quarta-feira, 31 de agosto de 2011 By: Fred

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O EFEITO
SOMBRA
DEEPAK CHOPRA
DEBBIE FORD
MARIANNE WILLIAMSON


Tradução
Alice Klesck


Sumário

Introdução
7

PRIMEIRA PARTE
A sombra coletiva
DEEPAK CHOPRA
13

SEGUNDA PARTE
Fazendo as pazes com os outros, com o mundo e consigo
mesmo
DEBBIE FORD
109
TERCEIRA PARTE
Só a luz pode banir a escuridão
MARIANNE WILLIAMSON
189

O Efeito Sombra — questionário
237

Sobre os autores
251

Introdução

O conflito entre quem somos e quem queremos ser
encontra--se no âmago da luta humana. A dualidade, na
verdade, está no centro da experiência humana. A vida e a
morte, o bem e o mal, a esperança e a resignação coexistem
em todas as pessoas e manifestam sua força em todas as
facetas da vida. Se sabemos o que é a coragem, é porque
também experimentamos o medo; se podemos reconhecer a
honestidade, é porque já encontramos a falsidade. No
entanto, a maioria de nós nega ou ignora nossa natureza
dualista.
Caso estejamos vivendo sob a suposição de que somos ape-
nas de um jeito ou de outro, dentro de um espectro limitado
de características humanas, então, precisamos questionar
por que, atualmente, muitos de nós estamos insatisfeitos
com a nossa vida. Por que temos acesso a tanta sabedoria e,
ainda assim, não temos a força e a coragem para agir
segundo nossas boas intenções, tomando decisões eficazes?
E, mais importante, por que continuamos a nos expressar de
maneiras contrárias aos nossos valores e a tudo aquilo em
que acreditamos?
Vamos mostrar que isso ocorre porque não examinamos
nossa vida, nosso eu mais obscuro, o eu sombrio, onde está
escondido nosso poder esquecido. É ali, nesse local mais
improvável, que encontramos a chave para destrancar a
força, a felicidade e a capacidade de viver nossos sonhos.
Fomos condicionados a temer o lado obscuro da vida, assim
como o nosso. Quando nos pegamos em meio a um
pensamento sombrio ou tendo um comportamento que
julgamos inaceitável, corremos como uma marmota ao
buraco no chão e nos escondemos, torcendo e rezando para
que aquilo desapareça antes de nos aventurarmos a sair
novamente. Por que fazemos isso? Porque tememos,
independentemente do quanto nos esforcemos, jamais
conseguir escapar desse nosso lado. E, embora ignorar ou
reprimir esse lado sombrio seja a norma, a verdade soberana
é que correr da sombra apenas intensifica seu poder. Negá-la
apenas conduz a mais dor, sofrimento, tristeza e sujeição. Se
falharmos em assumir a responsabilidade de extrair a
sabedoria que está oculta no fundo de nossa consciência, a
treva assume o comando e, em vez de sermos capazes de
assumir o controle, a escuridão acaba nos controlando,
provocando o efeito sombra. Então, o lado obscuro passa a
tomar as decisões, tirando-nos o direito a escolhas
conscientes, seja quanto ao que comemos, ao tanto que
gastamos ou aos vícios a que sucumbimos. Nosso lado
sombrio nos incita a agir de forma que jamais imaginamos e
a desperdiçar a energia vital em maus hábitos e
comportamentos repetitivos. A obscuridade interior nos
impede de expressar inteiramente o nosso eu, de falar nossa
verdade e viver uma vida autêntica. Somente ao abraçar a
nossa dualidade é que nos libertamos dos comportamentos
que poderão potencialmente nos levar para baixo. Se não
reconhecermos integralmente quem somos, é certo que
seremos tomados de assalto pelo efeito sombra.
O efeito sombra está por toda parte. A prova de sua
disseminação pode ser vista em todos os aspectos da vida.
Lemos sobre ele on-line. Podemos vê-lo nos noticiários da
TV e também em amigos, familiares e estranhos na rua. E
talvez possamos reconhecê-lo de forma mais expressiva em
nossos pensamentos, comportamentos, e senti-lo nas
interações que fazemos com os outros. Receamos que, se
lançarmos luz nessa escuridão, isso nos fará sentir uma
imensa vergonha ou, até pior, nos levará a expressar nossos
piores pesadelos. Tornamo--nos temerosos quanto ao que
podemos encontrar se olharmos dentro de nós mesmos;
portanto, em vez disso, escondemos a cabeça e nos
recusamos a enfrentar o lado sombrio.
Mas este livro revela uma nova verdade - compartilhada
com base em três perspectivas transformadoras: o oposto do
que tememos é, de fato, o que acontece. Em vez de
vergonha, sentimos empatia. Em vez de constrangimento,
ganhamos coragem. Em vez de limitação, experimentamos a
liberdade. Mantida oculta, a sombra é uma caixa de Pandora
repleta de segredos, que tememos destruírem tudo o que
amamos e gostamos. Porém, se abrirmos a caixa,
descobrimos que aquilo que está ali dentro tem o poder de
alterar radicalmente nossa vida, e de forma positiva.
Sairemos da ilusão de que nossa obscuridade nos dominará e,
em vez disso, veremos o mundo sob uma nova luz. A
empatia que descobrimos por nós mesmos dará a centelha
de ignição para nossa confiança e coragem à medida que
abrirmos nosso coração a todos ao redor. O poder que
desencavamos nos ajudará a confrontar o medo que esteve
nos segurando e nos incitará a seguir adiante, rumo ao mais
alto potencial. Longe de ser assustador, abraçar a sombra nos
concede uma plenitude, permite que sejamos reais,
reassumindo nosso poder, libertando nossa paixão e
realizando nossos sonhos.
Este livro nasceu de um desejo de iluminar as inúmeras
dádivas da sombra. Nas páginas seguintes, cada um de nós,
autores, vai abordar o assunto a partir de nossa perspectiva
singular, como professores. Nossa intenção é fornecer um
entendimento compreensivo e multifocal de como a sombra
nasce dentro de nós, como ela funciona em nossa vida e,
mais importante, o que podemos fazer para descobrirmos as
dádivas de nossa verdadeira natureza. Prometemos que, após
ler este livro, você nunca mais verá seu lado sombrio da
mesma maneira.
Na primeira parte, Deepak Chopra nos dá uma visão
abrangente de nossa natureza dualista e oferece uma receita
para nos levar de volta à totalidade. Pioneiro da
mente/corpo, Chopra já transformou milhões de vidas com
seus ensinamentos. Sua abordagem holística dessa natureza
divisora da sombra é, ao mesmo tempo, fundamental e
iluminadora.
Na segunda parte, recorro a quase quinze anos de magistério
levando o Processo da Sombra (The Shadow Process)
mundo afora, para oferecer um exame acessível, porém pro-
fundo, do surgimento da sombra, de seu papel na vida diária
e de como podemos recuperar o poder e a luminosidade de
nossa natureza autêntica.
Na terceira parte, Marianne Williamson toca nosso coração
e nossa mente com uma investigação estimulante da ligação
entre a sombra e a alma. Professora espiritual renomada
internacionalmente, Marianne nos pega pela mão e nos
conduz pelo terreno acidentado da batalha entre o amor e o
medo.
Cada um de nós chega a ele com anos de experiência e uma
esperança profunda e sincera de poder iluminar a sombra de
uma vez por todas, pois, se não nos opusermos à força da
sombra e integrarmos sua sabedoria, ela tem o potencial para
continuar a lançar destruição em nossa vida e nosso mundo.
Quando falhamos em admitir nossas vulnerabilidades e
reconhecer maus comportamentos, inevitavelmente
sabotamo-nos quando estamos prestes a alguma realização
pessoal ou profissional. Então, a sombra ganha. Quando
agimos motivados por uma raiva desproporcional ao falar
com os filhos, a sombra ganha. Quando traímos as pessoas
amadas, a sombra ganha. Quando nos recusamos a aceitar
nossa verdadeira natureza, a sombra ganha. Se não focamos
a luz ao nosso eu mais alto, na obscuridade de nossos
impulsos humanos, a sombra ganha. Até que aceitemos tudo
o que somos, o efeito sombra terá poder para retardar nossa
felicidade. Se passar sem reconhecimento, a sombra nos
impede de ser plenos, de alcançar nossos melhores planos, e
nos faz viver uma vida pela metade. Nunca houve uma
época melhor para se criar um novo léxico para iluminar a
sombra e finalmente entender o que tem sido tão difícil de
ver e explicar.
O trabalho com a sombra, como descrito neste livro, é mais
que um processo psicológico ou uma brincadeira intelectual.
É uma solução prescritiva para problemas não resolvidos. É
uma jornada transformadora que vai além de qualquer teoria
psicológica, porque considera o lado sombrio uma questão
humana, uma questão espiritual que todos nós precisamos
resolver se quisermos ter uma vida na qual nos expressemos
por completo. Enfim entenderemos por que não somos
melhores nem piores que ninguém, não importam cor,
experiência, orientação sexual, aparência ou o passado. Não
há ninguém no mundo que não tenha um lado sombrio e,
quando levada a sério e compreendida, a sombra pode gerar
uma nova realidade que irá alterar a forma como nos
sentimos em relação a nós mesmos, ao nosso exercício de
pais, à maneira como tratamos nosso parceiro, como
interagimos com os membros de nossa comunidade e como
nos engajamos com outras nações.
Acredito que a sombra seja um dos maiores presentes
disponíveis para nós. Carl Jung a chamava de sparring, ou
"parceira de treino de boxe"; ela é a oponente dentro de nós
que expõe falhas e aguça habilidades. É a professora, o
treinador, o guia que nos apoia no descobrimento de nossa
verdadeira magnificência. A sombra não é um problema a
ser resolvido ou um inimigo a ser vencido, mas um campo
fértil a ser cultivado. Quando mergulharmos as mãos em seu
solo rico, descobriremos as sementes potentes da pessoa que
mais desejamos ser. Esperamos, sinceramente, que você
ingresse nessa jornada, pois sabemos o que nos espera lá
dentro.

Debbie Ford


PRIMEIRA PARTE

A Sombra Coletiva

DEEPAK CHOPRA


Uma vez que as pessoas ouvem falar a respeito da sombra,
do lado obscuro da natureza humana, quase ninguém nega
sua existência. Todas as vidas já foram tocadas pela raiva e
pelo medo. Os noticiários da TV mostram a natureza
humana em sua pior forma, semana após semana, sem
intervalo. Se formos honestos conosco, os impulsos
sombrios são livres para circular em nossa mente, e o preço
que pagamos por ser uma boa pessoa — algo que todos
aspiramos — é que a pessoa má, que pode arruinar tudo,
precisa ficar escondida.
Ter um lado sombrio parece pedir algum tipo de interven-
ção, talvez uma terapia, ou pílula, talvez uma ida ao
confessionário, ou um confronto com a alma à meia-noite.
Assim que as pessoas reconhecem tê-lo, querem se livrar
dele. Há muitos aspectos da vida em que dá para dar um
jeito. Infelizmente, a sombra não é um deles. A razão pela
qual não se deu um fim à sombra em milhares de anos —
todo o tempo em que o ser humano tem consciência do lado
sombrio — é totalmente misteriosa. Só faz sentido elucidar o
mistério depois de perguntar como lidar com ele. Portanto,
dividi a Primeira Parte em três seções, nas quais recorro ao
instinto médico para encontrar um diagnóstico, oferecer
uma cura e, depois, com honestidade, dizer aos pacientes
qual é o seu prognóstico para o futuro:

* A névoa de ilusão.
* A saída.
* Uma nova realidade, um novo poder.

A primeira seção (o diagnóstico) descreve como a sombra
surgiu. Discordo de algumas pessoas e acredito que a sombra
seja uma criação humana, não uma força cósmica ou
maldição universal. A segunda seção (a cura) lida com a
forma como você pode diminuir o poder oculto da sombra
sobre sua vida diária. A terceira seção (o prognóstico) revela
um futuro, no qual a sombra foi desmantelada não apenas
por determinados indivíduos, mas por todos nós. Juntos
criamos a sombra que agora nos persegue. Apesar do medo e
da relutância em enfrentar esse fato, ele acaba sendo a chave
para a transformação. Se você e eu não fizéssemos parte do
problema, não teríamos esperança em fazer parte da solução.


A NÉVOA DE ILUSÃO

Se você não pode enxergar a própria sombra, precisa
procurá--la. A sombra se esconde na vergonha, nos becos
escuros, nas passagens secretas e nos sótãos fantasmagóricos
de sua consciência. Ter um lado sombrio não é possuir uma
falha, mas ser completo. Há uma dura verdade a confrontar.
(Você nunca tentou dizer uma ingênua verdade a alguém,
que estrilou respondendo "Não venha me analisar", ou algo
parecido? O reino inconsciente parece tão perigoso quanto
as profundezas do oceano; ambos são escuros e repletos de
monstros invisíveis.)
Estamos todos vivendo com os destroços de ideias
fracassadas que um dia pareceram soluções perfeitas. Cada
solução combina com o quadro daquilo que constitui o lado
sombrio.
Se você acha que aspectos sombrios como o medo, a raiva, a
ansiedade e a violência são resultados de possessões
demoníacas, a solução é purificar a pessoa acometida. Os
demónios podem ser afastados com rituais, limpeza do
corpo, jejum e austeridades exaustivas. Não se trata de uma
noção primitiva. Milhões de pessoas modernas se agarram a
isso. Não dá para passar por uma banca de jornal sem ver
uma revista que prometa uma nova versão sua por meio de
algum tipo de purificação, seja uma dieta que irá superar seu
desejo ardente por alimentos que fazem mal à saúde ou uma
lista para encontrar o par perfeito, evitando o tipo errado de
pessoa. "Situe-se" é a versão moderna de se purificar dos
demônios.
Semelhante a essa explicação é a noção de que o mal cósmi-
co foi solto no mundo. Se essa é a sua explicação para a
sombra, a solução natural é a religião. A religião o alinha
com o bem cósmico em sua batalha contra o mal cósmico.
Para milhões de pessoas, essa guerra é muito real. Ela se
estende a todos os aspectos da vida, desde a tentação sexual
até o aborto, do aumento do ateísmo ao declínio do
patriotismo. O Diabo cria todas as formas de sofrimento
humano e todo malfeito. Só Deus (ou deuses) tem o poder
de derrotar Satã e nos redimir do pecado. No entanto, é
difícil estabelecer se a religião derrota a sombra ou se, na
verdade, ela a torna ainda mais poderosa, por instigar
sentimentos fortes de pecaminosidade e culpa, vergonha e
medo das torturas de uma posteridade infernal.
Já que nos orgulhamos de viver em uma época em que as
superstições não regem mais a nossa vida, essas antigas
explicações do lado sombrio já não são mais as únicas
opções. As pessoas podem dar as costas ao mal cósmico e
assumir a responsabilidade pessoal. O lado obscuro já passou
a ser visto como doença, um ramo da saúde mental. Ao
longo desse caminho existe uma imensa variedade de
tratamentos. Dependentes são mandados para programas de
recuperação. Ansiosos e depressivos são enviados a
psiquiatras. Viciados e pessoas descontroladamente violentas
acabam em aulas para domínio da fúria, depois de baterem o
carro em decorrência da falta de controle.
Com todas essas explicações, cada uma das quais levando a
uma solução definida, por que a sombra permanece
invencível?
Pode parecer uma perspectiva lúgubre, porém, na verdade, o
primeiro passo para lidar com a sombra é reconhecer seu
poder. A natureza humana inclui um lado autodestrutivo.
Quando o psicólogo suíço Carl Jung pressupôs o arquétipo
da sombra, disse que ela cria uma névoa de ilusão que cerca
o self. Encurralados nessa névoa, lançamo-nos à própria
escuridão e, consequentemente, damos à sombra cada vez
mais poder sobre nós. Não é nenhum segredo que a
abordagem de Jung aos arquétipos rapidamente se torna
muito intelectual e complicada. Mas o poder teimoso da
sombra nada tem de complexo. Ao parar para um intervalo
na escrita deste parágrafo, liguei a televisão. O famoso
bilionário Warren Buffett estava sendo entrevistado sobre os
estrondos do ciclo econômico.
— O senhor acha que haverá outra explosão que leve a uma
grande recessão? — perguntou o entrevistador.
— Posso garantir que sim — respondeu Buffett.
O entrevistador sacudiu a cabeça.
— Por que não conseguimos aprender as lições da última
recessão? Veja aonde a ganância nos levou.
Buffett deu um sorrisinho misterioso.
— A ganância é divertida por um tempo. As pessoas não
conseguem resistir a ela. No entanto, por mais que os seres
humanos tenham evoluído, não crescemos nada
emocionalmente. Continuamos os mesmos.
Em forma encapsulada, aí está a sombra e o problema que
ela apresenta. Sob a névoa da ilusão, não vemos nossos
piores impulsos autodestrutivos. Eles são irresistíveis, até
divertidos. Ressalte-se a imensa popularidade dos dramas de
vingança como entretenimento, seja no teatro de
Shakespeare ou no bangue-bangue do Velho Oeste. O que
poderia ser melhor para soltar toda a raiva oculta, demolindo
o inimigo e saindo altivo e triunfante? A sombra expressa
seu poder fazendo com que a escuridão se pareça com a luz.
As tradições sábias do mundo gastaram a maior parte de sua
energia deparando com os mesmos dilemas básicos. A
criação tem um lado sombrio. A destruição é inerente à na-
tureza. A morte interrompe a vida. A decadência consome a
vitalidade. O mal é atraente. Não é de admirar que a névoa
da ilusão pareça um bom local para se estar. Se você encarar
a realidade, verá que o lado sombrio é esmagador demais
para suportar. No entanto, existe uma força oposta que vem
com firmeza — e de forma bem-sucedida —, superando o
lado sombrio. Os destroços de soluções fracassadas nos
impedem de ver.
A névoa da ilusão nos mantém insulados. Passando os canais
da televisão pelos desastres e horrores, você jamais
imaginaria que os seres humanos sempre tiveram o poder de
encontrar a paz, a elevação e a liberdade na escuridão.
O segredo está na palavra "consciência". Quando as pessoas
ouvem isso, uma expressão de desapontamento surge em seu
rosto. A consciência é algo batido. Escutamos falar sobre a
elevação da consciência desde o surgimento do feminismo,
com outras variações de liberação. A consciência superior é
apresentada como promessa por inúmeros movimentos
espirituais. Você pode até ficar tentado a atirar a consciência
na pilha de ideais fracassados, pois, diante das sinceras
tentativas de elevar nossa consciência, a sombra infesta o
mundo com guerras, crimes e violência, da mesma maneira
que contamina vidas individuais com dor e medo.
Chegamos a uma encruzilhada. Ou a consciência pertence às
outras respostas falsas ou ainda não foi experimentada
corretamente. Gostaria de dizer que esta última opção é a
verdadeira. A consciência superior é a resposta — a única
resposta duradoura — para o lado sombrio da natureza
humana. Não é a resposta que nos falta — é a sua aplicação.
Há incontáveis caminhos para a cura da alma, assim como
há incontáveis tratamentos alternativos para o câncer. Mas
ninguém tem tempo e energia suficientes para experimentar
todos eles. É vital escolher um caminho que o leve aonde
você quer ir. Para que isso aconteça, é necessária uma
análise bem mais profunda da sombra. Se você abordá-la
superficialmente, ela sempre persistirá, pois a sombra não é
um simples inimigo como uma doença, um demônio ou um
diabo cósmico. Ela é um aspecto tão básico da realidade da
criação que somente seu total entendimento pode
confrontá-la com sucesso.

A verdade de uma realidade

O primeiro passo para derrotar a sombra é abandonar todas
as expectativas de derrotá-la. O lado obscuro da natureza
humana viceja na guerra, na dificuldade e no conflito. Assim
que falar em "vencer", já perdeu. Você foi arrastado para a
dualidade do bem e do mal. Quando isso acontece, nada
pode acabar com a dualidade. De uma vez por todas, o bem
não tem poder para derrotar seu oponente. Sei que isso é
difícil de aceitar. Na vida de todos nós há ações passadas das
quais nos envergonhamos e impulsos presentes contra os
quais lutamos. Ao redor existem atos indescritíveis de
violência. As guerras e os crimes devastam sociedades
inteiras. As pessoas rezam desesperadamente a um poder
superior que possa restaurar a luz onde a escuridão
prevalece.
Há muito tempo, os realistas desistiram de ver o lado bom da
natureza humana superando o lado mal. A vida de Sigmund
Freud, um dos pensadores mais realistas a confrontarem a
psique, chegou ao fim enquanto a violência do nazismo
devorava a Europa. Ele havia concluído que a civilização
existe a um custo trágico. Precisamos reprimir nossos
instintos selvagens e atávicos, de modo a mantê-los em
xeque; porém, apesar de nossos melhores esforços, haverá
muitas derrotas. O mundo irrompe na violência em massa;
os indivíduos irrompem na violência pessoal. Essa análise
implica uma forma terrível de resignação. Meu "eu bom"
não tem nenhuma chance de viver uma vida pacífica,
afetuosa e organizada, a menos que meu "eu mau" seja preso
na escuridão, enjaulado em confinamento solitário.
Os realistas admitirão que a repressão, em si, é maligna. Se
você tentar sufocar seus sentimentos de raiva, medo,
insegurança, inveja e sexualidade, a sombra ganha mais
energia para seu próprio uso. E esse uso é implacável.
Quando o lado sombrio se volta contra você, começa o
massacre.
Na semana passada, recebi uma ligação de uma mulher
desesperada, em busca de abrigo e segurança. Seu marido era
um alcoólatra crônico. Eles vinham lidando com o problema
havia anos. Depois de períodos de sobriedade, ele tinha
recaídas e abandonava o trabalho e a família, o que o deixava
exausto e envergonhado quando as crises passavam.
Recentemente, ele havia desaparecido por uma semana e, ao
voltar, todo seu remorso foi recebido por ouvidos surdos. A
esposa queria se separar. Ele reagiu com violência, agrediu-a,
algo que ela mencionou nunca ter acontecido antes. Agora,
além de toda frustração e lágrimas, ela temia por sua
segurança.
De imediato, tudo o que pude fazer foi dar o melhor con-
selho quanto a abrigos e grupos de apoio à mulher. Mas,
quando desliguei o telefone, sentindo o resíduo das emoções
dela, pensei no caso com mais calma. Os dependentes que
recaem transformam-se em uma apresentação-padrão do
panorama psicológico. Mas o que, de fato, eles representam?
Acho que são um exemplo extremo de uma situação
comum: um self dividido. Para os dependentes, a separação
entre o "eu bom" e o "eu mau" não pode ser resolvida.
Normalmente, a tática para lidar com o lado sombrio de
alguém é relativamente fácil. Não é difícil negar seus atos
ruins, esquecer seus impulsos perniciosos, desculpar-se por
ficar zangado e demonstrar arrependimento pelas ações más.
Dependentes não sossegam com preceitos fáceis. Seus
impulsos mais sombrios já os preocupam sem as repressões
normais. Até mesmo o acesso ao simples prazer é negado.
Os demônios internos minam e estragam o prazer;
debocham da felicidade; os demônios repetidamente
lembram os dependentes de sua fraqueza e maldade.
Digamos que essa descrição esteja quase correta. Deixei de
fora alguns ingredientes importantes. O hábito tem um papel
significativo na dependência. Assim como as mudanças
físicas que ocorrem no cérebro — as pessoas que abusam de
substâncias psicoativas têm seus receptores cerebrais
atingidos por químicas estranhas que acabam destruindo as
reações normais do prazer e da dor. No entanto, esses
aspectos físicos da dependência têm sido exagerados de
modo grosseiro. Se a dependência fosse fundamentalmente
física, milhões de pessoas não estariam fazendo uso casual de
álcool e drogas. No entanto, fazem, com um dano
relativamente pequeno em longo prazo e com mínimas
chances de dependência. Sem ingressar na controvérsia
inflamada da dependência e suas causas, pode-se ver que isso
não é um problema isolado, e sim mais uma expressão da
sombra.
Por essa razão, para tratar dependências, precisamos abordar
a sombra e desarmá-la. Já que todos nós desejamos isso,
deixe-me permanecer com o marido bêbado, regressando da
crise de uma semana. Ele estará à mercê de outras
expressões da sombra, como o temperamento violento, o
preconceito racial, o chauvinismo sexual e muito mais. A
primeira vista, esses fatores podem não parecer relacionados.
Um chefe que pratica assédio sexual não demonstra o
mesmo comportamento descontrolado de alguém que surra
um homossexual, cometendo um crime hediondo. No
entanto, a sombra fornece uma ligação. Sempre que
qualquer aspecto do self for separado, rotulado como mau,
ilícito, vergonhoso, culposo ou errado, a sombra ganha
poder. Não importa se o lado sombrio da natureza humana
se expressa de forma violenta ou branda, socialmente
tolerada. O fator essencial é que uma parte do self foi
separada.
Depois de separado, o fragmento "ruim" perde contato com
a essência do self a parte que consideramos "boa" por conta
de sua aparente ausência de violência, raiva e medo. Esse é o
self adulto, o ego que se adaptou tão bem ao mundo e às
outras pessoas. O marido bêbado tem um self bom, é claro.
Ele poderia ter um self muito mais agradável e aceitável que
o normal. Quanto mais você reprime seu lado obscuro, mais
fácil será construir uma personalidade resplandecente de
bondade e luz. (Ressalte-se a surpresa repetida de vizinhos
que dizem às equipes de TV, depois de um grande tiroteio,
ou outro crime hediondo, que o agressor "parecia um
homem tão bom".)
Só em falar com a esposa perturbada, soube que seu marido
tivera passagens em clínicas de reabilitação. Às vezes, o
tratamento funcionava por um tempo. Mas até durante seus
períodos de sobriedade o homem ficava infeliz. Ele estava
constantemente de guarda, com receio de ter uma nova
recaída. No entanto, por mais que lutasse contra, a
possibilidade era inevitável. Mesmo durante um tempo de
vitória temporária, a sombra só precisava esperar para ver.
Uma vez, quando seu marido estava em uma das crises de
delirium tremens, os suores noturnos e delírios se tornaram
insuportáveis. A esposa correu até um médico, implorando
por algum remédio que pudesse mitigar os sintomas. Mas ela
deparou com um médico realista obstinado, e ele se recusou.
"Deixe-o chegar ao fundo do poço", disse ele. "Essa é sua
única esperança verdadeira. Fora isso, você não vai ajudá-lo
tornando as coisas menos dolorosas."
Você e eu podemos pensar que esse seja um conselho
insensível. Mas o fenômeno de chegar ao fundo do poço é
bem conhecido nos círculos da dependência. Ele pode
representar um risco terrível, pois, quando a sombra
arquiteta seu blefe, ela recorre ao extremo da autodestruição.
Não há limite prático na extensão de sofrimento que o
inconsciente pode criar, e todos nós somos frágeis. Os
dependentes — ou qualquer um que esteja nas garras da
energia da sombra — estão presos em uma névoa de ilusão.
Dentro dessa névoa não existe nada além de fissura e o
terror de não conseguir satisfazê-la.
Quando a perigosa jornada de chegar ao fundo do poço
funciona, essa névoa se dissipa. O dependente começa a ter
pensamentos verdadeiramente realistas. "Sou mais que
minha dependência. Não quero perder tudo. O medo pode
ser superado. Já é hora que isso acabe." Em tais momentos
de clareza, o self se compõe e enxerga a si mesmo, sem
antolhos.
Você só tem um self. É o seu eu real. Ele está além do bem e
do mal.
A sombra perde o poder quando a consciência para de se
dividir. Quando você já não está mais dividido, não há nada
para ver além de um self em todas as direções. Não há
compartimentos ocultos, calabouços, celas de tortura ou
rochas limosas onde se esconder. A consciência vê a si
mesma. Essa é sua função mais básica, e, ao descobri-la,
veremos que dessa simples função pode nascer um novo self
talvez um novo mundo.


A Sombra Coletiva

Nomear a sombra não foi o maior feito de Jung; nem a teoria
dos arquétipos. Sua maior realização foi mostrar que os seres
humanos compartilham um self. "Quem sou eu?" depende
de "Quem somos nós?". Seres humanos são as únicas
criaturas que podem criar um self. Na verdade, nós
precisamos criar um, pois o self nos dá um ponto de vista,
um foco ímpar do mundo. Sem um self nosso cérebro seria
bombardeado com uma inundação desconcertante de
imagens sensoriais que não fariam sentido. Bebês são isentos
de um self e passam os três primeiros anos criando-o,
elaborando sua personalidade e preferências, temperamento
e interesses. Toda mãe pode afirmar que o tempo que o bebê
passa como um quadro em branco é mínimo, se é que
existe. Ingressamos no mundo não como passivos receptores
de dados, mas como ávidos criadores. Uma vez que você se
torna um self individual, com necessidades, crenças,
impulsos, tendências, desejos, sonhos e temores, su-
bitamente o mundo faz sentido. "Eu e meu" existem por um
motivo — para lhe dar um direito pessoal no mundo.
Todos temos um self e nos empenhamos muito em defendê-
lo, em defender seu direito de existir. Mas nossa criação é
frágil. Experimentamos crises pessoais, tais como a morte
súbita de uma pessoa amada ou a descoberta de que estamos
gravemente doentes. Qualquer crise que ataque nosso senso
de bem-estar também ataca nosso senso de self. Se você
perde sua casa, ou todo seu dinheiro, ou seu parceiro, esse
acontecimento externo envia mensagens de medo e dúvida
ao seu self. A qualquer momento em que você sente que seu
mundo está ruindo, o que realmente está ruindo é o self e
sua confiança, que compreende a realidade. Após um grande
trauma causado ao corpo ou à mente, leva um tempo até que
a frágil personalidade do ego se recupere. (Temos muita
sorte de que este antigo provérbio seja verdadeiro: "Almas
dobram, mas não quebram".)
Pelo fato de não sabermos como criar o self ao qual nos
agarramos tão desesperadamente, ele pode nos surpreender
e impressionar. Freud causou uma imensa surpresa ao dizer
que o self tem uma dimensão oculta repleta de ímpetos e
desejos que mal reconhecemos. Depois de se tornar um dos
mais proeminentes discípulos de Freud, Jung percebeu que
o mentor cometera um engano. O inconsciente não tem a
ver com o "eu". Tem a ver com o nós. Quando uma pessoa
tem impulsos e ímpetos inconscientes, eles vêm de toda a
história da raça humana. Segundo Jung, cada um de nós está
ligado a uma "consciência coletiva", como ele assim
chamava. A noção de que você e eu criamos nossos selfs
separados e isolados é uma ilusão. Penetramos um vasto
reservatório humano de aspirações, impulsos e mitos. Essa
inconsciência compartilhada é onde também reside a
sombra.
Algumas pessoas são sociáveis, outras não, mas ninguém
pode viver fora do self coletivo. "Nós" é um lembrete
constante de que homem algum é uma ilha. Jung removeu a
superfície social para expor a dimensão oculta do "nós".
Chamar esse reino de inconsciente coletivo talvez tenha
feito parecer mais técnico, mas o self que você e eu
compartilhamos com todo o mundo é fundamental a nossa
sobrevivência. Pense nas maneiras como você recai no self
coletivo. Aqui estão apenas algumas:

* Quando precisa do apoio da família e dos amigos mais
próximos.
* Quando ingressa em um partido político.
* Quando se oferece como voluntário a uma instituição
de caridade ou uma comunidade.
* Quando escolhe lutar por seu país ou defendê-lo.
* Quando se identifica com sua nacionalidade.
* Quando pensa em termos de "nós versus eles".
* Quando um desastre ocorrido em algum lugar o afeta
pessoalmente.
* Quando é apanhado pelo medo coletivo.

É uma fantasia acreditar que você pode optar por sair do
"nós", mesmo quando todos tentamos fazê-lo. Simpatizamos
com outros grupos étnicos, mas também nos sentimos
diferentes, separados e, às vezes, melhores. Nas crises,
queremos que nossos familiares fiquem o mais perto
possível, no entanto, em outras ocasiões, persistimos em ser
indivíduos com uma vida fora da família. A coalizão entre
"eu" e "nós" é inquietante,
Jung a tornou ainda mais inquietante. Quando se trata da
sombra coletiva, as pessoas lutam para sair dela. (A sociedade
nunca vai parar de se deslocar em direções que reprovamos.)
Mas isso, na verdade, é mais difícil do que optar por
abandonar um papel familiar; de fato, a família é apenas a
primeira unidade ou nível coletivo de self, aquele que
tendemos a enxergar com razoável facilidade. No réveillon,
você pode anunciar que mudou, que não merece ser tratado
como uma criancinha mimada ou um adolescente rebelde.
Pode achar que não está sendo ouvido. Sua família pode ter
investido muito para mantê-lo em sua caixa velha. No
entanto, a sociedade é ainda mais ríspida e menos
compreensiva.
A sociedade tem seus ganchos invisíveis em todos nós.
Você se torna um pacifista em tempos de guerra. Essa é uma
escolha individual. No entanto, isso não o extrai
automaticamente da sombra coletiva, onde a guerra nasceu
do ódio, do preconceito, do ressentimento, de antigas
mágoas e da zona vulnerável e sombria do nacionalismo.
Talvez o termo depreciativo "memória racial" seja viável,
embora nos faça sentir extremamente desconfortáveis.
Ainda assim, milhões de pessoas não se sentem
desconfortáveis ao dar "uma típica resposta masculina", ou
falar sobre "motoristas mulheres". As questões relativas ao
sexo se transformaram num devotamento ardentemente
contestado. O inconsciente coletivo o mantém emaranhado
nesse momento. Na superfície, o Cidadão X pode ser
abertamente oposto ao Cidadão Y, porém, em nível
inconsciente, eles podem estar ligados, como as duas pontas
de uma corda, com cada um puxando para um lado.
A escolha de entrar ou sair torna-se a questão central da
sombra coletiva. Isso gera muitos questionamentos sobre a
vida diária:

* Qual é a minha obrigação social?
* Qual é o meu dever patriótico?
* Até onde devo me conformar ou resistir à sociedade?
* Qual é a intensidade da minha ligação com as outras
pessoas?
* O que devo aos que são menos afortunados?
* Posso mudar o mundo?

Ao fazer qualquer uma dessas perguntas, sua mente cons-
ciente não pode dar a resposta integral — nem sequer a mais
verdadeira. Abaixo da superfície, o inconsciente coletivo
está turvo pelos ímpetos, preconceitos, desejos frustrados,
medos e lembranças que fazem parte de você, porque "nós"
é sua identidade tanto quanto "eu".

Onde está a prova?

Por um longo tempo, o conceito do inconsciente coletivo
permaneceu como uma teoria intrigante sem muita prova.
Ninguém discutia sobre o lado sombrio da natureza humana.
Porém, será que a explicação de Jung foi realmente útil ou
apenas uma brilhante invenção intelectual? Só recentemente
os fragmentos da prova foram reunidos e acabaram
aprofundando o mistério. Por exemplo, há décadas que se
sabe que, quando uma pessoa se torna solitária e isolada,
como frequentemente ocorre com viúvas e idosos, o risco
de doenças e morte aumenta, comparado ao de pessoas que
têm ligações sociais fortes. Um casamento feliz o deixa
saudável. Em princípio, essa descoberta foi difícil de aceitar,
porque pesquisas médicas não viam ligação alguma entre um
estado mental e o corpo. Como poderia o coração, ou uma
célula pré-cancerígena, em algum lugar no corpo, saber
como a pessoa se sente? Foi preciso a descoberta das
chamadas moléculas mensageiras para demonstrar que o
cérebro traduz cada emoção em um equivalente químico. À
medida que as moléculas mensageiras percorrem a corrente
sanguínea, circulando através de centenas de bilhões de
células, a infelicidade ou felicidade é transmitida ao coração,
fígado, intestinos e rins.
Subitamente, a medicina corpo-mente tinha uma base "real",
porque nada é mais real que as substâncias químicas. Mas
Jung propunha que a infelicidade ou a felicidade poderiam
ser compartilhadas por grupos inteiros de pessoas. Por que a
violência em massa irrompe no Iraque ou em Ruanda?
Podemos encontrar explicações em antigas disputas feudais e
conflitos sectários. Será que eles estão armazenados na
inconsciência coletiva, ou as gerações de pais dizem aos
filhos que mantenham vivos os rancores? Não adianta nada
sacudirmos a cabeça e nos colocarmos contra o
comportamento bárbaro e incivilizado. Os maiores banhos
de sangue da história ocorreram durante as duas grandes
guerras. Milhões de soldados civilizados marcharam rumo à
morte, homens que escreviam poesia, tocavam piano,
sabiam grego e latim. Depois, a Europa olhou para trás e
classificou a matança como insana, mas as pessoas sãs
comandaram e morreram na guerra, e os opositores que
protestaram foram presos ou punidos, sendo mandados para
a linha de frente como médicos, em uma ironia trágica que
matou muitas pessoas que odiavam a guerra, aquelas que
mais queriam evitá-la.
O inconsciente tem um objetivo, que é nos manter
inconscientes. Às vezes, o conhecimento dá uma espiada
mesmo assim. Em uma famosa experiência, realizada em
Stanford, psicólogos remontaram as condições de uma prisão
para tentarem entender como os guardas tratavam os
prisioneiros. Os universitários foram divididos em dois
grupos, condenados e guardas, e lhes foi dito que poderiam
interpretar seus papéis da maneira que quisessem. Os
psicólogos esperavam ver mudanças marcantes no
comportamento de cada grupo. No entanto, a experiência
teve de ser interrompida depois de poucos dias. Os alunos
no papel de guardas começaram a maltratar severamente os
prisioneiros, chegando ao ponto de humilhados e serem
acusados de abuso sexual. Essa falha estarrecedora na
experiência fez surgir a teoria do "cesto de maçãs podres".
A antiga forma de pensar dizia aos psicólogos que uma maçã
ruim pode forçar um grupo a agir mal. O bom-senso diz que
um líder de gangue pode induzir seus seguidores passivos a
cometerem crimes; trotes de faculdade vão longe demais
porque um pequeno núcleo de maçãs ruins faz pressão sobre
os outros. No entanto, a experiência em Stanford contou
uma história oposta. Todos os participantes eram bons
garotos, que estudavam numa prestigiada universidade. O
deslize de comportamento não ocorreu porque eram maçãs
ruins, mas porque estavam em más condições, o que
permitiu que forças sombrias emergissem. O que os
psicólogos estavam vendo era simplesmente uma incubadora
da sombra, e as condições que favorecem o surgimento da
violência grupal foram catalogadas.
A sombra pode emergir quando há total anonimato, como
frequentemente ocorre quando, em vez de indivíduos, as
pessoas se tornam rostos na multidão. Essa perda de
individualidade aumenta se não houver consequências para a
má ação. A ausência de lei e ordem amplifica o efeito, assim
como ocorre quando se tem permissão para agir além da
moralidade normal. Se figuras de autoridade estão presentes
para ativamente incitar o mau comportamento, prometendo
a ausência de punição, a sombra emerge com uma facilidade
ainda maior. Nem precisamos piorar a situação
acrescentando a pobreza, o analfabetismo e os antigos laços
tribais, mas eles obviamente pioram a situação. Assim como
qualquer tipo de pensamento "nós versus eles".
Quando digo que a sombra pode emergir, quero dizer que
pode surgir qualquer tipo de patologia em massa. A
experiência da prisão de Stanford veio à tona para explicar os
abusos na prisão de Abu Ghraib durante a guerra do Iraque.
Porém, se percebêssemos que os guetos também são
exemplos de "cestos de maçãs podres", nos quais existem
"maçãs boas", não recorreríamos à ideia de pensar na
subclasse como moralmente inferior ou pior. A destruição
do ecossistema é uma forma de violência contra o planeta,
embora envolva boas pessoas fazendo coisas ruins, porque
tiveram permissão para isso e não têm de encarar nenhuma
punição (exceto os danos, em longo prazo, que todos
enfrentaremos, os quais podem ser ignorados, negados ou
deixados de lado até amanhã). Quando as pessoas despertam
do mau comportamento, parecem desnorteadas e confusas.
A violência que infligiram parece um sonho, embora
tenham participado ativamente de horrores como a guerra e
o genocídio. Portanto, a sombra nos encurrala de duas
maneiras. Ela nos mantém inconscientes e depois irrompe
com uma força inacreditável, a qualquer momento que
queira.
Você pode dizer "O que isso tem a ver comigo?" A maioria
de nós não participou de uma erupção da sombra, como
ocorreu em Abu Ghraib. Em vez de empatia pelos soldados
que cometeram abuso de poder, buscamos bodes expiatórios
para punir, pois é mais fácil conviver com a explicação da
maçã podre. No entanto, quando você faz algo inocente,
como dirigir seu carro, está despejando mais de oito quilos
de dióxido de carbono no ar, um gás que coloca o planeta
em perigo. Como sociedade, poderíamos corrigir esse mau
comportamento em alguns anos, se nos dispuséssemos a
isso. As soluções já existem, desde carros menos poluentes e
transporte coletivo, até combustíveis alternativos. Por que
não as exploramos inteiramente? Porque permanecer
inconsciente é mais fácil.
Céticos têm o direito de frisar que tudo isso ainda não prova
a existência de um inconsciente coletivo. Onde está a prova
de que membros de uma sociedade são invisivelmente
ligados, sem palavras nem pressão de amigos que os unam?
Um novo campo da sociologia está estudando o "contágio
social", um fenômeno profundamente misterioso que poderá
modificar tudo o que pensamos sobre nosso comportamen-
to. Todos temos experiência em relação a moda e tendências
passageiras. Do nada, todos parecem fazer algo novo, seja
mandando mensagens de texto ou acessando o My Space ou
o Twitter, ou brincando com um novo videogame. As
modas passageiras são um comportamento contagiante.
Você pega de outras pessoas. No entanto, ninguém sabe
como o comportamento se torna viral. O que faz um grupo
de pessoas decidir se comportar da mesma forma?
Essa se torna uma questão médica crucial se você quer que
um grupo pare de fazer algo danoso — se quer persuadir
jovens a não fumar, por exemplo, ou a população em geral
para conter a obesidade. O trabalho mais avançado nesse
campo veio de dois pesquisadores de Harvard, Nicholas
Christakis e James Fowler, cujo livro, Connected [O poder
das conexões] foi comentado em um recente artigo da
revista de domingo do New York Times. Christakis e Fowler
analisaram os dados do maior estudo nacional sobre o
coração, que acompanhou três gerações de cidadãos em
Framingham, Massachusetts. Observaram o comportamento
de mais de cinco mil pessoas, que foram mapeadas, segundo
51 ligações sociais com familiares, amigos e colegas de
trabalho.
A primeira descoberta foi que, quando uma pessoa ganha
peso, começa a fumar ou adoece, os familiares mais
próximos têm 50% de chance de se comportarem da mesma
maneira. Isso reforça o princípio social científico de
décadas: o comportamento se dá em grupo. Todos nós já
passamos por isso, pela pressão persuasiva de amigos ou
observando traços comportamentais que parecem "arruinar
famílias". O inverso também é verdadeiro. Se você andar
com uma turma saudável, é mais provável que adote um
comportamento saudável. Não é apenas a saúde que está
envolvida; quase todo comportamento pode ser contagioso.
No alojamento de uma faculdade, se casualmente você
divide o quarto com alguém que tenha bons hábitos de
estudo e notas altas, é provável que suas notas melhorem,
por associação.
Mas a segunda descoberta de Christakis e Fowler foi muito
mais misteriosa. Eles descobriram que as ligações sociais
podem pular um elo. Se a pessoa A é obesa e conhece a
pessoa B, que não é, um amigo da pessoa B ainda tem 20%
de probabilidade de ser obeso, e um amigo daquele amigo
tem 10% de probabilidade. Esses "três níveis de ligação" são
válidos para todos os tipos de comportamento. Um amigo do
amigo pode deixá-lo inclinado ao fumo, à infelicidade ou à
solidão. Embora você nunca tenha conhecido esse amigo do
amigo, as estatísticas estão aí para provar.
As descobertas de Christakis e Fowler sugerem ligações
invisíveis que percorrem toda a sociedade. Se a pesquisa
deles prevalecer, pense nas implicações. A noção de um
inconsciente coletivo foi apresentada há quase um século
por Jung. Será que Jung deparou com conexões invisíveis
antes que os dados surgissem para respaldá-las? Na verdade,
essa é uma pergunta secundária, que deve vir depois da
principal: Que tipo de ligações pode existir de forma
invisível, sem que as pessoas se falem, observem o
comportamento uma da outra ou mesmo saibam da
existência do outro?
Trata-se de questões complexas, e estou dando apenas uma
dica do quão misteriosas elas são. Mas a nova pesquisa sobre
o contágio social é empolgante, porque respalda a noção de
que, na verdade, há uma mente que coordena não apenas o
modo como as pessoas captam os modismos umas das
outras, ou decidem imitar-se; não apenas a que distância as
células cerebrais sabem o que outras células cerebrais estão
fazendo, mas remotos fenômenos, como o de gêmeos
separados por milhares de quilômetros que subitamente
sabem o que está se passando um com o outro. Esses
conectores invisíveis vêm trazendo o inconsciente coletivo
a muitas, muitas áreas da vida. O contágio social está se
transformando em notícia, porque todos gostamos de
confiar em dados, embora a possibilidade de sermos todos
integrantes de uma só mente desafie a religião, a filosofia e o
significado da própria vida.
A sombra, portanto, é um projeto compartilhado. Qualquer
um pode ter participação em sua construção. Tudo o que
você precisa é a habilidade de permanecer inconsciente.
Incontáveis alarmistas acreditam que estão fazendo algo
bom. Todo defensor da mãe natureza espera ser
homenageado e louvado. Tribos que guerreiam com outras
tribos acreditam profundamente que precisam lutar para
viver. Resistimos a nossa sombra e negamos sua existência
pela doutrinação do passado e pela hipnose do
condicionamento social. As experiências da infância geram
inúmeros lembretes posteriores como "isso é bom e isso é
mau; isso é divino e isso é diabólico". Essa doutrinação é a
maneira como todas as sociedades são estruturadas. O que
olhamos com negligência é o fato de estarmos criando um
self compartilhado, ao mesmo tempo. Se as crianças fossem
ensinadas a se manter alertas quanto à sua sombra, contando
até mesmo seus sentimentos obscuros, perdoando a si
mesmas por não serem "boas" o tempo todo, aprendendo a
libertar impulsos sombrios por meio de escapes saudáveis,
então haveria bem menos danos à sociedade e ao
ecossistema.

Criadores da sombra

Mesmo que você não tenha prestado a menor atenção a
Freud ou Jung, você herdou um self diferente por causa
deles. Eles tornaram impossível pensar na natureza humana
como algo que não seja um profundo mistério. Como a
ponta de um iceberg, somente uma pequena fração sua é
visível ao mundo físico. Sem ser vista e frequentemente
ignorada, a alma humana é um lugar de ambiguidade,
contradição e paradoxo. E é assim que deve ser, porque toda
experiência da vida, que é manifestação da alma, é resultado
de contraste. Você não tem experiência na ausência do
contraste: luz e sombra; prazer e dor; acima e abaixo; à
frente e para trás; quente e frio. Se não houvesse divisões,
não haveria manifestação. A consciência seria um campo
vastamente árido, como um deserto. Você estaria ciente de
tudo, porém, de nada em particular.
Desse modo, para ter uma manifestação, você precisa de
energias opostas. Por isso inimigos declarados também são
aliados ocultos. Osama bin Laden e George Bush, por
exemplo, criaram um ao outro. Na superfície, eram
inimigos; porém, no fundo, eram aliados. É um princípio
genérico. Você precisa de seus inimigos para ser quem você
é. Jung tinha coragem para ver que cada um de nós precisa
de um lado sombrio para ser quem somos. Na verdade, o
inconsciente coletivo se trata de como a raça humana
evoluiu, passando a cada nova descoberta de forma invisível.
Essas são descobertas primordiais a respeito do self.
É um fato básico de antropologia física que no Homo sa-
piens uma grande parte do cérebro, o córtex, é dedicada às
funções superiores. O córtex nos permite discernir; ele dá
origem ao amor e à compaixão. A religião nasceu no córtex,
junto com nossos conceitos de céu e inferno. Sem o cérebro
superior, jamais teríamos desenvolvido a leitura e a escrita, a
matemática e a arte.
Mas que choque desencavar os restos dos homens de
Neandertal e descobrir que aquela espécie não somente
tinha córtex enormes, mas apenas ligeiramente maiores que
os nossos. No entanto, eles percorreram a Europa caçando
imensos animais, por 400 mil anos — duas vezes mais
tempo que o Homo sapiens está por aí —, usando apenas
uma ferramenta: uma lança pesada com uma pedra pontuda
amarrada na ponta. Sequer progrediram ao uso de uma lança
mais leve que pudessem arremessar. Em vez disso, usavam
suas lanças pesadas para atacar suas presas gigantes, tais
como mamutes peludos e leões das cavernas, em ataques
corpo a corpo, cravando a pedra pontuda no animal. Como
resultado, quase todos os esqueletos masculinos de
Neandertal apresentam múltiplas fraturas. Mas os animais
imensos reagiam e, por quase meio milhão de anos, o
cérebro do Neandertal não conseguiu perceber que seria
muito mais seguro fazer armas mais leves, que pudessem ser
arremessadas a distância.
A evolução dos seres humanos dependia não do cérebro
físico, mas da mente que o utilizava. No domínio do
inconsciente, o aprendizado ocorriaem silêncio, sem ser
visto. O Homo sapiens era capaz de usar o cérebro para
questões muito mais complexas que seus ancestrais. Uma
vez que a mente percebeu como fazer armas melhores, a
vida se tornou mais fácil. A agricultura substituiu a caça. À
medida que a vida ficou mais complicada, a linguagem
surgiu, para que as pessoas pudessem trocar idéias.
Em outras palavras, Jung deparou com um local secreto,
onde estava toda a ação. O inconsciente coletivo é a
biblioteca da mente, um depósito de toda a experiência
passada da qual podemos lançar mão no presente. A
pergunta "Quem sou eu?" nunca tem uma resposta
permanente. O self é fluídico e muda constantemente no
que diz respeito ao seu próprio self e o self que você
compartilha com todas as outras pessoas. Estudos de-
monstraram, por exemplo, que o cérebro de pessoas que se
especializaram em informática e desenvolveram habilidades
em videogames possue novos caminhos neurais,
desconhecidos ao cérebro de pessoas que são inexperientes
nessas áreas.
Se quisermos encontrar o verdadeiro self precisamos
mergulhar no mundo da sombra e em seu fluxo constante.
Parece uma busca perigosa, uma empreitada que faria
empalidecer o maior dos heróis. No começo de seu famoso
filme Hamlet, Laurence Olivier disse as palavras: "Essa é a
história de um homem que não conseguia se resolver".
Hamlet tem a prova de que o tio matou seu pai para ganhar a
coroa da Dinamarca. Ele tem todos os motivos para buscar a
vingança; no entanto, não consegue. A jornada perigosa
rumo à sombra, na qual matar e se vingar é normal, ameaça
a existência de Hamlet, sua nobreza e estirpe civilizada.
Mesmo assim, o príncipe aceita a jornada perigosa e ela o
conduz ao desgosto, à aversão própria, à perda do amor e aos
pensamentos de suicídio — reações típicas de quando se
enfrentam os monstros das profundezas. Quando ele próprio
é finalmente assassinado, Hamlet aceita seu destino com
alívio e uma calma sublime. As palavras do começo do filme
de Olivier deveriam ter sido: "Essa é a história de um
homem temente à própria sombra".
No entanto, é importante perceber que a sombra é uma
criação humana. Ela foi forjada no inconsciente coletivo.
Odiar um inimigo (ontem eram os comunistas, hoje são os
terroristas) não é uma falha da natureza humana. Você e eu
herdamos o sentimento de animosidade. Ele vem da sombra,
cujo conteúdo é de construção humana. A sombra estipula o
modelo de "eles", pessoas que são estranhas a "nós". Eles
querem nos ferir e levar o que temos de valor. Ao contrário
de nós, eles não são totalmente humanos. Nós temos o
direito de lutar com eles, até mesmo de destruí-los. Esse
modelo invisível, que modela a mente não de uma, mas de
muitas pessoas, e sobrevive por incontáveis gerações para
minar o pensamento racional, é a essência do arquétipo da
sombra.
Os seres humanos conscientemente criaram vastas
civilizações como cenários para a sua evolução. No entanto,
em nível inconsciente, temos acumulado uma história que
vai muito além da experiência de qualquer pessoa ou época,
individualmente. O que você chama de "eu" na verdade é
"nós" em grau muito mais abrangente do que você imagina.
A prova pode ser encontrada em seu corpo. O sistema
imunológico é um projeto coletivo. Sob seu osso peitoral há
uma glândula chamada timo, que produz os anticorpos
necessários para que você resista às infecções de germes e
vírus invasores. Quando você nasce, seu timo é
subdesenvolvido. Ao longo do primeiro ano de vida, você
depende da imunidade do corpo de sua mãe. Mas o timo
começa a crescer e amadurecer, até chegar à função e ao
tamanho máximo, aos doze anos; depois vai encolhendo.
Durante o período de crescimento, o timo lhe dá anticorpos
para as doenças que atingem toda a raça humana. Você não
tem de ser infectado por doença alguma; a herança da
imunidade é coletiva — e, ao mesmo tempo, continuamos a
aumentar o depósito conforme deparamos com novas
enfermidades.
Este exemplo mostra que você não tem um corpo físico à
parte. Seu corpo participa de um projeto coletivo, um
processo que nunca acaba. Poderia ter escolhido outros
exemplos, tais como a evolução do cérebro, mas todos eles
se resumem ao DNA. Seus genes gravam o histórico do
desenvolvimento humano, em nível físico. Embora a
genética não tenha revelado todos os segredos do genoma,
penso que o próximo passo não será físico — ele se dará no
nível da alma. E a primeira tarefa, uma vez que cheguemos
lá, é renovar a própria alma. A era da sombra pode chegar ao
fim quando escolhermos a união em lugar da separação. O
destino do self dividido está em nossas mãos.

O Processo Continua

De onde veio a sombra? O impulso pela separação criou o
contraste — e a guerra — entre a luz e a escuridão. Quando
a separação se torna patológica, ela se manifesta como
impulsos da sombra: raiva, medo, inveja e hostilidade.
Portanto, a alma humana se sente simultaneamente divina e
diabólica, sagrada e profana, santa e pecadora. Nas tradições
da sabedoria oriental, temos um ditado que diz que o
pecador e o santo estão meramente trocando de papel. O
pecador tem um futuro e o santo tem um passado nos quais
têm papéis invertidos. A cobiça proibida e o amor
incondicional são dois lados da mesma moeda. Você não
pode ter uma moeda sem cara ou sem coroa, nem uma
corrente elétrica sem um terminal positivo e outro negativo.
Assim como a eletricidade, a vida não tem essência, a menos
que as pessoas enviem correntes umas às outras. Quando
você entender isso, a primeira coisa que perceberá é que ter
uma sombra é normal. A sombra é o impulso de separação.
Mas o impulso divino é o que busca a união. A escolha de
criar uma sombra já se provou irresistível. Ela nos deu o self
que vemos como humano, um "eu" familiar que pode ser tão
bom quanto mau. Até aí, não há mistério algum. O self
verdadeiramente misterioso entra em cena quando
perguntamos se o poder da criação do self pode ser usado
para algo novo: a união, em lugar da separação.
A separação tem sido uma viagem fascinante. O ego levou os
seres humanos a uma corrida louca através da alegria e da
tragédia. Nossa alma, esse lugar de contradições, paradoxos e
ambigüidade, constantemente luta com dois impulsos: o
divino e o diabólico. Vemos pouquíssimas razões para abrir
mão de um pelo outro. Secretamente, amamos nossas
garotas e garotos malvados. Chamar alguém de "danado" é
um elogio invejoso.
No entanto, sob outra perspectiva, temos perambulado na
névoa da ilusão. Em vez de exercitarmos nosso poder para
criar qualquer self que quisermos, temos passivamente
herdado um self dividido, com toda a infelicidade e os
conflitos que ele traz. Uma vez que você decide que "eu e
meu" definem quem você é, os perigos da separação são
inevitáveis. Não se pode ter Deus sem o Diabo.
O que é o Diabo? É a sombra mística, o anjo caído, mas ele
nasceu divino. Na verdade, outra forma de interpretar a
palavra "diabo" é "o divino quando não se sente bem". Há
uma conclusão chocante escondida por trás disso: não se
pode ter um universo se não houver a escuridão lutando
contra a luz. O contraste não soa empolgante; porém, uma
vez que ele explodiu no universo visível, o resultado foi
incrivelmente dramático; um holograma vivo, do bem e do
mal. Não existe um só átomo ou subpartícula atômica no
cosmos que não tenha sido listada no drama de opostos,
começando pelas cargas elétricas e evoluindo até a batalha
entre Satã e Deus.
O universo visível nos deu o pano de fundo de nossa evolu-
ção; o domínio invisível nos deu a alma. Os dois caminham
de mãos dadas. Na verdade, são um. Qualquer mudança que
você faça no nível da alma também gera uma modificação
no mundo externo, que é um espelho da alma. Você não
está empacado com a herança daquele drama antigo, no qual
uma alma pecadora luta para alcançar a luz — e pode ou não
ser bem-sucedida. Esse drama espiritual sustenta a louca
jornada do ego. Ele transforma o mundo inteiro em uma
área de lazer para o bem e o mal, e tudo que vem junto:
pecado e redenção, tentação e retidão. A noção de criar uma
nova alma — e uma nova história para acompanhá-la — é
tão estranha quanto empolgante.
O impulso pela separação nos deu a realidade que
conhecemos. Que impulso nos dará uma nova realidade?
Pode-se chamá-lo de impulso holográfico. O impulso
holográfico ignora os detalhes e objetivos da plenitude. Ele
cria cenários tridimensionais nos quais o interno e o
externo, se fundem num só. A maioria das pessoas já viu um
holograma criado com o uso da luz a laser. Utilizando apenas
o fragmento de uma foto ou objeto, o laser pode recriar o
objeto, ou a foto, de forma integral, como se fosse mágica.
Em vez de um fragmento, a plenitude surge à sua frente. Da
mesma forma, mesmo que você esteja preocupado com os
fragmentos da vida diária — cozinhar, trabalhar, divertir-se,
coisas de que gosta ou não —, na realidade, sua mente
projetou um holograma para você habitar. Você vive dentro
da plenitude. O impulso holográfico não pode ser desligado
ou destruído. Embora você possa olhar em volta e desgostar
de muita coisa que vê em seu mundo pessoal, sentindo-se
encurralado por outras pessoas e situações difíceis, você
detém o poder de criar um holograma totalmente novo. Um
novo holograma implica um novo self. Nenhum dos dois
pode ser obtido isoladamente. Na verdade, é mais fácil criar
a plenitude do que mudar sua realidade parte por parte.
Para ter a mudança holística, você precisa se envolver com
o nível de criação holística. Há um exercício fascinante que
dá uma dica de como isso pode funcionar. Feche os olhos e
imagine uma experiência visual vívida, como um pôr do sol
tropical no alto de uma montanha. A imagem, em si, pode
ser qualquer coisa, contanto que você possa visualizá-la
profundamente, em cores. Agora, imagine um sabor que
você adora, como o de chocolate ou café. Entre
profundamente nessa sensação até, de fato, saboreá-la. Passe
para um som que você gosta muito, por exemplo, sua música
preferida; depois, uma textura deliciosa, como veludo, e,
finalmente, um cheiro, como o de rosa damascena ou lírio.
Após imaginar essas experiências vívidas com os cinco sen-
tidos, abra os olhos. Você se surpreenderá com o que verá.
O mundo comum estará reluzente e vivo. As cores estarão
mais brilhantes. Haverá uma vibração no ar. Essa mudança
impressionante é relatada por todos, e isso demonstra que
até mesmo uma ligeira ênfase em seu mundo interior faz
com que o mundo externo automaticamente a acompanhe.
O que temos aqui é uma dica para um dos mais profundos
segredos espirituais: o poder de alterar a realidade. Tal poder
não está disponível na superfície da vida, motivo pelo qual
as pessoas se sentem arremessadas de um lado para o outro
pelas circunstâncias externas. Você precisa encontrar o
nível da alma, onde o impulso holográfico pode criar
qualquer coisa.
Por essa mesma razão, Jung chamava isso de inconsciente
coletivo, em vez de consciente coletivo. Os seres humanos
criaram, coletivamente, um mundo sem saber que isso
estava acontecendo. Aqui estão os principais ingredientes
que usamos. Perceba como eles vão descendo em espiral,
cada vez mais fundo, desde o primeiro, que parece um tanto
inofensivo, até o último, que é altamente autodestrutivo:

> Segredo. Aprendemos a não revelar nossos impulsos e
desejos básicos.

> Culpa e vergonha. Uma vez que impulsos e desejos
básicos estavam ocultos, davam uma sensação ruim.

> Julgamento. Qualquer coisa que desse uma sensação
ruim tornava-se errada.

> Culpar os outros. Queríamos saber quem era res-
ponsável pela dor que sentíamos.

> Projeção. Um bode expiatório conveniente era
elaborado, podendo ser um inimigo odiado ou uma
força demoníaca invisível.

> Separação. Fizemos tudo que podíamos para arrancar
essa força demoníaca para fora de nós. Os inimigos
eram "os outros", contra quem era preciso se
resguardar e com quem tínhamos de lutar.

> Conflito. A projeção não conseguia afastar a dor
permanentemente, portanto, resultava num estado
constante de guerra do interior versus o exterior.

Como você pode ver, a sombra ainda está sendo fomentada,
porque somos mestres em manipular esses ingredientes. Na
verdade, somos viciados neles, embora o resultado seja a
guerra, a violência, o crime e o conflito interminável, sem
mencionar o sufocante efeito de acreditar no mal cósmico
como uma presença no mundo. A solução é desfazer a
sombra. Ela não é um Frankenstein, um horror que cresceu
e se tornou mais poderoso que seu criador. A sombra é uma
região da psique. Nada que exista ali está além de nosso
poder de dissolução. Em vez de permitir que a sombra nos
vitime, precisamos assumir o controle e recuperar nossas
verdadeiras funções como criadores.

A SAÍDA

Deixe-me resumir o exposto até agora em três frases. A
dualidade está onde você está. A sombra o cercou com uma
névoa de ilusão. Seu self dividido é a primeira e mais danosa
ilusão. Agora, vamos nos engajar no problema pessoalmente,
vendo se o diagnóstico de fato se encaixa.
A sombra pode ser difícil de ser vista, olhando ao redor, a
qualquer hora. Para a maioria de nós, a vida diária não é
patológica. Embora os especialistas nos digam que a
violência doméstica e sexual é muito mais frequente do que
queremos admitir, e apesar de os distúrbios depressivos e de
ansiedade continuarem a aumentar em proporções
alarmantes, as pessoas comuns acham fácil negar o lado mais
sombrio da natureza humana. Portanto, é importante saber
que a sombra não é um bicho-papão. Qualquer coisa que o
mantenha inconsciente é resultado da sombra, porque ela é
o esconderijo da dor e do estresse. Explosões de violência
em massa ocorrem quando o estresse social não pode mais
ser contido. A violência doméstica ocorre quando o estresse
pessoal não pode mais ser contido. O preço de se manter
inconsciente é muito alto.
Vamos tornar isso mais pessoal. As forças que têm sido
empregadas ao longo do tempo na criação da sombra
coletiva estão sendo usadas por você hoje. O inconsciente
pode parecer um mar amorfo, um caos sombrio de impulsos,
ímpetos, segredos e tabus, todos misturados. Mas podemos
separar os vários núcleos e lhes dar sentido. Considere o
assunto a seguir.

"Eu e minha sombra"

Como tudo na vida, criar uma sombra é um processo.
Ninguém procura aumentar o poder da sombra, mas todos
nós o fazemos. A sombra aumenta sempre que você recorre
ao seguinte:

> Manter segredos de você mesmo ou dos outros. Uma
vida secreta dá à sombra material para evoluir. Formas
de segredo são negação, fraude deliberada, medo de
expor quem você é e condicionamento em função de
uma família desequilibrada.

> Fomentar culpa e vergonha. Todos somos falíveis; não
há ninguém perfeito. Mas, se você se sentir
envergonhado de seus erros e culpado por suas
imperfeições, a sombra ganha poder.

> Ser injusto com você mesmo e com os outros. Se você
não consegue encontrar um meio de liberar sua culpa
e vergonha, é muito fácil concluir que você — e
outros — as merece. O julgamento é a culpa usando
uma máscara para disfarçar sua dor.

> Precisar de alguém para culpar. Uma vez que você
decida que sua dor interior é uma questão moral, não
terá problemas em culpar outra pessoa que julgue
inferior a você de alguma forma.

> Ignorar as próprias fraquezas ao criticar os que estão à
sua volta. Esse é o processo de projeção que muitos
não enxergam, nem compreendem muito bem. Mas,
sempre que você tenta explicar a situação como um
ato de Deus ou do Diabo, você está projetando. O
mesmo vale para identificar "eles", as pessoas más que
causam problemas. Se você acredita que o problema
está com eles, você projetou seu próprio medo, em
vez de assumir a responsabilidade por ele.

> Separar-se dos outros. Se chegar a ponto de sentir que
o mundo está dividido entre "eles" e "nós", você vai
naturalmente identificar seu lado como o lado bom e
escolhê-lo. Esse isolamento aumenta a sensação de
medo e desconfiança, ambiente em que a sombra
prospera.

> Lutar para manter o mal contido. No fundo do ciclo,
as pessoas estão convencidas de que o mal está à
espreita, em toda parte. O que realmente aconteceu é
que os criadores da ilusão estão sendo iludidos por suas
próprias criações. Tudo se juntou para dar à sombra
um imenso poder.

Demos o primeiro passo para remover o poder da sombra ao
expor os processos que a alimentam. Existe uma espiral
declinante. Ela começa com o pensamento de que é preciso
manter segredos, depois, esses segredos, em vez de
permanecerem silenciosamente escondidos, tornam-se a
fonte de vergonha e culpa. Entra o julgamento pessoal. É
doloroso demais conviver com isso, então, você procura
alguém de fora para culpar. A espiral acaba levando ao
isolamento e à negação. Quando você se encontrar lutando
contra o pecado e o mal, já terá perdido de vista o fato
básico que o salvaria (não é a redenção do Diabo). O fato
básico é que você ingressou em todo esse processo por
vontade própria, fazendo simples escolhas. Sendo assim,
para escapar, precisa fazer escolhas opostas.
Dividi essas escolhas em quatro categorias, como passos a
serem dados:

* Pare de projetar.
* Desprenda-se.
* Abra mão do julgamento pessoal.
* Reconstrua seu corpo emocional.

As escolhas básicas da vida estão disponíveis para todos.
Tomamos as decisões opostas o tempo todo. A sombra nos
persuadiu a culpar os outros em vez de assumir a
responsabilidade. Ela nos diz que somos indignos de amor e
respeito. Promove a raiva e o medo, como reações naturais à
vida. Todos nós estamos emaranhados nessas escolhas
desastrosas. Elas sufocam nossa vida e tiram toda a alegria.
Portanto, nada é mais urgente do que reverter o processo, e
quanto mais cedo melhor.

Passo 1: Pare de projetar

A sombra, segundo Jung, nos diz para ignorar as próprias
fraquezas e projetá-las nos outros. Para evitar a sensação de
que não somos bons o bastante, enxergamos os que estão ao
nosso redor como se fossem suficientemente bons.
Inúmeros exemplos vêm à mente. Alguns são triviais,
enquanto outros são uma questão de vida ou morte. A mais
recente atriz de sucesso no cinema é criticada por perder
peso demais, enquanto uma nação inteira se torna mais
obesa. Movimentos contra a guerra são denunciados como
antipatriotas, enquanto todos estão pagando impostos para
matar cidadãos de um país que nunca fez mal algum à
América. Todos usam a projeção como uma defesa para
evitar olhar para dentro de si mesmos.
Percebam que essa é uma defesa inconsciente. O molde da
projeção é a seguinte afirmação: "Não posso admitir o que
sinto, então, imagino que você sinta". Consequentemente,
se você não consegue sentir a própria raiva, rotula um grupo
da sociedade como violento e temível. Se você
inconscientemente sente uma atração sexual que considera
tabu, tal como atração por alguém do mesmo sexo ou
pensamentos de infidelidade, você acha que os outros estão
direcionando esse tipo de atração a você.
A projeção é muito efetiva. Um falso estado de autoaceitação
é criado com base em "Eu estou bem, mas você não está".
No entanto, a autoaceitação se estende a outras pessoas;
quando você está bem consigo mesmo, não há motivo para
determinar que o outro é que não está bem.

Você está projetando?

Aqui estão as formas típicas que a projeção pode assumir:

* Superioridade. "Eu sei que sou melhor que você. Você
deveria ver e reconhecer isso."

* Injustiça. "É uma injustiça que essas coisas ruins
aconteçam comigo" ou "Eu não mereço isso."

* Arrogância. "Tenho orgulho demais para me in-
comodar com você. Até sua presença me irrita."

* Defensiva. "Você está me atacando, então, não estou
ouvindo."

* Culpar os outros. "Eu não fiz nada. É tudo culpa sua."

* Idealizar os outros. "Meu pai era como um Deus
quando eu era pequeno", "Minha mãe era a melhor
mãe do mundo" ou "O homem com quem eu me casar
será o meu herói".
* Preconceito. "Ele é um deles, e você sabe como eles
são" ou "Cuidado, esse tipo de gente é perigosa."

* Ciúme. "Você está pensando em me trair; posso ver
isso."

* Paranóia. "Eles querem me pegar" ou "Eu vejo a
conspiração que ninguém mais vê".

Sempre que um desses comportamentos surgir, há um
sentimento oculto na sombra que você não consegue
encarar. Aqui estão alguns exemplos:

> A superioridade camufla o sentimento de fracasso ou o
de que os outros o rejeitariam se soubessem quem
você realmente é.

> A injustiça camufla o sentimento de pecaminosidade
ou a sensação de que você é sempre culpado.

> A arrogância camufla a raiva acumulada e, abaixo dela,
há uma dor profundamente arraigada.

> A defensiva camufla a sensação de que você é indigno
e fraco. A menos que você se defenda dos outros, eles
começarão a atacá-lo.

> Culpar os outros camufla a sensação de que você está
agindo errado e deveria se envergonhar.

> Idealizar os outros camufla a sensação de que você é
uma criança fraca e indefesa, que precisa de proteção e
cuidados.

> O preconceito camufla o sentimento de que você é
inferior e merece ser rejeitado.

> O ciúme camufla seu próprio impulso de desvio ou um
senso de inadequação sexual.

> A paranóia camufla uma ansiedade entranhada e
sufocante.

Como você pode ver, a projeção é muito mais sutil do que se
imagina. No entanto, é uma porta aberta para a sombra. E
uma porta dolorosa, já que aquilo que é visto como falha nos
outros mascara seu sentimento em relação a você mesmo. O
ideal seria que pudéssemos parar de culpar e julgar de uma
vez por todas. Na realidade, desfazer a sombra é sempre um
processo. Para interromper a projeção, você precisa
enxergar o que está fazendo, entrar em contato com o
sentimento oculto sob a superfície e fazer as pazes com esse
sentimento.

Veja o que você está fazendo.

É fácil reconhecer quando se está projetando? Uma dica é a
negatividade - a projeção nunca é neutra. Ela se manifesta
como uma energia negativa porque o que está sendo
camuflado é negativo. Isso acaba sendo um auxílio. Você
sabe quando está se sentindo zangado ou ansioso. Esses são
sentimentos sombrios. Mas, quando você está direcionando
sua raiva a alguém, ou alguma coisa, ou vendo razões para
temer por toda parte (a negatividade está presente), você
tem um exemplo claro de projeção. Espero que consiga
enxergar a diferença entre os sentimentos e a projeção
desses sentimentos; sentir raiva é útil, mas direcionar a raiva
aos outros, culpando-os, não é. A sociedade quer que você
continue culpando, porque pensar em "nós versus eles" é
um modo — muito ruim — de manter uma sociedade unida.
Daí a voz em sua cabeça que quer "pegá-los" — os
terroristas, os comunistas sem Deus, os criminosos, os tra-
ficantes, os molestadores de crianças. A lista é interminável.
Em vez de aceitar todos os motivos para "culpá-los" e julgar
todas as faltas deles (por razões que possam ser válidas), siga
um caminho diferente. Olhe para si mesmo e veja o que esse
jogo de culpar os outros revela sobre você.
Uma vez, durante uma palestra do notável professor espi-
ritual J. Krishnamurti, alguém na plateia levantou para fazer
uma pergunta:
— Quero paz no mundo. Abomino a guerra. O que posso
fazer para ajudar a alcançar a paz?
- Pare de ser a causa da guerra — respondeu Krishnamurti.
O espectador ficou perplexo.
- Não sou a favor da guerra. Só quero a paz.
Krishnamurti sacudiu a cabeça.
— Dentro de você está a causa de todas as guerras. É sua
violência, oculta e negada, que conduz às guerras de todo
tipo, seja dentro de seu lar, contra outros da sociedade ou
entre nações.
Sua resposta nos deixa incomodados, mas acho que é
verdadeira, pois o rishi védico proclamou:
— Você não está no mundo. O mundo está em você.
Se é assim, portanto, a violência do mundo está em cada um
de nós. Antes de surgir o conceito de sombra, tal afirmação
teria parecido mística. Mas, uma vez que você está
participando do self compartilhado, também consegue ver
que todos os impulsos de raiva, medo, ressentimento e
agressão seguem diretamente de você ao inconsciente
coletivo e depois voltam.
Percebo que nem sempre é fácil se flagrar projetando a
própria negatividade oculta. A negação é poderosa. A som-
bra é sorrateira. Quando você idealiza alguma outra pessoa,
um herói a quem ache perfeito, fica difícil ver qualquer
negatividade submersa. Mas existe, porque essa fantasia de
perfeição em outra pessoa esconde um profundo senso de
inferioridade em você. Mas, se você voltar à tabela sobre
projeção e consultá-la com frequência, achará mais fácil se
flagrar utilizando essa defesa.

Entre em contato com seus sentimentos ocultos.

No instante em que você estiver projetando um sentimento
oculto, é a hora de entrar em contato com ele. Não adie. A
porta da oportunidade se fecha rapidamente. Mas, antes de
se fechar, há uma abertura. Antes de erguer sua defesa,
você, de fato, sente aquilo que não quer sentir.
Aqui está um exemplo que me foi dado por um jovem. Ele
era muito pobre quando estava na faculdade, mas tinha
amigos prósperos que costumavam convidá-lo para jantar.
Uma noite, ao redor da mesa, ele se lembrou de uma história
curiosa.
— Lembra-se de quando você esteve em Londres, no último
verão? — perguntou ele ao anfitrião. — Você e sua mulher
começaram a discutir bem ali, na calçada. Os dois
levantaram o tom de voz, enquanto eu me mantive calado,
em pé. Vocês estavam tão ocupados gritando que nem
perceberam a van que parou ao lado. Na lateral da van estava
escrito "Fúria Azul". Acho que esse é um exemplo de
sincronismo, ou algo assim.
Os outros convidados assentiram e a conversa prosseguiu.
Mas depois a anfitriã chamou o jovem de lado.
- Por que você quis nos humilhar daquela maneira? —
perguntou ela, zangada.
- Não estava humilhando vocês — protestou ele. — Estava
contando uma história que achei interessante.
- Volte — disse a anfitriã. — Coloque-se no instante em que
você decidiu contar a história. O que sentiu?
O jovem sacudiu os ombros.
— Nada. A história me veio à mente.
Ela sacudiu a cabeça.
— Não, naquele momento você teve um impulso malicioso.
Não foi qualquer história que lhe veio à mente. Foi uma que
nos deixasse constrangidos.
Não são muitas pessoas que têm a coragem nem a pers-
picácia de analisar um momento passageiro dessa forma. O
confronto funcionou, para o bem do jovem.
Ele me disse:
— Eu não me defendi automaticamente. Voltei àquele
momento e ela estava certa. Tinha sentido inveja naquele
instante. Ali estava eu, a uma mesa de comida e vinho que
não tinha como pagar. De certa maneira, era humilhante
estar ali sabendo que não poderia retribuir.
Motivo pelo qual, para esconder a própria humilhação, ele
reverteu a situação e contou uma história que humilhasse
outra pessoa.
Neste pequeno exemplo, podemos ver os traços necessários,
caso queira sentir o que está oculto por dentro: alerta, boa
vontade, honestidade e coragem. Ou, colocando de outra
forma, se você não para e pergunta a si mesmo "O que estou
realmente sentindo agora?", está dando as costas para o
alerta, a boa vontade, a honestidade e a coragem. Está
deixando que a sombra vença.

Faça as pazes com seus sentimentos.

Uma vez que pode sentir o que realmente está ali, você tem
uma escolha. Na verdade, várias escolhas. Pode empurrar o
sentimento de volta para dentro. Pode se culpar por não ser
uma boa pessoa. Pode atacar o sentimento, lamentar ou se
desculpar por ele. Nenhuma dessas alternativas é produtiva,
pois conduzem às mãos da sombra, reforçando o sentimento
indesejado e tornando-o ainda mais indesejável.
Parece estranho, mas os sentimentos têm sentimentos.
Sendo parte de você, eles sabem quando são indesejados. O
medo coopera ao se esconder; a raiva coopera fingindo não
existir. Isso já é metade do problema. Como você pode curar
um sentimento indesejado, quando ele está agindo contra?
Não pode. Até que você faça as pazes com seus sentimentos
negativos, eles persistirão. A maneira de lidar com a
negatividade é reconhecê-la. Não é necessário nada mais.
Nada de confrontos dramáticos, nada de catarse. Sinta o
sentimento, seja ele raiva, medo, inveja, agressividade ou
qualquer outra coisa, e diga: "Eu o vejo. Você me pertence".
Você não precisa se sentir bem quanto ao sentimento
indesejado. Isso é um processo. A raiva e o medo
retornarão, assim como qualquer emoção profundamente
oculta. Quando uma delas voltar, reconheça. A medida que
o tempo for passando, a mensagem será compreendida. Seus
sentimentos indesejados começarão a se sentir indesejados.
Quando isso acontecer, você começará a ouvir a história
deles. Dentro de todo sentimento há uma história: "Sou
assim por essa razão". Seja aberto para a história que surgir,
independentemente de qual seja. Todo trauma do passado,
de um acidente automobilístico a uma rejeição amorosa,
desde perder o emprego até fracassar na escola, tudo isso
depositou resquícios na sombra. Você vem acumulando o
que alguns psicólogos chamam de "débito emocional com o
passado". Para pagar esse débito, ouça a história que há por
trás dele. Digamos que a história seja: "Jamais superei o fato
de não ter conseguido entrar para o time de futebol" ou
"Sinto-me culpado por ter roubado dinheiro da bolsa de
minha mãe". A maioria das histórias está enraizada na
infância, porque essa é uma época do aprendizado da culpa,
da vergonha, do ressentimento, da inferioridade e de toda a
negatividade básica que trazemos conosco.
Tendo ouvido a história, seja receptivo. Diga a si mesmo que
você teve uma razão válida para se ater à negatividade. Você
não tinha escolha, porque o sentimento foi secretamente
guardado, depois permaneceu escondido. Dessa forma, você
não fez nada de errado. Os sentimentos antigos ficaram por
perto para protegê-lo de se ferir do mesmo modo. Agora,
faça as pazes com isso, e você terá transformado algo
negativo em positivo. O medo não permaneceu para feri-lo;
ele achou que você precisasse estar atento no caso de outra
mágoa — caso outra garota o rejeitasse, outro parente
debochasse de você, outro patrão o despedisse. Mas essas
coisas não vão mais acontecer, pelo menos não exatamente
da mesma maneira.
A última coisa que você quer é reciclar essas antigas emo-
ções. E claro que isso é bem tentador. Presos a uma situação
frustrante, todos somos tentados a recorrer ao nosso estoque
de emoções, de onde tiramos a raiva. Em momentos de
tensão, recorremos à a ansiedade. No entanto, se continuar
reciclando antigas emoções, vai acabar apenas reforçando o
passado.
Nenhum de nós precisa se proteger de uma infância que já
passou há muito tempo. Mesmo que situações semelhantes
aconteçam — não que alguém possa prevê-las —, todos nós
já somos excessivamente protegidos. Não guardamos uma
única razão para sermos temerosos, mas dúzias e dúzias, e
para não esquecê-las participamos do medo coletivo dos
inimigos, do crime, dos desastres naturais e outros mais. Não
há mal algum em fazer as pazes com o medo e a
agressividade se você puder. A psique ainda lembrará o que
for necessário.
Depois de ter aprendido a lidar com a projeção, você pode
fazer a pergunta seguinte. Por que precisa se defender? Essa
se torna uma questão-chave, pois leva ao questionamento do
principal motivo da existência da sombra.

Passo 2: Desprenda-se

Por que é difícil abrir mão das emoções negativas? Há mais
de uma razão. Primeiro, as emoções negativas são a ponta do
iceberg, portanto, toda vez que ficar zangado ou ansioso, por
exemplo, há muito mais desses sentimentos guardados na
sombra. Segundo, a negatividade é pegajosa. Ela se agarra a
nós tanto quanto nos agarramos a ela. Esse grude é um
mecanismo de sobrevivência. Os sentimentos acham que
têm o direito de existir. Assim como você, seus sentimentos
justificam a existência deles. Oferecem motivos; constroem
uma história convincente. No entanto, apesar de todas essas
coisas, você pode se desprender da negatividade quando
souber como.
O processo começa com o reconhecimento de seus
sentimentos indesejados, trazendo-os à superfície. Já falamos
desse passo. Agora você precisa se desprender de toda a
negatividade. Há um ato de equilíbrio aqui, porque você
quer assumir responsabilidade ("Isso é meu"), sem exagerar,
e se identificar com sua negatividade ("Isso sou eu"). A
negatividade não é você, uma vez que você conhece seu self
verdadeiro, que está além da sombra. Portanto, considere
qualquer reação negativa como se fosse uma alergia, ou uma
gripe, algo que modifica sua situação apenas
temporariamente. Uma alergia é sua, mas não é você.
A gripe o deixa infeliz, mas não significa que você está
condenado a ser uma pessoa infeliz.
Quando encontrar meios de desfazer o grude da negativi-
dade, será mais desprendido. As afirmações seguintes
funcionam com esse intuito de desprendimento:

* Posso passar por isso. Não vai durar para sempre.
* Já me senti assim antes. Consigo lidar com isso.
* Não me sentirei melhor descarregando em outra
pessoa.
* Ninguém jamais ganha no jogo de colocar a culpa no
outro.
* Extravasar acaba levando ao arrependimento e à culpa.
* Posso ser paciente. Vejamos se consigo me acalmar
em breve.
* Não estou sozinho. Posso ligar para alguém que me
ajude a passar por esse momento ruim.
* Sou muito mais que meus sentimentos.
* Os humores vão e vêm, até mesmo os piores.
* Sei como me centrar.

Se conseguir transformar qualquer uma dessas afirmações
em realidade, estará acrescentando-as às suas habilidades
para lidar com a situação. Como fazer para torná-las reali-
dade? Querendo que elas sejam reais. Você precisa ter a in-
tenção de ser desprendido, centrado, paciente e alerta. Se
tem essa intenção, automaticamente estará alinhado com o
desprendimento. O oposto disso é estar tão preso que o
grude e a negatividade aumentem. Isso ocorre quando você
tem os seguintes pensamentos:

* Sinto-me horrível. Não mereço isso. Por que eu?
* Alguém vai pagar. Não provoquei isso para mim.
* Em quem posso descarregar o que estou sentindo?
* Isso está me deixando louco.
* Ninguém pode me ajudar.
* Como posso me distrair até esse sentimento passar?
* Preciso da minha droga favorita para sair dessa
situação.
* Quando estou me sentindo tão mal assim, é melhor
todo mundo se preparar.
* Quero ser resgatado.
* Alguém está me perseguindo.
* Isso tem que ser resolvido agora mesmo.
* Não posso evitar me sentir desse jeito. Simplesmente
fico desse jeito quando estou na adrenalina.

Percebo que "desprendimento" é um termo que as pessoas
do Ocidente identificam com o fatalismo e a indiferença do
Oriente. Portanto, faça desse o primeiro conceito a
reformular de maneira positiva. Desprendimento não
demonstra indiferença. Demonstra que você realmente não
quer a negatividade grudada em você.

Passo 3: Abra mão do julgamento pessoal

Você tem as emoções que acha merecer. No entanto, muitas
vezes, não são as emoções que você quer. Longe disso.
Todos fazem malabarismo de sentimentos "ruins" e "bons", o
que leva ao julgamento pessoal. Envolta em sentimentos
"ruins" -raiva, medo, inveja, hostilidade, papel de vítima,
autopiedade e agressividade — há uma imagem pessoal que
precisa dessas emoções negativas. Não há duas pessoas que
as utilizem da mesma forma. Construímos nossa identidade
de maneira ímpar. Algumas pessoas usam o medo para
motivar a si mesmas na superação de desafios; outras o
utilizam para se sentirem dependentes e vitimadas. Algumas
lançam mão da raiva para controlar qualquer um que esteja à
vista; outras temem a raiva e jamais a demonstram. No
entanto, seu senso de self — e consequentemente a
autoestima — está atado a todos os sentimentos que você
possui.
Todas as emoções são válidas, de uma maneira ou de outra.
Mas, quando você acrescenta o ingrediente do julgamento
próprio, qualquer emoção pode ser danosa. O amor já
destruiu vidas quando mal-empregado, desvirtuado ou
rejeitado. "Estava apenas tentando ajudar" parece uma
afirmação positiva, originada pelo carinho; porém, com que
frequência ela mascara uma intromissão indesejada? Você
pode moldar uma imagem própria isenta de julgamento
sempre que quiser. Incontáveis pessoas querem fazê-lo,
quase na mesma proporção dos especialistas que nos dizem
como. Contudo, se suas emoções têm efeitos negativos,
você não será capaz de criar o self que deseja. É muito difícil
se sentir bem consigo mesmo quando emoções primais
como a raiva e o medo têm permissão para fazer o que
querem. Então, o que você faz? Se a repressão não funciona,
tampouco funcionará deixar que as emoções negativas
transcorram livremente.
Dou grande valor à compaixão. Se você pode olhar para si
mesmo e dizer "Tudo bem, eu entendo", está fazendo duas
coisas de uma só vez: assumindo o julgamento de suas
emoções e dando a si mesmo a permissão de ser quem você
é.
A compaixão é uma emoção que tende a fluir de dentro para
fora. Esquecemos de dá-la a nós mesmos. Fui lembrado disso
em um encontro marcante que tive com uma jovem que
veio me fazer uma pergunta.
— Sempre ouço as pessoas — disse ela. — Só estava
imaginando... Será que estou indo longe demais com minha
compaixão?
Pedi que ela descrevesse o que acontece quando ela ouve as
pessoas.
- É estranho — ela respondeu. — Quando me levanto, pela
manhã, ouço minha família com compaixão. Sempre fui
assim, desde criança. No trabalho, as pessoas me contam
seus problemas, porque sabem que tenho compaixão. Mas,
recentemente, até as pessoas na rua, estranhos absolutos, de
repente começaram a me abordar e contar seus problemas.
Ouço todo tipo de história.
- E você sempre dedica um tempo para ofertar compaixão?
— perguntei. Ela assentiu.
- Não creio que esteja se prejudicando — falei. Ela pareceu
aliviada. — Na verdade — continuei —, acho que você é
notável sem perceber. Fico grato por você existir.
Aquilo foi inesperado e ela ficou constrangida. Poucos de
nós podemos dizer que nosso principal problema é o
excesso de compaixão pelos outros.
— Mas há algumas ciladas — disse a ela. — A compaixão é
sinônimo de pena. A palavra "compaixão" significa "sofrer
com". É onde se deve estabelecer um limite. Sua compaixão
será mal utilizada se isso a exaurir. Ela não pode sufocá-la,
nem fazê-la se sentir mal como a pessoa por quem você
sente compaixão.
Quando é válida, a compaixão é tão valorosa para aquele que
dá quanto para o que recebe. Depois, pensei em como isso
se aplica ao self. Dentro de cada um de nós há uma voz que
persiste em julgamento. Podemos chamá-la de consciência
ou superego, mas é uma voz que não vem de um juiz de
fora, ou de nossos pais. Ela age de modo independente,
analisando nosso valor ou o que estamos pensando. Digamos
que se sinta injustamente zangado com alguém e depois
culpado por ter extravasado a raiva. A voz de julgamento em
sua cabeça diz: "Você está errado. Provavelmente se
encrencou e merece isso". Talvez essas palavras sejam úteis
de alguma forma. Mas essa voz julgadora é apenas você;
portanto, ao julgar contra você, na verdade, a voz está
julgando contra ela mesma. Não há um juiz independente e
objetivo lá dentro. A voz que o rotula como errado ou mau
é um personagem de ficção, e o que você perceberá é que
esse personagem nunca tem compaixão. Para manter o
poder sobre você, a voz tem de intimidá-lo.
O que aconteceria se você começasse a ter compaixão por si
mesmo? O juiz interior começaria a se dissolver. No caso
dessa jovem, senti que ela não manipulava a compaixão de
modo egoísta, como as pessoas costumam dizer: "Depois de
ver quanto meu amigo está mal, sinto-me bem melhor
comigo mesmo". Em vez disso, deixava que sua compaixão
fluísse, ouvindo e abrindo um canal. Precisamos fazer igual
por nós mesmos. Melhor ainda se esse canal conduzir a
Deus. Em sua máxima, a compaixão tem um papel de cura.
Quando você a oferta, as angústias de outra pessoa são
ouvidas e passam a um nível mais alto de consciência.
Não estamos falando de renunciar à sua consciência. Mas,
quando a consciência começa a ser punitiva e o faz se sentir
indigno, ela já foi longe demais. É hora de desprender o
julgamento que o mantém preso a uma limitada concepção
própria. No reino espiritual ou de Deus — chame como
quiser —, o sofrimento pode ser curado. Por meio de sua
compaixão, você abre um canal aos poderes de cura. Aspire
ser esse canal. Esse é um dos maiores prazeres da vida e
certamente o mais puro.

Passo 4: Reconstrua seu corpo emocional

Sempre que uma emoção negativa emergir, você pode
substituí-la por algo novo. Todos temos uma imagem mental
do que é um corpo físico desejável — bem condicionado,
saudável, jovial, viçoso, agradável de se ver. Mas não usamos
essas qualidades em relação às nossas emoções, nosso "corpo
emocional". O corpo emocional, assim como o corpo físico,
tem de ser propriamente nutrido. Ele pode ficar cansado e
flácido ao ter as mesmas reações, repetidamente. Ele se
torna enfermo quando exposto a toxinas e influências
insalubres.
Toda vez que você sente uma emoção negativa, seu corpo
emocional está expressando desconforto, fadiga ou dor.
Preste atenção a esses sintomas, da mesma maneira como
faria com uma dor ou desconforto físico. Se você tivesse
uma pedra no sapato, não hesitaria em removê-la. No
entanto, quanto tempo você já suportou as pedras espirituais
de seu sapato? De várias formas, nossas prioridades devem
ser revertidas. Pense no tempo e no dinheiro gastos para
evitar o envelhecimento.
Empenhamos um esforço enorme para garantir um corpo
saudável e funcional até a idade avançada. No entanto,
ironicamente, é o corpo emocional que é imune ao
envelhecimento. Não há motivo para que as emoções
envelheçam, porque a fonte de frescor e renovação está
sempre à mão. Seu corpo emocional deve permanecer
vigoroso, alerta, flexível e agradável às experiências. Acho
que uma única frase — "a leveza do ser" — engloba todas
essas qualidades.
As crianças naturalmente sentem a leveza do ser. Elas
brincam e riem; esquecem os traumas e rapidamente se
recuperam. Qualquer coisa que sintam logo vem à
superfície. Esse período descontraído pode não durar muito.
Observando uma criança atentamente, você pode ver o
começo das tendências que levarão ao sofrimento futuro,
conforme a sombra ensina suas táticas de projeção, culpa,
remorso e todo o restante. É por isso que reconstruir o
corpo emocional, em longo prazo, é a melhor estratégia para
todo mundo — seu futuro depende da eliminação do seu
passado. A chave é ter uma perspectiva, que você pode
implementar todos os dias. O que não faltam são conselhos
detalhados, neste livro e em muitas outras fontes. Porém,
sem uma perspectiva, até mesmo o melhor dos conselhos
fica a esmo e fragmentado.
Uma perspectiva para a reconstrução do corpo emociona!
inclui ao menos alguns dos pontos a seguir:

* Tornar-se mais inteiro.
* Aprender a ser resiliente.
* Dissipar os demônios do passado.
* Curar antigas feridas.
* Esperar o melhor de si mesmo.
* Adotar ideais realistas.
* Empenhar-se.
* Ser generoso, principalmente com sua alma.
* Enxergar além dos medos.
* Aprender a autoaceitação.
* Comunicar-se com Deus ou seu eu superior.

O mais importante na reconstrução do corpo emocional é se
tornar mais inteiro. As emoções não podem ser remodeladas
isoladamente. Elas se fundem, se mesclam aos pensamentos,
ações, aspirações, desejos e relacionamentos. Todo
sentimento que você tem se desloca de maneira invisível,
rumo ao ambiente, afetando as pessoas ao redor, a sociedade
e o mundo. Depois de ter trabalhado com milhares de
pessoas ao longo dos anos, pude perceber que sem a
plenitude tudo o que conseguimos criar é uma mudança
superficial. Sendo assim, vejamos se é possível abordar sua
vida como uma realidade, um processo que engloba todo o
pensamento e a ação que você já teve ou terá.
Isso pode soar um tanto sufocante, porém, para escapar da
névoa da ilusão, a única maneira de sair é a realidade. Na
verdade, só há uma realidade. Você não tem como se
separar dela. Nem vai querer, uma vez que puder enxergar a
enorme vantagem de viver na plenitude. Seu self separado,
que tem uma participação pessoal no mundo, não se trata de
quem você realmente é. Na verdade, isso pode ser uma total
ilusão, e foi o que Buda disse. O self que você defende todos
os dias, como seu ponto de vista ímpar, é uma ficção
conveniente que faz com que o ego se sinta bem. O que o
ego não percebe, no entanto, é que ele se sentiria muito
melhor se abrisse mão da parte limitada e egoísta no mundo.
Quando isso acontecer, o verdadeiro self pode emergir.
Então, e somente então, a plenitude será possível.

UMA NOVA REALIDADE,
UM NOVO PODER

A plenitude supera a sombra ao absorvê-la. O mal e o
malfeito já não estão isolados. Antes, mencionei que
danificar o ecossistema é um exemplo de como o mau
comportamento pode ser negado e varrido para debaixo do
tapete. Porém, conforme a postura se modifica, descobrimos
que o ecossistema está totalmente interligado. Os
comportamentos de todas as pessoas afetam a todos. Não há
parte alguma do planeta que possa ser isolada, como se fosse
imune aos danos ecológicos causados por outras partes. A
plenitude modifica toda nossa perspectiva.
Agora, expanda a palavra "ecossistema", levando-a a um
contexto mais abrangente. A plenitude tem de se expandir
para levar em conta as leis que controlam a poluição, as
batalhas sociais pelo aquecimento global, as atitudes pessoais
quanto à reciclagem, chegando até a nossa forma de
felicidade. Será que podemos continuar a ser felizes com um
tipo de vida que está lentamente destruindo o mundo? Tudo
o que você possa pensar engloba o ecossistema. Ele é a teia
dos relacionamentos, nos quais todos temos papel atuante.
Se você compreender a teia de relacionamentos como um
local invisível onde tudo se une, começará a enxergar a
plenitude onde um dia existiram divisões.
No atual debate sobre o meio ambiente, dois caminhos
permanecem abertos. Podemos continuar a negar o
problema ou podemos encará-lo. O primeiro caminho é uma
falsa solução, porque ele não resolve a culpa e o medo
ocultos da destruição ecológica e dos futuros desastres. O
segundo caminho elimina o medo e a culpa, da única
maneira viável: resolvendo o problema que leva a essas
emoções. O mesmo se faz verdadeiro para a sombra. O
problema pede uma abordagem holística para que seja
resolvido. A negação é uma solução falsa.
Se você reconhecer e abraçar sua sombra, na verdade, isso
será reconfortante, pois a vida toda é reconfortante — isto é,
a vida existe para sustentar a si mesma. Quando nos detemos
no drama do bem versus o mal, impomos nossa perspectiva
limitada. Afinal, mesmo quando alguém está cometendo um
crime violento, ou indo para a guerra, ou vitimando outra
pessoa, as células e os órgãos do malfeitor não param de
funcionar. A lealdade do corpo é à vida, independentemente
do quão conflitante a mente se torne.

Uma nova visão do mundo

Os milagres da Idade Média, peças interpretadas em dias de
festa, usavam da seriedade sisuda do mal e a transformavam
em piada. O Diabo era um personagem cômico que se
envolvia em todo tipo de falcatrua, tentando as almas e
levando-as ao tormento; no entanto, o Diabo não consegue
ver que, no fim da contas, Deus é sempre mais poderoso. O
próprio Satã será redimido. No fim, a piada baseia-se nele;
ninguém está fora do alcance de Deus. Em termos religiosos,
essas montagens teatrais mandavam a mensagem de que a
plenitude sempre supera a separação. Se você olha o mundo
em termos de bem versus mal, é porque perdeu a piada
cósmica.
Qualquer coisa que ache errado em você, ou doloroso de-
mais para ser confrontado, pode ser visto de modo diferente.
A vida — no sentido da sua vida e da minha — transcende
qualquer orientação de ganhar ou perder. A plenitude vai
além das explicações simplistas de causa e efeito. Na teia dos
relacionamentos, você funciona num contexto muito maior.
Quando enxergar a si mesmo como parte do todo, surgirá
um novo entendimento. Não há necessidade de rotular a si
mesmo ou qualquer outra pessoa como parte do drama bem
versus mal, certo versus errado. Você pode trocar o
julgamento pela verdadeira experiência de compaixão, amor
e perdão. É essa a cura que vem de ser pleno.
Mas o ponto de vista holístico também liberta uma sapiência
intuitiva mais profunda — você vê o porquê de as coisas
serem como são. É comum ouvir as pessoas dizerem "Há um
motivo para tudo o que acontece", mas geralmente, se forem
questionadas, desconhecem o motivo. A mente continua
buscando, em vão, pelas explicações de causa e efeito. Esse
empenho nos leva a estranhas especulações: "Uma vez traí
minha esposa e agora essa falência é meu castigo; "Vivia
tomado pelo ódio e agora tenho câncer"; "A comunidade
deixou de acreditar nos mandamentos de Deus e agora um
furacão a assolou". Mesmo que você rejeite ligações tão
sombrias, provavelmente ainda guarda superstições do
mesmo gênero, pois todos o fazemos. Não nos foi ensinada
outra forma de entender o funcionamento invisível da
realidade.
Deixe-me sugerir outro caminho. E se tudo que existir,
visível e invisível, encaixar-se no mesmo plano? Nesse
plano, o universo inteiro é feito de consciência. Os
acontecimentos maiores, tal qual o nascimento e a morte das
galáxias, estão ligados aos menores, as interações de
partículas subatômicas. Tudo faz parte da consciência, que
nos tempos antigos era chamada de mente de Deus. Não
precisamos utilizar termos religiosos. Porém, assim como o
conceito tradicional de Deus, a consciência é infinita, abraça
tudo, é todo-poderosa, consciente de tudo. Ela se desvenda
em inúmeras maneiras e formas. Parece peculiar dizer que
uma água-viva que pulsa no oceano Pacífico, uma rocha na
encosta do monte Everest e uma gota de chuva que cai no
Brasil são conscientes. Mas não estamos falando de possuir
um cérebro. Uma água-viva, uma rocha e um pingo de
chuva não têm pensamentos nem sentimentos (até onde
sabemos — é bom manter a mente aberta quanto ao
desconhecido). Portanto, não nos sentimos ligados intima-
mente à vida "não consciente" que está ao nosso redor.
Quando nos separamos de objetos ou criatura inferiores,
como as chamamos, algo imenso está se perdendo. Há
princípios que abraçam todas as coisas. Olhe para uma célula
de seu corpo e um elétron vagando pela escuridão do
espaço, e algumas semelhanças emergem em um plano
invisível:

* Toda ação é coordenada por outra ação.
* A informação é compartilhada por toda parte do todo.
* A comunicação é instantânea.
* A energia é remodelada em incontáveis variações,
porém, nunca é perdida.
* Com o passar do tempo, a evolução produz mais
formas intricadas.
* A consciência se expande de maneiras que se tornam
mais complexas.

Eu sei que há muitos termos abstratos, mas, no fim das con-
tas, não há necessidade de palavras. Quando você vê a si
mesmo como isolado, as palavras parecem importar muito
mais do que ser. Afinal, ser é algo passivo, algo que damos
como certo, enquanto as palavras regem a nossa vida,
preenchem a nossa cabeça, aproximam e afastam as pessoas.
No entanto, as palavras não poderiam existir sem a
inteligência silenciosa dentro de cada célula. O poder que
mantém seu corpo coordenando um número infinito de
ações biológicas por segundo entre bilhões de células é
primordial e mais importante do que pensar e usar palavras.
Primordial não é primitivo, um engano que cometemos
quando nos orgulhamos do raciocínio humano. A
consciência encontrada em todo lugar é inexpressível; ela
excede em muito a mente humana. Se listarmos as coisas
que nos chegam a partir de uma fonte misteriosa, que
experimentamos profundamente, sem palavras, é impossível
duvidar da existência do mundo invisível. Eis aqui uma
breve lista:

* Amor.
* Criatividade.
* Senso de estar vivo.
* Beleza.
* Inspiração.
* Intuição.
* Sonhos.
* Perspectivas.
* Anseio.
* Realização.
* Sensação de integração.
* Admiração, espanto.
* Êxtase, alegria.
* O sobrenatural, divino.

Uma vida repleta dessas qualidades invisíveis não seria nada
menos que uma nova forma de ser. Ninguém negaria, por
vontade própria, a admiração, a criatividade, o amor e todo o
restante. No entanto, milhões de pessoas o fazem. Elas
experimentam a alegria e a realização em pequenas doses
que rapidamente se esvaem. Fracassam ao tentar ultrapassar
a sombra, que defende as riquezas do inconsciente com
unhas e dentes. Uma vez, ouvi um guru lamentar para o
público: "Eu lhes mostro os portões do céu e, quando um
duende surge e grita 'Bu!', vocês saem correndo".
Medo, raiva, insegurança, ansiedade e outros aspectos da
sombra dão uma sensação muito além de "Bu!". Se vamos
alcançar os portões do céu, o único self que pode nos levar
até lá é o que temos. Eis onde mora o dilema. Como pode
um self dividido atingir a plenitude? Gostaria de dizer que
pode, mas não é da maneira que pensa a maioria dos que
buscam essa plenitude. Krishnamurti, o sábio indiano de
olhos mais objetivos, talvez até impiedoso, disse: "A
liberdade não é o fim do caminho. É o começo. Não há lugar
algum para ir. A liberdade é a primeira e última coisa no
caminho". Ele não estava tentando iludir seus seguidores. A
doutrina de Krishnamurti, da primeira e última liberdade,
como ele a traduz, foi seu modo de dizer que a plenitude —
estado de liberdade completa — não tem a ver com a
escolha disso ou daquilo. Não tem a ver com ser bom em
vez de mau, ser puro em vez de impuro. A plenitude não
tem divisões. Ela é tudo. Dessa forma, tem de ser o começo
e o fim ao mesmo tempo. Nosso trabalho é transformar essa
perspectiva em uma forma prática de vida.

Como é a Plenitude?

A glória da existência humana não está nas coisas que nos
tornam únicos. Está no fato de podermos nos unir à
inteligência cósmica; cada um de nós se torna uma parte
consciente do todo. Quando isso acontece, ganhamos um
mundo que nem chega a ser imaginado pelos pensamentos e
sentimentos da vida cotidiana. É prático viver de maneira
holística, pois, com toda a consciência de que se pode lançar
mão, seremos muito mais criativos e imaginativos, muito
menos inclinados ao julgamento. Mas, para que surja
qualquer um desses benefícios, temos de experimentar o
que a plenitude realmente é. Vejamos isso, agora. A
plenitude sempre tenta restaurar a si mesma. Seu corpo tem
um leque de técnicas de cura. A plenitude e a cura estão
intimamente ligadas (as duas palavras derivam da mesma
raiz, em sánscrito). O que o corpo faz para restaurar a
plenitude?

* Ele busca o equilíbrio.
* Uma célula se comunica com a outra.
* Parte alguma é mais importante que o todo.
* Descanso e atividade são harmonizados.
* Em meio à atividade constante há uma base estável
(conhecida como homeostase).
* Cada célula se adapta às mudanças do ambiente.
* O estresse é combatido e deixado sob controle (as
doenças e o desconforto são basicamente resultados
do estresse).

Em cada caso, o corpo está se mantendo pleno. O sistema
curativo se estende a todo lugar. As células do coração, do
cérebro e do fígado desempenham funções diferentes, mas
seu objetivo comum é manter o corpo vivo e saudável;
portanto, a plenitude é mais importante que qualquer
atividade isolada. Se você olhar para seu corpo como uma
metáfora de sua vida, o que isso significa?

* Você valorizará o equilíbrio.
* Os aspectos isolados de sua vida trabalharão em
direção a um propósito comum.
* Cada aspecto da vida assumirá igual valor.
* O descanso entrará em harmonia com a atividade.
* O âmago de seu self, que está calmo e em paz, não se
perturbará em meio à atividade.
* À medida que sua situação se modificar, você se
adaptará e permanecerá resiliente.
* Aos primeiros sinais de que o estresse está lhe tirando
da zona de conforto, você vai perceber e reagir.
* Você vai valorizar o bem-estar acima da experiência
individual.

A plenitude é sempre um ganho, jamais uma
perda

Ser pleno é estar inteiramente curado. Se isso é verdade,
então, independentemente do quanto você viva bem, não
estará inteiramente curado até que seu self dividido seja
transformado. Há muitas formas de se alcançar uma vida
boa, mas inúmeras pessoas encontram razões para não
buscar a plenitude (uma das principais razões para isso é que
elas nunca foram expostas à visão do self superior da
maneira como ele realmente existe). É crucial saber que
você não vai deixar de ser você mesmo se buscar a
transformação.
O mundo de contrastes é sedutor e dramático. Sem o
contraste, será que estaríamos condenados à mesmice
eterna? Quanto mais forte a luz, maior a sombra. Não se trata
de algo criado pela humanidade; é o modo como a natureza
funciona. A alternativa não é praticável. Se o universo não
tivesse as forças criativas se opondo simultaneamente ao
declínio, ou entropia, não haveria universo.
Digamos que somente o impulso criativo evolutivo existisse
no universo. O que aconteceria? O cosmos rapidamente se
esgotaria de matéria e energia para usar novas formas, já que
as antigas jamais seriam gastas, nem se tornariam obsoletas.
Em termos pessoais, falamos de nos tornar pessoas
evoluídas, mas se você apenas evoluir, sem dissolver a antiga
pessoa que era no passado, seria, simultaneamente, um
eterno bebê, uma criança, um adolescente e um adulto. Seu
corpo teria incontáveis camadas de pele porque as células
velhas não seriam descartadas; o revestimento de seu
estômago incharia de forma grotesca, sem o trabalho das
enzimas digestivas que constantemente o devoram para que
ele possa ser substituído a cada mês.
Por outro lado, se apenas o impulso de inércia e destruição
existissem, o universo seria rapidamente consumido por si
só. A entropia causaria a "morte pelo aquecimento" em
curto prazo, conforme o cosmos recaísse num vazio frio e
estático. Precisamos dessas forças opostas, mas esse não é
um argumento para a dualidade. Na verdade, é um forte
argumento para a plenitude, já que é preciso uma
perspectiva bem maior que isso, de ambos os lados, para
mantê-las em equilíbrio.
Seu corpo é capaz de entrar em hiperatividade quando a
reação de estresse é ocasionada. Um fluxo de adrenalina
acelera o coração, gera uma energia extra da corrente
sanguínea, alerta a mente, intensifica os sentidos e coloca o
corpo em prontidão para extremos. Mas, se as reações de
estresse ficam descontroladas, elas podem matá-lo muito
rápido, em questão de minutos. Na verdade, isso foi
observado em pacientes que passaram muito tempo usando
esteróides. As drogas que tomam para conter as inflamações,
por exemplo, também oprimem o sistema endócrino. Se o
uso dessas drogas for subitamente suspenso, o corpo não
tem capacidade para secretar uma quantidade equilibrada de
hormônios. Dessa forma, se você chegar por trás de um
desses pacientes e gritar "Bu!", pode colocar a pessoa num
estado em que os hormônios do estresse acelerem o coração
a um nível tão perigoso que chegue a resultados fatais.
No plano do ego, constantemente nos iludimos ao pensar
que ser absolutamente bom é possível. Nunca mais vamos
mentir, trapacear, sentir inveja, perder a calma ou ceder à
ansiedade. Essa intenção nunca dá certo, porque ser
totalmente bom, o tempo todo, é tão rígido quanto ser
qualquer outra coisa o tempo todo. Há momentos em que é
absolutamente certo e saudável ficar zangado ou sentir
medo. A falha no pensamento positivo é que você não pode
ser positivo o tempo inteiro. É uma atitude sã lutar contra
ditadores, se opor à opressão de todas as formas, dizer a
corruptos que eles estão errados, e por aí adiante. A vida
apresenta desafios vindos do lado obscuro. Não precisamos
endemoniar a sombra; ela é a fonte de quase todos os
desafios que valem a pena ser enfrentados.
A ilusão na qual recaímos é pensar que a vida nos força a
escolher entre o bem e o mal. Na realidade, há um terceiro
caminho, que é ser pleno. Da perspectiva da plenitude, você
pode equilibrar a escuridão e a luz sem se tornar escravo de
nenhuma delas. A oposição entre as duas pode se
transformar em tensão criativa. O mocinho tem que
continuar ganhando, mas é melhor o bandido não perder de
vez, pois então seria o fim da história. O universo ficaria
como um museu, mumificado eternamente.
O ideal é que as forças da verdade, bondade, beleza e
harmonia fiquem um passo à frente das forças sombrias. Seu
corpo consegue alcançar isso, assim como o universo como
um todo. Não podemos negar o fato de que as formas de
vida estão constantemente evoluindo, passando a níveis
mais altos de abstração, criatividade, imaginação, perspicácia
e inspiração. Algo está mantendo o equilíbrio, porém, com
uma ligeira inclinação para a evolução. De várias maneiras, a
espiritualidade não faz mais que imitar a natureza. Se você
pode ajudar a inclinar a balança para a evolução, em vez da
entropia e do declínio, você é um verdadeiro guerreiro
espiritual.

A plenitude está próxima, não longe

Há um mapa da consciência humana que é tido como
verdadeiro em todas as tradições. Nesse mapa, um Deus
eterno tem o papel de fonte da criação. Mesmo quando a
palavra "Deus" não é usada, como acontece no budismo, há
um estado sem divisão; ele é um todo; contém tudo de
visível e invisível. O estado indivisível de Ser, então, divide
a si mesmo entre os aspectos visíveis e invisíveis da criação.
Fora de si mesma, a unidade cria o plural. Você pode
imaginar o mapa como um círculo, com um ponto no
centro. O ponto representa Deus como fonte, que é menor
que a mais minúscula das partículas. O círculo também
representa Deus, mas um Deus como o universo manifesto,
que é maior que a mais gigantesca das coisas.
Mas, para que o mapa tenha precisão, você precisa ver o
círculo em constante expansão, como o universo após a
grande explosão. Porém, ao contrário do cosmos físico,
Deus se expande em velocidade infinita, em todas as
direções, isso significa um potencial ilimitado do Ser, uma
vez que este entra em criação. Até então, o mapa pode ser
visto como esotérico, e muitas pessoas não veriam tanto
valor prático nele. (Uma vez, uma mulher me disse que
sentia repulsa pelas palavras "uno" e "todo", quando aplicadas
a Deus. Para ela, essas palavras eram como ser engolida por
um mar vazio, um vácuo divino.) Nossas mentes não
conseguem alcançar a expansão infinita em todas as
direções. Mas torne o mapa pessoal. Veja sua fonte como
um ponto, enquanto seu mundo inteiro é o círculo em
expansão. Quanto mais você vê, entende e experimenta,
maior fica o círculo. No entanto, ele está sempre se
expandindo a partir da fonte. Isso significa que a fonte
nunca está longe. E uma constante.
Quando você tiver a experiência de ser a própria fonte e seu
mundo, ao mesmo tempo, você se tornará pleno. A razão
para que a fonte pareça estar longe é que você se identificou
com todas as coisas separadas em seu mundo,
negligenciando a origem criativa que torna tudo possível. (É
como esquecer sua mãe enquanto está crescendo. Não há
esquecimento que apague o fato de você ter tido uma mãe,
que foi sua fonte.) Não é possível perder inteiramente a
ligação com a fonte, porque ela é feita da sua consciência.
Saber que está vivo significa que você está ligado à
consciência. Isso faz a ligação parecer passiva, embora não
seja. Por meio dessa ligação é que fluem todos os
pensamentos que você já teve. Também há um lado
silencioso da consciência que trabalha para mantê-lo vivo,
fisicamente. Seu coração sabe o que seu fígado está fazendo,
não em palavras, mas através das mensagens codificadas em
substâncias químicas e sinais elétricos. Seu corpo requer
uma infinidade de reações a serem coordenadas, dentre
centenas de bilhões de células. Esse é um aspecto da
consciência que nunca ganha voz, mas sua inteligência
ultrapassa a de qualquer gênio.
Gente comum se preocupa que Deus possa estar tão longe
que Ele tenha se esquecido de nós, enquanto entusiastas
religiosos crêem fervorosamente que Deus está perto em
todos os momentos. As duas visões derivam da dualidade, já
que perto é o oposto de longe. Mas imagine a cor azul.
Antes de vê-la em sua mente, a cor estava perto ou longe de
você? Diga a palavra "elefante" para si mesmo. Antes de
surgir à mente, o seu vocabulário estava longe ou perto?
Usamos a consciência por motivos individuais, a serviço do
"eu e meu", porém, você pode se localizar no tempo e no
espaço sem conseguir localizar sua consciência. Não há
distância entre você e uma lembrança, você e o pensamento
seguinte. Partindo da perspectiva da plenitude, já que tudo
está sendo coordenado de uma só vez, a distância é
irrelevante.
O que conduz a uma conclusão empolgante: seu potencial
para a mudança também não está distante. Potencial é o
mesmo que possibilidades não vistas. Ou você vê que algo é
possível, ou não vê. Portanto, o impossível é apenas outro
nome para o que não é visto. Consequentemente, a sombra,
que o faz enxergar um mundo limitado, temeroso e repleto
de ameaças e possibilidades sombrias, está mascarando
muitas possibilidades não vistas, que poderiam saltar diante
de seus olhos se você se expandisse além da sombra. Sem a
expansão, você é forçado a ter uma visão limitada. Pense em
uma forte dor de dente. A dor ocupa toda sua atenção; você
não consegue pensar em mais nada. Se a raça humana
estivesse em constante dor física, a consciência jamais seria
expandida. O medo é a dor antecipada, e tem o mesmo
efeito de limitar a consciência. No fim das contas, a
plenitude é o mesmo que encontrar sua fonte. Não há
divisão na fonte. Você não tem que conquistar cada aspecto
de si mesmo que esteja afetado pela escuridão (o que seria
impossível, de qualquer jeito). Transforme-se no que
realmente é e, desse momento em diante, a escuridão já não
terá mais nada com que você se identifique.
Você está vivendo perto da fonte da consciência se as
afirmações a seguir forem verdadeiras:

* Está em paz.
* Não pode ser abalado de seu centro.
* Possui autoconhecimento.
* Sente compaixão sem julgamento.
* Vê a si mesmo como parte do todo.
* Não está no mundo. O mundo está em você.
* Ações espontaneamente o beneficiam.
* Seus desejos se manifestam facilmente, sem desgaste
nem esforço.
* Pode executar ações intensas com desprendimento.
* Não está visando nenhum resultado pessoal.
* Sabe como se render.
* A realidade de Deus é visível em toda parte.
* A melhor época é o presente.

A plenitude está além da sombra

Seres humanos vêm lutando contra a sombra há incontáveis
séculos, mas, até onde sei, a sombra nunca foi derrotada. Os
únicos que conquistam a sombra não lutam com ela; eles a
transcendem. Quando você transcende, vai além. Na vida
diária, transcendemos o tempo todo. Por exemplo, quando
uma mãe vê o filho pequeno sendo manhoso e exigente, ela
não cede para as condições da criança. Percebe que ele está
cansado e precisa dormir. O que ela fez? Ela transcendeu o
nível do problema, passando a um nível onde encontrará a
solução. Isso faz surgir uma verdade espiritual: o nível do
problema nunca é o nível da solução.
Instintivamente, sabemos disso, no entanto, aplicar essa
atitude nos dá tristeza. Nossas fantasias nos forçam a
descobrir qual é o lado bom e qual é o ruim, na esperança de
que ao escolhermos o lado vencedor a vitória seja total.
Nunca é. Todo dilema tem dois lados. Toda guerra disputada
em nome de Deus depende de uma ilusão, porque o outro
lado também confia em Deus. (Será que algum exército já
adotou o lema "A vitória é nossa porque Deus não está do
nosso lado"?) Os inimigos da transcendência vão direto às
mãos da sombra. Você está escolhendo não transcender
quando reluta no mesmo nível do problema. Considere o
seguinte:

* Você tem uma dor crônica: em vez de ir ao médico,
toma mais analgésicos.
* Quando ouve dizer que alguém não gosta de você,
encontra motivos para desgostar daquela pessoa.
* Seu filho está brigando com outra criança na escola:
você tem certeza de que seu filho está certo.
* Quando ouve dizer que um casal está se divorciando,
fica do lado de um deles.
* Um evangélico vem à sua porta pregar uma nova
religião: você bate a porta na cara dele, porque seu
Deus é o certo.

Estes são exemplos nos quais a opção de transcender foi
rejeitada, e, como são situações bem comuns, não é difícil
ver como a sombra ganha poder. Em cada caso, um lado foi
rotulado como bom e o outro, como ruim. Alguém foi
tachado de errado para que você possa considerar que está
agindo certo. Julgar os outros é validado como uma maneira
saudável de ver o mundo. O processo de escapar da névoa
da ilusão começa quando você percebe que ninguém está se
beneficiando, além da sombra. Você jamais estará certo o
bastante, vitorioso o bastante ou virtuoso o bastante para
dissipar a raiva, o ressentimento e o medo que são
originados nas pessoas que você estipulou como erradas.
Quando você enxergar isso, a transcendência se torna uma
opção viável. Começa-se a buscar o nível da solução, em vez
do nível do problema.

A PLENITUDE RESOLVE TODOS OS
CONFLITOS

Eu gostaria que a palavra "transcender" não viesse carregada
de conotações místicas. Quando perceber que pode "ir além"
em qualquer situação, transcender será algo simples. O
conflito é a natureza da dualidade. Resolver conflitos é a
natureza da plenitude — algo que lhe é natural. Quando
você não é somente preto ou apenas branco, bom ou ruim,
luz ou escuridão, e sim os dois lados ao mesmo tempo, o
conflito se dissolve. O primeiro passo é o mais importante.
Não seja leal à dualidade. Pare de rotular, culpar e julgar.
Abra mão das fantasias de mostrar ao mundo que você está
certo e os outros estão errados. Os professores espirituais
vêm ofertando esse conselho há séculos. Lembre-se do que
os Vedas proclamam: "Você não está no mundo. O mundo
está em você". Jesus ensinou que o reino do céu está dentro
de nós. Não faltaram ensinamentos quanto ao caminho
rumo à união.
Mas as pessoas não prestam atenção a esses ensinamentos,
porque o mundo invisível detém influência demais, e boa
parte dele é sombria. A plenitude não é real até que os
conflitos ocultos de sua vida sejam resolvidos. Deixe-me
frisar alguns desses conflitos em ordem ascendente,
começando pelo nível mais básico, como o que uma criança
indefesa poderia experimentar.
Cada conflito se torna mais difícil que o anterior, até que
alcancemos o nível de conflito espiritual, que é como uma
guerra contra a alma:

* Conflito entre estar seguro e inseguro.
* Conflito entre amor e medo.
* Conflito entre desejo e necessidade.
* Conflito entre aceitação e rejeição.
* Conflito entre o Um e os muitos.

Esses conflitos são uma armadilha para todos, estendendo-se
muito além do individual. Pense nos países que proclamam a
paz, mas se sentem tão inseguros que sua energia real vai
para o armamento e a defesa. Eles não resolveram o
problema básico de como se sentirem seguros. Pense nas
vezes em que você quis expressar amor por alguém, mas se
sentiu receoso e vulnerável. Você está na mesma posição
que as facções em guerra civil, que não podem se abraçar em
confraternização com um povo. O conflito está emaranhado
em tudo, desde relacionamentos até a diplomacia
internacional.

Segurança versus Insegurança

Solução: estabeleça-se em seu verdadeiro self.

O que é preciso para se sentir seguro em um mundo incerto
que está fora de controle? Os grandes sábios e professores
baseiam suas respostas na máxima fundamental de que a
dualidade é insegura e a plenitude é segura. Essa é uma das
grandes lições esquecidas. Muitas pessoas trabalham
desesperadamente para ficarem seguras e construírem suas
defesas. Erguem muros, isolando-se dos elementos mais
temerosos da sociedade. Protegem sua existência com
dinheiro e bens. Trancam as portas e rezam para que não
aconteça uma grande catástrofe. Essas táticas derivam de
uma crença primitiva de que, se seu corpo estiver em
segurança do perigo, você estará seguro. Talvez tenhamos
herdado essa predisposição; talvez ela seja adequada a nossa
forma materialista de vida. As pessoas do passado não se
sentiam seguras, a menos que os deuses, ou Deus,
aprovassem suas ações. Para isso, toleravam a miséria,
contanto que a religião organizada lhes dissesse que suas
almas teriam a salvação garantida.
A visão moderna da segurança é psicológica. Para estar
seguro no mundo, você precisa encontrar a chave interna da
segurança. Casas, dinheiro e bens são irrelevantes. Na
verdade, algumas das pessoas mais inseguras são aquelas que
se sentem levadas aos excessos da riqueza e do sucesso. A
chave para se sentir seguro, psicologicamente, é ilusória. A
psicologia freudiana diz que o papel dos pais durante os três
primeiros anos do filho determinará o quanto ele se sentirá
seguro ao crescer. A psicologia de Jung diz que a sensação
de insegurança só pode estar enraizada na psique coletiva e,
especificamente, na sombra, com seu compartilhamento do
medo e da ansiedade. Mas, se você olhar os resultados de um
século de terapia, a resposta psicológica mal funcionou em
ambos os casos. Tanta perspicácia e brilhantismo levaram a
pouco mais que o surgimento do Prozac e de uma geração
de terapeutas que passam a maior parte do tempo
prescrevendo receitas de drogas.
Você se sentirá seguro quando descobrir que tem um self
essencial. Ele existe em sua fonte, como vimos
anteriormente. Na fonte, não há divisões e, portanto, o
mundo externo não pode ameaçar o interno. A ansiedade
precisa de foco externo, seja a lembrança de um trauma
passado ou um temor oscilante que gere terror,
simplesmente porque o que vem a seguir é desconhecido.
Seu self essencial é estável e permanente; por isso, não há
nada a temer quanto à mudança. O desconhecido é
necessário para mudar. Quando você fizer as pazes com esse
fato, o mundo se transformará de um lugar de risco
constante para a área de lazer do inesperado.

Amor versus Medo

Solução: alinhar amor com força interior.

Uma vez que se sinta seguro, terá o direito de estar aqui. No
entanto, de modo a se sentir de fato um ser íntegro, você
precisa se sentir amado. O amor é a garantia de que você é
querido. O oposto, que é o que muita gente sente, é como
ser uma partícula a esmo, arremessada em um mundo
caótico. A única reação sã para essa situação é o medo. A
religião fez algumas tentativas ao oferecer a completa
garantia de que Deus ama cada um de nós, porém, ao
mesmo tempo, ela se agarra à imagem de um Deus temível e
vingativo. A razão para que essa dualidade nunca seja
resolvida não é nenhum mistério. Ninguém jamais
encontrará Deus e perguntará se Ele realmente nos ama ou
nos despreza, se nos quer salvos ou condenados. De Moisés
a Maomé, o divino sempre foi confrontado com essa exata
questão. A resposta sempre pareceu ter os dois lados. Para
fugir do medo, confiar em um Deus amoroso não dará certo,
pois essa é uma opção intelectual, sempre aberta à dúvida,
ou emocional, sempre aberta à mágoa. Enquanto você
estiver duvidoso ou puder ser magoado, naturalmente o
amor divino não parecerá confiável. No entanto,
consciencialmente podemos experimentar o fluxo de amor
como uma força constante, não um capricho divino. Os
antigos rishis da Índia afirmaram que a alegria (ananda, em
sânscrito) não se ganha nem se perde. Ela é construída na
natureza da consciência. A alegria, em sua forma mais pura,
é o êxtase, o prazer, o arrebatamento. Mas a consciência se
desenrola do não manifesto e invisível para o manifesto e
visível. Conforme esse desenrolar acontece, a alegria se
torna um aspecto da natureza que tem muitas qualidades:

* É dinâmica — ela se move e se modifica.
* É evolutiva — ela cresce.
* É penetrante — quer entrar em tudo.
* É desejosa — busca a realização.
* É inspiradora — aumenta, criando novas formas de
habitar.
* É unificadora — destrói as fronteiras da separação.

No Ocidente, atribuímos essas qualidades ao amor, que
também é a alegria, sob outro nome. O amor transforma dois
corações em um. O amor inspira grandes poesias e trabalhos
de arte. Derruba barreiras entre as pessoas. Há uma tradição,
que vem desde o começo dos tempos, que venera o amor.
No entanto, não há dúvida de que vivemos em uma época
sem amor, graças ao ceticismo e ao materialismo. Nenhum
dos dois força a renúncia ao amor, mas o reduziram às
químicas cerebrais, ao condicionamento psicológico, à
atuação boa ou ruim dos pais e à saúde mental. Nenhuma
dessas coisas é inteiramente negativa; elas levam a
perspectivas valiosas. No entanto, pelo bem ou pelo mal, a
tradição de exaltar o amor como sagrado vem
enfraquecendo bastante. Restou a cada pessoa ter de
descobrir se a força do amor pode ser experimentada; a
busca do amor tem sido outra forma de busca espiritual.
Sou fã de tecnologia e ferramentas eletrônicas, e uma delas é
o Twitter. Comecei a enviar e receber mensagens às cente-
nas, e toda a atividade se tornou sedutora. Um dia, inseri
uma pergunta: "Estou procurando amor. Como posso
encontrar o certo? Será que ele sequer existe?"
Imediatamente inseri outra mensagem: "Pare de procurar o
certo. Seja o certo." Foi uma resposta instintiva, e fiquei
impressionado ao descobrir que minha resposta foi repassada
a dois milhões de pessoas. A razão de ela ter parecido uma
resposta tão nova, depois percebi, é que o amor se tornou
um problema tal, que as pessoas estão francamente confusas
quanto à sua existência. Uma resposta que me pareceu
natural foi exótica para muitos outros.
O que é preciso para ser o certo — que significa encontrar o
amor dentro de si? É preciso ausência do medo. O amor não
precisa ser procurado. Assim como o ar que você respira, ele
existe como parte da natureza; é algo supostamente dado
como certo. No entanto, como qualquer aspecto do seu self
essencial, o amor pode ser mascarado. Na verdade, o amor
externo geralmente é irrelevante. Alguém que está
deprimido e ansioso, ou tem um senso de self danificado,
não reagirá facilmente (às vezes, nem reagirá) a gestos
amorosos de outra pessoa. Para encontrar amor, você tem de
ser capaz de enxergar a si mesmo como alguém que pode ser
amado. O self essencial tem uma visão simples — "Estou
apaixonado" — porque na fonte é exatamente assim que
você está. Porém, em um mundo de valores conflitantes,
essa simples afirmação torna-se confusa e complexa. A
névoa da ilusão gera o medo. Removendo o medo, o que
fica é o amor.

Desejo versus necessidade

Solução: percepção sem escolha.

"Tem de ser assim." Quantas vezes você ouviu essas palavras
ou as disse a si mesmo? A vida nos apresenta impasses.
Queremos fazer algo, mas o caminho está impedido. Talvez
alguém, com um ego inflado, diga: "Ou é do meu jeito, ou
não terá jeito". Mais frequentemente, duas pessoas se vêem
paralisadas, porque não conseguem se comunicar. Em um
extremo, está a compulsão física, tal como as fobias ("Tenho
medo de fazer X") e as obsessões ("Não consigo parar de
pensar em Y"). Parecem ser situações muito diferentes. Um
marido que se recusa a ir a um terapeuta conjugal
obviamente não parece semelhante a alguém que tem fobia
de altura, ou a uma pessoa obsessivo-compulsiva que lava as
mãos a cada vinte minutos. Mas há um denominador
comum. Cada um deles está encurralado entre o desejo e a
necessidade. O resultado também é o mesmo: eles já não são
livres para escolher.
Uma energia infinita é desperdiçada na tentativa de
ultrapassar um impasse. Recorremos a mediadores,
negociadores e juízes para decidir disputas, no entanto, o
lado que perde sempre se sente prejudicado. O conflito pode
ser resolvido na superfície, mas não abaixo dela.
Frequentamos médicos e terapeutas na esperança de que
algumas doenças possam ser diagnosticadas e tratadas. Nesse
caso, ao menos, existe a chance de olhar mais
profundamente. No entanto, o diagnóstico é em geral muito
mais fácil de encontrar que o tratamento. O Prozac e os
antidepressivos semelhantes já provaram ser eficazes em
conter os sintomas de TOC (transtorno obsessivo-compul-
sivo), mas não na verdadeira cura da condição encoberta que
volta se o paciente parar com a medicação.
Contudo, não importa quanto você seja diplomático, o
conflito entre o desejo e a necessidade não pode ser
totalmente resolvido. A vida em si apresenta situações em
que você não consegue obter o que quer. Nem todo mundo
se casa com o homem ou a mulher de seus sonhos. O
fracasso profissional é sempre uma possibilidade. Ganhar fica
fora do alcance. Para um pessimista há mais frustrações que
satisfações inerentes à vida. Os sábios e guias de todas as
tradições já viram que o desejo é frequentemente
bloqueado. Então, é surpreendente que a tradição védica, da
Índia, mal mencione resignação, paciência e sacrifício
pessoal como virtudes. Em vez disso, a sabedoria mais
profunda da Índia ensina que há um estado conhecido como
"Percepção sem escolha". À primeira vista, parece sinônimo
de "desistir". Você não faz uma escolha; abre mão de
escolher um lado.
Precisamos ser claros: a percepção sem escolha não tem a
ver com abrir mão daquilo que se quer. Tem a ver com
deixar de ser leal ao que o ego quer em detrimento do que o
universo quer. Com a percepção sem escolha, você deixa sua
consciência tomar todas as decisões. Em outras palavras,
aquilo que você quer também é a melhor coisa que pode
querer. Em tal estado de consciência, segundo os antigos
rishis, não há resistência nem de dentro, nem de fora. É uma
condição bem fluídica. Para a pessoa comum na Índia, estar
no darma significa ter encontrado o trabalho certo e
conseguir fazer a coisa correta com seu comportamento.
Darma é uma virtude ou um modo correto de viver. Em
nível mais profundo, estar no darma significa que,
espiritualmente, você está no caminho certo. Está seguindo
os preceitos de sua religião e não está caindo em armadilhas
ao longo do caminho.
Mas nenhum desses estados resolve o conflito entre "eu
quero" e "eu preciso". O desejo e a necessidade continuam
em guerra. Pode-se dizer que as pessoas retas se veem muito
mais presas aos deveres e às obrigações que as pessoas
comuns, já que todo tipo de religião faz muitas exigências na
tentativa de restringir todo tipo de desejo. Somente a
percepção sem escolha leva ao fim do conflito, porque,
quando você chega a esse nível de consciência, o que você
quer é aquilo de que precisa, para seu bem e o bem do
mundo inteiro.
Nesse estado de consciência, ninguém precisa lhe dizer
quais são as regras do darma. Em vez disso, você assimilou o
darma — você, de fato, vive o axioma "Não estou no
mundo, o mundo está em mim". Manter tal estado exige
crescimento pessoal dedicado, mas todos já passaram por
momentos como os seguintes:

* Você fica descontraído.
* Há ausência de culpa e julgamento próprio.
* Você experimenta uma sensação de retidão.
* As condições externas não o bloqueiam.
* Outras pessoas colaboram sem oferecer resistência.
* Os frutos de suas ações são positivos.
* O desejo termina em um sentimento de realização e
satisfação.

Como você pode ver, essa é uma combinação especial de
ingredientes. No entanto, quando alinha a força do darma,
este é seu estado normal. Não é o bastante simplesmente
obter o que se quer. Muita gente, com dinheiro e poder
suficientes, pode satisfazer qualquer capricho sem muito
esforço. Mas sentir-se satisfeito e realizado é muito mais raro
e, frequentemente, o exercício do poder e do dinheiro
apenas inflama os desejos da pessoa, levando a insatisfações
mais profundas. Você não pode satisfazer seu ego dando-lhe
tudo o que ele quer, pois a única razão da existência do ego é
acumular. Ele quer mais dinheiro, posses, status, amor,
poder, e assim por diante. O mecanismo é conservado
intocável; ele funciona através de uma programação
impossível de ser reescrita. Os desejos do ego são
superficiais. Seu verdadeiro self é isento de ego. Você não
está objetivando o ganho; não teme a perda. Quando dá de si
mesmo, não está secretamente calculando o que terá em
retorno.
Somos afortunados por haver outra forma de ver o mundo,
não da perspectiva do ego, mas além dele, onde a plenitude
existe. Conforme o domínio do ego vai enfraquecendo,
ocorre uma fusão sutil do "eu quero e do "eu preciso". Agir
como o darma — o desejo de Deus — o faria agir de maneira
totalmente natural. Você está simplesmente sendo você
mesmo.

Aceitação versus Rejeição

Solução: percepção infinita.

O medo da rejeição incapacita milhões de pessoas. Ele faz
com que o amor não correspondido seja uma tragédia
compreendida por todas as culturas. Espiritualmente, você
não pode ser rejeitado, a menos que rejeite a si mesmo.
Duvido que qualquer mensagem tenha sido tão mal
interpretada quanto esta, pois, quando outra pessoa o rejeita,
a dor imposta é sentida, e você é a vítima. Sendo assim, para
esmiuçar o funcionamento da rejeição, precisamos olhar
com mais atenção toda a questão do julgamento. Esse não é
um assunto novo, embora não haja nada de novo a
acrescentar. Todo julgamento se resume ao julgamento
contra si mesmo. O julgamento próprio assume várias
formas, tais como medo do fracasso, um senso de ser
vitimado, falta de confiança etc. Na maior parte do tempo há
apenas uma vaga sensação de "Não sou bom o bastante", ou
"Não importa o que eu conseguir, na verdade, sou um
fracasso".
Muitas pessoas deparam com uma falsa solução. Elas
desenvolvem uma imagem ideal, depois tentam fazer jus a
essa imagem e convencer o mundo de que aquilo é o que
são. (Ressalte-se a lenda da cantada perfeita, que sempre dá
certo com mulheres solteiras num bar — fantasia
desesperada pela qual só se estabelece uma conexão através
da imagem.) Uma autoimagem idealizada pode ser tão
convincente que você consiga convencer até a si mesmo.
Quantos banqueiros, em consequência da ganância
temerária que quase arruinou a economia em 2008,
continuaram a enxergar a si mesmos não apenas como
inocentes, mas superiores ao desastre que engatilharam?
Um self idealizado soa como um modelo de aceitação. Ouça
o que ele lhe diz: "Você está fazendo a coisa certa. Está no
controle. Ninguém pode feri-lo. Apenas continue da ma-
neira como está agora". Assim, protegido, você não pode
fazer nada errado, e, se fizer, suas más ações serão
rapidamente encobertas e esquecidas. A beleza de ter uma
imagem ideal de si mesmo é sentir-se bem com quem você
é. A imagem substitui a realidade dolorosa.
Como seria de esperar, a essa altura a sombra tem algo a
dizer sobre o assunto. Em intervalos regulares, algum ícone
da retidão, em geral um pastor, um padre ou uma
personalidade pública respeitável, se envolve em algum
escândalo. Não raro esses indivíduos cometem exatamente
os mesmos pecados dos quais acusam os outros, sendo a
imoralidade o mais típico. Cinicamente, imaginamos que
sejam grandes hipócritas que vivem sob uma falsa ética
pública para que possam seguir seus vícios em particular.
Na realidade, os ícones decaídos são exemplos extremos de
uma autoimagem idealizada. Seus poderes de negação são
sobre-humanos. A sombra não pode tocá-los. Então, quando
a sombra vem à tona, também surge um senso enorme de
culpa e vergonha.
Uma vez que caem, esses santos profissionais perdem-se em
extremas reparações públicas. Mesmo no remorso, nada
parece real. No entanto, se houvessem recuado ante o
espetáculo, o drama todo poderia ter sido evitado.
Uma imagem pessoal idealizada não é uma solução viável.
Apenas a autoaceitação é; e, quando isso acontece, não há
nada para os outros rejeitarem. Não significa que você será
amado universalmente. Outra pessoa ainda pode se afastar,
mas, caso aconteça, você não se sentirá rejeitado. Isso não
resultará em ferimento emocional. Como saber quando se
está caindo por um falso senso do self, que é a imagem
idealizada? Você terá atitudes como as seguintes:

* "Não sou como aquelas pessoas, sou melhor."
* "Nunca me desviei do caminho certo."
* "Deus se orgulha de mim."
* "Criminosos e malfeitores nem sequer são humanos."
* "Todos vêem quanto sou bom. Mesmo assim, preciso
lembrá-los."
* "Se eu não tenho pensamentos ruins, por que os
outros têm?"
* "Já sei quem sou e o que preciso fazer. Não tenho
conflitos."
* "Sou um exemplo a ser seguido."
* "A virtude não é a própria recompensa. Quero que
minhas boas ações sejam reconhecidas."

Demolir a imagem ideal de si mesmo é um desafio, porque
ela é uma defesa bem mais sutil que uma simples negação. A
negação é cegueira; a autoimagem idealizada é pura sedução.
A saída é passar por todas as imagens. Não há necessidade de
defender quem você realmente é. Seu verdadeiro self é
aceitável, não porque você é tão bom, mas porque você é
completo. Todas as coisas humanas lhe pertencem.
A aliada mais importante que você tem é a consciência. O
julgamento é constritivo. Quando você rotula a si mesmo,
ou a qualquer pessoa, como ruim, errado, inferior, indigno
etc., está olhando por uma lente limitada. Amplie sua visão e
ficará ciente de que todos, por mais falhos, são completos e
plenos no nível mais profundo. Quanto mais consciente
você for, mais aceitará a si mesmo. Mas não se trata de uma
solução instantânea. Você precisa dedicar um tempo para
olhar todos os sentimentos que negou, reprimiu e disfarçou.
Felizmente, esses sentimentos são temporários; você pode ir
além deles. Não há nada a rejeitar, apenas muita coisa a
rever. E nesse sentido que figuras como Jesus ou Buda
puderam ter compaixão por qualquer um. Vendo a plenitude
por trás do jogo de luz e escuridão, eles não achavam nada a
culpar. O mesmo se faz verdadeiro para o caminho espiritual
que você segue. Conforme se enxergar de modo mais
completo, terá compaixão por suas falhas, o que o conduzirá
à autoaceitação completa.

Um versus muitos

Solução: render-se ao ser.

Finalmente, chegamos à guerra em sua alma. Nesse nível, o
conflito é muito sutil, o que parece estranho, porque
tendemos a pensar que a batalha cósmica entre Deus e Satã
tem de ser titânica. Na verdade, é muito delicada. Ao se
aproximar de seu verdadeiro self, você começará a sentir
que é parte de tudo. As fronteiras se suavizam e
desaparecem. Há uma sensação de alegria na fusão. Por mais
bonita que essa experiência seja, uma última resistência
permanece. O ego diz "E eu? Eu não quero morrer", como a
bruxa malvada em O mágico de Oz, cujas últimas palavras
foram: "Estou derretendo! Estou derretendo!" O ego foi
incrivelmente útil. Ele o guiou por um mundo de infinita
diversidade. Agora você está prestes a experimentar a
unidade. Não admira que o ego se sinta fatalmente
ameaçado; ele vê sua inutilidade (e seu domínio) chegando
ao fim.
O ego confunde a rendição com a morte. Ser pleno implica
render-se. Você abre mão da forma como vê a si mesmo e
surge um novo caminho no lugar. "Rendição" não é uma
palavra bem-vinda ao ego, porque conota fracasso, perda de
controle, passividade, fim do poder. Quando você perde
uma discussão, não está se rendendo ao vencedor? É claro.
Qualquer situação expressa em termos de ganhar ou perder
faz a rendição parecer fraca, vergonhosa, depressiva e
indigna. No entanto, todas estas são sensações no nível do
ego. Vista sem o ego, a rendição se torna natural e desejável.
Uma mãe que dá aos filhos o que eles precisam não está
perdendo, mesmo que se possa dizer que ela está abrindo
mão de suas necessidades em favor dos filhos. Essa seria uma
perspectiva falsa. Quando você se doa por amor, não perde
nada. Na verdade, a rendição amorosa é como um ganho.
Seu senso de self se expande além das necessidades movidas
pelo ego e pelos desejos — estas jamais podem conduzir ao
amor.
A rendição não é da mente. Você não pode imaginar seu
caminho até lá. Em vez disso, tem de seguir a jornada rumo
à consciência pura, antes que surjam palavras e
pensamentos. Este é todo o propósito da meditação, levar a
pessoa além da mente pensante, o que significa além do
conflito. Nos dias de hoje, é fácil acreditar que todos saibam
como meditar. Se tentou meditar, mas depois abandonou a
prática, sugiro que volte a fazê-lo. Nem todas as meditações
são feitas da mesma maneira. Talvez você tenha sido
ensinado a meditar como uma forma de relaxamento ou
liberação do estresse, ou um caminho ao silêncio. Todas
essas alternativas são resultados reais, mas objetivam muito
pouco. O efeito mais profundo da meditação é transformar
seu estado de consciência. Se você não está se expandindo
consciencialmente, o verdadeiro propósito de se voltar para
dentro não foi atingido.
Isso não significa rotular nenhum tipo de meditação como
errado. Mas tem de haver uma equidade que seja adequada a
você. Já vi pessoas evoluírem rapidamente praticando uma
simples meditação cardíaca, na qual se sentam, em silêncio,
e direcionam a atenção ao coração; e outras se beneficiarem
pelo acompanhamento dos movimentos respiratórios de
olhos fechados. Acaba-se experimentando inteiramente o
verdadeiro self — algo que pode ser alcançado pela
meditação com mantras, originada na índia védica, ou com
as técnicas de meditação vipassana, do budismo, para
mencionar apenas dois métodos comprovados. O que quer
que você faça, permaneça desperto à sua visão da plenitude.
Você não quer transformar a meditação em outro tipo de
condicionamento, em que sua mente se convence de ser
pacífica, ou de ter encontrado o silêncio, quando ambos são
apenas um estado de humor ou um hábito. (Com sua típica
franqueza, Krishnamurti alertou que a pior coisa que um
caminho espiritual pode fazer é trazer aquilo que você
espera. Em vez de alcançar a verdade, o caminho apenas o
transforma em uma versão antiga, porém "melhorada" de
seu self, sentindo-se e parecendo melhor.)
Na sombra há algo de negação, resistência, medos ocultos e
esperanças reprimidas. Sendo assim, se a meditação está dan-
do certo, esses sentimentos começam a diminuir. Em seu
caminho espiritual, você deve começar a experimentar o
seguinte:

* A vida fica mais fácil, destituída de esforço.
* Você age de maneira mais espontânea.
* O mundo já não traz reflexos negativos.
* Seus desejos são realizados com mais facilidade.
* Você encontra felicidade na simples existência. Estar
aqui é o suficiente.
* Você ganha percepção própria sabendo quem
realmente é.
* Sente-se incluído na plenitude da vida.

Se esses objetivos parecem ideais, também são nobres e
totalmente alcançáveis. Na verdade, se os meses se passarem
e você não sentir nada disso acontecendo, é preciso voltar a
examinar seu caminho. Não estou querendo dizer que sua
prática esteja errada ou defeituosa. Há pausas e atrasos na
evolução pessoal de cada um, porque algumas questões
levam tempo para ser resolvidas. Boa parte desse processo
ocorre nas profundezas do inconsciente. Artistas são muito
cônscios disso; a inspiração deles não reage segundo um
cronograma. Por outro lado, pode haver sérias razões para
que o verdadeiro self não esteja se revelando:

* Estresse excessivo.
* Pressões emocionais.
* Distrações.
* Depressão e ansiedade.
* Falta de disciplina ou comprometimento.
* Intenções opostas — a busca de mais de um meio de
vida.

O caminho espiritual apresenta tudo; ele pode resolver todos
os conflitos. Mas esperamos demais dele quando pedimos
uma panaceia. O desenrolar espiritual é delicado. Não pode
ser alcançado quando a mente está agitada demais ou sua
atenção está comprometida pelo estresse e pressões
externas. Em outras palavras, a plenitude cura tudo, mas não
em um instante. Você precisa preparar as condições certas
para se voltar para dentro. Para isso, é preciso lidar com cada
um dos obstáculos que listei. Estresse, depressão, ansiedade e
distrações não vão subitamente terminar porque você
sentou de olhos fechados durante meia hora. Espero que não
soe áspero demais, porque, na verdade, quando você dá até
mesmo pequenos passos para se preparar para a meditação,
isso permite resultados que não podem ser obtidos de
nenhuma outra forma. Essa é a estrada real para a
consciência e a consciência é plena.

Resumo

Termino como comecei, com um instinto médico para o
diagnóstico, o tratamento e o prognóstico. A sombra já
superou a perspicácia e a duração de várias abordagens; no
entanto, algumas pessoas são bem-sucedidas, e não são
apenas os grandes nomes como Jesus e Buda. A força da
evolução é infinitamente maior que os obstáculos que
impedem o caminho. Você só precisa olhar em volta, para o
mundo natural, e ver a prova de que a beleza, a forma, a
ordem e o crescimento sobreviveram por bilhões de anos.
Ao lidar com a sombra, está se alinhando ao mesmo poder
infinito. Depois de tudo que foi dito e feito, os requisitos não
são complexos:

1. Reconheça sua sombra quando ela trouxer
negatividade para sua vida.
2. Abrace e perdoe sua sombra. Transforme um
obstáculo indesejado em seu aliado.
3. Pergunte a si mesmo que condições estão dando
origem à sombra: estresse, anonimato, permissão para
causar danos, pressão dos colegas, passividade,
condições desumanas, uma mentalidade "nós versus
eles".
4. Compartilhe seus sentimentos com alguém em quem
confie: um terapeuta, um amigo de confiança, um
bom ouvinte, um conselheiro ou confidente.
5. Inclua um componente físico: trabalho corporal,
liberação de energia, respiração de ioga, cura
interativa.
6. Para mudar o coletivo, mude a si mesmo — projetar e
julgar "os outros" como malfeitores só aumenta o
poder da sombra.
7. Pratique a meditação, de modo a experimentar a
consciência pura, que está além da sombra.

Apresentei uma visão da unidade como uma solução para a
sombra. No instante em que a vida é dividida entre o bem e
o mal, o self acompanha. O self dividido não pode se fazer
pleno. Tem de haver outro nível de vida que já seja pleno.
Lançando o olhar ao mundo invisível, os antigos sábios da
índia perceberam que isso era indescritível. As escrituras
védicas, de milênios atrás, foram o primeiro passo para
declarar: "Aqueles que sabem, não falam. Os que falam, não
sabem".
Mas é claro que as pessoas não ficaram empolgadas com esse
ensinamento. Elas queriam ajuda com seus problemas diá-
rios. Se uma perspectiva não pode ser transformada em
prática, parece infértil e inútil. Os sábios antigos não estavam
tentando desencorajar seus ouvintes. Pelo contrário,
tentavam dar um mapa confiável, e esse mapa conduz à
consciência de unidade. Meu objetivo nesta parte do livro
foi desenhar o mesmo mapa, em cores vivas e modernas.
Agora, fica por sua conta segui-lo. A sombra não é um
oponente temeroso, mas valioso. Por mais poderosa que
seja, o poder da plenitude é infinitamente maior e, por um
milagre da criação, ele está ao nosso alcance.

SEGUNDA PARTE

Fazendo as Pazes com os Outros, com o Mundo e
Consigo Mesmo


DEBBIE FORD


A história do ser humano e da psique humana já foi
examinada, estudada e escrita, desde o começo de nossa
existencia. Embora tenha sido pesquisada e dissecada por
pensadores brilhantes, explorada e explicada pelos maiores
intelectuais de todos os tempos, a maioria de nós ainda está
vivendo no escuro, perplexos pelo comportamento de
amigos, familiares, ídolos e — muito frequentemente — nós
mesmos. Desapontados pelas condições da nossa vida,
avançamos cada dia na esperança de que nossos impulsos
mais sombrios e maus comportamentos milagrosamente
desapareçam.
Repetidamente magoados pelas falhas das quais
aparentemente não conseguimos nos livrar, rezamos
silenciosamente para encontrar coragem de abrir mão da
procrastinação, dos gastos excessivos, do chocolate, dos
ressentimentos, da língua afiada. No entanto, sucumbimos
aos impulsos inferiores, sabotamos os desejos e
negligenciamos nosso futuro. Na tentativa de esconder o
descontentamento, exibimos um rosto feliz, reunimos
forças, mostramos a melhor expressão de "está tudo bem" e
continuamos a nos expressar de maneiras que minam nossa
autoestima e derrotam nossos melhores planos.
No decorrer da criação dos filhos, da busca do sucesso e da
luta de economizar o suficiente para as férias ou a
aposentadória, as respostas para as mesmas perguntas que
nos ajudam a crescer nos iludem. O profundo desejo pelo
entendimento pessoal fica sepultado embaixo das notícias
diárias, dos assuntos da família, de uma crise de saúde ou de
uma gripe comum. Um vizinho indignado, um ex-cônjuge
descontente ou uma criança fora dos trilhos irão
literalmente sugar as horas do dia e o dinheiro disponível,
enquanto confundem nossa mente, levando-nos a crer que
jamais teremos qualquer coisa além do que já possuímos. A
repetição de nossa memória nociva pode nos atrair na
direção de anos de aceitação de mais dessa mesmice,
desperdiçando tempo com uma existência medíocre que
fracassa na realização das próprias expectativas.
Infelizmente, esse método de sobrevivência nos priva da
habilidade de viver como deveríamos. A dor emocional que
emerge como parte da vida cotidiana nos faz desejar o passa-
do e nos torna resignados quanto ao futuro. Se sentimos que
fomos enganados, nos tornamos vítimas do passado e
desesperançados pelo que está por vir. Cínicos e céticos, nos
transformamos em presas do julgamento, optando por
apontar o dedo para os outros, em vez de olhar para dentro
de nós mesmos e responder às nossas angústias. A natureza
robótica de nosso self egocêntrico surge para nos ajudar a
superar os sentimentos de insegurança e vergonha,
afirmando nossa inocência ou proclamando nossas
diferenças. Pensamos que, se ao menos conseguíssemos
mudar aquela pessoa, ou aquela coisa, nos sentiríamos
melhor. Acreditamos que, se lidarmos com uma questão que
nos mantém aborrecidos ou conseguirmos aquilo que vimos
tentando alcançar, seremos felizes. Em vez de dedicar um
tempo a levantar o véu que se coloca entre quem julgamos
ser e quem realmente queremos ser, permitimos que a vida
ilusória de um self existente apenas em nossa mente assuma
o controle.
O problema com essa abordagem da vida é que ela nos im-
pede de descobrir nosso verdadeiro self e isso põe em perigo
as áreas mais importantes da vida. Quando estamos ocupados
em nos proteger dos demônios que espreitam na escuridão,
deixamos de nos sentir contentes, realizados e
profundamente ligados àqueles que amamos. Decididos a
ocultar a metade obscura de nossa natureza humana,
falhamos na obtenção de nosso pleno potencial e na
experiência profunda da riqueza da vida.
Nascemos plenos, no entanto, a maioria de nós vive como
ser humano parcial. Cada um de nós tem capacidade de ser
uma parte importante do todo. Somos capazes de tornar esse
mundo um lugar melhor do que encontramos. Somos
destinados ao descobrimento de nossa natureza genuína —
o estado de ser no qual somos inspirados por nós mesmos,
iluminados e motivados por quem somos. Somos destinados
a superar a adversidade e manifestar a versão maior de nossa
alma individual, não uma versão de um self que nasceu da
fantasia. Fantasias imensas de nossa vida surgem da dor de
nosso potencial não realizado, mas sonhos verdadeiros são
uma realidade pela qual estamos dispostos a trabalhar, lutar,
ficar acordados até tarde — esse é um futuro que está ao
nosso alcance. E só há uma coisa que pode nos roubar esse
futuro, e essa coisa é a nossa sombra — o lado obscuro, os
segredos, os sentimentos reprimidos e os impulsos ocultos.
O grande psicólogo suíço C. G. Jung dizia que a sombra é a
pessoa que preferiríamos não ser. A sombra pode ser vista
em alguém da família a quem mais julgamos, no funcionário
público a quem condenamos, na celebridade que nos faz
menear a cabeça de desgosto. Se compreendermos isso
corretamente, chegamos à surpreendente percepção de que
a sombra é tudo o que nos irrita, horroriza ou descontenta
em relação às pessoas ou a nós mesmos. Com essa sabedoria
à mão, começamos a ver que a sombra é tudo o que
tentamos esconder daqueles que amamos e tudo o que não
queremos que os outros saibam a nosso respeito.
Nossa sombra é feita de pensamentos, emoções e impulsos
que julgamos excessivamente dolorosos, constrangedores ou
desagradáveis de aceitar. Portanto, em vez de lidar com eles,
nós os reprimimos — e os lacramos em alguma parte de
nossa psique, para que não seja preciso sentir o peso e a
vergonha que carregamos por conta deles. O poeta e escritor
Robert Bly descreve a sombra como um saco invisível que
cada um de nós carrega nas costas. A medida que crescemos,
colocamos no saco todos os aspectos de nós mesmos que
não são aceitáveis para nossos familiares e amigos. Bly
acredita que passamos as primeiras décadas da vida
enchendo esse saco, depois, passamos o restante tentando
tirar tudo o que escondemos.
Nossa sombra, repleta de retóricas e um conjunto hipócrita
de regras que nunca conseguimos seguir, nos conduz a
glorificar alguns e excomungar outros. Tudo começou com o
professor que nos chamou de imbecil, com o garoto que nos
intimidava ou o primeiro amor que nos abandonou. Todos já
escondemos e reprimimos momentos de vergonha e, com o
passar do tempo, essas emoções se solidificaram,
transformando-se em nossa sombra. São os medos não
manifestos, a vergonha aterrorizante, a culpa excruciante.
Todos são assuntos do passado que nunca enfrentamos. Eles
podem surgir em um momento decisivo, como acontece na
maior parte das vezes, ou podem se acumular ao longo dos
anos pela negação. Conforme a sombra toma forma,
começamos a perder acesso à parte fundamental de nossa
verdadeira natureza. Nossa grandeza, compaixão e
autenticidade são sepultadas sob as partes que desligamos de
nós mesmos. Então, a sombra toma a frente. Ela nos tapeia
para acreditarmos que somos muito indignos, incapazes,
desmerecedores de amor ou imbecis para sermos os grandes
astros da nossa própria vida.
É nosso lado sombrio — o lado reprimido e os aspectos
repudiados de nossa personalidade — que nos separa do
verdadeiro self. O fato é que qualquer coisa que tenhamos
ocultado por vergonha, ou negado por medo, passa a ser a
chave ao self que nos faz sentir orgulhosos, um self que nos
inspira, que está impulsionado a agir com grande visão e
propósito, em vez daquele que é criadocom base em nossas
limitações e feridas abertas do passado. Esse é o motivo pelo
qual precisamos examinar a sombra. É por isso que
precisamos desvelar e reivindicar nosso self pleno, nossa
verdadeira natureza. Por isso temos de olhar para dentro e
examinar os fundamentos de nossa vida. Escondido ali há
um marco, um molde, uma visão do self autêntico.
Meu estudo da sombra começou na transição de uma pré-
adolescente desajeitada para uma bela jovem adolescente.
Confusa e sozinha, saí em busca de uma jornada a que me
adequasse. Trabalhei duro para me sentir bem
interiormente, apesar de estar cheia de insegurança sobre
tudo, desde ser amiga e namorada, até ser irmã e filha. E
lutei para compreender por que me sentia tão mal comigo.
As vozes em minha cabeça que pareciam se apoderar de
mim — ainda com doze anos — me deixavam repleta de
pensamentos obscuros e negativos: "Por que você disse
isso?", "Não seja tola; ele nunca vai gostar de você", "Você é
uma idiota", "Não se imponha tanto, as pessoas vão invejá-
la", e assim por diante. Achava estranho e confuso ouvir
essas vozes dentro da minha cabeça, porque num minuto
me diziam que eu não era nada além de uma mimada
ranheta, e no dia seguinte me convenciam de que eu era
melhor, mais bonita, mais inteligente e mais talentosa que
qualquer pessoa.
Uma guerra interna explodia em minha psique. Primeiro era
"Você é ótima!", depois: "Você não é nada além de uma
pequena mentirosa". "Todo mundo gosta de você porque é
gentil e meiga", e alguns minutos depois: "Você é uma
piranha de coração gélido que não merece ter amigo algum".
Essas vozes me deixavam profundamente confusa quanto a
quem eu era. A coexistência de mensagens positivas e alertas
negativos criou uma devastação dentro de mim e eu
chorava, desvairadamente, ou fazia tudo para passar bons
sentimentos a qualquer um que estivesse disposto a receber
meu amor. À época, chamavam isso de hormônios. Era
esperado de uma garota da minha idade um comportamento
desordenado; porém, o meu era ligeiramente mais
melodramático, o que me rendeu o título de "rainha do
drama" na vizinhança.
Enfim, ganhei um concurso, só que a coroa veio com
projeções negativas da minha família e muitas risadas dos
amigos dos familiares que sabiam da minha vergonha íntima.
Comecei a me sentir cada vez mais impotente em relação ao
meu falatório interno, até que cheguei à conclusão de que
decididamente havia algo errado comigo e não havia nada
que eu pudesse fazer para consertar. Tentava, com toda
minha força, silenciar as vozes, fazê-las calar, tentando
convencer a mim mesma de que realmente estava bem.
Meus momentos de paz e felicidade se tornavam cada vez
menos frequentes, exceto quando ouvia uma música de que
gostasse muito ou quando brincava com meus amigos. Mas,
no silêncio do chuveiro, ou na pressa da manhã, rumo à
escola, ficava cada vez mais difícil me livrar do
estrangulamento dos demônios interiores, cujas vozes
pareciam um coro de igreja desafinado. Em vez de sentir
compaixão e gentileza em relação a mim mesma, sentia-me
impotente, hostil e zangada.
Conforme meu desconforto interno aumentava, comecei a
buscar por algo que pudesse silenciar minha mente horrenda
e fazer com que me sentisse melhor comigo mesma. Minha
busca por momentos de bem-estar começou com algumas
comidas: brownies da Sara Lee e um litro de coca-cola
criavam o ardil. Aprendi a entrar silenciosamente no quarto
dos meus pais, durante o jantar, e roubar dinheiro da carteira
deles para obter minha dose diária. Começou bem fácil,
porque a loja do 7-Eleven era do outro lado da rua, na
avenida 46, em Hollywood, Flórida.
Conforme os meses se passaram, aquela dose já não era
suficiente. As vozes ruidosas e sombrias conseguiam invadir
meus momentos de prazer, induzidos pelo açúcar. Precisava
encontrar outra coisa para lidar com essas invasões
indesejáveis e colocar um sorriso de volta no rosto —
mesmo quando os sorrisos eram recebidos com uma voz
interna ocasional ameaçando "arrancar o sorriso da minha
cara".
Minha fome interna de me sentir bem logo se tornou maior
que minha necessidade de que as pessoas gostassem de mim,
ou de ser vista como uma boa "jovem decente". Fui tomada
pelo impulso de mudar a maneira como me sentia. Meu
vício pelo açúcar rapidamente se tornou algo maior, e ex-
perimentei o primeiro cigarro e drogas. Maconha, que
nunca foi a minha favorita, se transformou em pílulas,
barbitúricos, ou bolas, como eram chamados naquela época.
Disso, passei a psicotrópicos, o que me levou a muitas outras
substâncias. Enquanto me dava bem no uso de drogas para
criar momentos de completa paz — o mantra de quase toda
canção popular daquela época —, enraizei, em minha jovem
psique, uma forma de pensar e agir que me convencia de
que meu bem-estar dependia da busca de algo fora de mim
que me fizesse sentir melhor.
Com o passar do tempo, aprendi que os impulsos assusta-
dores que frequentemente surgiam em meu comportamento
não deveriam ser examinados nem expressados, mas ocultos
e reprimidos, a qualquer custo. Devagar, deixei de ter qual-
quer semelhança com a criança inocente que havia sido e
criei uma personalidade que exalava confiança e sucesso.
Quanto mais eu brincava na escuridão dos meus demônios
humanos, mais forte era o impulso de esconder meus
sentimentos de vergonha e indignidade. Comecei a
compensar as minhas fraquezas me tornando encantadora,
amistosa, descolada e inteligente, com uma compreensão do
mundo exterior. Apesar das minhas dificuldades terríveis na
escola, por estar ocupada demais ouvindo a loucura da
minha mente, em vez de escutar o que a professora dizia na
aula, embrulhei-me numa embalagem de perspicaz e fingia
ter opinião, sabendo de tudo, torcendo para poder enganar
qualquer um, incluindo eu mesma, para acreditar que eu não
era a irmã caçula imbecil de Linda e Michael Ford.
Observava o que as garotas ricas vestiam e implorava aos
meus pais que me comprassem roupas de arrasar, ou
encontrava um grupinho de garotas no shopping, nas
manhãs de sábado, para roubar o que eu não tinha, de modo
que ninguém descobrisse que eu era de uma família judia de
classe média. Não achava legal ser uma garota judia e já tinha
ouvido minha cota de piadas sobre garotas judias, então,
observava como as shiksas da cidade (as belas meninas não
judias — em geral louras) se comportavam e assumia aquelas
características e comportamentos como parte de minha
máscara cuidadosamente desenhada para esconder minhas
falhas e imperfeições interiores.
Era um jogo que eu nem sequer sabia que jogava naquela
época. Se descobrisse algo sobre mim mesma que não fosse
aceitável ao meu ego ideal, começava a buscar no mundo
externo quem era aceitável, e com a sensibilidade de uma
verdadeira artista esculpia uma nova versão minha, dando a
ilusão de que eu era a pessoa que queria ser, em vez daquela
que temia ser. O problema era que, independentemente de
quanto me compensasse pelo que me amedrontava ou
envergonhava, no silêncio de minha mente eu sabia a
verdade sobre quem era por baixo da minha máscara
pública. Embora alguns pudessem ver através da encenação
gloriosa que eu havia criado, para a maioria, eu me tornara
um ser humano bem-sucedido, porque podia enganar os que
estavam ao meu redor.
Iludia as pessoas para que acreditassem nas minhas
dissimulações. Conseguia arrebanhar pessoas para a minha
vida feliz ao sorrir e contar minhas proezas do dia. Ou podia
convidá-las para uma de minhas narrativas favoritas —
"pobre de mim" — na qual interpretava a donzela aflita. De
qualquer maneira, me tornei mestre em esconder não
apenas dos outros, mas também, ou sobretudo, de mim
mesma. Não sabia quem eu era, ou o que realmente queria.
Não sabia o que de fato me deixava feliz, ou o que me
deixava vazia e isenta de emoções. Minha sombra estava no
controle, apesar de achar, em toda a minha arrogância, que
eu é quem estava no comando. O lado sombrio realmente
tinha ganhado, até que minha personalidade começou a
desmoronar.
Assim como o Humpty Dumpty, que caiu por terra, quando
cheguei aos 27 anos já tinha perdido minha personalidade de
"estou com tudo em cima" e estava aos prantos, no chão de
um centro de tratamento. Foi ali que fiquei cara a cara com a
verdadeira Debby Ford — com todas as suas falhas,
fraquezas e qualidades deserdadas, assim como talentos,
fortalezas e carências internas, profundamente ocultas. Foi
ali que eu soube que era mais do que podia imaginar, e que
não era nada além de um dos seis bilhões de seres humanos
lutando para fazer as pazes com seu lado sombrio e as
vulnerabilidades humanas.
Foi durante esse encontro muito humilhante comigo mesma
que me comprometi a aprender quem e o que eu era, e por
que me sentia obrigada a fazer as coisas que eu fazia. Foi
nessa época crucial que entendi a sombra humana e o efeito
que ela tinha em minha vida e na vida dos que me cercavam
— não como uma teoria de livro, mas como uma mulher
que lutava para lidar com os próprios sentimentos
indesejados e profundas inseguranças.
Levada por fortes sentimentos de solidão que surgiam pela
falta de entendimento de quem eu era e por que estava ali,
comecei minha jornada para me tornar íntima de meu lado
obscuro, do meu self sombrio. Esse momento de ajuste de
contas se tornou um catalisador para levar uma vida além do
que eu podia imaginar. Isso me incentivou a estudar e dar
importância não apenas ao meu próprio comportamento hu-
mano, mas ao comportamento de centenas de milhares de
pessoas a quem tenho tido o privilégio de conduzir a esse
território do self rejeitado, e à gloriosa descoberta de uma
vida ainda a ser vivida.
Não foi a minha luz que me levou à sabedoria que
compartilhei em meus sete últimos livros, mas a minha
batalha com meu lado sombrio (e a rendição final da guerra
interior) é que foram meus guias e minha inspiração. Foi a
própria escuridão, de quem fiquei fugindo durante a
primeira parte da vida, que agora é minha paixão e meu
combustível para ajudar outras pessoas nessa jornada mágica
através da psique humana para viver à luz de sua maior
expressão. É um chamado espiritual, uma voz superior que
pergunta a mim e a você: Você está pronto a embarcar nessa
jornada e reivindicar seu eu completo, a luz e a escuridão,
seu self bom e seu irmão gêmeo perverso? Está pronto a
recorrer ao amor do self verdadeiro, total e autêntico, em
vez de continuar encurralado na angústia do julgamento de
um ego humano desarticulado?
Tornar-se íntimo de sua sombra é uma das investigações
mais fascinantes e frutíferas que você poderá fazer. É uma
jornada misteriosa que o conduzirá ao descobrimento de seu
self mais autêntico — um lugar onde você se sente à
vontade com quem você é, onde reconhece suas fraquezas e
seus pontos fortes, onde pode apreciar seus talentos, admitir
suas imperfeições e admirar sua grandeza. Esse self que está
escondido por baixo da máscara de sua personalidade
humana é aquele que você ficará radiante em ser, um self
que sabe quem é e honra a jornada humana. Esse self que
você descobrirá, à medida que abraçar mais e mais seus
aspectos ocultos, oferece a confiança para falar a verdade e
buscar o que é, de fato, importante para você. É irônico que,
para encontrar a coragem de levar uma vida autêntica, você
terá que entrar nos cantos escuros de seu self mais forjado.
Você precisa confrontar exatamente aquelas suas partes que
mais teme e encontrar o que estava procurando, porque o
mecanismo que o leva a esconder sua escuridão é o mesmo
que o faz esconder a luz. Aquilo do que você anda se
escondendo pode, na verdade, lhe dar o que você vem
tentando encontrar com tanto afinco.

A INFLUÊNCIA DA SOMBRA

Lá das profundezas de seu lar invisível, em nossa psique, a
sombra exerce um enorme poder sobre nossa vida. Ela
determina o que podemos ou não fazer, o que nos atrairá de
maneira irresistível e aquilo que evitaremos a qualquer
custo. Isso explica o mistério de nossas atrações e repulsas e
determina o que vamos amar e o que iremos julgar ou
criticar. Nossa sombra influencia que raça ou classe de
pessoas aprovaremos, ou com quem iremos nos relacionar,
se seremos religiosos ou ateus, em que partido político
votaremos e que causas iremos apoiar ou ignorar. Ela nos diz
quanto dinheiro temos direito de ganhar e determina se o
gastamos de forma sábia ou o desperdiçamos. É nossa
sombra, nosso self oculto, que dita quanto sucesso temos
direito de criar ou quanto fracasso estamos condenados a
passar. A sombra estipula o grau de cuidado ou negligência
que temos com nosso corpo, a quantidade de peso extra que
carregamos na barriga e o nível de prazer que nos
permitimos sentir, dar e receber. A sombra nos lança em pa-
péis predeterminados que seguimos cegamente, desde o tra-
balho até o amor. Sem que saibamos, a sombra é a autora de
um roteiro anteriormente escrito que se desdobra em ação,
em momentos de medo, dor ou conflito, ou quando estamos
simplesmente cuidando de nossos assuntos no piloto
automático. Se for deixada sem atenção, a sombra irá
emergir da escuridão para sabotar nossa vida quando menos
esperarmos.
A sombra determina se respeitaremos nossos filhos e
confiaremos que cresçam independentes, como adultos
capazes, ou se tentaremos moldá-los para serem tudo que
não somos. Quando encurralados, será que soltaremos nossa
ira ou nos recolheremos em silencio venenoso? A sombra é
um oráculo que pode prever todos os nossos
comportamentos e revelar o que nos torna as pessoas que
somos hoje. O que decide se seremos produtivos, membros
influentes da sociedade ou almas perdidas? Quando expomos
nosso lado sombrio, entendemos como nosso histórico
pessoal dita a forma que tratamos os que estão ao nosso
redor e como tratamos a nós mesmos. Por isso é imperativo
que a desmascaremos e compreendamos. Para fazê-lo,
precisamos expor o que encobrimos e nos aproximarmos
dos mesmos impulsos e características que abominamos.
A sombra determina se viveremos uma vida feliz, bem-
sucedida, uma existência sem estresse, ou se lutaremos com
nossas finanças, relacionamentos, carreira, temperamento,
integridade, imagem pessoal ou dependência. O I Ching nos
diz: "Somente quando tivermos coragem para encarar as
coisas exatamente como elas são, sem decepção pessoal ou
ilusão, uma luz se desvendará dos acontecimentos, através
da qual o caminho para o sucesso será reconhecido".
Somente na presença do compromisso inabalável de
enfrentar nossos demônios é que a porta para a descoberta
pessoal se abre.
Não podemos seguir a jornada rumo ao lado sombrio para
um rápido mergulho ou uma tarde de lazer. Para entender
nossa sombra completamente, é preciso estar disposto a
abrir mão do que achamos que sabemos. Isso requer a força
de um leão enjaulado para abrir as portas da cela que nós
mesmos acorrentamos, há muito tempo. A ótima novidade é
que nascemos com um desejo ardente de evoluir e crescer,
de nos abrir, de nos expandir ao todo. E eu vou afirmar que
todos nós temos ao menos um lugar onde secretamente
desejamos ser mais, experimentar mais. É ali que nossa
sombra espera, pacientemente, para que venhamos
recuperar o poder dos recessos sombrios de nossa mente
inconsciente.
Assim que entramos em contato com nosso lado sombrio, o
instinto inicial é nos afastarmos, e o segundo instinto é
barganhar com ele para nos deixar em paz. Muitos de nós já
gastaram muito tempo e dinheiro para fazer exatamente isso.
Ironicamente, são esses aspectos ocultos e sentimentos
rejeitados que mais precisam de atenção. Quando trancamos
essas partes das quais desgostamos, não sabemos que estamos
lacrando nossos talentos mais valiosos. A razão para fazer o
trabalho da sombra é se tornar pleno, parar de sofrer, parar
de se esconder de si mesmo. Uma vez que o fizermos,
podemos parar de nos esconder do resto do mundo.
Precisamos abraçar nossa sombra para que possamos conhe-
cer a liberdade de viver uma vida transparente, para nos
sentirmos livres o suficiente e convidarmos outros a entrar
em nossa vida - para deixarmos que os outros saibam a
verdade sobre nossas finanças, nosso passado e nossos
relacionamentos - sem que sejamos tomados pelo medo de
que nossa persona seja elucidada, expondo a pessoa que
vínhamos tentando não ser. Quando nossa preciosa energia
não está atada à camuflagem dos impulsos auto-destrutivos,
ou ocupada em compensá-los, somos brindados com a
dádiva da clareza e motivação de que precisamos para cons-
truir uma base inabalável para um futuro inspirador.

NOSSO SELF DUALISTA

A sombra fica à espreita, ela engana, se esconde e nos ilude
para que acreditemos no que podemos ou não fazer. Leva-
nos a fumar, jogar, beber e comer, o que nos faz sentir mal
no dia seguinte. Nossa sombra dá origem aos
comportamentos hipócritas que nos levam a violar as
fronteiras pessoais e nossa integridade. É uma força que só
pode ser calculada ao ser levada à luz de nosso estado
cônscio e ao exame do que somos feitos. Possuímos todas as
características e emoções humanas, sendo ativas ou
adormecidas, conscientes ou inconscientes. Não há nada
que possamos conceber que não sejamos. Somos tudo — o
que consideramos bom e ruim. Como poderíamos conhecer
a coragem se nunca tivéssemos sentido medo? Como
conheceríamos a felicidade se nunca tivéssemos
experimentado a tristeza? Como poderíamos conhecer a luz
se nunca tivéssemos conhecido a escuridão?
Todos esses pares de opostos existem em nosso interior
porque somos seres dualistas, feitos de forças opostas. Isso
significa que cada qualidade que enxergamos nos outros
existe em nós. Somos o microcosmo do macrocosmo — em
nossa estrutura de DNA temos a impressão de todas as
características. Somos capazes dos maiores atos de
abnegação e dos crimes mais auto-punitivos e destrutivos.
Quando vista sob a luz da consciência, a sombra expõe a
dualidade e a verdade tanto do self humano quanto do self
divino, conforme ambos provam ser ingredientes essenciais
de um ser humano autenticamente pleno.
Temos de revelar, possuir e abraçar tudo aquilo que somos
— o bom e o ruim, a luz e a escuridão, a abnegação e o
egoísmo, e as partes honestas e desonestas de nossa
personalidade. Ser pleno, possuir tudo, é nosso direito de
nascença. Porém, para isso, é preciso estar disposto a lançar
um olhar honesto sobre si mesmo e ir além da própria
mente julgadora. E aí que surge uma mudança
transformadora em nossa percepção, uma entrega do
coração.
A boa notícia é que todos os aspectos próprios chegam
como dádivas. Cada emoção e cada traço que possuímos
ajudam a indicar o caminho de volta à singularidade. O lado
sombrio existe para apontar onde ainda somos incompletos,
para nos ensinar o amor, a compaixão e o perdão — não
apenas aos outros, mas também para nós mesmos. E, quando
a sombra é abraçada, ela irá curar nosso coração e nos abrir a
novas oportunidades, novos comportamentos e um novo
futuro. Quando trazemos à luz da consciência a nossa
sombra, as emoções ocultas e as crenças que exaurem nossa
vida, transformamos a forma como enxergamos a nós
mesmos, o mundo e os outros. Então, estamos livres.
Lidar com a nossa sombra é algo complexo, porém, é uma
jornada garantida de volta ao amor. Não apenas o amor pelos
outros, mas o amor por cada característica que vive dentro
de você e dentro de mim — um amor que nos permite
abraçar a riqueza de nossa humanidade e a plenitude de
nossa divindade. Tendo enfrentado nossos demônios
internos, somos preenchidos pela paz e pela compaixão na
presença do lado sombrio de outras pessoas. Conseguimos
perdoar e abrir mão de julgamentos degradantes e do
coração ressentido. Podemos nos inspirar na humildade de
Gandhi e na tolerância de Martin Luther King Ir., levando
adiante a força e a coragem para lidar com as questões que
nos assombram. "Lá vou eu, pela graça de Deus" — essa
frase assume um significado totalmente novo quando
podemos ver o mal através da lente universal de nossa
humanidade. Examinar o lado sombrio é a saída para
entender por que fazemos o que fazemos, por que às vezes
agimos de modo a contrariar os desejos da mente consciente
e por que passamos horas incontáveis, dias, meses e anos
julgando os outros e guardando rancores que só nos causam
dor de cabeça e inquietação.
Todos temos momentos do passado em que a dor emocional
foi demais para suportar, então, nós a reprimimos na
escuridão da sombra. Essa é uma parte inevitável da vida.
Podemos correr, mas não temos como nos esconder. A
sombra está sempre ligada a algum acontecimento
traumático ou a uma combinação de momentos dolorosos.
Quando verdadeiramente compreendemos nossa sombra e
suas dádivas, não há dedos para apontar ou culpar nossos
pais, professores e o passado, porque a sombra é um sistema
de libertação para um futuro extraordinário. Compreender
como ela se formou destranca a porta para um poder pessoal
enorme e uma profunda sabedoria.


O NASCIMENTO DA SOMBRA

O nascimento de nossa sombra ocorreu quando éramos
pequenos, antes que o pensamento lógico fosse
desenvolvido o suficiente para filtrar as mensagens que
recebíamos de nossos pais, dos que cuidavam de nós e do
mundo. Mesmo com os que melhor cuidaram de nós,
inevitavelmente sentíamos vergonha de demonstrar algumas
de nossas qualidades. Recebemos a mensagem de que algo
estava errado conosco, ou que éramos ruins, de alguma
maneira. Quando crianças, talvez nos tenham dito que
éramos ruidosos demais. Em vez de abrandarmos o tom de
voz, sabendo que haveria outro momento para sermos
ruidosos, nosso ego frágil e incompleto talvez tenha
interpretado que nossa expressão pessoal estava errada e
deveria ser oculta dos outros. Ou, talvez, fomos chamados
de egoístas porque pegamos mais biscoitos do que
deveríamos. Em vez de entendermos que os biscoitos
deveriam ser divididos, interpretamos que nosso egoísmo
era ruim e deveria ser destruído. Ou nos empolgamos e
gritamos uma resposta, ainda nos primeiros anos de escola, e
subitamente todas as crianças nos encararam aos risos. Em
vez de rir com eles, nos sentimos imbecis e decidimos que
nunca mais deveríamos correr esse risco. Essas mensagens
negativas ficaram tão enraizadas no subconsciente, como
um vírus de computador, alterando a percepção de nós
mesmos e fazendo com que fechássemos esses aspectos de
nossa personalidade, considerados inaceitáveis por nós ou
pelos outros.
Cada vez que um de nossos comportamentos foi recebido
com uma crítica ou uma punição insensata, inconsciente-
mente nos separamos do self autêntico, verdadeiro. E, uma
vez que esses filtros negativos estavam firmemente no lugar,
nós nos separamos do prazer, da paixão e do nosso coração
eternamente amoroso. Para assegurar a sobrevivência
emocional, iniciamos uma tentativa de encobrir o
verdadeiro self, de modo a nos tornarmos a versão que
julgávamos aceitável — o self participativo. A cada rejeição,
criamos uma separação interna cada vez maior, erguendo
muros invisíveis cada vez mais altos, para proteger o coração
sensível. Dia a dia, experiência a experiência, sem saber,
construímos uma fortaleza invisível que se tornou nosso
falso self. Essa fortaleza de expressão limitada obscureceu
nossa essência, escondendo vulnerabilidades, sensibilidades
e, frequentemente, a habilidade de conhecer e enxergar a
verdade sobre quem somos.
Antes que nosso self maleável endurecesse, tornando-se um
ideal de ego mais rígido, tivemos a liberdade de expressar
todos os aspectos de nossa humanidade. Tivemos múltiplas
reações emocionais a cada acontecimento de nossa vida.
Sem o peso da vergonha e do julgamento, tivemos acesso a
todas as partes de nós mesmos. Essa liberdade significava
poder ser qualquer coisa que quiséssemos, a qualquer
momento. Não havia restrições internas que nos
impedissem de sair do papel perseguido de objeto de
atenção, ou do papel de meia-irmã malvada e invejosa.
Antes de aprendermos a julgar uma qualidade melhor que a
outra, tínhamos acesso irrestrito ao leque inteiro de
expressões que residiam em nós. Podíamos lidar com
elegância, graça, coragem, criatividade, honestidade, in-
tegridade, positividade, poder, brilho, ganância, frugalidade,
preguiça, arrogância e incompetência com a mesma
facilidade com que trocávamos de roupa.
A vida era uma brincadeira quando dávamos permissão de
existência a todas as partes de nós mesmos. Cada dia era uma
oportunidade para a completa expressão pessoal. E, melhor
de tudo, se não gostássemos do jeito com que nossa história
se desenrolava, tudo que tínhamos a fazer era entrar em
nosso quarto, amarrar uma capa ao redor dos ombros,
apresentar um personagem diferente e voilà. Podíamos
reescrever o roteiro e criar um novo final, ou até outra
história. Podíamos transformar o drama em comédia, ou um
épico tedioso em uma aventura fabulosa. Havia incontáveis
possibilidades, e estávamos curiosos para examinar todas.
No entanto, uma vez que a sombra nasceu, a expressão
pessoal se tornou sufocada e mais séria. Aprendemos com
nossos pais, professores, amigos e a sociedade que para
ganhar amor e aceitação precisávamos aderir a certos
roteiros pré-escritos. A medida que frequentamos a escola,
fomos expostos publicamente e interagimos com um círculo
maior de pessoas, observando que determinados traços
comportamentais foram condenados, criticados ou negados
ao amor e à aceitação, enquanto outros foram idolatrados e
cobertos de atenção. A partir daí, nos distanciamos de
qualquer parte de nós que não se encaixasse aos padrões da
sociedade ou aos ideais de nosso próprio ego. Cada vez
rejeitávamos mais aspectos de nós mesmos, por todo tipo de
motivos — alguns, por parecerem ousados demais, outros,
porque eram tolos demais.
Tentamos descobrir maneiras de nos livrar dos aspectos
indesejados, até que um dia nos distraímos a ponto de
esquecer que existiam. Com cada um nos transmitindo
mensagens diferentes sobre qual das inúmeras facetas
deveríamos mostrar ao mundo, tornou-se mais seguro ouvir
as vozes da autoridade em vez de confiar em nossa natureza
autêntica. Logo nos vimos com um limitado conjunto de
emoções. Nossa expressão pessoal estava sufocada; as
possibilidades intermináveis que uma dia estiveram a nossa
frente se resumiam a apenas algumas. Aprendemos a abafar a
vida e, de fato, ficamos confortáveis em fazê-lo. Acabamos
nos identificando com o personagem interno que
acreditávamos ser mais aceitável àqueles ao nosso redor — e
há possibilidade de ainda estarmos interpretando alguma
versão daquele papel hoje em dia. Podemos fazer pequenas
mudanças aqui e ali, mas, quando nos lançamos um olhar
sincero, talvez vejamos que nunca nos reinventamos
completamente. É provável que sejamos como a maioria das
pessoas — nos arrumamos um pouquinho, colocamos um
remendo em uma parte da vida que não está dando certo e
criamos uma versão ligeiramente nova de quem já fomos.
Até as roupas que vestimos, as comidas que comemos, os
tipos de entretenimento que buscamos — e, até chegarmos
aos trinta anos, a maior parte das opções já foi
predeterminada em uma ou mais áreas da vida. Mesmo as
coisas sobre as quais fantasiamos são repetitivas e
monótonas.
A medida que nos tornamos mais presentes e alertas,
começamos a ver quanto somos robóticos e encurralados
nas personalidades que criamos. E podemos escolher tomar
medidas proativas para lidar com as sombras que estão nos
prendendo e tentar nos libertar. Não se iluda; se não
lidarmos com essas sombras, elas lidarão conosco. Surgirão
nos relacionamentos e vão nos separar de quem amamos,
nos manterão presos a um emprego ou estilo de vida que
ultrapassamos há anos, ou nos conduzirão aos vícios que
minam o sucesso e a felicidade. Elas nos cegarão,
impedindo-nos de ver os sinais de alerta de um re-
lacionamento abusivo, ou um mau negócio profissional. E
nos manterão em perpétuo estado de negação para, assim,
fracassarmos na ajuda àqueles que amamos quando mais
precisam de nós, ao depararem com seus próprios demônios.
Cada um de nós construiu uma identidade com base no ego,
na qual nos designamos um papel aceitável que acabe
reprimindo toda a nossa expressão pessoal. Em vez de
sermos quem realmente somos, nós nos tornamos uma
caracterização da pessoa que achamos que "deveríamos" ser.
Ao longo do tempo, nossa percepção pessoal sufocada se
torna um terreno fértil perfeito para que as sombras se
enraízem. Mesmo que esse papel tenha sido criado para
compensar alguma inadequação que acreditávamos existir
interiormente, ou como estratégia que atendesse às
expectativas de nossos pais, daqueles que cuidavam de nós
ou de amigos, se relutamos em encontrar o papel do ego,
excluímos todos os outros papéis que poderíamos de fato
desfrutar, acabamos criando uma vida carente de
profundidade, aventura, significado e sabor. Conforme
passamos a levar os papéis designados excessivamente a sé-
rio, eles ficam lacrados na estrutura de nosso ego. Raramente
desviamos da identidade que criamos, porque caímos em es-
tado ilusório de negação e começamos a acreditar que somos
aquela identidade. Olhando para a própria vida, a maioria de
nós pode reconhecer as limitações e a repetição dos papéis
que interpretamos.
É claro que é muito mais fácil identificar os papéis que
amigos e familiares estão interpretando que os nossos.
Podemos reconhecer a mártir que se oferecerá para a
associação de pais e professores, assumindo mais que sua
carga justa de trabalho (e depois vai reclamar disso), ou o
vizinho encantador que finge ser um superpai enquanto
secretamente trai a esposa. Sabemos quem gosta de
interpretar o papel da fofoqueira asquerosa, que sabe os
podres de todo mundo (e sempre procura uma chance de
compartilhar). Temos familiaridade com a rainha do drama
mais próxima, que está sempre sendo a vítima, de uma
forma ou de outra (por ter dado uma batidinha com o carro,
ou porque o marido não trouxe dinheiro suficiente para casa
no mês passado). É fácil identificar o eterno otimista que é
sempre a estrela da festa, ou aquela que ninguém tira para
dançar e sempre fica sentada nos cantos. O inacreditável é
que mesmo que o papel que designemos a nós mesmos seja
tedioso, infeliz, repetitivo ou desagradável, nós nos
agarramos a ele ao longo da vida, o tempo todo
racionalizando os motivos por não conseguirmos ser mais do
que somos, ou não possuirmos mais do que temos. Sem
saber, fomos nós que nos escalamos para interpretar alguma
versão desse personagem, ano após anos, e raramente — se
é que ocorre — nos permitimos a aventura de um papel que
não seja familiar, ou de nível de expressão pessoal que ainda
não conhecemos.
Se funcionarmos dentro do mito de que devemos silenciar,
eliminar, trancafiar e esconder todas as qualidades que nos
tornam interessantes e singulares, renunciamos ao direito de
experimentar a paixão e a paz. A busca pela vida perfeita, o
papel perfeito, a personalidade perfeita, sempre nos deixará
frustrados — mesmo obtendo o que queremos — pela
simples razão de sermos muito mais que um punhado de
qualidades que se encaixam caprichosamente ao ideal do
ego. No processo de tentar expressar apenas esses aspectos
que acreditamos garantir a aceitação pelos outros, abafamos
alguns de nossos traços mais valiosos e interessantes, e nos
sentenciamos a uma vida de repetição do mesmo drama,
como o mesmo roteiro batido.
Nessa busca pela segurança e pelo previsível, o leque de
expressão pessoal encolhe e, com ele, encolhem as nossas
opções. Quem e o que seremos amanhã é geralmente uma
variação de quem fomos ontem, porque só podemos acessar
os recursos e comportamentos do self que receberam
consentimento para serem vistos. Ao vedar a escuridão,
receamos a espreita dentro de nós, porque tememos a
destruição que isso pode causar, além de abafarmos outros
aspectos que anseiam a expressão, como a competência, a
força, o sucesso, o lado sexy, engraçado e brilhante. Essa é a
causa principal do tédio que frequentemente sentimos em
várias áreas da nossa vida.
Enquanto cortamos alguns aspectos do relacionamento com
nossa personalidade, negamo-nos o acesso ao estímulo, à
empolgação, paixão e criatividade. Um dos aspectos mais
empolgantes de ser humano é o fato de haver literalmente
centenas de partes inspiradoras, úteis e poderosas que estão
adormecidas, ansiando para sair da sombra e ser integradas
ao todo do self. Há uma imensa variedade de sentimentos
maravilhosos esperando por uma oportunidade de se
deslocarem no corpo, trazendo-nos novas sensações e novos
níveis de felicidade, alegria e prazer. Realmente não
podemos desfrutar da vastidão de quem somos, porque
esquecemos quem somos além das fronteiras das barreiras
restritivas internas que impusemos ao nosso mundo
emocional.
Para voltarmos a nos inspirar em qualquer área da vida, só
precisamos olhar e ver qual dos aspectos ou personagens
sombrios saíram do ângulo de visão, encontrar maneiras
seguras e apropriadas para que eles possam se expressar e
convidá-los de volta ao palco. Precisamos nos desafiar a
aceitar todas as facetas de nossa humanidade; de outro
modo, os personagens que foram expulsos do palco, agora
reprimidos, se tornarão os orquestradores silenciosos de
nossa vida secreta. Somente na presença do self inteiro e
sem censura é que podemos compreender e apreciar
inteiramente a nossa totalidade e singularidade. Precisamos
encontrar um bom uso para o personagem diário ou
continuaremos em guerra conosco.

FAZENDO AMIZADE COM NOSSA SOMBRA

Para começar a compreender quanto a sombra é essencial,
tente imaginar uma história sem nenhum conflito ou herói,
cuja virtude nunca é colocada à prova pelo adversário digno.
O herói de qualquer história não poderia existir se não fosse
pelos vilões que o desafiam ao longo do caminho. Se o que
diz a tradição ocidental realmente for verdadeiro, que "o
pecador e o santo estão meramente trocando de papéis",
então, o conflito entre a natureza superior e inferior cria
uma tensão necessária para impulsionar nossa evolução
como seres humanos. O mesmo conceito que conduz à boa
literatura igualmente se aplica à vida real: os heróis são tão
fortes quanto os vilões.
No drama da evolução, a sombra é o personagem de maior
interesse. Ela só é perigosa quando a mantemos trancada no
porão escuro da repressão. É quando corremos o risco de vê-
la explodir em nossa cara, causando o abandono de dietas, a
sabotagem de relacionamentos e a morte dos sonhos. Mas se
permitirmos que os personagens sombrios sirvam como par-
tes integrantes de nosso self pleno — como forças vibrantes
e poderosas em direção ao bem — eles nos conduzirão a
experiências mais ricas, ligações mais genuínas, a mais riso,
mais autenticidade e a uma expressão pessoal honesta. A
batalha com o lado sombrio jamais será vencida com ódio e
repressão; não podemos combater a escuridão com
escuridão. Precisamos encontrar compaixão e abraçar a
escuridão dentro de nós, de modo a entendê-la e,
finalmente, transcendê-la.
No livro A arte da guerra, Sun Tzu sugere que "para co-
nhecer seu inimigo, você tem de se tornar seu inimigo".
Nesse caso, o inimigo geralmente é um impulso vindo de
dentro de nós, que não conseguimos entender, e com o qual
não sabemos lidar. Enquanto estivermos negando,
reprimindo ou minimizando a importância desses ímpetos,
certos de que os impulsos sombrios jamais nos alcançarão,
nem serão expostos, a sabedoria que possuem continuará a
nos manter iludidos. Descobrindo ativamente as dádivas e
recebendo as contribuições que nossa sombra está tentando
dar, redirecionamos seu poder anteriormente destrutivo para
uma força que pode beneficiar nossa vida. Mais que isso,
tornamo-nos um exemplo para que os outros encontrem
saídas saudáveis para liberar os aspectos que não estão em
conformidade com o roteiro da sociedade ou o ideal do ego.
Podemos ser santos ao prover a liberdade de expressão
pessoal aos pecadores que residem dentro de nós — não
incentivando o mau comportamento, mas vendo como esse
impulso ou qualidade poderia nos servir, ou à sociedade
como um todo. Quanto mais aceitação e expressão pessoal
encontramos para nossos impulsos sombrios, menos
teremos de nos preocupar com ataques-surpresa por parte
deles. Sei que você pode estar imaginando como uma parte
sua que você teme e abomina pode lhe servir, mas juro que
ao passar pelo processo você verá que há dádivas a serem
extraídas de toda característica, sentimento e experiência.
Reaver as partes que foram relegadas à sombra é o caminho
mais confiável para atualizar todo o potencial humano.
Depois de nos tornarmos amigos da sombra, ela se torna um
mapa divino — quando apropriadamente lido e seguido —
que nos religa à vida que tínhamos a intenção de viver, às
pessoas que estavam predestinadas a nos encontrar e às
contribuições que deveríamos dar. Abraçar a besta interior é
a passagem para a liberdade. É o canal para abrir uma estrada
em direção a toda a nossa grandeza. Isso torna a vida interior
rica e significativa e a vida exterior mais prazerosa. Permite-
nos desfrutar da plenitude em vez de ficarmos constrangidos
pelas limitações de um self criado pela ilusão. Por que ilusão?
Porque, se criamos nossa imagem pública, ou persona, a
partir dessas características que julgamos aceitáveis,
deixamos de fora algumas das partes mais importantes,
potentes e saborosas de nós mesmos.

A MÁSCARA DA SOMBRA

Revelar as partes que aprendemos a reprimir é a chave para
o entendimento de como desfrutamos da liberdade em algu-
mas áreas da vida e nos comportamos como robôs em
outras. E o medo que nos convence a usar uma das infinitas
máscaras para nos esconder e construir uma personalidade
— um figurino, por assim dizer — para ocultar quem
realmente somos. Trabalhamos incansavelmente para criar
uma fachada, para que ninguém descubra nossos
pensamentos sombrios, desejos, impulsos e histórico
pessoal. Foi a sombra do passado que nos levou a construir a
face — a máscara — que mostramos ao mundo. Seremos
alguém que gosta de agradar às pessoas, ou buscaremos alívio
do mundo ficando isolados, distantes e sozinhos?
Trabalharemos incessantemente para sermos vistos como
acima da média, ou ficaremos contentes deitados diante da
TV ou passando horas na internet procurando sites de
fofocas? Nossa personalidade não foi criada por acidente; foi
criada de modo a camuflar as partes que julgamos mais
indesejáveis e a compensar o que consideramos nossas falhas
mais profundas.
Esse self falso está incumbido de uma única missão: escon-
der todas as partes indesejadas e inaceitáveis de nós mesmos.
Se fomos magoados por pais emocionalmente imprevisíveis,
talvez tenhamos que trabalhar muito para transmitir a
imagem de uma pessoa calma e equilibrada. Se tivemos
dificuldade de aprendizado enquanto crescíamos, talvez
criemos uma personalidade terna, excessivamente amorosa,
para que os outros não percebam a deficiência que
acreditamos ter. Se nos envergonhamos de ser filho adotivo,
talvez nos tornemos trabalhadores altamente motivados, que
sempre se vestem impecavelmente e são bem articulados. A
imagem que criamos é elaborada pelas partes feridas,
confusas ou repletas de dor. Embora isso possa enganar os
outros, e até nós mesmos, por um tempo, acabaremos sendo
confrontados pelos ferimentos que essa máscara destinava
esconder.
Como uma forma de assegurar que nosso self falho e
imperfeito não seja descoberto ou exposto, sabiamente
começamos a desenvolver características opostas àquelas
que tentamos esconder. Trabalhamos duro para compensar
as partes que julgamos inaceitáveis, torcendo para ludibriar
os outros e nos livrar dos sentimentos ruins que foram
associados a eles. Se nos sentimos permeados pela
insegurança, podemos ter desenvolvido uma personalidade
arrogante, sabichona, para convencer os outros de que
temos uma imensa confiança. Se nos sentimos fracassados,
talvez nos tenhamos cercado de pessoas que fizeram grandes
realizações, ou exagerado no alcance dos próprios esforços
para parecer mais bem-sucedidos do que realmente somos.
Se nos sentimos impotentes, talvez tenhamos escolhido uma
carreira ou um parceiro que nos permita parecer mais
poderosos.
Nossa persona nos convence de que não há nada que
desconheçamos a nosso respeito — de que somos, de fato, a
pessoa que vemos no espelho e acreditamos ser. Mas a
questão é que, uma vez que compramos a história de "esse é
quem sou", fechamos a porta para qualquer outra
possibilidade e negamos a nós mesmos tudo o que
poderíamos ser. Perdemos a habilidade de escolher porque
não conseguimos fazer nada fora do âmbito da personalidade
que estamos encenando. A persona previsível que
construímos agora está no controle. Tornamo-nos cegos às
imensas possibilidades de nossa vida. Somente quando
paramos de fingir ser o que não somos — quando já não
sentimos a necessidade de nos esconder ou compensar por
nossa fraqueza ou nossos talentos — conheceremos a
liberdade de expressar o autêntico self, tendo habilidade para
escolher com base na vida que verdadeiramente desejamos
viver. Quando rompemos esse transe e já não nos
preocupamos se somos adequados, nem tememos o que as
pessoas pensam de nós, podemos nos abrir e aproveitar as
oportunidades que poderiam passar despercebidas quando
estamos encurralados em nossa história, ou por trás de nossa
máscara.
Somos levados ao ponto de exaustão pelo ideal de ego para
ser diferentes do que somos. Lutamos para ter mais força,
mais segurança. Sem perceber, nos posicionamos para
provar que somos mais, melhores ou diferentes que o
restante, ou tentamos ficar invisíveis para nos adequar sem
chamar a atenção. Esforçamo-nos para criar exatamente a
persona que acreditamos que nos trará a aprovação e o
reconhecimento que desesperadamente precisamos ou, de
modo alternativo, que nos dê uma desculpa para não viver
na íntegra uma vida que amamos. Então, começamos a agir
de um jeito, consciente ou inconscientemente, que nos leva
a outros pensamentos, sentimentos e impressões que,
acreditamos, nos trarão amor, respeito ou pena — até o dia
em que a casa cai.
Amanda estava profundamente envergonhada por não ter se
formado na faculdade, e mortificada porque a maioria dos
parentes, pelo lado da família da mãe, andava na contramão
e não havia investido em educação. Ela trabalhou com
afinco para criar uma persona que escondesse seu constran-
gimento e lhe desse uma boa aparência diante daqueles que
queria impressionar. E encontrou um nicho em um campo
de especialização em que era considerada inteligente,
prestativa e indispensável, porém, por mais que lesse e
contribuísse em seu trabalho, Amanda terminava quase
todos os dias com uma sensação de "ser menos". Na
tentativa de resolver sua dor, decidiu voltar à escola,
esperando que a obtenção de um diploma a transformasse,
de uma garota sem estudo, moradora de um parque de
trailers, em uma mulher sofisticada, moderna.
Certa noite, ela entrou na aula de psicologia devidamente
trajada com sua persona profissional. Sentia-se orgulhosa,
pois já havia criado uma reputação de ser a garota inteligente
da turma. Quando o professor detalhou o trabalho para a
semana, Amanda começou a murchar, conforme a sombra
repleta de vergonha se apoderava dela. Ela podia sentir o
corpo inteiro se retraindo ao ver que o projeto era criar uma
árvore genealógica bem detalhada, demonstrando o
histórico educacional e as profissões de todos os membros
da família. Conforme começou a trabalhar no exercício, ao
notar que todos os membros da família viciados em drogas,
financeiramente instáveis e sem formação, foi confrontada
pela dor e pelo constrangimento do histórico familiar. A
sensação esmagadora de não ser boa o suficiente
subitamente pareceu grandiosa demais para continuar
escondida atrás de qualquer persona. Adiante, naquela
semana, quando leu o relatório e olhou com mais
compreensão para a árvore genealógica, em vez de se sentir
orgulhosa do trabalho que fez, sentiu muita vergonha.
Depois de alguns anos tentando fugir de sua sombra, foi
necessária apenas uma tarefa para que a persona de Amanda
fosse escancarada.
Assim como Amanda, alguns de nós sabíamos que, mesmo
com pouca idade, tentávamos ser alguém que não éramos.
Em vez de nós mesmos, queríamos ser como alguém em
quem nos espelhávamos, então, inconscientemente,
assumimos a fachada de outra pessoa, sem sequer perceber
que aquilo não era um self autêntico. Mas, de qualquer
maneira, em nossa busca por liberdade, segurança e
autenticidade, é imperativo reconhecer que estamos
vestindo a versão de uma máscara que colocamos há vinte,
trinta ou quarenta anos. E agora nosso self autêntico, que
está gritando para ter nossa atenção, está profundamente
escondido atrás de uma máscara, e o falso self está
disfarçando nossa verdadeira natureza.
Imagine isto. Quando era uma criança pequena, você re-
cebeu um pequeno presente — uma moeda mágica, talvez
— de sua avó. Desejando mantê-lo em segurança, você o
escondeu para que ninguém pudesse encontrá-lo. Depois de
todas essas décadas, você seria capaz de lembrar o local onde
escondeu o presente? Sequer lembraria de tê-lo escondido?
O mesmo aconteceu com seu self autêntico. Você o
manteve escondido por tanto tempo que esqueceu a
existência dessa sua parte.
A natureza da fachada que escolhemos varia com base em
nosso histórico, pais, arredores onde vivemos e no que era
considerado bom ou mau comportamento. No entanto, as
máscaras que são comumente vistas na sociedade atual não
são diferentes daquelas de cem anos atrás. Hoje há versões
atualizadas de sedutores, encantadores, bajuladores, eternos
otimistas, descolados, mártires, boas garotas, caras bacanas,
durões, abusivos, intimidadores, ardilosos, intelectuais,
salvadores, depressivos, piadistas, solitários, vítimas e
daqueles acima do padrão. São expressões repetitivas,
arquétipos do mundo contemporâneo. O problema em viver
dentro dessas máscaras é o que eventualmente nos faz
perder de vista quem realmente somos e as possibilidades
para nossa vida. Ao ignorar a escuridão, inconscientemente
extinguimos nosso poder autêntico, nossa criatividade e
nossos sonhos.


EXPONDO NOSSA VIDA SECRETA

A sombra prospera quando temos segredos. No instante em
que fechamos a porta para um ou mais aspectos particulares,
colocamos em movimento uma vida secreta. Há um
provérbio nos programas dos doze passos: "Seus segredos o
mantêm doente". Em meus anos de trabalho com pessoas,
posso afirmar que isso é verdade. Não há do que se
envergonhar, pois a maioria de nós tem uma vida aberta e
outra secreta. Temos uma persona, que mostramos ao
mundo, e uma vida secreta, que mantemos escondida.
Construímos uma vida secreta para esconder as partes de
que mais nos envergonhamos de assumir. Pode ser uma área
da vida que dá vergonha, ou um comportamento que
tememos ser inaceitável para quem amamos. Talvez seja
uma área de nossa vida que esteja fora de controle, um vício
ou dependência com que relutamos, ou uma fantasia sobre a
qual receamos falar. Quando nosso comportamento é
incompatível com a máscara que usamos, nós nos
esforçamos muito para escondê-lo. Podemos ser muito
ternos e atenciosos com todos com quem temos contato
durante o dia, e depois, ao chegar em casa à noite, gritamos
com os filhos. Talvez nos comportemos como intelectuais
brilhantes diante dos colegas, mas em casa ficamos assistindo
a programas fúteis na TV ou jogando videogame. Talvez
estejamos em um relacionamento de compromisso, mas
traímos em segredo; ou agimos como alguém que galgou o
sucesso pessoal, quando, na verdade, vivemos secretamente
à custa de nossos pais.
A vergonha não resolvida nos leva a traduzi-la em ações; ela
acaba surgindo em atitudes que revelam certas partes da vida
que vínhamos tentando ocultar. Podemos trabalhar dia e
noite tentando controlar os impulsos ocultos para que não
venham à tona, mas estamos apenas a um passo de agir de
uma maneira que mine o respeito próprio. Se estivermos
escondendo uma parte de nossa vida na qual agimos sem
integridade, isso acabará sendo exposto à medida que
assinamos cheques sem fundo ou mentimos na declaração
do imposto de renda. Se habitualmente encobrimos
sentimentos de solidão, eles podem vir à tona, na calada da
noite, através de uma fome insaciável por açúcar, álcool ou
sedativos que preencham o vazio que sentimos. Se a raiva
que sentimos décadas atrás não for enfrentada e liberada,
poderá se expressar t.ransformando-nos em pais ranzinzas
ou cônjuges briguemos. Talvez o descontentamento por
saber que os pais se traíam possa nos tornar atraídos por
parceiros não confiáveis e emocionalmente abusivos. Pode
ter acontecido de nossa curiosidade sexual normal ter sido
sufocada em tenra idade, originando um fascínio insaciável
por pornografia ilegal e sexo de risco. No entanto, para nos
livrar de compulsões incontroláveis que nos levam a uma
vida secreta, precisamos encontrar meios de expressar os
aspectos reprimidos, para que possamos ficar em segurança
quanto aos comportamentos que podem sabotar nossa vida.
Matthew era chefe de equipe de uma prestigiada univer-
sidade de medicina. Era admirado pelos colegas e tinha uma
esposa amorosa e três filhos saudáveis. Embora aos olhos de
todos ele parecesse um pilar da sociedade, Matthew se via
entediado com seu intelecto e todas as honras que
acompanham o sucesso. Uma noite, depois do plantão
médico, ele voltou para casa e foi assistir à TV, tarde da
noite. Ficou fascinado por uma jovem atriz que estrelava um
filme e decidiu pesquisar sobre ela na internet. Uma coisa
levou à outra e, enquanto ele visitava um site pornô, clicou
em um anúncio de uma boate de striptease. As imagens o
deixaram muito excitado. Sua mente começou a divagar e
ele pensou em passar na boate no próximo dia de folga.
Sentindo uma pontada de empolgação e medo, racionalizou
sua decisão, ponderando que, já que a boate era do outro
lado da cidade, poderia apenas colocar um boné para evitar
ser reconhecido.
Em pouco tempo, as visitas à boate tornaram-se habituais
para Matthew. Ele se via cada vez mais atraído por uma das
mulheres e acabou marcando um encontro. As histórias que
contava à esposa se tornavam cada vez mais complicadas,
com muitas mentiras. Ele passou a procurar conferências nas
partes mais remotas do país, de modo a poder desfrutar de
fins de semana de depravação, sem se preocupar em ser
flagrado. Como o sexo com a esposa passou a ser menos fre-
quente e excitante, ele foi ficando mais aventureiro e
começou a correr mais riscos. Comprava e levava com ele
lingerie e roupas sensuais para que as mulheres usassem.
Em um fim de semana, Maria, mulher de Matthew, pegou o
carro dele para levar as crianças à aula de tênis e, quando
abriu o porta-malas para tirar o equipamento, notou uma
mala médica que nunca tinha visto. Depois de deixar as
crianças na aula, voltou ao estacionamento e, por instinto,
abriu a mala. Ficou chocada ao encontrar lingerie
transparente, camisinhas e um estoque de parafernália
sexual, tudo guardado dentro da pequena mala. Querendo
entender a extensão da infidelidade do marido, começou a
vasculhar as faturas de cartão de crédito, o histórico da
internet, as contas de celular. Depois de estudar o
comportamento dele por várias semanas, ela descobriu a
dimensão da vida secreta que Matthew estava levando, e que
girava em torno de boates de striptease, acompanhantes e
inúmeros programas noturnos.
Após várias semanas de sofrimento silencioso, Maria decidiu
confrontar Matthew com todas as provas que havia
descoberto. Sem nada a dizer, o comportamento oculto
agora exposto, Matthew estava diante da tarefa de tirar o véu
dos anseios não realizados que o levaram a criar esse vazio
entre a persona e a vida particular. Conforme o choque das
consequências de sua vida secreta veio à tona, ele ficou
desgostoso, porque sua sombra o iludira e o levara a um
comportamento que ele jamais sonhara ser capaz de ter.
Como a maioria dos viciados em sexo, Matthew precisava de
ajuda, e logo descobriu que não era apena sexo que
procurava, mas também buscava atenção, admiração e
empolgação. Se tivesse sido capaz de ver e reconhecer esses
desejos secretos, poderia ter procurado o apoio que
precisava antes de seu comportamento sair do controle. Em
vez disso, a sombra o fez perder o casamento e a dignidade.
Ao longo dos anos, já ouvi incontáveis pessoas em meus
seminários compartilhando histórias parecidas. Sem pensar,
elas se tornam alguém que nunca quiseram ser. A conclusão
disso tudo é que, se não lidarmos com os aspectos ou
impulsos sombrios e os sentimentos reprimidos, eles vão
lidar conosco. Como diz meu amigo, dr. Charles Richards:
"Ignorar nossa sombra reprimida é como trancar alguém no
porão até que ele faça algo dramático para conseguir nossa
atenção". Se nos recusarmos a revelar a sombra por vontade
própria, corremos o risco de ficar na linha de fogo do que eu
chamo de Efeito Sombra. Sem qualquer alento à vista para
nossas partes reprimidas, elas assumem vida própria. Ao
liberar a culpa e a vergonha que carregamos, quando parte
de nossa vida está oculta na escuridão, podemos abrir as
portas do porão e trocar a vida secreta por uma vida
autêntica.
Quando negamos a nós mesmos uma válvula de escape
segura para o lado sombrio — ou nos recusamos a sequer
reconhecer sua existência —, isso vai se acumulando e se
torna uma força capaz de destruir nossa vida, assim como a
de todos que estão a nossa volta. Quanto mais tentamos
reprimir os aspectos de nossa personalidade que julgamos
inaceitáveis, mais eles encontram meios nocivos de se
expressar. O Efeito Sombra ocorre quando a própria
escuridão reprimida torna sua presença conhecida, levando-
nos a agir de maneira inconsciente e inesperada. Isso
acontece quando algo no mundo externo força a escuridão a
sair de seu esconderijo e subitamente ficamos cara a cara
com os traços, comportamentos e sentimentos do
personagem que mantivemos escondido na vida secreta. O
Efeito Sombra não é algo que planejamos. Na verdade, é algo
que a maioria de nós investiu tempo e energia para tentar
evitar. Mas, quando entendemos esse fenômeno, podemos
desvendar o mistério da sabotagem pessoal.


O EFEITO SOMBRA

Imagine que cada característica, cada emoção, cada
pensamento sombrio que você tenta ignorar ou negar seja
como uma bola de praia que você segura embaixo d'água.
Você pega o self egoísta, o raivoso, o excessivamente bom, o
não tão bom assim, o tolo, o convencido — todos eles — e,
subitamente, está oprimido com todas essas bolas de praia
que tenta segurar. Se você ainda é jovem, tem bastante
energia para conseguir administrar muitas bolas — consegue
reprimir muitas das características indesejadas. Mas depois,
quando está cansado, de coração partido ou doente; quando
não acredita mais na possibilidade de um futuro
emocionante; quando abaixa a guarda; quando sua atenção
está na família, ou na expectativa de uma promoção; quando
já tomou drinques demais... de repente, bum! Você, ou
alguém ao seu redor, faz algo sem pensar e uma ou mais
bolas emergem e o atingem no rosto. Esse é o Efeito
Sombra.
O que são as brigas de trânsito? Será que é algo além de uma
bola de praia de raiva reprimida forçando o caminho à
superfície? Vemos isso na mídia o tempo todo. Um cineasta
que faz filmes cristãos subitamente fica bêbado e, aos berros,
faz comentários antissemitas na fúria da bebedeira. Um astro
do rádio que ganha a vida sendo um grande comunicador de
repente faz um insulto racial que destrói sua carreira e
reputação. Uma jovem e ambiciosa professora que joga fora
o futuro por fazer sexo com um aluno de catorze anos. Uma
estrela de cinema que pode pagar por praticamente qualquer
coisa e é flagrada roubando em lojas. Todos esses impulsos
reprimidos e escondidos que tentamos administrar são como
bombas-relógio esperando para explodir.
E podemos ter certeza de que o Efeito Sombra surgirá no
momento menos oportuno — quando estivermos à beira do
sucesso financeiro ou vivendo um novo romance; a poucos
dias de nos aposentar ou prestes a fechar um negócio que
poderia mudar nossa vida para sempre. Esses são os
momentos em que sabotamos o próprio sucesso,
conscientemente ou não, quando uma escolha feita sob a
névoa da inconsciência mina o progresso pelo qual
trabalhamos durante anos. Uma sabotagem pessoal é a
exteriorização da vergonha interna escondida nos recônditos
escuros da mente inconsciente. Pelo fato de não termos tido
sabedoria, coragem ou recursos para fazer as pazes com o
que reprimimos por culpa, medo ou vergonha, isso é
forçado à exposição para que possamos recuperar o self
perdido e voltar ao estado de transparência do self pleno.
Somente quando o comportamento autodestrutivo já não é
mais segredo é que podemos olhar objetivamente os danos
que estamos causando a nós mesmos e aos que estão ao
redor, e encontramos motivação para mudar. Só após os
filhos voltarem da escola e encontrarem a luz cortada é que
nos dispomos a encarar o vício no jogo. É preciso ser detido
no trânsito para despertarmos para o fato de que o hábito de
beber está fora de controle. Quando saímos para jantar com
amigos e o garçom anuncia que o cartão foi recusado,
finalmente nos damos conta de que os gastos estão fora de
controle. Quando somos flagrados roubando a conta da
empresa, enfim percebemos que precisamos lidar com o
problema. Podemos nos iludir quanto a estar indo bem no
trabalho, ou na dieta — até recebermos a avaliação anual, ou
subirmos na balança. O Efeito Sombra surge como um
potente reflexo externo do mundo interno que está
perigosamente desequilibrado. Porém, por mais dolorosos
que sejam, esses momentos servem para começar um
processo de evolução involuntária. Quando somos
confrontados pela sombra, e ela é vista por aqueles cuja
opinião prezamos, saímos da negação e, esperançosamente,
reconhecemos que precisamos fazer algo a respeito.
Se fôssemos capazes de nos enxergar com precisão, seria
uma tarefa mais fácil. Mas não conseguimos e, por conta dis-
so, é muito fácil cair no transe da negação, também
conhecido como "Nem noto que estou mentindo". A
mentira começa conosco. Se tivéssemos intimidade com
nossos impulsos sombrios — se soubéssemos que egoísmo,
raiva, ganância e intolerância têm mensagens importantes a
transmitir —, prestaríamos atenção à presença deles, como
um amigo de confiança que bate à porta. Mas, quando
alienamos nossa sombra; quando, por medo, nos recusamos
a reconhecer ou receber as mensagens que ela está tentando
enviar, esteja certo de que faremos algo ou nos
envolveremos com alguma coisa que trará o lado sombrio à
superfície. Nessas ocasiões, a notória batida à porta mais
parece uma pancada na cabeça; no entanto, os momentos
em que encontramos a escuridão repudiada não são apenas
os mais dolorosos, mas também os mais férteis de nossa vida.
Se queremos evitar a cólera do Efeito Sombra, precisamos
fazer uma verificação da realidade diariamente, observando
se estamos agindo de maneira que pode nos envergonhar,
constranger ou destruir família, carreira, saúde ou autoesti-
ma. Precisamos acordar e pensar se estamos escondendo ou
negando uma vida secreta; temos de nos conscientizar de
nossos hábitos, comportamentos ou maneiras de ser que
talvez estejamos escondendo dos outros. Se tememos pelo
que poderia acontecer caso a família, os colegas de trabalho
ou amigos vissem nossos e-mails, checassem o histórico de
visitas a sites ou lessem os pensamentos perversos e de
julgamento de nossa mente, temos de reconhecer essas
coisas como sinais — sinais vermelhos piscando. A negação
é a culpada por mantermos nossa vida secreta intacta e
oculta — e nos mantém focados em qualquer coisa, menos
em nossas indiscrições.
Para abraçar nossa sombra e destruir a possibilidade de o
Efeito Sombra nos dominar, precisamos nos abrir para uma
verdade maior quanto à nossa humanidade e o que está à
espreita sob a superfície da pessoa que julgamos ser. Quando
direcionamos a mente à investigação da hipocrisia do
comportamento humano, abrimo-nos a uma verdade mais
profunda e significativa — que todas as nossas partes
merecem ser vistas, ouvidas e abraçadas; que cada aspecto
detém uma dádiva maior do que podemos enxergar e cada
sentimento merece uma expressão saudável. Quando eles
tentam nos retirar da escuridão e nos expor à luz, irão nos
apoiar na criação de relacionamentos saudáveis, na
recuperação da boa saúde mental e no alcance de nosso
potencial.
O Efeito Sombra destrói nosso personagem perfeitamente
construído, de modo que podemos nos reinventar como
alguém diferente de quem temos sido. A sabotagem pessoal
não é nada além de relutância do self superior em continuar
interpretando o papel que designamos a nós mesmos. De
preferência, deveríamos abraçar os aspectos rejeitados de
boa vontade; quando insistimos, contudo, em nos ater aos
personagens, a queda pode ser dolorosa e turbulenta. Há
exemplos disso por toda parte. Britney Spears, a mosqueteira
norte-americana que usava a máscara de boa garota, entra
em uma espiral de autodestruição, tornando-se uma notória
garota má. Tiger Woods, maior jogador de golfe de todos os
tempos, com a máscara de realizador acima da média, tem
atitudes que o fazem passar de super-herói a traidor
sabotador de si mesmo. Quando a máscara da personalidade
humana fica apertada demais, quando já não há mais lugar
para respirar, ela explode, para que possa recriar-se. Há
literalmente milhões de exemplos que vêm ocorrendo ao
longo do tempo e claramente demonstram o fenômeno do
Efeito Sombra. No entanto, quando essas indiscrições
pequenas ou gigantescas de outras pessoas são trazidas à luz,
sacudimos a cabeça, perplexos pelo comportamento que
apresentam. Dizemos que a pessoa caiu em desgraça. Mas
será que é isso? Será que a desgraça não é a encenação bem
construída que apresentamos ao mundo enquanto nossa vida
secreta está escondida dos que amamos?

REVELANDO NOSSA SOMBRA

Quando nos vemos obcecados pelos aspectos das sombras de
outras pessoas, é porque elas também tocam as nossas.
Estamos acostumados a pensar que não podemos nos ver, a
menos que seja no espelho — mas é verdade apenas em
certo aspecto. O fato é que podemos, sim, nos ver, e em
cores, ao prestar atenção no que observamos em outras
pessoas. Somos programados para projetar em outras pessoas
as qualidades que não conseguimos ver em nós. Não é algo
ruim. Fazemos isso o tempo todo. A projeção é um
mecanismo de defesa involuntária do ego; em vez de
reconhecer as qualidades que desgostamos em nós, as
projetamos em outra pessoa. Projetamos nos pais, nos filhos,
nos amigos, ou, até melhor, nas pessoas famosas que nem
conhecemos. Aquilo que julgamos ou condenamos em
outro é uma parte rejeitada de nós mesmos. Quando estamos
em meio à projeção, parece que estamos vendo a outra pes-
soa, mas, na realidade, estamos vendo aspectos ocultos de
nós mesmos. Aqueles em quem projetamos detêm partes de
uma obscuridade rejeitada, assim como partes de uma luz
ignorada. Simultaneamente temerosos de nossa indignidade
como de nossa grandeza, inconscientemente transferimos
essas características para outra pessoa, em vez de tomar
posse delas.
Você já experimentou o poder da projeção milhares de
vezes em sua vida. Você entra em uma sala e subitamente se
sente atraído por alguém. Começa a conversar e a pessoa
passa a lhe contar coisas de que gosta e desgosta, que não
combinam com as suas. Subitamente, aquela pessoa lhe
parece diferente — o transe da projeção foi rompido e você
a vê sob uma luz totalmente diferente. Se um instante
depois ela por acaso mencionar que pode lhe arranjar
ingressos para assistir ao jogo que você está louco para ver,
ou se disser que conhece alguém que pode ajudá-lo em seu
projeto, você pode novamente enxergada sob uma luz
favorável, e ela pode parecer mais interessante. Enfim, a
conversa volta aos trilhos, mas no instante seguinte ela
começa a dizer nomes e, quando subitamente ela o faz se
lembrar de seu sogro esnobe, você fica repugnado. Na
realidade, nada mudou naquela pessoa, exceto sua percepção
sobre ela. Esse é o poder da projeção. Se compreender esse
fenômeno, entenderá por que pode amar alguém em um
minuto e, no seguinte, achar a pessoa insuportavelmente
irritante.
A parte obscura de nós que repudiamos se apresenta
continuamente, através da tela dos que estão ao nosso redor.
Talvez possamos ver nossa submissão na mãe, a ganância no
pai, a preguiça no marido, a retidão nos políticos. A projeção
soa assim: "Ela é tão egocêntrica". "Ele é tão cheio de si."
"Mas que idiota." "Ele é um fracassado." A projeção explica
por que cinco irmãos criados sob o mesmo teto dão
diferentes relatos sobre seus pais, atribuem-lhes um
conjunto diferente de pontos fortes e fracos, lembram-se
deles com características distintas.
Em geral, é difícil reconhecer o próprio comportamento
ruim, porque estamos sempre projetando-o nos outros.
Quanto mais convencidos ficamos dos atos errôneos alheios,
é provável que mais sejamos culpados pelos mesmos erros.
A. J., que trabalha no bar de um conhecido restaurante,
seguia para casa depois de um longo dia de trabalho, na
expectativa de ter uma noite calma com a família. Após um
pequeno trecho percorrido de carro, ele subitamente ouviu
um barulho atrás dele e ficou apavorado — era uma sirene.
Conforme ele encostou, tentou se lembrar do que poderia
ter feito, mas nada veio à mente. Ele abriu o vidro e o
policial pediu sua habilitação.
Depois de entregar o documento, o policial se inclinou para
a frente e perguntou:
— Rapaz, você andou bebendo?
A. J. respondeu:
— Não, senhor, eu estava no trabalho.
— Rapaz, acredito que você andou bebendo, e é melhor di-
zer a verdade. Talvez tenha passado em algum lugar depois
do trabalho? — perguntou o policial em tom sarcástico.
A. J., sentindo-se agitado e ligeiramente na defensiva, disse:
— Não, senhor, não andei bebendo. Na verdade, eu estava
no bar, onde lhe servi drinques a tarde inteira.
O policial, obviamente estarrecido, devolveu a habilitação de
A.J., entrou no carro de patrulha e foi embora. Este é um
exemplo perfeito de projeção. O policial, ligeiramente
alegrinho, e talvez se sentindo um pouco culpado por ter
tomado alguns drinques em horário de trabalho, voltou ao
serviço depois de seu "intervalo", entrou no carro de
patrulha e, inconscientemente, começou a procurar por si
mesmo.
As partes que tentamos evitar podem estar longe de nossa
visão, porém, não importa — elas existem como parte de
nosso campo energético. Os comportamentos e sentimentos
com os quais não nos sentimos em paz sempre encontraram
uma tela onde se projetar, e podemos ter certeza de que isso
está acontecendo quando sentimos uma carga emocional na
presença de outra pessoa. Imagine possuir cem saídas
elétricas em seu peito. Cada uma delas representa uma
qualidade diferente. As qualidades que você reconhece e
abraça estão vedadas. São seguras — não há corrente elétrica
passando por elas. Mas as qualidades com as quais você não
se sente à vontade, aquelas que você não assume, essas, sim,
têm corrente. Então, quando outras pessoas aparecem e
refletem em você uma imagem do self indesejado, você se
torna reativo.
Eis um exemplo. Uma vez, namorei um homem que achava
ligeiramente rechonchudo, meio fora de forma. Após
namorar por alguns meses, notei que, em qualquer lugar a
que fôssemos, ele sempre apontava um cara acima do peso,
barrigudo ou com as calças caindo. Um dia, conforme
caminhávamos pelo aeroporto, a caminho de uma viagem
romântica, ele apontou o dedo na direção de um homem
que jamais veria novamente e comentou comigo:
— Mas que relaxado. Por que você acha que esse cara não se
cuida?
Finalmente não consegui ficar de boca fechada e juntei
coragem para lhe dizer que estava apenas projetando as
próprias preocupações com o peso em pobres homens
gordos que ele nem conhecia. Sugeri que, em vez de ficar
apontando os outros, ele deveria ir além. Achei que ele
tropeçaria na escada rolante ao olhar para a barriga estufada
como se fosse pela primeira vez. O rosto dele murchou
conforme se deu conta de que também carregava uma dúzia
de quilos indesejados. Constrangido, timidamente me
perguntou se de fato se parecia com os outros homens.
Temendo arruinar minha diversão do fim de semana, menti
e disse que ele talvez não estivesse tão ruim quanto os
outros, mas havia diversos lugares para onde poderia olhar
quando estivéssemos em público, portanto, isso deveria
significar que, até certo ponto, ele realmente queria assumir
o próprio corpo e mudar a forma como se apresentava ao
mundo, ou não estaria tão ligado nessa questão.
Havia literalmente centenas de outros pontos nos quais
poderia ter se concentrado em relação às outras pessoas —
cabelos, sorriso, belos olhos ou nariz grande. Mas não o
fizera. Só havia reparado na barriga dos outros homens.
Nossas projeções sempre nos chocam. Quando estamos
julgando alguém, nunca pensamos de fato sobre nós. Porém,
uma vez que compreendemos por que apontamos o dedo,
podemos começar a nos desvencilhar de nossas percepções
e julgamentos vorazes a respeito dos outros. Precisamos
lembrar o velho ditado: "Se você viu é porque também tem".
Se negarmos a raiva ou nos sentirmos desconfortáveis com
ela, nossos olhos automaticamente buscarão pessoas
zangadas. Se estamos secretamente mentindo ou nos
julgando por termos mentido no passado, ficaremos
aborrecidos com a desonestidade dos outros. Em meus anos
na liderança de workshops, já tive momentos bastante
engraçados, quando as pessoas ficavam com raiva de mim
por sugerir exatamente esse conceito de projeção e por lhes
dizer que elas também possuem as características que
desgostam nos outros. Um desses momentos favoritos foi
quando uma linda espanhola disse que não tinha nada a ver
com o pai, que não aprovava os homens com quem ela saía.
Quando perguntei se ela sabia o motivo, ela respondeu que
era por ele ser racista. Ela disse que só saía com homens
asiáticos e ele não aprovava. Quando brinquei, perguntando
que tipo de espanhola só saía com homens asiáticos, a raiva
desapareceu de seu rosto e ela disse timidamente: "Alguém
que seja racista?" No mesmo instante, ela percebeu que
estava sendo ligeiramente racista, assim como seu pai,
porque jamais sairia com um homem de sua origem.
Outra mulher protestou, dizendo que não se parecia em
nada com o pai, que vivia apontando seus erros. Ela me disse
que ele estava sempre zangado, era hipócrita, cruel, crítico
etc. Quando perguntei o que ela acabara de fazer, ali,
durante a conversa, ela percebeu que havia demonstrado o
mesmo tom de julgamento que via nele. Em uma outra vez,
um homem se levantou para contar o quanto detestava
pessoas de mente fechada e como parecia estar cercado por
gente assim no trabalho e no próprio bairro. Então, um dia,
seu filho adorado veio visitá-lo durante as férias da
faculdade, e anunciou que era gay. O homem foi tomado
pelo desgosto. Quando a esposa tentou acalmá-lo, ele
percebeu que era a pessoa de mente fechada que sempre
desprezara, o que o levou ao workshop "Efeito Sombra".
Assumir as próprias projeções é uma experiência corajosa
que o torna humilde, e pela qual todos temos de passar para
encontrar a paz. Ela nos força a reconhecer que somos
capazes de fazer coisas que frequentemente desgostamos
nos outros.
Há muitos exemplos famosos de projeção. Eliot Spitzer, ex-
governador de Nova York, passou a carreira tentando varrer
a prostituição, por achá-la absolutamente inaceitável, mas se
envolveu em um escândalo com uma garota de programa. O
ex-porta-voz do governo, Newt Gingrich, que continua-
mente apontava o dedo em crítica ao presidente Bill Clinton
e era a favor de seu impeachment, por suas indiscrições se-
xuais, mais tarde foi flagrado com um caso fora do casamen-
to. O famoso pastor Ted Haggard, que falava fervorosamente
contra a imoralidade e o homossexualismo, mais adiante foi
descoberto num relacionamento gay, regado a drogas. E o
fenômeno do rádio, Rush Limbaugh, que em seu programa
condenava abertamente os viciados em drogas, mais tarde
admitiu a própria dependência a drogas prescritas. Eu
poderia literalmente dar milhares de exemplos de pessoas
que em público condenam os outros, menosprezando o
comportamento que elas próprias têm. Você acha que essas
pessoas realmente têm a intenção de destruir a própria
carreira, humilhando-se publicamente e envergonhando a
família? Era realmente a intenção que tinham? Ou teriam
sido, de fato, pegas de surpresa, ficando profundamente
decepcionadas com o próprio comportamento? Será que ''o
diabo me fez fazer" não seria na verdade a sombra
disfarçada?
Como Shakespeare disse, brilhantemente: "A moça, de fato,
protesta demais". Qualquer que seja a qualidade, o
comportamento ou o sentimento, se nos pegamos
veementemente em negação, esteja certo de que isso é algo
que abrigamos no fundo da psique. Não precisamos procurar
muito para descobrir que, em geral, estamos fazendo
exatamente o que criticamos nos outros. A aparência pode
ser completamente diferente; no entanto, a força propulsora
por trás de nosso comportamento é, de fato, a mesma. Às
vezes, pode ser desafiador identificar essa força dentro de
nós, porque talvez não estejamos demonstrando exatamente
o mesmo comportamento que a pessoa em que estamos
projetando está, mas o comportamento está ali, dentro de
nós. Quando temos uma característica sem que haja uma
vedação para ocultada (fazendo uma analogia com a imagem
anterior, das múltiplas saídas elétricas), atraímos pessoas e
incidentes a nossa vida, para nos ajudar a curar e integrar os
aspectos negados.
Se abraçamos as qualidades que nos perturbam nos outros, já
não nos incomodaremos com elas. Talvez as notemos, mas
elas não nos afetarão. Essas saídas elétricas terão vedações,
portanto, não terão mais corrente. Somente quando estamos
mentindo para nós e odiando algum aspecto que nos
pertence é que nos tornamos emocionalmente pilhados pelo
comportamento de outra pessoa. O reverenciado filósofo e
psicólogo Ken Wilber faz uma grande distinção. Ele diz que,
quando uma pessoa ou algo do meio ambiente nos informa,
e recebemos o que está acontecendo como informação, ou
com interesse, provavelmente não estamos projetando. Se
aquilo nos afeta, se estamos apontando o dedo em acusação
e julgando, se estamos ligados àquilo, é provável que
estejamos sendo vítimas das próprias projeções.
Até recolhermos todas as partes que foram projetadas,
qualquer coisa que nos recusemos a aceitar continuará a
aparecer, ou em nosso comportamento ou no
comportamento de alguém próximo. Quando não lidamos
com a sombra, ela afeta nossos relacionamentos de forma
negativa. Ela nos furta a presença da dádiva daqueles ao
redor, pois erguemos um muro defensivo de julgamento,
que nos priva de ver quem realmente os outros são. Isso nos
distrai do relacionamento como um todo e, em vez disso,
força nosso olhar e atenção para aquilo que acreditamos ser
errado sobre os outros.
O comportamento de Pilar é um exemplo perfeito do
fenômeno de projeção. Uma mulher com quarenta e poucos
anos que se orgulha de ser boa filha. Pilar fica
constantemente aborrecida porque o pai junta tralha. Todo
domingo, ao chegar à casa dele para visitá-lo, ela começa a
se sentir ansiosa e irritada. Quando entra na sala, em vez de
passar a tarde numa conversa agradável de pai e filha,
começa a brigar com ele por causa dos jornais espalhados no
chão e das dezenas de quinquilharias espalhadas pela sala.
Frustrada, Pilar dá início a uma conversa depreciativa, na
qual frisa o desleixo dele. Em tal atmosfera de julgamento, os
dois se sentem tristes, e as visitas acabam sendo monótonas
e desgastantes. Pilar sempre vai embora se sentindo mal
consigo mesma, e o pai secretamente deseja que ela deixe de
visitá-lo, embora seja gentil e solitário demais para confessar.
Um dia, enquanto trabalhava no escritório de casa, que
compartilha com o marido, Emilio, Pilar percebeu algo sobre
si própria. Emilio perguntou se ela poderia esvaziar uma das
gavetas para que ele tivesse mais espaço para seus papéis.
Irritada, ela rapidamente respondeu que precisava de seis das
oito gavetas para todos os documentos, e que ele poderia
alugar um guarda-volumes se precisasse de mais espaço.
Aborrecido diante da incapacidade dela de compartilhar,
Emilio começou a escancarar as portas dos armários, uma
após a outra, revelando centenas de pastas abarrotadas de
jornais e recortes de revistas. Ela ouviu Emilio
resmungando, embora não estive mais prestando atenção ao
que ele dizia. E ficou estarrecida. Ali estava, diante de seus
olhos, o mau hábito do pai. Ela pôde ver que, para Emilio,
todos aqueles recortes eram um monte de lixo inútil. Ela
guardava alguns, entre eles cupons de desconto, desde a
época da faculdade - vinte anos atrás!
Subitamente, ao trazer a mente de volta à sala onde o marido
ainda argumentava que ela não precisava nem de metade das
gavetas, ela começou a rir alto. Em apenas alguns minutos,
passou do mal-estar da exposição de sua sombra à sensação
de libertação do transe da projeção. Ela descobriu que
apresentava a mesma característica do pai, embora a dela
estivesse escondida nas gavetas fechadas do armário.
Encarou o fato de também ser uma acumuladora de tralha e
pediu ajuda ao marido para limpar tudo e jogar fora os
recortes, pois seria difícil fazê-lo sozinha. Ela adorava todos
os seus pedaços de papel, exatamente como o pai amava os
dele.
Dias depois, quando Emilio ganhou três gavetas, Pilar de-
cidiu compartilhar a história com o pai e pedir que ele a
perdoasse por seu tom de julgamento. Pai e filha deram boas
risadas e se abraçaram, algo que sempre faziam como um
cumprimento rotineiro, mas nunca como expressão
autêntica de amor e respeito. A própria admissão da culpa
abriu um relacionamento novo de amor e respeito entre
Pilar e o pai, o que permitiu que ele, pouco a pouco, se
desprendesse do passado. Ele chegou a deixar que ela o
ajudasse a encher alguns sacos de lixo, todo domingo.
E aqui está o mais empolgante. Quando você entende a
projeção, jamais verá o mundo da mesma maneira. Neste
mundo holográfico, tudo é um espelho, e você está sempre
se vendo e falando consigo mesmo. Se você escolher, pode
olhar agora para o que o afeta emocionalmente como um
alarme, uma pista para desvendar sua sombra, um catalisador
para o crescimento que lhe dá a oportunidade de recuperar
um aspecto oculto de si mesmo. Cada sombra que abraçar
lhe permitirá experimentar mais amor, mais compaixão,
mais paz e um senso maior de liberdade.
E ainda tem mais notícias boas quanto a assumir as pro-
jeções. Ao fazermos isso, as pessoas que compartilham nossa
experiência de vida têm mais liberdade e uma chance de
modificar seu comportamento. Quando rejeitamos
características, comportamentos e sentimentos, atribuindo-
os a outras pessoas, esse traços parecem, de fato, existir nos
outros, não em nós. Porém, de vez em quando, vejo que,
quando as pessoas despertam de seu transe de projeção,
aqueles em quem estiveram projetando também mudam —
tornam-se livres para se mostrar de forma diferente. Quando
podemos vê-las como são, libertando-as de julgamentos e
percepções nebulosas, surge uma nova realidade. Acabamos
por chegar a um lugar onde podemos revelar, assumir e
abraçar todas as características que existem, de modo a não
ser mais preciso projetar nos outros nossos aspectos
rejeitados, e assim ficamos livres para ver as pessoas através
de uma ampla lente de compaixão, em vez da lente de
projeção. É quando estaremos livres para amar não apenas a
nós mesmos, mas todos os que estão no mundo. É também
quando experimentaremos a liberdade.

DESMASCARANDO NOSSA SOMBRA

Outro modo eficaz de encontrar nossas partes rejeitadas é
examinar os padrões repetitivos de comportamento com os
quais relutamos durante anos. Esses padrões de
comportamento, que se originam de nossas partes repelidas,
tornam-se um merecido castigo. Frequentemente, iludimo-
nos para acreditar que nosso comportamento inaceitável é o
problema, em vez de buscar a causa dele. Podemos passar
anos lutando com aqueles cinco quilos, com o cigarro, com
conquistas vãs ou gastos excessivos, para então nos
encontrar exatamente onde começamos, ou em posição
ainda pior. Mas, se compreendemos que os padrões de
comportamento foram formados a partir de sentimentos
reprimidos ou de um aspecto rejeitado e envergonhado de
nossa sombra, podemos ir à fonte do comportamento e
desmantelar esse padrão.
Todo comportamento habitual se origina de uma experiência
ou experiências do passado que nos levaram a criar
interpretações de nós mesmos. Com base nessas
interpretações surgiram determinados pensamentos que
produziram sentimentos próprios sobre nós mesmos,
frequentemente negativos. O desejo de nos distanciar desses
sentimentos indesejados nos leva a encontrar meios de nos
sentir melhor; consequentemente, surgem os
comportamentos sabotadores.
Annette tinha seis ou sete anos na primeira vez que a mãe
lhe disse que ia sair e a deixou em casa sozinha. À medida
que escurecia, ela ficou perambulando pelo apartamento
vazio e concluiu que a mãe não a amava. Ficou atormentada
pela ideia de que algo ruim fosse acontecer e ela ficaria
solitária para sempre. Isso a levou a se sentir sozinha,
assustada, em pânico e, acima de tudo, diferente das outras
crianças, cujas mães ficavam em casa e faziam o jantar. Para
afogar esses sentimentos, Annette se viu indo inúmeras
vezes à cozinha, onde a mãe tinha deixado uma caixa cor-
de-rosa com rosquinhas. Ela aprendeu que, ao menos por
um curto período, as guloseimas faziam com que seus
sentimentos não fossem tão dolorosos.
Se examinarmos nossos padrões de comportamento —
principalmente aqueles que não desejamos repetir —,
sempre descobrimos um aspecto nosso que estamos
tentando ocultar ou encobrir. Os padrões repetitivos nos
quais nos vemos encurralados sempre ecoam sentimentos
que acompanham a ferida original. Então, num grande
disfarce, criamos padrões de comportamento que acabam
reforçando a ferida em vez de nos dar o alívio que
buscamos.
Helena estava constantemente oprimida e ansiosa, porque se
via adiando projetos de trabalho, tarefas de casa e coisas
como trocar o óleo do carro ou marcar uma consulta no
dentista. Toda vez que ficava cara a cara com as
consequências de sua procrastinação, prometia a si mesma
que mudaria. Para Helena ficou claro que esse padrão de
comportamento a debilitava emocionalmente. Cheia de
tristeza, Helena me ligou manifestando que já não podia
mais aguentar. Depois de ouvir suas queixas, perguntei se ela
já estava pronta para encontrar a raiz desse padrão, a porção
da sombra que a impedia de ter uma vida tranquila e
prazerosa. Agitada e ligeiramente resignada, ela concordou.
Então, fiz a primeira pergunta: Que tipo de pessoa
procrastina? Subitamente, ela viu a imagem do padrasto,
deitado no sofá, com a televisão no último volume; ele não
fazia o trabalho em casa, e a mãe dela ficava furiosa. Ao
localizar a raiz do problema, ela sentiu o constrangimento e
a vergonha de perceber que carregava aquela mesma
característica indesejada que o padrasto possuía. Quando
perguntei que interpretação ela tinha do padrasto, ela me
disse que o considerava um preguiçoso, embora fosse muito
bem-sucedido na carreira. Helena, que, à época, estava perto
de completar 13 anos, decidiu que daquele dia em diante
jamais seria preguiçosa como o padrasto. Na verdade, as
pessoas que a cercavam diziam exatamente o contrário —
que ela tinha iniciativa, era altamente produtiva e vigorosa.
Mas Helena sempre soube do que deixava por fazer. Ela
relembrou as palavras que eram ditas aos berros para o
padrasto: "Você é um preguiçoso que não serve pra nada!", e
facilmente identificou o diálogo interno que sempre a
atormentava; a verdade desmoralizadora era que, cada vez
mais, a cada ano, ela repetia essas mesmas palavras para si
mesma.
Mas agora, como adulta, via que, mesmo estando
extremamente ocupada, fazendo mil coisas ao mesmo
tempo, ela não conseguia fazer o que era realmente
importante para o próprio sucesso. Embora tivesse ficado
assustada com a idéia de ser preguiçosa como o padrasto,
conseguiu ver essa característica obscura, que ocultara com
tanta destreza e se enraizara em sua vida, mas que agora
tinha de ser arrancada se quisesse se livrar desse padrão
autodestrutivo. Não demorou muito para que aceitasse que,
de fato, era preguiçosa. Diante da verdadeira fonte de seu
comportamento, ela pôde começar a fazer as pazes com sua
parte preguiçosa, de modo que isso não minasse as escolhas
diárias nem lhe roubasse a autoestima e os sonhos.
Cada vez que encontramos um comportamento que ameaça
a paz de espírito, a felicidade e a segurança, é como urna
súplica para prestarmos atenção ao chamado do mundo
interno e examinarmos a raiz de nosso comportamento. Ao
fazer isso, revelamos um aspecto de nossa sombra. Não
precisa levar um ano, ou uma vida inteira. Pode levar cinco
minutos de honestidade radical para que se destrinche um
padrão do passado. Se encontrarmos dentro de nós um
impulso que escondemos, sem saber, temos o direito e a
habilidade de trazê-lo à luz da consciência, de perdoar a nós
e aos outros pela dor que viven-ciamos, e nos libertar do
comportamento autodestrutivo.
Talvez a negligência pessoal seja um padrão de
comportamento que você precise confrontar. Você se
apresenta para os outros, mas não faz a menor ideia de como
estar presente para si próprio. Seus sonhos foram colocados
em espera, enquanto você apoia o marido, ou a esposa, os
filhos, os irmãos e os amigos, para que tenham suas
necessidades atendidas. Finalmente, você não consegue
aguentar mais nem um dia negligenciando a si mesmo e aos
próprios anseios. Você traça esse padrão de comportamento
de modo retroativo ao perguntar: "Que tipo de pessoa sairia
em busca de seus sonhos e não estaria presente para outras
pessoas?". A resposta que você ouve é: "Uma pessoa
egoísta". Por um momento, você se sente feliz por não ser
egoísta, pois detesta gente egoísta. Olhando para trás, você
se lembra de que lhe disseram, repetidamente, o quanto é
ruim ser egoísta. Então, tomou a decisão que achou certa —
você jamais seria assim. Tornou-se, aliás, o oposto — uma
pessoa de grande coração, amorosa, que faria qualquer coisa
pelo mundo —, e, com esse compromisso interno, agraciar
às pessoas passou a ser seu padrão.
Para fazer as pazes e romper esse ciclo, agora você precisa
confrontar o desgosto que sente pela noção do que é ser
egoísta e expor os julgamentos que manteve em relação a
todos que, no passado, considerou egoístas. Você tem de
admitir as conotações negativas que atrelou à palavra
"egoísta", disposto a ver que a maneira como está
interpretando a palavra é limitadora, rígida, e priva os outros
do direito de ser assim. Você precisa verificar quando e
onde lhe foi dito que pessoas egoístas eram ruins e estavam
erradas. Tem de estar disposto a abrir o coração à sua parte
egoísta e perdoar todos aqueles que lhe transmitiram o
reflexo de que ser egoísta é ruim. Precisa aceitar a visão
dualista de que o fato de ser humano vem com uma dose
saudável de egoísmo e uma dose igual de abnegação. Se não
está disposto a isso, ou é incapaz de encontrar uma visão
positiva quanto a ser egoísta, e insiste em manter essa
característica na sombra, continuará preso ao padrão de
comportamento que o fará prosseguir negando o que é
importante para seu crescimento individual e a realização
dos anseios de sua alma.
Para abraçarmos o que nos manteve encurralados, preci-
samos juntar coragem para encontrar a dádiva do self
egoísta. Se a negligência pessoal é um padrão, ser egoísta é
uma qualidade vital a ser abraçada, de modo a encontrar o
verdadeiro self. E ótimo apoiar os outros na realização de
seus sonhos — eu, por acaso, faço isso como meio de vida.
Mas, se nunca pudesse optar por um comportamento
egoísta, jamais poderia acabar de escrever um livro, porque
sempre seria levada a atender ao telefone, ou ajudar as
inúmeras pessoas que precisam de mim a cada dia. Se não
podemos optar entre egoísmo e abnegação, seremos levados
a ignorar algo que pode realmente ser importante no fim da
vida. A liberdade é ser capaz de escolher entre quem e o que
queremos ser, em qualquer momento de nossa vida. Se
temos de agir de determinada maneira, para evitar ser algo
de que não gostamos, estamos encurralados. Limitamos
nossa liberdade e nos privamos da plenitude. Se não
podemos ser preguiçosos, nem ficarmos zangados, não
podemos ser livres. Ao recuperar essas nossas partes, é vital
lembrar que o estamos fazendo para assumir a verdadeira
magnificência. Algo que é dito de uma forma melhor por C.
G. Jung: "Prefiro ser pleno a ser bom".
A princípio, seguir essa jornada ao passado pode dar uma
ligeira sensação de temor. Mas o fato é que essa jornada é
uma das viagens mais compensadoras que podemos fazer. E
intrigante desvendar nossa sombra, ver como ela criou
raízes e nos flagrar antes de dizer algo de que possamos nos
arrepender depois. Nossas sombras estão ali, nos esperando,
aguardando para nos oferecer perspectivas inestimáveis de
nós mesmos. Jamais poderemos derrotar os comportamentos
de sabotagem pessoal sem encarar as sombras que os
incitam. Não há padrão de comportamento que não possa
ser rompido se estivermos dispostos a expor suas raízes e o
aborrecimento emocional que nos levou a rejeitar o aspecto
obscuro. Quando formos capazes de abraçar a parte que
instituiu esse comportamento, reassumiremos o poder sobre
nossas ações, interrompendo as reações automáticas dos
padrões indesejados. Esse processo frequentemente cria um
enigma, pois, como seres humanos, somos programados para
desejar segurança e, em geral, a repetição dos antigos
comportamentos é o que nos dá uma falsa sensação de
segurança. De alguma maneira, parece mais fácil repetir o
passado que examiná-lo de modo diferente. Mas, para expor
um comportamento de sabotagem pessoal repetitivo, temos
de abrir mão da ilusão de sua segurança por um momento e
estar dispostos a sentir o que está por baixo. E, quando nos
vemos na presença de um dos aspectos da sombra, somos
capazes de desvendar o mistério de nosso comportamento
indesejado e fazer com que a mudança comece.
A medida que nos tornamos conscientes do quanto é
infrutífero sucumbir aos mesmos padrões antigos e
desgastados, podemos nos voltar ao self corajoso, pedir
apoio, ficar cara a cara com a parte obscura oculta e ser
sinceros. Ao nos tornarmos íntimos do elenco de
personagens que formam nosso drama interior, podemos
aprender a fazer as pazes com eles e apoiar a vida que
almejamos. Por outro lado, se falharmos no reconhecimento
das forças oponentes que dão origem a esses personagens,
podemos com facilidade cair na armadilha de acreditar em
uma história sobre nós que seja apenas parcialmente
verdadeira, perdendo uma incrível oportunidade de ser um
humano expresso integralmente. Se nos recusarmos a
reconhecer a dualidade interior, estaremos encurralados,
identificando-nos com o personagem cuja voz é mais alta
dentro de nós, não importa o que almeje ou tenha como
missão.

AS DÁDIVAS DE NOSSA SOMBRA

A sombra contém personagens essenciais no roteiro de
nossa vida. A função deles é aprender com a sombra,
integrá-la e permitir que ela evolua seu raciocínio,
expandindo as fronteiras da persona criada. O desafio é
encontrar o valor que ela possui e trazê-la à luz do perdão e
da compaixão, de modo que você possa neutralizar a
habilidade dela para arrasar sua vida. Sua tarefa é tirar esses
complexos personagens da sombra e usar força e potência
como combustíveis sagrados para se tornar quem estava
destinado a ser nesta vida.
Se o vilão dentro de você está zangado, você deve perdoar
essa sua parte e considerar a possibilidade de que a raiva seja
exatamente o que você precisa para lutar contra alguma
injustiça ou opressão, ou sair de uma situação abusiva,
voltando aos trilhos da criação de uma vida incrível. Se sua
sombra é repleta de medo de quem você é e do que pensa,
mascarando o verdadeiro eu e criando um self falso, é
preciso se perdoar e procurar ver em que essas
características podem ser úteis. Talvez essas suas partes
possam ajudá-lo a lidar com um parceiro controlador ou um
ex-cônjuge que ameaça destruir seu relacionamento com os
filhos. Se o vilão da história é insaciável e está sempre em
busca de algo para preencher seu vazio, você não precisa
reprimir seu ímpeto alimentando um vício e continuamente
surrando a si mesmo. Em vez disso, pode se armar do vigor
desse seu aspecto e usá-lo para fazer uma mudança positiva
em sua vida ou na vida de alguém de que goste.
A questão é que você precisa se perdoar por possuir todas
essas qualidades humanas e encontrar um respeito e uma
saída saudáveis para cada aspecto seu. Nunca se sabe quando
vai precisar de uma parte que deixou trancada. Nunca se
sabe quando uma dessas partes que você julgou inútil
apresentará exatamente o que precisa para fazer a diferença
para si mesmo ou para outra pessoa.
Eu me lembro de Jason, trinta anos, uma bela aparência
selvagem e uma dependência por tudo que fosse perigoso.
Ainda jovem, depois de ser rotulado pela família como "gato
assustado", Jason resolveu que um chorão era a última coisa
que queria ser. Começou a jogar hóquei aos onze anos e logo
tomou gosto pelos esportes radicais. Seu amor pelo perigo
foi o disfarce perfeito; ninguém que escala montanhas ou
salta de paraquedas poderia ser chamado covarde.
Depois de voltar para casa de uma das viagens ao exterior,
Jason decidiu visitar a mãe divorciada e conhecer o noivo
dela. Ficou chocado ao descobrir que Jack, o futuro marido
de sua mãe, era quase vinte anos mais jovem que ela. Após
passar a noite ouvindo Jack se esquivar das perguntas sobre
seu histórico profissional e seu negócio, o medo de Jason
sufocou o habitual respeito pelos limites da mãe, e ele passou
a tentar descobrir algo sobre o novo namorado. Uma busca
na internet não revelou nada, então ele pediu a alguns
conhecidos, de idade mais próxima a sua, que verificassem o
negócio multimilionário do qual Jack se esquivara de falar a
noite toda.
Em questão de dias, as suspeitas de Jason se confirmaram,
conforme descobria uma recente falência, um terrível
histórico de crédito, processos e uma longa lista de débitos.
O negócio multimilionário de Jack abrangia um belo
escritório, mas não havia negócio. Embora as suspeitas de
Jason tivessem se confirmado, dias depois, ele ainda não
conseguia juntar coragem para falar a respeito. Então,
quando a mãe anunciou que em breve Jack iria morar com
ela e dividiria as despesas de casa, Jason buscou força interior
para expressar sua preocupação. Porém, em vez disso, só
encontrou um garotinho medroso que não queria perder o
amor da mãe. Sua sombra agora ditava o que ele podia ou
não dizer. Jason sabia que precisava falar, mas se sentia
paralisado na presença do self assustado, que fora banido
durante todos aqueles anos. Somente ao reconhecer isso e
abrir seu coração ao self temeroso — relegado à sombra — é
que Jason encontrou coragem para finalmente contar à mãe
o que sabia. Conseguiu pedir à mãe que reconsiderasse o fato
de Jason se mudar para lá, até que descobrisse a verdade
sobre ele. Sem se ater à escolha que ela acabaria fazendo,
Jason se sentiu orgulhoso por ter tido a coragem de revelar à
mãe o que sabia, e agora tinha uma dose saudável de
compaixão e respeito pelo self medroso. Afinal, fora esse self
e não o corajoso, que o fizera desmascarar um homem que
provavelmente estava enganando sua mãe.
Olhando mais adiante, Jason pôde identificar muitas vezes
que seu self assustado e desconfiado o ajudara a ficar fora de
encrenca. Depois de encontrar as dádivas de seu medo, Ja-
son já não precisava interpretar o papel de destemido o
tempo todo. Agora ele não tinha nada a provar. Resgatou
uma força profunda, que jamais soube existir enquanto seu
aspecto sombrio permanecia oculto na escuridão.
Para nos tornarmos seres humanos plenos, precisamos re-
conhecer a existência de todos os sentimentos, as
características humanas e as experiências, não apenas
valorizando as partes do self que o ego julgou aceitáveis, mas
tudo que julgamos errado ou ruim. Se estamos dispostos a
permitir que nosso lado sombrio seja parte da plenitude de
quem somos, descobriremos que ele vem com todo o poder,
habilidade, inteligência e força para realizar grandes ações
no mundo.
A jornada para extrair o ouro do escuro e encontrar as dá-
divas da sombra exige que levemos uma honestidade radical
onde antes havia negação; perdão e compaixão àquelas
partes de nosso self das quais nos envergonhávamos; amor e
aceitação às experiências difíceis do passado; e coragem para
admitir nossas vulnerabilidades. Não é um processo de alisar,
encobrir ou fingir que o que usamos para sabotar nosso
sucesso não seja importante. Na verdade, somente
admitindo o custo de alguns de nossos comportamentos é
que vamos destravar a energia para desafiar a força
gravitacional do passado e ingressar nas infinitas
possibilidades do self verdadeiro.
Quando ficarmos cara a cara com a sombra, logo
perceberemos que essa nossa parte não tenta nos destruir.
Em vez disso, a própria sombra está tentando nos conduzir à
plenitude. Eu me lembrei de uma cena de Batman: o
Cavaleiro das Trevas em que o Curinga está segurando uma
faca junto ao pescoço de Batman. Batman o desafia, dizendo:
"Vá em frente, me mate". O Curinga, com uma expressão
perplexa e retorcida, responde: "Não quero matá-lo. Você
me completa". O que ele está dizendo é que, sem o
oponente heróico, ele não seria nada. Se formos astutos o
suficiente para inserir nossos vilões internos — o
pessimismo, o self arrogante, o ditador, a vítima — no
roteiro do self superior e reconhecer que eles não são nossos
inimigos, mas partes feridas e perdidas de nós mesmos, com
profunda necessidade de amor e aceitação, poderemos viver
de acordo com a missão mais sublime de nossa alma e
encontrar a paz.

ABRAÇANDO NOSSA SOMBRA ILUMINADA

A sombra não tem apenas as nossas características sombrias,
ou aquelas que a sociedade considera más. Ela também inclui
todas as qualidades positivas que escondemos. Essas
qualidades positivas são frequentemente citadas como
"sombra iluminada". Não sepultamos apenas nossas
obscuridades, mas também os traços positivos — aspectos
poderosos, amorosos e deliciosos. A notícia fantástica e
interessante é que sepultamos tanto de nossa luz quanto de
nossa escuridão. Podemos ter enterrado a genialidade, a
competência, o humor, o sucesso ou a coragem. Talvez
tenhamos escondido autoconfiança, carisma ou força. Talvez
a expressão pessoal, a singularidade ou a alegria tenham sido
enterradas depois de ouvirmos: "Não se gabe, ou as pessoas
não vão gostar de você", ou: "É solitário lá no alto".
Encontramos nossa sombra iluminada da mesma forma que
descobrimos a sombra obscura. Olhamos em volta, para os
lugares onde estamos projetando nossa luz em outras pes-
soas. Se vemos alguém que queremos imitar, é porque
estamos vendo qualidades que existem em nós. Se estamos
encantados por outra pessoa, é porque o aspecto que
amamos nela existe dentro de nós. Não há nenhuma
qualidade em outra pessoa, e à qual reagimos, que nos falte.
Ela pode estar escondida por trás de algum mau
comportamento, ou alguma antiga crença obscura que diga
que somos exatamente o oposto daquilo que vemos na outra
pessoa. Mas juro que, se estiver atraído por uma qualidade
em alguém, independentemente de sua grandiosidade, ela
também existe em você.
Mais de vinte anos atrás, enquanto eu continuava a evoluir
em meu processo de recuperação da dependência das
drogas, minha vida no sul da Flórida, onde tinha uma
butique, parecia vazia e insignificante. Estava sempre
sentindo o impulso de fazer algo mais profundo e
significativo. Então, decidi voltar à escola e estudar
psicologia, pensando em me tornar terapeuta. Havia me
mudado para San Francisco e estava mergulhada em estudos
sobre a consciência e encantada pelo trabalho com a
sombra. Uma noite, minha irmã ligou para me dizer que
Marianne Williamson daria uma palestra no Palace of Fine
Arts. Ela conseguiu um ingresso para o evento esgotado e,
sentada na platéia, fiquei estarrecida. Observava Marianne
ousadamente chamando as pessoas para uma visão superior
de si mesmas e do mundo. Eu a ouvi implorar, sem a menor
vergonha, para que saíssemos da pequenez de nossa vida
egocêntrica e ingressássemos na magnitude de se doar como
parte de uma missão divina. Embora ouvisse atentamente às
palavras que ela dizia, fui mais arrebatada por sua presença.
Saí de lá completamente apaixonada por Marianne
Williamson.
Voltei ao meu apartamento na intenção de descobrir as
minhas partes que eu claramente via nela. Adorei sua
coragem de falar a verdade, mesmo que significasse chocar
as pessoas, de modo a despertá-las. Também admirei o modo
como ela foi capaz de objetivamente articular uma
mensagem difícil, falando com tanta eloquência que suas
palavras penetravam a mente e o coração das pessoas. Fiquei
encantada com a profundidade da preocupação que ela
parecia sentir pela humanidade e o sentido que dedicava a
algo maior que sua vida individual. Também invejei sua
beleza, o estilo e a disposição em ter uma aparência sexy, e
não o estereótipo desgrenhado da maioria das professoras
espirituais. Ela entrou deslumbrante e sofisticada no palco;
no entanto, sua plenitude transpareceu, sobressalente e
clara.
Como uma estudante dedicada de projeção, olhei além do
comportamento e tentei descobrir as características ocultas
que davam origem àquele comportamento. Perguntei a mim
mesma: "Que tipo de pessoa é capaz de ser ela mesma no
palco?" Obviamente, uma pessoa autêntica. "Que tipo de
pessoa se preocuparia tão profundamente com o restante do
mundo?" Uma pessoa abnegada. "Qual é a qualidade que
permite que Marianne diga a verdade, mesmo que seja
chocante ou assustadora?" Ouvi claramente: uma pessoa
ousada.
Olhei minha lista de qualidades, que dizia: ousada, autêntica
e abnegada. Não reconhecia nenhuma dessas qualidades em
mim. Aqueles que me conhecem agora podem achar difícil
acreditar nisso, mas, naquela época, não era alguém que
contava as coisas assim. Temendo perder a aprovação
daqueles que amava, ciscava ao redor dos assuntos e me
faltava autoconfiança para ficar diante de uma sala, sem
tremer. Estava mais preocupada com minha boa aparência
do que em dizer algo que pudesse modificar a vida das
pessoas. Estava mais preocupada em falar de modo agradável
do que em ser direta, autêntica. No entanto, eu sabia que, se
via aquelas forças em Marianne, o potencial para tê-las tinha
de existir dentro de mim.
Comecei a praticar mais a autenticidade com as pessoas e me
desafiei a falar quando queria ficar em silêncio. Para
desenvolver a minha parte visionária, começava o dia com
uma prece pelo mundo e, em seguida, fazia uma prece diária
por mim. Para ser mais abnegada, focava no que eu podia
dar, em vez de naquilo que podia obter. A magnificência de
Marianne refletia em mim e em meu potencial oculto. Ao
ver sua luz, literalmente vislumbrei quem eu poderia ser no
mundo e tive coragem e tenacidade para reconhecer que as
forças que atribuía a ela também eram minhas. Isso não quer
dizer que elas também não existam nela; é evidente que
existem. Ousadia, autenticidade e abnegação são qualidades
universais; cada um de nós tem o direito de expressá-las de
modo único.
Antes que eu rompesse o transe de minha projeção de luz
em Marianne, quis que meu primeiro livro fosse tão lindo e
poético quanto o livro inovador A Return to Love. Porém,
conforme me rendi à revelação ímpar dessas qualidades
dentro de mim, percebi que estava sendo guiada a um
caminho diferente. Minha missão era ser a Campeã da
Escuridão, em vez de ser a Primeira-Dama da Luz. Esse era o
plano divino para minha vida, e eu nunca o teria
vislumbrado se não tivesse abraçado todas as minhas
projeções.
Pegar de volta a luz daqueles em quem a projetamos abre a
porta para um futuro inimaginável. Nunca sonhei que um
dia escreveria um livro com Marianne Williamson, que nos
tornaríamos amigas ou que apoiaríamos uma à outra na
realização de uma missão coletiva. Isso é possível quando
assumimos a responsabilidade pela luz que vemos e
admiramos nos outros. Em vez de ficar em transe,
assumimos essa nossa parte que anseia vir à tona e fazemos o
trabalho dentro de nós.
Qualquer coisa que o inspire é um aspecto seu. Qualquer
desejo do coração existe para apoiá-lo na descoberta e
manifestá-la. Se você tem uma inspiração de ser algo, é
porque tem o potencial para manifestar a qualidade que está
vendo e o comportamento que essa qualidade fará aflorar.
Não será exatamente da maneira como os outros expressam
a qualidade, mas do seu jeito.
Em meus workshops, sempre escolho uma celebridade
diferente e peço ao público que compartilhe comigo aquilo
de que mais gostem na pessoa. Recentemente, escolhi Bono,
e, é claro, ouvi ao menos vinte qualidades diferentes que as
pessoas adoram nele. Uma pessoa adorava seu talento; outra
admirava sua criatividade, seu carisma. Algumas se
encantavam com seu modo de ver o mundo, enquanto
outras eram inspiradas por sua liderança, abnegação e
generosidade. Cada uma delas gritava a qualidade que
atribuía a ele, como se todos não pudessem evitar ver e, é
claro, concordar. Mas esse é raramente o caso, pois cada
pessoa o via através de uma lente do self rejeitado, que
queria se manifestar e ser abraçado. Todos tiveram
percepções diferentes, uma vez que todos tinham projetado
uma parte diferente de sua luz na tela do homem chamado
Bono.
Neste exemplo, Bono serve como um grande espelho para
todos os que o seguem em direção ao descobrimento dos
aspectos ocultos em si mesmos. Ele dá às pessoas a
oportunidade de pegarem de volta a própria luz e
encontrarem o modo de expressar as qualidades que veem
nele. Todas as celebridades têm o poder e a responsabilidade
de não reclamar das projeções das pessoas. Na verdade,
quando o fazem, frequentemente se veem presas ao self
ilusório, que promete fazer com que as próprias sombras se
expressem. Em vez disso, a função delas seria refletir as
projeções de volta àqueles que estão transferindo a luz para
elas.
Lembre-se: nossa sombra está quase sempre tão bem
escondida de nós que é quase impossível encontrá-la. Se não
fosse pelo fenômeno da projeção, talvez ficasse escondida
pela vida inteira. Alguns de nós sepultamos nossos traços
sombrios aos três ou quatro anos de idade. Quando
projetamos em outra pessoa, temos a oportunidade de enfim
encontrar esses tesouros escondidos e ocultos.

INTEGRAÇÃO DA SOMBRA

A essa altura, você talvez seja capaz de reconhecer que a
sombra — com toda a sua dor, trauma e briga — é uma parte
indestrutível de quem somos. Não importa quanto nos
esforcemos, jamais teremos êxito em nos livrar dela ou
silenciar sua presença. No entanto, temos a chance de
decidir se queremos permitir que ela destrua nossa vida e
nos roube de vivenciar nossa grandeza, ou se vamos tirar
dela toda a sabedoria e usá-la para nos impulsionar à versão
mais extraordinária de nós mesmos. Todos já saboreamos a
doçura do amor e o azedume da decepção da perda, a
amargura que fica depois de ter o coração partido. Cada uma
dessas experiências faz parte de nossa receita única e divina.
Não seríamos quem somos sem elas. A maioria de nós sofre
pelas partes dolorosas e indesejadas dessa receita, mas há
pessoas extraordinárias que optam por usar a dor para curar a
mágoa e contribuir com o mundo, em vez de ficarem
sufocadas pelos aspectos da sombra de seu passado.
John Walsh, apresentador do programa America's Most
Wanted, fez exatamente isso. A morte de uma criança é um
dos ingredientes mais dolorosos que qualquer um de nós
pode imaginar superar; no entanto, muitos terão essa
experiência como parte da receita. Depois que seu filho,
Adam, de seis anos, foi assassinado, John se tornou defensor
dos direitos das vítimas e transformou sua raiva em ação,
fazendo um programa de televisão — e advogando junto à
legislação — que conduziu a dezenas de milhares de
criminosos. Ele poderia facilmente ter escolhido apenas
engolir seu pesar, ou ter permanecido, ele próprio, como
mais uma vítima dessa experiência horrenda. No entanto,
em vez disso, escolheu usar sua raiva, dor e mágoa para criar
o programa televisivo America's Most Wanted, que é
responsável pela captura de milhares de fugitivos e já
resgatou mais de cinquenta crianças desaparecidas. Da
mágoa do trauma pessoal, ele conseguiu salvar outros de
vivenciar a mesma dor e passou a ser um homem admirado
e respeitado.
Depois que sua única irmã morreu de câncer de mama, aos
36 anos, Nancy Goodman Brinker — ela também sobrevi-
vente de câncer de mama — fundou a Susan G. Komen
Breast Câncer Foundation, sem fins lucrativos, que já
arrecadou mais de um bilhão para serviços de pesquisa,
educação e saúde. Ao abraçar os acontecimentos de sua vida
e assumir o compromisso de não ser uma vítima, ela já fez
coisas extraordinárias para aumentar o alerta, ajudar outras
mulheres a buscar a detecção precoce dessa doença
potencialmente ameaçadora e fazer avançar a busca pela
cura.
Você pode imaginar como seria o mundo se Thomas Edison
não tivesse levado a cabo todas as suas experiências? Ainda
bem jovem, ele tinha todos os motivos para acreditar ser um
fracassado, um idiota. Pôs à prova milhares de teorias para
descobrir a eletricidade, cada uma delas parecendo provável
de êxito, mas falhou todas as vezes. Em vez de desistir, no
entanto, ele olhava além dos fracassos, aprendia com eles e
seguia em frente. Manteve-se firme, acreditando na
possibilidade de sua genialidade, sua visão, antes mesmo que
fosse comprovada. Se tivesse agido como a maioria, se
rotulasse a si mesmo como um perdedor e ficasse preso às
limitações, recusando-se a perdoar a si mesmo e a suas
falhas, ainda estaríamos no escuro — literalmente. Pelo fato
de Edison ser capaz de integrar e aprender com as falhas, ele
encontrou motivação para continuar buscando o sucesso e
direcionar a luz a todos nós.
Edith Eva Eger chegou em Auschwitz em 22 de maio de
1924. Depois de ser separada do pai e testemunhar a mãe ser
levada para a câmara de gás, Edie viveu cada dia na mais hor-
renda das circunstâncias, assistindo aos companheiros presos
serem eletrocutados nas cercas de arame farpado que cerca-
vam o campo de concentração, sem saber, quando tomava
uma ducha, se dela sairia água ou gás. Edie sobreviveu às
piores circunstâncias que qualquer um de nós poderia
imaginar; no entanto, se você a conhecer hoje, verá um belo
e integrado ser humano que se permitiu prosperar, apesar do
— e, em alguns aspectos, devido ao — passado doloroso.
Ela fez isso praticando as escolhas que ainda estavam
disponíveis sob aquelas condições desumanas. Quando lhe
solicitaram que dançasse para o dr. Mengele, arquiteto da
crueldade responsável pela tortura e assassinato de milhões
de judeus, ela fechou os olhos e escolheu imaginar que a
música era Tchaikovsky e que dançava em Budapeste, em
Romeu e Julieta. Quando os soldados alemães tiravam seu
sangue, duas vezes por semana, dizendo-lhe que isso os
ajudaria a ganhar a guerra, ela escolheu dizer a si mesma:
"Sou uma pacifista. Sou bailarina. Meu sangue jamais os
ajudará a ganhar a guerra". Escolheu ver os guardas que a
mantinham em cativeiro como mais aprisionados que ela.
Abrandou a dor da morte da mãe dizendo, repetidamente:
"O espírito nunca morre". Agarrou-se a sua parte sobre a
qual ainda tinha poder de controle e se recusou a deixar que
qualquer coisa que acontecesse externamente matasse seu
espírito. "Se eu sobreviver hoje", Edie dizia a si mesma ,
"então, amanhã serei livre."
Edie, agora uma talentosa e compassiva psicóloga, além de
matriarca de uma família maravilhosa, deixa claro que, ao
integrar a escuridão que lhe foi lançada, teve o tipo mais
doce de vingança de Hitler. Em uma ocasião, recentemente,
perguntei-lhe se ainda guardava rancor de Hitler. Ela
inocentemente me olhou dentro dos olhos e falou: "Não
guardaria raiva alguma de Hitler. Se o fizesse, ele ganharia a
guerra, porque eu ainda o estaria carregando comigo, em
todo lugar que fosse". Edie é uma campeã da liberdade,
portadora de uma luz tão grande e inspiradora que
estaríamos muito bem servidos se seguíssemos suas pegadas.
É muito fácil ficar preso à mágoa e à dor, e permitir que a
sombra e a nossa história ditem o futuro, minando nosso
bem-estar. Quando nos prendemos aos ressentimentos em
relação a nós mesmos, ou aos outros, nos atamos àquela
mesma coisa que nos causou a dor com uma corda mais
forte que aço. Conforme diz meu querido amigo Brent
BecVar, recusar o perdão aos que nos magoaram "é como ser
alguém que se afoga e cuja cabeça está sendo mantida
embaixo d'água por outra pessoa. Em determinado
momento, você perceberá que tem de ser a pessoa que luta
para voltar à superfície". A única forma de lutar contra a
mágoa e a natureza opressiva de nossa sombra é com perdão
e compaixão. O perdão não acontece em nossa cabeça, mas
no coração. Ele se desenrola quando extraímos a sabedoria
das dádivas até mesmo de nossas experiências e emoções
mais sombrias. O perdão é o corredor entre o passado e um
futuro inimaginável.
Histórias assim demonstram que todos nós estamos vivendo
de acordo com um plano maior e que, de fato, tudo
acontece por um motivo. Nada acontece por acidente e não
há coincidências. Estamos sempre evoluindo, estando ou
não conscientes disso. Frequentemente, essa evolução é
dolorosa, mas a dor serve como um propósito importante.
Ela é um ingrediente necessário para nossa receita divina.
Ao sentir a dor da solidão, nosso coração se abre para sentir
mais amor; ao superar as pessoas e situações que nos
oprimiram, percebemos a profundidade de nossa força.
Quando estamos dispostos a reconhecer que a dor, os
traumas e as mágoas realmente nos equiparam com a
sabedoria essencial para o crescimento, naturalmente
perdoamos e até abençoamos aqueles que entraram em
nossa vida para rios ensinar essas lições difíceis. A vida é
divinamente elaborada para que cada um de nós receba
exatamente aquilo que precisa para apresentar sua expressão
única no mundo.
Nossa mente nos diz que o mal é mau, que o bem é bom, e
que jamais poderemos ser tudo que sonhamos, mas, se nossa
sombra pudesse falar, ela nos diria o contrário. Ela nos diria
que a luz mais radiante só pode brilhar quando tivermos
aceitado a escuridão. Ela nos tranquilizaria de que há
sabedoria em cada ferimento. Mostraria-nos que a vida é
uma jornada mágica para fazer as pazes tanto com nossa
humanidade quanto com nossa divindade. A sombra nos
diria que merecemos mais, que somos importantes, que
somos mais do que poderíamos sonhar e que há luz no fim
do túnel.
Ao abraçar a sombra, descobrimos que estamos vivendo em
um plano divino, tão importante e tão vital para a evolução
quanto para a evolução da humanidade. Assim como uma
flor de lótus nasce na lama, precisamos honrar as partes mais
sombrias de nós mesmos, e as nossas experiências de vida
mais dolorosas, pois são elas que nos permitem o
nascimento do mais belo self. Precisamos do passado
turbulento e enlameado, da sujeira da vida humana — da
combinação de cada mágoa, ferimento, perda e desejo não
realizado, misturada a cada alegria, sucesso e benção, para
nos dar sabedoria, perspectiva, e nos conduzir a ingressar na
mais magnífica expressão de nós mesmos. Essa é a dádiva da
sombra.

TERCEIRA PARTE

Só a Luz Pode Banir a Escuridão
MARIANNE WILLIAMSON

Em um mundo tão cheio de mágica tenra — desde o sono
de criancinhas a amantes sorrindo, as amizades que duram,
as flores que desabrocham, a esperança púrpura no nascer
do sol, a magnitude voraz do sol se pondo, o esplendor do
corpo humano, as glórias frágeis da natureza, até a maravilha
dos animais, a capacidade de perdoar, a misericórdia de
Deus, a gentileza de estranhos, e uma lista que poderia
seguir até ficar claro que realmente não há fim para as
múltiplas expressões do amor na Terra — mas também há
outra coisa. E o que é?
Por que — em um mundo que pode ser levado às lágrimas
por uma obra de arte — também existe o molestamento, o
estupro, os inocentes com gargantas cortadas, os prisioneiros
mantidos cativos injustamente, as crianças famintas, a
tortura, o genocídio, a guerra, a escravidão e todo tipo de
sofrimento horrendo e desnecessário que existe por
nenhuma outra razão além do fato de alguém ser cruel o
suficiente para infligi-lo, ou alguém que não se importar o
suficiente para impedi-lo? Que força é essa que existe em
nossa mente e no mundo, que parece agir inexoravelmente,
causando o sofrimento e a destruição das coisas viventes?
Se Deus é amor, por que o mal existe?
Vivemos em um mundo de constante justaposição entre a
alegria possível e a dor excessivamente comum. Esperamos
por amor, sucesso e abundância, mas nunca chegamos a
esquecer que há sempre uma possibilidade de desastre à
espreita. Sabemos que existe o bem no mundo, mas também
sabemos que há outra coisa. E estamos vivendo uma época
em que a competição entre os dois é intensa e vem
crescendo. O que quer que leve o ser humano a odiar,
destruir e matar assumiu uma força coletiva como nunca
antes, conforme a tecnologia e a globalização agora lhe
deram a capacidade de não apenas atingir, mas atingir a
todos, juntos, como um. Nunca houve uma necessidade tão
grande de se desmantelar essa força — o que quer que ela
seja —, que despreza tanto o amor e pretende destruir a
todos nós. Essa não é apenas uma força que procura nos
causar algum inconveniente. É uma força que deseja nos ver
mortos.
No entanto, essa força, na verdade, é uma antiforça. Ela não
faz muita coisa sozinha, como nos conduz a fazer. É um
lugar onde esquecemos quem somos e, consequentemente,
agimos como não somos. É uma escuridão que, como toda
escuridão, não é presença, mas ausência de luz. É um buraco
negro no espaço psíquico que existe quando a luz deixa de
ser vista por um momento. E a única luz verdadeira é o
amor.
O problema quanto ao que fazer com essa escuridão —
chamada de muitos nomes, mas aqui sob a terminologia de
"sombra" — é uma questão que atormenta a humanidade
desde o princípio. Segundo sabemos, jamais houve na Terra
uma comunidade ou civilização onde o amor prevalecesse o
tempo todo.
No entanto, continuamos a sonhar com isso. Tal estado,
conforme certas religiões do mundo, é chamado de paraíso.
Certas religiões e textos espirituais sugerem que temos uma
memória antiquíssima desse estado, embora não tenha a ver
com a Terra. Foi nosso começo espiritual, uma dimensão de
amor puro de onde viemos e para o qual fervorosamente
ansiamos por regressar. O fato de vivermos durante
períodos, na maior parte do tempo, tão separados desse
estado de amor puro é uma ruptura de proporções tão
intensas a ponto de traumatizar todos os momentos de nossa
vida. Da mesma maneira que o planeta se move tão rápido
que nem sentimos o movimento, somos traumatizados em
nível tão profundo que nem sabemos ter o trauma.
Separados do amor, estamos separados de Deus. Separados
de Deus, estamos separados de nós mesmos. E, separados de
nós mesmos, ficamos insanos.
Nas palavras de Mahatma Gandhi: "O problema do mundo é
que a humanidade não está em seu juízo perfeito". Este é, de
fato, o problema do mundo. Há um local em que ingressa-
mos, tanto individual quanto coletivamente, que é a
ausência de quem somos e do que estamos aqui para fazer. É
uma inversão de poder, uma perversão da identidade, uma
subversão de nossa missão na Terra.
O problema é que isso não é tão óbvio quando estamos aqui,
pois este é um lugar de grave confusão cósmica. Quando
estamos separados do amor, somos inclinados a sentir que a
raiva é justificada, que culpar o outro é simplesmente
razoável, e o ataque a alguém é a autodefesa correta, mesmo
quando não é. Ou pior. Às vezes, uma pessoa —
eventualmente, nações inteiras — pode se tornar tão sugada
ao buraco negro da falta de amor que fica sob efeito das mais
extremas e até hediondas intenções, pois essa coisa, que não
é, de fato, uma coisa, não está inerte. A consciência humana
é como uma luz-guia que nunca se apaga. O problema é que
ela está acostumada a gerar um calor que produz vida, ou um
incêndio que a destrói. Onde não há amor, há medo. E o
medo, depois de se apossar da mente, é como um vício que
ameaça esmagar a alma.
Então, é essa coisa que chamamos de sombra. Ela não
aparece na vida da maioria de nós; é um fogo gigantesco,
mas arde como brasa lenta. É você, ao fazer uma afirmação
tola, magoando alguém que ama e possivelmente arruinando
um relacionamento. Ou você, quando faz algo imbecil que
sabota a carreira profissional. Ou você, ao pegar um drinque,
sabendo que é alcoólatra e que, se continuar, isso vai matá-
lo. Em outras palavras, é aquele você, dentro de você, que
não deseja seu bem. É a sombra, e ela só pode ser eliminada
se você deixar brilhar a sua luz.
O amor de Deus habita ali dentro e se estende para fora de
nós, a cada momento, a cada dia. Quando estamos vivendo
em alinhamento com o self verdadeiro, conforme Deus nos
criou, recebemos amor constantemente, e o estendemos da
mesma forma como o recebemos. Isso é o que significa
viver na luz.
No entanto, por mais racional que possa ser, não parece
sensato quando alguém se porta de maneira desmerecedora
de nosso amor. Em um momento assim, estender amor
àquela pessoa parece a coisa errada a fazer, e conter o amor
parece o certo. Naquele momento, aquele pequenino
pensamento de desamor — que parece uma coisinha de
nada, apenas um julgamento racional — é a raiz do mal. E o
alicerce do sistema de raciocínio da sombra, pois ele
envolve a separação de Deus e o surgimento da culpa. Deus
nunca retém amor, e chegamos à sanidade aprendendo a
amar como Deus ama.
Nossa tarefa, se queremos banir a sombra, é aprender a ter
apenas pensamentos imortais, embora vivamos no plano
mortal. As formas de nosso pensamento superior erguerão a
frequência do planeta e, então, o mundo se transformará.
Mas e quanto ao agora? O que nos faz esquecer quem somos,
consequentemente apagando a luz e dividindo o mundo em
dois estados diferentes — amor e medo? É um pensamento:
o de que alguém é culpado. O modo como lidamos com a
imperfeição humana é a questão essencial que decide se
habitamos a sombra ou a luz.
Deus não vê uma pessoa que cometeu um erro da maneira
como vemos. Deus não procura nos punir quando
cometemos erros, mas sim nos corrigir. Quando voltarmos
ao nosso juízo perfeito, amando de forma incondicional e
inabalável, aí sim, o mundo em si vai se corrigir.
Isso não significa que perdemos o discernimento, os limites
ou as células cerebrais. O amor divino não é uma fraqueza.
O amor de Deus não é um amor pegajoso. Nem sempre é do
tipo "legal", rosa e felpudo. Ele envolve a expressão da
verdade, o tipo de verdade que o coração conhece, mesmo
quando a mente resiste a ela. Ele tem menos a ver com
estilo e mais com substância. Há maneiras muito ternas de
reter o amor, colocando ênfase excessiva na compreensão
parcial das palavras "positivo" e "sustentador"; e há formas de
estender o amor com uma honestidade do tipo asperamente
realista, que só mais tarde parecerá ter sido amor.
Está na hora de todos nós encararmos o amor com muita
seriedade. Segundo as palavras do dr. Martin Luther King Jr.,
é hora de injetar "um novo significado nas veias da civiliza-
ção humana". Precisamos expandir o senso de amor além do
pessoal, mas, também além das implicações sociopolíticas.
Somente ao fazê-lo baniremos a escuridão que agora paira
sobre o mundo como um fantasma. Vivendo na escuridão,
estamos vivendo na sombra. E, na sombra, o sofrimento
reina.

PODE NÃO SER REAL, MAS CERTAMENTE
PARECE SER

Às vezes, você tem uma briga com alguém que ama e nem
consegue acreditar que seja verdade. Parece um pesadelo.
Você ouve a si mesmo dizendo: "Isso não pode estar
acontecendo!" E isso é porque não está — você está perdido
num universo paralelo, numa alucinação de separação e
conflito.
Anos atrás, disse a mim mesma para não me preocupar com
o Diabo, porque ele estava em minha mente. E me lembro
do que aconteceu em seguida. Simplesmente fiquei ali, em
pé, parada, pensando que, de fato, esse era o pior lugar em
que ele poderia estar. Não me sinto tão consolada pela ideia
de que não há Diabo por aí, à espreita no planeta, em busca
da minha alma, quanto fico boquiaberta com a ideia de que
há uma tendência eternamente presente dentro do meu
pensamento de me perceber sem amor e,
consequentemente, me fazer infeliz.
Então, de onde veio essa "tendência"? Se Deus é amor, e
amor somente, e Deus é todo-poderoso, como foi que surgiu
uma força oponente?
A resposta, metafisicamente, é que, na verdade, não surgiu.
Nada existe além do amor de Deus e as palavras de Um curso
em milagres: "Aquilo que tudo contém não pode ter
oponente". O princípio do livre-arbítrio é a razão objetiva
para explicar o surgimento de um mundo ilusório que, de
fato, não existe, mas parece fortemente existir.
Podemos pensar o que quiser. No entanto, nossos
pensamentos têm poder, independentemente do que
pensamos, pois nosso poder criativo vem de Deus. A lei de
causa e efeito garante que experimentaremos o resultado
daquilo que escolhemos pensar. Quando pensamos com
amor, estamos criando junto com Deus e, desse modo,
criando mais amor. No entanto, quando pensamos com
amor, fabricamos medo. Isso significa que temos mentes
divididas. Uma parte nossa habita a luz, eternamente uma
com o amor de Deus. Porém, outra parte de nós — a parte
que está mais frequentemente alinhada ao mundo mortal —
habita a escuridão. E esse é o self sombrio.
Deus não vê a sombra, pois, não sendo amor, ela, de fato,
não existe. No entanto, sendo todo amor, Ele registrou nos-
so sofrimento quando caímos na escuridão e nos proveu
uma cura instantânea. Naquele momento, Ele criou uma
alternativa amorosa para nossa insanidade imposta e nosso
medo. Essa alternativa é como um embaixador que reside
conosco, no mundo da escuridão, sempre disponível para
nos conduzir de volta à luz se o pedirmos. Esse embaixador
tem muitos nomes, desde Ajustador do Pensamento até
Espírito Santo. Para nosso propósito aqui, o chamaremos de
Iluminador.
Em Um curso em milagres, é dito que não somos perfeitos,
ou não teríamos nascido — mas é nossa missão nos
tornarmos perfeitos aqui. É nossa missão transcender a
sombra e nos tornarmos nosso verdadeiro self. O Iluminador
age como uma ponte entre o self sombrio e nossa luz. Ele foi
autorizado por Deus a usar todas as forças do céu e da Terra
para nos guiar para além da escuridão e de volta à luz. E o
faz, em primeiro lugar, nos lembrando de que a escuridão
não é real. Quando estamos perdidos na escuridão, nosso
maior poder está no chamado do Iluminador, cuja tarefa é
separar a verdade da ilusão. Fazemos isso por meio da prece
e pela nossa disposição. "Estou disposto a ver essa situação
de maneira diferente" é uma frase que dá ao Iluminador a
permissão para entrar em nosso sistema de raciocínio e nos
conduzir da insanidade de volta à verdade.
Alguns anos atrás, fui visitar uma amiga que já estava com
várias amigas em casa quando cheguei. Uma mulher no
grupo tinha um jeito muito afetado de falar, de um modo tão
intenso que toda vez que ela falava eu tinha a sensação de
que alguém esfregava as unhas num quadro-negro. É claro
que minha mente estava disparada em julgamento, já que eu
não conseguia entender como alguém podia ser tão afetado
no jeito de falar.
Como alguém que busca o caminho, eu sabia que o pro-
blema não estava com a mulher, mas dentro de mim mesma
— era minha falta de compaixão. Fiz uma prece em silêncio
e expressei minha vontade de vê-la de modo diferente.
Quase instantaneamente, ou assim me pareceu, outra
mulher na sala disse para aquela que eu estava julgando, tão
vorazmente:
— Soube que seu pai foi solto da prisão. É verdade?
Enquanto ouvia, observei o desenrolar da história. Embora
não me lembre dos detalhes específicos, recordo que aquela
mulher ficou presa em cativeiro pelo próprio pai, durante
toda a infância, no porão de casa. Ela acabou sendo resgatada
e o pai foi para a prisão, por muitos anos. Ao ouvir o
sofrimento dessa mulher, percebi por que ela falava daquele
jeito. Literalmente, não tivera um modelo saudável
enquanto crescia; nem sabia como falar naturalmente, e
estava fazendo o melhor para montar o que considerava uma
personalidade normal. Os mesmos maneirismos que haviam
brotado em mim, cinco minutos antes, como julgamento,
agora faziam surgir em mim uma profunda admiração e
compaixão. Ela não havia mudado, mas eu sim. Ao rezar,
chamei a luz. O Iluminador entrou no mundo da escuridão e
me tirou do self sombrio, julgador, ao me dar uma
informação que substituiria meus pensamentos de medo por
pensamentos de amor.
E onde, nesta vida, havia obtido minha tendência para julgar
com tanta aspereza? Partindo de uma perspectiva metafísica,
não nasci com isso. Não nascemos no pecado original, nem
no erro, mas na mais pura inocência.
Aparentemente, tenho uma memória do momento de meu
nascimento muito poderosa. Não tenho como saber se é
mesmo verdade, mas sempre tive essa lembrança. Lembro
de ver a luminária que fica pendurada em cima da mesa
cirúrgica, o que aumenta minha sensação de que é verdade.
Segundo essa lembrança, vim ao mundo com uma
quantidade infinita de amor para dar, além de qualquer coisa
que me permiti sentir, desde então.
Mas isso foi em 1952, quando os médicos ainda achavam
que deviam dar um tapa nos recém-nascidos para que respi-
rassem. Então, no momento em que sentia esse amor
extraordinário saindo de mim, em direção a todas as coisas
vivas, naquele exato momento, senti que fui estapeada. O
médico, a quem eu já amava, me bateu. Recordo de ter
ficado absolutamente confusa, magoada e traumatizada. Por
que ele faria isso? Não podia acreditar que aquilo tinha
acontecido. A partir daí, minha mente deu um branco. Caí
dentro de alguma coisa, seja lá o que for, e foi tudo.
Aquela lembrança, ou seja o que for, fala à questão da
possibilidade de termos nascido com a sombra. A resposta é
não; nascemos do amor perfeito. Mas, quem quer que
sejamos, ou pelo que quer que passemos, algo ou alguém —
frequentemente com a melhor das intenções — nos lança
no reino da sombra, e a tarefa do resto de nossa vida será sair
da escuridão e regressar à luz.
Desde aquele momento, como recém-nascida — aquela
separação traumática do amor que representou dentro de
mim a separação de toda a humanidade do amor que
trazemos em nosso âmago —, ficaria eternamente tentada a
perder o amor de vista. Tendo sido negada ao amor, mesmo
que por um instante, agora fico tentada a negar amor aos
outros. E o propósito da minha vida, assim como o propósito
da vida de todos nós, é lembrar-se do amor interior,
recordando sua presença em todas as outras pessoas.
A mulher na casa de minha amiga, por mais admirável que
fosse, primeiro me tentou ao julgamento. Mas eu pedi ajuda
e recebi. Assim que tive vontade de enxergar a luz nela, a
minha luz voltou. E a sombra se foi.

ONDE NÃO HÁ AMOR, ESPERE O MEDO

Qualquer pensamento que não seja revestido de amor é um
convite para que a sombra entre. Somos levados a acreditar
no mito da neutralidade: que não precisamos realmente
amar, contanto que não causemos dano. Mas todo
pensamento cura ou causa dano. O poder criativo infinito do
pensamento garante que qualquer coisa que escolhermos
pensar resultará em efeito. Se não escolho amar — se
escolho reter meu amor —, naquele momento é criado um
vácuo psíquico. E o medo se apressa em preencher o espaço.
Isso se aplica aos meus pensamentos sobre os outros e sobre
mim. Tendo focado nos aspectos da sombra de outra pessoa,
não posso deixar de entrar nos meus: o aspecto da raiva, do
controle, da carência, da desonestidade, da manipulação, e
por aí adiante. Uma vez que entro na escuridão de culpar e
julgar, fico cega para enxergar minha luz, e não consigo
achar meu self melhor.
Ou, tendo esquecido a verdade essencial do meu ser —
deixando de apreciar a mim mesma, por não apreciar a luz
divina que reside em mim —, facilmente caio na armadilha
do comportamento autodestrutivo. Entrego-me a qualquer
forma de sabotagem pessoal que fará os outros se
esquecerem, como eu me esqueci, de quem realmente sou.
Seja atacando os outros, ou atacando a nós mesmos, a
sombra provê a tentação aos pensamentos de destruição e
insanidade.
A mente, em seu estado natural, está em comunicação
constante com o espírito do amor. Mas a sombra, como o
amor, tem seus embaixadores dentro de nós — pensamentos
que nos atraem constantemente, um convite a perceber as
coisas de modo isento de amor. "Ele disse que me
contrataria e não contratou; é um idiota." "Ela tem uma
política que me enoja; não a suporto." "Pode comer o bolo
inteiro; não faz diferença o que o médico disse." "Não faz
mal se você ficar com esse dinheiro; ninguém vai saber." O
mundo está dominado pelos pensamentos de medo, e somos
constantemente encorajados pelas crenças da sombra.
Na falta da prece ou da meditação — experiência de amor
compartilhado entre o Criador e a criatura —, somos
facilmente tentados a perceber tudo sem amor. Em
consequência, ingressamos na zona sombria dentro de nós.
Se projetamos a culpa nos outros, ou de fato ferimos alguém,
ou até chegamos a nos envolver em um comportamento
dependente ou de repulsa pessoal que fira primordialmente a
nós mesmos, a sombra exerce uma influência horrível.
Mas por que elevemos nos surpreender? A maioria de nós
acorda, pela manhã, e efetivamente entrega a mente à
escuridão. A primeira coisa que fazemos é ligar o
computador, 1er o jornal, ligar o rádio ou a televisão no
noticiário. Baixamos formas de pensamento de medo,
literalmente do mundo inteiro, permitindo que nossas
mentes, no momento em que mais estão abertas a novas
impressões, sejam influenciadas pelo pensamento baseado
no medo que domina nossa cultura. E claro que reagimos a
partir da sombra, pois tudo o que vimos é sombra! É claro
que nos sentimos deprimidos, infelizes, insatisfeitos e
cínicos. O mundo está dominado pelo pensamento baseado
no medo e no plano mortal; o medo fala primeiro e mais
alto. Não há escuridão para analisar aqui; é a luz que temos
de acender! De modo a evitar as garras da sombra, pre-
cisamos constantemente ir em busca da luz.
A voz do amor é chamada, tanto no judaísmo quanto no
cristianismo, de "pequena voz" de Deus. Essa é a voz do
Iluminador, e até mesmo cinco minutos de meditação
matinal séria pode garantir que ela guie nosso pensamento
ao longo do dia. Como o mundo melhoraria se mais de nós
cultivássemos o sagrado na vida diária. Nossas ocupações
frequentemente são o nosso inimigo, dificultando a
desaceleração por tempo suficiente para respirar no éter dos
planos espirituais. Da mesma maneira como às vezes nos
sentamos diante do computador para baixar um arquivo,
sabendo que não há nada que possamos fazer para apressar o
processo, também não há como dar apenas um rápido aceno
para o amor e sair correndo pela porta, esperando que os
reinos da escuridão e do medo não invadam nosso dia.
Ao desacelerar, ficamos mais inclinados a cultivar a quie-
tude. Nosso estilo de vida é em geral uma presa aos
pensamentos sombrios, por nenhuma razão além de ser
excessivamente ruidoso. Televisão demais, computador
demais, excesso de estímulo exterior diminuem a luz que só
é encontrada no pensamento reflexivo e contemplativo. O
silêncio é um músculo comportamental que construímos,
dando-nos a capacidade de mais facilmente transformar as
energias invocadas pelo self sombrio.
Outra forma de cultivar a luz é comungar com outros, em
um espaço sagrado. Em grupos espirituais reunidos por amor
e devoção — religiosos, ou outros —, o campo de amor é
ampliado, de modo que eleva todos os membros do grupo a
uma vibração superior. Quando você está na igreja, na
sinagoga, em uma reunião de doze passos ou em outras
meditações em grupo, ouvir seu coração parece natural. Seu
self sombrio parece distante, nem evidente, nem acionado.
A tentação de adentrar a sombra ainda existe e é preciso
lidar com ela, mas uma das formas de diminuí-la é juntar-se
aos outros na busca pela luz.
Quando estamos com outras pessoas que estão dizendo "Eu
quero ouvir meu coração. Preciso perguntar qual seria o ato
mais amoroso; quero ser ético, quero ouvir a voz de Deus",
então, fica mais fácil viver dessa forma. Como qualquer
outro hábito, torna-se mais fácil de cultivar quando estamos
ao redor de outros que estão fazendo o mesmo. Ao
desenvolver os hábitos da prática espiritual, você se baseia
na luz do verdadeiro ser. Se não fixar sua base, não se
surpreenda quando fizer ou disser coisas das quais se
arrependerá mais tarde.
Em um dia comum, na vida de uma pessoa comum, o nú-
mero de pensamentos sombrios que surgem é astronômico.
Fazemos o melhor que podemos, tentamos ser bons, mas o
cérebro está constantemente ativo, e a tendência ao
pensamento baseado no medo está sempre ali. Mas o
Iluminador também está sempre ali. E o Iluminador está
autorizado por Deus a nos dar qualquer ajuda que
precisemos.
Um dia, conversando com meu terapeuta, compartilhava
com ele que me sentia em um lugar muito negativo. Disse-
lhe que estava em um lugar de autoaversão.
Ele me perguntou:
— Qual é o seu caso contra você mesma?
Respondi:
— Eu me odeio por ser tão negativa. — Eu via a ironia, mas
não conseguia rir. Talvez conseguisse.
Ele sugeriu que eu tentasse algo:
— Entre no fluxo da gratidão — sugeriu. — Sempre que
você tiver esse tipo de pensamento negativo, comece a dizer
todas as coisas pelas quais deve ser grata.
E descobri que essa técnica é muito poderosa. Durante horas
eu vinha numa agitação negativa, mas, assim que comecei o
fluxo de gratidão, foi como se minha sombra tivesse
desaparecido, do mesmo jeito que a Bruxa Malvada derreteu
quando Dorothy jogou água nela. E foi o mesmo fenômeno,
realmente. A sombra sequer é real. Só parece ser. E, assim
que ela é exposta à luz, a escuridão desaparece. O problema,
então, não era a presença da negatividade, mas a ausência da
positividade! Assim que preenchi minha mente com
gratidão, o traço sombrio de autoaversão já não tinha como
existir. Na presença do amor, o medo some.
Mas não vamos subestimar o poder da sombra. Não é
suficiente meditar só de vez em quando; devemos meditar
diariamente. Se você é um dependente em recuperação, não
é suficiente ir a uma reunião de vez em quando; você deve
frequentar as reuniões diariamente. Não é suficiente perdoar
algumas pessoas; precisamos dedicar os melhores esforços
para perdoar todos, pois só o amor é real. Se eu o negar a
alguém, estou negando-o a mim mesma. Amar só quando é
fácil não é o bastante; temos de tentar expandir a capacidade
de amar quando é difícil.
As sombras que estão à espreita hoje, em nossas próprias
circunstâncias e ao redor do planeta, exigem nada menos
que a iluminação sagrada se quisermos bani-las. E cada um
de nós pode acrescentar poder à luz ao acrescentar poder ao
amor. É claro que amamos nossos filhos, mas já não é
suficiente amarmos apenas os nossos filhos. Temos que amar
as crianças do outro lado da cidade, e do outro lado do
mundo. É bem fácil amar aqueles que concordam conosco e
nos tratam bem. Precisamos aprender a amar aqueles com
quem não concordamos e que não tenham necessariamente
nos tratado com justiça. Da mesma maneira que trabalhamos
para aumentar os músculos, temos de trabalhar para
aumentar a capacidade de amar.
Somente uma coisa pode triunfar sobre nosso self inferior e
sombrio: o self superior. Ele habita dentro do amor mais
sublime de todos: o amor de nosso Criador, em quem não há
escuridão, nem sofrimento, nem medo. Ê psicologicamente
irreal subestimar o poder da sombra, mas é espiritualmente
imaturo subestimar o poder de Deus. A prece não é apenas
um símbolo; é uma força. A meditação não é só algo que nos
relaxa; é algo que harmoniza as energias do universo. O
perdão não é apenas o que nos faz sentir melhor; ele
literalmente transforma o coração. Todos os poderes que
emanam de Deus são poderes que nos libertam.
Para a sombra, a luz é um inimigo. Mas, para a luz, a sombra
não é nada. Ela simplesmente não existe.

A PROPÓSITO, ELA ESTÁ EM MOVIMENTO

A consciência é uma energia dinâmica, criativa. Ela não é
inerte, estagnada. Está sempre se expandindo; qualquer que
seja a direção, está se movendo. O amor sempre constrói
sobre o amor e o medo sempre constrói sobre o medo. A
sombra é um impulso inexorável na direção do sofrimento e
da dor.
No entanto, como é que essa coisa — que em si mesma é
uma ilusão, que em si mesma não tem vida — age como se
existisse? A resposta para isso é que, embora o medo em si
não seja real, o poder do pensamento que o conduz é. O
medo é como um dispositivo explosivo e o pensamento é o
míssil que o conduz. A mente é criada para ser um condutor
do divino, levando explosões de amor, mas o livre-arbítrio
significa que podemos dirigi-lo de outra maneira se assim
escolhermos.
Sua mente está sempre estendendo amor ou projetando
medo, assim como inconscientemente está planejando
como fazer mais da mesma coisa. A sombra é sua mente
voltada contra você mesmo. Assim como Lúcifer era o mais
belo anjo do céu antes de cair, e uma célula cancerígena era
uma célula normal e ativa antes de enlouquecer, a sombra é
o próprio pensamento voltado à direção errada. É a aversão
própria, mascarada como amor-próprio. Sua sombra é tão
inteligente quanto você, pois ela é a própria inteligência
cooptada pelos propósitos do medo. Ela tem todos os
atributos da vida, porque se anexou a ela. E, como tudo que
é vivo, busca preservar a si mesma.
Sempre que o amor está perto, a sombra se torna
particularmente ativa, de modo a se guardar contra o próprio
fim. Ela sabe que o amor é seu único inimigo real. Quando a
sombra pressente o amor, quando sente a luz em você, ela
literalmente defende a própria vida. A sombra tentará, de
qualquer maneira possível, invalidar, sufocar, transformar o
bom em errado dentro de você, pois ela sabe que, a partir do
momento que você se lembrar da luz do self verdadeiro, ela
irá embora. Portanto, a sombra luta.
Daí a conhecida frase: "O amor nos faz perder o juízo".
Você conhece alguém com quem sua alma sente uma
ligação sagrada? Cuidado, é provável que você faça algo
estúpido na presença dessa pessoa. Você tem uma chance
extraordinária de manifestar seus sonhos? Cuidado, é
provável que você sabote essa oportunidade. E essa é a
sombra: a irmã gêmea malvada do seu melhor self.
Até que haja um movimento consciente que se distancie do
medo em direção ao amor, a energia dinâmica do medo agirá
como uma força destrutiva que não faz prisioneiros. Ela
pode levar a algo aparentemente pequeno, como um in-
cidente, no qual você diz algo tolo, porém inofensivo, ou
com consequências que levem a ações que podem arruinar a
sua vida. Não devemos subestimar seu poder, nem duvidar
de sua malignidade, pois a sombra se agita — às vezes, de
um modo lento e demorado, às vezes, mais rapidamente —,
mas é sempre intencional em direção à dor.
Nos Alcoólicos Anônimos é dito que o alcoolismo é uma
"doença progressiva". Isso significa que não é contida; se
você tem um problema com álcool hoje, então terá um
problema maior amanhã, a menos que lide com ele. E seu
objetivo final é a destruição, beirando morte. Na
dependência, o alcoolismo não tem a ver só com o álcool;
tem a ver com o momento em que a força da sombra
atormenta o corpo e a alma. E a razão para que milhões de
dependentes tenham ficado sóbrios com a ajuda do AA é
porque o programa deixa claro que somente uma
experiência espiritual pode salvá-los. Só Deus é poderoso o
suficiente para superar a sombra, qualquer que seja sua
forma.
Quando Jesus disse, na Bíblia, que deveríamos regozijar, pois
ele havia "vencido" o mundo, a palavra que ele escolheu é
particularmente fascinante. Ele não disse que tinha
"consertado" o mundo. Ele disse que tinha "vencido" as
forças sombrias sendo erguido ao reino da consciência, onde
as formas de pensamento inferior já não tinham poder para
limitá-lo. E esse é o desafio que a sombra nos faz: que
cheguemos tão alto, luz acima — à profunda sanidade de
uma perspectiva superior e amorosa —, que a sombra em si
ficará impotente.

SOMBRAS COLETIVAS

Todos nós reconhecemos quando ela tem uma forma
individual: uma pessoa zangada, controladora, desonesta,
violenta etc. Porém, às vezes, é de igual importância
reconhecer a sombra coletiva. Os grupos, tais como nações,
são feitos de indivíduos; sendo assim, não é de surpreender
que as características da personalidade dos membros
apareçam no comportamento coletivo do grupo. Mas o que
é menos óbvio é como a energia criada em um grupo — seja
ela amorosa ou temerosa — é ampliada; a energia de duas ou
mais mentes pensando da mesma forma não é apenas uma
soma das duas; ela aumenta exponencialmente.
O terrorismo é um exemplo. Uma ideologia patológica pode
se espalhar como um câncer, por uma população inteira.
Uma vez que haja um número grande o suficiente de
membros participantes do pensamento destrutivo que forma
a ideologia, a força combinada de suas energias pode mesmo
estarrecer até os tecnologicamente mais avançados
fornecedores de força bruta. A razão por que isso ocorre é
que o real poder do terrorista não se encontra em suas raízes
ideológicas, mas na fervorosa convicção pela qual tantas
pessoas são atraídas. Os terroristas têm convicção, e é aí que
está o poder deles. Nosso poder de superar a intensidade
destrutiva está em nossa habilidade de amar com a mesma
convicção que eles demonstram ao odiar. Odiando com
convicção, eles atraem mais ódio; quando amamos com
maior convicção, atraímos mais amor.
Da mesma maneira que pessoa alguma é perfeita, nenhum
grupo é. A sombra se esconde na consciência alerta, tanto
do indivíduo quanto da coletividade, sempre se mostrando
como luz, embora seja a essência da escuridão. Uma citação
de Ralph Waldo Emerson descreve a sombra como
nacionalismo quando ela se apresenta como patriotismo:
"Quando uma nação inteira está bramindo o patriotismo, a
plenos pulmões, ficaria feliz em examinar a limpeza de suas
mãos e a pureza de seu coração. "E comum que nos
momentos em que um grupo mais esteja violando seus
princípios ele alegue defendê-los mais entusiasticamente. A
sombra é ardilosa na forma como encobre suas pegadas, seja
usando a religião como disfarce para queimar pessoas em
postes, ou o patriotismo como fachada para os infortúnios
imperialistas. Mas, da mesma forma que a sombra coletiva
pode nos levar para baixo, a luz coletiva nos leva ao alto.
Qualquer grande literatura, expressões populares como
contos de fadas, filmes como Avatar e livros como a série
Harry Potter, e, obviamente, as práticas genuínas de religião
ou espiritualidade em grupo, são todos exemplos de fachos
de luz coletiva.
No filme Avatar, a sombra coletiva da América
contemporânea é apresentada abertamente. Vemos o
perigoso casamento do capitalismo predatório com o farto
poderio militar norte-americano, uma petulância intelectual
que desautoriza a deferência aos princípios espirituais, um
descaso arrogante pelo que há de sagrado no meio ambiente
e uma tendência imperialista para que se pegue o que se
queira, por nenhuma outra razão que não seja querer. A
feiura da sombra norte --americana ganha um holofote nesse
filme de jogo de paixão. No entanto, o que eleva a história
além do ato de simplesmente apontar o dedo em crítica é o
nível de iluminação em sua perspicácia quanto à luz, que
nunca está muito distante da sombra.
O Iluminador está sempre pronto a dar alternativa à
escuridão, atraindo corações amorosos até a cena sombria da
mesma forma como as células vermelhas do sangue são
atraídas ao ferimento. Sim, há personagens no filme que
representam o melhor de nós, e isso é importante. Dentro
de cada indivíduo, assim como de cada grupo, existem os
melhores anjos da natureza. Assim como a escuridão, eles
estão em movimento (note que anjos sempre são retratados
com asas, enquanto o Diabo não é). E, no panorama maior
das coisas, a luz sempre ganha no final. Nas palavras de
Martin Luther King Jr.: "O arco moral do universo é longo,
mas ele se inclina em direção à justiça". Podemos esquecer a
verdade, mas o universo jamais esquece.
Cada pessoa e cada grupo de pessoas têm uma sombra; isso
não nos torna maus. Isso nos torna humanos. A questão não
é odiar a sombra, pois esse sentimento é simplesmente nossa
parte ferida que precisa ser curada. A questão também não é
negar a sombra, pois a escuridão só é dispersada quando há
luz. Temos de enfrentar a sombra, como indivíduos e como
grupos; fazê-lo não é um ato de aversão própria, mas de
amor--próprio. Os verdadeiros peregrinos são aqueles que
enfrentam sua escuridão e se rendem ao poder do amor;
verdadeiros patriotas são aqueles que enfrentam a escuridão
da nação e se rendem ao poder da verdade.
Mesmo quando estamos perdidos na sombra, há uma parte
nossa que sabe mais. Em um grupo que apresente um
comportamento errado, sempre há indivíduos que se atêm à
verdade — sejam os alemães arianos, que esconderam os
judeus durante a Segunda Guerra, arriscando a própria vida,
ou terráqueos que heroicamente saem em defesa da
civilização na'vi, de Pandora, em Avatar. Há evidência
histórica assim como míticas tradições do triunfo final do
amor. O significado da Segunda Guerra não está na
perversidade de Hitler, mas no brilhantismo e sacrifício
daqueles que o derrotaram. O arquétipo da verdade de
Avatar não está na violência praticada contra os na'vi, mas
também na forma como a violência acabou. O ponto
máximo das grandes histórias religiosas não está na
crucificação, mas na ressurreição; não está na escravidão dos
israelitas, mas na libertação da Terra Prometida. Agora, em
nossa época, com tantas sombras ameaçando, convém
lembrar que as sombras parecem muito escuras, mas nada
são diante da verdadeira luz.
Essa verdade pode ser muito difícil de aceitar quando todas
as evidências racionais apontam não somente para a
realidade da sombra, mas também para sua permanência. No
entanto, o milagre da iluminação não vem de uma evidência
racional; ele literalmente "cai do céu", um símbolo
consumado para os reinos da pura potencialidade. O
potencial para a descoberta emerge quando nosso abraço
proativo da luz é maior que o medo do escuro.
Não conseguimos perceber aquela luz com os olhos do
corpo. É uma realidade que invoca um tipo diferente de
visão. A manifestação mortal é "real", mas o amor imortal é
"Real". Nas palavras de Albert Einstein, quando falava do
mundo físico, "A realidade é meramente uma ilusão, embora
seja uma ilusão muito persistente".
Se nos identificarmos apenas com o mundo mortal, então o
medo, de fato, parece justificado. Mas, se estendermos
nossas percepções além desse mundo, veremos as coisas de
uma luz mais alta e esperançosa. Vemos que está
programado na verdadeira natureza das coisas que o amor
sempre se reafirma. Embora estejamos fadados a cair na
sombra — a descender no submundo psíquico dos locais
ainda não curados - também temos a garantia de libertação.
O Iluminador é uma presença eterna, ativa não somente
dentro do coração individual, mas também na psique
coletiva. Quando os indivíduos se humilham, pedindo
perdão e correção, a misericórdia chega. E o mesmo é
verdade para um grupo. Quando o chanceler alemão
Gerhard Schroeder se desculpou com o povo polonês pelo
assassinato de meio milhão de poloneses durante a Segunda
Guerra, e o papa João Paulo II se desculpou pela Inquisição,
tais "purificações da memória", como foram chamadas essas
admissões de culpa pelo falecido papa, chamaram uma luz da
consciência celeste e sombras foram dissipadas.
Os indivíduos estão seguindo o caminho do destino, assim
como os grupos. Às vezes, damos dois passos em direção ao
amor, depois damos um passo atrás, voltando à sombra. Mas
a sedução da luz é, em última análise, muito maior que a
atração do escuro.

BOAS INTENÇÕES NÃO BASTAM

A mente moderna tem uma autoestima indignamente alta;
ela é arrogante na crença de poder simplesmente "decidir" o
que quer, depois fazer com que aconteça. No entanto,
pensamos nas coisas que recaem fora de seu alcance: o fim
do sofrimento desnecessário, a paz mundial, um planeta. Por
que, em um mundo tão cheio de gênios, a sombra ainda
espreita e causa tantos problemas?
Uma das razões para que o mundo moderno continue sob o
efeito da sombra é que ele falha ao reconhecer as raízes
metafísicas dela. O mal é uma energia, assim como o amor.
Ele surge a partir do medo, e o medo vem da ausência do
amor. Tentar erradicar a escuridão só com meios materiais é
lidar com o efeito, e não a causa. Você pode cortar uma
verruga, mas ela crescerá de novo se a raiz não for
queimada. E as raízes do mal não são materiais.
Mas há uma diferença entre a energia imaterial que é
simplesmente mental e o tipo que é espiritual. Hoje em dia,
muita gente tem uma visão presunçosa do poder da
"intenção". Mas, na verdade, como é dito em Um curso em
milagres, suas boas intenções não bastam. Para os
alcoólatras, simplesmente pretender não beber mais não
funciona; apenas pretender ser um cônjuge melhor não é o
bastante, quando o necessário é uma mudança efetiva de
comportamento. No entanto, às vezes, a mudança de
comportamento que se faz premente não é fácil de realizar.
Uma mera intenção de melhorar pode ser sobrepujada pelo
poder da sombra. A sombra pode superar nossas melhores
intenções e somente o amor pode superar a sombra.
O amor é Deus e Deus é amor. Seja quando as pessoas O
chamem pelo nome "Deus" ou simplesmente abram mão de
toda a resistência ao amor — e, nesse caso, Deus está
presente, mesmo que não seja reconhecido — o poder
divino do amor é o único grande o suficiente para banir o
mal. Seja o conhecimento de que alimentar mais crianças
famintas do mundo é uma das melhores formas de eliminar
futuras ameaças terroristas, ou entregando nossos defeitos de
caráter para que Deus cure, pedindo que eles sejam
removidos, há uma deferência ao poder superior do amor,
sem o qual não podemos superar o poder do medo.
A toca da sombra não está em sua mente consciente, mas
em seu subconsciente. Você não decide, conscientemente,
tomar uma atitude tola. Você não decide, conscientemente,
dizer algo que fará seu cônjuge odiá-lo. Você não decide
conscientemente se embebedar no casamento de sua filha e
estragar tudo. "Foi o Diabo que me fez fazer" não é uma
noção tão chula quanto parece. Boas intenções fazem o
Diabo rir. Mas o que não o faz rir é a prece, a reparação, o
perdão e o amor. Essas coisas o fazem ir embora.
O que levanta a questão da religião. Se a religião é um
condutor para o amor divino, por que ainda há tanto mal à
espreita no mundo, e mesmo em nossas classes? Como foi
que uma das maiores instituições religiosas do mundo passou
a abrigar pedófilos entre os padres? E a resposta,
obviamente, é que algumas religiões nada têm a ver com
Deus. Na verdade, a sombra — força energética oponente a
Deus — adora brincar nos campos da religião. Ela adora
confundir e é definitivamente atordoante à mente quando
doutrinas ou dogmas baseados em amor, na realidade, são
um disfarce para a mais grosseira ausência dele.
Se uma pessoa religiosa odeia, Deus não está presente. Se um
ateu ama, lá está Ele. Como está escrito em Um curso em
milagres, em relação à frase da Bíblia que diz: "Deus não
deve ser escarnecido", Ele não o será.
No entanto, quando se busca o discernimento religioso, é
importante não jogar fora o bebê junto com a água da
banheira. A raiz em latim da palavra "religião" é religio, que
significa "prender de volta". A religião verdadeira — seja no
contexto de uma instituição organizada ou uma
espiritualidade mais universal — nos religa à verdade de
quem somos, ao amor em nosso âmago e à compaixão que
cura. A única forma de superar a sombra é nos tornarmos
nosso verdadeiro self, e o que for preciso fazer para
chegarmos a esse lugar é, na essência, uma experiência
religiosa; para algumas pessoas, essa é uma experiência na
igreja, na sinagoga, na mesquita ou em um santuário; para
alguns, essa é uma experiência da natureza; para outros, é a
experiência de segurar o filho nos braços pela primeira vez.
A questão não é o que nos leva à experiência, mas o que nos
acontece ao chegarmos lá. Algo muda dentro de nós depois
de regressarmos ao âmago de nosso ser, ainda que só por um
instante. Isso nos dá um gostinho do que é possível dentro
de nós e ao redor. Ergue-se o véu que encobre a realidade
do amor, a extensão de nosso verdadeiro poder. Uma vez
que estejamos realinhados com nossa natureza essencial,
teremos o poder para fazer a sombra desaparecer.
Segundo Um curso em milagres, "milagres ocorrem
naturalmente, como expressões de amor". Sempre que nosso
coração estiver aberto, a escuridão é repelida pela luz.
Enquanto isso — seja num remédio que não inclua uma
perspectiva holística, uma religião que não inclua amor, uma
terapia que não inclua um poder superior, ou um
relacionamento que não inclua uma dimensão sagrada —, a
sombra irá pairar ao redor da porta, até algum momento em
que o medo apareça. Então,quando acontecer, ela penetrará
por entre a escuridão e fincará uma estaca no coração do
sonho de alguém.

ASSUMIR E REPARAR

Não importa quanto entendemos da sombra, a questão é nos
livrarmos dela. Porém, para fazer isso, primeiro precisamos
assumi-la. A solução para o problema da sombra, tanto no
pensamento judeu quanto no cristão, é o princípio da
reparação. E a ideia de que, uma vez que tenhamos
reconhecido nossos pecados e os entregado a Deus, com
verdadeiro remorso, seremos libertados das consequências
espirituais. ("Pecado" deriva de um termo da prática de
arqueiro, que significa que você errou o alvo; o significado
da palavra "pecado" é "erro".)
Buda descreveu a lei do carma, o que basicamente significa
causa e efeito — ação, reação, ação, reação. O princípio da
reparação significa que, em um momento de graça, o carma
ruim é queimado. Reparação é um tipo de botão de reset
cósmico, pelo qual os pensamentos sombrios mortais são
desfeitos e substituídos pela perfeição do amor.
Na religião católica, a prática da confissão é uma experiência
contínua de reparação, conforme os penitentes confessam
seus pecados e pedem perdão a Deus. Na religião judaica, o
Dia da Reparação, ou Yom Kippur, é o dia mais sagrado do
ano. Nesse dia, os judeus admitem e pedem perdão por to-
dos os pecados cometidos durante o ano; eles pedem a Deus
a chance de serem inscritos por outro ano no Livro da Vida.
Nos Alcoólicos Anônimos, os dependentes são aconselhados
a fazer um destemido inventário moral, admitindo seus
defeitos de caráter e pedindo a Deus que os remova. Todos
estes são exemplos de processos espirituais pelos quais a
sombra, quando trazida à luz, é transformada pelo poder de
reparação.
A reparação existe porque é necessária. Todos somos
humanos, somos magoados, e nos tornamos presas do lado
sombrio da existência humana. Sim, todos nós caímos, mas
não estamos sem os meios de levantar. No entanto, de modo
a fazê--lo, precisamos nos comprometer com o poder que
reconstrói nossas asas. Precisamos estar dispostos a trazer
nossa escuridão para a luz e conscientemente entregá-la a
Deus.
Digamos que eu percebi que uma situação difícil em minha
vida foi causada por um erro ou defeito do meu caráter.
Talvez eu fosse controladora em um relacionamento e isso
gerou um conflito com um amigo ou membro da família. A
reparação me chama a reconhecer meu aspecto sombrio —
nesse caso, minha natureza controladora — e pedir a Deus
que o remova.
Como discutimos antes, não basta dizer "Está certo, eu não
serei mais controlador". Essa é certamente uma boa
resolução e pode conduzir ao longo caminho da correção do
comportamento. Mas, quando um traço é realmente um
padrão de sua personalidade — uma faceta sombria que você
usa e que, de fato, é você, em seu pior, ou quase pior —, isso
se tornou entranhado na matriz comportamental. Não basta
apenas decidir ser diferente, porque a sombra já passou por
cima dos poderes normais de tomada de decisão. Uma vez
que a personalidade sombria já se desenvolveu — seu lado
cínico, invejoso, raivoso —, a cura requer de você uma
reparação: que você assuma a responsabilidade pelos danos
que já possa ter causado e peça a Deus que modifique seu
coração.
É essencial que olhemos profundamente para nossos
pensamentos e ações — particularmente onde cometemos
erros. Ao fazê-lo, estamos nos dirigindo não apenas a nossa
sombra individual, mas também à coletiva. E a cura do
mundo acabará emergindo não de nossa mudança, nem por
corrigirmos os outros, mas da vontade de mudar e corrigir a
nós mesmos. Desde que todas as mentes estejam unidas, a
habilidade de autocorreção tem influência corretiva no
universo inteiro. De maneira muito real, é a única coisa que
tem essa influência.
Essa correção pode começar com um pequeno cutucão da
consciência. A consciência é uma vergonha saudável — um
desconforto temporário que não vem da sombra, mas da luz.
Afinal, somente um sociopata é isento de qualquer remorso.
Isso é parte do que nos torna humanos, algo em nós que
sabe quando estamos errados.
O processo de reparação envolve coragem, compaixão e
honestidade com você mesmo: "Eu levanto esse assunto.
Percebo que é uma mágoa minha. Estou disposto a olhar
para isso e disposto a mudar." Em uma situação difícil é
muito fácil jogar toda a culpa nos outros. Mas aquele que
verdadeiramente busca diz: "O que foi que eu fiz de errado?
Qual foi a minha participação no desastre?"
Se não identificarmos onde somos desonestos, ásperos,
impiedosos, desrespeitosos, gananciosos, dominadores etc.,
então não podemos mudar aquilo. Se apenas reprimimos a
sombra, tentando rejeitá-la, ela existe como uma fração
desintegrada de nossa personalidade. E não temos poder
sobre o que não examinamos. Seja o que for, aquilo agirá
como um terrorista emocional entranhado na psique, capaz
de nos armar uma emboscada a qualquer hora. Ela se fará
conhecida, em uma situação ou outra, como um grito
psíquico que não podemos ignorar. Essa é a forma brilhante
da natureza de nos forçar a ver algo, pois nada atrai tanto
nossa atenção quanto passar por um desastre pessoal
sabendo que nós causamos aquilo.
A sombra age como uma série de minas terrestres em sua
personalidade. Você acha que está indo muito bem — você
montou sua lista, sua organização, seu plano de negócios, sua
vida financeira —, que está tudo muito bem organizado e,
de repente, faz algo que estraga tudo. Você mal pode
acreditar. Ninguém vacilou — foi você que o fez. E você
finalmente percebe que, até lidar com essa parte de sua
personalidade, provavelmente vai vacilar de novo.
Uma vez perguntei a uma mulher:
— Você está em um relacionamento agora?
E ela disse:
— Eu me detesto quando estou num relacionamento. Pre-
firo não estar.
Muita gente se identifica com isso. Dizemos a nós mesmos:
"Nem quero sair. Nem quero atrair um relacionamento, ou
uma oportunidade de negócios, nem coisa nenhuma, até que
eu tenha curado essa minha parte que certamente vai
sabotar o que vier a acontecer".
É preciso coragem para olhar profundamente para si mesmo,
mas, até que o façamos, não podemos ter liberdade nem paz
reais. Por isso, queremos ser cautelosos para não enfatizar
demais uma viagem fácil e rápida rumo à felicidade. A
iluminação nos traz alegria, mas não imediatamente.
Primeiro, precisamos enfrentar a mágoa que está diante dela.
Precisamos dedicar um tempo para refletir sobre nossas
disfunções, nossas sombras, porque, a menos que as
observemos, elas permanecerão no mesmo lugar. Mas isso
pode ser difícil. Saramos através de um processo do tipo
desintoxicante e, às vezes, temos de passar por sentimentos
difíceis que surgem para ser revistos. Algo emerge da
sombra de nossa mente subconsciente, dando-nos a chance
de ver isso claramente, e ficamos horrorizados em pensar
que somos assim. Mas não somos deixados nesse lugar sem a
ajuda do Iluminador. Se assim escolhermos, podemos
entregar a escuridão e pedir que ela seja curada. Deus não
vai nos tirar aquilo que não Lhe entregarmos
conscientemente, pois fazê-lo seria uma violação do livre-
arbítrio. Mas o que realmente entregamos e procedemos à
reparação é transformado.
Tal trabalho interior pode ser doloroso, mas é vital e
inevitável. A dor emocional é importante, da mesma
maneira que a dor física. Se você quebrasse uma perna e não
doesse, como saberia que precisaria ser engessada? A dor
física é a forma que o corpo tem de dizer: "Olhe isso. Cuide
disso. Atenção com isso". E com a dor psíquica é a mesma
coisa. Às vezes, precisamos dizer: "Preciso cuidar dessa dor.
Por que ela está aí? O que essa situação está tentando me
dizer? Que parte minha eu preciso tratar?" Se você vai ao
médico com o joelho machucado, o médico não dirá "Bem,
vamos olhar esse cotovelo". Com Deus é a mesma coisa. O
ferimento precisa ser visto. E o médico, tanto o humano
quanto o divino, não está ali para julgá-lo, mas para curá-lo.
Frequentemente, tememos dar uma boa olhada para a
sombra, porque queremos evitar a vergonha e o
constrangimento que pode vir ao admitir nossos erros.
Achamos que, se olharmos profundamente para nós
mesmos, ficaremos expostos demais. Não queremos olhar
para a própria sombra, porque tememos aquilo que podemos
ver. Mas a única coisa que realmente devemos temer é não
olhá-la, pois nossa negação da sombra é exatamente o que a
alimenta.
Em princípio, você diz: "Eu não quero olhar para isso,
porque me detesto". Mas, depois, completa: "Não, eu tenho
que olhar para isso, pois, de outra forma, não tenho como
entregar isso a Deus". E, quando o fizer, algo maravilhoso
vai lhe acontecer. Um dia, vi algo em mim que vinha
evitando por ser doloroso demais. Mas, quando olhei, tive
uma surpresa inesperada. Em vez de sentir aversão própria,
fui inundada por uma compaixão por mim mesma, porque
percebi quanta dor tive que passar para desenvolver aquele
mecanismo.
Todos somos sagrados; no entanto, o problema é que nossas
cicatrizes não se mostram assim aos olhos de outras pessoas.
Em vez disso, elas se mostram como defeitos de caráter. Se
uma criança de três anos está berrando e chorando, é
provável que digamos: "Oh, coitadinha, ela está cansada".
Mas quando você é uma pessoa de quarenta anos chorando e
berrando — mesmo que sua dor esteja diretamente
relacionada ao trauma da época dos três anos de idade —, as
pessoas não dirão "Nossa, ele está tão cansado". Dirão: "Ele é
horrível".
Seus defeitos de caráter não dizem respeito a você ser mau,
mas sim a estar ferido. Não importa quem ou o que causou o
ferimento, agora ele é seu e você é responsável por ele. Nem
importa onde arranjou seus defeitos de caráter. Agora eles
são seus. Você não pode viver com uma placa no pescoço
onde esteja escrito: "Não é culpa minha. Meus pais eram
difíceis". Sua única forma de sair desse enigma é assumir
total responsabilidade por esses defeitos.
Seus defeitos de caráter são sua forma de se sabotar, o meio
de ferir a si mesmo e aos outros. Por isso, você precisa
encarados. Até assumir total responsabilidade por sua
experiência, você não conseguirá mudar isso. Porém, uma
vez que tenha verdadeiramente olhado para si mesmo, pode
começar a se curar. Você abriu os olhos e agora vê. "Vejo
que fiz isso. Admito. Entendi. Farei o resgate do meu erro.
Estou disposto a fazer reparações. Quero fazer a coisa certa.
E agora rezo para me tornar uma pessoa melhor."
Nos momentos em que você se expressou segundo sua
sombra, você não acordou de manhã e disse "Acho que vou
ser um babaca hoje". Você não entrou na reunião e pensou
"Vou dizer e fazer coisas que farão as pessoas me
rejeitarem". Não, naqueles momentos você não percebeu
que estava fazendo algo parecido. Você estava sob o Efeito
Sombra. A sombra o lançou à escuridão e você ficou cego
para a luz. E, portanto, sofreu.
A sombra nos leva a fazer algo imbecil, depois nos pune
terrivelmente por termos sido tão tolos. A sombra não tem
piedade, mas Deus tem. Inferno é o que a sombra cria aqui e
amor é o que nos liberta disso. A reparação é um aspecto do
amor de Deus. Ao fazer reparações, somos libertados dos
padrões de disfunção e da trajetória de acontecimentos que
eles geraram. Esse é o milagre da transformação pessoal.
Depois de entregar a Deus as nossas decisões erradas do
passado, podemos dizer, com a frase de uma prece de Um
curso em milagres: "Não me sentirei culpado, pois o Espírito
Santo irá desfazer todas as consequências de minha decisão
errada se eu deixar que Ele o faça". Uma vez que fizer a
reparação com o coração sincero, você será libertado do
redemoinho cármico de seu drama sombrio.
Depois de assumir o que somos na sombra, podemos
prosseguir na jornada de volta à luz. Não somos curados
pintando nossos problemas de rosa, fingindo que eles estão
ali ou colocando a culpa de tudo em outras pessoas. Saramos
ao saber que qualquer sombra que esconda nossa luz está
sediada na própria mente. É nossa responsabilidade admitir
que ela está ali, abrir a porta para Deus e deixar que Ele faça
brilhar a luz para afastá-la. Ele sempre o fez, sempre o fará.


PERDOE A SI MESMO, PERDOE AOS OUTROS

Alguém pode tê-lo magoado quinze anos atrás e você ainda
não se conformou quanto ao que aquela pessoa lhe fez. Mas,
se for honesto consigo mesmo, talvez tenha magoado
alguém quinze anos atrás e nem prestou atenção nisso nos
últimos catorze anos. Somos mestres em ver o que os outros
nos fizeram, mas nem tanto ao olhar o que talvez tenhamos
feito aos outros.
A sombra não tem problema algum em focar na própria
sombra — contanto que seja a sombra de outras pessoas!
"Ele está se expressando segundo sua sombra, ela está se
expressando segundo sua sombra, e todos os outros estão se
expressando segundo suas sombras. Mas eu? Que sombra?"
Mais danos são provocados pelas pessoas que pensam ter
tudo sob controle do que pelas pessoas que são humildes
para perceber que talvez não tenham. As pessoas que olham
profundamente para a sombra sabem que ela não é apenas
uma coisinha, ou um erro trivial — é uma força cósmica
oponente à bondade do mundo, que aproveita qualquer
oportunidade para lançar a destruição ao coração humano.
Não há oportunidade maior para a sombra que pensarmos
que todos os nossos problemas estão em outras pessoas.
Uma projeção de culpa nos outros é algo endêmico ao
mundo mortal. Desde o momento em que nascemos, nos
ensinam um sistema de crença que reforça nosso senso de
separação: "Sou meu corpo e você é o seu. E Deus está fora
de nós dois". Mais percepções fracionadas emanam do senso
de separação que de qualquer outra coisa.
Primeiro de tudo, eu sou separado de Deus; depois, sou
separado de minha fonte e me sinto traumatizado pela forma
como um bebê é traumatizado quando é arrancado da mãe.
Esse trauma induz ao medo e, então, fico inclinado a ser
provocado por qualquer pessoa ou situação que pareça me
privar do que acho necessário — mesmo que esse não seja o
caso. Minha sombra provavelmente irá se manifestar como
paranóia ou carência.
Segundo, se sou separado do resto do mundo, então me
sinto impotente, já que sou tão pequeno e o mundo é tão
grande. Essa sensação de separação me leva a crer que sou
fraco, quando, na verdade, como filho do divino, tenho
fontes de força interior. Minha sombra então provavelmente
irá se manifestar enquanto eu estiver com minha pequenez
e me sentindo medroso demais para assumir minha força.
Terceiro, se estou separado das outras pessoas, estou sepa-
rado da experiência de amor e unidade que é meu direito de
nascença como ser humano. Não posso evitar sentir uma
solidão existencial em vez do prazer que deveria sentir na
companhia de outras pessoas. Minha sombra provavelmente
se manifestaria como apego excessivo aos outros, um
complexo de superioridade ou inferioridade, um
comportamento manipulador, defensivo, ou uma
personalidade dominadora ou controladora.
Por último, todos os aspectos de separação citados antes
envolvem um senso de separação do self, a partir de onde
emergem todas as outras formas de sombra. Se sou separado
de mim mesmo e meu verdadeiro self é o amor, estou
separado do amor. Minha sombra provavelmente se
manifestaria como qualquer coisa que não fosse amor,
direcionando isso a mim ou aos outros, desde o abuso de
substâncias até a violência.
Como todas as manifestações da sombra estão enraizadas nas
ideias de separação, a cura do pensamento errôneo de que
somos separados do resto da vida — de nosso Criador, das
outras pessoas e das outras coisas — é a solução fundamental
para o problema da sombra. A reconciliação da mente e do
espírito, o regresso da alma ao seu conhecimento divino, é o
ponto de iluminação que vem banir toda a escuridão.
E o que é a luz que vemos quando nossas mentes são
reconciliadas com a verdade? Não só vemos que somos um
com os outros, mas também que todos carregamos sementes
do divino. Fomos criados por Deus, à imagem de Deus, à
semelhança de Deus. Somos perfeitos como todas as suas
criações. Merecemos ter, de nós mesmos e dos outros, a
mesma misericórdia que Deus demonstra a cada um de nós.
E, quando nos lembramos disso — quando nossas mentes
foram curadas da ilusão de que nossas sombras nos definem
—, a demonstração de misericórdia e perdão virá
naturalmente.
O importante não é a forma que a sombra assume. A questão
é que a sombra se desenvolveu por uma razão, e apenas
uma. Em um instante, o amor partiu — ou assim você
pensou. Não importa se ele se foi na forma do abandono de
uma mãe ou da raiva de um pai. O que importa é que nesse
momento traumático você perdeu o contato consciente com
a experiência do amor de Deus. E ficou temporariamente
insano. Agora, a cada vez que aquele trauma é provocado,
você fica novamente insano. A questão não é o que causou
o trauma. Não é de importancia fundamental que drama
mortal levou a isso. O que importa é que seu espírito seja
recuperado. O que importa é que você seja religado ao amor
agora, que sua mente seja curada de sua insanidade agora,
que você perdoe a si mesmo e aos outros agora.
O perdão não significa ver a escuridão e lhe dar anistia. Em
vez disso, significa ver a escuridão, mas decidir deixá-la
passar. E deixá-la passar não porque você está em negação,
mas porque sabe que a sombra não é real. Há negação real e
negação positiva. Você simplesmente está negando o que
não está ali.
Quando você está carente, esse não é seu eu real. Quando
está interpretando, esse não é seu eu real. Quando está
zangado, esse não é seu eu real. Seu eu real é divino,
amoroso, e desafia o ser. Ele pode ficar temporariamente
invisível, escondido atrás de um véu, mas não pode ser
desfeito, pois Deus o criou. Estará sempre ali.
A sombra é um self ilusório, a máscara de um impostor. Ela
possui efeitos "reais" dentro do mundo mortal — desde a
sabotagem a si mesmo até a repelencia aos outros —, mas o
perdão significa estender sua percepção além do real até o
Real, além da escuridão mortal até a luz eterna. E, quando vê
a Realidade, em si mesmo e nos outros, você ganha poder
para evocá-la. Somos curados quando nos sentimos
perdoados. Saramos na presença da compaixão. Se você
realmente quer que alguém mude, o milagre está na
habilidade de ver quão perfeito ele é.
A sombra não vai embora quando é atacada, mas promove a
cura quando é perdoada. Não removemos nossa máscara
sombria na presença de alguém que nos culpa, mas na
presença de alguém que diz, através de palavras ou
comportamentos: "Eu sei que isso não é você".
Milagrosamente saramos na presença de alguém que acredita
em nossa luz, mesmo quando estamos perdidos em nossa
escuridão. E, quando aprendemos a ver os outros na luz de
seu verdadeiro ser, estando ou não sob essa luz, temos o
poder de realizar esse milagre por eles.
O perdão é uma ação, mas ele surge de uma postura. Pode
ser difícil perdoar alguém cujo comportamento nos magoou,
a menos que tenhamos baseado nossas percepções em um
esforço constante para enxergar além da escuridão da
personalidade.
A prática espiritual é a chave para nosso poder, como
condutores de luz, pois não podemos estender a paz se não a
cultivamos. Nossos pensamentos e atitudes precisam de
treinamento persistente em um mundo tão decidido a nos
convencer de que somos quem não somos e de que não
somos quem, de fato, somos. O pensamento do amor é
completamente oposto ao pensamento que domina esse
mundo; por isso, precisamos constantemente ser lembrados
da luz. Da mesma forma que você toma um banho pela
manhã para tirar do corpo a sujeira de ontem, deveria fazer a
sua prática espiritual pela manhã para tirar da mente e de seu
coração o pensamento de ontem.
O mundo está constantemente nos atraindo a pensamentos
de medo — ataque, defesa, raiva, julgamento etc. — em vez
de amor. Ele constantemente tenta nos convencer de que a
sombra é real e a luz não é. "Fulano é um babaca. A culpa é
dele. Fulano é culpado." Ou, ao contrário: "Eu sou um
babaca. A culpa é minha. Sou culpado". No entanto, projetar
a culpa em si mesmo acaba sendo uma blasfêmia, tanto
quanto projetá-la nos outros.
O verdadeiro perdão significa saber que ninguém, de fato, é
culpado. Todos nós somos inocentes aos olhos de Deus.
Nossa luz é que é real, não nossa escuridão.

"NÃO RESISTA AO AMOR"

Considerando que Buda foi iluminado sob a árvore Bodhi e
abriu o caminho para uma vida de compaixão; que Moisés
simplesmente tocou o mar e ele se abriu; que Jesus
ressuscitou e voltou dos mortos, seria de esperar que
levássemos esses exemplos mais a sério. Deveríamos pensar
em aplicar suas mensagens com mais consistência, abrindo
nosso coração, abrindo mais as águas, erguendo-nos acima
de nossas ilusões.
Embora bilhões de almas professem a crença nas religiões do
mundo, há um passo evolutivo que parecemos não dar. A
humanidade fica empacada na sombra, apesar de todos os
seres de luz e das mensagens de amor que surgiram ao longo
da história. Os grandes mestres e professores iluminados são
nossos irmãos mais velhos de evolução, seres que
atualizaram a luz divina que reside dentro de todos. Toda
religião é uma porta a essa luz, mas frequentemente a porta
permanece fechada.
E por quê? Por que, em razão do sofrimento que a sombra
impõe, não abraçamos a luz com mais seriedade?
Em meu livro Um retorno ao amor, um parágrafo parece ter
tocado as pessoas. Nele há uma frase que talvez seja o mo-
tivo: É nossa luz, e não nossa escuridão, que mais nos
amedronta.
Mas que grande "Bingo!" parece surgir das pessoas quando
elas lêem essa frase. Se formos honestos conosco,
percebemos que o problema não é tanto o fato de sermos
aprisionados pela sombra, mas o fato de evitarmos a luz.
Resistimos ativamente à emersão em nosso melhor self. E,
enquanto não lidamos com isso, o padrão de esquiva
prossegue, sem questionamento ou contestação. A única
forma de escapar da sombra é ser maior que ela, deixá-la cair
como a roupa velha e gasta que ela é, e tornar-se o gigante
espiritual que cada um de nós deve ser.
Por mais bizarro que possa parecer, nossa sombra é uma
zona de conforto. Contanto que estejamos sendo fracos, não
temos responsabilidade alguma de ser fortes. Não devemos a
ninguém o brilho, contanto que permaneçamos na
escuridão. Nosso hábito emocional é evitar a luz. Talvez
digamos que estamos esperando que a luz brilhe sobre nós,
mas ela não pode brilhar sobre nós, pois ela brilha de nós.
Em algum lugar, lá no fundo, sabemos disso. Nosso maior
medo não é que sejamos inadequados. Nosso maior medo é
ter poder além das medidas. Estamos prestes a dar um passo
imenso rumo à luz do verdadeiro ser, não apenas como
indivíduos, mas como uma espécie. E, de alguma forma,
ainda nos retraímos. No momento final do "devo, ou não
devo?", na verdade, estamos fingindo para nós mesmos que
temos uma escolha.
Qual é a sua alternativa para ficar limpo e sóbrio? Morrer de
doença? Qual é sua alternativa ao perdão? Tornar-se amargo
e duro? Qual é a nossa alternativa para enxergar o sagrado na
natureza? Que destruamos a terra? Qual é a nossa alternativa
à paz? Explodirmos o mundo?
Na verdade, a sombra diria sim a essas coisas, com um
repertório clássico do traiçoeiro e do insano. "Beba outro
drinque; não tem nada de mais. Nunca se esqueça do quanto
isso dói. Sempre haverá pobres. A terra ficará bem, não se
preocupe." — E a melhor de todas para a época em que
vivemos é: "O quê? Você é compassivo em relação ao
terrorismo ou algo assim?"
Acontece uma mágica quando você simplesmente diz não.
"Não, eu não quero mais ser fraco. Não, eu não quero mais
agir estupidamente. Não, eu não quero mais ser conhecido
pelos meus defeitos. Não, eu não quero mais desperdiçar
meus talentos. Não, eu não quero mais fingir ser pequeno."
E também há mágica quando aprendemos a dizer sim. "Sim,
farei uma escolha para amar e farei essa escolha todos os
dias. Sim, eu me dedico à luz e sou proativo na escolha de
servi-la." Em um "casamento sagrado" com o amado divino,
eu não apenas me comprometo com possibilidades e
perspectivas superiores, mas — igualmente importante —
renuncio a todas as outras. É claro que você poderia se
tornar cínico. Claro que poderia se tornar amargo. E claro
que poderia simplesmente seguir com a maré. A questão é
que você não escolhe mais isso.
Perguntamos a nós mesmos: Quem sou eu para ser
brilhante, deslumbrante, talentoso e fabuloso? Na verdade,
quem é você para não ser? Você é um filho de Deus.
Interpretar um papel pequeno não serve ao mundo. Não há
nada de iluminado em se encolher para que os outros não se
sintam inseguros perto de você. Nascemos para tornar
manifesta a gloria de Deus, que está dentro de nós. Não
apenas em alguns de nós, mas em todos. E, ao deixarmos
brilhar nossa luz, inconscientemente damos às outras
pessoas a permissão para fazerem o mesmo. Ao sermos
libertados de nosso medo, nossa presença automaticamente
liberta os outros.
Chegamos a um ponto onde a humanidade viajará a uma
direção ou outra. Estamos sendo forçados a escolher um
caminho de medo ou amor. Estamos nos deslocando em
direção à escuridão ou à luz. Sabemos o que o caminho do
medo oferece. Se os pensamentos de ataque alcançam um
nível suficientemente alto — digamos, algumas centenas de
bombas nucleares lançadas ao redor do mundo —, a
insanidade da sombra finalmente seria saciada, pois, então,
tudo seria escuridão.
E quanto ao caminho ao amor? Como seria um mundo de
luz? Será que nossos olhos físicos poderiam ver tudo isso?
Uma vez, tive um sonho que jamais esquecerei. Entrei em
uma sala muito parecida com um restaurante. Todos se
viraram, entusiasticamente, para cumprimentar a nova
pessoa que havia chegado. No meio da sala havia um
chafariz gigante, e junto às paredes ao redor as pessoas
estavam sentadas em espaços que pareciam cisnes enormes.
As outras cores da sala eram azul, verde e turquesa. Todos
das mesas estavam envolvidos numa conversa muito alegre.
Era o ambiente mais feliz que eu já pude imaginar.
Quando acordei, meu primeiro pensamento foi que ali devia
ser o céu. Vi o sonho dessa maneira, até ler, em Um curso
em milagres, que a frase "o céu e a Terra passarão" significa
que eles não mais existirão como dois estados separados. O
ponto principal daquele sonho não era a aparência do céu,
mas a aparência da Terra. Viveremos na Terra como fizeram
nossos irmãos mais velhos de evolução — no entanto, assim
como eles, só teremos pensamentos celestiais. Viveremos na
Terra, mas conheceremos a alegria celeste. Viveremos em
um mundo que agora está saturado de medo, mas a luz
dentro de nós brilhará com tanta intensidade que a
escuridão não existirá mais.
Penso que a maioria de nós acredita, lá no fundo, que
podemos emergir e nos tornar as pessoas que somos capazes
de ser. Podemos pôr em prática nosso potencial divino.
Podemos nos tornar uma espécie de consciência repleta de
luz, em cuja presença toda a escuridão automaticamente
desapareça.
Podemos. E isso não é um sonho. Como qualquer um de nós
escolhe, a qualquer hora, o amor acima do medo,
acrescentamos uma grande onda de amor que está lavando o
mundo, mesmo agora. Pelo bem dos recém-nascidos, e a
exuberância do novo amor, pela glória da natureza e a
maravilha dos animais, pela misericórdia de Deus e pelo bem
de nossos netos, para honrar e preservar o pôr do sol — é a
hora.

O Efeito Sombra
QUESTIONÁRIO

"Somente quando temos coragem para enfrentar as coisas
exatamente como elas são, sem qualquer autoengano ou
ilusão, é que uma luz surgirá dos acontecimentos, pela qual o
caminho do sucesso poderá ser reconhecido."
I Ching


1. Há quanto tempo você vem trabalhando os
mesmos assuntos, seja na carreira, na saúde, nos
relacionamentos pessoais ou nas finanças?
A. Menos de doze meses
B. um a três anos
C. Mais de cinco anos
D. Mais de dez anos

2. Nos últimos doze meses, quantas vezes você
guardou algo importante no lugar errado,
recebeu uma multa de trânsito, teve um acidente
ou destruiu algo de valor?
A. Nenhuma
B. Uma ou duas
C. Mais de cinco vezes
D. Mais de dez vezes

3. Com que frequência você se sente falso,
inautêntico, ou acha que precisa de muito
esforço para fazer com que as pessoas o vejam de
determinada maneira?
A. O tempo todo
B. Ocasionalmente
C. Quase nunca
D. Nunca

4. Se seus amigos, colegas de trabalho e familiares
fossem entrevistados, eles diriam que você
reclama...
A. Raramente, ou nunca
B. Talvez uma vez por dia
C. Frequentemente
D. O tempo todo

5. Nos últimos doze meses, quantas vezes você
disse ou fez algo de que se arrependeu depois,
seja imediatamente ou com o passar do tempo?
A. Nenhuma
B. Uma ou duas vezes
C. Mais de cinco vezes
D. Mais de dez vezes

6. Depois de uma realização pessoal - alcançar o
peso desejado, pagar as contas de seu cartão de
crédito, organizar casa ou escritório etc. -, quais
das emoções abaixo você é mais inclinado a
sentir?
A. Aliviado por ter conseguido, mas cauteloso para
não voltar aos antigos comportamentos.
B. Orgulhoso, no direito de receber um prêmio por
todo seu trabalho duro!
C. Inspirado por seu sucesso e comprometido a
continuar o bom trabalho
D. Ressentido por precisar trabalhar tanto

7. Com que frequência você percebe que está se
sentindo inadequado, indigno, insuficientemente
bom ou não amado?
A. O tempo todo
B. Ocasionalmente
C. Quase nunca
D. Nunca

8. Numa escala de 1 a 10, que disposição você tem
de falar a verdade, mesmo quando ela vai de
encontro à opinião dos outros?
A. 8 a 10 - Sou muito disposto a falar a verdade
B. 5 a 7 - Na maioria do tempo estou disposto a falar
a verdade
C. 3 a 5 - Ocasionalmente estou disposto a falar a
verdade
D. 1 a 2 - Quase nunca estou disposto a falar a
verdade

9. Qual é o foco primário de sua vida nesse
momento?
A. Avançar na carreira, melhorar a saúde, construir
riqueza ou aprofundar relacionamentos.
B. Administrar relacionamentos desgastados ou
"apagar incêndios" no trabalho ou em casa
C. Fazer um progresso mensurável na direção de
seus objetivos, ao longo de um período razoável
de tempo
D. Tentar desviar ou evitar o desastre imediato nas
finanças, nos relacionamentos ou na carreira

10. Com que porcentagem de seu tempo você pode
dizer que honra sua palavra e suas promessas -
seja a si mesmo ou aos outros?
A. Menos de 10%
B. Menos de 25%
C. Aproximadamente metade do tempo
D. A maior parte do tempo

11. Quanto tempo você gasta diariamente com
fofoca – seja sobre alguém que você conhece,
lendo tablóides ou assistindo a programas de
fofoca na televisão?
A. Tempo algum
B. Menos de uma hora por hora
C. Mais de uma hora por dia
D. Mais de três horas por dia

12. Qual das afirmações abaixo você usaria para
descrever sua vida?
A. Na maior parte do tempo, as coisas funcionam
para mim com certa facilidade
B. Eu tenho muitos talentos e dons, mas não os
utilizo em seu total potencial
C. Sou perseguido pelo azar e me vejo numa
situação ruim após a outra
D. Preciso trabalhar duro só para manter a média

13. Quantas horas por dia você passa trabalhando
para atingir seus objetivos de longo prazo?
A. Nenhuma
B. Menos de vinte minutos por dia
C. Uma hora ou mais por dia
D. Você não tem objetivos de longo prazo

14. Com que frequência você se sente maltratado,
incompreendido, ou como se alguém tirasse
proveito de você - tanto na vida pessoal quanto
na profissional?
A. Todo dia
B. Frequentemente
C. Ocasionalmente
D. Raramente ou nunca

15. Quando lhe pedem que faça algo que você não
tem interesse em fazer, você fica mais inclinado
a:
A. Dizer não, de consciência tranquila
B. Dizer não, mas se sentir culpado por isso
C. Dizer sim, mas não cumprir
D. Dizer sim, mas se ressentir por isso

16. Imagine que sua vida é uma casa com muitos
cômodos - de alguns, você gosta, de outros, tem
vergonha. Quantas pessoas você permite ver
todos os seus cômodos?
A. Ninguém
B. Uma pessoa significativa - cônjuge, amante,
melhor amigo ou irmão etc.
C. Um pequeno punhado de pessoas me conhece
tão bem assim
D. Há muita gente em minha vida que me conhece
tão bem assim

17. Quando você se sente magoado por alguém ou
algo, o que tende a fazer?
A. Guarda para você
B. Reflete, perdoa e segue em frente
C. Confronta a situação
D. Fala a respeito com todos, menos com a pessoa
envolvida

18. Quando você tem um impulso ou uma ideia de
como melhorar algum aspecto de sua vida, o que
faz?
A. Ignora completamente
B. Dá alguns passos na direção certa, mas raramente
vê o projeto chegar até a linha final
C. Diz a si mesmo que "um dia desses, eu faço"
D. Cria uma estrutura de apoio ao redor de si
mesmo, para garantir que você entre em ação

19. Na última vez que você se viu,
inesperadamente, com um período de tempo
livre, o que fez?
A. Desperdiçou, fazendo compras em catálogos,
vendo televisão ou navegando na internet
B. Usou a oportunidade para seguir adiante em um
projeto importante
C. Relaxou e se rejuvenesceu tirando um cochilo,
meditando ou lendo
D. Sua vida é tão caótica que você nem consegue se
lembrar de quando teve um tempo livre
inesperado

20. Quando você comete um erro, o que é mais
provável que faça?
A. É gentil consigo mesmo e resolve fazer as coisas
de forma diferente no futuro
B. Coloca as coisas em perspectiva, reconhecendo a
si mesmo pelo que fez certo
C. Cai na autocrítica
D. Interpreta seu erro como uma evidência de que
você é incompetente e para de tentar

Calcule sua Pontuação

NO GABARITO A SEGUIR, CIRCULE A RESPOSTA QUE VOCÊ
ESCOLHEU PARA CADA PERGUNTA E, AO TERMINAR, SOME OS
PONTOS.
AGORA DESCUBRE COMO O EFEITO SOMBRA ESTÁ AGINDO EM
SUA VIDA.


O EFEITO SOMBRA - AVALIAÇÃO

Se marcou entre 3 e 37 pontos

Você está na zona neutra, o que significa que está livre (por
ora) de muitas crenças e ferimentos internos que dão origem
aos comportamentos destrutivos causados por sua sombra.
Você possui uma elevada autoestima, suas ações estão
proximamente alinhadas aos seus valores e você
provavelmente está realizando um progresso em direção aos
seus objetivos de longo prazo. Continue amando e ouvindo
a si mesmo.

Se marcou entre 38 e 75 pontos

Talvez você não esteja vivenciando totalmente o peso e o
impacto da sombra nesse momento, mas, provavelmente,
está empregando muito esforço para reprimir e esconder
partes que desgosta de si mesmo e de sua vida. A energia
que está usando para impedir que as coisas fujam ao controle
— seja no trabalho, em casa, ou em relação à saúde e bem-
estar — estaria mais bem empregada se fosse direcionada na
obtenção de seus objetivos e desejos.


Se marcou entre 76 e 112 pontos

Ou você gasta muito tempo e energia tentando administrar a
opinião alheia a seu respeito, ou está profundamente
resignado quanto às condições de sua vida. Isso é a sombra
trabalhando, e ela o paralisa na tomada de ações corretivas.
Se for deixada à revelia, o caos interno que está vivenciando
pode levá-lo ao caminho do desastre. No entanto, a boa
notícia é que cada ato de sabotagem própria apresenta uma
oportunidade de despertá-lo ao que é verdadeiramente
importante. Abra seu coração, examine a sombra e você
começará a ver como a sua dor mais profunda, quando
digerida e compreendida, é moldada para levá-lo ao seu
destino maior.

O trabalho com a sombra é o trabalho do guerreiro do
coração. Se estiver pronto para mais amor, mais paz, mais
satisfação e mais sucesso, visite-nos em
TheShadowEjfect.com.

Sobre os Autores

DEEPAK CHOPRA é autor de mais de 55 livros traduzidos
em mais de 35 idiomas, entre eles inúmeros títulos que
ocuparam a lista de mais vendidos do New York Times,
tanto na categoria de ficção quanto na de não ficção. Alguns
de seus livros mais vendidos incluem As sete leis espirituais
do sucesso; Como conhecer Deus; A realização espontânea
do desejo; O livro dos segredos; Buda; O terceiro Jesus;
Jesus; Reinventing the Body [Reinventando o corpo];
Ressurrecting the Soul [Ressuscitando a alma]; e The
Ultimate Happiness Prescription [A receita da felicidade
suprema].
O programa de Chopra, intitulado Wellness Radio, vai ao ar
na Sirius XM Stars, canais 102 e 55, e aborda as áreas de
sucesso, amor, sexualidade e relacionamentos, bem-estar e
espiritualidade. Ele é colunista dos jornais San Francisco
Chronicle e The Washington Post, e contribui regularmente
escrevendo para os sites Oprah.com, Intent.com e para o
The Huffington Post.
Dr. Chopra é membro da American College of Physicians,
da American Association of Clinical Endocrinologists,
professor adjunto da Kellogg School of Management e
cientista senior da Gallup Organization. A revista Time
reputa Deepak Chopra como um dos cem heróis e ícones do
século, dando-lhe o título de "poeta-profeta da medicina
alternativa". Visite o autor em www.deepahchopra.com.

DEBBIE FORD é aclamada internacionalmente como
professora, palestrante, instrutora transformacional, cineasta
e autora de livros campeões de vendas que guiaram milhares
de pessoas extraordinárias ao aprendizado do amor, da
confiança e da posse de tudo que são.
Debbie é uma força pioneira na incorporação do estudo e
integração da sombra humana às práticas psicológicas e
espirituais modernas. É produtora executiva de The Shadow
Effect, o filme, um documentário arrebatador que apresenta
Deepak Chopra, Marianne Williamson e outros pensadores e
amados professores. O filme foi homenageado em
prestigiados festivais e considerado um dos mais importantes
da década. Debbie é autora de O lado sombrio dos
buscadores da luz, campeão de vendas que figurou no
primeiro lugar da lista de mais vendidos do New York
Times, e também de títulos como O segredo da sombra e
Why Good People Do Bad Things [Por que pessoas boas
fazem coisas ruins]. Também é a criadora do workshop
renomado mundialmente, conhecido como Shadow Process
Workshop.
Debbie é fundadora do The Ford Institute for
Transformational Training, renomada organização de
treinamento pessoal e profissional que oferece formação
emocional e espiritual a indivíduos e organizações ao redor
do mundo, com base em sua obra sobre a sombra, assim
como em seus livros Divórcio espiritual, The Right
Questions [As perguntas certas], O melhor ano da sua vida
pode começar hoje e The 21-Day Consciousness Cleanse
[21 — O dia da consciência limpa]. Sua paixão e dedicação à
educação também a inspirou, assim como à comunidade
global de instrutores transformacionais que ela treinou, para
a criação da The Collective Heart, organização sem fins
lucrativos que ajuda a transformar a educação ao redor do
mundo.
Visite Debbie em DebbieFord.com.

MARIANNE WILLIAMSON é professora espiritual
internacionalmente aclamada. Seu livro mais recente, A
idade dos milagres, chegou ao segundo lugar da lista dos
mais vendidos do New York Times. Dentre suas outras nove
publicações, quatro delas — incluindo Um retorno ao amor
— alcançaram o número um na lista dos mais vendidos do
New York Times. Um retorno ao amor é tido como leitura
obrigatória da nova espiritualidade. Um parágrafo do livro
começa com "Nosso medo mais profundo não é sermos
inadequados. Nosso medo mais profundo é termos poder
além das medidas" — frequentemente atribuído ao discurso
inaugural de Nelson Mándela e é considerado um hino da
geração contemporânea de buscadores.
Outros livros de Marianne são: Graça cotidiana, 0 valor da
mulher, Illuminata, Healing the Soul of America [Curando a
alma da América], O dom da mudança e Emma and
Mommy Talk to God [Emma e Mamãe falam com Deus].
Ela já foi convidada de famosos programas de televisão,
como The Oprah Winfrey Show, Larry King Live, Good
Morning America e Charlie Rose.
Marianne é natural de Houston, Texas. Em 1989, fundou a
Project Angel Food, um programa de refeições sobre rodas,
que serve pessoas acamadas com aids, que não podem sair de
casa, residentes da região de Los Angeles. Hoje, o Project
Angel Food serve mais de mil pessoas diariamente.
Marianne também foi cofundadora da The Peace Alliance,
uma campanha de apoio à legislação para estabelecer um
Departamento Americano de Paz.
Em dezembro de 2006, uma pesquisa da revista Newsweek
nomeou Marianne Williamson uma das 50 maiores
influenciadoras da geração baby-boom. Segundo a revista
Time, "Ioga, Cabala e Marianne Williamson passaram a ser
adotados por aqueles que buscam um relacionamento com
Deus que não seja estritamente guiado pelo cristianismo".
Visite seu site: www.marianne.com.





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