segunda-feira, 3 de março de 2014 By: Fred

{clube-do-e-livro} Livro: Corpo Fechado -Robson Pinheiro

mostrou-me como os espíritos, os fantasmas — ou
os chamados mortos — já se utilizavam desde há
muito tempo de outros médiuns, não religiosos.
Aqueles que nem mesmo se davam conta de sua faculdade,
como ocorreu consigo. Do lado de cá da
vida, a convite de Joseph Gleber e sua equipe, pôde

avaliar a imensidade de fenômenos mediúnicos
e paranormais que experimentou em sua própria
vida. Durante mais de 40 anos, vivenciou-os sem
saber que tais fenômenos eram de origem espírita,
mesmo porque não lhes eram familiares, quando
encarnado, os conceitos espirituais aos quais hoje
se dedica com afinco a estudar e aprofundar.
Cativou-se, nesse meio tempo, pela forma simples,
sincera e serena do espírito João Cobú, o Pai João,
e pediu-me para auxiliá-lo em seu primeiro ensaio
mediúnico, um romance ao longo do qual gostaria
de testar sua habilidade para escrever através do
médium. A afinidade se mostrou de pronto, devido
a fatores de um passado recente que já os aproximava,
em virtude do pensamento universalista de
Voltz e de sua maneira livre e inventiva de abordar
os problemas humanos, sociais e científicos, visando
a um futuro caminho para uma humanidade
sem fronteiras e sem preconceitos.
Do modo como ocorreu comigo mesmo, escritor
dos dois lados da vida, ele não pretende trazer ensi


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namentos nem formar gurus, tampouco doutrinar
quem quer que seja. Não aborda temas doutrinários
de religião alguma; apenas reporta o que ouviu,

o que acompanhou nas conversas de João Cobú ao
tratar de certos casos, cujo relato, talvez, traga alguma
contribuição para o leitor destituído de espírito
cético e preconceituoso.
Este romance é o primeiro de uma série que pretende
escrever, mostrando aos homens de boa
vontade que a mediunidade e a paranormalidade
não são propriedade exclusiva de ninguém e de
nenhuma religião em particular. Nem mesmo as
interpretações de tais fenômenos são únicas. Ao
contrário, são diversas as visões e os ângulos pelos
quais se podem ver certas verdades relativas
no mundo atual.
Com você, leitor, o amigo João Cobú, na visão humanista
de Voltz — escritor, médium e paranormal
que retorna, pelas mãos da psicografia, para dedilhar
na harpa da mediunidade uma nota, apenas
uma nota neste grande concerto da espiritualidade
sem fronteiras, sem bandeiras, vista sob o olhar do
amor e da fraternidade.
Ângelo Inácio

Belo Horizonte, 4 de abril de 2009.

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dependia das bênçãos da natureza para sua sobrevivência.
Na cabana de Pai João, os filhos e filhas do
devotado pai-velho reuniam-se para ouvir do benfeitor
as palavras de sabedoria que lhes definiriam
os caminhos da vida espiritual. Estavam numa casa
onde se adorava a Deus e se praticava a caridade segundo
a orientação dos espíritos do bem.

— Sabem, meus filhos? — principiava o pai-velho, incorporado
em seu médium. — O caminho da espiritualidade
tem muitas faces interessantes. Nego-velho
diria que esse caminho é feito de muitas cores,
de muitos aromas, de muitas ervas. Diferentemente
das religiões, em que cada uma pretende ser a única
forma de agradar a Deus; diferentemente de outros
filhos espiritualistas, que também querem acreditar
que a sua maneira de buscar o Pai é a mais correta, a
espiritualidade em nosso país é feita de diversas culturas,
da fusão de muitas raças, crenças e concepções
religiosas. Afinal, aqui onde nós trabalhamos
respeitam-se as diferenças, porque existem inúmeras
nuances e visões acerca da espiritualidade.
— Meu pai — perguntou a Efigênia, trabalhadora da
cabana do pai-velho. — Eu não entendo a sua forma
de falar a respeito da espiritualidade. Queria entender
um pouco da umbanda, já que muita gente fala
tanto dessa religião e nós sabemos tão pouco...
— É bom entender, minha filha, que não existe ape20



nas uma maneira de cultuar a umbanda. Também
é preciso compreender que umbanda não é apenas
uma denominação religiosa; antes de ser assim usada,
a palavra sagrada era, acima de tudo, o nome divino
da suprema lei do Pai. Aumbandã é lei de caridade,
é lei divina. De modo mais particularizado é
que foi empregado o nome sagrado para designar o
culto atual; daí a umbanda nasceu, com a finalidade
sagrada de congregar, sob a bandeira de Oxalá, o
povo de Deus disperso.

— E há outras umbandas diferentes das que vemos
por aí, meu pai?
— Pai-velho compreendeu sua pergunta, meu filho
— respondeu de boa vontade o pai-velho para
José Benedito, um dos médiuns da casa. — Não é
que existam "outras umbandas", como diz meu filho.
O que há são diversas formas de praticar os ensinamentos
da espiritualidade; nesse caso, também
diversas maneiras de cultuar os orixás, de adorar a
Deus ou de praticar a umbanda. Acima de tudo, filhos,
o que importa mesmo não é a forma externa,
mas sim a intenção, o que se faz em nome da lei suprema.
Uns cultuam a umbanda misturada a certo
conhecimento a respeito dos orixás, com um ritual
inusitado, ao menos para vocês. Vestem-se com
roupas coloridas, cantam numa língua diferente,
familiar a certo número de indivíduos. É também
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chamada de língua de santo ou do povo do santo. Na
verdade, trata-se de um idioma antigo, dos povos
da mãe Africa. Esse é o culto umbandista conhecido
como omolocô.
Dando um tempinho para que seus filhos pudessem
absorver as coisas que ele explicava, o vovô, incorporado
em seu médium, falava mansinho, devagar,
com paciência digna de um verdadeiro sábio:


— Existem aqueles filhos que praticam uma umbanda
com mais simplicidade, como a que vocês
conhecem... Alguns chamam essa variação de umbanda
pés-no-chão, ou pés-descalços. Não importam
os nomes dados aos cultos; essencial é que todos
trabalhem conforme as regras do coração e de
maneira a praticar a suprema lei do bem.
"Outros filhos fazem um culto mais refinado, desprovido
dos elementos africanos. Tentam desafricanizar
a umbanda, no sentido de afastar aquilo que
a aproxima dos métodos do candomblé, tais como
matança de animais, toque de atabaques e outras
características próprias dos rituais de origem africana.
Introduziram o estudo entre os médiuns e
desenvolveram uma visão mais detalhada a respeito
dos orixás e seu simbolismo, formando uma teologia
umbandista bastante interessante."
— Mas, meu pai, ainda tem gente que usa atabaque
nos terreiros?
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— É claro que sim, meu filho — agora o velho dirigiu-
se a Antônio de Freitas, outro trabalhador muito
dedicado de sua cabana. — Como eu dizia no início,
existem muitas maneiras de praticar a umbanda...
Não podemos ignorar que, como humanidade,
estamos ainda distantes de um estágio em que a visão
acerca de espiritualidade e da forma de buscar
as coisas do espírito seja única. Devemos respeitar
as crenças e os métodos alheios tanto quanto desejamos
ver nossos fundamentos respeitados.
— Mas, vovô — assim muitos chamavam o preto-velho.
— Para que servem os atabaques que os outros
irmãos usam em seu culto e por que não os empregamos
em nossa cabana?
— Ah! Meu filho — falou com boa vontade o pai-velho.
— E preciso estudar em profundidade os fundamentos
por trás do uso de certas ferramentas de
trabalho. Nego-velho já falou pra vocês a respeito
da força do som em toda a natureza, se lembram?
Muitos de meus filhos devem se lembrar da conversa
que tivemos outro dia...
— Lembro sim, vovô, mas muita coisa não ficou
gravada na minha cabeça. Parece que estou de miolo
mole... — essa era Zefa do Malaquias, a mulher
que chegara à casa de Pai João com um encosto
daqueles. Havia se curado, mas se submetia agora
ao cuidado médico. O benfeitor estabeleceu como
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exigência que ela prosseguisse com o tratamento e
acatasse os conselhos de seu médico a fim de poder
continuar junto à comunidade.

— Pois então nego-velho vai lembrar um pouco do
que já falou pra vocês — sendo interrompido para
ouvir outro de seus filhos que levantara a mão, pedindo
a oportunidade de se expressar. O pai-velho
ouviu serenamente o que tinha a dizer:
— Sabe, meu pai, eu até que me alembrei istrudia do
que o sinhô falou pra nóis. Mas óia que eu até tento
intende as coisa, mas a minha cabeça aqui — dizia
batendo a ponta do dedo em si — num tá querendo
aprende muita coisa não... Parece que os males da
Zefa tão querendo me pegar.
— É preguiça, meu filho — falou o pai-velho, dando
gostosa gargalhada. — Preguiça mesmo.
— O que eu gosto mesmo é de fazer os servicinho
que o sinhô passa pra nóis...
— Então faz o seguinte, meu filho: que tal você visitar
pelo menos uma vez por semana a sinhá Antônia,
que ficou sozinha depois da morte do seu marido?
Ela está acamada e precisa que alguém limpe a
casa dela. Você se compromete a fazer isso?
— Com certeza, meu avozinho, isso eu entendo
muito bem. Eu posso muito mermo fazê isso e não
é somente uma vêis pro semana, não. Eu vô é mais
vêis visitar donAntônia.
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— Aproveite, meu filho, e leve pra ela uns banhos de
firmeza que estão guardados ali no outro cômodo...
Parece que a interferência do rapaz acabou por ali,
pois assim que Pai João falou as últimas palavras,
ele saiu correndo, nem sequer esperando para ouvir
os ensinamentos do preto-velho.
— Cada um sabe ser útil a sua maneira, não é, meus
filhos? — Pai João se dirigiu ao restante de seus filhos,
referindo-se com imenso carinho àquele que tinha
dificuldades no aprendizado. Depois de suspirar
um pouco e ajeitar-se na cadeira, o pai-velho prosseguiu
com a tranqüilidade que lhe era característica:
— Como dizia antes, filhos, nego vai lembrar um
pouquinho do que disse a respeito do valor e da função
do som em nossas vidas. Quando meus filhos
pensam alguma coisa, elaboram idéias ou fazem algum
planejamento mental, tudo isso tem que se materializar
de algum jeito no mundo, não é mesmo?
— Ah! Meu pai, agora me lembro um pouco do que
o senhor falou...
— Pois é. Dessa forma, o som é uma das principais
formas de materialização do pensamento na realidade
objetiva da vida. Quando nosso Senhor Jesus Cristo
fez as coisas no mundo, ele foi considerado a palavra
viva de Deus. E a palavra divina ou o verbo divino
é, para nós, a precipitação do pensamento do Pai.
O som tem essa função, de condensar certas ener25




gias, certos pensamentos, e fazer com que repercutam
nos planos astral, físico e etérico, de acordo com
as características e disposições advindas da fonte.
Quando vocês provocam um som e esse som obedece
a um ritmo, produz-se um efeito que varia conforme
a cadência entoada. Isso é válido desde uma cantiga
que desperta a saudade a uma música que irrita

o pensamento e as emoções de meus filhos.
"O atabaque produz determinado tipo de som. Se
for explorado por uma pessoa que entenda da lei
do ritmo, da harmonia, e saiba como conduzir esse
som de modo a atender a um propósito específico,
ele será um bom instrumento. Quando tocado no
ritmo de algumas cantigas dos orixás, o som dos
atabaques desperta energias primárias em meus filhos,
movimentando a força dos chacras localizados
na região inferior, abaixo do umbigo."
— Eu já senti uma força quase me dominando, uma
vez — interferiu grosseiramente um dos filhos do
pai-velho. — Quando fui a um lugar onde tocavam
atabaque, senti que minhas pernas pareciam querer
se movimentar. Uma coisa parecendo um fogo
subia dos meus pés...
— Sei, meu filho — tornou o pai-velho delicadamente,
enquanto os outros filhos seus olhavam o colega
de soslaio. — O que você sentiu provavelmente foi a
vibração que o som do atabaque provocou em você
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e que repercutiu imediatamente em seu sistema
nervoso. Isso não tem qualquer relação com espírito
ou fenômenos da mediunidade. Trata-se apenas
de uma reação nervosa e emocional que pode muito
bem ser dominada por você.
Mais outro levantou a mão entre os presentes, pedindo
a palavra:


— E então, Pai João: por que nós não usamos o atabaque
em nossos trabalhos?
— Pois é, meu filho. A pergunta é muito interessante.
Em nossas atividades não temos necessidade
de certas energias e, por conseguinte, de alguns
instrumentos usados em outros terreiros. Isso não
significa que esses instrumentos não tenham valor.
Percebem? Ser útil não é um atributo absoluto, mas
relativo ao contexto em que se aplica. Determinado
remédio pode ser bom e eficaz, o que não implica
seja adequado para este ou aquele caso. Em nosso
meio, aos poucos temos procurado retirar algumas
expressões de religiosidade cuja função, ao menos
para nós, se extinguiu.
"Mas veja bem, meu filho. Não fique pensando que
quem emprega instrumentos de trabalho diferentes
daqueles que usamos esteja errado ou seja atrasado
na vida espiritual. É que se ocupam com energias
ainda primárias e só conhecem essa forma de
interagir com elas. Por outro lado, estamos apren27




dendo a lidar de outra maneira com tais energias, e é
por isso que não temos mais necessidade de instrumentos
daquela natureza. De mais a mais, qualquer
que seja o instrumento, a eficácia do método depende
em larga medida da dedicação, da habilidade e do
conhecimento de quem o opera, bem como da resposta
mental e emocional das pessoas envolvidas.
"Em resumo, o que nego-velho quer dizer é que não
devemos julgar ninguém porque lança mão de vestes,
rituais ou instrumentos diferentes; enfim, qualquer
item que, em nossa comunidade, julgamos
desnecessário. Em matéria de espiritualidade, vale
muito mais a intenção e o coração do que as palavras
bonitas, a roupagem externa ou mesmo a maneira
como se pretende buscar a vida espiritual. A
forma não é nada se não há força moral, força vital
ou o poder iniciático real e verdadeiro. Mais do que
espiritismo, umbanda e espiritualismo — com ênfase
nos "ismos" das religiões — precisamos mesmo é
de mais espiritualidade, ou seja, de uma visão mais
abrangente das coisas.
"Vejam bem como ocorre com algumas pessoas
que usam o método dos passes. Não adianta a pessoa
estender as mãos, querer ser magnetizador, se
não sabe como funciona o processo e não domina
sequer os rudimentos de como manipular as energias
que pretende administrar. É preciso estudo

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constante para aperfeiçoar a forma de servir. Porém,
não basta: também é preciso a pessoa ter axé,
isto é, a força espiritual outorgada pelo Alto.
"Por isso vemos muitos filhos-de-santo ou simplesmente
pessoas de boa vontade por aí a fundar terreiros
de umbanda ou centros espíritas que, apesar
de certo conhecimento adquirido em alguns anos
de estudo, não têm força espiritual para solucionar
os problemas que naturalmente se apresentam na
jornada. Não são dotados daquilo que se convencionou
chamar de axé, a força superior para manipular
as energias; não são iniciados."

— Mas, meu pai, então todo o mundo tem que fazer
uma iniciação para manipular certas forças da
natureza?
— Nego-velho não quer dizer da iniciação que se faz
nos terreiros, que, em sua grande maioria, não passa
de um conjunto de rituais que não transmite a força
ou energia necessária para a pessoa converter-
se verdadeiramente numa iniciada. Muitos foram
submetidos à iniciação num ou noutro culto, mas
só possuem aparência de sabedoria; participaram
de um monte de ritos que não resolvem o problema
de ninguém nem cumprem o objetivo principal,
que supostamente seria introduzir o indivíduo no
conhecimento de determinadas leis naturais. Nem
mesmo a própria pessoa que patrocina a iniciação
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consegue solucionar seus dramas por meio das práticas
recomendadas. Ou seja, quer ajudar o outro,
mas não consegue nem ao menos se ajudar.
"Nego-velho refere-se, na verdade, a uma iniciação
superior, realizada no plano espiritual, assim como
ao conhecimento das leis da natureza adquirido
no passado remoto, em experiências de outras vidas,
através de anos e anos de dedicação. Para se ter
uma idéia dos diferentes níveis de aprofundamento,
façamos uma comparação entre o que significava
iniciação em sociedades antigas e o que significa
na atualidade. Ainda que houvesse variações de
cultura para cultura, os ritos serviam apenas para
completar, coroar um processo de iniciação; a verdadeira
iniciação já havia ocorrido e se processado
dos 7 aos 49 anos de idade, período em que o pupilo
permanecia internado no colégio de sábios, no pretérito.
Portanto, iniciar-se nos mistérios da natureza
consistia em estudar, praticar, adestrar faculdades,
amadurecer e provar não só o conhecimento,
mas a capacidade de administrá-lo.
"Pessoas que passaram por uma verdadeira iniciação,
quando encarnadas, trazem um rastro de realizações
atrás de si. Não precisam fazer propaganda
de seus dons ou de suas pretensas habilidades. Só
se pode identificar alguém com tal força e energia
superiores por meio das obras que realiza; em tor


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no delas, há uma movimentação que revela a construção
de algo maior, em benefício da humanidade.
Ao contrário dos rituais pueris e sem maior significado
de nosso tempo, a iniciação real não está
atrelada a recursos materiais e financeiros nem ao
ganho à custa de dores alheias, tampouco se macula
com troca de favores e com pagamento por serviços
de ordem espiritual. Na presente existência,
a maioria dos iniciados verdadeiros jamais passou
por rituais exóticos que pretendessem fazer deles
pessoas mais poderosas, zeladores de forças da natureza.
Refiro-me a uma iniciação constante, progressiva,
espiritual, profundamente comprometida
com a ética e o crescimento do espírito humano. É
algo bem distante das barganhas e fantasias pensadas
para festas... Um dia, em longínquas culturas,
talvez guardassem algum sentido espiritual, porém
hoje não passam de desfiles carnavalescos de que
sobressai apenas o cuidado com as coisas da matéria:
a profusão de comes e bebes, as roupas vistosas
e inusitadas, sem contar a disputa e o jogo sensual
ou erótico, elementos que servem somente para
mascarar a pobreza espiritual de quem alimenta
tais espetáculos de viciação espiritual."
Após breve intervalo para que seus filhos examinassem
melhor as idéias por ele ventiladas, o pai-velho
continuou, imprimindo novo enfoque à conversa:

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— À parte essas coisas, hoje nego-velho quer falar de
algo que julga extremamente necessário para meus
filhos e irmãos. Diante de tanta gente que vem à procura
de auxílio espiritual ou que, em seu desespero,
deseja encontrar proteção, nego-velho acha urgente
que os filhos entendam um pouco mais a respeito
de defesa energética. É preciso caminhar em busca
de sua espiritualidade de forma tranqüila e com a
certeza de quem sabe lidar com energias contrárias,
antagônicas ou mesmo discordantes.
"Meus filhos ficam muito à mercê de ataques energéticos,
de fluidos malfazejos ou de outros tipos de
energia que acabam por minar suas defesas. Vejo
muita gente boa se envergar diante de um ataque
de origem energética e, pior: acreditando que tem
espírito por trás de seu mal-estar. Outros tombam
com suas próprias questões espirituais, íntimas, e
não se dão conta de que suas emoções é que estão
desajustadas e os fazem vacilar. Alguns reclamam
de peso nas costas, dor na coluna, cansaço sem motivo
aparente ou incômodos que se manifestam aqui
ou ali. Percebo que meus filhos desconhecem questões
simples da vida espiritual que poderiam levá-
los a significativo ganho na qualidade de vida."
Antônio de Freitas aproveitou uma pausa na fala de
Pai João e transformou suas dúvidas em palavras:
— Eu mesmo, meu pai, muitas vezes senti como se
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quisesse desistir da minha jornada de espiritualidade.
Senti tanto desânimo outro dia que julguei que
tudo a minha volta conspirava contra mim e passei
a considerar que estava a tal ponto desequilibrado
que o melhor a fazer era afastar-me dos trabalhos.
Estava convencido de que minha presença prejudicava
os demais.

— Pois é, filho — comentou afetuosamente o benfeitor.
— Como você, muita gente envolvida com o trabalho
espiritual fica remoendo certos pensamentos
em sua cabeça, devido muitas vezes a uma insatisfação
pessoal. Em vez de se pronunciar, ou procurar
ajuda, faz da insatisfação um trampolim para se
afastar do grupo em que milita. Esse é um tipo de
desgaste de origem mental e emocional que afasta
muita gente do trabalho. A pessoa chega a se sentir
culpada de algo que não sabe o que é e nem imagina
que seu mal-estar é sem consistência. Afasta-
se gradativamente do trabalho: primeiro, distancia-
se das tarefas mais simples; depois, parece não se
enquadrar mais nas idéias que fazem parte da coletividade
e são características do agrupamento. É
como se estivesse alheia a tudo e a todos. O passo
seguinte é achar que os outros a deixaram de lado,
não mais se comunicam com ela nem a convidam
para as tarefas. Sente-se incomodada com algo que,
na verdade, é de sua inteira responsabilidade. Ou
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seja, é o indivíduo que está desajustado mentalmente
e envolve-se com situações outras, que acabam
por ocasionar seu desligamento da tarefa ou
da meta espiritual, permitindo-se assim boicotar
a própria escalada de sucesso espiritual. Para isso
tudo nego-velho tem um nome, que é desequilíbrio
energético e emocional.

— E tem remédio pra isso, meu pai?
— O remédio está na própria natureza, meu filho
— respondeu o pai-velho. — Seja dentro da própria
pessoa ou na natureza em si. O certo é que muita
coisa depende de se desenvolver uma postura
mental e emocional sadia. Antes de qualquer coisa,
é preciso ver que a fonte do problema está em
si mesmo. Nada de culpar o outros por seu fracasso
espiritual ou pela situação interna que traz incômodos
variados.
— A gente pode entender um pouco melhor a respeito
de como combater esses males, meu pai? —
tornou a perguntar Antônio de Freitas.
— É preciso agir a tempo, meus filhos, sem delongas.
Muita gente reage às situações. Alguém toma
uma atitude e, como reação a esse movimento externo,
o sujeito caminha como se tivesse despertado
de um sono letárgico. Nunca toma a dianteira.
Por isso pai-velho diz que se deve adotar uma atitude
proativa, isto é, que envolva ação; é preciso ser o
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fator de realização, aquele que gerencia suas escolhas,
toma as rédeas de sua vida nas próprias mãos
e não apenas tem reações aos atos de outrem.
"Quando você toma a decisão de fazer alguma coisa
e a faz, você movimenta energias, e movimentar implica
deixar de lado a ociosidade espiritual, emocional
ou energética. Equivale a fazer uma faxina em
seu interior e limpar tudo de dentro para fora. Esse é

o resultado de uma atitude deliberada, de uma ação
construtiva. Fazer alguma coisa, e não apenas pedir
ajuda ou deixar que outros façam por você."
— Muitos vêm aqui na cabana pedir por um descarrego,
Pai João, que a gente reze por eles, ou ainda
pedem passes que querem tomar. O que o senhor
pensa a respeito?
— É bom pedir ajuda, meu filho. Muitas vezes a gente
precisa mesmo é de aprender a gritar por socorro
quando não damos conta de carregar, sozinhos, o
peso de nossos incômodos. Mas não deve esquecer
que, embora a eficácia de certas energias da natureza
ou de certos métodos de manipulação energética,
esses elementos só serão eficientes quando a pessoa
que as recebe estabelecer em si uma atitude de
autodefesa energética ou autodefesa psíquica. Fazer
um descarrego com ervas, passes ou outro método
qualquer consiste apenas em se tomar emprestadas
energias alheias em benefício próprio. Quando
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tais energias se esgotam, pois que são um empréstimo,
volta-se ao estado anterior. Sendo assim, a única
maneira de restaurar o equilíbrio é desenvolver
nova postura íntima, mental e emocional capaz de
gerar em si o estado almejado, preferencialmente
enquanto dura o suprimento externo.
"Banhos, defumações, passes ou qualquer outro recurso
empregado na defesa de meus filhos só será
eficaz caso desenvolvam uma atitude mental e
emocional sadia. Não adianta pensar que os espíritos
resolvem tudo, porque não resolvem. Não temos
resposta para todas as perguntas, nem sequer sabemos
solucionar os problemas que vocês mesmos
originaram. O máximo que podemos fazer é direcionar
meus filhos, mas isso não exime cada um de
caminhar com as próprias pernas, com os próprios
pés. E vivendo e desenvolvendo uma ação construtiva
e ética diante da vida que meus filhos se sentirão
ao abrigo de forças inferiores. Rezas fortes nem
banhos, ebós nem sacudimentos conduzirão ao objetivo
desejado se meus filhos não aprenderem a viver
intensamente e com profundo respeito a espiritualidade
e os conceitos de defesa psíquica."
Dando novo enfoque a suas palavras, para melhor
traduzir seu pensamento de orientador evolutivo
daquela comunidade, arrematou:

— Com o tempo, meus filhos — continuou o espírito
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milenar que se apresentava na roupagem fluídica de
pai-velho —, os homens se libertarão da dependência
de muletas psíquicas. Muita gente tem imensa
boa vontade em sua expressão de religiosidade, mas
ainda se conserva prisioneira de expressões e convicções
primárias e dispensáveis no caminho da espiritualidade.
Enquanto não atingem um estado de
independência espiritual, reclamam elementos mais
ou menos educativos, que funcionam como alavancas
em sua caminhada evolutiva. Muita gente deixa
de estudar e experimentar vivências superiores,
libertando-se de crendices, para ficar cativa de suposições
pessoais cegas, as quais carecem de comprovação.
Outros indivíduos, alguns dotados mesmo
de vontade firme, encontram-se presos a crenças
impostas por pseudo-sábios e mestres que mantêm
fascinada a multidão. Até em certas expressões
religiosas louváveis encontramos pessoas prisioneiras
dos efeitos quase hipnóticos de cânticos, danças
e rituais esdrúxulos, que se apoiam na característica
sugestionável de pessoas inseguras ou imaturas
para uma vivência espiritual mais ampla.
"Mesmo sabendo disso, nós, os espíritos comprometidos
com a libertação desse cativeiro da alma, utilizamos
alguns poucos recursos pedagógicos que tenham
significado para certas comunidades religiosas,
a fim de conduzir o maior número de pessoas a

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livrar-se de expressões primárias de espiritualidade.
Ainda não há como dispensar simbologias e um ou
outro elemento que tenha representatividade para
os encarnados. No entanto, aos poucos, vamos conduzindo
meus filhos para a compreensão maior das
leis da vida, na esperança de que, em breve, possam
abdicar dos atavismos milenares que impedem vôos
mais altos nos céus da vida espiritual."
Com estas palavras, Pai João deu por encerrada a
conversa com seus filhos, a fim de poder atender o
povo que chegava à tenda para clamar ajuda.
Renovados com as palavras do pai-velho, os trabalhadores
daquele recanto se levantaram para dar as
mãos aos que sofrem, com maior vontade de servir
e com um pouco mais de consciência de suas responsabilidades.
Os trovões e relâmpagos não impediram que a tenda
de Pai João ficasse cheia de gente que pedia por
socorro espiritual. Aquele era um refugio seguro, e
nem sempre os espíritos atendiam diretamente as
pessoas. Muitas vezes, ao emitir uma comunicação,
eles davam por encerrada a sessão, deixando os ouvintes
refletir sobre o sentido daquilo que se pronunciara.
Esse era o melhor remédio que os benfeitores
podiam indicar para muita gente.

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da vida. Como cavalos, seriam conduzidos, embora
tivessem movimentos próprios, tal como esses animais.
Tinham a liberdade de ir e vir, de atuar, interferir,
impedir excessos, sendo responsáveis pelas
ações realizadas através de si. Não eram marionetes
sem vida, mas obedeciam às intuições conforme
o bom senso, a razão. O termo cavalo era apenas
uma figura simbólica muito utilizada na linguagem
cabocla, mas bastante apropriada, considerando-se

o tipo de trabalho que era realizado e os costumes
locais. Abstraindo-se dos nomes usados aqui e acolá,
todos eram médiuns de seus guias, a serviço do
amor ao próximo, da caridade.
Este era um aspecto que fazia toda a diferença nas
atividades realizadas sob o patrocínio do preto-velho
Pai João: nada se cobrava pelas orientações dadas
pelos guias espirituais ou pelos serviços prestados
pela comunidade. Fazia questão de deixar muito
clara a natureza filantrópica e espiritual de suas
atividades junto àquele agrupamento.
Em respeitoso silêncio, as pessoas foram se acomodando
nos bancos simples do salão, construído em
meio a várias árvores e jardins. A simplicidade, no
entanto, não significava desleixo. Tudo era muito
arrumado. As paredes claras com algumas samambaias
e outras plantas faziam a decoração do lugar.
À frente da cabana ou do salão de atendimento
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ao público, uma espécie de altar, onde se via apenas
uma cruz simbolizando o compromisso com o
Cristo, envolta num ramo de parreira, cujo simbolismo
remetia ao espiritismo, às falanges do espírito
Verdade. Uma toalha branca alvíssima emoldurava
o altar singelo, onde se concentravam as energias
dos médiuns e visitantes. Era um condensador
energético de grande potência, pois para ali convergiam
as vibrações dos médiuns e dos benfeitores
como se fosse uma bateria, pronta para ser utilizada
a fim de abastecer a corrente mediúnica em
suas necessidades magnéticas. Nenhuma imagem
de santo nem qualquer outro adereço compunha o
quadro, que, de tão simples, passaria despercebido
a qualquer um que não fosse informado de suas finalidades.
Dali irradiavam energias benfazejas, que
eram diariamente renovadas pelos benfeitores daquela
comunidade.
Não era um centro espírita, portanto não se poderia
esperar que a forma de culto ou de intercâmbio
obedecesse ao rigor observado nos centros que
chamavam de mesa ou nos que seguiam à risca as
convenções do movimento espírita. Era uma casa
de caridade apenas, um templo em cujas dependências
se praticava a lei da caridade conforme os
espíritos mais simples ensinavam. Nada mais.
Ouvia-se, desde o salão, um cântico suave, harmo


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nioso, que vinha dos aposentos atrás da mesa-altar
ou condensador energético. Era o local onde se reuniam
os médiuns, preparando-se para o atendimento
ao público. Todos se movimentavam tendo em
mente a santidade do lugar, conforme Pai João ensinara.
Um a um os médiuns tomavam seu banho de
asseio para depois entrar em contato com as energias
benéficas da natureza extraídas das plantas. Era

o banho de ervas, conforme haviam aprendido.
Afinal, os médiuns vinham todos de suas atividades
diárias, de seu trabalho. Segundo o ensinamento
recebido dos benfeitores de suas atividades, durante
o banho mentalizavam uma limpeza não somente
física, mas sobretudo energética. O banho com o
perfume das ervas remetia às forças da natureza,
de onde tais ervas eram retiradas, de acordo com as
instruções dadas previamente pelos pais-velhos. Os
médiuns respiravam fundo, faziam uma oração; ao
despejar o banho sobre si, reabasteciam-se de fluidos
balsâmicos, preparando-se para o atendimento
aos consulentes.
Ali, tomava-se precaução quanto às eventuais energias
daninhas e discordantes que alguém porventura
trouxesse impregnadas em sua aura. Ao exalar
o cheiro das ervas do próprio corpo, os médiuns,
muitas vezes sem o saber, contribuíam para que o
consulente pudesse aspirar o magnetismo primário
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da natureza. Isso fazia diferença. O perfume natural
das substâncias medicamentosas penetrava fundo
através do olfato e atingia certas regiões do cérebro,
liberando químicos que favoreciam novo estado
consciencial. Os próprios médiuns, ao inspirar

o perfume e as essências aromáticas, colocavam-se
em sintonia com energias balsâmicas.
A higiene física realizada antes dos trabalhos predispunha
à higiene mental e emocional, proporcionada
pelo contato com a natureza. Conforme Pai
João falara para seus filhos certo dia: "Se vocês não
convivem tão intensamente com a natureza, meus
filhos, vamos trazer a natureza para perto de vocês
através das ervas".
Na atualidade ainda há quem conteste a eficácia
dessas técnicas; contudo, entre aqueles supostamente
mais esclarecidos, esses métodos caboclos
são chamados de fitoterapia. Mudam-se os nomes,
a nomenclatura, mas o ensinamento e os efeitos
são idênticos.
Os médiuns vestiam-se de branco, e as roupas eram
feitas de forma simples, sem adereços, colares ou
qualquer outro tipo de enfeite. Apenas a roupa,
que era preparada especialmente para o trabalho.
A adoção desse comportamento ocorria para que
os médiuns não precisassem permanecer com suas
próprias roupas durante os trabalhos práticos, pois
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muitas vezes estavam sujas, usadas ou com odores
desagradáveis. O frescor e a limpeza dos trajes refletiam
o cuidado com o aspecto externo, lembrando
da necessidade de preparar-se internamente. A
roupa branca, além de revelar um aspecto simbólico
que lhe é inerente, transmitindo asseio e leveza,
apresentava também a vantagem de ser fácil de lavar
e de extrair dela possíveis manchas.
Todos ali cultivavam um sentimento de respeito
muito profundo para com o trabalho mediúnico.
Algo que, aos poucos, muita gente perdeu. Em
alguns locais, os indivíduos penetram em ambientes
dedicados ao trabalho espiritual como se adentrassem
uma reunião qualquer. Com freqüência, os
trabalhadores vêm de suas atividades profissionais
e nem sequer têm tempo de passar em casa para a
higiene pessoal ou para reabastecer-se energeticamente.
Comumente, as roupas impregnadas de
poeira ou de outros elementos, como os resíduos
da poluição atmosférica, são as mesmas com que
adentram os ambientes de seus templos ou casas
espíritas e com as quais atendem o público. Não
que isso seja errado, mas pode refletir a perda, observada
em muitos lugares, do sentido de santidade
que envolve o intercâmbio com os benfeitores espirituais
e o respeito para com aqueles que são atendidos,
de um e outro lado da vida.

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Quantos levantam os braços para aplicar os passes
curadores, exalando cheiro tão desagradável que se
anula o resultado esperado, devido às reações causadas
nos consulentes? Em outras ocasiões, a roupa
inapropriada do trabalhador desagrada os conceitos
mais simples de bom senso e respeito: curtas ou
apertadas demais, evidenciando partes, e decotes em
excesso, composições esdrúxulas ou simplesmente
trajes criados para o lazer, e não para o trabalho.
A fim de evitar situações semelhantes, Pai João definiu
entre os seus filhos a adoção de algumas medidas
naquele recanto de trabalho. Além do uniforme
branco, todos deveriam realizar a higiene física
e energética ali, antes do atendimento ao público.
Após os banhos de asseio e com as ervas, os médiuns
deveriam receber o passe magnético antes de
adentrar o salão de atendimento ou as salas de manipulação
magnética, local onde eram tratados os
casos mais graves de saúde e alguma emergência de
natureza espiritual ou energética.
Aquelas não eram regras rígidas, que nunca pudessem
ser quebradas. Aliás, Pai João adiantara para
seus filhos, os trabalhadores do remanso de paz, que
toda regra é para ser quebrada quando necessário,
uma vez que imprevistos surgem aqui e acolá. Era
necessário pedir a sabedoria do Alto a fim de entender
quando e como agir; em que momentos deve


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riam se apressar ou diminuir o ritmo da caminhada
e, ainda, quando precisavam simplesmente parar,
a fim de evitar zelo em excesso, o que, em geral, se
aproxima perigosamente do fanatismo religioso.
Na hora em que os médiuns penetraram o ambiente
onde se encontrava o público, já encontraram
um lugar harmonizado. Aroma de ervas muitíssimo
discreto exalava não se sabia de onde. Era algo muito
sutil, quase imperceptível, não agressivo ao olfato
nem a alguma sensibilidade.
Quando as pessoas ingressavam no salão, as precauções
energéticas já haviam sido tomadas. A limpeza
fluídica do ambiente já se realizara, e as vibrações
necessárias à manutenção da harmonia já haviam
sido feitas anteriormente. O respeitoso silêncio dos
consulentes daquela noite, e de tantas outras, era
algo notável. Tinham em mente que o lugar era dedicado
ao intercâmbio com os representantes do
bem maior, das fraternidades do espaço e consagrado
ao contato com os próprios benfeitores. De
branco, os médiuns lembravam enfermeiros que,
instantes antes, haviam se preparado e se higienizado
e então estavam aptos a receber os médicos
do Alto, que atenderiam os convidados de Jesus, os
necessitados de carinho, de aconchego ou simplesmente
de uma palavra amiga.
Música suave e com tons harmoniosos começou a

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ser cantada por um dos médiuns, acompanhada pelas
notas harmônicas de um violão, dedilhado por
alguém que sabia como dar o tom certo a fim de tocar
os corações. Era uma cantiga que lembrava o
paraíso espiritual; era uma cantiga de Aruanda.
Após a prece de abertura dos trabalhos, um a um
os médiuns foram incorporando seus mentores. Pai
João assumiu seu médium em conformidade com
as práticas daquele recanto de trabalhos fraternos.
Em silêncio, os presentes ouviam a mensagem do
pai-velho, que abria os trabalhos da noite:

— Deus seja louvado, meus filhos. Estamos aqui
nesta noite abençoada para dar uma palavra de
conforto aos filhos que vêm em busca de consolo.
Nosso objetivo não é solucionar os problemas materiais
nem trazer respostas para questões de ordem
íntima, vividas por todos. Trabalhamos na tarefa
do consolo, do esclarecimento e da cura espiritual.
Não viemos substituir a medicina nem os médicos.
Nosso trabalho, meus filhos, é auxiliar, amparar
de acordo com as necessidades energéticas e
espirituais de meus filhos. Vestimos a roupagem do
pai-velho para que possamos falar aos simples, de
forma simples. Não somos mais escravos, tampouco
estamos aqui para satisfazer os desejos de quem
quer que seja. Nosso intuito é combater o preconceito,
é indicar caminhos na busca da espirituali49




dade. Se porventura houver algo mais complexo no
histórico de vida de meus filhos, faremos de nossa
parte o possível para orientar cada um quanto à melhor
maneira de se libertar das complicações de origem
espiritual ou energética. Mas não pensem que
resolveremos seus problemas nem que tenhamos
respostas para todas as indagações e dúvidas. Não
adivinhamos nada da vida de ninguém nem pretendemos
fazer aquilo que cabe somente a vocês. Não
trabalhamos por interesses mesquinhos, não fazemos
casamento, não arranjamos emprego nem pretendemos
curar os males do corpo. Também não lidamos
com questões sentimentais ou conjugais.
"Nosso objetivo aqui é de ordem espiritual. Tenham
fé em Deus e confiem na força que existe dentro de
vocês. Juntos podemos muito, e nessa parceria entre
o esforço de cada um e as vibrações divinas é
que serão vencedores. Deus seja louvado!"
Após as palavras do preto-velho Pai João, os consulentes
foram encaminhados um a um para a conversa
fraterna e consoladora com os espíritos que
atendiam através de seus médiuns. Perto de cada
médium havia outro trabalhador, responsável por
transcrever as prescrições e o aconselhamento propriamente
dito.
De repente, um dos presentes foi envolvido por
uma energia estranha. Primeiro, foi um arrepio que

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considerou como algo comum, natural, como tantos
outros que já sentira. Em seguida, Tony, que visitava
a casa pela primeira vez, notou um pensamento
estranho imiscuir-se em sua mente, como se fosse
tateado por tentáculos invisíveis. Estava ofegante
diante da presença de alguém que não podia ver,
embora o percebesse de maneira intensa. Já sentira
algo assim antes, principalmente quando chegava
em casa tarde da noite, após freqüentar alguns
ambientes que ele próprio julgava inapropriados.
Certo dia, viu-se quase arrancado de seu próprio
corpo, como se alguém estivesse empurrando-o ou
querendo assumir o controle de sua mente e de seu
corpo. Era uma força estranha, uma presença marcante.
Em ocasiões como essa, seus braços movimentavam-
se de modo involuntário e a cabeça parecia
ganhar vida própria. Era como se sua voz se
modificasse levemente e ele começasse a pronunciar
coisas que não tinha o costume de falar. Depois
de tentar os recursos da psicologia, inclusive fazendo
regressão de memória, qual não foi sua surpresa
quando se ouviu falando com o terapeuta num
timbre de voz desconhecido. Não conseguia dominar-
se nesses momentos. Foi então que um amigo

o conduziu à tenda onde agora se encontrava, para
uma entrevista com os espíritos, a fim de que pudesse
compreender o que se passava.
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Agora Tony estava ali, sentado e aguardando o seu
momento de falar com o preto-velho, quando aquilo
tudo, aquela sensação estranha, parecia querer
eclodir novamente. Tinha medo de si mesmo. Seria
essa força um espírito?
Pai João, demonstrando conhecer o que se passava
com Tony, interrompeu sua conversa com a consulente
que atendia e pediu a um dos trabalhadores
que conduzisse o rapaz a um cômodo ao lado. Lá
deveria receber um passe, uma transfusão de energias;
tal iniciativa serviria para acalmar a entidade
e também para revigorar o moço, que sofria visivelmente
ao tentar conter o assédio espiritual, embora
não conhecesse o bastante a respeito do assunto
para obter completo êxito.
Pai João retomou sua conversa com a mulher que
lhe pedira auxílio:

— Sabe, minha filha, muitas vezes os filhos de Terra
desconhecem certas questões espirituais e não
atentam para o fato de que suas atitudes definem o
tipo de energia que atraem para si. Tudo é sintonia
neste mundo de Deus. É preciso ficar atenta, porque
todos vocês estão mergulhados num oceano de
energias, com o qual interagem o tempo inteiro. No
mundo, estando encarnado ou não, não podemos
deixar de pensar que nossas ações, pensamentos e
emoções são poderosos instrumentos de elevação
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ou de queda. Portanto, filha, pense um pouco em
como você tem conduzido sua vida; como tem agido
ou reagido em face das diversas situações que
tem encontrado como desafios. Ao que parece, filha,
você tem criado em sua mente os próprios fantasmas
que a perseguem e julga que tem coisa-feita,
magia ou maleita que alguém imaginário está enviando
contra você.
"Nego-velho pede apenas que possa sondar seu interior
e procurar em seus pensamentos a própria
fonte de tudo o que julga estar lhe atingindo. Minha
filha tem gerado energias a partir de sua atitude
mental, do tipo de pensamento que está alimentando
e das emoções que acompanham tais pensamentos.
E é natural que esse padrão específico de
imagem mental, oriunda de si própria, atraia emoções
e imagens compatíveis, com o mesmo peso
ou teor energético. Essa é a magia mental, talvez a
mais difícil de ser enfrentada, pois exige da pessoa
uma mudança de rota, uma redecisão para modificar
completamente o foco de sua atenção e educar
as emoções e sentimentos com vistas a melhorar a
qualidade da vida íntima."

— Mas, meu pai — falou a consulente. — Eu tenho
me sentido dividida entre o que devo fazer e as minhas
emoções...
— Você está numa encruzilhada energética, minha
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filha — tornou o pai-velho. — É o entroncamento
entre razão e emoção. Aí, nesse exato lugar, é que
se define a vida de muitos filhos de Terra. Sabem
que há algo errado ou que precisam mudar, modificar
a rota e estabelecer novo rumo ou nova meta
pra suas vidas. Contudo, minha filha, tão-somente
saber disso parece não servir de impulso para as
realizações. É que as emoções de meus filhos encontram-
se comprometidas ou desarmonizadas,
e, embora saibam intimamente qual é o caminho,
querem que as coisas se modifiquem de acordo
com suas emoções, e não o contrário; querem que

o mundo se adapte a si, e não o contrário. Desejam
que as emoções, freqüentemente desajustadas, estejam
acima da razão e sofrem por ver que a realidade
não é assim. Ninguém consegue mudar a lei
divina, minha filha. Não há como fugir da responsabilidade
de ser o próprio semeador de sua felicidade
ou infelicidade. Não adianta culpar espíritos,
procurar coisa-feita ou mandinga ou mesmo tentar
fazer um trabalho para mudar a situação. Somente
você poderá fazer o trabalho operoso de modificação.
Não há como mudar os sentimentos dos outros
nem as emoções alheias.
"Mas existe uma maneira de você se modificar, de
investir em suas próprias emoções, usando a razão
para definir um estado melhor de vida mental e
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emocional para si. Não espere o outro mudar, filha;
mude você primeiro. Comece em si mesma as mudanças
que deseja no outro e verá como sua vida
ganhará em qualidade. Tire esse negócio de mandinga,
de trabalho feito ou de alguma maleita de
sua cabeça; aprenda de uma vez por todas, minha
filha: se há qualquer coisa que pode modificar sua
vida para melhor ou para pior, essa força parte é de
dentro de você. É a sua própria mente que vai definir
o tipo ou a qualidade de vida que você terá deste
ponto em diante.
"Pai-velho sabe que você está numa encruzilhada vibratória,
dividida entre a razão e a emoção. Mas vou
lhe dizer, filha. Certo amigo bem mais elevado do
que pai-velho disse uma vez que Deus colocou a cabeça
acima do coração para que a gente possa pensar
primeiro antes de agir. Vamos aprender com esse
pensamento e traçar novos rumos para a vida. Não
aja por impulso nem baseada nas emoções, porque
se arrependerá sempre. Pare de reagir e aja; seja uma
pessoa ativa, que toma as decisões baseada num planejamento
de sua vida. Não transfira a outros, quer
espírito ou encarnado, a direção de sua vida. Você é
arquiteta da própria felicidade, minha filha."
Antes que a consulente pudesse falar mais alguma
coisa, o pai-velho deu por encerrados seus conselhos
e, levantando a mão direita, evocou as forças

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superiores do bem as quais se vinculava, rogando
as bênçãos da misericórdia divina para a vida daquela
que o procurava. Com essa atitude, o pai-velho
João Cobú ou Pai João de Amanda deu por encerrada
a conversa com a consulente. Ele precisava
atender o rapaz que naquele momento recebia o
passe na sala ao lado.
Incorporado em seu médium, o preto-velho levantou-
se da cadeira e dirigiu-se ao outro aposento, enquanto
no salão os demais médiuns atendiam aqueles
que procuravam socorro emergencial. Mentalmente,
tateara os pensamentos de Tony, o moço
que sentia uma ação estranha sobre si. O pai-velho
já sabia a forma exata de abordar a questão. Adentrou
o ambiente reservado, onde poderia atender o
caso fora do olhar atento dos curiosos, respeitando
a ética, que resguardaria tanto a pessoa quanto
o espírito dos olhares alheios. Ali, em sua tenda,
Pai João optara por trabalhar apenas na presença
de outros médiuns, sem expor o consulente diante
de outras pessoas. Ao chegar ao local onde estava

o rapaz, rodeado por quatro trabalhadores da casa
de caridade, pôde perceber mais precisamente a dimensão
do problema que o moço enfrentava.
A princípio, o rapaz lutava intimamente contra a
força que o pressionava, que quase o tornava impermeável
aos fluidos transmitidos através dos
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passes. Quando o pai-velho adentrou o ambiente,
aí sim, ele pareceu perder completamente o equilíbrio
e cedeu lugar quase imediatamente à entidade
que o acompanhava.
No mesmo instante, Pai João pediu a um dos médiuns
que se colocasse à disposição para aquilo que
na umbanda se denominava puxada. O espírito que
acompanhava o rapaz seria imantado à aura do médium
a fim de ser encaminhado a tratamento. Nada
de força, nada de constrangimento.


— Este caso — falou baixinho o preto-velho para os
outros médiuns presentes — é o típico caso do encosto,
conforme dizem meus filhos. Um espírito
qualquer se sentiu atraído pela aura do rapaz e, de
modo bastante natural, sentiu afinidade com o comportamento
dele. O espírito não pretende fazer mal
algum; porém, está quase que aprisionado magneticamente
à sua aura. Mas não adianta nada separarmos
os dois se o moço não modificar a vibração de
seus pensamentos e emoções, adquirindo atitudes
mais sadias. Vamos ver o que se pode fazer.
O pai-velho induziu um dos médiuns a ficar ao lado
do rapaz, que se contorcia e chorava, como se estivesse
numa luta intensa.
Do outro lado da situação, a entidade tremia violentamente,
quase em espasmos, literalmente grudada
à aura do rapaz. Energias sutis eram sugadas
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pela entidade, que subtraía de Tony fluidos preciosos,
porém em grande medida comprometidos pela
qualidade das emoções do consulente. Eram fluidos
pesados, que pareciam se esvair através dos poros
ao mesmo tempo em que eram absorvidos pelo
espírito errante.
O médium entrou em sintonia com o pensamento
da entidade, e a transferência magnética foi imediata,
liberando Tony da influência estranha. O espírito
acoplou-se vibratoriamente à aura do médium e
começou a se utilizar da sua voz para expressar-se:

— Eu não tenho culpa — falou, quase gaguejando,
a entidade através do médium Paulo César. — Fui
atraído para perto dele e, a partir daí, não consegui
mais me livrar. Estou amarrado a ele.
Sob a orientação do pai-velho, a entidade foi desligada
fluidicamente da aura do consulente.
Espíritos amigos aproximaram-se do rapaz, manipulando
energias magnéticas com tal intensidade
que os laços fluídicos com a entidade foram desfeitos
de imediato. Contudo, via-se claramente que
fluidos pesados ainda ficaram aderidos ao corpo espiritual
de Tony. Parecia uma fuligem, que impregnava
a aura do moço, penetrando pelo interior de
seu corpo.
— Você está com uma crosta de sujeira energética,
meu filho — falou o pai-velho para o rapaz, que
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recobrava seu domínio mental. — É como se você,
durante longo tempo, tivesse se envolvido com ambientes
ruins e nocivos a sua saúde espiritual. Elementos
de baixíssima vibração impregnaram sua
aura. E olha que a culpa não é do obsessor, mas é
responsabilidade sua.
O rapaz baixou o rosto sensibilizado e, ao mesmo
tempo, envergonhado.


— Sua conduta, filho, é que define o tipo de companhia
espiritual que circunda ao seu redor. Não
adianta estar vestido de terno e gravata e ter um
verniz social, sem uma vivência real de qualidade.
Pode até ser que você pense estar escondendo algo
de seus amigos ou de alguma pessoa, mas sua vida,
na verdade, é um livro aberto. Para nós, espíritos, as
atitudes e os comportamentos se transformam em
entidades vivas, em energias poderosas, sejam eles
bons ou maus. É dessa forma que você atrai outros
seres que se apegam a seus vícios e paixões e,
de alguma maneira, passam a se alimentar de seus
pensamentos mais secretos, espelhando-se em seu
comportamento. Nem sempre esses espíritos despreparados
querem prejudicá-lo, mas com certeza
a qualidade de seus pensamentos e atitudes os
excita e atrai. Por sua vez, através do processo de
sintonia mental, eles acabam por influenciar você
também, embora nem sempre tenham consciência
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do que lhes ocorre. Tenha cuidado, filho, pois semelhante
atrai semelhante.
Depois de algum tempo, oferecido para reflexão de
Tony, o pai-velho arrematou:


— Fique mais um pouco por aqui e veja se assimila
algum ensinamento para sua alma. Depois, vá entrar
em contato com a natureza, respirar ar puro ou
simplesmente tomar um banho de ervas de cheiro.
Os filhos que trabalham com pai-velho lhe darão as
ervas e ensinarão o que fazer com elas.
Do outro lado da vida, espíritos especialistas conduziram
a entidade responsável por parte do mal-
estar de Tony a um recanto da natureza. Um dos
espíritos socorristas, cuja vestimenta fluídica tinha
o aspecto de um caboclo, trouxe recursos extraídos
da natureza. Dentro de uma espécie de pote, havia
um preparado de diversas ervas, que lançavam no
ar um cheiro peculiar, um aroma forte e ao mesmo
tempo agradável. O espírito que se afastara do
rapaz aspirou o perfume que exalavam, e o que se
viu em seguida foram estruturas semelhantes a vapores
densos serem expulsas ou exsudarem de seu
corpo espiritual. A tal entidade parecia adormecer
lentamente, enquanto o aroma das ervas cumpria
seu efeito terapêutico, sob a ação do caboclo juremeiro
— isto é, especialista na força das plantas.
Outros espíritos especialistas nesse tipo de auxílio
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levaram a entidade a um posto de socorro no plano
extrafísico, onde certamente obteria mais recursos
para recuperar-se e reeducar-se.
O caboclo que agiu sob a orientação de João Cobú
era um profundo conhecedor das ervas e de outras
terapias naturais. Quando encarnado, fora um estudioso
da fitoterapia e desenvolvera amplo conhecimento
acerca da homeopatia. Escolhera trabalhar
ali devido aos inúmeros casos que ofereciam grande
oportunidade de ser útil. A roupagem fluídica
de caboclo era referência a uma de suas existências,
em que fora um velho cacique numa aldeia da
Terra de Santa Cruz. Ali, naquela casa de socorro,
desempenhava um papel importante: auxiliava na
limpeza energética ou fluídica dos corpos espirituais.
Recebia sob sua custódia espíritos sofredores
e outros mais, que acompanhavam as pessoas que
ali acorriam em busca de ajuda. Enquanto isso, Pai
João, incorporado em seu médium, dedicava-se à
orientação, à conversa fraterna e a ouvir as pessoas
que o procuravam.
Retornando a atenção para a tenda, no salão onde
se encontravam diversas pessoas se consultando
com os médiuns incorporados — algo nada comum
numa casa espírita, mas perfeitamente compreensível
dentro da filosofia do culto umbandista, de suas
práticas e costumes —, o pai-velho atendia uma pes


61



soa que parecia interessada em conhecer algo mais
a respeito dos espíritos e da forma fluídica que adotavam
ao se manifestar em outros cultos.

— Venho aqui, Pai João — começou a falar o homem
que pedia auxílio em seus estudos —, para entender
um pouco como funciona o culto no formato
da umbanda. Eu não sou umbandista, mas espírita;
portanto, nunca vi nada semelhante ao que ocorre
por aqui. Queria sua ajuda para meus estudos, a fim
de obter maiores detalhes a respeito das diversas
manifestações espirituais em sua tenda.
— Eu entendo, meu filho. Primeiro, louvo a Deus
que alguém queira estudar um pouco das manifestações
tais como ocorrem em locais ou cultos diferentes
do seu, destituído de preconceito. Mas é bom
que saiba, meu filho, que por aqui não se pratica a
umbanda da forma ortodoxa, como outros irmãos
umbandistas a entendem; temos aqui uma espécie
de transição em matéria de vivências espirituais.
Não posso classificar nosso método como umbanda
propriamente dita. Estamos nos esforçando por
trazer apontamentos aos trabalhadores desta tenda,
de modo a ensinar outros métodos tão eficazes
quanto os praticados na umbanda de raiz. Os filhos
que aqui trabalham estudam bastante, aprendem
diretamente, no campo abençoado do dia-a-dia,
como lidar com os problemas de ordem espiritual.
62


Acredito que estamos, aos poucos, conseguindo liberar
meus filhos do misticismo exagerado e de
certas fantasias que são fruto de crenças irrefletidas,
assim como educá-los para que possam dar um
passo além, em termos de espiritualidade.
"Contudo, aqui trabalhamos com caboclos, pais-
velhos e outras entidades que preferem essa forma
fluídica a fim de cativar aquelas pessoas mais simples
ou aqueles que se sentem mais afinados com
certos elementos que são familiares a seu conceito
de vida espiritual e sua cultura, do ponto de vista
reencarnatório. Também optamos por esse formato
ou aparência fluídica porque, no plano astral, trabalhamos
com espíritos que, durante muito tempo,
ficaram presos a crenças bem distorcidas ou mesmo
a interpretações equivocadas sobre a vida espiritual.
Apresentarmo-nos com o aspecto de pais-
velhos ou caboclos geralmente resulta em mais impacto
e maior respeito entre esses espíritos, além, é
claro, de podermos cativar aqueles mais simples, a
quem dedicamos nosso trabalho e nossa atenção."

— Mas não entendo por que vocês são chamados
de pais-velhos, e não de irmãos, como nos centros
espíritas...
— Pai, irmão, primo; tanto faz, meu filho. Você mesmo
pode escolher o tratamento, como quiser. Os filhos
nos chamam de pais-velhos apenas como for63




ma de distinguir aqueles espíritos mais experientes,
os responsáveis por sua condução ou orientação
espiritual. O termo pai-velho significa apenas
isto: alguém mais experiente, mais vivido. De todo
modo, não se atenha a essas minúcias, filho. Chame-
nos como quiser e estaremos próximos, conforme
a vontade de Deus, nosso pai.
"Se bem que nego-velho também poderia questionar
meu filho sobre o porquê de se referir aos obsessores,
de maneira generalizada, como irmãos ou
irmãozinhos, quando na verdade não há nenhuma
identidade espiritual entre eles e aqueles que, ao
menos em tese, buscam o bem e o amor do Cristo.
No mínimo, não se poderia chamar de irmão quem
luta contra o estabelecimento do bem sobre a Terra!
Acredito que essa acepção da palavra irmão seja
exclusiva do movimento espírita. Agora, vocês querem
que em todo lugar onde se manifestem espíritos
o vocabulário empregado seja o mesmo, tomando
por base a forma comum a vocês? Isso nego-
velho não entende também. Se assim fosse, meu
filho, como iríamos encaixotar as mentes de todas
as pessoas que trabalham com manifestação mediúnica
ao redor do mundo, de maneira que falassem
do mesmo jeito, com as mesmas palavras?"

— É, eu não havia pensado nisso...
— Portanto, meu filho, fica a sua inteira escolha cha64



mar um espírito de pai, irmão ou usar um pronome
qualquer, sem que nenhuma forma escolhida seja
considerada errada. Errado, no entender de nego-
velho, é o preconceito arraigado, que se esconde
por trás dessa idéia ou questionamento. Pare pra
pensar, filho: por que será que o espírito de um pai-
velho é rejeitado como se fosse inferior, apenas por
se manifestar como um ancião negro? Unicamente
por causa da aparência fluídica? Será que no plano
espiritual ou astral existe uma forma correta de
manifestação ou uma prescrição a respeito? Onde
está escrito que todos os espíritos têm de se manifestar
como brancos? As vezes tenho a impressão
de que muitos acham que a conformação original
do espírito é branca... Negro ou indígena seriam
formas transitórias, inferiores.
"Por que, na forma espiritual de um negro, um espírito
não pode ser recebido entre aqueles que proclamam
a fraternidade e se dizem representantes
do Cristo, que nunca fez acepção de pessoa? Nego
não consegue entender como em certos locais não
se admitem espíritos de negros velhos, mas se admitem
de brancos velhos — padres, doutores ou o
que for —, que levam seus médiuns a falar com voz
embargada, quase curvados, adotando evidente aspecto
de ancião, mas, como são médicos, letrados
ou católicos — e brancos — são considerados qua


65



se anjos, são quase venerados. Caso outro espírito
se apresente como negro, envergando um pouco o
médium e falando com voz entrecortada, num tom
ligeiramente diferente do habitual, logo ele é rotulado
como obsessor, espírito inferior, 'apegado a
seu passado espiritual', e acaba rejeitado porque se
utiliza de um vocabulário mais simples. Engraçado...
O espírito não tem de escolher alguma forma
para se comunicar? No entanto, nego-velho nunca
viu alguém dizer que aparecer com vestes eclesiásticas
era sinônimo de apego ao passado, a despeito
de todos os horrores patrocinados pela Igreja na
história da humanidade.
"Pense nisso, meu filho, e reflita onde está a raiz do
problema. Analise se não há uma contradição nessa
postura ante os espíritos ou, quem sabe, algo que
ainda incomoda meus filhos desde a época da escravidão
moderna: o preconceito racial e religioso
escondido sob o manto de conceitos espirituais
mais sofisticados. Você sabe, os jesuítas também
achavam que estavam fazendo um favor ao converter
negros e indígenas ao catolicismo, ainda que
à custa de ameaça, pois, afinal, estavam salvándoos
do inferno! Intolerância, falta de disposição em
conviver com o diferente, adotar as próprias convicções
como referência — alguns séculos depois,
tudo permanece ainda muito forte na alma huma


66


na, não é, meu filho?
"Pense mais: por que se podem receber antigos padres,
freiras, médicos e orientais, enquanto no mesmo
lugar os espíritos dos negros e índios não encontram
abertura para trabalhar? Um pouco de pesquisa
a respeito do passado do nosso país, meu filho,
lhe dirá a respeito do que se passou entre padres, irmãs
de caridade e outros tipos que, no passado, abusaram
dos negros e indígenas e veneravam pessoas
procedentes da Europa e de países do Oriente como
representantes de uma cultura mais evoluída. Passado
algum tempo, ao se manifestarem em centros espíritas,
é natural que ainda tragam resquícios de seu
passado através da religiosidade exagerada e do preconceito
transferido para a esfera extrafísica."
Dando uma pausa para o homem pensar, Pai João
continuou:

— Agora, filho, vocês têm de ficar atentos, pois se
padres e irmãs de caridade não conseguiram deter
a marcha do espiritismo como desencarnados, cuidado,
muito cuidado, pois muitos deles se encontram
disfarçados numa roupagem de carne e intentam
dominar os centros espíritas com uma catequese
castradora dissimulada de espiritualidade.
— Pois é, Pai João, fico pensando em algo semelhante
quando avalio o perfil das pessoas que geralmente
compõem a diretoria de nossas casas espíritas...
67



No entanto, deixando de lado minhas preocupações,
queria entender melhor a natureza dos espíritos
que tradicionalmente se manifestam na umbanda e
noutros cultos semelhantes, especialmente quanto
à especialidade dos pais-velhos. Como entender o
tipo de atividade que realizam no plano astral?

— Quando alguns espíritos se apresentam com aspecto
de pais-velhos, isso não implica necessariamente
que tenham sido escravos ou negros em sua
última existência. Muitos escolhem essa figura humana
a fim de estampar em sua vestimenta perispiritual
algo que tenha afinidade com a cultura brasileira,
com a formação espiritual de nosso povo e,
assim, aproximar-se das pessoas simples e atingi-
las mais facilmente. A forma exterior que ostentam
tais benfeitores pode conter muito mais de simbolismo
do que revelar que tenham sido escravos.
Querem combater o preconceito e quebrar barreiras
raciais, religiosas, sociais.
"Há espíritos que realmente foram negros e desencarnaram
em idade avançada, embora nem sempre
tivessem conhecimento de questões espirituais.
Não se pode ignorar que muitos experimentaram
enorme sofrimento e, impotentes, sem ter como
se defender, desenvolveram amarga revolta contra
seus senhores. Evidentemente, isso também revela
que não possuíam a devida maturidade espiritual.
68


"Por outro lado, posso dizer também que verdadeiros
iniciados do passado glorioso de certas civilizações
buscaram, no seio da mãe África, o meio
de desempenhar seu papel, servindo de referência
para os povos que precisavam de orientação, principalmente
no momento em que se enchiam os navios
negreiros rumo à terra brasileira. Reencarnaram
no Congo, em Daomé [atual Benim] e em outras
nações da costa ocidental africana, trazendo o
conhecimento de suas experiências passadas. Estes,
sim, são os verdadeiros pais-velhos — em oposição
a pretos-velhos. Repare que o termo pai aqui
é empregado com muito acerto, pois ressalta a dilatada
experiência de vida que tais espíritos possuem,
algo muito bem representado na figura do
ancião. Necessariamente possuidores de algum conhecimento
iniciático ou espiritual, os pais-velhos
são entidades geralmente mais experientes que os
demais, inclusive que os pretos-velhos. Claro que
essa é uma separação didática; no dia-a-dia, ambos
os termos são empregados sem distinção: pai-velho
e preto-velho. A rigor, entretanto, há diferença entre
eles, conforme expliquei.
"No que diz respeito à forma astral escolhida pelos
pais-velhos para se manifestar — não somente
em seus médiuns, mas no plano extrafísico também
—, ela remete à idéia de humildade, sabedo


69



ria, simplicidade e experiência, próprias da maturidade
espiritual.
"Iniciados de antigas civilizações e, hoje, na roupagem
fluídica de pais-velhos, tais espíritos possuem
vasto conhecimento acerca do desmanche de magia
negra ou antigoécia, por exemplo. São respeitados
entre os representantes das sombras, na subcrosta,
e muitos deles, inclusive, são temidos por essas falanges
de obsessores. No campo da saúde, conhecem
muito sobre os recursos da medicina espiritual e natural,
tal como o uso de ervas, que meus filhos atualmente
chamam de fitoterapia. Além disso, os pais-
velhos dominam o elemento ectoplasma, do qual são
hábeis manipuladores. Sabem empregar essa substância
a fim de materializar certos medicamentos,
utilizados para a cura dos filhos da Terra, sem contar
sua extrema habilidade na área do magnetismo.

— Eu não tinha idéia da procedência espiritual, tampouco
da especialidade dos chamados pais-velhos.
— Pois é, filho, mas como você veio em busca de conhecimento,
Pai João gosta muito disso e aproveita
para falar a respeito dessas e de outras coisas importantes.
É preciso formar uma idéia mais ampla
sobre a diversidade de espíritos que trabalham em
nosso planeta.
"Examine, por exemplo, o caso dos caboclos. As
entidades espirituais que se manifestam tanto em
70


seus médiuns quanto no plano astral com a vestimenta
de caboclo não foram obrigatoriamente índios
ou selvagens em sua última encarnação. Muito
pelo contrário!
"Grande número dos espíritos que adotam a característica
de caboclo tiveram seu caráter firme forjado
em templos do passado, principalmente entre
as civilizações inca e asteca, entre outras. Tal como
ocorre com os pais-velhos, possuem íntima ligação
com certas energias da natureza, tanto quanto com
a cultura da qual procedem. Em virtude desse fato,
preferem estampar a imagem de um índio, de um
sertanejo ou de um bandeirante em sua vestimenta
espiritual, em sua aparência. Daí se pode entender
por que alguns caboclos são recrutados para trabalhar
ao lado de grandes luminares da espiritualidade,
que foram sábios em sua última existência.
Além de tudo isso, a forma astral do caboclo também
traz um simbolismo. Representa jovialidade,
energia, destemor e valentia, bem como capacidade
de transformação e progresso. É a representação
do jovem guerreiro, daquele que tem a característica
de mudar o panorama, de enfrentar os desafios
da existência e modificar as situações menos favoráveis
em outras mais nobres.

— Então os caboclos também foram iniciados em
outras civilizações, como os pais-velhos?
71



— Não se pode generalizar, meu filho. Especialmente
se considerarmos que, na umbanda e em certos cultos
de transição, observa-se uma variedade de seres
espirituais a que muitos dão o nome de caboclos.
"Antes de continuar com as explicações, é preciso
dizer que este pai-velho está lhe dando apenas um
ponto de vista a respeito da variedade de manifestações.
O que estou lhe falando não é consenso nem
mesmo entre os representantes da umbanda. No
entanto, é sob esse ponto de vista que nego-velho
quer conduzir seu olhar.
"Assim sendo, dentro da variedade a que me referi,
temos os chamados caboclos índios. Eles integram
imensa legião de trabalhadores, guardiões, baluartes
da lei e da ordem, combatentes que são das falanges
do mal. Como verdadeiros caças, saem pelo
umbral afora em tarefas de defesa e disciplina, temidos
que são por muitos espíritos das trevas.
"Na umbanda e em outras expressões de espiritualidade,
são comuns outros tipos, tais como os boiadeiros.
Especialistas em desobsessões, coletivas e
individuais, investem contra as bases das sombras
e destroem as fortalezas do astral inferior. Dotados
de grande magnetismo, são respeitados e temidos
pelas entidades do mal, sobretudo pelos marginais
ou quiumbas, tão comuns em ambientes que oferecem
grande perigo aos encarnados."
72


Após breve intervalo, para que o interlocutor pudesse
assimilar o que dizia, Pai João prosseguiu:

— Como já lhe disse, nego-velho está lhe dando uma
explicação baseada não na teologia umbandista, mas
na realidade cultural mais próxima da que você está
habituado, meu filho. Certamente encontrará outros
pontos de vista sobre esse assunto entre os representantes
da umbanda e do candomblé. Porém,
nego-velho, neste momento, não tem por objeto religião
e doutrina, mas a descrição da realidade espiritual
que transcende as interpretações religiosas.
— Entendo, meu pai. Se julgar apropriado conceder
mais informações, estou aberto a ouvir e estudar.
— Pois bem, meu filho — retomou Pai João calmamente.
— Ainda sobre a forma espiritual adotada
por alguns espíritos, alguns caboclos adotam não a
forma do índio, mas do marinheiro. De alguém que
viveu junto às águas, ao mar, portanto trabalhando
com emoções, inclusive por ter vivenciado os tremendos
desafios que envolvem a navegação: desde
tormentas e fenômenos climáticos até a solidão dos
meses e anos singrando pelos mares, longe da família
e dos seus. Na umbanda, bem como em alguns
candomblés que recebem sua influência, chama-se
freqüentemente de marinheiro aquele espírito que
lidera falanges acostumadas a lidar com o sentimento
e as emoções e que atuam no contato com o
73



elemento água — que remete à suavidade e ao amor
e auxilia na libertação de vinculações magnéticas.
Quando se pretende fazer uma limpeza energética
com suavidade, o elemento água é o mais indicado,
liberando fortes emoções que anuviem a visão espiritual
dos filhos. É lógico concluir que quem teve
experiências reencarnatórias junto ao elemento
água pode ser bastante eficaz nessa tarefa.
Era muita informação para aquele homem reservado,
que não queria se expor perante os presentes.
Era ele um representante do espiritismo e, por
essa razão, não desejava, ao menos até aquele momento,
ser identificado numa tenda onde a manifestação
mediúnica ocorria segundo parâmetros
diferentes daqueles com os quais se familiarizava.
Entendendo isso, o preto-velho vez ou outra dava
um tempo para ele refletir e depois de um suspiro,
uma pausa, continuava.

— Os chamados quimbandeiros constituem outra
espécie de caboclo. Sua especialidade é enfrentar
os magos negros e seus dirigidos nos campos de batalha
do umbral e da subcrosta. Gostam de estar à
frente das demandas que ocorrem na esfera astral,
muitas vezes nem sequer percebidas pelos médiuns.
Como se fossem generais guerreiros, trabalham
para a defesa, porém com ênfase em limitar
e cercear a ação das trevas, o que, muitas vezes, os
74


leva a afirmar que transitam entre o bem e o mal.
Além, é claro, do fato de que conhecem em profundidade
as artimanhas dos seres da escuridão.
"Não há dúvida, meu filho, de que nego-velho está
procurando usar a linguagem mais espírita possível
para que possa entender os diversos perfis e especialidades
daqueles seres que trabalham na vibração
da umbanda, em suas variadas manifestações e
interpretações. Por estarem ligadas à vibração e à
atmosfera cultural — e não a rótulos religiosos —,
essas mesmas entidades também militam nos centros
espíritas, caso encontrem abertura dos médiuns
e dirigentes. Ainda que, em certas ocasiões,
optemos por nos apresentar em outra roupagem
fluídica, conforme seja conveniente ao trabalho e
tenhamos condições para tal."

— São tantas informações, meu pai... Simplesmente
não imaginei ter à disposição tanto conhecimento
novo para estudar e aprofundar minhas
observações.
— Ah! Meu filho... Se Allan Kardec tivesse a oportunidade
de estudar as manifestações da mediunidade
no âmbito da cultura e da religiosidade brasileiras,
com seus ricos e diversificados elementos, com
certeza ele desbravaria todo um aspecto da vida espiritual.
É impossível negar que as manifestações
de caráter mediúnico revelam um país que é um
75



celeiro de médiuns, dos mais férteis no aspecto fenoménico.
No entanto, nego-velho deve dizer que,
ao reverenciar e valorizar características e traços
próprios do desenvolvimento histórico e sociocultural
do Brasil, não pretende aprovar ou sancionar
certas práticas exóticas e abusos que se encontram
aos montes por aí. Não é mesmo, meu filho?
Quando o homem se levantou, agradecido pela
conversa franca e aberta com o pai-velho, já estava
modificado intimamente. Com certeza teria muito
para refletir a partir da conversa com o pai-velho
João Cobú.
Os trabalhos se encerraram com uma mensagem do
benfeitor e a prece final, realizada por um dos trabalhadores.
A noite ia alta quando os médiuns retornaram
a seus lares para o repouso que antecedia

o trabalho profissional, no dia seguinte.
76


cachoeiras, onde recebiam fluidos benéficos para
seu refazimento. Um dos dirigentes espirituais da
comunidade recebia pessoalmente os sensitivos
ao redor de um lago esculpido em meio a um bosque
localizado na esfera extrafísica.
A luz do luar refletia raios revigorantes sobre a natureza
física e a astral, inundando a todos com energias
salutares. O espírito que atendia pelo nome
de Macaia conduziu dois dos trabalhadores para

o lago e com eles levitou por sobre a superfície de
água brilhante, que refletia o tom prateado do luar.
Nenhum dos dois sensitivos guardava lucidez extrafísica
de forma plena; assim, após retornar a seus
corpos físicos, horas depois, teriam somente vagas
lembranças do ocorrido.
Pairando acima do lago, Antônio e Efigênia sentiram
medo ao perceber que estavam andando sobre
as águas. Os demais companheiros de atividades,
de pé nas margens, observavam atentos o que
se passava com a dupla.
Macaia levou-os até um local que parecia ser o centro
do lago e fez Antônio e Efigênia se deitarem
com as cabeças perispirituais voltadas para o norte.
O espírito, especialista em magnetismo e no trato
com as forças elementáis, aspirou profundamente
o ar levemente rarefeito e aplicou um passe de sopro
em ambos os trabalhadores, que, desdobrados
80


em corpo astral, recebiam os benefícios da transfusão
energética. O sopro de Macaia estava impregnado
de elementos vitalizantes, pois, a cada vez que
ele enchia os pulmões, absorvia do ambiente extrafísico
mais e mais propriedades balsâmicas. Os
dois médiuns pareciam mergulhados numa onda
de fluidos e energias que atuavam diretamente em
seu centro de memória, liberando imagens mentais
e clichês indesejáveis de seu campo mental.
A uma observação atenta, poderiam ser vistas pequenas
bolhas, semelhantes a bolhas de sabão, que
se dissipavam mediante o sopro renovador. Eram
concentrados de formas-pensamento que os dois
trabalhadores haviam absorvido de pessoas atendidas
durante os trabalhos de assistência espiritual.
As pessoas que chegavam à tenda em busca de socorro
— principalmente se apresentassem quadro
emocional mais grave ou complexo — traziam criações
mentais e certas concentrações energéticas de
baixa vibração, as quais eram transferidas para a
aura dos médiuns que os atendiam. De igual maneira,
os conteúdos sutis acumulados pelos médiuns
costumavam ser absorvidos pelos consulentes,
quer estivessem aqueles em transe mediúnico ou

Em razão disso, durante o sono físico os mentores
trabalhavam intensamente, liberando a carga
de fluidos indesejáveis e reabastecendo os médiuns

81



com novas e balsâmicas energias, conforme a necessidade
de cada um e a capacidade desenvolvida
de armazenar fluidos mais ou menos sutis. Não havia
milagres, evidentemente.
Depois de algum tempo, Macaia levantou as mãos e
colocou-se em oração:


— Supremo Pai e senhor da vida, concede aos teus
filhos a oportunidade de se refazer com as energias
da criação, com os fluidos benéficos da mãe natureza.
Cá estamos como trabalhadores teus, necessitados
da proteção espiritual e de forças, a fim de
prosseguir com a tarefa que nos foi confiada.
Respirando mais profundamente, prosseguiu:
— Permite, ó Pai, que os elementais, criaturas tuas
sob nossa responsabilidade, possam atender ao
nosso chamado e vir em socorro daqueles teus filhos
que de ti necessitam.
Antes mesmo que terminasse a oração sentida, milhares
de seres minúsculos, semelhantes a pirilampos,
subiam das águas cristalinas do lago e envolviam
não somente os dois médiuns atendidos diretamente
por Macaia, mas também os demais, que
permaneciam na margem. O fenômeno inspirava
elevados pensamentos de gratidão, tão fantástico se
mostrava. O psicossoma dos médiuns foi envolvido

por cintilações dos elementais, que pareciam sugar
os fluidos densos acumulados na aura dos trabalha


82


dores. Uma emanação semelhante a vapor, de coloração
acinzentada, exalava levemente de cada corpo
perispiritual desdobrado na dimensão extrafísica.
Em contrapartida, outro vapor, na verdade uma bruma
luminosa subia da superfície do lago e era canalizada
pelos elementais para fins terapêuticos. Macaia
mantinha os braços elevados, como que a polarizar
energias sutilíssimas que se derramavam de mais
alto. Os demais médiuns, que ficaram à margem do
lago, elevaram-se alguns centímetros no ar e pareciam
adormecer um a um, novamente, porém em
corpo espiritual. Neste momento, João Cobú aparece
rodeado de trabalhadores da Amanda, advindos
das matas que emolduravam o local. Traziam cumbucas
cheias de bioplasma e de outros componentes
extraídos das plantas, que, sob a orientação do pai-
velho, ministravam aos médiuns adormecidos.

— Temos de cuidar bem de nossos parceiros — falou
João Cobú para um espírito que se mostrava
com a aparência de um índio apache. Corpulento,
olhar penetrante e irradiando forte magnetismo,
o antigo guerreiro conduzia o vasilhame que
continha os extratos naturais, para que cada médium
pudesse inalar. — Atendemos casos bastante
complexos, que vários outros afirmam não se tratar
de questões espirituais. Seja como for, as energias
densas oriundas de tais processos aderem-se
83



à aura de nossos médiuns e devem ser liberadas a
todo custo, de modo que se reabasteçam, visando à
continuidade das tarefas que desempenham conosco.
Médiuns há que não se importam, nem ao menos
se interessam pela higiene energética nem pelos
procedimentos de autodefesa psíquica; ignoram
que, a fim de ser amparados pelos benfeitores que
os assistem, necessariamente devem se colocar em
atitude receptiva, de abertura mental. É uma ilusão
acreditar que se pode realizar um trabalho intenso,
do ponto de vista energético, e permanecer com o
próprio campo energético inalterado.
Ao mesmo tempo em que administrava os recursos
da natureza aos médiuns que já haviam sido submetidos
ao contato benéfico com os dementais da
água doce — as ondinas —, o espírito apache acrescentou
ao comentário do pai-velho:

— Os dementais são seres singulares e, para muita
gente que lida com as questões espirituais e energéticas,
ainda envoltos em superstição e mistério;
contudo, obedecem a uma vontade superior e estão
à disposição para auxiliar na manutenção das
energias vitais, tão necessárias aos trabalhos desta
ordem. Não entendo por que nossos irmãos não recorrem
com maior freqüência a esses seres da natureza,
tendo em vista seu próprio bem-estar e o
reabastecimento energético.
84


— Tais seres da natureza — elucidou João Cobú —
incorporam em si as substâncias medicamentosas
próprias dos sítios naturais aos quais estão relacionados,
constituindo-se em expressões da natureza
em estado de evolução. Potencializam forças e energias,
obedecendo às leis naturais. Não podemos deixar
de nos valer deles. Contudo, sua existência permanece
ignorada pela maioria das pessoas.

— E quanto à bênção oferecida pelas plantas, pelas
águas e por outros recursos encontrados na natureza?
Não vejo como desprezar esse manancial colocado
pelo Pai à disposição de seus filhos. Todos
que lidam com os aspectos espirituais da vida em
planos mais densos ou mesmo atendem indivíduos
cujas emoções estão conturbadas e em ebulição poderiam
ser abastecidos com os fluidos que exalam a
cura e equilibram.
— Sim, meu amigo — complementou João Cobú,
uma vez mais. — Entretanto, parece que algumas
pessoas cheias de pretensa sabedoria ignoram certas
propriedades terapêuticas da natureza ou, então,
relegam esses meios de amparo e refazimento a segundo
plano, como se fossem ferramentas menores,
próprias de matutos ou seres inferiores. Talvez justamente
por serem elementos simples demais, que
estão à disposição de qualquer um... Enfim, continuemos
com nossos parceiros, os médiuns. Eles pre85




cisam de nós tanto quanto precisamos deles.
Os médiuns desdobrados eram atendidos pelos
espíritos do bem. A luz do luar canalizava outras
energias também benéficas, para equilibrar os centros
de força do corpo espiritual dos médiuns.
Embora estivessem quase todos ali, ainda faltava
um, devido ao fato de que estava trabalhando até
tarde. Não fora tirado do corpo, como os demais,
em respeito ao seu trabalho profissional, que o ocupava
num horário diferente. Os espíritos sabiam
respeitar o chamado "fuso horário" de cada um.
Após o atendimento àquele grupo de trabalhadores
desdobrados, um espírito guardião dirigiu-se à
casa de Tobias, que enfim se preparava para deitar-
se. Como era um homem religioso, recitava uma
oração, conforme aprendera de sua velha avó, antiga
benzedeira. Acostumado com as palavras decoradas,
sua mente respondia à citação conforme ele
esperava. Habituou-se àquele tipo de oração e não
a pronunciava como se fossem expressões vazias;
ao contrário, acreditava naquelas palavras, no significado
de cada uma, depositando emoção vigorosa
à medida que as declamava, a ponto de fortalecer
sua fé. Em virtude da resposta que obtinha de sua
própria mente, atingia o efeito desejado com a oração,
isto é: a proteção energética.
Dizia Tobias: "Chagas abertas, sagrado coração, todo

86


amor e bondade. O sangue do meu Senhor Jesus
Cristo no corpo meu se derrame hoje e sempre. Eu
andarei vestido e armado com as armas de São Jorge.
Para que meus inimigos, tendo pés, não me alcancem;
tendo mãos, não me peguem; tendo olhos, não
me enxerguem e nem pensamentos eles possam ter
para me fazerem mal". Respirando profundamente,
pronunciou as palavras finais: "Armas de fogo meu
corpo não alcançarão, facas e lanças se quebrarão
sem ao meu corpo chegar, cordas e correntes se arrebentarão
sem o meu corpo amarrar...".
Os guardiões chegaram à casa de Tobias exatamente
no instante em que dizia as palavras tidas por ele
como sagradas. A proporção que recitava a oração,
deitava-se lentamente, deixando seus sentidos em
alerta para as percepções do mundo extrafísico.
Ferreira, ex-soldado e um dos guardiões responsáveis
por Tobias, ao ouvir a reza de seu protegido
perguntou ao companheiro de atividade:

— Essa coisa de reza forte funciona mesmo ou é
apenas crendice? Você sabe, estou há pouco tempo
em contato com este médium e preciso me inteirar
de certas coisas...
— Bem, pelo que me ensinaram em alguns cursos
que fiz após meu desencarne, pode-se dizer que
as rezas funcionam sim, mas de maneira diferente
daquela que se divulga por aí. Por exemplo: mui87




ta gente reza o Salmo 91, que é uma destas orações
consideradas fortes e sagradas por muitos religiosos...
E ela faz um efeito interessante de se observar,
segundo já presenciei. Quando a pessoa acredita
mesmo naquilo que pronuncia, ao longo do tempo,
à medida que repete a citação, seu cérebro e sua
mente processam as palavras de modo a obedecer
àquela espécie de comando, formando algo similar
a uma aura em torno de si. Caso os dizeres dessas
orações ou rezas de fato estejam calcadas em uma
convicção pessoal, em uma crença íntima genuína,
então gradativamente passam a agir sobre a mente
do indivíduo, que é acionada com a finalidade de
erguer um campo de forças, uma aura de proteção
a seu redor. É claro que, segundo essa ótica, palavras
idênticas não têm o mesmo efeito sobre pessoas
diferentes. Portanto...

— Portanto, não é a reza ou oração que tem um poder
intrínseco, mas a crença pessoal, a força mental
da pessoa que pronuncia a oração e a energia depositada
naquele ato.
— Mais ou menos isso, Ferreira. Ocorre que, se porventura
a pessoa repetir determinada oração acreditando
verdadeiramente no que está realizando, sua
mente aos poucos desenvolve a capacidade de arregimentar
forças ou energias, que são atraídas para a
própria aura. Tais energias têm um efeito cumulati88



vo, ou seja, quanto mais se exercita o pensamento,
mais intensamente agirão em torno do sujeito.

— Então posso entender que as orações fortes ou rezas
fortes funcionam como um tipo de muleta psíquica
para alguns — ou, mais exatamente, um instrumento
de que a mente lança mão e que, de acordo
com a vontade1 depositada nesse ato, pode desencadear
um processo de autodefesa psíquica. Correto?
— Pelo menos é o que pude perceber em meus estudos.
Veja o caso de Tobias — indicou o guardião,
sinalizando para o rapaz que se deitava justamen•
Há quem possa depreender dessas linhas que se está a recomendar o uso
de preces sacramentadas. Não só não é assim, como as passagens demonstram
perfeita coerência com o que afirmam os espíritos na codificação do
espiritismo: "A forma nada vale, o pensamento é tudo. Ore, pois, cada um
segundo suas convicções e da maneira que mais o toque. Um bom pensamento
vale mais do que grande número de palavras com as quais nada tenha
o coração" (KARDEC, Allan. O Evangelho segundo o espiritismo. Rio de
Janeiro: FEB, 2002.120a ed. luxo, cap. 28, item 1, p. 493). Ora, é justamente
o pensamento, a vontade e a fé que são destacados pelos personagens como
elementos cruciais. De todo modo, é válido confrontar essa passagem de O
Evangelho segundo o espiritismo com outro trecho, logo adiante, no mesmo
Preâmbulo escrito por Kardec para sua Coletânea de preces espíritas:
"O Espiritismo reconhece como boas as preces de todos os cultos, quando
ditas de coração e não de lábio somente. Nenhuma impõe, nem reprova nenhuma"
(Idem, ibidem, p. 494 — grifo nosso).
89



te naquele momento.
A aura de Tobias iluminava-se por inteiro quando
pronunciava a chamada oração de São Jorge, que
ele acreditava piamente ser uma oração forte.


— Analisemos as palavras da oração feita por Tobias
— prosseguiu Simas, o guardião que conversava
com Ferreira. — Ao introduzir sua prece: "Chagas
abertas, sagrado coração, todo amor e bondade...",
e por aí vai, claramente relembra a crucifixão
de Jesus. Essas palavras estabelecem ligação mental
com o episódio que os cristãos talvez considerem
o mais sagrado de todos e, provavelmente, o
símbolo por excelência da vitória espiritual. Tobias
evoca em seus pensamentos, portanto, a força moral
do Cristo e sua misericórdia; pede amparo superior
da maneira que sabe pedir e segundo acredita.
"Depois ele continua a oração, dizendo: 'Eu andarei
vestido e armado com as armas de São Jorge.
Para que meus inimigos, tendo pés, não me alcancem;
tendo mãos, não me peguem; tendo olhos, não
me enxerguem e nem pensamentos eles possam ter
para me fazerem mal'. Nesse trecho, o médium define
uma postura mental de defesa íntima. Como
reafirma dia após dia tais palavras, com todo o seu
espírito, elas alimentam uma decisão mental, consciente
e portadora de força real, em que ele se vê
e se coloca na posição de defesa psíquica. Ou seja,
90


proporciona um estado íntimo de segurança. Na
verdade, não são os espíritos malévolos que têm
medo da oração, nem são os desastres e acidentes
que evitam Tobias, mas é ele quem gera um comando
mental de tal intensidade que sua aura se ilumina
e ele passa a atrair forças do plano extrafísico capazes
de envolvê-lo fortemente e lhe dar segurança.
Em matéria de segurança espiritual e energética, o
importante é que a pessoa se sinta plenamente segura
e tenha atitudes compatíveis e coerentes com
aquilo que busca, num nível mais amplo. Em termos
psicológicos, possivelmente esse hábito de Tobias
pudesse se classificar como redefinição ou reprogramação
mental e emocional, a que sua mente
responde de modo eficaz."

— A oração então é uma mola propulsora, uma forma
de desencadear ações mentais e emocionais
para se estabelecer a atitude interna desejada...
— Exatamente! E funcionará contanto que a pessoa
progressivamente se reprograme no âmbito mental
e emocional, de acordo com as palavras que recita.
Talvez se possa fazer um paralelo com o que os psicoterapeutas
modernos realizam em seus consultórios
utilizando a terapia de vivências passadas,
conhecida como TVP. É costume eleger uma frase
para o paciente pronunciar durante algum tempo.
Ela deve refletir a nova postura mental e emocional
91



que se estabeleceu na reprogramação.

— Uau! Nunca havia visto a questão sob esta ótica!...
— Examine a aura de Tobias após a oração.
Ambos fixaram os olhos nas irradiações coloridas
em torno de Tobias, o médium que pretendiam auxiliar
e conduzir para experiências fora do corpo. O
rapaz parecia uma usina de energias potentes, um
gerador. De seu cérebro, onde se concentrava com
maior intensidade o foco do corpo mental, raios
eram produzidos com tal intensidade que iluminavam
completamente o ambiente do quarto do rapaz.
Fios tenuíssimos irradiavam de si, tateando o
espaço ao redor até se fixarem nos dois guardiões,
como imãs, atraindo-os de forma leve e persistente,
até o corpo deitado.
— Veja que os raios que partem da aura de Tobias
são atraídos automaticamente por nossas auras
pessoais — observou Simas. — É como se, através
de filamentos elétricos, ele se ligasse a nós, seus
guardiões pessoais.
— Ou seja, a partir do estado induzido pela prece,
Tobias se conecta mentalmente com quem possa
representar um fator de segurança energética para
si. Neste caso, somos nós.
— Mas não é somente isso que ocorre. Observe com
mais intensidade — disse, com o dedo indicando
determinado ponto. — Veja os corpúsculos mentais
92


que são liberados da aura dele.
Os guardiões notaram algo semelhante a uma comunidade
imensa de matéria mental desnecessária
à manutenção do equilíbrio energético do médium,
que era literalmente expulsa de sua aura. Até
então, tais corpúsculos mentais gravitavam em torno
da aura do sensitivo, aguardando o momento em
que se diluiriam em suas glândulas através do fenômeno
da repercussão vibratória. No entanto, o estado
íntimo no qual se abrigara através da oração
estimulou seu corpo mental a produzir anticorpos
energéticos ou irradiações magnéticas capazes de
liberar de sua aura os elementos daninhos ou nocivos
à sua saúde espiritual.

— Antes de qualquer pessoa desejar e verbalizar seu
desejo ou sua necessidade de proteção energética e
espiritual, é mais sensato e inteligente que produza
por si mesma as energias que geram um estado íntimo
de segurança ou que inspirem segurança. Só
assim, nós, os guardiões, encontraremos elementos
para trabalhar suas defesas energéticas, sobretudo
no caso dos médiuns.
Explicando seus passos ao amigo Ferreira, o guardião
Simas aproximou-se de Tobias, que a esta hora
já estava sonolento sobre o leito. Levantou as mãos
e aplicou-lhe um passe longitudinal lento, da cabeça
aos pés. Executados poucos movimentos, trans93




corrido tempo mínimo, Tobias já ensaiava sair do
corpo, rodopiando em torno de si mesmo.
Embora a sonolência, o sensitivo notou quando as
energias magnéticas de Simas o atingiram. Sentiu
um formigamento nas extremidades do corpo,
que lhe percorreu, gradualmente, todo o organismo.
Após o formigamento, Tobias percebeu uma irradiação,
que se intensificou à medida que o guardião
continuava com os movimentos longitudinais.
O médium vibrava intensamente e se sentia como
uma corda de violão tangida por hábil instrumentista.
Estava em processo de decolagem do corpo e,
tão logo se estabelecera suficiente cota de magnetismo
em seu organismo perispiritual, subiu ao teto
como um balão, para logo depois descer lentamente,
até ficar a poucos centímetros do solo.

— Vamos, Tobias, o velho está esperando por você
— falou Simas ao médium agora desdobrado.
— Pai João? — perguntou o rapaz.
— Quem mais? Não é ele quem nos orienta as atividades?
O nosso amigo João Cobú está com os outros
médiuns desdobrados como você, em meio à
natureza. Ele espera por nós.
Ferreira, de soslaio, observava o comportamento do
médium, como a mirar cada detalhe de suas atitudes
fora do corpo.
Enquanto se dirigiam ao sítio natural onde os de94



mais se encontravam, Ferreira, curioso, perguntou
ao amigo guardião:

— Será que ele se lembrará de nós dois ou dos eventos
que marcam esta noite?
— Por certo se lembrará de alguns detalhes. Depende
muito do que João Cobú decidir.
— Quer dizer que as lembranças das ocorrências
em nossa dimensão estão subordinadas à vontade
de quem coordena as atividades?
— Perfeitamente, Ferreira. O espírito responsável
ou o amparador de cada médium é quem define
se ele deve ou não guardar certas lembranças.
Essa regra é válida para todos os médiuns a serviço
do bem maior. Não obstante, em casos particulares,
observa-se que o organismo de certos médiuns
possui facilidade relativa para registrar ao menos
alguma parcela das lembranças do que foi vivenciado
do lado de cá.
Após breve pausa, Simas alertou:
— Vamos logo. Afinal, os outros estão apenas nos
aguardando a chegada.
Os três planaram sobre o lago onde se reuniam os
demais, médiuns e benfeitores. Desceram lentamente
perto do pai-velho, que os aguardava.
— Vejo que aproveitaram a tarefa para estudar um
pouco — observou João Cobú. — Gostei de ver como
estão aprimorando o conhecimento de vocês.
95



— Ferreira apresentou algumas questões que julguei
apropriado esclarecer, compartilhando alguns ensinamentos
que tivemos no colégio dos guardiões.
— Isso é muito bom. Compartilhar conhecimentos
e experiências entre amigos de trabalho é o princípio
da fraternidade universal. Ensaiamos assim a
convivência pacífica entre irmãos, inclusive entre
aqueles que não pensam de forma igual.
Voltando-se para Tobias, o preto-velho perguntou:
— Então, meu filho, está se sentindo bem? Pronto
para o trabalho?
— Sim, meu pai! — respondeu Tobias, dando ênfase
às palavras. — Estou à disposição para servir.
Sem delongas, João Cobú convidou Tobias:
— Vamos ao trabalho, então. Temos muito que fazer
nesta noite.
— Não vamos realizar os procedimentos de limpeza
energética em Tobias, conforme foi feito com os
outros? — perguntou Simas.
— Não há necessidade. Tobias, ao deitar-se para
dormir, teve uma atitude proativa. Ele se cuidou
energeticamente e colocou-se ao abrigo de energias
contrárias ou discordantes. Os demais confiaram
tanto em nós — Pai João fez questão de emprestar
um tom diferente às suas palavras, quase irônico —
que não se cuidaram, ou melhor, descuidaram das
defesas psíquicas. Esperaram que nós fizéssemos
96


por eles, como realmente fizemos, aquilo que poderiam
ter feito por si sós.

— Então perdemos um tempo grande com os procedimentos
de limpeza energética que efetuamos
nos outros médiuns?
— Não que tenhamos perdido tempo, meu filho, mas
é fato que empregamos uma cota de energia nesse
procedimento que poderia ter sido aplicada em outras
atividades. Nem todos os médiuns têm atitudes
que exprimam segurança íntima. Confiam que façamos
tudo, e eles mesmos acabam por deixar de lado
as obrigações pessoais relacionadas a sua defesa ou
imunidade energética. Investe-se grande quantidade
de energia a fim de preparar os médiuns para o
trabalho ou para liberar certos componentes magnéticos
de suas auras. Caso estudassem mais e, além
disso, tivessem atitudes mentais que os imunizassem
das energias nocivas, aproveitaríamos melhor
o magnetismo nosso e o da natureza para atender
àqueles necessitados que nos procuram.
Dando por encerrado o comentário, João Cobú reuniu
os médiuns, visando conduzir à tarefa programada
os que apresentavam condições. No leito, em
suas casas, os corpos repousavam — sob a vigilância
atenta de sentinelas especialmente destacados para
esse fim — enquanto essas experiências eram vividas
em conjunto. Porém, cada um, depois de acor97




dar, conservaria apenas parte das memórias em relação
ao ocorrido.
João Cobú conduziu alguns médiuns ao lar de Tony,


o rapaz que procurara a tenda na última reunião.
Lá chegando, alguns médiuns tiveram dificuldade
de penetrar no ambiente devido à densidade
energética, incompatível com o estado vibracional
de seus corpos perispirituais. João Cobú designou
dois guardiões e o médium Tobias para ajudar.
As emanações do pensamento de Tony criaram
uma crosta suja em torno do local onde residia. Espessa
película envolvia o ambiente extrafísico. Tal
era a densidade de materialização que, entre os encarnados
desdobrados na dimensão extrafísica ali
presentes, apenas Tobias poderia ajudar mais intensamente.
João Cobú produzia sons na atmosfera,
por meio dos quais arregimentava recursos da
natureza nas proximidades. Mediante o comando
do pai-velho, Tobias arrancava, com as próprias
mãos, a película de matéria mental densa que envolvia
a casa do rapaz. Com as duas mãos, num trabalho
notadamente braçal, o médium literalmente
rasgava a dura camada de sujeira semimaterial que
bloqueava o acesso à moradia de Tony. Quase materializados,
os guardiões, que vibravam numa freqüência
diferente da de alguns espíritos ali reunidos,
auxiliavam o médium em sua tarefa.
98


— Podíamos contar com a ajuda de mais médiuns?
— pediu Ferreira a João Cobú e a Macaia, os espíritos
que lideravam aquela comitiva e se apresentavam
ao grupo de trabalhadores desdobrados como
responsáveis por aquela tarefa.
— Somente Tobias detém condições de ajudar mais
de perto. Infelizmente, temos que contar só com
ele, pois os demais, ainda que amparados por nós,
têm a mente dispersa. Embora conduzidos por
seus mentores pessoais, neste momento não possuem
acuidade mental que lhes permita atuar na
matéria extrafísica.
João Cobú abriu caminho entre os médiuns desdobrados
e adensou seu perispírito de maneira a conseguir
uma espécie de semimaterialização. Tomou
a dianteira das tarefas e, ao lado de Tobias, pôs-se a
arrancar com as mãos o amálgama denso que fora
produzido pelas mentes das pessoas que ali viviam,
principalmente por Tony. Depois de algum tempo,
conseguiram liberar passagem, formando brechas
na compacta estrutura de matéria astral. Os outros
médiuns sentiram-se envergonhados por não poder
participar do trabalho. Afinal, estavam confusos
e não conseguiam concentração suficiente para
agir com clareza ou lucidez mental na dimensão
extrafísica, ao menos sem receber instruções explícitas,
até para as operações mais triviais. Em segui99




da, o pai-velho voltou a iluminar-se, ficando quase
invisível aos olhos dos demais. Adentraram o ambiente
como se estivessem a explorar uma caverna
natural. Fios tenuíssimos se amontoavam nos cantos
dos cômodos da residência. No quarto onde o
rapaz repousava, encontraram substâncias quase
vivas aderidas às paredes. João Cobú dirigiu-se aos
médiuns e guardiões:

— Isto vocês podem fazer. Façam uma faxina na residência.
Retirem as criações mentais grudadas nas
paredes, que assumiram a forma de larvas. Enquanto
isso, Tobias, Macaia e eu veremos o que se pode
fazer em benefício do nosso atendido.
Na mesa de cabeceira de Tony havia algumas revistas
de conteúdo erótico e alguns gibis. A televisão
permanecia ligada enquanto ele dormia. O perispírito
do rapaz pairava pouco acima do corpo, envolvido
por dois elementos distintos: imagens fugidias
e bolhas de estrutura mental, que orbitavam
em torno de sua cabeça. Macaia adiantou-se a João
Cobú e explicou a Tobias o que se passava:
— Estas bolhas que você vê contêm as formas-pensamento
alimentadas por Tony no seu dia-a-dia.
São clichês que ele nutre com seus pensamentos
mais cotidianos. As outras imagens que gravitam
em torno dele são elementos externos, fruto de
idéias que compartilha, de emoções complicadas
100


que divide com os amigos que moram com ele neste
apartamento. Veja a televisão, Tobias.
Olhando para o aparelho de TV, O médium quase
não acreditou. As imagens pareciam sair da tela e
adquirir vida própria. Agitavam-se no ambiente
quase em câmera lenta, exalando odores e adquirindo
independência de movimentos. Como figuras
escorregadias, semelhantes a uma ameba gigante,
formavam tentáculos em cuja estrutura outras
imagens pareciam refletir-se, partindo em direção
a Tony, que, desdobrado sobre o próprio corpo, absorvia
tudo aquilo mentalmente.

— Veja que ele esqueceu o televisor ligado e, durante
o sono, ficou acoplado vibratoriamente àquilo a
que assistia. Sua mente oferece os recursos e manipula
por si mesma o adensamento vibratório dessas
imagens, que por sua vez se encarregam de aglutinar
mais e mais energias. Desdobrado, fica prisioneiro
dessas criações mentais.
Enquanto o trio analisava o que acontecia com
Tony, os outros médiuns e guardiões faziam uma
espécie de faxina nos demais cômodos. Era um trabalho
quase material, que causava certo cansaço
nos poucos médiuns que auxiliavam. Eles lidavam
com fluidos grosseiros, semimateriais, que requeriam
ações de natureza mais física do que se poderia
supor. João Cobú, ao lado de Macaia e Tobias,
101



observava os conteúdos mentais do rapaz que dormia.
Depois de alguns minutos auscultando a mente
de seu protegido, já sabia o que fazer.

— Vamos queimar as criações mentais que gravitam
no ambiente. Mas antes temos de acordar Tony e
fazer com que ele desligue o aparelho de televisão,
pois as imagens transmitidas servem de clichê para
as criações infelizes. Mergulhado nessas formações
etéricas e mentais, ele não consegue repouso tranqüilo.
Desse modo, acordará tarde amanhã e ainda
por cima não se sentirá refeito. O sono não lhe servirá
de conforto ou refazimento.
Falando assim, o pai-velho soprou com intensidade
o chacra laríngeo do jovem, cuja abertura estava próxima
ao pomo de adão, na garganta do moço. Ele engasgou-
se com a própria saliva e acordou imediatamente,
tossindo muito. Assustado, Tony levantou-se
de um salto e percebeu que deixara a TV ligada, dormindo
no meio do programa a que assistia. Tobias
aproximou-se do rapaz assustado e, dispondo ambas
as mãos em torno de sua cabeça, inspirou-lhe:
— Desligue! Desligue a TV...
Tobias utilizou-se de toda a concentração possível,
e, como resultado, Tony obedeceu-lhe a sugestão
mental quase que instantaneamente. Tony não estava
de todo consciente do que fazia, devido ao sono
ainda forte que o dominava. Mesmo assim, desligou
102


o aparelho. Aproveitou para beber um pouco de
água e logo após dirigiu-se ao leito, adormecendo
novamente. As imagens, que haviam ganhado vida
temporária, foram gradativamente se diluindo, sobretudo
em razão dos movimentos de energia que
João Cobú realizava na atmosfera daquele cômodo.
Logo após esses preparativos, o pai-velho magnetizou
Tony para induzi-lo ao desdobramento em corpo
astral. Os passes longitudinais foram aplicados
diretamente pelo pai-velho, e logo se pôde notar
que Tony-espírito se deslocava pela esquerda do
corpo, colocando-se alguns decímetros acima do
chão, à frente de João Cobú. Desdobrado, o rapaz
não portava a consciência lúcida. Havia considerável
confusão mental, o que lhe vedava o reconhecimento
dos benfeitores.
Macaia pediu permissão ao pai-velho para magnetizar
Tony, e João Cobú, de pronto, acedeu ao pedido
com boa vontade. Enquanto o espírito amigo
ministrava passes dispersivos — transversais e,
depois, longitudinais —, Tobias aproveitou-se da
presença de João Cobú para indagar a respeito do
magnetismo. O pai-velho respondeu com palavras
recheadas de sabedoria:
— Esta atmosfera fluídica em torno de cada ser humano,
à qual damos o nome genérico de aura, contém
energias que operam mudanças ou transfor103




mações benéficas e podem ser impulsionadas pela
vontade e dirigidas pelo pensamento, meu filho.
Por isso acontece a transferência magnética entre
as pessoas.

— Ao transmitir energia por meio dos movimentos
das mãos, meu pai, podemos influenciá-la, atribuindo-
lhe maior qualidade? — perguntou Tobias,
interessado.
Dando uma pausa para que o médium desdobrado
pudesse observar o que Macaia fazia, Pai João falou
mais pausadamente:
— É claro que sim, meu filho. As qualidades morais
do magnetizador podem influenciar e muito a
emissão dessas energias, conferindo maior ou menor
poder de irradiação e, por conseguinte, de ação
no que se refere à saúde da pessoa. Sentimentos ou
atitudes como ódio, ciúme, inveja ou orgulho, tanto
quanto outros assemelhados, com certeza fazem
diminuir a qualidade curativa da energia administrada
a qualquer pessoa.
— Então podemos entender que o contrário também
é verdadeiro, ou seja, que amor, bondade, compaixão
e outras virtudes podem contribuir para aumentar
o efeito terapêutico da energia do magnetizador
sobre as pessoas?
Dirigindo os olhos a seu pupilo, Pai João esboçou
um sorriso e falou:
104


— Que bom que você entendeu, Tobias! Assim pode
compreender que ostentar rótulos religiosos, títulos
iniciáticos, divinos ou outra coisa qualquer não
é o que concede poder ou força magnética, mas sim
a capacidade de amar, de viver com ética e ter uma
moral elevada...
Enquanto conversavam, Macaia ministrava energias
benéficas a Tony, que, desdobrado, permanecia
ainda sem lucidez quanto ao que ocorria. A
ação dirigida ao perispírito do rapaz fez com que
as ligações magnéticas entre ele e os clichês mentais
e as formas-pensamento daninhas fossem desfeitas.
Os laços fluídicos foram destruídos, liberando
o sistema nervoso de Tony da influência negativa
de agentes da dimensão extrafísica. Antes que
Tobias pudesse comentar mais alguma coisa, João
Cobú acrescentou:
— É bom observar que, em casos como esse, a ação
de espíritos conscientes e comprometidos com o auxílio
à humanidade é um dos principais fatores de
sucesso para a maioria dos tratamentos magnéticos.
Tobias pôde compreender um pouco mais a respeito
da importância de se trabalhar como parceiro de
seres mais esclarecidos do plano superior da vida.
— Agora é a sua vez, Tobias — falou Macaia, apontando
para uma cadeira ao lado da cama. — Sente-
se ali e nos auxilie, doando seus recursos para um
105



choque intenso de energias, que possam revigorar

o nosso protegido.
Conforme requisitado, Tobias sentou-se na cadeira
e fechou os olhos numa prece sentida. Quem o visse
naquele momento provavelmente o teria confundido
com um dos mentores responsáveis pelas tarefas
da noite. O rapaz concentrou seu pensamento
de tal maneira que logrou se conectar com correntes
mentais superiores. Intenso fluxo de energias
desceu sobre ele, aumentando a luminosidade de
sua aura. João Cobú novamente entrou em ação,
magnetizando o médium com passes lentos, que
despertavam significativa cota de vitalidade. Pouco
a pouco, uma substância vaporosa começou a desprender-
se do médium, à sua esquerda. Dentro de
instantes, essa substância etérica formou, ao lado
dele, uma duplicata perfeita do seu corpo astral.
Estávamos diante do duplo etérico de Tobias, que,
enquanto desdobrado em projeção extracorpórea,
era manipulado pelo pai-velho. O duplo afastava-se
alguns centímetros do lado esquerdo de seu psicossoma.
Até então, parecia que os dois corpos, o espiritual
e o etérico, estavam justapostos. Agora, sob a
influência magnética do mentor, o corpo etérico se
deslocava para favorecer o atendimento a Tony. Por
sua vez, Macaia agia em perfeita sintonia com João
Cobú, atuando sobre o rapaz. Conduziu o espíri106



to de Tony, desdobrado, a um ligeiro acoplamento
com o duplo de Tobias. Quando ambos se tocaram
— corpo astral de um, etérico de outro —, houve
uma transferência imediata de vitalidade para

o perispírito do rapaz. Tobias sentia como se uma
leve corrente elétrica perpassasse seu psicossoma.
Um fio tenuíssimo unia ambos os veículos do médium.
No momento em que seu duplo travou contato
com a aura do jovem desdobrado, o fio prateado
iluminou-se rapidamente, como se um raio o atingisse,
ou melhor, como se ele próprio, o cordão de
prata, fosse um relâmpago coagulado ou congelado
por alguns segundos. O fenômeno inspirava respeito
e veneração pelas forças superiores da vida, que
coordenam todo o processo de evolução no mundo.
Era uma visão que dificilmente sairia da retina espiritual
do médium.
Após o choque anímico patrocinado e coordenado
pelos benfeitores, Tobias abriu os olhos lentamente,
como se estivesse emergindo de um sono profundo.
Mas não! Ele apenas estava conectado com
energias benéficas, em estado de transe, ao se colocar
a serviço das forças superiores do bem e da luz,
os representantes do Cordeiro de Deus.
— Nossa parte já está feita — declarou João Cobú
a seus assistentes Macaia e Tobias, o médium que
os auxiliava com suas energias anímicas. — Agora,
107



temos de deixar um dos guardiões de plantão por
aqui, a fim de manter a ordem e disciplina no ambiente
do lar e inspirar nosso assistido a colaborar
com essa diretriz. Devemos induzir Tony a procurar
uma orientação emocional, valendo-se do concurso
de um terapeuta profissional.

— Ele não pode fazer um tratamento espiritual que
o livre de encostos ou obsessores? — perguntou Tobias
ao mentor.
— Não há dúvida de que o tratamento espiritual
será de grande valia para ele; no entanto, de modo
algum substitui a orientação de um terapeuta. Nosso
amigo precisa redirecionar seus pensamentos
e emoções de maneira a criar novos hábitos. Para
manter-se em equilíbrio, ele reclama o apoio de alguém
especializado. Não pense que o tratamento
espiritual elimine a necessidade do devido acompanhamento
da medicina terrestre ou de uma abordagem
de ordem psicológica. Eles se complementam.
— Temos de considerar também o tipo psicológico
de Tony. Na verdade, ele nos procurou em nossa
tenda apenas em razão de uma necessidade emergencial.
Porém, nosso amigo não tem afinidade com
o método de trabalho e a expressão de espiritualidade
que nos é própria — acrescentou Macaia, ponderando
acerca da possibilidade de encaminhar o
tutelado a outras formas de abordagem espiritual.
108


— Claro, meu amigo — respondeu o pai-velho. — No
caso em questão, é evidente que nosso amigo necessita
de certos limites e de uma pedagogia mais
firme em seu processo reeducativo.
— Então ele será encaminhado ao espiritismo cristão?
— perguntou Tobias, interessado no assunto.
— Não, não meu filho — respondeu João Cobú, visivelmente
preocupado com o caso de Tony. — O
espiritismo é uma religião de liberdade e creio que
nosso amigo ainda não está preparado para se conduzir
com responsabilidade perante os seus desafios
pessoais. No futuro, possivelmente será encaminhado
a um centro espírita, no qual lhe serão esclarecidas
suas necessidades e possibilidades espirituais.
Mas, no momento, creio que o melhor para
ele é ser levado a um culto pentecostal, que trabalha
com questões de cunho mediúnico indiretamente,
de forma adequada à linguagem evangélica.
Nossos irmãos pentecostais impõem tantos limites
aos desregramentos morais que muita gente necessitada
desse aprendizado ali consegue reeducar-se
em maior ou menor tempo.
Tobias não entendeu direito a indicação de João
Cobú para o caso em questão. Ainda pensava que
o rapaz deveria ser conduzido diretamente seja a
um centro espírita, seja a uma casa umbandista.
Nem sequer imaginava a possibilidade de o rapaz
109



ser intuído a procurar um culto evangélico de caráter
pentecostal.
João Cobú notou quanto sua indicação causava estranheza
ao médium e resolveu esclarecer:


— Nem sempre as escolas espírita ou umbandista
representam o melhor caminho para os meus filhos.
Temos de considerar que todas as religiões são apenas
escolas iniciáticas com o papel fundamental de
oferecer um programa reeducativo aos habitantes
do planeta. Nenhuma é melhor do que outra. Apenas
devemos considerar que cada pessoa traz um
perfil psicológico compatível com este ou aquele
método de ensino. Tony reclama um encaminhamento
que vise estabelecer limites para os abusos
cometidos, e estes poderão gerar lágrimas amargas
no futuro. Seu caso exige processos mais intensos,
duros até, cuja pedagogia lhe será mais eficaz.
Creio que os irmãos pentecostais poderão auxiliá-
lo e muito. Lá, entre os crentes, ele aprenderá conceitos
de Evangelho conforme sua capacidade de
assimilá-los. Também entre os irmãos do Evangelho
nosso pupilo encontrará forte oposição aos vícios
que cultiva, assim como um jeito de abordar o
problema que não fira suas crenças pessoais.
Dando um tempo para Tobias digerir suas palavras,
o pai-velho continuou mais pausadamente:
— No meio evangélico, sobretudo entre os pente110



costais, há uma vocação para afastar pessoas das
drogas, do exercício sexual sem controle, entre outras
questões. Abordam esses problemas com uma
força de expressão tão grande que o medo dos fiéis
de ir para o inferno ou cair nas mãos do Maligno
os impede de cometer tais abusos. Confesso —
Pai João deu maior ênfase a suas palavras — que

o método só funciona com pessoas em cuja mente
haja registros de medo, culpa ou algum clichê de
autopunição. Mas funciona, isso não se pode negar.
Noutro momento, talvez até em outra encarnação,
nosso amigo poderá se esclarecer acerca de outros
aspectos, em contato com os ensinamentos espíritas.
Por ora, no entanto, seu perfil espiritual indica
a necessidade de um tratamento diferente.
Depois da abordagem feita pelo pai-velho a respeito
do tratamento de choque do rapaz, Tobias calou-
se, evitando tocar no assunto. O momento era
para ação.
Pai João aproximou-se de Tony e o reconduziu
para bem próximo do corpo físico, que repousava
na cama. Ali mesmo, fazendo-o deitar-se poucos
centímetros acima do corpo, o pai-velho concentrou-
se com o objetivo de perceber, com maior
acuidade mental, os pensamentos do rapaz. Inspirou-
o a passar perto de uma igreja pentecostal
ao final do dia seguinte. Quem sabe não encontra111




ria uma doutrina condizente com sua maneira de
pensar e suas crenças pessoais, a fim de encetar
sua busca por espiritualidade?
João Cobú orientou os guardiões no que tangia à
condução dos médiuns para outras atividades, enquanto
ele, Macaia e Tobias se dirigiriam a um templo
evangélico à procura de ajuda para o caso.
Em busca de elegância, o local ostentava beleza e rigor
nas formas arquitetônicas. Era um templo onde
alguns milhares se abrigavam espiritualmente, segundo
os ensinamentos da fé pentecostal. A linguagem
usada ali era característica do vocabulário
evangélico. Quando os três chegaram ao ambiente
próximo ao templo, logo encontraram os atalaias,
guardiões do plano extrafísico que se incumbiam
das defesas energéticas. Pai João foi logo apresentando
suas credenciais como enviado e trabalhador
a serviço do Cordeiro:

— Deus seja louvado, meus amigos — pronunciou
o pai-velho.
— Deus seja louvado, irmão — respondeu um dos
atalaias da guarnição espiritual do lugar.
Pai João vestia-se como sempre, com seu terno de
uma substância extrafísica semelhante ao linho delicado
e finíssimo. O paletó e a gravata refletiam
suave luminosidade azul, que se expandia particularmente
em torno de sua cabeça, emoldurada por
112


cabelos brancos. A aparência do pai-velho, trajando
aquele costume branco, sem dúvida favoreceu para
que fosse recepcionado como um pastor ou um dos
responsáveis espirituais do lugar. O atalaia aproximou-
se respeitoso, sem nem de longe cogitar que o
espírito João Cobú trabalhasse de acordo com outra
ótica espiritual.

— Preciso falar com um dos responsáveis pelo templo.
Em nome do Cordeiro venho pedir ajuda para
uma pobre alma que precisa ser encaminhada ao redil
do Senhor — assim mesmo falou João Cobú, na
linguagem que o sentinela espiritual compreendia.
— Vou anunciá-lo imediatamente, pastor — respondeu
o guardião do templo.
— Diga a seu imediato que sou representante do
ministério divino junto a outros irmãos, de outro
aprisco. Ele compreenderá — declarou com firmeza
o pai-velho.
Minutos depois, apresentou-se um espírito envergando
um terno de uma alvura impecável, curiosamente
muito semelhante ao que João Cobú vestia.
— Deus seja louvado! — falou com alegria o espírito
que recebeu o pai-velho. — É você, meu irmão?!
— Pois é, meu amigo, venho em busca de auxílio
para uma ovelha desgarrada. — E, mudando o foco
da conversa quase bruscamente, o pai-velho perguntou,
demonstrando intimidade com o espírito
113



que o recepcionava:

— Diga-me, Gabriel, como andam as coisas por aqui?
Tem visitado nossa Amanda de vez em quando?
— Temos tido muito trabalho, irmão, e já faz mais de
duas décadas que me dedico a este posto de socorro
sem poder me ausentar um dia sequer. Você sabe, irmão,
que trabalhamos com espíritos vândalos, aqueles
que vocês lá da Amanda chamam de quiumbas.
— É verdade, Gabriel — disse o pai-velho. — São os
acompanhantes por excelência da maior parte das
pessoas que aqui comparece em busca de auxílio.
— Pois é, irmão João — tornou a comentar o espírito.
— E olhe que por aqui temos de disfarçar o
método de abordar os problemas espirituais. Usamos
uma linguagem figurada, pois os freqüentadores
do templo ainda estão apegados a conceitos
religiosos ultrapassados. Não podemos falar abertamente
através dos médiuns-pastores a respeito
da vida espiritual.
— Sei disso, amigo. De todo modo, vocês prestam
enorme contribuição para retirar muita gente do
crime, da prostituição e das drogas. Graças a Deus,
do lado de cá da vida, não há separação entre nós,
pois servimos ao mesmo Deus e Senhor.
— Mas, diga-me, irmão: a que devo a honra de sua
presença no templo esta noite?
— Tenho um caso interessante que venho acompa114



nhando com grande carinho — falou João Cobú. —
É um pupilo que precisa muito mais de você e de
sua escola de Evangelho do que de meus métodos.

— Fale, irmão...
— Chama-se Tony o rapaz que pretendo trazer
para seus domínios. Sei que tem um perfil muito
condizente com o trabalho que você realiza neste
recanto sublime.
Tão logo expôs o caso a Gabriel, o dirigente espiritual
do templo pentecostal, o pai-velho adicionou
mais um detalhe, a título de conclusão:
— Trata-se de um rapaz com imensas possibilidades
na vida espiritual. No entanto, traz uma característica
muito acentuada: é alguém que tem a sexualidade
muito exacerbada e precisa ser conduzido
de forma a não se perder em meio aos apelos
que encontra no mundo.
— Sei bem como conduzir o caso, irmão. Vou providenciar
para que seja encaminhado ao templo ainda
esta noite, durante o arrebatamento de seu espírito
— esta é a expressão evangélica para o fenômeno
do desdobramento. — Vamos trabalhar seus
conteúdos mentais e emocionais e elaborar nosso
plano de auxílio ao rapaz. Há aqui uma irmã que
foi arrebatada em espírito e tem necessidades semelhantes
às que você relata. Creio que podemos
ajudar ambos aproximando-os ainda esta noite e
115



depois, quando em vigília, arranjaremos um meio
de se conhecerem pessoalmente no culto.
Depois de detalhar a estratégia de abordagem espiritual
para Tony, João Cobú retornou à sua base
de serviço, juntamente com Tobias e Macaia, que
acompanharam o desfecho do caso com imenso interesse.
O sensitivo resolveu guardar para si as inúmeras
indagações, entendendo que no momento
oportuno João Cobú estaria à disposição para favorecer
seu aprendizado. Uma coisa ficou clara para
Tobias naquela noite, que saiu a meditar consigo
mesmo: "Todos trabalhamos para o mesmo objetivo:
o aperfeiçoamento e a educação dos espíritos
da Terra. Embora sintonizados com metodologias
diferentes e escolas especializadas de acordo com
a necessidade espiritual dos diversos filhos do Pai
Maior, estamos todos sob a bandeira da paz e da caridade,
sob a proteção do Alto. Podemos nem entender
direito os caminhos de Deus, mas sabemos
que cada um é consolado, atendido e amparado de
acordo com sua capacidade de assimilar a lição que
está sendo administrada".

116


problemas de circulação. Suas pernas cansadas e
inchadas representavam sempre um peso ao percorrer
o morro de cima a baixo ou na hora de sair
e buscar a subsistência nos serviços prestados em
casa de gente rica. Espremida pela angústia que morava
no peito e pelo sapato apertado, descia entre
degraus mal-arranjados, becos estreitos e a ladeira
de piso irregular, que, àquela altura, parecia querer
lhe derrubar a qualquer preço.
Estava chateada com as trapaças do marido e indecisa,
insegura quanto ao futuro. Teria algum futuro?
Ela olhava a si mesma como num espelho nebuloso
e não sabia, na verdade, o que pensar... "Que
vai ser da minha vida?". A esperança de mudar para
melhor morrera há tempos. Até os pais lhe haviam
sido emprestados, como ela própria definia sua situação
de filha adotada. Casou-se com um homem
apenas para poder garantir a sobrevivência, mas
não deu certo. Era ela quem tinha de trabalhar para
colocar o alimento em casa.
Geralda era desse jeito. Mulher trabalhadeira, porém
crédula e extremamente mística. Acreditava
em quase tudo: de cristais, incensos e velas até assombrações
e superstições. Ver gato preto ou passar
debaixo de escadas? "Deus me livre!". Qualquer
coisa era motivo para banhar-se inteirinha nas
águas salgadas do mar: ela corria para a praia quan


120


do temia que alguém estivesse fazendo algum trabalho
contra ela.
Foi assim que, ao descer a favela para mais um dia
de labuta na casa da patroa rica, Geralda topou com
um despacho no meio do caminho. Um daqueles
cheios de vela, farinha, cachaça e dendê. "Ah! O
barraco está armado!" — esbravejou alto. Insatisfeita
por causa da briga do dia anterior com o marido,
Geralda chegou ao trabalho soltando fogo pelas
ventas. Sua mente já estava uma tremenda confusão.
Em apenas alguns instantes, arranjou briga
com a patroa e foi demitida.

— E agora, como vou fazer pra pagar o aluguel do
barraco? E a comida?! — falou sozinha, transtornada.
Depois de pensar um pouco, descobriu o motivo
do seu dissabor. — Já sei, foi aquele despacho que
encontrei. Tem coisa-feita nisso! Tem gente maquinando
contra mim...
E já se passavam alguns dias quando ainda se via
Geralda arrumando oferendas na encruzilhada, fazendo
promessas, gastando o que tinha e o que não
tinha com as compras de material para seus trabalhos.
O problema, como era de se prever, só aumentou!
O pouco dinheiro que possuía, gastara na demanda
contra quem imaginava ser a autora do despacho.
Pois ela supunha, apenas; não havia certeza.
Desamparada, brigara com o marido e se viu sem
121



trabalho e sem dinheiro.
Essa foi a situação em que a mulher procurou ajuda
na tenda da caridade de Pai João. Era um caso comum,
muito comum de se ver no dia-a-dia das pessoas
de fé mais simples. A mulher foi se achegando
meio desconfiada e com medo de ter de pagar por
algum trabalho. Não tinha mais dinheiro, não tinha
nem mesmo esperanças. Aliás, ela foi encaminhada
para ali justamente pela pessoa que, segundo
julgava, fizera feitiço contra ela. A mulher dissera
que estava freqüentando um lugar longe, uma tenda
onde só se fazia caridade.
Ao chegar, Geralda ouviu algumas cantigas no salão,
que lhe faziam chorar de saudades de algum lugar
indefinível. Ou seriam saudades de alguém? Enfim,
estava ali, sentada, à procura de um altar com muitas
imagens de santos, mas nada disso encontrou.
Somente uma mesa simples, sobre a qual havia uma
cruz adornada com alguns ramos de algo que lhe
pareciam folhas de parreira. Ninguém lhe cobrara
nada para entrar ali.
Na hora da consulta, pensou que veria os médiuns
estremecer, jogar-se no chão, mas nada também.
Eles reuniam-se numa sala à parte. Geralda imaginou:
"Então é lá que o bicho pega! É ali que a coisa
fica preta...".


Nenhuma de suas idéias estranhas se confirmou.


122


Não havia nada para chamar a atenção.
Entrou no ambiente e logo ouviu um dos médiuns
chamá-la, já incorporado. Sentou-se numa cadeira
simples em frente ao preto-velho, que olhava para
ela com aquele olhar que parecia devassar seus
pensamentos e sentimentos.

— Tem feitiço contra mim, meu pai — falou num
repente ao pai-velho, que permanecia calado,
olhando com seu olhar singelo. — Minha vida está
muito ruim e sei que isso é obra de macumbaria.
Fiquei sem emprego, meu marido me trai e, depois
que encontrei um feitiço feito contra mim, então,
é que as coisas ficaram pretas mesmo. Peguei uma
urticária que, veja só — mostrou o braço à entidade
incorporada —, parece até frieira. Meu pai, o senhor
tem de me ajudar. Preciso fazer alguma coisa
pra fechar meu corpo. Acho que tem alguém com
inveja de mim...
Deixando a mulher falar e desabafar, o pai-velho
olhava com carinho aquela que para ali fora conduzida
a fim de pedir ajuda. Afinal, ela precisava se
desafogar com alguém.
Depois de algum tempo, a entidade incorporada falou
pausadamente:
— Minha filha, se sua vida está assim do jeito que
você conta, nego-velho pergunta, então: como é
que alguém em sã consciência pode invejar você
123



do jeito que está? Se é inveja, minha filha, a pessoa
tem inveja de quê? Das suas dificuldades? Das suas
lutas? Pense bem e veja se não é você quem está
se enfeitiçando a cada dia com seus pensamentos e
suas atitudes.
Respirando pausadamente, o pai-velho continuou:

— Você falou de sua insatisfação com a vida, com
seu casamento e com a falta de trabalho. Você acha,
filha, que realmente são as outras pessoas que estão
fazendo algo contra você ou é você mesma
quem está boicotando sua vida? Minha filha casou-
se sem amor nem afeto, apenas para garantir a comida
e a sobrevivência; não pensou antes e engravidou
sem perceber que essa atitude foi o passo em
falso que lhe jogou de encontro a alguém que não
tem afinidade com sua alma. Queria ganhar e saiu
perdendo. Perdeu a paz, perdeu a razão e a chance
de ser mais feliz ou tão feliz quanto poderia ser. É
hora de avaliar sua caminhada, minha filha. Ainda
é tempo de ser feliz.
— Mas, meu pai, como posso ser feliz com tanta
conta pra pagar, com o marido e eu desempregados
e meus filhos sem ir à escola?
— Volta no tempo, minha filha, e veja o que pode
estar errado em sua caminhada. Você precisa refazer
sua vida, seus planos, sua forma de agir. Caso
repita os erros e atitudes de antes, então o resulta124



do será também o mesmo! Insatisfação e infelicidade.
É preciso ter coragem para mudar. Quanto a fechar
seu corpo, minha filha é aquilo que estudantes
da alma humana chamam de personalidade esponja.
Essa característica faz com que a filha absorva
energias discordantes e emoções de toda espécie.
Antes que o pai-velho pudesse concluir seu pensamento,
a mulher interferiu bruscamente:

— O senhor nem parece preto-velho falando assim!
Até parece que é branco e inteligente...
Com sorriso nos lábios e compreensão no coração,
o espírito retomou sua fala sem se queixar da maneira
como a pobre mulher se expressava, num flagrante
preconceito.
— Pois é, filha. Como nego-velho falava, você precisa
rever suas emoções e deixar de sofrer e de se
considerar coitadinha. Pretender ter o corpo fechado
contra mau-olhado, coisa-feita, feitiçaria ou
macumbaria é algo que merece ser revisto urgentemente.
Talvez aquilo que minha filha encontrou
na encruzilhada nem fosse pra você! Imagine se alguém
vai gastar dinheiro comprando o material do
tal despacho, como você diz, a fim de lhe atingir, de
lhe fazer infeliz ou outra coisa qualquer? Isso não
seria inteligente da parte da pessoa que a filha acredita
ser a autora de tal coisa. Não é necessário fazer
nada contra você se você mesma já está fazendo... E
125



nego-velho pergunta ainda mais: pra que um espírito
perderia seu tempo contra alguém que já está
destruindo a própria vida com tantos contratempos?
Já pensou nisso antes, minha filha?
A mulher começou a chorar ao ouvir as reflexões
do pai-velho. Sua expectativa era encontrar ali alguém
que se dispusesse a fazer um trabalho de fechamento
de corpo e um feitiço de retorno para
quem arquitetara sua miséria. Porém, ouvindo
tudo aquilo, via-se obrigada a admitir que era ela
própria, com suas atitudes, a razão de tanta coisa
dar errado ao longo de sua vida. Como fazer para
modificar, então?

— Nego-velho — continuou o espírito incorporado
— vai dar um tempo a você para refletir. Não há nenhum
trabalho para lhe fazer feliz ou trazer para
você a atenção de seu marido. Nem mesmo para
arranjar um emprego. Infelizmente, pai-velho não
trabalha com correio sentimental, nem numa firma
de recrutamento de pessoas para o trabalho. Por
isso, pai-velho não arranja emprego pra ninguém.
"Você precisa entender que, para ser feliz na vida,
a filha tem de ter atitudes sadias, semear felicidade
e trabalhar de tal maneira e com tal qualidade
que possa ser considerada necessária àquele que
é seu patrão. Muita gente por aí diz que não tem
emprego, que não ganha o suficiente, mas nego126



velho acredita que falta é gente competente, gente
que sue a camisa pra ser um bom profissional e
que se empenhe em dar o melhor de si. De modo
geral, minha filha, as pessoas querem saber só de
seus direitos e se esquecem dos deveres. Querem
reconhecimento, mas não fazem nada que as qualifique
nem apresentam qualquer diferencial. Querem
emprego e salário, e não trabalho e dedicação.
Pense nisso um pouco. Quem sabe você poderá se
ajudar bastante através destas reflexões?"

— Mas... e quanto à minha família, meu pai? Como
vou fazer com meus dois filhos? Eles estão sem estudar
por causa da nossa pobreza e, além disso, não
querem nada com a vida...
— Pare de passar a mão na cabeça deles, filha! Nem
Deus passa a mão na cabeça de seus filhos desgarrados...
A vida tem leis que precisam ser respeitadas,
e quem não anda de acordo com essas leis fatalmente
encontrará as conseqüências. Para viver
em comunidade, qualquer um precisa observar certas
regras de conduta. A comunidade familiar não é
diferente. Estabeleça regras de comportamento e
faça com que sejam cumpridas.
"Sobre não ter como estudar, tem muitas escolas
públicas por aí hoje em dia! O que lhes impede
de matricular-se, se o ensino e até quase todo o
material são gratuitos? Afinal, a pobreza não deve
127



ser pretexto pra tudo. Ou deve? Não pretenda viver
uma vida que você não tem condições de sustentar,
minha filha. Seus garotos precisam de limites, e
você, minha filha, de aprender a viver sem desculpar
e justificar os erros de seus filhos. Você é que
não soube impor limites nem regras e agora imagina
que os espíritos resolverão, em seu lugar, aquilo
que você mesma criou. Isso não existe!
"E não adianta procurar ajuda com aqueles que dizem
trazer seu amor de volta em meia dúzia de dias
ou com mirongas e feitiços de pessoas que também
não conseguem se resolver. Ninguém tem o poder
de solucionar problemas que a gente mesmo criou.
Só você tem a capacidade e a oportunidade de consertar
e reciclar suas experiências. O máximo que
alguém pode fazer por você, minha filha, é lhe dar
uma opinião para refletir. Não empregue seu dinheiro
em trabalhos que não levam a nada, a não
ser ao aumento da poupança daqueles pretensiosos
profissionais do espírito.
"Tome nas mãos as rédeas de sua vida e faça você
mesma a revolução que precisa ser feita, hoje e
agora. Pra isso você não necessita despachos, velas
ou oferendas; necessita é ter coragem e atitude.
Essa conduta é que a tornará imune aos dissabores
da vida. O corpo não precisa estar fechado; a mente
é que deve estar aberta a novos conhecimentos,

128


novas possibilidades, nova atitude. Pense, reflita e
depois retorne para nego-velho ver se você aprendeu
a lição."
Diante do que o espírito disse, a mulher enxugou as
lágrimas e, ao levantar, falou de repente, como que
desaguando as palavras:


— Acho que o senhor está enganando a gente. Não
é nego coisa nenhuma! Essa conversa é coisa de
branco inteligente...
E saiu da tenda com a cabeça crepitando, cheia
de novas idéias em que matutar e repleta de desafios
pela frente, porém com esperança de mudar
— para melhor.
Ao lado do médium incorporado um trabalhador
estava de prontidão, anotando as indicações do espírito
que atendia naquela noite. Assim que a mulher
saiu, permitiu-se perguntar ao pai-velho:
— Puxa, meu pai, aprendi tanto com essa conversa
que o senhor teve com a consulente... Será que daria
para explicar melhor aquilo que o senhor falou a
respeito da personalidade esponja? Talvez suas palavras
sirvam para entender o que ocorre comigo!
— Pois é, meu filho — atendeu prontamente o espírito.
— Na realidade espiritual e energética do mundo,
há ao menos dois tipos de pessoa, de encarnados,
que demandam urgente trabalho de reorganização
emocional. Trata-se das personalidades que
129



nego chama de vampira e de esponja.
"No mundo de hoje, mais do que nunca, vocês estão
cercados de vampiros. São os indivíduos comuns
que vivem das energias alheias e delas se
nutrem, lesando e roubando mesmo aqueles com
quem convivem. Não se vestem de preto, nem
tampouco vagueiam pela noite em busca do pescoço
de inocentes para saciar sua sede de sangue.
Nada disso. Os vampiros modernos esgotam as reservas
energéticas dos outros atacando pelo lado
emocional e afetivo. Fazem-se de vítima e querem
despertar cuidados especiais da parte de quem
está a seu redor, provocando-lhes o esgotamento
nervoso e vital. Vivem num mar de lágrimas e
justificam sua atitude afirmando que a infelicidade
ou a insatisfação que experimentam é culpa do
outro, do obsessor ou de alguma coisa que foi arquitetada
contra si. Deve-se que ter cautela contra
esse tipo de gente.
"Por outro lado, há aqueles que, embora não sejam
vampiros, sugam todo tipo de emoção — ou forma
energética de conteúdo emocional — que esteja
dispersa em ambientes os mais diversos. Caso
deparem com alguém atravessando um problema
emocional, fazem verdadeira sucção dessas energias
discordantes; rapidamente, passam a sofrer os
impactos vibratórios decorrentes das atitudes e da

130


vida do outro, que logo começa a se sentir bem, pois
recebeu certa cota de vitalidade com a simples proximidade
do indivíduo esponja. Simultaneamente,
as energias negativas e indesejáveis que este absorveu
provocam-lhe grande mal-estar. É um mecanismo
infeliz, cujo efeito é bem diferente do que se
verifica na doação. Esse é o drama dos seres de personalidade
esponja."

— E tem remédio contra isso, meu pai?
— Bem, meu filho, nós, os espíritos, acreditamos
que sim. Na realização de sua atividade cotidiana,
o terapeuta do espírito, o espiritualista e o estudioso
das ciências psíquicas devem necessariamente
familiarizar-se com certos princípios fundamentais
para entender o mecanismo de funcionamento da
criação mental. O conhecimento evita que o sujeito
se coloque como vítima e promove sua ascensão
a agente de sua própria vida, aprendendo a coibir
perdas fluídicas desnecessárias.
"Quando se considera o encarnado em sua existência
intrafísica, é correto afirmar que todos os pensamentos
ou idéias, uma vez abrigados de modo mais
ou menos permanente, causarão reação física. Embora
se percebam eventuais conseqüências somente
após algum tempo em que são cultivados e irradiados,
torna-se inevitável considerar que meus filhos
precisam ficar atentos à qualidade do produto
131



da mente2, que pode afetar as diversas funções do
corpo de maneira intensa.
"Um aparelho psíquico que emite vibrações e formas-
pensamento negativas, pessimistas ou de baixa
freqüência naturalmente compele o cérebro a executar,
no corpo, padrão energético análogo. Ou seja:
lenta, mas ininterruptamente o corpo é estimulado
com o conteúdo mental impróprio. Assim sendo,
nada mais sensato do que reorganizar as matrizes
do pensar e fazer uma faxina mental, selecionando
a qualidade das idéias, dos conceitos e das imagens
que se acolhem na intimidade, visando deixar

o lixo tóxico dos pensamentos de baixa vibração do
lado de fora. Eis por que muita gente vem atrás dos
espíritos pedindo que os livremos deste ou daquele
problema e, com efeito, nada podemos fazer. E que
a fonte do problema está no psiquismo de quem se
sente incomodado; é a própria pessoa que necessita
reciclar sua vida mental com urgência."
Explorando o silêncio através de uma pausa mais
longa, claramente movido pela intenção de dar
tempo ao rapaz, que se esforçava por assimilar o
que dissera, o pai-velho continuou:
2 Vale notar que os espíritos, quando empregam a palavra pensamento, não

se referem estritamente ao produto do intelecto, que a rigor nem existe de

modo isolado, mas ao todo composto por pensamento e emoção.

132


— Muita gente queixa-se de problemas físicos cujas
causas os médicos da Terra não conseguem descobrir.
Ocorre que certas patologias, meu filho, principalmente
aquelas sem diagnóstico, na maior parte
das vezes são causadas por uma vida mental e emocional
complexa e desarmônica. Tomemos como
exemplo as preocupações constantes. Elas induzem
inúmeras mudanças no aparelho digestivo, no
sistema nervoso, notadamente no vago-simpático,
bem como na própria musculatura, determinando
que o organismo entre em estado de emergência ou
instabilidade. Não há mais como culpar a vida, os
espíritos do mal ou supostos feitiços e artifícios de
magia negra por eventuais — ou constantes — desequilíbrios
orgânicos.
"Na verdade, requerem-se muita coragem e disposição
para realizar uma cirurgia na própria alma,
abrindo-se para uma análise ou uma autocrítica
pormenorizada. Somente assim se verá que a maioria
dos males que imputados aos outros é resultado
do estilo de vida mental e emocional que o ser desenvolveu
ao longo do tempo.
"Outro exemplo: a raiva. Abrigada dentro de si por
muitos, é uma emoção que envenena a alma e as células
do corpo. Popularmente, aquele que guarda raiva
e mágoa é o chamado 'engolidor de sapos'. Engole
tanta indignação, sem se expressar de modo conve133




niente diante de suas emoções discordantes e tempestuosas,
que acaba por estimular a liberação de
adrenalina na corrente sangüínea, causando muitas
alterações no funcionamento da máquina corporal.
Por exemplo, grande número dos que se queixam de
problemas cardíacos são, na verdade, agentes da ansiedade
ou do medo infundado, sensações que afetam
a freqüência do chacra cardíaco e ocasionam resposta
imediata no órgão correspondente: o coração."

— Então, meu pai — falou o auxiliar das tarefas da
noite. — Temos de rever urgentemente nossos hábitos
emocionais e mentais, do contrário ficaremos
permanentemente dependentes de orientação espiritual
e, ainda por cima, à mercê de idéias errôneas
a respeito das questões espirituais...
— Isso mesmo, filho! A maioria das pessoas que
vêm às casas de caridade em busca dos guias para
obter orientações ou a resolução de seus problemas
deveria, com grande proveito, procurar também
um bom terapeuta. Nego-velho acredita que, em
vez de gastar dinheiro comprando produtos para
trabalhos, descarregos ou ebós, o mais indicado seria
mesmo empregar seus recursos numa psicoterapia
ou acompanhamento emocional de qualidade.
Quem sabe assim, em vez de querer mudar a
forma como as coisas funcionam — sem o poder —,
as pessoas pudessem abraçar a lei divina tal como é
134


e, em seguida, migrar o foco de sua atenção de fora
para dentro de si? Está aí um trabalho que vale mais
a pena do que aqueles de encruzilhada e outros do
gênero. Entretanto, as pessoas costumam achar
mais fácil pagar alguém para fazer algo em seu lugar,
transferindo assim ao outro a responsabilidade
por sua própria satisfação, do que elas próprias encararem
o trabalho de modificar sua conduta mental
e emocional. Seja como for, perante a força soberana
da vida, de nada adiantam3 os trabalhos fei-

Estas observações, em absoluta consonância com os conceitos espíritas,
dão uma interpretação ainda mais abrangente à prática de contratar terceiros
para fins espirituais, o que foi duramente condenado tanto por Jesus
quanto por Kardec. Pela paixão que despertam e pelas verdades que encerram,
transcrevemos passagens de uma das principais fontes que abordam

o assunto, porém recomendando enfaticamente a leitura na íntegra: "Deus
não vende os benefícios que concede. Como, pois, um que não é, sequer,
o distribuidor deles, que não pode garantir a sua obtenção, cobraria um
pedido que talvez nenhum resultado produza? Não é possível que Deus subordine
um ato de clemência, de bondade ou de justiça, que da sua misericórdia
se solicite, a uma soma em dinheiro". Mais especificamente sobre a
terceirização de responsabilidades, prossegue o texto: "Ainda outro inconveniente
apresentam as preces pagas: é que aquele que as compra se julga,
as mais das vezes, dispensado de orar ele próprio, porquanto se considera
quite. desde que deu o seu dinheiro" (KARDEC, Allan. O Evangelho segundo
o espiritismo, op. cit, cap. 26, itens 3-4: Preces pagas, p. 466-467).
135



tos, encomendados a outros com o propósito de resolver
aquilo que cabe somente ao indivíduo.

— Vi muitas vezes o senhor falando a respeito das
imagens mentais, meu pai — interpelou-o novamente
o trabalhador. — Como elas atuam e exercem
influência sobre nosso comportamento no dia-
a-dia? Afinal, essas imagens afetam nosso estado de
espírito, correto?
— Por certo que afetam. As imagens mentais são
o resultado de pensamentos recorrentes, mais ou
menos constantes, de um mesmo padrão vibratório.
Tanto o cérebro físico quanto o sistema nervoso
respondem de maneira rápida e intensa às figuras
criadas e mantidas pelo indivíduo. Elaborada a
partir dessa repetição de pensamentos de qualquer
natureza, a imagem torna-se um tipo de impressão
mental ou clichê, do qual o subconsciente lançará
mão toda vez que houver associação com novos
estímulos, sejam endógenos ou exógenos. Dito de
outro modo: o ser forja os clichês em sua mente, e,
no momento em que surge alguma situação externa
que estabeleça sintonia com o tipo de imagem
mental que cultivou, o sistema é ativado, entrando
num estado de inter-retroalimentação. Quanto
mais estímulo, mais vida ganha a imagem mental;
quanto mais consistente esta se torna, mais incita
novas doses. É um círculo vicioso, como se pode
136


ver. O próximo passo é materializarem-se, no corpo
ou em suas emoções, quadros ou comportamentos
que consolidam o desequilíbrio.
"Observe, meu filho, que muitas pessoas querem erguer
em torno de si um campo de defesa energética
ou espiritual, contudo não cuidam da natureza dos
pensamentos que cultivam e dos clichês que elaboram
em torno de si. Ora, qualquer proteção energética
ou espiritual depende inteira e diretamente
da qualidade da produção e do substrato mental de
quem almeja a imunidade vibratória ou fluídica. A
força e o dínamo da corrente magnética que mantêm
ativos e eficazes os campos de proteção que
envolvem o indivíduo — tanto quanto a comunidade
— estão enraizados na sua conduta mental. Não
há como escapar a essa realidade; é do arcabouço
psíquico que se extrai a matéria-prima para sustentar
a defesa ou imunidade espiritual. Irradiar pulsos
magnéticos e fortalecer escudos das mais variadas
formas e métodos será inócuo se o ser não cuidar
das fontes do pensamento e não compreender
tais leis de manutenção do equilíbrio energético.
"Quando realizamos tarefas de desobsessão e fortalecimento
da proteção fluídica, observamos que
a maior contribuição que se poderia dar às pessoas
assistidas é um curso intensivo mostrando a responsabilidade
pessoal na manutenção do pensamento e

137



das emoções organizados. Enfim, como já disse: não
se pode abrir mão de um acompanhamento emocional
junto com o atendimento desses casos. Afinal, é
ingênuo supor que apenas alguns comandos mentais
estimulados pelo magnetismo sejam suficientes para
erguer e sustentar a defesa energética, seja no âmbito
individual, seja no coletivo, sem levar em conta o
cuidado com a fonte propulsora da força magnética,
que são as emoções e os pensamentos."

— É, Pai João, então temos de zelar de verdade por
nossos pensamentos, e no caso dos médiuns não somente
no dia das tarefas espirituais ou magnéticas,
como também em nosso dia-a-dia...
— Essa é a realidade, meu filho, a pura e simples
realidade; ela demonstra o princípio que deve nortear
a forma de lidar com as questões do magnetismo.
Também essa é a maior necessidade daqueles
que procuram ajuda para suas vidas. No fim das
contas, não há nenhum proveito em conversar com
espíritos, sejam eles pais-velhos, caboclos ou quaisquer
outras figuras espirituais, a não ser com o objetivo
de despertar para tais fatos. Do contrário, o
auxílio serve apenas de muleta para fomentar a dependência
doentia que certas pessoas desenvolvem
em relação aos espíritos. O remédio de que precisamos
mesmo é trabalhar as emoções e os pensamentos
por meio do esclarecimento das pessoas.
138


— Que é isso, Isabel? — respondeu Zuleika. — É claro
que sei que isso é do Diabo, mas e se por acaso a
gente estiver enganada? Como ficam as coisas?
— Você duvida, minha amiga? Você duvida então
da palavra de Deus?
— Ora, Isabel, você com suas idéias... Sabe muito
bem que vou ao culto todos os domingos e adoro
participar das orações no templo. Como eu poderia
duvidar? Estou apenas procurando conversar
e saber como as coisas seriam se a gente estivesse
enganada a respeito dessas questões. Não é que eu
duvide, mas sabe? E se...
— "Se" coisa nenhuma, minha amiga. O pastor lá da
igreja sempre está certo. Não podemos mexer com
quem já morreu...
Zuleika é uma mulher experiente. Trinta e oito
anos, morena clara, cabelos cacheados e olhos pretos.
Desde criança convive com situações incomuns,
para as quais não encontrou explicações satisfatórias
em sua religião. Freqüentava a igreja renovada
por razões sociais e, atendendo ao apelo da
mãe no leito de morte, não abandonara a religião.
Temia descumprir o juramento feito à morta. Com
esse pensamento é que ia semanalmente ao templo,
apenas para aplacar seus medos quanto à promessa
feita, sem raciocinar sobre quais seriam as implicações
dessa decisão. Era religiosa, dedicada a Jesus.
142


Assim jurava de pés juntos para as amigas que professavam
a mesma fé. Mas, no fundo, no fundo, desejava
mesmo era arranjar um bom namorado entre
os fiéis, pois entre todas as irmãs somente ela
ficara solteirona. Ah! Como era difícil permanecer
na solidão assim, sem ninguém com quem compartilhar
a vida, as paixões e os anseios de mulher.
Até que tivera algumas aventuras amorosas, entretanto
isso não a satisfazia. Era mulher casadoira, e

o que mais queria era encontrar alguém com quem
se unir até que a morte os separasse. Amasiar-se?
Nem ver. Que falariam dela na cidade? Afinal, ela
podia até morar na capital, mas a turminha com a
qual convivia no dia-a-dia era um povo exigente
e conservador. De jeito nenhum perdoariam caso
morasse com um homem sem a devida cerimônia,
com direito a véu e grinalda. Exatamente da maneira
como a velha mãe idealizara e como fizera a irmã
mais nova. Entrar na igreja com toda aquela gente
jogando pétalas de flores sobre o casal... "Ah!" —
suspirava só de imaginar. Zuleika sonhava constantemente
com o casamento. Mas, infelizmente, não
conseguira o noivo.
Resolveu então aderir ao movimento carismático e,
deste, foi para uma igreja evangélica. Assim, se uma
religião não ajudasse, ela teria duas. Por segurança.
Era um povo alegre o pessoal da igreja, uma turma
143



renovada, embora não pudesse negar sua queda por
outras religiões. Já que tinha de cumprir a promessa
com a morta, que fizesse uso conveniente da situação...
Afinal, ela só prometera não abandonar a religião
— qualquer que fosse a denominação religiosa!
Jamais garantiu à mãe que não iria a outras igrejas
nem se interessaria por outras religiões. Até porque,
apesar de haver muitos rapazes atraentes, estava tão
difícil achar um marido ali na igreja... E amasiar-se
ela não queria mesmo. Isso era ponto decidido.
Já fizera até promessa para Santo Antônio, o santo
casamenteiro, e nada — ai, se Isabel descobrisse!
Um dia ensinaram a ela que deveria adquirir
uma imagem do dito santo e cozinhá-la de cabeça
para baixo no feijão. Pobre santo!... Não é que ela
fez tudo conforme o figurino? E para que adiantou?
Nada, nenhum homem ou maridão foi pescado.
Submeteu-se a todo tipo de fantasia criada pela
imaginação popular, inclusive tomar banho de pipoca
nuazinha em pêlo, à noite, em frente a uma
igreja. Já pensou se passa alguém e vê?
Pobre Zuleika, agora tinha de apelar. As simpatias
não surtiram resultado e ela continuava solteirona,
rezando e fazendo promessas. E as velas que acendera?
Já perdera as contas... Evidentemente, fez
tudo isso escondido da amiga, que era uma legítima
fanática.

144


A busca de Zuleika por um marido foi tão intensa e
determinada que até uma "vidente" ela procurou.
Dessas que afixam folhetos nas ruas e nos postes:
"Mãe Fulana de Tal — traz a pessoa amada em 7
dias". E olha que, nos dias de hoje, o mercado está
tão concorrido que tem gente anunciando prazo de
5 ou 3 dias e até de 24 horas!
A amiga Isabel bem que alertou: "Isso é obra do demônio".
Afinal de contas, o pastor falou, está falado.
Nada adiantou também. Zuleika continuava sonhando
com o noivado, o casamento. A tal mulher
que lhe prometera arranjar um marido em uma semana
só soube comer seu rico dinheirinho. Fora
embora todo o seu salário e as economias que fizera
para comprar o enxoval. Em vão.
Zuleika se transformara numa devota da igreja renovada.
A amiga Isabel contara que o Espírito Santo
estava obrando na igreja e que ela mesma tivera provas
do seu poder: depois das orações ela falara em
línguas, conforme constava da Bíblia. Eram línguas
estranhas, na verdade, que ninguém entendia. Os
crentes diziam ser línguas dos anjos. Quem sabe?
"Já que estão ocorrendo milagres tão fantásticos na
igreja, será que eu não consigo um milagrezinho
assim, desse tamanhinho, só para ajudar a amarrar
meu homem?" — tentava se convencer Zuleika.
Estava louca, desesperada, endiabrada... "Ah! Que

145



calor! Que calor, meu Deus!" Zuleika não agüentava
mais pensar na situação.
Outra amiga — Morgana, a esotérica — dissera-lhe
que sua energia yang estava em ebulição. Ou seria
a energia biang1? "Sei lá" — pensava ela. "Esse povo
todo é muito maluco!" Mas, se essa maluquice toda
servisse para ajudá-la a ter sucesso em seu intento,
então se encheria de balangandãs, penduricalhos,
incensos, cristais e decoraria todas as rezas,
mantras e assemelhados. Em nome de Deus ou de
quem quer que fosse, ela precisava casar, tinha de
arranjar um noivo a qualquer preço. Não agüentava
mais esperar.
Foi numa dessas conversas com Isabel que ela se
distraiu e deixou escapar que Morgana era esotérica.
Justamente sua amiga Morgana, a única que
a entendia... Bastou um instante de desatenção e

o caos estava armado, a pregação havia começado.
Também, por que não ficou com o bico calado? Tinha
de falar sobre esoterismo logo com Isabel, sua
companheira de igreja?
Isabel era outra... Mal-amada, não se conformava
com as estripulias do marido. Para curar sua inquietação
com o casamento, que vivia só de aparências,
resolveu então "entregar seu coração para Jesus".
"Também pudera" — pensou Zuleika. "Depois de
aprontar todas que tinha direito e de ser rejeitada
146


pelo marido, só tinha uma saída: entregar para Jesus!
Coitado, tadinho dele..." — ela ria sem se incomodar
com Isabel, que estava bem ali, a seu lado.

— Que é isso, Zuleika? Está doida, mulher? — perguntava
Isabel, sem entender o motivo do riso repentino
da colega.
E Zuleika, sem responder, absorta em seus pensamentos,
continuou o raciocínio:
"Ele recebe cada coisa... Depois de a pessoa virar
um bagaço, depois de pintar e bordar e não ter mais
nada que presta, entrega o restolho pra Jesus. É um
tal de ex-marginal, ex-prostituta, ex-ladrão, ex-macumbeiro...
Ele ganha cada coisa nesse mundo!" —
pensou Zuleika, com seu sorriso maroto. "Será que
o tadinho não ganha nada que presta?"
— Zuleika!!! — berrou a amiga.
— Deixa de ser abestalhada, mulher... Me deixe em
paz, de uma vez!
— Mas você está pensando bobeira. Conheço este
seu sorriso cínico. Pensa em Jesus, minha amiga.
E, olhando de soslaio para Isabel, abana-se como
que para dar fim àquela conversa chata e sai na
frente, rebolando exageradamente, feito doida.
— Ai, mais que calor... Que calor, meu Deus! — exclamou
Zuleika.
As duas entraram no templo com o sentimento
voltado para Deus e as coisas do espírito. Pelo me147




nos Isabel, pois Zuleika estava com os olhos revirando
na órbita de tanto olhar para os lados. Tudo

o que via eram aqueles irmãos que ali chegavam
para orar e louvar a Deus, nada mais. Afinal, se não
podia ver Jesus mesmo, em pessoa, poderia aproveitar
para olhar e admirar os filhos do Senhor,
seus seguidores...
— Sagrado Jesus, Senhor da glória! — balbuciava Zuleika
ao ver todos aqueles homens reunidos, tentando
apascentar sua libido e minorar o incômodo com
sua situação emocional, sua solteirice compulsória.
Tão logo o pastor começou a pregar e, na conclusão
da prédica, a orar, o público foi aos poucos entrando
em sintonia com as suas palavras. As emoções
de cada um pareciam adquirir vida própria, e o clima
psíquico era algo palpável, facilmente perceptível.
O pastor sabia manipular as palavras de maneira
a falar aos desejos e às emoções dos presentes.
Um clamor coletivo dominava o ar. Em torno
do missionário evolava-se intenso magnetismo. De
suas mãos e olhos partiam irradiações eletromagnéticas
de tal intensidade que reforçavam a convicção
dos fiéis ali presentes, que realmente acreditavam
ser ele um enviado de Deus para resolver suas
mazelas. De repente, o pastor gritou em sua oração
renovada e inspirada:
— Coloquem a mão direita sobre o local onde dói
148


ou onde julgam estar o problema que os incomoda!
Neste momento, pedirei aos anjos do Senhor que
toquem seus corações e suas mentes, que libertem
do mal que acompanha os irmãos. Esta é uma noite
de libertação. Em nome do Senhor, eu repreendo os
espíritos da maldição! Em nome do Senhor Jesus,
eu repreendo os espíritos da macumbaria e da feitiçaria!
Em nome de Deus, eu declaro a vitória sobre

o inimigo, sobre as pombajiras, os exus do mal e sobre
toda sorte de demônios que afetam as vidas dos
irmãos. Aleluia! Aleluia! Ô glórias...
No auge da oração forte, as pessoas já estavam de
tal modo entregues, abertas ao transe anímico que
se predispunham ao que quer que o pastor as induzisse.
A oração funcionava como recurso magnético
e hipnótico de grande potência. Pessoas perdiam o
controle emocional, choravam ou começavam a rir
nervosamente, sem parar, enquanto se viam outros
a pronunciar palavras desconexas, interpretadas
pelos crentes como sendo o idioma dos anjos.
— Eu os liberto de toda ação do Demônio, de toda
artimanha do Maligno e dos laços de Satanás —
anunciava o pastor com autoridade e firmeza impressionantes.
Simultaneamente às palavras que
constituíam o ápice de sua oração, ele bateu o pé
direito no tablado do púlpito de uma só vez, produzindo
forte som em meio ao burburinho crescente.
149



De repente, mediante as sugestões hipnóticas emitidas
pelas calculadas palavras do pastor, Zuleika
pôs-se a tremer convulsivamente. Tremia tanto
que a amiga Isabel parou de falar a língua dos anjos
e tentou segurá-la, o que se demonstrou inútil.
Neste instante, o missionário gritou ainda mais alto
e então foi acompanhado por um grupo de mais ou
menos 10 obreiros que com ele dividiam o tablado,
os quais, em meio aos apelos magnéticos do pastor,
passaram a bater os pés em uníssono, emitindo estrondos
ritmados que sobressaíam da algazarra de
línguas e gemidos da turba.

Zuleika surtou de vez e foi ao chão feito uma fruta
madura quando cai da árvore. Debatia-se loucamente,
num ataque de nervosismo que denotava o
intenso grau de desequilíbrio que a dominava.

— É a pombajira dos infernos! — exclamou a amiga
Isabel a plenos pulmões. — Valha-me, Deus,
nosso Senhor!
O pastor aproveitou a situação e desceu do tablado,
sempre orando com palavras cada vez mais insufladas
de emoção e vitalidade. Dirigiu-se logo para
onde Zuleika se estrebuchava no chão.
— É o poder de Deus que repreende os demônios da
maldade! — anunciou o pastor enquanto a multidão
cantava, gritava e falava a língua dos anjos, conforme
se manifestava a histeria nas pessoas.
150


— Eu te repreendo, demônio, em nome do Senhor
Jesus. Salve, salve! Aleluia, aleluia! Glórias...
Zuleika foi então erguida por dois brutamontes que
acompanhavam o pastor Moisés naquela noite de
libertação e descarrego. Em franco desequilíbrio
emocional e nervoso, ela tremia dos pés à cabeça,
quando o pastor resolveu interpelá-la, tal como se
ele se dirigisse a um espírito incorporado:
— Fale, demônio da pombajira, diga o que você quer
desta mulher — ordenava o pastor em pleno volume,
ao mesmo tempo em que batia na cabeça de
Zuleika com pesada Bíblia, incitando a pobre mulher
a se expressar como se fosse um demônio incorporado.
Gemia, rugia e soltava palavrões como
se fosse mesmo um espírito do mal. Não havia outro
jeito: ou cumpria o protocolo daquele lugar ou
seria espancada com a Bíblia indefinidamente.
Zuleika fingiu desmaiar diante de tantos golpes que
levara na cabeça e de tal estardalhaço em torno de
si. Isabel pulava e soltava sons incompreensíveis
durante o descarrego feito pelo pastor, que, àquela
hora, já se consagrava como o enviado do Altíssimo
para a libertação da mulher possuída. Conduzida a
outro cômodo, todos acreditavam que Zuleika estava
inconsciente. Sua amiga Isabel, pulando e louvando
em meio aos hinos dos fiéis, acompanhava a recém-
liberta, que fora levada do ambiente pelos dois ho151




mens que escoltavam o pastor. Enquanto isso, o pastor
Moisés continuava no salão curando e libertando
outras almas da perdição. Quando a mulher deu por
si na poltrona da sala anexa, completamente sugada
e desvitalizada, a amiga foi logo comentando:

— Irmã Zuleika, a pombajira estava com você. Eu
falei, eu falei que você estava possuída pelo demônio!
Aquele calor todo que você sentia era o fogo
do inferno. Mas, graças a Deus, o pastor Moisés libertou
sua alma. Você agora está salva por Jesus e
a demônia da pombajira te largou e foi queimada
pelo fogo do Espírito Santo.
Zuleika abriu os olhos lentamente, enquanto a amiga
tagarelava a seu lado, quase possuída — quem
sabe pelo Espírito Santo? Certificou-se de que estavam
sozinhas e de que os homens haviam retornado
ao salão da igreja. Num átimo, reuniu as poucas
energias de que ainda dispunha e pôs-se de pé, falando
à amiga Isabel, interrompendo-a:
— Que pombajira, que nada, amiga! Eu é que não
volto mais aqui. Me deu uma tremedeira tão grande
que não tive como me dominar, mas sei que não
era nenhum demônio coisa nenhuma.
— Era ela sim, Zuleika! Era a pombajira dos infernos
que estava danando sua alma, amiga. Ela é a
mulher do Satanás. Logo notei, quando a gente vinha
pra igreja, que você estava estranha. Ela te jo152



gou no chão quando o pastor se aproximou. Ele
orou o Salmo 91 sobre você, que é uma oração poderosa,
e retirou a danada de seu corpo. Você agora
está com o corpo fechado, amiga, nenhum demônio
pega você mais.

— Que nada, Isabel. Fui obrigada a fingir que havia
um espírito em mim, pois não conseguia dizer nenhuma
palavra, tamanha força me dominou. Se eu
não fingisse, apanharia ainda mais com aquela Bíblia
enorme com a qual o pastor surrava minha cabeça.
Passando a mão sobre o couro cabeludo para certificar-
se de que não sofrera nenhuma contusão, Zuleika
tratou de sair quase correndo pela porta dos
fundos da igreja, deixando para trás a amiga boquiaberta,
na certa acreditando que o demônio, ou
melhor, a demônia havia se apossado novamente de
Zuleika. Depois desse teatro todo, as duas nunca
mais se viram. Zuleika ficou realmente possessa de
raiva da igreja, do pastor e dos demônios evocados
por ele naquela sessão de descarrego.
Tinha também raiva de Jesus. "Ô povinho miserável
que ele arrumou para lhe representar" — pensava
a mulher endiabrada, indignada e desiludida
com a religião.
Foi assim que resolveu apelar. Não voltaria mais à
igreja, nem que Jesus ou sua falecida mãe a amaldiçoassem,
deixando-a solteira para o resto da
153



vida. Tamanho desespero acometia a pobre mulher
que acabou procurando um terreiro. Tudo o
que a antiga amiga não queria e que lhe desaconselhara
veementemente.
Que se danasse a promessa feita à mãe morta! No
fim das contas, ela estava morta mesmo, não estava?
Encontrou uma mulher que se dizia mãe-de-santo.
Se era alguém confiável ou não, Zuleika ainda não
sabia, mas que tinha conhecimento da coisa, isso
sim. Não podia negar. Dizia-se ser do candomblé, e
foi em sua roça que Zuleika conheceu o jogo de búzios.
Ela tinha de consultar o seu santo de qualquer
jeito. Ver o que estava atrapalhando sua vida.

— O búzio é uma espécie de concha ou caramujo
africano usado para interpretar a vontade dos orixás
— informava Mãe Mercedes. — Você tem de vir
aqui um dia desses para eu jogar búzios e ver o que
os orixás determinam para sua vida.
— Vir eu até venho, Mãe Mercedes, mas primeiro
eu tenho de conhecer alguma coisa a respeito. A senhora
sabe, sou uma pessoa inteligente, que usa a
cabeça, e não vou me jogar num lance desses aí sem
saber com que estou mexendo...
— Então, vamos lá, que eu vou dar a você algumas
explicações antes de jogar.
Mercedes era uma mulher esguia, alta, com o rosto
marcado por rugas fortes e expressão que remetia a
154


uma cigana. Usava óculos com lentes grossas e roupas
simples, nada vistosas. Em sua casa havia um
cômodo onde repousava uma peneira sobre pequena
mesa. Colares, contas e um cristal faziam parte
dos apetrechos que eram vistos sobre a mesa coberta
de pano muito alvo. Dentro da peneira estavam
dispostas 16 contas africanas. Eram os búzios,
considerados sagrados. Mãe Mercedes era representante
do culto de kêtu — segundo dizia. Ao lado
da peneira, destacava-se um copo branco com alguma
coisa dentro, que Zuleika jamais vira.

— Esta é a raiz de ázio, que faz parte do ritual do
jogo. As raspas da raiz sagrada devem ser trocadas
diariamente, duas vezes ao dia. A bigorna de ferro
em tamanho reduzido é o instrumento de Ogum, o
orixá da guerra, do ferro e da tecnologia. A outra
bigorna que você vê aqui, de alumínio, é representativa
de Oxalá, e a figa de chumbo, de Nanã, a avó
dos orixás.
Após fitar a mulher que a procurara e perceber
que, com toda a sua inteligência, não entendera
quase nada do que havia explicado, Mãe Mercedes
continuou:
— Aqui, Zuleika, eu uso alguns instrumentos simbólicos
que me auxiliam nas predições. No meu caso,
preciso disto tudo a fim de abrir minha clarividência
no contato com as forças da natureza. Tem gen155




te boa por aí que não precisa destes elementos. Mas
eles fazem parte da tradição que herdei de minha
velha avó. Uso minerais, algumas pedras preciosas,
como vê, além de um idê de ferro para o Sr. Ogum,
que abre os caminhos da minha vida. As sementes
de aridã, junto com os obis e orobós, representam
os elementos masculino e feminino. Também fazem
parte do ritual do jogo de búzios e possuem sua função
para os representantes do candomblé. É claro
que falo daquelas pessoas que realmente têm o fundamento
do santo, não daqueles que aprendem de
qualquer jeito e ficam a enganar as pessoas por aí.
"Esta aqui — falou apontando para uma pedra à
frente da mesa — é a pedra d'ara, que representa
para nós, da nação, o compromisso com a verdade,
em dizer exatamente aquilo que os orixás determinam
no jogo. Antes de ser usados, os búzios devem
ser preparados. Há todo um ritual do candomblé
para isso. Têm de ser colocados numa infusão
de determinada erva que dá dentro d'agua, a chamada
santos-olhos. Neste meu jogo utilizo 16 contas
de búzios, mas essa quantidade varia conforme
a orientação do culto e da nação."
Vendo que a mulher começara a se interessar, Mercedes
ousou perguntar:

— Quer que eu jogue pra você agora? — ofereceu a
dirigente do culto de nação.
156


Sem saber muito bem o que queria e confusa com
tanta novidade, Zuleika cedeu ao impulso e aceitou
a oferta do jogo.

— Bem, já que você quer saber dos detalhes do que
vai acontecer, vou lhe dar algumas informações enquanto
preparo o jogo no tabuleiro dos búzios.
"Segundo a mitologia africana, e também segundo
alguns cultos de nação, Lebá ou Elegbará, que representa
Exu, era o mensageiro dos orixás e possuía
o dom da adivinhação. De um momento para
outro, Lebá pediu a Urumilá, o deus supremo na
mitologia ioruba, que desse a Ifá o privilégio desse
dom, e, desse modo, foi transferida a este orixá a ascendência
nos jogos divinatórios. (A título de comparação,
Ifá talvez corresponda ao mesmo papel do
Espírito Santo, na linguagem da Igreja.) Esse orixá,
então, assumiu o compromisso de, sempre que procurado
pelos homens, servir de guia na interpretação
da vontade dos orixás. Por ter abdicado do dom
da adivinhação em favor de Ifá, Exu, o mensageiro,
passaria a ser reverenciado primeiro no jogo, como
forma de recompensar sua generosidade.
"Ainda de acordo com a mitologia, segundo pude
estudar, Ifá não cumpriu sua parte no trato. Em
virtude disso, Oxum recorre ao deus supremo requisitando
para si a incumbência do jogo. Revoltado
com a interferência desta iabá, Ifá resolve assu157




mir sua responsabilidade; porém, a partir de então,
Urumilá reorganiza a situação e divide entre Oxum
e Ifá a obrigação do jogo, desde que consultassem
Exu, o guardião, toda vez que jogassem as contas
sagradas. Assim se fez, e até hoje, antes de jogar os
búzios, nós, os praticantes do candomblé, reverenciamos
Exu como aquele que por direito sagrado
detém o poder de abrir as portas da adivinhação, os
caminhos e as porteiras da vida."

— Deus me livre, Dona Mãe Mercedes — falou Zuleika,
apavorada com a palavra exu e o que significava
para ela, que vinha de uma formação religiosa
diferente. — Mas Exu não é o Diabo?
Soltando gostosa gargalhada, Mãe Mercedes respondeu
boamente:
— Nada disso, Zuleika! Quando falo de Exu, não
me refiro a entidades que se manifestam com esse
nome na umbanda ou em outros cultos. Aqui não
trabalhamos com eguns ou almas de mortos. Em
nossa nação, trabalhamos exclusivamente com forças
da natureza, com os elementos ou encantados,
como se diz em outras nações. Dessa maneira, assim
como acontece com cada orixá, Exu para nós é
apenas uma vibração, uma força da natureza.
E arrematou, depois:
— Claro que falo assim para que você possa entender;
afinal, você não é do santo, portanto não adian158



ta lhe explicar os detalhes. Por isso, estou resumindo
tudo de forma que você entenda, numa linguagem
mais comum.

— Então a senhora me garante que esse tal de Exu
que vocês falam não é nenhum demônio?
— Com certeza, Zuleika! O único demônio que a
gente conhece aqui são as pessoas que fazem o mal
ou aquelas que aqui vêm pedindo ou querendo evocar
a força dos orixás para vinganças, maldades e
mesquinharias. Mas pode ficar tranqüila, porque
aqui a gente não faz maldade e nem encomenda
serviços de amarração, demandas e outras coisas
inconfessáveis. Sou filha de Xangô e o meu orixá é
santo de justiça. Ninguém fica impune diante da lei
de Oxalá e Urumilá.
Antes de jogar os búzios, Mãe Mercedes acrescentou
mais alguns detalhes:
— Tenho de lhe falar alguma coisa mais, Zuleika, e
talvez isto até possa assustá-la um pouco, mas peço
que primeiro me ouça, antes de me julgar.
— Ai, meu Deus, lá vem você com essa mania de deixar
a gente com medo! Tem alguém perto de mim?
A senhora está vendo alguma coisa me rondando?
Fale, mulher, fale logo senão dou um troço...
— Não é nada disso, Zuleika! É sobre a lei de santo.
Existe uma lei que é conhecida por nós como a
lei de salva. Ela é muito mal interpretada por quem
159



não nos conhece. Diz a lei que toda vez que vamos
jogar os búzios a pessoa deve dar uma oferta para a
manutenção dos trabalhos com os orixás. O pagamento
pelo serviço de Exu, conforme lhe falei antes,
na história que lhe contei.

— Ah! Então não é nada de espírito perto de mim,
não, né? Graças a Deus, Mãe Mercedes. Então eu
terei de pagar pra jogar para mim?
— Pois é, Zuleika. No candomblé, respeitamos algumas
leis que membros de outras religiões desconhecem
ou fazem de conta que não existem. Como
na igreja evangélica, por exemplo, onde os fiéis têm
de doar o dízimo; na igreja católica, pagam-se os
sacramentos para sustentar o culto e tudo o mais
que envolve o trabalho dos sacerdotes. A manutenção
do templo envolve desde a limpeza e os pequenos
reparos até o pagamento de funcionários, impostos,
contas de água, luz e telefone, entre outras
despesas. No meu caso, estabeleci que o consulente
deve doar de acordo com o que ele propuser, de coração,
assegurando que o dinheiro será empregado
para levar adiante o serviço dos orixás, adquirir ervas
e material de culto.
Ajeitando-se toda na cadeira em que estava sentada,
quase rebolando, Zuleika respondeu:
— Ixe! Não precisa explicar essas coisas pra mim,
Mãe Mercedes. Sei muito bem que a senhora está
160


tirando do seu tempo, do seu trabalho para me
atender de boa vontade...

— Mas ainda não é isso, Zuleika. Eu não fico com
0 dinheiro da salva. Também fiz um compromisso
com meu pai Xangô que empregaria todo o recurso
financeiro dos jogos numa creche aqui do bairro.
Na verdade, me inspirei na vida e nos ensinamentos
de Mãe Menininha do Gantois. Pessoalmente, não
preciso desse dinheiro, pois tenho uma boa pensão
do meu falecido marido e trabalho como enfermeira
em serviços particulares, atendendo idosos.
— Não se preocupe, Mãe Mercedes. Entendo isso,
de verdade. Afinal, fui evangélica e já entreguei pra
Jesus um dia. Lá na igreja, a gente era acostumada
a doar de coração, e eu fazia com muita boa vontade.
Só que aqui eu posso ver no que a senhora emprega
as contribuições...
Antes que Zuleika entrasse em detalhes, Mercedes
a interrompeu:
— Vamos lá, minha filha, não é hora da gente abrir
brecha para mágoas ou desconfianças infundadas!
Zuleika ficou sentada ali mesmo, em frente à pequena
mesa atrás da qual se colocara Mercedes. A
mãe-de-santo pediu a Zuleika para orar, elevar o
pensamento ao seu anjo da guarda, enquanto ela
própria recitava uma oração numa língua diferente,
enquanto sacudia as contas sagradas nas mãos em
161



concha. Ao jogá-las na peneira, Mercedes olhava
atentamente a posição dos búzios, e depois de algumas
outras manobras, rezando suas rezas sagradas,
a sacerdotisa falou para Zuleika:

— Quem responde por você é Iansã, o orixá dos
raios e das tempestades. Oxalá interfere na resposta,
e Oxum é quem interpreta. Você precisa procurar
um lugar onde se trabalha com eguns. Aqui em
minha roça não me envolvo com alma de pessoas
mortas, mas com encantados ou orixás. Segundo o
jogo me mostra, há alguém que normalmente chamamos
de egum — ou um ser desencarnado — que
lhe cobra algo do passado. É um homem a quem
você amou muito, e ele igualmente se dedicou intensamente
a você.
Jogando novamente as contas sagradas, Mercedes
acrescentou:
— Não adianta tentar afastar egum, pois ele só será
encaminhado mediante o trabalho com os espíritos,
algo que eu não faço aqui. Esse egum, seu antigo
afeto, está o tempo todo a seu lado. Você sonha com
ele como se fosse um vulto lhe seguindo. Não perseguindo,
mas caminhando sempre no seu rastro.
"Iansã diz pra não se preocupar, mas você precisa
resolver essa situação com urgência, senão você ficará
à mercê de uma força muito poderosa, a força
sexual, que está tão contida e mascarada em você
162


que, de um momento para outro, você poderá perder
o equilíbrio."
Após jogar mais umas duas vezes as contas sagradas,
a mãe-de-santo acrescentou, sem que Zuleika
tivesse falado qualquer coisa com ela:


— Ah! Minha filha... Iansã diz aqui que o ocorrido lá
na igreja com você era o tal moço, o egum que está
junto de você e que, num momento de transe, você
se descontrolou por completo e o sentiu de forma
mais intensa. Ele precisa ser encaminhado por alguém
que é especialista nisso. E não sou eu a pessoa
indicada pelos búzios.
— E será que não fala aí a respeito de um marido
para mim? De um namoradinho que seja?
— Olha, Zuleika, acho que você está procurando
em lugar errado. Como eu lhe disse, não pratico a
lei do santo conforme muitos fazem por aí. Tenho
meus valores espirituais e minha própria lei. Aqui
não faço amarração nem conheço esses tais arranjos
matrimoniais. Outra coisa, mulher — falou Mãe
Mercedes, em tom mais sério. — Procure logo um
lugar para ir e resolver essa pendência em relação
a esse egum, senão corre o risco de complicar mais
ainda sua situação espiritual. Acho que deve procurar...
Espere aí. Vou jogar outra vez.
Rezando num idioma desconhecido, Mercedes procurou
se concentrar e jogou novamente os búzios.
163



— Quem responde é Xangô, o orixá da justiça. Ele
diz para procurar um lugar onde certo homem trabalha
com eguns. Há um local numa cidade próxima
daqui que você deve procurar. É um filho de
Xangô, mas ele não é da nação, é um homem que
faz ponte entre dois mundos. Segundo os orixás, ele
trabalha com um velho que tem competência para
ajudar no seu caso. Xangô encerra o jogo.
Após a conversa com os búzios, em que Mãe Mercedes
interpretara as ocorrências no jogo, ela passou
por escrito as indicações. Assim, Zuleika deixou-se
cativar pelo trabalho de Mercedes, entendendo que
já era hora de colocar fim a seu preconceito. Encontrara
alguém que, embora não professasse sua religião,
tinha compromisso sério com as questões espirituais.
Mercedes era adepta do candomblé e era
respeitada, confiável e, dentro daquilo que acreditava,
fazia o que podia para auxiliar, sem exageros e
sem viver à custa da religião.
Impressionada, Zuleika saiu da casa da sacerdotisa
com novos elementos para pensar. Entre outras
coisas fazia uma reflexão a respeito de sua caminhada
em busca do casamento, do uso que fez da
religiosidade apenas para encontrar um homem
e de sua insatisfação com as questões espirituais.
Contudo, demonstrando seu jeito maroto, a mulher
remexeu-se toda em meio aos pensamentos, arru164



mou o decote enorme, mostrou seu requebrado pra
nem sabe quem que passava na rua e pensou:
"'Ah! Também, depois que entreguei pra Jesus e
ele não fez nadinha comigo nem por mim, eu até
que mereço essa vida mesmo. Preciso me resolver
senão vou morrer velha, um cangaço. Vou procurar
esse sujeito na outra cidade e já, já resolvo meu
problema."
E, em voz alta, de maneira que qualquer um na rua
pudesse ouvir, Zuleika declarou, abanando-se toda:

— Ai, meu Deus! Que calor, que calor! Minha energia
biang hoje está a todo o vapor... Acho que ela vai
se derramar toda uma hora dessas. E aí, quando ela
se esparrama, ninguém me ajunta depois... Posso
morrer solteira, mas não desço do tamanco jamais!
165



Zuleika era uma mulher nada dada a delicadezas nem
a detalhes e, portanto, com freqüência confundia
nomes de objetos e de pessoas. Como não se importava
muito com minúcias, vivia se desculpando
toda vez que errava o nome de alguém com quem
tinha se encontrado. Não se poderia esperar que
aquela mulher conseguisse gravar nomes que não
eram comuns ao seu vocabulário.
Tentando chegar a alguma conclusão a respeito das
inquietações íntimas e dos luluns foi que Zuleika
encontrou o recanto de caridade onde o tal médium
do pai-velho atendia os consulentes. Adentrou o
ambiente tentando ser sutil, mas não conseguiu,
com todo aquele remelexo, os penduricalhos que
trazia nos punhos em forma de braceletes, a roupa
vermelha — discretíssima —, sapatos com salto alto
e bico finíssimo e cabelos soltos feito um bambuzal
numa tempestade. Para completar o visual tão modesto,
trazia enorme bolsa prateada a tiracolo... Foi
assim que ela entrou no ambiente, desejando que
ninguém a percebesse. Não se arrumara conforme
tinha o hábito, pois queria parecer uma simples
mortal, perdida na multidão sem ninguém a notar.
Afinal, segundo a sacerdotisa, ela era filha de Iansã,
uma santa. No verdadeiro sentido da palavra. Ela
era uma pessoa requintada, devota a Deus, casadoira,
discreta. Concluindo, uma mulher fina.

168


Sentou-se no banco um tanto desconfortável e
aguardou o momento da sessão. Não vira nada semelhante
ao que encontrou na roça de Mercedes.
Havia ali uma singeleza que beirava a austeridade.
Nenhum quadro nas paredes, nada de imagens
nem velas. Apenas um discreto cheiro de ervas pairando
no ar, como se fosse algum perfume ou águade-
cheiro. Música suave, mais como uma cantiga,
parecia vir de um outro cômodo, deixando Zuleika
com as emoções à flor da pele.
Alguém se introduziu no ambiente quando já havia
muita gente sentada e em atitude de oração. Dirigiu
algumas palavras ao público, explicando o objetivo
das atividades daquela tarde, e prontificou-se a
conversar, depois da sessão, com quem tivesse alguma
dúvida. Ao que tudo indicava, era o encarregado
dos trabalhos ali. Em seguida, fez uma prece sincera
e cheia de gratidão, abrindo os trabalhos. Um homem
assumiu a frente do salão e começou a falar,
discorrendo sobre Jesus e seu exemplo de bondade.
Fez uma comparação entre as várias formas de ver
Jesus, segundo cada religião, e mostrou como o espiritismo
via a pessoa do Mestre. Citou nomes que Zuleika
nunca havia ouvido: Allan Kardec, Alziro Zarur,
W. W. da Matta e Silva, Chico Xavier, Madre Teresa
de Calcutá. Os personagens foram desfilando na
fala do homem como exemplos de espiritualidade e

169



de indivíduos dotados de uma visão ampla da vida.
Novas perspectivas se abriam ao pensamento de
Zuleika, que, a esta hora, já se sentia incomodada
com seu jeito de se vestir e sua maneira "discreta"
de estar ali, naquele ambiente. Sem que ninguém
falasse nada, ela sentiu que em algum momento deveria
mudar, principalmente quando fosse visitar
uma casa de caridade onde se pretendia buscar espiritualidade.
Uma a uma as pessoas foram chamadas
para serem atendidas numa sala contígua, por
meio dos médiuns, que, até então, ainda não vira.
Ela ficava para depois, talvez a última. Será que precisava
ouvir a pregação do sujeito e, por isso, não
fora chamada ainda? Bem, até que estava aprendendo
bastante a respeito de uma série de coisas
que nunca pensara.
Quando já estava se conformando com a idéia de
que não seria chamada para conversar com algum
médium da casa, alguém apareceu numa porta à esquerda
do salão e apontou discretamente para ela.
Zuleika levantou-se — não sem chamar a atenção
de todos — e dirigiu-se, humilde como ela só, para a
sala de atendimento.
Esperava-lhe o espírito incorporado em seu médium.
Pai João foi logo cumprimentando Zuleika
feito alguém que a conhecia há muito tempo:

— Deus seja louvado, minha filha! Nego-velho es170



tava lhe esperando há muito tempo. Que bom que
você chegou hoje, num momento muito especial

para sua vida.

Sem saber como se comportar na frente do espírito
que falava através de seu médium, a mulher gaguejou
algumas frases:

— Salve, salve! Vós é o espírito que vai conversar
comigo? Eu não sei direito como falar com vós —
usava um jeito diferente ao se referir à entidade.
— Fique à vontade, minha filha. Nego-velho é apenas
um filho de Deus que foi designado para servir
aos filhos da Terra.
Notando que Zuleika relaxara um pouco, o pai-velho
conduziu a conversa, de modo direto:
— Você vem aqui em busca de ajuda para sua vida.
Procura ajuda porque julga que tem alguém em sua
companhia que está atrapalhando você, não é, filha?
Zuleika ficou boquiaberta com a revelação do pai-
velho. Ela nem tivera tempo de dizer nada e já ouvia
dele a respeito do tal espírito de que Mercedes
lhe falara.
— Você também está cansada de alisar bancos de
igreja e procurar ajuda para sua vida sentimental.
Mas primeiro nego-velho quer lhe dizer, minha filha,
que é preciso aquietar seu coração e trabalhar
um pouco sua ansiedade. Se não, vai se tornar mais
e mais amarga com o tipo de vida que vem levan171




do. Vamos primeiro resolver o problema maior que
a impede de ser feliz.
E, chamando um médium da equipe, pediu-lhe auxílio,
junto com mais dois outros trabalhadores, a
fim de abordar o caso de Zuleika. Deveriam os três
ir a outro aposento e lá evocar o espírito que acompanhava
a mulher.
Enquanto isso, o pai-velho continuava a conversar
com Zuleika sobre suas decisões e escolhas em
busca da felicidade:


— Você passa muito tempo pensando em ser feliz,
minha filha. Enquanto pensa demais, a vida vai
passando lentamente, sem que você perceba. Pensar
é bom, mas deve-se ter o cuidado para não ter a
cabeça cheia de boas idéias e conservar-se sem nenhuma
realização, com as mãos vazias. Você escolhe
tanto a pessoa com quem quer se casar que deixa
passar ótimas oportunidades de se relacionar.
Deseja uma pessoa que se enquadre em seu ideal,
quer alguém que seja do seu jeito e vive buscando
nos olhos de outras pessoas o tipo mais perfeito
para ser aquilo que você denomina de alma gêmea.
De que adianta escolher tanto e ficar só? Por
que você não enfrenta a realidade de que os seres
humanos são únicos, sem cópias? Assim, não ficará
esperando alguém do seu jeito. Imagine, filha Zuleika,
caso você encontrasse outra pessoa igual a
172


você, com os mesmos gostos, os mesmos sentimentos
e idêntica visão a respeito da vida... Esse relacionamento
seria fadado ao fracasso, filha, ou vocês
se tornariam dois seres em simbiose; seria uma
doença emocional. Aprenda que, na natureza, as diferenças
se complementam, se completam. Culpar
a vida por um excesso de zelo de sua parte é imaturidade
emocional.

— Mas, meu pai, então não é verdade que tem um
espírito me atrapalhando a vida e a felicidade?
— Ah! Filha... E se a gente pensar de forma diferente?
E se for você que estiver alimentando esse espírito
com seus traumas emocionais, suas fantasias
mais secretas ou com pensamentos tão voltados
para seus desejos mais íntimos que o tal espírito tenha
sido atraído para perto de você? Suponha ainda
que esse excesso de emoções mal-resolvidas e essas
idéias abrigadas em sua mente sirvam de alimento
para a vida mental de alguma entidade, viciando o
desencarnado em formas-pensamento dessa natureza.
Então nego-velho pergunta: quem está atrapalhando
quem? Pergunto mais, minha filha: quem
pode acusar um desencarnado de alguma coisa, dizendo
que não tem nada a ver com a situação, isentando-
se de toda responsabilidade, como se o desencarnado
fosse o único culpado pelo processo
que acomete a pessoa?
173



Zuleika baixou os olhos evitando encarar o pai-velho,
meditando no assunto, envergonhada.

— Espírito nenhum constrange nem obriga ninguém
a fazer aquilo que a pessoa não traz, de algum
modo, mascarado ou disfarçado dentro de si.
O chamado obsessor somente realça aquilo que já
existe dentro da pessoa, que o alimenta com pensamentos,
emoções e desejos complicados. Se você
não quiser nem deixar, nenhum espírito tem poder
sobre você. Portanto, filha, deixe de culpar os outros,
seja encarnado ou desencarnado, pela sua infelicidade.
Até quando você baseará sua felicidade
nas reações emocionais de outra pessoa? Pense nisso
um pouco antes de ficar procurando culpados
pela vida afora. Abra seu coração para viver com
mais qualidade, aproveitando as oportunidades de
ser feliz tanto quanto você pode.
— Sabe, meu pai — falou Zuleika. — Já fui em busca
de muita gente para fazer trabalhos para mim, tentei
arranjar um namorado ou um marido em igrejas,
festas e em tanto lugar... É que tenho medo de
morrer solteirona.
— Filha, não adianta gastar seu dinheiro com serviços
de embusteiros, que pretendem trazer seu
amor amarrado, em meia dúzia de dias. Mude o
foco de sua atenção e deixe-se levar pela correnteza
da vida. Caso funcionassem tais trabalhos, de
174


que adiantaria você ter alguém ao seu lado sabendo
que esta pessoa estaria ali apenas porque uma
força estranha agiu, que não a sua própria, minha
filha? Será que seu espírito ficaria tranqüilo tendo
consciência de que esse amante poderia descobrir

o que você fez ou encomendou, com vistas a deixá-
lo preso a você? Que segurança você sentiria num
caso encomendado?
"Nego-velho quer que você pense com muito carinho
nisso tudo. Há muita gente no mundo precisando
de amor e de ser amado. Tantas crianças aguardam
o aconchego de um coração, tantos adultos
abandonados circulam pelas avenidas da vida necessitando
de consolo, carinho, coração e amparo...
E você desperdiça essa capacidade de amar a troco
de feitiços, quebrantos e trabalhos que lhe tragam
aquilo que você mesma afasta de si com suas atitudes.
Sabe, filha, muita gente encarnada no mundo
possui um magnetismo bastante forte e se dá conta
de que pode se nutrir emocional e financeiramente
das crendices e superstições de pessoas simples.
Empregue seus recursos com mais inteligência e
pare de contribuir com esses vendedores de sorte,
exploradores de felicidade e promessas vãs. É preciso
que você se liberte de tais artimanhas, filha,
que são fruto de emoções mal-resolvidas, do desespero
existencial e de desejos frustrados. Viva sua
175



vida e aprenda a olhar mais perto de você. Em geral,
a felicidade que você procura distante e muito
além está ao seu lado, bem pertinho, esperando que
você a perceba..."
Enquanto o pai-velho falava com Zuleika a respeito
de suas escolhas, de sua felicidade, dando elementos
para sua reflexão, na sala ao lado os médiuns
atendiam o espírito que a acompanhava:


— Ela é quem me persegue; e não eu, a ela — dizia a
entidade incorporada num dos médiuns.
— Então por que você não a deixa e prossegue a
vida, buscando sua felicidade? — perguntou um dos
trabalhadores ao espírito.
— Eu bem que tentei, juro que tentei bastante. Porém,
quando chega a noite, ela se liberta do corpo
físico e sai como uma bruxa a minha procura, buscando
me alcançar de todo jeito. Ontem mesmo ela
saiu do corpo gritando meu nome! Exalava desejo e
tinha um cheiro peculiar; um odor que lembra sexo,
lascívia ou coisa assim. Fugi e me escondi dentro de
uma igreja, onde julguei estar ao abrigo dela. Mesmo
assim, ela me encontrou. Os pensamentos dela
me alcançaram como tentáculos de um polvo gigantesco,
como serpentes de uma Medusa dos infernos,
e aí não tive como resistir.
— Mas você também não está contribuindo para a
situação de infelicidade da moça? Além disso, es176



tando perto dela você não somente a influencia,
mas também recebe a influência direta de seus
pensamentos.

— No princípio eu a procurei na esperança de encontrar
amparo em seu coração, sim, não posso negar.
Afinal, fui pai dela e me sentia com o coração
despedaçado ao morrer... ou desencarnar, como vocês
dizem. Hoje em dia, no entanto, vejo-me prisioneiro
dos pensamentos dela. Descobri apenas mais
tarde que havíamos sido amantes, marido e mulher,
antes da existência mais recente, como pai e filha.
Logo que me aproximei dela, depois da morte, fiquei
quase paralisado ao ver as imagens de nossas
vidas passando em sua mente. Desde então, ela reacendeu
o desejo do passado, duramente reprimido
durante a última existência. Agora ela me culpa por
não se casar. Ora, ela é quem não me larga e não se
permite prosseguir num caminho novo, em busca
da sua felicidade!
— Portanto, você gostaria de seguir avante, afastando-
se dela e procurando por si mesmo sua felicidade,
correto?
— Com certeza eu gostaria! — concordou o espírito
imediatamente.
— Vocês estão vivendo uma espécie de circuito fechado
entre suas mentes; um é prisioneiro do outro.
— Sei disso! Porém, nos poucos momentos de lu177




cidez que tenho, vejo-me apanhado feito uma presa
numa teia de aranha. Sinto-me apanhado numa
emboscada, ameaçado, sugado ou vampirizado por
ela, a filha que não me larga.

— Vamos ver o que se pode fazer para libertá-lo
— tornou o trabalhador-terapeuta. — Pai João está
falando com ela neste momento, e ainda na noite
de hoje veremos o que fazer a fim de romper esse
elo infeliz.
No aposento ao lado, o salão de atendimento, Pai
João avançava no diálogo, que tinha por objetivo provocar
reflexões em Zuleika. Ao final, propôs a ela:
— Esta noite, filha, ao deitar, faça uma oração. Mas
reze do fundo da alma, com toda a fé que possui.
Nessa prece, mentalize você mesma, minha filha.
Procure ler o Salmo 91, mas não apenas recitar o
texto a sua frente. Procure meditar em cada palavra,
no significado daquilo que está escrito e, só
depois, durma, sabendo que a visitaremos ao longo
da madrugada.
— Deus seja louvado! Vai ter espírito em minha casa
hoje à noite? Será que vou conseguir dormir sabendo
que irão me visitar?
— Não se preocupe, filha, que você não nos verá.
Será um sono sem pesadelos, sem sonhos, sem lembranças.
Você apenas se sentirá bem, nada mais.
Após a conversa com o pai-velho, Zuleika retor178



nou ao seu lar, agora com muitos elementos em que
pensar. Não se remexia mais como fizera ao entrar
no ambiente. Sentia vergonha de seu jeito, pois encontrara
ali, naquele recanto de paz, muito mais segurança
e simpatia do que esperava.
A noite descia lentamente e calma quando os espíritos
João Cobú e Macaia se reuniam com o médium
Tobias, já desdobrado.


— Preciso atender com urgência um chamado que
nos foi encaminhado pelo Alto — principiou o pai-
velho. — Guarda ligações com a situação espiritual
da mulher que pretendemos ajudar. Deixarei você
por algum tempo e o encontrarei na casa de Zuleika.
Ferreira, o guardião, permanecerá o tempo todo
com você. Fique atento ao que vir, mas não interfira
até eu chegar. Precisamos de mais informações
para poder agir com acerto.
O pai-velho deixou Tobias já na porta de entrada
da casa de Zuleika. Dali prosseguiu com as medidas
que julgava necessárias, juntamente com Macaia,
a fim de poder melhor ajudar no caso que lhe
fora encaminhado. Entrementes, Tobias dialogava
com Ferreira, o guardião de noites anteriores, que
ali já o aguardava:
— Podemos entrar na casa de Zuleika enquanto Pai
João não vem? — perguntou Tobias ao guardião.
— Temos de ter cuidado, Tobias, pois não sabemos
179



com que depararemos no interior da residência.
Refiro-me às companhias espirituais de Zuleika.

— Mas ela não é uma pessoa recatada, religiosa?
Terá alguma companhia complicada por perto?
— Não sabemos, meu amigo. Por certo as pessoas
religiosas deveriam ser as mais protegidas... Mas
quem nos protegerá delas?
— Não entendo o que quer dizer — realmente Tobias
não entendeu a ironia do guardião.
— Vamos lá, Tobias... Algum dia você entenderá.
Penetremos o ambiente com cuidado. Em seguida
veremos os detalhes.
Adentraram a morada da mulher que procurara
ajuda e notaram, logo de início, que havia algo estranho
no ar. Imagens e figuras bizarras pairavam
na sala de estar, parecendo orbitar em torno do
quarto ou em sua direção. Eram imagens mentais
plasmadas por Zuleika, fortemente imantadas ao
ambiente doméstico.
— Coisa estranha, Ferreira — falou Tobias sem entender
nada do que percebia. — Nunca vi nada igual
durante os desdobramentos.
Eram imagens relacionadas a sexo, a relacionamentos
íntimos, com impressionante riqueza de detalhes.
Sem dúvida, poderiam arrebatar qualquer um
para vivências nessa área. Até porque eram vívidas,
extremamente envolventes. Caso não houves180



se concentração nos objetivos do trabalho e disciplina
mental — até mesmo obstinação — da parte
do médium, aquele lhe seria um ambiente vedado,
para sua própria segurança. Impregnada às paredes,
uma gosma violácea escorria lentamente até o
chão. Forte cheiro exalava daquela substância, cuja
lembrança teimava em emergir da memória de Tobias,
muito embora ainda não estivesse claro a que
se referia aquele odor. Seria algum perfume?
Os dois se dirigiram ao aposento onde repousava

o corpo de Zuleika. Ela estava quase em sono profundo.
Sobre seu corpo físico, que estava de barriga
para cima, havia uma duplicata exata de si, porém
com o rosto voltado para baixo, como que beijando
a si própria, imóvel, parada. Assim que o guardião
entrou, acompanhado de Tobias, viram um vapor
esvoaçar sobre os dois corpos, o físico e o etérico —
a duplicata ou duplo de Zuleika. O fluido semelhante
a fumaça parecia ganhar consistência enquanto
os dois examinavam-na sobre a cama. A emanação
formava lentamente uma imagem quase idêntica a
Zuleika, não fossem as distorções da forma. Ela estava
em processo de desdobramento do corpo astral.
Porém, que aparência!
A mulher religiosa permanecia deitada sobre a
cama, vestida de maneira sóbria. O perispírito, no
entanto, desprendera-se com trajes sensuais — ou
181



melhor, lascivos —, embora o aspecto fosse o de
uma vampira decadente, de alguém que tivera sua
conformação perispiritual deformada. Seu perfil
lembrava o das bruxas esquálidas e maquiavélicas
dos antigos contos de fada, o que não combinava
com o corpo físico, que sugeria idade entre 20 e 23
anos. Igualmente degenerados, os braços pendiam
estranhamente do corpo astral e apresentavam
mãos desfiguradas e dedos cadavéricos, com unhas
grandes e pontiagudas. Os cabelos que compunham
o quadro horripilante eram esparsos, como
se tivessem caído da cabeça extrafísica, revelando
partes perfeitamente visíveis do couro cabeludo.
Zuleika-espírito rodopiava sobre o corpo somático,
espumando e babando como se estivesse em meio a
uma convulsão severa. Mas não.

— Juvenal!... — gritou várias vezes a plenos pulmões,
exigindo a presença imediata de alguém invisível.
Tobias ficou com os olhos arregalados e amparou-
se no guardião.
— Venha, miserável! — prosseguiu a criatura em
franco desequilíbrio. — Você não me escapa. Tentou
me enganar dizendo que era meu pai e agora,
que descobri tudo, você é meu, inteiramente meu!
Zuleika-espírito saiu do quarto grasnando feito louca
em direção à sala. Não podia atravessar as paredes
e então optou por cruzar a porta que separava
182


os aposentos. O guardião Ferreira acompanhou-a,
juntamente com Tobias, que assistia à cena assustado.
Evidentemente, ela não os podia ver, em parte
devido à distância vibratória, mas, sobretudo, ao
fato de que estava obcecada, cega, com a atenção
voltada exclusivamente à perseguição de Juvenal,

o pobre infeliz.
Levantando as mãos esquálidas, indicando lhe faltarem
forças, a mulher desdobrada tateava o ar, como
se estivesse à procura de uma presa, à maneira de
uma fera completamente irada. O odor no ambiente
aumentou sobremaneira. As imagens mentais
que exalavam da aura de Zuleika desdobrada eram
impregnadas de fluidos de ordem sexual e libidinosa.
Já não havia como confundir a natureza das formas-
pensamento que gravitavam em torno dela.
Num canto da sala, o espírito de Juvenal, amarrado
por uma coleira que mais parecia um apetrecho sadomasoquista,
estava acuado, gemendo, soluçando.
— Me solte, Zuleika! Pelo amor de Deus, me solte!
Eu preciso respirar, preciso sair daqui...
— Pensa que pode me deixar? Ou por acaso acredita
que eu o deixarei? Vamos os dois para o altar,
meu bem... Será meu para sempre!
Segurando o pobre espírito pela coleira, levantou-o
vagarosamente, enquanto, a longos haustos, absorvia
de seus chacras os fluidos que lhe roubava. Pas183




sivo, Juvenal parecia perdido em meio àquilo tudo.
Era prisioneiro daquela que fora sua própria filha
na última existência. Ambos viviam e morbidamente
se alimentavam um do outro. Ela literalmente
cravava os dentes no espírito, mordendo-o lentamente,
à moda vampiresca, como se quisesse apropriar-
se de seu sangue; na falta deste, entretanto,
esgotava as reservas vitais ainda restantes no perispírito
de Juvenal. Ao terminar o festim doentio, antes
que iniciasse outro ato criminoso, dava gostosas
gargalhadas, embriagando-se visivelmente naquela
espécie de droga que saciava seu instinto infernal.
Neste exato momento, João Cobú adentrou o ambiente
junto com Macaia e mais um espírito. Pai
João trouxera a mãe de Zuleika, desencarnada, que
se prontificara a interferir. Quem sabe poderiam
reverter o processo?
Ao deparar com sua filha desdobrada usurpando
as energias do próprio genitor, aquele que fora seu
companheiro, Alzira falou com lágrimas nos olhos:

— Zuleika foi, no passado, dona de um cabaré, uma
casa de prostituição numa vila espanhola. Pobre
Juvenal, por diversas vezes submeteu-se a seus caprichos
em outras experiências reencarnatórias.
Quando retornou na última encarnação, trazia a
meta de ampará-la como filha no intuito de, exercendo
papel de autoridade, modificar o quadro in184



feliz ao qual se lançara em outras vidas. Mas faltou-
lhe vontade e determinação. Juvenal abusou sexualmente
de Zuleika durante a adolescência da filha,
fazendo com que eclodissem em sua mente as lembranças
do passado. Tão logo eu soube desse fato,
não resisti, e a morte levou-me num momento complicado
da vida dos dois.
O espírito da mãe chorava ao ver a cena da filha
vampirizando Juvenal. João Cobú a amparou nos
braços, serenamente.


— Vamos interferir agora, Alzira. Não se aflija. Creio
que o momento é propício, pois, ainda que de maneira
incipiente, Zuleika tem renovado seus pensamentos
e refletido sobre o que ocorre consigo.
— Pois é, meus amigos, induzi Zuleika a me prometer
que não se afastaria da religião, pensando que,
com isso, ela seria amparada. Vejo que não adiantou.
Quando Alzira se pronunciou, Zuleika parou em
meio ao ato que realizava, buscando tatear o pensamento
que a atingia.
— Mãe?! — gritou Zuleika desdobrada, soltando sua
vítima e desviando dela a atenção.
Neste instante, João Cobú deu um sinal para Ferreira
e Macaia, a fim de que interferissem. Os dois
espíritos, aproveitando o lapso de lucidez de Zuleika,
tomaram Juvenal nos braços e o libertaram das
amarras fiuídicas, levando-o a outro ambiente.
185



— Mãe!! É você?
O espírito trazido por João Cobú aproximou-se da
filha, deixando as lágrimas descer como águas que
lavavam o perispírito deformado de Zuleika. Abraçou-
a, aconchegando-a a si.
— Mãe! — começava a soluçar a mulher desdobrada.
— É você, minha mãezinha? Por que você me
deixou com ele? Eu tinha de me defender, mãe...
Sem que a filha a visse, pois estavam em dimensões
diferentes — embora no mesmo plano astral —, Alzira
abraçou-a ainda mais, falando, entre prantos:
— Filha, querida, não faça isso com seu pai! Sei que
ele errou, e errou muito, porém após eu partir foi
ele quem cuidou de você, a educou e alimentou. Ele
traz a consciência culpada, Zuleika, tanto que procurou
até o fim de sua vida, a seu modo, reparar o
mal que lhe causou. Perdoe, minha filha amada, liberte
seu pai...
As lágrimas de Alzira caíam sobre o corpo espiritual
desfigurado de Zuleika. As duas pareciam se
fundir, molhadas em pranto. Enquanto isso, João
Cobú apenas olhava, orando. Pedia em sua prece:
— Povo de Amanda, Mãe Santíssima, tomem esta
filha em seus braços de misericórdia e façam com
que ela possa ter consciência da importância deste
momento para sua vida eterna...
A medida que as lágrimas de Alzira caíam sobre a
186


filha, sua forma perispiritual gradualmente se modificava.
Não retomou completamente a conformação
do corpo físico, no entanto não trazia mais estampada
a imagem da bruxa, da vampira de energias.
Era mais humana, quase harmoniosa a aparência
de Zuleika. Ainda abraçadas, aos poucos
ambas se acalmaram, e João Cobú, neste momento,
conseguiu magnetizar Zuleika, fazendo-a adormecer
fora do corpo. De nada ela se recordaria, mas
com certeza acordaria modificada intimamente,
com novas disposições.
João Cobú conduziu Zuleika a um recanto natural,
junto a matas e cachoeiras, promovendo seu contato
com energias ao mesmo tempo revigorantes e calmantes.
O pai-velho comandou um exército de dementais
das águas para que realizassem profunda
limpeza no corpo psicossomático de Zuleika, removendo
placas ou cascões de energia sexual deletéria
que se viam aderidos a seu perispírito, sua aura.

— Caboclos da mata virgem e da mata fria! — rezou
o pai-velho. — Trazei o sumo das ervas do reino
e vinde descarregar esta filha de Terra dos fluidos
daninhos.
Dois caboclos se prontificaram a atender a evocação
feita por João Cobú. Ao longe Alzira observava
a filha projetada na dimensão astral sendo amparada
e medicada pelos mestres na manipulação
187



das energias da natureza. Os dois espíritos trouxeram
extratos de ervas em forma astral e etérica semelhante
a um emplastro, depositando-o sobre o
corpo perispiritual de Zuleika, que dormia profundamente
sobre a superfície de águas tranqüilas. Ela
parecia balbuciar algumas palavras sem nexo enquanto
recebia os cuidados dos espíritos do bem.
Os extratos de ervas ou bioplasma trazidos pelos
especialistas da natureza — o grande laboratório
divino — absorveram lentamente grande parte das
impurezas acumuladas no psicossoma de Zuleika.
O bioplasma sem dúvida surtia efeito, pois as criações
mentais que gravitavam em torno da mulher
desdobrada pouco a pouco estouravam como bolhas,
liberando certa fuligem que ali mesmo dissipava-
se nas matas e águas do reino, conforme Pai
João denominava os sítios naturais.
Após o processo levado a cabo pelos benfeitores,
Zuleika foi reconduzida ao corpo físico, que ficou
sob a vigilância atenta de sua mãe desencarnada. A
partir de então, Alzira permaneceria ao lado da filha,
ao menos por algum tempo, visando amparar-
lhe com orações, energias e fluidos benfazejos.
Tobias acompanhara Juvenal juntamente com Macaia
e o guardião Ferreira. O espírito subjugado fora
encaminhado diretamente a um posto de socorro
na esfera extrafísica. Mais tarde, ele se recuperaria

188


e então deveria retornar à tenda de Pai João para
receber um choque anímico, liberando-o de certos
fluidos e imagens mentais nos quais estava mergulhado,
devido ao sentimento de culpa.

— Veja, Tobias — comentou Macaia. — Nem sempre,
ao se queixar de perseguição espiritual, as pessoas
têm razão nas reclamações. Repare como Zuleika
a um só tempo se vingava do pai e mantinha-o
prisioneiro de seus caprichos e desejos.
— Não entendo, Macaia. Zuleika era uma mulher
religiosa...
— Muita gente se esconde na religião, Tobias, em
vez de adotar a postura ética que sua filosofia inspira
e de dedicar-se à busca por espiritualidade. Trocam
espiritualidade por religiosidade, e esta, no fundo,
para grande parte dos adeptos, representa fuga
e não realização. Ignoram o fato, mas sua motivação
é fugir do passado culposo registrado na memória
espiritual, que os compele a entregar-se a cultos
exóticos e religiões salvacionistas. Inconscientemente,
objetivam sufocar recordações dolorosas
em práticas e rituais religiosos. As pessoas procuram
esconder-se de si mesmas; contudo, ao dormir,
libertam-se dos limites estreitos do corpo e se revelam
em sua realidade nua e crua. Irrompem os desejos
mais secretos, íntimos, inconfessáveis durante
a vigília física, cuja vazão se dá durante o desdo189




bramento pelo sono. Soltam-se as amarras sociais
e quedam-se as convenções humanas; como espíritos,
embora ainda encarnados, avidamente perseguem
o objeto dos seus clamores reprimidos. Visitam
os ambientes que, quando acordados, afirmam
abominar. A religião muitas vezes apenas mascara
a realidade espiritual e energética dos indivíduos.
Macaia, Ferreira e Tobias retornaram para a casa de
Zuleika, onde encontraram João Cobú novamente
em oração. Era hora de liberar as energias ali acumuladas,
fazendo uma limpeza energética eficaz —
agora no ambiente doméstico.

— Devemos ensinar Zuleika a fazer uma limpeza
com ervas de cheiro.
— Posso passar a ela algumas informações, se o senhor
me permitir — falou Tobias, ainda desdobrado.
— Veremos, meu filho. Será necessário conduzir
nossa filha novamente até o nosso recanto fraterno.
Assim que ela acordar se sentirá melhor e, com
certeza, terá vontade de voltar à tenda. Lá, você
terá condições de indicar o modo adequado de usar
as energias das ervas para promover uma limpeza
energética intensa em sua casa.
Os espíritos benfeitores retornaram à Amanda,
a dimensão espiritual à qual estavam ligados, enquanto
Tobias era levado ao corpo físico para prosseguir
com as atividades de sua vida social.
190


preparado suas perguntas, a fim de escutar, nas palavras
simples da entidade, as indicações e os ensinamentos
que lhe favoreceriam as tarefas no dia-a-dia.

— Hoje em dia, meus filhos — principiou o pai-velho
—, por todo lado, ao redor do globo, observa-se
um surto de progresso, de busca por espiritualidade,
mas também há um reacender do misticismo.
De modo geral, as pessoas dão mostras de estar cansadas
diante de tantas promessas vãs no que tange
às simples coisas da vida, como as entendem políticos
e administradores das nações do mundo, tanto
quanto vêem com descrédito o constante vaivém
da ciência. Nessa caminhada à procura de satisfação,
entregam-se ao misticismo, ao religiosismo e
às religiões salvacionistas. Estas pretendem resolver
os problemas das massas de um instante para
outro, porém, conservando a população ignorante
das idéias renovadoras a respeito de espiritualidade.
Fazem sua parte, embora sem ser este seu objetivo
central, ao tirar multidões das garras do materialismo
e das conseqüências desastrosas das drogas
e de outras verdadeiras prisões mentais. No entanto
— deu maior ênfase às suas palavras — temos
de considerar, filhos, que cada ser humano tem em
si uma identidade espiritual, e é a partir dessa identidade
de natureza energética que ele empreende
sua busca, sua caminhada. Não há como violentá-lo
194


em sua visão de mundo e da vida.

— Como fica nossa fé, Pai João, em meio a tantas
formas de expressar a religiosidade e a espiritualidade?
— perguntou Tobias.
— A fé está dentro de cada um de nós, filho. Aqueles
que têm fé — porém não de maneira requintada, e
sim mais simples — são os místicos de todas as épocas.
A fé mais trabalhada, aliada à inteligência ou
à razão, é atributo daqueles que questionam, pesquisam
e deduzem suas observações da realidade
que experimentam. Credos, religiões, seitas e confrarias
ou fraternidades existem como classes de
uma grande escola espiritual, que é o planeta Terra.
Nessa escola, ninguém está mais adiantado do
que outro, apenas a linguagem ou o vocabulário serão
mais ou menos adequados ao tipo espiritual ou
à identidade energética de cada aluno.
Notando que dava elementos de reflexão para a platéia
de ouvintes atentos, o pai-velho continuou:
— Podemos afirmar, sem correr o risco de sermos religiosos
por demais, que a fé é a base de toda a procura
pela ciência e pela espiritualidade. Ou — quem
sabe? — pela busca da ciência espiritual. Com a fé,
acreditando, pode-se utilizar dos elementos da natureza
para restaurar a saúde. Por meio da fé, associada
ou a partir de certos conhecimentos, é possível
recuperar a auto-estima das pessoas, insuflar maior
195



qualidade de vida à sua caminhada espiritual. Através
da fé, a água adquire propriedades terapêuticas,
os cristais ampliam as energias emanadas por uma
mente que crê, ou, ainda, as cores podem ser empregadas
como fonte de energias que harmonizam
meus filhos. Pessoalmente, nego-velho acredita que
a fé é o grande elixir que faz com que os métodos
terapêuticos alcancem o efeito desejado. E, quando
nego-velho fala de fé, não se trata de simples crença
induzida por mentes alheias ou vivenciada apenas
na esfera social e cultural. Nego se refere a uma fé
que é operosa, que investiga e que se amplia na medida
exata em que as investigações se convertem em
convicções pessoais, em ciência da alma.

— Meu pai — perguntou um dos trabalhadores. — O
senhor poderia nos falar como são os laboratórios
do mundo invisível, onde os guias preparam os medicamentos,
as poções e tudo aquilo de que se utiliza
para a cura das pessoas na Terra?
— Bem, meu filho, há no invisível uma diversidade
muito grande de metodologias, cada uma delas de
acordo com o perfil psicológico dos filhos que necessitam
de ajuda.
"Existem, então, os laboratórios que trabalham exclusivamente
com os remédios que meus filhos denominam
de alopatia, ou seja, com substâncias químicas
extraídas da natureza, com radiação de mi196



nerais e outros produtos ainda desconhecidos pelos
homens de ciência do mundo. Não se pode pretender
curar tudo apenas com aquilo que na Terra se
convencionou chamar de natural. Embora os produtos
químicos também provenham da natureza,
as pessoas mais esotéricas ou aquelas que são mais
radicais em seu pensamento religioso desejam tratar
as enfermidades estritamente com remédios que
considerem naturais, desprezando ou relegando ao
segundo plano as conquistas da ciência na área da
alopatia. Os laboratórios do mundo invisível consideram
e muito as conquistas da ciência, de modo
que nenhuma terapia séria poderá menosprezar tais
substâncias, que, ao longo dos séculos, têm podido
contribuir sensivelmente para a restauração da
saúde de meus filhos na Terra. Espíritos altamente
comprometidos com o equilíbrio do ser humano
têm incentivado, desde os institutos de pesquisa do
invisível, a investigação e o aprimoramento dos recursos
alopáticos. Levam a cabo estudos altamente
especializados, relacionando o tipo psicológico das
pessoas que desenvolvem certas enfermidades e o
uso de medicamentos alopáticos, radiações minerais
e diversas metodologias tidas, por muita gente
preconceituosa, como antinaturais.

'Há laboratórios nos quais se exploram os aromas
da natureza, tais como os conhecem no mundo físi


197



co, além de outros que meus filhos ignoram. Alguns
são especializados em homeopatia; outros, em fitoterapia,
e outros, ainda, no uso de cores, aromas, sumos,
frutos e flores. Na verdade, observa-se uma variedade
dificilmente mensurável no que toca às nuances
e especialidades desses laboratórios do lado
de cá da vida. Nos últimos 50 anos, têm-se multiplicado
as pesquisas da ciência espiritual e energética
acerca das emanações de plantas em geral, metais e
minerais do planeta.
"Também por aqui se empregam pipetas, bicos de
Bunsen e outros instrumentos similares aos encontrados
no mundo físico, tais como discos de ouro
e outros elementos. Na realidade, os laboratórios
da Terra é que são a cópia daqueles que temos do
lado de cá. Grande número de cientistas, durante o
sono físico, visita centros de pesquisa da erraticidade
para aí dar seqüência a seus estudos, devido às
limitações inerentes aos métodos do mundo material.
Muitas vezes, ao acordar após estas experiências,
trazem intuições e promovem descobertas que
tão-somente traduzem o conhecimento armazenado
na memória espiritual."

— Então vocês dispõem de grande variedade de estudos
para ajudar o ser humano, não é assim? Em
que mais se concentram esses conhecimentos desenvolvidos
no mundo espiritual? — tornou a per198



guntar Tobias, interessado no assunto.

— Por aqui, meu filho, estuda-se de tudo, a depender
do interesse do espírito e da necessidade dos habitantes
tanto do mundo físico quanto do extrafísico.
Cirurgias mediúnicas, sua técnica e sua eficácia, ou
simplesmente curas psíquicas, são aqui investigadas
por cientistas da alma — e não somente por espíritos
espíritas e médiuns. Uso de plantas ou ervas, magnetoterapia,
bioenergia, ectoplasmias e até mesmo
as chamadas poções mágicas dos xamãs aqui são escrutadas
com zelo e dedicação pelos representantes
da ciência espiritual. Nada é menosprezado.
"Contudo, na prática, pequena parcela das técnicas
é canalizada de maneira eficiente pelos terapeutas
e sensitivos na Terra. Muitos captam intuições
a respeito de algumas práticas terapêuticas, mas
acrescentam suas próprias idéias, seu achismo, sua
imaginação e, por encontrar pessoas altamente crédulas,
acabam fazendo escola ou proselitismo, à semelhança
de uma religião qualquer. Transformam
o processo terapêutico numa iniciação cheia de ritos
que vão do exótico ao misterioso, com práticas
nada científicas. Nem sequer se ocupam de separar
aquilo que provém de sua mente ou de suas crenças
pessoais daquilo que é o objetivo real da terapia empregada.
Como resultante, temos indivíduos bem
intencionados que tentam fazer o melhor; ocor199




re, porém, que seu melhor vem recheado de idéias
particulares, às quais querem conferir o status de
necessárias e importantes. Para tanto, emprestam
certo sentido religioso, esotérico, iniciático ao processo,
ou simplesmente imprimem a ele característica
ou selo pessoal, tornando complexo e sofisticado
algo que deveria ser simples e bem mais eficaz,
até porque teria também um efeito educativo.
"Feliz ou infelizmente, temos de trabalhar com
os limites e maneirismos das pessoas encarnadas.
Isso nos obriga a adaptar a ciência espiritual ao
jeito de cada terapeuta, na esperança de que mais
dia, menos dia os homens amadureçam e comecem
a pensar, a raciocinar, sem se deixar levar por
idéias esdrúxulas."
Respirando profundamente, o pai-velho prosseguiu,
aprofundando suas observações:

— Vamos falar das ervas, meus filhos, que é o que
mais de perto temos como trabalho terapêutico.
No mundo, as observações dos estudiosos dedicados
ao assunto já evoluiu bastante. Em razão disso,
a intenção aqui é descrever apenas um método,
de modo algum o mais correto entre tantos disponíveis.
Nego-velho não vai abordar o uso ritualístico
das ervas, conforme se adota no candomblé ou
na umbanda. Isso nego deixa a cargo dos chamados
mestres e sacerdotes de tais religiões. Nego-velho
200


quer falar aos meus filhos de uma metodologia que
une diversas práticas e que facilita a identificação
das ervas mais apropriadas aos trabalhos e desafios
que encontramos cá em nossa tenda.
"No universo há dois tipos de força ou de particularidade
da energia. Aquilo que os nossos irmãos
chineses denominam como yang ou pólo positivo,
e o que eles identificam como polaridade negativa,
complementar ou simplesmente yin. Essas duas
particularidades da energia referem-se respectivamente
ao que é ativo, positivo, masculino e ao aspecto
feminino, passivo, negativo. Isso, apenas em
termos de polaridade ou de caráter emocional; não
há qualquer juízo de valor implícito nessa divisão.
"Nego-velho quer apresentar uma classificação das
ervas de acordo com essa ótica, ou seja, à moda taoísta
de entender os aspectos da energia. Portanto,
não esperem que este pai-velho relate ou comente a
maneira como se faz nos terreiros ou nos barracões
de religiões de procedência africana ou influenciadas
pela mãe África. Nego prefere associar os ensinamentos
oriundos do continente africano, que
os negros trouxeram e que se desenvolvem amplamente
na América, às pesquisas e conhecimentos
adquiridos nos altos estudos realizados nos laboratórios
do invisível. Isso visa possibilitar aos meus
filhos a adoção de um método simples, porém efi


201



ciente, quando lidam com a natureza e os recursos
de cura que oferece.
"Obedecendo a essa divisão, as ervas podem ser
agrupadas em duas categorias distintas. De um
lado, positivas, ativas ou yang; de outro, negativas,
passivas ou simplesmente yin, se não houver objeção
da parte de meus filhos quanto aos nomes. Os
filhos poderão observar que a maioria das plantas
com tons fortes, tais como verde-musgo, verde-
bandeira ou verde-escuro, mais intensos, são exatamente
as de característica positiva ou ativa, isto é:
yang, de acordo com a terminologia chinesa. Igualmente,
as de cor laranja, vermelha e amarela com
traços avermelhados. De modo oposto, aquelas que
apresentam coloração verde-clara ou esmaecida,
bem como amarelo-clara, azul e qualquer outra tonalidade
mais suave pertencem à classe negativa ou
passiva — yin — e são ótimas para trabalhar emoções,
sentimentos e intuições."
Interrompendo o pai-velho em sua explicação, um
trabalhador perguntou, afoito:

— Mas como podemos aprender a colher a erva certa
de acordo com a necessidade da pessoa?
— Primeiro é preciso identificar outros aspectos das
ervas, meu filho. Por exemplo: toda erva que tenha
a terminação pontiaguda ou que exala um cheiro
forte, intenso, possui a propriedade absorvente, tais
202


como: arruda, guiné, alho, samambaias em geral e
outras mais. Assim sendo, caso meus filhos queiram
fazer algum procedimento para absorver energias
densas, contagiosas e de natureza muito inferior,
prefiram esse tipo de planta.
"No entanto, há aquelas ervas aromáticas de cores
suaves ou vibrantes, porém que exalam cheiro agradável,
semelhante ao de manjericão, poejo, menta,
erva-cidreira, capim-de-aruanda e outras, que, além
de assimilar elementos emocionais ou emoções
densas de ambientes domésticos, favorecem um estado
de consciência mais harmonioso, saudável. Esses
vegetais agem diretamente no plexo solar das
pessoas, limpando energias densas e acalmando em
profundidade. As energias ou fluidos exalados pelas
chamadas ervas-de-cheiro atuam na intimidade do
sistema nervoso, no hipotálamo, conforme observações
nos laboratórios da erraticidade. Estimulam aí
certos elementos químicos do cérebro humano, de
maneira a causar estados conscienciais agradáveis,
como melhor auto-estima, dispondo o indivíduo à
vida com maior qualidade. Os aromas cítricos de
determinadas ervas, frutos ou mesmo flores vibram
em sintonia com emoções superiores, liberando toxinas
mentais, etéricas e físicas, favorecendo também
estados de saúde mais harmônicos."
Sorrindo para o trabalhador, que ficou satisfeito com

203



as explicações do pai-velho, João Cobú prosseguiu:

— Entretanto, é necessário examinar a forma de retirar
as ervas de seu habitat natural. Para isso, meus
filhos, temos de ficar atentos ao seguinte. De forma
alguma, ao ser utilizada para fins terapêuticos, a erva
pode ser colhida na madrugada ou à noite, isto se
quisermos aproveitar ao máximo suas propriedades
medicamentosas e fluídicas. Mesmo que não haja
sol e o dia esteja nublado, deve-se colher desde a alvorada
até o momento do pôr-do-sol ou ao entardecer,
antes de cair a noite. Mas não basta obedecer a
esse critério; há cuidados adicionais: as ervas só devem
ser apanhadas respeitando-se o fluxo do fluido
vital ou do bioplasma, se quisermos ser mais exatos.
Pela manhã, até aproximadamente as 9 horas, quando
os raios solares ainda estão no processo de aquecimento
da morada dos homens, colhem-se apenas
raízes, pois é aí que o fluido vital ou bioplasma das
plantas se concentra. Desse momento até mais ou
menos as 15 horas, podem-se apanhar folhas e flores
para uso da medicina espiritual ou terapia energética.
Durante esse período, em que o sol irradia com
maior intensidade seus raios revitalizadores, a vitalidade
circula mais vigorosamente nas extremidades
da porção exposta, acima do chão. Somente após as
15 horas tira-se o caule, pois este é o horário em que
o bioplasma inicia o processo de "descida" em dire204



ção à terra, energizando o caule das plantas. À noite
se dá o repouso do bioplasma; durante o período noturno,
a vitalidade manifesta-se apenas o suficiente
para manter a vida orgânica da planta.

— Então não tem efeito colher as plantas de qualquer
jeito, em horários diferentes do que meu pai indica?
— Não é bem assim, meu filho. Podem-se colher
as ervas em qualquer horário, sim; contudo, não
se aproveita a seiva energética ou bioplasma, que
obedece ao fluxo da energia solar em todos os reinos
da natureza. Apanhando-as sem levar em conta
esse fluxo, apenas os elementos de sua constituição
química serão extraídos, mas de forma alguma
a vitalidade.
— E quanto às ervas secas, elas servem para finalidades
terapêuticas, meu pai?
— Ainda aí temos de considerar qual propriedade terapêutica
se pretende explorar. Caso a busca se resuma
aos elementos químicos, que favorecem exclusivamente
a saúde física, então as ervas secas atenderão.
No entanto, se o objetivo é extrair os elementos
fluídicos, etéricos e mais dinâmicos que oferecem,
as plantas são destituídas de tais elementos no processo
de secagem, ao longo do qual a energia vital é
corrompida ou alterada. Muito embora haja, mesmo
com as ervas secas, uma maneira de fazer o bioplasma
retomar seu fluxo natural, nego-velho só pode
205



ensinar essa técnica quando meus filhos avançarem
no estudo sobre bioenergias e magnetismo. Sem amplo
conhecimento do magnetismo não há como alterar
o fluxo energético e vital das plantas.

— E quanto à forma de preparo das ervas, meu
pai? Devem ser administradas sempre por meio
dos banhos ou existe outra maneira que ainda não
conhecemos?
— Quando há indicação para uso de banhos, meus
filhos hão de convir que é o meio mais fácil de usufruir
das substâncias terapêuticas e energéticas das
ervas. É um recurso que está ao alcance de qualquer
pessoa. Porém, ao se prepararem banhos de
imersão (como, por exemplo, se faz com a camomila,
indicada para estresse, ansiedade e ainda crises
de pânico), não é adequado ferver a água juntamente
com as ervas. O melhor método, o mais eficaz
é, após a fervura, apagar o fogo e somente então
adicionar as ervas, deixando-as em repouso até o
chá esfriar ligeiramente. Depois de alguns minutos
de decocção — é esse o nome do processo — as ervas
devem ser retiradas da água, restando apenas o
sumo e as propriedades medicamentosas e energéticas.
Aí, sim, o produto está pronto para ser usado
para banhos de imersão, para aspersão ou outra
coisa qualquer, de acordo com a prescrição, inclusive
como chá fitoterápico.
206


"Caso tais cuidados não sejam tomados, corre-se o
risco de surgir alergia ao elemento material, sem relação
com o extrato ou fluido. Reações indesejadas
podem ocorrer ao menos de duas maneiras: tanto
em razão da fervura de determinadas ervas, quanto
devido à falta de coagem, isto é, por causa do contato
direto da erva com a pele. Na última hipótese, o
processo alérgico pode-se estender por semanas.
"Há ainda, meus filhos, outra forma mais requintada
e também muito eficaz de explorar os recursos
bioenergéticos das plantas. Para quem tem acesso a
tais meios, é possível retirar a essência, o extrato ou
a tintura da erva, respeitando determinado fator que
nego-velho por ora não deseja explicar. Para fins de
terapia energética, primeiramente deve-se subtrair
da tintura o componente alcoólico comumente empregado
em sua elaboração. Em seguida, despeja-se
a tintura em um recipiente com água, de preferência
advinda de cachoeiras, olhos d'água, fontes naturais
preservadas, do mar ou simplesmente coletada
durante as chuvas. No frasco onde o extrato foi
misturado à água, o ideal é que haja um dispositivo
para aspergir o conteúdo no corpo, em forma de gotículas,
como se fosse um chuvisco que caísse sobre
a pessoa, após o banho de higiene. A água com as
substâncias medicamentosas e energéticas deverá
ficar em contato com a pele por algum tempo, sem

207



enxugá-la, a fim de que absorva os fluidos acumulados
na água após a adição da tintura."

— Então não é somente através de banhos que se
pode aproveitar os recursos fluídicos das plantas?
— Não, Tobias — respondeu o pai-velho. — Como
disse antes, o banho é a forma mais simples, consagrada
por nossos ancestrais e ao alcance da maioria.
Todavia, os tempos mudaram, e nada impede que a
técnica seja aperfeiçoada. Ao manipular as ervas, o
importante é preservar suas propriedades terapêuticas
de natureza sutil, a fim de que sejam absorvidas
no contato com a pele humana. Vendo por essa
ótica, pode-se lançar mão de outro método, ainda
mais eficaz, porque a pessoa consegue permanecer
mais tempo em contato com os extratos herbáceos.
— E qual é esse método, meu pai?
— Calma, meu filho, que nego-velho vai explicar
e você verá que é algo bastante simples. Imagine
se tiver uma banheira ou similar cheia de água e o
produto obtido com a infusão das ervas puder ser
nela derramado? Aí a pessoa em tratamento entra
na banheira, imergindo naquela solução, e ali permanece
por um tempo maior em contato com o líquido
que contém as propriedades terapêuticas.
Naturalmente, o sujeito receberá assim benefícios
em mais alto grau do que simplesmente se deitasse
a água sobre o corpo por alguns segundos. O con208



tato prolongado com os elementos curativos das
plantas produzirá efeitos bem mais rápidos e duradouros,
devido ao aumento da exposição e, conseqüentemente,
da intensidade de absorção dos fluidos
presentes no líquido.

— Ah! Pai João... Então não precisa jogar a água sobre
o corpo durante o banho, como a gente é ensinada
a fazer? Podemos mergulhar na banheira com
o líquido dentro?
— Bem, meu filho, nego-velho corre o risco de ir de
encontro aos ensinamentos de muita gente que se
diz especializada. Mas, como disse antes, nego não
visa trazer ensinamentos de acordo com o que é difundido
nos barracões de candomblé nem tampouco
em consonância com o método tradicional de
alguns irmãos umbandistas. Portanto, permite-se
alargar um pouco a visão de meus filhos a respeito
do assunto, ampliando pontos de vista.
O tema estava interessante, e as pessoas ali presentes,
ávidas por maiores detalhes acerca da fitoterapia
sob a perspectiva de uma ciência espiritual destituída
de misticismos, preconceitos e apêndices
acrescentados pelos homens ao longo do tempo.
Pai João sentia-se à vontade podendo contribuir
com sua visão a respeito do assunto.
— Também temos de considerar outro aspecto,
meus filhos, que diz respeito à atitude daquele
209



que interage com os recursos que ora analisamos.
No trato com as fontes de energia vital do planeta,
a oração funciona como precioso instrumento,
que, arregimentando a força do pensamento e da
fé, age sobre os fluidos dispersos ou concentrados
na natureza — ou nas plantas, em particular, que
constituem nossa matéria de estudos de hoje. Quero
dizer mais claramente que, durante o processo
de maceração, o ato de pedir aos espíritos da natureza
que ajam nos elementos curativos das ervas
e extraiam o bioplasma de modo mais intenso
incrementa sobremaneira os resultados atingidos.
Na prática, é quase imperativo conectar-se com as
forças superiores que administram os destinos da
humanidade, as quais detêm os recursos da ciência
espiritual e o conhecimento de fluidos e bioenergias.
Esse é um fator que não deve ser desprezado
jamais. Cabe aqui um alerta, porém. Nego se refere
à oração verdadeira, ou seja, a ligar-se deliberadamente
ao Alto como uma técnica eficaz de mobilizar
elementos em favor da cura, e não de recitar
palavras ao vento, da boca para fora, apenas para
cumprir um rito qualquer.

— E será que meu pai poderia nos indicar algumas
fórmulas, visando ao uso de ervas ou de sua força
fluídica para atenuar certas dificuldades?
— Meu filho, nego-velho sente-se imensamente fe210



liz em poder ajudar. Se não houver questionamentos
e interesse, nego interpreta como se todos já estivessem
satisfeitos com o que sabem. Mas quando
meus filhos perguntam e demonstram desejo de
aprender, então os espíritos se sentem honrados
em esclarecer.
"Antes de prosseguir, nego-velho quer deixar claro
que aquilo que vai ensinar não deve ser interpretado,
de maneira alguma, como substituto à orientação
médica. Muita gente precisa mesmo é da alopatia,
com seus recursos mais agressivos, a fim de
debelar os males do corpo. Não adianta usar fitoterapia
e homeopatia quando se está diante de uma
infecção ou inflamação aguda, que ocasiona dor ou
limitação de alguma espécie. Para esses casos, a melhor
saída é a prescrição médica convencional, com
seus antibióticos e antiinflamatórios, embora também
haja remédios ditos naturais com propriedades
terapêuticas que apresentam bons resultados.
"De toda forma, ficar sentindo dor enquanto se tem
à disposição excelentes drogas desenvolvidas pela
medicina é, acima de tudo, indício de preconceito
e de falta de auto-amor e auto-estima, e não sinal
de suposta espiritualidade, como geralmente julga
quem defende tal atitude como opção por uma
vida mais natural. Não se deve fazer do emprego de
quaisquer terapias uma religião, muito menos sec


211



tária e fundamentalista, que não admite colaborações
diversas que concorram para igual e sagrado
objetivo: o bem-estar do ser humano. O médico que
rejeita toda abordagem que escapa à alopatia sem
sequer examiná-la erra tanto quanto o naturalista
radical, que professa sua crença nas terapias que
elegeu de maneira excludente.
"A dor, a infecção e a inflamação devem ser combatidas
imediatamente com os recursos clássicos
da medicina, e, durante o tratamento ou mesmo
prévia e posteriormente, é possível acompanhá-
los com ferramentas acessórias, que aumentem a
imunidade. Como se vê, os recursos fitoterápicos
são muito mais coadjuvantes e complementares
do que substitutos para os instrumentos da medicina
tradicional."

— É, Pai João, conheço muita gente que padece de
sérios problemas de saúde, com infecções ou dores
fortes e se recusa terminantemente a usar medicamentos
alopáticos. Querem se curar estritamente
com remédios naturais, fitoterápicos, homeopáticos
e outros semelhantes. E ainda inventam uma filosofia
da dor para dar suporte à sua decisão...
— Pois é, meu filho — comentou o pai-velho. — Temos
de desenvolver o bom senso e aprender que a
dor não nos leva a lugar nenhum, a não ser à revolta.
É necessário cultivar o bom senso ao lidar com
212


muita coisa na vida, inclusive com a própria saúde
e a alheia. Nego-velho chega a acreditar que o terapeuta
que se recusa a indicar o tratamento convencional
e recomenda somente o uso de métodos
que vê como naturais enquanto o consulente ou
ele mesmo sentem dores, de duas, uma: ou se acha
num estado grave de limitação de suas atividades,
ou não merece respeito como terapeuta do espírito.
A ciência holística (como o próprio nome diz, halos:
do grego, todo) engloba todas as metodologias,
e não somente as que se convencionou serem chamadas
de naturais. Por isso, nego repete: bom senso
nunca é demais. Tem gente que quer ser mais espiritualizada
do que Deus exige! Adotam tom de voz
manso e macio e métodos "alternativos" como se
fossem os únicos eficazes. Na verdade, estão desprezando
as bênçãos que a vida lhes oferece; não
podem se queixar. Definitivamente, não é esse o
comportamento que pai-velho quer incentivar ao
ensinar estas coisas para meus filhos.
Depois de discorrer sobre o assunto, o pai-velho
prosseguiu, introduzindo conceitos e fazendo ressalvas
ao conteúdo ou às dicas que emitia, a pedido
dos trabalhadores de sua tenda.

— Em segundo lugar, nego-velho quer observar
mais alguns pontos acerca das indicações que fará.
"As fórmulas que vou passar aos meus filhos de213




vem ser utilizadas com discernimento, e não como
uma panaceia, isto é, uma substância mágica capaz
de erradicar qualquer mal. Não é como cura, e
sim como auxiliares ao tratamento de meus filhos
que pai-velho recomenda tais remédios. Além disso,
entendam que, se não houver mudança de hábitos
e reeducação das emoções e dos pensamentos,
grande quantidade dos males que se pretende
debelar retornará após algum tempo, e, freqüentemente,
em grau mais alto.
"Notem, meus filhos — disse, com entonação mais
grave. — No que tange às fórmulas de fitoterapia
que nego-velho vai transmitir, deve-se prestar atenção
aos detalhes e cumpri-los à risca, pois trata-se
de uma fórmula, que apresentará resultados compatíveis
com o esperado apenas se devidamente
seguidas todas as instruções. Vamos enumerá-las,
para facilitar a compreensão de meus filhos. Para o
preparo dos banhos de imersão que nego-velho indicar
a partir daqui, valem as seguintes regras:

"1. Obedecer sempre à proporção de 2 litros para
infusão de 50g de flores ou ervas indicadas.
"2. Quando houver essências florais, devem ser
acrescidas ao líquido na medida de 30 gotas
para cada 2 litros. Os remédios florais podem
ser: de Bach, de Gaia, de Minas, californianos,

214


australianos, entre outros.
"3. Aquilo que nego chamará de essências ou extratos
especiais deve ser adicionado numa
proporção de 10% do líquido, ou seja, 200ml
para cada 2 litros.
"4. Os demais itens se referem ao uso de minerais.
As pedras para os elixires necessariamente
permanecem todo o tempo submersas quando
guardadas. Exige-se água mineral para o
mergulho e repouso das pedras, a qual precisa
ser trocada após a elaboração de cada elixir.
"5. Todo elixir usando minerais preferencialmente
será confeccionado após a pessoa responsável
haver se higienizado, tomando seu banho
de asseio, tendo feito também suas preces,
buscando conexão com a dimensão superior.
A idéia é a pessoa se ligar ao elemental correspondente
àquele plano específico da natureza
que será manipulado — no caso, o reino mineral,
representado pela pedra.
"6. Depois de orar, pode-se colocar uma música
para favorecer a harmonização mental e emocional.
Somente concluídos esses preparativos é
que se devem iniciar os procedimentos propriamente
ditos para produzir os elixires, nos quais
se pretende fixar a força natural dos dementais.
"7. Depositar as pedras na água, conforme indi215




cação, empregando para tal um vidro transparente,
cristalino e incolor, de modo a receber
os raios do Sol ou a luz do luar, novamente a
variar de acordo com a prescrição.

"8. Durante o processo, ministrar passe magnético
longitudinal no vidro onde estão contidos a pedra
e o líquido, imantando-os com o magnetismo
animal, que apenas o ser humano possui.

"9. Caso a instrução determine exposição ao Sol,
deixar durante todo o dia até aproximadamente
as 17 horas ou até o momento em que
se prenuncia o ocaso, a depender da região.
Recolher e repetir a exposição por mais duas
vezes, isto é, dois outros dias.

"10. Se a indicação for para submeter à luz do luar,
expor o recipiente apenas quando a noite estiver
completamente instalada, ainda que não
se veja a Lua. Retirar antes do alvorecer, portanto
mais ou menos às 5 horas, a variar de
uma localidade para outra.

"11. Prestar especial atenção ao que a fórmula determina:
se o conteúdo deve ser exposto à luz
solar ou às influências lunares, pois são vibrações
bem distintas. Aquela é positiva, yang e
ativa, enquanto esta é passiva, negativa e yin.

"12. Em ambos os casos é necessário magnetizar por
meio de passes longitudinais, como explicado

216


no item 8. Idealmente, essa operação se realiza
com número ímpar de pessoas: 1,3,5,7 etc;

"13. Por último, uma recomendação válida para
flores, frutos, folhas, sementes, caules e raízes:
todos devem ser preparados conforme a
Lua especificada; porém, qualquer que seja
a fase lunar, considera-se somente o período
depois dos 3 primeiros dias da lunação. Dito
de outra forma: a Lua pode ser nova, cheia,
quarto crescente ou minguante, mas apenas
do quarto dia em diante a fase torna-se favorável
à realização dos procedimentos aqui
descritos.

"Meus irmãos hão de se lembrar de que a Lua exerce
influência muito marcante nas marés, no clima e
noutros eventos da natureza, inclusive sobre o parto
das mulheres e dos animais. Desse modo, ao se
trabalhar com os instrumentos da natureza, não se
pode menosprezar a intervenção energética e gravitacional
que a Lua exerce sobre os fluidos."
Interrompendo o preto-velho, Tobias indagou sobre
algo que fazia parte de suas dúvidas:

— Pai João, há alguns dias o senhor indicou para mim
um elixir de prata. Nem perguntei antes, porque fiquei
com medo de ser inoportuno. Mas o certo é que
não consegui encontrar o tal elixir e fiquei com re217




ceio de incomodar o senhor com o questionamento.

— Pois é, filho, quem não incomoda não aprende.
Não é assim? — o pai-velho explicava pacientemente.
— Entenda que sempre, em qualquer fórmula que
nego-velho indicar o uso do elixir de prata, quer dizer
a prata coloidal, excelente remédio contra muitos
males que afligem meus filhos. Portanto, basta
adquirir a prata coloidal nas farmácias especializadas
e adicioná-la à fórmula ou, conforme a prescrição,
usá-la diretamente. Nego-velho vai tocar nesse
assunto novamente, quando ditar algumas fórmulas.
Por enquanto, só estou listando algumas diretrizes
básicas a fim de facilitar para os meus filhos a
manipulação dos remédios energéticos.
"Aproveitando a pergunta de meu filho, ainda sobre
certas particularidades de elixires específicos.
Toda vez que, em suas indicações, nego-velho mencionar
o elixir de cristal de quartzo, será necessário
ferver o quartzo durante 30 minutos antes de ser
empregado na fórmula.
"Recomendações entendidas, vamos ao preparo de
alguns remédios energéticos.
"Ao primeiro preparado nego-velho dá o nome de
Águas-de-Cheiro. Lembro que as essências especiais
e o composto energético, que aparecerão nas
fórmulas a seguir, nego-velho ensinará a preparar
em outra oportunidade.
218


Águas-de-cheiro

Ingredientes: Folhas e flores de alfazema e manjericão;
remédios florais: Alfazema, Artemísia, Rosmarinus;
águas de cachoeira e orvalho ou sereno;
essências especiais.
Preparo: Lua nova.
Indicação terapêutica: Suaviza e tranqüiliza. Útil
à revitalização das energias da aura. As propriedades
etéricas dessas flores e folhas enchem o indivíduo
de vitalidade, pois trazem elementos da natureza
ricos em bioplasma, estimulantes das reservas
fluídicas do duplo etérico. Ao mesmo tempo, agem
no plexo solar, no nível emocional, liberando formas
adensadas.

"O próximo remédio energético que vou descrever
denomino Águas-de-ísis, pois é inspirado numa
fórmula semelhante, utilizada por alguns hierofantes
do Egito antigo.

Águas-de-ísis

Ingredientes: Rosas vermelha e branca, flores de
alfazema, hibiscos vermelhos e crisântemos amarelo
e branco; remédios florais: Quince, Hibiscus,

219



Rock Water, Sempervivum, Orelana; águas de chuva
e de cachoeira; essências especiais.
Preparo: Lua nova.
Indicação terapêutica: Libera o coração de mágoas
e desperta o lado feminino, o sentimento, a intuição.
Favorece a manifestação do auto-amor. Estimula
pensamentos altruístas e eleva a freqüência
vibratória do chacra cardíaco.


"O próximo remédio natural e energético deve ser
administrado a pessoas que se encontram desvitalizadas,
abatidas física e moralmente. Indicado como
auxiliar no processo de recuperação de indivíduos
que enfrentaram longos períodos de enfermidade
ou processos de vampirismo energético, principalmente.
A este remédio chamo Raio-de-Luz.


Raio-de-luz

Ingredientes: canela em pau, cravo e gengibre;flores:
pétalas de girassol e rosas vermelhas; remédios
florais: Sempervivum, Moutain Pride, Rescue e Buquê
de 5 Flores; águas de fonte e de cachoeira; es


sências especiais e composto energético.

Preparo: Lua nova ou cheia.

Indicação terapêutica: Desperta a energia yang

220


e revitaliza, liberando substâncias etéricas densas,
tanto do corpo físico como do duplo. Fortificante
energético, que transfere a vitalidade das ervas e da
essência para o corpo e a mente.

Tobias ouvia e anotava tudo, pois não queria perder
as indicações de João Cobú, que, como sabia o médium,
fora também médico em outra existência.
Continuando, o pai-velho falou mais:

— Outro remédio energético que indico para certos
filhos é aquele que denomino Chuva-de-Prata.
Desde já, entretanto, peço aos meus filhos que não
se atenham à nomenclatura. Chamo-os assim apenas
para distinguir uma fórmula natural da outra,
nada mais. Nenhum dos nomes tem qualquer sentido
oculto ou esotérico.
Chuva- de-prata

Ingredientes: Rosas brancas, camomila, flor de
laranjeira, alecrim e manjericão-branco; remédios
florais: Momórdica, Star Tulip, Rosmarinus; águas

de chuva e de cachoeira.

Preparo: Lua cheia e exposição ao sereno durante

a noite, com o vidro aberto.

Indicação terapêutica: Libera energias nocivas

221



e toxinas do organismo, dilui ou atenua emoções
densas e promove a harmonia da aura. Aumenta as
defesas naturais e energéticas.

— Creio que devo frisar — continuou o pai-velho
— que esses remédios energéticos não são para administração
via oral, e sim como banhos, conforme
explicado anteriormente. De preferência, banhos
de imersão, semelhantes aos chamados banhos de
ofurô, que se vêem em spas e clínicas atualmente.
Ou seja, as fórmulas devem ser derramadas numa
banheira de qualquer espécie, onde meus filhos
procurarão relaxar ao longo de 20 a 40 minutos,
no máximo. Na impossibilidade, faz-se o banho de
aspersão, isto é, borrifando ao longo de todo o corpo
os preparados líquidos. Durante os banhos de
imersão ou após aspergir o produto sobre o corpo,
na falta de banheira ou similar, meus filhos poderão
ingerir o chá da camomila, indiscriminadamente, o
que será muito benéfico para as emoções.
"Outra fórmula desenvolvida do lado de cá pelos
espíritos responsáveis pela natureza é a Silvestre.
Silvestre

Ingredientes: Hortelã, espada-de-são-jorge, arru


222


da, levante, canela, sementes de mostarda e mirra;
remédios florais: Pink Yarrow, Buquê de 9 Flores,
Manto de Luz, Crab Apple, Sulphur Flower; águas
de chuva, de cachoeira, bem como água mineral gasosa
natural ou sulfurosa; essências aromoterápicas
verdes e silvestres.
Preparo: Lua cheia e exposição aos raios solares.
Composto especialmente sob a ação dos dementais.
Indicação terapêutica: Auxiliar na limpeza do
campo áurico e tratamento de emoções conflitantes.
Liberação de mágoas e pensamentos recorrentes.
Trabalha as energias de cura do duplo etérico.
Bastante eficaz principalmente para quem lida
com público em geral e com pessoas difíceis, portadoras
de conteúdo emocional grave, tal como é a
rotina de terapeutas e médiuns.

— Meu Deus, Pai João — falou um dos trabalhadores.
— Existe tanta coisa que desconhecemos!...
— É, meu filho. E assim mesmo há quem critique a
sabedoria milenar dos pais-velhos sem sequer experimentar,
classificando tudo como pura fantasia
e misticismo. Nego-velho espera que, ao menos, façam-
se testes e análises antes de atribuir tudo ao
domínio do fantástico.
"Mas vamos continuar mais um pouco, filho. Acredito
ser possível passar mais algumas dicas para
223



aproveitarem em seus trabalhos e, assim, não ficarem
tão dependentes de orientação espiritual.
"O próximo remédio energético, nego-velho o chama
de Aguas-de-Hórus, apenas relembrando um
preparado muito eficiente da Antiguidade.

Águas-de-hórus

Ingredientes: Rosas brancas e vermelhas, alecrim,
manjericão, alfavaca, alfazema, girassol, mirra
e levante; remédios florais: Rosmarinus, Aristolóquia,
Holly, Chaparral, Floral de Emergência Australiano;
tinturas: arnica, espinheira-santa e menta;
águas de mar, cachoeira, chuva e fonte.
Preparo: Lua nova ou cheia.
Indicação terapêutica: Ideal para iniciados ou
pessoas que estejam despertando para o caminho
espiritual. Desperta o sentido do belo e do bem.
Promove o aumento da freqüência vibratória dos
chacras superiores e sensibiliza o psiquismo.

— Pai João — interpelou Tobias. — Conforme o senhor
explicou, a pessoa pode apresentar excesso
nas características de determinada polaridade
energética, tanto com perfil de ansiedade, mais ativo,
elétrico ou yang quanto, de modo contrário, evi224



denciando traços mais sensíveis, emotivos ou yin.
Nesse caso, existe alguma fórmula indicada para
auxiliar no equilíbrio energético desse indivíduo?

— Claro, filho — respondeu o pai-velho. — Tenho
duas recomendações baseadas em observações e
anos de estudo com os tipos citados. É claro que
tais indicações, como as que fiz antes, não são fórmulas
milagrosas, mas auxiliares. Apenas isso.
"Estes são os remédios energéticos que denomino
simplesmente Yin e Yang, devido aos tipos de ervas
empregadas.
Yang

Ingredientes: Espada-de-são-jorge, arnica, cravo,
canela, sementes de girassol e de mostarda, picão,
cipó-mil-homens, gengibre; água do mar, exclusivamente;
remédios florais: Sempervivum, Pink Yarrow,
Moutain Pride, que visam equilibrar as energias
do indivíduo.
Preparo: Lua nova ou cheia.
Indicação terapêutica: Aumenta o tônus vital e
combate o esgotamento energético. Trabalha as
energias vitais do organismo, a kundalini. Estimula
a libido e desperta o lado yang, ativo e positivo do
ser. Combate dificuldade de concentração, disper


225



são mental e emoções mais afloradas ou intensas.

Yin

Ingredientes: Alecrim, alfazema, alfavaca, manjericão,
rosas brancas e lírio; águas de cachoeira e de
chuva; remédios florais: Linum, Manto de Luz, Rosmarinus,
Hibiscus.
Preparo: Lua nova com exposição ao sereno.
Indicação terapêutica: É ideal para despertar o
lado sensível, emocional. Suaviza o pensamento e
as emoções fortes. Trabalha o lado yin, passivo e
emotivo do ser. Para as pessoas elétricas, inquietas
e ansiosas. Também é eficaz para pessoas hiperativas
mental ou fisicamente.

"Por último, nego-velho vai ensinar a vocês um remédio
energético muito indicado para combater insónia,
como auxiliar no tratamento desse mal, que
atinge milhares de filhos na Terra. Por isso, nego-
velho o chama de Sonhos. De todas as fórmulas até
aqui descritas, é a única que pode ser administrada
como solução oral, ao recolher-se.

226


Sonhos

Ingredientes: Tinturas de capim-cidreira, maracujá
e valeriana; remédios florais: Calmin, Passiflora,
Valerian, Agrimony, Angélica (do Alasca); água
mineral.
Dosagem: Tomar 30 a 35 gotas em um cálice de
água ou no chá de camomila, antes de deitar.
Indicação terapêutica: Insónia.

"Como vêem, meus filhos — concluía o pai-velho —,
há muito que aproveitar das ervas, em suas diversas
modalidades de preparo. Entretanto, para saber se
esse recurso funciona, você terá de experimentar
primeiro, antes de sugerir aos outros o uso desses
remédios da natureza. Não se esqueçam da oração,
da fé e da mentalização de forças positivas durante
o preparo e o uso. Assim meus filhos adicionarão
elementos mentais nobres ao composto feito sob a
influência dos dementais."

Encerrando o assunto nesse dia, Pai João despediu-
se dos trabalhadores, deixando-lhes a incumbência
de pôr ou não em prática os ensinamentos ali ventilados.
Havia muito que ponderar a respeito.

227



candomblecista, de modo geral?

— Meus filhos, primeiro é preciso aprender, antes
de falar no assunto, que não devemos julgar os demais,
sua forma de viver e seus costumes, de acordo
com nosso padrão de comportamento ou de espiritualidade.
Estudar os fundamentos de uma religião
que não a nossa implica abstrair-nos daquilo
que acreditamos e mergulhar no princípio e nas razões
do outro; significa se dispor a ver o mundo sob
a ótica do outro. Se a postura adotada não for essa,
há grandes chances de se fazerem comparações, o
que é desonestidade intelectual.
— Não entendi, vovô...
— Nego-velho explica, meu filho. Imagine se você
tentar entender as religiões mulçumana ou budista
sob o ponto de vista da doutrina cristã, ou mesmo
por meio de comparações entre elas. Ao tomar
a própria visão de mundo como referência, inevitavelmente
você começará a estabelecer conceitos de
certo e errado, bem e mal e coisas do gênero, que,
diga-se de passagem, são criações que se originam,
em larga medida, no pensamento judaico-cristão.
Ou, melhor dizendo: o hábito de separar assim os
fatos, à primeira vista, e sobretudo de forma maniqueísta,
é bastante arraigado à cultura judaico-cristã
e tem nela profundas raízes.
"A mesma consideração é válida quanto à conduta
230


adotada pelo observador4 ao examinar as religiões
de procedência africana ou descendentes delas. Se
você for traçar um paralelo entre essas filosofias religiosas
e a forma espírita de pensar e ver o mundo,
também entrará no terreno espinhoso das comparações,
o que acarretará a caracterização das religiões
em estudo como obra das trevas, de espíritos
inferiores ou coisa semelhante. Isso se não houver
quem diga que são manifestações primitivistas
ou de baixo espiritismo, abominável expressão que
em si é um enorme equívoco. Por isso, antes de iniciar
qualquer estudo a respeito do assunto, é melhor
despir-se de preconceito e procurar enxergar,
como um todo, a realidade cultural e social da África
e de seus habitantes emigrados para o Brasil."

— Pelo que pude entender, primeiro é preciso comPai
João de Aruanda, na verdade, não apresenta nenhuma novidade ao

discorrer sobre a disposição necessária ao pesquisador quando analisa

culturas e sociedades estranhas a si mesmo. O mérito de sua fala está em

destacar algo que, apesar de ter sido aprendido pela antropologia — ciên


cia que se dedica ao estudo das culturas — logo após as primeiras décadas

de seu surgimento, no início do século xx, ainda dificilmente se vê entre

religiosos. O meio espírita não é exceção. Sem sombra de dúvida é urgen


te que se aprenda a admitir a pluralidade de pontos de vista sobre a rea


lidade espiritual para que a fraternidade esteja mais na prática e menos

no discurso.

231



preender as origens, antes de nos iniciarmos nos
chamados mistérios?

— Certamente é assim. Mas há outra ressalva a fazer,
meus filhos, logo no começo. Como as diversas
tradições de cultos africanos no Brasil passaram
por inúmeras interpretações, seguramente se
pode inferir que qualquer um — inclusive pai-velho,
ao falar do assunto — corre o risco de transmitir
muito de sua visão pessoal, de sua opinião
particular. E a perspectiva adotada dependerá, sobretudo,
da quantidade de preconceito abrigado
no coração do indivíduo, bem como da menor ou
maior abertura que tiver em relação às questões
de ordem espiritual.
— Ah! Então só posso concluir que não estamos
preparados para aprofundar nesses temas, meu pai.
Ainda temos em nós muita má informação e má
formação espiritual. Trazemos o preconceito arraigado
no peito. Talvez, o senhor nos permita apenas
alguns apontamentos — quem sabe? — bastante superficiais
para que possamos introduzir nossos estudos
a respeito do assunto.
— Nego-velho acredita, meu filho, que esse é o melhor
caminho. É mais coerente. A tentativa de aprofundar-
se no estudo das religiões africanas ou afrodescendentes
sem pesquisar direto nas fontes fatalmente
levará a pessoa a se deter em pontos de vis232



ta particulares, portanto sujeitos a erros graves. Se
quiser aprofundar-se em qualquer religião, o ideal
é pesquisar diretamente com seus representantes, e
não com quem tenta estabelecer comparações sem
deter o fundamento daquilo que pretende abordar.
Mas nego-velho compreende sua curiosidade sadia
a respeito do assunto.

— Meu pai, um dia o senhor nos falou que em outra
existência já fez parte de um culto de candomblé.
Será que não nos poderia esclarecer algumas dúvidas,
sem querer importuná-lo com nossas perguntas?
Também queríamos saber mais alguma coisa a
seu respeito, seus projetos junto de nós.
— Estou aqui, meu filho, com o objetivo principal
de quebrar os preconceitos e esclarecer o quanto
puder as dúvidas dos filhos de Terra. Pessoalmente,
assumo a aparência de pai-velho não porque
ela esteja ligada às raízes da umbanda ou do candomblé.
Escolhi me apresentar desta forma devido
a um fator educativo. Pretendo, assim, contribuir
para desmistificar certas idéias que se alimentam a
respeito daqueles cuja procedência sociocultural é
considerada mais simples. Em suma, é uma maneira
de enfrentar o preconceito nas diversas esferas
em que se apresenta, seja religiosa, social, racial,
espiritual ou cultural. Na roupagem de preto-velho,
também posso falar de verdades mais amplas e pro233




fundas com uma forma externa singela e uma linguagem
ao alcance de qualquer classe sociocultural.
Entretanto, como espírito, nego-velho guarda
uma relação mais estreita do que se pode imaginar
com a visão e as falanges do espírito Verdade, aquele
que, no mundo, representa as verdades veiculadas
pelas idéias espíritas.
Dando uma pausa, visando provocar reflexões, o
pai-velho continuou:


— Não pretendo dar novas revelações a nossos irmãos
umbandistas; também não desejo acrescentar
nada ao corpo doutrinário da filosofia ou da teologia
umbandistas. Nego-velho tem um mandato divino
a ele confiado: explicar certos fenômenos, certas
verdades vivenciadas em outras religiões sob uma
ótica mais abrangente, possibilitando sua compreensão
segundo a perspectiva espírita. Assim sendo,
este preto-velho que fala com meus filhos não tenciona
nem mesmo ensinar segundo as interpretações
da doutrina espírita, mas sim divulgar conceitos
espíritas, tais como imortalidade, mediunidade,
reencarnação, leis morais e de causa e efeito.
— A gente vê que, como pai-velho, o senhor não usa
cachimbo, não fala com palavras truncadas, não anda
encurvado nem sequer se assenta num toco. Por que
isso, meu pai? Não é usual a gente presenciar manifestações
de pretos-velhos fazendo tudo isso?
234


— Como eu disse, filho, meu objetivo é essencialmente
educativo: desbravar o conhecimento visando
dilatar a mente das pessoas. O uso de cachimbos
e outros apetrechos de fato é algo comum num culto
umbandista. Porém, meu filho há de convir que
Pai João neste momento não está num terreiro desta
religião. Estamos numa casa em que se estuda e
pratica a caridade, mas esta não é uma casa de umbanda.
Tanto assim que não praticamos os rituais
que lhe são próprios nem tampouco adotamos os
instrumentos de trabalho típicos dessa religião, que
pratica o bem e a caridade.
"Nego-velho procura ensinar os filhos a lançar mão
de outras ferramentas — nem melhores nem piores
do que aquelas com as quais se trabalha na umbanda.
Apenas diferentes. Meu esforço consiste em
mostrar como chegar às mesmas realizações a partir
de outros recursos ou métodos de trabalho menos
materiais (e, por isso, segundo nossa experiência,
mais eficazes), que nos façam atingir os objetivos
que temos em mente. Em resumo, não há como
confrontar características entre uma e outra comunicação
mediúnica sem levar em conta o contexto
em que acontece."
— E quanto ao culto dos orixás, meu pai?
— Note, filho, que também tenho me dedicado à
questão dos orixás apenas como um recurso didá235




tico-pedagógico, por entender que a riqueza e os
pontos de conexão entre as culturas brasileira e
africana oferecem muitos elementos para a compreensão
do psiquismo humano. Minha abordagem
relativa aos orixás é tão-somente voltada para
dois aspectos.
"O primeiro deles diz respeito a seu valor simbólico
e psicológico, inerente à própria mitologia, através
da qual entendemos melhor a alma humana. O panteão
africano e seu enredo é uma espécie de mapa
ou síntese psicológica do comportamento humano.
De modo análogo ao que ocorre com aqueles que
estudam o zodíaco ou a mitologia grega, apreciada
na academia e na escola psicológica clássica, nego
acredita que, sob esse prisma, a análise da mitologia
dos orixás pode facilitar o autoconhecimento e a
relação entre os indivíduos, com a vantagem de haver
identidade bem maior com a cultura brasileira,
esse amálgama de raças e complexidades. Entenda
bem que a nego-velho não interessa se os orixás são
ou não seres conscientes da criação; nem quer entrar
nesse mérito. Refiro-me a uma mitologia e ao
significado, assim como aos símbolos psicológicos
representados por esses personagens.
"Além disso, não vemos nos orixás seres imortais e
muito menos santos com os quais devêssemos nos
relacionar de forma a realizar um culto em seu fa


236


vor. Nego encara Orixá como vibração. E é esse o segundo
aspecto. Trata-se de usar a mitologia ou, mais
precisamente, a figura dos orixás como uma espécie
de guia ou esquema prático das diversas vibrações
da natureza. Isso ajuda — e muito — no estudo
dos dementais, por exemplo, e de sua relação com
os respectivos redutos ou recantos naturais. Como
usar e manipular os recursos sagrados da mãe natureza
sem convencionar uma nomenclatura comum,
que nos permita andar sobre um terreno único, onde
se darão as conversas e trocas de informações e experiências?
Há uma questão prática, de linguagem.
E nego-velho pensa: Para que inventar um novo sistema,
se já dispomos do panteão africano? E mais:
por que não empregar a terminologia daqueles que
se especializaram no estudo e no comando das forças
da natureza ao longo de séculos e milênios?
"Como meu filho pode ver, nego-velho intenta abrir
as mentes de alguns irmãos e filhos. Em vez de rejeitar
outras crenças e interpretações só porque são
desconhecidas e diferentes, que possam abraçá-las
ao menos o suficiente para estudá-las e, quiçá, compreendê-
las, desenvolvendo assim uma visão mais
ampla. Apenas isso. Quem sabe aprendam elementos
novos, extraindo algo de positivo e construtivo
para aplicar e enriquecer a própria realidade?"

— Então, meu pai, que me diz a respeito dos rituais
237



do candomblé? — perguntou Tobias, retomando as
questões com as quais iniciara a conversa com o
pai-velho.

— É preciso entender, filho, que as religiões africanas
não vêm do mesmo tronco histórico-cultural e
espiritual do cristianismo. São tradições de origens
distintas. Aliás, se quisermos extrapolar a metáfora,
podemos afirmar que não são galhos da mesma
árvore, mas espécies vegetais diferentes no grande
bosque da verdade.
"Ter ciência disso é essencial para a compreensão
da mitologia e do culto afro. A título de exemplo:
não existe, nessas religiões, o conceito de bem e
mal, tal qual é ensinado nas religiões de procedência
cristã. A espiritualidade desses cultos, absolutamente
respeitáveis em seus fundamentos, está
intimamente associada a um ritual próprio, riquíssimo
em significado. Tão variados quanto os homens
que os interpretam, tais ritos são recheados
de elementos materiais, que trazem um simbolismo
merecedor de estudo por parte de pessoas sérias
e de pesquisadores do psiquismo e dos agrupamentos
humanos.
"Portanto, não há ponto de comparação entre um
tipo de religião ritualística, cujos recursos pedagógicos
são de ordem material — como a representação
dos orixás em seus assentamentos, os ata238



baques, as velas, indumentárias e oferendas, entre
outros apetrechos — e, de outro lado, uma filosofia
religiosa de caráter eminentemente espiritual
e metafísico, desprovida de elementos simbólicos
cognitivos e representativos, como é o caso do espiritismo.
Talvez a noção mais acurada que este nego
possa transmitir para meus filhos acerca das nações
do candomblé esteja associada às idéias divulgadas
pela umbanda — embora sejam religiões distintas
entre si, distantes inclusive na origem histórica, e
que não devem ser confundidas em nenhuma hipótese.
Não obstante, é inegável que a umbanda faz
uma ponte, estabelece um elo entre conceitos como
orixás e divindades africanas e o pensamento espírita,
que versa sobre idéias como reencarnação,
imortalidade, responsabilidade espiritual e social."

— E como o senhor vê a matança de animais que se
realiza nesses cultos de origem africana?
— Tudo depende do ponto de vista a partir do qual
se observam tais rituais, meu filho, que estão sujeitos,
inclusive, a diferenças segundo seu autor ou
executor. Nego-velho talvez veja a coisa por um ângulo
pouco convencional. Embora reprove a prática
de sacrifícios, eu a estudo, como qualquer estudioso,
tentando vê-la sob as melhores lentes possíveis
e procurando identificar sobretudo as razões
que levam ao exercício e ao cultivo dessa tradição.
239



Segundo posso entender, meu filho, o costume de
matar animais com fins ritualísticos é um resquício
das religiões ancestrais, que caminham rumo
a maior espiritualização ou compreensão da espiritualidade.
É bom lembrar que, à época de Jesus,
a própria sociedade judaica, berço do cristianismo,
tinha o sacrifício de animais como regra de conduta
ao adorar a Deus. E Jesus jamais censurou ou condenou
tal costume em sua essência, pois sabia respeitar
as tradições.
"Na umbanda, não há necessidade das oferendas
animais, nem tampouco em nossa maneira particular
de exercer a busca por espiritualidade, cá na
tenda. Entretanto, alguns cultos de raiz africana
também não realizam matanças, conforme interpretam
meus filhos. Usam os animais apenas para
sua nutrição, como a maior parte das pessoas faz no
cotidiano. Assim como há abatedouros em todos os
países que comercializam diversas criações para o
consumo, muitos rituais diferem desse hábito apenas
porque emprestam conteúdo místico a tal feito.
Abatem o animal com um sentido maior de respeito
e veneração à natureza, obedecendo a princípios
de sua fé. Como a maioria dos habitantes do mundo,
os praticantes de certos cultos de nação ingerem
algumas partes do animal sacrificado ou abatido.
As porções que julgam imprestáveis à alimen


240


tação — geralmente entranhas, asas, pés, pescoço e
outros pedaços mais —, ofertam-nas de volta à natureza,
em gratidão pelo dom maior, que é a vida.
Tais adeptos costumam apresentar essas partes do
animal sacrificado às forças representativas dos
orixás, como que agradecendo pelo alimento, compartilhando
as bênçãos adquiridas para a manutenção
de suas vidas.
"Talvez, meu filho, essa seja uma visão diferente da
que habitualmente se vê acerca daqueles que professam
um culto diferente daquele a que estamos
acostumados. Essa é sua forma de entrar em contato
com as energias da natureza, a qual visivelmente
remonta à vida tribal e ancestral."
Meditando um pouco em como prosseguir sem afetar
as crenças de seus ouvintes, o pai-velho, logo
após, complementou:


— Mas ainda aí temos de considerar a intenção.
Para tanto, vale abstrair-nos da realidade contemporânea
e analisar a questão novamente. Por exemplo:
o homem na atualidade promove a briga de
bois em alguns países, em nome de festejar as tradições,
além de criar aves, suínos, caprinos e bovinos
em geral para o abate. Tudo isso sucede em
países ricos, ocidentais, que se consideram civilizados
e, por vezes, arvoram-se em referência para os
demais povos da Terra. Pois bem, justamente nes241




sas sociedades democráticas e civilizadas, promove-
se a matança de criações sem nenhum escrúpulo,
e, apesar disso, tal ato é visto de modo absolutamente
normal, natural e necessário. Por que não se
combatem tais práticas, que nos matadouros ocorrem
em larga escala e em dimensão muito mais grave,
chegando a requintes de crueldade que não se
vêem nos barracões e roças do candomblé?
"Nego não está defendendo o sacrifício de animais,
que, como disse, não aprova. O que Pai João está
querendo mostrar, meus filhos, é como é hipócrita
a atitude de muita gente por aí, que se diz boa,
religiosa e moralista, mas pretende censurar aqueles
que executam determinados trabalhos dotados
de um sentido bem mais profundo do que eles emprestam
a suas realizações — até porque, no fim das
contas, continuam se fartando de carne e vertendo
o sangue de animais inocentes. Refestelam-se
com o cheiro dos assados na churrasqueira e, ainda
assim, insistem em criticar o aroma do incenso
de outros, que tentam acertar em seu caminho espiritual.
Pai João quer apenas induzir meus filhos
a uma reflexão mais abrangente e profunda, de tal
maneira que não se atirem pedras no próximo. Que
se concentrem em tirar dos próprios olhos a trave
que nubla sua visão mais seriamente que o argueiro
no olho alheio, antes de condenar indivíduos que se

242


distinguem por uma filosofia de vida diversa e pautam
sua fé num saber milenar.

— Isso quer dizer, meu pai, que o senhor aprova esses
rituais?
— Não é esse o mérito da questão, meu filho. O que
nego-velho deseja ressaltar é o mau hábito de julgar
os outros e de fazer comparações infundadas e
a necessidade de sermos coerentes com aquilo em
que acreditamos e que professamos. Falta muita coerência
entre os seguidores do Cristo. Falamos mal
da religião do próximo sem conhecer-lhe os fundamentos.
Declaramos apressadamente que o outro
está obsidiado ou assistido por espíritos inferiores,
apegados à matéria; porém, no fundo, nossa atitude
destoa da doutrina que afirmamos abraçar. Nossa
forma de viver, nosso comportamento social, nossa
conduta diária atestam muitas vezes contra aquilo
que pregamos. É disso que nego-velho fala; é contra
essa realidade que devemos nos precaver.
— E esse negócio de a pessoa ter de fazer o santo,
dar oferendas e, assim, estar protegida contra as forças
da maldade? Como o senhor vê isso, meu pai?
— Nego-velho é suspeito para falar desse assunto,
meu filho. Como espírito, não vejo necessidade alguma
de ninguém se submeter a práticas ritualísticas
desse calibre, principalmente se agressivas ou de
ordem mais material. Embora — enfatizava o preto243




velho — eu seja o primeiro a defender o direito de
quem quer que seja de agir, pensar, acreditar, cultuar
e fazer aquilo que deseja. Como alguém que está
comprometido com a mensagem e a visão libertadora
do espírito Verdade, nego-velho trabalha pela
libertação da consciência, pela iluminação interior
através do conhecimento imortalista. Ciente de certos
aspectos da vida espiritual, suas conseqüências e
seu alcance, não acredito ser necessário, no momento
atual da humanidade, sujeitar-se a determinados
rituais, mesmo que pareçam imprescindíveis a muitos.
Tudo é questão de evolução do pensamento.
"Quanto à crença de que fazendo isto ou aquilo a
pessoa se protegerá, temos de rever também nossa
visão a respeito de segurança energética e espiritual.
É inócuo participar de processos externos
na tentativa de obter segurança energética, assim
como entregar-se a práticas que visam ao chamado
fechamento do corpo, se a mente permanece em
circuito fechado, numa idéia estacionária, sem iluminar-
se, sem obedecer à torrente de progresso. É
urgente convencer-se de que a maior segurança espiritual
de qualquer um começa pela adoção de atitudes
sadias, coerentes, nobres. Passa por uma postura
íntima inequívoca, consistente com aquilo que
se crê e se procura, bem como com a ética nas relações
humanas. A partir dessa reeducação e da am


244


pliação dos valores da alma, teremos a ajuda de espíritos
comprometidos com nossa imunidade energética
e mental."
O pai-velho foi muito enfático em suas palavras
nesse diálogo com os trabalhadores de sua casa de
oração. Outros filhos e tarefeiros externaram suas
indagações com relação à segurança energética e às
defesas pessoais.

— O senhor quer dizer que há necessidade de a
gente desenvolver uma atitude mental sadia antes
de procurar nos resguardar de energias contrárias?
— expressou sua dúvida um dos trabalhadores.
Procurando palavras para se fazer melhor compreendido,
João Cobú respondeu, lentamente:
— Pois é, meu filho, algumas pessoas se dedicam a
fazer assentamentos de exu e a invocar a força dos
guardiões, pretendem se imunizar com amuletos,
pingentes ou patuás. Usam toda sorte de artifícios
para ficar sob uma redoma de proteção energética.
Ao assistir a essa busca desenfreada, nego-velho
pensa simplesmente o seguinte. Se a pessoa está
tão preocupada assim com sua segurança energética,
quem sabe o que está sentindo não seja um
reflexo da sua insegurança interna? De suas atitudes,
que merecem ser recicladas com urgência, ou
de sua conduta, que, de alguma maneira, a perturba
por saber que está agindo de maneira contrária
245



àquilo que se espera de alguém consciente da vida
espiritual? Quem sabe?
"Nego-velho apenas levanta essa hipótese por notar
tanta gente aparentemente boa defendendo a necessidade
de se ter um gongá em certos locais que
não têm esse procedimento como regra. Querem induzir
outras pessoas a fazer assentamentos de exu,
quando tal prática não se coaduna com a proposta
espiritual do indivíduo ou de sua comunidade religiosa.
Exigir isso do outro é equivalente a impor ao
umbandista o abandono de seus rituais e suas práticas,
de sua forma de exercer o culto, em favor da
adoção de uma fé mais espiritualizada que a dele,
conforme o entendimento parcial de alguém.
"Antes de tudo, deve-se perceber que a verdadeira
segurança está, como eu disse anteriormente, na
intimidade do ser. Os guardiões e as forças superiores
do bem só podem trabalhar pelo indivíduo ou
pela comunidade se ancorados no comportamento
das pessoas, em sua conduta. Essa é uma realidade
da qual ninguém poderá se furtar."

— Meu pai, com relação à segurança energética e à
conduta que a promove, freqüentemente nos pegamos
preocupados com as questões íntimas e as
de nossa comunidade. Como devemos proceder ao
abrir atividades de ordem espiritual? — perguntou
um dirigente e pesquisador espírita, que resolvera
246


acompanhar de perto os ensinamentos do pai-velho.

— Sem sombra de dúvida, inaugurar ou começar
qualquer atividade de ordem espiritual sem estabelecer
a segurança espiritual, sobretudo caso
haja intercâmbio mediúnico, é complicado e perigoso
— respondeu Pai João. — Primeiramente, é
preciso conhecer quais espíritos integram a equipe
responsável pelos trabalhos e os que, de modo
particular, zelam pela segurança.
— Mas a maioria das casas espíritas não sabe sequer
quem é o seu mentor, quanto mais ter acesso a
esses espíritos! Muitos dirigentes afirmam que não
é necessário saber quem compõe a equipe, que temos
de confiar na espiritualidade...
— Pois é, meu filho. Nego-velho acredita que centro
espírita sem espíritos é igreja. Portanto, vê com
grande pesar tanta gente cheia apenas de boa vontade,
tentando fazer o que pode. Ocorre que, em
matéria de espiritualidade, boa vontade, sozinha,
não basta. Há necessidade de conhecer, aprimorar
o conhecimento. Por isso, é imperativo evocar os
espíritos responsáveis pelos trabalhos, indagar, ser
insistente com o objetivo de descobrir como funciona
o planejamento espiritual da instituição. Para
que haja uma relação transparente e de confiança
entre encarnados e desencarnados, vocês têm de
conhecer com quem trabalham. Isso é essencial!
247



"Existe muita gente e muito centro espírita ou tenda
umbandista operando com obsessores disfarçados
de guias e mentores. Infelizmente, é um fato, que.
como espírito, observo em muitos lugares. Como
combater isso?5 Pai João acredita que é fundamental
estabelecer uma relação clara, aberta e transparente
através da mediunidade para se saber com
quem trabalha e quais os planos de ação, as metas
dos mentores em relação ao agrupamento e aos médiuns.
E isso só é possível mediante diálogo, questionamentos
e pesquisa junto aos espíritos. No âmbito
da guarnição espiritual não é diferente. Se a casa deseja
conhecer a identidade dos guardiões que amparam
os trabalhos, só há um jeito: perguntando. Afi


5 Com relação à indagação do pai-velho, pode-se anotar que Allan Kardec

adotou ao menos dois métodos. De um lado, esquadrinha a equipe espiri


tual, que nomeia com desenvoltura ao longo da obra da codificação, esta


belecendo nitidamente o vínculo de cada qual com este ou aquele aspecto

da filosofia e da ciência espíritas. De outro, praticou à exaustão o princípio

de questionar sempre os espíritos. Afinal, foi de interrogações que o es


piritismo nasceu. O livro dos espíritos, obra que funda a doutrina espírita,

é composto a partir das perguntas formuladas por Kardec, retomando a

forma de diálogos da filosofia clássica. Inúmeras vezes, ao longo de seus

textos, o Codificador recomenda a elaboração prévia de questionários ao

se tratar com os espíritos, em detrimento das comunicações espontâneas,

que hoje se tornaram regra geral no movimento espírita.

248


nal de contas, como podemos confiar a qualquer um

o comando energético de nossas atividades? Como
entregar a um ser anônimo a guarda de nossos trabalhos?
De que modo esperar resultados satisfatórios
se ignoramos com que espíritos interagimos?"
— É, faz muita falta no meio espírita a prática a que
o senhor se refere — tornou o visitante. — De toda
forma, nas situações em que o dirigente dos trabalhos
e os próprios trabalhadores conhecem a equipe
espiritual, como fazer para aumentar as defesas e
contribuir para o bom desempenho das atividades?
— Começando pelo começo, meu filho. Abrem-se os
trabalhos com os guardiões, evocando-os para que
possam assumir o comando energético e as defesas
espirituais do lugar. Uma vez estabelecidas as defesas
energéticas, faz-se a limpeza do ambiente, dos
médiuns e dos trabalhadores e, logo após, formam-
se os campos de força e de contenção. Para isso é
importante conhecer técnicas avançadas de magnetismo,
sem as quais não há como se preservar de
energias discordantes.
Depois de ouvir atentamente as explicações do pai-
velho, o bom homem resolveu abordar outra face do
conhecimento espiritual e da prática mediúnica:
— Algumas pessoas na atualidade têm se dedicado
à prática de um tipo específico de reunião mediúnica.
Dizem se chamar apometria. Como espírito e
249



pesquisador da verdade espiritual, como o senhor
vê isso, Pai João?

— Com muita boa vontade, meu filho. Contudo, tenho
de observar algumas questões que merecem reflexão.
Por exemplo, alguns entusiastas da apometria
como técnica de desdobramento têm difundido
que basta emitir um comando verbal acompanhado
do estalar de dedos, e pronto: consegue-se o desdobramento
de alguém. Ou que, com apenas alguns
dias de estudo, um curso qualquer, todo candidato
torna-se apto a mentalizar e dar comandos de energia
ou pulsos magnéticos de grande intensidade.
"Nego-velho fica pensando como tem gente que
vulgariza questões espirituais a tal ponto de julgar
ser possível, mediante um simples estalar de dedos,
obter resposta mental e agir sem empecilho no plano
extrafísico. A única conclusão a que posso chegar
é que muita gente perdeu a noção dos limites,
o senso de autocrítica e quer resultados rápidos
sem dedicação. Não há como manter a mente em
sintonia ou arregimentar recursos para a criação
de campos de força após poucos minutos de dedicação.
A mente precisa ser adestrada por meio de
exercícios regulares de criação mental para que se
possa lograr êxito. Porém, nada disso é milagroso!
A ninguém é dado agir no plano extrafísico com
desenvoltura tão-somente pronunciando algumas
250


palavras, estalando dedos, sem submeter-se a treinamento
demorado, persistente e disciplinado. Só
gradativamente, mediante prática contínua, é que
se desenvolve tal força mental, tal capacidade de
comando. Não ocorre como muita gente pensa,
pretendendo obter esses predicados em apenas alguns
dias ou meses de treinamento.
"Então, nego-velho vê com muito carinho esses
esforços de meus filhos, entretanto acredita sinceramente
que o assunto reclama bem mais estudo,
disciplina mental e ainda muitíssimo estudo antes
de iniciar atendimentos em qualquer grupo, despreparadamente;
antes de mergulhar na vivência
das questões mediúnicas e espirituais propriamente
ditas.

— Não basta ter um integrante que conheça certos
métodos de abordagem dos problemas humanos e
algumas técnicas de apometria?
— Basta sim, meu filho. Basta para a derrocada espiritual
do grupo e para a insatisfação de quem procura
pessoas despreparadas. Se a finalidade é obter
resultados concretos, passíveis de serem comprovados,
deve-se acompanhar os casos, idealmente,
a cada semana, procedendo a uma anamnese detalhada.
Além disso, a equipe que se reúne para praticar
apometria tanto quanto qualquer outra ciência
ou técnica espiritual e que não se aprofunda no co251




nhecimento espírita é um grupo fadado ao fracasso,
embora a boa vontade de seus condutores.
"Já visitei muitos agrupamentos que se formam
com o intuito de auxiliar, mas cujos integrantes não
gostam de estudar. Tornam-se prisioneiros do fenômeno,
mas desconhecem questões básicas a respeito
da maneira de abordar os espíritos. Como não investem
em aprender, conhecem muito superficialmente
a fisiologia espiritual elementar; mal ouviram
falar do perispírito e de sua relação com os fenômenos
mediúnicos; ignoram as leis que regem o
intercâmbio mediúnico; não têm ciência sequer das
bases da ectoplasmia, do magnetismo, do duplo etérico,
da força mental e de coisas semelhantes. Apesar
disso, aspiram a qualquer trabalho que envolva
apometria, mediunidade e assuntos correlatos.
"Encontram-se eufóricos com as desinformações
que se divulgam sobre o assunto, acreditando que
apometria é uma vara de condão que tudo resolve.
Logo depois de fundar os grupos, afundam-se num
mar de equívocos e melindres. Precisamos de muito
estudo, meus filhos, de formar — e conservar —
um grupo que fale a mesma língua, que persiga a
homogeneidade constantemente."
Respirando fundo, como que a medir suas palavras,

o pai-velho prosseguiu:
— Já presenciei certo grupo sendo guiado por um
252


operador que pronunciava expressões empoladas,
tais como: "arcos voltaicos", "formações dimensionais
da esfera superior", "formando campos do
primeiro subnível" e outras pérolas do gênero. Enquanto
falava, quase forçando os movimentos e agitando
vigorosamente os dedos, os médiuns nem de
longe sabiam o significado daquelas palavras. Posso
dizer com segurança que nem mesmo o tal dirigente
que inventara tais frases conhecia algo a respeito.
Diante disso, nego pergunta: qual força poderá ser
canalizada em prol de um objetivo que não é nem
sequer compreendido?
"O que mais existe por aí, meu filho, são pessoas a
forçar determinadas situações para que sejam vistas
como expertas em alguma iniciação espiritual,
em mediunidade e assuntos do espírito. Nessa tentativa
frustrada, formam bandos de gente que não
se entende entre si, mas que pretende ajudar indivíduos
crédulos e incautos com uma ferramenta
que, por sua própria natureza, merece maior aprofundamento,
estudo e cautela. Aliás, boa dose de
cautela não faz mal a ninguém."

— Pelo que se vê, aquilo que se pratica em muitas
casas não é confiável. Correto, meu pai?
— Não é bem assim, meu filho. Nego-velho critica é
a mania generalizada de querer formar grupos mediúnicos
sem preparo nem estudo pormenorizado,
253



demorado e profundo das questões espirituais. Há
gente boa e com grande disposição, mas que atropela
a razão com o coração e as emoções. Reúne-se,
muitas vezes, um grupo de pessoas cheias de boa
vontade, porém sem qualquer identidade espiritual;
transcorridos poucos meses de estudos, ministrados
somente uma vez por semana, julgam saber
o suficiente e possuir os elementos necessários
para abordar casos complexos. É disso que pai-velho
está falando.
"Então, quando se pretende erguer uma defesa
energética contando com o comando de alguém
que imagina resolver tudo com um simples estalar
de dedos, que negligencia o acompanhamento à
pessoa após o atendimento, que não dá indicações
nem palmilha, junto com o consulente, o caminho
de sua reeducação mental e emocional, como se
pretende ser levado a sério? Tudo é questão de coerência.
E mais: atende-se um número enorme de
casos em apenas uma reunião, como se fosse um
serviço público de baixa qualidade ou uma linha
de produção. Nesses locais, as pessoas não são vistas
como seres humanos, mas como desafios para
patrocinar a ostentação de grupos mediúnicos que
não são capazes de solucionar os dilemas dos próprios
integrantes."
Neste momento, dando por encerrada aquela con


254


versa, o pai-velho acrescenta:

— Bem, meus filhos, vamos ao trabalho. Por hoje, nego-
velho já deu a conhecer o que pensa a respeito de
muitas questões. Espero que não vejam em minhas
palavras algo com que sejam obrigados a concordar,
muito menos o ponto final da questão. São apenas
opinião de quem está aprendendo e estudando do
lado de cá da vida. Afinal, nego-velho não é nenhum
mestre, mas apenas um aprendiz da vida.
255



demonstrar consideração pelos benfeitores que
atendiam na tenda de Pai João, os quais não poderiam
ficar à disposição das pessoas devido aos compromissos
assumidos em outras dimensões da vida.
O pai-velho mal havia se dirigido às macas onde
atenderia aos consulentes, na companhia de outras
entidades, quando foi interpelado por uma mulher
que seria auxiliada naquele dia.

— Sou trabalhadora de uma casa espírita — começou
a mulher. — Venho aqui pedir ajuda. Queria saber
por que não me deixam trabalhar ministrando
passes lá na casa que freqüento; parece que o pessoal
de lá não me quer como voluntária.
— Minha filha, o que lhe traz aqui à procura de ajuda?
— perguntou o pai-velho antes de responder ao
questionamento que lhe fora feito.
Enquanto se deitava na maca, onde mais dois outros
médiuns auxiliavam no processo de tratamento,
a mulher relatou ao pai-velho:
— Tenho tosses constantes, meu pai. Parece que o
pulmão está, de alguma forma, comprometido, e
minha respiração, entrecortada.
— E mesmo se sentindo assim você queria ser admitida
como passista numa casa de caridade?
— Pois é, meu pai. Um dia um espírito me falou —
eu sou médium também, sabe? — que eu deveria
trabalhar muito e que, mesmo me sentindo assim,
258


eu poderia aplicar passes e ser médium de cura.

— Ah! Filha... Acho que esse seu mentor precisa
é de oração. Veja que o conselho dele é algo muito
questionável. Aliás, acho mesmo, filha, que você
tem uma imaginação muito fértil.
— Como assim, Pai João?
— É que você só imagina aquilo que lhe interessa.
Como você quer ministrar passes magnéticos se é
vítima de si mesma?
— Não entendi!...
— Seu caso de pulmão é devido ao hábito de fumar,
minha filha. Como pensa que pode oferecer fluidos
balsâmicos para alguém se esse fluido está contaminado
pelo uso do cigarro? Acha mesmo que um
espírito sério lhe convocaria ao trabalho do passe
sendo que suas energias vitais estão contaminadas
pelo alcatrão e pela nicotina? Como ficariam as
pessoas que recebessem suas energias ou os passes
ministrados por você?
"Sabe, filha, primeiro você precisa dominar-se, adquirir
controle sobre si mesma; só então poderá ensaiar
o direcionamento dos fluidos através do passe.
Como pretende manipular as energias da natureza
utilizando o magnetismo curador se não consegue
administrar um vício como o do cigarro, que
lhe faz escrava? No mínimo, isso é incoerente. Antes
de qualquer coisa, você precisa se cuidar, obser259




vando sua saúde com maior atenção, procurando
assistência médica e, depois, após conseguir desintoxicar-
se através de algumas terapias energéticas,
precisa se submeter à orientação espiritual. Aí, talvez,
quem sabe possa aplicar passes?"
Impondo as mãos sobre a mulher, sem tocá-la, o
pai-velho havia conduzido o assunto para outro aspecto:
a saúde daquela que o procurara.
Enquanto a mulher deitada na maca pensava no
que lhe havia sido dito, o pai-velho voltou-se para
um dos trabalhadores, que estava iniciando naquele
dia o atendimento nas macas, e lhe disse:

— Antes de tentar qualquer abordagem com o consulente,
meu filho, deve-se fazer uma anamnese
detalhada daquele que busca orientação. Nada de
atendê-lo sem preencher uma ficha com seu histórico,
abordando os problemas tanto de ordem física
quanto emocional, além de dificuldades espirituais
de que eventualmente a pessoa se queixe.
Emocionado pela possibilidade de aprender diretamente
com o pai-velho, Djalma, o novo trabalhador,
falou sensibilizado:
— Há algum motivo para se fazer a anamnese antes
do atendimento?
— Claro, meu filho. E não é só isso. A pessoa que
busca orientação deveria assinar a anamnese. Isso
evita que meus filhos sejam incriminados, caso
260


ocorra alguma coisa fora do esperado. Com o documento
arquivado por vocês, a pessoa não poderá
dizer depois que foi submetida a um procedimento
terapêutico contra a sua vontade. Além disso, nessa
ficha individual teremos o histórico completo
do consulente e o motivo de sua procura por tratamento.
É um procedimento de segurança para vocês,
no plano físico.
"Depois — continuou João Cobú, ainda se dirigindo
a Djalma —, com objetivo de estabelecer ligação
com a realidade energética da pessoa, toque levemente
seu pulso. Nesse toque, procure perceber a
pulsação dela, seu batimento cardíaco. Tal procedimento
é importante para obter sintonia com o ritmo
biológico do indivíduo. Não tenha pressa nesse
momento. Procure adequar sua respiração ao ritmo
respiratório da pessoa."
Pai João induziu Djalma a experimentar esse procedimento
com a pessoa sobre o leito. Djalma concentrou-
se, fechou os olhos, com as duas mãos segurando
o pulso da mulher. Ao lado, outro médium acompanhava
o processo, em oração. Incorporado em seu
médium, João Cobú conduzia tanto o atendimento
quanto o aprendizado do novo trabalhador.

— Lentamente procure sondar o interior da pessoa
e sentir o que ela sente, meu filho.
— Sinto culpa de alguma coisa, meu pai. É como se
261



ela sentisse vergonha de algo que fez...

— Não precisa falar com a consulente, meu filho.
Deixe o bate-papo para outro momento. Por ora,
basta sentir, nada mais. Em seguida, os procedimentos
terapêuticos devem ser indicados, tomando precauções
para evitar o constrangimento da pessoa.
João Cobú assumiu novamente o atendimento da
consulente, conversando com ela:
— Filha, seu caso é essencialmente de educação da
vontade, ou melhor, reeducação de seu espírito. É
necessário que continue o tratamento médico, pois
nós, os espíritos, não viemos substituir a medicina.
Nosso tratamento é complementar.
— Mas eu não quero tomar remédios alopáticos, Pai
João. Eles são prejudiciais para nosso organismo...
— Minha filha — falou o pai-velho pacientemente.
— Mas você usa todo dia alimentos com vários aditivos,
fuma cigarros que contêm inúmeras toxinas,
ingere sua cerveja e outras bebidas mais, cheias
de impurezas e produtos químicos e, apesar disso
tudo, quer me dizer que não usa medicamentos
prescritos pelo médico porque fazem mal?
— É que só gosto de coisas naturais, Pai João...
— Ah! Sei. Como os cigarros que fuma, as bebidas
que engole... Tudo muito natural!
Sem esperar resposta da consulente, o pai-velho
a despediu com o máximo cuidado, evidenciando
262


preocupação com sua saúde:

— Bem, minha filha, façamos assim. Você retorne
ao seu lar e faça muita oração para que possa abrir
sua mente. Depois marque uma consulta com seu
médico. Somente depois que estiver em tratamento
e trouxer sua receita aviada, é que prosseguiremos
com o auxílio terapêutico energético.
A mulher levantou-se da maca, não entendendo o
que o pai-velho queria dela nem como fora liberada
sem receber ajuda.
Voltando-se para o novo trabalhador, João Cobú falou
antes que ele perguntasse:
— Não se assuste, meu filho. Cada um recebe a ajuda
que precisa, e não a que quer. Esta mulher deve
se submeter urgentemente ao tratamento médico.
Ela está desenvolvendo um câncer, embora se recuse
a fazer o que o médico orienta. Se nós a atendermos
aqui, criará ainda maior resistência contra
o tratamento prescrito por seu médico e ficará
abrigando no coração esperanças de que vai se
curar apenas com o tratamento espiritual. Não é
esse nosso objetivo.
— Não podemos fazer nada por ela, meu pai?
— Já fizemos, filho. Mas ela não precisa saber disso.
E terá muito que pensar por estes dias. Só a atenderemos
novamente quando ela se conscientizar de
que precisa da medicina da Terra. Aí entraremos
263



com o complemento. Ainda aí, repare que nego-velho
quer evitar problemas para vocês. Já imaginou
se esta mulher entra numa crise de saúde durante

o atendimento magnético, meu filho? Vocês podem
ser classificados como praticantes de curandeirismo.
Se, por outro lado, estiver sob tratamento médico,
vocês estarão amparados legalmente, segundo
as normas vigentes em seu país. Aí podemos entrar
com uma avaliação energética e o complemento
do tratamento.
Instantes depois, outra pessoa foi conduzida à maca,
após passar pela avaliação dos trabalhadores, realizando-
se a anamnese aconselhada pelo pai-velho.
Conduzida à maca, deitou-se em silêncio, em oração.
O pai-velho aproximou-se, incorporado no
médium, postando-se atrás da cabeça da mulher.
Colocou suas mãos espalmadas sobre os olhos dela,
ao passo que um dos médiuns assistentes auscultava-
lhe através dos pulsos. Música suave envolvia a
atenção da consulente, motivando um estado alterado
de consciência.
Enquanto as mãos do médium de João Cobú permaneciam
sobre a cabeça da mulher, o pai-velho,
em espírito, acoplava instrumentos à forma perispiritual
dela, atuando sobre certos órgãos de seu
psicossoma. Realizava uma cirurgia sem instrumentos
físicos. Rapidamente, produzia reações no
264


corpo dela, através da manipulação fluídica nos
chacras, no cérebro e mesmo na mente. Assim que
fez a sua parte, o pai-velho orientou os dois médiuns
que o auxiliavam:

— Usem do recurso magnético de que são portadores,
meus filhos, e formem um campo abençoado
de energias, de defesa em torno da nossa companheira.
Esse campo de defesa energética deve ser
fortalecido pelo menos uma vez ao mês durante o
processo de tratamento de nossa pupila.
— E quanto aos demais procedimentos, meu pai?
Podemos prescrever algo mais?
Incentivando a participação dos médiuns, de forma
que não se tornassem dependentes dele, Pai
João redarguiu:
— O que vocês prescreveriam, neste caso? Como
agiriam, segundo o que têm aprendido?
— Bem, creio eu que ela precisaria passar por um
tratamento de desintoxicação do duplo etérico e do
corpo físico — respondeu Djalma. — E, para isso,
aconselharia banhos de imersão semanais com o
sumo de algumas ervas.
— E qual erva você empregaria neste caso, meu filho?
— voltou a perguntar o pai-velho.
Olhando para o outro médium, que ficara em silêncio,
Djalma discorreu com uma tranqüilidade de
chamar atenção:
265



— Levando em conta a característica de certas ervas,
eu indicaria arruda, levante e pinhão. Acho que
serão suficientes para a desintoxicação. Porém, depois
que tomar pelo menos três banhos de imersão,
poderíamos acrescentar ainda dois ingredientes.
Quem sabe o manjericão e a camomila como chás?
Afinal de contas, ela precisa trabalhar emoções que
favoreçam sua recuperação.
— Pois bem, meu filho — observou o pai-velho, sorridente.
— Então faça o que tiver de ser feito. Mas
não se esqueça do principal.
— Posso falar, meu pai? — interrompeu o outro
médium, que até ali se mantivera calado.
— Não precisa pedir licença, meu filho. Estamos no
trabalho como auxiliares do Cristo.
— Acho que o principal seria motivar uma reflexão
sobre o que levou esta enfermidade a se desenvolver.
Talvez lhe seja benéfico ouvir palestras em nossa
tenda ou em algum outro lugar e refletir bastante
para evitar que a enfermidade volte a se manifestar.
Enfim, mudança de atitude.
Dando-se por satisfeito com seus dois colaboradores,
João Cobú terminou o atendimento:
— Isso mesmo! Fico contente que estejam estudando
as lições que temos compartilhado em nosso remanso
de paz. Creio que não dependem de eu estar
incorporado para prosseguirem no atendimento.
266


Ambos os médiuns conduziram a mulher ao aposento
anexo, onde ficaria repousando por algum
tempo antes de sair do ambiente, enquanto outra
pessoa era direcionada para a maca, então desocupada.
Assim que se deitou, conduzida por um assistente,
a mulher disparou, pois mal conseguira manter-
se calada até ali:

— Meu marido me deixou, meu pai. Acho que ele
arranjou outra mulher. Aposto que tem feitiçaria,
alguma macumba, na certa. Será que o senhor poderia
me mostrar quem fez esta macumbaria toda
contra mim?
— Minha filha, Deus seja louvado. Aqui nós estamos
atendendo casos de saúde, filha. E como você
nos pediu ajuda para problemas orgânicos, pois reclama
dores fortes em seu fígado...
Interrompendo a entidade, a mulher partiu com
mais pedidos:
— Meu fígado incomoda sim, mas o que eu quero
mesmo é saber quem fez feitiço para tirar meu marido
de mim. Isso me incomoda muito mais!
Mirando, paciente, a pobre mulher, o preto-velho
Pai João de Amanda anunciou:
— Minha filha, é verdade que disponho aqui de
um método para lhe mostrar a pessoa responsável
pela sua infelicidade. Vamos fazer assim: depois
que lhe mostrar, aí a atenderei com o tratamento
267



do fígado. Que acha?

— O senhor pode me mostrar, então? Jura?
— É claro, filha. Basta você se concentrar bastante.
Vamos, levante-se...
Pai João conduziu a mulher para um cômodo próximo
na companhia dos dois trabalhadores, que
não entendiam nada do que o pai-velho pretendia.
Afinal, sua atitude não era nada ortodoxa.
— Feche bem os olhos e faça uma oração, que é para
você ter forças para ficar frente a frente com a pessoa
que está fazendo feitiçaria contra você. E somente
abra os olhos quando eu lhe indicar o momento.
Enquanto a mulher rezava um Pai-Nosso, o pai-velho
a conduziu a um canto da sala.
— Respire fundo agora e prepare-se para ver a pessoa
que está destruindo sua vida e seu casamento.
Agora abra seus olhos.
Antes de abrir, a mulher pensava em vingar-se da
pessoa que tirara seu marido. Quando abriu os
olhos, viu-se refletida no espelho à sua frente.
— O que o senhor quer dizer com isso? Não entendi...
— balbuciou a mulher.
— Veja por si só, minha filha. Esta é a pessoa que está
fazendo feitiços contra você. Esta que está refletida
no espelho é a responsável por sua infelicidade.
Concedendo um pouco de tempo para a mulher
pensar, o pai-velho continuou a usar da técnica de
268


choque que empregava na terapia daquele dia:

— Imagine se fosse você o homem na situação. Seja
sincera, minha filha. Será que você se apaixonaria
por isto que vê aí no espelho? Será que morreria de
amores por esta figura, que reflete desleixo e falta
de amor próprio, deixando os cabelos por arrumar,
as roupas com evidente sinal de descaso e a pele
sem o mínimo cuidado? Será que algum homem
seria feliz ao lado de alguém que já perdeu o gosto
por si mesma?
As ponderações do pai-velho fizeram a mulher
chorar copiosamente, pois o que via no espelho era
o mais puro retrato do desleixo, de alguém que não
dispensava a si mesmo nenhum cuidado; que não
se amava, enfim. João Cobú deixou que as lágrimas
fizessem seu papel de lavar a alma daquela mulher,
provocando um choque de emoções que seria muito
benéfico para sua auto-estima.
— Pois é, filha. Esta aí é a responsável por seu casamento
não dar certo. Esta mulher que você vê aí
não lhe tirou seu marido, ela o deu de presente para
outra. Agora que você conhece quem é a autora de
sua infelicidade, que tal tomar algumas providências?
Que tal um servicinho, um trabalho que lhe
faça recuperar a vontade de viver, a estima e quem
sabe até seu marido?
Enxugando as lágrimas copiosas, a mulher indagou
269



do pai-velho:

— Como posso reverter a situação, meu pai? Que
posso fazer para recuperar meu amor?
— Primeiro, filha, você terá de aprender a se amar
mais. Veja o reflexo no espelho sem sentir piedade
de si mesma. Olhe o que precisa mudar. Dê um
jeito no cabelo, modifique sua postura; arrume-se,
mulher! — exclamou o pai-velho, enfático. — Você
está viva! Precisa reagir e dar mais valor a si mesma.
Quem poderá gostar de você, filha, se você estampa
na própria feição o desleixo e o desgosto que
sente consigo mesma?
Vendo que a mulher reagia a suas palavras, conduziu-
a novamente para a maca e deixou-a sob os cuidados
dos demais médiuns para os procedimentos
necessários à sua saúde física. Para alguns, o remédio
amargo funciona. Para outros, outros medicamentos
apropriados.
O pai-velho passou a um cômodo diferente para
continuar o atendimento a seus consulentes. Como
sempre, Pai João fora original em seus apontamentos,
sem passar a mão na cabeça de ninguém, visando
acima de tudo ao aprendizado de quem o procurava.
O líder espiritual daquela comunidade trabalhava
conforme sua proposta espiritual, e não segundo
o que as pessoas esperavam dele. Era questão
de coerência, nada mais.
270


desafortunados. Afinal, percebera que os mais desesperados
é que recorriam a milagres e promessas
e que estes estavam dispostos a dar qualquer quantia
para se ver livres dos problemas que os atormentavam.
Era mais conhecida como Mãe Otília. Morava
num sobrado imponente, mantido pelo segundo
marido. O primeiro morrera de doença grave após
envolver-se com elementos criminosos.
Quanto à sua mediunidade, realmente apresentava
fenômenos reais, uma produção mediúnica verdadeira;
todavia, sem qualquer comprometimento
com a ética, o bem ou a humanidade. Os espíritos
que a orientavam não se cansavam de enviar mensagens,
aguardando que ela pudesse, algum dia,
despertar a consciência para as responsabilidades
com sua tarefa mediúnica. Porém, o dinheiro vinha
em primeiro lugar.
Certo dia, uma de suas filhas-de-santo a procurou,
e Otília foi logo insinuando:


— Você precisa se preparar para ser minha supervisora
no terreiro. Vejo que seu futuro, Ângela, é muito
promissor. Os guias disseram que devo fazer seu
preparo na próxima Lua cheia.
Otília precisava de dinheiro para concluir a compra
de um sítio. Seu plano era obtê-lo a partir da fé das
pessoas mais chegadas.
— Você prepara um cabrito, sete frangos, e me traz,
274


além disso, sete velas de sete dias.

— Então serei sua supervisora aqui na tenda após a
preparação?
— É isso que os guias disseram. Mas tudo tem seu
tempo. Primeiro, a preparação no cemitério, com
os compadres, depois com os santos, e, mais tarde,
veremos o que os guias terão a dizer. Você sabe que,
para ficar à frente de um trabalho como este, precisa
ser preparada nas sete linhas.
— Eu sei, madrinha. Sei que nossa seita é muito séria
— assim pensava e acreditava Ângela.
— Então providencie logo o material e não se esqueça
de trazer o dinheiro dos compadres.
— Que dinheiro, madrinha? — indagou Angela, surpresa,
sem saber o que viria depois.
— Ora, você não sabe que temos de pagar os compadres
das encruzilhadas para você ser aceita e respeitada?
É uma forma de retribuição por tudo que
eles têm feito em sua vida. Eu também tive de pagar,
e muito, pois assim eles provaram minha fé.
— Mas como funciona isso, madrinha?
— Antes de fazer sua iniciação, você tem de provar
sua fé nos compadres da esquerda. Funciona assim:
traga R$7.000,00 que a gente vai na "encruza", à
meia-noite, e coloca tudo num alguidar com pólvora
dentro. Assim que a gente despachar, se o dinheiro
pegar fogo junto com a pólvora, é sinal de que os
275



compadres lhe aceitaram. Se não queimar, então a
gente pode pegá-lo de volta e você pode desistir. Se
eles aceitarem, a gente passa para a segunda etapa,
que exigirá muito mais fé de sua parte; uma entrega
total ao poder dos espíritos.

— Não sei como conseguir tanto dinheiro, madrinha,
mas se a senhora diz que é para eu ser aceita
pelo povo da "encruza", então vou ver se tomo
emprestado. Quem sabe o Manoel, meu marido, me
ajuda nisso?
— Pois é, filha, você sabe que eu te amo muito e tem
conhecimento de como é importante para o futuro
dos trabalhos. Acho que será uma futura chefe de
terreiro. Vejo isso em seus olhos.
— Você acha, madrinha?
— É claro! Tenho certeza, aliás. Já olhei isso em minhas
rezas e senti sua força vir ao meu encontro.
— Verei o que posso fazer a respeito, madrinha. Vou
tomar emprestado um pouco do Manoel e a outra
parte verei como conseguir.
— Ah! Mas não se esqueça do cabrito, das galinhas
e das velas. Serão usados depois, em outro preparo.
Ângela saiu cheia de esperanças e com a fé muito
mais reforçada em sua madrinha ou suposta
mãe-de-santo. Ela simplesmente não fazia idéia de
como conseguir tanto dinheiro, mas sabia que daria
um jeito.
276


Mal Angela cruzara os umbrais da porta, Otília se
pôs a conversar com o marido:

— Sei que teremos o dinheiro que nos falta. Conversei
com Ângela e ela acreditou que vou fazer sua
preparação no cemitério. Pedi os R$7.000,00 e estou
crente que ela vai conseguir. Façamos o seguinte.
Lembra aquele golpe que aprendemos com Eliana?
— Claro que me lembro, mas você pretende aplicar
o mesmo golpe em Ângela? Afinal, ela é mulher de
um grande amigo nosso.
— Que importa? Precisamos do dinheiro, e ela o trará
até nós. Pronto! Vamos testar com ela tudo que
aprendemos. Vou com Ângela lá para Várzea Grande,
mas você irá antes num outro carro. Assim que eu
colocar o dinheiro no alguidar e cantar para os compadres,
me afasto um pouco, ficando de costas para o
local onde depositamos o dinheiro e a pólvora...
Assim que Ângela conseguiu o dinheiro, não se sabe
como nem com quem, foi atrás da madrinha Otília,
como ela e outras filhas-de-santo chamavam a mulher
que as (des)orientava. À noite, as duas foram
ao local previamente combinado e, para dar um ar
de maior seriedade ao procedimento, Otília arrumou-
se com uma capa negra sobre um vestido vermelho.
Era o capeta em pessoa. Feia, de uma feiúra
de dar dó, a mulher sabia fazer-se respeitar ou temer,
como diriam seus seguidores.
277



Ângela trajava um manto azul escuro, conforme
Otília exigira, e se preparavam para o ritual que
pretendiam realizar. A médium proferiu palavras
incompreensíveis para Angela e cantou algumas
músicas exóticas, formando um quadro estranho,
tão místico e irreal parecia. Estavam próximas a
algumas árvores onde pretendiam depositar o dinheiro
trazido por Ângela, que, crédula ao extremo,
entregou-se por completo aos excessos e às barbaridades
cometidas por Otília em nome da pseudo-
religião que professava.
Tão logo as duas depositaram o dinheiro, como sinônimo
da fé de Ângela, afastaram-se lentamente,
entoando os cânticos exóticos que, de tão exóticos,
eram incompreensíveis. Algo que beirava o ridículo,
não fosse a fé da mulher que se entregara ao domínio
de Otília. Deram alguns passos, viraram-se de costas
e colocaram-se a uma distância segura do lugar.
Ângela tinha o coração palpitante pela expectativa de
ser recebida pelos compadres da encruzilhada, conforme
lhe fora dito pela médium em que confiava.
Com o intuito de envolver o feito numa atmosfera

o mais enigmática e misteriosa possível, Otília cobriu
a cabeça com o manto negro que trazia sobre
os ombros e pediu a Ângela que fizesse o mesmo.
Enquanto ambas encenavam a pantomima de um
ritual nada sagrado, Marcelo, o marido de Otília,
278


aproximou-se do local onde estavam depositados
os maços de notas junto com a pólvora e retirou o
dinheiro de dentro do alguidar. Em seu lugar, colocou
pedaços de jornal previamente rasgados e atiçou
fogo à pólvora por meio de um pavio. Correu
exatamente no momento em que o rastro do pavio
se consumia.
Quando as duas ouviram o barulho da pólvora crepitando,
Angela, toda satisfeita, comentou com sua
madrinha:


— Acho que fui aceita pelos compadres!...
— É, minha filha. Eu disse que você tinha jeito pra
ser chefe de terreiro ou não disse? Vamos embora.
Sem dar tempo para Ângela fazer novos comentários,
a médium perguntou:
— E os animais, as velas que lhe pedi? Você trouxe?
— Ah! Madrinha. Você nem imagina como fizemos
para conseguir tudo. Sabe aquele carro velho que
meu marido usava para trabalhar? Pois é, convenci
Manoel a vendê-lo, e, como o dinheiro ainda era
pouco, peguei o que a gente estava ajuntando na
poupança para nossa filha mais velha ir à capital
fazer vestibular... Deu para comprar tudinho. O cabrito
será entregue ainda amanhã.
É claro que Angela não conseguiria chegar à posição
prometida de madrinha da comunidade. Ao
menos, não apenas com aquele serviço. O caminho
279



era longo e teria de aguardar até ajuntar mais algum
dinheiro para a segunda obrigação, segundo
explicara Otília.

— Madrinha, madrinha — chamou Vera, uma das
afilhadas ou filhas-de-santo de Otília. — Tem uma
mulher aí dizendo que quer falar com a senhora.
— Mande esperar, que estou fazendo um processo
espiritual... Estou em contato com os guias! — gritou
Otília, do segundo andar de seu sobrado, para
a afilhada, que estava no térreo, atendendo alguém
no portão.
— Ah! Meu Deus, que chatice dessa crioula, que fica
o tempo todo no meu pé, incomodando...
— É mais um freguês, Otília — declarou o marido,
de onde estava. — Quem sabe você poderá ter alguma
intuição de seus guias tão bondosos?
Os dois entreolharam-se e acabaram rindo um do
outro, soltando uma gargalhada maliciosa, sem que
isso diminuísse a chateação de Otília por ser interrompida
no "processo espiritual" em que estava altamente
envolvida — com um copo de uísque na
mão, que bebia junto ao parceiro.
Desceu as escadarias uma hora e meia depois, deixando
a pobre mulher aguardando no sol, sem sequer
deixá-la entrar.
— A senhora é a D. Otília? Disseram-me que atende
280


todos os dias.

— Sou eu mesma, querida. Venha! Entre e sintase
à vontade. Eu estava em contato com os espíritos,
estava rezando... Você sabe, para ter acesso ao
mundo dos espíritos a gente tem que se dedicar
muito. Passo muitas horas do dia em oração, só eu
e os espíritos.
— Preciso da senhora com urgência. Quanto a senhora
cobra para a gente saber das coisas, das mandingas
que fizeram pra nós?
A mulher estava apavorada. Queria a todo custo
consultar-se com Otília, que aproveitou a situação
para, uma vez mais, explorar a fé ingênua de alguém
em desespero.
— Bem, minha filha. Aqui não se cobra nada, apenas
incentivamos as pessoas a deixar algum dinheiro
para manter o serviço do santo. Você sabe: da tranqueira
a velas, defumadores, banhos, bebidas etc. É
muita despesa. Dessa forma, estabeleci que as pessoas
que nos procuram devem deixar pelo menos...
— e mencionou uma quantia nada simbólica.
— Estou desesperada, minha mãe — principiou a
mulher. — Perdi quase todo o meu investimento
num negócio que faliu e hoje eu sei que tem coisa
feita contra mim. Só pode ser isso. Tentei de tudo,
mas nada, nada deu certo. Quero saber como fazer
pra descobrir quem fez o feitiço que destruiu mi281




nha vida e a de meus filhos. Pago qualquer coisa.

— Você está disposta a saber tudo mesmo? Olha
que tem gente que não está preparada para saber
de certas coisas...
— Eu pago o que puder pra desmanchar o que fizeram.
Até meu marido parece que está se afastando
de mim. Como deixar as coisas degringolando assim,
sem tentar desmanchar?
— Então seu marido já está desse jeito, afastando-
se de você?
— Ele quase não conversa mais comigo! Está calado,
ensimesmado. Aposto que tem outra na jogada.
— Faz isso, mulher — aproveitou Otília. — Traz pra
mim um lenço branco virgem e uma rosa vermelha.
Vou mostrar a você quem está fazendo feitiço contra
sua vida. Me traga também um papel virgem,
branco, que nunca foi usado. Compre um novinho,
de preferência na sexta-feira... Ah! Uma vela também,
me traga uma vela branca. Assim que você tiver
tudo, me telefone e marcaremos um dia para eu
lhe mostrar o que está acontecendo.
A pobre mulher, desesperada, aceitou a proposta
indecorosa de Otília. Saiu à procura dos apetrechos
encomendados.
Durante a semana, Otília preparou uma folha branca,
onde escreveu um nome qualquer com uma
vela, de modo que a parafina ficasse invisível, per282



ceptível apenas ao tato.
Alguns dias depois, quando retornou Isabella, a mulher
que viera se consultar, Otília a recebeu à noite.
Pediu que ficasse quieta, sem falar nada. Pegou o material,
a vela branca, acendeu-a em frente a Isabella
e riscou um círculo no chão, fazendo com que a mulher
se postasse dentro dele. Quanto à rosa vermelha,
enrolou-a no lenço virgem e entregou-a a Isabella,
que deveria permanecer com os olhos bem abertos
durante o processo, para ver que Otília não estava
fazendo nada errado e que ela era uma pessoa que
cumpria o prometido. A rosa deveria ficar intocada
em poder de Isabella ao longo de uma semana, quando
deveria abrir o lenço e ver o que havia dentro.
Segurou a folha de papel que Isabella trouxera e
pronunciou algumas palavras cabalísticas, enquanto
a mulher crédula observava tudo. Queimou o papel
com a chama da vela e esfregou o resíduo nas
próprias mãos. Com as cinzas nas mãos, passou-as
sobre a outra folha, previamente preparada, com
a inscrição em parafina. A mulher não poderia ver
nada, pois a parafina era transparente. Assim que a
mão suja de Otília percorreu o papel, as cinzas aderiram
à parafina, grudando nas letras escritas, invisíveis
aos olhos de Isabella. E a mulher, atônita,
quase não acreditava que vira um nome aparecer
diante de si, grafado com as cinzas do papel quei


283



mado, como que por mágica.

— É um nome?! Que está escrito aí?
Com um ar de seriedade, circunspecta, Otília declarou,
num tom de voz quase incompreensível:
— É o nome da mulher com quem seu marido está
lhe traindo. Os espíritos mostraram que esta mulher
é quem está fazendo o feitiço contra você.
Isabella pôs-se a chorar copiosamente. Ela sabia —
aliás, já desconfiava de que houvesse algo errado.
Agora, tinha certeza.
— Vou lhe dar mais uma semana — prosseguiu a
feiticeira de araque. — Quando você trouxer o lenço
com a rosa vermelha dentro, veremos o que esta
mulher está tramando contra você.
— Mas eu quero saber agora. Tenho de saber!
— Não se apresse. Deixe aqui a vela queimando
até o fim, que os espíritos vão cuidar do seu caso.
Quando você trouxer o lenço (não o desenrole antes
de uma semana!), então saberemos o que a maldita
amante do seu marido está tramando contra
você e sua família.
Nem é preciso dizer que a semana de Isabella transcorreu
entre tantas dores e conflitos que mal conseguiu
pronunciar algumas palavras com o marido
e os filhos. A semana passava vagarosamente, enquanto
ela vigiava vez ou outra o lenço, sem ter coragem
para abri-lo. Por alguma razão estranha, des284



conhecida, parecia que aos poucos surgiam manchas
vermelhas em seu exterior. Como ela já esperava
alguma coisa de anormal, de ruim, sua mente
arquitetou toda a trama, sem precisar que Otília fizesse
muito mais.
Na sexta-feira seguinte, retornou à casa da médium
inescrupulosa, quase à beira de um ataque. Otília a
recebeu com um suspiro fundo. Tomou o lenço em
suas mãos sem que nenhuma palavra fosse proferida
por Isabella, que trazia os olhos fundos, devido
às noites e noites em claro. A mulher estava dilacerada,
e sua mente, fervilhando com mil idéias.
Abrindo o lenço que outrora fora branco, Otília,
sem nenhum pudor, mostrou-o a Isabella:

— Veja o sangue! Estão querendo sua morte e de
seus filhos.
Os soluços de Isabella foram ouvidos fora do aposento
onde estavam as duas.
— Você precisa fazer um trabalho enquanto há
tempo. Vamos, mulher — saiu com Isabella pela
porta, ao mesmo passo em que deitava o lenço fora.
— Você precisa ser levada com urgência para fazer
um descarrego. Vou ver o que posso fazer por você.
— Me ajude, pelo amor de Deus, Mãe Otília! Eu
não agüento mais, minha mãe. Desfaz este feitiço,
pelo amor de Deus!!
Otília ria intimamente. Ela tinha agora a pobre mulher
285



nas mãos. Afinal, trabalhara com as próprias crenças
de Isabella. Não fizera nada mais que realçar em sua
mente aquilo em que ela já acreditava e os fatos de
que suspeitava. Apenas isso. Pura hipnose.
É claro que engodos dessa natureza não teriam sido
eficazes com pessoas acostumadas a raciocinar,
questionar ou a usar mais o intelecto e o bom senso.
Entretanto, com aqueles desesperados — sempre os
há —, com os desiludidos, místicos e crédulos sem
limites, a forma como Otília elaborava seus planos
era perfeita para envolvê-los, ganhar sua confiança
e enredá-los em seus golpes.
Como os casos de Ângela e Isabella, muitos e muitos
outros embustes foram patrocinados pela irresponsabilidade
de Otília, que, pouco a pouco, já não
sentia mais o vigor de outrora. O tempo passava, e
ano após ano, década após década ela foi aproveitando-
se da fé alheia. Complicou-se espiritualmente
a tal ponto que o próprio marido a deixou, assim
que se fartou das suas perversidades. Ela não era
mais a mulher de antes. Odiada, sozinha, já não dormia
como em outras épocas. Lentamente, o tempo
trouxe em seus braços uma enfermidade que a medicina
não pôde diagnosticar.
Otília desencarnou em situação lamentável. Sobre

o leito, com o corpo em putrefação longa e dolorosa,
gradativamente via a vida esvair-se, em meio a
286


odores fétidos e ao abandono. Enquanto definhava,
vozes, gritos e gemidos a atormentavam, escutados
por ela nos últimos momentos, num recanto precário
de um hospital público.
Despertou no mundo extrafísico em triste situação.
"Miserável! Vampira! Ladra!"... Eram as palavras
mais amenas que ouvia repercutirem incessantemente
em sua mente. Rolava pelo solo astral sem
destino, como que açoitada por um forte vendaval,
que ignorava de onde partia.
Foi assim que, certo dia, aconchegou-se em alguém
que vinha andando pela rua. Não sabia precisar
quando se sentira tão bem na presença de quem
quer que seja. Sentia-se acolhida; era um calor agradável
que irradiava da aura da pessoa, a qual Otília
nem conseguia ver quem era. Seus olhos ainda estavam
nublados; não divisava muita coisa da paisagem
extrafísica. Precisava prolongar a sensação de
alívio provocada pelo ato de grudar-se àquele sujeito,
fosse quem fosse. Dali não sairia.
Ouvia gargalhadas. Ela própria gargalhava, nervosa,
à medida que rasgava suas roupas continuamente,
feito louca, ensandecida numa roda-viva de cobranças
que partiam de sua própria consciência.

Rafael passeava noutras bandas. Em seus pensamentos,
um só objetivo: ser médium, ser reconhe


287



cido como médium, ser respeitado ou — quem sabe,
até? — ser obedecido como médium. Há alguns anos
Rafael freqüentava centros espíritas, casas de umbanda,
roças de candomblé. Mas em vão. Ninguém

o considerava médium. Teriam alguma coisa contra
ele? Queria ver espírito, falar com espírito ou ao
menos que acreditassem que ele era alguém que entra
em contato com os habitantes do outro mundo.
Crédulo, místico, facilmente persuadido e influenciável,
usufruía sempre da companhia de uma amiga
com quem conversava, trocava impressões, dizendo-
se portador de mediunidade. Vez ou outra
fazia algum curso de conteúdo místico, aprendera a
dar passes, ministrar reiki, mas... nada. Não conseguia
ser levado a sério, considerado sensitivo, situação
a que aspirava ardentemente.
De repente, no meio da rua, sua imaginação fértil,
aliada à extrema impressionabilidade, fazia com
que pensasse estar vendo espíritos. Alguma emoção
mais forte, fruto também de sua sensibilidade,
fazia-o sentir-se possuído, quase incorporado por
uma entidade do Além. A despeito de todos esses
acontecimentos, em nenhum centro o aceitavam
como médium. Será que estavam dificultando sua
carreira mediúnica? — pensava. Ou seria tudo fruto
de um desejo de chamar a atenção para si, sentir-
se respeitado, causando impressão sobre os de288



mais, destacando-se perante a comunidade em que
vivia? De qualquer maneira, Rafael tinha de manter
a postura de sensitivo. Sentia-se menosprezado, é
verdade; não obstante, seria médium. "Custe o que
custar", convencia-se.
Foi num dia desses, em que se sentia mais fragilizado
em suas emoções, mais rejeitado por aqueles
diante dos quais queria apresentar-se como médium,
que resolveu valer-se de outros recursos: fingir
que "recebia". Tinha que receber espírito de
qualquer jeito! Mentalmente chamou, implorou,
evocou qualquer espírito, na ânsia de ser possuído,
incorporado, invadido; qualquer coisa, mas precisava
"receber" de todo jeito.
Nesse estado de espírito, nessa evocação mental e
emocional foi que atraiu para perto de si o espírito
de Otília, aos farrapos. Em algum momento dos
clamores do rapaz, ela captou o chamado, sentiu-se
atraída, aconchegou-se à aura de Rafael. E teve início
o rebuliço. O conteúdo emocional e as imagens
da aura de Otília foram sendo absorvidos pouco a
pouco por Rafael, que começou a se sentir inquieto,
incomodado, muito mais rejeitado e incompreendido
que antes. Ele se sentia assim, ofendido — embora
não soubesse por quê. E que Otília estava imersa
em seus pensamentos, imiscuída em suas reflexões,
ligada intimamente a sua aura. A invasora passou a

289



alimentar-se do rapaz, à proporção que crescia seu
desejo de atuar na mediunidade de qualquer jeito,
a qualquer preço. E custou caro. O preço alto quem
cobrou foi Otília, desencarnada; sem escrúpulos,
sem limites.
A vida de Rafael começou a se despedaçar, como se
se fragmentasse toda, pois suas conquistas até ali,
duramente colecionadas, começaram a se desmoronar.
Seu castelo pessoal, suas emoções começaram
a ser controladas pelo espírito, pela consciência
intrusa.
Em curto espaço de tempo, o rapaz começou a desenvolver
tiques nervosos. Agigantou-se seu desespero
para ser tomado por médium e começou
a fazer previsões como se houvera tido visões. A
família logo ficou atenta aos sinais cada vez mais
evidentes de psicose apresentados por ele. Falava
sozinho, principalmente quando percebia que havia
alguém observando-o. Tinha de ser considerado
sensitivo, queria ser respeitado como tal. Falava
aos ventos quando entrava no ônibus, na esperança
de que alguém lhe perguntasse com quem dialogava.
Otília sentia-se completa, embora faminta de
energias, de fluidos. Ela agora manipulava a mente
do rapaz, que lhe sofria a influência. Ele abordava
desconhecidos, na rua, e os amigos especialmente,
atestando ver vultos perto de cada um deles: espíri


290


tos de amigos, familiares. Perdera o senso de limites,
o domínio de si. A família logo o internou, a fim
de que recebesse tratamento psiquiátrico. Otília
sentia-se mais e mais lúcida, participava dos dois
lados da vida: da vida de Rafael e da própria desgraça
post-mortem.
Levando em conta o estado grave que o acometia, a
mãe de Rafael procurou a tenda de Pai João como
último recurso. Foi onde encontrou um pouco de
segurança, de conforto, de esperança, enfim.

— O caso é complicado, filha. Nosso menino precisa
mesmo de tratamento médico; no entanto, podemos
ver o que se passa em seu psiquismo, pois ele
entrou numa espécie de simbiose com um espírito.
O caso é para a gira dos caboclos. Vou acompanhar
pessoalmente e prometo cuidar com enorme carinho
do seu filho — assegurou João Cobú.
— Nem sei o que dizer, meu pai — retornou Joana,
a mãe de Rafael. — Já procurei todo tipo de ajuda,
inclusive uma seção de descarrego, numa igreja
evangélica.
— Como seu filho está internado, você se ofereceria
como elemento de ligação entre ele e nós, para que
possamos auxiliá-lo?
— Faço tudo que puder pelo meu filho, meu pai. Ele
está num estado deplorável, parece louco, e está sob
efeito de drogas por um longo período de tempo.
291



— Vejamos, filha, vejamos o que se pode fazer. Enquanto
isso, oremos, minha filha, rogando ao Alto
os recursos da misericórdia divina.
Imediatamente, João Cobú convocou os médiuns,
que se reuniram num círculo em torno da mãe que
buscava socorro. Dois deles sentaram-se em poltronas
confortáveis, para auxiliar, desdobrados. Assim
que João Cobú sinalizou, um dos trabalhadores
utilizou a técnica do pulso magnético com passes
longitudinais, desligando a dupla de seus corpos.
Eram eles Tobias e Djalma; este agora acompanhava
o amigo em desdobramento, para o aprendizado
na esfera extrafísica.
Assim que os dois médiuns deixaram o corpo,
Ferreira se apresentou a ambos. Uma vez mais, o
guardião acompanharia os médiuns daquele recanto
de trabalho fraterno em suas investigações
no plano astral.
A pedido de João Cobú, dirigiram-se ao hospital
onde Rafael estava internado. Enquanto isso, a
mãe do rapaz orava fervorosamente, no círculo de
médiuns, que estavam vibrando, formando defesas
energéticas em torno de Joana, pois ela atuava
como ponte energética e emocional com o filho.
O hospital parecia ser bem assessorado por habitantes
da esfera extrafísica. Assim que os sensitivos
chegaram, junto com o guardião, procuraram a aju292



da de um dos responsáveis pela instituição.

— Vimos a pedido de nossos orientadores a fim de
auxiliar o rapaz que está no 3o andar, leito 35 — informou
o guardião ao espírito que estava de plantão
naquela noite.
— Sei de quem se trata — respondeu o responsável
pela ala onde estava Rafael. — É um caso gravíssimo.
Infelizmente, não dispomos das ferramentas
para interceder em seu favor de modo mais intenso.
O rapaz está sendo vampirizado por alguém que,
com certeza, convive com ele em processo simbiótico.
Aqui não temos condições de desligar a entidade
hostil. Como se não bastasse, a mulher que vive
nesta associação doentia com Rafael está também
drenando fluidos de outros pacientes. Desde que o
rapaz aqui chegou, os demais internos da ala onde
se encontram pioraram visivelmente.
Respirando fundo, mostrando alívio pela ação da
Providência, o espírito desabafou:
— Graças a Deus que vocês vieram! Precisava ser
feito algo com urgência.
A entidade responsável pela guarda do local conduziu
o guardião e os dois médiuns até o quarto onde
Rafael se encontrava. Os enviados em desdobramento
ficaram assombrados com o que viram.
Otília, completamente deformada, estava sobre o
leito de outro doente como um fantasma, emitindo
293



sons incompreensíveis. Fluidos com aparência de
névoa pareciam envolver o rosto da mulher vampira,
que salivava sobre a cabeça de um paciente.
Não obstante, permanecia ligada a Rafael por alguns
fios de parca luminosidade, de tal sorte que,
ao mesmo tempo em que se debruçava sobre o leito
de outra pessoa, mantinha o rapaz sob seu controle
emocional e mental. Rafael vivia um pesadelo
mais ou menos constante. Repleto de fluidos perniciosos
e malsãos, o quarto também abrigava outros
espíritos de vibração inferior. Eram os comparsas e
carrascos de Otília, alguns dos quais cobrando dela

o tributo de sangue, as juras feitas em nome deles
para suas vítimas encarnadas, e alguns, ainda, prometendo
desforra, tão logo pudessem se apossar da
mulher-espírito-fantasma. A cena lembrava um filme
de terror. Djalma ficou algo ensimesmado com
a situação, pois era a primeira vez que, desdobrado,
se encontrava frente a frente com um caso envolvendo
uma feiticeira e o vampirismo extrafísico.
— Tranqüilize-se, Djalma — falou Tobias para o
amigo. — Ferreira sabe como lidar com esta situação.
Mantenha-se em oração.
Os dois médiuns oraram juntos, mas parecia que as
orações espontâneas não surtiam nenhum efeito no
fantasma. Enquanto isso, Ferreira requisitou mais
dois guardiões, que o auxiliaram a limpar o ambien294



te. As entidades que cobravam vingança contra Otília
afastaram-se, temerosas, ao ver a imponência do
guardião e dos demais seres que atenderam a seu
chamado. Eram espíritos que traziam estampadas
na roupagem fluídica a imagem de caboclos, imponentes,
de cuja aura irradiavam energias de dimensões
superiores. Aqueles que desejavam a desforra
contra a mulher bateram em retirada, conservando-
se, porém, a uma distância que julgavam segura.
Um dos caboclos — Guaraci — aproximou-se de
Rafael com alguns extratos fluídicos de ervas, colocando-
os bem próximo a seu nariz, para que aspirasse
o perfume. O rapaz adormeceu logo em seguida.
No entanto, acordou na dimensão extrafísica
assustado, esboçando reação de pânico ao perceber
os espíritos ao seu lado.

— Socorro, socorro! — gritava o moço, desdobrado
no plano astral. — São fantasmas! Pelo amor de
Deus, me socorram...
Observando a reação inusitada de Rafael, Guaraci
chamou a atenção do guardião:
— Curioso o modo como reage à nossa presença.
Queria tanto ser médium, quando no corpo advogava
o direito de ver espíritos, conversar com espíritos,
mas do lado de cá, em nosso plano, morre de
pânico ao nos registrar a presença.
— E isso porque ele ainda não viu Otília! — acres295




centou Ferreira.

— Vamos conduzi-lo até João Cobú — tornou o
caboclo. — Ele deverá receber ajuda direta através
de um dos médiuns. Enquanto isso, veja o que
pode fazer com relação a Otília.
A reação da mulher desencarnada não foi muito diferente
da de Rafael, ao se desdobrar na dimensão
astral. Ao divisar Ferreira e os dois médiuns, começou
a berrar, deixando perceber a baba, uma espécie
de gosma que lhe caía da boca sobre o leito onde
se encontrava o paciente de quem roubava energias.
Esbugalhou os olhos de tal maneira que sua aparência,
que já refletia algo quase inumano, pareceu
ainda mais macabra e deformada. Neste momento,
aproveitando o susto da mulher vampira, Ferreira
apontou para Tobias e Djalma e pediu-lhes:
— Trabalhem com as crenças dela. Rezem uma daquelas
orações fortes!
— Já estamos em oração, mas não vimos nenhum
efeito sobre ela.
— Embora tenha usado mal o escasso conhecimento
que tinha sobre mediunidade, Otília acreditava
firmemente no poder das rezas. Portanto, rezem a
oração de São Jorge. É o caso de usarmos aquilo em
que ela acredita. Precisam envolvê-la com a imagem
que ela traz na memória espiritual.
Assim que entenderam o que o guardião queria di296



zer, Djalma e Tobias levantaram as mãos espalmadas
em direção a Otília, que a esta altura se mostrava
completamente tresloucada, correndo de um
lado para outro no quarto. A dupla rezou:

— Chagas abertas, sagrado coração, todo amor e
bondade. O sangue do meu Senhor Jesus Cristo
no corpo meu se derrame hoje e sempre. Andarei
vestido e armado com as armas de Jorge. Para que
meus inimigos, tendo pés, não me alcancem; mãos
tendo, não me peguem; olhos tendo, não me vejam
e nem pensamentos eles possam ter para me fazerem
mal. Armas de fogo o meu corpo não alcançarão;
facas e lanças se quebrem sem o meu corpo tocar;
cordas e correntes se arrebentem sem o meu
corpo amarrar.
À medida que rezavam e pronunciavam cada termo
vigorosamente, mentalizando cada palavra e seu
significado ou simbolismo, o gesto surtia efeito sobre
o espírito dementado. Otília parou, de repente,
gritando, espumando:
— Eu conheço essa reza, eu conheço...
Começou a rodar em torno de si mesma, como se
fosse um peão. Girava cada vez mais rápido, roncando,
grasnando como louca. Ao passo que rodopiava,
vomitava e expelia fluidos nauseabundos, e
estes se transformavam em fios que se enroscavam,
envolvendo seu corpo espiritual. Ao cabo de alguns
297



minutos, ela parecia uma múmia, envolta numa matéria
do plano extrafísico que se assemelhava a cordões,
alguns até lembravam panos velhos, rasgados,
rotos, que impediam qualquer movimento da parte
dela. Caiu ao chão do hospital como um casulo,
através do qual só se percebiam os sons incompreensíveis
que pronunciava, até calar-se por completo,
imóvel.

— Ela é nossa! — irrompeu a voz de um espírito
que adentrou o ambiente. Alto, esguio, portando-se
com extrema elegância, porém com uma tez sombria,
olhos fundos e negros.
Os dois médiuns miraram o ser diferente, estranho,
que inspirava, contudo, certo respeito. Ferreira
já conhecia o representante de determinada
falange de espíritos reconhecida e temida nas regiões
inferiores:
— Você vem em nome de quem, e o que o traz aqui?
— indagou o guardião.
— Estávamos observando esta mulher há muito
tempo. Somos os representantes da justiça no mundo.
Sou um dos juristas e advogo em favor daqueles
que foram enganados e cujos nomes foram usados
por esta mulher para defraudar, roubar e mentir
durante a maior parte de sua existência. Ela se
serviu de nomes que merecem veneração, não respeitou
os fundamentos sagrados dos seres que tra298



balham na subcrosta; em suma: subornou, mentiu,
enganou. Ela deve ser levada aos tribunais do submundo
para responder pelos seus atos.

— Mas ela própria se condenou. Veja o estado em
que imergiu. Sua consciência a julgou e agora se
encontra em animação suspensa, prisioneira dos
próprios pesadelos que criou para si mesma — asseverou
Ferreira.
— Isso não a isenta de ser julgada pelo tribunal da
inquisição do mundo inferior. De forma alguma ela
escapará de enfrentar a justiça.
— Mas ela está sob nossa guarda; ela colocou-se sob
a nossa proteção. Como você pretende subtraí-la de
nossa influência?
— Engana-se, guardião. Sei do seu trabalho e respeito
os fundamentos de seus superiores, assim como
eles respeitam os nossos. Mas aqui não é você nem
eu quem decidimos. Ela própria arbitrou seu futuro
quando enveredou pelo caminho do engano, da
fraude e da mistificação. Há pouco, quando se entregou
à culpa e envolveu-se nos fluidos perniciosos
de seus próprios delitos, fechando-se no casulo
de autopunições, já se declarou culpada, e perante
a justiça e seus emissários ela deve comparecer.
Terá de prestar contas, explicar-se, apresentar suas
credenciais e responder pelos seus atos.
Ferreira fechou os olhos, tentando tatear a mente
299



da mulher, auscultando seu interior, trancafiado no
casulo de fluidos grosseiros.

— Veja, guardião, que a mente da vampira está fechada
a qualquer ajuda de sua parte. Não há como
levá-la para a sua dimensão. A culpa a colocou em
nossas mãos. Mas não se preocupe, pois somos apenas
juízes, e não algozes. Queremos apenas que ela
meça a dimensão real de seus atos, que sinta o tamanho
dos crimes que cometeu. No mais, não impingiremos
nenhum castigo além daquele que ela
forja para si mesma.
Enquanto o guardião sondava o interior de Otília,
tentando obter algum dado a respeito de sua situação
interna, ouvia, na intimidade, a voz de João
Cobú a instruí-lo:
— Vá com ele, meu filho. Vá e fique perto de Otília.
Não a deixe sozinha. Não podemos violentar a realidade
espiritual dela, é verdade, uma vez que ainda
não nos pediu ajuda. Porém, quando despertar, devemos
estar a postos, junto dela.
Abrindo os olhos, Ferreira disse para o jurista:
— Que assim seja. Não posso mesmo interferir no li-
vre-arbítrio de Otília. Ela fechou-se por completo na
culpa e na punição. Tenho uma condição, contudo.
— Fale, guardião, sentinela da misericórdia — pronunciou
o espírito.
— Recebi ordens de meu superior para acompa300



nhar Otília até o seu tribunal. Quero conhecer sua
estrutura, seus métodos e ficar por perto, caso este
espírito necessite de socorro.
Esboçando um sorriso na face até então sisuda, o
espírito do jurista falou:

— A misericórdia divina... Sempre ela. Ao passo que
represento a justiça dos poderosos, você e seus superiores
querem intervir para arrebatar a ré de seu
destino inevitável.
— Absolutamente. Não vou interferir em seu julgamento,
mas quero estar por perto.
— Enfim, não confia em nós, é isso que quer dizer.
Pois bem, concordo com sua condição. Venha.
Falando assim, suspendeu o casulo no qual se envolvera
o espírito vampiro e saiu arrastando-o, seguido
do guardião.
Tobias e Djalma, sem entender muito bem o que se
passava — incluindo o porquê de a mulher haver se
envolvido naquele casulo de fluidos após a reza que
fizeram —, saíram em direção à casa de oração onde
se encontrava João Cobú com os demais médiuns
e Rafael desdobrado. No trajeto, ouviram o pensamento
de Ferreira dentro de sua mente, como num
contato de telepatia:
— Fiquem calmos. Pai João está coordenando tudo,
e ele lhes dará as explicações. Voltem tranqüilos e
orem por mim.
301



Quando os médiuns em projeção extrafísica entraram
no ambiente da casa de caridade onde o pai-
velho atendia, Rafael desdobrado estava incorporado
num dos médiuns, chorando muito. Sua mãe
fora recolhida a outro cômodo, a fim de que não interferisse
emocionalmente no processo. Rafael recebia
o choque anímico através de uma incorporação
parcial num dos médiuns da tenda de Pai João.

— Não estranhem, meus filhos — falou o pai-velho.
— Sei que vocês não estão acostumados a esse tipo
de trabalho. O que acontece aqui é mais conhecido
como comunicação entre vivos, ou seja, acoplamos
a um dos nossos médiuns o espírito de alguém que
está desdobrado, sendo ainda detentor de corpo físico.
Através desse tipo de atendimento, em que lidamos
com o conteúdo anímico do sujeito, acessamos
as matrizes da memória espiritual de Rafael.
Temos, assim, condições de agir mais intensamente
em seus conteúdos traumáticos e extratos de
outras vidas, conseqüentemente trabalhando por
seu reequilíbrio.
Enquanto observavam o fenômeno a partir da esfera
extrafísica, os dois médiuns questionaram o
pai-velho:
— E como ficará este caso, Pai João? Parece que Otília
foi levada para um tipo de tribunal de justiça das
regiões inferiores...
302


— Não se preocupem, filhos. Otília só está respondendo
à sua própria consciência pelos males que
fez no corpo e fora dele. Nosso guardião ficará a
postos a fim de socorrê-la, tão logo ela desperte e
peça ajuda. Quanto a Rafael, alcançará relativa melhora;
no entanto, precisará de acompanhamento
com um bom terapeuta, a fim de educar emoções
e pensamentos. Depende dele, a partir de hoje, encurtar
o tempo de sua melhora. O que pudemos fazer,
fizemos. Sem que ele queira, não podemos interferir
mais. Não há como ajudar quem não pede
nem quer ajuda. Façamos a nossa parte e confiemos
em Deus, aprendendo a maior lição que a mediunidade
traz para todos nós: com coisa séria não
se brinca. Mediunidade é coisa santa, e temos de vivê-
la santamente.
Pai João encerrou os atendimentos naquela noite,
mas muitas outras noites e outros dias se seguiram,
nos quais o espírito que trazia a vestimenta do pai-
velho expressava seu conhecimento para aqueles
que queriam aprender.
Quem tem olhos de ver, que veja. Quem tem ouvidos
de ouvir, que ouça.
303





 

Corpo Fechado


Livro Digitalizado:  Fernando José dos Santos
Revisado por: André Luiz de Menezes

Sinopse                                                               

Vidas que se cruzam, perdidas em diferentes objetivos. O universo dos pretos-velhos, da sabedoria das ervas e das energias sutis da natureza. Mentes abertas, corpos fechados. Chagas abertas, Sagrado Coração, todo amor e bondade. O sangue do meu Senhor Jesus Cristo no corpo...





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Muita paz !

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