O Físico Prodigioso por Jorge de Sena uma crítica de Jorge Candeias publicada em 01.12.2002 republicada em 21.09.2003 Olhando para o título, poder-se-ia supor que se trata aqui de um livro passado nalguma universidade, com um físico particularmente brilhante como personagem central da história. Mas as palavras enganam e os seus significados mudam. "Físico", nos tempos de antanho, era palavra que designava os médicos, aqueles que tratavam das dores físicas do corpo (enquanto os padres se debruçavam sobre as dores de alma). E é isso que aqui temos: uma fantasia medieval, na qual um jovem (e lindo) cavaleiro encontra um gorro mágico que lhe confere poderes de cura (entre outros), e fica sob a protecção do Diabo, que se apaixona por ele. O resto da trama orbita estes factos centrais. Dona Urraca, uma encantadora e moribunda dama que o jovem salva da morte e rejuvenesce, para grande irritação e espanto dos médicos (ou físicos) que já lhe haviam traçado o destino, é outra personagem basilar, e vem a revelar-se tão encantada como o próprio físico prodigioso. A terceira personagem central da história é o Diabo, claro. Não vale a pena entrar aqui em grandes descrições da trama. Não é isso o mais importante. Tal como ele próprio conta nas notas finais ao volume, Sena pretende principalmente aplacar o seu fascínio por duas lendas medievais que só têm em comum o facto de ambas terem feito parte da compilação do Orto do Esposo, datada da primeira metade do século XV: a lenda do homem cujo sangue tinha poderes mágicos de cura e de ressurreição dos mortos, e uma outra lenda de um homem que não pôde ser enforcado porque o Diabo o protegia levantando-o no ar. Para isso, o autor juntou as duas lendas numa única história, e elaborou sobre elas. Mas foi muito além de uma simples junção e expansão. Para começar, Sena pôs no seu texto sexo explícito. Nada de especial, dirão. Mas isso é antes de saberem que a primeira edição desta história data de 1966, ano em que se notavam já os estertores finais da ditadura salazarista, mas em que esta ainda era tão arcaizante e moralista como sempre tinha sido. Além disso, no fim do livro, no julgamento, os membros da Igreja não são nada bem tratados, o que era mais uma heresia nos tempos em que um certo Cardeal Cerejeira era das mais influentes figuras do país. E, finalmente, Sena é experimental, entremeando aqui e ali poemas e canções com o texto em prosa (recorde-se que Jorge de Sena é fundamentalmente conhecido como poeta) e fazendo por vezes duas vozes contraditórias correrem lado a lado, em duas colunas, ao longo das páginas. |
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