— Depois de tudo o que ocorreu, como pode pensar que Jonathan Mallory é inocente?
— Não posso explicá-lo. E não peço que esteja de acordo. Só peço que confie que eu nunca deixaria que alguém te fizesse mal.
— Confio em que nunca decidiria deixar que alguém me fizesse mal. Isso conta?
Reed suspirou e se reclinou sobre as almofadas.
— Suponho que terá que contar. Por hora.
— Não é sua lealdade o que questiono. É seu julgamento. Eu sou a psicóloga, não você. E não acredito que Jonathan Mallory seja uma pessoa racional.
— Pode ser que não. Mas tampouco é perigoso — disse Reed, com um gesto de impaciência — Estacionemos a conversa por esta parte, por hora. Tenho algo importante para contar. Algo que finalmente posso compartilhar contigo porque, desde hoje, é um fato consumado. — Voltou a inclinar-se para ela, e lhe deu a notícia com um sentimento de prazer e orgulho à voz — Vou sair da Harter, Randolph & Collins para criar minha própria empresa.
Ela piscou. Sua reunião importante. Acreditava que a reunião se atrasou.
— Sua reunião… aconteceu?
— Claro que sim.
Quando acabou de assimilar a notícia, Taylor se inclinou para ele e o abraçou com força.
— Eu pensava que a notícia teria a ver com isso — disse, e logo se apartou para olhá-lo aos olhos — Está satisfeito com a decisão?
—Muito. Faz tempo que vinha ruminando-a. Já não posso seguir por esse caminho. Chegou o momento de mudar. Quero ter clientes estáveis e duradouros, não me dedicar aos casos de alto nível. Quero estabelecer relações com gente em quem acredite. Suponho que a maturidade me converteu em um idealista.
— A maturidade — sorriu Taylor — Tem trinta e cinco anos.
— De acordo, pode ser que não esteja tão amadurecido. Mas decididamente cínico. Se surpreenderia com as coisas que passam com o idealismo depois de trabalhar dez anos nas altas esferas.
— Posso imaginar — disse Taylor, e a preocupação lhe enrugou a fronte — E tem razão ao pensar que Harter, Randolph & Collins não são precisamente conhecidos por seu idealismo. Ainda assim, fostes um elemento muito valioso para eles. Tremo só de pensar na reação dos sócios quando disse isso. Suponho que não queriam que você partisse.
— Digamos que estavam algo menos que encantados.
— E por isso se debatia entre as repercussões logísticas e éticas de sua decisão.
Tentava encontrar uma forma mutuamente aceitável de levar ao cabo a separação.
— Exatamente. Nisso estive metido nestas últimas duas semanas. Em encontrar uma solução satisfatória para todos.
— E é evidente que conseguiu.
Uma expressão estranha apareceu no rosto do Reed.
— Acredito que sim. Ao sair da reunião hoje, estávamos todos em igualdade de condições. Eles aceitaram apoiar minha decisão. Também me ajudarão em tudo o que possam, com recomendações, referências, o que necessitar.
— Assim, sem mais? —Havia algo naquele acordo que para Taylor não quadrava. A solução era muito fácil, muito abrupta — Não entendo. O momento escolhido é o mais estranho. Além disso, não pode representar a Jonathan Mallory se não formar parte do escritório. Assim, com quem vão contar para…? —A voz do Taylor foi se apagando a medida que se dava conta da verdade.
O momento escolhido não era estranho. O momento escolhido era intencional.
Taylor sentiu que lhe revolviam as vísceras.
— Por favor, Reed, não me diga que fez um trato com os sócios majoritários. Não me diga que aceitou Jonathan Mallory como seu primeiro cliente em troca das bênçãos da Harter, Randolph & Collins e assim abrir sua própria compainha e obter sua ajuda em seus primeiros passos.
Reed não parava de apertar a mandíbula.
—Não é tão simples.
— Meu Deus. —Taylor deixou o vinho sobre a mesa — Não posso acreditar nisso. O passo decisivo de sua carreira profissional, a decisão que ajudaria a conciliar o sonho e melhoraria sua auto-estima, por fim pode levar-se a cabo graças ao homicídio dos Berkley.
—Taylor, chega. — Reed a agarrou pelos braços—. Não sou nem um iludido e nem um idiota. E asseguro que não sou hipócrita. Sim, decidi fazer caminho por minha conta para ampliar meus horizontes profissionais. Mas nunca disse que abandonaria por completo o direito penal. Não é assim. Só disse que serei mais seletivo com as pessoas que represente. Assim não faça que isto soe como se tivessem me comprado com um trato sujo idealizado para conseguir o que quero. Ia abandonar o escritório de todos os modos. Fico doente que tenham assassinado a Douglas e Adrienne. Quer saber se acredito que Harter, Randolph & Collins aproveitaram-se da situação em beneficia próprio? É obvio que sim. Mas Jonathan tem direito que o defendam, caso necessite. Recorda que não o acusaram de nada e, em minha opinião, não vão fazê-lo. Falei com ele. E acontece que acredito que é inocente.
—Inocente. —Taylor articulou a palavra como se fora uma estrangeira—. Trata-se de uma valorização apoiada nos fatos ou está se iludindo?
— É o instinto. — Os olhos de Reed brilharam — Tenho dez anos de experiência. Não questione minha capacidade nem minha integridade. Insulta-me e me desonra.
Reed acertou o alvo e Taylor se ruborizou.
— Tem razão. É que está me custando muito aceitar tudo isto.
— Supus que custaria. E sinto muito que tenha que estar no meio. O ideal seria que o caso se resolvesse rapidamente e que pudéssemos nos esquecer dele. O mesmo serve pelo cara que está perseguindo-a. — Reed fez uma pausa e Taylor percebeu que custava pronunciar as palavras que ia dizer — Para que conste em ata, eu não me aproveito dos assassinatos das pessoas. E se quiser que diga com toda clareza, preferiria mil vezes lutar para sair adiante seguindo o caminho mais duro, se Adrienne e Douglas continuassem vivos. Desgraçadamente, não tenho essa opção.
Taylor sentiu que a engolia uma enorme onda de culpa. Reed não era só o homem que amava, também era um homem bom.
— Reed, chega. — estendeu o braço, tomou a mão e entrelaçou os dedos com os seus — Não precisa falar tudo isso. Eu sei quem é. E tem razão. Se não tivesse sentimentos pessoais tão fortes e negativos para com Jonathan, estaria aplaudindo-o por como lutou com tudo isto. — Franziu o cenho — Tenho tantas perguntas. Mas não posso fazer nenhuma, verdade?
Reed tomou os dedos e os aproximou da boca.
— Quando chegar o fim de semana estou seguro de que Jonathan já não será considerado suspeito.
— Dos assassinatos, dirá. Mas o que opina em relação a mim?
Um forte suspiro.
— Essas suspeitas não poderão apagar-se até que encontremos o perseguidor.
— Na verdade, não crê que seja Jonathan, verdade?
— Não. Acredito que não. E se serve de consolo, ele sabe que ontem à noite quando falou com você comportou-se como um louco. Mas tinha suas razões, razões que não posso explicar. O que me parece positivo é que começa a dar-se conta de que você e ele não têm nada que fazer juntos. Dê-me tempo. Se conseguir fazer meu trabalho, possivelmente acabe com a obsessão que tem contigo.
Tenho algumas idéias. Já lhe disse isso, me dê tempo.
— De acordo. — Taylor e segurou a quantidade de perguntas que ansiava fazer. Não tinha sentido. Reed não poderia contar nada mais do que já havia dito, ao menos por agora. Mas havia algo que ela tinha que dizer a ele.
— O inspetor Hadman quer que vá a delegacia de polícia amanhã para falar com ele, porque estive na recepção. Espero que entenda que tenho que ser franca. Se me perguntar pelo comportamento de Jonathan Mallory, ou se percebi alguma tensão essa noite entre ele, seu pai e sua madrasta, penso dizer a verdade.
— Espero que o faça — disse Reed, sem alterar-se — Responda todas as suas perguntas aberta e honestamente. As evasivas só servirão que para prejudicar a investigação e fazer com que meu cliente pareça ainda mais suspeito. Por outro lado, pediria que tente ser mais objetiva possível, tendo em conta as circunstâncias.
— Em outras palavras, que me atenha aos fatos. — Taylor assentiu com a cabeça — parece bastante justo. — encolheu os ombros — Além disso, Hadman já sabe que me sinto intranqüila com Jonathan, porque estava em minha lista de possíveis perseguidores. É possível que toque o tema em relação à personalidade, mas duvido que tenha muito peso assim como a investigação sobre o duplo homicídio. Só queria estar segura de que tanto você como eu entendemos as coisas da mesma maneira.
— Assim é. — Reed franziu as sobrancelhas em uma só linha. Era evidente que pensava em outra coisa — Falou com Hadman sobre a origem da chamada? Encontrou algo?
— Não. —Taylor lhe deu os detalhes do que o inspetor Hadman tinha averiguado sobre o telefone móvel pré-pago.
— A polícia não seguirá indagando — disse Reed — isso parece procurar uma agulha em um palheiro. Mitch, em troca, é outra história. Esperemos que possa convencer a Hadman para que entregue o número de telefone. Assim, poderá localizar a loja onde foi vendido o celular e enviar um de seus homens para falar com os empregados. Possivelmente alguém se lembre de algo.
— Possivelmente. Mas duvido que dê resultados. Só encontrar o lugar levaria várias semanas. E logo, tentar conseguir uma informação de meses atrás da boca de um atendente que provavelmente conversava com um companheiro enquanto vendia o telefone móvel? Acredito que estamos falando de um pouco quase impossível. —Taylor tinha o olhar perdido em alguma parte, imbuída de uma sensação de vazio e desesperança.
— E o que há do caso dos Berkley? — seguiu ela — Segundo as notícias não muito detalhadas que tenho lido, não forçaram a porta para entrar — disse, e se estremeceu — O qual dá a entender que se trata de alguém que conheciam. Meu Deus, e eu aqui, obcecada com um perseguidor. Parece algo muito insignificante comparado com isso, não?
— É normal. Há todo tipo de desequilibrados, e um deles tem uma fixação com você. Não tem nada de insignificante — disse Reed, e guardou silêncio enquanto olhava as mãos entrelaçadas — Ainda não respondeu a minha pergunta. Pensa em sair da cidade?
— De verdade? Não tive tempo para pensar. Mas pode ser que seja uma boa idéia. Seria um descanso de toda esta loucura. Também me servirá para esquecer esse apartamento, tão cheio de más lembranças. Quando voltar, terá chegado o dia da mudança. Poderia ir a algum lugar com muito sol. A Palm Beach, por exemplo. Meu pai tem uma casa ali. Mitch e Jake poderiam vir comigo e me proteger como o fazem aqui. Posso estender-me na praia e vegetar, nada mais. Quem sabe? Talvez Jack tenha razão. Possivelmente todas estas crises se resolverão para quando retorne.
— Possivelmente. Falei a sério — disse Reed, e a atraiu para ele — Não deixarei de me preocupar. E de sentir sua falta.
— Sei. Eu também sentirei sua falta — disse Taylor, e o olhou com um sorriso triste — Tinha muitas vontades de passar esse fim de semana na montanha. Prometia ser uma maravilha.
— Voltaremos a planejá-lo.
— Promete?
— Prometo.
Seguiu um comprido silencio só acompanhado do chiado do fogo.
— Fique comigo esta noite — pediu Reed, com a voz enrouquecida pelo desejo. O pulso tremeu quando elevou o queixo de Taylor para que o olhasse nos olhos — Pegará um vôo para Palm Beach amanhã. Eu mesmo a levarei com Mitch ou Jake até o aeroporto. Mas, por uma noite, nos esqueçamos deste maldito mundo. Temo-nos um ao outro. Nós merecemos isso, não acha?
— Sim, merecemos isso. —Taylor não teve que pensar muito. Abandonou-se a idéia, com tanta vontade de esquecer-se do mundo como ele. Ajeitou-se e começou a desabotoar a camisa. Fizeram amor sobre o tapete junto à chaminé. Depois, Reed a levou até sua cama, onde voltaram a perder-se um no outro. Sua maneira de fazer amor era diferente essa noite, não em seu ardor, mas sim em sua intensidade emocional. Havia algo profundo e poderoso nos movimentos de seus corpos, uma intensidade comovedora que chegou a assustar Taylor. Reed tinha razão. Era um sentimento que não ia desvanecer-se.
Taylor gritou seu nome quando chegou ao orgasmo, como se tudo o que havia nela se desintegrasse. Ouviu-se a si mesmo dizer entre ofegos que o amava, e sentiu que sua reação ante essa declaração a sacudia inteira. Reed se perdeu por completo, seu abraço era quase doloroso, enquanto se derramava nela em meio de espasmos duros e penetrantes, tremendo, com os quadris movendo-se convulsivamente, martelando-a, até que a força de seu orgasmo os empurrou a ambos para trás e os fez se chocar contra a cabeceira que, a sua vez, chocou-se contra a parede.
Quando se acalmaram dos espasmos selvagens e voltou à consciência, encontravam-se em uma posição pela metade entre deitados e sentados. O travesseiro que Reed tinha colocado sob os quadris se deslizou por suas costas, casualidade que a salvou de algum golpe, como um amortecedor entre ela e a pesada cabeceira de mogno. Seu corpo palpitante estava mais que agradecido. Reed não teve tanta sorte. Tinha a cabeça esmagada contra a parede e os ombros contra a cabeceira.
Deixou escapar um grunhido de dor e Taylor pôs-se a rir.
— Me alegro que pareça divertido — murmurou, e se apoiou nos joelhos para retorcer-se e situá-los aos dois em uma posição mais horizontal. Seguiu outro grunhido, desta vez com uma boa dose de satisfação masculina.
— Acredito que tenha quebrado algo.
— Nada que seja importante — assegurou Taylor, e arqueou os quadris o suficiente para mantê-lo dentro dela.
Um risinho rouco roçou a orelha.
— Tranquiliza-me saber que tem suas prioridades bem claras.
—Hmmm. — Taylor percorreu a coluna com o suave toque de seus dedos, desejando congelar aquele momento, desejando estar tão segura de tudo como estava da magia que nascia de seus corpos unidos.
Reed deve ter percebido a mudança em seu estado de ânimo, porque se apoiou nos cotovelos e a cravou com um olhar intenso.
— Sei que tem medo. Não tema. — Inclinou a cabeça e a roçou com os lábios — conseguiremos superar tudo isso, Taylor. Já verás — assegurou, com um sorriso lento e sedutor —. Embora não posso prometer que nossos corpos sairão completamente ilesos do intento.
Devolveu um sorriso.
— Estarei presente — disse.
— Te amo — disse ele, com voz fraca — sempre me terá presente.
— Sempre — disse ela, assentindo com a cabeça.
No corredor, o relógio de pé marcou as duas. Reed retirou uma mecha de cabelo do rosto e voltou a beijá-la.
— Feliz dia de São Valentín.
— Feliz dia de São Valentín — respondeu ela, abraçando-o com força pelas costas.


14 DE FEVEREIRO
16h45min. AEROPORTO DO GUARDA, Nova Iorque

Reed ficou vendo o avião de Taylor se distanciar, irritado porque ele não podia acompanhá-la, aliviado porque Mitch a acompanhava. Taylor tinha ido ver Hadman, que fez a ronda de perguntas habituais em relação à recepção em Le Cerque.
Embora não sabia como tinha sido as respostas de Taylor, tinha certeza que não podiam ter sido de muita ajuda para Jonathan. Mas assim eram as coisas da vida. Ele enfrentaria às conseqüências, como era seu dever.
Tinha deixado o aeroporto e já tinha percorrido a metade do caminho a Manhattan quando tocou seu celular.
— Alô?
— Reed, sou eu. — A voz de Jonathan soava muita aflita—. Graças a Deus que o encontrei.
— Por quê? O que acontece?
— Estou em meu escritório. Veio a polícia. Acabam de me deter pelos assassinatos de Douglas e Adrienne.
O impacto passou e a veia profissional de Reed se apropriou da situação.
— De acordo, Jonathan, me escute. Não faça uma cena. Vá com eles. Não diga nenhuma só palavra. Estou indo. Verei-o na delegacia de polícia dentro de vinte minutos.











Capítulo 27

18h45min. DÉCIMA NONA DELEGACIA DE POLÍCIA
RUA SESSENTA E SETE ESTE, Nova Iorque

Ouviram-se passos aproximando-se da cela. Jonathan levantou a cabeça a tempo do agente colocar a chave na fechadura e abrir a porta gradeada com um chiado.
— Até que enfim — murmurou, e se levantou de um salto quando entrou Reed — Levo uma hora apodrecendo nesta cela.
— Sinto muito. Havia muito tráfego. — Reed tirou o casaco e o deixou pendurando no braço.
Jonathan tinha um indício de desespero no olhar, e o rosto avermelhado e suado.
— Puseram-me as algemas ali mesmo em meu escritório. Leram meus direitos em meio do saguão do Edifício Chrysler. Trouxeram-me até aqui, tomaram-me as digitais e logo me atiraram neste buraco escuro, faz uma hora. Estou ficando louco.
— Para isso o fazem. — Reed falou em um tom firme e tranqüilizador — Começam com o efeito de choque da detenção. Logo o deixam atirado aqui enquanto eles preenchem as fichas e consultam com o ajudante do fiscal do distrito. Logo vem um inspetor da Brigada de Homicídios de Manhattan Norte, que assessora aos inspetores da delegacia de polícia que se encarregam do caso. Em outras palavras, esperam que enquanto isso o pânico domine-o. Levariam você à sala de interrogatórios, mas disse que não o fizessem. Chamei a delegacia de polícia e informei que não demoraria para chegar e que não deviam interrogá-lo até que eu estivesse presente.
— Genial. Assim chamam isto de um tratamento decente. — Jonathan arrancou a gravata de seda, que já estava torcida, e desabotoou os primeiros botões da camisa enrugada — Por Deus, do que vão me acusar?
— Diga-me isso você.
— E eu o que sei, maldição? —Jonathan deu um murro contra a parede e começou a passear de um lado a outro da cela. Era evidente que estava tão espantado como pretendia a polícia —. Pode ser que sejam os rastros no copo de uísque. Terão averiguado que eram minhas.
Reed negou com um gesto terminante da cabeça.
— Não me falaram isso. Você disse a Hadman que tinha estado na casa na tarde do assassinato, e que tinha tomado um uísque.
— Então não sei que provas se inventaram.
— A polícia não inventa provas, Jonathan. Encontra-as e as faz encaixar. — Reed olhou-o, franzindo o cenho — Neste caso, encontraram algo que convenceu ao fiscal do distrito, algo que justificava a detenção. — Reed agarrou com força o respaldo da cadeira e cravou os olhos em Jonathan até que este apartou a vista — antes que falemos com Hadman, está seguro de que não há nada que não tenha me dito. Nada absolutamente?
— Estou seguro — respondeu Jonathan em tom seco.
— Então não especulemos. Averiguemos o que se passa — disse Reed e se calou por um momento — lembre de duas coisas: controle-se em todo momento e deixe que eu seja quem fala.
— Sim. De acordo. —Jonathan se esfregou a nuca—. Acabemos de uma vez com isto.
— Bem. — Reed se aproximou da porta e chamou o agente — Diga ao inspetor Hadman que estamos preparados para falar com ele.
O agente assentiu com um gesto tenso da cabeça enquanto abria com a chave a porta da cela.
— Me acompanhem.
Passaram para a sala de interrogatórios, um espaço pequeno, sem janelas e apenas mobiliado. Logo desapareceu.
— Bonitas instalações — murmurou Jonathan, jogando uma olhada à mesa metálica e as cadeiras duras—. Parece copiado da revista Architectural Digest.
— Pretendem conseguir que a gente se desmorone não que dê vontade de ficar —respondeu Reed — Relaxe. É um jogo. Agora farão que suemos um pouco enquanto eles fazem cera. Logo entrarão, farão-nos perguntas e anotarão um montão de coisas. Não fique nervoso.
Passaram dez minutos. Quinze. Vinte.
Ao cabo de meia hora, Jonathan jogou para trás sua cadeira.
— Onde estão eles, maldição?
Como se tivesse pronunciado as palavras chave, a porta se abriu de par em par e o inspetor Hadman irrompeu na sala de interrogatórios pisando em forte. Acompanhava-o um segundo homem, o inspetor Murray Olin, que tinha aspecto de tipo simpático, normal. Mas Reed tinha tratado com ele em outras ocasiões e sabia muito bem que por baixo desse ar depravado e falador, o cara era preparado como uma raposa, e que ganhou uma reputação de policial acostumado. E seu repertório era mais amplo. Conforme diziam por aí, Olin punha uma face de pôquer tão autêntica como quando jogava de verdade, e Reed suspeitava que ele levava para casa toda semana uma boa fatia da grana de seus companheiros de delegacia de polícia.
Hadman fechou a porta a suas costas.
— Olá, advogado.
— Hadman. Olin — saudou Reed — Vejamos o que têm. Será melhor que seja bom. Humilhou meu cliente em seu lugar de trabalho.
— Já o superará. Já passava das cinco, no dia de São Valentín, de modo que não havia mais que um punhado de pessoas para presenciar sua humilhação. Além disso, por que teria que importar tanto depois da grande noticia da quarta-feira? — Hadman lançou um olhar penetrante em direção ao Reed — Ele se sairá dali e subirá de escalão; espera-o a direção da Berkley and Company. Assim, que importância tem o que pense o pessoal do Edifício Chrysler?
— Ouça Hadman, dispense o sarcasmo e…
O inspetor rechaçou o protesto de Reed com um gesto da mão.
— Irei ao ponto: as provas circunstanciais são irrefutáveis. Não há arrombamento da residência e tampouco temos um roubo. — Lançou um olhar de soslaio a Jonathan—. Disse que tem uma chave da casa.
— Douglas deu uma a cada filho quando eram adolescentes, para que utilizassem a casa quando estivessem na cidade — respondeu Reed em lugar do Jonathan — me parece bastante normal. Além disso, a empregada da casa também tem uma chave. Qualquer um poderia tê-la tomado «emprestada».
— Bem. Logo está o copo de uísque vazio. Não nos surpreendeu que as digitais que achamos nele fossem de seu cliente. Ele nos disse que tinha estado na casa aquela tarde e que tomou um. — Outro olhar para Jonathan —. Você bebe uísque, né? É o que bebia na quarta-feira de noite em Le Cerque. Mas bom, estava celebrando. Ou estava dando motivos para carregar a seu pai e a sua madrasta aquela mesma noite?
— Não se digne a responder, Jonathan — instruiu Reed.
— Por outro lado, seu cliente tinha muitos outros motivos para beber aquela noite — assinalou Olin —Caso de estresse. Por isso pudemos escutar da boca dos convidados e dos empregados de Le Cerque, esteve discutindo com Adrienne, brigando com Douglas Berkley e tentando colar-se a Taylor Halstead, e todo isso em uma só noite.
— É certo. — Hadman cravou um olhar cheio de receio em Jonathan e este começou a suar — a senhorita Halstead não gosta muito de você, por certo. De fato, parece-me que tem medo. Mas enfim, isso tampouco me surpreende. Quanto a Adrienne Berkley, não se davam muito bem. E os enfrentamentos com ela estavam na ordem do dia.
— Aonde quer chegar com isto, Hadman? Até agora, não fez mais que perseguir meu cliente.
Hadman se voltou para Reed.
— Quer informação? Bem. Parece que seu cliente jantou com seu pai na sexta-feira passada. De acordo com o maitre encarregado do Oak Room, e também segundo dois garçons, a conversa na mesa de Mallory subiu de tom até converter-se em uma discussão. Douglas Berkley estava aborrecido por algo. Quer nos dizer do que se tratava?
— Eu responderei a isso — respondeu Jonathan antes que Reed pudesse interceder — Falávamos de Gordon. Revelei-lhe alguns negócios pouco éticos que fazia antes de morrer. Passei a informação a Douglas. Tinha direito, ou seja, se por acaso afetava à empresa. Estava muito aborrecido.
— Sinto muito, mas não acredito. — Hadman agarrou uma cadeira e apoiou nela um pé — Embora não duvido que tocaram no tema dos negócios sujos de seu irmão. Mas a discussão não teve nada a ver com isso. De acordo com os e-mails que você e Berkley trocaram no fim de semana depois daquele jantar, é evidente que ele já estava preso a fraude de valores que tramava seu irmão quando você comunicou a notícia. Estou seguro, Mallory, de que jogou um jarro de água fria. Com uma informação quente desse calibre teria conseguido um trato ainda mais suculento no Berkley and Company.
— Qual é a procedência destes correios eletrônicos? — exigiu Reed, fazendo um esforço por ocultar o fato de que não tinha nem idéia de que demônios falava Hadman. Que fraude de valores era esse em que se colocou Gordon e que Jonathan agora revelava?
Saltava à vista que seu cliente tinha esquecido mencionar algo. E a tinha vexado ainda mais ao abrir a boca e mentir ao Hadman. Mais controle de danos a cargo do Reed.
— Encontramos os correios eletrônicos no computador de Mallory — esclareceu Olin — Seu cliente muito amavelmente nos permitiu acessar sua casa e seu computador portátil. Recuperamos algumas mensagens entre ele e Douglas Berkley. Neles há referências específicas da grande explosão que Jonathan acreditava que ia lançar a seu pai, mas que, no final, chegou a Berkley como água passada.
Os traços de Hadman se endureceram.
— Mas a briga no Oak Room não tinha a ver com isso, verdade? Tinha a ver com Taylor Halstead, e com a preocupação de seu pai por sua obsessão com ela. De fato, alguém o ouviu defendendo-se, jurando que não era você quem a estava perseguindo.
Jonathan apertava a mandíbula uma e outra vez.
— O que aconteceu, Mallory? Não podia convencer Douglas de que era inocente?
— Vá direto ao ponto, Hadman — disse Reed —. O único que está perseguindo alguém é você. Se Douglas tivesse duvidado de Jonathan em algum aspecto, não teria nomeado-o para um posto na direção dos negócios da Berkley and Company, nem teria traçado o caminho para que algum dia pudesse dirigir a empresa.
— Pode ser que sim. Pode ser que não. Ainda temos muito tempo para indagar e averiguar se seu cliente chantageava ou ameaçava Berkley. Mas acredite, a acusação terá tudo o que for necessário para quando isto chegue a julgamento.
—Julgamento? Isto não passará da simples leitura da ata de acusação. — Reed retirou a cadeira com um gesto brusco e ficou de pé. Sabia instintivamente que Hadman e Olin estavam jogando gato e rato. O que significava que tinham algum ás na manga. Era hora de pressioná-los para que o revelassem — Tudo o que disseram é circunstancial ou especulativo. Douglas era um homem poderoso. Como todos os homens poderosos, tinha inimigos. Inclusive inimigos que ele tinha por amigos e que, portanto, seriam bem-vindos em sua casa. Aí tem tudo o que se refere à necessidade de uma chave para entrar na casa das vítimas. Quanto a relação de Jonathan com seu pai…
— Guarde isso para os jurados, Weston — interrompeu Hadman, e em seguida foi como se a notícia que Jonathan e Reed encaixaram fosse como um murro no estômago — A análise de DNA deu positivo. A amostra de sêmen tirada do corpo do Adrienne Berkley correspondia a de seu cliente.
Produziu-se um silêncio mortal.
Jonathan reagiu e ficou de pé de um salto.
— É impossível!
— Não é impossível. É um fato.
— Que me façam a prova outra vez. Asseguro-lhes que é um engano!
— Conte outra história, Mallory. As análises de DNA são exatas em quase cem por cento. E neste caso, se acrescentar o celular e as provas circunstanciais… — Hadman pôs os olhos em Jonathan e logo em Reed— Querem trocar sua versão?
Reed se apressou a falar antes que Jonathan voltasse a cometer um engano.
— Quero falar a sós com meu cliente.
Hadman o convidou a fazê-lo com um movimento do braço.
— Claro que sim. Possivelmente possa colocar um pouco de substância na cabeça. Será mais fácil para todos.
— Boa idéia. — Olin lançou um olhar a seu companheiro e logo indicou a porta com um gesto da cabeça — Vamos, Roy. Cairia bem uma xícara desse café com um pouco de leite.
— De acordo. — Os dois se dirigiram para a porta —. Têm dez minutos — disse Hadman por cima do ombro.
Reed não perdeu nem um só instante.
Assim que Hadman e Olin fecharam a porta, aproximou sua cadeira a Jonathan, lhe fazendo um gesto para que se sentasse na sua.
— Sente-se.
Jonathan obedeceu, ofegando.
— Não é possível que esteja me acontecendo isto.
— É. — Reed se inclinou para frente até encontrar-se face a face com o Jonathan — olhe para mim.
De novo, Jonathan obedeceu.
— Conte o que aconteceu aquela noite.
— Já contei tudo isso.
— Estava bêbado. Pode ser que tenha se esquecido de algo.
O estado de choque ficou eclipsado pela ira e Jonathan, sacudido, levantou-se de um só golpe em sua cadeira com os olhos lançando faíscas.
— Esquecer de algo? Quer dizer se tiver esquecido que violei Adrienne e que logo a matei junto a Douglas? Não, Reed. Não me esqueceria de algo assim. Eu não fiz isso. — Olhou a seu redor com olhos enlouquecidos, como um homem que se afunda e tenta agarrar-se a uns fios de palha —. A análise do DNA é forjada. Tem que ser isso.
— O médico forense não forja os resultados das provas de DNA.
— Então, como se explica isso?
— Não posso — respondeu Reed com voz fraca.
Possivelmente se notasse o ceticismo em seu tom de voz, porque Jonathan ficou pálido como um lençol quando começou a assimilar a realidade da situação.
— Não acredito nisso. Pensa que sou culpado. Merda, até eu pensaria que sou culpado se não soubesse que não sou. Estou fodido, Reed. Total e completamente fodido. — Era como se todo o ânimo de luta que levava dentro de si desvanecesse de repente, e afundou a cabeça nas mãos — Não tenho álibi. Minha situação é vaga. Eles têm provas irrefutáveis. Apodrecerei na prisão o resto de minha vida ou me executarão por um crime que não cometi.
A mente de Reed ia a mil por hora. Só uma de três possibilidades era certa. A: Jonathan era culpado e um ator genial. B: Jonathan era culpado, mas tinha delírios, e não se lembrava de ter cometido o crime, ou C: Jonathan era inocente tal como afirmava, e havia alguma outra estranha explicação.
Mas qual era a resposta?
— Jonathan, deixa que pergunte uma coisa. Aceitaria passar por um detector de mentiras?
— Do que serviria? Tenho entendido que nem sempre são precisos. Não os admitem em um julgamento. E não aguentaria os resultados da análise de DNA.
—Tudo isso é verdade. Mas não temos nada a perder. Se sair bem, será algo em nosso favor que poderemos compartilhar com a polícia e com o fiscal do distrito. Será um ponto débil em sua resolução inquebrável de que se trata de um caso fechado. Se der errado, não estará pior do que está agora.
— Estou bastante mal. — Jonathan soltou um suspiro comprido — Certo,estou de acordo. Submeterei-me ao detector de mentiras. Tem que sair bem. Sou inocente. Diga-me então, o que vai acontecer agora? Não é que esteja muito familiarizado com os processos criminais.
— Agora vem a leitura da ata de acusação. Terão a lista amanhã.
— Trata-se do visto para a fiança, verdade?
Reed assentiu com a cabeça.
—E o que acontece se o juiz se negar a me deixar livre sob fiança? São duas acusações por assassinato neste caso.
Reed não afastou a vista.
— Não mentirei. É possível que te negue a fiança. Não apresenta um risco de fuga, mas o pode entender que é um perigo para a sociedade. Acredito que poderei convencer ao tribunal do contrário. Mas não posso prometer nada. Com um pouco de sorte, poderá sair daqui, assim que entregue seu passaporte e pago uma bolada de dinheiro. E, Jonathan, digo sério que é uma bolada de dinheiro. É provável que ponham uma fiança de um milhão de dólares ou mais, e uma décima parte terá que pagá-la em efetivo.
— O que seja, arrumarei isso. Se houver alguma chance de ficar livre… — A voz de Jonathan tremeu tremente e, de repente, interrompeu-se com a cara de estar a ponto de vomitar — ia dizer que Douglas me daria uma mão. Sempre o tem feito. Só que agora não pode.
—Não, não pode. Além disso, não pode tocar em nenhum centavo de seus bens. Seja o que seja o que deva reunir, terá que fazê-lo por sua conta. Tem recursos, não?
— Sim. Liquidarei o que puder. Farei algo para evitar a cadeia. — Com gesto brusco, Jonathan se voltou para Reed — Esta noite ficarei aqui.
De novo, Reed assentiu com a cabeça.
— Sim, e eu a passarei estudando os fatos e preparando a defesa.
Uma pausa tensa.
— Reed, preciso esclarecer uma coisa.
— Diga.
— Dei-me conta de que me repito. Mas neste caso, é necessário. Você crê que tenho delírios. Possivelmente sim, em alguns casos.
— Casos como os de Taylor.
Jonathan assentiu com a cabeça.
— Se quiser que seja brutalmente franco, sou consciente de que necessito de ajuda. Tire-me deste pesadelo e a buscarei. Tem minha palavra. Mas, em troca… — Jonathan pigarreou — Disse-me que não fazia diferença que acreditasse que sou inocente para me representar. Entendo que é certo, juridicamente. Mas eu necessito que acredite em mim. Sou inocente. Não sou um perseguidor, e Por Deus, muito menos um violador ou um assassino. Eu não cometi esses crimes. Por favor, acredite. E pelo que mais queira, me ajude.
Reed ficou de pé.
— Farei o que for possível.




































Capítulo 28
21h40min. RUA SESSENTA E OITO ESTE

Reed ficou um longo momento olhando o telefone de seu criado mudo. Logo desdobrou o papel que Taylor tinha entregado e discou o número da Florida.
— Alô? — A voz de Taylor soava cansada e crispada de uma vez.
— Olá, sou eu.
— Olá. — Seu alívio era perceptível. Inclusive agora, a quase dois mil quilômetros de distância, Taylor respondia o telefone presa de ansiedade — Alegro-me que seja você.
— Tudo bem com seu voo?
— Chegou muito pontual. Comprei um sanduíche, Peguei um táxi até em casa e acabo de tomar um banho quente. Amanhã irei à praia. Fica do outro lado das palmeiras que se vê da minha janela. Disseram que chegaremos quase a trinta graus e fará um tempo esplêndido.
Palavras ditas em tom alegre. Mas se notava a tensão.
— Onde está Mitch? — perguntou Reed.
— Em um dos quatro quartos de hóspedes no andar de baixo — disse ela, com uma risada pouco convincente — Não se preocupe por sua comodidade. Meu pai não faz nada pela metade. Esta casa parece um palácio espanhol, é um luxo. Entre a piscina de tamanho olímpico, o ginásio de alta tecnologia, o mar aos nossos pés e um montão de quartos suntuosos para escolher… Todos têm um banheiro maior que o apartamento onde Mitch vive em Manhattan. Não faltará nada.
— Não estava preocupado, ao menos não com Mitch — disse Reed, apertando o telefone — Precisava escutar sua voz.
— Já me sente minha falta?
— Mais do que imagina — disse Reed, e calou um momento — Taylor, estou ligando por outro motivo. Seguiu um silêncio que durou um batimento do coração, enquanto ela assimilava suas palavras e seu tom de voz.
— Reed, o que acontece?
— Sinto ter que contar-lhe – disse ele, com um bufo de voz — Sobre tudo neste momento. Detiveram Jonathan pelo assassinato de Adrienne e Douglas.
— Detido? Quando? —perguntou ela, com voz tremente.
— Chamou-me assim que nos separamos no aeroporto. Fui diretamente do aeroporto à Delegacia de polícia. Cheguei em casa faz um momento. Tenho todos os documentos do inquérito sobre a mesa. Vai ser uma noite larga.
— Não soa muito promissor — disse Taylor, ainda transtornada pela notícia — Sei que não pode falar do caso comigo.
— Não, não posso.
Taylor deixou escapar um suspiro de frustração.
— Reed, fala como se estivesse destroçado. Posso ajudar em algo?
— Só que confie em mim. De igual tratamento que a imprensa sobre o assunto. Eu sei o que faço.
— Não duvido disso. É um fato — disse ela, e voltou a calar—. Quer que volte para Nova Iorque?
— De jeito nenhum. Fique onde está. Relaxe e desfrute do sol. Sinto-me melhor sabendo que está bem. E que Mitch está contigo. E que só quem sabe que está em Palm Beach são os colegas da rádio e eu. De modo que não terá chamadas telefônicas estranhas para estragar o dia.
— Pode ser que já não haja mais chamadas — disse ela, com voz fraca — Não se o tipo que esteve me perseguindo está preso.
— Tal como disse: se for ele — respondeu Reed — Mas não acredito que seja.
Era a verdade. Ainda assim, Reed se sentia como um imbecil. Taylor supunha que Jonathan ficaria preso por um longo tempo, até o julgamento. Mas se seus esforços dessem resultado, o soltariam no dia seguinte.
Tinha que dizer-lhe
— A leitura da ata de acusação é amanhã. Jonathan está disposto a pagar o que for pela fiança.
Outro silêncio.
— Está me dizendo que a justiça deixa em liberdade suspeitos de assassinatos se pagam uma fiança?
— Se o advogado da defesa expõe o caso com razões bastante convincentes de que seu cliente não tem nenhuma intenção de fugir nem o vejam como uma ameaça para a sociedade, sim.
— Que é o que você tentará fazer… Não, não responda a essa pergunta — interrompeu-se — Claro que tentará. É seu trabalho.
— Sim, é. — Reed começava a desejar que Taylor voltasse para casa, acontecesse o que acontecesse — Taylor me escute…
— Não tem que me explicar nada. Já entendi tudo. E agradeço por sua sinceridade. Eu também serei sincera. Não reprovo que faça o que tem que fazer. Mas não me reprove pelo desejo do seu fracasso. Sentiria-me muito mais segura se Jonathan Mallory seguisse detido.
— Já sei — disse Reed, e esfregou a mandíbula. Não podia dizer mais, não havia maneira de salvar essa brecha. A menos que demonstrasse a inocência de Jonathan, em todos os cargos que lhe imputavam.
— Será melhor que me deixe por agora — disse Taylor, como se lesse o seu pensamento — Deve ter muito trabalho que fazer.
— Sim, é a verdade. — Respirou fundo e longamente — Só uma coisa mais antes de desligar. Amo você. Não esqueça.
— Não pensava em esquecer.
— Parece-me bom.
Taylor tinha percebido a tensão que sua voz não podia ocultar.
— Reed, está certo de que está bem?
«Bem» era um termo relativo.
—Nenhum problema — assegurou — O mundo dos advogados da defesa é assim.
Vivi isso durante dez anos. Converti-me em um especialista. Fascina-me o desafio. Agora, vá dormir. Ontem à noite não a deixei descansar muito.
Ela respondeu com uma risada suave.
— Não, não muito. Mas não me queixo — disse, e a risada se desvaneceu — Eu também amo você. E se necessitar de mim, aqui estou.


SÁBADO, 15 DE FEVEREIRO
01h35min

Não conseguia conciliar o sonho.
Mas tampouco se iludia não nessas circunstâncias. Ainda assim, tinha que descansar. Amanhã seria um dia importante. Ficou olhando o teto, sem precaver-se das gretas no engessado. Só via Taylor. Sempre era sua ultima imagem de noite. Imaginava-a na cama, com seu cabelo vermelho mogno sobre o travesseiro, seu corpo esperando-o para que a possuísse.
E, ai, estava decidido a possui-la. Deu meia volta incômodo, com uma ereção tão exagerada que quase doía. Logo. Ainda não. Mas logo.
Normalmente, ficava tranquilo só chamando-a. Mas essa noite era impossível. Embora fascinasse ouvir a surpresa em sua voz. Taylor acreditava que estava a salvo. Mas não estava. Não demoraria em sabê-lo. Mas esta noite não. Esta noite teria que aguentar sua vontade. Agora estava sozinha. Isso era um alívio para ele. Reed não sairia de Nova Iorque, ao menos até que o duplo homicídio estivesse resolvido.
Então, já não importaria.
Taylor seria dele.

10h15min. TRIBUNAL PENAL
CALE CENTRAL100, Nova Iorque

— Estamos falando de um assassinato em primeiro grau — opinou o juiz Martin de seu estrado —. Normalmente, deixaria o acusado em prisão preventiva sem fiança. Entretanto, os argumentos do advogado da defesa são convincentes. O acusado não tem antecedente e colaborou em tudo com as autoridades. Além disso, impressionou-me a eloquência nas referências pessoais que alegou o advogado da defesa. O senhor Reed merece todo o respeito deste tribunal e tem uma relação de muitos anos com o acusado. Levando em conta o conjunto destes fatos, a opinião deste tribunal é que o acusado não é suscetível de protagonizar uma fuga nem constitui uma ameaça para a sociedade. Dito isto, e devido ao caráter grave e violento dos crimes que lhe imputam, fixei uma fiança de um milhão de dólares, a depositar em dinheiro. Além disso, o acusado deverá fazer entrega de seu passaporte ao tribunal.
A martelada ficou reverberando na sala.
Sentado junto a Reed, Jonathan soltou um ruidoso suspiro de alívio.
— Graças a Deus — murmurou, e se girou para olhar Reed — E graças a você.
— Estamos muito longe dos agradecimentos finais. Isto não tem fez mais que começar — disse Reed, e fechou sua maleta com um golpe seco. Formalizei os acordos preliminares com o aval da fiança. Chamarei-o e direi a quanto ascende. Ele virá aqui e depositará o milhão de dólares. Custarão cem mil dólares, mas não tem outra alternativa se não quer passar outra noite na cadeia. É sábado. Não há maneira de ter um acesso rápido a todos os bens que terá que liquidar.
—De acordo. O que precisar. Quero sair daqui.
— Espera e fique tranquilo — aconselhou Reed, enquanto escoltavam ao Jonathan de volta à cela — Farei a chamada e me ocuparei da papelada. Sairá em algumas horas. Ah, e outra coisa, passaremos pelo escritório do Fiscal do Distrito. Fiz as gestões para que passes pelo detector de mentiras antes que voltes para sua casa. Hadman disse que se encontraria ali conosco. Assim, o fiscal do distrito e eu seremos testemunhas de primeira mão.
Jonathan assentiu com a cabeça, mas tinha os olhos frágeis, como se registrasse o que Reed dizia. Seguiu caminhando, com atitude dócil, e se deixou levar fora da sala do tribunal. Reed franziu o cenho. Não lhe entusiasmava muito arriscar sua reputação por Jonathan, entretanto, o juiz Martin não era dos juizes mais liberais e Reed sabia que faria falta um esforço pessoal para conseguir a fiança. Ainda assim, alegrava-se de ter chegado tão longe. Era necessário manter Jonathan fora do cárcere, não só para que conservasse o equilíbrio mental, mas também para ter o tempo e a possibilidade de preparar a defesa. O grande jure se reuniria no final dessa semana e não cabia dúvida de que conseguiriam uma acusação. Portanto, tudo dependia do que Reed pudesse descobrir entre esse mesmo instante e o julgamento. E necessitava de Jonathan preparado, disposto e acessível em todo momento.
Saiu da sala do tribunal e pegou o celular para ligar a empresa do pagamento da fiança. Depois, chamou Paul Mills, que já estava avisado da situação e esperava sua chamada. Paul era o primeiro entre poucos sócios que Reed tinha escolhido para criar sua própria compainha. Era um homem jovem, licenciado apenas a dois anos na Faculdade de Direito da Universidade de Columbia. Tinha trabalhado como advogado associado em uma importante empresa da Park Avenue, e Reed tinha visto-o em ação, nos tribunais e em casos de direito civil. E embora fosse jovem, era um tipo agudo, expressava-se bem e ganhou uma reputação como brilhante advogado litigiante. Mesmo assim não estava contente na importante e prestigiada compainha da Park Avenue, pelo qual tinha aproveitado a oferta de Reed. Tinham falado em duas ocasiões nas últimas duas semanas e na quinta-feira Reed havia feito uma oferta, que ele tinha aceitado.
Perguntava-se se no escritório do Paul o deixariam partir sem ter avisado com duas semanas de antecipação. Porque Reed estava seguro de que ia necessitar sua ajuda, e que a necessitaria já.
— Sim? — Paul respondeu a chamada em seguida.
— É Reed.
— Como foi acusado?
— Soltaram Jonathan com uma fiança de um milhão de dólares. Como foi sua conversa com os outros sócios?
Ele respondeu com uma risadinha.
— Deveriam nos felicitar. A você por conseguir o impossível e a mim por mover uma montanha. A partir de agora sou um advogado livre, e também muito jovem para ser imprescindível. De modo que sou todo seu.
— Excelente. — Reed sentiu uma enorme sensação de alívio. De fato, não havia nenhum problema se Paul se unisse a ele duas semanas mais tarde. Reed tinha um montão de trâmites iniciais para ocupar-se, da impressão dos cabeçalhos e os cartões de visitas, até encarregar a um decorador de interiores uma obra quase impossível em seu espaço de escritórios recém desalojado. Era uma sorte que os anteriores inquilinos houvessem partido antes do previsto. Ele preferia mudar-se para seu novo escritório pouco a pouco, primeiro instalar-se por sua conta e logo ir contratando o pessoal necessário. Entretanto, a prisão de Jonathan apressou um pouco às coisas e todo o processo começou antes do planejado.
— Necessita hoje de mim? — perguntou Paul.
— Sim, se você estiver de acordo. Sei que é sábado, assim se tiver algum problema…
— Não, nenhum problema.
— Bem. O que parece se nos encontramos no escritório por volta das três? Assim poderá ficar a par rapidamente com o caso e poderei explicar minha estratégia preliminar.
— Por mim, tudo bem. Só uma pergunta.
— Diga
—Onde será nosso escritório? Disse-me que nos instalaríamos em um edifício no centro. Mas ainda não me deu o endereço.
Reed soltou uma risada e sacudiu a cabeça como se autocensura.
— Seria muito conveniente, verdade? — disse, esfregando a testa — Sinto muito.. A cabeça está um pouco lenta. Fica na Rua Cinqüenta e Cinco Este, entre a Terceira e a Lex — disse, e deu a Paul a direção exata —. A calefação está posta, temos água e os telefones estão instalados. Darei uma chave quando nos virmos.
— Em que planta está nosso escritório?
— Poderá escolher. O edifício é meu. Comprei-o faz alguns anos como investimento. Vamos fazer uma remodelação rápida, mas você poderá ser o primeiro a escolher onde quer instalar seu escritório. O que vir depois o fará em seu momento oportuno.
— Direitos de ocupação. Parece-me bom — respondeu Paul com bom humor — De acordo, você arruma suas coisas e nos encontraremos no prédio às três. E obrigado de novo. É uma honra e um privilégio.
— De nada. Agradeço que venha trabalhar em seguida por tão pouco dinheiro. Será um dos pilares de nossa compainha. E duvido que me agradeça isso quando nos colocarmos de cabeça neste caso. É provável que não veja a luz do sol por vários dias — disse — E por várias semanas.
— Sobreviverei.
— Sim, esperemos que Jonathan também.

11h15min
WESTON E ASSOCIADOS, ADVOGADOS
RUA CINQÜENTA E CINCO ESTE, Nova Iorque

Era a primeira noite que Reed trabalhava até tarde em seu próprio escritório. Reclinou-se na cadeira de couro, o único móvel naquela enorme sala vazia. De fato, era o único móvel em todo o edifício, além do velho computador, o telefone e a cafeteira. Esfregou os olhos, pensando nos acontecimentos do dia.
Jonathan tinha se submetido com êxito ao polígrafo e, dado que os detectores de mentiras tinham uma precisão entre noventa e noventa e cinco por cento, a defesa viu seu primeiro raio de esperança. Reed reuniu-se com Paul em seu escritório e juntos haviam estudado as anotações de Reed. Os dois estavam de acordo. Não havia forma de evitar que Jonathan fosse considerado suspeito. A única maneira de ganhar o caso era criando uma dúvida razoável, incriminando a outros como supostos suspeitos. Era algo que se podia obter com bastante facilidade no que concernia às provas circunstanciais. Paul já tinha começado a trabalhar nessa linha, falando com amigos, conhecidos e sócios financeiros que pudessem ter o motivo, a oportunidade e a relação com os Berkley que explicasse por que a porta não tinha sido forçada. Entretanto, a prova do DNA era uma história completamente diferente.
Reed recolheu o montão de documentos que tinha descido de Internet. Um dossiê de setenta e cinco páginas sobre os estudos mais recentes em genética e DNA. Tinha que encontrar algo ali, alguma explicação lógica que desse a brecha que ele procurava. Estava revisando os documentos quando soou seu celular.
— Alô?
— Olá. — A voz de Taylor apareceu do outro lado —. Sou eu. Está trabalhando muito?
Reed deixou de trabalhar.
—A verdade é que nem sequer sei que horas são.
— Onze e meia — disse ela, e seguiu um silêncio —. Vi as notícias na televisão. Pensei que não me tinha chamado porque temia que estivesse espantada. Não estou. Mas reconheço que deve ser um excelente advogado. Segundo as notícias da CNN e a Fox, os casos de assassinato não conseguem quase nunca uma fiança. Parabéns.
Reed voltou a esfregar os olhos e se deu conta de que tinha estado totalmente desligado do mundo exterior. Teria que ter imaginado que a liberação de Jonathan sairia em todos os programas de notícias da noite e que possivelmente Taylor os veria.
— Reed? — disse ela.
— Sinto muito. — Fez um esforço para concentrar-se no aqui e agora — Deveria ter ligado. Mas não é por isso que não liguei. Não é que queria evitar sua reação. Estou perdido no espaço. Estive encerrado em uma sala do tribunal e logo no escritório desde a primeira hora da manhã. Não sei de nada — disse, e franziu o cenho — Deram muito alarde ao caso nos jornais?
Ela respondeu com uma risada suave.
— Os meios de comunicação ficam muito sensacionalistas com este tipo de tema, sobre tudo quando se trata de uma família tão conhecida. Eu não vejo só me fixo no essencial. Jonathan saiu sob fiança. Declarou-se inocente. Acontecerá uma sessão do grande júri em algum momento desta semana. Ah, e havia uma foto muito boa de sua e de Jonathan saindo do tribunal. Você sai com uma expressão muito intensa, como um guerreiro que parte à batalha. Formidável.
— Sim, esse sou eu. Formidável. — Reed deixou escapar um suspiro — Sente-se bem com tudo isto? Não digo feliz, a não ser bem.
— Sim —disse Taylor, com franqueza — Enquanto isso ficará alegre em saber que hoje Mitch o substituiu. Deu-me duas aulas de defesa pessoal. Foi um dia muito variado. Passei horas relaxando e tomando sol na praia e fiz duas sessões de defesa pessoal, uma pela manhã e outra pela tarde. Tinha que ver minha técnica no arranhão de olhos e o golpe nas orelhas. É impressionante.
— Bom — disse Reed, com apenas um sorriso — Estou impressionado. Estou com ciúmes. Tenho a impressão de que roubaram meu papel de professor de artes marciais.
— Não — disse ela em tom de brincadeira — Eu gosto muito mais de suar contigo.
— Taylor, eu sinto sua falta — disse ele com um bufo.
— Não tem tempo para mim, por certo, onde está? Tentei ligar primeiro em casa.
— Estou no meu novo escritório. — Reed explicou a história com todos os detalhes e contou do seu trabalho com o Paul.
Agora foi Taylor quem respirou sonoramente.
— Vá. Como dizia, não tem tempo para me colocar na cama. Um novo escritório, um novo sócio e um caso de assassinato, tudo de uma vez. Deixou-me sem fôlego só de escutar.
Reed estava a ponto de responder quando tocou a campainha de outra chamada.
— Taylor, espera um segundo — disse, e apertou a tecla de chamada em espera —. Sim?
— Reed, sou eu. —Jonathan soava muito tenso — comi, tomei banho e dormi um pouco. Agora tornei a me levantar e estou ficando louco. Não posso deixar de pensar na possibilidade de que me encerrem para sempre ou que me executem com uma injeção letal. Minha vida pende por um fio. E não há nada que possa fazer, maldição!
— Equivoca-se. Há muito que pode fazer. Espera um momento, não desligue. — Reed voltou a comunicar-se com Taylor — Taylor?
— Estou aqui.
— Tenho que atender esta chamada. Vai se deitar em seguida ou posso ligar daqui a pouco?
— Estarei acordada. Ligue quando puder.
— Obrigado — disse Reed, e desligou — Olá, Jonathan, diga.
— Estava a ponto de me levantar a moral.
— Não, estava a ponto de dizer que você será o elemento fundamental de toda nossa defesa. Você sabe que não é culpado, o que significa que não pode vir abaixo. Ao invés de ficar louco, comece a fazer listas. Pense em qualquer pessoa com quem Douglas ou Adrienne tivessem problemas, dos criados até seus amigos do clube de golfe. Se concentre em Adrienne. Ela era uma mulher doente. Possivelmente Gordon não fosse sua única vítima. O ciúme é um assunto de primeira ordem. Também o é o sentimento de rejeição, no caso de que o assassino tenha sido sua vítima.
— E o que há sobre DNA? Como vamos lutar com isso?
— Estou trabalhando nisso. Tenho um montão de documentos para ler. Pode ser que alguém tenha posto o sêmen ali. Alguma vez doaste sêmen?
— O quê? Não.
— Bem. Pensemos em termos convencionais. Pensa na última mulher com quem esteve. Faz quanto tempo que aconteceu? Usou preservativo? Se a resposta for sim, onde o atirou? Se teve relações sexuais em seu apartamento, a mulher da limpeza lava a sua roupa? Joga seu lixo? É possível que alguém tenha pago para ter acesso a uma ou a outra pessoa? Já sei que parecerá que vou muito longe, mas de algum jeito chegou seu sêmen dentro de Adrienne e alguém teve ter posto ali. Assim não perca as estribeiras e comece a pensar.
Jonathan respirou fundo.
— Não me ocorreu isso nunca. Meu Deus, pôr meu sêmen ali dentro. Isso significa que alguém montou tudo para me incriminar.
— Exato. E quem faria isso? Quem teria um motivo e, de uma só vez, o acesso necessário? Já pode ir pensando.
— Tem razão. —Jonathan parecia mais inteiro, controlando mais a situação —. Reed me faça um favor, me exponha a mais perguntas. Ajudará-me a estimular minha massa cinzenta, e cada vez que me ponha nervoso ou não possa dormir, trabalharei nessas listas.
Reed olhou seu relógio. Havia dito a Taylor que retornaria a chamada em seguida. Por outro lado, aquela sessão com Jonathan poderia ser de vital importância para seu caso. A chamada de Taylor teria que esperar.
— Vamos, foco nisso.

23h50min
PALM BEACH

Taylor tinha deitado e lia uma novela de James Patterson quando soou o telefone.
Com um sorriso, agarrou o auricular.
— Olá. Terminou por esta noite?
— Ao contrário. Meu trabalho acaba de começar.
Era ele.
Taylor ficou gelada ao ouvir a voz sintetizada. Não. Não podia ser que isso estivesse acontecendo. Não podia ser. Não depois de ter escapado tão longe para estar a salvo.
— Como conseguiu este número?
Respondeu-lhe uma risada surda.
— Sou um homem de muitos recursos. Não pode fugir de mim, Taylor. Sempre saberei onde está e poderei encontrá-la. Inclusive em uma residência particular em Palm Beach. Gostaria de ter ligado antes. Mas estive ocupado, desde ontem. Mas não tem por que preocupar-se. Já estou de volta. — Outra risada escura e apagada — Sentiu minha falta?
Taylor teve que lutar contra as náuseas que já chegavam a garganta.
— Não sinto falta de ninguém. Necessitava de umas férias. Vim aqui para escapar.
— Do mundo? Ou só de mim?
Ela não respondeu.
— Quem esperava que ligasse a estas horas…? Reed Weston?
Taylor guardou silêncio.
— É má. Minhas ordens eram nada de homens. Embora suponha que falar por telefone não significa romper as regras. O importante é que está sozinha nessa cama. Pobre garota. Estará sozinha muito tempo. Seu amigo, o senhor Weston, está muito ocupado em Manhattan, e seguirá estando durante algum tempo. Não o verá em vários meses. E quando chegar o momento, isso será o de menos.
Outra ameaça velada.
— Por que será o de menos?
— Porque será minha. E Reed Weston estará muito ocupado com sua nova compainha.
Aquela frase a fez saltar.
— Como sabe do novo escritório de Reed?
— Como acha que eu sei?
Era Jonathan. Tinha que ser ele. E tudo era uma provocação.
— Minha pobre e formosa Taylor — continuou ele — Que deve ficar só. Tem que ter paciência. São as últimas férias que desfrutará sozinha.
Taylor sentiu como uma descarga gélida nas costas.
— Logo estarei contigo — disse ele com voz rouca — Mentalmente, agora estou contigo, vigiando, possuindo. Está bronzeada. Mas aquelas partes suculentas de seu corpo que estão reservadas só para mim conservam sua cor leitosa.
Taylor não pôde evitar e desligou de repente. Saiu correndo para o banheiro e vomitou. Depois lavou a boca e desabou no chão, apoiando a cabeça contra os frios ladrilhos. Sentia-se prisioneira. E ele ia encurralando como um lobo a sua presa.
Já não podia suportar mais. Estava a ponto de sofrer um ataque de nervos.
Levantou-se e voltou para o quarto. Nem sequer chamou Mitch pelo interfone. Agarrou o telefone e marcou o número do celular de Reed.
— Sim? — respondeu ele com voz distraída.
— Seu cliente acaba de me ligar — disse ela com voz aguda, magra e a beira da histeria.
— O que?
— Seu cliente. Meu perseguidor. Acaba de ligar. Sabia onde estava. Tinha meu número de telefone. Disse-me que ontem esteve ocupado e que por isso não tinha sabido nada dele. Já sabemos por que… Na cadeia estão proibidos os celulares. Perguntou-me se estava sozinha e me disse que logo se ocuparia de remediá-lo. Disse que me esquecesse de você, que estaria em Manhattan ocupado muito tempo. Sabia de seu novo escritório. Era evidente que queria que eu soubesse. E logo começou a falar dos detalhes acidentados de suas fantasias comigo. — deteve-se em sua frenética explosão, só o tempo necessário para recuperar o fôlego — Reed, já não aguento mais. Tem que conseguir que coloquem Jonathan Mallory na prisão. Estou…
— Quando? — perguntou Reed alarmado —. Quando ligou esse bode?
— Faz dez minutos — disse ela, ainda tentando respirar com normalidade. Estava enjoada e respirava com ofegos breves e pouco profundos — Acreditava que fosse você, quando soou o telefone, mas era ele, e…
—Taylor, não era Jonathan.
Ela sacudiu a cabeça com gestos violentos.
—Basta! Não posso seguir escutando como defende a um homem que…!
—Taylor! — Desta vez Reed teve que interrompê-la — Carinho me escute. Não o estou defendendo. Estou falando um fato. Quem ligou não era Jonathan. Recorda da chamada que recebi quando estávamos falando? Era do Jonathan. E desde que chamou, estivemos falando — Ainda está ao telefone. Pedi-lhe que esperasse quando recebi sua ligação.
Produziu-se um silêncio mortal.
— Meu deus — balbuciou Taylor, e se deixou cair na cama, sepultando a cabeça entre os joelhos para que desaparecessem as manchas negras que dançavam ante seus olhos — OH, Deus meu.
— Fique na linha —ordenou Reed — Em seguida estarei na linha. —
Ouviu-se um clique e Reed desapareceu uns segundos. Voltou em seguida — Me fale. — Seguiu um silêncio —. Maldição, Taylor, me diga algo!
—Estou aqui — murmurou ela, ausente. Levantou o rosto e se sentou na cama apoiando-se na cabeceira.
— Graças a Deus. Respirava de uma maneira tão estranha que acreditava que tinha desmaiado.
Taylor ficou olhando o vazio.
— Agora mesmo, quando me pediu que esperasse… Jonathan seguia no telefone?
— Sim. Disse-lhe que era uma emergência. E desligamos.
— E esteve falando todo este momento?
— Sem uma só interrupção. Tentávamos elucidar alguns detalhes sobre seu caso. — Reed não parecia aliviado. Mas sim soava louco de preocupação. Por outro lado, nunca havia acreditado que Jonathan fosse o perseguidor. De modo que, para ele, nada tinha mudado. Quem estivesse a perseguindo ainda andava solto por aí. Só que agora havia encontrado-a.
O tipo era mais esperto do que tinham pensado.
— Chamou no número de seu pai que nem sequer sai na guia? —perguntou-lhe Reed—. Sabia que estava aí?
— Sim.
— Me conte exatamente o que disse.
Taylor repetiu toda a conversa, quase textualmente, embora soava como se fosse outra que pronunciava aquelas palavras.
— Onde está Mitch? — perguntou Reed, com uma imprecação entre dentes.
Taylor estava tão aterrada que logo que conseguiu escutar algo que não fosse o rugido em sua cabeça. Era pior que antes. Não tinha se dado de conta do alívio estranho mais real que tinha ao identificar com um nome seu perseguidor, embora só apenas mentalmente. Agora, aquele monstro que a perseguia se transformou em um ser sem rosto nem nome.
— Taylor! — Reed a trouxe de volta à realidade.
— O que?
— Onde está Mitch?
— Mitch. OH. Está lá embaixo. Não sabe nada.
— Faz algo… já. Coloque um robe. Chame-o pelo interfone. Diga-lhe que suba.
— De acordo. — Fez o que Reed ordenou como se fosse um autômato. Mitch se apresentou ao cabo de três minutos, vestido com uma camiseta e jeans.
— O que houve?
Taylor não tinha nem força nem o ânimo para repetir toda a história.
Sem dizer uma palavra, passou-lhe o telefone.
— Fale o Reed.
— Reed, sim. Estou aqui. — Mitch escutou atentamente, assentindo com a cabeça de quando em quando, e esticando a mandíbula enquanto assimilava a explicação — Não — disse finalmente — Não sei. Mas isso não facilitará as coisas. Já tenho um de meus homens procurando informações no celular. Sim, entendo. Deixe que fale com ela e que me conte os detalhes. Não se preocupe por isso. O sistema de alarme nesta casa é como o do Fort Knox. Claro que sim. Tome. — Entregou o telefone ao Taylor — Reed quer falar com você.
Taylor atendeu.
— Olá — conseguiu dizer.
— Tome uma taça de vinho — sugeriu Reed sem alterar-se —. Logo, sente-se e o conte tudo ao Mitch. Ele acredita que o tipo não está em Palm Beach. Mas acredita que continua por aqui, em Manhattan.
— Estava tão segura de que era Jonathan — murmurou ela, e os olhos se encheram de lágrimas—. As coisas que sabia. O momento em que chamou.
— Sim, sei, e não acredito que tenha sido por acaso. —A voz do Reed se tornou mais dura—. De fato, quanto mais penso nisso, mais sentido tem.
— A que se refere?
— Quem quer que seja seu perseguidor, é alguém que a conhece. Sabe que suspeitava de Jonathan. E se dedicou a reforçar essa suspeita de maneira cuidadosa e metódica. Só que desta vez falhou. E nós vamos pegar esse filho da mãe.
































Capítulo 29


DOMINGO, 16 DE FEVEREIRO. 20h55min

Taylor e Mitch pegaram o último vôo de Palm Beach a Nova Iorque nessa mesma noite.
Mitch dedicou todo o dia a resolver a segurança até ficar satisfeito. Mas Taylor estava tão aliviada que não se importou. Estava ansiosa por abandonar aquela casa e aquela cidade. Possivelmente se estivesse comportando de maneira irracional ao voltar para o lugar onde esperava seu perseguidor, mas não lhe importava. Inclusive ali, na Florida, ele sabia onde estava. Sabia como encontrá-la. E ela se sentia igualmente exposta, vulnerável e sozinha. Tinha que voltar para casa.
Quando aterrissou o avião, não se dirigiram a seu prédio. Foram ver Reed.

SEGUNDA-FEIRA, 17 DE FEVEREIRO
12h30min
RUA SESSENTA E OITO ESTE
Reed os estava esperando.
Olhou atrás da cortina e viu chegar o carro de Jake e logo viu sair Taylor e Mitch. Como tinham acordado, permaneceu no interior, não sem antes pedir ao porteiro que escoltasse seus "convidados" até a entrada do edifício. Deu voltas pelo vestíbulo e abriu a porta assim que os ouviu aproximar-se. Guardou silêncio até que estivessem os dois a salvo dentro do espaço, com a porta fechada as suas costas.
Só então deixou escapar um enorme suspiro de alívio, tirou-lhe os óculos de sol e a estreitou com força como tinha desejado fazer desde a noite anterior ao ouvir o medo fazendo estragos em sua voz.
— Olá — murmurou ela, escondendo a face no peito do Reed.
— Olá, de novo. —Reed lançou um olhar sereno a Mitch por cima do ombro de Taylor — Obrigado, estou em dívida.
— Cobrarei ao Rob — disse Mitch com um leve sorriso —. Logo você deverá a ele.
— É um trato. — Reed se afastou com Taylor e fixou-se em seu rosto, escrutinando o olhar. Ainda estava um pouco assustada e extremamente cansada — Aguenta bem?
— Aguento. Só não sei como — tirou o chapéu e seu cabelo de cor vermelha mogno caiu sobre seus ombros. Sacudiu a cabeça e passou a mão pelo cabelo, com um gesto mais de nervosismo que de vaidade - sinto como se estivesse apanhada em uma espécie de sonho. Melhor, em um pesadelo. Sinto-me igual à depois da explosão do iate. Isso se chama choque e estresse pós-traumático. Mas sobreviverei.
— Fará mais que sobreviver — disse Reed com voz seca — Por fim esse bode cometeu um engano.
— Já entrei em contato com Hadman — informou Mitch — contei o que ocorreu. Entendeu-me perfeitamente. Primeiro, não pode ignorar minha investigação, posto que este tipo é perigoso, tem recursos e, ao que parece, vem perturbando os nervos de Taylor de uma maneira nada normal. E, dois, já podem riscar Jonathan Mallory de sua lista de suspeitos.
— Aposto que ficou encantado com as duas razões — replicou Reed, com um sotaque de sarcasmo.
— Na verdade, reagiu bem — disse Mitch, encolhendo os ombros — O departamento de polícia de Nova Iorque seguirá qualquer pista concreta que eu lhes dê. Mas quanto a tomar iniciativas, disso teremos que ocupar-nos. Enquanto este tipo não cometa algum delito, como agredi-la, entrar à força em seu prédio, ou o que seja, os policiais não poderão fazer grande coisa.
Taylor não se alterou.
— É por isso que queria que meu apartamento estivesse vazio? Para ver se tenta entrar?
— Seria um ponto a nosso favor. Mas não. Quero que esteja em um lugar seguro. Ninguém, salvo os de meu escritório, a polícia e Reed sabem que voltou para Nova Iorque. E quero que continue assim.
Taylor franziu o cenho, confundida.
— Por que entrariam em meu apartamento se souberem… ou acreditarem… que eu não estou?
Pala expressão do Mitch se adivinhava sua reticência a dar detalhes, mas contou a Taylor o que tinha que saber.
— Às vezes, estes pervertidos desfrutam entrando no dormitório da pessoa que os obceca, deitando-se em sua cama ou manipulando objetos íntimos de sua roupa.
— De acordo, posso imaginar — interrompeu, com um estremecimento — Só a idéia me deixa doente.
— Não deixe que a afete. Jake e eu vigiaremos seu apartamento durante as vinte e quatro horas do dia. Se esse degenerado se aproximar de sua porta, o pegaremos. — Mitch enrugou a fronte, concentrado — Enquanto isso, amanhã irei a rádio e na próxima semana à escola Dellinger na volta às aulas
— Por quê?
— Porque trabalha com eles todos os dias. E porque seus colegas de trabalho são os únicos que sabiam que estava de férias e, além disso, onde estava. Temos que começar pelo mais evidente para averiguar como te encontrou esse tipo. — Mitch se virou para olhar a Reed — Também quero falar com sua ex-secretária. Queria saber quem está a par de sua saída da Harter, Randolph & Collins, e quantas pessoas sabiam que pensava estabelecer sua própria compainha.
— Não são muitas pessoas — respondeu Reed, com voz pausada — O momento não era o melhor para alardear os quatro cantos minha saída. Mais tarde, pensava em pôr anúncios e publicar uma nota no New York Law Journal e em law.com. Mas por agora, são muito poucos os que sabem. Além de vocês, só os sócios majoritários, minha secretária e Paul Mills, meu novo sócio.
— E Jonathan Mallory — recordou Mitch — E este é a medula de todo o assunto. Quem chamou Taylor em Palm Beach sabia que Jonathan sabia. Só assim conseguiria aumentar suspeitas sobre ele.
As palavras de Mitch despertaram em Reed uma idéia, mas antes que pudesse formulá-la com claridade, Taylor cambaleou e se apoiou nele. E a idéia se desvaneceu.
— Está esgotada — disse Reed — Será melhor que se deite.
Mitch entendeu a indireta e se dirigiu à porta.
— Jake está a postos aqui fora. Eu vou para casa descansar umas horas e logo irei à rádio. Chamarei-os amanhã por volta do final da tarde. — Logo olhou a Taylor — Você fique aqui para que ninguém a veja. Se necessitar algo, um de nós te dará uma mão. Não apareça em seu apartamento.
Taylor respondeu com um sorriso cansado.
— Sim, senhor.
— Boa noite.
— Mitch — disse Taylor com voz suave ao vê-lo partir — agradeço muito por tudo isso.
— Espere até que receba minha fatura — disse ele com uma piscada.
Taylor insistiu em tomar uma ducha para relaxar. Depois, nem sequer se incomodou em secar o cabelo. Limitou-se a secar-se e se dirigiu cansada ao quarto de Reed. Ficou com uma de suas camisas e se enfiou na cama.
Quando ele apareceu com a xícara de chá de camomila que tinha pedido, já dormia profundamente.
Reed deixou a xícara e ficou olhando-a por alguns minutos, maravilhado pelo afeto que sentia por ela em tão pouco tempo.
Com um suspiro de alívio, Reed tirou a roupa e a atirou a um lado. Entre o episódio do caso de Jonathan e a crise de Taylor, não tinha dormido mais de seis horas nos últimos três dias. Estava esgotado. E agora que ela estava a salvo e ao seu lado, poderia por fim dormir toda a noite. Deslizou pela cama junto a Taylor, procurando não despertá-la. Ela murmurou algo em seu sonho e se aconchegou contra ele, enredando-se em seus braços como se aquele fosse o seu lugar. A verdade é que era seu lugar.
Reed apagou a luz, se ajeitou nas mantas e fechou os olhos.
O aroma do xampu de Taylor foi a última coisa que sentiu antes de abandonar-se ao sonho.


06h35min
Reed tinha decidido deixar uma nota a Taylor, ver se Jake seguia montando guarda fora do prédio e partir diretamente ao escritório.
Mas não aconteceu assim.
Abriu os olhos e a primeira coisa que viu foi Taylor. Estava apoiada sobre os cotovelos e o observava.
— Bom dia — disse ela, com um murmúrio de voz.
— Bom dia. — Reed franziu o cenho e piscou, limpando os últimos vestígios do sonho—. O que faz acordada a esta horas? Despertou com o alarme do relógio?
—Não. Ainda não soou. Nem soará. Apaguei-o faz uns dez minutos.
—Mulher, que curioso. — Reed havia despertado totalmente — Alguma razão em particular?
Taylor riu ao ver o brilho de curiosidade em seu olhar.
— A verdade? Queria que tivéssemos um momento para falar. Também sou muito boa para negociar acordos. Assim se me prometer um café e conversa antes que saia correndo por essa porta, eu adoraria me despedir de você quando você for trabalhar com um sorriso na face.
— Prometido — disse ele. Arrumou-lhe uma mecha de cabelo detrás da orelha e começou a desabotoar os botões da camisa — Café e conversa. — desfez-se rapidamente da camisa e a lançou — Posso me servir da sobremesa antes?
— Só se for compartilha-lha — disse ela, com os lábios logo que torcidos por um sorriso.
— Compartilhar? Sim, claro, me daria muito gosto compartilhar — ele assegurou. Estendeu-a de costas e a beijou com vontade, cobrindo todo o corpo — Sou muito, mais que muito bom para compartilhar.
Já passava das oito quando afinal sentaram-se para tomar o café e conversar.
— Tinha razão — disse Taylor. Encheu duas tigelas e as deixou sobre o balcão da cozinha — É verdade que sabe compartilhar maravilhosamente. — Olhou-o com um brilho tenro e íntimo antes de agarrar um banco e sentar-se a seu lado — Também é um amante assombroso.
— Alegra-me que tenha essa opinião. — A expressão de Reed era intensa quando a olhou com seus penetrantes olhos azul escuro — Digo isso porque terá anos e anos para descobrir quão assombroso posso ser.
Taylor não fingiu não haver entendido.
— Por isso quis voltar — disse — Precisava estar contigo. Não tinha me dado conta do quanto que precisava até agora. Não deixava de me perguntar por que tinha tomado esse vôo. Sinto-me incômoda em meu próprio apartamento, uma sensação estranha, dá-me medo. Sou um punhado de nervos quando me encontro ali sozinha, sabendo que há um psicopata solto por aí que está obcecado comigo. Stephanie já não está mais lá. Minha vida é uma enorme confusão, agora que não estou trabalhando. Assim, por que voltar para casa questionava-me? Por que seguia pensando que era minha casa? A resposta foi você.
Reed tomou a mão e a levou aos lábios. Depois, entrelaçou seus dedos com os dela.
— Este pesadelo que está vivendo logo acabará. E então seguiremos com nossas vidas. Quero que venha a Vermont comigo passar as férias da Semana Santa. Toda a família estará reunida. Poderá agradecer ao Rob em pessoa.
Taylor empalideceu.
— Toda a família? Quer dizer…? — Fez a conta mentalmente — Quatorze adultos, nove crianças e um bebê na lista de espera?
— Bom cálculo — disse Reed, e riu — Mais você, serão quinze adultos, possivelmente dezesseis, se Rob vier com sua amiga. Além disso, dois cães labradores, um beagle, um gato listrado com uma nova isca de peixe e quem sabe quantos animais mais que terei que apresentar.
— Vá — disse Taylor, e bebeu um gole de café — Está seguro de que não é muito cedo? Possivelmente me vejam como uma intrusa.
— Adorarão você. E não será uma intrusa — disse, e guardou silêncio, como se refletisse — Será parte da família.
Taylor se sentiu embargada pela emoção.
— E não me olharão estranho porque não sei esquiar? — perguntou, com um toque de acanhamento.
— Estarão encantados de ver que estamos loucamente apaixonados. Alguma outra pergunta?
— Com certeza daqui a pouco terei mais perguntas. Por hora, só estou um pouco espantada — esclareceu ela — Um esgotamento de felicidade. — Seguiu um suspiro — Reed, isso tudo soa tão estupendo, para variar. — Deixou sua tigela com gesto decidido — Também me dá o dobro de vontade de desativar as bombas que temos sob os pés. Concretamente, esta manhã queria falar de sua bomba.
— Não entendi — disse ele, franzindo ambas as sobrancelhas.
— Jonathan Mallory. A montanha que tem que escalar para ganhar este caso. Só direi uma coisa, Reed, não sou advogado, mas estou bastante preocupada para saber que o mais provável é que me chamem como testemunha da acusação. Meu testemunho não terá o mesmo efeito que teria se ainda acreditasse que Jonathan Mallory é o homem que me persegue. Mas estou segura de que o fiscal do distrito pensará que posso contribuir com uma pincelada ao horrível retrato que tentará pintar de seu cliente. Posso descrever meus encontros com ele, contar como ficava nervosa com seus esforços de ter uma relação comigo… tudo isso. Acredito que já pensou no que estou dizendo.
— É meu trabalho. E, sim, pensei nisso — disse Reed, que parecia um pouco surpreso — Embora deva confessar que não esperava que você também pensasse nisso.
— A verdade é que sim. E o que quero saber é se há algo que eu possa fazer para mitigar o impacto de meu testemunho — perguntou, e em seguida o olhou com uma espécie de sorriso desinteressado.
Reed deixou sua tigela sobre o balcão com um golpe seco.
— Está dizendo que quer me ajudar? Embora meu cliente seja Jonathan?
Taylor respirou sonoramente.
— Estou dizendo que tenho muita fé em sua intuição. Não quero que seu cliente seja castigado por um crime que não cometeu.
— De verdade me assombra — disse Reed. Segurou seu rosto com as duas mãos e deu um beijo na sua boca — Está disposta a fazer uma coisa assim, apesar de todos os seus receios com Jonathan?
— Sim. — Taylor o olhou como se acabasse de dar conta de algo, e o confessou em voz alta — Queria minha confiança. E bem, parece que já a tem.
Ele voltou a beijá-la, desta vez com ternura, acariciando brandamente as bochechas com os polegares.
— Procurarei cuidar de sua confiança. Prometo-lhe isso.
— Sei que cuidará — disse Taylor, e agarrou ambas as mãos — E agora, me diga. O que posso fazer para colaborar?
A engrenagem mental do Reed se pôs em marcha a velocidade supersônica. Taylor intuía isso.
—Está pensando em algo — deduziu.
—Sim, estou pensando em algo. Mas não é o que você pensa. Mencionou suas dúvidas a respeito de Jonathan. Se estiver de acordo com o que vou propor, acredito que poderá resolver algumas dessas dúvidas. Também servirá para concretizar um par de idéias muito importantes, umas de tipo emocional, outras, de tipo legal.
— Agora sou eu que não entendi.
Reed refletiu por um momento.
— Digamos que Jonathan tem que tirar algumas preocupações suas. Têm algo a ver contigo e, entretanto, não têm a ver. Podem ajudar a esclarecer quem é Jonathan, e por que atua desta maneira. Seu trabalho são as terapias. Poderia escutar e tirar conclusões. Poderia ajudar Jonathan e serviria para tranquilizá-la. Essa é a parte emocional. A parte legal é um pouco mais delicada. — Reed bebeu outro gole de café com expressão ausente — Tal como eu o vejo, a única possibilidade de que Jonathan seja culpado destes crimes é que os tenha apagado de sua memória. Passou por uma prova com o detector de mentiras. Os resultados coincidiam com o que eu intuía, quer dizer, não é culpado. Isso significa, no pior dos casos, que Jonathan é culpado, mas acredita que é inocente. Para que isso seja verdade, teria que ter estado muito mais que bêbado, ou perdido em algum delírio de onipotência. Teria que estar psicologicamente transtornado. Gravemente transtornado. Está de acordo?
Taylor assentiu com um gesto.
— Sigo decidido a acreditar por um veredicto de inocente, porque acredito que Jonathan o é. Entretanto, necessito de um plano de apoio. Incompetência ou desequilíbrio mental ou sequelas de larga duração de algum tipo de abuso emocional. Algo. Acredite em mim, seu histórico o avaliza. Entenderá quando tiver falado com ele. O problema é que necessitaria do testemunho de um especialista que corrobore seu precário estado mental, alguém cuja formação como especialista possa confirmar essa opinião.
O objetivo tinha ficado claro, e Taylor ficou olhando com olhos exagerados.
— Eu?
— Você tem o título e a experiência.
— Na verdade, não. Meu trabalho é com terapia familiar, não sou uma psiquiatra criminalista. Minha formação e meus conhecimentos…
—… permitem trabalhar com diversos tipos de adolescentes com transtornos emocionais e estudar os motivos que desembocam nessas condutas — interrompeu Reed —Neste caso, cai como uma luva. Além de que seria extremamente benéfico para Jonathan… em muitos sentidos.
Taylor ficou pensativa, digerindo o que Reed lhe propunha.
— De acordo. Pensarei sobre isso.


QUINTA-FEIRA, 20 DE FEVEREIRO
23h17min
O telefone de Palm Beach soava e soava. E seguia sem responder. E não ligava a secretária eletrônica. Além disso, seu celular estava desligado. Já fazia dias.
Maldição.
Atirou seu celular sobre a cama, pegou um abajur e o lançou para o outro lado do quarto. Nem sequer se deu conta de que o tinha estraçalhado contra a parede deixando-o em pedacinhos.
Como se atrevia a andar por aí como se ele não existisse?
Entrelaçou os dedos e os apertou com força, até imaginar seu pescoço entre as mãos, lhe pressionando a traquéia com os polegares, afogando-a até que a vida se apagasse nela.
Ela não era diferente.
Era igual às outras. Uma vagabunda. Manipuladora.
Tinha toda a intenção de satisfazê-la sexualmente. Aquilo seria uma explosão final de prazer, puro e perfeito, antes do esquecimento eterno.
Não aguentava mais.
Agora essa piranha ia pagar por tudo.






















Capítulo 30

QUINTA-FEIRA, 27 DE FEVEREIRO
19h15min. WESTON E ASSOCIADOS, ADVOGADOS

As vozes penetravam do outro lado das portas fechadas da flamejante biblioteca da escrivaninha e chegavam até a sala de recepção, aonde Reed ia de um lado a outro. As palavras eram ininteligíveis. Não o tom.
Era uma sessão tensa, carregada de emoções. Mas é que o tema era tenso e carregado mesmo. Várias vezes nos últimos minutos, Reed tinha esteve tentado de romper a promessa que tinha feito a Taylor e entrar sem mais. Mas tinha que respeitar sua ética profissional, como ela respeitava a sua. A cláusula de confidencialidade com os clientes era a cláusula de confidencialidade. Além disso, ela tinha imposto esse principio em termos nada ambíguos.
— A sós — havia dito, sem rodeios — Disse que falaria com Jonathan, e isso farei. Mas tem que ser a sós.
Como se Reed tivesse alguma alternativa.
Estava desesperado. Só tinha conseguido encontrar pontas soltas. Não havia ninguém que tivesse alguma vingança pendente contra os Berkley, nem pessoal nem profissional. Nenhum conhecido do casal com um histórico de violência. E ninguém mais que Jonathan podia beneficiar-se de sua herança. Era o único parente vivo de Douglas, com a exceção de uma sobrinha, que não tinha visto os Berkley desde sua infância e que, portanto, nem sequer saberia que era a última da família com direito a herdar.
As coisas não iam bem para Jonathan.
O tempo se acabava.
Os suspeitos não apareciam.
Chegou Paul, que descia a escada. Viu a porta fechada e logo olhou ao Reed.
— Levam mais de uma hora aí dentro — observou.
— Uma hora e seis minutos. Já sei. Não pude trabalhar nem um minuto desde que começou a sessão.
— Que tipo de resultados espera? —inquiriu Paul, com um sorriso forçado.
— Quer que diga a verdade? — Reed olhou Paul fixamente — Acredito que Taylor estará de acordo conosco. Acredito que a estratégia de declarar-se inocente por incapacidade ou demência passageira é arriscada. E eu acredito que Jonathan é inocente.
— Sim. — Paul se sentou no último degrau — Já tinha pensado que se inclinaria por essa idéia — disse, com um suspiro de cansaço—. E nós dois sabemos que nosso trabalho será muito mais difícil.
— Diga algo que não saiba. — Reed se deteve e sacudiu a cabeça — Aqui há coisas que não encaixam. Jonathan é um tipo esperto. Jamais deixaria seu sêmen na cena do crime e logo colaborar com as autoridades deixando tomar uma amostra de seu DNA. E sabe que nunca herdaria a fortuna de Douglas se o declarassem culpado de assassinato.
— E há ainda o detector de mentiras. Inclusive Willard, o fiscal do distrito, estava contrariado com os resultados. E ficou irritado quando a armadilha que tentou com uma das provas não saiu bem. Trabalhou muito para divulgar os detalhes dos assassinatos, e quando descreveu os traços de uma mordida no peito de Adrienne, no seio direito, fez isso de propósito, porque na verdade foi no seio esquerdo.
— Como era de esperar, Jonathan não mordeu o anzol.
— Não mordeu o anzol? Se nem sequer pestanejou. Não se mostrou evasivo. Manteve uma atitude totalmente impassível. O único momento em que teve um indício de reação foi quando Willard descreveu o estrangulamento. E logo vieram arcadas por ouvir contar que Adrienne tinha a face vermelha quando teve que identificar o corpo. Não é precisamente a reação de um assassino. Por isso eu sei, há muitas incongruências, e nenhuma explicação que as sustente — disse Reed, e enrugou o cenho — Willard é um homem duro, mas é honesto. Vê as mesmas incongruências que nós. E isso o incomoda.
Nesse momento, abriu-se a porta da biblioteca e saiu Taylor.
— Terminamos.
Reed elevou bruscamente a cabeça e a olhou fixamente, como se quisesse adivinhar algo. Ela tinha uma expressão pensativa, e muito solene. Mas era o único indício. Paul facilitou as coisas. — Quero falar com Jonathan a respeito da acusação que se apresentará amanhã — anunciou. Levantou-se e se dirigiu à biblioteca — Virei dentro de um momento.
Taylor o seguiu com o olhar e torceu a comissura dos lábios, como divertida, quando fechou a porta a suas costas.
— Vá, que sutil.
— Meu trabalho não são as sutilezas. O que procuramos são respostas. — Reed agarrou seu queixo e a fitou nos olhos— Antes de mais nada, você está bem? Não há efeitos adversos?
— Nenhum. Estou bem. Já seu cliente é outro conto. — Taylor fez um gesto para a sala de descanso que Reed tinha montado do outro lado do corredor — Vamos ali para conversarmos.
Serviram-se duas xícaras de café sentaram nas poltronas.
— Venha, conte-me tudo — disse Reed.
— Para começar, entendo por que queria que fizéssemos esta sessão, tanto para o meu bem, como pelo bem do Jonathan. É assombroso como as coisas mudam quando temos um quadro mais completo do assunto. Também entendo por que custou tão pouco convencer ao Jonathan de que falasse comigo.
— Não foi difícil convencê-lo. Em seguida viu como uma oportunidade.
— Queria que confiasse em mim. Pensava que se eu me inteirasse de tudo o que lhe havia acontecido, despertaria minha compaixão. Esperava que esses sentimentos fossem a faísca que iniciasse uma relação entre nós e que, com o tempo, eu sentisse algo por ele.
— Sei.
— E funcionou. Não no que se refere à relação entre nós dois, mas sim quanto à compreensão e a compaixão. Agora tenho uma ideia bem mais clara de como funciona Jonathan Mallory e as coisas que o motivam, pessoal e profissionalmente. —Taylor bebeu um gole de seu café — Temos um problema de tempo, assim vejamos no que consiste minha ajuda. Para começar, não acredito nem por um momento que Jonathan sofra algum delírio que o tenha impulsionado a cometer esses odiosos crimes que o acusam e logo havê-los bloqueado em sua memória. Em minha opinião, Jonathan não só não é uma pessoa violenta, mas também vive em um estado de duelo e de choque, ambas as reações muito normais. Certamente, arrasta uma grande carga pelo fato de que seu pai não o reconheceu formalmente, a tensa relação com seu irmão, seus sentimentos de não pertencer a alguém e, sobre tudo, pela sanguessuga de sua madrasta. Está claro que Adrienne Berkley traumatizou suas relações com as mulheres.
— Disso não cabe dúvida — murmurou Reed.
— Assim é. Mas o resultado é que se tornou inseguro, incapaz de ter sentimentos. É verdade que odiava Adrienne a morte. E tinha seus motivos, se quer saber minha opinião. Ela utilizou seu pai e seu irmão, ameaçou sua mãe e cuspiu em sua face cada vez que se apresentou a ocasião. Mas o problema de Jonathan não tem nada a ver com vingança. Tem a ver com a necessidade de demonstrar o que vale. Isso explica os dois incidentes na universidade — disse Taylor, e guardou silêncio por um momento— E explica sua fixação comigo. A última coisa que quer é que o voltem a rejeitar.
— Sim — conveio Reed, com semblante entristecido — Lamento não falar dos dois incidentes de perseguição, mas me alegro de que ele sim tenha contado isso. Acredito que a vê como uma espécie de tábua de salvação.
— Exatamente — suspirou Taylor — O que realmente deseja é um ambiente de normalidade, uma relação verdadeira e estável, uma mulher que tenha tanto afeto com ele tenha a ela também. Sua conduta é um pouco extrema. Mas, nestas circunstâncias, é compreensível. De modo que essa é minha conclusão. E se necessitar de mim como testemunha perita no julgamento, aqui me tem.
Reed apertou a mão.
— Obrigado.
— Realmente me dá pena — disse Taylor, em voz alta — Mas se quer saber a verdade… e que Deus tenha piedade de minha alma, porque jamais me acreditei capaz de dizer uma coisa assim, a pessoa pela qual de verdade sinto lástima é Gordon. Foi ele quem sofreu a chantagem de sua madrasta para que se deitasse com ela. Quem sabe que classe de artimanhas usaria com ele? Por si só, Gordon já era um candidato feito sobre medida para isso. Frio. Egocêntrico. Uma personalidade incipiente das que usam e abusam. Adrienne aproveitou as coisas muito bem. Não me admiro que Gordon se tornou um bode doente e desalmado.
Taylor fixou os olhos na taça de café. Seu olhar era melancólico.
— O paradoxal do assunto é que se houvesse alguém que tivesse a estrutura psicológica e o motivo para fazer aquilo do que acusam Jonathan, esse alguém seria Gordon. Se estivesse vivo, estaria disposta a apostar dinheiro de que ele é o culpado. Tal como estão as coisas, é provável que esteja desfrutando do limbo com tudo isto, embora esteja no inferno. Ali estava de novo. Essa sincronia de idéias. Só que nesta ocasião, Reed pôde captá-la até vê-la em toda sua dimensão.
Era impossível.
Ou o era realmente?
— Fale do tipo de personalidade que tinha Gordon. — ordenou-lhe Reed com o tom de um sargento de guarda.
Seu tom brusco pegou Taylor despreparada, igual à própria ordem.
— Não há nada novo que dizer — replicou ela — Gordon era arrogante, manipulador, violento e perverso.
— Também era um homem calculador, obcecado consigo mesmo, cheio de delírios de grandeza e totalmente carente de consciência ou remorsos. Os psicólogos que escuto declarar nos tribunais mencionam traços como esses quando descrevem a um megalomaníaco ou a um psicopata.
Taylor sentiu um calafrio nas costas.
— Reed, por que me faz estas perguntas? — atinou a dizer, e afastou a xícara de café — Não quero falar de…
— Já sei — interrompeu Reed em tom ligeiramente mais amável — E não quero que tenha que falar dele. Mas Jonathan acredita que é objeto de uma armadilha. E Mitch acredita que alguém elaborou uma montagem para incriminar a Jonathan como seu perseguidor. Talvez seja vítima das duas montagens. E eu só posso pensar em uma pessoa que teria os meios e os motivos para fazê-lo.
A suspeita caiu como uma laje.
— Gordon? — disse Taylor com um fio de voz.
— Você mesma acaba de dizer que reunia todos os traços psicológicos.
— Salvo porque está morto.
— Sim, está morto, não? — Reed pensava a velocidade vertiginosa—. Entretanto, pensemos por um momento que estivesse vivo. Acaso não seria para ele justiça divina violar e matar Adrienne para sair ileso? — de repente, um brilho de percepção sacudiu Reed e, bruscamente, Levantou-se — Meu Deus. — Abandonou a sala a grandes pernadas e desceu a escada de dois em dois degraus em direção a seu escritório. Chegou a seu escritório e começou a procurar entre os arquivos e papéis. Ali estava. Agarrou o montão de documentos sobre o DNA que tinha impresso, revolvendo entre as páginas até encontrar o que procurava. Acabava de dar com isso quando entrou Taylor.
— Reed, o que acontece? O que encontrou?
Para responder, estendeu a página e assinalou um parágrafo.
— Leia isto.
Taylor varreu o parágrafo com o olhar e leu em voz alta.
— Os gêmeos provêm de um único óvulo fertilizado que se divide em dois. Esta separação pode se produzir até o décimo segundo dia depois da concepção, no momento em que o óvulo se implanta no útero. O óvulo fertilizado e sua dotação de DNA dividem-se em dois para formar embriões idênticos, cada um com sua própria carga de DNA idêntica à outra. Como resultado, os gêmeos têm o mesmo sexo e o mesmo DNA em cem por cento dos casos. —Taylor apartou o olhar da página com uma expressão de cautela—. Aonde quer chegar com isto?
— A um veredicto de inocente.
— Meu Deus. — As mãos do Taylor tremeram para ouvir as palavras de Reed — Os gêmeos têm um DNA idêntico. —Deixou cair a página sobre a mesa de Reed—. Se o que insinuas é verdade, Gordon Mallory está vivo.
Reed parecia estar tão horrorizado como Taylor.
— Já sei que isto parece uma loucura. Mas sem dúvida explicaria muitas coisas. A coincidência do DNA. O fato de ter um violador homicida que é meticuloso e sabe o que faz, tenha sido bastante descuidado para deixar o rastro de sêmen. E a brutalidade com que Adrienne foi violada.
— E a maneira que foi assassinada — disse Taylor sem dar-se conta — Foi estrangulada, Reed. Eu também fui… pelo Gordon. Soube exatamente quando parar para que eu seguisse viva. —Taylor respirava agora entre ofegos — Jonathan comentou que se preocupava com sua debilidade pelas ruivas, e como isso poderia associar-se comigo. E bem, Steph era ruiva. Eu sou ruiva. E, evidentemente, Adrienne era ruiva. Das três, duas estão mortas. E agora me persegue.
— De acordo, de acordo. — Reed se mostrava precavido porque o exigia a experiência — Não nos precipitemos. Aqui há muitas coisas por averiguar. Em primeiro lugar, para que esta hipótese seja um fato, Gordon teria que havê-lo planejado tudo de antemão e fingir sua morte. Como conseguiu? Seu iate explodiu. Isso é um fato. Mas como escapou? Onde se meteu? Tenho que averiguá-lo o mais rápido possível.
— Sabia que ia voltar. — Os pensamentos do Taylor foram cobrando um giro aterrador — Reed, isso explicaria por que me disse que me estaria vigiando. — passou as mãos trementes pelo cabelo, recordando o encontro que tanto se empenhou em esquecer — prometeu que acabaria o que tinha começado naquela noite.
— Isso encaixa com sua maneira de atuar após esse dia, mandando postais por e-mail, ligando, perseguindo, e ameaçando.
— Me encurralando — acrescentou Taylor com voz fraca.
Reed apertou os lábios com gesto colérico.
— Se for Gordon quem a persegue, já o temos descoberto. Sabemos o que quer. E seus intuitos não se cumprirão.
— Mas onde está? A menos que possamos provar que Gordon está vivo, estamos em um beco sem saída. E como provaremos?
— Em primeiro lugar, tem que me ajudar a limpar algumas zonas escuras. Zonas da psicologia. Preciso ter uma imagem clara antes de entrar em ação.
— De acordo. Pergunte o que quiser.
— Por que Gordon mataria Douglas? Por que não só Adrienne? Ou estou muito desencaminhado? Poderia ser algo tão elementar como, por exemplo, que Douglas surpreendesse Gordon atacando Adrienne e tentasse defendê-la, e que Gordon se veria obrigado a matá-lo também?
— Não acredito. — impôs-se a intuição do Taylor — Gordon é inteligente como ele só. É impossível que tenha entrado nessa casa sem saber exatamente quem estava dentro.
— Então, minha pergunta segue aberta. Por que Douglas?
— Quer minha opinião? Gordon era um adolescente com a mente retorcida e um adulto ainda mais retorcido, assim que sua mente funcionava de maneira retorcida. Pode ser que culpasse Douglas por tudo. Talvez pensasse que Douglas sabia o que estava ocorrendo e que havia decidido sacrificá-lo para proteger sua mulher. Ou possivelmente pensasse que Douglas se negasse a aceitar a verdade, simplesmente porque não queria saber. As possibilidades são múltiplas, e todas poderiam induzir Gordon a odiar seu pai o bastante para matá-lo.
— De acordo. Fico com essa idéia. Agora bem, por que fez uma armadilha para Jonathan? É seu irmão. Suas relações não eram muito estreitas, mas tampouco eram inimigos. Nada justifica um ódio tão profundo capaz de provocar tanta crueldade.
— Não é que fosse necessário. Mas é cômodo. Recorda o que disse? Os psicopatas não têm consciência nem remorsos. É verdade. De modo que se Gordon estiver por trás de tudo isto, seu único objetivo é a vingança. Jonathan é um peão dispensável.
Reed desviou o olhar e esticou a mandíbula com força.
— Não sei o que me deixa mais doente, se tivermos razão ou nos equivocarmos. Mas digamos que toda esta teoria tão peregrina é verdade. A pergunta de um milhão é: onde está Gordon agora? Onde se oculta? — Reed riu de si mesmo — Mas a quem quero enganar? Não tem por que ocultar-se. Está morto. Ou, ao menos, isso é o que crê todo mundo.
— Se ele for a pessoa que me está perseguindo, sabemos que está em Manhattan.
— Genial. O mesmo se pode dizer de centenas de milhares de pessoas. Poderia vir a Manhattan todas as noites para vigiar e logo esconder-se em algum lugar desconhecido. — Aquela idéia fez que Reed esticasse ainda mais a mandíbula—. Esta teoria resolveria outra lacuna, e me refiro ao feito de que não entraram pela força em casa dos Berkley. Gordon poderia ter entrado com sua chave ou poderia ter chamado fingindo ser Jonathan. Quando Douglas e Adrienne se deram conta da verdade e se recuperaram do impacto, já era muito tarde.
— O que faremos agora? —perguntou Taylor umedecendo os lábios.
Reed ficou olhando com expressão sombria.
— Não falaremos disto com ninguém. Nem sequer com Jonathan. Agora mesmo são só especulações. Precisamos ter algo mais concreto antes de acender esta mecha e ver como explode.
— Algo como o quê?
— Chamarei Hadman amanhã a primeira hora e verei se estiver disposto a ficar em contato com a polícia do condado do Suffolk para convencer os de que me dêem uma cópia do expediente e do relatório da polícia sobre a explosão do iate em setembro do ano passado. É um caso fechado, e duvido que me neguem isso. Se puserem problemas, conseguirei uma ordem judicial para acessar a esse maldito expediente. Quero repassar essa documentação palavra por palavra. Possivelmente, sabendo o que sabemos, ou ao menos o que suspeitamos, nos diga algo.
— Minha denúncia da agressão também está em um arquivo fechado, aqui mesmo na Vigésima Delegacia de Polícia de Manhattan — recordou Taylor — Consiga uma ordem judicial para isso também. Contei à polícia a tentativa de violação de Gordon, incluindo tudo o que disse, quase palavra por palavra. Possivelmente encontre algo no relatório do Suffolk que dê alguma pista.
— Farei isso. — Reed ficou olhando e lhe vieram à cabeça pensamentos do perigo próximo que corria Taylor se era Gordon quem tinha idealizado tudo aquilo — Corrijo o que acabo de dizer sobre não falar disto com ninguém. Contaremos a uma pessoa. Mitch. Quero que esteja alerta no caso de Gordon estar tão preparado para mostrar-se à luz do dia. Pode que o tente, porque acreditará que todos o confundirão com Jonathan. E calculo que a estas alturas é provável que esteja desesperado, por não dizer fora de si. Recorda que não conseguiu entrar em contato contigo há mais de uma semana. Possivelmente isso o leve a correr certos riscos.
— Parece aterrador. —Taylor quis dar a fala um toque de ligeireza que, na verdade, acabou por expressar medo e tensão — Possivelmente deveria pôr Mitch na lista de nomes. Neste ritmo, acabará trabalhando para mim eternamente.
—Não, isso não — se apressou a dizer Reed — Vamos resolver isso. Necessitamos de respostas. E as necessitamos para ontem. Mas prometo uma coisa: se Gordon Mallory estiver vivo, desejará não ter nascido.




















Capítulo 31



SEXTA-FEIRA, 28 DE FEVEREIRO
10h15min
Taylor já não agüentava mais. A clausura, a espera, a falta de atividade. Tinha que fazer algo ou ficaria louca.
Chamou Jack e disse que estava de volta na cidade. Também lhe recordou que se mudaria a seu apartamento novo na semana seguinte. Portanto, tinha certo sentido que fosse a trabalhar essa noite, não só para fazer um programa direto, algo que desejava fazer, mas também para gravar alguns programas, se por acaso as circunstâncias a impedissem de ir na próxima semana.
Os dois sabiam o que queriam dizer com «circunstâncias».
— Todos sabem. — tinha informado Jack — Todo mundo fará perguntas.
— Já cuidarei disso.
— Taylor. — O tom de voz de Jack era apagado, mas tenso — Está segura de que quer fazê-lo? Possivelmente deveria ter ficado na Florida algumas semanas mais.
— Estou segura — replicou ela com firmeza — Preciso voltar a trabalhar. Mitch é um excelente guarda-costas. Grudado como um carrapato. Ninguém irá aproximar-se de mim.
— Se você é quem diz — conveio Jack, depois de uma pausa incômoda. Logo pigarreou — Onde está vivendo estes dias?
— No momento, na casa de Reed. Ao menos até o dia da mudança. Meu piso agora é um caos. Cheio de caixas ao meio encher e papéis que tenho que atirar. Além disso, estes dias estou nervosa. Na casa de Reed ao menos não estou sozinha.
— Pois, não deveria estar sozinha. — Seguiu outra pausa — Nos vemos esta noite.
Taylor desejou que seu tom de voz fora um pouco menos sombrio.

18h15min
WVNY
Quando cruzou as portas marcadas com as siglas WVNY gravadas nelas, Taylor entendeu as reticências de Jack. Sentia-se como uma estranha em seu próprio lugar de trabalho.
Entrou na sala de recepção e se fez um silêncio total. Tonya, a recepcionista, foi a primeira que a viu. Empalideceu e fez calar com um gesto aos estagiários com quem conversava. Os três saudaram Taylor em uníssono e ficaram olhando enquanto se dirigia aos estúdios de gravação.
O ambiente não mudou muito quando entrou. Saudou-a um coro de «bem-vinda» quando passou pela sala, mas as expressões eram tensas e nos rostos se lia uma mescla de pena, curiosidade e até de nervosismo. Parecia que o medo ante o perigo que corria Taylor tivesse invadido a emissora e afetado à segurança de todos.
Colocou um sorriso forçado, devolveu as saudações e tentou atuar da maneira mais natural possível.
O escritório de Jack estava vazio. Também estava o de Bill e os dos outros habituais. O mais estranho era que não havia ninguém na sala do café. Isso sim que era insólito.
Possivelmente a metade dos colegas desapareceu ao saber-se que ela vinha. Com essa ideia na cabeça, abriu a porta de seu próprio estudo. Sentiu-se aliviada para ouvir o murmúrio de vozes no interior.
— Olá — saudou —-me alegro de ver a todos. Começava a me sentir solitária. —deteve-se de repente e ficou boquiaberta quando viu quase todo o pessoal da emissora, todos dispostos em semicírculo, e com um enorme bolo de chocolate sobre o mostrador. No bolo estava escrito: BEM-VINDA A CASA, Taylor.
—Surpresa! —chiaram todos.
Ela piscou e os olhos se encheram de lágrimas antes que pudesse reprimir-se.
— Meu Deus! —atinou a balbuciar—. Deixaram-me sem palavras.
—Diga olá — sugeriu Kevin, aproximando-se para dar um abraço.
— Isso — disse Hill — E corta logo o bolo. Levamos meia hora aspirando chocolate.
Estava a ponto de fazer o salto do anjo sobre esse maldito bolo.
Uma gargalhada percorreu a sala e, de repente, Taylor sentiu que no final, possivelmente, só possivelmente, tudo iria bem. Derramou mais lágrimas.
—Obrigado, meninos. Eu não esperava por isso! – disse, e devolveu o abraço de Kevin —. Olá — repetiu — Acho que sei de quem foi a idéia. —apartou-se, secou os olhos e logo lançou uma piscada para Bill — Venha, onde está a faca?
Uma vez quebrado o gelo, todos se reuniram ao redor do bolo e começaram a comer e a conversar.
Laura abriu caminho entre os presentes, deixou seu prato de bolo e saudou Taylor com um beijo.
— Bem-vinda. Sentimos sua falta de como loucos. Tudo correu bem?
A pergunta era tão incoerente com a realidade que Taylor quase começou a rir.
— Sim —respondeu o que era verdade — Mas passei quase todos os dias dentro de casa, relaxando.
— Está bem. Você precisava disso.
Dennis se aproximou e estreitou a mão com um gesto quente.
— Alegro-me de tê-la novamente entre nós.
— Sim, e não só porque sentimos sua falta — disse Kevin — Dennis também tem uma notícia que compartilhar com todos.
Taylor se virou para Dennis e franziu o cenho com curiosidade.
— Parece algo importante.
— É sim —assegurou Kevin.
Taylor imaginou más notícias, e lançou ao Dennis um olhar suplicante.
— Espero que não vá dizer que encontraste um emprego muito bem pago em outra rádio.
— Acredita que eu estaria sorrindo se fosse isso? — perguntou Kevin com um grunhido — Já tenho muito trabalho, tal como estão as coisas.
— Isso é verdade — reconheceu Taylor — Venha, deixa de incerteza. Qual é a notícia?
Seu técnico de som sorriu timidamente.
— Ally e eu nos casamos há uns dias.
— Casado? —Taylor esbugalhou os olhos — Dennis é uma notícia maravilhosa. Parabéns — disse, e o abraçou com gesto entusiasta — Uns dias? — repetiu, quando se deu conta do que havia dito — E o que está fazendo aqui no trabalho? Se acabar de se casar.
— Dei férias ao Dennis o resto da semana —assegurou Jack — Não vinha desde quarta-feira. Mas queria estar aqui para a festa de boas-vindas. Assim chegou faz uma hora e logo parte até segunda-feira.
Taylor sentiu uma onda de gratidão.
—Agradeço isso. Significa muito para mim. Por favor, diga a Ally que sinto haver te separado dela, embora seja por umas horas.
— Vir esta noite não foi precisamente um sacrifício — disse Dennis — Minha debilidade são os bolos de chocolate. E Jack me disse que podia levar uma parte para Ally.
— Claro que sim — disse Taylor, e os olhos brilharam com um ar travesso — Embora não acredito que vá se safar tão facilmente. Queremos conhecer Ally.
Dennis voltou a sorrir desta vez com mais familiaridade. Parecia feliz, inclusive desconcertado, como um verdadeiro recém casado.
— Muito obrigada a todo mundo — disse Taylor, quando Jack pediu a todo o pessoal que voltassem para trabalho — foi uma surpresa maravilhosa.
Jack tinha visto completo seu objetivo. Deteve-se na porta quando no estúdio só ficassem Kevin, Dennis e Laura, além de Taylor.
— Está segura de que poderá trabalhar?
— Absolutamente — ela assegurou.
— Porque se não estiver preparada, pode deixá-lo correr.
— Entendo. Mas estou preparada. E não quero deixá-lo correr.
— Seu detetive particular está ai fora?
— Sem mover-se, com sua busca e seu celular a postos.
— É bom, fique enquanto puder — disse Jack, com um gesto seco — Não se passe. — Dava a impressão de que queria dizer algo mais, e que repensava sobre o assunto — desejo boa sorte com seu programa. Seja bem-vinda.
Taylor olhou a Kevin com gesto inquisitivo quando Jack fechou a porta.
—O que há em tudo isso?
Ele não respondeu.
— Fiz uma pergunta — disse, olhando a um, logo ao outro.
Dennis rompeu o gelo.
— Jack ficou um pouco nervoso com seu investigador particular — explicou vacilante.
— Um pouco nervoso? —perguntou Taylor, franzindo o cenho. Mitch era um dos tipos mais decentes e singelos que tinha conhecido em sua vida. Certamente, não era seu estilo intimidar a ninguém — Por quê? Algum desentendimento com ele?
— Não, nada disso — disse Kevin, negando com a cabeça — Mas você sabe o protetor que é Jack com a rádio. Quando soube que tinha vindo seu detetive e que estava interrogando ao pessoal, alguns da equipe ficaram nervosos. Mitch nos explicou muito claramente, que aqui ninguém estava em perigo nem sob suspeita, que só tentava saber se alguém, sem querer, tinha mencionado onde estava.
— Possivelmente deveria tirar umas férias.
— Mas se acaba de voltar — disse Dennis, arqueando suas sobrancelhas negras.
— Já sei. Mas não quero criar problemas, nem a vocês, nem tampouco ao Jack. Vocês foram minha salvação em tudo isto.
— Jack se acalmará — disse Kevin — lhe Dê tempo.
Tempo.
Aquela palavra tinha um sabor amargo em sua boca. Tudo se movia em câmera lenta. Ela tinha a inquietante sensação de que o tempo se acabava.

23h30min
Havia retornado.
Tinha ido à rádio. E acabava de sair.
Viu-a dirigir-se ao carro que a esperava.
Droga, como era sexy. Esqueceu-se do quanto era sexy. A raiva que se acumulou nele não e conseguia achar graça nisso.
Raiva e sexo. Não podia haver mescla melhor. Não para o que ele tinha planejado.
Esteve tentado a segui-la. Mas não podia. Ainda não tinha chegado o momento.

















Capítulo 32


23h50min. RUA SESSENTA E OITO ESTE

Reed estava ocupado escrevendo umas notas no aparador da cozinha quando chegaram Mitch e Taylor.
Foi rapidamente até a porta, abriu-a e sentiu esse alívio que já começava a achar familiar quando Taylor chegava ao seu apartamento, sã e salva.
— Olá, me conte, como foi voltar ao trabalho?
— De tudo um pouco. Bom e mau. E me sentia como a atração principal em uma galeria de insetos estranhos. Mas, bom, ao menos celebraram uma pequena festa em minha honra.
Taylor tirou o casaco e se virou para Mitch.
— Obrigado, como sempre.
— De nada, como sempre. Descanse um pouco. Eu vou para casa ler algumas notícias sobre Gordon Mallory. Jake fez uma investigação a fundo. Artigos antigos, anúncios, esse tipo de coisas. Quem sabe isso dará uma pista para saber onde estará metido agora… Se ainda está vivo.
— Eu estou revisando o mesmo tipo de literatura, embora o meu vá de explosões em navios e agressões físicas — disse Reed, com gesto de cansaço.
— Conseguiu os registros da polícia? —perguntou Taylor.
— Sim — disse Reed, e assinalou com o polegar para a cozinha — Tenho tudo ali. Hadman mostrou-se muito colaborador, sobre tudo depois que Mitch falou com ele. Ele e Olin insistiram em saber por que queríamos os arquivos, assim tivemos que contar-lhe. Nenhum problema com eles. Não dirão a ninguém. Acreditam que procuramos em um palheiro. Mas são bons policiais.
— Sei que são — conveio Mitch — Em qualquer caso, boa leitura. Amanhã compararemos notas, e veremos quem encontrou o material mais interessante — disse, e se despediu — boa noite.
— Boa noite.
Reed fechou o ferrolho da porta e se virou para olhar ao Taylor.
— Esta noite escutei parte de seu programa. Parecia tão tranqüila e tão serena como…
—… como você quando está em um tribunal — ela interrompeu — É meu trabalho. As pessoas que me ligam contam comigo. Quando estou no ar, tenho que manter a compostura. Isso não significa que… — disse, e não terminou. Deixou-se cair no sofá e esfregou os olhos — Reed sinto muito, estou cansada e não sobrou nenhuma gota de energia. Não era minha intenção responder dessa maneira.
— Não tem que se desculpar. — Reed se sentou a seu lado e massageou os ombros para aliviar a tensão.
— Como foi sua leitura da ata de acusação no Supremo?
— Como esperávamos que fosse — disse ele, dando de ombros. O juiz não suspendeu a fiança. Era só o que Jonathan temia. Eu, por outro lado, quase desejava que a suspendesse.
Taylor se virou e o olhou com surpresa.
— Por quê?
— Por motivos puramente egoístas. Se Jonathan estiver entre as grades, Gordon não pode se passar por ele, porque o descobririam.
— Ah. — Taylor suspirou, esgotada —. Entendo. Mas algo me diz que Gordon é muito esperto para ser apanhado. Se Jonathan estivesse encerrado, Gordon averiguaria de algum jeito e voltaria para os esgotos como o rato que é. — Seguiu uma risada desinteressada — E, como o rato ardiloso que é, voltaria a sair só quando soubesse que está a salvo.
— Nunca estará a salvo — corrigiu Reed, em um tom duro e cheio de convencimento — Não enquanto eu estiver procurando.
Taylor o olhou com um suave sorriso de gratidão.
— Revisou os informes da polícia? Alguma novidade?
— Nada que tenha chamado a atenção. Exceto nenhum dos restos humanos encontrados nas imediações da explosão do iate correspondem a Gordon. Só seu salva-vidas com suas iniciais.
— Pode ser que tenha lançado pela amurada para que parecesse mais convincente.
— Exatamente. Por outro lado, é possível que a força da explosão o lançasse à água e que o corpo ficasse totalmente destroçado. Digamos por hora que a ausência de restos basta para nos pôr sobre aviso. Para a polícia e a acusação, eu diria que, nestas circunstâncias, não é uma alerta que levem em conta. E, certamente, não bastaria para argumentar convincentemente que Gordon está vivo.
— Anda solto por aí, Reed. Sei. Não necessito nenhuma prova. Está me vigiando como uma ave de rapina. Quem sabe quando se lançará ao ataque. Eu não conto com o luxo de ter o tempo a meu favor, como você. Qualquer dia, em qualquer momento, poderia… — Taylor calou desesperançada e frustrada, e terrivelmente envergonhada do que estava insinuando — Sinto muito — disse —, não tinha porque falar disso.
Reed a abraçou e apoiou a cabeça em seu peito.
— Taylor, me escute. Já sei que se sente como se estivesse a ponto de esmorecer. E sei que tem medo. Mas nós dois sabemos que apanhar Gordon não seria fácil. O cara é esperto, meticuloso e está decidido a não deixar-se agarrar. Mas as coisas não acabarão assim. O apanharemos, prometo isso. Enquanto isso, não duvide de minhas prioridades. Você e eu temos exatamente o mesmo programa. Jonathan é meu cliente. Você é… — disse, e tragou com dificuldade — Eu te amo. Você é minha vida agora. Sua vida e sua segurança são as duas coisas mais importantes para mim. Estou trabalhando na hipótese de Gordon vinte e quatro horas por dia. Pedi a Mitch o mesmo. Faço-o por você, não por Jonathan.
— Sei. — Taylor se recostou contra ele — Só quero que tudo isto acabe de uma vez.
— E eu também.
— Há alguma novidade na questão do DNA? —inquiriu Taylor — Esse documento que me falou ontem à noite é tão assombroso.
—Tenho lido algumas coisas sobre o perfil do DNA nos gêmeos — Reed respondeu — Sem entrar em muitos detalhes científicos, intervêm dois termos genéticos. O fenótipo e o genótipo. O genótipo é a conformação de nossos genes… em outras palavras, nosso DNA. O fenótipo é a manifestação externa, nossos traços físicos, o resultado da interação de nossos genes com o ambiente e as condições de desenvolvimento dentro do útero. A segunda parte é a mais relevante. Dado que cada feto interage de maneira diferente com o ambiente, os gêmeos têm genótipos idênticos, mas diferentes fenótipos.
— Mas como, em que traços físicos influi?
— Os traços relevantes em um caso criminal são os traços digitais e a dentadura. Nos gêmeos, são duas características com ligeiras diferenças. Por desgraça, o assassino teve a precaução de não deixar rastros digitais. Mas Adrienne tinha marcas de uma mordida no seio esquerdo. Eu li que existe um caso que estabelece um precedente. O advogado da defesa exigiu a declaração perita de um dentista que apresentou os moldes da dentadura. Impressões em poliestireno e uma exploração dos moldes dos dentes do acusado. Com isso, o tribunal ordenou fazer uma amostra das feridas para comparar. Eram rastros diferentes. Se fosse necessário, poderia tentar essa tática no tribunal. Não é que seja infalível, mas poderia estabelecer uma dúvida razoável. —Taylor esfregou as têmporas — O que me desespera é que isso não basta para conseguir a colaboração de Hadman e Olin no caso de seu perseguidor.
— Isso não dará em nada, a menos que Gordon se deixe ver de alguma maneira — disse Taylor, com voz fraca. Seguiu um longo silencio, como se pensasse em suas próprias palavras — Reed, possivelmente deveríamos nos aproveitar disso.
— Do que? O que quer dizer?
— Obrigar Gordon a mostrar-se à luz do dia.
— E como se propõe fazê-lo?
Reed não gostaria da idéia. Taylor também não gostava. Mas possivelmente seria a solução mais rápida. Sua única solução.
— O aluguel do apartamento novo começa amanhã — explicou — Estou segura de que Gordon sabe. E estou segura de que também sabe para onde me mudarei. Pelo visto, sabe tudo de minha vida. Então, por que não obrigá-lo a que mova a peça? Sem ajuda de ninguém, a não ser da empresa de mudanças. Quando forem embora, ficarei sozinha. Isso poderia dar a Gordon uma oportunidade.
— Esquece — Reed ficou rígido—. Está falando de ser uma isca.
—Se isso fizer Gordon sair de sua toca, estou disposta a me arriscar.
— Eu não. É uma idéia descabida. Estaria se expondo abertamente a um psicopata. Nem pensar. Encontraremos Gordon por meios menos radicais.
— E como faremos? — disse Taylor, com um bufo — Acabo de me dar conta de que em algum momento entre ontem e hoje nós dois deixamos que usar o condicional «se» quando referimos ao Gordon como o tipo que me persegue. Agora nós dois estamos seguros de que é ele, com provas ou sem elas.
— Sim —reconheceu Reed — É verdade.

1 DE MARÇO
01h15min
Tinha chegado o dia D.
O aluguel do novo apartamento tinha começado fazia setenta e cinco minutos.
Olhou em volta do apartamento que logo seria dela, e se perguntou quando se mudaria. Seu apartamento antigo era um caos há vários dias, enquanto preparava a mudança. Enviariam as caixas tal como estava programado. O apartamento antigo ficaria vazio. O que ainda não sabia era quando se apresentaria a ela.
Estava na casa de Reed Weston. Vivia ali desde que tinha retornado da Flórida. Umas semanas antes, aquilo o teria enfurecido de forma insuportável. Imaginá-la com outro homem. Sabendo que estava em sua cama. Já estava furioso quando por se dar conta de que todas as noites desligava o celular para que ele não pudesse ligar. Idéia estúpida. Acaso não sabia que podia entrar em contato com ela quando quisesse?
De qualquer forma, agora já não importava. Seu plano tinha entrado na fase final.
Taylor estava ficando nervosa. Via isso em seus movimentos, em seu desassossego, em sua maneira de mover-se e em seus olhos. Detestava viver como uma prisioneira. Não demoraria sair, embora não mais que por um instante.
Um instante bastaria. E ele estaria esperando.
O tempo se acabava. Que transasse com Reed Weston tudo o que quisesse. Quando morresse, seria ele quem estaria dentro dela, não Weston.
Primeiro contaria tudo. Isso era certo. Tinha que contar a alguém. Seu plano era muito engenhoso, não podia guardar para ele apenas.
Era uma pena que não pudesse compartilhá-lo com os outros imbecis. Sobre tudo com os policiais. A expressão de seus rostos não teria preço.
Desgraçadamente, não tinha por que ser assim. Tinha que seguir adiante, começar sua nova vida. Ai sim é que seria uma vida tão maravilhosa











Capítulo 33


3 DE MARÇO
15h30min. ESCOLA DELLINGER
Taylor saiu tarde do colégio.
Não tinha que olhar para o outro lado da rua para saber que Mitch estava ali. Era consciente de sua presença. Para Mitch, ficar do lado de fora de qualquer edifício onde Taylor estivesse tinha se tornado algo rotineiro.
Taylor subiu a gola do casaco e começou a caminhar.
Uma atrás de outra, começava a ver-se privada de todas as rotinas da sua vida.
Era o primeiro dia de sua volta ao colégio. Tinha sido uma cópia exata de seu primeiro dia de volta a rádio. Olhadas ansiosas de seus colegas. Silêncio ao entrar na sala de professores. Umas palavras de incentivo otimistas, mas incômodas do diretor. E olhadas estranhas, além de conversas sussurradas, dos alunos.
Era como esfregar sal em suas feridas que ainda estavam tão abertas que sangravam. Não era de se admirar. Dellinger era uma escola pequena e muito unida. Quando acontecia algo como um escândalo, as notícias se propagavam como um incêndio descontrolado, por mais que alguns tentassem ocultá-lo. Ainda assim, ela havia esperado que os responsáveis tivessem mitigado os efeitos, e que assim pudesse evitar as conseqüências.
Mas não.
Não era culpa de Mitch colocar lenha na fogueira ao falar com a direção e com alguns professores. Ele só fazia seu trabalho. Mas uma vez que tinha cruzado essa primeira porta sagrada, todo mundo tinha aguçado os ouvidos. E o resto tinha evoluído por inércia.
Com passos rápidos dirigiu-se ao Starbucks. Necessitava desesperadamente de alguns minutos sozinha.
A sós. Dava vontade de rir. Mitch seguiria seus passos. Esperaria cinco minutos e logo entraria e pediria que servissem um café para levar. Depois, se instalaria lá fora e começaria a ler o periódico e a tomar seu café.
Era como ter uma carabina a suas costas.
Abriu a porta e entrou. O lugar era quente e cheirava a café e a confeitaria. Era um lugar agradável. Aproximou-se do balcão, pediu um café descafeinado. Nada de cafeína. Já tinha os nervos à flor da pele.
Sentou-se na barra perto da janela e ficou pensando nas palavras estimulantes do diretor. Parecia um discurso infantil. Mostrou-se muito amável. Mas estava preocupado, e ela percebia. O diretor tinha boas razões para preocupar-se. Dellinger era uma escola privada de elite, uma das mais seletas de Manhattan. Bastaria que alguns pais se inteirassem do que estava acontecendo para que fizessem alarde e começassem a exercer uma pressão horrível sobre a junta diretiva. Taylor viraria uma «indesejável», um perigo para sua querida descendência. Uma descendência que muitos pais nem sequer sabiam que existia, exceto em momentos como esse, pensou amargamente.
Mas a pressão econômica era a pressão econômica, sobre tudo quando era exercida por gente poderosa. Se não detinham seu perseguidor, e não o detivesse logo, era muito possível que perdesse seu emprego no final do ano escolar.
Deixou sua xícara vazia com um golpe seco. Estava sufocando. Precisava sair e tomar um ar.
E custasse o que custasse, já estava decidido.

15h45min. STARNUCKS
LEXINGTON AVENUE E RUA SETENTA E OITO, Nova Iorque.

— Ouça Mitch, não quero discutir. — Taylor tinha se aproximado assim que este pagou seu café e agora transmitia sua mensagem em tom inflexível — Não quero pedir que vá correr sozinho pelo Central Park. De fato, não estou pedindo nada. Estou ordenando sim. E, embora não queira ser grosseira, tenho todo o direito. Eu sou quem pago.
Parou e respirou fundo.
— Vou passar por meu apartamento novo, subir pelo elevador, entrar como uma pessoa normal e vou ver o lugar onde muito em breve, em alguns dias, estarei vivendo.
Quero ver onde deixaram minhas caixas da mudança, se tiverem colocaram minha cama à janela como pedi, se tiveram tomado cuidado com minhas plantas ou se as abandonaram na cozinha. Maldição, Mitch, preciso me comportar como uma pessoa normal, como um novo inquilino normal, embora não seja mais que meia hora.
— De acordo — disse ele, sem alterar subirei contigo.
— Não, não subirá — disse Taylor, tratando de baixar a voz — Você não entende? Só vi meu porteiro uma vez. Chama-se Ed. Quero voltar a falar com meu porteiro sem ter um investigador particular nas minhas costas.
— Pensará que sou seu namorado.
— Não quero que acreditem que é meu namorado. Não quero que acreditem que é nada meu. E não quero dar explicações falsas. Só quero ser eu mesma. Por favor, Mitch, não me contradiga. Estou que não aguento mais. Necessito uma pausa de uns minutos, embora seja uns minutos, nada mais, para ver algo real em meu futuro. Trinta minutos. Não demorarei mais. Pode vigiar o edifício do outro lado da rua. Ninguém o faz melhor que você.
Mitch encolheu de ombros.
— De acordo. Você disse que manda. Mas saiba que eu não gosto. E tampouco acredito que Reed gostaria.
— Já ouvi. Chamarei assim que entrar no apartamento e veja que não há perigo. Se não disser nada a cabo de cinco minutos, pode chamar a todos os policias de Nova Iorque.
— Muito divertido. Venha, sobe e acabemos com isto.

16h12min. RUA SETENTA E QUATRO OESTE, Nova Iorque
Por fim. Taylor Halstead, em carne e osso.
Levantou-se, olhando como se aproximava do edifício.
Uma vez mais, tinha acertado. Estava totalmente seguro de que viria. Teve essa certeza que viria que uma dúzia de vezes nos últimos três dias. Tinha jogado tudo por esse momento. Não podiam vê-lo. E não tinha que responder a perguntas sobre sua ausência. Entretanto, o mais importante era que não podia deixá-la escapar. Tinha que aproveitar a oportunidade agora que se apresentava. E por fim, aqui a tinha. Como sempre, sua tenacidade tinha dado seus frutos.
Ela parou em frente ao edifício. Também parou seu fiel detetive, observou, com uma careta. Um Kevin Costner qualquer. Pois agora o senhor Guarda-costas ia ter uma oportunidade para demonstrar quão bom era.
Ligou seu celular e preparou seu gravador digital com a gravação de retalhos de conversas anteriores que tinha juntado. Aqui vai, disse, e discou o número de Jonathan.

16h14min
RUA OITENTA E SEIS ESTE

Jonathan atendeu seu celular.
— Sou Taylor. — A voz soava apagada, distorcida pela estática do aparelho — Estou com Reed. Temos que vê-lo imediatamente. Venha ao meu apartamento novo. O número é cento vinte e três, da Rua Setenta e quatro oeste. Ande depressa. Esta pode ser nossa oportunidade.

16h16min
RUA SETENTA E QUATRO OESTE
Taylor colocou a chave e entrou no apartamento novo.
Havia um forte aroma de pintura, mas o piso estava em melhor estado do que havia imaginado. E no chão havia um montão de caixas. Em qualquer caso, os móveis estavam em seu lugar, até a mesa do computador e o PC, instalados na sala de estar, como ela tinha pedido. O único objeto importante que faltava por instalar era o telefone. Ela mesma o solucionaria muito em breve.
Andou pela cozinha, no dormitório e no banheiro. Nenhum intruso. Abriu seu celular e chamou Mitch.
— Está tudo bem — informou — Só estou me familiarizando com o apartamento. Descerei daqui a pouco.
— Vinte e sete minutos — recordou Mitch.
— Certo — disse ela, e desligou.
Os quartos eram espaçosos e luminosos, tal como se recordava. A cama estava colocada contra a parede mais larga junto à janela, como tinha pedido. Sorrindo, voltou para a sala de estar e caiu no sofá. Um ambiente desconhecido misturado com objetos que eram familiares. Sentia-se mais cômoda que em seu antigo apartamento.
Voltou seu olhar ao computador. Estava desligado e silencioso, e sem conectar. Ficou olhando por um momento, com uma sensação crescente de poder. Decidiu que conseguiria outro endereço eletrônico para celebrar sua mudança. Já era hora. Outro nome de usuário. E um provedor diferente. Gordon já não poderia intimidá-la mais.
Pensou em conectar o computador, como uma espécie de gesto simbólico. Mas decidiu que não. Esperaria até que instalasse o estabilizador.
Procurava algum pretexto? Possivelmente, um pouco. Para que enganar-se? O computador ainda a deixava com os cabelos em pé. Não o tinha usado desde Ano Novo, quando tinha chegado a última mensagem eletrônica. Desde então, tinha trabalhado com seu laptop. E desde que tinha eliminado seu email, os únicos emails que recebia eram os que consultava da escola Dellinger ou da rádio.
Essa situação ia mudar. Agora sabia que Gordon estava vivo, também sabia que seus medos eram irracionais. E se ele queria aterrorizá-la por emails, teria que reenviar seus postais para outro endereço. Salvo que agora ele se fazia de morto.
Taylor apertou os lábios. Não importava. Não ia deixar que lhe desse medo uma máquina nem algo que esta lhe transmitisse. De maneira que iria consultando o correio enquanto abria as caixas, com a esperança de que não houvesse postais na caixa de entrada. Não podia ter postais. Salvo se Gordon queria expor-se para que todos soubessem que estava vivo. Portanto, se ele mandou algo, isso estaria por aí, flutuando no ciberespaço, e nunca chegaria a seu destino. Mas tampouco lhe importava. Sua estratégia era chegar a ela em pessoa.

16h20min
WESTON E ASSOCIADOS, ADVOGADOS
Reed andava de um lado a outro por seu escritório, repassando mentalmente os arquivos, informe e retalhos de informações que tinha lido com o passar do fim de semana. Mitch tinha dado cópias dos artigos que ele e Jake tinham encontrado. Anúncios dos êxitos de Gordon. Investimentos importantes que tinha feito em nome de seus clientes, todas com enormes benefícios. Grandes festas que tinha comparecido, sempre com uma ruiva pelo braço. A aquele tipo parecia ser o centro de sua atenção, quase tanto como o fascinava a boa vida.
Maldição, nada tinha sentido. Gordon queria vingar-se. De acordo, e por isso havia matado Adrienne e Douglas para consegui-lo. O que pensava em fazer com Taylor continuava sendo uma incógnita, mas depois disso… o que? Começaria de novo, e não como um batalhador qualquer. Seu ego não o permitiria. Seguro que teria pensado em abandonar o país. E viver do que? Levava seis meses vivendo por seus próprios meios. Teria gasto a maior parte de suas economias, por mais dinheiro que tivesse acumulado com seus desfalques. Gordon era um hedonista e um megalomaníaco. Tinha idealizado e levado a cabo um plano muito elaborado. Era impossível que a única coisa que tivesse na cabeça fosse vingar-se. Seu ego era muito grande, seu estilo de vida muito extravagante. Faltava algo.
A herança de Douglas.
Por muitas voltas que desse, Reed voltava sempre para o mesmo ponto. Se Gordon conseguisse que Jonathan fosse condenado por assassinato e ele se apoderasse da herança de seu pai… Mas como? O bode estava em um beco sem saída, olhasse-se por onde se olhasse. Para reclamar sua herança, Gordon teria que sair de seu esconderijo e anunciar que estava vivo. Mas então o deteriam por uma lista de delitos tão comprometedores que não voltaria a ver a luz do dia. Jonathan se converteria no único beneficiário e Gordon apodreceria. Então, qual era seu plano?
Reed decidiu que tinha chegado o momento de seguir outra pista, por incerta que parecesse. Agarrou o telefone e marcou o número de seu antigo escritório.
— Harter, Randolph & Collins — respondeu a recepcionista.
— O senhor Randolph, por favor.
— Um momento — disse uma voz, e passou a chamada. Respondeu a secretária de Randolph.
— Escritório do senhor Randolph.
— Olá, senhora Posner. Sou Reed Weston. Posso falar com o senhor Randolph?
— Boa tarde, senhor Weston. Espere um momento. — A secretária deixou a chamada em espera e voltou a falar ao cabo de um momento — Passarei a chamada.
— Obrigado.
Dois toques depois, respondeu Horace Randolph.
— Reed, no que posso ajudar?
— Horace — disse Reed, sem preâmbulos — sei que toda esta situação é um pouco anormal. Mas preciso confirmar algo em relação com as propriedades dos Berkley, dado que tem a ver com o caso do Jonathan. Não quero comprometer. O único que quero te pedir é uma pequena elucidação sobre algo que já falamos. Não perguntaria isso se não tivesse estado no escritório quando Douglas redigiu seu testamento. — Seguiu um silêncio pesado — E se não pensasse que a informação pode ser de vital importância.
— De acordo — disse Horace, e pigarreou — Farei o que puder. O que é o que quer saber? —A irmã de Douglas, a que morreu… Sua filha seria a próxima, e a última, na linha de sucessão de herdeiros se Jonathan fosse declarado culpado.
— Assim é.
— Entendo que Douglas não tinha visto nem falado com sua sobrinha desde que era menina, pelo qual ela não deve ter nem idéia de que herdaria. Entretanto, é sua única parente viva.
— Possivelmente, disse, para si mesmo—. Enfim, perguntava-me se teria alguma objeção a que eu fale com ela.
Silêncio.
— Isso depende — respondeu Horace, precavido — Segundo o que queira lhe dizer.
— Nada a propósito dos termos do testamento. Nada a respeito de Douglas nem Adrienne. Só quero lhe fazer umas perguntas em relação a meu cliente. — Ou com seu irmão Gêmeo — É possível que tenha estado em contato com Jonathan ao longo dos anos. Se pudesse captar algo mais sobre sua personalidade, ou sua relação com a família, poderia nos servir. É só uma especulação. Mas é tudo o que tenho neste momento para afiançar meu caso.
— Se for por isso que quer fazer contato com ela, não necessita minha autorização. Não há conflito de interesses. Suas perguntas são relevantes só para a defesa do Jonathan Mallory, não para a herança dos Berkley.
—Estou de acordo. Não chamava para pedir autorização, embora sim tinha a intenção de cumprir a cortesia de avisar. Chamava para pedir seu nome e endereço. E seu telefone, se o tiver.
— E por que não o pede ao Jonathan?
— Porque se encontra bastante deprimido. Não quero lhe dar falsas esperanças. Mas não se sente cômodo compartilhando essa informação comigo, perguntarei a ele.
— Não será necessário. Eu não vejo nenhum problema. O testamento é uma questão de domínio público — asseverou Horace, enquanto procurava entre seus arquivos e achava o que procurava — Aqui está — disse, folheando o testamento — O sobrenome de casada da irmã de Douglas era Elmond. Roberta Elmond. Sua filha se chama Alison. Não temos informação de que se casou, de modo que suponho que ainda se chamará Alison Elmond. Vive na Rua Houston Oeste, em Greenwich Village. Mas não tenho seu telefone à mão.
—Já o conseguirei — respondeu Reed rapidamente —. Obrigado, Horace, devo-te uma.
Seguiu uma pausa.
— De verdade crê que Jonathan é inocente?
— Sim, acredito.
—Se estiver certo, sua pequena empresa estará repleta de clientes daqui a um mês. Nem sequer necessitará nossas referências.
Reed não respondeu. Certamente, o comentário o incomodava. Mas não sentia saudades. Horace nunca entenderia que seu objetivo era conseguir a liberdade de um homem inocente, não ficar famoso e, com isso, atrair a mais clientes dos altos escalões. Também era verdade que essa ênfase nas horas cobradas acima de qualquer outra coisa era o motivo pelo que Reed tinha deixado Harter, Randolph & Collins.
— Manterei-o informado — assegurou a seu antigo chefe.
Ligou para o 102, de informação.
Dois minutos mais tarde, tinha o número de telefone de Alison Elmond e já estava ligando. Soou o telefone e respondeu uma gravação "você ligou para 212555-8664. Por favor deixe sua mensagem depois de ouvir o sinal." Deixou um recado breve, esperando que suscitasse suficiente curiosidade para que devolvessem a chamada em seguida.
— Senhorita Elmond. Meu nome é Reed Weston. Sou advogado. Queria fazer umas algumas perguntas em relação aos homicídios dos Berkley. Agradeceria-lhe que me chamasse o quanto antes. Não roubarei seu tempo. Obrigado. —Deixou o número de seu celular e desligou.
Terei que esperar. Uma vez mais.

16h35min
RUA SETENTA E QUATRO OESTE

Jonathan saltou do táxi e se dirigiu a toda pressa para o edifício de apartamentos. Não conseguia imaginar o que teriam encontrado Reed e Taylor. Mas esperava que fosse a chave de sua liberdade.
Assim que pisou no primeiro degrau da escada, um cara estranho o agarrou por trás e o arrastou para o lado.
— Que diabos está fazendo? — perguntou Jonathan.
— Você fica aqui. — O tipo o empurrou contra um lado do edifício e o sujeitou pela camisa com dois punhos de ferro — A quem vai ver senhor Mallory?
— Isso não é assunto dele. E como sabe meu nome?
— Estive-o esperando. Que coincidência que aparecesse agora.
— Do que está falando? Pediram-me que viesse. E repito, quem é você?
— Acredito que já sabe. Mas, de acordo, o confirmarei. Meu nome é Mitch Garvey. Sou Detetive particular e me contrataram para proteger à senhorita Halstead.
Jonathan sacudiu a cabeça, confuso.
— Por que me parou, então? Sabe muito bem que não sou eu quem a persegue.
— Ah, sim?
— Sim, ela deve ter dito que está me ajudando.
— Ajudando? —Mitch arqueou as sobrancelhas.
— Sim. — Jonathan tentou escapar novamente — Tenho que subir.
— Mas como, por quê?
— Porque tenho que vê-la. Por que… —Jonathan tentou empurra-lo — Não tenho por que lhe dar explicações!
— Perdão. — Era Ed, o porteiro, que tinha saído. Também era um tipo de costas largas, grande, e não parecia absolutamente intimidado pela desordem que se armou. Tinha cara de poucos amigos — Não sei que problema têm, mas não quero que briguem aqui. Se não saírem, terei que chamar à polícia.
Tudo corria dentro do esperado. O porteiro tinha ouvido a animação no exterior. E, como bom vigilante de um edifício de prestígio, tinha intervindo. Tal como tinha previsto. Genial. Aproximou-se pouco a pouco da entrada. Era muito cedo para que os empregados de escritório invadissem a rua a caminho de casa. O edifício estava tranquilo. Assim era como ele queria. Só necessitava de um inquilino… só um.
E ali estava.
Uma mulher de idade média saiu do edifício. Ele a viu baixar a escada e passar sem notá-lo. Olhou rapidamente para a porta de vidro do interior, que agora se fechava lentamente.
Não esperou. Era sua oportunidade.
Caminhou em direção à entrada. Colocou o pé na pequena abertura da porta que não tinha acabado de fechar-se. Atirou-se nela e deslizou no interior.
Quarenta e cinco segundos. Um tempo recorde.
Foi para a escada ao invés de pegar o elevador.
— Pode ser que chamar a polícia não seja má idéia — acabava de dizer Mitch ao Ed — Mas isto não é um problema. É um delito em potencial. — Apoiou seu peso contra Jonathan para lhe impedir que se movesse. Procurou em seu bolso e tirou sua licença de detetive particular para mostrar ao porteiro — Trabalho para a senhorita Halstead. Este homem queria subir até seu apartamento. Acredito que é um homem perigoso.
—Não sou perigoso! — exclamou Jonathan, e voltou a retorcer-se para que Mitch o soltasse — Taylor me chamou. Disse-me que encontrou algo e que ela e Reed tinham urgência em me falar. Deu-me este endereço.
Mitch o olhou com incredulidade. Não ficou impressionado com o pretexto. Era um argumento débil e facilmente comprovável. Então, por que Mallory usaria isso? E esses pobres intentos para liberar-se. Eram patéticos. Se esse tipo sabia de artes marciais para quebrar o pescoço de alguém, pensou Mitch, então ele era o Dalai Lama.
Algo não encaixava.
—Mostre sua carteira de motorista —ordenou.
Jonathan deixou de resistir.
— Por quê? Você sabe quem sou.
— Disse para me mostrar sua carteira de motorista.
Visivelmente irritado, Jonathan procurou em seu bolso e tirou a carteira.
— Aqui — disse, pondo-a diante do nariz de Mitch — Contente?
Mitch o olhou com expressão turvada.
— Na verdade, não — disse, e revistou Jonathan rapidamente. Depois de convencer-se de que não estava armado, soltou-o — Diga seu número da segurança social, de cor — pediu, e seguiu bloqueando o passo.
— Ficou louco?
— Responda.
— De acordo, resmungou Jonathan, e passou o número de oito dígitos.
Aborrecido, Mitch soltou um grunhido e se virou para o porteiro.
— Está bem. Identidade equivocada. Sinto muito.
Ed lançou aos dois um olhar cheio de irritação.
— Se voltar a ter confusão, chamo à polícia.
— Faça o que tiver de fazer.
O porteiro retornou a seu lugar.
Mitch voltou a sujeitar Jonathan pelo braço quando este tinha dado o primeiro passo para a entrada.
— Espere.
Jonathan ficou olhando.
— E ainda não me quer soltar! Ouça Garvey, não sei por que está jogando…
— Não é um jogo — disse Mitch, e descartou seu protesto com um gesto — Mas você não vai subir. Taylor não o chamou. Reed não está aí com ela. Assim me fale sobre essa suposta chamada que acaba de receber.
Taylor acabou de regar sua planta preferida, deixando-a no batente da janela onde receberia a quantidade de luz necessária. Afastou-se uns passos e olhou seu relógio. Faltavam cinco minutos. Melhor não tentar a sorte, ou Mitch ficaria furioso. Com um último olhar a seu redor, recolheu sua bolsa, guardou o celular dentro dela e se dirigiu à entrada. Estava a ponto de fechá-la quando sentiu a presença de alguém. Virou-se rapidamente, deixando escapar um grito apagado e soltou as chaves. Ele se inclinou, as recolheu e entregou.
— Olá, Taylor — disse, e sorriu.




































Capítulo 34


16h43min. RUA SETENTA E QUATRO OESTE

—Merda. — Mitch discou a tecla para desligar em seu celular — Não responde. Vou subir.
Passou correndo junto ao Ed, preparando-se para desencapar sua arma.
— Deixe-me subir. Já — avisou, e tirou sua pistola.
— Terei que notificar à…
— Chame o inspetor Hadman da Décima Nona Delegacia de polícia — ordenou Mitch — Conte o que está havendo. Agora, abra essa maldita porta.
O porteiro obedeceu.
Mitch subiu correndo pela escada, sustentando a pistola em alto quando chegou ao apartamento de Taylor e viu que a porta estava entreaberta. Abriu-a com um empurrão.
— Taylor! — exclamou, e sua voz se perdeu pelo piso vazio. Com a pistola em alto, avançou chamando-a, olhando em cada quarto. Estavam todos vazios.
— Merda — voltou a resmungar — Esse bode filho de puta.
— Quem? — perguntou Jonathan que o tinha seguido — Que merda está acontecendo? Mitch não perdeu tempo para explicações. Passou junto a Jonathan ao corredor exterior, se agachou ao cruzar a porta e olhou a seu redor para confirmar que seu olfato não o havia enganado. Encontrou o que procurava e passou os dedos por uma mancha de umidade no tapete, e o cheirou. Era esse aroma frutado que era familiar.
— Maldição — disse com voz rouca, furioso consigo mesmo por haver-se deixado enganar — Clorofórmio. — Agarrou seu celular e chamou à Delegacia de polícia para reiterar a mensagem que Ed acabava de dar. Por sorte, Hadman tinha reagido e já estava a caminho com o Olin. Sem perder nem um segundo mais, Mitch discou o número do celular de Reed.

16h53min. WESTON E ASSOCIADOS, ADVOGADOS
Reed agarrou o telefone quando o ouviu tocar. Com sorte seria Alison Elmond, que retornava a chamada.
— Alô?
— Sou eu, Mitch.
O tom grave do investigador alertou imediatamente ao Reed.
— O que aconteceu?
—Taylor desapareceu. Acredito que ele a raptou.
— O que? — Reed se levantou de repente — Como diabos aconteceu isso?
—Tem que vir agora mesmo, ao seu novo apartamento. Explicarei isso assim que chegar. Hadman e Olin já estão em caminho. — Seguiu uma pausa — Jonathan Mallory está comigo.
— Vou em seguida. — Sem deixar de falar, Reed saiu voando do escritório.

17h25min

Começou a correr, empurrando os pedestres para o lado em sua corrida. Nenhum carro, táxi ou metrô poderia levá-lo mais rápido.
Chegou ao mesmo tempo em que Hadman e Olin, quase sem fôlego. O sedan dos policiais se deteve com uma brecada. Estacionaram na zona proibida, saltaram do carro e seguiram Reed.
Irromperam na cena todos juntos. Olin ficou no vestíbulo para interrogar Ed. Hadman e Reed tomaram o elevador até o apartamento de Taylor.
— Venha, conte o que aconteceu — ordenou Reed a Mitch assim que cruzou a porta. Rapidamente, o detetive os pôs a par do caso e acabou com a chegada de Jonathan.
— Mallory. Como encaixa você em tudo isto? — inquiriu Hadman, olhando Jonathan.
— Fale sobre o telefonema —ordenou Mitch.
Apesar de estar ainda totalmente confuso, Jonathan obedeceu.
— Está seguro de que era a voz de Taylor? —exigiu-lhe Reed.
— Sim.
— Mas é evidente que não foi ela quem discou o número — disse Mitch — E isso significa que alguém teve o trabalho de gravar sua voz e juntar as frases exatas.
— A pessoa que me quer culpar. — Jonathan esfregou a nuca — Queria que parecesse que eu tinha vindo para prejudicá-la.
— E não só isso — murmurou Mitch — Queria provocar uma distração. E conseguiu. Enquanto o porteiro e eu discutíamos, ele entrou edifício e subiu ao andar de Taylor. A porta estava entreaberta. O vestíbulo cheirava a clorofórmio. Depois de chamar Reed, fiz a volta no edifício e comprovei a entrada de serviço. Como choveu na primeira hora da tarde, estava tudo encharcado. Esperava encontrar algum sinal, como marcas de pneu ou rastros. Vi as duas coisas. Há um rastro de pneus descendo pela rampa até a porta lateral. Também há rastros de passos de uma pessoa que vão da porta até as marcas de pneu. Rastros de uma pessoa. Minha conjetura é que Taylor estava inconsciente e que a levou nos braços até o carro.
— Jesus. — Reed sentiu a bílis subindo pela garganta — Gordon a tem. Vai fazer o mesmo que fez antes. Primeiro Adrienne. Agora Taylor.
— Gordon?! — exclamou Jonathan, estupefato — Quer dizer, meu irmão?
— Sim. — Mitch respondeu por Reed, que não estava em condições de dar explicações — Referimos a ele.
Olin entrou apressado.
— Tenho testemunhas que viram sair um carro prateado a toda velocidade faz trinta minutos. Não sabem a marca nem o modelo. Tampouco a placa. Pelo visto, o veículo esteve a ponto de provocar dois acidentes em dois cruzamentos distintos. Dirigia-se para o sul pelo centro. O condutor queria sair de Manhattan a toda pressa. Há muitos carros prateados circulando pela cidade, assim deve tê-lo escolhido por isso. Demos o alerta para outros distritos. Avisarão aos carros de patrulha.
— Esperemos que alguém nos dê uma pista. — Hadman se voltou para Mitch — Venha, vamos ao ponto: Entreguem esses arquivos ao Weston. Sei o que estavam procurando. Assim, me diga, têm provas suficientes de que Gordon Mallory está vivo?
— Teremos assim que encontrarmos Taylor.
— Isso não é uma resposta.
— É a única resposta que temos no momento, Hadman. — Reed replicou em tom grave — E terá que servir. Estou convencido de que Gordon está vivo. Mas embora me equivoque agora mesmo Taylor está nas mãos desse psicopata.
Reed se virou rapidamente para encarar seu cliente, que tinha se jogado em uma cadeira com o rosto pálido.
— Jonathan — disse, e o agarrou pelos braços — sei que tem uma confusão só na cabeça, mas tem que pensar. Para onde Gordon levaria Taylor?
Jonathan levantou o olhar para cravá-lo em Reed com uma expressão ausente.
— Por que não me disse isso?
— Pensávamos contar isso assim que tivéssemos provas contundentes. Estávamos perto. Mas agora tudo mudou.
— Nós? — repetiu Jonathan—. Taylor sabe?
— Sim. Estava elaborando um perfil forense sobre Gordon, apoiado em sua personalidade e no que teve que viver quando era um adolescente.
— Meu Deus. Gordon odiava Adrienne. —Jonathan engoliu com força —. Então, não morreu na explosão do navio?
— Acreditamos que não. Agora responde a minha pergunta. Aonde poderia ter levado Taylor?
Era inútil. Jonathan seguia com o olhar ausente enquanto tentava processar a magnitude do que estava descobrindo.
— Ele e eu temos um DNA idêntico?
Reed queria sacudi-lo para que falasse. Mas primeiro tinha que conseguir que saísse de seu estado de choque.
— Sim. E também tem os motivos, os meios e o acesso. Jonathan me escute. Você logo saberá de tudo com detalhes. Mas agora estamos lutando contra o relógio. Taylor tentava ajudá-lo. Agora é a sua vez de ajudá-la. Por favor.
Isso funcionou.
Jonathan elevou a cabeça e Reed viu como se limpava a bruma em seus olhos.
—De acordo, de acordo. — secou as gotas de suor da fronte — Não conheço muito melhor que você os hábitos de Gordon. Sei que a maioria dos lugares onde gostava de ir eram muito pretensiosos, muito… ostentosos. Seguro que não a levaria ali. Seu apartamento foi vendido, assim ali não pode ser. —Um olhar cheio de perplexidade — E onde esteve vivendo todo este tempo?
— Boa pergunta — murmurou Reed.
— Se ninguém sabe, então será para onde ele levará Taylor.
— Perdoem-me por interromper — interrompeu Hadman — Mas sua teoria não se justifica. Em primeiro lugar, eu não me acredito que alguém pudesse sobreviver à explosão do navio. Mas embora me equivoque, Gordon era um tipo chamativo, extravagante. É impossível que esteja vivendo em algum cubículo só para encarregar-se dos Berkley, perseguir Taylor e culpar seu irmão.
— Não sabe quanto odiava a Adrienne, nem o quanto que ele estava maluco — replicou Jonathan amargamente.
— Estou seguro de que era um porco. Mas também era inteligente. Preparou meticulosamente seu plano. Sabia que chutaríamos seu traseiro se o encontrássemos. Tinha duas opções. Viver na clandestinidade ou conseguir uma carteira de identidade e passaporte falsos para abandonar o país. Como teria previsto manter seu estilo de vida? Dando uma de gigolô? Não acredito. Já disse, ele gostava muito de uma boa vida. — Hadman arqueou as sobrancelhas — A menos que saiba algo que nós não… como a existência de uma conta na Suíça?
Reed deu de ombros.
—Estou seguro de que tinha contas secretas. Mas embora tivesse tudo previsto a nível econômico, seria a curto prazo. A quantidade que conseguiu extorquindo seus clientes não bastava para ter a vida resolvida, nem de longe. Quer saber a minha opinião? Acredito que Gordon se propõe a apropriar-se do patrimônio de Douglas. Por isso quer culpar a Jonathan. Quanto a como conseguirá reclamar a herança quando se supõe que está morto, tem que haver algo que não estamos vendo…
Interrompeu-o uma chamada em seu celular.
— Possivelmente seja Taylor. Possivelmente encontrou uma maneira de ligar. — Reed apertou o Botão — Alô?
Houve uma pausa longa.
— Senhor Weston?
— Sim? Quem é?
— Sou Alison Elmond. Deixou-me uma mensagem. Algo que tem a ver com o assassinato de meu tio.
— Ah, sim… senhorita Elmond. Obrigado por me retornar a chamada. — Reed esfregou as têmporas fazendo um esforço para reorganizar as perguntas que tinha preparado com o fim de conseguir informações sobre Gordon. Só que agora teria que expor-lhe com um objetivo mais urgente e imediato. Encontrar Taylor. Seu silêncio prolongado deixou-a nervosa, porque soltou uma risada incômoda e começou a falar.
— Na verdade, já não me chamo senhorita Elmond. Casei-me na semana passada.
— Felicidades. — Reed respondeu automaticamente —. Desculpe o engano, senhora…?
— Kincaid — disse com o orgulho indiscutível de uma recém casada — Senhora de Dennis Kincaid.De repente Reed sentiu que o mundo parou.
— Dennis Kincaid? Eu conheço um Dennis Kincaid que é o técnico de som da WVNY. É seu marido?
— Sim, claro.
— Eu saio com o Taylor Halstead.
— O mundo é um pequeno. — Alison soltou outra risada estranha —. Dennis fala constantemente da senhorita Halstead. Ela significa muitíssimo para ele. Ficou muito contente em poder trabalhar com ela. Embora o que aconteceu com o pobre Rick Shore tenha afetado-o muito. Que tragédia mais espantosa. Dennis ficou muito mal.
— Com certeza que sim. — Reed tinha que conseguir que seguisse falando do tema. A casualidade era muito estranha para ser só um golpe de sorte — A morte do Rick foi um golpe para todos os da WVNY. São um grupo muito unido.
— Sei. E Dennis sentia um vínculo especial com Rick. Ensinou-lhe tanto. Não posso dizer o quanto estava agradecido a ele. E não só a Rick. Também com Jack Taft, o diretor de programas. O senhor Taft deu a oportunidade a Dennis de ficar encarregado do som do programa da senhorita Halstead.
— Disseram-me que Dennis é um perito em seu trabalho.
— Quem disse isso foi a senhorita Halstead? — perguntou Alison, iludida.
Reed deixou-se guiar por seu instinto.
— Diz isso sempre. Sente-se muito afortunada de ter uma equipe tão competente.
— É Dennis o que se sente afortunado. Sempre me diz quão inteligente é Kevin Hodges. Mas sobre tudo, fala da senhorita Halstead. Diz que é estupenda, conta-me com está fascinado com sua habilidade para tratar com as pessoas. Diz que aprende algo novo com ela todos os dias. Quando está no ar e ele trabalha na mesa de mixagem, diz que a vigia através do vidro de separação. Diz que vigiando-a, pode absorver parte de sua energia. Diria que é seu admirador mais entusiasta.
Vigia-a através do vidro de separação… a vigia… a vigia…
A frase golpeou Reed como um soco.
O que havia dito Mitch sobre a chamada que acabava de receber Jonathan? Dizia que alguém tinha feito uma sequência de áudio com a voz de Taylor. A pessoa que chamou havia gravado sua voz juntado as frases.
Kincaid não teria muito trabalho para fazer essa sequência de áudio estando no estúdio. De fato, teria acesso às cópias de todos seus programas. E juntar as frases que precisava seria fácil, se quem tinha ligado era um técnico de som experiente.
O técnico de som de Taylor.
Reed sentiu que o estômago embrulhava. Meu Deus. Seria possível?
— Senhor Weston? — aventurou Alison — Continua aí?
— Sim. Sinto muito. —Reed fez um esforço para concentrar-se. Tinha que seguir o resto — Senhora Kincaid, se não se importar que eu pergunte, quanto tempo faz que estavam comprometidos Dennis e você?
— Não passamos por nenhum compromisso matrimonial. Casamos apenas. Foi tudo muito espontâneo. Dennis apareceu em casa uma noite na semana passada, todo animado e disse-me: "Vamos nos casar". E assim fizemos.
Animado? Mas bem frustrado, e com pressa para atar um nó legal fundamental. Outra peça que encaixava.
— Que romântico — Reed se esforçava em manter a voz firme — Dennis é sempre tão espontâneo? Quero dizer que já faz um tempo que se conhecem.
— A verdade é que não. Conhecemo-nos o dia de Ação de Graças. Combinamos em seguida, desde o começo. Eu tenho uma loja de cerâmica no Village. Dennis entrou para comprar um presente. O resto, como dizem, é história. — Alison guardou silêncio, como se de repente se desse conta de que as perguntas de Reed tinham dado um giro estranho — Acredito que nos desviamos que tema. Você queria falar comigo dos assassinatos de meu tio e de sua mulher. Fiquei muito mal quando vi as notícias na televisão. Mas não estou segura de que possa lhe ajudar em grande coisa. Não vi meu tio Douglas desde que era menina. Minha mãe era artista, algo assim como a ovelha negra da família, uma boêmia para os Berkley. Assim não estávamos em contato.
— Estava em contato com Gordon ou com Jonathan Mallory?
— Não. Sinto muito.
— Não se preocupe. É só que estou investigando todas as pistas possíveis. — Reed apertou a mandíbula várias vezes. Tinha que voltar para tema Dennis. Sabia que ela ficou receosa com suas perguntas pessoais. Não importava. Tinha que insistir. Não podia obrigá-la a falar, a menos que contasse com uma ordem judicial. E para uma ordem judicial precisaria de provas, e ele não as tinha. Tampouco sobrava tempo para obte-las. E menos agora que a vida de Taylor estava em perigo.
Tinha que andar com cuidado.
— Antes que desliguemos, Dennis estará na WVNY esta noite?
Tal como tinha previsto Reed, ela ficou à defensiva em seguida.
— Por quê?
— Porque eu gostaria de enviar uma garrafa de alguma bebida como felicitação pelo casamento — respondeu Reed brandamente—. O que vocês gostariam de beber?
Em seguida se notou que Alison baixou a guarda.
— Que amável de sua parte. Gosta de uísque. Mas não irá trabalhar esta noite. Tinha previsto fazê-lo, já que oficialmente terminou nossa lua de mel. Mas no último momento pediu ao senhor Taft a noite livre. Disse-me que tinha que fazer algo pessoal e importante. — Uma risada tímida — mostrou-se muito misterioso. Tudo o que disse é que não o esperasse esta noite porque não tinha nem idéia da que horas chegaria. Disse que estava preparando uma surpresa e arrumaríamos nosso futuro. — Era patético escutar sua voz cheia de ilusão. Ao pensar na "surpresa" que na realidade preparava Dennis, Reed teve vontade de vomitar.
— Pode ser que esteja procurando uma casinha no norte do estado, possivelmente no condado de Dutchess — acrescentou ela, pensativa.
O coração de Reed tombou.
— Por quê? Querem se mudar para lá?
— Eu quero. Dennis não. Ele prefere procurar algo mais perto da cidade. Mas as casas nos subúrbios custam uma fortuna. E nós não podemos pagar algo tão caro. Queremos uma casa própria. Sobre tudo Dennis, que viveu em chiqueiros, como diz ele, desde que se mudou para a cidade. Eram tão horríveis que nem sequer me deixava ir vê-lo. Agora vivemos em meu apartamento, mas é muito pequeno, assim uma bonita cabana no norte do estado valeria para começar. Talvez esteja pensando nisso, para me fazer uma surpresa. — De repente, a voz de Alison ficou apreensiva — Já sei que fica longe, mas diga à senhorita Halstead que não se preocupe. Dennis pegará o trem, e não importa que seja tarde para chegar do trabalho.
Não será necessário, pensou Reed. Não depois do que tem pensado fazer.
— Com certeza que sim — disse, perseguindo o tema do transporte com a esperança de escutar as palavras mágicas, quer dizer, "carro prateado"—. Mas já que você trabalha no Village, possivelmente poderiam vir juntos de carro no lugar de tomar o trem.
— Isso seria maravilhoso, se tivéssemos um carro. Mas não. Ainda não. Estamos economizando para comprar um Vale.
Lógico que o carro era alugado. Evidente. Quanto a economizar para comprar um, Alison esperavam grandes surpresas. Ela estaria economizando. Mas quanto a Dennis, tinha seu plano de pensões perfeitamente desenhado.
— Na verdade, senhor Weston, acredito que Dennis não quer comprar o carro. Tem um pouco de medo de conduzir depois do acidente que teve.
Isso sim que era um giro inesperado.
Reed se lançou sobre o tema como um leão sobre sua presa.
— Não sabia que Dennis tinha tido um acidente.
— Não gosta de muito falar disso. Mas sofreu uma batida frontal de carro justo antes de viver em Nova Iorque. O trauma o deixou bastante machucado.
— Quando aconteceu isso?
— Acredito que em meados de setembro.
Bravo! Acabava de tocar o gongo!
Reed tinha os nódulos brancos da força com que apertava o telefone.
— Ficou ferido gravemente?
— O impacto o fez atravessar o pára-brisa. A face ficou totalmente desfigurada pelos cortes. Além disso, teve sorte. Alguns ossos quebrados, muitas feridas, e algumas lembranças horríveis. Aquilo não coincidia com a teoria de Reed. As feridas descritas por Alison não correspondiam com as quais teria sofrido na explosão do iate. Ainda assim, eram muito similares para ignorar.
— Foi muito grave, então — sondou — Diabos, um acidente dessa magnitude e não deixou sequelas no resto do corpo?
— Por sorte, não. Em nenhuma parte. A mulher que se chocou contra ele só sofreu um traumatismo cervical e o carro, perda total. O carro do Dennis também ficou destroçado. Mas sua face… — balbuciou com voz tremente —. Parte-me o coração de pensar no que teve que viver.
— Imagino. Devem ter ficado com cicatrizes muito feias.
— Por sorte, não. Submeteu-se a cirurgia plástica. Pobre, tiveram que reconstruir as maçãs do rosto, refazer o nariz…, além de enxertar pele e passar por um montão de operações. Eu tento esquecer porque quando me descreve isso me horrorizo. Eu não gosto dos médicos. Só agradeço que Dennis esteja vivo e se encontre bem.
— Claro que sim.
Dennis está vivo e se encontra bem.
Aí estava a resposta. A realidade. O motivo pelo que Gordon não tinha feridas no resto do corpo. Porque não estava no iate quando explodiu. Tinha saltado antes. E não havia tido nenhum acidente, ele não. Aquele bode filho da mãe era tão esperto que conseguiu uma face nova.
Dennis Kincaid entrava em cena.
Reed tinha que desligar. Tinha conseguido tudo o que podia de Alison Kincaid, ao menos no momento. A polícia teria milhares de perguntas que fazer mais tarde. Mas isso era coisa deles. Por hora, a única coisa que lhe importava era Taylor. Era evidente que Alison não tinha nem idéia de onde estava seu marido.
Agora bastava à polícia entrar em ação.
— Que bom senhora Kincaid — disse Reed, com intenção de terminar a conversa o mais rápido possível—. Não roubarei mais seu tempo. Novamente, parabéns. Desejo-lhe o melhor.
Desligou e ficou olhando o telefone um momento antes de elevar o olhar para Hadman.
—Tenho algumas respostas. Chame seus homens e diga que troquem a descrição do homem que conduz o carro.
— Não é Gordon Mallory?
— Sim que é Mallory. O que acontece é que sofreu algumas mudanças.







Capítulo 35


18h47min
O balanço do carro penetrou sua consciência.
Com um esforço sobre-humano, Taylor abriu os olhos. Tinha a cabeça a ponto de estalar. Doía-lhe todo o corpo e estava enjoada. Como se tivesse gripe. Teria que estar na cama. Então, por que estava em um carro? Achava-se meio tombada sobre o assento. Tinha os braços rígidos e atados às costas. Tentou soltar-se, empurrando até ficar sentada. Mas não podia mover os braços. Como se estivesse sujeita a algo. O mesmo ocorria com os pés, como se os tivesse presos com areia movediça, e tampouco podia mover as pernas. O que diabos estava acontecendo?
Piscou e fez um esforço para limpar a mente de tudo. No retrovisor do assento do passageiro se refletiram umas luzes. Era de noite.
— Vejo que despertou. Que bom. Faria bem um pouco de companhia.
Taylor virou bruscamente a cabeça e ficou olhando ao homem que conduzia. Dennis. Que fazia ela em um carro com Dennis?
— Escolheu o pior momento do dia para visitar seu apartamento novo — seguiu ele — A hora do rush é uma merda. Estivemos meia hora em um engarrafamento no Midtown Tunnel.
Seu apartamento novo?
As lembranças voltaram rápidas.
Estava saindo do apartamento novo. Encontrou-se de repente com Dennis no corredor, diante de sua porta. Tinha posto algo em seu nariz e na boca. Um lenço. Cheirava a detergente com essência de limão. Era sua única recordação. Começou a retorcer-se, tentando liberar as mãos e os pés. Quando olhou, viu por que era-lhe impossível. Tinha os tornozelos atados com uma corda grosa. E os pulsos também.
Além disso, tinha o cinto de segurança posto, assim estava presa dentro do carro.
— Dennis? — Era ele. Entretanto, parecia outra pessoa, alguém que não conseguia reconhecer—. Onde estamos?
— Na rodovia do Long Island. Ainda fica uma hora, sorte que agora o tráfego anda mais fluido.
— E aonde vamos?
— Ao seu destino final — respondeu ele, com um sorriso tenso — E a seu último lugar de descanso.
A mensagem era clara como a água. Taylor estremeceu, e o medo acabou de limpar os últimos vestígios nebulosos em sua cabeça. O medo e, em menor medida, a confusão. Nada daquilo tinha sentido. Dennis? Por que Dennis? Seguia olhando-o, tentado resolver essa incongruência. Umedeceu os lábios e se obrigou a pronunciar a pergunta.
— Por quê?
Respondeu com uma risada desinteressada.
— Por onde começo? — disse. Olhou à direita, pôs a luz de alerta, situou-se no espaço direito e logo sobre a borda. Deteve-se com uma brecada e estacionou o carro. Virou-se para olhá-la.
— Por que paramos? — perguntou Taylor. Sentiu um calafrio nas costas.
— Por duas razões. Primeiro, está desidratada. Bebe — disse, e lhe sustentou uma garrafa de água contra os lábios—. Confia em mim. Necessitará de forças para mais tarde.
Taylor vacilou e de repente se deu conta do absurdo de seu gesto. Seu plano era matá-la, mas não precisamente envenenando a água.
Começou a tragar o prezado líquido.
— Bebe pouco a pouco ou não o reterá — advertiu ele — Estive inconsciente mais tempo do que tinha previsto. Tive que voltar a pôr clorofórmio não contava que haveria tanto tráfego. E não podia me arriscar que despertasse quando estivéssemos parados e começasse a gritar pedindo ajuda. Assim que eu gosto. Pouco a pouco. Esperou que terminasse, fechou a garrafa e a deixou no descanso.
— Por que paramos? — perguntou Taylor, apoiando a cabeça no respaldo do assento e tentando limpar o enjôo.
— Pois bem, responderei a sua pergunta. Mas serei breve para que possamos seguir. Colocarei-a a par dos detalhes com muito gosto enquanto avançamos. Mas quero ver sua face no momento em que resista a acreditar; esse momento com o qual sonhei, e que repassei na minha mente uma e outra vez… E, como está a ponto de raiar a luz do dia, melhor lhe explicar isso agora.
Acendeu a luz do interior e se inclinou para ela, o que facilitou que Taylor visse sua face. Tinha uma expressão que nunca tinha visto antes ou é que possivelmente nunca o tinha observado tão atentamente. Era uma expressão decidida, cruel e indolente.
— Estive me perseguindo — deduziu, com voz fraca — Todo este tempo, foi você.
— Desde o começo — confirmou— Mas isso não responde a sua pergunta, verdade? Acredito que me perguntou por que. Pois, aqui tem sua resposta.
Baixou a cabeça até ter o queixo contra o peito. Virou uma pálpebra e logo a outra. Taylor viu que tirava lentes de contato. Uma vez terminada essa operação, Dennis se ergueu em seu assento, afastou cabelo de sua frente e se inclinou para ela tudo o que pôde até que Taylor sentiu seu fôlego na face. Ele abriu os olhos e seu olhar duro e gélido se cravou nela.
— Porque dei minha palavra — disse, com uma voz que já não era a do Dennis, a não ser a de um pesadelo de seu passado —. Disse que voltaria. Que teríamos todo o tempo do mundo para acabar o que tínhamos começado. E disse que estaria te vigiando. E assim foi.
Taylor soltou um gemido. Queria gritar, mas não podia. Dava igual. Ninguém a ouviria se gritasse. Não por cima do ruído dos carros que passavam a toda velocidade pela rodovia de Long Island.
— OH, Meu Deus — balbuciou com um fio de voz, tremendo violentamente enquanto encaixava todas as peças — Mas se for você — conseguiu dizer antes que tivesse uma ânsia que a fez vomitar a água que acabava de beber junto com tudo o que havia comido nesse dia.
Dennis teve a gentileza de baixar o vidro do carro. Ela enfiou a cabeça e vomitou até que não ficou nada no estômago. Ainda seguiram as ânsias durante um momento, até que caiu para trás no assento, já sem forças.
Ele a observou enquanto voltava a subir o vidro e um sorriso seco nos lábios.
— Valeu à pena esperar para ver essa reação. — Com gesto tranquilo, voltou a colocar as lentes de contato, reacomodou-se no assento, pôs a luz de alerta da esquerda e voltou para a auto-estrada.
— Não entendo nada — disse Taylor gaguejando.
— Claro que não entende nada. —não se incomodou em voltar para impostar a voz de Dennis, era uma farsa desnecessária. O monstro sentado junto a ela não era outro senão Gordon — Meu plano era muito complicado. Também era muito brilhante para guardar isso como um segredo. E é uma lástima, porque a partir de hoje, verei-me obrigado a fazê-lo. Mas reservei muito tempo para lhe contar isso tudo. Por onde quer que comece?
— Você matou Douglas e Adrienne Berkley.
— Claro que sim. Quer saber por quê?
Taylor começava a recuperar a lucidez depois da impressão inicial.
— Eu sei por que. Adrienne abusou sexualmente de você durante anos. E Douglas não fez nada para impedi-lo.
—Vejo que fez bem os deveres de casa — disse ele, com um brilho de surpresa no olhar — Estou impressionado. Pelo visto, tem suas vantagens dormir com o advogado do acusado.
Ela ignorou esse dardo.
—Falando do acusado, fez um estupendo trabalho para culpar Jonathan.
Ele aceitou o comprimento com um gesto da cabeça.
— Não foi difícil. Entrei em seu computador com sua contra-senha. De todas as contra-senhas possíveis, a sua era "Berkley". O tonto do meu irmão não tem muita imaginação. De qualquer forma, controlei todos seus emails com Douglas. Inclusive tinha grampeado seus telefones em casa e no trabalho. Sabia aonde ia, no que pensava, sabia tudo. Cada um de meus movimentos era uma coreografia apoiada nos de meu irmão. Quanto à vantagem inesperada que me deu a genética, o fato de que os gêmeos tenham o DNA idêntico, isso o devo à natureza. Só limitei a me aproveitar disso.
No tom e na atitude de Gordon se adivinhava um ódio mortal.
— Deixar meus rastros de sêmen dentro dessa piranha enquanto a estrangulava até morrer foi um prazer indescritível. Ver sua face, sabendo que entendia o que estava acontecendo e por que, prolongando a agonia… nada poderá comparar-se jamais com essa sensação — disse, olhando de esguelha para Taylor—. Quero dizer, quase nada.
Taylor agradeceu ter o ventre vazio. Se não, estava certa que teria tornado a vomitar.
— E Douglas?
— Com ele tudo foi muito rápido e só sofreu a dor de saber quem era o responsável e por que — confessou, com um cenho pensativo — Pensei em mantê-lo vivo para obrigá-lo a ver como transava com Adrienne; depois teria matado aos dois. Mas decidi o contrário. Douglas era débil, inútil e cego ante a verdade sobre Adrienne. Vi a expressão em sua face quando contei, o asco em seus olhos quando a olhou. Aquele velho estúpido não tinha nem idéia da vagabunda pervertida com que se casou. De modo que pus fim a sua miséria e dediquei o resto do tempo a torturá-la. Foi uma experiência maravilhosa.
Era impossível seguir escutando esses detalhes odiosos na boca daquele desequilibrado.
— Como se transformou em Dennis Kincaid? — inquiriu Taylor — Antes de mais nada, por que se transformou em Dennis Kincaid? Para escapar quando tudo acabasse?
Ele a olhou e deixou escapar um bufo de asco.
— Isso teria sido muito trabalho para nada. Não, minha querida Taylor, converti-me em Dennis Kincaid por várias razões. Para começar, permitia-me conseguir tudo o que quisesse e seguir sendo invisível. Segunda razão, para vigiá-la de perto como tinha prometido. E, terceiro, para ficar com tudo o que me corresponde quando Jonathan for condenado pelo duplo homicídio. — Ao terminar, esfregou a face — O "como" deveria ser óbvio. Ao menos na perspectiva estética. A cirurgia plástica é algo notável — Os cirurgiões da Tailândia são os melhores. Subiram-me as sobrancelhas, acrescentaram gordura as minhas bochechas, tiraram as bolsas dos olhos para me rejuvenescer vários anos, refizeram-me o nariz e a boca, e até escureceram minha pele para que coincidisse com meu novo aspecto. E tudo com apenas umas semanas de recuperação. O cabelo demorou um pouco para crescer até ter este cabelo. Ah, e também decidi aumentar a altura. Agora meço cinco centímetros a mais. Na verdade, cinco no lado esquerdo e cinco e meio no direito. Isso mudou a minha maneira de andar. Com as lentes de contato alterei a cor de meus olhos. Assim, como vê, sou uma pessoa completamente nova. Não tão bonito como antes, mas com um futuro bastante promissor.
— Quanto à parte mais prosaica do "como", o verdadeiro Dennis Kincaid era um perdedor. Nasceu e morreu em um pequeno povoado de Nebraska. Uma breve investigação me fez encontrar o que procurava. Não tinha parentes, ninguém que pudesse descobrir minha pequena mentira. Criei um Dennis Kincaid totalmente novo, com a ajuda de alguns amigos que se especializam em passaportes e esse tipo de coisas. E assim foi como sai do país, para começar.
— Para ir à Tailândia fazer a cirurgia plástica?
— Exato. Peguei um avião depois da explosão do iate. Durante minha recuperação, aperfeiçoei minhas habilidades técnicas. Sempre fui hábil, de modo que não foi muito difícil. Com alguns cursos pela Internet, e estava preparado. Logo levei outro mês um curso de artes marciais de nível avançado, e já tinha evoluído. Fiz um passaporte falso com minha foto nova e voltei para os Estados Unidos. Trabalhei como voluntário em algumas emissoras em diferentes lugares para ter referências e um pouco de experiência. O resto foi fácil.
Taylor teve que obrigar-se a formular a pergunta seguinte. Tinha que perguntá-la. Isso a açoitava desde que suspeitou que Gordon estivesse vivo.
— A explosão do iate… Você montou tudo?
— Claro que sim. Eu montei tudo — disse ele, e a olhou com um sorriso zombeteiro — Por exemplo, acredita de verdade que seu amigo Rick tropeçou na via do metrô naquela noite?
Taylor empalideceu.
— Você… o empurrou?
— Eu tinha que estar do outro lado do vidro quando fizesse seu programa à noite. Só era questão de encontrar o momento adequado para desfazer-me de Rick e tomar seu lugar. Ele me facilitou as coisas. Rick estava tão bêbado que nunca soube o que lhe aconteceu. Ou quem o empurrou. Depois disso estive ali, noite após noite, durante horas e horas. De perto e de maneira muito pessoal. Vigiando, tal como tinha planejado. E você nem sequer imaginava. Era como a experiência sublime do poder. Você se debatia como um inseto sob um microscópio. Meu microscópio.
Aquele desdobramento de horrores ficava cada vez mais grotesco.
— Ah, queria saber sobre a explosão do iate. Deixe lhe contar sobre isso. Planejei até o último detalhe. Na sexta-feira, um dia antes da festa em meu iate, fui à casa de Douglas no East Hampton. Ele e Adrienne estavam de férias na Grécia, assim sabia que ninguém me veria. Troquei minha magnífica Mercedes por uma caminhonete Chevy desmantelada que tinha quando adolescente. No reboque, levei meu zodiac.
— Seu zodiac? — perguntou Taylor, aturdida.
— Um bote inflável, ligeiro e muito resistente — explicou ele. A lembrança brilhou em seus olhos e Taylor viu toda a loucura que se apropriou dele — O tenho há anos. Adrienne o batizou. Era seu brinquedo favorito. Saíamos no iate de Douglas. Depois, me ordenava que a acompanhasse no zodiac até uma dessas praias afastadas. Eu satisfazia suas necessidades físicas do dia e, depois, ela me vigiava enquanto eu limpava o iate e o zodiac. Fascinava-lhe ver como suava como um operário qualquer. Ficava alegre. — Por outro lado, a experiência tinha suas vantagens — disse, encolhendo os ombros — Aprendi a ser um amante competente e criativo numa idade em que todos os meus companheiros ainda eram virgens. E conheci os melhores lugares para levar a uma mulher a desfrutar de um momento privado e passar em grande estilo. Com o tempo, esses lugares me serviram muito. Usei-as com muitas mulheres, até com sua prima Stephanie.
Apenas ouvir pronunciar o nome de Stephanie, Taylor sentiu que o sangue fervia. Nesse momento, não sentia nem a mais mínima compaixão por todos os abusos que Gordon tinha sofrido. Só sentia raiva. Tinha assassinado sua prima a sangue frio. E a Rick. E explodiu um iate cheio de gente.
Tentou se controlar fincando as unhas nas palmas das mãos. Não podia perder as estribeiras. Ainda não.
— O que fez com o zodiac nessa sexta-feira à noite? — perguntou, desejando não fazer mais perguntas sobre um tema que só lhe provocaria mais dor. Mas tinha que averiguar tudo o que pudesse a respeito da morte de Steph. E esse bode miserável era o único que podia lhe dar alguma resposta.
— Desmontei-o, fui até ao porto de Montauk e o meti em meu iate com o motor fora da amurada e o tanque de gasolina. Logo fui com a caminhonete até o porto do Napeague e o deixei, junto com o reboque, no estacionamento perto da rampa dos botes. Voltei correndo até a casa de Douglas, peguei minha Mercedes e voltei para Manhattan à noite. Pelo meu Rolex, tinha chegado quarenta minutos antes do previsto. Bastante impressionante, inclusive para mim.
Taylor queria gritar. Cale-se! Dá no mesmo seu plano perverso ou quão brilhante foi em sua execução! Só quero saber o que fez com a minha prima. Ela sofreu? Quanto demorou em morrer? Morreu na explosão ou em seu asqueroso zodiac?
Cravou as unhas com mais força nas palmas, e a dor a devolveu à realidade.
— No sábado, você e Steph voaram a Montauk — disse.
— Quer dizer, depois que nos interrompesse? — Olhou-a com uma careta gélida — Sim. Saímos do porto do Montauk ao final da tarde com a festa a tudo mais e navegamos pelo sul durante uma hora e meia. Cruzamos com um montão de veleiros que saíam para passar o dia, de modo que estávamos sozinhos quando chegamos a nosso destino. Joguei a âncora. A festa estava em seu melhor momento. Por volta das cinco e meia, consegui que alguns dos rapazes me ajudassem a inflar o zodiac e a montar o motor fora da amurada. Stephanie e eu subimos e nos afastamos para estar um momento a sós. Lançou a Taylor um olhar de soslaio, um olhar cruel que serviu para afundar ainda mais a faca na ferida.
— Era sempre assim com Stephanie. Gostava da vida selvagem e perigosa. E a encantava nossos encontros sexuais no zodiac. A emoção de encontrar-se no meio do mar, pensando que possivelmente nos surpreenderiam, deixou-a maluca. Não houve necessidade nem de ir aos esconderijos. Afastamo-nos do iate uns trezentos ou quatrocentos metros e começamos. Eu assegurei-me de ter à mão o detonador a distância que tinha oculto em minhas calças. Quando chegou o momento, apertei o botão amarelo e ativei um dispositivo que ia a cada um dos dutos de gasolina e a vertia à quilha. Stephanie não tinha nem idéia do que estava acontecendo. Tinha a cabeça em outras coisas.
Taylor voltou a sentir ânsias.
Sua reação pareceu agradar a Gordon, e seguiu com seu relato.
—Pouco antes que Stephanie tivesse um orgasmo, apertei o botão vermelho. Produziu-se uma explosão ensurdecedora. Sabia que isso significava que tudo tinha saído bem. Adeus, iate. Só ficava Stephanie, que ainda estava no meio do orgasmo. Pus os polegares sobre a traquéia e a estrangulei até matá-la. Depois, estive um minuto inteiro contemplando e admirando o fruto de meu trabalho, um iate de um milhão de dólares convertido em uma bola de lixo em chamas que se afundava no oceano. Sabia que os restos não demorariam em desaparecer, visto que essa zona está infestada de tubarões. E, falando de tubarões, voltemos para Stephanie. Cortei-lhe os braços antes de deslizá-la pelo lado do zodiac, e logo a soltei. Assim, o sangue atrairia os tubarões, o que eliminaria a possibilidade de que encontrassem seu corpo, ou o que restasse dele. Atirei a faca pela amurada. Logo liguei meu GPS portátil, pus o motor em marcha e voltei para a costa a toda velocidade.
— Bode doente e desequilibrado — disse Taylor, que tentava liberar-se de suas ataduras, afogando-se e retorcendo-se até ter os pulsos e os tornozelos em carne viva — Você merece morrer dessa maneira. Não, nem sequer bastaria estrangulá-lo ou parti-lo em mil pedaços, seria muito benigno para ti. Merecia sentir até a última gota da dor que infligiu às pessoas que matou. E Stephanie. Meu Deus. Stephanie nunca fez mal. Ela amava você. E você a matou a sangue frio, e a deixou para os tubarões como se fosse um lixo. —Taylor afundou no assento, totalmente esgotada atrás de seus intentos para soltar-se. As lágrimas correram pelas bochechas quando imaginou o corpo de Steph afundando e deixando um rastro de sangue que atrairia os tubarões.
— Taylor, Taylor — disse Gordon, fazendo estalar a língua como censurando sua conduta — Ainda não aprendeu a ser respeitosa comigo? Já sabe como reajo quando me irrita ou me insulta.
— Pouco me importa — respondeu ela — De qualquer forma, vai me matar. Porque teria que tranquilizá-lo?
— Tem razão — ele reconheceu — É verdade que vai morrer. Mas não será em seguida. Antes, temos alguns assuntos pendentes. Levo seis meses sonhando com isso. Enquanto isso deixe que acabe minha história. E Gordon seguiu como se estivesse relatando uma obra épica fascinante e magnificamente escrita.
— Meu plano se ajustou maravilhosamente ao tempo. E sua execução também. Logo antes do anoitecer, passei junto ao farol de Montauk e segui pela bifurcação sul da rodovia de Long Island, contornando a costa. Quando cheguei ao porto de Napeague, dirigi-me à rampa dos botes, que fica um pouco afastada. Estive parando Zodiac na praia e fui até o estacionamento, onde me esperavam minha caminhonete Chevy e o reboque. Desci pela rampa, pus Zodiac no reboque e me dirigi à auto-estrada de Montauk. Cheguei à casa de Douglas, e deixei o bote e o reboque no abrigo. Depois, peguei minha mochila, que havia preparado com o necessário. Roupa, passaporte falso e meu computador portátil. E as passagens a Bangkok. Sem esquecer os números das contas bancárias que tinha aberto nas Ilhas Canárias. Com minha mochila, caminhei até a estação de trem de East Hampton. Peguei o último trem, o das oito e trinta e oito, para Nova Iorque. Para tomar todas as precauções, desci do trem em Long Island na estação da Jamaica, por volta das dez e quarenta e cinco, e tomei um táxi até o aeroporto Kennedy. Meu vôo a Bangkok saiu por volta das duas da madrugada. Engenhoso, não é? A verdade é que tinha pensado em tudo.
— Aplaudiria, mas tenho as mãos atadas — disse Taylor, e fechou os olhos para tentar esquecer tudo o que tinha escutado.
Taylor escutou sua reação cheia de raiva.
— Não me provoque Taylor — advertiu, com o tom de um desequilibrado que está a ponto de perder as estribeiras — Há muitas maneiras de morrer. Quanto mais de saco cheio estiver, maior será sua dor. Não se esqueça. Nada mais a dizer sobre isso, pôs a luz de alerta e começou a reduzir a velocidade e a desviar-se para a direita.
Taylor olhou a seu redor e conseguiu a ver a placa da saída setenta.
— Pode-me dizer aonde vamos?
— Se me perguntar isso com boas maneiras.
Ela se umedeceu os lábios ressecados.
— Por favor, Gordon, pode dizer aonde vamos?
— Vê, é fácil né? — Abandonou a estrada e virou à direita na saída — Vamos ao porto de Sag, para clube náutico. É uma noite magnífica. Você adorará a vista. Taylor se girou. Não respondeu. Mas compreendeu tudo.Gordon a levava ao iate de seu pai. Uma vez ali, ela substituiria Adrienne. E ele daria rédea solta a sua ira e desataria toda sua violência. Violaria-a. E logo a mataria.



























Capítulo 36


19h05min
DÉCIMA NONA DELEGACIA DE POLÍCIA

A última hora e meia tinha sido um inferno.
Reed passeava em torno da mesa do Hadman, bebendo café, preso a uma impotência atrós. Hadman e Olin tinham dado o alerta por toda parte. Enquanto isso trocavam idéias sem parar e logo faziam chamadas telefônicas para contrastar a validade de suas intuições.
Nada.
Mitch estava em um escritório à parte, consultando cada momento com Jake, utilizando seus próprios recursos. Jonathan estava no fundo em uma cadeira com a cabeça entre as mãos. Reed tinha pedido que os acompanhasse à delegacia de polícia para o caso de lhe ocorrer alguma pista.
Era uma situação que parecia interminável, e em câmera lenta. Passavam os minutos. Gordon tinha Taylor. Aonde a levaria? Tinha que ser a alguma parte onde ninguém poderia encontrá-los até que tivesse acabado com ela e se desfeito do corpo.
Reed tinha vivido este tipo de situações como advogado em inúmeras ocasiões. Entretanto, desta vez não podia dar a atenção profissional. Só a idéia de Gordon tocar em Taylor, sem pensar já na possibilidade de que a violasse ou a matasse, era algo que não podia nem imaginar, e muito menos analisar com frieza. Mas a realidade não deixava de penetrar em seus pensamentos como um inseto odioso. Tinham passado mais de duas horas do sequestro de Taylor. Só Deus sabia o que faria a essas alturas.
Não. Não devia pensar nisso. Tinha que pensar que Gordon ainda estava conduzindo, que ainda estava a caminho para um destino desconhecido. Taylor estaria aterrada, mas ainda não teria sofrido dano algum.
Tinha que ser assim.
Ao final, Hadman chamou Alison Kincaid para interrogá-la. Tinha feito isso com cuidado e com boas maneiras, limitando-se a pedir sua colaboração na investigação policial do assassinato dos Berkley. Ela se mostrou confusa, mas disposta a ajudar. Agora se encontrava na sala de espera, tomando café e esperando que a interrogassem.
Reed entendia os temores de Hadman. Se não tivesse estado tão comprometido emocionalmente, ele também os teria tido. Alison era ingênua como uma menina pequena. Mas essa ingenuidade poderia ser fatal para eles. Se a deixavam livre, era possível que falasse a Gordon sobre o aviso. Se ele ligasse de onde estivesse, só para manter as aparências com sua flamejante noiva em um plano de bom entendimento, e mencionasse a chamada do Reed, estragaria tudo. A última coisa que queriam era que Gordon percebesse que o seguiam. Agora mesmo, sentia-se onipotente, a salvo e por cima de toda suspeita. Graças a esse falso sentimento de segurança, estaria com a guarda baixa, mas se chegasse a ter o mais mínimo indício de que a polícia sabia que ele e Dennis Kincaid eram a mesma pessoa, comportaria-se de maneira muito diferente. A segurança daria asas a sua megalomania. Até agora não tinha tido a menor pressa em levar a cabo seu plano. Certamente quereria gabar-se ante Taylor de seus lucros e saborear sua última gratificação sexual. Daria-lhe a sensação de poder e de domínio que tanto desejava. Isso daria tempo a Taylor. Um tempo de terror, mas tempo no final das contas.
A pergunta era aonde foram. Qual era o lugar que Gordon tinha escolhido para esse encontro final? Podia ser qualquer lugar remoto onde tivesse a intimidade garantida e a liberdade necessária para que seus movimentos não parecessem suspeitos. A propriedade de Douglas no East Hampton? Não, muito arriscado. A casa estava fechada e vigiada pela polícia local. Gordon era muito astuto para cair em uma armadilha tão evidente. Para o norte do estado poderia ser uma possibilidade. Eram muitas horas de carro e havia muitos lugares desabitados pelo caminho. Outra era o lugar onde Gordon havia estado vivendo nos últimos meses. E, certamente, não tinham por que ser lugares distintos, não necessariamente. Alison não tinha nem ideia de onde tinha vivido seu marido antes que se casassem. O que havia contado de viver em cubículos era uma solene mentira. Gordon jamais teria vivido em um cubículo. Só que não quis dar seu endereço. Em seu trabalho tinha dado uma direção falsa. Reed tinha insistido em ser ele quem chamasse a rádio WVNY. Independentemente de que fosse um assunto da polícia, os empregados da rádio não só eram companheiros de trabalho de Taylor, também eram seus amigos. Fariam tudo o que fosse necessário para ajudar, inclusive facilitar qualquer informação pessoal que tivessem sobre Dennis Kincaid.
— Esqueça essa chamada —tinha aconselhado Hadman — Mandarei alguns inspetores para que falem com o pessoal e olhem o local de trabalho de Kincaid.
— Manda quem você quiser — disse Reed, que já tinha começado a discar o número particular de Taylor na rádio — Mas enquanto consegue a ordem judicial, eu falarei com o produtor e o coordenador do programa de Taylor. Eles sabem quem sou. Falarão comigo. E pode ser que saibam de algo, ou que tenham alguma ideia mais clara de onde procurar a qualquer outro empregado da emissora.
Alcançou para ouvir o grunhido de assentimento de Hadman quando Laura respondeu pela linha de Taylor. Passou a chamada a Kevin assim que Reed pronunciou a palavra "emergência". Este agarrou o telefone dois segundos depois.
— O que Houve?
Reed contou o aconteceu com toda a brevidade possível, tentando não delatar sua emoção.
— Merda — disse Kevin — e pensar que todo este tempo ele trabalhou sentado ao meu lado e… — Engoliu saliva, visivelmente afetado, mas conseguiu controlar-se — O que posso fazer para ajudar?
Reed disse em seguida.
Um minuto depois Kevin ficou revisando o lugar de trabalho de Dennis, centímetro por centímetro, em busca de qualquer pista que pudesse servir. Na lista de coisas que procurava estavam notas de qualquer tipo no calendário, sobre tudo para o mês de março. Também algum post-it ou notas, com qualquer anotação, embora fossem ilegíveis. A polícia decifraria o que ele não pudesse. Quanto a seus pertences pessoais, Reed avisou que procurasse folhetos de casas no norte do estado de Nova Iorque, publicidade de agências imobiliárias com anúncios de cabanas no campo, inclusive copia impressas de itinerários ou indicações para chegar a algum lugar. Algo.
Enquanto Kevin verificava o lugar de cima abaixo, Reed falou com Jack. Depois de escutar a história, este foi direto ao departamento de recursos humanos para inspecionar linha por linha a solicitação de emprego de Dennis. Endereço: Falso. Tinha dado seu número de celular como telefone de casa. Quanto à informação de contato em caso de urgência, tinha-o deixado em branco, até a semana passada. Depois tinha atualizado a informação com o endereço da casa de Alison e seu número de telefone. Tinha escrito que se chamava Ally Kincaid e, no espaço referente a sua relação com ela, tinha-a declarado como sua esposa.
Sua esposa. A pobre mulher não tinha nem a mínima ideia de nada que tivesse a ver com ele. Nem onde vivia. Nem o que pensava. Nem quem era.
Jesus. Um beco sem saída atrás de outro.
Reed estava a ponto de enlouquecer quando soou o telefone de Olin. Este o agarrou, fez umas perguntas como se rosnasse no fone, e depois de uns minutos, desligou bruscamente e ficou de pé.
— Temos uma boa pista. Um agente de Queens que não estava de serviço acaba de identificar um carro prateado, um modelo Dodge recente, um Grand Caravan Sport, com dois ocupantes, um homem e uma mulher. Os dois encaixam com as descrições de Taylor e Dennis. O agente que deu a pista ia para casa. Vive na Ronkonkoma. Ia pela rodovia de Long Island à altura da saída Sessenta quando cruzou com o carro que ia pela auto-estrada a toda velocidade nesta direção.
— East Hampton — concluiu Jonathan, levantando a cabeça — Ao final, Gordon vai levá-la ao imóvel de Douglas.
— Não acredito. — Mitch tinha entrado para confirmar a pista e negou com a cabeça — Está falando de uma propriedade sob vigilância. A polícia de East Hampton patrulha por ali constantemente. Se aparecerem no lugar um tipo estranho com uma mulher aterrada sem uma razão evidente, irão abordá-los em seguida. Gordon é muito preparado para correr esse risco — disse, com uma careta — Por outro lado, está claro que vai em direção a Hamptons. O que significa que escolheu um lugar diferente, mas igual na teoria. Um local afastado e familiar. Ocorre alguma idéia familiar?
Um lugar afastado. Familiar. Concreto.
A cabeça de Reed ia a mil por hora, passando revistar tudo o que Taylor havia contado durante na semana anterior. Gordon era um homem doente que lutava com demônios muito arraigados nele para exorcizá-los. Vivia obcecado com a necessidade de vingar-se, de cumprir seus propósitos. Adrienne tinha deixado cicatrizes incuráveis em sua vida. Em sua mente doente, teria conseguido purgar-se de algum jeito ao assassiná-la. A via em todas as ruivas que perseguia incluindo Taylor. Possuí-las. Matá-las. Tudo pela necessidade de destruir Adrienne.
Um círculo perfeito. Isso era o que procurava.
E só havia um lugar onde podia encontrá-lo.
— O iate — exclamou Reed, levantando-se de um salto — A leva ao iate de Douglas.
Quer acabar a história por onde começou.
— Sim — assentiu Mitch, terminante — Isso tem sentido. Sobre tudo porque nesta ocasião os papeis se inverteram. Gordon será o dominante e não o dominado.
— Onde está? — exigiu Reed, agarrando a Jonathan pelos ombros — Onde está atracado o iate do Douglas?
Jonathan não vacilou nem um instante em responder.
—No Clube Náutico do porto de Sag.
— Bingo! É inverno. O clube náutico estará deserto. — Hadman se aproximou do telefone — Localizarei o Departamento de Polícia do Condado do Suffolk no Yaphank. Eles chamarão à unidade do porto do Sag. Os agentes locais chegarão à cena em questão de minutos.
— Quer que encurralem Mallory? — perguntou Olin em tom duvidoso.
A resposta de seu companheiro era exatamente a que imaginou.
— Não.
— Por que não, maldição? —reclamou Reed.
— Para começar, poderiam chegar ao lugar antes de Gordon. Se ele chegar à zona de estacionamento e topar com um montão de carros patrulha e inspetores esperando, sairá de ali a toda velocidade como demônio que levado pelo vento.
— Então, diga que esperem. Que o peguem quando sair do carro. E se ele chegar antes que eles, então que identifiquem o carro prateado no estacionamento, e que entrem furtivamente e tomem o iate por assalto.
— Sim, é possível. — Hadman franziu a sobrancelha — Mas não me entusiasma a idéia. Gordon é um homicida e psicopata, se ficar encurralado, é capaz de se desesperar. Não é uma boa combinação, considerando que não tem nada que perder. Olin e eu estamos familiarizados com ele, e com este caso. Os agentes locais, não. Prefiro que sejamos nós a detê-lo.
Reed não custou ler as entrelinhas.
— Em outras palavras, os policiais dali, não têm prática para atender casos complicados. Vocês se preocupam que se falharem, será Taylor que pague o erro. Gordon renunciaria à ideia de uma morte lenta e optaria por uma solução rápida, como romper o pescoço, como fez com Douglas.
Hadman cravou os olhos no telefone, tentando evitar o olhar de Reed.
— Escuta Weston. O Departamento de Polícia do porto de Sag é competente. Mas, sim, é verdade que os policiais de Nova Iorque têm mais experiência com os crimes mais violentos. E, já disse, este caso é nosso. Ou seja, que…
— Só responda a minha pergunta — interrompeu Reed.
— Sim. Isso é o que me preocupa. Mas se não tiver outro remédio, direi-lhes que vão a toda para lá. — Hadman discou o número do Departamento de Polícia do Condado de Suffolk — Não se desespere — disse a Reed — Ficaremos com eles ali. — Fez um gesto a Olin girando o dedo indicador.
Olin assentiu com um gesto rápido da cabeça e agarrou seu telefone.
— Como demônios, vamos chegar a tempo? — perguntou Reed com a bílis subindo pela garganta.
— Chegaremos no momento certo — replicou Olin — E Gordon ainda está a caminho. Lembre-se de que saiu na hora do rush. Eram quase as cinco quando raptou Taylor. E quando sair da rodovia do Long Island, terá que passar nos caminhos locais. Isso significa limites de velocidade e semáforos. A viagem levará mais de três horas. O que nos deixa uns quarenta e cinco minutos. — Ele também marcou um número de telefone.
— Quem está chamando?
— À unidade de aviação do Departamento de Polícia de Nova Iorque. Estão no aeródromo de Floyd Bennett, no Brooklyn. Enviarão um helicóptero da polícia que aterrissará no estádio dos Yankees em questão de dez minutos, o mesmo tempo que demoraríamos em chegar de carro com a sirene ligada. O vôo até o porto do Sag dura uns quarenta e cinco minutos. — Olin lançou um olhar para o Jonathan — Que tamanho tem a zona de estacionamento do clube náutico?
— É grande — confirmou Jonathan — O clube é dos maiores de Hamptons. Ali ancoram os cruzeiros que saem a navegar pelo Atlântico, não só navios pequenos e veleiros.
— Bem. Prepararemo-lo para que o helicóptero aterrisse justo no estacionamento. Chegaremos em uma hora. Sim, Olin quem fala. Delegacia de Polícia Dezenove — disse no fone — Terá que interceptar um risco de violação e homicídio. — Enquanto falava atirou um lápis e um bloco de papel a Jonathan — me desenhe um esquema de onde está atracado o iate de seu pai — disse com um assobio de voz — Escreva também uma descrição do navio, seu tamanho, cor, nome.
Hadman alertou da situação ao Departamento de Polícia do Condado do Suffolk.
Desligou e se levantou da cadeira.
— Tudo preparado. — Seu olhar posou sobre Reed e se fixou em sua expressão sombria — No máximo, Mallory chegará uns quinze minutos antes que nós — disse em um tom brusco e tranqüilizador — Logo tem que estacionar o carro, tirar Taylor e colocá-la no iate. É uma mulher inteligente, Weston. Saberá ganhar tempo.
— Sim — disse Reed com voz lúgubre—. Espero que tenha razão.

20h07min
CLUBE NÁUTICO DO PORTO DO SAG
Gordon cruzou lentamente a entrada principal, olhando de um lado a outro enquanto avançava. Não esperava encontrar a ninguém, salvo possivelmente algum aventureiro que teria saído a pescar em seu iate.
O estacionamento estava virtualmente deserto. Magnífico. Como ele havia previsto. Conduziu o carro até o edifício do clube, que ficava mais afastado da Rua Bay e mais perto da doca privada onde estava atracado o iate de Douglas, uma luxuosa embarcação de vinte e três metrôs.
Desligou o motor e se virou para Taylor, que olhava à frente com os olhos frágeis.
— Chegou a hora da festa — anunciou ele. Desceu-se do carro, deu a volta até o outro lado e soltou o cinto de segurança do assento de Taylor.Absorta em seus próprios pensamentos, ela voltou a si fazendo um esforço para não tocar em Gordon enquanto este a tirava do carro nos braços e fechava de repente a porta.
— Posso caminhar — disse ela.
— Com os tornozelos atados, não.
— Então me desate isso
— Não está mal, acredite. Se fizer o que me pediu, poderá caminhar, mas também poderá correr. — A levou nos braços até o navio, que se balançava brandamente na água — Logo desatarei, quando for necessário. Mas agora, estou fazendo isso pro seu bem. Se corresse, seria obrigado a castigá-la. Mas como, você não quer isso.
— Não quero —espetou— Mas, enfim, já disse isso mil vezes.
— Não acredito. Mas bom, não importa. Porque eu sim quero. A última vez que a vi, queria-a disposta. Desta vez, se atreva a resistir. Só conseguirá aumentar meu prazer e sua dor.
Meu Deus, era impossível que isto estivesse acontecendo.
Abriu a boca para gritar e um beijo duro e brutal a deteve, o que provocou uma onde de ânsias.
— Quer jogar sujo? — burlou-se Gordon, com um brilho gélido no olhar — Bem. —Colocou a mão no bolso, tirou um lenço e o meteu na boca — Mais um grito e utilizarei o clorofórmio. Entendido?
Taylor assentiu com um gesto da cabeça, fazendo um esforço por dominar o pânico que se apoderava dela. Varreu a zona com um olhar agudo, rogando que houvesse alguém rondando pelo estacionamento. Mas o clube estava deserto. Quanto a uma intervenção da polícia, era uma ilusão desesperada. Embora contasse com a tenacidade de Reed, a polícia procuraria Gordon Mallory, não a Dennis Kincaid. Não havia maneira de que pudessem ligar os fatos a tempo.
O luxuoso iate de Douglas se elevava diante deles. Iluminado pelos primeiros raios da lua e Taylor soltou um gemido ao ver o nome Adrienne a Bela, pintado na proa.
— Meus sentimentos, precisamente — resmungou Gordon.
Alcançou o bordo do iate com um movimento de equilibrismo perito, conseguiu pôr Taylor no iate e deixá-la meio sentada na coberta principal. Logo subiu ele a bordo. Ficou abaixado olhando-a fixamente nos olhos.
— Vou desatar para que possa dar a volta e baixar de costas pelo escaler até a cabine de camarotes. Estarei logo atrás. Não pense em fazer uma tolice.
Ela assentiu com a cabeça. Agora não era o momento de tentar uma saída. A atitude rebelde que manifestava tampouco era uma boa estratégia. Tinha que sobrepor-se ao pânico, usar a cabeça. Ela sabia como funcionava a mente de Gordon. Tinha que ativar os circuitos adequados, não aqueles que lhe fizessem tomar represálias e que, a seus olhos, tornassem-na uma figura ainda mais parecida com Adrienne.
Tinha que esperar o momento propício e, assim, ganhar tempo. Ficou sentada muito quieta, inclinada para frente enquanto Gordon lhe deixava livres os pulsos. Ficou reclinada enquanto desatava os tornozelos. Os esfregou com força e, aliviada, esteve a ponto de tornar a chorar ao sentir as pontadas de dor causadas pelo sangue que voltava a fluir. Sacudiu-se e fez um gesto mudo para a boca, com um olhar interrogante.
— Assim eu gosto. — Gordon parecia satisfeito —. Pediu isso. Sim, pode tirar a mordaça.
Taylor tirou o lenço. Na boca ficou um gosto acartonado. Lambeu os lábios e começou a tossir.
— Lá embaixo há água. Pode beber um pouco se preferir.
— Obrigado — atinou a dizer.
— Venha, vamos — ordenou Gordon.
Taylor tentou ficar de pé três vezes. Só conseguiu quando Gordon a levantou de um puxão.
— Caminha reto — espetou com voz de mando.
— Já vou. —Taylor deu uns passos cambaleantes. Persistir, exporia-se a um grave risco — Já estou bem.
— Bom. —Gordon assinalou a escada.
Sem resistir, Taylor baixou o mais lento que pôde sem chegar a levantar suspeitas. Lembrou-se que estava tratando com um homem muito ardiloso. Qualquer indício de que tentava manipulá-lo bastaria para desatar sua brutalidade.
A cabine de camarotes era luxuosa, com cozinha, salão de estar e vários dormitórios. Não demorou em averiguar o número exato.
— A suíte principal está na popa —informou Gordon, saltando do último degrau da escada coberta — Há dois camarotes na parte da frente, mas são menores e não são suntuosos. Escolhi o mais cômodo para você.Taylor fez um esforço por dissimular um calafrio.
— Posso tomar água agora? — pediu.
— Para adiar o inevitável?
— Não. Para tirar da boca o gosto ruim.
— Muito bem. — Observou-a com olhos penetrantes enquanto assinalava o banco da Cozinha — Sente-se aí onde possa ver.
— De acordo. — Fez o que pedia — Não sou idiota, Gordon. — Lançou-lhe um olhar direto que se cravou no dele — Sei com quem estou tratando. Sei que cometeria uma estupidez se tentasse fugir pela escada enquanto tira uma garrafa de água. Não alcançaria nem o terceiro degrau antes que me agarrasse.
— É verdade — concordou ele, arqueando uma sobrancelha —. Tinha-me esquecido de que é tudo um desafio. Inteligente. Sutil. Uma excitante mescla de classe, sensualidade e manipulação psicológica. Tem razão. Não acredito que tente isso agora. Esperaria um momento melhor, quando tivesse maiores possibilidades de êxito. É uma lástima, mas esse momento nunca chegará. — Cruzo o ambiente e entregou a água —. Toma.
— Obrigado. —Taylor bebeu, fez uma pausa e voltou a beber — Você me deixa ir ao banheiro?
Com um movimento do braço, indicou-lhe o lugar.
—É livre. Lá dentro não há portas. Ah, e não se incomode em procurar seu celular. Está desaparecido, junto com sua bolsa. Não a surpreendeu saber disse. Não esperava que permitisse um contato com o mundo exterior.
Foi ao banheiro, logo lavou as mãos e os pés. Olhou-se longamente no espelho. Apenas reconheceu-se. Tinha os olhos inchados e assustados, com olheiras grandes e escuras. Estava pálida e tinha o cabelo feito um matagal. Registrou o lavabo com o olhar, procurando um ralo de ventilação oculta por onde escapar, algum painel no teto por onde fugir e ficar a salvo. Fechou os olhos com força. A cabeça ia a toda velocidade. As escapatórias em que pensava eram absurdas, e sabia. Mas estava sozinha com um assassino. E estava aterrorizada. Apertou os punhos e encarou a verdade fria e implacável de sua situação. Não era questão de ganhar tempo. Ninguém sabia onde estava. Era questão de salvar a vida. Porque ela era a única que podia conseguir.
Abriu o armário do estojo de primeiro socorros em silêncio e revirou-o por dentro. Não havia aparelho de barbear. Nem tesouras. Nem sequer um par de pinças com que armar-se. Decepcionada, fechou-o, apoiou os cotovelos no lavabo e afundou a cabeça entre as mãos. Não podia render-se. Sairia do banheiro, voltaria para a cozinha e registraria o resto da cabine de camarotes como pudesse sem chamar a atenção, enquanto animava Gordon a falar sem parar. E, se ao final a obrigasse a ir à parte de trás, então registraria a suíte principal. Tinha que haver algo em algum lugar algo que pudesse servir de arma. Repassou mentalmente as técnicas de defesa pessoal que Reed e Mitch ensinaram. Tudo aquilo de mover-se em círculos não funcionaria, o espaço era muito reduzido. E correr? Esqueça isso, pensou. Sobre tudo quando estivesse encurralada lá atrás na suíte principal. Seria impossível escapar. Jamais conseguiria escapar de Gordon. A menos que conseguisse neutralizá-lo fisicamente.
Taylor engoliu com dificuldade e aceitou o inevitável. A vítima teria que converter-se em agressora. Seria a única maneira de escapar. E tendo em conta a mente ardilosa de Gordon, a superioridade de sua força e sua habilidade mais perita com as artes marciais, só havia um intervalo no que ela poderia desfrutar da vantagem necessária para obter o que queria. Quando a levasse a cama. Estaria distraído. Suas capacidades físicas e sua concentração mental diminuiriam. Atuaria então. Com ou sem arma. Esperaria que Gordon colocasse suas mãos sujas nela. Então o atacaria como uma cobra armando o bote.
Taylor sentiu a bílis na garganta e voltou a apoderar-se dela uma onda de pânico. Como faria isso? Como poderia sobreviver se ele a tocasse? E como poderia lançar-se a esta ação de mulher intrépida? Não tinha recebido mais que um punhado de aulas de defesa pessoal e só algumas sessões práticas. Meu Deus, como poderia traduzir aqueles exercícios informais em algo real, para salvar sua própria vida?
A resposta era singela. Tinha que fazê-lo. Porque a alternativa era impensável.

20h12min
Reed olhava fixamente pelo guichê do helicóptero do Departamento de Polícia de Nova Iorque, um Bell 206 Jato Ranger. Observava as luzes do povo de lá abaixo, como se ao fazê-lo pudesse aproximá-las, fazer com que o maldito helicóptero voasse mais rápido. No momento, todos se moviam com a velocidade de um raio.
A polícia do porto de Sag tinha ligado para informar fazia cinco minutos. Tinham rodeado o clube náutico à espera de instruções de Hadman. Gordon acabava de chegar e tinha levado Taylor nos braços até o iate. Ela tinha os pulsos e os tornozelos atados, mas ao que parecia, estava consciente.
Isso era o que acontecia quando ligaram. Reed não suportava pensar no que estaria passando agora. Golpeou a perna com um punho. Sentia-se tão impotente, maldição. Mas tinha que confiar nos inspetores. Hadman tinha bom olfato. Quanto a Olin, desde o começo tinha calculado o tempo à perfeição.
Tinham demorado oito minutos para chegar ao estádio dos Yankees. O helicóptero acabava de posar em terra e Reed, Mitch, Hadman e Olin já cruzavam correndo o terreno de jogo para abordá-lo. Tinham deixado a Jonathan em terra, e não só porque o helicóptero tinha apenas quatro lugares, mas sim porque estava destroçado emocionalmente. Seria um perigo mais que uma ajuda. Ele também tinha reconhecido que não estava seguro de controlar-se quando visse Gordon, com ou sem a máscara de Dennis. Depois das misérias que fez passar seu irmão, seria capaz de lançar-se direto a sua jugular.
Pelo bem de Taylor, pelo bem de todos, Jonathan tinha voltado para seu apartamento, onde estava grudado em seu celular. Quando houvesse notícias, o informariam.
Segundo o último aviso do piloto, um minuto e meio atrás, aterrissariam em exatamente nove minutos. Olin havia retornado marcar as posições. Os polícias de Sag Harbor tinham tomado suas posições e aguardavam. Por hora, Hadman os mantinha no compasso de espera.
Reed rezava para que fosse a decisão correta.
— Que interessante — comentou Olin, lançando uma olhada no relatório que haviam entregue ao sair à carreira pela porta de delegacia de polícia.
— O que? —perguntou Reed, aturdido.
— A investigação sobre o passado de Dennis Kincaid. O verdadeiro Dennis Kincaid morreu faz quinze anos em um pequeno povoado de Nebraska. Não tinha família. Nem relações. Gordon escolheu a dedo. Encontrou a informação sobre Kincaid nas páginas fúnebres de alguma edição velha do jornal local. Nos povoados pequenos, essas páginas incluem uma grande variedade de dados pessoais, como se há familiares vivos ou não do falecido, sua idade, data de nascimento, causa de morte, nomes dos pais, todos os detalhes. Averiguando o nome de solteira de sua mãe, conseguiu tudo o que necessitava para solicitar uma cópia de sua certidão de nascimento mediante uma ordem de pagamento. Conseguir o cartão do seguro social e uma carteira de identidade com foto, e com isso já pôde ir ao escritório para tirar um passaporte. E aí o tem, o novo Dennis Kincaid. A única coisa que teve que fazer era tirar fotos novas depois da cirurgia, e ficou preparado para sair. Ou, neste caso, para voltar.
— Genial — murmurou Reed, só atento pela metade ao que dizia Olin.
— De volta aos Estados Unidos direto da Tailândia, em novembro por certo, não em setembro, nosso amigo Dennis Kincaid passou por alguns povoados no Meio Oeste, onde trabalhou meses em várias emissoras de rádio para fazer um currículo. E sabem o que mais? Nem rastro de problemas em nenhum dos povoados onde trabalhou. Nem em setembro, nem em outubro nem em novembro. De fato, não houve nenhum acidente no qual estivesse envolvido o tal Dennis Kincaid. O curioso é que nem sequer tem carteira de motorista. Não tem raízes, nem cartões de crédito, nem amigos. É como se tivesse intenção de não ficar no país.
— Surpresa; surpresa — respondeu Hadman, aborrecido — Gordon esperava que condenassem Jonathan e, quando os bens dos Berkley passassem pela avaliação do testamento, Alison herdaria toda a grana. Acredito que queira abandoná-la e fugir do país o mais rápido possível depois da herança.
— abandoná-la? —Olin arqueou as sobrancelhas com expressão de dúvida — Bem, provavelmente abandonaria mesmo. A essas alturas, Ally seria uma companheira dispensável.
— Certo. Mas, enfim, vamos dar ao sujeito o benefício da dúvida. Possivelmente tinha previsto dar de presente a sua mulher uma lua de mel como Deus manda antes de acabar com ela em algum canto perdido do mundo, como uma grande viagem ao estrangeiro como despedida final.
— Que comovente.
Reed não prestava a atenção no falatório. De fato, estava a ponto de lançar-se pelo guichê assim que sentiu que o helicóptero iniciava a descida.
— Estamos aterrissando. — Já se tinha desabotoado o cinto do assento.
— Prepare-se para saltar assim que toquemos o chão — ordenou Hadman — O piloto tem instruções de ir embora daqui em seguida se por acaso Mallory ouvir o zumbido dos sinais de comunicação, para que acredite que se trata de um aparelho que vai para o aeroporto.
— Duvido que esteja pensando nisso — respondeu Reed com uma voz sombria, enquanto avistava o barco — Terá a mente ocupada em outros assuntos… Como matar Taylor.







Capítulo 37
20h31min. ADRIENNE A BELA
CLUBE NÁUTICO DO PORTO DO SAG

Tinha chegado a hora da verdade.
Taylor adivinhou nos olhos de Gordon quando voltaram para o espaço da cozinha depois de um breve passeio pelo iate de Douglas. Esse pequeno passeio tinha sido um engano. Taylor soube no momento em que Gordon avisou-lhe que levaria tudo até o fim. E se não tivesse sido essencial olhar nos cantos do iate em busca de algo com o que defender-se, teria tentado abortar esse pensamento com as lembranças antes que começasse a tortura. Agora sabia que efeitos teriam em seu estado mental esse reencontro cara a cara com seu passado, porque Gordon reviveria momentos concretos daquela época em que Adrienne o tinha humilhado e tinha abusado dele. E estava certa, já que tinha começado a ficar furioso e estava ficando cada vez mais hostil. Psicologicamente, essa situação o deixava no pior dos estados. Aquilo não estava nada bem.
Gordon agarrou uma garrafa de uísque do armário das bebidas e se serviu com um duplo. Acabou em poucos goles e logo deixou o copo sobre o bar com um golpe seco.
— Não estou bêbado — informou a Taylor, com um olhar duro e rubro de ira — Estou em plena forma, mental e psicologicamente. Tenho os reflexos bem treinados, e aviso que sou rápido. Assim não faça uma cena.
— Não faço cena. Estou pensando.
— No que?
— No que ela fez.
— Que comovente — disse ele, com uma expressão de emoção fingida.
— Escute Gordon, eu não sou Adrienne — disse Taylor, com franqueza —. E, acredite ou não, me indigna a maneira que abusou de você. E como o utilizou.
— Ah, sim? — inquiriu ele — Está bastante indignada para compreender?
Estava pondo Taylor a prova, e ela sabia. Mas ela não ia deixar se arrastar à tentação de mentir. Porque isso era precisamente o que ele esperava.
— Não. Os crimes que cometeu me revoltam. Matou pessoas inocentes. Uma dessas pessoas era minha prima e minha melhor amiga. Stephanie era tudo o que tinha na vida. Assim se me pergunta se o perdôo, a resposta é não. Mas se me perguntar se negaria a ajuda que necessita a resposta também é não.
Gordon inclinou o copo vazio para parabenizar.
— Não deixo de me esquecer o quanto é sincera… quase sempre. Quando não persegue algum objetivo que a beneficiaria. Como brincar de ser a flor intacta que vai para a cama com Reed Weston. Ou a vítima que me abandonou quando partiu para passar umas férias que necessitava desesperadamente.
— Em nenhum dos dois casos fingia —espetou Taylor sem vacilar — Era verdade que era uma vítima assustada. Sua perseguição me deixou aterrorizada. Viajei a Palm Beach como último recurso. E quanto à imagem de flor intacta, tudo isso estava em sua imaginação, como você imagina que me guardava para você. Minha relação com Reed é verdadeira, não fui uma imposta.
— Agora tudo isso acabou — disse ele em tom brusco.
De um puxão tirou um lenço e limpou as digitais da garrafa de uísque e do copo, e logo os devolveu ao seu lugar no balcão.
— E o que tem com a Ally? — disse Taylor apressadamente, jogando mão da primeira coisa que ocorreu para tentar entretê-lo — Se estava tão obcecado comigo, por que se casou com ela? Ou possivelmente Ally nem sequer existe.
Eram perguntas que divertiam Gordon, e teve vontade de tomar o tempo de responder. Taylor viu que voltava esse brilho presunçoso em seu olhar.
— Vejo que ainda não resolveu essa incógnita, né? Ally existe, é de carne e osso. É uma Berkley. De fato, é a última dos Berkley. Agora, bem, casei-me com ela por uma questão de necessidade. Quando declarem Jonathan culpado e o condenarem à prisão perpétua ou o despachem com uma injeção letal, ela herdará tudo. E, nesse momento, eu também herdarei. Aí estava a verdade. Taylor piscou quando caiu a ficha. Isso era o que Gordon tinha desejado dizer no carro, ao confessar que se transformou em Dennis Kincaid para conseguir tudo o que correspondia a ele e a Jonathan se condenassem seu irmão por duplo homicídio.
Aquele homem era um desequilibrado. Mas também tinha uma mente brilhante. E se Gordon estava decidido, Taylor pensou que não era muito provável que Ally vivesse muito depois do julgamento e do pagamento da herança.
— Está impressionada — observou Gordon.
— Na verdade eu diria bem estupefata.
— O que posso dizer? Sou um gênio. — aproximou-se dela, arrancou-lhe com um puxão a garrafa de água que tinha na mão e a lançou sobre o banquinho — Não precisa se preocupar em limpar o piso. Cuidarei disso quando sair, como o bom cidadão que sou. — Agarrou-a pelo queixo com um gesto desumano e obrigou-a a olhá-lo nos olhos — Ouça, está tentando ganhar tempo. Percebi isso. E eu não gosto disso. Ela respondeu com uma careta de dor e assentiu com um gesto mudo a sua acusação. Agora tudo dava um giro para o desconhecido. Não estava treinada para o que pudesse acontecer. Tinha conseguido que Gordon continuasse falando, mas agora era impossível distraí-lo. Sem modéstia, ele tinha satisfeito sua necessidade de gabar-se e pavonear-se ante ela. Agora tinha outras necessidades, e eram mais urgentes. A satisfação sexual. A dominação. A vingança. E o momento final e irreversível.
— Chegou à hora — anunciou tão tranquilo como se anunciasse que ia se servir do jantar — Vamos ao camarote?
Taylor não conseguia sequer a escutá-lo. Seu olhar se deslocou para o mostrador e agora estava fixa na garrafa quase cheia de uísque. Possivelmente era a arma que necessitava se pudesse soltar o tempo suficiente para colocar a mão dela. Mas ela não estava preparada para isso, e menos com ele obrigando-a a retroceder para a suíte principal.
— Está tremendo — disse ele — É o medo ou é a paixão?
— É o medo — respondeu ela, com franqueza.
— Porque não me deseja — disse ele, provocador.
— Não. Porque não quero morrer.
Ele arqueou uma sobrancelha.
— Mais verdades do coração. Bravo — disse Gordon, e seguiu empurrando-a para o dormitório com todo seu peso, implacável.
Taylor se agarrou no marco da porta, respirando entre rápidos ofegos.
— Serviria de algo se eu suplicasse? — perguntou desesperada — Estou segura de que Adrienne nunca suplicou.
— Tem razão. Não era seu estilo — disse ele, e um músculo lhe saltou na mandíbula — Tampouco você o faria. Mas eu adoraria que me suplicasse. Quanto a servir de algo, suponho que quer saber se com isso poderia salvar a pele. A resposta é não. Isto é mais complexo que me desfazer de Adrienne sem mais. Também preciso me desfazer de você. Levo-a no sangue. Isso eu não posso possuí-lo. Assim tenho que possuí-la. E logo tenho que acabar com você, como fiz com ela.
Colocou as mãos por debaixo do pulôver de Taylor e subiu pelas costas até desabotoar o soutien.
— Voltando para a ideia de que me suplique. É uma idéia tentadora. Acredito que eu gostaria de ouvir. Na verdade, queria ouvi-la duas vezes. A primeira, quando ficar louca para que a leve até o clímax. E, a segunda, quando estiver a ponto de acabar com sua vida. Pode ser que isso me ajude a varrer a imagem de Reed Weston aproveitando-se do que é meu inclusive depois de ordenar que dormisse sozinha. Fiquei zangado e decepcionado, Taylor. Pensava que fosse diferente. Mas não é.
Taylor quase não o escutava por cima das batidas do seu coração. Afastou a face quando Gordon quis beijá-la, e se estremeceu de dor ao senti-lo excursionar com a boca, deslocando-se até seu pescoço com movimentos duros que faziam mal. Era o castigo por resistir a ele. Nesse momento, implorou a Deus que lhe desse a força necessária para fazer o que tinha que fazer. Não podia responder a seu impulso de resistir. Ainda não. A represália seria uma tortura para ela e faria que se gastasse nele a adrenalina, com todo o seu afã de domínio. Estava obrigada a seguir o jogo em seu sinistro engano. Tinha que fingir para que parecesse que consentia com o ato sexual. Seguir a corrente de seu desejo até que ele se abandonasse por completo.
E quando os hormônios tivessem embotado a mente, então passaria à ação.
Gordon a empurrou, obrigando-a a retroceder até a cama, onde a derrubou.
— Fique aí — ordenou, enquanto tirava a roupa com gestos bruscos e bem ensaiados, incluindo os sapatos com as palmilhas. Logo tirou as lentes de contato — Vê? Sou eu. — estendeu os braços e girou, como para que ela admirasse seu corpo nu. Logo caiu sobre ela, lhe sujeitando os braços pelos lados e cravando-a contra a cama — Na verdade, sou eu, mas melhorado. Possivelmente não a face. Isso necessita um retoque. Farei isso quando tudo terminar. Mas meu corpo está mais duro, mais controlado do que recorda. — Colocou as mãos sob o pulôver e o soutien e agarrou os seios com a palma das mãos — Na última vez só saboreou o que ofereci. Dessa vez terá tudo. Quem sabe? Pode ser que, no final, acabe agradecendo a Adrienne.
Taylor tentava desconectar sua mente de seu corpo. Tinha que consegui-lo se queria sair ilesa. Tomou coragem e perguntou:
— O que fará depois?
Ele se deteve e se apoiou em um cotovelo.
— Depois do que?
— Depois que eu morrer.
— Como pensava — disse ele, encolhendo os ombros com um gesto de indolência — Dennis Kincaid seguirá trabalhando na rádio, na WVNY. Receberá um novo programa, sobre tudo depois que Taylor Halstead se for. Dennis estará destroçado. Mas sobreviverá, acaba de casar-se. Conseguirá superar e seguirá ali até que condenem a Jonathan e declarem Ally como herdeira universal. Então o senhor e a senhora Kincaid serão picados pelo inseto da aventura e dirão adeus para irem viajar a algum canto desconhecido do planeta.
— Imaginei. Queria dizer, o que acontecerá comigo? — perguntou Taylor, com voz tremente — O que pensa fazer com meu… comigo?
— Quer que conte os detalhes? — perguntou ele, intrigado.
— Quero viver. Mas, já que não tenho essa opção, sim, quero saber os detalhes.
Ele voltou a encolher os ombros.
— Como queira. Jogarei seu cadáver nas águas infestadas de tubarões em alta mar. Não muito perto daqui, nem muito perto do Montauk, onde explorou meu iate. Não darei nem um passo que possa estabelecer um elo entre meus crimes anteriores e sua morte, no caso de que alguma parte de seu corpo saia à superfície antes que os tubarões a devorem. São bastante rápidos. Mas às vezes acontecem estas coisas. Assim se algum resto seu acabar na praia, será porque seu misterioso perseguidor é um pobre obsessivo e fez uma porcaria. Parecem detalhes suficientes?
— Mais que suficientes. —Taylor queria mostrar-se vulnerável em lugar de parecer enojada — Suponho que não sou tão forte como acreditava.
— Pode ser que não — conveio ele, e afundou os lábios no pescoço, enquanto curvava as mãos sobre seus seios — Mas se for mais brincalhona do que recordava — disse, e raspou um mamilo—. Está duro.
Taylor se reprimiu para não retorcer-se… ante a dor, ante a ideia de suas mãos tocando-a. Desligue-se, Taylor, ordenou-se a si mesma. É uma psicóloga, não uma vítima.
Não o deixe ganhar. Pensa.
Sua mente se apropriou da situação.
Gordon a desejava. Não só para violá-la. E não só para acrescentar um entalhe na cabeceira de sua cama por ter matado mais uma ruiva. O que a fazia diferente de todas as outras mulheres que Gordon havia possuído desde Adrienne, incluindo a pobre Steph, era que ela representava um desafio. Gordon era fascinado por desafios. Eram uma provocação a sua paixão e a sua inteligência. Ela representava um rival digno. Uma mulher que não caía a seus pés como todas as demais substitutas de Adrienne. Ele queria ganhar. Queria que ela o desejasse tanto como ele a ela. Queria vê-la tão acesa que chegasse a lhe suplicar que a levasse ao orgasmo. Se não podia possui-la dessa maneira, queria vê-la lutar. Queria que acendesse sua ira com sua resistência. Na última vez, tinha-lhe devotado isso. Grave engano. Com Steph e as outras havia se aborrecido. Um tipo diferente de engano. Ela não podia cometer esses enganos. Tampouco podia ficar estendida ali, plácida e insensível. Aquilo o tiraria de seu maldito transe. Tinha que oferecer outra coisa. Um desafio que o incitasse mentalmente e o excitasse fisicamente.
E que assim fosse.
Para confirmar seu fio de pensamento, Gordon se moveu, irritado, e com o polegar lhe raspou o outro mamilo, desta vez com mais dureza que a anterior.
— Relaxe — ordenou — Está rígida como um pau. Deixa de preocupar-se com o que acontecerá depois. O depois não importa. Estará morta. Não sentirá nada. Assim tire isso da cabeça. O que tem que fazer agora é gozar estes últimos e breves momentos de puro prazer físico. Breves… breves…
Isso disparou uma lembrança. Uma lembrança horrível. Mas era algo com que podia começar.
— Névoa — murmurou Taylor.
— Hmmm?
— Foi o que disse na última vez. Disse que eu era como a névoa. Evasiva. Intangível. Difícil de capturar.
— Recorda. Sinto-me envaidecido — disse, e deteve a incursão de sua mão.
Ela sentiu o toque mais suave. Sem dúvida era sua recompensa.
Era a brecha que procurava.
Taylor inspirou profundamente.
— Gordon…, espere — pediu, e pôs as palmas nos ombros — Por favor.
— Por quê? Quer seguir ganhando tempo? — perguntou, elevando levemente a cabeça.
—Não. Mais franqueza. — umedeceu os lábios com a ponta da língua — Olhe agora o entendo. Já sei qual será o resultado final. Mas posso ao menos dizer algo a respeito do que passará antes?
Ele encarou-a surpreso. E muito ressabiado.
—Prossiga.
—Diga que me quer. Que estou em seu sangue. E não pára de me dizer que é um magnífico amante. Assim, se eu morrer, queria fazê-lo com o mínimo de dor e o máximo de prazer. Estaria disposto a fazer isso em lugar de se deixar levar pela brutalidade?
— Isso é um jogo? — perguntou Gordon, entrecerrando os olhos.
— Não é um jogo. São apenas dois últimos desejos.
— Estou escutando.
— Em primeiro lugar, estou pedindo que seja de comum acordo no lugar de uma violação. Prefiro que me dê prazer. Que utilize sua habilidade no lugar de sua força.
— E o segundo desejo?
— Peço que me mate da maneira mais rápida possível, sem dor. Em setembro demonstrou muito bem que sabe autocontrolar-se. Utilizou a pressão necessária em minha traquéia para que desmaiasse, mas sem me matar. Após isso, deve ter melhorado seu domínio nas artes marciais. Estou pedindo algo tão fácil… se aceitasse fazê-lo. Espero que diga que sim. Na verdade, suplico-lhe isso. Por favor.
Lançou-lhe um desses olhares cortantes que ela recordava muito bem, um olhar que provocou um calafrio por toda as costas. Estava-a medindo, tentando averiguar o que queria ganhar, e o que estava disposta a perder.
Por favor, implorou ela. Que funcione. Tinha conseguido eliminar todas as barreiras. Tinha chegado a seu ego. A seu intelecto. A sua luxúria. A seus desejos de dominar.
— Deixa ver se entendo bem — disse Gordon, finalmente — Quer se tornar sensível comigo… assim sem mais?
— Sem mais. —Taylor não teve que fingir as lágrimas que alagaram os olhos e escorregaram por suas bochechas — Agora mesmo, não me vejo capaz de responder. Agora mesmo, só posso pensar em sofrer e em morrer. Assim suponho que depende de você.
— De maneira que tira a luva, né? — inquiriu ele, com um sutil brilho nos olhos.
— Se você o encara assim, sim.
— E como o vê você?
Como o último recurso para me salvar, ela pensou , muda.
— Como uma súplica de que seja indulgente comigo e tenha um último gesto de clemência.
— Uma súplica. Está me suplicando para seduzi-la?
— Suplico que tente.
Gordon sorriu, com esse sorriso asqueroso e triunfante tão típico dele. Taylor já não via nenhum indício do Dennis, apesar de seu rosto diferente.
— Se tentar, vou conseguir. Sempre e quando você se preste a isso.
Ela assentiu com a cabeça, tremente, e fechou os olhos. Obrigou-se a relaxar os músculos, a afundar-se na cama. Procurava que sua linguagem corporal transmitisse o desejo de ser seduzida. Ele se inclinou até lamber as lágrimas.
— Assim é como deveria ser. Você e eu. O céu e o inferno. Juntos para um momento único e congelado no tempo. Isto é o que eu sonhava. O final que os nós dois merecemos. —Cobriu-lhe a boca com seus lábios, induzindo-a a abrir os seus.
Ela mantinha a mente separada de seu corpo. Sua mente observava e ditava seus movimentos. E seu corpo obedecia. Pouco a pouco, foi entregando-se a ele. Algo menos que isso o inibiria. Algo mais que isso, despertaria suas suspeitas.
Gordon seguia beijando-a, com beijos cada vez mais profundos, até que ela o sentiu tremer de desejo, com sua ereção palpitando contra seu ventre. Mas Gordon não fez nada para tirar a roupa e penetrá-la. Fazia jus do controle ao qual tanto se gabou.
Muito bem. Muito bem. Quanto mais tempo estivesse vestida, melhor.
Importava-se nenhum pouco com o pudor.
Mas seus sapatos sim importavam, e muito.
Agora Gordon estava realmente absorto, e murmurava frases acesas que roçava a pele, o pescoço, a boca. Retribuía seus beijos, ao princípio timidamente, depois com uma espécie de ardor desesperado, como um náufrago que divisou um colete salva-vidas.
— Me abrace — ordenou ele, com a voz enrouquecida pela paixão. Taylor queria chorar de alegria. Obedeceu, e de algum jeito conseguiu diminuir seu entusiasmo quando pôs os braços ao redor do pescoço.
Tinha as mãos livres.
Suspirou em sua boca aberta e seu fôlego desatou nele outro tremor apaixonado. Não cabia dúvida, agora a luxúria de Gordon dominava todos seus movimentos, todas suas faculdades mentais concentradas no controle de si mesmo e na esmerada manipulação de seu corpo. Deslizou as mãos pelos braços de Taylor e, por um momento aterrador, ela acreditou que voltaria a capturá-la com força. Mas ele seguiu, subiu até seus ombros, até afundar os dedos na selva de seu cabelo.
Gordon começava a abandonar-se.
Agora Taylor necessitava que trocasse de posição para obter um acesso fácil. Liberou as mãos que tinha ao redor de sua nuca e as deslizou para lhe acariciar os ombros, obtendo que Gordon afrouxasse o torso, e logo se deteve, como se lutasse contra o desejo de seguir tocando-o. E ele, como ela esperava, deslocou seu peso até apoiar-se nos joelhos e voltou para apoiar-se sobre seus quadris.
— Continue — exigiu com uma voz espessa, agarrando-a pelos pulsos e levando-as para seu peito — Me toque.
Taylor lambeu os lábios, que estavam úmidos e inchados pelos beijos que ele lhe dava, e os manteve abertos, como se estivesse excitada. Não tinha por que fingir seu tremor, porque estremecia como uma folha, sabendo o que a esperava. Teria uma só oportunidade. Só uma. Se falhasse, a tortura que ele a submeteria faria que a morte lhe parecesse uma liberação.
Não. Não podia deixar-se levar por esse pensamento. Tinha que canalizar toda sua energia mental para a execução de seu plano. E executá-lo com toda a força possível.
Deslizou as mãos pelo peito do Gordon, desceu pelo torso, desejando que soltasse os pulsos no lugar da captura e as guiar por onde queria.
Era o momento de correr o risco.
Soltou uma mão e, com o índice, começou a descer por seu abdômen. Baixou o olhar até sua ereção e logo voltou a elevá-la para encontrar seus olhos, desta vez com um olhar interrogante.
Gordon tinha os olhos frágeis, desenfreados pela ilusão do que viria.
— Por toda parte — insistiu — Me toque por toda parte. Sobre tudo aí.
Gordon soltou o outro braço por iniciativa própria, tremendo dos pés a cabeça, totalmente abandonado ao momento, com seu pênis apontando para ela, enquanto esperava… esperava…
Taylor atuou em um abrir e fechar de olhos.
Com os dedos bem apertados e os nódulos logo que curvados, lançou-lhe uma navalhada com as unhas lhe varrendo os olhos. Foi um golpe tão certeiro que Mitch teria se sentido orgulhoso.
Gordon soltou um grito de dor e fechou os olhos, ao tempo que se levava instintivamente as mãos à ferida. Taylor cavou as mãos e as descarregou contra suas orelhas com um golpe tão violento que chegou a sentir como reverberava por todo seu corpo. Gordon grunhiu, oscilando de um lado a outro, perdendo o equilíbrio pelo golpe atirado. Taylor aproveitou o impulso das mãos e o empurrou para trás pela cabeça, valendo-se de suas pernas para tirar-lhe de cima.
Levantou-se antes que ele pudesse recuperar-se, e saiu disparada para a porta. Tinha cruzado a coberta e já tinha o pé no primeiro degrau quando ele a alcançou por trás.
— Maldita vagabunda — resmungou, com voz rouca, derrubou-a e começou a arrastá-la de volta ao camarote — Não tem nem idéia do que vai custar isto.
Ela não tinha intenção de comprová-lo.
Com todas as suas forças, afundou-lhe o cotovelo no plexo solar e lhe estrelou o salto de seu sapato contra a pele descalça.
Gordon deixou escapar um alarido afogado, um grito surdo. Teve que afrouxar seu laço ao dobrar-se em dois.
Perfeito.
Com um movimento de acima a abaixo, Taylor lhe esmagou o cotovelo no nariz de uma forma que escutava o ruído do osso que se partia com a violência do golpe. Com um rugido de dor, Gordon tocou o rosto e soltou-a.
Ela se virou e, com o punho convertido em um martelo, atirou-lhe um golpe na virilha.
Com um ruído surdo, Gordon caiu de joelhos, amaldiçoando-a, tentando inutilmente conservar o equilíbrio, dobrado em dois pelo brutal murro.
O mostrador da cozinha estava a dois passos. Taylor os resolveu. Agarrou a garrafa de uísque, virou-se e, com toda a força que pôde, descarregou-a contra a cabeça do Gordon. Viu-o desabar-se sem que pudesse balbuciar nenhuma só palavra.
Não esperou para ver se estava aturdido, inconsciente ou morto. Saiu disparada para o exterior.
Conseguiu subir pela escada. Mas quando se arrastava até a coberta principal, uma mão a agarrou de acima.
— Não! — gritou. Tinha os braços aprisionados e ainda não tinha as pernas firmemente ancoradas. Não parou para pensar. Usou a única arma que ficava. A cabeça.
Curvou-a, pregou os joelhos e se impulsionou para cima até dar com o topo da cabeça na face de seu agressor. Não teve tempo de centrar-se no ponto de impacto, como Reed ensinou, nem pôde agarrar a seu inimigo pelos braços para potencializar a força do golpe. Mas conectou com suficiente impulso para que o homem lançasse um grito de protesto e a soltasse.
—Que merda é essa! — O agressor, que não era outro além do inspetor Hadman, agarrou-se para frente e esteve a ponto de cair—. Garota está louca? Nós somos os bons.
— Inspetor Hadman — disse Taylor, com um fio de voz.
— Onde está Mallory? — Era o inspetor Olin que, pistola em mão, passava junto a seu companheiro.
— Ali embaixo — disse Taylor — Não sei se está consciente.
Olin fez uma careta.
— Vou ver. — Olhou Hadman—. Vem?
— Sim. — Hadman também pegou a pistola. Com a outra mão, tocou a ponta do nariz — Se foi capaz de fazer isto com um policial, morro de vontade de ver como estará destroçado esse filho de puta que está lá dentro.
Taylor ainda tentava assimilar o fato de que os inspetores Hadman e Olin estavam ali, junto com uma unidade de apoio local que tinha abordado o iate antes deles. Mitch também estava ali. E Reed abria caminho entre os agentes para saltar ao iate e chegar a seu lado.
— Taylor. — Reed a abraçou enquanto a olhava com olhos esbugalhados, horrorizado por seu aspecto apavorado e decomposto. Ele mesmo parecia ter envelhecido dez anos, como se não tivesse dormido nenhuma só noite — Meu Deus, carinho, você está bem?
— Acredito… acredito que sim.
— Tudo bem com você? — repetiu Hadman como um eco quando voltou a subir pela escada — Eu já estava com uma enxaqueca. Sua amiguinha acaba de convertê-la em um traumatismo. — A rápida piscada que lançou a Taylor desmentia seu tom mal-humorado — Bom trabalho.
Virou-se, inclinou-se e ajudou Olin a arrastar Gordon até a coberta, semiconsciente e completamente nu.
— Deixa de se queixar —aconselhou Olin a seu colega —. Poderia ter sido pior. Olhe como ficou essa face.
— Já o vi. Por que você acha que estou tratando-a com tanta amabilidade? Entre o falatório, obrigaram a Gordon a levantar-se para pôr as algemas. O uísque banhava-lhe todo o corpo e ainda tinha partes de vidro incrustadas na cabeça e nos ombros. Gordon conseguiu com muita dificuldade levantar-se, visivelmente desorientado pelo golpe na cabeça. Ainda sangravam os olhos maltratados pelo arranhão de Taylor. O nariz, torcido, também sangrava. Caminhava encolhido e coxeando, totalmente aturdido.
Reed e Mitch olhavam incrédulos.
— Ouça Taylor — disse Olin por cima do ombro, enquanto empurrava Gordon pela cobertura em direção ao carro patrulha que os esperava—. Deveria deixar a terapia familiar e pensar em entrar para o corpo de polícia. O Departamento de Polícia de Nova Iorque necessita de uma agente como você.
— Eu… — Taylor balbuciou com voz tremente, quase incapaz de articular uma palavra. Ainda não assimilava o que acontecia a seu redor.
Olhou para Reed e piscou.
— Como me encontrou? Como chegou a tempo? Como sabiam que Dennis e Gordon eram a mesma pessoa? Como…? — murmurou, rompendo num choro convulsivo. Deixou-se cair nos braços do Reed — Não posso acreditar que esteja aqui.
— Estamos aqui. Eu estou aqui. — Reed a abraçou lhe beijando o cabelo, balançando-a em seus braços como um valioso tesouro. Franziu o cenho ao sentir os tremores que a sacudiam inteira — Esse bode asqueroso machucou-a?
Ela negou com a cabeça.
— O impedi graças ao que você e Mitch me ensinaram.
— É verdade que as técnicas de defesa pessoal são muito úteis — concordou Mitch, aproximando-se –- mas os tipos que praticam artes marciais nunca o esperam, sobre tudo quando se trata de pessoas normais. Nunca sabem o que vai acontecer com eles. Ficou olhando Gordon enquanto o levavam — A julgar pelo estado em que ficou, vejo que utilizaste minha técnica do arranhão e o golpe nas orelhas.
Taylor respondeu a seu comentário frívolo sorrindo entre soluços.
— Foi o primeiro que utilizei.
Reed não sorria.
— Não tinha alternativa. Estava cravada na cama.
— Por um momento, sim — corrigiu Taylor — Até que pude escapar. — Taylor não estava preparada para entrar em detalhes, ainda não. A experiência ainda estava muito viva — Tive que lançar mão de jogos psicológicos para que baixasse guarda. Foi como a coreografia de uma dança repulsiva. Enfim, quando ele começou a interpretar seu papel, arranhei-o, dei-lhe nas orelhas e logo corri. Só consegui chegar até a escada antes que me agarrasse por trás — disse, com uma careta de espanto ante a lembrança.
— Tornou-se louco de raiva — aventurou Reed — Esse porco está louco de matar. Correu um risco enorme.
— Não tinha outra saída.
— Já sei — disse ele, tragando com dificuldade — Como conseguiu que a soltasse?
— Isso eu devo a você. — Taylor elevou a cabeça para olhar Reed de frente. Tinha as pestanas banhadas em lágrimas — Recorda do que me ensinou durante nossas sessões de defesa pessoal? Não parava de recordar, uma e outra vez, como uma ladainha. E quando Gordon me arrastou pela escada, quando senti a violência que se apropriou dele, utilizei-o. Não me deu tempo a pensar. Só de atuar. Ou isso ou morrer.
— Que acróstico é esse? — perguntou Mitch.
— Reed me ensinou a ir ao pene.
— O pênis? O que é isso? O que tem a ver o sexo?
— Não — riu Taylor — P-E-N-E — ela soletrou e logo decompôs o acróstico—. Plexo solar e Pé. Nariz. Entrepernas. Saiu perfeito. Antes mesmo da garrafa de uísque na cabeça.
— Terei que recordá-lo — observou Mitch.
— Não respondeu as minhas perguntas — ela recordou. O estado de choque e o frio começavam a afetá-la, e os dentes pareciam que tocavam castanholas. Cruzou os braços sobre o peito para dar-se calor.
— Responderei a todas — disse Reed, e tirou rapidamente o casaco para lhe dar calor. Taylor viu a fúria e a dor em seu rosto quando ele se deu conta de que tinha o soutien desabotoado. Sujeitou com firmeza o casaco em torno dela e a abraçou — Mais tarde. Agora, vou levá-la a um hotel. Precisa dormir.
— Boa idéia — disse Mitch — Eu volto para a cidade com o Hadman e Olin. Estão alucinados. Aproveitarei um dos carros. — Olhou-os com um sorriso — Acredito que vocês não precisaram mais de nós por esta noite.
— Não, estamos bem —assegurou Reed — Vou colocar Taylor na cama e logo ligarei a todos os amigos que ficaram preocupados em casa. Kevin estava muito assustado. E Jonathan está destroçado.
— Pobre Jonathan — murmurou Taylor –- deve ter sido muito duro para ele.
— Agora é livre. Também começará uma terapia, graças as suas referências. Com o tempo se curará. Todos nós curaremos. — Reed se voltou para Mitch — Ouça, antes que se vá, que planos tem para a Semana Santa?
— Nada especial. Por quê?
— Minha família se reúne na casa de meus pais em Vermont. Rob virá. Poderá cobrar tudo o que deve.
Mitch afogou uma risada.
— Sim, mas então você deverá a ele.
— Nenhum problema. O pagarei em espécie. — Reed lançou um olhar a Taylor — Não só a ele, mas também a toda minha família. Tenho o presente perfeito para eles.
— A que te refere? — perguntou Mitch — Ou deveria dizer a quem se refere?
— A quem e a que. O "quem" é Taylor. O "que" é, se eu conseguir, uma notícia.
— É a notícia que eu penso?
— Não saberá até que nos deixe sozinhos para que possa fazer minha pergunta e ela possa me dar uma resposta.
— Já vou — disse Mitch. Despediu-se rapidamente com a mão em alto — Boa noite. E boa sorte. Verei-o em Manhattan. E conte comigo para Semana Santa.
Taylor olhava Reed quando ele se virou para ela.
— Reed…
— Primeiro o hotel — interrompeu — Logo um banho quente. Depois uma taça de Merlot junto à chaminé. E depois…
— Sim — disse ela, adiantando a resposta para sua pergunta. É sim.




Epílogo


20 DE ABRIL, DOMINGO DE RAMOS
17h15min. NEWFANE, Vermont


Reed tinha razão.
Era uma sorte que a casa de campo dos Weston estivesse construída de pedra. Se não fosse assim, aquele fim de semana teria arrebentado as paredes.
Quando chegaram à recontagem, havia dezoito adultos, nove meninos, um bebê na lista de espera, dois cães labradores marrons e um beagle, uma gata listrada com seus seis gatinhos, um furão albino, três peixes, duas tartarugas acrobatas e um coelho.
Taylor jamais tinha visto tamanho caos em sua vida. A mesa do jantar estava a ponto de desabar sob o peso dos pratos e todas as pessoas inclinadas umas sobre as outras para servir-se. Os meninos e as meninas, depois de haver-se aborrecido da comida e a conversa, corriam por toda a casa, entretidos com uma variedade de brincadeiras. As mascotes ladravam, miavam, davam voltas nas rodas de suas jaulas, saltavam em seus recipientes de água ou esquivavam a seus respectivos amos entrando e saindo da casa. Os adultos tomavam café, falavam a mil por hora para ficar a par de suas respectivas vidas e apostavam entre sussurros sobre quem seria o primeiro em sentar a cabeça, Rob ou Mitch. Os dois tinham vindo com suas noivas e, nesse momento, elas duas estavam no lavabo maquiando-se.
— Rob está submetido a uma grande pressão — disse sua irmã Meredith, em tom provocador — Agora que Reed está se acomodando. O solitário no patíbulo.
— Que simpática —disse Rob, dando uns tapinhas na sua irmã com seu ventre de grávida —sirva outro donut. Minha sobrinha ou sobrinho está faminto. Será melhor que tenha a boca cheia quando Jen sair do lavabo. Seguro que não necessita que a animem. Não pára de me lançar indiretas.
— Então, responda — aconselhou Meredith com um grande sorriso, e se serviu de um donut sem cobertura.
— E o que passa contigo, Mitch? — Era Joy, a cunhada de Reed, quem fazia a pergunta do outro lado da mesa — Pam parece um encanto.
— E é mesmo. Mas estou esperando que Rob dê o primeiro passo.
Uma risada coletiva varreu a sala.
— Voltemos para o casal estrela do fim de semana — pediu Lisa, a irmã mais velha de Reed. Levantou-se, foi até o outro lado da mesa e ficou agachado junto a Taylor
— Agora que acabou a histeria do princípio, deixe-me ver seu anel de perto?
— Claro que sim — disse Taylor e obedeceu mostrando a mão pela enésima vez desde que Reed tinha anunciado seu compromisso no dia anterior.
— Que lindo! — exclamou Lisa, admirando o diamante perfeitamente esculpido que brilhava — É uma beleza. Um anel maravilhoso. Uma mulher adorável. E um belo escritório de advocacia que tirará o melhor que há em você. Parece até que ganhou a loteria, e um prêmio dos grandes — afirmou, apertando a mão de Taylor— Sobre tudo com Taylor.
— Isso mesmo — conveio Reed.
— Pensou onde e quando vão celebrar o casamento? — perguntou a irmã Shannon, do outro lado da mesa.
Taylor encolheu os ombros sem saber o que responder.
— Estou disposta a receber sugestões. Não tive tempo de pensar. Foi uma loucura.
— Antes de abrirmos o capítulo de sugestões, há certas regras básicas — anunciou Reed — Podem discutir onde celebraremos o casamento. A data, não. — Pôs um braço sobre o ombro de Taylor —. Casaremos o quanto antes.
— Não posso reprovar — disse isso o pai de Reed, com voz séria e um olhar de simpatia — Depois de tudo o que aconteceu com Taylor, vocês merecem um pouco de felicidade.
— E uma família — acrescentou sua mãe brandamente —. Sinto tanto por sua prima.
— Obrigada. —Taylor ainda sentia a dor da perda quando falava de Stephanie, embora o grande vazio que a embargava tinha diminuído — Sinto muito a falta dela — disse, com um sorriso nostálgico—. Mas sei que me olhando do céu com um sorriso de orelha a orelha. Steph sempre disse que eu estava destinada a ter uma família grande.
— E um bom marido —recordou Reed — Não se esqueça dessa parte.
— Meu Deus, que ego mais descomunal — grunhiu Rob.
Todos riram.
— Tenho uma sugestão — aventurou a mãe do Reed — Se a viagem não for muito comprida para seus convidados, por que não se casam aqui? Temos quinze hectares de terreno. Estou certa de que isso supera o tamanho de qualquer salão de casamento. No que se refere ao quando, o que acham de junho? Ainda não fará muito calor, e Vermont é muito bela ao final da primavera. Tudo está em flor. As árvores estão verdes, em seu melhor momento. Claro que é só uma sugestão.
— É uma idéia incrível! — exclamou Meredith — O bebê terá nascido e poderemos pegar um avião. Derrick não se entusiasma muito em dirigir quatro dias. Os meninos passam toda a viagem brigando.
— É uma idéia magnífica — concordou Lisa — Podemos instalar uns toldos no jardim, se por acaso chover. Mas não choverá. Fará um tempo perfeito. Celebraremos a cerimônia no jardim e o banquete na parte de atrás, olhando ao noroeste, com o qual teremos uma vista espetacular das montanhas.
Shannon estalou os dedos.
— Me acaba de ocorrer algo. Conheço um fotógrafo genial. Chama-se David Lodge. Criou-se aqui e foi viver em Denver. Nós nos víamos de vez em quando. Mas sentia falta de Nova a Inglaterra. Assim retornou a Vermont no ano passado. — Procurou em sua bolsa —. Tenho seu cartão com o novo endereço por aqui em alguma parte. Tira fotos exteriores insuperáveis. Lembra-se dele, Reed?
— Sim — disse Reed —, mas…
— Vó, terá que fazer os arranjos de flores — interrompeu Shari, a filha da Lisa e Bill, que estava a ponto de fazer doze anos embora já parecesse uma moça. Havia se interessado na conversa ao ouvir a palavra «casamento», e tinha se aproximado em seguida para participar do bate-papo — Pode fazer um pequeno vaso para cada mesa. Nós os encheremos de flores.
— Eu adoraria — disse sua avó com um grande sorriso.
— E o que faremos com os convidados que ficarem para dormir? — perguntou o pai de Reed, franzindo o cenho –- poderia ser um problema. Tal como estão às coisas, a casa se enche quando vem toda a família.
— Não há com que preocupar-se — interveio Jill, a cunhada de Reed —. Encarregaremos-nos de acomodá-los. Mark e eu temos o hotel no complexo de esqui, não se esqueça. Como está na fronteira com New Hampshire, fica muito perto daqui e, dado que será fora de temporada, logo teremos reservas. Podemos fechar o hotel e alojar a todos os convidados que queiramos. Incluídos os recém-casados — acrescentou com uma piscada marota — Já sabe Reed, que a suíte VIP tem uma vista incrível, perfeita para os recém-casados.
Reed quis abrir a boca para opinar, mas em seguida o sossegaram.
— Terá um casamento de autêntica fabricação caseira — disse Kyle olhando para os meninos que gritavam e corriam por toda a casa —. Aqui há suficientes damas de honra, portadoras de flores e portadores de anéis para encher toda uma sala. E isso sem contar aos amigos que queiram incluir.
— Eu me ocuparei das sobremesas — disse Meredith, que já tinha começado a rabiscar em um guardanapo—. Você se limite a me dizer quantos convidados virão e quais são suas sobremesas preferidas. A mim, deixe o resto, incluído o bolo da noiva. Quanto à comida, farei e contato com o Gourmet Caterers, são os melhores de Vermont. Conheço uma das proprietárias, Joan Carmichael. Ela se encarregará de tudo, das peças até os pratos principais.
— E a música? — perguntou Joy — Poderíamos fazer uma combinação de clássica e eletrônica. Um quarteto de corda para a cerimônia e um DJ ou um grupo para o banquete. Primeiro a dignidade, depois, baile toda a noite.
— É uma idéia ótima — disse Lisa — Os jovens adorarão um DJ.
— Sim, mas uma banda o vivo é melhor — replicou seu marido Bill—. Podem tocar temas de agora para os jovens e dos anos cinquenta, sessenta e setenta para nós, porque terei vontade de dançar como um condenado.
— E temas dos anos quarenta para mamãe e papai e seus amigos — acrescentou sua mulher.
— Sim, mas nada de música de discoteca — exigiu Derrick— Citando ao grande Harry Chapin, que em paz descanse, direi que a música de discoteca é uma merda. Embora, claro, sempre há um casal de beberões e quarentões que estão convencidos de que ainda podem recriar A febre de sábado noite. Meredith começou a rir.
— Querido, que imagem.
— Sim, de verdade — disse Lisa, que também sorria — De acordo. Nada de música de discoteca. E Bill, tem razão, um grupo ao vivo dará para todos os gostos. Você e eu temos que fazer algumas ligações.
— Eu já tenho um grupo — propôs Bill — No hotel tivemos alojados dois casais de recém casados, um em janeiro e outro em fevereiro, e as duas estavam fascinadas com a música que tiveram em suas festas. Descobrimos que era o mesmo grupo.
— Ótimo. Isso significa que são daqui. Chamarei-os em seguida. Esperemos que não estejam comprometidos.
— Sabe de uma coisa? — acrescentou Mark — Agora que diz de nossas hóspedes, também tivemos a essa senhora da gráfica. A senhora acabou desenhando nossos cartões de Ano Novo. Tinha umas amostras incríveis. E o resultado de seu trabalho também foi incrível.
— Mark, você é um gênio! — exclamou Jill e o abraçou, entusiasmada — havia esquecido. É o mais indicado para os convites. As nossas eram singelas, nada rebuscadas, mas ela pode fazer algo, desde o tradicional até o mais original.
— Original? —disse Lisa, e franziu o cenho — Não para um casamento. Pessoalmente prefiro…
— Ouça! —exclamou Reed, e bateu as mãos. Quando ninguém deu ouvidos em meio de todo o tumulto, levou dois dedos à boca e soltou um comprido assobio. Todos ficaram olhando, perplexos, como se de repente se dessem conta de sua presença.
— Lembram de mim? — perguntou, com expressão irônica — Eu sou o noivo. E esta bela mulher que tenho a meu lado? É a noiva. Assim antes que assinem os contratos e fechem todos os acordos, seria pedir muito que nos consultassem antes? Sobre tudo, gostaria de saber o que pensa Taylor de tudo isto, caso não a tenham deixado em estado de choque. Possivelmente queira casar-se em Manhattan, ou em uma igreja grande. Queremos muito a todos, e nós adoramos seu entusiasmo. Mas é nosso casamento. — virou-se para sua noiva — Ainda está inteira?
— Intacta — assegurou Taylor. Na verdade, estava maravilhada.
— Não se sinta pressionada por esta multidão —aconselhou Reed, em tom cometido — Quando disparam a imaginação, não há quem os pare.
— Não me sinto pressionada. — Taylor se sentia mais que emocionada, a ponto de chorar. Pela primeira vez entendia o que significava pertencer a uma grande família. Era uma sensação maravilhosa.
—Não me sinto pressionada — repetiu ela—. Sinto-me emocionada. E tudo isso é uma honra. Eu adoraria me casar aqui. Meus amigos não terão nenhum problema em vir até Nova Inglaterra — disse, e sorriu, pensando na turma da rádio — Acredito que se meteriam todos em algumas caminhonetes para vir até aqui. E minha família é pequena, só meus pais, meu tio e minha tia. Adoram viajar, por negócios e por prazer. De fato, minha tia é proprietária de uma agência de viagens e viaja por todo mundo procurando novos lugares de férias. Assim para eles Vermont será como uma tripla atração.
— E quanto à data? —perguntou Jill — Junho é muito cedo?
— Para mim, não. —Taylor lançou um olhar a Reed, com a pergunta nos olhos — E você, o que opina? Sua empresa está dando seus primeiros passos. Paul pode se ocupar de tudo sozinho? Ou é muito cedo para deixar as coisas no ar?
— Nem pense nisso — disse ele, enfático—. É por isso que fundei a compainha, para que possa ter uma vida e vivê-la como eu queira. Paul cuidará de tudo. — Reed se levantou, tomou a mão de Taylor e lhe pediu que ficasse de pé — Nos desculpam um momento? Quero falar com o Taylor a sós.
— Sim, isso. Falem — respondeu Rob, com voz austera — Só que seja decente. Há crianças por toda a casa.
—Tentarei me controlar — disse Reed, sem vacilar. Afastou-se com Taylor pelo corredor e saíram pela porta traseira. No jardim, virou-a para que o olhasse
— De verdade é isto o que quer? Porque só se casa uma vez na vida. Ao menos, em nosso caso será assim. Quero que esse dia seja tudo o que você deseje.
— E será. Já o é —assegurou— Estou mais convicta agora que antes. O entusiasmo de sua família é contagioso. São maravilhosos. Tal como tinha contado, e ainda mais.
— Estão a ponto de ser sua família também.
— Sei. E me sinto incrivelmente afortunada.
— Eu também — disse Reed, e agarrou seu queixo, levantou-o e a beijou brandamente, de uma maneira aceitável para a multidão de meninos e meninas reunidos como testemunhas de seu atrevimento
— Te amo — disse, com voz fraca — Nunca se esqueça.
— Como poderia esquecê-lo? Depois de tudo o que tem feito por mim. —Taylor o olhou, com as lágrimas ainda brilhando em seus olhos — Eu também te amo. E também confio em você. Absolutamente e sem reservas. E dependo de você. Ensinou-me que posso pensar isso e seguir sendo forte e independente. Agradeço-lhe isso. Assim acabaram-se os muros. Acabou-se a ideia de proteger-me do mundo. Quando se trata de nós — disse, sorrindo apesar das lágrimas — Diria que teve o seu caso mais importante e o ganhou, senhor advogado.
Reed a acariciou com os nódulos e ela sentiu a emoção em seu contato.
—Já havia dito que era bom.
—E é. É muito bom.

Um sorriso lento desenhou-se em seus lábios.
— Então, ganhei uma celebração por meu triunfo.
— Estou convidada?
— É minha única e particular convidada.
— Acreditava que seria a anfitriã.
— Isso também.
Os olhos de Taylor brilharam e sorriu.
— Onde e quando?
Ele franziu os lábios com um olhar pensativo.
— Vejamos. Sairemos da casa de meus pais depois do jantar. Demoraremos um pouco mais de quatro horas até Manhattan. Certamente serão cinco, devido ao tráfego do fim de semana. Estaremos na cidade perto da uma da madrugada.
— Parece bem calculado.
— Estará muito cansada?
— Estarei totalmente acordada.
— Então, perfeito — concluiu ele, e roçou os lábios com o polegar — Estamos de acordo. Em minha cama. Esta noite. A uma.
—Terei que vestir-me com etiqueta?
— Nu total.
— O que posso trazer?
— Nada. Só você. Não fará falta servir-se de nada mais. Quer dizer, nada de comida. Será uma celebração sem palpites ou intromissões. Só você e eu, uma cama muito grande e uma noite muito longa. Já disse que manhã na escola Dellinger tem festa?
— Disse — ela confirmou.
— De acordo. Então a celebração pode seguir todo o dia de amanhã.
— Parece que será um grande acontecimento.
— E será. Dou-lhe minha palavra.
— Só sua palavra? — perguntou Taylor, com inocência fingida —. É só o que me dará?
—Não — assegurou — Meu amor, eu sou todo seu. E esta noite pode se servir de todas as partes que desejar.
— E posso repetir?
— Uma, duas,três vezes... O que desejar.
O sorriso de Taylor era pura sedução.
—Nesse caso, conte comigo.



Fim

 
Por causa do tamanhho do e-mail em mb, estou enviando sem o anexo do arquivo em doc, mas tem o link para baixar o e-book.

 

 

  

 
PERSEGUIDA
Andrea Kane

Disponibilização e tradução: Jo Slavic

Revisão: Roberta Lelis

Revisão Final: Paty Ignácio e Leniria

Formatação: Leniria

 

 

Nota da revisora Roberta:

 

 

Para quem gosta de um bom romance estilo policial, esse é um prato feito. O livro reúne supense, sensualidade, perseguição, luxúria, intrigas... Quando você pensa que já sabe de tudo, inclusive o final... Tudo muda! Tem algumas cenas hot, mas o destaque do livro é o suspense e a perseguição.

Boa leitura!!

 

Resumo:

 

"Estarei vigiando-a…"

 

Taylor não podia esquecer as últimas palavras de Gordon, o homem que a encheu de terror e que levou à morte a mulher que ela queria como a uma irmã. Agora, Gordon estava morto, mas seu fantasma parece continuar atormentando-a. Taylor só encontra ajuda no advogado Reed Weston, que se torna mais que um amigo. Ambos suspeitam de Jonathan, irmão gêmeo de Gordon, que é obcecado por Taylor. Qualquer homem que se aproxime da jovem pode acabar morto, vítima de um misterioso assassino que parece estar decidido a tudo. E Taylor, psicóloga que aconselha dezenas de pessoas todos os dias em seu programa de rádio, não pode fazer nada para sentir-se segura.

 

 

Link do e-book em doc.

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