quinta-feira, 21 de fevereiro de 2013 By: Fred

{clube-do-e-livro} N°16 LIVRO: CPDOC - CENTRO DE PESQUISA E DOCUMENTO ESPÍRITA - AUTORES DIVERSOS

ÍNDICE
O MÉTODO DE ESTUDO DE CASO E SUA APLICAÇÃO
EM PESQUISA SOBRE O ANIMISMO—4
A GLÂNDULA PINEAL—30
ESTRUTURA E METODOLOGIA PARA
GRUPOS DE PESQUISA MEDIÚNICA—49
O PERISPÍRITO SEGUNDO ALLAN KARDEC—70
Obsessão: proposta de um projeto de pesquisa integrado—94
OBSESSÃO: MÉTODO PARA UM LEVANTAMENTO
BIBLIOGRÁFICO----------106
OBSESSÃO: ROTEIRO PARA ESTUDO DE CASO—120
OBSESSÃO: ATENDIMENTO INICIAL--128
PASSES: DISCUSSÃO E PROPOSTAS---146
Perispírito - Uma visão do século XX—160
AGENDA ESPÍRITA:
Identificando antigas e novas demandas para atualizar o Espiritismo--------173-
CENTRO ESPÍRITA: uma revisão estrutural---205
EPISTEMOLOGIA E CIÊNCIA ESPÍRITA
Contribuição para Debate---305
O PROCESSO DE MUDANÇAS DO ESPIRITISMO—323
O QUE DISSE KARDEC?
É o espiritismo uma religião?----338
A FÍSICA NO ESPIRITISMO---344
COSMOLOGIA, EXOBIOLOGIA E ESPIRITISMO
UM ESTUDO SOBRE A VIDA E O UNIVERSO----363
OS PRODUTOS DAS MANIFESTAÇÕES MEDIÚNICAS COMO
INSTRUMENTO DE PROVA EM PROCESSOS JUDICIAIS---379
Reinaldo Lucia-(pesquisa espírita)--395

O MÉTODO DE ESTUDO DE CASO E SUA APLICAÇÃO
EM PESQUISA SOBRE O ANIMISMO


Jacira Jacinto da Silva e Mauro de Mesquita Spínola

1INTRODUÇÃO................................................................................ 2
2AS ABORDAGENS DE PESQUISA CIENTÍFICA.................................................... 2


2.1 Métodos quantitativos....................................................................... 4


2.2 Métodos qualitativos......................................................................... 4


2.3 Quando cada estratégia é usada ........................................................... 5
3O MÉTODO DE ESTUDO DE CASO .............................................................. 6


3.1 "Como" e "por que"............................................................................ 7


3.2 Etapas do método de estudo de caso...................................................... 7


3.3 Limitações do método........................................................................ 8
4ANIMISMO: UMA REVISÃO BIBLIOGRÁFICA .................................................... 8


4.1 Kardec e o animismo......................................................................... 9


4.2 O que é animismo............................................................................11


4.3 Espécies de fenômenos anímicos.........................................................15


4.4 Exemplos......................................................................................16


4.5 O animismo no centro espírita.............................................................18


4.5.1 Como identificar o fenômeno anímico nas comunicações 18

4.5.2 Com que incidência ocorre 19

4.5.3 O que tem sido feito 20

4.6 Um questionamento .........................................................................20
5UM EXEMPLO DE PROJETO DE PESQUISA: ANIMISMO........................................ 23


5.1 Visão geral....................................................................................24


5.1.1 Questões 24

5.1.2 Proposições 24

5.2 Procedimentos de campo...................................................................24
6CONCLUSÕES.............................................................................. 25
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS............................................................... 25



1
Introdução

Este trabalho realiza uma pesquisa bibliográfica sobre os principais métodos de
pesquisa e discute sua aplicação na pesquisa espírita, com ênfase no método de estudo de
caso.

Os métodos de pesquisa podem ser classificados em quantitativos (também
chamados tradicionais) e qualitativos. Entre os métodos qualitativos podemos citar a pesquisa-
ação (realizada juntamente com uma ação ou resolução de um problema, e onde os
pesquisadores desempenham um papel ativo nessa resolução), e o estudo de caso.

O estudo de caso documenta e analisa a atividade de uma organização ou de um
pequeno grupo dentro dela. Estuda situações onde as fronteiras entre o fenômeno e seu
contexto não são claras. É utilizado como estratégia quando questões do tipo "como" e "porque"
são colocadas, quando o pesquisador tem pouco controle sobre os eventos e quando o foco é
sobre um fenômeno contemporâneo dentro de um contexto real.

O método de estudo de caso recebe atenção especial, sendo apresentado e
analisado com maior detalhe. São vistas as suas etapas fundamentais, além de alguns
exemplos de aplicação em algumas áreas de pesquisa.

A aplicabilidade deste método em pesquisa espírita é discutida, com ênfase nas
vantagens, dificuldades e riscos de sua utilização na área.

O trabalho se encerra com um exemplo de projeto de pesquisa de estudo de caso,
cujo foco é o estudo do animismo. Visando a preparação deste protocolo é apresentada uma
revisão bibliográfica sobre esse tema ainda pouco explorado.

2
As abordagens de pesquisa científica

Ao propor uma discussão sobre o problema do método na pesquisa espírita, há a
necessidade de levantar uma questão prévia: qual a diferença entre pesquisa científica e senso
comum? Pervez Ghaury e outros, ao destacar essa questão em seu estudo sobre a pesquisa na
área de administração concluiu que1:


a pesquisa não é muito diferente da solução de problemas práticos,

pesquisa é diferente de senso comum porque é feita sistematicamente, visa
alcançar objetivos específicos e baseia-se em métodos específicos,

o processo de pesquisa (que envolve decidir o que fazer, coletar
informações, descartar informações irrelevantes, analisar as informações
relevantes e buscar uma conclusão de forma sistemática) pode ser aplicado
para qualquer processo de acumulação de conhecimento,


a diferença entre uma observação científica e uma observação baseada em
posição pessoal é que a pesquisa científica é feita sistematicamente e é
baseada na lógica, não em crenças.
As conclusões de Ghaury, análogas às expostas por estudiosos de outras áreas,
podem ser aplicadas também para o contexto da pesquisa espírita. O pesquisador de qualquer
área possui crenças, experiência, e precisa, apesar disso, estabelecer um processo de pesquisa

1 Pervez Ghaury. Research methods in business studies: a practical guide. p. 5-6


baseado na lógica e instrumentos objetivos (não subjetivos) de análise. A pesquisa deve ser,
portanto, impessoal.

A segunda conclusão, em particular, é muito relevante para a pesquisa espírita, já
que seu objeto de estudo – a alma dos vivos e o espírito dos mortos – tem natureza peculiar e
seu estudo necessita de método adequado, observação já feita por Kardec:

"As ciências ordinárias assentam nas propriedades da matéria, que se pode experimentar e
manipular livremente; os fenômenos espíritas repousam na ação de inteligências dotadas de
vontade própria e que nos provam a cada instante não se acharem subordinadas aos nossos
caprichos. As observações não podem, portanto, ser feitas da mesma forma; requerem
condições especiais e outro ponto de partida. Querer submetê-las aos processos comuns de
investigação é estabelecer analogias que não existem". 2

Herculano Pires complementa o alerta kardequiano mostrando que essa questão
está também presente em outras áreas:

"Encarando a obra de Kardec pelo seu aspecto científico, sem os preconceitos que têm
impedido a sua justa avaliação, ela nos parece inatacável. Alega-se que o seu método de
pesquisa não era científico, mas foi ele o primeiro a explicar que não se podiam usar na
pesquisa psíquica os métodos das ciências físicas. O desenvolvimento da Psicologia provaria
mais tarde que Kardec estava com a Razão".3

Além da Psicologia, também as ciências sociais, a economia, a medicina, a
antropologia e outras disciplinas científicas necessitam, pela particularidade de seu objeto de
estudo, de métodos específicos.

Ghaury mostra também que há dois caminhos para estabelecer o que é verdadeiro
ou falso e desenhar conclusões4,5:


pela indução, tiramos conclusões gerais a partir de observações empíricas
(quando usamos fatos para gerar uma teoria a ele consistente, estamos
usando um pensamento indutivo, muitas vezes o primeiro passo numa
pesquisa científica),

pela dedução, tiramos conclusões baseados em princípios e leis, a partir de
raciocínio lógico, procurando observar as conseqüências específicas de uma
teoria formulada.
"A diferença [entre dedução e indução] é que fatos adquiridos através de observações levam-
nos a teorias e hipóteses, enquanto com a dedução (análise lógica) nós aceitamos ou
rejeitamos as hipóteses".6

Ghaury estuda ainda como abordar um problema de pesquisa, concluindo que duas
questões devem ser respondidas pelo pesquisador:


qual é o problema e

como deve proceder para resolver o problema7.
2 Allan Kardec. O livro dos espíritos. p. 28-29.
3 José Herculano Pires. Introdução à filosofia espírita. p. 25
4 Pervez Ghaury e outros. Research methods in business studies: a practical guide. p. 5.
5 David Nakano e outros. Métodos de pesquisa na Engenharia de Produção. p. 2.
6 Pervez Ghaury e outros. Research methods in business studies: a practical guide. p. 6.



4

Uma das maiores dificuldades da pesquisa está na clara caracterização de seu
objetivo (relacionado à primeira questão). O foco específico deste trabalho é o de contribuir com
a solução da segunda questão, apresentando um dos métodos aplicáveis à pesquisa espírita: o
de estudo de caso.

Antes de apresentar o método de estudo de caso, os próximos itens apresentam, de
forma sucinta, os métodos de pesquisa, que podem ser classificados em quantitativos (também
chamados tradicionais) e qualitativos.

2.1 Métodos quantitativos
Os métodos quantitativos utilizam-se de um processo cíclico bem estruturado, cujas
fases principais são8:


teoria (formulação de explicações acerca de algum aspecto da realidade),

hipótese (formulada pelo uso da dedução, que apresenta uma relação causa-
efeito e possui conceitos que possam ser medidos),

observações e coleta de dados,


análise dos dados,

conclusões,

nova teoria e assim por diante.
Os métodos mais ligados a esse tipo de pesquisa são:

a pesquisa experimental (que faz o teste de hipóteses através de um
experimento controlado no laboratório ou no campo, realizado de forma a
produzir os dados necessários), e

o survey (que objetiva também a coleta de dados, mas sem a intervenção do
pesquisador; a análise de dados exige tratamento estatístico).

2.2 Métodos qualitativos
Os métodos qualitativos, que têm sido fortemente utilizados nas ciências sociais e,
mais recentemente, em outras áreas como a economia, possuem características que as
diferenciam dos tradicionais, entre as quais destacam-se9:


a ênfase na pessoa que está sendo pesquisada (sobretudo sua
interpretação),

a importância do contexto do grupo ou organização pesquisados,

a proximidade do pesquisador em relação aos fenômenos estudados e

um quadro teórico menos estruturado.
Entre os métodos qualitativos podemos citar a pesquisa-ação e o estudo de caso.
Este está discutido com mais detalhes no próximo capítulo.
A pesquisa-ação é realizada juntamente com uma ação ou resolução de um
problema. Os pesquisadores desempenham um papel ativo nessa resolução. Thiollent descreve

o método de pesquisa-ação da seguinte maneira:
7 Idem. ibidem. p. 11.
8 Alan Bryman. Research methods and organizations studies.
9 Idem. ibidem.



5

"A pesquisa-ação é um tipo de pesquisa social com base empírica que é concebida e
realizada em estreita associação com uma ação ou com a resolução de um problema coletivo
e no qual os pesquisadores e os participantes representativos da situação ou do problema
estão envolvidos de modo cooperativo ou participativo. (...) Na pesquisa-ação os
pesquisadores desempenham um papel ativo no equacionamento dos problemas
encontrados, no acompanhamento e na avaliação das ações desencadeadas em função dos
problemas. Sem dúvida, a pesquisa-ação exige uma estrutura de relação entre
pesquisadores e pessoas da situação investigada que seja de tipo participativo".10

A pesquisa-ação pode também ser aplicada em pesquisas espíritas. Os próprios
dirigentes de um grupo mediúnico, por exemplo, podem conduzir uma pesquisa sobre
determinado fenômeno com uso desse método. Em trabalho futuro esse método deve ser mais
detalhadamente abordado.

2.3 Quando cada estratégia é usada
O método de pesquisa deve ser adequado aos objetivos da pesquisa e ao objeto de

estudo. Segundo Robert Yin11, há três condições a satisfazer:
a) o tipo de questão de pesquisa proposto, que pode ser representado pela
conhecida série "quem", "o que", "onde", "como" e "por que" (v. exemplos no
Quadro 1)
b) a extensão de controle que o pesquisador tem sobre eventos
comportamentais efetivos e
c) o grau de enfoque em acontecimentos históricos em oposição a
acontecimentos contemporâneos.

Quadro 1 – Tipos de questões de pesquisa e exemplos

Tipo de questão
de pesquisa
Exemplos
Quem Quem são os espíritos que participam das reuniões de determinado
grupo mediúnico?
o que O que pode ser feito para tornar os centros espíritas mais eficazes?
Quais foram os resultados da reorganização administrativa dos
cursos de espiritismo?
Onde Onde se fazem reuniões mediúnicas com métodos consistentes
com o método kardequiano?
Como Como se realiza a influência do espírito obsessor sobre uma
pessoa?
Como determinado grupo de cura conseguiu alcançar certos
resultados?
por que Por que os médiuns chamados de inconscientes não se lembram
do teor das comunicações?

10 Michel Thiollent. Metodologia da pesquisa-ação. p. 14-15.
11 Robert K. Yin. Estudo de caso: planejamento e métodos. p. 24 e sgs.



São apresentadas no Quadro 2 as três condições, relacionando-as a cinco
estratégias de pesquisa.

Quadro 2 – Situações relevantes para diferentes estratégias de pesquisa12

Estratégia de
pesquisa
Forma de questão
de pesquisa
Exige controle
sobre eventos
comportamentais?
Focaliza
acontecimentos
contemporâneos?
Experimento como, por que sim sim
Levantamento quem, o que, onde,
quantos, quanto
não sim
Análise de
arquivos
que, o que, onde,
quantos, quanto
não sim/não
Pesquisa
histórica
como, por que não não
Estudo de caso como, por que não sim

O método de estudo de caso

O método de estudo de caso tem sido usado, de forma mais ou menos sistemática e
meticulosa em várias áreas de pesquisa, tais como ciência política, sociologia, psicologia,
administração, antropologia, história, economia etc. No entanto, há ainda um estereótipo em
relação a ele, como ressalta Yin:

"O estudo de caso há muito foi estereotipado como o 'parente pobre' entre os métodos de
ciência social. Os pesquisadores que realizam estudos de caso são vistos como se tivessem
sido desviados de suas disciplinas acadêmicas, e suas investigações como se tivessem
precisão (ou seja, quantificação), objetividade e rigor insuficientes."13

Yin aponta o paradoxo entre esse estereótipo e o uso tão freqüente: "se o método de
estudos de caso apresenta sérias fragilidades, por que os pesquisadores continuam a utilizálo?"
14 Ele considera que esse estereótipo está equivocado, carecendo apenas que o método
seja melhor compreendido, e aplicado de forma adequada.

O estudo de caso documenta e analisa a atividade de uma organização ou de um
pequeno grupo dentro dela. Estuda situações onde as fronteiras entre o fenômeno e seu
contexto não são claras.

Yin assim define estudo de caso:

"Um estudo de caso é uma investigação empírica que

o
investiga um fenômeno contemporâneo dentro de seu contexto de vida real,
especialmente quando
o
os limites entre o fenômeno e o contexto não estão claramente definidos.".15

12 Idem. ibidem. p. 24
13 Idem. ibidem. p. xi.
14 Idem. ibidem. p. xi.
15 Idem. ibidem. p. 32.


7

O contexto, como fica claro, também é objeto de investigação, tanto quanto o
fenômeno estudado. As interrelações entre o fenômeno e o contexto são observadas e
analisadas. Em contraste, o método tradicional da experimentação, por exemplo,
deliberadamente separa um fenômeno de seu contexto – este é "controlado em laboratório" –
dedicando atenção a algumas variáveis.

Yin observa que comumente há na investigação de estudo de caso uma situação
tecnicamente única: muito mais variáveis de interesse do que pontos de dados. Necessita assim
se basear em várias fontes de evidências, com os dados precisando convergir na investigação.
O estudo de caso beneficia-se do desenvolvimento prévio de proposições teóricas para dar
direção à coleta e à análise de dados.

3.1 "Como" e "por que"
Muitas pesquisas tradicionais utilizam questões exploratórias (ex. "o que pode ser
feito para melhorar os serviços públicos") e/ou quantificadoras (ex. "quais foram as reações das
pessoas depois das mudanças"). São questões do tipo "o que".

Os estudos de casos (tanto quanto alguns outros métodos não expostos aqui)
aplicam-se com propriedade em situações em que questões explanatórias (do tipo "como" e "por
que") são formuladas. "Isso se deve ao fato de que tais questões lidam com ligações
operacionais que necessitam ser traçadas ao longo do tempo, em vez de serem encaradas
como meras repetições e incidências."16

Nos estudos de casos o pesquisador tem pouco controle sobre os eventos e o foco é
sobre um fenômeno contemporâneo dentro de um contexto real. Este método visa pesquisar
eventos da vida real que não possam ser desvinculados de seu contexto mais amplo.

Há estudos de caso único e de casos múltiplos.17 O estudo de caso único – que
apresenta um único caso para um dado problema e referencial teórico – é normalmente utilizado
quando se analisam fenômenos de ocorrência rara ou de difícil observação. Já o estudo de
casos múltiplos se baseia em replicações de um dado fenômeno.

"A vantagem do uso de casos múltiplos reside no fato de que estes proporcionam evidências
inseridas em diferentes contextos, o que acaba tornando a pesquisa como um todo mais
robusta."18

3.2 Componentes do método de estudo de caso
O desenvolvimento de um projeto de pesquisa é uma etapa difícil no
desenvolvimento de estudos de casos, pois o método ainda não foi sistematizado.19 O projeto de
pesquisa pode ser visto como um plano de ação para se sair de um conjunto inicial de questões
a serem respondidas e chegar às conclusões (respostas) sobre essas questões. Segundo
Nachmias, um projeto de pesquisa é um plano que "conduz o pesquisador através do processo
de coletar, analisar e interpretar observações. É um modelo lógico de provas que lhe permite
fazer inferências relativas às relações causais entre as variáveis sob investigação. O projeto de

16 Idem. ibidem. p. 25.
17 Sérgio G. Lazzarini. Estudos de caso: aplicabilidade e limitações do método para fins de pesquisa. p. 21.
18 Idem. ibidem. p. 21
19 Robert K. Yin. Estudo de caso: planejamento e métodos. p. 40.



8

pesquisa também define o domínio da generalização, isto é, se as interpretações obtidas podem
ser generalizadas a uma população maior ou a situações diferentes".20

Yin destaca cinco componentes importantes para um projeto de pesquisa de estudo
de caso, a saber21:


as questões de um estudo (na forma "quem", "o que", "onde", "como" ou "por
que", veja Quadro 1),

suas proposições, se houver (as questões, embora possuam a essência do
que se deseja responder, não apontam para aquilo que se deve estudar: as
proposições auxiliam a seguir na direção certa, levantando hipóteses a serem
trabalhadas)

sua(s) unidade(s) de análise (exs. um certo médium, um determinado grupo
mediúnico, um certo tipo de pessoas etc.)

a lógica que une os dados às proposições, ou seja, como os dados devem
ser analisados,

os critérios para se interpretar as descobertas, que subsidiam as decisões
necessárias para comparar duas proposições concorrentes.

3.3 Limitações do método
Alguns estudiosos do método de estudo de caso apontam suas principais
limitações22:


é altamente sujeito às análises intuitivas e incontroláveis,

é relativamente fácil de ser executado sem maiores preocupações
metodológicas,

exige maior habilitação do pesquisador,

a amostra em geral é pequena, dificultando tratamento estatístico.
Apesar dessas dificuldades, o método de estudo de caso, sistematicamente
aplicado, permite uma compreensão profunda das interrelações de um problema, tornando-se
muito útil sobretudo quando o objetivo é auxiliar na elaboração ou no aprimoramento de
teorias.23

4
Animismo: uma revisão bibliográfica

Quanto mais se aprofunda no estudo do espiritismo, mais se identifica a importância
do seu conteúdo filosófico, mais se descobre a utilidade dos seus conceitos e se constata como
as conseqüências morais extraídas do objeto de observação desta ciência podem provocar
efetivas mudanças no pensamento humano.

O que surgiu de novo com a descoberta do espiritismo não foi o fenômeno
mediúnico, como é por demais sabido, pois o mesmo tem sido referido em toda a história da
humanidade, bastando ver a menção feita no velho testamento à proibição de Moisés à

20 Nachmias & Nachmias, 1992, p. 77-78. Apud Robert K. Yin. Estudo de caso: planejamento e métodos. p. 41.
21 Robert K. Yin. Estudo de caso: planejamento e métodos. p. 42.
22 Sérgio G. Lazzarini. Estudos de caso: aplicabilidade e limitações do método para fins de pesquisa. p. 24.
23 Idem. ibidem. p. 24.



9

comunicação com os mortos. Não obstante, não se pode olvidar que o espiritismo nasceu a
partir dos fenômenos mediúnicos, representando eles a porta de entrada do homem de ciência
ao mundo do invisível.

A mediunidade é, portanto, por excelência, o objeto de pesquisa da ciência espírita,
de modo que todas as possíveis questões a ela inerentes devem merecer a atenção do
pesquisador espírita. Vale anotar que pessoas místicas interessam-se pela mediunidade, porém

o fazem em razão do gosto pelo sobrenatural, como se o fenômeno representasse uma
possibilidade de derrogação da lei natural.
Em decorrência do apego à mediunidade como prática religiosa, elemento integrante
de uma seita diferente, capaz de lidar com "entes" não acessíveis aos religiosos "comuns", a
crença ganhou muitos adeptos, em sua maioria despreparados para experimentar, estudar e
desenvolver a pesquisa necessária do fenômeno. Conseqüência lógica foi o aparecimento de
mistificações, engodo por parte dos próprios espíritos e a incapacidade de discernir o autêntico
PCM - Processo de Comunicação Mediúnica.

O animismo surgiu como alternativa para explicar mistificações, sugerindo alguns
que o próprio médium apresentasse uma mensagem sua, forjando tratar-se de comunicação
mediúnica. Isso, absolutamente, não seria animismo. Tratar-se-ia de mistificação mesmo, eis
que o fenômeno anímico confirma o fenômeno mediúnico e lhe dá ainda mais autenticidade.
Necessário distinguir, portanto, o animismo do PCM.

Para tanto, apresenta-se a proposta de rever a bibliografia tradicional, não apenas
para buscar informações eventualmente não percebidas, mas, também, com o fim de revisitar os
conceitos, examinar os exemplos, buscar produções literárias mais atuais, tentar identificar
casos atuais e, quem sabe, oferecer alguma contribuição ao estudo do tema.

4.1 Kardec e o animismo
Embora Allan Kardec não tenha utilizado a expressão "animismo", tratou do tema em
"O Livro dos Médiuns", Cap. XIX -Do papel do médium nas comunicações espíritas. Neste
ponto da obra, Kardec discorre sobre a influência do espírito pessoal do médium, apresentando
à indagação: "As comunicações escritas ou verbais também podem emanar do próprio Espírito
encarnado no médium?", a seguinte resposta:

"A alma do médium pode comunicar-se, como a de qualquer outro. Se goza de certo grau de
liberdade, recobra suas qualidades de Espírito. Tendes a prova disso nas visitas que vos
fazem as almas de pessoas vivas, as quais muitas vezes se comunicam convosco pela
escrita, sem que as chameis. Porque, ficai sabendo, entre os Espíritos que evocais, alguns
há que estão encarnados na Terra. Eles, então, vos falam como Espíritos e não como
homens. Por que não se havia de dar o mesmo com o médium?". 24

Ernesto Bozzano, em sua clássica obra "Animismo ou Espiritismo?" procurou
demonstrar que as comunicações mediúnicas entre vivos provam a realidade das comunicações
mediúnicas com os defuntos, o que confirma a resposta encontrada em "O Livro dos Médiuns" à
questão: Não parece que esta explicação confirma a opinião dos que entendem que todas as
comunicações provêm do Espírito do médium e não do Espírito estranho? À indagação, Allan

24 Allan Kardec. O livro dos médiuns. 55ª ed. Trad. Guillon Ribeiro à 49ª ed. Francesa. Rio de Janeiro: FEB, 1987, p. 260.


Kardec apresenta a seguinte resposta: Os que assim pensam só erram em darem caráter
absoluto à opinião que sustentam, porquanto é fora de dúvida que o Espírito do médium pode
agir por si mesmo. Isso, porém, não é razão para que outros não atuem igualmente, por seu
intermédio.25

Antecipando o estudo que seria feito depois por Bozzano, Kardec adiantou algumas
considerações sobre fatos da vida cotidiana que mereceriam explicação racional mais tarde, no
aprofundamento do tema, especialmente, quando se referiu às crises sonambúlicas e extáticas.
Kardec referiu-se a esses fenômenos, para explicar que o espírito do médium pode haurir nas
profundezas do seu próprio eu as idéias que parecem fora do alcance da sua instrução, relativas
a conhecimentos adquiridos em existências anteriores, esquecidos debaixo do envoltório
corporal, mas dos quais pode se lembrar como espírito.

Em O Livro dos médiuns Kardec26 explica que as comunicações anímicas podem ser
mais elevadas do que as provenientes de outros espíritos, lembrando que são ditas coisas muito
boas na experiência sonambúlica. Ensinou, com isso, que o médium pode servir à comunicação
de espírito menos evoluído, o que se vê amiúde.

Kardec também fez uma síntese do assunto no volume denominado "Instruções
Práticas Sobre as Manifestações Espíritas", publicado em 1858, um ano depois da primeira
edição de "O Livro dos Espíritos". Em seu capítulo VI, titulado "Papel e Influência do Médium nas
Manifestações", traz a seguinte orientação:

Nós diremos, pois, que pode acontecer que a alma do médium se comunique como o faria
um Espírito estranho. E isso se concebe facilmente. Visto que podemos evocar o Espírito de
pessoas vivas, ausentes e presente, e como esse Espírito se comunica pela escrita ou pela
palavra do médium, por que o Espírito encarnado no médium não se comunicaria
igualmente? Os fatos provam que, em certas circunstâncias, isso se dá, como no
sonambulismo, por exemplo. Segue-se daí que a comunicação feita pela alma do médium
tenha menos valor? De modo algum. O Espírito encarnado no médium pode ser mais
elevado do que certos Espíritos estranhos e, assim, dar comunicações. Compete-nos julgar.
Neste caso ele fala como Espírito desligado da matéria, e não como homem.27

Referida publicação, destinada à iniciação prática, foi substituída em 1861 por "O
Livro dos Médiuns".

Em "O livro dos Espíritos" Kardec dedica um capítulo inteiro ao assunto
"Emancipação da Alma", tratando dos temas: O sono e os sonhos; Visitas espíritas entre vivos;
Transmissão oculta do pensamento; Letargia, catalepsia, morte aparente; O sonambulismo;
Êxtase e Dupla Vista.

Uma das situações de emancipação da alma, que deve ser entendida como uma
espécie de libertação dos freios impostos pelo corpo físico, acontece durante o sono, pois,
segundo o Livro dos Espíritos, pergunta 401, o Espírito jamais fica inativo. Durante o sono, os
liames que o unem ao corpo se afrouxam e o corpo não necessita do Espírito. Então ele
percorre o espaço e entra em relação mais direta com os outros Espíritos. 28

25 Ibidem, mesma página.
26 Ibidem, p. 261.
27 Allan Kardec. Iniciação Espírita. 7ª ed. Trad. Joaquim da Silva S.Lobo. Edicel: São Paulo, 1982, p. 327.
28 Allan Kardec. O livro dos espíritos. 3ª ed. Trad. J. Herculano Pires. Edicel: São Paulo, 1982, p. 187.



11

Trata-se, a emancipação da alma, de fenômeno anímico, ou seja, de manifestação
do próprio espírito encarnado, porém de forma extra-corpórea, ou fora da dimensão física,
independentemente dos limites dos cinco sentidos inerentes à vida orgânica. O livro dos
espíritos ensina que duas pessoas encarnadas, ou mais, podem visitar-se durante o sono, da
mesma forma que um espírito, mesmo estando seu corpo em estado de vigília, pode comunicar-
se com outros Espíritos. A lição permite compreender que no estado de catalepsia ou de
letargia, mesmo revelando morte aparente, o espírito está consciente, embora não possa se
comunicar pela inaptidão dos órgãos. O exemplo mais acessível de animismo é o fenômeno
sonambúlico, pelo qual o espírito encarnado se manifesta durante o sono do corpo físico,
revelando, muitas vezes, conhecimentos incorporados ao patrimônio cultural oculto do indivíduo,
ou porque o adquiriu em vidas passadas, ou porque os abstraiu da memória ou, ainda, por estar
recebendo no exato momento da comunicação sonambúlica. De igual forma, processa-se a
emancipação da alma no êxtase e no que Kardec denominou de dupla vista. Esta faculdade
diferencia do sonambulismo e do sono, pois cuida da manifestação do espírito em maior
liberdade, embora o corpo não esteja adormecido.

4.2 O que é animismo
Aksakof designou pela palavra animismo todos os fenômenos intelectuais e físicos
que deixam supor uma atividade extra-corpórea ou à distância do organismo humano, e mais
especialmente todos os fenômenos mediúnicos que podem ser explicados por uma ação que o
homem vivo exerce além dos limites do corpo29. A definição afasta o mau vezo de se servir do
fenômeno anímico unicamente para explicar possíveis "comunicações" não autênticas ou não
espíritas.

O mesmo autor diz que, admitidas justificativas para a hipótese de uma comunicação
com os mortos, o termo animismo será aplicado a uma categoria especial de fenômenos,
produzidos pelo princípio anímico (considerado como ser independente, razoável e organizador)
enquanto está ligado ao corpo. Tentando oferecer subsídios para melhor compreensão do tema,
Aksakof afirma que nesse caso a palavra Espiritismo compreenderá todos os fenômenos que
podem ser considerados como manifestação desse mesmo princípio, porém desprendido do
corpo. Por mediunismo entenderemos todos os fenômenos compreendidos no animismo e no
Espiritismo, independentemente de uma ou de outra dessas hipóteses.30

Jon Aizpúrua alerta para os vários significados do termo animismo, de acordo com a
disciplina que o esteja empregando. Ensina que em algumas escolas filosóficas, o termo animismo
é usado para designar toda doutrina de natureza espiritualista. Na parapsicologia, adota-se o
animismo como a hipótese fundamental que explica os fenômenos paranormais, de tal maneira
que são produzidos por forças psíquicas conscientes ou inconscientes dos seres vivos.31

Também na esteira dos clássicos, apontando Alexander Aksakof como introdutor da
palavra, Aizpúrua afirma que no Espiritismo, o animismo designa certo estado de transe no qual
quem está provocando e produzindo o fenômeno de efeitos psíquicos ou físicos é o espírito do

29 Alexandre Aksakof. Animismo e espiritismo. 1990, p. 229.
30 Ibidem, p. 230.
31 Jon Aizpúrua. Os fundamentos do espiritismo. 2000, p. 150.



próprio ser encarnado e não o espírito do desencarnado, pois neste caso seria um fato
mediúnico32 .

Gustavo Geley oferece importante contribuição, em seu "Del inconsciente al
consciente" quando disserta sobre a criptomnésia. A palavra é traduzida por "memória
subconsciente" e reflete a exteriorização de conhecimentos alheios à capacidade intelectual
consciente do indivíduo. Corresponderia à percepção extra-sensorial. Fala de exemplos em que
determinada pessoa é levada a retroagir no tempo até épocas das quais nada mais retém em seu
psiquismo; no entanto, espontaneamente, ou por sugestão, recorda-se de tudo exatamente como
viveu naquela época. Diz Geley ser no mediunismo que a criptomnésia se manifesta em todo seu
esplendor, podendo-se imaginá-la como fonte insuspeita de muitas mensagens extraordinárias.

Escreveu a respeito:

M. Flournoy cita una multitud de hechos que atribuye a la criptomnésia: médiums
describiendo la biografia de personajes desconocidos para ellos, que han podido conocer, no
obstante, por una ojeada olvidada sobre el periódico que publicó tal biografia; médiums
hablando a trechos una lengua que les es ignorada, simplemente porque esos trechos o
frases los leyeron u oyeron un dia cualquiera, que han olvidado, etc.33
Na seqüência da análise que faz, Geley diz que fisiologicamente é impossível
compreender como a memória consciente, submetida à vontade e ao direcionamento do ser é,
eminentemente caduca, débil, infiel, enquanto a memória subconsciente; que não é acessível
senão por acidentes ou em estados anormais ou supranormais, parece tão extensa e tão
infalível.

E conclui:

Sem embargo, assim é. Mais ainda. A debilidade e a impotência da memória normal são tais,
que muitas vezes os conhecimentos ou capacidades subconscientes que escapam ao
direcionamento do eu, parecem ser-lhe totalmente estranhos, e constituem no indivíduo como
verdadeiras "segundas consciências". Assim é como surgem, da complexidade inquietante do
subconsciente, não apenas o desdobramento, senão a multiplicação da personalidade.34

Ernesto Bozzano, o maior estudioso do tema, refutou todas as teorias levantadas ao
seu tempo contra o espiritismo e se dedicou intensamente à pesquisa dos fenômenos
metapsíquicos com o fim maior de demonstrar que o animismo prova o espiritismo. Afirmou ter
procedido a incontáveis experiências para fazer emergir, baseado em fatos, uma verdade
metapsíquica que, conquanto extremamente evidente, era esquecida pelos propugnadores da
objeção ao espiritismo. Aludia ao fato de que:

(...) as provas de identificação espirítica, fundadas nas informações pessoais fornecidas
pelos defuntos que se comunicam, longe de serem as únicas que se podem conseguir para a
demonstração experimental da sobrevivência, mais não são do que simples unidade de
prova, entre as múltiplas provas que se podem extrair do conjunto dos fenômenos
metapsíquicos, mas, sobretudo, das manifestações supranormais de ordem extrínseca as
quais, de ninguém dependendo, resultam independentes dos poderes da subconsciência.
Tais por exemplo, os casos das "aparições dos defuntos quando ainda no leito de morte" e os

32 Ibidem, p. 151.
33 Gustavo Geley. Del inconsciente al consciente. p. 105.
34 Idem. ibidem. p. 107.



das "aparições dos defuntos pouco depois da morte", assim como outras importantes
categorias de fenômenos metapsíquicos, que reuni e comentei no extensíssimo e resolutivo
Capítulo V do presente trabalho.35

André Luiz reporta-se ao animismo como conjunto dos fenômenos psíquicos
produzidos com a cooperação consciente ou inconsciente dos médiuns em ação. Fala de
ocorrências que podem repontar nos fenômenos mediúnicos de efeitos físicos ou de efeitos
intelectuais, com a própria inteligência encarnada comandando manifestações ou delas
participando com diligência.36 Na seqüência do mesmo texto, André Luiz fornece um
esclarecimento que parece pouco sustentável hodiernamente. Afirma que o corpo espiritual
pode efetivamente desdobrar-se e atuar com os seus recursos e implementos característicos,
como consciência pensante e organizadora, fora do carro físico.

Sem qualquer pretensão de esclarecer o assunto, cabe aqui uma sucinta análise. Os
estudos mais abalizados sobre o perispírito informam que a consciência pensante tem sede no
espírito e não no perispírito como sugere o texto. Ademais, embora seja verdade que o corpo
espiritual pode efetivamente desdobrar-se, a compreensão aparentemente mais sensata é a de
que o espírito se manifesta em um único lugar ao mesmo tempo, por ser indivisível. Quando
acontece algum tipo de desdobramento, apenas o perispírito, pelas características materiais que
possui, ora se tornando mais denso pela combinação de elementos ainda por nós
desconhecidos, ora tornando-se mais rarefeito, desdobra-se; ou seja, o espírito é uno e se
manifestará apenas em um lugar, não se admitindo que se subdivida ou se manifeste em dois
lugares ao mesmo tempo.

André Luiz fornece uma explicação do processo de manifestação anímica, a partir
das semelhanças existentes entre os vivos da terra e os vivos do além. Afirma que:

(...) é fácil anotar que a criatura na Terra partilha, assim, até certo ponto, dos sentidos que
caracterizam a criatura desencarnada, nas esferas imediatas à experiência humana,

conseguindo, às vezes, desenfaixar-se do corpo denso e proceder como a Inteligência
desenleada do indumento carnal ou, ainda, obedecer aos ditames dos Espíritos
desencarnados como agente mais ou menos fiel de seus desejos37.

Neste contexto, mister citar o entendimento de Reinaldo Di Luccia na conclusão do
seu trabalho "O perispírito, uma abordagem do século XX":

(O perispírito) Não possui a função de transmissor de sensações do corpo para o Espírito ou

de ordens no sentido inverso. Da mesma forma, não tem nenhuma atuação sobre a memória

ou a inteligência. Não possui órgãos nem nenhuma constituição semelhante, que são

exclusivas do corpo físico.38

Discorrendo sobre a alma e os diferentes estados do sono, Leon Denis analisa
cuidadosamente vários casos de animismo, colhidos em diversos laboratórios de pesquisas.
Avalia que:

35 Ernesto BOZZANO. Animismo ou espiritismo: qual dos dois explica o conjunto dos fatos?
36 Francisco Cândido Xavier e Waldo Vieira, pelo Espírito de André Luiz. Mecanismos da mediunidade. 14ª ed. p.163.
37 Francisco Cândido Xavier e Waldo Vieira, pelo Espírito de André Luiz. Mecanismos da mediunidade. 14ª ed. p.165.
38 Reinaldo Di Luccia. Perispírito, nova abordagem. p.28.



As percepções da alma no sono são de duas espécies. Verificamos primeiramente a visão à
distância, a clarividência, a lucidez; vem depois um conjunto de fenômenos designados pelos
nomes de telepatia e telestesia (sensações e simpatias à distância). Compreende a recepção
e transmissão dos pensamentos, das sensações, dos impulsos motrizes. Com esses fatos
relacionam-se os casos de desdobramentos e aparições designados pelos nomes de
fantasmas dos vivos. Esses casos, teve a psicologia oficial de verificá-los em grande número,
sem os explicar(64). Todos esses fatos ligam-se entre si e formam uma cadeia contínua. Em
princípio, constituem, no fundo, um só e mesmo fenômeno, variável na forma e intensidade,
isto é, o desprendimento gradual da alma39 .

Manuel Porteiro também aludiu aos fenômenos anímicos, alegando tratarem-se de
fenômenos psicológicos como tantos outros, mas que não entram no estreito limite da psicologia
positiva e que não podem ser explicados pelos procedimentos empíricos a ela inerentes.
Escreveu sobre a percepção extra-sensorial nos seguintes termos:

Como um sujeito exterioriza sua força motriz e põe em movimento, sem contato, objetos
pesados? Como um sensitivo ou hipnotizado sente à distância a picada aplicada no ar ou na
água em que deixou impregnada sua sensibilidade? Como ouve o clariaudiente a voz
psíquica que impressiona sua alma sem ferir o órgão auditivo? Como, nos casos de
autoscopia, o sujeito percebe o interior de seu próprio organismo e descreve minuciosamente
a parte afetada de determinado órgão?Como uma pessoa, ainda em estado normal, pode
transmitir mentalmente a outra uma ordem e esta ser cumprida exatamente? Como, nos
fenômenos telepáticos, em sonho ou estado de vigília, se transmitem e se recebem
mensagens, avisos de doentes, visões simbólicas, ou representativas de lugares, cenas,
coisas ocultas, acidentes etc? Como, enfim, nos casos de previsão e de sonhos
premonitórios, chega-se a conhecer acontecimentos que, estando no futuro, não podem
impressionar o cérebro?40

Encontram-se orientações importantes também na obra de Jaci Regis , que escreveu
a respeito:

Os fenômenos anímicos e os fenômenos mediúnicos caminham paralelamente. Os fenômenos
anímicos compreendem uma variedade de atuações como, por exemplo, as comunicações
entre vivos, amplamente comprovadas e que incluem a telepatia e outros mecanismos de
intercâmbio mental. São também comuns as auto-comunicações, discursos falados ou escritos
do próprio médium, em fenômeno de exteriorização ou exaltação mental41.

Como estudou profundamente toda a filosofia espírita, Herculano Pires também

escreveu sobre o animismo em diversas ocasiões. Em seu O Homem Novo, ofereceu a seguinte

contribuição:

O espiritismo explica a hipnose como o processo do desprendimento parcial do espírito, em
sua ligação vital com o corpo. O espírito parcialmente liberto deixa o corpo em estado de
sono, mas está mais acordado do que nunca. O sonâmbulo, realmente, está super-acordado,
como percebeu o psiquiatra Raikov. Mas não do ponto de vista materialista.

39 Leon Denis. O problema do ser, do destino e da dor. 1.989, p. 86.
40 Manuel S. Porteiro. Espiritismo Dialético. 2002. pp. 51-2.
41 Jaci Regis. Introdução à doutrina kardecista. 1ª ed. Santos: LICESP, 1997, p. 93.



15

Não se trata apenas do Hipnotismo. A explicação espírita, confirmada por numerosas
experiências científicas, rejeitadas pelos materialistas (mas que até hoje não sofreram
contraprovas científicas, sendo refutadas somente no campo teórico) abrange muitos outros
fenômenos ainda inexplicados, como todos os investigados pela Metapsíquica e pela atual
Parapsicologia. As "reencarnações" de Raikov incidem no campo da "regressão da memória",
que é precisamente uma das provas científicas da reencarnação42.

4.3 Espécies de fenômenos anímicos
Importa ressaltar, de início, que o fenômeno anímico encontra-se dentre aqueles
denominados de metapsíquicos ou paranormais. A metapsíquica foi definida como "a ciência
que tem por objeto os fenômenos mecânicos ou psicológicos, devidos a forças que parecem
inteligentes ou a potências desconhecidas latentes na inteligência humana".43 Aispúrua44 informa
que Richet classificou o estudo da metapsíquica em dois grupos: subjetiva e objetiva. No
primeiro grupo colocou a criptestesia (faculdade de conhecimento diferente das formas
sensoriais normais); a premonição (conhecimento de acontecimentos futuros); o desdobramento
(separação temporal do organismo corporal de um duplo etéreo ou corpo astral); a xenoglossia
(faculdade que algumas pessoas possuem de expressar-se em idiomas que conscientemente
desconhecem); a dupla personalidade (o sujeito adota a identidade de outra pessoa,
comportando-se de maneira totalmente diferente da habitual) e mediunismo (faculdade de servir
como intermediário para que se manifeste um agente externo, comumente um espírito).

Adotadas as considerações já mencionadas, pode-se concluir que todos os fatos
classificados por Richet como pertencentes à metapsíquica subjetiva, são obtidos através do
animismo, ou, melhor, consistem-se em fenômenos anímicos. Quanto aos incluídos na classe da
metapsíquica objetiva, os de telecinesia (ação física sobre objetos ou pessoas que se produz à
distância e sem contato, diferente das forças mecânicas conhecidas) e os de ectoplasmia
(formação de objetos ou seres viventes a partir de uma substância que sai do corpo do sujeito -
ectoplasma), não há elementos que autorizem afirmar a possibilidade de serem produzidos pelo
espírito encarnado em estado de emancipação.

Aizpúrua diz claramente: Através dessas idéias, é conveniente precisar que os
fenômenos paranormais são de caráter anímico e não mediúnico. Portanto são produzidos por
forças inconscientes do ser humano encarnado.45.

A própria reminiscência do passado pode ser considerada, de certa forma, fenômeno
anímico, pois há hipóteses em que o espírito encarnado revela um patrimônio intelecto-moral
que absolutamente não reuniu na vida presente. Veja-se, a propósito, a menção feita por Núbor

O. Facure: A memória extra-cerebral, acumulada no cérebro espiritual, pode em condições
especiais ser revelada, confirmando a multiplicidade das nossas personalidades, esclarecendo o
"privilégio" das aptidões inatas, principalmente da genialidade precoce de um Mozart,
justificando a reencarnação até como uma questão de justiça.46
42 J. Herculano Pires. O homem novo. 3ª ed. São Bernardo do Campo-SP: Correio Fraterno do ABC, 1989, p. 102.
43 Jon Aizpúrua. História da parapsicologia. Trad. Rubens Medran Moreira. São Paulo: CEJB, 2002, p. 137, apud Charles

Richet. Traité de Métapsychique. Livraria Félix Alcan. Paris, França, 1923, p. 2.
44 Ibidem, p.138.
45 Jon Aizpúrua. Os fundamentos do espiritismo. 2000, p. 153.
46 Núbor O. Facure. Muito Além dos Neurônios. 2ª ed. São Paulo: Associação Médico Espírita de São Paulo, 1.999, p. 80.


4.4 Exemplos
Os autores que se dedicaram ao estudo do tema tomaram por ponto de partida

casos concretos e, por isso mesmo, a literatura específica está bastante ilustrada com diversos

exemplos. Alguns deles serão recordados neste espaço. De início, foram selecionadas algumas

situações interessantes que se passaram com William Stead, narradas por Ernesto Bozzano:
.
No mês de fevereiro transato (1893), encontrei-me no trem de ferro com um senhor a
quem conhecera casualmente havia pouco. Sabia eu de modo geral que ele desde
algum tempo se mostrava presa de graves preocupações, de sorte que a nossa palestra
tomou um aspecto confidencial, por onde vim a saber que as suas preocupações eram
de ordem financeira. Disse-lhe que ignorava se poderia ou não ser-lhe útil, mas que,
fosse como fosse, lhe pedia me confiasse francamente as condições em que se
encontrava, quais os seus débitos e os créditos ou a soma de que podia dispor.
Respondeu que não se sentia com ânimo de entrar nessas particularidades. Abstive-me
de insistir. Na primeira estação, separamo-nos. (...) por volta das duas da manhã, antes
de meter-me na cama, sentei-me à mesa e, dirigindo o pensamento à pessoa em
questão, ponderei-lhe: "Não tivestes a força moral de declarar-me face a face quais
eram as vossas condições financeiras; mas, agora, podeis confiar-me tudo, escrevendo
com a minha mão. Dizei-me, pois, como vos encontrais. Quanto deveis? "- Veio a
resposta: "Os meus débitos montam a 90 libras esterlinas."- Havendo perguntado se era
exata a soma escrita, repetiu com todas as letras: "Noventa libras esterlinas."-
Perguntei: "É tudo?" – "Sim e, em verdade, não sei o que poderei fazer para pagá-las". –
"Quanto pensais que podeis obter pela pequena propriedade de que me falastes? "–
"Conto obter 100 libras esterlinas; mas, talvez, seja muito. Em todo caso, preciso vendêla
por qualqur preço. Oh! Se pudesse achar com que ganhar a vida! Estou disposto a
empregar-me seja no que for". – "De quanto necessita para viver?" – "Não creio que
possa viver com menos de 200 libras esterlinas por ano, pois não sou só, poderia viver
com 50 esterlinos; mas, há o aluguel da casa e o vestuário. Nunca chegarei a ganhar tal
soma. Não sei o que pensar". "No dia imediato, fui à procura do meu amigo. (...)
expliquei-lhe sumariamente os métodos de comunicação telepático-mediúnica e
acrescentei: "Não sei se alguma palavra de verdade há em tudo o que a minha mão
escreveu e hesito em vo-lo comunicar, sobretudo porque penso que a cifra por mim
grafada como montante das vossas dívidas é extremamente exígua para ser
verdadeira, tanto mais considerando a depressão moral em que estais. Assi, antes de
tudo, vou ler-vos a cifra em questão. Se for exata, dar-vos-ei a conhecer o resto; se
estiver errada, considerarei tudo como fruto de uma mistificação subconsciente, em que
a vossa personalidade não entrou por coisa alguma. (...) antes que eu leia a mensagem,
é preciso que façais mentalmente o cálculo do montante total das vossas dívidas, bem
como da soma que esperais obter da venda da vossa propriedade, depois, o da soma
que vos é necessária anualmente para vos manterdes com a vossa família e, por fim, o
da soma com que poderíeis viver se fosseis só" – ele se concentrou um momento e
disse: "Já pensei em tudo isso". – Saquei então da mensagem e li: "O montante das
vossas dívidas é de 90 libras esterlinas". – Ele deu um salto e exclamou: "Exato!
Entretanto, 100 esterlinos foi a quantia em que pensei, porque incluí o dinheiro
necessário às despesas correntes". Em tudo o mais conferia. "Segue-se, portanto, que
a minha mão transcreveu com exatidão o pensamento de uma pessoa do meu
conhecimento distante de mim muitas milhas, poucas horas depois de me haver essa
mesma pessoa escrito, desculpando-se de não ter tido a coragem de me confiar as
informações que lhe eu solicitara".


Em vinte de setembro de 1893, William Stead, como de costume,

encaminhou seu pensamento para Miss Summers, pedindo-lhe notícias. Imediatamente

sua mão escreveu:

.
"Hoje, para mim, é um dia de tristes desilusões. Em pagamento de um trabalho que fiz,
recebi soma muito inferior à que eu esperava e com que contava, de modo que me
encontro em aperturas econômicas assaz penosas. Não quis pôlo ao corrente de tudo
isto, porque bem sabia que me proveria do dinheiro necessário, o que não quero. Tenho,
entre outros, um débito de três libras esterlinas com o proprietário da casa. Não importa:
hei-de consegui-las. "Disse eu: Mandar-lhe-ei a soma de que necessita. Resposta
imediata; "Não, não aceitarei e há devolverei. Tenho a minha altivez e não quero parecer
uma colaboradora mercenária". "No dia seguinte mandei a Miss Summers uma pessoa
que gozava de toda a sua confiança e vim a saber que ela, efetivamente, se achava nas
dificuldades econômicas de que me informara mediunicamente. Quando, porém, soube
por que meio eu fora informado de seus embaraços econômicos, ficou extremamente
desgostosa (Proceedings, vol. IX, pág. 54).

Aksakof cita vários casos de comunicações feitas por pessoas vivas durante

o sono, dos quais alguns merecem transcrição para nossas reflexões. São eles:
.
1 - Conta que recebeu de Wsevolod Solovioff a seguinte estória escrita: Certa noite
em que eu me tinha demorado em uma conversação com amigos, senti de novo, às 2
horas da manhã, esse desejo irresistível de escrever. Tomei o lápis e pedi a uma
pessoa de minha amizade, a Será. P., que o segurasse ao mesmo tempo. Pusemonos
assim a escrever simultaneamente. A primeira palavra foi: Vera. À nossa
pergunta: Que Vera? Obtivemos por escrito o nome de família de uma jovem minha
parenta, com cuja família eu tinha reatado relações recentemente, depois de uma
interrupção muito prolongada. Surpreendemo-nos, e, para ficarmos bem certos de que
não nos enganamos, perguntamos: É realmente Vera M.? Recebemos esta resposta:
Sim. Durmo, mas estou aqui, e vim para dizer-vos que nos veremos amanhã no
Passeio de Verão. Então deixei o lápis e em seguida nos separamos. No dia seguinte,
(...). Nunca, durante o inverno, tinha passeado nesse parque.Convém dizer, também,
que eu não pensava mais no que se tinha passado na véspera, em nossa sessão
espírita. Julgai de minha surpresa, quando, apenas transposto em alguns passos a
grade do Passeio de Verão, eu me achei face a face com a jovem Vera M., que
passeava com a sua dama de companhia. Ao ver-me, a jovem Vera M. perturbou-se
visivelmente, tanto quanto eu mesmo, aliás, pois que a nossa sessão da véspera me
voltou subitamente ao espírito. Trocamos um aperto de mão e nos deixamos sem
dizer palavra.
.
2 – Alguns dias depois, deu-se um fato semelhante e nas mesmas condições: na
sessão, minha mão escreveu o nome de Vera, e em seguida nos foi anunciado que
ela passaria por nossa casa no dia seguinte às 2 horas. Efetivamente, à hora
indicada, ela se apresentava em nossa casa, com a sua mãe, para fazer-nos uma
visita. Esses fatos não se renovaram mais.
.
3 – A 20 de julho de 1858, uma moça, Sofia Swoboda, achava-se com a sua família à
mesa, (...). Bruscamente se lembrou de não ter desempenhado a sua tarefa, a tradução
de um texto francês para o alemão, e que deveria estar pronto para o dia seguinte pela
manhã. Que fazer? Era muito tarde para entregar-se ao trabalho: cerca de 11 horas; ela


18

estava, além disso, muito fatigada. Nessa preocupação, a jovem Soboda deixou os
companheiros e isolou-se no quarto vizinho, pensando em sua incômoda distração, que
ela lamentava tanto mais quanto era certo que votava estima particular à sua mestra.
Mas eis que, sem aperceber-se, e até sem experimentar surpresa alguma, Sofia
persuade-se achar-se em presença da Sra. W., a mestra em questão; dirige-lhe a
palavra, dá-lhe parte, em tom jovial, da causa de seu pensar. Subitamente a visão
desaparece e Sofia, de ânimo calmo, volta à reunião e conta aos convivas o que lhe
sucedeu. No dia seguinte, a Será. W. chega à hora precisa e previne à Sofia,
imediatamente, que está ciente de que o seu tema não está pronto, e faz a narração
seguinte em presença da mãe de Sofia: na véspera, às 10 horas da noite, ela tinha
lançado mão do lápis, para comunicar-se com o finado seu marido, por meio da escrita
automática, como tinha por hábito fazer; mas dessa vez, em lugar de traçar o nome
desejado e esperado, o lápis tinha começado a formular palavras em alemão, em uma
escrita que reconhecera ser a de Sofia; eram termos graciosos, exprimindo
descontentamento a respeito do tema que não tinha sido feito, por esquecimento. A Sra.

W. mostrou o papel, e Sofia pôde convencer-se de que não somente a escrita era a sua,
mas ainda que as expressões eram as que ela tinha empregado em sua fictícia
conversação com a mestra. A jovem Sofia Swodoba, atesta que a Será. W. é pessoa de
grande sinceridade incapaz de proferir a menor mentira (Psychische Studien, 1879).
4.5 O animismo no centro espírita
4.5.1 Como identificar o fenômeno anímico nas comunicações
Pelo que se depreende da lição de Manoel Philomeno de Miranda, em maior ou
menor grau, sempre existirá o componente anímico no processo mediúnico, pois afirma que em
si mesmo, o animismo é ponte para o mediunismo que a prática do intercâmbio termina por
superar. Todavia, vale a pena ressaltar que no fenômeno anímico ocorrem os de natureza
mediúnica, assim como nos mediúnicos sucedem aqueles de caráter anímico. Esclarece que
qualquer artista, ao expressar-se, na música, sempre dependerá do instrumento de que se
utilize. O som provirá do mecanismo utilizado, embora o virtuosismo proceda de quem o acione.

Nessa linha de raciocínio, fecha seu posicionamento de que a interferência anímica é inafastável
no transe mediúnico, ao menos no estágio de experiência em que nos encontramos, afirmando
que os valores intelectuais e morais do médium têm preponderância na ocorrência fenomênica,
porquanto serão os seus conhecimentos, atuais ou passados, que vestirão as idéias
transmitidas pelos desencarnados47.

Na mesma esteira, ensinou Herculano Pires: os instrumentos da pesquisa espírita,
como dizia Kardec, são os médiuns, instrumentos de extrema sensibilidade e complexidade.
Todos os médiuns estão sujeitos a interferências anímicas nas comunicações que transmitem48.

Em pesquisa anterior sobre o Centro Espírita, Mauro de Mesquita Spinola observou
a importância do estudo aprofundado do animismo no processo de desenvolvimento da
mediunidade. Asseverou, apoiado nos autores clássicos que prosseguiram estudando o tema, e
no próprio Kardec: o médium que transmite mensagem de seu próprio espírito, quando em

47 Manoel Philomeno de Miranda. Qualidade na prática mediúniuca. 2000, p. 28.
48 J. Herculano Pires. Curso dinâmico de espiritismo – o grande desconhecido. 2.000, p. 67.


19

estado de emancipação, realiza um fenômeno anímico mediúnico. Neste trabalho, no item 1.6,
levanta-se um questionamento sobre essa questão, por parecer mais coerente a conclusão de
que uma alma emancipada do corpo pode comunicar-se, mas o fenômeno seria de animismo
puro ou não mediúnico.

Os autores evidenciaram bem a questão relacionada com a interferência do médium
na comunicação mediúnica, levando a crer que o compromisso sério com a mediunidade, o seu
exercício responsável, o estudo e a observação constantes poderão melhorar a qualidade das
comunicações, minimizando a influência do intermediário. Com efeito, já se pode dispor na
literatura espírita, com uma boa orientação teórica a respeito. O mesmo não ocorre, entretanto,
com a questão das comunicações anímicas puras ou não mediúnicas, pois os recursos para
identificá-las, diferenciando-as de outras comunicações, são praticamente inexistentes.

4.5.2 Com que incidência ocorre
Corroborando o pensamento predominante de que a compreensão do animismo é
indispensável para um proveitoso estudo e desenvolvimento da mediunidade, Mauro Spinola
afirmou:

Kardec estudou esse caso e concluiu que esse assunto é sutil e delicado, necessitando
muitas observações e meditações antes de se concluir qualquer coisa sobre a natureza de
determinado fenômeno. Concluiu também que é generalizada e natural a influência do
médium nas comunicações. Isso nos leva à necessidade de rever duas posições: por um
lado, o descuido na identificação dos fenômenos mediúnicos de natureza anímica e, por
outro, o preconceito em relação a médiuns que apresentam características anímicas,
confundindo-os com charlatães49.

Importante lição do psicólogo espírita Jaci Regis alerta sobre a interação espírito-
médium durante o transe mediúnico. Escreveu que a característica dos mecanismos mediúnicos
não admite a passividade total do médium. Nem podem ser esquecidos fatores psicológicos da
personalidade do médium. Logo, é preciso, de qualquer forma, analisar, investigar, submeter
qualquer produção mediúnica, de quem quer que seja, aos critérios estabelecidos pelo próprio
Kardec para a avaliação da mediunidade.50

Como se vê, é indispensável saber a qualidade do trabalho mediúnico desenvolvido
no centro espírita, não só para se poder utilizar este meio de estudo, pesquisa e
desenvolvimento do conhecimento, mas, também, pela responsabilidade que todo centro
espírita tem de dignificar a doutrina espírita, não permitindo que práticas aleatórias, místicas,
contrárias à proposta de Kardec, denigram o espiritismo. Mais que isso, a mediunidade não
pode servir dentro de um centro espírita, em nenhuma hipótese, a qualquer interesse particular e
desvinculado do compromisso de contribuir para o crescimento e a melhora da humanidade.

Sem uma análise criteriosa das manifestações mediúnicas, esses objetivos não
podem ser alcançados, a começar pela ausência de conhecimento sobre os tipos de fenômenos
que se produzem nos trabalhos mediúnicos. É importante ter informação segura sobre eventuais
mensagens anímicas, sua qualidade, sua periodicidade, as causas que as determinam etc.

49 Mauro de M. Spinola. Centro espírita: uma revisão estrutural. 1997, p. 46.
50 Jaci Regis. Introdução à doutrina kardecista. 1ª ed. Santos: LICESP, 1997, p. 90.


4.5.3 O que tem sido feito
Quantos centros espíritas estão catalogando, nos trabalhos de mediunidade, as
comunicações anímicas? Mesmo sem nenhuma informação concreta a respeito, só pela
inexistência de literatura, artigos, palestras ou qualquer tipo de evidência do tema, pode-se
supor que essa preocupação é rara.

O presente trabalho tem o objetivo de propor uma pesquisa que venha fornecer
maior clareza nesta questão e, quem sabe, oferecer orientação mais objetiva para o
enfrentamento de um trabalho que precisa ser praticado nos centros espíritas, porém, por falta
de recursos, permanece à margem das atividades diárias nos grupos mediúnicos.

Não existem elementos que autorizem afirmar a inexistência de trabalhos neste
campo, mas, da mesma forma, a conclusão contrária também seria temerária por falta de
informação. O que se vê comumente é o total desprezo e a completa falta de compromisso com

o estudo e a pesquisa em torno dos trabalhos mediúnicos. Pior, sempre que um integrante do
centro espírita critica as mensagens ou a postura dos médiuns cria-se um melindre que acaba
sempre com o rompimento dos laços afetivos e o afastamento do médium.
4.6 Um questionamento
Sem embargo do reconhecimento obtido pelos clássicos estudiosos do tema, bem
assim da autoridade que lhes conferem as intensas pesquisas realizadas com seriedade e
persistência, parece não estar claro o entendimento de alguns autores contemporâneos, a
exemplo também do que defenderam os clássicos, de que há sempre mediunismo no animismo,
ainda que a mensagem provenha do próprio espírito encarnado responsável pela sua
transmissão.

A dúvida levantada neste trabalho nasce do pensamento discordante neste ponto,
por entender que é possível ocorrer uma manifestação anímica sem o concurso de médium ou
intermediário.

O próprio Aksakof escreveu: "Para mim a luz só começou a despontar no dia em que
meu índice me forçou a introduzir a rubrica de Animismo, isto é, quando o estudo atento dos fatos
me obrigou a admitir que todos os fenômenos mediúnicos, quanto ao seu tipo, podem ser
produzidos por uma ação inconsciente do homem vivo".51 A análise dessa explicação e de outras
tantas parece sugerir que os mesmos fenômenos mediúnicos até então conhecidos poderiam
igualmente se produzir pelo próprio espírito encarnado, situação diferente do fenômeno espírita.
Recorde-se o seguinte trecho de Aizpúrua, transcrito no item 1.2 supra: no espiritismo, o animismo
designa certo estado de transe no qual quem está provocando e produzindo o fenômeno de
efeitos psíquicos ou físicos é o espírito do próprio ser encarnado e não o espírito desencarnado,
pois neste caso seria um fato mediúnico. Noutro momento, escreve: um mesmo tipo de fenômeno,
seja físico ou intelectual, pode ser anímico ou mediúnico (...).52

Embora Aizpúrua esteja contrapondo o animismo ao mediunismo, na verdade os
clássicos apontaram uma dicotomia entre animismo e fenômenos espíritas, entendendo-se por

51 Alexander Aksakof. Animismo e Espiritismo. Vol. I. pp. 22-3.
52 Jon Aizpúrua. Os fundamentos do espiritismo. 2000, p. 153.


fenômenos espíritas aqueles produzidos por Espíritos desencarnados e por animismo, os
produzidos pela alma ou espírito encarnado.
Tome-se para reflexão o seguinte ensinamento de Ernesto Bozzano:

Nem um, nem outro logra, separadamente, explicar o conjunto dos fenômenos supranormais.
Ambos são indispensáveis para tal fim e não podem separar-se, pois que são efeitos de uma
causa única e esta causa é o espírito humano que, quando se manifesta em momentos
fugazes durante a encarnação, determina os fenômenos anímicos e, quando se manifesta
mediunicamente, durante a existência "desencarnada", determina os fenômenos espiríticos".53

Em outro momento, na mesma obra, Bozzano diz que a denominação de
"fenômenos mediúnicos" propriamente ditos designa um conjunto de manifestações
supranormais, de ordem física e psíquica, que se produzem por meio de um "sensitivo" à quem
é dado o nome de médium, por se revelar qual instrumento a serviço de uma vontade que não é
a sua.54 Afirma ainda:

Segue-se que as duas classes de manifestações resultam de naturezas idênticas, com a
diferença, puramente formal, de que, quando elas se dão por obra de um vivo, entram na
órbita dos "fenômenos anímicos" propriamente ditos, e de que, quando se verificam por obra
de um defunto, entram na categoria, verdadeira e própria, dos fenômenos espíritas.
Evidencia-se, portanto, que as duas classes de manifestações são complementares uma da
outra, a tal ponto que o Espiritismo careceria de base, dado não existisse o Animismo.55

Parece evidente a dicotomia entre os fenômenos anímico e espírita. Bozzano se
encarregou de demonstrar que um não infirmava o outro e que ambos confirmavam o
espiritismo. Aksakof apresentou uma classificação trinaria, referindo-se aos fenômenos: anímico
não mediúnico, espírita e anímico-mediúnico. É que a sua preocupação, como também a de
Bozzano, era demonstrar que embora na causa desses fenômenos estivesse sempre o espírito
humano, nem sempre ocorria um fenômeno espírita (comunicação do espírito desencarnado).
As experiências, especialmente as de Bozzano, mostraram que poderiam provir também das
almas (espíritos encarnados), tendo-se constatado, ainda, fenômenos anímicos através da
mediunidade. Por anímicos mediúnicos, Aksakof define aqueles que envolvem participação de
pessoas vivas em fenômenos mediúnicos tais como psicografia, psicofonia, aparições, etc.

Feita essa análise, não parece razoável a interpretação feita por Aizpúrua quando
escreveu o seguinte: O animismo não invalida a mediunidade, porque, em última instância, ao
produzir-se um transe de caráter anímico, o sujeito está atuando como intermediário de seu
próprio espírito, como médium de si mesmo.56 É certo que o animismo não invalida o
mediunismo, mas é muito estranha a fundamentação por ele utilizada.

Seria mesmo razoável admitir que um espírito encarnado, emancipado do corpo
físico, precisaria de um intermediário para manifestar-se? Toda a compreensão do fenômeno
mediúnico alcançada até os dias atuais define o médium como intérprete. Pois bem, sendo lógica
a proposta de Aizpúrua, o espírito encarnado serviria de intérprete para ele mesmo, emancipado

53 Ernesto BOZZANO. Animismo ou espiritismo: qual dos dois explica o conjunto dos fatos? p. 9
54 Ibidem. p. 51.
55 Ibidem, mesma página.
56 Jon Aizpúrua. Os fundamentos do espiritismo. 2000, p. 153



do corpo físico? Como poderia ser o emitente da mensagem e o intérprete ao mesmo tempo?
Essa conclusão poderia levar à afirmação de que o médium ou o intérprete no fenômeno espírita é
só o corpo físico, mas não é isso que se dessume do estudo Espírita. Contrariando essa
possibilidade, destaca-se, a seguir, um texto de André Luiz, referindo-se ao médium desligado do
corpo físico: O médium, assim desligado do veículo carnal, afastou-se dois passos, deixando ver o
cordão vaporoso que o prendia ao campo somático (...) não obstante liberto do vaso somático,
prossegue em comunhão com ele, por intermédio do laço fluídico de ligação.57

O médium, de acordo com o conhecimento que nossa limitada percepção alcançou,
é a pessoa humana; portanto, é o espírito encarando. Não seria unicamente o espírito, pois
depende de uma pré-disposição orgânica, mas, também, não seria apenas a matéria, pois
concorre na elaboração da mensagem que interpreta, a ponto de alguns autores escreverem
que não existe comunicação mediúnica desprovida de certo componente anímico. Mais uma vez
vale a pena citar André Luiz:

Ainda mesmo no campo de impressões comuns, embora a criatura empregue os ouvidos e
os olhos, ela vê e ouve com o cérebro, e, apesar de o cérebro usar as células do córtex para
selecionar os sons e imprimir as imagens, quem vê e ouve, na realidade, é a mente. Todos
os sentidos na esfera fisiológica pertencem à alma, que os fixa no corpo carnal, de
conformidade com os princípios estabelecidos para a evolução dos Espíritos reencarnados
na terra58.

Por essa razão, não parece existir mediunismo quando o fenômeno se traduz na
manifestação de uma alma emancipada do corpo, como ocorre no sonambulismo, por exemplo;
não haveria razoabilidade neste raciocínio. Leon Denis assevera que o "eu" exteriorizado
durante a vida e o "eu" que sobrevive após a morte são idênticos e representam dois aspectos
sucessivos da existência de um único e mesmo ser. 59

Tendo-se em conta que o fenômeno mediúnico traduz-se pela interpretação de uma
mensagem proveniente de outra inteligência diferente da do médium, poder-se-ia afirmar que
ocorrendo essa hipótese o caso seria de comunicação mediúnica ainda que o emissor da
mensagem fosse encarnado; mas, como o termo animismo foi criado para referir-se às
manifestações das almas ou espíritos encarnados, surgiu esta terceira categoria de fenômeno
na classificação de Aksakof, denominada de anímico-mediúnica, não compreendida no
animismo puro ou não mediúnico e tampouco no fenômeno espírita por não derivar de espíritos
desencarnados.

Manuel S. Porteiro esclarece bem a desvinculação dos fenômenos anímicos dos
órgãos sensoriais, fato que coloca ainda mais dúvidas sobre a necessidade de um intermediário
para que os fenômenos anímicos aconteçam. Afirma claramente: sem dúvida que os órgãos
sensoriais não fazem aqui nenhum papel e que os centros sensitivos e motores pouco ou nada
têm que fazer. E se, como dizem os psicólogos empíricos, toda função psíquica se realiza
mediante um órgão e um centro cerebral, quais são os órgãos e os centros cerebrais da
telepatia, da clarividência, da premonição, etc.?60

57 Francisco Candido Xavier, pelo espírito de André Luiz. Nos domínios da mediunidade. pp. 98-9.
58 Idem. ibidem. p. 110.
59 Leon Denis. O problema do ser, do destino e da dor. 1.989, p. 91.
60 Manuel S. Porteiro. Espiritismo Dialético. 2002. p. 51.



23

Na mesma esteira a lição de Bozzano, ensinando que essas faculdades pertencem a
um plano qualitativamente diverso e absolutamente independente daquele em que agem os
fatores da evolução biológica. Escreveu, a propósito:

As faculdades supranormais subconscientes, em vez de se exercitarem no plano da
consciência normal, somente surgem sob a condição de que as funções da vida de relação
se achem temporariamente abolidas ou apagadas, dependendo do grau, mais ou menos
profundo, de inconsciência em que jaza o sensitivo, o grau de maior ou menor perfeição com
que elas se exteriorizam. Ora, não se podendo negar que, imerso no estado de
inconsciência, um organismo sensiente é um organismo temporariamente privado de
qualquer relação com o mundo exterior – portanto, impotente para a luta pela vida –
logicamente se segue que os fatores biológicos não podem, não puderam e não poderão
nunca nenhuma influência exercer, por mínima que seja, sobre a gênese e a evolução das
faculdades psicosensorias subconscientes.61

A propósito do questionamento levantado neste item, vale anotar a afirmação de Jaci
Regis: A melhor definição do papel do médium é que ele é o intérprete do Espírito comunicante.
Isso afasta a pretensão de infalibilidade de alguns médiuns e a tolice sustentada por quem
desconhece o mecanismo de que existam comunicações sem a interferência do intermediário.62
Pois bem, partindo-se da afirmação de Jon Aizpúrua de que no transe de caráter anímico, o
sujeito está atuando como intermediário de seu próprio espírito, como médium de si mesmo

restaria indagar quem assume o papel de comunicante e quem seria o intermediário.

Finalizando, transcreve-se, por oportuno, mais uma lição de Jaci Regis: Os
fenômenos mediúnicos se caracterizam invariavelmente pela atuação de uma inteligência
diferente e independente do médium.63

5
Um exemplo de projeto de pesquisa: Animismo

Segue uma proposta de projeto de pesquisa de estudo de caso sobre animismo.
Segundo Yin, um protocolo para estudo de caso deve apresentar as seguintes seções:


Uma visão geral do projeto de estudo de caso (objetivos e patrocínios do
projeto, questões de estudo de caso e leituras importantes sobre o tópico que
está sendo investigado).

Procedimentos de campo (credenciais e acesso aos locais de estudo de
caso, fontes gerais de informações e advertências de procedimentos)

Questões do estudo de caso (as questões específicas que o pesquisador do
estudo de caso deve manter em mente ao coletar os dados, uma planilha
para disposição específica de dados e as fontes em potencial de informações
ao se responder cada questão).

Guia para o relatório do estudo de caso (resumo, formato de narrativa e
especificação de quaisquer informações bibliográficas e outras
documentações).
61 Ernesto BOZZANO. Animismo ou espiritismo: qual dos dois explica o conjunto dos fatos? p. 23.
62 Jaci Regis. Introdução à doutrina kardecista. 1ª ed. Santos: LICESP, 1997, p. 91.
63 idem. ibidem. p. 93



24

Neste trabalho, estão sendo desenvolvidos os dois primeiros itens (e mesmo nestes
são desenvolvidos apenas os aspectos essenciais). Os demais serão objeto de trabalho
posterior, e são necessariamente mais vinculados ao contexto e local da pesquisa a ser
efetivamente realizada.

5.1 Visão geral
5.1.1 Questões
Questão fundamental:


Como distinguir se a manifestação em foco ou um conjunto delas provém da
própria pessoa, de uma comunicação espírita ou de uma manifestação
anímica?
Subquestões:


Haveria algum elemento ou indício que autorizaria encaminhar o estudo para
uma das opções?

Quais são as características identificadoras da comunicação da própria
pessoa?

Quais são as características identificadoras da manifestação anímica?
o
Em que circunstâncias ou situações há maior chance de ocorrer o
fenômeno anímico?


Quais são as características identificadoras da comunicação espírita?
o
Sempre que o conteúdo revelar um conhecimento diferente/acima do
nível do médium, é possível afirmar que se trata de comunicação
espírita?
o
É possível concluir, com certeza, que se trata de comunicação
espírita, apesar de não existirem elementos para identificar o espírito
comunicante?
5.1.2 Proposições
Proposições (hipóteses):


Há condições objetivas para diferenciar as três alternativas.

Um estudo sério da mensagem pode descartar definitivamente as hipóteses
de animismo e comunicação espírita.

Só quando for possível reconhecer a identidade do espírito manifestante
podem ficar descartadas as outras hipóteses (animismo e da própria pessoa).

As manifestações reveladoras de conteúdos desconhecidos do médium
podem ser anímicas ou espíritas.
5.2 Procedimentos de campo
Proposta: analisar a manifestação em foco isolada e conjuntamente. Considerar o
contexto. Aspectos a considerar:


25


aspectos relacionados com a mensagem: linguagem, conteúdo, assinatura,
símbolos explícitos e implícitos (semiótica)

aspectos relacionados com a autoria: é sempre o mesmo espírito? há
coerência entre assinatura e mensagem? o espírito sempre se comunica
através do mesmo médium? há dados ou informações que permitam
confirmar a identidade?

aspectos pessoais da vida do médium: tempo de conhecimento espírita,
cultura (espírita e geral), saúde, família, profissão

aspectos relacionados com o grupo mediúnico: há correlação entre as
manifestações em foco e a presença ou ausência de um ou mais integrantes?
número de integrantes, assiduidade, homogeneidade, tempo de formação

instituição: prioridades, atividades principais, tempo de fundação, formação
dos integrantes

direção da reunião mediúnica: conhecimento e atitudes do dirigente,
relacionamento do dirigente com a pessoa responsável pela manifestação
investigada, experiência no trato com os espíritos
6
Conclusões

A preparação de um projeto de pesquisa requer, sempre, um estudo aprofundado do
assunto, para permitir maior domínio das variáveis envolvidas na pesquisa. Para um estudo de caso,
que em geral parte de um modelo teórico mais aberto e menos formalizado, essa preparação é
fundamental. Para o projeto esboçado para pesquisa do animismo, confrontando-o com as demais
alternativas de manifestações, foi necessário, para identificação das questões e proposições, bom
conhecimento prévio dos trabalhos de pesquisa realizados anteriormente na área.

O protocolo esboçado mostra que o método de estudo de caso pode ser aplicado na
pesquisa espírita, sobretudo em situações em que as questões-chave de pesquisa são "como" e
"por que".

É necessário, como próximos passos:


desenvolver os detalhes do projeto, adequando-o às características de cada
contexto de estudo, e facilitando assim sua aplicação,

aplicá-lo em contextos e grupos diversos,

estabelecer intercâmbio entre os grupos,

aperfeiçoar a teoria e propor novos estudos de casos.
Os grupos interessados neste trabalho estão convidados a integrarem-se a ele,
entrando em contato com os autores ou com o CPDoc.

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AIZPÚRUA, Jon. Os fundamentos do espiritismo. Trad. Leile Cacacci. São Paulo: CEJB, 2000.
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DENIS, Leon. O problema do ser, do destino e da dor. 15ª ed. Rio de Janeiro: FEB, 1.989.

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Produção. In: ENEGEP – ENCONTRO NACIONAL DE ENGENHARIA DE PRODUÇÃO, XVI,
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PIRES, J. Herculano Pires. O homem novo. 3ª ed. São Bernardo do Campo-SP: Correio Fraterno do
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YIN, Robert K. Estudo de caso: planejamento e métodos. Trad. Daniel Grassi. 2. ed. Porto Alegre:
Bookman, 2001.


A GLÂNDULA PINEAL


Alcione Moreno

V - Simpósio Brasileiro do Pensamento Espírita



ÍNDICE


A Glândula Pineal
Introdução 03
Anatomia 04
Histologia e Ultra-estrutura 05
Bioquímica, Secreção e Biossintese 06
Efeitos Fisiológicos 07
Sono
Doenças Neurológicas
Sistema Imunológico
Câncer
Distúrbios Psiquiátricos
Analgesia e Stress
Metabolismo Intermediário
Outras Manifestações Clínicas
Sistema Reprodutor
Sexualidade
07
07
07
07
07
07
07
07
08
08
A Glândula Pineal e Outras Doutrinas
Doutrinas Orientais 09
Numerologia 10
O Paradigma da Yoga 11
Cromologia 12
A Glândula Pineal e Espiritismo 14
Conclusão 17
Referências Bibliográficas 18

2



A GLÂNDULA PINEAL


Introdução

A glândula pineal tem a forma de um cone de pinha (pinea) e no adulto mede 8 mm de
comprimento por 4 mm de largura e pesa 0,1 a 0,2 gramas(11).
Apesar de sua anatomia tão discreta está sempre envolta por um misticismo. Citada em várias
doutrinas, desde 3.000 anos a. C. na Yoga, no esoterismo, na numerologia ela aparece com
alguns pontos em comum do conhecimento humano.
No ocidente foi descrita pela primeira vez por Herophilus de Alexandria, por volta do ano 330 a.
C., e foi reconhecida como uma glândula por Galeno, em Roma(30), que introduziu o termo
"Konareon" para a pineal, pela estrutura em forma de um cone de árvore de pinha, "Pineal" é
derivado do latim pinealis, que significa cone de pinha. A glândula Pineal também é conhecida
como epífise, mas este termo é muito parecido com Hipófise, que é outra glândula do sistema
endócrino, podendo dar margem a confusões, prefiro chamá-la de pineal, por ser mais aceito no
campo científico, e também evitando equívocos.
Versalius, no século XVI, descreveu elaboradamente a topografia e a consistência da
glândula.(30)

Descartes, no século XVII, atribuiu a pineal como sendo o ponto de união da alma ou espírito
ao corpo biológico.(10)(Figura 1)


Figura 1 - Pineal de Descartes (28)

O Espiritismo no século XIX a coloca como importante região na mediunidade e na deflagração
da puberdade.
Contemporaneamente, a pineal ressurge como objeto de estudo da Medicina e da Biologia,
através de uma revisão da literatura mundial feita por Kitay e Altschule em 1954(17), Outro
marco nos estudos da pineal ocorreu em 1959, quando Lerner(21) et al. isolou o hormônio da
glândula pineal, a que chamou de melatonina. A partir disso, em vários trabalhos, congressos e
simpósios procurou-se esclarecer o papel funcional da pineal.
A glândula pineal vem sendo estudada detalhadamente em vários animais e muitos achados
demonstram a importância da pineal em vertebrados, mamíferos e humanos. Comum a todos os
vertebrados é o caráter endócrino da pineal, cuja secreção é controlada pelo ciclo claro-escuro
ambiental(41). Sendo a produção de melatonina exclusivamente noturna, a duração de sua
concentração no extracelular depende da duração do período de escuro do ciclo dia-noite. A

3



concentração plasmática de melatonina também varia de acordo com as diversas estações do
ano, que determinam noites com diferentes durações conforme a estação vigente.(30)
A pineal é um temporizador do meio interno, estando envolvida na regulação de diversas
funções fundamentais para a sobrevivência do indivíduo; regulação endócrina da reprodução,
modulador do comportamento sexual, ciclo sono-vigília, regulação do sistema imunológico,
regulação do metabolismo intermediário. Relatos ligam a pineal a distúrbios psiquiátricos como
SAD (Seasonal Affective Disorder), analgesia e stress, distúrbios dos sono, epilepsia e outras
manifestações clínicas, caracterizando a importância do estudo da glândula pineal e do seu
principal hormônio, a melatonina.(31)

Anatomia

A glândula pineal tem a forma de um cone de pinha (pinea) e no adulto, mede 8 mm de
comprimento por 4 mm de largura e pesa 0,1 a 0,2 gramas(30). É um órgão parenquimatoso,
derivado do teto diencefálico caudal que se projeta posteriormente no tronco cerebral(43).
Está unida ao diencéfalo por um pedículo que no homem é curto e fino, situando-se entre os
colículos superiores. O terceiro ventrículo está imediatamente anterior à pineal que está em
contato com os recessos pineal e suprapineal do mesmo. Encontra-se também logo abaixo do
esplênio do corpo caloso. (Figura 2)(9)

Fórnix (tronco
Corpo caloso
Plexo coróide do
terceiro ventrículo
Massa intermediária
do tálamo
Sulco hipotalâmico
Núcleos habendulares
Comissura anterior Corpo Pineal
Comissura Posterior
Recesso pré-óptico
Quiasma óptico
Infundíbulo
Neuripófise
Tuber cinereumCorpo mamilar Figura 2 - Corte sagital
Núcleo interpenducular do cérebro mostrando o
diencéfalo (9)

O suprimento arterial é dado pelas artérias coroidais posteriores e a drenagem venosa, pelas
veias cerebrais internas que cursam dorsalmente a pineal.(30)
A glândula pineal em mamíferos tem 3 componentes celulares principais: a célula pineal ou
pinealócito, células gliais e terminações nervosas.(14)
Os estímulos básicos para a regulação da função pineal são luz ambiental e mecanismos
endógenos geradores de ritmo.(43)
A informação fotossensória chega até o final através de uma complexa via polineural que
começa nas células ganglionais da retina(13, 25), passando pelo quiasma óptico, compondo o trato
retino-hipotalâmico, chegando até o núcleo supraquiasmático, onde ocorrem sinapses. Dentro do
tronco cerebral, o caminho do hipotálamo lateral até a medula espinhal não é muito bem
determinado, mais provavelmente envolve o fascículo prosencefálico medial. Projeções
descendentes fazem sinapses na coluna intermediolateral e ganham o gânglio cervical superior
por fibras pré ganglionais. Finalmente fibras simpáticas adrenérgicas chegam a pineal pelo

4



nervo coronário, que entra na glândula pelo seu ápice no tentório do cerebelo(11, 13, 14, 24, 37).
(Figura 3)
Uma vez dentro da glândula, os nervos simpáticos terminam principalmente nos espaços
intersticiais e só algumas terminações nervosas o fazem encostadas ao próprio pinealócitos. Tal
disposição permite que as substância neurohumorais liberadas por essas terminações nervosas
simpáticas se difundam aos pinealócitos, através do espaço intersticial.(18)


hipotalâmica

Área
hipotalâmica
lateral

Ganglio
simpático
cervical
superior

lateral

Retina
Área tuberal ventral
Glândula Pineal
Coluna intermédio
Figura 3 - Anatomia da via
polineural da informação
fotossensória (28)

Histologia e Ultra-estrutura

Os tipos celulares encontrados na glândula pineal de um mamífero adulto são geralmente
divididos em células parenquimais (pinealócitos) e intersticiais (também ditas "células de
sustentação"), das quais muitas podem ter origem glial.(Figura 4) (Figura 5)
A morfologia da glândula pineal humana é similar àquelas descritas em outros mamíferos
(Figura 6). É envolvida por uma cápsula e dividida em lóbulos separados por tecido conectivo
trabecular.(12)


Figura 4 - Pinealócitos e
prolongamentos das células gliais (28)

Figura 5 - Tipos
celulares da
glândula pineal(28)
5



Glândula Pineal
Células
intersticiais
neuroglial
Capilar
Pinealócitos
(x 400)
(x 624)
Célula intersticial
Pinealócitos
Processo
longo
Processo
club-like
Transporte e
melatonina
Processo
do capilar
Capilar Processo
Glândula Pineal
Células
intersticiais
neuroglial
Capilar
Pinealócitos
(x 400)
(x 624)
Célula intersticial
Pinealócitos
Processo
longo
Processo
club-like
Transporte e
melatonina
Processo
do capilar
Capilar Processo
Pi
CH
CP
RPi
Figura 6 - Glândula pineal fetal -
Desenho de uma secção médiosagital
- Pi: glândula pineal; CH:
comissura habenular - CP:
comissura posterior - Rpi: recesso
pineal(12)


longo

Bioquímica, Secreção e Biossintese

Em alguns animais, a melatonina é produzida na retina e na pineal, mas, no ser humano, a
produção fisiologicamente importante é de origem pineal, já que humanos pinealectomizados
não apresentam níveis detectáveis de melatonina circulante(26, 33). A melatonina foi isolada em
1959 por Lerner(90). Este hormônio recebeu o nome grego melas (escuro) e tonos (trabalho). A
melatonina, ou N-acetil-5metoxitriptamina, é o maior produto metabólico da pineal. É uma
indoleamina com um peso molecular de 232.3(20). A sua síntese depende das condições
ambientais de luz(23, 34) e é estimulada por fibras simpáticas pós-ganglionares provenientes do
gânglio cervical superior, cuja atividade está sincronizada com a fase escura do ciclo dia-noite.
A luz tem ação inibitória.(30)

(enzima responsável (enzima responsável) (depressão)

pela transformação)

O estudo da pineal, atualmente, vem tomando grande vulto na prática clínica corrente e isso se
deve às descobertas concernentes aos vários aspectos de sua função.

Efeitos Fisiológicos e Patológicos

O Triptofano Serotonina N-Acetilserotonina
( luz) (euforia)
NAT HIOMT Melatonina
( escuro)
6



A pineal é a estrutura responsável pela transmissão de informação fotoperiódica ao organismo, e
exerce papel regulatório sobre os mais diversos eventos fisiológicos, metabólicos e
comportamentais.(30)


Sono: A melatonina é secretada maximamente durante o sono, que acontece normalmente nas
horas de escuridão (noite)
É um hormônio produtor de sono.
Ela inibe os neurônios serotonigérgicos da formação reticular, que é envolvido no despertar.
Os níveis de melatonina declinam com a idade e pessoas mais velhas dormem menos que as
jovens.


Doenças Neurológicas: A glândula pineal e a melatonina tem um papel importante na
regulação e modulação da atividade elétrica cerebral e vem sendo demonstrado que estão
envolvidas nos mecanismos de convulsão.
Há também influência no movimento podendo estar envolvida na doença do neurônio motor,
esclerose lateral amiotrófica (ELA), na doença de Parkinson.


Sistema Imunológico: O sistema imunológico apresenta ritmicidade circadiana e sazonal na
maioria das funções, sugerindo que ele possa ser regulado pela pineal.
A melatonina age preferencialmente na resposta humoral, estimulando-a.


Câncer: Existe um papel inibitório da pineal no crescimento tumoral.
A melatonina vem sendo administrada em humanos e o seu efeito antihumoral depende do
fotoperíodo e da hora do dia em que foi administrada, de manhã - inibitória, a noite -
estimulatória.


Distúrbios Psiquiátricos: São importantes em certas doenças psiquiátricas como a depressão
e a esquisofrenia.
Os transtornos sazonais de humor não são incomuns; é um distúrbio psiquiátrico com forte
componente anual, conhecido como SAD (Seasonal Affective Disorder), ou o transtorno afetivo
sazonal, que se caracteriza por períodos recorrentes de depressão, tipicamente nos meses de
inverno, ou seja nos dias mais curtos do ano.
É evidente a influência da luz e da melatonina na depressão. A luz melhora e a melatonina piora.


Analgesia e Stress: Há um papel regulador de opióides endógenos na regulação da função
pineal. A noite, a melatonina está em alta e as beta-endorfinas estão em baixas.
A glândula pineal exerce um papel no stress, provavelmente quando a melatonina é secretada
episódicamente durante os períodos de despertar diurnos.


Metabolismo Intermediário: Exerce um papel modulador nos processos metabólicos, em
geral e enzimáticos celulares em particular.
Em indivíduos normais, a curva glicêmica que segue a uma carga oral de glicose varia de acordo
com a hora do dia, atingindo níveis mais altos e persistentes por mais tempo à tarde e a noite.


Outras Manifestações Clínicas: Há vários relatos do papel da glândula pineal em doenças
humanas como hipertensão, desordens de mielina, doenças oculares como glaucoma, porfiria,
hemocromatose e distúrbios endócrinos.


Sistema Reprodutor: Sendo a pineal o órgão da interface entre o organismo e os eventos
cíclicos ambientais, é a responsável pela regulação de todos os eventos fisiológicos necessários


7



à adaptação dos indivíduos às flutuações sazonais. Dentre os eventos sazonais, a reprodução é o
evento mais bem estudado(36). Vários estudos epidemiológicos(34) demonstram que os seres
humanos apresentam num período do ano, no equinócio da primavera, o aumento na taxa de
concepção. Essa incidência anual está estritamente vinculada à latitude e, portanto, ao
fotoperíodo da região geográfica considerada. Pode-se considerar então a espécie humana como
de reprodução em dias longos e a melatonina, como hormônio de ação antigonadotrófica.(27)
A pineal vem sendo correlacionada com a deflagração da puberdade(4). Até 1993 se sabia que a
produção de melatonina durante a puberdade apresentava-se diminuída(7). Com as recentes
pesquisas está bem estabelecido a importância da pineal no controle do sistema reprodutor. (27)
Há evidências de que a diminuição de melatonina seja indutora da puberdade. Há um aumento
significante dos níveis de melatonina na telarca(5).
Está envolvida na regulação do ciclo menstrual da mulher, já que se observam níveis séricos
diminuídos no momento da ovulação e níveis elevados nos dias subsequentes.
Uma outra possível influência da glândula pineal pode ser a sincronização dos ciclos menstruais
que se nota em mulheres que passam algum tempo juntas. Num aumento significativo da
sincronização dos ciclos entre mulheres que repartem um quarto entre amigas íntimas, ocorreu
nos primeiros 4 meses de residência em um dormitório de uma escola feminina.(39)

Sexualidade: Não existem trabalhos quanto ao papel da glândula pineal e a sexualidade
humana. Porém em animais, a melatonina inibe o comportamento sexual, e em dias longos há
um aumento copulatório.
É produzida exclusivamente à noite e a duração de sua concentração no extracelular depende da
duração do período de escuro do ciclo dia-noite, variando com as diversas estações do ano.
A influência da pineal em algumas patologias abre um grande campo de pesquisa ainda não
totalmente explorado. As indicações relatadas, em trabalhos atuais, da sua participação em
grande número de eventos biológicos, não só no homem como em outras espécies, demonstram
a importância desse campo de pesquisa ser efetivamente explorado.
É interessante notar como doutrinas milenares já indicaram sua importância, que hoje a ciência
consegue provar.
A importância do estudo da glândula pineal e da melatonina emerge com mais rigor a partir da
hipótese de ela poder servir como instrumento terapêutico. Esta revisão tem como objetivo,
também, encorajar o estudo nesse vasto e promissor campo de pesquisa, de onde podem advir
grandes descobertas.

A GLÂNDULA PINEAL E OUTRAS DOUTRINAS


8



Doutrinas Orientais

Nas doutrinas orientais a glândula pineal corresponde ao centro coronário também chamado
"chakra" coronário. A palavra chakra é sânscrita, e significa roda, ou disco giratório. É usada
por classificar o que amiúde se chama de Centros de Força do Homem. (Figura 7)(31)
A energia no interior do chakra deve sair ou entrar de acordo com a direção em que está girando.
A direção de seu giro é determinada pela influência das correntes positivas e negativas que são
alternadas e que dependem da energia do planeta e do cosmo.(38)
O Centro coronário é o sétimo situado no alto da cabeça. Os livros hindus chamam-no lótus de
mil pétalas, embora o número exato de força primária seja 960.(32)
Estas "pétalas" são uma maneira de descrever a frequência da energia em cada chakra. O
número de pétalas em cada lótus é o mesmo que o número de raios que cada roda de força tem
(Figura 8)(143).
No centro coronário que está na posição da glândula pineal há o desenvolvimento das
experiências subjetivas do "Eu Sou". Precisamos sentir, sempre, o ritmo de dormir e acordar, de
inspirar e expirar, e todos os pares de oposições que vem com o mundo objetivo e da forma. São
esses ritmos que nos dão a lei cíclica ou periódica em toda manifestação.(38)


Força Primária

(Vinda do
Astral)

Amarelo
Violeta

Do Centro Cardíaco dando
Do Centro Laríngeo

força a elevados pensamentos
filosóficos e metafísicos

Figura 7 - Chakra coronário - Glândula Figura 8 - Função do centro astral: Completa
Pineal. (31) e aperfeiçoa as faculdades. Função do centro
etéreo: Da continuidade à consciência. (32)

Para os hinduistas o despertar do centro coronário corresponde ao coroamento da vida, pois
confere ao homem a plenitude de suas faculdades.(19)
Os esotéricos referem uma particularidade no desenvolvimento deste chakra. No princípio é,
como todos os demais uma depressão do duplo etérico (que é a parte invisível do corpo físico
pelo qual fluem as correntes vitais que mantém vivo o corpo, e serve de intermediário entre o
pensamento e o corpo físico) pela qual penetra a divina energia procedente do exterior.(32)


Mas quando o homem se reconhece como a luz divina e se mostra magnânimo com tudo que o
rodeia, o chakra coronário reverte, por assim dizer, de dentro para fora, e já não é um canal
receptor, mas um radiante foco de energia, não uma depressão, mas uma proeminência ereta
sobre a cabeça como uma cúpula, como uma coroa.

9



As imagens pictóricas e esculturais das divindades e excelsas personagens do Oriente,
costumam mostrar esta proeminência como se vê na estátua do Senhor Buda em Borobudur (ilha
de Java) reproduzida na figura 9 esquerda e aparece sobre a cabeça de milhares de imagens do
Senhor Buda no mundo oriental (Figura 9 à direita).(38)
Também se nota essa proeminência na simbologia cristã, como, por exemplo nas coroas dos
vinte e quatro anciões, que a retiravam diante do trono do senhor.
Essa vibração é freqüentemente representada pelos artistas como uma auréola circundando a
cabeça de pessoas altamente desenvolvidas ou santas.(38)


Figura 9 -Representações do
chackra coronário. (38)
Numerologia

Em termos de numerologia a glândula pineal é colocada como o sétimo chakra (Tabela 1) que
corresponde a somatória dos 3 princípios ligados a vibrações na porção superior da cabeça mais
ligada ao desenvolvimento do espírito com os quatro pontos manifesta-se ao nível da espinha
mais ligado a matéria. A alta triplicidade(3) ligado ao espírito e o baixo quaternário(4) ligado a
matéria perfazem um total de sete (7). Num estado de adensamento o espírito desce à forma e o
número sete é manifestado promovendo as importantes divisões setenárias da cor e do som e
dando os sete níveis da consciência do homem. (figura 10)

Tabela 1 - Os sete principais chakras.(40)

Chakra Glândula
7 Cabeça Pineal
6 Testa Pituitária
5 Garganta Tiróide
4 Coração "Glândula Vascular"
3 Plexo Solar Pâncreas
2 Sacro Gônadas
1 "Base" Glândula supra-renal

Cada nível de consciência é uma vibração básica ligada a um elemento. Pela mudança de
vibração pode haver a transformação de um elemento em outro. Este processo tem relação com a
energia da Terra devido a rotação diurna em torno do seu eixo(38).


10



CORONÁRIO
Espírito

FRONTAL
Pensamento

Trindade
GARGANTA
Éter
CARDÍACO
Ar

SOLAR
Fogo

SACRO
Quaternário Água


BASAL Figura 10 - Os sete
Terra

pontos vibratórios e os
sete elementos. (38)

O Paradigma da Yoga

Yoga é a 3.000 anos um paradigma vitalista que originou-se na tradição espiritual Hindu. Uma
força distinta, ou "energia de vida" (chamada prana) anima o organismo humano
interpenetrando o corpo em sete grandes localizações(35). Estes centros energéticos, chamados
"chakras", correspondem em localização anatômica com as glândulas endócrinas. Como um
eixo vertical descendente do corpo os respectivos chakras intermediam progressivamente a
diminuição das funções psicológicas refinadas tocando a energia transcendente espiritual para a
sobrevivência física.(22) (Vide Tabela 2).
A palavra yoga significa "união". A união do princípio divino com o nosso eu real(143).
Para os yogues, a pineal é o ponto de ligação entre o individual e o cosmo, catalisando
consciência transcendental para a luz.(22)

Tabela 2 - Centro de energia endócrina correspondente(22).

Glândula Centro
Endócrina Energético Emoção
7 Pineal Cabeça Felicidade
6 Hipófise Testa Intuição
5 Tiróide Garganta Criatividade
4 Timo Coração Amor
3 Pâncreas Plexo Solar Poder
2 Gonadas Sacral Sexualidade
1 Adrenais "Base" Medo

Num paralelo clínico entre a antiga e a moderna visão da função pineal relata o papel da
glândula na regulação da sexualidade. Na yoga clássica, o desenvolvimento espiritual (isto é,
ativação do chakra da pineal) era mais efetivamente aumentado retirando ou sublimando os
desejos sexuais através de um estilo de vida celibatário. Em outras palavras, a prática da yoga
ativava a pineal em oposição as gônadas(22). Correspondentemente a Melatonina tem um efeito

11



antigonadotrópico.(8)
Similarmente a atividade sexual humana declina durante os meses de inverno quando a secreção
pineal é aumentada.(22)
No modelo da yoga, a "não energia" é um efeito que pode ser profetizado de pouca exposição à
luz solar, porque a luz solar é considerada ser a energia direta da origem. "Prana", o primordial
da energia de vida, assim como reminiscência da libido de Freud ou orgone de Reich, tem 4
princípios de origem: comida, respiração, luz solar e sono. Dieta apropriada, respiração ativa de
ar puro, sono saudável e adequada exposição a luz solar natural são a pedra angular da vitalidade
e saúde física(22).
No paradigma da yoga deveria ser prescrito nos pacientes, principalmente com SAD (Doença
Afetiva Sazonal, dor miofacial, efeitos anti gonadotrópicos inadequado da melatomina, quatro
itens:

1. Luz solar adequada (mais ou menos 120 minutos com 3.000 lux)
(levar em consideração pacientes com limiar diferentes para a sensibilidade pineal.
Alguns pacientes se mostram supersensíveis e outros subsensíveis devendo adequar a frequência
do espectro de luz.

2. Alimentação - Reconhecer como origem energética os alimentos alternando glicose/ATP ou
prana respectivamente, para adequar a atividade pineal.
3. Sono - Preocupa-se com a quantidade de ondas delta do sono. (este pode ser melhorado com
um programa regular de exercícios físicos, meditação e se necessário fármacos).
4. Respiração - O fluxo e o ritmo da respiração é uma elevação e rebaixamento de energia(22).
Através da yoga pode-se remover bloqueios e identificar nossas energias humanas com as
energias universais. Como a vida em si é infinita e eterna, também nossa consciência pode
tornar-se ilimitada em todas as suas possibilidades.(38)
Cromologia

Cromologia é o estudo das cores e Cromoterapia é a terapia através das cores.(1)
Manuscritos dos tempos primitivos mostram que, na Índia, China e Egito, os taumaturgos
(aqueles que realizam milagres) possuíam um sistema completo de cronologia baseado na lei de
correspondência entre a natureza setenária do homem e a divisão setenária do espectro solar.(1)
Sabendo-se que a moléstia é uma busca de harmonia no sistema, a idéia subjacente nas técnicas
cromoterápicas é a busca de um rebalanceamento corporal através da aplicação de feixes de luz
colorida sobre o corpo.
Os centros que atraem raios de luz são:
Vermelho - O centro mais baixo na base da coluna
Laranja - Na cintura, parte posterior, lado esquerdo (centro esplênico)
Amarelo - Centros do plexo solar
Verde - Em linha com o coração
Azul - Centro da garganta

Índigo - Glândula pineal

Violeta - Centro da pituitária
A glândula pineal é um maravilhoso purificador da corrente sangüínea(1).
A pineal se relaciona com o potencial nervoso, mental e psíquico do homem de modo que os
órgãos da visão e audição estão sob a influência do raio índigo.
Talvez seja por esta razão que o raio índigo seja um poderoso anestésico - seu emprego é um
modo de obter anestesia sem perda da consciência.(1)


12



Sob o ponto de vista psicológico, clareia e limpa as correntes psíquicas do corpo.

13



A GLÂNDULA PINEAL E ESPIRITISMO


A glândula pineal é descrita apenas em obras correlatas do Espiritismo.
Em minha pesquisa encontrei 3 autores que descrevem hipóteses quanto à sua função; são eles


C. Torres Pastorino, Jorge Andréa e André Luiz.
Em trabalhos mais recentes há publicações do Dr. Sérgio Felipe Oliveira e Dra. Marlene Nobre
pesquisando sobre o assunto
Existe uma revisão dos avanços nos estudos da glândula pineal pelo Dr. Mario Fernando Prieto
Peres excelente, porém sem os aspectos do Espiritismo.
Em Técnica da Mediunidade 1969 de C. Torres Pastorino(6), na parte de Biologia - Sistema
Glandular o autor descreve o corpo pineal anatomicamente e faz alguns comentários
histológicos, e afirma:
"Na realidade o corpo pineal não é a glândula produtora de hormônios, mas uma Chave de
ligação elétrica ou, talvez melhor dito, uma Válvula.
Os impulsos eletromagnéticos e eletroquímicos são registrados no corpo pineal e transmitido
para o espírito.
Temos, pois, no corpo pineal a válvula transmissora receptora de vibrações do corpo astral,
regulando todo o fluxo de emissões do espírito para o corpo físico e vice -versa.
Os impulsos provenientes do espírito são transferidos do corpo astral ao corpo pineal,
irradiando-se daí a substância branca, ao córtex, ao tálamo, até penetrar normalmente no
sistema nervoso, comandando o veículo somático. Essa é a ligação direta do próprio espírito
(personalidade) com seus veículos físicos."


Discordaremos do autor pois desde 1959 Lerner sintetizou a melatonina que é um hormônio
produzido pelo corpo pineal como chama o autor, provando ser uma glândula. E através deste
hormônio a glândula pineal interage com os demais órgãos.
Pastorino coloca também que o corpo pineal (ou epífise) é a responsável pela vidência do
mundo astral e pela clarividência.
O autor usa o título do livro "Técnicas da Mediunidade" e usarei a definição de Mediunidade do
Livro dos Médiuns - como a faculdade dos médiuns, e Médiuns como pessoa que pode servir de
medianeira entre os espíritos e os homens. (16)
Kardec refere como médiuns videntes as pessoas dotadas da faculdade de ver os Espíritos. "O
médium vidente acredita ver pelos olhos, mas na realidade é a alma que vê, e por essa razão eles
tanto vêem com os olhos abertos ou fechados".(16)
Para podermos afirmar que a pineal é responsável pela vidência necessitaríamos um
embasamento científico, para podermos comprovar sua importância.
Pastorinho utiliza da designação "corpo astral" que é utilizado no esoterismo, Kardec utiliza o
termo perispírito. (15)
O autor se refere posteriormente sobre a "interação na irradiação que provém da "mente" cuja
emissão é feita através de onda que é emitida pelo "átomo monádico" localizado no coração.
Esta teoria lembra a de Descartes no século XVII em "As Paixões da Alma" art. 36 (10)Descartes
coloca "Os espíritos refletidos pela imagem assim formada sobre a glândula pineal, quer por
ação direta sobre o coração, quer por uma variação no regime do sangue, modificam o regime
dos espíritos que seguem do coração para o cérebro, de modo que a alma, sentindo a paixão
torna a lançar os espíritos no mesmo circuito". O que corresponde ao esquema a seguir.


14



Figura 11 - Esquema
Descartes sec XVII (10)

Jorge Andrea também faz referências sobre a glândula pineal.(2, 3)
"O estudioso Leyding admitia ser a glândula pineal o órgão responsável pelo "sexto sentido".
Na espécie humana, a glândula pineal responderia pelos mecanismos da meditação e do
discernimento, da reflexão e do pensamento e pela direção e orientação dos fenômenos
psíquicos mais variados.
Os seres vivos; quer vegetais ou animais até determinados anfíbios, as suas respectivas essências
psíquicas ou energias espirituais pertenceriam ao grupo (alma grupo), a espécie de que fazem
parte. A partir dos lacertídeos, entretanto, haveria como que um desligamento no "sincício
energético". de uma série de nórteis, pontos centrais e vitais das respectivas individualidades
que emanciparam energéticamente de suas próprias fronteiras.
Andréa denomina: "Campo-Energético-Especializado de zona espiritual, zona inconsciente ou
subconsciente representando o Campo-Orientador das células e tecidos da organização física;
seria a "energia-responsável" pela onda morfogenética da espécie, em virtude de seu potencial
estar carregado pelas experiências incontáveis de vidas pretéritas. (2)
O autor descreve a influência da glândula pineal na esfera genital e sua intercomunicações
neuroendócrinas, e descreve o que ele chama de "Núcleos em Potenciação"(2, 3). Estes núcleos
são apresentados de intenso poder vibratório, consequentemente de forte emissão energética. Os
núcleos atuariam em dimensão mais evoluída, no seu conjunto representariam quase a totalidade
da energética espiritual, onde não existem limites no espaço. Estes pontos energéticos seriam o
centro, a fonte de toda energia psíquica, em volta dos quais as experiências iriam fixando
ampliando seus potenciais, para que a evolução se observe nos diversos setores de vida".
A glândula pineal segrega "hormônios psíquicos" ou "unidades de força" que vão atuar, de
maneira positiva nas energias geradoras(3).
Na qualidade de controladora do mundo emotivo, sua posição na experiência sexual é básica(2).
A pineal é a tela medianeira onde o Espírito encontra os meios de aquisição dos seus íntimos
valores, por um lado e, pelo outro, fornece as condições para o crescimento mental do homem,
num verdadeiro ciclo aberto, inesgotável de possibilidades e potencialidades. As aquisições para

o Espírito são cada vez maiores e as influências do Espírito são cada vez mais potentes, Há
15



ampliação e recompletamento nas ajustadas etapas palingenéticas, como possibilidades mais
lógicas da evolução no esquema cósmico(3).
A pineal comanda as forças subconscientes sob a determinação direta da vontade, graças à sua
ligação com a mente, através de princípios eletro magnéticos do campo vital.
Durante a tarefa medíunica, (intercâmbio entre espíritos desencarnado com encarnado) a pineal
torna-se extremamente luminosa(3).


Ligação entre o espírito do

Espírito comunicante
médium e do espírito

comunicante

Médium

Ligação entre o espírito
do médium e o seu
próprio corpo

Figura 12- Envolvimento

Espírito do médium

Espiritual (29)

A pineal tem a potencialidade de traduzir estímulos psíquicos em reações de ordem somática e
vice-versa, colocando o ser encarnado em permanente contato com o mundo espiritual que é
eterno(3).
Fica difícil entender a proposta dos Núcleos de Potenciação proposto por Andreas, devido a
dificuldade da teoria e muito das palavras usadas serem inexistentes no dicionário.
Jorge Andréa coloca descrição da glândula pineal e pergunta "Porque não admitir a pineal -
devido á sua situação absolutamente central em relação aos órgãos nervosos, das unidades
glandulares que dirige, dos elementos somáticos que influenciam, do sistema neurovegetativo
que atua e controla como sendo o Centro Psíquico, o Centro Energético, o Centro Vital, que se
responsabilizava pela ativação e controle de todos os atos orgânicos, desde os mais simples até
os fenômenos mais altos da vida?"
Uma outra hipótese referida "possível que os hormônios, pela sua estrutura bionergética, tenham
ações específicas nos genes dos cromossomos".
"Todas as substâncias estruturadas por moléculas complexas teriam a possibilidade de irradiar
elementos apropriados das órbitas de seus átomos. Muitas substâncias ativas de moléculas
específicas, pelas suas condições bioenergéticas, e facilmente influenciam a organização
perispiritual ou do psicossoma.
Esta teoria necessitaria um respaldo científico para poder ser discutida.
Em André Luiz(42) a glândula pineal é colocada como a glândula de vida mental. Ela acorda no
organismo do homem na puberdade, as forças criadoras e, em seguida continua a funcionar,
como o mais avançado laboratório de elementos psíquicos da criatura terrestre. A pineal preside
aos fenômenos nervosos da emotividade, como órgão de elevada expressão no "perispírito"(42).
Perispírito (do grego, péri, ao redor) é o envoltório semimaterial do Espírito. Sendo o perispírito
um dos elementos constitutivos do homem, desempenha um papel importante em todos os
fenômenos psicológicos e patológicos(15).

16



Nas obras básicas não há nenhuma citação especificamente quanto a glândula pineal, nem ligada
à mediunidade nem a sexualidade.
Haveria necessidade de junto com a informação científica, pesquisarmos se antes e após as
atividades medíunicas há ou não aumento ou diminuição da produção de melatonina para que
cientificamente pudéssemos opinar da importância da glândula pineal no Espiritismo.

CONCLUSÃO


A influência da pineal em algumas patologias abre um grande campo de pesquisa ainda não
totalmente explorado. As indicações relatadas, em trabalhos atuais, da sua participação em
grande número de eventos biológicos demonstram a importância desse campo de pesquisa ser
efetivamente explorado.
O estudo da melatonina emerge com mais rigor a partir da hipótese de poder servir como
instrumento terapêutico.
É interessante notar como doutrinas milenares já indicavam a importância da glândula pineal e
que nos dias de hoje a ciência consegue provar.
No espiritismo não há nenhuma citação específica sobre a glândula pineal nas Obras Básicas.
A pineal é descrita apenas em obras correlatas, por três autores;


C. Torres Pastorino faz citações sobre anatomia da glândula, de uma forma coerente, porém
sobre histologia ele nega que a pineal seja uma glândula e na fisiologia o autor utiliza a proposta
de Descartes.
Jorge Andrea refere-se a glândula pineal como tela medianeira onde o espírito encontra meios de
aquisição de seus valores para o seu crescimento; infelizmente não fica muito clara a sua
hipótese sobre os núcleos de potenciação, pois ele escreve utilizando palavras que não
encontramos os seus significados em dicionários. Andréa lança a teoria dos núcleos que
necessitariam de um suporte científico para sua aprovação.
André Luiz coloca a glândula pineal como a glândula de vida mental. Ele se refere a glândula
como responsável pela deflagração da puberdade o que é correto cientificamente, coloca-a como
responsável pelas sensações e impressões na esfera emocional, comentando as emoções de
"baixa classe", e sua importância durante os atos medíunicos.
Haveria necessidade de junto com a informação científica, pesquisarmos se antes e após as
atividades medíunicas há ou não aumento ou diminuição de melatonina para que cientificamente
pudéssemos opinar da importância da glândula pineal no Espiritismo.
Lanço aqui sugestão de um trabalho científico de dosagem de melatonina antes e depois dos
trabalhos medíunico para constatação científica da importância da pineal no espiritismo.
17



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31.POWEL M. A. E.: O corpo astral. Ed. Pensamento, 1972.

32.POWEL M. A. E.: O duplo etérico. Ed. Pensamento, 1993.

33.PRESLOCK, J. P.: The pineal gland: basic implications and clinical correlations. Endocrine
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36.REITER, R. J.(ed).: The pineal gland, Raven Press, NY, 1984.

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38.RENDEL P.: Os chacras: Estrutura psicofísica do homem. Hinnus Ed. Ltda., 1981.

39.SPEROFF LEON, GLASS R. H., KASE N. G.: Endocrinologia ginecológica clínica e
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40.TANSLEY D. V.: Dimensões da Radiônica.: Novas técnicas de cura. Ed. Pensamento, 10ª
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41.UNDERWOOD, H., GROSS, G.: Vertebrate circadian rhythms: Retinal and extraretinal
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YEN, JAFFE: Endocrinologia reprodutiva - Fisiologia, fisopatologia e tratamento clínico, 2ª
edição - Roca, 1990.

19



ESTRUTURA E METODOLOGIA PARA
GRUPOS DE PESQUISA MEDIÚNICA


Sandra Régis e Egydio Régis

INTRODUÇÃO

Quem estuda o Espiritismo, principalmente quando iniciante, tem um verdadeiro fascínio
pelo "misterioso" mundo dos Espíritos. O outro lado como costumamos dizer, ou, mais
modernamente, a outra dimensão. As reuniões mediúnicas dos Centros Espíritas, são geralmente
envolvidas em um clima de cerimônia esotérica, reservada a algumas pessoas especiais. Fora delas,
as pessoas ficam imaginando a sensação excitante que deve ser a de trazer de volta os mortos e
penetrar no seu mundo desconhecido. Quem está dentro, isto é, os médiuns e os dirigentes, portam-
se como se estivessem diante de um oráculo, com respeitosa cerimônia, voz "silenciosa" e um
absoluto desconhecimento do que se está passando do outro lado.

Os Espíritos, habitualmente designados como guias, que comandam as reuniões mediúnicas,
não costumam dar aos dirigentes, já que estes não "enxergam" o lado deles, uma visão do ambiente
e nem uma prévia do que está programado para aquela reunião. Os encarnados são meros
instrumentos passivos do que desejam os Espíritos e esta é a cultura generalizada nos Centros. Na
verdade, não existe uma co-participação em termos de programação e os encarnados não têm a
menor interferência na condução dos trabalhos, sendo seu papel unicamente estar à disposição dos
Espíritos. Isso é bom ou mau? Não nos ocuparemos desse julgamento, porque o escopo do presente
trabalho é o de construir uma nova concepção de reunião mediúnica, um novo estilo de
relacionamento entre os dois lados, de modo a estabelecer uma paridade de ações e de
responsabilidades. Não propugnamos a substituição dos atuais métodos de trabalho. Apenas
apresentamos um modelo que venha contribuir na organização e nos objetivos de reuniões
mediúnicas que se dedicam a PESQUISAS DOUTRINÁRIAS.

Capítulo Primeiro

I) – O que se entende por Pesquisa Mediúnica?

Pesquisa Mediúnica, é a busca de conhecimentos através da participação efetiva dos Espíritos, por
intermédio da mediunidade, único caminho que temos disponível para esse contato. Por que procurar
os Espíritos, se temos vasta literatura produzida por espíritos encarnados? Porque, primeiramente, é
inesgotável a fonte de conhecimentos que podem nos proporcionar o espírito humano, tanto daqui,
como de lá. Dos Espíritos, desejamos cada vez mais entender o seu mundo, e, especialmente
queremos explorar a experiência daqueles que foram nossos contemporâneos e que continuam
estudando e pesquisando, agora com outros recursos e sem os entraves naturais do corpo físico.

Pode-se, então, desde já entender, que avançamos por um caminho diferente do que estávamos
habituados em nossos trabalhos mediúnicos. Mesmo em se tratando das chamadas reuniões de
"caridade", de auxílio aos obsediados ou obsessores, podemos radicalmente mudar o estilo de
relacionamento com os Espíritos e, obviamente, da reunião. Isto porque, tanto como nós os
encarnados, os Espíritos podem também mudar o tradicional modelo de comunicação, tornando-o
menos formal, menos carregado de emoções tristes, fúnebres e de lamentações.

A pesquisa mediúnica pode tomar vários caminhos, dependendo dos objetivos que o grupo
eleger. Ela pode, por exemplo, dedicar-se ao estudo dos fenômenos de efeitos físicos, utilizando
métodos científicos; ou pode restringir-se ao estudo teórico de temas doutrinários, com o objetivo


de aprofundá-los com a contribuição dos Espíritos. Pode ainda buscar mais informações sobre o
chamado mundo dos Espíritos, continuando o trabalho de André Luiz e outros do gênero. Parece-
nos, entretanto, importante não misturar as coisas, isto é, querer fazer de tudo um pouco e acabar
chegando a lugar nenhum.
Ao optar por um trabalho de pesquisa, é importante conscientizar-se de que alguns aspectos devem
ser considerados: paciência, persistência, tempo disponível, discrição, espírito de equipe, disciplina
quanto à organização estabelecida pelo grupo. Se o perfil da pessoa inicialmente interessada não se
enquadrar nesses critérios, é melhor não participar. A esse respeito, não somos daqueles que, em
nome da fraternidade, tudo permitem. Somos favoráveis a uma seleção mais rigorosa possível,
apesar de estarmos cientes de que não encontraremos a perfeição. O trabalho de pesquisa pressupõe
que os pesquisadores tenham base suficiente para aprofundar os assuntos que serão pautados. Pois,
não se trata de um curso de espiritismo para iniciantes. Da mesma forma, os Espíritos convidados a
participarem da pesquisa, serão selecionados para estarem em nível igual ou superior aos dos
encarnados.

Reconhecemos que a realização e trabalhos de pesquisa mediúnica dependem de alguns
fatores que a tornam muito difícil. A primeira dificuldade está na disposição do grupo de
encarnados, quanto ao interesse, convergência de idéias, constância, freqüência e pontualidade às
reuniões. Um trabalho dessa natureza requer uma rigorosa observância de total dedicação, com
muita perseverança.

II) Os participantes do grupo de pesquisa

A idéia de se constituir um grupo de pesquisa mediúnica, obviamente deve partir de uma ou
mais pessoas interessadas nesse tipo de intercâmbio. Pode até ser uma iniciativa dos dirigentes de
um Centro, ou particularmente de participantes do mesmo. Evidentemente, será necessária a
concordância dos dirigentes para que esse tipo de trabalho, nada usual nos meios espíritas, possa ser
realizado nas dependências e com os recursos do Centro. Especialmente para contar com a
participação efetiva dos médiuns da casa. É claro que os interessados poderão partir para a
constituição de um grupo independente, sem ligação com qualquer Centro. Entretanto, a experiência
tem nos mostrado, que decisão é muito complicada, especialmente porque não é fácil encontrar-se
médiuns dispostos e bem formados doutrinariamente, fora dos Centros, além de não contar com a
estrutura espiritual aí existente. Entretanto, apesar de difícil, não é impossível e pode até produzir
resultados satisfatórios, se o grupo for realmente sério e competente.

Aos participantes, especialmente os que chamamos aqui de "pesquisadores', antes de se
atirarem ao trabalho de aprofundamento doutrinário através da mediunidade, além da base teórica
conseguida pelo estudo das obras de Kardec e das que lhe são complementares, convém um estágio
demorado em alguns tipos de reuniões mediúnicas muito comuns nos Centros, a fim de
familiarizarem-se com as técnicas práticas de intercâmbio com os Espíritos."O importante é que, ao
iniciarmos o trato com os Espíritos desencarnados, voluntária ou involuntariamente, estejamos com
um mínimo de preparação, apoiada num mínimo de informação." (Hermínio C. Miranda- Diálogo
com as Sombras- Introdução).

"A prática mediúnica não deve ser improvisada, pois não perdoa despreparo e ignorância"
(idem). Por outro lado, a extensão da pesquisa, do ponto de vista do conhecimento, dependerá do
grau de escolaridade, e/ou, da cultura dos participantes pesquisadores. A resposta é o corolário da
pergunta.Allan Kardec é o ,maior exemplo disso.Entendemos que para atingirmos um plano ideal
nesse trabalho , o grupo deve ser multidisciplinar, isto é, contar com participantes pesquisadores
formados em áreas diversificadas, tais como: engenharia, medicina, psicologia, física e de outras
especialidades, sem que com isso se deseje elitizar a pesquisa, porque pessoas sem graduação
acadêmica, mas com um nível de cultura adquirido pela vivência e esforço pessoal, serão bem
vindos ao grupo. Leon Denis, cuja obra literária é considerada como uma das consolidadoras do
Espiritismo, é o nosso maior exemplo de auto-didatismo. Idem Manoel Porteiro.


Em relação aos médiuns, a dificuldade é bem maior. A cultura mediúnica dos Centros
Espíritas, é um verdadeiro obstáculo para se conseguir médiuns afinados com o trabalho de
pesquisa e de debates com os Espíritos. Em geral, os médiuns são educados de forma a não
desagradar os Espíritos comunicantes. Consideram que qualquer questionamento é uma ofensa ao
Espírito. Ou, então, sentem-se melindrados porque lhes parece que estão duvidando de sua
faculdade mediúnica ou mesmo de sua honestidade. Há, ainda, o medo da fraude, etc. Isto significa
dizer que os médiuns que habitualmente atuam nas reuniões chamadas de desobsessão e
desenvolvimento mediúnico, não estão preparados para um trabalho de pesquisa. É preciso ter-se
em mente, que as reuniões de pesquisa, são absolutamente diferentes das reuniões acima referidas.
E isso serve para os encarnados como para os desencarnados.

Por outro lado, as reuniões de pesquisas requerem médiuns tarimbados, com muita
experiência na relação mediúnica, cientes e conscientes do trabalho que irão realizar. Médiuns que
já aprenderam a distinguir suas idéias da dos Espíritos comunicantes. Que entendem sua função de
instrumento passivo da comunicação, Que não se sintam responsáveis por aquilo que estão lhe
transmitindo. Que conseguem aceitar críticas e observações, tanto aos Espíritos, quanto à sua
própria posição como médium. Enfim, que estejam suficientemente integrados ao estilo de trabalho
e por ele tenham entusiasmo e prazer.

Os médiuns devem ser espíritas atuantes nas casas espíritas ou isso é condição que se possa
dispensar? Há médiuns dentro e fora dos Centros. Existem médiuns excelentes, estudiosos, sérios e
que acabam "amortecendo" sua faculdade ou realizando seus próprios trabalhos, porque não
encontram campo ideal para suas aspirações dentro dos Centros Espíritas. A falha é deles ou dos
Centros? Comumente concluímos que o médium não se adaptou porque não quis. Mas nem sempre
essa é a realidade. É claro, que a preferência tende para os médiuns que já estão integrados na casa,
principalmente porque são instados ao estudo da D.E. e encontram-se familiarizados com o meio,
sendo isso um ponto positivo.Entretanto, as resistências naturais dentro dos Centros quanto aos
trabalhos de pesquisa, muitas vezes impedem que os médiuns possam servir a esse mister. Busque-
se então, esses médiuns e proponha-se-lhes um "treinamento" adequado para participarem do grupo.
É importante, tanto para médiuns espíritas atuantes ou não, fazer um "exame" prévio de cada um,
através de entrevistas informais para analisar a estrutura de pensamento, a filosofia de vida, as idéias
fixas ou preconcebidas, o equilíbrio emocional, a cultura geral, o conhecimento da D.E., se como
médium aceita críticas e orientações e se não está muito ligado a um determinado Espírito (que pode
significar fascínio).Apesar de nos servimos de médiuns já formados e com longa experiência, o novo
tipo de trabalho a que estarão ligados requer, como dissemos, uma adaptação para que se produzam os
resultados esperados. Assim, nesse "treinamento" é bom sempre lembrar algumas recomendações,
como as que se seguem: "O que se passa através do médium deve, em verdade, estar sujeito à
influência do espírito dos vivos. As idéias preconcebidas, a vontade, a imaginação, os sentimentos,
os pontos de vista particulares não podem deixar de exercer uma influência, mais ou menos
acentuada, sobre as comunicações que os Espíritos de mortos procuram transmitir, por intermédio de
um cérebro alheio. Além disto, as influências mesméricas e psicológicas da parte da mentalidade dos
experimentadores, que podem dominar a do médium, devem igualmente produzir um efeito
perturbador análogo. Segue-se que certas comunicações provenientes de Espíritos elevados são
transmitidas ou, mais acertadamente, são traduzidas de um modo vulgar, não raro completamente
diferente daquilo que foi ouvido pelo Espírito comunicante. É como se um francês se comunicasse
com um inglês por intermédio de um dinamarquês, pouco familiarizado com aqueles dois idiomas. O
interlocutor inglês teria não pequena dificuldade de apreender o sentido do recado transmitido.Em
casos desta natureza nunca podemos estar certos de ser a comunicação recebida tradução perfeita do
que tinha o Espírito comunicante intuito de transmitir." (Adin Ballou, do livro "Spirit Manifestation"-
18952, citado por E.Bozzano em Metapsiquíca Humana). E ainda, alguns conselhos de A. Luiz, do
livro Desobsessão: "* Desenvolvimento da autocrítica; * Aceitação dos próprios erros, em trabalho
mediúnico, para que se lhes apure a capacidade de transmissão; * Reconhecimento de que o médium é
responsável pela comunicação que transmite;* Abstenção de melindres ante apontamentos dos
esclarecedores ou dos companheiros, aproveitando observações e avisos para melhorar-se em serviço;


* interesse real na melhoria das próprias condições de sentimento e cultura; * Defesa permanente
contra bajulações e elogios, conquanto saiba agradecer o estímulo e a amizade de quantos lhe
incentivem o coração ao cumprimento do dever.; * Discernimento natural da qualidade dos Espíritos
que lhes procurem as faculdades, seja pelas impressões de sua presença, linguagem, eflúvios
magnéticos, seja pela sua conduta geral.". Interessante também citar do excelente trabalho de Ademar
Chioro dos Reis- MECANISMOS DA MEDIUNIDADE / PROCESSO DE COMUNICAÇÃO
MEDIÚNICA - edição CPDOC, pg22:" Por outro lado, quando o médium não vibra, não participa no
seu íntimo do trabalho, não coopera, a produção do fenômeno é muito difícil para o Espírito
comunicante. Desta forma, o Processo de Comunicação Mediúnica depende em muito da postura do
médium. O "ser" do médium é produto de sua maneira de viver, de ver e sentir a vida, desse contínuo
de vivência. Se mal humorado, reclamante, descrente, negativo, ainda que na hora da reunião faça as
mais sentidas preces, dificilmente vai se tornar um pólo atrativo.
III) Número de Participantes

Quanto ao número ideal de participantes, entre médiuns e pesquisadores, não há nenhuma
regra pré-estabelecida. A prática nos tem ensinado que um a quantidade muita grande de pessoas, é
contraproducente, porque se torna difícil o controle da reunião e a indispensável ligação mais
homogênea possível de idéias e objetivos. Leon Denis, em seu livro "No Invisível", sugere de
quatro a oito pessoas. Hermínio C. Miranda acrescenta: "É claro, porém, que um grupo muito
pequeno tem suas possibilidades também limitadas. ...Acima dos oito componentes sugeridos por
Denis, vai-se tornando mais difícil a tarefa, não apenas do dirigente encarnado do grupo, como de
seus orientadores invisíveis, porque a equipe se torna mais heterogênea, o pensamento divaga,
quebra-se com freqüência o esforço de concentração e o prejuízo é certo para a tarefa. É possível,
no entanto, se alcançada impecável homogeneização, fazer funcionar razoavelmente bem um grupo
com mais de oito pessoas, mas acima de doze vai-se tornando bastante problemática a sua eficácia."
(Diálogo com as Sombras- Hermínio C. Miranda). Allan Kardec, em Instruções Práticas Sobre as
Manifestações Espíritas, pg. 148, assevera: "A influência do meio faz compreender que quanto
menos numerosos somos nas reuniões tanto melhor esta decorre, pois que, assim, é mais fácil obter
homogeneidade. Entretanto, concebe-se que, se cem pessoas reunidas estão suficientemente
recolhidas e atentas, obterão mais do que dez que fossem distraídas e ruidosas.". Portanto, o número
de pessoas dependerá sobretudo dessa homogeneização , sendo a quantidade de médiuns suficiente
para se garantir comunicações e/ou experiências em todas as reuniões.

IV) A equipe de Espíritos

Obviamente, para que haja possibilidade de realização da pesquisa mediúnica, é
imprescindível a colaboração e a integração de um grupo de Espíritos. Se o trabalho for realizado
no Centro, isso deverá ser feito através dos Espíritos que dirigem as reuniões mediúnicas habituais.
Sempre há um a quem denominamos "mentor", guia ou orientador. É interessante, conversar com
ele sobre os nossos desejos de fazer o, trabalho, pedir sua opinião a respeito, sua colaboração e
apoio logístico. Apoio logístico, é o conjunto de providências que ele deverá tomar para a
efetivação do trabalho do lado "lá", como: organizar uma equipe de Espíritos interessados, afinados
e competentes para esse tipo de objetivo; estrutura de ambientação e proteção das reuniões;
nomeação de um ou mais coordenadores para , em função dos assuntos que serão colocados, trazer
convidados ou preparar material para atender as indagações. Evidentemente, essa organização não
se estabelece de pronto. Levará algum tempo porque inicialmente os Espíritos precisam ter certeza
de que o grupo de encarnados está realmente interessado, demonstra vontade, seriedade, constância,
etc. Aos poucos os grupos de cá e de lá vão se integrando e o trabalho vai evoluindo com segurança.
Necessário dizer que o comando dos trabalhos é dos encarnados. Nós é que devemos conduzir os
temas e a forma como devem ser desenvolvidos. A equipe de Espíritos, que também não são meros
instrumentos passivos dos nossos desejos, deve ser ouvida sempre que qualquer alteração
importante for decidida, assim como dar instruções sobre questões mediúnicas, informações sobre


determinados Espíritos e suas comunicações. Na verdade, deve-se estabelecer uma parceria com
eles, sem qualquer intenção de imposições de ambos os lados. O trabalho de pesquisa deve ser
"profissional" tanto quanto possível, pois "amadorismo" é para principiantes.

Uma questão pode ser levantada: e se o Espírito guia ou mentor, não concordar com a reunião
de pesquisa? E, se os dirigentes forem do tipo que não discutem a opinião do Espírito guia? Então,
não haverá condições de se realizar o trabalho nesse Centro, porque, se a palavra final for do Espírito
guia, a cultura da casa jamais permitirá qualquer ato de rebeldia a essa ordem. Que fazer? A opção do
grupo interessado é partir para uma de duas decisões: fundar um grupo independente, confiando que
alguns Espíritos (talvez até familiares) interessados se engajem à idéia e possam consumar o objetivo
desejado; ou bater à porta de outro Centro que não tenha objeções a esse tipo de reunião.

O grupo de pesquisa precisará estabelecer com os Espíritos, uma posição muita clara com
relação à qualidade dos Espíritos que serão convidados a participarem das indagações: somente
quem for especialista nos assuntos pautados. Também Espíritos evocados nominalmente. Neste tipo
de reunião não haverá lugar para "doutrinações", desobsessão e Espíritos sofredores, a menos que
sejam parte de estudo de casos propostos pelos Espíritos. O coordenador encarnado estará sempre
atento para que a reunião não seja invadida por Espíritos perturbadores cujo objetivo é impedir a
sua continuação. Para isso os Espíritos coordenadores, devem estar preparados, como é comum nas
reuniões mediúnicas.

Citamos como exemplo de organização dos Espíritos, o que ocorreu em 1989, no Centro
Espírita Allan Kardec, quando se iniciou uma reunião de pesquisa mediúnica. O Espírito orientador,
Rafael, atendendo nossos desejos, incorporou plenamente e tratou de formar uma equipe dentre os
Espíritos que já atuavam na casa, nomeando um coordenador para se dedicar inteiramente a esse
trabalho. Os frutos foram excelentes como mostraremos adiante.

V) Variedade de médiuns

Para um trabalho de pesquisa, quanto mais tipos de médiuns aparecerem, mais interessante e
rico será o resultado. Em nossos meios, entretanto, está cada vez mais raro encontrar médiuns como
por exemplo, de efeitos físicos, materializações, pneumatofonia, etc. Os mais comuns são os de
psicofonia e psicografia. Nesse caso, a pesquisa deve ser desenvolvida em função dos tipos de
médiuns que temos disponíveis. Para a indagação direta aos Espíritos, a psicofonia é a mais
indicada, por sua natureza, que se presta a uma conversa dinâmica, tornando o trabalho mais
eficiente, rápido. A psicografia também é muito usada, e pode se dar concomitantemente a uma
comunicação psicofônica. Nossa experiência pessoal restringe-se à pesquisa através desses dois
tipos de mediunidade. Além dessas duas modalidades, algumas tentativas com médiuns videntes
não foram muito produtivas. Há quem defenda a prática de ter um médium vidente sempre presente
às reuniões mediúnicas, ou de preferência que o coordenador seja vidente. Entretanto, em se
tratando de modalidade tão problemática, é prudente não confiar sem exame apurado as
informações advindas desses médiuns. Allan Kardec, em o Livro dos Médiuns – cap. XIV, n°171,
afirma: "Quanto aos médiuns videntes, propriamente ditos, são ainda mais raros e temos muitasrazões para desconfiar dos que pretendem ter essa faculdade. É prudente não lhes dar fé senão
mediante provas positivas. Algumas pessoas podem sem dúvida enganar-se de boa fé, mas outras
podem simular essa faculdade por amor-próprio ou por interesse. Nesse caso, deve-se
particularmente levar em conta o caráter, a moralidade e a sinceridade habituais da pessoa."

Dentro das modalidades de psicofonia e psicografia, quais os melhores médiuns para o
trabalho de pesquisa mediúnica? O médium chamado de "inconsciente" na psicofonia é o que
melhor se presta para esse tipo de trabalho, porque a sua influência sobre a comunicação é
praticamente nula. Enquanto que o médium consciente tem maior dificuldade em isentar-se das
idéias do Espírito comunicante. O mesmo se dá em relação ao médium psicógrafo, reputando-se
maior segurança quanto à fidelidade da comunicação à psicografia mecânica. Como se distinguir
essas faculdades? O próprio médium poderá informar em função daquilo que sente durante a
comunicação. Desse modo, poderemos classificar cada médium e tratar cada comunicação de


acordo com essas características. Como diz Kardec: "O papel do médium mecânico é o de uma
máquina; o médium intuitivo (consciente) age como um intérprete". (O Livro dos Médiuns). Quanto
aos médiuns audientes, também encontramos sérias restrições porque, como no caso dos videntes,
não é o Espírito comunicante que se expressa diretamente utilizando-se dos órgãos específicos do
médium. Ele, o médium, ouve uma suposta voz de um suposto Espírito e repete o que este diz. É
fácil concluir que essa comunicação pode ser bastante modificada pelo intérprete, perdendo assim a
confiabilidade quanto ao original. Obviamente, não há necessidade de se recusar esses médiuns para

o trabalho. Mas, suas comunicações deverão ser cuidadosamente analisadas e se for percebida
qualquer tentativa de fraude por parte do médium, o afastamento é inevitável.
CAPÍTULO SEGUNDO

I) AS REUNIÕES

1) Reuniões mediúnicas

"Uma das primeiras condições, quando se pretende evocar os mortos, é a concentração. É
necessário, tanto quanto possível, que os assistentes evitem as discussões calorosas ou fúteis que
perturbam os médiuns e alteram a harmonia do grupo. Sem dúvida, não há necessidade de preces,
porque evocamos seres como nós, que só por sua invisibilidade diferem dos humanos; mas, a
comunhão dos pensamentos, o desejo sincero de se instruírem devem guiar os experimentadores."
(Gabriel Delanne, O Fenômeno Espírita). O estilo de reunião de pesquisa, apesar de se enquadrar nas
recomendações acima e de outras que em geral faz Kardec para s reuniões mediúnicas, difere bastante
das sessões habituais efetuadas nos Centros Espíritas. Nossa experiência em Santos, levou-nos a
considerar, por exemplo, que a iluminação artificial, a luz elétrica comum, em nada influi na
realização do fenômeno mediúnico do tipo psicofônico ou psicográfico, nem na concentração dos
médiuns e dos pesquisadores. Ao contrário, a claridade total torna a reunião menos formal, fazendo-a
parecer-se a uma pequena assembléia onde todos têm vez de participar, ouvindo, perguntando e até
trocando idéias entre si. Entretanto, a observação de Kardec é sempre válida em qualquer
circunstância: "Uma reunião é um ser coletivo cujas qualidades e propriedades são a soma de todas as
dos seus membros, formando uma espécie de feixe.Ora, esse feixe será tanto mais forte quanto mais
homogêneo." (O Livro dos Médiuns- n°331)

Quando da elaboração do primeiro capítulo, não nos referimos propositalmente à função de
liderança, ou coordenação. Isto porque, o grupo não necessita de um condutor à moda tradicional. A
liderança de alguém surgirá espontaneamente pelas qualidades naturais e o próprio grupo o
reconhecerá e aceitará sem problemas. Pode-se também estabelecer coordenação rotativa por períodos,

o que seria a melhor forma a ser adotada. Esse coordenador teria a responsabilidade de marcar
reuniões, providenciar as atas das reuniões, manter a harmonia do grupo e abrir e fechar as reuniões.
"A prática fez notar também que a regularidade nas sessões é uma das causas de êxito. Tanto
quanto possível, é necessário que a reunião se dê no mesmo local, nos mesmos dias da semana, e ás
mesmas horas." (Gabriel Delanne- O Fenômeno Espírita). Nada mais destrutivo para um trabalho
do que a constante mudança de local, hora, dia. A reunião não pode ficar à mercê das dificuldades
de alguns de seus participantes em comparecer. Quem não pode enquadrar-se às regras básicas para

o desenvolvimento sério do trabalho, não deve se comprometer a participar.
A ordem dos assuntos e a indagação aos Espíritos obedecerão a um plano pré-estabelecido
pelo grupo, em outro tipo de reunião, de que trataremos abaixo. O coordenador da reunião,
inicialmente convidará a todos os presentes a ordenarem seus pensamentos para o momento
procurando com algumas palavras,harmonizar o ambiente, utilizando inclusive de alguns recursos de
concentração que poderá ser uma prece simples ou mesmo a leitura de algum trecho de livro ou artigo


cujo tema contribua para elevar o tônus vibratório dos que se encontram na sala, inclusive os
Espíritos.não há fórmulas especiais, não se cria hábitos místicos, nem atitudes religiosas.

Da mesma forma que se estabelece uma hora para começar a reunião, o término da mesma
também será previsto. O excesso de tempo contribui para o cansaço dos médiuns e dos demais
participantes, além do que os Espíritos também têm seu tempo definido de participação. Mesmo
porque, os assuntos naturalmente serão seriados, devendo estender-se por várias reuniões. Não deve
haver pressa no trabalho de pesquisa. Terminada a reunião, o mínimo de comentários sobre as
comunicações se impõe, principalmente se poderão atingir a pessoa do médium. Comentários,
dúvidas, críticas serão objeto de reunião específica de que trataremos mais abaixo.

A primeira evocação deverá ser feita ao Espírito coordenador da equipe espiritual, para que
ele apresente suas opiniões a respeito do trabalho, faça também suas críticas, e uma prévia do que
está previsto para a reunião presente. Em seguida os médiuns serão instados a se colocarem em
posição de receptores e o coordenador, se estiver previsto, evocará nominalmente o Espírito cuja
presença foi selecionada pelo grupo no planejamento. A partir daí a reunião seguirá seu rumo
previsto, cabendo ao coordenador a primeira indagação e as demais seguirão conforme a ordem préestabelecida
, havendo,entretanto, liberdade de perguntas por parte dos pesquisadores, desde que
dentro do tema que está sendo abordado.

As reuniões serão gravadas em fitas de áudio e vídeo (opcional). Posteriormente, as fitas de
áudio serão ser transcritas e anexadas aos relatórios (Ata) e as de vídeo, reproduzidas para uma
avaliação mais profunda, bem como registro de manifestações físicas que possam vir a ocorrer
durante o desenvolvimento do trabalho de pesquisa. Sempre que necessário, aparelhos poderão ser
usados, como por exemplo: eletrocardiógrafos, medidores de pressão, máquina kirlian,
eletroencefalógrafos, etc.

Cada reunião terá uma Ata ou Instrumento de Registro (modelo/exemplo Anexo I), onde
constem dados como: lista de presença, data, hora, número de comunicações, assuntos
tratados, médiuns que produziram, nome dos Espíritos comunicantes. O translado das fitas
serão anexados às respectivas atas.

2) Reuniões de estudo e debates

O trabalho de pesquisa, por sua importância e complexidade, não pode restringir-se a uma
única reunião mediúnica, semanal. Temas devem ser pré-debatidos, estudados, assim como
posteriormente, isto é, depois de receberem novas contribuições dos Espíritos, serão novamente
debatidos em grupo para aferir os bons resultados. Nessas reuniões, presentes os pesquisadores, serão
elaboradas as questões básicas e roteiros para as reuniões de contato com os Espíritos. Somos de
opinião, muito embora verifiquemos que a maioria dos confrades com que já debatemos o presente
trabalho, não concorde, que os médiuns devam participar das reuniões de preparação. Defendemos essa
posição por entender que os médiuns precisam amadurecer em termos mediúnicos, desenvolvendo a
capacidade de separar as suas idéias da dos Espíritos comunicantes. Os médiuns são habitualmente
tratados como instrumentos "não muito confiáveis" na comunicação, e até entendemos que isso é
inevitável em função da formação doutrinária, psíquica e comportamental que é comum nessa área.
Como dissemos em algum lugar, isso, para a área de pesquisa precisa ser mudado. Porém, como se
trata de assunto polêmico, não tomaremos posição definitiva sobre a questão, deixando a cada grupo
fazer a experiência e tirar suas próprias conclusões.

Uma outra finalidade para as reuniões de debates ou estudo, é evitar uma segunda reunião
logo após a mediúnica. Além de ser improdutiva, por causa do cansaço de todos, alguns
comentários não serão nada interessantes para os médiuns presentes, porque fatalmente serão
envolvidos nas críticas aos Espíritos, à qualidade da comunicação, o que em condição posterior de
estudo programado, poderá ser evitado. Por outro lado, não devemos esquecer que os Espíritos
comunicantes geralmente permanecem no local da reunião por algum tempo, sendo desagradável
citações a seu respeito, sem que possam usar da palavra para se explicarem. Discutidas tais questões


em reuniões extras, poderão novamente ser reformuladas, dando, então, chance ao Espírito de tecer
novos esclarecimentos.

Também poderão ser realizadas outras reuniões, sem a necessidade de periodicidade rigorosa,
para debates mais amplos dos assuntos em estudo. Essas reuniões poderão contar com a presença de
convidados, sem número pré-definido e nelas os assuntos pesquisados serão expostos para fins de
estudo e debates, sem a pretensão de proclamar como verdades definitivas ou informações
insuspeitas, as comunicações. Nunca esquecer que a pesquisa é inesgotável e cada dia mais se
aprende. Cada assunto estudado e debatido fornecerá mais e mais material para perquirição.

3) O que perguntar aos Espíritos?- Metodologia

Allan Kardec, em "Instruções Práticas Sobre as Manifestações Espíritas" , trata do
diálogo que se pode estabelecer com os Espíritos: "convém dirigir perguntas aos Espíritos?
Algumas pessoas pensam que devemos nos abster e que é preciso deixar-lhes a iniciativa do querem
dizer. Baseiam-se em que o Espírito, falando espontaneamente, expressa-se mais livremente, não
diz senão o que quer, e assim ficamos mais certos de ter a expressão de seu próprio pensamento.
Supõem que é até mesmo mais respeitoso deixar-lhe á livre escolha a lição que julgar conveniente
ministrar." "A experiência, contínua, contradiz essa teoria, como tantas outras nascidas quando do
início das manifestações. O conhecimento das diferentes categorias de Espíritos estabelece o limite
do respeito que lhes é devido e prova que, a não ser que estejamos certos de não tratar senão com
seres superiores, seu ensino espontâneo não seria sempre edificante". Ainda mais: "Reduzirmo-nos,
em sua presença, a um papel puramente passivo seria um excesso de submissão que eles não
exigem. O que desejam é atenção e recolhimento." E adverte: "Os Espíritos podem abster-se de
responder por vários motivos: 1º) a pergunta pode desagradar-lhes ; 2º) eles nem sempre têm os
conhecimentos necessários; 3º) há coisas que lhes é proibido revelar. Se, pois, não satisfazem a uma
pergunta é porque não querem, não podem ou devem. Seja qual for o motivo, é regra invariável que
todas as vezes que um Espírito se recusa categoricamente a responder nunca se deve insistir."

Quanto à metodologia, não poderíamos utilizar outra que não a kardequiana. Isto porque, o
estilo de pesquisa que propugnamos neste trabalho, volta às origens do início da D.E.. Como
deixamos claro na Introdução, o objetivo dos grupos de pesquisa mediúnica, não é provar a existência
do Espírito, a reencarnação, a evolução, etc. etc. A pesquisa não se destina ao público não espírita.
Poderá ter um caráter rigorosamente científico, se assim o grupo decidir e tiver condições técnicas
para isso. Poderá restringir-se à simples perquirição com algumas experiências quando surgir
oportunidade e meios mediúnicos adequados. Ela pretende ser um campo de extensão para o
conhecimento espírita. Assim, nada mais do que correto utilizarmos as técnicas semelhantes às do
Mestre. Evidentemente, adaptações, inovações e até uma maior ousadia são introduzidas no plano
atual. De qualquer modo, Kardec traça algumas regras que não devemos nuca nos esquecer no trato
com os Espíritos: "Dois pontos essenciais devem ser considerados na formulação das perguntas: o
fundo e a forma. Quanto à forma elas devem, embora sem fraseologia ridícula, demonstrar as atenções
e a condescendência que se devem ao Espírito que se comunica, se ele é superior, e nossa
benevolência, se ele é nosso igual ou inferior à nós. De outro ponto de vista elas devem ser claras,
precisas, sem ambigüidade. É preciso evitar aquelas que comportam um sentido complexo. De
preferência é melhor formular duas, se necessário. Quando o assunto requer uma série de perguntas,
importa que elas sejam classificadas com ordem, se encadeiem e se sucedam metodicamente. Eis
porque é sempre útil prepará-las de antemão, o que, de resto, como dissemos, é uma espécie de
invocação antecipada, que prepara caminhos. Meditando-as com vagar nós as formulamos e as
classificamos melhor, e obtemos respostas mais satisfatórias. Isto não impede acrescentar, no curso
da conversação, perguntas complementares, nas quais não se tivesse, ou que podem ser sugeridas
pelas respostas; mas o quadro está sempre traçado, e isto é o essencial. (o grifo é nosso). (Idem,
Allan Kardec- Instruções Práticas Sobre as Manifestações Espíritas-)

Dentro desse critério metodológico, é que são indispensáveis as reuniões de preparação e
estudo conforme expusemos acima. É inútil querer desenvolver trabalhos sérios em aprofundamento


doutrinário, sem determinação e esforço pessoal. Se não for possível cumprir as etapas metódicas
como propõe Kardec, é bom nem pensar em começar. As decepções serão muitas e os Espíritos
sérios se afastarão com certeza.

Para exemplificarmos no plano prático, apresentamos um modelo desenvolvido pelo GPCEB

– Grupo de Pesquisas Científicas Ernesto Bozzano, de Santos, incluso nos trabalhos já citado de
Ademar Arthur Chioro dos Reis: Mecanismos da Mediunidade- Processo de Comunicação
Mediúnica, para o grupo de pesquisa do Centro Espírita Allan Kardec, de Santos, do qual
participamos e do qual faremos algumas inclusões a título de exemplo de experiência, mais à frente. A
metodologia de trabalho utilizada foi a análise crítica dos diálogos efetuados pelo grupo com os
Espíritos comunicantes e estabeleceu-se , para tanto, alguns objetos de investigação, quais sejam:
a) Estrutura do CEAK no plano espiritual
b) Estrutura do Movimento Espírita no Plano Espiritual
c) Mecanismos da Mediunidade, o processo de comunicação mediúnica;
d) A vida no Plano Espiritual;
e) Perispírito
f) Emissões Energéticas à distância.


Para cada um dos objetos designou-se um responsável, com tarefa inicial de realizar
pesquisa bibliográfica em relação ao tema, com a conseqüente elaboração de um roteiro de
questões a serem respondidas pelos Espíritos, como o exemplo abaixo:

I – PERISPÍRITO

1-É o espírito um princípio totalmente distinto dos conceitos hoje conhecidos de

matéria/energia, ou é uma simples diferenciação destes princípios? E o perispírito?
2-Pode-se conceber a existência do espírito sem perispírito e vice-versa?
3-A analogia que se faz muito comumente entre espírito/perispírito e corpo/roupa é válida?
4-A forma do perispírito é sempre a humana ou pode tomar formas diversas como a de

animais, fachos de luz, etc?

II – MEDIUNIDADE

1-Kardec coloca que só a experiência pode revelar a mediunidade. Haveria alguma
característica que possibilitasse a identificação do médium? Existe alguma
transformação visível no perispírito? Podem ser feitas medidas físicas (biométricas) com

o médium que caracterizem a mediunidade?
2-A vontade do médium é fator limitante para os fenômenos de ordem física, ou mesmos
podem ocorrer á revelia deste?
3-Nos fenômenos físicos onde há deslocamento material, Kardec cita que os espíritos dão
vida factícia aos objetos. Como se dá isso? A teoria das alavancas psíquicas não é uma
explicação válida?

4-A intervenção dos espíritos pode ser violenta a ponto de ferir pessoas?
5-Em alguns casos de manifestação obsessiva a prece não se mostra eficaz. Por que?
6-Nos fenômenos de transporte de objetos (aport´s) o que ocorre é uma ilusão dos sentidos,


ou seja, os objetos são escondidos primeiramente para serem depois revelados, ou há
alguma forma de desmaterialização?

III- VIDA ESPÍRITA

1-Podem os espíritos criar objetos permanentes? Uma maçã criada, por exemplo, teria
gosto, cheiro, seria uma maçã real?


2-Pode um espírito vir a habitar um corpo que outrora pertenceu a outro espírito, ou seja,

um corpo que o espírito original abandonou? (Vide relato sobre DAVID PALADIN e

WASSILY KANDISNKI)

3-Como é contado o tempo?

4-O sol exerce alguma influência (através do calor, contagem do tempo,etc.) ?

5-Como são os sistemas de comunicação? Existem rádios, televisão, etc.?

6-É possível a gravação direta em fita magnética das comunicações ?

7-Como são mantidas as formas materiais no plano espiritual?

8-As relações afetivas como casamentos, relações sexuais, são mantidas apenas pelos

espíritos inferiores?

9-Existem instalações de pesquisa científica como laboratórios por exemplo? No grupo a

que pertencem existem interessados neste tipo de atividade?

CAPÍTULO TERCEIRO

1) Divulgação dos trabalhos

É muito comum entre os estudiosos de qualquer assunto, o desejo de levar ao conhecimento
de outros aquilo que descobrimos, inventamos ou ficamos simplesmente sabendo. Essa impaciência
leva ao abortamento de muitos trabalhos arduamente construídos. A precipitação não é, nem de
longe, amiga da pesquisa. Na verdade, nossas incursões via mediúnica não nos vão apresentar,
inicialmente, novidades surpreendentes. O resultado mais iminente, será o corolário daquilo que
aprendemos na base kardequiana, em A. Luiz e outros. A partir daí, com paciência, inteligência,
persistência e, mais do que nunca, seriedade, poderemos sim conseguir avançar bastante.

Convidados, considerados por nós ilustres, começarão a aparecer e isso nos fará muito
felizes, mas aumentará nossa ansiedade para revelar aos outros, de fora, essa presença querida e sua
contribuição. O comunicante "ilustre", não estará interessado, assim entendemos, na exploração,
ainda que carinhosa, da sua pessoa, mesmo porque, nem todos aceitariam com facilidade o fato,
uma vez que há um envolvimento de grupos, amigos e parentes quando encarnado, que não
aceitarão com facilidade a comunicação, podendo até considerar fraude. Em geral, pedem até que
nada seja divulgado, até uma segunda ordem, principalmente quando sua opinião agora, é oposta
àquela que sempre manifestou quando encarnado Por isso é necessário ter muito cuidado com
comentários sobre os Espíritos comunicantes. O grupo de pesquisa pode inclusive decidir que o seu
trabalho servirá apenas e tão somente, para a sua própria ilustração e dos que pertencem ao seu
círculo, o que não os impedirá de participar de um trabalho mais amplo de troca de experiência com
outros grupos previamente combinados.

Em se tratando de um trabalho de equipe, os membros dos grupos, em matéria de divulgação, devem
decidir quem e o que deverá ser levado ao conhecimento público, abstendo-se cada membro de falar
por si, sem a concordância dos demais. Evidentemente, isso não significa que cada um individualmente
não possa reforçar seus temas de palestras e exposições com o material que está sendo pesquisado,
tendo o cuidado, porém, de não comprometer com exacerbações o trabalho do grupo.

2) Publicação de material

No momento em que o grupo verificar que já possui um considerável material que
represente algo de peso em matéria de aprofundamento doutrinário, científico ou filosófico, será
interessante procurar uma forma de publicação. Isto será de muita utilidade para outros grupos e
para os estudiosos em geral. Aliás, é o objetivo de todo o trabalho de pesquisa, servir de apoio ao
desenvolvimento intelectual. Especialmente se o trabalho do grupo avançou a tal ponto, que seria
incompreensível manter todo o material fechado ao conhecimento dos outros.


A preparação da matéria para publicação observará alguns critérios que serão decididos em
conjunto com os Espíritos, porque eles são os responsáveis pelas informações e idéias, que podem
ter um peso muito significativo, além do envolvimento pessoal de que já tratamos alhures. A
publicação pode ser feita em forma de Atas, ou matéria corrente redigida por alguém do grupo, ou
por um subgrupo, sem citação de nomes de Espíritos comunicantes, importando nesse caso, não o
peso do nome, mas a profundidade do material. Excelente trabalho nesse sentido e já citado acima,
foi produzido para o CPDOC por Ademar Arthur C. dos Reis– MECANISMOS DA
MEDIUNIDADE- PROCESSO DE COMUNICAÇÃO MEDIÚNICA- baseado nas respostas dos
Espíritos, no período de quase dois anos, do grupo de pesquisa Ernesto Bozzano, em Santos.

Em qualquer caso, as publicações devem sempre manter o caráter de material de pesquisa de
grupo, não sendo propriedade de ninguém em particular, e muito menos sentido de revelação
superior e inquestionável. O que seria um contra -senso.

CAPÍTULO QUARTO

1 – Uma experiência

Toda a exposição precedente baseia-se não somente na teoria doutrinaria absorvida das obras
básicas e na literatura abundante que aborda os temas relativos as comunicações mediúnicas. Ela é
fruto também da prática de vários anos, tanto do autor, quanto de companheiros com maior ou
menor experiência na área.

No ano de1989, o Centro Espírita "Allan Kardec", de Santos, que se caracteriza pelas suas
arrojadas empreitadas e realizações inovadoras, visando dinamizar o desenvolvimento das idéias
espíritas, decidiu criar uma reunião de pesquisa doutrinária, por via mediúnica., Assim,
aproveitando até certo ponto, a inércia de um trabalho antigo de desobsessão, já pouco produtivo,
onde médiuns experientes, doutrinariamente bem formados e habituados ao clima democrático de
debates que fluía normalmente no Centro, começavam a se entediar, transformou–o em um grupo
de pesquisa. Para tanto, convocou a equipe de Espíritos que trabalham na Casa, nos vários
departamentos, tanto mediúnicos, quanto de vibrações, passes, mocidade, etc. Conversas foram
entabuladas para se definir o novo trabalho e para conseguir o apoio e a participação efetiva dessa
equipe juntamente com os encarnados, o que foi aceito sem problema porque a comunhão de idéias
entre os dois lados sempre foi satisfatória.

É evidente que em se tratando de um estilo de trabalho, não comum nos meios espíritas
organizados tiveram todos que se adaptar. Principalmente porque teriam que ser quebradas certas
barreiras no tratamento com os Espíritos, já que estes, habituados a serem preservados de certas
"impertinências" dos encarnados, uma cultura que os "guias" e dirigentes passivos de reuniões
mediúnicas desenvolveram nas reuniões tradicionais de desobsessão, desenvolvimento, etc. Mas, a
equipe já afinada com a "turma rebelde" do CEAK, topou participar da pesquisa, ser sabatinado com
liberdade, sem mesuras, nem posições de supremacia e distanciamento entre um e outro mundo. Sem
respeito, dentro do respeito que se devem as pessoas civilizadas, sérias e com objetivos superiores.

A equipe de Espíritos que atua nos trabalhos do Centro Espírita Allan Kardec, de Santos, é
liderada por um Espírito de nome Rafael. Conforme ele nos informou, seu retorno ao mundo
espiritual, lá pelos anos quarenta, deu-se quando ainda era um jovem e não tinha nenhum
conhecimento da Doutrina Espírita. Portanto, seu aprendizado foi inteiramente construído nos cursos,
palestras e leituras como Espírito errante e sua experiência mediúnica junto aos Centros Espíritas. A
verdade é que esses Espíritos nunca revelam totalmente sua condição, especialmente a intelectual,
deixando que nós, através das suas manifestações ou intervenções, façamos o nosso conceito a
respeito deles. E, através do longo convívio aprendemos a respeitá-lo pela sua personalidade,
bondade, abnegação e espírito de liderança sem afetação e sem intromissão descabida em qualquer
assunto pertinente a nós encarnados. Algumas vezes, mesmo instado por alguns companheiros a
avançar os limites de sua competência, recusou-se a atender, demonstrando com isso a ausência de


qualquer veleidade em relação ao poder. Assim, quando consultado sobre a possibilidade de
desenvolvermos as reuniões de pesquisa com a sua colaboração e dos demais Espíritos por ele
liderados (ou coordenados, como prefere dizer), não hesitou e começou imediatamente a organizar o
serviço do seu lado. Foi em busca de outros elementos, distribuiu tarefas e promoveu reuniões para
estudar junto com o grupo encarnado. A um dos convidados de nome Pedro, entregou o trabalho de
orientação doutrinária, tendo este inclusive a responsabilidade (não sabemos se somente ele) de trazer
Espíritos para atender a temas específicos.

O departamento de mocidade do Centro havia fundado em 1986, o GPCEB- Grupo de
Pesquisas Científicas Ernesto Bozzano, reunindo jovens em sua maioria engenheiros e que
desenvolviam um trabalho de pesquisa literária. Com a criação do grupo de pesquisa, o GPCEB foi
convidado a participar das reuniões, as quais dentro em pouco tempo passou a coordenar. Assim, o
grupo de pesquisa passou a contar com seis médiuns, entre psicógrafos, psicofônicos e vidente
(ocasional) e seis pesquisadores, a maioria com formação universitária nas áreas de medicina,
odontologia, engenharia, psicologia e direito. Observe-se que a graduação acadêmica não foi
procurada, nem selecionada, simplesmente coincidiu.

Como toda nova experiência e, especialmente uma prática mediúnica diferente da habitual, o
começo foi um tanto inseguro. Nem sempre se conseguia comunicações interessantes. A equipe
espiritual também teve dificuldade de engrenar o novo trabalho. Como se sabe, não se faz pesquisa
no estilo em que era proposto pelo grupo, praticamente em lugar nenhum do movimento espírita
brasileiro.Os Espíritos não estavam habituados com esse modelo. Por isso a dificuldade.

Os médiuns, naturalmente, foram os que mais sentiram a mudança. Apesar da boa vontade e do
interesse em participar, da sua experiência, as limitações naturais se fizeram presentes. Medo,
inibição, complexos culturais e outros sentimentos de difícil identificação, tornaram bem difícil o
andamento normal dos trabalhos. Dar "passagem" a Espíritos sofredores, obsessores, familiares, é
uma coisa: o comprometimento do médium é mínimo. Quando se trata, porém, de Espíritos com nível
intelectual considerável, submetidos a inquirições, contestações e, além disso por vezes personagens
que foram importantes, espíritas ou não, o médium tem reações que muitas vezes travam a
comunicação ou desfiguram-na. Por isso não se pode desejar os melhores resultados logo de início.
Podem demorar, até que se consiga a conscientização do médium, o entrosamento das equipes.Como
temos apregoado em toda a exposição, esse é um trabalho de muita paciência, constância e
persistência. Se não houver esse espírito, é melhor nem começar. Os Espíritos não compactuam, com
"modismos", eles não têm tempo a perder com diletantismos, nem impulsos passageiros.

As reuniões tinham duração máxima de duas horas, das 20:00 às 22:00 h.Dados estatísticos
foram levantados por Ademar Arthur C. dos Reis, no trabalho já mencionado: "No período
correspondente à pesquisa houve 101 comunicações, com a participação de 63 Espíritos
comunicantes. Deste total, 41 reuniões relacionaram-se direta ou indiretamente ao tema em estudo,
com opiniões obtidas a partir das intervenções de 23 Espíritos comunicantes diferentes, alguns
entrevistados repetidamente. As informações foram obtidas em 75% das reuniões através de
comunicações psicofônicas. Em 18% das reuniões realizadas não houve comunicações."

Surpreendente foi a adesão quase imediata dos nossos companheiros desencarnados,
especialmente figuras do maior destaque do movimento quando encarnados. Entusiasmo e
expectativa por parte deles, que sentem a falta desse trabalho, praticamente inexistente nos Centros
Espíritas. Um punhado deles, cujos nomes não fomos autorizados a revelar, por motivos óbvios que
não cabe aqui expor, mas que o leitor facilmente identifica. Observe-se que não se trata de
privilégios, nem preferências em relação ao grupo de Santos. Simplesmente, por ausência de outros
grupos com os mesmos objetivos. Imagine-se, Espírito como Herculano Pires, Deolindo Amorim,
Carlos Imbassahy, por exemplo, o que fariam em reuniões do tipo desenvolvimento, desobsessão e
similares? Claro que nada impede que eles até participem de trabalhos dessa natureza. Mas, não
temos dúvida de que estariam mais à vontade em reuniões onde pudessem continuar o trabalho
intelectual de que foram expoentes na Terra. Essa oportunidade apareceu, pena que os
decepcionamos com a nossa falta de persistência.


2) Interrupção da experiência

No próximo capítulo registraremos algumas comunicações obtidas ao longo dos dois anos de
trabalho do grupo de pesquisa que estamos focando. Um considerável material sobre o qual
poderemos nos debruçar e realizar demorados estudos e debates. Acredito que nem mesmo os
participantes do grupo detiveram-se o tempo suficiente na análise desse material, que, como se
poderá verificar mais adiante, apresenta alguma originalidade no trato de algumas questões
doutrinárias, além de informações mais detalhadas sobre outras.

Os problemas do dia a dia, por vezes o excesso de atividades de cada um, a realização
profissional dos mais jovens, a impaciência de alguns, os problemas existenciais, etc. são
freqüentemente, os nossos obstáculos na realização das tarefas a que nos propomos. A experiência nos
tem ensinado, que, no meio espírita, somente pessoas abnegadas, geralmente desprovidas de ambições
intelectivas, tocadas por um sentimento de caridade cristã, são capazes de manter-se por anos a fio,
fiéis a compromissos, religiosamente assumidos.É comum nos Centros Espíritas, a existência de
dirigentes e médiuns que participam da mesma reunião por vinte, trinta ou mais anos. Entretanto,
quando se pretende algo mais avançado, no campo do conhecimento, com pessoas de nível acadêmico
ou com alto grau de cultura, a tendência é durar pouco, muito pouco. Conhecemos vários grupos de
estudos, em todo o Brasil, que não tiveram fôlego e morreram, como se diz, na praia. Alguém poderia
dizer que é porque a mística da mediunidade consegue manter as pessoas interessadas. E o que dizer
da pesquisa mediúnica, que também utiliza o mesmo canal? O problema está no interesse e amor ao
trabalho, salvo melhor juízo.

Infelizmente, pelos vários motivos acima expostos, o trabalho do grupo de pesquisa do Centro
Espírita Allan Kardec, de Santos, deu uma pausa. Aliás uma pausa longa demais mas que,
felizmente, já terminou. O GPCEB reiniciou suas atividades em 2002, especialmente em função do
momento que vive o movimento espírita, com a abertura dos seminários e congressos dentro do
espírito de atualização que marcha celeremente no Brasil e no resto do Continente.

CAPÍTULO QUINTO

1 – Relato e Análise de Algumas Experiências

As páginas seguintes serão dedicadas à transcrição, com alguns comentários, de várias
entrevistas com Espíritos, durante as reuniões do grupo de pesquisa. As opiniões emitidas pelos
Espíritos a respeito de temas propostos, não serão objeto de crítica neste trabalho, mesmo que haja
discordância doutrinária, porque este não é o escopo do mesmo e, além disso, demandaria um
espaço muito maior. Limitar-nos-emos à transcrição para dar conhecimento do produto da pesquisa.
As conclusões de todo o acervo conseguido ainda está para ser estudado pelo grupo para, quem
sabe, a continuação do trabalho. Parcialmente e individualmente, alguns componentes do GEPCEB,
utilizaram o material da pesquisa e desenvolveram excelentes trabalhos literários, tais como os de
Ademar A. C dos Reis, já citado, e Reinaldo Di Lucia "Emissões Energéticas à Distância".

Os Espíritos que participaram do grupo de pesquisa, alguns eram conhecidos porque
pertenciam, quando encarnados, aos quadros de trabalhadores do Centro. Outros também
conhecidos, mas vindos de outras localidades, e, entre eles, nomes de expressão nacional. Outros
ainda, desconhecidos ou preferindo não ser identificados, usando assim pseudônimos.

Nos textos que transcreveremos a seguir, omitiremos nomes do grupo, usando a letra P para
pergunta e a letra R para resposta. Entretanto, manteremos os nomes dos Espíritos conforme nos
passaram, inclusive de personagens conhecidas do meio espírita, mesmo correndo o risco de serem
rejeitados por aqueles que não aceitam as idéias da turma de Santos. Apenas retiramos os trechos
em que são feitas críticas ao movimento espírita, a pedido dos próprios comunicantes.


1. Reunião do dia 5/12/89.
Assunto: Mediunidade
Espírito: Pedro de Oliveira
Obs.: O Espírito que se identificou como Pedro de Oliveira, diz ter residido em São Paulo
quando encarnado. Não foi atuante no movimento espírita. Desencarnado há cerca de
vinte anos (isso em 89), é estudioso da obra de Kardec e participante de grupo de estudo
e pesquisa. A comunicação que transcrevemos não é a primeira, sendo que este Espírito
foi convidado pelo coordenador espiritual para trabalhar junto ao grupo.

P –
Kardec coloca que só a experiência pode revelar a mediunidade. Haveria alguma
característica que possibilitasse a identificação do médium? Existe alguma
transformação visível no perispírito? Podem ser feitas medidas físicas, biométricas que
caracterizem a mediunidade de alguma forma, ou aparelho? É possível verificar se a
pessoa é médium?

R -Creio que Allan Kardec acrescentou que a mediunidade tinha uma repercussão
biológica, física que provoca alterações perceptíveis nos circuitos das circunvoluções,
no circuito elétrico do cérebro e, em certas circunstâncias provoca também alterações,
ainda que temporárias, em todo o corpo do médium, uma vez que há uma ligação
energética da mente com o corpo. Uma vez que essa ligação, em determinadas
circunstâncias, poderá se obter modificações perceptíveis no ritmo cerebral do médium.
Esta possibilidade de haver uma aceleração desse ritmo é que fundamentalmente
permite que uma pessoa seja médium, em termos físicos. Em termos perispirituais as
modificações, se existem, são pouco perceptíveis, diria que não são necessárias, uma
vez que a mente perispiritual está naturalmente apta a receber as correntes mentais dos
desencarnados.

P -
André Luiz, principalmente, descreve como ele pode ver as alterações só nas
circunvoluções cerebrais, mas também no papel da epífise, glândula pineal. Gostaria
que irmão pudesse falar algo sobre essa possibilidade e também sobre a questão da
epífise, do aparelho físico propriamente na questão da mediunidade.

R—
Esta questão da epífise está subordinada a uma melhor questão que é o, ponto de ligação
da mente e o cérebro que alguns atribuem a esta glândula. A sua função primordial é a de
antena de elevado potencial capaz de converter as ondas mentais em impulsos que se
espraiam sobre o cosmo cerebral. Trata-se de uma questão para nós ainda controversa,
porque não é fácil identificar exatamente todos os pontos, todas as formas sem que a
energia mental se liga aos impulsos cerebrais e vice-versa. Supor que esta energia se
concentra nesta glândula é ainda bastante discutível, representa a antiga afirmação mística
do 3º olho. O olho místico na verdade, o 3º, é o espírito quando se projeta para além dos
limites do corpo. Na verdade, para nós e para o nosso campo de estudo, a glândula pineal
(não)* tenha importância atualmente, uma vez que não conseguimos identificar nela todo
este potencial interpretativo, de um lado redutor das correntes mentais de um Espírito
desencarnado para um nível de impulsos cerebrais e de outro, de amplificador destes
impulsos cerebrais para as correntes mentais do Espírito. As ligações mente a mente, são
as que fundamentalmente importam na execução do processo mediúnico. O assunto,
portanto, merece outras considerações, não apenas esta centralização na epífise segundo
os nossos apontamentos.

P -
As alterações cerebrais a que você se referiu ocorrem apenas quando em transe
mediúnico ou podem ser perceptíveis mesmo em situações de vigília normal?

R -
Isto vai depender da personalidade do médium que poderá, sendo mais sensível,
determinar já um tipo específico vibracional que caracteriza de maneira evidente um
certo desarranjo desses circuitos mentais. Mas tanto para este como para outro menos


15
dotado será no momento do transe que esta variação será mais acentuada e em alguns
será neste momento em que ela acontecerá.
P-Acreditamos que não seja aleatório o fato de se ter mediunidade ostensiva. Qual a razão
de o indivíduo apresentar esta mediunidade ostensiva, seria merecimento do médium?
R -É uma pergunta muito geral. O que me ocorre pensar é que afora algumas pessoas
marcantemente destinadas pelo seu próprio processo de vida, seu próprio projeto de
existência, teriam uma certa missão mediúnica, a maioria possui esta mediunidade
ostensiva como uma forma possível de ser alcançada por qualquer pessoa, mas que
neste caso é um fruto de uma conquista, de um processo de busca ou desejo acentuado
que marcam determinadas pessoas e que lhes dão esta característica. Assim como outrasdemonstram sensibilidade ou não para as artes, como a música. É a resposta, mas
certamente opinião pessoal.
P-Insistindo sobre a questão das ondas cerebrais. Além da alteração que se poderia pegar
no Eletroencefalograma, existem algumas outras alterações hormonais, bioquímicas ou
mesmo físicas, que se poderia observar, mesmo durante o transe?
R-As alterações nestes casos são eventuais e momentâneas, pois caso contrário haveria um
dano no organismo. São alterações decorrentes da dramaticidade do processo que, como
uma pulsação do ritmo cardíaco, pode aumentar o esforço físico e cessando esse esforço
votará ao seu normal em poucos minutos. Assim também qualquer alteração nestes
campos hormonais é recuperada imediatamente após cessar o processo. Daí, fica difícil
testar estas alterações, a menos que houvesse instrumentos que captassem, analisassem
em frações de minutos toda uma alteração.
P-Essa alteração poderia ser o cansaço, o desgaste de que se fala normalmente? Às vezes o
Espírito prefere se retirar porque já há um desgaste muito grande do médium.
R-Poderia ser, mas às vezes o médium pode, por exemplo, receber o mesmo Espírito e isto
lhe provocar temporariamente um estado de alerta corporal como qualquer medo
provoca.
* Deve ter havido alguma falha na transcrição da fita cassete, ao nosso ver. Pelo que o Espírito
comunicante dizia, faltou a partícula negativa não, para dar sentido à sua idéia. Por isso
incluímos entre parêntesis por não existir no texto original gravado na reunião
P -Uma descarga de adrenalina, todas estas alterações?
R -Sim, ele teria este processo na medida que ele perceber o medo do Espírito ou ficar com
medo do Espírito, então o organismo se colocaria em posição de alerta.
P-
R -
Mas, independentemente disto, estritamente do ponto de vista da comunicação, ela
poderia estender-se por tempo indefinido?
Indefinido? Isto seria desgastante para qualquer pessoa, ficar em estado de tensão. O
estado mediúnico é um estado de tensão, durante tantas horas seria desgastante e não
recomendável.
P-Esse estado poderíamos denominar de excitabilidade mental e mesmo física?
R -Excitabilidade mental e corporal em todos os sentidos. Como disse, é um fenômeno que
no momento em que ocorre há uma tensão física. Ele acelera todo o sistema nervoso do
médium que está em alerta, porque neste momento cede parte da sua sensibilidade, de si
mesmo, para este processo. É como se recebesse ainda que temporariamente um
hospedeiro que dependendo do grau de afinidade desenvolve um processo simbiótico no
campo mental e isto sempre causa tensão e alerta porque desencadeia no médium uma
necessidade de defender sua própria identidade, o seu próprio eu, e neste momento
ainda que simbolicamente está sendo dividido, uma hora, um momento em que fala
pensando com outra mente.


P -
A vontade do médium é fator limitante para os fenômenos físicos, ou estes podem
ocorrer à revelia do médium?

R -
Alguns fenômenos físicos mais simples podem ocorrer à revelia do médium, mas os
fenômenos que possam ter uma característica mais abrangente, dependem de um desejo,
pelo menos aceitação da passividade de um médium neste objetivo.

P-
Há fenômenos caracterizados como Poltergeist em que há nitidamente a presença de um
Espírito, de uma inteligência desencarnada. Também nestes casos podemos considerar
que há presente a vontade do médium, já que tais fenômenos são extremamente
desagradáveis?

R-
Bom, não sei avaliar a extensão deste fenômeno que você menciona.

P-
Refiro-me a ferimentos, cortes, agressões até o nível físico, destruição de objetos,
combustão espontânea, etc.

R-
Eu preciso estudar esses acontecimentos com mais aprofundamento porque existem
forças do organismo que são liberadas pelo processo, digamos, natural. Seria interessante
analisar as pessoas envolvidas, a sua instabilidade emocional, os seus medos, as suas
ligações mentais, para podermos estabelecer um estudo criterioso. Me ocorre pensar que
certamente, tais fenômenos serão precedidos possivelmente de uma abordagem
puramente mental dos Espíritos que produzem tais fenômenos com aqueles que possam
liberar energias para a sua produção. Estabelecido esse contato mental, certamente por
questão de medo, de angústia, a liberação desses materiais aproveitáveis para a produção
do fenômeno, seriam obtidos pela simples reação emotiva captada pela presença destesEspíritos. É uma hipótese, porque também não é comum para nós participarmos ou
estudarmos este tipo de fenômeno. Apenas estou tentando refletir sobre as condições que
você estabeleceu na produção desses fenômenos.

P-
Seria um fenômeno semelhante ao de obsessão?

R-Sim, seria um fenômeno de obsessão. Talvez de possessão estilizada com a
exteriorização de material ectoplásmico, em virtude do conluio psíquico estabelecido,
uma vez que tais fenômenos desencadeados geralmente são repetitivos até certo ponto,
que devem terminar quando as pessoas envolvidas. (forem esclarecidas ?) *

* Houve falha na transcrição da fita e a frase não foi concluída. colocamos entre parêntesis o
que entendemos dar sentido ao final da frase.
P-
Sabemos que existem Espíritos que conhecem a técnica de produção destes fenômenos.
Pode ocorrer que uma vontade grande do Espírito faça ocorrer o fenômeno sem que ele
conheça o mecanismo de produção?

R-
Sim, se o Espírito tem muita raiva, ódio e tendo a disposição este material, ele
simplesmente arremessará o objeto, provocará uma queda e até um ferimento no
atropelo do seu desejo, sem que ele fique elaborando exatamente detalhe por detalhe
todo o mecanismo que tornaria possível a produção do fenômeno.

Obs.: Neste ponto, o tema em questão foi suspenso e antes de encerrar a reunião, foram
formulados duas questões sobre as construções materiais do chamado plano espiritual:

P-A respeito de um assunto que foi tratado com outro Espírito, gostaríamos que o irmão
opinasse sobre as construções aí do chamado plano espiritual. Essas construções, ,por
exemplo um hospital, é real? Existe apenas na mente do Espírito que necessitem do
hospital? Outros Espíritos poderiam não ver estas construções?

R –
Creio que o primeiro embaraço desta questão é a conceituação do que é real, o real não é
uma coisa absoluta. Real é um processo, muitas vezes metafórico. E outras vezes
relativo na mente de uma pessoa enlouquecida. As fantasias e as imagens são
metaforicamente reais, mas que evidentemente permanecem como realidade para aquela
mente enfermiça. No mesmo plano as coisas são sempre reais e são sempre de acordo
com o nível vibracional em que esta realidade é construída, mantida e vivida. Por isso o


hospital será uma construção real, concreta, auto-existente ao nível daquela vibração ou
daquela matéria, naquele nível vibracional pode ocorrer que um Espírito em nível
inferior a este real vibracional, possa não perceber a existência daquele hospital. Então,
na sua vertente da realidade ele não ele não existiria, mas ele continua existindo na
vertente da realidade que está construído.

P-
Parece-me, que só são utilizadas aquelas coisas que são necessárias e o real é construído
em cima do necessário. O Espírito em outras dimensões, sejam inferiores ou superiores,
e não havendo necessidade no seu plano de existência de passarem por aquela vila , por
aquele plano, por aquele hospital, passariam mas não notariam a existência. Nesse
sentido é que se tornaria irreal. Só existir, só estar colocado no plano da existência, do
necessário daqueles Espíritos que sentem necessidade daquela determinada construção.
Mais ou menos esta é a minha interpretação. É isso?

R –
Não creio, o que coloquei foi que as construções no seu nível são reais. Realidade que
existe, sobrevivem e antecedem aos habitantes desse hospital, por exemplo. Ele existe
antes que alguém penetre nele e sobrevive após essa pessoa sair. Esta construção não
depende da mente desta pessoa que necessita do hospital. A manutenção desta
construção e todo o aparato que está envolvido, depende de outras condições mentais
que não estão dependentes da flutuação da eventualidade da necessidade de uma e de
outras pessoas.

(Reunião encerrada)

2. Reunião do dia 01/05/90
Tema: Emissões energéticas à distância.

Espírito: Pedro de Oliveira

P-
Antes de começar o roteiro, eu queria procurar definir o seguinte: nas perguntas que
fizemos, substituímos algumas palavras que usamos comumente, como vibrações e
fluidos, por energia. Esta definição nossa está certa? Seria possível fazer esta
transposição?

R-É uma designação atualizada que reconhece que o Universo vibra energeticamente em
todos os campos. Em todos os campos existe energia mental, fluídica, energia do
coração, enfim, energia da vibração das moléculas, da vibração da matéria, das vibrações
estelares.

P – Numa das comunicações anteriores, do José *, ele nos falou que é feita uma qualificação
dessas energias, tanto nesta reunião como na de vibração. Essas energias são retiradas
dos presentes e qualificadas de modo a poderem ser utilizadas na (mesma) reunião?
como mecanicamente falando, fisicamente falando,é feita essa qualificação? Tal
qualificação tem algo em comum com a freqüência de vibração dessas energias?

R-
Cada pessoa se tipifica por uma forma de exprimir o conteúdo de seu espírito em
manifestações vibratórias em que, mentalmente, corporalmente, perispiritualmente, enfim,
todo o ser expele como que uma energia e que se chama o seu corpo mental, o seu halo
mental. Enfim, aquilo que o qualifica de um modo geral permanentemente e modos
específicos. Em determinados momentos temos picos vibracionais em que há uma
ascendência na carga energética e há momentos de picos depressivos em que há uma
momentânea deflação desse ponto médio em que cada um se especifica. Dessa maneira,
uma reunião de vibração, em que o elemento mental e físico corporal se juntam pelas
várias pessoas que compõem essa reunião , também se tipifica pelo conteúdo médio das


vibrações de seus componentes. Isso já qualifica, digamos, de uma maneira constante, o
teor de qualidade de tipo de reunião. Isto é alterado pela indisposição momentânea de um
elemento ou pela exaltação vibracional de outro, pela entrada de novos elementos, até que
se ajustem ao padrão específico. Assim como pela saída de certos elementos que cortam o
conjunto, enfim, tudo isso são fatores que determinam em cada reunião a qualidade maior
ou menor. Em determinadas circunstâncias, se o elemento está no pico ascendente das
suas vibrações, ele evidentemente eleva o nível médio das vibrações e isso é aproveitado
qualitativamente. Se um dos elementos está numa situação muito depressiva, então ele
será isolado porque senão o tônus vibratório médio ficará muito prejudicado. Isso se
qualifica.

* José é um dos Espíritos que participava do grupo de pesquisa. Perguntado sobre como se
operava a chamada vibração à distância, deu uma resposta, no mínimo estranha: "A vibração
tem uma consistência física". "Ela é colocada dentro de um outro material para que possa ser
transportada". "Espécie de balões de gás, mas esta capa externa teria uma consistência um
pouquinho maior, uma vibração mais sutil, exatamente para segurar, para que não haja
dispersão dessa vibração.". Evidentemente essa explicação é equivocada, senão ridícula, e
Pedro de Oliveira a desconsiderou, como pode ser entendido no texto acima.
P –
Como é que se identifica a qualidade das vibrações?

R-Bem, eu diria pelo sentimento, pelo sentir, pela experiência. Mas também há técnicas de
visualização da qualidade da energia exalada por cada um e até em algumas
circunstâncias, algum tipo de aparelhagem que daria esse tônus médio, assim como o
osciloscópio.

P –
Seria o psicoscópio como nos diz André Luiz?

R-É, poderia-se dar esse nome, uma vez que ele mede a oscilação vibratória do grupo e de
cada pessoa. Mas há também a possibilidade de visualizar um certo colorido, uma certa
intensidade, porque cada um exala esse tipo de vibração. A pessoa que está deprimida
terá bastante dificuldade de sair de um nível muito baixo de vibração.

P –
A respeito dessa vibração, é muito difícil dizer a alguém como vibrar, qual o
procedimento mental, qual a atitude mental.Então eu perguntaria o seguinte: alguns aqui
estão como que fazendo preces mentais, dirigindo-se a Jesus, que é mais ou menos o que
a maioria faz. Outros estão de olhos abertos, mas cada um com uma posição mental,
quase neutra, não articulando quase nenhum pensamento. Como se dá a vibração nesse
caso, a prece consegue quantidade de energia maior ou mais qualificada?

R –
De modo geral cada um tem a sua qualificação. Ele precisa concentrar-se no objetivo a
que está aderido. Estar na reunião com todo o seu espírito, com todo o seu coração, já é
uma coisa, uma forma de concentração. A oração, claro quando não seja uma mera e
cansativa repetição, ajuda sempre peneirar os sentimentos, o pensamento, mantê-lo mais
equilibrado, a mente centrada no que está fazendo. Mas, o verdadeiro sentido da
concentração é o sentimento e a capacidade de não se distrair, de estar presente. Isso de
estar-se de olhos de olhos fechados ou abertos, não é muito importante. O que importa,
não sei se me explico bem, é o conjunto de sentimentos, o conjunto de percepção, enfim,
aquilo que direciona todo o conjunto vibracional do ser espiritual. Está aqui por que
quer, porque gosta, porque percebe que é bom, que é um lugar, uma atividade, um
determinado momento que lhe agrada e é útil. Acho que a palavra agrada seria bem
aplicada. Se não agrada, não vibra. Quem nem se agrada com o que está fazendo é
realmente um ponto morto, não?

P-
Cada uma das suas frases daria desdobramentos em várias questões. Apesar do roteiro
preparado, gostaria de pegar duas questões. Uma delas, no que diz respeito à composição
do grupo, da importância dessa composição e sua variação. No nosso grupo, como
exemplo, a entrada do M..., uma pessoa que pouco participa, em que varia essa energia,


essa preparação do ambiente. Em outro exemplo, o R... que é um dos médiuns que
trabalha com a gente e que tem vindo poucas vezes. Qual a conseqüência disso?

R-Todo grupo mediúnico tem que ser relativamente fechado. Sempre com as mesmas pessoas
e que sejam bastante assíduas, apesar de que só isto não garante o sucesso, mas é um
ponto principal para haja um grupo. Depois o mais importante é o desejo de cada um
estar presente, de cada um que se compromete a vir. Se esta pessoa se compromete e faz
parte do grupo permanente e é pouco assíduo, isso realmente desestabiliza o que
desejamos. O grupo sendo relativamente harmônico pode receber visitas sem que se
altere muito e, às vezes, nada. No caso citado, a presença do nosso irmão contribui na
medida em que está interessado nos resultados do trabalho. Não estou falando de nada
esotérico, estou falando de uma manipulação de energias. Na verdade, o grupo
permanente tem que ser assíduo, se não for alguma coisa está errada. As pessoas têm que
estar muito cientes da manipulação desses elementos mentais. Creio mesmo que de
tempos em tempos deva ser expurgado todo aquele que não tenha a assiduidade
desejável. Para nós aquele que vem esporadicamente, como o médium, por exemplo,
pouca serventia tem, não é?

P-
Em relação à possibilidade revelada por você de mensurar o campo mental, o halo
mental, citando métodos de visualização, e até mesmo a existência de equipamentos. Na
nossa reunião, que tipos de mecanismos vocês se utilizam no preparo do ambiente,
vibrações e energias?

R-Nós aqui estamos mais baseados nas pessoas que compõem o grupo e nos conhecimentos
que temos dos seus desejos. Esse é o básico. E, conhecendo e sabendo cada um o seu
quilate, a sua capacidade média de participação, daí sobre esses fatos é que analisamos e
programamos o nosso trabalho. Não usamos necessariamente uma aparelhagem, mas
poderíamos fazê-lo se fosse necessário.

P -
Gostaria de voltar a um detalhe, quando pensamos em energia, obrigatoriamente falamos
de onda e da freqüência da onda. A qualificação tem algo com a modificação de
freqüência dessa onda energética?

R-
Certamente. Por isso que eu falei desses picos para cima e para baixo. Se nós encontramos
um grupo onde a freqüência é muito alta, em que o comprimento de onda é cada vez menor,
então podemos realizar muitas coisas. Mas se há lassidão, se há dispersão, esse comprimento
de onda é muito devagar, então se pode juntar muito pouco.

P-Dessa forma, o mecanismo que tínhamos imaginado era que haveria uma seqüência, uma
certa continuidade nessa freqüência de onda, de forma que a freqüência de onda
característica dos encarnados , seria bastante menor, o comprimento de onda seria bem
maior do que a freqüência dos desencarnados. E que para haver a transmissão de
vibração a distância, essa qualificação e essa transmissão seria feita numa faixa
intermediária entre os dois. Esse mecanismo está mais ou menos correto?

R-
Depende muito das pessoas. Evidentemente que o encarnado está numa posição algo
desvantajosa, porque está comprometido com uma mistura físico-mental. O
desencarnado, isso digamos em regra geral, tem mais possibilidade de expansão em
virtude de não ter esse condicionamento do físico. No mais, não suponha que existam
muitos mistérios entre esse distanciamento entre encarnados e desencarnados porque as
correntes mentais, evidentemente, são de freqüências diferentes, mas o encarnado está
no estado natural, freqüentemente capacitado a perceber.


Capítulo Sexto

1-Uma Proposta

Propomos a montagem de uma estrutura na qual haja um cadastramento de grupos formados

ou recém-formados, que estejam interessados em participar da pesquisa de variados temas, a

exemplo da OBSESSÃO, aqui citado.

Para tanto, instituir-se-ia um Grupo Administrador que se responsabilizaria por cadastrar os

grupos, elaborar e distribuir os roteiros, receber as pesquisas, computar os resultados,

comparar, catalogar, etc.

Um Banco de Dados experimental em ACCESS está sendo utilizado pelo GPCEB atual do
Centro Espírita Allan Kardec, de Santos, no qual todos os dados extraídos dos Instrumentos de
Registro (Anexo I) são digitados, bem como as transcrições das comunicações psicofônicas e
as psicografias obtidas, para facilitar o controle, as pesquisas, o confronto de idéias e repostas
dadas pelos espíritos sobre determinado tema, o acompanhamento dos médiuns, etc.

Os grupos interessados em participar de uma pesquisa sobre determinado tema, teriam uma

cópia desse programa e enviariam os resultados por meio eletrônico, para que o Grupo

Administrador faça as devidas análises e comparações.

Além disso, o Grupo Administrador organizaria Fóruns entre os Coordenadores de cada
grupo, para uma análise mais profunda, debates e, por fim, decidir o que fazer com os
resultados, ou seja, delinear sobre o que pode virar um texto, trabalho, tese, curso, etc., ou até,
se for caso, voltar o tema para os grupos para novas consultas.

Para o desenvolvimento da pesquisa, existem duas propostas:

1) Todos os grupos iniciariam pesquisando o mesmo tema, seguindo o mesmo roteiro de
perguntas e em seguida, enviando para o Grupo Administrador.

2) Definiríamos mais de um tema e faríamos um rodízio entre os grupos.

CONCLUSÃO

Conforme se pode verificar, o que apresentamos é o resultado de uma experiência.
Certamente outros companheiros terão outras e talvez mais ricas e melhor estruturadas. Mas, o
que destacamos, é a forma proposta de intercâmbio, com liberdade, sem receios, sem mistérios,
sem complexos de submissão e inferioridade aos amigos do "outro lado". É preciso também
entender que as pesquisas não devem restringir-se a questões científicas ou filosóficas.
Perguntas sobre a vida cotidiana dos Espíritos, seus costumes, seus problemas, etc., vão nos
surpreender quanto, principalmente, á ignorância de boa parte deles em relação ao meio em que
vivem. Certa feita, perguntamos a um Espírito se ele toma banho, defeca, urina e ele disse que
sim, embora os companheiros que moravam com ele não tinham essa necessidade. Perguntei
ainda se ele alguma vez olhou para dentro do vaso sanitário e viu as fezes. Ele ficou surpreso
com a nossa indagação e respondeu que nunca teve essa curiosidade. Portanto, é extremamente
rica a pesquisa via mediúnica e os Espíritos, ao contrário do que se possa acreditar, gostam de
trabalhar com seriedade. Por outro lado, é necessário estar preparado para realizar um bom
trabalho, com profundidade, porque os Espíritos sérios não estão disponíveis para brincadeiras
ou deslumbramentos intelectóides.


ANEXO I


Comunicação nº ____/____ Início: Fim: Duração:
Médium: Espírito:
Tipo de Mediunidade:
Comunicação nº ____/____ Início: Fim: Duração:
Médium: Espírito:
Tipo de Mediunidade:
-Tipo: ( ) Ordinária ( ) Experimentação
-Hora Início: Hora Final:
- Presentes:
- Equipamentos utilizados:
CARACTERIZA Ç ÃO DAS COMU NICA Ç ÕES
Comentários / Observações:
_____________________________________________________________________________________
_____________________________________________________________________________________
_____________________________________________________________________________________
_____________________________________________________________________________________
_____________________________________________________________________________________
_____________________________________________________________________________________
_____________________________________________________________________________________
CARACTERIZA Ç ÃO DA REUNIÃO
Coment

Comentários / Observações:


O PERISPÍRITO


SEGUNDO


ALLAN KARDEC


Antologia segundo as obras básicas da Codificação Espírita.

O presente trabalho
foi realizado a partir dos textos contidos
na Homepage do
IDE-Instituto de Difusão Espírita
http://www.ide.org.br/cde-port/


1



O LIVRO DOS ESPÍRITOS


Perispírito.

93 - O Espírito propriamente dito tem alguma cobertura ou está, como pretendem alguns,
envolvido numa substância qualquer?

- O Espírito está revestido de uma substância vaporosa para os teus olhos, mas ainda bem
grosseira para nós; muito vaporosa, entretanto, para poder elevar-se na atmosfera e se
transportar para onde queira.
Assim como o germe de um fruto é envolvido pelo perisperma, da mesma forma o
Espírito propriamente dito está revestido de um envoltório que, por comparação,
pode-se chamar de perispírito.

94 - De onde o Espírito toma o seu invólucro semi-material ?

- Do fluido universal de cada globo. Por isso, ele não é o mesmo em todos os mundos.
Passando de um mundo para outro, o Espírito troca seu envoltório, como mudais de roupa.
- Assim, quando os Espíritos que habitam mundos superiores vêm entre nós, tomam um
perispírito mais grosseiro?
- Já o dissemos: é preciso que eles se revistam da vossa matéria.
95 - O envoltório semi-material do Espírito tem formas determinadas e pode ser perceptível?

- Sim; tem uma forma que o Espírito deseja, e é assim que ele se vos apresenta algumas vezes,
seja em sonho, seja em estado de vigília, podendo tomar forma visível e mesmo palpável.
Perispírito nos espíritos puros

186 - Há mundos onde o Espírito, cessando de habitar corpos materiais, só tenha por envoltório

o perispírito?
- Sim, e esse próprio envoltório torna-se tão etéreo que, para vós, é como se não existisse; é o
estado dos Espíritos puros.
- Resulta daí, ao que parece, que não há uma demarcação definida entre o estado das últimas
encarnações e aquele dos Espíritos puros?
- Essa demarcação não existe; a diferença, que se desfaz pouco a pouco, torna-se
imperceptível, como a noite que se desfaz aos primeiros clarões do dia.
187 - A substância do perispírito é a mesma em todos os mundos?

- Não; ela é mais ou menos etérea. Passando de um mundo para outro o Espírito se reveste da
matéria própria de cada um, com mais rapidez que um relâmpago.
188 - Os Espíritos puros habitam mundos especiais ou estão no espaço universal sem estarem
mais ligados a um mundo que a outro?

- Os Espíritos puros habitam certos mundos, mas não estão confinados neles como os homens
sobre a Terra; eles podem, melhor que os outros, estar por toda a parte. [1]
2



Ensaio teórico sobre a sensação nos espíritos.

257 – O corpo é o instrumento da dor e, se não é a sua causa primeira, pelo menos é a causa
imediata. A alma tem a percepção da dor mas essa percepção é um efeito. A lembrança que
dela conserva pode ser muito penosa, contudo, não pode ter ação física. Com efeito, nem o frio,
nem o calor podem desorganizar os tecidos da alma e esta não pode gelar-se nem queimar-se.
Não vemos, todos os dias, a lembrança ou a apreensão de um mal físico, produzir efeitos tão
reais e ocasionar mesmo a morte? Todo o mundo sabe que as pessoas amputadas sentem dor
no membro que não existe mais. Seguramente, não é nesse membro que está a sede ou o ponto
de partida da dor; apenas o cérebro conservou a impressão da dor. Pode-se, pois, crer que há
alguma coisa de analogia com os sofrimentos do Espírito depois da morte. Um estudo mais
aprofundado do perispírito, que desempenha um papel muito importante em todos os fenômenos
espíritas, como as aparições vaporosas ou tangíveis, o estado do Espírito no momento da morte,
a idéia tão freqüente de que ainda está vivo, o quadro tão comovente dos suicidas, dos
supliciados, dos que se deixaram absorver nos prazeres materiais, e tantos outros fatos, vieram
fazer luz sobre essa questão e dar lugar às explicações que damos, aqui, resumidas.

O perispírito é o laço que une o Espírito à matéria do corpo, sendo tirado do meio ambiente, do
fluido universal; contém ao mesmo tempo, eletricidade, fluido magnético e, até certo ponto, a
matéria inerte. Poder-se-ia dizer que é a quintessência da matéria, o princípio da vida orgânica,
mas não da vida intelectual, porque esta está no Espírito. É, além disso, o agente das
sensações externas. No corpo, essas sensações estão localizadas pelos órgãos que lhes
servem de canais. Destruído o corpo, as sensações ficam generalizadas.

Eis porque o Espírito não diz que sofre mais da cabeça do que dos pés. É preciso, de resto, não
confundir as sensações do perispírito, que se tornou independente, com as do corpo; não
podemos tomar estas últimas como análogas, mas apenas como termo de comparação. Liberto
do corpo, o Espírito pode sofrer, mas esse sofrimento não é corporal, embora não seja
exclusivamente moral como o remorso, uma vez que ele se queixa de frio e de calor. Ele não
sofre mais no inverno que no verão e o temos visto passar através das chamas sem nada
experimentar de penoso; a temperatura não lhes causa, pois, nenhuma impressão. A dor que ele
sente não é propriamente uma dor física, mas um vago sentimento íntimo que o próprio Espírito
nem sempre entende, precisamente porque a dor não está localizada e não é produzida por
agentes externos: é mais uma lembrança que uma realidade, porém, uma recordação também
penosa. Há, algumas vezes, entretanto, mais que uma lembrança, como iremos ver.

A experiência nos ensina que no momento da morte o perispírito se liberta mais ou menos
lentamente do corpo. Durante os primeiros instantes, o Espírito não entende sua situação: não
se crê morto porque se sente vivo; vê seu corpo de um lado, sabe que é seu, mas não entende
porque está separado dele. Este estado perdura enquanto existe alguma ligação entre o corpo e

o perispírito. Um suicida nos disse: Não, não estou morto – e ajuntou – entretanto, sinto os
vermes que me roem. Ora, seguramente, os vermes não roíam o perispírito, e muito menos o
Espírito; roíam apenas o corpo. Entretanto, como a separação do corpo e do perispírito não tinha
se completado, resultava uma espécie de repercussão moral que lhe transmitia a sensação do
que se passava no corpo. Repercussão pode não ser talvez a palavra certa, pois, faria supor um
efeito muito material; era antes a visão do que se passava no corpo, ligado ainda ao seu
perispírito, que produzia nele uma ilusão, a qual tomava por uma realidade. Assim, não era uma
lembrança, pois que, durante sua vida não havia sido roído pelos vermes; era o sentimento de
um fato atual. Vê-se, por aí, as deduções que se podem tirar dos fatos, quando são observados
atentamente. Durante a vida, o corpo recebe as impressões exteriores e as transmite ao Espírito
3



por intermédio do perispírito que constitui, provavelmente, o que se chama de fluido nervoso.
Morto o corpo, ele não sente mais nada, visto que não há mais nele Espírito, nem perispírito. O
perispírito, desprendido do corpo, experimenta sensação, mas como esta não lhe chega mais
por um canal limitado, é generalizada. Ora, como na realidade ele não é mais que um agente de
transmissão, pois é no Espírito que está a consciência, resulta disso que se pudesse existir um
perispírito sem Espírito, ele não sentiria mais do que um corpo morto. Da mesma forma, se o
Espírito não tivesse o perispírito, seria inacessível a toda a sensação penosa, como ocorre com
os Espíritos completamente purificados. Sabemos que quanto mais eles se purificam, mais a
essência do perispírito se torna etérea, do que se segue que a influência material diminui à
medida que o Espírito progride, quer dizer, à medida que o próprio perispírito se torna menos
grosseiro.

Mas, dir-se-á, as sensações agradáveis são transmitidas ao Espírito pelo perispírito, da mesma
forma que as sensações desagradáveis; ora, se o Espírito puro é inacessível a umas, deve ser
igualmente a outras. Sim, sem dúvida, para aquelas que provêm unicamente da influência da
matéria que conhecemos: o som dos nossos instrumentos, o perfume de nossas flores,
nenhuma impressão lhe causam. Entretanto, ele experimenta sensações íntimas, de um encanto
indefinível que nem podemos imaginar, pois a esse respeito somos como cegos de nascença em
relação à luz: sabemos que ela existe, mas por que meio? Aí se detém a nossa ciência.

Sabemos que existe percepção, sensação, audição, visão; que essas faculdades são atributos
de todo o ser, e não, como no homem, de uma parte do ser; mas, ainda uma vez, por que
intermediário? É o que não sabemos. Os próprios Espíritos não pode nos dar conta, visto que
nossa linguagem não está em condições de exprimir as idéias que não temos, da mesma forma
que a língua dos selvagens não tem termos para exprimir nossas artes, nossas ciências e
nossas doutrinas filosóficas.

Dizendo que os Espíritos são inacessíveis às impressões da nossa matéria, queremos falar dos
Espíritos muito elevados, cujo envoltório etéreo não encontra analogia em nosso mundo. O
mesmo não ocorre com os de perispírito mais denso, que percebem os nossos sons e os nossos
odores, embora não o façam por uma parte da sua individualidade, como quando em vida.
Poder-se-ia dizer que as vibrações moleculares se fazem sentir em todo o ser e chegam, assim,
ao seu sensorium commune, que é o próprio Espírito, embora de um modo diferente, e pode ser
também com uma impressão diferente, o que produz uma modificação na percepção. Eles
ouvem o som da nossa voz, entretanto, nos compreendem sem o auxílio da palavra, apenas
pela transmissão do pensamento. Isso vem em apoio ao que dissemos: essa penetração é tanto
mais fácil quanto mais o Espírito está desmaterializado. Quanto à visão, ela independe da nossa
luz. A faculdade de ver é um atributo essencial da nossa alma; para ela não há obscuridade, e
apresenta-se mais extensa, mais penetrante para os que estão mais purificados. A alma, ou o
Espírito, tem pois, em si mesmo, a faculdade de todas as percepções; na vida corpórea elas são
limitadas pela grosseria de seus órgãos, contudo, na vida extra-corpórea o são cada vez menos
à medida que se torna menos compacto o envoltório semi-material.

Esse envoltório, tirado do meio ambiente, varia de acordo com a natureza dos mundos.
Passando de um mundo a outro, os Espíritos trocam de envoltório como trocamos de roupa ao
passarmos do inverno para o verão, ou do pólo para o equador. Os Espíritos mais elevados,
quando nos vêm visitar, revestem-se do perispírito terrestre e, então, suas percepções operam
como nos Espíritos vulgares; mas todos, inferiores como superiores, não ouvem e não sentem
mais do que aquilo que querem ouvir ou sentir. Sem possuírem órgãos sensitivos, podem tornar,
à vontade, ativas ou nulas suas percepções; só uma coisa são forçados a ouvir: os conselhos

4



dos bons Espíritos. A visão é sempre ativa, mas eles podem, reciprocamente, tornarem-se
invisíveis uns aos outros. Segundo a categoria que ocupem, podem ocultar-se dos que lhes são
inferiores, mas não o podem dos que lhes são superiores. Nos primeiros momentos que se
seguem à morte, a visão do Espírito é sempre perturbada e confusa e se aclara à medida que se
desprende e pode adquirir a mesma clareza que durante a vida, independentemente da sua
penetração através dos corpos que nos são opacos. Quanto à sua extensão pelo espaço infinito,
no futuro e no passado, depende do grau de pureza e elevação do Espírito.

Toda esta teoria, dir-se-á, não é nada tranqüilizadora. Pensávamos que, uma vez
desembaraçados do nosso envoltório grosseiro, instrumento das nossas dores, não sofreríamos
mais e nos informais que ainda sofreremos e, seja de uma maneira ou de outra, é sempre sofrer.
Ah! sim, podemos ainda sofrer muito e por muito tempo, mas, podemos também não mais sofrer,
mesmo desde o instante em que deixamos a vida corpórea.

Os sofrimentos deste mundo, algumas vezes, independem de nós, mas muitos são
conseqüências da nossa vontade. Remontando à origem, ver-se-á que, em sua maior parte,
resultam de causas que poderíamos evitar. Quantos males e enfermidades deve o homem aos
seus excessos, à sua ambição, às suas paixões? O homem que tivesse vivido sempre
sobriamente, sem abusar de nada, com simplicidade de gostos, modesto em seus desejos, se
pouparia de muitas tribulações. Ocorre o mesmo com o Espírito; os sofrimentos que enfrenta
são conseqüência da maneira que viveu sobre a Terra. Sem dúvida, não terá mais a gota e o
reumatismo, mas terá outros sofrimentos que não são menores. Vimos que esses sofrimentos
resultam dos laços que ainda existem entre o Espírito e a matéria e que quanto mais se liberta
da influência da matéria, quanto mais se desmaterializa, sofre menos as sensações penosas.
Ora, depende dele libertar-se dessa influência desde a vida atual; tem o seu livre arbítrio e, por
conseguinte, a faculdade de escolher entre fazer e não fazer. Dome ele as suas paixões
animais, não sinta ódio, nem inveja, nem ciúme, nem orgulho; não se deixe dominar pelo orgulho
e purifique a sua alma pelos bons sentimentos, que faça o bem e dê às coisas deste mundo a
importância que elas merecem, então, mesmo estando encarnado, já estará depurado, liberto da
matéria, e quando deixar seu corpo não mais lhe suportará a influência. Nenhuma recordação
dolorosa, nenhuma impressão desagradável lhe restará dos sofrimentos físicos que
experimentou, porque elas afetaram o corpo e não o Espírito. Sentir-se-á feliz de ter se libertado
delas e a calma de sua consciência o isentará de todo o sofrimento moral. Interrogamos
milhares de Espíritos, que pertenceram a todas as categorias da sociedade terrena, a todas as
posições sociais; estudamo-los em todos os períodos da sua vida espírita, a partir do momento
em que deixaram o corpo; seguimo-los, passo a passo, nessa vida de além-túmulo, para
observar as mudanças que neles se operavam, em idéias, em suas sensações e, sob esse
aspecto, os homens mais vulgares não foram os que nos forneceram materiais de estudo menos
preciosos. Ora, constatamos sempre que os sofrimentos tinham relação com a conduta, da qual
suportavam as conseqüências, e que essa nova existência era a fonte de uma felicidade inefável
para os que seguiram o bom caminho. Segue-se daí que os que sofrem, sofrem porque
quiseram e só de si mesmos podem queixar-se, tanto neste como no outro mundo.

5



LIVRO DOS MÉDIUNS


Conceito de perispírito

Imaginemos primeiro o Espírito em sua união com o corpo; o Espírito é o ser principal, já que é o
ser pensante e sobrevivente; o corpo, pois, não é senão um acessório do Espírito, um envoltório,
uma veste que ele deixa quando está estragada. Além desse envoltório material, o Espírito tem
um segundo, semi-material, que o une ao primeiro; na morte, o Espírito se despoja deste, mas
não do segundo ao qual damos o nome de perispírito. Esse envoltório semi-material, que afeta a
forma humana, constitui para ele um corpo fluídico, vaporoso, mas que, por nos ser invisível em
seu estado normal, não deixa de possuir algumas das propriedades da matéria. O Espírito não
é, pois, um ponto, uma abstração, mas um ser limitado e circunscrito, ao qual não falta senão
ser visível e palpável para se assemelhar aos seres humanos. Por que, pois, não agiria sobre a
matéria? Por que seu corpo é fluídico? Mas não é entre os fluidos, os mais rarefeitos, aqueles
que se consideram como imponderáveis, a eletricidade por exemplo, que o homem acha seus
mais poderosos motores? É que a luz imponderável não exerce uma ação química sobre a
matéria ponderável? Nós não conhecemos a natureza íntima do perispírito; mas supondo-o
formado de matéria elétrica, ou outra tão sutil, por que não teria a mesma propriedade estando
dirigido por uma vontade?

50. Sistema da alma material; consiste, unicamente, numa opinião particular sobre a natureza
íntima da alma. Segundo esta opinião, a alma e o perispírito não seriam duas coisas distintas,
ou, melhor dizendo, o perispírito não seria outro senão a própria alma, se depurando
gradualmente pelas diversas transmigrações, como o álcool se depura pelas diversas
destilações, enquanto a Doutrina Espírita não considera o perispírito senão como o envoltório
fluídico da alma ou do Espírito. O perispírito sendo matéria, embora muito etérea, a alma seria
assim de uma natureza material mais ou menos essencial segundo o grau da sua depuração.
Este sistema não infirma nenhum dos princípios fundamentais da Doutrina Espírita, porque nada
muda na destinação da alma; as condições de sua felicidade futura são sempre as mesmas; a
alma e o perispírito formam um todo, sob o nome de Espírito, como o germe e o perisperma o
formam sob o nome de fruto; toda a questão se reduz em considerar o todo como homogêneo,
em lugar de estar formado por duas partes distintas.

Como se vê, isso não leva a nenhuma conseqüência, e disso não teríamos falado se não
tivéssemos encontrado pessoas inclinadas a ver uma nova escola no que não é, definitivamente,
senão uma simples interpretação de palavras. Esta opinião, de resto muito restrita, fosse mesmo
mais geral, não constituiria uma cisão entre os espíritas, mais do que as duas teorias da
emissão ou das ondulações da luz não foi uma entre os físicos. Os que quisessem formar
partido por uma questão tão pueril, provariam, só por isso, que dão mais importância ao
acessório do que à coisa principal, e que são levados à desunião por Espíritos que não podem
ser bons, porque os bons Espíritos não insuflam jamais a acrimônia e a cizânia; por isso
exortamos todos os verdadeiros espíritas a se porem em guarda contra semelhantes sugestões,
e não ligar a certos detalhes mais importância do que merecem; o essencial é o fundo.

Cremos necessário dever dizer, em poucas palavras, sobre o que se apoia a opinião daqueles
que consideram a alma e o perispírito como duas coisas distintas. Está fundada nos
ensinamentos dos Espíritos que jamais variaram a esse respeito; falamos dos Espíritos
esclarecidos, porque entre eles os há os que não sabem mais, e mesmo menos do que os

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homens, ao passo que a teoria contrária é uma concepção humana. Não inventamos, nem
supusemos o perispírito para explicar os fenômenos; sua existência nos foi revelada pelos
Espíritos, e a observação no-la confirmou (O Livro dos Espíritos, no 93). Ela se apoia, ainda,
sobre o estudo das sensações dos Espíritos (O Livro dos Espíritos, no 257) e, sobretudo, sobre
os fenômenos das aparições tangíveis que implicariam, segundo a outra opinião, a solidificação
e a desagregação das partes constituintes da alma e, por conseqüência, sua desorganização.
Seria necessário, por outro lado, que esta matéria, que pode impressionar os sentidos, fosse, ela
mesma, o princípio inteligente, o que não é mais racional que confundir o corpo com a alma, ou
a veste com o corpo. Quanto à natureza íntima das almas, nos é desconhecida. Quando se diz
que é imaterial, é preciso entender no sentido relativo, e não absoluto, porque a imaterialidade
absoluta seria o nada; ora, a alma ou Espírito é alguma coisa; quer-se dizer que sua essência é
de tal modo superior que não tem nenhuma analogia com aquilo que nós chamamos matéria e,
assim, para nós, é imaterial (O Livro dos Espíritos, no 23 e 82).

51. Eis aqui a resposta dada, a esse respeito, por um Espírito:
"O que uns chamam perispírito não é outra coisa senão o que os outros chamam envoltório
material fluídico. Direi, para me fazer compreender de maneira mais lógica, que esse fluido é a
perfectibilidade dos sentidos, a extensão da vista e das idéias: falo dos Espíritos elevados.
Quanto aos Espíritos inferiores, os fluidos terrestres são ainda completamente inerentes a eles;
pois são matéria como vedes; daí os sofrimentos da fome, do frio, etc., sofrimentos que não
podem experimentar os Espíritos superiores, uma vez que os fluidos terrestres são depurados
ao redor do pensamento, quer dizer, da alma. A alma, para seu progresso, tem sempre,
necessidade de um agente; a alma, sem agente, não é nada para vós ou, melhor dizendo, não
pode ser concebida por vós. O perispírito para nós, Espíritos errantes, é o agente pelo qual nos
comunicamos convosco, seja indiretamente pelo vosso corpo ou vosso perispírito, seja
diretamente à vossa alma; daí os infinitos matizes de médiuns e de comunicações. Agora, resta

o ponto de vista científico, quer dizer, a própria essência do perispírito; este é um outro assunto.
Compreendei primeiro moralmente; não resta mais do que uma discussão sobre a natureza dos
fluidos, o que é inexplicável no momento; a ciência não conhece bastante, mas lá chegará se
quiser caminhar com o Espiritismo. O perispírito pode variar e mudar ao infinito; a alma é o
pensamento: não muda de natureza; a esse respeito não vades mais longe, é um ponto que não
pode ser explicado. Credes que não procuro como vós? Vós, buscais o perispírito; nós
buscamos a alma. Esperai, pois.
– Lamennais".
54. Numerosas observações de fatos irrecusáveis, dos quais falaremos mais tarde, conduziram
a esta conseqüência de que há no homem três coisas:
1.ª) alma ou Espírito, princípio inteligente em que reside o senso moral;

2.ª) o corpo, envoltório grosseiro, material, do qual está temporariamente revestido para o
cumprimento de certos objetivos providenciais;

3.ª) o perispírito, envoltório fluídico, semi-material, servindo de laço entre a alma e o
corpo.

A morte é a destruição, ou melhor, a desagregação do envoltório grosseiro, daquele que a alma
abandona; o outro se separa e segue a alma que se encontra, dessa maneira, sempre como um
envoltório; este último, se bem que fluídico, etéreo, vaporoso, invisível para nós em seu estado

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normal, não deixa de ser matéria, embora, até o presente, não pudéssemos apanhá-la e
submetê-la à análise.

Este segundo envoltório da alma ou perispírito existe, pois, durante a vida corporal; é o
intermediário de todas as sensações que o Espírito percebe, aquele pelo qual o Espírito
transmite sua vontade ao exterior e age sobre os órgãos. Para nos servir de uma comparação
material, é o fio elétrico condutor que serve para a recepção e a transmissão do pensamento; é,
enfim, esse agente misterioso, inacessível, designado sob o nome de fluido nervoso, que
desempenha um grande papel na economia e do qual não de dá bastante conta nos fenômenos
fisiológicos e patológicos. A Medicina, não considerando senão o elemento material ponderável,
se priva, na apreciação dos fatos, de uma causa incessante, de ação. Mas não é aqui o lugar de
examinar essa questão; faremos somente notar que o conhecimento do perispírito é a chave de
uma multidão de problemas até agora inexplicados.

O perispírito não é uma dessas hipóteses às quais se recorrem na ciência, algumas vezes, para
a explicação de um fato; sua existência não é revelada somente pelos Espíritos, mas um
resultado da observação, como teremos ocasião de demonstrá-lo. Para o momento, e para não
antecipar sobre os fatos que iremos relatar, nos limitaremos a dizer que, seja durante sua união
com o corpo, seja depois de sua separação, a alma jamais está separada de seu perispírito.

55. Disse-se que o Espírito é uma chama, uma chispa; isto se deve entender do Espírito
propriamente dito, como princípio intelectual e moral, e ao qual não se poderia atribuir uma
forma determinada; mas, em qualquer grau que se encontre, está sempre revestido de um
envoltório ou perispírito, cuja matéria se eteriza à medida que ele se purifica e se eleva na
hierarquia; de tal sorte que, para nós, a idéia de forma é inseparável da do Espírito, e que não
concebemos um sem o outro. O perispírito faz, pois, parte integrante do Espírito, como o corpo
faz parte integrante do homem; mas o perispírito sozinho não é o Espírito como apenas o corpo
não é o homem, porque o perispírito não pensa; é para o Espírito o que o corpo é para o
homem; é o agente ou o instrumento de sua ação.
56. A forma do perispírito é a forma humana, e quando nos aparece é, geralmente, aquela sob a
qual conhecemos o Espírito em sua vida. Poder-se-ia crer, em razão disso, que o perispírito,
separado de todas as partes do corpo, se amolda de alguma sorte sobre ele e lhe conserva o
tipo, mas não parece que seja assim. A forma humana, com algumas diferenças aproximadas de
detalhes, e salvo as modificações necessitadas para o meio no qual o ser foi chamado a viver,
se encontra nos habitantes de todos os globos, é, ao menos, o que dizem os Espíritos; é,
igualmente, a forma de todos os Espíritos não encarnados e que não têm senão o perispírito; é
aquela sob a qual, em todos os tempos, se representaram os anjos ou Espíritos puros; de onde
devemos concluir que a forma humana é a forma tipo de todos os seres humanos, qualquer que
seja o grau ao qual pertencem. Mas a matéria sutil do perispírito não tema tenacidade nem a
rigidez da matéria compacta do corpo; se podemos nos exprimir assim, ela é flexível e
expansível; por isso a forma que toma, se bem que calcada sobre a do corpo, não é absoluta;
amolda-se à vontade do Espírito, que pode lhe dar tal ou tal aparência a seu gosto, enquanto o
envoltório sólido lhe oferece uma resistência insuperável. Desembaraçado desse entrave que o
comprimia, o perispírito se expande ou se contrai, se transforma, em uma palavra, se presta a
todas as metamorfoses, segundo a vontade que age sobre ele. É por conseqüência dessa
propriedade de seu envoltório fluídico que o Espírito, que quer se fazer reconhecer, pode,
quando necessário, tomar a exata aparência que tinha em sua vida, mesmo a de acidentes
corporais que podem ser sinais de reconhecimento.
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Os Espíritos, como se vê, são pois, seres semelhantes a nós, formando, ao nosso redor, toda
uma população invisível em seu estado normal; dizemos em seu estado normal, porque, como
veremos, essa invisibilidade não é absoluta.

57. Voltemos à natureza do perispírito, porque ela é essencial para a explicação que vamos dar.
Nós dissemos que, embora fluídica, não deixa de ser uma espécie de matéria, e isso resulta do
fato das aparições tangíveis, sobre as quais voltaremos. Viu-se, sob a influência de certos
médiuns, aparecerem mãos com todas as propriedades de mãos vivas, que têm calor, que se
podem apalpar, que oferecem a resistência de um corpo sólido, que vos agarram e, de repente,
se esvanecem como uma sombra. A ação inteligente dessas mãos que, evidentemente,
obedecem a uma vontade em executando certos movimentos, tocando mesmo melodias em um
instrumento, provam que elas são a parte visível de um ser inteligente invisível. Sua
tangibilidade, sua temperatura, em uma palavra, a impressão que fazem sobre os sentidos, se a
viu deixar marcas sobre a pele, dar golpes dolorosos, ou acariciar delicadamente, provam que
são de matéria qualquer. Sua desaparição instantânea prova, por outro lado, que essa matéria é
eminentemente sutil e se comporta como certas substâncias que podem passar,
alternativamente, do estado sólido para o estado fluídico, e reciprocamente.
Forma do Perispírito,

O perispírito não é uma dessas hipóteses às quais se recorrem na ciência, algumas vezes, para
a explicação de um fato; sua existência não é revelada somente pelos Espíritos, mas um
resultado da observação, como teremos ocasião de demonstrá-lo. Para o momento, e para não
antecipar sobre os fatos que iremos relatar, nos limitaremos a dizer que, seja durante sua união
com o corpo, seja depois de sua separação, a alma jamais está separada de seu perispírito.

55. Disse-se que o Espírito é uma chama, uma chispa; isto se deve entender do Espírito
propriamente dito, como princípio intelectual e moral, e ao qual não se poderia atribuir uma
forma determinada; mas, em qualquer grau que se encontre, está sempre revestido de um
envoltório ou perispírito, cuja matéria se eteriza à medida que ele se purifica e se eleva na
hierarquia; de tal sorte que, para nós, a idéia de forma é inseparável da do Espírito, e que não
concebemos um sem o outro. O perispírito faz, pois, parte integrante do Espírito, como o corpo
faz parte integrante do homem; mas o perispírito sozinho não é o Espírito como apenas o corpo
não é o homem, porque o perispírito não pensa; é para o Espírito o que o corpo é para o
homem; é o agente ou o instrumento de sua ação.
56. A forma do perispírito é a forma humana, e quando nos aparece é, geralmente, aquela sob a
qual conhecemos o Espírito em sua vida. Poder-se-ia crer, em razão disso, que o perispírito,
separado de todas as partes do corpo, se amolda de alguma sorte sobre ele e lhe conserva o
tipo, mas não parece que seja assim. A forma humana, com algumas diferenças aproximadas de
detalhes, e salvo as modificações necessitadas para o meio no qual o ser foi chamado a viver,
se encontra nos habitantes de todos os globos, é, ao menos, o que dizem os Espíritos; é,
igualmente, a forma de todos os Espíritos não encarnados e que não têm senão o perispírito; é
aquela sob a qual, em todos os tempos, se representaram os anjos ou Espíritos puros; de onde
devemos concluir que a forma humana é a forma tipo de todos os seres humanos, qualquer que
seja o grau ao qual pertencem. Mas a matéria sutil do perispírito não tema tenacidade nem a
rigidez da matéria compacta do corpo; se podemos nos exprimir assim, ela é flexível e
expansível; por isso a forma que toma, se bem que calcada sobre a do corpo, não é absoluta;
amolda-se à vontade do Espírito, que pode lhe dar tal ou tal aparência a seu gosto, enquanto o
envoltório sólido lhe oferece uma resistência insuperável. Desembaraçado desse entrave que o
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comprimia, o perispírito se expande ou se contrai, se transforma, em uma palavra, se presta a
todas as metamorfoses, segundo a vontade que age sobre ele. É por conseqüência dessa
propriedade de seu envoltório fluídico que o Espírito, que quer se fazer reconhecer, pode,
quando necessário, tomar a exata aparência que tinha em sua vida, mesmo a de acidentes
corporais que podem ser sinais de reconhecimento.

Os Espíritos, como se vê, são pois, seres semelhantes a nós, formando, ao nosso redor, toda
uma população invisível em seu estado normal; dizemos em seu estado normal, porque, como
veremos, essa invisibilidade não é absoluta.

57. Voltemos à natureza do perispírito, porque ela é essencial para a explicação que vamos dar.
Nós dissemos que, embora fluídica, não deixa de ser uma espécie de matéria, e isso resulta do
fato das aparições tangíveis, sobre as quais voltaremos. Viu-se, sob a influência de certos
médiuns, aparecerem mãos com todas as propriedades de mãos vivas, que têm calor, que se
podem apalpar, que oferecem a resistência de um corpo sólido, que vos agarram e, de repente,
se esvanecem como uma sombra. A ação inteligente dessas mãos que, evidentemente,
obedecem a uma vontade em executando certos movimentos, tocando mesmo melodias em um
instrumento, provam que elas são a parte visível de um ser inteligente invisível. Sua
tangibilidade, sua temperatura, em uma palavra, a impressão que fazem sobre os sentidos, se a
viu deixar marcas sobre a pele, dar golpes dolorosos, ou acariciar delicadamente, provam que
são de matéria qualquer. Sua desaparição instantânea prova, por outro lado, que essa matéria é
eminentemente sutil e se comporta como certas substâncias que podem passar,
alternativamente, do estado sólido para o estado fluídico, e reciprocamente.
O perispírito e as aparições

105. Pela sua natureza e em seu estado normal, o perispírito é invisível, e tem isso de comum
com uma porção de fluidos que sabemos existir, mas que jamais vimos; mas pode também,
como certos fluidos, sofrer modificações que o tornam perceptível à visão, seja por uma espécie
de condensação, seja por uma alteração, seja por uma alteração em sua disposição molecular; é
quando nos aparece sob uma forma vaporosa. A condensação (e não é preciso tomar esta
palavra ao pé da letra, de vez que a empregamos na falta de outra e a título de comparação), a
condensação, dizíamos, pode ser tal que o perispírito adquire as propriedades de um corpo
sólido e tangível; mas pode, instantaneamente, retomar seu estado etéreo e invisível. Podemos
nos inteirar desse efeito pelo do vapor, que pode passar da invisibilidade ao estado brumoso,
depois líquido, depois sólido e vice-versa. Estes diferentes estados do perispírito resultam da
vontade do Espírito, e não de uma causa física exterior como em nosso gás. Quando nos
aparece é porque colocou seu perispírito no estado necessário para torná-lo visível; mas para
isso sua vontade não basta, porque a modificação do perispírito se opera pela sua combinação
com o fluido próprio do médium; ora, esta combinação não é sempre possível, o que explica
porque a visibilidade dos Espíritos não é geral. Assim, não basta que o Espírito queira se
mostrar; não basta, também que uma pessoa queira vê-lo: é necessário que os dois fluidos
possam se combinar, que haja entre eles uma espécie de afinidade; pode ser também que a
emissão de fluido da pessoa seja bastante abundante para operar a transformação do
perispírito, e provavelmente existam ainda outras condições que nos são desconhecidas; é
preciso, enfim, que o Espírito tenha a permissão de se fazer ver a tal pessoa, o que não lhe é
sempre concedido ou não o é senão em certas circunstâncias, por motivos que não podemos
apreciar.
10



106. Uma outra propriedade do perispírito, e que diz respeito à sua natureza etérea, é a
penetrabilidade. Matéria nenhuma lhe é obstáculo: ele as atravessa todas como a luz atravessa
os corpos transparentes. É por isso que não há recinto fechado que se possa opor à entrada dos
Espíritos; vão visitar o prisioneiro em seu cárcere tão facilmente como ao homem que está no
meio dos campos.
O perispírito e as manifestações

109. O perispírito, como se vê, é o princípio de todas as manifestações; seu conhecimento deu a
chave de uma multidão de fenômenos e um passo imenso à ciência espírita, abrindo-lhe um
caminho novo, tirando-lhe todo o caráter maravilhoso. Encontramos, pelos próprios Espíritos,
porque, notai bem, foram eles que nos colocaram no caminho, a explicação da ação dos
Espíritos sobre a matéria, do movimento dos corpos inertes, dos ruídos e das aparições. Aí
encontraremos, ainda, a de vários outros fenômenos que nos restam a examinar, antes de
passarmos ao estudo das comunicações propriamente ditas. Tanto melhor se as compreenderá
quando melhor nos dermos conta das causas primeiras. Se se compreendeu bem esse princípio,
far-se-á por si mesmo sua aplicação aos diversos fatos que poderão se apresentar ao
observador.
O perispírito e as visões

19. A visão dos Espíritos se produz no estado normal ou somente em um estado de êxtase?
Pode ocorrer em condições perfeitamente normais; entretanto, as pessoas que os vêem,
bastante freqüentemente, estão num estado particular, vizinho do êxtase, que lhes dá uma
espécie de dupla vista (O Livro dos Espíritos, no 447.)

20. Aqueles que vêem os Espíritos, os vêem pelos olhos?
Eles o crêem, mas, na realidade, é a alma quem vê, e, o que o prova, é que se pode ver com os
olhos fechados.

21. Como o Espírito pode se tornar visível?
O princípio é o mesmo de todas as manifestações, e prende-se às propriedades do perispírito,
que pode sofrer diversas modificações à vontade do Espírito.

22. O Espírito, propriamente dito, pode se tornar visível ou não o pode senão com a ajuda do
perispírito?
No vosso estado material, os Espíritos não podem se manifestar senão com a ajuda do seu
envoltório semi-material; é o intermediário através do qual age sobre os vossos sentidos. É sob
este envoltório que eles aparecem, às vezes, com uma forma humana, ou outra diversa, seja
nos sonhos, seja mesmo no estado de vigília, tanto na luz como na obscuridade.

23. Poder-se-ia dizer que é pela condensação do perispírito que o Espírito se torna visível?
Condensação não é a palavra; é antes uma comparação que pode ajudar-vos a fazer
compreender o fenômeno, porque não há realmente condensação. Pela combinação dos fluidos,
se produz no perispírito uma disposição particular, que não tem analogia para vós, e que o torna
perceptível.

24. Os Espíritos que aparecem são sempre inapreensíveis e inacessíveis ao tato?
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Inapreensíveis como num sonho, em seu estado normal; entretanto, podem fazer impressões
sobre o tato, e deixar traços de sua presença, e mesmo, em certos casos, tornarem-se
momentaneamente tangíveis, o que prova que entre eles e vós há uma matéria.

113.
a) As visões são sempre reais ou, algumas vezes são o efeito da alucinação? Quando se vê, em
sonho ou de outro modo, o diabo, por exemplo, ou outras coisas fantásticas que não existem,
isso não é um produto da imaginação?
Sim, algumas vezes, quando se está impressionado por certas leituras ou por histórias de
feitiçaria que impressionam, se as recorda pode-se crer ver o que não existe. Mas dissemos
também que o Espírito, sob seu envoltório semi-material, pode tomar todas as espécies de
formas para se manifestar. Um Espírito zombeteiro pode, pois, aparecer com chifres e garras se
isso lhe apraz, para se divertir com a credulidade, como um bom Espírito pode se mostrar com
asas e uma figura radiosa.

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O CÉU E O INFERNO


O perispírito é o envoltório fluídico da alma, da qual não está separado nem antes, nem depois
da morte, e com a qual não faz, por assim dizer, senão um, porque um não se pode conceber
sem o outro. Durante a vida, o fluido perispiritual penetra o corpo, em todas as suas partes, e
serve de veículo às sensações físicas da alma; é também por esse intermédio que a alma atua
sobre o corpo e dirige-lhe os movimentos.

4. – A extinção da vida orgânica provoca a separação da alma e do corpo, pela ruptura do laço
fluídico que os une; mas essa separação jamais é brusca; o fluido perispiritual se separa pouco
a pouco de todos os órgãos, de sorte que a separação não é completa e absoluta senão quando
não reste mais um único átomo do perispírito unido a uma molécula do corpo. A sensação
dolorosa, que a alma sente nesse momento, está em razão da soma dos pontos de contato que
existem entre o corpo e o perispírito, e da maior ou menor dificuldade e lentidão que apresente a
separação. Não é preciso, pois, dissimular-se que, segundo as circunstâncias, a morte pode ser
mais ou menos penosa. São estas diferentes circunstâncias que iremos examinar.
5. – Coloquemos primeiro, como princípio, os quatro casos seguintes, que podem ser
consideradas as situações extremas, entre as quais há uma multidão de nuanças:
1.ª) Se no momento da extinção da vida orgânica o desligamento do perispírito estivesse
completamente operado, a alma não sentiria absolutamente nada;

2.ª) se, nesse momento, a coesão dos dois elementos está com toda sua força, produz-
se uma espécie de dilaceramento que reage dolorosamente sobre a alma;

3.ª) se a coesão é fraca, a separação é fácil e se opera sem abalo;

4.ª) se, depois da cessação completa da vida orgânica, existem ainda numerosos pontos
de contato entre o corpo e o perispírito, a alma poderá sentir os efeitos da decomposição
do corpo, até que o laço esteja inteiramente rompido.

Disso resulta que o sofrimento, que acompanha a morte, está subordinado à força de aderência
que une o corpo e o perispírito; que tudo o que pode ajudar na diminuição dessa força e na
rapidez do desligamento torna a passagem menos penosa; enfim, que se o desligamento se
opera sem nenhuma dificuldade, a alma não sente nenhuma sensação desagradável.

6. – Na passagem da vida corpórea para a vida espiritual, produz-se, ainda, um outro fenômeno
de importância capital: o da perturbação. Nesse momento, a alma sente um entorpecimento que
paralisa, momentaneamente, as suas faculdades e neutraliza, pelo menos em parte, as
sensações; está, por assim dizer, cataleptizada, de sorte que quase nunca testemunha
consciente o último suspiro. Dizemos quase nunca porque há um caso em que pode dele ter
consciência, assim como o veremos daqui a pouco. A perturbação pode, pois, ser considerada
como estado normal no instante da morte; a sua duração é indeterminada; varia de algumashoras a alguns anos. À medida que ela se dissipa, a alma está na situação do homem que sai de
um sono profundo; as idéias estão confusas, vagas e incertas; vê-se como através de um
nevoeiro; pouco a pouco a visão se ilumina, a memória retorna e ela se reconhece. Mas esse
despertar é bem diferente, segundo os indivíduos; nuns é calmo e proporciona uma sensação
deliciosa; noutros, é cheio de terror e ansiedade, e produz o efeito de um horrível pesadelo.
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Propriedade luminosa do Perispírito

"O perispírito possui, por sua natureza, uma propriedade luminosa que se desenvolve sob o
império da atividade e das qualidades da alma. Poder-se-ia dizer que essas qualidades são para

o fluido perispiritual o que a fricção é para o fósforo. O brilho da luz está em razão da pureza do
Espírito; as menores imperfeições morais a obscurecem e a enfraquecem. A luz que irradia de
um Espírito é, assim, tanto mais viva quanto este seja avançado. O Espírito sendo, de alguma
sorte, o seu farol, vê mais ou menos segundo a intensidade da luz que produz; de onde resulta
que aqueles que nada produzem estão na obscuridade."
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GÊNESE


O Perispírito e encarnação dos Espíritos

O fluido perispiritual é, pois, o traço de união entre o Espírito e a matéria. Durante a sua união
com o corpo, é o veículo de seu pensamento, para transmitir o movimento às diferentes partes
do organismo que agem sob o impulso de sua vontade, e para repercutir no Espírito as
sensações produzidas pelos agentes exteriores. Ele tem por fio condutor os nervos, como no
telégrafo o fluido elétrico tem por condutor o fio metálico.

18. – Quando o Espírito deve se encarnar num corpo humano em vias de formação, um laço
fluídico, que não é outra coisa senão uma expansão do seu perispírito, liga-o ao germe para o
qual se acha atraído, por uma força irresistível, desde o momento da concepção. À medida que
o germe se desenvolve, o laço se aperta; sob a influência do princípio vital material do germe, o
perispírito, que possui certas propriedades da matéria, se une, molécula a molécula, com o
corpo que se forma: de onde se pode dizer que o Espírito, por intermédio de seu perispírito,
toma, de alguma sorte, raiz nesse germe, como uma planta na terra. Quando o germe está
inteiramente desenvolvido, a união é completa, e, então, ele nasce para a vida exterior.
Por um efeito contrário, essa união do perispírito e da matéria carnal, que se cumprira sob a
influência do princípio vital do germe, quando esse princípio deixa de agir, em conseqüência da
desorganização do corpo, a união, que era mantida por uma força atuante, cessa quando essa
força deixa de agir; então o perispírito se desliga, molécula a molécula, como estava unido, e o
Espírito se entrega à sua liberdade. Assim, não é a partida do Espírito que causa a morte do
corpo, mas a morte do corpo que causa a partida do Espírito.

Desde o instante que se segue à morte, a integridade do Espírito está inteira; que as suas
faculdades adquirem mesmo uma penetração maior, ao passo que o princípio de vida está
extinto no corpo, é a prova evidente de que o princípio vital e o princípio espiritual são duas
coisas distintas.

Fluidos do perispírito

22. – Na impossibilidade que está o homem de compreender a própria essência da Divindade,
não pode dela fazer senão uma idéia aproximada, com a ajuda de comparações,
necessariamente, muito imperfeitas, mas, que podem, pelo menos, mostrar-lhe a possibilidade
daquilo que, à primeira vista, parece-lhe impossível.
Suponhamos um fluido bastante sutil para penetrar todos os corpos; esse fluido, sendo
ininteligente, age mecanicamente, tão-só pelas forças materiais; mas, se supusermos esse fluido
dotado de inteligência, de faculdades perceptivas e sensitivas, ele agirá, não mais cegamente,
mas, com discernimento, com vontade e liberdade; verá, entenderá e sentirá.

23. – As propriedades do fluido perispiritual podem nos dar uma idéia disso. Ele não é
inteligente, por si mesmo, uma vez que é matéria, mas é o veículo do pensamento, das
sensações e das percepções do Espírito.
O fluido perispiritual, não é o pensamento do Espírito, mas o agente e intermediário desse
pensamento; como é ele que o transmite, dele está, de certa forma, impregnado, e, na

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impossibilidade, que estamos, de isolá-lo, parece não formar senão um com o fluido, do mesmo
modo que o som parece não formar senão um com o ar, de sorte que podemos, por assim dizer,
materializá-lo. Do mesmo modo que dizemos que o ar se torna sonoro, poderíamos, tomando o
efeito pela causa, dizer que o fluido se torna inteligente.

24. – Que ocorra assim, ou não, com o pensamento de Deus, quer dizer, que ele atue
diretamente ou por intermédio de um fluido, para facilidade de nossa inteligência, representemo-
lo sob a forma concreta de um fluido inteligente, preenchendo o Universo infinito, penetrando
todas as partes da criação: a Natureza inteira está mergulhada no fluido divino; ora, em virtude
do princípio de que as partes de um todo são da mesma natureza, e têm as mesmas
propriedades do todo, cada átomo desse fluido, se pode exprimir-se assim, possuindo o
pensamento, quer dizer, os atributos essenciais da Divindade, e esse fluido estando por toda a
parte, tudo está submetido à sua ação inteligente, à sua previdência, à sua solicitude; não há um
ser, por ínfimo que se o suponha, que, dele não esteja de algum modo saturado. Estamos,
assim, constantemente em presença da Divindade; não há uma única das nossas ações, que
possamos subtrair ao seu olhar; o nosso pensamento está em contato com o seu pensamento, e
é com razão que se diz que Deus lê nas mais profundas dobras do nosso coração. Estamos
nele, como ele está em nós, segundo a palavra do Cristo.
Para estender sua solicitude sobre todas as criaturas, Deus não tem, pois, necessidade de
mergulhar seu olhar do alto da imensidade; as nossas preces, para serem ouvidas por ele, não
têm necessidade de cortarem o espaço, nem de serem ditas com voz retumbante, porque,
incessantemente ao nosso lado, os nossos pensamentos repercutem nele. Os nossos
pensamentos são iguais aos sons de um sino, que fazem vibrar todas as moléculas do ar
ambiente.

25. – Longe de nós o pensamento de materializar a Divindade; a imagem de um fluido inteligente
universal não é, evidentemente, senão uma comparação, mais própria para dar uma idéia a mais
justa de Deus, do que os quadros que o representam sob uma figura humana; ela tem por objeto
fazer compreender a possibilidade, para Deus, de estar por toda parte e de se ocupar de tudo.
26. – Temos, incessantemente, sob os olhos, um exemplo que pode nos dar uma idéia do modo
pelo qual a ação de Deus pode se exercer sobre as partes mais íntimas de todos os seres, e,
por conseguinte, como as impressões, as mais sutis, da nossa alma, chegam a ele. Foi tirada de
uma instrução dada por um Espírito a esse respeito.
27. – "O homem é um pequeno mundo cujo diretor é o Espírito, e no qual o princípio dirigido é o
corpo. Nesse universo, o corpo representará uma criação da qual o Espírito seria Deus.
(Compreendeis que não se pode ver aqui senão uma questão de analogia, e não de identidade.)
Os membros desse corpo, os diferentes órgãos que o compõem, seus músculos, seus nervos,
suas articulações, são igualmente individualidades materiais, se se pode dizer assim, localizadas
em um lugar especial do corpo; se bem que o número dessas partes constitutivas, de natureza
tão variadas e tão diferentes, seja considerável, entretanto, ninguém duvida que não possa se
produzir um movimento, que uma impressão qualquer possa ocorrer em um lugar particular, sem
que o Espírito disso tenha consciência. Há sensações diversas em vários lugares simultâneos?
O Espírito as sente todas, discerne-as, analisa-as, assinala, para cada uma, a sua causa e o seu
lugar de ação, por intermédio do fluido perispiritual.
"Um fenômeno análogo ocorre entre a criação e Deus. Deus está por toda a parte na Natureza,
do mesmo modo que o Espírito está por toda a parte no corpo; todos os elementos da criação

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estão em relação constante com ele, do mesmo modo que todas as células do corpo humano
estão em contato imediato com o ser espiritual; não há, pois, nenhuma razão para que
fenômenos da mesma ordem não se produzam da mesma forma, num e noutro caso.

"Um membro se agita: o Espírito o sente; uma criatura pensa: Deus o sabe. Todos os membros
estão em movimento, os diferentes órgãos estão postos em vibração: o Espírito sente cada
manifestação, distingue-as e as localiza. As diferentes criações, as diferentes criaturas se
agitam, pensam, agem diversamente, e Deus sabe tudo o que se passa, assinala a cada um o
que lhe é particular.

"Pode-se disso deduzir, igualmente, a solidariedade da matéria e da inteligência, a solidariedade
de todos os seres, de um mundo, entre si, a de todos os mundos, enfim, a das criações e do
Criador."

(Quinemant, Sociedade de Paris, 1867).

28. – Compreendemos o efeito, já é muito; do efeito remontamos à causa, e julgamos da sua
grandeza pela grandeza do efeito; mas a sua essência íntima nos escapa, igual a da causa de
uma multidão de fenômenos. Conhecemos os efeitos da eletricidade, do calor, da luz, da
gravidade; calculamo-los e, no entanto, ignoramos a natureza íntima do princípio que os
produziu. É, pois, mais racional, negar o princípio divino, porque não o compreendemos?
29. – Nada impede admitir, para o princípio de soberana inteligência, um centro de ação, um
foco principal irradiando, sem cessar, inundando o Universo com seus fluidos, do mesmo modo
que o Sol com a sua luz. Mas onde está esse foco? É o que ninguém pode dizer. É provável que
esteja mais fixado em um ponto determinado do que não esteja a sua ação, e que percorra,
incessantemente, as regiões do espaço sem limites. Se simples Espíritos têm o dom de
ubiqüidade, essa faculdade, em Deus, deve ser sem limites. Deus, preenchendo o Universo,
poder-se-ia, ainda, admitir, a título de hipótese, que esse foco não tem necessidade de se
transportar, e que se forma sobre todos os pontos, onde a soberana vontade julgue a propósito
produzir-se, de onde se poderia dizer que ele está por toda a parte e em parte alguma.
30. – Diante desses problemas insondáveis, a nossa razão deve se humilhar. Deus existe; disso
não poderemos duvidar; é infinitamente justo e bom; é a sua essência; a sua solicitude se
estende a todos: compreende-mo-lo; não pode, pois, querer senão o nosso bem, e é por isso
que devemos ter confiança nele: eis o essencial; quanto ao mais, esperemos que sejamos
dignos de compreendê-lo.
Formação e propriedades do perispírito.

7. – O perispírito, ou corpo fluídico dos Espíritos, é um dos produtos mais importantes do fluido
cósmico; é uma condensação desse fluido ao redor de um foco de inteligência ou alma. Viu-se
que o corpo carnal tem igualmente seu princípio neste mesmo fluido transformado e condensado
em matéria tangível; no perispírito, a transformação molecular se opera diferentemente, porque
o fluido conserva a sua imponderabilidade e as suas qualidades etéreas. O corpo perispiritual e
o corpo carnal têm, pois, a sua fonte no mesmo elemento primitivo; um e o outro, são da
matéria, embora sob dois estados diferentes.
8. – Os Espíritos haurem o seu perispírito no meio onde se encontrem, quer dizer que este
envoltório é formado de fluidos ambientes; disso resulta que os elementos constitutivos do
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perispírito devem variar segundo os mundos. Sendo dado como um mundo muito avançado,
comparativamente à Terra, Júpiter, onde a vida corpórea não tem a materialidade da nossa, os
envoltórios perispirituais devem ser ali de uma natureza infinitamente mais quintessenciada do
que sobre a Terra. Ora, do mesmo modo que nós não poderíamos existir nesse mundo com o
nosso corpo carnal, nossos Espíritos não poderiam ali penetrar com o seu perispírito terrestre.
Deixando a Terra, o Espírito nela deixa o seu envoltório fluídico, e se reveste de um outro
apropriado ao mundo onde deve ir.

9. – A natureza do envoltório fluídico está sempre em relação com o grau de adiantamento moral
do Espírito. Os Espíritos inferiores não podem mudá-lo à sua vontade e, por conseqüência, não
podem, à vontade, se transportar de um mundo para outro. Alguns há cujo envoltório fluídico, se
bem que etéreo e imponderável, com relação à matéria tangível, é ainda muito pesado, se assim
se pode exprimir, com relação ao mundo espiritual, para permitir-lhe sair de seu meio. É
necessário classificar, nesta categoria, aqueles cujo perispírito é bastante grosseiro para que o
confundam com o seu corpo carnal, e que, por esta razão, se crêem sempre vivos. Estes
Espíritos, e o número deles é grande, permanecem na superfície da Terra, como os encarnados,
crendo sempre vagar em suas ocupações; outros, um pouco mais desmaterializados, não são,
entretanto, o bastante para se elevarem acima das regiões terrestres (1).
Os Espíritos superiores, ao contrário, podem vir para os mundos inferiores e mesmo neles se
encarnarem. Eles retiram, nos elementos constitutivos do mundo onde entram, os materiais do
envoltório fluídico, ou carnal, apropriado ao meio onde se encontrem. Fazem como o grande
senhor que deixa as suas belas vestes para se revestir momentaneamente do burel, sem deixar,
por isso, de ser grande senhor.

Assim é que, Espíritos de ordem mais elevada, podem se manifestar aos habitantes da Terra, ou
se encarnar em missão entre eles. Estes Espíritos carregam consigo, não o seu envoltório, mas
a lembrança, por intuição, das regiões de onde vêm, e que vêem pelo pensamento. São videntes
entre cegos.

10. – A camada dos fluidos espirituais que envolvem a Terra pode ser comparada com as
camadas inferiores da atmosfera, mais pesadas, mais compactas, menos puras do que as
camadas superiores. Estes fluidos não são homogêneos, são uma mistura de moléculas de
diversas qualidades, entre as quais se encontram, necessariamente, as moléculas elementares
que lhes formam a base, mas, mais ou menos alteradas. Os efeitos produzidos por estes fluidos
estarão em razão da soma das partes puras que encerram. Tal é, por comparação, o álcool
retificado ou misturado, em diferentes proporções, com água ou outras substâncias: seu peso
específico aumenta com esta mistura, ao mesmo tempo que a sua força e sua inflamabilidade
diminuem, se bem que no todo haja o álcool puro.
Os Espíritos são chamados a viver nesse meio e aí haurem o seu perispírito; mas, segundo o
Espírito seja mais ou menos depurado, ele mesmo, seu perispírito se forma das partes mais
puras, ou as mais grosseiras, do fluido próprio do mundo onde se encarna. O Espírito aí produz,
sempre por comparação e não por assimilação, o efeito de um reativo químico que atrai para si
as moléculas que se assemelham à sua natureza.

Disto resulta este fato capital, que a constituição íntima do perispírito não é idêntica entre todos
os Espíritos, encarnados ou desencarnados, que povoam a Terra ou o espaço circundante. Não
ocorre o mesmo com o corpo carnal, que, como isso foi demonstrado, está formado dos mesmos
elementos, qualquer que seja a superioridade ou a inferioridade do Espírito. Também, entre

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todos, os efeitos produzidos pelo corpo são os mesmos, as necessidades semelhantes, ao
passo que diferem por tudo o que é inerente ao perispírito.

Disso resulta ainda que: o envoltório perispiritual do mesmo Espírito se modifica com o
progresso deste, a cada encarnação, se bem que encarnando num mesmo meio; que os
Espíritos superiores se encarnando, excepcionalmente, em missão num mundo inferior, têm um
perispírito menos grosseiro do que o dos indígenas desse mundo.

11. – O meio está sempre em relação com a natureza dos seres que devem nele viver; os peixes
estão na água; os seres terrestres estão no ar; os seres espirituais estão no fluido espiritual ou
etéreo, mesmo sobre a Terra. O fluido etéreo é para as necessidades do Espírito o que a
atmosfera é para as necessidades dos encarnados. Ora, do mesmo modo que os peixes não
podem viver no ar; que os animais terrestres não podem viver numa atmosfera muito rarefeita
para os seus pulmões, os Espíritos inferiores não podem suportar o brilho e a impressão dos
fluidos mais etéreos. Não morrem com isso, porque o Espírito não morre, mas uma força
instintiva os mantêm deles distantes, como se distancia de um fogo muito ardente ou de uma luz
muito ofuscante. Eis porque eles não podem sair do meio apropriado à sua natureza; para isto
mudar, é preciso que mudem primeiro a sua natureza; que se despojem dos instintos materiais
que os retêm nos meios materiais; em uma palavra, que se depurem e se transformem
moralmente; então, gradualmente, eles se identificam com um meio mais depurado, que se torna
para eles uma falta, uma necessidade, como os olhos daquele que, por muito tempo, viveu nas
trevas se habituam insensivelmente à luz do dia e ao brilho do Sol.
12. – Assim, tudo se liga, tudo se encadeia no Universo; tudo está submetido à grande e
harmoniosa lei da unidade, desde a materialidade mais compacta até a espiritualidade mais
pura. A Terra é como um vaso de onde escapa uma fumaça espessa, que se clareia à medida
que se eleva, e cujas partes rarefeitas se perdem no espaço infinito.
A força divina brilha em todas as partes deste conjunto grandioso, e se quereria que, para
melhor atestar o seu poder, Deus, não contente com aquilo que fez, viesse perturbar essa
harmonia! Que se abaixe ao papel de mágico, por pueris efeitos dignos de um prestigitador! E se
ousa, para crescer, dar-lhe por rival, em habilidade, o próprio Satanás! Nunca, em verdade, se
rebaixou mais a majestade divina, e se espanta com o progresso da incredulidade!

Tendes razão em dizer: A fé se vai", mas é a fé em tudo o que choca o bom senso e a razão que
se vai; a fé semelhante àquela que fez dizer outrora:" Os deuses se vão!" Mas a fé nas coisas
sérias, a fé em Deus e na imortalidade está sempre viva no coração do homem, e se ela foi
abafada sob as pueris histórias com as quais a sobrecarregaram, ela se revela mais forte desde
que esteja liberta, como a planta comprimida se eleva desde que receba o Sol!

Sim, tudo é milagre na Natureza, por que tudo é admirável e testemunha da sabedoria divina.
Estes milagres são para todo o mundo, para todos aqueles que têm olhos para ver e ouvidos
para ouvir, e não em proveito de alguns. Não! Não há milagres no sentido que se liga a este
nome, porque tudo ressalta das leis eternas da criação e essas leis são perfeitas.

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OBRAS PÓSTUMAS


O perispírito e as enfermidades

10. Na encarnação, o Espírito conserva o seu perispírito: o corpo não é para ele senão um
segundo envoltório mais grosseiro, mais resistente, apropriado às funções que deve cumprir, e
do qual ele se despoja na morte.
O perispírito é o intermediário entre o Espírito e o corpo; é o órgão de transmissão de todas as
sensações. Para aquelas que vêm do exterior, pode-se dizer que o corpo recebe a impressão; o
perispírito a transmite, e o Espírito, o ser sensível e inteligente, a recebe; quando o ato parte da
iniciativa do Espírito, pode-se dizer que o Espírito quer, que o perispírito transmite, e o corpo
executa.

11. O perispírito, de nenhum modo, está encerrado nos limites do corpo, como numa caixa; pela
sua natureza fluídica, ele é expansível; irradia ao redor e forma, em torno do corpo, uma
atmosfera que o pensamento e a força de vontade podem estender mais ou menos; de onde se
segue que as pessoas que, de nenhum modo, não estão em contato corporal, podem estar pelo
seu perispírito e se transmitir impressões, com o seu desconhecimento, alguma vezes mesmo a
intuição de seus pensamentos.
12. Sendo o perispírito um dos elementos constitutivos do homem, desempenha um papel
importante em todos os fenômenos psicológicos e, até um certo ponto, nos fenômenos
fisiológicos e patológicos. Quando as ciências médicas tiverem em conta a influência do
elemento espiritual na economia, terão dado um grande passo, e horizontes inteiramente novos
se abrirão diante delas; muitas causas de enfermidades serão então explicadas e poderosos
meios de combatê-las serão encontrados.
13. É por meio do perispírito que os Espíritos agem sobre a matéria inerte e produzem os
diferentes fenômenos das manifestações. A sua natureza etérea não poderia ser um obstáculo,
uma vez que se sabe que os mais poderosos motores se encontram nos fluidos mais rarefeitos e
fluidos imponderáveis. Não há, pois, de nenhum modo, lugar para se espantar de ver, com a
ajuda dessa alavanca, os Espíritos produzirem certos efeitos físicos, tais como pancadas e
ruídos de todas as espécies, levantamento de objetos, transportados ou projetados no espaço.
Não há nenhuma necessidade, para disso se dar conta, de recorrer ao maravilhoso ou aos
efeitos sobrenaturais.
14. Os Espíritos, agindo sobre a matéria, podem se manifestar de várias maneiras diferentes:
por efeitos físicos, tais como os ruídos e o movimento de objetos; pela transmissão do
pensamento, pela visão, o ouvido, a palavra, o toque, a escrita, o desenho, a música, etc., em
uma palavra, por todos os meios que podem servir para colocá-los em relação com os homens.
Expansão dos fluidos do perispírito

Estaríamos agradecidos àqueles dos nossos correspondentes que quisessem fazer disso um
objeto de estudo especial, seja pessoalmente, seja por intermédio dos Espíritos, de nos
comunicar o resultado de suas pesquisas, bem entendido, no interesse da difusão da verdade.

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Percorrendo rapidamente os anais anteriores da Revista, e aproximando os fatos assinalados e
as teorias emitidas para explicá-los, deles chegamos a concluir que conviria talvez dividir os
fenômenos em duas categorias bem distintas, o que permitiria aplicar-lhes explicações
diferentes e demonstrar que as impossibilidades que se opõem à sua aceitação pura e simples,
são antes aparentes do que reais. (Ver, para esse efeito, os artigos da Revista Espírita de
janeiro de 1859, O duende de Bayonne; fevereiro de 1859, os Agêneres, Meu amigo Hermann;
maio de 1859, o Laço entre o Espírito e o corpo; novembro de 1859, a alma errante; janeiro de
1860, o Espírito de um lado e o corpo do outro; março de 1860, Estudo sobre o Espírito das
pessoas vivas; O Doutor V... e a Srta. S...; abril de 1860, o Fabricante de São-Petersburgo;
Aparições tangíveis; novembro de 1860, História de Marie d'Agréda; julho de 1864, Uma
aparição providencial, etc., etc.)

A faculdade de expansão dos fluidos perispirituais está hoje superabundantemente demonstrada
pelas operações cirúrgicas, as mais dolorosas, realizadas sobre enfermos adormecidos, seja
pelo clorofórmio e o éter, seja pelo magnetismo animal. Não é raro, com efeito, ver estes últimos
conversando com os assistentes sobre coisas agradáveis ou alegres, ou se transportando ao
longe em Espírito, enquanto que o corpo se retorce com todas as aparências de horríveis
torturas; a máquina humana, imobilizada no todo ou em parte, se dilacera sob o escalpelo brutal
do cirurgião, os músculos se agitam, os nervos se crispam e transmitem a sensação ao aparelho
cérebro-espinhal; mas a alma, que no estado normal percebe só a dor e a manifesta
exteriormente, momentaneamente afastada do corpo submetido à impressão, dominada por
outros pensamentos, por outras ações, não é senão surdamente advertida do que se passa no
seu envoltório mortal e nele permanece perfeitamente insensível. Quantas vezes não se viram
soldados feridos gravemente, todo ao ardor do combate, perdendo seu sangue e sua força, lutar
por muito tempo ainda, não se apercebendo de suas feridas? Um homem, fortemente
preocupado, recebe um choque violento sem nada sentir-lhe, e não é senão quando cessa a
abstração de sua inteligência que ele reconhece haver estado chocado à sensação dolorosa que
prova. A quem não ocorreu, numa poderosa contenção do Espírito, de atravessar uma multidão
tumultuosa e barulhenta, sem nada ver e sem nada ouvir, se bem que, entretanto, o nervo óptico
e o aparelho auditivo tivessem percebido as sensações e as tivesse transmitido fielmente à
alma?

Disso não se pode duvidar, pelos exemplos que precedem e por uma multidão de fatos que seria
muito longo relacionar aqui, mas que cada um está no caso de apreciar, o corpo pode, de uma
parte, cumprir as suas funções orgânicas, ao passo que o Espírito é levado ao longe pelas
preocupações de uma outra ordem. O perispírito, indefinidamente expansível, conservando ao
corpo a elasticidade e a atividade necessárias à sua existência, acompanha constantemente o
Espírito durante a sua viagem distante no mundo ideal.

Perispírito, princípio das manifestações.

9. Os Espíritos, como foi dito, têm um corpo fluídico ao qual se dá o nome de perispírito. A sua
substância é haurida no fluido universal, ou cósmico, que o forma e o alimenta, como o ar forma
e alimenta o corpo material do homem. O perispírito é mais ou menos etéreo segundo os
mundos e segundo o grau de depuração do Espírito. Nos mundos dos Espíritos inferiores, a sua
natureza é mais grosseira e mais se aproxima da matéria bruta.
10. Na encarnação, o Espírito conserva o seu perispírito: o corpo não é para ele senão um
segundo envoltório mais grosseiro, mais resistente, apropriado às funções que deve cumprir, e
do qual ele se despoja na morte.
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O perispírito é o intermediário entre o Espírito e o corpo; é o órgão de transmissão de todas as
sensações. Para aquelas que vêm do exterior, pode-se dizer que o corpo recebe a impressão; o
perispírito a transmite, e o Espírito, o ser sensível e inteligente, a recebe; quando o ato parte da
iniciativa do Espírito, pode-se dizer que o Espírito quer, que o perispírito transmite, e o corpo
executa.

11. O perispírito, de nenhum modo, está encerrado nos limites do corpo, como numa caixa; pela
sua natureza fluídica, ele é expansível; irradia ao redor e forma, em torno do corpo, uma
atmosfera que o pensamento e a força de vontade podem estender mais ou menos; de onde se
segue que as pessoas que, de nenhum modo, não estão em contato corporal, podem estar pelo
seu perispírito e se transmitir impressões, com o seu desconhecimento, alguma vezes mesmo a
intuição de seus pensamentos.
12. Sendo o perispírito um dos elementos constitutivos do homem, desempenha um papel
importante em todos os fenômenos psicológicos e, até um certo ponto, nos fenômenos
fisiológicos e patológicos. Quando as ciências médicas tiverem em conta a influência do
elemento espiritual na economia, terão dado um grande passo, e horizontes inteiramente novos
se abrirão diante delas; muitas causas de enfermidades serão então explicadas e poderosos
meios de combatê-las serão encontrados.
13. É por meio do perispírito que os Espíritos agem sobre a matéria inerte e produzem os
diferentes fenômenos das manifestações. A sua natureza etérea não poderia ser um obstáculo,
uma vez que se sabe que os mais poderosos motores se encontram nos fluidos mais rarefeitos e
fluidos imponderáveis. Não há, pois, de nenhum modo, lugar para se espantar de ver, com a
ajuda dessa alavanca, os Espíritos produzirem certos efeitos físicos, tais como pancadas e
ruídos de todas as espécies, levantamento de objetos, transportados ou projetados no espaço.
Não há nenhuma necessidade, para disso se dar conta, de recorrer ao maravilhoso ou aos
efeitos sobrenaturais.
14. Os Espíritos, agindo sobre a matéria, podem se manifestar de várias maneiras diferentes:
por efeitos físicos, tais como os ruídos e o movimento de objetos; pela transmissão do
pensamento, pela visão, o ouvido, a palavra, o toque, a escrita, o desenho, a música, etc., em
uma palavra, por todos os meios que podem servir para colocá-los em relação com os homens.
15. As manifestações dos Espíritos podem ser espontâneas ou provocadas. As primeiras
ocorrem inopinadamente e de improviso; elas se produzem, freqüentemente, nas pessoas mais
estranhas às idéias espíritas. Em certos casos, e sob o império de certas circunstâncias, as
manifestações podem ser provocadas pela vontade, sob a influência de pessoas dotadas, para
esse efeito, de faculdades especiais.
As manifestações espontâneas ocorreram em todas as épocas e em todos os países; o meio de
provocá-las, certamente, era também conhecido na antigüidade, mas era o privilégio de certas
castas que não o revelavam senão a raros iniciados, sob condições rigorosas, e escondendo-o
ao vulgo, a fim de dominá-lo pelo prestígio de uma força oculta. Não obstante, perpetuou-se
através das idades até os nossos dias, em alguns indivíduos, mas quase sempre desfiguradas
pela superstição ou misturada às práticas ridículas da magia, o que havia contribuído para
desacreditá-la. Isso não fora, até então, senão germes lançados aqui e ali; a Providência
reservara à nossa época o conhecimento completo e a vulgarização desses fenômenos, para
livrá-los de suas más ligas e fazê-los servirem para a melhoria da Humanidade, hoje madura
para compreendê-los e deles tirar as conseqüências.

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Penetrabilidade do perispírito

Uma outra propriedade do perispírito e que se prende à sua natureza etérea, é a
penetrabilidade. Nenhuma matéria lhe é obstáculo; ele as atravessa todas, como a luz atravessa
os corpos transparentes. É por isso que não há clausura que possa se opor à entrada dos
Espíritos; eles vão visitar o prisioneiro em seu cárcere tão facilmente quanto o homem que está
no meio dos campos.

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NOTAS:

[1] - Segundo os Espíritos, de todos os globos que compõem o nosso sistema planetário, a Terra é um daqueles
onde os Espíritos são os menos avançados, física e moralmente. Marte seria ainda inferior e Júpiter, o mais
superior em relação a todos. O Sol não seria um mundo habitado por seres corporais, mas um local de reunião dos
Espíritos superiores que, de lá, irradiam seus pensamentos para outros mundos, que dirigem por intermédio dos
Espíritos menos elevados, transmitindo-os a estes, por intermédio do fluido universal. Como constituição física, o
Sol seria um foco de eletricidade. Todos os sóis parecem estar numa posição idêntica.
O volume e a distância que estão do Sol não têm nenhuma relação necessária com o grau de adiantamento dos
mundos, pois parece que Vênus é mais adiantado que a Terra, e Saturno menos adiantado que Júpiter.

Vários Espíritos que animaram pessoas conhecidas sobre a Terra, disseram estar encarnados em Júpiter, um dos
mundos mais próximos da perfeição, e ficaram admirados de ver, nesse globo tão adiantado, homens que, na
opinião do nosso mundo, não eram tão elevados. Isso não deve causar admiração, se considerarmos quer certos
Espíritos que habitam aquele planeta podiam ter sido enviados à Terra para cumprir uma missão, que, aos nossos
olhos, não os colocava em primeiro plano; em segundo lugar que, entre a existência que viveram na Terra e a que
vivem em Júpiter, devem ter tido outras intermediárias, nas quais se melhoraram; em terceiro lugar, que nesse
mundo, como no nosso, existem diferentes graus de adiantamento e que, entre esses graus, pode haver a mesma
distância que separa, entre nós, o selvagem do homem civilizado. Assim, do fato de habitarem Júpiter não se segue
que estão ao nível dos seres mais avançados, da mesma forma que não se está ao mesmo nível de um sábio do
Instituto, só porque se habita em Paris.

As condições de longevidade não são, também, em toda a parte as mesmas de sobre a Terra e a idade não se
pode comparar. Uma pessoa desencarnada havia alguns anos, sendo evocada, disse estar encarnada há seis
meses num mundo cujo nome nos é desconhecido. Interrogada sobre a idade que tinha esse mundo, respondeu:

"Não posso avaliá-la porque não contamos o tempo como vós; depois o nosso modo de vida não é o mesmo,
desenvolvemo-nos com muito maior rapidez; embora não faça mais que seis dos vossos meses que lá estou,
quanto à inteligência, posso dizer que tenho trinta anos de idade que tive sobre a Terra."

Muitas respostas análogas nos foram dadas por outros Espíritos e isso nada tem de inacreditável. Não vemos
sobre a Terra um grande número de animais adquirir, em poucos meses, o seu desenvolvimento normal? Por que
não poderia ocorrer a mesma coisa com o homem de outras esferas? Notemos, por outro lado, que o
desenvolvimento alcançado pelo homem na Terra, na idade de trinta anos, pode ser uma espécie de infância
comparado àquele que deve alcançar. Bem curto de vista se revela quem nos toma em tudo por protótipos da
Criação, e é rebaixar a Divindade acreditar-se que, fora o homem, nada mais seja possível a Deus.

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XVIII CONGRESSO ESPÍRITA PAN-AMERICANO
11 a 15 de outubro de 2000
Porto Alegre – RS


Obsessão:
proposta de um
projeto de pesquisa
integrado

MAURO DE MESQUITA SPINOLA
ALVARO DE MESQUITA SPINOLA


Centro de Estudos Espíritas José Herculano Pires (São Paulo-SP, Brasil)
Centro de Pesquisa e Documentação Espírita (Santos-SP, Brazil)


mauro@spinola.eng.br, alvaro.spinola@incor.usp.br


1


Resumo

Atividades diversas voltadas para o tratamento da obsessão são realizadas em boa parte dos
grupos espíritas brasileiros. Baseiam-se, em boa medida, em práticas desenvolvidas a partir
da experiência dos dirigentes e médiuns dedicados a essa tarefa. Este artigo apresenta as
bases e diretrizes de uma linha de trabalho e pesquisa com o objetivo de conceituar a obsessão
e desenvolver uma metodologia para seu diagnóstico e tratamento. Apresenta as etapas
a serem realizadas para estabelecer um projeto de pesquisa com esses objetivos. As atividades
principais do projeto são: (1) levantamento do estado da arte (conceitos e práticas já desenvolvidos),
(2) conceituação de obsessão (considerando o estado da arte e em contribuições
recentes de disciplinas científicas correlatas, (3) desenvolvimento de uma metodologia
para diagnóstico e tratamento da obsessão, (4) definição dos requisitos (necessidades) mínimos
para um trabalho voltado para o diagnóstico e o tratamento da obsessão, (5) publicação
e divulgação dos resultados e (6) criação de mecanismos de intercâmbio entre diversas
pessoas e grupos estudiosos do assunto. O artigo apresenta o detalhamento desta proposta
de trabalho, visando servir como base para amplo levantamento e conseqüente discussão do
tema entre os vários grupos e pesquisadores interessados.

Palavras-chave: obsessão espírita, centro espírita

1 Introdução

Kardec definiu a obsessão como sendo a influência maléfica de um espírito sobre uma pessoa,
podendo acarretar como conseqüência diversos males emocionais, físicos e comporta-
mentais. [3] Ele realizou um trabalho profundo para compreensão e tratamento da obsessão.
Seus estudos e conclusões estão apresentados sobretudo em O livro dos espíritos [2], O livro
dos médiuns [3], A gênese [1] e na Revista espírita [4]. Sua principal contribuição está em identificar
as características da obsessão, suas diversas formas de manifestação e os princípios
básicos de seu tratamento. A base estabelecida por seus estudos permanece como a mais
sólida contribuição sobre o tema.

Outros autores, alguns deles espíritos desencarnados, deram também contribuições importantes
e algumas delas têm exercido grande influência na condução dos trabalhos dos grupos
que se dedicam ao tratamento da obsessão. No entanto, a maioria dessas contribuições não
respeita critérios metodológicos que permitam sua mais segura aplicação.

Ao lado da clara carência de produção pós-Kardec, observa-se, neste mesmo período, um
vigoroso desenvolvimento de diversas disciplinas científicas — em especial nas áreas da Psicologia
e da Medicina — que buscam, por caminhos diferentes, contribuir para o entendimento
do homem, sua natureza e seus problemas.

É absolutamente necessário identificar, com maior clareza, a contribuição do espiritismo e
de cada uma dessas áreas no entendimento, diferenciação e tratamento da obsessão. E buscar
soluções com base em uma abordagem multidisciplinar.

Durante o XVII Congresso da CEPA realizado em Buenos Aires, em 1996, o Comitê Científico
da CEPA discutiu entre outros temas a necessidade de se realizar um projeto de pesquisa
integrado sobre obsessão. Esta proposta do CPDoc vem de encontro a esta preocupação do
Comitê Científico e o fórum de temas deste Congresso abriu espaço para se iniciar este trabalho
em conjunto com todas pessoas e grupos interessados.

Este artigo apresenta as bases e diretrizes de uma linha de trabalho e pesquisa com o objetivo
de conceituar a obsessão e desenvolver uma metodologia para seu diagnóstico e tratamento.
Além deste trabalho, que apresenta os objetivos, o método de trabalho e as principais ações
propostas, três outros correlatos e complementares, integrantes da mesma linha de pesquisa
da CPDoc, estão sendo desenvolvidos. São eles:

2


.
Obsessão: método para um levantamento bibliográfico, por Marissol Castello Branco e
Mauro de Mesquita Spínola, que visa resgatar do ponto de vista da literatura a contribuição
de Kardec e a de outros autores, entre eles espíritos desencarnados,

.
Obsessão: roteiro para estudo de caso, por Rosângela Gomes de Souza e Marina França,
que propõe um método e um questionário básico para apoio ao levantamento de estudos
de casos, uma atividade chave nesta pesquisa, e

.
Grupos espíritas de pesquisa mediúnica, por Egydio Régis e Sandra Régis, apresentar uma
estrutura e uma metodologia para grupos de pesquisa mediúnica através de entrevistas e
debates com Espíritos.

2 Objetivo (O que?)

Vários estudos e ações isolados têm sido realizados com o objetivo de compreender e tratar a
obsessão. Este projeto visa integrar esforços nesta direção, e permitir a obtenção de resultados
sólidos e confiáveis, que possam ser publicados e utilizados pelos interessados.

Uma pesquisa sobre o conceito, o diagnóstico e o tratamento da obsessão constitui-se, por um
lado, num esforço para realizar uma parte do compromisso histórico de atualização da contribuição
do espiritismo para a compreensão e a solução de diversas dores, angústias e incertezas
que afetam o homem moderno. Por outro lado, é também um grande desafio a sua realização,
que envolve levantamento de informações, fomento do debate, crítica e síntese de
resultados obtidos junto aos diversos grupos e estudiosos que decidirem dela participar.

2.1 Objetivo geral
O objetivo geral do projeto é conceituar obsessão e desenvolver uma metodologia para seu
diagnóstico e tratamento.

2.2 Objetivos específicos
Os objetivos específicos são os seguintes:
.
levantamento do estado da arte,
.
conceituação de obsessão,
.
desenvolvimento de uma metodologia para diagnóstico e tratamento da obsessão,
.
definição dos requisitos (necessidades) mínimos para um trabalho de diagnóstico e tra


tamento,
.
publicação e divulgação dos resultados e
.
criação de mecanismos de intercâmbio entre diversas pessoas e grupos estudiosos do as


sunto.

2.2.1 Estado da arte
A base e o ponto de partida da pesquisa é o levantamento crítico do "estado da arte" sobre
obsessão, ou seja, dos conceitos e práticas já desenvolvidos, nos seguintes aspectos:
.
conceituação (o que é obsessão, quais são as suas características — objetivas e subjetivas
—, as suas causas e os seus tipos?),
.
diagnóstico (quais são os métodos, técnicas e atividades desenvolvidos e utilizados para
diagnosticar a obsessão? quais são os resultados de sua aplicação?),
.
tratamento (quais são os métodos, técnicas e atividades desenvolvidos e utilizados para
tratar a obsessão? quais são os resultados de sua aplicação?).
Esse levantamento envolve as seguintes atividades integradas:

3


.
pesquisa bibliográfica sobre o tema, envolvendo levantamento e análise das pesquisas de
Allan Kardec, outros autores espíritas estudiosos do assunto e autores não espíritas cujos
trabalhos possam contribuir para a melhor compreensão do fenômeno obsessão,

.
levantamento de estudos de casos controlados e registrados e
.
catalogação, classificação, análise crítica, comparação e síntese dessas contribuições.


2.2.2 Conceito de obsessão
O que é a obsessão? Quais são as suas características gerais? Uma etapa da pesquisa envolve
conceituar e caracterizar a obsessão, com base na análise do levantamento do estado da arte,
tanto quanto, na medida do possível, nas contribuições recentes de disciplinas correlatas tais
como a Psiquiatria, a Neurologia e a Psicologia.

2.2.3 Metodologia
O tratamento espírita da obsessão requer uma metodologia. Uma etapa importante do projeto
é o desenvolvimento de uma metodologia para diagnóstico e tratamento da obsessão. Esta
metodologia será proposta com base nos estudos de casos e no estado da arte levantados, e
será avaliada/aperfeiçoada pelos grupos e pessoas participantes do projeto.


Em relação a diagnóstico, a metodologia envolve:
.
métodos, técnicas e atividades para identificação e classificação da obsessão,
.
identificação dos fatores que diferenciam a obsessão de outros fenômenos humanos, físi


cos e/ou psíquicos,
.
identificação dos fatores que diferenciam os diversos tipos de obsessão entre si.
.
documentação e registros necessários.
Em relação a tratamento a metodologia envolve:\
.
recursos e infra-estrutura necessários,
.
perfil e preparação dos recursos humanos envolvidos,
.
métodos, técnicas e atividades relacionados ao atendimento e acompanhamento das pes


soas em tratamento,
.
métodos, técnicas e atividades relacionados à utilização da mediunidade no processo de
tratamento.
.
documentação e registros necessários.

2.2.4 Requisitos
A metodologia a ser desenvolvida, citada no item anterior, não poderá ser aplicada a todos os
casos. A obsessão abrange uma gama variada de fenômenos, exigindo cada caso um trabalho
adequado e contextualizado. Há diferenças também entre os perfis dos pacientes, tanto quanto
há entre as características dos grupos. O tratamento da obsessão, necessita, conseqüentemente,
respeitar e adequar-se a essas diferenças.

Uma etapa de maior amadurecimento do trabalho de pesquisa permitirá identificar um processo
mais geral para diagnóstico e tratamento da obsessão, envolvendo:
.
Requisitos (necessidades) mínimos e gerais para um trabalho voltado para o diagnóstico e

o tratamento da obsessão. Esses requisitos devem ser aplicáveis a contextos, necessidades
e objetivos diferenciados.
.
Regras e diretrizes para adaptação desses requisitos aos diferentes contextos, que servirão
de base para elaboração e aplicação de diferenciadas metodologias de trabalho.

4


2.2.5 Divulgação
Os resultados de cada etapa da pesquisa serão divulgados e publicados, de acordo com planejamento
proposto pelo CPDoc e discutido com os grupos e pessoas envolvidos.

2.2.6 Intercâmbio
Um dos objetivos da pesquisa é o de criar mecanismos de intercâmbio entre diversas pessoas
e grupos estudiosos do assunto, que permitam:
.
levantar informações e casos de estudos,
.
buscar consenso sobre os conceitos e métodos propostos,
.
aplicar a metodologia e os requisitos propostos, adaptando-os a diferentes contextos,
.
analisar e avaliar os trabalhos e resultados obtidos,


.
discutir o encaminhamento da própria pesquisa.
O intercâmbio será realizado por meio de troca de correspondência e através de eventos especialmente
programados. Esses eventos reunirão periodicamente pessoas e representantes
dos grupos participantes para consolidação de informações e encaminhamento das novas
etapas do trabalho. O uso extensivo da internet deve se constituir em uma chave para obter
maior agilidade na troca de informações.


3 Participantes e colaboradores (Quem e onde?)

Estão convidados a participar todos os interessados. Os seguintes grupos e pessoas assumem,
desde o início do trabalho, algumas responsabilidades:
.
CPDoc (no Brasil), em colaboração com o Comitê Científico da CEPA e outros grupos
coordenadores nacionais:

(1) coordenação das atividades e da elaboração do trabalho,
(2) integração com outros núcleos coordenadores que estejam desenvolvendo pesquisas
correlatas, no Brasil e no exterior,
(3) cadastramento de grupos e pessoas participantes,
(4) manutenção de um banco de dados com informações, propostas e estudos de casos,
(5) intercâmbio entre os grupos e pessoas participantes.
.
Grupo participante (qualquer grupo espírita que deseje participar e contribuir com a
pesquisa):

(1) apresentação de dados e/ou propostas,
(2) análise de dados e avaliação de propostas apresentadas,
(3) aplicação e avaliação crítica de métodos, técnicas e atividades propostas.
.
Pesquisador participante (qualquer pessoa, espírita ou não, que deseje participar e contribuir
com a pesquisa):

(1) apresentação de dados e/ou propostas,
(2) análise de dados e avaliação de propostas apresentadas.
4 Método de trabalho (Como? - 1)

O método consiste em análise de dados coletados de forma ampla a partir de diversas fontes.
A pesquisa envolve 5 etapas, apresentadas na Figura. Em cada uma das 5 etapas o processo

se repete:
.
Estabelece-se um objetivo específico e claro.
.
São distribuídas e realizadas tarefas dentro de padrões pré-determinados.

5


.
Os dados são coletados e feita análise e fechamento das informações num texto com
proposta de trabalho.
.
As conclusões analisadas pelos grupos são levadas e debatidas em um evento final.

Da terceira etapa em diante são feitas publicações seqüenciais e complementares.
Em cada etapa os papéis são bem definidos, porém os grupos participantes podem contribuir
com as várias atividades envolvidas: estudar, pesquisar, testar e analisar as propostas. Eles
podem também participar da elaboração junto com a coordenação.


5 Publicações e divulgação (Como? - 2)

A pesquisa proposta deve gerar as seguintes publicações principais.

5.1 Livros ou apostilas
Ao final de cada etapa será gerada uma publicação na forma de livro ou apostila, com conceitos
e práticas consolidados na pesquisa.
.
O que é a obsessão?
.
Como tratar a obsessão? Uma método espírita para diagnóstico e tratamento.
.
Obsessão: um modelo para estruturação das atividades de diagnóstico e tratamento


5.2 Página na internet
Durante todo o desenvolvimento da pesquisa, um site na internet, controlado pelo CPDoc e
acessível aos membros do CPDoc e aos participantes, reunirá todo o material que já tenha
sido desenvolvido, incluindo:

(1) material para a análise crítica dos participantes (textos analíticos, entrevistas com estudiosos
encarnados e desencarnados, formulários e questões propostas, respostas a questões e
informações fornecidas pelos grupos),
(2) resultados consolidados, gráficos, quadros sinóticos e estatísticas,
(3) material de orientação (procedimentos de trabalho) para a aplicação da metodologia
proposta,
(4) material preparatório e relatórios dos seminários de consolidação.
As trocas de informações serão feitas, de preferência, por e-mail. Fax e correio podem ser
usados em casos em que o uso de e-mail não for possível ou adequado.
6 Cronograma (Quando?)

A Tabela "Cronograma" detalha as etapas, as atividades que compõem cada uma delas, os
eventos que envolvem, e os produtos que devem gerar.

7 Conclusão

Esta proposta é apenas o início da estruturação de um ambicioso trabalho de pesquisa. Realizá-
lo significa envolver indivíduos e grupos comprometidos com ela, motivados pela importância
cada vez maior que a obsessão possui para a humanidade e pelo potencial do espiritismo
para contribuir com seu entendimento e tratamento.

Este texto deve ser entendido como uma proposta passível de revisão e aperfeiçoamento, e
um convite à participação.

6


Referências bibliográficas

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Bibliografia complementar recomendada

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v.
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GARCIA, Wilson. O centro espírita. 2a ed. São Paulo, USE Editora, set 1990.

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—. Obras póstumas. Trad. Sylvia Mele Pereira da Silva, intr. e anot. J. Herculano Pires. 2a ed.
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7


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8


CRONOGRAMA
ETAPA
SEMESTRE
1 2 3 4 5 6 7 8 9
Etapa 1: Proposta de trabalho
(1) estabelecimento de infra-estrutura no CPDoc (responsabilidades, site na internet)
(2) elaboração de uma proposta geral de trabalho a ser apresentada aos participantes da pesquisa
(3) formação de grupos de pesquisa*
(4) preparação dos centros para participar da pesquisa*
Evento 1: Encontro inicial dos participantes: discussão e consolidação da proposta de trabalho.
X X
Etapa 2: Estado da arte
(1) pesquisa bibliográfica sobre obsessão*
(2) elaboração da metodologia para levantamento de estudos de casos
(3) levantamento de estudos de casos* e divulgação entre os participantes da pesquisa (internet, correio
etc.)
(4) entrevistas com estudiosos de obsessão
(5) elaboração do texto "Estado da arte" (preliminar) e divulgação entre os participantes da pesquisa
(6) análise crítica do texto "Estado da arte" (preliminar) pelos participantes da pesquisa*
Evento 2: Encontro dos participantes: discussão e consolidação das conclusões sobre o estado da arte.
X X
Etapa 3: Conceituação (o que é obsessão)
(1) pesquisa bibliográfica sobre obsessão e disciplinas correlatas (Psiquiatria, Neurologia, Psicologia ...)*
(2) entrevistas com estudiosos de obsessão e de disciplinas correlatas
(3) elaboração do texto "O que é obsessão" (preliminar) e divulgação entre os participantes da pesquisa
(4) análise crítica do texto "O que é obsessão" (preliminar) pelos participantes da pesquisa*
Evento 3: Encontro dos participantes: discussão e consolidação da conceituação.
XX
Publicação 1: O que é obsessão? X

9



CRONOGRAMA (cont.)
Etapa 4: Método para diagnóstico e tratamento da obsessão
(1) pesquisa bibliográfica sobre obsessão e disciplinas correlatas (Psiquiatria, Neurologia e Psicologia)
(2) entrevistas com estudiosos de obsessão e de disciplinas correlatas
(3) elaboração do texto "Método ..." (fase teórica) e divulgação entre os participantes da pesquisa
(4) análise crítica do texto "Método" (fase teórica) pelos participantes da pesquisa*
Evento 4: Encontro dos participantes: discussão e análise de viabilidade da proposta de método para diagnóstico
e tratamento da obsessão (fase teórica).
(5) aplicação do método pelos participantes e registro dos casos*; divulgação dos casos
(5) elaboração do texto "Método ..." (fase experimental) e divulgação entre os participantes da pesquisa
(6) análise crítica do texto "Método ..." (fase experimental) pelos participantes da pesquisa*
Evento 5: Encontro dos participantes: discussão e consolidação do método para diagnóstico e tratamento da
obsessão (fase experimental).
X X
Publicação 2: Como tratar a obsessão? Um método espírita para diagnóstico e tratamento. X
Etapa 4: Método para diagnóstico e tratamento da obsessão
(1) pesquisa bibliográfica sobre obsessão e disciplinas correlatas (Psiquiatria, Neurologia e Psicologia)
(2) entrevistas com estudiosos de obsessão e de disciplinas correlatas
(3) elaboração do texto "Método ..." (fase teórica) e divulgação entre os participantes da pesquisa
(4) análise crítica do texto "Método" (fase teórica) pelos participantes da pesquisa*
Evento 4: Encontro dos participantes: discussão e análise de viabilidade da proposta de método para diagnóstico
e tratamento da obsessão (fase teórica).
(5) aplicação do método pelos participantes e registro dos casos*; divulgação dos casos
(5) elaboração do texto "Método ..." (fase experimental) e divulgação entre os participantes da pesquisa
(6) análise crítica do texto "Método ..." (fase experimental) pelos participantes da pesquisa*
Evento 5: Encontro dos participantes: discussão e consolidação do método para diagnóstico e tratamento da
obsessão (fase experimental).
X X
Publicação 2: Como tratar a obsessão? Um método espírita para diagnóstico e tratamento. X
10



CRONOGRAMA (cont.)
Etapa 5: Metodologia para diagnóstico e tratamento da obsessão (requisitos para a estruturação de trabalhos
dos grupos)
(1) levantamento doas aspectos considerados essenciais para qualquer metodologia de diagnóstico e tratamento
da obsessão*
(2) elaboração do texto "Metodologia... " (fase teórica) e divulgação entre os participantes da pesquisa
(3) análise crítica do texto "Metodologia ..." (fase teórica) pelos participantes da pesquisa*
Evento 6: Encontro dos participantes: discussão e análise de viabilidade da proposta de Metodologia (fase
teórica).
(4) desenvolvimento de métodos específicos baseados na Metodologia*; divulgação
(5) aplicação das metodologias pelos participantes e registro dos casos*; divulgação dos casos
(6) análise crítica dos "Metodologia ..." baseada em sua aplicação*; divulgação das análises críticas
(7) elaboração do texto "Metodologia ..." (fase experimental) e divulgação entre os participantes da pesquisa
(8) análise crítica do texto "Metodologia ..." (fase experimental) pelos participantes da pesquisa*
Evento 7: Encontro dos participantes: discussão e consolidação da Metodologia (fase experimental).
X X
Publicação 3: Obsessão: um modelo para estruturação das atividades de diagnóstico e tratamento. X

11



Papel do Centrapel do Centro
Preparar-se para participar

Estruturação dos Grupos


Papel do Centro
Pesquisa bibliográfica
Estudos de casos
Análise dos textos prévios


Papel do Centro
Pesquisa bibliográfica
Análise dos textos prévios


Papel do Centro
Aplicação e análise crítica do método
Análise crítica dos textos prévios


Papel do Centro
Levantamento dos aspectos essenciais
Adaptação, aplicação e análise crítica da
metodologia proposta


12
Proposta de Trabalho Evento 1
Etapa 1
Estado da arte Evento 2
Etapa 2
Conceituação Evento 3
Etapa 3
Método para diagnóstico e tratamento
Eventos
4 e 5
Etapa 4
Metodologia para diagnóstico e tratamento Eventos
6 e 7
Etapa 5
Publicação 2
Publicação 3
Publicação 1

OBSESSÃO: MÉTODO PARA UM LEVANTAMENTO
BIBLIOGRÁFICO
Marissol Castello Branco (apresentadora) (*)
e Mauro de Mesquita Spínola
São Paulo-SP, Brasil


RESUMO

Muito já foi publicado e refletido a respeito da obsessão tanto no meio espírita como na
área da psiquiatria. Este artigo apresenta um método para se iniciar o levantamento
bibliográfico dessas obras, sendo esta uma parte do levantamento do estado da arte que
também comporta o levantamento de casos de obsessão e entrevista com estudiosos no
assunto, encarnados e desencarnados. Apresenta uma análise preliminar da obra
kardequiana com outros estudos elaborados atualmente dentro do espiritismo a respeito
do conceito, causas, diagnóstico e tratamento da obsessão.

Palavras-chave: obsessão, bibliografia

1. INTRODUÇÃO
O processo da atualização do espiritismo iniciou há algum tempo quando se discutia a
contextualização do espiritismo que é compreender a doutrina espírita na época em que
foi elaborada. Essa fase do resgate histórico e filosófico da obra kardequiana chegou a
um ponto onde se percebeu a necessidade de desenvolver algumas áreas não
abordadas por Kardec ou tratadas superficialmente em toda sua obra. A obsessão é uma
área que poderá ser enriquecida com os inúmeros estudos desenvolvidos sobre a mente
neste século que se encerra.

Os métodos de tratamento utilizados na casa espírita são os mais variados e seria
impossível inferir precisamente pois, não houve um levantamento criterioso a esse
respeito, mas, podemos afirmar que se baseiam em práticas desenvolvidas a partir da
experiência dos dirigentes e médiuns dedicados a essa tarefa, sendo perpetuado por
vários anos como uma tradição. Não existe um treinamento para se executar a tarefa de
uma maneira sistemática. Normalmente, aprendem vem dos outros que vieram antes deles
trabalhar, assim como o artesão ensina o seu trabalho ao aprendiz. Do século XIX até
nossos dias, muitas pesquisas foram realizadas pela ciência no campo psíquico. A tarefa é
reunir as contribuições que poderão ser aproveitadas na pesquisa a que nos propomos.

Este trabalho é uma pequena parcela de um estudo maior que se iniciou com um projeto
apresentado por Mauro Spínola (co-autor) em 2 reuniões do CPDoc e que vários
membros motivados pelo tema abraçaram uma parte dele e que apresentam neste
congresso.


Seu papel é dar conta de um método para uma pesquisa bibliográfica sobre o tema de
uma forma tal que após levantada toda a bibliografia se possa ter acesso aos dados com
maior facilidade pois o material é bastante extenso. Faz parte deste material o
levantamento e análise dos relatos de Allan Kardec, outros autores espíritas estudiosos
do assunto e autores não espíritas cujos trabalhos possam contribuir para a melhor
compreensão do fenômeno obsessão. Com isso, busca-se resgatar do ponto de vista da
literatura a contribuição de Kardec e a de outros autores, entre eles espíritos
desencarnados, sobre o conceito, diagnóstico e tratamento da obsessão. Além deste
trabalho, três outros correlatos e complementares, integrantes da mesma linha de
pesquisa da CPDoc, estão sendo desenvolvidos. São eles:

Obsessão: proposta de um projeto de pesquisa integrado, por Álvaro de Mesquita
Spínola e Mauro de Mesquita Spínola, que apresentam os objetivos, o método de
trabalho e as principais ações propostas.

Obsessão: roteiro para estudo de caso, por Rosângela Gomes de Souza e Marina
França, que propõem um método e um questionário básico para apoio ao levantamento
de estudos de casos, uma atividade chave nesta pesquisa, e

Grupos espíritas de pesquisa mediúnica, por Egydio Régis e Sandra Régis, apresentam
uma estrutura e uma metodologia para grupos de pesquisa mediúnica através de
entrevistas e debates com Espíritos.

Para o CPDoc e para seus participantes, essa pesquisa constitui-se, por um lado, num
esforço para realizar uma parte do compromisso histórico de atualização da contribuição
do espiritismo para a compreensão e a solução de diversas dores, angústias e incertezas
que afetam o homem moderno. Por outro lado, é também um grande desafio assumir a
coordenação técnica da pesquisa, que envolve levantamento de informações, fomento
do debate, crítica e síntese de resultados obtidos junto aos diversos grupos e estudiosos
que decidirem dela participar.

2. MÉTODO PARA UM LEVANTAMENTO
O levantamento bibliográfico é uma parte do levantamento do estado da arte que também
engloba o estudo de casos sobre obsessão e entrevista com estudiosos no assunto. A
bibliografia referente ao assunto é extensa sendo necessário levantar alguns modelos de
catalogação desse material. Para sistematizar o conteúdo levantado nas obras, criou-se
um modelo de fichamento para facilitar uma posterior consulta nos dados anotados e
acesso em programas de base de dados. Tanto os fichamentos assim como os outros
levantamentos ficarão à disposição dos colaboradores em um site da Internet, em fase de
elaboração, onde se poderá acessar esses arquivos e elaborar os estudos necessários.

Modelo de fichamento

O primeiro item se refere aos dados de identificação do livro. Nem todos os campos são
preenchidos e conforme a situação da obra, outros poderão ser abertos. Quando se
tratar de um livro psicografado considera-se os autores da obra tanto o espírito
comunicante como o médium. Os itens segundo e terceiro descrevem a obra no geral e
por capítulos de uma forma resumida. O quarto é uma coletânea de citações onde o


autor trata temas do interesse deste estudo e outros que o relator considerar importante.
No final é feita uma avaliação crítica do livro e informa-se os dados do fichamento.

1. Dados da obra
Título
Subtítulo
Autor(es)
Tradutor(es) (se houver)
Revisor(es) (se houver)
Organizador(es) (se for obra conjunta)
Número da edição
Cidade
Editora
Ano da publicação
Número de páginas
Nome da série a que o livro faz parte (se houver)

2. Resumo Geral
Descrever em até 15 linhas sobre o que trata o livro de uma forma geral.

3. Resumo dos capítulos
Para cada capítulo estudado, descrever o assunto tratado, com até 5 linhas (podem ser
apenas palavras-chave). Se preferir, poderá fazer o resumo por blocos de capítulos. O
resumo deve transmitir a essência – a idéia principal – do capítulo ou do conjunto de
capítulos. É recomendável não fazer citações do autor neste item.

Número e título do Capítulo

Resumo do capítulo

4. Temas em destaque e citações
Indicar alguns temas específicos tratados no livro, considerados importantes. Para cada
um, citar trechos representativos da contribuição do autor. Alguns temas já estão


sugeridos. Acrescente tantos quanto considerar necessário. É recomendável transcrever
todo o parágrafo ou parte dele referente ao tema e indicar o número da página em que
se encontra.

Tema: Conceito de Obsessão
Páginas
Citações

Tema: Diagnóstico da Obsessão
Páginas
Citações

Tema: Tratamento da Obsessão
Páginas
Citações

5. Avaliação crítica (opcional)
Apresentar em até 10 linhas sua avaliação crítica sobre a obra.

6. Dados do fichamento
Data do fichamento


Fichamento feito por


Endereço


Telefones


Fax


E-mail


Dentre as obras contempladas com o fichamento temos:
Obsessão de Allan Kardec, coletânea de artigos da R Espírita, feito por Marina França.
Obsessão, o passe, a doutrinação de José Herculano Pires feito por Alcione Moreno.
Nos Bastidores da Obsessão de Divaldo Pereira Franco (médium) e Manuel Philomeno


de Souza (espírito) feito por Marissol Castello Branco.
A Loucura sob novo prisma de Adolfo Bezerra de Menezes feito por Mário Muniz Jr.



3. ANÁLISE PRELIMINAR
Das contribuições sobre o estudo da obsessão encontramos muita variedade com
relação ao tratamento e prevenção. Em, praticamente, todas as obras de Kardec há
textos sobre obsessão ou assuntos relacionados, alguns deles são muito semelhantes e
falam do conceito e a indicação do tratamento conforme a fase em que se encontra. Na
Revista Espírita existem diversos casos de obsessão desenvolvidos por grupos de
espíritas de outras localidades. Estes casos se confundiam com ataques de loucura ou
de epilepsia mas, com características que davam pistas a uma possível obsessão. O
diagnóstico confirmava-se com a comunicação do espírito obsessor evocado. No
tratamento utilizavam uma seqüência de evocações ao espírito e magnetização na
obsedada. No conceito da obsessão, a maioria dos autores baseia-se na definição
apresentada por Kardec. Marlene Nobre, baseando-se nas obras de André Luiz e
Emmanuel, classifica as obsessões de natureza anímica e espirítica, dividindo-as em
efeitos inteligentes e efeitos físicos. No que diz respeito ao diagnóstico da obsessão,
Bezerra de Menezes fala sobre o diagnóstico diferencial da loucura e da obsessão,
acreditando ser um ponto delicado no processo. No tratamento e prevenção da
obsessão vários são os que contribuíram relatando uma série de casos: Suely Caldas
Schubert, Hermínio Miranda, Wilson Garcia, Richard Simonetti, entre outros. Os espíritos
André Luiz, Manuel Philomeno de Miranda e Bezerra de Menezes entre outros
contribuíram com o tratamento da obsessão ao descreverem como se processa esse
trabalho na erraticidade. Cada um a sua maneira relataram casos obsessivos e como se
sucedeu seu tratamento e êxito. Jon Aizpúrua em seu livro "Fundamentos do Espiritismo"
reservou um capítulo para a obsessão onde traçou um panorama geral das doenças
mentais e descreveu alguns procedimentos de seu tratamento nos centros espíritas.
Marina França, Ademar Chioro e Reinaldo Di Lucia fizeram parte de um Seminário sobre
Desobsessão realizado em 1999, em Santos onde em suas falas focalizaram o estudo
mais propriamente no obsedado. Para Chioro o obsedado deixa-se levar por uma
relação simbiótica com o obsessor onde ambos saem "lucrando" e Di Lucia entende que

o tratamento da obsessão deve se preocupar mais com os estudos da psicologia e
psiquiatria sobre a mente humana para tratar melhor o obsedado que procura o centro
espírita, muitas vezes, num profundo processo de angústia. Marina França em seu
trabalho Obsessão: uma reflexão apresentado no V SBPE em 1997, e posteriormente ao
CPDoc em 1998, preocupou-se com a entrevista inicial, realizada nas casas espíritas, que
normalmente indica a primeira suspeita de obsessão. Bernardo Drubich em seu livro
"Personalidad y Reencarnación" dedica dois capítulos ao estudo da obsessão, levanta
alguns questionamentos e indica procedimentos no diagnóstico tanto no diferencial
como naquele realizado nas instituições espíritas.
Ao pesquisar a obra de Kardec, observou-se que sua preocupação maior no momento
era a obsessão de origem mediúnica. Também encontrou-se opiniões divergentes a
respeito do conceito de possessão. Em seus 2 primeiros livros (O livro dos espíritos e O
livro dos médiuns), nega a palavra, substituindo-a por subjugação. Em Obras póstumas,
há um texto em que classifica como "o mais alto grau da subjugação" e nos demais a
trata como algo distinto da obsessão. Na revista espírita de 1863 explica porque mudou
seu conceito em relação a possessão: "temos dito que não havia possessos, no sentido
vulgar do vocábulo, mas subjugados. Voltamos a essa asserção absoluta, porque agora


nos é demonstrado que pode haver verdadeira possessão, isto é, substituição, posto que
parcial, de um espírito errante a um encarnado." A evocação dos espíritos deverá ser
melhor estudada porque notou-se a importância dada por Kardec e que, hoje em dia,
este procedimento não é levado em conta.

O levantamento bibliográfico na área da psicologia e psiquiatria precisaria ser efetivado
numa próxima, e aceitamos colaboradores na indicação de livros desta área.

4. KARDEC: UMA REFERÊNCIA
A produção literária espírita após Kardec principalmente no Brasil a respeito da obsessão
é muito extensa e consideraremos o estudo realizado por Kardec como uma referência.
Levantamos entre vários autores consultados diversas opiniões a respeito do conceito,
causas, diagnóstico e tratamento da obsessão estabelecendo uma comparação entre as
citações de alguns autores e as de Kardec:

Conceito da Obsessão:

Kardec trata da obsessão em praticamente em todas as suas obras. Encontramos textos
muito semelhantes onde conceitua e traça alguns procedimentos ao tratamento em O
evangelho segundo o espiritismo, A gênese e Obras Póstumas. "A obsessão é a ação
persistente que um mau Espírito exerce sobre um indivíduo... Apresenta caracteres muito
diferentes, desde uma simples influência moral, sem sinais exteriores sensíveis, até a
perturbação completa do organismo e das faculdades mentais" Em O livro dos médiuns
trata de um capítulo específico para descrever e classificar a obsessão entre os médiuns.
O Herculano Pires entende que a obsessão: "se caracteriza pela ação de entidades
espirituais inferiores sobre o psiquismo humano." Para Jaci Régis "...a obsessão é uma
relação afetiva entre seres reais, submetidos a condições espaciais e corporais de
vibração material diferenciada" e "... possível devido à transcomunicação mentomagnética
espontânea entre todos os seres encarnados e desencarnados, a partir de
ondas mentais específicas..." Jon Aizpúrua fala da obsessão tratada na psicopatologia,
um termo empregado "para indicar uma alteração mental, caracterizada por
pensamentos insistentes que dominam e atormentam a uma pessoa, e que não pode
desfazer ou se livrar deles, ainda quando sabe que não têm fundamento" Bezerra de
Menezes fala da obsessão em um nível mais profundo classificado por Kardec como
subjugação "(Quando o Espírito obsessor) é chegado ao ponto de ter completamente
hipnotizado sua presa, fá-la passar por qualquer dessas inumeráveis variedades de
perversão moral, que se dão em espetáculo entre os alienados" muitas vezes confundida
e tratada como ataques de loucura. "(O Espírito fá-lo louco) – A este estado a Ciência
chama loucura, e o é, mas a esta loucura o Espiritismo chama de obsessão" Em "Nos
bastidores da obsessão" encontramos que "a obsessão é síndrome alarmante que
denuncia enfermidade grave de erradicação difícil.. o campo obsessivo se desloca da
mente para o departamento somático onde as imperfeições morais do pretérito deixaram
marcas profundas no perispírito" Richard Simonetti, de uma forma bem humorada
conceitua a obsessão como um "torcicolo mental": "O indivíduo sente-se dominado por
determinados pensamentos ou sentimentos, como se sofresse uma paralisia da vontade
que lhe impõe embaraços à apreciação serena e saudável das conjunturas existenciais"


Causas da Obsessão:

Allan Kardec afirma que "os motivos da obsessão variam segundo o caráter do Espírito".
Podem ser relacionamentos afetivos não resolvidos de encarnações anteriores: "Às
vezes, é a prática de uma vingança contra a pessoa que o magoou na sua vida ou numa
existência anterior" ou atitudes do afetado facilitam a influência do obsessor: "A
impaciência das vítimas também influi .... Ao se irritar, mostrando-se zangado, a vítima faz
precisamente o que ele quer" Para Herculano Pires as causas "decorrerem de vários
fatores, dos quais os mais freqüentes são: problemas reencarnatórios, tendências
viciosas, egoísmo excessivo, ambições desmedidas, aversão a certas pessoas, ódio,
sentimentos de vinganças, futilidades, vaidade exagerada, apego ao dinheiro, e assim
por diante." Em "Nos bastidores da obsessão" uma das causas da obsessão seria o
descuido mental dos que sintonizam mentes atormentadas: "Mentes viciadas e em
tormento não poucas vezes escravas da monoidéia obsessiva, sincronizam com outras
mentes desprevenidas e ociosas" Ademar Chioro descreve a obsessão em seu processo,
comparando esta relação energética com a sintonia de ondas de rádio: "A melhor
expressão que existe em figura de linguagem para exemplificar o processo de obsessão
é aquele da freqüência de rádio. O espírito obsessor está numa determinada freqüência
de rádio e nós estamos em outra". Uma descrição que tira o foco da causa no "malvado"
ou "inferior" espírito para aquele que se sintoniza, o até então "vítima" que procura, de
uma forma muitas vezes inconsciente, essa relação simbiótica. "A obsessão ocorre
quando no exercício de nosso livre-arbítrio pelo conjunto de problemas, dramas e
fraquezas determinantes nesse processo, entramos em sintonia com o espírito
obsessor." Marina França fez um importante estudo sobre a obsessão, baseando-se
praticamente na obra kardequiana. A respeito do conceito e causas da Obsessão,
França, observa:

"Analisando as afirmações sobre a obsessão ... constata-se ser ela uma questão de
sintonia, onde se pode concluir também que:

1 – viver na Terra faz com que todos lhe estejam sujeitos, diferenciando motivos, formas
de manifestação e graus de intensidade;

2 – o fortalecimento da alma é uma prerrogativa para se livrar dela;

3 – a melhoria individual é prerrogativa para o fortalecimento da alma;

4 – a vingança é apenas um dos seus motivos, acompanhada da inveja, do prazer que
muitos sentem de fazer o mal, da tarefa de reabilitação do obsessor por parte do
obsidiado etc.

5 – o modo pelo qual o obsidiado lida com as contrariedades da vida é fator
preponderante na sua persistência;

6 – as imperfeições morais constituem os verdadeiros obstáculos à liberdade do
obsidiado;

7 – em seu processo não é possível identificar de imediato quem é o culpado e quem é a
vítima.


Ocorre que, não raro, Espíritos são responsabilizados por maldades, doenças e
aberrações, cujas causas derivam do próprio indivíduo, processo este chamado de Auto-
Obsessão por Allan Kardec."

Diagnóstico da Obsessão:

O diagnóstico é uma etapa muito importante, pois a partir disso poder-se-á encaminhar
um tratamento adequado a cada situação. As novas disciplinas criadas após o
desencarne de Kardec trouxeram muitas contribuições que precisam ser incorporadas.
Infelizmente não foi possível fazer esse levantamento para este trabalho, mas será
anexado numa fase posterior. Em O livro dos médiuns Kardec levanta 9 itens para
diagnosticar a obsessão ocorrida em médiuns. Na Revista espírita encontrou-se vários
relatos de casos de obsessão. Nestes relatos, conforme os fatos aconteciam
suspeitavam ser um caso de obsessão, mas o diagnóstico só se completava com a
comunicação do próprio espírito obsessor ou dos auxiliadores do tratamento na
erraticidade. Os fatos ocorridos que levavam a suspeita de uma obsessão foram crises
que ocorriam com hora marcada ou cessavam durante a gravidez. Situações que numa
crise de loucura de origem orgânica dificilmente ocorreria. Para Bernardo Drubich "o
diagnóstico de obsessão é complexo, porque necessita dos métodos psicológicos,
parapsicológicos e mediúnicos mas, sobretudo, necessita de uma grande experiência do
dirigente de sessões" pois será difícil estabelecer um diagnóstico que diferencie uma
mania de perseguição originada na hipertrofia da pessoa ou originada pelo espírito
obsessor, que "não pode ser realizada por nenhum dirigente de instituição ou de sessões
de forma eficiente, se este não esteja preparado em psicologia ou psiquiatria, porque
corre sérios riscos de interpretar mal alguma, catalogando-as como obsessão." Para
Bezerra de Menezes o diagnóstico diferencial deve ser encarado com cautela pois "quem
vê um louco, vê um obsedado, tanto que até hoje se tem confundido um com o outro. O
mesmo olhar desvairado, a mesma aparência fisionômica, ora a excitação até a fúria, ora
a prostração até o indiferentismo, sem a incoerência das idéias."

Tratamento da Obsessão:

No tratamento inclui-se um trabalho de prevenção e um trabalho conjugado entre os
envolvidos, pois ao estudar o âmago das relações obsessivas conclui-se que não há
vítimas nem culpados, todos são enfermos que precisam do auxílio de pessoas
capacitadas para poderem sair da situação em que se encontram. Encontramos tanto em
O evangelho segundo o espiritismo como em A gênese e Obras Póstumas textos muito
semelhantes que tratam da obsessão. Como tratamento e prevenção indica que "para
preservar das doenças, fortifica-se o corpo; para garantir contra a obsessão, é necessário
fortificar a alma. Disso resulta que o obsedado precisa trabalhar pela sua própria
melhoria, o que na maioria das vezes é suficiente para o livrar do obsessor, sem
socorrer-se de outras pessoas." Quando a obsessão atinge um grau mais acentuado,
necessitará da ajuda de terceiros e de um tratamento adequado. "Nos casos de
obsessão grave, o obsedado está como envolvido e impregnado por um fluido
pernicioso, que neutraliza a ação dos fluidos salutares e os repele..." Indica a emissão


energética no obsedado para conseguir "expulsar o fluido mau com a ajuda de um fluido
melhor, que produz, de certo modo, o efeito de um reagente..." e o tratamento mediúnico
evocando o espírito obsessor: "faz-se também necessário agir sobre o ser
inteligente...convencer o Espírito perverso a renunciar aos seus maus intentos; despertar-
lhe o arrependimento e o desejo do bem, através de instruções habilmente dirigidas,
com a ajuda de evocações particulares" Para ser o mais didático possível e por falta de
vocabulário que pudesse descrever o quadro para a época Kardec usou a dualidade do
bem e do mal. Hoje em dia, isso deve ser descrito de outra maneira pois já temos um
vocabulário mais rico e ampliado pela novas disciplinas que estudam a mente humana.
Kardec percebeu em sua época a importância do obsedado no sucesso do tratamento, e
recomenda a prece e o mais puro desejo de que essa situação deixe de existir: "A tarefa
se torna mais fácil, quando o obsedado, compreendendo a sua situação, oferece o
concurso da sua vontade e das suas preces... em todos os casos de obsessão, a prece é

o mais poderoso auxiliar da ação contra o espírito obsessor". Em nosso século temos
uma infinidade de técnicas que poderiam facilitar ao obsessor no entendimento de sua
situação atual.
Encontrou-se na Revista Espírita depoimento de espíritas que obtiveram êxito no
tratamento da obsessão e ali descrevem o método utilizado. Um deles Kardec intitulou
de: Obsedada em Barcelona. Um grupo de espíritas espanhóis residentes em Barcelona
resolveram ajudar uma senhora que sofria de crises nervosas há 15 anos. Os fatos
levaram-nos a suspeitar de um caso de obsessão que foi confirmado com a
comunicação do obsessor. Quando a conheceram estava sendo tratada por um emissor
energético que embora sendo espírita, não bastou. Foi necessário procurar um médium:
"A doente estava então submetida a um tratamento magnético que lhe havia
proporcionado um certo alívio, mas o magnetizador, visto que espírita, não tinha meios
de evocar o obsessor, por falta de médiuns..." Ao assumir o tratamento, o grupo iniciou
com a evocação do espírito obsessor da senhora: "Tivemos muito trabalho para fazer o
obsessor vir ao nosso chamado...Foi muito violento, respondeu algumas palavras
descosidas e logo atirou-se com uma fúria sobre sua vítima, à qual deu uma crise
violenta, logo acalmada pelo magnetizador" Depois de várias evocações o grupo enfim
conseguiu receber a visita do obsessor. Nota-se que a obsedada estava presente à
reunião sendo vítima de sua fúria na presença de todos. As evocações continuaram e a
cada sessão o espírito se tornava mais acessível: "Na segunda sessão, poucos dias
depois, pudemos por mais tempo reter o obsessor...A terceira evocação foi mais feliz: o
obsessor conversou familiarmente conosco.. .Na quarta evocação orou conosco...Pouco
a pouco, a cada nova evocação, tomávamos maior ascendente sobre ele ...e tivemos a
satisfação de ver cessarem as crises na nona" O grupo evocou o espírito obsessor em 9
reuniões. Na quarta o espírito apresentava certa maleabilidade ao diálogo, mas as crises
da obsedada cessaram bem mais tarde. Além das evocações era feita uma emissão
energética na obsedada de 12 a 15 minutos para deixá-la tranqüila. Depois disso o
tratamento prosseguiu, de oito em oito dias se submete a uma emissão energética e, de
tempos em tempos, evoca-se o antigo perseguidor para fortalecê-lo nas boas atitudes
que chegou a psicografar uma carta demonstrando seu arrependimento na vingança. Os
espíritos que acompanharam o tratamento na erraticidade recomendaram ao grupo
continuar a tarefa pois ambos ainda necessitavam de ajuda "um para o sustentar no bom
caminho que tomou, evocando-o algumas vezes, aumentareis a sua coragem; a outra,


para dissipar totalmente o fluido malsão que a envolveu tanto tempo; fazei-lhe, de
tempos em tempos, uma abundante magnetização, sem o que ela ainda se acharia
exposta à influência de outros espíritos malévolos..."

Em "Nos Bastidores da Obsessão" o grupo mediúnico continuou sua tarefa de tratamento
na erraticidade durante o sono, à noite, enquanto o corpo descansa e o espírito se
liberta: ."Os trabalhos prosseguiram normalmente até a hora do encerramento, quando o
instrutor,..., explicou que naquela noite mesma o grupo voltaria a reunir-se, em
desdobramento parcial pelo sono, para prosseguimento das tarefas". (grifo nosso)
Informam a importância da comunicação mediúnica no tratamento da obsessão através
do diálogo esclarecedor e o envolvimento energético do obsessor com o do médium
pois "...favorecendo ao desencarnado a oportunidade de adquirir conhecimento através
da psicofonia atormentada, na qual pode haurir força e alento novo para aprender,
meditar, perdoar, esquecer..." e "...para melhor mergulho nos fluidos do sensitivo de
modo a diminuir-lhe a carga psíquica e o envolvimento nas faixas do ódio de que se via
possuído desde há muitos anos." e do tratamento realizado na erraticidade quando um
espírito auxiliar emite uma certa quantidade de energia diferenciada no hóspede
indesejável provoca seu afastamento momentâneo "e facultando, assim, ao hospedeiro a
libertação mental necessária para assepsiar-se moralmente, reeducando a vontade,
meditando em oração..." A mudança de atitudes do obsedado durante o tratamento é
fator de grande peso para se obter a cura da obsessão: "... do paciente depende a
maioria dos resultados nos tratamentos da obsessão. Iniciado o programa de
recuperação, deve este esforçar-se de imediato para a modificação radical do
comportamento ..."

Herculano Pires ratifica a importância da comunicação mediúnica, como um agente
acelerador do processo no tratamento da obsessão, observado por Gustave Geley:
"Nesse ambiente mediúnico os espíritos apegados à matéria sentem a impressão de
maior segurança, como se estivessem novamente encarnados. Muitas vezes, nas
sessões espíritos orientadores servem-se de um médium para doutrinar mais facilmente
essas entidades confusas."

Para Ademar Chioro entre os vários fatores que favorecem o processo de mudança de
um espírito perturbado numa reunião mediúnica é a sua predisposição ao comparecer e

o banho de energia diferenciada. Ao se comunicar através de um médium experimenta
uma sensação diferente, reconhece que morreu mas, continua "vivo". Isso desperta
sensações, emoções absolutamente distintas do que conseguia sentir naquele círculo
vicioso. Quanto ao tratamento da obsessão, é imprescindível que o obsedado mude sua
sintonia e deseje realmente mudar essa situação em que se encontra:
Esse processo de obsessão pode ser rompido quando mudamos a freqüência de
sintonia. Ela pode ser rompida com o auxílio de um tratamento psicológico, psiquiátrico,
com o auxílio de um trabalho de desobsessão no centro espírita, mas, nunca prescindida
da absoluta posição determinada do indivíduo encarnado, obsedado de romper com
essas ligações que foram estabelecidas. Não existe cura sem vontade, aliás, seja no
fenômeno mediúnico seja no fenômeno obsessivo a vontade é determinante.

Para Reinaldo Di Lucia, "as grandes disciplinas que vão estudar profundamente a mente
dos encarnados e os processos psíquicos pelos quais a nossa mente funciona ainda não


existiam no tempo do Kardec", elas iniciaram logo após o seu desencarne, cresceram em
importância com Freud e muitas outras corrente da psicologia se formaram e continuam
estudando o processo de influenciação recíproca. "Esse procedimento todo não pode ser
esquecido pelos espíritas e, normalmente, é isso o que acontece. E o trabalho de
desobsessão que deveria ser um trabalho sobre esses relacionamentos interpessoais,
sobre as influências de espírito a espírito e o modo como trabalhamos a nossa própria
saúde psíquica, mental tem passado ao largo desse tipo de desenvolvimento
psicológico". Ressalta que "continuamos tratando a obsessão como um processo muito
parecido com o exorcismo", pois o tratamento dá mais importância ao obsessor e afirma
que "o processo de obsessão origina-se no obsedado". Para tratar qualquer problema de
obsessão será necessário tentar entender como o obsedado posiciona-se "perante a vida,
como encara a própria existência no mundo e no relacionamento com as outras pessoas"

5. BIBLIOGRAFIA LEVANTADA
Nesta primeira fase fez-se um levantamento de tudo o que foi escrito a respeito da
obsessão em textos teóricos e romanceados. Ensaios, relato de casos, receitas de
prevenção, cartilha de comportamentos. Seguem dois tipos listas de obras encontradas
até agora sobre o assunto.

Obras que tratam especificamente do tema Obsessão:

Autor(es) Título Editora(s)
Allan Kardec A Obsessão O Clarim
José Herculano Pires Obsessão, o passe, a doutrinação Paidéia
José Herculano Pires Vampirismo Paidéia
Marina França Obsessão: atendimento inicial V SBPE
Jaci Régis Perfil psicológico da Obsessão VI SBPE
Jaci Régis Muralhas do Passado LICESPE
Hermínio C. Miranda Diálogo com as sombras FEB
Hermínio C. Miranda A dama da noite
Hermínio C. Miranda O Exilado C. Fraterno
Hermínio C. Miranda A Irmã do Vizir C. Fraterno
Adolfo Bezerra de Menezes A loucura sob novo prisma FEB
Inácio Ferreira Novos rumos à medicina FEESP
Marlene R. S. Nobre A obsessão e suas máscaras FE
Wilson Garcia Você e a obsessão EME
Carlos Bernardo Loureiro Obsessão e seus misterios M. Túlio
Suely Caldas Schubert Obsessão/Desobsessão FEB


Bernardo Drubich La desobsesión Argentina
César Bogo El espiritismo ante la psiquiatría Argentina
Edith Fiore Possessão espiritual Pensamento
Cinthya Pettiward Dossier Possesión
Karl Wichkland Treinta años entre los muertos
Universidad Espírita Argentina Autodesobsesión Argentina
Rubens de Freitas Obsessão e Cura Panorama
Manoel P. Miranda e Divaldo P. Franco Nos Bastidores da Obsessão FEB
Manoel P. Miranda e Divaldo P. Franco Painéis da Obsessão LEAL
Manoel P. Miranda e Divaldo P. Franco Nas fronteiras da loucura LEAL
Manoel P. Miranda e D. P. Franco Loucura e Obsessão FEB
Manoel P. Miranda e Divaldo P. Franco Trilhas da Libertação FEB
A. Publiese, M. P. Miranda e D. P.
Franco
Obsessão: instalação e cura LEAL
Bezerra de Menezes e Ivone A Pereira Dramas da Obsessão FEB
Bezerra de Menezes e Ivone A. Pereira Recordações da Mediunidade FEB
André Luiz, F. C. Xavier e Waldo Vieira Desobsessão FEB
A. Luiz e F. C. Xavier Entre a Terra e o Céu FEB
A. Luiz e F. C. Xavier Mecanismos da Mediunidade FEB
A. Luiz e F. C. Xavier Nos domínios da mediunidade FEB
Richard Simonetti Quem tem medo da obsessão? São João
Celso Martins Obsessão e tratamento espiritual DICEL
Luiz Schvartz Obsessão: estudo introdutório osso Lar
Vanderley Pereira Como doutrinar os espíritos EEC-GEPE
Helena M.C. Carvalho Portas da Obsessão Nosso Lar
Luiz Gonzaga Pinheiro Terapia das Obsessões EME
Luiz Gonzaga Pinheiro Diário de um doutrinador EME
Luis Carlos V. da Silva Como venci a obsessão EME
Roque Jacinto Tratamento da Obsessão Luz no Lar
Roque Jacinto Doutrinação FEB
Umberto Ferreira Esclarecendo Desencarnados FEEGO
Arthur Guirdham Obsessão Siciliano


Obras que tratam da obsessão em alguns capítulos e/ou textos:

Autor(es) Título Capítulo (s) Editora(s)
J. Herculano Pires Mediunidade 16-Problemas da
desobsessão
Paidéia
J. Herculano Pires O Espírito e o Tempo Pesquisa científica da
mediunidade, b) Sessões
de desobsessão
EDICEL
J. Herculano Pires Curso dinâmico de
espiritismo
Psiquiatria e Espiritismo Paidéia
J. Herculano Pires O centro espírita 2 - Os serviços do centro LAKE
Bernardo Drubich Personalidad y
Reencarnación
3- El Proceso obsesivo y 6Terapéutica
de la obsesión
Argentina
Jon Aizpúrua Fundamentos do
Espiritismo
7 – Obsessão Barroso

Marina França em seu trabalho Obsessão: uma reflexão, fez um criterioso levantamento em toda a obra
de Kardec citando os capítulos e respectivos números de página onde se trata sobre a obsessão.

6. CONCLUSÃO
Este trabalho iniciou o processo de catalogação de obras que possam contribuir com o
projeto de conceituar, propor métodos de diagnóstico, tratamento e prevenção da
obsessão. Um modelo de fichamento foi elaborado, podendo ser adaptado para o caso
de artigos de jornais e revistas entre outros. Algumas obras já foram fichadas e
agradecemos seus colaboradores e outros que quiserem participar desta empreitada
pois, desde já, estão convidados. Levantou-se a bibliografia de várias obras espíritas
sobre a obsessão ou que abordam o assunto em alguns capítulos. Falta ainda o
levantamento das obras de estudo da psicologia e psiquiatria que trarão grandes
contribuições a esse projeto. Nesse item também aceitamos sugestões dos leitores,
principalmente os de formação nestas áreas. Fez-se uma análise preliminar, de aspecto
mais geral, de algumas obras espíritas e comparou-se citações de autores a respeito do
conceito, causas, diagnóstico e tratamento da obsessão.

Ainda há muito por fazer. Conforme as obras são fichadas, estas serão encaminhadas a
um banco de dados que poderá ser acessado pelos pesquisadores envolvidos neste
projeto. E a conclusão disso tudo levará algum tempo pois, será inversamente
proporcional com a quantidade de colaboradores empenhados em elaborar o fichamento.

Na etapa de levantamento do estado da arte falta desenvolver um método para a
entrevista de estudiosos, encarnados e desencarnados, sobre a obsessão que possibilite
uma tabulação posterior. Numa próxima etapa da pesquisa da obsessão serão
levantados os métodos de tratamento algumas instituições espíritas. Ressaltamos que
este estudo é uma pequena parte de uma grande pesquisa sobre a obsessão. Tanto a
análise preliminar como as opiniões levantadas iniciam um processo de uma análise
mais criteriosa, pois será necessário acrescentar as contribuições dos outros estudos
também apresentados neste congresso.


7. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
Kardec, Allan. Preces pelos obsidiados. Em: - O Evangelho Segundo o Espiritismo, p. 361.
Nobre, Marlene Rossi Severino. A obsessão e suas máscaras. São Paulo, FE, 1997.
Menezes, Adolfo Bezerra. A loucura sob novo prisma. Rio de Janeiro, FEB, 1963. pág. 172
Seminário sobre Desobsessão realizado em 3 de julho de 1999 em Santos no CEBAP – Centro


Espírita Beneficente Ângelo Prado.
França, Marina. Obsessão: atendimento inicial. Em: Anais do V SBPE. Santos, Licespe, 1997. pág. 201
Drubich, Bernardo. Terapeutica de la obsessión: bases del tratamiento. Em: Personalidad y


Reencarnación: problemas existenciales de la reencarnación. Rafaela, 1996. pág. 213
Kardec, Allan. Um caso de possessão. Em: Revista Espírita. Edicel. Ano 1863, pág.373
Kardec, Allan. Preces pelos obsidiados. Em: - O Evangelho Segundo o Espiritismo, p. 361.
Kardec, Allan. Da obsessão. Em: O livro dos médiuns. São Paulo, FEESP, 1989. pág. 276
Pires, José Herculano. Obsessão, o passe, a doutrinação. São Paulo, Paidéia, 1997. Informações


preliminares
Régis, Jaci. Perfil Psicológico da Obsessão. Em: VI SBPE-Anais. Santos, Licespe, 1999. pág. 96 e 107.
Aizpúrua, Jon. Fundamentos do Espiritismo. São Paulo, Barroso, 2000.
Menezes, Adolfo Bezerra. A loucura sob novo prisma. Rio de Janeiro, FEB, 1963. pág. 162
Franco, Divaldo Pereira e Miranda, Manoel Philomeno de. Nos bastidores da obsessão. Rio de


Janeiro, FEB, 1970-1992. pág. 28
Simonetti, Richard. Quem tem medo da obsessão? pág. 21 e 22
Kardec, Allan. Da obsessão. Em: - O Livro dos Médiuns, p. 280.
Pires, José Herculano. Obsessão, o passe, a doutrinação. São Paulo, Paidéia, 1997. Informações


preliminares


Franco, Divaldo Pereira e Miranda, Manoel Philomeno de. Nos bastidores da obsessão. Rio de
Janeiro, FEB, 1970-1992. pág. 24 e 34.
Reis, Ademar Arthur Chioro dos. Seminário sobre Desobsessão realizado em 3 de julho de 1999 em


Santos no CEBAP – Centro Espírita Beneficente Ângelo Prado.
França, Marina. Obsessão: atendimento inicial. Em: Anais do V SBPE. Santos, Licespe, 1997. pág. 201
Kardec, Allan. O livro dos médiuns. São Paulo, FEESP, 1989. 2a parte, cap. 23, Da Obsessão.
Drubich, Bernardo. Terapeutica de la obsessión: bases del tratamiento. Em: Personalidad y


Reencarnación: problemas existenciales de la reencarnación. Rafaela, 1996. pág. 213
Menezes, Adolfo Bezerra. A loucura sob novo prisma. Rio de Janeiro, FEB, 1963. pág. 171 e 172.
Kardec, Allan. Preces pelos obsidiados. Em: - O Evangelho Segundo o Espiritismo, p. 361.
Kardec, Allan. Os espíritos na Espanha. Em: Revista Espírita - Ano 1865. São Paulo, Edicel. trad. Júlio


Abreu Filho.


Franco, Divaldo Pereira e Miranda, Manoel Philomeno de. Nos bastidores da obsessão. Rio de
Janeiro, FEB, 1970-1992. pág. 110, 32, 106 e 26
Pires, José Herculano. O centro espírita. São Paulo, LAKE, 1987. pág. 7
Reis, Ademar Arthur Chioro dos. Seminário sobre Desobsessão realizado em 3 de julho de 1999 em


Santos no CEBAP – Centro Espírita Beneficente Ângelo Prado.
Di Lucia, Reinaldo. Seminário sobre Desobsessão realizado em 3 de julho de 1999 em Santos no
CEBAP – Centro Espírita Beneficente Ângelo Prado.


(*) Professora de Matemática, arquiteta, cursando aperfeiçoamento em Estatística, membro
do Centro de Estudos Espíritas José Herculano Pires, de S. Paulo, Presidente do CPDoc-
Centro de Pesquisa e Documentação Espírita, delegada da CEPA, em S. Paulo.


OBSESSÃO: ROTEIRO PARA ESTUDO DE CASO

Marina França (apresentadora) (*)
Rosângela Gomes de Souza


Diadema- SP, Brasil

RESUMO

Em geral, na literatura espírita, os casos de obsessão são relatados de formas diferentes,
sem seguir um roteiro, dificultando, assim, uma análise comparativa no que diz respeito a
itens fundamentais para o estudo da obsessão: conceito, diagnóstico, tratamento e
desfecho. Visto que não encontramos, ainda, um modelo sistematizado que sirva de
orientação para os estudos de caso, neste trabalho pretendemos elaborar um roteiro que
nos permita analisar os itens fundamentais sobre o tema obsessão. A partir da revisão
específica da literatura será composto um questionário semi-estruturado para:

1. Caracterização do centro espírita;
2. Caracterização do grupo de desobessão;
3. Caracterização dos participantes do grupo;
4. Roteiro do estudo de caso.
Os itens 1, 2 e 3 dar-nos-ão uma visão geral do grupo que tratou do caso de obsessão
que será estudado. Compõem um primeiro questionário, que terá como principal objetivo
suscitar a reflexão dos centros espíritas sobre pontos relevantes relacionados ao trabalho
voltado para o tratamento da obsessão.

No item 4, objeto de um segundo questionário, serão abordadas as questões relativas ao
caso específico.

Este trabalho faz parte de um contexto maior, uma pesquisa em conjunto com membros
do CPDoc-Centro de Pesquisa e Documentação Espírita e com a colaboração de alguns
centros espíritas para conceituar obsessão e desenvolver uma metodologia para seu
diagnóstico e tratamento. O conjunto de questionários será testado durante a execução
do projeto do CPDoc "Obsessão: conceituação, diagnóstico e tratamento".
Posteriormente serão compostos num roteiro de estudo para casos de obsessão que
poderão ser aplicados em qualquer centro espírita.

1. INTRODUÇÃO
A obsessão é colocada por Kardec no "O Livro dos Médiuns" como sendo o item de
primeira linha que coloca obstáculos e perigos à prática do Espiritismo (item 237),
estando o capítulo XXIII voltado mais para a questão da obsessão mediúnica. Neste
capítulo, Kardec e os espíritos conceituam de forma clara o que é obsessão, relatando
quais são as suas principais variedades e formas de identificá-las.

Em geral, na literatura espírita os casos de obsessão são relatados de formas diferentes,
sem seguir um roteiro, dificultando, assim, uma análise comparativa no que diz respeito a


itens fundamentais para o estudo da obsessão: conceito, diagnóstico, tratamento e
desfecho.

Além do citado acima há uma prática incorporada pelos centros espíritas que pode se
aproximar ou se distanciar, em muito, do que é proposto na doutrina espírita.

O como as pessoas estão fazendo diagnóstico e tratamento da obsessão pode nos
revelar, na prática, qual conceito está internalizado pelas pessoas sobre o que é
obsessão, de que forma estão diagnosticando-a e como a estão tratando.

Na realidade, não sabemos nem mesmo se as pessoas realizam algum diagnóstico, mas,
de alguma forma, elas detectam e tratam algumas pessoas consideradas obsedadas.

Desta forma, como elas realizam tal seleção de pessoas para tratamento? Quais critérios
explícitos ou implícitos utilizam para diagnosticar e tratar os casos de obsessão? Ao
tentar responder estas questões poderemos chegar a captar com que conceito de
obsessão estão lidando.

Fazer os estudos de caso de obsessão é um caminho no sentido de levantar como está
incorporado na prática o conceito de Obsessão, seu diagnóstico e tratamento. Com isto
poderemos chegar a propor um modelo de referência que possibilite a comparação de
vários estudos de casos.

Visto que não encontramos ainda um modelo sistematizado que sirva de orientação para
os estudos de caso, neste trabalho pretendemos elaborar um roteiro que nos permita
analisar os itens fundamentais sobre o tema obsessão.

O atendimento inicial que é oferecido à pessoa que pode estar passando por um
processo de obsessão, é um item fundamental na proposta de estudo de caso, porque
nos leva à questão de como as casas espíritas acolhem inicialmente aqueles que a
procuram em situação de sofrimento.

As autoras partem do princípio de que pesquisar, neste contexto, significa voltar os olhos
para o que se está fazendo, identificando os resultados práticos de cada uma das
atividades do Centro Espírita.

Para tanto, é preciso coragem para rever os nossos atos. Receber as pessoas que
comparecem ao Centro Espírita para minimizar seus sofrimentos precisa de técnica. Não
basta boa vontade. É preciso encontrar pessoas que conheçam a Doutrina Espírita e
saibam se comunicar.

Analisar como as reuniões espíritas são organizadas também constitui um outro fator
importante nesta pesquisa. Kardec dedica o Capítulo XXIX de O Livro dos Médiuns às
reuniões espíritas, oferecendo sugestões de como elas devem ser organizadas, de modo
que todos possam se prevenir com relação à obsessão que, como foi dito no início deste
trabalho, constitui umas das maiores dificuldades do Espiritismo prático.

A questão que fica é a seguinte: as reuniões mediúnicas realizadas pelos Centros
Espíritas são de estudo? Se a resposta a essa pergunta for positiva, perguntamos ainda:
como são feitos os registros destes estudos, para que eles não fiquem restritos ao
próprio círculo? Ou ainda: os integrantes do grupo como se apropriam dos resultados
destes estudos? (anotações, avaliações etc).

A intenção das autoras, portanto, é colaborar nesta pesquisa, de modo que:


1 - as próprias pessoas que procuram os Centros Espíritas participem do processo de
identificação das causas dos seus sofrimentos;

2 - os próprios dirigentes revejam as práticas adotadas, de modo que não venham
também a ser vítimas de espíritos obsessores que, em última análise, prejudicam o
desenvolvimento da pesquisa espírita (item 340 de O Livro dos Médiuns).

Ressaltamos que os centros espíritas que participarem deste projeto serão convidados a
ter um papel ativo, pois haverá muita troca de conhecimento.

A devolutiva dos dados será realizada primeiramente para os grupos pesquisados, onde
os dados serão discutidos no contexto de determinado centro espírita e serão aceitas
sugestões que possam colaborar nos objetivos deste estudo.

Os dados serão discutidos com o centro espírita porque entendemos que isto pode
ajudar as pessoas a fazer uma avaliação do trabalho de desobsessão, podendo se
tornar, inclusive, um dos instrumentos para evitar ou detectar processos obsessivos dos
grupos mediúnicos (item muito ressaltado por Kardec como sendo perigoso à prática da
desobsessão).

Enfim, participar deste processo de estudo e pesquisa será um ato de coragem e
humildade para nós autores, e para os integrantes dos centros espíritas.

A PROPOSTA DESTE TRABALHO

O conjunto de questionários a seguir deverá ser utilizado para montar um perfil dos
usuários do atendimento inicial do centro espírita e do grupo que tratou o caso de
obsessão.

Atendimento Inicial

I. IDENTIFICAÇÃO DO USUÁRIO
Nome: Data nasc.: tel.:
Escolaridade: Estado civil: Profissão:
Endereço: CEP:
Bairro:
Cidade: Estado:

II. Motivo da procura (se a pessoa citar que veio ao centro espírita para minorar um
sofrimento, seja ele qual for, responder também as questões do item IV até item VIII):
porque procurou o centro espírita?
O que espera do atendimento dado pelo centro espírita?



III. Conhece a doutrina espírita:
( ) sim ( ) não
Se sim, como conheceu:
( ) conheceu sozinho


( ) estudou em grupo
Quais grupos espíritas já freqüentou? De que atividades participou?
Que outros grupos religiosos já participou?
Quais livros espíritas já leu?


IV.Quando e como iniciaram os sintomas?

V. Como lida com as contrariedades na vida? (frustrações, perdas, etc)
VI. Histórico familiar.
Existe na família registro de:

1. Dependência química? ( ) sim ( ) não Especificar:_______________________
2. Problemas psiquiátricos? ( ) sim ( ) não Especificar:______________________
3. Algum caso de suicídio? ( ) sim ( ) não Especificar:_______________________
4. Morte recente de algum membro próximo? ( ) sim ( ) não Especificar:________
5. Caso de aborto? ( ) sim ( ) não Especificar:______________________________
VII. Relacionamento familiar:
Especificar como é o relacionamento da pessoa com:
Cônjuge
Pais
Filhos
Vizinhos

VIII. A família tem participação na vida do usuário? Como?
IX. Realiza(ou) algum tratamento médico? ( ) sim ( ) não

Diagnóstico e tempo de duração: _____________________________________

1. Tratamento neurológico: ( ) sim ( ) não Especificar:_______________________
2. Tratamento psicológico: ( ) sim ( ) não Especificar:_______________________
3. Tratamento psiquiátrico: ( ) sim ( ) não Especificar:_______________________
X. Realizou tratamentos alternativos? Especificar:
XI. Participa(ou) de algum grupo religioso, comunitário, etc?
XII. Cite o cotidiano, incluindo as atividades de lazer:
XIII. PLANO DE INTERVENÇÃO DOS DIRIGENTES:
Avaliação dos dirigentes:
Avaliação da equipe espiritual
Perspectiva de trabalho (incluindo a família ou não).


1. Caracterização do centro espírita
Nome do centro espírita:
Endereço completo:
Ano de fundação:
Filiações:
Número de sócios:
Número de salas (especificar para o que são utilizadas):
Atividades desenvolvidas pelo centro espírita (registrar dias e horários para cada tipo de


atividade):
Estudos:
Infância:
Juventude:
Desobsessão:
Assistência espiritual:



Reuniões mediúnicas:
Atividades sociais:
Assistência social:
Eventos:
Cursos outros que não sejam estudos espíritas:
Atividades comunitárias:
Outras atividades:


2. Caracterização do grupo de desobsessão
1. Horário de funcionamento:
2. Freqüência das reuniões:
3. Número de coordenadores:
4. Número de médiuns participantes:
5. Número de espíritos assistidos por sessão:
6. Número de pessoas assistidas por sessão:
7. Número de comunicações:
8. Número de comunicações:
9. Número de comunicações:
10. Número de comunicações:
11. Quantos médiuns são envolvidos no tratamento de cada caso?
12. Como os médiuns são selecionados para participar deste trabalho?
13. Quais as mediunidades possuem?
14. Há pessoas que não são médiuns e participam da reunião? Como?
15. Há grupos voltados para o estudo da doença mental?

4. Caracterização dos participantes do grupo
Dados dos médiuns (ficha individual)
Data de nascimento: Idade:
Sexo:
Há quanto tempo está neste grupo de desobsessão?
Atividade que desenvolve no grupo de desobsessão:
Outras atividades que desenvolve/participa na casa:
Cursos realizados sobre espiritismo (especificar quais e por quanto tempo):
Outros grupos de desobsessão que já participou e por quanto tempo:
Livros ou autores que você estuda(ou) para desenvolver o trabalho de desobsessão:
Aponte quais dificuldades você encontra para realizar o trabalho no grupo de


desobsessão:
Há algo de gratificante em realizar este trabalho? O quê?


5.Roteiro do estudo de caso. Data: ___/____/____
Relato resumido da situação em que chegou a pessoa:
Problemática apresentada pela pessoa ou por algum acompanhante:
Sintomas e queixas físicas relatadas e apresentadas pela pessoa:
Sintomas e queixas psicológicas relatadas e apresentadas pela pessoa:
Relato resumido da história de vida do obsedado:
Relato resumido da história familiar do obsedado:
Idade:
Profissão:


Sexo:
Nacionalidade:



Grau de escolaridade:
Naturalidade:
Como foi realizado o diagnóstico de obsessão:
Qual foi o tratamento proposto para o caso:
Como o obsedado acompanha o tratamento?
Comunicações recebidas (relatar conteúdo):
Doenças físicas e psicológicas relatadas:
Relatar tratamentos médicos, psicológicos, psiquiátricos ou outros:
Relatar o desfecho do caso (sucesso ou fracasso):
Se houve interrupção do tratamento, relatar:


1. Por quê?
2.Qual foi a atitude do centro espírita?
3. BIBLIOGRAFIA
KARDEC, Allan O livro dos médiuns. Araras, Instituto de difusão espírita, 1987. 17a
edição. Tradução de Salvador Gentile da 31a edição francesa.

FRANÇA, Marina. Obsessão atendimento inicial. IN: V Simpósio Brasileiro do
pensamento espírita. Cajamar, São Paulo, novembro, 1997.

(*) Assistente Social, atuando nas áreas de saúde mental, infância e juventude,
coordenadora de atividades mediúnicas.


OBSESSÃO: ATENDIMENTO INICIAL

Marina França

INTRODUÇÃO

Considerando que o tratamento da obsessão tem se constituído num dos principais
motivos que levam uma pessoa a procurar o Centro Espírita, visa este estudo colaborar com
os seus dirigentes no seu atendimento inicial, de modo que ela venha a ter melhoria em sua
qualidade de vida.

É importante frisar que este estudo não tem a pretensão de entrar nos campos difíceis do
diagnóstico da obsessão e dos métodos para seu tratamento, embora parta do princípio de que o
atendimento proposto dependerá de como os dirigentes tratam estas questões no Centro Espírita.

A pesquisa feita girou em tomo das obras de Allan Kardec, por ser ele o fundador do
Espiritismo e um dos que possui mais relatos a respeito do assunto, com situações em que
procurava verificar antes do atendimento se o era mesmo obsessional. São vários os
exemplos citados na Codificação a respeito de pessoas que procuravam os tratamentos
obsessionais, quando na realidade apresentavam distúrbios mentais ocasionados por idéias
fixas, males imaginários ou ainda males originários do modo inadequado de viver, conforme
termos da própria Codificação.

Com base nas contribuições kardequianas, este estudo identifica alguns dos cuidados a
serem tomados pelo dirigente espírita nesses atendimentos e apresenta vários
questionamentos sobre as práticas adotadas atualmente no movimento espírita, conforme
itens abaixo relacionados:

Obsessão e centro espírita

Obsessão e mediunidade

Obsessão e auto-obsessão

Obsessão e loucura

Obsessão e suicídio

Obsessão: conceito

Obsessão: entrevista

Obsessão: cura

OBSESSÃO E CENTRO ESPÍRITA

Há muitos trabalhos desobsessivos cujos dirigentes atuam semelhantemente aos de
exorcismos, sendo os obsessores tratados como demônios a serem expulsos, através de
conversações centralizadas em conselhos repetitivos ou ameaças.

É importante que o dirigente espírita perceba como tem direcionado os trabalhos
desobsessivos, procurando identificar o que move suas ações em cada atividade destes
trabalhos

Se a reunião de desobsessão for considerada um pronto socorro de espíritos sofredores,
onde funcionam as equipes de encarnados e a de desencarnados, sendo esta última a
responsável pelo desenrolar do trabalho, minimizando a importância da equipe de
encarnados, a participação destes acaba ocorrendo sob a forma de submissão, sendo que o
espaço utilizado dificilmente oferecerá condições para o debate e a investigação.

Se a reunião de desobsessão for considerada um campo de estudo com propostas
renovadas de atuação consubstanciadas na prática e na teoria, aí a equipe de encarnados
passa a preponderar sobre a de desencarnados, cabendo-lhe o direcionamento dos trabalhos


desobsessivos, com uma participação ativa em suas diversas fases, almejando a busca
contínua do conhecimento.

A atuação acima descrita só será possível se quem estiver comprometido com o trabalho
desobsessivo, procurar continuamente associar a teoria à prática e vice-versa, não sendo mais
possível aceitar a dicotomia entre as reuniões ditas de estudo e as mediúnicas, diferenciando
até os participantes das mesmas, sendo os das reuniões de estudo chamados de "elitistas" ou
"teóricos", e os das mediúnicas, de "trabalhadores", sem contar a ambivalência de muitos
participantes que, nas reuniões de estudo têm participação ativa e quando presentes nas
mediúnicas atuam submissamente.

No contexto em cuja atuação a teoria estiver associada à prática e viceversa, não cabe
também a dicotomia entre as reuniões de estudo e as mediúnicas, por serem estas igualmente
de estudo, sendo que a produção de materiais a partir destas reuniões podem subsidiar os
grupos que atuam nas demais atividades do Centro Espírita, facilitando uma melhoria nos
atendimentos às pessoas que vêm procurá-lo pelos mais diversos motivos, contribuindo
também com o progresso da pesquisa espírita.

Para iniciar uma avaliação acerca do Centro Espírita na atualidade é de suma importância
recorrer à obra O Livro dos Médiuns1, consultando os capítulos X, XXIII, XXIX e XXX,
onde o Codificador apresenta conceitos, reflexões e/ ou propostas acerca: 1) das possíveis
características das reuniões espíritas; 2) das origens das dificuldades que podem surgir no
transcorrer das reuniões espíritas; 3) dos objetivos das sociedades espíritas; 4) das formas das
sociedades espíritas se organizarem; 5) de como as sociedades espíritas se relacionam. Da
Revista Espírita2, destaco o texto Escassez de Médiuns, sendo este muito útil na organização
dos grupos, iniciantes ou não, que não contam com médiuns dentre os seus participantes.

No 7º Congresso Espírita Estadual promovidos pela União das Sociedades Espíritas do
Estado de São Paulo - USE, em agosto de 1986, foram apresentados trabalhos que contribuem
na avaliação proposta neste trabalho acerca das estruturas dos Centros Espíritas, como:

1 - "A estrutura dos Centros Espíritas de Kardec aos nossos dias"3 ;

2 - "Mudanças Estruturais dos Centros e Grupos Espíritas de Kardec aos nossos dias"4;

3 - O Centro Espírita no século XX5;

J. Herculano Pires6 e Wilson Garcia7 publicaram obras que tratam especificamente sobre o
Centro Espírita.
Há ainda dois estudos realizados recentemente pelo Centro de Pesquisa e Documentação
Espírita - CPDoc, com sede em Santos, que também muito podem contribuir com os
dirigentes espíritas que estão se propondo a reavaliar os trabalhos realizados no Centro
Espírita: o de Reinaldo Di Lucia8, que apresenta "propostas e meios pelos quais a doutrina
espírita pode retomar seu crescimento intelectual, a partir de discussões amplas a serem
realizadas nos próprios centros espíritas e de uma melhor preparação dos recursos humanos"
e o de Mauro Spínola9, onde constam reflexões sobre o papel do Centro Espírita na
sociedade, constituindo este trabalho um "livro que se destina aos dirigentes de Centros Espíritas
e a todos que buscam refletir sobre o papel do Centro Espírita na sociedade".

Quanto a obsessão, relaciono no final os textos onde constam conceitos e relatos sobre
obsessão e desobsessão publicados na coleção da Revista Espírita e demais obras de Allan
Kardec, juntamente com os que tratam da loucura e do suicídio, por estarem estes três temas
intimamente ligados nos textos relacionados, cuja quantidade e importância, principalmente por
muitos ainda não terem sido devidamente explorados, pode constituir material básico para a
elaboração de um Curso Sobre Obsessão no Centro Espírita visando reavaliar as suas práticas.

A relação da mediunidade com a obsessão, por exemplo, é uma prática do movimento
espírita atual que merece ser confrontada com as propostas Kardequianas.


OBSESSÃO E MEDIUNIDADE


Há dirigentes espíritas que orientam pessoas aparentemente obsidiadas a desenvolverem a
mediunidade, considerando inclusive este desenvolvimento como terapêutica no tratamento
obsessional, atemorizando-as de que se não participarem das reuniões mediúnicas serão
vítimas permanentes do processo obsessivo.

O nó inicial que se apresenta em função da prática acima é o de identificar os critérios
adotados para identificar possíveis faculdades mediúnicas, independentemente das pessoas
que recebem esta orientação estarem ou não obsidiadas.

Vejamos o que diz Kardec a respeito:

"Até ao presente não se conhece nenhum diagnóstico para a medi unidade: todos os que
julgamos descobrir são sem valor; experimentar é o único meio de saber se a faculdade
existe."10

Além da forma como realizam muitos dirigentes o diagnóstico mediúnico, o que estou

questionando é a relação entre obsessão e desenvolvimento da mediunidade, bem como o

fato da pessoa proceder esta escolha num período de sua vida em que se encontra bastante

confusa.

Além dos questionamentos acima, outro que faço é o de identificar a lógica de uma pessoa
aparentemente obsidiada freqüentar uma reunião onde o tempo de permanência é em tomo de
duas horas, desconsiderando aspectos como disposição mental para concentração, prece e/ ou
estudo, ingredientes estes que geralmente fazem parte de uma reunião mediúnica? E
considerando até a possibilidade da pessoa atendida optar pelo desenvolvimento da
mediunidade, caso apresente uma faculdade mediúnica bem caracterizada, por lhe ter sido
apresentado como único meio de amenizar o seu sofrimento ou porque ela veio ao Centro
Espírita com a idéia pré-concebida de que a sua melhora está relacionada com o
desenvolvimento da mediunidade, pergunto: O que esperar do uso da mediunidade por
alguém que faz esta opção num momento de desespero e que apresenta perturbações mentais,
sejam elas de caráter obsessivo ou não?

É possível que nesta atitude esteja a intenção de se conseguir adeptos e creio que há
dirigentes espíritas que procedem assim por acreditarem ser o melhor para a pessoa sair do
sofrimento, porém esta atitude precisa ser revista, por desconsiderar a liberdade de escolher
que cada qual deve desenvolver.

Não descarto também a possibilidade da pessoa obsidiada apresentar futuramente uma
faculdade mediúnica bem caracterizada, nem a de existirem médiuns com faculdades
mediúnicas plenamente desenvolvidas tornarem-se médiuns obsidiados, tendo em vista as
causas principais abaixo citadas para atração dos maus espíritos nas comunicações
mediúnicas:

"Em primeiro lugar, as imperfeições morais de toda espécie, porque o mal sempre
simpatiza com o mal; em segundo lugar, a demasiada confiança com que são acolhidas as
suas palavras." 11!

Na Revista Espírital2 é narrada história do Sr. F., moço instruído, de caráter suave e
benevolente, cuja obsessão decorria do fato de um Espírito fazê-lo escrever incessante e
aleatoriamente, apresentando teorias absurdas e prescrições ridículas com aparência de lógica.

Ao receber o Sr. F., Kardec reconheceu sem dificuldades a influência perniciosa em que o
moço se encontrava tanto nas palavras como em certos sinais que a experiência faz
reconhecer, identificando que o espírito obsessor era atraído pela confiança excessiva com
que o Sr. F. acolhia as palavras dos Espíritos, sendo ele uma pessoa boa e honesta.

Para o tratamento, dada a tenacidade do Espírito obsessor, Kardec recorreu a um colega
para auxiliá-lo neste difícil trabalho de persuasão. Quanto ao Sr. F., lhe foram dadas as
seguintes recomendações: 1) entregar-se a um trabalho árduo, com a finalidade de que não


lhe sobrasse tempo para ouvir as más sugestões do obsessor; 2) aprender a dominar-se, sendo
senhor de si mesmo, pois somente assim seria capaz de dominar os maus espíritos; 3)
trabalhar o seu ponto frágil: confiança excessiva em tudo que ouvia.

No final do relato, Kardec salienta não ter sido a mediunidade a causa da obsessão, sendo
ela apenas o meio do inimigo oculto ter se revelado, pois caso o Sr. F. não possuísse a
mediunidade, a obsessão teria se manifestado de outra forma.

A faculdade mediúnica bem conduzida, ao constituir um meio do Espírito obsessor se
manifestar, pode colaborar em diversos tratamentos obsessionais, dependendo do estudo
prévio da Doutrina Espírita, por indicar ela a rota e as precauções a serem tomadas no trato
com os Espíritos, tanto pelo candidato a médium quanto pelos dirigentes espíritas.

Kardec sempre ressalta que fazer espiritismo experimental sem estudo é como fazer
manuseio químico sem saber química, sendo que o exercício da mediunidade nesta situação
pode provocar na pessoa uma invasão de maus espíritos, alertando-nos ainda que as pessoas
obsidiadas não devem desenvolver possíveis faculdades mediúnicas enquanto se apresentar o
processo obsessivo, pois este desenvolvimento pode representar uma forma de abrir as portas
aos espíritos obsessores e forçar o desenvolvimento de uma faculdade, por vezes inexistentes,
também contribui para a piora da situação do obsidiado.13

Em outro texto é analisada a seguinte questão: O exercício da mediunidade pode provocar

o desarranjo da saúde das faculdades mentais ou o exercício da medi unidade pode provocar
em uma pessoa a invasão de maus espíritos e as suas conseqüências?14, ressaltando a
importância de ler O Livro dos Médiuns como receita de procedimentos e percebendo as
questões morais que envolvem as comunicações mediúnicas.
Com o aprendizado do Espiritismo o médium e o dirigente espírita eliminarão as
dificuldades decorrentes da ignorância dos princípios doutrinários e destruirão o domínio dos
maus espíritos provocado por este desconhecimento, adquirindo ambos os meios de se
manterem auto-vigilantes contra as sugestões desses espíritos.

Porém, na prática, o conhecimento do Espiritismo nem sempre oferece condições ao
dirigente espírita de distinguir se uma pessoa em sofrimento está sendo vítima de obsessão ou
se os seus sofrimentos estão ligados a graves patologias clínicas, psicológicas ou
psiquiátricas. É preciso, portanto, lançar mão dos conhecimentos produzidos pelas diversas
áreas da Ciência, pois assim como o entendimento do sofrimento humano não pode ser
limitado a uma abordagem biológica ou psicológica, ele também não deve se limitar a uma
exclusivamente espiritual.

É preciso estar atento à fragilidade humana que faz com que "...todo homem que se dedica
uma especialidade escraviza a ela suas idéias... "15 advertência esta que foi dada por Kardec
com relação aos opositores do Espiritismo, valendo, portanto, o raciocínio inverso, isto é,
para muitos espíritas atuais que ao se dedicarem ao estudo do Espiritismo (ou por não o
conhecerem!) pretenderem que todas questões humanas sejam de sua alçada.

Conseqüentemente, um erro que pode ocorrer no atendimento às pessoas que procuram
ajuda no Centro Espírita é a generalização, atribuindo tudo o que ocorre de ruim à pessoa às
causas espirituais, desconhecendo quem assim procede os relatos kardequianos, onde havia a
preocupação de distinguir os casos de obsessão com os de auto-obsessão ou de loucura,
conforme textos citados nos próximos itens.

OBSESSÃO E AUTO-OBSESSÃO

Kardec cita que, não raro, Espíritos são responsabilizados por maldades de que eles são
inocentes, sendo que muitas doenças e certas aberrações que se lançam à conta de uma causa
oculta, derivam do Espírito do próprio indivíduo. "As contrariedades que de cada um
concentra em si mesmo, principalmente os desgostos amorosos, dão lugar, com freqüência, a


atos excêntricos, que fora errôneo considerar-se fruto da obsessão. O homem não raramente é
o obsessor de si mesmo."16

Um dos correspondentes de Kardec, o Sr. Demeure, cita que uma das provas que o
Espiritismo deveria passar era o de distinguir as obsessões, classificando como simuladas os
casos de pessoas que vão em busca do Centro Espírita para a cura de males imaginários
narrando o caso de uma senhora que recebeu a orientação de "entregar-se aos cuidados da
Medicina Oficial e a se afastar de toda idéia de corresponder-se com os Espíritos."17

É bem verdade que, exceções feitas às consultas aos guias espirituais ou à experiência,
como elementos a auxiliar na identificação da obsessão, nem Kardec nem o Sr. Demeure nos
fornecem maiores informes de como proceder para a realização de tal identificação.

Portanto, um desafio que se apresenta ao dirigente espírita é o de investigar como proceder
esta diferenciação, visando melhorar o atendimento nos Centros Espíritas, escrevendo e
divulgando os resultados desta investigação.

Um outro caso narrado na Codificação é o de uma moça que fora obrigada a se casar com
um homem a quem não amava, causando-lhe uma mágoa muito grande que a levou a um
distúrbio mental, tendo sido internada em função do estado deplorável em que ficou física e
mentalmente.18

O mal daquela moça, segundo o guia espiritual consultado, provinha de uma causa moral e
exclusivamente pessoal. Nem remédios nem obsessão: era a idéia fixa da moça que atraia a
sua volta espíritos inferiores que a envolvia com seus fluidos e alimentava suas idéias fixas,
criando assim um círculo vicioso, impedindo que os fluidos benéficos emitidos através da
prece coletiva a envolvesse. A recomendação da prece como tratamento foi dada pelo guia
espiritual, tendo ela apresentado resultado após um mês de tratamento.

Quanto à auto-obsessão, o estudo do conjunto das comunicações relatadas no livro O Céu

e o Inferno19 que envolveu o atendimento ao Espírito

Julgando-nos sem dúvida com maior poder de conjurar que o padre de sua aldeia, pediu-nos

um conselho. Eis a resposta que obtivemos: A mortandade ou as doenças dos animais desse

homem provém dos seus currais infectados que ele não manda limpar porque isso custa."20

Enfim, o lavrador sofria as conseqüências de sua avareza e de seu desleixo.

OBSESSÃO E LOUCURA

Em vários de seus textos que versam sobre a loucura, Kardec afirma que ela provém de
um estado patológico do cérebro, citando como causa uma predisposição orgânica que
tomaria o cérebro mais ou menos acessível a certas impressões, situação em que uma pessoa
preocupando-se excessivamente com uma coisa, o conteúdo desta preocupação tomar-se-ia
uma idéia fixa.

Portanto, se a pessoa tiver a predisposição orgânica e o Espiritismo for a sua preocupação
dominante, teremos aí o louco espírita, alertando-nos que ....deve-se afastar da prática
mediúnica, por todos os meios possíveis, as que apresentam os menores sinais de excentricidade
nas idéias ou de enfraquecimentos das faculdades mentais, porque são evidentemente
predispostas à loucura, que qualquer motivo de superexcitação pode desenvolver"21, devendo
elas serem orientadas ainda a dirigirem suas preocupações para outras direções.

É importante ressaltar, porém, que os conceitos kardequianos sobre a loucura estão
limitados aos conhecimentos da Psiquiatria da época, embora estes já estejam estreitamente
ligados aos progressos das ciências sociais e da psicologia.

E aí surge outra questão de difícil solução e com pouca investigação no movimento
espírita que é a de diferenciar a loucura orgânica da obsessional:


"Não confundamos a loucura patológica com a obsessão, esta não provém de lesão
alguma cerebral, mas da subjugação que Espíritos malévolos exercem sobre certos
indivíduos, tendo, muitas vezes, as aparências de loucura propriamente dita, sendo ainda que
os casos de obsessão, possessão ou de simples perturbações por Espíritos, quando tratados
como loucura, geralmente se agravam".22

É preciso considerar ainda que muitos adversários da propagação do Espiritismo, atribuem
a este o aumentos dos casos de loucura na população em geral, e Kardec preocupava-se em
responder aos que faziam esta relação como pode ser observado em resposta dada por ele ao
Sr. Burlet, de Lyon que, em janeiro de 1863 havia publicado um trabalho sobre o Espiritismo,
considerando-o como causa de alienação menta1.23

Analisando a Estatística da Loucura 24 publicada pelo Departamento de Saúde da França,
ele faz questão de observar que após o advento do Espiritismo, contrariando os adversários
deste, o número de internações nos asilos psiquiátricos havia diminuído consideravelmente.

E de suma importância constatar que Kardec tira do campo da magia e do Claire apresenta
várias reflexões sobre a auto-desobsessão de um espírito desencarnado e o processo de ajuda
que lhe foi dado na Sociedade Espírita de Paris, que pode auxiliar nos atendimentos a muitas
pessoas que comparecem ao Centro Espírita, guardadas as devidas proporções entre a
educação moral de um desencarnado com a de um encarnado, por ser a segunda mais difícil ,
uma vez que o encarnado encontra-se numa luta constante entre os elementos que o compõe,
espírito e matéria, ficando o raciocínio embotado pelas influências motivadas por interesses
materiais e! ou posição social em que se encontra, enquanto que o desencarnado, mesmo
recebendo uma certa influência material, encontra-se mais livre para a conversão, conforme
alerta o Espírito S. Luís em reflexões intercaladas nos atendimentos feitos à Claire.

Na primeira comunicação, Claire apresenta-se incrédula, desesperada, sentindo o "peso"
do tempo como se estivesse sofrendo as penas eternas e explicando como se aproximou do
médium. Na segunda, ela inicia um processo de reflexão sobre os motivos que a levaram ao
sofrimento: egoísmo, inércia e preocupação excessiva com o próprio bem-estar, conseguindo
destacar a diferença entre o saber e o sentir. Na terceira, exige sintonia constante do médium,
querendo atenção exclusiva, mostrando-se temerosa com a possibilidade de ser abandonada.
Na quarta aprofunda as reflexões sobre o seu modo de viver na última encarnação,
diferenciando a moral divina e a humana. Na quinta, conclui estar mais calma e resignada à
expiação das suas faltas, dizendo que o mal não estaria fora de si e que deveria ser ela mesma
a se transformar em detrimento às coisas exteriores. Na sexta, finalmente, fala de alguém que
não si própria, referindo-se ao sofrimento do marido, demonstrando um início de
preocupação com alguém que não fosse ela própria.

O Espírito S. Luís, ao trazer suas reflexões sobre as causas dos sofrimentos, associa a
solidão de Claire com o fato de não ter ela criado vínculos afetivos, dizendo até que seria um
alívio a existência de um obsessor, pois teria com que se ocupar, tornando-se aí menos infeliz.

Este exemplo pode ser utilizado como parâmetro a muitos atendimentos feitos no Centro
Espírita, sendo muito comum pessoas no período inicial de atendimento solicitarem atenção
exclusiva, sempre tendo algo para conversar com Q dirigente tanto antes como no final da
reunião e até durante a mesma, principalmente se a sua organização (ou desorganização) der
chance a este tipo de interferência.

Outro exemplo que previne quanto à tendência de se atribuir aos Espíritos todas as nossas
contrariedades consta em O Livro dos Médiuns, conforme abaixo:

" ...Certo dia um lavrador nos escreveu que há doze anos todas as desgraças caiam sobre
os seus animais. Ora morriam as vacas ou deixavam de dar leite, ora morriam os cavalos, os
carneiros ou os porcos. Fez muitas novenas que não remediaram o mal, o mesmo se dando
com as missas que mandou rezar e com os exorcismos que mandou fazer. Acreditou, então,
segundo as superstições do campo, que haviam feito algum mal para os seus animais,


sobrenatural tanto a obsessão como a loucura, sendo que esta última pode ser melhor
verificada em uma das afirmações contidas na resposta dada pelos Espíritos à questão 474 de
O Livro dos Espíritos, quando cita: "freqüentemente se tem tomado por criaturas epilépticas
ou loucas, que mais necessitavam de médico do que de exorcismo." 25 E ao analisar as curas
realizadas por Jesus, constatou que tanto naquela época como na da Codificação, atribuía-se à
influência dos demônios todas as enfermidades cujas causas não eram conhecidas,
principalmente a mudez, a epilepsia e a catalepsia.26

Em O Céu e o Inferno27, por sua vez, há a transcrição da Instrução de um Espírito sobre os
Idiotas e os Cretinos 2X dada na Sociedade de Paris, com análise sobre o tema que vai de
encontro aos progressos feitos na área da psiquiatria até o século XIX:

"A loucura não é das leis divinas, pois resultando materialmente da ignorância, da
sordidez e da miséria, pode o homem debelá-ia. Os modernos recursos da higiene, que a
Ciência hoje executa e a todos faculta, tende a destruí-la. Sendo o progresso a condição
expressa da Humanidade, as provações tendem a modificar-se, acompanhando a evolução
dos séculos. "29

Ele discorre ainda sobre os tratamentos aos doentes mentais, reforçando a idéia de que o
homem é responsável por sua doença e de como a propagação da Doutrina Espírita pode
corroborar com a humanização do tratamento a esses doentes.

Os estudos kardequianos mostram o Espiritismo ao lado da Ciência, ao considerar: 1) que
a cura da doença mental começou a sair da prática mágico religiosa somente a partir do
século XV; 2) na história da humanidade sempre houve relatos de doentes mentais e a
explicação sobre a existência deles nunca coube exclusivamente à medicina, havendo
interferência não só da magia e da superstição, mas também de filósofos, teólogos, juristas e
principalmente de políticos.

Até o século XV, segundo dados históricos os quadros patológicos implicavam numa
cumplicidade com o Diabo.30

Na Idade Média, tudo o que ameaçava o poder da Igreja e da Religião tomava-se suspeitos
de heresia, sendo que a doença mental representava o mal vindo do diabo.

No declínio da Idade Média em fogueiras espalhadas pela Europa queimavam-se os
feiticeiros, os mendigos e os doentes mentais.

Para os gregos a doença seria um mal que representava punição ou vingança dos deuses.
Para os hebreus implicava ela igualmente numa punição sendo que a cura caberia a Deus.
Para os cristãos primitivos, a arte médica por ser obra pagã era de origem suspeita, cabendo
ao Cristianismo o poder de se encarregar do homem na sua totalidade: a natureza humana
saída do pecado original era a responsável pelo mal moral e físico, sendo a doença punição
que poderia se transformar num instrumento de salvação ao doente que aceitasse o seu
sofrimento e àquele que lhe assistisse.

E no Renascimento, que começam os primeiros estudos sobre a doença mental, com
destaque para a descrição da melancolia, distinguindo aquela que vem da alma daquela que
vem do corpo, sendo que esta seria curada com a medicina, enquanto que a primeira com
boas palavras.

No século XVI, aponta-se pela primeira vez a influência da hereditariedade na melancolia,
aparecendo também os primeiros estudos sobre a nostalgia, aneroxia, histeria e perda de
memória.

No século XVII aparecem os primeiros estudos sobre o suicídio, relacionando-o com
possíveis doenças mentais, não havendo ainda distinção entre as doenças do corpo com as do
espírito.

O século XVIII caracterizado por exprimir a sua confiança no homem, engrandecido pelo
progresso científico e pela razão, reclama uma atitude mais humana para com os doentes


mentais, sendo neste século que Filipe Pinel31 ao propor a reforma psiquiátrica embasada
num tratamento mais humano aos doentes mentais, não nega a influência das causas morais,
mas não desconhece as influências do meio e as lesões orgânicas, como fatores
preponderantes no diagnóstico e na cura das doenças mentais.

A medicina praticamente entra na fase científica no século XIX, onde se procura a causa
da doença e um meio de combatê-la, pois até então, a cura ainda estava muito ligada a uma
causa sobrenatural, motivo pelo qual o fato da Doutrina Espírita atribuir aos médicos a
função de curar os epilépticos e loucos, demonstra estar ela caminhando junto com a Ciência
da época no tocante às questões de saúde.

Até os dias atuais há muitos dirigentes espíritas tentando tratar a epilepsia, por exemplo,
como uma doença espiritual, doença esta cujo controle teve um avanço considerável por parte
da Medicina neste século.

É bem verdade que estes tipos de tratamento acabam representando alternativas àqueles
que têm dificuldades de utilizar os deficitários serviços de saúde tanto na área pública como
privativa, favorecendo os dirigentes espíritas esta prática ao atribuir causas espirituais a todo
e qualquer mal orgânico.

É comum observar em entrevistas individuais, muitas pessoas ao serem indagadas se
fazem ou fizeram algum tipo de tratamento médico, responderem que fizeram inúmeros,
sendo que de nenhum obtiveram resultados satisfatórios. Porém quando indagadas que tipo
de tratamento realizaram e quanto tempo durou, percebe-se pelas respostas, ou que não
começaram nenhum , ou iniciaram muitos, porém como não obtiveram resultados nos primeiros
dias, desistiram do tratamento.

Um dos trabalhos do dirigente espírita é levar as pessoas a perceberem que todo e
qualquer tratamento, seja ele de ordem física, psíquica ou espiritual, é necessário o empenho
individual, principalmente para os dois últimos, por serem eles de difícil e, muitas vezes,
prolongado diagnóstico, tendo claro que há muitas doenças, de causas desconhecidas cujos
tratamentos estão voltados única e exclusivamente ao controle dos sintomas, não deixando,
por isso, de serem úteis na melhoria de qualidade de vida da pessoa.

Para tanto é importante que o dirigente espírita comece a se familiarizar com o assunto,
estando atento às publicações de pesquisas sobre o mesmo e promovendo palestras e/ ou
debates com profissionais diversos da área de saúde mental, bem como participando de
eventos abertos à população em geral que visam divulgar os avanços nesta área.

Como o suicídio ocorre em 40 a 70% em pacientes psiquiátricos32, a atenção do dirigente
deve ser redobrada, dada a possibilidade de parte desta população procurar o Centro Espírita
facilitando ao dirigente desenvolver um importante trabalho na área de prevenção ao suicídio,
motivo pelo qual o assunto é tratado no próximo item.

OBSESSÃO E SUICÍDIO

Assim como os loucos, os suicidas também eram considerado hereges pela Inquisição na
Idade Média, quando os cadáveres dos suicidas eram exumados para serem pendurados nas
forcas e arrastados sobre as grades com o fim de serem expostos.33

Para entender a loucura, Kardec recorre à Ciência, adotando o mesmo procedimento para
entender o suicídio.

Ao analisar a Estatística de Suicídios34 ocorridos na França no período de 1836 a 1852,
Allan Kardec considera a ocorrência como um mal social, definindo-o como uma verdadeira
calamidade pública e diferencia os suicídios ocorridos por causas puramente fisiológicas
como os efetuados em estado de embriaguez ou de loucura com aqueles que seriam
originários da covardia moral, sendo que estes seriam em número bem maior, embora


reconheça a inexistência de estatísticas oficiais sobre os possíveis motivos que levariam uma
pessoa ao suicídio.

A covardia moral seria conseqüência da incredulidade gerada pela simples dúvida sobre a
vida futura ou da idéia falsa que se tem sobre ela.

Ele atribui ainda à publicidade dada aos suicídios um fator de encorajamento àqueles que
apresentam uma predisposição suicidária, considerando inócuas as descrições detalhadas
sobre as maneiras pelas quais uma pessoa se suicida, podendo estas correrem o risco de
constituir incentivos para outros suicídios.

Na literatura kardequiana há vários relatos de suicídios e suas causas, ora relacionando-o
com a loucura, ora com a sociedade, ora com a incredulidade sobre a vida futura ou sobre as
idéias falsas que se têm sobre esta, ora com o desgosto pela vida, ora com a obsessão, podendo
nestas três últimas o Espiritismo desenvolver uma ação eficaz com relação à prevenção.

Destaco duas comunicações mediúnicas que relacionam a obsessão com o suicídio: a de
Antoine Be1l35, e a de Jean Baptiste Sadoux36, embora esta relação só tenha sido constatada
após os respectivos desencarnes ..

O Sr. Antoine Bell era uma pessoa boa por natureza e trazia consigo uma vaga intuição de
sua inata fraqueza e do motivo que levava aquele espírito obsessor a persegui-lo na última
existência. Para resistir às sugestões do obsessor que o incitava ao suicídio eram necessários

o arrependimento, a prece e a força necessária para vencer esta obsessão, segundo análise
transcrita no final do relato.
Nas perguntas que fazia aos Espíritos suicidas, Kardec preocupava-se em obter
esclarecimentos sobre a natureza dos seus sofrimentos e como poderiam serem ajudados, além
investigar os motivos que levaram aqueles espíritos a anteciparem as suas existências terrenas.

Eram questões com dupla finalidade: a de levar o suicida a refletir sobre a situação em que
se encontrava e a de servir de orientação aos encarnados, sempre evitando detalhes
desnecessários e perguntas feitas por simples curiosidade

Através das respostas dadas pelos espíritos suicidas era possível perceber: 1) que os
sofrimentos estavam longe de serem os mesmos para todos, dependendo eles dos motivos e das
circunstâncias que os levaram a praticarem tal ato; 2) que os locais onde se encontravam
dependiam da evolução individual; 3) a decepção era o único sentimento comum a todos os
suicidas.

Enfim, era mais um assunto que Kardec tirava da magia e da superstição, tratando os
suicidas com indulgência e benevolência, distanciando-se das Doutrinas das Penas Eternas.

O dirigente espírita deve confrontar os tratamentos que têm dados aos espíritos suicidas e às
pessoas que tentam o suicídio com os realizados por Kardec, procurando entender os motivos
pelos quais as pessoas pensam ou tentam tal atitude e identificar como o Centro Espírita pode
colaborar no sentido de apoiar estas criaturas, procurando recorrer às pesquisas feitas a partir
de outras abordagens sobre o tema e descrevendo os resultados de seus atendimentos.

Estudos recentes mostram o suicídio ou a tentativa do mesmo ligado a graves patologias
psiquiátricas, outros sugerem a importância de fatores genéticos e bioquímicos, havendo
ainda outros que incluem como fatores de risco as dificuldades que muitos têm em lidar com
situações conflitantes da vida, como: idade, doenças físicas, mortes, relacionamentos
doentios etc.

Na entrevista inicial, portanto, é importante constarem perguntas identificando se a pessoa
já tentou ou pensou em suicidar, o motivo que a levou a pensar na alternativa do suicídio
como solução aos seus problemas, bem como o que a levou a desistir de tal idéia.

As respostas às questões acima poderão subsidiar as diversas atividades do Centro
Espírita, devendo aquelas que tenham como tema central o suicídio também contar com
profissionais de outras áreas do conhecimento, levando em consideração fatores biológicos,


psicológicos, sócio-ambientais e espirituais.
Os apontamentos feitos no item anterior e nos demais levantam algumas questões que
envolvem o atendimento obsessional no Centro Espírita, tendo eu a clareza de que elas foram
apenas pontuadas e limitadas ao modo de como elas foram tratadas no tempo de Kardec
havendo, portanto, necessidade de serem atualizados e aprofundados.
Isto posto, visando colaborar na proposta da entrevista; inicial, os passos seguintes deste
estudo são: obsessão - conceito; obsessão - entrevista; obsessão - cura.

OBSESSÃO -CONCEITO

"A obsessão é a ação persistente que um mau Espírito exerce sobre um indivíduo ...sua
ação malfazeja faz parte dos flagelos dos quais a humanidade é alvo neste mundo. Apresenta
caracteres muito diferentes, desde uma simples influência moral, sem sinais exteriores
sensíveis, até a perturbação completa do organismo e das faculdades mentais ... a obsessão é
sempre resultado de uma imperfeição moral... Para preservar das doenças fortifica-se o
corpo; para se garantir da obsessão é preciso fortalecer a alma; daí, para o obsidiado, a
necessidade de trabalhar pela sua própria melhoria ..."37

"Os motivos da obsessão variam segundo o caráter do Espírito. às vezes é a prática de
uma vingança contra a pessoa que o magoou na sua vida ou numa existência anterior.
Freqüentemente é apenas o desejo de fazer o mal, pois como sofre, deseja fazer os outros
sofrerem, sentindo uma espécie de prazer em atormentar e humilhar. A impaciência das vítimas
também influi, porque ele vê atingido o seu objetivo, enquanto que a paciência acaba
por cansá-lo. Ao se irritar, mostrando-se zangado, a vítima faz precisamente o que ele quer.
Esses espíritos agem, às vezes, pelo ódio que lhes desperta a inveja do bem, e é por isso que
lançam sua maldade sobre criaturas honestas."38

"Há ainda certas obsessões, sobretudo de pessoas de mérito que fazem parte das provas
a que se acham submetidas. "Por vezes, mesmo, acontece que a obsessão, quando simples,
seja uma tarefa imposta ao obsedado, que deve trabalhar para melhorar o obsessor, como
um pai a um filho vicioso."39

"Existem problemas obsessivos em várias expressões, como os de um encarnado sobre
outro, de um desencarnado sobre outro, de um encarnado sobre um desencarnado, e,
genericamente, deste sobre aquele."40

"Relembrando o texto kardequiano que afirma "não raramente o homem é obsessor de si
mesmo", Suely Caldas Schubert cita ainda a obsessão recíproca, definindo-a como segue:
"Essa característica de reciprocidade transforma-se em verdadeira simbiose, quando dois
serem passam a viver em comunhão de pensamentos e vibrações. Isto ocorre até mesmo
entre os encarnados que se unem através de amor desequilibrado, mantendo um
relacionamento enervante "41 .

Considerando as afirmações sobre obsessão no texto acima, constata-se:

1 -
é ela uma questão de sintonia;

2 -
viver na Terra faz com que todos lhe estejam sujeitos, diferenciando motivos, formas

de manifestação e graus de intensidade;

3 - nem sempre é possível percebê-la;

4 -
o fortalecimento da alma é uma prerrogativa para se livrar dela;

5 -
a melhoria individual é prerrogativa para o fortalecimento da alma;

6 -
a vingança é apenas um dos seus motivos, acompanhada da inveja, do prazer de fazer

o mal, da tarefa de reabilitação do obsessor por parte do obsidiado etc.
7 -
ela pode ser o resultado de encontros aleatórios entre obsessor e obsidiado, estando os
motivos localizados na vida presente;


8 -o modo pelo qual o obsidiado lida com as contrariedades da vida é fator

preponderante na sua persistência;

9 -a auto obsessão constitui-lhe, muitas vezes, uma porta aberta;

10 - na auto, na de encarnado para encarnado e na recíproca, os motivos geralmente estão

localizados na vida presente;

11- relacionamentos mal resolvidos têm grandes probabilidades de constituir futuros

processos obsessivos, além de propiciar a auto-obsessão e a obsessão recíproca no

tempo presente;

12 - as imperfeições morais constituem os verdadeiros obstáculos à sua libertação;

13 - em seu processo não é possível identificar de imediato quem é o culpado e quem é a

vítima.

Conclui-se:

A obsessão é, antes de tudo, uma questão de sintonia provocada pelas imperfeições morais
de todos os envolvidos, pelos relacionamentos mal resolvidos e pelas dificuldades que o
obsidiado apresenta em lidar com as dificuldades da vida.

Portanto:

O trabalho desobsessivo implicará no combate às imperfeições morais, na melhoria do
relacionamento humano e das formas como o obsidiado lida com as contrariedades da vida

E ao dirigente espírita, a partir do motivo que levou a pessoa a procurar ajuda no Centro,

terá a incumbência de levá-la a indagar-se:

1-como devo proceder a minha auto cura?

2 - o que há em mim que atrai os maus espíritos?

3 - como posso melhorar os meus relacionamentos pessoais?

4 - o que fazer para diminuir a minha irritabilidade?

O tema entrevista será tratado no próximo item, por constituir uma proposta ao dirigente
de facilitar-lhe a ação citada no parágrafo acima.

OBSESSÃO: ENTREVISTA42

A ajuda na entrevista, dar-se-á através de uma ou mais conversação, onde o entrevistado
receberá indicações que venham colaborar na percepção dos motivos que as impedem de
serem felizes.

Ao ser estabelecida a relação de ajuda é importante que a entrevista seja feita em um
ambiente adequado para acolhimento da pessoa e seu sofrimento, criando também uma
atmosfera pautada por confiança e respeito.

Para o ambiente adequado deve ser garantido um local onde as condições externas, como
barulho excessivo, não interfiram na relação de ajuda, evitando também interferências
provocadas, como: batidas à porta, pessoas conversando paralelamente etc.

Após localizar o ambiente que ofereça condições mínimas para o atendimento, o dirigente
focalizará a atenção para o objetivo da entrevista, identificando o motivo da procura,
apresentando para si a seguinte questão:

"Qual será o melhor modo de ajudar essa pessoa na situação em que se encontra no Centro
Espírita?"

A resposta à questão acima dependerá da atenção do dirigente às suas condições internas
no transcorrer da entrevista, de modo que elas não venham interferir negativamente nos seus


resultados, bloquear e/ ou afetar a comunicação do entrevistado, tais como:

1 - ele está com problemas pessoais mal-resolvidos, não conseguindo desligar-se da própria

situação, para concentrar-se na entrevista;
2 - as questões abordadas pelo entrevistado incomodam-no profundamente seja porque vão

contra os seus princípios morais seja por coincidirem com seus próprios problemas que

não consegue solucionar ou conviver;

3 - a situação apresentada é tão chocante e desesperadora do ponto de vista do entrevistador

que aviva sua curiosidade, levando-o a questionar ansiosa e incisivamente, e a fazer

perguntas que não tenham por objetivo a ajuda.

Portanto, o entrevistador deverá estar atento: I - a sua expressão corporal, a fim de que o
entrevistado sinta a sua atenção voltada para ele, evitando movimentos e gestos que possam
embaraçá-lo durante a entrevista, como folhear livros ou olhar para o relógio enquanto ele
fala; 2 - à sua disposição mental, afastando pensamentos e problemas diversos, concentrando
a atenção na entrevista e na situação apresentada; 3 - às suas emoções, constatando os
sentimentos que o entrevistado e/ ou situações apresentadas possam despertar em si.

A entrevista, por sua vez, implicará no desenvolvimento de algumas atitudes e/ ou ações
adequadas por parte do entrevistador, como:

I - OUVIR: consiste em estar voltado ao entrevistado tanto corporal, mental comoemocionalmente, evitando interromper a sua verbalização indevidamente. É comum
entrevistadores iniciantes estarem tão preocupados com o que irão falar em seguida que não
conseguem ouvir e absorver o que está acontecendo. O ouvir adequadamente constitui um
agente motivador à verbalização do entrevistado, facilitando a comunicação.

II - FALAR: após ouvir a situação relatada, a intervenção do entrevistador dar-se-á
através do entendimento do motivo pelo qual a pessoa está procurando o Centro Espírita,
através da análise da respostas à seguinte questão:

" - O que ela busca e espera do Centro Espírita?
Para elaboração das perguntas posteriores, recomendo a leitura do texto Perguntas Que Se
Podem Fazer43 que embora tenha como objetivo colaborar com o dirigente na interpelação
aos Espíritos comunicantes em reuniões mediúnicas, o texto pode subsidiá-lo na elaboração
das perguntas a serem feitas às pessoas que procuram o Centro Espírita no tocante à maneira
de perguntar e à natureza das perguntas.
O entrevistador deverá elaborar questões que levem a pessoa a refletir sobre a sua situação
evitando aquelas: I - que tenham por objetivo a satisfação de simples curiosidade; 2 - que
estimulem detalhamentos desnecessários; 3 - que possam propiciar respostas duplas; 4 - mal
formuladas, apressadas e repetitivas.
Ele deverá evitar ainda de realizar as perguntas como se estivesse fazendo um
bombardeio, isto é, lançando-as rápida, incisiva, contundente e incoerentemente, a fim de não
bloquear a comunicação do entrevistado, sendo que este bloqueio também pode ocorrer
quando: 1-há interrupções indevidas no falar do entrevistado, pois estas além de não
demonstrar interesse pelo que ele diz, evidencia a ansiedade do entrevistador ao concluir, por
exemplo, a frase do entrevistado em seu lugar; 2 - o entrevistador fala tanto ou mais que o
entrevistado, intercalando discursos prontos de aconselhamento, sem antes ouvir ou
independentemente do que o entrevistado tem a dizer, demonstrando com isso uma atitude de
autoritarismo, ao agir como um ser superior que deve ser respeitosamente ouvido, não
respeitando os sentimentos do entrevistado.

III - HUMILDADE: esta atitude oferece condições ao entrevistador de perceber que jamais
será capaz de solucionar problema algum de quem quer que seja se a própria pessoa não o
quiser, por deter ela a responsabilidade exclusiva pelas suas escolhas. A humildade caracteriza



se também pela disposição do entrevistador de tomar cada entrevista uma fonte de aprendizado.

IV - FLEXIBILIDADE: representa também um aprendizado constante ao oferecer ao
entrevistado alternativas criativas e liberdade de experimentar certos modos de viver, levando-
os a: 1-perceberem-se como agentes da própria mudança; 2 - a escutarem a si mesmos; 3 encontrarem
paulatinamente as maneiras adequadas de expressarem o que sentem.

Constitui a flexibilidade um aprender a conviver com as diferenças, levando o
entrevistador a evitar ao maniqueísmo de dividir as pessoas entre as boas e as más ou entre
vítimas e algozes, por constituírem estas divisões formas sutis de preconceitos que impedem
a aproximação humana.

V - PERSPICÁCIA E SENSIBILIDADE: necessárias para que o entrevistador, ao
contrário dos espíritos obsessores que atuam nas fragilidades humanas, aprenda a identificar e
atuar no "ponto forte" de quem está atendendo, a fim de que este eleve a sua auto-estima,
adquirindo com isso precondições para o seu fortalecimento interior almejando que não seja
ele derrubado pelo sofrimento

VI - ACONSELHAMENTO: o entrevistador deverá evitar uma atuação através de
ameaças ou pressões, por afastarem estas muitas pessoas da relação de ajuda. No processo de
aconselhamento deverá também estar atento às idéias pré-concebidas e/ ou preconceitos que
venham a contaminar a relação de ajuda. Por exemplo, o dirigente que acredita que todo
alcoolista é um sem-vergonha, numa entrevista com este tipo de viciado corre o risco de ser
induzido a levá-lo ao descrédito, ridicularizando o seu modo de ser, crendo que assim o
entrevistado passará a modificar o seu comportamento.

No aconselhamento, o entrevistador terá como meta contribuir para que a pessoa aprenda
a viver uma vida saudável, adquirindo confiança em si mesma e desenvolvendo a crença em
seu próprio valor. Neste processo também irá adquirindo condições de perceber o que leva o
entrevistado a se sintonizar com o obsessor e como agir para a quebra da sintonia, caso esteja
sendo vítima real de uma obsessão.

É como se a pessoa ao procurar o Centro Espírita estivesse com a vista embaraçada e o
aclaramento de sua visão, pela mudança de direção de seu olhar constituísse a meta do dirigente.

Ou então imaginemos essa pessoa perdida numa floresta, sem uma bússola capaz de lhe
indicar o caminho da saída, estando presa em armadilhas, ora armadas por ela mesma ora por
companheiros de jornada, tendo aí o dirigente a meta de construir com ela um mapa das
armadilhas, de modo que a pessoa se comprometa a encontrar o caminho da saída,
planejando como e quando pedir socorro e estando atenta àquelas armadilhas mais comuns
que faz com que fique emperrada, como:

1 -justificativas externas para a situação em que se encontra, não tomando providência

alguma para escapar da armadilha;
2 -tentativas de esconder tanto de si como de outros que está presa em uma armadilha,

ficando imobilizada com isso;
3 -visão da situação como sendo de responsabilidade de outras pessoas ou de forças alheias

a sua vontade, principalmente as sobrenaturais.
4 -repressão do que sente, não tendo com isso condições de encontrar o caminho da saída.

No aconselhamento o dirigente deverá estar atento às armadilhas que possam surgir para
si no processo de ajuda, tendo como parâmetros:


1 -o conhecimento da Doutrina Espírita, identificando como o seu entendimento poderá

colaborar na melhoria de qualidade de vida da pessoa;
2 -o conhecimento das finalidades das atividades do Centro a fim de distinguir a mais

indicada àquela pessoa na situação em que se encontra;


3 -
a reflexão conjunta sobre os motivos que a levou a procurar o Centro, confrontando suas
expectativas com o posicionamento espírita a respeito das mesmas.

A entrevista poderá representar uma ajuda efetiva à pessoa que, através das informações
recebidas adequadamente, poderá identificar o campo de atuação do Espiritismo, libertando-
se de crenças negativas, expectativas indevidas e idéias pré-concebidas a seu respeito,
identificando o auto-conhecimento como o meio prático e eficaz para se melhorar nesta vida
e resistir ao arrastamento do mal, conforme questões 919 de O Livro dos Espíritos44, constituindo
o estudo destas questões de grande utilidade no processo de alívio do sofrimento
humano, seja de caráter obsessivo ou não.

OBSESSÃO: CURA

A principal arma no combate à obsessão apresentada pelo Espiritismo é o auto-
conhecimento, tendo claro que tanto conhecimento da Doutrina Espírita como o auto-
conhecimento, bem como toda e qualquer realização que o ser humano se propõe, exige:
seriedade, perseverança, isenção de idéias pré-concebidas, enfraquecimento de preconceitos e
desejo sincero de chegar a um resultado.

O auto-conhecimento torna-se também de vital importância na investigação das causas
dos sofrimentos, tornando-se estes transitórios à medida que a pessoa for encontrando um
sentido e uma razão para viver, podendo ele, porém, representar um processo doloroso, ao
fazer com que a pessoa perceba os motivos reais de suas ações. Na questão 9l9-a do Livro
dos Espíritos, por exemplo, menciona que o avarento jamais se considera como tal,
afirmando ele ser econômico. Robin Norwoop em seu livro destinado às mulheres que criam
seus próprios sofrimentos afirma que, muitas vezes, esforços para ajudar alguém podem ser,
na verdade, tentativas de controlar o outro, afirmando que a ajuda, nestas situações representa

o lado ensolarado do controle.
Vejamos o que ela diz:

"Quando fazemos por outra pessoa o que ela pode fazer por si própria, quando
planejamos o futuro de outras pessoas ou suas atividades diárias, quando instigamos,
aconselhamos, lembramos, advertimos ou persuadimos outras pessoas que não sejam lima
criança, quando não conseguimos tolerar no lugar dela as conseqüências de seus atos e tentamos
mudá-los ou impedimos suas conseqüências -isso é controlar."45

E a pessoa quando no exercício do controle deixa de estar em contato com os seus
próprios sentimentos, sendo incapaz de tomar decisões sábias a respeito da própria vida.

Esta análise oferece condições tanto ao entrevistador com ao entrevistado de perceber quais são
os motivos reais que estimulam suas ações, ao colaborar tanto no auto-conhecimento como na
identificação das causas dos sofrimentos, podendo estes serem conseqüências: 1 - da
personalidade inflexível da pessoa, com esquema de vida rígido ou atividades tão rotinizadas,
extremamente exigente consigo própria e com os seus companheiros, sem consciência de que está
sendo responsável e, ao mesmo tempo, vítima de seu próprio modo de ser; 2 - de situações
específicas de crises das quais todos os seres humanos são suscetíveis: perda de emprego, vítima
de violência social, separações conjugais, morte de entes queridos etc., situações estas que estão
mais ligadas às dificuldades que os seres humanos têm em lidar com a perda, devendo esta a
questão a ser trabalhada; 3 - fortalecimento dos preconceitos, onde todos são induzidos a viverem
da mesma maneira, independentemente de crenças, sonhos e aptidões; 4 - de várias situações da
vida cotidiana que podem levar ao estresse, causando vários outros sofrimentos e produzindo,
principalmente, relacionamentos insatisfatórios e, conseqüentemente, infelizes; 5 - da tendência de
encontrar explicações esdrúxulas para as causas dos sofrimentos, negando sua responsabilidade
sobre os acontecimentos da vida; 6 - da falta de habilidade de lidar com as mágoas, ingratidões e
decepções que surgem no transcorrer da vida, transformando-as em práticas obsessivas.


A mudança de estilo de vida que possa ocorrer em função do auto conhecimento constitui
um compromisso com a evolução, e não com a perfeição, pois o compromisso com esta
última implicaria em exigir da pessoa o que não seria possível na situação evolutiva em que
se encontra.

Concluo este trabalho destacando parte do roteiro para a cura da obsessão proposto por J.
Herculano Pires:46

"Reformule o seu conceito do si mesmo. Você não é pobrezinho abandonado no mundo.
Os próprios vermes são protegidos pelas leis naturais. Por que só você não teria proteção?
Tire da mente a idéia de pecado e castigo. O que chamam de pecado é o erro, e o erro pode e
deve ser corrigido ...

" ...As más idéias e os maus pendores existem para você vencê-los, nunca para se
entregar."

"Mude a sua maneira de encarar os semelhantes. Na essência, somos todos iguais. Se ele
está irritado não entre na irritação dele ... "

"Não se considere vítima. Você pode estar sendo algoz sem perceber. Pense nisso
constantemente para melhorar as suas relações com os outros. Viver é permutar. Examine o
que você troca com os outros"

"Você não depende dos outros, depende de sua mente. Mantenha a mente arejada, abra
suas janelas ao mundo, respire com segurança e ande com firmeza ... "

RELAÇÃO DE TEXTOS SOBRE OBSESSÃO, LOUCURA E SUICIDIO
CONTIDOS NA CODIFICAÇAO


01 - KARDEC, Allan. A Loucura e suas causas. Em: -. O Livro dos Espíritos. São Paulo: FEESP, 1989,
4ª, p.42 a 44;

02 -Idem. Influência do Organismo. Em: - O Livro dos Espíritos. São Paulo: FEESP, 1989, 4ª, p. 367 a
375;

03 -Idem. Idiotismo e Loucura. Em: - O Livro dos Espíritos. São Paulo: FEESP, 1989, 4ª, p. 371 a 378;

04 -Idem. Intervenção dos espíritos no mundo corporal. Em: - O Livro dos Espíritos. São Paulo, 1989, 4ª,

p. 200 a 227;
05 - Idem. Loucura, Suicídio e obsessão. Em: - O que é o Espiritismo. Segundo diálogo. Rio de Janeiro:
FEB, 1983, 27ª, p. 111 a 114;
06 -Idem. Sistema de loucura. Em: - O Livro dos Médiuns. Primeira Parte. São Paulo: LAKE, 1988, 44ª,

p. 51;
07 -Idem. Sistema de alucinação. Em: - O Livro dos Médiuns. Primeira Parte. São Paulo: LAKE, 1988, 4
ª, p.51 e 52;
08 -Idem. Inconvenientes e perigos da mediunidade. Em: - O Livro dos Médiuns. Segunda Parte. São
Paulo: LAKE, 1988, 4ª, item 221 (q.l a 5) e item 222, p. 234 a 237;
09 -Idem. Da obsessão. Em: - O Livro dos Médiuns. Segunda Parte. São Paulo: LAKE, 1988, 4ª, p. 274 a
290;
10 -Idem. O suicídio e a loucura. Em: - O Evangelho Segundo o Espiritismo, Cap. V, itens 14 a 17. Rio de
Janeiro: FEB, 1977, 70ª, p.112 a 114;
11- Idem. A melancolia. Em: - O Evangelho Segundo o Espiritismo, Cap. V, item 25. Rio de Janeiro:
FEB, 1977, 70 ª, p.125;
12 - Idem. Reconciliar-se com os adversários. Em: - O Evangelho Segundo o Espiritismo, Cap. X, itens 5 e

6. Rio de Janeiro: FEB, 1977, 70ª p.l77 a 178;
13 - Idem. Os inimigos desencarnados. Em: - O Evangelho Segundo o Espiritismo, Capo XII, itens 5 e 6.
Rio de Janeiro: FEB, 1977, 70ª, p. 206 a 208;
14 - Idem. Prece para afastar os maus espíritos. Em: - O Evangelho Segundo o Espiritismo, Capo XXVIII,
item 16. Rio de Janeiro: FEB, 1977, 70ª, p. 418;
15 - Idem. Prece para pedir a força de resistir a uma tentação. Em: - O Evangelho Segundo o Espiritismo,


Cap. XXVIII, item 20. Rio de Janeiro: FEB, 1977, 70ª, p. 420;

16 - Idem. Prece por um suicida. Em: - O Evangelho Segundo o Espiritismo, Capo XXVIII, item 71. Rio
de Janeiro: FEB, 1977, 70ª, p.445;

17 - Idem. Prece pelos espíritos endurecidos. Em: - O Evangelho Segundo o Espiritismo, Capo XXVIII,
item 75. Rio de Janeiro: FEB, 1977, 70 ª, p.447;

18 -Idem. Preces pelos doentes e pelos obsidiados. Em: - O Evangelho Segundo o Espiritismo, Cap.
XXVIII, itens 77 e 81. Rio de Janeiro: FEB, 1977, 70ª, p. 450 e 451;

19 - Idem. A carne é fraca. Em: O Céu e o Inferno, Primeira Parte, Capo VII. Rio de Janeiro: FEB, 1984,
32ª, p.86 a 89;

20 -Idem. Espíritos suicidas. Em: O Céu e o Inferno, Segunda Parte, Capo Rio de Janeiro: FEB, 1984, 32ª,

p. 295 a 327;
21 -Idem. Instrução de um espírito sobre os idiotas e os cretinos dada na Sociedade de Paris. Em - O Céu e
o Inferno, Segunda Parte, Capo VIII. Rio de Janeiro: FEB, 1984, 32", p. 408 a 410;
22 -Idem. Obsessões e possessões. Em: - A Gênese, Capo Xv. Rio de Janeiro: FEB, 1992, 35ª, p. 304 a
308;

23 -Idem. Possessos. Em: A Gênese, Capo Xv. Rio de Janeiro: FEB, 1992, 35", p. 327 a 331;

24 - Idem. Da obsessão e da possessão. Em: - Obras Póstumas, Primeira Parte Manifestação dos espíritos,

par. 7°. Rio de Janeiro: FEB, 1969, 24ª, p. 67 a 74;

25 -Idem. Obsedados e subjugados. Em: - Revista Espírita, out 1858, p.275 a287;

26 -Idem. Teoria móvel de nossas ações. Em: - Revista Espírita, out 1858, 292 a 294;

27 -Idem. Problemas morais: sobre o suicídio. Em: - Revista Espírita, nov 1858, p. 314 a 315;

28 -Idem. Processos para afastar os maus espíritos. Em: - Revista Espírita, set 1859, p. 251 a 260;

29 -Idem. Uma semente de loucura. Em:- Revista Espírita, jun 1860, p.191 a193;

30 -Idem. História de um danado. Em: - Revista Espírita, fev 1860, p. 52 a 53 (transcrição de um processo

desobsessivo);

31- Idem. O espírito batedor de Aube. Em: - Revista Espírita, jan 1861, p. 24 a 30 (processo desobsessivo à
distância e intervenção familiar);

32-Idem. O espírito de um idiota. Em: - Revista Espírita,jun 1860, p.181 a183; 33 - Idem. Epidemia
demoníaca na Sabóia. Em: - Revista Espírita, abr 1862, p.107 a III (distinção da loucura patológica da
obsessiona1);

34 - Idem. A noiva traída. Em: - Revista Espírita, ma 1860, p. 160.e 161; 35 - Idem. Educação de um
espírito. Em: - Revista Espírita, dez 1860, p. 396 a 400;

36 - Idem. Estatística de suicídios. Em-Revista Espírita, jul1862, p.196 a 202; 37 - Idem. Estudos sobre os
possessos de Morzine - causas da obsessão e meios de combate -art. I. Em: - Revista Espírita, dez 1862, p.

355 a 365; 38 -Idem. Idem - art. 11. Em: - Revista Espírita, jan 1863, p. 1 a 8;

39 -Idem. Idem - art. m. Em: -Revista Espírita, fev 1863, p. 33 a 40;

40 -Idem. Idem. - art. IV Em: - Revista Espírita, ab 1863, p. 99 a 110;

41- Idem. Idem - art. V Em: - Revista Espírita, maio 1863, p. 131 a 140;

42 -Idem. A loucura espírita. Em: - Revista Espírita, fev 1863, p. 50 a 57;

43 -Idem. Ação material dos espíritos sobre o organismo. Em: - Revista Espírita, ag 1863, p. 242 a 244;

44 -Idem. Um caso de possessão - Senhora Julia. Em: Revista Espírita, dez 1863, p. 373 a 377;

45 -Idem. A loucura espírita. Em: - Revista Espírita, fev 1863, p. 50 a 57;

46 -Idem. Um caso de possessão - Senhora Júlia - 2° art. - p. 11 a 17;

47 -Idem. Palestras de além túmu10: Fredegunda. Em: - Revista Espírita, jan 1864, p.17 a 20;

48 -Idem. Variedades: curas de uma obsessão. Em: - Revista Espírita, fev 1864, p. 45 a 46;

49 -Idem. Variedades: a jovem obsedada de Marmande (cont.). Em: Revista Espírita, jun 1864, p. 168 a

172;

50 -Idem. Novos detalhes sobre os possessos de Morzine. Em: - Revista Espírita, ag 1864, p. 225 a 231;

51 -Idem. Nova cura de uma jovem obsedada de Marmande. Em: - Revista Espírita, jan 1865, p. 4 a 19;

52 -Idem. Manifestações diversas - curas: carta do Sr. Delanne. Em: Revista Espírita, ma 1865, p. 138 a

142;


53 -Idem. Variedades: o fumo e a loucura. Em: - Revista Espírita, ma 1865, p.142 a 144;

54 -Idem. Os espíritos na Espanha: cura de uma obsedada em Barcelona. Em: -Revista Espírita,jun 1865,

p.167 a174;
55 -Idem. Curas de obsessões. Em: - Revista Espírita, fev 1866, p. 38 a 42;
56 -Idem. Estatística da loucura. Em: - Revista Espírita. jul1866, p. 204 a 211:
57 -Idem. Grupo curador de Marmande: intervenção dos parentes nas curas. Em: - Revista Espírita, jun
1867, p.l78 a 181;

58 -Idem. Extraído dos manuscritos de um jovem médium bretão - alucinados. Em: - Revista Espírita, fev
1868, p. 33 a 36:
59 -Idem. Suicídio por obsessão. Em: - Revista Espírita. jan 1869, p. 27 a 28;
60 -Idem. Obsessões simuladas. Em: - Revista Espírita.. jan 1869, p. 31 a 32;
61 -Idem. Um caso de loucura causado pelo medo do diabo. Em: - Revista Espírita, fev 1869, p. 43 a 45.


BIBLIOGRAFIA

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FÁVARO, Éder e outros. A estrutura dos centros espíritas de KARDEC aos nossos dias. Em: - idem
GARCIA, Wilson. O centro espírita. 2ª ed. São Paulo, Ed. USE, 1990 KARDEC, Allan. A gênese, os

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SCHUBERT, Suely Caldas. Obsessão e desobsessão. 2ª ed. Rio de Janeiro, Ed. FEB, 1981
SPÍNOLA, Mauro Mesquita de. Centro espírita: uma revisão estrutural. lª ed; Santos, CPDoc, 1997.

NOTAS

1 Allan KARDEC. O Livro dos Médiuns

2 Idem. Revista Espírita, v. 4, ano 1861, p. 47 a 51

3 Eder FÁ V ARO e outros. Em: Congresso Espírita Estadual, 7

4 Antonio Cesar Perri de CARVALHO. Em: Congresso Espírita Estadual, 7 5 Jaci REGIS. Em: Congresso

Espírita Estadual, 7

6 J. Herculano PIRES. O Centro Espírita

7 Wilson GARCIA. O Centro Espírita

8 Reinaldo di LUCIA. O processo de mudanças do Espiritismo. Texto apostilado

9 Mauro de Mesquita SPÍNOLA. Centro espírita: uma revisão estrutural.


10 Allan KARDEC. Meios de comunicação. Em: O que é o espiritismo. Segundo diálogo p.96

11 Allan KARDEC. Processos para afastar maus espíritos. Em: Revista Espírita,v. 2, ano1859, p. 253;

12 Idem. Obsedados e subjugados. Em: Revista Espírita, v.l, ano 1858, p. 275 a 287

13 Idem .. Estudos sobre os possessos de Morzine - Causas da obsessão e meios de combatê-la - art. II.

Em: Revista Espírita, v. 6, ano 1863, p. 6

14 Idem. Estudos sobre os possessos de Morzine - causas da obsessão e meios de combatê-Ia - art. lI. Em: Revista
Espírita, v. 6. ano 1863, p. 8

15 Allan KARDEC. A ciência e o espiritismo. Em: O Livro dos Espíritos, Introdução ao Estudo da

Doutrina Espírita, p. 30 a 32

16 Idem. Da obsessão e da possessão. Em: Obras Póstumas, p.72

17 Idem. Obsessões simuladas. Em: - Revista Espírita, v. 12, ano 1869, p. 31. 1S Idem. Estudos sobre os

possessos de Morzine - Causas da obsessão e meios de combate - II artigo. Em: Revista Espírita, v. 6, ano
1863, p. 5 e 6

19 Allan KARDEC. Espíritos sofredores - Claire. Em: O Céu e o Inferno, p. 285 a327

20 Idem. Da obsessão. Em: - O Livro dos Médiuns, p. 287

21 Allan KARDEC. Inconvenientes e perigos da mediunidade. Em: O Livro dos Médiuns, p. 237

22 Idem. Loucura, suicídio e obsessão. Em: - O que é espiritismo, p. 111

23 Idem. A loucura espírita. Em: Revista Espírita, v. 6, ano 1863, p.50

24 Idem. Estatística da loucura. Em: Revista Espírita, v. 9, ano 1866, p:204

25 Idem. Possessos. Em: O Livro dos Espíritos, p.204

26 Idem. Possessos. Em: A Gênese, capo XIV, p.327 a 331

27 A11an KARDEC. Instrução de um Espírito sobre os idiotas e os cretinos. Em: - O Céu e o Inferno, p.
408 a 410

28 nomenclatura da época pela psiquiatria aos portadores de doenças e de deficiências mentais

29 Allan KARDEC Expiações terrestres. Em: - O Céu e o Inferno, p. 408 a 411

30 Os dados históricos contidos neste texto foram extraídos do livro História da Psiquiatria, de Ives
Pelicier, tradução de Ramiro da Fonseca

31 Filipe Pinel (1745 -1826) em 1793 recebe os serviços de alienados de Bicêtre, sendo este um depósito
de doentes mentais amontoados em condições miseráveis, com os doentes mais agitados em corrente. Inicia o
seu trabalho retirando as cadeias da maior parte dos doentes e esforçando-se por suprimir o regime de cárcere.
Procura classificar os doentes mentais com a maior precisão possível, considerando que a doença pode se
alterar no decurso da vida.

32 Sandra Inês RUSHEL e outros. Marcadores Biológicos do Suicídio. Em: -Informações Psiquiátricas, v.
15, n° 2, p. 62.

33 Ives PELICIER. A maré alta das heresias. Em: - História da Psiquiatria, p. 37

34 AIlan KARDEC. Estatística de suicídios. Em: - Revista Espírita, v. 5, ano 1862, p. 197

35 Idem. Espíritos suicidas - Antoine Bell. Em: - O Céu e o Inferno, p. 323 a 327

36 Idem. Suicídio por obsessão. Em: -RevistaEspírita, v. 12, ano 1869, p. 37 a38

37 Allan KARDEC. Preces pelos obsidiados. Em: - O Evangelho Segundo o Espiritismo, p.361

38 Idem. Da obsessão. Em: - O Livro dos Médiuns, p. 280

39 Idem. Estudos sobre os possessos de Morzine. Em: - Revista Espírita, v. 5.ano 1862, p.365

40 Manoel Philomeno MIRANDA. Sementes da Vida Eterna, psicografia de Divaldo Pereira Franco,
cap.30

41 Suely Caldas SCHUBERT. Obsessão recíproca. Em: - Obsessão e desobsessão, p.38

42 a elaboração deste texto foi feita a partir de consulta ao Livro Entrevista * Ajuda, de Benjamin Alfred.

43 Allan KARDEC. Perguntas que se podem fazer. Em: - O Livro dos médiuns, p. 338 a 341

44 Allan KARDEC. Conhecimento de si mesmo. Em: - O Livro dos Espíritos p.339

45 Robin NORWOOP. Em: - Mulheres que amam demais.

46 as citações deste final de texto foram extraídas do livro Obsessão o passe a doutrinação


PASSES: DISCUSSÃO E PROPOSTAS


1- INTRODUÇÃO:

É possível afirmar, sem medo de erros, que o passe é, juntamente com as reuniões de
desobsessão, a prática efetuada mais freqüentemente nos centros espíritas. Com efeito, é
muito comum ouvir dizer a qualquer pessoa nervosa ou com os mais variados problemas que
ela precisa " tomar um passe " .

Esta prática, apesar de não ser tipicamente espírita, foi introduzida na doutrina através do
próprio Kardec, que, admirador e estudioso do magnetismo, conhecia-a de longa data.
Entretanto, em tese, ela adapta-se plenamente aos princípios básicos do espiritismo, já que se
trata de uma transmissão de energias.

Dentro do movimento espírita atual, os passes são utilizados com os mais diferentes
objetivos: acalmar pessoas irritadiças, principalmente crianças, auxiliar em processos de
desobsessão, e principalmente como prática terapêutica, visando a cura dos mais variados
tipos de doenças físicas ou psicológicas.

O que se observa, no entanto, no movimento espírita brasileiro, é que a prática do passe foi
transformada num ritual religioso, onde a coreografia e a crendice são mais importantes que a
técnica. Além disso, incorporou-se ao movimento, e notadamente ao passe, termos e conceitos
oriundos de filosofias estranhas a ele, principalmente de origem oriental, como é o caso de
CHACRAS e KARMA.

Paralelamente a isto, deve-se anotar que a ciência teve uma evolução muito rápida nos
últimos dois séculos, tendo atualizado sua terminologia e aprofundado seus conceitos, tanto na
área da biologia (entendida aqui como o estudo da vida) quanto na da física (em seu aspecto
energético). Infelizmente, o movimento espírita, na condição de sucessor das teses do
magnetismo, não foi capaz de absorver e desenvolver estas novas idéias, permanecendo
parado na história e à margem do conhecimento científico atual.

Isto posto, consideramos como objetivo deste trabalho aprofundar a discussão a respeito do
passe, analisando não só as práticas observadas em nossos centros espíritas como também
aquilo que tem sido publicado a respeito, seja através de autores encarnados ou
desencarnados, e, em conclusão, propor um mecanismo para sua emissão e absorção,
baseado no avanço do conhecimento científico atual.

Por outro lado, não devemos nos esquecer da metodologia proposta por Kardec para a
codificação do espiritismo, qual seja, o questionamento dos espíritos através de médiuns, com a
comparação das respostas obtidas de diferentes espíritos por diferentes médiuns. O Grupo de
Pesquisas Científicas Ernesto Bozzano, de Santos, São Paulo, iniciou um projeto de pesquisa
usando uma adaptação desta metodologia para o tema em epígrafe, cujo piloto é apresentado
no decorrer da presente monografia.


2- GOLPE DE VISTA HISTÓRICO:

Os passes são derivações diretas das práticas terapêuticas oriundas de diversas formas do
magnetismo, sendo então impossível estudar sua história desvinculando-a da própria história do
magnetismo.

Historicamente, observamos já no Egito a existência dos " Templos do Sono ", cujo objetivo
era obter a cura de diversas doenças através dos sonhos. Em praticamente todas as
civilizações orientais já foi relatado algum tipo de terapêutica baseada em toques, imposição
das mãos e ímãs, notadamente na Índia, Pérsia, Assíria, China e Judéia. Na Grécia, tem-se
relatos de curas obtidas nos " Templos de Esculápio ", as quais baseavam-se em sugestão
através de rituais extremamente complicados, aliados à prática de higiene e a rigorosas dietas.
Nem é preciso dizer dos fenômenos magnético-curadores realizados por Jesus, através da
imposição de mãos, com ênfase na vontade e no merecimento do paciente.

É, entretanto, no século XV que se encontram as primeiras referências a uma transmissão
de energias. Nesse século, um professor de Florença, Ficini, postulava que "os indivíduos
exercem ações uns sobre os outros através de fluidos que passam pelos olhos, sob o domínio
da vontade."1 . No mesmo século, outro italiano, Pomponage, imaginou que "espíritos animais"
podiam escapar dos olhos e de outras partes do corpo para exercerem à distância uma "ação
da alma".

No século seguinte, o suíço Philipus Theofrastus Bombastus von Hohenheim, célebre
alquimista conhecido com o nome de Paracelso, chamou de magnetismo à comunicação, de
um indivíduo a outro, de um fluido que faz parte do fluido universal. Mais tarde, um médico
escocês, W. Maxwell, definiria o agente magnético como " o misterioso princípio de vida que
unifica o corpo e a alma e que se pode comunicar de um indivíduo a outro. " 2. Em seu Traité de
Medecine magnétique, recomendava o máximo cuidado com estas práticas, a seu ver
perigosas, devido "às facilidades em satisfazer a luxúria".

Entretanto, o mais afamado magnetista, e também seu principal divulgador, foi o austríaco
Franz-Anton Mesmer. Já em sua tese de doutorado, expôs as influências dos astros sobre os
indivíduos, exercidas através de um fluido sutil. Em 1775, publica em Viena uma Carta
Explicativa, na qual aplica o princípio Newtoniano da atração universal à idéia do fluido
universal, teorizando que este exerce sobre o corpo efeitos análogos ao do ímã, devido à
presença, nos nervos, de um fluido eletromagnético, ao qual ele denominou "magnetismo
animal". Ele considerava que era possível curar as doenças atuando sobre este estranho fluido.

Em 1779, após estudos profundos e variados, Mesmer publica Mémoire sur le magnétisme
animal, onde postulava a não necessidade do ímã, mas apenas dos PASSES MAGNÉTICOS.
Em 1780 vai para Paris, onde abre um consultório, baseado em práticas não destituídas de um
certo charlatanismo, porém com uma freqüência altíssima: chegava a atender
aproximadamente 300 pacientes por dia, em grupos de 30. Tais práticas, completamente não-
ortodoxas, provocaram fortes protestos da Igreja Católica, o que levou o rei Luís XVI a pedir a
Lavoisier que constituísse uma comissão de inquérito, visando estudar o processo.

Esta comissão verificou que muitos doentes podiam curar-se após tocar uma barra de ferro
que eles julgavam magnetizada (mas que não estava). Alguns sábios concluíram então pela

1 Lantier, Jacques, "O Espiritismo", Coleção Esfinge nº 36, Ed. Edições 70, pg. 29.
2 Lantier, Jacques, opus citatus, pg. 29.



inexistência do fenômeno, postulando a cura através da sugestão: foram chamados de
"animistas". Entretanto, um membro da comissão, o botânico Jussieu, demostrou a existência
da cura sem sugestão, concluindo assim pela existência do fluido; seus partidários passaram a
chamar-se "fluidistas", e esta divisão de idéias permanece até os nossos dias.

Em 1774, um discípulo de Mesmer, o Marquês de Puységur, magnetizando um camponês
por natureza reservado e taciturno, observa-o cair num sono desconhecido, manifestando-se
uma segunda personalidade, alegre e inteligente, que dava mostras de possuir uma espécie de
vidência. Estava descoberto o sonambulismo experimental , e uma conexão entre o
magnetismo e o que viria a chamar-se hipnotismo e percepção extra-sensorial.

Em finais do século XVIII, seguidores de Puységur fundam em Paris os primeiros "Círculos
Magnéticos", os quais, após o fenômeno das mesas girantes, transformar-se-iam em círculos
espíritas. Em 1830, um médico alemão, o Dr. Justinus Kerner, publicou um livro, " La Voyante
de Prevorst ", no qual relatava os estudos que fizera com uma sonâmbula, Frédérique Hauffe, a
qual, em transe hipnótico, possuía faculdades extraordinárias, como, por exemplo, percepção
extra-sensorial, visão de espíritos, predições, etc. Este foi, provavelmente, o primeiro caso de
um médium identificado e estudado com afinco.

Contudo, mesmo com todos estes fenômenos, o magnetismo entra em declínio no último
quarto do século XIX, com o avanço das ciências biológicas (descobertas de Pasteur e Freud) e
físicas (fim do éter e mudança no conceito de fluido). Ainda assim, muitas de suas práticas
foram incorporadas aos movimentos que o seguiram, dentre eles o espiritismo: " O passe, a
câmara de passe, a música magnetizante no ambiente, a água fluídica, a divisão da assistência
em lugares distintos por sexo, a incorporação de temas como o sonambulismo, êxtase, dupla
vista, letargia e catalepsia, etc. e, principalmente, a incorporação da mentalidade assistencialcurativa
na prática espírita (...) corroboram esta afirmação." 3

3- TEORIAS SOBRE O PASSE:

Desde sua incorporação pelo espiritismo, muitos autores espíritas, sejam eles encarnados
ou desencarnados, têm expressado opiniões a respeito do passe e de como é o seu
mecanismo de atuação. Todavia, este tema tem sido sistematicamente ignorado por quaisquer
contraditores, a despeito das pesquisas que já foram realizadas neste campo. Procuraremos
analisar neste capítulo as principais teorias elaboradas, em confronto com os princípios aceitos
por Kardec.

3.1- AUTORES NÃO ESPÍRITAS:

Poucos são os autores não espíritas que se propuseram a falar de passe. Dentre eles, a
quase totalidade pertence a alguma escola filosófica ou religiosa mística ou ocultista, e
normalmente utilizam-se de uma mistura de idéias, ocidentais e orientais, cristãs ou não,
fazendo uma mescla das mais variadas superstições. Citaremos um exemplo:

" Todo passe magnético comporta quatro tempos:

1º) Fechar as mãos sem crispação.

2º) Levá-las ao ponto de partida do trajeto do passe.

3 Chioro dos Reis, Ademar Arthur, "Magnetismo, Vitalismo e o Pensamento de Kardec",
monografia, 1992, pg. 26.


3º) Abri-las com um gesto de projeção procedente de um movimento maleável dos
polegares.

4º) Efetuar o passe propriamente dito, ou seja, descrever, com a ponta dos dedos, a alguns
centímetros da pele, uma linha definida.

Volta-se depois ao primeiro tempo: fecha-se novamente as mãos e recoloca-se no nível de
onde partirá o passe seguinte.

Estes gestos devem ser executados com agilidade, sem a menor rigidez. Deve-se, por outro
lado, dar aos dedos estendidos uma direção mais ou menos perpendicular (e não paralela ou
tangencial) à superfície magnetizada.

Os passes lentos (trinta segundos, pelo menos, da cabeça ao epigástrio) saturam,
sobrecarregam, excitam, entorpecem. É bom não afastar mais de dois centímetros da superfície
do corpo.

Os passes rápidos (5 segundos no máximo para o mesmo percurso) soltam, dispersam,
acalmam, e despertam. Executados da cabeça aos pés, sem descontinuidade, são chamados
"passes de grandes correntes". Sua ação opera uma regularização do conjunto.

Para soltar (para despertar, especialmente) empregam-se os passes transversais, ou seja,
executados do meio do corpo para os lados. (...)

O toque (ou seja, os passes com contato) é um procedimento secundário. seus efeitos são
análogos aos dos passes sem contato. " 4

Pode-se observar claramente os elementos básicos acima descritos. É proposta uma
metodologia de aplicação dos passes claramente mística, sem qualquer embasamento
científico que justifique os rituais e formalismos demonstrados. Não há dúvida que tais ritos
apresentam-se ao paciente, principalmente àqueles que o buscam na condição de última
esperança, como uma prática flagrantemente científica, o que facilita a cura através da
sugestão. Entretanto, do ponto de vista dos mecanismos, nada há que os justifique.

Outros autores utilizam-se de um ponto de vista aparentemente científico para demonstrar
estas idéias, procurando empregar termos e conceitos da física para uma explicação desses
mecanismos:

"No fenômeno da magnetização da água, os nêutrons lentos emitidos pelo corpo encontram
os prótons do núcleo do hidrogênio da água e lhes comunicam uma parte de sua força viva. Há
um choque elástico.

As experiências de Muller com aparelhos elétricos muito sensíveis permitiram uma
verificação experimental desse fato cada vez que foi tentada. (...)

No caso do magnetismo animal curativo, trata-se de um fenômeno complexo, no qual
intervém uma proporção variável de vontade. Junte-se isso a um fenômeno natural, ao qual
atribuímos importância considerável, mas que, por assim dizer, não sabemos aproveitar: a
irradiação cósmica." 5

4 Jagot, Paul-Clément, "Iniciação à arte de curar pelo magnetismo humano", Ed. Pensamento, pg.

21,22.

5 Guéret, André e Oudinot, Pierre, "O Homem e os Imponderáveis", ed. Pensamento, pg. 110


É interessante anotar também as definições, mais imparciais, dos dicionários e
enciclopédias:

"Passe - Ato de passar as mãos repetidamente ante os olhos de uma pessoa para
magnetizá-la, ou sobre uma parte doente de uma pessoa para curá-la." 6

"Passe: ato de passar as mãos repetidas vezes por diante ou por cima de pessoa que se
pretende curar pela força mediúnica." 7

3.2- AUTORES ESPÍRITAS ENCARNADOS:

Dentre os autores encarnados, raros são os que procuraram contribuir para o crescimento
das teorias a respeito do passe. A maioria deles resume-se em ser um mero repetidor das
idéias já relacionadas por outros autores, principalmente os desencarnados, não se
preocupando sequer em reelaborá-las; ou então, há um forte componente de ritualismo e
misticismo. De modo sintomático, as linhas que se escreveram sobre o tema são originadas de
capítulos que tratam de mediunidade curadora. Abaixo citamos alguns textos de autores
encarnados:

" O passe é uma transfusão de fluidos do médium curador ou passista para o doente, ação
essa que pode ser exercida também com fluidos dos espíritos e da própria natureza ou meio
ambiente.

O passe classifica-se em: LONGITUDINAL, ROTATÓRIO, TRANSVERSAL,
PERPENDICULAR e de SOPRO.

O sopro curador é uma modalidade do passe não muito divulgada entre os espíritas.
Entretanto, ele é muito empregado pelo magnetismo na prática vulgar, por quase todos os que
necessitam socorrer os doentes em angústia. " 8

"Mas, mesmo quando equilibrados, em alguns centros, ainda há certos trabalhos em que o
médium é colocado a dar passes por si só, sem a intervenção dos espíritos, atuando com seu
próprio magnetismo.

Trata-se dos passes magnéticos, uma prática desaconselhável (...)" 9

"Quanto à origem dos fluidos administrados durante o tratamento espiritual, podemos dividir
os passes em dois grupos:

1) Passes materiais (magnéticos): São os aplicados pelos operadores encarnados, que a
isso se dedicam, mesmo não sendo médiuns. Consistem na transmissão, pelas mãos ou pelo
sopro, de fluido animal do corpo físico do operador para o doente. (...)

2) Passes espirituais: São os realizados pelos espíritos desencarnados, através dos
médiuns, ou diretamente sobre o perispírito dos enfermos; o que se transfere aos necessitados
não são mais fluidos animais de encarnados, mas outros, mais finos e mais puros do próprio
espírito operante (...)

6 Buarque de Holanda Ferreira, Aurélio, " Novo Dicionário da Língua Portuguesa", Ed. Nova
Fronteira.

7 Enciclopédia Mirador Internacional, vol. II, Dicionário Brasileiro da Língua Portuguesa, pg. 1289

8 Toledo, Wenefledo de, "Passes e curas espirituais", Ed. Pensamento, Lição Décima.

9 Curti, Rino, "O passe (imposição de mãos)", Ed. Lake, 3ª edição, pg. 89.


Para todos os efeitos, fica estabelecido que os passes magnéticos se referem às curas
materiais e os espirituais às perturbações de origem ou fundo espiritual. " 10

"O passe é uma transfusão de energias psíquicas e espirituais; isto é, a passagem de um
para outro indivíduo de uma certa quantidade de energias fluídicas vitais (psíquicas) ou
espirituais propriamente ditas." 11

3.3) AUTORES ESPÍRITAS DESENCARNADOS:

Muitos autores desencarnados, através de obras mediúnicas, já fizeram referência à
aplicação de passes, mas poucos procuraram falar algo sobre sua mecânica. Dentre estes
últimos, destacam-se principalmente André Luiz e Emmanuel, que, através de Chico Xavier,
procuraram, em suas obras, escrever sobre este tema do ponto de vista dos desencarnados.
Citaremos aqui apenas alguns textos de André Luiz, já que, em linhas gerais, não difere muito
da opinião de Emmanuel.

" Tendo mencionado o fenômeno hipnótico em diversas passagens de nossas anotações, a
ele recorreremos, ainda uma vez, para definir o medianeiro do passe magnético por autêntico
representante do magnetizador espiritual, à frente do enfermo.

Estabelecendo o clima de confiança, qual acontece entre o doente e o médico preferido, cria-
se a ligação sutil entre o necessitado e o socorrista, e, por semelhante elo de forças, ainda
imponderáveis no mundo, verte o auxílio da esfera superior, na medida dos créditos de um e de
outro.

Ao toque da energia emanante do passe, com a supervisão dos benfeitores desencarnados,

o próprio enfermo, na pauta da confiança e do merecimento de que dá testemunho, emite
ondas mentais características, assimilando os recursos vitais que recebe, retendo-os na própria
constituição física (...). " 12
"Na maioria dos casos, não precisavam tocar o corpo dos pacientes, de modo direto. Os
recursos magnéticos, aplicados a reduzida distância, penetravam assim mesmo o "halo vital" ou
aura dos doentes, provocando modificações subitâneas.

Os passistas afiguravam-se-nos como duas pilhas humanas deitando raios de espécie
múltipla, a lhes fluírem das mãos, depois de lhes percorrerem a cabeça, ao contato do Irmão
Conrado e de seus colaboradores.

No terreno das vantagens espirituais, é imprescindível que o candidato apresente uma certa
"tensão favorável". Essa tensão decorre da fé. Certo, não nos reportamos ao fanatismo
religioso, ou à cegueira da ignorância, mas sim à atitude de segurança íntima, com reverência e
submissão, diante das Leis Divinas, em cuja sabedoria e amor procuramos arrimo.

O passe é uma transfusão de energias, alterando o campo celular. Vocês sabem que na
própria ciência humana de hoje o átomo não é mais o tijolo indivisível da matéria... que, antes

10 Armond, Edgard, "Passes e Radiações", Ed. Aliança, 24ª edição, cap. 9.
11 Centro Espírita Luz Eterna, Curitiba, "COEM-Centro de Orientação e Educação Mediúnica", vol.
4, "Passe-explicação da mecânica".
12 André Luiz, " Mecanismos da Mediunidade", ed. FEB, 11ª edição, cap. XXII.


dele, encontram-se as linhas de força, aglutinando os princípios subatômicos, e que, antes
desses princípios, surge a vida mental determinante. (...) " 13

É de observar-se que, apesar da linguagem rebuscada e da forte conotação religiosa e
evangélica dos textos mencionados, há uma preocupação em definir-se as formas de ação das
energias envolvidas no passe, bem como dos fenômenos que ocorrem tanto com o doador
quanto com o receptor dessas energias, o que não se observa entre os autores encarnados.

3.4) A POSIÇÃO DE KARDEC:

Relacionamos abaixo alguns dos textos nos quais Kardec trata do tema em pauta:

"A diferença entre o magnetizador, propriamente dito, e o médium curador, é que o primeiro
magnetiza com seu fluido pessoal, e o segundo com o fluido dos espíritos, ao qual serve de
condutor. O magnetismo produzido pelo fluido do homem é o magnetismo humano; o que
provem do fluido dos espíritos é o magnetismo espiritual.

O fluido magnético tem, pois, duas fontes distintas: Os espíritos encarnados e os espíritos
desencarnados. Essa diferença de origem produz uma grande diferença na qualidade do fluido
e nos seus efeitos.

O fluido humano está sempre mais ou menos impregnado das impurezas físicas ou morais
do encarnado; o dos bons espíritos é necessariamente mais puro, e, por isso mesmo, tem
propriedades mais ativas, que acarretam uma cura mais pronta.

Assim, seria um erro considerar o magnetizador como simples máquina de transmitir fluidos.
Por este motivo, seria imprudente submeter-se à ação magnética do primeiro desconhecido.
Abstração feita dos conhecimentos práticos indispensáveis, o fluido do magnetizador é como o
leite de uma nutriz: salutar ou insalubre.

O espírito pode agir diretamente, sem intermediário, sobre um indivíduo, (...) quer para o
aliviar e o curar, se possível, quer para produzir o sono sonambúlico." 14

"Sabe-se que o fluido magnético ordinário pode dar a certas substâncias propriedades
particularmente ativas. Neste caso, age de certo modo como agente químico, modificando o
estado molecular dos corpos; não há, pois, nada de admirar que possa modificar o estado de
certos órgãos (...)" 15

" (...) este gênero de mediunidade (curadora) consiste, principalmente, no dom que possuem
certas pessoas de curar pelo simples toque, pelo olhar, mesmo por um gesto, sem o concurso
de qualquer medicação.

(...) A força magnética reside, sem dúvida, no homem, mas é aumentada pela ação dos
espíritos que ele chama em seu auxílio. Se magnetizas com o propósito de curar, por exemplo,
e invocas um bom espírito que se interessa por ti e pelo teu doente, ele aumenta a tua força e
tua vontade, dirige teu fluido e lhe dá as qualidades necessárias." 16

13 André Luiz, "Nos domínios da mediunidade", 18ª edição, cap. 17.
14 Kardec, Allan, "Revista Espírita", setembro de 1865, ed. Edicel, "Da mediunidade Curadora".
15 Kardec, Allan, "Revista Espírita", janeiro de 1864, ed. Edicel, "Médiuns Curadores".


16 Kardec, Allan, "O Livro dos Médiuns", ed. FEB, 52ª edição, cap. XIV, item 7.



Observa-se facilmente, mesmo nestes textos curtos, as qualidades que fizeram de Kardec o
grande cientista que era. De uma maneira ativa, ele absorve os conceitos do magnetismo, do
qual era adepto, adaptando-os aos postulados espíritas. Não se detém, entretanto, somente
neste aspecto, mas vai mais além, questionando os espíritos e postulando então uma nova
teoria.

Nesta tese, Kardec aventa a possibilidade de os espíritos desencarnados exercerem um
papel ativo no produção do fenômeno de cura por imposição das mãos, misturando suas
próprias energias àquelas do médium, de modo a fornecer ao receptor uma qualidade
energética melhor.

É ainda interessante notar que ele, apesar de frisar constantemente a necessidade de um
aprimoramento contínuo do médium que se propõe a realizar curas, e isto tanto no aspecto
intelectual, da técnica, quanto no moral, o da "intenção boa e coração puro", não se deixa
arrastar pelo religiosismo exacerbado, mantendo sua postura característica em todo o
desenvolvimento da idéia.

Deve ser observado também que Kardec evita o uso do termo passe, substituindo-o, tanto
quanto possível, pelo verbo magnetizar. Esta postura pode indicar que ele, apesar de acatar as
teses da escola magnética, já então considerava esta palavra inadequada, ou então por demais
ligada a outras práticas espúrias, para a doutrina em formação.

4- ALGUMAS PESQUISAS CIENTÍFICAS:

A prática da cura através da imposição de mãos não é privilégio do movimento espírita. De
fato, em muitos países, mesmo aqueles onde a medicina está consideravelmente avançada e
ao alcance de toda a população, observa-se uma considerável presença de curandeiros e
magnetizadores na sociedade, em alguns casos, mesmo em hospitais, e com a conivência das
autoridades médicas.

Este fato levou alguns cientistas, que figuram na ala mais progressista da ciência, a procurar
realizar estudos sobre este fenômeno, mesmo encontrando forte oposição acadêmica em
função dos preconceitos que ainda vicejam neste meio. A posição destes cientistas, em sua
grande maioria não espíritas, é simplesmente a de tentar demonstrar, de maneira inequívoca e,
se possível, através de aparelhagem conveniente, a realidade do fenômeno de cura fora da
terapêutica ortodoxa. Assim, eles não estão preocupados em admitir ou não a existência dos
desencarnados neste processo.

Uma das dificuldades que faz com que os médicos evitem proceder a estas pesquisas está
nos Códigos de Ética Médica da maioria dos países do mundo, os quais consideram irregular, e
portanto passível de penas que podem chegar à cassação do diploma, o uso de práticas
terapêuticas não referendadas pelos processos rigorosamente científicos das academias de
medicina (o que equivale a dizer, sujeito aos seus preconceitos).

Não fosse isto suficiente, há sérias dificuldades nesta pesquisa. Como diz Jeanne P. Rindge,
"Legitimar as curas como paranormais - isto é, aceitas fora dos princípios da ciência - é mais
difícil do que poderia parecer. Uma pessoa enferma não representa uma experiência de
laboratório com todas as variáveis, a não ser a que deseja ver removida, e tampouco a situação


exata pode ser multiplicada pelos números suficientes para obter resultados estatísticos. (...)
Enquanto houver outra hipótese pendente, não existe nenhuma outra prova incontestável." 17

Entretanto, a questão " Pode o método de cura mediante a imposição das mãos surtir
resultados? " ainda incomoda aqueles cientistas mais ousados. Um deles, o Dr. Bernard Grad,
do McGill University's Allen Memorial Institute, idealizou uma pesquisa na qual 48 camundongos
fêmeas, devidamente amansados, tiveram uma quantidade de pele removida das costas. As
feridas sofriam medições e pesagens sistemáticas durante toda a experiência, projetada para
efetuar o acompanhamento de sua cicatrização.

O sujeito testado foi um coronel do exército húngaro aposentado, Oskar Estebany. As
cobaias foram divididas em três grupos: " O primeiro foi testado pelo coronel Estebany numa
gaiola sobre a palma esquerda de sua mão, enquanto que a direita segurava a parte superior
da grade de arame, sem tocar nos animais. O segundo grupo foi tratado de modo idêntico, mas
não pelo curandeiro. O terceiro grupo recebeu um procedimento semelhante, sem tratamento,
porém foi aquecido no mesmo grau daqueles que tinham sido aquecidos ligeiramente pelas
mãos do curandeiro. isto foi feito para verificar se só o calor aceleraria a cura da ferida." 18

Os resultados obtidos com esta experiência demonstraram cabalmente que as feridas do
grupo tratado pelo curandeiro tiveram um coeficiente de cura muito maior que as dos grupos de
controle. Os controles aquecidos não tiveram alteração significativa.

A mesma experiência foi repetida pela Universidade de Manitoba, com 300 cobaias,
obtendo-se resultados consistentes. Descobriu-se também que o cel. Estebany tinha o poder de
influir no crescimento das plantas apenas tratando a água com a qual elas seriam regadas,
mesmo em condições do mais absoluto controle.

Outras pesquisas interessantes utilizaram como agentes um famoso casal de curandeiros
norte americanos, Ambrose e Olga Worrall. Num experimento controlado, solicitou-se a eles
que mentalizassem no desenvolvimento da germinação de uma planta de azevém, enviando-lhe
energia exatamente às 9 horas da noite, no dia 4 de janeiro. Antes que eles iniciassem a
mentalização, a taxa de crescimento do azevém estacionara em 6,25 milésimos de polegada
por hora. Exatamente às 9 horas, o coeficiente começou a elevar-se, até que pela manhã
atingiu o incrível índice de 52,5 milésimos de polegada por hora. Houve um aumento de 840 %,
sendo que os curandeiros encontravam-se a uma distância de 600 milhas do laboratório.

Foram feitas muitas outras pesquisas com este casal, que apresentaram alguns resultados
importantes:

. Utilizando-se uma câmara de bolhas (ou câmara de condensação), era possível detectar
formas de onda paralelamente às mãos dos pacientes, as quais moviam-se conforme suas
mãos eram movimentadas, quando numa mentalização para dentro da câmara.

.
Soluções cúprico-clorídricas, tratadas pelos curandeiros, mantinham sua cor original verde,
mesmo mantidas num ambiente com umidade relativa de 50%, enquanto que as do grupo de
controle transmutavam-se para o azul turquesa característico.

.
Em trabalhos com a magnetização de uma certa quantidade de água, podia-se observar
uma sensível redução na tensão superficial da mesma, bem como uma redução do teor de
hidrogênio composto da ordem de 3 %.

17 Meek, George W., "As curas paranormais", Ed. Pensamento, cap. 13.


Estas pesquisas, realizadas principalmente pelo Dr. Robert N. Miller, de Atlanta, Georgia,
levaram os cientistas a quatro importantes conclusões:

1) Uma energia associada com a cura existe e pode ser medida com instrumentos
adequados.

2) A água que foi tratada por um curandeiro muda a cor da solução de cristal,
proporcionando assim uma indicação da presença desta energia curativa.

3) A água tratada por um curandeiro muda a tensão superficial, a liga de hidrogênio e as
propriedades elétricas da água.

4) Um curandeiro é mais eficiente quando num estado consciente de absoluto relaxamento,
ou seja, na onda alfa.

Entretanto, tais pesquisas, não demonstram cabalmente a possibilidade de uma transmissão
energética de um indivíduo a outro, apesar de a fortalecerem sobremaneira. Não se demostra o
mecanismo de transmissão, e nem mesmo se essa prática é válida enquanto prática
terapêutica.

5- PESQUISAS DO GPCEB:

Em vista da importância deste tema para o espiritismo, ou ao menos para os centros
espíritas, o Grupo de Pesquisas Científicas Ernesto Bozzano (GPCEB), de Santos, projetou e
está realizando uma pesquisa teórica, objetivando um maior conhecimento dele.

Esta pesquisa baseia-se no "método GPCEB", que é, na verdade, uma adaptação do método
clássico adotado por Kardec, em suas conversas com os espíritos, aos dias de hoje. Pode
resumir-se nos pontos abaixo:

.
Realiza-se durante uma reunião de pesquisa mediúnica, que tem lugar no Centro Espírita
Allan Kardec, em Santos, São Paulo, no qual o GPCEB responde pela Diretoria de Pesquisas.
É feita às segundas feiras, das 20 às 22 horas, tendo a presença de 4 médiuns e três
coordenadores, estes últimos membros do grupo.

. Para cada tema escolhido, designa-se um responsável, o qual terá, como primeira
incumbência, a realização de uma pesquisa na bibliografia disponível, com a conseqüente
elaboração de um roteiro de questões a serem respondidas pelos espíritos.

.
Durante a reunião mediúnica, é feita uma evocação pelo tema, solicitando-se a presença
de algum espírito que deseje colaborar conosco. Normalmente, na primeira reunião de cada
roteiro, apresenta-se um dos coordenadores espirituais do trabalho, mais afeitos ao tema em
pauta.

.
Todas as reuniões de pesquisa são gravadas em fita cassete e / ou em vídeo, a fim de
possibilitar sua transcrição posterior para análise e discussão, já que praticamente todas as
comunicações dão-se através de mediunidade psicofônica.

. As mesmas questões são feitas a diferentes espíritos, comunicando-se através de
diferentes médiuns, a fim de que seja feita uma comparação entre as respostas, evitando-se os
problemas que surgiriam da exclusividade.

18 Meek, George W., opus citatus.


.
Ao fim da pesquisa, o responsável elabora um relatório, ou monografia, a qual é divulgada,
primeiramente para a comunidade do centro, e em seguida para toda a comunidade espírita.

No que diz respeito ao tema que ora abordamos, a pesquisa ainda encontra-se em
andamento, razão pela qual consideramos as conclusões e teorias que serão apresentadas não
mais que um resultado piloto destas pesquisas. Estas teorias são de um único espírito, amigo
da casa de muitos anos e, segundo suas próprias palavras, coordenador da reunião de passes
neste centro.

As conclusões fornecidas por este espírito podem ser resumidas nos seguintes tópicos:

1) A maioria dos passes é dada segundo o conceito de passe misto, isto é, uma mescla das
energias de ambos, encarnado e desencarnado. O encarnado pode fazer isto sem a ajuda dos
desencarnados, mas o contrário é muito mais difícil. Normalmente, quando há atuação do
desencarnado sem a presença ostensiva de um doador encarnado, é obtida energia de outros
encarnados que se encontrem pelo local, ou perto dele.

2) A energia transmitida, notadamente a parte que é obtida dos encarnados presentes, é
uma energia vital, não se diferenciando daquela que se transmite à distância. Uma transmissão
que ocorresse sem a presença desta energia vital teria apenas o efeito de uma sugestão, que
procuraria efetivar uma mudança no padrão mental do receptor, para então provocar uma auto-
cura.

3) Apesar de a transmissão poder ser realizada em direção a algum órgão específico do
receptor, o mecanismo de absorção é obrigatoriamente perispiritual. Para os fins que nos
propomos, este termo significa um campo energético, mais ou menos sutil, formado pela ação
do espírito sobre o meio que o cerca. Qualquer recepção de energias é feito por este campo, o
qual, por estar em contato íntimo com as partes componentes do corpo físico, influencia-o e
sofre influência dele. Um estado saudável é obtido quando há harmonia energética entre o
corpo e este campo perispiritual.

4) O ambiente onde está sendo efetuada esta transmissão de energias é uma mistura das
energias dos presentes, em vários graus energéticos, sejam eles encarnados ou
desencarnados. É dele (ambiente) que são retiradas as energias a serem transmitidas neste
processo. Em função disto, a sala só mantém estas energias enquanto permanecerem nela os
doadores, ou seja, durante o processo do passe. Acabado este propósito, as energias
dispersam-se. Esta sala recebe, normalmente, um tratamento especial no sentido de protege-la
de energias espúrias. Isto facilita o trabalho.

5) Os encarnados atuam, fundamentalmente, como dínamos que potencializam a energia do
ambiente, dirigindo-a para o receptor. Atuam, desta forma, não só como doadores, mas na
verdade comandam o processo, direcionados pelos desencarnados. Em razão disto, é
fundamental que estejam em boas condições físicas, e que não dispersem sua atenção. Mas,
mais importante que tudo, é fundamental que tenha um equilíbrio psicológico suficiente, que seu
otimismo, seu estar no mundo seja de alto nível para que ele possa colaborar efetivamente no
trabalho a ser realizado.

6) Quando há, no ambiente, a presença de um doador encarnado com problemas, ele na
verdade coloca-se mais no papel de receptor, já que também está necessitado daquelas
energias. Em função disto, os desencarnados procuram anulá-lo, a fim que ele não prejudique o
trabalho realizado.


7) O resultado do passe, do ponto de vista do receptor, é um equilíbrio temporário, benéfico,
naquele momento, de acordo com o que ele estiver disposto a receber. Para manter este
estado, tornando-o mais longo, quase permanente, é necessário que o encarnado mude o seu
estado mental, isto é, eleve o seu padrão vibratório.

8) A principal interferência significativa no trabalho de passe é a postura de cada um e de
todos os que estiverem presentes naquele momento. Considerando que o passe é também uma
tarefa semi-mediúnica, é necessário que os encarnados abram seu campo mental para permitir
alguma atuação por parte dos desencarnados. Em paralelo, é necessário que o doador prepare-
se para o trabalho, participando dele com a clara finalidade de auxiliar seu próximo, não
deixando que seus problemas particulares interfiram na sua concentração. Já os fatores
ambientais (raios, emissões, luz, barulho, cores, práticas ritualísticas) não interferem na
emissão, a não ser de maneira psicológica, em nível de irritação ou relaxamento, tanto do
emissor quanto do receptor.

9) É possível fazer-se a energização (fluidificação) da água, na medida em que ela, sendo
um solvente universal, pode alterar-se de acordo com as energias recebidas. Contudo, esta não
é uma prática usual, e por isso mesmo não são todos os espíritos que, mesmo tendo condições
de emitir energias através de um passe, saberiam fazê-lo de maneira útil. Ainda assim, tal
energização é momentânea, não tendo sentido algum guardar esta água para ser utilizada
durante algum tempo.

10) A qualificação das energias transmitidas durante um trabalho de passe é feita pelos
encarnados, pela maneira como eles emitem. Não se pode esquecer que a energia transmitida
é a resultante do conjunto que se forma pelas emissões de todos os que estão presentes
naquele ambiente. Assim, o máximo que os desencarnados podem fazer é limitar as emissões
daquele(s) que não estiver(em) bem, mas este processo também não é perfeito.

11) No que diz respeito à quantidade, o que ocorre na realidade é a intensificação do campo
energético formado, em razão da própria vontade da pessoa de doar sua energia. Essa
intensificação é, de alguma forma, física também, já que os órgãos dos encarnados são
considerados como dínamos. Entretanto, se não houver harmonia no grupo, esta intensificação
fica prejudicada.

12) Com relação aos passes aplicados sobre animais e plantas, pode-se dizer que apenas a
parcela puramente física (vital) da emissão pode, de algum modo, ser absorvida. Sendo os
vegetais e animais substancialmente diferentes do homem, não é possível aproveitar de modo
completo esta emissão.

6- PROPOSTAS:

É interessante observar que, infelizmente, os estudos sobre o passe, ou qualquer outra
emissão energética, não sofreram as atualizações que poderiam, com os avanços da ciência.
Isto, aliás, é muito comum em todo o meio espírita, o que tem contribuído sobremaneira para o
isolamento do espiritismo das fontes vivas da cultura.

Especificamente no que diz respeito ao tema em estudo, procuraremos fazer algumas
considerações comparando as teses descritas acima com aquilo que a prática científica trouxe
de novo ao mundo.

Primeiramente, é preciso que façamos uma revisão de toda a terminologia utilizada para
exprimir este fenômeno. Com efeito, não é mais admissível que usemos os termos fluido,


passista, chakras, só para citar alguns, sob pena de não conseguirmos exprimir de maneira
clara os conceitos envolvidos. Mesmo a palavra passe, usada universal e historicamente, já
pode ser considerada ultrapassada, e até Kardec evitou seu uso.

Outro perigo, neste aspecto, é a mistura de termos, procurando exprimir algo novo com as
mesmas palavras anteriormente utilizadas. Assim, por exemplo, o termo fluido espiritual é um
paradoxo, já que fluido designa exclusivamente as energias intrínsecas do campo material,
incompatíveis, portanto, com o adjetivo espiritual.

Isto posto, fazemos aqui algumas propostas, no tocante à terminologia:

.
É preciso, absolutamente necessário, acabar de vez com o uso do termo fluido,
substituindo-o por energia, conforme já detalhado em outra monografia, " Relações matéria-
espírito: Uma discussão teórica ".

. É interessante substituir o termo passe, talvez por emissão energética próxima - EEP -
(para diferenciá-la da emissão energética à distância - EED, ou irradiação).

.
Os doadores de energia tanto podem ser encarnados ou desencarnados. Assim, é
conveniente substituir o termo passista ou mesmo fluidoterapêuta, por emissor encarnado (EE)
e emissor desencarnado (ED).

.
Apesar de que, normalmente, quem procura o passe o faz devido a algum desajuste físico
ou psíquico, não consideramos conveniente o uso de paciente. O termo receptor ajusta-se
melhor à posição da pessoa neste momento.

Feitas estas sugestões, consideramos fundamental que, para que a EEP perca esse caráter
de misticismo e ritual que hoje o acompanha, ela passe a ser encarada como uma técnica de
auxílio a pessoas portadoras de qualquer desequilíbrio energético, quer provocando alterações
somáticas, quer psíquicas. Deste ponto de vista, torna-se imprescindível que os EE sejam
convenientemente instruídos, tanto sob o aspecto teórico quanto prático, a fim de poder realizar
do melhor modo possível esta emissão. Esta necessidade, já alertada por Kardec em alguns
textos, foi contudo sistematicamente ignorada, até hoje, pela maioria dos espíritas.

No entanto, é imprescindível que tal treinamento seja feito com base nos conceitos
referendados por pesquisas, e não em opiniões pessoais deste ou daquele dirigente, e menos
ainda com a incorporação de teorias e técnicas estranhas. Não se deve perder de vista que,
sendo uma transmissão energética realizada de campo perispiritual a campo perispiritual, as
únicas influências significativas neste processo são a vontade de ser útil e as condições físicas
e mentais, tanto do EE quanto do receptor.

Assim sendo, não há a menor necessidade de efetuar-se uma coreografia especial, a fim de
mais facilmente localizar estas energias. Menos ainda é necessário "efetuar uma limpeza
psíquica" antes de efetivar a emissão. Também não há importância em se manter cruzadas
qualquer parte do corpo, tais como braços e pernas. O que importa é a postura mental com que
se participa do processo.

Encerrando, fazemos uma sugestão de como se processa a EEP, no que diz respeito ao seu
mecanismo de ação:

A componente material do homem é formada por um continuum energético, diferenciando-se
cada estrutura pelo seu nível de energia próprio. Assim sendo, existem energias mais ligadas
ao corpo físico, de nível mais baixo, as quais são possíveis de serem emitidas num processo de
EEP para um ou mais receptores. Tais energias são exclusivas dos encarnados que participam


do processo. Da mesma forma, há energias mais ligadas ao corpo perispiritual, as quais,
mesmo possuindo um nível maior que aquele anterior, têm uma gradação quase infinita,
dependendo fundamentalmente daquilo que é cada espírito envolvido. Essas energias, também
passíveis de emissão, não são privilégio único dos encarnados.

A união destas formas energéticas características a cada espírito forma aquilo que se pode
chamar o seu campo energético próprio. Numa reunião de EEP, todos estes campos somam-
se, formando o campo característico daquela reunião, aquilo que se costuma chamar de
"atmosfera". Quando um receptor adentra a sala, o seu campo energético interage com o
campo da reunião, e, através da vontade dos EE e ED, estabelece-se um fluxo energético em
sua direção. Na medida em que o receptor permanece com uma postura receptiva, ele abre seu
campo energético próprio a essa interação, e então ocorre um equilíbrio entre os campos,
benéfico ao receptor.

A diferença que se observa entre este tipo de emissão e a EED é que, nesta ultima, o campo
energético característico dos encarnados forma um canal de transmissão, através do qual são
projetadas as energias direcionadas aos diversos receptores.

Na EEP, os desencarnados participam ativamente do processo, seja preparando o ambiente
onde se realizará a emissão, seja colaborando na formação do campo da reunião, seja
incentivando emissores e receptores a colocarem-se melhor, a fim de tornar o trabalho mais
produtivo, para uns e para outros. Entretanto, eles sozinhos não podem manter uma reunião
deste tipo, conforme já havia postulado André Luiz.

7- CONCLUSÃO:

Pudemos observar, no decorrer deste trabalho, que a EEP é um fato real, que pode ser de
grande valia como auxílio a todos aqueles que se encontram em diversos estados de
desequilíbrio, brando ou grave. É preciso, porém, remover dele a aura de superstição e
misticismo que o envolve, e que pode comprometer não somente este trabalho específico, mas
toda a Doutrina Espírita.

Entretanto, observa-se também que, por mais que os espíritas venham praticando a EEP
durante aproximadamente um século, muito pouco se sabe do mecanismo que a envolve. A
principal razão disto é a falta de estudos que, infelizmente caracteriza o espiritismo no Brasil. É
necessário, pois que sejam efetivados estudos e pesquisas sistemáticos para o esclarecimento
deste problema.

A nosso ver, tais pesquisas podem ser realizadas utilizando-se o cabedal de conhecimentos
que a física põe diante de nós, já que estas emissões, característicamente materiais, podem
muito bem ser exploradas desta forma. Para tanto, é preciso que tanto os cientistas quanto as
instituições espíritas convençam-se desta necessidade, providenciando recursos necessários,
tanto materiais quanto humanos.

REINALDO DI LUCIA



Perispírito - Uma visão do século XX

Reinaldo de Lucia

INTRODUÇÃO

O conceito de perispírito foi introduzido por Allan Kardec ao formular a filosofia espírita a partir
da observação experimental (de fenômenos físicos tais como a materialização) e da afirmação
dos espíritos que possuíam um corpo, que lhes permitia identificarem-se como seres
individuais que sobreviveram à morte do corpo físico.

Essa idéia foi rapidamente assimilada pelos pensadores da época, principalmente por aqueles
que assumiram a doutrina espírita, uma vez que respondia a inúmeras questões que a própria
ciência ainda deixava em aberto. Em função disto, muitas funções que deveriam ser atribuídas
ao espírito, por serem referentes à inteligência do ser, o foram ao perispírito.

Isto acabou criando no movimento espírita um conjunto de idéias a respeito do tema que, com o
avanço do conhecimento científico em campos como os da física, da biologia e da genética,
apresentam-se hoje ultrapassados. Ao mesmo tempo, tal conjunto de idéias é usado como
suporte para a manutenção de conceitos errôneos sobre as bases filosófica do espiritismo.

O propósito deste trabalho é a partir de um histórico sobre as idéias que levaram ao
desenvolvimento do conceito perispírito e da avaliação da evolução do pensamento científico
desde o início deste século XX, analisar criticamente os postulados de diversos autores
espíritas sobre o tema (encarnados e desencarnados) e propor um novo modelo teórico, a
título de hipótese, para a.natureza; formação, propriedades e funções do perispírito.

A intenção mais ampla é que uma melhor compreensão sobre este assunto possa clarear
alguns outros temas polêmicos da doutrina espírita, tais como as emissões, energéticas, as
curas espirituais e paranormais, as relações entre espíritos encarnados e desencarnados, o
problema da obsessão e os diversos gêneros de comunicações mediúnicas. Propõe-se que
inicie-se um debate em todos os setores da comunidade espírita sobre o tema,visando o
fortalecimento dos novos conceitos.

1- Novos conceitos da física

É de fundamental importância que conceitos do campo da física, alguns deles trazidos à luz
pela chamada física moderna (desenvolvida após a morte de Kardec) sejam, ainda que
superficialmente, compreendidos. Isto porque, de acordo com a teoria que se pretende
apresentar neste trabalho, algumas das idéias de Kardec sobre o perispírito podem sofrer
sensíveis modificações a partir do desenvolvimento destes conceitos.

O primeiro deles é o de energia. No século XX, tornou-se muito difícil prover uma única
definição de energia, que seja abrangente e independa do campo de estudo. A definição
tradicional, de energia como a capacidade de realizar trabalho, é restrita à parte da física
conhecida como Mecânica. Como diz o prof. Alberto Ricardo Präss:

"Usando apenas a experiência do nosso cotidiano, poderíamos conceituar energia como "algo
que é capaz de originar mudanças no mundo". 1


Este conceito é de importância capital para este estudo do perispírito. É importante frisar que,
desde que Einstein popularizou a célebre fórmula da interrelação entre matéria e energia
(E=m.c2),o termo energia tornou-se cada vez mais conhecido e empregado, muitas vezes
sema devida atenção à idéia que é (ou deveria ser) expressa por esta palavra.

No movimento espírita, o termo energia muitas vezes é empregado para designar uma
quantidade qualquer de força que pode; de algum modo, atuar sobre o corpo o perispírito ou o
espírito, para a cura de doenças e outros fenômenos semelhantes.

É bastante comum o uso da expressão energias espirituais, que deve ser acompanhado de um
grande cuidado: lembrar-se que energia é matéria. Se com esta expressão se quiser denominar
um grupo de energias distintas daquelas que são características da matéria mais densa (como,
por exemplo, o corpo físico-), seu uso é possível. Mas, apesar de estas energias serem acionadas
pela vontade do espírito, que as pode manipular a seu critério, elas não são parte do espírito, não
participam de sua essência; enfim são partes constituintes do princípio material.

Para efeito deste trabalho, adotar-se-á a definição descrita acima: energia é alguma coisa

capaz de provocar transformações no mundo, seja este o mundo corpóreo ou incorpóreo.
Outro conceito físico importante é o de campo. Campo pode ser definido com e uma área ao
redor de um objeto, na qual uma interação eletro magnética ou gravitacional é exercida sobre
outros objetos; é o que se poderia chamar de um lugar geométrico. Apesar de o conceito de
campo ter sido usado pela primeira vez por Isaac Newton, em sua teoria da Gravitação
Universal, e já ser empregado por Faraday em meados do século XIX para explicar forças
eletromagnéticas, foi com Maxwell, um físico escocês da mesmo século, que o conceito de
campo tornou-se fundamental na teoria eletromagnética (como lançamento do Tratado sobre a
eletricidade e o magnetismo, em 1873), tende sido empregado de modo amplo na física
moderna do século XX.

A força de um campo, ou seja, a quantidade física medida no espaço ao redor do objeto que
lhe dá origem depende fundamentalmente de dois parâmetros: o valor da quantidade física do
objeto e a sua distância do ponto de medição. No caso de um campo eletromagnético, por
exemplo, o objeto que origina o campo é uma carga eletromagnética pontual, e a força é tanto
maior quanto maior for o valor da carga e tanto menor quanto maior fora distância dela.

objeto campo
Com a comprovação experimental da teoria dos campos, a física percebeu que o termo força,
até então usado para definir a ação exercida por um corpo sobre outro era inadequada, uma
vez que dá a idéia de um objeto a gente (ou seja, aquele que efetivamente exerce a ação,
ativo) e um que, inerte, limitar-se-ia a receber esta influência. O que ocorre na verdade é uma
ação recíproca de um corpo sobre o outro. O termo mais empregado hodiemamente é
interação, que exprime melhor o conceito físico.


Importantes, também, são os conceitos ligados à mecânica ondulatória. Um dos modos pelos
quais a energia e a informação são transmitidas de um dado ponto a outro no Universo são as
ondas, as quais podem ser representadas como segue:


O ponto mais alto de uma onda chama-secrista, e o mais baixo, vale. A distância entre duas
cristas consecutivas é chamada de comprimento de onda (1), e é uma das características
fundamentais da ondulatória. Juntamente coma freqüência, ou seja, o número de cristas por
unidade de tempo, e a amplitude, a distância entre uma crista e um vale consecutivos,
caracterizam qualquer onda:"


Matematicamente, a relação entre a freqüência e o comprimento de onda é inversamente
proporcional:


Os conceitos de freqüência, comprimento de onda e amplitude, aliados aos de energia e
campo, serão) fundamentais para o entendimento do perispírito em bases cientificas atuais.

2 - Histórico de um envoltório da alma

A crença em uma alma imortal é tão antiga quanto as civilizações humanas. Talvez porque

o homem via seus mortos em sonhos, ou porque aparições destes mesmos mortos, mesmo
em vigília, acontecessem, o fato é que as idéias absolutamente materialistas da morte como
fim de toda a individualidade são bastante recentes, tendo-se firmado apenas na Idade
Contemporânea.
Este fato é corroborado pelas pesquisas arqueológicas que mostram período megalítico (a
chamada Idade da Pedra Polida). O homem tinha o costume de sepultar seus mortos com
armas e pertences. Posteriormente, as civilizações que deixaram algo escrito confirmam, todas
elas, esta conclusão.

Tão antiga quanto a crença na alma imortal é a crença de que esta possui um envoltório,
um tipo de "segundo corpo" que, de alguma forma, acompanha-a permanência no além. Em


muitas civilizações antigas esta idéia permanece. Entretanto em algumas delas, este conceito
difere frontalmente daquilo que entendemos hoje, por um mero envoltório.

Na índia, por exemplo. O bramanismo fala de um "corpo sutil", chamado suksmasarira.
Este corpo, porém, não é um mero envoltório, como se fosse uma "roupa" que seria usada por
uma alma. Nesta filosofia, o verdadeiro Eu, que constitui a individualidade, a essência de tudo

o que somos ou sabemos, chama-se atman, ou brahma. Este Eu fica envolto pelo corpo sutil
(suksma-sarira), que e composto pelos elementos pertencentes à esfera mutável da psique, ou
seja, os pensamentos, emoções, sentimentos e percepções, Finalmente, há o corpo denso "
nervos e órgãos tangíveis que são os receptáculos e veículos do processo vital manifestado".2
Como se pode perceber, o conceito de corpo sutil do bramanismo difere essencialmente
daquele de perispírito adotado tradicionalmente pela doutrina espírita. Tais conceitos orientais
são, via de regra, de muito difícil compreensão pelas mentes ocidentais, razão pelas quais são,
normalmente, bastante deturpados.

Também no Egito há registros desse envoltório:

"O corpo, dizia o egípcio, era habitado por um duplo de nome Ka, e também por uma alma
que pousava no corpo como um passarinho na árvore. Todos três – corpo - Ka e alma –
sobreviviam à morte, enquanto o cadáver não desaparecesse na dissolução".3

Segundo Dellane4, tais crenças num envoltório da alma permeiam todo o mundo antigo. Na
China antiga, Confúcio dizia que "(...) a essência dos Koûci-Chin (espíritos diversos) não pode
deixar de manifestar-se sob uma forma qualquer. O Zoroastrismo persa fala dos ferúers que,
sem serem propriamente um envoltório, posto que possuíam uma certa inteligência
independente, estavam, cada um, destinados a um ser humano. A cabala judaica chama de
Nephesh o corpo fluídico do principio pensante.

Na Grécia também disseminava-se a idéia de um envoltório da alma:

"O claro gênio dos gregos percebeu a necessidade de um intermediário entre a alma e, o
corpo. Para explicar a união da alma imaterial com do corpo terrestre, os filósofos da Hélade
reconheceram a existência de uma substância mista, denominada Ochema, que lhe servia de
envoltório e que os oráculos denominavam o veículo leve, o corpo luminoso, o carro sutil.
Falando daquilo que move a matéria, diz Hipócrates que o movimento é devido a uma força
imortal, ignis a que dá o nome de enormon, ou corpo fluídico".5

Na mais conhecida Tradição do misticismo que se disseminou no Ocidente, a Teosofia, o
homem possui sete corpos: o físico, o astral, o mental, o búdico, o nirvânico, o paranirvânico, e

o mahaparanirvânico6, cada um com suas atribuições especificas. Alguns ainda descrevem um
corpo etérico, que seria o campo vital associado ao corpo físico, e que poderia ser visto pelos
clarividentes como uma espécie de aura7.
3 - A posição do espiritismo

Todas estas crenças de um envoltório, um corpo para a alma de alguma forma
influenciaram Kardec quando da elaboração do espiritismo. Assim, numa das perguntas do
Livro dos Espíritos, Kardec é informado que o espírito

"tem a envolvê-lo uma substância, que é vaporosa para ti, mas bastante grosseira para nós"8


Sendo um homem de espírito cientifico, Kardec foi buscar na ciência o nome para tal
envoltório, chamando-o de perispírito, à semelhança do perisperma que envolve as sementes
dos frutos.

As principais idéias desenvolvidas por Kardec sobre o perispirito nada falam sobre a
constituição da energia de que é composto, mas atenta principalmente para suas funções e
propriedades. Resume-se no seguinte:

O perispirito é o liame que, no homem, liga o Espírito ao corpo físico. Tem por função agir
como intermediário entre eles:

"O liame ou perispirito que une corpo e Espírito é uma espécie de invólucro semimaterial. A
morte é a destruição do invólucro mais grosseiro. O Espírito conserva o segundo, que
constitui para ele um corpo etéreo, invisível para nós no seu estado normal, mas que ele pode
tornar acidentalmente visível, e mesmo tangível, como se verifica nos fenômenos de
aparição".9

Tal envoltório é tomado do fluído universal de cada globo, não sendo assim o mesmo em
todos os mundos. Quando os Espíritos de mundos superiores vão aos inferiores, revestem-se
da matéria própria deste último. Toma qualquer forma, ao arbítrio do Espírito.

Vem de Kardec a conceituação do perispirito como um elo intermediário entre o corpo físico
e o espírito, indispensável tanto para fazer o espírito agir, sobre quanto para que aquele
receba as impressões experimentadas por este. Esta idéia tomou tal forma em todo o
movimento espírita brasileiro que, pode-se dizer, é o único motivo que os espíritas acham para
a existência do perispirito.

Mas em nenhum ponto de suas obras Kardec refere-se ao perispírito como algo diferente
da matéria. Deve-se lembrar que, para a teoria espírita. O Universo compõe-se única e
dualmente de dois princípios básicos: o espírito, inteligente e responsável por todos os
fenômenos intelectivos, e a matéria, inerte do ponto de vista da consciência e sujeita à ação do
espírito responsável pelos fatos orgânicos, inclusive a vida:

DEUS
Espírito Matéria
Dentro deste esquema, o perispírito aparece diretamente ligado à matéria. Como um
produto da matéria básica, ou, no dizer de Kardec, uma modificação do fluído universal.

"Posto que invisível para nós em estado normal, o perispirito não deixa de ser matéria
etérea".10

"Jamais o Espiritismo confundiu a alma com o perispírito, que não passa de um invólucro,
como o corpo é um outro. Tivesse ela dez envoltórios, isto nada tiraria de sua essência
imaterial".11

Ainda que matéria, o perispírito, segundo Kardec, absolutamente penetrável, isto é,
nenhuma matéria lhe oferece obstáculo; ele atravessa todas, como a luz atravessa os corpos
transparentes.12


Uma segunda função primordial do perispírito, segundo Kardec, é a de servir como
evidência da manutenção da individualidade para o espírito desencarnado:

"P – Como a alma constata a sua individualidade, se já não tem mais o corpo material?
R – Tem fluido que lhe é próprio, que tira da atmosfera do seu planeta e que representa a
aparência de sua última encarnação: seu perispírito". 13

Assim é que o espírito, mesmo não possuindo mais o corpo físico, e mesmo estando
acostumado a ver-se com uma forma determinada, pode perceber-se existindo, a aprtir da
evidência formal que lhe fornece seu perispírito.

Finalmente, uma última função básica do perispírito, conforme Kardec, é a de servir como
meio às manifestações mediúnicas, notadamente àquelas de ordem física, como as
materializações, as aparições e os fenômenos de transporte. Isto se deve à propriedade que
possui o perispírito de tornar-se tangível, no dizer dos espíritos por "condensação", e também
de somar-se aos fluídos (energias) característicos dos encarnados, possibilitando a
movimentação de objetos materiais inertes.14

Depois de Kardec, muitos pensadores espíritas, desde seus continuadores mais diretos até
alguns escritores do final do século XX (encarnados ou desencarnados) acrescentaram mais
algumas propriedades ao perispírito. Dentre estes, destacam-se, na-quilo que interessa a este
estudo: Gabriel Delanne, Hernani Guimarães Andrade e AndréLuiz.

Dentre todos os continuadores do pensamento de Allan Kardec, Delanne é o que maior
importância atribui ao perispírito. Provavelmente, isto se dá na medida em que é de grande
dificuldade para qualquer pessoa adepta do positivismo aceitar que o Espírito, este ser
imaterial e, para muitos, puramente abstrato, possa ser o princípio de todas as manifestações
intelectivas do homem.

Assim, ele vai atribuir ao perispírito uma gama significativa de funções relativas à
organização ou mesmo às capacidades inteligentes do ser humano. As principais f1mções
cujas bases são por ele atribuídas ao perispírito são sumariamente descritas abaixo.

Primeiramente, temos a formação do corpo físico. Delanne depara-se com o pro-blema de
explicar como o corpo físico pode ser formado com tantos detalhes e reconstruído, com a
mesma semelhança, sempre que certas partes são destruídas. Lança mão então da explicação
perispiritual:

"A força vital por si só não bastaria para explicar a forma característica de todos os indivíduos,
e tampouco justificaria a hierarquia sistematizada de todos os órgãos, sua sinergia em função
de um esforço comum, visto serem eles, simultaneamente, autônomos e solidários. Neste
ponto é que incide o ascendente da intervenção do perispírito, ou seja, de um órgão que
possua as leis organogenéticas, mantenedoras da fixidez do organismo, através de
constantes mutações moleculares" 15

O perispírito é então, em sua opinião, o modelo fluídico, o molde que servirá para construir

o corpo físico. Como veremos, esta também é a opinião de Hernani Guimarães Andrade,
atualizando o raciocínio a partir de recentes descobertas científicas.
A grande preocupação deste pensador, para atribuir ao perispírito o papel de molde do
corpo está na explicação da forma. Enquanto que ele podia perfeitamente admitir uma força


vital primária idêntica para todos os seres vivos, desde a planta até o homem, pressupunha
que deveria existir uma outra força que diferenciasse as muitas espécies no que tange à sua
forma. Essa força seria o perispírito.

Em segundo lugar, Delanne dá ao perispírito um papel psicológico fundamental. Para ele, o
perispírito é a base da memória do homem, a qual, por sua vez, é fundamental para a
asseguração contínua de sua identidade.

Ele baseia esta opinião sobre a idéia que, mais que qualquer outra célula do corpo
humano, as do cérebro são substituídas rapidamente, o que impossibilitaria a manutenção,
neste órgão, da memória:

"O cérebro, porém, muda perpetuamente, as células dos seus tecidos são incessantemente
agitadas, modificadas, destruídas por sensações vindas do interior e do exterior. Ai/ais do que
as outras, essas células submetem-se a uma desagregação rápida, e, num período assaz
curto, são integralmente substituídas".16

Partindo do princípio acima descrito; o eminente pensador espírita debita ao perispírito a
função da memória, já que esta não poderia ser unicamente do corpo. Em sua tese, qualquer
fato guardado pela memória é registrado no perispírito. Quando uma célula cerebral morre, é
substituída por outra formada pelo mesmo perispírito, que lhe imprimirá, qual disco gravado por
uma matriz, as mesmas impressões que ele próprio guarda. Fica assim resguardada a
memória.

Idéias semelhantes a essas são igualmente defendidas por Leon Denis e Gustave Geley, em
vários dos seus livros, o que nos dá a impressão que eram bastante difundidas no meio espírita
à época - apesar de não terem sido defendidas por Allan Kardec em sua obra.

A principal tese de Hernani Guimarães Andrade sobre o perispírito aproxima-se bastante de
algumas daquelas defendida pelos autores anteriormente citados - a de que este é uma
espécie de molde do corpo físico. Entretanto, a base de sua teoria repousa (diferentemente de
Delanne) não no problema da reconstrução do organismo, mas na aparente violação do
Segundo Princípio da Termodinâmica pela origem e evolução da vida.

O Segundo Princípio da Termodinâmica (ou Lei de Carnot-Clausius) prevê que num
sistema termodinamicamente isolado, a quantidade de entropia (ou grau de desordem do
sistema) aumenta continuamente. Ou seja, nestes sistemas, se não houver nenhum tipo de
ação organizadora, haverá uma homogeneização cada vez maior dos seus elementos,
misturando-se e aumentando a desordem do sistema.

Ora, o processo de evolução da vida a partir de elementos não vivos, aparentemente, é um
processo neguentrópico, isto é, em que há diminuição da desordem - o sistema vai se
organizando cada vez melhor, desde elementos mais simples (por exemplo, seres
unicelulares) até organismos altamente complexos, como o homem.

A conclusão de Hernani Guimarães Andrade é que, para que a vida pudesse ter
acon-tecido e continuasse a manter-se e evoluir, é necessária a presença de um elemento
organizador. Hernani chama este elemento de MOB (Modelo Organizador Biológico) e postula
que este papel seria do perispírito.

Assim, para este autor, o perispírito possui um papel de informador, isto é, é o elemento


que provê o corpo da informação necessária para sua constituição e desenvolvimento. Assim é
que, além de Modelo Organizador Biológico, Andrade chama-o também de domínio
informacional histórico, onde a informação provida é acumulada ao longo do tempo entre
muitas encarnações.

Pouco acrescentam os espíritos desencarnados sobre o tema. Tanto André Luiz quanto
Emmanuel, os mais lidos dentre eles, admitem para o perispírito as mesmas funções de
Kardec e Delanne. Emmanuel chega a afirmar que:

"O corpo espiritual não retém somente prerrogativa de constituir a fonte da misteriosa força
plástica da vida, a qual opera a oxidação orgânica; é também ele a sede das faculdades, dos
sentimentos, da inteligência e, sobretudo, o santuário da memória, em que o ser encontra os
elementos comprobatórios de sua identidade, através de todas as mutações e transformações
da matéria."17

André Luiz foca a importância do perispírito na origem do corpo físico, bem como na
manutenção de sua saúde ou no desenvolvimento de algumas doenças. Para ele, o perispírito,
ou corpo espiritual, ou ainda psicossoma, possui células e órgãos que darão origem ao corpo
físico:

"Todos os órgãos do corpo espiritual, e, conseqüentemente, do corpo físico, foram, portanto,
construídos com lentidão, atendendo-se à necessidade do campo mental em seu
condicionamento e exteriorização no meio terrestre "18

"Com o transcurso dos evos, surpreendemos as células como princípios inteligentes de feição
rudimentar, a serviço do princípio inteligente em es-tágio mais nobre nos animais superiores e
nas criaturas humanas, renovando-se continuamente no corpo físico e no corpo espiritual, em
modulações vibratórias diversas, conforme a situação da inteligência que as senhoreia,
depois do berço ou depois do túmulo."19

Em resumo, as principais idéias sobre o perispírito expostas por estes eminentes
pensadores, e ainda hoje bastante difundidas no movimento espírita são:
.
O perispírito é um envoltório do espírito, que o acompanha desde sua criação, e,
portanto, pré-existe ao nascimento e sobrevive à morte do corpo físico.

.
É composto de matéria, porém em nível diferente daquela a que os encarnados
estão acostumados. Kardec afirma ser uma matéria quintessenciada, obtida por
modificação direta do fluido cósmico (que é a matéria primordial), contendo ainda
elementos do princípio vital e mesmo de componentes físicos e eletromagnéticos.

.
Sua composição energética é tanto mais densa, ou menos sutil, quanto menos
evoluído (dos pontos de vista intelectual e moral) for o espírito. Com a evolução
deste, vai-se tornando mais sutil (ainda que não se saiba ao certo o que isto significa
fisicamente), mas sempre acompanha o espírito.

.
É totalmente sujeito à vontade do espírito, que pode plasma-Io a seu gosto e dar-lhe
a forma que desejar.
.
Serve como elemento de ligação entre o espírito e o corpo físico, uma vez que um e
outro não podem interagir diretamente devido à diferença estrutural entre ambos.
.
É o elemento que possibilita a manutenção de uma forma para o espírito desencarnado,
e, assim, permite que este possa identificar-se como uma individualidade.


.
É o princípio fundamental das manifestações mediúnicas, em especial daquelas

caracterizadas como efeitos físicos.

.
É o molde do corpo físico, uma forma que conteria os elementos informacionais que

permitiriam sua formação e manutenção. Esta função é também a única forma de

adequar o surgimento da vida à Segunda Lei da Termodinâmica.

.
É a sede dos sentimentos e das faculdades, notadamente da memória. Por vezes, á

apontado como sede da inteligência.

.
Possui órgãos e células, como o corpo físico. Este, aliás, é uma cópia daquele.

4 - Crítica às idéias espíritas

Muitas das idéias anteriormente expostas são passíveis de contestação e constituem,
minimamente, uma desatualízação em relação aos avanços do conhecimento humano. Faz-se,
portanto, necessária uma análise crítica delas e o desenvolvimento de uma nova hipótese que
seja mais adequada aos problemas e observações atuais.

A afirmação que o perispírito é um envoltório para o espírito é tirada diretamente da
observação que os espíritos desencarnados têm de si mesmos. Kardec, ao querer in-formar-se
sobre a vida no mundo espírita, pergunta se esses espíritos possuem um envoltório ou se
vivem" a descoberto" (O Livro dos Espíritos, perg. 93), ao que os espíritos respondem ter um
envoltório. A denominação perispírito, como já dissemos anteriormente, é fruto de analogias
que Kardec (e não os espíritos) fazem com elemen-tos da ciência.

Também não causa dúvida a afirmação que o perispírito pertence ao elemento material do
Universo. No dizer de Kardec, é composto da quintessência da matéria20. Entretanto, o
conceito de matéria sofreu modificações profundas desde a época em que o espiritismo veio
ao mundo. É assentado nestas modificações que se propõe neste traba-lho um novo modelo
(ou, ao menos, um novo entendimento) do perispírito.

Também da experiência direta obtém-se a informação que o perispírito pode ser modificado
em forma de acordo com a vontade do espírito. Muitos médiuns videntes têm relatado estas
modificações, assim como pesquisadores em experimentos de materialização. Entretanto, esta
observação leva a uma conclusão interessante: a de que o espírito pode atuar sobre o
elemento material diretamente. É preciso, então, rever a idéia, fortemente disseminada em
todo o movimento espírita, de que espírito e matéria não interagem por serem de essências
distintas.

Esta última idéia leva um número grande de espíritas a interpretar o termo semimaterial,
empregado por Kardec para referir-se ao perispírito, como sendo um terceiro elemento
universal, que participaria de ambas as naturezas (de espírito e matéria) e, assim, permitiria a
ligação entre ambas. Não há respaldo nenhum para esta interpretação. Kardec foi claro
quando postulou um sistema dualista completivo para a filosofia espírita, isto é, formado de
duas e só duas substâncias essenciais em mútua e incessante interação.

Nesta mesma linha de raciocínio, parece estranha a afirmação que o perispírito deve servir
de elo de ligação, ou laço que prende o espírito à matéria. Se assim fosse, porque os
desencarnados, dotados de perispírito, não conseguem mover objetos sem o concurso de um
médium?


O problema está no modo de pensar da ciência do século XIX. Esta ciência é discreta, ou
seja, pensa o Universo, macroscopicamente, em elementos distintos e estanques, ligados
entre si por algum tipo de meio físico. Assim, o perispírito seria um ente particular,
perfeitamente definido em si mesmo, que serviria de meio entre dois elementos, o espírito
inteligente e a matéria bruta.

A ciência do século XX quebrou estes dois conceitos: mostrou que, apesar de no âmbito
das partículas subatômicas as energias serem trocadas em quantidades determinadas, ou
"pacotes" fechados, e existirem "saltos quânticos" que afetam drasticamente as partículas, no
mundo macro há um desenvolvimento contínuo da matéria no que tange, por exemplo, às
freqüências envolvidas, nos níveis em que é possível a detecção pelos equipamentos
disponíveis. E mostrou também que não são necessários quaisquer meios para transmissão de
energia ou informações à distância no espaço-tempo (a luz, por exemplo, transmite-se no
vácuo). Parece então mais lógico postular o perispírito como uma continuação energética da
matéria, como será descrito adiante.

Não é também muito claro o papel do perispírito nas comunicações mediúnicas. Claro que,
estando indissoluvelmente ligado ao espírito e sendo responsável por dar-lhe uma forma, o
perispírito atua nas manifestações físicas. Entretanto, se a comunicação mediúnica
classificada como manifestação inteligente (a psicofonia ou a psicografia, por exemplo) é uma
transmissão mente a mente (equivale a dizer, de espírito a espírito), que, como vimos, não
precisa de intermediários, essa função de perispírito necessita ser revista.

As três últimas idéias apresentadas pelos pensadores descritos parecem as mais
problemáticas, ainda que se possa dar uma explicação viável do porque elas apareceram.

A primeira é a do perispírito como molde do corpo físico. As principais tentativas neste
sentido foram feitas para resolver um problema sério que a ciência já enfrentava desde a
antiguidade, qual seja, o de como é possível; a formação de um ser tão complexo a partir,
aparentemente, da união fortuita de elementos materiais, sem que existisse algum organizador
para estes elementos.

Ocorre que a última metade do século XX trouxe significativos avanços no entendimento
do modo como a matéria orgânica estrutura-se e transmite as informações necessárias para
sua manutenção. Os avanços da genética, iniciados com o descobrimento dos ácidos
nucléicos e de sua estrutura, e que atingiram o auge com o Projeto Genoma (estudo de
mapeamento dos genes humanos) forneceram e continuam fornecendo explicações cada vez
mais precisas sobre o organização corporal. Criou-se, uma nova disciplina, a Engenharia
Genética, especializada em estudar técnicas de modificação destas características, alterando
as funções, propriedades e aparências de órgãos, vegetais, etc.

Ao mesmo tempo, estudos de biologia celular e aplicações médicas destes avanços, como
no caso das intervenções diretas sobre órgãos doentes, através de terapias quími-cas ou de
transplantes, mostraram definitivamente que a própria matéria tem, sim, condições de auto
gerenciamento, sem a necessidade de um organizador extrínseco a ela.

A questão dos estudos termodinâmicos da vida ainda não esta perfeitamente equacionada,
mas uma série de grandes cientistas, e não só da área biológica, como o físico austríaco Erwin
Schrödinger (Prêmio Nobel de Física de 1933) têm feito sérias restrições às dificuldades da


vida em relação à entropia. Este é um campo ainda aberto, com muitas possibilidades a serem
estudadas.

Mais difícil ainda é sustentar o perispírito como sede de faculdades racionais ou
emocionais, como a memória, as sensações ou a inteligência. Tais funções intelectivas são,
consoante a filosofia espírita, de competência exclusiva do espírito, uma vez que só ele possui
inteligência. Sendo o perispírito matéria, ele não poderia participar destes processos.

A argumentação de Delanne, neste aspecto, perdeu muito da força quando se demonstrou
que as células do cérebro não se modificam com o passar dos anos, sendo as únicas no
organismo incapazes de regenerarem-se - uma vez destruí das, perdem-se para sempre.

Claro está que os estudos das relações mnemônicas no cérebro e da permanência das
lembranças após o fim da vida córporal encontram-se longe de estarem completos.
As relações entre o espírito e o cérebro é um dos temas mais fascinantes da ciência
espírita, e um dos menos estudados.

Finalmente, a idéia da existência de órgãos no perispírito também parece estranha, já que
eles são estruturas organizadas que servem apenas para a manutenção da vida física.
Provavelmente, esta idéia surgiu como suporte à função do perispírito de organizador
biológico. Em não se admitindo esta, aquela deixa de ter importância.

5 - Proposta: uma nova visão do perispírito

Mas, se o modelo teórico do teórico do perispírito tal qual apontado acima já não satisfaz as
modernas concepções científicas, é necessária a proposição de um novo modelo, ainda que
como uma hipótese, mais coerente. É que se procurará fazer.

Este novo modelo baseia-se, cientificamente nos conceitos físicos anteriormente
explicados. Filosoficamente, parte do dualismo espírito-matéria, e da contínua interrelação
existente entre eles.

As essências dos princípios material e espiritual, criados por Deus para formar o Universo,
são apenas conceitos fundamentais, sem existência física real. Ocorre que estas essências
individualizam-se, formando os diversos entes que compõem o Universo real. Estas
individualizações é que forma os espíritos imortais a que nos referimos quando tratamos com
os desencarnados:

DEUS
Espírito Matéria
Espíritos individuais Espíritos individuais
As individualizações do princípio inteligente (que aqui chamaremos de Espíritos, com
maiúscula, seguindo a nomenclatura de Kardec) estão sempre e incessantemente interagindo
com diversas formas de matéria. Isto ocorre graça à peculiar constituição do Universo


(segundo os fundamentos da filosofia espírita), em que só pode haver evolução a partir desta
interação.

É exatamente isto que o espiritismo quer dizer quando afirma que o Espírito tem
experiências em todos os reinos da criação. Esta afirmação costuma ser entendida como se o
Espírito "encarnasse" numa rocha ou numa montanha, com todas as dificuldades lógicas que
daí resultam. Na verdade, o que ocorre é que o Espírito, em contato íntimo com diversos tipos
de matéria, aprende com todas estas interações.

Mas, se a matéria é essencialmente uma só, (aquilo que Kardec chama de fluido cósmico
ou fluido universal), convenientemente modificada para adquirir as diversas propriedades
funcionais nos diversos graus em que ela apresenta-se, então deve ocorrer um continuum
material que vai da matéria mais "bruta" àquela mais "sutil". Alguma das propriedades da
matéria (como, somente a título de exemplo, a freqüência) deve apresentar um gradiente que
diferencie estes diversos tipos de matéria.

O perispírito pode ser, então, formado por esta mesma matéria numa dada condição de
freqüência, que, atualmente, não conseguimos captar com nossos equipamentos nem nossos
sentidos, Quanto mais evoluído o Espírito, tanto mais elevada a freqüência desta matéria, e
mais depurado é o perispírito.

Neste modelo, a matéria que compõe o perispírito (na verdade, um tipo de energia) é
perfeitamente integrada com a matéria "densa", podendo, assim, interagir com partos dela. Da
mesma forma, por ser muito mais sutil, é perfeitamente suscetível de ação direta pelo Espírito,
que pode moldá-la segundo sua vontade.

O Espírito age como se fosse (numa analogia grosseira) uma carga. Tal como uma carga
elétrica cria em torno de si um campo eletromagnético, o Espírito cria em torno de si um
campo, que, à falta de nome melhor, poderia ser chamado de campo espiritual:

Espírito Campo espiritual
Este campo espiritual é o lugar geométrico onde aglutinam-se as energias que constituem

o perispírito. Este não seria, então, um corpo, um organismo propriamente falando, mas um
aglomerado energético-material em constante interação com o espírito.
Encarado sob este novo modelo, o perispirito passa a ter propriedades e funções mais
adequadas aos conceitos atualmente aceitos pela ciência, sem descaracterizar as funções
principais que lhes foram atribuídas por Kardec:

.
Permite ao Espírito adquirir experiências que lhe são absolutamente necessárias para
seu progresso intelectual.

.
Age como individualizador dos Espíritos desencarnados, dando-lhes uma forma que
lhes permita, especialmente em estágios menos avançados do processo evolutivo,
seguir aprendendo e atuando. Pode ser modificado segundo a vontade do Espírito.


.
Age durante a encarnação, permitindo que o espírito consiga uma união perfeita Com a
matéria mais densa que compõe o corpo físico. Poder-se-ia dizer que, de certa forma, é
um intermediário entre o corpo físico e o espírito. A diferença é ser um intermediário
estruturado como um continuum da própria matéria corporal, sob a forma energética, e
não algo completamente distinto dela.

.
Tem papel importante nas manifestações mediúnicas de efeitos físicos, tais como
materialização. Sua atuação nas manifestações inteligentes ainda precisa ser estudada.

.
Recebe a influência de energias externas, vindas normalmente de outros Espíritos.
sejam elas benéficas ou não.

.
Não possui a função de transmissor de sensações do corpo para o Espírito ou de
ordens no sentido inverso. Da mesma forma, não tem nenhuma atuação sobre a
memória ou a inteligência. Não possui órgãos nem nenhuma constituição semelhante,
que são exclusivas do corpo físico.

.
Modifica-se de acordo com as necessidades e capacidades do Espírito, mas não
obrigatoriamente em mundos distintos (há de se verificar a questão da isotropia material
do Universo).

Referências:

1
PRÄSS. A. R. Curso de Energia Mecânica. Disponível no site htp://fisica.net/cursos/emec/emec.html – cópia em papel datada de
16/03/99

2
ZIMMER, H. Filosofias da Índia, p. 63.

3
DURANT, W História da Civilização, tomo 1 p, 212.

4
DELLANE, G. A alma é imortal, pp, 18 a 38.

5
Idem, Ibidem, p. 28.

6
LEADBEATER, C. W. O homem visível e invisível – um estudo das variações da aura dos diferentes indivíduos, p. II.

7
BENDIT L. J. e BENDIT P. D. O corpo etérico do homem – a fonte da consciência, p. 15.

8
KARDEC, A. O livro dos Espíritos. pg. 93.

10 Idem, Revista Espírita – Jornal de estudos psicológicos, 1864. pg. 108.

11 Idem, Ibidem, 1863, p. 172.

12 Idem, Ibidem, 1858, p. 336.

13 Idem, O livro dos Espíritos. perg. 150-a.

14
Em alguns trechos de sua obra, Kardec refere-se ao perispírito como princípio da vida orgânica, o que leva algumas pessoas a
considerar que Kardec atribuía a vida à presença do perispírito. Na verdade, Kardec, vitalista que era, postulava a existência de um
fluido vital, modificação da matéria básica universal que animaria a matéria. Este fluido estaria também na composição do perispírito,
daí a referência a este como princípio da vida orgânica. Entretanto, um olhar geral sobre a obra mostra que Kardec admitia a vida
sem a presença de espírito, e portanto, também sem um perispírito.

15 DELANNE, G. A evolução anímica, p. 38.

16 Idem, ibidem, p. 47.

17 EMMANUEL, Dissertações mediúnicas (psicografia de Francisco C. Xavier), apud JORGE, J. Antologia do Perispírito, p.160.

18 LUIZ, A. Evolução em dois mundos (psicografia de Francisco C. Xavier), p. 40.

19 Idem, ibidem, p. 42.

20 O termo quintessência, nesta acepção, significa algo que atingiu o mais puro grau. A quintessência da matéria é, assim, a pura

essência do elemento material, ou seja, o próprio fluido universal que constitui a matéria básica do Universo.


XVIII CONGRESSO ESPÍRITA PAN-AMERICANO


AGENDA ESPÍRITA:


Identificando antigas e novas demandas para atualizar o
Espiritismo


Autor:

Ademar Arthur Chioro dos Reis

OUTUBRO – 2000



2


AGENDA ESPÍRITA:

Identificando antigas e novas demandas para atualizar o Espiritismo

Autor: 1

Ademar Arthur Chioro dos Reis

Colaboradores: 2

Sandra Regis
Nelson Melchior dos Santos Junior

INTRODUÇÃO

"Por que os Espíritos não ensinaram em todos os tempos

o que ensinam hoje? – Não ensinais às crianças o que
ensinais aos adultos, e não dais para um recém-nascido
um alimento que ele não possa digerir; cada coisa em seu
tempo. Eles ensinaram muitas coisas que os homens não
compreenderam ou desnaturaram, mas que podem
compreender atualmente. Por seus ensinamentos, mesmo
incompletos, prepararam o terreno para receber a
semente que vai frutificar hoje." (Livro dos Espíritos,
Livro III, cap. VIII, questão 801, pág. 312)
O Espiritismo é uma doutrina profundamente abrangente, fundada por Allan Kardec dentro
de um contexto histórico determinado, mergulhado em seu tempo - o século XIX - pautado pelo
embate entre diferentes concepções filosóficas, científicas, ideológicas e religiosas que se
degladiavam na compreensão da realidade e na produção de "verdades" possíveis aos limites do
conhecimento daquele período.

Foi construído por Kardec a partir das perquirições e problemas de uma determinada época e
dos limites impostos pelo método utilizado (a mediunidade), entre os quais destacam-se fatores
relacionados aos médiuns, aos Espíritos que com ele colaboraram, à linguagem, ao conhecimento
científico e tecnológico de então, etc.

Ao mesmo tempo em que estruturava as bases do pensamento espírita e de imediato
reconhecia estas limitações, Kardec propunha que o Espiritismo (enquanto uma doutrina filosófica
espiritualista fundamentada no pensamento racional e com base na experimentação científica,
responsável por uma abordagem inovadora sobre a imortalidade da alma, a natureza dos Espíritos e
suas relações com os homens, as leis morais, a via presente, a vida futura e o futuro da Humanidade,

1 Presidente do Centro Espírita Allan Kardec, de Santos – SP, membro fundador do CPDoc e delegado da CEPA em Santos-SP.
2 Membros do Centro Espírita Allan Kardec, de Santos-SP.


3


segundo os ensinamentos dado pelos Espíritos superiores com a ajuda de diversos médiuns), não se
esgotasse em si mesmo, desatualizando-se com o passar do tempo e o desenvolvimento do
conhecimento científico.

Sua gênese epistemológica impõe, portanto, que o Espiritismo acompanhe cada nova
descoberta da ciência, num processo de atualização permanente e ativo, articulado e em sintonia
com as diferentes correntes de construção do conhecimento humano.

"O Espiritismo, avançando com o progresso, jamais será ultrapassado, porque, se novas descobertas lhe

demonstrarem que está em erro acerca de um ponto, ele se modificará nesse ponto; se uma verdade nova

se revelar, ela a aceitará." (A Gênese, Cap. I - Caracteres da Revelação Espírita).

Esta era a lógica de Kardec, que rejeitava categoricamente a infalibilidade dos espíritos e
médiuns que com ele edificaram o corpo doutrinário espírita. Submetia todas as opiniões, conceitos
e idéias ao crivo da razão e ao método da concordância universal dos ensinamentos3. Ao mesmo
tempo, é possível perceber, ao analisarmos sua produção literária, que Kardec procurou ser
extremamente criterioso na incorporação de conceitos, teorias e novos conhecimentos
contemporâneos ao período em que se dedicou a formulação do Espiritismo 4. É possível identificar
trechos de sua produção literária espírita onde procurou destacar a existência de teses as quais,
prudentemente, preferiu aguardar o desenvolvimento de novas pesquisas e ao avanço de áreas do
conhecimento que pudessem consolidá-las enquanto verdades científicas, antes de incorporá-las ao
corpo doutrinário do Espiritismo.

De certa forma, utilizou a Revista Espírita – Jornal de Estudos Psicológicos5 enquanto
um laboratório experimental para o debate e a maturação destas idéias. Infelizmente, a grande
maioria destas teses, destacadas por Kardec de forma condicional, foram sendo absorvidas pelos
espíritas como conceitos incorporados ao corpo doutrinário e transformadas em verdades
inquestionáveis.

Por outro lado, diversas questões, temas e problemas colocados para análise da sociedade
contemporânea não foram abordados por Kardec. Algumas porque se desenvolveram efetivamente
através de contribuições da ciência e de pensadores posteriores à Kardec, como é o caso de Freud e
a Psicanálise, para citar um exemplo clássico e inquestionável.

Outras, por tratarem de temas extremamente atuais, como a doação de órgãos inter vivos, as
viagens interplanetárias, a influência dos meios de comunicação de massa, os problemas
relacionados à produção, tráfico, consumo e dependência das drogas e a clonagem de seres
humanos, por exemplo. Outro grupo de temas, provavelmente em função das dificuldades e

3 Ver para tanto Kardec, A. "O Livro dos Médiuns" e "Obras Póstumas".
4 De 1855, quando efetivamente iniciou-se no processo experimental de investigação mediúnica, até março de 1869,
quando desencarnou.
5 Kardec, Allan. "Revista Espírita - Jornal de Estudos Psicológicos". Publicação mensal sob direção de Kardec de
janeiro de 1858 à março de 1869.



4


limitações éticas e morais daquela época, como por exemplo as questões relacionadas à
sexualidade, entre outras, não foram abordadas em seu tempo.

Mesmo temas eminentemente espíritas, tais como a vida no mundo dos espíritos, o
perispírito, as emissões energéticas, entre outros, foram incorporados de forma superficial e/ou
precariamente desenvolvidas nas obras espíritas consideradas básicas.

O conhecimento disponível em relação à temas desta natureza foram posteriormente
desenvolvidos, incorporados e transformados na "visão espírita" sobre determinado assunto quase
que exclusivamente através da contribuição mediúnica de um único médium, geralmente idolatrado,

o que obviamente resultou num abandono da produção de conhecimentos através da mediunidade
através do método racional proposto, experimentado e utilizado por Allan Kardec.
Na verdade, a incorporação destes conhecimentos de origem mediúnica pós Kardec
deveram-se muito mais em função da sua capacidade de legitimar as proposituras e o domínio
político e ideológico de federativas e grupos hegemônicos no movimento espírita, que foram
alavancadas e se consolidaram através da sua força editorial. Obras mediúnicas de autoria de
espíritos conservadores e religiosos, sem que nenhuma metodologia científica fosse utilizada, nem
mesmo a da "concordância universal" proposta por Kardec, foram (e continuam sendo) transpostas
à categoria de verdades absolutas: em verdades espíritas! (por mais absurdas e inverossímeis que
sejam as teses defendidas)

Uma doutrina que se quer filosófica e que se dispõe e pleiteia o status e a categoria de
doutrina atual, progressista, humanista e aberta ao diálogo com as outras formas de construção do
conhecimento, deve ter a capacidade de abordar e expor para análise crítica do conjunto da
sociedade, mesmo que de forma não conclusiva, sua visão sobre os problemas e questões colocadas
como desafios para o homem e o mundo atual.

METODOLOGIA

Este estudo tem por escopo propor para os pensadores espíritas comprometidos com a
atualização do Espiritismo a construção (e pactuação) de uma Agenda Espírita, que permita
identificar o quê atualizar. Com esse propósito, desenvolvemos este texto a partir da seguinte
metodologia, descrita a seguir.

Inicialmente, com o apoio dos colaboradores, foi realizada uma revisão bibliográfica
criteriosa de toda a obra de Allan Kardec6 , incluindo as seguintes obras: O Livro dos Espíritos
(1857), Instruções Práticas Sobre as Manifestações Espíritas (1858)7, O que é o Espiritismo?
(1859), O Livro do Médiuns (1861), O Espiritismo na sua mais Simples Expressão (1862), O
Evangelho Segundo Espiritismo (1864), O Céu e o Inferno (1865), A Gênese (1868), todas de

6 Por ser considerada pelo autor um laboratório de idéias, utilizado para debater conceitos e refutar críticas, antes da
incorporação definitiva à obra doutrinária, entendeu-se por bem não incluir os volumes da Revista Espírita, editados
por Allan Kardec, na revisão bibliográfica efetuada.
7 Substituída por Kardec, em 1861, pelo "Livro dos Médiuns" e reeditada em 1923 por Jean Meyer.



5


autoria de Allan Kardec, além de Óbras Póstumas (1890), publicação que reuniu textos inéditos do
mestre lionês. Para tanto, padronizamos a edição em português publicada pelo Instituto de Difusão
Espírita (exceção feita para os livros Instruções Práticas Sobre as Manifestações Espíritas e O
Espiritismo na sua mais Simples Expressão, para os quais utilizamos a edição da EDICEL), cujas
edições respectivas podem ser observadas na referência bibliográfica ao final deste texto.

Em virtude das limitações para apresentação oral e do texto escrito impostas pelo
Regulamento do " Fórum de Temas Livres ", uma vez que esse trabalho foi originalmente
elaborado para apresentação no XVIII Congresso Espírita Pan-americano, optou-se em priorizar e
dar ênfase ao "Livro dos Espíritos", por se tratar da base filosófica do pensamento espírita, onde
estão contidos os princípios da Doutrina Espírita.

Com isso, será possível abordar, em outra publicação a ser produzida em breve pelos
autores, uma versão mais abrangente da identificação de temas para atualização na obra de Kardec.
Utilizou-se para a realização deste trabalho, portanto, como referência fundamental, conforme aqui
destacado, o Livro dos Espíritos.

Com o processo de revisão bibliográfica efetuado foi possível identificar seis eixos
principais para subsidiar a construção de uma Agenda Espírita, capaz de destacar temas a serem
abordados num processo de permanente atualização do Espiritismo, que serão descritos e
desenvolvidos a seguir.

O QUÊ ATUALIZAR?

Este trabalho procura delinear objetivamente um conjunto de questões que podem vir a ser
objeto de uma releitura ou atualização permanente do Espiritismo, compreendidas em seis
diferentes grupos ou eixos temáticos, através da identificação:

a) De idéias e conceitos para as quais a linguagem utilizada por Kardec e/ou pelos Espíritos (e
posteriormente incorporadas ao discurso espírita), encontram-se desatualizadas, incongruentes,
ou desprovidas de seus significados originais e da intencionalidade a elas atribuídas no
momento da elaboração da Doutrina Espírita;

b) Do conjunto de idéias e conceitos espíritas (conteúdos) que com o tempo desatualizaram-se ou
encontram-se em desacordo, parcial ou integralmente, em relação ao conhecimento humano e,
em especial, ao científico;

c)
De um conjunto de idéias e conceitos formulados parcialmente ou em caráter condicional por
Allan Kardec e pelos espíritos que com ele fundaram o Espiritismo, em virtude:
-da alegada incapacidade de definir ou descrever determinadas situações devido à

inexistência de meios para tanto, por limitação de nossos conhecimentos ou de nossa
linguagem (cremos que já é possível compreender muitas coisas que em meados do século
XIX seriam impossíveis);


6


-da inexistência de permissão para a análise e aprofundamento de determinadas questões, ora
porque não era chegada a hora, ora por entenderem que seria de competência dos espíritos
encarnados a tarefa de produzir o conhecimento em torno de determinado assunto;

-a necessidade de acompanhar o desenvolvimento científico para que fosse possível
comprovar (ou não) uma determinada hipótese formulada e posteriormente incorporá-la
definitivamente ao Espiritismo (expediente utilizado fartamente no último livro publicado
por Allan Kardec, em 1868, denominado "A Gênese – Os Milagres e as Predições Segundo

o Espiritismo", muito embora até hoje, transcorridos mais de 130 anos, este processo de
confirmação crítica das hipóteses ainda não tenha sido realizado).
d)
De temas antigos ou novos problemas ainda não abordados pelo Espiritismo ou conjunto de
questões relacionadas ao mundo contemporâneo para as quais o Espiritismo não possui posições
claramente definidas que possam produzir uma contribuição aos seres humanos e à sociedade.
Ou cuja versão, difundida publicamente, restringe-se à opiniões individuais de algumas
lideranças ou figuras com alguma projeção pública. E ainda, o que é mais grave, restritas a
opinião de um espírito (muitas vezes legitimadas não pelo seu conteúdo, mas sim pelo
reconhecimento moral e projeção do médium) sem que sejam submetidas à análise crítica, ao
método da concordância universal ou qualquer outro tratamento elementar exigidos ao lidar-se
com informações de origem mediúnica (aceita-se as informações, equivocadamente, por sua
pretensa origem divina, tal qual uma revelação de origem religiosa);

e)
De temas que permitam uma releitura e validação ou não de hipóteses e teorias estabelecidas
através de literatura mediúnica (a excelente produção teórica a partir das reportagens do espírito
André Luiz, por exemplo) ou a contribuição de estudiosos espíritas encarnados e que
formularam suas contribuições posteriormente à Allan Kardec, como Léon Denis, Gabriel
Delanne, Manoel Porteiro, José Herculano Pires, Hernani Guimarães Andrade, entre tanto
outros;

f)
De um conjunto de práticas espíritas de origem diversas incorporadas pelo Movimento Espírita
e que não foram submetidas a análise de coerência, eficácia e validação de seus resultados.

Impõe-se, portanto, dada inclusive a variedade e quantidade de temas a serem objeto de
investigação, estudo, formulação, debate e análise crítica e posterior atualização, que se defina de
alguma forma o processo pelo qual será desenvolvido todo esse árduo mas necessário trabalho de
atualização do Espiritismo, ou seja, a constituição de uma Agenda Espírita (o quê atualizar?) e de
um Método de Atualização ( como fazer a atualização?).

Entende-se que é possível desenvolver os seis eixos aqui apontados simultaneamente.
Entretanto, torna-se fundamental que seja priorizada a abordagem de antigos, porém ainda atuais, e
novos problemas e questões relacionadas ao homem e ao mundo atual para os quais não se tem
ainda uma proposta espírita firmada. Desta forma, é possível ampliar o grau de intervenção e interrelação
do conhecimento espírita com o conjunto de outros olhares produzidos pelas diferentes
concepções filosóficas, religiosas, culturais e científicas existentes.


7


Enquanto o cidadão espírita, numa perspectiva individual, ou o próprio movimento espírita,
como um movimento social, não puderem efetivamente contribuir com sua visão filosófica e
profundamente ética e moral junto à sociedade, teremos perpetuada uma situação de auto-
isolamento.

Nossa visão de Deus, da evolução infinita, da imortalidade da alma, da reencarnação, da
mediunidade e de tantos outros conceitos produzem um olhar esperançoso e positivo sobre o
presente e o futuro da humanidade. Não podemos esperar que a totalidade (ou mesmo a maioria)
dos habitantes do planeta virem espíritas.

A vida é plural, assim como os mundos, as individualidades, as necessidades humanas e
espirituais também são plurais. Devemos projetar sim é a nossa capacidade de ampliar a influência
espírita, a partir da universalização das idéias e a capilarização entre os seres humanos e as mais
diferentes culturas, dos conceitos filosóficos básicos do Espiritismo e de suas conseqüências ético-
morais.

Não deve haver temas proibidos. Tudo deve e pode ser discutido. Entretanto, para que se
obtenha o êxito esperado, é preciso conduzir com cautela esta agenda para a atualização. Deve-se
experimentar, inicialmente, por cerca de cinco a dez anos, um processo de discussão em que se
busque o maior consenso possível, em temas centrados:
-na epistemologia espírita, ou seja, sobre a natureza e o caráter do Espiritismo, em particular

sobre a forma como se deu (e portanto como se dará) a construção do pensamento espírita;
-na revisão, atualização e modernização da linguagem e seus significados.
-na formulação de conceitos espíritas relacionados aos problemas humanos contemporâneos e

que não tenham sido objeto de análise no período da fundação do Espiritismo ou pelos

principais continuadores de Allan Kardec (questões relacionadas à bioética e ao

desenvolvimento tecnológico, por exemplo);

Desta forma, propõe-se que a discussão em torno dos eixos paradigmáticos do Espiritismo,
independentemente de alguns destes terem sido neste estudo identificados como objetos passíveis
de atualização, seja programada para uma segunda etapa, quando além da análise crítica e dos
acúmulos do processo desencadeado, poderemos estabelecer mais claramente o que se pretende e
como avançar neste sentido.

Este importante assunto, ou seja, o como atualizar, será discutido de forma mais detalhada
em outro trabalho apresentado ao XVIII Congresso Espírita Pan-americano, intitulado: "Como?
Uma proposta metodológica para o processo de atualização permanente do Espiritismo".

O estabelecimento de uma Agenda Espírita é talvez um dos maiores desafios da
Confederação Espírita Pan-americana, a CEPA, a partir do XVIII Congresso Espírita Panamericano.
Se isto for empreendido, o êxito do Congresso estará garantido e o esforço da CEPA
recompensado.


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AGENDA ESPÍRITA


Atualização da linguagem

"As palavras pouco nos importam. Cabe a vós formular
linguagem adequada a vos entenderdes. As controvérsias
surgem, quase sempre, por não vos entenderdes sobre as
palavras, visto que a vossa linguagem é incompleta para
exprimir as coisas que não ferem os vossos sentidos."

(O Livro dos Espíritos, Livro I, cap. II, questão 28,
pág. 53)

A resposta obtida por Kardec quando o fundador do Espiritismo sugeria denominar os dois
elementos gerais do universo, a matéria e o espírito, respectivamente por "matéria inerte" e "matéria
inteligente" para evitar menos confusão, uma vez que seus interlocutores invisíveis afirmavam que

o Espírito era, de fato, alguma coisa (muito embora não conseguissem explicá-la de forma adequada
ao nosso entendimento), reflete de modo inconteste o grau de dificuldade relacionados à linguagem
e aos conceitos de que trata o Espiritismo.
Lidamos, efetivamentente, com um objeto de estudo e análise para o qual nem sempre os
conceitos podem ser descritos pela linguagem usual e cujos significados, muitas vezes definidos por
alegorias e comparações a referenciais usuais, permitem toda uma sorte de confusões e distorções
conceituais.

Kardec teve – e talvez esse seja um aconselhável caminho a continuar a seguir – que criar
muitos neologismos, tomando um cuidado especial com a clareza e a objetividade da linguagem, de
tal monta que abriu a Introdução de seu "O Livro dos Espíritos" da seguinte forma:

"Para as coisas novas necessitam-se de palavras novas, assim o quer a clareza da linguagem para
evitar a confusão inseparável do sentido múltiplo dos mesmos vocábulos.(...)"

Por outro lado, há que se considerar que determinados textos, conceitos, temas e idéias
foram formulados a partir da visão de mundo prevalecente no século XIX. Não há porque
considerá-las com o mesmo sentido a elas atribuídas pela linguagem (e o que ela representa) neste
final de século XX.

Podemos encontrar situações absolutamente simples e facilmente recontextualizáveis à
linguagem atual, como por exemplo:

"O que seria supérfluo para um não se torna necessário para outros, e reciprocamente, segundo a
posição? – Sim, de acordo com as vossas idéias materiais, (...). Sem dúvida, aquele que tinha cinquenta
mil libras de renda e se encontra reduzido a dez, se crê bem infeliz porque não pode mais fazer uma


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figura tão grande, ter aquilo que chama sua posição, ter cavalos, lacaios, satisfazer todas as suas
paixões, etc. (...)" (LE, Livro IV, cap. I, questão 923, pág. 359)

A dolarização (moeda e linguagem universal nos dias de hoje) dos valores financeiros e a
transposição dos sinais de status social para carros, jatos, empregados, mordomos e outras regalias
típicas do consumismo exibicionista dos tempos modernos seria suficiente. Infelizmente, entretanto,
nem todos os textos que se apresentam desatualizados são tão simples e automaticamente
transpostos à realidade atual.

O conceito de Fluido, por exemplo, fartamente utilizado por Kardec e pelos Espíritos e
fundamental para a visão espírita proposta, perpassando diversos temas, tais como, os elementos
gerais do universo, a criação, o princípio vital, o mundo espírita, o perispírito, a mediunidade, etc.,
não guarda mais nenhuma relação com o conceito de fluido hoje atribuído pela Física e pela ciência,
em geral.

O que isto significa? Que a hipótese espírita está errada? Que é inconsistente? Não. Muito
pelo contrário. De certa forma, a hipótese espírita é extremamente atual, muito embora ainda
necessite de melhor fundamentação, mas não pode ser descartada a priori por ser considerada
cientificamente ultrapassada. Neste caso, o problema é que Kardec e os Espíritos, ao referirem-se a
este tema, falam de algo cujo significado não guarda mais absolutamente nenhuma correlação com

o seu significado científico atual. Então por que não atualizar a linguagem espírita?
Vejamos alguns exemplos:
"Esse seria, então, o fluído vital que segundo certas opiniões, não seria outro que o fluido elétrico

animalizado, designado também sob os nomes de fluido magnético, fluido nervoso, etc." (Livro dos

Espíritos, Introdução, item II, pág. 11)

"(...) Portanto, não há nada de espantoso que o fenômeno do movimento dos objetos pelo fluido humano
tenha também suas condições de ser e cesse de se produzir quando o observador(...)"(Livro dos
Espíritos, Introdução, item III, pág. 14)

Ora, o fluido humano, conforme as ciências biológicas assim definem, é todo o líquido
extra-celular. O sentido pretendido por Kardec e pelos Espíritos, muito diferente do atual, é o que
hoje equivale à energia. Então por que não utilizá-lo? Ou então, por convenção, por que não
adotarmos uma nomenclatura específica (mesmo que seja um neologismo), como fazem todas as
doutrinas científicas, porém de forma padronizada, a ser utilizada pelos espíritas, correspondendo a
um conceito específico, claramente entendido por todos que desejarem travar contato com o
pensamento espírita?

Temos que atribuir o real significado das coisas através da utilização de uma linguagem
adequada, sem subterfúgios. Assim, qualquer referência à lei de causa e efeito e ao livre arbítrio,
não pode e não deve ser efetuada, por exemplo, utilizando-se a expressão "Karma".

Palavras de origem oriental, esotérica ou impregnadas de um sentido religioso (pecado, céu
e inferno, purificação, etc.), em geral, acabam denotando sentidos conceituais opostos à visão


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filosófica do homem e do mundo pela ótica espírita. E, portanto, são indesejadas. Não significam
uma atualização, mas sim uma deturpação do pensamento espírita kardecista.
Vejamos alguns exemplos de:
"(...) cada um é punido por aquilo que pecou(...)." (LE, Livro II, cap.VII, questão 399, pág. 184)
"(...) As doenças, as enfermidades, a própria morte, que são as consequências dos abusos, ao mesmo
tempo são punição à transgressão da lei de Deus." (LE, Livro III, cap.V, comentário à questão 714, pág.
285)

"(...)É que o homem não aproveita; é preciso castigá-lo em seu orgulho e fazê-lo sentir sua
fraqueza.(...)." (LE, Livro III, cap.VI , questão 738, pág. 291)
"(...) Todos vois suportais, a cada instante, essa pena, porque sois punidos pelo que pecastes, nesta vida
ou em outra(..)." (LE, Livro III, cap.VI, questão 764, pág. 298)
"(...) – Pobres seres que Deus castigará. Eles serão transportados pelas torrentes que querem deter.."


(LE, Livro III, cap.VIII , questão 781, pág.304)

" O homem é responsável pelo seu pensamento? – Ele é responsável diante de Deus. Só Deus, podendo

conhecê-lo, o condena ou o absolve segundo a sua justiça." (LE, Livro III, cap. X, questão 834, pág.323)

" (...) Essa deformação, frequentemente, é uma punição para o Espírito que, em uma existência anterior,

pode ter sido vão e orgulhoso e ter feito mau uso de suas faculdades." (LE, Livro III, cap.X, questão 326,

pág.326)

"As provas que restam a suportar para rematar sua purificação não são para a alma uma apreensão
penosa, que perturba a sua felicidade?" (LE, Livro IV, cap. II, questão 979, pág. 381)
"Qual a consequência do arrependimento no estado espiritual? – O desejo de uma nova encarnação,
para se purificar.(...)" (LE, Livro IV, cap. II, questão 991, pág. 384).

Afinal, o espírito é criado simples e ignorante ou impuro? É esta a visão de justiça divina
que se apreende no primeiro capítulo do Livro dos Espíritos? Há problemas de linguagem,
identificáveis na obra espírita como um todo, que merecem ser revistos e atualizados.
Fundamentalmente porque influenciam não apenas a linguagem mas o pensamento de muitos
autores e os espíritas, de maneira geral, ainda excessivamente presos aos arquétipos de pecado
original, da existência como um castigo, etc., fruto da tradição religiosa ocidental, mas que também
impregnam o pensamento das principais correntes religiosas e filosóficas orientais, em relação as
quais o Espiritismo representa um grande avanço.

Para o Espiritismo, a Terra é um "mundo de provas e expiações" e não de penas e castigos.
Como se vê, a visão evolucionista e da justiça de Deus que se apreende destes conceitos são
absolutamente distintas.

Os exemplos aqui destacados demonstram a necessidade imperiosa de adequar e atualizar a
linguagem espírita, tornando-a coerente com a linguagem estabelecida para o conhecimento
contemporâneo. Redefinir e ressignificar conceitos e idéias espíritas, mesmo que para tanto
precisemos enriquecer o nosso vocabulário, torna-se um imperativo, não apenas para o processo de
atualização em si, mas para que o Espiritismo possa ser lido, estudado, debatido, pesquisado e
tomado como referência pela sociedade contemporânea. Não podemos deixar que se transforma
numa idéia velha, dúbia, carcomida pelo tempo.


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Idéias e conceitos espíritas desatualizadas ou em desacordo
com o conhecimento científico:

"Se entre os adeptos do Espiritismo há os que
diferem de opinião sobre quaisquer pontos da
teoria, todos concordam sobre os pontos
fundamentais.(...)".

(LE, Conclusão, item IX, pág. 413)

A atualidade da Doutrina Espírita é incontestável. Esta magnífica constatação, entretanto,
não impede que alguns temas tratados por Allan Kardec e pelos Espíritos que com ele edificaram a
filosofia espírita, decorridos 143 anos do surgimento do Espiritismo e, em particular, em função do
desenvolvimento científico e tecnológico, da formação e desenvolvimento de várias disciplinas e
novas áreas específicas do conhecimento humano, encontram-se desatualizados ou em desacordo
com o conhecimento humano, e em especial o saber científico.

Kardec, em "Caracteres da Revelação Espírita", texto que compõe a Introdução de seu livro
"A Gênese – Os Milagres e as Predições Segundo O Espiritismo", já percebia a rapidez com que
avançava o conhecimento científico em meados do século XIX, concebendo o Espiritismo como
uma doutrina dinâmica, progressista, apta a acompanhar, incorporar e modificar-se em função do
desenvolvimento da Ciência.

A seguir, procuramos destacar algumas idéias e conceitos que se encontram nestas
condições aqui referidas, compondo um importante e decisivo capítulo no processo de atualização
do Espiritismo:

-Fluido Vital:

"Esse seria, então, o fluído vital que segundo certas opiniões, não seria outro que o fluido elétrico
animalizado, designado também sob os nomes de fluido magnético, fluido nervoso, etc." (LE,
Introdução, item II, pág. 11)

"(...) Portanto, não há nada de espantoso que o fenômeno do movimento dos objetos pelo fluido humano
tenha também suas condições de ser e cesse de se produzir quando o observador(...)"(LE, Introdução,
item III, pág. 14)

"Haveriam assim, dois elementos gerais do Universo: a matéria e o espírito? – Sim, e acima de tudo
Deus, o criador, o pai de todas as coisas; (...) Ma, ao elemento material é preciso juntar o fluido
universal, que desempenha papel intermediário entre o espírito e a matéria propriamente dita, (...). Ele
está colocado entre o espírito e a matéria; é fluido, como a matéria é matéria(...)" (LE, Livro I, cap. II,
questão 27, pág. 52)

"Esse fluido universal, ou primitivo, ou elementar, sendo agente que o espírito utiliza, é o princípio sem

o qual a matéria estaria em perpétuo estado de divisão e jamais adquiriria as propriedades que a
gravidade lhe dá." (LE, Livro I, cap. II, questão 27, pág. 52)

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"(...) Dissemos que ele é suscetível de inúmeras combinações e o que chamais fluido universal, que não é

propriamente falando, senão uma matéria mais perfeita, mais sutil, e que pode ser considerada como

independente." (LE, Livro I , cap. II, questão 27, pág. 53)

"O Universo compreende a infinidade dos mundos que vemos e aqueles que não vemos, todos os seres
animados e inanimados, todos os astros que se movem no espaço, assim como os fluidos que o enchem."

(LE, Livro I , comentário introdutório ao cap. III, pág. 56)

"O princípio vital reside em alguns dos corpos que conhecemos? – Ele tem sua fonte no fluido universal;
é o que chamais de fluido magnético ou elétrico animalizado. É o intermediário, o elo entre o espírito e a
matéria" (LE, Livro I, cap. IV, questão 64, pág. 65)

Não se trata apenas, conforme discutido anteriormente, de atualizar a linguagem. É preciso
reconceitualizar o Vitalismo dinamista que caracteriza a visão espírita. Se o Universo é constituído
de dois, e tão somente dois elementos, o espírito e a matéria, o que é denominado fluido, nada mais
pode ser do que diferentes estágios de modificação da própria matéria, a energia. Urge aprofundar o
conhecimento sobre o tema, levando em consideração todo o acúmulo científico disponível, afinal,
a Física deste final de século XX trabalha com referenciais absolutamente distintos dos que eram
utilizados no tempo de Kardec.

-Epistemiologia Espírita:

"A Ciência, propriamente dita, como ciência, portanto, é incompetente para se pronunciar na questão do
Espiritismo: não tem que se ocupar com isso e seu julgamento, qualquer que seja, favorável ou não, não
poderia ter nenhuma importância." (LE, Introdução, item VII, pág. 22)
"Vede, pois que o Espiritismo não é da alçada da Ciência." (LE, Introdução, item III, pág. 23)


Obviamente que estes conceitos relativos ao papel da ciência, e sua relação com o
Espiritismo, são incompatíveis com o caráter dado à Doutrina Espírita por Kardec. Tratam-se, pois,
de trechos descontextualizados e equivocados.

-Loucura e saúde mental:

Aqui temos um conjunto de temas, conceitos e idéias que acabaram consubstanciando uma
nova disciplina científica, a Psicanálise, formulada posteriormente ao desencarne de Kardec por
inúmeros pensadores, entre os quais destaca-se Freud, resultando em práticas sociais específicas e
cada vez mais sofisticadas, como a Psiquiatria e a Psicologia, por exemplo.

O conceito de loucura utilizado por Kardec e pelos Espíritos está em profundo desacordo
com o conhecimento científico. Kardec, restrito aos conceitos vigentes, possui da loucura uma visão
organicista, restrita a idéia de que os estados patológicos são todos determinados pela lesão dos
órgãos do sistema nervoso, ou seja, restringindo a abordagem a sua dimensão física, orgânica. Desta
forma, estados psicóticos, por exemplo, são discutidos em situação de (falsa) correlação às
deficiências mentais, oligofrenias, etc. Kardec parte do pressuposto, em grande parte corroborado


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pelos Espíritos, de que o que adoece é o corpo físico, e não o espírito que animam e dá vida aquele
corpo (coerente com o pensamento científico e com a prática médica de então). Vejamos:

"Sabe-se o número de loucos e de maníacos produzidos pelos estudos matemáticos, médicos, musicais,
filosóficos e outros? (...) Pelos trabalhos corporais estropiam-se os braços e as pernas, que são os
instrumentos da ação material; pelos trabalhos da inteligência estropiam-se o cérebro, que é o
instrumento do pensamento. Mas se o instrumento está quebrado, o Espírito não o está por isso: ele está
intacto e, quando desligado da matéria, não goza menos da plenitude de suas faculdades. (LE,
Introdução, item XV, pág. 35)
"A loucura tem por causa primeira uma predisposição orgânica do cérebro que o torna mais ou menos
acessível a certa impressões.(...)" (L E, Introdução, item XV, pág. 35)
"Entre as causas mais numerosas de superexcitação cerebral, é preciso contar as decepções, os
desgostos, as afeições contrariadas, que são, ao mesmo tempo, a causa mais frequente de suicídio." (LE,
Introdução, item XV, pág. 35)

" (...) e por esse belo resultado (o medo como uma das causas da loucura) não se conta o número das
epilepsias causadas pelo abalo de um cérebro delicado." (LE, Introdução, item XV, pág. 36)
"Tem fundamento a opinião segundo a qual os cretinos e os idiotas têm uma alma de natureza inferior?"

(LE, Livro II, cap. VII, questão 371, pág. 174)

Além disso, é preciso que se destaque os problemas de linguagem, conforme já discutido no
item anterior. Não se utiliza mais as expressões cretinos e idiotas para se referir aos portadores de
sofrimentos psíquicos (há mais de um século).

Kardec atribui os problemas mentais à um defeito físico. Confunde, por falta de elementos e
traduzindo a visão científica de seu tempo, a doença neurológica e a deficiência mental com a
loucura e os variados graus de sofrimento psíquico. Vejamos:

"É necessário distinguir o estado normal do estado patológico. No estado normal, o moral suplanta o
obstáculo que lhe opõe a matéria; mas existem casos em que a matéria oferece uma resistência tal qual
as manifestações são obstadas ou desnaturadas, como na idiotia e na loucura(...)"(LE, Livro II, cap. VII,
comentário à questão 372, pág. 175)


"Qual é a situação do Espírito na loucura? - (...) Imagina agora que o órgão que preside aos efeitos da
inteligência e da vontade seja parcial ou inteiramente atacado ou modificado, e te será fácil
compreender que o Espírito, não tendo mais a seu serviço senão órgãos incompletos ou desnaturados,
deve lhe resultar uma perturbação, da qual, por si mesmo e no seu foro íntimo, tem perfeita consciência,
mas não é senhor para deter o curso"
"É então sempre o corpo e não o Espírito que está desorganizado? - Sim (...) Pode acontecer que, com o
tempo, quando a loucura durou bastante, a repetição dos mesmos atos acaba por Ter, sobre o Espírito,
uma influência da qual não se livra senão depois de sua completa separação de todas as impressões
materiais. (LE, Livro II, cap. VII, questão 375, pág. 176)
"O Espírito do alienado se ressente, depois da morte, do desarranjo de suas faculdades? – Ele pode
sentir algum tempo depois da morte, até que esteja completamente desligado da matéria (...)" (LE, livro
II, cap. VII, questão 377, pág. 177)


"(...) É por isso que, quanto mais durar a loucura durante a vida, muito mais tempo dura a opressão, o
constrangimento depois da morte (...)" (LE, livro II, cap. VII, questão 378, pág. 177)



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Poucos campos do conhecimento humano possuem uma contribuição tão farta e valiosa
quanto a que o Espiritismo pode fornecer para ampliar a compreensão dos sofrimentos psíquicos,
seus determinantes e conseqüências. A dimensão espiritual do homem, a existência de uma
personalidade pré existente e a preservação de sua individualidade após a morte, permitem uma
verdadeira revolução conceitual e uma nova abordagem prática sobre o tema.

Mas é preciso destacar, ainda, que não há correspondência entre o pensamento científico
moderno e a visão estabelecida no Livro dos Espíritos sobre, entre outros temas, o suicídio e a
loucura. Hoje, se tem claro, que ao contrário, o suicídio é uma das manifestações do sofrimento
psíquico.

"Por que motivo a loucura leva, algumas vezes, ao suicídio? – O Espírito sofre com o constrangimento
que experimenta e com a impossibilidade, em que se encontra, de se manifestar livremente, por isso
busca na morte um meio de romper os seus laços." (LE, Livro II, cap. VII, questão 376, pág. 176)
"(...) O suicídio não é sempre voluntário? – O louco que se mata não sabe o que faz.(...)" (LE, Livro IV,
cap. I, questão 944, pág. 368)

-Sono e os sonhos:

O desenvolvimento científico faz com que, novamente, os trechos aqui destacados encontrem-
se desatualizados em relação aos conhecimentos obtidos através da neurologia, da hipnologia e da
eletroneurofisiologia, que estudam a dinâmica e as disfunções relacionadas ao sono e, ainda, de
alçada da Psicologia e suas diferentes escolas e correntes, contribuições para a compreensão do
papel e dos significados dos sonhos para a personalidade (e suas disfunções) humana.

"(...)os sonhos em uma criança, não têm o caráter dos de um adulto; seu objeto é quase sempre pueril, o
que é indício da natureza das preocupações do Espírito." (LE, livro II , cap. VII, comentário à questão
380, pág. 177)
"Durante o sono, a alma repousa como o corpo?
- Não, o Espírito jamais está inativo (...)" (LE, livro II,
cap. VIII, questão 401, pág. 186)


"Como podemos apreciar a liberdade do Espírito durante o sono?
- Pelos sonhos (...) O sonho liberta,
em parte a alma do corpo (...) O sonho é a lembrança do que vosso Espírito viu durante o sono (...) Os
sonhos são o produto da emancipação da alma, (...)" (LE, livro II, cap. VIII, questão 402, pág. 186 à
188)
"Durante o sono, a alma repousa como o corpo?
- Não, o Espírito jamais está inativo (...)" (LE, livro II,
cap. VIII, questão 401, pág. 186)


-Astronomia / Formação do planeta:

Aqui temos um dos pontos de maior fragilidade teórica entre os contidos nas obras espíritas.
Todo o capítulo intitulado Uranografia Geral, incluído em A Gênese, assim como as referências
existentes em O Livro dos Espíritos relativas ao tema, requerem um processo de revisão e
atualização, pois a quantidade de conceitos e informações ultrapassadas ou equivocadas é de tal
monta que constitui, nos dias de hoje, obviamente, uma agressão à inteligência do leitor e dos


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estudiosos espíritas, exigindo que não mais divulguemos idéias que não são mais condizentes com a
realidade.
Em O Livro dos Espíritos, ao referir-se à uma das hipóteses para explicar o fenômeno das
mesas gigantes, Kardec afirma equivocadamente:

"O movimento circular não tinha nada de extraordinário. Está na Natureza; todos os astros se movem
circularmente. (Livro dos Espíritos, Introdução, item III, pág. 13)

Ou ainda, coerente como pensamento científico vigente em sua época, vejamos o conjunto de
afirmações a seguir, desatualizadas em relação ao conhecimento científico atual:

"Os cometas seriam, como se pensa atualmente, um começo de condensação da matéria e dos mundos
em via de formação? – Isto é exato; mas o que é absurdo é crer-se em sua influência (...)todos os corpos
celestes têm sua parte de influência em certos fenômenos físicos. (LE, Livro I, cap. III, questão 40, pág.
56)


"Podemos conhecer a duração da formação dos mundos: da Terra; por exemplo? – Nada te posso dizer
a respeito, porque só o Criador o sabe, e bem louco seria quem pretendesse saber ou conhecer o número
de séculos dessa formação." (LE, Livro I, cap. III, questão 42, pág. 57)
"Todos os globos que circulam no espaço são habitados? – Sim, (...)" (LE, Livro I, cap. III, questão 55,
pág. 60)


"Os mundos mais afastados do Sol estão privados de luz e de calor, uma vez que o Sol se mostra a eles
apenas com a aparência de uma estrela? – Credes, pois, que não existem outras fontes de luz e de calor
além do Sol, e não considerais em nada a eletricidade, que, em certos mundos, tem um papel que
desconheceis (...)" (LE, Livro I, cap. III, questão 58, pág. 60)
"Esses mundos podem, pois, conter em si mesmos as fontes de calor e de luz necessárias aos seus
habitantes." (LE, Livro I, cap. III, comentário de Kardec, pág. 61)
"Segundo os Espíritos (...) a Terra é um daqueles globos onde os Espíritos são os menos avançados,
física e moralmente. Marte seria ainda inferior e Júpiter, o mais superior em relação a todos. O Sol não
seria um mundo habitado por seres corporais, mas um local de reunião dos Espíritos superiores que, de
lá, irradiam seus pensamentos para outros mundos(...). Como constituição física, o Sol seria um foco de
eletricidade. (...) parece que Vênus é mais adiantado que a Terra, e Saturno menos adiantado que
Júpiter." (LE, Livro II , cap. IV, nota de Kardec à questão 188, pág. 110)


Não é exata a definição atribuída aos comentas, assim como nem todos os globos que
circulam no espaço são habitados. Aliás, a existência de vida em outros planetas, mesmo em nosso
Sistema Solar, um dos paradigmas espíritas, saliente-se, é ainda uma hipótese científica, provável,
porém não comprovada. Não considera, ainda a existência de outros sóis no universo. Por outro
lado, fontes de energia artificial já estão disponíveis, em relativa abundância, em nosso planeta, tais
como a nuclear, a hidroelétrica e a termoelétrica, por exemplo. Mas pelas evidências científicas, é
impossível florescer vida inteligente sem a energia produzida por estrelas semelhantes às
denominadas, em nossa sistema solar, como "Sol".


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-Matéria:

"Define-se a matéria como sendo o que tem extensão, impressiona os nossos sentidos e é impenetrável. São
exatas estas definições? – Do vosso ponto de vista essas definições são exatas, porque não falais senão do que
conheceis. (...)" (LE, Livro I, cap. II, questão 22, pág. 51)
"De onde provêm as diferentes propriedades da matéria? – São modificações que as moléculas elementares
sofrem pela sua união, e em certas circunstâncias." (LE, Livro I , cap. II, questão 31, pág. 54)

Questionados se a matéria elementar é suscetível de receber todas as modificações e adquirir
todas as propriedades, os espíritos afirma que sim. E mais, que a matéria possui duas propriedades
essenciais: a força e o movimento. Todas as demais seriam efeitos secundários da variação dessas
duas propriedades. Mais desatualizado, entretanto, é o conceito utilizado para moléculas, distante da
concepção da física quântica.

"As moléculas têm uma forma determinada? – Sem dúvida, as moléculas têm uma forma determinada, mas
que não é para vós apreciável." (Livro dos Espíritos, Livro I, cap. II, questão 33, pág. 54)

"Essa forma é constante ou variável? – Constante para as moléculas primitivas, mas variáveis para as
moléculas secundárias que não são mais que aglomerações das primeiras; porque o que chamais molécula está ainda
distante da molécula elementar . (Livro dos Espíritos, Livro I , cap. II, questão 34, pág. 55)

-Aptidões Físicas:

"O Espírito, se encarnado traz certas predisposições, admitindo-se, para cada uma, um órgão
correspondente no cérebro, o desenvolvimento desses órgãos será um efeito e não uma causa." (LE,
Livro II, cap. VII, comentário à questão 370, pág. 174)

Conceito ultrapassado, distante das idéias hoje em voga de rede neural, especificação
neuro-motora e múltiplas formas de aptidão relacionadas à distintos tipos de inteligência.

-Criação / Geração espontânea:

"De onde vieram os seres que vivem sobre a Terra? – (...) A Terra continha os germes que aguardavam
momento favorável para se desenvolverem. Os princípios orgânicos se congregaram desde que cessou a
força que os mantinha afastados, e eles formaram os germes de todos os seres vivos. Os germes
estiveram em estado latente e inerte(...) até o momento propício para a eclosão de cada espécie;
(...)"(LE, Livro I , cap. III, questão 44, pág. 57)
"Existe, ainda, seres que nasçam espontaneamente? – Sim, mas o germe primitivo existia já em estado
latente. (...) Os tecidos dos homens e animais não encerram os germes de uma multidão de vermes que
aguardam, para eclodir, a fermentação pútrida necessária à sua existência? É um pequeno mundo que
dormita e que se cria" (LE, Livro I, cap. III, questão 46, pág. 58)

Há evidentemente uma defesa da tese da geração espontânea e uma fundamentação com
base na Teoria Miasmática, crença compartilhada por grande parte do saber médico-científico do
século XIX, para a qual as febres epidêmicas tinham origem na matéria vegetal e animal em


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putrefação e nas emanações das águas estagnadas. Parte dos cientistas contemporâneos de Kardec,
aderiram à teoria do contágio, muito embora, é importante ressaltar, o significado do mundo dos
seres microscópios só tenha sido desvendado a partir das descobertas de Pasteur e Koch, em 1870,
até então prevalecendo a teoria da geração espontânea.8

"Se o germe da espécime humana se encontrava entre os elementos orgânicos do globo, por que não se
formam mais, espontaneamente, os homens como na sua origem? – (...) pode-se dizer que os homens uma
vez espalhados sobre a Terra, absorveram neles os elementos necessários à sua formação para
transmitir segundo as leis de reprodução. O mesmo se deu com as diferentes espécies de seres vivos"
(LE, Livro I , cap. III, questão 49, pág. 58)

Aqui os espíritos retomam, subjetivamente, a questão, recolocando a Teoria da Evolução da
Espécies. (mas será que referem-se as leis relativas à hereditariedade quando mencionam leis de
reprodução?). Mas a questão é confusa.

"Podemos conhecer a época do aparecimento do homem e dos outros seres vivos sobre a Terra? – Não;
todos os vossos cálculos são quiméricos." (LE, Livro I, cap. III, questão 48, pág. 56)
"Podemos saber em que época viveu Adão? – Mais ou menos na que assinalais: aproximadamente 4000
anos antes de Cristo." (LE, Livro I , cap. III, questão 51, pág. 59)


Eram quiméricos. Hoje já estão disponíveis métodos científicos, em processo crescente de
aperfeiçoamento, com diversas tecnologias distintas, cada vez mais precisas, capazes de analisar e
registrar com precisão cada etapa e elos de nossa história.

-Diversidade das Raças:

"De onde vêm as diferenças físicas e morais que distinguem as variedades de raças humanas sobre a
Terra? – Do clima, da vida e dos costumes. (...)" (LE, Livro I, cap. III, questão 52, pág. 59)
"O progresso reunirá um dia todos os povos da terra em uma só nação? – Não em uma só nação, isso é
impossível, porque da diversidade dos climas nascem os costumes e as necessidades diferentes que
constituem as nacionalidades. (...)" (LE, Livro III , cap. VIII, questão 789, pág. 307)
"A desigualdade natural das aptidões não coloca certas raças humanas sob a dependência de raças mais
inteligentes? – Sim, para as erguer e não para as embrutecer ainda mais pela servidão. (...)" (LE, Livro
III, cap. X, questão 831, pág. 322)

Esta visão antropológica eurocêntrica, vigente no século XIX, em que as variações e
condições climáticas determinavam o atraso verificado em determinadas raças, povos e nações, está
hoje absolutamente ultrapassada.

8 Reis, A.AC, "Magnetismo, Vitalismo e o Pensamento de Kardec". CPDoc, Santos, 1996, pág. 21.


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-Magnetismo, catalepsia, morto aparente, sonambulismo:

"O sonambulismo chamado magnético tem relação com o sonambulismo natural? – É a mesma coisa,
exceto que ele é provocado." (LE, Livro II , cap. VIII, questão 426, pág.195)
"Qual a natureza do agente chamado fluido magnético? – Fluido vital, eletricidade animal, que são
modificações do fluido universal." (LE, Livro II , cap. VIII, questão 427, pág.195)


Em relação a esse conjunto temático, é necessário, além da revisão conceitual, empreender
ainda atualização geral da linguagem. Esse capítulo mereceria um novo nome, talvez intitulado
"fenômenos anímicos". É preciso ainda incorporar os conhecimentos advindos dos estudos
empreendidos pelos principais seguidores de Kardec, pela Metapsíquica e a Parapsicologia.

-Convulsionários:
Da mesma forma, este tema, contido entre as seções do Capítulo IX, Livro II do L.E.,
prescinde de revisão conceitual e de atualização geral da linguagem. A própria seção mereceria um
novo nome.

-Homens e mulheres:

"(...) O homem é para os trabalhos rudes, por ser o mais forte; a mulher para os trabalhos suaves, e
ambos para se entreajudarem nas provas de uma vida plena de amargura. (LE, livro III, cap. IX, questão
819, pág. 318)

"(...) É preciso que cada um esteja colocado no seu lugar. Que o homem se ocupe do exterior e a mulher
do interior, cada um segundo sua aptidão.(...) (LE, livro III, cap. IX, questão 822, pág. 319)

-Motivação das ações do Homem:

"(...) Pelo conhecimento das leis que regem essa natureza moral, chegar-se-á a modificá-la, como se
modifica a inteligência pela instrução, e o temperamento pela higiene." (LE, livro III , cap. X, questão
872, pág. 334)

-Eutanásia:

" Quando uma pessoa vê diante de si uma morte inevitável e terrível, é ela culpada por abreviar de
alguns instantes seus sofrimentos por uma morte voluntária? – Sempre se é culpado por não esperar o
termo fixado por Deus. Aliás, se está bem certo que esse termo chegou, malgrado as aparências, e que
não se pode receber um socorro inesperado no último momento? (...) É sempre uma falta de resignação e
de submissão à vontade do Criador. (...)" (LE, Livro IV, cap. I, questão 953, pág. 371)


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Idéias e conceitos formulados em caráter condicional ou parcialmente

"Os Espíritos que disseram que o homem é um ser
à parte na ordem da criação, enganaram-se? –
Não, mas a questão não foi desenvolvida e, aliás,

há coisas que não podem chegar senão em seu
tempo. O homem é, com efeito, um ser à parte,
porque ele tem faculdades que o distinguem de
todos os outros e tem um outro destino. (...)"(LE,
Livro II , cap. XI, questão 610, pág. 253)

-Deus:

"Um dia será dado ao homem compreender o mistério da Divindade? – Quando seu espírito não estiver
mas obscurecido pela matéria e, pela sua perfeição, estiver próximo dele, então, ele o verá e o
compreenderá." (LE, Livro I , cap. I, questão 11, pág. 47)
"Quando dizemos que Deus é eterno, infinito, imutável, imaterial, único, todo-poderoso, soberanamente
justo e bom, não temos uma idéia completa dos seus atributos? – Do vosso ponto de vista, sim, porque
credes tudo abraçar. Mas sabeis que há coisas acima da inteligência do homem mais inteligente, e para
as quais vossa linguagem limitada às vossas idéias e às vossas sensações, não tem expressão
adequada.(...)" (LE, Livro I , cap. I, questão 13, pág. 48)
"Deus existe, não o podeis duvidar, é o essencial. Crede-me, não vades além. (...)" (LE, Livro I, cap. I,
pág. 48)

Dentre os princípios paradigmáticos do Espiritismo, avançar na formulação de uma
concepção existencial sobre este tema é, sem sombra de dúvidas, ainda um enorme desafio a ser
empreendido pelos estudiosos do Espiritismo, mesmo reconhecendo a nossa enorme limitação de
ordem intelectual e moral.

-Elementos Gerais do Universo:

"É dado ao homem conhecer o princípio das coisas? – Não. Deus não permite que tudo seja revelado ao
homem, neste mundo." (LE, Livro I , cap. II, questão 17, pág. 50)

"O vazio absoluto existe em alguma parte do espaço universal? – Não, nada é vazio; o que te parece
vazio está ocupado por uma matéria que escapa aos teus sentidos e instrumentos." (LE, Livro I, cap. II,
questão 36, pág. 55)

Kardec estabelece uma hipótese assimilada pelos espíritas como definitiva: a de que existem dois
elementos que constituem o Universo, o espírito e a matéria. Mas a leitura atenta de sua obra
permite vislumbrar que mesmo tal hipótese foi formulada de forma condicional pelo fundador do
Espiritismo, senão vejamos:

"Um fato patente domina todas as hipóteses: vemos matéria que não é inteligente e vemos um princípio
inteligente independente da matéria. A origem e a conexão dessas duas coisas nos são desconhecidas.
Que elas tenham, ou não, uma fonte comum, com pontos de contato necessários; que a inteligência


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tenha sua existência própria ou que ela seja uma propriedade, um efeito; que seja mesmo, segundo a
opinião de alguns, uma emanação da Divindade, é o que ignoramos. Elas nos parecem distintas, e por
isso admitimo-las como formando os dois princípios constituintes do Universo. (...)" (Livro dos
Espíritos, Livro I, cap. II, comentário de Kardec ao item Espírito e Matéria, pág. 53)

-Matéria:

"A matéria existe desde o princípio, como Deus, ou foi criada por ele em determinado momento? – Só
Deus o sabe. (...)" (LE, Livro I , cap. II, questão 21, pág. 51)
"Define-se a matéria como sendo o que tem extensão, impressiona os nossos sentidos e é impenetrável.
São exatas estas definições? – Do vosso ponto de vista essas definições são exatas, porque não falais
senão do que conheceis. Mas a matéria existe em estados que vos são desconhecidos. Pode ser, por
exemplo, tão etérea e sutil que nenhuma impressão vos cause aos sentidos; entretanto, é sempre matéria,
embora para vós não o seja." (Livro dos Espíritos, Livro I, cap. II, questão 22, pág. 51)
Sobre o fluido universal: "(...) Ele está colocado entre o espírito e a matéria; é fluido, como a matéria é
matéria, suscetível, pelas inumeráveis combinações com esta e sob a ação do espírito, de produzir uma
infinita variedade de coisas das quais não conheceis senão uma pequena parte.(...)" (LE, Livro I, cap.
II, pág. 52)


-Espírito:

"(...) – Qual é a natureza íntima do espírito? – O espírito, com a linguagem humana, não é fácil de ser
analisado. Porque o espírito não é uma coisa palpável, para vós ele não é nada; mas para nós é alguma
coisa. (...)" (LE, Livro I , cap. II, questão 23, pág. 51)

"O espírito é sinônimo de inteligência? – A inteligência é um atributo essencial do espírito. Todavia,

como ambos se confundem num princípio comum, para vós são a mesma coisa. (...)" (LE, Livro I , cap.

II, questão 24, pág. 51)

"Os espíritos têm uma forma determinada, limitada e constante? – Para vós, não; para nós, sim. O
Espírito é, se quiserdes, uma chama, um clarão ou uma centelha etérea." (LE, Livro II, cap. I, questão
88, pág. 73)

"A alma tem uma sede determinada e circunscrita no corpo? – Não; mas ela está mais particularmente
na cabeça dos grandes gênios, em todos aqueles que pensam muito, e no coração, naqueles que sentem
muito e dirigem suas ações a toda a Humanidade. (...) pode-se dizer que a sede da alma está mais
particularmente nos órgãos que servem às manifestações intelectuais e morais." (LE, Livro II, cap. II,
questão 146, pág. 93)
"(...) Temos uma alma, mas o que é a nossa alma? Ela tem uma forma, uma aparência qualquer? É um
ser limitado ou indefinido? (...)" (LE, Livro II, comentário de Kardec, cap. II, pág. 95)

O que é o espírito, então? Até quando continuaremos não reunindo capacidade para

compreendê-lo de forma mais concreta? Para nós, o espírito é sinônimo de inteligência. E para os

Espíritos? Não é possível saber? E qual a sua forma?


21


-Origem e natureza dos espíritos:

"Deus existe de toda a eternidade e isto é incontestável.; mas saber quando e como nos criou, não o
sabemos. (...) mas quando e como ele criou cada um de nós, digo-te, ainda, ninguém o sabe; aí é que está

o mistério." (LE, Livro II, cap. I, questão 78, pág. 71)
"(...) os Espíritos são individualizações do princípio inteligente como os corpos são individualizações do
princípio material. A época e o modo dessa formação é que são desconhecidos." (LE, Livro II, cap. I,
questão 79, pág. 71)
"Deus os cria (os espíritos), como a todas as outras criaturas, pela sua vontade; mas, ainda uma vez, a
origem deles é um mistério"(LE, Livro II, cap. I, questão 81, pág. 71)
"É exato dizer-se que os espíritos são imateriais? – Como se pode definir uma coisa, quando faltam
termos de comparação e com uma linguagem insuficiente?(...) Imaterial não é o termo; incorpóreo
seria mais exato(...)"(LE, Livro II, cap. I, questão 82, pág. 71)
"(...) Os espíritos têm fim? (...) – Existem coisas que não compreendeis porque a vossa inteligência é
limitada e isso não é razão para que as rejeiteis.(...) Dissemos que a existência do Espírito não tem fim; é
tudo o que podemos dizer, por enquanto." (LE, Livro II, cap. I, questão 83, pág. 72)

-Inteligência:

"Qual a fonte da inteligência? – Já o dissemos: a inteligência universal. (...) a inteligência é uma
faculdade própria de cada ser, e constitui sua individualidade moral. De resto, como sabeis, há coisas
que não é dado ao homem penetrar e esta é desse número, no momento" (LE, Livro I, cap. IV, questão
72, pág. 69)

-Simpatia e afinidade entre os Espíritos:

" (...) – Há entre os seres pensantes laços que não conheceis ainda. O magnetismo é o guia desta ciência
que compreendereis melhor mais tarde." (LE, Livro II , cap. VII, questão 388, pág. 180)

-Livre-arbítrio e Determinismo, Influência dos Espíritos sobre os acontecimentos da vida:

" Os Espíritos influem sobre os nossos pensamentos e as nossas ações? – A esse respeito sua influência é
maior do que credes porque, freqüentemente, são eles que vos dirigem." (LE, Livro II, cap. IX, questão
459, pág. 208)

" Os Espíritos que dirigem os acontecimentos da vida podem ser contrariados pelos Espíritos que
queiram o contrário? – O que Deus quer, deve ser; se há atraso ou obstáculo, é por sua vontade" (LE,
Livro II, cap. IX, questão 529, pág. 227)

" (...) poderia então haver Espíritos habitando o interior da Terra e presidindo seus fenômenos
geológicos? – Esses Espíritos não habitam positivamente a Terra, mas presidem e dirigem segundo suas
atribuições. Um dia, tereis a explicação de todos esses fenômenos e os compreendereis melhor." (LE,
Livro II, cap. IX, questão 537, pág. 230)

" Na produção de certos fenômenos, as tempestades por exemplo, é um (...) Espírito que age ou se reúne
em massa? – Em massas inumeráveis." (LE, Livro II, cap. IX, questão 539, pág. 231)


22


-Missão dos Espíritos:

" Em que consistem as missões de que podem estar encarregados os Espíritos errantes? – Elas são tão
variadas que seria impossível descrevê-las, além de que não podeis compreender. Os Espíritos executam
a vontade de Deus e não podeis penetrar todos os seus desígnios." (LE, Livro II, cap. X, questão 569,
pág. 240)

-Vitalismo:

"Qual é a causa da animalização da matéria? – Sua união com o princípio vital." (LE, Livro I , cap. IV,
questão 62, pág. 65)

"O princípio vital reside num agente particular ou não é mais que uma propriedade da matéria
organizada; numa palavra é efeito ou causa? – É uma e outra coisa (...)" (LE, Livro I, cap. IV, questão
64, pág. 65)

-Criação:

"Podemos conhecer o modo da formação dos mundos? – Tudo o que se pode dizer, e podeis
compreender, é que os mundos se formam pela condensação da matéria disseminada no espaço." (LE,
Livro I , cap. III, questão 39, pág. 56)

-Astronomia / Formação do planeta:

"Podemos conhecer com exatidão o estado físico e moral dos diferentes mundos? – Nós, os Espíritos, só
podemos responder de acordo com o grau de adiantamento em que vos achais; quer dizer que não
devemos revelar estas coisas a todos, porque nem todos estão em condições de compreendê-las, e isso os
perturbaria." (LE, Livro II, cap. IV, questão 182, pág. 108)

-Perispírito:

"O princípio vital reside em alguns dos corpos que conhecemos? – Ele tem sua fonte no fluido universal;
é o que chamais de fluido magnético ou elétrico animalizado. É o intermediário, o elo entre o espírito e a
matéria" (LE, Livro I , cap. IV, questão 64, pág. 65)

O perispírito é tratado, em determinados trechos da obra de Kardec, como sinônimo de
princípio vital. Sendo assim, os demais seres orgânicos também possuem perispírito?

"O Espírito está revestido de uma substância vaporosa para teus olhos, mais ainda bem grosseira para
nós; (...)" (LE, Livro II , cap. I, questão 93, pág. 74)
"(...) por que intermediário? É o que não sabemos. Os próprios Espíritos não pode nos dar conta, visto
que nossa linguagem não está em condições de exprimir as idéias que não temos, (...)"(LE, Livro II ,
cap. VI, questão 257, pág. 142)


"(...) Passando de um mundo a outro, os Espíritos trocam de envoltório como trocamos de roupa ao
passarmos do inverno para o verão, ou do pólo para o equador.(...)" (LE, Livro II, cap. VI, questão 257,
pág. 143)


23


Será que é mesma desta forma tão trivial que se dá esse processo? Não há aqui uma alegoria
em função da limitação proporcionada pela linguagem? Não é possível explorar de forma mais
adequada e aprofundada o perispírito, suas funções, atribuições, fisiologia, características, gênese,
etc., uma vez que esse tema reveste de importância destacada para o pensamento espírita?

-Evolução das Espécies:

"(...) É assim que tudo serve, tudo se coordena na Natureza, desde o átomo primitivo até o arcanjo que,
ele mesmo, começou pelo átomo. Admirável lei da harmonia da qual vosso espírito limitado não pode
ainda entender o conjunto. (LE, Livro II , cap. IX, questão 540, pág. 231)

Qual a atualidade da tese defendida no Capítulo XI, Livro II do Livro dos Espíritos,
intitulado: Os três reinos?
Kardec claramente admite distintas concepções à respeito desta questão, incorporando-a de
forma condicional em O Livro dos Espíritos. Senão vejamos:

"É assim, por exemplo, que todos não pensam a mesma coisa com respeito às relações que existem entre

o homem e os animais. Segundo alguns, o Espírito não alcança o período de humanidade senão depois de
ser elaborado e individualizado nos diferentes graus dos seres inferiores da criação. Segundo outros, o
Espírito do homem teria sempre pertencido à raça humana, sem passar pela experiência animal.(...)"
(LE, Livro II , cap. XI, comentário ao capítulo, pág. 254)

A seguir, Kardec afirma que:

" o primeiro sistema tem a vantagem de dar um objetivo ao futuro dos animais que formariam, assim, os
primeiros elos da cadeia dos seres pensantes. O segundo está mais conforme com a dignidade do homem
e pode se resumir como se segue: (...)"(LE, Livro II , cap. XI, comentário ao capítulo, pág. 254)

E passa a discorrer sobre este importante tema, afirmando por fim:

" Quanto às relações misteriosas que existem entre o homem e os animais, repetimos, isso está nos
segredos de Deus, como muitas outras coisas, cujo conhecimento atual não importa ao nosso
adiantamento e sobre as quais seria inútil insistir." (LE, Livro II, cap. XI, comentário ao capítulo, pág.
255)

Importa destacar que no livro "A Gênese – Os Milagres e as Predições Segundo O
Espiritismo", Kardec volta a discorrer sobre esse assunto, inclinando-se claramente pela primeira
hipótese. Portanto, é preciso retomar com maior clareza (e sob à lógica científica atual) o tema em
questão.

"Os Espíritos que disseram que o homem é um ser à parte na ordem da criação, enganaram-se? – Não,
mas a questão não foi desenvolvida e, aliás, há coisas que não podem chegar senão em seu tempo. O
homem é, com efeito, um ser à parte, porque ele tem faculdades que o distinguem de todos os outros e
tem um outro destino. (...)"(LE, Livro II , cap. XI, questão 610, pág. 253)


24


Há ainda um conjunto de temas sobre os quais Allan Kardec lançou hipóteses e formulou
teorias espíritas mas que devem ser aperfeiçoados e complementados, exigindo um esforço para que
seja desenvolvido um processo de revisão, atualização e/ou complementação. Entre estes,
destacamos a título de sugestão:


Epistemologia Espírita

Concepção Existencial de Deus

Princípio Vital (Vitalismo)

Mundo dos Espíritos: organização, natureza, formação, etc.

Os animais no mundo dos Espíritos

Sentidos e sensações para os espíritos

A questão do tempo para os Espíritos

A Memória Espiritual

Necessidade de repouso para os espíritos

A música no mundo dos espíritos

Fatalidade e Determinismo

A Infância nos mundos mais adiantados

Importância e papel do corpo físico

Importância e papel do Mundo Material

Perispírito:

Pluralidade dos Mundos Habitados

Influência do Espiritismo sobre o Progresso

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Problemas (antigos ou novos) ainda não abordados ou para as quais o Espiritismo
não possui posições claramente definidas:

"(...) O Egoísmo se enfraquecerá com a predominância da vida
moral sobre a vida material e, sobretudo, com a inteligência que

o Espiritismo vos dá de vosso estado futuro real e não
desnaturado pelas ficções alegóricas. O Espiritismo bem
compreendido, quando estiver identificado com os costumes e as
crenças, transformará os hábitos, os usos e as relações sociais."
(LE, Livro III, cap. XII, questão 917, pág. 352)

É possível apresentar ao debate público uma visão espírita sobre a maioria dos temas de
interesse para a humanidade, relacionados aos problemas do homem e do mundo atual. Por que não
produzir uma abordagem, clara e direta, como as que se pode em diversas oportunidades encontrar
ao longo da obra de Kardec? A questão do divórcio, por exemplo, destacada abaixo:

"A indissolubilidade absoluta do casamento está na lei natural ou somente na lei humana? – É uma lei
humana muito contrária à lei natural, Mas os homens podem mudar suas leis: só as da Natureza são
imutáveis." (LE, Livro III, cap. IV, questão 697, pág. 281)

De forma similar, pode-se conceber um processo que permita construir, a partir dos
referenciais éticos que resultam da filosofia espírita, uma visão objetiva, sem subterfúgio ou
tergiversação, em relação às questões que consideremos dotadas de pertinência social e que,
portanto, requeiram um posicionamento espírita perante à sociedade.

Uma doutrina livre-pensadora, progressista, humanista e moderna não pode fugir da
responsabilidade de produzir (e difundir) sua visão de mundo, de estruturar conceitos e fornecer, a
partir destes, uma orientação moral e propor uma postura ética a ser seguida livremente pelos seus
adeptos (note-se, orientação e não imposição, uma vez que se reconhece a preponderância do livre
arbítrio de cada espírito para tomar, responsavelmente, cada uma das decisões que a vida lhe
impõe).

Esta é a motivação que nos leva a propor um aprofundamento e atualização do
conhecimento espírita. O reconhecimento que a nossa concepção filosófica é portadora de uma
mensagem excepcionalmente dotada de elementos capazes de contribuir para o progresso da
sociedade e das individualidades imortais que a compõe.

Sendo assim, identificamos e propomos para o debate entre os espíritas motivados pelas
mesmas preocupações aqui exaradas, a seguir, entre outros assuntos que possam vir a serem
formulados e priorizados ao longo do processo permanente de atualização do Espiritismo que se
inicia, um conjunto temático de problemas para os quais entendemos que há necessidade de
construção (ou complementação por terem sido abordados de forma superficial ou não conclusiva)
de uma abordagem espírita:


26



Utilização dos avanços científicos e tecnológicos no interesse da paz e em benefício da
humanidade

Inteligência Artificial

Pesquisa em Seres Humanos

Eutanásia e Distanásia

Coma e os variados graus de inconsciência (é possível aproveitar para atualizar parte do capítulo
VIII, Livro II, do Livro dos Espíritos, que trata de temas tais como letargia, catalepsia e morte
aparente)

Hipnose

Transplantes

Doação de órgãos e de células (post-morten , inter-vivos, doação presumida)

Cremação

Manipulação genética de organismos vivos (transgênicos)

Projeto Genoma Humano e a Medicina Preditiva

Clonagem de seres vivos e em especial de seres humanos:
"O aperfeiçoamento das raças animais e vegetais, pela ciência, é contrário à lei natural? Seria mais
conforme essa lei deixar as coisas seguirem seu curso natural? – Deve-se fazer tudo para alcançar a
perfeição, e o próprio homem é um instrumento do qual Deus se serve para alcançar seus fins. A
perfeição, sendo o objetivo para o qual tende a Natureza, favorecê-la é corresponder a essa finalidade."

(LE, Livro III, cap. IV, questão 691, pág. 279)


Reprodução Assistida (Inseminação assistida, Fertilização Artificial, criopreservação e
transferência de embriões, doação de gametas, diagnóstico genético etc.)

Planejamento Familiar e Controle da Natalidade:
"As leis e costumes humanos que têm por objetivo ocasionar obstáculos à reprodução, são contrárias à
lei natural? – Tudo o que entrava a marcha da Natureza é contrário à lei geral. (... segue-se nova
pergunta...) – (...) Deus deu ao homem, sobre todos os seres vivos, um poder que deve usar para o bem,
mas não abusar. Ele pode regrar a reprodução segundo as necessidades, mas não deve entravá-la sem
necessidade. (...)." (LE, Livro III, cap. IV, questão 693, pág. 280)


Saúde mental e sofrimentos psíquicos

Doenças crônico-degenerativas

Medicina e práticas alternativas em saúde (em particular as energéticas e holistas)

Aborto (quando ocorre violência sexual ou há inviabilidade fetal total ou parcial)

Sexualidade, identidade sexual e energias sexuais

Homossexualidade

União civil e afetiva entre pessoas do mesmo sexo

Planejamento Familiar e controle da natalidade

Criação de filhos por pais solteiros ou do mesmo sexo

Gravidez de substituição (Maternidade de aluguel)

Condições espirituais durante a prematuridade

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Teorias econômicas (entre as alternativas para a sociedade: socialismo,
capitalismo/neoliberalismo ou uma terceira via, qual se adequa a visão espírita?):

Alcoolismo, Drogas e toxico-dependências.
"A aberração das faculdades intelectuais por embriaguez escusa os atos repreensíveis? – Não, porque o
bêbado está involuntariamente privado de sua razão para satisfazer paixões brutais: em lugar de uma
falta, ele comete duas." (LE, Livro III, cap. X, questão 848, pág. 326)


Transição demográfica da população humana

Violência urbana e social

Violação aos direitos humanos
"(...) Toda sujeição absoluta de um homem a outro homem é contrária à Lei de Deus.(...)" (LE, Livro
III, cap. X, questão 829, pág. 322)


Escravidão e exploração do trabalho alheio (prostituição, trabalho infantil, etc.)

Democracia

Pacifismo

Totalitarismo

Justiça social

Aperfeiçoamento da Legislação humana

Ética (termo não utilizado por Kardec) x Moral

Ecumenismo e a Religião Moderna

Pluralidade cultural, étnica e racial (racismo, fundamentalismo religioso e étnico)

Lazer e Ócio

Desenvolvimento Sustentável (Ecologia, Meio Ambiente, Desenvolvimento Econômico e
Participação Social)
"(...) A ação inteligente do homem é um contrapeso estabelecido por Deus para restabelecer o equilíbrio
entre as forças da Natureza, e é isso, ainda, que o distingue dos animais, porque o faz com conhecimento
de causa. (...)" (LE, Livro III, cap. IV, questão 693, pág. 280)


Terceiro Setor e Participação Social

Consumismo e Utilitarismo

Propaganda ideológica e aspectos éticos relativos à Publicidade e aos Meios de Comunicação de
Massa

Vegetarianismo e Alimentação Natural

Ufologia e Pluralidade dos Mundos Habitados (extraterrestres)

Problemas relativos à Adolescência

Responsabilidade civil de crianças e adolescentes

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Hipóteses e teorias espíritas estabelecidas através de literatura mediúnica ou da
contribuição de estudiosos espíritas encarnados e que não foram devidamente
validadas ou refutadas

"O Espiritismo será no futuro o que dele os espíritas fizerem."

(León Denis)

A seguir, são apenas e tão somente destacadas, a título de exemplo e sem que se queira
esgotar a grande variedade de contribuições teóricas formuladas por autores encarnados e
desencarnados desde os tempos de Allan Kardec, uma sequência de temas relacionados à hipóteses
e teorias:

a)
elaboradas através da literatura mediúnica, por médiuns cuja produção é mais ou menos
reconhecida, independentemente da qualidade, coerência e factibilidade de cada uma destas
proposituras, mas que sem exceção, não foram submetidas a nenhum método de validação (ou
refutação), nem ao menos ao clássico controle universal das comunicações proposto e utilizado
por Allan Kardec, entre as quais pode-se destacar:


A vida no Mundo Espiritual: André Luiz, Luiz Sérgio, Zíbia Gasparetto, etc.

Evolução em Dois Mundos: André Luiz

Mecanismos da Mediunidade: André Luiz

O Suicídio e a situação dos Suicidas: Yvonne A Pereira

Determinismo Histórico do Brasil (O chamado "Coração do Mundo e Pátria do
Evangelho"): Humberto de Campos

Almas Gêmeas: Emmanuel

Espiritismo como o Cristianismo Redivivo: Emmanuel, Bezzera de Menezes e outros

O Tríplice Aspecto do Espiritismo (com ênfase a um religioso): Emmanuel
b)
Formuladas por estudiosos espíritas que produziram contribuições ao pensamento espírita,
incorporadas ou não ao corpo doutrinário do Espiritismo, mas que também não foram
devidamente debatidas, analisadas, refutadas ou formalmente consideradas válidas. Merecem
ser destacadas, muito embora seja muito provável que venhamos a incorrer em imperdoável
omissão de outras importantes hipóteses e teorias, uma vez que tem sido pouco (ou quase nada)
difundidas e valorizadas em nosso meio espírita as contribuições desta natureza.


Evolução anímica: Gabriel Delanne

Uranografia e Pluralidade dos Mundos Habitados: Camile Flamarion

Os animais no mundo dos espíritos: Camile Flamarion

Inconsciente e Perispírito: Gabriel Dellane, Gustave Geley, Jorge Andréa

29



Perispírito como sede da memória espiritual: Gabriel Dellane

O Tríplice Aspecto do Espiritismo (com ênfase a um religioso): Carlos de Brito Imbassahy

Filosofia interexistencial: José Herculano Pires

Educação Espírita (teoria aparencial da criança): José Herculano Pires, Humberto Mariotti

Antropologia Espírita: José Herculano Pires

Vampirismo: José Herculano Pires

Mediunidade Zoófila: José Herculano Pires, Humberto Mariotti

Modelo Organizador Biológico e Campo Biomagnético: Hernani Guimarães de Andrade

Teoria Corpuscular do Espírito: Hernani Guimarães de Andrade

Sociologia Espírita: Manuel S. Porteiro

Dialética Espírita: Manuel S. Porteiro, José Herculano Pires, Gustave Geley

Doutrina Social Espírita: León Denis, Deolindo Amorim, Cosme Mariño, Santiago Bossero,
Paz Basulto, Fernando Ortiz, Rufino Juanco, entre outros.

Partido Espírita: José Freitas Nobre

Espiritossomática: Jaci Regis

Transcomunicação instrumental: Friedrich Jürgenson, Konstantin Raudive, George Meek,
Hans Otto König, Jules e Maggy Harscg-Fischbach, Hernani Guimarães de Andrade

Terapia de Vidas Passadas: Helen Wambach, Denis Kelsey, Edith Fiore, Brian L. Weiss,
Florence Wagner McClain

Mediunidade (aspectos diversos): Gabriel Delanne, Camile Flamarion, León Denis, Gustave
Geley, Alexander Akssakoff, Ernesto Bozzano, Caibar Schutel, José Herculano Pires, Rino
Curti, Edgard Armond, Hermínio C. Miranda, Alan Gauld, entre outros

Reencarnação (aspectos diversos): Gabriel Delanne, Camile Flamarion, León Denis, Ernesto
Bozzano, Gustave Geley, José Herculano Pires, Manuel Porteiro, Paul Bodier, Karl Muller,
Humberto Mariotti, Ian Steveason, H. Banerjee, entre outros

30


Práticas espíritas de origem diversas incorporadas pelo Movimento Espírita que não
foram submetidas a análise de eficácia e validação

Uma série de práticas vem sendo desenvolvidas em parte considerável de instituições e
grupos que fundamentam suas atividades a partir dos princípios doutrinários espíritas. Muitas
destas, fruto de uma tradição cultural, carecem de melhor fundamentação teórica e de uma avaliação
de sua eficácia, bem como a validação dos resultados obtidos.

A seguir, destacamos um grupo representativo destas práticas que podem compor um
produtivo esforço de atualização, fundamentação teórica, comprovação de seus resultados e
validação científica:


Fluidoterapia ou Emissões energéticas próxima (passe)

Água fluídica

Emissões energéticas à distância (vibração ou irradiação) direcionados à encarnados

Emissões energéticas à distância (vibração ou irradiação) direcionados à desencarnados

Práticas mediúnicas diversas

Formação e desenvolvimento mediúnico

Desobsessão

Doutrinação de espíritos desencarnados

Curas mediúnicas

Consultas médicas espirituais (com utilização de procedimentos terapêuticos diversos)

Apometria

Cromoterapia

Filantropia e assistência social (diversas práticas)

Assistência Espiritual à portadores de doenças mentais e sofrimentos psíquicos

Consultas espirituais (orientação)

Catecismo Espírita, Escolas de Evangelização e outras práticas religiosas

Culto do Evangelho no Lar

31


CONCLUINDO


"Muitas pessoas pensam , por outro lado, que O Livro dos
Espíritos esgotou a série de perguntas de moral e de filosofia; é
um erro; por isso é talvez útil indicar a fonte de onde se pode tirar
assuntos de estudo, por assim dizer, ilimitados." (Livro dos
Médiuns – item 343, pág. 402)

A constituição de uma Agenda Espírita é um passo essencial e inadiável para que o
processo de atualização do Espiritismo possa ocorrer de forma concreta e não apenas como um
desejo de estudiosos espíritas, comprometidos com o pensamento kardecista, que identificam essa
iniciativa como de fundamental importância para a sobrevivência e o fortalecimento do Espiritismo.

Procuramos formular e desenvolver, ainda que de forma sumária, uma proposta que parte de
seis eixos temáticos para a atualização do Espiritismo, a serem aprofundados, debatidos e
progressivamente apropriados pelos espíritas como uma tarefa doutrinária permanente da maior
seriedade e importância.

P.G.Leymarie, um dos mais importantes vultos do Espiritismo de todos os tempos, ao
concluir o livro Obras Póstumas, conta-nos que:

"No Congresso espírita e espiritualista internacional de 1890, os delegados declararam
que, desde 1869, os estudos seguintes tinham revelado coisas novas, e que, segundo o ensinamento
preconizado por Allan Kardec, alguns dos princípios do Espiritismo, sobre os quais o mestre
baseara seu ensinamento, deveriam ser colocados no ponto e de acordo com os progressos da
ciência há 20 anos". (Obras Póstumas, pág. 377).

Retomemos, pois, o ideal de Kardec. O Espiritismo é uma doutrina dinâmica, aberta, livre-
pensadora, progressista, profundamente humanista. Façamos um Espiritismo para os encarnados,
para o mundo de hoje, onde se constrói o amanhã. Para tanto, utilizemo-nos das bases sólidas e
insuperáveis (porém não intocáveis) fornecidas no passado por Allan Kardec e a plêiade de
Espíritos que tanto colaboraram no processo de edificação do Espiritismo.

Mais do que nunca é atual a palavra de Leymarie. Colocar o Espiritismo no ponto e de
acordo com os progressos da ciência nos últimos 143 anos, eis o desafio para todos aqueles que
compreendem a importância e a magnitude da Filosofia Espírita.


BIBLIOGRAFIA


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Kardec, Allan. O Livro dos Espíritos. Tradução de Salvador Gentile. Araras, SP, IDE- Instituto
de Difusão Espírita, 116ª edição, 1998.

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Kardec, Allan. Instruções Práticas Sobre as Manifestações Espíritas. Tradução de Joaquim
da Silva Sampaio Lobo e Caibar Schutel. Sobradinho, DF, EDICEL, 12ª edição, 1990.

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Kardec, Allan. O que é o Espiritismo? Tradução de Salvador Gentile. Araras, SP, IDE-
Instituto de Difusão Espírita, 22ª edição, 1998.

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Kardec, Allan. O Livro do Médiuns. Tradução de Salvador Gentile. Araras, SP, IDE- Instituto
de Difusão Espírita, 46ª edição, 1997.

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Kardec, Allan. O Espiritismo na sua mais Simples Expressão. Tradução de Joaquim da Silva
Sampaio Lobo e Caibar Schutel. Sobradinho, DF, EDICEL, 12ª edição, 1990.

.
Kardec, Allan. O Evangelho Segundo Espiritismo. Tradução de Salvador Gentile. Araras, SP,
IDE- Instituto de Difusão Espírita, 227ª edição, 1998.

.
Kardec, Allan. O Céu e o Inferno ou A Justiça Divina Segundo o Espiritismo. Tradução de
Salvador Gentile. Araras, SP, IDE- Instituto de Difusão Espírita, 15ª edição, 1998.

.
Kardec, Allan. A Gênese – Os Milagres e as Predições Segundo o Espiritismo. Tradução de
Salvador Gentile. Araras, SP, IDE- Instituto de Difusão Espírita, 16ª edição, 1998.

.
Kardec, Allan. Óbras Póstumas. Tradução de Salvador Gentile. Araras, SP, IDE- Instituto de
Difusão Espírita, 6ª edição, 1997.

.
Kardec, Allan. "Revista Espírita - Jornal de Estudos Psicológicos". 12 Volumes (18581869).
São Paulo, SP, EDICEL, sem data.

.
Reis, A.A C, "Magnetismo, Vitalismo e o Pensamento de Kardec". CPDoc, Santos, 1996.


CENTRO
ESPÍRITA:
uma revisão
estrutural



MAURO DE MESQUITA SPINOLA


CENTRO
ESPÍRITA:
uma revisão
estrutural



Santos
1997

CENTRO ESPÍRITA: uma revisão estrutural

Mauro de Mesquita Spinola

1997 - 1a edição - 500 exemplares

Copyright © 1997 by CPDoc

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Capa: Álvaro de Mesquita Spinola.
Revisão Final: Marissol Castello Branco.
Produção : Marissol Castello Branco e Alcione Moreno.


Fotolito da capa: Magda Salomão – Microart Comunicação.
Rua Dr. Nogueira Martins, 442 - 04143-020 - São Paulo - SP.


Impressão e acabamento: Grafpel Artes Gráficas Ltda.
Rua Soldado João Espinardi, 63 - 07093-010 - Guarulhos - SP.


Ficha catalográfica:

Spinola, Mauro de Mesquita. 1956-
Centro espírita: uma revisão estrutural. Santos,
CPDoc, 1997. 104p.

ISBN: 85-86429-02-3

1. Espiritismo
I.t
CDU 133.9
Impresso no Brasil - Printed in Brasil.


Aos meus pais Neyde e Geraldo,
que me ensinaram o que é o
Espiritismo.

À minha companheira Diva e
meus filhos Fernando e Maíra, que
estão sempre ao meu lado e me
provam a cada dia que existe algo
mais por trás desta vida.


SOBRE O CPDOC

O
O
Centro de Pesquisa e Documentação Espírita —
CPDoc — é um grupo formado em 1988, em Santos-
SP, por jovens espíritas que se conheciam dos encontros
regionais realizados no Estado de São Paulo. Formado
com a finalidade de desenvolver pesquisas sobre o Espiritismo,
o CPDoc, desta maneira, criou um espaço para a
elaboração, discussão e divulgação de estudos e pesquisas
nas diversas áreas do conhecimento relacionadas com o
Espiritismo.
Suas reuniões são bimestrais, alternando-se entre as cidades
de Santos e São Paulo. A atividade principal tem
sido a discussão dos trabalhos escritos por integrantes do
grupo. Cada membro do grupo desenvolve monografias
nos temas de seu interesse. Cada monografia é repassada
aos demais membros e, numa data previamente marcada, é
feita sua apresentação e debate. Os membros levam para
esta reunião seus comentários, críticas e sugestões para
aperfeiçoamento do texto proposto. Após esta reunião o
autor revisa o texto original e reapresenta-o aos demais
para nova apreciação.
O objetivo deste método é fazer com que os trabalhos
apresentados cheguem ao nível de serem publicados, como
este livro agora apresentado. O CPDoc também divulga
sua produção em simpósios, centros espíritas e atividades
culturais.

SUMÁRIO

INTRODUÇÃO............................................................... 17


CAPÍTULO 1
EM BUSCA DE UMA DEFINIÇÃO ........................ 22

1.1. ASPECTOS HISTÓRICOS........................................... 22


1.2. CENTRO ESPÍRITA X ESPIRITISMO: alguns confrontos 27

1.3. AS DIVERSAS FEIÇÕES DOS CENTROS ESPÍRITAS ....... 33


1.4. EVENTOS DE RENOVAÇÃO ...................................... 34


1.5. É POSSÍVEL DEFINIR UM MODELO ? ......................... 36


CAPÍTULO 2
A MEDIUNIDADE .................................................. 41

2.1. O PAPEL DA MEDIUNIDADE..................................... 41


2.2. AS REUNIÕES MEDIÚNICAS ..................................... 44


2.3. ATIVIDADES MEDIÚNICAS NO CENTRO ESPÍRITA ...... 49

2.3.1. Estudos de mediunidade ................................... 50


2.3.2. Assistência a espíritos desencarnados................. 50


2.3.3. Atendimento de pessoas.................................... 52


2.3.4. Terapia de obsessão ........................................ 52


2.3.5. Passes........................................................... 54


2.3.6. Pesquisas de mediunidade ................................ 55



2.4. CONCLUSÃO: a mediunidade na revisão do centro
espírita...................................................................56

CAPÍTULO 3
ESTUDOS E PESQUISAS ........................................58

3.1. A BASE DO CENTRO................................................58


3.2. CRITÉRIOS NECESSÁRIOS PARA UMA ESTRUTURA
BASEADA EM ESTUDOS E PESQUISAS.........................62

3.3. ATIVIDADES DE ESTUDOS E PESQUISAS NO CENTRO
ESPÍRITA ................................................................64

3.3.1. Estudos doutrinários ........................................65


3.3.2. Estudos para a infância ....................................66


3.3.3. Estudos para a juventude ..................................67


3.3.4. Pesquisas.......................................................67


3.3.5. Divulgação do Espiritismo ................................70


3.4. CONCLUSÃO: estudos e pesquisas na revisão do centro
espírita...................................................................70

CAPÍTULO 4
O CENTRO ESPÍRITA E A SOCIEDADE .............73

4.1. DEFESA DO ESPIRITISMO ........................................74


4.2. O CENTRO ESPÍRITA PARA O HOMEM........................76


4.3. A SOCIEDADE COMO TEMA DE ESTUDO ....................78


4.4. ATUAÇÃO SOCIAL ..................................................81


4.5. O CENTRO ESPÍRITA E A COMUNIDADE.....................83


4.6. CONCLUSÃO: para ser um remo ...............................84


CAPÍTULO 5
O PODER NO CENTRO ESPÍRITA.......................86

5.1. MANDATOS DIVINOS ...............................................86


5.2. CRITÉRIOS PARA ABERTURA....................................88


5.3. CONCLUSÃO: o centro de todos................................ 89


CAPÍTULO 6
INTEGRAÇÃO ENTRE CENTROS ESPÍRITAS .... 91

6.1. INTEGRAÇÃO: uma necessidade ............................... 91


6.2. O MOVIMENTO DE UNIFICAÇÃO: para a frente e para trás93

6.3. CONCLUSÃO: caminhos que se abrem para uma
integração real ........................................................ 95

CONCLUSÃO ................................................................. 98


A BASE CONCEITUAL JÁ EXISTE...................................... 98
O MODELO PROPOSTO SERVE DE BASE PARA
REESTRUTURAÇÃO .................................................. 99
UMA OPÇÃO DIFERENTE ............................................ 100
POR ONDE COMEÇAR? ................................................. 101
AS PESSOAS ................................................................105


BIBLIOGRAFIA ........................................................... 107


SOBRE O AUTOR........................................................ 112



APRESENTAÇÃO

C
C
onheço Mauro de Mesquita Spinola há muitos
anos, e entre nós existe uma profunda amizade
que, certamente, ultrapassa os estreitos limites
de uma existência. Por ele tenho profundo respeito e
admiração. Diria que é mais do que isso, tenho-o comoum filho do coração. É interessante que a nossa amizade
solidificou-se com uma pequena divergência doutrinária.
Escrevi uma carta ao programa Momento Espírita,
que vai ao ar pela Rádio Boa Nova de Guarulhos,
discordando de uma questão doutrinária defendida por
ele e pelo Plínio Paulo Leiva de Lucca, depois conversamos
longamente sobre o assunto e passamos a respeitar-
nos mais ainda.

Recentemente viajávamos no mesmo carro para uma
tarefa doutrinária em Santos, quando ele surpreendeu-
me, pedindo-me, como se fosse um favor, para escrever
a apresentação do seu livro. Ele não percebeu porque
estava no banco traseiro e eu no dianteiro, mas os meus
olhos ficaram úmidos por duas lágrimas que não chegaram
a cair, mas que perolaram nas janelas de minha
alma. Sei que somente o seu coração bondoso poderia
fazer esse pedido, pois o professor universitário desce
de sua cátedra para estender a mão a alguém que não
superou as primeiras séries escolares.

Li os originais da obra com um interesse incomum
para quem, depois de mais de 40 anos de movimento
espírita já leu muitos livros sobre o tema Centro Espírita.
Haveria algo mais a abordar? Haveria alguma face-
ta inexplorada? Sim! Havia a própria estrutura do Centro
Espírita a ser explorada.

O trabalho do Mauro foi escrito, reescrito, criticado
em reuniões do CPDoc e corrigido mais de uma vez.
Seria o autor um contestador? Alguém disposto a contrariar
o que está sedimentado? Sim, mas com o objetivo
de melhorar a atuação do Centro Espírita. O mais
importante é que o autor não é um teórico, um espírita
de gabinete, mas alguém que se formou espírita nas
agremiações juvenis do movimento, participando de
debates doutrinários, liderando Encontros de Mocidades,
dinamizando o movimento jovem. Viveu intensamente
o período de Mocidade Espírita e, mal saído da
adolescência, integrou-se ao Centro Espírita, participando
de cargos diretivos, vivendo o dia-a-dia do Centro,
esbarrando com personalismos e incompreensões
de adultos, mas respeitando-os carinhosamente.

Felizmente começamos a sair do missionarismo, ou
seja, pessoas que por causa de fenômenos mediúnicos
se julgam fadados a fundar um centro espírita juntamente
com o seu guia ou mentor, ambos ignorantes de
Doutrina Espírita, mas com pretenso mandato divino
para salvar a humanidade, ou parte dela.

Por outro lado, encontramos centros espíritas que se
ocupam tanto de curas físicas que mais parecem um
Centro de Saúde ou Ambulatório Hospitalar. O que dizer,
então, daqueles que se assemelham a sacristias de
igrejas ou que mais parecem púlpitos "pentecostais"?


Isto se dá, segundo o autor, e concordamos plenamente
com ele, pelo desconhecimento do Espiritismo. Sabemos
que poderão argumentar que os grandes centros espíritas
mantêm escolas de Espiritismo, mas talvez um grande
número deles não faça uma leitura correta da obra
Kardequiana.

O Centro Espírita é comprometido com o Espiritismo,
afirma Mauro Spinola, isso nos dá uma profunda
alegria, pois de há muito tempo compreendemos que a
prioridade do Centro Espírita é ensinar e vivenciar Espiritismo.
Alegra-nos, também, o fato do autor não se
afastar um só momento de Allan Kardec.

Mauro de Mesquita Spinola propõe um programa
próprio para a infância, que desenvolva uma educação
espírita integral, que inclua também o Evangelho, mas
que seja abrangente.

O livro traz sugestões importantes para a reestruturação
do Centro Espírita. A nosso ver, essa reestruturação
deverá passar também pela imprensa espírita, com
a transformação dos nossos periódicos em veículos informativos
e formativos, que propiciem o conhecimento
e apóiem a cultura espírita. Logicamente, incluímos
neste contexto os programas espíritas de rádio, e as
ainda tímidas incursões na televisão.

O autor, no capítulo 6o – subtítulo 6.2. O Movimento
de Unificação: para frente e para trás – toca numa ferida
ainda superficialmente cicatrizada no movimento de
Unificação do Estado de São Paulo. Ele foi breve e direto
no assunto. Apenas uma estocada, talvez o suficiente
para reabrir feridas, mas que exemplifica a nossa
imaturidade para discutir pontos divergentes, quer se


jam doutrinários, quer sejam de organização e de poder.


Com o texto desta apresentação ainda na tela do
computador, lemos com atenção e concluímos que ele
seria desnecessário, pois, o Centro espírita: uma revisão
estrutural, é suficientemente claro na sua proposta, e o
autor escreve de forma gostosa de ser lida, um assunto
árido por natureza. Seu estilo é claro e elegante, e a sua
maturidade doutrinária é incontestável. Entretanto, não
podíamos deixar de atender o convite do Mauro e aqui
está. Tenho a impressão que muitos leitores dispensam
a leitura da apresentação, porém, os que o lerem compreenderão
o nosso carinho para com o autor, e a nossa
admiração. A proposta do livro é exeqüível? Certamente
sim, mas é preciso uma conscientização pessoal de
cada dirigente espírita, porque esta, a nosso ver, é uma
proposta de verticalização de todos aqueles que militam
nas instituições espíritas, inclusive os assistidos.

Faço votos para que este livro possa despertar nos
seus leitores, especialmente nos que forem dirigentes
espíritas, a reflexão sobre a sua instituição, de coração
aberto, para que compreendamos todos o que Herculano
Pires escreveu no seu livro, O Centro Espírita, "O
Centro Espírita não é templo nem laboratório, mas o
ponto visual de convergência do movimento doutrinário."


Amilcar Del Chiaro Filho
Guarulhos/SP
Março de 1997


PREFÁCIO


É
É
necessário — e é possível — realizar uma revisão
estrutural dos centros espíritas na atualidade, que
permita a eles traçar seus caminhos vinculados e
comprometidos com o próprio desenvolvimento do Espiritismo,
além de se caracterizarem socialmente de forma
clara. Isso hoje não ocorre. Viso com este estudo contribuir
para essa revisão.

Parto da constatação de que os centros espíritas vivem
hoje uma dificuldade de identificação, gerada sobretudo
pelos confrontos entre sua estrutura, a leitura do Espiritismo
e a modernização cultural e moral da sociedade. Tanto
como casa do Espiritismo quanto como célula social o
centro ainda busca uma definição mais precisa.

O texto que agora apresento começou a ser desenvolvido
em 1987, quando escrevi o artigo "O centro espírita e
a sociedade"1 para o II ENSASDE -Encontro Nacional
sobre o Aspecto Social da Doutrina Espírita, realizado
naquele ano em São Paulo. Na época a maior preocupação
foi a de propor caminhos para aperfeiçoar as relações entre

o centro espírita e a sociedade, sobretudo no sentido de
reduzir a apatia reinante nos centros em relação às questões
sociais. Boa parte daquele texto original foi reapro-
Mauro de Mesquita Spinola. O centro espírita e a sociedade. Em: Autores diversos.
Espiritismo e sociedade. p. 59-66.

veitado, com pequenas modificações, para este livro, aparecendo
sobretudo no Capítulo 4 - O centro espírita e a
sociedade. A partir daquele artigo surgiu a idéia de ampliar
o estudo, fazendo-o abranger os diversos aspectos conceituais
que orientam a criação e o desenvolvimento dos
centros espíritas. Realizei inicialmente uma pesquisa na
literatura espírita sobre as principais propostas existentes
para os centros espíritas. Esta pesquisa determinou os
grandes temas de interesse — que denominei de elementos
da estrutura do centro espírita — e com base neles desenvolvi
os capítulos.

Em 1989 apresentei a primeira versão do texto no CP-
Doc -Centro de Pesquisa e Documentação Espírita. Com
as críticas e sugestões ali recebidas dos companheiros, ele
foi ampliado e aperfeiçoado. Foi reapresentado em 1992 e
recebeu novas sugestões. Em 1993 foi apresentado, já na
forma final, no III SBPE -Simpósio Brasileiro do Pensamento
Espírita,2 realizado em Santos/SP. Pequenas adaptações
foram acrescentadas desde então, visando esta
publicação na forma de livro.

Quero fazer um agradecimento especial aos amigos do
CPDoc, por me incentivarem, criticarem e aperfeiçoarem

o texto, desde seu primeiro rascunho.
Mauro de Mesquita Spinola
e-mail: <mspinola@usp.br>
São Paulo/SP
Março de 1997

2 Mauro de Mesquita SPINOLA. Centro espírita: uma revisão estrutural. Em: SBPE SIMPÓSIO
BRASILEIRO DO PENSAMENTO ESPÍRITA, 3. Anais.


17


INTRODUÇÃO

A
A
análise da estrutura do centro espírita e as possíveis
propostas que dela possam advir esbarram em várias

dificuldades. Eis algumas delas:

(1) É difícil definir centro espírita. É muito grande a
heterogeneidade existente entre os grupos e como
conseqüência surgem dúvidas: o que estaríamos
analisando? a que e a quem estaríamos propondo?
(2) Em muitos centros espíritas vive-se hoje um período
de discussão e revisão estrutural. Há também a
criação de novos grupos, com estruturas alternativas
e claramente diferentes das existentes. Os resultados
são apenas preliminares e não há indícios
de tendências generalizadas.
A primeira dessas dificuldades é discutida no capítulo

1. Lá escolho alguns critérios para identificar um centro
espírita, e os justifico, no sentido de encontrar um caminho
para análise. Em relação à segunda, busco no decorrer
de todo o texto identificar conceitos, problemas e propostas
apresentados por vários autores que se dedicaram a
esse assunto específico e combino-os com a experiência
que tenho adquirido através da participação no Centro de
Estudos Espíritas "José Herculano Pires"3 e no movimen-
Centro de Estudos Espíritas "José Herculano Pires", Rua Alicante 389, Vila
Granada, Penha, São Paulo-SP, CEP 03654-010.

18 CENTRO ESPÍRITA: uma revisão estrutural

to espírita. Não terei condições de apresentar soluções
finais nem modelos definitivos, mas buscarei formulá-los
sempre que possível, visando entrelaçar e avaliar melhor
as idéias discutidas.

Uma reflexão sobre a estrutura dos centros espíritas exige
a identificação dos elementos que compõem essa estrutura.
Assumo que são os seguintes:

a) a mediunidade,

b) os estudos e as pesquisas,

c) as relações entre o centro espírita e a sociedade,

d) o poder, e

e) a integração entre centros espíritas.

ELEMENTOS ESTRUTURAIS
DO CENTRO ESPÍRITA
Mediunidade
Estudos e pesquisas
Relações com a sociedade
Poder
Integração com outros centros espíritas

O capítulo 2 trata da mediunidade no centro espírita. A
mediunidade é o elemento chave da estrutura do centro. A
comunicação com os espíritos deu origem ao Espiritismo e
foi desde o início o seu maior instrumento de desenvolvimento.
Os centros espíritas em geral se formam em torno
do fenômeno mediúnico e os médiuns são sua maior referência.
Os caminhos e descaminhos da utilização da medi



19

unidade têm delineado a própria história dos centros espíritas.


O capítulo 3 enfoca os estudos e pesquisas no centro,
elementos básicos e ponto de partida para uma revisão
conceitual e estrutural.

A inserção social do centro espírita é estudada no capítulo
4: identifico as relações entre o centro espírita e a
sociedade, e proponho caminhos.

Uma análise da estrutura do centro espírita passa necessariamente
pelas relações de poder. Há um conjunto de
procedimentos que merecem revisão. No capítulo 5 trato
desse assunto.

O último elemento da estrutura do centros espíritas que
abordo é a integração entre os centros, no capítulo 6. Essa
integração é necessária, sem dúvida, para intercâmbio e
cooperação entre os grupos e para consolidação de conquistas,
mas tem sido muitas vezes instrumento de cristalização
de velhas estruturas e conceitos.

Este livro não trata, de forma sistemática, dos aspectos
de organização e administração do centro espírita. Há alguns
livros e apostilas que tratam do assunto. O centro
espírita, de Wilson GARCIA, sintético e objetivo, é um
livro de valor.4

Entre os autores pesquisados, dediquei especial atenção
aos dois que deram contribuições mais significativas
para o estudo da estrutura do centro espírita até agora:
Allan KARDEC e José Herculano PIRES. Em toda a extensão
do texto eles são citados, sobretudo em suas respectivas
obras O livro dos médiuns5 e O centro espírita. 6

4 Wilson GARCIA. O centro espírita.
5 Allan KARDEC. O livro dos médiuns.
6 J. Herculano PIRES. O centro espírita.

20 CENTRO ESPÍRITA: uma revisão estrutural

O livro dos médiuns, publicado em 1861, continua sendo
referência obrigatória para formação, avaliação e dinamização
dos grupos. Reputo grande importância a este
livro no contexto da obra de KARDEC. Se em O livro dos
espíritos encontramos a apresentação da doutrina como
um todo, constituindo-se por isso no mais abrangente trabalho
seu, é no entanto em O livro dos médiuns que passamos
mais claramente a conhecer a sua maneira de trabalhar,
o método kardequiano. E é esse método que referenda
toda a sua obra. Marco maior da lucidez de KARDEC,
esse compêndio ainda não esgotou seus recursos de aplicação.


O livro de José Herculano PIRES O centro espírita se
propõe a apresentar um estudo sobre as origens, o sentido
e a significação do centro espírita. É um trabalho poderoso,
que capta conceitos importantes, identifica distorções e
propõe um modelo, mas não escapa ao envolvimento de
algumas idéias já cristalizadas. Não me proporia a tentar
fixar de forma precisa a função do centro, como faz Herculano,
sobretudo porque é difícil trabalhar com uma
"verdade" que não é praticada. Mas concordo com ele
quando constata que a função e a significação do centro
são desconhecidas, só ficando uma dúvida: alguém conhece
completamente?

Cabe ainda uma consideração sobre tudo o que se segue:
a discussão que este livro traz sobre o centro espírita
não está isolada do contexto social e histórico em que estão
inseridos os centros espíritas brasileiros neste final de
século. As análises que faço e as propostas que apresento
em cada um dos assuntos estão sempre marcadas por todo
um conjunto de fatores reais que envolvem a vida do centro.
Os centros espíritas também são reflexos da nossa
sociedade, de seus valores, seus anseios, seus problemas,


21

seus vícios. Portanto, a contribuição deste texto está vinculada
e limitada a esse contexto.

22 CENTRO ESPÍRITA: UMA REVISÃO ESTRUTURAL

Capítulo 1O EM BUSCA DE UMA DEFINIÇÃO

problema de definição conceitual e estrutural dos centros
espíritas é estudado neste capítulo. Se olhamos para o conjunto
dos centros, identificaremos grande indefinição e
heterogeneidade, dificultando uma definição precisa. Discuto
essa heterogeneidade e algumas características problemáticas
da estrutura atual dos centros. Proponho depois
um modelo conceitual.

Para entender o que são os centros hoje é fundamental
que se reveja a sua história. Por isso inicio por um levantamento
de aspectos históricos relevantes. São dados que
esclarecem as origens de diversas características atuais
dos centros espíritas. Não há aqui espaço suficiente para
um detalhamento, mas o tema pode ser aprofundado através
das referências indicadas.

1.1. ASPECTOS HISTÓRICOS
Para entendermos a origem dos grupos espíritas temos
que buscar os grupos que os antecederam, surgidos antes
do trabalho de elaboração do Espiritismo, realizado por
Allan KARDEC na França. Como ignorar os grupos de
magnetistas e magnetizadores, com destaque para os seguidores
de MESMER, que foram muitos no final do século


Capítulo 1-EM BUSCA DE UMA DEFINIÇÃO 23

XVIII e início do XIX na França?7 Como deixar de considerar
os diversos grupos de adeptos do "modern spiritualism"
que surgiram nos Estados Unidos a partir dos fenômenos
ocorridos com as irmãs FOX?8 E os grupos que passaram
a realizar reuniões de mesas girantes na Europa, em
meados do século XIX, que na França acabaram por chamar
a atenção de KARDEC?9 Muitos médiuns, magnetiza-
dores e mágicos polarizaram a criação de grupos mais ou
menos efêmeros, mais ou menos sérios, em torno de si.
Esses agrupamentos são os antecessores dos grupos espíritas
criados no período pós-KARDEC e dos grupos espíritas
atuais.

É com KARDEC, no entanto, a partir de 1855, que o Espiritismo
ganha feição doutrinária.10 Ele lançou O livro
dos espíritos em 1857, com as bases da nova doutrina11 e
fundou, em 1858, a Sociedade Parisiense de Estudos Espíritas
(SPEE), cujos estatutos foram publicados posteriormente
em O livro dos médiuns para servir de modelo aos
centros espíritas que nasciam por toda parte.12 A SPEE,
sob a coordenação do próprio KARDEC, firmou uma meto


7 Ubiratan MACHADO. Os intelectuais e o Espiritismo: de Castro Alves a Machado
de Assis. cap. II, p. 40-42.

8
Ibid., p. 43-44.

9 Ibid., p. 44.
Allan KARDEC. O Espiritismo em sua mais simples expressão. Em: —. Iniciação
espírita. p. 19.
—. Extratos "in extenso" do livro das previsões concernentes ao Espiritismo: manuscrito
feito com especial cuidado por Allan Kardec. Em: —. Obras Póstumas.
parte 2, p. 217-219.

10
Ibid. p. 218-222.

11
—. O livro dos espíritos.

12 Éder FÁVARO e outros. A estrutura dos centros espíritas de Kardec aos nossos
dias. Em: CONGRESSO ESPÍRITA ESTADUAL DA USE, 7. Anais. p. 1.
Allan KARDEC. Regulamento da Sociedade Parisiense de Estudos Espíritas. Em:
—. O livro dos médiuns. parte 2, cap. XXX, p. 435-444.

24
CENTRO ESPÍRITA: uma revisão estrutural

dologia de estudo e pesquisa da mediunidade, documentada
sobretudo através da Revista espírita.13

FÁVARO, DEL CHIARO e PALAZZI fazem um estudo do
"perfil psicossocial do freqüentador dos centros espíritas
do tempo de KARDEC" e concluem:

"Chegamos à conclusão de que os fenômenos espíritas
foram estudados num primeiro momento por homens aristocratas
da nobreza européia. Não eram "João Ninguém" e
também não eram cientistas, pois viam no fenômeno mais
um passatempo do que ciência. Isto não invalidou suas
pesquisas, pois na verdade elas incomodaram os cientistas,
que viam naqueles fenômenos a ignorância, o misticismo,
a superstição do povo ou o cambalacho de alguns
espertalhões." 14

Os autores comparam esses dados com a realidade de
nossos centros, afirmando que na França os freqüentadores
eram nobres, intelectuais, pesquisadores da alta burguesia
e classe média à procura de comprovações científicas
da imortalidade da alma.

"Não era o sofrimento, a angústia existencial, o medo
do futuro, a doença e a pobreza. Não era a consolação ou
a cura da loucura, da obsessão." 15

No Brasil esses motivos se tornaram os principais para
a criação e manutenção de centros espíritas.

O trabalho de KARDEC influenciou fortemente a estruturação
dos grupos franceses e, por conseqüência, teve
grande impacto sobre os primeiros agrupamentos brasilei


13
—. Revista espírita.
—. Introdução - II - Autoridade da doutrina espírita. Em: —. O evangelho segundo

o Espiritismo. p. 11-18.
—. Caracteres da revelação espírita. Em: —. A gênese, os milagres e as predições
segundo o Espiritismo. cap. I, itens 12-18, p. 15-18.
14 Éder FÁVARO e outros. A estrutura dos centros espíritas de Kardec aos nossos
dias. Em: CONGRESSO ESPÍRITA ESTADUAL DA USE, 7. Anais. p. 4-6.
15 Ibid., p. 9.


Capítulo 1-EM BUSCA DE UMA DEFINIÇÃO 25 5

ros. Ubiratan MACHADO16 relata que na Bahia "a repressão
do clero aguçou fortemente o instinto de luta dos pioneiros.
Em meados da década de 1860, Salvador conheceu
uma explosão espírita de que não há paralelo no Brasil.
As obras de KARDEC, lidas em francês, eram discutidas
apaixonadamente nas classes mais cultas."

Segundo Ubiratan MACHADO, o primeiro centro kardecista
surgiu na Bahia:

"Oficialmente, a eclosão do Espiritismo brasileiro se da


ria neste ano (1865) quando, em Salvador, foi fundado o
Grupo Familiar de Espiritismo, o primeiro centro Kardecista
de conhecimento público, do país. Sob a direção do Dr. Luís
Olímpio Teles de Menezes, o maior apóstolo do Espiritismo
em seus inícios no Brasil, realizou-se ali, às 22,30 horas
do dia 17 de setembro de 1865, a primeira sessão registrada
nos anais da doutrina espírita, no Brasil. Uma hora
após o início dos trabalhos, os membros recebiam a primeira
mensagem psicografada de nossa terra e divulgada de
forma oficial. Estava assinada por "Anjo de Deus"17

Em Salvador e no Rio de Janeiro os grupos foram se
multiplicando. Antonio Cesar Perri de CARVALHO cita os
seguintes grupos na Capital: Grupo Confucius (criado em
1873), Sociedade Espírita Fraternidade (1880), Sociedade
de Estudos Espíritas Deus, Cristo e Caridade (1876) e
União Espírita do Brasil. "Em 1884 era fundada a Federação
Espírita Brasileira"18 (FEB). A FEB esteve, desde a
sua fundação, no centro das lutas pela hegemonia do mo


16 Ubiratan MACHADO. O grupo baiano. Em: —. Os intelectuais e o Espiritismo: de
Castro Alves a Machado de Assis. cap. IV, p. 81.

17 —. A noite dos precursores. Em: Ibid, cap. III, p. 68.

18 Antonio Cesar Perri de CARVALHO. Mudanças estruturais dos centros e grupos
espíritas de Kardec aos nossos dias. Em: CONGRESSO ESPÍRITA ESTADUAL
DA USE, 7. Anais. p. 3.

26 CENTRO ESPÍRITA: uma revisão estrutural

vimento espírita brasileiro. 19
Os grupos espíritas brasileiros foram aos poucos adquirindo
características próprias. Surgiu e cresceu o "sincretismo
afro-espírita-católico":

"Ao lado do kardecismo, desenvolveu-se um vigoroso
Espiritismo popular. Em alguns momentos a vitalidade deste
chegou a parecer uma ameaça à sobrevivência da doutrina
de KARDEC em sua pureza. A ameaça, porém, era apenas
aparente. O caminho dos vários Espiritismos, apesar
dos atalhos de ligação e das influências recíprocas, sempre
foram distintos." 20

O caminho dos centros espíritas após os anos 30 foi estudado
por Carlos Roberto de MESSIAS:

"Dos círculos experimentais franceses aos grupos quase
esotéricos do Império, os centros espíritas pós trinta se
transformaram mais nitidamente em templos, prontos-
socorros e casas de caridade em auxílio de um mundo esquizo
que vai deixando de ser rural." 21

As características identificadas historicamente pelos
autores citados tornaram-se majoritárias, com o tempo, no
crescente número de centros espíritas brasileiros. Uma
análise dessas características na atualidade nos leva à identificação
de confrontos entre muitas delas e o próprio
Espiritismo, como desenvolvo a seguir.

19 Carlos Roberto de MESSIAS. O uno e o múltiplo. Em: —. Contribuições sobre o
movimento espírita brasileiro. cap. III, p. 19-30.
Airton LAUFER Jr.; Cosme Valtenis de FRANÇA. Análise dos mecanismos estruturais
de manipulação e perpetuação de poder. Em: —. O poder no movimento
espírita do Brasil.

20 Ubiratan MACHADO. Os forçados do invisível. Em: —. Os intelectuais e o
Espiritismo: de Castro Alves a Machado de Assis. cap. X, p. 230.

21 Carlos Roberto de MESSIAS. O Espiritismo e a sociedade urbano-industrial. Em:
—. Contribuições sobre o movimento espírita brasileiro. p. 11.


Capítulo 1-EM BUSCA DE UMA DEFINIÇÃO 27 7

1.2. Centro espírita x Espiritismo:
ALGUNS CONFRONTOS
CONFRONTOS ENTRE O CENTRO
ESPÍRITA E O ESPIRITISMO
Desconhecimento do Espiritismo
Sincretismo
Assistencialismo
Cultos exteriores e religiosismo
Grandeza física
Clientelismo e proselitismo
Isolamento cultural

Desconhecimento do Espiritismo nos centros, sincretismo,
assistencialismo, cultos exteriores e religiosismo,
grandeza física, clientelismo, proselitismo e isolamento
cultural são alguns dos aspectos contrastantes entre a estrutura
de grande parte dos centros e a proposta do Espiritismo.
O levantamento desses pontos contribui para uma
crítica aos centros espíritas modernos. Começo pelo primeiro
e mais importante: o desconhecimento do Espiritismo.


O Espiritismo, desde KARDEC, possui um corpo doutrinário
e metodológico que, embora passível de revisão,
tem se mostrado suficientemente consistente para não se
descaracterizar por completo. No entanto, muitos grupos
não o conhecem, não o estudam e não o aplicam. Segundo
José Herculano PIRES isso ocorre em todo o mundo.22

J. Herculano PIRES. Introdução. Em: —. O centro espírita. p. XXV.
28 CENTRO ESPÍRITA: uma revisão estrutural

O desconhecimento do Espiritismo por parte de seus
adversários tem sido também um problema, desde a época
de KARDEC.23 Na atualidade, muitos opositores sistemáticos
se utilizam da confusão de idéias e da charlatanice
para atacar o Espiritismo.24

Como se já não bastasse o desconhecimento reinante,
alguns livros lançados exatamente com o intuito de esclarecer
acabam por cristalizar preconceitos e distorções.

É comum encontrarmos nos centros espíritas um grande
sincretismo. As práticas utilizadas possuem origens
religiosas, filosóficas e culturais diversas, devido à falta de
compromisso dos grupos com o Espiritismo. Segundo
Herculano PIRES uma das causas está na domesticação
católica e protestante, que "criara em nossa gente uma
mentalidade de rebanho"25 Penso que essa mentalidade
propicia a inserção das idéias assistencialistas ("esmolares"),
salvacionistas e místicas, que se misturam às idéias
espíritas.

A discussão do sincretismo tem aberto espaço muitas
vezes para posicionamentos racistas em relação a negros e
pretos velhos. Não é esse o ponto. Há que se analisar as
idéias e práticas sob o ponto de vista conceitual e metodológico.
26

O assistencialismo é certamente uma das características
mais marcantes dos centros espíritas. A necessidade de
"assistência espiritual" e "assistência material" condicionam
as diversas atividades. As lideranças espíritas em
geral tiveram sua imagem vinculada à assistência a pesso


23 Allan KARDEC. Introdução. Em:O livro dos espíritos,item VII, p.27-30
24 J. Herculano PIRES. Os padres mágicos. Em: Parapsicologia hoje e amanhã. cap.

XVI, p. 205-212.
25 —. Introdução. Em: —. O centro espírita. p. XXI.
26 —. Raízes africanas. Em: Ibid., cap. IV, p. 27-31.

Deolindo AMORIM. O Espiritismo e as doutrinas espiritualistas.


Capítulo 1-EM BUSCA DE UMA DEFINIÇÃO 29

as necessitadas: Bezerra de MENEZES foi o "médico dos
pobres", Caibar SCHUTEL foi o "pai da pobreza", e assim
por diante. Antonio C. Perri de CARVALHO comenta que
essa característica foi detectada inclusive por estrangeiros
em visita ao Brasil:

"No ano de 1941, Gabriel Gobron anotou em "Le Fraterniste":
"... à frente do mundo no tocante à organização
espírita de assistência pública vem o Brasil. Não há centros
que não tenham ou não cuidem de ter uma assistência aos
necessitados... — O Espiritismo brasileiro é a caridade em
ação... — e o Brasil e seus espíritas são pobres!"27

A cura, que se estende desde a aplicação de passes até
as cirurgias mediúnicas, passando por tratamentos de doenças
físicas e espirituais diversas, é um dos pontos de
sustentação dos grupos. É notável, por exemplo a quantidade
de hospitais psiquiátricos espíritas no Brasil.28

Por mais que se busque vincular o Espiritismo à caridade
(muitas vezes confundida com esmola), não se pode
obter uma relação direta entre Espiritismo e assistencialismo.
Parece-me claro que não podemos simplificar a
busca das causas do assistencialismo vinculando-as apenas
às características dos líderes. A nossa condição social e
nossa formação cultural certamente contribuem para esse
caráter dos nossos centros.

Os cultos exteriores, a idéia de salvação pela fé, o sectarismo,
o fanatismo, os pedidos, as penitências e, de uma
forma geral, a adoção de conceitos e práticas desvinculadas
de análise têm sido ainda características dos grupos
espíritas. É a face religiosa dos centros espíritas. "Não
compareço a reuniões de espíritas rezadores", dizia o Dr.

27 Antonio Cesar Perri de CARVALHO. Mudanças estruturais dos centros e grupos
espíritas de Kardec aos nossos dias. Em: CONGRESSO ESPÍRITA ESTADUAL
DA USE, 7. Anais. p. 4-5.

28 Ibid., p. 5.

30 CENTRO ESPÍRITA: uma revisão estrutural

Souza RIBEIRO, de Campinas, citado por Herculano PI


29

RES.
Em viagem de divulgação que realizou em 1862, KARDEC
teve a oportunidade de abordar o problema que os
cultos exteriores podiam trazer para os centros espíritas:

"Tudo nas reuniões espíritas deve se passar religiosamente,
isto é, com gravidade, respeito e recolhimento. Mas
é preciso não esquecer que o Espiritismo se dirige a todos
os cultos. Por conseguinte ele não deve adotar as formalidades
de nenhum em particular." 30

KARDEC considerava que era missão do Espiritismo
abolir o antagonismo religioso, e não perpetuá-lo.31

Na visão de José Herculano PIRES, a procura do centro
espírita como refúgio substitui no presente os templos do
passado. Ele alerta:

"As almas frágeis precisam ser constantemente vigiadas
e orientadas no Centro Espírita, pois se entregam facilmente
a um misticismo inferior, tentando alcançar a angelitude
através da submissão interesseira a espíritos mistificadores,
dirigentes de vistas curtas e médiuns pretensiosos.
Gostam de Ordens, Fraternidades, Escolas Evangélicas,
de sacristia e coisas semelhantes, onde possam usar
distintivos, insígnias e serem classificadas em graus de evolução."
32

Um trabalho importante para o entendimento da face
religiosa dos centros espíritas foi escrito pela antropóloga
Maria Laura Viveiros de CASTRO,33 analisando o comportamento
dos participantes de um centro espírita e identificando
símbolos e práticas que compõem o que chama de

29 J. Herculano PIRES. Introdução. Em: —. O centro espírita. p. XX.

30 Allan KARDEC. Instruções particulares. Em: —. Viagem espírita em 1862. item
XI, p. 128.

31 Ibid., p. 129.

32 J. Herculano PIRES. As almas frágeis. Em: —. O centro espírita. cap. VI, p. 43 e

47.
33 Maria Laura Viveiros de CASTRO. O que é Espiritismo: 2a. visão.

Capítulo 1-EM BUSCA DE UMA DEFINIÇÃO 31

"ritual espírita". Sua pesquisa, embora limitada pela consideração
de um único grupo, contribui com a análise de
um centro como agrupamento de pessoas.

A leitura do religiosismo nos centros espíritas também
pode ser feita através de sua arquitetura.34 O arquiteto Ciro
PIRONDI compara as instituições espíritas a templos religiosos:


"Se olharmos agora a disposição de uma igreja, bastaria
substituir a mesa por um púlpito ou altar, as cadeiras por
bancos (...), tirar as fotos de Kardec, Bezerra e Chico Xavier
das paredes e colocarmos crucifixos ou santos e teríamos
uma igreja." 35

O debate sobre a natureza religiosa ou laica do Espiritismo,
quando realizado filosoficamente, tem contribuído
para uma avaliação do religiosismo, do proselitismo e do
misticismo em nossos centros.36

Os centros espíritas tendem a ser grandes e heterogêneos.
KARDEC, percebendo a dificuldade de reunir, já no
seu tempo, grupos grandes e ao mesmo tempo homogêneos,
defendeu que fossem pequenos (com quinze a vinte
pessoas), para que houvesse uniformidade de sentimentos,
maior eficácia dos elementos que para eles entram, menor
divergência dos caracteres, das idéias, das opiniões e menor
facilidade para os espíritos perturbadores semearem a

34 Ciro PIRONDI. O desenho arquitetônico e o centro espírita. Em: Autores diversos.
Espiritismo e sociedade. p. 67-70.
Jaci RÉGIS. O centro espírita no século XX. Em: CONGRESSO ESPÍRITA ESTADUAL
DA USE, 7. Anais. p. 12.
35 Ciro PIRONDI. O desenho arquitetônico e o centro espírita. Em: Autores diversos.
Espiritismo e sociedade p. 67-68.
36 J. Herculano PIRES. Problemas religiosos. Em: —. O centro espírita. cap. IX, p.
70-81.
Krishnamurti de Carvalho DIAS. O laço e o culto: é o Espiritismo uma religião?

32 CENTRO ESPÍRITA: uma revisão estrutural

discórdia.37

"A dificuldade, ainda grande, de reunir crescido número
de elementos homogêneos deste ponto de vista, nos leva a
dizer que, no interesse dos estudos e por bem da causa
mesma, as reuniões espíritas devem tender antes à multiplicação
de pequenos grupos, do que à constituição de
grandes aglomerações." 38

Embora tenhamos hoje fatores complicadores para essa
proposta, tais como as dificuldades para se adquirir e manter
uma sede e outros recursos materiais com poucos participantes,
a preocupação de KARDEC procede. Podemos
identificar sobretudo nas grandes instituições os problemas
mais graves de nossos centros, entre eles, a luta pelo
poder, a heterogeneidade de pensamentos e sentimentos
(que acaba por dificultar ou retardar a definição objetiva
de caminhos a seguir), a adoção de símbolos e práticas
exteriores, etc.

O clientelismo e o proselitismo são, certamente, duas
entre as causas de engrandecimento excessivo dos grupos.

O centro espírita, como casa do Espiritismo, tem se
constituído numa ilha, isolada do desenvolvimento cultural.
Esse assunto foi objeto de estudo de Ciro PIRONDI.
Para ele, o Espiritismo não influenciou na evolução do
homem contemporâneo pelo fato de os espíritas se afastarem
da cultura temporal e deixarem de lado os estudos e as
pesquisas que visavam interrelacionar o Espiritismo com
as demais áreas do conhecimento.

"(...) O Espiritismo é um processo vivo não acabado,
que caminha em par com o desenvolvimento tecnológico e
com as descobertas do homem e por trazer ao conhecimento
um dos elementos constitutivos do universo — o e


37 Allan KARDEC. Das reuniões e das sociedades espíritas - Das sociedades propriamente
ditas. Em: —. O livro dos médiuns. parte 2, cap. XXIX, item 335, p.
422-423.

38 Ibid., item 334, p. 422.


Capítulo 1-EM BUSCA DE UMA DEFINIÇÃO 33

lemento espiritual — ele deveria contribuir com todos os
avanços da ciência e da filosofia. (...) Com uma filosofia
aberta e revolucionária montamos um movimento fechado
e sectário." 39

1.3. AS DIVERSAS FEIÇÕES DOS CENTROS
ESPÍRITAS
Qual é o objetivo dos centros espíritas? Impossível encontrar
uma resposta válida para todos os grupos. Com
certeza esse objetivo varia segundo fatores culturais, a
ponto de podermos encontrar dois centros espíritas com
objetivos (e portanto atividades) completamente diferentes.
Num centro, maior ênfase é dada aos conhecimentos
do Espiritismo, num outro se dá maior valor à prática da
mediunidade, num terceiro as pessoas se dedicam prioritariamente
ao atendimento de necessitados, num quarto centro
a cura é o maior objetivo, e assim por diante.40

Seria de se esperar que o uso da palavra "espírita" ao
menos identificasse um compromisso dos grupos com o
Espiritismo, mas nem mesmo nesse ponto os centros espíritas
são unânimes. Jaci RÉGIS assim se expressa sobre
esse problema:

"Os Centros Espíritas parecem, em sua maioria, não ter
qualquer compromisso com a Doutrina. Desenvolvem atividades
baseadas em comunicações esparsas, fraudam as
normas e métodos indicados para a mediunidade e, muitas
vezes, passam a ser subsidiários do desejo de "caridade"
que avassala seus dirigentes, sempre às voltas com sopas,
roupas usadas e rifas para obter recursos. Atendem a centenas
de pessoas, como o fazem o Rotary, o Lions Clube, e
entidades filantrópicas religiosas ou leigas. Admitem que

39 Ciro PIRONDI. Influência do Espiritismo na evolução do homem contemporâneo.
Em: CONGRESSO ESPÍRITA ESTADUAL DA USE, 7. Anais. p. 3-5.

40 Mauro de Mesquita SPINOLA. O centro espírita e a sociedade. Em: Autores
diversos. Espiritismo e sociedade. p. 60.

34 CENTRO ESPÍRITA: uma revisão estrutural

não ensinam o Espiritismo para não faltar à caridade." 41

1.4. EVENTOS DE RENOVAÇÃO
Temos hoje uma diversidade de tendências. Alguns
grupos firmam-se no religiosismo, no mediunismo, no
assistencialismo e na ignorância. Outros buscam caminhos
de renovação. Mas não se pode dizer que esse movimento
é novo.

Em vários momentos da história do movimento espírita
brasileiro puderam ser identificadas ações renovadoras,
voltadas para uma identificação maior dos grupos com o
Espiritismo, conceitual e metodologicamente. Isoladas,
essas ações não chegaram, na maioria das vezes, a deixar a
sua marca, o que não significa que não cumpriram seu
papel. Muitas vezes acabam contribuindo para a criação de
focos de reconstrução e renovação que nascem à margem
da inércia geral. Uma avaliação fria conclui, no entanto,
que poucas pessoas foram atingidas.

Entre as ações renovadoras cujo efeito atingiu ou tem
atingido um número significativo de centros está a criação
das editoras espíritas, como a da FEB, no Rio de Janeiro-
RJ, e O Clarim, em Matão-SP. Considero que este foi o
mais significativo conjunto de eventos para superação de
nossas limitações doutrinárias.42 As editoras espíritas se
proliferaram e são hoje uma realidade. Servem, em geral, à
divulgação da ideologia reinante, mas isso é apenas uma
conseqüência de sua forte ligação com o movimento. Com
os livros, revistas e jornais existe um meio de transmissão,

41 Jaci RÉGIS. O centro espírita no século XX. Em: CONGRESSO ESPÍRITA
ESTADUAL DA USE, 7. Anais. p. 4.

42 Antonio Cesar Perri de CARVALHO. Mudanças estruturais dos centros e grupos
espíritas de Kardec aos nossos dias. Em: CONGRESSO ESPÍRITA ESTADUAL
DA USE, 7. Anais. p. 5.


Capítulo 1-EM BUSCA DE UMA DEFINIÇÃO 35 5

discussão e consolidação de idéias, certamente um fator de

progresso.
Houve processos de renovação levados pelo movimen


to de unificação entre centros,43 entre eles:

a) a divulgação das "Deliberações do Simpósio Centro-
Sulino", realizado em 1962, com uma abrangente
caracterização funcional dos centros espíritas,

b) a proliferação do "COEM - Centro de Orientação e
Educação Mediúnica", um programa de estudo e
sistematização da prática mediúnica elaborado pelo
Centro Espírita Luz Eterna, de Curitiba, PR, a partir
de 1970,

c) a criação do "Estudo Sistematizado de Doutrina Espírita"
pela Federação Espírita do Rio Grande do
Sul e sua posterior divulgação nacional pela FEB,

d) a divulgação de documentos de orientação aos centros
espíritas, pela USE - União das Sociedades Espíritas
do Estado de São Paulo, como a "Carta aos
Centros Espíritas", a partir de 1975, e o "Esquema
de Atividades Doutrinárias de um Centro Espírita",
desde 1978,

e) a divulgação, pela FEB, dos documentos "A adequação
do Centro Espírita para o melhor atendimento
de suas finalidades", a partir de 1977, e "Orientação
ao Centro Espírita",44 desde 1980,

43 Antonio Cesar Perri de CARVALHO. Mudanças estruturais dos centros e grupos
espíritas de Kardec aos nossos dias. Em: CONGRESSO ESPÍRITA ESTADUAL
DA USE, 7. Anais. p. 6.

Éder FÁVARO e outros. A estrutura dos centros espíritas de Kardec aos nossos dias.
Em: CONGRESSO ESPÍRITA ESTADUAL DA USE, 7. Anais. p. 11-14.
44 FEDERAÇÃO Espírita Brasileira. Orientação ao centro espírita.

36 CENTRO ESPÍRITA: uma revisão estrutural

f) a campanha "Comece pelo Começo", realizada pela

USE a partir de 1975, para divulgação das obras de

Allan KARDEC, e estendida depois, para todo o país.

A listagem desses eventos pode dar a impressão de que
coube em todos esses momentos ao movimento de unificação
e à sua direção a vanguarda da renovação. A verdade
é que essas conquistas aparecem muitas vezes como
concessões a propostas formuladas e defendidas à revelia
dos dirigentes.

Diversos desses documentos, programas de cursos,
cartas e orientações citados seriam hoje passíveis de revisão,
mas representaram avanços na reaproximação dos
grupos com o Espiritismo, mais marcantes até que alguns
excelentes livros, artigos de jornais e revistas publicados
que não tiveram espaço para divulgação.

A criação de grupos de pesquisas, vinculados ou não a
centros espíritas, mostra que o movimento ainda busca
novos caminhos.

1.5. É POSSÍVEL DEFINIR UM MODELO ?
Apesar daqueles esforços, uma análise do panorama
atual nos mostra uma grande miscelânea, o que torna impossível
responder, com base no que se vê, a questão "o
que é o centro espírita?" Estabelecer um modelo seria
muito difícil; analisar e propor, impossível.

Para estabelecer um modelo teríamos que optar por
uma conceituação mais precisa de centro espírita, assumindo
algumas de suas características. Esse modelo viabilizaria
a análise e a elaboração de propostas.


Capítulo 1-EM BUSCA DE UMA DEFINIÇÃO 37

Faço, portanto, com o objetivo de poder continuar esse
trabalho, um exercício de modelamento.45 O seu principal
objetivo é estabelecer uma referência conceitual que sirva
de base para a estruturação de uma casa espírita ou mesmo
para a reestruturação de uma casa já existente. São critérios
básicos a considerar na avaliação e na organização
dessas casas.

O modelo não toca no problema de organização administrativa
e financeira do centro, mas estabelece diretrizes
para que essa organização, qualquer que seja, se volte para
os objetivos de tornar o centro uma casa do Espiritismo.
São três os seus componentes: as pessoas, o relacionamento
do centro com o Espiritismo e a estrutura de poder, como
descrevemos a seguir:

CENTRO ESPÍRITA:
MODELO CONCEITUAL
O centro espírita é uma
associação de pessoas
O centro espírita é
comprometido com o Espiritismo
Não existe no centro espírita
hierarquia estática e restritiva

a) O centro espírita é uma associação de pessoas encarnadas,
de homens. Poderia, por opção, abranger
também os espíritos desencarnados nessa associação,
já que os centros espíritas contam, em geral,

Mauro de Mesquita SPINOLA. O centro espírita e a sociedade. Em: Autores
diversos. Espiritismo e sociedade. p. 59-61.

38 CENTRO ESPÍRITA: uma revisão estrutural

com a participação ativa dos espíritos. Os motivos

pelos quais não farei isso são:

a.1) Considero que o centro espírita é organizado e
dirigido por homens, tendo espíritos desencarnados
como convidados. Desta forma, qualquer
estudo relativo à estrutura, atividades, métodos,
prioridades e orientação doutrinária em um
centro passa necessariamente pelo comportamento
dos homens que o compõem.

a.2) As atividades do centro espírita, incluindo as
reuniões mediúnicas, são organizadas e dirigi-
das por homens. As propostas relativas a essas
reuniões devem se dirigir, pelo menos num primeiro
momento, a eles.

a.3) São os homens que participam da vida social,
contexto em que está inserido o centro.

b) O centro espírita é comprometido com o Espiritismo.
Esse compromisso se concretiza através do estudo
de livros espíritas, incluindo necessariamente
as obras de Allan KARDEC, e adequação das diversas
atividades aos conceitos e métodos próprios da
doutrina.

c) Não existe no centro espírita hierarquia estática e
restritiva. O efeito mais importante dessa estrutura
é a igualdade para aprender, praticar e influir.
Um centro espírita aberto à participação integral de

pessoas interessadas em aprender e contribuir, e compro


metido com o aprendizado e desenvolvimento do Espiri


tismo será o modelo, para os centros espíritas modernos,


Capítulo 1-EM BUSCA DE UMA DEFINIÇÃO 39 40 CENTRO ESPÍRITA: uma revisão estrutural 0 CENTRO ESPÍRITA: uma revisão estrutural

que adotarei a partir daqui. Mas caberia perguntar: como
será o centro espírita do futuro?46

"A dificuldade,
ainda grande, de
reunir crescido
número de elementos
homogêneos deste
ponto de vista, nos
leva a dizer que, no
interesse dos estudos
e por bem da causa
mesma, as reuniões
espíritas devem
tender antes à
multiplicação de
pequenos grupos, do
que à constituição de
grandes
aglomerações."47

Allan KARDEC (1804-1869)

47 Allan KARDEC. Das reuniões e das sociedades espíritas - Das sociedades propriamente
ditas. Em: —. O livro dos médiuns. parte 2, cap. XXIX, item 334, p.

422.
Éder FÁVARO e outros. A estrutura dos centros espíritas de Kardec aos nossos
dias. Em: CONGRESSO ESPÍRITA ESTADUAL DA USE, 7. Anais. p. 14.


41


Capítulo
2
A MEDIUNIDADE


O
O
Espiritismo está histórica e metodologicamente
vinculado à mediunidade. Ele nasceu e cresceu a
partir do estudo dos fenômenos mediúnicos. Sem
a mediunidade o Espiritismo simplesmente não existiria. A
mediunidade é o elemento mais importante da estrutura do
centro espírita pois concretiza o mundo dos espíritos, objeto
principal de estudo do Espiritismo.

2.1. O PAPEL DA MEDIUNIDADE
"Mediunidade é a faculdade humana, natural, pela qual
se estabelecem as relações entre homens e espíritos." 48

KARDEC dedicou grande importância à mediunidade e
à comunicação com os espíritos. O relato que fez do início
de suas pesquisas mostra isso:

J. Herculano PIRES. Mediunidade: vida e comunicação: conceituação de mediunidade
e análise geral dos seus problemas atuais. cap.I, p. 11.
42 CENTRO ESPÍRITA: uma revisão estrutural

"Compreendi, logo à primeira vista, a importância das
pesquisas que iria fazer. Vislumbrei naqueles fenômenos a
chave do problema do passado e do futuro da Humanidade,
tão confuso e tão controvertido, a solução daquilo que
eu havia buscado toda a minha vida."49

Com o tempo fortaleceu ainda mais a convicção que a
mediunidade deve ser estudada e praticada com seriedade.
O sua principal obra sobre o assunto, O livro dos médiuns,
50 foi lançada em 1861 em substituição a uma outra
de mesma natureza, Instruções práticas sobre as manifestações
espíritas,51 que havia sido lançada em 1858, pois
considerou que esta não era suficientemente completa.52
Nos seus estudos, dedicou especial atenção à psicografia,
pois percebeu que a escrita "tem a vantagem de assinalar,
de modo mais material, a intervenção de uma força oculta
e de deixar traços que se podem conservar, como fazemos
com nossa correspondência".53 Essa sua preocupação esclarece,
em parte, o caráter que atribuía à mediunidade:
um forte instrumento de comunicação com o invisível,
tanto quanto de documentação.

Para KARDEC era necessária uma conceituação precisa
de "mediunidade" (e "médiuns"), além de uma classificação
detalhada dos fenômenos. Foi o que fez.54 Um ponto
delicado referia-se à questão: quem é médium? Resolveu-a
da seguinte forma: todo aquele que sente, num grau qual


49 Allan KARDEC. Extratos "in extenso" do livro das previsões concernentes ao
Espiritismo: manuscrito feito com especial cuidado por Allan Kardec. Em: —.
Obras Póstumas. parte 2, p. 220.

50 —. O livro dos médiuns.

51 —. Instruções práticas sobre as manifestações espíritas. Em: —. Iniciação espírita.

p. 175-299.
52 —. Introdução. Em: —. O livro dos médiuns. p. 13.
53 —. Da psicografia. Em: Ibid, parte 2, cap. XIII, item 152, p. 190.
54 Allan KARDEC. Instruções práticas sobre as manifestações espíritas - Vocabulário
espírita. Em: —. Iniciação espírita. p. 182-216.
—. O livro dos médiuns. parte 2, cap. XIV-XVI, p. 195-236 e cap. XXXII, p. 478


480.

CAPÍTULO 2 -A MEDIUNIDADE 43

quer, a influência dos espíritos é, por esse fato, médium,
mas, usualmente, assim só se qualificam aqueles em que a
faculdade mediúnica se mostra bem caracterizada e se
traduz por efeitos patentes, de certa intensidade, o que
então depende de uma organização mais ou menos sensitiva.
55 Estudando esse problema mais recentemente, CRAWFORD
chamou de "estática" a mediunidade natural, que
todos possuem, e "dinâmica" a mediunidade ativa. José
Herculano PIRES apresenta também as denominações de
"mediunidade generalizada" e "mediunato", respectivamente.
56

Esse continua sendo um dos pontos mais delicados no
trato da questão mediúnica, pois toca no problema da necessidade
de dedicação do médium à mediunidade. É muito
comum a frase: "você é médium", por vezes emitida
numa primeira entrevista, ser utilizada como instrumento
de proselitismo. Penso que essa postura deve ser reavaliada,
mesmo que se constate a presença de mediunidade
ativa (caracterizada, ostensiva, mediunato). Não está demonstrado
que os médiuns necessitam se dedicar ao centro
espírita "para não sofrer perturbações".

Há ainda um outro ponto em que o conceito de mediunidade
generalizada toca: o do caráter de graça ou provação
atribuído à mediunidade:

"O conceito de mediunidade que vigora entre nós, na
maioria esmagadora dos centros, é espantosamente ambivalente
e portanto contraditória. Afirma-se ao mesmo tempo
que a mediunidade é uma graça e uma provação, que
os médiuns são espíritos grandemente faltosos, não obstante
adorados como enviados de Deus. Os que estudam

55 Allan KARDEC. Dos médiuns. Em: O livro dos médiuns, parte 2, cap. XIV, item
159, p. 195.

56 J.Herculano PIRES. Mediunidade: vida e comunicação: conceituação de mediunidade
e análise geral dos seus problemas atuais. cap.II, p 18.

44 CENTRO ESPÍRITA: uma revisão estrutural

seriamente a Doutrina logo percebem a falsidade desse
conceito. A mediunidade é uma faculdade natural da espécie
humana, como todas as demais faculdades." 57

A atitude de adoração, adulação ou até louvação de
médiuns tem como causa principal a falta de reflexão sobre
o papel da mediunidade.

2.2. AS REUNIÕES MEDIÚNICAS
Nas reuniões mediúnicas realizam-se os contatos com
espíritos no centro espírita. Qualquer processo de análise
ou revisão envolve necessariamente essas reuniões. De
acordo com o modelo proposto no capítulo 1, elas devem
consagrar conceitos e métodos próprios do Espiritismo.

Quando KARDEC classificou as reuniões mediúnicas
como frívolas, experimentais e instrutivas,58 buscou identificar
as "condições especiais" em que as reuniões sérias
devem ser realizadas, destacando a necessidade de participação
de pessoas sérias e o intuito de se instruir.

A uniformidade de objetivos e sentimentos, só possível
com um número pequeno de participantes, ganha aqui um
significado vital.59 Mesmo os centros espíritas que optam
por crescer necessitam cuidar para que as reuniões mediúnicas
não inchem e portanto não percam esse caráter.

Seria possível estabelecer critérios generalizados?
Creio que alguns, sim. A começar pela busca de aperfeiçoamento
e instrução. As reuniões mediúnicas que perpetuam
os seus objetivos, métodos, médiuns e até comunica


57 J.Herculano PIRES. O centro e a comunidade. Em: O centro espírita. p.18.
58 Allan KARDEC. Das reuniões e das sociedades espíritas. Em: —. O livro dos
médiuns. parte 2, cap. XXIX, itens 324-329, p. 413-418.
59 Ibid., parte 2, cap. XXIX, itens 332, 334 e 335, p. 420-423.
Éder FÁVARO e outros. A estrutura dos centros espíritas de Kardec aos nossos dias.
Em: CONGRESSO ESPÍRITA ESTADUAL DA USE, 7. Anais. p. 3.


CAPÍTULO 2 -A MEDIUNIDADE 45 5

ções podem estar perdendo a oportunidade de contribuir
para o aprimoramento técnico e moral dos participantes e
do próprio Espiritismo. Essa observação vale também para
chamadas reuniões de assistência, que discutirei adiante,
onde estrutura e personagens costumam se cristalizar no
centro espírita.

Duas das características de um trabalho sério são a regularidade
e a continuidade, pois a experiência mostra que
a participação dos espíritos é também regular. No entanto,
KARDEC alerta que, "se bem os Espíritos prefiram a regularidade,
os de ordem verdadeiramente superior não se
mostram meticulosos a esse extremo. A exigência de pontualidade
rigorosa é sinal de inferioridade, como tudo que
seja pueril." 60

Quando estudou a influência do meio, KARDEC colocou
que "uma reunião é um ser coletivo, cujas qualidades
e propriedades são a resultante das de seus membros e
formam como que um feixe". Como conseqüência, apresenta
as "condições mais favoráveis para uma Sociedade
que aspira granjear a simpatia dos bons Espíritos", entre
elas: perfeita comunhão de vistas e sentimentos, cordialidade
recíproca, desejo de se instruir e melhorar, recolhimento
e silêncio respeitosos, e outras.61 No trato com espíritos
perturbadores, propôs "enérgica resistência", envolvendo
prece, caridade e atenção.62

Há um ponto sobre o qual pairam dúvidas na organização
de reuniões mediúnicas: a validade de se evocar espíritos.
Largamente utilizado e defendido por KARDEC, esse

60 Allan KARDEC. Das reuniões e das sociedades espíritas. Em: —. O livro dos
médiuns. parte 2, cap. XXIX, item 333, p. 421.
61 Ibid., itens 331 e 341, p. 419 e 427-428.
—. Da influência do meio. Em: —. O livro dos médiuns. p. 285-288.
62 —. Das reuniões e das sociedades espíritas. Em: —. O livro dos médiuns. parte 2,
cap. XXIX, item 340, p. 426-427.


46 CENTRO ESPÍRITA: uma revisão estrutural

método foi fundamental em suas pesquisas.63 Nos relatos
constantes do livro O céu e o inferno, por exemplo, é
grande o número de casos estudados com uso de evocações.
EMMANUEL, através da mediunidade de Francisco C.
XAVIER, recomenda que as evocações não sejam utilizadas
"em caso algum", e justifica a sua posição:

"Se essa evocação é passível de êxito, sua exeqüibilidade
somente pode ser examinada no plano espiritual. Daí
a necessidade de sermos espontâneos, porquanto, no
complexo dos fenômenos espiríticos, a solução de muitas
incógnitas espera o avanço moral dos aprendizes sinceros
da Doutrina. O estudioso bem-intencionado, portanto, deve
pedir sem exigir, orar sem reclamar, observar sem pressa,
considerando que a esfera espiritual lhe conhece os méritos
e retribuirá os seus esforços de acordo com a necessidade
de sua posição evolutiva e segundo o merecimento
de seu coração.

"Podereis objetar que Allan Kardec se interessou pela
evocação direta, procedendo a realizações dessa natureza,
mas precisamos ponderar, no seu esforço, a tarefa excepcional
do Codificador, aliada a necessidades e méritos ainda
distantes da esfera de atividade dos aprendizes comuns."
64

A idéia de EMMANUEL é generalizada entre os centros,
e é no mínimo estranha. A maior dificuldade em potencial

— a de identificação dos espíritos — também foi sentida e
estudada por KARDEC.65 A organização de reuniões medi-
únicas em geral, e os trabalhos de pesquisas, em particular,
requerem um novo estudo desses conceitos. Senão
estaremos correndo o risco de obedecer a proibições bíbli63
Allan KARDEC. Das evocações. Em: —. O livro dos médiuns, cap. XXV, p. 338


368.
64 Francisco Cândido XAVIER. O consolador. parte IV, item 369, p. 207.
65 Allan KARDEC. Da identidade dos espíritos. Em: —. O livro dos médiuns. parte
2, cap. XXIV, p. 315-337.


CAPÍTULO 2 -A MEDIUNIDADE 47 7

cas com a justificativa única de que não estamos preparados.


O preparo contínuo dos médiuns para a realização de
suas tarefas requer a elaboração de um processo de desenvolvimento
da mediunidade, também chamado de educação
mediúnica. Não é mais admissível deixar que a "prática"
ou a "vida" ensinem por si mesmo. KARDEC colocou a
necessidade de desenvolvimento, estudando sobretudo a
mediunidade psicográfica.66 Há, basicamente, dois aspectos
no desenvolvimento do médium:67

(1) a prática, que envolve a necessidade de aperfeiçoamento
técnico,
(2) a aplicação, que abrange a compreensão da influência
moral e intelectual que exerce sobre as comunicações,
da melhor maneira de aplicar seu potencial
e das dificuldades e cuidados que a atividade
mediúnica envolve.
Em termos de aplicação, é fundamental que a formação
de médiuns leve em consideração o seu papel nas comunicações.
O animismo, fenômeno observado por KARDEC e
outros pesquisadores, requer um estudo aprofundado no
processo de desenvolvimento da mediunidade, pois o seu
desconhecimento tem levado ora a confusões e enganos
em relação a comunicações, ora a preconceitos descabidos
em relação a médiuns. Adoto a conceituação utilizada por
Alexandre AKSAKOF,68 em que animismo e mediunidade
não se excluem. Segundo ele podem ser identificados os
seguintes tipos de fenômenos:

66 —. Da formação dos médiuns - Desenvolvimento da mediunidade. Em: Ibid., cap.
XVII, itens 200-218, p. 237-249.

67 Ibid., itens 200-217, p. 237-249.

68 Alexandre AKSAKOF. A hipótese dos espíritos. Em: —. Animismo e Espiritismo.

v. II, cap. IV, p. 226-404.
48 CENTRO ESPÍRITA: uma revisão estrutural

a) anímicos não mediúnicos, que envolvem exteriorizações
do próprio ser através dos sonhos, do sonambulismo,
da telepatia, da clarividência no espaço
e no tempo, da telecinesia, da telemnesia, da psicometria
etc.

b) anímicos mediúnicos, que envolvem participação de
pessoas vivas em fenômenos mediúnicos tais como
psicografia, psicofonia, aparições etc.

c) espíritas (necessariamente mediúnicos), que envolvem
participação de pessoas desencarnadas.

Essa classificação foi também adotada por Ernesto
BOZZANO.69 Segundo ela, o médium que transmite mensagem
de seu próprio espírito, quando em estado de emancipação,
realiza um fenômeno anímico mediúnico. KARDEC
estudou esse caso e concluiu que esse assunto é sutil e
delicado, necessitando muitas observações e meditações
antes de se concluir qualquer coisa sobre a natureza de
determinado fenômeno. Concluiu também que é generalizada
e natural a influência do médium nas comunicações.
70 Isso nos leva à necessidade de rever duas posições:
por um lado, o descuido na identificação dos fenômenos
mediúnicos de natureza anímica e, por outro, o preconceito
em relação a médiuns que apresentam características
anímicas, confundindo-os com charlatães.71

Todas essas considerações, se não resolvem, pelo menos
levantam aspectos relevantes na estruturação das reu


69 Ernesto BOZZANO. Animismo ou Espiritismo? Qual dos dois explica o conjunto
dos fatos?

70 Allan KARDEC. Do papel do médium nas comunicações espíritas. Em: —. O livro
dos médiuns. parte 2, cap. XIX, item 223, p. 259-266.

71 Alexandre SECH. Animismo e mediunismo. Em: Autores diversos. Encontro com
a cultura espírita. p. 174-176.
Francisco Cândido XAVIER. Nos domínios da mediunidade. cap. 22, p. 209-215.
Martins PERALVA. Estudando a mediunidade. cap. XXXVI, p.186-190


CAPÍTULO 2 -A MEDIUNIDADE 49

niões mediúnicas. Passemos agora às reuniões propriamente
ditas.

2.3. ATIVIDADES MEDIÚNICAS NO CENTRO ESPÍRITA
Apresento aqui, a título de sugestão, uma estrutura de
atividades mediúnicas do centro espírita, ainda de acordo
com o modelo proposto no capítulo 1. Essas atividades
podem caracterizar reuniões específicas ou ser combinadas
entre si para formar as reuniões:

a) estudos de mediunidade

b) assistência a espíritos desencarnados

c) atendimento de pessoas

d) terapia de obsessão

e) passes

f) pesquisas de mediunidade

ATIVIDADES MEDIÚNICAS
NO CENTRO ESPÍRITA
Estudos de mediunidade
Assistência a espíritos desencarnados
Atendimento de pessoas
Terapia de obsessão
Passes
Pesquisas de mediunidade

50 CENTRO ESPÍRITA: uma revisão estrutural

2.3.1. Estudos de mediunidade
Essas reuniões estão voltadas para o conhecimento da
mediunidade, teórico e prático. Delas participam os elementos
ativos das diversas reuniões mediúnicas. A programação
deve envolver o desenvolvimento mediúnico e o
aprimoramento contínuo.

KARDEC alertou para a importância desses estudos. Coloca
como um dos motivos mais importantes a necessidade
de preparo contra a "tola presunção de infalibilidade" e a
"fascinação". Para ele, a instrução "não abrange apenas o
ensinamento moral que os Espíritos dão, mas também o
estudo dos fatos". Os estudos das comunicações produzidas
nas próprias reuniões de estudos e fora delas (envolvendo
conteúdo, forma, linguagem, participação do médium
etc.), constituem-se em instrumentos simples e relevantes.
72 O estudo teórico deve envolver textos básicos
consagrados, em especial O livro dos médiuns73 e a Revista
espírita.74

2.3.2. Assistência a espíritos desencarnados
Na assistência a espíritos desencarnados é estabelecido
contato mediúnico com espíritos desencarnados para que:

(1) os espíritos exponham suas idéias e sensações,
(2) quando for o caso, as pessoas do grupo mediúnico
falem aos espíritos — com base no conhecimento
espírita e em experiências anteriores no contato
com outros espíritos — sobre seu estado de desen72
Allan KARDEC. Das reuniões e das sociedades espíritas. Em: —. O livro dos

médiuns. parte 2, cap. XXIX, itens 328-329 e 343-347, p. 416-418 e 429-432.
73 —. O livro dos médiuns.
74 —. Revista espírita.

J. Herculano PIRES. O centro e a comunidade. Em: —. O centro espírita. cap. III,
p. 15.

CAPÍTULO 2 -A MEDIUNIDADE 51

carnado (muitas vezes não percebido pelos espíritos)
e sobre as idéias que apresentam,

(3) quando for o caso e mais uma vez com base no conhecimento
espírita, as pessoas reconfortem e orientem
os espíritos em relação a suas dores e sofrimentos,
que são em geral fruto de sua inferioridade
e do processo às vezes doloroso de transição entre
o mundo material e o espiritual,
(4) as pessoas e os próprios espíritos conheçam mais
sobre a vida no mundo espiritual.
Questiona-se esse tipo de atividade considerando que
seria melhor ou mais lógico que os próprios espíritos superiores,
também desencarnados, orientassem os demais. Já
ouvi também argumentos no sentido de que o número de
espíritos que se pode assistir é diminuto, frente ao de necessitados.
No entanto, os estudos e observações demonstram
a utilidade desta atividade no centro, pois:

(1) os espíritos atendidos são, em geral, restritos a um
grupo ligado ao próprio centro,
(2) muitos espíritos inferiores ou sofredores se mostram
mais sensíveis ao contato com pessoas encarnadas
que com os próprios espíritos, possivelmente
pelo efeito do ambiente e da presença de energia
animal, e
(3) essas comunicações constituem-se, como tantas outras,
em motivo de aprendizado e experiência.75
Cabe aqui alertar para a necessidade do enquadramento
dessa atividade dentro de um processo amplo de aperfeiçoamento
de médiuns e espíritos. A assistência a espíri-

Ibid., p. 15.

52 CENTRO ESPÍRITA: uma revisão estrutural

tos sempre corre o risco de se tornar estática e repetitiva,
pouco contribuindo para aquele aperfeiçoamento real.

2.3.3. Atendimento de pessoas
Essas reuniões, realizadas em massa nos centros espíritas,
necessitam obter um caráter mais definido e um aprimoramento
técnico. Destinam-se ao atendimento, diagnóstico
e tratamento de pessoas com possíveis problemas de
natureza espiritual, possivelmente com encaminhamento
posterior para reuniões de passes ou terapia de obsessão.

Na grande maioria dos centros espíritas o processo de
diagnóstico é ainda realizado de forma empírica e intuitiva.
Conta-se, em geral, com "orientação de espíritos desencarnados",
desprezando-se a necessidade de desenvolver
e aplicar métodos e técnicas específicas para esta importante
área de atuação espírita.

2.3.4. Terapia de obsessão
KARDEC dedicou boa parte de seu trabalho ao estudo
da obsessão e seu tratamento.76 Para José Herculano PIRES,
é a parte "mais importante e necessária das atividades
mediúnicas".77 Concordo que é uma das áreas de maiores
possibilidades para o Espiritismo na atualidade, mas o
seu desenvolvimento dependerá de uma mudança de postura
em relação à terapia, passando a assumir o seu caráter

76 Allan KARDEC. Da obsessão. Em: —. O livro dos médiuns. parte 2, cap. XXIII, p.
297-314.
—. Os fluidos. Em: A gênese, os milagres e as predições segundo o Espiritismo.
cap. XIV, itens 45-49. p. 258-261220-305.
—. Manifestações dos espíritos - § 7º Da obsessão e da possessão. Em: —. Obras
Póstumas. parte 1, p. 40-46.
Éder FÁVARO e outros. A estrutura dos centros espíritas de Kardec aos nossos dias.
Em: CONGRESSO ESPÍRITA ESTADUAL DA USE, 7. Anais. p. 7.
77 J. Herculano PIRES. Os serviços do centro. Em: —. O centro espírita. cap. II, p. 8.


CAPÍTULO 2 -A MEDIUNIDADE 53

essencialmente técnico e interdisciplinar.78 Com todo o
desenvolvimento atual da psicologia, da medicina (sobretudo
da psiquiatria) e do Espiritismo, não se pode mais
realizar um tratamento que desconsidere a necessidade de
combinar as contribuições dessas áreas da ciência. Não é
suficiente (embora seja necessário) afixarmos uma placa
no salão com os dizeres: "Recomendamos a todos os pacientes
em tratamento que busquem sempre consultar o médico
de sua confiança". É fundamental estabelecer critérios
claros para o diagnóstico e o tratamento, que estabeleça
a contribuição efetiva e os limites do tratamento espírita.
Há uma dificuldade: essa necessidade demanda um
trabalho grandioso de pesquisa ainda por ser realizado
(tanto sob o ponto de vista técnico como legal) no sentido
de conjugar esforços e dar ao paciente um tratamento integral:
físico, psicológico, mental, espiritual.

A terapia da obsessão no centro espírita visa:

(1) atender pessoas envolvidas em processos obsessivos,
visando sua cura,
(2) avaliar e aperfeiçoar continuamente o método e as
técnicas da terapia.
As reuniões de terapia de obsessão devem contar com
uma equipe preparada e especializada nesse tipo de atendimento,
além de uma metodologia de atendimento, tratamento,
acompanhamento, avaliação e catalogação dos
casos.

Celso MARTINS. A obsessão e seu tratamento espírita.
Francisco Cândido XAVIER; Waldo VIEIRA. Desobsessão.

54 CENTRO ESPÍRITA: uma revisão estrutural

2.3.5. Passes
São também chamados de fluidoterapia. 79 Seu objetivo
é o de combinar potencialidades anímicas (das almas de
pessoas vivas) e espirituais para a cura de enfermidades de
natureza física (psicossomática), mental ou espiritual. Pode
ser realizado através da emissão energética próxima
sobre a pessoa enferma ou mesmo à distância.80

As atividades de passes têm sido responsáveis, em
grande parte, pela descaracterização dos centros espíritas,
que passam a privilegiar o atendimento de um número
cada vez maior de pessoas e se distanciam das atividades
vinculadas ao estudo e desenvolvimento do Espiritismo.

Penso que o problema está no fato de que muitos grupos
desvinculam os passes de um tratamento mais profundo
e metodologicamente elaborado. O passe passa a ser
distribuído como aspirina, em reuniões públicas. A idéia
geral é a de que "não contém contra-indicações"(a comparação
que faço com aspirinas é uma força de expressão,
devido ao seu uso popular generalizado, mas é sabido que
as aspirinas possuem contra-indicações). Essa distribuição
à granel põe em cheque até mesmo a suposta missão de
hospital espiritual que muitos grupos buscam realizar, pois

o centro deixa de ser hospital para ser farmácia.
Um outro problema está no caráter ainda mágico que
se atribui ao passe. Pouco conhecem sobre ele os dirigentes,
aplicadores e receptores, a despeito dos estudos de

79 Estudos recentes têm demonstrado a necessidade de substituição dos termos "passe"
e "fluidoterapia" por expressões mais próprias, que denotem o caráter de
transmissão energética nesses fenômenos. Uma contribuição importante para esses
estudos é dada por Reinaldo di Lucia em:

Reinaldo di LUCIA. Passes: discussão e propostas. Em: SBPE - SIMPÓSIO BRASILEIRO
DO PENSAMENTO ESPÍRITA, 3. Anais.
80 J. Herculano PIRES. IV - Passe à distância. Em: —. Obsessão. O passe. A doutrinação.
p. 45-47.


CAPÍTULO 2 -A MEDIUNIDADE 55 5

KARDEC e outros.81 José Herculano PIRES combateu as
visões distorcidas em relação ao significado do passe e as
práticas que não condizem com a concepção espírita:

"O passe espírita é simplesmente a imposição das

mãos, usada e ensinada por Jesus, como se vê nos Evan


gelhos. (...)

"O passe espírita não comporta as encenações e gesticulações
em que hoje o envolveram alguns teóricos improvisados,
geralmente ligados a antigas correntes espiritualistas
de origem mágica ou feiticista. (...) Toda a beleza espiritual
do passe espírita, que provém da fé racional no poder
espiritual, desaparece ante as ginásticas pretensiosas e ridículas
gesticulações.

"As encenações preparatórias: mão erguidas ao alto e
abertas, para suposta captação de fluidos pelo passista,
mãos abertas sobre os joelhos, pelo paciente, para melhor
assimilação fluidica, braços e pernas descruzados para não
impedir a livre passagem dos fluidos, e assim por diante, só
servem para ridicularizar o passe, o passista e o paciente.
A formação das chamadas pilhas mediúnicas, com o ajuntamento
de médiuns em torno do paciente, as correntes de
mão dadas ou de dedos se tocando sobre a mesa — condenadas
por Kardec — nada mais são do que resíduos do
mesmerismo do século passado, inúteis, supersticiosos, ridicularizantes.
(...)

"O passe espírita é prece, concentração e doação." 82

2.3.6. Pesquisas de mediunidade
Todas as reuniões mediúnicas possuem esse caráter, no
sentido de que a análise, sistematização, compilação e
codificação das comunicações devem estar presentes em
todas elas, visando o aperfeiçoamento do pessoal, o desenvolvimento
do Espiritismo e a divulgação interna e

81 Allan KARDEC. A gênese, os milagres e as predições segundo o Espiritismo. cap.
XIII-XV, p. 220-305.

82 J. Herculano PIRES. Obsessão. O passe. A doutrinação. p. 35-38.

56 CENTRO ESPÍRITA: uma revisão estrutural

externa dos dados de interesse. No entanto, algumas áreas
novas podem merecer a formação de grupos de pesquisas
especiais, visando o seu mais rápido desenvolvimento.

As atividades de pesquisa no centro espírita são discutidas
no próximo capítulo.

2.4. CONCLUSÃO: A MEDIUNIDADE NA REVISÃO DO
CENTRO ESPÍRITA
A revisão estrutural das reuniões mediúnicas tem base
teórica sólida para ser realizada nos centros espíritas. Envolve
antes de mais nada uma definição mais objetiva do
papel da mediunidade e a valorização das atividades de
formação de recursos humanos. O ponto mais importante é
a mudança de visão dos dirigentes, médiuns e freqüenta-
dores de uma forma geral: a mediunidade deixa de ser um
sacerdócio para ser um instrumento de trabalho e pesquisa,
deixa de ser uma expiação para ser uma das mais ricas
manifestações da natureza humana.

O aprimoramento das reuniões mediúnicas é decisivo
para o centro. Quanto mais voltadas para o próprio desenvolvimento
do Espiritismo, maior impacto trarão à feição
e à estrutura da casa espírita.


CAPÍTULO 2 -A MEDIUNIDADE 57 7

"O conceito de mediunidade que vigora
entre nós, na maioria esmagadora dos
centros, é espantosamente ambivalente e,
portanto, contraditória. Afirma-se ao
mesmo tempo que a mediunidade é uma
graça e uma provação, que os médiuns são
espíritos grandemente faltosos, não
obstante adorados como enviados de Deus.
Os que estudam seriamente a Doutrina logo
percebem a falsidade desse conceito. A
mediunidade é uma faculdade natural da
espécie humana, como todas as demais
faculdades"83

J. Herculano PIRES (1914-1979)
J.Herculano PIRES. O centro e a comunidade. Em: O centro espírita. p.18.

58 CENTRO ESPÍRITA: uma revisão estrutural

Capítulo
ESTUDOS E PESQUISAS


O
O
s espíritas em geral consideram que o caminho de
continuidade do Espiritismo e dos próprios centros
está nas atividades de estudos e pesquisas.
Apesar disso elas ainda buscam seu lugar ao sol, pois faltam
medidas objetivas. Neste capítulo estudo essas atividades
e suas perspectivas.

3.1. A BASE DO CENTRO
Os estudos e as pesquisas são o sustentáculo do centro
cujo modelo propus no capítulo 1. As diversas atividades
do centro são embasadas e orientadas por eles. As pessoas
tomam contato com o Espiritismo, criam, desenvolvem e
substituem atividades baseadas neles. No entanto, isso não
tem sido verdade na grande maioria dos nossos centros
reais, por razões culturais diversas.

Embora reconhecida como fundamental por dirigentes
e freqüentadores de todas as casas, poucas vezes se encontra
um centro espírita em que as atividades de estudos e
pesquisas sejam colocadas como as mais importantes.
Muitas vezes a necessidade salvadora de "praticar a caridade"
(dar roupas e alimentos, dar passes, atender pessoas
e espíritos) substitui o peso do conhecimento espírita, que


Capítulo 3 -ESTUDOS E PESQUISAS 59

daria certamente uma grande contribuição para libertar as
pessoas de seus maiores problemas existenciais.

Allan KARDEC chegou a propor uma estrutura para as
reuniões, baseado na experiência da Sociedade Parisiense
de Estudos Espíritas. Nota-se a preocupação básica com
estudos e pesquisas:

"Os trabalhos de cada sessão podem regular-se conforme
se segue:

1a Leitura das comunicações espíritas recebidas na
sessão anterior, depois de passadas a limpo.

2a Relatórios diversos. - Correspondência. - Leitura das
comunicações obtidas fora das sessões. - Narrativa de fatos
que interessem ao Espiritismo.

3a Matéria de estudo. - Ditados espontâneos. -Questões
diversas e problemas morais propostos aos Espíritos. -
Evocações.

4a Conferência.-Exame crítico e analítico das diversas
comunicações. -Discussão sobre diferentes pontos da ciência
espírita."84

A proposta de KARDEC sugere que:

(1) estudos e pesquisas são as atividades básicas da sociedade,
(2) o nosso principal objeto de estudo é a mediunidade,
(3) podemos utilizar as próprias comunicações obtidas
na casa como instrumentos de aprendizado e pesquisa.
Para os grupos que não possuíssem médiuns, KARDEC
propôs também que realizassem estudos diversos.85
Em relação à pesquisa, em particular, é necessário, antes
de tudo uma desmistificação da palavra. Denomino

84 —. Das reuniões e das sociedades espíritas - Das sociedades propriamente ditas.
Em: —. O livro dos médiuns. parte 2, cap. XXIX, item 346, p. 430-431.

85 Ibid., item 347, p. 431-432.

60 CENTRO ESPÍRITA: uma revisão estrutural

pesquisa a todas as atividades do centro que envolvam um
trabalho de elaboração humano.86 Assim sendo, a mais
simples reunião mediúnica pode realizar pesquisa, bastando
para isso que adote uma metodologia de trabalho e um
conjunto de técnicas para aplicá-la, sempre na busca de
conhecer algo mais.

O maior exemplo que tivemos neste sentido veio do
próprio KARDEC. As diversas obras da codificação apresentam
exemplos da postura de KARDEC em relação à pesquisa
mediúnica. Para ele era muito clara a diferença entre

o seu papel e dos espíritos: ele era o pesquisador, enquanto
os espíritos, médiuns e fenômenos eram objetos de pesquisa.
Cabia a ele planejar, conduzir e avaliar continuamente
os resultados da pesquisa (este era o trabalho de elaboração
humano, necessário em qualquer pesquisa).
A título de ilustração, escolho um caso relatado em O
livro dos médiuns, que ilustram com muita clareza a sua
forma de trabalhar: numa pesquisa sobre o laboratório do
mundo invisível, em que entrevista o espírito São Luís,
KARDEC conduz passo a passo a discussão e não se submete
com facilidade às explicações dadas pelo espírito para a
aparição de objetos. KARDEC considerava, antes da argüição,
que essas aparições se explicavam pela existência de
um duplo etéreo no mundo invisível, da mesma forma que
os homens são nele representados pelos espíritos. Quando
São Luís dá uma explicação diferente, dizendo que os próprios
espíritos podem concentrar elementos da atmosfera e
dar-lhes uma aparência, KARDEC ainda volta à questão,
para obter uma confirmação de São Luís. Este chega a
responder de forma lacônica: "Parece-me que a minha
resposta precedente resolve a questão", mas não há cons


86 Allan KARDEC. Caracteres da revelação espírita. Em: Allan KARDEC. A gênese,
os milagres e as predições segundo o Espiritismo, cap. I, itens 13-15, p. 15-16.


Capítulo 3 -ESTUDOS E PESQUISAS 61

trangimentos: tanto um quanto outro conhecia o seu próprio
papel no jogo da busca de conhecimento.87

Este simples exemplo mostra que pesquisar depende
mais de uma postura de observação e crítica do que de
títulos acadêmicos: na maioria dos grupos espíritas modernos
uma manifestação de São Luís (ou de um espírito
elevado qualquer) causaria tanta admiração que suas palavras
seriam absorvidas sem qualquer análise ou questionamento.
Por causa dessa postura não se evocam os espíritos,
não se fazem perguntas objetivas sobre assuntos de
interesse da ciência, não se registram, avaliam e divulgam
os resultados.

Uma estrutura baseada em estudos e pesquisas traz
problemas a serem enfrentados. O primeiro se refere à
necessidade de restrições à freqüência e à integração de
novos participantes.88 São atividades que exigem intensa
participação das pessoas, assiduidade e amadurecimento
dos grupos de trabalho. Se pessoas novas e inexperientes
entram e saem de um grupo continuamente, é muito difícil
fazê-lo progredir e dar uma contribuição real. O processo
de integração de novas pessoas necessita de critérios claros
que envolvem seu conhecimento prévio de Espiritismo,
seus vínculos com o centro e com o grupo de estudo,
sua idade, seus interesses etc. O estabelecimento desses
critérios só trarão realmente algum problema se forem
mantidas as velhas idéias de grandeza do centro e da necessidade
de conquistar freqüentadores a qualquer custo.

Os novos participantes se integram aos poucos e recebem
recursos para se aperfeiçoarem e se prepararem para

87 —. Do laboratório do mundo invisível. Em: —. O livro dos médiuns. cap. VIII. p.
156-165.

88 Jaci RÉGIS. O centro espírita no século XX. Em: CONGRESSO ESPÍRITA
ESTADUAL DA USE, 7. Anais. p. 10.

62 CENTRO ESPÍRITA: uma revisão estrutural

atividades mais elaboradas, através de cursos, palestras e
seminários. Só não podemos cair na armadilha do catecismo,
que estabelece passos rígidos e predeterminados
para se atingir algum estágio. O centro espírita possui uma
estrutura aberta ao crescimento e à participação. Há pessoas
que com pouco tempo mostram-se preparadas para novos
desafios: já leram vários livros, compreenderam os
pontos fundamentais da doutrina e têm interesse pelo trabalho.
Elas não podem ficar enterradas em cursos infindáveis
antes de começar a contribuir.

Outro problema se refere à integração de crianças e jovens
nas atividades, que numa estrutura moderna, deve ser
a maior possível. As crianças e, em menor escala, os jovens,
compartilham o mundo com uma visão diferenciada.
São preocupações, interesses, formas de abordagem diferentes
e que podem receber, por parte do centro espírita,
espaço próprio para sua expansão. Qualquer que seja o
campo de visão a contribuição do Espiritismo é muito
grande, porque toca no que todos temos de mais profundo:
nossa capacidade de ser, existir e crescer. É fundamental,
no entanto, identificar os pontos comuns e as oportunidades
de convivência para aprendizado conjunto. Através de
sua participação em atividades integradas os jovens têm
contribuído para que os estudos ganhem espaço nos centros.
89

3.2. CRITÉRIOS NECESSÁRIOS PARA UMA
ESTRUTURA BASEADA EM
ESTUDOS E PESQUISAS
89 Ibid., p. 11.


Capítulo 3 -ESTUDOS E PESQUISAS 63

A criação de uma estrutura baseada no conhecimento
envolve alguns critérios necessários para lhe dar consistência:


a) Os estudos e pesquisas devem levar em consideração
os contextos histórico, cultural e social.

"A leitura não pode ser entendida sem a consideração
dos contextos culturais e sociais em que se inserem autor e
leitor. O primeiro deixa marcados no texto uma época e um
conjunto de ideologias e relações sociais. Depois sai do
processo. O segundo interpreta e vive o texto segundo um
grupo análogo de fatores. Processa-se o diálogo." 90

O estudo do Espiritismo, como de qualquer disciplina,
exige a consideração de contextos, para se evitar estudos
abstratos que consideram os textos independentemente do
tempo e do espaço. É assim que se deve estudar profundamente,
entre outros fatores: o contexto histórico no estudo
das obras espíritas,91 o contexto social em que o grupo
social está inserido,92 as relações entre aqueles estudos
e os conhecimentos das demais áreas da ciência e da filosofia,
etc.

A pesquisa espírita também encontrará nas pesquisas e
métodos de outras disciplinas a base que necessita. Uma
pesquisa isolada do desenvolvimento científico não pode
ter valor real.

b) O material de estudos deve ser consistente e abrangente.


90 Mauro de Mesquita SPINOLA. Leitura contextualizada do conhecimento espírita.
Em: ENCONTRO NACIONAL SOBRE O ASPECTO SOCIAL DA DOUTRINA
ESPÍRITA, 3. Anais. p. 5.

91 Ibid., p. 8-21.
Carlos Roberto de MESSIAS. Contribuições sobre o movimento espírita brasileiro.


92 Mauro de Mesquita SPINOLA. Leitura contextualizada do conhecimento espírita.
Em: ENCONTRO NACIONAL SOBRE O ASPECTO SOCIAL DA DOUTRINA
ESPÍRITA, 3. Anais p. 22-27.

64 CENTRO ESPÍRITA: uma revisão estrutural

Os livros e outros materiais utilizados nos estudos e
pesquisas devem envolver as obras básicas do Espiritismo,
complementadas por outros relatos de pesquisas antigos e
modernos, obras mediúnicas e demais textos elucidativos,
espíritas ou não, que tenham relação com os assuntos de
estudos. Os materiais produzidos nos próprios grupos podem
contribuir com os estudos e pesquisas posteriores.

A organização de uma biblioteca e uma livraria abrangentes
é indispensável para aperfeiçoamento dos estudiosos
e a difusão de idéias.93

c) As reuniões devem possuir uma estruturação didática.


O aperfeiçoamento dos grupos de estudos tem determinado
o aprimoramento da estruturação didática e a diversificação
das técnicas de estudos. A tendência deve ser
a de permitir cada vez mais o acesso de todos ao conhecimento,
de acordo com o interesse.

d) Os participantes de cada grupo devem estar integrados
em termos de trabalho e relacionamento.
Havendo comunicação entre eles, a possibilidade de
satisfação e êxito nas atividades é muito maior.

3.3. ATIVIDADES DE ESTUDOS E PESQUISAS NO
CENTRO ESPÍRITA
A título de sugestão, apresento uma estrutura de atividades
de estudos e pesquisas no centro espírita:

a) estudos doutrinários

b) estudos para a infância

93 MANUAL do divulgador do livro espírita.


Capítulo 3 -ESTUDOS E PESQUISAS 65

c) estudos para a juventude
d) pesquisas
e) divulgação do Espiritismo.

ATIVIDADES DE ESTUDOS E
PESQUISAS NO CENTRO ESPÍRITA
Estudos doutrinários
Estudos para a infância
Estudos para a juventude
Pesquisas
Divulgação do Espiritismo

3.3.1. Estudos doutrinários
Esses são os estudos de Espiritismo, envolvendo seu
conteúdo científico, filosófico e moral. Aqui os temas básicos
se entrelaçam com os diversos assuntos relacionados,
tais como ciência, história, moral, sociedade, família,
problemas atuais etc. Os estudos de mediunidade, abordados
no capítulo 2, estão também aqui incluídos.

Os estudos espíritas contribuem para uma maior compreensão
e para uma continua e sistemática reflexão sobre
nossa vida. O Espiritismo é um convite ao pensar, ao criar,
ao descobrir. Seu conteúdo filosófico convida-nos a enfrentar
as questões da existência, o seu significado em
relação ao passado e o futuro. Nos estudos espíritas as
pessoas são convidadas a pensar, a criticar, a discutir, para
crescer.

66 CENTRO ESPÍRITA: uma revisão estrutural

Por outro lado, a base científica da doutrina — seu método,
suas técnicas, seus critérios — compromete-nos com

o trabalho continuo de busca de novas informações, análises
e elaborações, visando a construção do conhecimento
espírita. Os estudos espíritas partem da constatação kardequiana
de que o Espiritismo não é uma obra acabada e
necessita de elaboração e contextualização contínuas.
Uma consideração especial merecem os estudos de
moral. Para KARDEC, eles devem se basear na reflexão que
os demais conhecimentos espíritas trazem, tais como a
imortalidade, a reencarnação e a vida futura.94 As doutrinações
que abrangem aspectos puramente comportamentais
ferem o método espírita de abordagem do problema.
Há na literatura espírita muitos exemplos dessa distorção,
em que a análise moral se limita a uma série de recomendações
sobre a forma de se comportar.95

3.3.2. Estudos para a infância
A infância deverá possuir um programa próprio, baseado
nos conceitos básicos do Espiritismo e na integração
desses conhecimentos com os demais. Métodos didáticos
modernos, próprios para cada uma das faixas etárias, necessitam
ser aplicados, tanto quanto o são nas escolas. As
atividades devem ser diversificadas, contextualizando o
conhecimento espírita e permitindo a expressão completa
das características infantis. Desta forma criam-se condições
para uma melhor percepção das idéias espíritas.

94 Allan KARDEC. Conclusão. Em: —. O livro dos espíritos. item VIII, p. 489-491.

95 Ney Prieto PERES. Manual prático do espírita.

Waldo VIEIRA. Conduta espírita.

Francisco Cândido XAVIER. Cultivando paciência. Ditado pelo espírito Albino

Teixeira. Em: —. Coragem. p. 17-18.


Capítulo 3 -ESTUDOS E PESQUISAS 67 7

Durante muitos anos desenvolveu-se no movimento
espírita a idéia de evangelizar as crianças. Os educadorespassaram a ser chamados de evangelizadores. É necessário
que nos libertemos disso e passemos a realizar um trabalho
de educação integral espírita, que envolve não só o
ensino de lições dos Evangelhos, mas sim de todo o conhecimento
espírita, envolvendo ciência, filosofia e moral
(veja item anterior). A idéia de evangelizar não só restringe
como também distorce a estratégia espírita de aperfeiçoamento
das pessoas, podendo levar à inadequada abordagem
comportamental que citei acima. Esta forma de
tratar as questões morais pode ser ainda mais fortemente
prejudicial no caso do ensino de crianças, que viverão
situações de vida certamente diferentes das imaginadas
pelos educadores. Cabe a ele prepará-la, levando-a ao conhecimento
e à reflexão sobre o Espiritismo.

3.3.3. Estudos para a juventude
Os jovens devem participar, tanto quanto possível das
mesmas atividades que os adultos. Por opção, pode-se
conceber reuniões de estudos para a juventude, visando
incentivar sua auto-organização e permitir que imprimam
métodos próprios às suas atividades.

3.3.4. Pesquisas
As atividades de pesquisa estão ligadas a todas as demais
atividades do centro. No entanto, num processo inicial
de reestruturação, podem ser criadas e utilizadas para
dar base a mudanças a serem realizadas. Elas devem criar
um vínculo entre o centro espírita e o desenvolvimento
científico, tanto a nível conceitual quanto metodológico,
sem subordinação ilógica a métodos e técnicas de outras

68 CENTRO ESPÍRITA: uma revisão estrutural

áreas científicas, que descaracterize as conquistas próprias
do Espiritismo.96
Segue-se uma descrição das principais tarefas envolvidas
na atividade de pesquisa no centro espírita:
a) Análise, que compreende:


a identificação do problema a ser pesquisado,

o detalhamento de suas diversas variantes (formas
diferentes em que se apresenta) e causas,


a definição dos critérios para observação, interpretação
e avaliação (no caso de uma pesquisa
sobre cura, por exemplo, como serão observados
e interpretados os resultados, e como podem ser
avaliados e comparados?)
b) Pesquisa bibliográfica, com levantamento das principais
contribuições da literatura sobre o tema em
estudo incluindo os casos de pesquisas análogas —
se existirem — relatados

c) Sistematização, cujo papel é o de consolidar o método,
as técnicas e os instrumentos necessários para
execução da pesquisa. O método espírita de pesquisa
mediúnica foi proposto pelo próprio KARDEC,97
mas a diversificação e a especificidade dos campos
de atuação leva à necessidade de detalhamento do
método kardequiano para cada uma das áreas pesquisadas,
bem como a especificação de procedimentos
adequados aos recursos existentes e às características
dos grupos.

96 J. Herculano PIRES. Parapsicologia hoje e amanhã. parte 2, cap. XV, p. 199-204.
97 Allan KARDEC. Introdução - II - Autoridade da doutrina espírita. Em: —. O
evangelho segundo o Espiritismo. p. 11-18.
—. Caracteres da revelação espírita. Em: —. A gênese, os milagres e as predições
segundo o Espiritismo. cap. I, itens 12-18, p. 15-18.


Capítulo 3 -ESTUDOS E PESQUISAS 69

d) Compilação e codificação, que compreende:

o registro das comunicações (planos executados,
ações tomadas, resultados obtidos, recursos utilizados,
pessoas e espíritos envolvidos, condições
ambientais e outros dados considerados relevantes
no método utilizado)


a classificação dos registros para posterior pesquisa,
avaliação e comparação.
É importante observar que essas tarefas se desenvolvem
e se consolidam à medida que o trabalho cresce. Não
é necessário estabelecer uma estrutura complexa como
ponto de partida. Pelo contrário, o ponto de partida é a
predisposição para olhar os fenômenos do dia-a-dia do
centro como objetos de pesquisa e aprendizado: analisar,
estudar, observar, interpretar, criticar e registrar.

Uma incógnita para o momento é o futuro dessa atividade
nos centros reais e sua relação com as associações
especializadas em pesquisas espíritas que tendem a se formar
como uma reação à inércia dos grupos espíritas. Alguém
sabe? Penso que o mais ponderado para o momento
é imaginar que com o tempo cada um definirá o seu papel.

Entre as áreas de pesquisas que não têm recebido a devida
atenção dos centros há algumas que podem ser melhor
trabalhadas. Cito os seguintes exemplos prioritários,
todos no campo da mediunidade: animismo, passes, terapia
da obsessão, obsessão e loucura, curas, pesquisa básica
(sobrevivência, Transcomunicação Instrumental) etc.98

Hernani Guimarães ANDRADE. Morte, renascimento, evolução: uma biologia
transcendental.

70 CENTRO ESPÍRITA: uma revisão estrutural

3.3.5. Divulgação do Espiritismo
Essas reuniões podem ser utilizadas para divulgação
do Espiritismo e dos trabalhos de pesquisas do centro.99

3.4. CONCLUSÃO: estudos e pesquisas na
revisão do centro espírita
A mudança de caráter dos centros espíritas tem nos estudos
e pesquisas sua mola mestra. Se por um lado está na
mediunidade a pedra de toque — podendo-se afirmar que
só as alterações metodológicas da maneira como esse tema
é tratado realmente caracterizariam um novo centro —
cabe por outro lado ao trabalho de estruturação dos estudos
e pesquisas espíritas no centro o papel de iniciar ou
consolidar todo o processo de revisão.

Dar importância ao estudo não se resume a dedicar
quinze minutos de cada reunião à leitura de um livro, como
se fosse apenas uma atividade acessória. Trata-se de
colocá-lo no centro do processo de estruturação e crescimento
do centro, criando, avaliando e orientando as demais
atividades.

No que se refere à pesquisa, em particular, cabe uma
palavra sobre a documentação. O registro de planos, procedimentos
e resultados é uma característica dos grupos de
pesquisa sérios, que visam se aperfeiçoar sempre e ainda
deixar sua contribuição.

A preparação de recursos humanos e a reunião de materiais
adequados constituem-se nos dois melhores instrumentos
para a colocação dos estudos e pesquisas como
base do centro espírita.

99 Jaci RÉGIS. O centro espírita no século XX. Em: CONGRESSO ESPÍRITA
ESTADUAL DA USE, 7. Anais. p. 11.


Capítulo 3 -ESTUDOS E PESQUISAS 71 72 CENTRO ESPÍRITA: uma revisão estrutural

Principais tarefas envolvidas na
atividade de pesquisa no centro
espírita:
• Análise;
• Pesquisa Bibliográfica;
• Sistematização;

Compilação e Codificação.


73


Capítulo
4
O CENTRO ESPÍRITA E A SOCIEDADE


T
T
odos os espíritas concordam que as relações entre o
centro espírita e a sociedade são necessárias, mas
em que forma? Recebendo as pessoas aflitas, aconselhando-
as e curando-as? Assistindo a pobres? Salvando
as almas? Divulgando o Espiritismo? Ou fazendo, por
outro lado, campanhas para políticos espíritas? Penso que
nenhuma dessas atividades resolve, por si só, a questão.

É certo que já existem hoje características marcantes
nas relações sociais do centro espírita, entre elas:

(1) a busca dos centros espíritas por pessoas de diversos
matizes, geralmente à procura de um amparo
às suas dores,
(2) a assistência social realizada pelos espíritas,
(3) a ligação dos médiuns com a comunidade, através
dos serviços que prestam no centro ou nos atendimentos
fora dele, e o reconhecimento do seu papel
social.100
Uma revisão dessas relações deve partir de uma reflexão
sobre os seguintes pontos:

100 J. Herculano PIRES. O centro espírita e a comunidade. Em: —. O centro espírita.
cap. III, p. 18.

74 CENTRO ESPÍRITA: uma revisão estrutural

(1) a necessidade de abandonar o proselitismo e o clientelismo,
caracterizados sobretudo pela intenção
de prender as pessoas ao centro (já abordados no
capítulo 1),
(2) a necessidade de estudar, acompanhar e discutir a
evolução cultural e moral da sociedade, ao invés
de simplesmente ignorá-la e se afastar dela,
(3) a importância de estudar, formar uma visão crítica,
buscar e propor caminhos reais para uma evolução
da sociedade, sobretudo no que se refere a suas injustiças
e desigualdades.
Existe uma falsa idéia de que a sociedade tem algo a
buscar no centro e este nada tem a receber dela. Esse conceito,
que aparece ora implícita, ora explicitamente, distorce
e reduz a inserção social do centro. Uma coexistência
viva e claramente assumida, uma troca bilateral ativa,
uma busca em comum, são características desejáveis para
uma revisão dessas relações.

4.1. DEFESA DO ESPIRITISMO
Defender o Espiritismo é — ainda — uma das tarefas
principais do centro espírita. Há três preocupações nessa
área: os ataques de adversários, as distorções geradas por
muitos adeptos e as confusões que se fazem com outras
doutrinas espiritualistas.

Quanto aos ataques, é certo que não vivemos mais o
período que KARDEC identificou como "de luta".101 No
Brasil, onde a história também registra momentos difíceis
para os espíritas, o respeito e reconhecimento social pelo
Espiritismo são hoje inquestionáveis, a menos de setores

101 Allan KARDEC. Período de luta. Em: —. Revista espírita. v. 6, ano 1863.


Capítulo 4 -O CENTRO ESPÍRITA E A SOCIEDADE 75 5

mais reacionários ainda existentes em alguns meios religiosos.
Há também uma crescente adesão a conceitos adota-
dos pelo Espiritismo, como a imortalidade, a comunicabilidade
dos espíritos e a reencarnação. Tudo isso faz com
que hoje as relações com os adversários sejam outras. Não
cabem mais os debates emocionais. Mas não procede, por
outro lado, o descuido e a omissão. É de responsabilidade
dos centros espíritas esclarecer a comunidade, sempre que
possível, sobre os ataques, principalmente quando se baseiam
em casos isolados de charlatanismo. Para José Herculano
PIRES a defesa do Espiritismo não prescinde da
energia e da virilidade:

"Propagou-se no meio espírita, através de mensagens
mediúnicas, tendendo a um masoquismo de cilícios e auto-
punições, a estranha idéia de que a virilidade só pertence
aos cultores da violência. Voltamos assim ao sistema igrejeiro
dos rebanhos de ovelhinhas inocentes devoradas por
lobos famintos sem qualquer possibilidade de defesa. Entregues
a essa idéia derrotista, o meio espírita abastardou-
se a ponto de até mesmo recusar-se a defender a Doutrina
aviltada pela ignorância travestida de bondade e doçura."

102

As confusões que ainda existem entre Espiritismo e
outras doutrinas precisam ser desfeitas. Uma contribuição
importante à elucidação dessa questão foi dada por Delindo
Amorim em sua obra O Espiritismo e as doutrinas espiritualistas,
103 onde mostra as diferenças entre o Espiritismo
e doutrinas com os quais chega a ser confundido,
tais como a umbanda, o candomblé e a cabala. Entendo
que a principal diferença é metodológica, embora haja
também diferenças conceituais importantes. O centro se
firma como espírita não só por adotar as obras de Allan

102 J. Herculano PIRES. O centro espírita. p. 21.
103 Deolindo AMORIM. O Espiritismo e as doutrinas espiritualistas.


76 CENTRO ESPÍRITA: uma revisão estrutural

KARDEC, mas sobretudo por assumir sua metodologia de
abordagem das diversas questões.

As distorções geradas no âmbito do próprio movimento
espírita merecem atenção especial. São as que têm causado
maiores prejuízos. O centro espírita comprometido
metodológica e conceitualmente com o Espiritismo age
em sentido contrário a essas distorções e realiza, desta
forma, a maior entre todas as tarefas de defesa social da
doutrina.

4.2. O CENTRO ESPÍRITA PARA O HOMEM104
O Espiritismo rompe com as doutrinas que vendem a
salvação depois da morte. Não promete nada, não sugere
adesão involuntária, não se mostra como único caminho.
Oferece a sua luz sem pedir subordinação, substitui a obediência
cega pela atuação consciente e entrega a cada um a
responsabilidade pela própria vida. Liberta o homem.

A liberdade que o Espiritismo oferece é baseada no
conhecimento. Compreendendo o significado da vida e a
verdadeira natureza de si mesmo, o homem começa a dar
passos seguros, deixa de ser joguete das circunstâncias e
traça o seu próprio caminho.

É claro que isso não é uma receita de liberdade, pois
cada um que se encontrar com o Espiritismo reagirá a seu
modo. Uns darão mais voltas, hesitarão mais, serão mais
vagarosos ou passarão por maiores conflitos, enquanto
outros encontrarão com maior facilidade seus próprios
caminhos de libertação. Mas para todos o Espiritismo traz

104 Este texto é uma adaptação de outro escrito em 1986, que faz parte do artigo:
Mauro de Mesquita SPINOLA. O centro espírita e a sociedade. Em: Autores diversos.
Espiritismo e sociedade. p. 59-66.


Capítulo 4 -O CENTRO ESPÍRITA E A SOCIEDADE 77

a liberdade em potencial. Cada um que o aproveite a seu
modo.

O centro espírita é a casa do Espiritismo e deverá canalizar
o potencial libertador da doutrina. Para conseguir
isso, deverá antes de tudo ver as pessoas como indivíduos
diferentes entre si, com capacidades morais-intelectuais,
anseios, preocupações e problemas diferentes. Ao contrário
do que fazem os templos religiosos, o centro espírita
não pode se propor a uma massificação de idéias e comportamentos.
Cabe a ele manter, é bem verdade, um certo
zelo com a doutrina, defendendo sua autenticidade, seu
caráter racional, e evitando desvios, infiltrações ou distorções,
mas não é possível conceber um centro realmente
espírita que distribua a todos uma interpretação particular
do Espiritismo. Estaria boicotando a doutrina, desviando
os objetivos do grupo e escravizando as pessoas.

O Espiritismo visa o homem. O centro espírita é um
dos meios de atingi-lo. O homem do centro espírita transformará
a si mesmo e à sociedade se tiver o Espiritismo
como instrumento. Se o centro espírita inverte essa relação,
isolando-se da vida real e exigindo do homem que
abandone seu mundo, está traindo os próprios objetivos do
Espiritismo. A "paz" que oferece, "não encontrada lá fora",
é uma versão disfarçada da fuga que incentiva. Não
vai contribuir para construir ou libertar nada.

O centro espírita é feito para o homem, não o contrário.
O homem do centro espírita vai ver o seu dia-a-dia
como a continuidade de um movimentado processo evolutivo.
Passará a compreender o significado revolucionário
da imortalidade e o verdadeiro sentido da vida que vive.
Compreenderá as relações entre os mundos material e espiritual,
as mudanças de estado entre encarnação e desencarnação
e as influências mútuas entre o livre arbítrio e a

78 CENTRO ESPÍRITA: uma revisão estrutural

lei de causa e efeito. Entenderá o caráter transitório da
vida atual, que não pode ser analisada fora do contexto da
eternidade, mas ao mesmo tempo valorizará esta vida.
Afinal, dentro do vai-e-vem da evolução, que momento
não é importante?

O homem do centro espírita valoriza o momento em
que vive porque sabe que a vida não é uma farsa. Tudo
que está aprendendo e realizando é fundamental. Compreende
e valoriza a vida após a morte, mas não vive em função
dela, pois sabe que o entendimento das relações entre
as vidas atual e futura só tem significado se contribuir para
entender a realidade de sua existência atual. O momento
que vive é, para ele, enquanto vive, o mais importante,
pois é quando está preparando, ou realizando, a grande
arrancada.

4.3. A SOCIEDADE COMO TEMA DE ESTUDO
A sociedade é um dos mais importantes e interessantes
objetos de estudos e pesquisas no centro espírita. Marginalizados
na maioria dos grupos, devido à tradição politicamente
conservadora do movimento, os temas sociais tendem
a encontrar seu lugar nos estudos à medida que a própria
sociedade se democratiza.

Tem sido até agora com certa dificuldade que algumas
pessoas ou grupos têm tentado trazer para o movimento
espírita um estudo e uma discussão mais aberta da sociedade
e seus problemas, à luz do Espiritismo. Nos anos 80,
por exemplo, alguns encontros de jovens do Estado de São
Paulo se propuseram a debater a questão social e foram
fortemente criticados por isso. O mesmo aconteceu com o
ENSASDE -Encontro Nacional sobre o Aspecto Social
da Doutrina Espírita, realizado em 1985 (Santos), 1987


Capítulo 4 -O CENTRO ESPÍRITA E A SOCIEDADE 79

(São Paulo) e 1989 (Salvador). Reunidos nesses encontros
exclusivamente para analisar a questão social, diversos
espíritas produziram extenso material de pesquisa e abriram
espaço para uma maior abertura a essa temática nos
centros espíritas.

A posição de KARDEC em relação a isso é claríssima.
Chega a sugerir que sejam discutidas as matérias dos jornais:


"A par das obras especiais, formigam os jornais repletos
de fatos, de narrativas, de acontecimentos, de rasgos
de virtudes e de vícios, que levantam graves problemas
morais, cuja solução só o Espiritismo pode apresentar,
constituindo isso ainda um meio de se provar que ele se
prende a todos os ramos da ordem social." 105

O próprio O livro dos espíritos apresenta, na sua terceira
parte, um estudo vigoroso das leis morais, que tocam
em vários aspectos da vida social, tais como a distribuição
de riquezas, a liberdade, a justiça, a família, o trabalho e
outros.106 Um estudo sério dessa parte do livro básico do
Espiritismo não prescinde da reflexão e do debate social,
bem como da busca de caminhos para os homens, para a
comunidade em que vivem e para a sociedade como um
todo. Nesse sentido uma contribuição importante foi dada
por Aylton PAIVA com seu livro Espiritismo e política,107
onde encontramos um estudo das leis morais sob o enfoque
da análise social e política.

O estudo espírita da sociedade se baseia em dois conceitos
fundamentais:

(1) o homem é um espírito encarnado, e vive em cada
momento toda a sua história espiritual,
105 Allan KARDEC. Assuntos de estudo. Em: —. O livro dos médiuns. parte 2, cap.

XXIX, item 347, p. 431-432.
106 —. As leis morais. Em: —. O livro dos espíritos. parte III, p. 305-426.107 Aylton Guido Coimbra PAIVA. Espiritismo e política.

80 CENTRO ESPÍRITA: uma revisão estrutural

(2) as relações que estabelece condicionam em grande
parte o seu desenvolvimento.
Para entender o homem e a sociedade não é suficiente
enxergá-lo como indivíduo em evolução espiritual, pois o
homem não é apenas um produto de si mesmo, da mesma
forma que a sociedade não é apenas uma soma ponderada
de homens. Também grosseira seria a redução do homem
a um produto do meio.

Tratar abertamente da temática social e política nos
centros espíritas, como proponho, é uma atitude que ainda
encontra resistências. Os dirigentes adotam em geral uma
interpretação conservadora da doutrina, baseando-se num
suposto caráter "apolítico" do Espiritismo e dos centros.
Autores conceituados também fazem coro. É um engano,
pelo simples motivo de que não há conceito, atitude, grupo
ou pessoa apolítica. Não discutir política, por exemplo, é
uma atitude política, no sentido de que evita a reflexão
sobre todo um conjunto de problemas do homem e da sociedade,
como se fossem irrelevantes.

O grande pensador espírita argentino Manuel PORTEIRO
deixa muito claro que o Espiritismo não pode ser um
instrumento de conivência com a injustiça:

"Dedicando o Espiritismo a resolver somente problemas
metafísicos, próprios da velha escolástica, somente à investigação
do além-túmulo, preso à velha moral das religiões,
que ensina a respeitar falsos direitos e injustos privilégios,
como coisas absolutamente necessárias e de acordo
com a justiça divina e causalidade moral de cada ser, perde
seu caráter de ciência integral e progressiva e, em vez de
ser um ideal humano, propulsor do progresso e das causas
nobres, aberto a toda iniciativa de bem-estar social, a toda
tendência renovadora e libertária, torna-se, em mãos de
espíritos limitados, numa doutrina retrógrada e conservadora,
numa arma formidável para abater consciências e conter
todo impulso generoso que tenda a estabelecer um no



Capítulo 4 -O CENTRO ESPÍRITA E A SOCIEDADE 81

vo regime social, mais justo e conforme as exigências do
progresso." 108

4.4. ATUAÇÃO SOCIAL
A conscientização não tem um fim em si mesma. Visa
relacionar a teoria com a prática, a idéia com a realidade.
Se o centro espírita der ao homem a chance de conhecer o
Espiritismo e se conscientizar de seu papel individual,
estará também contribuindo para a ação. Para KARDEC a
conscientização é decisiva:

"A aspiração por uma ordem superior de coisas é indício
da possibilidade de atingi-la. Cabe aos homens progressistas
ativar esse movimento pelo estudo e a aplicação
dos meios mais eficazes." 109

Realmente, a atuação social consciente e determinada é
uma conseqüência natural do estudo da sociedade. E é
também uma forma de buscar na realidade social vigente
subsídios para esses estudos.

Em que termos essa atuação pode ser feita pelos espíritas
individualmente e pelos centros como grupos? Aqui,
mais uma vez, não cabem regras, mas quero discutir essa
questão.

Cabe aos homens conscientes, cada um a seu modo,
contribuir para que a sociedade progrida, não simplesmente
"fazendo a sua parte", mas buscando influenciar para
que novos e cada vez melhores rumos sejam traçados. Apenas
um exemplo: na ótica espírita a educação de boa
qualidade é uma condição importante para o progresso
material e espiritual. Os pais espíritas são orientados nos
centros a valorizarem a educação. A luta por uma melhoria

108 Manuel S. PORTEIRO. Espiritismo dialéctico. p. 57.

109 Allan KARDEC. Liberdade, igualdade e fraternidade. Em: —. Obras póstumas.
parte 1, p. 193.

82 CENTRO ESPÍRITA: uma revisão estrutural

na educação pública, que não é uma preocupação só dos
espíritas, passa a ser também um desafio para esses pais,
juntamente com muitos outros.

No plano individual não cabe colocar limites aos campos
de atuação. Deixando a apatia e a passividade de lado,
cada um vai buscar seus campos e formas próprias, de
acordo com o que sabe e busca. Isso tem relação com uma
posição de KARDEC em O livro dos espíritos:

"Por que, no mundo, os maus, tão freqüentemente, sobrepujam
os bons em influência?

- Pela fraqueza dos bons; os maus são intrigantes e
audaciosos, os bons são tímidos. Quando estes o quiserem
dominarão."110
Em relação à atuação social do centro espírita, como
grupo, é necessário ter alguns cuidados:

(1) Lembrar sempre que o compromisso primeiro do
centro espírita é com o Espiritismo, ou seja, a difusão
e o desenvolvimento da doutrina. Engajar diretamente
o centro nas lutas sociais só tem sentido se
não forem esquecidas as áreas próprias da doutrina.
(2) As preocupações com o poder temporal, inevitáveis
nas lutas sociais, podem ofuscar os objetivos maiores
a que o Espiritismo se propõe em relação ao
homem e à própria sociedade.
(3) A política partidária, com suas campanhas eleitorais
e interesses contrastantes de partidos e pessoas,
poderá, em momentos de descuido, engajar o
centro espírita em interesses outros que nada têm a
ver com o Espiritismo.
110 —. Felicidade e infelicidade relativas. Em: —. O livro dos espíritos. parte IV, cap.
I, questão 932, p. 431-432.


Capítulo 4 -O CENTRO ESPÍRITA E A SOCIEDADE 83

Havendo equilíbrio e firmeza doutrinária, tenho certeza
de que nenhum desses prejuízos ocorrerá.

Qualquer que seja a forma e o grau de atuação de cada
um, espíritas e grupos espíritas — tanto quanto o próprio
Espiritismo — possuem um compromisso com a vida, a
cidadania e a democracia. A luta pela valorização do homem
como ser integral e pela construção de uma sociedade
para todos é tarefa também dos espíritas.

4.5. O CENTRO ESPÍRITA E A COMUNIDADE
É sobretudo através da assistência social e espiritual
que o centro espírita tem marcado sua presença na comunidade.
Já expus os motivos pelos quais considero que
num processo de revisão a tônica maior das atividades do
centro deverá ser a difusão e o desenvolvimento do Espiritismo.


Em relação à comunidade a divulgação do Espiritismo
pode ser feita de várias formas: eventos culturais, feiras de
livros, programas de rádio e TV, jornais, revistas, editoras
e publicações diversas.

Além das atividades voltadas para a divulgação do Espiritismo
há também outras formas possíveis de participação
e abertura do centro espírita à comunidade. Eis algumas
delas:

a) a própria assistência social, que pode contar com a

participação conjunta de pessoas não espíritas,

b) a abertura da biblioteca do centro para a comunida


de, tornando-a uma biblioteca pública,

c) a realização conjunta de atividades de interesse co


mum com as associações organizadas da comuni


dade,

84 CENTRO ESPÍRITA: uma revisão estrutural

d) a organização ou a cessão de espaço para a realiza


ção de cursos diversos,

e) a promoção de eventos e a criação de espaço para o

desenvolvimento de atividades culturais.

Algumas dessas atividades, além de outras mais, podem
contribuir para a própria manutenção da sede do centro,
muitas vezes um pesado ônus para seus sócios.

4.6. CONCLUSÃO: para ser um remo
A tradicional apatia do centro espírita em relação à organização
social tende a desaparecer. O homem moderno
não se conforma mais com conceitos abstratos de "bem",
"mal", "amor" e "caridade", busca o que realmente significam.
Abrindo as suas portas para a sociedade, com seus
problemas, angústias e anseios, o centro espírita talvez
deixe de ser uma ilha de tranqüilidade no mar tempestuoso
para ser o remo que faltava ao navegador.


85 5

"Dedicando o Espiritismo a resolver somente problemas metafísicos,

próprios da velha escolástica, somente à investigação do além


túmulo, preso à velha moral das religiões, que ensina a respeitar

falsos direitos e injustos privilégios, como coisas absolutamente ne


cessárias e de acordo com a justiça divina e causalidade moral de

cada ser, perde seu caráter de ciência integral e progressiva e, em
vez de ser um ideal
humano, propulsor
do progresso e das
causas nobres,
aberto a toda iniciativa
de bem-
estar social, a toda
tendência renovadora
e libertária,
torna-se, em mãos
de espíritos limitados,
numa doutrina
retrógrada e
conservadora,
numa arma formidável
para abater
consciências e
conter todo impulso
generoso que

tenda a estabelecer um novo regime social, mais justo e conforme as

exigências do progresso."111

Manuel S. PORTEIRO (1881-1936)

111 Manuel S. PORTEIRO. Espiritismo Dialéctico. pág. 57

86 CENTRO ESPÍRITA: uma revisão estrutural

Capítulo
O PODER NO CENTRO ESPÍRITA


N
N
o modelo que apresentei no capítulo 1, ressaltei a
importância de não existir no centro hierarquia
estática e restritiva. A manutenção de pessoas ou
grupos por períodos longos no poder é uma causa freqüente
de cristalização de idéias e criação de mecanismos de
defesa do poder já estabelecido. Aquele modelo deixa bastante
claro também que é dos homens a responsabilidade
pela definição dos rumos do centro, não dos espíritos.
5.1. MANDATOS DIVINOS
A principal causa da centralização de poder no centro
espírita tem sido a alegação de existência de mandato conferido
pela "espiritualidade superior". Dirigentes, médiuns
e espíritos, em geral visando o melhor para suas casas espíritas,
acabam por estabelecer critérios e procedimentos
de fechamento do poder. O periódico espírita Espiritismo
e Unificação realizou um estudo sobre o poder no movimento
espírita que identifica esse problema:

"Nos nossos meios, a revelação mediúnica tem sido
usada como instrumento para avalizar ou determinar um tipo
de mandato divino, seja ele circunscrito a um centro, a
um médium ou dirigente, seja, em maior amplitude, através
de determinadas organizações federativas. Todos alegam


Capítulo 5 -O PODER NO CENTRO ESPÍRITA 87 7

possuir um certo poder divino, que lhes teria sido dado pela
Espiritualidade Superior.

"A ignorância generalizada do Espiritismo, mesmo nos
meios mais dinâmicos, voltados, quase sempre, para o fator
místico, se traduz no fascínio que a mediunidade exerce.
Sem dúvida, esse fascínio é uma clara acepção de Poder.
O médium, nos nossos meios, extravasa o sentido de
medianeiro, de intercomunicador, para se transformar em
autoridade, capaz de dominar não somente um núcleo específico,
mas projetar-se por toda a coletividade. Um exemplo
típico é que certos médiuns se transformam em oráculos
e muitos nada fazem sem consultá-los e suas opiniões
já não são analisadas, mas ao contrário são ordenações
infalíveis.

"Por isso identificamos o Poder clássico fluir, sem esforço,
no médium-principal, que aconselha e dita ordens
como verdades irrecorríveis; podemos constatá-lo no Guia
Espiritual que domina grupos, não permitindo iniciativas
dos encarnados; ou verificamos no presidente perpétuo, no
"dono do centro".112

Médiuns, dirigentes e espíritos assumem muitas vezes
papéis messiânicos e de infundada autoridade nos centros,
sem que haja qualquer motivo para se atribuir a eles rótulos
diferenciadores. Em momentos de divergência ou discordância,
invocam sua autoridade divina para impor suas
posições. É bem verdade que essas são atitudes humanas
compreensíveis, mas é necessário que a estrutura do centro
não as incentive.

Médiuns, dirigentes e espíritos possuem papéis relevantes
no centro, é importante frisar. O que deve ser evitado
é o seu endeusamento, a mistificação e o engrande


112 O PODER e o movimento espírita. p. 5-6.
Os termos "médium principal" e "dono de centro" designam, respectivamente, o
médium supostamente mais importante no centro (incumbido, geralmente, de
receber as comunicações do espírito orientador — guia — do grupo) e o dirigente
que ocupa continuamente as funções de presidente e coordenador das atividades
da casa. Essas figuras existem, sob diversas formas, em vários grupos.

88 CENTRO ESPÍRITA: uma revisão estrutural

cimento imotivado de suas funções, que prejudicam a eles
e ao grupo. É indisfarçável a posição desconfortável dos
dirigentes e dos médiuns-principais que a todos têm que
amparar, aconselhar, e em todos os momentos têm que
apresentar as soluções finais para cada assunto. Uma situação
que eles, juntamente com seus seguidores, criaram.

Não pode ser esquecido também que o poder existe,
sendo um espaço a ser ocupado. É sempre possível identificar,
numa estrutura de poder centralizado, aquele ou aqueles
que o exercem, por um lado, e aqueles que, apaticamente,
se permitem ficar longe dele. Alguns até reclamam,
mas não ocupam seu espaço. Seria muito difícil nesses
casos identificar nos "vilões autocráticos" a causa única
da centralização. Por trás de um dono de centro existe
muitas vezes uma história de dedicação e luta solitária por
uma causa.

5.2. CRITÉRIOS PARA ABERTURA
Num processo de abertura à participação é fundamental
que os princípios espíritas e os objetivos básicos do
centro sejam respeitados. Aqueles que não o conhecem ou
que ainda não mostraram condições para aplicá-los não
estão preparados para assumir funções relevantes. Um
caso que presenciei em São José dos Campos ilustra a importância
desse cuidado: um grupo numeroso de freqüentadores
de um centro de umbanda da cidade começou a
freqüentar um centro espírita, por recomendação de seu
guia, que disse que deveriam conhecer Allan KARDEC.
Logo se tornaram sócios e, por discordarem de alguns
procedimentos da direção lançaram uma chapa de oposição.
Venceram as eleições seguintes.


Capítulo 5 -O PODER NO CENTRO ESPÍRITA 89

Existem mecanismos inerciais utilizados por vários
grupos espíritas para evitar essas situações. Um exemplo é
a criação de um quadro de sócios efetivos, no qual só ingressam
sócios que freqüentam a sociedade há um certo
tempo e que demonstram seu conhecimento do Espiritismo.
Esses sócios, e só eles, participam das Assembléias,
podendo eleger e ser eleitos a cargos da diretoria.

Na Sociedade Parisiense de Estudos Espíritas havia
restrições à participação, só sendo aceitos aqueles que
demonstravam conhecer os princípios básicos do Espiritismo
ou que desejavam se instruir, entre outras exigências.
Além disso reservava-se o direito de limitar, se conveniente,
o número de associados livres e dos sócios titulares.
113

5.3. CONCLUSÃO: O CENTRO DE TODOS
Para aperfeiçoar e democratizar as relações entre as
pessoas no centro espírita deve-se partir da constatação de
que o poder é um elemento real e necessário nos diversos
grupos e instituições, não podendo ser diferente nos centros.


A criação de um centro espírita aberto e dinâmico, com
ampla liberdade de crescimento, é um desafio para todos
os seus participantes. É sobretudo nessa área que se torna
importante a preparação sistemática de recursos humanos.
Aos poucos os interessados vão se preparando para dar
maiores vôos, dentro de suas características.

113 Allan KARDEC. Regulamento da Sociedade Parisiense de Estudos Espíritas. Em:
—. O livro dos médiuns. parte 2, cap. XXX, artigos 3º e 6º, p. 436-437.

90 CENTRO ESPÍRITA: uma revisão estrutural

As relações de poder serão tratadas também no próximo
capítulo, que enfoca o movimento espírita.


91


Capítulo
6
INTEGRAÇÃO ENTRE CENTROS
ESPÍRITAS


ntegrar sem interferir na individualidade de cada grupo.
Reunir para intercâmbio de idéias e informações. Realizar
atividades voltadas para objetivos comuns. Estes são os
principais objetivos da integração entre centros espíritas.
Apesar de ser indiscutível sua necessidade, a integraçãoentre centros ainda busca seu caminho de realização. É
que também aqui pesam as relações de poder, e num grau
muito maior.

6.1. INTEGRAÇÃO: UMA NECESSIDADE
Na Revista espírita de janeiro de 1862, Allan KARDEC
convidou os grupos espíritas a participarem do desenvolvimento
da doutrina, através de três textos:114

(1) "Publicidade das comunicações mediúnicas", em
que discute as alternativas para publicação do número
cada vez maior de comunicações e referenda
a criação da "Biblioteca do mundo invisível" pelos
Srs. Didier & Cia., com essa finalidade,
114 —. Publicidade das comunicações espíritas. Controle do ensino espírita. Questões
e problemas propostos aos vários grupos espíritas. Em: —. Revista espírita. v. 5,
ano 1862, p. 11-20.

92
CENTRO ESPÍRITA: uma revisão estrutural

(2) "Controle do ensino espírita", no qual apresenta a
conformidade do ensino dos espíritos como o melhor
critério para garantir sua autoridade e informa
que a Sociedade de Paris encaminhará a partir daquela
data diversas questões doutrinárias para serem
estudadas pelos grupos que com ela se correspondem,
por correspondência particular ou por intermédio
da Revista,
(3) "Questões e problemas propostos aos vários grupos
espíritas", com seis questões a serem estudadas
e discutidas, sempre baseadas em comunicações de
espíritos, uma delas com a incrível afirmação de
que "nenhum Espírito humano pode manifestar-se
ou comunicar-se com os homens".
Estava dada então a tônica da integração que desejava
para os grupos e o tipo de participação que cada um poderia
ter: caberia a cada um deles contribuir para que as
questões em aberto fossem resolvidas. Posteriormente, em
dezembro de 1868, apresentou na própria Revista a "Constituição
transitória do Espiritismo", com proposta de continuidade
do Espiritismo e criação de um comitê central de
coordenação.115

Começo com essas lembranças para ressaltar um ponto
que se perdeu no movimento espírita brasileiro. Em geral,
quando se fala em movimento espírita, integração ou unificação,
esquece-se o desenvolvimento do Espiritismo,
através da pesquisa e do intercâmbio de informações, possivelmente
a principal contribuição que se poderia tirar

115
—. Constituição transitória do Espiritismo. Em: Ibid., v. 11, ano 1868, p. 367-392.
O mesmo texto, ampliado, pode ser encontrado em:
—. Constituição do Espiritismo - exposição de motivos. Em: —. Obras Póstumas.

parte 2, p. 288-319.


Capítulo 6 -INTEGRAÇÃO ENTRE CENTROS ESPÍRITAS 93

dessa união. E era exatamente essa a maior preocupação
de KARDEC.

É sobretudo nesse sentido que a integração se faz necessária.
Mas ela pode trazer outras contribuições, como o
aperfeiçoamento dos próprios centros a partir do intercâmbio
que estabelecem. Um grupo espírita que mantenha
contato com outros que têm objetivos análogos terá sempre
material para aperfeiçoar seu conhecimento, seus métodos
e seus resultados.

Esse é o pano de fundo. Sem ele o movimento espírita
se torna fórum para questões menores e palco para disputas
de poder.

6.2. O MOVIMENTO DE UNIFICAÇÃO: PARA A FRENTE
E PARA TRÁS
O movimento de unificação entre centros espíritas tem
realizado progressos em termos de aproximação com os
objetivos do Espiritismo, como já citei em "Eventos de
renovação", no capítulo 1. Mas tem, por outro lado, protagonizado
grandes desvios e patrocinado longos períodos
de estagnação. Por trás da busca de entendimento cria-se
uma luta de idéias e os grupos hegemônicos criam mecanismos
de manutenção de poder.

Mais uma vez os mandatos divinos são utilizados como
instrumentos de poder. A Federação Espírita Brasileira
(FEB) é um exemplo de entidade que considera que
realiza missão conferida pela espiritualidade superior. Atualmente
se autodenomina Casa Máter do Espiritismo
(antes se cognominava Casa Máter do Espiritismo no Brasil)
e tem como guia o "Anjo" Ismael, que seria também o
coordenador espiritual do Brasil. As distorções que impõe,
como a defesa e divulgação das obras de ROUSTAING, que

94 CENTRO ESPÍRITA: uma revisão estrutural

apresentam frontais contradições com conceitos básicos
do Espiritismo, resistem apesar das fortes reações em contrário
por parte de setores mais conscientes. As outras entidades
federativas e de unificação seguem, em geral a
mesma linha.

Algumas entidades buscaram estabelecer um sistema
mais democrático em seus estatutos, mas não deixaram de
viver momentos constrangedores para sua história. No ano
de 1988 uma delas, a União das Sociedades Espíritas do
Estado de São Paulo (USE), em atitude inédita na sua
história, convidou, sutilmente, as sociedades espíritas que
não concordavam com o tríplice aspecto do Espiritismo,
para se desligarem. Segue-se a citação do trecho capital do
documento aprovado pelo Conselho Deliberativo Estadual:


"Finalmente, cumpre esclarecer que, em decorrência
dos fatos relatados e ocorridos, as Sociedades Unidas que
estiverem EM DESACORDO com o Estatuto vigente da
USE, têm a mais ampla liberdade de optarem, de maneira
fraterna, por outros caminhos.

"Assim sendo, aquelas Sociedades que desejarem, poderão
solicitar o seu desligamento por não concordarem
com seu Estatuto, bem como, a qualquer instante, poderão
solicitar o retorno ao quadro de Sociedades Unidas quando
os princípios adotados forem os mesmos da USE, os quais
só serão alterados quando democraticamente a MAIORIA
USEANA assim o desejar." 116

Esse episódio encerrou um tumultuado processo que
teve na discussão da questão religiosa seu tema principal e
como pano de fundo a disputa pelo poder na USE. Pelo
menos uma lição trouxe para todos: é um erro pensar numa
unificação geral dos centros espíritas. Há diferenças

116 UNIÃO das Sociedades Espíritas do Estado de São Paulo. Relatório da comissão
nomeada pelo CDE da USE, em 13 de setembro de 1987, para apurar denúncias
feitas contra a UME de Santos.


Capítulo 6 -INTEGRAÇÃO ENTRE CENTROS ESPÍRITAS 95 5

dificilmente superáveis a curto prazo. E poucos querem
superá-las. Pode-se dizer que a convivência com a divergência
de idéias é possivelmente a maior dificuldade do
movimento de unificação. Busco mais uma vez em KARDEC
um critério para a busca de caminhos em comum:

"A imobilidade, em lugar de ser uma força, torna-se
causa de fraqueza e ruína para os que não seguem o movimento
geral. Rompe a unidade, porque os que desejam ir
para a frente separam-se dos que se obstinam em ficar para
trás. Entretanto, embora seguindo o movimento progressista,
é mister fazê-lo com prudência e evitar entregar-se às
cegas aos devaneios, utopias e novos sistemas. Importa
fazê-lo a tempo, nem muito cedo, nem muito tarde e com
conhecimento de causa." 117

6.3. CONCLUSÃO: CAMINHOS QUE SE ABREM PARA
UMA INTEGRAÇÃO REAL
Os grupos espíritas tendem a se diversificar cada vez
mais. A integração entre eles não poderá ser suportada
mais por uma sistemática massificante e de caráter global.
Uns buscarão intercâmbio para seus estudos e pesquisas,
outros organizarão cursos de preparação. Outros ainda,
trocarão idéias sobre formas de aplicar o passe e de realizar
a assistência social. As grandes instituições unificacionistas
poderão manter o seu papel se aprenderem a conviver
com a divergência e buscar o que há de comum. Mas
independentemente delas, os grupos procurarão cada vez
mais seus pares para com eles crescer. Ao contrário do que
muitos pensam, pode estar aí o caminho de libertação do
Espiritismo, pois ele não pertence a nenhuma dessas instituições.


117 Allan KARDEC. Constituição transitória do Espiritismo: III - Dos cismas. Em: —.
Revista espírita. v. 11, ano 1868, p. 375-376.

96 CENTRO ESPÍRITA: uma revisão estrutural

Desenho esquemático da estrutura de um centro espírita118

118 Esquema idealizado por Mauro de Mesquita Spinola e confeccionado eletronicamente
por Magda Selvero Salomão.


97 98 CENTRO ESPÍRITA: uma revisão estrutural 8 CENTRO ESPÍRITA: uma revisão estrutural

CONCLUSÃO


P
P
ara que realizar uma revisão estrutural do centro
espírita? O primeiro e grande motivo para revisar é
adequar o centro espírita à sua finalidade maior:
estudar, pesquisar, desenvolver, consolidar e difundir o
Espiritismo, tendo como base a obra de Allan KARDEC.
Mais do que um simples pano de fundo, mais do que uma
motivação ou orientação, o Espiritismo precisa ser o objetivo
primeiro do centro espírita, já que este é a casa daquele.
O Espiritismo é ao mesmo tempo a base e meta do centro
espírita. Como base, direciona e dá subsídios para a
estruturação das diversas atividades. Como meta, estabelece
parâmetros para definir quais são as atividades que
permitem ao centro melhor contribuir com o Espiritismo,
sem desviar os seus esforços para outros objetivos.

Busquei neste trabalho apresentar a base conceitual e
os meios para a realização desta tarefa. Sintetizo agora, de
forma mais sistemática e objetiva, algumas propostas para
implementação das melhorias necessárias.

A BASE CONCEITUAL JÁ EXISTE

A base conceitual do centro espírita — o Espiritismo

— foi desenvolvida inicialmente por Allan KARDEC. Além
de nos apresentar informações sobre o mundo dos espíri

CONCLUSÃO 99

tos e a discussão filosófica das diversas conseqüências da
imortalidade e da reencarnação, a sua obra nos forneceu
um método de trabalho.119 É sobretudo neste método que
está baseado o centro espírita. Adotando-o, o centro torna-
se porta voz, duplicador e continuador do trabalho de
KARDEC.

Não é espírita o centro que:


não tem por base a obra de Kardec;

não utiliza o método de KARDEC no trato da mediunidade;

utiliza conceitos e métodos que confrontam com as
propostas de Kardec.
O MODELO PROPOSTO SERVE DE BASE PARA A
REESTRUTURAÇÃO

O modelo conceitual apresentado no capítulo 1 é simples
o suficiente para se adaptar a diferenças e transformações
culturais, mas oferece restrições à manutenção de
conceitos, estruturas, métodos e costumes ainda vigentes
nos centros espíritas. Exige uma revisão estrutural que
priorize o compromisso com o Espiritismo e a libertação
de estruturas arcaicas de poder. A discussão crítica e contínua
da estrutura necessária para implementar e consolidar
este modelo num centro espírita pode contribuir para
que seja estabelecido um caminho seguro e direcionado
para o aprimoramento.

119
—. Introdução - II - Autoridade da doutrina espírita. Em: —. O evangelho segundo

o Espiritismo. p. 11-18.
—. Caracteres da revelação espírita. Em: —. A gênese, os milagres e as predições
segundo o Espiritismo. cap. I, itens 12-18, p. 15-18.

100CENTRO ESPÍRITA: uma revisão estrutural

UMA OPÇÃO DIFERENTE

Como foi visto no capítulo 1, é grande a variedade de
faces dos grupos que se autodenominam espíritas. Assim
sendo, a opção estritamente espírita — sem desvios doutrinários
e sem outros objetivos que dispersem as ações
perdendo o foco principal — pode ser vista como uma
opção "diferente". Sem dúvida, poderá ser considerado
diferente da maioria o centro espírita que:


tem no estudo a sua base; (v. capítulo 3 deste livro)

realiza pesquisa espírita; (cap. 3)

aplica o método de KARDEC no trato com a mediunidade;
(cap. 2)

não distribui passes "à granel" em todas as suas reuniões;
(cap. 2)

não trata qualquer pessoa que procura o centro
como doente, e não a encaminha desde o início para
uma "entrevista" e um tratamento espiritual; (cap.
2)

apresenta-se como uma casa de estudos e não como
um hospital; evita dizer, logo no primeiro contato
com uma pessoa que procura o centro, que ela "é
médium e precisa desenvolver a mediunidade para
se livrar de suas perturbações"; (cap. 2)

está voltado para o homem e não obriga o homem a
estar voltado para o centro, como se este fosse um
fim em si mesmo (cap. 4)

discute abertamente a contribuição do Espiritismo
nos diversos temas que afetam o homem moderno;
contextualiza o estudo espírita; (cap. 4)

CONCLUSÃO101


é dirigido por um grupo representativo de pessoas;
não é dirigido por espíritos ou pelos médiuns que
transmitem suas orientações; (cap. 5)

comunica-se, troca idéias e integra-se com outros
grupos, mas propõe a integração como instrumento
de crescimento do Espiritismo; (cap. 6)

na integração com outros grupos não se subordina a
idéias e práticas massificantes (não focadas nos
objetivos principais do Espiritismo e do centro
espírita), luta contra as distorções e a inércia. (cap.
6)
O centro que adota esta opção poderá ser único num
bairro ou mesmo numa cidade, às vezes isolado, sem ter
com quem trocar idéias. É fundamental evitar este isolamento,
aproximando-se e mantendo contato contínuo com
grupos afins, mesmo que geograficamente distantes. Poderá
ter menos freqüentadores que os demais da região e
alguns de seus freqüentadores, que prefeririam vê-lo recebendo
muitas pessoas, talvez questionem. Poderá ser acusado
de não praticar a caridade e tudo o mais, mas estará
oferecendo um produto diferenciado: o Espiritismo. E esta
certeza basta.

POR ONDE COMEÇAR?

Esta dúvida pode aparecer. Tanto há para fazer que não
se sabe como planejar, iniciar e conduzir um processo de
revisão estrutural. Para responder a esta questão podemos
fazer analogia à tarefa de subir uma grande escada: o que
temos a fazer é começar, dar o primeiro passo. Temos a
direção a seguir (os conceitos espíritas) e possuímos ins


102CENTRO ESPÍRITA: uma revisão estrutural

trumentos poderosos (livros, pessoas, grupos afins para
trocarmos idéias). Portanto, só temos que começar.

Qual é o objetivo do centro espírita? Esta é a primeira
questão a ser respondida por todo grupo espírita que desejar
iniciar ou rever suas atividades. A partir dessa reflexão
será possível criar, desenvolver, excluir, modificar ou aperfeiçoar
as diversas atividades, para que se adeqüem aos
objetivos estabelecidos. Um critério é básico para todas:
que firmem o compromisso do centro com o desenvolvimento,
a aplicação e a divulgação do Espiritismo.

É claro que não há um único caminho. Busquei identificar
neste livro os principais critérios para realizar este
trabalho. Citei também as principais referências encontradas
na literatura sobre o assunto. Mas o caminho propriamente
dito depende das características e da estratégia de
cada centro. Rediscutidos os objetivos, o processo se desdobra
de forma planificada.120

Uma atividade que passa a ser fundamental é a gestão
do processo de estruturação, que garantirá a sua implementação.
Para realizá-la, podem ser obtidas algumas lições
dos estudos de organização de empresas, que costumam
trabalhar com objetivos, métodos e resultados precisos.
Muitos estudos e experiências sobre a Gestão da Qualidade
Total aplicados em diversas organizações fabris e
de serviços no mundo todo podem também ser aproveita


120 Os textos de KARDEC que apresentam de maneira mais objetiva as diretrizes para a
estruturação do centro espírita são "Das reuniões e das sociedades" e "Regulamento
da sociedade parisiense de estudos espíritas", ambos de O livro dos médiuns:
Allan KARDEC. O livro dos médiuns. parte 2, cap. XXIX e XXX, p. 413-444.


CONCLUSÃO103

dos na gestão do centro espírita, aplicando-se de acordo
com os objetivos específicos a que se propõe o centro.121
Os elementos básicos a serem considerados para a implantação
são apresentados a seguir:

121 Jeremy MAIN. Guerras pela qualidade: os sucessos e fracassos da revolução da
qualidade. Trad. Outras Palavras Consultoria Linguística. Rio de Janeiro, Campus,
1994.

Alberto GALGANO. Calidad total. p. 373-388.
Shoji SHIBA e outros. A new american TQM. p. 461-501.


104CENTRO ESPÍRITA: uma revisão estrutural

ELEMENTOS BÁSICOS DO PROCESSO DE
ESTRUTURAÇÃO DO CENTRO ESPÍRITA
1 Definição de objetivos claros para a
(re)estruturação
2 Estabelecimento de uma estrutura
organizacional e de atividades que
envolva as diversas pessoas
3 Treinamento e educação
4 Atividades de promoção do processo de
(re)estruturação
5 Acompanhamento e avaliação

1. Definição de objetivos claros para a
(re)estruturação. Todos os participantes ativos participam
de sua definição e todas as pessoas que freqüentam
ou têm contato com o centro conhecem os
objetivos. A partir dos objetivos gerais (longo prazo)
derivam-se as metas de médio e curto prazo a
serem atingidas. Estabelecem-se também os meios e
critérios para realizar avaliações periódicas dos resultados.
2. Estabelecimento de uma estrutura organizacional e
de atividades que envolva as diversas pessoas. As
pessoas ajudam a planejar e mobilizar a implementação
da (re)estruturação. É necessário romper com
estruturas estáticas, baseadas exclusivamente em
funções fixas (presidente, secretário, diretor de doutrina
etc.) para permitir um envolvimento das pessoas
de acordo com as atividades a serem realizadas.
As atividades são definidas, por sua vez, de a

CONCLUSÃO105

cordo com as metas a serem alcançadas. É fundamental
que as atividades não dependam de pessoas
específicas para serem realizadas ou continuadas.
Por isso os objetivos delas, bem como os métodos
adotados para executá-las (os procedimentos) devem
ser definidos e, se possível, escritos.

3. Treinamento e educação. A formação das pessoas
que participam das atividades, com base nas propostas
do capítulo 4, cria uma estrutura sólida para as
mudanças necessárias. O treinamento está voltado
tanto para o conhecimento espírita quanto para a
preparação à execução das diversas atividades.
4. Atividades de promoção do processo de
(re)estruturação, através da divulgação e discussão
dos seus objetivos, palestras, seminários, comunicações
periódicas, campanhas, vídeos, etc.
5. Acompanhamento e avaliação. Um grupo que reúne
pessoas envolvidas nas diversas atividades, com a
participação da direção (pode ser chamado de grupo
de estruturação) avalia e discute continuamente o
processo, visando aperfeiçoá-lo.
AS PESSOAS

As atividades do centro espírita não necessitam viver
amarradas a uma coordenação centralizada e fiscalizadora.
O seu desenvolvimento exige um ambiente de liberdade e
criação. Por outro lado, há de se criar meios de não se
perder a unidade existencial. Evitar o engrandecimento
excessivo é um pressuposto básico.

A preparação de recursos humanos e materiais para o
aprimoramento das atividades constitui-se no elemento
chave do processo de revisão estrutural.

106CENTRO ESPÍRITA: uma revisão estrutural

No centro espírita as pessoas passam a compreender
cada vez mais o significado da sua existência. Lá se encontram
como protagonistas de uma grande jornada, trocam
informações, idéias, olhares, abraços, atenção, amor.
Conversam, aprendem, discutem, criam, crescem. Sabem
que seu caminho não é o mesmo, mas há ali um comprometimento
mútuo. A evolução é uma tarefa individual e
coletiva. Essas pessoas estão comprometidas com ela. O
Espiritismo e o centro espírita também.

É Espírita o centro que:

tem por base a obra de Kardec;

utiliza o método de Kardec no
trato da mediunidade;

não utiliza conceitos e métodos
que confrontam com as
propostas de Kardec.


107

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112


SOBRE O AUTOR

Mauro de Mesquita Spinola é engenheiro eletrônico.
Trabalha como professor universitário — Escola Politécnica
da USP, Universidade São Judas Tadeu e Universidade
Paulista — e consultor técnico nas áreas de Sistemas de
Informação e Qualidade de Software.

Nascido em São Paulo em 1956, participa de centro
espírita e do movimento espírita desde muito jovem. Atua
no Centro de Estudos Espíritas José Herculano Pires, de
São Paulo e no Centro de Pesquisa e Documentação Espírita
(CPDoc), de Santos. Integra também a equipe do programa
radiofônico Momento Espírita, da Rádio Boa Nova
de Guarulhos.

Suas principais áreas de estudo e interesse são o centro
espírita, a mediunidade, o animismo e as contribuições do
Espiritismo à organização social.


CENTRO ESPÍRITA: OS CINCO FATORES CRÍTICOS
PARA UMA REFORMA ESTRUTURAL


Mauro de Mesquita Spínola (*)

São Paulo-SP, Brasil

RESUMO

Este trabalho apresenta as bases para uma revisão estrutural dos
centros espíritas na atualidade, que permita a eles traçar seus caminhos
vinculados e comprometidos com o próprio desenvolvimento do
Espiritismo, além de se caracterizarem socialmente de forma clara. São
apresentados os cinco fatores críticos para esta revisão: a mediunidade, os
estudos e pesquisas, a relação com a sociedade, o poder e a integração
com outros centros espíritas.

Palavras-chave: centro espírita, mediunidade, pesquisa espírita,
espiritismo e sociedade, poder

1. INTRODUÇÃO
É necessário — e é possível — realizar uma revisão estrutural dos centros
espíritas na atualidade, que permita a eles traçar seus caminhos vinculados e
comprometidos com o próprio desenvolvimento do Espiritismo, além de se
caracterizarem socialmente de forma clara. Isso hoje não ocorre. Viso com este
estudo contribuir para essa revisão.

Parto da constatação de que os centros espíritas vivem hoje uma
dificuldade de identificação, gerada sobretudo pelos confrontos entre sua
estrutura, a leitura do Espiritismo e a modernização cultural e moral da
sociedade. Tanto como casa do Espiritismo quanto como célula social o centro
ainda busca uma definição mais precisa.

Este texto apresenta de forma sucinta os principais conceitos e propostas
apresentados no livro "Centro espírita: uma revisão estrutural"27, lançado em
1997 pelo CPDoc – Centro de Pesquisa e Documentação Espírita.

Desconhecimento do Espiritismo nos centros, sincretismo,
assistencialismo, cultos exteriores e religiosismo, grandeza física, clientelismo,
proselitismo e isolamento cultural são alguns dos aspectos contrastantes entre a
estrutura de grande parte dos centros e a proposta do Espiritismo. A identificação
desses pontos contribui para uma crítica aos centros espíritas modernos. Entre
todos, o mais importante é o desconhecimento do Espiritismo.

27 Mauro de Mesquita SPINOLA. Centro espírita: uma revisão estrutural.


Dificuldades

A análise da estrutura do centro espírita e as possíveis propostas que dela
possam advir esbarram em várias dificuldades. Eis algumas delas:

a) É difícil definir centro espírita. É muito grande a heterogeneidade existente

entre os grupos e como conseqüência surgem dúvidas: o que estaríamos

analisando? a que e a quem estaríamos propondo?

b) Em muitos centros espíritas vive-se hoje um período de discussão e revisão
estrutural. Há também a criação de novos grupos, com estruturas alternativas
e claramente diferentes das existentes. Os resultados são apenas preliminares
e não há indícios de tendências generalizadas.

Qual é o objetivo dos centros espíritas? Impossível encontrar uma
resposta válida para todos os grupos. Com certeza esse objetivo varia segundo
fatores culturais, a ponto de podermos encontrar dois centros espíritas com
objetivos (e portanto atividades) completamente diferentes. Num centro, maior
ênfase é dada aos conhecimentos do Espiritismo, num outro se dá maior valor à
prática da mediunidade, num terceiro as pessoas se dedicam prioritariamente ao
atendimento de necessitados, num quarto centro a cura é o maior objetivo, e
assim por diante.28

Apesar daqueles esforços, uma análise do panorama atual nos mostra uma
grande miscelânea, o que torna impossível responder, com base no que se vê, a
questão "o que é o centro espírita?" Estabelecer um modelo seria muito difícil;
analisar e propor, impossível.

Para estabelecer um modelo teríamos que optar por uma conceituação
mais precisa de centro espírita, assumindo algumas de suas características. Esse
modelo viabilizaria a análise e a elaboração de propostas.

Faço, portanto, com o objetivo de poder continuar esse trabalho, um
exercício de modelamento.29 O seu principal objetivo é estabelecer uma
referência conceitual que sirva de base para a estruturação de uma casa espírita
ou mesmo para a reestruturação de uma casa já existente. São critérios básicos a
considerar na avaliação e na organização dessas casas.

Um modelo

O modelo não toca no problema de organização administrativa e
financeira do centro, mas estabelece diretrizes para que essa organização,
qualquer que seja, se volte para os objetivos de tornar o centro uma casa do
Espiritismo. São três os seus componentes: as pessoas, o relacionamento do
centro com o Espiritismo e a estrutura de poder, como descrevemos a seguir:

28

Mauro de Mesquita SPINOLA. O centro espírita e a sociedade. Em: Autores
diversos. Espiritismo e sociedade. p. 60.

29

Ibid., p. 59-61.


CENTRO ESPÍRITA:
MODELO CONCEITUAL
O centro espírita é uma
associação de pessoas
O centro espírita é
comprometido com o Espiritismo
Não existe no centro espírita
hierarquia estática e restritiva

a)
O centro espírita é uma associação de pessoas encarnadas, de homens.
Poderia, por opção, abranger também os espíritos desencarnados nessa
associação, já que os centros espíritas contam, em geral, com a participação
ativa dos espíritos. Os motivos pelos quais não farei isso são:

a.1) Considero que o centro espírita é organizado e dirigido por homens, tendo
espíritos desencarnados como convidados. Desta forma, qualquer estudo
relativo à estrutura, atividades, métodos, prioridades e orientação
doutrinária em um centro passa necessariamente pelo comportamento dos
homens que o compõem.

a.2) As atividades do centro espírita, incluindo as reuniões mediúnicas, são
organizadas e dirigidas por homens. As propostas relativas a essas reuniões
devem se dirigir, pelo menos num primeiro momento, a eles.

a.3) São os homens que participam da vida social, contexto em que está inserido

o centro.
b) O centro espírita é comprometido com o Espiritismo. Esse compromisso se
concretiza através do estudo de livros espíritas, incluindo necessariamente
as obras de Allan KARDEC, e adequação das diversas atividades aos
conceitos e métodos próprios da doutrina.
c) Não existe no centro espírita hierarquia estática e restritiva. O efeito mais
importante dessa estrutura é a igualdade para aprender, praticar e influir.
Um centro espírita aberto à participação integral de pessoas interessadas
em aprender e contribuir, e comprometido com o aprendizado e desenvolvimento
do Espiritismo será o modelo, para os centros espíritas modernos, que adotarei a
partir daqui. Mas caberia perguntar: como será o centro espírita do futuro?30

30

Éder FÁVARO e outros. A estrutura dos centros espíritas de Kardec aos nossosdias. Em: CONGRESSO ESPÍRITA ESTADUAL DA USE, 7. Anais. p. 14.
147


A estrutura proposta

Uma reflexão sobre a estrutura dos centros espíritas exige a identificação
dos elementos que compõem essa estrutura. Assumo que são os seguintes:

ELEMENTOS ESTRUTURAIS
DO CENTRO ESPÍRITA
Mediunidade
Estudos e pesquisas
Relações com a sociedade
Poder
Integração com outros centros espíritas

Neste trabalho não são tratados, de forma sistemática, os aspectos de
organização e administração do centro espírita. Há alguns livros e apostilas que
tratam do assunto. O centro espírita, de Wilson GARCIA, sintético e objetivo, é
um livro de valor.31

Entre os autores pesquisados, dediquei especial atenção aos dois que
deram contribuições mais significativas para o estudo da estrutura do centro
espírita até agora: Allan KARDEC e José Herculano PIRES. Em toda a extensão do
texto eles são citados, sobretudo em suas respectivas obras O livro dos médiuns32
e O centro espírita. 33

O livro dos médiuns, publicado em 1861, continua sendo referência
obrigatória para formação, avaliação e dinamização dos grupos. Reputo grande
importância a este livro no contexto da obra de KARDEC. Se em O livro dos
espíritos encontramos a apresentação da doutrina como um todo, constituindo-se
por isso no mais abrangente trabalho seu, é no entanto em O livro dos médiuns
que passamos mais claramente a conhecer a sua maneira de trabalhar, o método
kardequiano. E é esse método que referenda toda a sua obra. Marco maior da
lucidez de KARDEC, esse compêndio ainda não esgotou seus recursos de
aplicação.

O livro de José Herculano PIRES O centro espírita se propõe a apresentarum estudo sobre as origens, o sentido e a significação do centro espírita. É um
trabalho poderoso, que capta conceitos importantes, identifica distorções e
propõe um modelo, mas não escapa ao envolvimento de algumas idéias já
cristalizadas. Não me proporia a tentar fixar de forma precisa a função do centro,
como faz Herculano, sobretudo porque é difícil trabalhar com uma "verdade"

31

Wilson GARCIA. O centro espírita.
32 Allan KARDEC. O livro dos médiuns.

33

J. Herculano PIRES. O centro espírita.

que não é praticada. Mas concordo com ele quando constata que a função e a
significação do centro são desconhecidas, só ficando uma dúvida: alguém
conhece completamente?

2. A MEDIUNIDADE
O Espiritismo está histórica e metodologicamente vinculado à
mediunidade. Ele nasceu e cresceu a partir do estudo dos fenômenos mediúnicos.
Sem a mediunidade o Espiritismo simplesmente não existiria. A mediunidade é o
elemento mais importante da estrutura do centro espírita pois concretiza o mundo
dos espíritos, objeto principal de estudo do Espiritismo.

2.1 - O que é mediunidade?
"Mediunidade é a faculdade humana, natural, pela qual se
estabelecem as relações entre homens e espíritos." 34

KARDEC dedicou grande importância à mediunidade e à comunicação
com os espíritos. O relato que fez do início de suas pesquisas mostra isso:

"Compreendi, logo à primeira vista, a importância das pesquisas que
iria fazer. Vislumbrei naqueles fenômenos a chave do problema do passado
e do futuro da Humanidade, tão confuso e tão controvertido, a solução
daquilo que eu havia buscado toda a minha vida."35

Com o tempo fortaleceu ainda mais a convicção que a mediunidade deve
ser estudada e praticada com seriedade. O sua principal obra sobre o assunto, O
livro dos médiuns,36 foi lançada em 1861 em substituição a uma outra de mesma
natureza, Instruções práticas sobre as manifestações espíritas,37 que havia sido
lançada em 1858, pois considerou que esta não era suficientemente completa.38
Nos seus estudos, dedicou especial atenção à psicografia, pois percebeu que a
escrita "tem a vantagem de assinalar, de modo mais material, a intervenção de
uma força oculta e de deixar traços que se podem conservar, como fazemos com
nossa correspondência".39 Essa sua preocupação esclarece, em parte, o caráter
que atribuía à mediunidade: um forte instrumento de comunicação com o
invisível, tanto quanto de documentação.

Para KARDEC era necessária uma conceituação precisa de "mediunidade"
(e "médiuns"), além de uma classificação detalhada dos fenômenos. Foi o que

34 J. Herculano PIRES. Mediunidade: vida e comunicação: conceituação de
mediunidade e análise geral dos seus problemas atuais. cap.I, p. 11.

35

Allan KARDEC. Extratos "in extenso" do livro das previsões concernentes ao
Espiritismo: manuscrito feito com especial cuidado por Allan Kardec. Em: —. Obras
Póstumas. parte 2, p. 220.
36 —. O livro dos médiuns.

37

—. Instruções práticas sobre as manifestações espíritas. Em: —. Iniciação
espírita. p. 175-299.

38

—. Introdução. Em: —. O livro dos médiuns. p. 13.

39

—. Da psicografia. Em: Ibid, parte 2, cap. XIII, item 152, p. 190.


fez.40 Um ponto delicado referia-se à questão: quem é médium? Resolveu-a da
seguinte forma: todo aquele que sente, num grau qualquer, a influência dos
espíritos é, por esse fato, médium, mas, usualmente, assim só se qualificam
aqueles em que a faculdade mediúnica se mostra bem caracterizada e se traduz
por efeitos patentes, de certa intensidade, o que então depende de uma
organização mais ou menos sensitiva.41 Estudando esse problema mais
recentemente, CRAWFORD chamou de "estática" a mediunidade natural, que
todos possuem, e "dinâmica" a mediunidade ativa. José Herculano PIRES
apresenta também as denominações de "mediunidade generalizada" e
"mediunato", respectivamente.42

Esse continua sendo um dos pontos mais delicados no trato da questão
mediúnica, pois toca no problema da necessidade de dedicação do médium à
mediunidade. É muito comum a frase: "você é médium", por vezes emitida numa
primeira entrevista, ser utilizada como instrumento de proselitismo. Penso que
essa postura deve ser reavaliada, mesmo que se constate a presença de
mediunidade ativa (caracterizada, ostensiva, mediunato). Não está demonstrado
que os médiuns necessitam se dedicar ao centro espírita "para não sofrer
perturbações".

Há ainda um outro ponto em que o conceito de mediunidade generalizada
toca: o do caráter de graça ou provação atribuído à mediunidade:

"O conceito de mediunidade que vigora entre nós, na maioria
esmagadora dos centros, é espantosamente ambivalente e portanto
contraditória. Afirma-se ao mesmo tempo que a mediunidade é uma graça e
uma provação, que os médiuns são espíritos grandemente faltosos, não
obstante adorados como enviados de Deus. Os que estudam seriamente a
Doutrina logo percebem a falsidade desse conceito. A mediunidade é uma
faculdade natural da espécie humana, como todas as demais faculdades." 43

A atitude de adoração, adulação ou até louvação de médiuns tem como
causa principal a falta de reflexão sobre o papel da mediunidade.

2.2 - As reuniões mediúnicas
Nas reuniões mediúnicas realizam-se os contatos com espíritos no centro
espírita. Qualquer processo de análise ou revisão envolve necessariamente essas
reuniões. De acordo com o modelo proposto elas devem consagrar conceitos e
métodos próprios do Espiritismo.

40

Allan KARDEC. Instruções práticas sobre as manifestações espíritas Vocabulário
espírita. Em: —. Iniciação espírita. p. 182-216.
—. O livro dos médiuns. parte 2, cap. XIV-XVI, p. 195-236 e cap. XXXII, p. 478


480.
41

—. Dos médiuns. Em: O livro dos médiuns, parte 2, cap. XIV, item 159, p. 195.
42 J.Herculano PIRES. Mediunidade: vida e comunicação: conceituação de
mediunidade e análise geral dos seus problemas atuais. cap.II, p 18.

43

—. O centro e a comunidade. Em: O centro espírita. p.18.


Quando KARDEC classificou as reuniões mediúnicas como frívolas,
experimentais e instrutivas,44 buscou identificar as "condições especiais" em que
as reuniões sérias devem ser realizadas, destacando a necessidade de participação
de pessoas sérias e o intuito de se instruir.

A uniformidade de objetivos e sentimentos, só possível com um número
pequeno de participantes, ganha aqui um significado vital.45 Mesmo os centros
espíritas que optam por crescer necessitam cuidar para que as reuniões
mediúnicas não inchem e portanto não percam esse caráter.

Seria possível estabelecer critérios generalizados? Creio que alguns, sim.
A começar pela busca de aperfeiçoamento e instrução. As reuniões mediúnicas
que perpetuam os seus objetivos, métodos, médiuns e até comunicações podem
estar perdendo a oportunidade de contribuir para o aprimoramento técnico e
moral dos participantes e do próprio Espiritismo. Essa observação vale também
para chamadas reuniões de assistência, que discutirei adiante, onde estrutura e
personagens costumam se cristalizar no centro espírita.

Duas das características de um trabalho sério são a regularidade e a
continuidade, pois a experiência mostra que a participação dos espíritos é
também regular. No entanto, KARDEC alerta que, "se bem os Espíritos prefiram a
regularidade, os de ordem verdadeiramente superior não se mostram
meticulosos a esse extremo. A exigência de pontualidade rigorosa é sinal de
inferioridade, como tudo que seja pueril." 46

Quando estudou a influência do meio, KARDEC colocou que "uma reunião
é um ser coletivo, cujas qualidades e propriedades são a resultante das de seus
membros e formam como que um feixe". Como conseqüência, apresenta as
"condições mais favoráveis para uma Sociedade que aspira granjear a simpatia
dos bons Espíritos", entre elas: perfeita comunhão de vistas e sentimentos,
cordialidade recíproca, desejo de se instruir e melhorar, recolhimento e silêncio
respeitosos, e outras.47 No trato com espíritos perturbadores, propôs "enérgica
resistência", envolvendo prece, caridade e atenção.48

Há um ponto sobre o qual pairam dúvidas na organização de reuniões
mediúnicas: a validade de se evocar espíritos. Largamente utilizado e defendido
por KARDEC, esse método foi fundamental em suas pesquisas.49 Nos relatos
constantes do livro O céu e o inferno, por exemplo, é grande o número de casos

44

—. Das reuniões e das sociedades espíritas. Em: —. O livro dos médiuns. parte
2, cap. XXIX, itens 324-329, p. 413-418.

45

Ibid., parte 2, cap. XXIX, itens 332, 334 e 335, p. 420-423.
Éder FÁVARO e outros. A estrutura dos centros espíritas de Kardec aos nossos dias.
Em: CONGRESSO ESPÍRITA ESTADUAL DA USE, 7. Anais. p. 3.

46

Allan KARDEC. Das reuniões e das sociedades espíritas. Em: —. O livro dos
médiuns. parte 2, cap. XXIX, item 333, p. 421.

47

Ibid., itens 331 e 341, p. 419 e 427-428.
—. Da influência do meio. Em: —. O livro dos médiuns. p. 285-288.


48

—. Das reuniões e das sociedades espíritas. Em: —. O livro dos médiuns. parte
2, cap. XXIX, item 340, p. 426-427.

49

—. Das evocações. Em: —. O livro dos médiuns, cap. XXV, p. 338-368.


estudados com uso de evocações. EMMANUEL, através da mediunidade de
Francisco C. XAVIER, recomenda que as evocações não sejam utilizadas "em
caso algum".

A idéia de EMMANUEL é generalizada entre os centros, e é no mínimo
estranha. A maior dificuldade em potencial — a de identificação dos espíritos —
também foi sentida e estudada por KARDEC.50 A organização de reuniões
mediúnicas em geral, e os trabalhos de pesquisas, em particular, requerem um
novo estudo desses conceitos. Senão estaremos correndo o risco de obedecer a
proibições bíblicas com a justificativa única de que não estamos preparados.

O preparo contínuo dos médiuns para a realização de suas tarefas requer a
elaboração de um processo de desenvolvimento da mediunidade, também
chamado de educação mediúnica. Não é mais admissível deixar que a "prática"
ou a "vida" ensinem por si mesmo. KARDEC colocou a necessidade de
desenvolvimento, estudando sobretudo a mediunidade psicográfica.51 Há,
basicamente, dois aspectos no desenvolvimento do médium:52

(1) a prática, que envolve a necessidade de aperfeiçoamento técnico,
(2) a aplicação, que abrange a compreensão da influência moral e intelectual que
exerce sobre as comunicações, da melhor maneira de aplicar seu potencial e
das dificuldades e cuidados que a atividade mediúnica envolve.
Em termos de aplicação, é fundamental que a formação de médiuns leve
em consideração o seu papel nas comunicações. O animismo, fenômeno
observado por KARDEC e outros pesquisadores, requer um estudo aprofundado
no processo de desenvolvimento da mediunidade, pois o seu desconhecimento
tem levado ora a confusões e enganos em relação a comunicações, ora a
preconceitos descabidos em relação a médiuns. Adoto a conceituação utilizada
por Alexandre AKSAKOF,53 em que animismo e mediunidade não se excluem.
Segundo ele podem ser identificados os seguintes tipos de fenômenos:
a) anímicos não mediúnicos, que envolvem exteriorizações do próprio ser
através dos sonhos, do sonambulismo, da telepatia, da clarividência no espaço e
no tempo, da telecinesia, da telemnesia, da psicometria etc.
b) anímicos mediúnicos, que envolvem participação de pessoas vivas em
fenômenos mediúnicos tais como psicografia, psicofonia, aparições etc.

c) espíritas (necessariamente mediúnicos), que envolvem participação de
pessoas desencarnadas.

50

Allan KARDEC. Da identidade dos espíritos. Em: —. O livro dos médiuns.
parte 2, cap. XXIV, p. 315-337.
51 —. Da formação dos médiuns - Desenvolvimento da mediunidade. Em: Ibid.,
cap. XVII, itens 200-218, p. 237-249.

52

Ibid., itens 200-217, p. 237-249.

53

Alexandre AKSAKOF. A hipótese dos espíritos. Em: —. Animismo e
Espiritismo. v. II, cap. IV, p. 226-404.


Essa classificação foi também adotada por Ernesto BOZZANO.54 Segundo
ela, o médium que transmite mensagem de seu próprio espírito, quando em
estado de emancipação, realiza um fenômeno anímico mediúnico. KARDEC
estudou esse caso e concluiu que esse assunto é sutil e delicado, necessitando
muitas observações e meditações antes de se concluir qualquer coisa sobre a
natureza de determinado fenômeno. Concluiu também que é generalizada e
natural a influência do médium nas comunicações.55 Isso nos leva à necessidade
de rever duas posições: por um lado, o descuido na identificação dos fenômenos
mediúnicos de natureza anímica e, por outro, o preconceito em relação a médiuns
que apresentam características anímicas, confundindo-os com charlatães.56

Todas essas considerações, se não resolvem, pelo menos levantam
aspectos relevantes na estruturação das reuniões mediúnicas.

A revisão estrutural das reuniões mediúnicas tem base teórica sólida para
ser realizada nos centros espíritas. Envolve antes de mais nada uma definição
mais objetiva do papel da mediunidade e a valorização das atividades de
formação de recursos humanos. O ponto mais importante é a mudança de visão
dos dirigentes, médiuns e freqüentadores de uma forma geral: a mediunidade
deixa de ser um sacerdócio para ser um instrumento de trabalho e pesquisa, deixa
de ser uma expiação para ser uma das mais ricas manifestações da natureza
humana.

O aprimoramento das reuniões mediúnicas é decisivo para o centro.
Quanto mais voltadas para o próprio desenvolvimento do Espiritismo, maior
impacto trarão à feição e à estrutura da casa espírita.

3. ESTUDOS E PESQUISAS
Os espíritas em geral consideram que o caminho de continuidade do
Espiritismo e dos próprios centros está nas atividades de estudos e pesquisas.
Apesar disso elas ainda buscam seu lugar ao sol, pois faltam medidas objetivas.
Neste item estudo essas atividades e suas perspectivas.

3.1 - A base do centro
Os estudos e as pesquisas são o sustentáculo do centro. As diversas
atividades do centro são embasadas e orientadas por eles. As pessoas tomam
contato com o Espiritismo, criam, desenvolvem e substituem atividades baseadas
neles. No entanto, isso não tem sido verdade na grande maioria dos nossos
centros reais, por razões culturais diversas.

54

Ernesto BOZZANO. Animismo ou Espiritismo? Qual dos dois explica o
conjunto dos fatos?

55

Allan KARDEC. Do papel do médium nas comunicações espíritas. Em: —. O
livro dos médiuns. parte 2, cap. XIX, item 223, p. 259-266.
56 Alexandre SECH. Animismo e mediunismo. Em: Autores diversos. Encontro
com a cultura espírita. p. 174-176.

Francisco Cândido XAVIER. Nos domínios da mediunidade. cap. 22, p. 209-215.

Martins PERALVA. Estudando a mediunidade. cap. XXXVI, p.186-190


Embora reconhecida como fundamental por dirigentes e freqüentadores

de todas as casas, poucas vezes se encontra um centro espírita em que as

atividades de estudos e pesquisas sejam colocadas como as mais importantes.

Muitas vezes a necessidade salvadora de "praticar a caridade" (dar roupas e

alimentos, dar passes, atender pessoas e espíritos) substitui o peso do

conhecimento espírita, que daria certamente uma grande contribuição para

libertar as pessoas de seus maiores problemas existenciais.

Allan KARDEC chegou a propor uma estrutura para as reuniões, baseado

na experiência da Sociedade Parisiense de Estudos Espíritas. Nota-se a

preocupação básica com estudos e pesquisas:

"Os trabalhos de cada sessão podem regular-se conforme se segue:
1a Leitura das comunicações espíritas recebidas na sessão anterior, depois de
passadas a limpo.
2a Relatórios diversos. - Correspondência. - Leitura das comunicações obtidas
fora das sessões. - Narrativa de fatos que interessem ao Espiritismo.
3a Matéria de estudo. - Ditados espontâneos. - Questões diversas e problemas
morais propostos aos Espíritos. - Evocações.
4a Conferência.-Exame crítico e analítico das diversas comunicações. Discussão
sobre diferentes pontos da ciência espírita."57

A proposta de KARDEC sugere que:

(1) estudos e pesquisas são as atividades básicas da sociedade,
(2) o nosso principal objeto de estudo é a mediunidade,
(3) podemos utilizar as próprias comunicações obtidas na casa como
instrumentos de aprendizado e pesquisa.
Para os grupos que não possuíssem médiuns, KARDEC propôs também que
realizassem estudos diversos.58
Em relação à pesquisa, em particular, é necessário, antes de tudo uma
desmistificação da palavra. Denomino pesquisa a todas as atividades do centro
que envolvam um trabalho de elaboração humano.59 Assim sendo, a mais
simples reunião mediúnica pode realizar pesquisa, bastando para isso que adote
uma metodologia de trabalho e um conjunto de técnicas para aplicá-la, sempre na
busca de conhecer algo mais.

O maior exemplo que tivemos neste sentido veio do próprio KARDEC. As
diversas obras da codificação apresentam exemplos da postura de KARDEC em
relação à pesquisa mediúnica. Para ele era muito clara a diferença entre o seu
papel e dos espíritos: ele era o pesquisador, enquanto os espíritos, médiuns e

57

Allan KARDEC. Das reuniões e das sociedades espíritas - Das sociedades
propriamente ditas. Em: —. O livro dos médiuns. parte 2, cap. XXIX, item 346, p. 430


431.
58

Allan KARDEC. Das reuniões e das sociedades espíritas - Das sociedades
propriamente ditas. Em: —. O livro dos médiuns. parte 2, cap. XXIX, item 347, p. 431


432.
59

—. Caracteres da revelação espírita. Em: Allan KARDEC. A gênese, os
milagres e as predições segundo o Espiritismo, cap. I, itens 13-15, p. 15-16.


fenômenos eram objetos de pesquisa. Cabia a ele planejar, conduzir e avaliar
continuamente os resultados da pesquisa (este era o trabalho de elaboração
humano, necessário em qualquer pesquisa).

Uma estrutura baseada em estudos e pesquisas traz problemas a serem
enfrentados. O primeiro se refere à necessidade de restrições à freqüência e à
integração de novos participantes.60 São atividades que exigem intensa
participação das pessoas, assiduidade e amadurecimento dos grupos de trabalho.
Se pessoas novas e inexperientes entram e saem de um grupo continuamente, é
muito difícil fazê-lo progredir e dar uma contribuição real. O processo de
integração de novas pessoas necessita de critérios claros que envolvem seu
conhecimento prévio de Espiritismo, seus vínculos com o centro e com o grupo
de estudo, sua idade, seus interesses etc. O estabelecimento desses critérios só
trarão realmente algum problema se forem mantidas as velhas idéias de grandeza
do centro e da necessidade de conquistar freqüentadores a qualquer custo.

Os novos participantes se integram aos poucos e recebem recursos para se
aperfeiçoarem e se prepararem para atividades mais elaboradas, através de
cursos, palestras e seminários. Só não podemos cair na armadilha do catecismo,
que estabelece passos rígidos e predeterminados para se atingir algum estágio. O
centro espírita possui uma estrutura aberta ao crescimento e à participação. Há
pessoas que com pouco tempo mostram-se preparadas para novos desafios: já
leram vários livros, compreenderam os pontos fundamentais da doutrina e têm
interesse pelo trabalho. Elas não podem ficar enterradas em cursos infindáveis
antes de começar a contribuir.

Outro problema se refere à integração de crianças e jovens nas atividades,
que numa estrutura moderna, deve ser a maior possível. As crianças e, em menor
escala, os jovens, compartilham o mundo com uma visão diferenciada. São
preocupações, interesses, formas de abordagem diferentes e que podem receber,
por parte do centro espírita, espaço próprio para sua expansão. Qualquer que seja

o campo de visão a contribuição do Espiritismo é muito grande, porque toca noque todos temos de mais profundo: nossa capacidade de ser, existir e crescer. É
fundamental, no entanto, identificar os pontos comuns e as oportunidades de
convivência para aprendizado conjunto. Através de sua participação em
atividades integradas os jovens têm contribuído para que os estudos ganhem
espaço nos centros.61
3.2 - Critérios necessários para uma estrutura baseada em estudos e pesquisas
A criação de uma estrutura baseada no conhecimento envolve alguns
critérios necessários para lhe dar consistência:
a) Os estudos e pesquisas devem levar em consideração os contextos
histórico, cultural e social.

60

Jaci RÉGIS. O centro espírita no século XX. Em: CONGRESSO ESPÍRITA
ESTADUAL DA USE, 7. Anais. p. 10.

61

Jaci RÉGIS. O centro espírita no século XX. Em: CONGRESSO ESPÍRITA
ESTADUAL DA USE, 7. Anais. p. 11.


b) O material de estudos deve ser consistente e abrangente.
c) As reuniões devem possuir uma estruturação didática.
d) Os participantes de cada grupo devem estar integrados em termos de


trabalho e relacionamento.
A mudança de caráter dos centros espíritas tem nos estudos e pesquisas
sua mola mestra. Se por um lado está na mediunidade a pedra de toque —
podendo-se afirmar que só as alterações metodológicas da maneira como esse
tema é tratado realmente caracterizariam um novo centro — cabe por outro lado
ao trabalho de estruturação dos estudos e pesquisas espíritas no centro o papel de
iniciar ou consolidar todo o processo de revisão.
Dar importância ao estudo não se resume a dedicar quinze minutos de
cada reunião à leitura de um livro, como se fosse apenas uma atividade acessória.
Trata-se de colocá-lo no centro do processo de estruturação e crescimento do
centro, criando, avaliando e orientando as demais atividades.
No que se refere à pesquisa, em particular, cabe uma palavra sobre a
documentação. O registro de planos, procedimentos e resultados é uma
característica dos grupos de pesquisa sérios, que visam se aperfeiçoar sempre e
ainda deixar sua contribuição.
A preparação de recursos humanos e a reunião de materiais adequados
constituem-se nos dois melhores instrumentos para a colocação dos estudos e
pesquisas como base do centro espírita.

4. CENTRO ESPÍRITA E A SOCIEDADE
Todos os espíritas concordam que as relações entre o centro espírita e a
sociedade são necessárias, mas em que forma? Recebendo as pessoas aflitas,
aconselhando-as e curando-as? Assistindo a pobres? Salvando as almas?
Divulgando o Espiritismo? Ou fazendo, por outro lado, campanhas para políticos
espíritas? Penso que nenhuma dessas atividades resolve, por si só, a questão.

É certo que já existem hoje características marcantes nas relações sociais
do centro espírita, entre elas:

(1) a busca dos centros espíritas por pessoas de diversos matizes, geralmente à
procura de um amparo às suas dores,
(2) a assistência social realizada pelos espíritas,
(3) a ligação dos médiuns com a comunidade, através dos serviços que prestam
no centro ou nos atendimentos fora dele, e o reconhecimento do seu papel
social.62
Uma revisão dessas relações deve partir de uma reflexão sobre os
seguintes pontos:

J. Herculano PIRES. O centro espírita e a comunidade. Em: —. O centro
espírita. cap. III, p. 18.

(1) a necessidade de abandonar o proselitismo e o clientelismo, caracterizados
sobretudo pela intenção de prender as pessoas ao centro,
(2) a necessidade de estudar, acompanhar e discutir a evolução cultural e moral
da sociedade, ao invés de simplesmente ignorá-la e se afastar dela,
(3) a importância de estudar, formar uma visão crítica, buscar e propor caminhos
reais para uma evolução da sociedade, sobretudo no que se refere a suas
injustiças e desigualdades.
Existe uma falsa idéia de que a sociedade tem algo a buscar no centro e este nada tem a receber
dela. Esse conceito, que aparece ora implícita, ora explicitamente, distorce e reduz a inserção
social do centro. Uma coexistência viva e claramente assumida, uma troca bilateral ativa, uma
busca em comum, são características desejáveis para uma revisão dessas relações.

4.1 - Defesa do Espiritismo
Defender o Espiritismo é — ainda — uma das tarefas principais do centro
espírita. Há três preocupações nessa área: os ataques de adversários, as
distorções geradas por muitos adeptos e as confusões que se fazem com outras
doutrinas espiritualistas.

Quanto aos ataques, é certo que não vivemos mais o período que KARDEC
identificou como "de luta".63 No Brasil, onde a história também registra
momentos difíceis para os espíritas, o respeito e reconhecimento social pelo
Espiritismo são hoje inquestionáveis, a menos de setores mais reacionários ainda
existentes em alguns meios religiosos. Há também uma crescente adesão a
conceitos adotados pelo Espiritismo, como a imortalidade, a comunicabilidade
dos espíritos e a reencarnação. Tudo isso faz com que hoje as relações com os
adversários sejam outras. Não cabem mais os debates emocionais. Mas nãoprocede, por outro lado, o descuido e a omissão. É de responsabilidade dos
centros espíritas esclarecer a comunidade, sempre que possível, sobre os ataques,
principalmente quando se baseiam em casos isolados de charlatanismo. Para José
Herculano PIRES a defesa do Espiritismo não prescinde da energia e da
virilidade:

"Propagou-se no meio espírita, através de mensagens mediúnicas,
tendendo a um masoquismo de cilícios e autopunições, a estranha idéia de
que a virilidade só pertence aos cultores da violência. Voltamos assim ao
sistema igrejeiro dos rebanhos de ovelhinhas inocentes devoradas por lobos
famintos sem qualquer possibilidade de defesa. Entregues a essa idéia
derrotista, o meio espírita abastardou-se a ponto de até mesmo recusar-se a
defender a Doutrina aviltada pela ignorância travestida de bondade e
doçura." 64

As confusões que ainda existem entre Espiritismo e outras doutrinas
precisam ser desfeitas. Uma contribuição importante à elucidação dessa questão
foi dada por Delindo Amorim em sua obra O Espiritismo e as doutrinas

63

Allan KARDEC. Período de luta. Em: —. Revista espírita. v. 6, ano 1863.

64

J. Herculano PIRES. O centro espírita. p. 21.

espiritualistas,65 onde mostra as diferenças entre o Espiritismo e doutrinas com
os quais chega a ser confundido, tais como a umbanda, o candomblé e a cabala.
Entendo que a principal diferença é metodológica, embora haja também
diferenças conceituais importantes. O centro se firma como espírita não só por
adotar as obras de Allan KARDEC, mas sobretudo por assumir sua metodologia
de abordagem das diversas questões.

As distorções geradas no âmbito do próprio movimento espírita merecem
atenção especial. São as que têm causado maiores prejuízos. O centro espírita
comprometido metodológica e conceitualmente com o Espiritismo age em
sentido contrário a essas distorções e realiza, desta forma, a maior entre todas as
tarefas de defesa social da doutrina.

4.2 - O centro espírita para o homem66
O Espiritismo rompe com as doutrinas que vendem a salvação depois da
morte. Não promete nada, não sugere adesão involuntária, não se mostra como
único caminho. Oferece a sua luz sem pedir subordinação, substitui a obediência
cega pela atuação consciente e entrega a cada um a responsabilidade pela própria
vida. Liberta o homem.

A liberdade que o Espiritismo oferece é baseada no conhecimento.
Compreendendo o significado da vida e a verdadeira natureza de si mesmo, o
homem começa a dar passos seguros, deixa de ser joguete das circunstâncias e
traça o seu próprio caminho.

É claro que isso não é uma receita de liberdade, pois cada um que se
encontrar com o Espiritismo reagirá a seu modo. Uns darão mais voltas,
hesitarão mais, serão mais vagarosos ou passarão por maiores conflitos,
enquanto outros encontrarão com maior facilidade seus próprios caminhos de
libertação. Mas para todos o Espiritismo traz a liberdade em potencial. Cada um
que o aproveite a seu modo.

O centro espírita é a casa do Espiritismo e deverá canalizar o potencial
libertador da doutrina. Para conseguir isso, deverá antes de tudo ver as pessoas
como indivíduos diferentes entre si, com capacidades morais-intelectuais,
anseios, preocupações e problemas diferentes. Ao contrário do que fazem os
templos religiosos, o centro espírita não pode se propor a uma massificação de
idéias e comportamentos. Cabe a ele manter, é bem verdade, um certo zelo com a
doutrina, defendendo sua autenticidade, seu caráter racional, e evitando desvios,
infiltrações ou distorções, mas não é possível conceber um centro realmente
espírita que distribua a todos uma interpretação particular do Espiritismo. Estaria
boicotando a doutrina, desviando os objetivos do grupo e escravizando as
pessoas.

O Espiritismo visa o homem. O centro espírita é um dos meios de atingilo.
O homem do centro espírita transformará a si mesmo e à sociedade se tiver o

65

Deolindo AMORIM. O Espiritismo e as doutrinas espiritualistas.

66

Este texto é uma adaptação de outro escrito em 1986, que faz parte do artigo:
Mauro de Mesquita SPINOLA. O centro espírita e a sociedade. Em: Autores
diversos. Espiritismo e sociedade. p. 59-66.


Espiritismo como instrumento. Se o centro espírita inverte essa relação,
isolando-se da vida real e exigindo do homem que abandone seu mundo, está
traindo os próprios objetivos do Espiritismo. A "paz" que oferece, "não
encontrada lá fora", é uma versão disfarçada da fuga que incentiva. Não vai
contribuir para construir ou libertar nada.

O centro espírita é feito para o homem, não o contrário. O homem do
centro espírita vai ver o seu dia-a-dia como a continuidade de um movimentado
processo evolutivo. Passará a compreender o significado revolucionário da
imortalidade e o verdadeiro sentido da vida que vive. Compreenderá as relações
entre os mundos material e espiritual, as mudanças de estado entre encarnação e
desencarnação e as influências mútuas entre o livre arbítrio e a lei de causa e
efeito. Entenderá o caráter transitório da vida atual, que não pode ser analisada
fora do contexto da eternidade, mas ao mesmo tempo valorizará esta vida.
Afinal, dentro do vai-e-vem da evolução, que momento não é importante?

O homem do centro espírita valoriza o momento em que vive porque sabe
que a vida não é uma farsa. Tudo que está aprendendo e realizando é
fundamental. Compreende e valoriza a vida após a morte, mas não vive em
função dela, pois sabe que o entendimento das relações entre as vidas atual e
futura só tem significado se contribuir para entender a realidade de sua existência
atual. O momento que vive é, para ele, enquanto vive, o mais importante, pois é
quando está preparando, ou realizando, a grande arrancada.

4.3 - A sociedade como tema de estudo
A sociedade é um dos mais importantes e interessantes objetos de estudos
e pesquisas no centro espírita. Marginalizados na maioria dos grupos, devido à
tradição politicamente conservadora do movimento, os temas sociais tendem a
encontrar seu lugar nos estudos à medida que a própria sociedade se
democratiza.

Tem sido até agora com certa dificuldade que algumas pessoas ou grupos
têm tentado trazer para o movimento espírita um estudo e uma discussão mais
aberta da sociedade e seus problemas, à luz do Espiritismo. Nos anos 80, por
exemplo, alguns encontros de jovens do Estado de São Paulo se propuseram a
debater a questão social e foram fortemente criticados por isso. O mesmo
aconteceu com o ENSASDE -Encontro Nacional sobre o Aspecto Social da
Doutrina Espírita, realizado em 1985 (Santos), 1987 (São Paulo) e 1989
(Salvador). Reunidos nesses encontros exclusivamente para analisar a questão
social, diversos espíritas produziram extenso material de pesquisa e abriram
espaço para uma maior abertura a essa temática nos centros espíritas.

A posição de KARDEC em relação a isso é claríssima. Chega a sugerir que
sejam discutidas as matérias dos jornais:

"A par das obras especiais, formigam os jornais repletos de fatos, de
narrativas, de acontecimentos, de rasgos de virtudes e de vícios, que
levantam graves problemas morais, cuja solução só o Espiritismo pode
apresentar, constituindo isso ainda um meio de se provar que ele se prende


a todos os ramos da ordem social." 67

O próprio O livro dos espíritos apresenta, na sua terceira parte, um estudo
vigoroso das leis morais, que tocam em vários aspectos da vida social, tais como
a distribuição de riquezas, a liberdade, a justiça, a família, o trabalho e outros.68
Um estudo sério dessa parte do livro básico do Espiritismo não prescinde da
reflexão e do debate social, bem como da busca de caminhos para os homens,
para a comunidade em que vivem e para a sociedade como um todo. Nesse
sentido uma contribuição importante foi dada por Aylton PAIVA com seu livro
Espiritismo e política,69 onde encontramos um estudo das leis morais sob o
enfoque da análise social e política.

O estudo espírita da sociedade se baseia em dois conceitos fundamentais:

(1) o homem é um espírito encarnado, e vive em cada momento toda a sua
história espiritual,
(2) as relações que estabelece condicionam em grande parte o seu
desenvolvimento.
Para entender o homem e a sociedade não é suficiente enxergá-lo como
indivíduo em evolução espiritual, pois o homem não é apenas um produto de
si mesmo, da mesma forma que a sociedade não é apenas uma soma
ponderada de homens. Também grosseira seria a redução do homem a um
produto do meio.

Tratar abertamente da temática social e política nos centros espíritas,
como proponho, é uma atitude que ainda encontra resistências. Os dirigentes
adotam em geral uma interpretação conservadora da doutrina, baseando-se num
suposto caráter "apolítico" do Espiritismo e dos centros. Autores conceituados
também fazem coro. É um engano, pelo simples motivo de que não há conceito,
atitude, grupo ou pessoa apolítica. Não discutir política, por exemplo, é uma
atitude política, no sentido de que evita a reflexão sobre todo um conjunto de
problemas do homem e da sociedade, como se fossem irrelevantes.

O grande pensador espírita argentino Manuel PORTEIRO deixa muito claro
que o Espiritismo não pode ser um instrumento de conivência com a injustiça:

"Dedicando o Espiritismo a resolver somente problemas metafísicos,
próprios da velha escolástica, somente à investigação do além-túmulo,
preso à velha moral das religiões, que ensina a respeitar falsos direitos e
injustos privilégios, como coisas absolutamente necessárias e de acordo
com a justiça divina e causalidade moral de cada ser, perde seu caráter de
ciência integral e progressiva e, em vez de ser um ideal humano, propulsor
do progresso e das causas nobres, aberto a toda iniciativa de bem-estar
social, a toda tendência renovadora e libertária, torna-se, em mãos de

67

Allan KARDEC. Assuntos de estudo. Em: —. O livro dos médiuns. parte 2, cap.
XXIX, item 347, p. 431-432.

68

—. As leis morais. Em: —. O livro dos espíritos. parte III, p. 305-426.

69

Aylton Guido Coimbra PAIVA. Espiritismo e política.


espíritos limitados, numa doutrina retrógrada e conservadora, numa arma
formidável para abater consciências e conter todo impulso generoso que
tenda a estabelecer um novo regime social, mais justo e conforme as
exigências do progresso." 70

4.4 - Atuação social
A conscientização não tem um fim em si mesma. Visa relacionar a teoria
com a prática, a idéia com a realidade. Se o centro espírita der ao homem a
chance de conhecer o Espiritismo e se conscientizar de seu papel individual,
estará também contribuindo para a ação. Para KARDEC a conscientização é
decisiva:

"A aspiração por uma ordem superior de coisas é indício da
possibilidade de atingi-la. Cabe aos homens progressistas ativar esse
movimento pelo estudo e a aplicação dos meios mais eficazes." 71

Realmente, a atuação social consciente e determinada é uma conseqüência
natural do estudo da sociedade. E é também uma forma de buscar na realidade
social vigente subsídios para esses estudos.

Em que termos essa atuação pode ser feita pelos espíritas individualmente
e pelos centros como grupos? Aqui, mais uma vez, não cabem regras, mas quero
discutir essa questão.

Cabe aos homens conscientes, cada um a seu modo, contribuir para que a
sociedade progrida, não simplesmente "fazendo a sua parte", mas buscando
influenciar para que novos e cada vez melhores rumos sejam traçados. Apenas
um exemplo: na ótica espírita a educação de boa qualidade é uma condição
importante para o progresso material e espiritual. Os pais espíritas são orientados
nos centros a valorizarem a educação. A luta por uma melhoria na educação
pública, que não é uma preocupação só dos espíritas, passa a ser também um
desafio para esses pais, juntamente com muitos outros.

No plano individual não cabe colocar limites aos campos de atuação.
Deixando a apatia e a passividade de lado, cada um vai buscar seus campos e
formas próprias, de acordo com o que sabe e busca. Isso tem relação com uma
posição de KARDEC em O livro dos espíritos:

"Por que, no mundo, os maus, tão freqüentemente, sobrepujam os
bons em influência?

- Pela fraqueza dos bons; os maus são intrigantes e audaciosos, os
bons são tímidos. Quando estes o quiserem dominarão."72
Em relação à atuação social do centro espírita, como grupo, é necessário
ter alguns cuidados:

70

Manuel S. PORTEIRO. Espiritismo dialéctico. p. 57.

71

Allan KARDEC. Liberdade, igualdade e fraternidade. Em: —. Obras póstumas.
parte 1, p. 193.
72 Allan KARDEC. Felicidade e infelicidade relativas. Em: —. O livro dos
espíritos. parte IV, cap. I, questão 932, p. 431-432.


(1) Lembrar sempre que o compromisso primeiro do centro espírita é com o
Espiritismo, ou seja, a difusão e o desenvolvimento da doutrina. Engajar
diretamente o centro nas lutas sociais só tem sentido se não forem
esquecidas as áreas próprias da doutrina.
(2) As preocupações com o poder temporal, inevitáveis nas lutas sociais, podem
ofuscar os objetivos maiores a que o Espiritismo se propõe em relação ao
homem e à própria sociedade.
(3) A política partidária, com suas campanhas eleitorais e interesses contrastantes
de partidos e pessoas, poderá, em momentos de descuido, engajar o centro
espírita em interesses outros que nada têm a ver com o Espiritismo.
Havendo equilíbrio e firmeza doutrinária, tenho certeza de que nenhum desses prejuízos
ocorrerá.

Qualquer que seja a forma e o grau de atuação de cada um, espíritas e
grupos espíritas — tanto quanto o próprio Espiritismo — possuem um
compromisso com a vida, a cidadania e a democracia. A luta pela valorização do
homem como ser integral e pela construção de uma sociedade para todos é tarefa
também dos espíritas.

Algumas dessas atividades, além de outras mais, podem contribuir para a
própria manutenção da sede do centro, muitas vezes um pesado ônus para seus
sócios.

A tradicional apatia do centro espírita em relação à organização social
tende a desaparecer. O homem moderno não se conforma mais com conceitos
abstratos de "bem", "mal", "amor" e "caridade", busca o que realmente
significam. Abrindo as suas portas para a sociedade, com seus problemas,
angústias e anseios, o centro espírita talvez deixe de ser uma ilha de
tranqüilidade no mar tempestuoso para ser o remo que faltava ao navegador.

5. PODER NO CENTRO ESPÍRITA
No modelo apresentado, ressaltei a importância de não existir no centro
hierarquia estática e restritiva. A manutenção de pessoas ou grupos por períodos
longos no poder é uma causa freqüente de cristalização de idéias e criação de
mecanismos de defesa do poder já estabelecido. Aquele modelo deixa bastante
claro também que é dos homens a responsabilidade pela definição dos rumos do
centro, não dos espíritos.

5.1 - Mandatos divinos
A principal causa da centralização de poder no centro espírita tem sido a
alegação de existência de mandato conferido pela "espiritualidade superior".
Dirigentes, médiuns e espíritos, em geral visando o melhor para suas casas
espíritas, acabam por estabelecer critérios e procedimentos de fechamento do
poder. O periódico espírita Espiritismo e Unificação realizou um estudo sobre o
poder no movimento espírita que identifica esse problema:

"Nos nossos meios, a revelação mediúnica tem sido usada como
instrumento para avalizar ou determinar um tipo de mandato divino, seja ele


circunscrito a um centro, a um médium ou dirigente, seja, em maior
amplitude, através de determinadas organizações federativas. Todos alegam
possuir um certo poder divino, que lhes teria sido dado pela Espiritualidade
Superior.

"A ignorância generalizada do Espiritismo, mesmo nos meios mais
dinâmicos, voltados, quase sempre, para o fator místico, se traduz no
fascínio que a mediunidade exerce. Sem dúvida, esse fascínio é uma clara
acepção de Poder. O médium, nos nossos meios, extravasa o sentido de
medianeiro, de intercomunicador, para se transformar em autoridade, capaz
de dominar não somente um núcleo específico, mas projetar-se por toda a
coletividade. Um exemplo típico é que certos médiuns se transformam em
oráculos e muitos nada fazem sem consultá-los e suas opiniões já não são
analisadas, mas ao contrário são ordenações infalíveis.

"Por isso identificamos o Poder clássico fluir, sem esforço, no
médium-principal, que aconselha e dita ordens como verdades irrecorríveis;
podemos constatá-lo no Guia Espiritual que domina grupos, não permitindo
iniciativas dos encarnados; ou verificamos no presidente perpétuo, no "dono
do centro".73

Médiuns, dirigentes e espíritos assumem muitas vezes papéis messiânicos

e de infundada autoridade nos centros, sem que haja qualquer motivo para se

atribuir a eles rótulos diferenciadores. Em momentos de divergência ou

discordância, invocam sua autoridade divina para impor suas posições. É bem

verdade que essas são atitudes humanas compreensíveis, mas é necessário que a

estrutura do centro não as incentive.
Médiuns, dirigentes e espíritos possuem papéis relevantes no centro, é

importante frisar. O que deve ser evitado é o seu endeusamento, a mistificação e

o engrandecimento imotivado de suas funções, que prejudicam a eles e ao grupo.
É indisfarçável a posição desconfortável dos dirigentes e dos médiuns-principais
que a todos têm que amparar, aconselhar, e em todos os momentos têm que
apresentar as soluções finais para cada assunto. Uma situação que eles,
juntamente com seus seguidores, criaram.
Não pode ser esquecido também que o poder existe, sendo um espaço aser ocupado. É sempre possível identificar, numa estrutura de poder centralizado,
aquele ou aqueles que o exercem, por um lado, e aqueles que, apaticamente, se
permitem ficar longe dele. Alguns até reclamam, mas não ocupam seu espaço.
Seria muito difícil nesses casos identificar nos "vilões autocráticos" a causa

O PODER e o movimento espírita. p. 5-6.

Os termos "médium principal" e "dono de centro" designam, respectivamente, o
médium supostamente mais importante no centro (incumbido, geralmente, de
receber as comunicações do espírito orientador — guia — do grupo) e o dirigente
que ocupa continuamente as funções de presidente e coordenador das atividades da
casa. Essas figuras existem, sob diversas formas, em vários grupos.


única da centralização. Por trás de um dono de centro existe muitas vezes uma
história de dedicação e luta solitária por uma causa.

5.2 - Critérios para abertura
Num processo de abertura à participação é fundamental que os princípios
espíritas e os objetivos básicos do centro sejam respeitados. Aqueles que não o
conhecem ou que ainda não mostraram condições para aplicá-los não estão
preparados para assumir funções relevantes. Um caso que presenciei em São José
dos Campos ilustra a importância desse cuidado: um grupo numeroso de
freqüentadores de um centro de umbanda da cidade começou a freqüentar um
centro espírita, por recomendação de seu guia, que disse que deveriam conhecer
Allan KARDEC. Logo se tornaram sócios e, por discordarem de alguns
procedimentos da direção lançaram uma chapa de oposição. Venceram as
eleições seguintes.

Existem mecanismos inerciais utilizados por vários grupos espíritas para
evitar essas situações. Um exemplo é a criação de um quadro de sócios efetivos,
no qual só ingressam sócios que freqüentam a sociedade há um certo tempo e
que demonstram seu conhecimento do Espiritismo. Esses sócios, e só eles,
participam das Assembléias, podendo eleger e ser eleitos a cargos da diretoria.

Na Sociedade Parisiense de Estudos Espíritas havia restrições à
participação, só sendo aceitos aqueles que demonstravam conhecer os princípios
básicos do Espiritismo ou que desejavam se instruir, entre outras exigências.
Além disso reservava-se o direito de limitar, se conveniente, o número de
associados livres e dos sócios titulares.74

Para aperfeiçoar e democratizar as relações entre as pessoas no centro
espírita deve-se partir da constatação de que o poder é um elemento real e
necessário nos diversos grupos e instituições, não podendo ser diferente nos
centros.

A criação de um centro espírita aberto e dinâmico, com ampla liberdadede crescimento, é um desafio para todos os seus participantes. É sobretudo nessa
área que se torna importante a preparação sistemática de recursos humanos. Aos
poucos os interessados vão se preparando para dar maiores vôos, dentro de suas
características.

As relações de poder serão tratadas também no próximo item, que enfoca

o movimento espírita.
6. INTEGRAÇÃO ENTRE CENTROS ESPÍRITAS
Integrar sem interferir na individualidade de cada grupo. Reunir para
intercâmbio de idéias e informações. Realizar atividades voltadas para objetivos
comuns. Estes são os principais objetivos da integração entre centros espíritas.
Apesar de ser indiscutível sua necessidade, a integração entre centros ainda

Allan KARDEC. Regulamento da Sociedade Parisiense de Estudos Espíritas.
Em: —. O livro dos médiuns. parte 2, cap. XXX, artigos 3º e 6º, p. 436-437.


busca seu caminho de realização. É que também aqui pesam as relações de
poder, e num grau muito maior.

Na Revista espírita de janeiro de 1862, Allan KARDEC convidou os
grupos espíritas a participarem do desenvolvimento da doutrina, através de três
textos:75

(1) "Publicidade das comunicações mediúnicas", em que discute as alternativas
para publicação do número cada vez maior de comunicações e referenda a
criação da "Biblioteca do mundo invisível" pelos Srs. Didier & Cia., com essa
finalidade,
(2) "Controle do ensino espírita", no qual apresenta a conformidade do ensino
dos espíritos como o melhor critério para garantir sua autoridade e informa
que a Sociedade de Paris encaminhará a partir daquela data diversas questões
doutrinárias para serem estudadas pelos grupos que com ela se
correspondem, por correspondência particular ou por intermédio da Revista,
(3) "Questões e problemas propostos aos vários grupos espíritas", com seis
questões a serem estudadas e discutidas, sempre baseadas em comunicações
de espíritos, uma delas com a incrível afirmação de que "nenhum Espírito
humano pode manifestar-se ou comunicar-se com os homens".
Estava dada então a tônica da integração que desejava para os grupos e o
tipo de participação que cada um poderia ter: caberia a cada um deles contribuir
para que as questões em aberto fossem resolvidas. Posteriormente, em dezembro
de 1868, apresentou na própria Revista a "Constituição transitória do
Espiritismo", com proposta de continuidade do Espiritismo e criação de um
comitê central de coordenação.76

Começo com essas lembranças para ressaltar um ponto que se perdeu no
movimento espírita brasileiro. Em geral, quando se fala em movimento espírita,
integração ou unificação, esquece-se o desenvolvimento do Espiritismo, através
da pesquisa e do intercâmbio de informações, possivelmente a principal
contribuição que se poderia tirar dessa união. E era exatamente essa a maior
preocupação de KARDEC.

É sobretudo nesse sentido que a integração se faz necessária. Mas ela
pode trazer outras contribuições, como o aperfeiçoamento dos próprios centros a
partir do intercâmbio que estabelecem. Um grupo espírita que mantenha contato
com outros que têm objetivos análogos terá sempre material para aperfeiçoar seu
conhecimento, seus métodos e seus resultados.

75

Allan KARDEC. Publicidade das comunicações espíritas. Controle do ensino
espírita. Questões e problemas propostos aos vários grupos espíritas. Em: —. Revista
espírita. v. 5, ano 1862, p. 11-20.

76

—. Constituição transitória do Espiritismo. Em: Ibid., v. 11, ano 1868, p. 367


392.
O mesmo texto, ampliado, pode ser encontrado em:
—. Constituição do Espiritismo - exposição de motivos. Em: —. Obras Póstumas.
parte 2, p. 288-319.


Esse é o pano de fundo. Sem ele o movimento espírita se torna fórum para
questões menores e palco para disputas de poder.

Os grupos espíritas tendem a se diversificar cada vez mais. A integração
entre eles não poderá ser suportada mais por uma sistemática massificante e de
caráter global. Uns buscarão intercâmbio para seus estudos e pesquisas, outros
organizarão cursos de preparação. Outros ainda, trocarão idéias sobre formas de
aplicar o passe e de realizar a assistência social. As grandes instituições
unificacionistas poderão manter o seu papel se aprenderem a conviver com a
divergência e buscar o que há de comum. Mas independentemente delas, os
grupos procurarão cada vez mais seus pares para com eles crescer. Ao contrário
do que muitos pensam, pode estar aí o caminho de libertação do Espiritismo,
pois ele não pertence a nenhuma dessas instituições.

7. CONCLUSÃO
Para que realizar uma revisão estrutural do centro espírita? O primeiro e
grande motivo para revisar é adequar o centro espírita à sua finalidade maior:
estudar, pesquisar, desenvolver, consolidar e difundir o Espiritismo, tendo como
base a obra de Allan KARDEC. Mais do que um simples pano de fundo, mais do
que uma motivação ou orientação, o Espiritismo precisa ser o objetivo primeiro
do centro espírita, já que este é a casa daquele. O Espiritismo é ao mesmo tempo
a base e meta do centro espírita. Como base, direciona e dá subsídios para a
estruturação das diversas atividades. Como meta, estabele-ce parâmetros para
definir quais são as atividades que permitem ao centro melhor contribuir com o
Espiritismo, sem desviar os seus esforços para outros objetivos.

Busquei neste trabalho apresentar a base conceitual e os meios para a
realização desta tarefa. Sintetizo agora, de forma mais sistemática e objetiva,
algumas propostas para implementação das melhorias necessárias.

7.1 - A base conceitual já existe
A base conceitual do centro espírita — o Espiritismo — foi desenvolvida
inicialmente por Allan KARDEC. Além de nos apresentar informações sobre o
mundo dos espíritos e a discussão filosófica das diversas conseqüências da
imortalidade e da reencarnação, a sua obra nos forneceu um método de
trabalho.77 É sobretudo neste método que está baseado o centro espírita.
Adotando-o, o centro torna-se porta voz, duplicador e continuador do trabalho de
KARDEC.

Não é espírita o centro que:


não tem por base a obra de Kardec;

não utiliza o método de KARDEC no trato da mediunidade;

utiliza conceitos e métodos que confrontam com as propostas
Allan KARDEC. Introdução - II - Autoridade da doutrina espírita. Em: —. O
evangelho segundo o Espiritismo. p. 11-18.

—. Caracteres da revelação espírita. Em: —. A gênese, os milagres e as

predições segundo o Espiritismo. cap. I, itens 12-18, p. 15-18.


de Kardec.

7.2 - O modelo proposto serve de base para a reestruturação
O modelo conceitual apresentado é simples o suficiente para se adaptar a
diferenças e transformações culturais, mas oferece restrições à manutenção de
conceitos, estruturas, métodos e costumes ainda vigentes nos centros espíritas.
Exige uma revisão estrutural que priorize o compromisso com o Espiritismo e a
libertação de estruturas arcaicas de poder. A discussão crítica e contínua da
estrutura necessária para implementar e consolidar este modelo num centro
espírita pode contribuir para que seja estabelecido um caminho seguro e
direcionado para o aprimoramento.

7.3 - Uma opção diferente
Como foi visto no início, é grande a variedade de faces dos grupos que se
autodenominam espíritas. Assim sendo, a opção estritamente espírita — sem
desvios doutrinários e sem outros objetivos que dispersem as ações perdendo o
foco principal — pode ser vista como uma opção "diferente". Sem dúvida,
poderá ser considerado diferente da maioria o centro espírita que:


tem no estudo a sua base;

realiza pesquisa espírita;

aplica o método de KARDEC no trato com a mediunidade;

não distribui passes "à granel" em todas as suas reuniões;

não trata qualquer pessoa que procura o centro como doente, e não a
encaminha desde o início para uma "entrevista" e um tratamento espiritual;

apresenta-se como uma casa de estudos e não como um hospital; evita dizer,
logo no primeiro contato com uma pessoa que procura o centro, que ela "é
médium e precisa desenvolver a mediunidade para se livrar de suas
perturbações";

está voltado para o homem e não obriga o homem a estar voltado para o
centro, como se este fosse um fim em si mesmo;

discute abertamente a contribuição do Espiritismo nos diversos temas que
afetam o homem moderno; contextualiza o estudo espírita;

é dirigido por um grupo representativo de pessoas; não é dirigido por
espíritos ou pelos médiuns que transmitem suas orientações;

comunica-se, troca idéias e integra-se com outros grupos, mas propõe a
integração como instrumento de crescimento do Espiritismo;

na integração com outros grupos não se subordina a idéias e práticas
massificantes (não focadas nos objetivos principais do Espiritismo e do
centro espírita), luta contra as distorções e a inércia.
O centro que adota esta opção poderá ser único num bairro ou mesmo numacidade, às vezes isolado, sem ter com quem trocar idéias. É fundamental
evitar este isolamento, aproximando-se e mantendo contato contínuo com
grupos afins, mesmo que geograficamente distantes. Poderá ter menos


freqüentadores que os demais da região e alguns de seus freqüentadores, que
prefeririam vê-lo recebendo muitas pessoas, talvez questionem. Poderá ser
acusado de não praticar a caridade e tudo o mais, mas estará oferecendo um
produto diferenciado: o Espiritismo. E esta certeza basta.

7.4 - Por onde começar?
Esta dúvida pode aparecer. Tanto há para fazer que não se sabe como
planejar, iniciar e conduzir um processo de revisão estrutural. Para responder a
esta questão podemos fazer analogia à tarefa de subir uma grande escada: o que
temos a fazer é começar, dar o primeiro passo. Temos a direção a seguir (os
conceitos espíritas) e possuímos instrumentos poderosos (livros, pessoas, grupos
afins para trocarmos idéias). Portanto, só temos que começar.

Qual é o objetivo do centro espírita? Esta é a primeira questão a ser
respondida por todo grupo espírita que desejar iniciar ou rever suas atividades. A
partir dessa reflexão será possível criar, desenvolver, excluir, modificar ou
aperfeiçoar as diversas atividades, para que se adeqüem aos objetivos
estabelecidos. Um critério é básico para todas: que firmem o compromisso do
centro com o desenvolvimento, a aplicação e a divulgação do Espiritismo.

É claro que não há um único caminho. Busquei identificar neste livro os
principais critérios para realizar este trabalho. Citei também as principais
referências encontradas na literatura sobre o assunto. Mas o caminho
propriamente dito depende das características e da estratégia de cada centro.
Rediscutidos os objetivos, o processo se desdobra de forma planificada.78

Uma atividade que passa a ser fundamental é a gestão do processo de
estruturação, que garantirá a sua implementação. Para realizá-la, podem ser
obtidas algumas lições dos estudos de organização de empresas, que costumam
trabalhar com objetivos, métodos e resultados precisos. Muitos estudos e
experiências sobre a Gestão da Qualidade Total aplicados em diversas
organizações fabris e de serviços no mundo todo podem também ser
aproveitados na gestão do centro espírita, aplicando-se de acordo com os
objetivos específicos a que se propõe o centro.

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Autores diversos. Espiritismo e sociedade. São Paulo, ENSASDE, 1986.

78

Os textos de KARDEC que apresentam de maneira mais objetiva as diretrizes
para a estruturação do centro espírita são "Das reuniões e das sociedades" e
"Regulamento da sociedade parisiense de estudos espíritas", ambos de O livro dos
médiuns:

Allan KARDEC. O livro dos médiuns. parte 2, cap. XXIX e XXX, p. 413-444.
168


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(*) Engenheiro eletrônico, doutor em engenharia de computação,
professor universitário, membro do CPDoc, Diretor do Centro de Estudos
Espíritas José Herculano Pires, de S. Paulo, autor do livro Centro Espírita –
uma revisão estrutural, presidente da Comissão Organizadora da XIV
Conferência Espírita Pan-Americana.


COMO? UMA PROPOSTA METODOLÓGICA
PARA O PROCESSO PERMANENTE DE ATUALIZAÇÃO
DO ESPIRITISMO


I. INTRODUÇÃO
Entre os estudiosos espíritas identificados com uma concepção laica, não dogmática e não
religiosa do Espiritismo, foram sendo construídos, progressivamente, neste final de século,
alguns consensos.

Vem ganhando força, dentre estes, a necessidade de desencadear um processo de discussão
sobre a atualização do Espiritismo, mesmo sob forte reação por parte daqueles que dominam o
movimento espírita de matiz religioso. Neste contexto está inserido o XVIII Congresso Espírita
Pan-Americano, promovido pela Confederação Espírita Pan-Americana, CEPA e realizado
pelo Centro Cultural Espírita de Porto Alegre no período de 11 a 15 de outubro de 2.000, com

o Tema Central: "Deve o Espiritismo Atualizar-se?", importante marco histórico e referencial
para o processo de atualização do Espiritismo.
Pressupomos que tal propositura, fundamentada na obra e no pensamento de Kardec em relação à
natureza e à necessidade de progresso do Espiritismo, é pertinente e vital para a própria
sobrevivência da doutrina espírita, condenada ao mesmo destino das religiões tradicionais se
mantida a postura reinante, assumida pelos espíritas evangélicos. A única possibilidade que se
coloca para que o Espiritismo prossiga contribuindo com o desenvolvimento evolutivo da
humanidade é atualizar-se continuamente, num processo permanente, respondendo às velhas
(para as quais possui farta contribuição) e novas (as quais nem sempre identifica) demandas do
homem e do mundo contemporâneo, em permanente mutação.

Qualquer atualização que se queira empreender, entretanto, não poderá dispensar uma análise
de conteúdo, a constituição de uma Agenda Espírita que identifique conceitos, temas,
afirmativas e informações defasadas em face de novos conhecimentos não abordados nas obras
básicas ou que foram tratados de forma condicional por Kardec e pelos espíritos que com ele
construíram o corpo doutrinário.

Não poderá prescindir de uma adequação semiótica e da redefinição e atualização da linguagem,
que sabidamente utiliza-se de terminologias e expressões ultrapassadas ou inadequadas.

Tampouco de uma redefinição epistemológica, afinal persistem para a grande maioria dos
espíritas enormes dúvidas e confusões sobre a natureza e o caráter do Espiritismo, em particular
sobre a forma como se deu (e portanto como se dará) a construção do pensamento espírita.

Passa ainda pelo reconhecimento de que o Espiritismo, enquanto conjunto de idéias
identificadas com sujeitos sociais concretos (embora reconheçamos a existência e a
importância de sujeitos incorpóreos, os espíritos desencarnados), na medida em que se
institucionalizou foi se constituindo como um movimento social, portador de diferentes e, sob
vários aspectos, conflitantes leituras, relações de poder e disputas ideológicas que devem ser
consideradas em qualquer proposta de atualização.


Este trabalho procura desenvolver uma proposta metodológica para o processo de permanente
atualização do Espiritismo, estruturada a partir do conjunto de preocupações acima esboçadas.

Acreditamos que a discussão do método de atualização é vital para que seja atingido e
viabilizado tal objetivo. Se, a priori, for simplesmente desconsiderada ou considerada
secundária a formulação de uma metodologia a ser utilizada neste processo, a atualização do
Espiritismo será sumariamente abortada, restringindo-se, desta forma, a um momento histórico
de reflexão crítica empreendida por setores contra-hegemônicos do movimento espírita, um
"insignificante" movimento nascido na última década e que morreu de inanição no último ano
do século XX. E essa é exatamente a história que não desejamos escrever e transportar para o
próximo milênio.

Antes de abordarmos de forma objetiva uma proposta metodológica de atualização do
Espiritismo, salientamos que algumas reflexões sobre o caráter, a natureza e o futuro do
mesmo, intimamente relacionadas ao assunto tratado neste texto devem ser aprofundadas, as
quais por limite de espaço não serão aqui efetuadas, apenas discriminadas:

Qual o verdadeiro caráter e natureza do Espiritismo?
Qual a herança do Espiritismo para o conhecimento humano de 1857 até o presente? Qual


efetivamente a sua influência do ponto de vista da evolução do conhecimento e do
comportamento humano? O que representa para a sociedade humana contemporânea?
Qual a atualidade da concepção filosófica espírita e qual sua capacidade em produzir


respostas aos problemas do homem e do mundo atual, vislumbrando-se a sociedade do
século XXI?


Existe viabilidade para que seja empreendida uma atualização do Espiritismo?
Terão os espíritas capacidade de reverter a postura atual (absolutamente contemplativa e
submissa a uma postura religiosa, estagnante, cristólatra e "absolutizadora" do caráter
divino atribuído às manifestações mediúnicas de origem religiosa) e as enormes
contradições que daí resultam no seio deste movimento?


Talvez fosse possível imaginar um cenário diferente da evolução real na qual se construiu a
história do Espiritismo após o desencarne de Allan Kardec. Tenho presenciado alguns
exercícios especulativos muito interessantes neste sentido. O que teria ocorrido com o
Espiritismo, por exemplo, se não tivessem ocorrido as duas grandes guerras mundiais? Ou
se não houvesse a Revolução Russa de 1917? A polarização do mundo em capitalismo e
comunismo durante tanto tempo? Teria sido diferente sua evolução na Europa e em todo o
mundo?


É preciso reconhecer, antes de mais nada, nossa incapacidade de definir o futuro das coisas. O
futuro se constrói no presente. O resto é ficção.

É fundamental planejar estrategicamente o futuro, construir "imagens-objetivos", nossas
utopias referenciais. Mas não podemos, por respeito à inteligência, admitir cenários
spilbergianos, onde se manipula e altera o futuro a nosso bel-prazer. Nossa capacidade de
alterar o destino das coisas é diretamente proporcional ao quanto nos esforçamos e trabalhamos
para que isto de fato ocorra.


Em relação ao futuro do Espiritismo, é necessário reconhecer que do ponto de vista daquilo que
imaginava Kardec e os espíritos que com ele fundaram a Doutrina Espírita, houve um grande
fracasso(1) .

Não é por menos que Léon Denis celebrizou uma expressão, exaustivamente repetida porém
pouco ou nada compreendida e observada pelos espíritas: "O Espiritismo será no futuro o que
dele os espíritas fizerem".

Qual o futuro imediato do Espiritismo? Em minha opinião, desenham-se dois cenários
possíveis:

Num primeiro, o Espiritismo consolida-se no século XXI como mais uma seita cristã restrita à
América Latina, fortemente enraizada no Brasil e, sob sua influência, pequenos grupos em
outros países da Europa e das Américas. Um pequeno grupo contra-hegemônico, articulado em
torno da CEPA, experimenta algum crescimento no final do século XX e início do XXI,
procurando estabelecer um processo de redefinição de rumos, mas sucumbe frente ao poder
conservador da tendência hegemônica.

Em outro cenário, o movimento religioso espírita segue seu rumo, firme e forte, consolidando-
se como mais uma seita evangélica. Ao contrário do cenário anterior, entretanto, vislumbro a
possibilidade de crescimento vertiginoso do número de espíritas livre pensadores, humanistas e
progressistas, laicos ou não, pois nesta adjetivação está certamente incluída parcela
significativa de espíritas e entidades que se auto designam religiosas mas que não aceitam a
dominação conservadora de algumas instituições e lideranças cristólatras e/ou místicas, com
todos seus rituais e formalismos religiosos e a conseqüente esclerose intelectual. Este
crescimento, em minha opinião, tende a se desenvolver sob liderança da CEPA, exatamente
porque esta instituição está aberta ao progresso das idéias e à unificação de propósitos sinceros
em prol do desenvolvimento do Espiritismo. Pode, desta forma, induzir um processo de
ampliação do número e da qualidade dos adeptos da filosofia espírita, angariando maior
respeito e consideração da universidade, das disciplinas científicas e dos meios de
comunicação de massa. E o que é mais importante, ampliar consideravelmente a capacidade de
influenciar objetivamente a sociedade humana através dos princípios fundamentais que
compõem a filosofia espírita, alargando os laços de solidariedade, respeito, justiça, amor e
fraternidade, contribuindo para a construção de um mundo mais civilizado. Sem a necessidade
obsessiva de transformar (com o objetivo de "salvar") os habitantes do planeta em adeptos do
Espiritismo. Mas influenciando-os através da visão de homem e de mundo e das derivações
éticas e morais decorrentes de nossa filosofia.

A seguir, destaco alguns pressupostos que considero de fundamental importância para a
formulação de uma proposta metodológica de atualização do Espiritismo, intimamente
relacionados às formulações levantadas anteriormente:


o Espiritismo é a ciência que trata das relações do mundo espiritual e material, portadora de
uma concepção filosófica humanista, que resulta em conseqüências éticas e morais
(comuns às preocupações religiosas sinceras e desprovidas de ritualismos e sectarismos);


a atualização não pode ser um modismo mas deve constituir-se num processo
permanente, incorporado definitivamente à Praxis espírita;


deve admitir a heterogeneidade, o direito de ser e pensar diferente, de estabelecer novos
referenciais a partir dos fundamentos espíritas básicos;

é necessário reconhecer que a Filosofia Espírita, fundamentada na obra de Kardec,
permite o desenvolvimento de distintas leituras, a partir do conjunto de interesses e
necessidades humanas (e que isso também é democrático);

não é necessário decidir por maioria quantitativa, mas pela capacidade/qualidade do
conjunto de idéias impondo-se pela sua própria força, clareza e atualidade como novas
verdades;

é fundamental buscar de forma prioritária a atualização em torno de pontos convergentes. O
que é consensual em primeiro lugar, o que pode vir a ser consensual (mesmo que
parcialmente) em segundo plano e por último, aquilo que de fato estabelece as distintas
concepções e nos divide (mesmo que partamos ou não dos mesmos referenciais);

só se atualiza o que não se nega, o que ainda tem valor essencial (caso contrário
estaríamos substituindo o Espiritismo por algo diferente). Somente se atualiza sobre bases
estabelecidas (mesmo que em parte ultrapassadas ou defasadas). Por outro lado há novos
conhecimentos a serem formulados;

que a busca da atualização deve ser estabelecida a partir das mesmas bases sérias e
coerentes que pautaram a obra de Kardec, guiada pela racionalidade e pela ciência, sem
afetações, partidarismo e misticismo;
Allan Kardec identificou desde o primeiro instante a necessidade de atualizar o Espiritismo, o
que pode ser claramente percebido em trechos de sua obra, em particular no Capítulo Primeiro
de "A Gênese - Os Milagres e as Predições Segundo o Espiritismo", intitulado Caracteres da
Revelação Espírita, publicado em 1868 e que já havia sido veiculado por Kardec, numa
primeira versão, na Revista Espírita em 1867;(2)

"O Espiritismo, avançando com o progresso, jamais será ultrapassado, porque, se novas
descobertas lhe demonstrarem que está em erro acerca de um ponto, ele se modificará nesse
ponto; se uma verdade nova se revelar, ela a aceitará." (A Gênese, Cap. I - Caracteres da
Revelação Espírita).

"O terceiro ponto, enfim, é inerente ao caráter essencialmente progressivo da Doutrina. Pelo
fato de ela não se embalar com sonhos irrealizáveis, não se segue que se imobilize no presente.
Apoiada tão-só nas leis da Natureza, não pode variar mais do que estas leis; mas, se uma nova
lei for descoberta, tem ela que se pôr de acordo com essa lei. Não lhe cabe fechar a porta a
nenhum progresso, sob pena de se suicidar. Assimilando todas as idéias reconhecidamente
justas, de qualquer ordem que sejam, físicas ou metafísicas, ela jamais será ultrapassada,
constituindo isso uma das principais garantias da sua perpetuidade." (Obras Póstumas Constituição
do Espiritismo - Dos Cismas)

"Não será, pois, invariável o programa da Doutrina, senão como referência aos princípios que
hoje tenham passado à condição de verdades comprovadas. Com relação aos outros, nãos os
admitirá, como há feito sempre, senão a título de hipóteses, até que sejam confirmados. Se lhe
demonstrarem que está em erro acerca de um ponto, ela se modificará nesse ponto." (obra citada)


"O princípio progressivo, que ela inscreve no seu código, será a salvaguarda da sua perenidade
e a sua unidade se manterá, exatamente porque ela não assenta no princípio da imobilidade."
(obra citada)

"Serão estas as atribuições principais da comissão central: 1°...; 2° O estudo dos novos
princípios, suscetíveis de entrar no corpo da Doutrina; 3° ... 15ª A convocação dos congressos e
assembléias gerais." (Obras Póstumas - Constituição do Espiritismo - Comissão Central)

Que há setores significativos do Movimento Espírita que consideram desnecessário e lesivo
qualquer processo de atualização do Espiritismo, uma vez que concebem sua origem e natureza
como "divina", portanto passível de modificação apenas por ordem e graça da
"espiritualidade";

Que mesmo companheiros espíritas que discutem a necessidade de atualizar o Espiritismo, em
função de distorções em suas concepções e formação doutrinária, tendem a assumir uma
postura arrogante e conservadora do ponto de vista intelectual. Vejamos, por exemplo, um
pequeno trecho de um "mail"(3) que identifica claramente esta concepção: "Apesar disso ainda
temos uma sólida e imbatível doutrina. É plataforma segura para se alcançar novos vôos com a
ciência responsável e metodológica, pois esta é a sina do Espiritismo: ir onde a ciência está, já
sabendo que a ciência vai onde o Espiritismo já foi..." (o grifo é meu);

Que é indiscutível a atualidade de partes importantes e fundamentais da obra de Kardec, não
superadas pela Ciência, encontrando-se estas, portanto, em plena vigência;

Que atualizar o Espiritismo é procurar "torná-lo atual, situá-lo na época em que vivemos, torná-lo
presente e atuante em todos os setores do pensamento humano. Isso implica numa releitura,
numa ressignificação, portanto, numa revisão dos conteúdos, não só da obra de Allan Kardec,
como da dos demais autores espíritas, encarnados e desencarnados, como também da linguagem
e do método empregados na sua elaboração. Não se pode atualizar sem revisar.";(4) não se deve
permitir a alteração ou supressão, parcial ou completa, dos textos e das obras de qualquer autor
que seja – e em especial a de Allan Kardec. "Já as idéias, concepções e teorias expostas nas
obras da Codificação e nas que lhe são complementares, como o próprio fundador do
Espiritismo afirmava, não sendo mais do que a expressão do conhecimento dos seus autores,
subordinadas ao contexto de uma época, são passíveis de revisão e de atualização.";(5)

II. O QUÊ ATUALIZAR?
Em outro trabalho apresentado ao Fórum de Temas Livres, no XVIII Congresso Espírita Pan-
Americano, intitulado "AGENDA ESPÍRITA: identificando antigas e novas demandas para
atualização do Espiritismo", desenvolvido com a colaboração de Sandra Regis e Nelson Melchior
dos Santos Junior(6), procuramos delinear objetivamente um conjunto de questões que podem vir
a ser objeto de uma releitura ou atualização, compreendidas em quatro diferentes grupos:

a.
Conjunto de idéias e conceitos espíritas que com o tempo desatualizaram-se ou encontram-se
em desacordo em relação ao conhecimento humano e, em especial, ao científico;
b.
Conjunto de idéias e conceitos formulados parcialmente ou em caráter condicional por
Allan Kardec e pelos espíritos que com ele fundaram o Espiritismo, em virtude:

da alegada incapacidade de definir ou descrever determinadas situações devido à
inexistência de meios para tanto, por limitação de nossos conhecimentos ou de nossa
linguagem (creio que já podemos compreender muitas coisas que em meados do século
XIX seriam impossíveis);

da inexistência de permissão para a análise e aprofundamento de determinadas questões, ora
porque não era chegada a hora, ora por entenderem que seria de competência dos espíritos
encarnados a tarefa de produzir o conhecimento em torno de determinado assunto;

a necessidade de acompanhar o desenvolvimento científico para que fosse possível
comprovar (ou não) uma determinada hipótese formulada e posteriormente incorporá-la
definitivamente ao Espiritismo (expediente utilizado fartamente no último livro publicado
por Allan Kardec, em 1868, denominado "A Gênese – Os Milagres e as Predições Segundo

o Espiritismo", muito embora até hoje, transcorridos mais de 130 anos, este processo de
confirmação crítica das hipóteses ainda não tenha sido realizado).
c. Antigos ou novos problemas ainda não abordados pelo Espiritismo ou conjunto de questões
relacionadas ao mundo contemporâneo para as quais o Espiritismo não possui posições
claramente definidas que possam produzir uma contribuição aos seres humanos e à
sociedade, ou cuja versão difundida publicamente restringe-se à opiniões individuais de
algumas lideranças ou figuras com alguma projeção pública. Ou, o que é mais grave ainda,
restritas a opinião de um espírito (muitas vezes legitimadas não pelo seu conteúdo, mas sim
pelo reconhecimento moral e projeção do médium) sem que sejam submetidas à análise
crítica, ao método da concordância universal ou qualquer outro tratamento elementar
exigidos ao lidar-se com informações de origem mediúnica (aceita-se as informações,
equivocadamente, por sua pretensa origem divina);
d. A releitura e validação ou não de hipóteses e teorias estabelecidas através de literatura
mediúnica (a excelente produção teórica a partir das reportagens do espírito André Luiz,
por exemplo) ou a contribuição de estudiosos espíritas encarnados e que formularam suas
contribuições posteriormente à Allan Kardec, como Léon Denis, Gabriel Delanne, Manoel
Porteiro, José Herculano Pires, Hernani Guimarães Andrade, entre tantos outros.
Impõe-se, portanto, dada inclusive a variedade e quantidade de temas a serem objeto de
investigação, estudo, formulação, debate e análise crítica e posterior atualização, que se defina
de alguma forma o processo pelo qual será desenvolvido todo esse árduo mas necessário
trabalho de atualização do Espiritismo, ou seja, a constituição de uma Agenda Espírita (o quê
atualizar?) e de um Método de Atualização (como fazer a atualização?).

Não deve haver temas proibidos. Tudo deve e pode ser discutido. Entretanto, é preciso ter claro
que os pressupostos aqui alinhavados induzem-nos a estabelecer com certa cautela esta agenda.
Creio que devemos experimentar, inicialmente, por cerca de cinco a dez anos, um processo de
discussão em que se busque o maior consenso possível, em temas centrados:


na formulação de conceitos espíritas relacionados aos problemas humanos
contemporâneos e que não tenham sido objeto de análise no período da fundação do
Espiritismo ou pelos principais continuadores de Allan Kardec (questões relacionadas à
bioética e ao desenvolvimento tecnológico, por exemplo);


na epistemologia espírita, ou seja, sobre a natureza e o caráter do Espiritismo, em
particular sobre a forma como se deu (e portanto como se dará) a construção do
pensamento espírita;

na revisão, atualização e modernização da linguagem e seus significados.

Desta forma, proponho que a discussão em torno dos eixos paradigmáticos do
Espiritismo seja programada para uma segunda etapa, quando além da análise crítica e
dos acúmulos do processo desencadeado, poderemos estabelecer mais claramente o que
se pretende e como avançar neste sentido.
Reafirmo, entretanto, a importância de estabelecer claramente uma Agenda Espírita. Creio
firmemente que um dos maiores desafios da CEPA, a partir do XVIII Congresso Espírita Pan-
Americano, será o de definir esta agenda para a atualização. Se isto for empreendido, o êxito
do Congresso estará garantido e o esforço da CEPA recompensado.

III. COMO ATUALIZAR?
A partir da Agenda Espírita, o problema a ser estudado e para o qual se pretende produzir uma
atualização deve ser claramente definido e abordado. Para tanto, proponho a elaboração de um
Protocolo de Estudo ou Carta de Intenções, consensualizado entre todos os participantes, dando
conta das seguintes formulações:

a. Que estudo está sendo proposto? (Definição, delimitação e caracterização do problema
a ser abordado)
A ciência e o conseqüente domínio do homem sobre o meio progridem pela anexação de novos
conhecimentos. Estes são gerados pela solução de problemas, e problemas só os têm aqueles
que vivem em relação íntima com os fatos que os suscitam. Presença participante nos fatos,
sensibilidade perceptiva e entusiasmo pela resolução de problemas são, no homem, as
qualidades que o fazem produtor de conhecimentos.

Detectado um problema, seja ele evidente de tal forma que até leigos o percebam, ou encoberto
a ponto de estar obscurecido mesmo para especialistas, a próxima tarefa é torná-lo concreto e
explícito. Deve então ser colocado sob a forma de perguntas que possam ser respondidas
através de hipóteses verificáveis ao longo de um estudo.

A análise de um problema envolve várias operações intelectuais e metodológicas que se
complementam. Se consideramos que o problema seja a necessidade de explicar fatos empíricos
até o momento não compreendidos, torna-se necessária uma completa elucidação das
circunstâncias sob as quais os fatos ocorreram e o problema foi gerado. Deve-se buscar repostas
através de perguntas formuladas que o bom senso e conhecimento relativo julguem significativas.

A explicação do problema sob a forma de perguntas às vezes é feita pari passu à sua análise.
Tratando-se de um problema complexo, pode-se partir de um enunciado bastante geral e, à
medida que o problema for sendo analisado, o enunciado estará sendo decomposto em
problemas mais simples, respondíveis através de hipóteses claras, concisas e refutáveis.


É necessário ter sempre presente o fato de que a forma e o conteúdo das perguntas
determinarão o encaminhamento da investigação, sua direção e limites. Uma análise mal feita
ou enunciado mal colocado poderão levar a nada, quando não ao erro.

Na caracterização do problema a ser estudado reside um fator de alta complexidade para os
propósitos de atualização do Espiritismo: os problemas que estão na base do Espiritismo
podem ser problemas próprios da doutrina (a relação do mundo material e o espiritual, a
mediunidade, a relação espírito e matéria, o perispírito, por exemplo) ou comuns à outros
ramos do conhecimento humano (sexualidade, loucura e sofrimento psíquico, educação,
ecologia, justiça, direitos humanos, drogas, amor, liberdade, política, etc.).

A solução deste segundo grupo de problemas, portanto, é multidisciplinar e mesmo em relação
aos problemas formulados pelo próprio Espiritismo, é impossível abordá-los de forma isolada
de outras disciplinas e saberes.

Isto exige, como não poderia deixar de ser, o manuseio do método, da forma própria de pensar
e do corpo de conhecimento espírita. Exige também a utilização de outras ciências, que,
consideradas em função de um objetivo comum, são complementares (porém essenciais) ao
Espiritismo.

Ao contribuir com o Espiritismo para o esclarecimento dos problemas propriamente espíritas e
para uma abordagem doutrinária dos problemas não especificamente espíritas, as ciências
complementares colocam, naturalmente, problemas não-espíritas que lhe são respectivos:
problemas estatísticos, epistemológicos, de linguagem, físicos, antropológicos, econômicos,
sociológicos, psicológicos, etc.

Deve-se ter uma Justificativa consistente, incluindo-se de maneira clara, por que realizar a
atualização deste tema e quais os benefícios que resultarão para o Espiritismo, os espíritas e/ou
a sociedade. Da mesma forma, é necessário fornecer uma idéia geral do que será pesquisado,
delimitando-se claramente qual será o Objetivo Geral do trabalho e seus Objetivos Específicos,
incluindo-se uma listagem completa de todos os tópicos a serem estudados. Posteriormente,
quando forem apresentados os resultados, deverão ser apresentadas respostas para cada um dos
objetivos específicos elencados.

É de fundamental importância, ainda, a realização de completa Revisão e Análise
Bibliográfica, compreendendo a revisão da literatura geral e especializada não espírita sobre o
tema a ser estudado e os livros e trabalhos espíritas e espiritualistas, em especial as obras de
Allan Kardec e seus principais continuadores. Entende-se por espíritas as que tratam dos
assuntos pertinentes à Doutrina Espírita, incluindo-se nesta categoria obras de origem
mediúnica ou não.

b. Quem vai participar do projeto?
Deverão ser constituídos grupos de trabalho formados por espíritas com experiência e
conhecimento da obra de Allan Kardec e seus principais continuadores e que possam, a partir
de sua área de formação profissional ou acadêmica, por se constituírem em especialistas em
determinadas ramos do conhecimento humano, ou por serem estudiosos e interessados no
estudo do Espiritismo e outras disciplinas, mesmo que autodidatas, contribuir com o processo
de atualização do conhecimento espírita.


Não é necessário que estejam vinculados à uma determinada instituição espírita ou entidade
confederativa. Estudiosos espíritas, em seus lares e escritórios poderão participar e contribuir
decisivamente neste processo. Não serão estabelecidos filtros ideológicos, selecionando ou
eliminando do estudo participantes por afinidade ou oposição à teses previamente definidas.
Exige-se, obviamente, que sejam reconhecidamente espíritas.

Por outro lado, será estimulada a participação de instituições e agrupamentos espíritas que
possam progressivamente redefinir parte do tempo de execução de suas atividades para o
estudo e a atualização do pensamento espírita.

É fundamental que todos os participantes tenham o espírito e a mente abertos para o progresso
das idéias, nível intelectual e uma boa formação cultural, além de disponibilidade e
compromisso para participar em todas as etapas do estudo, a serem definidas no cronograma.

Os participantes serão divididos nas seguintes categorias:

Participantes individuais

Instituições participantes

Coordenadores Gerais e adjuntos

Relatores

Críticos externos

Estes últimos serão convidados para efetuar análise crítica dos resultados do estudo e não
precisam ser adeptos do Espiritismo. Pelo contrário, seu distanciamento e formação forjados
em outras áreas de conhecimento será de fundamental importância para que possam exercer
livremente a análise crítica externa pretendida. O papel de cada uma das diferentes categorias
de participantes propostas será discutido posteriormente.

c. Como o estudo será conduzido?
Sobre o método:

O ciclo necessário para o estabelecimento de um processo de atualização do Espiritismo deve
se constituir numa série de etapas, que apenas particularizam um roteiro quase que obrigatório
do modelo empírico de produção de conhecimentos em geral:


a construção da questão e a formulação de hipóteses deverão ser feitas preferencialmente
de modo a indicar com precisão e objetividade possíveis a natureza dos problemas em
estudo. Toda hipótese resulta da construção de algum quadro teórico, apesar da maioria
dos pesquisadores e estudiosos tradicionalmente omitir os modelos conceituais em que
baseiam suas hipóteses. Para cumprir essa etapa, é recomendável um estudo cuidadoso da
literatura científica específica sobre o assunto, a fim de não se repetir os passos (e
equívocos) de outros pesquisadores, além de não se desperdiçar tempo e recursos;

o planejamento do estudo deverá definir com a maior precisão possível qual a estratégia
de investigação mais adequada em relação aos objetivos do estudo. A partir da
definição e delimitação da abordagem do problema, é possível delinear o método de
investigação mais adequado a cada objeto a ser investigado. Não deve haver, a priori,
um único método (ou "o método") aceitável para que se produza o estudo visando a


Deve-se selecionar as técnicas de produção de dados mais eficientes para os objetivos da
pesquisa e mais adequadas para o estudo. A fonte ("matéria-prima") desses dados pode ser
registros de comunicações mediúnicas, de questionários ou registros de experimentações, ou
outras formas de registro que constituem os dados secundários, como textos publicados e
produzidos por outros autores;

Os instrumentos e procedimentos de produção e análise de dados deverão preencher critérios
de operacionalidade e adequação para a aplicação por diferentes participantes e grupos, o que
implica na simplificação de técnicas empregadas em âmbitos de pesquisa e estudos com grupos
reduzidos. Além disso, quando se amplia a quantidade de grupos e participantes, é necessário
desenvolver uma técnica de estudo, registro, circulação e sistematização dos resultados simples
e com confiabilidade. Pode ser necessário, neste sentido, o treinamento dos participantes do
estudo na coleta de informações e uso de técnicas padronizadas, soluções geralmente eficazes
para a melhoria da confiabilidade dos dados;

A última fase consiste no chamado trabalho de campo, que na verdade constitui-se no próprio
processo de produção de dados referentes às variáveis e temas em estudo, através do emprego
criterioso das técnicas de coleta dentro da estratégia de pesquisa selecionada. O processo de
investigação deverá produzir dados de modo a alimentar a análise e sistematização capaz de
efetivamente abordar o problema da pesquisa, transformando dados em informação útil.

Procuro, a partir deste trabalho, traçar algumas sugestões que considero factíveis e coerentes.
Trata-se, apenas, de propostas preliminares, contribuições para o debate e que deverão ser
amplamente discutidas, reformuladas e modificadas. Assim como a definição da Agenda
Espírita, abordada anteriormente, considero a delimitação e definição deste processo, ou seja, o
como fazer a atualização do Espiritismo, outro importante desafio para o XVIII Congresso
Espírita Pan-Americano e para a CEPA.

Formação de Grupos de Trabalho:

A implementação de grupos de trabalho multicêntricos, construídos numa perspectiva
ascendente (piramidal ou em mosaicos), pode, potencialmente, implementar uma enorme,
envolvente e produtiva rede de estudo que desenvolva com legitimidade o processo de
atualização do Espiritismo. Desta forma, estabelecer-se-ia, inicialmente, um grupo de trabalho
em uma determinada instituição espírita, onde parte de seus membros se disponibilizassem a
participar do processo de atualização de uma certa questão em estudo.


Naquela cidade ou região, dependendo da quantidade de participantes, realizar-se-iam oficinas de
trabalho reunindo os participantes individuais e instituições envolvidas no trabalho, com uma
periodicidade bimestral ou trimestral, dependendo novamente do objeto em estudo.

Semestral ou anualmente seriam realizadas oficinas de caráter nacional e se possível
internacional, com um grupo de participantes indicados e que representassem os grupos de
trabalho regionais. Para tanto, o Simpósio Brasileiro do Pensamento Espírita(7) e eventos
similares realizados em outros países poderiam ser utilizados como pontos de referência, a
partir de sua própria estrutura e programação ou através de eventos paralelos, facilitando e
estimulando a realização destas oficinas, aproveitando o deslocamento de companheiros
espíritas de várias localidades do país.

As Conferências Regionais Espíritas, promovidas periodicamente pela CEPA, poderiam
facilitar em muito o processo de aglutinação dos espíritas de distintos países e continentes que
se dispusessem a participar deste processo. Para tanto, deveriam assumir, em caráter prioritário,
estes conteúdos temáticos, ou então proporcionar flexível programação de estudos que
possibilitasse a realização de oficinas paralelas de atualização doutrinária.

Se este processo for construído de forma ascendente, possibilitará a participação de muitos
espíritas em todo o planeta. A utilização de listas de discussão espíritas na Internet e em canais de
chat, entre cada uma das fases do estudo, permitirá ainda a realização de oficinas virtuais (em
tempo real) e disseminação dos dados, análises e críticas, eliminando os problemas relacionados
às enormes distâncias e aos custos inerentes ao deslocamento dos participantes.

Por mais democrático que se queira estabelecer este processo, entretanto, em cada oficina
(local, regional, nacional ou internacional) devem participar de 10 a 20 membros do grupo de
trabalho, no máximo. É improvável que haja um produto efetivo e consubstancial se este
processo for caracterizado por um "assembleísmo".

Deve-se apenas garantir, democraticamente, o acesso irrestrito a todo os participantes do grupo
de trabalho aos bancos de dados e aos papers com as sínteses que forem sendo produzidas ao
longo do processo.

Coordenação e Sistematização:

É fundamental que o Grupo de Trabalho, composto por espíritas estudiosos, especialistas e
interessados, tenha claramente delimitada uma coordenação. Não acreditamos em espontaneísmo
ou na capacidade de auto-coordenação de um grupo multicêntrico e tão heterogêneo.

Para tanto, creio que deva ser designado um Coordenador Geral para cada um dos grupos de
trabalhos temáticos que vierem a ser constituídos, auxiliados por dois coordenadores adjuntos.
Estes terão como tarefa a coordenação e o acompanhamento do cumprimento de cada uma das
etapas estabelecidas no Protocolo e no Cronograma do Estudo, na organização das oficinas, nas
relações com as universidades e pesquisadores que farão a crítica externa ao trabalho, servindo
ainda como referência para os membros e instituições participantes.

Em cada grupo local ou regional deve-se estabelecer uma referência para organizar o processo,
as oficinas, sistematizar os produtos do trabalho (textos, bancos de dados, etc.) e uma ponte de
representação junto à coordenação geral, através da indicação de um representante regional.


Deve-se ainda estabelecer uma Coordenação de Sistematização, composta por membros (duas
a três pessoas) dos Grupos de Trabalho com reconhecida capacidade de redigir e sistematizar
as conclusões parciais e, posteriormente, finais do trabalho de atualização.

Pesquisa Mediúnica e a Concordância Universal

Sempre que estiver contida entre as estratégias metodológicas para o trabalho de atualização de
determinado assunto, a mediunidade deverá ser utilizada seguindo-se o método estabelecido por
Allan Kardec em "O Livro dos Médiuns", adaptando e introduzindo, para efeitos de comodidade
e melhor aproveitamento das informações obtidas, algumas tecnologias de baixa complexidade e
alta resolutividade, tais como gravação das comunicações em vídeo, K-7 e transcrição e
disseminação dos resultados obtidos através da Internet.

A experiência obtida através dos trabalhos desenvolvidos pelo Grupo de Pesquisa Científicas
Ernesto Bozzano, no C.E. Allan Kardec, de Santos-SP, que relatamos de forma sumária a
seguir, poderiam ser utilizadas como referência inicial, por sua simplicidade, praticidade e
fidelidade ao método estabelecido por Allan Kardec.

O método de investigação mediúnica utilizado pelo GPCEB procurou reproduzir e adaptar a
metodologia clássica construída e consagrada por Allan Kardec.

O GPCEB utilizou, como metodologia de trabalho, a análise crítica dos diálogos efetuados pelo
grupo com os espíritos desencarnados. Estabeleceu-se, para tanto, alguns objetos de
investigação, quais sejam: Estrutura do Centro Espírita Allan Kardec (de Santos-SP) no Plano
Espiritual; Estrutura do Movimento Espírita no Plano Espiritual; Mecanismos da Mediunidade:

o Processo de Comunicação Mediúnica; A Vida no Plano Espiritual; Perispírito e Emissões
Energéticas à Distância.
Paralelamente, a equipe de Espíritos que coordena o trabalho no CEAK e que se integrou à
pesquisa de forma entusiasmada, desenvolveu um objeto alternativo, posteriormente
identificado pelos membros do GPCEB, demonstrando as diferentes formas de pensamento dos
espíritos desencarnados.

Para cada um dos objetos designou-se um responsável, com a tarefa inicial de realizar pesquisa
bibliográfica em relação ao tema, com a conseqüente elaboração de um roteiro de questões a
serem respondidas pelos espíritos.

As informações foram obtidas através de diálogos estabelecidos a partir desses roteiros préelaborados
pelo GPCEB. Como no método desenvolvido pelo fundador do Espiritismo(8) , "...
chegávamos a cada sessão com uma série de perguntas preparadas, e metodicamente
arrumadas".

Foi comum a prática de evocação relacionada aos temas a serem pesquisados, sem que
houvesse, entretanto, direcionamento à determinada personalidade. Em algumas reuniões
foram evocados nominalmente entidades para debater questões pontuais e dúvidas persistentes.
Na ausência de questionários previamente elaborados, o que ocorreu de forma esporádica, as
reuniões foram desenvolvidas com temas livres.


O roteiro de perguntas foi repetidamente submetido a vários espíritos, em diferentes reuniões,
por diferentes médiuns. O processo de formulação intelectual dos membros encarnados,
pertencentes ao GPCEB, foi permanente e intenso.(9)

Para a consecução do trabalho de análise, foram utilizadas as transcrições das gravações de
fitas magnéticas referentes as dezenas de reuniões de pesquisa mediúnica realizadas
semanalmente, às segundas feiras, com aproximadamente duas horas de duração, por mais de
três anos, no Centro Espírita Allan Kardec, de Santos-SP. Estas reuniões contaram com a
presença de dois coordenadores que alternavam a cada semana a direção dos trabalhos, três
pesquisadores membros do GPCEB e seis médiuns. Destes, dois proporcionaram
comunicações psicográficas e psicofônicas e os demais se restringiram às comunicações
psicofônicas; todos conscientes (intuitivos e semi-mecânicos na classificação proposta por
Kardec(10) ) e com mais de 25 anos de exercício mediúnico.

Após alguns meses, o GPCEB foi convidado pela direção do CEAK a assumir a direção do
Departamento de Pesquisas daquela entidade, passando a se responsabilizar pela direção desta
reunião mediúnica, inteiramente destinada à pesquisa científica. A qualidade do produto final e
a própria metodologia utilizada pelo GPCEB são ainda hoje consideradas experiências
referências, que podem ser utilizadas no processo de atualização do Espiritismo,
particularmente no que diz respeito a utilização do método mediúnico com tal finalidade.

O "método" mediúnico pressupõe a utilização do controle e da concordância universal dos
ensinamentos e opinião dos espíritos. Toda nova tese somente será validada se após a análise
crítica de seu conteúdo (e não de forma) apresentar coerência e consistência comparativa,
adquirindo caráter universal e não a visão particular de um espírito ou grupo de espíritos.

Pressupõe-se e estabelece-se como de fundamental importância que os investigadores tenham
pleno conhecimento teórico e prático da mediunidade (cuja referência fundamental é o "Livro
dos Médiuns", de Allan Kardec), sendo capazes de lidar com as diversas situações que podem
induzir a erros em relação a produção e análise das informações obtidas através da
mediunidade.

Importa salientar, todavia, que a investigação mediúnica não deve ser utilizada como a única
via de produção de conhecimento e de atualização do pensamento espírita. Não pode, por outro
lado, ser desprezado ou subutilizado esse instrumento de investigação da realidade,
particularmente nos assuntos correlacionados à vida no mundo espírita, perispírito, entre outros
temas, em que a opinião dos espíritos (se for estabelecida uma concordância universal e
submetida à análise crítica e racional) pode alargar em muito nossa compreensão em torno do
objeto em estudo. Reforça-se, desta forma, sobremaneira o papel dos espíritas (encarnados) no
progresso do Espiritismo.

Crítica externa:

Todas as conclusões resultarão em teses de atualização em relação a visão espírita sobre algum
tema ou conceito. É extremamente desejável, entretanto, que estas contribuições não "nasçam
velhas", superadas ou em contradição com os conhecimentos e avanços científicos atuais.


Torna-se de fundamental importância, portanto, submeter as conclusões à crítica externa,
utilizando-se profissionais reconhecidamente especialistas na área abordada, preferencialmente
ligados à universidade, para análise quanto ao conteúdo das formulações, resultados, linguagem e
método utilizados. Não é necessário que haja concordância, por exemplo, do parecer exarado em
relação ao conteúdo das conclusões do Grupo de Trabalho ao se solicitar uma análise de um
professor de física nuclear ou de um especialista da área de biologia molecular, tradicionalmente
vinculados à concepção materialista. Mas a crítica pode ser extremamente útil na formulação de
teses e hipóteses mais consistentes e na adequação da linguagem e do método.

Busca-se, desta forma, auferir e aumentar a validade, a precisão e a confiabilidade dos
resultados obtidos.

Não tenho dúvida, ainda, do papel positivo e estimulador da produção de conhecimentos (quase
que provocador) e da divulgação do Espiritismo que esta mudança de postura em relação à
academia provocaria. Hoje (assim como ontem), os espíritas esperam que a universidade e o
desenvolvimento científico venham ao encontro dos conceitos espíritas, como se este fosse um
caminho inexorável para a ciência. Não é. Os pequenos mas consistentes avanços obtidos pela
ciência espírita foram exatamente quando o fenômeno espírita foi analisado pelo método
científico e por pesquisadores não espíritas que se debruçaram na investigação uma vez
provocados pelos espíritas ou pela própria fenomenologia.

Conclusão do Estudo:

Uma vez estabelecidas as conclusões finais do Grupo de Trabalho, far-se-ia a circulação e
divulgação das mesmas por um período de um a dois anos, sob o título de "Tese para a
atualização do tema:.......". Neste período, procurar-se-ia submetê-la a um grande processo de
crítica interna (junto ao movimento espírita) e externa (conhecimentos científicos de outras
disciplinas e correntes do pensamento humano), avaliando a vulnerabilidade e a consistência
desta nova proposta de formulação conceitual.

Ao cabo deste período, poder-se-ia incorporar parcialmente algumas destas críticas, refutá-las
integral ou parcialmente para enfim, em um Fórum Espírita Internacional especificamente
criado para tal fim, desencadear um processo de deliberação.

Creio que o ideal é que este Fórum Espírita Internacional fosse realizado, a princípio, a cada 5
ou 6 anos e, posteriormente, a cada 10 anos, se possível com a participação das diversas
tendências existentes no movimento espírita (respeitando-se sua heterogeneidade e
reconhecendo a impossibilidade de uniformizá-lo em uma corrente única), com a
responsabilidade de estabelecer o processo de deliberação e incorporação deste tema em
estudo, devidamente atualizado, ao contexto e aos conceitos da doutrina espírita.

A CEPA, definitivamente extrapolando seu caráter interamericano, deve procurar dirigir
partilhadamente com outras instituições federativas, grupos e tendências do movimento
espírita, a responsabilidade pela articulação deste Fórum Espírita Internacional, dedicando-se
ao exaustivo processo de negociação que irá requerer tal empreitada.

Deve estar preparada, entretanto, para assumir a direção deste movimento caso não haja
correspondência ao convite público que tem emitido à outras entidades e lideranças federativas
para o desenvolvimento deste processo de atualização do Espiritismo. Mesmo que para isso


tenha que mudar seus estatutos e finalidades, passando de fato e de direito a liderar os espíritas
kardecistas laicos, livre pensadores, humanistas e preocupados com o progresso do Espiritismo
em todo o mundo.

A CEPA deve, assim, independentemente da resposta e da participação do movimento espírita
no processo de atualização do Espiritismo, constituir imediatamente uma Comissão de
Relações Intercontinentais, de caráter permanente, com representantes das três Américas, da
Europa e na medida do crescimento do Espiritismo, dos demais continentes. Tendo em vista o
vigor do movimento espírita no Brasil, Argentina e Venezuela, inicialmente esta comissão
poderia contar com representação também destes três países.

Caso não haja consenso, será necessário estabelecer um pacto ético que permita a cada tendência
do movimento espírita caminhar com suas próprias conclusões, tomando cada uma o cuidado de
advertir em suas publicações, congressos, conferências, etc., de forma honesta e respeitosa, que
não se tratam de teses aceitas pela totalidade do movimento espírita. De toda forma, antevejo
enormes e aparentemente insuperáveis dificuldades para a obtenção de unanimidade em torno de
questões extremamente polêmicas, mesmo que partamos das mesmas referências conceituais de
análise (as obras de Allan Kardec e os princípios básicos da filosofia espírita). É praticamente
impossível supor que haja unanimidade e consenso em torno da revisão e atualização do
Espiritismo, até mesmo porque parte significativa do movimento não o considera passível de
atualização em função de seu entendimento quanto à natureza (divina) daquele.

Divulgação e Disseminação dos Resultados

Deve-se definir prioritariamente como os resultados serão divulgados e disseminados, uma vez
aprovados pelo Fórum Espírita Internacional, pois o coroamento e êxito de todo este processo
depende em muito da capacidade de disseminar e capilarizar os resultados obtidos.

É importante planejar (e aí identifico outra importante pauta para a próxima Diretoria Executiva
da CEPA, a ser constituída a partir do XVIII Congresso da CEPA) como os resultados serão
apresentados e difundidos para a comunidade espírita e para a sociedade em geral.

Não tenho propostas prontas e acabadas para tanto. Quando muito ouso fazer algumas
sugestões, reconhecendo as especificidades e complexidade do campo da Publicidade e da
Propaganda, uma das mais novas áreas sistematizadas de conhecimento humano e para a qual o
movimento espírita ainda não despertou, lidando amadoristicamente com a questão.

Temos inúmeros companheiros espíritas, profissionais e especialistas na área que deverão, em
conjunto com aqueles de labutam há muitos anos na área da divulgação espírita, produzir uma
política de comunicação e propaganda competente e consistente, moderna e adequada aos
novos tempos e aos meios de comunicação de massa e formação de opinião existentes.

Algumas idéias, entretanto, aqui são apresentadas:

utilização massiva da Internet, através de Home-page específica e das entidades espíritas;
publicação de livros (em vários idiomas) com as conclusões e deliberações finais do Fórum
Internacional (impressos, em CD-ROM e multimídia);


publicação nos periódicos (jornais, boletins e revistas), programas de rádio e TV espíritas e


espiritualistas;
realização de Seminários e outros eventos para públicos espíritas e não espíritas abordando os
assuntos atualizados;


eficiente e persistente manifestação da visão espírita em relação aos principais problemas


humanos nos debates públicos promovidos pelos meios de comunicação de massa;
utilização estratégica de manifestações culturais e artísticas para difusão destes conhecimentos
(vídeo, cinema, música, teatro, fotografia, artes plásticas, etc.) com envolvimento de artistas e
produtores simpatizantes e adeptos do Espiritismo;


estímulo à jovens profissionais e acadêmicos espíritas para que desenvolvam monografias e
teses de pós-graduação correlacionando, na medida do possível, sua área de atuação
profissional ou acadêmica específica com a investigação e ampliação do conhecimento espírita.


Cronograma

Torna-se fundamental o desenvolvimento de um Cronograma de Trabalho (anexo) que esteja
contido no Protocolo de Estudos, tanto para o acompanhamento e organização do processo
como para que haja um real comprometimento dos envolvidos quanto a apresentação de
resultados.

Os espíritas não devem imaginar que participarão de um processo que se encerra em si mesmo.
O produto final esperado é da maior relevância para o destino e progresso do Espiritismo.
Desta forma, justifica-se a importância que destinamos ao conceber este processo de
atualização do Espiritismo e cada uma das etapas que compõe o Cronograma de Trabalho.

IV. CONCLUSÕES
O momento não permite conclusões. Este estudo reflete preocupações cuja análise e
formulação de propostas estão totalmente em aberto, aguardando o processo de debate, crítica,
sugestões e novas formulações. Numa conjuntura em que a expressão "abertura" reveste-se de
caráter especial.

O XVIII Congresso Espírita Pan-Americano representa o marco inicial deste processo de
atualização do Espiritismo. À CEPA cabe em grande parte a responsabilidade pela continuidade
e seqüência deste processo. O sucesso deste evento e os avanços que poderão ser empreendidos
dependerão única e exclusivamente de nossa participação efetiva, vibrante, corajosa, despojada
de pré-conceitos e do espírito bélico que caracteriza as relações entre os espíritas.

É preciso que não nos esqueçamos das sábias e prudentes recomendações que Allan Kardec
inseriu no penúltimo parágrafo da Conclusão de O Livro dos Espíritos, referindo-se às
divergências de opiniões sobre pontos da teoria entre os adeptos do Espiritismo:

"Pode pois haver escolas que procurem se esclarecer sobre as partes ainda controvertidas da
ciência; não deve haver seitas rivais uma das outras. (...) todos têm um laço comum que os
deve unir num mesmo pensamento; todos têm um mesmo objetivo. (...) Nenhuma deve se
impor pelo constrangimento material ou moral (...) A razão deve ser o supremo argumento e a


moderação assegurará melhor o triunfo da verdade do que a crítica envenenada pela inveja e
pelo ciúme." (grifos deste autor).

Este processo não poderá dispensar, ainda, um intenso e competente esforço intelectual e muita
determinação para levar em frente as oportunidades que se abrem e não desprezá-las
futilmente.

As bases para a releitura e atualização do Espiritismo estão plantadas. Foram germinadas no
século XIX por Allan Kardec em sua genial obra de estruturação do pensamento espírita. Deste
processo depende o futuro do Espiritismo. Depende a sua capacidade de interlocutar e influir
nos destinos da humanidade, de contribuir com o processo de evolução do planeta e ao mesmo
tempo de se revigorar enquanto uma potente doutrina filosófica.

Mais do que nunca permanece vivo, atual e instigante o desafio lançado por León Denis: "O
Espiritismo será no futuro o que dele os espíritas fizerem".

REFERÊNCIAS

Ver para tanto:
Kardec, A . Revista Espírita – Jornal de Estudos Psicológicos. "O Futuro do Espiritismo". São
Paulo, Edicel: Ano 1863 (pág. 192) e 1868 (pág. 049).


Kardec, A . Obras Póstumas. "O Futuro do Espiritismo". Araras, São Paulo, IDE, 6ª edição, 1997,


pág.289.
Kardec, A. Revista Espírita – Jornal de Estudos Psicológicos. São Paulo, Edicel Setembro de 1867,
pág. 262.


Trecho de um e-mail recebido em abril de 1999, oriundo de uma lista de discussão espírita pela
Internet.
Circular n.º 01 da Comissão Organizadora do XVIII Congresso Espírita Pan-Americano, 1999.
Ibidem.


Membros do Centro Espírita Allan Kardec, de Santos-SP.
O Simpósio Brasileiro do Pensamento Espírita encontra-se atualmente em sua 6ª edição, sendo
promovido bienalmente pela LICESPE, vinculada ao Lar Veneranda (Santos-SP), com o apoio de
diversas instituições espíritas.


KARDEC, A . – Obras Póstumas. 6ª ed. IDE. Araras, SP, 1997. p. 260.
Mais dados sobre o método de pesquisa podem ser encontrado no trabalho de autoria de Gisela
Régis Henrique, denominado "Histórico e Método de Trabalho sobre a formação de um Grupo de


Pesquisa – GPCEB", apresentado no II Simpósio Brasileiro do Pensamento Espírita, em
Mongaguá-SP, 1991.
Em O Livro dos Médiuns (p. 198-199), Kardec define médium intuitivo como aquele em que a


transmissão do pensamento ocorre por intermédio do Espírito do médium. O Espírito não atua
sobre a mão; não a toma, não a guia; ele age sobre a alma, com a qual se identifica. Já os médiuns
semi-mecânicos sentem uma impulsão externa, malgrado seu, mas, ao mesmo tempo, tem a
consciência do que escrevem ou falam.


(*) Médico sanitarista e homeopata, consultor e especialista em gestão e planejamento em saúde, professor
de Saúde Pública da Faculdade de Medicina de Santos-SP, membro fundador do CPDoc, escritor, expositor,
2º vice-presidente da CEPA (2000/04), Presidente do Centro Espírita Allan Kardec, de Santos-SP, autor do
livro "Espiritismo e Vitalismo".


EPISTEMOLOGIA E CIÊNCIA ESPÍRITA


Contribuição para Debate
Reinaldo Di Lucia


Trabalho apresentado no IV SBFE - 1995

1- INTRODUÇÃO:

Indubitavelmente, existe, no Brasil, um movimento espírita, se entendermos por
movimento um conjunto organizado de pessoas que se dizem espíritas, ou que, de alguma
forma, procuram" seguir" os ensinamentos que nos foram proporcionados por Allan
Kardec. Prova disto são os inúmeros centros, casas, núcleos, etc., espíritas, com os quais
nos deparamos diariamente, mesmo que alguns deles com nomes que indicam mais um
sincretismo religioso - seja de origem afro ou cristã - que propriamente espírita.

Entretanto, o que se observa é que tal movimento espírita é, por assim dizer, amorfo.
Senão vejamos, em que se baseia sua existência? Apesar das reiteradas afirmações de
Kardec sobre a função dos grupos de espíritas, focando-a principalmente no estudo e
desenvolvimento do espiritismo (e, conseqüentemente, com o dever de dar séria
importância à divulgação dos conceitos espíritas, da maneira mais atualizada possível, o
que se observa é o foco no assistencialismo imediatista. Este, mesmo sendo necessário
num dado momento, visando atacar problemas agudos que proliferam na sociedade
brasileira (tais como a fome, o desabrigo, o desemprego, entre outros); não passa de uma"
ação de bombeiro", que apaga o fogo mas não constrói o futuro.

E é exatamente neste sentido, o de construção do futuro, que foi dito que o movimento
espírita é amorfo. Existem grandes e sérias perguntas que se fazem e que, a contragosto,
acabam ficando sem resposta: que contribuição efetiva trouxe a doutrina espírita para a
humanidade, considerada em seu todo? Qual a influência do espiritismo sobre a cultura,
seja nos meios acadêmicos formais, ou informais? Que papel vem cumprindo o espiritismo
na elaboração de um mundo mais evoluído, onde o homem possa ser mais feliz?

Nada, infelizmente, ou ao menos muito pouco. Depois de um início fulgurante, onde o
espiritismo andava paripasso com a ciência oficial, onde os maiores expoentes espíritas
ocupavam postos proeminentes nas academias, onde a principal preocupação dos grupos
espíritas era a confirmação formal das teorias - e idéias apresentadas pelos espíritos
desencarnados (normalmente através de médiuns com pouco ou nenhum conhecimento),
ocorreu uma transformação radical no seio da doutrina espírita. Esta transformação incluiu:


O quase desaparecimento do espiritismo na Europa;

A vinda para o Brasil, onde encontrou campo fértil ao seu florescimento;

O sincretismo, no Brasil, com as várias escolas religiosas aqui existentes;

A superestimação da "caridade", em detrimento do conhecimento;

As conseqüências desta transformação acabaram sendo altamente funestas para o
espiritismo, do ponto de vista que estamos abordando. De fato, hoje, o espiritismo é um
ilustre desconhecido nos meios culturais. Quando muito, e isto no Brasil, refere-se à
doutrina espírita como uma religião, ou talvez uma seita, que, portanto, pertence ao campo
da mística, ao lado da cromoterapia, cristais, anjos, etc.

Dentro do meio espírita, a idéia vigente é que tudo corre da melhor maneira possível. O
movimento espírita, como conseqüência direta das transformações já citadas, encara o
espiritismo como um tripé, constituído de ciência, filosofia e religião. É importante frisar
que este é um tripé desigual, onde o aspecto "religião" suplanta com larga margem os
demais. Em meados da década de 80, observou-se uma reação a este ponto de vista,
reação esta que, tendo por base o próprio Kardec, contestava o caráter de religiosidade da
doutrina espírita. Desde esta época, a grande questão em pauta é saber se o espiritismo
deve ou não ser considerado uma religião.

No entanto, muito pouco se discute sobre os demais aspectos expostos. Na verdade, é
muito difícil contestar o caráter filosófico do espiritismo, uma vez que sua principal
contribuição é uma cosmo visão inteiramente nova, antecipando, ao menos na forma
como são estruturados os seus princípios básicos, em mais de 100 anos a proposta de
uma visão holística, preconizada pela psicóloga francesa Monique-Thoening, em 1980.
Assim, até mesmo devido a esta facilidade, o desenvolvimento da filosofia espírita é uma
realidade, apesar dos problemas que serão discutidos mais adiante.

Já no que diz respeito à ciência espírita, a situação é muito mais nebulosa. A despeito de
Kardec encarar a doutrina espírita como uma ciência, e sujeita aos mesmos critérios de
validação então vigentes, a noção de ciência espírita tem sido usada, com grande
freqüência, de duas maneiras distintas:


Pelo movimento espírita "oficial", como sendo uma antecipação de todas as
grandes descobertas que serão, um dia, realizadas. De fato, é muito comum ouvir-
se frases como: "Mais cedo ou mais tarde, a ciência demonstrará que o espiritismo
estava certo".

Por aqueles que questionam o caráter religioso, como sendo uma contra posição à
postura mística que se observa em grande parte das organizações que formam o
movimento espírita "oficial".
Como se observa, o aspecto científico da doutrina espírita não é questionado pelos
espíritas, apesar das razões diversas apresentadas pelos místicos e pelos não "místicos".
Apesar disto, o meio científico tem solenemente ignorado o espiritismo, remetendo-o, na
melhor das hipóteses, ao campo da metafísica. As teses espíritas, mesmo sendo racionais
e baseadas em pesquisas realizadas por luminares da história das ciências, não
encontram campo para desenvolverem-se nas academias.

Em vista disto, será que ainda podemos afirmar que o espiritismo é uma ciência (mesmo
se o encararmos como a "ciência do futuro")? Quais são os pré-requisitos indispensáveis


para que uma disciplina possa adquirir o estatuto de ciência? Quais os elementos
comprobatórios da cientificidade do espiritismo? O que seria necessário para que a
doutrina espírita passasse a ocupar um lugar nas academias de ciências? Como seria a
epistemologia do espiritismo?

Tais são as questões que o presente trabalho se propõe a discutir. Deve-se, no entanto,
levar em consideração que tal discussão passa, necessariamente, por:


Uma avaliação daquilo que hoje é considerado como sendo ciência, e que,
portanto, pode receber a "chancela oficial" das academias. Este é um campo de
debate que vem sendo muito abordado pela filosofia da ciência, cujas discussões,
de cunho basicamente epistemológico, são deveras complexas.

O confronto dos postulados da ciência espírita com os paradigmas vigentes, os
quais podem não ser adequados ao seu objeto de estudo. Talvez seja necessário
questionar estes paradigmas, e propor a criação de novos, o que também traz uma
considerável carga de complexidade.

A falta de uma discussão, no meio espírita, da questão metodológica, sem a qual é
impossível fazer ciência. A ciência espírita ressente-se muito da ausência desta
discussão, que deveria, dada a abrangência do objeto de estudo, envolver vários
segmentos do meio espírita.
Isto posto, considerando as dificuldades inerentes ao tema, propõe-se que esta primeira
apresentação tenha o caráter não de uma tese ou mesmo uma monografia, mas de uma
contribuição para debate, que deverá ser posteriormente enriquecida.

2- O ESTATUTO DE ClENTIFlCIDADE:

Este é, provavelmente, o grande x da questão, e é também a tema mais complexo a ser
desenvolvido: quando algo pode ser considerado científico, porquê o pode e como? Para
possibilitar esta discussão, vamos partir de algumas concepções que temos a respeito da
ciência - ou seja, vamos delimitar os termos a serem empregados.

Podem-se encontrar as seguintes concepções de ciência:


"1. Conhecimento. 2. Saber que se adquire pela leitura e meditação; instrução,
erudição, sabedoria. 3. Conjunto organizado de conhecimentos relativos a
determinado objeto, especialmente os obtidos mediante a observação, a
experiência dos fatos e um método próprio: ciências históricas; ciências físicas. 4.
Soma de conhecimentos práticos que servem a um determinado fim: ciência da
vida. 5. A soma dos conhecimentos humanos considerados em conjunto: os
progressos da ciência em nossos dias. 6. Filosofia. Processo pelo qual o homem se
relaciona com a natureza, visando a dominação dela em seu próprio benefício.
[Atualmente este processo se configura na determinação segundo um método e na
expressão em linguagem matemática de leis em que se podem ordenar os

fenômenos naturais, do que resulta a possibilidade de, com rigor, classificá-Ios e

controlá-los.] {Seguem-se as seguintes definições: ciência cristã, ciência
econômica, ciência infusa, ciências aplicadas, ciências econômicas, ciências
exatas, ciências experimentais, ciências físicas, ciências humanas, ciências morais,
ciências naturais, ciências normativas, ciências ocultas, ciências sociais}"1


Para Ernest Nagel, a ciência tem três aspectos obrigatórios:
.
Permitir um controle prático da natureza, que desemboca na tecnologia e nos
problemas éticos que dela advem.
.
"(...) algo que se propõe atingir conhecimento sistemático e seguro, de sorte
que seus resultados possam ser tomados como conclusões certas a propósito
de condições mais ou menos amplas e uniformes sob as quais ocorrem os
vários tipos de acontecimentos."
.
Uma forma de conhecimento que parte de um método de investigação "
Aspecto .muitas vezes mal interpretado e sempre difícil de descrever com
brevidade, mas que é, talvez, seu traço mais permanente e garantia última do
crédito que merecem as conclusões da investigação científica." Para Nagel este
método" é a lógica geral, tácita ou explicitamente empregada para apreciar os
méritos de uma pesquisa. "2


Divisão particular do conhecimento, especialmente uma que trabalha com um
conjunto de fatos ou verdades sistematicamente arranjadas, e mostrando a
operacionalização de leis gerais."3
Resumindo, tais definições enfatizam os seguintes pontos, no que tange ao conceito de
ciência:


Conjunto organizado de conhecimentos, isto é, o saber estruturado de forma
a pertencer a uma comunidade.

Conhecimentos obtidos através da observação, da experiência dos fatos e
de um método próprio, o que descredencia o saber obtido fora destes
critérios do estatuto de "científico".

Ciência como meio de dominação da natureza, isto é, a possibilidade da
predição: "ciência, logo previsão, logo ação", como dizia Comte.

A obtenção da verdade, a partir da descoberta de leis, equivalendo a reputar
como verdadeiro somente o saber adquirido desta forma.
Há uma explicação histórica para que a ciência seja, até hoje, vista desta maneira. De
fato, apesar de o problema do conhecimento existir no homem desde os primórdios da
civilização, as motivações e os métodos que levam ao conhecimento são inerentes à
época em que se deram.


O início da jornada do conhecer humano é marcado por uma forma mítica de pensar. O
mito é a primeira forma de descrição do universo, cujos principais expoentes foram
Hesíodo e Homero. Na descrição mítica (canto), os fenômenos naturais são frutos das
ações dos deuses, num momento de paixão (pathos). O objetivo do canto (evocação) é
realizar este pathos, através das características próprias de cada deus.

A este dizer mítico contrapõe-se o estudo racional (logos) do universo, que teve início no
século VI a.C. com Thales de Mileto. Entretanto, esta contraposição se faz não tanto no
sentido da essência dos pensamentos, mas principalmente, no método4 de estudo
empregado. Ainda assim, a. grande novidade desta forma de descrever o universo (que,
de resto, era o objetivo último de toda a filosofia pré-socrática), é o desejo de encontrar a
arché, ou seja, a substância primordial e fundamental que constituiria o universo, da qual
todas as demais seriam derivadas.

É, porém, com Sócrates (Séc. V a. C.) e com seu discípulo Platão que o homem volta-se
para dentro de si. A mudança de foco que se faz então, deixando de priorizar o objeto
cognoscível para focar o sujeito cognoscente (e é, então, que se delineia o humanismo
socrático), é uma verdadeira revolução epistemológica, a ponto de só ser inteiramente
compreendida séculos mais tarde. A partir da filosofia de Sócrates, e sua busca incansável
pela definição precisa dos termos (conceito), Platão cria o idealismo. A proposta é que o
homem traz consigo, de forma inata, uma representação do mundo verdadeiro, o Mundo
das Idéias, da qual nosso mundo sensório não é mais que simples corruptela (este Mundo
é a fonte das idéias inatas que os homens apresentam sem que nada Ihes tivesse sido
ensinado).

Outra revolução é feita com um discípulo de Platão, Aristóteles. Diferentemente do mestre,
Aristóteles não aceitava a tese das idéias inatas, considerando que o homem nascia
absolutamente ignorante (o homem é uma tabula rasa), vindo a aprender e aprender o
mundo através dos sentidos: "Nada existe no intelecto que não tenha passado" antes
pelos sentidos". Pode-se dizer que Aristóteles é o primeiro cientista, no sentido moderno
do termo: com sua lógica (a qual estuda não o processo - o como - a inteligência chega
aos conseqüentes, mas, sim, a correção - a validade - do processo uma vez terminado)
ele delimita o conhecimento e suas possibilidades metódicas.

Estes dois pontos de vista dissonantes, tanto do ponto de vista do método como do
principio do conhecimento (o idealismo I racionalismo de um lado e o empirismo I realismo
de outro), tiveram (e a rigor ainda têm) profunda influência em toda a história da filosofia.
Na verdade, o primeiro pensador a ocupar-se destas questões sob um prisma diverso é
Descartes (1596 - 1650), no século XVII. É claro que estas questões estão mais afeitas à
filosofia, tendo ficado por longo tempo afastada das academias de ciência. Os cientistas
somente agora, ao final do século XX, é que estão se dando conta da importância capital
desta discussão.5


Mesmo assim, estas questões eram parte integrante (talvez mesmo o principal fundamento)
das teorias dos precursores do método científico até hoje vigente. Vemos que foi a partir
deste debate que Bacon6, logo complementado por locke7, define o método empírico como
base fundamental da investigação científica, e formula o raciocínio indutivo, cujo método
parte de um ou mais dados conhecidos para se chegar a uma conclusão científica (neste
conceito, já se percebe um caminho que levará fatalmente à experimentação). Mas não se
pode esquecer que a principal fonte motivadora desta postura é a oposição às teses de
Aristóteles que, através da filosofia tomista (numa tentativa de conciliar a fé e a razão),
dominou o cenário intelectual durante toda a idade média.

Descartes ocupou-se com outra questão, Preocupado em analisar nem tanto a verdade a
ser obtida, mas o modo como se conhece, ele antepõe a epistemologia à ontologia,
postura decididamente inédita em toda a história da filosofia, e estabelece como único
método possível a dúvida (princípio da dúvida metódica). A partir dai. postula a existência
de uma coisa pensante, que seria o próprio eu,"Penso, logo existo", Eis definido o
racionalismo, poderosa arma a contestar o dogmatismo ainda vigente na época. A seguir,
Descartes define seu método, que parte da intuição, utiliza a clareza e a distinção como
regras do conhecimento e emprega a decomposição analítica do objeto em seus
componentes básicos.

Apesar de toda esta carga racionalista, que é fundamental para a construção do modelo
mecanicista do mundo, Descartes usa um conceito metafísico (Deus) para validar o seu
método. A introdução deste elemento metafísico faz com que ele postule também o
dualismo, separando o corpo (res extensa) da alma (res cogitans).

A formulação filosófica do moderno método científico estava completa. O arremate viria
com as descobertas das leis do mundo físico, realizadas e consolidadas, principalmente,
por Galileu e Newton.

Galileu Galilei (1564 - 1642), físico, astrônomo e matemático italiano, "foi quem primeiro
utilizou a combinação de raciocínio teórico, observação experimental e rigorosa linguagem
matemática, que até hoje caracteriza essa ciência básica".8 Estabelece as principais leis
do movimento, criando o ramo da cinemática (e a conseqüente relatividade galileana), as
leis da queda e, através da observação astronômica, validou a teoria heliocêntrica. Teve
muita Influência sobre as idéias de Descartes.

Isaac Newton (1642 - 1727) matemático, físico, astrônomo e teólogo inglês, é no dizer de
Isaac Asimov, o maior cientista que já viveu. Criador da mecânica clássica, da física dos
fenômenos celestes, das leis da dinâmica (as famosas leis de Newton), de parte da
hidrodinâmica, da ótica (principalmente a reflexão e refração da luz), do cálculo
infinitesimal, das leis da gravitação universal, e da teoria sobre a natureza corpuscular da
luz. Em sua maior obra, Princípios matemáticos da filosofia natural, Newton define o seu
método de investigação, inteiramente experimental, baseado na descrição matemática
para se chegar à avaliação crítica dos fenômenos. "Graças a Newton, estabeleceu-se de


forma refinada e precisa a visão do mundo como tKi1I espetacular e perfeita máquina,
movida por leis determinadas, em última instância, por seu Divino Criador."9

O modelo mecanicista do universo, base do método científico ainda hoje vigente,
completa-se no século XIX, com Auguste Comte (1798 - 1857), filósofo francês. Comte
delineia os princípios básicos da ciência, através de uma hierarquização das disciplinas
conhecidas e da formulação de um sistema que é, ao mesmo mecanicista (encara o
universo como uma máquina), reducionista (o objetivo da ciência reduz-se ao fato positivo,
observável) e determinista (busca estabelecer relações causais constantes e necessárias
entre os fenômenos). É o positivismo, cujas bases ainda hoje são válidas nos meios
acadêmico e científico.

Assim, podemos definir os princípios do moderno método científico:

.
A experimentação, através da qual se pode comprovar ou não a teoria, e que
permite a repetição por qualquer cientista convenientemente aparelhado.

.
A universalidade, isto é, a confirmação dos experimentos em diversos locais
por diversos cientistas.

.
O critério de falseabilidade, que permite que uma teoria possa ser falseável,
para que possa, também, ser convenientemente demonstrada.

.
A quantificação, que permite uma delimitação precisa do "até onde."
podemos considerar válida a teoria. A partir da definição do princípio da
incerteza, esta quantificação passou a incluir, necessariamente, critérios
estatísticos.

A evolução do conhecimento, a qual se realizou com uma diretriz científica em direção ao
modelo mecanicista, foi despojando o homem de sua condição central no universo, e
relegando-o a nada mais que uma máquina. Segundo Kart Jaspers, houve, no decorrer
desta evolução, três verdadeiras revoluções científicas que levaram a isto:

.
A primeira, de cunho cosmológico, foi a aceitação do heliocentrismo em detrimento
do geocentrismo. (Séc. XVII).

.
A segunda, de cunho biológico, foi a descoberta da evolução darwiniana.

.
A terceira, de cunho psicológico, deu-se com as pesquisas de Wundt, que
culminaram com a teoria behaviorista.

No entanto, eis que o final do século XIX e início do XX trouxeram uma total inversão dos
valores positivistas, notadamente na física. "Duas descobertas no campo da física,
culminando na teoria da relatividade e na teoria quântica, pulverizaram todos os principais
conceitos da visão de mundo cartesiana e da mecânica newtoniana. A noção de espaço e
tempo absolutos, as partículas sólidas elementares, a substância material fundamental, a
natureza estritamente causal dos fenômenos físicos e a descrição objetiva da natureza



nenhum destes conceitos pôde ser estendido aos novos domínios que a física agora
penetrava."10

Além das novidades no campo puramente físico, duas das descobertas causaram (ou ao
menos seriam capazes de causar) uma revolução das mais sérias no seio da Teoria do
Conhecimento e no método científico:


A primeira delas é o Princípio da Incerteza de Heisenberg. Descrito fisicamente
como a impossibilidade de podermos determinar ao mesmo tempo a posição e a
velocidade de uma partícula subatômica, sua influência na base filosófica da ciência
é derrubar a raiz determinista do positivismo. A partir desta descoberta, foi
necessário reavaliar toda a relação de causalidade, bem como admitir que uma
mesma causa pode redundar em diferentes efeitos. Foi também necessário passar
a avaliar a interferência do acaso, (a-caso, sem causa determinada ou conhecida)
nos fenômenos naturais.

A outra descoberta, realizada por Luis DeBroglie, é a dualidade Partícula: Onda,
isto é, a capacidade que determinadas unidades subatômicas têm de se
apresentarem ora como partícula, ora como onda, dependendo, a rigor, do tipo de
experimento (ou, em linguagem mais poética, do modo como o cientista realiza a
pergunta). "A dualidade partícula - onda, que as unidades subatômicas exibem, faz
desabar solenemente o princípio da não contradição da lógica formal, que se
encontra na base do raciocínio clássico. A é A, e também A é não-A!".11
Apesar disso, incrivelmente, tais descobertas não foram bastante fortes para causarem
uma ruptura do paradigma então (e ainda) vigente. Entretanto, as próprias ciências da
natureza, hoje, pouco se apóiam neste paradigma e, mais que isto, apelam para o
conhecimento intuitivo do homem para compreendê-Ia:

"A resolução, do paradoxo partícula I onda forçou os físicos a aceitarem um aspecto da
realidade que contestava o próprio fundamento da visão mecanicista de mundo - o
conceito de realidade da matéria. Em nível subatômico, a matéria não existe com certeza
em lugares definidos; em vez disso, mostra" tendências para existir", e os eventos atômico
não ocorrem com certeza em tempos definidos e de maneiras definidas, mas antes
mostram" tendências para ocorrer". No formalismo da mecânica quântica, essas
tendências são expressas como probabilidades e estão associadas a quantidades que
assumem a forma de ondas; são semelhantes às formas matemáticas usadas para
descrever, digamos, uma corda de violão em vibração, ou uma onda sonora. É assim que
as partículas podem ser, ao mesmo tempo, ondas. Não são ondas tridimensionais reais,
como as ondas da água ou as ondas sonoras. São" onda.s de probabilidade" quantidades
matemáticas abstratas com todas as propriedades características de ondas -
que estão relacionadas com as probabilidades de se encontrarem as partículas em
determinados pontos do espaço e em momentos determinados. Todas as leis da física


atômica se expressam em termos destas probabilidades. Nunca podemos predizer com
certeza um evento atômico: apenas podemos prever a possibilidade de sua ocorrência".12

O efeito que estas descobertas teve pode ser comparado ao de uma bomba na mente dos
cientistas. Mais de um deles (mesmo nomes imortais, como Einstein, Heisenberg, Bohr)
afirmaram em diversas ocasiões que não estavam preparados para absorver todo o
impacto destas novas concepções (apesar de eles mesmos serem seus criadores). E isto
levou diretamente às profundas discussões epistemológicas do fim do século (Popper,
Kühn, Schlick, Camap) e à formação de um paradigma que pudesse dar conta destas
novas questões: um Paradigma holístico.13

Se, por um lado, dentro das próprias ciências de investigação da natureza já se levantam
dúvidas sobre a validade do modelo científico vigente, a coisa se toma muito mais grave
nas ciências ditas humanas.14

Michel Foucault15, por exemplo, acha inteiramente desnecessário considerar as ciências
humanas como falsas ciências, uma vez que elas não são, em absoluto, ciências. Nada
têm a ver com aquilo que pode ser denominado ciência. A configuração daquilo que define
a positividade daquilo que hoje chamamos de "ciências humanas", e que as enraíza na
episteme moderna coloca-as fora do estatuto de cientificidade. Os motivos que levam
Foulcault a dizer isto baseiam-se, principalmente, na teoria que sua "arqueologia do saber"

o conduziu a formular sobre as ciências humanas e no próprio conceito de homem. Para
Foucault, "O homem é uma invenção cuja data recente a arqueologia de nosso
pensamento mostra facilmente. E talvez o fim próximo."16
A crítica pode parecer muito dura, mas, não deixa de ter uma razão muito profunda. As
ciências humanas, visando talvez garantir, a qualquer preço, o direito de ocupar uma
cadeira nas academias, fundamentaram-se no positivismo tanto ou mais que as ciências
exatas. Falando dos temas gerais da cientificidade das ciências humanas, Japiassu
define: "O primeiro tema consiste na preocupação sempre constante de uma referência
empírica na base de toda a elaboração do conhecimento; o segundo diz respeito ao
esforço intelectual para extrair formas ordenadoras do conhecimento e de constituição dos
objetos de pensamento: esquematismo, formalismo, etc.; o terceiro concerne à busca de
modelos explicativos, operatórios e preditivos permitindo ao pensamento não somente a
leitura inteligente dos dados, mas também uma manipulação da realidade que ela aborda;

o quarto, enfim, refere-se ao uso do cálculo e da quantificação.17
Em base ao quanto foi exposto, acreditamos que o único caminho viável para que as
ciências humanas possam continuar a pretender manterem-se ciências é uma mudança
de vértice, com a assunção de um novo paradigma. E é considerando que a ciência
espírita pode perfeitamente encaixar-se no âmbito das ciências humanas que postulamos
a necessidade de um novo paradigma para ela. Na realidade, sob um certo ponto de vista,

o próprio desenvolvimento do espiritismo justifica esta mudança.

3- O ESPIRITISMO:

Historicamente, o espiritismo já surge aspirando o estatuto de científico. Seu codificador,
Allan Kardec,o define como: "O Espiritismo é uma ciência que trata da natureza, da origem
e da destinação dos Espíritos, e das suas relações com o mundo corporal."18 Kardec, um
cientista imerso no meio cultural de sua época, considerava que o espiritismo deveria
seguir uma linha científica positivista. Mais de uma vez ele afirmou que o espiritismo não
se baseia senão nos fatos observáveis, que são a base do método científico então (e
ainda hoje) vigente.

Entretanto, o próprio Kardec cai na tentação de considerar a doutrina espírita como uma
ciência para o futuro (apesar de não ter permanecido sentado, esperando-o). Talvez tenha
sido esta postura do codificador que gerou a inércia em que vive hoje o movimento
espírita: "As corporações científicas não têm, e não terão jamais, que se pronunciar sobre
a questão (da doutrina espírita -N. do A.); ela não é mais da sua alçada que a de decretar
se Deus existe, ou não. Portanto, é um erro fazer delas juízes. O espiritismo é uma
questão de crença pessoal que não pode depender do voto de uma assembléia, porque
esse voto, mesmo favorável, não pode forçar as convicções. Quando a opinião pública
estiver formada a este respeito, os sábios como indivíduos, a aceitarão, e suportarão a
força das coisas. Deixai passar uma geração e, com ela, os preconceitos do amor próprio
em que se obstina, e vereis que ocorrerá com o espiritismo como ocorreu com tantas
outras verdades que se combateu, e que agora seria ridículo po-Ias em dúvida. Hoje são
os crentes que se chama de loucos; amanhã serão todos os que não creiam; da mesma
forma como se chamou de loucos outrora, aqueles que criam que a Terra girava."19

Entretanto, esta postura de Kardec revela mais uma vez que ele adiantava-se ao seu
tempo. De fato, a colocação acima, principalmente no que tange ao dogmatismo que se
exprime na posição da maioria dos cientistas - sejam do século XIX ou do XX - e que
Tho918S Kühn chama de paradogmas (em contraposição aos paradigmas), vem sendo
muito discutida pela filosofia da ciência.

O espiritismo surge, em meados do século XIX, baseado em dois alicerces:


A extensa fenomenologia mediúnica que se dissemina em diversos países da
Europa e também nos Estados Unidos da América a partir do início do mesmo
século: Edward Irving, pastor protestante de uma igreja escocesa em Londres
(1830); Andrew Jackson Davis, trabalhador braçal nos distritos rurais de New York,
(1844); a família Fox, em Hydesville, New York (1848); Mrs. Hayden, esposa de um
jomalista da Nova Inglaterra (1852); Daniel Dunglas Home, em Currie, Edimburgo
(1855); o fenômeno das mesas girantes, na França (a partir da década de 1840).
Estes fenômenos, impressionantes não só pela sua abundância, mas
principalmente pela sua qualidade intrínseca (não do teor das comunicações, mas
em relação à produção do fenômeno propriamente dito), formaram uma base na

qual foi possível o desenvolvimento do espiritismo sem as características de magia
ou bruxaria que poderiam obstaculizar esse desenvolvimento.


O desenvolvimento do magnetismo, cuja fenomenologia vinha sendo observada
desde o século XV, mas que firmou-se definitivamente como campo de pesquisas
entre o final do século XVIII e o início do XIX, com Franz Anton Mesmer, o criador
da teoria do magnetismo animal. Nesta teoria, Mesmer "(...) aplica o princípio
Newtoniano da atração universal à idéia do fluido universal, teorizando que este
exerce sobre o corpo efeitos análogos ao do ímã, devido à presença, nos nervos,
de um fluido eletromagnético (...)"20. Kardec era um adepto das teses do
magnetismo, a ponto de ter aceito, inicialmente, o fenômeno das mesas girantes
como sendo promovido por ação magnética.
A partir destas bases, e da grande elaboração teórica formulada por Allan Kardec sobre as
respostas dos espíritos a questões que ele mesmo preparara, surge o espiritismo sob a
forma de um corpo de doutrina, ou antes, de uma filosofia espiritualista, que é como o
espiritismo é apresentado no Livro dos Espíritos, porém como já dissemos, com
pretensões de cientificidade. Esta postura, cabal em Kardec, que a explicita em mais de
um texto em toda a sua obra, foi fortemente deturpada pelos que vieram após,
notadamente no Brasil, onde adquiriu uma conotação religiosa, concorrendo com religiões
tradicionais, como as diversas denominações evangélicas (e mesmo setores da igreja
católica), e com os sincretismos religiosos afro-brasileiros pela aquisição de adeptos,
quase prometendo a salvação.

É interessante notar que os princípios básicos que alicerçam a doutrina espírita (existência
de Deus, existência e imortalidade do espírito, evolução infinita, reencarnação, pluralidade
de mundos habitados e comunicabilidade com os desencarnados) não foram trazidas a
lume pelo espiritismo. Todos estes princípios já haviam sido expressos por doutrinas,
religiões e/ou filosofias anteriores a ele, tanto do oriente quanto do ocidente. O grande
mérito da doutrina espírita foi unir todas estas idéias num todo indivisível, integrando-as
entre si de modo a formarem uma visão de mundo única, na qual alguns pontos de vista
muito particulares acabam destacando-se:


A possibilidade de admitir a existência do espírito como princípio inteligente do
universo, dissociado, em essência, forma e manifestação, da matéria, sem que esta
existência necessite ser admitida unicamente pela fé. A realidade dos espíritos é,
se não um fato cientificamente comprovado pela ciência "oficial", ao menos uma
tese suficientemente aceitável, uma vez que" (...) nem a razão nem a consciência a
repelem."21

A individualização definitiva deste princípio em seres incorpóreos, os quais são
responsáveis pelas atividades intelectuais dos homens, sendo imortais e
permanecendo eternamente individualizados.


O progresso inexorável como lei da natureza, à qual estão submetidos todos os
seres, mas que não é concedido sob a forma de graça, devendo ser conquistado
com o esforço do próprio ser.

A idéia de reencarnação não como punição ou expiação dos erros cometidos, mas
como possibilidade de aprendizado do espírito num contato íntimo com a matéria,
e, portanto, como necessidade absoluta para sua própria evolução e para a
concretização da lei de progresso.

O livre-arbítrio como patrimônio inalienável do homem, o qual pode decidir
livremente aquilo que deseja para sua vida e seu futuro. porém sabendo que cada
decisão provoca efeitos diretos, com base no princípio de ação e reação, e que,
portanto, o homem é o único responsável pelos resultados de suas ações.
A partir destes pontos, os quais são, esses sim, absolutamente novos na história da
humanidade, a doutrina espírita pode desenvolver-se de modo amplo. Se tivéssemos que
localizá-Ia entre as diversas filosofias, poderíamos fazê-Io colocando-a entre as idéias
radicais de. crença absoluta (misticismo) e não-crença absoluta (materialismo) e também
como precursora das tentativas modernas no sentido de uma teoria holística sobre o
universo: "O espiritismo é uma proposta equilibrada entre os extremismos místicos e
materialistas. Ele os supera dialeticamente, transcendendo-os, buscando a síntese. Como
tal, propõe uma visão dinâmica do processo da vida, sem, contudo, apresentar um quadro
acabado, final. Ao contrário. Coloca como definitivo apenas princípios básicos, permitindo
que o pensamento e a pesquisa se ampliem, através do tempo, conforme a ciência e o
conhecimento cresçam. Isto é, o espiritismo não se aventura a formular hipóteses
desvinculadas das possibilidades do entendimento humano porque isso só serve para
manter o homem ignorante, confuso, exigindo dele uma crença irracional."22

Tudo isto faz com que possamos, sem cair no risco de uma segmentação exagerada do
espiritismo, identificar dois aspectos pelos quais ele se apresenta:


O Espiritismo enquanto doutrina moral: do ponto de vista espírita, do mesmo modo que
há um dualismo no universo, representado pelos princípios material e espiritual, há um
conjunto de leis específicas para cada um deles. A matéria é governada pelas leis
físicas, as quais estão sendo continuamente descobertas pelas ciências de investiga o
da natureza (as quais não são da competência específica do espiritismo),23 enquanto
que o espírito deve ser governado por leis morais. Rara o espiritismo, moral é a
capacidade de distinguir o bem do mal, e, portanto é a adequação às leis divinas, ou
naturais, as quais Kardec expôs, didaticamente, no livro III de O Livro dos Espíritos.
Uma diferença entre o conceito de moral conforme entendido pela sociologia e aquele
defendido pelo espiritismo é que, uma vez que o espiritismo concebe as leis divinas
como eternas, a moral, para ele, é absoluta, assim como os conceitos de bem e mal. A
relativização da moral pelo homem, para ser utilizada como base aos sistemas legais


que regem as sociedades é que provocam as distorções, as quais vão sendo

corrigidas com a evolução.
Isto posto, vemos que o espiritismo pode ser considerado como uma doutrina moral,
na medida em que fornece ao homem noções sobre as leis que o regem, enquanto
espírito imortal. Ao mesmo tempo, é uma doutrina fortemente consoladora, uma vez
que coloca nas mãos do ser humano os instrumentos (mas também a
responsabilidade) para sua própria evolução, postulando que o futuro será aquilo que
dele fizermos. Talvez por isto é que o próprio Kardec assumiu, para o espiritismo, o
papel do Consolado r citado por Jesus na bíblia24 (ainda que sem o conteúdo de
fatalismo presente na maioria das religiões): "

Assim, o Espiritismo realiza o que Jesus disse do Consolador prometido:
conhecimento das coisas, fazendo com que o homem saiba donde vem, para onde
vai, e por que está na Terra; atrai para os verdadeiros princípios da lei de Deus e
consola pela fé e pela esperança."25


O espiritismo enquanto filosofia: o surgimento da filosofia no mundo dá-se a partir do
desejo do ser humano em explicar o universo que o cerca, e as relações entre ele, ser
humano, e este universo. Apesar de surgir como contraposição metódica ao dizer
mítico (ver p. 4), a filosofia não é exclusivamente racional: "Quando se dá a passagem
da consciência mítica para a racional, aparecem os primeiros sábios, sophos (...). Um
deles, Pitágoras (séc VI a.C.) que também era matemático, usou pela primeira vez a
palavra filosofia (philos + sophia), que significa 'amor à sabedoria'. É bom observar
que a própria etimologia mostra que a filosofia não é puro Iogos, pura razão: ela é a
procura amorosa da verdade."26. É nesta ânsia de saber, muitas vezes intuitivo, que o
homem cria os sistemas. e escolas filosóficas.
Na medida em que o espiritismo procura também explicar o universo e mostrar as
relações entre o espírito e a matéria, ele é uma filosofia. No dizer de Herculano Pires,
um dos maiores filósofos espíritas, "A Filosofia Espírita sintetiza em sua ampla e
dinâmica conceituação todas as conquistas reais da tradição filosófica, ao mesmo
tempo que inicia o novo ciclo dialético da nova civilização em perspectiva. 27

E é como filosofia que o espiritismo se destaca, uma vez que traz, através de uma
cosmovisão diferenciada - porque livre dos preconceitos que embotam a visão do
homem - respostas lógicas a questões até então insolúveis ou relegadas ao campo da
fé. Herculano Pires postula a existência de uma ontologia, um existencialismo e uma
sociologia espíritas, formando um corpo filosófico único e complexo.

Desta forma, não há como negar a existência, muito bem definida e delimitada, da
filosofia espírita. Ela se faz a despeito dos próprios espíritas. os quais preferem
encarar a doutrina espírita apenas como doutrina moral (e muitas vezes religiosa ou
dogmática) a ter de exercitar seu pensamento na filosofia.

Já vimos que o espiritismo é uma doutrina moral e uma filosofia. Mas. poderá ele ser
considerado uma ciência? E, se puder, quais as suas bases necessárias?


4- UMA DISCUSSÃO SOBRE A CIÊNCIA ESPÍRITA:

Allan Kardec considerava o espiritismo como uma ciência, e mais, como uma ciência
positiva: "É, pois, resultado da observação, numa palavra. uma ciência; a ciência das
relações entre os mundos visível e invisível; ciência ainda imperfeita. mas que diariamente
se completa por novos estudos e que. tende certeza. tomará posição ao lado das ciências
positivas. Digo Positivas, porque toda ciência que repousa sobre fatos é uma ciência
positiva, e não puramente especulativa."28

Não podemos esquecer-nos que tais considerações são perfeitamente concordantes com os
princípios e a formação de Kardec. Sendo ele um homem de cultura, criado no meio
positivista do século passado, não admitia como válido senão aquele conhecimento que
proviesse de uma fonte de fatos confiáveis, e que pudessem ser corroborados racionalmente.
Assim é que somente interessa-se pelos fatos espíritas quando, presente a uma reunião de
mesas girantes, sua inteligência é posta a prova para explicar, a si mesmo, o fenômeno
observado; e a partir de então começa a pesquisar. acabando por formular o espiritismo.

Outra consideração que se faz necessária é que a época em que o espiritismo surgiu foi
marcada pela desmistificação de alguns conceitos, principalmente na biologia, que levaram o
homem a relegar toda a metafísica ao campo da religião e, portanto, indigna de ser objeto por
parte das ciências. A síntese da uréia em laboratório, em 1831, é um golpe mortal na teoria do
vitalismo, reforçando a concepção mecanicista da vida. Estavam em curso as experiências
que levariam à destruição do conceito de geração espontânea. O espírito da época era o da
necessidade da experimentação como base fundamental do processo científico.

O pensar da ciência espírita como uma ciência positiva levava à necessidade do
estabelecimento de dois aspectos fundamentais que pudessem alicerçar o seu
florescimento: o objeto de pesquisa e seu método. Kardec não se furtou a estabelece-los.
e o fez segundo critérios bem definidos:


O objeto de estudo - Quanto a isto, parece-nos não haver o menor problema. O
próprio Kardec, ao definir os limites da ciência espírita, delimita o objeto: é o espírito,
no que diz respeito à sua natureza, origem e destinação, e as relações este espírito
(aqui compreendido como princípio inteligente, e, portanto, distinto da matéria, que é
não-inteligente) com o mundo corporal. Note-se que esta delimitação coloca como
objeto da ciência espírita uma gama muito larga de teorias, fenômenos e entes, tais
como: o ser inteligente e tudo aquilo que lhe diz respeito (e, portanto, englobando aqui
todas as assim chamadas ciências humanas), os modos de relação entre este ser
inteligente com o mundo que o cerca (abarcando, então. os fenômenos produzidos
devido a esta interação. a saber, não somente os fenômenos mediúnicos e anímicos,
mas também as partes das ciências físicas nas quais o observador é participante
essencial do processo) e os fenômenos do mundo corporal que têm interferência
direta no ser inteligente (o que abrange também as chamadas ciências biológicas).
Bem entendido, não estamos defendendo a criação de uma física espírita. de uma

biologia ou medicina espírita, de uma psicologia espírita; afirmamos apenas que o
espiritismo tem algo a dizer em conjunto com todas estas disciplinas.


O método da pesquisa - Para que uma ciência possa aspirar este título. é
absolutamente necessária a definição do método, isto é, o modo pelo qual se espera
atingir os resultados da pesquisa. Ao mesmo tempo, é também imprescindível que se
delimite os critérios de validação, em base as quais serão verificados os mesmos
resultados, visando comprová-Ios ou negá-Ios. Tanto os métodos quanto os critérios
de validação da ciência "oficial" já foram expostos no item 2. O que pretendemos
discutir aqui é exatamente este tema no que tange à ciência espírita.
Kardec também não se negou a efetivar esta definição. Uma vez que os critérios
tradicionais de validação não eram aplicáveis à nova doutrina que se criava, ele
estabeleceu seus próprios critérios, sem, contudo deixar de empregar a idéia básica
vigente, a de experimentação contínua e diversificada de todas as possibilidades. No dizer
de Herculano, "Kardec não se perdeu, como Wundt29, Weber30 e Fechner31, no sensível
das pesquisas epidérmicas do limiar das sensações. Percebeu logo que os métodos não
podiam ser aplicados a fenômenos extrafísicos e estabeleceu o princípio da adequação do
método ao objeto."32

Para tanto, Kardec estabelece que as pesquisas espíritas só teriam validade se fossem
baseadas na experimentação mediúnica (isto é, os dados da pesquisa deveriam ser obtidos
por meio de discussão direta dos temas com os desencarnados, através de médiuns), ou
seja, ele define a mediunidade como método da pesquisa espírita. Para validar este método,
postula que os resultados assim obtidos só seriam considerados verdadeiros se fossem
igualmente recebidos por vários experimentadores, através de diferentes médiuns em
diferentes partes do mundo (critério de universalidade do ensino dos espíritos).
Paralelamente, o codificador emprega o crivo da razão (critério da racionalidade das
comunicações espíritas) como validador complementar: "Os Espíritos são o que são e nós
não podemos alterar a ordem das coisas. Como nem todos são perfeitos, não aceitamos
suas palavras senão com reservas e jamais com a credulidade das crianças. Julgamos,
comparamos, tiramos conclusões do que observamos e os seus próprios erros constituem
ensinamentos para nós, uma vez que não renunciamos ao nosso discernimento."33

Não há dúvida que, ao tentar resolver este problema, Kardec realizava um pensar
metodol6gico sobre a doutrina que estava criando. Ainda assim, parece-nos que ele
próprio percebeu a dificuldade que enfrentava, de fazer a ciência espírita aceita
universalmente, como demonstra no seguinte texto: "Talvez nos contestem a
denominação de ciência, que damos ao espiritismo. Ele não teria, sem dúvida e em
nenhum caso, as características de uma ciência exata, e precisamente nisso está o erro
dos que pretendem julgar e experimentar como uma análise química ou um problema de
matemática; já é bastante que seja uma ciência filosófica. Toda ciência deve basear-se em
fatos; mas estes, por si sós, não constituem a ciência; ela nasce da coordenação e da
dedução lógica dos fatos: é o conjunto das leis que os regem. Chegou o espiritismo ao
estado de ciência? Se se trata de uma ciência acabada, sem dúvida será prematuro


responder afirmativamente; mas as observações já são hoje bastante numerosas para
permitir pelo menos deduzir os princípios gerais, onde começa a ciência."34

A nosso ver, o grande problema da ciência espírita reside no fato de ela não ter sabido
transformar a novíssima cosmovisão trazida pela filosofia espírita, a qual se fundamenta
nos pontos básicos que nos referimos acima (p. 10) num paradigma verdadeiramente
científico que pudesse embasá-Ia e às suas descobertas. Não possuindo este paradigma,
ou ao menos a sua proposta, a ciência espírita, por tratar de temas que são verdadeiros
traumas para os cientistas, que os encaram como mera superstição, não consegue
penetração suficiente na cultura para que possa vir a ter influência nas academias.

Ao mesmo tempo, outro problema se apresenta. Para que a medi unidade possa ser
empregada convenientemente como método de pesquisa, é necessário que saiba
enfrentar as teorias alternativas, hoje existentes, que se propõem a explicar o fenômeno
mediúnico sem a participação dos espíritos desencarnados. Os critérios de universalidade
e racionalidade postulados por Kardec, se apresentam válidos para uma crítica do
conteúdo das comunicações, e conseqüentemente da identidade do espírito comunicante,
partem do princípio da veracidade do fato mediúnico e da possibilidade da imortalidade da
alma, elementos ainda não demonstrados de maneira cabal.

Assim sendo, à guisa de conclusão, podemos afirmar que é absolutamente necessário
que a ciência espírita não só defina um novo paradigma, que poderá sem problemas ser
chamado de um paradigma espírita, mas que faça-o aceito nas academias de ciências.
Para a definição deste paradigma, será necessária uma ampla discussão entre os setores
culturalmente mais avançados dos diversos movimentos espíritas existentes, uma vez que
é muito improvável que ele possa surgir de um insight pessoal. Não podemos esquecer,
contudo, que já temos, na filosofia espírita, a base necessária para a criação deste novo
paradigma, uma base tão distinta de tudo o que ainda hoje existe que sua aceitação seria,
para usar a terminologia de Kühn, uma ruptura revolucionária não-cumulativa, ou seja,
uma verdadeira revolução científica.

Ao mesmo tempo, é necessário que a ciência espírita crie, a partir deste paradigma, novos
métodos de pesquisa e critérios de validação que possam ser facilmente e convenientemente
empregados por todos os cientistas espíritas. Isto serviria para que a ciência espírita pudesse
consolidar-se, e assim demonstrar cabalmente seus princípios básicos.

É claro que se pode argumentar que a própria ciência "oficial" tem, também, seus
problemas metodológicos, e que o paradigma sobre a qual ela se baseia repousa em
princípios bastante frágeis. Tal argumentação é correta. Entretanto, só conseguiremos
mudar um ponto de vista falho se tivermos outro para substituí-Io, além de força de
vontade e conhecimentos suficientes para impo-Io. Se nós, cientistas espíritas ficarmos
parado aguardando que o desenvolvimento científico eIou cultural comprove nossas
próprias teses, perderemos o trem da história e correremos o risco de sermos engolidos
pela própria evolução intelectual que tanto desejamos.


REFERÊNCIAS


1
Aurélio BUARQUE DE HOLANDA FERREIRA, Novo dicionário da língua portuguesa.

2
Ernest NAGEL, Filosofia da Ciência.

3
New Webster's Dictionary of lhe English Language (tradução livre)

4
Etimologicamente, a palavra método (do grego meta + hodós) significa "percorrer um caminho" ou seja,
como chegar ao fim desejado a partir do estado atual. Já metodologia (meta + hodós + logos) é a
problematização do método, é perguntar-se se há um caminho a ser percorrido, e como ele pode sê-Io.
Esta diferença etimológica leva-nos a concluir que, apesar de haver problemas de método na ciência
espírita, há, principalmente, uma quase que total ausência de metodologia. Trataremos mais profundamente
desta questão futuramente, durante a revisão deste texto.

5
Uma outra discussão, a qual não cabe neste trabalho, mas que é também fundamental num
questionamento sobre o conhecimento, refere-se à existência de uma Verdade absoluta, independente do
ser humano, pré existente e eterna, e da possibilidade de o homem atingir esta Verdade. A alternativa é a
impossibilidade do conhecimento desta Verdade, mas somente de uma verdade relativa. Esta discussão é
sintetizada por Kant, com seus postulados de coisa-em-si (númeno), inefável, e coisa-em-nós (fenômeno),
cognoscível.

6
Sir Francis Bacon (1561 - 1626), pensador inglês, barão de Verulan, escreveu o Novum Organon
Scientiarum, óbvia oposição ao Organon de Aristóteles.

7
John Locke (1632 - 1704), filósofo inglês, criador do empirismo científico, escreveu Ensaio sobre o
entendimento humano, no qual procurava descrever uma teoria completa do conhecimento

8
Roberto CREMA, Introdução à visão holística, p. 30.

9
Ibidem, p.34

10
Fritjof CAPRA, O ponto de mutação, p. 69.

11
Roberto CREMA, opus citatus, p. 41.

12
Fritjof CAPRA, opus citatus, p. 75.

13
A questão do paradigma holístico é sobremaneira importante para a ciência espírita, uma vez que indica um
caminho que ela mesma (ciência espírita) pode seguir em direção à definição de seu próprio paradigma.
Entretanto, devido à profundidade exigida por esta questão, sua discussão será deixada para a continuação
deste trabalho.

14 A denominação ciências humanas nos parece inadequada, e talvez seja inadequada mesmo a denominação
anteriormente usada, ciências da natureza. Afinal, se uma ciência deve possuir método e objeto, ambos
incluem o homem (compreendido como "ser pensante") em seu trabalho. Uma possibilidade (mas talvez
esta seja uma sugestão um tanto ousada!), seria o emprego, respectivamente, dos termos ciências do
espírito e ciências da matéria, coerentemente com a postura de Kardec.

15 Michel FOUCAUL T, Les mots et les choses, cap. X (citado por Hilton JAPIASSU, Introdução à epistemologia
da psicologia, p.15).
16 Ibidem, p. 16.
17 Hilton JAPIASSU, opus citatus, p.19.
18 Allan KARDEC, O que é o espiritismo, p.10.
19 Ibidem, p. 34.
20 Reinaldo DI LUCIA, Passes: discussão e propostas, monografia apresentada no III Simpósio Brasileiro do
Pensamento Espírita, 1993, p.2
21 Allan KARDEC, O livro dos médiuns, p. 19.
22 Jaci RÉGIS, Uma nova visão do homem e do mundo, p.2

23
Deve-se entender por "leis sendo descobertas continuamente" como pesquisas incessantes sobre os
mecanismos que regem o universo físico. Porém não se pode esquecer que, ultimamente, estas pesquisas
têm levado a conceitos de organicidade (em oposição ao mecanicismo) e probabilidade (aceitação do
acaso), os quais contrariam a visão positivista do universo, como já foi aqui relatado.

24
Evangelho de João, cap. XIV, w. 15 a 17 e 26.

25
Allan KARDEC, O evangelho segundo o espiritismo. p. 135.

26
Maria L. de A. ARANHA e Maria H .P. MARTINS, Filosofando: Introdução à filosofia. p. 72.


27 J. Herculano PIRES. Introdução à filosofia espírita, p.28.
28 Allan KARDEC, Revista espírita. novembro 1964, p. 323.
29 Wilhelm Wundt (1832 - 1920) é considerado o criador e sistematizador da psicologia como ciência


experimental, através de seu livro Manual de psicologia fisiológica.
30 Weber, fisiólogo inglês, foi o realizador dos primeiros estudos sobre o tempo de reação psicomotora, uma
das bases para o estabelecimento da psicologia experimental.
31 Fechner, a partir das pesquisas de Weber, elabora uma série de métodos para a obtenção de medidas
quantitativas das sensações, formulando a lei de Weber - Fechner: "A intensidade da sensação aumenta

por igual, quando a razão dos estímulos continua a ser igual, em todos os sentidos."
32 J. Herculano PIRES, Ciência espírita, p. XV.
33 Allan KARDEC, Revista espírita, julho de 1859, p. 195.
34 Allan KARDEC, opus citatus, janeiro de 1858, p. 2.

BIBLIOGRAFIA

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2. Arruda Aranha, Maria Lúcia e Pires Martins, Maria Helena. Filosofando: introdução à filosofia, 28 ed, São
Paulo, Modema, 1993
3. Capra, Fritjof. O ponto de mutação, São Paulo, Cultrix, 1982
4. Conan Doyle, Arthur. História do espiritismo, São Paulo, Pensamento
5. Crema, Roberto. Introdução à visão holística, 18 ed, São Paulo, Summus, 1989
6. Garcia Morente, Manuel. Fundamentos de filosofia, 88 ed., São Paulo, Mestre Jou, 1980
7. Gauld, Alan. Mediunidade e sobrevivência, São Paulo, Pensamento, 1982.
8. Hempel, Carl G. Filosofia da ciência natural, 28 ed, Rio de Janeiro, Zahar, 1974
9. Herculano Pires, José. Ciência espírita, 28 ed, São Paulo, Paidéia, 1981
10.Herculano Pires, José. Introdução à filosofia espírita, 28 ed, São Paulo, FEESP, 1993
11.Japiassu, Hilton. Introdução à epistemologia da psicologia, 38 ed, Rio de Janeiro, Imago, 1982
12.Kardec, Allan. O evangelho segundo o espiritismo, 918 ed, Rio de Janeiro, FEB, 1944
13.Kardec, Allan. O livro dos espíritos, São Paulo, Pensamento.
14.Kardec, Allan. O livro dos médiuns, 528 ed, Rio de Janeiro, FEB, 1944
15.Kardec, Allan. O que é o espiritismo, 58 ed, São Paulo, Instituto de Difusão espírita, 1978
16.Kardec, Allan. Obras póstumas, 18 ed, São Paulo, LAKE, 1975
17.Kardec, Allan. Revista espírita, Sobradinho, Edicel, volumes dos anos de 1858, 1859 e 1864
18.Kühn, Thomas. A estrutura das revoluções científicas, in Coleção Os Pensadores, 18 ed, São Paulo, Abril
Cultural, 1975
19.Lantier, Jacques, O espiritismo, Lisboa, edições 70
20.Nagel, Emest. Filosofia da ciência, São Paulo, Cultrix, 1968
21.Popper, Karl. A lógica da investigação científica, in Coleção Os Pensadores, 18 ed, São Paulo, Abril
Cultural, 1975
22.Régis, Jaci. Uma nova visão do homem e do mundo, 18 ed, Santos, Dicesp, 1984
23. Ronan, Colin A. História ilustrada da ciência - a ciência nos séculos XIX e XX, São Paulo, Jorge Zahar
Editor, 1987
24. Tinoco, Carlos Alberto. Parapsicologia e ciência: origens e limites do conhecimento parapsicológico, 18 ed,
São Paulo, Ibrasa, 1993
25.Vergez, Andre e Huisman, Denis. História dos filósofos ilustrada pelos textos, 48 ed, Rio de Janeiro, Freitas
Bastos, 1980


O PROCESSO DE MUDANÇAS DO ESPIRITISMO


Reinaldo Di Lucia

INTRODUÇÃO

Um dos principais problemas, senão o maior, com que o espiritismo defronta-se hoje é a recusa por
parte dos componentes do movimento espírita, seja no âmbito pessoal, seja no organizacional, em
encetar uma busca por novos conhecimentos que culminasse com necessárias atualizações na estrutura
doutrinária, em seus aspectos científico e filosófico.

Essa busca é necessária na medida em que o espiritismo é, como definiu o próprio Kardec, uma"
ciência filosófica"1. Isso significa que a doutrina espírita baseia-se não somente em fatos
experimentalmente verificáveis, mas em conjunto de idéias que apresentam estes fatos, coordenando-os
em uma tese lógica que engloba todo o Universo. Em suma, o objetivo da doutrina espírita é mostrar
como o Universo é constituído, e, a partir daí, propor uma modificação pessoal de cada espírito, para que
estes passem a agir de acordo com a lei natural.

Assim sendo, e considerando que os conhecimentos do homem sobre o universo vão crescendo de
maneira paulatina, é necessário que o espiritismo esteja constantemente atualizando-se, o que significa
dizer, repensando-se a cada novidade que a ciência ou o pensar humano descobrir. Esse repensar levará,
fatal mente, a mudanças na estrutura ideológica e organizacional do espiritismo.

Tais mudanças foram previstas para a doutrina espírita pelo próprio Kardec, Ao discutir sobre o
modo pelo qual o espiritismo vem a ser conhecido, e o que acontecerá com ele no futuro, Kardec deixa
claro que modificações serão realizadas na medida que a verdade venha a ser conhecida com mais
plenitude: "O espiritismo, marchando com o progresso, jamais será ultrapassado porque, se novas
descobertas demonstrassem estar em erro sobre um certo ponto, ele se modificaria sobre esse ponto; se
uma nova verdade se revelar, ele a aceitará "2.

Essa recusa em aceitar um processo de mudanças para a doutrina espírita, mesmo tendo este processo
sido preconizado pelo próprio Allan Kardec, faz com que, cada vez mais, o espiritismo esteja afastando-se
da posição de ciência ou de filosofia moral, com a qual ele próprio se define. Em fazendo isso, o
movimento espírita acaba dando razão àqueles que vêem no espiritismo não mais que uma seita mística,
desvinculada de qualquer processo racional, guiando-se apenas pela fé cega.

É compreensível que o processo de mudanças, sendo, sempre, traumático, provoque certo receio,
notadamente naquelas pessoas que ocupam posições de poder. Entretanto, o que está em jogo é nada
menos que a própria sobrevivência da doutrina espírita, que, incapaz de atuar como uma religião formal
(o que, aliás, não é seu escopo), também não tem sido capaz de fazer-se ver pelo movimento de cultura
como uma filosofia capaz de contribuir, com uma visão racional e otimista, para a felicidade do homem.

Atualmente, em contraposição ao que acontecia à época em que o espiritismo foi criado, a elite cultural
da humanidade não se preocupa com ele, aplicando aos fenômenos que lhe deram origem explicações que
desconsideram a possibilidade de sobrevivência do espírito. E o meio espírita não tem sido capaz de impor
suas idéias, nem ao menos como hipóteses de trabalho válidas.

O presente texto objetiva discutir os motivos que levam o espiritismo a esta posição de estagnação
no aspecto cultural, que o tem feito sustentar posições em desacordo com o atual estágio do
conhecimento humano. Salienta meios pelos quais a doutrina espírita pode retomar seu crescimento
intelectual, a partir de discussões amplas a serem realizadas nos próprios centros espíritas e de uma
melhor preparação dos recursos humanos. Enfatiza também a necessidade de estimular a produção
intelectual sobre espiritismo, e de participação do espírita nos meios acadêmicos, de modo a tomá-lo
conhecido e respeitado.


1. A "QUESTÃO RELIGIOSA", AINDA UMA VEZ
Aquilo que estou chamando de "questão religiosa" refere-se, obviamente, à discussão que já tem se
tomado clássica: saber se o espiritismo é ou não é religião. A freqüência com que tal discussão tem
acontecido no âmbito do espiritismo é tão grande que já se tomou, há muito, cansativa e estéril. Então,
por quê reativá-la?

Fundamentalmente porque a maioria (senão a totalidade) das discussões que se efetuam sobre este
tema raramente saem do campo pessoal, indo, quando muito, ao significado da palavra" religião" (e
normalmente sem grandes pesquisas). Não se atinge o domínio das idéias, não se discute o que se quer
dizer com "é religião" ou "não é religião", não se debate a verdadeira essência do espiritismo. A
discussão não é prática, e nem mesmo acadêmica: é somente facciosa.

É claro que existem bons textos sobre o assunto, mas, infelizmente, eles acabam passando
despercebidos no mar das publicações tendenciosas. E, mais prejudicial ainda, é o descaso com a
informação da comunidade espírita, que, sob o falso pretexto de "não polemizar inutilmente", cala sobre

o assunto, esperando que ele morra por inanição.
Mais do que uma simples discussão da existência de um sentimento de religiosidade dentro da
doutrina espírita, o fundo desta questão é a postura do espiritismo perante o mundo cultural. E o grande
motivo pelo qual a maioria das lideranças espíritas não quer discuti-la é de ordem política, e não
conceitual. Tal como em qualquer grupo organizado, a luta pelo poder é bastante significativa dentro do
movimento espírita, apesar de, hipocritamente, se querer convencer as pessoas do contrário.
Mas, porquê é importante discutir se o espiritismo é ou não uma religião? Primeiramente porque há,
claramente, uma distinção entre o conteúdo etimológico (sentido denotativo) e a conotação da palavra
religião assumida pela maioria da população brasileira. Em segundo lugar, porque a postura religiosa,
tal como tem sido proposta, tem um caráter cerceador sobre o crescimento do espiritismo enquanto
filosofia. Finalmente, porque, sem resolvermos claramente esta questão, a meu ver relativamente
simples, é impossível partirmos para uma discussão mais profunda da doutrina espírita.
A definição etimológica do termo, que normalmente é o ponto mais importante a ser considerado
numa discussão deste tipo, destitui-se de maior importância no caso de religião. Senão, vejamos: não se
pode definir com clareza a etimologia da palavra; dá-se como mais provável a referência ao verbo
legere, no caso, re-legere (trazer de novo à mente, refletir)3. Entretanto, o étimo mais comum, desde
Lactâncio, remete a ligare, re-ligare (religar, tomar a unir). Uma alternativa é dada por Krishnamurti C.
Dias, que liga religião a religionis (laço que une os membros de uma mesma crença).4
O problema com todas estas definições etimológicas é que elas indicam conceitos distintos. A
primeira refere-se a um refletir sobre a natureza, e eventualmente possui conotação metafísica ou
mesmo teológica. A segunda liga-se claramente a uma posição política, impondo um liame para a união
do homem com a divindade (representado pelas estruturas igrejeiras hierarquizadas que estamos
acostumados a ver). Na terceira, temos uma representação prática, simbólica, da comunhão de idéias
que formam as diversas escolas de pensamento humano.
Como não se pode dar absoluta preferência a qualquer uma delas, que tenha um mínimo de
comprovação histórica, assentar a discussão sobre este tema em bases puramente etimológicas conduz
quase que necessariamente ao campo minado das opiniões, além de não levar em consideração o que se
entende atualmente pela palavra religião.
Este, na verdade, é o grande x da questão. Segundo o dicionário, religião é: "1. Crença numa força
ou forças sobrenaturais, considerada(s) como criadora(s) do Universo, e que como tal devem ser
adorada(s) e obedecida(s). 2. A manifestação de tal crença por meio de doutrina e ritual próprios, que
envolvem, em geral, preceitos éticos. (...)"5. Ora, esta definição representa muito bem o sentido
conotativo que tem a palavra religião, ao menos no Brasil: o de uma doutrina indissoluvelmente ligada
a cultos, rituais, dogmas, etc. para defender uma postura de dona de verdades incontestáveis. Independe


de qual Deus está em jogo, ou dos meios que serão usados para reverenciá-la: as formas de adoração
exteriores são as marcas mais fortes da idéia comum de religião.

Este não é o caso da doutrina espírita. Ela, que nasceu em meio a um florescimento cultural, que
lutou bravamente contra radicalismos materialistas espiritualistas, não possui nem pretende possuir
verdades incontestáveis. Sua grande busca é a de uma idéia que forneça uma explicação do Universo
que inclua o homem, em seus múltiplos aspectos e que leve em consideração os fenômenos
aparentemente inexplicáveis da mediunidade. Não tem e nunca terá rituais ou cultos exteriores, os quais
não se coadunam com sua proposta de existência.

Este é o motivo pelo qual Kardec manifestou-se contrário a chamar o espiritismo de religião: "Não
tendo o espiritismo nenhum dos caracteres de religião, na acepção usual do vocábulo, não podia nem
devia enfeitar-se com um título sobre cujo valor inevitavelmente se teria equivocado. Eis porque
simplesmente se diz: doutrina filosófica e moral".6

Entretanto, se o problema fosse simplesmente esta dificuldade de entendimento semântico, ele seria de
menor importância. O grande mal em ser considerada uma religião é que, devido a isto, a doutrina espírita
tem sido constantemente paralisada naquilo que é a principal característica de uma ciência, e mesmo de
uma filosofia: a capacidade de buscar o novo, encarando o Universo como se houvesse (e com certeza há)
muito de uma verdade essencial escondida, velada, que precisa ser trazida a lume. Tais descobertas não se
dão apenas como complemento dos conceitos espíritas já publicados, mas também pela revisão desses
conceitos em face às novas descobertas do conhecimento humano em todos os seus diversos aspectos.

É nisto que a assunção de uma postura religiosa (vale dizer, dogmática) tem sido altamente
prejudicial. Fazendo com que o meio espírita acredite que as verdades essenciais já foram postuladas
pela nossa doutrina, os artífices desse comportamento desestimulam o livre pensar nos meios espíritas.
O resultado disto é que o espiritismo vem sistematicamente repetindo as mesmas coisas nos últimos
cem anos, e, assim, tornando-se uma doutrina anacrônica, chegando mesmo, em certos casos, a
defender posicionamentos ridículos7.

Mais se nós, espíritas, não conseguimos discutir em alto nível uma questão relativamente simples, e
encontrar uma solução que permita a conceituação precisa da real idéia do espiritismo sobre ele mesmo
e sobre o mundo que o cerca, não conseguiremos discutir questões mais profundas, que envolvam os
conceitos mais fortemente definidos por Kardec. E, ainda, não poderemos analisar as novas teorias que
constantemente são apresentadas aos olhos do público científico, filosófico ou mesmo leigo, e que vão
na direção contrária à explicação espírita.

E continuaremos com o que vemos por aí, com os espíritas sendo ridicularizados por uns como
místicos retrógrados, e por outros como adoradores do demônio, sem competência para rebater as
críticas e firmarmo-nos, ao menos, com a mesma coerência com que Kardec posicionou o espiritismo
em sua época.

2. QUESTIONAMENTO E ATUALIZAÇÃO
Já vimos que a posição religiosa assumida pelo movimento espírita tem como conseqüência cercear

o desenvolvimento do espiritismo enquanto filosofia e, além disso, dificultar a discussão mais profunda
de alguns temas relevantes. Por que isto ocorre?8
Toda filosofia necessita, para seu crescimento, de apenas uma coisa: que seus adeptos exerçam, de
maneira plena, a capacidade de pensar (que nos diferencia dos demais entes da criação), de discutir
(para proporcionar o crescimento das idéias) e de produzir (para que mais pessoas tenham acesso às
novas idéias). Ora, isto é impossível se considerarmos que uma postura religiosa só se mantém à base
de dogmas (verdades indiscutíveis), que, conforme sua própria definição, não permitem a discussão e as
novas produções.9

Esta postura religiosa do movimento espírita é uma conseqüência história de seu desenvolvimento


no Brasil. De fato, apesar de o espiritismo ter sido introduzido no país por membros da aristocracia
dominante no século XIX (normalmente, filhos de grandes senhores rurais que iam estudar na França,
pólo cultural da época), houve, desde o início, forte junção dele com as religiões, principalmente a
umbanda e o catolicismo.

Grande parte dos primeiros espíritas do Brasil, ou, ao menos, dos primeiros grupos a basear-se em
Kardec, eram fortemente religiosos, influenciados desde cedo não só por encarnados com este cunho
(como Bezerra de Menezes) mas também, principalmente, por comunicações de desencarnados, alguns,
supostamente, de grandes nomes, como, por exemplo, do próprio Kardec. Mas o principal idealizador
do espiritismo religioso foi um espírito de nome Ismael. cujas mensagens levaram grande parte dos
espíritas a defender, até hoje, " a prevalência do espiritismo religioso"10.

Já desde o século passado, o espiritismo brasileiro dividia-se em "místicos" e "científicos",
liderados, aqueles, por Bezerra de Menezes e os últimos pelo professor Ângelo Torterolli. Esta
oposição de idéias levou a uma luta encarniçada, na qual as idéias dos místicos predominaram, tendo
estes usado "(...) para isso duma violência inusitada nos arraiais espíritas"11. É desta forma que surge a
Federação Espírita Brasileira, "Para travar com maior probabilidade de vitória a luta contra 'os quatro

"12

inimigos do espiritismo: o materialismo, o positivismo, o racionalismo e o catolicismo'.

O desenvolvimento do espiritismo no Brasil não pode ser entendido sem uma análise profunda da
situação da época e das peças que o fizeram. A análise histórico-sociológica é fundamental para que se
compreenda porque a doutrina espírita tem, hoje, o desenho que tem, e porque foi transformada numa
religião13.

É preciso também bastante cuidado ao se definir o modelo epistemológico espírita, isto é, o modo
pelo qual o conhecimento espírita vem a lume. Se considerarmos o espiritismo como uma doutrina
revelada, corremos o risco de mistificar aquelas idéias que nos foram trazidas pelos reveladores (em
nosso caso, os espíritos desencarnados que se manifestaram mediunicamente a Kardec). O raciocínio é
simples: se, como se costuma dizer e repetir no movimento espírita, os espíritos que responderam às
perguntas de Kardec eram efetivamente de uma classe intelecto-moral muito elevada, então como
discutir e questionar suas idéias e seus ensinamentos?

É verdade que há uma outra forma de se encarar o conceito de revelação, que remonta à etimologia
deste termo. Revelação vem de re-velare, no mesmo sentido de desvelar, descobrir algo que estava
velado, mostrar um fato desconhecido. Se considerado neste sentido, qualquer demonstração de um fato
até então desconhecido, que possua a propriedade de mostrar-se verdadeiro, é uma revelação. Assim, o
trabalho do professor, do cientista, do descobridor, é um trabalho essencialmente de revelação. Somente
desta forma se pode admitir a idéia de revelação espírita.

Mas, normalmente, as filosofias não vêem ao mundo por revelação. Filosofias são idéias, teses ou
teorias que surgem do pensar do homem ao tentar explicar determinados fenômenos. Como
normalmente estes fenômenos referem-se ao Universo e aos entes que nele habitam, eis que as
filosofias normalmente possuem parcelas de cosmologia, metafísica, ética e política. É a busca da
ampliação incessante da compreensão da realidade, através do saber.

Ora, sendo o espiritismo uma filosofia, é mais fácil para nós imaginar que seu surgimento dá-se do
mesmo modo que surgem as demais filosofias, isto é, pela capacidade de organização de um pensador,
que sistematiza uma teoria a partir de determinadas observações. No caso específico da filosofia
espírita, o pensador era Kardec, e as observações, suas conversas com os espíritos desencarnados. Isto é
corroborado pela importância que o próprio Kardec dava à razão como instrumento validador de suas
observações e teses.

Entretanto, uma filosofia não cresce se ficar restrita apenas a seu criador. A diversidade de pensares,
mesmo que concordando nos pontos essenciais, oriunda do trabalho de diversos homens é que faz com
que uma filosofia firme-se no tempo e no contexto de sua própria época, imortalizando-se. Não existe


filosofia sem seguidores e opositores, sem contestação e aprimoramento dos argumentos, sem a réplica
e a tréplica.

O caso espírita é ainda mais especial. Normalmente, as filosofias restringem-se a tratar de elementos
da verdade quase que inacessíveis à investigação científica, e, por isso, permanecem estruturadas em suas
características principais, no decorrer do tempo. Ao contrário, Kardec formulou a filosofia espírita como
indelevelmente associada à investigação científica, de modo que suas verdades pudessem ir-se
atualizando com o desenvolvimento do conhecimento científico.

Infelizmente, o desenvolvimento filosófico do espiritismo está ainda estagnado exatamente pela falta
de uma conexão permanente entre ele e o desenvolvimento científico. Apesar da afirmação kardequiana
de modificação das teses espíritas a partir das descobertas científicas, o que se vê é que estas
descobertas não penetram o meio espírita, nem mesmo para um estudo mais aprofundado. Isto é
conseqüência direta da postura imobilista que o movimento espírita assumiu, no que tange à aquisição
de novos conhecimentos.

Uma segunda (e mais grave) conseqüência deste imobilismo é que os espíritas acabaram perdendo a
capacidade de discutir racionalmente. Com isto, tomou-se impossível aprofundar qualquer questão que
toque, ainda que se deve, os "dogmas" que se formaram na doutrina espírita. Tais discussões, quando
provocadas, são tomadas em caráter pessoal, com acusações ridículas de desfiguramento da doutrina ou
ainda (absurdo!!) de "influências de espíritos das trevas".

Todavia, quando se pensa numa discussão mais profunda de alguns temas relevantes para a doutrina
espírita, não se pode esquecer que a atualização de conhecimentos do espiritismo não se refere somente
àquelas idéias que Kardec deixou em suspenso, aguardando comprovações científicas ou experimentais.
Não pode existir, no espiritismo, nenhuma idéia ou tese que esteja isenta da possibilidade de revisão.

As atualizações das idéias espíritas devem abranger também aquelas que Kardec postulou como
verdades, ou, ao menos, como conceitos definidos. Afina. a evolução do conhecimento humano não se
submete a limites de ordem pessoal; isto é, por mais autorizado que seja um pensador, suas idéias
podem e serão questionadas sempre que novos fatos contrapuserem-se a elas. Deu-se isto em toda a
história da humanidade, e loucos aqueles que pretenderam deter o conhecimento baseados apenas no
argumento de autoridade.

Kardec, ao adentrar em campo científico, ao falar livremente da matéria como do espírito e das
relações entre ambos, expôs-se a este questionamento. E, com sua característica perspicácia e bom
senso, nunca se furtou a responder ao questionamento, rebatendo aos questionadores com absoluto
conhecimento de causa. Mas, certamente, rendendo-se quando lhe era demonstrado encontrar-se em
erro.

Estes campos específicos onde o questionamento é possível permeiam toda a obra kardequiana.
Conceitos como perispírito, fluido vital, espaço universal, criação, evolução, pluralidade dos mundos
habitados, reencarnação, influência dos desencarnados sobre os encarnados, os três reinos, são todos
fortemente influenciados pelas novas descobertas das diversas ciências. E, portanto, passíveis de
discussão e eventual revisão, mesmo quando Kardec é afirmativo.

Para tanto, é necessário que se estruture, dentro dos centros espíritas, grupos de estudo que tenham por
finalidade trazer estes temas à baila, entendendo quais sejam estas novas descobertas científicas e
comparando-as teses de Kardec. Esta fundamentação é absolutamente necessária, para que não sejam
agregados à doutrina espírita conceitos que ainda não foram digeridos pela ciência, ou que sejam
claramente produto de arroubos místicos.

Certamente, alguns dirão que o questionamento do mestre é uma heresia, e que, com certeza, a
verdade está no espiritismo, devendo nós aguardar que a ciência chegue a esta conclusão. Entretanto,
devemos lembrar-nos que nós, espíritas, não detemos o monopólio do conhecimento propugnado por
Kardec, de modo que, se nós não nos propusermos a este questionamento, outros, não espíritas, o farão.


Negando-se à discussão e à eventual atualização dos conceitos, mesmo com a demonstração de uma
nova verdade descoberta, os espíritas fecham-se num mundo particular, assemelhando-se cada vez mais
às religiões dogmáticas que diz combater. E a doutrina espírita aparece, para a opinião pública, como
mais uma seita minoritária, sem força e antiga, sobrevivendo da fé cega. Exatamente o contrário do que
propunha Kardec.14

3. A VERDADE ESPÍRITA
Já dissemos que o espiritismo é uma filosofia que busca fornecer uma visão global do
funcionamento do Universo, em todos os seus níveis. Isto significa que a filosofia espírita não se
desvincula do universo prático, mas procura explicitá-lo num contexto mais abrangente. Assim, ela só
poderá continuar existindo se suas teses representarem efetivamente a realidade. À conformidade com o
real, a realidade, segundo o dicionário, dá-se o nome de verdade.

É natural, portanto, que os espíritas, ao considerarem que a teoria espírita sobre o Universo
representa a realidade, julguem estar de posse da verdade. Entretanto, já temos tido provas suficientes
do mal que esta crença pode trazer ao mundo, quando é tomada em seu sentido absoluto. Portanto, um
estudo sobre a verdade, e sobre o modo como ela se apresenta, parece ser não somente salutar, mas
imprescindível para a manutenção de um espiritismo aberto à possibilidade de evolução.

Mas, se verdade é a conformidade com o real, parece importante que se defina o modo pelo qual este
real vem a ser conhecido. Já analisamos o conceito de revelação na doutrina espírita, concluindo que,
em benefício de uma maior clareza, é melhor não admitir que o espiritismo veio ao mundo por
revelação. Vamos procurar discutir as outras formas de obtenção do conhecimento. Numa classificação
possível, são elas: o empirismo, o racionalismo, o intelectualismo, o apriorismo e o intuicionismo.

O empirismo afirma que o conhecimento só é possível quando derivado diretamente da observação
sensível dos fenômenos ou dos fatos. Primeiro, o sujeito tem a sensação de algo; em seguida, percebe-
o; finalmente, forma uma idéia dele. O ciclo sensação - percepção - idéia caracteriza o empirismo.

No racionalismo, ao contrário, a razão humana, a atividade do intelecto puro ou o conhecimento
abstrato são as únicas formas para se atingir o conhecimento. A única coisa que importa é a razão. A
maioria dos pensadores exclusivamente racionalistas admitem a existência de um conhecimento inato,
chamado de conhecimento a priori.

Numa tentativa de conciliar o empirismo e o racionalismo, alguns pensadores afirmam que o
conhecimento é obtido por uma combinação de ambos. Assim, primeiramente se adquire a experiência
das coisas, que, depois, serão elaboradas pela razão, a qual pode, desta forma, conhecer coisas
inacessíveis pela experiência. Este é o intelectualismo, e foi em seu seio que se desenvolveram os
conceitos de dedução (conhecimento iniciando-se no geral e chegando ao particular) e indução
(conhecimento iniciando-se no particular e chegando ao geral).

Uma outra forma de sintetizar o empirismo e o racionalismo foi proposta por Kant. Considerou ele
que o homem possui alguns conhecimentos a priori, cujo conteúdo, porém será desenvolvido com a
experiência. Mais ainda, pro· pôs que a realidade só poderia ser parcialmente conhecida. Este é o
apriorismo.

Finalmente, o intuicionismo considera a possibilidade de se obter o conhecimento sem a
experiência nem a razão. A intuição é a apreensão pura do conhecimento diretamente de uma fonte, não
necessariamente conhecida.

O espiritismo, filosoficamente, faz uma nova síntese, ao mesmo tempo que amplia o campo de
obtenção do conhecimento. Nesta síntese, entram o empirismo (notadamente naqueles campos em que a
matéria, em suas várias formas, é elemento importante), o intelectualismo (no qual a razão entra só como
complemento da experiência e sua continuadora, mas também como elemento de validação) e o
intuicionismo (que seria representado pela apreensão direta da realidade pelo espírito, sem a matéria


intermediária). A ampliação fica por conta da reencarnação e da imortalidade do espírito, que não limita a
possibilidade de obtenção do conhecimento no tempo.

Mas todo conhecimento, para ser válido, deve ser verdadeiro, e com isto retomamos à nossa questão
inicial. Em linhas gerais, existem três concepções de verdade que são consideradas na filosofia:

A primeira delas, oriunda da Grécia, diz que a verdade é o dês-velamento de algo que se encontrava
oculto. É a manifestação daquilo que existe ou é tal como é, o evidente, o que se apresenta a razão.
Presume uma realidade que, mesmo desconhecida, é preexistente ao conhecimento. Chama-se aletheia
(não esquecido, ou não escondido), e se refere às coisas que são. É a verdade do presente. O mesmo
conceito existe na Índia, onde a verdade recebe o nome de satyia.

Outra, remanescente principalmente da época do Império Romano, diz que a verdade é a precisão de
relato de algo que aconteceu. Diz respeito a enunciados que dizem as coisas exatamente como
aconteceram. Presume apenas o desconhecimento de algo que já ocorreu. Chama-se veritas, e se refere
às coisas que foram. É a verdade do passado e da linguagem.

Finalmente, a terceira concepção vem do povo hebreu, e diz que a verdade é o cumprimento de algo
que se prometeu. Funda-se na esperança de um futuro que será ou virá. Exemplifica-se pela revelação
divina, e presume que o conhecimento ocorre antes da realidade. Chama-se emunah (confiança, em
hebraico), e se refere às coisas que serão. É a verdade do futuro e da profecia.

Em qual destes tipos de verdade localiza-se a verdade espírita? Temos de considerar que o espiritismo
encara o Universo como sendo uma obra da divindade, que, apesar de altamente dinâmica, contém, no
geral, as características de perfeição desta divindade. Portanto, o conhecimento, para a doutrina espírita é
uma busca, a busca de algo existente, mas oculto. Entretanto, não se pode esquecer que o espiritismo
surge a partir de um diálogo entre os encarnados e os desencarnados. Neste diálogo, há, como já
dissemos, uma espécie de revelação, a mesma revelação de um professor em uma sala de aula.

Mas, em nenhum momento a doutrina espírita coloca-se em posição de aguardar uma verdade
qualquer, prometida e ainda não realizada. O espiritismo não espera um messias, nem um salvador.
Simplesmente mostra um caminho, uma direção a ser seguida para que o próprio homem construa seu
destino.

Portanto, a verdade espírita tem um forte componente de aletheia e algum de veritas, mas não de
emunah. E isto apesar do movimento espírita formal, que continua esperando que se cumpra a
transformação do Brasil em "coração do mundo e pátria do evangelho", e que o espiritismo venha a ser
a mais importante, senão a única, doutrina vigente. Espera inútil.

4. O "CONTROLE UNIVERSAL DOS ESPÍRITOS"
Apesar dos vários argumentos que foram descritos a favor de uma postura de busca constante de
novos conhecimentos e contra o imobilismo, há ponderações que são sistematicamente repetidas pela
absoluta maioria dos espíritas, a maior parte das vezes sem um pensar mais profundo sobre elas. Uma
das mais expostas, e que pode causar (e, efetivamente, causa) grande prejuízo a esta busca, se for mal
interpretada, é a que limita os novos conhecimentos à aprovação do controle universal dos espíritos.

Normalmente, esta expressão é empregada para evitar quaisquer alterações na teoria espírita. Isto
estaria ótimo se as restrições fossem limitadas a conceitos espúrios15, e se as idéias de Kardec sobre a
validação dos conceitos espíritas e as mudanças a que eles estão sujeitos fossem perfeitamente
entendidas. Entretanto, o que se observa é que a referida expressão só é empregada para obstar ainda
mais os progressos necessários para que o espiritismo não permaneça estagnado no tempo, anacrônico,
e acabe morrendo por inanição.

Antes de mais nada, reafirmamos o óbvio: é claro que não propomos que o espiritismo incorpore
toda e qualquer" nova idéia" ou as pseudo descobertas científicas que diariamente são veiculadas na
mídia. Adivinhações, poder dos cristais, runas, etc., são coisas que necessitam de um maior


embasamento, tanto conceitual quanto experimental, para que possam ser seriamente consideradas, se é
que poderão.

As mudanças a que nos referimos dizem respeito às novas descobertas da ciência e ao avanço do
conhecimento humano, como já dissemos anteriormente. Estas sim, precisam ser rapidamente estudadas
pelos espíritas, para que a atualização da doutrina seja feita de forma a acompanhá-las. É a isso que
Kardec referia-se, quando disse que o espiritismo modificar-se-á de acordo com as novas verdades
científicas.

A discussão sobre as modificações a serem feitas no espiritismo passam pelo modo como Kardec
validava os novos conhecimento" que iam sendo expostos, e que acabaram originando a doutrina
espírita. O problema que se apresentava a Kardec era claro: esses conhecimentos, além de indicarem um
caminho que mudaria radicalmente a visão que o homem tinha de seu Universo, estavam sendo obtidos
por um meio que, apesar de muito antigo, nunca esteve ligado à ciência, mas à religião - a mediunidade.

Ora, como poderia Kardec, um homem acostumado ao rigor científico, apresentar de maneira
inequívoca esses conhecimentos para uma sociedade cientificamente positivista? Era necessário que ele
possuísse algum meio de validá-los, primeiramente a si mesmo, e depois para as academias e para o povo.

O critério básico que ele utilizou foi a razão. "O primeiro controle é, sem sombra de dúvida, o da
razão, à qual é preciso submeter, sem exceção, tudo o que vem dos espíritos".16 Kardec era da opinião que

o espiritismo é uma ciência positiva, isto é, parte da experimentação de fatos concretos para chegar a uma
generalização, às leis que regem o fenômeno e o próprio Universo. Por isso, recusava-se terminantemente
a aceitar qualquer idéia baseado somente no argumento de autoridade, isto é, num nome.
Kardec, em consonância com sua visão positivista de ciência, propugnava que qualquer teoria
deveria, antes de mais nada, ser lógica: "Toda teoria em manifesta contradição com o bom senso, com
uma lógica rigorosa e com os dados positivos que se possuem, por mais respeitável que seja sua
assinatura, deve ser rejeitada ".17

Mas, como ele mesmo observou, este controle era insuficiente. De fato, a aprovação racional de uma
teoria simplesmente significa que ela não fere o bom senso, e que, portanto, há uma característica de
verossimilhança nela. No entanto, somente esta aprovação não garante que ela seja verdadeira, podendo
ser apenas o produto de uma mente coerente, porém desconhecedora da realidade universal.

Assim, Kardec estabeleceu um segundo método de validação: a confirmação da teoria por uma
quantidade de comunicações obtidas em diferentes pontos do globo, através de diferentes pesquisadores
consultando diferentes médiuns. "A concordância no ensino dos espíritos é, pois, o melhor controle;
(...)". É a essa concordância que Kardec dá o nome de controle universal do ensino dos espíritos.

Na realidade, isto é uma adaptação do critério de validação mais usual que existe nas ciências da
matéria: o da repetitividade. Qualquer descoberta científica só é validada quando, tendo os
experimentos sido realizados por diferentes pesquisadores em diferentes laboratórios, os resultados
apresentam-se compatíveis entre si. Como, no caso de pesquisas que envolvam o espírito, a repetição é
duvidosa e difícil, devido à interferência do livre-arbítrio, uma boa aproximação deste critério é a
concordância entre diversos espíritos.

Fica, pois, clara a motivação de Kardec: a de prover a incipiente ciência espírita de métodos de
validação que pudessem sustentar os novos conceitos que ela trazia, e mesmo sua concatenação numa
teoria mais abrangente, a filosofia espírita. Foram considerações de caráter puramente metodológico e,
até esse ponto, perfeitamente válidas.

Não foi intenção de Kardec, como fica patente, submeter às descobertas das ciências formais ao
controle dos espíritos. Como encontra-se muito bem explicitado no Livro dos Espíritos, a ciência foi
dada por Deus ao homem para que este aprendesse a conhecer a natureza e apreender o Universo por
seus próprios meios, sem esperar ser para sempre tutelado por revelações vindas do mundo espírita, do
próprio Deus ou de qualquer outro lugar.


O que não podemos esquecer é que esses anos decorridos desde a publicação do Livro dos Espíritos
trouxeram modificações não somente no conhecimento científico, mas no próprio modo pelo qual o
homem encara o conceito de ciência. A ciência positivista, mecanicista e reducionista do século XIX
está dando lugar a uma ciência orgânica19, probabilística e colaborativa, na qual o homem não domina a
natureza, mas integra-se a ela, conhecendo seus princípios e a maneira pela qual ele próprio participa
deles.

Sendo a verdade espírita fundamentalmente calcada na idéia de que há um Universo previamente
existente; sendo a função básica do sábio a de descortinar este Universo a todos os seres humanos, a
ciência espírita não pode permanecer parada, esperando que novas revelações promovam este
descobrimento. É absolutamente necessário que o cientista espírita integre-se nesta busca do conhecimento,
produzindo um pensar que coloque o espiritismo numa postura pró-ativa, indo ao conhecimento,
e não esperando que o conhecimento venha a ele.

Esta postura pró-ativa começa pela percepção de que ainda há um longo caminho a percorrer se
desejamos conhecer a verdade. Depois, passa pela discussão dos modos pelos quais essa verdade pode
ser atingida, e qual ou quais desses caminhos são os mais adequados à pesquisa espírita. Estabelecem-
se planos de trabalho e então, finalmente, enceta-se a busca pelos caminhos escolhidos. Os resultados
são publicados e discutidos. Só assim pode-se evolver na escalada do conhecimento.

Se o movimento espírita continuar a fiar-se somente no que os espíritos desencarnados têm a nos dizer,
descobrirá, pela pior via possível, que eles não sabem mais que nós, na média, e que, enquanto
esperávamos a revelação da verdade, ela já se tomou de domínio público. E o destino do espiritismo, neste
caso, será aquele de todas as doutrinas que já não têm mais nada a dizer: um verbete em livros de história.

5. AS MUDANÇAS
Comentamos sobre a necessidade de mudanças na doutrina espírita. Entretanto, mudanças são,
sempre, fenômenos traumáticos, e por isso necessitam ser feitas com determinados cuidados. Ao
falarmos em mudanças, quatro questões precisam ser respondidas antes que qualquer movimento em
sua direção possa ser sequer iniciado. São elas: Por quê mudar? Para que mudar? Para o quê mudar?
Como mudar? Estas questões são o objeto deste item.

Por quê mudar refere-se à causa da mudança. O que, na situação atual, está insatisfatório a ponto de
exigir mudanças? Em nosso caso, a causa cristalina, ao menos para aqueles que se preocupam com o
futuro do espiritismo. Em primeiro lugar, há alguns conceitos da doutrina espírita que não mais se
enquadram no estágio atual do conhecimento humano. Em segundo, há, como o próprio Kardec já havia
previsto, novas verdades a serem descobertas, e o espiritismo precisa preparar-se, principalmente em
termos metódicos, para essa busca.

Para que mudar refere-se ao objetivo da mudança. Qual o fundamento teórico que justifica uma
mudança no espiritismo? A resposta é que o espiritismo deve mudar para não estagnar-se. Como disse
Kardec, "O princípio progressivo que [a doutrina espírita] inscreveu em seu código será a salva-guarda
de sua perpetuidade. E sua unidade será mantida principalmente por que ela não repousa sobre o
princípio da imobilidade".20 Reafirmando, não podemos nunca esquecer que, se o espiritismo parar no
tempo, ele se distanciará tanto da realidade que será lembrado apenas como uma seita anacrônica e
minoritária, sem nenhum significado maior para o homem.

Para o que mudar refere-se àquilo que se deseja. Qual é a situação final que o espiritismo espera
alcançar? O que a doutrina espírita necessita é retomar o status que possuía no tempo em que Kardec o
trouxe ao mundo, ou seja, o de uma filosofia universal, possuidora de conceitos adequados aos fatos
científicos demonstrados e que encara o Universo como um todo orgânico e consistente. O espiritismo
surgiu como uma doutrina que, por tratar de maneira racional temas de elevada complexidade, sempre
foi discutida nos meios intelectuais. O que hoje, infelizmente, não ocorre.


Como mudar, finalmente, refere-se ao método, ao caminho a ser empregado pelos espíritas para
concretizar as mudanças necessárias sem descaracterizar a doutrina espírita, ou seja, mantendo seus
pontos fundamentais enquanto forem cientifica e filosoficamente válidos.

Por quê? Nem todos concordarão comigo que a situação atual do espiritismo é insatisfatória. Essa
diferença de opinião é resultado de duas visões distintas e, pode-se dizer, inconciliáveis no que diz
respeito aos objetivos e aos métodos do espiritismo. Aqueles que acham que a principal razão de ser
doutrina espírita é a salvação do homem, é claro que não compreendem a necessidade de atualização. O
conceito de salvação é absoluto e estático: o homem acha-se em erro e há um caminho previamente
definido pela divindade ou por espíritos superiores que levam-no à perfeição; portanto, o que precisa
ser modificado?

O principal objetivo do espiritismo é explicar o "modo de funcionamento" do Universo, a verdade
universal ainda oculta. Claro que isto envolve o ser humano, e, portanto, envolve considerações éticas e
morais. Mas, além de não se restringir apenas a isto, fica a questão: é possível a existência de uma ética
independente do conhecimento da verdade? A resposta é não.

Não podemos esquecer também que, a favor do imobilismo (da postura que diz que "como está, está
bem") existem considerações de ordem política. Basta ver a estrutura de poder de nossos centros e
federações espíritas para constatar que a principal forma de comando é uma ditadura disfarçada (e, às
vezes, nem tanto): presidentes perpétuos e que mais.

Para que? Uma coisa precisa ser sempre lembrada, independente da necessidade de mudanças: é a
posição em que Kardec colocou o espiritismo em relação à cultura. Kardec foi, sempre, claro ao
posicionar a doutrina espírita como uma ciência que possuía conseqüências éticas e morais. E foi,
também, claro ao dizer que o espiritismo acompanhará o desenvolvimento das ciências. Se uma
autoridade fosse necessária, ninguém melhor que o criador da ciência espírita para autorizar a sua
atualização.

Para o quê? Algumas pessoas discordam da necessidade de o espiritismo colocar-se entre as doutrinas
influentes do mundo, do ponto de vista intelectual. Isto é importante porque nenhuma ciência ou filosofia
pode sobreviver sem que haja um fervilhar intelectual sobre seus conceitos. E esse fervilhar, como já foi
dito, não deve ser somente favorável, mas também contrário a esses conceitos. Ora, isto só acontece
quando uma doutrina é importante o suficiente para que elementos de destaque nos meios acadêmicos
tratem dela, a favor ou contra.

Numa análise histórica, observa-se que isto é o que acontecia à época de Kardec. O espiritismo
sofreu ataques não somente do clero (que, num dado momento, sentiu sua posição de supremacia nos
temas do espírito ameaçada), mas também de elementos tão importantes para a ciência quanto Faraday,
por exemplo. Ora, atualmente, os intelectuais que se dispõem a falar da doutrina espírita o fazem,
sempre, de um ponto de vista teológico, místico ou religioso, não se preocupando com as considerações
filosóficas e/ou científicas.

Este é um passo claro para a estagnação. Se não houver uma discussão muito bem fundamentada,
fora do meio espírita, o que acontecerá é que, mesmo que haja espíritas de boa vontade em promover
discussões internas, a doutrina espírita permanecerá fechada em si mesma, pouco evoluindo em relação
ao conhecimento humano. Estagnada, portanto.

Como? Talvez o grande problema a ser resolvido seja o modo pelo qual espiritismo deva conduzir suas
mudanças próprias. Jaci Régis fez uma proposta21 composta de seis passos: não fechar as portas a nenhum
progresso, não sair do círculo das idéias práticas, apoiar a descoberta de novas leis, assimilar todas as idéias
reconhecidamente justas, seguir o movimento progressista com prudência e não imobilizar-se. Esses seis
passos são importantes, mas referem-se à postura que o espírita deve ter para permitir a existência das
mudanças. O maior problema são as ações que devem ser materializadas para que as mudanças ocorram,
no espiritismo, de acordo com os critérios do método e prudência estabelecidos por Kardec.


Precisamos, antes de mais nada, da disposição para a mudança. Em seguida, necessitamos definir os
fundamentos estruturais da doutrina espírita, isto é, a base que deve ser mantida. Depois, são
necessários recursos humanos adequados, previamente preparados, que permitam que as discussões
sejam produtivas. Uma vez realizadas estas discussões, nos próprios centros espíritas, o próximo passo
deve ser a produção de trabalhos, sob a forma de textos, monografias, livros, fitas, ou qualquer outro
meio que permita uma divulgação destas idéias a todos os interessados, dentro e fora do meio espírita.
Seguinte, a reunião destes pensadores em encontros que fomentem ainda mais a discussão. Finalmente,
um esforço de divulgação que permita que esta novas idéias sejam levadas a todos os lugares e a todos
os níveis. Estes passos são melhor explicados no item 7.

O resultado disto será que as idéias espíritas, convenientemente discutidas, serão inscritas nos meios
culturais de modo permanente, livrando o espiritismo da pecha de seita religiosa inerte. Com isto,
estaremos seguindo o caminho que Kardec traçou para o futuro do espiritismo.

6. FUNDAMENTOS ESTRUTURAIS DO ESPIRITISMO
As respostas às questões por quê, para que, para o que e como mudar faz supor que o caminho está
aplainado para que se inicie o processo de mudanças. Entretanto, mais uma questão se faz necessária: o
que é a mudança?

Mudança pode ser definida como um processo de passagem de um estado a outro estado (ou de uma
situação a outra), realizado por um ente ou por uma idéia. O que se deve atentar é que toda mudança
necessita de um pólo móvel, sem o que não há como falar em mudança, e um pólo fixo, ao qual o
primeiro deve ser referido.

Isto ocorre porque, quando falamos em mudança, não podemos descaracterizar o ente ou idéia que
muda, sob pena de não mais o reconhecermos, e, assim, não aceitar o próprio processo de mudança. Um
grande problema é definir exatamente quais são estes pólos, ou seja, traçar a linha divisória entre o
processo de mudança e a perda de identidade. No dizer de Karl Popper: "Como pode uma coisa mudar
sem perder sua identidade? Se permanece a mesma, não muda; todavia, se perde sua identidade, então
não é mais aquela coisa que mudou".22

Com muito mais razão este problema coloca-se no espiritismo, sendo o movimento espírita tão
avesso a qualquer modificação. É preciso definir claramente quais os fundamentos estruturais da
doutrina espírita, que representam seu pólo fixo, aquele em referência a que serão feitas as mudanças.
Alterações significativas neste pólo descaracterizariam a doutrina, e não poderíamos mais falar em
processo de mudança.

Deve-se notar que, do modo como o espiritismo foi constituído, mesmo este núcleo que chamamos de
pólo fixo pode ser discutido e, eventualmente, rechaçado, desde que a evolução científica demonstre a
falsidade de qualquer proposição dele. Porém, neste caso, não se pode mais falar em processo de
mudança, porque, a rigor, não se poderá mais falar sequer de espiritismo.

O problema que se apresenta, portanto, é definir a fundamentação estrutural do espiritismo, de modo
que possamos aclarar o caminho para as mudanças necessárias. Esta definição só pode ser feita sobre o
conjunto de idéias que, juntas, constituem nossa doutrina. Se fixarmo-nos apenas nos seus princípios
éticos, ficaremos com uma doutrina piegas que propõe modelos arbitrários de conduta, sem uma
justificativa filosófica, racional, para eles.

Uma análise dos seis princípios básicos que, tradicionalmente, diz-se que formam o alicerce sobre o
qual o espiritismo se desenvolve (existência de Deus, existência e imortalidade do espírito, evolução
infinita, pluralidade das existências, pluralidade dos mundos habitados e comunicabilidade entre
encarnados e desencarnados) nos revela não serem eles originais. Isto é, o espiritismo não foi o
primeiro sistema a falar sobre ou mesmo a praticar os fenômenos derivados destas idéias.

A grande contribuição da doutrina espírita foi (como já foi dito) ter formado, com estes conceitos, um


todo coeso que nos mostrasse um modelo para a constituição e funcionamento do Universo. Este todo é,
sim, novo, e forma a filosofia espírita, no que há de mais grandioso. Tentemos resumir esta filosofia.

O Universo é um conjunto orgânico e dinâmico, formado fundamentalmente por dois elementos
principais: o espírito, definido como o princípio inteligente, e a matéria, elemento inerte (do ponto de
vista inteligente), com o qual o espírito interage num processo de evolução contínua. Esta evolução se faz
a partir de um estado de total ausência de complexidade e conhecimentos (daí dizer-se que o espírito é
criado simples e ignorante) e estende-se infinitamente.

Este conjunto foi criado pelo Ser por excelência, que denominamos Deus, que é, assim, a causa
primária (eficiente) deste todo universal. É infinito em todas as dimensões, sejam espaciais ou temporais,
razão pela qual falamos que a evolução do espírito é infinita. Deus, contudo, não está sujeito a esta
evolução, uma vez que deve ser perfeito. Não participa, pois, do Universo, tal qual este é constituído.

Este Universo sustenta-se, dinamicamente, através de leis que o dirigem. As leis específicas do
elemento material são chamadas de leis físicas, e sua competência de estudo pertence às ciências de
investigação da natureza. As do espírito denominam-se leis morais23, e são tratadas pela filosofia, no
ramo da ética. A investigação do espírito é feita pelas ciências humanas, cada uma com seu método
próprio, e pela ciência espírita, através, principalmente, da mediunidade.

As relações entre os espíritos, encarnados ou desencarnados, são baseadas em critérios de afinidade,
de ordem afetiva, intelectual ou de qualquer outra ordem. A sua evolução se dá em dois eixos: um
referente ao conhecimento da verdade universal; outro, à postura perante aos demais espíritos e à lei
natural. Por isso, dizemos que esta evolução é intelecto-moral.

Eis, portanto, as estruturas fundamentais do espiritismo, que formam seu pólo fixo, em referência ao
qual se poderão fazer as mudanças:

-Deus como causa eficiente do Universo, não sujeito às suas leis;
-O Universo como um conjunto dinâmico, composto dualmente de matéria e espírito;
-Matéria e espírito como elementos distintos e em constante interação;
-A existência de leis específicas para a matéria e espírito, respectivamente, leis físicas e morais;
-A evolução infinita, intelecto-moral, do espírito;
-Conseqüências éticas e morais estabelecidas em função da filosofia espírita, e não de modo
arbitrário.
- A possibilidade de comunicação mediúnica entre espíritos encarnados e desencarnados, ou seja, a
comunicação mediúnica.
Em se mantendo esta base, descrita de maneira mais extensa na introdução do Livro dos Espíritos,
estaremos sempre falando de doutrina espírita. É interessante notar que temas como perispírito, fluido
vital, etc. são simples acessórios, importantes, sem dúvida, mas não afetando a estrutura fundamental. E
mesmo assuntos que fazem parte dos seis princípios básicos, como reencarnação e pluralidade dos
mundos habitados, poderiam vir a ser remodelados e até eliminados sem que isto descaracterizasse o
espiritismo como uma filosofia particularizada e própria.24

7. O COMPROMETIMENTO DO ESPÍRITA COM AS MUDANÇAS
Uma vez que fique claro para nós que deva haver mudanças na doutrina espírita, para evitar que ela
torne-se completamente ultrapassada, uma última questão que se coloca é: quem deve efetivar tais
mudanças?

O grande problema que o movimento espírita enfrenta hoje, nesta área, é que os órgãos de unificação,
que, hierarquicamente, deveriam zelar pelo futuro do espiritismo, não estão preparados para assumir a
necessidade ou mesmo a possibilidade de se atualizar a doutrina. Rigidamente estruturados, com o poder
de decisão concentrado na mão de poucos, esses órgãos não conseguem (e na verdade nem querem)


formar centros espíritas capazes de propor tal atualização.

Por outro lado, os centros espíritas reproduzem, em menor escala, a mesma estrutura. Amedrontados
com o novo mundo de conhecimentos que seria descortinado com estas mudanças, seus dirigentes
inibem o estudo mais profundo, coíbem a livre manifestação das mocidades espíritas e, com isso,
conseguem manter o status quo, seja no campo político, seja no das idéias.

Ainda, outro problema que se apresenta é o comodismo dos participantes. Realmente, a maioria
deles prefere manter-se apenas freqüentando palestras de cunho evangélico, que não comprometem sua
estrutura mental ao exigir um pensar mais profundo e um posicionamento crítico sobre as coisas que se
acredita e se pratica. Ao mesmo tempo, observa-se em alguns freqüentadores, que têm uma atividade
intelectual intensa em sua profissão, uma tendência a separar, de modo incoerente, esta atividade
daquela que exerce no centro espírita: encaram o centro como um lugar onde vão satisfazer uma
necessidade mística. Separam, assim, em si mesmos, o "místico" do "cientista", não percebendo que o
espiritismo não propõe esta dualidade em sua visão de mundo.

Ora, se o debate não partir dos próprios centros, os quais precisam passar por lima reformulação no
que diz respeito aos seus métodos de trabalho e objetivos, nunca se formará uma massa crítica de
pensadores espíritas capazes de não só realizar a atualização da doutrina espírita, mas também de
colocá-la seriamente no rol das filosofias a serem estudadas.

O primeiro passo que os centros espíritas precisam dar é realizar uma ampla discussão interna sobre
quais são os objetivos da doutrina e do próprio Centro espírita. Se esta discussão for realmente
imparcial, os centros descobrirão (alguns com muita surpresa) que Kardec reservava a eles a função de
núcleos geradores do pensamento espírita. Nada contra uma possível atuação na área da promoção
social, mas deve-se ter muito claro que o principal objetivo é o estudo e divulgação da doutrina espírita.

É imprescindível a criação de cursos básicos de doutrina espírita, que proporcionem aos não
espíritas um entendimento correto dela, ainda que superficial. A definição de espaços onde os
freqüentadores da casa possam aprofundar suas discussões e adquirir novos conhecimentos é, também,
de fundamental importância. No campo da divulgação, as palestras públicas devem ser voltadas para
temas doutrinários, de modo que incentive nos assistentes a vontade de participar dos cursos e dos
grupos de estudos.

Mas, para tanto, é preciso que os dirigentes e coordenadores de cursos sejam pessoas muito bem
preparadas. Na verdade, o aprimoramento dos recursos humanos é uma das principais falhas que
existem dentro dos centros espíritas. Observa-se, com muita freqüência, oradores, coordenadores e
dirigentes completamente despreparados para transmitir ao público os fundamentos da doutrina espírita,
que dirá de aprofundá-los.

Quando tais idéias são expostas, muitos acusam-nas de elitistas, afirmando que o que se pretende é
restringir o acesso do público ao espiritismo. Entretanto, normalmente, este argumento é usado para
esconder o despreparo daqueles que, por sua função de dirigentes e monitores de cursos de espiritismo,
representam o primeiro contato que o não espírita tem com a doutrina. Não se pode esquecer que estas
pessoas estão colocadas na função de verdadeiros professores de cultura espírita e que, para transmitila,
precisam primeiro possuí-la. E não se pode pretender possuir esta cultura espírita sem estar em
constante processo de busca da verdade, um questionamento sem fim.

O que se vê no meio espírita são pessoas que, unicamente por serem médiuns ou por freqüentarem
há muito tempo a casa espírita, são colocadas na função de palestrantes ou coordenadores de cursos.

Ora, a mediunidade é uma potencialidade que deve ser bem aproveitada no centro, mas nada tem a ver
com a transmissão de conhecimentos espíritas.
Para ser um palestrante, é necessário possuir a capacidade de, de modo claro e adequado ao público

alvo, explanar bem as idéias doutrinárias. De nada adianta escalar um palestrante que, por incapacidade
para falar em público, não consiga manter sua atenção. O principal objetivo da palestra, que é divulgar


o espiritismo, não terá sido atingido. Da mesma forma, para ser um coordenador de cursos, é necessário
conseguir transmitir os conhecimentos do programa, o que só se faz quando se tem uma boa didática.
Do contrário, os participantes sairão com menos conhecimento que quando entraram. Ou, pior, sairão
achando que entenderam a mensagem e que compreendem o espiritismo. O que, normalmente, não é
verdade.
Uma vez criados os espaços necessários para os estudos, é função dos dirigentes incentivar a
participação dos membros da casa neles. É preciso que se entenda que não pode haver um trabalho
produtivo no centro espírita, seja como médiuns, seja no atendimento às pessoas, nas transmissões
energéticas, ou em qualquer outra área, sem que haja um constante aperfeiçoamento, tanto em termos
teóricos como práticos. A exemplo do que acontece em qualquer profissão, um profissional que não se
recicla é conduzido rapidamente à obsolescência, porque o conhecimento da área está em contínua
evolução.

Agora, para que os centros colaborem como se deve para a evolução da ciência espírita, é necessário
que sejam criados grupos de pesquisa sobre temas específicos. Estes grupos devem ser multidisciplinares,
compostos de pessoas de certo nível cultural e que estejam bem informadas sobre as áreas específicas de
seu interesse. Nestes grupos, a pesquisa deve ser muito profunda, comparando-se os avanços das demais
áreas do conhecimento com os postulados espíritas.

Todavia, os resultados destas pesquisas não devem ficar restritos aos grupos de estudos. É fundamental
que estes resultados sejam publicados, para que outros grupos tenham acesso a eles e possam contribuir
com suas próprias idéias e pesquisas. Na verdade, o centro deveria prever uma verba anual para a
publicação desses trabalhos, e sua divulgação deve ser a mais ampla possível.

Finalmente, quando da ocorrência de simpósios ou congressos, os membros do centro devem ser
fortemente incentivados a participar, de modo que possam absorver as pesquisas realizadas por outros
grupos, e, posteriormente, discutir essas pesquisas no próprio centro, refazendo-as, se necessário, para
validar de modo pleno seus resultados. Isto, além de divulgar, nestes espaços, suas próprias pesquisas.

Tudo isto é resultado do comprometimento que os espíritas devem ter com sua própria doutrina. Não
somente os dirigentes, não somente aqueles que gostam do estudo, mas todos aqueles que querem se
dizer espíritas. Espiritismo é ciência e filosofia. Não se faz nem uma coisa nem outra sem esforço e
comprometimento, em todos os níveis.

É isso. Ou o fim do espiritismo.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS:

ABREU, Canuto, Bezerra de Menezes; subsídios para a história do espiritismo no Brasil até o ano de
1895, 5. Ed. São Paulo: FEESP. 1996. 117 p.

DIAS, Krishnamurti C. O laço e o culto; é o espiritismo uma religião? 1ª ed. Santos: Dicesp, 1985.
160 p.

HUBY, José. Christus; história das religiões. Vol. 1. São Paulo: Saraiva, 1956. 337 p.

KARDEC, Allan. Revista espírita. Vol. 2, ano 1859. Edicel, 414 p.

KARDEC, Allan. Revista espírita. Vol. 7, ano 1864. Edicel, 402 p.

KARDEC, Allan. Revista espírita. Vol. 11, ano 1868. Edicel, 398 p.

KARDEC, Allan. A Gênese; os milagres e as predições segundo o espiritismo. 17. ed. São Paulo: LAKE,
1994. 400 p.

KARDEC, Allan. Obras póstumas. 1. ed. São Paulo: LAKE, 1975.326 p.

POPPER, Karl. Conjectures and refutations. Apud EPSTEIN, Isaac. Revoluções científicas. São Paulo:
Ática, 1988. Ensaios 126. 144 p.

REGIS, Jaci. Método para a atualização do espiritismo. In Anais do III Simpósio Brasileiro do
Pensamento Espírita. Santos, 1993.


NOTAS


1
Allan KARDEC. Revista espírita, julho de 1859, p.195.

2
Idem, A Gênese, p. 37.

3
José HUBY. Christus -História das religiões. S. Paulo: Saraiva, 1956, p.21.

4
Krishnamurti C. DIAS. O laço e o culto -É o espiritismo uma religião?. Santos: DICESP, 1985, p.55.

5
Aurélio B. de Holanda FERREIRA, Novo dicionário de língua portuguesa.

6
Allan KARDEC. O espiritismo é uma religião? Revista espírita, v. 11, dezembro 1868, p. 357.

7
Chamo de ridículas certas idéias que ainda se prendem a antigas concepções de punição (como é o caso da
lei de ação e reação sendo encarada como pena de Talião) ou tentativas de ritualizar práticas nos centros
espíritas (por exemplo, impedir que o passe seja aplicado quando braços ou pernas estão cruzados, alegando
que isso" dispersa a energia"). Tais idéias e posicionamentos merecem um estudo mais aprofundado e
detalhado, no que tange às suas origens, apresentação e refutação, o que não é o escopo deste trabalho.

8
A ligação entre a postura religiosa e o imobilismo de idéias é, certamente, uma generalização. Entretanto,
infelizmente, pode ser observada na quase totalidade dos espíritas "místicos". As raras exceções de
espíritas que, apesar de defenderem uma posição religiosa para o espiritismo não permaneceram imóveis
no campo das idéias (a exemplo de Herculano Pires e Carlos Imbassahy, só para citar os mais conhecidos)
só confirmam a regra.

9
Alguns pensadores espíritas entendem que o dogma na religião é uma criação eclesiástica, e que nada
impede a existência de uma religião sem dogmas. Entretanto, como praticamente todas as religiões
formais existentes no mundo possuem esta postura, a argumentação do texto permanece válida.

10 Canuto ABREU, Bezerra de Menezes, p. 38 (nota da editora).

11 Idem, ibidem, p. 39.

12 Idem, ibidem, p. 42.

13 Como este não é o objetivo do presente texto, deixarei este estudo para um trabalho futuro.

14 Ainda aqui, falo de maneira geral. Existem algumas pessoas, infelizmente exceções, que nunca se
negaram a discutir e, quando necessário, atualizar os conceitos. Entretanto, estes são uma minoria muito

pequena, e, portanto, a análise continua, a contragosto, válida.

15 Entendo por conceitos espúrios aqueles que, claramente, não pertencem ao corpo doutrinário do
espiritismo e, além disso, quando for o caso, ainda não foram validados por qualquer outra forma de
conhecimento científico. Exemplos ficam por conta dos misticismos esotéricos, dos chacras, da astrologia,
etc. E mais, podem ser também consideradas espúrias práticas que, sem um fundamento teórico sério, vão
frontalmente contra as recomendações de Kardec, como, por exemplo, sessões públicas de desobsessão.

16 Allan KARDEC. Autoridade da doutrina espírita - Controle universal do ensino dos espíritos. Revista
espírita, v. 7, p. 10 1, abril 1864.

17 Idem, ibidem, p. 10l.

18 Idem, lbidem, p. 102.

19 Entende-se por ciência orgânica aquela que, opondo-se à concepção mecanicista, encara o Universo como
um todo indivisível, em que há uma sinergia entre suas partes constituintes. Deste modo, o modelo para
esta concepção não é o de uma máquina, mas o de um organismo, onde problemas em um setor significamproblemas para o organismo como um todo. É a ciência da era quântica.

20 Allan KARDEC. Obras Póstumas. 1. Ed. S. Paulo: LAKE, 1975. Constituição do espiritismo. Dos cismas,

p. 292.
21 Jaci Régis. Método para a atualização do espiritismo. Anais do III Simpósio Brasileiro do Pensamento
Espírita. Santos, 1993.
22 Karl POPPER. Conjectures and refutations. Apud Isaac EPSTEIN. Revoluções científicas. S. Paulo:
Ática, 1988. Ensaios 126, p.9.
23 Possivelmente, o termo "moral" não é o melhor para definir a idéia que permeia este aspecto da doutrina,
tanto em função da etimologia da palavra (ligada ao latim moris, que significa os costumes de cada povo),
quanto pelo sentido que lhe é dado pela sociologia. Entretanto, esta discussão será tratada em outro
trabalho, e, para manter a tradição do uso que lhe deu Kardec, optei por mantê-la neste texto.
24 Isto porque estes princípios são conseqüências lógicas do modelo de Universo do espiritismo: se
consideramos um Universo criado por Deus da maneira mais simples possível, composto por dois
princípios - o espírito e a matéria - e sujeito a uma evolução infinita, como é possível realizar esta
evolução em uma única encarnação e em um único planeta?



O QUE DISSE KARDEC?
É o espiritismo uma religião?


Geraldo Pires de Oliveira

INTRODUÇÃO:

Uma conversa informal suscitou a reflexão que inspirou este trabalho. O norte do nosso
estudo é sem dúvida a questão religião ou não? - o que parece mais apropriado à Doutrina
Espírita, cento e quarenta anos depois, final do século vinte. Quer parecer que retomar a
Kardec, analisar a história, voltar ao presente. Insistir nesse ir e vir retomando os detalhes,
avaliando outros pensamentos podem amadurecer idéias, delinear com firmeza um projeto
mais apropriado para o espiritismo.

Tudo aqui é posto como um burilar do pensamento. Esse que se supõe livre.
Que se dispõe a questão almejando o píncaro das possibilidades sem as peias do preconceito.
Nem de longe imaginamos que os pontos consultados não fossem de conhecimento dos
companheiros estudiosos do espiritismo. Esse enfoque, não pretende ser mais que uma pálida
contribuição a se somar com outras tão mais ricas, melhor elaboradas que já se dispõem ao
estudo dos que refletem sobre o assunto. "O que disse Kardec?", pretende definir e ratificar a
posiç1io que adotamos desde o início por afinidade. Sem o afã da polêmica infértil, passional
e partidária; longe da idéia de segregação ou de preconceito, com o firme propósito de
contextualizar: "'O que disse Kardec ?" ...
Através de conversas com di versos companheiros que partilham esse ideal de estudos,
tivemos a informação que nos diversos centros de estudo, centros espíritas, por maior que
sejam as afinidades não existem dois iguais. São particularidades, tendências que tomam as
instituições distintas a despeito da base ser a mesma: Kardec.
Quando analisamos uma doutrina religiosa, cristã, por exemplo, podemos entender que suas
várias tendências se devem a interpretação divergente de textos de palavras dentro do
compêndio bíblico. Podemos avaliar que são análises de textos muito antigos, e não raro
atendem a interesses particulares, para assegurar o poder de alguns, ou não. Mas no caso da
obra kardeciana, cuja elaboração não dista tanto do nosso tempo, é difícil justificar as interpretações
divergentes, a não ser, também pela vaidade, pela manutenção do poder ou mesmo aconquista desse. É possível equacionar as diferenças não propriamente com o objetivo de
unificar antes de possibilitar o debate, o estudo, a pesquisa no intento ele Avançar efetivamente.
__ O ideal espírita, o sonhado por Kardec, e adotado por tantos quantos vieram depois é sem
dúvida o de contribuir para uma vida melhor a partir do entendimento melhor da própria vida.
Por conta disso muitos resolveram alocar o espiritismo dentre as chamadas ciências humanas,
ou sociais. Muitos só caminharam pelo caminho filosófico, como se fora a Doutrina espírita
unicamente filosofia. Outros, talvez a grande maioria despertaram só e exclusivamente para o
lado moral que tem contato com a religião, posto que Kardec referiu-se a moral cristã, como
sendo a sua adoção para nortear o pensamento espírita. A preocupação é que essa escolha da
maioria não deu desenvolvimento aos dois aspectos principais, que teria a moral por
conseqüência. E mesmo do aspecto moral só se ateve a prática da caridade beneficente
embevecidos que estavam os espíritas por tomadas evangélicas, chavões como: "Fora daCaridade não há salvação", "Só o amor constrói", É dando que se recebe"; e não houve um
avanço além das ladainhas das máximas evangélicas. Por conta disso quase temos mais uma
seita, mais uma igreja, com os mesmos postulados de igrejas evangélicas, ou com costumes
católicos, umbandistas, e o que valha nas orientações de suas práticas.
Adotamos uma vez, o símbolo do triângulo para explicar o caráter do espiritismo. E veja se
bem: sem nenhuma alusão cabalística a figura triangular. Num ponto a ciência, n'outro a
filosofia, e o espiritismo como resultante num outro vértice. Depois, considerando que a
religião também tem importante papel no desenvolvimento da humanidade tivemos: num


vértice a ciência e a filosofia no outro a religião e como vértice de união o espiritismo. O
espiritismo como ponto de contato de harmonização das duas partes sempre antagônicas. Mas

o espiritismo sempre estaria distinto. Teria sempre seu aspecto e postura eminentemente
filosófica e cientifica, mas nunca seria uma religião. Então: "O que disse Kardec ?" ...
Desde os primórdios da história do espiritismo há um embate entre os chamados laicos e os
chamados religiosos. Pessoas de boa índole e de moral adotaram uma bandeira por afinidade,
entraram num time. Muitas das vezes apaixonadamente. Todos efetivamente a Kardequiana,
lutavam pelo mesmo objetivo mas por caminhos divergentes. Na América do Sul tivemos
personalidades como: Torterolli, Porteiro, Marioti e outros que defenderam o espiritismo
filosófico e científico. Do lado religioso foram muitos e destacamos o Dr. Bezerra de
Menezes, hoje quase canonizado nos meios espíritas religiosos. E nos parece que muitos
labutam na chamada seara espírita sem se dar conta destas diferenças, e se o sabem nem se
preocupam pois o importante é efetivamente a caridade.

Sabemos que quando Kardec, no livro: "O Evangelho Segundo o Espiritismo" escreveu
sobre a caridade e disse: "Fora da Caridade não há Salvação" estava fazendo alusão à máxima
incorporada ao evangelho de Jesus: "Fora da igreja não há salvação". E tratou Kardec de
explicar ou diferenciar a caridade como beneficente e benevolente. A beneficente como
largamente difundida no Brasil, trata exclusivamente de atender as necessidades básicas dos
carentes nas diversas áreas. Já a caridade benevolente da conta efetivamente da inter relação
pessoal. Não posso deixar de dizer que a prática da caridade pelos espíritas é sempre muito
elogiada por pessoas gabaritadas em várias áreas. Os espíritas são especialistas em caridade!

É bom que se diga que os chamados laicos, ou os que de fendem o espiritismo como
ciência, filosofia e moral nunca deixaram de ser caridosos. Sempre atuaram em prol de uma
causa social, política, sempre estiveram engajados na luta do seu tempo, atuantes. E sempre o
fizeram de maneira pessoal, por índole não em nome, ou por causa do espiritismo.

Isso posto podemos ver que essas duas porções que dividimos os espíritas darão condições
de entender as bandeiras os partidos adotados ao longo da história.

A FORMAÇÃO DE KARDEC:

Os ascendentes de Hyppolyte Léon Denizart Rivail, foram magistrados, dedicados a
ciência do direito. Não seguiu essa tradição, já que desde cedo interessava-se pela ciência e
pela filosofia. Estudou na escola de Pestalozzi em Yverdun - Suiça. Ora Pestalozzi é
considerado o pai da pedagogia, já ouvimos isso. A família de Kardec era de tradições
católicas, seu principal mestre era protestante. Interessante observar que Pestalozzi sonhava
com a unificação das crenças, que o progresso traria por assim dizer uma única religião, dissipando
as divergências e debates o que promoveria a paz entre os povos. Alguns atribuem a
isso a idéia de ecumenismo.

Para os intolerantes sectários isso era obra do demônio. Intolerância religiosa de um lado e
de outro também despertaram em Rivail o ideal de apaziguar as tendências e unificar os
diversos credos. A nosso ver uma utopia que no momento da elaboração da Doutrina espírita
parecia ter encontrado sua realização. Podemos até entender com Kardec, que as religiões
poderiam encontrar confirmação de seus pontos de fé no espiritismo, pois que alguns
elementos que era objeto de estudo do espiritismo faziam parte da conformação doutrinária
dos diversos grupos e instituições religiosas. E até se abriu, por assim dizer, a possibilidade
dos diversos religiosos estudarem espiritismo continuar nas suas igrejas e assembléias. Mas
entendemos que isso contribuiria com a confusão mais tarde.

EMBATES E ALGUMAS INTRIGAS DE KARDEC:

Na resposta ao abade François Chesnel temos Kardec afirmando que o espiritismo não
seria mais uma seita, não seria religião. Kardec pergunta e responde: "é ele (o espiritismo


uma religião? Fácil é demonstrar que não". E mais a frente: "o seu caráter é pois o de uma
ciência e não de uma religião". Mas no mesmo texto mais adiante o fundador do espiritismo,
por causa das conseqüências morais comuns em toda doutrina filosóficas, vai dizer: "Suas
conseqüências são no sentido do cristianismo, porque é este, de todas as doutrinas, a mais
esclarecida, a mais pura, razão porque, de todas as seitas religiosas do mundo, são as
cristãs as mais aptas a compreende-la em verdadeira essência. O espiritismo não é pois uma
religião" ... Cabe analisar!

A maioria dos cristãos daquela época eram católicos e depois protestantes ou evangélicos.
A umbanda era sincretizada ao catolicismo só no Brasil, um número relativamente pequeno e
sem grande influência no panorama global. Os cristãos acima não acreditavam, não aceitavam
um dos postulados básicos da Doutrina Espírita que era a reencarnação. Destacamos esse mas
se procurarmos, veremos divergências fundamentais. O único ponto de contato era a origem
das doutrinas cristãs: Jesus de Nazaré. Demasiado tendencioso Kardec nessa afirmação. Em
que pese n'outro momento ele diga que, islâmicos, budistas, muçulmanos, estavam estudando

o espiritismo. Acreditamos também num fato: Existiam doutrinas religiosas, embasadas em
filosofias orientalistas com um código de moral bastante elevado e sábio e que eram
reencarnacionistas, que se poderia dizer com muitos pontos de contato com o espiritismo.
Quis Kardec, no entanto, denotar sua preferência. Justificaríamos considerando a cultura geral
do mundo ocidental que era eminentemente cristã, com pouca ou quase nenhuma informação
sobre outras doutrinas. Mas lamentamos o limite que isso de certa maneira nos imporia, a
considerar que se levantam hoje bandeiras de um espiritismo cristão, contra a qual nos
insurgimos, por conta desse atrelamento autorizado por Kardec.
Na revista de outubro de 1860, Allan Kardec, com certa indignação responde a um
articulista, redator da gazette de Lyon, por conta de um artigo em: '2 de agosto de 1860: "Se
jamais Deus vos reservou dias nefastos, orai-he para que os ofendidos não se lembrem disto.
Os que são espíritas esquecerão, porque a caridade ordena. assim fazei votos para que todos

o sejam, desde que bebem no espiritismo os princípios de ordem social, de respeito à
propriedade e de sentimentos religiosos". Mais adiante, no mesmo texto: "Mas a propósito
de uma crença de que me orgulho de professar porque é uma crença eminentemente cristã,
vós procurais ridicularizar criaturas honestas e laboriosas, porque são iletradas, esquecendo
que Jesus era operário". O que temos abre a possibilidade de interpretação para uma
crença para no mínimo um partido religioso.
AS OBRAS BÁSICAS:

Como a Doutrina espírita tem como objeto de estudo a alma, e como trata desse assunto,
ainda que a título de investigação; estuda com espíritos desencarnados e no caso específico da
codificação os principais espíritos eram ligados a igreja católica temos um certo ranço, um
certo ar religioso ou aparentemente um ponto de fé em algumas colocações. Talvez não
concordem alguns companheiros navegantes, porém ...

Em o Livro dos Espíritos, temos lima introdução, que compõe um capítulo a parte, de suma
importância, onde a morte quer nos parecer seja de uma doutrina exclusivamente filosófica.
Cuida da clareza de linguagem, define o encaminhamento das questões. A ordenação dos
capítulos, os assuntos dispõem-se com uma didática incrível, a ponto de impressionar o mais
exigente pedagogo, ou o que valha. A primeira questão nos deixa tranqüilo: O que é Deus? e
toda a primeira parte desenrola-se de maneira que nada da indícios de uma religião. O
questionamento é realmente filosófico!

Mas no decorrer do seu desenvolvimento, até porque as personalidades desencarnadas que
ali respondem falam diferentemente; já percebemos que em alguns pontos não é tão cristalino
assim a isenção, no aspecto religioso. Senão vejamos: Aleatoriamente abrimos a questão 198
da parte V -"....E Deus não afasta da prova quem deve sofrer" ... , outra - 334 - ... "Deus que


tudo sabe e que tudo ve" ..., na 336 -"Deus proveria isso" ... na 337 a questão já era dirigida:
"A união do espírito com determinado corpo pode ser imposta por Deus? - e a resposta
afirmativa ainda termina dizendo que: ... "poderá tomar-se para ele um castigo". Poderão não
concordar os meus muitos amigos aqui presentes, mas o meu questionamento aqui considera a
possibilidade de Deus ter ganhado uma personalidade, que vai dirigindo e determinando.
Punindo, castigando. Na parte VI no tópico sobre os anjos da guarda temos um linguajar
bastante próprio da religião: Anjo da guarda, espírito protetor, e na mensagem de São Luís e
Santo Agostinho uma apologia a fé. Tá bem, sabemos que pode ser uma fé raciocinada!, mas é
difícil entender fé raciocinada. Quer nos parecer que quando raciocinamos a fé cede
naturalmente a razão. E passamos a acreditar por que sabemos, não seria assim?!?!

Aliás, por muito tempo utilizamos o pensamento da primeira página do livro:
O Evangelho Segundo o Espiritismo: "Fé inabalável é sàmente aquela que pode encarar a
razão face a face em todas as épocas da humanidade" - Bonito, né ? - Hoje ainda aparece em
alguns momentos, como um alento, como uma resposta apropriada, mas entendemos que é
preciso refletir mais sobre o assunto. E selecionando, poderíamos citar aqui muitas colocações
já no Livro dos Espíritos que nos daria, não só um ar de religiosidade, mas uma conotação
religiosa; vede mais a questão 627, a resposta é toda uma apologia ao cristianismo, como
entendemos. Embora na anterior 626, sentimos uma abertura, quando na resposta os espíritos
deixam claro que as verdades estão escritas por toda parte.
Em o Livro dos Médiuns, acima já citamos o capítulo III - Método, onde Kardec fala dos
Espíritas cristãos. Além disso, mesmo sendo este livro designado como o da ciência espírita, e
sem dúvida ser um manual ainda insubstituível para o exercício da mediunidade tal como
concebe o espiritismo. Não se aboliu a prece das reuniões. Com o propósito de se conseguir
uma unidade energética, uma comunhão de pensamentos, uma harmonização do ambiente. A
prece se mantém. Nem pós Kardec, sabemos de um método efetivo que tenha sido desenvolvido
para a consecução da harmonia do ambiente. Talvez por sermos ocidentais, sabe-
se lá, pouco sabemos de "concentração", "concentração mental" nem "meditação". Outras
doutrinas esotéricas o conseguem. Jesus de Nazaré ao que tem de informação o fazia. Os
praticantes da Ioga, de maneira diversa, mas os praticantes do Tai Chi Shuan, desenvolvem
essa prática, e não são religiões. No espiritismo simplesmente se ora, faz-se a prece de
abertura dos trabalhos e de encerramento. Mas temos de convir que o linguajar ganha alguma
autoridade a mais. Maior independência, e isenção e que contribui conosco no pensamento
não religioso, ou que nos permita considerar o espiritismo como sendo uma doutrina
filosófica, científica e que pretende uma conseqüência moral. E é o que nos interessa
efetivamente. Mas sigamos com nossa análise.
Já fizemos uma breve referência ao livro: O Evangelho Segundo o Espiritismo, acima. Mas
esse que seria por definição o elaborador da concepção moral do espiritismo, quer nos parecer
em algum momento uma pedra no sapato. Um linguajar que parece querer agradar mesmo as
concepções mais religiosas, mais ardorosas, de pura adoração. Será que estamos sendo rigorosos,
pode ser. Mas a nossa apreciação vai ao ponto de considerar que os comentários de
Kardec, sejam mais interessantes que a maioria dos ditados por espíritos. A última parte então,
a das preces espíritas, é difícil não questionar a validade. Já ouvimos que alguns mais afoitos,
chegam a achar a obra anômala, sem nenhuma função plausível dentro do compêndio da
codificação. Não chegamos a tanto. Consideramos que se Kardec escreveu o fez com algum
objetivo. O que queremos é simplesmente questionar. O que Kardec fez, da maneira como fez
é assim que deve ficar? E vejam queridos companheiros, é claro que percebemos todo o
aspecto consolador, e muita beleza em muitos pontos do livro. Mas alguns pensamentos ali
contidos contribuíram para as interpretações dos que fizeram uma "religião espírita". Kardec
muitas vezes nas suas oscilações no máximo aceitou uma religião filosófica.
Em a Gênese, temos o I capítulo, cerca de 40 páginas. Apesar de termos ali
consubstanciado a idéia de que o espiritismo é a terceira revelação, conseguinte das de Moisés


e Jesus respectivamente; Vimos ali, paradoxalmente, toda a elaboração por Kardec do
pensamento científico e filosófico da Doutrina espírita. O texto é primoroso! -Podemos até
questionar se é terceira revelação ou não, mas o texto na íntegra não supõe um
comportamento, uma elaboração religiosa para o espiritismo. No decorrer do livro até
poderíamos encontrar aqui ou acolá alguns pontos que tendessem a dúbia interpretação, e
temos uma grande demanda de assuntos concernentes a Jesus, o Cristo, ainda assim temos
nesse livro todo o encaminhamento de uma visão efetivamente mais racional. Considero que
de certa maneira, era difícil não tocar no assunto cristianismo, pelo liame tênue das duas
doutrinas. É fatal a fraternidade das duas concepções. E como alguns pensadores já
entreviram uma raiz do cristianismo, e do monoteísmo nos pensamentos de Sócrates e Platão;
podemos até ver com certa naturalidade e tranqüilidade a construção do edifício Kardeciano
por esse viez. Longe de entender nisso uma religião.

Não falamos ainda do livro: O Céu e o Inferno. Sabemos ter sido este o quarto livro das
obras básicas. Temos nesse livro, por assim considerar o coroamento ou o revestimento do
aspecto moral pela filosofia. Em alguns momentos sentimos como que assistindo alguma
manifestação de algum dos espíritos e imaginamos um ar grave na dissertação, um peso
tumular e fantástico, coisas da fé possivelmente, ou do tema tratado nesse livro, ou pura
tendência nossa. Mas tanto o Céu e o Inferno, como a Gênese; é como que melhorasse muito

o direcionamento, norteasse o destino de uma doutrina racional sem peias religiosas: Ciência
e Filosofia mesmo! - O que também temos grandemente na Revista Espírita.
Ainda podemos contar em nossas análises, com mais uma obra de peso:
Obras Póstumas. Muito do pensamento de Kardec se perderia se não tivessem a brilhante
idéia de compilar os seus escritos, artigos e realizassem essa edição. Porém, temos uma
comunicação sob o título de: Futuro do Espiritismo assinado por: UM ESPÍRITO, que nos diz
que a função do espiritismo é: "apurar a religião do Cristo" ...depois: "lnstiuirá a verdadeira
religião, a religião natural, a que parte do coração e vai, diretamente, a Deus" ...

E muitas lembranças esparsas ocorre-nos lembrando artigos e pensamentos da Revista
Espírita, e de outras obras, que bem serviriam ao propósito de balizar, tal como pretendíamos
essa reflexão. Poderíamos nos ater simplesmente ao artigo do companheiro Reinaldo de
Luccia, publicado a pouco tempo no Jornal Abertura. Também lembramo-nos do trabalho
apresentado por Milton Rubens Medran, levantando os pontos incompatíveis entre o
cristianismo e o espiritismo. Do pensamento do companheiro Reinaldo é importante frizar, e é

o nosso intento, a necessidade de promover novo debate. Exaurir a polêmica, sem incorrer na
infertilidade dos embates pessoais, alheios a civilidade, ao bom senso, que se supõe devam
interessar aos que têm sede de poder. Cumpre-nos nesse momento pactuar com os que acham
interessante avançar a partir dessa reflexão. Há um pensamento vigente: "O espiritismo será o
que deles fizerem os homens" - Isso disse também Kardec. Urge a necessidade de melhorar o
seu encaminhamento, e torná-lo o mais útil possível.
OUTRAS FONTES DE REFLEXÃO:

Ouvimos dizer, amiúde que, José Herculano Pires foi o filósofo brasileiro que mais
entendeu Kardec. Concordamos.

Sabemos que Herculano referia-se a doutrina espírita como sendo não simplesmente
religião, mas a religião. Uma vez que o nosso filósofo combateu o sectarismo dentro da
doutrina, lutou contra a igrejificação, o misticismo, consideramos em concordância com
outros companheiros que nesse caso é uma questão puramente semântica. Herculano tinha o
mesmo ideal dos que seguram esse estandarte (da não religião), analise-se o livro Agonia das
Religiões e pode-se compreender isso. Nesse livro temos uma análise no XIII capítulo, em
que Herculano diz: "Kardec sabia o que fazia, quando evitava a confusão do Espiritismo com
as religiões dogmáticas, sem, entretanto negar o seu aspecto religioso. Teve mesmo o


cuidado de não cortar em excesso as ligações da doutrina com a tradição religiosa, pois
sabia que a evolução não pode sofrer, sem perigos de solução de continuidade."

O que disse Herculano, de certa forma, embasa o que tentamos refletir.
Não tendo tomado uma posição definitiva, Kardec abriu a possibilidades de alguns
"aventureiros" o fazerem. Inspirados e motivados por devaneios Roustanguistas, Pietro
Ubaldistas, Polidoristas, Zarurzistas, LBV's, Racionalismo's Cristão, tanto curandeirismo
artesanal e romanesco, muito em nome da vaidade, pouco quase nada em nome da verdade.
Dizemos quase porque vemos pessoas de boa fé envolvidas e convencidas das práticas
esdrúxulas eivadas de ignorância em nome do espiritismo kardecista. De boa fé mas sem
muita boa vontade de aprender e de revolucionar.
Um outro livro que nos serve de esteio e o livro de Ubiratam Machado: Os Intelectuais e o
Espiritismo, De Castro Alves a Machado de Assis. Esse livro vale se lido integralmente é de
grande interesse para todos. Por isso não pretendemos fazer citações. Vale dizer, que o
jornalista/autor: Ubiratam Machado nos remete historicamente aos primórdios do espiritismo
no Brasil. e que podemos depreender que o embate é antigo. Sempre houveram os laicos ou
científicos do espiritismo c os religiosos. Numa briga puramente partidária, pelo poder, ou o
que valha. No Brasil a chamada Seara era grande e precisava de trabalhadores. País pobre com
muitos problemas sociais estimularam um time de espíritas de primeira hora ao trabalho
assistencial, a caridade beneficente. E os espíritas até hoje são destaques no Know-how da
caridade. Carente de tudo, principalmente de cultura geral, de educação até elementar, o
brasileiro foi muito assistido pelo espiritismo, mas pouco desenvolveu pesquisas e seu lado
científico e filosófico. As academias pouco ou nada sabem dele. Ignoram e até fazem pilhérias
sem pesquisá-lo. Sabemos que existem uns poucos grupos, mas ainda insatisfatórios. E são
muitos os acadêmicos adeptos da filosofia espírita.
Toda a nossa reflexão, pretende estimular a polêmica, mas necessária e urgente discussão.
O que é vantagem para a doutrina? - Consideramos e reconsideremos o que disse Kardec. Ele
nos deu a chave, e a porta se nos apresenta. Quantos já o disseram, mas sem a preocupação de
sermos redundantes queremos frizar: Kardec é a base, a fundação do edifício, mas não a sua
cobertura o seu fechamento. Abriu-nos a possibilidade da pesquisa e do desenvolvimento
desse. Foi a palavra inicial, e quão longe estamos da palavra final, se é que vá existir ?!? - "O
espiritismo será o que dele, fizerem os homens".

Não podemos abrir mão cio questionamento. E é possível ver que Kardec n'alguma
questões talvez não tivesse definições apropriadas, satisfatórias e 1talvez esteja nisso a causa
do desencontro. Importa sempre ver o que disse Kardec, mas o avanço é essencial. O bom
senso nos impele à questão.

Devolvemos a palavra a José Herculano Pires, na finalização do seu capítulo iniciado
acima: ... "Poucas obras revelam uma compreensão tão clara e profunda da natureza
orgânica do Universo, como a Codificação. É por isso, e não por sectarismo ou fanatismo,
que não podemos fazer concessões ao passado no campo das atividades doutrinárias. Avançamos
para um novo mundo que só o Espiritismo pode modelar, pois só ele revela condições
para isso em sua estrutura doutrinária. Mas se não procurarmos compreendê-lo em toda sua
grandeza, é certo que o reduziremos a uma seita fanática de crentes obscurantistas. Evitemos
essa queda ao passado, para nós mesmos e para o mundo. Tenhamos a coragem de avançar
sem muletas e sem temor para a Civilização do Espírito."

Bibliografia:

•Obras Básicas -Allan Kardec
•Obras Póstumas -Allan Kardec
•Revista Espírita -Allan Kardec
•Agonia das Religiões - J. Herculano Pires

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A FÍSICA NO ESPIRITISMO

Érika de Carvalho Bastone

INTRODUÇÃO

Todos aqueles que passaram por uma casa espírita já ouviram falar dos três
aspectos do espiritismo: científico, filosófico e moral. Neste trabalho vamos falar um
pouco do espiritismo como ciência, em particular, na Física, uma ciência exata.

Para começar, vamos rever dois trechos do primeiro artigo da Revista
Espírita, de janeiro de 1858, nos quais Kardec explicita o papel da ciência no
espiritismo.

... a força que se revela no fenômeno das manifestações, qualquer que seja
a sua causa, está na natureza... . O que é preciso fazer é observá-la,
estudar-lhe todas as fases para, delas, deduzir as leis que a regem. Se for
um erro, uma ilusão, o tempo lhe fará justiça; se for a verdade, a verdade é
como o vapor: quanto mais se comprime, maior é a sua força de expansão.

...talvez nos contestem a qualificação de ciência que damos ao espiritismo. Ele
não poderia, sem dúvida, em alguns casos, ter os caracteres de uma ciência
exata, e está precisamente aí o erro daqueles que pretendem julgá-lo como
uma análise química, como um problema matemático: já é muito que tenha o
de uma ciência filosófica. Toda ciência deve estar baseada sobre fatos, mas só
fatos não constituem a ciência; a ciência nasce da coordenação e da
dedução lógica dos fatos; é o conjunto de leis que os regem. O espiritismo
chegou ao estado de ciência? .... mas as observações são bastante
numerosas para se poder, pelo menos, deduzir os princípios gerais, e é aí que
começa a ciência.

Desde o advento do espiritismo a física tem sido empregada na explicação de
fenômenos, sendo comum o uso de termos próprios desta ciência na literatura
espírita. Mesmo no Livro dos Espíritos, de Allan Kardec, termos como fluido elétrico
ou fluido magnético, atuais para a época, aparecem nas respostas dadas pelos
espíritos a Kardec.

Muitos cientistas, espíritas ou não, nos primeiros anos da história do
espiritismo, dedicaram parte de seu tempo estudando os ditos fenômenos espíritas.
Podemos citar, como exemplo, William Crookes, Alexandre Aksakof, Friedrich
Zöllner, Camille Flammarion e Ernesto Bozzano, entre outros. O que chega até nós
de seus trabalhos é apenas uma exposição, uma coletânea de observações, bem
preparadas, de apresentações mediúnicas. Eles observavam, anotavam,
comparavam e analisavam, sempre aplicando o método científico, mas pouco mais
podiam fazer. Nesta época o átomo ainda era uma partícula fundamental
(indivisível), Maxwell estava formulando suas equações que dariam origem à teoria
eletromagnética e a mecânica newtoniana ainda reinava absoluta.

A física evoluiu. Vieram novas teorias, uma nova maneira de ver o mundo.
Suas descobertas influenciaram todas as áreas do conhecimento humano.

O espiritismo, com um corpo doutrinário amplo, abrangendo todas as áreas
do conhecimento, ficou, a meu ver, por fora desta evolução. Mesmo fundamentado
como ciência, não conseguiu, ao longo dos anos, apesar dos esforços de alguns
poucos cientistas, ser considerado, no meio acadêmico, como uma ciência. Não
conseguiu nem mesmo despertar a curiosidade científica sobre alguns fenômenos


2


físicos. Podemos culpar a comunidade acadêmica por tal desinteresse, mas a
comunidade espírita também tem a sua parcela de culpa. Estamos sempre
esperando que a ciência descubra indícios da vida espiritual, que um dia a ciência
confirme o que nós, espíritas, já sabemos.

Na década de 50, André Luiz, sob o intermédio dos médiuns Francisco
Cândido Xavier e Valdo Vieira, nos trouxe duas obras, Evolução em Dois Mundos,
de 1958, e Mecanismos da Mediunidade, de 1959, em que conceitos de física são
altamente explorados.

No presente trabalho faço uma análise destes dois volumes no que se refere
à física. Comparo os conceitos e definições utilizadas pelo autor com a física vigente
na época em que foram escritos. Para isto, apresento antes um breve resumo de
como andava a física nestes tempos.

Por último, levanto a discussão a respeito da formação de uma comunidade
científica espírita, interessada na elaboração de procedimentos factíveis, amparada
no método científico, para o estudo da física sob a ótica espírita.

A FÍSICA NOS SÉCULOS XIX E XX

A partir do século XVII, com o sucesso da mecânica, surgiu uma tendência
para uma mecanização geral da física. Assim, o calor foi associado ao movimento
de um fluido calórico, a eletricidade à existência de um ou dois fluidos elétricos, a luz
seria associada à teoria corpuscular de Newton e, na química, surgiu uma espécie
de fluido, o flogístico.

A idéia do flogístico começou a entrar em declínio já no século XVIII, quando
Priestley, em 1774, mostrou a existência do oxigênio, e com Lavoisier, em 1777,
quando decompôs a água em oxigênio e hidrogênio, embora no início do século XIX
ainda restassem alguns poucos adeptos.

Durante o século XIX, a física avançou a uma velocidade cada vez mais
acelerada, embora a necessidade de um meio mecânico, o éter, com propriedades
essencialmente diferentes das dos meios elásticos comuns, como repositório de
energia no espaço, só tenha sido definitivamente abandonada na passagem do
século XIX para o século XX.

Assuntos que eram antes matérias distintas começaram a convergir. Vamos
analisar separadamente as seções – calor, eletricidade e luz – e vejamos como suas
relações evoluíram no século XIX, dando origem à física atômica. Veremos também
como se deu a passagem da física clássica para a física quântica1.

Como em nenhum momento André Luiz se refere à conceitos de física
estatística e de relatividade, não achei necessário incluí-los neste resumo.

CALOR

No fim do século XVIII, quando defendia uma teoria vibratória para explicar o
calor gerado quando se perfurava um canhão, o conde Rumford observou que o
suprimento de calor parecia inexaurível, e se tornou claro que o calor não poderia,
simplesmente, ser um fluido imponderável.

Depois da pesquisa de Rumford, Carnot fez uma análise permanente e
penetrante de máquinas que produziam força mecânica com o calor. Declarou que o
motor realiza trabalho mecânico devido à mudança de temperatura e não à perda de

1 A física clássica é baseada em processos contínuos, como, por exemplo, planetas girando em torno do sol ou ondas propagando-se na água. A nossa
percepção do mundo é baseada em fenômenos que evoluem continuamente no espaço e no tempo. O mundo sub-microscópico, no entanto, é muito
diferente: um mundo de processos descontínuos, um mundo que exibe comportamentos que contrariam frontalmente nosso amado bom senso. Somos
protegidos dessa realidade pela nossa própria cegueira sensorial.


3


calor. Morreu em 1832, aos 36 anos, sendo que seus textos póstumos
permaneceram dispersos por cerca de meio século. Neles Carnot chegava a
conclusão de que o calor nada mais é do que uma força eletromotriz, ou uma força
que mudou de forma, começando a trabalhar nos fundamentos de uma teoria
cinética do calor. Suas notas guardavam a maior parte do trabalho fundamental que
viria a ser chamada a primeira lei da termodinâmica. Coube a Joule, Kelvin e
Clausius, nas décadas de 40 e 50 (século XIX), desenvolver a moderna teoria do
calor, a termodinâmica, tornando claro que o calor não era nenhum misterioso fluido
sem peso, mas sim uma forma de energia, tal como acontecia com o trabalho
mecânico. Também se tornou evidente que nenhuma forma de energia podia ser
destruída, embora uma pudesse ser convertida em outra. Dessa constatação,
chegou-se ao princípio da conservação de energia.

ELETRICIDADE

A eletricidade, tal como o calor, também era concebida como um fluido
imponderável. A questão principal, em 1800, era saber se seria um fluido ou se
seriam dois.

No entanto, nesse ponto, o quadro deveria mudar devido a pesquisas mais
extensas e profundas, sendo que evidências posteriores foram obtidas graças a
estudos sobre a passagem da eletricidade ao longo dos fios.

Ohm, entre 1821 e 1827, fez vários experimentos, e concluiu que a
eletricidade se movia em um fio passando de partícula em partícula.

Ao mesmo tempo Oersted e Ampère conseguiram provar experimentalmente,
em 1829, que, quando uma corrente elétrica passava ao longo de um fio, havia um
campo magnético associado a ela. De 1821 a 1825 Ampère esclareceu os efeitos de
correntes sobre imãs, assim como o efeito oposto, a ação de um imã sobre correntes
elétricas.

A eletrodinâmica de Ampère, posteriormente mais desenvolvida por Weber, era
uma teoria que imitava o modelo newtoniano, isto é, tudo deveria seguir um modelo
desenvolvido por Newton (1687) na sua mecânica, baseando-se nas interações entre
pontos materiais. Assim, sua teoria se revelou inadequada para explicar os
fenômenos eletromagnéticos, sendo logo substituída pelo novo conceito de campo.

A partir de 1833, Faraday argumentou, e conseguiu provar experimentalmente
que, se a eletricidade que corria por um fio produzia efeitos magnéticos, como
Ampère havia mostrado, o inverso deveria ser verdadeiro – um efeito magnético
deveria produzir uma corrente elétrica.

Seguiram-se outras experiências, verificando que uma espiral de fio induziria
uma corrente elétrica em si mesma nos momentos em que uma corrente fosse
ligada ou desligada, fenômeno da auto-indução. Essas experiências conduziram a
toda espécie de resultados práticos, do desenvolvimento dos motores e geradores
elétricos ao telégrafo elétrico e à eletricidade pública. Principalmente, levantaram um
problema teórico, que não era novo, embora, à sua luz, tenha se tornado um sério
desafio. Era a questão relativa ao modo como a eletricidade e o magnetismo podiam
afetar um ao outro no espaço vazio, o problema da ação à distância.

Faraday propôs a útil e produtiva idéia de um campo. Imaginou que existiam
linhas de força magnética e que estas ficavam tanto próximas quanto mais forte
fosse o campo magnético. Em 1837 introduziu o conceito paralelo de linhas de força
elétrica e, no ano seguinte, estava em condições de elaborar uma teoria da
eletricidade.

Afirmou, ao discutir a eletricidade e as linhas de força, que o espaço devia
estar cheio de tais linhas e que, talvez, a luz e o calor radiante fossem vibrações que
viajavam ao longo delas. Mas essa idéia necessitava de uma análise matemática


4


completa que lhe desse precisão, se pretendesse que ela se tornasse algo mais que
uma afirmação interessante.

O homem que aceitou esse desafio foi o escocês Maxwell. Começou sua
análise em 1855, tentando encontrar uma explicação matematicamente correta das
linhas de força que circundavam um imã, isto é, o campo magnético de Faraday. Em
1861 estava em condições de colocar correntes elétricas, cargas elétricas e
magnetismo em um esquema abrangente, pressupondo um éter para explicar como
as correntes elétricas e seus variados campos magnéticos estavam sempre
interagindo. Maxwell fez o relacionamento do campo com o éter, de forma natural,
pois mostrou que as ondas eletromagnéticas2 se propagam com a velocidade da luz,
e o éter era tido como o suporte das vibrações luminosas. Em 1864 publicou seu
trabalho, com todos os detalhes matemáticos.

As implicações de seus resultados matemáticos eram impressionantes. As
equações a que Maxwell tinha chegado para expressar o comportamento de uma
corrente elétrica e de seu campo elétrico associado eram semelhantes, em todos os
aspectos, às já determinadas para expressar o comportamento das ondas de luz
(uma teoria ondulatória da luz já fora aceita por essa época). Assim, o que Maxwell
mostrou foi que a luz devia ser uma onda eletromagnética de alguma espécie e,
inversamente, que as ondas eletromagnéticas deviam ser passíveis de reflexão,
refração e todos os efeitos que as ondas de luz sofrem. Seus resultados mostravam
que deviam existir radiações de menores e maiores comprimentos de onda do que a
luz. Em 1888, Hertz descobriu as ondas de rádio, que são ondas eletromagnéticas
com comprimento de onda maiores que as da luz.

Mas na realidade o éter estava atrapalhando o desenvolvimento da teoria do
campo. Pensava-se que o éter era necessário porque se achava que a energia só
podia ser contida na matéria. Se havia uma energia no campo eletromagnético,
então deveria haver uma certa matéria que contivesse essa energia.

Em 1887, Michelson e Morley inventaram um aparelho, o interferômetro, com
o objetivo de se confirmar a existência do éter. Mas o resultado do experimento foi
justamente o contrário, a não existência do mesmo.

Maxwell teve dificuldades em se desembaraçar totalmente dos modelos
mecânicos, e uma concepção mais moderna do campo só foi atingida por Lorentz
em 1892, depois da teoria dos elétrons, que admitia uma localização direta da
energia eletromagnética no espaço, sem qualquer meio mecânico de suporte.
Depois da teoria da relatividade restrita de Eisntein, em 1905, foi então
definitivamente abandonada a idéia de um éter.

LUZ

A teoria de Newton sobre a luz, que a considerava como um fluxo de
corpúsculos, manteve-se inalterada até o princípio do século XIX, quando uma nova
concepção foi adotada por Thomas Young.

Young questionava, por exemplo, se a luz se devia a corpúsculos lançados de
um corpo, porque eles viajavam sempre a mesma velocidade, quer viessem de uma
centelha produzida em uma lareira, quer dos raios do sol? Ou, ainda, se a luz era
uma fileira de corpúsculos, porque apenas alguns seriam refratados através de uma
lente e outros refletidos? Para resolver estes problemas resultantes da teoria
corpuscular, supôs que o espaço estava cheio de um éter luminoso e que a luz era
um distúrbio de onda em tal éter, conseguindo explicar todos os efeitos usuais de
reflexão e refração. Foi dele também o princípio da interferência da luz.

2 As equações de Maxwell para o eletromagnetismo podem ser combinadas para dar uma equação de onda para os vetores do campo elétrico e do
campo magnético. Essas ondas eletromagnéticas são provocadas por cargas elétricas aceleradas. Foram produzidas pela primeira vez em laboratório por
Hertz.


5


O problema da difração, em que a luz se espalha após passar por uma
minúscula abertura, era mais difícil de resolver. A teoria corpuscular considerava que

o efeito da difração era causado pela atração gravitacional dos corpúsculos quando
eles passavam muito perto de um corpo, mas não era uma explicação satisfatória.
Em 1793 Young declarou que a difração era causada pela interferência das bordas
de um corpo, com que ainda se concorda, mas sua explicação de como isso
acontecia não foi convincente. E tinha mais um obstáculo para sua teoria, a dupla
refração da luz que ocorria em certos cristais.
Em 1808 Laplace declarou que essa divisão da luz em dois raios podia ser
explicada pela teoria corpuscular, supondo-se que os corpúsculos eram divididos em
dois raios, cada qual com uma velocidade diferente.

A Académie des Sciences ofereceu um prêmio, em 1810, a quem explicasse

o fenômeno da dupla refração, que foi ganho por Malus. No inicio de sua pesquisa
surgiu um novo efeito, que ele chamou de polarização. Malus se julgou capaz de
explicá-lo com a teoria corpuscular. Os partidários da teoria corpuscular se sentiram
triunfantes.
A Academie ofereceu outro prêmio, essa vez para uma explicação da
difração, que foi ganho por Fresnel em 1815, que apresentou resultados que
conduziram à derrubada da teoria corpuscular.

Nos anos que se seguiram, novos experimentos foram realizados, agora com
Young e Fresnel trabalhando juntos. A teoria corpuscular foi se tornando
insustentável, embora a polarização continuasse a ser um problema. Em 1817
Young resolveu a questão, imaginando que as ondas de luz no éter eram realmente
transversas, como as ondas do mar, e não longitudinais. A partir daí qualquer
resultado experimental podia ser explicado.

Outra questão da luz que surgiu no século XIX foi a verdadeira natureza do
seu espectro. Newton provara que a luz solar era composta de todas as cores. Em
1802, Wollaston, na esperança de separar as cores umas das outras, construiu um
aparelho, o espectroscópio, mas ao contrário de suas expectativas nenhuma
separação das cores foi conseguida. O que ele viu foi que o espectro era cortado por
uma série de linhas pretas. Doze anos depois Fraunhofer, estudando o espectro
solar, mapeou 576 linhas pretas e finas que conseguiu ver.

Paralelamente, as observações dos astrônomos Herschel e Talbot mostravam
que, quando certas substancias químicas eram aquecidas e suas chamas
examinadas em um espectroscópio, cada elemento apresentava suas próprias
linhas características.

Em 1833 as experiências de Miller comprovaram que, se a luz solar fosse
passada através de vários gases no laboratório, apareceriam linhas escuras
adicionais, e a partir disso tornou-se geral a convicção de que as linhas de
Fraunhofer podiam ser devidas a gases existentes no sol.

Finalmente, em 1858, Stewart demonstrou que, se um corpo emitia radiação
em comprimentos de onda específicos, então também absorvia melhor a radiação
nesse comprimento de onda. Esta descoberta foi feita simultaneamente por
Kirchhoff. Estes dois cientistas conseguiram traçar um conjunto de três leis que
regiam os vários tipos e espectros observados em laboratório. Em 1860 a questão
estava clara, e a técnica de espectroscopia possibilitou detectar a presença até
mesmo dos menores traços de uma substância.

Finalmente, em 1864, Maxwell mostrou que a luz devia ser uma onda
eletromagnética.

Observação: O breve resumo apresentado acima, a respeito da física no século XIX,
nos permite visualizar como estava a física na época em que Kardec fazia seus
estudos sobre o espiritismo.


6


FÍSICA ATÔMICA E A TEORIA QUÂNTICA

O próximo passo para um entendimento mais profundo da natureza dos
próprios átomos resultou na prática de se fazer passar eletricidade através de gases
rarefeitos, pois assim os gases brilhavam e podiam ser examinados pela
espectroscopia. Observou-se que a espécie de descarga que ocorria dependia da
qualidade do vácuo obtido no tubo. Em particular, estavam interessados em um brilho
nas paredes de vidro do tubo, que parecia ser causado por alguma coisa procedente
de um dos pinos de metal, ou eletrodos, da extremidade do tubo. William Crookes, de
1879 a 1880, tentou explicar esses raios catódicos afirmando que se deviam às
poucas moléculas de gás ainda remanescentes no tubo, as quais se eletrizavam,
sendo então repelidas pelo catodo (elétrodo negativo). Em 1895, contudo, uma
descoberta acidental levou não só a rejeição da explicação de Crookes, como também
ao início de uma completa revolução nas idéias sobre o átomo.

Röntgen estava usando um tubo ligado a uma bomba de vácuo quando notou
que uma folha de papel coberta com uma fina camada de platinocianido, que estava
sobre um banco, começou a brilhar; o brilho cessou tão logo o tubo foi desligado.
Evidentemente, alguns raios vindos do tubo atingiam a folha. Não podiam ser
partículas, pois os raios não eram defletidos por um campo magnético ou elétrico.
Se fossem raios, devia haver algo curioso com eles, pois não eram refratados por
uma lente. Röntgen chamou-os de "raios X".

Thomson e seu aluno de doutorado, Rutherford, começaram a estudar os
novos raios. Enquanto Rutherford investigava os raios X, Thomson voltou sua atenção
para os próprios raios catódicos. Thomson mediu sua velocidade e declarou que eram
1600 vezes mais lentos que a luz, adotando assim o ponto de vista de que eram
partículas e não radiação eletromagnética. Seria necessário conhecer a carga elétrica
das partículas e sua massa, mas Thomson só realizou experimentos para definir a
proporção entre estas duas quantidades, e não seus valores isolados. Seus
resultados eram idênticos em todos os gases, levando-o a concluir que estava lidando
com alguma coisa menor do que um átomo. Assim, ao findar o século (1897), a
existência do elétron, como ficou conhecida esta partícula, estava estabelecida3.

Em 1896 Becquerel, trabalhando com os raios catódicos, descobriu que o
urânio emitia raios que, como os raios X, faziam com que um gás conduzisse
eletricidade. Marie e Pierre Curie decidiram descobrir se este era o único elemento
com o mesmo comportamento. Em 1898 descobriram novos elementos que se
comportavam assim, o polônio e o rádio, e observaram que esta radiação devia ser
causada por alguma propriedade dos próprios átomos.

Rutherford, estudando a radioatividade, descobriu, em 1898, que eram
emitidos dois tipos de raios, que ele chamou de alfa e beta. Em 1907 viu-se que os
raios alfa eram, na verdade, núcleos do átomo de hélio e que os raios beta eram
elétrons com alta velocidade. Além destas partículas emitidas, Villard descobriu que
também era emitida radiação, cujos raios foram denominados raios gama.

Em 1910, Bragg confirmou a existência dos raios gama e observou que os
raios X ora se comportavam como ondas eletromagnéticas, ora como partículas, e
foi obrigado a concluir que pareciam ambas as coisas.

3 Em 1919 o núcleo do nitrogênio foi desintegrado, e os produtos dessa desintegração eram partículas carregadas positivamente, chamadas prótons.
Em 1932 descobriu-se o nêutron, com carga elétrica nula, e o pósitron, partícula de massa igual a do elétron mas com carga positiva. Muitas outras
partículas foram surgindo.
Hoje, as partículas consideradas fundamentais são os léptons (elétron, muon, taon e neutrinos), os quarks (são os constituintes de outras partículas
como o prótron e o nêutron, sendo que seus nomes são extremamente criativos – estranho, charmoso, up, down, top e bottom) e as partículas
responsáveis pelas interações: eletromagnética (fóton), forte (glúon), fraca (W e Z) e gravitacional (supõe-se a existência do gráviton).



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Rutherford, em 1911, propôs um modelo atômico em que cada átomo teria um
núcleo central, com carga positiva e a maior parte de massa do átomo. Os elétrons,
com carga negativa, estavam ao redor do núcleo.

Um novo modelo atômico foi proposto por Bohr, em 1913, em substituição ao
modelo de Rutherford, combinando elementos de física clássica com a natureza
intrinsecamente descontínua do mundo quântico. Consistia em um núcleo com carga
positiva, em torno do qual orbitavam elétrons, mas apenas em órbitas específicas, tal
como os planetas ao redor do sol. Quando um elétron recebe energia, ele salta para
uma órbita de maior raio. Ao voltar para sua órbita de origem, o elétron emite radiação
eletromagnética. O comprimento de onda da radiação emitida depende do número de
órbitas saltadas e da proximidade das órbitas em relação ao núcleo. Assim, o
comprimento de onda pode abranger todo o espectro da radiação eletromagnética,
desde os raios gama e X, na extremidade dos raios de comprimento de onda muito
pequenos, passando pelo espectro visível, até os raios infravermelhos e as ondas de
rádio, na extremidade dos comprimentos de onda muito longos.

O modelo atômico de Bohr baseou-se nos trabalhos de Planck (1900) e
Einstein (1905). Planck, estudando a radiação do corpo negro (radiação emitida por
um pequeno orifício em uma caixa fechada), chegou à conclusão de que a radiação
não se dava de uma forma contínua, mas em pacotes de energia (quanta de
energia). Sua teoria foi confirmada por Einstein, ao analisar o efeito fotoelétrico
(emissão de elétrons quando um feixe de luz atinge uma placa de metal). Einstein
sugeriu que a luz de uma determinada freqüência ocorria em múltiplo de pequenos
pacotes, cada um com energia proporcional à freqüência, estendendo o tratamento
atomístico da matéria à própria luz. Esses "átomos de luz" foram chamados de
fótons. Estava evidente que a luz, e toda radiação eletromagnética deviam ser
consideradas ao mesmo tempo como ondas e partículas.

As previsões de Bohr eram extremamente eficientes quando comparadas com
experimentos, principalmente com o hidrogênio, primeiro elemento da tabela
periódica. Mas tinha suas limitações. Não conseguia explicar o comportamento do
próximo átomo na tabela, o hélio. O que sobreviveu da idéia original de Bohr foi seu
componente mais revolucionário, a quantização das órbitas eletrônicas. Todo o
resto, os componentes clássicos de seu modelo, como a idealização do elétron e do
núcleo como pequenas bolas de bilhar em um sistema solar em miniatura, teve de
ser abandonado.

Uma partícula é um objeto pequeno, bem localizado no espaço, enquanto
uma onda é algo que se dispersa pelo espaço. Essa é a dualidade onda-partícula da
luz; a luz pode se comportar como onda ou como partícula, dependendo da natureza
do experimento. Se o experimento testar suas propriedades ondulatórias, a luz se
manifestará como onda; e se o experimento testar suas propriedades de partícula, a
luz se comportara como partícula. A luz não é onda ou partícula, mas, de certa
forma, ambas. Tudo depende de como nós resolvemos investigar suas
propriedades.

O observador não tem um papel passivo na descrição dos fenômenos
naturais, e não podemos mais separar o observador do observado.

Em 1924, Louis de Broglie sugeriu que a dualidade onda-partícula não era
uma peculiaridade da luz, mas sim de toda a matéria. Elétrons e prótons também
eram tanto onda quanto matéria, dependendo de como decidimos testar suas
propriedades.

No intervalo de dois anos, uma teoria quântica completamente nova foi
proposta, a chamada mecânica quântica. Em 1925, Heisenberg apresentou sua
mecânica matricial, que não incluía partículas ou órbitas, apenas números
descrevendo transições de elétrons em átomos. Representava um modo


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completamente novo de descrever fenômenos físicos, uma liberação das limitações
impostas por imagens inspiradas pelo mundo clássico.

Em 1926, um método aparentemente diferente de se estudar o
comportamento dos átomos apareceu, a chamada mecânica ondulatória, proposta
por Schrödinger, que provou ser compatível com a mecânica de Heisenberg.

A solução da equação proposta por Schrödinger em sua mecânica ondulatória
é conhecida como função de onda. Inicialmente, ele pensou que ela era uma
expressão matemática que descrevia a onda associada ao próprio elétron. Isso
estava de acordo com as noções clássicas de como as ondas evoluem no tempo; se
conhecermos sua posição e velocidade iniciais, podemos usar suas equações de
movimento para prever seu comportamento futuro. No entanto, rapidamente ficou
claro que essa interpretação da função de onda não podia estar correta. Em 1927
Heisenberg havia mostrado que a física quântica obedece a um principio
fundamental que expõe claramente as diferenças entre o mundo clássico e o mundo
quântico. O princípio da incerteza diz que alguns pares de variáveis que
constantemente afetam uma à outra, tais como tempo e energia ou posição e
velocidade, não podem ser determinadas com precisão absoluta. Quanto maior a
precisão em uma, menor a precisão na outra. Trata-se de um princípio com as mais
profundas implicações filosóficas.

No mundo do muito pequeno, até o conceito de trajetória se torna vago. Se a
função de onda não descrevia o movimento do elétron, o que estava descrevendo?
Max Born deu a resposta. A mecânica ondulatória de Schrödinger não descreve a
evolução do elétron, mas a probabilidade de o elétron ser encontrado numa certa
posição. O mesmo experimento, repetido várias vezes sob as mesmas condições,
dará resultados diferentes. O que podemos prever com a mecânica quântica é a
probabilidade de obter um determinado resultado.

A interpretação de Born demoliu por completo a noção clássica de uma
descrição da natureza. A certeza é substituída pela incerteza, o determinismo, pela
probabilidade, os processos contínuos, pelo salto quântico.

ANÁLISE DOS LIVROS

Em ambos os livros podemos encontrar afirmações que não estão de acordo
com os conceitos físicos vigentes. Temos também uma série de novos conceitos e
definições, apresentados por André Luiz, que não são sustentados pela ciência
atual.

A apresentação destas afirmações está organizada da seguinte maneira:
para cada livro, encontram-se listados, em separado, indicados pelo número da
página em que foram encontrados na edição indicada, os trechos que não estão de
acordo com a física e os trechos em que aparecem novas definições e conceitos.
Nos primeiros, em cada item relacionado apresento a justificativa de porque não
estão de acordo com a física. Nos segundos, ao invés de analisá-los item a item,
faço uma síntese e, no final, apresento meus comentários de forma geral.

EVOLUÇÃO EM DOIS MUNDOS (1958)

Trechos retirados do livro que não estão de acordo com a física:

Página 22: Cada galáxia quanto cada constelação guardam no cerne a força
centrífuga própria, controlando a força gravítica, com determinado teor energético,
apropriado a certos fins.


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-Força centrífuga: uma das chamadas forças fictícias, sendo apenas uma
técnica que nos permite aplicar a mecânica clássica da maneira habitual, se
quisermos descrever os eventos de um referencial não-inercial. Se
escolhermos um referencial inercial4, consideramos apenas as forças reais,
isto é, forças que podemos associar com corpos determinados da vizinhança,
que não é o caso da força centrífuga.

-Força gravitacional: por si só mantém os corpos celestes em equilíbrio.

Página 22: A engenharia celeste equilibra rotação e massa, harmonizando energia
e movimento, e mantêm-se, desse modo, na vastidão sideral, magnificentes
florestas de estrelas, cada qual transportando consigo os planetas constituídos e
em formação, que se lhes vinculam magneticamente ao fulcro central, como os
eletrôes (elétrons) se conjugam ao núcleo atômico, em trajetos perfeitamente
ordenados na órbita que se lhes assinala de início.

-O modelo atômico acima descrito remonta ao modelo proposto por
Rutherford (1911) ou ao modelo de Bohr (1913), em que os elétrons têm
trajetórias definidas em torno do núcleo, assemelhando-se ao movimento
planetário. Desde 1927, através da mecânica quântica, não se fala em
trajetórias para os elétrons nos átomos, mas sim que estão distribuídos em
nuvens de probabilidades.

Página 24: ... confessamos que não sabemos ainda, principalmente no que se
refere à elaboração da luz, qual seja a força que provoca a agitação inteligente dos
átomos, compelindo-os a produzir irradiações capazes de lançar ondas no Universo
com velocidade de 3.0×108 m
/ s
.

-Na primeira metade do século XX tanto a física quântica quanto o
eletromagnetismo (eletrodinâmica) já estavam formulados. A emissão de luz é,
atualmente, um fenômeno explicado e controlado (aplicações tecnológicas).

Página 95: ... temos, assim, os fluidos líquidos, elásticos, ou aeriformes e os outrora
chamados imponderáveis, tidos como agentes dos fenômenos luminosos,
caloríficos e outros mais.

-Durante o século XIX se acreditava que a transferência de calor e de carga
elétrica se dava por meio de fluidos. No final deste mesmo século mostrou-se
que estas teorias estavam erradas.

Trechos em que surgem novas definições e conceitos:

Página 27/28: ... é o corpo espiritual o veículo físico por excelência, com sua
estrutura eletromagnética, .... com a respectiva carga elétrica...

Página 33: A matéria elementar, de que o elétron é um dos corpúsculos-base (na
esfera espiritual em que estagiamos, o elétron é também partícula atômica
dissociável) ...

Página 95: ... o homem desencarnado vai lidar com um fluido vivo e multiforme,
estuante e inestancável, a nascer-lhe da própria alma,... esse fluido é o seu próprio
pensamento contínuo, gerando potenciais energéticos com que não havia sonhado.

Referencial inercial é aquele para o qual se aplica a primeira lei de Newton ("qualquer corpo permanece em seu estado de repouso ou em
movimento retilíneo uniforme, a menos que seja obrigado a modificar tal estado por forças aplicadas a ele").


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Página 96: ...encontra a matéria conhecida no mundo, em nova escala vibratória.
Elementos atômicos mais complicados e sutis, aquém do hidrogênio e além do
urânio, em forma diversa daquela em que se caracterizam na gleba planetária,
engrandecem-lhe a série estequiogenética.

Página 99: ...esse fluido ou matéria mental tem a sua ponderabilidade e suas
propriedades quimioeletromagnéticas específicas, definindo-se em unidades
perfeitamente mensuráveis.

Página 100: ... é pelo fluido mental com qualidades magnéticas de indução que o
progresso se faz acelerado.

Página 199: Qual a velocidade da emissão fluídica? A questão envolve, na base, o
estudo da partícula do pensamento, em sua composição de estrutura e potencial,
para o que ainda não possuímos qualquer recurso nas definições humanas.

.
Sintetizando os trechos acima, vemos que André Luiz prediz a existência de
novos elementos químicos, aquém do hidrogênio e além do urânio. O urânio é o
elemento de número 92 na tabela periódica. Acima dele temos 11 elementos da
série dos transurânios, que são elementos instáveis, com meias vidas curtas,
descobertos entre 1940 e 1966. Acima destes ainda temos os elementos da série
dos transactinídeos, com meias vidas bastante curtas. O hidrogênio é o átomo mais
simples, contendo um elétron e um próton. A existência de elementos aquém do
hidrogênio, segundo o modelo atômico atual, é impossível.
Temos também a predição de que o elétron não seja uma partícula
fundamental, isto é, que seja dissociável em outras.
Por último, a existência de uma matéria mental, com uma estrutura
eletromagnética, com carga elétrica, é apontada.

MECANISMOS DA MEDIUNIDADE (1959)

Trechos retirados do livro que não estão de acordo com a física:

Página 22: Façamos funcionar o receptor radiofônico e encontraremos ondas
elétricas.

-Em todo o livro vemos uma confusão entre os conceitos de corrente elétrica
(cargas elétricas em movimento) e onda eletromagnética. O correto, acima,
seria onda eletromagnética.

As ondas ou oscilações eletromagnéticas são sempre da mesma substância, ...

-A onda eletromagnética se propaga no vácuo. Não é necessário um meio
material para a sua propagação.

À falta de terminologia mais clara, diremos que uma onda é determinada
forma de ressurreição da energia, por intermédio do elemento particular que a
veicula ou estabelece.

-Uma onda apenas transporta energia de um ponto a outro. No caso da onda
eletromagnética, não temos um veículo de transmissão para a onda.

Página 23: Assim é que as ondas da corrente alternada, as ondas de rádio, as da
luz e dos raios X, ..., não existe qualquer diferença de natureza, mas sim de
freqüência, considerado o modo em que se exprimem.


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Página 28/29: ... até que Hertz consegue positivar a existência das ondas elétricas,
descobrindo-as e colocando-as a serviço da humanidade.

-Novamente, a confusão entre corrente elétrica e onda eletromagnética.

Página 29: ... pelo fato de gravitarem os elétrons, ao redor do núcleo, no sistema
atômico, em órbitas seguramente definidas...

... mentalizou o átomo como sendo um núcleo cercado, no máximo, de sete
camadas concêntricas, plenamente isoladas entre si, no seio das quais os elétrons
circulam livremente, em todos os sentidos.

-O modelo sugerido se afasta completamente do modelo atômico aceito após

o advento da mecânica quântica. Ele traduz a idéia de elétrons como
partículas, com trajetórias definidas, enquanto que no modelo quântico os
elétrons apresentam a dualidade partícula-onda como já discutido, sendo as
órbitas descritas por funções de probabilidade, que não estão espacialmente
isoladas, mas se sobrepõem no espaço.
Página 32: A ciência percebeu, afinal, que a radioatividade era como que a fala dos
átomos, asseverando que eles nasciam e morriam ou apareciam e desapareciam
no reservatório da natureza.

Apreendendo-se que a radioatividade exprimia a morte dos sistemas
atômicos...

-Alguns átomos instáveis (cujos núcleos não estão no estado de menor
energia) decaem para um átomo estável, que pode ser o mesmo elemento,
ou um elemento com um número atômico diferente (maior ou menor). Isto
não é o mesmo que dizer que o sistema atômico morreu!

Página 40: Entretanto, o meio sutil em que sistemas atômicos oscilam não pode ser
equacionado com os nossos conhecimentos. Até agora, temos nomeado esse
terreno indefinível como sendo o éter; contudo, quando Einstein buscou imaginar-
lhe as propriedades indispensáveis,... , não conseguiu acomodar as necessárias
grandezas matemáticas numa fórmula, ..., e concluiu que ela não existe, propondo
abolir-se o conceito de éter, substituindo-o pelo conceito de campo.

Campo, desse modo, passou a designar o espaço dominado pela influência
de uma partícula de massa.
... a indagação quanto à matéria de base para o campo continua desafiando

o raciocínio, ...
-O trabalho de Einstein, que aboliu definitivamente o éter, foi publicado em
1905, resultado que também pode ser deduzido do experimento de
Michelson-Morley em 1887. André Luiz diz que, até agora, (em 1959) existe
um meio sutil denominado éter.

-O conceito de campo não foi um substituto para o éter. Aliás, durante cerca
de cinqüenta anos conviveram em certa harmonia.

-A definição dada para campo não corresponde à definição aceita. Campo
pode ser definido como qualquer quantidade física que dependa do tempo e
do espaço. Como já discutido anteriormente, não é necessária uma matéria
base para o campo.

Página 46/47: Recorrendo ao campo de Einstein, ...,assim como a intensidade de
influência da chama diminui com a distância do núcleo de energias em combustão,
demonstrando fração cada vez menor, sem nunca atingir a zero, a corrente mental
se espraia, segundo o mesmo princípio, não obstante a diferença de condições.

-Está comparando campo com corrente. Não deveria ser campo mental?


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Página 51: ... lembremo-nos de que, conforme a Lei de Coulomb, as cargas de sinal
contrário ou de força centrípeta atraem-se, contrabalançando-se essa atração com
a repulsão por elas experimentada, ante as cargas de sinal igual ou de força
centrífuga.

- Não existe qualquer relação entre atração de cargas e força centrípeta ou
repulsão de cargas e força centrífuga.
Página 55: Circuito elétrico: a extensão do condutor em que se movimenta uma
corrente elétrica.
Circuito mediúnico: a extensão do campo de interação magnética em que
circula uma corrente mental.

-Esta definição de circuito mediúnico é confusa e imprecisa: não podemos
falar em extensão de um campo, e muito menos em uma corrente circulando
em um campo.

Páginas 68/69: Além do movimento de translação ou de saltos, em derredor do
núcleo, os elétrons caracterizam-se igualmente por determinado movimento de
rotação sobre o seu eixo, se podemos referir-nos desse modo às particularidades
que os exprimem, produzindo os efeitos conhecidos por spins.

-O spin não é um efeito. Tal como a carga ou a massa, é uma propriedade
intrínseca do elétron. Por definição, o spin é momento angular intrínseco do
elétron.

Páginas 79/80: Por anotações ligeiras, em torno da microfísica, sabemos que toda
partícula se desloca, gerando onda característica naturalmente formada pelas
vibrações do campo elétrico, relacionadas com o número atômico dos elementos.

-Acredito que queira dizer que partícula carregada, em movimento acelerado,
gera onda eletromagnética, embora não está claro no texto. Esta relação
com o número atômico está muito menos clara, pois, se ele queria se referir
a átomos, estes possuem carga total nula e não irradiam.

Em conjugando os processos termoelétricos e o campo magnético, a Ciência
pode medir com exatidão a carga e a massa dos elétrons, demonstrando que a
energia se difunde, através de movimento simultâneo, em partículas infra-atômicas
e pulsações eletromagnéticas correspondentes.

-Não encontrei nenhum sentido lógico nesse parágrafo.

Informamo-nos, ainda, de que a circulação da corrente elétrica num condutor
é invariavelmente seguida do nascimento de calor, formação de um campo
magnético ao redor do condutor, produção de luz e ação química.

-Devemos ter cuidado com a linguagem. Calor é uma forma de energia.
Energia não nasce ou morre. O que ocorre é uma transformação de uma
forma de energia em outra.

Deve-se o aparecimento do calor às constantes colisões dos elétrons livres,
espontaneamente impelidos a se moverem ao longo do condutor, associando a
velocidade de transferência ou deslocamento à velocidade própria, no que tange à
translação sobre si mesmos, o que determina a agitação dos átomos e das
moléculas, provocando aquecimento.

-O trecho sublinhado é ininteligível.

A constituição de um campo magnético, ao redor do condutor, é induzida
pelo movimento das correntes corpusculares a criarem forças ondulatórias de


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imanação. A produção de luz decorre da corrente elétrica do condutor. E a ação
química resulta de circulação da corrente elétrica, através de determinadas
soluções.

-O que são forças ondulatórias?

Página 86: ... o pensamento age de cérebro a cérebro, quanto a corrente de
elétrons de transmissor a receptor (tv)...

-Novamente, a confusão entre corrente elétrica e onda eletromagnética. Em
um processo de transmissão de informações como o que ocorre para o
funcionamento do televisor, temos emissão e recepção de ondas
eletromagnéticas, e não de partículas, tais como os elétrons.

Página 87: ...o cérebro possui nas células e implementos que o servem
aparelhagens correspondentes às peças empregadas em televisão para a emissão
e recepção das correntes eletrônicas...

-Novamente, a confusão entre corrente elétrica e onda eletromagnética.

Página 110: Os discos de ebonite em atividade rotatória como que esfarelam as
bolhas de ar, guardadas entre eles, comprimindo os elétrons que a elas se
encontram frouxamente aderidos.

-Estas bolhas de ar são desnecessárias para se explicar o funcionamento de
uma máquina eletrostática. Numa máquina eletrostática os elétrons são
arrancados devido à fricção entre as correias e os discos.

Trechos em que surgem novas definições e conceitos:

Página 26: ... as imagens das sete cores fundamentais, ..., criando igualmente
efeitos psíquicos, em cada criatura, ...

Página 43: Identificando o Fluido Elementar ou Hálito Divino ... do qual conhecemos

o elétron como sendo um dos corpúsculos-base, ...
Encontraremos a matéria mental que nos é própria, em agitação constante, ...
Página 44: Desde os raio ultra-super-curtos em que se exprimem as legiões
angélicas...

Página 45: ... o pensamento ainda é matéria – a matéria mental, em que as leis de
formação das cargas magnéticas ou dos sistemas atômicos prevalecem sob novo
sentido, ..., e no qual surpreendemos elementos que transcendem o sistema
periódico.

Página 46: A matéria mental obedece a princípios idênticos àqueles que regem as
associações atômicas na esfera física.

Página 50: E para simples efeito de estudo da transmissão de força mediúnica, em
que a matéria mental é substância básica...

Página 51: ... a corrente de forças mentais, destinada à produção desse ou daquele
fenômeno ou serviço, circulará no condutor mediúnico em razão do campo de
energias mento-eletromagnéticas existente entre a entidade comunicante e a
individualidade do médium.


14


Página 68: Consignaremos que a corrente elétrica é a fonte de magnetismo até
agora para nós conhecida na Terra e no Plano Espiritual.
Nessa mesma condição, entendemos a corrente mental, também corrente de
natureza elétrica, embora menos ponderável na esfera física.


Página 71: Surpreendemos no ferromagnetismo5 um ponto expressivo para o
estudo da mediunidade...

Página 72: Mediunidade: campo magnético particular descompensado.

Página 76: ...circulam (no cérebro) as correntes mentais constituídas à base dos
átomos de matéria da mesma grandeza, qual ocorre na matéria física, ..., pelo que
depreendemos, sem dificuldade, a existência do eletromagnetismo tanto nos
sistemas interatômicos da matéria física, como naqueles em que se evidência a
matéria mental.

Página 111: Dentro de certa analogia, temos também as correntes de elétrons
mentais, por toda parte, formando cargas que aderem ao campo magnético dos
indivíduos, ou que vagueiam, entre eles, à maneira de campos elétricos que
acabam atraídos por aqueles que, excessivamente carregados, se lhes afeiçoem à
natureza. (não dá para entender nada)

Página 125: ... se desconhece ainda, no mundo, a Lei do Campo Mental...

Páginas 126/127: E aos encarnados interessa a existência em plano moral mais alto
para que definam, com exatidão e propriedade, a substância ectoplasmática,
analisando-lhe os componentes e protegendo-lhe as manifestações ...

.
Sintetizando os trechos acima, vemos que, neste livro, André Luiz explorou idéias
apresentadas no livro Evolução em Dois Mundos, principalmente a existência de uma
matéria mental para explicar o pensamento, obedecendo a princípios idênticos
estabelecidos para a matéria na esfera física: cargas elétricas, correntes de partículas
mentais, vigência do eletromagnetismo, a existência de um campo mental, sendo que
a mediunidade estaria relacionada ao comportamento ferromagnético.
Concluindo, vemos que em todos os dois livros há uma discordância clara
entre os conceitos físicos, vigentes na época em que foram escritos, com o
conteúdo apresentado, sendo que a utilização de conceitos e termos desatualizados
é uma constante.

Até mesmo conceitos de mecânica clássica não são corretamente
empregados, como, por exemplo, na afirmativa da necessidade de uma força
centrífuga para equilibrar a força gravitacional.

A noção de campo, principalmente, não foi assimilada corretamente pelo
autor que, inúmeras vezes, confunde corrente elétrica e campo eletromagnético. A
existência de um meio material para o campo, idéia abandonada desde a primeira
década do século XX, é enfatizada diversas vezes no texto.

5 Para a maioria dos átomos e íons, os efeitos magnéticos dos elétrons cancelam-se de modo que cada átomo ou íon é não magnético. Em alguns
átomos ou íons os efeitos magnéticos dos elétrons não se cancelam completamente, de modo que o átomo como um todo possui um momento de
dipolo magnético. Na presença de um campo externo, numa amostra contendo N átomos, os dipolos atômicos elementares tenderão a se alinhar com

o campo externo – este efeito é denominado paramagnetismo. Porém a agitação térmica perturba este alinhamento. Os materiais ferromagnéticos são
aqueles em que o alinhamento dos dipolos atômicos permanece em rigoroso paralelismo, apesar do movimento térmico dos átomos. O ferro, cobalto, e
níquel, entre outros, são ferromagnéticos. O ferromagnetismo é uma propriedade não apenas de um átomo ou íon individual, mas, também, uma
conseqüência da interação de cada átomo ou íon com seus vizinhos na rede cristalina do sólido.

15


Além disso, a linguagem utilizada não é clara, talvez pela pretensão de se
explicar conceitos técnicos a leigos fazendo-se uso de analogias pouco
apropriadas. Em vários parágrafos, só com muita boa vontade se consegue "supor"

o que o autor queira dizer.
CIÊNCIA ESPÍRITA

Os assuntos espíritas começaram a ser tratados cientificamente no século

XIX. Cientistas, espíritas e não espíritas lhe dedicaram um pouco de atenção e
tempo. Mas, no correr dos tempos, este interesse foi interrompido, e nada mais se
fez nesta direção.
Hoje, os fenômenos mediúnicos são considerados, por muitos, como sendo o
tal do aspecto científico do espiritismo. Chegam a dizer que o livro dos médiuns
representa a parte científica do espiritismo. Trata-se evidentemente, de opiniões de
pessoas alheias ao domínio científico, sem a mínima noção do que seja o trabalho
científico legítimo.

Os novos conceitos e definições introduzidos no espiritismo, principalmente
por André Luiz, uma vez que seus livros são considerados clássicos dentro da
literatura espírita, têm sido aceitos e amplamente divulgados sem uma análise mais
rigorosa. No prefácio do livro Mecanismos da Mediunidade, André Luiz diz ter
recorrido a diversos trabalhos de divulgação científica do mundo contemporâneo,
para tornar a substância espírita do livro mais seguramente compreendida pela
generalidade dos leitores. Temos então um médico, baseando-se em textos de
divulgação científica, que muita das vezes não são escritas por profissionais da área,
nos trazendo informações que são absorvidas por pessoas leigas, sem o mínimo
conhecimento do assunto específico. Estas mesmas pessoas divulgam, conforme o
seu entendimento, as informações assimiladas. Certamente esta não é uma maneira
rigorosa de se fazer ciência. Podemos questionar também o objetivo de ter André
Luiz nos dado estas informações. Pois não é certo de que devemos, nós encarnados,
caminhar com nossos próprios pés? Qual a serventia de sabermos, por exemplo, da
existência de uma partícula mental, ou de que o elétron, na esfera em que se situa o
autor, seja dissociável? Além disso, vimos que André Luiz se confundiu diversas
vezes, principalmente no que se refere aos conceitos de campo e corrente. O que
nos garante que, ao trazer estas novas informações, ele também não tenha se
confundido? Não dá para fazer ciência em cima de especulações, sem evidências de
natureza sólida, sejam elas vindas de encarnados ou desencarnados.

De outro lado, há, no movimento espírita, devido, acredito eu, ao processo
vigente de transformação do espiritismo em religião, uma ojeriza por intelectuais6, o
que é incongruente com toda a fundamentação da doutrina espírita. Allan Kardec
não conseguiu realizar seu trabalho justamente porque tinha um alto grau de
instrução e, principalmente, espírito científico? Se o espiritismo realmente possui os
três aspectos, filosofia, moral e ciência, este último não deveria ser explorado por
pessoas capacitadas, devidamente preparadas para isso?

Para o comum das pessoas, os cientistas não passam de uns céticos. Na
verdade não é assim. A cautela é uma das características da mentalidade científica.
O que se procura é a perfeição metódica na busca da verdade que, afinal, se revela
na conformação do pensamento científico com o seu objetivo de pesquisa imediata.
Kardec não foi considerado o bom senso encarnado?

6 Em particular, não gosto do emprego desta designação. Entretanto, não consegui encontrar termo que exprimisse melhor a minha idéia. Poderia
talvez substituir por pessoas com espírito científico, com grande senso crítico.


16


Cientificamente falando, não basta, por exemplo, a afirmação de que no
corpo do homem habita um espírito, cujo perispírito executa a função de ligação do
ser pensante ao corpo de carne. Ciência não é afirmação e autoridade, não se firma
tão somente na palavra de pessoas idôneas. É pesquisa comprobatória e impessoal
imposta pela sua própria objetividade. Os resultados, e somente os resultados
destas pesquisas poderão impor-se.

Teorias soltas, especulações eruditas e projetos literários apenas afastam o
espiritismo da comunidade científica. Nas palavras de Kardec: "Se é verdade que a
utopia da véspera, freqüentemente, seja a verdade do dia seguinte, deixemos ao
dia seguinte o cuidado de realizar a utopia da véspera, mas não embarquemos a
Doutrina de princípios que seriam considerados como quimeras e a fariam ser
rejeitadas pelos homens positivos" (Rev. Espírita, 1868 - Dos Cismas).

O espiritismo não pode alienar-se da comunidade científica. A própria história
nos mostra o papel da ciência na libertação do homem da religião institucionalizada,
das superstições, da magia, dos rituais grotescos e primitivos, propiciando-lhe os
meios para o progresso intelectual e moral.

Thomas Kuhn conjeturou que a pesquisa científica pode ser dividida entre
períodos de desenvolvimento relativamente tranqüilo, que denominou de "ciência
normal", intercalados com períodos de alteração importante, denominados
"revoluções". Esta é uma estrutura útil para se analisar a pesquisa científica,
embora não seja absoluta. Durante um período de "ciência normal", o campo
concernente é governado por um paradigma geralmente aceito. O paradigma,
essencialmente um marco conceitual que envolve tanto a teoria quanto a prática,
proporciona aos pesquisadores orientação sobre quais os problemas que merecem
ser investigados e como devem ser atacados. À medida que as pesquisas
avançam, começam a se acumular anomalias, que o paradigma acha cada vez
mais difícil de acomodar de modo convincente. Finalmente toda a estrutura é posta
abaixo por uma revolução conceitual.

Quando, na física do inicio do século XX, o modelo clássico foi "substituído"
pelo modelo quântico, já tínhamos meio século de espiritismo. Mas a participação
dos espíritas nesta "revolução" foi nula. Se não criarmos uma comunidade científica
espírita capacitada, eficiente, continuaremos a não ter nenhuma participação no
desenvolvimento científico.

Se existe uma realidade da qual nós espíritas compartilhamos, mas que não
é percebida pela ciência oficial, e se acreditamos que esta realidade, quando
compartilhada por todos, será de grande avanço para a humanidade, devemos nos
esforçar para torná-la "visível" a todos. Mas não nos iludamos pensando que isso já
está pronto e ao alcance dos entusiasmos ingênuos ou do amadorismo. Essa
síntese de conhecimentos está à espera da organização dos grupos de pesquisa,
não nos moldes da superficialidade ou das brincadeiras, mas na profundeza, no
estudo e no esforço total de espíritos preparados para o desempenho desse
empreendimento.

O desenvolvimento de um trabalho científico é complicado e obedece a
regras e postulados estabelecidos internacionalmente pela comunidade científica.
Tudo o que se afastar dessas prescrições será rejeitado. Assim, os espíritas
cientistas se acomodam na filosofia e na religião. Os cientistas não espíritas
costumam não levar em conta as afirmações simplórias dos homens do povo sobre
espírito e suas manifestações entre nós, o que não significa deixarem eles de
anotar os fatos inusitados ocorrentes no mundo do mediunismo.

Os temas científicos são contados aos milhões, pedindo dedicação e
pesquisas corretas, oferecendo ao espiritismo os suportes adequados para assentar
seus postulados doutrinários de acordo com a realidade.


17


Não esperamos respostas imediatas porque sabemos não existir por agora
uma comunidade científica espírita constituída e pronta para isso. E se não
começarmos a nos mobilizar, nunca teremos. É necessário dar espaço para que se
comece a pensar na formação de uma comunidade científica espírita. É necessário
que grupos de áreas afins se reúnam com o objetivo de realizarem pesquisa
científica, sempre amparados pelo método científico, mas com um olhar espírita.

Todas as ciências caracterizam-se pela utilização de métodos científicos,
mas nem todos os ramos de estudo que empregam estes métodos são ciências. A
utilização de métodos científicos não é da alçada exclusiva da ciência, mas não há
ciência sem o emprego de métodos científicos. Assim, o método é o conjunto das
atividades sistemáticas e racionais que, com maior segurança e economia, permite
alcançar o objetivo – conhecimentos válidos e verdadeiros -, traçando o caminho a
ser seguido, detectando erros e auxiliando as decisões do cientista.

O senso comum, aliado à explicação religiosa e ao conhecimento filosófico,
orientou as preocupações do homem com o universo até o século XVI, quando se
iniciou uma linha de pensamento que propunha encontrar um conhecimento
embasado com maiores garantias, na procura do real. Não se buscam mais as
causas absolutas ou a natureza íntima das coisas; ao contrário, procura-se
compreender as relações entre elas, assim como a explicação dos acontecimentos,
através da observação científica aliada ao raciocínio.

Com o passar do tempo, muitas modificações foram feitas nos métodos
existentes, inclusive surgiram outros novos. O método científico é a teoria da
investigação, e alcança seus objetivos, de forma científica, quando cumpre ou se
propõe a cumprir as seguintes etapas (de uma maneia bem genérica):

-Descoberta do problema ou lacuna num conjunto de conhecimentos. Se o
problema não estiver enunciado com clareza, passa-se a etapa seguinte; se

o estiver, passa-se à subseqüente;
-Colocação precisa do problema, ou ainda a recolocação de um velho
problema, à luz de novos conhecimentos;
-Procura de conhecimentos ou instrumentos relevantes ao problema, isto é,
exame do conhecido para tentar resolver o problema;
-Tentativa de solução do problema com auxilio dos meios identificados. Se a
tentativa resultar inútil, passa-se para a etapa seguinte; em caso contrário, à
subseqüente;

-Invenção de novas idéias (hipóteses, teorias ou técnicas) ou produção de
novos dados empíricos que prometam resolver o problema;
-Obtenção de uma solução (exata ou aproximada) do problema com auxílio
do instrumental conceitual ou empírico disponível;

-Investigação das conseqüências da solução obtida. Em se tratando de uma
teoria, é a busca de prognósticos que possam ser feitos com seu auxílio. Em
se tratando de novos dados, é o exame das conseqüências que possam ter
para as teorias relevantes;

-Prova (comprovação) da solução: confronto da solução com a totalidade das
teorias e da informação empírica pertinente. Se o resultado é satisfatório, a
pesquisa é dada como concluída, até novo aviso. Do contrário, passa-se
para a etapa seguinte;

-
Correção das hipóteses, teorias, procedimentos ou dados empregados na
obtenção da solução incorreta. Esse é, naturalmente, o começo de um novo
ciclo de investigação.

Com a experiência, a marcha de uma pesquisa torna-se uma segunda
natureza do cientista, a ponto dele seguir espontaneamente, pelos caminhos
apontados, sem se preocupar com esquemas.


18


A meu ver, uma das primeiras dificuldades de uma ciência espírita será a
definição do problema a ser estudado. Informações de todos os tipos estão todo o
tempo se chocando com o cientista. Em sua maior parte elas passam sem ser
absorvidas e o que precisamos é de informação pertinente. Um dos problemas
fundamentais é decidir sobre o que pertinente significa em um contexto espírita.
Quando diferentes cientistas consultam a mesma informação, é provável que vejam
nelas coisas bem diferentes. Com efeito, informação pertinente passa a ser tudo aquilo
que os cientistas estejam dispostos a pegar na suposição de que possa ser útil em seu
trabalho. Pesquisas de natureza interdisciplinar, como acredito que serão as pesquisas
espíritas, normalmente levam a uma dispersão mais ampla de materiais pertinentes.
Mesmo numa área temática específica, diferentes especialidades podem apresentar
diferentes graus de dispersão. Sem contar que, quando os pesquisadores estão
decidindo sobre quais documentos procurar, seus antecedentes e sua experiência
pessoal são postos em ação de uma maneira muito confusa e individualista.

Na física, em particular, o processo de pesquisa ocorre da seguinte maneira:
uma vez que o objetivo da física é fornecer uma descrição da natureza, o estudo de
um determinado fenômeno vai partir da quantificação7 do fenômeno. Definir o que
medir, como medir, qual a precisão desejada ou possível e realizar a medição. É um
processo longo e geralmente dispendioso, pois a montagem de um laboratório
razoável demanda algumas centenas de milhares de dólares.

Tendo os dados em mãos, a próxima etapa é a da modelagem do fenômeno.
O objetivo do modelo é descrever, através de equações matemáticas que
relacionam as variáveis envolvidas, o comportamento obtido em laboratório. Tanto a
relação entre as variáveis do problema quanto à concordância entre os resultados
previstos pelo modelo e os resultados medidos em laboratório devem,
obrigatoriamente, ser quantitativos.

Além disso, o modelo proposto quase sempre está embasado quantitati-
vamente em outros modelos já testados e aceitos pela comunidade científica.

Uma vez que o modelo se mostre adequado para explicar o fenômeno
proposto como objeto de estudo, deve-se verificar se o mesmo faz previsões sobre
outros fenômenos conhecidos e se estas previsões concordam quantitativamente
com esses fenômenos. Caso o modelo preveja novos fenômenos, os mesmos
devem ser verificados e avaliados.

Todo esse processo pode ser desenvolvido em várias etapas e por
pesquisadores (ou equipes) diferentes, trabalhando em conjunto ou não. Hoje é
impossível uma única pessoa deter conhecimentos necessários para levar adiante
uma pesquisa científica. O conhecimento se ampliou de tal forma que é
praticamente obrigatório se trabalhar em equipes. Mesmo os grandes cientistas da
atualidade dependem de seus assistentes, muitas vezes alunos de doutorado ou
pós-doutorandos.

Terminado todo o trabalho de pesquisa, é necessário que se pense na
divulgação de seus resultados. A divulgação é tão vital quanto a própria pesquisa,
pois a esta não cabe reivindicar com legitimidade este nome enquanto não houver
sido analisada e aceita. Entre as revistas de pesquisadores profissionais existe a
prática de avaliação por pares, sendo que os critérios óbvios são que os avaliadores
sejam pesquisadores competentes, atualizados no assunto a que corresponde o
artigo encaminhado para apreciação. É preciso um avaliador seguro, que seja
imparcial na emissão de comentários tanto positivos quanto negativos.

A avaliação dos artigos científicos pelos pares é, igualmente, um excelente
exemplo de como funciona o ceticismo organizado. A mesma função crítica pode

7 No sentido de: determinar o valor de.


ser encontrada na comunicação informal, quando os apresentadores de trabalhos
em seminários ou conferências são interrogados pela platéia.

Uma ruptura importante em qualquer área diverge potencialmente das
convicções e práticas aceitas. Inovações importantes podem, portanto, encontrar
dificuldades para passar pelo sistema de avaliação pelos pares. Suposições não
comprovadas a respeito disso são muito mais comuns do que dados colhidos em
estudos, sobretudo porque mudanças importantes são necessariamente um tanto
limitadas em número.

A ciência espírita só será aceita pela comunidade científica oficial no dia em
que um trabalho originado por cientistas espíritas for aceito por avaliadores não
espíritas. Até que isto ocorra, e eu acredito que seja possível, teremos de enfrentar
e encontrar soluções para uma série de questões.

Uma das principais questões será o financiamento dessas pesquisas. Qual
será a fonte de recursos? Seremos pesquisadores espíritas só nos fins de semana?
Nos ateremos apenas a trabalhos teóricos? Se não, a qual laboratório teremos
acesso? De início, qual será o critério de avaliação? São perguntas que só teremos
respostas se começarmos a nos movimentar.

A minha proposta, ao apresentar este trabalho foi a de dar a minha visão,
com base na minha formação acadêmica, de como anda o aspecto científico no
movimento espírita atual, propondo que se comece a pensar em uma ciência
espírita tal como formulada por Kardec, com os critérios e rigores de qualquer
ciência, que foram tão bem utilizados por ele na elaboração da Doutrina Espírita.

BIBLIOGRAFIA

- Revista Espírita, Allan Kardec, Volumes I (1858) e XI (1868).
Livros analisados:

- Evolução em Dois Mundos, André Luiz, psicografado por Francisco Cândido Xavier e
Waldo Vieira. FEB, 1958; 20a edição (2000).
-Mecanismos da Mediunidade, André Luiz, psicografado por Francisco Cândido Xavier e
Waldo Vieira. FEB, 1959; 21a edição (2002).
Resumo histórico: O texto apresentado foi baseado nas publicações a seguir. Alguns
trechos foram reproduzidos tal como apresentados na obra original.
-Pensando a Física, Mário Schenberg, São Paulo, ed. Landy, 2001.
-A Dança do Universo, Marcelo Gleiser, São Paulo, Companhia das Letras, 1997.
-História Ilustrada da Ciência IV, Colin A. Ronan, Universidade de Cambridge, Jorge Zahar
ed., 1983.
-Origens Históricas da Física Moderna, Armando Gibert, Lisboa, Fundação Galouste
Gulbenkian, 1982.
Ciência espírita:
-Espiritismo: 2o Século (O Sentido Evolutivo da Doutrina espírita: Uma Opinião), Carlos
Peppe.


- Fundamentos de Metodologia Científica, Eva Maria Lakatos e Marina de Andrade Marconi,
São Paulo, ed. Atlas, 1991.
-A Comunicação Científica, A.J. Meadows, Brasília, ed. Briquet de Lemos, 1999.

COSMOLOGIA, EXOBIOLOGIA E ESPIRITISMO
UM ESTUDO SOBRE A VIDA E O UNIVERSO


Reinado Di Lucia

INTRODUÇÃO

A questão "Estamos ou não sozinhos no Universo?" não é recente. Entretanto, ela é de fundamental
importância, não só como mera especulação intelectual, mas também, e principalmente, na criação de
um modelo coerente que sirva para explicar este Universo.

A ciência inicia-se com problemas. Enquanto nenhum problema, nenhuma inquirição afeta o ser
humano, ele se vê desobrigado de pensar, observar, buscar. Assim, conhecer é, simplesmente, reduzir

o desconhecido ao conhecido. A verdade científica é des-velamento (aletheia, para os gregos). Para
tanto, os cientistas criam modelos, que, posteriormente testados, dão origem às teorias e às leis.
Atualmente, neste mundo de incertezas em que a própria ciência nos colocou, é grande presunção
falar-se em comprovação científica. A "prova" em ciência é uma quimera a ser usada, no máximo,
com a finalidade de engrandecimento pessoal de um cientista ou de um grupo, com vistas,
normalmente, a um aumento na verba de pesquisa. Os bons resultados obtidos com os testes de uma
teoria servem tão somente para que esta continue presente no rol de teorias possíveis.

As teorias só permanecem válidas enquanto explicam e prevêem todo o universo de fatos de que se
propõem a tratar. Assim, toda descoberta de fatos novos, de novos elementos que devam ser agregados
àquele universo leva à necessidade de novos exames na teoria, para que se verifique sua validade.

É por isso que não se pode dizer que as afirmações científicas são verdades absolutas. No dizer de
Karl Popper1 "A ciência não é um sistema de declarações certas e bem estabelecidas; nem é ela um
sistema que avança para um estado final. Nossa ciência não é conhecimento; ela não pode nunca
pretender haver atingido a verdade, nem mesmo um substituto para ela, a probabilidade" . Isto ocorre
porque não se pode, em nosso estágio atual de evolução intelectual, ter certeza que são conhecidas
todas as variáveis que afetam o universo de fatos considerados na determinação de uma teoria.

Quando se analisam as idéias sob este prisma, o espiritismo cresce de modo brutal como
possibilidade de alternativa científica. Em verdade, sua grande contribuição foi ter imaginado um
modelo lógico, coerente e baseado, tanto quanto possível, em fatos palpáveis para explicar e prever o
Universo. Este modelo (que podemos chamar, sem medo de erros, de teoria espírita) diferencia-se dos
demais modelos científicos vigentes por considerar uma nova dimensão para o Universo, a dimensão
não-física do espírito. Ao fazer isto sem as considerações puramente místicas da grande maioria das
filosofias que trataram do espírito, a doutrina espírita colocou-se em lugar de destaque entre as teorias
científicas de sua época.

O modelo espírita de Universo fundamenta-se em seis princípios básicos que encontram-se de tal
forma interligados logicamente na teoria que a demonstração da inexatidão de um deles faria desabar
todo este modelo, obrigando a uma revisão estrutural da teoria. São eles:

1 Existência de Deus.
2 Existência e imortalidade do espírito.
3 Evolução infinita.
4 Pluralidade das existências (reencarnação)
5 Pluralidade dos mundos habitados.
6 Comunicabilidade entre encarnados e desencarnados (mediunidade).

Apenas dois destes princípios são considerados, de algum modo, pelos representantes das ciências
em nosso mundo: a evolução e a pluralidade de mundos habitados.

No que diz respeito à evolução, o princípio geral é bem aceito, embora as nuanças e a extensão
desta evolução sejam fortemente questionadas. A mais conhecida proposta, formulada por Darwin em
meados do século XIX, é bastante contraditada por diversos outros cientistas que acham-na mais
abrangente do que deveria ser (e isto para não falar nas religiões, em sua grande maioria criacionistas,
e que, portanto, negam a possibilidade de evolução das espécies). Entretanto, no que tange à visão
científica da evolução, esta é restrita à matéria, jamais sendo o espírito considerado, ao menos na
acepção de espírito defendida pela doutrina espírita.


Já a possibilidade de vida em outros planetas, apesar de não ter a chancela das academias de
ciência, tem sido teoria validada por muitos eminentes cientistas, entre eles físicos, astrônomos,
biólogos, etc. Esta teoria (em seu aspecto não-espírita) baseia-se menos em fatos evidentes que no
cálculo de probabilidades; mas este cálculo leva, quase que de modo inevitável, à aceitação desta
possibilidade.

Para o modelo espírita, ambas as teses andam juntas, não sendo possível uma sem a outra.
Entretanto, esta teoria espírita data também da metade do século XIX, tendo sido muito pouco (ou
talvez nada) complementada desde então. Ela se refere à vida, e ao modo como esta desenvolve-se no
Universo.

A proposta deste trabalho é confrontar esta teoria espírita sobre a origem da vida com as
descobertas que foram feitas pela ciência nestes últimos cento trinta anos: o novo modelo de matéria
proposto pela física, as descobertas da genética, as considerações da filosofia da ciência (que mudaram

o posicionamento dos cientistas em relação às suas próprias teorias), os avanços na descrição
matemática do universo, todos estes novos elementos devem MT comparados à idéia espírita. E, como
disse Kardec, se uma verdade nova se revelar, o espiritismo a aceitará.2
O estudo sobre a vida em outros planetas não pode prescindir de duas questões cruciais, e ambas de
difícil análise: Como surgiu o Universo? E, uma vez tendo ele surgido, como surgiu e desenvolveu-se
a vida?

Tais questões são muito difíceis porque encontram o início de suas respostas no limiar daquilo que
é possível pesquisar, em termos científicos, no estágio atual da ciência. Em sendo real a teoria do
surgimento universal a partir de uma grande explosão (o Big Bang), o elemento inicial que originou
esta explosão é classificado, pelos astrofísicos, como uma singularidade, fenômeno no qual as leis
físicas conhecidas deixam de ter validade. Pode-se, então, apenas propor modelos sobre modelos,
todos absolutamente possíveis, para este início.

A segunda questão, sobre a vida, esbarra num problema ainda mais básico: o que é, afinal, vida?
Como podemos conceituá-la e, mais, como distingui-la da, digamos assim, "não vida"?

O que se pretende, com este trabalho, não é, obviamente, a resposta a estas questões singularmente
complexas do conhecimento humano. A intenção é tão somente examinar o que se apresentou de novo
neste século, verificar se a teoria espírita permanece válida e propor eventuais modificações a serem
consideradas para esta teoria. Para tanto, partir-se-á de um pequeno histórico da idéia de vida em
outros planetas. Serão demonstradas as principais teorias que hoje tratam da origem do Universo, e
também das teorias sobre a origem e o desenvolvimento da vida.

Uma outra questão que deve ser estuda é a existência de evidências sobre a possível vida em outros
planetas. Neste aspecto, os fenômenos hoje estudados pela ufologia podem trazer alguma luz. Tal como

o espiritismo, a ufologia padece da existência de muitos charlatães que distorcem tanto suas idéias centrais
quanto sua base teórica. O que se procurará mostrar é que, quando eliminadas estas interferências,
resta uma protociência interessante, que pode colaborar com algumas das teses espíritas.
CAPÍTULO 1 - O UNIVERSO

Origens:

O conceito de Universo variou em extensão, forma e propriedade ao longo da história da
humanidade, mas nem por isso deixou de significar sempre, no fundo, a mesma coisa: o conjunto de
matéria (e, a partir da relatividade, de energia) existente no espaço. Essas variações deram-se em
função da diferença de conhecimentos científicos e tecnológicos em cada época da humanidade.
Assim, quando ainda não havia instrumentos para observação, o Universo observável a olho nu media
não mais de 2 x 10 anos-luz (o que já é uma distância bastante considerável). Atualmente, os modernos
telescópios, como o Hipparcos3, já conseguiram elevar este número para 2 x 10 anos-luz (ou 20
bilhões de anos luz).

Segundo Ronaldo R. de Freitas Mourão, os físicos conceituam hoje Universo observável como
sendo todos os corpos celestes que podem ser detectados diretamente, através dos diversos tipos de
radiações por eles emitidas; Universo físico como a extensão do observável, isto é, todos aqueles
objetos que podem ser detectados pelos efeitos físicos por eles provocados; e Universo total como o
tratamento matemático, metafísico ou filosófico resultante da extrapolação de nossos conhecimentos
sobre o Universo4.


Entretanto, uma pergunta fundamental não foi, até hoje, respondida de maneira inequívoca: qual a
origem deste nosso Universo?

As primeiras fontes conhecidas no ocidente sobre a origem do Universo são gregas. Já antes do
século VIII a.C. as questões sobre qual o princípio daquelas coisas conhecidas, que os cercavam, eram
preocupações comuns entre os gregos. E, como não podia deixar de ser, os primeiros relatos escritos
sobre a origem do Universo (cosmogonia) são descritos em linguagem mítica, através, principalmente,
dos poemas de Homero e Hesíodo.

O que se observa nesses textos, é que há uma mescla entre a cosmogonia (o nascimento do
Universo) e a teogonia (o nascimento dos deuses). O pensamento grego desta época não dissocia a
divindade do Universo em que vive, unindo-os todos num mesmo princípio - e daí vão surgir escolas
de conhecimento esotéricos, como, por exemplo, o orfismo.

Não se deve entender com isto que a formulação cosmogônica grega seja totalmente voltada para o
misticismo. Há, nesta forma de descrever a origem do Universo, mais um problema de linguagem. O
grego antigo não formula explicações racionais dos fenômenos, talvez por incapacidade de fazê-lo.
"(...) o grego espanta-se e admira-se. Descreve isso perante o que se espanta e se admira. Omite o
discurso lógico explícito mas, na própria forma como descreve o que vê insere, ou implícita, uma
lógica explicitação das causas e dos processos."5. É a partir daí que surge o pensar filosófico.

Para Hesíodo, no início tudo era o Caos. O conceito de Caos em Hesíodo é o de desordem, não no
sentido de "bagunça", mas como um campo inicial, onde ainda não há o ser, mas existem as condições
para sua existência. E esta existência dá-se pela intervenção de Eros, que, com sua dialética dynamis energeia
(potência e ato), constitui o espaço e tudo o que nele há. Este conceito não é irracional. É, ao
contrário, bastante profundo, e merece um melhor estudo, que não cabe neste trabalho.

Quando, a partir do século VI a.C., os pensadores passaram a descrever o mundo de uma forma
lógica, abandonando, por assim dizer, a expressão mítica, as idéias sobre a formação do Universo
seguiram duas linhas distintas.

A primeira, apresentada por nomes como Aristóteles, Platão e Ptolomeu, postulava a Terra como
sendo um ponto fixo e central do Universo (concepção geocêntrica). A idéia básica é a tendência a
acatar a observação visual de que há um movimento aparentemente circular dos demais astros em
torno da Terra. Esta, portanto, devia estar fixa, e todos os corpos celestes a recobririam. É interessante
notar que, apesar disto, já por esta época não se acreditava mais numa Terra chata, mas sim que ela
deveria ser esférica.6

A outra, defendida por pensadores como Pitágoras, Aristarco e, mais tarde, Copérnico, afirmava
que a Terra não era o centro do Universo, mas um corpo celeste que girava ao redor de algum outro
astro. Entretanto, enquanto que Pitágoras dizia que este centro era um "fogo central" (e não o Sol),
Aristarco de Samos, no século II a.C., já defendia a posição que a Terra, como os demais corpos
celestes, orbitavam circularmente em volta do Sol. Estavam, já nesta época, lançadas as bases da
concepção heliocêntrica.

O grande problema com a primeira hipótese (geocêntrica) é que ela não consegue explicar todos os
movimentos dos astros observáveis. De fato, os planetas mais distantes do Sol que a Terra movem-se,
de maneira geral, de leste para o oeste, mas, em determinados períodos, parecem retroceder. Estes
movimentos retrógrados, explicados facilmente num Universo heliocêntrico, constituíram-se em
grandes obstáculos à teoria de uma Terra central, a ponto de ter sido necessária a criação de um
sistema de epiciclos, "rodas" mantidas juntas por eixos, movendo-se livremente umas em volta das
outras, e todas elas movendo-se em volta da Terra. Estes movimentos deveriam ser muito complexos,
e Aristóteles previa cinqüenta e cinco dessas esferas.

Entretanto, por imposição da Igreja Católica, o sistema geocêntrico prevaleceu por toda a Idade
Média, e, no século XVI, astrônomos como Copérnico, Tycho, Kepler e Galileu enterraram-no
definitivamente. Nasce, então, o que poderíamos chamar de cosmologia moderna, com toda a
complexidade matemática que a caracteriza.

Cosmologia Moderna:

A partir das observações astronômicas de Tycho e Galileu, e das contribuições de Newton
(notadamente a teoria da gravitação universal), ainda no século XVI, foi-se formando uma
determinada concepção de Universo que, ao mesmo tempo que diferia das demais, era singularmente
complexa. Esta concepção foi alavancada por William Herschel, no final do século XVIII, com a


descoberta do planeta Urano e com a constatação que as nebulosas observadas nos telescópios eram
sistemas galácticos de estrelas e planetas, tão grandes ou maiores que a nossa galáxia (a Via-Láctea).

Tais pesquisas levaram à idéia fundamental do Universo, vigente a partir de meados do século XIX:
a de que o Universo é aproximadamente igual em todas as direções, e que nossa galáxia é destituída de
qualquer localização preferencial no espaço. Essa idéia, chamada de princípio cosmo lógico de
Copérnico, leva facilmente à constatação que o Universo é localmente isotrópico7 no espaço, e,
portanto, que é espacialmente homogêneo.

Desta constatação surgem duas linhas de pensamento distintas: a primeira, defendida por Newton e,
mais tarde, também por Einstein (ao menos preliminarmente) diz que o Universo é isotrópico não só
no espaço, mas também no tempo (princípio cosmológico perfeito), o que levou às diversas teorias do
Estado Estacionário, isto é, à idéia de um Universo infinito, estático no tempo e no espaço.

Há um problema com esta teoria, facilmente verificável: se o Universo é infinito e homogêneo, para
qualquer ponto do céu que olharmos, nossa linha de visão cruzará necessariamente com um número
infinito de estrelas. Portanto, o céu deveria ser, sempre, fortemente iluminado, o que não ocorre. Este
paradoxo, descrito pela primeira vez em 1826, pelo astrônomo alemão Heinrich Olbers, é fundamental
para a cosmologia moderna: qualquer cosmologia bem-sucedida deve resolvê-lo satisfatoriamente.

A segunda linha de pensamento, em oposição à anterior, afirma que visualizamos o Universo de
um ponto de vista privilegiado, seja no tempo, seja no espaço (ou mesmo em ambos). Conhecido
como princípio cosmológico antrópico, vai de encontro à teoria anterior principalmente num item:
admite que o Universo não é estacionário, isto é, está em constante mutação (e nós sabemos hoje que é
teoricamente impossível a existência de um modelo estático infinito de Universo no qual a gravidade
seja sempre atrativa). Mas, mais do que isso, é coerente também com as observações realizadas neste
século, e que levaram à teoria do Big Bang.

Em 1916, Albert Einstein revoluciona a cosmologia com o lançamento da teoria da relatividade
geral, em que dava um passo além da gravitação newtoniana. Entretanto, do modo como foi
formulada, esta teoria preconizava um Universo não estático, o que o próprio Einstein não conseguia
aceitar. Ele introduziu então um elemento desnecessário em suas equações, que visava manter este
Universo estático: a constante cosmológica. Ele mesmo admitiu, posteriormente, que este foi um dos
maiores erros científicos que já cometeu.

A constante cosmológica foi definitivamente eliminada como possibilidade para o Universo a partir
dos trabalhos teóricos de Friedmann e Lemaítre e das observações de Hubble.

Alexander Friedmann (matemático e meteorologista russo), em 1922, e Georges Lemaí'tre (clérigo
belga), em 1927, trabalhando independentemente descobriram um conjunto de soluções para as
equações da relatividade que admitiam universos abertos e fechados, mas não estáticos. Em 1929,
Edwin Hubble, astrônomo norte-americano, anunciou uma lei simples, baseada em suas observações
no observatório de Mount Wilson, na qual descrevia a recessão das nebulosas. Era a primeira
indicação que o Universo poderia estar expandindo-se.

A proposta de um Universo em expansão foi-se fortificando no decorrer dos anos, de acordo com
previsões teóricas dos mesmos estudiosos já citados. E o modelo que foi mais aceito foi o de um
Universo que tivesse começado num estado de densidade infinita (uma singularidade), e evoluído a
partir de uma grande explosão: é a chamada teoria do Big Bang.

O Big Bang foi praticamente confirmado (e a teoria do estado estacionário definitivamente
afastada) em 1964, quando dois físicos dos laboratórios Bell descobriram uma radiação de fundo, de
aproximadamente 2,5 a 4,5 K8, isotrópica e homogênea. Esta radiação, chamada de radiação de fundo
das microondas cósmicas, praticamente comprova a primitiva fase quente do Universo.

Estado atual da Cosmologia:

1 No atual estágio da cosmologia, podemos dizer que são melhor aceitas as seguintes teorias sobre a

origem e a formação do Universo:
2 O Universo é constituído por um continuum quadridimensional de espaço-tempo, regido, em escala

macro, pelas equações da relatividade de Einstein. Isto significa, entre outras coisas, que o tempo é

uma função variável do Universo, dependente fundamentalmente da velocidade.9
3 Tal espaço-tempo quadridimensional é curvo, e sua curvatura depende da quantidade de massa

(matéria) ao seu redor. Graças a isso, a geometria que o descreve não é a euclidiana, mas uma das

muitas geometrias alternativas desenvolvidas a partir do século xx.


O Universo foi criado a partir de uma singularidade, num instante qualquer há aproximadamente 20
bilhões de anos atrás. Neste momento, não se sabe por que motivo, houve uma grande explosão
(Big Bang), que criou o espaço tempo e o pôs em movimento de expansão contínua, a qual dura até
hoje.l0

4
Esta expansão é uma expansão do próprio espaço-tempo, o que equivale dizer, do próprio
Universo, podendo, portanto, estar-se expandindo a velocidades superiores à da luz no vácuo. O
modelo geométrico mais aceito é o de um Universo finito e ilimitado (como uma bola de gás).

5
A singularidade que originou o Universo, como qualquer outra singularidade (um buraco negro, por
exemplo), não é explicada pela física quântica. Assim, qualquer explicação que tentemos dar para
este nosso cosmo está limitada à idade de 10 segundo e a um comprimento de 10 centímetros.

6
Toda a matéria existente no Universo deve-se a uma ligeira dissimetria entre os pares de matéria /
antimatéria formados durante o período de transição de fase (também chamado de período
catastrófico ou período inflacionário da expansão). Tal dissimetria é prevista, estatisticamente,
pelas teorias unificacionistas mais modernas.

7
O Universo primitivo demorou ainda 700 000 anos para que esfriasse o bastante para que os
núcleos atômicos assim formados pudessem dar início à formação de galáxias, estrelas e planetas -
base para a vida como nós a conhecemos.

A formação dos planetas:

Planetas, na definição de Ronaldo Rogério de Freitas Mourão, são "corpos celestes de massa muito
reduzida, incapazes de gerar energia equivalente à das estrelas, e que se movem em órbita elíptica em
torno delas".11

Para considerarmos a formação dos planetas, em particular da Terra, que é o nosso objetivo, não
podemos prescindir do estudo da formação do sistema solar, uma vez que ambos formaram-se
contemporaneamente.

O Sol é das estrelas mais comuns que poderia existir. É uma estrela de meia idade, em relação às
demais da galáxia (deve ter, aproximadamente, 5 bilhões de anos), situado a dois terços do seu núcleo
central (isto é, nem muito próximo, nem muito distante dele). A galáxia (a Via Láctea) é uma galáxia
espiral que tem em seu núcleo um grande aglomerado de massa (um buraco negro, provavelmente) e,
aproximadamente, 100 bilhões de estrelas das mais diversas ordens. Nós realmente não temos nada de
muito especial.

Um estudo sobre a origem do sistema solar, levado a efeito principalmente através de estudos
espectrais e análises físico-químicas de meteoritos, indica que nosso Sol e todo o sistema originaram-
se pela contração gravitacional de matéria dispersa na galáxia a partir de ondas de choque geradas pela
explosão de uma ou duas supernovas. Esta conclusão origina-se da grande quantidade de isótopos
exóticos de muitos elementos químicos presentes nestes meteoritos (por exemplo, magnésio-26 e
oxigênio-l7, entre outros).

O modo pelo qual os planetas vieram a existir ainda é controvertido. Qual m teorias despontam,
apesar de apenas uma ainda possuir credibilidade. São elas: a da turbulência, a das marés, a das
nebulosas e a da acumulação.

A teoria da turbulência é baseada na teoria dos vórtices, de Descartes. Afirma que, no início do
sistema solar, havia uma turbulenta atmosfera de gases girando em torno do Sol, que, com sua
dissipação, levaria à formação de regiões mais densas, as quais condensar-se-iam em núcleos dos
planetas. Como não há evidências que esta turbulência tenha existido, nem uma idéia do porque elas
existiriam, esta teoria foi deixada de lado.

A teoria das marés é uma seqüência daquela exposta por Georges Louis de Buffon em 1785, que
afirmava que a colisão de um cometa com o Sol teria expelido destes pedaços de matéria que teriam
transformado-se nos planetas. A moderna teoria, sabendo que os cometas não têm massa suficiente
para arrancar nada do Sol, parte do princípio que a passagem de uma outra estrela suficientemente
perto do Sol é que teria arrancado destes filamentos de matéria que se condensariam nos planetas. Esta
teoria, exposta no início do século XX por James Jeans e Harold Jeffreys, possui uma dificuldade
teórica: os gases assim produzidos teriam uma temperatura muito alta, o que provocaria sua dissipação
antes da condensação. Outras dificuldades de cunho matemático, se não inviabilizaram a teoria, ao
menos tornaram-na mais improvável que a das nebulosas.

A teoria das nebulosas não é nova: vem das idéias de Kant (1755) e Laplace (1796). Propõe que as


forças centrífugas da nebulosa protossolar (que, segundo ela, girava lentamente) provocaram ejeção de
material, que teria formado os planetas. Apesar de explicar o motivo pelo qual os planetas movem-se
num mesmo plano e numa mesma direção, sabe-se hoje que o momento angular do sistema solar é
provavelmente insuficiente para ter causado ejeção de material.

A teoria atualmente mais aceita é chamada teoria da acumulação, e prevê que a nebulosa
protossolar, afetada pela explosão das supernovas, teria colapsado. A região central, onde se
acumulava grande parte da matéria da nuvem, geraria o Sol. As demais regiões densas teriam gerado
os outros corpos do sistema solar, como os planetas, asteróides, satélites. Ainda não se conhece bem o
processo de construção, mas a teoria é chamada de acumulação porque prega que os corpos maiores
(planetas) tenham-se formado pela fusão (colisão a altas velocidades e pressões) de vários corpos
menores (asteróides e planetóides).

A posição espírita:

Em vários textos, Kardec discute a questão da formação do Universo. Os principais deles são
aqueles descritos na Revista Espírita, além dos já consagrados capítulos de A Gênese, que
discutiremos mais adiante.

Os principais textos da Revista Espírita são:
.
A pluralidade dos mundos habitados - janeiro de 1863, trata da obra homônima de Camille
Flammarion.
.
Estudos uranográficos - setembro de 1862 é o texto base do capítulo sobre Uranografia Geral

da Gênese.
.
O planeta Vênus - agosto de 1862 trata sobre a constituição eos habitantes deste planeta.
.
Descrição de Júpiter - abril e agosto de 1862 é uma comunicação sobre a constituição e os

habitantes deste planeta.
Podemos resumir no quadro seguinte as principais idéias dos referidos textos:
1-A pluralidade de mundos habitados é uma realidade inconteste. Dois argumentos existem a seu

favor: a insensatez da crença que todo o Universo foi criado só para agradar aos olhos dos
terráqueos, e os testemunhos dos espíritos que neles vivem, via mediúnica. Afirma taxativamente
que todos os planetas do nosso sistema solar, e mesmo a Lua, devem ser habitados. 12

2- Há uma escala de superioridade dos mundos do sistema solar. Assim, do mais inferior para o
mais superior, temos: Marte, Terra, Mercúrio, Satumo, Lua, Vênus, Urano, Netuno e Júpiter.13

3- Em Júpiter, a organização dos corpos é totalmente diferente daquela da Terra. Seus habitantes
deslizam pelo solo, alimentam-se de frutas e plantas, a duração da vida é maior que a da Terra e
praticamente não existe infância. Com a morte do corpo, este dissipa-se, não apodrece, e não se
conhecem moléstias.14

4- Os animais em Júpiter são também bastante evoluídos, sendo encarregados de todas as tarefas
manuais, como servos e capatazes. As ocupações dos homens são puramente intelectuais.15

5- O planeta Vênus é um intermediário entre Mercúrio e Júpiter. Lá, os mares são cal mos, os
ventos não sopram com violência, o ar é mais rarefeito, os costumes são mais puros; em suma,
um mundo de bem-aventuranças.16

6- Os planetas têm o mesmo estilo evolutivo dos espíritos, isto é, são criados na escala mais inferior
e evoluem até o mais alto deles.17
Como se pode observar há uma série de conceitos que a ciência atual demonstrou serem
equivocados.

O livro de Kardec que mais trata deste assunto é A Gênese. Nele, os capítulos de VI a XII são
dedicados ao estudo do Universo, da formação da Terra, dos seres vivos e dos espíritos. Ou seja, trata-
se da Gênese material, orgânica e espiritual.

As principais idéias novas, desenvolvidas neste livro são:
1-Existe um paralelo entre as descobertas científicas da época e a Gênese de Moisés (descrita na
Bíblia), que, na opinião de Kardec, era a mais próxima da verdade entre as teorias da formação
do mundo dos povos antigos.
2- O Universo é infinito, assim como o espaço, e o tempo é característico deste nosso universo
material, tendo sido criado juntamente com a matéria.
3- As forças que percebemos no Universo são, na verdade, diversificações de uma força única,


assim como os diversos tipos de matéria são diversificações da matéria primitiva.
4- Há um fluido, etéreo, que permeia todo o Universo e que serve de veículo para o pensamento.
Este fluido é chamado, por vezes, de hausto divino.
5-Os planetas e os satélites, aí incluídos a Terra e a Lua, são formados pelo destacamento de
matéria da nebulosa que origina o centro do sistema (em nosso caso, o Sol).
Fala-se também de muitos outros temas, como precessão dos equinócios, revoluções dos planetas e
seus movimentos, etc. Sobre as questões da Gênese orgânica, falaremos mais no próximo capítulo.
Algumas das idéias adotadas por Kardec já foram ultrapassadas, como se pode ver ao se comparar

as novas descobertas científicas (previamente expostas) com tais idéias. Entretanto, isto não invalida a
obra, já que o próprio Kardec, com a precaução que lhe é peculiar, adverte que só está colocando estes
temas como propostas, mas que sua aceitação definitiva dependerá de comprovação científica.18

Entretanto, já há, nas idéias de Kardec sobre o Universo, uma indicação de algumas das mais
recentes descobertas, como a unificação das interações, o espaço-tempo como um continuum
tetradimensional e a própria pluralidade de mundos habitados. As idéias de Kardec, no fundo,
concordam com as teorias que resistiram aos testes das novas descobertas, e que apontam para um
Universo dinâmico, em constante mutação, e, portanto, mais apto ao desenvolvimento da vida.

CAPÍTULO 2 -A VIDA

Definições

Qualquer consideração sobre a origem da vida, ou sobre como ela pode ter vindo a existir, deve
passar por uma questão básica: o que é vida? Apesar de esta questão parecer absolutamente
irrelevante, já que, em nível macro, é fácil distinguir que um cachorro tem vida, enquanto que uma
pedra não tem, ela se enche de sentido quando pensamos no nível molecular da existência.

Consideremos os vírus. Estes consistem em partículas de diferentes tamanhos, que variam da
menor das bactérias até o de algumas complexas moléculas de proteínas. São basicamente formados
de ácidos nucléicos (DNA ou RNA) e seu formato é, via de regra, icosaédrico ou helicoidal.
Considerados do ponto de vista cristalográfico, eles seriam inanimados, já que possuem todas as
características dos cristais, principalmente no tocante à sua forma. Porém os vírus têm a interessante
potencial idade de reproduzir-se, e de manter suas capacidades, digamos, vitais, inalteradas, mesmo
quando separado em suas partes constituintes, recuperando estas capacidades assim que estas partes
são postas juntas novamente.

Talvez a melhor definição de vida seja: "Vida é uma propriedade da matéria que confere a seus
possuidores a capacidade de metabolismo e replicação". Metabolismo é a "capacidade de manter a
integridade da célula através de um contínuo reembaralhamento de componentes químicos,
convertendo material bruto de fora da em substâncias necessárias à sua existência"19 Já replicação é a
possibilidade de um organismo qualquer de fazer cópias de si mesmo. A replicação permite a cópia de
informação hereditária, garantindo que as características de uma célula possam ser herdadas com
precisão por sua descendência.

É possível usar um computador como metáfora deste processo: o metabolismo seria como um
hardware, requerendo atividade constante - é assunto das proteínas. Já a replicação, devido às suas
necessidades de estabilidade e legibilidade, é como um software - e assunto dos ácidos nucléicos.
"Ácidos nucléicos, como disquetes, são facilmente lidos e copiados. Proteínas, como computadores,
são feitas seguindo as instruções, e não por cópias."20

Existe uma química da vida - que é essencialmente, a química de um elemento chamado carbono, e,
em particular, das cadeias de carbono muito longas. É exatamente por isso que a química do carbono é
chamada de química orgânica.

Pode-se dividir os compostos orgânicos encontrados em organismos vivos em, principalmente,
quatro grandes classes: carboidratos, gorduras, proteínas e ácidos nucléicos. As gorduras são as mais
simples, consistindo cada uma de três ácidos graxos unidos a um glicerol. Os amidos e os glicogênios
são constituídos ácidos graxos unidos a um glicerol. Os amidos e os glicogênios são constituídos de
unidades de açúcar (carboidratos) pareados. A função dos carboidratos e gorduras no organismo é
servir como combustível- fonte de energia.

Os ácidos nucléicos são estruturas muito grandes, complexas, compostas d\' agregados de pelo
menos quatro tipos de unidades: os nucleotídeos. São os principais componentes dos genes, os


portadores da constituição hereditária.
Variedade e especificidade são as principais características das proteínas, que incluem as maiores
em mais complexas moléculas conhecidas. Cerca de vinte e cinco tipos distintos de aminoácidos
constituem sua estrutura, sendo, assim, possível a existência de um número virtualmente infinito de
proteínas.
Existe uma propriedade importante da vida tal como a entendemos hoje - e que é base para um
sério paradoxo na questão da origem da vida: os ácidos nucléicos são sintetizados nas células somente
com a ajuda de replicadores (proteínas); ao mesmo tempo, as proteínas são sintetizadas somente se sua
seqüência correta de nucleotídeos estiver presente. Num estágio da Terra antes do aparecimento da
vida (chamado de estado pré-biótico), no qual não havia nem ácidos nucléicos nem proteínas, como
pode a vida surgir?

Pequeno histórico sobre o aparecimento da vida:

Uma das primeira teorias sobre este tema foi atribuída a Arrhenius21, que, (domando uma idéia já
exposta pelo filósofo grego Anaxágoras (sec. V a.C.) sugeriu que esporos poderiam ter sido trazidos
do espaço para fertilizar a jovem Terra, através de poeira estelar, meteoritos ou vento (radiação) solar.
Esta teoria, à qual deu-se o nome de panspermia, tem um inconveniente: a improbabilidade de
quaisquer microorganismos terem sobrevivido a uma viagem a tais distâncias, principalmente graças à
radiação. Mas, ainda que isto tivesse ocorrido, restaria uma questão: como se originaram os esporos?

Muito tempo passou-se antes que surgisse a teoria clássica sobre a origem da vida: em 1924, o
bioquímico russo Alexander Ivanovich Opárin afirmava que não há nenhuma diferença fundamental
entre um organismo vivo e matéria sem vida, e que a complexa combinação de manifestações e
propriedades tão características da vida devem ter surgido no processo de evolução da matéria, Esta
idéia é aceita ainda hoje, como se pode ver nas palavras de Steven Weinberg, prêmio Nobel de física:
"A experiência dos últimos 150 anos mostrou que a vida está sujeita às mesmas leis da natureza que a
matéria inanimada".22

Em 1928, independente de Opárin, o biólogo britânico J.B.S. Ha1dane publicou um artigo no
"Rationalist Animal", no qual especulava sobre as condições que devem ter existido para emergir a
vida terrestre. Ele considerou que a luz ultravioleta proveniente do Sol, aliada às descargas elétricas da
jovem Terra, agiu sobre a primitiva atmosfera existente no planeta, composta principalmente por
amônia (NH3), metano (CH4) e vapor d'água (H2O), formando compostos de carbono, entre os quais,
possivelmente, açúcares e alguns aminoácidos necessários para as proteínas. Haldane postulou que
estes compostos acumularam-se nos oceanos primitivos, até que eles atingiram a consistência de um
"tépido caldo primordial". E foi aí que a vida provavelmente começou.

Origem e desenvolvimento da vida:

O problema que aqui se coloca, em relação à origem da vida, é, na verdade, posterior à grande
questão básica, de caráter quase que inteiramente filosófico: ou a vida foi criada por um ente superior
(Deus), tese aceita por todas (ou quase todas) as religiões, e conhecida como criacionismo, ou evoluiu
a partir de compostos não vivos, ocasionando a tese da geração espontânea. Não há outra alternativa.

Discorrer sobre a hipótese criacionista da vida é, de certa forma, redundante, já que nosso
conhecido Gênese bíblico é um exemplo clássico dela: no primeiro dia, Deus criou o céu e a terra; no
segundo, separou o firmamento e as águas; no terceiro, Ele fez a terra firme e as plantas; no quarto dia,
Deus fez o Sol, a lua e as estrelas; no quinto, fez os pássaros e os peixes, e, no sexto dia, os animaisterrestres e o homem. É interessante notar que como Deus ordenou à terra e às águas que produzissem
os seres vivos, em vez de os criar diretamente, não há conflito teológico entre o Gênese e a criação
espontânea. Entretanto, permanece o fato de o homem ter sido criado diretamente por Deus, e não
evoluído de formas inferiores de vida.

Entretanto, assumindo somente a hipótese não criacionista, o problema que se apresenta é saber se
é possível que a vida surja a partir de compostos mais simples não vivos. Admitindo tal possibilidade,
resta um mundo de idéias que podem ser desenvolvidas, principalmente a que, admitindo a isotropia
universal, propõe a presença de vida em outros planetas.

A resposta parece estar, apesar de tudo, na teoria da seleção natural. Com a repetição, geração após
geração, esta teoria parece apontar para a evolução de organismos complexos a partir de outros mais
simples, e implica que todas as formas de vida atuais evoluíram de um único e simples progenitor - um
organismo a que se refere como o último ancestral comum da vida.


Na verdade, existem, atualmente, três grandes teorias que buscam explicar o problema da origem
da vida:

A primeira, defendida já antes de 1930 por Opárin, baseia-se na existência dos coacervatos - uma
mistura estável de um líquido oleoso em água, na qual aquele fica disperso dentro de gotículas que se
mantêm suspensas na água. Para ele, a moldura física (as células) apareceram em primeiro lugar, a
exemplo dos coacervatos. A seguir, pela organização das moléculas dispersas no interior das células
em ciclos metabólicos auto-sustentados, criaram-se as proteínas. Finalmente, em último lugar,
apareceram os genes. Deve-se notar que Opárin tinha um limitado conhecimento sobre a estrutura
destes últimos; apesar disto, sua teoria permanece com alguma validade.

A segunda teoria, proposta pelo físico-químico alemão Manfred Eigen, prêmio Nobel de química,
inverte a ordem dos acontecimentos. Propõe que, em primeiro lugar, apareceram os genes, a partir da
auto-replicação do RNA. Em seguida, as proteínas, que plasmaram junto com o RNA as bases do
moderno sistema genético. Finalmente, a célula apareceu para dar coesão a este sistema previamente
formado. Esta é a teoria mais em voga ultimamente, principalmente depois das experiências com
replicação do RNA sem a presença de proteínas, feitas por Eigen e Leslie Orgel (Ph.D. em química e
pesquisador da NASA para assuntos sobre a vida).

Finalmente, a última teoria, proposta por Cairns-Smith, baseia-se na idéia de que, antes de os ácidos
nucléicos serem criados, o material genético original consistia de cristais microscópicos de minerais,
com uma distribuição irregular de metais (encontrados, naturalmente, no barro comum). Os átomos de
metal eram os mensageiros, transportando as informações do mesmo modo que, posteriormente, o
RNA. Esta teoria apresenta o barro em primeiro, as proteínas em segundo, as células em terceiro e os
genes em quarto lugar.

Todas estas teorias baseiam-se nos experimentos que foram levados a cabo por alguns cientistas
experimentais, a partir de meados do século XX, tentando comprovar a possibilidade de a vida ter
surgido de elementos não vivos. O primeiro destes experimentos, a talvez o mais significativo, foi o de
Harold Urey e seu aluno Stanley Miller, em 1953.

Nesta experiência, Miller propôs um ambiente supostamente similar ao da Terra no seu início, isto
é, um "oceano" de água tépida produzindo vapor, e uma atmosfera redutora, composta de compostos
como amônia e metano, submetida a intensas descargas energéticas, sob a forma de raios e radiação
ultravioleta. A experiência foi realizada num aparelho onde tais condições eram reproduzidas. Como
resultados, em uma semana foram produzidos 3% de aminoácidos, componentes básicos das proteínas.

Um interessante adendo à experiência foi um meteorito encontrado, anos depois, em Murchinson,
Austrália, e que demonstrou conter os mesmos aminoácidos produzidos por MilIer, nas mesmas
quantidades, aproximadamente. Isto pode indicar que condições pré-bióticas, isto é, antes da existência
de vida, podem estar sendo produzidas em outros lugares do espaço.

Outras experiências semelhantes produziram resultados muito compatíveis: assim, Manfred Eigen
conseguiu produzir RNA usando apenas proteínas, sem nenhuma molécula de RNA para servir como
modelo aos replicadores. Da mesma forma, Leslie Orgel produziu o mesmo RNA usando apenas um
modelo de RNA, na ausência das proteínas replicadoras.

Todas estas experiências apontam para o fato de que é possível que condições iniciais pré-bióticas
tenham levado à produção dos elementos necessários à vida, desde que em presença de uma
quantidade suficiente de energia, o que resulta, simplificadamente, na seguinte equação:

Composto simples + Energia > Precursores da Vida

Entretanto, as teorias não param por aí: a partir da década de 1960, um importante geneticista
japonês, o Dr. Motu Kimura, conferiu uma base matemática para o tratamento estatístico da evolução
molecular, que derivou na chamada teoria neutra da evolução. A proposta desta teoria, bastante coerente
com os postulados da física moderna, é que, durante o desenvolvimento da vida, a deriva
genética, isto é, flutuações estatísticas aleatórias têm sido mais importante que a seleção natural como
causa da evolução das espécies.

O que se pode concluir é que a busca da ciência por uma teoria da vida que prescindisse de
intervenção sobrenatural, se não é um sucesso absoluto, tem, ao menos, grande probabilidade de estar
no caminho da verdade. Apesar disto, pouco se sabe sobre a origem e o desenvolvimento da vida.


A posição espírita:

Kardec era defensor da teoria da geração espontânea. Tanto na Gênese (cap. X - Gênese orgânica)
quanto na Revista Espírita (A geração espontânea e a gênese - junho de 1868) ele reafirma essa
posição, fazendo a ressalva que ele a admite pessoalmente, mas não a coloca como princípio da
doutrina espírita devido a ela não estar ainda plenamente desenvolvida e aceita pela ciência em geral.

Efetivamente, Kardec aceita a idéia da geração espontânea em sua forma comum no século XIX, a
de que seres vivos complexos poderiam surgir da matéria inanimada, notadamente aquela emdecomposição, como mostra o seguinte texto: "É hoje reconhecido que os pelos do mofo constituem
uma vegetação que nasce sobre a matéria orgânica chegada a um certo estado de fermentação. O mofo
nos parece ser o primeiro, ou um dos primeiros tipos de vegetação espontânea."23 E ainda: "A matéria
orgânica animalizada, isto é, contendo uma certa porção de azoto, dá origem a vermes que têm todos
os caracteres de uma geração espontânea."24

As idéias de Kardec estavam em consonância com o espírito de sua época, pois, apesar de os
experimentos de Pasteur que demonstraram o erro destas idéias terem sido publicados já em 1861
(com o título de Memória sobre corpúsculos organizados que existem na atmosfera), ainda haviam
sérias oposições às suas conclusões, por parte de cientistas de renome, como é o caso de Henry
Bastian, professor de anatomia patológica no University CoIlege, de Londres. A geração espontânea só
iria cair definitivamente a partir das experiências de John Tyndall, em 1880.

Para a explicação da existência de vida em alguns corpos, enquanto que outros apresentam-se
inanimados, Kardec lança mão do conceito de princípio vital. Para ele, tal princípio, ativo nos seres
vivos e extinto nos mortos, confere à substância orgânica as propriedades características que a
distinguem das substâncias inorgânicas. É uma modificação da matéria básica que forma o Universo, e
modifica a constituição molecular dos corpos, dando-lhes as propriedades especiais orgânicas.

Um ponto importante desta teoria de Kardec sobre a vida é que esta é estritamente material, não
interferindo o espírito, entendido como o princípio inteligente do Universo, em nada para sua
manutenção. Esta idéia, que vem de encontro às recentes descobertas da biologia, é bastante deturpada
no meio espírita brasileiro, que ensina que o espírito é que vivifica a matéria.

A idéia de um fluido vital não é original de Kardec. O vitalismo é uma doutrina que pode ser
encontrada em muitos povos antigos, da China aos europeus, passando pela Grécia e por Roma.
Definido como "a doutrina segundo a qual os seres vivos são dotados de uma força particular em si
mesmos, a força vital, irredutível à físico-química, e que dá origem aos fenômenos vitais", o vitalismo
era uma idéia corrente na Europa do século XIX, uma escola que buscava contrapor-se ao
mecanicismo e ao reducionismo que, já então, eram dominantes nas academias de ciência.

O vitalismo, enquanto escola filosófica com a pretensão de explicar os fenômenos da vida, foi
seriamente abalado pela sintetização da uréia em laboratório, por Friedrich W6hler, em Leipzig, 1828.
Atualmente, apesar de ainda existir uma corrente neovitalista que mantém essa idéia acesa, é abafada
pelas teorias e experimentações que discutimos acima.

A questão, para o espiritismo, resume-se em discutir a necessidade de lançar mão da tese do
princípio vital, tal como definido por Kardec, para explicar a origem da vida. Em função de todas as
descobertas feitas pelos biólogos, pode-se sugerir que, no estágio atual do conhecimento, tal tese não é
absolutamente necessária, e que a própria idéia de Kardec que a vida pertence ao âmbito da matéria, e
não do espírito, é perfeitamente avalizada por estas descobertas.

CAPÍTULO 3 -PLURALIDADE DE MUNDOS HABITADOS: AS EVIDÊNCIAS

A vida no espaço:

Considerando que a vida, muito provavelmente, é uma conseqüência de um arranjo peculiar de
átomos de carbono, hidrogênio e nitrogênio, e que estes elementos encontram-se distribuídos no
espaço exterior, pode-se questionar sobre a existência de vida, ou ao menos de predecessores de vida,
no espaço.

Na realidade, desde a metade deste século era sabido, através de análise espectral, que nas nuvens
interestelares existiam alguns compostos simples, como CN e OH. Entretanto, foi somente em 1968
que uma equipe da Universidade de Berkeley, rastreando moléculas poliatômicas no espaço
interestelar, concluiu pela existência de uma grande variedade delas26, em particular, o ácido fórmico
(HCOOH) e a metanimina (H2CHN), cuja reação produz o mais simples dos aminoácidos, a glicina


(NH2CH2COOH). Há, então, excelentes razões para crer que a complexidade molecular baseada em
carbono é uma característica presente em todo o Universo, e não só na Terra.

Até a década de 1960, a principal teoria acerca da natureza dos grãos interestelares considerava-os
como sendo gelo de água, amônia e metano. Mas, em meados desta década, observações
espectroscópicas mostraram uma forte absorção na faixa dos 2 200 A, que não coadunava com nenhum
daqueles elementos. Em paralelo, estudos sobre as radiações infravermelhas destas nuvens indicam
temperaturas acima do ponto de ebulição da água.

Necessitava-se de uma nova teoria, e ela foi estabelecida pelos astrônomos Fred Hoyle e Chandra
Wickramasinghe. Segundo eles, o elemento que melhor absorve naquela faixa de comprimentos de
onda é o carbono. Esta idéia foi consideravelmente confirmada pela análise do espectro de uma
substância que coincide significativamente com as observações experimentais: a celulose, por
coincidência (ou não) um constituinte básico das estruturas vegetais.

A construção de grandes moléculas de polissacarídeos, como a celulose, no espaço não é tão
absurda. Quimicamente, carbono e oxigênio podem, a temperaturas compatíveis com aquelas do
espaço exterior, unir-se formando anéis pirânicos, compostos que crescem como cristais, "simulando",
por assim dizer, o comportamento das células vivas.

Outra descoberta interessante neste campo situa-se na faixa dos 4 430 A, e poderia dar uma idéia de
como o nitrogênio estaria presente. A absorção nesta faixa combina com a de uma grande molécula
(MgC46H30N6), da família das profirinas, componentes básicos da clorofila, substância necessária à
fotossíntese, e, portanto, à existência de vida na Terra.

Todas estas observações, aliadas à descoberta, a partir da década de 1950, de aminoácidos em
amostras de meteoritos, sugerem que o "caldo primordial" poderia estar no interior de um cometa,
onde polissacarídeos, porfirinas e outros componentes orgânicos poderiam ter-se composto em formas
vivas autocopiadoras.

Estas considerações são usadas pelos astrônomos e alguns biólogos para suportar a tese que a vida
na Terra foi semeada por moléculas vindas do espaço - o que seria uma adaptação e uma evolução da
teoria da Panspermia. Entretanto, podem também apontar para a hipótese de a vida ter-se desenvolvido
em outros locais do espaço, além da Terra.

Evidências de vida fora da Terra:

A idéia da existência de vida em outros planetas possivelmente já existia nos antigos gregos,
aparecendo em algumas das odes de Píndaro. Apesar disso, a idéia só pode desenvolver-se quando o
homem passou a encarar tais planetas como sendo mundos semelhantes ao nosso. Foi assim que essa
idéia, proposta inicialmente por Nicolau de Cusa, foi aceita por Kepler e outros cientistas de renome,
desde essa época até nossos dias, crescendo continuamente em força e argumentação.

Entretanto, muitos contestaram esses argumentos. Em 1851, William Whewell, em seu livro
Pluralidade dos Mundos, considerava a necessidade de um conjunto de condições básicas para o
desenvolvimento da vida: luz, temperatura, pressão, umidade, etc. Tais condições formavam a
chamada zona de habitabilidade, da qual planetas muito próximos do Sol (como Mercúrio e Vênus),
ou muito distantes (Saturno, Urano, Netuno e Plutão) estariam fora.

Apesar da força desses argumentos contrários, a partir da metade do século XX a comunidade
científica tem cada vez mais aceito a tese da vida em outros planetas. Uma série de razões
contribuíram para que isso acontecesse:

.
Em 1958, Harlow Shapley e Stanley Miller, através de cálculos estatísticos, l'sl imaram uma
provável população para o Universo. Mesmo utilizando-se de cálculos conservadores, eles
concluíram pela possibilidade de 100 milhões de planetas capazes de abrigar vida, dos quais 100
000 teriam civilizações tecnologicamente mais desenvolvidas que a nossa, considerando como
Universo apenas o número de estrelas visíveis pelo telesc{wio. Atualmente, cosmólogos menos
cautelosos admitem aproximadamente 10 possibilidades de vida no Universo.

.
Em 1961, Frank Drake propôs uma fórmula que forneceria o número de possíveis civilizações em
nossa galáxia; esta fórmula foi posteriormente reformulada, e sua forma atual é:

Nv=Mn.Pp.Pi.Pa.Pz.Pe.Pb.Pr.Pd.Pt.

Onde:

Nm = N° de estrelas de massa compreendida entre 0.72 e 1.43 vezes a massa do Sol.


Pp = Probabilidade que a estrela possua um planeta orbitando em sua proximidade.

Pi = Probabilidade que a inclinação da órbita do planeta em relação a seu equador seja correta para
a distância orbital.

Pa = Probabilidade que o planeta possua uma massa tal que lhe seja possível possuir uma atmosfera

- 0.4 a 2.35 vezes a massa da Terra.
pz = Probabilidade que ao menos um dos planetas do sistema esteja dentro da zona de
habitabilidade.
Pe = Probabilidade que a excentricidade da órbita do planeta seja suficientemente baixa, isto é,
inferior a 0.2.
Pb = Probabilidade que a presença de uma segunda estrela companheira não torne o planeta inabitável.
Pr = Probabilidade que a rotação do planeta não seja muito rápida nem muito lenta - dia de 3 a 96

horas.
Pd = Probabilidade que o planeta esteja numa idade que tenha permitido o desenvolvimento de vida.
Pt = Probabilidade que a vida tenha desenvolvido-se.
A conclusão estatística é que, apenas em nossa galáxia, haja 600 milhões de planetas habitáveis.

- O lançamento do satélite soviético Sputnik, em 04 / 10/ 1957, que inaugurou oficialmente a era
espacial, e a descida do homem na Lua, em 1969, convenceram os homens da possibilidade das
viagens interplanetárias.
- O desenvolvimento das teorias sobre a origem da vida, e a descoberta dos precursores de vida nos
meteoritos e nas nuvens interestelares.
- O satélite IRAS ("Satélite Astronômico Infravermelho"), colocado em órbita a 900 km de altura
em 1983, descobriu um sistema planetário em formação em tomo da estrela Vega, distante 26 anos-luz
da Terra, além da descoberta de outros sistemas planetários, como o da estrela de Barnard, descoberto
em 1967.
- A experimentação sobre existência de vida em Marte, realizada pela sonda Vicking, que
demonstrou, senão a existência de vida propriamente dita, ao menos forte possibilidade de ela ter
existido num passado não tão remoto. Suposição esta que foi aumentada pela descoberta de um
microorganismo em um meteorito proveniente de Marte, em 1996.
A descoberta, em 1986, realizada pela sonda Giotto, que o núcleo do cometa de Halley deve ser
formado por, pelo menos, 25 % de matéria orgânica.
Evidências como estas fazem com que, atualmente, quase não existam astrônomos imparciais que
não acreditem em vida em outros planetas.

Evidências na Terra:

Um quase corolário da idéia da existência de vida em outros planetas é a possibilidade de outras
civilizações, tecnologicamente mais avançadas, terem visitado a Terra. Se assim foi, devem existir
ainda hoje fatos que sugiram estas visitas. Este tema é abordado por Erich von Daniken, em seu livro
Eram os deuses astronautas?

A tese principal da obra de von Daniken, que os deuses dos povos antigos foram, na verdade,
astronautas de civilizações mais avançadas, baseia-se em dois pontos principais: a vida fora da Terra e
a crença em deuses com características muito semelhantes.

Para apoiar sua tese, o autor lança mão de algumas evidências arqueológicas, mais ou menos
recentes, porém encaradas sob uma ótica sensivelmente diferente. Dentre estas evidências, pode-se
citar:

- Textos da Índia de mais de 3 000 anos de idade, que falam numa espantosa arma, cuja descrição
evoca, para nós, a bomba atômica.
- Cientistas russos descobriram, também na Índia, um esqueleto com 4 000 anos de idade que
portava radioatividade superior em 50 vezes a do ambiente, com forte indicação que o indivíduo havia
consumido alimentos contaminados com radioatividade.
- No início do século XVIII, foram encontrados alguns mapas muito antigos, pertencentes ao
almirante Piri Reis, da marinha turca. Tais mapas eram bastante precisos, mas não estavam desenhados
de modo correto. Um estudo mais profundo demonstrou que estão registrados nos mapas cadeias de
montanhas da Antártida, descobertas somente em 1952. Além disso, as distorções nos desenhos dos

mapas são perfeitamente explicáveis se eles tivessem sido feitos a partir de fotos tiradas por uma
espaçonave sobre a cidade do Cairo.

- No Iraque e no Egito foram encontradas lentes de cristal, lapidadas, que hoje só podem ser
manufaturadas mediante a aplicação de óxido de césio, produto só obtido por processos
eletroquímicos.
Esses argumentos são realmente muito fortes. Ainda assim, algumas das evidências de Daniken já
foram contestadas, como é o caso das pirâmides do Egito, que um grupo de cientistas japoneses
demonstrou ser possível de construir usando apenas a tecnologia da época, em não mais de 20 anos.

Apesar disto, o raciocínio de von Daniken é muito lógico, e, se não quisermos ser preconceituosos,
devemos aceitá-lo, ao menos, como uma teoria plausível.

Evidências da ufologia:

A protociência que se costuma chamar de ufologia tem se destacado para o público leigo da mesma
forma que o espiritismo, isto é, em seu aspecto mais sensacionalista. Como o espiritismo, a ufologia
tem estado sujeita a ações de uma infinidade de charlatães de todos os tipos, que, a pretexto de
apresentar novidades, denigrem sua imagem como uma possível ciência, ainda que alternativa.
Finalmente, da mesma forma que o espiritismo, a ufologia tem sido severamente rechaçada pela
ciência formal, ainda que com ridículas alegações. Entretanto, a ufologia tem sofrido também sério
ataque dos governos, o que tem dado origem a uma enorme gama de especulações, algumas
completamente absurdas, outras com fundamento.

O nome ufologia deriva da sigla inglesa UFa (Unindentified Flying Objects), que significa Objetos
Voadores Não Identificados - OVNI em português. A sigla não é capaz de transcrever toda a
profundidade do tema tratado, uma vez que, ao pé da letra, qualquer objeto que voe e que seja, de
alguma sorte, desconhecido, é um OVNI. A grande discussão é que, normalmente, estes OVNI estão
associados a visitantes de outros planetas.

A aparição de estranhos objetos voadores não é recente. Vários relatos da antigüidade apontam para
a possibilidade de antigas lendas serem, de fato, visitas de seres de outros planetas. Por exemplo, uma
história chinesa refere-se a um povo que habitava um distante "terra de carretas voadoras", e que
conduzia carros alados com rodas douradas. O Drona Parva, um texto sânscrito, descreve combates
aéreos entre deuses, a bordo de máquinas voadoras chamadas vimanas. O profeta Elias, no Velho
Testamento, subiu aos céus numa carruagem de fogo.

O caso antigo mais interessante talvez seja o do profeta Ezequiel, narrado também no Velho
Testamento. Ele descreve uma visão de um globo de fogo, que tinha ao seu redor uma espécie de metal
brilhante. No meio do fogo, apareciam o que ele julgou ter "a semelhança de quatro animais", parecidos
com homens, e cada um deles possuía quatro faces e quatro asas. Em 1968, o engenheiro da NASA
Josef Blurnrich, procurando contestar a idéia que a roda de Ezequiel era uma nave espacial, acabou
desenhando uma nave viável a partir desta descrição. Tão convencido ficou que disse, posteriormente:
"Raras vezes uma derrota absoluta foi tão compensadora, tão fascinante e tão prazerosa!".

A moderna ufologia começou em 14 de junho de 1947, nos EUA. Kenneth Arnold, presidente de
uma firma de extintores de incêndio, pilotava seu próprio monomotor quando avistou uma série de
estranhos objetos voadores que se dirigiam ao sul. Os objetos, de formato discóide, voavam numa
formação que cobria 8 quilometros, a uma velocidade de aproximadamente 2 600 km/h. Chamou
aqueles objetos deflying soucers (pires, ou discos, voadores), inaugurando a era ufológica.

O acontecimento mais marcante dessa época, e também o primeiro em que houve desmentidos
oficiais à hipótese UFO, foi o ocorrido com o capitão-aviador Thomas Mantell, em 7 de janeiro de
1948. Mantell era um piloto altamente qualificado, veterano da Segunda Guerra Mundial, condecorado
por bravura.

Devido ao aparecimento um objeto prateado, em forma de disco, sobre a base aérea de Fort Knox,
no Kentucky, Mantell decolou num caça F-5l, em missão de reconhecimento, disposto a interceptar o
disco. Depois de várias comunicações pelo rádio, descrevendo-o (um objeto de aproximadamente 80
metros de diâmetro, girando em tomo de um eixo central com incrível velocidade e deslocando-se
mais rápido que o caça), a base perdeu contato com o piloto. Seu avião foi encontrado algumas horas
depois, completamente destruído.

A versão oficial para o acidente foi estarrecedora: "Mantell teria perseguido o planeta Vênus e
pereceu quando dele se aproximou em demasia". Esta teoria foi desqualificada pelos astrônomos,


dizendo que, à luz do dia, naquele dia em especial (o céu esta encoberto, com muitas nuvens), o
planeta Vênus era invisível. A seguir, disseram que Mantell havia perseguido um balão meteoro
lógico, tese que foi desmentida pela Central de Inteligência Técnica Aérea.

Desde então, os governos de maneira geral, principalmente os dos EUA, tem sistematicamente
desmentido qualquer interpretação que leve à idéia de OVNI, algumas vezes com alternativas
completamente ridículas, como no caso Mantell. Talvez seja esta insistência em negar o fenômeno, tão
grosseiramente, que tenha feito que a ufologia tenha-se difundido a tal ponto.

Muito do que aparece em ufologia tem a marca da fraude, causada por pessoas que mais querem
aparecer. Algumas fraudes fotográficas foram descobertas em análises por computadores, o que, se por
um lado contribuiu para livrar a ufologia destes charlatães, por outro leva algumas pessoas mais
preconceituosas a julgar que qualquer relato, foto ou avistamento deva ser, necessariamente, fraude.
Tal como acontece com o espiritismo. Entretanto, numa amostragem feita por pesquisadores sérios,
não ligados à área ufológica, concluiu-se que, no mínimo, 23 % dos casos não poderiam ser explicados
por teorias convencionais (fraude, alucinação, confusão com balões meteorológicos ou aeronaves,
ilusão de ótica causada por fenômenos naturais, como a aurora boreal, etc.).

O que se conclui é que, quando se destitui a ufologia de toda a pasmaceira infundada, restam alguns
fatos que, apesar de severamente pesquisados por meios químicos, eletrônicos, informatizados,
hipnóticos, etc., resistem bem a todos eles. Tais fatos apontam inegavelmente para uma possibilidade
de que existam realmente civilizações mais avançadas em outras partes do Universo que, tendo
dominado tecnologias para nós ainda inimagináveis, conseguem transpor distâncias galácticas e
visitar-nos. Se este for o caso, a evidência ufológica pode vir ao encontro da tese espírita.

A posição espírita:

Kardec deixa bastante claro, em vários dos textos que escreveu, sua posição cm prol de um
Universo infinitamente povoado por espíritos, das mais diversas ordens, nos mais diversos globos. Já
no primeiro Livro dos Espíritos, editado em 1857, se dizia dos mundos habitados, e de que o homem
erra ao julgar-se o primeiro em inteligência, bondade e perfeição.

Kardec faz da pluralidade de mundos habitados um dos princípios básicos da doutrina espírita,
conforme nos mostra n' O Livro dos Espíritos: "Os espíritos encarnados habitam os diferentes globos do
Universo."27 Entretanto, deixa claro que todos os globos, sem exceção (aí incluídos os satélites, como a
Lua), abrigam seres corpóreos, ainda que de constituição adequada ao estado de cada um deles. E refuta
as objeções que a ciência já fazia em sua época (por exemplo, no que tange à ausência de ar ou água na
Lua) com a argumentação: não é porque não percebemos água ou atmosfera que elas não existem.28

Ora, é certo que a ciência atual já demonstrou que nem todos os corpos celestes são habitados; nem
mesmo todos os planetas o são, e, no caso específico do nosso sistema solar, parece que a Terra é o
único a ter este privilégio. Entretanto, a idéia espírita da plural idade de mundos habitados vem de
encontro àquilo que a astronomia e a física afirmam atualmente, de modo que as eventuais
discrepâncias que a teoria espírita, tal como proposta por Kardec, e a ciência atual tenham não invalida
a obra do fundador do espiritismo.

CONCLUSÃO

A idéia espírita sobre o surgimento, desenvolvimento e existência da vida no Universo não foram
calcadas em observações experimentais. A tecnologia disponível à época do surgimento da doutrina
espírita não permitia tais observações. Esta idéia é um desenvolvimento lógico da filosofia espírita,
isto é, do modo como o espiritismo vê o Universo, aliado a comunicações de origem mediúnica.

Entretanto, sua posição a respeito não o coloca na contramão do pensamento científico atual,
principalmente no tópico referente à pluralidade de mundos habitados. Ao contrário, as posições dos
cientistas hoje concordam admiravelmente, ao menos nas linhas gerais, mais amplas, com as posições
lJuc o espiritismo vem defendendo há 140 anos.

Uma concordância importante entre a doutrina espírita e as modernas teorias científicas,
concernente ao tema em pauta, é que a vida é uma conseqüência direta da matéria, e que o elemento
espiritual só participa deste processo para efetivar a intelectualização desta última. Assim, ao contrário
do que dizem alguns sistemas filosóficos do passado, e muitas das religiões do presente, a alma não
tem relação com a animalização da matéria.

Desta forma, o espiritismo permanece à vontade para manter sua concepção dualista do Universo:


de um lado, o espírito, princípio inteligente e responsável por todas as manifestações desta ordem; de
outro, a matéria, elemento intelectualmente inerte, mas possuidor de todas as condições para sua
manutenção independente, condições estas que lhe é dada pelas leis físicas, parte integrante da lei
divina ou natural.

Todavia, não custa relembrar que este dualismo não é opositivo. Ao contrário das religiões, o
espiritismo não prega a inferioridade da matéria em relação ao espírito, nem faz juízo de valor,
dizendo que a matéria é um peso morto, um sofrimento de que o espírito deve lutar para se livrar.
Matéria e espírito complementam-se, e, se aquela não seria mais que uma massa inerte sem este, o
espírito não prescinde do contato material para seu crescimento e evolução.

Ainda assim, não se pode afirmar que o espiritismo tenha antecipado as conclusões que a ciência
hoje admite sobre a vida e a pluralidade de mundos habitados. As diversas diferenças entre a teoria
espírita e as observações experimentais fazem com que possamos dizer, sem medo de errar, que, se a
idéia filosófica estava correta, as considerações científicas afastavam-se da realidade. Porém, como o
próprio Kardec afirmou, estes temas devem ser estudados pelas ciências materiais. A ciência espírita
deve, apenas, servir de baliza, fornecendo bases teóricas.

Em particular, uma destas teorias espíritas merece uma maior atenção: é o caso do princípio vital.
Empregado por Kardec como artifício para explicar por quê alguns seres são vivos, enquanto outros
não são, suas bases não encontram, na ciência atual, nenhum indício. Na verdade, as observações
experimentais apontam para a noção que a vida é um desenvolvimento natural da evolução da matéria.
Parece uma tese mais apropriada, posto que mais fácil de entender, com a vantagem de não estar em
desacordo com os princípios da doutrina espírita.

Este é um campo onde os biólogos e astrônomos de formação espírita têm bastante a contribuir.

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NOTAS

1 The logic of scientific discovery, New York: Harper & Row, 1985, p. 278, citado por ALVES, Rubem,

Filosofia da Ciência.
2 A Gênese, 28ª ed. Brasília: FEB, 1985, p. 45.
3 Hipparcos (sigla de High Precision Parallax Collecting Satellite - Satélite de Coleta de Paralaxe de Alta

Precisão) é um telescópio orbital astrométrico (isto é, que serve para determinar a posição e o movimento de

astros) em órbita geoestacionária a 36 000 km acima do equador terrestre.
4 Ronaldo R. F. MOURÃO, Da Terra às galáxias, p. 293.
5 Pinharanda GOMES, Filosofia grega pré-socrática, p. 30.
6 O postular a Terra como uma esfera "lisa e igual, e eqüidistante do centro em todos os lugares, um corpo

completo e perfeito" tinha por detrás a idéia de que o círculo e a esfera seriam as formas mais perfeitas do

Universo. É um sinal da influência do pensamento pitagórico sobre os filósofos clássicos.
7 Um Universo isotrópico é aquele que parece o mesmo em diferentes direções, quando visto a partir da Terra.
8 Graus Kelvin (símbolo K) é uma unidade de medida de temperatura. Zero K equivale a - 2730 C e é
chamada de zero absoluto. É a temperatura em que todo o movimento cessa, mesmo no nível subatômico.
9 Como, em escala micro, o Universo é regido pelas equações da mecânica quântica, segue-se que uma teoria

que buscasse explicá-lo precisaria promover a união dessas duas, resultando naquilo que se convencionou
chamar de Teoria grã-unificada, ou Teoria do campo unificado. Este é um grande sonho, que os físicos teóricos
vêm perseguindo há décadas.

10 Existem outros modelos de cosmogonias que prevêem não só Universos eternos, mas também Universos em
que a matéria está sendo continuamente criada. Neste último caso, a geometria poderia até mesmo ser euclidiana (e

o tempo ser infinito), e ainda assim estaria explicada a expansão do Universo. O maior problema desta teoria é que,
se não for admitido um criador (por exemplo, Deus) para esta matéria, deve-se admitir que ela veio do nada.
11 Da Terra às galáxias; uma introdução à astrofísica, p. 33.12 Revista Espírita, fevereiro de 1858.

13 Idem, ibidem.
14 Idem, ibidem.
15 Idem, Ibidem.
16 Revista Espírita, agosto de 1862.
17 Idem, ibidem.


18 Na edição da Gênese da LAKE (com notas de Herculano Pires), este já faz esta advertência,
especificamente na questão sobre a Teoria da Lua (por quê a Lua apresenta sempre a mesma face voltada para a
Terra? ) - p. 117.

19 Freeman DYSON, Infinito em todas as direções, p. 70.
20 Idem, ibidem, p. 71.
21 Svante Arrhenius (1859 -1927), físico químico sueco, prêmio Nobel de química de 1903, criador da teoria


da dissociação eletrolítica. Trabalhou também nas áreas de fisiologia (imunoquímica), e física cósmica.
22 Scientific American, outubro de 1994, p. 47.
23 Opus citatus, ano 1868, p. 205.
24 Idem, ibidem, p. 205.
25 Ademar A. CHIORO DOS REIS, Magnetismo, Vitalismo e o pensamento de Kardec, p. 63.
26 Um artigo da revista Nature de 1980 relacionou 90 moléculas interestelares até então identificadas.
27 Opus citatus, p.25.
28 Revista Espírita, março de 1858, p. 65.


OS PRODUTOS DAS MANIFESTAÇÕES MEDIÚNICAS COMO

INSTRUMENTO DE PROVA EM PROCESSOS JUDICIAIS

Jailson Lima de Mendonça e Denis Domingues Hermida

A - ÍNDICE

1. Introdução 2

2. O que é justiça? Definições de justiça terrena e de justiça divina 2

3. Forma e alcance da Justiça no mundo terreno 5

4. Breve relato a respeito da tutela jurisdicional 6

4.1. Fases do processo 7

4.2. A fase probatória. A definição de prova. Elementos de prova 8

4.2.1. Depoimentos pessoais das partes 9

4.2.2. Depoimentos das testemunhas 9

4.2.3. Documentos 10

4.2.4. As perícias judiciais 10

4.2.5. Inspeções judiciais 11

4.3. A idoneidade como requisito de validade da prova 11

5. O papel da comunicação dos Espíritos e os princípios da doutrina espírita 12

5.1. A justiça e o princípio da evolução 12

5.2. Manifestações espirituais e a produção de provas em processos judiciais 12

5.2.1. A pneumatografia e a psicografia como provas documentais 13

5.2.2. A pneumatofonia e a psicofonia como provas documentais 13

5.2.3. O controle da idoneidade 14

5.2.4. Da valoração da prova 14

6. É papel da mediunidade produzir provas para o alcance da justiça?

15

7. A influência espiritual na atuação do Advogado, do Promotor e do Juiz

15

8. Conclusão

16

9. Bibliografia

16


1) Introdução

Cabe ao Poder Judiciário, em última palavra, compor os litígios existentes entre os
indivíduos componentes da sociedade, analisando os fatos e aplicando a melhor forma de
direito ao caso apresentado, com o objetivo de se alcançar à justiça.

A tutela jurisdicional cabe aos Juizes (individual ou coletivamente) que tomando
conhecimento do fato nos autos do processo, procedem a denominada "subsunção legal"
aplicando a norma jurídica ao caso concreto.

Certo também que o conhecimento dos fatos pelo Juízo se faz através das provas
produzidas durante o processo, sejam elas provas pré-constituídas (documentos), como
constituídas no próprio processo (depoimento das partes, oitiva de testemunhas, perícias,
inspeções judiciais, etc).

Na literatura espírita encontramos exemplos da participação do mundo espírita na
produção de provas que foram relevantes no resultado do julgamento, contribuindo, de forma
decisiva, para que não se cometesse injustiça.

Não temos duvidas quanto à relevância do tema, principalmente nesse momento em que
se discute a atualização do Espiritismo, sendo que as reflexões e conclusões oriundas do
presente trabalho poderão gerar novos estudos envolvendo justiça e espiritismo.

2) O que é justiça? Justiça terrena e de justiça divina

Muito se fala a respeito de justiça, de justo e de injusto, mas pouco se procura conhecer
a respeito do significado da palavra "justiça". E, nesse ponto, pretendemos apontar a definição
de justiça não só para a filosofia do direito, mas também para o espiritismo.

Aurélio Buarque de Holanda Ferreira1 aponta o significado genérico de "justiça":
justiça. [Do lat. justitia, por via semi-erudita.] S. f. 1. Conformidade com o direito; a
virtude de dar a cada um aquilo que é seu. 2. A faculdade de julgar segundo o
direito e melhor consciência.

Nicola Abbagnano2, a seu turno, aponta a sua definição de justiça:
"Em geral, a ordem das relações humanas ou a conduta de quem se ajusta a essa
ordem. Podem-se distinguir dois significados principais: 1º Justiça como conformidade
da conduta a uma norma; 2º Justiça como eficiência de uma norma (ou de um sistema
de normas), entendendo-se por eficiência de uma norma certa capacidade de
possibilitar as relações entre os homens. No primeiro significado, esse conceito é
empregado para julgar o comportamento humano ou a pessoa humana (esta última,
com base em seu comportamento). No segundo significado, é empregado para julgar
as normas que regulam o próprio comportamento."

Interessante é, ainda, transcrever as palavras de Nicola Abbignano a respeito da
segunda definição de justiça por ele apontada, em que cita Sócrates e Platão:
"Platão foi o primeiro a insistir na Justiça como instrumento. Sócrates pergunta a
Trasímaco: "Acreditar por acaso que uma cidade, um exército, um grupo de
bandidos ou de ladrões, ou qualquer outro amontoado de pessoas que se ponha de
acordo para fazer algo de injusto, poderia chegar a fazer alguma coisa se os seus
integrantes cometessem injustiça uns para com os outros? – Não, de certo,
respondeu Trasímaco. – E se não cometessem injustiça, não seria melhor? –
Seguramente – A razão disto, Trasímaco, é que a injustiça dá origem a ódios e

1 AURÉLIO, Buarque de Holanda Ferreira. Novo Dicionário da Língua Portuguesa. Edição eletrônica
2 ABBAGNANO, Nicola. Dicionário de Filosofia. Editora Martins Fontes. São Paulo : 2000, pp. 593/594


lutas entre os homens, enquanto a Justiça produz acordo e amizade." (Rep., 351 cd).
Neste trecho a Justiça é desvinculada de qualquer objetivo que tenha valor
privilegiado: ela não passa de condição para possibilitar a convivência e a ação
conjunta dos homens: condição que vale para qualquer comunidade humana,
mesmo para um grupo de bandidos."

E, tratando da forma como filósofos e juristas tratam a palavra "justiça", afirma o mesmo
Autor:
"Com mais freqüência, porém, filósofos e juristas não mediram a Justiça das leis
tomando como referência a sua eficiência geral no que diz respeito às
possibilidades de relações humanas, mas a sua eficiência em garantir este ou
aquele objetivo considerado fundamental, ou seja, como valor absoluto. Não faltou,
portanto, quem julgasse impossível definir a Justiça nesse sentido, limitando-se a
propor a exigência genérica de que, para ser justa, uma norma deve adequar-se a
um sistema de valores qualquer (Ch. Perelman, De la justice, 1945, trad. It., 1959).
Todavia, os fins aos quais se recorreu com mais freqüência são: a) felicidade; b)
utilidade; c) liberdade; d) paz".

Assim, para a filosofia do direito, a palavra "justiça" é utilizada para designar uma das
seguintes modalidades:

a) Comportamento humano em conformidade com as normas jurídicas, isto é, com as
regras de conduta humana intersubjetivas necessárias para a manutenção da vida em
sociedade; ou

b) Atributo de uma norma jurídica que cumpre o seu papel de possibilitar as relações entre
os homens, isto é, de possibilitar a vida em sociedade; ou
c) Exigência de adequação da norma jurídica a um sistema de valores, como a paz, a
felicidade, a utilidade e a liberdade.

Aliás, em relação a esta última modalidade, interessantes são as palavras de

Aristóteles3:
"As leis promulgadas sobre qualquer coisa visam à utilidade comum a todos ou à
utilidade de quem se destaca pela virtude ou por outra forma; desse modo, com
uma só expressão definimos como justas as coisas que propiciam ou mantêm a
felicidade ou parte dela na comunidade política."

Direito e justiça tem sido confundidos por filósofos, políticos, literatos e até mesmo por
juristas.

Segundo Paulo Dourado de Gusmão4:
"A diferença que existe entre direito e justiça é a mesma que ocorre entre ideal e
realidade. A justiça não é coercível, enquanto o direito é; a justiça é autônoma, pois
não é imposta à nossa consciência; brota nela como os demais ideais, sendo,
assim, ideal moral, enquanto o direito é heterônomo, por termos a consciência de
nos ser ele imposto pela sociedade ou pelo poder publico. A justiça é a meta a ser
atingida pelo direito e, desta forma, distingue-se deste como o "meio" da
"finalidade". É critério julgador dos direitos e das ações sociais, diferenciando-se
destes e destas como o julgado do julgador".

Feita a análise da justiça "terrena", ou melhor, da justiça segundo a concepção da
filosofia do direito, necessária é, agora, a análise da justiça segundo o espiritismo.

3 ARISTÓTELES. Ética a Nicômano, v.1, 1.129 b 4
4 Gusmão, Paulo Dourado de. Introdução ao Estudo do Direito, 10a. ed., Cia. Edit. Forense, pg.93


Na pergunta 171 de O Livro dos Espíritos, o comentário de Allan Kardec fortalece a
idéia da justiça de Deus e a finalidade da reencarnação, quando diz que:
"Todos os Espíritos tendem à perfeição e Deus lhes fornece os meios pelas provas
da vida corpórea; mas, em sua justiça, lhes faculta realizar, em novas existências, o
que não puderam fazer ou concluir numa primeira prova.
Não estaria de acordo com a equidade, nem com a bondade de Deus, castigar para
sempre aqueles que encontraram obstáculos ao seu progresso, independentemente da
sua vontade, no próprio meio onde foram colocados. Se o destino do homem está
irrevogavelmente fixado após a sua morte, Deus não teria pesado as ações de todos
na mesma balança, e não os teria tratado com imparcialidade.
A doutrina da reencarnação, isto é, aquela que admite para o homem várias
existências sucessivas, é a única que responde à idéia que fazemos da justiça de
Deus em relação aos homens colocados em uma condição moral inferior, a única
que nos explica o futuro e fundamenta nossas esperanças, pois que nos oferece o
meio de resgatar nossos erros através de novas provas. A razão indica essa
doutrina e os Espíritos no-la ensinam.
O homem, consciente da sua inferioridade, tem, na doutrina da reencarnação, uma
esperança consoladora. Se acredita na justiça de Deus, não pode esperar, por toda
a eternidade, estar em pé de igualdade com aqueles que agiram melhor do que ele.
O pensamento de que essa inferioridade não o deserdará para sempre do bem
supremo, e que ele poderá superá-la por meio de novos esforços, o sustenta e lhe
reanima a coragem. Qual é aquele que, no fim do seu caminho, não lamenta ter
adquirido muito tarde uma experiência que não pode mais aproveitar. Essa
experiência tardia não ficará perdida; ele a aproveitará numa nova existência."

Em suma, a "justiça" para a doutrina espírita, não coincide com a definição de "justiça"
terrena, vez que aquela tem relação direta com a "teoria da evolução" e leva em consideração
não somente a encarnação presente, mas as experiências colhidas ao longo de todas as
encarnações anteriores.

Se a justiça terrena pode ser apontada por critérios objetivos, por análise da conduta
humana próxima, a análise da justiça para o espiritismo, da justiça divina, carece de conhecimentos
ainda não disponibilizados, tornando-nos ainda passíveis aos seus efeitos, que deságuam em
provações de caráter construtivo dirigido à evolução espiritual (princípio da evolução).

Mas, se de um lado a análise da justiça divina, para cada caso, ou melhor, para cada
encarnado, não é para nós acessível, de outro lado, é necessário que estejamos preparados
para instrumentalizarmos os comportamentos necessários à "feitura" de tal justiça, é necessário
que coloquemos a nossa "materialidade" à disposição do mundo espiritual.

3) Forma e alcance da Justiça no mundo terreno

Vale reprisar as concepções de justiça terrena apresentadas no item anterior, quais
sejam:

a) comportamento humano em conformidade com as normas jurídicas, isto é, com as
regras de conduta humana intersubjetivas necessárias para a manutenção da vida em
sociedade; ou

b) atributo de uma norma jurídica que cumpre o seu papel de possibilitar as relações entre
os homens, isto é, de possibilitar a vida em sociedade; ou

c)
exigência de adequação da norma jurídica a um sistema de valores, como a paz, a
felicidade, a utilidade e a liberdade
E nesse ponto vale atenção para as formas de alcance da justiça terrena, que pode ser


voluntária ou forçada.

Entendemos por forma voluntária de alcance da justiça aquela em que o Homem
comporta-se voluntariamente conforme as normas jurídicas, não as afrontando, realizando as
suas condutas com base em valores do mais alto grau, como a paz, a felicidade, a utilidade e a
liberdade.

É claro, entretanto, que por estarmos tratando de encarnados em um mundo de provas
e expiações, como é o caso do planeta Terra, é fácil perceber que nem sempre o alcance da
justiça ocorre de uma forma voluntária, havendo a necessidade de uma força que compila o
Homem (este visto como espírito encarnado) a agir conforme as regras de convivência,
conforme valores do mais alto grau, inerentes ao conceito de justiça.

Cabe-nos analisar as formas de alcance forçado da justiça, e para tal análise, é
interessante navegarmos um pouco pela história da civilização, citando Ada Pellegrini Grinover

et alli5:

"Nas fases primitivas da civilização dos povos, inexistia um Estado suficientemente
forte para superar os ímpetos individualistas dos homens e impor o direito acima da
vontade dos particulares: por isso, não só inexistia um órgão estatal que, com
soberania e autoridade, garantisse o cumprimento do direito, como ainda não havia
sequer as leis (normas gerais e abstratas impostas pelo Estado aos particulares).
Assim, quem pretendesse alguma coisa que outrem o impedisse de obter haveria
de, com sua própria força e na medida dela, tratar de conseguir, por si mesmo, a
satisfação de sua pretensão. A própria repressão aos atos criminosos se fazia em
regime de vingança privada e, quando o Estado chamou a si o jus punitionis 6, ele o
exerceu inicialmente mediante seus próprios critérios e decisões, sem a
interposição de órgãos ou pessoas imparciais, independentes e desinteressadas. A
esse regime chama-se autotutela (ou autodefesa) e hoje, encarando-a do ponto-
de-vista da cultura do século XX, é fácil ver como era precária e aleatória, pois não
garantia a justiça, mas a vitória do mais forte, mais astuto ou mais ousado sobre o
mais fraco ou mais tímido.
São fundamentalmente dois os traços característicos da autotutela: a) ausência de
juiz distinto das partes; b) imposição da decisão por uma das partes à outra."

Apresentado está, pois, o conceito de autotutela.

Mas, em razão da própria evolução do nosso mundo de provas e expiações, a forma de
alcance forçado da justiça também evoluiu para o que chamamos de controle jurisdicional.

E nesse momento devemos introduzir nos nossos estudos a figura do Estado, que tem
o objetivo de organizar a sociedade, limitando a liberdade de seus membros, com o fito de
alcançar o "bem comum", sendo que o instrumento utilizado pelo Estado para "organizar" a
sociedade é o direito, mais especificamente as normas jurídicas, que são comandos,
produzidos pelo Estado, que tem em seu cerne a concessão de direitos e a determina de
obrigações, comando esse de caráter obrigatório, ante o elemento coercitivo nele existente.

O Estado Moderno divide-se em 3 (três) poderes: o Poder Legislativo (que elabora as
leis), o Poder Executivo (que executa as leis em prol da organização da sociedade) e o Poder
Judiciário (que tem como objetivo compor os conflitos de interesses), sendo que esses três
poderes agem conjuntamente na sociedade, cada um em seu campo de atuação e num
sistema de "intercontrole", através do sistema de "freios e contrapesos" onde cada poder
controla as atividades dos outros poderes.

5 GRINOVER, Ada Pellegrini e outros. Teoria Geral do Processo. 9a. edição revista e atualizada, 2a. tiragem, Malheiros Editores, São
Paulo: 1993, pp.21/25

6 Direito de punir aqueles que não agem conforme as normas jurídicas (observação nossa)


6

E é o Poder Judiciário que terá, quanto à sua forma de atuação, uma análise mais
detida no presente trabalho.

4) Breve relato a respeito da tutela jurisdicional

Tratando de Poder Judiciário e, mais especificamente, de sua forma de atuação, i.e, a
tutela jurisdicional, importante é pontuar o que vem a ser jurisdição, a fim de que os leitores do
presente estudo tenham uma visão global do assunto que ora se expõe.

Como afirma a Professora Ada Pellegrini Grinover7, a jurisdição "é uma das funções do
Estado, mediante a qual este se substitui aos titulares dos interesses em conflito para,
imparcialmente, buscar a pacificação do conflito que os envolve, com justiça. Essa pacificação é
feita mediante a atuação da vontade do direito objetivo que rege o caso apresentado em concreto
para ser solucionado; e o Estado desempenha essa função sempre mediante o processo, seja
expressando imperativamente o preceito (através de uma sentença de mérito), seja realizando no
mundo das coisas o que o preceito estabelece (através da execução forçada)".

Em suma, a jurisdição é o poder (e dever) do Estado "dizer o direito", isto é, de resolver
os conflitos de interesses através da análise do fato e da aplicação das normas jurídicas
pertinentes, pacificando as partes. O Estado realiza tal função através do Poder Judiciário,
que, em concreto, é representado por juízes individuais e Tribunais.

Agora, de que forma é desenvolvida essa jurisdição. Sem qualquer embargo,
necessário é uma apreciação, ainda que superficial, a respeito do que venha a ser "direito de
ação" e do que venha a ser "processo".

Dissemos, linhas atrás, que a função jurisdicional tem uma dupla face em relação ao
Estado, vez que não é somente um poder, mas um dever do Estado, não podendo esse deixar
de atuar quando é invocado a compor um conflito, existindo, pois, o "Direito de Ação" que é "o
direito ... de requerer a tutela jurisdicional do Estado, sempre que dela se precisar para a
solução (útil) de determinada lide8...".

O direito de ação pertence a todos os cidadãos, é o direito de bater às portas do Poder
Judiciário para ver resolvido um conflito de interesses.

E pelo próprio conceito de direito de ação podemos deduzir, por óbvio, o que vem a ser
ação. A ação "é o direito ao exercício da atividade jurisdicional (ou o poder de exigir esse
exercício. Mediante o exercício da ação provoca-se a jurisdição, que por sua vez se exerce
através daquele complexo de atos que é o processo"9.

Preciso é, nesse momento, analisar o que vem a ser o processo. Se cabe ao Estado a
função da tutela jurisdicional, de dizer o direito, de compor os conflitos de interesses com a
aplicação das normas jurídicas, de que forma essa função é realizada ? Através do processo,
que é o "instrumento por meio do qual os órgãos jurisdicionais10 atuam para pacificar as
pessoas conflitantes, eliminando os conflitos e fazendo cumprir o preceito jurídico11 pertinente
a cada caso que lhes é apresentado em busca de solução"12

7 Op. Cit. p. 114

8 Leia-se "conflito de interesse"

9 GRINOVER, Ada Pellegrini e outros. Teoria Geral do Processo. 9a. edição revista e atualizada, 2a. tiragem, Malheiros Editores, São
Paulo: 1993, p. 209

10 Juízes e Tribunais (observação nossa)

11 A norma jurídica, a regra jurídica (observação nossa)

12 GRINOVER, Ada Pellegrini e outros. Teoria Geral do Processo. 9a. edição revista e atualizada, 2a. tiragem, Malheiros Editores, São


Expliquemos de forma mais fácil13. A tutela jurisdicional (lê-se : poder/dever do Estado
de resolver os conflitos de interesse existentes entre os seus cidadãos) envolve, basicamente,
as seguintes atividades:

-
conhecimento das alegações das partes envolvidas no conflito (através da "acusação" e
da "defesa");
-
análise dos fatos relacionados ao conflito, através da observação das provas
produzidas, formando a convicção pela veracidade de uma das versões;
-
aplicação ao fato dado como verídico da norma jurídica cabível.
Portanto, temos que a tutela jurisdicional envolve uma série de atividades, que são
desenvolvidas na forma prevista em lei, através de atos como, por exemplo, oitiva de
testemunhas, determinação de juntada de documentos, citação para responder aos termos da
acusação, a determinação de juntada de documentos, as intimações, as sentenças, os
recursos, os Acórdãos14, etc. O conjunto de todos esses atos praticados chama-se processo.

O clímax do processo, o seu ponto culminante, é exatamente a decisão final do Juiz ou
do Tribunal (sentença ou acórdão), em que o Magistrado, analisando todos os atos praticados
e, principalmente, as provas produzidas no processo, fixa um convencimento a respeito dos
fatos alegados pelas partes (aponta qual a versão que o convenceu através das provas
produzidas) e aplica a norma jurídica cabível, solucionando o caso.

4.1) Fases do processo

O processo, como já apresentado, é um conjunto de atos que reflete as atividades
necessárias para o exercício da função jurisdicional. E, para fins de melhor compreensão,
podemos dividir o processo em fases, que são a fase postulatória, a fase instrutória, a fase
decisória e a fase recursal.

Analisemos cada uma dessas fases:

-fase postulatória: envolve a acusação e a defesa15. Através da análise dos atos
referentes à fase postulatória o Julgador tem conhecimento das versões das partes
litigantes em relação aos fatos.
-fase probatória: é a fase em que ocorre a produção de provas, ou seja, juntada de
documentos, oitiva das partes e de testemunhas, realização de perícias judiciais,
realização de inspeções judiciais, entre outras modalidades de provas.
-fase decisória: é a fase em que é prolatada a decisão judicial é exatamente a decisão
final do Juiz ou do Tribunal (sentença ou acórdão), em que o Magistrado, analisando todos
os atos praticados e, principalmente, as provas produzidas no processo, fixa um convencimento
a respeito dos fatos alegados pelas partes (aponta qual a versão que o convenceu
através das provas produzidas) e aplica a norma jurídica cabível, solucionando o caso.
-fase recursal: fase que se são interpostos os recursos cabíveis contra uma decisão
Paulo: 1993, p.27

13 A explicação mais detalhada, com linguagem menos técnica se faz necessária em razão de muitos leitores do presente estudo não
terem o domínio de termos jurídicos.

14 Que são decisões proferidas pelos Tribunais, enquanto que "sentenças" são proferidas por juízes individuais.

15 Utilizamos o vocábulo "acusação" para uma melhor compreensão daqueles leitores que não possuem conhecimento da técnica
jurídica. Sendo que, tecnicamente, a "acusação" poderia ser a "petição inicial" do processo civil lato sensu ou a "denúncia" ou "queixacrime"
do processo penal. O mesmo ocorrendo em relação ao vocábulo "defesa", que pode ser entendida, tecnicamente, como
"contestação" do processo civil ou a "defesa prévia" do processo penal.


que não contentou uma ou ambas as partes. Através do recurso o caso é analisado por
uma instância judicial superior, por um Tribunal hierarquicamente superior àquele Juiz
ou Tribunal que proferiu a sentença que está sendo recorrida.

4.2) A fase probatória. A definição de prova. Elementos de prova

Por ser a fase probatória tida por nós como a mais importante para a análise da
influência do mundo espiritual nas decisões judiciais, vamos nos deter com maior detalhe à
mesma.

Como já foi dito, a função jurisdicional exercida pelo Juiz ou Tribunal envolve várias
atividades que abarcam desde o conhecimento das versões das partes sobre um determinado
fato, como a análise das provas produzidas para que, formando convicção sobre uma
determinada versão dos fatos, profira o Magistrado ou o Tribunal a sua decisão.

Mas é preciso atentar-se para o fenômeno de que um fato ocorre somente uma vez e
nesse ponto vale lembrar Heráclito que comparava as coisas com a corrente de um rio, vez
que não se pode entrar duas vezes numa mesma corrente pelo motivo de que o rio corre e se
toca outra água.

Assim como não se pode entrar duas vezes numa mesma corrente, também não há
como se cogitar da ocorrência de um mesmo fato mais de uma vez. Um fato "x" é único, outros
fatos "y" ou "k", por mais parecidos que sejam com o fato "x" e por mais que o tentem
representar jamais serão o fato "x".

Portanto, determinado fato uma vez ocorrido somente poderá ser "lembrado" por
vestígios que tenha deixado ou na mente das pessoas (testemunhas dos fatos) que o
presenciaram ou através de marcas deixadas em objetos (como os documentos, marcas
deixadas em um carro batido, ferimentos deixados no corpo de uma pessoa agredida, etc).

E é exatamente através desses vestígios que "lembram" o fato que tomamos partido a
respeito da veracidade ou não da versão de um fato dado por determinada pessoa. Por
exemplo, se o meu vizinho me conta que apanhou de sua esposa e me mostra os seus
ferimentos e me apresenta pessoas que viram a agressão que a confirmam na minha frente, é
muito provável que acredite na sua versão sobre o fato, dando-a como verdadeira para todos
os efeitos.

O mesmo ocorre nos processos judiciais, sendo que esses vestígios que lembram o fato
são chamados de provas. Prova é "todo elemento que pode levar o conhecimento de um fato a
alguém"16, é a "convicção formada no espírito do julgador em torno do fato demonstrado"17 e
provar pode ser definido como " demonstrar de algum modo a certeza de um fato ou a
veracidade da alegação"18.

É através das provas, ou melhor dizendo, da impressão que a prova der ao consciente
do Juiz que ocorrerá a convicção ou não do mesmo em relação à veracidade de um fato ou de
uma afirmação. A prova irá fazer como que o juiz reviva a história contada, reproduzindo na
mente do magistrado o próprio fato ocorrido.

As provas, vistas como convicção formada no espírito do julgador em relação a

16 GRECO FILHO, Vicente. Direito Processual Civil Brasileiro. 2o. Volume. Editora Saraiva. 13a. edição revista. São Paulo: 1999, p. 179

17 THEDORO JÚNIOR, Humberto. Curso de Direito Processual Civil. Volume I. Editora Forense. 24a.edição revista e atualizada. Rio de
Janeiro: 1998. p. 4

18 COUTURE. Fundamentos Del Derecho Procesal Civil, ed. 1874, no. 135, p. 215. "Probar es establecer la existencia de la verdade; y
las pruebas son los diversos médios por los cuales la inteligencia llega al descubrimiento de la verdad" (Martinez Silva, Tratado de
Pruebas Judiciales, Buenos Aires, 1947, p. 21, apud Revista de Direito Administrativo, 111/38)


9

determinado fato, são feitas através de instrumentos reconhecidos pelo direito como idôneos,
que são denominados de "meios de prova".

Como ensina o Mestre Vicente Greco Filho, "meios de prova são os instrumentos
pessoais ou materiais trazidos ao processo para revelar ao juiz a verdade de um fato", sendo
pessoais aqueles oriundos do depoimento de uma pessoa, como o depoimento de uma
testemunha, e material aquele originado a partir de um objeto qualquer, como, por exemplo, de
um papel escrito.

São considerados como os principais meios de prova os depoimentos pessoais das
partes, os depoimentos testemunhais, os documentos, as perícias judiciais e as inspeções
judiciais.

Apreciemos, ainda que de forma panorâmica, cada um dos citados meios de prova:

4.2.1) Depoimentos pessoais das partes

Através desse meio de prova, as partes, tanto o Autor quanto o Réu, são questionados
pelo Juiz a respeito dos fatos que envolvem a discussão judicial. Tal modalidade consiste na
"manifestação oral da própria parte em audiência".19

4.2.2) Depoimentos das testemunhas

Primeiramente, apresentemos a definição de testemunha como sendo "uma pessoa
distinta dos sujeitos processuais20 que, convidada na forma da lei, por ter conhecimento do fato
ou ato controvertido entre as partes, depõe sobre este em juízo, para atestar sua existência".21

As testemunhas são pessoas estranhas ao processo, mas que tem conhecimento a
respeito dos fatos, isto é, contêm em suas mentes vestígios do fato ocorrido, e que é discutido
no processo, e que vêm, frente ao Juiz, narrar o que é de seu conhecimento.

E, assim, a prova testemunhal "é a que se obtém através do relato prestado, em juízo,
por pessoas que conhecem o fato litigioso".22

4.2.3) Documentos

Documento é "todo objeto do qual se extraem fatos em virtude da existência de
símbolos, ou sinais gráficos, mecânicos, eletromagnéticos etc. É documento, portanto, uma
pedra sobre a qual estejam impressos caracteres, símbolos ou letras; é documento a fita
magnética de reprodução por meio do aparelho próprio, o filme fotográfico etc. "23

Chivenda, importante processualista italiano, já definia documento como "toda representação
material destinada e idônea a reproduzir uma dada manifestação do pensamento".24
E Carnelutti afirmava que documento "é uma coisa capaz de representar um fato".

Portanto, a definição de documento é bastante ampla, e será de essencial valia para a
iminente análise da psicografia como meio de prova em processos judiciais.

4.2.4) As perícias judiciais

19 GRECO FILHO, Vicente. Direito Processual Civil Brasileiro. 2o. Volume. Editora Saraiva. 13a. edição revista. São Paulo : 1999, p. 200

20 Isto é, a testemunha não é o Autor, nem o Réu, nem o Juiz, nem o Advogado ou o Promotor21 AMARAL SANTOS, Moacyr. Primeiras linhas de direito processual civil. V.3. São Paulo: 1977, p. 39522 THEDORO JÚNIOR, Humberto. Curso de Direito Processual Civil. Volume I. Editora Forense. 24a.edição revista e atualizada. Rio de
Janeiro : 1998. p. 46523 GRECO FILHO, Vicente. Direito Processual Civil Brasileiro. 2o. Volume. Editora Saraiva. 13a. edição revista. São Paulo: 1999, p. 20824 CHIOVENDA, Giuseppe. Instituições de direito processual civil. V. 2, p. 456. Trad. J. Guimarães Menegale, anot. por Enrico Tullio
Liebman. São Paulo, Saraiva, 1965, p. 456


10

O Juiz é conhecedor do direito, não sendo, por óbvio, conhecedor de todas as ciências,
motivo pelo qual muitas vezes necessita, num processo judicial, de parecer de Expert, de pessoa
entendida sobre determinado ramo do conhecimento. Essa pessoa é denominada de Perito.

Vejamos a explicação de Vicente Greco Filho a respeito de prova pericial25:
"A prova pericial pode consistir em exame, vistoria e avaliação. Moacyr Amaral
Santos26, o mestre que mais profunda e vastamente analisou o tema "provas" no
Brasil, define exame como a inspeção, por meio de perito, sobre pessoas, coisas,
móveis e semoventes, para a verificação de fatos ou circunstâncias que
interessam à causa. Vistoria é a inspeção sobre imóveis. Avaliação, a
estimação do valor em moeda, de coisas, direitos ou obrigações, quando feita em
inventário, partilhas ou processos administrativos e nas execuções para a
estimação da coisa a partilhar ou penhorada. Chama-se arbitramento a apuração
do valor em dinheiro do objeto do litígio, de direitos ou da obrigação demandada."

E destacamos 2 (duas) espécies de perícias, que se enquadram na espécie de exame,
que são: a perícia grafotécnica e a perícia de fonética forense.

-perícia grafotécnica: método de perícia criminalística que tem por fim verificar a
falsidade de documentos manuscritos, pelo exame comparativo de letras, bem como
impressões digitais.
-perícia de fonética jurídica: espécie de perícia tendente à "determinação da
semelhança fonética e acústica entre enunciados produzidos por um mesmo falante em
situações diferente", bem como a "determinação da similitude fonética e acústica entre
enunciados produzidos por um falante conhecido e enunciados produzidos por falantes
diferentes entre os quais se pode encontrar o conhecido"27
Essas duas espécies de perícias são destacadas, pois têm potencial de utilização na
análise da idoneidade de provas produzidas por manifestações espirituais.

4.2.5) Inspeções Judiciais

A inspeção judicial trata-se de meio de prova produzida pelo próprio Juiz que, de ofício
ou a requerimento da parte, pode, em qualquer fase do processo, inspecionar pessoas ou
coisas, a fim de se esclarecer sobre fato de interesse à decisão da causa28, é "o meio de prova
que consiste na percepção sensorial direta do juiz sobre qualidades ou circunstâncias
corpóreas de pessoas ou coisas relacionadas com o litígio".29

Em suma, através da inspeção judicial o Juiz tem condições de entrar em contato direto
com pessoas ou coisas relacionadas com o litígio, deslocando-se até o respectivo local onde se
encontram tais pessoas ou coisas, podendo, desse contato, tirar as suas conclusões.

4.3) A idoneidade como requisito de validade da prova

A Constituição Federal de 1988, no inciso LV de seu artigo 7o. garante "aos litigantes, em
processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral são assegurados o contraditório e a
ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes" (sublinhado nosso).

E essa amplitude de defesa com os meios a ela inerentes faz, salvo melhor juízo, com

25 Op. Cit. P. 22326 Comentários ao Código de Processo Civil. V.4. Editora Forense, 1977, p. 336-7

27 Extraído do site http://liceu.uab.es/~joaquim/teaching/phonetics/fon_anal_acus/aplic_anal_acus... Com tradução pelos Autores deste estudo

28 GRECO FILHO, Vicente. Direito Processual Civil Brasileiro. 2o. Volume. Editora Saraiva. 13a. edição revista. São Paulo: 1999, p. 227

29 THEDORO JÚNIOR, Humberto. Curso de Direito Processual Civil. Volume I. Editora Forense. 24a.edição revista e atualizada. Rio de
Janeiro: 1998. p. 465


que sejam aceitos todos os meios de defesa, desde que não colidam com valores
constitucionais também elevados, como a intimidade, o direito de imagem, a liberdade etc,
bem como princípios processuais como o da lealdade processual.

Mas, como já vimos, o objetivo da prova é exatamente criar no Julgador a convicção a
respeito da veracidade de determinada versão de fato e, para que seja criado tal sentimento no
Magistrado necessário é que o meio de prova seja idôneo.

O vocábulo "idoneidade" significa aptidão, capacidade, competência 30 e, transferido
para o campo probatório faz com que reflitamos: que aptidão, que capacidade deve possuir o
meio de prova para que possa ser aceito no sistema jurídico-processual?

A aptidão que a prova deve ter é exatamente a de convencer o Magistrado a respeito do
fato que representa e tal aptidão é demonstrada através de critérios objetivos e subjetivos.

Quanto ao critério objetivo destacamos a demonstração de veracidade de seu
conteúdo, afastando o meio de prova de qualquer possibilidade de falsificação.

Quanto ao critério subjetivo entendemos relevante a demonstração da honestidade e da
sinceridade de sua constituição formal.

5)
O papel da comunicação dos Espíritos e os princípios da doutrina
espírita

As comunicações dos Espíritos com os homens são ocultas ou ostensivas. As ocultas
ocorrem pela influência, boa ou má, que eles exercem sobre nós com o nosso
desconhecimento; cabe ao nosso julgamento discernir as boas e más inspirações. As
comunicações ostensivas ocorrem por meio da escrita, da palavra, ou outras manifestações
materiais, e mais freqüentemente por intermédio dos médiuns que lhes servem de
instrumento31.

Os Espíritos se manifestam espontaneamente ou por evocação. Podem-se evocar todos
os Espíritos: aqueles que animaram homens obscuros, como aqueles de personagens mais
ilustres, qualquer que seja a época na qual tenham vivido; os de nossos parentes, de nossos
amigos ou de nossos inimigos, e com isso obter, por comunicações escritas ou verbais,
conselhos, informações sobre a sua situação no além-túmulo, sobre seus pensamentos a nosso
respeito, assim como as revelações que lhes são permitidas nos fazer32. (grifo nosso).

5.1.
A justiça e o princípio da evolução
Quando Allan Kardec pergunta, na questão 167, qual é o objetivo da reencarnação, a
resposta do Espírito é: "Expiação, aprimoramento progressivo da Humanidade, sem o que,
onde estaria a justiça?". (grifo nosso).

A lei humana alcança certas faltas e as pune. O condenado pode então dizer que sofreu
a conseqüência do que praticou. Mas a lei não alcança nem pode alcançar a todas as faltas.
Ela castiga especialmente as que causam prejuízos à sociedade, e não as que prejudicam
apenas os que as cometem. Mas Deus vê o progresso de todas as criaturas. Eis por que não
deixa impune nenhum desvio do caminho reto. Não há uma só falta, por mais leve que seja,
uma única infração à sua lei, que não tenha conseqüências forçosas e inevitáveis, mais ou

30 Significados extraídos do "Dicionário Aurélio da Língua Portuguesa", de Aurélio Buarque de Holanda Ferreira, versão digitalizada.
31 Kardec, Allan. O Livro dos Espíritos. Ed. IDE, 93a. edição, Introdução, pg. 21.
32 Idem.



12

menos desagradáveis. Donde se segue que, nas pequenas como nas grandes coisas, o
homem é sempre punido naquilo em que pecou. Os sofrimentos conseqüentes são então uma
advertência de que ele andou mal. Dão-lhe a experiência e o fazem sentir, a diferença entre o
bem e o mal, bem como a necessidade de se melhorar, para evitar no futuro o que já foi para
ele uma causa de mágoas. Sem isso, ele não teria nenhum motivo para se emendar, e
confiante na impunidade, retardaria o seu adiantamento, e portanto a sua felicidade futura.33

5.2. Manifestações espirituais e a produção de provas em processos
judiciais
Tendo em vista que as manifestações espirituais, destacando-se a psicografia e a
psicofonia, têm a capacidade de produzir instrumentos que possam representar um fato,
instrumentos que, como já dissemos em tópicos anteriores, revelam "vestígios" da ocorrência
de fatos, inclusive de fatos relevantes para a solução de pendências judiciais, entendemos que
é viável o aproveitamento do produto de manifestações espirituais como meio de prova judicial.

Esse nosso entendimento tem o respaldo, inclusive da própria Constituição processual,
que, repetimos, no inciso LV de seu artigo 5o. garante "aos litigantes, em processo judicial ou
administrativo, e aos acusados em geral são assegurados o contraditório e a ampla defesa,
com os meios e recursos a ela inerentes" (grifo nosso), sendo que essa amplitude de defesa
com os meios a ela inerentes faz, salvo melhor juízo, com que sejam aceitos todos os meios
de defesa, desde que não colidam com valores constitucionais também elevados, como a
intimidade, o direito de imagem, a liberdade, etc, bem como princípios processuais como o da
lealdade processual.

É certo, entretanto, que tal capacidade de produção probatória do produto das manifestações
espirituais mediúnicas deve estar acompanhada da demonstração de idoneidade.

A seguir estaremos nos preocupando não só com a demonstração de que o produto
das manifestações mediúnicas tem o potencial de servir como instrumento probatório, com o
também existe a possibilidade de demonstração da sua idoneidade.

5.2.1) A pneumatografia e a psicografia como provas documentais

Como consta do Livro dos Médiuns, "a pneumatografia é a escrita produzida
diretamente pelo espírito, sem intermediário algum; difere da psicografia, por ser esta a
transmissão do pensamento do espírito, mediante a escrita feita com a mão do médium".34

Sendo que a psicografia se classifica em indireta e direta e pode ser produzida por
médiuns mecânicos (ou passivos), intuitivos, semimecânicos, inspirados, involuntários ou de
pressentimento.

Em relação ao produto do ato de psicografar, temos a existência de sinais inteligíveis
grafados (normalmente sob a forma de letras, construindo palavras) em um papel qualquer.

Ora, o produto da psicografia enquadra-se perfeitamente no conceito de documento,
qual seja "...objeto do qual se extraem fatos em virtude da existência de símbolos, ou sinais
gráficos ...".35

Podemos afirmar, pois, que o produto da pneumatografia e da psicografia é um
documento, um meio de prova judicial.

33 Kardec, Allan. O Evangelho Segundo o Espiritismo. Nova Sampa Diretriz Edit., cap. V, pg. 77

34 Kardec, Allan. O Livro dos Médiuns, capítulo XII, item 146.
35 GRECO FILHO, Vicente. Direito Processual Civil Brasileiro. 2o. Volume. Editora Saraiva. 13a. edição revista. São Paulo: 1999, p. 208



5.2.2) A pneumatofonia e a psicofonia como provas documentais

Como consta do livro dos médiuns, a pneumatofonia é a manifestação em que "dado que
podem produzir ruídos e pancadas, os espíritos podem igualmente fazer se ouçam gritos de toda
espécie e sons que imitam a voz humana", sem intermediação direta do médium.

Já a psicofonia é a transmissão de mensagens através de sons por intermédio de um
médium. Tal transmissão pode ser feita por um médium audiente, que somente reproduz aquilo
que capta através da pneumatofonia ou por um médium falante, que, inconscientemente, fornece

o seu corpo como instrumento para uma manifestação sonora do espírito.
Tanto a pneumatofonia (mais especificamente a externa) quanto a psicofonia podem
ser gravadas através de aparelhos sonoros e reproduzidas a qualquer tempo.

Em relação ao produto tanto da pneumatofonia, quanto da psicofonia, temos a emissão
de sons, que podem ser gravados, armazenados em fitas cassete ou áudio-visual.

Ora, o produto da pneumatofonia e da psicofonia, isto é, as fitas cassete ou áudio-visual
capazes de reproduzirem os sons oriundos da manifestação, enquadra-se perfeitamente no
conceito de documento, qual seja "... objeto do qual se extraem fatos em virtude da existência
de símbolos, ou sinais gráficos, mecânicos, eletromagnéticos, etc...".36

Podemos afirmar, pois, que o produto da pneumatofonia e da psicofonia é capaz de
produzir um documento, um meio de prova judicial.

5.2.3) O controle da idoneidade

O controle da idoneidade do produto da manifestação mediúnica, tanto no que se refere à
psicografia, quanto no que se refere a psicofonia, no nosso ponto de vista deve estar centrado no
caráter científico, através de experiências que se utilizem das técnicas modernas colocadas à
disposição pela ciência, afastando-se qualquer caráter dogmático e religioso.

E, para tal controle de idoneidade, propomos:

a) A utilização de duas espécies de perícias criminalísticas, que são: a perícia
grafotécnica e a perícia de fonética forense, a primeira ligada à psicografia e à
pneumatografia e a segunda ligada à pneumatofonia e à psicofonia (análise do requisito
objetivo da idoneidade).

Através da perícia grafotécnica é possível a demonstração da veracidade do documento
manuscrito oriundo da psicografia ou da pneumatografia, pelo exame comparativo de letras,
i.e., um perito especializado e imparcial iria proceder à comparação técnica da letra constante
do documento psicografado com a letra do desencarnado enquanto encarnado (quando
possível), demonstrando a compatibilidade entre as mesmas.

É importante destacarmos que, na psicografia, a possibilidade de compatibilidade entre
as letras está centrada na psicografia por médium mecânico (ou passiva), sendo que
dificilmente ocorrerá tal compatibilidade na modalidade de médium semi-mecânico.

Através da perícia de fonética forense é possivel a demonstração da compatibilidade
fonética e acústica entre enunciados produzidos em manifestação psicofônica ou
pneumatofônicas e os produzidos pelo espírito manifestante enquanto encarnado.

Relevante destacar que a compatibilidade fonética poderá ocorrer nas psicofonias
através de médiuns falantes.

36 GRECO FILHO, Vicente. Direito Processual Civil Brasileiro. 2o. Volume. Editora Saraiva. 13a. edição revista. São Paulo: 1999, p. 208.


b) A análise do conteúdo da manifestação em comparação com a experiência de vida

Entendemos imprescindível, também a comparação do conteúdo do documento
psicografado ou gravação de psicofonia com a experiência de vida do desencarnado enquanto
encarnado, mesmo porque é comum a existência de tais traços nas produções psicográficas
ou psicofônicas.

c) A análise comparativa do estilo de manifestação

Deve-se, também, comparar-se o estilo de manifestação (a forma de utilização de
palavras, a formação sintática utilizada, a fluência da escrita) entre o documento psicografado ou
gravação de psicofonia e escritos do espírito manifestante enquanto em vida.

d) Apresentação de testemunhas que tenham acompanhado a manifestação e a
conseqüente produção do material (escrito ou falado)

Através de testemunhas da existência da manifestação mediúnica, demonstraríamos a
boa-fé, a honestidade e a sinceridade do produto apresentado em juízo.

5.2.4) Da valoração da prova

Tendo-se por ultrapassada com prosperidade a fase da análise da idoneidade, dar-se-ia
por aceito o meio de prova, que seria valorado pelo Juiz juntamente com as demais provas
produzidas no processo, como acontece com qualquer outro meio de prova.

6) É papel da mediunidade produzir provas para o alcance da justiça?

A finalidade providencial das manifestações espíritas é convencer os incrédulos de que
nem tudo termina para o homem com a vida terrestre, e dar aos crentes idéias mais exatas sobre

o futuro. Os bons Espíritos vem nos instruir visando ao nosso aperfeiçoamento e nosso
progresso, e não para nos revelar o que não devemos ainda saber, ou que só deveremos
aprender com nosso trabalho. Se bastasse interrogar os Espíritos para obter a solução de todas
as dificuldades cientificas, ou para fazer descobertas e invenções lucrativas, qualquer ignorante
poderia fazer-se de sábio a custa deles e qualquer preguiçoso poderia enriquecer-se sem
esforço. É o que Deus não deseja. Os Espíritos ajudam o homem de gênio pela inspiração
oculta, mas não o isentam nem do trabalho, nem das pesquisas, a fim de lhe deixar o mérito.37
Conseqüentemente, cabe ao homem trabalhar, estudar, pesquisar para encontrar os
meios que lhe possibilitarão produzir provas que substanciarão os processos judiciais, de
forma a se alcançar a justiça.

7) A influência espiritual na atuação do Advogado, do Promotor e do
Juiz

No capítulo IX, do Livro II de O Livro dos Espíritos que trata da Intervenção dos
Espíritos no Mundo Corporal, quando Kardec questiona se os Espíritos influem sobre os
nossos pensamentos e as nossas ações38, estes respondem que "A esse respeito sua
influência é maior do que credes porque, freqüentemente, são eles que vos dirigem".

Em seguida Kardec interroga se temos pensamentos próprios e outros que nos são
sugeridos, respondem que "Vossa alma é um Espírito que pensa; não ignorais que muitos
pensamentos vos ocorrem, a um só tempo, sobre o mesmo assunto e frequentemente

37 Kardec, Allan. O Que é o Espiritismo? (Iniciação Espírita) EDICEL, 1984, pg. 132


bastante contraditórios. Pois bem: nesse conjunto há sempre os vossos e nossos, e é isso o
que vos deixa na incerteza, porque tendes em vos duas idéias que se combatem".

Desta forma como qualquer Espírito encarnado os operadores do direito, seja
advogado, promotor ou juiz, estão suscetíveis a influência dos Espíritos bons ou maus, e
cederão a uma ou outra conforme sua própria consciência.

8) Conclusão

De todo o exposto, concluímos que ainda não temos os meios próprios para dizer
quando deve ou não ocorrer uma manifestação que propicie as provas necessárias para a
elucidação de um caso, mas é certo que devemos manter abertos todas as possibilidades,
para que ocorrendo a oportunidade, possamos identificá-la e dispor dos instrumentos
necessários para a produção de provas, como meio de se fazer Justiça.

9) Bibliografia

ABBAGNANO, Nicola. Dicionário de Filosofia. Ed. Martins Fontes, S. Paulo, 2000.
AMARAL SANTOS, Moacyr. Primeiras Linhas de Direito Processual Civil. V.3, São Paulo, 1977.
AMORIM, Deolindo. Espiritismo e Criminologia. 3a. ed., Rio de Janeiro, C.E. Leon Denis, 1991, 221 p.
ARISTOTELES. Ética a Nicomano. Vol. 1.
AURELIO, Buarque de Holanda Ferreira. Novo Dicionário da Língua Portuguesa.
CHIOVENDA, Giuseppe. Instituições de Direito Processual Civil. V.2, São Paulo, Saraiva, 1965,


Tradução J. Guimarães Menegale.
COUTURE. Fundamentos Del Derecho Procesal Civil. Ed. 1874, nº 135.
GRINOVER, Ada Pellegrini e outros. Teoria Geral do Processo. 9a. ed., Malheiros Editores, São


Paulo, 1993.

GRECO FILHO, Vicente. Direito Processual Civil Brasileiro. 2o. vol., 13a. ed., Edit. Saraiva, São
Paulo, 1999.
GUSMAO, Paulo Dourado de. Introdução ao Estudo do Direito. 10a. ed., Forense.
IMBASSAHY, Carlos. A Mediunidade e a Lei. 2a. ed., R. Janeiro, FEB, 1962, 260 p.
KARDEC, Allan. O Céu e o Inferno ou a Justiça Divina Segundo o Espiritismo. 30a ed., Rio de


Janeiro, FEB, tradução de Manuel Justiniano Quintão, 425 p.

KARDEC, Allan. O Evangelho Segundo o Espiritismo. São Paulo, Nova Sampa Diretriz Edit.,
tradução de J. Herculano Pires, 351 p.
KARDEC, Allan. Iniciação Espírita. 9a. ed., São Paulo, EDICEL, 323 p.
KARDEC, Allan. O Livro dos Espíritos. 93a. edição, São Paulo, IDE, tradução de Salvador Gentile,


1995, 419 p.

KARDEC, Allan. O Livro dos Médiuns. 47a. ed., Rio de Janeiro, FEB, tradução de Guillon Ribeiro,
1982, 480 p.
KARDEC, Allan. Revista Espírita. EDICEL, 1991, tradução de Julio Abreu Filho.
MOTA JUNIOR, Eliseu F. Pena de Morte e Crimes Hediondos à Luz do Espiritismo. 1a. edição,


Matão/SP, Casa Editora O Clarim, 1994, 166 p.

THEDORO JUNIOR, Humberto. Curso de Direito Processual Civil. Vol. I, 24a. ed., Ed. Forense, Rio
de Janeiro, 1998.
TIMPONI, Miguel. A Psicografia ante os Tribunais. 5a. edição, Rio de Janeiro, FEB, 408 p.


38 Kardec, Allan. O Livro dos Espíritos, 93a. ed., Inst. Difusão Espírita, perg. 459.


"Chance is nothing real in itself": As bases científicas da tese humeana
de que não há acaso no mundo

Silvio Seno Chibeni

Departamento de Filosofia, Unicamp, Brasil
www.unicamp.br/~chibeni -chibeni@unicamp.br

Resumo:

Tanto no Tratado da Natureza Humana como na Investigação sobre o
Entendimento Humano, Hume mostra-se convencido de que "não há acaso no
mundo", e que "aquilo que o vulgo chama de acaso não passa de uma causa
secreta e escondida". Essa tese desempenha papel crucial em sua análise do
livre-arbítrio e, conseguintemente, da responsabilidade moral; é também um
elemento importante em sua discussão sobre os milagres. No entanto, o próprio
Hume ofereceu, no Tratado, um argumento convincente para mostrar que o
princípio de causalidade, segundo o qual tudo o que começa a existir tem uma
causa, não pode ser conhecido a priori, por intuição ou demonstração. Logo,
essa "opinião tem necessariamente de provir da observação e experiência". O
presente trabalho examina essa tese, mostrando, inicialmente, qual era a
proposta de Hume para fundar na experiência o princípio de causalidade, e
depois qual, de fato, teria sido o mais robusto fundamento para esse princípio:
a mecânica newtoniana. Explica-se, por fim, como esse fundamento empírico
indireto e o próprio argumento de Hume foram solapados pela física quântica,
no século XX.


REINALDO DI LUCIA


Assinado, Eu.

Trabalho apresentado no
IX simpósio Brasileiro do Pensamento Espírita

Santos
2005


SUMÁRIO


ÍNDICE

1.
Introdução: o processo de comunicação ................................................. 3
2.
O mensageiro: o argumento de autoridade e a identificação dos espíritos
4
3. A mensagem: a questão da contextualização – hermenêutica e análise
do discurso ..................................................................................................... 8
4. A mensagem mediúnica: a influência do médium e a possibilidade de
mensagens de grupo .................................................................................... 11
5.
Conclusão: e a atualização do Espiritismo? .......................................... 13

Assinado, Eu.


Reinaldo Di Lucia

1. Introdução: o processo de comunicação
Uma dada mensagem vale por si só ou sua relevância esta atrelada à
sua assinatura?

Aceitar uma comunicação pelo fato de que uma personalidade a disse
não é nenhuma novidade. Durante todo o período da filosofia cristã, em
particular na Escolástica, esta prática, chamada "argumento de autoridade",
era mais do que comum: era a norma. A frase "Aristóteles disse" encerrava
qualquer discussão.

No movimento espírita, em especial o brasileiro, este costume é
bastante empregado. Basta uma comunicação ser mediúnica, de
preferência com uma assinatura famosa, para que seu conteúdo seja
considerado uma verdade quase que absoluta – isto é, se estiver de acordo
com os princípios do pensamento dominante.

Em contraposição, Kardec dá pouca importância à questão da
identidade dos espíritos que com ele se manifestam. Como ele afirma,
fundamental é o conteúdo daquilo que é dito (O Livro dos Médiuns, cap.
XXIV):

Em muitos casos, a identidade absoluta não passa de questão
secundária e sem importância real.1

A discussão não pode, entretanto, ser assim reduzida. Há casos em
que a mensagem só é dada em função de seu portador – bastante comuns
na imprensa, na qual a veracidade da fonte é condição imprescindível. Há
outros em que, somente pelo conteúdo, é impossível determinar-se o autor

– fato muito utilizado pelos defensores de um modo mais místico de se ver
a ciência. E há, ainda, uma questão primordial, principalmente para as
comunicações mediúnicas: que métodos podem ser utilizados para analisar
o conteúdo de uma mensagem, de modo a superar as dificuldades que o
problema da identificação, ou sua falta, traz?
O processo de comunicação envolve vários elementos. Primeiramente,
há o emissor, aquele que elabora a mensagem. Depois, há o receptor, para

o qual a mensagem é dirigida. Há também o conteúdo da mensagem em si,
e o meio pelo qual ela é transmitida. Todos esses elementos devem ser
levados em consideração ao se analisar uma mensagem.
No caso da comunicação espírita, há, ainda, considerações extras: a
influência do médium, em se tratando de mensagens mediúnicas. A
possibilidade de uma comunicação ser assinada por um dado espírito, mas
na realidade ser de autoria coletiva, de um grupo de espíritos que se serve
de um nome para divulgá-la. Tais exemplos são comuns, e merecem um
estudo mais detalhado.

1 KARDEC, A. "O Livro dos Médiuns", cap. XXIV.


De qualquer forma, não há como fugirmos de alguns métodos de análise
e interpretação de texto pouco conhecidos nos meios espíritas: a
hermenêutica e a análise de discurso. Este trabalho mostra, sucintamente,
um pouco destes métodos, e a validade de sua aplicação no meio espírita.

O objetivo deste trabalho não é, de forma alguma, esgotar a questão. Ao
contrário, ele busca levantar o problema, passando por pontos importantes
para a análise de textos espíritas. Conclui mostrando que o processo de
atualização do Espiritismo não pode prescindir destes métodos, e que o
Espiritismo teria muito a ganhar na discussão destes problemas.

2. O
mensageiro: o argumento de autoridade e a
identificação dos espíritos
O que pode garantir a veracidade de algo expresso? Esta questão afeta

o homem desde que os argumentos racionais passaram a ter supremacia
sobre as revelações religiosas ou sobre as asserções míticas.
Ao expressar uma idéia, o homem, mais do que simplesmente comunica
esta idéia. Ele passa todo um conjunto de intenções. Por exemplo, alguém
pode quere dar uma ordem a um empregado seu, sem entretanto desejar
explicar o porquê; ou então, alguém pode tentar convencer seu interlocutor
de algo, tendo como objetivo atingir um determinado fim, não explícito – e,
neste caso, a veracidade não é o mais importante (é o que podem fazer, por
exemplo, advogados de defesa de criminosos em um tribunal).

No primeiro caso, a validade da ordem está fora do conteúdo do que se
diz. Ela está apenas na hierarquia dos interlocutores. No segundo, importa
muito menos a veracidade do discurso do que o poder de convencer o
interlocutor da correção da idéia. Já se o que se busca é uma verdade, ou
seja, a declaração mais próxima possível de uma realidade dada, então se
faz necessária a definição de um critério de validação desse enunciado.

Desde que se estabeleceu a forma racional de estudar o mundo, com o
advento da filosofia, na Grécia do século VI a.e.C., uma das formas mais
comuns de validação tem sido o argumento de autoridade. Este conceito
pode ser definido como a assunção de que, se uma dada pessoa –
reconhecida como especialista ou autoridade – está fazendo uma
afirmativa, ela deve ser verdadeira, e passa pelo reconhecimento da sua
competência no campo da afirmação.

Argumento de autoridade é aquele em que se utiliza da lição de
pessoa conhecida e reconhecida em determinada área do saber para
corroborar a tese do argumentante. O argumento de autoridade é
também chamado de argumentum magister dixit ou ad
verecundiam.2

Tal argumento de autoridade teve seu início na Antigüidade clássica,

mas seu auge foi na época de domínio da filosofia cristã, notadamente a o

período conhecido como Escolástica (séc. XII d.e.C.). Por esta época,

2 RODRÍGUEZ, V.G. "O argumento de autoridade e o valor do pronunciamento do experto".

Publicado na Internet, 22/03/2002.


qualquer debate terminava com o uso da fórmula "Aristóteles disse". Não se
permitia qualquer discussão, muito menos qualquer tipo de contestação às
afirmativas do grande filosófo grego.

O uso do argumento de autoridade sempre foi, e continua sendo,
bastante disseminado no mundo todo. De certa forma, era de se esperar
que assim fosse no âmbito das religiões, que partem do princípio da
verdade revelada. Mas seu uso se estende ao campo filosófico e até
mesmo – por mais estranho e incoerente que isso possa ser – ao científico.

Uma razão para isso é a tendência natural do homem em abdicar da sua
própria capacidade de pensar para aceitar como verdadeiros os
pensamentos de outros, investidos de alguma autoridade. Esta pode ser
dada pelo nascimento (nobreza, realeza), por destinação divina
(sacerdotes) e pela aquisição cultural, entre muitas outras.

Sem entrar no mérito da questão da verdade (já discutido em trabalho
anterior 3), o uso do argumento de autoridade falha por problemas de ordem
metodológica. Admitir que o discurso de alguém fosse verdadeiro somente
porque esse alguém o disse é convencer-se que há pessoas que não
podem errar, somente porque são especialistas num determinado assunto.
Ainda que tais homens nunca tenham errado antes (o que é muito difícil de
ter ocorrido) nada pode garantir que não incorrerão em erro em algum
instante da vida.

É exatamente a crítica que se faz ao processo indutivo do
conhecimento. Este se baseia na obtenção de uma lei válida a partir da
observação de um número significativamente grande de eventos. Ora, mas,
por mais eventos que se observem, todos com o mesmo resultado, nada
pode garantir com cem por cento de certeza que o próximo evento
apresente-se totalmente diferente. A indução não é um método lógico de se
obter conhecimento, da mesma forma que o argumento de autoridade não é
um método lógico de garantir a veracidade. 4

O uso do argumento de autoridade no movimento espírita é tão
disseminado quanto em qualquer outro movimento filosófico ou religioso.
Basta uma determinada assertiva ter sido feita por algum espírito
desencarnado, especialmente se o médium utilizado for famoso, para ser
considerado uma verdade indiscutível. Se a mensagem for assinada por
algum nome conhecido (tais como Bezerra de Menezes, André Luiz ou
Emmanuel) a possibilidade de questionamento é quase nula. E as idéias aí
contidas podem ser tomadas como princípios da doutrina espírita.

Curiosamente, no Espiritismo, da mesma forma que ocorre em qualquer
religião dogmática e rigidamente estruturada, o uso abusivo e
indiscriminado do argumento de autoridade leva à radicalização do veto aqualquer tipo de mudança dos conceitos. É por isso que normalmente se
afirma que não se pode alterar uma única idéia que tenha sido expressa

3 DI LUCIA, R. "O Espiritismo e a questão da verdade". CEPA, XIV Conferência Regional
Espírita Pan-Americana. São Paulo, 2002.

4 Para um detalhamento da crítica ao indutivismo, ver DI LUCIA, R. "Espiritismo: revelação ou
descoberta?", CEPA, XVIII Congresso Espírita Pan-Americano, Porto Alegre, 2000.


pelos Espíritos, seja nos textos do Kardec ou através de médiuns mais ou
menos famosos.

Claro que, quando falo em alterar idéias, admito simplesmente a
possibilidade de modificar conceitos tidos como verdadeiros no edifício
conceitual do Espiritismo. Em nenhum momento proponho modificação dos
textos já escritos, o que seria uma deformação inaceitável do pensamento
de determinado autor, na época em que ele foi expresso. Penso
simplesmente na mudança dos conceitos a partir da evolução do
conhecimento humano. Entretanto, o que se prega no movimento espírita é
um engessamento absoluto do que foi dito pelos espíritos:

Todavia, o Conselho Federativo Nacional não reconhece em nenhuma
pessoa ou instituição, como também em nenhuma assembléia ou
congresso, qualquer autoridade ou direito para alterar ou modificar,
a qualquer título, os princípios fundamentais e ensinos do
Espiritismo, contido nas obras básicas de Allan Kardec, e desaprova
toda e qualquer iniciativa no sentido dessa alteração ou modificação,
uma vez que a Doutrina Espírita é de autoria dos Espíritos
Superiores e não de homens, como bem testemunhou o próprio
Codificador. 5


Entretanto, não quero com isso dizer que se deva ignorar absolutamente
toda e qualquer referência dos grandes pensadores espíritas. A importância
deles não é pequena; afinal, em sua grande maioria, eram homens
preparados, profundos conhecedores de vastas áreas do conhecimento
humano. Kardec, Denis, Dellane, Flammarion e outros foram fundamentais
na continuação da estruturação da doutrina espírita.

Não possuíam, porém, a verdade total e absoluta. Muito do que
escreveram demonstraram-se incorreções ao longo dos anos – por
exemplo, as incursões de Kardec pela astronomia, em A Gênese, e as
opiniões de Dellane sobre a substituição das células do cérebro, em A
Evolução Anímica. Além disso, não se pode esquecer que o conhecimento
humano evolui com o passar do tempo. Conhecer é um processo
cumulativo, no qual cada descoberta é base para outras mais. Isto nos leva
à conclusão de que muitas idéias, apesar de estarem de acordo com o
pensamento científico da época, não suportam um exame à luz do que se
sabe hoje.

Pode-se, então, admitir o uso do argumento de autoridade? Certamente,
desde que se tomem os mesmos cuidados que devem ser tomados na
análise de qualquer outro argumento, acrescidos ainda de verificações
sobre a consistência da fonte. Victor Gabriel Rodríguez, professor de
Direito, mostra as questões que devem ser analisadas, e que passam pelo
crédito da suposta autoridade como fonte, pela validade de sua opinião,
pela consistência de sua argumentação em relação ao que dizem outras
autoridades, e até mesmo pelas eventuais provas (ou ausência delas)
apresentadas:

5 Mensagem do Conselho Federativo Nacional ao Movimento Espírita Brasileiro, 15/11/1999.


A resposta a essas questões garante a validade do argumento ad
verecundiam, afastando-o da falácia, do engodo do pronunciamento
sem validade científica. 6

O argumento de autoridade deve, assim, ser empregado com cuidado.
Se for usado para determinação do caminho que os pensadores espíritas
trilham, tem muito valor, na medida em que nos permite uma base sólida
para o crescimento do conhecer espírita. Utilizado exageradamente,
engessa esse conhecimento, impedindo sua evolução.

Outra discussão espírita importante a ser realizada no âmbito do estudo

da importância do mensageiro é a questão da identificação dos espíritos.

Kardec tratou disso extensamente em sua obra.

De modo geral, a posição de Kardec sobre a questão da identificação
dos espíritos está diretamente ligada à análise da comunicação em si, já
que a pesquisa direta sobre suas identidades tem sensíveis dificuldades
(tempo, influência do médium etc.). Já na Introdução do Livro dos Espíritos,
ao tratar dos princípios da doutrina, ele explana:

Distinguir os bons dos maus Espíritos é extremamente fácil. Os
Espíritos superiores usam constantemente de linguagem digna,
nobre, repassada da mais alta moralidade, escoimada de qualquer
paixão inferior; a mais pura sabedoria lhes transparece dos
conselhos, que objetivam sempre o nosso melhoramento e o bem da
Humanidade. A dos Espíritos inferiores, ao contrário, é
inconseqüente, amiúde trivial e até grosseira. Se, por vezes, dizem
alguma coisa boa e verdadeira, muito mais vezes dizem falsidades e
absurdos, por malícia ou ignorância. Zombam da credulidade dos
homens e se divertem à custa dos que os interrogam, lisonjeandolhes
a vaidade, alimentando-lhes os desejos com falazes esperanças.
Em resumo, as comunicações sérias, na mais ampla acepção do
termo, só são dadas nos centros sérios, cujos membros estão unidos
por uma intima comunhão de pensamentos, tendo em vista o bem. 7

Portanto, a base fundamental da análise de Kardec a respeito da
identidade dos Espíritos que se comunicam está na própria mensagem, seja
no conteúdo (principalmente quando se trata de uma comunicação de forte
caráter moral), seja na forma. Assim sendo, pode-se concluir que, se a
importância da comunicação encontra-se na mensagem, a questão da
identificação é secundária. Kardec mesmo corrobora esta dedução:

Nada, pois, impede que um Espírito da categoria de Fénelon venha
em seu lugar, muitas vezes até como seu mandatário. Apresenta-se
então com o seu nome, porque lhe é idêntico e pode substituí-lo e
ainda porque precisamos de um nome para fixar as nossas idéias.
Mas, que importa, afinal, seja um Espírito, realmente ou não, o de
Fénelon? Desde que tudo o que ele diz é bom e que fala como o teria
feito o próprio Fénelon, é um bom Espírito. Indiferente é o nome pelo
qual se dá a conhecer, não passando muitas vezes de um meio de
que lança mão para nos fixar as idéias. 8

6 RODRÍGUEZ, V.G., opus citatus.

7 KARDEC, A. "O Livro dos Espíritos", pg. 26.

8 Idem, ibidem, pg. 37.


Para Kardec, o que devemos procurar, ao tratar da análise de uma dada
comunicação mediúnica, são elementos da superioridade intelecto-moral de
seu autor. E isto pode ser feito pela análise da mensagem em si. Entretanto,
não se pode esquecer que as mensagens não são coisas em si mesmas,
isoladas do mundo. São parte do universo cultural. Portanto, analisa-las
requer uma ampla compreensão do contexto em que foram produzidas. É o
que veremos no próximo capítulo.

3. A
mensagem: a questão da contextualização –
hermenêutica e análise do discurso
Todo e qualquer texto é produto de sua época. A produção do
conhecimento depende do caldo cultural que o produziu. Detalhes como os
paradigmas científicos, os dogmas, regime econômico, importância das
religiões, crenças mais ou menos particulares, tolerância política e religiosa,
entre muitos outros, afetam diretamente qualquer produção cultural.

Esse é o motivo pelo qual, para uma compreensão precisa de uma
mensagem, é fundamental, imprescindível mesmo saber por quem, em qual
época e onde ela foi produzida – e assim podemos inseri-la nesse contexto.
A esse processo se dá o nome de contextualizar. A falta dessa
contextualização pode levar a graves erros interpretativos, na medida em
que se pode considerar uma mensagem com os preconceitos da época em
que ela é estudada, não daqueles na qual ela foi produzida.

Vejamos um exemplo:

O negro pode ser belo para o negro, como um gato para outro gato.
Mas não é belo no sentido absoluto, porque seus traços grosseiros,
os lábios grossos (...) podem perfeitamente exprimir as paixões
violentas, mas não se prestariam às nuanças delicadas do
sentimento e à suavidade.

Se, ao nos deparamos com este texto, perguntarmos aos leitores a qual
ideologia pertence, poderíamos, com toda a lógica, atribuí-lo a alguma
escola de pensamento racista, extremista e fanática. Não seria absurdo
imaginá-lo na boca de um nazista ou de um membro da Ku Klux Klan.
Como ele não se coaduna, de nenhum modo, com os tempos mais
tolerantes e politicamente corretos em que vivemos, seria atacado
violentamente por qualquer homem de bom senso, seu autor anatematizado
e, se houvesse uma organização formal a qual pertencesse, seria
processada por racismo.

Tal texto é de autoria de Allan Kardec. Pode ser encontrado em Obras
Póstumas, no capítulo A Teoria da Beleza. Alguém que conhece o
Espiritismo, mas nunca o tivesse lido, certamente haveria de ficar chocado

– talvez suas convicções espíritas balançassem. O preconceito racial que
se vislumbra neste parágrafo pode facilmente levar a doutrinas perigosas,
que pensam a raça negra como inferior e, portanto, justifica atos como a
escravidão.
Entretanto, se entendermos que este texto foi escrito em uma época
extremamente eurocêntrica, compreenderemos que dificilmente o texto


poderia ser diferente. O europeu do século XIX somente poderia considerar
belo seu igual, uma vez que o conceito antropológico da igualdade das
diferentes cultural só surgiria no século seguinte.

Portanto, uma leitura interpretativa de uma produção intelectual
qualquer, para ser bem fundamentada, exige que se conheçam detalhes
sobre o modo pela qual foi construída. É, de certa forma, subordinada à
história, na medida em que depende do conhecimento do contexto em que
foi produzida – isto é conhecido como Hermenêutica. Entretanto, não pode
deixar de considerar a mensagem como mais do que simplesmente uma
produção lingüística. Ela possui elementos sociais que vão além do que
está explícito. Estudar uma mensagem levando esses elementos sociais em
consideração é a proposta da análise do discurso.

Hermenêutica – do grego herméneuein, que significa declarar,
esclarecer, interpretar – significa que alguma coisa é tornada
compreensível, levada à compreensão. Em Filosofia, segundo
Scheleiermacher, é a parte que visa não o saber teórico, mas sim o uso
prático, isto é, a praxis ou a técnica da boa interpretação de um texto falado
ou escrito.

Isto significa que a hermenêutica como método busca não uma análise
crítica da mensagem, de um ponto de vista racional. Não quer avaliar
comparativamente a mensagem com crenças ou ideologias. Procura
unicamente interpretar essa mensagem em bases históricas, levando em
consideração apenas sua época e autor.

Mestres no uso da Hermenêutica, Nietzsche e principalmente Heidegger
empregaram com sucesso este método para um estudo profundo dos textos
gregos, clássicos e pré-socráticos. Só assim foi possível uma compreensão
clara e correta de sua filosofia, embasada nos preceitos históricos da Grécia
Antiga.

Entretanto, um dizer não fica somente restrito àquilo que foi dito. Nem
mesmo fica limitado às considerações históricas sobre o que foi dito. Na
verdade, um dizer implica em todo um conjunto de considerações sociais,
verbais e não verbais, e que envolve mais que a significação – percorretodo o processo pelo qual aquela significação veio a existir. É a isso que se
chama discurso:

A linguagem enquanto discurso não constitui um universo de signos
que serve apenas como instrumento de comunicação ou suporte de
pensamento; a linguagem enquanto discurso é interação, e um modo
de produção social; ela não é neutra, inocente nem natural, por isso
é o lugar privilegiado de manifestação da ideologia. 9

Assim, o estudo da linguagem e, em última instância, da produção
intelectual, não pode estar desvinculado dos processos histórico-sociais que
a embasam. Isto levou, na década de 1960, à criação de uma nova
disciplina – a análise do discurso.

9 NAGAMINE BRANDÃO, H.H. "Introdução à análise do discurso", pg. 11.


A análise do discurso visa estudar e compreender a linguagem utilizada
por membros de uma comunidade. Ao examinarmos a forma e as funções
dessa linguagem podemos compreender fatores sociais e culturais que
caracterizam as relações entre pessoas, significados e o lugar social.

Assim sendo, ela vai além do nível da frase ou superfície do enunciado e
analisa unidades do discurso que estão diretamente ligadas ao contexto
onde são produzidas, o que nos permite compreender melhor o significado
mais profundo de uma ou mais orações. Por vezes, a mesma frase,
enunciada em diferentes contextos, apresenta significados diferentes.

Vejamos:

1) Este ano entrará para a História. Pela primeira vez uma nação
civilizada possui controle total de suas armas. Nossas ruas estarão
mais seguras e nossa polícia mais eficiente.

Outra:

2) Se alguém vem a mim e não odeia seu pai, sua mãe, sua mulher,
seus filhos, seus irmãos, suas irmãs e até a sua própria vida, não
pode ser meu discípulo.

Ainda mais uma:

3) Educando o indivíduo, o Estado deve ensinar que não é uma
vergonha, mas uma lamentável infelicidade, ser fraco ou doente, mas
é um crime e também uma vergonha que se arrastem, nessa
infelicidade, por mero egoísmo, inocentes criaturas. Ao contrário é
uma prova de grande nobreza de sentimentos, do mais admirável
espírito de humanidade, que o doente renuncie a ter filhos seus e
consagre seu amor e sua ternura a alguma criança pobre, cuja saúde
dá esperança de vir a ser ela um membro de valor de uma
comunidade forte.

Finalmente:

4) A religião e a ciência natural estão numa batalha conjunta, numa
segunda cruzada infindável contra o ceticismo e o dogmatismo, e
contra a superstição. A palavra de chamada para esta cruzada
sempre foi e sempre será: "Caminhar para Deus".

Facilmente se poderia dizer que as frases pertenceriam, na ordem: 1) à
campanha do referendo do desarmamento no Brasil. 2) A uma organização
terrorista, como a Al Qaeda. 3) A uma campanha pela adoção de órfãos; e
4) a um defensor das escolas holísticas de pensamento, muito comuns na
atualidade, que defendem a unicidade do conhecimento.

Os créditos reais dessas citações:
1) Adolf Hitler, discurso.
2) Jesus de Nazaré (Lucas, XIV, 26).
3) Adolf Hitler, Mein Kampf (Minha Luta).
4) Max Plank (Scientific Autobiography). 10


10 Max Plank (1858-1947), cientista alemão, um dos principais idealizadores da Física
Quântica, prêmio Nobel de Física de 1918.


E no Espiritismo? Se o método fosse corretamente usado, poderíamos

entender o porquê de alguns textos aparentemente contrários aos princípios

doutrinários. Um exemplo:

A mesma coisa se dá, qual o vimos, com os fenômenos fisiológicos,
que denominamos memória orgânica, de sorte que o inconsciente é
um território comum da alma e do corpo, confirmando-se, assim, que

o perispírito é a sua sede. 11
E outro:

O corpo espiritual não retém somente prerrogativa de constituir a
fonte da misteriosa força plástica da vida, a qual opera a oxidação
orgânica; é também ele a sede das faculdades, dos sentimentos, da
inteligência e, sobretudo, o santuário da memória, em que o ser
encontra os elementos comprobatórios de sua identidade, através de
todas as mutações e transformações da matéria. 12

No primeiro caso, Dellane atribui a memória ao perispírito, lançando mão
do conceito de inconsciente. Idéias semelhantes a essas são igualmente
defendidas por Leon Denis e Gustave Geley, em vários dos seus livros, o
que nos dá a impressão de que eram bastante difundidas no meio espírita à
época -
apesar de não terem sido defendidas por Allan Kardec em sua
obra.

Levando em conta os conceitos da análise de discurso, pode-se afirmar
que isto se dá na medida em que era de grande dificuldade para qualquer
pessoa adepta do positivismo aceitar que o Espírito, este ser imaterial e,
para muitos, puramente abstrato, pudesse ser o princípio de todas as
manifestações intelectivas do homem.

Já o trecho de Emmanuel vai de encontro às idéias de Kardec. Para
este, a distinção entre perispírito (matéria) e Espírito (não material) é
explícita. E, sendo a inteligência a principal característica do Espírito, é
inadmissível que o perispírito seja "a sede dos sentimentos e da
inteligência". Para analisar corretamente esta mensagem, necessitaríamos
conhecer detalhes da vida, da personalidade e da época do autor – o que
extrapola os limites deste trabalho.

Em suma, ao analisarmos um texto, não podemos esquecer de levar em
consideração todas as influências sociais e ideológicas envolvidas. Isto
também é válido para os textos espíritas. A ausência destas considerações
leva a pressuposições falsas ou, no mínimo, incompletas. E que podem
distorcer completamente os conceitos.

4. A
mensagem mediúnica: a influência do médium e a
possibilidade de mensagens de grupo
Podemos dizer que as mensagens espíritas dividem-se em duas classes
principais: aquelas produzidas por pensadores encarnados e aquelas que,

11 DELLANE, G."A Evolução Anímica" pg. 141.

12 EMMANUEL, "Dissertações mediúnicas" (psicografia de Francisco C. Xavier), apud JORGE, J.
"Antologia do Perispírito", p.160.


idealizadas por espíritos desencarnados, são obtidas através da
mediunidade.

Para as mensagens do primeiro grupo aplicam-se todas as ponderações
que foram feitas no capítulo anterior. Podem-se utilizar todas as técnicas de
análise que se desejar, bem como os métodos hermenêuticos e os
princípios da análise do discurso.

Para as mensagens mediúnicas, além destas ponderações, é
necessário ainda levar em consideração a interferência do médium. Este é
parte integrante de um dos elementos fundamentais da comunicação, o
meio. Mas, enquanto que nas comunicações não mediúnicas o meio é
inerte, desprovido de vontade própria, não se pode ignorar que o médium é,
antes de tudo, um Espírito, que tem sua individualidade, e, com ela, seus
desejos, crenças e pensamentos.

Antes de mais nada, é um erro crer que o Espírito desencarnado pode,

de alguma forma, tomar conta do corpo do médium para fazer que a

comunicação se dê sem passar pelo crivo do Espírito deste:

O Espírito, que se comunica por um médium, transmite diretamente
seu pensamento, ou este tem por intermediário o Espírito encamado
no médium?

"O Espírito do médium é o intérprete, porque está ligado ao corpo
que serve para falar e por ser necessária uma cadeia entre vós e os
Espíritos que se comunicam, como é preciso um fio elétrico para
comunicar à grande distância uma notícia e, na extremidade do fio,
uma pessoa inteligente, que a receba e transmita." 13

Isto posto, é fundamental que se entenda que o médium interfere, em
maior ou menor grau, nas comunicações mediúnicas. Quanto mais
inconsciente for o processo de comunicação mediúnica em questão, tanto
menor é a interferência do médium. Mas nem mesmo nos médiuns muito
inconscientes, aqueles que Kardec chamou de mecânicos, há total isenção.

É importante lembrar que não nos referimos aqui a intervenções
propositais, que constituiriam verdadeira fraude. As interferências de que
tratamos são causadas por dificuldades inerentes ao processo mediúnico,
seja na ligação entre o Espírito comunicante e o médium, seja na
transmissão do pensamento.

Para que possa ser feita uma correta avaliação da mensagem
mediúnica, tal interferência deve sempre ser levada em consideração –
ainda que não tenhamos determinado um método para mensurá-la.
Contudo, também não se podem debitar à conta dessa interferência todas
as discordâncias que tenhamos com a mensagem – isto tornaria a análise
da mesma forma falha. São dois extremos de um mesmo problema.

Existe ainda uma particularidade da mensagem mediúnica. É aquilo que
chamamos de possibilidade de mensagens de grupo. Este conceito remete
à possibilidade de um grupo de Espíritos, de pensamentos e idéias
semelhantes, utilizar-se de um nome (que pode ser o de um deles, ou então

13 KARDEC, A. "O Livro dos Médiuns", pg. 268.


até mesmo algum outro qualquer) para passarem sua mensagem. Kardec
considerou esta possibilidade no Livro dos Médiuns, e até mesmo utilizou-a
como mais um motivo para não se importar muito com a identidade:

A questão da identidade é, pois, como dissemos, quase indiferente,
quando se trata de instruções gerais, uma vez que os melhores
Espíritos podem substituir-se mutuamente, sem maiores
conseqüências. Os Espíritos superiores formam, por assim dizer, um
todo coletivo, cujas individualidades nos são, com exceções raras,
desconhecidas. Não é a pessoa deles o que nos interessa, mas o
ensino que nos proporcionam. Ora, desde que esse ensino é bom,
pouco importa que aquele que o deu se chame Pedro, ou Paulo. Deve
ele ser julgado pela sua qualidade e não pelas suas insígnias. Se um
vinho é mau, não será a etiqueta que o tornará melhor. Outro tanto
já não sucede com as comunicações íntimas, porque aí é o indivíduo,
a sua pessoa mesma que nos interessa; muito razoável, portanto, é
que, nessas circunstâncias, procuremos certificar-nos de que o
Espírito que atende ao nosso chamado é realmente aquele que
desejamos. 14

Conclui-se que as comunicações mediúnicas podem ser analisadas da

mesma forma que as demais. Entretanto, têm particularidades que precisam

ser levadas em consideração para qualquer análise que se queira fazer.

5. Conclusão: e a atualização do Espiritismo?
Para que possamos realizar o processo de atualização do Espiritismo,
conforme proposto pela CEPA, há uma necessidade fundamental de
adquirirmos metodologias apropriadas para tanto. Dois trabalhos, ambos de
autoria de Ademar Arthur Chioro dos Reis, são fundamentais para isso:
Agenda Espírita e Como: uma proposta metodológica para atualizar o
Espiritismo.

Dentro do espírito destes trabalhos, que é o de concretamente avaliar o
que pode e deve ser atualizado e como isso pode ser feito, as
considerações que foram levantadas neste texto vão ao encontro de
contribuir para uma área específica – a da análise textual. Insere-se não só
no problema da atualização da linguagem, mas também como método de
base, se assim podemos chamar, para todas as propostas de atualização
que necessitem partir dos escritos fundamentais do Espiritismo.

O emprego de métodos como a hermenêutica e a análise de discurso
são fundamentais. Uma dificuldade que se apresenta, contudo, é a
dificuldade em conseguir pesquisadores que os dominem. São métodos
novos, de significativa dificuldade, e que muito pouco já foram empregados
no movimento espírita. Torna-se assim urgente que os espíritas adquiram
este conhecimento.

Outra dificuldade patente é a adequação destes métodos à proposta
espírita. O Espiritismo possui detalhes próprios que o tornam, de certa
forma, único entre as escolas de pensamento. Portanto, torna-se necessário
que, após a aquisição do conhecimento sobre o método, seja efetuada uma

14 KARDEC, A. opus citatus, pg. 327.


ampla discussão sobre como ele poderia ser adequado para as
necessidades desta atualização.

Muito trabalho será necessário. O processo de atualização é urgente, e
é tanto mais complexo na medida em que muito falta para fazer. Mas, se
não for dado o primeiro passo, ele nunca se realizará.


Olá, Marcus e demais:
                        Desta vez vai anexado.


Muita paz !

 Bezerra

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