quinta-feira, 10 de abril de 2014 By: Fred

{clube-do-e-livro} LIVRO: AS VIDAS SUCESSIVAS - ALBERT DE ROCHAS TXT

Albert de Rochas
As Vidas Sucessivas



O escaravelho, inseto sagrado para os egípcios, que nos remete a essa
imagem cíclica de
Imortalidade.

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Conteúdo resumido

Este livro é um marco na história das pesquisas psíquicas. Foi a partir dos
estudos de Albert de Rochas, aqui relatados, que a reencarnação começou a


ser considerada lei natural, cientificamente demonstrável, em vez de crença de
caráter religioso ou preceito ocultista.
Como tantos outros achados intelectuais, também este foi aparentemente
suscitado pelo acaso, no correr de experimentações com o magnetismo
realizado pelo coronel, engenheiro, conde e ex-administrador da École
Polytechnique de Paris.
O inesperado aconteceu quando o pesquisador descobriu que certos
procedimentos faziam emergir no paciente as lembranças de passadas
existências. Estava (re)descoberta a regressão de memória, que, segundo
consta, teria sido praticada por iniciados no antigo Egito, em situações
especiais.

Sumário

Apresentação de Hermínio C. Miranda

Prefácio

PRIMEIRA PARTE -Crenças antigas e conceitos modernos

SEGUNDA PARTE -Experiências magnéticas

Capítulo I -O sono magnético e o corpo fluídico

Capítulo II -Regressão da memória e previsão

TERCEIRA PARTE -OS FENÔMENOS ANALOGOS

Capítulo I -O corpo astral

Capítulo II -Regressão de memória observada sob a influência
de um acidente ou no momento da morte

Capítulo III -Recordações de vidas anteriores

Capítulo IV -Observações relativas à visão do passado e do
futuro sob a influência do magnetismo ou de uma preparação
especial

Capítulo V -Reencarnações previstas e efetuadas

Capítulo VI -A premonição


Capítulo VII -A fatalidade e o livre-arbítrio

QUARTA PARTE -Objeções e Hipóteses

Capítulo I -As mudanças de personalidade
Capítulo II -O caso de Mireille
Capítulo III -O caso da senhorita Smith
Capítulo IV -Excursão nos domínios do espiritismo
Capítulo V -A evolução da alma
Capítulo VI -A religião do futuro

CONCLUSÕES


Apresentação de Hermínio C. Miranda

Este livro é um clássico, uma referência, na longa busca de
melhor entendimento do ser humano e das leis que regem sua
interação com as pessoas, os fenômenos e eventos que se
desdobrara à sua volta, mas, principalmente, dentro daquilo que
nos acostumamos a chamar de mente. Em suma, sua interação
com a vida, nisso incluído, obviamente, o universo em que vive.

Foi a partir dele, ainda na década de 60 do século passado,
que encetei os estudos que me levariam à elaboração de a
memória e o tempo na segunda metade da década de 70 e
publicado no início dos anos 80.


Garimpei o original francês que deu origem a esta tradução,
num sebo, como de tantas outras vezes, em momento feliz, por
se tratar de edição raríssima de 1911.

Logo na primeira leitura, senti considerável impacto. Quanto
mais o lia, relia e aprofundava a meditação sobre o seu
conteúdo, mais impressionado ficava. Agradava-me a
abordagem sensata e inteligente do autor, emoldurada por
inesperada humildade intelectual em cientista daquele porte.

De Rochas se punha como atento e curioso pesquisador,
disposto a aprender com os fatos, era vez de tentar enquadrá-los
em rígido contexto de modelos preconcebidos, atitude comum
àquele tempo, como ainda hoje, de parte dos que não se sentem
encorajados e nem preparados para mudar e, por conseguinte, a
progredir galgando patamares reais elevados de conhecimento.

Sua postura era, pois, despreconceituosa e atenta, mas
aberta.

Outra coisa: o ilustrado coronel, engenheiro e conde não
pretenderam considerar suas reflexões como última palavra a ser
religiosamente acatada pelos que o lessem. Ao contrário,
atribuiu ao seu trabalho a modesta condição de um conjunto de
documentos preliminares para estudo da questão, ao indicar a
necessidade de pesquisas mais amplas e profundas que dessem
continuidade à sua tarefa.

Seu livro, contudo, e muito mais que uma dissertarão
primária.

De Rochas relata suas experiências, oferece conclusões
sobre o que testemunhou e levanta aspectos inusitados da mente
para os quais ainda não dispunha de explicações que
satisfizessem seus critérios pessoais, ainda que apontando em
determinada direção. Em outras palavras -não dogmatiza.

Ademais, ao empreender seus estudos entre o final do século
19 e início do século 20, não partiu de premissas propostas pelo


espiritismo, cuja doutrina se achava, àquela época, bastante
difundida ali mesmo, na França.

De início, estranhei esse procedimento. Hoje, entendo-o
como opção válida e medida de prudência destinada a preservar
a isenção necessária ao trabalho em que se empenhava. Se ele
partisse de conceitos doutrinários espíritas, caracterizando-se
como militante do movimento que se expandia, seus estudos
ficariam certamente expostos à rejeição liminar por parte das
correntes intelectuais da época, dominadas por pensadores de
formação nitidamente materialista ou positivista. Como ocorreu
e ocorreria a tantos outros mais tarde.

Em nota de rodapé, ele explica que não cuidava
especificamente de espiritismo, por entender que disso
ocupavam-se outros estudiosos. Sem ignorar ou negar os
postulados espíritas -alude com respeito e admiração à obra de
Leon Denis, por exemplo-, limitava-se a aspectos científicos
que, direta ou indiretamente, acabaram resultando em valioso
suporte à inteligente doutrina dos espíritos.

Realmente, ao estampar na reencarnação a marca
autenticadora da ciência, seu estudo, mesmo preliminar, como
ele o entendia, legitimava a realidade espiritual, tal como figura
nos livros básicos de Allan Kardec.

Tenho insistido reiteradamente em meus escritos em que
essa realidade, fundamental ao entendimento da vida, é
insuscetível de esquartejamento. Estamos aqui diante de um
bloco inteiriço de conceitos solidamente colados uns nos outros.

No meu entender, a reencarnação é o cimento que mantém
inseparáveis tais componentes é que, demonstrada como está há
-a legitimidade da reencarnação, os demais aspectos exigem
automática integração no modelo em que não admite se ignorar,
no mínimo, a preexistência e a sobrevivência do ser a morte
corporal.


Por outro lado, de Rochas por em evidencia relevantes
aspectos colaterais como a lei de causa e efeito, e, portanto, o
mecanismo da evolução do ser rumo à perfeição e, a esse
conceito, sublinhando-o de modo sutil, mas dramático, a
verdade subjacente ele um claro componente ético necessário ao
funcionamento daquele mecanismo. Deixou, ainda, informações
do mesmo nível de importância acerca das faculdades
mediúnicas e, portanto, do intercâmbio entre vivos e mortos.
Nota-se, no desenrolar de suas experiências, a presença de
entidades desencarnadas, bem como a evidência de um espaço
cósmico invisível aos nossos sentidos habituais, onde vivem,
sofrem, amam, odeiam, aprendem e se reciclam os seres
espirituais entre uma vida e outra na terra.

Do que se conclui que, a despeito de não se caracterizar
como texto doutrinário espírita, seu valioso trabalho oferece
firme suporte aos ensinamentos e conteúdos dos livros básicos
da Codificação.

Além disso, de Rochas deixou significativa contribuição ao
estudo da própria memória, em sua interação com o tempo.
Conceitos como o de inconsciente -que começavam a emergir
na época encontram nos seus trabalhos, tanto quanto na doutrina
dos espíritos, encaixes precisos e espaço próprio, como procurei
demonstrar em Alquimia da mente.

Que eu saiba, foi ele quem primeiro colocou de maneira
transparente a possibilidade de explorações no futuro, tanto
quanto no passado do ser humano. Aparentemente
inconclusivas, suas progressões (mergulho na memória futura)
deixaram vestígios importantes de uma realidade que somente
cerca de um século mais tarde seria retomada para reais
profundas explorações, como se podem conferir nos escritos da
doutora Helen Wambach e de outros estudiosos como Chet
Snow.


Por tudo isso, os textos de Rochas -e este livro não é o
único a solicitar nossa atenção -merecem atenção, respeito e
admiração.

Parabéns a Lachâtre por resgatar reais este importante
depoimento cientifico de um injusto e demorado esquecimento

Hermínio C. Miranda
Outubro de 2002.

Prefácio

A imortalidade da alma foi, em todos os tempos, assunto das
meditações dos filósofos e a maioria das religiões afirmaram-na,
invocando a existência de um paraíso e de um inferno; porém, a
questão das vidas sucessivas não surgiu senão no espírito
daqueles que, não se contentando com uma fé cega e simplista,
procuraram quais seriam as condições mais equitáveis para
recompensar e para punir, na eternidade, as boas ou as más
ações cometidas durante o tempo infinitamente curto que é a
vida terrestre. Reproduzimos, na primeira parte deste livro,
alguns dos conceitos que nos pareceram mais significativos,
assim como um resumo de certas crenças antigas.

Aos conceitos precedentes vieram somar-se, na época atual,
experiências e observações que, sem resolverem definitivamente

o problema, trazem, no entanto, elementos de informação de
grande importância. Expomo-las nas segunda e terceira partes
deste livro. A segunda é consagrada à descrição detalhada de
experiências, aparentemente bastante convincentes, mas que não
são, na realidade, senão material no estado bruto; caberá ao
futuro discernir a parcela de verdade que elas contem. Esta
operação será, sem dúvida, facilitada pelo estudo dos fenômenos

análogos, porém menos característicos, que constituem o objeto
da terceira parte.

Na quarta parte, enfim, procuramos esclarecer essas
manifestações onde o verdadeiro e o falso parece confundir-se.
Se ainda não reconhecemos as leis que regem destinos que mal
começam a serem explorados, isto não as impede de existirem,
assim como a incoerência aparente do movimento dos planetas
não os impedia de obedecerem às leis de Kepler antes de estas
serem formuladas. Passaram-se muitos séculos até que um
homem suspeitasse das forças implícitas que o vapor e a
eletricidade poderiam fornecer-lhe. Como admirar-nos-íamos
por ainda não sabermos nos servir de maneira segura das forças
psíquicas, de manejo infinitamente mais delicado por serem
forças vivas?

Primeira Parte

Crenças antigas e conceitos modernos

Os egípcios

Num artigo publicado em 1° de fevereiro de 1895 pela
Revue des Deux Mondes, o senhor Edouard Schuré estudou as
crenças egípcias relativas à outra vida.

Após a morte, a alma seria atraída para o alto por Hermes,
seu gênio-guia, e retida no mundo terrestre por sua sombra,
ainda ligada ao corpo material.

Se ela se decide a seguir Hermes, chega ao limite do mundo
sublunar ou amenti, limite chamado muralha de ferro. A saída
desse mundo é vigiada por espíritos elementares, cuja fluidez


pode fazê-los representar-se sob todas as formas animais, que
investem tanto contra o homem vivo que deseje penetrar o
invisível pela magia quanto contra a alma defunta que deseje
sair do amenti para entrar na região celeste. Estes guardiões são
representados na mitologia egípcia pelos cinocéfalos, sendo
Anúbis, com cabeça de chacal, seu chefe; na mitologia grega o
equivalente é Cérbero.

Quando a alma transpõe o amenti, adquire a recordação
completa de suas vidas precedentes, a qual havia retornado
apenas parcialmente em sua saída do corpo. Vê, então, suas
faltas passadas e, iluminada pela experiência, volta para a esfera
de atração da Terra. Aqueles que se endureceram no mal e
perderam todo o sentido da verdade mataram neles próprios até
mesmo a ultima recordação da vida celeste: romperam o laço
com o espírito divino, pronunciaram o seu próprio
aniquilamento, isto é, a dispersão de sua consciência nos
elementos. Aqueles em quem o desejo do bem subsiste, porém
dominado pelo real, condenaram-se a uma nova e mais árdua
encarnação. Aqueles, ao contrário, em quem o amor à verdade e
a vontade do bem elevaram-no acima dos baixos instintos estão
aptos para a viagem celeste, apesar de seus erros e suas faltas
passageiras. Nestes, então, o espírito divino recolhe tudo o que
há de puro e de imortal adquirido nas experiências terrestre da
alma, enquanto que todo o falso, o impuro e o perecível
dissolvem-se no amenti com a sombra vã.

Assim a alma, através de uma prova e de encarnações
destrói-se ou imortaliza-se: facultivamente.

Os caldeus

A civilização caldéia é talvez mais antiga do que a egípcia.
Os magos admitiam que a alma evoluía por uma ascensão
contínua em direção à perfeição. Primeiro inconsciente, ela


atravessava sucessivamente todos os reinos da natureza antes de
chegar ao mundo da humanidade, onde aparece com faculdades
intelectuais que adquiriu pouco a pouco no decorrer de suas
existências passadas. Ela é destinada a ainda desenvolver-se e a
experimentar milhares de degraus de inteligências mais
elevadas.

Durante o período humano as almas encarnadas são guiadas
por férouers almas dos defuntos notáveis por suas virtudes;
quando encarnada, em cada alma se cria um envoltório mais ou
menos sutil, reais ou menos luminoso, segundo suas ações,
chamado kerdar-(é o karma dos hindus). Em cada existência
ela, esquece as anteriores, porem conserva seu kerdar com as
faculdades adquiridas. Quando chega, após uma série de
encarnações, a um grau suficiente de pureza, não reais reencarna
e seu kerdar; tornado ferouer; recorda-se de todas as suas
existências precedentes.

Os hindus

No Bhagavad-Gita, ou O canto do bem aventurado, que se
supõe ter sido composto aproximadamente no século X A.C. o
príncipe Arjuna, já quase travando unta batalha, reconhece no
exército inimigos parentes que ama e, como fica esmagado de
dor ao pensar que, na luta, poderia matá-los, Krishna o consola,
revelando a doutrina das transmigrações:

Esses corpos perecíveis são animados por uma alma eterna
indestrutível. Aquele que crê possa ela ser morta ou reatar
enganar-se. Aquele que penetrou o segredo de meu nascimento e
de minha obra divina não mais retorna a um novo nascimento;
ao deixar seu corpo, retorna a mim. Tive muitos nascimentos,
assim como tu também, Arjuna eu os recordo a todos, porém tu
os ignoras.


Os hindus acreditam que as vidas sucessivas criam na alma
um envoltório chamado Karma que se modifica para melhor ou
pior, segundo todas as boas ou más ações praticadas.

Os gauleses

Na Guerra das Gálias (t. VI), Júlio César diz, referindo-se
aos gauleses:

In primis hoc volunt persuadere nom interire animas sed ab
aliis post mortem ad alios transite putant. (1)

(1) Querem, sobretudo persuadir de que as almas não morrem, mas
passam depois da morte, de uns para outros corpos.
Platão
Das Leis

É preciso crer nos legisladores, nas tradições antigas e,
particularmente no que diz respeito à alma, quando nos dizem
que ela é totalmente distinta do corpo e que é ela o nosso eu que
nosso corpo é apenas uma espécie de fantasma que nos segue;
que o eu dos homens é verdadeiramente imortal; que é o que
chamamos de alma, que prestará contas aos deuses, corro ensina
a lei do país, o que é tanto consolador para o justo quanto
terrível para o mal.

Não cremos, pois, que essa massa de carne que enterramos
seja o homem, uma vez que sabemos que este filho, este irmão
etc., realmente partiu para um outro local após haver terminado

o que tinha a fazer aqui. Isto é verdadeiro, embora para prová-lo
seja necessária longa argumentação; e é preciso crer nestas
coisas sobre a fé dos legisladores e das tradições antigas, a
menos que se tenha perdido a razão.
Cartas


Certamente se deve sempre crer na antiga e sagrada tradição
que nos ensina ser a alma imortal e que, depois de sua separação
do corpo, um juiz inexorável inflige-lhe os suplícios merecidos.

Fédon (Diálogo entre Sócrates e Cebes)

É opinião bastante antiga, diz Sócrates, que as almas ao
deixarem este mundo vão para o hades e que de lá voltam a este
mundo e retornam à vida, após terem passado pela morte. Se
assim é e se os homens, após a morte, voltam à vida, segure-se
necessariamente que as almas vão para o Hades durante este
intervalo, pois não voltariam ao mundo se não mais existissem;
e isto será uma prova suficiente se enxergarmos claramente que
os vivos não nascem senão dos mortos.

Apolônio de Tiana

Ninguém morre, assim como ninguém nasce, senão
aparentemente. Com efeito, a passagem da essência à substância
é o que se chama nascer; e o que se chama morrer é, ao
contrário, a passagem da substância à essência. Nada nasce e
nada morre na realidade, porém tudo no princípio torna-se
visível para, em seguida, tornar-se invisível; o primeiro efeito é
produzido pela densidade da matéria; o segundo, pela sutileza da
essência, que permanece sempre a mesma, porem encontra-se,
ora em movimento, ora eras repouso. Ela possui uma
propriedade intrínseca em sua mudança de estado; esta não
provém do exterior: o todo se subdivide em partes ou as partes
reúnem-se cria um todo; o conjunto é sempre único. Alguém
talvez pergunte: como é possível alguma coisa ser ora visível,
ora invisível, e compor-se dos mesmos elementos ou de
elementos diferentes?


Pode-se responder: tal é a natureza das coisas aqui cria
nosso mundo; quando concentradas, são visíveis devido à
resistência de sua massa; quando, ao contrário, encontram-se
dispersas, sua sutileza as torna invisíveis. A matéria encontra-se
necessariamente concentrada ou dispersa fora do vaso eterno
que a contém, entretanto, ela não nasce nem morre. Os pais são

o meio e não a causa do nascimento dos filhos, assim como a
terra permite que as plantas saiam de seu seio e, no entanto, não
as produz. Não são os indivíduos visíveis que se modificam, é a
substância universal que se modifica cria cada una deles.
Jâmblico
(Tratado dos Mistérios Egípcios. Seção IV, capítulo 4)

A justiça de Deus não é absolutamente a justiça dos homens.
O homem define a justiça a partir das relações existentes em sua
vida atual e de seu estado presente; Deus a define relativamente
a nossas existências sucessivas e à universalidade de nossas
vidas. Assim, as penas que nos afligem são freqüentemente os
castigos de um pecado cometido por nossa alma em vida
anterior Algumas vezes Deus nos esconde a razão desses
castigos, porém não devemos duvidar de sua justiça.

Cícero
(Palavras ditas pelo velho Catão no Tratado da velhice)

Quanto à origem eterna das almas, não vejo como é possível
disto duvidar, uma vez que é verdadeira que os homens vem ao
mundo munidos de grande quantidade de conhecimentos. Ora,
uma grande prova de que assim o é está na faculdade e na
prontidão com que as crianças aprendem as artes bastante
difíceis em que há uma infinidade de coisas a compreender, o
que nos permite crer que estas não lhe são novas, e que,


ensinando-lhes, apenas reavivamos sua memória. É o que nos
ensina nosso divino Platão.

Jamais nos persuadirão, meu caro Cipião, de que nem vosso
pai Paulo Emílio, nem vossos dois ancestrais Paulo e Cipião, o
Africano, nem o pai deste, nem seu tio, nem tantos outros
grandes homens, que não é necessário enumerar, teriam
empreendido tantas grandes coisas cuja memória a posteridade
conservaria, se não tivesse entrevisto claramente que o futuro,
até mesmo o mais distante, concernir-lhes-ia tanto quanto o
presente. E para vangloriar-se também, segundo o costume dos
anciãos, credes que eu teria trabalhado noite e dia, como fiz, na
guerra e na República, se a glória de meus trabalhos fosse
terminar junto com a minha vida? Teria eu, incomparavelmente,
melhor feito se a tivesse passado repousando, sem prender-se a
nenhum tipo de compromisso? Porém minha alma, elevando-se
de algum modo acima do tempo que tenho para viver, sempre
estendeu seus olhos até a posteridade, e sempre achei que
seria,após o fim desta vida mortal que eu estaria ainda mais
vivo. E assina que todos os grandes homens pensam; e, se a
alma não fosse imortal, eles não fariam tantos esforços para
alcançar a imortalidade.

Virgílio -(Discurso de Anquises a seu filho Enéias que o
encontra nos Campos Elíseos) e lhe pergunta quem são as almas
que vê errarem a seu redor (Eneida, livro VI) (2).

Meu filho, diz o velho, vês aqui aparecerem

Aqueles que em outros corpos devera um dia renascer,

Porém, antes da outra vida, antes de seus penosos labores,

Procurara as impassíveis águas do Letes.(3).

E no longo sono das paixões humanas,

Bebem o feliz esquecimento de seus primeiros amargores

– Ó meu pai, é verdade que, em novos corpos,

De sua prisão grosseira uma vez desprendida,

A alma, esse fogo tão puro, queira de novo mergulhar?

Ela não mais se recorda de suas longas dores?

Todo o Letes pode às suas infelicidades bastar?

-Um Deus para o Letes conduz todas as almas;

Elas bebem suas águas e o esquecimento de seus males

As empenha a retornarem sob novos laços.

(2) Nota da tradutora: tendo sido esta tradução feita já a partir de
outra, francesa, toda a melodia do poema foi prejudicada no intuito de
podermos conservar o máximo de fidelidade ao texto: "Mon fils, dit lê
vieillard, tu vois ici paraître / Ceux qui dans d'autres corps doivent um
jour renaîlde, / Mais avant l'autre vie, avant sés dirs travaux, / Ils
cherchent du Léthe lês impassibles eaux, / Et dans lê long sommeil dês
passions humaines, / Boivent i'heureux oubli de leurs premieres peines... /
-O mon pére, est-il vrai que dans des corps nouveaux, / De as prison
grossière une fois dégagée, / L' ame, ce feu si pur, veuille être replomgée
/ Ne lui souvient-il plus de sés longues douleurs? / Tout lê Léthe peut-il
suffire á sés malheurs? / Um dieu lê Léthé conduit toutes lês ames; / Elles
boivent son onde, et l' oubli de leur maux / Lês engage à rentrer dans dês
liens nouvaux"
(3) Nota da tradutora: O Letes, segundo a mitologia clássica, é "um
dos rios dos infernos, cujo nome significa esquecimento; as sombras
bebiam as suas águas, antes de voltarem à nova vida, para esquecerem
completamente o passado".
Porfírio

A alma não se encontra jamais despojada de algum corpo;
um corpo mais ou menos puro a ela está sempre ligado,
adaptado a seu estado do momento. Porém, tão logo ela
abandona o corpo terrestre e grosseiro, o corpo espiritual, que
lhe serve de veículo, parte necessariamente contaminado e
espesso pelos vapores e exalações do primeiro. Purificando-se a


alma progressivamente, este corpo torna-se, com o tempo, um
puro esplendor que nenhuma névoa obscurece ou mancha.

Os hebreus

O Talmude diz que a alma de Abel passou para o corpo de
Set e depois para o de Moisés.

Acrescenta o Zohar:

Todas as almas são submetidas às provas da transmigração.
Os homens desconheceram a vontade do alto com relação a eles.
Ignoram por quantos sofrimentos e transformações misteriosas
devera passar e quão numerosos são os espíritos que, vindo a
este mundo, não retornam ao palácio de seu divino rei. As almas
devem por fim, novamente imergir na substância de onde
saíram; entretanto, antes desse momento, já devem ter
desenvolvido até o mais alto grau todas as virtudes cujo germe
nelas encontra-se latente; se esta condição não é realizada em
uma única existência, devera as almas renascer até que tenham
atingido o grau de desenvolvimento que torna possível sua
absorção era Deus.

As encarnações, de acordo com a cabala, ocorrem com
longos intervalos entre si; as almas esquecem inteiramente o
passado e, longe de constituírem uma punição por suas faltas, os
renascimentos são uma bênção que permite aos homens
purificarem-se.

(Doutor Pascal. A Reencarnação)

Os Evangelhos

Mateus 17,9-13; Marcos 9,9-13:

É verdade que Elias deve retornar e restabelecer todas as
coisas; porém vos declaro que Elias já veio e eles não o
reconheceram e o trataram como lhes aprouve. Assim também


farão sofrer o Filho do homem. Então seus discípulos
compreenderam que foi de João Batista que Jesus lhes fala.

Mateus 16,13-20; Marcos 8,27-30; Lucas 9,18-21:

E aconteceu que, um dia, orava ele em local retirado e seus
discípulos com ele estavam; interrogou-os dizendo: -O povo,
quem diz ele que sou? Eles lhe responderam: -Uns dizem João
Batista, outros Elias, e outros algum velho profeta ressuscitado.
E ele lhes perguntou: -E vós, querer dizeis que sou? Simão
Pedro, respondendo, disse: -O Cristo de Deus. Então ele os
proibiu expressamente de dizê-lo a alguém.

João 3,1-3:

Havia um homem entre os fariseus, chamado Nicodemos,
senador dos judeus, que veio à noite até Jesus e lhe disse: Mestre,
sabemos que vieste por parte de Deus para instruir-nos
como um doutor; pois ninguém poderá realizar os milagres que
realizas se Deus não estiver consigo. Jesus respondeu-lhe: -Em
verdade te digo: ninguém pode alcançar o reino de Deus se não
nascer de novo.

Leon Denis
(Os Pais da Igreja)

Os primeiros pais da igreja e, dentre todos, Orígenes e
Clemente de Alexandria, pronunciara-se a favor da
transmigração das almas. São Jerônimo e Rufino (Carta a
Anastácio) afirmam que esse conceito era ensinado como
verdade tradicional a um certo número de iniciados.

Em sua obra capital, Dos princípios, livro I, Orígenes revisa
os numerosos argumentos que mostram serem a preexistência e
a sobrevivência das almas em outros corpos o corretivo
necessário à desigualdade das condições humanas. Ele se


interroga qual é a totalidade das etapas percorridas por sua alma
em suas peregrinações através do infinito, quais os progressos
alcançados era cada uma dessas etapas, as circunstancias dessa
imensa viagem e a natureza particular de cada estágio.

São Gregório de Nice diz que necessidade natural de a alma
imortal ser curada e purificada e que, se ela não o for em sua
vida terrestre, a cura operar-se-á nas vidas futuras e
subseqüentes.

Todavia esta alta doutrina não podia conciliar-se com certos
dogmas e artigos de fé, armas poderosas para a igreja, tais como
a predestinação, as penas eternas e o juízo final. Com ela, o
catolicismo teve de ceder mais amplo espaço à liberdade do
espírito humano, chamado em suas vidas sucessivas a elevar-se
por seus próprios esforços e não apenas por do graça do alto.

Do mesmo modo constituiu um ato de inúmeras
conseqüências funestas a condenação dos conceitos de Orígenes
e das teorias gnósticas pelo Concílio de Constantinopla de 553.
Ela acarretou o descrédito e a rejeição do princípio das
reencarnações. Vimos edificar-se, então, no lugar de uma
concepção simples e clara sobre o destino, compreensível para
as mais humildes inteligências, conciliando a justiça divina com
a desigualdade das condições e dos sofrimentos humanos, todo
um conjunto de dogmas que lançaram a obscuridade sobre o
problema da vida, revoltaram a razão e, finalmente, afastaram o
homem de Deus.(4)

(4) Le poblème de I' ëtre et de la dêstìné, pág. 366. (Nota da editora:
tradução em português, feita pela Federação Espírita Brasileira, sem
indicar o autor da tradução. Acrescentou ao título a palavra dor: O
problema do ser; do destino e da dor.)
Pezzani.
(Deus, o homem, a humanidade e o progresso)


Segundo as antigas cosmogonias que ensinavam terem sido
os astros criados pela Terra e que, além disso, não havia mais do
que um Deus e anjos, puros espíritos, podia-se concluir que,
após a prova terrestre, tudo estava terminado para o mérito e a
liberdade. Porém, a partir de Copérnico e de Galileu, desde que
soubemos que existe um numero infinito de mundos, não
haveria uma singular estreiteza de visão ao querermos limitar
nossas provas ao enredo miserável e ínfimo da Terra, que não é
senão um de nossos estágios, uma das fases de nossa existência
imortal, e ao nos recusarmos no futuro todo areio de reparação?

Lavater

Os órgãos simplificam-se, adquirem harmonia entre si e
tornara-se reais apropriados à natureza, às características, às
necessidades e às forças da alma, à medida que esta se
concentra, enriquece-se e depura-se aqui neste enredo,
perseguindo um só objetivo e agindo em um sentido
determinado. A alma aperfeiçoa, vivendo sobre a Terra, as
qualidades do corpo espiritual, do veículo no qual continuará a
existir após a morte de seu corpo material e que lhe servirá de
órgão para conceber, sentir e agir em sua nova existência.

(Carta à imperatriz Maria Feodorovna da Rússia. 1° de
agosto de 1798.)

Voltaire

A partir do momento em que se começa a crer que há no
homem um ser absolutamente distinto da máquina e que o
entendimento subsiste após a morte, atribui-se a esse
entendimento um corpo leve, sutil, vaporoso, que se assemelha
ao corpo no qual está alojado. Se a alma de um homem não
tivesse forma semelhante à que possuía durante a vida, não se


poderia distinguir, após a morte, a alma de dois homens
diferentes. Essa alma essa sombra que subsiste desligada de seu
corpo material pode muito bem mostrar-se em dados momentos,
rever os locais que havia habitado, visitar seus parentes, seus
amigos, falar-lhes, instruí-los: não há era nada disto nenhuma
incompatibilidade. O que existe pode fazer-se perceber.

(5) Dictionaries Philosophique. "Magie, oracles".
Jean Reynaud
(Terra e céu)

Quando pensamos nas magníficas luzes que o conhecimento
das existências anteriores espalharia, tanto sobre as coisas
relativas à nossa vida atual na Terra, quanto sobre as esperanças
relativas do céu, que impressionante sintonia a falta de memória
nos mostra da imperfeição de nossa constituição psicológica de
hoje! Não vemos de onde partimos, da mesma forma como não
vemos para onde somos conduzidos; sabemos apenas que
viemos cá de baixo e que vamos para o alto, e não nos é preciso
mais para nos interessarmos por nós e para sabermos que
substância somos.

Porém quem ousaria assegurar que nosso ser não encerra em
suas profundezas algo com que iluminar algum dia todos os
espaços sucessivamente atravessados por nós desde nossa
primeira hora? Não sabemos, pela própria experiência desta
vida, que recordações que nos pareciam absolutamente
esquecidas reavivam-se às vezes e devolvem-nos de repente um
passado que acreditávamos apagados para sempre nos abismos
do esquecimento?

A surpreendente faculdade que é chamado memória é pois
de natureza a guardar no fundo de nós mesmos, sem nosso
concurso, impressões que, por ter momentaneamente cessado de
surgir a nossos chamados, continuaras no entanto a fazer parte


de nosso domínio aonde permaneceram adormecidas; e, por
conseguinte então, por que não ocorreria o mesmo com sua ação
no que se refere aos acontecimentos que precederam o período
atual de nossa existência, como ocorre abertamente com sua
ação concernente a tantos outros eventos registrados enquanto
vivos e cujos vestígios versos uns dia, após longos isolamentos,
voltarem de tempos em tempos? Não sereis vós quem negará
que esta faculdade seja puramente espiritual, uma vez que não
tendes nenhuma dificuldade em prolongá-la, seta distinção, para
todas as almas, desta vida até a seguinte; e se ela constitui, com
efeito, coeso não se pode contestar uma das propriedades mais
essenciais do espírito, como poderia ela experimentar da morte
alguma impressão radical? Sua imortalidade a garante. O golpe
do trespasse pode muito bem perturbá-la, porém da mesma
forma como um golpe de ar perturba a limpidez da atmosfera
que outro golpe de ar restabelece.

Aliás, se nosso progresso na beatitude não consiste
simplesmente em uma admissão a mundos melhores, mais,
acima de tudo, no desenvolvimento das altas faculdades
inerentes às nossas pessoas, como o poder de nossa memória
não estaria destinado a crescer ao mesmo tempo em que todos os
outros poderes de que também gozamos, atualmente, segundo o
modo imperfeito que convéns a terra? E, se este poder
aumentar, não devemos crer que chegará cedo ou tarde à energia
necessária para retomar as impressões bastante delicadas e
bastante longínquas, para não ficarem desproporcionadas a seuestado de hoje? É do que não duvido; e o que acaba por dar, a
meu ver, toda firmeza a tal esperança é pensar que não
poderíamos alcançar nossa coroação sem que as recordações
colocadas em reserva no fundo de nossa memória fossem com
efeito retomadas, pois seria possuirmo-nos imperfeitamente ou
não possuirmos completamente nossa história. Para gozarmos
nossa imortalidade em plena luz, é preciso que saibamos quem


somos e é a contemplação de nosso passado que no-lo ensina; e
esta contemplação faz até mais, pois é ela que, por comparação,
faz-nos provar nossa beatitude em toda a sua extensão,
mostrando-nos, ao lado do que somos, o que nosso ser foi.

Se fossem examinados todos os homens que passaram sobre
a Terra desde que a era das religiões sábias se iniciou, ver-se-ia
que a grande maioria viveu na consciência mais ou menos
estacionária de uma existência prolongada por vias invisíveis,
aquém como alem dos limites desta vida. Há aí, como efeito,
uma espécie de simetria tão lógica que deve ter seduzido as
imaginações à primeira vista: o passado equilibra-se com o
futuro, e o presente não é senão o eixo de ligação entre o que
não é mais e o que não é ainda.

Rauch
(A alma e o princípio vital)

Em que momento a alma é criada? Apenas três hipóteses são
possíveis: l°, a alma é criada ao mesmo tempo em que o ser; 2°,
ela é criada na eternidade; 3°, Em uma época intermediária entre
as duas precedentes.

É difícil admitir que a alma seja criada ao mesmo tempo em
que o ser humano ao qual é destinada, pois que então seria
impossível explicar a diferença de condição moral existente
entre os homens. De onde viriam, com efeito, as qualidades que
diferenciaria a alma de uns homens da de outro e que criam toda
à distância entre homens virtuoso e um celerado capaz de todos
os crimes. Diferença de conformação craniana, responde a
antropologia criminalista. Porém minha razão insurge-se contra
esta doutrina que tende a rebaixar o ser humano ao nível do
animal, sujeitando-o a obedecer simplesmente aos impulsos do
instinto; o que quer que digam, sinto firmemente em mim uma
consciência que é livre para escolher e uma vontade que me


permite determinar-me pelo bem ou pelo mal. O mal não é fatal,
e a prova é que a criminalidade aumenta à medida que o temor
salutar da repressão diminui. Uma vez que todas as almas saem
da mão de Deus em estado de igualdade inicial, se a alma fosse
criada ao mesmo tempo em que o ser, haveria de ser necessário
que todos os homens fossem iguais em valor moral, ao mesmo
no momento de seu nascimento. Ora, não é absolutamente
assim; na idade em que a criatura não pôde ainda fazer nem o
bem nem o mal, nem receber nenhuma influência do mundo
exterior, ela acusa as qualidades e as taras que já estão em si:
certas crianças são viciosas, outras possuem sentimentos de
retidão e de honestidade, e o meio no qual nasceram e foram
criadas nem sempre é suficiente para explicar estas variações.
Desde o início da vida, percebe-se uma desigualdade de nível
moral que aumenta ainda mais à medida que o ser cresce e que
permanece inexplicadas nesta primeira hipótese.

Enfim, dizer que a alma é criada no mesmo instante em que
deve penetrar o corpo não significa admitir implicitamente que
Deus possa fazer-se o cúmplice das traições, dos incestos, dos
estupros, dos adultérios aos quais infelizes seres devem a vida?
Ele permite que cometam o crime, isto é verdade, e a corrupção
de nossos costumes torna-o bastante freqüente; porém como não
rejeitar com indignação a suposição de que, por uma criação que
seria por ato direto da vontade soberana, ele intervenha, nesse
mesmo momento, para sancionar a obra do vício e da
devassidão?

A segunda hipótese não é mais admissível do que a
primeira. Se a alma é criada na eternidade, de onde vem o estado
de inferioridade, e mesmo de degradação, no qual vemos tantos
de nossos semelhantes? Pois se a perfectibilidade é uma
propriedade da alma, é impossível que, desde a eternidade, no
decorrer das inumeráveis vicissitudes que elas tiveram de
atravessar, essas almas não se tenham elevado acima de seu


estado primitivo, e que outras tenham até descido abaixo da
bestialidade. Dir-se-á que as almas podem ter sido criadas na
eternidade, mais que permaneceram em uma vaga inatividade
até o momento em que foram chamadas a unir-se a um corpo.
Porém a alma é uma substancia inteligente e, sendo próprio da
inteligência uma indefectível atividade, não se pode explicar que
as multidões de almas tenham permanecido inativas, errantes no
espaço, desde que receberam o sopro divino as faculdades que
devem pôr em exercício.

Resta a terceira hipótese: é a única plausível, a única capaz
de justificar, pela desigualdade da idade das almas, a
desigualdade do desenvolvimento moral que existe entre os
homens. "Deus cria as almas na época determinada por sua
sapiência soberana e, por um ato especial de sua vontade,
confere-lhe ao mesmo tempo a imortalidade." (6)

(6) Reynaud, Jean. Terra e céu.
Das três hipóteses que acabo de examinar, a terceira parece a
mais provável. A alma, com efeito, em razão dos altos destinos
que lhe são fixados, é a criatura divina por excelência, a que
possui o mais alto valor diante de Deus. Daí não podem nos
recusar a admitir que dela Ele faça o objeto de sua solicitude
especial, que Ele tenha reservado sua criação como a obra
particular de sua predileção.

[...] Não nos é dado conhecer que nossas passagens sobre a
Terra é apenas um capítulo de uma história, cujos
acontecimentos anteriores ignoramos e que se perpetuará em
condições que nos são igualmente ocultas, porém que depende
de nós torná-las sempre melhores. Assim encontra-se posto o
princípio da preexistência. A preexistência e a sobrevivência são
os dois ternos dos quais se compõe nossa imortalidade;
colocadas uma antes, outra após nossa bastante curta existência
terrestre, elas são exatamente o prolongamento uma da outra, e
todas as hipóteses que podem ser levantadas logicamente sobre


os acontecimentos da sobrevivência encontrarias logicamente o
seu lugar na preexistência.

Victor Hugo
(Eis como Arsène Houssaye relata a resposta que Victor
Hugo deu a ateus em 1866)

Quem nos diz, recomeçou o poeta, que não me reencontro
através dos séculos? Shakespeare escreveu: A vida é um conto
de fadas que se lê ela segunda vez.

Ele poderia ter dito: dela milésima vez! pois não há século
em que eu não veja passar minha sombra.

Vós não credes nas personalidades que se movem (isto é,
nas reencarnações) sob o pretexto de que não vos lembrais de
nada de vossas existências anteriores. Porém, como a recordação
dos séculos dissipados permaneceria impressa em vós, quando
mal vos recordais das mil e uma cenas de vossa vida presente?
Desde 1802, houve em mim dez Victor Hugo! Credes, pois, que
me recordo de todas as suas ações e de todos os seus
pensamentos?

Quando eu tiver atravessado a tumba para reencontrar uma
outra luz, todos esses Victor Hugo ser-me-ão una pouco
estranhos, porém será sempre a mesma alma!

Sinto em mim -diz-lhes ele ainda -toda uma vida nova,
toda uma vida futura. Sou como a floresta que várias vezes foi
abatida: os jovens rebentos são cada vez mais fortes e vivazes.
Subo, subo em direção ao infinito! Tudo é radiante diante de
mim. A terra me dá sua seiva generosa, porém o céu ilumina-me
com os reflexos dos mundos entrevistos!

Dizeis que a alma é apenas a expressão das forças corporais.
Então, por que minha alma está mais luminosa quando as forças
corporais vão em breve abandonar-me? O inverno encontra-se
sobre minha cabeça, porém a primavera eterna está em minha


alma! Respiro há esta hora os lilases, as violetas e as rosas como
aos vinte anos!

Quanto mais me aproximo do fim, mais ouço a meu
derredor as imortais sinfonias dos mundos que me chamam! É
maravilhoso, e é simples.

Há todo um meio século que escrevo meu pensamento em
prosa e em verso: história, filosofia, drama, romance, lenda,
sátira, ode, canção, etc.; tudo tentei; porém sinto que não disse a
milésima parte do que se encontra em mim. Quando eu me
deitar na tumba, não direi como tantos outros: terminei minha
jornada. Não, pois minha jornada recomeçará no dia seguinte de
manhã. A tumba não é um beco sem saída, é uma avenida; ela se
fecha no crepúsculo, reabre no alvorecer!

Destinos da alma

O homem tem sedes insaciadas;

Em seu passado vertiginoso

Sente reviver outras vidas,

Conta os nós de sua alma.

Procura no fundo das sombrias cúpulas

Sob que forma resplandeceu,

Ouve seus próprios fantasmas,

Que atrás de si lhe falam.

O homem é o único ponto da criação

Em que, para permanecer livre tornando-se melhor,

A alma deve esquecer sua vida anterior.

Ele diz: Morrer é conhecer;

Procuramos a saída tateando;

Eu era, eu sou, eu devo ser;

A sombra é uma escada, subamos.(7)


(7) Nota da tradutora: Para que pudéssemos ser fiéis ao conteúdo do
texto original e aos termos utilizados pelo poeta, obrigamo-nos a
prejudicar toda a melodia e as rimas dos versos, pois, para mantê-los,
precisaríamos mudar as estruturas das frases e as palavras, o que
fatalmente mudaria em parte o sentido do texto original. Preferimos,
portanto, traduzi-lo quase que literalmente. Eis a seguir, no entanto, o
texto original, com toda a sua beleza de forma e de conteúdo: Des
destinées de l'âme / L'homme a des soìfs inassouvies; / Dans son passé
vertigineuu/Il sent revivre d'autres vies, / De som âme il compte le noeuds,
/ l cherche au found des sombres domes / Sous quelle forme il a lui, / Il
entend ses propres fantômes / Qui lui parlent derrière lui. / L'homme est
l'unìque point de la création / Oua pour demeurer lìbre en se faisant
meìlleure, / L'âme doive oublier sa vie anterieure. / Il se dit: Mourir c'est
connaître; / Nous cherchons l'ssue à tâtons; / I'fétais, je suis, je dois être, /
I'ombre est une échelle, montons.
François Coppée

A vida anterior

Se é verdade que este mundo é para o homem um exílio
Onde, curvando-se sob o peso de orar labor duro e vil,
Ele expia chorando sua vida anterior;
Se é verdade que, nunca existência melhor,
Entre os astros de ouro que girara no céu azul,
Ele viveu, formado de um elemento mais puro,
E que ele guarda um lamento de seu primeiro esplendor;
Deves vir, criança, deste lugar de luz
Ao qual minha alma deve ter recentemente pertencido;
Pois dele devolveste-me a vaga recordação,
Pois, apercebendo-te, loira virgem ingênua,
Gemi como se te houvesse reconhecido,
E, tão logo meu olhar no fundo do teu mergulhou,
Senti que já nos havíamos amado.
E, desde esse dia, tocado de nostalgia,



meu sonho no firmamento sempre se refugia,

Desejando lá descobrir nosso país natal.

E, logo que a noite cai no céu oriental,

Procuro com o olhar na Via Láctea

A estrela que por nós foi habitada um dia (8)

(8) La vie antérieure/S'il est vraì que ce monde est pour l'homme un
exìl, / Ou, ployant sous le faìx d'un labeur dur et vil, / Il expie en pleurant
sa vie antérieure; / S'il est vraì que, dans une existance meilleure,/Parmi
les astres d'or qui roulent dans l'azur, / Il a vécu, formé d'un élément plus
pur; / Et qu'il guarde un regret de sa splendeur première; / Tu dois venir,
entant, de ce lieu de lumière / Auquel mon áme a du naguère appartenir; /
Car tu m'en as rendu la vague souvenir / Car era t'apercevant, blonde
vierge ingénue, / J'ai gémi comme si jet'avaìs reconnue, / Et, lorsque mon
regard au fond de tìen plongea, / J'ai senti que nous nous étions aimés
déjà. / Et, depuìs ce jour-la, saisi de nostalgie, / Mon rêve au firmament
toujours se réfugìe, / Voulanty découvrir notre pays natal. / Et, des que la
nuit tombe au ciel oriental, / Je cherche du regard dans la voüte lactée /
L'étoile qui par nous fut jadìs habitée.
Leon Tolstoi
(Trecho de uma entrevista em 1908)

Da mesma forma como os sonhos de nossa vida terrestre
constituem um estado durante o qual vivemos de impressões, de
sentimentos, de pensamentos pertencentes à nossa vida anterior
e fazemos provisão de forças para o despertar; para os dias de
porvir, toda a nossa vida atual constitui um estado durante o qual
vivemos por meio do carma da vida precedente, e fazemos
provisão de forças para a vida futura.

Da mestra forma como vivemos dos milhares de sonhos
durante nossa vida terrestre, esta é uma das milhares de vida nas
quais entramos, saindo da outra, mais reais , mais autêntica e à
qual retornarmos após nossa morte.


Nossa vida terrestre é um dos sonhos de uma outra vida,
mais real, e assim por diante até ao infinito, até a última vida,
que é a vida de Deus.

Sir Oliver Lodge
(Trecho de uma entrevista em 1906)

A idéia de que existirmos no passado e de que devemos
existir-no futuro é tão velha quanto Platão; não há nada de novo
nela. Um poeta disse que "somos maiores do que pensamos", o
que significa que a totalidade de nosso ser jamais está totalmente
encarnada. Parece-me que, no nascimento, um pouco desse
grande ele, que constitui o ser, encarna e, à medida que o corpo
cresce, passa a poder contê-lo ainda reais; (9) esse eu infiltra-se
cada vez mais em nosso corpo; algumas vezes mais, outras
vezes menos. Quando se infiltra bastante e prospera, dizemos:
"Eis um grande homem"; quando se infiltra apenas um pouco,
muito pouco, dizemos: "Ele não é completo". Nenhum de nós é
completo. E quando este corpo está gasto, reunimo-nos à grande
parte de nós próprios; a seguir, uma outra parte de nós
reencarnará, e assim por diante. As diversas partes do grande eu
unir-se-ão sucessivamente à matéria por um dado tempo a fim
de receber uma educação que, parece, não pode ser adquirida deoutro modo. É uma espécie de educação particular que se recebe
em cada planeta, utilizando-se as partículas materiais que
extraímos deste pela alimentação e por outras formas. Não é
ciência o que faço neste momento; são hipóteses, porém elas são
baseadas em fatos: fenômenos de memória anormal, de
personalidade múltipla, de estado de transe etc., que ainda não
são cuidadosamente estudados e que, no entanto, devem sê-lo, se
quisermos esclarecer esse grande problema da vida após a
morte.


(9) Lodge compara em outro estudo o 'eu' a um iceberg cuja cabeça,
que seria o eu consciente, emerge sozinha acima do nível do mar,
enquanto que a parte mais considerável, a base, fica mergulhada na água
e emerge mais ou menos, segundo as circunstâncias. -A. R. (Nota da
editora: Albert de Rochas indica a autoria de suas notas sobrepondo suas
iniciais.)
Henri Martin
(O êxtase e o sonambulismo)

Existe, na humanidade, uma espécie excepcional de fatos
morais e físicos que parecem derrogar as leis comuns da
natureza; são os estados de êxtase e de sonambulismo, seja
espontâneo, seja artificial, com todos os seus surpreendentes
fenômenos de deslocamento de sentidos, de insensibilidade total
ou parcial do corpo, de exaltação da alma, de percepção além de
todas as condições da vida habitual. Esta categoria de fatos foi
julgada por pontos de vista bastante opostos.

O fisiologista, vendo as relações habituais dos órgãos
perturbadas ou deslocadas, qualificara de doença o estado
extático ou sonambúlico, admitem a realidade desses fenômenos
que podem levar para o campo da patologia e negam todo o
resto, isto é, tudo o que parece além das leis constatadas da
física. A própria doença torna-se loucura a seus olhos, quando,
ao deslocamento da ação dos órgãos, somam-se alucinações dos
sentidos, visões de objetos que não existem senão para o
visionário. Um fisiologista eminente afirmou abertamente que
Sócrates era louco, porque acreditava conversar com seu
demônio.

Os místicos respondem não apenas afirmando como reais os
fenômenos extraordinários das percepções magnéticas, questão
sobre a qual encontrara inúmeros auxiliares e inúmeras
testemunhas fora do misticismo, mas sustentando que as visões
dos extáticos apresentam objetos reais, vistos, é verdade, não


pelos olhos do corpo, mais pelos olhos do espírito. O êxtase é
para eles a ponte entre o mundo visível e o mundo invisível, o
meio de comunicação do homem com os seres superiores, a
recordação e a promessa de uma existência melhor de onde
decaímos e que devemos reconquistar.

Que lugar deve tomar neste debate a história e a filosofia?

A história não poderia pretender determinar com precisão
os limites nem o alcance dos fenômenos nem das faculdades
extáticas e sonambúlicas, porém constata: que eles existiram em
todos os tempos; que os homens neles sempre acreditaram; que
exerceram uma ação considerável sobre os destinos da espécie
humana; que se manifestaram não somente nos contemplativos,
como também nos gênios mais poderosos e mais ativos, e na
maioria dos grandes iniciantes; que, por menos razoáveis que
sejam muitos extáticos, não há nada em comum entre as
divagações da loucura e as visões de alguns; que essas visões
podem conduzir a certas leis; que os extáticos de todos os países
e de todos os séculos possuem o que podemos chamar de uma
língua comum, a língua dos símbolos, em que a poesia é apenas
um derivado, exprimindo mais ou menos constantemente as
mesmas idéias e os mesmos sentimentos através das mesmas
imagens.

Talvez seja mais temerário tentar concluir em nome da
filosofia. No entanto, após haver reconhecido a importância
moral desses fenômenos, por mais obscuros que nos sejam a lei
e o fim; após haver distinguido dois graus, um inferior, que não
é senão uma estranha extensão ou um inexplicável deslocamento
da ação dos órgãos, e outro superior, que é uma exaltação
prodigiosa das potências morais e intelectuais, o filósofo poderia
sustentar, ao que me parece, que a ilusão do inspirado consiste
era tornar por revelação trazida por seres exteriores, anjos,
santos ou gemes, as revelações interiores dessa personalidade
infinita que se encontra em nós, e que, às vezes, nos melhores e


maiores, manifesta por lampejos forças latentes que ultrapassam
quase que sem medida as faculdades de nossa condição atual.
Em suma na linguagem escolar, trata-se para nós de fatos
subjetividade; na língua das antigas filosofias místicas e das
religiões mais elevadas. trata-se de revelações do férouer
masdeísta, do bom demônio (aquele de Sócrates), do anjo
guardião, desse outro eu, que é apenas o eu eterno, em plena
posse de si mesmo, planando sobre o ele envolvido nas sombrasdesta vida. (É a figura do magnífico símbolo zoroastriano em
todos os lugares figurado em Persépolis e em Nínive; o férouer
alado ou o em celeste planando sobre a pessoa terrestre.)

Negar a ação de seres exteriores sobre o inspirado, não ver
em suas pretensas manifestações senão as formas dadas às
intuições do extático pelas crenças de seu tempo e de seu país,
procurar a solução do problema nas profundezas da pessoa
humana não significa, de maneira nenhuma, pôr em dúvida a
intervenção divina nos grandes fenômenos e nas grandes
existências. O autor é o sustento de toda vida-essencialmente
independente que ele seja de cada criatura e da criação inteira,
distinta que seja de nosso ser contingente sua personalidade
absoluta -absolutamente não é um ser exterior, isto é, estranho a
nós, e não é de fora que ele nos fala; quando a alma mergulha
em si própria, encontra-o e, com toda a inspiração salutar, nossaliberdade associa-se à Providência. É preciso aqui evitar, como
em tudo, o duplo obstáculo da incredulidade e da devoção mal
iluminada: uma não vê senão ilusões e embustes puramente
humanos; a outra se recusa a admitir alguma ilusão, ignorância
ou imperfeição onde vê o dedo de Deus, como se os enviados de
Deus cessassem de ser homens, os homens de um certo tempo e
de um certo local, e como se os lampejos sublimes que lhes
atravessavam a alma lá depositassem a ciência universal e a
perfeição absoluta. Nas inspirações mais evidentemente
providenciais, os erros que vem do homem confundem-se ecoa a


verdade que vem de Deus. O ser infalível não comunica sua
infalibilidade a ninguém.(10)

(10) Histoire de France, tomo VI, p.143.
Armand Sabatier
(Os corpos sucessivos da alma)

Nos insetos em que ocorrerem metamorfoses, na passagem
de uma forma a outra, o corpo primitivo desaparece e um novo
corpo é formado, mais perfeito, mais completo com outra
organização mais aperfeiçoada e mais adaptado existência nova
e superior. Disse eu que um novo corpo sucede ao corpo
primitivo... Esse novo corpo é um edifício que não é simples
modificação do primeiro; não é um novo arranjo; não é o
primeiro consertado e restaurado. O novo corpo não é sequer
reconstruído com as pedras do primeiro, pois essas pedras, que
são as células, desorganizam-se e decompõem-se. A comparação
será justa se dissermos que as pedras do primeiro edifício são
não apenas trituradas e reduzidas a pó, mas decompostas
quimicamente e que, com os elementos dessa decomposição, são
reconstruídas novas pedras que servem à construção do novo
edifício.

Não há motivos para pensarmos que, abandonando o meio
terrestre e o envoltório corporal que foram à condição e a sede
de seu primeiro desenvolvimento, no momento da morte, o
homem dá entrada num meio e num envoltório mais favoráveis a
uma fase superior de sua evolução. Não vejo razão séria para
crer no contrário; e a morte do homem então não é mais esse
mal físico infligido ao pecado como o mais terrível dos castigos,
mais o ato mais benéfico e mais desejável àqueles que têm
razões suficientes para crer em uma vida de além-túmulo... Esse
envoltório de outro tipo e esse novo meio destinados a dar à


personalidade humana um novo desabrochar podem, por sua
vez, dar lugar a outros melhores.

Segunda Parte

Experiências magnéticas

Capítulo I

O sono magnético e o corpo fluídico

1. Os estados da hipnose
Antes de expor minhas experiências sobre a regressão da
memória e a precognição, farei um rápido resumo de como o
magnetismo age habitualmente sobre os sensitivos que estudei.

Sob a influência de passes longitudinais exercidos de cima
para baixo e combinados com a imposição da mão direita sobre
a cabeça do sujet.(11) sentado diante de mim, produz-se uma
série de estados semelhantes à vigília, mas apresentando cada
uma das características específicas que servem para denominá-
los, (12) e que se sucedem sempre na mesma ordem.

(11) Nota da tradutora: Não apresentando o termo sujet tradução
exata, decidimos mantê-lo, até mesmo porque seu uso tornou-se
relativamente habitual. Significa, resumidamente, indivíduo em estudo ou
estudado experimentalmente.
(12) Essas características foram selecionadas por serem as que
primeiro se apresentam à observação, mas é provável que haja outras
ainda não reconhecidas.
Esses estados são separados por fases de letargia com a
aparência do sono habitual que permitem distingui-los


nitidamente uns dos outros quando o sujet bastante envolvido
não queima as etapas.

Eis, sumariamente, a enumeração dessas características
específicas e sua sucessão:

1° Estado: vigília.

I: fase de letargia.
2° Estado: sonambulismo. O sujet parece uma pessoa
desperta gozando de todas as suas faculdades, no entanto é
bastante sugestionável e apresenta o fenômeno da
insensibilidade cutânea, que persiste em todos os estados
seguintes. A memória é normal.

II: letargia.
3° Estado: rapport (13). O sujet não percebe ninguém além
do magnetizador e das pessoas que este coloca em relação com
aquele, seja por um contato ou mesmo por um simples olhar.
Apresenta sensação de bem-estar bastante pronunciada,
diminuição da memória normal e da sugestibilidade. A
sensibilidade começa a exteriorizar-se em uma camada paralela
ao corpo e situada a cerca de trinta e cinco milímetros da pele
(14). O sujet vê os eflúvios exteriores dos corpos organizados e
dos cristais.

(13) Nota da tradutora: Estamos mantendo, nesta tradução, o termo
rapport para designar a relação ou ligação que se opera entre o
magnetizador e o sujei, durante o transe de regressão de memória. A
tradução literal ou outro qualquer vocábulo não se mostraram
apropriados e, na verdade, os investigadores sérios e os bons autores têm
utilizado sempre o termo francês, que se consagrou.
(14) Em julho de 1904, o Senhor Charpentier comunicou à Academia
das Ciências a seguinte experiência: "Colocando-se diante de uma parede
refletora e afastando progressivamente da superfície anterior do corpo
em uma direção normal uma pequena tela fosforescente (nódoa de
sulfureto sobre carrão preto), vê-se que esta tela passa por máximos e
mínimos de intensidade regularmente espaçados, indicando a existência,
nas proximidades do corpo, de espécies de ondas estacionárias cujo

comprimento é de cerca de trinta e cinco milímetros, ou seja,
precisamente o comprimento de onda dos nervos." A. R.

III: letargia.
4° Estado: simpatia ao contato. A sensibilidade continua a
exteriorizar-se e pode-se constatar uma segunda camada sensível
a seis ou sete centímetros da primeira e de menor sensibilidade.
O sujet experimenta as sensações do magnetizados quando este
se coloca em contato com ele. A sensibilidade cutânea
desaparece, assim como a memória dos fatos; elas não
reaparecem nos estados seguintes, mas a memória da linguagem
subsiste nesses estados, já que o sujet pode conversar com o
magnetizados.

IV: letargia.
5° Estado: simpatia à distância. O sujet percebe todas as
sensações do magnetizados, mesmo sem contato, desde que a
distância não seja muito grande. Ele não mais vê os eflúvios
exteriores dos corpos, mas vê os órgãos internos dos seres vivos.
Não é mais sugestionável e perde totalmente a memória de sua
vida; não conhece mais do que duas pessoas, o magnetizador e
ele próprio, no entanto não sabe seus nomes.

Em geral, a partir desse estado, um pouco mais cedo ou um
pouco mais tarde, de acordo com o sujet, a sensibilidade, que até
esse momento exteriorizava-se em camadas concêntricas à
periferia do corpo, condensa-se para formar, primeiramente a
cerca de um metro à sua direita, uma coluna nebulosa azul mais
ou menos de seu tamanho e, em seguida, à sua esquerda, uma
outra coluna análoga vermelha(15), e enfim, as duas colunas
reúnem-se para formar uma única coluna cuja forma precisa-se
cada vez mais para constituir o fantasma do sujet. Esse
fantasma, ligado ao corpo físico por um liame luminoso e
sensível, que é como seu cordão umbilical, tornam-se cada vez
mais móvel e obediente à vontade. Tem uma tendência bem


pronunciada a elevar-se até uma altura que ele não pode
ultrapassar; isso parece depender do grau de evolução intelectual
e moral dos sujets, que vêem flutuar a seu redor seres
apresentando uma cabeça com um corpo terminado em ponta
como uma vírgula. Ficara felizes por terem saído de seu
envoltório físico, de seus andrajos, segundo uma expressão que
utilizam com freqüência, e repugna-lhes para aí voltarem. Todos
estes fenômenos desenvolvem-se e precisam-se através de uma
série de estados separados por fases de letargia que se sucedem
come os dias e as noites.

(15) Em alguns sujets a formação do fantasma ocorre uma ordem
inversa. -A. R.
Passes transversais reconduzem o sujet ao estado de vigília,
fazendo-o passar, em ordem inversa, por todos os estados e
todas as letargias pelos quais passou ao adormecer.

Em 1895, publiquei, nos Annales de Sciences Psychiques,
um artigo intitulado "Fantasmas dos Vivos", no qual expus com
detalhes minhas primeiras experiências sobre essa espécie de
fenômenos, onde pude levar os sujets até um décimo-terceiro
estado, graças à eletricidade.

Durville as retomou e as completou, expondo suas próprias
experiências num livro publicado em 1909 sob esse mesmo
título: Fantômes de vivants.(16)

(16) Se há algumas pequenas divergências em nossas constatações,
não se surpreendam. Os primeiros viajantes que penetram num país
desconhecido não concentram necessariamente sua atenção sobre os
mesmos pontos e está sujeito a não os verem exatamente no mesmo dia.
Foi assim que, durante anos, magnetizei sensitivos sem observar o
fenômeno da regressão da memória, que passava sem dúvida
despercebido por mitra, porque eu não interrogava o sujet sobre as coisas
que me poderiam indicá-lo.

Atualmente, ainda, não estou muito seguro sobre as causas que a
determinam, apesar de supor que ela aconteça devido ao fato de que, sob
a influência de passes que fixam os laços que unem o corpo material ao
corpo fluídico, este se concentra ao invés de exteriorizar-se; pois constatei


diversas vezes que eu não mais encontrava camada sensível ao redor do
sujet quando ele recuava no tempo, e os espectadores videntes diziam,
quando o fenômeno se produzia depois da formação do corpo fluídico,
que viam este corpo mudar de forma e diminuir quando o sujet voltava a
ser criança. – A. R.

2. O corpo fluídico pode modelar-se sob a influência da
vontade, assim como a argila modifica-se sob as mãos do
escultor

Eis aí um fato habitual entre os ocultistas, e ouvi dizer que,
numa sessão, há quarenta anos, com um médium de Paris,
célebre por suas materializações, havia-se evocado Molière, e
que se viu aparecer, entre as cortinas da cabine, primeiro um
fantasma parecido com o médium e, a seguir esse fantasma
tornou pouco a pouco a aparência e as vestes da personagem
evocada.

Tendo lido que em muitas manifestações psíquicas viam-se
aparecer globos luminosos, perguntei-me se não seriam corpos
fluídicos, e então realizei com a Senhora Lambert a seguinte
experiência:

Exteriorizei seu corpo fluídico; em seguida ordenei-lhe que
se curvasse como uma bola; apesar de sua resistência,
determinei o fenômeno; ela se viu sob essa forma, o que
constatei eu próprio por beliscadas no espaço. Recoloquei-a em
seguida, por sugestão, na sua forma primitiva e pedi-lhe que
voltasse dali a dois dias para nova sessão. No dia marcado, não a
vendo, dirigi-me a sua casa e encontrei-a deitada, o corpo em
arco; disse-me ela que não podia estirar-se e que isso muito a
incomodava. Exteriorizei então novamente seu corpo fluídico,
endireitando-o por sugestão, e o fiz voltar; ela estava curada.

Alguns meses mais tarde, fiz voltar a meu gabinete a
Senhora Lambert para mostrar suas faculdades à Senhora
d'Espérance, de passagem em Paris. Quando seu corpo fluídico


foi exteriorizado, ordenei a Senhora Lambert que lhe desse
minha forma, o que fez, não sem resistência. Ela viu a
transformação operar-se sobre seu corpo fluídico e sobre sua
imagem refletida num espelho. A Senhora d'Espérance, que é
vidente, confirmou as palavras da Senhora Lambert, apesar de,
ignorando o francês, não compreender nossa conversação.
Aksakov assistiu à sessão.

Repeti essa experiência, em 23 de novembro de 1903, em
Voiron, com o Senhor Col..., patrão de Joséphine Louise. Eis a
passagem do meu diário que se refere ao fato.

"Louise diz que pode, mesmo acordada, exteriorizar a
vontade seu corpo astral e dar-lhe a forma que deseja. Pede-se a
ela que, sem que Joséphine o saiba, dê minha forma a seu corpo
astral; em seguida ela é levada de volta ao quarto de Joséphine, a
qual é colocada no estado em que consegue perceber os fluidos.
Joséphine vê primeiro o corpo astral de Louise normal, depois
nele vê, com espanto, crescerem bigode e barbicha; enfim diz
rindo: -Mas é o coronel!

"Alguns instantes mais tarde, diz-se a Louise, sempre sem
que Joséphine o saiba, para dar a seu corpo astral a forma do
filho do dono da casa, que ela conhece e que é alfaiate em Java,
há dois anos. Joséphine, que jamais o viu, vê, no lugar onde
Louise diz haver projetado seu duplo, a imagem de um homem
com bigode; diz já ter visto esse rosto em alguma parte, mas não
sabe onde. Desperto-a depois de ter dado a sugestão de lembrar-
se do rosto que viu, e são apresentadas diante de seus olhos vinte
fotografias que ela não reconhece. Quando avista a do filho de
Col..., diz: -Este parece com quem vi, no entanto, a imagem que
vi era bastante vaga. -É necessário ressaltar que Louise havia
modelado seu corpo astral de acordo com lembranças bastante
longínquas.

Numa sessão realizada na Escola de Medicina de Cìrerroble,
em 28 de março de 1904, em presença do Doutor Bordier,


diretor da Escola, com Louise e Eugénie como médiuns,
procurei reproduzir essa experiência.

O Doutor Bordier indica apenas a Louise a personagem a
representar. Era o Doutor Lépine, ausente à sessão e que Louise
conhecia. Esta se exteriorizou e, quando disse que havia dado a
seu corpo a forma desejada, interroguei Eugénie adormecida;
respondeu-me que via um homem; procurou reconhecesse-lo,
depois disse: -É o homem que me fotografou. -Ora, isto se
havia se passado dois dias antes .

Poder-se-ia encontrar nesses fenômenos a explicação de
certas aparições que se produzem diante das jovens no momento
da puberdade. Constatou-se, com efeito, que nesse momento seu
corpo astral exterioriza-se espontaneamente! Elas o percebem
então sob uma forma vagamente humano e luminosa. Imbuídas
de idéias religiosas, imaginam ver a Virgem Santa ou alguma
outra santa cuja imagem as impressionou em sua igreja e dão,
pelo pensamento, essa forma a seu corpo astral, que chega
mesmo a poder ser percebido por outros sensitivos.

3. O corpo astral é normalmente a reprodução exata do
corpo físico
Numa sessão realizada no dia 1° de abril de 1904, na Escola
de Medicina de Grenoble, com Eugénie, em presença do Doutor
Bordier, exteriorizei o corpo fluídico da sensitiva. Quando o
fantasma azul formou-se à sua esquerda, ela o via, mas nós não
experimentávamos nenhuma sensação ao tocá-lo. Eugénie, ao
contrário, sentia os contatos, não apenas sobre sua pele, como
também no interior de seu corpo, quando nossas mãos
penetravam seu duplo. O Doutor Bordier, tendo colocado
sucessivamente e com precaução seu dedo indicador em
diferentes pontos do interior do duplo, perguntou a Eugénie em
que ponto ela se sentia tocada. Eugénie, que tinha os olhos


fechados, designou exatamente, e sem hesitação, os órgãos que o
Doutor Bordier tinha a intenção de tocar, baseando-se em suas
posições respectivas.

Encontrar-se-á no primeiro capítulo da terceira parte uma
certa quantidade de documentos que mostram que a existência
do corpo astral foi admitida em todos os tempos pelos filósofos
e iniciados.

Capítulo II

Regressão da memória e previsão

Minhas experiências concentraram-se em dezenove sujets, a
saber:

Caso n° 1 -Laurent, 1893.

Caso n° 2 -Joséphine, 1904.

Caso n° 3 -Eugénie, 1904.

Caso n° 4 -Senhora Lambert, 1904.

Caso n° 5 -Louise, 1904-1908-1910.

Caso n° 6 -Mayo, 1904-1905-1906.

Caso n° 7 -Srta. Roger, 1905.

Caso n° 8 -Senhora J., 1905.

Caso n° 9 -Senhor Surel, 1905.

Caso n° 10 -Victoria, 1905.

Caso n° 11 -Juliette, 1905.

Caso n° 12 -Senhora Marguerite N., 1906.

Caso n° 13 -Henriette, 1906.

Caso n° 14 -Srta. Giudato, 1907-1910.


Caso n° 15 -Senhora Caro, 1907.

Caso n° 16 -Senhora Trincham, 1907.

Caso n° 17 -Srta. Pauline, 1910.

Casos n° 18 e 19 -Mireille e Nathalie, 1892.

Quando iniciei, ignorava o fato de que outros
magnetizadores haviam feito constatações análogas, as quais
exponho no capítulo 4 da terceira parte. Procurei sempre, em
minhas sessões experimentais, ter presente, para tomar notas à
medida que esses fenômenos se produziam, uma terceira pessoa
que não corria o risco de ser influenciada, como eu teria podido
ser, pela espera do que eu supunha dever produzir-se.

Os resumos reproduziam variações e erros,já esperados, os
quais têm sua importância porque mostram bem a influência, no
momento da experiência, do estado de espírito do sujet sobre os
fenômenos ainda inexplicados de regressão da memória e de
previsões.(17)

(17) Nota de editora: O autor chama de previsões o que atualmente,
tem-se preferido dominar de progressão da memória, em contraposição á
regressão de memória. Entre as obras que tratam mais profundamente do
assunto, indicamos A memória e o tempo. Publicação Lachâtre, de
Hermínio C. Miranda.
Os numerosos e precisos detalhes relativos aos graus do
sono e aos fenômenos físicos que os caracterizam não me
parecem inúteis, porque vêm em apoio a classificações que os
médicos hipnotizadores não admitem, sem duvida porque não
tiveram oportunidade de observá-los.

Caso n° 1

Laurent, 1893.


Minhas primeiras experiências relativas à regressão da
memória datam de 1893. Foi totalmente ao acaso que fui levado
a constatar esse fenômeno em um jovem de vinte anos que fazia
sua licenciatura em letras, sujet dos mais preciosos, porque não
somente era sensível ao agente magnético, como também e
sobretudo porque, dotado de uma viva curiosidade científica e
de um grande espírito de análise, empenhava-se bastante em
aperceber-se por-si próprio dos fenômenos físicos e psíquicos
produzidos por este agente.

Empreendi, então, com ele experiências seguidas, mais
graduadas, com precaução, de maneira a não fatigar seu sistema
nervoso nem prejudicar seus outros estudos, tendo o cuidado,
em cada sessão, primeiramente de chamar sua atenção para o
que ele sentia antes e durante o sono magnético e, depois, dar-
lhe a sugestão, ao despertar, recordar-se de suas impressões.

Aconselhei além do mais a meu jovem amigo Laurent
redigir ele próprio, depois de cada sessão, as impressões que
poderiam ser mais tarde, tanto para ele quanto para mim, uma
fonte de informações muito preciosa, visto ser a primeira vez de
que foi estudado desta maneira o fenômeno da hipnose.

Eis o diário(18) no qual eu não quis mudar uma palavra
sequer, limitando-se a darem notas algumas explicações ou
modificações. Ele começa alguns dias depois da primeira
tentativa que fiz com Laurent, no salão de sua mãe, e termina,
quando, pelo aprofundamento progressivo da hipnose, deparei
com espécies de fenômenos particulares relativos à formação
dos fantasmas dos vivos.

(18) Esse diário foi publicado em junho de 1895 nos Analles dês
Sciences Psychiques.
As impressões de um magnetizado relatada por ele próprio.

21 de julho de 1893


O Senhor de R. renovou em ruim esta manhã, porém mais
minuciosamente, as experiências que havia feito outro dia no
salão.

-Que aroma você deseja sentir? O aroma da violeta? Tente
lembrar-se dele.

Fiz esforço, mas sem resultado preciso. Então o Senhor de

R. apresentou bruscamente dois dedos de uma mesma mão,
separados, sob cada uma de minhas narinas, e o aromada violeta
fez-se sentir a tal ponto que eu acreditaria, se não tivesse os
olhos abertos, que um buquê me era passado sob o nariz.
-Como você se chama?

-Laurent.

O Senhor de R., pressionando fortemente com seu polegar o
meio de minha fronte, onde inicia-se o nariz, faz de novo a
mesma pergunta. Hesito, penso. Tenho a representação visual de
meu nome inscrito, mas é-me absolutamente impossível
pronunciá-lo; balbucio.

-Vou adormecê-lo -diz-me o Senhor de R.

Um vago temor que invade. A idéia de um sono onde minha
vontade será aniquilada me faria quase recusar a prestar-me a
esta experiência se o medo de ser considerado medroso não se
opusesse. Sentimento bastante complexo: o pavor do
desconhecido, um respeito humano no fundo bastante banal e -o
que de repente predomina-me uma confiança encorajadora no
experimentador. No entanto, é com emoção bastante viva que
me entrego às mãos do Senhor de R., e também com a esperança
de que eu não seja suscetível de ser adormecido.

O Senhor de R. senta-se diante de mim, segura meus
polegares e fixa seus olhos nos meus. Seu olhar incomoda-me
primeiro eu me enrijeço; depois, experimentando uma sensação
dolorosa, como uma crispação dos músculos da pálpebra, tento
desviar olhos; mas não consigo! Então deixo-me levar; sinto que


o Senhor de R. fecha meus olhos com os dedos; e não percebo
mais nada.
De repente, ouço o Senhor de R. ordenar-me que abra os
olhos. Faço-o facilmente e parece-me que me encontro em
estado normal. Fico bastante assombrado quando o Senhor de R.
me diz: "Você está adormecido."

E, efetivamente, não consigo, se ele me proíbe, levantar nem

o braço, nem a perna, nem fazer qualquer movimento. No
entanto, ao redor de mim distingo todas as coisas como neste
momento. Lembro-me até mesmo de ter ouvido baterem à porta
e o Senhor de R. responder: "Daqui a pouco!"
Nada me escapa e tudo é preciso.

-Vou despertá-lo para que não se fatigue demais esta
primeira vez -diz-me o Senhor de R. -Você se apercebeu detudo o que experimentou? VOCÊ SE LEMBRARÃ QUANDO
ESTIVER ACORDADO... Ah! dê-me seu lenço. (Eu lhe dou)
Bem! Observe que você me deu seu lenço. VOCÊ NÃO SE
LEMBRARÁ MAIS DESTE ATO QUANDO ESTIVER
ACORDADO, mas se lembrará de todos os outros.

O Senhor de R. sopra sobre meus olhos. Sinto que me
enrijeço. Perco a consciência do que se passa. Em seguida
reabro os olhos, um pouco aturdido, como ao despertar de
manhã. Já posso levantar-me e andar a vontade.

-Você tem lembrança do que fizermos e dissermos enquanto
estava adormecido? -pergunta-me o Senhor de R.

Alguns segundos de esforço, seguidos de uma resposta

afirmativa.
-Eu lhe disse para me dar seu lenço?
-Sim.
-Você me deu?
-Não.
-Então, dê-me.


Revisto meus bolsos; não o encontro. Como vou objetar que
provavelmente não o encontro porque não o coloquei no bolso, o
Senhor R. me diz:

-Você me deu seu lenço; mas em lhe tinha ordenado queesquecesse o fato. É-lo, e vá passear ao ar puro.

Sinto realmente necessidade de respirar; meus nervos têm
sobressaltos violentos. Revejo, caminhando, como que
alucinado, todos os detalhes dos moveis do gabinete do Senhor
de R. Eu já havia lá entrado outrora, mas é certo que jamais
tinha guardado lembranças tão nítidas do gabinete. Será que a
ordem, recebida durante a hipnose, de lembrar-se do que se faz,
do que se diz, do que se vê, tem influência sobre a intensidade
da lembrança? Em outras palavras, a imagem dos objetos que
impressionaram minha retina durante o sono magnético não
reaparece mais vivamente sob a influência de uma sugestão do
que depois da contemplação desses objetos durante a vigília? Na
verdade, a ordem dada pelo Senhor de R. não indicava que eu
devia rever tudo alucinadamente, mas que, simplesmente, eu
devia lembrar-me de uma maneira geral do que havia visto. Ora,
sob este aspecto, nenhuma duvida: o escritório, a portinhola, os
quadros objetivavam-se e me apareciam como reais.

Mas por que a alucinação não se estendia a todas as outras
lembranças? Eu revia o cômodo; por que não ouvia a voz do
Senhor de R.? Por que as sensações auditivas que tive,
adormecido, não se objetivavam como as sensações visuais?

A sugestão apurou o poder da lembrança, exagerou minhas
faculdades habituais, mas provavelmente sem nada alterar sua
relação entre si.

Sou bom vidente, medíocre audiente. A sugestão
desenvolveu igualmente minhas faculdades auditivas e visuais,
se assim posso me exprimir, de forma que, sob sua influência,
permaneci bom vidente, medíocre audiente. O mesmo
desenvolvimento era suficiente para levar-me à alucinação da


faculdade visual, já grande, o que não acontecia com a faculdade
auditiva, mais fraca. Entre as duas a relação continua constante.
É uma hipótese que será preciso verificar nas experiências
seguintes.

Depois de duas horas a lembrança enfraqueceu.

23 de julho de 1893
Estou acordado.


O Senhor de R. aplica passes ao longo do meu braço e de
minha mão esquerda; sinto pouco a pouco meu braço enrijecer-
se. Vejo o Senhor de R. beliscar-me a pele da mão tão
fortemente que a marca de suas unhas aí fica; no entanto, não
sinto nenhuma dor. Então o Senhor de R. afasta sua mão da
minha, progressivamente, pressionando várias vezes a unha de
seu polegar contra a de seu indicador como que para beliscar. A
uma certa distância, sinto derrepente do outro lado da mão um
beliscão bastante. A mão Senhor de R. continua a afastar-se. E-
lhe necessário percorrer uma nova distância, maior do que a
primeira, para que eu sinta um segundo beliscão, aliás
consideravelmente mais fraco do que o primeiro. O Senhor de

R. afasta-se ainda mais. A uma distância maior do que a
primeira, maior do que esta o foi de minha mão, o beliscão no
vazio repercute novamente sobre minha mão, mas com sensação
atenuada. Em seguida, muito mais longe, eu não sinto mais do
que um vago toque; e, a partir daí, absolutamente nada.
Várias vezes repetida, esta experiência permite-te concluir
que camadas sensíveis se formam ao redor das partes
magnetizadas de meu corpo e que à distância da primeira
camada para a pele é de cerca da metade da distância que separa
as outras camadas.

Que experimento a sensação acima mencionada quando a
mão do Senhor de R. age sobre as camadas a, b, c etc., isto é


inegável; mas que papel assume aqui a sugestão? Um papel
muito grande, creio.

Com efeito, se fecho os olhos, enquanto o Senhor de R.
percorre, beliscando o vazio, à distância entre minha pele e a
camada sensível c, que é a mais distante, confesso francamente
que antes imagino a sensação do que realmente a experimento;
ela é suposta, e não experimentada. Apenas, desde que reabro os
olhos, ela torna-se perfeitamente consciente, mais fraca em c do
que em b, e em b do que em a, como já mencionei
anteriormente.

Um espectador poderia supor que trapaceio. "O sujet", diria
ele, "deve sentir da mesma forma, quer veja ou não a mão do
magnetizador beliscar o vazio, quando esta passa em a,b e c. Ora
isto não ocorre. É preciso que ele se aperceba do ponto do
espaço onde se encontra a mão do magnetizador para reagir a
uma dada excitação a um pretendido fluido que eu gostaria de
ver para crer. Na realidade ele não sente nada, de olhos fechados
ou abertos; ele simula a sensação."

O espectador a meu ver tem razão quando afirma que eu
deveria sentir da mesma forma, de olhos fechados como abertos,
é a sugestão seguramente que e preciso perguntar a causa desta
irregularidade.

Mas no que se refere a sentir realmente, o espectador comete
um erro quando o nega. Sou plenamente sincero, e mesmo que
seja necessário procurar a causa destes fenômenos na pura
sugestão, ou ainda efetivamente no fluido exteriorizado, ou
provavelmente nos dois ao mesmo tempo, a sensação é
realmente experimentada; eu reajo sem simulação.(19)

(19) Para mim a verdadeira explicação é que, da mesma forma que
sobre a pele normal, o grau de sensibilidade varia com o grau de atenção.
Olhando o local onde se é beliscado, o sujet acumula sobre esse ponto uma
quantidade maior de fluido, que, assim, aumenta consideravelmente a
sensação.Todo mundo sabe que, quando um médico quer aplicar uma

injeção num doente e diminuir a dor, ele aconselha a não olhar para o
local a ser aplicado.

O Senhor de R. me adormece. Abandono-me ao sono com
confiança, sem o medo do primeiro dia. As mesmas experiências
renovadas dão o mesmo resultado. Minhas observações de hoje
confirmam o que eu supunha, outro dia, relativamente à relação
constante entre minhas faculdades auditivas e visuais sob a
influência da sugestão, como também no estado normal.

Faz-se nova experiência.

-Pense em alguém -diz o Senhor de R. -Você vai ver a
pessoa em quem pensa sentada numa poltrona à sua direita.

Penso em minha irmã, sem nada dizer. Volto-me e emito um
oh! de surpresa, vendo, com efeito, minha irmã no local
indicado. Continuo com os olhos fixos algum tempo sobre ela,
que não se mexe. Mas desvio-os, em seguida, por um segundo, e
torno a dirigi-los, agora em vão, para a poltrona onde ela me
apareceu; a visão desvaneceu-se e é preciso uma nova ordem do
Senhor de R. para que ela me reapareça.

Durante a passagem do sono para o estado de vigília, não
experimento nenhuma sensação particular; ou então ela é tão
vaga que não posso defini-la.

25 de julho de 1893

O Senhor de R. me adormece e ate diz: "Há um buquê de
rosas num vaso com água sobre a mesa atrás de você. Vá tocá-
lo."

Sem hesitação caminho em direção à mesa. Há,
efetivamente, um buquê que retiro do vaso coro água. Tento
sentir o aroma das rosas, mas elas não exalam nenhum odor.

-Friccione sua fronte vagarosamente -diz-me o Senhor de

R.
Faço-o e, imediatamente após, o buquê desaparece.

Desta forma a alucinação limito à exata sugestão dada:
VEJA E TOQUE, mas não me foi dito para sentir o aroma.

Continuo adormecido.

O Senhor de R. começa por renovar as experiências de
anteontem sobre a exteriorização do fluido sensível. Toco um
objeto; não o sinto. A sensação do contacto existe somente se o
objeto é colocado à distância e de acordo com as leis de
distanciamento observadas anteontem sobre minha mão,
enquanto que apenas meu braço estava magnetizado. Mas não é
somente a sensação do contato que posso agora experimentar, de
acordo com as mesmas leis.

O Senhor de R. pega um frasco tapado e o passa sob meu
nariz, bem contra as narinas. Não sinto absolutamente nada. Ele
então distancia o frasco. Tão logo este se encontra a uma certa
distância, na primeira camada sensível, a, reconheço o aroma da
erva-ursa. Quando o frasco se distancia entre a primeira camada
sensível a e uma segunda camada sensível b, não sinto mais
nada. Volto a sentir em b; depois mais nada entre b e c; depois
de novo, porém mais fracamente, em c; mais distante não posso
distinguir mais nada; as distâncias entre a e b e entre b e c são
mais ou menos iguais entre si e o dobro da distância entre minha
pele e a primeira camada sensível a.

Vejo o Senhor de R. pegar uma bonequinha de cera
vermelha; ele a mantém imóvel por um momento na camada a;
sinto muito bem o objeto. Retira-a em seguida para além da
camada c e a espeta com um alfinete. Não sinto nada.

-Ah! Ah! Não se pode enfeitiçá-lo(20) -diz o Senhor de R.Provavelmente
porque seu fluido não se dissolve na cera; mas
talvez consigamos com água.

(20) Nota da tradutora: O verbo enfeitiçar neste texto (no original em
francês, envoûter) assunte o sentido de fazer o feitiço, um boneco de cera
à semelhança da pessoa a quem se queira mal, infligindo a este boneco
certos martírios que, segundo se acredita, vem a padecer a pessoa que ele
representa.

Demoradamente o Senhor de R. mantém um copo d'água na
camada a. Tenho ainda a sensação do contato de um objeto;
porém, se eu não olhasse, ser-me-ia impossível especificar a
natureza e a forma desse objeto. Em seguida o Senhor de R.
afasta o copo, mergulha o dedo na água e a agita. Ainda nada.

Vejamos com o ferro.

Na camada a o Senhor de R. mantém um molho de chaves
sobre sua mão aberta. Nova sensação de contato, e desta vez um
inexplicável sentimento de incômodo: absorção de fluido por
corpinho estranho? Feitiço? O certo é que me lamento de
contatos dolorosos quando o Senhor de R., afastando-se, esfrega
as chaves dentro de sua mão fechada; precipito-me com uma
raiva ciumenta e obstino-me em tê-las vários minutos em minha
posse como se eu tivesse medo de ver arrancado um membro,
retirada uma parcela de minha vida.

Para fazer cessar esse estado de exaltação, o Senhor de R.
me desperta.

-Você poderá tornar-se, depois de muitas sessões, um sujet
precioso -diz-me ele rindo -mas devolva-me minha chave.

É preciso que alguém as tire de ruim!

16 de outubro de 1893

Progrido lentamente. Várias outras sessões ocorreram desde
a última que relatei. São sempre os mesmos invariáveis
fenômenos, que apenas se produzem mais rapidamente em sua
invariável sucessão.

Há dois dias, no entanto, o Senhor de R. conseguiu levar-me
ao que ele chama de terceiro estado da hipnose.(21). A segunda
letargia, pela qual se tem de passar para chegar a esse estado, é
de mais longa duração do que a primeira. Então a
insensibilidade é tal que posso tocar um tição sem retirar minha


mão. Desta constatação feita ontem, tenho uma prova visível na
ponta de meu indicador um pouco ferido.

(21) Ver a descrição desses detalhes à página 37.
O que sobretudo distingue o terceiro estado do segundo é
que não se vêem nitidamente os objetos como no sonambulismo.
Tudo é confuso. O Senhor de K. pergunta-me se ouço o tiquetaque
do relógio de parede. Respondo: "Fracamente." Em suma,
apenas o Senhor de R. vejo nitidamente.

A sugestibilidade subsiste: "Olhe à sua direita sobre a
chaminé" -diz-me o Senhor de R. -"Há um buquê."
Efetivamente vejo um buquê que é substituído por um castiçal,
se retiro de mim a sugestão, friccionando-me a fronte.(22) É
preciso observar que o buquê sugerido aparece-me nitidamente,
enquanto o castiçal, como todos os outros objetos reais, são
como que encobertos por uma bruma.

(22) Eu havia utilizado com Laurent este procedimento para que ele
se desdobrasse, no estado de vigília, das sugestões. Adormecido ele
lembrou-se disso e empregou-o com sucesso, talvez simplesmente por
auto-sugestão. -A. R.
Eis uma outra sugestão.

"Imagine que sou o Senhor X." (O Senhor de R. diz-me o
nome de um funcionário que nós dois conhecemos.) Com esta
frase, dita com o tom natural da voz, a sugestão é ineficaz. "
Vamos! Vamos! -insiste o Senhor de R. -eu sou o Senhor X;
eu sou ele." A imagem do Senhor X passa diante de meus olhos,
mais sem fixar-se. No momento em que o Senhor de R. toca-me
bruscamente o ombro, vejo imediatamente o Senhor X em seu
lugar, sentado diante de mim.

A conversação começa. Nada impede a ilusão, já que o
Senhor de R., conhecendo a situação da pessoa que acredito que
ele seja, dá respostas verossímeis às perguntas que
indiferentemente faço.

Na realidade, todavia, eu me apercebo vagamente de que se
trata de uma ilusão e que não é ao Senhor X que falo. Apenas é


impossível não falar não falar como eu falaria se realmente fosse

o Senhor X quem estivesse ali presente.
Ao despertar estou mais atordoado do que em geral e mal
consigo afugentar uma inquietude bastante particular (inquietude
de quê? Não sei dizer) de meu espírito.(23)

(23) Toda sugestão deixa no espírito um vestígio mais ou menos
profundo. O sujet estava aqui perturbado no sentido da personalidade –
A.R.
19 de outubro de 1893

Novamente, e com mais facilidade, o Senhor de R. conduz-
me ao terceiro estado, que ele chama de estado de relação,
porque todos os objetos que ficam enevoados pelos meus
sentidos tornam-se de novo nítidos a partir do momento em que

o magnetizador (que continua sempre perfeitamente visível e
que até toma, aos olhos do sujet levado a este terceiro estado, a
uma espécie de realidade luminosa) coloca-toe em rapport com
eles, tocando-os.
Para fazer-me ouvir distintamente o tique-taque do relógio
de parede, o Senhor de R. precisa apenas interpor sua mão entre

o relógio e minha orelha.
O Senhor de R., por exemplo, oferece-me um livro. Tenho
dificuldades para lê-lo; os caracteres aparecem mal-impressos.
No entanto, se o Senhor de R. põe sua mão no meio da página,
dela irradia-se como que uma luz que, por toda a sua volta, dá
aos caracteres pretos toda a sua nitidez.

Sessão bastante curta. Pareço fatigado. O Senhor de R.
desperta-me.

21 de outubro de 1893


Hoje, repetição de todos os fenômenos, já observados no
segundo e no terceiro estados. Continua muito lento para passar
do sonambulismo ao estado de relação. Talvez porque eu seja
desconfiado, ou porque uma auto-sugestão, que consiste no
firme desejo de não tornar o falso pelo verdadeiro, persista até
no sono e faça antagonismo às influências magnéticas.

O Senhor de R., a propósito de uma pergunta que me faz e à
qual não respondo, fazendo no entanto esforço para recordar-me
do fato que me permitiria responder, observa que, nesse terceiro
estado, perdi a memória do presente. Por exemplo, não sei onde
estou. Sei que é o Senhor de R. quem se encontra diante de mim;
porém eu não poderia dizer o que ele é: administrador da Escola
Politécnica ou exercendo qualquer outra profissão. Todavia,
guardo intacta a lembrança das experiências precedentes.

Para estabelecer com exatidão o período de minha vida que
foge à minha memória, o Senhor de R. emprega este engenhoso
meio: -Você teve aulas de filosofia? -pergunta-me ele.

Sorrio e respondo: "Oh, não!", como poderia dizer uma
jovem escolar que consideraria a aula de filosofia alguma coisa
de muito bonita e bastante distante.

-De retórica? -Cursou o 1 ° ano do 2° grau? A 8° série? A
7° série?(24)

(24) Nota da editora: O original francês difere, pois os níveis
escolares da França tinham e têm outra nomenclatura. A tradutora optou
por fazer uma correlação com níveis vigentes no Brasil.
A resposta é sempre negativa e pronta:

-A 6° série? A 5°?

Aqui eu me perturbo, reflito, hesito. É lamentável que, no
momento em que escrevo, apesar da ordem recebida de lembrar-
me das sensações experimentadas durante o sono, eu não
consiga refazer exatamente o trabalho que se operou em mim
nesse minuto. Apenas creio que vi passar a imagem de meu
professor da 5° série, sem poder estabelecer se era realmente o


da 5° série ou da 4°. Foi por isso, sem duvida, que hesitei. De
qualquer forma, ainda respondi "não".

Foi apenas no momento em que o Senhor de R. me
perguntou: "Você se recorda de seu professor da 3° série?", que
espontaneamente afirmei vê-lo.

-Mas você o vê como se ele estivesse aqui? -insiste o
Senhor de R.

-Sim, sim, é meu professor.

-Enfim, você distingue bem se, sim ou não, você é um
aluno da 3a série? Este homem é seu professor desta série ou
simplesmente você se recorda de tê-lo tido como professor?

Após um esforço bastante grande, arrisco uma resposta
confusa:

-Creio que ele foi meu professor; mas depois dele não tive
outros, me parece.

Aqui, por felicidade, reencontro as fases pelas quais passou
meu espírito. Enquanto eu fazia um esforço sincero para
responder com exatidão à pergunta feita, a verdadeira solução
não se apresentando e eu me fatigando ao procurá-la, disse-me a
mim mesmo: "Ah! Vou responder qualquer coisa." Mas
imediatamente após: "Não! Não posso enganar."

Fenômeno singular! Em um segundo tive consciência de que
eu servia de sujet a um magnetizador, que eu era o que na
realidade sou e não um aluno da 3° série e que era necessário
permitir da conclusão da experiência, apesar de tudo. Ignoro o
que eu teria inventado se este brusco chamamento à realidade
não tivesse intervindo para fazer empenhar-me com a
sinceridade. "Não, não posso enganar." Na realidade, esta frase
veio-me ao espírito durante o lampejo de consciência que me
representou aos olhos como que um jovem de vinte anos,
prestando-se a experiências de hipnotismo para sua instrução,
preocupado em não errar e, além do mais, interessado em não


enganar o experimentador, o que seria enganar-se a si
próprio.(25)

(25) Fenômeno a relacionar com esta observação do Doutor Gibier:
"Conheci um médium jovem bastante honesto que não praticava sua
mediunidade e com a qual se observavam diversos fenômenos de levitação
e de movimentos de objetos absolutamente reais. Confessou-me ele que
diversas vezes tinha-se sentido como que impelido a acrescentar alguma
coisa ao que produziria; sentia um desejo violento de simular um
fenômeno qualquer, enquanto que podia com suas faculdades naturais
obtê-lo melhor. Analisando esta espécie de impulsão, ele ate dizia que ela
nascia, por um lado, do desejo de causar admiração nos assistentes; por
outro lado, do desejo de enganar seus semelhantes; em terceiro lugar, do
receio da fadiga, já que, após sessões nas quais fenômenos intensos são
obtidos, os médiuns ficam às vezes extenuados. Porem ele acrescenta que
qualquer outra causa de que não se dava conta (sem duvida de natureza
impulsiva) juntava-se a todas as precedentes e fazia sentir mais insistente.
Assegurava-me", Aliais, que tinha sentido resistido à tentação" (Analyse
de choses). Esta propensão a enganar parece ser inerente ao organismo
dos sensitivos e dos médiuns. É preciso levar isto em consideração na
observação dos fatos, mas não cometer a imprudência de tudo atribuir à
fraude, quando já se observou um caso desses. -A. R.
Que teria ocorrido se o despertar de minha personalidade
não tivesse acontecido? Eu teria, sem duvida, cedido ao desejo
de fazer cessar o esforço fatigante; ou teria respondido ao acaso
com qualquer coisa aproximativa; depois, para não me
contradizer (pois observei era outros sujets, que certamente se
crêem de boa fé, que é impossível fazê-los confessar que se
enganaram, por mais manifesto que seja seu erro), eu teria
chegado, por uma série de respostas aproximativas, à pura
mentira, à invenção, à simulação. E como o Senhor de R. se teria
apercebido?

Aliás, eu não consigo explicar essa súbita consciência da
realidade que durou apenas o tempo de eu me dizer: "Não posso
enganar." Tenho o hábito de me repetir esta frase como uma
sugestão durante a vigília. Seria uma espécie de auto-sugestão
quando me vem durante o sono? Mas é admissível que alguém


possa, no estado de rapport, obedecer a uma ordem a si próprio
dado quando acordado?(26). Isto parece ainda mais inverossímil
quando, tendo perdido a lembrança dos fatos mais recentes de
minha vida, não havia razão para que eu me recordasse
preferencialmente de uma frase pensada antes de ser ordenada
do que de qualquer outra.

(26) Isto é não apenas admissível, mas verdadeiro. Tive numerosos
exemplos com outros sujeis, -A. R.
Fica então estabelecido, sem mais comentários, que um sujet
adormecido pode dar-se conta de que ele sirva de sujet; isso
deve ser bastante raro. Entretanto, essa consciência, de alguma
forma virtual, do estado em que se está, não deve deixar de
influir surdamente sobre as respostas do sujet às perguntas que
lhe são feitas e de representar um papel importante nessa
simulação inconsciente que o Senhor Bérgson assinalou outrora.
(Revue Philosophique, 1888.)

Porém, quando ela se determina, que perturbação profunda
deve causar no decorrer da experiência! Ela conduz o sujet a si
mesmo. O perigo é em parte afastado quando o sujet, voltando a
si, deseja ser sincero. Mas se, ao invés de se dizer "Não
enganemos", ele é indiferente e pouco preocupado com a
verdade, como habitualmente acontece? Se, além do mais, ele
sente esse desejo que observei de fazer a experiência alcançar
êxito? Se, naturalmente comediante, vem-lhe a idéia de
representar um papel tão logo volta a si?

Para retornar à experiência, o Senhor de R. volta às suas
perguntas.

-Como se diz rosa em latim?

Não há resposta. Com efeito, na 3° série, ninguém me
ensinou ainda o latim.

-Quem matou o gigante Golias?

-Davi.

-Quem foi o sucessor de Henrique IV?


-Não sei.

Na 3° série eu era sem dúvida mais instruído em história
sacra do que em história da França.

Depois seguem perguntas sobre as quatros operações.
Apreende-se nitidamente deste exame que tudo o que aprendi a
partir da idade de cerca de nove anos escapa-lhe completamente.

Aqui uma nova resposta a uma pergunta de outro gênero
tenderia ainda a fazer-lhe achar que, apesar de tudo, dou-me
conta de que estou adormecido.

-Você terra irmã?

-pergunta o Senhor de R.

-Sim, mas só me lembro dela bem pequena.

-O que faz seu pai?

-Não o tenho mais.

Eis o que respondo. Ora, quando eu tinha nove anos meu paiainda vivia. É necessário então que eu tenha noção do presente
para que seja meu eu atual quem fale neste caso.

A sessão termina. Muita fadiga.

Ao despertar-me, o Senhor de R. pergunta-me se vi um
estranho durante o sono. Afirmo ter apenas ouvido o Senhor de

R. falar a outra pessoa além de mim, mas sem ver ninguém. É
entretanto real que um empregado veio pedir uma informação ao
Senhor de R. enquanto eu estava adormecido; porém, no terceiro
estado, o sujet vê apenas, como eu já disse, o Magnetizador e os
objetos ele que toca. Minha resposta confirma esta lei.
27 de outubro de 1893

Sessão bastante longa; mas, tendo o Sr. de R. esquecido de
sugerir-me a lembrança do que se passaria, não me recordo de
nada. Parece que se pode, pressionando-se fortemente a fronte,
evocar as sensações experimentadas, todavia, ao menos no que
me concerne à imaginação parece-me então alterar a memória.


Não apresentando a lembrança certeza absoluta, como a que se
tem sob a influência da sugestão, é mais sensato não lhe dar
crédito.(27)

(27) Constatarei nesta sessão, com auxilio de perguntas versando
sucessivamente sobre acontecimentos desde os mais recentes até o nome
ele seu professor da 3°série, que suas recordações concentra-se sobre
aqueles cada vez mais distantes à medida que a hipnose se aprofundava. A.
R.
8 de novembro de 1893

É preciso que eu fale sobre um fenômeno que tenho
freqüentemente observado estes dias.

Tão logo em presença do Senhor de R., sinto-me sob sua
influência, mesmo que na conversação não se trate de
hipnotismo, e sem que ele me aplique passes ou me fixe para
levar-me ao sonambulismo.

No jardim de Luxemburgo, anteontem, enquanto eu
passeava com ele, o Senhor de R. dá-me esta ordem: "Você não
pode mais andar." Imediatamente permaneço no mesmo lugar,
as pernas rígidas, um pouco apavorado, mas sem razão, pois, tão
logo me apercebo de estou sob a influência de uma sugestão,
por si só meus músculos se relaxam e continuo o passeio sem a
mínima dificuldade.

Advertido assim de que o Senhor de R. procura nesse
momento tentar seu poder sobre une sujet desperto, permaneço
atento, crendo que minha vontade será capaz de lutar contra as
ordens recebidas. E, efetivamente, reagindo de alguma forma
com antecedência logo que o Senhor de R. abre a boca, chego a
impedir que a sugestão se realize, sem todavia poder reter um
gesto levemente esboçado, que é o começo da realização.

-Deixemos disso -diz-me o Senhor de R. -e falemos de
outra coisa.


Não penso mais em uma possível sugestão quando o Senhor
de R. bruscamente exclama:

-Abra sua mão direita.

Apanhado de surpresa obedeço imediatamente e minha
bengala cai no chão.

Esta manhã, a simples presença do magnetizador foi
suficiente para fazer-me cair na primeira letargia. Sem duvida eu
tinha vindo a seu gabinete para ser adormecido, eu já estava até
sentado diante dele, eu não tinha a idéia de resistir à sua
influência magnética (e estas são condições essenciais do
fenômeno que se produziu) e, ainda mais, foi a primeira vez em
que observei isto e adormeci sem o concurso direto do
magnetizador.

O Senhor de R. leva-me ao terceiro estado, o estado de
rapport. Mesma obliteração da memória de tudo o que se refere
ao período de minha vida transcorrido desde a idade de nove
anos. Na verdade, admiro-me por voltar de repente a essa idade
sem passar por etapas progressivas.(28). O fato não é menos
real; raciocino claramente, entretanto exprimo-me com um
vocabulário restrito. Estou nas quatro operações em matemática
e cometo erros de ortografia, escrevendo. Minha letra é infantil;
lamento não poder compará-la cora a que eu rabiscava meus
cadernos escolares perdidos. Não me recordo de ter tido, hoje,
esse súbito lampejo de consciência que me fez perceber, em um

segundo, durante a sessão precedente, que eu estava
adormecido.
(28) As etapas progressivas existem realmente, mas eu não

interrogava o sujet durante sua duração porque, na sessão de 27 de
outubro, eu já havia estudado o que podia interessar-me. -A. R.

É necessário observar que a sugestão possui menos força
nesse terceiro estado do que nos estados precedentes. De acordo
com o Senhor de R. sou um dos mais sensíveis a isso; não


obstante, cedo menos facilmente do que no segundo estado
(sonambulismo).

Se, por exemplo, nesse segundo estado o Senhor de R. me
ordena, quando está atrás de mim, que o veja em carne e osso na
poltrona que está diante de mim, a alucinação é completa: vejo e
toco efetivamente uma pessoa viva, e a sensação não se torna
mais nítida quando o Senhor de R. senta-se ele próprio na
poltrona.

Ao contrário, no terceiro estado, sob a ordem do Senhor de
R., vejo-o bem e sinto-o lá onde ele não está; mas se ele se
dirige realmente ao local onde creio vê-lo, apercebo-me de meu
erro, enquanto, no segundo estado, entre sua imagem e ele, eu
não encontrava diferença.

12 de novembro de 1893

Experiências feitas novamente no terceiro estado.

A exteriorização da sensibilidade segue as mesmas leis
seguidas no segando estado. Há zonas sensíveis distribuídas era
torno de meu corpo e separadas por intervalos constantes onde a
excitação é vã. Essas zonas sensíveis são, aliás, invisíveis para
mim; não vejo vestígios de eflúvios. Além do mais, observo
sempre que a reação à excitação é mais viva e a sensação mais
nítida quando sou advertido e vejo o ponto da zona sobre a qual
é dirigida a excitação.

Apagam-se as luzes e deixa-se o cômodo numa obscuridade
completa. O Senhor de R. apresenta-me então um diamante, sem
que eu o saiba. Ao final de um instante distingo duas frouxasluminosidades em alguma parte no espaço. É precisamente aí
que encontro o diamante. Aliás, essas luminosidades são tão
vagas para meus olhos que não posso definir exatamente sua
cor.


O Senhor de R. estende-me em seguida seus dedos, que não
me parecem mais luminosos do que como os vejo
habitualmente. De qualquer forma, não vejo nenhum eflúvio
saindo deles.

Enfim, o Senhor de R., colocando sua mão sobre o peito,
pergunta-me se não enxergo dentro dele. Absolutamente não. E
não vejo também nada em mim mesmo.(29)

(29) Essas tentativas tinham por finalidade constatar se Laurent
gozava da propriedade descrita nos estados profundos da hipnose. -A. R.
Acho prudente encerrar aqui estas anotações. À medida que

o sujet chega a um estado mais profundo, a sugestão adquire
cada vez menos poder sobre ele. Por conseguinte, apesar de o
Senhor de R. sugerir-me a recordação do que se passa comigo
durante meu sono, desperto eu não me recordo de nenhuma de
minhas ações, de nenhuma de minhas palavras. Eu disse que,
pressionando-se fortemente a fronte, e por um esforço
persistente, podiam-se evocar palavras e ações que se crê terem
sido ditas e realizadas; porém também acrescentei que isto
parecia como que uma ilusão.
A partir do momento em que entrei nos estados mais
profundos do que o terceiro, tive de resignar-me a não mais me
observar e, por saber o que se passou comigo, fixar-me nas
observações do Senhor de Rochas, o que faço sem esforço.

Laurent.

Caso n° 2

Joséphine, 1904.

Joséphine é uma jovem de dezoito anos, doméstica na casa
de um alfaiate de Voiron, Senhor C., interessado, assim como


sua esposa, pelo espiritismo, do qual são os únicos adeptos nessa
cidade. Possui inteligência bastante comum e é tratada
familiarmente por seus patrões, que a acusam apenas de ser uns
pouco astuciosa.(30) Adormeci-a por meio de passes
longitudinais para conhecer os fenômenos que ela apresentaria e
fiquei admirado ao constatar que, sem nenhuma sugestão, eu a
fazia remontar o curso de sua vida, assim como a Laurent, que
não mais observei desde 1893.

(30) Ela é bastante sensível ao magnetismo. Um dia caiu de atua
altura de 02,50m deu uma forte pancada com a coxa sobre o ângulo de
uma máquina de costura e feriu-se bastante, o que a fazia mancar.
Adormeci e exteriorizei seu duplo como ela via nele bem o local da ferida,
colocou ali minha mão, que deixei durante dois minutos ao despertar
estava completamente curada. A. R.
É-la com a idade de sete anos. Pergunto-lhe o que faz.

-Freqüento a escola.

-Você sabe escrever

-Sim, estou começando a aprender.

Ponho-lhe uma pluma na mão, ela escreve muito bens papai
e mamãe. Continuo os passes magnéticos e a levo aos cinco
anos.

Ela escreve por sílabas, pa, pai. Ponho-lhe na mão um lenço
dizendo-lhe que é uma boneca; ela parece bastante contente e
põe-se a acariciá-la. Apresenta todas as características de uma
menina dessa idade. Novos passes. Está agora provavelmente no
berço e não pode mais falar. Coloco-lhe a extremidade do dedo
dentro da boca; ela o chupa.

Após algumas sessões destinadas a torná-las mais flexíveis e
a diminuir o tempo necessário para levá-la ao estado da primeira
infância, tive a idéia de continuar os passes longitudinais.
Interrogada, Joséphine respondeu por sinais a minhas perguntas,
e foi assim que me mostrou pouco a pouco, em diferentes
sessões, que não havia ainda nascido, que o corpo na qual devia
encarnar estava no ventre de sua mãe ao redor de quem ela se


enroscava, mas cujas sensações tinham pouca influência sobre
si.

Um novo aprofundamento do sono determinou a
manifestação de uma personagens cuja natureza tive a princípio
dificuldades em determinar.

Ela não queria dizer nem quem era, nem onde estava.
Respondia-me, em tom brusco e coma voz de homem, que
estava lá, uma vez que me falava; porem, ela não via nada,
encontrava-se em completa escuridão.(31)

(31) Encontrava-me assim lançado numa espécie de pesquisa da qual
eu estava longe de suspeitar, e para que eu pudesse aí me encontrar,
foram-me necessárias várias sessões durante as quais, trazendo de volta
ao presente, envelhecendo ou rejuvenescendo alternativamente o sujet em
suas existências anteriores, através de passes apropriados, coordenei e
completei informações que eram freqüentemente obscuras para mim,
porque eu absolutamente não previa, no começo, aonde ela queria
conduzir-me e por que eu compreendia dificilmente os nomes próprios
que se referiam a regiões ou a personagens desconhecidas. Apenas, após
pesquisas nos mapas e nos dicionários, consegui determinar exatamente
os nomes e pude tomar nos próprios locais informações das quais falarei
mais adiante. E bom lembrar aqui que, na maioria dos sujets, o sono
magnético faz surgir uma série alternativa de fases de letargia durante as
quais não conseguem dar a conhecer suas impressões em conseqüência de
uma paralisia momentânea de seus nervos motores e de fases de
sonambulismo durante as quais podem falar, mas apresentam a
insensibilidade cutânea. Gozam então de novas faculdades tanto mais
desenvolvidas quanto mais profundo seja o sono. Durante as fases de
letargia, o sujet continua em relação com uma parte do mundo exterior;
se, após o despertar, pressiona-se sobre sua fronte o ponto da memória
sonambúlica, se desperta a memória do que se passou enquanto ele estava
adormecido, tanto durante estas fases como durante as outras. A. R.
(Nota da Editora: Albert de Rochas empregou, nesta obra, os verbos
vieillìr (envelhecer) e rajeunìr, (rejuvenescer) e os substantivos
vieillissement (envelhecimento) e rejeunissement (rejuvenescimento) para
designar a ação e o estado da regressão de memória. A editora resolveu
mantê-los, ainda que os considere impróprios. Esses termos não tiveram
curso entre nós e não os vemos em nenhuma obra similar importante,
como, por exemplo, as do competente pesquisador Hermínio C. Miranda.

Consideramos mais adequados os verbos regredir; recuar, retroceder,
avançar, etc., bem como os substantivos correlativos. Essa opção
acrescenta maior clareza aos textos, já que o rejuvenescimento, por
exemplo, sô seria compreensível nos limites da encarnação presente.
Ultrapassada a barreira uterina, na regressão, surgirão personalidades
adultas, ficando sem sentido a ordem anterior para rejuvenescer. Por
outro lado, o próprio Albert de Rochas se valeu, noutros momentos, das
expressões que defendemos: "recuar", "ir adiante", "retroceder no
tempo", "para a frente", "regredir", "voltando sempre no tempo",
"recuar no tempo", "retroceder ainda mais", "em direção ao futuro",
"apressar a caminhada no tempo", "retroceda ao passado", "reconduzoa
ao instante atual", "tanto na regressão como na progressão" etc.).

Tendo-se o sono tornado ainda mais profundo, foi um velho
deitado em sua cama e doente há omito tempo quem respondeu
às minhas perguntas, após inúmeros rodeios, como um
camponês astuto que teme comprometer-se e quer saber porque
e interrogado.


Enfim vim a saber que ele se chamava Jean-Claude Bourdon
e que o lugarejo onde se encontrava era Champvent, na comuna
de Polliat, porém ele não sabia em que departamento.(32) Pouco
a pouco consegui captar sua confiança e eis aqui o que soube de
sua vida, cujos diversos períodos fi-lo reviver várias vezes.(33)

(32) Ele observou que havia dois lugarejos vizinho que se chamavam
Champvent, mas que o seu era o mais próximo de Mézeriat e que ele ia

com freqüência a saint-Julen, em Reyssouse, a negócios, Esses detalhes
permitiram-me encontrar Champvent no departamento de Ain e no mapa
do Estado Maio (Folha de Macon, a sudeste). Quanto a Joséfine, nasceu e
passou sua juventude em manziat, cantão de Bugey-le-Châtel. No estado
de vigília ela não se recorda de já ter ouvido falar de Champvent perto de
Polliat – A. R.

(33) Para vencer suas resistências eu o envelhecia por punição e
rejuvenescia-o, ao contrário, como recompensas; e ele me tomava por
últimos tempos por um grande feiticeiro quem era preciso obedecer – A.
R.
Ele nasceu em Champvent em 1812.(34) Freqüentou a
escola somente até os 18 anos, porque não aprendia grande
coisa, podendo estar presente apenas durante o inverno e
repetidamente faltando às aulas. Fez o serviço militar no 7°
Regimento de Artilharia, em Besançon.(35) Devia permanecer
no Regimento durante sete anos, porém a morte de seu pai
permitiu sua liberação com apenas quatro anos. Não recorda o
nome de nenhum de seus oficiais;por outro lado, sabe que se
distraía bastante com os camaradas e as moças, narrando-me
suas escapadas, enquanto anelava o bigode.

(34) As datas variam de dez anos quando comparados entre si em
diferentes momentos de sua personificação e em deferentes sessões. – A.
R.
(35) O 7° Regimento de Artilharia manteve realmente guarnição em
Besançou de 1832 a 1837 e é difícil compreender como Joséphine teria
sido informada disto. -A. R.
De retorno à terra natal, reencontra sua boa amiga Jeannette
a quem devia desposar antes de partir e da qual só me falou
corando. Agora sabe que não é preciso desposar as mulheres
para servir-se delas; não quer mais casamento e mantém
Jeannette como amante. Observei-lhe que podia engravidar a
pobre moça: "Bem, depois! ela não será a primeira nem a
última." Envelheceu isolado fazendo ele próprio sua comida,
limitada a sopa e charcuterias. Possui em sua terra um irmão
casado com filhos, queixa-se de seus procedimentos para com
ele e não os vê. Morre com a idade de setenta anos após uma


longa doença. Durante o período correspondente à doença,
pergunto-lhe se não pensa em chamar o padre: Há! você está
zombando de mim. Você acredita em todas as besteiras que ele
me diz? Ora, vá! quando se morre, é para sempre.

Morre. Sente-se sair de sem o corpo, mas a ele continua
preso durante um tempo bastante longo. Pôde seguir seu enterro
flutuando acima do caixão. Compreendeu vagamente o que as
pessoas diziam: "Que grande alívio!" Na igreja, o padre andou
em torno do féretro e produziu assim uma espécie de muro um
pouco luminoso que o protegia dos maus espíritos que queriam
precipitar-se sobre ele. As preces do padre também o
acalmaram, porém tudo isso pouco durou. A água benta afastava
igualmente os maus espíritos, porque os dissolve em toda parte
onde os alcança. No cemitério, ficou perto de seu corpo e sentiu-

o decompor-se, o que o fazia muito sofrer.(36)
(36) Perguntei-lhe se via os vermes: "Claro, não me jogaram sal". A.
R.
Seu corpo fluídico, que se tornou difuso depois da morte,
retomou forma mais compacta. Ele vive na obscuridade, que lhe
é penosa, mas não sofre, porque não matou nem roubou. Apenas
sente sede algumas vezes, porque era bastante beberrão.
Reconhece que a morte não é o que pensava. Não compreende
bem o que lhe aconteceu, mas, se soubesse antes o que agora
sabe, não teria zombado tanto do padre. Proponho-lhe fazê-lo
reviver: "Ah! sc assim o fizer, vou até gostar de você!"

As trevas nas quais estava mergulhado terminaram por ser
abertas por algumas luzes frouxas. Ele teve a inspiração de
reencarnar num corpo de mulher, porque as mulheres sofrem
mais do que os homens e ele tinha de expiar as faltas que havia
cometido abusando das moças. Então se aproximou daquela que
seria sua mãe, ficou perto dela até que a criança viesse ao
mundo e, a seguir, entrou pouco a pouco no corpo dessa criança.
Até cerca de sete anos, havia em torno desse corpo uma espécie


de névoa flutuante com a qual ele via muitas coisas que nunca
mais voltou a ver.(37)

(37) O povo diz que as crianças riem, com alegrias, sem motivo. -A.
R.
*

Quando terminei de extrair de Bourdon as informações que
julgava úteis(38) tentei recuar ainda mais longe no passado.
Uma magnetização prolongada durante cerca de quarenta e
cinco minutos, sem demorar-me em nenhuma etapa, levou-me a
Jean Claude bem pequeno.

(38) O padre de Polliat, a quem escrevi para saber se restava em sua
paróquia algum vestígio de Jean-Claude Bourdon, respondeu-me que
nenhum Bourdon foi jamais conhecido em Polliat, mas que esse nome e
baseado difundindo em um lugar vizinho, em Griége par Pont-de-Veyle
(Ain) – A. R.
Em seguida, nova personalidade. É agora uma senhora idosa
que foi muito malvada, uma má língua que se comprazia em
prejudicar as pessoas. Ela também sofre muito, seu rosto é
contraído por convulsões e, às vezes, ela se torce sobre a cadeira
com uma expressão assustadora de dor. Encontra-se em uma
trevas espessas, cercada de maus espíritos que tomara formas
horrendas para atormentá-la e atormentar os vivos quando o
podem; é este o maior prazer deles. Algumas vezes ela foi
levada também a mudar de forma e a segui-los para fazer mal
aos homens. Fala com a voz fraca, mas sempre responde de
modo preciso às perguntas que lhe faço, ao invés de argumentar
a todo instante, como o fazia Jean-Claude. Ela se chama
Philomène Carteron.

Aprofundando ainda mais o sono, provoco as manifestações
de Philomène viva. Ela não mais sofre, parece bastante calma,
responde sempre muito nitidamente em tom seco. Sabe que não
é amada na região e que ninguém perderá nada com sua


ausência e ela saberá muito bem se vingar na ocasião propícia.
Nasceu em 1702, chamava-se Philomène Charpigny quando
solteira. Seu avô materno chamava-se Pierre Machon e morava
em Ozan. Casou-se em 1732, em Chevroux, com um honrem
chamado Carteron, com o qual teve dois filhos que perdeu.(39)

(39) Ela não tem nenhum sentimento religioso nem nunca freqüentou
a igreja e acredita que tudo termina com esta vida. Não sabe escrever. As
famílias Charpigny e Carteron realmente existiram em Ozam e em
Chevroux, porem não encontrei nenhum vestígio positivo de Philomène. A.
R.
Antes de sua encarnação, Philomène havia sido uma menina,
morta em tenra idade. Anteriormente havia sido um homem quetinha matado e roubado; um verdadeiro bandido. É por isso que
muito sofreu na completa escuridão a fim de expiar seus crimes,
mesmo depois de sua vida de menina, quando não teve tempo
para fazer o mal.

Não pude levar mais longe a experiência das vidas
sucessivas porque, no fim da bem longa magnetização (cerca de
duas horas) que era necessária para levá-la ao estado de
bandido,(40) o sujet (Joséphine) parecia esgotado. Causava pena
vê-la em suas crises; porém, um dia em que a havia conduzido
até esse estado, pressionei-lhe um ponto situado no meio da
fronte e que possui a propriedade de despertar a memória
sonambúlica, ordenando que se transportasse há um tempo mais
anterior. Ela me diz então, com hesitação e virando a cabeça,
parecendo confusa, que tinha sido um macaco, um grande
macaco quase semelhante ao homem. Confesso que não
esperava esta declaração e meu pensamento se reportou
imediatamente a uma anedota atribuída a Alexandre Dumas pai
(Tendo alguém perguntado se era verdade que seu pai era negro,
Dumas, que não gostava quando lhe lembravam sua origem,
respondeu: "Certamente, e meu avô era um macaco; minha
família começou por onde a sua termina"). Entretanto, mantendo
a seriedade, limitei-me a manifestar minha admiração por ouvir


que uma alma de animal tornou-se uma alma de homem. Ela me
respondeu que nos animais havia, como nos homens, naturezas
boas ou más e que, quando o animal tornava-se homem, este
permanecia com os instintos do que havia sido como animal.
Uma outra vez, nas mesmas circunstâncias, ela me diz que entre
seu estado de bandido e o de macaco havia passado por várias
encarnações sucessivas; recordava-se de ter vivido nas florestas
matando lobos, e nesse tormento seu rosto tornou-se feroz.

(40) Nota da editora: O autor quer dizer "Leva-lá a existência em
que fora malfeitor"
*

Tendo interrompido durante: alguns meses minhas
experiências com Joséphine, fiz uma viagem a Paris e tentei ver
que resultado daria meu modus operandi com a senhora
Lambert, um de meus antigos sujets. Ver-se-á mais adiante uma
exposição de seu caso, de como fui conduzido a orientá-la para o
futuro ao invés do passado.

Tão logo retornei a Voiron, tentei com Joséphine esse
método de premonição sem nada lhe dizer sobre minhas
experiências em Paris. Eis o resumo dos resultados obtidos.

Primeira sessão

Adormeço Joséphine através de passes longitudinais de
maneira a levá-la aos primeiros anos de sua juventude e, em
seguida, desperto-a através de passes transversais. Quando ela
retorna a seu estado normal, retoma a sensibilidade; continuo os
passes transversais com o pretexto de libertá-la mais
completamente.

Depois de um minuto ou dois, ela me diz que a adormeço ao
invés de despertá-la. Fase de letargia bastante longa. Desperta


em uma fase de sonambulismo. Pergunto-lhe se continua na casa
do Senhor C. Ela responde que não: deixou-o há três anos para
voltar à sua terra natal em Maziat. Está na casa de seus pais e
tem vinte e cinco anos.

Novos passes transversais, nova fase de letargia durante a
qual ela primeiramente permanece bastante calma, porém, após
alguns instantes, mostra todos os sinais de um grande
sofrimento. Torce-se sobre a cadeira, em seguida vira a cabeça e
esconde o rosto com as mãos, chora e seu pesar parece tal que a
Senhora C., emocionada, retira-se para outro aposento.

Quando chega à fase seguinte de sonambulismo, parece
ainda muito triste. Pergunto-lhe o que tem. Ela não quer
responder e vira novamente a cabeça como se tivesse vergonha
de alguma coisa. Suspeito a causa de seu tormento e pergunto se
está casada agora. Ela me responde: "Não, ele não quer. No
entanto, havia-me prometido."

-Diga-me seu nome; encarregar-me-ei de agir sobre ele, de
fazê-lo raciocinar.

-Você não conseguirá nada, já fiz tudo o que podia.

Terminei descobrindo que ela continua em sua terra natal,
que tinha trinta e dois anos e que sua infelicidade aconteceu há
dois anos. Impossível conseguir o nome do sedutor.

Empenho-a a se deixar levar sem inquietar com nada.

Em presença de sua dor, que nos emociona a todos, de tão
vivamente expressa que é, reconduzo-a a seu estado normal
através de passes longitudinais, passando pelas mesmas fases de
letargia e de sonambulismo, com as mesmas expressões de dor.

Segunda sessão

Mesmo processo experimental: primeiramente regressão da
memória através de passes longitudinais, depois caminhada em
direção ao futuro através de passes transversais. Após o estado


normal, letargia calma. Desperta com a idade de vinte e cinco
anos em sua terra natal. Segunda letargia com sinais de dor e de
vergonha; segundo despertar com trinta e dois anos. Recordo-lhe
nossas antigas relações em Voiron e termino por persuadi-la a
confiar-se a mim. Ela murmura confusa o nome de seu sedutor.
É um jovem lavrador do local, Eugène F, com quem teve um
filho.(41)

(41) Tomei informações no local. Eugène F. lá vive atualmente,
pertence a uma família de lavradores abastados e nasceu em 1885.
Eugène e Joséphine moravam em casas vizinhas, têm a mesma idade e
fizeram juntos a comunhão. -A. R.
Continuação dos passes transversais: terceira letargia;
terceiro despertar. Ela tem então quarenta anos, continua em
Maziat e está muito triste. Seu filho morreu há pouco tempo e
Eugène casou-se com outra.

Continuação dos passes transversais: quarta letargia; quarto
despertar. Ela tem quarenta e cinco anos e ganha a vida
costurando calças para um alfaiate. Está muito triste, não terra
mais notícias de seus antigos patrões. Louise, sua melhor amiga
de Voiron, escreveu-lhe três cartas, depois a correspondência
cessou.

Continuo os passes transversais e, já cansado, interrogo-a
após alguns minutos de letargia aparente, sem me aperceber de
que ela já havia avançado diversas fases. Está agora bastante
velha, vive com esforço graças à sua costura, porém terminou
por esquecer um pouco as tristezas. Falo-lhe então da morte.
Pergunto-lhe se não deseja saber o que lhe acontecerá quando
deixar esta vida. Ela diz que sim. "Para isso é necessária que eu
a faça envelhecer ainda mais." Ela hesita um pouco, mas termina
por aceitar quando lhe assegurei que a traria de volta a seu
estado atual.

Novos passes transversais. Depois de dois ou três minutos
ela volta-se para o encosto de sua cadeira corra uma expressão


de vivo sofrimento, escorregando em seguida até o chão. É a
agonia e a morte. Continuo vivamente os passes para transpor
esse mau momento e interrogo-a. Ela está morta; não sofre,
porém não vê espíritos. Pôde seguir seu enterro e ouvir o que
diziam dela: "Foi bom para a pobre mulher; ela não tinha mais
do que viver." As preces do padre não lhe adiantaram grande
coisa, porém sua caminhada em torno do caixão afastou os maus
espíritos. As idéias espíritas que ela havia adquirido na casa de
seu antigo patrão foram-lhe muito úteis porque lhe permitiram
aperceber-se de seu estado.

Não achei prudente desta vez levar mais longe a experiência.
Trouxe o sujét a seu estado normal através de passes
longitudinais que provocaram, em ordem inversa, os mesmos
gestos característicos da agonia e da sedução, durante as fases de
letargia correspondentes.

Terceira sessão

Um de meus amigos, cujo genro havia recentemente
desaparecido em circunstâncias misteriosas, havia-me enviado
uma roupa que tinha pertencido ao desaparecido, suplicando-me
que me encarregasse de obter alguns detalhes sobre o trágico
acontecimento por meio de um de meus sujets.

Adormeci Joséphine, após haver colocado a tal roupa entre
suas mãos. Alguns minutos depois, determinei-lhe que
procurasse alguma pista da pessoa a quem o objeto havia
pertencido. Ela respondeu-me que não sentia nada. Pensando
não estar suficientemente desligada de seu corpo físico,
aprofundei o sono através de passes longitudinais. Constatei
então, não sem admiração, que, durante a fase de letargia que se
seguiu à minha ordem, ela entregou-se à mesma mímica à qual
se abandonava logo que eu a impelia ao futuro, durante as
sessões precedentes, através de passes transversais.(42) Quando


ela chegou à fase sonambúlica onde podia responder-me, tinha
trinta e cinco anos. Continuei os passes longitudinais e cheguei
assim progressivamente até a morte, passando pelo espetáculo
de sua agonia e, em seguida, seu despertar na vida do espaço.
Ela me confirmou o que já havia dito a respeito de seu estado:
não sofria, mas encontrava-se numa obscuridade quase
completa, iluminada de tempos em tempos por luzes frouxas.
Percebia espíritos mais ou menos luminosos que flutuavam a seu
redor, porém não podia comunicar-se com nenhum deles. As
idéias espíritas que havia adquirido na casa de seus antigos
patrões permitiram-lhe suportar mais pacientemente seu estado
atual, apesar de serem bastante vagas, porque já fazia muito
tempo que não ouvia mais falar desse assunto.

(42) Disso parece resultar que o método de magnetização, ou seja, a
direção dos passes, não tem importância maior. O essencial parece ser o
relaxamento dos laços que unem ao corpo físico o com corpo astral para
permitir a este último retomar a direção por ele seguida ou a que se lhe
sugere, é sem duvida, para também lhe permitir retomar mais facilmente
as formas diversas das épocas evocadas – A. R.
Enfim, continuando a magnetização, sentiu a necessidade de
reencarnar, e foi durante uma fase de letargia que foi feita sua
entrada no ventre de sua mãe, caracterizada pela posição de feto
que ela tomou.

Agora ei-la menina; morre bem jovem ainda e não vê para
que servem todas as reencarnações sucessivas.

Retorna bastante rapidamente ao estado normal sob a
influência de passes transversais, auxiliados pela sugestão.

Quarta sessão

Joséphine acaba de deixar a família C., onde achava o
serviço penoso demais. Implorou-me que a tomasse
provisoriamente a meu serviço enquanto procurava outro
emprego. Foi o que fiz.


Essa quarta sessão teve sobretudo por finalidade provocar
em Joséphine a revelação de fatos bastante próximos para que eu
pudesse controlá-los.

Adormeço-a através de passes longitudinais à maneira
habitual e levo-a ao estado que precede seu nascimento na vida
atual, e onde ela ainda é Jean Claude. Confirma-me então tudo o
que disse nas outras sessões. Pela pressão de meu dedo no meio
de sua fronte, procuro saber exatamente em que época foi
soldado em Besançon. Ele não me pode dar data, ruas, a meu
pedido, diz-me que a grande festa dos soldados não era em 14 de
julho, porém em 1° de maio. Era efetivamente em 1° de maio
que era festejado o Dia de São Filipe, de 1830 a 1848, e parece-
me muito difícil explicar naturalmente esta recordação.

Em seguida, trago Joséphine rapidamente à sua idade atual
através de passes transversais e continuo esses passes
envelhecedores que, como nas sessões precedentes, determinam
primeiramente uma longa fase de letargia ao longo da qual sc
produz a mímica das dores do parto. (A fase de sonambulismo,
onde nas sessões precedentes ela tinha vinte e cinco anos, passa-
me despercebida, provavelmente porque eu havia dado um passo
muito rápido à sua caminhada no tempo.)

Ela tem agora trinta e cinco anos, seu pai morreu, sua mãe e
seu filho vivem ainda. Pergunto-lhe o que fez desde que deixou

o casal C., em casa de quem ela havia trabalhado durante longo
tempo em Voiron. Responde-me que primeiro trabalhou como
doméstica na casa do coronel de Rochas, enquanto esperava uma
vaga nas Galerias Modernas de Grenoble, a qual obteve depois
de um mês e meio; mas que permaneceu apenas três meses
como vendedora nessa grande loja, retornando então à casa de
seus pais aproximadamente no Dia de Todos os Santos (1904).
Depois recebeu uma carta do coronel que a convidava a ir a
Voiron para experiências. Dispunha-se a partir, quando sua mãe
faleceu. Desde então não mais obteve notícias dele.(43)

(43) Ela realmente veio à minha casa como camareira, onde
permaneceu um mês; porém não pôde obter a vaga que desejava nas
Galerias Modernas, partindo diretamente de minha casa para sua cidade.
Ainda não escrevi, pedindo-lhe que regressasse a Voiron para novas
experiências. -A. R.
Quinta sessão

Começo por pressionar a fronte de Joséphine desperta. Ela
se recorda pouco a pouco de sua vida passada, que eu apenas
faço aflorar rapidamente. Diz-me que, quando era pequena,
antes de ser Philomène, chamava-se Alice e que, antes de ser o
homem que matou, tinha tido diversas encarnações, entre as
quais a do macaco, mas que não se recorda delas. Tudo de que
se lembra é que sofria nos intervalos. Confirma-nos que há
animais bons e maus.

Digo-lhe em seguida que a adormecerei através de passes
longitudinais e que desejo que caminhe para o futuro. Conta-me
então que está empregada como vendedora nas Galerias
Modernas recebendo um franco e meio por dia, alimentada e
alojada num quartinho que dá para uma rua de fundos (fato que,
como eu já disse, não ocorreu). Faço-a passar rapidamente pela
fase dolorosa que corresponde à sedução e na qual ela ainda se
torce de dor. Quando pode responder-me, tem trinta e cinco
anos.(44) Falo-lhe de sua vida em Voiron; ela não obteve mais
notícias de seus antigos patrões, exceto através de sua amiga
Louise,(45) que lhe escreveu apenas três vezes. Recebeu, há sete
ou oito anos,(46) uma carta do coronel de Rochas convidando a
ir à sua casa em Agnèles para experiências. Estava pronta para
partir quando sua mãe adoeceu, precisando então ficar perto
dela. A mãe curou-se e morreu somente há dois anos (isto é, em
1919).

(44) Ela tinha dezoito anos em 1904 estará com trinta e cinco anos em
1921. -A. R.

(45) Encontrar-se-á explicado mais adiante o caso Louise. -A. R.
(46) Conseqüentemente, 1921 menos oito, isto é, em 1913, ela teria
então cerca de vinte e sete/vinte e oito anos. A. R.
Continuo os passes. Joséphine tem agora cerca de setenta
anos. Em seguida, pouco a pouco, mostra-me o espetáculo de
sua morte, revirando-se sobre a cadeira.

Continuação dos passes; ela toma a posição de feto no
ventre de sua mãe e, depois de algum tempo, pode responder às
minhas perguntas: tem dois anos e chama-se Lili. Um pouco
mais tarde tem três anos, chama-se Alice, seu pai, Claude e sua
mãe, Françoise, porém não sabe nem seu sobrenome, nem o
nome do lugar onde mora. É muito feliz e mora numa linda
casinha. Ela não está inteiramente em seu corpo e vê espíritos a
seu redor: alguns bons, outros maus; quando estes últimos agem
sobre ela, chora e faz manhas.

Continuação dos passes. Ela entra numa fase de letargia
durante a qual se revira sobre a cadeira e aperta o pescoço com a
mão. Sua respiração está rouca e difícil. Quando sai dessa fase e
pode falar, conta que morreu de uma angina; tinha quatro anos.
Desprendeu-se rapidamente de seu corpo, continuou a ver seus
pais e sua casa, mas não compreende ainda bem onde se
encontra.

Aprofundando o sono, ela se desprende mais completamente
sem fase de letargia, vaga no espaço, está feliz, não vê mais a
Terra, mas vê espíritos luminosos; estes não lhe falam e ela não
reconhece dentre eles nem parentes nem amigos. Retoma pouco
a pouco a lembrança de suas existências passadas, mas não se dá
conta da razão de sua sucessão e de sua diversidade.

Desperta através de passes transversais, passando
rapidamente por todas as fases já assinaladas. Enfim, ei-la
novamente Joséphine, com a idade de vinte e cinco anos.
Pergunto-lhe gracejando se deseja que eu a rejuvenesça mais.
Responde-me que sim e a levo a quinze anos. Sua sensibilidade


está ainda exteriorizada, como ocorre durante lodo o tempo em
que dorme magneticamente. Sente tudo o que sinto, mesmo
quando mordo minha língua, o que ela não pode ver.

Eu estava bastante embaraçado, querendo reconduzi-la a seu
estado normal e desejava terminar a sessão, que já durava mais
de duas horas. Mostrei-lhe minha ansiedade. Ela tomou-me
então as mãos e disse-me que ia fazer o necessário. Com efeito,
após alguns minutos, sem passes de nenhuma espécie, ela abria
os olhos, tinha retomado a sensibilidade normal e perdeu,
seguindo a regra, toda a lembrança do que se tinha passado.

Sexta sessão

Adormeço Joséphine segurando-lhe as mãos e pergunto-lhe

o que é preciso fazer para que ela vá ao passado ou ao futuro.
Responde-me que é suficiente desprender seu corpo fluídico e
que em seguida, ela irá aonde quiser. Entretanto os passes
transversais tendem a conduzi-la ao futuro.
Continuo a aprofundar seu sono simplesmente segurando-
lhe as mãos, projetando fluido por minha vontade e dizendo-lhe
para ver o que ela se tornará.

Passa pela fase do nascimento. Quando a interrogo, tem
quarenta anos; conta-me que sua mãe faleceu há quinze anos.

Continuo a magnetização. Ela morre. Sua sensibilidade não
é mais então exteriorizada a seu redor como anteriormente.
Encontro-a aturdida. Não sofre e encontra-se numa semiobscuridade.
Recorda-se vagamente de suas vidas precedentes; a
recordação é avivada pela pressão exercida sobre o meio da
fronte. Ela tem o sentimento de que a sedução da qual foi vítima
é a punição do que fez na existência de Jean-Claude. Crê que se

o Senhor de Rochas a tivesse advertido do que devia acontecer,
nada teria mudado em sua existência.

Reencarna como menina, chama-se Élise, e morre aos três
anos, de uma angina. Nesse momento leva a mão ao pescoço e
parece sofrer muito. Morre; a sensibilidade que tinha voltado em
torno de seu corpo desaparece novamente.

Morta, ela pensa em sua mãe e quer muito revê-la. Não sofre
e encontra-se numa atmosfera bastante luminosa.

Reencarna como menina, Marie, cujo pai, Edmond Baudin,
é comerciante de sapatos em Saint-Germanain-du-Mont-d'Or.
Sua mãe chama-se Rosalie. Interrogo-a com dois, seis e doze
anos; com esta idade pergunto-lhe em que ano nos encontramos,
mais ela não sabe responder-me e encontra pretextos: não leal
calendário, seu pai não, etc. Com dezesseis anos responde-me
que estamos em 1970 e escreve seu nome.(47) É uma sexta-
feira, mas ela não sabe de que mês. Estamos na Republica.(48)

(47) Esse nome é escrito com a mesma letra que a sua normal. -A. R.
(48) Nota de Hermínio C. Miranda: Resolvi testar a informação. Em
15 de maio de 1972, enderecei uma carta a M. Edmond Baudìn,
marchand de chaussures, Saint Germain-du-Mont-d'Or; Puy-de-Dome,
França. Explicava ao hipotético destinatário -em francês que o amigo e
confrade Newton Boechat revisou para mim -das razões que me levavam
a escrever-lhe. Segundo pesquisas feitas em 1904, pelo seu compatriota
coronel e engenheiro Albert de Rochas, ele, Baudin, e sua esposa, Rosalie,
deveriam ter uma filha, por nome Marie, já com cerca de dezoito anos de
idade em 1972. Como estávamos interessados em confirmar ou negar a
previsão, contávamos com a sua amável cooperação.
O correio francês foi maravilhoso. Tentou todos os endereços
possíveis. Vejo, pelos carimbos-a carta me foi devolvida em 22 de junho
de 1972 -que ela esteve a 20 de maio, em St. Germain-au-Mont-d'Or; no
Rhône (nosso St. Germain era du-Mont-d'Or; e não au); no dia 23, em St.
Germain-Lembron, no puy de Dôme, e a 24, em St Germain-I'Herm,
também no Puy-de-Dôme. Em seguida, há uma nota Revoir I' Adresse
(tornar a ver o primeiro endereço). Depois disso, Retour a l'envoyeur
(Devolução ao remetente).

Não há, pois, um lugar por nome Saint-Germain-du-Mout-d'Or na
França moderna. Depreende-se que não á, portanto, Edmond, Rosalie e
Maia Baudìn, e obviamente, Joséphine falhou na sua profecia longo


termo. Ou então o coronel enganou-se nas suas anotações, pois em 1904
não havia gravadores. Ou a família Baudin estaria vivendo em alhures....

Trago-a de volta por sugestão, ainda segurando-lhe as mãos,
mas esforçando-me para retirar o fluido. Ela passa pelas mesmas
fases, na mesma ordem, mas em sentido inverso: erraticidade
com insensibilidade periférica, morte com os sintomas da
angina, erraticidade, nascimento com contorções apropriadas.

Sétima sessão

Nesta sessão propus-me descobrir o que adviria se, após
haver estimulado através de passes a caminhada para trás ou
para adiante com Joséphine, eu deixasse a natureza dela agir
sozinha.

Adormeço-a através de passes longitudinais e, quando a
interrogo, ela tem quinze anos. Pergunto-lhe se me vê; responde-
me que não. No entanto, olhe minha voz e pensa que é o diabo
quem fala; porém não sente medo. Ela não conhece o Senhor de
Rochas.

Abandono-a então a si mesma. São 1h30.

A 1h40 -interrogo-a novamente. Ela permanece bastante
tempo sem me responder. Quando me responde tem dez anos,
não me vê, mas me ouve. Encontra-se com jovens companheiros
que não me ouvem e que lhe dizem que ela é louca. Sua
sensibilidade é exteriorizada.

2h 10 -ela tem cinco anos.

2h25 -ela não sabe sua idade. Mama em sua mãe e mexe os
lábios como que sugando. Chupa meu dedo quando o apresento
à sua boca.

2h35 -agita-se e parece sofrer. Ela é Jean-Claude morto.
Desperto-a então através de passes transversais e abandono-a a
si mesma quando atinge a idade ele dois anos, em sua vida atual.


2h50 -ela continuou sozinha o movimento dado ao tempo.
Tem agora quatro anos.

Levou quinze minutos para envelhecer dois anos. Se
continuasse da mestra forma ser-lhe-ia necessários para
envelhecer quatorze anos (de quatro a dezoito anos) uma hora e
quarenta e cinco minutos. Ela despertaria portanto naturalmente
às 4h30.

3h10 -tem nove anos. Ouve-me e não me vê. Supõe que
minha voz é a do anjo da guarda.

De 2h50 às 3h10 -ela envelheceu cinco anos, isto é, em
vinte minutos; a rapidez do despertar acelera-se.

3h25 -ela tem doze anos.

3h40 -tem quatorze anos.

Construindo a curva correspondente a esses dados, vê que
ela chegará à sua idade atual (entre dezoito e dezenove anos) em
torno de 4h00.

4h08 -despertar espontâneo.

Oitava e última sessão

Joséphine, não tendo podido obter a vaga que desejava nas
Galerias Modernas, decidiu unir-se de novo à sua mãe em
Manziat. Adormeço-a uma ultima vez antes de sua partida a fins
de tentar pô-la em guarda contra a sedução que previu.

Impulsiono-a em direção ao futuro. Ela não me fala atais de
sua vaga em uma loja de Grenoble, porem o restante de suas
previsões é exatamente conforme o que me havia dito
anteriormente. Passa pelas mesmas dores no momento do parto,
a mesma vergonha, os mesmos desgostos quando dá a luz seu
filho, sem o que o pai tenha querido reconhecê-lo.

No momento em que foi despertada, relembrei-lhe todos
esses acontecimentos, todas essas emoções, através da pressão
no meio da fronte. Fiz-lhe observar que ela não havia sido


recebida como vendedora nas Galerias Modernas, como havia
predito, e que, conseqüentemente, tudo o que ela anunciava,
adormecida, podia ser apenas um sonho; entretanto, o que
poderiam se tornar realidade seriam as conseqüências de sua
falta se ela a cometesse.

Sugeri-lhe recordar-se de todos os tormentos que tinha
experimentado durante seu sono quando fosse tentada a
abandonar-se.

No dia seguinte, tendo havido ocasião de retornar a este
assunto, ela me diz sorrindo que um bem advertido vale por
dois.

Desde sua partida para a província de Ain não trais obtive
notícias suas.

Caso n° 3

Eugénie, 1904.

Na época em que eu fazia experiências em Voiron com
Joséphine, encontrei em Grenoble um outro sujet que estudei
com as mesmas ordens de reflexões com o Doutor Bordier,
diretor da Escola de Medicina e de Farmácia, bastante
materialista por educação, porém de espírito bastante aberto para
modificar suas opiniões diante da evidência dos fatos.

Esse sujet era uma mulher de trinta e cinco anos chamada
Eugénie, viúva com dois filhos, que ganhava a vida fazendo
faxinas. Enquanto seu marido era vivo, ela trabalhava numa
fábrica de luvas e os dois ganhavam bons salários, sem
necessidade de economias. Sua natureza é apática, muito franca
e pouco curiosa. Saúde excelente.


Eis o resumo de algumas sessões que tivemos na Escola de
Medicina:

Quando se desprende sob a influência dos passes, Eugénie
vê formarem-se sucessivamente: um fantasma azul à direita e,
em seguida, um outro vermelho à esquerda; esses dois fantasmas
reunem-se a seguir em um só, que apresenta a mesma forma de
sem corpo físico e que se liga a este através de uns laço
luminoso. No meio desse laço há uma espécie de bola mais
luminosa do que o restante e com a ajuda da qual ela vê
simultaneamente seus dois corpos separados. Ela acredita que se
trata de seu espírito.(49)

(49) Obtive a mesma constatação em Paris com Laurent e relatei a
observação nos Annales de Sciences Psychiques em setembro de 1895.
Isso não se reproduz à bola brilhante (o corpo mental?) permanece
algumas vezes em um dos outros dois corpos e então Laurent apenas vê
aquele corpo no qual ele não se encontra – A. R.
Ela está adormecida a alguns minutos com o auxílio de
passes longitudinais aplicados de cima para baixo. Já a fiz recuar
alguns anos. Ela só responde quando é interrogada e não
responde se a pergunta é feita durante uma fase de letargia. É
preciso, então, aprofundar o sono ou proceder a um despertar
parcial para conduzi-la a uma das fases de sonambulismo
vizinhas.

Continuo os passes longitudinais. Vejo uma lágrima cair de
seus olhos. Diz-me que tem vinte anos e que acaba de perder um
filho. Continuação dos passes. -Surge-me a idéia de ver em que
dará o instinto do pudor. Levanto levemente seu vestido; ela o
abaixa com vivacidade: "Não, agora não; não é conveniente
durante o dia." Ela me toma por seu marido, tem dezessete anos
e casou-se há alguns meses.

Continuação dos passes. -Sobressalto brusco com grito de
pavor. Ela viu aparecer a seu lado os fantasmas da avó e de uma
tia, falecidas havia pouco tempo e com alguns dias de
intervalo.(50) agora quatorze anos. Novamente levanto sua saia;


ela defende-se e comprime os joelhos. Pergunto-lhe de que tem
medo e ela me responde que sabe que não se deve brincar assim
com os rapazes.

(50) Esta aparição, que ocorreu na idade à qual a levei, causou-lhe
impressão bastante profunda -A. R.
Ei-la agora com onze anos. Vai fazer a primeira comunhão.
Seus maiores pecados foram ter algumas vezes desobedecido à
avó e sobretudo ter tomado um soldo (51) do bolso de seu pai.
Sentiu muita vergonha disso e pediu-lhe desculpas. Interrogada
se preferia morrer a renunciar à sua religião, ela não responde,
porém a expressão de seu rosto mostra que não aspira ao
martírio.

(51) Nota da tradutora: Soldo-moeda de cobre francesa equivalente á
vigésima parte do franco.
Com nove anos. -Sua mãe faleceu há oito dias; ela está
bastante triste. Seu pai acaba de fazê-la deixar Vinay, onde é
tintureiro, para mandá-la a Grenoble para a casa de seu avô, a
fim de que lá aprenda costura. Ela não tem mais necessidade: de
ir à escola: sabe ler, escrever e contar. Faço-a escrever.

Nova tentativa com seu vestido. Ela me dá um tapa dizendo:
"Garoto vilão! Pare com isso!"

Com seis anos. -Freqüenta a escola em Vinay e já sabe
escrever bem.

Com quatro anos. -Toma conta de sua irmãzinha quando não
está na escola. Começa a fazer exercícios gráficos-motores e a
escrever algumas letras: a, e, i, o, u. Não mais reage ao toque em
seu vestido; seu pudor não foi ainda desperto.

Agora ela é muito menor. Não sabe a idade que tem, não
fala ainda, diz apenas papai, mamãe. Mais adiante falarei sobre
suas impressões durante seus primeiros anos.

Passes transversais, despertando-a, fazem-na passar
exatamente pelas mesmas fases e os mesmos estados de
consciência.


Eis quatro espécimes que mostram o progresso de sua
instrução a partir da idade de quatro anos até sita idade atual:


Na sessão precedente, deixamos Eugénie na fase de bebê
sendo amamentada por sua mãe. Aprofundando bastante seu
sono, determinei uma mudança de personalidade. Ela não estava
mais viva, flutuava numa semi-obscuridade, não tendo nem
pensamento, nem necessidades, nem comunicação com
ninguém.

Novos passes determinara um novo estado. Ela se vê dentro
de um berço muito ruim. Chamam-na Ninie ou Apollonie.(52)

(52) Em poucas sessões, sobretudo no início de nossas experiências,
apresentou-se, entre a personalidade atual e a de Apollonie, a de uma
criança chamada como ela Eugénie Delpit, falecida muito jovem. Sua mãe
teve doze filhos dos quais a maioria morreu muito cedo; seria ela a
reencarnação de um desses filhos que deixou poucos vestígios em sua
memória ou seria um simples erro devido à sua imaginação atual? Ver-seá
caso de intercalação análogo no caso n° 15. -A. R.
Ainda mais distante no passado, ela novamente está
flutuando no espaço, num estado de calma comparável à
experiência do limbo da igreja católica.

Não ousei levar mais longe o sono, pois a magnetização já
durava mais de quarenta e cinco minutos e os dois nos sentíamos
esgotados; porém, pressionando o ponto frontal da memória
sonambúlica, fiz aflorarem-lhe recordações ainda mais remotas.


Ela tinha sido anteriormente uma menina, falecida bem jovem,
em conseqüência de uma febre ocasionada pela dentição; vê os
pais chorando ao redor de seu corpo, do qual se desligou
bastante rapidamente.

Procedi em seguida ao despertar, através de passes
transversais.

Despertando, ela percorre em sentido contrário todas as
fases assinaladas anteriormente e me dá novos detalhes
provocados por minhas perguntas. Algum tempo antes de sua
última encarnação, ela sentiu que era preciso reviver em outra
família, aproximou-se daquela que deveria ser sua mãe e que
acabava de concebê-la; não entrou no feto, porém ficou em
torno de sua mãe até o momento em que a criança veio ao
mundo. Então entrou pouco a pouco, por ímpetos, no pequenino
corpo e só ficou completamente ligada a ele por volta dos sete
anos. Até esse momento viveu parcialmente fora de seu corpo
carnal, que ela via nos primeiros meses de sua vida como se
estivesse colocada fora dele.(53) Não distinguia bem nessa
época os objetos materiais que a cercavam, mas, por outro lado,
percebia espíritos flutuando a seu redor. Alguns, muito
luminosos, protegiam-na contra outros, sombrios e maléficos,
que procuravam influenciar seu corpo fluídico; quando estes
últimos o conseguiam, provocavam esses acessos de raiva que as
mães chamam de pirraça.

(53) Minhas mais antigas recordações remontam a uma cena da qual
participei aos dezoito meses; vejo ainda a cena que muito me
impressionou e vejo-me a mim mesmo em parte. De uma investigação
feita com as pessoas de minha relação, concluo que este fenômeno e
bastante freqüente. Como apoio a esta afirmação citarei um trecho de
uma carta que o Doutor Maxwel, então advogado geral em Bordeaux,
escreveu-me com a data de 18 de janeiro de 1905: "conheço uma sensitiva
que educa o filho. Ela é um sujet bastante notável e vê naturalmente. A
criança não é sua, mas foi-lhe confiada desde o nascimento."Ela,
sobretudo na obscuridade, vê ao lado da criança uma sombra luminosa,
de traços mais formados do que os da criança e um pouco maior do que

esta. Esta sombra, quando a criança nasceu, estava mais afastada dela do
que o está agora. Parece penetrar pouco a pouco dentro do corpo. A
criança tem quatorze meses e a penetração é de cerca de dois terços. Esta
sensitiva freqüentemente via o corpo astral dos moribundos desprender-
se. Parece-lhe acinzentado, estendido acima do corpo que parece flutuar."
-A. R.

Após uma impressão bastante violenta,(54) produzida na
Escola de Medicina quando de sua passagem casual enquanto
estava exteriorizada a um metro de uma estante em que havia
um pires com uma quantidade bem pequena de sulfureto de
cálcio fosforescente, Eugénie não quis mais ir a esse
estabelecimento e não pude continuar minhas experiências com
ela a não ser acidentalmente, quando a encontrava em casa de
uma parenta sua, Senhora Besson. Foi então que, instruído pelas
minhas sessões com Joséphine, conduzi-a um dia em direção ao
futuro, através de passes transversais suficientemente
prolongados, depois de alguns passes longitudinais destinados a
adormecê-la.

(54) Ela teve uma perna completamente paralisada e não podia mais
andar. -A. R.
Eu a fiz envelhecer pouco a pouco. Com a idade de trinta e
sete anos (ela na realidade tinha trinta e cinco), manifestou todos
os sintomas do parto e a vergonha desse acontecimento, pois não
se havia casado novamente. Isto devia passar-se em 1906.
Alguns meses mais tarde ela parece afogar-se. Fi-la envelhecer
dois anos; novos sintomas de parto. Pergunto-lhe onde está neste
momento. "Sobre as águas", diz-me. Esta estranha resposta fez-
me supor que ela divagava e reconduzi-a ao estado normal.

Ora, tudo o que ela havia predito realizou-se. Tomou-se
amante de um operário de fábrica de luvas, com quem teve uma
criança em 1906. Pouco depois, desesperada, joga-se no rio
Isère, e salvam-na, agarrando-a por uma perna. Enfim, em
janeiro de 1909, deu à luz uma segunda vez, sobre uma das


pontes do rio Isère, onde foi tomada subitamente pelas dores do
parto retornando de suas faxinas.

Este caso seria verdadeiramente admirável se eu pendesse
afirmá-lo de forma absoluta. Infelizmente, na casa da Senhora
Besson, eu me contentava em produzir rapidamente alguns
fenômenos, sem tomar nenhuma nota, e nem sequer
impressionei-me cor suas predições, que eu considerava ou
incoerências ou previsões justificadas pela sua nova vida. Foi
apenas quando os acontecimentos se produziram que as
recordações da Senhora Besson e as minhas nos voltaram;
porém, o quanto é preciso desconfiar das lembranças que
despertara depois dos acontecimentos!.

Caso n° 4

Senhora Lambert, 1904.(55)

Primeira sessão

Adormeço a Senhora Lambert através de passes
longitudinais, dizendo-lhe para concentrar-se ao invés de
exteriorizar-se como o faz habitualmente. Ela recua assim no
curso de sua vida até a época que precede seu nascimento.

(55) Senhora Lambert tinha, nesta época, cerca de quarenta anos de
idade. Durante muitos anos serviu as minhas experiências. É um sujet
excepcionalmente sensível e infelizmente sujeito a graves perturbações
nervosas. Mora em Paris e apenas durante a estada que lá fiz, em 1904,
pude começar com ela o estudo relativo aos fenômenos das vidas
sucessivas, entretanto, foi com ela o estudo relativo aos fenômenos
sucessivas, entretanto foi com ela que obtive, pela primeira vez a visão do
futuro. Nela as fases de letargia são rapidamente transportadas e apenas
levemente reconhecíveis. A. R.

Começa por ver-se na época de sua primeira comunhão;
depois transporta-se ao momento em que a mãe fica gravemente
doente antes de entrar para o castelo de R..., onde ficou
empregada durante mais de trinta anos. Ela tem então quatro ou
cinco anos. Não se vê, mas vê a paisagem e descreve a casa que
lhe servia de habitação e da qual não conserva nenhuma
lembrança no estado de vigília.

Continuação dos passes longitudinais. Ela experimenta uma
sensação do nada, que muito a apavora. Em seguida uma
sensação vaga como a de uma alma que se forma. Sente-se
bastante fatigada. Desperto-a por meio de passes transversais.

Segunda sessão

Faço-a rapidamente recuar no tempo até a época que
precedeu o nascimento.

Ela se vê então como uma bola levemente luminosa errando
no espaço, sem pensamento. Não terra nenhuma recordação de
vidas anteriores.

Não tento levá-la para época mais remota e a reconduzo
primeiro lentamente ao tempo presente cora o auxílio de passes
transversais. Sente-se no ventre de sua mãe, de cujas impressões
participa vagamente. No momento de seu nascimento,
experimenta uma sensação nova e bem nítida: respirar.

Quando Madame Lambert retornou a seu estado normal (o
que constatei pela sensibilidade cutânea), continuei os passes
transversais sob o pretexto de desligá-la mais completamente,
porém na verdade queria saber o que ocorreria.

Após alguns instantes, sem fazer-lhe perguntas por medo de
ocasionar uma sugestão, peço-lhe que vá olhar-se no espelho e
que me diga de que cor são seus cabelos. Ela os vê metade
grisalhos, apesar de, na realidade, serem ainda completamente
pretos. Continuo os passes transversais, em seguida digo-lhe


para levantar-se. Ela se encontra muito fraca, queixa-se a cada
dia de perder suas forças. Interrogo-a sobre suas ocupações, seus
recursos. Responde-me que decidiu viver com o irmão caçula,
de cuja casa ela cuida. (Atualmente vive só; está persuadida, no
estado de vigília, de que seu irmão vai casar-se e é por isso que
não mora com ele.)

Com quarenta e cinco anos, isto é, em 1909, ela se vê no
campo, perto de um velho do qual trata. Aborrece-se muito. (56)

(56) Isto não aconteceu. Em 1911 ela ainda mora em Paris e serve as
experiências dos Srs Durville e Lanclin – A. R.
Receando um acidente nessa via ainda inexplorada, não
ouso continuar mais o envelhecimento sem preveni-la. Pergunto-
lhe se não acha inconveniente que eu empregue minha ciência
magnética para fazê-la ver o que se passará consigo no momento
da morte, momento que ninguém pode evitar. Ela se recusa
obstinamente e a trago a seu estado normal através de passes
longitudinais.

Nesse estado ela não tem nenhuma recordação do que se
passou durante o sono precedente. Narro-lhe o que aconteceu, o
que não apresentava inconveniente, uma vez que minhas
experiências com ela não deveriam renovar-se devido à minha
partida de Paris. Ela se admira por ter sentido medo da morte,
ela que se prende tão pouco à vida e que tem uma tão grande
confiança em mim. Crê que após uma ou duas sessões habituarse-
ia a essa idéia e deixar-me-ia conduzir seu sono até onde eu
julgasse útil. Isso comprometeu-me a tentar no dia seguinte uma
nova sessão, que deu os mesmos resultados e durante a qual me
defrontei com a mesma resistência que julguei não dever forçar.

Caso n° 5

Louise, 1904-1908-1910.


Louise é uma jovem senhora que tem atualmente (1911)
trinta e seis anos. É filha de uma de minhas antigas empregarias.
Teve a juventude enfermiça, mas hoje e saudável. De
inteligência bastante viva, começou por trabalhar numa fábrica
de seda onde se tornou operária hábil. Teve ocasião de conhecer
estudos psíquicos assistindo a minhas experiências com sua
amiga Joséphine em 1904 e 1905. Hoje ela se ocupa do
tratamento dos doentes pelo método do Senhor Bouvier, de
Lyon, com quem colocou-se em contato. Ela os trata o mais
freqüentemente à distância e fez, parece, curas extraordinárias
em maníacos e degenerados, prosseguindo o tratamento durante
vários meses e com grande espírito de caridade.

Ela é adormecida com grande dificuldade pelos passes
magnéticos, mas goza das propriedades de ver, estando desperta,

o corpo astral exteriorizado dos sujets e de exteriorizar-se por
sua própria vontade. Durante minhas experiências com
Joséphine, ela percebia o corpo astral desta, quando ele se
desprendia, sob forma vaporosa que se condensava pouco a
pouco para tomar forma humana, forma que mudava de acordo
com a idade e a personalidade às quais era levado
momentaneamente o sujet. Esse corpo astral era luminoso
durante os períodos de vida e sombrio nos intervalos entre as
diversas existências. No momento que correspondia à morte, ele
parecia dilatar-se, obscurecendo-se e perdendo sua forma.
Quando Louise se encontrava em contato com essa espécie de
nuvem densa, experimentava uma sensação de frio muito
penosa, a mesma que sente quando se aproxima de uma pessoa
que acaba de morrer.

Durante muito tempo eu me limitava a utilizar essa
faculdade crendo Louise pouco capaz de outra coisa. Mas acabei
por querer tentar também nela a regressão da memória.

Em 1° de maio de 1908, consegui adormecê-la através de
passes prolongados e exteriorizar seu corpo astral, que se
colocou entre ela e mim. Coloquei então em funcionamento o
fenômeno de regressão por sugestão. "Você tem trinta anos,
vinte e cinco, vinte, quinze etc." Em cada uma dessas idades ela
representou a doença que tinha na época.

Chego assim a seu nascimento e ao período que o precede.
Ela primeiro me responde com dificuldade e, depois, melhor,
quando ajudo com a pressão no meio da fronte.

Recorda-se ao invés de representar.(57) Ela foi um padre,
falecido muito velho, um bom padre simplesmente agarrado a
seus deveres sacerdotais. Morre e permanece na penumbra,
durante longo tempo, até aperceber-se bem de seu estado, que no
princípio não compreendia, pois acreditava encontrar o paraíso
ou o purgatório e não via nada. Louise toma então a cabeça entre
as mãos e põe-se a soluçar; as lágrimas rolam de seus olhos. (No
estado de vigília ela é bastante calma e, antes de tudo, prática.)
Interrogo-a e ela termina por responder-me que é muito infeliz
por ter ensinado coisas inexatas. Faço-a observar que não foi por
sua culpa e que mais vale ter falado a seus paroquianos sobre o
céu e o inferno do que tê-los deixado crer que nada mais havia
após a morte. "Sim, é verdade; porém infelizmente eles não
crêem mais no inferno e, se fossem persuadidos de que há uma
série de existências nas quais se expiam as faltas das existências
precedentes, eles se conduziriam bem melhor."

(57) Nota da editora: Interessantíssima a observação de de Rochas,
permitindo-nos concluir que o sujet pode apenas lembrar-se do ocorrido
ou revivê-lo. Durante as experiências com Luciano dos Anjos, narradas
no livro Eu sou Cammile Desmoulins (Publicações Lachâtre), Herminio
C. Miranda constatou o mesmo fenômeno. Em certo ponto do diálogo
com Luciano já adormecido, e lhe pedido uma informação: que teria ele

falado, na personalidade do revolucionário francês Camille Desmoulins,
certa noite, enquanto jantava em companhia da esposa e amigos? O
sensitivo, que, no momento, apenas está se recordando, mas não está lá,
não se lembra da frase expressa cento e oitenta anos antes. Como lhe é
dito ser importante àquela resposta, ele contrapõe: -Então espera que eu
vou lá. -Decorridos alguns momentos de silêncio, ele retoma o diálogo: Já
estou aqui. O que mesmo você quer? O operador repete a pergunta e
ele começa logo a respondê-la. Era exatamente a frase que ficara
registrada nos anais da história. Para maiores detalhes, ver o item 6° do
capítulo 4 da obra memória e o tempo (Publicações Lachâtre), de
Hermínio C. Miranda.

-Então você deseja reencarnar?
-Sim, para poder instruir-me mais e difundir a verdade para


o povo, cuidando dele.
-Então é preciso reencarnar numa família rica que lhe dará
instrução?
-Não; é preciso, ao contrário, que eu nasça na miséria para
conhecê-la.
Em 15 de julho de 1910, tive ocasião de rever Louise e
aproveitei para saber se ela me diria a mesma coisa que disse
havia dois anos sobre sua reencarnação. Adormeci-a e a fiz
voltar no tempo por sugestão. Quando chegou ao período
precedente a sua atual encarnação, pedi-lhe que se lembrasse de
sua vida anterior.

Ela refletiu durante bastante tempo e respondeu-me por
partes: -Vejo-me... fui velho, habitante do campo... estou
vestido... sou um padre...

-Você quer reencarnar?

-Sim.

-Numa família rica?

-Não; com gente pobre para aliviá-la.

Levei mais longe por sugestão o recuo no passado. Como as

recordações chegavam confusas, ela me pediu que lhe
aprofundasse o sono através de passes, o que fiz. Lembrou então
que, em sua existência precedente, nasceu era Méaudres (cantão


de Villardde-Lans), localidade com a qual na vida atual ela não
tem nenhum vínculo; que fez seus estudos eclesiásticos no
grande seminário de Grenoble e que, antes dessa existência,
tinha sido uma moça, falecida jovem e bastante orgulhosa, o que
lhe valeu uma passagem muito penosa na penumbra, onde
encontrava espíritos maus que a atormentavam. Trouxe-a então
de volta à sua idade atual através de passes transversais e de
sugestões. Em seguida, levei-a em direção ao futuro; ela então
fez-me previsões das quais reconheço a probabilidade quando a
interroguei completamente despertada e tendo perdido a
lembrança do que me havia dito durante o sonambulismo.

Louise é um sujet que apresenta fenômenos curiosos que
não tive tempo de experimentar de forma a poder apresentá-los
com certeza.

Eis o que me pareceu produzir-se diversas vezes. Ela
exterioriza, no estado de vigília, por um simples esforço da
vontade, seu corpo astral ou alguma coisa análoga. Outra pessoa
não pode vê-lo. Ela pode dar a essa substância exteriorizada a
forma que deseja. Pode, inclusive, materializar seu pensamentoe torná-lo visível a sensitivos. É assim que, pensando fortemente
em mim ou numa pessoa cujo retrato encontra-se dentro do
cômodo, sua amiga Joséphine, que é bastante sensível, vê
desenhar-se no espaço seja seus traços, seja os do retrato, sem
saber em que pensava Louise.

Concebe-se então que, se ela participasse de uma sessão
espírita em que se desejasse o aparecimento de uma pessoa que
ela mais ou menos conheceu, ela poderia formar sua aparência e
torná-la visível aos sensitivos. Talvez mesmo, se ela ficasse
suficientemente reforçada por uma corrente, pudesse
impressionar placas fotográficas, produzir impressões ou tornar
as pessoas visíveis para todo mundo.


Eis um outro tipo de sensibilidade, segundo o resumo de
uma sessão que fiz com Louise e Joséphine em 6 de novembro
de 1905:

Adormeci, hoje, Joséphine e disse-lhe para subirem corpo
fluídico tão alto quanto pudesse a fim de verificar se ela veria as
mesmas coisas que a maioria de meus outros sujets.

Ela não sentiu nada de particular, exceto a sensação de estar
a uma grande altura acima do solo. Louise viu um cordão
luminoso que saía da cabeça de Joséphine, elevava-se
verticalmente e expandia-se levemente abaixo do teto.
Concentrou então fortemente seu pensamento para elevar-se
pela mente até uma certa altura, em seguida dirigiu-se
horizontalmente em espírito para acima de Joséphine. Esta
sentia imediatamente um contato que demonstrou por um
ressalto brusco, mas ela diz que foi um cordão fluídico e não o
corpo astral que tinha sido tocado. Louise elevou-se mais alto e
procurou esse corpo astral, mas não tocou mais nada, sem
dúvida porque o havia ultrapassado. Desmagnetizei Joséphine
através de passes transversais. Louise viu como que grandes
flocos luminosos que desciam ao longo do cordão, depois tudo
desapareceu no corpo de Joséphine, que despertou.

Permanecendo desperta, Louise tentou mão exteriorizar-se
ainda mais de maneira a tocar-me à distância. Afastou-se dez
passos e anunciou que ia tocar meu braço. Joséphine novamente
adormecida, viu efetivamente, após algum tempo, a aura
luminosa de meu braço, que se condensava. Em seguida
distinguiu primeiro uma mão, depois um braço que sustentava a
mão. Falei-lhe para procurar a origem desse braço; ela o fez e
disse que ele partia de Louise.

Eu não havia sentido nada e supus que isso era devido a que
as vibrações provocadas por Louise não estivessem no limite de
minhas percepções; porém, como elas deviam existir, uma vez
que Joséphine as percebia como se aplicassem diretamente sobre


si, pensei que meu corpo poderia servir de intermediário.
Preveni então, diretamente e em segredo, Louise para que me
tocasse sucessivamente pelo pensamento o nariz, a fronte, a
perna e a nuca. Em seguida retornei a Joséphine a quem tomei as
mãos para estabelecer o relacionamento. Os contatos
convencionados efetuaram-se na ordem indicada.

Caso n° 6

Srta. Mayo,1904.(58)

O sujet é uma moça de dezoito anos, perfeitamente sã e que
jamais ouviu falar sobre magnetismo ou espiritismo.

(58) A srta. Mayo é filha de um engenheiro francês que passou parte
de sua vida construindo estradas de ferro no Oriente e que lá faleceu. Sua
mãe casou-se novamente com um outro engenheiro francês que
igualmente constrói estradas de ferro no Oriente. Quanto a ela, foi criada
até a idade de nove anos em Beirute, onde estava confiada aos cuidados de
criados indígenas e aprendia a ler e a escrever em árabe. Em seguida foi
levada para a França e vive com uma tia que mora em Provence. Nasceu
em Barjol (Var) em 22 de fevereiro de 1887. -A. R.
Tendo durante cerca de dois meses vivido na mesma casa
que essa jovem, pude proceder às experiências bem lentamente e
sem tomar nenhum partido, deixando suas faculdades
desenvolverem-se na direção para onde estavam naturalmente
orientadas.

Quase todas essas sessões tinham por testemunha o Doutor
Bertrand, presidente das câmaras municipais de Aix e médico de
sua família, e o Senhor Lacoste, engenheiro, amigo de seu
padrasto, que tiveram a amabilidade de tomar notas. Essas notas
são preciosíssimas, uma vez que o Doutor Bertrand e o Senhor
Lacoste, não tendo jamais assistido a esses fenômenos,


indicavam as diferentes fases muito melhor do que eu o teria
feito, porque, habituado àqueles, estas me impressionam menos.
Também reproduzi em extenso, crendo que o leitor perceberia
assim muito melhor o desenrolar das sessões.

Diário das sessões

1° sessão: 2 de dezembro de 1904

Tento, por meio de passes longitudinais, adormecer Mayo;
após alguns minutos ela tem a impressão de que está
aumentando. Eu a trago de volta a seu estado natural através de
passes transversais.

Retomo a experiência após quinze minutos e chego a
determinar o primeiro estado de letargia. Não sigo adiante e a
desperto.

2° sessão: 4 de dezembro de 1904

Tento adormecer e despertar Mayo através da pressão nos
pontos hipnógenos dos punhos. Chego a determinar um sono
leve e uma muito fraca sugestibilidade.

3° sessão: 5 de dezembro de 1904

Levo Mayo até o estado de sonambulismo por meio de
passes longitudinais. Nesse estado ela mantém os olhos abertos
e está em comunicação com os assistentes. Tento o efeito da
música. Yann Nibor canta diante dela algumas de suas obras
mais emocionantes. Mayo ergue-se, cativada, e representa as
emoções que experimenta, com menos intensidade todavia do
que Line.(59) O piano não somente produz efeitos mínimos,
como parece por vezes ser-lhe desagradável.


Após esses testes retomo a magnetização de Mayo e levo-a
ao estado de rapport, onde ela não ouve e nem vê senão a mim.

(59) Nota da editora: À página 97, veremos que Line é seu nome em
sua encarnação imediatamente anterior à atual.
4° sessão: 6 de dezembro de 1904

Levo seu sono até o momento em que ela vê formar-se a seu
lado um fantasma levemente luminoso; a visão é confusa. Não
encontro nenhum indício de regressão da memória.

5° sessão: 7 de dezembro de 1904

Lentamente, por meio de passes, faço Mayo passar
novamente pelos diversos estados da hipnose que ela já
percorreu. Constato que aceita as sugestões apenas durante um
instante bastante curto, ao final da primeira letargia.

Nesse estado de sonambulismo que se segue ela não é
absolutamente sugestionável. Conserva a memória do que se
passou no estado de vigília e nos precedentes estados de
sonambulismo. Pressionando o meio da fronte, determino as
recordações relativas aos fatos que se passaram anteriormente
nos estados arais profundos.

Após a segunda letargia, o estado de rapport manifesta-se
bastante nitidamente: Mayo não houve e nem vê nada ou
ninguém, apesar de recordar-se ainda de meu nome e do seu.
Percebe os fluidos e apresenta o fenômeno da exteriorização da
sensibilidade.

Após uma nova letargia (a terceira), ela entra no estado
caracterizado pela simpatia ao contato, isto é, sente todas as
ações exercidas sobre mim quando a toco. Além do mais, ela
perdeu a lembrança de tudo o que se passou nos estados
precedentes.


6° sessão: 9 de dezembro de 1904

Mayo consegue exteriorizar mais completamente seu corpo
astral. Ela o vê nitidamente a seu lado. Digo-lhe para dar-lhe a
forma de sua mãe(60) ela o consegue.

Nenhum vestígio de regressão da memória.

(60) Como resultado de numerosas experiências que fiz com dois
sujet, das quais um podia exteriorizar seu corpo astral e o outro vê-lo,,
temos que aquele que exterioriza seu corpo astral pode modelá-lo pela sua
vontade assim como o escultor modela a cera com seus dedos. Uma dessas
experiências foi realizada em Paris, em seu gabinete, na presença de
Aksakov, com a senhora d'Espérance, como sujet! Vidente, e com a
Senhora Lambert, como sujet que se exterioriza. -A. R.
7° sessão: 10 de Dezembro de 1904

Exteriorização completa do corpo astral, que se forma ao
lado do sujet. Determino a Mayo que faça subir seu corpo astral
tão alto quanto possa. Constato que ela o desloca, porém não
pode fazê-lo atravessar o teto. Experimenta uma sensação
dolorosa cada vez que toco o cordão fluídico que se eleva acima
de sua cabeça.

8° sessão: 11 de dezembro de 1904

Esta sessão é consagrada ao estudo das expressões do rosto e
dos gestos provocados em Mayo pelos sentimentos expressos
musicalmente. E Yann Nibor quem canta. Mayo exprime
admiravelmente os sentimentos em si despertados bela
Marselhesa (exprime os mesmos gestos que Linc) e pela honra e
pátria de Yann Nibot.

9° sessão: 12 de dezembro de 1904


Nesta sessão estudarmos especialmente o desenrolar do
fenômeno do ponto de vista do tempo. É o Senhor Lacoste quem
toma notas contando as horas à moda italiana, de um a vinte e
quatro, partindo de meia-noite.

13h30 -Estado de vigília; nenhuma sugestibilidade. Os
passes não produzem efeito algum sobre o sujet.

13h33 -O Senhor de R. toma então as mãos de Mayo e
coloca seus polegares contra as palmas das mãos do sujet. Por
sua vontade projeta seus fluidos em Mayo, que sente
imediatamente uma corrente subir por cada um de seus braços.

Após um minuto (13h34) o sono é completo.

13h36 -Mayo sai da letargia para entrar no sonambulismo
que o Senhor de Rochas chama de segundo estado da
hipnose(61) os olhos se abrem, ela apresenta inteiramente a
aparência da vigília, porém apresenta a insensibilidade cutânea.

(61) O primeiro estado é o estado de credulidade, que precede a
primeira letargia e que é caracterizado pela sugestibilidade. Este estado
não se apresentam em todos os sujets e particularmente em Mayo -A. R.
O Senhor de R. continua sua ação pelas mãos e determina
assim a segunda letargia. Apercebendo-se de que a respiração
diminui, ele a restabelece colocando sua mão direita espalmada
sobre o peito do sujet. Continua em seguida a magnetização por
meio de passes.

13h39m30 -Mayo desperta no estado de rapport (terceiro
estado). Ela não é mais sugestionável. Recusa-se a mostrar as
pernas(62) entretanto consente em abraçar o Senhor de R. Não
percebe os fluidos das mãos nem o interior de seu corpo.
Começa a exteriorizar-se e a sentir as sensações provocadas no
magnetizador (por ação direta) nos pontos onde ele a toca.

(62) Em todos os sujets em que estudei o ponto-de-vista da regressão
da memória. Constatei que o instinto do pudor não se manifesta senão
aproximadamente na idade de cinco ou seis anos. Ver-se-á pela

continuação desta descrição que se deu da mesma forma com Mayo. -A.

R.
13h44 -Continuação dos passes; terceira letargia.

13h46 -Despertarem um novo estado, o quarto (63) Ela não
se recorda de já ter estado nele. Experimentam a distância as
sensações do magnetizador. Esqueceu seu nome. O instinto do
pudor persiste; recusa-se a mostrar suas pernas.

(63) Esses nomes foram dados, quando de minhas experiências,
segundo os sintomas que haviam parecido característicos, mas que nem
sempre são tão nítidos e marcantes em todos os sujets. Os fenômenos
desenvolvem-se geralmente na mesma ordem, porem as fases de letargia
são como os degraus de uma escada que podem ser deslocados levemente
em um sentido ou em outros. E limitarei doravante a especificar os
estados por um numero de ordem – A.R.
13h47 -Continuação dos passes; entrada na quarta letargia.

13h50 -Despertar no quinto estado. O Senhor de R.
constata, beliscando o ar ao redor de Mayo, que ela começa a
desprender-se pela cabeça. Ela apóia, durante cerca de um
minuto, a cabeça no ombro do magnetizador, como que para
adquirir forças; em seguida volta à sua atitude habitual.
Esqueceu seu nome; lembra-o quando o Senhor de R. fricciona-
lhe a raiz do nariz.

13h54 -Continuação dos passes. Entrada na quinta letargia
corra uma leve sacudidela.

13h56 -Despertar no sexto estado. Ela vê formar-se à sua
esquerda um fantasma luminoso. O Senhor de R. constata que é
nesse fantasma que se localizou toda a sua sensibilidade. Ela
recusa-se a mostrar as pernas, mesmo a uma mulher.

14 horas -O Senhor de R. continua a magnetização
entremeando os passes com as pressões do polegar na palma da
mão do sujet. Entrada deste na sexta letargia.

14h01 -Despertar no sexto estado. Mayo vê seu fantasma à
direita; o da esquerda desaparecem quase que completamente.


Ela se recorda de já ter visto aparecer sua mãe (sexta sessão),
porém não deseja revê-la.

14h03 -Continuação da magnetização. Entrada na sétima
letargia.

14h04 -Despertar no oitavo estado. O corpo astral está
completo. O Senhor de R. tenta fazê-lo subir, enviá-lo ao outro
aposento; o corpo foi retido pelo teto e paredes. O Senhor de R.
diz a Mayo que lhe estenda a mão direita astral e ele a belisca;
Mayo sente a beliscada.

Ela vê como um cilindro luminoso o círculo traçado pelo
Senhor de R. ao redor dela.

14h11 -O Senhor de Rochas procede ao despertar, por meio
de passes transversais, e ela acorda rapidamente.

14h15 -O despertar é completo. Mayo não se sente
absolutamente fatigada. O indicador de sua mão direita
apresenta a marca bem nítida de uma unha.(64)

(64) Este estigma persistiu durante varas horas após o despertar. –
A.R.
10° sessão: 13 de Dezembro de 1904

Pesquisa dos pontos hipnógenos por rareio da
insensibilidade cutânea e da sensibilidade à distância. Procuro
um pouco ao acaso e somente nos locais onde posso permitir-me
a exploração. Constato que há pontos hipnógenos nos dois
punhos, abaixo dos olhos, abaixo e atrás das orelhas, na
depressão interclavicular.

11° sessão: 14 de dezembro de 1904

Sessão consagrada aos efeitos musicais durante o
sonambulismo. O piano continua a ser pouco agradável.


12° sessão: 16 de dezembro de 1904

Reprodução,dos fenômenos de exteriorização do corpo
astral pela formação sucessiva de um semifantasma à esquerda,
seguida de um semifantasma à direita. Uma singularidade
inexplicada apresentou-se aqui: Mayo, olhando seu fantasma
surrado à sua esquerda, viu-o de perfil, roas de perfil virado para
trás, ao invés de estar no mesmo sentido de seu corpo físico.

13° sessão: 17 de dezembro de 1904

Após ter constatado mais unta vez que Mayo não é
sugestionável nem no estado de vigília, nem no estado de
sonambulismo, adormeço-a muito lentamente com o auxílio da
pressão no ponto hipnógenos de um ou de outro de seus punhos,
repetindo, cada vez, a um momento diferente da primeira
letargia: "Você não poderá levantar-se sem minha permissão."
Constato então que a sugestão não produz seu efeito senão
quando é formulada no instante bem curto que precede a
passagem ao sonambulismo.(65)

(65) Eu já havia observado diversas vezes (Ver Lês estats profonds de
I'Hypnose – cap. 7) que a sugestibilidade, que em outros sujets manifesta-
se desde o estado de vigília(estado de credulidade), aumentava durante a
primeira letargia, persistia durante o sonambulismo e desaparecia
durante a segunda letargia. Em mayo, a curva representando a
intensidade da sugestibilidade desceu abaixo do nível habitual – A.R.
Levo em seguida seu sono até o estado de rapport. Nesse
estado pode-se aproximar uma vela acesa de seus olhos sem que
Mayo perceba; porém, quando olho para a vela, ela recua
vivamente. Aproxima-se um frasco de amoníaco de seu nariz e
ela não sente nada; entretanto, sente-o vivamente logo que
respiro com precaução as emanações do amoníaco.(66) Digo-lhe
que me beije; ela o faz com prazer sobre a face. "boto de leve
seus lábios; ela recua, zangada. Não se recorda de ninguém.


(66) -Há evidentemente aqui outra coisa além do rapport habitual;
há transmissão de sensações é assim que se pode explicar que a Senhora
Lambert, que no estado de rapport não via ninguém além de mim anta
fundo cinza, percebia de repente uma montanha situada a quarenta
quilômetros, quando eu fixava meus olhos sobre essa montanha. -A. R.
Continuo a magnetização. Ela vê formar-se, à sua esquerda,
um fantasma luminoso que apresenta sua forma atual. Digo-lhe
que dê a esse fantasma a forma que ela tinha aos dezesseis anos;
ela se vê com essa idade, depois com quatorze, com doze. Com
dez anos, ela se crê em Marselha, o que é correto. Com oito
anos, está em Beirute, fala de seu pai, de sua mãe e dos amigos
que freqüentavam a casa, o que também é correto.

Faço então, através de passes transversais, o corpo astral
entrar no corpo físico, o que se realiza com um pouco de
dificuldade, e procedo ao despertar completo.

Quando Mayo está bem desperta, não constato mudança
apreciável em sua mente; porém, não querendo arriscar um
acidente, readormeço-a e exteriorizo novamente seu corpo
astral. Ela ainda o vê sob a forma de uma criança de oito anos.
Devolvó-lhe a forma de dezoito anos e a desperto.

Quando ela recai na primeira letargia, digo-lhe que se
esforce por lembrar-se do que se passou durante o sono e de
escrevê-lo para mim.

Repito-lhe este pedido quando ela está acordada.

14° sessão: 18 de dezembro de 1904

No início da sessão, Mayo me dá a anotação seguinte, que
redigiu para obedecer à minha sugestão de ontem:

No momento em que o Senhor de Rochas pressiona meu
punho, sinto alguma coisa forte, quente, que penetra em meu
braço e que me pesa como se eu tivesse muito sono. Ouço
primeiro distintamente e compreendo muitas bem as palavras
que são ditas a meu redor. Em seguida, pouco a pouco, minhas


idéias se embaralharam e não percebo mais do que um
murmúrio, mas compreendo que é o Senhor de Rochas quem
fala. Sinto-me muito bem nesse estado e ficaria sempre nele se
assim quisessem deixar-me. Porém, chega um momento em que
sinto que desperto: revejo tudo o que está a meu redor; penso
como de hábito e não conseguiram que eu fizesse o que não
quero nem que eu acreditasse no que não é verdade.

Não estou, no entanto, como de hábito, uma vez que não
sinto quando me puxam os cabelos, me tocam a mão ou o rosto,
ou quando ponho o dedo sobre a chama de uma vela. Não
experimento nenhuma sensação de frio ou de calor.

"Gosto do Senhor de Rochas um pouco mais do que de
hábito." Ela me conta que durante toda a noite sonhou que
estava ainda em Beirute.

Procuro verificar de novo a sucessão dos estados.

Após a primeira letargia, vem o sonambulismo que chamo
de segundo estado de hipnose (sendo o primeiro estado o de
credulidade, que falta em Mayo); e, era seguida, a segunda
letargia e o estado de rapport (terceiro estado), onde sua
memória começa a ficar confusa sem ser completamente
apagada.

Após a letargia, ela se exterioriza e experimenta minhas
sensações, mesmo quando não a toco, contanto que eu não me
afaste demais (quarto estado). Ela começa a ver desenhar-se um
fantasma azul à sua esquerda e percebe neste um orifício
sombrio acima da orelha e um outro no punho. Esses orifícios
correspondem aos pontos hipnógenos constatados anteriormente
na décima sessão.(67)

(67) Com a Senhora Lambert eu já havia constatado que os pontos
Hipnógenos correspondiam a orifícios mais ou menos profundos no corpo
astral. Nela havia não somente pontos hipnógenos como também
superfícies bastante extensas, gozando da mesma propriedade. A essas
superfícies correspondiam espécies de incisões no corpo astral, por onde o

fluido corria para fora. Fiz as mesmas constatações com outros sujets.


A.R.
4-letargia.

5° estado -Mayo vê seu fantasma à direita vermelho; ela o
vê de perfil e percebe um orifício sombrio na fronte e no punho.

5-letargia.

6° estado -Ela vê, como num espelho, seu corpo fluídico
completamente formado e de frente, diante de si. Percebe
orifícios sombrios nos dois lados da fronte, acima das orelhas e
na depressão interclavicular. Este é o maior de todos.

Provoco o despertar através de passes transversais.

O corpo astral volta a seu corpo físico sem desdobrar-se em
fantasma vermelho e fantasma azul.

15° sessão: 19 de dezembro de 1904

Adormeço Mayo pela pressão do ponto hipnógeno de seu
punho esquerdo.

A primeira letargia e o segundo estado (sonambulismo) não
apresentara nada de particular.

Durante o terceiro estado (rapport), o Doutor Bertrand
aproxima dos olhos de Mayo uma vela acesa: nenhum
movimento, mas há recuo brusco e pálpebras abaixadas logo que
olho para a chama. O doutor aproxima um frasco de amoníaco
do nariz de Mayo, a quem digo para aspirar fortemente; ela o faz
e não sente nada, porém desvia precipitadamente a cabeça
quando toco a mão do doutor.

Suas pernas são apalpadas, ela não reage. Suas coxas são
apalpadas; imediatamente ela toma ares de ofendida e vira a
cabeça recriando.

4° estado -Ela esqueceu tudo, até mesmo seu nome; começa
a exteriorizar-se.


5° estado -Vê à esquerda seu fantasma, que está de perfil, o
rosto virado para trás. Vê nesse fantasma luminoso pontos
obscuros que correspondem a seus pontos hipnógenos.

Quando lhe digo para indicar em seu corpo Físico o ponto
correspondente a um dos pontos hipnógenos que ela vê sobre
seu fantasma, por exemplo o da fronte, ela toca com o seu dedo

o ponto hipnógeno da parte direita da fronte e não o da parte
esquerda. Coloco um espelho ao lado do fantasma; ela o vê
nesse espelho e então indica os pontos hipnógenos no lado
esquerdo de sua fronte.(68)
(68) Nota da editora: Estas observações demonstram que, ao
contrário do que diz a crença comum, a imagem espiritual pode refletir
num espelho e assim ser vista por um médium.
6° estado -Formação do fantasma que ela vê de perfil à sua
direita.

7° estado -Formação do fantasma completo (do duplo), que
ela vê de frente, diante de si e um pouco à direita.

O instinto do pudor cedera e ela não se recorda de ninguém.

Pergunto-lhe sua idade; ela responde dezoito anos.

Digo-lhe para voltar aos dezesseis anos; ela vê seu corpo
atual transformar-se.

Ocorre o mesmo para quatorze, doze e dez anos.

Quando ela atinge dez anos, pergunto-lhe onde mora.
Responde: -Marselha; o que era verdade e eu ignorava.

Com oito anos, ela está em Beirute, o que também era
verdade. Recorda-se das pessoas que freqüentavam sua casa.
Pergunto-lhe como se diz bom-dia em turco; ela responde
salamalec, o que esqueceu no estado de vigília.

Com seis anos, está de novo em Marselha.

Com dois anos, está em Cuges, na Provence (correto).

Com um ano não pode falar; limita-se a me responder sim
ou não, através de sinais com a cabeça.

Mais distante, no passado, "ela não existe, eis tudo.


Mais distante ainda, encontra-se na penumbra e lembra-se
de ter tido outra vida.

Não a levo mais adiante; reconduzo-a, simplesmente, por
meio de sugestões sucessivas, à idade de dezesseis anos; em
seguida continuo através de passes transversais.

Ei-la com dezoito anos, perfeitamente desperta. Continuo os
passes transversais sob o pretexto de libertá-la completamente.
Por duas vezes pergunto-lhe sua idade e ela me responde rindo:
"Mas você sabe muito bem: dezoito anos." Em seguida seu olhar
torna-se vago e, para uma nova pergunta, ela responde: vinte
anos.

-Você ainda mora em Aix?

-Não, (e com tristeza) estou longe.

-Você se lembra do Senhor e da Senhora Lacoste?

-Sim.

-Você também se lembra do Senhor de Rochas?

Ela sorri, respondendo-me, e mostra, assim, que me
reconhece. Reconduzo-a a seu estado normal através de passes
longitudinais.

16° sessão: 20 de dezembro de 1904

Pressionando, no estado de vigília, o ponto da memória
sonambúlica no meio da fronte, obtive a regressão da memória
até o limite onde havíamos chegado na véspera, porém não mais
adiante.

Reprodução rápida dos fenômenos da sessão precedente.
Confirmação das notas que havíamos tornado.

Adormeço a mão de Mayo com o auxílio de passes
longitudinais. Essa mão passa, isoladamente, por estados
análogos aos que se produzem quando ajo sobre a cabeça e a
fronte. Ela começa por tornar-se insensível; em seguida é
sugestionável, isto é, sob minhas ordens ou dedos não podem


dobrar-se senão no momento em que dou a permissão. Esse
estado dura pouco; em seguida, a insensibilidade continua sem
sugestibilidade (o que corresponde, em Mayo, ao sonambulismo
e à segunda letargia). Enfim, aparece o estado de rapport,
caracterizado pelo seguinte: a mão não percebe senão os objetos
tocados pelo magnetizador.

Desperto a mão através de passes transversais.

Operando sobre o nariz ou as orelhas, ou sobre a boca com a
ponta dos dedos, determina-se igualmente a sugestibilidade,
porém sempre durante um tempo muito curto.

17° sessão: 22 de dezembro de 1904

Adormeço Mayo, primeiramente pela pressão do ponto
hipnógeno de seu punho esquerdo. Continuo a magnetização,
através de passes, e levo-a a formação do corpo astral, primeiro
à esquerda, depois à direita. A memória, que ela tinha perdido
progressivamente na medida em que o sono se aprofundava,
reaparece completa quando o corpo astral é exteriorizado. Mayo
porém Irão vê ainda senão a mim e aos objetos com os quais a
coloco em contato.

Determino então, por sugestão, a regressão da memória até a
idade de doze anos e peço-lhe que escreva seu nome para dar-
me uma amostra de sua letra. Ela escreve lentamente "Marie"
(figura 1). Levo-a aos oito anos o faço o mesmo pedido. Para
minha grande admiração, ela escreve duas letras em árabe. Peço
explicações à Senhora Lacoste, que me esclarece que, nessa
idade, Mayo estava em Beirute freqüentando a escola de
Irmãs.(69)

(69) A figura 3 e a reprodução de sua assinatura quando desperta. A.
R.

Faço-a recuar progressivamente no passado até seis anos,
quatro, três, o momento de seu nascimento, o ventre de sua mãe,
e ainda mais longe.


-O que você é agora?

-Sou uma mulher. Ela chamava-se Line.(70)

(70) -Nota da tradutora: Pelo emprego que o sujets faz dos verbos,
ora no passado, com o pronome na terceira pessoa (ela), ora no presente,
com o pronome na primeira pessoa (eu), parece-me que ele, levado ao
passado, fala deste, ora transportando-se realmente à idade evocada, ora
permanecendo no presente como um simples espectador do passado. Seu
"eu" atual parece confundir-se com seu "eu" passado.
-Onde você mora?

-Não sei.

-Você está viva ou morta?

-Estou morta.

-Como você morreu?

-Ela não morreu de doença. Foi na água... afogada... a água
entrava... ela não podia mais respirar... Ela não enxergava mais...
estava inchada.

-Você assistiu ao seu enterro?

-Não, não; não encontraram meu corpo.

-Você sofreu com sua decomposição na água?

-Não. Depois de minha morte eu não estava feliz nem
infeliz.

Julgando que a experiência havia sido levada muito longe,
digo a Mayo para caminhar em direção ao futuro. Aplico alguns


passes transversais e pergunto-lhe se retornou ao mundo. Após
sua resposta afirmativa a uma nova pergunta minha, ela me diz
que alguma coisa a levou a reencarnar e que desceu em direção à
sua mãe quando esta estava grávida.

Reconduzo-a sucessivamente em seguida a dois, a quatro, a
dezoito, há dezenove anos.

-Onde está agora?

-Não estou aqui.

-Sabe em que país?

-Não.

Com vinte anos.

-Onde você está? Mayo dá a entender que não sabe.

-Como você será aos vinte anos?

-Não sei; vejo pessoas que não são como as daqui.

-Vou fazê-la envelhecer mais. Pare quando houver em sua
vida alguma coisa de notável: uma doença, um casamento...
Você tem vinte e um anos..., vinte e dois anos... Alguma coisa?

-Não.

E subitamente ela retorna aos dezenove anos. Seu meio-
fantasma está ainda à sua direita.

Desperto-a então completamente através de passes
longitudinais e, em seguida, pela pressão do ponto hipnógeno do
punho direito. Mayo perdeu então completamente a lembrança
do que se passou durante o sono.

Pressionando com o dedo o ponto da memória sonambúlica
situada ao meio da fronte, determino o despertar dessa memória.

Faço-a voltar progressivamente ao passado; ela vai assim até
a época de seu nascimento. Levo-a mais longe, ela recorda-se de
que já viveu: que se chamava Line, que morreu na água,
afogada, que se elevou no ar, que lá viu seres luminosos, mas
que não lhe foi permitido falar-lhes, que nesse estado não sofreu
nem se aborreceu, que aprendeu que se pode voltar a Terra...


Retorno então a direção de sua memória em sentido inverso
e levo-a aos quinze, dezoito, dezenove, vinte e um anos. Com
vinte e um anos ela está num país onde os habitantes são negros
e vivem inteiramente nus. Ela não pode ir mais longe e recai
bruscamente nos dezoito anos.

Cesso a pressão de meu dedo e Mayo não se recorda de mais
nada.

18° sessão: 23 de dezembro de 1904

Nesta sessão procuro obter alguns detalhes a mais sobre a
vida anterior de Mayo e sobre seu futuro.

Line era filha de um pescador bretão, casou-se aos vinte
anos com um também pescador, chamado Yvon, cujo
sobrenome ela não mais recorda. Teve um filho, falecido com a
idade de dois anos. Seu marido faleceu num naufrágio.
Desesperada, ela se joga na água do alto de um penhasco. Seu
corpo foi comido pelos peixes. Ela não sentiu nada nesse
momento. Além do mais, depois de sua morte, jamais sofreu.

Quanto ao futuro, ela se vê aos dezenove anos, viajando no
mar com a mãe e estabelecendo-se num país onde todas as
pessoas vivem nuas. Não vê nada além.(71)

(71) Aos dezenove anos Mayo deixou Aix subitamente em
circunstancias obscuras e não mais deu notícias a seus amigos. E provável
que sua visão do futuro, por mais imperfeita que possa ter sido, a tenha
apavorado e que ela se tenha recusado a deixá-la realizar-se. -A. R.
Constato que Mayo, por mais sensível que se tenha tornado,
não pode ser adormecida sem seu próprio consentimento.

19° sessão: 24 de dezembro de 1904

Reprodução da história de Line com detalhes ainda mais
precisos sobre sua vida, sua estada na erraticidade após a morte,


sobre o impulso que ela experimentou para reencarnar em seu
corpo atual e sobre esta reencarnação, que se produzem pouco a
pouco.

Tendo-a levado ainda mais longe no passado, mais longe do
que a vida de Line, ela encontra-se na erraticidade, porém num
estado bastante penoso porque anteriormente fora um homem
mal.

Enquanto seu corpo astral estava exteriorizado,
involuntariamente apliquei um golpe em sua mão astral e sua
mão carnal tornou-se bastante vermelha após alguns instantes.

20° sessão: 26 de dezembro de 1904

A vermelhidão produzida ontem sobre a mão de Mayo em
conseqüência do golpe aplicado em sua mão astral subsiste
ainda hoje. Não há lesão na pele.

Verifico de novo, magnetizando Mayo, que o meio-fantasma
que se formou à direita é vermelho e que o que se forma à
esquerda é azul. Constato ainda igualmente que ela vê o perfil
desses fantasmas em sentido inverso ao seu e que os vê no
mesmo sentido quando os olha no espelho. Este foi um
fenômeno novo que eu não havia ainda encontrado e que não
explico, porém pode-se compará-lo à escrita em espelho, tão
freqüente nas manifestações espíritas.

Procedo então à regressão da memória.

À medida que Mayo rejuvenesce na vida atual, vê seu corpo
astral tomar uma forma cada vez mais jovem. Percebe bastante
distintamente o rosto e as mãos, estando o resto muito mais
vago.

No momento em que entra no corpo de sua mãe, o
pequenino corpo desaparece, dispersando-se.

Quando Line esteve na penumbra após a morte, procurou
reencontrar o marido e o filho, porém não o conseguiu.


Vivia no tenho de Luís XVIII.

Na encarnação precedente, ela era um homem chamado
Charles Mauville, cuja existência desenrola-se em sentido
inverso à ordem na qual a exponho.

Charles Mauville inicia-se ta vida publica como funcionário
num escritório em Paris. (Procuro em vão fazê-lo precisar o
local desse escritório e o ministério do qual ele depende.) Havia
então constantes combates nas ruas; ele próprio matou muita
gente e nisso sentia prazer; ele era malvado. Cabeças eram
cortadas na praça.

Aos cinqüenta amos adoece, abandona o escritório. Não
tarda a morrer. Pode seguir seu enterro e ouvir as pessoas
dizendo que ele "se divertiu demais". Continua ainda durante
algum tempo preso a seu corpo. Sofre é infeliz. Enfim passa
para o corpo de Line.

21° sessão: 27 de dezembro de 1904

Chegando ao sétimo estado, Mayo perde completamente a
memória, não reconhece mais ninguém, não há no mundo
ninguém mais além dela e de mim, porém sequer recorda-se de
nossos nomes. Todavia conserva sua inteligência e a memória de
sua língua, visto que responde às minhas perguntas.

Ela vê seu meio-fantasma azul à esquerda e seu outro meio
fantasma vermelho à direita. Só distingue bem as partes do
corpo que não estão cobertas. Quando eleva o braço direito, vê
elevar-se o braço do fantasma da esquerda e vice-versa.

Levo-a ao oitavo estado. O fantasma torna-se então único e
completo. Sua memória habitual volta-lhe. Procedo, em seguida
por sugestões sucessivas, à regressão da memória.

Quando ela alcança a idade de um ano, pergunto-lhe se já
sabe falar. Responde-me que não.

-Como então você pode me responder:


-Mas sou eu quem lhe responde; o que vejo bem pequeno e
apenas uma parte de mim.

-Então você não está toda em seu pequenino corpo?

-Não, há uma névoa luminosa ao redor desse corpo.

-Mas não há outra coisa?

-Sim. Há, do lado de fora meu espírito, que vê meus dois
corpos: um,tal qual era com um ano de idade; o outro, tal qual é
hoje.

Levo-a então ainda mais longe na regressão da memória.
Mayo me confirma que ela (seu corpo astral) entra em seu corpo
(físico) apenas pouco antes do nascimento, e parcialmente.
Anteriormente ela não se encontra no pequeno corpo, porém
perto da mãe, e no entanto começa a experimentar algumas
sensações de um e de outro. Quando vem ao mundo,
experimenta uma sensação bem nítida: a de respirar.

Antes de ser chamada para perto de sua mãe atual,
encontrava-se na penumbra; não sofria.

Faço-a rapidamente retornar ao passado por meio de passes
longitudinais e, quando a interrogo, ela é Line; tem quinze anos,
não está ainda casada, vive com a mãe, nunca viu seu pai e não
sabe seu sobrenome.

Mais longe ainda no passado.

Encontra-se na completa escuridão. Sofre e não pode
explicar o tipo de sofrimento; não é um sofrimento físico, é
como um remorso. Recorda-se muito bem de ter sido Charles
Mauville e não hesita em lembrar-se do nome de batismo e do
sobrenome.

Mauville morreu aos cinqüenta anos, de um resfriado. Levo
Mayo mais longe, até este momento: ela tosse. Reconduzo-a em
seguida rapidamente ao tempo atual através de passes
transversais rápidos: ela entra no corpo de Line e percorre
rapidamente as diversas fases da vida. Modero um pouco os
passes quando chego à época de sua morte; a respiração torna-se


então entrecortada, o corpo balança-se como que levado pelas
ondas e ela apresenta sufocações que me apresso em fazer
desaparecerem, despertando-a completamente.

22° sessão: 29 de dezembro de 1904

O resumo desta sessão foi redigido pelo Doutor Bertrand.

O Senhor de R. tenta adormecer Mayo através de passes
longitudinais; não consegue. Adormece-a pela pressão no pronto
hipnógeno do punho direito.

A insensibilidade cutânea produz-se quase que
imediatamente, porém não há a mínima sugestibilidade no
estado de sonambulismo (segundo estado).

No estado de rapport ela vê apenas o Senhor de R. que lhe
pergunta se ela pode rejuvenescer e voltar à idade de dezesseis
anos sem que seu corpo astral saia do corpo físico. Ela responde
que sim, que sente que tem agora dezesseis anos, mas que não se
recorda do que era aos dezoito anos.(72)

(72) A memória é, pois dupla, enquanto o corpo astral não sai – Dr.
B. Este fenômeno não e geral, como se pode constatar precedentemente –
A. R.
O Senhor de R. continua os passes. Mayo chega ao quarto
estado, onde sente todas as sensações do magnetizador quando
este a toca.

Ela está insensível a todas as excitações dirigidas à
superfície cutânea, porém as partes úmidas de seu corpo, tais
como a língua, as mucosas, o interior de suas mãos, que é
úmido, são sensíveis. O Senhor de R. observa que isto é devido
à solubilidade do fluido nos líquidos.

Mayo apóia a cabeça sobre o ombro do Senhor de R. para,
diz ela, aí readquirir forças; em seguida, quando as obtém,
retoma espontaneamente sua posição normal.


Os passes continuam. Após uma nova letargia, Mayo chega
ao quinto estado. Seu corpo astral aparece sob a forma de duas
nuvens luminosas, representando-a muito vagamente de perfil, e
essas nuvens produzem-se sucessivamente: a primeira, azul, à
sua esquerda; a segunda, vermelha, à sua direita.

No sexto estado, os dois meio-fantasmas reúnem-se para
formar um fantasma completo, vermelho e azul, que ela vê a
alguns passos diante de si. Nesse momento sua memória, que se
havia pouco a pouco obscurecido, retorna-lhe inteiramente.

O Senhor de R. ordena a Mayo que faça subir, tão alto
quanto possa, seu corpo astral. Ela o vê, com efeito, subir acima
de sua cabeça sob a influência de sua vontade, porém sem poder
ultrapassar o teto. O Senhor de R. constata que Mayo sente
bastante vivamente os mínimos movimentos que ele efetua no aracima da cabeça dela. É o cordão entre o corpo físico de Mayo e
seu corpo astral, que e então tocado; porém a ação não é sentida
senão quando o contato verifica-se com alguém que esteja em
rapport com ela ou seu magnetizador.

O Senhor de R., tendo provocado a descida do corpo astral,
aborda o fenômeno da progressão no tempo da personalidade do
sujet. Após tê-la levado por sugestão à idade de dezesseis anos,
ele a conduz igualmente por sugestão aos dezoito anos e, em
seguida, aos vinte, e então inicia-se o diálogo seguinte:

-Em que país você se encontra?

-Não sei.

-Com quem você está?

-Com meu padrasto.

-E então?

-Há negros.

-Vamos! Vá mais longe. Você tem agora vinte e um anos,
vinte dois anos.

Mayo não pode ultrapassar os vinte anos; após esforços
penosos, recai sempre nessa idade. Encontra-se em local de


negros, em uma casa muito distante de uma estação de trem cujo
nome não consegue ler. O Senhor de R. insiste e ela responde
sempre: "Não posso" ou "Não sei".

O Senhor de R. a reconduz então por passes longitudinais
aos dezoito anos, depois aos dezesseis, aos quatorze, aos doze,
aos oito. Nesse momento ele constata, levantando levemente seu
vestido, que o instinto do pudor ainda subsiste. Porém, aos cinco
anos, não o há mais. Aos dois anos ela responde que não sabe
ainda falar, que diz somente "pa".

O Senhor de R. tenta então fazê-la precisar o ponto onde se
encontra seu espírito. Ela responde, hesitando, que ele é como
uma chama branca, como um dedo luminoso entre seu corpo
físico e o pequeno corpo astral.

-Recue mais na existência. Entre no ventre de sua mãe.
Como se torna o pequenino corpo?

-Ele se confunde.

-Onde você está agora?

-Não sei; não vejo nada. Sei que há algo que se move.

-Volte à vida atual. Que sensações você experimentou
quando nasceu?

-Meu corpo astral tomou uma forma quando foi cortado o
cordão umbilical.

-Entre no ventre de sua mãe, depois saia. Você ainda está
retida pelo cordão umbilical. Você respira?

-Não.

-O cordão é cortado. Você respira?

-Sim (73)

(73) As respostas de Mayo não estão de acordo com os dados atuais
da Fisiologia. A criança respira desde o momento em que nasce -ou ao
menos deve respirar. Porém o cordão não é imediatamente cortado -ele
não deve ser imediatamente cortado, e o médico parteiro deve sempre
esperar alguns instantes a fim de cortá-lo apenas quando a respiração já
esteja bem-estabelecida. E não posso tomar como verdadeira a resposta
de Mayo se não se ela tiver nascido (o que às vezes ocorre) com o cordão

enrolado ao redor do pescoço, apertado pelo cordão, e talvez em estado
aparente de asfixia. (Doutor B.).

-Volte agora para a penumbra.

Mayo declara que não sofre, que não vê nada e não pensa
em nada. Sente espíritos a seu redor, porém não os vê. A um
dado momento foi forçada a reencarnar e aproximou-se de sua
mãe, de quem se acercou.

O Senhor de R. ordena então: -Torne-se Line novamente...
no momento em que ela se afogou.

Imediatamente Mayo faz um movimento brusco sobre a
poltrona, volta-se para o lado direito, o rosto entre as mãos, e
permanece assim durante alguns segundos. Dir-se-ia uma
primeira fase do ato realizado voluntariamente, pois, se Line
morre afogada, é um afogamento voluntário, um suicídio, o que
dá à cena um aspecto bem particular, bem diferente de um
afogamento involuntário.

Em seguida, Mayo volta-se bruscamente para o lado
esquerdo. Os movimentos respiratórios precipitam-se e tornam-
se difíceis: o peito eleva-se com esforço e irregularidades, o
rosto exprime ansiedade, angustia, os olhos estão apavorados.
Ela faz verdadeiros movimentos de deglutição, como se
engolisse água contra sua vontade, pois nota-se que resiste. Solta
nesse momento alguns sons inarticulados. Dir-se-ia que ela se
torce, ao invés de se debater, e seu rosto exprime um sofrimento
tão real que o Senhor de R. ordena-lhe que envelheça algumas
horas. Em seguida, pergunta-lhe: -Você se debateu durante
muito tempo?

-Sim.

-Foi uma morte ruim?

-Sim.

-Onde você está?

-Na penumbra.


Após alguns passes Line não se recorda de mais nada, nem
mesmo de seu suicídio. Ela não sofre.(74)

(74) Nota da editora: Segundo a doutrina espírita, o processo de
desencarnação é sempre único e individual, não havendo duas
desencarnações idênticas. Esta descrição do suicídio de Line, no entanto,
não corresponde à regra geral dos depoimentos de suicidas, sempre muito
dolorosos, gerando grandes perturbações por prolongado tempo, com
conseqüências para a encarnações ulterior.
Continuando os passes transversais, o Senhor de R.
reconduz Mayo à sua vida atual: aos dois, aos seis, aos dez, aos
dezoito anos e ele acaba de despertá-la, pressionando o ponto
hipnógeno do punho esquerdo.

23° sessão: 30 de dezembro de 1904

O resumo desta sessão foi redigido pelo comandante
Rémise, presidente da Sociedade Teosófica de Marselha.

A senhorita Mayo tem dezoito anos, é inteligente, instruída,
perfeitamente sã física e moralmente. Apresenta a
particularidade de não ser sugestionável. As sessões não a
fatigara.

Desde os primeiros passes magnéticos longitudinais ela
adormece, passando rapidamente pelo estado de credulidade
para chegar quase que imediatamente ao segundo estado da
hipnose: o sonambulismo.

Durante o sono magnético, perde progressivamente a
sensibilidade cutânea e a memória das coisas exteriores,
retomando esta última apenas no momento em que seu corpo
astral está completamente exteriorizado.

À medida que essa exteriorização se efetua, ela vê formar-
se, a partir de dois ou três centímetros de seu corpo carnal, e
seguindo exatamente seus contornos, camadas de substância
fluídica cada vez maiores que se interpenetram e cuja
sensibilidade vai decrescendo do centro à periferia. É fácil


percebê-lo, beliscando-se o ar a diferentes distâncias do corpo
carnal.

Em pouco tempo, a senhorita Mayo não vê nada mais além
do seu magnetizador e ela própria. Sentado um pouco à frente e
a um metro dela, ela não me vê.

Desde o momento em que o coronel estabelece a
comunicação, tocando levemente, ela me percebe e o diz.

Se, durante as experiências, seu corpo carnal permanece
insensível aos contatos diretos, o que se compreende uma vez
que seu corpo sensível, o corpo astral, é exteriorizado, em
contrapartida ela experimenta todas as sensações sentidas pelo
seu magnetizador. Assim, faz-se com que respire amoníaco e ela
não o sente, enquanto que se joga vivamente para trás logo que o
frasco é aproximado das narinas do coronel; e tão logo é-lhe
explicado o que acaba de passar-se, ela não quer acreditar. Ao
despertar é necessário suscitar-lhe, pela pressão do ponto da
memória sonambúlica que se encontra ao meio da fronte, a
recordação do que acaba de experimentar. Tão logo seu corpo
astral se encontra completamente exteriorizado, ele se desliga do
corpo visível e ela vê a cerca de um metro para a esquerda um
fantasma bicolor azul e vermelho ligado ao corpo carnal por um
cordão fluídico da grossura de um dedo.

Não possuindo a clarividência, não posso verificar nem a cor
nem o grau de sutileza do fantasma, porém posso constatar sua
presença e sua sensibilidade, avançando lentamente a mão na
direção que ela indica. O contato com o corpo astral produz
sobre meus dedos uma sensação de frescor bem nítida. Esta
sensação é sem dúvida produzida pela parte do duplo etéreo que
se encontra exteriorizado com o corpo astral.

Sob as ordens de seu magnetizador, a senhorita Mayo opera

o desdobramento do corpo astral. O meio-fantasma vermelho vai
colocar-se a cerca de um metro à sua direita, enquanto o azul

permanece à sua esquerda. Ela procede em seguida à
reconstituição dos dois fantasmas em um único à sua direita.

O coronel belisca o ar entre o corpo astral e o corpo carnal, à
altura da linha onde a senhorita Mayo vê o cordão fluídico. Esta,
por um leve movimento de recuo, revela a sensação que
experimenta.

A pedido meu, ela opera a levitação de seu corpo astral,
entretanto este, diz ela, é retido pelo teto, que não pode
atravessar.

Uma pressão dos dedos a alguns centímetros acima do corpo
carnal denuncia, pelo movimento que provoca no sujet, a
posição exata do cordão fluídico, que, partindo do alto da
cabeça, segue uma direção vertical.

A convite do coronel, a médium conduz seu corpo astral a
um metro à sua direita.

A consciência não abandonou o corpo carnal. Sabendo que
alguns sensitivos gozam da propriedade de exteriorizá-la
pergunto ao coronel se a senhorita Mayo pode fazê-lo. Sob suas
ordens ela tenta, porém em vão, fazê-la passar para seu corpo
astral.

A experiência de regressão da memória iniciara-se então.

Sob as ordens de seu magnetizador, a senhorita Mayo volta
ao passado progressivamente em sua encarnação atual até seu
nascimento e, em seguida, bastante além. Ela se revê
primeiramente com a idade de dezesseis anos. Ainda não
conhece o coronel e, no entanto, logo que este lhe pergunta
nitidamente: "Você tem dezesseis anos; conhece o coronel de
Rochas?"; pela sua resposta negativa, dada sorrindo, ela parece
dizer: "Não conheço, é verdade, porém, não é um estranho paramim." É como se a consciência de dezoito anos, sua consciência
atual, exercesse uma ação retroativa sobre sua consciência dos
dezesseis anos. Esta particularidade manifestar-se-á ainda na
narração de suas encarnações anteriores.


Sucessivamente ela se vê aos quatorze, doze, oito, seis e
cinco anos. Nela o pudor aparece entre cinco e seis anos. A
prova é feita por um leve toque no joelho. Aos cinco anos esta
carícia à deixa insensível, enquanto que aos seis provoca uma
leve inquietação, acompanhada de um rápido movimento da
mão em direção à parte tocada.

Operando simplesmente pela palavra, o coronel faz com que
dê a seu corpo astral as formas que tinha nas diferentes idades,
recuando progressivamente ao passado. Ela retoma
simultaneamente aos estados de espírito que apresentava cora
essas idades. Assim, aos dez anos estava em Beirute. Não sabia
ainda o francês e aprendia a escrever em árabe.

Quando chega ao momento de seu nascimento, seu corpo
astral desaparece, porém ela vê, então, envolvendo o corpo
carnal de sua mão, uma espécie de nuvem de substância fluídicaque não existia anteriormente. (É sem nenhuma dúvida o germe
do que formará mais tarde o corpo astral.)

Antes da época da concepção, ela se vê flutuando na
penumbra. Não sofre e não percebe nada a seu redor, apesar de
sentir que há ali outros seres cuja natureza não compreende.
Atravessa rapidamente esse estágio para, após um momento
crítico (morta por submersão), reencontrar-se na Bretanha no
corpo de uma mulher de pescador chamada Line.

Sempre recuando, ela se encontra na completa escuridão,
onde sofre.

Mais longe ainda vê-se no corpo de um homem malvado,
Charles Mauville, que morre aos cinqüenta anos. Não pode
recuar além do nascimento dele, e o coronel, julgando não ser
prudente levar mais longe a experiência, a reconduz
progressivamente à existência atual, convidando-a a descrever
com alguns detalhes as principais fases de suas experiências
sucessivas. Ela procede, para este efeito, por perguntas e
respostas. Trata-se primeiramente de Charles Mauville.


-Onde você nasceu?

-Em Paris.

-Sob que regime?

-A realeza.

-Você tem trinta anos. Onde está e o que você faz?

-Estou em Paris e trabalho num escritório.

-Qual é o gênero de trabalho?

(Após hesitação) -Não sei.

-Escreva seu nome.

(Ele assina, sem hesitação, Charles Mauville.)

-Quem governa agora a França? Um Cônsul?

-Não, vários.

-Você é sem dúvida um revolucionário?

(Não há resposta, porém um sorriso significativo.)

-Você muito provavelmente aprovou a morte do rei e da
minha?

-Do rei, sim; da rainha, não.

-Você tem má conduta?

(Após hesitação e um pouco confusa)

-Sim.

Charles Mauville tem cinqüenta anos. A senhorita Mayo
descreve-nos uma das fases da doença que a consome. Ela
parece sentir todas as características da doença de peito:
opressão, acessos penosos de tosse.(75)

(75) Nota da editora: Trata-se da tuberculose, da tísica, que ainda
hoje é conhecida por essa expressão (doença do peito) como brasileirismo
e linguagem popular, em particular nas regiões interioranas. Veja-se, a
propósito, o penúltimo parágrafo da 24° sessão, na pág.111.
O coronel a faz assistir a seu enterro.

-Havia muita gente seguindo seu féretro?

-Não.

-O que diziam de você? Nada de bom, não é? Lembravam
que você havia sido um homem malvado?


(Após hesitação e bem baixo)

-Sim.

Ela se encontra em seguida na completa escuridão; o coronel
a faz atravessá-la rapidamente e ela reencarna na Bretanha. Vê-
se criança e, em seguida, moça, tem dezesseis anos e não
conhece ainda seu futuro marido. Aos dezoito anos ela o
encontra, desposa-o pouco tempo depois e torna-se mãe. Nesse
momento assistimos a uma cena de parto de um realismo
surpreendente. O sujet revira-se na poltrona, seus membros se
retesam, o rosto contrai-se e seus sofrimentos parecem tão
intensos que o coronel ordena-lhe que passe rapidamente por
essa fase.

Ela tem vinte e dois anos, perdeu o marido num naufrágio e
seu filhinho faleceu. Desesperada, afoga-se. Este episódio, que
ela já reproduziu em outra sessão, é tão doloroso que o coronel
lhe diz para passar por ele rapidamente, o que ela faz,
experimentando, no entanto, um violento abalo. Na penumbra,
onde se vê em seguida, não sofre, como já dissemos, enquanto
que tinha sofrido na completa escuridão após a morte de Charles
Mauville. Reencarna, em seguida, em sua família atual e é
reconduzida à idade presente. A progressão ocorre por meio de
passes magnéticos transversais.

24° sessão: 31 de dezembro de 1904

Proponho-me nesta sessão a obter alguns novos detalhes
sobre a personalidade de Charles Mauville e a esforçar-me por
conseguir levar Mayo até uma vida precedente. Aprofundo então
rapidamente o sono por meio de passes longitudinais até a
infância de Mauville.

No momento em que o interrogo ele tem cinco anos. Seu pai
era contramestre em uma manufatura, sua mãe veste-se de preto
e usa um gorro.


Continuo aprofundando o sono.

Anteriormente fora uma dama cujo marido era um fidalgo
ligado à corte; chamava-se Madeleine de Saint-Marc. No
momento em que a interrogo pela primeira vez, ela tem vinte e
cinco anos, é bonita, porém não tem namorado. Ofereço-me para
preencher esta lacuna: ela me responde com um leve tapa dado
com graciosidade, não insisto e falo-lhe dos tecidos preciososque eu trouxe de minha viagem à Índia. Mando meu criado
"Champagne" procurar um xale de rendas pretas (reais), que lhe
mostro. Ela o desdobra e admira sua delicadeza. Falo-lhe para
aceitá-lo; ela me agradece sorrindo. "Você sabe que isto
significaria um comprometimento." Rejeita-o com vivacidade e
se levanta amuada.

Endereço-lhe de novo a palavra e ela me responde como se
não tivesse nenhuma lembrança do que acabava de acontecer.
Como está de pé, pergunto-lhe se vai sair. -"Sim, vou a Vèpres.
-Permite-me acompanhá-la? -Certamente." Ela começa a
caminhar lentamente, com a cabeça para cima e com desdém.
Mantenho-me a seu lado sem oferecer-lhe o braço, que ela
própria toma. Após alguns passos, pára. Coloco atrás dela uma
cadeira pensando que vai sentar-se, porém ajoelha-se, faz suas
devoções e, em seguida, senta-se conservando o ar de desdém...
Depois de alguns instantes levanta-se, empurra com o pé a cauda
de seu vestido e pede-me para reconduzi-la.

Quando a suponho já em casa, faço uma pequena pesquisa
sobre sua vida.

Ela conheceu a senhorita de Lavallière, que lhe era muito
simpática. Não conhece à senhora Montespan. A senhora de
Maintenor desagrada-lhe.

-Diz-se que o rei a desposou secretamente.

-Oh! É simplesmente sua amante.

-E o rei, o que você acha dele?

-É um orgulhoso.


-Você conhece o Senhor Scarron?

-Meu Deus! Como era feio!

-Viu representar Molière?

-Sim, mas não gosto muito dele.

-Você conhece Corneille?

-É um selvagem.

-E Racine?

-Conheço sobretudo suas obras. Gosto muito delas.(76)
Proponho-lhe envelhecer para que veja o que lhe acontecerá
mais tarde. Recusa-se terminantemente. E em vão que ordeno
com autoridade, mas não consigo vencer sua resistência senão
por meio de enérgicos passes transversais dos quais ela procura
furtar-se por todos os meios.

(76) Atualmente Racine é seu autor preferido. Ela não se recorda, no
estado de vigília, de já ter ouvido falar da senhorita de Lavallière. -A. R.
No momento em que paro, ela tem quarenta anos,
abandonou a corte, tosse e sente-se doente do peito. Faço-a falar
sobre seu caráter. Confessa que é egoísta e ciumenta, sobretudo
com relação às mulheres bonitas.

Continuando os passes transversais conduzo-a aos quarenta
e cinco anos; ela morre tísica. Assisto a uma curta agonia e ela
entra na completa escuridão.

O despertar foi sem interrupção pela continuação rápida dos
passes transversais.

25° sessão: 1 ° de janeiro de 1905

A sessão é consagrada unicamente às expressões provocadas
pela música em Mayo, levemente adormecida.

26° sessão: 2 de janeiro de 1905

O resumo desta sessão é redigido pelo Doutor Bertrand.


O Senhor de R. adormece Mayo como ele hábito. Mayo
passa por todos os estados sucessivos. Chega ao momento da
formação do corpo astral: ela o vê.

-Se você colocasse seu dedo astral na água, o que
aconteceria?

-Ele se fundiria.

-E já desperta, O que aconteceria?

-Não sei.

-O que fizemos ontem?

-Recordo-me pouco, não muito.

O Senhor de R. ordena a Mayo que volte dezesseis anos, aos
quatorze, aos dois anos.

-Como é seu corpo astral? Que forma ele tem?

-Ele não tem roupas. Vê-se a cabeça. O resto, só um pouco.
É vaporoso, tem a forma de uma criança com uma névoa ao
redor.

(O Senhor de R. faz-me observar que, segundo os sujets, o
corpo astral não entra inteiramente no corpo físico senão aos
sete anos.)

-Aos quatro dias, como é ele?

-É a mesma coisa.

-Com um dia?

-Ele quase não é mais visto e a névoa aumenta.

-E à véspera do nascimento?

-Não mais está lá -não o vejo mais -ah, sim -ele vira-se mexe-
se -ele acerca-se de sua mãe.

-E aos três meses antes do nascimento, você o vê?

-Não.

-E antes, onde você está?

-Na penumbra.

-Vá mais longe, vá mais longe, você é Line, tem vinte e
cinco anos. Está casada?

-Sim.


-Você tem um menininho?

-Ele morreu.

-Você tem vinte anos. E casada?

-Sim.

-O que você sente?

-Enjôo.

-Você sente algo mexer em seu ventre?

-Sim.

(Porém, apesar da insistência do Senhor de R., Mayo recusa-
se a seguir o curso dos acontecimentos e salta de repente a vinte
e quatro anos.)

-Que idade você tem?

-Vinte e quatro anos.

-Vá mais longe, mais longe, torne-se mais jovem

-Não.

-Por que?

-Porque...

-Vá aos quinze anos.

-Não, não (acompanha estas palavras com gestos bruscos).

-Você não deseja ninguém aqui?

-Não.

O Senhor de R. pede a todo mundo para sair. Finge sair e,
voltando, pergunta: -Que idade você tem?

-Vinte e quatro anos.

Mayo apóia-se no ombro do Senhor ele R. para adquirir
forças, fluidos. O Senhor de R. sai um instante e retorna:

-Que idade você tem?

-Quinze anos.

O Senhor de R., crendo que Mayo não deseja explicar-se
sobre o que se passou durante o seu casamento, não insiste e lhe
diz: -Recue, recue, antes do seu nascimento, na completa
escuridão, recue. Você é Charles Mauville. Tem trinta anos.
Você mora em Paris?


-Sim.

-Vocês brigavam?

-Sim. Isto me divertia.

O Senhor de R. observa que o sujet não apresenta no
momento nenhum sentimento de pudor, como um menino. Ele
toca-lhe o peito e Mayo não faz nenhum movimento.

-Recue, recue. Você é pequeno, menor, menor ainda, está
na completa escuridão. Você sofre?

-Sim.

-Você é Madeleine. Que idade tem?

-Trinta anos.

-Qual é o nome de seu pai?

-Dorneuil.

-O nome de sua mãe?

(Não há resposta.)

-Rejuvenesça. Você tem quinze anos.

-Não tão depressa.

-Já está lá? O que faz seu pai?

-Nada.

-Onde você mora?

(Não há resposta.)

-Num castelo?

-Sim. Num castelo.

-Quem você recebe? Alguém a corteja? (Ela ri.) Você
deseja casar-se?

-Sim.

-Vou fazê-la envelhecer. Você me dirá o que se passa na
corte.Conhece alguém lá?

-Conheço um jovem: Gaston de Saint-Marc.

-Ele lhe agrada?

-Sim.

-Qual é a sua situação?

-Ele se encontra na corte.


-Envelheça um pouco. E esse casamento?

-Já aconteceu.

-Você está contente?

-Sim.

-Onde se casou?

-No castelo.

-Havia muita gente?

-Claro.

-Quem te casou? Foi um bispo?

-Sim. Um bispo de Paris.

-Onde você mora?

-Num hotel na cidade.

-Você ama seu marido?

-Não.

Você vê outros jovens?

-Não.

-Foi apresentada ao rei?

-Sim

-Onde?

-Em Versalhes

-O que faz seu marido?

-É um fidalgo.

-O rei tem uma favorita?

-Não sei ainda; não faz muito tempo que estou aqui

-Envelheça. Você tem vinte e dois anos.

-Quem é a favorita?

-La Vallière.

-Você a conhece?

-Sim, ela é boba... chora o tempo... é triste.

-Como ela caminha?

-Um pouco para frente.

-Ela manca?
-Talvez.


-Você conhece os ministros? Quem é o ministro da
guerra?

-O Senhor de Louvois.

-Ele é amável?

-Oh, não.

-E Vauban? É boa pessoa?

-Não; ele parece um camponês.

-Se alguém a cortejasse, quero você preferiria?

-O rei!

-Você conhece a Senhora de Montespan?

-Não a conheço.

-E a Senhora de Maintenon?(77)

(77) No estado de vigília ela sabe quem e a Senhora Maitenon; ela
não tem nenhuma lembrança relacionada a Srta. De La Valliere e a Sra
de Montespan. E preciso não esquecer que foi criada até os 12 anos no
Oriente por religiosas e que na França aprendeu apenas o que era preciso
para adquirir o diploma do curso elementar – A. R.
-Não a conheço.

-E a Senhora de Montmorency? Você a conhece? É
bonita?

-Heh!!! (Levemente dando de ombros.)

-Envelheça. Você tem vinte e três anos. Seu marido a
abandona?

-Oh, sim, muito.

-Ele tem amantes?

-Claro.

O Senhor de R. levanta-se, afasta-se e retorna com um
bonito bibelô que oferece a Madeleine com palavras amáveis e
fazendo-lhe uma declaração; entretanto, isto não parece comover
muito Mayo, que, sentada em seu sofá com ares de grande dama,
recebe os cumprimentos e a declaração sem mexer-se e sem
embaraço como uma mulher que está habituada a estas
situações.

-Você viu o rei?


-Sim, um dia em que ele descia a grande escada.

-Você conhece o abade Bossuet? (Sinal negativo.) Bem!
Então vamos ouvi-lo, se você quiser, em Saint-Etienne-du-
Mont, onde ele prega hoje.

Mayo levanta-se. O Senhor de R. oferece-lhe o braço. Eles
vão, os dois, ao fundo da sala. Lá, o Senhor de R. diz:
"Chegamos." Mayo levanta levemente o seu vestido e põe-se de
joelhos. Ergue-se após um instante, escuta e, como o Senhor de

R. lhe pergunta se vê Bossuet, ela responde: "Sim, não fale tão
alto." E continua a escutar.
O Senhor de R. a acompanha até perto do sofá. Mayo
apresenta verdadeiramente, neste momento, ares de grande
dama.

-Você ouviu o que disse o abade Bossuet?

-Não escutei bem.

-Em que você pensava durante o sermão?

-Não lhe interessa.

Tendo a sessão durado bastante, o Senhor de R. desperta
Mayo e ela repassa todas as fases de suas múltiplas existências.

Após alguns instantes, tosse: um verdadeiro acesso de tosse
violenta; em seguida morre e compreende-se, por seus
movimentos e suas atitudes, que ela sofre.

Depois volta a ser Charles Mauville. Um instante após, tosse
ainda. (O Senhor de R. lembra que Charles Mauville morreu de
doença do peito perto dos cinqüenta anos, como morreu
Madaleine.). Charles Mauville morre.

Alguns instantes após, sob a influência dos passes
transversais ela é de novo Line. Em seguida chora, torce-se,
agarra-se à sobrecasaca do Senhor de R., os seios estão
verdadeiramente mais volumosos do que o normal (nós todos o
constatamos). Line sente verdadeiras dores. De repente acalma-
se. Acabou: a criança nasceu. Line deu à luz. Em seguida chora:


é seu marido que morre. Ela chora ainda e de repente, mas muito
rapidamente, debate-se, suspira, afoga-se e entra na penumbra.

Ela passa enfim ao corpo de Mayo e chega
progressivamente até os dezoito anos.

O Senhor de Rochas desperta-a completamente. Ela não
sente nenhum cansaço e põe-se imediatamente a rir e a
conversar como se nada tivesse acontecido.

27° sessão: 4 de janeiro de 1905

O relato desta sessão foi redigido pelo Senhor Lacoste.
Mayo passa sucessivamente pelos diferentes estados e ao estado
de rapport: não vê nada.

O Senhor de Rochas lhe diz:

-Você vê esta lâmpada?

-Não. (O Senhor de R. fixa a lâmpada)

-E agora?

-Sim.

O Doutor Bertrand, a pedido do Senhor de R., põe-lhe na
mão um objeto que o Senhor de R., virando a cabeça, não vê.
Mayo não vê o objeto. O coronel o fixa então.

-E agora?

-É uma múmia.

(Era efetivamente uma pequenina estatueta egípcia com a
forma de uma múmia.)

O doutor põe na mão do Senhor de R. um outro objeto.

-É branco. É um cartão branco. (É com efeito uma
fotografia apresentada de costas.)

O doutor vira.

-É Yann Nibor. (Mãe de Yann, mas a fotografia é do
Senhor Lacoste, tirada ao lado e na mesma mesa que uma foto
do poeta bretão.)


Mayo chega ao período da simpatia ao contato (quinto
estado) e, em seguida, ao de formação dos meio-fantasmas. O
Senhor de R. toca o meio-fantasma formado.

-Que sensação você experimenta?

-Algo me comprime.

O Senhor de R. insiste com a mão...

-Me machuca.

-O meio-fantasma está ligado ao corpo físico?

-Não.

-Como está ele?

-Ele está no espaço.

Continuando o Senhor de R. os passes, o corpo astral torna-
se completo, diante do sujet e um pouco à sua esquerda. A
memória, perdida anteriormente, retorna-lhe a partir desse
momento. O Senhor de R. leva Mayo aos dezesseis, aos doze e
aos seis anos. Tenta dar-lhe sugestões de sensação; elas não
funcionam. O Senhor de R. a faz chegar aos cinco, aos três, a
um ano.

-Você mama. Sou eu a sua ama-de-leite.

-Não (rindo).

-Você está na penumbra; recue ainda mais; você é Line;
afogou-se, com que idade?

-Com vinte e seis anos.

-Volte aos vinte e quatro anos. Você sabe escrever?

-Sim.

O Senhor de R. lhe dá um lápis. Mayo escreve com certa
hesitação (fig. 4°): LINE BE...


Ela reflete. "Não sei..." Ela para.

-Recue mais; chegue aos dez anos. Você sabe escrever?

-Não.

-Recue. Chegue ao mês antes de seu nascimento... Recue
mais... Você é Charles Mauville com trinta anos. Você se
encontra nesse período?

-Sim.

-Escreva seu o nome.

(Mayo escreve: CHARLES MAINILLE. Escreve-o muito
bem, bastante rapidamente, sem hesitar.

-Recue; você tem quinze anos; freqüenta a escola?

-Sim.

-Onde?

-Com os padres.

-Em que colégio?

-Saint-Charles... mas não sei bem... (ela pensa). Não sei
bem se é Charles...

-Escreva COLÉGIO SAINT CHARLES.

Mayo escreve Colégio Saint-Charles muito bem e sem
hesitar.(78)

(78) A figura 7 mostra as mesmas palavras escritas por Mayo
desperta. -A.R.

-Recue... Você tem dez anos, cinco anos, está na completa
escuridão... Você é Madeleine de Saint-Marc... Você se encontra
nessa fase?

-Sim.

-Você tem trinta anos; faça sua assinatura. (Mayo não quer
escrever e larga o lápis)

-Eu não sei.

-Mas e quando você quer escrever?

-Faço alguém escrever para mim.

-Mas você sabe ler?

-Oh! Certamente.

O Senhor de R. pega um livro e olha mas não lê.

-Por que você não lê?

-Mas eu não leio essas letras, leio apenas as letras
manuscritas.

-Você não assinou sua certidão de casamento?

-Não (e balançou a cabeça negativamente).

-Vejamos. Você se casou aos vinte anos. Você se encontra
no momento de seu casamento na igreja, na sacristia para
assinar. Você não assinou?

-Não.

-À noite, o que se passou?

(Mayo vira-se bruscamente e não quer responder.)


-Envelheça. (Sinais negativos de Mayo, que se vira,
levanta-se e deixa o sofá.)

O Senhor de R. age vigorosamente sobre ela transversais.

-Você terra vinte e dois anos. É casada?

-Sim.

O Senhor de R. continua os passes. Mayo tosse.

-Reencarne... torne a ser Charles Mauville... Charles aos
cinco anos, dez anos... Ele freqüenta a escola?

-Sim, com os padres... No Colégio Saint-Charles... em
Paris...

-Você tens vinte anos; o rei continua sendo rei?

-Sim.

-Interessa a você a política?

-Não.

-O que reprovara no rei?

-Não o querem mais como rei.

-Você ouviu falar de Cagliostro?

-Não.

-Do colar da minha?

-Sim.

-O que você pensa disso? A rainha o comprou?

-Não.

-O Senhor de Rohan o deu a ela?

-Não.

-Em que ano estamos? Que mês?

(Não há resposta.)

-Há jornais aqui?

-Sim.

-Pegue um e leia a data.

-Não a vejo.

-Você tem vinte e um anos; o que faz no governo

-Está bem próximo de cair.

-Você tem vinte e dois anos; onde está rei


-Está na prisão... com a rainha.

-E você, onde está?

-Estou num escritório.

-Onde?

-Em uma praça... há um chafariz.

-No Palais-Royal?

-Não.

-Para os lados de Boulogne?

-Não... há um jardim num canto...

-Você tem vinte e três anos. O rei morreu. Onde ele foi
executado? Na praça onde você tem seu escritório?

-Não... eu não me recordo do nome da praça.

-Já houve luta?

-Não.

-Você pensa que haverá?

-Claro.

-Por quê?

-Haverá luta, visto que não há mais rei.

-Você tem vinte e quatro anos... há luta... Você matou
alguém?

-Sim.

O Senhor de R. constata que Mayo comporta-se então como
um homem. Deixa-se abraçar, deixa que se ponha a mão em seu
peito sem nenhuma oposição.

O Senhor de R. continua os passes... Mayo começa a tossir...
morre de doença no peito... vai para a completa escuridão.

-Onde está seu corpo astral?

-Na completa escuridão.

-Por quê? Por que você pandegou ou por que matou?

-Um pouco por causa de tudo.

-Volte a ser Line... Você tem quatro anos. Vê alguma coisa
brilhante a seu redor?

-Não.


O Senhor de R. faz com a mão um círculo imaginário em
torno de Line. Ela o intercepta por um movimento de recuo
quando ele chega no alto e à esquerda da cabeça, o que parece
indicar que há ali uma emanação do corpo astral.

-Envelheça... Você tem sete anos. O que faz seu pai?

-Ele era pescador.

-A casa é de vocês?

-Sim.

-Vocês moram em uma aldeia?

-Não sei.

-Envelheça mais... você tem dez anos, quinze anos, vinte e
cinco, sem

parar.

-É muito rápido. Não posso.

-Você tem dezessete anos. Quer casar-se?

-Sim.

-Envelheça... Você tem vinte anos, vinte e um anos... Você
tem filhos?

Com que idade?

-Três meses.

-Passe rapidamente... Você tem vinte e cinco anos. Você
perdeu seu marido... seu filho?

-Sim.

-Envelheça rapidamente... Você está na penumbra?

-Sim. (Um sobressalto rápido marcou O momento do
afogamento)

-Envelheça... você vai reencarnar no corpo de Mayo...Você
tem dez anos... quatorze anos...

-Não posso ir tão rápido.

-Voltemos atrás. Você tem oito anos. Vê seu corpo astral?

-Não se vê bem.

O Senhor de R. afasta a luz e Mayo vê seu corpo astral à
esquerda.


O Senhor de R. continua a fazer Mayo envelhecer,
atribuindo-lhe sucessivamente dez, doze, quatorze, dezesseis,
dezoito anos. Aos dezoito anos ele lhe diz: -Volte para dentro
de você; faça voltar seu corpo astral. Ele voltou?

-Não muito bem.

(O Senhor de R. continua os passes transversais)

-E agora?

-Sim.

O Senhor de R. continua os passes. O despertar demora
bastante a acontecer. Mayo apóia-se em seu ombro para adquirir
forças... Enfim desperta. O Senhor de R., apertando o ponto
frontal, pergunta-lhe:

-Por que o despertar foi tão lento?

-Não sei.

28° sessão: 5 de janeiro de 1905

Redação do Doutor Bertrand:

O Senhor de Rochas mostra em Mayo vários pontos
hipnógenos caracterizados pela insensibilidade cutânea e pela
insensibilidade que se manifesta ao longo de uma espécie de jato
fluindo desses pontos. É o que eu já havia observado com
respeito aos pontos hipnógenos dos punhos. Os novos pontos
são igualmente conjugados, isto é, pressionando-se um,
adormece-se; e pressionando-se o outro, desperta-se. O primeiro
sistema encontra-se atrás de cada orelha, acima da apófise
mastóide; o outro sistema apresenta seu primeiro ponto na parte
mediana superior do peito (sobreesternal) e seu segundo ponto
aproximadamente no meio das costas, sobre a linha mediana.

Mayo, em seguida, adormece através dos procedimentos
habituais. A insensibilidade torna-se completa: Mayo passa a
mão sobre uma vela sem senti-la. No entanto, a sensibilidade do
tato subsiste, pois ela toca uma tesoura, uma moeda etc., e


reconhece todos esses objetos de olhos fechados. Mayo
absolutamente não sente o amoníaco. Também não reage à luz;
sua pupila não se contrai por uma lâmpada ou uma vela
bruscamente é aproximada ou afastada rapidamente de seus
olhos.

Uma vez no estado de rapport, Mayo vê apenas o Senhor de

R. e nada mais. O Senhor de R. ordena-lhe que ande: ela
levanta-se, caminha e choca-se bruscamente com a porta do
quarto.
A pele de Mayo não é sensível, mas Mayo é sensível à
distância. Faz-se com que ela coloque a mão aberta sobre uma
folha de papel. Em seguida, picando-a a distância com a ponta
de um lápis e reunindo por traços os pontos sensíveis, seguem
exatamente as bordas da mão, a cerca de dois centímetros de
distância; pode-se da mesma maneira traçar uma segunda linha
sensível, porém a um grau mínimo, distante da primeira
aproximadamente quatro centímetros. Mayo é sensível a ouro,
que a queima. O Senhor de R. deixa cair sua aliança e pede a
Mayo para pegá-la. Mayo a procura e faz um brusco movimento
de recuo. Sua mão encontrou a aliança e experimentou como
que uma queimadura.

Ela é ainda mais sensível ao diamante, que a queima
também, e jamais se enganou quando foste aproximados de sua
mão diamantes verdadeiros ou falsos. O Senhor de R. indica que

o estanho, por outro lado, a faz experimentar uma sensação de
frio, enquanto que o ferro, o metal, o aço não têm nenhuma
reação.
O Senhor de R. continua os passes.

Mayo chega ao período de simpatia à distância (quarto
estado). O Senhor de R. belisca a própria mão; Mayo retira a
sua. O Senhor de R. belisca a própria orelha; Mayo leva a mão à
sua.


Sob a influência dos passes longitudinais o corpo astral
começa a formar-se à esquerda. Mayo diz que o vê mal porque
há muita luz. O Senhor de R. ordena-lhe que o faça passar para
trás da porta aberta do armário com espelho, situado à sua
direita. Ela o faz sem dificuldade.

Quando seu corpo astral está bem-formado, ela pode dar-lhe
a forma que deseja ou que seu magnetizador deseja quando ela
lhe obedece.

-Olho para o Senhor Lacoste. Seu corpo astral se
modifica(79)

(79) Nota da tradutora: Por "Seu corpo astral" entenda-se o corpo
astral de Mayo.
-Não.

-Pense no Senhor Lacoste e tome sua forma. Olhe bem para
ele. Tornou sua forma?

-Sim.

-Seu corpo astral tem barba?

-Sim.

-Retome sua forma habitual.

Quando essa forma é retornada o Senhor de R. faz observar
que a emanação astral dissolve-se em substâncias diferentes,
segundo o estado psíquico dos sujets. O dissolvente geral é a
água, porém a seda absorve essa emanação nas pessoas de
espírito já evoluído e não a deixa brilhar; ela serve de isolante. E
por isso que certos sensitivos ficam incomodados com roupas ou
cobertas de seda, enquanto que respiram mais facilmente sob
vestes de lã, que absorvem, ao contrário, as emanações mais
materiais. Ele coloca um lenço de seda entre as mãos de Mayo,
que, após alguns segundos, diz que sofre. O Senhor de R. retira

o lenço e o sacode, para satisfação evidente do sujet.
O Senhor de R. recomeça, como em outras sessões, a
rejuvenescer Mayo com passes longitudinais. Ela tem dezesseis


anos. Em seguida ele a faz envelhecer através de passes

transversais reforçados pela sugestão: dezoito anos, vinte anos.

-Você está com negros. Você os vê?

-Não. Sei que eles estão aqui, uma vez que estou em seu
país; porém não os vejo.

-Você vê seu sogro?

-Não, mas ele está aqui. Não o vejo, mas sei.

O Senhor de Rochas continua os passes transversais.

-Onde você está?

-Não sei.

-Você está no país dos negros

-Sim. Eu represento.

-No teatro?

-Sim.

-Você toca piano?

-Não.

-Representa comédia?

-Não.

-Que idade você tem?

-Vinte anos... E é impossível ir mais adiante.

O Senhor de R. desperta então Mayo; porém o despertar
demora bastante a produzir-se. Quando se completa, Mayo não
mais se recorda de nada. A pressão exercida pelo Senhor de R.
no ponto situado ao meio de sua fronte a faz reviver suas
recordações. Ela se lembra então dos objetos que tocou (tesoura,
moedas etc.). O incidente da aliança e a queimadura, a saída de
seu corpo astral e a diminuição progressiva da memória.

-Quando é que a senhorita readquiriu a memória?(80)

(80) O Senhor de Rochas trata a Senhorita Mayo por você apenas
quando está adormecida.
-Quando o corpo astral ficou completamente formado.

-O que mais se passou?


-O corpo astral foi em parte dissolvido; a ponta dos dedos
sumiu quando me foi dado um lenço para segurar.

-E tudo retornou?

-Sim, quando o lenço foi sacudido.

29° sessão: 6 de janeiro de 1905

Esta sessão teve por finalidade a tentativa de fazer Mayo
voltar ao passado antes de Madeleine. Chego, com efeito, a levar
Mayo até o estado de uma criança morta em tenra idade; porém,
parecendo-me forte demais a tensão, não insisto e a reconduzo
devagar ao estado de vigília com as seguintes particularidades:

Quando ela é Madeleine de Saint-Marc não quer
absolutamente envelhecer, e ocasiono uma crise bastante
violenta querendo forçá-la a isto por sugestões e passes.

Quando volta a ser Charles Mauville com a idade de trinta
anos, faço-a dar-me sua assinatura novamente (fig. 8), que teta a
mesma letra daquela que me havia dado na 27° sessão (fig. 5).


Faço-a ainda escrever quando é levada à personalidade de
Line com a idade de doze anos. Ela freqüenta então a escola e
faz exercícios gráficos-motores (fig. 9). Aos dezesseis anos
ainda freqüenta a escola e escreve muito bem (fig. 10); sua
escrita é então muito mais correta do que quando tinha vinte e
quatro anos (fig. 4, 27° sessão) e não tinha mais ocasião de
escrever.


30° sessão: 09 de janeiro de 1905

Nesta sessão estudei as localizações cerebrais e cheguei
aproximadamente aos mesmos resultados que divulguei num
artigo nos Anais de ciências psíquicas (Annales des sciences
psychiques, n° 3, ano de 1899, pág 129). Determinei
notoriamente, de maneira bastante nítida, o êxtase religioso.

Em seguida ensinei Mayo a reconhecer, pela insensibilidade
cutânea, quando ela estava sob a influência de uma sugestão, e a
fazer desaparecer essa sugestão. Enfim mostrei-lhe como ela
podia adormecer-se e despertar-se ela própria com o auxílio dos
pontos hipnógenos.

Em 1906, retornei a Aix e tive novas sessões com a
senhorita Mayo. Foram necessárias várias sessões para
restabelecer sua sensibilidade e pudemos constatar que ela
passava exatamente pelas mesmas existências que no ano
precedente.

Caso n° 7

Senhorita Roger, 1905.

A senhorita Roger, de trinta e nove anos, foi adormecida
pelo Senhor Bouvier em presença do coronel de Rochas. O
Senhor Bouvier filho registra as perguntas e as respostas.


Começa-se por determinar a regressão da memória na vida
atual(81), através de passes longitudinais acompanhados de
sugestões.

(81) Esta sessão foi particularmente interessante pela mímica do
sujet, quando ele era Philibert e manifestava seu terror -A. R.
-A senhora tem trinta e cinco anos. O que você faz?

-Trabalho com seda. Aborreço-me

-Trinta anos. O que você faz?

-Trabalho com seda.

-Vinte anos. O que você faz?

-Moro com meus pais; namoro um rapaz e creio que vou
casar-me, porém não tenho muita vontade; é minha mãe quer,
não eu.

-Como se chama seu futuro marido?

-André.

-Ele a agrada.

-Mais ou menos.

-O que faz ele?

-E aprendiz de relojoeiro.

(Pergunta do Senhor de Rochas) -A senhora conhece o
Senhor Bouvier, de Lyon?

-Não.

(Pergunta do Senhor de R.) -Ele é no entanto bastante
conhecido em Lyon, muito bom magnetizador.

-Não o conheço.

(Pergunta do Senhor Bouvier) -Doze anos. O que você faz?

-Cozinho.

-Já? Tão jovem você cozinha?

-Sim. Trabalho, faço encomendas.

-Onde você mora?

-Montée du Relvédére, Clos Bissardon n°4, com meu pai e
minha mãe.

-Você é feliz?


-Ralham comigo freqüentemente.

-Você freqüenta a escola? Em que local?

-A escola de moças. Senhoritas Rosa e Ágata.

-Não são religiosas, porém lhe ensinam suas preces

-Sim.

-Seis anos. O que você faz?

-Dou aula.

-Você dá aula? Para quem? Para os outros? Você é então
bastante instruída?

-Sim, porque estou com minha tia que dá aulas.

(Pergunta do coronel de Rochas) -Você vê seu corpo?

-Sim, num pátio.

-Dois anos. O que você faz?

O sujet procura algo no chão e chora pedindo sua boneca. O
coronel lhe dá seu lenço dizendo que é sua boneca e falando-lhe
para não chorar; ela rola o lenço nas mãos dizendo boneca.

-Seis meses. O que você faz?

Ela chora. Aos três meses o sujet parece mamar; com um
mês está calma; no nascimento geme; no ventre de sua mãe
recurva-se e põe as mãos sobre os olhos.

O Senhor Bouvier a faz retroceder no tempo e a leva aos
oito meses, sete, seis, cinco, quatro, três; ela se ajeita, todo
movimento cessa; dois meses, um mês, alguns dias, o momento
da concepção, movimentos de incômodo. Encontra-se no estado
de espírito.

-O que faz no espaço?

-Viajo.

-Que forma tem você?

-Forma de moça.

-Você vê alguma coisa a seu redor?

-Tenho companheiras; vejo-as sorrindo.

-Têm elas suas formas corporais?


-Há algumas, às vezes, que parecem elevadas... acima de
mim; parecem cem vezes mais felizes do que eu.

-Há muito tempo você se encontra nessa situação?

-Oh, sim, bastante tempo.

-O que você é?

-Moça.

-Você viveu na Terra?

-Sim, contaram-me que abandonei meu corpo.

-Que idade você tem como moça?

-Dezenove anos e alguns meses.

-Retome seu corpo, você tem apenas dezenove anos.

O sujet parece sofrer e queixa-se; apresenta a respiração
difícil.

-Você sabe que está doente; faz muito tempo?

-Três anos.

-Você tem apenas dezoito anos, veja; o futuro lhe sorri?

-Não, estou doente.

-Como você se chama?

-Madeleine.

-Dezesseis anos.

O que você faz?

-Não estou contente, parece que não devo viver muito
tempo.

-Você se chama Madeleine, mas seu sobrenome?

-Madeleine Beaulieu.

-Em que ano estamos?

-1724.

-Que faz sua família?

-Viaja.

-Por prazer ou comercialmente?

-Por prazer.

-E você, O que você faz?


-Às vezes viajo com minha família, porém fico algumas
vezes com meus avós.

-Onde ficam eles, seus avós?

-Em Montpellier.

-Que rua?

-Rua Saint-Hylaire.

-Há um numero na casa ou árvores em frente... enfim,
alguma coisa que nos possa fazer reconhecê-la?

-Há árvores em frente.

-O que você faz?

-Aprendo a bordar e a cantar.

-Você se recorda de sua juventude?

-Não, não muito bem. (Nesse momento o sujet parece
procurar alguma coisa e diz que quer trabalhar.)

-Dez anos. O que você faz?

-Brinco com minhas companheiras.

-De que vocês brincam?

-De bola, de bambolê, mas não podemos estragar o jardim.

-Você está num jardim; ele é seu?

-Não, é de meus avós.

-Como eles se chamam?

-Beaulieu. Eles são bastante idosos; vovó tem cabelos
brancos; eles estão doentes.

-Que fazem seu pai e sua mãe?

-Viajam às grandes cidades.

-Eles estão no ramo do comércio?

-Fazem um pouco de comércio, porém viajam mais por
diversão.

-Você tem princípios religiosos?

-Oh, sim.

-A que religião você pertence? Muçulmana? Protestante? Não,
sou católica.

-Você conhece sua prece?


-Sim.

-Que prece você conhece?

-O Credo.

-Seis anos. O que você faz?

-Brinco.

O sujet aparenta lançar alguma coisa e pede que lhe joguem
sua bola, impacienta-se e fica encolerizado. Aos três anos pede
balas e repete raivosamente: "Balas! Balas!" Com um ano
destrói tudo e demonstra um péssimo caráter. Chora aos seis
meses; aos dois meses, um mês, aparenta mamar. No ventre de
sua mãe torna de novo a posição de feto; abandona a posição
com dois meses; com um mês ele se desenrijece; quinze dias -élo
no espaço.

-O que faz no espaço?

-Vejo tudo muito escuro; sou infeliz.

O sujet crispa-se.

-O que há?

-Por que me pergunta isto? É ele quem me faz sofrer.

-Quem?

-Este infeliz que está aqui... eu o... não... não... (O sujet
parece pronto a confessar-se, porém pára com receio ele dizer
mais do que pode, para sua segurança.)

-Qual é seu nome?

-Não estou disposto a ser-lhe agradável.

-Se este infeliz o faz sofrer, é talvez porque você tenha
procurado fazer-lhe mal.

-Sei que eu não era bom; isso eu sei.

-Você tomou sua mulher?

(O sujet faz um movimento de contrariedade) -Se essa
mulher? Mas, afinal, o que isso lhe interessa?

-Retome seu antigo corpo. Que idade você tem?

-Quarenta e oito anos.

-Quem reina na França atualmente?


-Luís XIV

-Você tem apenas trinta e cinco anos. O que você faz? –
Não estou bem aqui; quero que me deixem tranqüilo.
Pergunta do coronel: -O que quer dizer gesticulando assim?
-Junto meu ferro.
-Você é operário?
-Sim.
-Você corteja a esposa de um de seus amigos
-Isto é assunto meu.
-Você continua trabalhando?
-Sim.
-Como você se chama?
Ele não quer responder; mais em seguida diz: Philibert.
Nesse momento deseja-se envelhecê-lo, porem ele declara

não querer envelhecer.
-Quarenta anos. O que você faz?
-Procuro vingar-me de alguém que me fez mal; ele

procurou atormentar-me. Quero me livrar dele.
Aos quarenta e um anos ele não quer falar.
-Sou seu amigo; diga-me o que você tem e o que quer fazer;

eu o ajudarei.
-Vou pegá-lo numa cilada.
-Quarenta e um anos e meio. O que você faz?
-Chegarei a ser o patrão e depois serei feliz.
-Quarenta e um anos e sete meses. O que você faz?
O sujet representa a cena de um crime; ele sofre.
-Quarenta e dois anos. O que você faz

-Fui visto... fui pego...
-Quarenta e dois anos e um mês.
-Sofro... a prisão...
-Você matou um de seus amigos?
-Sim, ele está morto; peguei-o numa emboscada. (Ele

parece matar alguém.)


-Você o matou para possuir sua mulher
-Porque ela me agradava.
-E que diz ela?
-Ela sofre e chora, mas isso não me incomoda.
-Quarenta e cinco anos. O que você faz?
-É verdadeiramente triste. Vejo-me cercado.
-Por quê?
-Pelos meus erros, pela acusação que vai pesar. Procuro

esquivar-me, mas certamente serei pego. Sou infeliz. Acabou...
-Onde você está?
-Sofro... eu o vejo... ele está aqui... vejo-o aqui... e no

entanto... ele está morto... deixe-me, não quero vê-lo
-Não, não, ele não está aqui; além do mais, se ele está morto
não pode estar aqui.
-Devo estar imaginando que ele está aqui... mas ele esta

morto.
-O que ele quer de você?
-Ele lutou... percebeu-me... à minha aproximação...
-Ele o temia então?
-Ah! Isso eu não sei, porém eu não lhe havia dito nada; ele

procurou livrar-me... porém... consegui... ele não mais existe,

mas o vejo.
-Quarenta e seis anos. O que você faz?
-Sofro... eu pensava ser feliz, porém sou mais infeliz do que

antes; eu queimo, eu sofro, parece-me que é uma ferida...
-Como você matou aquele a quem queria mal? Foi pelas

costas?
-Foi de um lado a outro... eu não podia falhar...
-Quarenta e sete anos.
-Ah! Vou morrer em breve.
-Você está doente?
-Estou perdido... estão-me levando...
-Para onde?


-Basta... basta... basta... basta... é inútil... basta...

-Quarenta e sete anos e meio.

-Sofro. É preciso morrer... (Ele chora.)

-Você deseja se confessar?

-Não, não quero porque eu sentiria grande remorsos, eu não
poderia obter o perdão... não... sei que não posso obtê-lo... vão
matar-me.

-De que maneira?

-Ah! Não...

-Quarenta e oito anos... quarenta e oito anos e dois meses...
quarenta e oito anos e meio...

Ele leva as mãos ao pescoço e aos olhos.

-O que você tem?

-Estou mal, sofro... a forca...

Ele respira dificilmente.

Espírito. Ele não crê em Deus, não quis confessar-se porque
não valia a pena.(82)

(82) Nota da editora – De Rochas esta indicando que houve a
desencarnação e a partir deste momento passa a informação do sujet
como espírito desencarnado.
-Como está você?

-Oh! Eu sofro... Essa mulher, se eu pudesse recuperá-la!

-Foi por causa dela que você foi enforcado.

-Mas não a vejo...

-E ele, aquele que você matou, você o vê?

-Ah, não, não quero vê-lo... não quero... não quero...

-Continuemos nossa caminhada para frente; eis que você se
aproxima de dois jovens que vão unir-se e você vai entrar para
essa nova família.

-Disseram-me que serei mais feliz.

-Quem?


-Um ser que se encontra aqui me disse: -Faça como vou lhe
dizer; consiga, por seu desejo de fazer o bem, resgatar sua vida
passada.

Concepção -Dois meses no ventre de sua mãe, três meses,
quatro, cinco, seis, sete, oito, nove meses; o nascimento, um dia,
três meses; seis meses, dois anos, seis anos, dez anos, quinze
anos. Ele novamente passa pelo que já vimos. Nesse momento,
para ver o que restou da antiga vida atual, é-lhe perguntado se
viu assassinatos ou enforcamentos.

-Não gosto de ver sangue.

Aos dezoito anos, doente... Progressivamente Roger é
reconduzida ao estado atual, passando novamente por onde a
tínhamos visto passar para regredir.

Caso n° 8

Senhora J., 1905. Observação e redação do Senhor Bouvier

Tendo o Coronel de Rochas permitido conhecer suas
experiências sobre a regressão da memória, eu quis, por minha
vez, aperceber-me se, com diferentes sujets(83) ser-me-ia
possível controlar o fenômeno, e fui em breve inteiramente
satisfeito tanto por uns quanto por outros; todavia, fiz
experiências mais particularmente com um jovem sujet que
sente um verdadeiro prazer em servir este tipo de estudo, onde
pude constatar que, apesar da intervenção de minhas perguntas,
a cada um de meus pedidos permanecia sempre a personalidade
do momento sem jamais haver erro em suas respostas. Pude
interrogá-lo diferentes vezes, com vários dias e mesmo várias


semanas de intervalo, sobre os detalhes de uma vida; suas
respostas não estiveram nunca em contradição. Bem melhor
ainda, em certos casos ele revelava detalhes que me escapavam
e revivia assim o momento preciso da existência que eu o fazia
percorrer no passado, isto é, retornando aos séculos
passados.(84)

(83) A Senhora J., nascida em uma cidade pequena do Isère em 1878,
filha de pais saudáveis, foi criada pela família e estudou para obter o
certificado de ensino secundário; casou-se com um militar e é mãe de uma
menininha de quatro anos. Saúde delicada. Seu pai, nascido em Briançon,
deixou definitivamente essa cidade por volta da idade de quatorze anos
para continuar fora seu estudo como bolsista. Mais tarde, professor de
matemática, casou-se com uma moça de Barcelonnette; dessa união
nasceu o sujets, objeto deste estudo, e uma outra moça mais jovem alguns
anos. Sua mãe jamais residiu em Briançon; por outro lado, seu marido
nunca esteve aquartelado nessa cidade nem nas imediações. Não há
nenhum nome de antepassados seus que se aproxime dos que foram dados
pelo sujets no decorrer das vidas descritas e vividas nesses meios. A
Senhora J., apesar de estimulada pelo seu pai para a matemática, tens
preferencialmente um fraco pelas letras artes, porém tem horror a
história.
(84) Para que não haja nenhuma surpresa por parte dos meus
leitores constatando numerosos anacronismos através deste efeito, devo
ressaltar que, colocando-me como observador imparcial, desejoso de
servir ciência e à filosofia, tomarei o cuidado para não cortar ou
modificar uma frase sequer das respostas do sujet, objeto das minhas
observações. Agir de outra forma seria gravemente anticentifico, assim
como também suspeito aos olhos da verdade.
Tão logo eu o fazia retornar à infância, aos dois anos, por
exemplo, a fala tornava-se mais difícil; com um ano, quase nada
ou pouco falava. Em seguida, mais jovem, parecia mamar ou
gemia. Então eu o fazia ir para frente e, ao invés de fazê-lo
reviver, eu o fazia rever seu passado: assim ele me dava detalhes
com mais facilidade.

Chegando o momento do nascimento eu o fazia entrar no
ventre de sua mãe. Logo ele se curvava sobre si mesmo, os
braços em torno do corpo, os punhos sobre os olhos até a idade


de cinco meses. Em seguida uma leve descontração produzia-se
até o quarto mês; dos três meses até o momento da concepção o
corpo inclinava-se muito para trás, os membros descansados
numa completa inércia.

Antes da concepção, no momento em que o espírito está
ainda no espaço, ele faz esforços para subtrair-se à força
invencível que parece atraí-lo; em seguida, voltando sempre no
tempo, ele responde sobre o que faz, qual é seu modo de
existência até o momento em que novamente retoma o corpo que
anteriormente abandonou para entrar numa outra vida. Porém,
coisa curiosa, cada vez que o faço penetrar no ventre de sua mãe
ele passa pela mesma fase, caracterizada pela mesma atitude.

Devo dizer que, para facilitar o fenômeno, magnetizo
constantemente o sujet durante a duração da experiência,
parando apenas para compilar as informações recebidas e
recomeçando a cada pergunta.

Quando quero reconduzi-lo a ponto de partida faço-o
percorrer o mesmo caminho em sentido inverso, ou então me
contento em dizer-lhe para retornar a seu estado normal, isto é, à
vida presente ao momento em que nos encontramos. Neste caso,
porém, ele pensa sonhar e sair de um pesadelo, de maneira que
me é necessário em seguida libertar sua mente para fazer cessar
a perturbação ocasionada em seu cérebro por esse retorno muito
brusco.

Cada vez que o sujet passa por uma vida diferente a
fisionomia modifica-se de acordo com a personalidade. Como
homem, a fala, o tom, os procedimentos diferem sensivelmente
do tom e dos gestos de mulher; o mesmo ocorre quando ele
passa pela fase da infância..

Estas explicações são previamente dadas para evitar as
repetições no decorrer das diferentes vidas estudadas.

Passarei por cima da existência atual, que não poderia ter
outro valor além da lembrança que cada um pode conservar


desde seu nascimento, seguindo as relações que temos com as
pessoas que nos circundam e que nos contam os fatos com mais
ou menos detalhes ou precisão.

Adormecido o sujet, faço-o transpor as etapas dessa vida
com rapidez; em seguida, faço-o passar pelo ventre de sua mãe,
como expliquei anteriormente e, enfim, conduzo-o ao estado de
espírito.

Tomando a vida atual como ponto de partida, interrogo-o
como segue sobre sua segunda vida.

Segunda vida -Marguerite Duchesne

No estado de espírito precedendo sua vida atual, ela
apercebe-se de sua situação.

-O que você faz como espírito?

-Passeio o tempo todo, vejo meus pais e amigos, que não
me vêem. Eu gostaria muito de ver também Louis, meu noivo,
que partira antes de mim, porém não o encontro.

-Reveja seu próprio corpo.

-Vejo meu corpo de moça num cemitério, em Briançon.

-Reveja-se no momento da morte.

-Vejo-me com o mesmo rosto.

-Você abandona seu corpo. (O sujet tosse muito e passa
pela fase da morte, o corpo revirado para trás tornando-se frio.)

-Você vive materialmente; que idade tem?

-Vinte e cinco anos.

-Erra que ano você está?

-Em 1860.

-Como você se chama? -Marguerite Duchesne.

-Em que ano você nasceu?

-Em 1835.

-Como se chama seu pai?

-Louis Duchesne.


-O que ele faz?

-Ele tem uma mercearia na rua da Casernas. (85)

(85) Soube, das informações que tomei na prefeitura de Briançon e
de dois velhos (um de setenta e cinco anos e outro de oitenta e cinco)
moradores da rua da Caserna, que jamais houve merceeiro chamadoDuchesne na citada rua. À exceção disso, as descrições dos lugares são
bastante exatas. -A. R.
(O sujet tosse e queixa-se do peito e do coração.)

-O que a fatiga?

-Estou bastante doente. Dizem que vou morrer do peito.
Para mim é o desgosto.

-Então, você tem desgosto; qual é a causa?

-É que eu amava um jovem soldado que morreu.

-Como ele se chamava?

-Louis Jules Martin. Ah! Meu pobre Louis.

-Onde ele era soldado?

-Em Briançon.

-Ele era de Briançon?

-Não, ele era de Marselha.

-Você não tem mais do que vinte anos. O que você faz?

-Penso em Louis Martin.

-Dezoito anos. O que você faz?

-Ajudo meus pais na mercearia.

-Quinze anos. O que você faz?

-Acabo de abandonar as aulas na Ordem da Trindade, de que
gosto muito.

-Em que rua é situada essa escola?

-Na rua de la Gargouille.(86)

(86) Realmente existiu em Briançon um pensionato de meninas
mantido pela Ordem de Trindade na rua de la Gargouille. – A. R.
-Quatorze anos. O que você faz?
-Freqüento a escola.
-O que você aprende nas aulas?
-A ler, a escrever, as frações, o estilo, a geografia.



-E a geometria, sem dúvida?

-A geometria... essas linhas que os grandes têm em seus
cadernos... Não gosto disso.

-Doze anos. O que você faz?

-Acabo de fazer minha primeira comunhão, estou bastante
contente, gostaria de morrer nesse dia para ir direto para o céu.

-Oito anos. O que você faz?

-Freqüento o pensionato das religiosas, na rua de la
Gargouille.

-Cinco anos. O que você faz?

-Freqüento o pensionato; dão-me imagens e a cruz: todos os
domingos põem-me fitas, mamãe me dá dinheiro que ponho no
meu cofrinho... pequena rã.

-Dois anos.

-Não quero ir nas Irmãs.

-E por quê?

-Puseram meu avental sobre a cabeça porque eu disse a uma
menina que ela era uma resmungona e fiz gestos injuriosos com
os dedos, e aí disseram que o diabo ia me pegar.

-Um ano. O que você faz?

-Estou sobre os joelhos de mamãe que me diz: "Dorme,
minha bonequinha."

(A partir dessa época, não podendo o sujet responder; o
Senhor Bouvier o faz rever ao invés de reviver seu passado, e
ele responde, como alguém perfeitamente consciente, o que se
passa em sua infância.)

-Seis meses. O que você faz?

-Estou ainda bastante doente; acabo de ter convulsões.

-O que são as convulsões?

-Dizem que fico toda torta.

O Senhor de Bouvier a faz envelhecer alguns meses e lhe
diz:

-Você acaba de ter convulsões.


-O que é isso?

O Senhor de Bouvier explica-lhe e a leva aos sete meses.

-O que você faz?

-Colocam-me dentro d'água para curar-me; dizem que sou
bastante nervosa.

-Quatro meses. O que você faz?

-Não faço nada, fico deitada. (O sujet fala com dificuldade.)

-Dois meses. O que você faz?

-Esmagam-me; não sei o que põem em cima de ruim.

-Um mês. O que você faz?

(Não responde; parece mamar.)

-Você acaba de nascer.

-Não é muito engraçado; colocam-me dentro d'água, estou
toda suja.

-Você ainda está no ventre de sua mãe.

-É bastante escuro. (O sujet torna a posição de feto no
ventre de sua mãe, os punhos sobre os olhos, inteiramente
curvados sobre si mesmo. A mesma posição é conservada
apenas durante os cinco últimos meses de gestação. A partir
desse momento um relaxamento se produz, o sujet torna-se
inerte, os braços caem, o corpo, revirando para trás sobre a
poltrona que ocupa, parece sem vida.)

Terceira vida -Jules Robert

-Você esta no estado de espírito. O que você faz?

-Aborreço-me, sofro, não estou muito bem.

-Você se dá conta do estado em que se encontra?

Não sei muito bem; sinto-me mais ágil.

-No entanto você compreende que não possui mais seu
corpo material.

-Sim, mas sofro de qualquer forma.

-Volte atrás; veja seu corpo.


-Vejo meu corpo.

-O que você é?

-Sou um homem.

-Retome seu corpo.

(O sujet tosse bastante.)

-O que você tem?

-Estou bastante doente. Quando poderei morrer?
Desprezível existência; não será infelicidade se eu morrer.

-Em que ano você está?

-Em 1780.

-Quantos anos você tem?

-Quarenta e dois anos.

-Você não tem mais do que trinta e oito anos. Onde você
está?

-Em Milão.

-Em casa de quem?

-Em casa de Paoli.

-Quem é Paoli?

-É meu patrão.

-E o que você faz?

-Que trabalho duro! Eu talho mármore, porém não sou hábil,
apenas desbasto, corto, arredondo os ângulos.

-E seu patrão, o que ele faz?

-Oh! Ele trabalha bem, faz belas coisas; no entanto é um
bruto, mau, dão-me murros, só faz beber e diz que eu estou
bêbado.

-Você ganha bastante?

-Oh! vinte soldos por dia, arma miséria! Não dá para viver.
Para poder pagar o taberneiro, só como polenta. O patrão ganha
muito dinheiro. Ele possui moedas de ouro.

-Você tem trinta e cinco anos. O que: você faz?

-Limo pedra para o patrão Paoli.

-O que ele faz de bonito, seu patrão?


-Faz escultura.

-De que tipo?

-Reproduções.

-Você poderia citar-nos alguma de suas obras?

-Oh! Eu não entendo muito bem disso, não sei o nome: ele
faz um homem que vence um touro, um outro que esmaga uma
serpente. Ele fez também uma reprodução da Virgem na cadeira.

-Onde está essa reprodução neste momento?

-Creio que está no Vaticano.

-Não há monumentos dele em outros locais?

-Sim, em Roma e em outras cidades.

-Trinta anos. Onde você está?

-Numa rua imunda.

-O que você faz?

-Trabalho.

-Vinte e oito anos.

-Oh! É preciso que eu saia daqui.

-Onde está você?

-Em Briançon.

-Para onde quer ir?

-Para Milão; tenho um amigo, Piétri, que me dá este
conselho, porém não sei o que devo fazer.

-Vinte e cinco anos. Onde está você?

-Em Briançon, numa mercearia; transporto pacotes de
mercadorias.

-Você não tem mais do que vinte e um anos. Você deve ser
soldado.

-Fiz o exame, acharam-me muito fraco.

-Vinte anos.

-Fiz a besteira de sair da casa de meu pai.

-O que você faz?

-Estou numa mercearia; abro as caixas... mil ocupações,
misérias.


-Dezenove anos. O que você faz?
-Distribuo jornais.
-Que jornais?
-La Durance.(87)


(87) Não é preciso lembrar que no século XVIII não havia nem
conselho de revolução nem portadores de jornais, porém é bom saber que
La Durance é o título de um jornal atual dos Altos-Alpes. -A. R.
-Que dizem esses jornais?
-Não sei, não sei ler, mas dizem que os austríacos virão.
-Em que ano você está?
-Em 1757.
-Dezoito anos. O que você faz?
-Sou sapateiro, mas acho que é muito duro.
-Dezessete anos. O que você faz?
-Aprendo a profissão de sapateiro, porém sou desajeitado e


martelo sobre

martelo sobre meus dedos.
-Dezesseis anos. Onde você está?
-Estou em casa de meu pai, mas quero sair de lá porque

trabalho muito.
-Onde mora o seu pai?
-Em Saint-Pierre, perto de Briançon.
-O que faz ele?
-É agricultor numa fazenda.
-Como se chama o proprietário?
-Chama-se Barnéoud; é um grosseirão.

-Que culturas você faz?

-Batatas, vime. (O sujet tosse um pouco, é-lhe feita esta
observação, ao que ele responde: "No entanto, sou ainda
bastante forte".)

-Doze anos. O que você faz?
-Ajudo meu pai, porém extenuo-me.
-Você então não freqüenta a escola?



-Vou algumas vezes durante o inverno, porém zombo
bastante.

-Onze anos. O que você faz?

-Vou fazer minha primeira comunhão.

-Então você freqüenta o catecismo?

-Sim.

-Como se chama o padre que o ensina a você?

-Padre Antoine.

-Você conhece bem o seu catecismo?

-Sim.

-Então o que é Deus?

-Deus é um ser infinitamente bom, amável, a quem é
preciso amar e adorar acima de todas as coisas.

-Dez anos. O que você faz?

-Faz frio.

-Então você não está bem agasalhado?

-Estou com raiva; não tenho calças, minha mãe me veste
com suas velhas saias; e além do mais os menores zombam de
mim. Quando eu fizer a primeira comunhão irão dar-me roupas
bonitas, eu terei calças.

-Como você se esquenta?

-Vou na estrebaria para perto das vacas e das ovelhas.

-Você só tem vacas e ovelhas?

-Temos também porcos da Índia e galinhas.

-Em que ano você está?

-Oh! for isso eu não me interesso. Dizem que estamos em
1748.

-Seis anos. Você se diverte nessa idade?

-Não me deixam divertir-me muito.

-O que você faz então?

-Desfaço coisas. (Dizendo isto, ele faz o movimento de
desenrolar alguma coisa girando suas mãos uma ao redor da
outra.)


-O que são essas coisas?

-Coisas redondas onde há bichos dentro; tem cheiro ruim.

-Nesse caso são queijos!...

(O sujet caiu na gargalhada, batendo em meus joelhos e
batendo com os pés, achando uma graça enorme.)

-Parece que você não entende nada! São coisas para se
fazerem belos vestidos para as mulheres.

-São casulos do Bicho-da-seda então?

-Sim. Queijos, ora, você não é nada esperto. (Ele continua a
rir ainda mais.)

-Neste caso você tem amoreiras?

-Sim, há folhas em Saint-Pierre.

-Cinco anos. O que você faz?

-(O sujet faz o movimento de desenrolar)
-Eu não sei fazer isso, isso me irrita, é preciso fazer muito
rápido.

-Dois anos.

-Divirto-me com papai.

-Um ano. O que você faz?

-Estou doente.

-Seis meses. O que você faz?

-Sinto dor na barriga. (Ele geme.)

-Você acaba de nascer.

(O sujet revira-se para trás.)

-Você está no ventre de sua mãe.

(Mesmas observações da vida precedente.)

-Você está no momento da concepção.

(O sujet parece sofrer.)

Quarta vida -Jenny Ludovic

No estado de espírito:
-Você está no estado de espírito?



-O que é um estado de espírito?

-É você no estado em que está, isto é, seta seu corpo
material.

(O sujet parece não compreender.)

-O que você é: homem ou mulher?

-Sou uma mulher... Mas por que não vejo meus filhos nem
meus amigos?... O que aconteceu contigo?

-Bem, você simplesmente deixou seu corpo material,
passando pelo que se chama morte. Ninguém jamais lhe falou de
sua alma quando você era pequena?

(O sujet não responde estas perguntas, parece embaraçado.)

-Que idade você tens?

-Trinta anos.

-Em que ano está?

-1702.

-Como você se chama?

-Jenny Ludovic.

-Tem filhos?

-Tenho dois: o pequeno Auguste, de sete anos, e Jean, que
acaba de nascer.

-Você os vê?

-Não.

-Vinte e oito anos. O que você faz?

-Estou doente.

-De que você sofre?

-Sinto muita dor de cabeça.

-Vinte e cinco anos. Como se chama seu marido?

-Ludovic, Auguste.

-Onde você mora?

-Em Plouermel.

-O que faz seu marido?

-Ele é açougueiro.

-E você?


-Eu cuido das crianças.

-Vinte e três anos. O que você faz?

-Vejo meu pequeno Auguste; Oh! bonita criança! Mas
conversaremos em outro momento, estou doente.

-Dezesseis anos. Onde você está?

-Estou com o tio Marietti.

-Você não tem pais.

-Não, sou órfã.

-Você freqüentou a escola?

-Não, não sei ler, porém meu tio ensinou-me a assinar, pois
ele é instruído.

-O que faz seu tio?

-Trabalha com um boticário.

-Então vote teta apenas seu tio como família?

(Confidencialmente)-Creio que ele é meu pai, mas não devo
dizer isso. Não devo interrogá-lo a respeito de meu pai. Quando
se fala sobre isso ele fica com lágrimas nos olhos; ele tem muito
carinho por mim. Não conheci minha mãe, creio que meu tio
não foi ajuizado, porém não posso julgá-lo, pois ele é muito bom
para mim.

-Seu tio é sua única afeição?

-Conheço Ludovic, que é viúvo, e esperamos algum tempo
para nos casarmos; ele é tão gentil e tão meigo.

-Então ele é livre e só, agora?

-Não ele tem dois filhos da primeira mulher: o pequeno

Alain e a pequena Yvonne.
-Você cuidará deles?
-Digo que sim, porém não tenho vontade de cuidar deles;
Deixa-los-ei com a avó.
-No casamento seu tio será obrigado a revelar-lhe seu
verdadeiro sobrenome.
-Meu tio não quer que lhe falem disso; ele não discute,
disse que me daria seu sobrenome como sendo meu.


-Quinze anos. O que você faz?

-Estou em casa de meu tio; remendo, faço blusas para ele.

-Doze anos. Onde você está?

-Com meu tio, em Plouermel, perto do mar.

-Em que departamento(88) fica?

(88) Nota da editora: A França é dividida em jurisdições
denominados departamentos.
-O que é isso? Província, você quer dizer. É a Bretanha,
onde há as melhores pessoas do mundo.

-O que você faz?

-Procuro flores para fazer tisanas.

-Então você conhece as plantas?

-Meu tio ensinou-me a reconhecê-las, pois as cata para o
boticário, o Urso, como dizem.

-Mas qual é o nome dele?

-Joannès Yves, acho.

-Quais as plantas que você conhece?

-O olho de gato; a planta celeste, esta tem um outro nome,
urze, creio; a estrela do firmamento, soca-se e extrai-se o sumo,
é bom para as dores; a pata de aranha, planta amarela em
guirlanda; o espelho da alma e muitas outras.

-Oito anos. O que você faz?

-Estou com meu tio.

-Cinco anos. O que você faz?

-Meu tio me acaricia, faz-me coroas de urzes, ele é muito
gentil.

-Dois anos. Você tem apenas dois anos.

-É meu tio, depois é meu pai. Quando chega alguém, digo
tio. Quando está sozinho, ele me belisca as faces para que o
chame de pai.

-E a sua mãe, onde ela está?

-Não tenho mãe.

-Você acaba de nascer.


-Vejo uma mulher jovem, dizem que é mamãe; papai chora,
mamãe vai morrer.

Quinta vida -Michel Berry

No estado de espírito:

-O que você faz?

-Ah! esse maldito golpe de lança faz-me sofrer.

-Faz muito tempo que você sofre disso?

-Parece-ate que faz anos.

-Onde você foi golpeado?

-Entre as costelas. (O sujet leva a mão ao lado direito e
parece sofrer.)

-Você se dá conta do estado em que está?

-Eu sofro.

-Como vote sofre se não possui mais o corpo material?

-Sim, eu o tenho, uma vez que sofro.

-Onde você recebeu esse golpe de lança em que ano está?

-Em Marignan; estamos em 1515. Pobre Berrv, você está
perdido.

-Com quem você estava?

-Com Francisco.

-Que Francisco?

-O pai, nosso senhor e mestre; na verdade, o rei de França.

-Uma vez que você tem o seu corpo, que idade tens?

-Vinte e dois anos.

-Como você se chama?

-Michel Berty.

(O Senhor Bouvier o faz assinar seu nome. Com bastante
dificuldade ele procura servir-se de um lápis que pega pela outra
extremidade, mantêm-no muito desajeitadamente e termina por
escrever Mistchel Berry, cortesão do rei de França.)

-Contra quem você combatia?


-Contra esses suíços porcos, há três dias e três noites que
combatemos; quero furar a pele de todos. Soltem esse cavalo!

-Onde está o cavalo?

-Em cima de mim, ele me esmaga.

-Vinte e um anos. O que você faz?

-Preparamo-nos para partir, vamos a direção a Marignan;
como estou feliz!... Francisco, você pode contar comigo, eu os
vararei a todos. Ah! Patifes.

-Qual é, aliás, sua profissão?

-Rude profissão...

Quando poderei eu dormirem minha cama?

-Por que você não dorme em sua cama?

-Como quer você que eu durma lá se estamos no Milanês?

-O que você faz lá?

-Caminhamos era direção aos suíços.

-O que você pensa do rei?

-Ah! O bravo Francisco é um bom coração.

-Como é um bota coração fazendo matar tanta gente?

-Porque é necessário.

-E se você for morto, acredita que fique alguma coisa de
você depois de morto?

-Tudo acaba, não há nada após a morte.

-E enquanto espera, o que você faz?

-Divertimo-nos, gracejamos, rimos com as mulheres.

-Vinte anos. Onde você esta?

-A caminho de Amiens; os ingleses querem ainda que lhes
demos uma lição.

-Em que ano você esta?

-Em 1513.

-Em que ano você nasceu?

-Em 1493. Mas tenho a impressão de que vou morrer
jovem. De acordo com o meu sonho ainda tenho mais dois anos
de vida.


-Que sonho?

-Eu acabava de completar vinte anos. Sonhei na primavera
passada que eu apresentava um lado de sangue, ferrado por um
golpe de lança que um suíço me havia dado.

-Você então acredita nos sonhos?

-Oh! sim, tudo o que já sonhei não me enganou jamais; para
mim, isso se realizará.

-Bem, vejamos, você está em 1515 no Milanês?

-Ah! sim, atravessamos o monte Genèvre, o Briançonnais.

-A batalha começa. Você se recorda de seu sonho?

-Sim, mas o golpe que me furou não o receberei.

-Veja, um suíço se aproxima de você. Fique atento.

(O sujet parece concentrar sua atenção sobre um ponto, e
levando a mão de repente a um de seus lados exclama: -Oh!
Esse golpe de lança... o sonho... mas não quero morrer.)

-Não, você não vai morrer. Você tem apenas dezenove
anos. Onde você está?

-Acho que você é extremamente curioso.

-Queremos documentos para escrever a história; você quer
dá-los a nós?

-Bem, divirto-me com minha pequena Diane de Coucy.

-Para você constituir uma família, por amor ou por simples
divertimento?

-Há uma e outra coisa, mas não falemos de família.

-O que você é?

-Estou a serviço do rei.

-Há muito tempo que há mosqueteiros?

-Sempre os vi; foi Carlos VI quem os instituiu porque temia
por sua pele.

-Dezoito anos.

-Vou entrar para a guarda do monsenhor e mestre, mas será
preciso deixar Diane.

-Que Diane?


-Diane de Coucy.

-Ela é bonita, a Diane?

-Oh! é um amor, faces rosadas, dentes pequenos... Como eu
poderia fazer para entrar em seu quarto?

-O que você quer fazer em seu quarto?

-É para vê-la!...

-Dezessete anos. O que você faz?

-Estou extenuado, divirto-me bastante, estou a serviço de
Coucy. Cuido de suas correspondências, escrevo o que ele me
dita.

-Onde está Coucy?

-Ele mora em Paris, mas está em Blois... Vou retornar a
Versalhes.

-Dezesseis anos. Não se ama ainda nesta idade?

-O que você entende disso? Saio muito com Charlotte de
Montmorency.

Penso muito nela...

-Você tem a intenção de se casar com ela?

-Não, casar não, mas fazê-la minha mulher.

-Você é o único a receber suas atenções?

-Oh! Sei que ela come regaladamente com Francisco, mas
não me importo.

-Dezesseis anos. O que você faz?

-Extenuo-me nesse torneio da pequena corte.

-Então você se diverte?

-Uma distração engraçada, estirar-se sobre a tábua. (O sujet
demonstra exercitar-se na esgrima). Oh! minhas costelas...

-Quinze anos. O que você faz?

-É agradável, mas eu gostaria de retornar à casa de mamãe,
em Civry.

-Quatorze anos. Você freqüenta a escola?

-Não quero retornar ao colégio da Sorbonne, seus
estribilhos não entrarão jamais em minha cabeça.


-O que lhe ensinam: ler, escrever, calcular?

-Oh! mais do que isso: a linguagem poética, musical, o
estudo da linguagem.

-Treze anos. O que você faz?

-Vou a Versalhes, à corte, e também a Sorbonne (89)

(89) Foi apenas com Luís XIII que um local de encontros para caças
foi construído em Versalhes, e apenas com Luís XIV a corte instalou-se no
palácio que o grande rei tinha mandado construí. – A. R.
-O que você vai fazer quando crescer?

-Disseram-me que estarei no exército do rei... À frente...

-Doze anos. O que você faz?

-Estou na corte como pajem desde a idade de dez anos.

-O que você faz lá?

-Conserto os vestidos das damas, dou-lhes a mão para
conduzi-las a Sua Majestade (o sujet faz o gesto, o punho
fechado, o dedinho estendido, sorriso nos lábios).

-Isso é tudo?

-Beijamos seus sapatos; não é a todo mundo que elas o
permitem. Mas dizem que sou tão bonito... os olhos azuis... os
cabelos louros; as damas me fazem pequenas carícias. Quando
eu for grande serei eu quem as fará nelas.

-Dez anos. O que você faz?

-Sou pajem da corte.

-O que lhe ensinam?

-A manejar a espada.

-Você lida com a espada aos dez anos?

-A partir do momento em que já se sabe andar... Enfim, você
me incomoda, estou doente; de você e Phillipe estou farto.

-Quem é esse Phillipe?

-Um servidor.

-Nove anos.

-Quando irei a Versalhes?

-Você deve então ir a Versalhes?


-Papai me diz isso.

-O que faz o seu pai?

-Torna conta da casa de Montmorency em Civry.
Prometeram-lhe que seria servidor quando eu estiver na corte,
mas ele diz que sou jovem demais e que serei muito rapidamente
corrompido.

-Sete anos.

-Estou com a mamãe.

-O que você faz?

-Ajudo-a a fazer pequenas coisas para colocar sobre os
casacões daqueles que estão em Versalhes e possuem belas
roupas.

-Quatro anos. O que você faz?

-Não faço absolutamente nada; estou coar papai e mamãe.

-Você é filho único?

-Sim; eu gostaria muito de um irmão para me divertir.

-Dois anos.

-Eu me divirto.

-Um ano.

-Estou doente.

-Onde você sente dor?

-Na cabeça.

-Seis meses.

(O sujet parece mamar.)

-No ventre de sua mãe. (Mesmas observações precedentes.)

*

Continuando a série de experiências sobre regressão da
memória, encontrei-me a 6 de março ultimo com o doutor G.,
que exprimiu o desejo de verificar certos pontos da vida de
Michel Berry. Ele próprio tomou as seguintes notas, que


apresento na mesma ordem em que foram tornadas à medida que
eu fazia as perguntas.

Após ter passado muito rapidamente pelas vidas que já
conhecemos e chegado ao ponto que interessava ao doutor,
pergunto:

-Você tem vinte aos; onde você está?

-Estou na batalha de Guinegatte, na Normandia-Picardia,
sob as ordens do rei Luís-Carlos, o décimo segundo que reside
em Versalhes.

-Você tem vinte e um anos; quem é o rei?

-Meu rei é Francisco, o então delfim.

-Onde você está?

-Em grandes estradas na Itália, no Milanês, letra combater
os Suíços.

(Ele reconhece o país onde sonhou estar, há dois anos,
sonho este que lhe dizia que devia morrer atravessado por uma
lança. Reconhece o país tal qual o viu em sonho, mas não quer
morrer.)

-Você acredita em sonhos?

(Ele acredita e vários deles se realizaram. Bem jovem
sonhou que estava na corte. Ele para lá foi. Cada vez que sua
amante o enganava ele o sabia em sonho. Ela o traía com
François, seu companheiro de armas, que o colocou a serviço do
rei. Sua amante é Diane de Coucy.)

-Você tem apenas doze anos; O que você faz?

-Estou a serviço de Luís, o décimo segundo.

(Ele vai partir para Versalhes. Mora no pequeno castelo dos
duques de Angoulême, em Blois. Segue a corte a Blois, com
quatorze anos, em 1508. Está em companhia de belas senhoras
como pajem. Faz reverências e leituras.)

Falamos com o doutor de Duguesclin. Berry responde: Mais
um que morreu de maneira esquisita.

-Você tem quinze anos.


-Deixe-me dormir.

-Quinze anos e dois meses.

-Passamos noites extenuantes fazendo bagunças.

-Dezesseis anos.

(Ele pensa em sua pequena Charlotte. Deseja muitas coisas
para ela, para sua pequena Charlotte; não quer casar-se com ela,
mas fazê-la sua mulher.)

-Você tem dezessete anos.

(Ele está exausto, mas é preciso divertir-se. Está a serviço de
Coucy, cuida de sua correspondência, escreve o que lhe for
ditado. O duque mora em Paris mas está em Blois; vai retornar
para Blois. Agnès e Diane são seus amores.) -Agnès, sobretudo,
é um amor porque tem as pequeninas faces rosadas. É loura de
olhos azuis. Seus olhos parecem-se com os meus. Ela... (Aqui
omito a expressão.)

-Você tem dezoito anos.

-Eis-me brevemente mosqueteiro. (Ele entrará no exército
do rei aos dezenove anos.)

-Há nauta tempo existem mosqueteiros?

(Ele sempre viu mosqueteiros. Foi Carlos VI quem os
instituiu porque temia pela sua pele. Ele quer entrar na guarda de
honra de seu senhor e mestre.)

-Onde fica a corte?

-Algumas vezes em Blois, outras vezes em Versalhes.

-Você conhece Rambouillet? A corte vai lá?

(Ele não conhece Rambouillet; a corte foi lá, porém há
muito tempo.)

-Você tem dezenove anos.

-É preciso deixar Diane, e só existe ela para fazer as noites
passarem!

Não é uma mulher, é um diabo.

-Você tem vinte anos.

-Ingleses canalhas!


(Fazendo-o retornar à sua infância, aos cinco anos, a
pergunta é-lhe feita)

-O que você faz?

-Estou com mamãe; divirto-me.

-Você tem dois anos.

-Eu me divirto.

-Um ano.

(Movimento de sucção dos lábios, ele parece mamar. Em
seguida, reconduzido sucessivamente aos seis meses, dois
meses, um mês, ao ventre de sua mãe, ele passa de novo, como
precedentemente, pelas fases já descritas para chegar ao estado
de espírito.)

Sexta vida -Mariette Martin

Espírito -O sujet parece sofrer.

-Você sofre?

-Sim.

-Tome de volta seu antigo corpo. Que idade você tem?

-Vinte anos.

-Há muito tempo você sofre?

-Sim.

-Você é homem ou mulher?

-Uma jovem.

-Em que ano está?

-Em 1302.

-Como você se chama?

-Mariette Martin.

-Onde está você?

-Em Vannes, como professora, na casa de Gaston. Ah! Se
ele não tivesse morrido, eu teria sido sua mulher, apesar da
oposição de sua mãe.

-Dezenove anos. O que você faz?


-Eu o seguirei, o meu Gaston!

-Aonde ele vai?

-Você bem vê que o trazem a mim morto, esmagado por seu
cavalo.

-Dezoito anos. O que você faz?

-Estou em casa da condessa de Guise; fico para fazer-lhe
companhia. ela vai pegar seus sobrinhos para que eu os instrua.

-Dezesseis anos. O que você faz?

-Não me recordo de absolutamente nada; dizem que estou
morta, mas não estou doente.

(De dezesseis a quatorze anos o sujet parece estarem um
período letárgico e quase não mais responde às perguntas que
lhe são feitas.)

-Dez anos. O que você faz?

-Estou no colégio; querem manter-me num convento.

-Quatro anos. O que você faz?

-Mamãe tem desgosto; papai está bastante doente.

-O que faz seu pai?

-Papai faz desenhos, colocara-nos nos quartos; é para o rei
que ele trabalha.

-Quem é o rei?

-Não sei, dizem que o belo Filipe.

Os primeiros anos, o nascimento, a concepção e o retorno ao
estado de espírito passam-se como já descrevi.

Sétima vida -Irmã Marthe

Espírito -Não terra exatamente consciência de que
abandonos corpo material.

-O que você faz?

-O remorso me oprime, cometi muitas faltas.

-Que faltas?

-Eu tiranizava moças.


-Por que isto?

-Era por ordens superiores, porém eu julgava meus atos. Se
eu as visse, talvez elas me perdoassem.

-O que você é?

-Abadessa.

-Que idade você tem?

-Oitenta e sete anos.

-Em que ano está?

-Em 1010.

-Ora, elas a perdoam, aquelas a quem você fez sofrer

-Oh! não, não todas.

-Quem é que não a perdoaria?

-Blanche de Paris.

-Oitenta anos. O que você faz?

-Estou perdendo a memória.

-Setenta e sete anos. O que você faz?

-Vamos morrer brevemente, eu e todo mundo.

-Porquê?

-Os profetas anunciaram-no.

-Setenta e cinco anos. Você se ocupa das jovens?

-Muito mais, atualmente.

-Você sabe quem é o rei?

-Roberto II.

-Setenta anos. O que você faz?

-Trabalho. Faço sofrer pobres moças, porque para isso
recebi ordens.

-O que você lhes faz?

-Eu as mantenho prisioneiras. Elas fazem trabalhos com
agulhas, mas não é isso que as torna infelizes.

-O que então?

-É o fato de serem impedidas de ver sol.

-Quem é o rei?

-É Capeto.


-Você o conhece?

-Não se pode falar dele, pois é por sua causa que Blanche
está presa.

-Por que ele fez com que a prendessem?

-Porque ela queria que seu irmão Roberto obtivesse todos
os seus bens.

-Ele tem muitos bens?

-Oh! sim. Os Capetos têm ducados por toda parte na
Normandia.

-Sessenta anos. O que você faz?

-Eu dirijo, formo as jovens para entrarem na religião.

-Quem é o rei?

-É Capeto.

-Que interesse você tem em fazê-las entrar para a religião?

-É para que seus irmãos obtenham seus bens.

-Através de quem, então, foi-lhe confiada Blanche de Paris?

-Não posso dizê-lo. O que diria o abade?

-Que abade?

-O abade Choiselles.

-O que você é no convento?

-Superiora há vinte anos, mas espero tornar-me abadessa; o
abade me prometeu.

-Que diferença há entre abadessa e superiora?

-Abadessa tem todo o convento sob suas ordens, enquanto
que a superiora tem apenas vinte irmãs.

-Cinqüenta e cinco anos. O que você faz?

-Irmã superiora.

-Quem é o rei?

-É Capeto.

-Cinqüenta anos. O que você faz?

(O sujet parece doente) -Não posso ver, de um momento
para outro, o que faço?

-Você conhece Blanche de Paris?


-Não conheço; ouvi falar dela: e a filha de um duque da
família Capeto.

-Quarenta e cinco anos. O que você faz?

-Sou superiora há cinco anos.

-Onde fica sua casa?

-Em Vincennes.

-Como se chama a congregação?

-Não é congregação, é a Companhia de Jesus.

-Quem é o rei?

-Luís IV

-Quarenta anos. O que você faz?

-Faço o que posso para ser superiora.

-Trinta e cinco anos.

-Estou na religião; chamam-me irmã Marthe.

-Quem é o rei?

-Luís IV, já há vários anos. Dizem que ele não é bonito, é
gordo, balofo, mas não o vi.

-Trinta anos. O que você faz? Está nas Ordens?

-Eu teria feito melhor não entrando.

-Por que se lamenta?

-Eu não cumpro meus deveres. Quando deixei minha
família, amava muito o bom Deus.

-E agora?

-Sim e não.

-Então você ama alguém?

-Amo o abade Choiselles. Resisti durante muitos anos, mas
agora não pude mais. Este ano traí meus votos, eu não devia
então entrar na vida religiosa.

-E o abade Choiselles, ele a ama?

-Sim, ele também me ama. Se eu fosse livre poderia amá-lo;
minha consciência estaria em paz e eu não teria traído meus
votos.

-Vinte e nove anos. Você é feliz?


-Sofro, amo alguém e isso me é proibido, pois não devo
amar senão a Deus.

-Quem é Deus? É um homem?

-Sim.

-Qual é então a diferença?

-É Deus.

-O que ele tem de particular?

-É o ser infinitamente perfeito.

-Onde ele está?

-No céu.

-E o céu, onde está?

-É para onde irei se fizer o bem.

-E se mais tarde você não encontrar o céu?

-Oh! sim, estou certa disso.

-Que diferença você faz entre Jesus e Deus?

-Jesus e Deus são um só.

-E então?

-Não se deve procurar entender; é proibido. Deus o seus
mistérios e na Bíblia, e é a palavra de Deus.

-Vinte e cinco anos. Você continua amando ao bom

-Não sei.

-Você ama um padre, talvez.

-Ele ainda não é padre.

-No entanto, você se compraz em sua companhia.

-Bastante.

-Vinte e quatro anos. Em que ano estamos?

-Em 947.

-Quem é o rei?

-Luís IV

-Há muito tempo?

-Desde que eu tinha cerca de treze

-Onde você está?

-Estou nas Ordens há quatro anos, como era meu desejo


-Quem é o padre que dirige sua Casa?

-O abade Lotty.

-Ele é idoso?

-Tem cerca de setenta anos.

-Quem você pensa que o substituirá?

-Será Choiselles.

-Quem é Choiselles?

-É um príncipe aspirante à realeza. Ele está bastante infeliz,
cortaram-lhe os cabelos. Ele é tão bonito, esse moço.

-Vinte anos. O que você faz?

-Estou muito contente. Poderei estar lá rezando pelo bom
Deus.

-Você será ordenada?

-Não, as mulheres entram na vida religiosa. Os homens,
sim, são ordenados, recebem os sacramentos, porém não nós.

-Dezoito anos. O que você faz?

-Estou no convento em Saint-Denis. Quero tornar-me
religiosa.

-Como você se chama?

-Louise de Mareuil.

-Você é filha única?

-Não, eu tenho um irmão, não quero que falem dele.

-Quinze anos. O que você faz?

-Estou na casa de meu tio.

-Você então não tem pais?

-Meu pai e minha mãe morreram?

-Como se chama seu tio?

-Visconde de Mareuil.

-O que você faz?

-Vou visitar os pobres com ele

-Quem é o rei?

-Luís IV

-Dez anos. O que você faz?


-Aprendo a ler, a escrever,mas Sophie é bem malvada.

-Quem é Sophie?

-Aquela que me ensina.

-Seis anos. O que você faz?

-Dizem que vou morrer, tenho dor de cabeça, dizem que há
água.

-Três anos.

(Ela se diverte.)

Ventre da mãe -observações habituais.

Oitava vida – Carlomée

Espírito -O sujet passa as mãos sobre os olhos como que
sob a impressão de uma dor.

-Há muito tempo você sofre dos olhos?

-Sim.

-Você se dá conta de que faz muito tempo?

-Sofro.

-O que se passou com você?

-Queimaram-me os olhos.

-Por quê?

-Fui pego por Attila em Châlons-sur-Marne.

-O que você é?

-Sou guerreiro franco.

-Por que ele queimou-lhe os olhos?

-Porque isso o agradava.

-Que idade você tem?

-Trinta e um anos.

-Seu nome? -Carlomée.

-Você é simples guerreiro?

-Não, sou chefe; é por causa disso que me queimaram os
olhos.

-Há outro chefe acima de você?


-Há o chefe tribuno Massoés.
-E acima dele?
-É o chefe dos chefes, Mérovée.
-Em que ano você está?
-449.
-Você conhece Deus?
-Há alguém acima de nós; é Théos.(90)


(90) Nota da editora: "Théos é a forma grega para Deus"
-Como você o adora?

-Demos-lhe homens que queimamos; e muito bonito.
-Trinta anos. O que você faz?
-Sou guerreiro franco; foi Mérovée quem me escolheu.
-Vinte e cinco anos. O que você faz?
-Trabalho a terra.
-Sozinho?
-Com minha mãe.
-Como se chama sua mãe?
-Li Carlomée.
-Como seu chama seu país?
-O País Albinos.
-Onde ele se encontra?
-Sobre o Tourn.
Dez anos (o sujet tosse muito), oito anos,cinco anos, quatro

anos (não se lembra).
Ventre de sua mãe -observações habituais.

Nona vida – Esius

Espírito-O sujet parece sofrer bastante. Seus punhos
cruzados um sobre o outro parecem presos. Faz esforços para
desembaraçar-se dos laços.

-O que você faz?
-Queimo.



-Que idade você tem?

-Quarenta anos.

-Trinta e nove anos. O que você faz?

-Sou guardião do imperador Probus.

-Em que país você está?

-Em Romulus.

-Em que ano está?

-279.

-Como você se chama?

-Esius.

-E o imperador, você gosta dele?

-Oh, não! Ele não é bom; tomou-me minha filha e, hoje,
sirvo, é para matá-lo.

-Como se chama sua filha?

-Florina.

-De que maneira você pensa matar o imperador?

-Cravar-lhe-ei minha estaca.

-Vejamos, você terá era breve quarenta anos.

-Oh! minha filha...

-Onde está sua filha?

-Está perto dele, em seu quarto... Estou perdido...

-Por quê?

-Estou revoltado com o imperador.

-O que vão fazer a você?

-Vão-me queimar, certamente.

-Você não pode escapar?

-Não posso, estou todo amarrado.

-Você pôde agredir o imperador?

-Não, fui pego antes. Ele quer queimar também minha filha
para castigar-me.

-Como é essa estaca da qual você queria se servir?

-Ela é longa. Há ferro envenenado.

-É sua arma de combate?


-Sim. Mas também tornei-me guardião para vigiar minha
filha. Pedi para servi-lo, para ser seu cão-de-guarda.

-E sua filha, o que será dela?

-Revi-a ontem. Ela está prisioneira, vão queimá-la mas os
deuses o castigarão, eu os servirei.

De novo no estado de espírito.

-Seu corpo foi queimado?

-Não, eu o sinto.

-Há muita gente a seu redor?

-Toda a Romulus, mais serei vingado, todos os guardiões
me juraram.

-E sua filha?

-Ele a queimou. (O sujet derrama abundantes lágrimas que
rolam sobre as faces.)

-Você não deve mais sofrer agora que não tem mais seu
corpo.

-Queimo e se me toco não me encontro mais. Se eu
estivesse vingado não sofreria mais.

-Em que ano você entrou para o serviço do imperador?

-Em 279.

-Você vê seus camaradas?

-Não os vejo, mas sei que eles manterão a palavra.

-Já faz alguns anos que você está no estado de espírito; o
que se passou?

-Ele saiu de seu palácio... Sinto que estou vingado... Uma
coisa me consola: Florina morreu pura...

Ele é levado, por sugestão, aos trinta e cinco anos, na vida
de Esius.

-O que você faz?

-Estou em Tourino; trabalho a terra.

-Como se chama o imperador?

-Protomée.

-Você ouviu falar de Jesus Cristo?


-Sim.

-Quem era?

-Dizem que era um impostor.

-Por que impostor?

-Tudo o que ele disse não existe. Ele queria subir ao trono.

-Em que país ele estava?

-Longe, bem longe.

-Em que ano estamos?

-275.

-E por que você chama 275 o ano em que você está?

-Porque Jesus Cristo era sábio e foi ele quem fez tudo.

-Há muito tempo Protomée está no trono?

-Isso não me interessa. Eles são todos malvados. Não irei
jamais a Romulus.

-Trinta e oito anos e meio. O que você faz?

-Estou preocupado. Minha pequena Florina quer ir a
Romulus. Guardiões vieram aqui, falaram-lhe do palácio, do
imperador, mas eu não quero que a levem.

-Trinta e nove anos.

-Eles me tiraram minha Florina, eles a levaram... Isso vem
do imperador... eu também irei a Romulus...

-Como você irá?

-A pé.

-Quanto tempo é necessário para chegar

-Quinze dias.

-O que você fará em Romulus?

-Pedirei para entrar para o serviço.

-A quem você pedirá?

-A Pecius, o primeiro-guardião.

-Você está em Romulus; Pecius aceita seus serviços?

-Sim, ele não pede coisa melhor, pois digo que massacrarei
todo mundo... digo um pouco a verdade... morrerei depois,
azar...


-Que língua se fala em Romulus?

-Fala-se melhor do que em Tourino. É um pouco como os
deuses.

-O que são os deuses?

-São aqueles que devemos adorar, aqueles que fazem matar
pessoas. Se eu os visse, perguntaria se é verdade.

-Você então não os vê?

-Não os vejo, porém os escuto quando durmo.

-E o que é que eles lhe dizem?

-Eles me dizem: Esius, não vá jamais a Romulus; é preciso
ser bravo, mas nada de sangue. E quando desperto não ouço
mais nada.

-Por que são feitos sacrifícios?

-Para satisfazer os deuses.

-Como é feito o sacrifício?

-Corta-se em pequenos pedaços... Eu gostaria de poder ir
oferecer aqueles que são sacrificados.

-Trinta anos. O que você faz?

-Estou bem infeliz, estou só com minha filhinha.

-Que idade tem sua filhinha?

-Seis anos.

-Vinte e cinco anos. O que você faz?

-Estou em Tourino com minha esposa.

-Quem os uniu?

-O pretor nos uniu.

-Como?

-Ele põe as mãos sobre nossa cabeça e diz: "Vão, vocês
estão abençoados."

-Não há uma festa em seguida?

-Os parentes fazem uma refeição e nós vamos nos deitar.

-Vinte anos. O que você faz?

-Estou em Tourino com meu pai; trabalho a terra.

-Você aprendeu a ler e a escrever?


-Sim, com o pretor.
-Quantos sinais há para escrever?
-Quinze.
-Quais são eles?
-Não me recordo bem; o "ius", o "is".
De quinze anos ao nascimento, nada de particular.
Ventre de sua mãe -observações precedentes.


Décima vida – Irisée

No estado de espírito:
-O que você faz?
-Eu queria flores. Colho flores, mas não as estou


encontrando.
-Para que colher flores?
-Para dar a Ali. -Quem é Ali?
-É um padre que as oferece aos deuses

-Que idade você tem?

-Vinte e seis anos.
-Como se chama?
-Irisée.
-Você é homem ou mulher?
-Sou mulher.
-Como você chama seus deuses?
-Abrahim e José; são os deuses da prece.
-O que você espera das preces?
-Ir ao encontro dos deuses; eu ficaria bem feliz.
-O que faz Ali?


-Ali ora para os deuses.
-Como ele se veste?
-É bem grande, tão branco quanto as flores.
-Como ele oferece o sacrifício?
-Ele queima as flores e oferece o perfume.



-O que Ali lhe ensina?

-Ele diz que é preciso orar aos deuses e amá-los para ir ao
encontro deles.

-Em que país você está?

-No Imondo.

-Em que ano?

-Ali diz que não é preciso procurar saber; os deuses sabem.

-Vinte e cinco anos. O que você faz?

-Oro com Ali, ofereço os sacrifícios.

-Para que servem os sacrifícios?

-Ali corresponde-se com os deuses.

-Como ele faz para isso?

-Ele me faz respirar plantas e envia-me aos Deus

-Então você vê os deuses?

-Não os vejo, porém os ouço.

-E o que é que eles lhe dizem?

-Que é necessário rezar bastante e não ter contacto com os
outros.

-Vocês estão sós?

-Com Ali; antigamente nós éramos

-Como vocês vieram?

-Os homens nos levam o que comer sem que os vejamos,
pois os deuses nos matariam.

-Em que local Ali vai orar?

-Ele ora diante do altar cheio de flores que todos os dias
colocados e que são queimadas à noite.

-Que flor Ali a faz respirar?

-É uma flor branca, o Irun.

-O que se passa em seguida?

-Meu corpo continua aqui e todo o resto vai em direção aos
deuses.

-O que vai em direção aos deuses, a inteligência?

-É uma linda bola branca.


-Uma vez com os deuses, O que você faz?

-Fazem-me recomendações para Ali.

-Vinte e quatro anos. O que você faz?

-Estou cansada; caminhei muito na floresta com Ali.

-Há muito tempo você conhece Ali?

-Desde que eu era criança ele tomou-me de minha família

-Por quê?

-Porque era preciso fazê-lo.

-Em que ano você está?

-No ano 100.

-Você sabe ler e escrever?

-Não, mas Ali sabe.

-Com o que ele escreve?

-Com coisas que encontra na terra, o piouni.

-A quem ele escreve?

-Aos deuses; ele é bastante instruído.

-O que fazia Ali antes de estar aí?

-Comandava o povo.

-Como ele se chamava?

-Ele não quer que digam seu nome.

-Dezenove anos. O que você faz?

-Estou bastante triste. Pegaram Jéüs, querem fazer rolar seu
sangue, mas eu o salvarei.

-Quem é Jéüs?

-É o chefe de todos.

-Onde ele está agora?

-Está preso no Imondo.

-Como isto aconteceu?

-Ele foi pego por uma outro chefe numa batalha

-Quem é este outro chefe?

-Joanime; mas eu o salvarei.

-O que você vai fazer?

-Implorarei a Joanime, se ele não quiser, o matarei.


-Vinte anos. -O que você faz?

-Cortei suas cordas. É preciso partir para bem longe.

-Dezenove anos.

-Jéüs foi pego, vão fazê-lo morrer de fome, mas levo-lhe o
que comer.

-Dezessete anos.

-O que você faz?

-Estou a serviço de Jéüs.

-O que faz Jéüs?

-Ele é chefe de todo o Imondie.(91)

(91) Nota da editora: A diferença na grafia (Imundo e Imondie) se
encontra no mesmo original.
-Onde se encontra o Imondie?

-Perto de Trieste.

-Você conhece Trieste?

-Não, ruas Jéüs conhece: foi lá que ele esteve.

-Doze anos. -O que você faz?

-Estou com Jéüs. Ele me ama muito.

Cinco anos. -O que você faz ?

-Vou morrer.

-Como?

-Vão oferecer-me aos deuses.

Seis anos. -O que você faz?

-Pobre Jéüs, ele é borra, salvou-me, queria cortar-me.

-Quatro anos.

-Batem-me o tempo todo. Mataram mamãe.

No ventre da mãe: mesmas observações das outras vidas.

Décima primeira vida

A décima primeira vida tem pouca importância.

Essa criança, falecida aos oito anos de idade, teve uma vida
insignificante do ponto de vista puramente experimental, apesar


de marcar uma etapa na série de sonhos provocados até esse
momento que já se perde na distância do tempo.

Observações do Senhor Bouvier sobre o caso que acaba de
expor:

Como conseqüência de circunstâncias imprevistas, não me
foi permitido ir mais longe no passado. Não se pode esquecer de
que, quanto mais o sujet recua no tempo, mais longa e delicada é
a experiência e é necessário, geralmente, para chegar à décima
vida, cerca de três horas, o que representa forçosamente um
primeiro obstáculo, visto o pouco tempo disponível tanto de
uma parte quanto da outra.

No entanto, se devo dizer que durante esse tempo o sujet não
pode reviver senão as vidas descritas, é-lhe possível, num tempo
muito mais curto, ver desenvolver, como numa apoteose, uma
quantidade inumerável de quadros que para ele são fatos,
recuando-o provavelmente até os primeiros dias da humanidade;
sonhos ou realidades em face dos quais ficam sempre novos
pontos de interrogação e aos quais a ciência e o futuro poderão
talvez responder um dia.

Primeira hipótese

Se o ego individual já viveu anteriormente, tornando-se o
corpo atual, por assim dizer, o médium do espírito manifestante,
pode perfeitamente haver interpolação como conseqüência dos
diversos elementos acumulados no cérebro.

Da mesma forma farei observar, coisa bastante curiosa, que

o sujet não pode reviver outra vida sem previamente retornar ao
ventre de sua mãe para seguir as fases da concepção.
A partir de então o leitor está capacitado a distinguir o que
deve ser atribuído a sonho, quando o sujet é levado a reviver um
passado mais ou menos problemático. E a primeira hipótese.


Segunda hipótese

O pai pôde, em suas conversações em família, falar de sua
terra natal e descrever os lugares, os hábitos, os casos de certos
habitantes; conversas que se gravaram na mente do sujet e que
lhe servem durante o sono magnético para construir com todos
os detalhes sua nova personalidade.

Terceira hipótese

A educação e a instrução do sujet permitem, em
conseqüência dos dados históricos adquiridos durante seus
estudos, reconstituir, de maneira mais ou menos precisa, certos
fatos referentes à história do passado.

Quarta hipótese

O sujet pode ter vivido no passado nas épocas determinadas
e participado dos fatos descritos, pode contá-los como todo
mundo pode fazer a respeito de sua vida presente, detendo-se
mais nos fatos do que nas datas.

Cabe aos pesquisadores penetrar mais fundo no estudo deste
assunto interessante com todas as precauções possíveis, não
aceitando as coisas como verdadeiras senão quando forem
suficientemente controladas.

A porta está aberta: os senhores sábios e psicólogos podem a
partir de então procurar o que há de fundamento ou não nesse
domínio do pensamento.

Observações do Sr. A. G. sobre o mesmo estudo:

O Senhor Bouvier, em sua primeira hipótese, leva o leitor a
pesquisar "o que na experiência que nos ocupa deve ser
atribuído a sonho, quando o sujet é levado a reviver um passado
mais ou menos problemático".


Trata-se realmente de um sonho? Não seria antes de tudo a
revisão, pelo espírito emancipado e livre, de um passado que ele
revive nitidamente, realmente, graças à exteriorização quase
completa à qual o conduziu o experimentador?

Com o apoio desta maneira de ver, pedirei que observem:

1° -Que a imaginação do sujet não seria suficiente para
produzir, para criar o que considero como reconstituição de
vidas realmente vividas por ele até dez séculos atrás.

2° -Que essa eventualidade, a rigor, seria plausível se
tratasse de uma só existência descrita; porém tratam-se de
várias.

3° -Nada, atualmente, no grau de conhecimentos da ciência
espiritualista e psíquica, permite atribuir à imaginação de um
sujet mergulhado no sono magnético lúcido o relato bastante
detalhado de existências que ele revê e revive integralmente.

4° -Um lado notável do fenômeno reside na repetição
uniforme exata das respostas e informações fornecidas pela
Senhora J.... as quais estão sempre, e em todos os pontos, de
acordo com aquelas dadas sobre uma mesma vida em
precedentes experiências.

Se a imaginação do sujet compusesse inteiramente as
existências que nos descreve, ele variaria constantemente o
relato que delas nos faz: da mesma forma seria se tratasse,
parcial ou completamente, de um sonho, no sentido próprio da
palavra, pois a característica do sonho é ser essencialmente
variável, mutável e sem consistência. E então cada novo relato
diferiria dos precedentes.

Assim não ocorre. Todas as descrições relativas a uma
mesma vida são perfeitamente idênticas entre si. Apenas este
fato já nos permite deduzir que a boa fé do espírito
exteriorizado, tendo reconquistado sua inteira liberdade por uma
ou várias horas, é incontestável.


Não se poderia tecer este argumento, esta prova moral de
boa fé, com respeito a uma pessoa no estado de vigília, sob
pretexto de que ela não varia jamais seus relatos de um mesmo
fato, de uma mesma história. Ora, aqui apenas a memória está
em jogo, e o cálculo, a astúcia, o interesse podem guiar a
individualidade em questão, que age seguindo uma tática
prevista e definida. Ela se dá conta de que não darão crédito ao
que diz a não ser que o exponha da mesma maneira,
invariavelmente. Temos destes exemplos a cada dia na vida
cotidiana.

Porém o espírito exteriorizado de um sujet levado ao sono
magnético lúcido não faz cálculos dessa natureza. Trata-se aí de
futilidades terrestres, que não são conseqüentemente de seu
domínio, dele espírito, e ele as deixa às personalidades materiais
cujo caráter ou o temperamento a isso se acomodam e aí
encontram proveitos egoístas.

*

A segunda hipótese do professor é bastante sensata. As
conversas familiares do pai poderiam, é verdade, gravar-se na
mente do sujet que, então, durante o sono provocado, poderia
construir sua nova personalidade.

Mas, vejamos! Estimamos que esta hipótese não se adapta
aos fenômenos realizados com a senhora J..., porque não se trata
de uma só, única e mesma personalidade criada por ela, mas de
várias.

Ora, a partir da terceira vida inclusive (Jules Robert, 1780 a
1738) e retrocedendo até a sétima vida (irmã Marthe, de 1010 a
923), as personalidades que a senhora J. retorna não apresentam
mais a mínima relação com sua vida atual, nem com sua
segunda vida (a de Margueritte Duchesne, de 1860 a 1835), nem


com as conversas familiares que teriam permitido ao sujet
construir esta segunda personalidade. E então?...

Nenhuma prova científica pode ser dada como apoio à nossa
maneira de ver. Somos levados a raciocinar por hipóteses. No
entanto também nenhuma prova jamais nos será dada como
apoio a uma tese diferente, contrária e oposta.

Intimamente, e em razão das informações precisas dadas
pelos espíritos nas sessões de evocações sérias a respeito de tudo

o que se refere às evoluções da alma em suas múltiplas
existências e a suas encarnações, cremos intuitivamente, e
sinceramente, que o maravilhoso sujet do qual falamos revê e
revive realmente as existências reais que viveram sobre a terra.
Erros de datas, de locais, de detalhes são suscetíveis de se
produzirem no relato que ele nos fornece, entretanto provem
talvez da insuficiência de desprendimento do espírito,
insuficiência no entanto relativa, uma vez que o desprendimento
perispiritual e anímico é submetido a um limite que não
poderíamos ultrapassar, sem romper o cordão fluídico que une o
corpo à alma e sem conduzir à morte.
Quanto à terceira hipótese admitida pelo senhor Bouvier,
confirmamos as apreciações que a segunda nos sugeriu,
substituindo a influência presumida das "conversas familiares"
por outra não menos presumida e supositiva; a influência dos
"dados históricos adquiridos pela senhora J... durante seus
estudos".

A quarta hipótese desenvolvida é a nossa, e estamos
persuadidos de que o trabalho dos pesquisadores, dos sábios
imparciais, dos psiquistas e psicólogos sinceros, que se darão ao
trabalho de estudar as manifestações submetidas a seu exame,
dar-nos-ão como resultado a prova científica visando aos fatos
sobre os quais não se pôde até o momento senão conjeturar.

Não desesperemos, pois, como diz tão justamente Eugène
Nus, em um de seus belos livros:


Só no meio da desordene universal a ciência caminha para
frente sem parar, sem refletir. O que procura, ela não poderia
dizer; conta com muitos pioneiros, mas poucos pensadores. Os
pioneiros abatem e desbravam. O que surgirá nesta terra nova?
A imortalidade ou o nada? A matéria ou o espírito? Deus ou o
ateísmo? Ela ignora, porém avança sempre. Para saber aonde vai
é necessário plainar acima dela... Ela procura Deus, mesmo
quando o nega e, apesar de suas negações, ela o encontrará.

Caso n° 9

Senhor Surel, 1905.

O sujet é um jovem soldado, servindo voluntariamente numa
infantaria, servidor de seu estado; possui certificado de estudos;
saúde normal.

Foi adormecido em Lyon pelo Senhor Bouvier em presença
do pastor Fulliquet, que toma notas. Eu aqui as resumo.

A regressão da memória na vida atual faz-se como
habitualmente.

Segunda vida

Louis Fargeau é filho de um barqueiro do rio Rhône que
mora na região de Brotteaux. Freqüenta pouco a escola, aprende
com dificuldade. Aos quinze anos trabalha com seu pai no
Rhône e assina Fargot Louis. Tem dezesseis anos quando o rei
Luís XVI é decapitado. (Ele portanto nasceu em 1778.) Aos
dezessete anos entra para o exército e vai para Grenoble. Aos
vinte anos participa da campanha contra os ingleses em Toulon
(seria portanto em 1798, no entanto, a tomada e a retomada de


Toulon contra os ingleses deu-se em 1793). Aos vinte e dois
anos é sub-oficial, assiste à capitulação de Ulm (novo erro: a
capitulação de Ulm foi em 1805 e ele tinha vinte e dois anos em
1800). Ele dá o nome de seus oficiais sucessivos. Tem vinte e
oito anos quando Napoleão se faz consagrar pelo papa (seria
portanto em 1806, porém a consagração foi em 1805). Aos trinta
e dois anos é oficial. Aos trinta e quatro (portanto em 1812)
acompanha Napoleão à Rússia, que é obrigado a fugir (sic).

Tem quarenta e urre anos (portanto em 1819), quando
Napoleão, que estava exilado numa ilha, volta à França. O rei
enviou contra ele o general Ney, porém este não o prendeu. Ele
parte de Chalon para lutar contra os ingleses e os alemães.

Está em Sedan, é o general Ney querer comanda. Ele luta
nas fronteiras da Alemanha, em direção à Bélgica. (Aqui há
confissão entre o tio e o sobrinho.) Aos quarenta e um anos e
ano assiste a uma batalha travada sobre o monte Saint Jean. O
general Ney encontra-se no planalto e a artilharia é posicionada
nos flancos do planalto. Os alemães avançam, tendo os ingleses
à esquerda. Napoleão ocupa um casebre na estrada. A situação
dos alemães não é boa e retrocedem perseguidos, porém
retornam após terem recebido reforços. Napoleão também
espera reforços, que não chegam. Aí Fargeau descreve a
manobra que fez sua tropa. Ouve-se o canhão que chega; espera-
se que seja Grouchy; não, não, são os alemães. Fargeau é então
ferido fatalmente (faz-se com que ele assine e então assina Louis
Fargeau).

Intervalo entre a segunda vida e a vida atual

Ele encontra-se no espaço no estado de espírito e recorda-se
do que se passou no momento de sua morte. Deixou com um
suboficial da Segunda esquadra de infantaria uma carta para o
marechal Ney.(92) Fazia dois anos que ele havia morrido; foi


em 1815. Transporta-se ao local onde foi morto e o procura num
mapa pertencente a um habitante, procura o nome da região. Lê
Carteloo, depois Verloo e, em seguida, Waterloo. Percebe no
campo de batalha sua carteira, que contem a certidão de
nascimento.

(92) Nota da editora: Não há erro na referencia às duas patentes.
Michel Ney foi promovido a general em 1799. Napoleão o fez marechal
em 1804. Foi executado em Paris, em 1815.
Intervalo entre a segunda e a terceira vida

Encontra-se no espaço. Tudo lhe faz real. Dá-se conta deque não tem corpo. É-lhe pedido que assine seu nome. Ele não
pode.

Terceira vida

Ele é um ser estúpido, mas não infeliz; parece ser um
homem e bretão. Ouve-se que pronuncia palavras como
Aïazeto, Arcovi, Aralpos, Rainoko.

Intervalo entre a terceira e a quarta vida

Ele encontra-se no espaço, mas não está satisfeito. Vai-se
perfeitamente onde se quer ir; basta querer e chega-se lá. Não é
preciso nem beber, nem comer, nem trabalhar, mas é aborrecido.

Quarta vida

Ele é camponês da Franche-Conté, perto do castelo de
Domfort. Chama-se Richard. Casa-se aos dezenove anos e tem
dois filhos: Henri e Justin.


Trabalha a terra do senhor a quem dá a metade das colheitas.
Freqüentemente é passado para trás, seja pelo senhor, seja pelo
padre.

Aos quarenta anos diz que tem uma doença no ventre,
porém é preciso trabalhar senão o senhor lhe bate. Seus filhos
são levados à guerra e morrem.

Freqüentemente passa fome; alimenta-se de pão, de leite e
de fruta. Seu pai lhe disse que ele já comeu carne de porco uma
vez. Não tem cama, dorme sobre a palha.

Sua roupa, que se compõe de uma camisa e uma calça
branca, custou-lhe duas medidas-de trigo.

Morre aos setenta anos.

Caso n° 10

Victoria, 1905.

Essa mulher exerce em Voiron o ofício de sonâmbula. Tinha
cerca de quarenta anos quando a estudei. Seu marido, em 1905,
a magnetizava.(93) Adormecida magneticamente ela sentia a
doença das pessoas que vinham consultá-la e lhes prescrevia
instintivamente, dizia, os remédios apropriados.

(93) Nota da tradutora: Allan Kardec esclarece-nos que o
sonambulismo chamado magnético tem relação direta com o
sonambulismo natural e que a única diferença reside no fato de que
aquele seja provocado. (Ver elucidações sobre sonambulismo no cap. VIII
de O livro dos espíritos, de Allan kardec, e cap. XIV tópico 172 de O livro
dos médiuns, também de Allan Kardec.).
Apresenta pontos hipnógenos e histerógenos nos locais
habituais e de maneira bem nítida.

Os passes longitudinais a adormecem e determinam uma
exteriorização bastante confusa da sensibilidade.


Ela prestou-se a minhas experiências durante três sessões,
durante as quais pude determinar a regressão da memória na
vida atual, com mudanças de letra e duas personalidades
anteriores.

Na mais antiga, ela é uma menina, chamada Marie Mazode,
que cuidava de ovelhas e fiava na herdade de Chagne. Há
senhores que dizem que brevemente os castelos serão
demolidos; eles são agora soldados por quatorze anos. Ela morre
aos sessenta e nove anos.

Morta, ela não sofre; mas aborrece-se, encontra-se na
obscuridade, queria voltar a ser viva e inteligente.

Reencarna na pessoa de Jean Chastellière, nascido em 1739,
em Gonestelle (Ardèche). O pároco ensina-o primeiramente a
falar um pouco de francês e, em seguida, ele estuda para entrar
no seminário e tornar-se padre. Não consegue e casa-se com
uma religiosa que ele seduziu chamada Marianne Lacrotte, de
Montagnac, comuna de Saint-Andéol-de-Bourlenc. Estabelece-
se como professor primário em 1850, em Crouzet de Mezillac,
onde permanece três anos, em serviço da via férrea. Morreu aos
sessenta e nove anos em conseqüência do excesso de bebida.

Estes detalhes extremamente precisos e acompanhados de
mímica bastante expressiva, relativamente aos diversos períodos
de sua vida, levaram-me a escrever ao presidente da câmara
municipal de Crouzet para saber se havia conservado a memória
de um professor chamado Chastellière. A resposta negativa foi
comunicada ao médium, que não se admirou, porque ele tinha
ficado pouco tempo nessa localidade, porém, lá devia haver
ainda alguns de seus alunos, particularmente Pascal Baconnier e
Valette. Enderecei-me então ao pároco e aqui ainda a resposta
foi negativa.

Caso n° 11


Juliette, 1905.

Encontrei, em 1905, em Grenoble, no ateliê do Senhor
Urbain Basset, diretor da escola de escultura dessa cidade, uma
moça chamada Juliette Durand, que lhe servia de modelo para
uma estátua da cantora cambojana.

Juliette tinha então dezesseis anos. É filha de um pequeno
banqueiro de Die que faliu e morreu há dez anos. Sua mãe
contraiu novas núpcias com um operário eletricista chamado
Perret, e os três viajam de cidade em cidade procurando
emprego, tanto para Perret, que é de índole aventureira, como
para a pequena Juliette, a quem fizeram posar há já muito tempo
nos ateliês de pintura e de escultura.(94)

(94) Segundo o que Juliette me disse, ela posou em Paris para
Bourguereau e Rochegrosse; este, que se tinha afeiçoado à criança, a teria
levado à Argélia para passar um inverno com ele. Ela tinha uma irmã
religiosa em Valença e uma outra, morta durante o parto recentemente,
casada com um guarda-livros de Lyon. Um irmão de seu pai, morto
igualmente há pouco tempo, era farmacêutico principal do exército em
retiro em Paris. – A.R.
Essa jovem, que tem boa saúde e belíssimo corpo, é muito
simpática e teve até aí conduta bastante regular. Sofre pela vida
que leva e gostaria de ter uma profissão manual.(95) que lhe
permitisse não mais posar, pois respeitavam-na apenas quando
era criança, o que não mais acontece agora que ela é adulta. Não
possui nenhuma instrução, sabe apenas ler e escrever e jamais
ouviu falar de espiritismo ou de magnetismo.

(95) Ela é desajeitada com as mãos, não sabe costurar: Como
manifestava gosto pela profissão de passadeira, coloquei-a como aprendiz
em casa de uma boa mulher onde ia trabalhar dois dias por semana
enquanto estivesse em Grenoble. -A. R.
Após ganhar sua confiança, graças a algumas visitas ao
ateliê do Senhor Basset, pedi-lhe permissão para fazer algumas


experiências com ela. O Senhor Basset, que está bastante a par
dos fenômenos psíquicos, encorajou-a e pude assim ter com ela,
no ateliê, ou em meu apartamento de Grenoble, ou ainda em
minha casa de campo em Agnélas, oito sessões as quais vou
relatar sumariamente.

Primeira sessão, 31 de julho de 1905

Constato, no estado de vigília, a atração exercida pela mão
colocada sobre as costas, à percepção de odores sugeridos após
ter tampado o nariz do sujet com meus dedos colocados em
forma de pinça, a existência de pontos hipnógenos e
histerógenos, assim como as localizações cerebrais nos locais
habituais e, enfim, a sugestibilidade quando determino um
estado superficial da hipnose pela pressão de um ponto
hipnógenos.

Segunda sessão, 3 de agosto de 1905

Adormeço Juliette com o auxílio de passes longitudinais e
conduzo o sono magnético até o estado de rapport; constato
então a exteriorização da sensibilidade.

Tento, quando ela se encontra levemente adormecida, fazê-
la tomar posições por sugestão. Ela faz essas posições menos
bem do que quando está desperta e diz que isto a fatiga. A
musica não produz nenhum efeito.

Terceira sessão, 6 de agosto de 1905

Faço Juliette vir hoje à minha casa para apresentá-la ao
Senhor François Porro, professor de astronomia da Universidade
de Genova (nesse momento em Grenoble participando do
Congresso de A.F.A.S.), e a algumas outras pessoas.


Propus-me, sobretudo, fazê-la constatar a exteriorização da
sensibilidade; porém, após ter adormecido Juliette através de
passes longitudinais. fiquei bastante admirado de não constatar
essa exteriorização. Pensei que, intimidada pela assistência onde
ela conhecia apenas a mim, ela tinha-se concentrado ao invés de
exteriorizar-se.

Para aperceber-me de seu estado de espírito, pedi-lhe que
me desse seu endereço; respondeu-me com um endereço em
Paris. Perguntei-lhe então sua idade. Ela pensou durante algum
tempo e terminou por me dizer: "dez anos". Reconhecendo o
fenômeno que eu havia acabado de estudar em Aix, tentei fazê-
la retroceder ainda mais, continuando os passes, porém não o
consegui. Seu espírito apresentava como que oscilações,
passando alternadamente de sua idade atual à idade de dez anos.
Manifestando-se a fadiga, não insisti e despertei-a com passes
transversais.

Quando Juliette retornou a seu estado normal, conversou
conosco calmamente. Readormeci-a então com passes
longitudinais e obtive desta vez a exteriorização da
sensibilidade. Conduzi o sono até a formação dos dois meio-
fantasmas, que ela percebeu de maneira confusa, como um
vapor cinza, uma, à sua direita, o outro, à sua esquerda.
Chegando a esse ponto, ela pareceu sofrer e eu parei.

Despertei-a com passes transversais. Quando ela me pareceu
ter retornado ao estado de vigília, eu quis desprendê-la
completamente, continuando um pouco os passes; apercebi-me
então de que ela adormecia de novo. Apesar de admirado ao ver
desenvolverem-se nela tão rapidamente essas faculdades
anormais, eu quis ver o que poderia obter assim. Após dois ou
três minutos de passes transversais, perguntei-lhe onde ela se
encontrava naquele momento. Respondeu-me que estava em
Genebra há dois anos. Havia deixado Grenoble em 28 de maio


de 1906, porque seu padrasto ficara desempregado. Continuava
a posar, o que a aborrecia muito.

Tendo-me parecido bastante longa a sessão, reconduzi
Juliette a seu estado normal com passes longitudinais. Ela
despertou sentindo-se bem e sem recordar-se do que havia
ocorrido.

Quarta sessão, 11 de agosto de 1905

Adormeço Juliette por meio de passes longitudinais e levo-a
rapidamente ao momento do nascimento, sem sugestão,
restringindo-me a perguntar-lhe de vez em quando a idade que
ela tinha em cada momento.

Continuando os passes longitudinais, constato que ela muda
de personalidade. Não mais se encontra num corpo carnal, vive
numa semi-obscuridade e não sofre. Vê espíritos luminosos,
porém não tem permissão para falar-lhes. Ela foi urra homem
chamado Francisque Bonnabry que morreu há tramito tempo.
Esse Francisque é mais ou menos indiferente à sorte daqueles
que deixou na terra: "Seus sofrimentos são necessários e de
muito pouca duração com relação à eternidade."

Julgando fora de propósito ir mais longe no passado,
desperto lentamente Juliette através de passes transversais. À
medida que ela vai despertando, levo-a a contar-me os eventos
ocorridos em sua vida na idade em que a paro e faço-a escrever.
A figura 1 dá as escritas obtidas assim nas idades de três, quatro,
seis, doze e enfim dezesseis anos, quando ela volta a seu estado
normal.


Quinta sessão, 20 de agosto de 1905

Esta sessão foi consagrada à pesquisa de detalhes relativos à
personalidade Bonnabry, à qual Juliette é levada por meio de
passes longitudinais.

Bonnabry é belga. Em 1818 tinha trinta e dois anos, era
casado e trabalhava em Angoulême como tipógrafo. Assina sem
hesitação seu nome (fig. 2). Três anos depois, em 1821, separa-
se de sua esposa(96) porque ela tinha má conduta; ele fica muito
triste com isso. Morre aos quarenta e cinco anos (em 1831) de
uma doença no coração. Separou-se de seu corpo carnal sem
muita dificuldade; seu corpo astral (97) saiu pela cabeça. Seguiu
seu enterro e reconheceu as pessoas que a este assistiram. As
orações do padre fizeram-lhe bem; a água benta afastou os maus
espíritos; ele não observou a parede fluídica que o padre
produziu circulando o caixão na igreja.(98)

(96) Juliette diz algumas vezes separado, outras vezes divorciado. -A.
R.
(97) Juliette não empregou os termos carnal e astral; sirvo-me deles
para resumir suas explicações. -A. R.
(98) Esta parede fluídica é vista por outros sujets e eu esperava uma
resposta afirmativa de Juliette quando a interroguei a esse respeito. Pode-
se concluir daí que ela não leu pensamento; e além do mais me
interrompia freqüentemente com vivacidade quando, por minhas
perguntas, eu mostrava que havia esquecido ou mal compreendido um
detalhe relativo a algumas de suas personalidades sucessivas. -A. R.

Quando Juliette reencarna em seu corpo atual não toma
posse deste senão no momento em que ele sai do ventre de sua
mãe, e ainda assim parcialmente. Ela penetra em seguida pouco
a pouco de maneira a encontrar-se completamente nele na idade
de aproximada de sete anos.(99)

(99) Ver o caso n° 3, Como resultado de uma investigação que fiz com
pessoas a mim próximas obtive que as lembranças da primeira infância
apresentam-se em geral sob a forma de um quadro; vemo-nos a nós
próprios concluindo o ato de que nos recordamos, como se houvéssemos
observado o exterior do corpo. -A. R.
Sexta sessão, 25 de agosto (100)

Adormeço Juliette através de passes longitudinais e faço-a
assim recuarem direção ao passado. Em seguida, sem nada lhe
dizer, mudo a direção dos passes e constato que a levo em
direção ao futuro.

(100) Nota da editora: embora não apareça no original francês, o ano
é ainda, obviamente, o de 1905. O registro é importante porque, como se
vai ler em seguida, o sujet aludirá à desencarnação do cel. de Rochas, que
só ocorrerá nove anos depois, em 1914.
Ela tem agora vinte anos. Deixou Grenoble há três ou quatro
anos. Está em Genebra, onde posa para um escultor, o Senhor
Drouet, a quem o Senhor Basset a recomendou.

A continuação dos passes transversais à leva aos vinte e dois
anos. Encontra-se em Nice. Resfriou-se posando. Tosse muito e
não pode mais posar.

Sob a influência dos mesmos passes, ela envelhece mais; seu
rosto exprime sofrimento; acessos de tosse violenta a sacodem;


sua atitude é tão triste e tão resignada que emociona todos os
assistentes.

Enfim ela morre: sua cabeça inclina-se sobre o ombro, os
membros caem inertes.

Alguns passes ainda e ela pode responder-me. Morreu aos
vinte e cinco anos (em 1914). Seu corpo astral desligou-se do
corpo físico rapidamente e sem sofrimento. Ela se lembra de ter
sido Juliette, que sempre se manteve virtuosa. Anteriormente ela
foi um homem que morreu jovem: um bravo homem que
também sofreu bastante durante sua vida, porque, antes, havia
sido uma mulher má. Retorno ao estado normal com a ajuda de
passes longitudinais.

Sétima sessão, domingo, 3 de setembro

Juliette veio hoje a Voiron para ver seu padrasto, cujo
emprego arrumei junto a um eletricista da cidade. Ela retornou a
minha casa de campo de Agnélas onde passou o dia. Dessa
forma, pude realizar duas sessões consecutivas: uma pela
manhã, outra à tarde.

Sessão da manhã

Através de passes longitudinais e sugestões unicamente
relacionadas ao tempo, adormeci rapidamente Juliette e a
conduzi à personalidade de Bonnabry.

Bonnabry não é belga como eu acreditava: ele tinha apenas
origem belga; sua mãe era belga. Quanto a ele, não sabia onde
havia nascido por causa da vida aventureira de sua mãe, que era
cantora. Aos dezoito anos, ambos estavam em Angoulême para
a temporada teatral. Um dia ela o conduziu à estação com um
senhor; mas, no momento da partida, deu-lhe uma incumbência
qualquer. Quando ele retornou, não encontrou mais ninguém e,


desde então, nunca mais reviu ou teve notícias de sua mãe.
Abandonado, procurou emprego como aprendiz numa gráfica.

Levado a dez anos antes, através de passes longitudinais, ele
estava no interior, junto aos camponeses, onde sua mãe se bravia
instalado.

-Que faz sua mãe?

-Mas eu já lhe disse!(101)

(101) Dessa maneira Juliette guardou, ao menos parcialmente, a
memória do que ela disse quando estava "progredida" no tempo – A. R.
Nesse instante, constato que a sensibilidade de Juliette está
exteriorizada alguns centímetros em torno de seu corpo; o que
acontece com ela sempre que passa por outra fase da vida
terrestre.

Continuo os passes adormecedores. Francisque está no
ventre de sua mãe: o corpo, mas não a alma.

Continuação do mesmo gênero de passes. Aparição de uma
nova personalidade, a de uma menina morta em tenra idade. Ela
está na obscuridade, porque, antes de ter sido essa menina, teve,
como mulher, uma longa existência onde se conduziu mal e
abandonou seu marido e suas crianças.

Recorda-se dessas lembranças e sofre com elas. Nenhuma
sensibilidade ao redor do corpo, mas apenas em torno da cabeça
como se o corpo astral se desprendesse pelo alto desta. Foi o que
eu já havia observado a cada vez que Juliette se acreditava na
erraticidade entre duas vidas terrestres.

Em seguida vou rapidamente ao despertar sem parar na vida
terrestre de Francisque. Quando vou muito rápido com os
passes, Juliette parece sofrer e pede-me para ir mais lentamente.

Francisque morre; interrogo-o sobre seu estado. Ele
encontra-se numa semi-obscuridade e sofre apenas algumas
vezes. Constato, uma vez mais, que a sensibilidade não existe
nem na pele nem ao redor do corpo, exceto acima da cabeça, de
onde ela se eleva em coluna.


Sessão da tarde

Encaminho Juliette desde o início em direção ao futuro por
meio de passes transversais auxiliados por sugestões
relacionadas ao tempo.

Ei-la algumas semanas após o momento em que nos
encontramos. Mantém sua cabeça entre as mãos, parece muito
triste e fala com dificuldade. Seu padrasto não permaneceu na
casa onde o empreguei; encontra-se agora numa usina das
redondezas de Voiron, a qual ela não pode precisar.(102)
Continua trabalhando com a passadeira para seu aprendizado, o
que não convém a seus pais, que prefeririam vê-la posar sem
interrupção.

(102) Isto e provavelmente o resultado de sua conversa pela manhã
com seu padrasto, e além do mais não ocorreu. A.R.
Continuação dos passes transversais.

Ela deixou Grenoble e está em Genebra. Tem ainda grandes
aborrecimentos com seus pais e recusa explicar-se sobre este
assunto. Ela gostaria muito de escrever a seu tio de Paris, porém
sua mãe, que está indisposta com ele desde seu segundo
casamento, a impede.

Tem agora vinte e cinco anos e mora em Nice, para onde vai
primeiramente sozinha, e onde, em seguida, sua mãe se uniu a
ela. Tosse e aperta o peito com ar de sofrimento. Constato que
sua sensibilidade está exteriorizada em torno do corpo.

Alguns passes transversais ainda e Juliette morre. Sua
cabeça cai sobre o ombro, seus membros estão inertes. A
sensibilidade não mais existe ao redor do corpo e localizou-se
acima da cabeça.

Continuação dos mesmos passes e, em seguida, novo
interrogatório.


Ela está feliz por ter morrido, não sofre e não se encontra na
obscuridade. Recorda-se daqueles que foram bons para com ela,
especialmente o coronel de Rochas, que morreu dois anos antes
dela (em 1916) de uma doença da qual sofria há muito
tempo.(103)

(103) Nota da editora: O Cel. Alberto de Rochas faleceu, como já foi
visto, em 1914.
Continuo os passes transversais e constato que sua
sensibilidade retorna em torno do seu corpo. No momento em
que paro para interrogá-la, ela está reencarnada no corpo de um
menino bastante pio. Depois este menino entra para o seminário.
Pergunto-lhe se crê no céu e no inferno tais como lhe ensinam e
ele responde sorrindo que não é exatamente como dizem.
Pressiono o ponto da memória sonambúlica no centro da fronte
para que se recorde de suas vidas passadas; ele sorri ainda,
fazendo um sinal de aprovação com a cabeça.

Passes longitudinais sem interrupção até o retorno à vida
normal, constatado pela sensibilidade cutânea e o estado da
memória.

Oitava sessão, 13 de setembro

Eu gostaria de saber como Juliette vê o futuro: se é apenas
uma previsão do conjunto dos acontecimentos ou se ela vive
esses acontecimentos em todos os seus detalhes.

Para apressar a caminhada no tempo, por sugestão, previno-
a, antes de adormecê-la, de que vou esforçar-me por fazê-la ver
sua vida futura.

Passes transversais.

Ela encontra-se em Genebra. Peço-lhe que me conte o que
fez na véspera. Levantou-se às sete horas, tornou café com leite,
em seguida foi posar para o Senhor Drouet, que mora bem
próximo, na rua Jean Jacques Rousseau. Ele trabalha numa


estátua e ela não sabe o que esta representa. "Você entende, ele
se crê muito bom nisso; mas eu não acho." Voltou para casa paraalmoçar; comeu tomates recheados e salada de alface. À tarde
lavou um pouco de roupa. Em seguida jantou e deitou-se.
Pergunto-lhe se me conhece. Ela hesita um pouco, depois me
salta ao pescoço: "Oh, Senhor de Rochas, como estou contente
em revê-lo!"A conversa inicia-se como se eu tivesse vindo
fazer-lhe uma visita, de passagem em Genebra. Ela me diz que
gostaria muito de não mais posar, que uma senhora lhe prometeu
encontrar-lhe uma vaga para trabalhar com uma passadeira. Ela
posa com freqüência na Escola de Belas-Artes; são
simplesmente poses para os alunos, elas não significam nada. Os
artistas em geral não são desonestos com ela. Há no entanto um
velho pintor, que a havia visto com o Senhor Drouset, que lhe
escreveu para fazer-lhe uma declaração de amor. "Você quer
que eu lhe mostre sua carta? Ela é bastante engraçada.

"Sim, vá procurá-la." Ela levanta-se rindo, depois hesita e
senta-se de novo dizendo-me que não sabia mais onde a havia
posto, mas que ia contá-la a mim. O pintor fazia-lhe muitos
cumprimentos; desejava ter uma entrevista sozinho com ela e
pedia-lhe que fosse, ou a um encontro para o dia seguinte às sete
horas da noite perto do bar que fica no final da rua Jean Jacques
Rousseau, ou uma resposta com as iniciais B.P. "Você bem sabe
que não respondi e que não fui ao encontro." Ela não se mostra
mal de saúde, no entanto tosse com bastante freqüência e tem
suores durante a noite. Digo-lhe para olhar seus pulmões; ela vê
grandes buracos.(104)

(104) Alguns dias antes, tendo-a ouvido tossir, pedi-lhe, no estado de
sono, para olhar seu pulmão. Ela não sabia o que era o pulmão. Quando
lhe expliquei, dirigiu seus olhos em direção ao peito e disse ver pequenas
cavidades. -A.R.
Continuo a caminhada em direção ao futuro pelo processo
habitual. Doença em Nice. Tosse dilacerante. Morte. Alegria por


estar liberta da vida. Ela pagou a dívida de suas faltas; resta-lhe
progredir intelectualmente. Reencarna numa família afortunada
e chama-se Emile Chaumette. Sua mãe morre dando-a a luz. Seu
pai é proprietário de uma importante fábrica de telhas e mora no
campo, numa bonita casa. Emile tem, desde a infância, o desejo
de tornar-se padre. Entra para o grande seminário e, pouco
depois de sua saída, em 1940, é nomeado vigário no Havre. Não
crê inteiramente em tudo o que ensina; porém o que ensina é
satisfatório para a maioria das pessoas. Encontramo-nos ainda
na República, mas as relações entre a igreja e o Estado
modificaram-se várias vezes desde o começo do século. Peço-
lhe que escreva seu nome. Ele me olha com um ar inquieto:
"Para quê?" -Eu estudo as relações que possam existir entre a
escrita e o caráter. "Olha só, é engraçado, não me recordo mais
como se escrevem as letras." Enfim, após duas tentativas que ele
apaga, dá-me a assinatura, reproduzida na figura 3.


Conversando com a personalidade Chaumette, tomo
amigavelmente Juliette pela cintura como faço freqüentemente
quando estou contente com suas respostas; ela sempre acolhe
com prazer esta demonstração de afeto. Hoje não aconteceu
assim; ela levanta-se bruscamente com o ar severo: "Que modos
estranhos você tem! Além do mais, é preciso que eu parta,
preciso rezar a missa."

Retenho-a por meio de passes longitudinais e reconduzo-a a
seu estado normal.


Foi minha última sessão com Juliette. Alguns dias mais
tarde, ela envia-me um telegrama anunciando que sua irmã de
Lyon havia falecido ao dar à luz, que ela partia com sua mãe
para cuidar do recém-nascido e que me escreveria em
breve.(105)

(105) Juliette e sua mãe foram em prantos despedir-se da passadeira,
que não teve nenhuma dúvida sobre a realidade da causa apresentada
para sua partida; porem como deixaram cartas em Grenoble, não
queriam provavelmente que soubessem o seu endereço em Lyon. – A. R.
Apesar de suas promessas, nunca mais tive notícias dela. Em
vão procurei-a em Lyon, em Genebra e em Nice. Talvez alguém
possa encontrar este sujet bastante interessante e ver o que serealizará de suas previsões. É por isso que deixei neste artigo os
verdadeiros nomes dados às personagens.

Até o momento constatei que:

1° Ela deixou Grenoble oito meses antes da data que havia
indicado;

2° Não há agora em Genebra nenhum escultor com o nome
Drouet ou outro nome análogo.

3° O Senhor Basset não conhece nenhum artista com este
nome e não deu nenhuma carta de recomendação a Juliette;

4° Não foi encontrado em Angoulême nenhum vestígio de
alguém chamado Bonnabry, tanto em procedimentos de
separação com sua esposa, como em registro de óbito.

Caso n° 12

Senhora Marguerite N., janeiro de 1906.


A Senhora Marguerite N. é uma jovem de dezenove anos,
inteligente e que recebeu sólida instrução num convento de
Toulouse.

Tem boa saúde, é bastante esperta e hábil para todos os
exercícios do corpo, montando a cavalo, conduzindo seu
automóvel, caçando. Gosta de artes, pinta satisfatoriamente e lê
muito.

Casada há apenas alguns meses com um homem
consideravelmente mais velho do que ela, vive hoje num
pequeno burgo dos Pirineus no seio de uma família rica, mais
bem abaixo dela em nível intelectual.

Tive a ocasião de conhecê-la em casa de amigos meus,
Senhor e Senhora X..., que são seus primos. Conversamos sobre
ciências psíquicas, que ela conhecia apenas muito vagamente e
pelas quais logo se apaixonou, encontrando aí um alimento para
sua atividade cerebral, sem emprego desde sua instalação em
casa dos sogros.

Pediu-me que a adormecesse, o que consegui desde a
primeira vez. Tivemos em seguida, freqüentemente, duas
sessões por dia, durante mais de duas semanas.

Não tendo tomado notas, não procederei pela descrição de
cada sessão. Limitar-me-ei a dar resumo das vidas que
Marguerite diz ter vivido e as mencionarei em sentido inverso à
ordem nas quais fizeram sua aparição. Para simplificar a
exposição, contarei as coisas como se elas tivessem realmente
acontecido.

A mais antiga das vidas à qual pude chegar passou-se naÍndia. O sujet era então mulher, filha de um rajá e de uma
escrava. Amava apaixonadamente um oficial inglês e, tendo sido
descobertas suas relações, seu pai condenou-a a ser queimada
viva. A sentença foi executada, porém antes de morrer a jovem
indiana enviou ao oficial inglês uma cesta repleta de rosas no


meio das quais se encontravam três pequenas serpentes bastante
venenosas, para que seu amante morresse e fosse unir-se a ela.

Marguerite gozava da faculdade de ver, entre duas vidas
sucessivas, seu futuro e o das pessoas cora quem viveu. Diz que
seu pai, o rajá, veio a ser Leon Denis(106) a quem ela conhece
pessoalmente e por quem experimenta uma real antipatia, apesar
de admirar seu talento e seu caráter. O oficial inglês era a
encarnação de um ser que ela conheceu e amou sempre, uma
alma gêmea que depois se tornou Carl du Prel, seu guia atual.

(106) Leon Denis, a quem contei esta circunstância e a quem suas
existências precedentes teriam sido desvendadas através de comunicações
espíritas, não tem nenhum conhecimento dessa vida de rajá – A. R.
Na vida seguinte ela ainda é mulher, morava no Marrocos e
fazia parte de uma ordem religiosa. Um bando de aventureiros
espanhóis, que havia desembarcado no litoral, foi rechaçado
pelos marroquinos, nas mãos de quem seu chefe ficou
prisioneiro. Esse chefe foi aprisionado numa torre onde
deveriam deixá-lo morrer de fome, porém ela apaixonou-se por
ele, facilitou sua fuga e embarcaram juntos num navio que devia
conduzi-los à Espanha. Ela morreu durante a travessia. O chefe
espanhol, com quem desta forma ela manteve contato pela
primeira vez em sua série de aventuras, tornou-se mais tarde M.
N..., seu marido atual.

Em seguida, ela foi um homem na Espanha. Era um fidalgo
ladrão e brutal. Raptou uma menina que cuidava de cabras. Ele a
amava muito, porém batia nela e tornou-lhe a existência muito
dura. Apesar disso, ela o amava. Essa jovem camponesa teria
sido uma de minhas encarnações precedentes, à qual sucederá
primeira uma encarnação como o superintendente Fouquet,(107)
e, em seguida, uma outra como grande dama austríaca, amiga
íntima da imperatriz Maria Luísa.

(107) Enquanto eu era o superintendente Fouquet, ela estava
desencarnada e me protegia -A. R.

É então que reencontro na terra o sujet que se tornou o
marechal Ney e que uma viva amizade nos une.

Enfim, reencontramo-nos ainda em nossa existência atual
onde também reencontra o chefe do bando espanhol que ela
havia ajudado a evadir-se do Marrocos. Casa-se com ele como
expiação de suas faltas passadas e no propósito de fazê-lo
evoluir.

Se, após ter trazido Marguerite a seu estado normal através
dos passes transversais, continuo esses passes, ela vai a direção
ao futuro. Morre com cerca de quarenta e cinco anos após uma
vida bem triste onde todos os seus instintos foram abafados. Não
teve filhos e nem serviu para nada. Alguns anos antes, seu
marido havia falecido, o que foi um alívio para ela, porém já era
muito tarde para mudar de vida.

No espaço, encontra todos aqueles a quem realmente amou:
Carl du Prel, o coronel de Rochas, seus primos X... Está feliz
por sentir-se livre e deseja reencarnar para contribuir com a
evolução da humanidade. Reencarna, efetivamente, em pouco
tempo: ela é mulher, com uma situação independente, não se
casa e me reencontra reencarnado como homem, solteiro.
Unidos por pura amizade, entregamo-nos juntos ao estudo das
ciências psíquicas.

*

Pressionado pelo tempo e pela pesquisa de outros
fenômenos, passei rapidamente pelos períodos compreendidos
entre as diferentes encarnações, não insistindo em saber como
ela aí vivia e limitando-me a constatar sua faculdade de seguir
seus amigos nas encarnações sucessivas.

As mudanças de personalidade que ela afeta nessas diversas
vidas são muito menos impressionantes do que com os outros
sujets: são antes de tudo recordações que ela evoca, ao invés de


papéis que ela representa. No entanto, no momento em que se dá
à morte do general Ney, ela leva sempre sua mão ao coração e
cai como que morta.

Quatro anos passaram-se desde as experiências que acabo de
descrever. Não revi o sujet, porém soube que, contrariamente ao
que ela havia predito, teve um filho. Suponho que sua
imaginação representou um papel preponderante nos fenômenos
que acabo de descrever. Todos os seus instintos de vida ativa
devem tê-la feito tomar o marechal Ney como tipo do que ela
teria desejado ser. A história das serpentes numa cesta de rosas
foi, parece, assunto de um romance que ela teria lido, apesar de
não se recordar. Enfim, tive ocasião de falar-lhe com freqüência
de Carl du Prel, cujas obras eu me ocupava no momento em
traduzir.

Além dos fenômenos de regressão de memória e de
previsão, Marguerite possuía faculdades psíquicas muito mais
nítidas e independentes da sugestão.

Era assim que, quando a adormecia através dos passes, a
sensibilidade exteriorizava-se e podia-se constatar a presença de
dois meio-fantasmas a cada um de seus lados e, em seguida, sua
reunião, formando um fantasma único entre ela e mim. Este
fantasma único ou corpo fluídico podia ser por ela enviado a
locais afastados; porém não verifiquei a realidade dessas
viagens.

A transmissão do pensamento, a autoscopia e a mímica sob
a influência da música foram obtidas quando as tentei.
Estivemos um dia, inclusive, a ponto de obter uma
materialização com auxílio de um segundo médium, que viu
uma personagem formar-se, enquanto Marguerite,
completamente exausta, parecia tão perto da morte que tive de
parar a experiência.


Caso n° 13

Henriette, 1906.

1° sessão

Adormeço Henriette facilmente e provoco a exteriorização
da sensibilidade.(108) O corpo astral parece formar-se acima da
cabeça. No entanto constato um pouco de sensibilidade nas faces
a um ou dois milímetros da epiderme.

(108) Este caso é especial porque o sujet é uma mulher de trinta e
quatro anos, mãe de família, perfeitamente equilibrada tanto moral como
fisicamente, bastante instruída, ocupando no mundo, assim como seu
marido, muito boa situação, e tendo, como católica fervorosa, pouca
simpatia pelas teorias espíritas, que ela conhece apenas vagamente. Por
outro lado jamais foi magnetizada antes da primeira sessão, a qual relato.
A cena se passa em Valença, em fevereiro de 1906 e a redação a seguir foi
feita de acordo com as notas tomadas durante as sessões pelo marido da
Senhora Henriette. -A. R.
A sensibilidade exteriorizada pode fixar-se sobre um lenço
de seda ou num copo de água. Desperto Henriette; ela apresenta
os pontos hipnógenos habituais. Mesmo desperta, experimenta
uma sensação de queimadura se um diamante lhe é apresentado
em distância conveniente diante de um ponto hipnógeno. No
estado de vigília tento sugerir-lhe que veja uma de suas amigas,
porém a alucinação visual não se produz (ela se produz na oitava
sessão).

Na noite que se segue a essa primeira sessão, Henriette
dorme mal e sonha que um homem desconhecido, de expressão
fria, a observa com simpatia e que, em seguida, a leva para o
espaço sobre a forma de uma nuvem esbranquiçada (seu corpo
fluídico). Ela ouve algumas pancadas rápidas.


2° sessão

Tão logo adormecida, Henriette vê seu corpo astral subir ao
teto. A pedido meu ela pode, embora dificilmente, fazê-lo descer
à sua altura. Sugiro-lhe que retroceda ao passado e, com a ajuda
dos passes longitudinais, vemo-la aos vinte anos, aos dez anos.
Em seguida, após ter tornado a atitude clássica do feto,
encontramo-la na erraticidade. Seu corpo está inerte sobre a
poltrona e, como sempre acontece em semelhantes casos,
responde dificilmente a meus chamados, começando por
declarar que ela não é nada e não retomando senão pouco a
pouco consciência de sua personalidade (isto é, da personalidade
de sua vida anterior da qual fala mais freqüentemente na terceira
pessoa).

De uma vez por todas constato que, nos períodos de
erraticidade, assim como também nos períodos de encarnação,
seu corpo astral permanece acima de sua cabeça. Henriette
declara-nos que se encontra numa semi-luz na penumbra. Seu
marido observa-me que, de acordo com um relato sumário que
fez a Henriette de uma sessão com Joséphine à qual ele havia
assistido, Henriette acreditava que, na erraticidade, as almas se
diziam sempre na completa escuridão. Interrogo Henriette sobre
a significação dos sonhos que seguiram à primeira sessão.
Explica-me que o homem que levou seu corpo fluídico é um
amigo que ela ainda não vê mas que virá em breve. Recorda-se
de que foi uma mulher muito velha. Vai em breve encarnar,
porém não sabe dizer se é para expiar faltas ou continuar sua
ascensão intelectual ou moral. Parece cansada. Através de passes
transversais, reconduzo-a ao instante atual e sugiro-lhe que viaje
no espaço. Ela eleva-se bastante rapidamente e com prazer. Vê
muitas formas luminosas que se deslocam, também elas,
bastante rapidamente e sem olhá-la. É muito bonito; ela queria


que essa viagem durasse para sempre. Não vê seu amigo
desconhecido. Desperto-a.

3° sessão

Tão logo se encontra adormecida e exteriorizada, envio
Henriette ao espaço. Ela para lá se lança com o mesmo prazer e
quase que imediatamente vê seu amigo. Ele se chama Henri; irá
guiá-la e mais tarde lhe mostrará sua mãe. Chamo-a a mim e
sugiro-lhe que retroceda ao passado. Ela revive rapidamente sua
vida atual e entra na penumbra após ter tornado a atitude do feto
(como aliás antes de cada uma de suas encarnações). Faço-a
retroceder mais ainda no passado e, por uma atitude de
morte(109) ela entra em sua vida precedente. E uma velha
alquebrada, vivendo em Paris sob a República de 1848. Lamenta
esse homem de bem, Luís Felipe.

(109) Nota da editora: A intrigante expressão "por uma atitude de
morte" (em francês par une attitude de mort) deve-se ao fato de que, o
sujet, por estar em processo de regressão, faz seus relatos de trás para
frente. Logo, inicia a sua encarnação vivenciando o último instante, o da
morte.
Teve muitos filhos, porém a maioria morreu e os outros a
deixaram. Tem apenas seu gato, a quem dá um lugar ao seu
lado, na poltrona, que acaricia. Ela se chama Marie Lecourbe.
Teve muitas infelicidades. Recorda-se de seu amigo, o escultor
Henri Davin, que teria desejado desposá-la, mas que não pôde
fazê-lo por serem seus pais ricos e Marie pobre.

Conheceu Henri nas escadas de sua casa. Ele morava no
primeiro andar e ela o encontrava quando ia trabalhar.

Rejuvenesço-a. Ela tem vinte anos e vai casar-se com um
operário metalúrgico. Rejuvenesço-a ainda mais. Ela tem dez
anos e mostra-se bastante viva e alegre. Levanta-se e pula corda.

Rejuvenesço-a. Ela passa pela erraticidade. Encontra-se na
completa escuridão, porém não sofre. Tomamos conhecimento


sucessivamente de que foi um homem bom e instruído, talvez
um bispo. Admirado por encontrar na completa escuridão tal
personagem, fico sabendo que um defeito bastante grande
compensava as qualidades. Nosso bispo gostava muito de
mulheres. Vivia erra Marselha sob o reinado de Luís XV e
chamava-se Belzunce. Observo todos os nomes próprios e datas,

o sujet hesita muito como se o lesse penosa e lentamente. Repete
várias vezes Bels... Bels..., quando há muito tempo já havíamos
compreendido Belzunce. Ao contrário, conta e representa os
fatos com volubilidade e vivacidade.
Nosso bispo vai reencarnar e sabe que será mulher humilde
e infeliz. Ele não escolhe sua sorte. "Não escolhemos", afirma
ele. Faço-o passar pela vida de Marie Lecourbe e levo-o aos dez
anos. Sugiro-lhe que se recorde do que fazia antes de encarnar:
"Eu ficava em torno de minha mãe." Aos dez anos ela já sechama Marie Lecourbe. É filha única e não terra mais o pai.

Envelheço-a. Ela tem trinta anos. Explica que, se ainda se
chama Marie Lecourbe, apesar de seu casamento, é porque se
casou com o primo. O marido é um razoável homem de bem
"que não bebe mais do que os outros". Peço-lhe notícias de
Henri. Ela parece surpresa e melindrada. Tranqüilizo-a, dizendo
que sou um pouco feiticeiro e que é inútil esconder-me alguma
coisa. Ela não vê mais Henri e não quer revê-lo. Ela o amou e
conservou-se recatada, porém a separação doem-lhe muito, e
então se sente velha e teria vergonha de se mostrar agora.

Pergunto-lhe se ela tem alguma intuição de ter conhecido
Henri em outra existência. Resposta: "Não há outra existência;
estamos bastante fartos desta!" Ela tem muitas dificuldades.
Perdeu filhos bem pequenos. Têm vários outros a seu redor; um
dentro de um berço à direita, outro que se agarra à sua saia àesquerda. Está apressada. É preciso fazer a comida! Pega seu
bebê do berço e murmura: "Meu pequeno Henri!" Pergunto-lhe
se esse nome é a recordação de seu antigo amor. Ela sorri,


abaixa a cabeça em sinal de confirmação, murmura um sim
tímido e abraça o bebê.

Pergunto-lhe o que foi feito de Henri. Ele, parece, casou-se
com uma mulher feia. "Eu, eu era bonita; não o sou mais, tive
filhos demais! Henri, aliás, tem dinheiro e paga amantes." Aqui
devo observar o quanto à idéia que Marie Lecourbe faz de Henri
difere daquela do sujet quando este fala de Henri como espírito-
guia. Na interpretação malévola, senão caluniosa, formulada por
Marie Lecourbe sobre seu antigo amigo, reconhece-se à
facilidade com a qual os pobres crêem terem os ricos boas
fortunas imaginárias. Quando, ao contrário, Henri é
reencontrado como espírito-guia, é um espírito de luz e de
bondade. A contradição é característica.

Envelheço Marie: ei-la aos sessenta anos. Seu marido
morreu e isso é bom, pois ele não mais trabalhava. Ela encontra-
se sozinha. Seu pequeno Henri morreu. Seus filhos ainda vivos
estão casados, exceto sua pequena Rose, que se perdeu, que tem
belos vestidos e que se entrega à má vida. Ela era muito bonita!
"Mas eu também, eu era bonita e não fiz o que ela fez. Vejo-a
algumas vezes, mas faz-me mal. Enfim!... talvez ela tenha razão
em não se esfalfar como eu!"

Envelheço-a; ela cai morta e entra na penumbra. Diz-me que
morreu com mais de oitenta anos. Lá onde está reencontrou seus
pais, porém não se falam e a família já não conta muito.(110)
Não reencontrou seu amigo Henri, que deve ter morrido antes
dela e deve estar reencarnado. Recorda-se de que ficou contente
por desencarnar. Assistiu a seu enterro. Não havia quase
ninguém. Seus filhos riam. Achava-se que ela era muito velha
para uma morta. Nada disso lhe importava. Lamentou apenas
por seu gato. Foi revê-lo no estado de corpo astral. Ele
reconheceu-a e fez ronron. Uma velha vizinha recolhem o
animal. Assinalo aqui que, no estado de vigília, Henriette ignora


a faculdade atribuída a certos animais de serem reais sensíveis
do que o homem, à presença dos fantasmas.

(110) Observa-se que todos os sujets falam dessas sombras silenciosas
como as que a Antiguidade localiza nos Campos Elíseos. – A. R.
Marie Lecourbe não foi ver como se tornava seu corpo na
tumba: "Não se gosta remito disso, você sabe!" Levo-a em
direção à sua reencarnação futura, que é sua vida atual. Vê uma
mulher jovem que sofre numa cama: "Mas é mamãe!" Fica perto
de sua mãe durante o parto. Ela não escolheu sua sorte: "Não
escolhemos!"

Envelheço-a; faço-a ultrapassar sua idade atual e dirijo-a ao
futuro. Aos quarenta anos de sua vida atual, ela se encontra em
Paris com o marido. Sente saudades de Valença, porque está
velha e deixou bons amigos nessa cidade. Envelheço-a. Ela tem
sessenta anos. Está maravilhosamente bem. É viúva há cinco
anos. Está sozinha seus filhos estão casados. Envelheço-a. Ela
tem setenta e cinco anos. Está bem: "Aqui vive-se quando
velho!" Ela se aborrece. Seus filhos não querem mais saber dela.
Sua felicidade é ver os netos.

Envelheço-a reais. Ela terra noventa anos. Está curvada
pelar idade. Parece-me inútil interrogá-la; é preciso terminar.

Envelheço-a rapidamente. Ela cai para trás com um pequeno
grito e morre. Interrogo-a. Encontra-se na luz. Vai partir com
Henri para um outro mundo. Seu marido, apesar de feliz, não
terminou seu estágio terrestre.

4° sessão

Tão logo foi adormecida e exteriorizada, Henriette, sob
minhas sugestões verbais, recua ao passado. Encontrarmos em
breve Marie Lecourbe na penumbra (erraticidade). Ela não está
só. Seus companheiros não lhe falam, mas todos se
compreendem sem falarem. Há alguns que ela conheceu na


terra, porém não saberia dizer seus nomes. Não sabe há quantos
anos está morta. "Não se conta desta forma." Sua filha Rose, que
se perdeu, morreu e encontra-se na completa escuridão, mas não
no inferno: "Não existe inferno". (Assinalo aqui que Henriette
pratica e defende a religião católica.) Marie não vê vida finura (a
vida atual de Henriette). Ela não reencontrou seu amigo Henri.
Faço-a recuar no passado e, após uma atitude de morte,(111)
chegamos à velhice de Marie Lecourbe. Ela tem oitenta e quatro
anos, porém tem bom estomago. Seus filhos deixaram-lhe
alguma coisa para viver e seis netos lhe vêm em ajuda. Sua filha
Rose, que se perdem, morreu de miséria no hospital. "Ela
colocava tudo em suas costas."

(111) Ver nota de pág. 193.
Levo-a aos sessenta anos. Está viúva, trabalha e ganha
quinze soldos por dia, fazendo camisetas de homem. Nunca
sonhou ter sido homem. A noite está emito cansada para sonhar,
ela dorme. Aliás, gostaria de ser um homem: "Os homens têm a
vida mais fácil." É devota. Não o era quando jovem, porém
experimenta a necessidade de se prender a alguma coisa. Não
reviu Henri. Rejuvenesço-a. Ela tem vinte anos. Estamos em
1825 e Luís Felipe reina. (Ao despertar o sujet rirá de seu
anacronismo quando lhe falarmos disso.) (112) Ela não vê datas
nitidamente e declara além do mais "que ela não é exatamente
Marie Lecourbe".

(112) Nota da editora: Luis Felipe iniciará seu reinado apenas em
1830.
Rejuvenesço-a e levo-a ao período de erraticidade situado
entre a vida de Belzunce e a de Marie Lecourbe. Nosso sujet
encontra-se então na completa escuridão. Não sofre, porém não
se sente bem. Sente a seu redor companheiros de miséria que
não vê e que lhe causam medo. Recorda-se de que foi um
homem instruído e bom, que era um bispo, que se chamava
Belzunce (sempre a mesma hesitação ao enunciar os nomes),


que gostava demais de mulheres, o que é um grande defeito para
um bispo, e que foi orgulhoso "como todos o são". Seus
companheiros de miséria fogem quando ele se aproxima. Não se
trata nem do purgatório nem do inferno tal como ele os
imaginava quando bispo. Tem a intuição de que resgatará suas
faltas, reencarnando como uma pessoa infeliz, porém não sabe
nem quando, nem como: "Não escolhemos." Proponho-lhe
conduzi-lo ao tempo em que era bispo. Ele recusa... e é à força
que, através de passes longitudinais, faço-o voltar à vida de
bispo. Ele nela entra através de uma atitude de morte e sua
atitude é bem a que se deve atribuir a um bispo: mãos juntas e os
dedos entrelaçados sobre o peito. Mais alguns passes e ele se
endireita um pouco, ainda permanecendo curvado como um
velho.

-Interrogo-o.

-Ele vai mal, é velho, sente que se vai.

-Isto não deve causar medo a um homem como você.

-Sim! Sinto apreensões.

-No entanto você foi um homem honesto.

-Não fui perfeito... Mas quem é você, pois, para interrogar-
me assim?

-Estou fora e acima do tempo, porque, como o profeta Elias
que retornou como são João Batista, tive, eu também, várias
vidas e já sei sobre você mais coisas do que você poderia crer.

-Você é talvez o espírito mau.

-Certamente que não; crê você que ele seria ingênuo o
bastante para mostrai aos homens as punições de suas faltas?

-Enfim, o que quer você de mim? Veio preparar-me para a
morte?

-Não! Aliás suponho que você não tenha medo de ir para o
inferno.

-Para o inferno? Não. Deus é misericordioso, porém tenho
medo.


-No entanto todo mundo o reverencia como um santo.

-Sim; crêem-me um santo, mas fiz coisas bastante horríveis.

-Eu sei... muita inclinação pelas mulheres e muito orgulho.

-Como sabe?

-Eu já lhe disse, estou acima do tempo e sei bem que não
me engano falando de uma inclinação pelas mulheres.

-Sim! Elas fizeram-me sofrer! Torturaram-me.

-Sua importante situação, o prazer de fazer um santo cair...
tudo devia atraí-las a você.

-Sim, tive muitas; mas todas me fizeram sofrer, sobretudo
desde que fiquei velho. Apesar de sentir remorsos a cada vez, eu
sempre caía de novo! Que horrível estado o de padre quando não
se tem vocação!

-Meu Deus... o homem é fraco e as mulheres de Marselha
são conhecidas por sua beleza e seu charme.

(Cora uma ponta de orgulho) -Eh! Não eram apenas as de
Marselha, eram sobretudo as de Versalhes, em Paris!

-Então você sentia remorsos?

-Sim; mas também eu não tinha vocação; fui forçado a
tornar-me padre.

-Se você quiser, posso rejuvenescê-lo até sua entrada no
seminário.

-Não faço questão de rejuvenescer.

-Sim; deixe-me fazê-lo. (Passes longitudinais.) Que idade
você tem?

-Vinte anos.

-Então você vai ser padre. Você possui vocação religiosa

-Não! Porém somos muito numerosos na família. É preciso.
(Assinalo aqui que o sujet no estado de vigília não sabe da vida
de Belzunce a não ser dos incidentes da peste de Marselha, tal
como gravuras os popularizaram. Porém crê ter lido uma vida de
Belzunce há cerca de quinze anos.)

-Em que ordem você ingressa?


-Sou jesuíta.

-Você foi bem comportado até o momento?

-Não, eu me diverti até demais.

-Mas ao menos você permaneceu casto?

(Com embaraço) -Não.

-Como assim?... Você é tão jovem!

-Meu pai, no castelo, não tomava conta de nós e íamos à
caça.

-Você está entrando numa vida bastante austera.

-Deus me ajudará.

-Bem! Vou envelhecê-lo até sua primeira (Passes
transversais.)

O sujet se debate e inclina-se numa atitude humilhado,
suspirando com horror.

-É a sua primeira falta?

-Sim.

-E quem é essa mulher?

-Uma mulher casada.

-E ela veio a você como penitente?

(Com um suspiro) -Sim!

-Você sente remorsos?

-Sim, porém o terrível é que sei, eu sinto, que recomeçarei.

-Onde você está?

(Com esforço) -Há montanhas e é no sul. Não é Toulouse;
porém não vejo o nome da cidade.

-Recorde-se. (Ajudo a memória pela pressão no meio da
fronte.)

-É Agen.

-Que idade você tem e o que você é?

-Trinta e cinco anos. Sou pároco.

-Vou envelhecê-lo e fazer de você um bispo. (Passes
transversais.)


Logo o sujet endireita-se numa orgulhosa atitude e com um
gesto brusco, a mão direita na altura do queixo, apresenta-me

seu anel (imaginário) para que eu o beije.
Com o pretexto de uma dedicatória, faço-o dar sua
assinatura. (Fig. 2). Esta, bastante masculina, está corretamente
precedida de uma cruz e mostra bem os nomes de Belzunce:
Henri-François (nomes que o sujet ignora no estado de vigília).
A abreviação "év. de Marseille (113) é mesmo a mais comum;
porém a letra e a ortografia não são as do verdadeiro Belzunce,
que assinava Henry e não Henri-François.

(113) Bispo de Marselha
As figuras 3 e 4 reproduzem um certo numero de assinaturas
escritas por Belzunce em idades diferentes. A figura 1 (página
anterior) é a letra de Henriette desperta.


-Onde você está?

-Em Versalhes.

-Você vai aí com freqüência?

-Sim, com mais freqüência do que a Marselha.

-Você não soube que há casos de peste em Marselha?

(Com indiferença)-Sim, disseram-me, porém creio que não
será grave. (Aplico alguns passes de lado a lado. O sujet levanta-
se.)

-O que você faz?

-Parto para Marselha; chamaram-me; precisam de mim
(Aplico mais alguns passes.)

-Eis você entre os pestilentos. Você os vê?

(Escondendo os olhos com a mão direita.) -Oh! Os infelizes!

Ele caminha, inclina-se sobre uma vítima, sustém uma
cabeça imaginária, desenha uma grande cruz com a mão direita
e recua vivamente, aspirando bastante ar. Vê que ele evitou
respirar no ambiente imediato do doente.


Avança mais e abençoa vários doentes com o sinal da cruz.
Para evitar o cansaço sugiro-lhe que durma. Em seguida aplico-
lhe passes transversais sem nada dizer e, quando de novo
interrogo o sujet, encontramos Marie Lecourbe aos quarenta
anos. Sob pretexto de trabalho, peço-lhe uma assinatura, que ela
dá lenta e penosamente após desculpar-se por não saber escrever
bem (fig. 5).


Continuo os passes sem nada dizer. Ela cai para trás com um
grito. Interrogo-a. Encontra-se na penumbra. Recorda-se de sua
vida de Marie Lecourbe e, ajudada por pressões sobre a fronte,
lembra-se de que pouco antes foi um homem, "um homem tão
bonito". Suas recordações ficam precisas, porém ela não pode
compreender que um bispo possa ter tido má conduta. Vê no
entanto que a vida de Marie Lecourbe, não tendo do amor senão
encargos e da vida senão humilhações, seria uma boa punição
para um homem que abusou do amor e do orgulho.

Trago-a a época atual e a desperto.


5° sessão

Através de passes levo o sujet à personalidade de Marie
Lecourbe aos vinte anos. Ela vai se casar sem muito entusiasmo,
uma vez que teve de renunciar a Henri. Viu a mãe de Henri
apenas uma vez e essa mulher má lhe fez uma cena. Viu o rei
Luís XVIII, "esse grande vilão". Viu os cossacos e, mais jovem,
viu Napoleão de longe, um dia em que ele passava a cavalo;
parecia cansado e começavam a ficar fartos dele porque não
havia mais homens. Ela mora em Montmartre. Poderia conduzir-
me à sua casa, porém não sabe dizer o nome da rua nem o
numero da casa.

Rejuvenesço-a. Ela coça a perna (como Henriette jamais o
faria) e diz: "São minhas meias!"

Continuo os passes e vamos até a personalidade do bispo
velho e doente. Ele ignora a quantidade de seus vigários gerais,
de seus párocos; não se recorda de nada a respeito de suas
altercações com os jansenistas, com os oradores de Marselha ou
com o Parlamento de Aix. No entanto, esses fatos ocuparam
parte de sua vida, ainda que ausentes, de suas biografias
habituais da juventude, como a que Henriette pode ter tido a
oportunidade de ler. Ele parece desejoso de mascarar sua
ignorância e de mandar embora um questionador importuno:
"Isto não lhes interessa!"

Aplico passes prolongados e levo o sujet ao período da
erraticidade que precedeu sua vida de bispo.

Após ter declarado como sempre que ele não é nada, debate-
se, fazendo exclamações: "Oh! Está escuro! Oh! Esses bichos
feios! Tenho medo!"

Envolvo-o com uma parede fluídica e o tranqüilizo.

Recorda-se de que foi um simples soldado sob as ordens de
Luis XIII, um soldado beberrão, cruel e luxurioso. Foi morto aos


trinta anos por um ladrão de estrada. Seus atuais companheiros
de sofrimento tem aparência repugnante. São todos desprezíveis
e asquerosos. Há alguns que se arrastam e que não tem mais
nada de humano. Não falam senão para se queixar. Todos
gostariam de voltar para atormentar os vivos. No entanto não
são diabos. Após ter sido morto, não pôde separar-se desse
corpo horrendo que se decompõem e jamais alguém ia chorar
sobre o solo onde ele jazia. Parece-lhe que isto o teria aliviado,
porém, como afeição humana, ele só teve algumas prostitutas.

Seus companheiros atuais arrastam-se por todos os lados e
procuram partir. Dentre os que têm ainda a aparência humana,
há mais homens do que mulheres. Eles sabem que seu suplícionão durará para sempre. Às vezes um deles afasta-se e parece
contente. O mais freqüentemente não tem idéia do que poderiam
tornar-se. No entanto tem, momentaneamente, intuições a esse
respeito. Através de passes para despertar e por sugestão, levo o
sujet a um desses momentos de clarividência na erraticidade. Ele
vê: vai ser um homem, um homem mais instruído, bem-
educado. Ele sobe. Não vê mais os bichos desprezíveis que o
rodeiam. Essa sorte, relativamente feliz, que ele crê reservada
para si, atribui com hesitação aos sofrimentos que acompanham
a sua morte violenta. "Mas por que", diz ele, "você não perguntatudo isso a Henri? É ele quero poderia explicar-lhe!" Henri,
efetivamente desde esse momento o protege um pouco; no
entanto não se encontra lá.

Continuo os passes para despertar e chegamos a Henri-
François (de Belzunce).

Aos quinze anos, em sua família chamara-no François. Ele
está no castelo da Força (desperto, o sujet não conhece este
nome). Ainda não caça. Seu pai é duro e não lhe permite ainda
esse prazer. Não tem namorada: "Que diria o pároco?" Levo-o
aos vinte e um anos. Ele não quer que lhe lembrem de sua


primeira falta. Era uma gentil pequena servente que vinha ao
castelo. Teve um filho e morreu.

Envelheço-o até o papel de bispo (bem reconhecível por sua
atitude majestosa). Apresento-me como sendo um pároco de sua
diocese e explico-lhe que uma de minhas penitentes, jovem e
bela, persegue-me com suas assiduidades, mas que conto
resistir, graças a seus bons conselhos e a seu apoio moral. "Não
conte com isso, meu pobre amigo. Você fará como eu: vai
sucumbir." E acrescenta que o mau exemplo de um superior não
justifica as faltas dos inferiores.

Através dos passes levo-o ao período de erraticidade que se
seguiu à sua viria de bispo. Ele encontra-se na completa
escuridão, porém não sofre. Henri vem vê-lo com bastante
freqüência e declara tê-lo sempre conhecido, sem poder no
entanto dizer o que ele era antes de sua vida de soldado.

Continuo os passes transversais e, diferente do que tem
acontecido, é com um grito e uma atitude de morte que o sujet
entra na personalidade de Marie Lecourbe.

Atravesso rapidamente essa vida: nova morte e novo período
de erraticidade. Sob minhas ordens, ela chama Henri e interroga-

o. Henri diz que, antes de ser Marie Lecourbe, o sujet foi um
bispo e, antes, foi um homem que morreu jovem e,
anteriormente, foi uma mulher. Ao menos ela o crê, porém não
tem certeza. Henri pensa que a elevação relativamente brusca do
sujet que encontramos como bispo, após ter sido um soldado
grosseiro, pode ter sido merecida por um longo período na
erraticidade muito doloroso, depois da morte do soldado.
Concorda, no entanto, que não conhece o segredo da alternância
das vidas. Quando faço uma pergunta a Henri por intermédio do
sujet, este parece ouvir uma resposta imaginária e responde:
"Henri diz que..." Continuo os passes transversais; por uma
sugestão verbal obtenho, ao invés da ida em direção ao futuro, o

despertar, exatamente no momento em que chega à sua idade
atual.

6° sessão

Envio o sujet à casa de seus pais, que moram a duzentos
quilômetros de Valença e, em seguida, a casa de diversas
pessoas em Béziers. Ela representa admiravelmente a malícia de
um espírito que pode andar invisível em casa de pessoas
conhecidas. Tenta fazer-lhes algumas brincadeiras inocentes;
porém constata sua impotência em produzir, seja um efeito
mecânico, seja um ruído. Declara ser vista pelo cão de uma das
suas amigas. Infelizmente, como não quer colocar ninguém a par
do segredo dessas experiências, se suas observações são
verdadeiras não podemos controlá-las por uma entrevista.

7° sessão

Envio o sujet à casa de um de seus irmãos, que mora a
trezentos e cinqüenta quilômetros de Valença. Ela declara ir
seguindo mais ou menos a estrada de ferro, afastando-se
particularmente quando encontra espíritos errantes dos quais tem
medo.

São nove horas da noite e perto do domicílio de seu irmão
ela entra numa igreja que encontra repleta de espíritos que
andam rápido sem se falarem. Sai apavorada e vai à casa de seu
irmão. Lá faz dez observações das quais oito foram conhecidas
como verdadeiras e duas errôneas. 1° erro: ela diz ter chegado
pela janela e ter encontrado as venezianas abertas, quando
estavam fechadas; 2° erro: seu irmão realmente lia um jornal,
mas ela deu um título errado. Uma das constatações exatas
corresponde aliás a um fato excepcional. A um dado momento o
sujet vê seu irmão levantar-se para verificar se está bem fechada


à porta de uma sala de espera que dá diretamente no patamar.
Ora, na hora indicada, seu irmão realmente fez esta verificação,
e isto por exceção, por haver uma nova empregada.

Reconduzo-a a seu domicílio; em seguida, envio-a ao espaço
sob a guarda de seu espírito-guia Henri. A um dado momento,
este a abandona e vai procurar sua mãe, trazendo-a em seguida.
O sujet chora, parece escutar recomendações, promete sempre
obedecer. Para evitar a fadiga de uma entrevista tão emocionante
desperto-a o mais rapidamente possível.

*

A personificação do monsenhor de Belzunce permitiu-me
fazer uma constatação interessante.

Vi, estudando uma bibliografia bastante completa do
prelado, que tinha havido longas altercações com o parlamento
de Aix e com os jansenistas; ora, essas altercações Marquerite,
representando o papel de Belzunce, ignora completamente. Ela,
pois, criou um Belzunce imaginário de acordo com uma vida
sumária da qual teve conhecimento.

O Senhor de Rochetal, a quem foram submetidos os diversos
tipos de letra fornecidos na observação precedente, acha que, do
ponto de vista grafológico, não há nenhuma relação entre a
verdadeira letra do bispo de Marselha, que denota "alta
inteligência, com modéstia e pureza de costumes
incontestáveis", e a de sua personificação, que convém a um ser
orgulhoso e sensual como o representou o sujet.

Caso n° 14

Senhorita Giudato, 1907.


Esta jovem, filha de pais italianos, permaneceu até a idade
de quatro anos perto de Turim. Seus pais vieram então para a
França e estabeleceram-se numa aldeia perto de Grenoble.
Atualmente tem dezenove anos e é doméstica na casa de uma
parteira. Jamais se tentou adormecê-la.

1° sessão

No estado normal, ela não é sensível às ações de polaridade,
nem mesmo por sugestões de odor. Não experimenta atração
pela ação de minhas mãos sobre seus ombros, não apresenta
pontos hipnógenos nem histerógenos.

Consigo, no entanto, adormecê-la lentamente através de
passes e ela começa a exteriorizar sua sensibilidade. Tento então
obterá regressão da memória por sugestão: resultados bastante
confusos. Continuo os passes e tenta de novo a regressão da
memória por sugestão: "Você terra quinze anos, dez, cinco, três,
um." Dá certo; aos três anos ela me responde em italiano; com
um ano ela não mais responde, porém chula meu dedo.

-Você está no ventre de sua mãe.

(Nenhuma posição especial.)

-Você está na situação em que se encontrava antes de
formar no ventre de sua mãe. O que você faz?

-Encontro-me em completa escuridão.

-Você se recorda de ter vivido?

-Não.

Apesar de pressionar o meio da fronte e retomar os passes
que adormecem, não desperto nenhuma recordação, o que prova
que, quando os sujets contam suas histórias, não sou eu quem as
inspira.


Desperto-a, então, através de passes transversais. A primeira
vez em que a interrogo ela já está com cinco anos; continuo e a
levo aos quatorze anos e à sensibilidade normal. Constato, então,
que ela se tornou bastante sugestionável e reconheço facilmente
a presença de pontos hipnógenos e histerógenos.

2° sessão

A jovem adormece com bastante dificuldade, no entanto,
levo-a por sugestão sucessivamente aos quinze anos, dez, cinco,
três, um. Aos três anos ela só fala italiano. Com um ano chupa
meu dedo. Digo-lhe que ainda não está encarnada e pergunto-lhe
onde se encontra. Inicialmente não responde, em seguida
termina por dizer que se encontra na completa escuridão, que
não vê ninguém a seu redor, que não se recorda de ter vivido.
Apesar de pressionar-lhe o meio da fronte, responde sempre da
mesma forma.

Continuo por bastante tempo os passes que adormecem;
nenhuma recordação a mais. Pressiono o meio da fronte e ela me
diz, em italiano, que foi uma mulher muito velha.

Novos passes que adormecem; termina por recordar-se de
que foi uma mulher que morreu muito velha e teve dois filhos:
um menino e uma menina.

Continuação dos passes. Ela se torna essa mulher.

Rejuvenesço-a, tem vinte anos e chama-se Béatrice. Vai
casar-se com um caldeireiro chamado Paolo.

Envelheço-a, então, através de passes transversais; ela está
casada e ama o marido.

Continuação dos passes transversais. Ela se vira dando um
grande grito: acaba ele dar à luz seu primeiro filho, a menina
Mariette. Ela me fala em italiano.


Rapidamente continuo os passes que a envelhecem,
conduzindo-a em direção à época presente: ela tem agora oitenta
anos.

Continuação dos passes. Ela cai para trás e não mais
responde.

Continuo os passes e a interrogo: tornou-se a pequena
Marguerite Giudato e responde-me em italiano.

Despertar normal.

3° sessão

Mesmos resultados das sessões precedentes. Quando ela é
reconduzida à sua idade atual, através de passes transversais,
continuo, durante algum tempo, os passes; ela adormece
novamente. Logo que pode me responder, está casada cota um
carpinteiro.

Depois disso, não verifiquei se o casamento aconteceu, mas,
admitindo que a predição se tenha realizado, isto não teria
provado nada, porque a jovem pode ter-me anunciado o que
estava em projeto.

Caso n° 15

Senhora Caro, 1907-1910

A Senhora Caro é uma jovem de vinte anos (1910), com
muito boa saúde. Casou-se aos dezessete anos e seu marido, que
se interessa pelas ciências psíquicas, pediu-me, um dia, que
tentasse adormecê-la para combater insônias passageiras.
Consegui na primeira tentativa e fiz voltar o sono. Encorajados
por esse sucesso, continuamos as experiências e constatei que


ela apresentava todas as faculdades de um sujet dos mais
sensíveis. Sob a influência dos passes longitudinais, seu corpo
astral desprende-se pela cabeça. Ela o desloca como quer e o faz
tomar a forma que desejo. Quando toco seu corpo astral, ela o
sente, enquanto que não sente nenhuma ação exercida sobre seu
corpo físico. Apresenta pontos hipnógenos e histerógenos noslocais habituais.(114) É bastante sugestionável, porém somente
se assim o deseja. Impossível fazê-la praticar, mesmo
adormecida, uma ação que não combine com ela. Enrijece-se,
então, e recusa a sugestão. Posso, no entanto, atraí-la a mim por
simples sugestão mental.

(114) Um objeto de ouro ou um diamante colocado diante de um
ponto hipnogeno provoca a sensação de queimadura, cuja dor um objeto
de estanho faz desaparecer. Há máximas de sensibilidade a três e a nove
centímetros da pele. -A. R.
Ela deu à luz sem nenhuma dor sob a influência da sugestão
e, quando sente um pequeno mal-estar qualquer, basta que eu
exteriorize seu corpo astral e que ela coloque minha mão sobre o
duplo da parte que sofre (que ela vê colorida, de matreira
diferente do resto do corpo astral) para que eu a cure
completamente. É muito sensível à música e representa
admiravelmente as emoções que esta a faz experimentar.

Adormecendo-a suficientemente através de passes, vê o
interior dos corpos e o fluido que sai de meus dedos. Se nesse
estado vê sua filhinha, ela a vê envolvida por uma auréola
luminosa de cerca de dois centímetros, por toda parte onde a
pele está nua, especialmente na cabeça. Se seu marido toca
violino, do qual se serve habitualmente para acalmar a filhinha
quando chora, ela vê a auréola alongar-se para os lados do
instrumento, se as notas são agudas, e retrair-se, se as notas sãograves. É preciso, para obter este efeito, que eu tenha dado à
mãe a sugestão de não ouvir a música. Sem isso, quando seu


corpo fluídico está exteriorizado, ela não pode suportá-la. É, diz
ela, como se agissem sobre seus nervos, à flor da pele.

De várias tentativas resulta que se transporta a três vidas
anteriores. Na última, a que precede a vida atual, ela é um
menino, Jean, criança nascida numa família miserável,
abandonado cedo, dormindo nas matas, onde terminou por ser
estrangulado, com a idade de quinze anos, por ferroviários.
Leva, nesse momento, a mão ao pescoço e sufoca; jamais alterou
alguma coisa sobre essa vida.

Suas mais antigas recordações, determinadas pela pressão da
fronte, transportam-na a uma vida de soldado sobre a qual não
daí nenhum detalhe. Em seguida foi uma dama gire morava num
castelo e que abandonou o marido e o filho para seguir o
amante. Em sua velhice e após a morte, arrepende-se e chora
lágrimas derradeiras. Reencarna, sem que tenha escolhido, no
corpo de uma jovem, Madeleine, cuja mãe parece ter sido uma
mulher galante. Durante a infância, vê seu pai apenas algumas
vezes, à noite, que ele passa em casa, partindo pela manhã. Mora
em Paris, nos arredores da praça de Trône. Aproximadamente
aos dezoito anos torna-se amante de um jovem, que ama e com
quem passa a viver. Alguns anos de felicidade; depois o amante
a deixa e ela arranja sucessivamente vários outros. Era sob o
Segundo Império. Termina por fazer-se sustentar por nova
personalidade que não se apresenta sempre. É alguém que vive
na época do presidente Grévy, chamado Henri Charon,
proprietário na Côte-d'Or, falecido aos cinqüenta e seis anos e
muito mulherengo.

Em seguida vem a personalidade de Jean.

Se a adormeço com passes longitudinais sem parar para
interrogá-la, vê-se seu rosto modificar-se para representar, seja a
infância, seja a idade madura, seja a morte e a reencarnação,
tomando a posição do feto. Desperto-a com passes transversais.
Vemo-la passar pelas mesmas fases em sentido inverso até seu


estado normal. Quando reencarna no ventre de sua mãe, toma a
posição do feto. Observando as posições fetais, pode-se
determinar exatamente a vida na qual se encontra.

No intervalo das reencarnações, acha-se na penumbra sem
grande sofrimento. Vê espíritos em torno de si, dentre os quais
alguns maus, que se reinem para praticar o mal.

Sua vida infeliz como Jean foi-lhe imposta como punição
pelos seus excessos na personalidade precedente. Agora ela
pagou sua dívida e pôde ter uma vida normal.

Quando está adormecida até a fase de percepção dos fluidos
e se caminho em torno dela, vê formar-se a seu redor um
cilindro luminoso. Um dia perguntei-lhe se não via nenhum
espírito. Após um instante, seu olhar fixou-se e assumiu uma
expressão de pavor. Ela levou a mão ao pescoço. Após a
repetição da minha pergunta, respondeu que via o espírito
daquele que a havia estrangulado na existência em que se
chamava Jean.

O fenômeno da regressão de memória na vida atual é
bastante nítido. Até a idade de sete anos não há o reflexo do
pudor.

Levei-a pouco em direção ao futuro. No entanto, ela se vê
aos vinte e seis anos em Paris, o que é provavelmente a
realização de um desejo. Assume então uma expressão triste e
recusa-se a se explicar.

Desejando saber se suas leituras ou conversas não haviam
determinado as personificações de seu sono magnético, dei-lhe a
sugestão de esquecer tudo o que havia lido ou ouvido contar na
sua vida atual e de recordar-se somente do que havia realmente
experimentado. Em seguida aprofundei seu sono.

Os fenômenos habituais produziram-se, porém, quando foi
despertada, não se recordava mais do que havia lido na véspera.
Tive de devolver-lhe a memória por uma nova sugestão.


A experiência não é concludente, pois ela pôde recordar-se
do que havia realmente experimentado nas personificações
precedentes. Teria sido necessário dar esta sugestão antes de ter
obtido alguma personificação; mas não é mais possível saber se
a ausência de lembrança foi devido à sugestão ou à
insensibilidade do sujet.

Nunca sessão onde eu havia exteriorizado seu corpo fluídico
para constatar que este corpo assumia sucessivamente as formas
correspondentes à idade a qual eu a conduzia (beliscões
provaram-me que ela se encontrava realmente onde me
indicava), eu a fiz estremecer como se sentisse uma dor (ela
assumia então a personalidade de Jean), e que voltava para o
corpo físico. Sua sensibilidade cessou, com efeito, ao invés de
ser exteriorizada, e continuei, por sugestão, a produzir sua
caminhada no passado.

Caso n° 16

Senhora Trincham, 1907.

A Senhora Trinchant é uma médium de cerca de quarenta
anos bastante conhecida, hoje, em Paris. Quando lá chegou, em
1901 foi a mim para que eu a pusesse em contato com pessoas
que se ocupara com ciências psíquicas. Possuía a escrita
automática, mas creio que nunca foi magnetizada.

Adormeci-a bastante facilmente, porém não pude nem
exteriorizá-la nem aprofundar o sono.

Procedi, então, pela sugestão à regressão da memória: "Você
tem vinte e cinco anos, vinte, dez"... Sucesso completo. Ela
assume a expressão e faz os gestos da idade correspondente.
Acima de sete anos, reflexo do pudor; abaixo, mais nada. com


um ano. chupa o dedo. No ventre de sua mãe, apóia seus punhos
fechados sobre os olhos. Antes do nascimento, encontra-se na
penumbra. Primeiramente, não se recorda de ter vivido; em
seguida, sobre a influência de passes com que adormece,
recorda-se de ter sido uma jovem árabe. Revive essa vida que
terminou com a idade de cerca de vinte anos por um homicídio:
foi apunhalada por um bandido. A mente dessa moça árabe é
completamente absorvida por um vestido que ela borda e por
seus cavalos; ela é rica e possui muitos deles.

Afasta-se de mm; as mulheres árabes não se familiarizamjamais com os homens. Falamos de seu casamento. É a mãe do
futuro marido que vem examinar a futura esposa. Antes dessa
vida de jovem árabe, ela tinha vivido, há mais de mil anos, em
Nápoles, com uma mulher que era sua grande amiga, que mão
reencarnou e que continua a protegê-la. Foi essa amiga quem a
fez vir encontrar-me.

Conduzindo-a em direção ao futuro, ela se vê estabelecida,
como grafóloga, no quarteirão da Étoile. Um americano vai vê-
la. Ela lhe conta coisas tão assombrosas que o americano lega-
lhe, ao morrer, uma grande fortuna. Ela própria morre pouco
tempo depois.

Não tive com a Senhora Trincham senão uma única sessão
e, alguns meses mais tarde, escreveu-me a seguinte carta:

..."Você se recorda das experiências de regressão de
memória que fez comigo por meio do sono magnético? Suas
perguntas levaram-me a dizer-lhe que, numa existência anterior,
morei na África e que lá fui morta apunhalada. Narrei à minha
mãe, gracejando um pouco, essa comunicação. Qual não foi
minha surpresa ao ouvi-la responder-me que, em minha primeira
infância, eu me queixava com freqüência de experimentar a
sensação brusca de uma punhalada, sensação inexata,
evidentemente, para minha vida atual, mas que poderia ter certa


relação cora o homicídio do qual eu teria sido vítima numa
existência anterior.

Acrescentarei, coisa interessante, que um espírita amigo,
engenheiro e homem dos mais positivos, a querer tive a idéia de
falar de minha existência anterior, assim como do homicídio do
qual eu teria sido vítima e do país onde eu teria vivido,
respondeu-me: Um espírito amigo, Charles Charlier, disse-me
conhecê-la muito bem e tê-la conhecido outrora na Arábia. Os
dizeres foram expressos da maneira bastante categórica e
imediata."'

Ignoro o que foi feito da Senhora Trincham, porém ouvi
dizer que tinha recebido um donativo bastante considerável por
causa de suas faculdades psíquicas.

Caso n° 17

Senhorita Pauline, 1910.

Moça de vinte e quatro anos. Boa saúde. Os passes a
adormecem facilmente. Exterioriza sua sensibilidade e posso
levá-la até o estado de rapport. Inteligência e moralidade
comum.

Levo-a por sugestões sucessivas a uma vida anterior, cujos
detalhes se precisara cada vez mais. Após quatro sessões, chega
a recordar que se chamava Isabelle, que havia perdido os pais
bem cedo e que viveu na Argélia até vinte e três anos na casa de
seu tutor, Senhor Bori. Foi morta nessa idade, por um acidente
de carro. Após sua morte, esteve na completa escuridão, porém
sem sofrimento, até o momento em que reencarnou sem que


tenha havido escolha de sua parte. É interessante acrescentar que
seu avô foi empreiteiro na Argélia.

Casos n° 18 e 19

Mireille e Nathalie, 1892.

Nathalie e Mireille são duas damas parisienses, ambas sujet
muito sensíveis, que estudei antes de ter podido constatar
experimentalmente a regressão da memória.

Eu estava, pois, limitado a notar que, no sono magnético, a
primeira se designava por um nome de batismo diferente do seu
e, à minha pergunta relativa a esta disparidade, respondeu-me
que era seu nome quando ela era uma "condessa polonesa".

A segunda recordava-se, às vezes, nesse mesmo sono, de ter
sido uma princesa que morava num país que o mar banhava no
poente (provavelmente a Palestina). Seu pai a havia feito
aprisionar numa torre para impedi-la de casar-se com um jovem
príncipe que ela amava, mas que era inimigo de sua família. O
jovem príncipe foi à frente de uma tropa de guerreiros fazer o
cerco à torre e dela apoderar-se, porém o carcereiro apunhalou
sua prisioneira antes que ela pudesse ser levada pelo amante.
Esse jovem príncipe teria reencarnado em mim; daí meu gosto
pelas armas brancas e os cavalos: nova prova da influência da
imaginação atual do sujet sobre o romance de suas vidas
anteriores.

TERCEIRA PARTE


OS FENÔMENOS ANALOGOS

Capítulo I -O corpo astral (115)

§ 1° -As tradições relativas ao corpo astral

Homero chama de Eidolon o corpo etéreo ou a forma
sensível que reveste a alma. Após a morte, este corpo é
incorruptível (Ilíada V 857) e sua substância é superior à carne e
aos ossos que compõem nosso corpo material (Ilíada XIV 353).

(115) Nota da editora: os nomes corpo astral, corpo fluídico, corpo
etéreo e perispirito designam o intermediário ainda mal-definido que liga
o espírito ao corpo carnal.
Pitágoras ensinava que a afina tens um corpo que é dado de
acordo com sua natureza boa ou má pelo trabalho anterior de
suas faculdades. Ele chamava esse corpo de "carro sutil da
alma" e dizia que o corpo mortal não passa de um envoltório
grosseiro daquela. É, acrescentava ele, praticando a virtude,
abraçando a verdade, abstendo-se de todas as coisas impuras,
que cuidamos da alma e deu seu corpo luminoso. (Hiérocles Comentários
sobre os versos dourados de Pitágoras -Século V)

Aristóteles (Física IV, 2 e 3) diz que os seres invisíveis são
tão substanciais quanto os visíveis. Os seres invisíveis também
têm corpos, porém bastante sutis e etéreos.

Aristóteles distingue, fora do corpo, o espírito (nous),
princípio do pensamento, e a alma (psique), princípio da vida.

*


A alma é o sopro da vida. Ela é incorpórea apenas por
comparação ao corpo mortal; conserva os traços físicos do
homem a fim de que a reconheçam. (Santo Irineu.)

*

Nada é criado que não seja corpóreo, isto é, sem forma
substancial, nem no céu, nem sobre a terra, nem dentre as coisas
visíveis, nem dentre as coisas invisíveis. Tudo é formado de
elementos, e as almas, tanto habitando um corpo quanto fora
dele, possuem sempre uma substância corpórea. (Santo Hilário.)

*

A alma é revestida, após a morte, de um corpo etéreo que se
assemelha a seu corpo terrestre. (Orígenes. Fragmento de De
Ressurectione, cap. 1, p. 35.)

*

Santo Agostinho, em seu tratado do Vaticínio dos demônios,
atribui a esses demônios, isto é, aos seres invisíveis que nos
cercam, um corpo aéreo(116) que se assemelha muito ao corpo
astral:

Doemonum ea natura est, ut aerii corporis sensu terrenorum
corporum sensum facile praecedant: celeritate etiam propter
ejusdem aerii corporis superiorum mobilitatem... volatus aviumn
incomparabiliter vincunt. (117)

(116) Nota da tradutora: por aéreo entenda-se vaporoso, sutil.
(117) E da natureza dos demônios que, mediante a sensibilidade do
corpo aéreo, Intercedam facilmente à sensação dos corpos terrestres: com
rapidez, também por causa da mobilidade do corpo aéreo dos corpos
superiores... Supera de maneira incomparável o vôo das aves.

*

A alma não está diretamente presa dentro do corpo material
e terrestre. Ela se reveste, para aí penetrar, de um corpo, sutil e
como que aéreo que representamos sob a forma de uma espécie
de reprodução do corpo material, que cresce e se desenvolve
com ele, criança, se trata de uma criança, mulher: se trata de
uma mulher, homem, se trata de um homem. É o que era
chamado de ka, cuja concepção os senhores Lepagne-Renour e
Maspéro determinaram perfeitamente. O senhor Maspéro o
chama de duplo; poder-se-ia da mesma forma chamá-lo de
sombra ou corpo sutil. É o eidolon dos gregos (Lenormand. La
magie chez les Chaldéens.)

*

Pauthier, em seus Ensaios sobre a filosofia dos hindus (p.
131), diz que, de acordo com Kapila, entre a forma sutil
emanada da natureza original e resultante do desenvolvimento
primitivo ou inicial dos rudimentos da criação primordial e a
forma grosseira e material, há ainda uma forma intermediária,
refinada, tênue.

É, diz ele em outra página, com o auxílio do corpo etéreo
que os espíritos se manifestam.

Em suas Memoires sur la Chine, o conde de Escayrac de
Lautrec reproduz um quadro budista que representa Ma-Ming-
Tsim, célebre solitário que escapa das tentações e dos terrores
desprendendo-se da cabeça e liga o corpo físico ao corpo astral.

"As almas dos homens, após sua separação do corpo
grosseiro, são revestidas por um corpo etéreo." (Lois de Manous
-XII, 16 e 21.)

*


Jeová fez para o homem um corpo grosseiro retirado dos
elementos da terra. E ele une aos órgãos materiais a alma
inteligente e livre que já leva consigo o sopro divino, o espírito
que o segue em todas as suas vidas; e o meio para esta união da
alma com o corpo grosseiro foi um sopro vital (nephesch),
(Gênese, cap. II, vers. 7. Tradução de Henri Peitam para o
francês.)

*

Os groenlandêses crêem que há duas almas no homem: 1°, o
sopro que anima o corpo e entretém a vida; 2°, a sombra, que
dele se desliga no sonho e se separa completamente na morte.
(Kranz, Histoire du Groenland.)

*

Os canadenses crêem que há duas almas no corpo: uma
dessas almas permanece após a morte junto ao cadáver; a outra
parte para a esfera espiritual. (Delaborde.)

*

A alma do homem, vinda imediatamente de Deus, une-se,
através de meios convenientes, ao corpo material e, para este
fim, antes mesmo de sua descida e das primeiras aproximações,
ela se encontra revestida por um pequeno corpo aéreo
denominado veículo etéreo da alma. Outros o chamam carro da
alma...

E, partindo, essa imagem da alma toma algumas vezes um
corpo aéreo, cobre-se com sombra e envolve-se por ela; tanto dá
avisos a seus amigos como atormenta seus inimigos. Pois as


paixões, a recordação, as sensações permanecem com a alma
após esta ter-se separado do corpo. (Agrippa. Volume II. Liv.

III. cap. 37 e 41.)(118)
(118) Henri-Conneille-Aggrippa. La philosophie oculte ou la magie.
Primeira tradução francesa por E. Gaboriau. Paris, 1910-191 l. 2° vol. in8.
*

Há trindade e unidade no homem, assim como em Deus. O
homem é um em pessoa; é triplo em essência. Possui o sopro de
Deus ou alma, o espírito sideral e o corpo. (Paracelso.)

*

O mundo criado deve perpetuar alma e corpo. Penso que os
anjos possuem corpo. Sou também de opinião que a alma
racional nunca esteve inteiramente despojada de corpo. (Leibniz.
Liv. III, cap. II. A lei de continuidade)

*

Tão logo um lugar é determinado à alma (após a morte), sua
faculdade formal resplandece a seu redor, da mesma forma e
tanto quanto o fazia com relação a seus membros vivos. E assim
como quando a atmosfera se mostra ornada de cores diversas, da
mesas forma o ar que a cerca torna a forma que a alma que lá se
encontra lhe imprime virtualmente; e, semelhante à chama que
segue o fogo por toda parte aonde vai, essa forma nova segue a
alma também a todos os lugares. Como ela retira daí sua
aparência, é chamada de sombra e, em seguida, organiza todos
os sentidos, até o da visão.(Dante. Purgatório, XXV)


§ 2 -A exteriorização do corpo astral durante a vida

Enquanto o corpo natural permanece acometido de paralisia,
a alma se vê revestida por um corpo em tudo semelhante ao seu,
sem saber como. Ela vê esse corpo vestido geralmente da
mesma maneira, coberto com as mesmas roupas e roupas da
mesma cor, da mesma maneira como as que cobrem seu corpo
verdadeiro. (P Séraphin. Principes de théologie mystique.)

*

Todas as vezes que desejo, saio de meu corpo de maneira a
não experimentar nenhuma sensação, como se eu estivesse em
êxtase (extra sensum quasi in extasim transeo)... Quando entro
em êxtase ou, para melhor expressar-me, quando coloco-me em
êxtase, sinto próximo ao coração uma espécie de desligamento,
como se a alma se retirasse e esta ação se comunicasse a todo o
corpo. Parece que se forma uma espécie de pequena abertura,
primeiro na cabeça e, sobretudo, no cerebelo, e esta abertura,
que se estende era seguida por toda a espinha dorsal, só se
mantém com muito esforço. Não sinto nada mais, apenas que
estou fora de mim (quod sun extra me ipsun) e é com
dificuldade que me mantenho nesse estado, durante alguns
instantes somente. (Jérome Cardan.)

Influência do clorofórmio sobre o corpo fluídico

Os indivíduos, diz o Doutor Simonin, que se submetem à
influência da anestesia, quando conservam a consciência para
disso se darem conta, crêem possuir um pouco de sutileza
impalpável.


Um dos clientes do Doutor Isidore Bourdon contava-lhe
que, durante a preparação a que acabava de submeter-se sob a
influência do clorofórmio, "parecia-lhe que uma brisa delicada o
empurrava através dos espaços, como uma alma docemente
transportada pelo seu anjo guardião".

De acordo com o Doutor Sédillot, "a carne pode ser
machucada, contundida, dividida que o paciente não o sente. Seu
espírito plana em regiões desconhecidas, atravessa espaços sem
fim, finaliza em alguns minutos os acontecimentos de vários
anos; ou então mergulha em êxtases e sonhos freqüentemente
acompanhados de um vivo sentimento de bem-estar e
felicidade".

Fletwood Cromwell Warley, o inventor dos cabos
transatlânticos, conta que, tendo feito uso uma noite de
clorofórmio para acalmar uma dor de garganta que lhe dava
insônia, mergulhou em sono profundo e se viu, pouco tempo
depois, com seu com seu corpo fluídico fora do corpo material,

o qual se encontrava profundamente entorpecido.
O capitão Volpi fez uma constatação análoga: "Há dez
anos". escrevia ele, em 1889, "aspirei clorofórmio para amenizar
os espasmos que a extração de um cálculo provocava. Apercebi-
me. então, admirado de que meu ego estava fora de meus
órgãos. Ele via estendido e imóvel sobre a cama meu corpo, ao
qual imprimia o movimento e a vida."

O capitão Volpi falou dessa sensação a vários médicos que
lha afirmaram ter ouvido falar de coisas análogas, apesar de com
menos clareza, pelos doentes a quem havia ministrado
clorofórmio. "Meus pacientes declaravam-me com freqüência",
diz um deles, "que durante minhas operações eles não haviam
sofrido, mas que tinham visto tudo o que eu fazia como
espectadores que assistiam a operações feitas em outros
indivíduos."


Carta do Senhor Alban Dubet ao Senhor Leymarie
Châteauneuf, 14 de agosto de 1894.

Acabo de experimentar um fenômeno que, de acordo com
nossa doutrina e conhecimentos, é facilmente explicável. É
possível que ele seja freqüente e que muitas pessoas o tenham
experimentado como eu. Contudo, creio dever assinalá-lo; seria
um estado participando ao mesmo tempo do sonambulismo e do
pesadelo, e não é nem um nem outro.

Eis o fato:

Cerca das três horas da tarde, estendi-me sobre minha cama
e, pouco a pouco, encontrei-me num estado de sonolência.
Observe bem que não se trata do sono, e não se trata também do
sonho; trata-se de um estado intermediário que todo mundo já
experimentou.

Nesse estado eu conservava perfeitamente toda a minha
lucidez, tinha os olhos fechados e permanecia imóvel. Pouco a
pouco meus sentidos entorpeceram-se e eu sentia um segundo
eu, que não era mais o corpo, fazer esforços surpreendentes para
desligar-se deste. Meu espírito, ou melhor, meu envoltório
fluídico, estava nitidamente separado do envoltório corporal.
Meus braços fluídicos, minhas pernas fluídicas agitavam-se em
todos os sentidos. Este segundo eu observava o corpo e dava-se
conta de que este último conservava a arais absoluta
imobilidade. Agitava seus braços e via seus braços corporais
inertes; dava batidas e ouvia o som. Nesse momento ele se
explicava que era realmente um espírito e que este esforçava-se
para separar-se do corpo; porém sentia dor. Compreendeu enfiar
que era inútil usar violência e, por um esforço de sua vontade,
voltou ao corpo, que então despertou completamente.

A memória deste fato conservou-se inteiramente em mim,
como lhe disse. Minha lucidez foi constante e não cessei de
conservá-la.


Durante todo esse tempo (que durou talvez areia hora, talvez
reais) eu raciocinava sobre minha situação e fazia experiências
comigo mesmo. Minha vontade apenas, e minha vontade
consciente, manteve meu envoltório fluídico fora do corpo. Eu
sentia, eu via que possuía quatro braços, dois dos quais se
agitavam com violência, enquanto os outros dois permaneciam
imóveis.

Os doutores explicavam que se trata de um pesadelo, efeito
da digestão (eu não havia comido nada havia três horas), ou a
continuação de uma doença (não tinha nenhuma havia mais de
quinze anos), ou, enfim, uma impressão deixada sobre o cérebro
por um leitura ou espetáculo que me tinha emocionado
fortemente (nada li, nada vi que me tenha causado a mínima
impressão). Sou absolutamente são de espírito e de corpo.

Fiz questão de fazer-lhe este relato. É possível que o caso
seja freqüente e não valha a pena ser contado. Você fará dele o
que quiser...

Observação relatada pelo Doutor Gibier(119)

O Senhor H. é um jovem louro, alto, de cerca de trinta anos,
cujo pai era escocês e a mãe russa. É um artista de talento. Seu
pai era dotado de faculdades mediúnicas bastante poderosas. Sua
mãe era igualmente médium. Apesar de nascido em meio
espiritualista, não se interessou por espiritismo e não
experimentou nada de anormal até o momento em que sofreu o
que ele chama de acidente, a respeito do qual veio consultar-me
no início de 1887 (em Paris).

(119) Análise das coisas, p. 142.
"Há poucos dias", diz-me ele, "eu voltava para casa à noite
cerca de dez horas, quando fui tomado de repente por um
sentimento de cansaço estranho que eu não conseguia explicar.
Decidido, contudo, a não me deitar imediatamente, acendi a


lâmpada e deixei-a sobre a mesinha de cabeceira perto de minha
cama. Peguei um charuto, acendi-o na chama de minha lâmpada
a óleo e aspirei algumas baforadas; em seguida, estendi-me
sobre uma chaise-longue".

"No momento em que me deixei preguiçosamente cair para
trás a fim de apoiar minha cabeça sobre a almofada do sofá,
senti que os objetos a meu redor rodavam. Eu sentia como que
um atordoamento, um vazio e, em seguida, bruscamente, via-me
transportado ao centro de meu quarto. Surpreso com essa
mudança de lugar da qual não tinha tomado conhecimento, eu
olhava a meu redor e minha admiração aumentou muito mais.

"Primeiramente, vi-me estendido sobre o sofá, molemente,
sem rigidez. Somente minha mão esquerda encontrava-se
elevada acima de mim, estando o cotovelo apoiado, e segurava o
charuto aceso cuja claridade se via na penumbra produzida pelo
abajur de minha lâmpada. A primeira idéia que me veio foi a de
que eu havia, sem duvida, adormecido e que o que
experimentava era o resultado de um sonho. Contudo,
reconhecia que jamais havia experimentado coisa semelhante e
que me pareceu tão intensamente realidade. Também,
apercebendo-me de que não podia se tratar de um sonho, o
segundo pensamento que se apresentou à minha imaginação foi

o de que eu estava morto. E, ao mesmo tempo, recordei-me de
que havia ouvido falar que há espíritos e pensei que eu mesmo
tinha-me tornado espírito. Tudo o que tinha podido aprender
sobre este assunto desenrolou-se longamente diante de minha
vista interior, porém em menos tempo do que o necessário para
nisto meditar. Recordo-me muito bem de ter sido tomado então
por uma espécie de angústia e de pesar por coisas inacabadas:
minha vida apareceu-me como em uma formula.
"Aproximei-me de mim, ou melhor, de meu corpo ou do que
eu acreditava já ser um cadáver. Um espetáculo que não
compreendi, vi o interior de meu peito, e meu coração lá batia


lentamente com batidas fracas, mas com regularidade. Eu via
meu sangue vermelho de fogo correr nos grandes vasos. Nesse
momento compreendi que devia ter sofrido uma síncope de tipo
particular, a menos que as pessoas que tem síncope, pensava eu,
não se recordem mais do que lhes sucedeu durante o desmaio. E
então eu temia não mais me recordar quando voltasse a mim...

"Sentindo-me um pouco tranqüilizado, olhei a meu redor,
perguntando-me quanto tempo aquilo ia durar. Depois eu não
mais me ocupava de mim, corpo, do outro eu que continuava
repousando sobre o leito. Olhei a lâmpada que continuava a
queimar silenciosamente e fiz a reflexão de que ela estava
bastante próxima de minha cama e poderia comunicar o fogo às
cortinas. Tomei o botão, a chave do pavio, para apagá-lo, porém,
aí ainda, nova surpresa! Eu sentia perfeitamente o botão com sua
roseta; eu percebia, por assim dizer, cada uma de suas
moléculas, porém, apesar de rodá-lo com meus dedos, apenas
estes executavam o movimento, e foi em vão que eu procurava
agir sobre o botão.

"Examinei-me então e vi que, apesar de minha mão poder
passar através de mim, eu sentia perfeitamente o corpo, que me
pareceu, se minha memória não me falha neste ponto, como que
revestido de branco. Era seguida coloquei-me diante do espelho
em frente à chaminé. Ao invés de ver minha imagem no espelho,
apercebi-me de que minha vista parecia estender-se à vontade, e
a parede, primeiro, e em seguida a parte posterior dos quadros, e
os móveis que estavam em casa do meu vizinho e ornavam o
interior de seu apartamento apareceram-me. Apercebi-me da
falta de luz nestas peças onde minha vista, no entanto, se
exercitava e percebi bastante nitidamente como que um raio de
claridade que partia de meu epigástrio e iluminava os objetos.

"Veio-me à idéia de penetrar na casa de meu vizinho, que
aliás eu não conhecia e que se encontrava ausente de Paris nesse
momento. Tão logo tive o desejo de visitar o primeiro cômodo,


vi-me para lá transportado. Como? Não sei, mas parece-me que
devo ter atravessado a parede tão facilmente quanto minha vista
a penetrava. Enfim, encontrava-me na casa de meu vizinho pela
primeira vez em minha vida. Inspecionei os quartos gravei seu
aspecto em minha memória e dirigi-me em seguida a uma
biblioteca onde observei particularmente vários títulos de livros
colocados sobre uma prateleira à altura de meus olhos.

"Para mudar de lugar, eu só precisava querer e, sem esforço.
encontrava-me onde queria ir.

A partir desse momento, minhas lembranças são bastante
confusas. Sei que ia muito longe, na Itália, creio, porém nãosaberia dizer como empreguei meu tempo. É como se, não tendo
mais controle sobre mim mesmo, não sendo mais dono de meus
pensamentos eu pudesse transportar-me para cá e para lá
conforme a direção dada a meu pensamento. Eu não estava mais
seguro de meu pensamento e ele se dispersava de alguma forma
antes que eu pudesse percebê-lo: a imaginação, agora, levava-
me com ela.

"O que posso acrescentar, terminando, é que despertei às
cinco horas da manhã, rígido, frio sobre meu sofá e tender ainda
meu charuto não terminado entre os dedos. Minha lâmpada
tinha-se apagado; ela havia esfumaçado o vidro. Recolhi-me à
cama sem poder dormir e fui agitado por um tremor. Enfim o
sono veio. Quando despertei já era dia claro.

"Por meio de urra inocente estratagema, no mesmo dia,
induzi o porteiro a ir ver no apartamento de meu vizinho se não
havia nada em desordem e, subindo com ele, pude reencontrar
os móveis, os quadros vistos por mim na noite anterior, assim
como os títulos dos livros que eu havia atentamente observado.

"Não falei sobre isso com ninguém com medo de passar por
louco ou alucinado."

Terminando seu relato, o Senhor H. acrescentou:

"O que o senhor pensa disso, doutor?"


Na época em que o Senhor H. fez-me tomar conhecimento
desse acidente, eu sabia que as coisas podiam ter-se passado da
forma como ele as contava, e eu conhecia em parte as razões
disso. Olhei, contudo, meu interlocutor no fundo de seus olhos
para saber se ele não tinha a intenção de me enganar; estava
bastante sério e parecia muito preocupado com o que lhe havia
acontecido. Expliquei-lhe então que, conforme toda
verossimilhança, ele era dotado de faculdades realmente
extraordinárias e que cabia apenas a ele desenvolvê-las.
Indiquei-lhe, com esse propósito, um regime a observar, o qual
me prometeu seguir rigorosamente, e marcamos para a quinzena
seguinte uma entrevista. Ele foi fiel, porém, ah, ele vinha
anunciar-me que estava quase se casando e que não podia
consagrar-se a nenhuma experiência além da vida conjugal, o
que, como se sabe, é desfavorável à obtenção de faculdades de
admaterialização autônoma.(120)

(120) Nota da tradutora: estranhou-nos o termo "admaterialização",
ao que parece significando materialização, o que infelizmente não
pudemos precisar após infrutíferas pesquisas; no entanto mantemo-lo,
visto ter sido assim que A. de Rochas expressou-se. (Nota da editora: Não
existe nenhum desfavorecimento a não ser a sobrecarga de trabalho
decorrente da vida conjugal, muitas vezes passível de ser controlada.
Afora isso, casamento e mediunidade nada têm de incompatíveis.).
Carta de um antigo aluno da escola de Saint-Cyr

Recebi há algum tempo carta de um antigo aluno da Escola
Militar de Saint-Cyr, atualmente funcionário superior na
alfândega de uma das repúblicas da América do Sul, pedindo
minha opinião sobre certos fenômenos dos quais havia sido
testemunha.

Não conheço esse homem e não posso garantir suas
afirmações, porém elas me parecem marcadas de boa-fé e, além


do mais, apenas confirmam fatos bastante conhecidos daqueles
que se ocupam desse gênero de estudos.

Eis aqui o documento, cujos detalhes pessoais que pudessem
designar meu correspondente, que não deseja ser reconhecido,
limitei-me a suprimir.

No último mês de março, dia 17, eu me encontrava, às dez
horas e meia da noite, em minha casinha de campo, onde vivo
apenas com minha esposa, meu filho e duas domésticas. Eu
estava em minha sala, sentado numa poltrona, terminando a
leitura de Irmãos Karamazov. Fechando o livro, deixei-me levar
pelo devaneio que invade todo leitor que digere o que acaba de
ler. Meus olhos, que olhavam para o nada, como dizem
vulgarmente, estavam fixos sobre um objeto de vidro que
continha grandes pirilampos chamados em espanhol de cucullos.

Após um instante, senti um frio muito grande e, apesar do
desejo de levantar-me para me sacudir, continuei sentado como
que pregado a meu assento sem poder também desviar os olhos
dos pontos luminosos que os pirilampos formavam. Eu estava
literalmente gelado, com uma intensa dor na coluna vertebral,
em tudo semelhante ao que os médicos chamam de cravo
histérico.(121) Ao mesmo tempo, a mínima idéia de movimento
era acompanhada por uma dor bastante aguda no membro que eu
queria mover. Minha razão estava lúcida e, mentalmente,
acreditei-me vítima de uma hiperestesia geral. Eu via os cucullos
gigantescos. Em seguida, como no início de um desmaio, meus
olhos dançaram em minha cabeça. Pouco depois, ondas
luminosas vermelho-amareladas e azul-violáceas dançaram
diante de mim, absolutamente como círculos concêntricos (ou
melhor, de forma oval) que a queda de uma pedra na água
determina.

(121) Nota da editora: Clou Hystérique (cravo histérico) é uma dor
muito violenta num determinado ponto da cabeça, sentida principalmente
pelas mulheres histéricas.

Experimentei, então, um abatimento geral e, ao mesmo
tempo, as ondas luminosas apagaram-se, deixando em seu lugar
uma nuvem que, pouco a pouco, tomou exatamente a minha
forma. Eu me via como um espelho ruim, com a percepção dos
cucullos atrás da imagem. Tive nesse instante a mais estranha
sensação que é dada ao homem experimentar, tive a perfeita
noção de não estar mais em mim. Não sei como explicar isso.
Esse pensamento perturba-me ainda. Senti perfeitamente que eu
saía do cômodo onde me encontrava. Fui ao jardim,colhi duas
rosas e, em seguida... a noite mais completa sobre todo o resto.

Quando voltei a mim, com uma fadiga considerável em
todas as articulações, estava coberto por um suor viscoso, com
uma cefalalgia intensa e a lembrança exata, precisa do que lhe
relato.

No dia seguinte encontrei as duas rosas no chão...

Tenho um receio e desejo exprimi-lo terminando. Temo que

o senhor creia tratar-se de uma mistificação, como, sendo mais
jovem ou se me estivesse dirigindo a um homem de caráter
diferente do seu eu poderia ter feito. Espero senhor, que o tom
sincero desta carta lhe tire toda suspeita, sobretudo quando meu
objetivo é somente instruir-me, se possível for, e sarar do que
considero uma verdadeira doença.(122)
(122) O autor desta carta experimentou três meses depois um
fenômeno análogo, em conseqüência do qual ficou acamado com febre
alta, que durou dois dias. -A. R.
§ 3° -A saída do corpo astral no momento da morte

1 -Observação de Jackson Davis


Minhas faculdades de vidente permitiram-me estudar o
fenômeno psíquico e fisiológico da morte na cabeceira de uma
moribunda.

Era uma mulher de cerca de sessenta anos, a querer eu havia
dado com freqüência conselhos médicos. Quando a hora de sua
morte chegou, eu estava felizmente em perfeito estado de saúde,
permitindo que minhas faculdades de vidente se exercessem
livremente. Coloquei-me de maneira a não ser visto ou
perturbado em minhas observações psíquicas e pus-me a estudar
os misteriosos procedimentos da morte.

Vi que a organização física não podia mais ser suficiente
para atender às necessidades do princípio intelectual, porém
diversos órgãos internos pareceram resistir à partida da alma. O
sistema vascular se debatia para reter o princípio vital. O sistema
nervoso lutava com todo o seu poder contra a aniquilação dos
sentidos físicos, e o sistema cerebral procurava reter o princípio
intelectual. O corpo e a alma, como dois esposos, resistiam à sua
separação absoluta. Esses conflitos internos pareciam primeiro
produzir sensações penosas e perturbadoras; por isso senti-me
feliz quando percebi que estas manifestações físicas indicavam,
não a dor e o mal-estar, mas simplesmente a separação da alma e
do organismo.

Pouco depois, a cabeça foi cercada por uma atmosfera
luminosa e, em seguida, de rebente vi o cérebro e o cerebelo
apagarem suas partes interiores e pararem suas funções
galvânicas, tornando-se saturados de princípios vitais de
eletricidade e de magnetismo, que penetravam nas partes
secundárias do corpo. Ou seja, o cérebro tornou-se subitamente
dez vezes mais preponderante do que o era no estado normal.
Este fenômeno precede invariavelmente a dissolução Física.

Em seguida constatei o procedimento pelo qual a alma ou o
espírito se desprende do corpo. O cérebro atraiu para si os


elementos de eletricidade, de magnetismo, de movimento, de
vida, de sensibilidade, distribuídos por todo o organismo.

A cabeça foi como que iluminada e observei que, ao mesmo
tempo em que as extremidades tornavam-se frias e obscuras, o
cérebro adquiria um brilho particular.

Em torno dessa atmosfera fluídica que cercava a cabeça, vi
formar-se uma outra cabeça que se desenhou cada vez mais
nitidamente. Era tão brilhante que eu podia fixá-la, porém, à
medida que ela se condensava, a atmosfera luminosa
desaparecia. Deduzi daí que esses princípios fluídicos que foram
atraídos de todas as partes do corpo para o cérebro, e então
eliminados sob forma de atmosfera particular; estavam
anteriormente unidos solidariamente, de acordo com o princípio
superior de afinidade do universo que se faz sempre sentir em
cada parcela de matéria. Com surpresa e admiração segui as
fases do fenômeno.

Da mesma maneira que a cabeça fluídica foi libertada do
cérebro, vi formarem-se sucessivamente o pescoço, os ombros, o
tronco e, enfim, o conjunto do corpo fluídico. Tornou-se
evidente para mim que as partes intelectuais do ser humano são
dotadas de uma afinidade eletiva que lhes permite reunirem-se
no momento da morte. As deformações e defeitos do corpo
físico haviam quase que inteiramente desaparecido do corpo
fluídico.

Enquanto este fenômeno espiritualista desenvolvia-se diante
de minhas faculdades particulares, por outro lado, para os olhos
materiais das pessoas presentes no quarto, o corpo da moribunda
parecia experimentar sintomas de mal-estar e sofrimento, porem
eles eram fictícios, pois provinham apenas da partida das forças
vitais e intelectuais, retirando-se de todo o corpo para
concentrarem-se no cérebro e, em seguida, no novo organismo.

O espírito (ou inteligência desencarnada) elevou-se ao
ângulo direito acima da cabeça do corpo abandonado, porem,


antes da separação final do laço que havia reunido durante tanto
tempo as partes materiais e intelectuais, vi uma corrente de
eletricidade vital formar-se sobre a cabeça da moribunda e a
parte de baixo do novo corpo fluídico. Isso deu-me a convicção
de que a morte não era senão um renascimento da alma ou do
espírito, elevando-se de um estado inferior a um estado superior,
e de que o nascimento de uma criança neste mundo ou do
espírito no outro eram fatos idênticos. Nada falta, nem mesmo o
cordão umbilical que era representado por um laço de
eletricidade vital. Esse laço subsistiu durante algum tempo entre
os dois organismos. Descobri então aquilo do qual eu já me
havia apercebido em minhas investigações psíquicas: que uma
pequena parte do fluido vital retornava ao corpo material tão
logo o cordão ou laço elétrico era quebrado; este elemento
fluídico ou elétrico, expandindo-se por todo o organismo,
impedia a dissolução imediata do corpo.

Não é prudente enterrar o corpo antes que a decomposição
tenha começado. O cordão umbilical do qual falei
freqüentemente não está ainda quebrado. É o que se passa
quando pessoas parecendo mortas retornam à vida após um ou
dois dias e contam suas sensações. Este estado foi chamado de
letargia, catalepsia etc., mas quando o espírito é retido no
momento em que deixa o corpo, o cérebro não se recorda senão
raramente do que passou. Este estado de inconsciência pode
parecer semelhante à aniquilação para um observador superficial
e esta retenção momentânea de memória serve freqüentemente
de argumento contra a imortalidade da alma.

Tão logo a alma da pessoa que eu observava foi libertada
pelos laços terrestres do corpo, constatei que seu novo
organismo fluídico era apropriado a seu novo estado, porém seu
conjunto assemelhava-se à sua aparência terrestre. Foi-me
impossível saber o que se passava nessa inteligência renascida,
porém observei sua calma e sua admiração pela dor profunda


daqueles que choravam junto a seu corpo. Ela pareceu
aperceber-se de sua ignorância quanto ao que havia acontecido
realmente.

As lágrimas e as lamentações excessivas dos parentes não
provinham senão do ponto de vista onde a maioria da
humanidade se coloca, isto é, da crença materialista de que tudo
acaba com a morte do corpo. Posso afirmar, por minhas diversas
experiências, que, se uma pessoa morre naturalmente, a alma
não experimenta nenhuma sensação penosa.

O período de transformação que acabo de descrever dura
cerca de duas horas, mas não acontece da mesma forma com
todos os seres humanos. Se você pudesse ver com os olhos
psíquicos, perceberia perto do corpo rígido uma forma fluídica
tendo a mesma aparência do ser humano que acaba de morrer,
porém esta forma é mais bonita e como que animada por uma
vida mais elevada.(123)

(123) Um inglês da Austrália, Senhor Brown, conta que, quando seu
filho morreu, sua filha, então com a idade de dezesseis anos, que se
mantinha junto à cama, viu efetuar-se a separação entre a alma e o corpo
de seu irmão mais ou como descreveu o Senhor Davis, cujo livro ela
jamais havia lido. -A. R.
2 -Observação do Doutor Cyriax

A maneira pela qual a morte é descrita por centenas de
videntes prova que a alma ou espírito sai de seu envoltório
mortal pelo crânio. Estes videntes observaram que, logo após
esta saída, uma nuvem vaporosa eleva-se acima da cabeça e,
tomando a forma humana, condensa-se pouco a pouco e
assemelha-se cada vez mais à pessoa morta. Quando este corpo
fluídico está formado, ele permanece durante algum tempo ainda
ligado aos despojos mortais por um laço fluídico que parte da
região intermediária entre o coração e o cérebro.


A morte em si mesma não é nada, mas há dificuldades para
morrer, assim como há para nascer. Algumas pessoas sentem a
sensação de sua morte; outras não, ou pouco. Para a maioria amorte é igual a um sonho produzido por um narcótico. É o que
explica por que, despertando num outro mundo, estas pessoas
não sabem mais onde se encontram. Morrendo, o ser humano
não se torna nem melhor nem pior, é simplesmente uma
evolução superior decorrente das leis primordiais.

Capítulo II

Regressão de memória observada sob a influência de um
acidente ou no momento da morte

1° -Caso relatado pelo Doutor Henri Préeborn(124)

Tratava-se de uma mulher com a idade de setenta anos que,
gravemente doente em conseqüência de uma bronquite, ficou em
delírio completo de 13 a 16 de março de 1902; a razão foi-lhe
voltando em seguida, pouco a pouco.

(124) Ver Lancet, de Londres, número de 12 de junho de 1902.
Na noite de 13 para 14, percebeu-se que ela falava uma
língua desconhecida das pessoas que a cercavam. Às vezes
parecia que recitava versos e, outras, que conversava. Repetia
diversas vezes à mesma composição em versos.

Acabou-se por reconhecer que a língua era o hindustani.


Na manhã do dia 14, o hindustani começou a misturar-se
com um pouco de inglês. Ela falava da sorte com parentes e
amigos de infância ou então falava deles.

No dia 15, o hindustani havia desaparecido e a doente
dirigia-se a amigos que havia conhecido arais tarde, servindo-se
do inglês, do francês e do alemão.

A senhora em questão nasceu na Índia, que deixou com a
idade de três anos a fim de ir para a Inglaterra, aonde chegou
após quatro meses de viagem, antes de haver completado quatro
anos. Até o dia era que desembarcou na Inglaterra, esteve
confiada a serviçais hindus e não falava absolutamente nada de
inglês.

Ao que parece, no dia 13, em seu delírio, ela revivia seus
primeiros dias e falava a primeira linguagem que havia ouvido.
A poesia foi reconhecida como uma espécie de cantiga de ninar
que as aias têm o hábito de repetir às crianças. Conversando,
dirigia-se, sem dúvida, aos serviçais hindus: assim
compreendeu-se, entre outras coisas, que ela pedia que a
levassem à loja para comprar balas.

Podia-se reconhecer uma seqüência em todo o decorrer do
delírio. Primeiramente estiveram em questão os conhecimentos
com os quais a doente havia mantido contato durante sua
primeira infância; em seguida reviu toda a sua existência até
chegar, em 16 de março, à época em que se casou e teve filhos
que cresceram.

É curioso constatar que, após um período de sessenta e seis
anos, durante o qual ela não havia jamais falado hindustani, o
delírio lhe tenha feito rememorar a linguagem de sua primeira
infância. Atualmente a doente fala com a mesma facilidade o
francês e o alemão, assim como o inglês; porém, apesar de ainda
conhecer algumas palavras em hindustani, ela é absolutamente
incapaz de falar esse idioma ou mesmo de nele compor urra
írrita frase.


2° -Observação do Doutor Via (125)

Esta observação é relativa a uma senhora, P, com a idade de
trinta e dois anos, histérica e submetida ao método de
ressensibilização sucessiva pela hipnose do Doutor Sollier.

(125) Dr Sollier, Phénomènes d'autoscopiecopie, Pág 108.
Em seu trabalho [diz ele], conduzi-a a idade de um ano. Ela
mamava, em seguida teve uma convulsão tanto na ida como no
retorno, isto é, tanto na regressão como na progressão da
personalidade.

3° -Observações do Doutor Bain (126)

Trata-se também de uma doente, de vinte e nove anos,
morfinômana e submetida ao mesmo tratamento.

(126) Id. p.105.
Após terminarmos os procedimentos para com o tronco a
vísceras e os membros, procedermos ao despertar da cabeça.
Assistimos a uma regressão da personalidade não em uma única
sessão, mais em várias, sete anos recuados: a doente
reencontrava-se com a idade de doze anos, revivia todos os
períodos de sua vida movimentada com um desdobramento
completo da personalidade. Levar-nos-ia longe demais dar-nos,
mesmo que resumida, a história da doente, história à qual
assistimos como se estivéssemos de posse do receptor de um
telefone e ouvíssemos um só interlocutor: eram as cenas da vida
de uma pobre operária que se prostitui para viver e que, doente,
se entrega à morfina. Comprometida em roubos, é julgada duas
vezes e cumpre, em Saint-Lazare e depois em Nanterre, pena de
um ano de prisão; cenas de família, cenas do ateliê, cenas com
amantes passageiros, horas de prosperidade eventual, horas de
miséria consecutivas, a vida em Saint-Lazare e em Nanterre. Em


janeiro de 1902, a doente deixava o asilo bem melhor ou mesmo
curada. Havia engordado bastante, dormia espontaneamente à
noite, era ativa e trabalhava. Redigiu a nosso pedido uma nota
onde expunha todos os incidentes de sua vida. Essa nota
controlava todas as informações que ela nos havia fornecido na
hipnose, reencontrando sua sensibilidade cerebral.

4° -Caso do Senhor Cottin (127)

Em sua última ascensão, o balão Montgolfier levava como
capitão o Senhor Perron, presidente da Academia de Aerostação,
e o Senhor F. Cottin, agente administrativo da Associação
Científica Francesa.

(127) Trecho de Lê Spiritisme et l'anarchie, de J. Bouvery, p. 405.
Tendo partido de uma só largada, o balão estava às 4h24 a
setecentos metros do solo. Foi então que arrebentou, e pôs-se a
descer mais rápido do que havia subido, e precipitou-se, às
4h27, na casa n° 20 do beco Chevallier em Saint-Ouen.

Após ter atirado fora tudo o que pudesse complicar o
acidente, diz-nos o Senhor Cottin, uma espécie de quietude,
talvez de inércia, apodera-se de mim. Mil lembranças remotas
afluem, chocam-se diante de minha imaginação. Em seguida às
coisas acentuam-se e o panorama de minha vida vem desenrolar-
se diante de meu espírito atento. Tudo é preciso: os castelos na
Espanha, as decepções, a luta pela existência, e tudo isso na
moldura inexorável imposta pelo destino... Quero acreditaria,
por exemplo, que me revi com vinte anos sargento no 22°
batalhão de linha... Revi-me de mochila às costas e cantando na
estrada, em Vendôme, sob um belo sol de primavera. Que
nitidez nos detalhes! À direita, meu amigo de infância o Loir; ao
findo, no vale Cloys, a região privilegiada, e adiante,
Châteaudun...


Assim, em menos de três minutos, uma vez que as
recordações não se precisaram senão um pouco após o começo
da queda, o Senhor Cottin viu toda a sua vida desfilar diante de
sua memória.(128)

(128) Nota da editora: Defende o professor Hermínio C. Miranda que
esse episódio tão freqüentemente relatado de rever, como num filme, a
vida desfilar detalhes se deve a que, "ao finalizar-se a existência na carne,
ou mesmo ante ameaça mais vigorosa e iminente de que ela está para
terminar, dispara um dispositivo de transcrição dos arquivos biológicos
para os perispirituais, do que resulta aquele belo e curioso espetáculo de
replay da vida, para o qual estamos propondo o nome de
recapitulação."(A memória e o tempo, p. 35, 4° edição, Publicações
Lachâtre). Em apoio a esta tese, existe interessante mensagem recebida
por Chico Xavier e publicada no livro Falando à Tenra, de autoria do
espírito Romeu A. Camargo, que, ao contar sua experiência, conclui: A
memória como que retira da câmara cerebral, às pressas, o conjunto das
imagens que gravou em si mesma, durante a permanência na carne, a fim
de incorporá-las, definitivamente, aos seus arquivos eternos."Para
aprofundamento no estudo de tão interessante assunto, sugerimos a
leitura da obra, Alquimia da mente, Publicações Lachâtre, de Hermínio
C. Miranda".
5° -Caso do almirante Beaufort.(129)

O almirante Beaufort, quando jovem, caiu de um navio nas
águas da enseada Portsmouth. Antes que pudessem socorrê-lo,
ele havia desaparecido; afogava-se. A angústia do primeiro
momento havia sucedido um sentimento de calma e, apesar de
dar-se por perdido, ele nem mesmo se debatia mais. Era sem
duvida apatia, mas certamente não era resignação, pois se afogar
não lhe parecia uma sorte tão desagradável e ele não tinha
desejo algum de ser socorrido. Aliás, nenhum sofrimento. Ao
contrário, as sensações eram de natureza agradável, participando
desse vago bem-estar que precede o sono devido à fadiga.

(129) Trecho do Journal de Médecine de Paris, citado por J. Bouvery
(Le Spiritisme et I'Anarchie, p 403.).

Com esse embotamento dos sentidos coincidia uma
extraordinária superexcitação da atividade intelectual.(130) As
idéias sucediam-se com uma rapidez incrível, inconcebível.
Primeiro o acidente que acabava de acontecer, o mau jeito que
tinha sido sua causa, o tumulto que devia ter-se seguido a ele, a
dor pela qual o pai da vítima ia ser tocado, outras circunstâncias
estreitamente ligadas ao lar foram o tema de suas primeiras
reflexões. Em seguida, lembrou-se de sua íntima cruzada,
viagem interrompida por um naufrágio, depois a escola, os
progressos que lá havia feito e também o tempo perdido, enfim
suas ocupações e suas aventuras de criança. Em suma, o recuo
inteiro do rio da vida, tão detalhado e preciso! Ouça-o:

Cada incidente de minha vida atravessava-me
sucessivamente as recordações, não como um leve esboço, mas
com detalhes e acessórios de um quadro terminado! Em outras
palavras, minha existência inteira desfilava diante de mim numa
espécie de revisão panorâmica; cada fato com sua apreciação
moral ou reflexões sobre sua causa e seus efeitos. Pequenos
acontecimentos sem conseqüências há muito tempo esquecidos
afloravam em minha imaginação como se tivessem acontecido
na véspera.

(130) Várias pessoas afirmaram que, em quedas que deveriam ser
mortais, não apenas a morte não Lhes parecia apavorante, como também
não sofriam os choques terríveis que recebiam, de tanto que seu
pensamento era dirigido para as conseqüências mortais da queda. -A. R.
Tudo isso se passou num tempo cuja brevidade vamos
apreciar: o futuro almirante foi resgatado menos de dois minutos
após sua queda.

6° -Casos relatados pelo Senhor de Varigny (131)

Conheço, diz Goethe (numa conversa com Eckernrann), o
caso de um velho de classe pobre que, sobre seu leito de morte,


pôs-se de repente a recitar passagens gregas de uma língua
bastante elegante. Como sabia-se que ele não compreendia uma
só palavra de grego, a circunstância pareceu miraculosa e
algumas pessoas hábeis exploraram-no imediatamente às custas
dos crédulos. Infelizmente para elas, todavia, descobriram logo
que, durante a juventude, este velho tinha tido de aprender de
cor e declamar grego para facilitar a tarefa de um aluno de alta
estirpe, mas de inteligência bastante medíocre. Ele havia, dessa
maneira, adquirido de modo puramente mecânico um pouco de
grego, sem aliás compreender uma só palavra do que dizia. E foi
apenas em seu leito de morte, cerca de cinqüenta anos mais
tarde, que essas palavras vazias de sentido retornaram-lhe à
memória e passaram por seus lábios.

(131) Les rêves ancestraux. Folheto científico do Temps, n° de 13 de
novembro de 1902.
Outro fato do mesmo gênero, citado por Coleridge, diz
respeito a um velho trabalhador de floresta que, tendo vivido
toda a sua juventude nas fronteiras polonesas, não havia falado
senão muito pouco o polonês até o momento em que se fixou em
um distrito alemão, onde falou apenas o alemão durante trinta ou
quarenta anos.

Estando anestesiado para uma operação, esse trabalhador
florestal falou, cantou e orou durante duas horas, em polonês,
língua da qual ele absolutamente não mais se servia no estado de
vigília.

7° -Caso citado pela senhorita Tobolowska

Trata-se do diretor de uma escola normal que, com a idade
de oito anos e meio, caiu numa fonte. Durante um tempo que
pareceu bem longo à criança, debateu-se a pensarem reencontrar
os degraus e subi-los de quatro. Veio-lhe de repente a idéia de
que toda luta era inútil e que ia morrer: permaneceu então


imóvel, ouvindo a água fazer gluglu em sua boca e em suas
orelhas.

Foi então, diz ele, que se fez espontaneamente em minha
consciência um desfile extremamente rápido, e como que
caleidoscópio, de numerosos episódios de minha vida passada
evidentemente daqueles que me haviam tocado mais e
formavam a essa época o conteúdo principal do meu eu.
Emprego a palavra desfile propositalmente, porque me parece
que as imagens não eram simultâneas. Creio poder afirmar, além
do mais: primeiro, que não vi assim todos os instantes
consecutivos de minha vida exterior, e que havia falhas;
segundo, que as imagens desfilavam nunca certa ordem, ordem
cronológica e ao contrário. Elas apresentavam-se
extraordinariamente intensas e nítidas, exteriorizadas; eu me via
a mim mesmo objetivamente, como um outro.

8° -Caso do general Bonnal

O general Bornal, ferido por um estilhaço de granada na
batalha de Froeschviller, escreveu:

Senti-me cercado por chamas durante o espaço de uma
fração de segundos, experimentei a impressão do vazio
procedido pela visão bastante nítida de numerosas cenas de
minha infância, desenrolando-se com uma rapidez vertiginosa
após meu desfalecimento.

9° -Observação do Doutor Sollier (132)

Trata-se de uma jovem nervosa e sujeita a síncopes,
morfinômana de doses bastante elevadas e tomada por um
estado de caquexia alarmante, com complicação de albuminuria.
Foi submetida a uma desmorfinização rápida. A ablactação
estava sendo esperada há mais de vinte e quatro horas, sem ter


apresentado nada de particular além das perturbações habituais,
diarréia, vômitos biliosos, suores, quando, de repente, a doente
experimentou uma sensação de esgotamento enorme. Ao mesmo
tempo sentiu uma violenta dor que ela comparava a um ferro
quente que lhe teria atravessado a cabeça do alto à nuca, dor
bem curta e que diminuiu gradualmente. A isto sucedeu uma
sensação de bem-estar, de relaxamento, e, de repente, ela viu
desenrolar-se toda a sua existência. Era, diz-me ela depois, como
se todos os acontecimentos de sua vida tivessem sido impressos
sobre uma tela que se teria desenrolado de cima para baixo
diante de si. Os acontecimentos sucede-sé na ordem regressiva,
de hoje à idade de cinco ou seis anos ao menos. "Tudo o que
tenho na cabeça vi", dizia ela, "com detalhes inauditos,
acompanhados de vagos lamentos e de impressões de pesar,
jamais de alegria (é verdade que ela teve muito pouca alegria em
sua vida), que cada imagem me fazia sentir... Tudo estava
cinzento... as coisas estavam sobre uma superfície plana; uns
certos fatos de minha vida, as emoções por exemplo, tomavam
como que uma espécie de relevo para mim, era como se você
olhasse três fotografias de pessoas bastante conhecidas: duas lhe
pareceriam planas e uma de que você gosta muito lhe pareceria
mais nítida e em relevo."

(132) Bulletin de l'Instìtut Général Psychologìque (Boletins do
Instituto Geral Psicológico. n°1 de 1903).
Em seguida, seu coração pareceu-lhe como que envolvido
por gelo a ocupar todo o peito; então tudo desapareceu
rapidamente como num turbilhão. Sentiu que ela também
desaparecia e experimentava uma espécie de bem estar, de
calma. Ela se diz: "E isto a morte; não é muito duro." A idéia de
pedir socorro, de prevenir que ela se encontrava mal nem sequer
lhe veio e, subitamente, caiu em síncope com parada respiratória
completa e pulso insensível durante cerca de sete minutos.
Injeções de éter morfina reanimaram-na. Quando voltou a si,


experimentou primeiro um sentimento de aborrecimento por
encontrar-se lá... Esta doente conservou, depois, uma recordação
bastante precisa do que havia então experimentado.(133)

(133) Na discussão que se seguiu a esta comunicação, o Senhor
Rabaud citou sua experiência pessoal. Ele quase se afogou e recorda
muito bem que, já a ponto de perder a consciência, viu um grande
número de acontecimentos de sua vida desenrolar-se diante de si em
quadros sucessivos. Não experimentou nenhum pesar por morrer e
pensou somente na tristeza que seu desaparecimento ia causar aos seus. A
experiência não teve, aliás, nada de fisicamente doloroso. -A.R.
10° -Psicose da inanição, pelo Doutor Regis(134)

Ao lado da visão apetitosa de iguarias e refeições, visão
infelizmente torturante que se desvanece no último momento e
que é encontrada também no período de inanição das doenças,
nota-se freqüentemente, nas alucinações de inanição dos
náufragos, a visão dos objetos e locais familiares ou mesmo o
desfile panorâmico dos lugares vistos e dos acontecimentos
vividos na existência anterior, a visão obstinadamente renovada
do salvamento que sobrevém de mil maneiras diversas, enfim a
simultaneidade das mesmas visões observadas por Savigny e
Maire em diversos náufragos de Méduse ou da Ville-de-Saint-
Nazaire. Assinalemos ainda a sensação da alma separando-se do
corpo e elevando-se no espaço, assim como o mesmo se produz
em certas intoxicações, particularmente com o haxixe.

(134) Ver tese do Doutor Lassignardie sobre o Etat mental dans
I'abstinence (Estado mental na abstinência), Bordeaux, 1897.
"Minha voz parecia não mais pertencer a mim. Produzia-se
aí um desdobramento da pessoa; a alma só se mantinha por um
fio; ela tentava abandonar a carcaça, e para o que valia a carcaça
nesse momento! Eu tinha sensações etéreas, agradáveis. Eu
estava de alguma forma desdobrado. Minha alma flutuava,


serena, acima de minha pessoa e eu assistia impassível a nossos
desastres."

11° -Caso de Jeanne R.(135)

Jeanne R., de vinte e quatro anos, é uma moça bastantenervosa e profundamente anêmica. É sujeita a crises de medo e
de soluços; não tem crises convulsivas, mas freqüentes
desmaios; é facilmente hipnotizável; dorme um sono profundo e
a seu despertar sofre de amnésia.

(135) Este caso foi observado e relatado pelos drs. Bourru e Burot.
É-lhe dito que desperte com a idade de seis anos. Ela se
encontra na casa de seus pais; estamos no momento da colheita e
de descascar castanhas. Sente vontade de dormir e pede para
deitar-se. Chama seu irmão André para que a ajude a terminar
seu serviço, porém André diverte-se fazendo casinhas com as
castanhas ao invés de trabalhar. "Ele é muito preguiçoso,
diverte-se descascando dez e é preciso que eu descasque o
resto." Nesse estado ela fala o dialeto de Limoges, não sabe ler e
conhece superficialmente o abecedário. Não sabe uma só
palavra de francês. Sua irmãzinha Louise não quer dormir. "E
preciso sempre", diz ela, "fazer gracinhas para minha irmã que
tem nove anos." Apresenta atitudes de criança.

Após ter-lhe posto a mão sobre a fronte, é-lhe dito que,
dentro de dez minutos, ela se encontrará com a idade de dez
anos. Sua fisionomia torna-se bem diferente, sua atitude não é
mais a mesma. Encontra-se no Fraises, um castelo da família des
Moustiers, perto do qual ela morava. Pergunta onde estão suas
irmãs que a acompanhavam; vai ver se elas estão vindo na
estrada.

Fala como uma criança que está aprendendo. Freqüenta
escola de irmãs há dois anos, porém ficou bastante tempo apenas
tomando conta de seus irmãos e irmãs. Começou a escrever há


seis meses. Recorda-se de um ditado feito numa quarta-feira e
escreve uma página inteira bastante fluentemente e de cor; foi o
ditado que fez com a idade de dez anos.

Diz não estar muito avançada: "Marie Coutureau comete
menos erros do que eu; eu estou sempre depois de Marie Baudet
é Marie Coutureau, porém Louise Rolland está depois de mim.
Creio que Jeanne Beaulieu é a que comete menos erros."

Da mesma maneira é-lhe ordenado que se encontre com a
idade de quinze anos. Ela serve em Mortemart, em casa da Srta.
Brunerie: "Amanhã, vamos a uma festa, a um casamento. Ao
casamento de Baptiste Colombeau, o marechal. Léon será meu
cavalheiro. Oh! vamos-nos divertir muito! Oh! não irei ao baile;
a srta. Brunerie não quer; vou durante quinze minutos, mas ela
não sabe." Sua conversa é mais contínua do que há pouco. Ela
sabe ler e escrever. Escreve Le petit savoyard.

A diferença das duas escritas é muito grande. Ao despertar
ela fica admirada por ter escrito Le petit savoyard, que não sabe
mais. Quando lhe mostramos o ditado que fez aos dez anos, diz
que não foi ela quem o fez.

12° -Caso do Senhor Bouvier, magnetizador em Lyon

Há alguns anos, nos primeiros dias de setembro, eu tomava

o trem de 6h20 da tarde vindo de Viena para Lyon. Encontrava-
me completamente só no vagão da frente e bem no centro do
primeiro compartimento, com as costas voltadas para a máquina.
Mal me instalei, não me encontrando incomodado por ninguém,
veio-me à idéia de magnetizar meu chapéu a fim de me dar
conta se eu poderia fazê-lo movimentar-se sob minha ação
pessoal sem outro esforço além do de minha vontade.
Após alguns minutos de magnetização, pensando em outra
coisa após o apito da máquina anunciando a chegada em
Estressin, maquinalmente recoloquei meu chapéu sobre a


cabeça, seguindo o curso de minhas idéias. O que se passou? De
repente vi-me sentado diante de mim! A primeira idéia que me
veio foi esta: Está terminado! O trem descarrilou, um acidente
sobreveio e passei para o outro mundo. Para me dar conta da
realidade e procurar saber qual dos dois "eus" era o verdadeiro,
pressionei meu peito com as mãos e, oh, estupefação! não senti
nenhuma resistência; então, aproximei-me daquele que se
encontrava diante de mim e que não se mexia, toquei-o no meio
do corpo, meus braços passaram igualmente através dele. Dessa
vez fui tomado por uma verdadeira angustia; pensei em minha
família, em meus amigos; em alguns instantes que me pareceram
séculos, retornei no curso de minha vida cujos atos
desenrolavam-se numa apoteose que terminava revendo-me bem
pequeno nos braços de minha mãe; em seguida, senti-me por
assim dizer fundir-me em mim, espessando-me ao invés de
diluir-me, e finalmente retomei inteira posse de minha
individualidade.

13° -Casos diversos

Quando a dorminhoca de Thenelles despertou por algumas
horas antes de morrer, falou o dialeto de sua infância e não o que
falava no momento em que teve seu ataque de sono.(136)

(136) Marguerite Boyenval caiu em sono letárgico no dia 31 de
maio de 1883. Despertou 23 de maio de 1903 e faleceu no dia 28 do mesmo
mês -A.R.
Assisti aos íntimos momentos de meu pai, que, em sua
agonia, chamou várias vezes seu pai, dizendo: "Mon pairé", no
dialeto de sua ama-de-leite.

14° -Imitação da infância e outras imitações(137)


Há, diz Carré de Montgeron, um estado sobrenatural de
infância em que vários convulsionários, mesmo de idade
bastante madura, e alguns de caráter grave e muito sério,
algumas vezes se encontram. Este estado é caracterizado por
fatos que o artifício não poderia imitar. Vê-se uma expressão
infantil expandir-se em todo o seu rosto, em seus gestos, no som
de sua voz, na atitude de seu corpo, em todos os seus modos deagir. É nesse estado que vários convulsionários foram instruídos
a respeito do segredo das consciências e desenvolveram seus
mais profundos recônditos.

(137) Luc Desages. Êxtase. Paris, 1866, p. 199.
Bertrand constatou num sonâmbulo a mesma propriedade.
Durante oito dias consecutivos, essa pessoa reviveu por seu
estado de infância e representou várias cenas de sua juventude,
dentre outras, o medo que lhe haviam causado do diabo...

Encontra-se a imitação da infância um grande numero de
santos.

15° -As doenças da memória, por Th. Ribot

A excitação geral da memória parece depender
exclusivamente de causas fisiológicas e, em particular, da
circulação cerebral. Também produz-se freqüentemente nos
casos de febre aguda. Produz-se ainda na excitação maníaca, no
êxtase, na hipnose, às vezes na histeria e no período de
incubação de certas doenças do cérebro.

Além destes casos nitidamente patológicos, há outros de
natureza mais extraordinária que dependem provavelmente da
mesma causa. Há vários relatos de afogados, salvos de morte
iminente, que concordam neste ponto: "Que na hora em que
começava a asfixia parecia-lhes ver, em um momento, sua vida
inteira em seus menores incidentes." Um deles afirma que:


[...] pareceu-lhe ver toda a sua vida anterior desenrolar-se
em sucessão regressiva, não como uns simples esboço, mas com
detalhes bastante precisos, formando como que um panorama de
sua existência inteira, no qual cada ato era acompanhado por um
sentimento de bem ou de ma.

Em circunstância análoga:

[...] Um homem de espírito notavelmente aberto atravessava
uma estrada de ferro no momento em que um trem chegava a
toda velocidade. Ele só teve tempo de estender-se entre os dois
trilhos. Enquanto o trem passava em cima dele, o sentimento de
seu perigo repôs-lhe na memória todos os incidentes de sua vida,
como se o livro do julgamento tivesse sido aberto diante de seus
olhos.(138)

(138) Para este fato e outros da mesma natureza, ver Forbes
Winslow (Ora the obscure diseases of the Braìn and discorders of the
Mind).
Mesmo pondo de lado os exageros, estes fatos revelam-nos
uma superatividade da memória, da qual não podemos fazer
nenhuma idéia no estado normal...

Citarei um último exemplo, causado pela intoxicação por
ópio, e pedirei ao leitor que observe o quanto ele confirma a

explicação dada mais acima sobre o mecanismo de
reconhecimento.
Parece-me, diz Th. de Quincey em Confessions d'un

mangeur d'opium, ter vivido setenta anos ou um século em uma
noite... Os menores acontecimentos de minha juventude, cenas
esquecidas de meus primeiros anos eram freqüentemente
reavivados. Não se pode dizer que eu os recordava, pois, se os
tivessem contado a mim no estado de vigília, eu não teria sido
capaz de reconhecê-los como fazendo parte de minha existência
passada. Porém, colocados diante de mim como o estavam
sendo em sonho, como intuições, revestidos de suas mais vagas


circunstâncias e dos sentimentos que as acompanhavam, eu os
reconhecia instantaneamente.

As excitações parciais da memória, diz ainda o Senhor
Ribot, resultam mais freqüentemente de causas mórbidas; porém
há casos em que elas se produzem no estado são. Eis dois
exemplos:

Uma senhora, no último período de uma doença crônica, foi
conduzida ao campo, em Londres. Sua filhinha, que ainda não
falava, foi-lhe levada e, após uma curta entrevista, foi
reconduzida à cidade. A senhora faleceu alguns dias depois. A
menina cresceu sem recordar-se de sua mãe até a idade madura.
Foi então que teve a ocasião de ver o quarto onde sua mãe
morreu. Apesar de ignorá-lo, entrando nesse quarto ela
estremeceu. Como lhe perguntava a causa de sua emoção disse:
"Tenho", disse ela, "a impressão distinta de ter vindo outrora
neste quarto. Havia neste canto unia senhora deitada parecendo
muito doente que se inclinou para atirar e chorou.(139)

(139) Abercrombie. Essay ora intellectual powers
Um homem de temperamento artístico bastante marcante (é
importante observar este detalhe) foi com amigos jogar uma
partida perto de um castelo do condado de Sussex, do qual ele
não tinha nenhuma lembrança de já ter visitado. Aproximando-
se da grande porta, ele teve uma impressão extremamente viva
de já tê-la visto, e revia não somente essa porta, mas as pessoas
instaladas ao alto e, embaixo, os asnos sob o pórtico. Com esta
convicção singular impondo-se a ele, dirigiu-se a sua mãe para
obter algum esclarecimento sobre esse ponto. Soube dela que,
com a idade de dezesseis meses, foi conduzido a esse local, que
ele havia sido transportado num cesto sobre o dorso de um asno,
que ele tinha sido deixado embaixo com os asnos e os serviçais,
enquanto que os mais velhos do grupo tinham-se instalado para
comer acima da porta do castelo.(140)

(140) Carpeuter. Mental physiology.

Capítulo III

Recordações de vidas anteriores

Vários santos noserianos (141) deram testemunho da
realidade das existências sucessivas. Schevkh Hemyr afirmava
que tinha mantido a memória dos estados anteriores por ele
atravessados. Além de outras coisas, recordava-se de ter sido
Fabricante de tranças de palha.(142)

(141) Nota da editora: Noserianos -seita esotérica muçulmana
originada na Síria, onde possui adeptos até os dias de hoje.
(142) Cte. A. de Gobineau. Trois ans em Asie, 1855 a 1858.
*

O grande lama era um menino de apenas oito anos que
dirigiu a palavra ao doutor Hendsol era sua língua materna, o
alemão, ainda que o doutor se passasse por hindu de distinção. A
uma das perguntas feitas pelo viajante sobre a pluralidade das
existências, a criança respondeu:

"Você me inclina a duvidar da eterna verdade da
reencarnação. Que há de mais evidente, no entanto? Você pensa
que a impotência em que se encontra de recordar-se dos estados
anteriores de sua existência é uma prova de sua impossibilidade?
Porém, de que você se lembra dos dois primeiros anos de sua
vida presente? E, no entanto, você já vivia, antes, na vida
embrionária. Há em você um conhecimento intenso, uma
consciência desse fato, de que você sempre existiu, e não pode


imaginar um momento em que não tenha existido ou um
momento em que não existirá mais. O que você chama de morte
é uma transição, uma passagem de nosso ser de um estado a
outro, e assim não sobrevive senão a simples consciência de que
você existe. Certos homens são esmagados por esse pensamento,
porque se prendem avidamente à ilusão de reencontrar um dia,
num além melhor, aqueles que lhes foram caros. Porém esse
esquecimento das vidas passadas é precisamente um benefício.
O que nos tornaríamos, carregados das recordações dessas
existências anteriores, das ilusões, das vãs esperanças, das
loucuras, dos crimes! A panacéia mais preciosa dos antigos
gregos não era o rio Letes que apagava as lembranças do
passado?(143)

(143) Trecho do relato feito pelo Doutor Heinrich Hendsold de sua
visita ao grande lama, em Lhassa. (tradução francesa pelo Senhor De
Lescure, na Revue des revues.).
*

Muitas crianças, dizem os birmaneses, recordam-se de suas
vidas anteriores. À medida que crescem, suas recordações
apagam-se e elas esquecem; porém, enquanto são pequenas, têm
a memória bem nítida das coisas passadas. Vi, eu próprio,
muitas dessas crianças.

Há cerca de cinqüenta anos, duas crianças nasceram num
vilarejo chamado Okshitgon, na Birmânia: um menino e uma
menina. Vieram ao mundo no mesmo dia, em casas vizinhas,
cresceram juntos, brincaram juntos e se amaram. Casaram-se e
constituíram família, cultivando, para viverem, os campos áridos
que cercavam Okshitgon. Eles eram conhecidos por seu
profundo apego um pelo outro e morreram como haviam vivido,
juntos. A mesma morte os levou no mesmo dia, foram
enterrados juntos fora do vilarejo e depois esquecidos, pois os


tempos eram duros. Foi no ano após a tomada de Mandalay e a
Birmânia inteira se alvoroçava. O país estava cheio de homens
armados, as estradas eram perigosas e as noites iluminavam-se
com chamas que devoravam os lugarejos. Tristes tempos para os
homens pacíficos, e muitos deles, fugindo de suas casas,
refugiavam-se em locais mais habitados e mais próximos aos
centros de administração. Okshitgon ficava no centro de um dos
distritos mais expostos e grande numero de seus habitantes
fugiu; dentre eles um homem chamado Maung-Kan e sua jovem
esposa. Estabeleceram-se em Kabul. A esposa de Maung-Kan
deu-lhe dois filhos gêmeos, nascidos em Okshitgon pouco antes
da fuga do casal. O primogênito chamava-se Maung Gyi, isto é,
Irmão-Grande-Menino, e o caçula, Maung-Ngé ou Irmão-
Pequeno-Menino. As crianças cresceram em Kabyu e
aprenderam logo a falar. Porem seus pais observaram com
admiração que eles se chamavam durante suas brincadeiras não
de Maung-Gyi e Maung-Ngé, mas de Maung-San-Nyein e Ma-
Gyroin. Este ultimo nome é um nome de mulher, e Maung-Kan
e sua esposa lembraram-se de que estes nomes eram os do casal
falecido era Okshitgon aproximadamente na época em que seus
filhos nasceram.

Eles pensaram então que as almas desse homem e dessa
mulher tinham entrado nos corpos de seus filhos e os
conduziram a Okshitgon para experimentá-los. As crianças
conheciam tudo em Okshitgon: estradas, casas e pessoas -e
reconheceram até as vestimentas que haviam usado em sua vida
anterior. Não havia mais nenhuma dúvida. Um deles, o mais
jovem, recordou-se também de que certa vez havia pedido
emprestado duas rúpias a um tal Ma Thet sem que seu marido o
soubesse, enquanto era Ma-Gyroin, e que esta dívida não havia
sido paga. Ma Thet vivia ainda, foi interrogada e ela recordava
efetivamente de que havia emprestado esse dinheiro. Não ouvi
dizer que o pai das crianças tenha devolvido as duas rúpias.


Eu os vi pouco depois dessa ocorrência. Eles têm agora seis
anos completos. O primogênito, no corpo de quem o homem
entrou, é um rapazinho gordo e rechonchudo, mas o gêmeo
caçula é menos forte e tem uma curiosa expressão sonhadora,
talvez a de uma menina. Eles me contaram muitas coisas de suas
vidas passadas. Disseram que, após a morte, viveram durante
algum tempo absolutamente sem corpo, errando no espaço e
escondendo-se nas árvores. E isto por causa de seus pecados.
Então, alguns meses depois, nasceram de novo como gêmeos.
"Era tão nítido outrora", diz-me o primogênito; "eu podia
recordar-me de tudo, mas isto se torna cada vez mais apagado e
agora não posso recordar-me como antes."

*

Há muitas crianças como essas. Porém é preciso procurá-las
-ninguém as traz a você. Os birmaneses, como muitos outros,
sentem horror ao verem suas crenças e suas idéias
ridicularizadas. Sabem, por experiência, que o estrangeiro que se
informa sobre seus costumes e hábitos testemunha-lhes
habitualmente, por seu desprezo, que se considera muito mais
inteligente do que eles. São então bastante reservados. Porém
quando compreender que você está realmente procurando
instrui-se, dir-lhe-ão tudo o que pensam, contanto que você os
trate com estima e cortesia.

Constatei que eles recordavam-se com freqüência de suas
vidas passadas, que crianças bem jovens podiam dizer o que
eram antes de sua existência presente e recordar-se de detalhes
de suas vidas anteriores. Essas recordações enfraquecem-se à
medida que crescem e terminam enfim por se desvanecer quase
que inteiramente. No entanto, permanecem bem vivas em muitas
crianças, e ninguém no mundo inteiro duvida disso.(144)

(144) H. Fïelding Hall. The soul of a people, 1898.

*

Há dez anos eu visitava Roma pela primeira vez. Várias
vezes na cidade fui tomado por um fluxo de reconhecimento. As
termas de Caracalla, a via Apiana, as catacumbas de São
Calixto, o Coliseu -tudo me parecia familiar. A razão parece
evidente: eu renovava meu conhecimento com o que havia visto
em quadros e fotografias. Isto pode explicar o que se relaciona
com os prédios, mas não aos labirintos escuros dos subterrâneos
das catacumbas.

Alguns dias mais tarde, fui a Tivoli. Lá também a localidade
era familiar como teria sido minha própria paróquia. Por uma
torrente de palavras que me vinham espontaneamente aos lábios,
eu descreveria o local tal qual ele era nos tempos antigos. No
entanto, eu jamais havia lido algo sobre Tivoli. Não havia visto
figuras representando-a, não sabia de sua existência senão há
alguns dias apenas, e, no entanto, encontrei-me servindo de guia
e de historiador a um grupo de amigos que concluíram que eu
havia feito um estudo especial sobre o local e seus arredores. Em
seguida, a visão de meu espírito começou a enfraquecer. Parei,
como um ator que esqueceu seu papel, e não pude dizer mais
nada. Foi como um mosaico que tivesse caído em pedaços.

Em outra ocasião encontrei-me com um companheiro nos
arredores de Leatherhead, onde eu jamais havia estado antes
desse dia. A região era completamente nova tanto para mim
quanto para meu amigo. Durante a conversa, este observou:
"Dizem que há uma antiga estrada romana nestes arredores,
porém ignoro se encontra deste lado de Leatherhead ou do
outro." Falei imediatamente: "Eu digo onde ela se encontra", e
mostrei o caminho a meu amigo, absolutamente persuadido de
que o havia encontrado, o que aconteceu realmente. Eu tinha a
sensação de já me ter encontrado outrora nessa mesma estrada a


cavalo, coberto por uma armadura. Estes episódios fizeram-me
às vezes falar com amigos sobre isto, e uma grande número
deles disse-me ter experimentado sensações do mesmo gênero.

A três milhas e meia à oeste do local onde vivo, encontra-se
uma fortaleza romana em estado quase perfeito de conservação.
Um presbítero que veio me ver um dia pedia-me para
acompanhá-lo, desejando visitar essas ruínas. Disse-me ter
lembrança bem nítida de ter vivido nesse local e de haver tido
um cargo de caráter sacerdotal nos dias da ocupação romana. O
que me tocou foi que ele insistiu em visitar uma torre que foi
derrubada sem perder sua forma. Havia um buraco no topo da
torre, acrescentou ele, no qual se tinha o hábito de colocar um
mastro. Os arqueiros faziam-se içar ao alto numa espécie de bote
protegido por couro. Lá ficavam bem instalados para ver os
chefes gorlestonianos (145) no meio de seus homens e atirando
contra eles. Encontramos, com efeito, o buraco que havia sido
indicado.(146)

(145) Nota da editora: Gorletonianos -habitantes de Gorleston,
cidade inglesa.
(146) Rev. Forbes. The mìneteenth century. Junho de 1906.
Um fenômeno análogo produziu-se com Méry. Num artigo
biográfico, publicado enquanto vivo no Journal Litteraire de 25
de setembro de 1864, o autor afirma que este escritor acreditava
firmemente já ter vivido várias vezes; que ele se recordava das
mínimas circunstanciais de suas existências precedentes e que as
detalhava com uma forte certeza que impunha a convicção.
Assim afirmava ter participado da guerra das Gálias e haver
combatido na Germânia com Germanius. Reconheceu lugares
onde havia acampado outrora em certos vales, campos de
batalha onde havia combatido. Chamava-se então Mincius. O
episódio seguinte, que cito textualmente, parece estabelecer com
nitidez que estas recordações não são simplesmente miragens de
sua imaginação.


Um dia, em sua vida presente, ele estava em Roma e
visitava a biblioteca do Vaticano. Lá foi recebido por jovens,
noviços com longos roupões cinzas, que o puseram a falar o
latim mais puro. Méry era bom latinista em tudo o que se refere
à teoria e à escrita, porém não havia ainda tentado conversar
familiarmente na língua de Juvenal. Ouvindo estes romanos
hoje, admirando esse magnífico idioma, tão bem harmonizado
com os monumentos e com os costumes da época em que ele
estava em uso, pareceu-lhe que um véu caía de seus olhos;
pareceu-lhe que ele próprio havia conversado em outros tempos
com amigos que se serviam dessa linguagem divina.

Frases feitas e irrepreensíveis saíam de seus lábios. Ele
encontrou imediatamente a elegância e a correção. Enfim, falou
latim como fala francês. Tudo isto não podia ser feito serra um
aprendizado e, se ele não tivesse sido um homem de Augusto, se
não tivesse atravessado esse século de muito esplendor, não
poderia improvisar um conhecimento, impossível de adquirir em
algumas horas.

*

Trata-se ainda de uma sensação do mesmo tipo descrita por
Lamartine em sua Voyage en Orient (147)

(147) Nota da editora: O título completo da obra de Lamartine é
Paysages pendant um voyage era Orient (Paisagens durante uma viagem
ao oriente), publicada em 1833.
Eu não tinha, na Judéia, nem Bíblia nem guia de viagem nas
mãos, ninguém para me dar o nome dos locais e o nome antigo
dos vales e das montanhas; no entanto, reconheci imediatamente

o vale das Hienas e o campo de batalha de Saul. Quando fomos
ao convento, os padres confirmaram-me a exatidão de minhas
previsões; meus companheiros não podiam crer nisso. Da
mesma forma, em Séfora, eu havia mostrado com o dedo e

designado o local provável do nascimento da Virgem. No dia
seguinte, no sopé de uma montanha árida, reconheci a tumba dos
Macabeus, e eu dizia a verdade sem o saber. Exceto os vales do
Líbano etc., quase nunca reencontrei na Judéia um local ou
coisas que não fossem para mim como uma recordação.
Vivemos pois duas vezes ou mil vezes? Nossa memória não é,
assim, apenas uma mensagem descorada que o sopro de Deus
reanima?(148)

(148) O Senhor Delanne, que relatou este trecho em seu Etude sur les
vìes successives, acrescenta: estas reminiscências não podem ser devidas a
recordações provenientes de leituras, pois a Bíblia não faz a descrição
exata das paisagens onde se passam as cenas históricas; ela simplesmente
relata os acontecimentos. -A. R.
*

Há doze anos, (escreve o Senhor G. Horster) eu morava em
Illinois, condado de Efiïngham. Lá perdi uma filha, Marie, na
época em que ela entrava na puberdade. No ano seguinte, fixei-
me em Dakota, que não mais deixei desde então. Tive, há nove
anos, uma nova filha, a quem demos o nome de Nellie, e que
persistiu obstinadamente em chamar-se Marie, dizendo que era
seu verdadeiro nome com o qual a chamávamos outrora.

Retornei recentemente a Effingham para tratar de alguns
negócios e levei Nellie comigo. Ela reconheceu nossa antiga
casa e muitas pessoas que jamais havia visto, mas que minha
primeira filha, Marie, conhecia muito bem.

A uma milha, encontra-se a escola que Marie freqüentava.
Nellie, que jamais a tinha visto, fez dela uma descrição e
exprimiu-me o desejo de revê-la. Conduzi-a e, uma vez lá,
dirigiu-se sem hesitar em direção à carteira que sua irmã
ocupava, dizendo-me: eis a minha.(149)

(149) J. G. Horstet; Mìluwakee Sentinel de 25 de setembro de 1892.

*

O conde de Résie, em sua Histoire des sciences occultes,
volume II, p. 292, diz: "Podemos citar nosso próprio
testemunho, assim como também numerosas surpresas que o
aspecto de muitos lugares nos fez experimentar, em diferentes
partes do mundo, cuja visão fazia aflorar imediatamente uma
antiga recordação, uma coisa que não nos era desconhecida e
que víamos, no entanto, pela primeira vez.(150)

(150) Pode ser que aqui tenha havido simplesmente a recordação de
uma viagem ocorrida durante o sono natural pelo corpo astral. E a
explicação mais natural que se pode dar a um fato análogo que se passou
comigo quando, com a idade de vinte e quatro anos, eu atravessava a
Auvergne a cavalo, precedendo de um dia que meu regimento que ia de
Montpellier a Arras. Chegando a uma cidadezinha, reconheci as ruas
que, no entanto, eu jamais havia visto e dirigi-me sem hesitar em direção
ao albergue principal que, verossimilmente, não existia em época em que
teria ocorrido uma de minhas vidas precedentes. -A. R.
*

Há uma atmosfera pela qual eu daria
Todo Rossini, todo Mozart, todo Weber;
Uma atmosfera muito antiga, lânguida e fúnebre
Que apenas para ruim tem charmes secretos.


Ora, cada vez que a vejo,
Duzentos anos minha alma rejuvenesce:
Foi sob Luís XIII.. e creio ver estender-se
Uma colina verde que o poente doura,


Depois um castelo de tijolos com lados de pedra,
Com vitrais pintados de avermelhadas cores,
Cercado por grandes parques, com um rio



Banhando seus pés, que corre entre as flores;

Depois em sua alta janela uma senhora,

Loura de olhos negros, em suas roupas antigas

Que em uma outra existência talvez

Eu já tenha visto e da qual me recordo!(151)

Gerard de Nerval

(151) II est air pour quì je donnerais / Tout Rossini, tout Mozart et
tout Wheber; /Un air très vieux, languissant et fúnebre / Qui pour moi
Seul a des charmes secrets / Or chaque tois que je viens a I'entendre, / De
deux cents ans mon âme rajeunit: / C'est sous Luís Treize... Et je crois
voirs' étendre / Un coteau vert que le couchant jaunit, / Puis un châteaude
brìques à coins de pierre, / Aux vitraus teints de rougeâtres couleurs, /
Ceint de grands pares, anvc une rivière / Baignant ses pieds, qui coule
eram les fleurs; / Puis une dame à as haute fenëtre, / Bloude aux yeux
noìrs, en ses habitat ancieus / Que dans une autre existence peut-être / J'
ai déjà vue – et dout je me souvieuns!
O príncipe Emile de W, na data de 18 de setembro de 1874,
escreveu de Vevey, na Suíça, a Revue Spirite, para assinalar um
fenômeno produzido com seu segundo filho, de três anos.

Há algumas semanas, escreve o príncipe, a criança estava
brincando e conversando em meu gabinete, quando a ouvi falar
da Inglaterra, da qual, pelo que saiba, ninguém jamais lhe havia
falado. Apuro os ouvidos e pergunto-lhe se sabe o que é a
Inglaterra. Ele me responde:

-Oh! sim; é um país onde estive há muito, muito tempo.

-Você era pequeno como agora?

-Oh! não; eu era maior e tinha uma longa barba.

-Mamãe e eu estávamos lá também?

-Não, eu tinha um outro pai e uma outra mãe.

-E o que você fazia lá?

-Eu brincava muito com fogo e certa vez queimei-me tanto
que morri.


O Senhor Delanne cita a carta de um oficial da marinha que
recorda ter vivido e ter morrido assassinado na época de São
Bartolomeu.(152) As circunstâncias dessa existência estão
profundamente gravadas em seu ser e ele conta fatos que
mostram que essas reminiscências não são devidas a um
capricho de seu espírito.

(152) Etude sur les Vies Successives.
"Se eu lhe dissesse", escreve ele, "que tinha sete anos
quando tive esse sonho em que, fugindo, fui atingido em plenas
costas por três punhaladas... Se eu lhe dissesse que essa
saudação que se faz sob as armas antes de lutar, eu a fiz na
primeira vez em que tive um florete na mão. Se eu lhe dissesse
que cada preliminar mais ou menos graciosa que a educação ou
a civilização colocaram na arte de matar era-me conhecida antes
de qualquer educação nas armas"...

O professor M. Damiani dirigiu, em 1° de novembro de
1878, ao autor, no Banner of Light, de Boston, uma carta
relativa a certas polêmicas a respeito da reencarnação, onde se
encontra a seguinte passagem:

"Ri muito na época em que eu qualificava essas revelações
como histórias! Porém, quando, após ter esquecido as
circunstâncias, vários anos passaram-se, eu possuía o dom da
visão espiritual; quando vi-me eu próprio no seio das famílias de
minhas existências passadas, vestidas com as roupas da época e
dos povos que outro, videntes me haviam descrito, oh! para
mim, ver devia ser crer."

*

Em seu discurso na recepção na Academia de Dauphiné, em
1907, o pintor Hareaux, originário das planícies da ilha da
França e que já tarde veio estabelecer-se em Dauphiné,
expressava-se assim:


Desejo perguntar-lhe se você não vê, como eu, certa
predisposição ancestral nesse secreto desejo de comungar com
as sublimes belezas dos Alpes, quando eu lhe confessar que,
desde minha infância, eu desenhava de instinto as montanhas, só
pensando em viajar, desejando tornar-me pintor de paisagens...
Como poderia eu explicar esta inclinação natural pelo caos dos
rochedos, os precipícios a pique, os cumes altivos cercados de
neves eternas, as torrentes impetuosas, os abismos fascinantes
que freqüentavam minha jovem imaginação de criança,
enquanto meus olhos não haviam ainda visto senão as paisagens
planas mas doces e graciosas, dos arredores de Paris

Quero ousaria afirmar que não há, bem no fundo de nosso
ser, como que uma recordação inconsciente de coisas
conhecidas numa vida anterior

Refleti muito a respeito de todas estas coisas, contemplando
essas solidões agrestes e pergunto-me sem cessar qual poderia
ser a explicação de tão misteriosas impressões a não ser esta do
déjà vu, já que, desde minhas primeiras caminhadas, eu não
experimentava nenhuma surpresa nem com os contornos dos
vales, nem com os cume, cujas vistas panorâmicas eram, no
entanto, bastante diversas, e, entretanto, parecia-me até mesmo
poder desenhar com antecedência as grandes linhas dos
horizontes que eu ia ver.

Não tenho a pretensão de descrever-lhe por que misteriosas
vezes somos advertidos e temos o pressentimento dos
espetáculos que nos esperam ou dos acontecimentos que se vão
produzir. Constato simplesmente um fato, um estado de alma
que se renovou diversas vezes em mim, e eu quis mostrar-lhes
esta impressão: quanto mais eu conhecia a montanha, mais
parecia-me reencontrá-la como um país natal e mais gostava de
pintá-la.

*


Na Antigüidade, várias personagens recordaram-se de
existências anteriores.

Ovídio dizia ter assistido ao assédio de Tróia.

Pitágoras recordava-se de ter sido Hermotine (153) Euforbe
e um pobre pescador, reconheceu, no templo de Delfos, o
escudo que usava quando era Euforbe e que tinha sido ferido por
Menetau no assédio de Tróia.

(153) Hermotine foi um adivinho famoso em Clazomena, na Jônia,
antiga província grega da Ásia Menor: Sua alma transportava-se a
diferentes lugares e retornava em seguida para tomar posse de seu corpo
que, durante sua ausência, permanecia imóvel. A esposa teria aproveitado
uma dessas viagens para queimar seu corpo e evitar a reentrada da alma.
É por isso que o entrado do templo erguido a Hermotine era interditado
as mulheres. -A. R.
Empédocles afirmava recordar-se de ter vivido como
homem e como mulher.

O imperador Juliano recordava-se de ter sido Alexandre da
Macedônia.

Nos dias de hoje, recordações análogas foram afirmadas por
Teófilo Gautier, Alexandre Dumas e Ponson du Terrail.

O sonho do Senhor Marcel Sérizolles

Em novembro de 1881, tive um sonho bastante lúcido no
qual lia um volume de versos. Experimentei as sensações exatas
da leitura real. Não apenas eu compreendia o que lia, mas
também sentia, e da mesma forma meus olhos observavam o
gorgorão do papel um pouco amarelo e a impressão bastante
preta e suja, meus dedos viravam as folhas grossas e minha mão
esquerda mantinha o volume bastante pesado. De repente,
virando uma página, despertei e, maquinalmente, ainda meio
adormecido, acendi a vela e peguei sobre a mesinha de cabeceira

o lápis e os papéis que se encontravam sempre ao lado do livro a

ser lido à noite (era nessa noite um livro de história militar) e
escrevi as duas ultimas estrofes que eu acabava de ler neste
volume do sonho. Foi-me impossível, apesar de poderosos
esforços de memória, recordar-me de um só verso além destes
doze que me pareceram toda uma questão de metafísica e cujo
sentido permanece incompleto, estando o período inacabado.

Ei-los tal como os escrevi então:

No tempo em que eu vivia uma vida anterior,

No tempo em que eu levava uma existência melhor

Da qual não posso recordar-me,

Enquanto eu conhecia os efeitos e as causas,

Antes de minha queda e minha metamorfose

Em direção a um mais triste devir.

No tempo em que eu vivia as grandes existências

De cujos homens não temos senão reminiscências

Rápidas como os clarões

Em que, talvez, eu caminhasse livre através do espaço,

Como um astro deixando entrever um instante seu vestígio

No azul sombrio dos clarões...(154)

(154) Du temps oú je vivaìs une outre vie antérieure,/Du temps ou je
menaìs l'existence meilleure/Dont je mue puis me souvenir/Alors que je
savais les effets et les causes,/Avant ma chute lent ma métamosrfose /
Vérs un plus trìste devenir/Du temps oú je vivaìs las hautes existences
/Dont homme nous n'avons que des réminiscences / Rapide comme des
éclairs / Ou peut-être, j' allais libre à travers l'espace,/Comme un astre
laissant voir un instant sa trace / Dans le bleu sombre des éclairs...
Estes versos não poderiam ser uma reminiscência de
leituras. Procurei-os, sem os encontrar, em todas as compilações
já aparecidas. Era, na verdade, tem volume inédito e
permanecido desconhecido, que eu li nesse sonho.(155)


(155) É conveniente observar que o Senhor Marcel Sérizolles, apesar
de ocupar-se, sobretudo de literatura e filosofia, interessou-se pela
doutrina da metempsicose dos vedas hindus e dos filósofos gregos. Seria,
pois, possível que estes versos fossem um produto de seu inconsciente, a
menos que ele tenha percebido durante seu sono o pensamento de outra
pessoa. -A.R.
Capítulo IV

Observações relativas à visão do passado e do futuro sob a
influência do magnetismo ou de uma preparação especial

O fenômeno da regressão da memória, tão freqüentemente
observado sob influências das quais damos exemplos no
capítulo I desta segunda parte, foi igualmente constatado em
sujets magnetizados, porém não lhe foi dada importância e não o
encontrei mencionado senão na seguinte passagem de
Deleuze(156)

(156) Instruction pratiques sur le magnétisme animal, pág.151, nota.
Há sonâmbulos que narram com uma facilidade
surpreendente as idéias recebidas em sua infância, e sobre os
quais estas idéias exercem mais império do que as adquiridas
depois. Uma sonâmbula bastante lúcida, magnetizada pelo
Senhor de Lauzanne, ofereceu-me um exemplo bastante notável
deste fenômeno. Era uma mulher de cerca de quarenta anos.
Nasceu em São Domingos, de onde veio para a França com a
idade de seis ou sete anos, e desde essa época não mais se
encontrou com os nativos de lá. Tão logo chegou ao estado de


sonambulismo, só falava o dialeto que aprendeu da negra que a
havia educado.

São nessas lembranças da infância, nesse retorno aos
primeiros anos da vida, que é preciso procurar a causa das
opiniões de alguns sonâmbulos. Há alguns que parecem
esquecer as noções adquiridas pelo raciocínio e a observação,
retrocedendo pouco a pouco em direção a uma época em que seu
espírito era de alguma forma uma fábula rasa.

O mesmo acontece com relação à recordação das vidas
anteriores determinadas pelo sonambulismo. Eu ignorava
completamente a possibilidade do fato, quando comecei minhas
experiências sobre esse assunto, e foi apenas quando publiquei o
relato das primeiras experiências que o Senhor Leon Denis
assinalou-me a comunicação feita em 1900 pelo Senhor Estevan
Marata, no Congresso Espírita de Paris. Ver-se-á que, sem nos
conhecermos, chegarmos aos mesmos resultados pelos mesmos
procedimentos, o que é interessante observar.

Foi em 1887. Havia na Espanha um grupo espírita chamado
"A Paz", cujo fundador e presidente era Fernandez Colavida,
apelidado do outro lado dos Pirineus de Kardec Espanhol.

Em todas as suas sessões, esse grupo fazia o estudo e o
controle dos fenômenos espíritas. Minha esposa e eu éramos,
naquela época, membros desse grupo.

Ora, certo dia, o Senhor Fernandez quis experimentar se
podia provocar sobre um sonâmbulo a recordação de suas
existências passadas. Eis como agiu. Estando o médium
magnetizado em alto grau, ordenou-lhe que dissesse o que havia
feito na véspera, na antevéspera, uma semana antes, um mês, um
ano e, conduzindo-o assim, ele o fez recuar até a infância, que
descreveu com todos os seus detalhes.

Sempre estimulado, o médium contou sua vida no espaço, a
morte em sua ultima encarnação e, conduzido continuamente,
chegou a quatro encarnações, das quais a mais antiga fora uma


existência completamente selvagem. É interessante observar
que, a cada existência, as feições do médium modificavam-se
completamente.

Para trazê-lo de volta ao seu estado normal, ele o fez
retornar até sua existência presente, depois o despertou.

Não desejando ser acusado de ter-se enganado, ele fez o
mesmo médium ser magnetizado por um outro magnetizador,
que devia sugerir-lhe que as existências passadas não eram
verdadeiras. Apesar desta sugestão, o médium expôs novamente
as quatro existências como o havia feito alguns dias antes.

Obtive o mesmo resultado sobre o mesmo fato com um
outro médium.(157)

(157) Os primeiros estudos foram controlados por todos os membros
que formam o grupo "A Paz". -A. R.
Magnetizei minha esposa até o sonambulismo para examinar
uma poesia que lhe havia sido ofertada pela Senhora Amália
Domingo y Soler, na qual um espírito anunciava-lhe um fato,
que lhe havia sucedido numa existência anterior. Com efeito, o
caso foi confirmado por minha esposa no estado de
sonambulismo.

Creio que, se alguém desejar retomar estes estudos, poderá
obter os mesmos resultados, porém é necessário cercar o
médium de todos os cuidados possíveis, pois podem acontecer-
lhe acidentes muito perigosos. Não leve longe demais suas
pesquisas e não tente estes estudos senão com perfeitos
sonâmbulos habituados a desprenderem-se e a permanecerem
ligados apenas pelo perispírito.

Alguns anos mais tarde, a Senhora Rufina Noeggerath(158)
a Boa Mãe dos espíritas, escrevia-me a seguinte carta:

(158) a Senhora Noeggerath tinha então oitenta e cinco anos; faleceu
em 1908 na plenitude se suas faculdades. – A. R.
Paris, 31 de maio de 1906.

Prezado mestre.


Sou-lhe muito grata pela satisfação que você me
proporcionou dando-me a saber que continua seus estudos sobre
a regressão da memória. Este fenômeno apresenta a mais alta
importância e, assinado por você, ele estaria provado.

Nós, espíritas, entretendo-nos com os extraterrestres,
sofremos muitos desenganos de toda espécie, e nestes trinta e
cinco anos não registrei senão três ou quatro casos de provas da
reencarnação. As inteligências bastante elevadas que vieram dar-
nos ensinamentos nas melhores condições, todas disseram que
lhes era extremamente difícil expressar-nos clara e
completamente tudo o que desejavam. Elas caem sempre numa
corrente magnética ou antipática que as faz desviar e dizer o
contrário do que pensam; recomendam-nos o mais severo
controle de suas comunicações antes de lhes darmos crédito.
Quase não se pode dar-lhes crédito, senão quando a revelação é
espontânea, inesperada, não provocada. Você acabará por
encontrar semelhantes ocasiões. Uma prova é suficiente;
deposito toda a minha esperança em você.

Vou citar-lhe brevemente um de nossos melhores
fenômenos relatado pelo príncipe Wisznieuwski.

Ele estava em viagem com o príncipe Galitzin, na cidade...
(não recordo o nome nem certos detalhes). Na rua, uma moça
coberta de farrapos, esfomeada, vivendo da mendicância e da
prostituição, dirigira-se a estes senhores. O príncipe Galitzin,
bom magnetizador, observando uma expressão estranha no olhar
da infeliz, teve a idéia de adormecê-la. Ofereceu-lhe o jantar e
os dois senhores voltaram com ela para o hotel. Tão logo estava
adormecida, exclamou que tinha uma terrível confissão a fazer.
Na Itália, em X., em sua ultima encarnação, ela era condessa de
Y e morava num castelo. Era altiva, cruel, de má conduta. Seu
marido morreu de um acidente aos olhos de todo mundo; porém
ela havia escalado com ele um rochedo de cujo cume o
empurrou para fazê-lo cair no abismo.


O crime dessa grande dama permaneceu impune. Ela
reencarnou nunca existência de miséria negra e devia sua
alimentação apenas aos mais vis expedientes. Implorava
piedade.

Como ela havia fornecido detalhes bastante precisos, os
viajantes foram ao local onde o drama teria ocorrido. Ninguém
pôde dar-lhes nenhuma informação, recordar-se deste drama.

Muito decepcionados, no momento de entrarem no carro
para deixar a região, eles perceberam um camponês de bastante
idade e interrogaram-no. Este pôde responder-lhes que quando
era criança havia ouvido falar dessa história verídica e que
poderia mostrar o rochedo de onde o conde havia sido
precipitado. Acrescentou que muita gente desconfiava da
condessa, mas que ela não foi condenada.

O Senhor Hugo d'Alési poderia contar-lhe um fato
convincente, recordando-lhe uma encarnação cujas provas
permaneceram a anos de distância.

Com muita simpatia,

Rufina Noeggerath.

*

As vidas passadas de alguns membros da sociedade
teosófica.

Tal é o título de uma série de artigos cuja publicação as
revistas teosóficas começaram sob a assinatura de Annie Besant
e de C. VV. Leadbeater.

A primeira série compreendeu trinta das vidas vividas pelo
ego(159) designado sob o nome de Alcyone, desde a que se
passou na Atlântida do ano 22622 ao ano 22578 a.C., até a quese passou na Índia do ano 624 ao ano 94 d.C.


(159) Este ego estaria atualmente reencarnado no corpo de um jovem
hindu que acompanhava a Senhora Besant na conferencia que ela deu na
Sorbonne, em junho de 1911. -A. R.
Elas são contadas de acordo com as visões recebidas pelos
redatores suficientemente afinados por um treinamento moral e
físico que lhes permite perceberem os fatos e os sentimentos
relativos não somente ao ego considerado, como também
àqueles que representaram um papel em suas diversas
existências e que se reencontram freqüentemente no decorrer
dos séculos.

De acordo com essas revelações, as reencarnações seriam
habitualmente separadas por intervalos de cinco a dez séculos,
dependendo do grau de desenvolvimento do ego.(160)

(160) dota da editora: Essa afirmativa não tem nenhum apoio da
Doutrina Espírita.
Sinto pela Senhora Annie Besant uma grande admiração e
não duvido de que ela seja bastante evoluída para possuir
faculdades de investigação desconhecidas no comum dos
mortais; porém nossos espíritos ocidentais, moldados pelo
método experimental da ciência moderna e começando a
suspeitar dos efeitos extraordinários do inconsciente, hesitam em
admitir em sua integridade revelações que não sejam suscetíveis
de serem verificadas. Limitar-nos-emos, aqui, pois, a mencionar
com os outros documentos, os quais nos esforçamos em reunir, a
fé absoluta que possuem os iniciados orientais em vidas
sucessivas que se teriam passado no meio de civilizações,
datando de além de vinte e três séculos atrás.

Capítulo V

Reencarnações previstas e efetuadas


1° -Caso relatado pelo Senhor Bouvier (de Lyon)

Há cerca de dezessete ou dezoito anos, eu tinha em mãos um
médium muito bom chamado Isidore L., com o qual me ocupava
sobretudo dos fenômenos magnéticos. Certo dia, após ter
realizado diversas experiências de sonambulismo, ele encontra-
se em transe com uma personalidade que me diz estar ainda
viva, mas numa espécie de sono de coma durante o qual deixava

o corpo para vir manifestar-se para mim e mostrar-me assim
que, mesmo viva sobre a terra, era-lhe possível manifestar-se
fora de seu corpo.
Durante um mês, todos os dias sem exceção, essa
personalidade, dando-se como a alma de uma moça chamada
Anastasie N., vinha entreter-me acerca do que se passava em seu
meio. Ela encontrava-se num convento que me designou, onde,
muito doente, esperava sua libertação das correntes que a
mantinham ligada a este mundo. Durante um mês veio contar-
me o que faziam por ela, prevendo no entanto que seu fim estava
próximo. A um dado momento, informou-me de que um irmão
do médium pelo qual se manifestava acabava de morrer,
rogando-me nada dizer-lhe; o que era verdade: passados alguns
dias ele recebia a notícia.

Não é necessário dizer que tornei informações sobre a
pretensa doente que se manifestava assim, informações que
foram exatas. A família dela morava na praça Lafayette, em
Rouen.

Enfim, após um mês de comunicação diária, Anastásia
disse-me: "E fato, desta vez acabo de abandonar meu corpo, e
não foi cedo demais, pois a carga é decididamente muito pesada


aqui embaixo: porém não estou livre por muito tempo, pois vejo
que em breve reencarnarei de novo, o que não me causa prazer,
mas se é necessário...

Após longas conversas sobre as condições e o meio onde era
chamada a renascer, acabou por dizer-me que reencarnaria aqui
em Lyon, nunca família que designou, na rua Boileau n° 204.
Disse que nasceria com o mesmo sexo e que viveria apenas
alguns meses, após os quais deixaria a Terra para não mais
retornar.

Precisando os acontecimentos, disse-me reencarnar dali a
cerca de três meses; disse que, conseqüentemente, renasceria
mais ou menos dentro de um ano, mas que até lá os
acontecimentos se produziriam de tal maneira que eu poderia me
dar conta da realidade.

Efetivamente as comunicações cessaram no fim de cerca de
três meses e, cinco ou seis meses mais tarde, constatei na
família, numa jovem mãe, todos os sintomas de uma gravidez. O
tempo fez sua obra, isto é, um ano após a desencarnação e nove
meses após as ultimas comunicações, nascia na família, e nas
condições previstas, uma menina que foi posta a cargo de uma
ama-de-leite em Montluel, onde viveu até a idade de quatro
meses. A partir daí nenhuma outra manifestação da mesma
personalidade.

Mais ou menos na mesma época, tínhamos reuniões
privadas em casa de amigas, no n° 45 da rua da República, onde
indistintamente fazíamos evocações pela tiptologia ou pela
escrita medianímica, quando, certa noite, um espírito veio
manifestar-se através da mesa, dirigindo-se a Srta. Pauline R.,
pedindo-lhe para escrever. Essa moça era muito boa médium
escrevente.

O espírito apresentou-se como tendo sido uma amiga da
médium, quando esta morava numa pensão em Salins (Jura).
Entrou em detalhes que não deixavam nenhuma duvida a


respeito de sua identidade. Informou que reencarnaria em breve
numa família que designou, família conhecida das moças, o que
a princípio as surpreendeu muito, visto que não havia senão um
filho na família. Acreditavam elas que esse filho não pensava
ainda em casamento, o que não impediu o espírito de insistir,
dizendo que renasceria com o mesmo sexo, mas que não seria
feliz, pois teria muito que sofrer do coração por conseqüência de
circunstancias que ele informou mas que não me é permitido
divulgar por causa da família.

Vários meses após esta comunicação, o rapaz da família
designada casava-se e, dez ou onze meses após o casamento,
nascia efetivamente uma menina sofrendo de uma coxalgia,
razão pela qual esta moça, pois agora é uma moça que sofre do
coração, sem contar com outras razões que sou obrigado a
omitir.

É provável que, como a maioria dos seres, ela não recorde
que havia previsto antes de seu nascimento o que devia
acontecer-lhe mais tarde.

2° -Caso relatado por C. W. Leadbeater em seu livro
intitulado L Autre côté de la mort (p. 487)(161)

(161) Esta história foi escrita sob a forma de carta ao Senhor
Leadbeater, apenas assinada com as iniciais S.O. e datada do Novo
México, com alguma imprevisão. -A. R.
Apresento minha experiência pessoal como um fato absoluto
e não como um fato apoiando numa teoria qualquer. Na época
em que esta experiência me foi dada (há vinte e cinco anos), eu
não conhecia absolutamente nada da mediunidade e não havia
jamais ouvido falar ou pronunciar a palavra reencarnação. Eu
tinha dezesseis anos e estava casada há um ano.

Acabava de constatar que ia ser mãe, quando me tornei
vagamente consciente da presença, a meu redor, de uma


personalidade invisível. Pareceu-me instintivamente que meu
companheiro invisível era uma mulher sensivelmente mais velha
do que eu vários anos. Esta presença acentuou-se gradualmente.
Três meses depois de tê-la sentido, eu podia receber dela, por
telepatia, longas mensagens. Manifestava a maior solicitude por
minha saúde e meu bem-estar em geral, e pude gozar de sua
conversação durante longas horas. Deu-me seu nome, sua
nacionalidade, com muitos detalhes sobre sua história pessoal.
Parecia ansiosa em que eu a conhecesse e me afeiçoasse a ela
pelo que ela era, assim dizia. Fazia esforços contínuos para
tornar-se visível, o que enfim conseguiu nos últimos tempos de
minha gravidez. Ela era então para mim uma companheira tão
cara e tão real como se fosse revestida de um corpo de carne. Eu
só precisava fechar as cortinas a fim de dar a meu quarto uma
suave luz para que sua presença se manifestasse ao mesmo
tempo à vista e ao ouvido.

Duas ou três semanas antes do nascimento da criança, ela
informou-me de que o objetivo principal de sua presença era a
intenção de entrar na nova forma com que ia era breve vir ao
mundo a fim de terminar uma experiência terrestre que não pôde
levar a bom termo. Confesso que não compreendi a princípio o
que ela queria dizer e fiquei muito perturbada com isso.

Na noite que precedeu o nascimento da minha filha, vi
minha companheira pela ultima vez. Ela me disse: "Nosso
tempo se esgotou; seja corajosa e tudo correrá bem para você."

Minha filha chegou e era a miniatura perfeita daquela alma-
espírito; além do mais, ela não se assemelhava a nenhum
membro da família à qual pertencia. Vendo-a, todos
exclamavam: "Mas ela não tem uma fisionomia de um bebê;
parece ter no mínimo vinte anos."

Fiquei bastante surpresa quando, alguns anos mais tarde,
tive a alegria de encontrar um livro antigo relatando a história da
mulher cujo nome e a vida tinham sido contados por meu


espírito-amigo como sendo os seus. Essa história estava
absolutamente conforme a que ela havia contado, exceto alguns
detalhes pessoais que quase não podiam ser conhecidos por
outros. Guardei para mim, como um profundo segredo, esta
experiência, pois, visto minha juventude, eu sabia de antemão
qual julgamento o mundo faria do narrador de uma história
desse tipo.

Certo dia, quando minha filha tinha a idade de quinze anos,

o nome anterior de minha amigo-espírita foi pronunciado diante
dela. Virou-se vivaz em minha direção e disse:

-Mãe, meu pai não me chamava por esse nome?

-Não, respondi-lhe, você não foi jamais chamada por esse
nome. (Seu pai faleceu quando ela tinha um ano.)

-No entanto, acrescentou ela, recordo-me, com certeza,
porém não sei onde, mas alguém me deu esse nome.

Para concluir, devo acrescentar que o caráter de minha filha
assemelhava-se estranhamente ao que era descrito na história
dessa mulher; cujo espírito me havia dito que queria tomar a
nova forma que eu devia pôr no mundo.

Eis os fatos. Não lhes dou nenhuma explicação. Se eles
confirmam uma teoria qualquer, fico muito satisfeita, pois as
teorias precisam de fatos para se sustentar e se fazerem adotar;
porém os fatos são inegáveis e podem sustentar-se por si
próprios.

3° -Caso do Doutor Carmelo Samona

A excelente revista Filosofia della scienza, editada em
Palermo pelo Senhor Innocenzo Calderone, contém um artigo do
mais alto interesse sobre esse extraordinário fenômeno.

Eis a tradução de uma parte desse artigo escrito pelo Senhor
Carmelo Sanfona, que publicou recentemente, como tese na


Faculdade de Medicina de Palermo, um livro notável intitulado

Psyche Mysleriosa .

Meu caro Calderone.

Apesar do caráter íntimo dos fatos que precederam o
nascimento de minhas duas filhinhas, não hesito, no interesse da
ciência, em levá-los à publicidade por intermédio de sua
estimável revista tão difundida, sem esconder os nomes das
diversas pessoas que deles tiveram conhecimento, à medida que
se desenrolaram.

Se me abstenho de discuti-los, acho que, no entanto, convém
divulgá-los para que outros possam fazê-lo.

Nenhuma ciência progride se permanece na ignorância dos
fatos.

Se, no domínio metapsíquico, por medo do ridículo ou por
outras razões da mesma ordem, cada um guarda para si estas
espécies de acidentes mais ou menos raros que podem ocorrer,
adeus à esperança do progresso.

Envio-lhe um relato sintético absolutamente fiel dos fatos
tais quais se produziram, sem a mínima discussão, de minha
parte, relativa aos interessantes problemas que eles trouxeram,
isto é, sonhos premonitórios, personalidades medianinicas etc.

O caso atual apresenta-se favoravelmente, creio, do ponto de
vista científico, pois as pessoas que desde o início foram
colocadas a par das diversas particularidades sucessivas, e que
as observaram com um grande interesse, gozam da consideração
geral por sua moralidade e sua inteligência. Além da narração
dos fatos, envio-lhe as declarações de algumas destas pessoas
que confirmam minhas palavras, e estou pronto a fornecer outros
testemunhos da mesma natureza e todos os esclarecimentos que
possam ser julgados úteis para a investigação científica.

Creia em toda a estima de seu afetuoso amigo,

Carmelo Samona.


Exposição sintética dos fatos

Em 15 de março de 1910, após uma doença muito grave
(meningite), falecia, com a idade de cerca de cinco anos, minha
adorada filhinha de nome Alexandrine. Minha dor e a de minha
esposa, que quase ficou louca, foram profundas.

Três dias após a morte, minha esposa sonhou com ela.
Parecia-lhe vê-la tal qual era quando viva e ela a ouvia dizer:
"Mamãe, não chore orais. Eu não a abandonei, eu não fiz senão
afastar-me de você. Veja antes de tudo: tornei-me pequena
assim." Ao mesmo tempo, mostrava-lhe um pequeno embrião
completo e depois acrescentou: "Você vai pois ter de começar
de novo a sofrer por mim."

Três dias depois, o mesmo sonho se reproduziu. Tendo
sabido do fato, uma amiga de minha esposa, seja por convicção,
seja no intuito de consolá-la, disse-lhe que tal sonho podia ser
uma advertência de sua filhinha que, talvez, apressava-se em
renascer nela, e, para melhor persuadi-la da possibilidade de
semelhante fato, levou-lhe um livro de Leon Denis que tratava
da reencarnação.

Porém nem os sonhos nem esta explicação com a leitura do
livro de Denis conseguiram abrandar sua dor. Ela estava
igualmente incrédula a respeito da possibilidade de uma nova
maternidade, principalmente porque, tendo sofrido um aborto
que necessitava de uma operação (21 de novembro de 1900)
seguida de hemorragias freqüentes, ela estava quase certa de não
mais se tornar grávida.

Certa manhã, cedo, alguns dias após a morte de sua filhinha,
chorando como de hábito e sempre incrédula, ela me dizia: "Não
vejo senão a atroz realidade da perda do meu querido anjinho;
esta perda é muito grande, cruel demais para que eu possa dar
um fio de esperança a simples sonhos como esses que tenho, e
crer num acontecimento tão inverossímil como o renascimento à
vida de minha filhinha adorada por meu intermédio, sobretudo


quando vejo meu estado físico atual." De repente, enquanto ela
se lamentava de maneira tão amarga e desesperada e que me
esforçava ao maximo para consolá-la, três pancadas secas e
fortes, como que dadas com as juntas dos dedos pelas pessoas
que desejam anunciar-se antes de entrar, foram ouvidas no
cômodo no qual nos encontrávamos e que dava numa saleta.
Estas batidas foram no mesmo instante percebidas por nossos
três filhos que estavam conosco nesse cômodo. Eles, crendo
tratar-se de uma de minhas irmãs que tinha o hábito de vir a
horas semelhantes, abriram imediatamente a porta gritando: "Tia
Catherine, entre!", porem, grande foi sua surpresa e a nossa
quando não vimos ninguém e que, olhando o cômodo contíguo
mergulhado na obscuridade, pudemos constatar que ninguém
havia entrado.

Este incidente impressionou-nos vivamente, principalmente
porque as pancadas foram dadas no exato momento do supremo
desencorajamento de minha esposa. Teriam elas tido por acaso,
uma causa metapsíquica e alguma relação com seu profundo
abatimento?

À noite daquele mesmo dia, resolvemos começar sessões
mediúnicas tipológicas que, metodicamente, continuamos
durante ao menos três meses, e das quais tomavam parte minha
esposa, minha sogra e algumas vezes os dois maiores de meus
três filhos.

Desde a primeira sessão, manifestaram-se duas entidades
uma que se apresentava como minha filhinha e a outra como
uma irmã minha, falecida há muito tempo com a idade de cerca
de quinze anos e que, de acordo com suas palavras, aparecia a
título de guia da pequena Alexandrine.

Esta se expressava com a mesma linguagem infantil da qual
se servia quando era ainda viva. A outra possuía uma linguagem
elevada e correta e tomava geralmente a palavra, ou para
explicar algumas frases da pequena entidade que às vezes não se


fazia entender bem, ou para levar minha esposa a crer nas
afirmações de sua filhinha.

Na primeira sessão, Alexandrine, após ter dito que era ela
mesma em pessoa que havia aparecido em sonho à sua mãe, e
que as batidas ouvidas na outra manhã foram dadas para indicar
sua presença e procurar consolá-la por meios mais
impressionantes, acrescentou: "Minha mãezinha, não chores
mais, porque renascerei por teu intermédio e antes do natal
estarei com vocês." Ela continuou: "Querido papai, eu voltarei;
irmãozinhos, eu voltarei; vovó, eu voltarei. Digam aos outros
parentes e à tia Catherine que antes do natal eu já terei
voltado..." E assim por diante para todos os outros parentes e
conhecidos com os quais a pequena Alexandrine tinha mantido
os melhores relacionamentos durante sua breve existência.

Seria desnecessário transcrever todas as comunicações
obtidas durante cerca de três meses, porque, exceto a variante de
algumas frases carinhosas de Alexandrine endereçadas às
pessoas que lhe eram queridas, elas eram quase sempre uma
repetição constante e monótona do anuncio de sua volta antes do
natal, especificado, como na primeira sessão, a cada um de seus
parentes e conhecidos.

Várias vezes tentamos parar uma repetição tão prolixa,
assegurando à pequena entidade nosso cuidado em comunicar a
todos seu retorno, ou melhor, seu renascimento antes do natal,
sem esquecer de ninguém. Porém era inútil; ela obstinava-se em
não ser interrompida até ter esgotado os nomes de todos os seus
conhecidos.

Este fato era bastante estranho. Dir-se-ia que o anuncio deste
retorno constituía uma espécie de monoideísmo na pequena
entidade. As comunicações terminavam quase sempre por estas
palavras: "Agora os deixo: tia Jeanne quer que eu durma." E
desde o começo anunciou que não poderia se comunicar
conosco senão durante cerca de três meses, porque em seguida


estaria cada vez mais ligada à matéria e adormeceria
completamente.

No dia 10 de abril, minha esposa teve as primeiras suspeitas
de uma gravidez.

No dia 4 de maio, novo aviso de sua vinda por parte da
pequena entidade (nós nos encontrávamos então em Venétìco,
na província de Messina): "Mamãe, diz ela, em você há também
a uma outra."

Como não compreendíamos esta frase e como supúnhamos
que ela se havia enganado, a outra entidade (tia Jeanne)
interveio dizendo: A menina não se enganou; mas não sabe
expressar-se muito bem. Ela quer dizer que um outro ser adeja
em torno de você, minha cara Adèles. Ele deseja retornar a
Terra."

A partir desse dia, Alexandrine, em cada uma de suas
comunicações, constante e obstinadamente, afirmava que
retornaria acompanhada de uma irmãzinha e, dada a maneira
como ela o dizia, parecia alegrar-se com isto.

Isto, ao invés de encorajar e de consolar minha esposa, não
fazia senão aumentar suas dúvidas e suas incertezas. Após essa
nova e curiosa mensagem, pareceu-lhe com mais certeza que
tudo devia terminar numa grande decepção. Fatos demais, na
verdade, deviam realizar-se após esses anúncios para que essas
comunicações pudessem ser verídicas. Era preciso com efeito:
1°, que minha esposa se tornasse realmente grávida: 2°, que
diante de seus recentes sofrimentos, ela não tivesse um aborto,
como lhe aconteceu recentemente; 3°, que ela trouxesse ao
mundo dois seres, o que parecia ainda mais difícil pois este caso
não tinha precedente nem com ela, nem com seus ascendentes,
nem com os meus; 4°, que ela desse à luz dois seres que não
seriam nem dois meninos, nem um menino e uma menina, mas
duas meninas. Na verdade era ainda mais difícil dar crédito a um
conjunto de fatos tão complexos para os quais havia uma série


de probabilidades contrárias. Minha esposa, apesar de todas
essas belas predições, até o quinto mês viveu sempre em
lágrimas, incrédula e com a alma torturada apesar de, em suas
ultimas comunicações, a pequena entidade ter-lhe suplicado que
se mostrasse mais contente, dizendo-lhe: "Você verá, mamãe,
que se continuar a se abandonar a idéias tristes, terminará por
nos dar uma constituição medíocre."

Numa das ultimas sessões, minha esposa, tendo expressado
a dificuldade que tinha em crer no retorno de Alexandrine,
porque seria difícil que o corpo da criança que viria se
assemelhasse ao da criança perdida, a entidade Jeanne apressou-
se em responder: "Nesse ponto, Adèles, você será satisfeita; ela
renascerá perfeitamente semelhante à primeira, senão muito
mais, ao menos um pouco mais bela."

No quinto mês, que coincidia com o mês de agosto,
encontrávamo-nos em Spadafora. Minha esposa foi examinada
por um reputado médico parteiro, o Doutor Vincenzo Cordaro,
que, após a consulta, disse espontaneamente: "Não posso
afirmar de maneira absoluta, pois neste período da gravidez não
é ainda possível constatar com certeza, mas um conjunto de
fatos conduz-me a diagnosticar uma gravidez de gêmeos." Suas
palavras tiveram sobre minha esposa o efeito de um bálsamo:
uma luz de esperança começou a despontar em sua alma
dolorida e aflita, que não devia demorar a ser atormentada de
novo por um acontecimento que se ia produzir.

Mal entrou no sétimo mês, urra notícia inesperada e trágica
a abalou e impressionou de maneira tão viva que ela foi
subitamente tomada de dores nos rins. Outros sintonias que se
produziram durante cerca de cinco dias deixaram-nos ansiosos e
fizeram-nos temer de um momento para outro um parto
prematuro, no qual a criatura ou as criaturas que nasceriam não
poderiam ser viáveis, não estando ainda os sete meses
completos. Deixo-os imaginar os sofrimentos físicos de minha


esposa e que angústia feria-lhe o coração com este único
pensamento após a esperança que ela havia começado a
conceber. E esse estado de espírito agravava mais as condições
das coisas. Nessa ocasião, ela foi assistida pelo Doutor Cordero:
felizmente e contrariamente às expectativas, todo perigo foi
afastado.

Estando minha esposa completamente restabelecida e tendo
também a certeza de que os sete meses haviam transcorrido,
retornamos a Palermo onde ela foi examinada pelo célebre
médico parteiro Giglio, que constatou uma gravidez de gêmeos.
Assim, uma parte, já muito interessante, das comunicações
estava confirmada. Faltavam, porém, ainda muitos outros fatos
importantes a serem verificados especialmente os sexos, o
nascimento de duas meninas e a particularidade de que devia
haver uma semelhança física e moral de uma delas com a morta,
Alexandrine.

O sexo confirmou-se na manhã de 2 de novembro, dia em
que minha esposa deu à luz as meninas.

Quanto à constatação da semelhança física e moral
possíveis, ela certamente exige tempo, e não se poderá
confirmar senão com o decorrer dos anos e à medida que as
meninas cresceram.

Parece, no entanto, estranho que, do ponto de vista físico, já
se manifestassem certos caracteres que confirmariam a predição
e encorajariam o prosseguimento da observação, e nos
autorizassem a pensar que, sob este mesmo ponto de vista, as
comunicações deverão verificar-se literalmente.

As duas meninas, atualmente, não se assemelham; diferem
sensivelmente pela corpulência, a cor e a forma. A menor parece
uma cópia fiel da morta, isto é, a Alexandrine, no momento em
que nasceu. Coisa extraordinária, ela tem de comum com
Alexandrine as três particularidades seguintes: hiperemia no
olho esquerdo, leve seborréia no ouvido direito e uma leve


assimetria da face exatamente idêntica à que apresentava
Alexandrine no momento de seu nascimento.

Doutor Carmelo Samona.

O artigo publicado na Filosofia della scienza terminava com
uma série de atestados de parentes e de amigos da família
Samona dizendo que eles tinham tido conhecimento, no
momento em que ocorreram, dos fatos em questão.

Esses atestados são excelentes para o estudo científico de
fenômenos, porém é inútil reproduzi-los aqui. Para os leitores é
suficiente saber que eles existem.

Acrescentemos que a irmã gêmea de Alexandrine veio
primeiro ao mundo, o que, de acordo com as idéias geralmente
admitidas, indicaria que ela foi concebida em segundo lugar.
Enfim, os nove meses normais que teriam terminado no natal
não se completaram porque os partos de gêmeos ocorrem
sempre um pouco antes.

Capítulo VI

A premonição

Mostramos, nos capítulos precedentes, que certos sujets
magnetizados não somente vêem seu passado como também
prevêem seu futuro. Vamos examinar muitos outros fatos que
permitem considerar como possível premonição.


Tudo nos prova que o mundo no qual vivemos é regido por
leis imutáveis. Não haveria nada de imprevisto para aquele que
conhecesse seu funcionamento.(162)

(162) Uma inteligência que, por um dado instante, conhecesse todas
as forças pelas quais a natureza é animada e a situação respectiva dos
seres que a compõe, se, aliás, ela fosse tão vasta para submeter estes dados
à análise, abraçaria na mesma fórmula os movimentos dos maiores
corpos do universo e os do mais leve átomo. Nada seria incerto para ela, e
o futuro, como o passado, estaria presente a seus olhos. O espírito
humano oferece, com a perfeição que soube dar à astronomia, um leve
esboço desta inteligência. (Laplace, Théorie onalytique des probabilités,
Paris, 1304, pág. 3).
Porém nossa pequenez não nos permite abraçar o conjunto
dessa imensa máquina e é somente no estreito horizonte ao qual
ela limita nossa visão que podemos algumas vezes tentar
perceber o funcionamento da engrenagem.

Uns chegam a esse conhecimento mais ou menos imperfeito
pela observação e o raciocínio; outros, por uma espécie de
instinto.

Diz Cícero: (163)

(163) De divinatàone, I, 3, 4.
Sie assentior, gcci duo genera divinations esse dixerunt,
unum quod particeps esset artis, alterun quod arte careret. Est ars
in iis qui novas res conjectura persequuntur, veteres
observatione didicerunt; carent autem arte ii qui non ratione aut
conjectura, observatis ac notatis signis, sed concitatione quadam
anini, sed concitatione quadam animi, aut soluto libero que
motu futura proesentiunt(164)

(164) Assim, sou da mesma opinião daqueles que afirmam haver dois
gêneros de adivinhação: um que haveria a participação da arte e outro
que não teria arte. Existe arte naqueles que procuram novas coisas pela
interpretação e aprenderam pela observação dos antigos; não tem arte
naqueles que não pressentem pela razão ou interpretação, com sinais
observados e explicados, mas sim por uma certa excitação da alma, livre e
desembaraçada, com e sentimento das coisas futuras.

O historiador que, segundo Tucídides,(165) tem apenas que
estudar os tempos passados para julgar os incidentes mais ou
menos, semelhantes onde o jogo das paixões humanas deve
conduzir ao retorno; o astrônomo que pelo cálculo determina o
momento em que se produzirá um eclipse; o geômetra que
continua, com a mão elevada, o tratado de uma curva cuja
percepção ele adquiriu: todos os três são adivinhos, como o
homem cujo gênio percebe de imediato a solução de um
problema, como o camponês iletrado sentindo chegar à
tempestade sem se aperceber dos indícios que a anunciam, e
mesmo como o animal cuja inquietude pressagia um tremor de
terra.

(165) A Guerra do Peloponeso, 1, 22.
Pode-se, por certos procedimentos, desenvolver a
adivinhação no homem? Tal é a segunda pergunta que entra no
quadro do presente estudo.

Filósofos e fisiologistas estão de acordo ao atribuírem esta
propriedade à maioria das ações cujo primeiro efeito é relaxar os
laços que prendem em nossa alma o elemento psíquico ao
elemento físico, ou permitir a esse desconhecido chamado hoje
de inconsciente substituir-se pelo eu normal.

Após a alma ter-se desligado pelo sono, não precisamente do
corpo, mas do emprego grosseiro dos sentidos, ela curva-se
sobre si própria como num porto para colocar-se ao abrigo da
tempestade. Vê então o que se passa no interior e pinta esse
estado com todas as espécies de figuras e de cores, podendo
reconhecer em que situação encontra-se o corpo.
(Hipócrates.)(166)

(166) Aristóteles, espírito essencialmente positivo, declara que não
pode compreender como é possível ao homem prever o futuro e por que a
divindade, se ela intervem, não o faz geralmente em tempo oportuno e
quase sempre, quando o faz, é com a ajuda de indecifráveis agouros.
Todavia, em presença da tradição universalmente aceita, conclui que
"não é fácil nem negar a adivinhação nem crer nela"; e encarrega-se de

explicá-la por uma propriedade comum a todos os homens a qual se
desenvolve em certas condições fisiológicas especiais como o sono e
algumas doenças. O sono obriga a alma a curvar sobre si própria e a isola
de suas impressões de fora. Então, "retomando sua natureza própria, ela
adivinha e anuncia as coisas futuras." E pela melancolia que Aristóteles
explica os êxtases das sibilas.

Quando o espírito está separado da sociedade e do contágio
do corpo, recorda-se então do passado, vê o presente e prevê o
futuro. O corpo daquele que dorme está lá, jazendo como um
cadáver, mas o espírito vive e age, o que fará ainda melhor após
a morte quando terá inteiramente deixado o corpo; alem disso, à
medida que a morte se aproxima, é ele muito mais divino.
(Cícero.)

Apesar de ter constatado que as previsões de meus sujets
não se verificavam exatamente,(167) considero todavia como
historicamente provado que há profecias que realmente
aconteceram. Disto encontrar-se-ão provas bastante numerosas
no Mémoire sur la faculté de prévision, publicado em 1836, por
Deleuze.

(167) "Gozando o profeta do privilégio de extrapolar o tempo e não
estando mais suas idéias distribuídas na duração, estas se tocam em
virtude de simples analogia e confundem o que produz necessariamente
uma grande confissão em seus discursos."(Conde de Maistre, Soirées de
Saint-Pétersbourg, décimo primeiro diálogo.)
Dentre os exemplos que ele cita, um dos mais notáveis é o
da profecia de Cazotte, sobre a Revolução Francesa, no qual
prova sua autenticidade e que reproduzimos mais adiante.

Os adivinhos oficiais da Antigüidade colocavam-se, para
receber inspiração, em um dos estados hipnóticos cuja
característica comum é o esquecimento ao despertar. As sibilas
muito diziam a respeito de grandes coisas, relata Santo Justino,
e, quando o espírito que as dominava afastava-se, elas perdiam a
memória do que haviam anunciado." Em Pharsale, Lucain conta
que Appius foi a Delfos consultar a casta Phémonoé, sacerdotisa


de Apolo. Ao despertar, ela não se recordava mais de nada:
Apolo verteu o Letes em sua taça e a proibiu de recordar-se.

Nos santuários mais antigos, a hipnose era produzida por
gases que saíam da terra através das rachaduras chamadas
respiradouros do inferno, chorônia ou plutônia.(168) Ignoramos
a natureza dessas exalações, que se tomaram bastantes raras em
conseqüência do estado atual do globo.(169) Elas já haviam
cessado em parte há dois mil anos.

(168) De acordo com Plutarco (Pyth. orac.), que era um grande
sacerdote de Apolo, quando a pitonisa de Delfos queria provocar
tempestades, ela para isso se preparava através de um jejum de três dias,
abluções na água da fonte Castália e fumigações obtidas com a queima de
louro e farinha de cevada. Em seguida, penetrava no local sagrado
revestido por sua roupa de cerimônia, bebia água da fonte Cassotis,
colocava uma folha de louro na boca e, mantendo na mão um galho do
mesmo arbusto, subia no trípode. Era lá que, tocada por Deus e
embriagada pelos vapores que saíam pelas fendas do rochedo abertas
abaixo de si, caía em êxtase e respondia às perguntas que lhe eram feitas.
Pode-se ler nas homilias de são Crisóstomo (cap. XXX) de que maneira
ela se sentava sobre o trípode para que o vapor sagrado se introduzisse
em seu corpo. -A. R.
(169) Conhecemos, no entanto a influência de algumas exalações
sobre o estado psíquico do sujet; assim, o odor do incenso e da essência de
louro-cereja determinam na maioria deles um estado de êxtase. O bióxido
de azoto ou gás hilariante age sobre quase todo mundo determinando
acessos de riso.
É necessário imaginar (diz um personagem de Plutarco) que
a virtude das tormentas não é eterna nem preservada do
envelhecimento, mas é, ao contrário, submetida a alterações. É
provável que as chuvas sucessivas as apaguem, que o raio
caindo as disperse e, sobretudo, que, depois dos tremores de
terra, que determinam depressões e desordens no solo, essas
exalações sejam profundamente repelidas ou completamente
abafadas.(170)

(170) Plutarco. Sobre os santuários cujos oráculos cessaram.

A premonição de Cazotte relatada por Laharpe em suas
obras impressas em 1886 (Tomo I, p. LXII)(171)

Parece-me que foi ontem, e foi no entanto no início de 1789.
Estávamos à mesa em casa de um confrade da Academia,
grandes homem de espírito.

(171) O Journal de la Librairie, de 1817, pp. 382 e 383, publicou uma
nota sobre a premonição de Cazotte na qual ele diz que o Senhor Parizot,
publicando-a pela primeira vez em 1806 em suas obras póstumas,
suprimiu-lhe o final em que Laharpe dizia textualmente que "a profecia é
apenas suposta". Deleuze teve a idéia, etc 1825, de fazer uma pesquisa a
esse respeito. Viu o filho de Cazotte, que não queria afirmar que o relato
de Laharpe fosse exato em todas as expressões, mas que não havia a
mínima dúvida sobre a realidade dos fatos. Ele certificou, além do mais,
que seu pai era dotado do mais alto grau da faculdade de previsão e que
havia numerosas provas disto. A senhorita Cazotte fez a mesma
declaração ao general Ménabréa, embaixador da Itália na França, que a
repetiu para mim.
Tendo o conde de Montesquieu assegurado a Deleuze que a Senhora
de Genlis havia-lhe dito diversas vezes que tinha ouvido o Senhor Cazotte
contar esta predição a Laharpe antes da revolução, Deleuze rogou-lhe que
pedisse a esta senhora mais amplos detalhes. Eis o que ela respondeu:

"Creio ter mencionado o Senhor Cazotte em Souvenirs
(Recordações), porém não estou certo disto. Ouvi-o contar cem vezes ao
Senhor de Laharpe antes da revolução, e sempre exatamente como vi
impresso em todos os locais e como ele próprio fez imprimir. Eis tudo o
que posso dizer, certificar e assinar".

"Condessa de Genlis."

Alguns anos depois, Mialhe, o colaborador do Deleuze, escreveu
sobre o mesmo assunto ao barão Delamothe-Langon, que lhe respondeu:

Paris, 18 de dezembro de 1833,

"Você me pergunta, querido amigo, o que eu posso saber em relação

à famosa predição de Cazotte, mencionada por Laharpe. Dou-lhe minha
palavra que ouvi a Senhora Condessa de Beauharnais repetir várias vezes
que havia assistido ao singular fato histórico. Ele narrava sempre da
mesma maneira e com o tom da verdade: seu testemunho corroborava o
de Laharpe... Você pode dar a este texto o uso que lhe convier"


O célebre escritor inglês Burke assistiu ao banquete em questão e
afirmou num de seus livros que as coisas haviam se passado conforme
contou Laharpe

Enfim, Deleuze recebeu de um amigo de Vicq d'Azyr a garantia de
que esse célebre médico lhe havia narrado, na presença de sua família,
alguns anos antes da revolução, a profecia de Cazotte, que não parava de

o inquietar, apesar de seu ceticismo.
Parece, portanto, bem provado que Cazotte previu e anunciou os
excessos da revolução, porém é bastante extraordinário que, após ter
nomeado a maioria dos convivas, ele não tenha dado o nome do anfitrião.

A companhia era numerosa e variada: gente da corte,
magistrados, homens de letras, acadêmicos etc. Comeu-se bem,
como de costume. À sobremesa, os vinhos de Malvoisie e de
Constance acrescentavam à alegria da companhia uma espécie
de liberdade que não mantinha sempre o bom tom: o mundo
chegou pois ao ponto em que tudo era permitido para se fazer
rir. Chamfort leu-nos alguns de seus contos ímpios e libertinos,
e as senhoras tinham ouvido sem mesmo recorrerem ao leque. A
partir daí um dilúvio de gracejos sobre a religião. Um citava
uma passagem da Pucelle(172) outro relembrava estes versos
filosóficos de Diderot: "E tripas do ultimo padre, Apertar o
pescoço do último rei". E aplaudia. Um terceiro levantou-se e,
com o copo cheio: "Sim, senhores, exclamou ele, estou tão certo
de que Deus não existe, como estou certo de que Homero é um
tolo." E, com efeito, ele estava certo tanto de uma coisa quanto
de outra. A conversa tornou-se mais séria. Expandem-se em
admiração pela revolução que Voltaire havia feito e concluem
que nesta encontra-se a primeira razão de sua glória. Ele serviu
de modelo a seu século e fez-se ler tanto na antecâmara quanto
no salão. Um dos convivas contou-nos, rebentando de rir, que
seu cabeleireiro havia-lhe dito, pondo-lhe talco: "Vede só,
apesar de eu não ser um miserável soldado de cavalaria, não sou
mais religioso do que um outro." Concluiu-se que a revolução
não tardaria a consumar-se, que seria absolutamente necessário
que a superstição e o fanatismo cedessem seu lugar à filosofia e


que se tinha de calcular a probabilidade da época e quais seriam
aqueles da sociedade que veriam o reino da razão. Os mais
velhos queixavam-se de não se poderem lisonjear com isso, os
jovens regozijavam-se de terem uma esperança bastante
verossímil, e felicitava-se sobretudo a Academia por ter
preparado a grande obra e por ter sido o cabeça, o centro, o
móvel da liberdade de pensar.

(172) Nota da editora: Joana d'Arc; a virgem de Orleans.
Um só dos convivas não havia tornado parte nessa conversa;
até fez alguns gracejos brandos sobre nosso belo entusiasmo.
Era Cazotte, homem amável e original, porém infelizmente
vaidoso dos sonhos dos iluminados. Ele toma a palavra e, com
tom bastante sério:

-Senhores, diz ele, ficai satisfeitos, vereis toda essa grande e
sublime revolução que tanto desejais. Vós sabeis que sou um
pouco profeta; repito-vos: vós a vereis.

Respondem-lhe com o conhecido refrão:

-Não é preciso ser um grande feiticeiro para isso.

-Que seja, mas talvez seja necessário sê-lo um pouco mais
para o que me resta a vos dizer: Sabeis vós o que acontecerá
com essa revolução, o que acontecerá para todos vós, enquanto
estiverdes aqui e qual será a conseqüência imediata, a
conseqüência bem reconhecida?

-Ah! vejamos, diz Condorcet, com seu jeito e seu riso sonso
é tolo, um filósofo não fica aborrecido por encontrar um profeta.

Vós, senhor de Condorcet, expirareis estendido sobre as
pedras de um calabouço; morrereis do veneno que tereis tomado
para vos furtardes ao algoz; do veneno que a felicidade desse
tempo vos forçará a levar sempre convosco.

Grande admiração primeiro; porém lembram que o boca
Cazotte é propenso a sonhar acordado e dizem:

-Senhor Cazotte, o conto que nos dais a conhecer aqui não é
tão agradável quanto vosso Diable amoureux (173) mas que


diabo meteu-vos na cabeça esse calabouço, esse veneno e esses
algozes? O que tudo isto pode ter de comum com a filosofia e o
reino da razão?

(173) Romance de Cazotte.
-É precisamente o que vos digo: em nome da filosofia, da
humanidade, da liberdade, sob o reino da razão que vos
acontecerá de terminardes assim, e será realmente o reino da
razão, pois então ela terá templos, e mesmo não haverá mais em
toda a França, nessa época, senão templos da razão.

-Na verdade, diz Chamfort com um riso de sarcasmo não
sereis um dos padres desse templo.

-Espero; mas vós, senhor de Chamfort, que sereis um deles e
bastante digno de o ser, cortareis as veias com vinte e dois
golpes de aparelho de barbear, e, no entanto, não morrereis
senão alguns meses depois.

Todos entreolham-se e voltam a rir.

-Vós, senhor Vicq d'Azir, não abrireis vossas veias, mas as
fareis abrirem seis vezes em um dia durante um acesso de gota
para assegurar-vos de vosso feito, e morrereis durante a noite.
Vós, senhor de Nicolai, morrereis sobre o cadafalso. Vós, senhor
Bailly, sobre o cadafalso. Vós, senhor de Malesherbes, sobre o
cadafalso.

-Ah! Bendito seja Deus, diz Roucher, parece que este senhor
não quer mal senão à Academia. Ele acaba de fazer uma terrível
execução; e eu, graças aos céus...

-Vós, vós morrereis também sobre o cadafalso.

-Oh! É uma aposta, exclamam em todo o recinto, ele jurou
tudo exterminar.

-Não, não fui eu quem o jurou.

-Mas nós não seremos pois subjugados pelos turcos e pelos
tártaros? E mais...

-Absolutamente não, eu já disse, vós sereis então
governados apenas pela filosofia, apenas pela razão. Aqueles


que as tratarão assina serão todos filósofos, terão a todo o
momento à boca as mesmas frases que recitais à uma hora,
repetirão todas as suas máximas, citarão da mesma forma que
vós os versos de Diderot e da Pucelle.

Diziam aos ouvidos:

-Estais vendo que ele é maluco.

Pois ele mantinha-se bastante sério.

-Não vedes que ele está gracejando, e sabeis que ele gosta
muito de gracejos.

-Sim, respondeu Chamfort, mas seu gesto não é feliz: é
patibular demais. E quando isso se passará?

-Seis anos não se passarão para que tudo o que vos digo
tenha acontecido.

-Eis muitos milagres (e dessa vez era eu quem falava) e não
me metam nisto por nada.

-Vós ficareis vivo por um milagre bastante extraordinário;
sereis então cristão.

Grandes exclamações:

-Ah!, retornou Chamfort, estou mais tranqüilo. Se devermos
perecer apenas quando Laharpe for cristão, seremos imortais.

-Por isso, diz a senhora duquesa de Grammont, somos
felizes, nós mulheres, por não participarmos das revoluções.
Quando digo não participarmos, não quer dizer que não
participemos sempre um pouco; mas que neste ponto ninguém
se prende a nós, a nosso sexo...

-Vosso sexo, minhas senhoras, não vos defenderá dessa
vez; e, apesar de não participardes de nada, sereis tratadas
absolutamente como os homens, sem nenhuma diferença.

-Mas o que é que nos dizeis, senhor Cazotte? É o fim do
mundo que pregais.

-Não sei de nada; mas o que sei é que vós, senhora duquesa,
sereis conduzida ao cadafalso, vós e muitas outras senhoras, na
charrete do algoz e com as mãos presas às costas.


-Ah! Espero que nesse caso eu tenha ao menos uma carroça
forrada de preto.

-Não, senhora, só as damas da mais alta sociedade!

-Quê? As princesas de sangue?...

-Damas de ainda mais alta sociedade.

Aqui um movimento bastante sensível em toda a companhia,
e o rosto do mestre entristeceu-se. Começavam a achar que o
gracejo era forte. A senhora de Grammont, para dissipar esse
mal-estar, não insistiu nessa resposta e contentou-se em dizer em
tons mais leve:

-Vereis que eles não me deixarão sequer um confessor.

-Não, senhora, vós não tereis, nem vós nem ninguém. O
ultimo supliciado que terá por graça será...

Ele parou um momento.

-E então, qual será pois o feliz mortal que terá este
privilégio?

-É o único que lhe restará, e será o rei da França.

O dono da casa levantou-se bruscamente e todo mundo com
ele. Caminhou em direção ao Senhor Cazotte e disse-lhe em tons
penetrante:

-Meu caro senhor Cazotte, não prolongueis mais este
gracejo lúgubre. Vós o levais longe demais e a ponto de
comprometer a sociedade em que vos encontrais e vós próprios.

Cazotte nada respondeu e dispôs-se se retirar quando a
Senhora de Grammont, que desejava sempre evitar a seriedade é
fazer voltar à alegria, avançou em sua direção:

-Senhor Profeta, que nos fala a todos de nossa aventura, não
nos dizeis nada da vossa.

Passou-se algum tempo em silêncio, e os olhos baixos:

-Senhora, lestes a respeito da tomada de Jerusalém, em
Josefo?

-Oh! sem dúvida, quem é que não leu isto? Mas fazei como
se eu não tivesse lido.


-Bem, senhora, durante essa tomada um homem fez, sete
dias seguidos, à volta das muralhas, à vista dos dominadores e
dos dominados, gritando sem cessar com voz sinistra e
trovejante: Infelicidade para Jerusalém! E no sétimo dia ele
gritou: Infelicidade para Jerusalém, infelicidade para mim
mesmo! E nesse momento uma pedra enorme lançada pelas
máquinas inimigas atingiu-o e despedaçou-o.

E, após esta resposta, o Senhor Cazotte fez uma reverência e
saiu.

O sonho do Senhor Bérard (174)

Naquela época, há cerca de dez anos, eu era magistrado,
acabava de terminar o longo e laborioso estudo de um crime
monstruoso que havia levado o terror a toda região. Noite e dia,
desde muitas semanas, eu não havia visto, em vigília e em
sonho, senão cadáveres, sangue e assassinatos.

(174) O Senhor Bérard é um antigo magistrado, atualmente
deputado. Publicou seu sonho na Revue des Revues de 15 de setembro de
1895. Este sonho foi reproduzido por Flammarion em seu livro sobre
L'inconnu et les Problèmes Psychiques (O Desconhecido e os Problemas
psíquicos) e por Goron em suas Mémoires (Memórias).
Eu tinha vindo, com o espírito sob a pressão das lembranças
sangrentas, repousar nunca cidadezinha de águas que dorme
tranqüila, triste, morosa, sem cassino barulhento, sem coches de
passeio turbulentos, ao fundo de nossas montanhas verdemente
guarnecidas.

A cada dia eu me perdia através das florestas de carvalhos
misturados às faias ou então pelas grandes matas de pinheiros.
Naqueles passeios vadios acontecia às vezes de eu me perder
completamente, perdendo de vista os cumes elevados que me
permitiam habitualmente reencontrar a direção de meu hotel.

À tardinha, eu desembocava da floresta numa estrada
solitária que transpunha o colo estreito entre duas altas


montanhas. O declive era rápido e, na garganta ao lado da
estrada, não havia lugar senão para um pequeno regato que caía
dos rochedos em direção à planície num grande número de
cascatas. Dos dois lados, a floresta, sombria, silenciosa ao
infinito.

Na estrada, um posto indicava que a cidade estava a dezoito
quilômetros: era minha estrada; porém, estafado por seis horas
de caminhada, incomodado por uma fome violenta, aspirei à
pousada e ao jantar imediatos.

A alguns passos de lá, um pobre albergue, isolado,
verdadeira paragem de carroceiros, mostrava uma tabuleta
carcomida: Ao encontro dos amigos. Entrei.

A única sala era fumacenta e obscura: o hospedeiro
preparado como Hércules, rosto malvado, cor amarela, e sua
esposa, pequena, negra, quase em andrajos, o olhar vesgo e
sonso. Receberam-me à minha chegada.

Pedi para comer e, se possível, para dormir. Após um magro
jantar, bem magro, feito sob o olhar desconfiado e
estranhamente inquiridor do hospedeiro, à sombra de um
miserável candeeiro, iluminando muito mal, mas espalhando em
compensação uma fumaça e um odor nauseabundos, segui a
hospedeira, que me conduziu, através de um longo corredor e
uma escada dura, a um quarto destruído situado acima da
cavalariça. O hospedeiro, sua esposa e eu estávamos certamente
sós naquele pardieiro perdido na floresta, longe de qualquer
cidadezinha.

Tive uma prudência exagerada até ao temor; isto vem de
meu trabalho que, sem cessar, faz-me pensar nos crimes
passados e nos assassinatos possíveis. Inspecionei o quarto após
ter fechado a porta à chave: uma cama -ou melhor, um catre
miserável, duas cadeiras defeituosas; ao fundo, dissimulada sob
a tapeçaria, uma porta munida de fechadura sem chave. Abri
essa porta; ela dava muna espécie de escada que mergulhava no


vazio. Empurrei adiante, para retê-la, uma espécie de mesa de
madeira branca com uma bacia em parte destruída que servia de
toalete. Era para evitar que tentassem abri-la por fora. Coloquei
ao lado uma das duas cadeiras. Desta forma, não podiam abrir a
porta sem fazer barulho. E deitei-me.

Após tal jornada, como era esperado, adormeci
profundamente. De repente, despertei sobressaltado: parecia-me
que abriam a porta e que, abrindo-a, empurravam mesa.
Acreditei até mesmo perceber a luz fraca de uma lâmpada, de
uma lanterna ou de uma vela pelo buraco vazio da fechadura.
Aflito, endireitei-me sonolento e gritei; "Quem está aí?" Nada o
silêncio, a obscuridade completa. Devo ter sonhado, sido joguete
de uma estranha ilusão.

Permaneci longas horas sem dormir; como que sob o golpe
de um vago terror. Em seguida, a fadiga sobrepôs-se ao medo
adormeci um pesado e penoso sono entrecortado por pesadelos.

Acreditei ver, vi, em meu sono, o quarto onde eu estava e,
na cama, eu ou um outro, não sei. A porta secreta abria-se, o
hospedeiro entrava com uma longa faca na mão. Atrás, na
soleira da porta, sua esposa de pé, suja, em andrajos, ocultando
com seus dedos negros a luz de uma lanterna. O hospedeiro, a
passos de lobo, aproximava-se da cama e afundava a faca no
coração de quem dormia. Em seguida, o marido, transportando o
cadáver pelos pés, a esposa transportando-o pela cabeça, os dois
desciam a estreita escada. Eis um curioso detalhe: o marido
levava entre os dentes o fino anel que segurava a lanterna, e os
dois assassinos desciam a acanhada escada sob a luz frouxa da
lanterna. Despertei sobressaltado, com a fronte inundada por um
suor frio, terrificado. Pelas venezianas desconjuntadas os raios
do sol de agosto inundavam o quarto: era sem dúvida a luz da
lanterna.

Vi a hospedeira sozinha, silenciosa, sonsa, e escapei feliz,
como que de um inferno, daquele albergue de péssima


aparência, para respirar no grande caminho poeirento o ar puro
dos pinheiros, sob o sol resplandecente, ouvindo o canto dos
pássaros em festa.

Não pensava mais em meu sonho. Três anos depois li num
jornal uma nota mais ou menos concebida nestes termos: "Os
banhistas e a população de X... estão muito comovidos com o
desaparecimento súbito e incompreensível do Senhor Victor
Arnaud, advogado, que, há oito dias, após haver partido para um
passeio de algumas horas na montanha, não mais voltou a seu
hotel. Perdem-se em conjecturas a respeito deste incrível
desaparecimento."

Por que um estranho encadeamento de idéias, conduzir-me o
espírito ao sonho no hotel? Não sei, mas essa associação de
idéias soldou-se mais fortemente ainda quando, três dias depois,

o mesmo jornal trouxe-me as linhas seguintes: "Foram
encontrados em parte vestígios do Senhor Victor Arnaud. No dia
24 de agosto à noite, ele foi visto por um carroceiro num
albergue isolado: Ao encontro dos amigos. Ele dispunha-se a
passar ali a noite. O hoteleiro, cuja reputação é das mais
suspeitas e que, até esse dia, havia guardado silêncio sobre o
viajante, foi interrogado. Afirma que este o deixou naquela
mesma noite e não dormiu lá. Apesar dessa afirmação, estranhas
versões começam a circular na região. Fala-se de um outro
viajante de origem inglesa desaparecido há seis anos. Por outro
lado, uma camponesa afirma ter visto a esposa do hoteleiro, no
dia 26 de agosto, lançar, num charco escondido sob a mata,
lençóis ensangüentados. Há aí um mistério que seria útil
desvendar"
Não agüentando mais, e torturado por uma força invencível
que me dizia, à minha revelia, que meu sonho tinha-se tornado
uma terrível realidade, dirigi-me à cidade.

O magistrado encarregado do caso pela opinião publica
pesquisavam sem dados precisos. Fui ao gabinete de meu


colega, o juiz de instrução, exatamente no dia em que ele ouvia

o depoimento de minha antiga hospedeira. Pedi-lhe permissão
para permanecer em seu gabinete durante o depoimento.
Entrando, a mulher não me reconheceu, nem mesmo prestou
atenção à a minha presença.
Contou que, efetivamente, um viajante, cujas características
assemelhavam-se às do Senhor Victor Arnaud, tinha vindo no
dia 24 de agosto à noite a seu albergue, mas que ele não havia
passado lá a noite. Alem do mais, havia ela acrescentado, há
apenas dois quartos no albergue que, naquela noite, estavam
ocupados por dois carroceiros. Ouvidos na instrução, estes
reconheceram o fato.

Intervindo subitamente: "E o terceiro quarto, aquele sobe a
cavalariça?", exclamei.

A hospedeira teve um brusco sobressalto e pareceu,
subitamente, como um repentino despertar, reconhecer-me. E
eu, como que inspirado, com uma audaciosa afronta, continuei:
"Victor Arnaud dormiu nesse terceiro quarto. Durante a noite
você veio com o seu marido, você segurando a lanterna e ele
uma longa faca; vocês subiram pela escada da cavalariça,
abriram uma porta secreta que dá nesse quarto; você
permaneceu na soleira da porta, enquanto seu marido foi degolar

o viajante a fim de roubar-lhe o relógio e a carteira de dinheiro."
Era meu sonho de três anos atrás que eu contava. Meu
colega escutava-me, surpreso. Quanto à mulher, apavorada, com
os olhos desmesuradamente abertos, os dentes batendo de terror,
estava como que petrificada.

"Em seguida os dois, acrescentei, pegaram o cadáver, seu
marido segurando-o pelos pés e desceram-no pela escada. Para
iluminá-los, seu marido segurava o anel da lanterna entre os
dentes."

E então essa mulher, terrificada, pálida, com as pernas
tremendo


"Você então viu tudo?"

Em seguida, esquiva, recusando-se a assinar seu
depoimento, fechou-se num mutismo absoluto. Quando meu
colega reproduziu para o marido meu relato, este, crendo
entregue por sua esposa, como uma horrível blasfêmia:
"Ah!Essa p..., ela vai me pagar!"

Meu sonho era pois bem verdadeiro e tornou-se uma
realidade, uma sombria e terrificante realidade.

Na cavalariça do hotel, sob um espesso monte de estrume,
encontraram o cadáver do infortunado Victor Arnaud e a seu
lado uma ossada humana, talvez a do inglês desaparecido há seis
anos, em condições idênticas e também misteriosas.

*

Os casos de Cazotte e de Bérard são tão bonitos quanto se
poderia desejar; são até bonitos demais para que não se possa
desconfiar que o escritor tenha arranjado detalhes para melhor
tocar o espírito dos leitores.

Eis, no entanto, uma observação feita por um médico e que
não deixa nada a dever às precedentes. Ela é do Doutor Naro
Fage (de Ambarès) e relatada pelo Doutor Thibaud em sua tese
intitulada Essai psychologique et clinique de la sensation du
"déjà vu".(175)

(175) Bordeaux, 1899.
Observações do Senhor X... pelo Doutor Fage

O Senhor X..., engenheiro, antigo aluno de politécnica,
ocupando um alto cargo, homem de grande inteligência, boa
cultura, é bastante sensível, muito afetuoso e um pouco
neurastênico.


Teve a infelicidade de perder sua primeira esposa, de quem
cuidou com grande devotamento, e foi bastante sensível a essa
perda dolorosa. Não tinha certamente nenhuma idéia de casar-se
novamente e, no entanto, em dado momento, sua esposa havia-
lhe recomendado fazê-lo e havia até designado a pessoa, que o
Senhor X... aliás não desposou.

Cerca de três ou quatro meses após esse acontecimento, o
Senhor X... tinha então quarenta e sete anos e teve durante
alguns dias obsessões matrimoniais. Essas obsessões ou
alucinações manifestavam-se sob a forma de sonhos, sobretudo
durante a noite, às vezes mesmo durante o dia, se o Senhor X...
adormecia.

Em seu sonho, quase sempre idêntico a si próprio, ele via
uma jovens com a qual o levavam a casar-se. Quem o levava a
casar-se? Um pouco todo mundo, a força das coisas. O Senhor
X... não queria ouvir falar em casamento, resistia, lutava contra
as insistências e despertava abatido por esses sonhos obsessivos.

Uma outra vez falaram-lhe dessa jovem: era uma pessoa de
muito boa família, que não quis jamais se casar e tinha, por
conseqüência, atingido certa idade, permanecendo sempre perto
de sua mãe doente, de quem cuidava com admirável
devotamento e abnegação levados ao último grau. Logo (sempre
era seu sonho) o Senhor X... passa a resistir menos. Escuta os
conselhos que lhe dão sem rejeitá-los sistematicamente; em
seguida, à narração das perfeições da pessoa, ele aceita vê-la. A
mãe dessa pessoa possuía uma propriedade, um campo, em tal
região (que não podemos designar) e, em seu sonho, o Senhor
X... via-se chegar a esse campo e via, numa aléia, avançar em
sua direção uma jovem de aparência modesta e discreta que o
recebia. Seu porte e sua graça fizeram desaparecer as íntimas
hesitações do Senhor X... Deu-se o casamento. Depois, para
coroar sua felicidade, nascia uma menina que se chamava...


O Senhor X... tivera em sua existência, vários outros sonhos,
porem nenhuns apresentava essa intensidade de vida, essa
nitidez, essa seqüência lógica de acontecimentos que se
encadeavam. O autor foi tão vivamente tocado, tão
impressionado pela duração e a persistência, já desde essa
época, que escreveu o fato para seus irmãos, homens inteligentes
e cultos como ele.

Alguns dias se passaram. Cerca de uma quinzena depois, o
Senhor X... recebeu a visita de um senhor que ele não via senão
cerca de uma vez por ano e que vinha pedir pela obra de Saint
Vincent de Paul. Este senhor lhe disse que sua visita tinha uma
dupla finalidade. Vinha recolher uma esmola para os pobres e
estava feliz por aproveitar a ocasião para falar com o Senhor X...
sobre um assunto no qual ele pensava há algum tempo

"Trata-se de um casamento." A estas palavras o Senhor X...
espantou-se e objetou sua intenção de não se casar, ao menos no
momento, já que a lembrança de sua primeira esposa ainda
estava muito viva. O senhor insiste e pede-lhe para escutá-lo:
enumera então as qualidades da jovem. Ela mora nos campos
em... (a mesma região do sonho). Essa pessoa possui grandes
qualidades morais, a situação de fortuna indicada no sonho,
pertence a uma família muito honrada e jamais quis se casar
para permanecer perto de sua avó enferma de quem cuida com
admirável devotamento.

Tal era a realidade, que diferia do sonho somente no
seguinte: no sonho a jovem cuidava de sita velha mãe em vez de
sua avó.

A impressão produzida por estas palavras sobre o Senhor
X,.. foi das mais profundas em razão de sua relação com os
sonhos anteriores, e ele aí viu a intervenção de algum poder
desconhecido,uma espécie de advertência, e isto o fazia
sonhador.


Ainda muito mais: a pessoa da qual se falava possuía o
mesmo nome que tinha no sonho, Mathilde, e este nome,
embora comum, tinha uma significação estranha para o Senhor
X..., que jamais teve nenhuma Mathilde nem na família nem
dentre as pessoas que conhecia. Todas essas coincidências de
nome, idade, posição social, fortuna, todas essas informações
que se enquadravam perfeitamente e ponto por ponto no sonho
despertava a atenção do Senhor X..., que ficou curioso em levar
mais longe a experiência para ver até onde iria a similitude. Ele
aceita então uma entrevista e vai ao campo de... Porém, não
conhecendo absolutamente a localidade, é obrigado a perguntar

o caminho e onde se encontra a propriedade da Senhora Y..
Indicam-lhe numa esquina de estrada. Lá chegando, ele encontra
a atéia de árvores de seu sonho e uma jovem que passeava vindo
em sua direção. Ora, traço por traço, essa jovens correspondia à
visão do sonho. O Senhor X... fica confuso. Tocado por todas
essas circunstâncias crê em alguma advertência do alto e
desposa a jovens. Quando a Senhora X. torna-se mãe, o médico
da família, um de nossos mais ilustres cirurgiões parteiros de
Bordeaux, procurava predizer o sexo da criança de acordo com
as batidas do coração fetal. Inútil, doutor, será uma menina." E
foi com efeito uma belíssima menina a quem deram o mesmo
nome dado no sonho. Nesta circunstância houve concordância
perfeita entre o sonho e a realidade.
Acaso fortuito, diriam, simples coincidência. Isto poderia ser
objetado se tratasse apenas de um sonho de casamento, porém
aqui os mínimos detalhes concordavam, coincidiam com uma
precisão maravilhosa, sobre a qual esta observação bastante
abreviada não pode dar idéia precisa, pois há detalhes que
conheço e não posso divulgar firmo, porém, que jamais conheci
um fenômeno assim de previsão.

O Senhor X..., aliás, passou em sua vida por outros fatos do
mesmo gênero, mas nenhum com tal nitidez.


Eis agora uma história análoga contada por Flammarion e
que parece provar que, segundo a expressão popular há
"casamentos traçados pelo céu". (176)

(176) L'inconnu et les phénoménes psychiques (O desconhecido e os
fenômenos psíquicos). O autor reuniu nesse livro (pp 504-565) grande
quantidade de casos de previsão.
O sonho de Émile de la Bédollière

Quando eu me iniciava no jornalismo, em Paris, tinha por
colega no Siècle um escritor charmoso, de caráter muito amável
que se chamava Émile de la Bédollière. Seu casamento foi
devido a um sonho premonitório.

Numa cidadezinha do centro da França, em La Charité-sur-
Loire, província de Nièvre, havia uma jovem encantadora de
graça e de bondade. Era, como a Fornarina de Rafael, filha de
um padeiro. Vários pretendentes aspiravam à sua mão, e um
deles possuía grande fortuna. Os pais o preferiam. Porém a srta.
Angèle Robin não o amava e o recusava.

Um dia, devido às instâncias da família, foi à igreja e pediu
à Virgem Santa que a viesse ajudar. Na noite seguinte, viu em
sonho um jovem vestido de viajante, com um grande chapéu e
óculos. Ao despertar declarou aos pais que recusava
terminantemente o pretendente e que esperaria, o que lhes pôs
na cabeça mil conjecturas.

No verão seguinte, o jovem Émile de la Bédollière foi
levado por um de seus amigos, Eugène Lafaure, estudante de
Direito, a fazer uma viagem ao centro da França. Passara em LaCharité e vão a um baile de caridade. À sua chegada, o coração
da jovem bate tumultuosamente no peito, suas faces colorem-se
de um vermelho encarnado, o viajante a nota, admira-a, ama e,
alguns meses depois, estão casados. Foi a primeira vez em sua
vida que ele passava por aquela cidade.


*

Freqüentemente o profeta mostra-se de forma ambígua. Foi
sobretudo o caso dos profissionais da Antigüidade, que cuidava
para não serem pegos em falta. Conhece-se a resposta da
pitonisa de Delfos a Pirro: "Romanos Byrrhum vincere posse",
que, por um artifício gramatical, podia significar ao mesmo
tempo em que Pirro poderia vencer os romanos ou que poderiam
vencê-lo. Pirro interpretou de acordo com seu desejo e acreditou
na vitória, porem foram os romanos que o venceram em
Bénèvent.

Phaneg cita o exemplo de uma pessoa prevenida de que um
perigo atacaria na água, mas que este não viria da água. Numa
travessia no Mancha ela foi mordida por uma mosca negra,
transmissora de doença infecciosa, e quase morreu. A predição
não foi compreendida senão com sua realização.(177)

(177) Conferencia feita em 13 de março de 1910 na Sociedade de
estudos psíquicos de Nancy, sob o título L'Astrologie et I'Avenir (A
astrologia e o futuro).
Outras vezes, a predição não se dá senão em parte, ora por
ser inexata,(178) ora porque advertência dada tenha permitido
tornarem-se precauções que impedem sua realização. Exemplo:
uma mulher é perseguida por um sonho vivo, claro e persistente,
onde se vê queimada viva com seu marido num incêndio. A cada
repetição desse sonho, ela adverte ao seu marido, que, a
instâncias suas, acaba por deixar a casa com ela. No dia seguinte
recebe um telegrama anunciando-lhe o incêndio total de seu
domicílio.(179) Isto mostra que o futuro pode ser modificado, e
terei ocasião de voltar a esta constatação.(180)

(178) Auguste Sabatier, estudando as profecias de origem divina na
Philosophie de la Religion, p. 57, se expressa assim: "Deus, querendo
falar-nos, nunca escolheu senão homens como órgãos. De alguma
inspiração que ele os tenha dotado, esta inspiração sempre atravessou a

subjetividade humana; ela jamais pôde expressar-se nem se traduzir
senão na língua e forma de espírito de um indivíduo e de um tempo
determinado. Ora, uma forma individual e histórica não poderia ser
absoluta. Se o licor é divino, o vaso é sempre de argila. O que serve de
órgão à revelação de Deus impõe-lhe necessariamente limites. E
necessário que ela se acomode aos limites da receptividade humana.
Como poderia ela entrar e misturar-se às ondas modificantes da vida
intelectual e moral da humanidade, sem correr no leito do rio e entre suas
margens?".

(179) Phaneg, l. c.
(180) Nota da editora: O raciocínio do autor é equivocado. Qualquer
modificação do fato futuro teria de estar ela também -a modificação prevista
na profecia. Do contrário não seria uma profecia. Mas é certo
também que de nossos atos ainda não praticados se definirão as
conseqüências futuras. Nisso se constitui o grande paradoxo filosófico,
sobre o qual podemos apenas especular.
Eis agora alguns outros exemplos de previsão sob formas
diversas:

O sonho da duquesa de Hamilton

O caso da duquesa de Hamilton é bastante característico,
tanto pela precisão quanto pela ausência de finalidade. Essa
senhora teve um sonho no qual vê o conde de L... doente
naquele momento, sentado numa poltrona como que tomado por
um ataque. Ao lado dele havia um homem de barba avermelhada
e uma banheira em cima da qual se encontrava uma lâmpada
vermelha. O con de L... morreu quinze dias mais tarde e uma
pessoa pôde confirmar a exatidão e a precisão da visão da
duquesa de Hamilton.

Trágico pressentimento

Londres, 1° de junho de 1907. Telegrafam de Nova York.

Um terrível incêndio aconteceu no quarteirão dos
milionários, em Long-Branch (Nova Jersey), Estados Unidos. A


casa pertencia ao Senhor Walter Schiffer, rico fabricante de
charutos, e foi completamente destruída. Suas duas filhas assim
como a governanta faleceram. Logo que a notícia foi
comunicada ao sócio do Senhor Schiffer, ele declarou que, dois
dias antes, tinha visto em sonho as três vítimas cercadas de
chamas e fazendo vãos esforços para escaparem. Seu pesadelo
realizou-se pois.(181)

(181) Proceedings, S. P. R. XI, p. X05.
Trecho de uma carta da Senhora do general G. ao autor

Tive, em numerosas circunstâncias de minha vida, sonhos
premonitórios e desconcertantes que comuniquei logo às pessoas
que me cercam. Descrevi (desenhei) casas que jamais vi:
anunciei mortes; vi em sonho, ainda jovem, quando do meu
exame para o diploma superior, o dever de história que íamos ter
no dia seguinte. Era a História de Catarina II. Divulguei tão bem
a coisa que acreditaram numa fraude e quase fui reprovada.
Recentemente, desafiado por meu filho, vi em sonho uma parte
do texto da dissertação de história dada no concurso de assuntos
estrangeiros. Até mesmo assinalei uma data, 1721 havia uma
segunda, 1713, que eu não via. Tive este sonho em 12 de
fevereiro, isto é, dois meses antes do concurso, quando o assunto
não tinha sido ainda bem escolhido.

Observações do Senhor Bouvier (de Lyon)

Para mostrar esta realidade de vida antecipada sobre o futuro
durante o sono, é me necessário apenas recuar vinte e cinco
anos. Tenho sempre este sonho presente na memória. Eu estava
ainda em casa de meus pais e certamente não pensava ainda
como seria minha vida mais tarde.


Deitei-me bastante cedo, como acontece no campo, e
adormeci desse sono tranqüilo que a juventude experimenta e
durante qual me encontrei um lugar que me era desconhecido.
Via-me militar, barracas e tendas eram alinhadas numa grande
extensão, depois eu abandonava esse local para passear numa
cidade vizinha. Após alguns instantes de caminhada numa rua
bastante longa, chegava mura praça onde uma cruz de pedra
parecia proteger com seus braços estendidos os fiéis do local.
Bem perto de lá havia uma estação para onde me dirigi a fim de
descer um rápido declive e de novo, após alguns passos,
encontrei-me em outra praça no meio da qual havia um chafariz
monumental. Despertei com esse sonho bem gravado em meu
cérebro.

Muitos anos se passaram. Eu não pensava mais em meu
sonho quando, há dezessete anos, eu chegava num campo de
Sathonay para lá terminar um período de meu serviço militar.
Até ali nada lembrava meu sonho, que além do mais há muito
tempo devia estar no domínio do esquecimento, quando um dia
eu quis visitar Lyon. Mal chegando a Breix-Bousse, acreditei
reconhecer-me, e, no entanto, eu não tinha jamais estado lá. A
cruz que ainda havia na praça que domina a costa parecia-me
familiar, a estação de Picelle, a praça das Tarreaux, tudo me
fazia o efeito de antigas coisas que eu conhecia. Eu revivia uma
idéia já vivida: onde e como? Tal era a pergunta que eu me fazia
e não podia responder.

Após vários passeios na cidade, voltei ao campo e deitei-me
atormentado pela idéia de descobrir a causa que me fazia
reconhecer o que eu não havia jamais visto. Coisa estranha, na
mesma noite sonhei que se tratava de um antigo sonho do
passado, sonho que, como eu já disse, está sempre presente erra
minha memória.

O feiticeiro do Colorado -Relato da Senhora B.


Nunca manhã do crês de janeiro de 1898, o Senhor de
Rochas pediu-me que subisse à sua casa a fim e explicar o que
desejava um visitante que não falava senão a língua inglesa. A
conversação que tive com essa personagem mostrou-me que ele
era indiano, doctor of magnetics, leitor de pensamentos,
quiromante, que vinha de Paris para fazer conferencias e que
desejava ser recomendado a seus colegas franceses. Eu ia
levantar-me para partir quando ele veio sentar-se perto de mim,
olhou-me fixamente nos olhos, tomou-me a mão e disse-me,
meio sério meio brincalhão: "Agora, senhorita, conheço-a."
Fiquei bastante intrigada e pedi-lhe para dizer o que pensava
saber de mim. Ele examinou minha mão e disse-me: "Você não
está aqui na casa de seu pai. Ele morreu quando você era
criança. Sua situação então mudou bastante e vejo naquela época
cinco lutos próximos." Depois acrescentou que eu amava a
musica e que dançava bem. Enfim me disse que eu era amada
por um jovem, que eu teria alguns aborrecimentos com isso e,
após algumas hesitações, como se temesse comover-me: "Ele
está muito doente... Você se casará mais tarde."

Tudo o que o feiticeiro havia-me dito de minha situação, de
meus numerosos lutos, era exato. Vi morrer, num lapso de
tempo bastante curto, meu pai, meu avô, uma tia, uma tia-avó e
um primo. Quanto ao jovem, ele realmente existia. Todo mundo

o acreditava então era perfeita saúde, porém ele ia morrer do
peito seis meses depois.(182) Foi nos primeiros dias de fevereiro
que ele se consultou pela primeira vez e os médicos
encontraram-no incurável.
(182) Nota da editora: "Mourir de la poitrìne" (morrer do peito),
quer dizer, morrer de tuberculose, de tísica.
Não posso naturalmente dizer qual foi à parte do acaso na
exatidão da predição vaga que foi feita a seu respeito. Quanto
aos acontecimentos passados, eu absolutamente não pensava


neles entrando na casa do Senhor de Rochas, e pareceu-me
difícil que tenha havido uma transmissão de pensamento.
Durante toda a sessão o feiticeiro não parou de olhar minha
mão(183)

(183) Devo acrescentar que a jovem que escreveu este relato era uma
sensitiva que estudei pouco, e que era irmã de Laurent, sujet bastante
notável sobre o qual publiquei impressões. Conduzi no dia seguinte à casa
do feiticeiro minha nora na esperança de obter um novo fenômeno de
lucidez, entretanto o feiticeiro nada pode me dizer. -A. R.
A visão no cristal -Relato do Doutor Maxwel(184)

Eis um exemplo ainda mais significativo que os precedentes,
pois a visão foi-me contada oito dias antes de o acontecimento
se realizar, e fiz, eu próprio, o relato a várias pessoas antes de
sua realização. Um sensitivo percebeu, num globo de cristal, a
cena seguinte: um grande navio, tendo um pavilhão com três
costados horizontais, preto, branco e vermelho, e tendo o
nome... "Leutschland", navegava em alto atar. O navio foi de
repente cercado de fumaça; marinheiros, passageiros e pessoas
de uniforme correram em grande número à ponte e vira o navio
soçobrar.

(184) Les phénomènes psychiques Paris, 1904.
Oito dias depois, os jornais anunciavam o acidente do
"Deutschland", no qual uma caldeira explodiu, obrigando o
paquete a arribar, creio. Esta visão é muito curiosa e, corro os
detalhes foram-me dados antes do acidente, analisa-la-ei com
cuidado.

Em primeiro lugar, uma coisa chama a atenção: é que a
premonição não foi exatamente cumprida. O "Deutschland"
sofreu realmente um acidente, foi envolvido por vapor, a
equipagem e os passageiros tiveram de correr apavorados para a
ponte, porém felizmente o magnífico paquete não soçobrou. Por
outro lado, o sensitivo leu "Leutschland" e não "Deutschland",


porém este detalhe não tem grande importância, podendo o
nome estrangeiro ter sido mal-lido. Enfim, uma coisa digna de
observação foi à ausência completa de interesse que esta visão
podia apresentar ao sensitivo, que não terra nenhuma relação
com a Alemanha e ignorava, ao menos conscientemente, a
existência desse navio, apesar de certamente já ter tido imagens
dele sob os olhos.

Não se pode evidentemente dar muita importância a essa
previsão, porém esse sensitivo deu-me alguns outros exemplos
curiosos: esses casos, comparados àqueles que observei por
outra forma ou dos quais tive o relato era primeira mão, tornam
muito improvável a hipótese de uma coincidência, sem no
entanto excluí-la de maneira absoluta. Tais como são, esses fatos
me parecem bastante interessantes, devendo pois a observação
sistemática dos fenômenos visuais que assinalo ser empreendida
por pessoas competentes e com verdadeiros sensitivos, não com
histéricos, que raramente dão boas observações.

Observação do Doutor Bertrand(185)

Acho que seria útil mencionar alguns detalhes relativos às
primeiras observações que tive ocasião de fazer sobre a previsão
e o sonambulismo. -Antes de tudo não seria inútil lembrar que
eu me tinha imposto rigorosamente a obrigação de escrever
imediatamente após cada sessão tudo o que acabava de
acontecer; eu não teria ousado fiar-me em minha memória no
que se refere à exatidão dos detalhes, temendo vir a abusar de
um assunto que tanto se presta aos erros da imaginação.

(185) Traìté de somnanbulisme, 1823.
Ora, encontrara-se em meu diário mais de oitenta previsões
que tratam, quase todas, de acessos convulsivos, com
características que não nos permitiram crer que fossem
fingidos...


Várias vezes ela (Srta. P R., histérica) anunciou-me uma
espécie de sono letárgico que durava cerca de meia hora,
quarenta e cinco minutos, uma hora inteira. Durante todo esse
tempo seus sentidos ficavam absolutamente imunes a toda
espécie de impressão.

Percebe-se o quanto deve ter-me sido fácil certificar-me de
semelhante insensibilidade. Ora! declaro que fiz todas as
experiências possíveis para constatá-la.

Além das predições das quais acabo de falar, a mesma
doente fez-me várias outras cuja realização forneceu provas
ainda mais concludentes. Aconteceu-lhe anunciar-me, com oito
dias de antecedência, que, durante uma noite que ela me
precisou, seu rosto incharia, suas pálpebras seriam infiltradas e
sobre suas faces ver-se-iam aparecer em vários locais arranhões
semelhantes aos que se poderia fazer roçando a pele com a ponta
de um alfinete; e tudo isso aconteceu corro ela havia predito.

A mesma sonâmbula fez-me uma predição que merece
menção particular: anunciou-me em sono que sua doença
terminaria por um delírio furioso que duraria quarenta e duas
horas; e, com mais de quinze dias de antecedência, ela me
predisse que perderia a razão na sexta-feira, 20 de outubro, às
duas horas da tarde, e que não voltaria a si senão no domingo,
dia 22, às oito horas da manhã. O delírio chegou como ela havia
anunciado. Quase não a deixei durante todo esse tempo e,
quando eu não estava perto dela, alguns de meus amigos
substituíam-me.

Jamais vi nada semelhante ao que ela apresentou durante
esses dois dias. Certamente o único temor de sua predição,
mesmo que ela a soubesse, não teria sido capaz de produzir umefeito tão durável. É preciso acrescentar que, tendo inteiramente
perdido a razão e toda recordação de seu estado habitual, ela só
saiu do estado de alienação completa em que se encontrava na
hora indicada.


Concluamos do que acabarmos de dizer que a doente não
conservava nenhuma lembrança das predições que fez no estado
de sonambulismo e que, além do mais, vários dos acidentes
preditos eram de natureza a não poderem ser produzidos por sua
imaginação, principalmente se ela tivesse sabido no estado de
vigília do que podia estar ameaçada.

O caso do Barão Larrey

Relato sobre as experiências magnéticas feitas pela
comissão da Academia de Medicina (186) -junho de 1831.

(186) Esta observação, que se encontrava assinalada no relato
original do Doutor Husson, p. 453, foi suprimida por Foissac na edição
impressa em 1833.
Não se deve aceitar senão com muita desconfiança os relatos
das pessoas que dizem ter previsto acontecimentos
extraordinários; no entanto, há testemunhos que não se podem
colocar em dúvida, e é a título disto que relatarei o fato seguinte
acontecido com o célebre médico cirurgião, o barão Larrey que

o contou a mim. Uma noite sonhou com quatro números para
jogar na loteria e, no dia seguinte, apressado para ir ao
consultório, pediu à esposa que jogasse por ele. Porém, qual não
foi seu desapontamento, chegando em casa, ao saber que
números tinham saído e que seu pedido havia sido esquecido.
Foram citados vários casos semelhantes. Se estivéssemos
tentados a atribuir este caso ao acaso, eu pediria ao leitor que se
lembrasse de que o jogador tinha 2.555.189 chances contra ele.

O caso do Doutor Gallet

Os annales dês sciences psychiques (187) relatam um caso
bastante nítido contado com todas as provas de apoio pelo


Doutor Geley, de Annecy, e que se passou com seu confrade, o
Doutor Gallet, então estudante de medicina em Lyon.

(187) Número duplo, de 1° e 16 de outubro de 1910.
No dia 27 de junho de 1894, cerca de nove horas da manhã,

o Senhor Gallet, com muita atenção, preparava-se para um
exame quando, de repente, foi distraído de seu trabalho por um
pensamento tão obcecante que ele não pôde evitar escrevê-lo em
seu caderno de notas. Esta frase era textualmente: O Senhor
Casimir Périer é eleito presidente da República com
quatrocentos e cinqüenta e um votos.
Isto se passou antes da reunião do Congresso que devia
acontecer no mesmo dia e, no entanto, a afirmação aconteceu no
presente e não no futuro. O Senhor Gallet comunicou em
seguida a frase a vários camaradas que não a levaram a sério e
que ficaram bastante admirados quando, algumas horas mais
tarde, os jornais a confirmaram.

Capítulo VII

A fatalidade e o livre-arbítrio

A visão do futuro parece indicar que este, já tendo sido
fixado, não pode ser mudado.

Esta questão vem preocupando há muito tempo os
pensadores, e vamos reproduzir algumas de suas reflexões a esse
respeito. Já foram vistos exemplos citados por alguns deles no
capítulo precedente, em que se vê que, se o futuro podia ser


previsto em suas grandes linhas, podia também ser influenciado
nos detalhes por nossa própria vontade.

Deleuze -Memorial sobre a faculdade dar visão

É impossível, dizem, prever o futuro, porque este não existe.
Se não fôssemos dotados da admirável faculdade da memória,
poderíamos tecer o mesmo raciocínio acerca do passado, e toda
a força desta objeção reside no sentido muito rigoroso que
damos a esta frase: o futuro não existe.

Apenas o presente tem existência real. Se o passado tem
existência relativa a nós é porque deixou vestígios. Ele existe
por seus efeitos; com o futuro existe em germe. O passado
produziu o presente, ele é sua causa. Quando consideramos o
passado, vemos a causa em seus efeitos. Quando consideramos o
futuro, vemos os efeitos na causa. Colocados num ponto de
duração do tempo, podemos igualmente dirigir nosso olhar para
frente ou para trás. Porém, em nosso estado habitual estamos
sempre voltados para o mesmo lado. No estado de
sonambulismo, de exaltação ora de crise, podemo-nos voltar
para o lado oposto.

Camille Flammarion -Sua opinião sobre a premonição e o
livre arbítrio (188)

(188) I'inconnu et les problèmes psychiques (O desconhecido e os
problemas psíquicos), p.577.
Se o futuro é inevitável, que é feito de nossa liberdade?
(filosofia sem duvida um dia conciliara estas duas contradições
aparentes, pois temos o sentimento de podermos escolher e o da
utilidade de nossos esforços realizados, e todo o progresso dos
povos ocidentais é devido precisamente à ação intelectual,
oposta ao fanatismo dos orientais. Fatos aparentemente


contraditórios já se explicam hoje pelo conhecimento das coisas,
por exemplo à elevação, a levitação de um pesado pedaço de
ferro sob a influência de um ímã. A ascensão de um balão é tão
natural quanto a queda de uma pedra. Que os moralistas, pois,
não contestem conseqüências de uma certa necessidade
determinada antecipadamente por recusar-se a admitir previsões
de futuro reconhecidas e controladas. Determinismo não é
fatalismo.

Franz Hettinger-Apologia do cristianismo(189)

Quando nos envolvemos pelo pensamento, ficamos ligados e
formamos um mesmo todo com o universo inteiro, com nosso
sistema solar, com a Terra e, sobretudo, com a natureza que nos
cerca. Nossa essência é continuamente atravessada e
influenciada, independente de nossa vontade, por irradiações
vitais de todas essas esferas e admiramo-nos muito menos com
certas percepções misteriosas de nossos nervos, com certos
pressentimentos extraordinários.

(189) Esta citação, de um teólogo bastante ortodoxo, foi extraída de
uma conferência realizada em Paris pelo abade Naudet, sob o título
"Peut-on prévoir I'avenir?"(Pode-se prever o futuro?).
Uma vez que nossa sensibilidade às vezes cresce, seja por
causa da irritabilidade acidentalmente mais forte dos nervos,
seja em razão da força relativamente maior das impressões, até
ser afetada com o que se passa em certas regiões do nosso ser do
qual não temos habitualmente consciência, por que esta mesma
sensibilidade não seria tão suscetível de estender-se em suas
relações com o mundo exterior, de maneira a perceber, às vezes,
as influências que habitualmente lhe escapara? As mudanças de
temperatura, uma tempestade que ameaça, um frio intenso, todos
os movimentos da pressão atmosférica, da eletricidade, do
magnetismo, agem materialmente tanto sobre os sãos quanto


sobre os doentes, sobre aqueles que têm a sensibilidade obtusa,
como sobre os que a têm bastante viva, e, no entanto, passam
despercebidos para uns e são sentidos por outros.

Aí, e aí somente, encontra-se traçada a via que conduzirá à
compreensão da razão dessas percepções surpreendentes e
difíceis de explicar. Chegaremos assim, por exemplo, a ver que,
em sonho, uma visão magnética que nos oferece no presente a
imagem de um acontecimento necessariamente ligado à trama de
nossa vida, mas não ainda realizado, pode explicar-se tão
naturalmente como o pressentimento de que um corpo doentio e
irritável tem presentemente certas variações de temperatura que
só se realizarão mais tarde, é verdade, mas que já estão em
preparação.

Da mestra forma será para os outros fenômenos de
clarividência. Admitirmos como fato constante o instinto dos
animais, porque não é possível contestá-lo; porém o
pressentimento no homem é mais incompreensível do que o
instinto? Os dois caminham em par e paralelamente um ao
outro. O instinto dos animais é a percepção imediata do que diz
respeito à sua conservação e o pressentimento é o sentimento
imediato de mudanças que se preparam.

"É certo", diz Goethe, "que, em determinados casos, as
fibras sensíveis de nossa alma podem atingir além de nossos
limites corporais e que elas gozam algumas vezes do
pressentimento ou da visão real de nosso futuro próximo.
Encontramos num meio cujos movimentos e influências sobre
nós exercidas, assim como as relações com nossa alma,
ignoramos. Temos todos dentro de nós um pouco de forças
elétricas e magnéticas. Acontecia-me com freqüência, quando eu
me encontrava em companhia de um amigo e tinha o espírito
vivamente ocupado por um pensamento, de ver esse amigo falar-
me, antes de mim, do que eu tinha em mente. Uma alma pode
também agir sobre outra com sua presença muda."


Oliver Lodge -Sua teoria sobre o passado e o futuro (Trecho
de seu discurso na British Association, em Cardiff)

Uma idéia luminosa e útil é a de que o tempo não é senão
uma maneira relativa de considerar as coisas. Movimentamos no
meio dos fenômenos com uma rapidez determinada e
interpretamos essa caminhada de maneira subjetiva antes de
interpretá-la de maneira objetiva, como se os acontecimentos se
movimentassem necessariamente nessa ordem e exatamente com
essa rapidez. No entanto, isto pode ser apenas uma maneira de
considerar.

Em certo sentido, os acontecimentos podem sempre existir,
tanto no passado quanto no futuro; e somos talvez nós que
chegamos a eles e não eles que se produzem. O exemplo de uma
pessoa viajando num trem pode nos ser útil. Se ela não pode
jamais deixar o trem nem modificar sua rapidez, é provável que
considere as diversas paisagens como necessariamente
sucessivas e que seja incapaz de conceber sua coexistência.

Luc Desages -O instinto de previsão nos animais(190)

A espécie de abelha chamada solitária não é excelentemente
dotada sob este aspecto? Sua existência é limitada há alguns
meses durante os quais deve tornar-se mãe. Põe seus ovos em
buracos de muros, porém morrerá antes que eles saiam da casca.
Ela sabe disso, se precavi com tudo: os ovos tornar-se-ão no
ponto perfeitamente abrigados e escondidos. As larvas, quem as
nutrirá? Ela, ou ao menos seus cuidados previdentes. Ei-la em
campo. De longe, a uma légua talvez, ela vê um verme e caça-o
a golpe certeiro. Esta espécie de verme, do qual ela pega vários
espécimes, é a única que lhe convém. Leva a presa a seu muro,
dobra as vítimas em dois, e as força a entrarem no ninho, pois


seu calor deve chocar os ovos. Mas quem impedirá o verme de
sair, uma vez a abelha morta? Ela ainda. Ela fura levemente seus
malfadados hóspedes, não o suficiente para matá-los. Eles
viverão enfraquecidos até o dia em que as larvas, fora de seus
envoltórios, poderão nutrir-se de sua substância.

(190) De I'Êxtase (Do êxtase), p. 236.
Quem deu a esta abelha esse dom admirável de previsão?
Pergunte àquele que nos criou a todos, como diz Voltaire.

Você quer que eu lhe diga? Se os homens ficam algumas
vezes em êxtase, os animais assim estão sempre; é sua norma, e
aí está o segredo de seu maravilhoso instinto.

Paul Flambart -Predestinação e livre arbítrio dó ponto de
vista da influencia astral (191)

Meu coronel.

Você me dá a honra de pedir-me opinião sobre a questão da
"predestinação e do livre-arbítrio" considerada através dos
estudos concernentes à influência astral que empreendi.

(191) Esta nota foi-me enviada por um capitão de artilharia, antigo
aluno da escola politécnica que, sob o pseudônimo de Paul Flambart,
publicou uma série de livros em que estudou de maneira científica a
questão da influência astral. -A. R.
E com prazer que tentarei formulá-la, ao menos no estado
atual em que ela se encontra para mim, pois parecer-me-ia
presunçoso tornar partido definitivo sobre um ponto do qual a
verdadeira ciência mal começa a ocupar-se.

Até aqui, com efeito, esta dupla questão da fatalidade e da
liberdade, geralmente mal-colocada, foi sempre fértil em
controvérsias, como todas as dissimulações de idéias metafísicas
sem base e sem saída. E as citações de autores que poderiam ser
invocadas a respeito deste ponto para esclarecê-lo não fariam
provavelmente senão obscurecê-lo, não tanto pelas contradições,


mas pelos processos de argumentação que não mais respondem
à mentalidade científica de nossa época.

É prostrando o papel provável da influência astral sobre o
destino humano que desejo tentar focalizar a questão, partindo
de fatos tão incontestáveis quanto possível.

Duas coisas devem pois ser expostas: 1°, a realidade da
influência astral sobre o homem; 2°, as conseqüências
filosóficas que daí decorrem. Por um lado há fatos, por outro há
a interpretação que lhes diz respeito. Comecemos por ir direto
aos fatos.

Realidade da Influência Astral -Várias fontes de provas
positivas são acessíveis à observação científica no que se refere
à influência dos astros sobre o homem. Limitar-me-ei a citar a
melhor em minha opinião, a da hereditariedade astral: pode-se
constatar tranqüilamente, entre os membros de uma mesma
família, similitudes tocantes de aspectos planetários no momento
do nascimento. A conclusão que daí decorre é primeiramente
que existe uma certa ligação entre a hereditariedade e o céu de
natividade normal.

Uma vez que certos fatores astronômicos são transmissores
de hereditariedade, eles também são naturalmente indicadores de
faculdades, ao menos em certo grau. Uma certa linguagens astral
permite, pois, definir o homem de acordo com limites que é
ilusório pretender fixar a priori. Ou seja: leis psicológicas de
correspondência celeste existem.

Por mais surpreendente que possa parecer ainda hoje, este
fato pode ser estabelecido com um rigor científico incapaz de ser
negado em face da experiência; ele nem mesmo exige iniciação
ou aptidões especiais por parte do observador.

Além do mais, se o espírito científico moderno é ainda hostil
a essa verdade, é necessário aí ver muito mais a rotina de uma
velha negação de dois séculos do que uma verdadeira reflexão
raciocinada. Várias descobertas modernas poderiam muito bem


legitimar o princípio da influência astral: as teorias sobre o
dinamismo das vibrações, emitidas por todos os corpos e
oferecendo transformações de energia as mais variadas, não nos
permitem, com efeito, rejeitar sistematicamente a idéia de
solidariedade entre os corpos celestes e os seres animados que
podem existir sobre eles.

Por outro lado, sendo a placa fotográfica sensível às
irradiações siderais, nada prova a priori que essa influência
astral, real sobre certos objetos que nos cercam, não seja tão real
sobre nosso organismo vital.

Não posso aqui senão resumir os estudos que fiz a
respeito,(192) a fim de abordar o sistema do destino humano sob
um ponto de vista filosófico.

(192) Etude nouvelle sus l'hérédité. Chacornac, 1903.
Alguns, admitindo de bom grado o princípio da influência
astral pela orientação inata das faculdades ou pela indicação
atávica, são completamente refratários à idéia do papel diretor
dos astros no decorrer da existência. Poder-se-ia primeiramente
responder-lhes que, influenciado o recém-nascido pelos astros
no momento em que se individualiza, nada prova a priori que tão
logo depois a criança se torne subitamente refratária às
influências celestes que a fizeram nascer e a orientaram.

Mas a experiência ainda aqui reduz a pouca coisa todos os
argumentos teóricos: observações repetidas provaram com efeito
leis manifestas de correspondência entre certas passagens astrais
e as fases de evolução boa ou ruim de uma existência humana.
Essa questão dos trânsitos planetários,(193) que aqui posso
apenas esboçar, é uma fonte de provas quase tão positivas
quanto à da hereditariedade astral.

(193) Ver Langage astral. Chacornac, 1902.
Uma vez que o estado do céu pode ser calculado com
antecedência através da astronomia, chega-se assim a considerar


a predestinação humana, em seu estado geral, como
conseqüência lógica da caminhada fatal dos astros.

Considerada sob esse ponto de vista, a faculdade de previsão
encontrada em certos sujets hipnotizados não é reais
inconcebível do que a dos indivíduos que apresentara facilidade
de realizar cálculos de cabeça, como Mondeux ou Inaudi. No
dois casos o cálculo matemático permite o mesmo tipo de
controle, como se pode constatar nos dois exemplos relativos as
fases de destinos de Eugénie e de Joséphine, anteriormente
expostos neste volume.

Em resumo, se a natureza nos faz nascer e evoluir sob
aspectos planetários particulares, este fato não é sem causa, e
esta causa expressa pelos astros eu a chamo de "influência
astral". Pouco importa aqui seu modo de operação.

Quanto à objeção feita, hoje como outrora, a respeito das
natividades sob o mesmo céu, podendo dar destinos ou
características diferentes, discuti-a no Etude nouvelle sur l
hérédité; creio ter mostrado que para lançar objeção é suficiente
defini-la precisando a finalidade e os processos admitidos na
ciência astral, desligada, nem é preciso dizer, de todo
charlatanismo.

Conseqüência Filosófica da Influência Astral -Estando
nossas faculdades de orientação e de evolução ligadas em certo
grau aos aspectos do céu, o problema filosófico que a isto se liga
torna-se por conseguinte capital e oferece um campo de
investigações sem limite.

Nosso destino, em parte governado pelos astros, apresenta
uma fatalidade tão rigorosa em suas fases quanto estes em sua
caminhada? Nada nos autoriza concluí-lo. Nem mesmo creio
que o observador imparcial o possa supor. E se há uma ciência
capaz de esclarecer a questão, é esta a que nos ocupa aqui pela
variedade infinita de pesquisas que permite. Assinalemos logo o
perigo da discussão que quase sempre houve em se querer opor


o fatalismo absoluto ao livre-arbítrio absoluto, apesar de os
partidários dos dois lados no fundo não crerem nem em um nem
em outro, uma vez que nenhum admite as conseqüências
práticas.
Inclusive perpetua-se a este respeito em muito gente uma
destas contradições filosóficas que parece suficiente definir para
dissipar.

Certos fatalistas afirmam que a consciência que preside a
liberdade de escolha que cremos fazer é pura ilusão e que resulta
de um determinismo que rege os fenômenos da razão de uma
maneira tão fatal quanto o que preside aos de nosso organismo
vital.

Se assim o fosse, tornar-se-ia difícil atribuir um sentido às
palavras tais como "mérito, virtude, crime, responsabilidade,
verdade, erro, bem, mal etc." e a linguagem do homem assim
como seus esforços tornar-se-iam não somente ilusão, mas
absurdo geral para todos, à qual o determinismo escapa menos
do que qualquer outra coisa.

Quanto a pretender que a fatalidade não seja irrevogável
senão para os acontecimentos importantes da vida, isto seria
afastar todo determinismo absoluto e admitir uma liberdade
relativa. Esta opinião, aliás, não apresenta sentido preciso senão
se deseja definir a própria importância dos acontecimentos
encontrados ao longo da cadeia das causas e dos efeitos que
aparecem em nosso caminho.

A importância nesta matéria comporta verossimilmente os
graus mais variados e mais difíceis de se conhecer. É
efetivamente evidente que certos acontecimentos aparentemente
insignificantes representam às vezes papel preponderante em
nossa evolução.

A predestinação geral do homem engloba, pois,
provavelmente, todos os seus poderes inatos de orientação e de


evolução sem precisá-los de maneira absolutamente fatal como
acontecimento.

Nos partidários da liberdade absoluta, sem determinismo
diretor, são também encontradas muitas contradições em sentido
inverso.

Cada um de nós sabe que não somos todos edificados da
mesma maneira na capacidade de caráter e que os elementos de
destino oferecem a mesma observação de desigualdade original;
que a sorte existe para certos indivíduos, não no estado de acaso
passageiro, mas de poder permanente, e que outros indivíduos
são perseguidos por um azar contínuo. Em suma, que a boa e a
má estrela sob a qual se vem ao mundo é uma expressão que
oculta profunda verdade. Ninguém hoje ousaria negá-la
racionalmente. Desta forma é possível admirarmo-nos por
encontrarmos tanta oposição sistemática quando se fala da
previsão do futuro por parte daqueles que são com freqüência os
primeiros a deplorar o passado como causa do presente? Não há,
efetivamente, nenhuma dúvida possível a respeito desta
contradição: reconhecer que o presente é conseqüência do
passado é evidentemente admitir que o futuro é também a do
presente.

Além do mais, o que é o presente senão passado ou futuro
ainda pouco distante? Com que direito estabelecer limites de
distanciamento no encadeamento real das causas e dos efeitos?
Entre um diagnóstico e um prognóstico há outra coisa além da
questão de grau?

Em resumo, por um lado o livre-arbítrio não pode ser
absoluto no sentido em que apenas nossa vontade está longe de
poder realizar tudo o que é acessível a outros. Por outro lado, o
sistema que carrega os variados nomes do fatalismo,
predestinação, determinismo etc. não saberia igualmente
apresentar um caráter absoluto, pois é impossível admitir um
sistema que coloca forçosamente seu defensor em contradição


perpétua com ele mesmo e que viola assim sua própria razão
tanto quanto as demais.

Não se considerando a intervenção possível de fatores
estranhos aos fenômenos habituais, o destino terrestre do
homem resulta, pois, em nossa opinião, de uma predestinação
mais ou menos modificada pelo livre-arbítrio individual ou
coletivo, ou, preferencialmente, ele é o resultado de uma certa
força (condição necessária do mérito), que chamo livre-arbítrio,
capaz de evoluir somente num círculo de predestinação
particular a cada indivíduo.

O estado do céu de nascimento indica ao menos em parte
esse campo de predestinação. Em outros termos, o futuro parece
ser arranjado com antecedência em essência, mas não em forma.

As forças elementares de nosso destino são fixadas com
antecedência, porém sua coordenação depende de um livre-
arbítrio apropriado.

Não se trata aqui de uma teoria do justo meio criada para
conciliar o máximo possível de opiniões. A alta sabedoria de um
ecletismo que se crê dispensado de argumentos jamais trouxe,
creio, alguma solução.

Trata-se de discutir e de escolher as conseqüências mais
prováveis que resultam de fatos que a experiência pode repetir
de mil maneiras.

Se os astros governam em parte o destino humano, é preciso,
sem duvida, entender daí que as posições siderais de natividade
que caracterizam a constituição original do indivíduo registrara
fases de influências boas ou más cujas épocas podem ser
calculadas coar antecedência, da mesma forma que a caminhada
dos planetas em suas órbitas.

Esses períodos são aqueles em que o magnetismo chega a
ser de natureza própria a influenciar de maneira harmônica ou
dissonante nossa constituição astromagnética de natividade.


Essas correspondências podem ser expressas sob a forma de leis
pela observação.

É assim que a morte normal, como é fácil constatar, coincide
quase sempre com as passagens de Saturno ou de Marte em
aspecto dissonante (conjunção, oposição ou quadratura),
comparativamente às posições do Sol ou da Lua do nascimento.
Mas se o fenômeno parece necessário, daí não resulta
absolutamente que ele seja suficiente.

A ciência das previsões consiste sobretudo em procurar as
convergências de probabilidade e em formular, assim, resultados
mais ou menos fundamentados.

Um determinismo astral irrevogável parece, aliás,
inadmissível em face da experiência, como prova o exemplo dos
gêmeos que nascem ligados (conseqüentemente com mesmo
atavismo e mesmo céu de nascimento) e que não têm existências
idênticas após a operação cirúrgica que os separa.

Pode-se citar a esse respeito às duas irmãs hindus Radica e
Doodica, em que uma pôde sobreviver a outro bastante tempo.

Em suma, o estudo das correspondências astrais permite-nos
dar alguma idéia de um acordo racional entre a predestinação e
um outro fator estranho a que chamamos livre-arbítrio.

Este estudo faz-nos conhecer em certa medida o campo onde
a vontade humana pode exercer-se normalmente e, em
conseqüência, frutuosamente.

A imantação natural de nosso organismo relativamente às
influências siderais, terrestres, telepáticas etc. termina talvez em
fenômenos análogos aos do magnetismo artificial que tanto tem
sido repetido atualmente na sugestão hipnótica.

No nascimento, o magnetismo do homem com a
individualidade em formação pode muito bem receber
magnetismo celeste, ao mesmo tempo em que uma receptividade
latente, uma espécie de sugestão com vencimento cuja forma


pode ser depois modificada e a gravidade amenizada ou
amplificada por causas estranhas.

O problema do destino parece-me em parte compreendido
no ramo dos conhecimentos humanos que a filosofia moderna
mal supõe, mas que não poderá eternamente evitar, pois a
filosofia, por definição, não pode ser especialista e tem o dever
de inspirar-se em todas as ciências positivas sem exceção.

A honra da ciência positiva (porém não negativa) será a de
estabelecer bases sólidas para uma ciência integral que colocará
muito mais em acordo do que se pensa o espiritualismo e o
materialismo, libertando, pouco a pouco, a razão da
interpretação pessoal tão freqüentemente governada por instintos
cegos.

Sob esse ponto de vista, a psicologia parece fundamental
como ciência, devendo servir de controle a todas as outras.

Quanto ao problema da educação, em particular, tende-se
cada vez mais a reconhecer que nenhuma solução é possível sem

o conhecimento das aptidões originais da criança, isto é, sem
prever de maneira geral o destino correspondente para o qual ela
é feita.
Ninguém sabe o que o futuro nos reserva no que concerne
ao magnetismo pessoal nos fenômenos de clarividência e de
magnetismo astral em suas leis psicológicas mal-delineadas. A
fusão dessas duas fontes de estudo, provavelmente mais
diferentes em aparência do que em realidade, permitir-nos-ia
pouco a pouco estabelecer, sobre bases positivas, uma ciência
que fosse de todas as épocas, ciência que os charlatães, mais ou
menos sozinhos, exploraram até o momento, falseando-a.

Como compreendo o livre-arbítrio

Creio que as grandes linhas de nossa vida são traçadas com
antecedência e que, como as peças de uma máquina, temos um


papel determinado a desempenhar, porém com certa
flexibilidade do ponto de vista dos acontecimentos físicos e uma
liberdade muito maior do ponto de vista moral.

O homem, entrando na vida terrestre, poderia ser comparado
a um marujo que embarca num navio, indo por exemplo do
Havre a Nova York. Sabe-se com antecedência que ele não
poderá afastar-se de sua rota e pode-se até precisar, de acordo
com as regras conhecidas da disciplina, quais serão os mínimos
detalhes de sua vida a cada dia, porém se sua liberdade está
entravada por este lado, ela lhe permanece completa para sua
vida espiritual, e unicamente dele que depende sua conduta, que
faz dele um bom ou mal marujo.

O homem se move e Deus o conduz.

QUARTA PARTE

Objeções e Hipóteses

Capítulo I

As mudanças de personalidade

Há alguns anos, o Senhor Charles Richet permitiu-me
assistir a mudanças de personalidade criadas por sugestão era
uma senhora que se tornava sucessivamente general, arcebispo
de Paris, cortesão etc. (194)


(194) As sugestões podem dar-se nos sujets sensíveis desde o estado
de vigília, ou melhor, num estado bem próximo determinado por uma
emoção qualquer e que estudei sob o nome de estado de credulidade. -A.
R.
Pouco depois, repeti essas experiências com um jovem,
chamado Benoit, e obtive não somente a representação
extremamente realista da tal personalidade que eu lhe impunha,
mas escritas variadas de acordo com os papéis representados e
perfeitamente conformes às regras da grafologia. Encontrar-seão
estes espécimes de escrita em meu livro sobre os estados
superficiais da hipnose (États superficiels de I hypnose),
publicado em 1893, no Chamuel (capítulo III, § 3).

Como podem ser impostos ao sujet todos os papéis que se
queira, mesmo o de um animal ou de um objeto inanimado, tal
como uma lâmpada ou um pouco de manteiga, a explicação do
fenômeno é evidente.(195)

(195) Digo a Benoit que ele é uma lâmpada, como a que está sobre
minha escrivaninha. Ele se enrijece e permanece imóvel. Faço então o
gesto de elevá-la e, após alguns segundos, ele mostra, pronunciando "crr"
que é preciso parar Para a manteiga, mesma imobilidade; porém, se
aproximo dele uma vela, ele se deixa cair como se derretesse. -A. R.
Pela sugestão paralisam-se em seu espírito todas as idéias
que não se relacionam com o papel indicado, o qual se
desenvolve então com muito mais intensidade, graças às
recordações e à imaginação do sujet, pois estas têm campo livre
em seu cérebro. Dessa forma, aí não há absolutamente lugar para
a hipótese das reencarnações ou de possessão por um espírito
estranho.

Algumas vezes o sujet, ao invés de tomar, sob ordem, uma
determinada personalidade, transporta-se, sob a influência de um
acidente fisiológico, a uma época anterior de sua existência com
todos os sintomas físicos e morais que o caracterizavam nesse
período de sua vida. Depois, passado um tempo mais ou menos


longo, ele volta a seu estado normal sem lembrança de sua
mudança de caráter.

Tal é o caso contado em 1882 pelo Senhor Camuset nos
Annales médico Psychologiques.

Erra 1880, M. L., com dezessete anos de idade, dá entrada
no hospital psiquiátrico de Bonneval; ele é histérico e filho de
histérico. Uma dia, trabalhando no campo, foi possuído por
grande medo causado pela visão de uma víbora e teve um
violento ataque de histeria. Ao retomar a consciência, ele era
outro, seu caráter modificou-se completamente: de altercador e
ladrão, tornou-se meigo e serviçal; está na condição segunda;
perdeu completamente a lembrança do passado e se crê ainda em
Saint-Urbain, colônia penitenciária de onde foi mandado para
Bonneval. Não conhece nada do que vê em Bonneval e, não
somente esqueceu tudo o que se passou, como não sabe mais a
profissão de alfaiate que havia aprendido. Esta condição
segunda dura um ano, após o qual, depois de um violento ataque
de histeria, volta ao que era anteriormente: viciado, guloso e
arrogante. Enfim, acabou por evadir-se. Pego de volta,
apresentou fases semelhantes.

Um caso análogo foi estudado pelo Doutor Azam, de
Bordeaux, de quem colho os seguintes detalhes.(196)

(196) Hypnotisme et double consciente, pág 149.
Em 1858, fui chamado a prestar cuidados a uma jovem.
Félida X..., por seus pais considerada louca. Tinha então quinze
anos. Era uma histérica com convulsões, laboriosa e inteligente,
e de caráter sério e quase triste. Eis o fenômeno principal que se
apresentava e que havia apavorado a família e os que a
cercavam:

Quase todo dia, sem causa conhecida ou sob o império da
mínima emoção, ela é tomada do que chama "sua crise". Na
realidade, ela entra em seu segundo estado. Eis como: Ela está
sentada, seu trabalho de costura na mão. De repente, após uma


dor nas têmporas, adormece um sono profundo do qual nada a
pode tirar e que dura dois ou três minutos; em seguida desperta.
Porém está diferente do que era anteriormente: está contente,
risonha, continua cantarolando o trabalho iniciado, faz gracejos
com quem a cerca, sua inteligência está mais viva e não sofre
das muitas dores nevrálgicas de seu estado habitual. Neste
estado, que chamei de sua condição segunda, Félida tem
consciência perfeita de toda a sua vida, recordando-se não
somente de sua existência habitual, mas dos estados semelhantes
àquele no qual se encontra.

Após o tempo variável, de repente a alegria de Félida
desaparece, sua cabeça inclina-se sobre o peito e ela cai num
estado de torpor. Três ou quatro minutos se passam e ela abre os
olhos para entrar de novo na existência habitual. Isto real é
percebido, pois continua seu trabalho com ardor, quase
obstinadamente; o mais freqüentemente é um trabalho de costura
começado no período que precede. Ela não o conhece e é-lhe
necessário um esforço de espírito para compreendê-lo. Esquece
tudo o que se passa na condição segunda, porém conserva todas
as outras lembranças relativas à sua vida normal.

A duração das condições segundas têm pouco a pouco
aumentado e, ao final de trinta anos de observação pelo Doutor
Azam, elas ocupam quase que a vida inteira de Félida. A
passagem da condição primeira à condição segunda tornou-se
cada vez mais curta e hoje é quase instantânea.(197)

(197) Nota da editora: O interessantíssimo caso Félida -bem como
outros casos de múltipla personalidade tão ou mais curiosos -foi
exaustivamente estudado na obra Condomínio espiritual, de Hermínio C.
Miranda, Editora Fé.
O Doutor Princet (198) teve, como médico, ocasião de
estudar uma moça, Beauchamp, que apresentou quatro
personalidades diferentes. Quando foi chamado, em 1898, pela
srta. Beauchamp para tratar de seus distúrbios neurastênicos


graves, esta moça era uma pessoa muito séria, reservada,
profundamente religiosa, aplicada em seus estudos e de
escrúpulos excessivos; em suma, uma espécie de santa. Era o
estado bl.

(198) Doutor Morton Prince. The association of a personality. Nova
York, 1906.
Hipnotizada, ela era a mesma com menos inibição, mais à
vontade e com maior memória. Era o estado b2.

Foi durante o tratamento hipnótico que Prince a viu de
repente dar lugar a uma natureza totalmente diferente, b3,
extremamente viva, travessa, espécie de criança revoltada e
quase diabólica, chamando-se Sally e falando da srta.
Beauchamp na terceira pessoa, com aversão não disfarçada por
seu caráter muito sério é tímido. Um exame prolongado fez
supor ao Doutor Morton que Sally não era outra senão a
subconsciência da srta. Beauchamp, subconsciência
anormalmente desenvolvida por conseqüência de dissociação
mórbida e pouco a pouco emancipada a ponto de constituir uma
verdadeira segunda personalidade, coexistente com a
personalidade habitual da qual ela conhece todos os
pensamentos, mas diferindo dela por sua consciência própria e
seu temperamento particular.

Mais tarde, enfim, em 1899, em conseqüência de uma
grande emoção, manifestou-se de repente uma terceira
individualidade, b4, que, do ponto de vista do caráter, era uma
espécie de intermediária entre as duas precedentes, nem santa,
nem diabo, porém mais essencialmente mulher ou talvez moça.
Do ponto de vista da memória, ela se lembrava de toda a
infância e juventude da srta. Beauchamp, porém apresentava
ignorância total dos seis últimos anos a partir de um choque
emotivo violento ocorrido em 1893.

O Doutor Prince se pergunta se esta última vinda não era a
verdadeira srta. Beauchamp, que o choque em questão teria


suprimido e que teria subitamente reaparecido, após um eclipse
de seis anos, sob o golpe de uma emoção, lembrando o choque
primitivo. Conhecem-se, efetivamente, vários exemplos desse
tipo. No caso, o tratamento devia consistir em restabelecer de
maneira durável a personalidade original, substituindo-a, por
uma sugestão uma apropriada, às sub-personalidades patológicas
surgidas de sua desagregação.

O Doutor Prince descreveu com detalhes em seu livro como
chegou, pela sugestão, auxiliado pela eterização e através de
uma série de fases hipnóticas sabiamente combinadas,
comparáveis às etapas sucessivas de uma preparação química, a
recriar, por uma espécie de síntese artificial, a personalidade
normal que existia virtualmente, se assim se deseja, sob essas
dissociações mórbidas, mas que um fatal encadeamento de
circunstâncias adversas havia, desde a infância, impedido
sempre de existir efetivamente. Esta personalidade autêntica, b5,
possui todos os conhecimentos adquiridos e a memória completa
das outras, b1, b2 etc, que dela são apenas pedaços ou
deformações. Do ponto de vista do caráter, ela é um amálgama
harmonioso ou um feliz compromisso entre as tendências
contrárias e excessivas que assinalavam suas personalidades
parciais. E que é esta a pessoa verdadeira e normal enfim
reencontrada é o que prova o único critério empírico e biológico
que pode ser admitido para a normalidade, a saber, a adaptação
às necessidades da vida. Esta nova personalidade distingue-se,
com efeito, de todas as caricaturas mórbidas que haviam tomado
seu lugar, por sua perfeita saúde física e mental. Ela não é mais
neurastênica, nem sugestionável, nem dissociável em uma série
de personalidades alternastes ou de fenômenos de automatismo.
Em suma, ela apresenta a permanência, a posse de si mesma e de
todas as suas faculdades, a unidade harmoniosa, que são a
característica de todo indivíduo normal.


No momento em que o Doutor Prince publicou seu livro, a
srta. Beauchamp, recuperada, vivia regularmente há seis meses,

o que é bastante, se lembrarmos que anteriormente ela e apenas
um perpétuo vaivém entre seus diversos estados de dissociação.
M.R, de quem colhi quase que literalmente o relato dos
detalhes que precedem,(199) termina o resumo do livro de
Prince por esta reflexão:

(199) Archives de psychologie, publicados por Flournoy e Claparède.
N° de maio de 1906, pp. 400-402.
Há neste livro de pura ciência páginas tão pungentes que nos
arrepiamos. Por exemplo, aquelas em que aparece a necessidade
de sacrificar a habitual e séria srta. Beauchamp, que todos que a
cercam conhecem há anos, ou a engraçada Sally, que só pede
para viver, em proveito de uma srta. Beauchamp normal mas
não existente ainda. Verdadeiro homicídio psicológico de
personalidades tão reais e conscientes quanto você e eu, tão
ligadas à existência.

Pergunto-me, por meu lado, se a personalidade recomposta
pelo Doutor Prince é mesmo a personalidade normal da srta.
Beauchamp, Seria necessário, para disso nos assegurarmos,
constatar que neste estado o sujet não apresenta o fenômeno da
insensibilidade, como acontece em todos os casos tão numerosos
que já foram observados relativamente às personalidades
fictícias criadas por sugestão. O que me faz supor que esta
personalidade b5 é uma nova personalidade sonambúlica e que
ela possui a memória dos estados bl, b2, b3 e b4, faculdade
própria, como vimos, às personalidades que se desenvolvem em
sonos cada vez mais profundos.

Encontramos, enfim, casos análogos nos extáticos, e ainda aí
é difícil admitir a intervenção real das personagens
representadas. Um dos exemplos mais típicos é o seguinte:

Quando santa Madalena de Pazzi estava em êxtase, falava,
como que em diálogo, ora com o Verbo encarnado, ora com o


Espírito Santo, a Virgem Santa ou outros santos, fazendo
perguntas e dando respostas em seus nomes ou em seu próprio,
segundo as circunstâncias. Não era difícil, neste caso, discernir
em nome de quem ela falava, pois mudava de voz a cada vez.
Quando falava em nome do Pai, servia-se de voz elevada, grave
e dando às suas palavras certa majestade da qual não podia fazer
idéia àquele que não a tivesse ouvido. Se falava em nome do
Filho ou do Espírito Santo, empregava igualmente uma voz
nobre e alta, porém ao mesmo tempo doce e graciosa. Quando,
ao contrário, falava em seu próprio nome, sua voz era tão surda
que mal era ouvida. Falava de maneira tão sensível que parecia
querer aniquilar-se(200)

(200) Goerres. La mystique divine, Tomo II, p. 174.
Capítulo II

O caso de Mireille

I

Nas ciências espíritas produz-se com freqüência,
espontaneamente, mudanças de personalidade chamadas de
encarnações. Seria o espírito de um morto que se apoderaria do
corpo do médium e falaria através de sua boca.(201)

(201) Nota da editora: O movimento espírita tem preferido usar a
expressão incorporação para designar o processo mediúnico em que o
espírito assume o controle do médium. Tal expressão, ainda assim, é vista
com algumas restrições, pois o espírito comunicante não entra no corpo
do médium. O pesquisador L. Palhano Jr. cunhou, para classificar esse
mesmo processo, o termo psicopraxia, tentando pôr fim às imprecisões da

linguagem. O que é de todo errado é o termo encarnação para designar
qualquer tipo de manifestação mediúnica ou anímica. Como os leitores
poderão observar, este capítulo reflete, apesar da importante
contribuição de suas pesquisas, o desconhecimento que possui o Cel. de
Rocha em relação a alguns aspectos da mediunidade. Hoje já melhor
estudados e compreendidos.

Pude estudar, durante vários meses, um caso análogo, mas
no sono magnético provocado por passes.

Encontra-se nas revelações do sujet, como nas experiências
relatadas precedentemente, uma persistência singular que parece
provar que há aí outra coisa além de um simples jogo de
imaginação, análoga aos sonhos habituais que são devidos às
recordações mais ou menos nítidas de impressões percebidas no
estado de vigília e que se ligam acidentalmente por associações
de idéias de maneira análoga às figuras produzidas numa
brincadeira de criança tão em voga na época de minha juventude
e que era chamada de caleidoscópio.

II

Mireille, da qual já se falou (p. 206), era, em 1894, uma
mulher de cerca de quarenta e cinco anos que eu conhecia desde
minha infância e cuja mãe já era um sujet notável, possuindo às
vezes no sono provocado o dom da visão à distância e a
inspiração dos remédios. Muito inteligente e de caráter elevado,
cultivava as artes com sucesso, porém não possuía senão
instrução bastante ordinária e não era absolutamente versada em
literatura teosófica, espírita ou ocultista. Todavia é preciso
acrescentar que ela havia vivido bastante tempo num mundo
parisiense onde as questões de ciência e filosofia apresentavam-
se freqüentemente nas conversações e sei que assistiu a uma
conferência da Senhora Annie Besant.

Mireille, sofrendo de uma doença interna, pediu-me, há
alguns anos, para magnetizá-la a fim de aliviá-la. Adormeceu


desde a primeira sessão e, como ela estivesse bem, aprofundei
progressivamente a hipnose até o momento em que seu corpo
astral se desprendeu. Eis, a esse respeito, alguns detalhes de
acordo com meu registro de experiências.

9 de julho de 1890 (5° sessão) -Adormeço Mireille, que
passa bastante, rapidamente pelas diversas fases do estado
hipnótico. Ela vê formar-se, não uma espécie de duplo situado
acerca de um metro de si, como se produz com Laurent, Senhora
Lambert, Senhora OI. e Senhora Z, mas um envoltório que a
cerca por toda parte, como um sino, e que segue, a alguns
centímetros de distância, todas as sinuosidades da superfície de
seu corpo. Do interior ela vê esse envoltório, de maneira que
suas saliências parecem-lhe depressões e inversamente.
Continuando a magnetização, esse envoltório condensa-se e
eleva-se no espaço. Mireille cessa então de ver o envoltório,
porém vê seu corpo carnal como se ela estivesse fora dele e
percebe ao redor de si própria fantasmas luminosos que compara
a frutos de balsamina quando, ao amadurecer, se abrem
recurvando-se. Alguns, diz ela, "são larvas que se aproximam de
mim para tentar aspirar o orvalho de vida do qual meu corpo
astral, ainda em comunicação com meu corpo físico, está
impregnado; outros parecem-me ter sido seres humanos. "Ela os
teme e rejeita-lhes o contato.

19 de julho de 1894 (6° sessão) -Levo a magnetização mais
longe do que na sessão precedente. Mireille sente-se elevar no
espaço e chega a uma região superior onde se banha numa luz
intensa que compara à de um diamante amarelo. Os seres que
então a cercam assemelham-se a cometas com grandes cabeças e
tem um brilho verde, bastante variável de acordo com os
indivíduos. Esses seres parecem possuir afinidades,
aproximando-se e distanciando-se a cada vez; seres semelhantes
passam abrindo o espaço com grande rapidez como se fossem
chamados em alguma parte.


25 de julho de 1894 (8° sessão) Mireille, levada à região
superior da qual se falou 6° sessão, diz que reconhece dentre os
fantasmas que adejam a seu redor um amigo de infância falecido
há dez anos e ao qual daqui por diante daremos o pseudônimo de
Vincent.

Aqui meu diário interrompe-se durante vários meses por
diversas razões. Primeiro, uma viagem separou-me de Mireille;
em seguida, suas revelações pareceram-me de natureza tão
estranha que eu não quis dar-me ao trabalho de anotá-las até o
momento em que eu pudesse formar uma opinião sobre seu grau
de verossimilhança e sobre sua origem em seu espírito.

Contou, com efeito, suas explorações em corpo astral nos
diversos planetas, e dava-me detalhes sobre a camada elétrica
que, de acordo com ela, limitaria nossa atmosfera.(202)

(202) Encontro no Essai sur les phénomènes électriques des êtres
vivants, publicado em 1894 pelo Doutor Fugarion, a seguinte passagem da
qual nem Mireille nem eu tínhamos então conhecimento."A esfera de
fluido elétrico. -O globo terrestre possui uma eletricidade própria cuja
causa é múltipla. A crosta terrestre é eletrizada negativamente, enquanto
que a atmosfera o é positivamente. O potencial do ar aumenta à medida
que nos elevamos. Até um metro acima do solo não é encontrado nenhum
sinal de eletricidade. A partir daí, Quételet viu que a intensidade elétrica
é proporcional à altura, resultado encontrado igualmente por Thompson
e por Mascart e Joubert".
"Peltier reconheceu em um escaravelho que a eletricidade, que cresce
lentamente até cem metros, aumenta em seguida rapidamente até a altura
de duzentos e quarenta e sete metros, a maior que atinge. As observações
feitas a respeito das ascensões aerostáticas provaram que o ar das regiões
altas (seis a sete mil metros) é fortemente carregado de eletricidade
positiva".

"Uma camada espessa de fluido elétrico parece então inundar as
camadas superiores e reinar nos limites de nossa atmosfera. Esta esfera
etérea corresponde à zona de fogo, ao céu de fogo dos antigos."

No Estado de Baroda (Índia), crê-se que o local de estada das almas
após a morte ou Vayu Loka, é uma porção do espaço circundando e
Terra. Diz-se que a Terra tem sete envoltórios e que Vayw, ou ar é um
deles, e a eletricidade, um outro. -A. R.


Quanto a Vincent, assistiu durante algum tempo a nossas
sessões e, quando Mireille o interrogava, ele lhe respondia numa
espécie de transmissão de pensamento, de forma que eu era
naturalmente levado a supor que era ela mesma quem se
respondia a si própria; porém, mais ou menos no mês de
novembro de 1894, Vincent desapareceu de repente e não veio
mais às nossas evocações.

III

No início de janeiro de 1895, Mireille, desprendida de seu
corpo físico, foi surpreendida pela visão de dois círculos
luminosos planando acima de nossas cabeças. Apesar de minhas
perguntas reiteradas e sua inclinação por querer encontrar uma
explicação para tudo, ela declarou não suspeitar absolutamente
do que isso poderia ser.

Sem inquietar-me muito, continuei minhas explorações no
outro mundo. Um dia eu quis enviá-la a Marte; ela foi detida
pela sua camada elétrica, que lhe pareceu muito mais intensa do
que ao redor da Terra e na qual não ousou penetrar. Segundo ela,
havia água nesse planeta, uma vez que às vezes nuvens
interceptavam sua visão. Via brilharem os mares e cintilar o gelo
dos pólos. Percebeu canais de grande largura.(203)
Acrescentava que esses canais haviam sido escavados através
dos continentes pelos marcianos que, apesar de anfíbios, viviam
de preferência dentro d'água e dela se serviam para irem de um
mar a outro. Os marcianos seriam seres infinitamente superiores
aos homens pela força física, mas inferiores em inteligência. De
repente ela parou de falar e caiu em síncope com
enfraquecimento cada vez maior do pulso. Apressei-me em
procurar despertá-la por um ato enérgico da vontade e passes
transversais. Após um minuto ou dois, o corpo começou a
mexer-se e ouvi admirado as seguintes palavras pronunciadas


em tom brusco absolutamente diferente do que apresenta
habitualmente o sujet:

(203) Observamos que até aqui as descrições podiam ser recordações
de suas leituras no estado de vigília. -A.R.ç
-Você a fez escapar muito bem! Por que não a reteve? Você
bem sabe que ela é muito curiosa. Se eu não tivesse estado lá,
ela estaria perdida, tanto para você quanto para mim.

-Quem é você, pois?

-Sou Vincent; assisto a todas as suas experiências, que me
interessam por causa de Mireille.

-Que fez ela e onde está agora?

-Ela quis penetrar na atmosfera de Marte atravessando a
camada elétrica e não sei o que resultou daí.(204) Precipitei-me
para ela e a trouxe de volta. Depus seu espírito no veículo que
me serve para vir à atmosfera da Terra e tomei seu corpo astral
para entrar em seu corpo carnal e poder comunicar-me cora
você.

-Você poderia devolvê-la?

-Sim, tome-lhe as mãos e projete fluidos em seu corpo para
ajudar-me a desprender-me.

Foi o que fiz; após alguns instantes, Mireille pareceu
despertar de um profundo sono, abatida de fadiga, falando com
dificuldade e por monossílabos. Antes de fazer seu corpo astral
voltar ao corpo físico, perguntei-lhe o que lhe aconteceu; ela me
confirmou as palavras de Vincent. Procedi então ao despertar
completo.

Nas sessões seguintes, colhi pouco a pouco as informações
que resumo a seguir.

Algumas semanas antes, Vincent, cujo corpo astral e o
espírito tinham estado, até ali, no interior da camada elétrica da
Terra, havia perdido os sentidos e tinha despertado num outro
mundo, com um corpo apropriado a suas novas condições de
existência e entre seres semelhantes a ele.(204) Esse mundo está


situado fora do sistema solar, não podemos vê-lo. Os mundos
são, com efeito, dispostos em zonas concêntricas onde se
encontram aglomerados. Essas zonas, cujo centro está no
infinito num ponto que ele não conhece, são separadas entre si
por zonas sem astros. Para chegar ao astro onde mora, ele teve
de atravessar, aproximando-se do centro, primeiro a zona à qual
pertencem a terra e nosso sol, depois uma zona vazia, em
seguida uma zona repleta de astros, depois uma segunda zona
vazia à qual sucede a zona estelar da qual ele agora faz
parte.(205) Os habitantes têm corpo nebuloso, sem pernas, pois
não andam, e lançam-se no espaço até o ponto aonde querem
ir.(206) Não têm entre si senão relacionamentos intelectuais,
sendo cada um absorvido sobretudo por uma vida interior, feita
de esperanças e de recordações, onde estudam seu destino,
graças à experiência das vidas passadas, com uma doce
segurança quanto ao futuro. Segundo sua expressão, eles
"digerem seu passado (207). Experimentam uns pelos outros
grande simpatia que se poderia comparar ao sentimento de um
francês encontrando outros franceses no meio de povos
estrangeiros.

(204) Numa sessão posterior, Vincent explicou-ate que o laço que
unia o espírito de Mireille a seu corpo bem podia atravessar a camada
elétrica da terra, mas que ele poderia ter sido rompido pela sua passagem
através de uma outra camada elétrica mais violenta, como a de marte. A.
R.
(204) Seu transporte a um outro mundo foi uma espécie de novo
nascimento, diferente de seu nascimento terrestre, pois ele conservou na
vida atual uma recordação mais ou menos confusa de suas existências
anteriores e uma recordação nítida de sua última vida terrestre. -A. R.
(205) Observar-se-á esta sucessão de condensações e de dilatações, de
pontos fixos e de vibrações, análoga às que observamos nos fenômenos
terrestres. -A.R.
(206) Há um grande número de astros cujos habitantes têm a
conformação mais ou menos segundo o tipo humano. Os membros que
não servem nas condições de vida especiais a um planeta atrofiam-se e
desaparecem. Esses espíritos continuam a ver, a ouvir e a sentir os

odores; alguns apenas falam, os mais superiores comunica-se entre si por
simples transmissão de pensamento. De todos os animais, apenas o
homem possui braços que não servem para ajudar a andar. "Nele", diz
Vincent, "o braço é um órgão de afetividade: é com os braços que ele
abraça e testemunha sua afeição, excluída toda paixão sensual. No corpo
dos espíritos superiores os braços desenvolvem-se de maneira a dar o
máximo de efeito ao abraço e não mais apresentam as particularidades
relativas aos outros usos desses membros do homem, com as mãos e os
dedos para tocar os objetos. Os videntes, que quase não têm tempo para
precisar suas percepções, geralmente tornaram esses apêndices por asas
dos espíritos que lhes aparecem no espaço." A visão e seu órgão tiveram
igualmente um grande desenvolvimento. Os espíritos possuem uma
espécie de olho que faz a volta à sua cabeça; daí o hábito de se dar
grandes olhos aos anjos. Os espíritos são sensíveis aos perfumes, querepresentam papel considerável nas vidas superiores. É unicamente por
uma espécie de absorção destes perfumes que eles nutrem seu corpo
astral. Os amigos possuem o sentimento desse fenômeno quando
queimavam perfumes sobre a tumba dos mortos. -A. R.

(207) Uma amiga de Mireille, que segue habitualmente minhas
experiências, perguntou um dia a Vincent como é que ele se ocupava e se
ela não tinha nenhuma missão particular a desempenhar. Tendo-lhe
Vincent respondido que não, a senhora admirou-se com uma vida tão
ociosa, ao que Vincent replicou: " A Senhora é uma mulher ativa, crê
com razão cumprir seus deveres ocupando-se de sua casa, da educação de
seus filhos, de suas relações mundanas, e quando resta, o que raramente
acontece, algum instante de lazer, a senhora os consagra à reflexão. Ora!
Nós não temos nenhuma necessidade material e nossa ocupação normal é
precisamente esse desenvolvimento intelectual para o qual as condições
inferiores de sua natureza física deixam-lhe tão pouco tempo" – A. R.
Eles têm sob suas ordens seres inferiores semelhantes a
sinos diáfanos no interior dos quais entram quando desejam
deixar seu astro para irem a outros. Esses sinos animados
obedecem-lhes, transportam-nos e gozam da propriedade de
isolá-los das camadas elétricas que eles teriam a atravessar. A
borda inferior do sino é mais luminosa do que o resto; é a que
Mireille via nas sessões precedentes.

É a borda desses cones que os videntes vêem brilhar acima
da cabeça dos santos nas aparições e que se tem o costume de


representar por um círculo de fogo. São ainda seres desse tipo,
mas que apresentam formas diversas, que chamamos de carros
ou nuvens de fogo, quando são vistos nas assunções tirarem o
corpo dos bem-aventurados. De tudo isto ele não tem tanta
certeza. Sua existência atual é justamente destinada a fazê-lo
penetrar pouco a pouco esses mistérios.

Pergunto-lhe se não se interessa pela sorte dos parentes, dos
amigos que deixou vivos. Responde que se interessa sempre por
eles, mas que não se emociona mais com suas tribulações
passageiras, conseqüências inelutáveis de sua vida terrestre,
como um pai não se emociona vendo o filho chorar porque
quebrou um brinquedo.

Ele e seus semelhantes possuem o poder de fazer sair à
vontade seu espírito de seu corpo, que abandonam sobre o astro
onde vivem. É somente em espírito, recoberto por um outro
envoltório mais afinado, que entram nos cones quando desejam
viajar.(208)

(208) Segundo Vincent, nossa divisão em três, corpo material, corpo
astral e espírito, não é senão uma grosseira aproximação. Há oura série
de corpos astrais cada vez mais sutis e que poderiam ser comparados aos
diferentes tubos de uma luneta encaixando-se uns nos outros. -A. R. -Ver
p. 329.
Podem conversar com certas pessoas que vivem em outros
mundos com o auxílio de uma espécie de cordão fluídico
comparável ao raio de uma estrela.

Vincent, chamado por Mireille ou por mitra servindo-me de
Mireille adormecida magneticamente e desprendida de seu
corpo físico, chega instantaneamente (ele se transporta tão
rápido quanto nosso pensamento se transporta em direção a seu
objeto, qualquer que seja a distância) e pode comunicar-se
comigo com o auxílio de dois procedimentos:

I°-Indiretamente, servindo-se do espírito de Mireille, ao qual
ele sugere o que deseja dizer-me por uma transmissão mental;
porém este procedimento é imperfeito, pois Mireille jamais está


muito certa de que o pensamento que lhe vem não é de si
própria.

2°-Diretamente, sentindo-se do corpo de Mireille. Para isso
é preciso que eu magnetize ainda mais fortemente o sujet de
maneira a destriplicá-lo, isto é, de modo a desprender o espírito
de seu corpo astral. O espírito de Vincent entra então no corpo
astral de Mireille no lugar do espírito desta.(209) Em seguida, o
corpo astral de Mireille, com o espírito de Vincent, entra no
corpo carnal de Mireille, de maneira que, em definitivo, há
reconstituição de um ser vivo completo com mudança de
espírito.

(209) O espírito de Mireille aparece sob a forma de uma amêndoa
luminosa. Ele se desprende da parte superior do corpo astral e este se
torna sombrio a partir do momento em que não é mais iluminado pelo
espírito que, anteriormente, estava no interior. Este espírito poderia ficar
no espaço a nosso lado, porém Vincent prefere fazê-lo entrar no cone que
o trouxe é onde sabe que estará ao abrigo dos turbilhões astrais ou mesmo
das tentações de sua própria curiosidade, que poderiam levá-lo a regiões
desconhecidas e provocar assim um abandono muito prolongado de seu
corpo físico. -A. R.
O espírito de Vincent conserva no corpo de Mireille a
ciência que adquiriu, assim como as qualidades e os defeitos que

o caracterizam; sua memória própria é, no entanto, diminuída.
Recorda-se apenas vagamente da última vida terrestre e não tem
mais nenhuma lembrança das vidas anteriores. Mas o que
recorda de sua própria vida, ele se lembra como tendo-a sentido,
enquanto que as recordações gire lhe vêm da memória de
Mireille são como coisas que ele teria lido. Por outro lado, ele
possuiria quase que completamente a de Mireille, que está
armazenada no corpo astral no momento habitado por ele, se
tivesse o hábito de servir-se dela.
No momento preciso em que se efetua o que se pode chamar
indiferentemente de encarnação ou possessão,(210) Mireille, que
desde o início do sono magnético havia apresentado o fenômeno


da insensibilidade cutânea, que tinha cessado de ouvir e de ver
outra coisa além do magnetizador e que, enfim, havia perdido
toda a memória (e isto por uma progressão durando ainda cerca
de quinze minutos, apesar de seu treino), volta bruscamente a
tornar-se sensível a todos os toques, vê e ouve todo mundo e
retoma toda a sua memória. Tenho o hábito de ter entre minhas
mãos, durante toda a duração do sono, as de Mireille, que as
abandona a mim com visível prazer. Quando Vincent encarna,
retira suas mãos com um gesto de impaciência, como um
honrem que se sente acariciado por outro homem. Há todo um
conjunto de traços físicos e morais os mais caracterizados que
me parecem sob este ponto confirmar as afirmações do
sujet.(211)

(210) Nota da tradutora: Ver p. 315, parágrafo 1°. De Rochas utiliza
os termos encarnação e possessão designando o que a maioria dos autores
espíritas atuais chama de incorporação, para os quais, no entanto, tais
termos apresentam sentido diverso.
(211) É preciso observar que se passa um fenômeno inverso, mas bem
menos complicado, no caso de mudança de personalidade no estado de
vigília. No momento que a sugestão se produz o sujet perde bruscamente
a sensibilidade cutânea para retomá-la apenas quando a personalidade
sugerida desaparece. -A. R.
Assim, em suas primeiras encarnações, Vincent examinava
com curiosidade suas roupas, procurava o bolso para pegar o
lenço, dizendo que no seu tempo as mulheres o tinham mais
comodamente guardados, tateava os cabelos, ia olhar-se no
espelho recuava bruscamente com uma emoção que ele
explicava dizendo que, há bastante tempo, não havia visto
Mireille assim através dos olhos humanos; pedia para fumar um
cigarro que lhe lembrava a vida terrestre e fumava-o até o fim,
apesar de Mireille não fumar mais.

"Em suma", diz-me um dia Vincent, "estou vivo,
perfeitamente vivo, você me ressuscitou. Por que você se admira
do que é uma conseqüência natural de meu retorno à vida? Se


fecho às vezes os olhos é porque, habituado agora à brilhante luz
astral, a luz de vocês me fatiga; quando tenho os olhos abertos,
parece-me vê-los a todos como que através de óculos ruins.

-E então! uma vez que você é Vincent ressuscitado e que
você parece no estado normal de uma pessoa desperta, que se
passaria se eu o adormecesse magnetizando-o?

-Não sei, tente."

Tomei-lhe então as mãos e projetei fluidos pela minha
vontade. O corpo começou a tornar-se insensível e, em seguida,

o sujet perdeu a memória. Após dois ou três minutos, vi
reaparecer a personalidade de Mireille, que me disse que o
espírito de Vincent havia sido expulso de seu corpo pela minha
ação, que ele a mandou para me prevenir disto e me pedir para
chamá-lo outra vez a fim de que pudesse ele próprio dar-me
explicações.
Chamo-o de novo por um ato da vontade e ele retorna nas
condições habituais, isto é, Mireille deixa cair a cabeça para trás
e perde os sentidos. Em seguida, após meio minuto, retorna,
com a sensibilidade cutânea, a personalidade de Vincent. Este,
assim voltando, conta-me que não havia refletido que, estando o
corpo ocupado por ele e bastante carregado de fluido, seria
suficiente muito pouca coisa para forçá-lo a desprender-se e que
era em parte por causa disto que ele repelia minhas mãos,
porque inconscientemente eu o sobrecarregava quando as
segurava.

Fiz-lhe em seguida diferentes perguntas. "Que aconteceria se
uma pessoa que você conheceu, e pela qual Mireille não
experimenta os mesmos sentimentos que você, entrasse aqui
durante sua encarnação?

-Eu a acolheria com os sentimentos que me são próprios,
porém eu tiraria das recordações do corpo de Mireille, que
ocupo neste momento, as lembranças necessárias para guiar
minha conduta.


-Poderia você viver muito tempo nesse corpo?

-Não sei; é provável que, cedo ou tarde, algum acidente se
produzisse. Seria necessário, além do mais, saber, antes de tudo,

o que aconteceria desmagnetizando-me. Tente, mas vá devagar.
Seguindo este conselho, desmagnetizei o corpo de Mireille
com passes transversais. Produzi primeiro uma fase de letargia.
Ao sair dessa fase, perguntei-lhe quem ela era; ela não sabia
mais e tinha-se tornado insensível. Julguei prudente não ir mais
longe nesse dia. Com o auxílio de alguns passes longitudinais
(que adormecem) fiz voltar a sensibilidade da pele e a
personalidade de Vincent, personalidade que fiz desaparecer
pelos procedimentos habituais e reconduzi Mireille ao estado de
vigília.

Algum tempo depois, em 29 de julho de 1893, retomei a
experiência.

A encarnação de Vincent efetuou-se. Agi como ele me
indicava e prolonguei os passes que despertam até o momento
em que o sujet pareceu-me completamente acordado. O
adormecimento da memória tinha parecido desaparecer pouco a
pouco, a sensibilidade cutânea havia voltado, tuas foi a
personalidade de Vincent que se manifestou de maneira muito
nítida e bastante assustadora. Vincent levantou-se bruscamente,
com olhar feroz, como se estivesse admirado por encontrar-se
entre pessoas e coisas que ele não conhecia.(212) Parecia
embaraçado com sua contenção e procurava, não sem violência,
sair, o que nos colocou a todos nós num cruel embaraço, pois
eram dez horas da noite e estávamos em Saint-Cloud, numa vila
isolada. Consegui, no entanto, pegar suas mãos, dar-lhe
segurança, relembrando-lhe que foi com sua autorização que
tentei uma experiência de magnetismo, experiência que havia
levado confusão às suas idéias, mas que eu ia recolocá-lo em seu
estado normal se ele quisesse ainda abandonar-se a ruim durante
alguns minutos. Ele consentiu e apressei-me em magnetizá-lo


com energia. Passou de novo por todas as fases da hipnose e
reconduzi-o ao período já conhecido da encarnação em que me
pareceu ter recobrado sua calma habitual, porém não,julguei
oportuno prolongar a entrevista. Um pouco inquieto com o
resultado, pedi-lhe que me trouxesse de volta o espírito de
Mireille, que retornou nas condições habituais.

(212) A sessão passou-se, por exceção, na casa da baronesa de W.
uma amiga comum de Mireille e minha, onde jamais havia acontecido
evocação a Vincent. Havia como típicos espectadores, dois parentes que
assistiam pela primeira vez à sessão desse gênero. -A. R.
Procedi então ao despertar. Acordada, Mireille encontrou-se
muito cansada. Não conservou nenhuma lembrança do que havia
acontecido, exceto de ter permanecido bastante tempo no cone
que, diz ela, era, de acordo com a explicação de Vincent, sempre
sustentado acima de seu corpo carnal, seguindo todos os
movimentos a fim de facilitar a reentrada de seu espírito.(213)

(213) Mireille desperta não se recorda de nada do que se passou
durante o sono. Esta é, aliás, a regra habitual; mas conserva bem
nitidamente a lembrança de ter estado no cone. Diz que lá sente uma
sensação deliciosa de calma e envolvimento à qual se abandona sem
pensar em nada -A. R.
Em 6 de dezembro de 1895 renovei essa experiência em
meu gabinete na presença de seu marido, que havia assistido à
primeira. Como sempre, as cortinas estavam fechadas para
deixar o cômodo numa obscuridade quase completa.

Tendo o sujet sido levado ao ponto em que não somente o
corpo astral desprende-se do corpo físico, mas em que o espírito
desprende-se do corpo astral, pedi a presença de Vincent, que
Mireille dizia ver acima de si, no corre luminoso. A mudança de
personalidade produziu-se de acordo com o processo habitual.
Preveni Vincent de meu projeto. Ele o aprovou, foi recomendar
ao espírito de Mireille, transferido para o cone, que não
procurasse sair deste, pois, dizia ele, "o espírito aí está apenas
abrigado; ele não é prisioneiro e pode desprender-se sozinho se


o desejar". Recomendou-me, além do mais, sugerir-lhe várias
vezes, à medida que eu reconduzisse o corpo astral ao corpo
físico: 1°, recordar-se "quem ele era" sem outras precisões
quaisquer para que não se pudesse supor que eu havia sugerido a
personalidade de Vincent; 2°, não ter no despertar nem medo
nem inquietação, recordando-lhe que ele se submetia
voluntariamente à experiência.
Procedi então ao despertar por passes desmagnetizantes,
conformando-me a suas indicações.

Em alguns minutos ele passou pelas fases já observadas:
perda de sensibilidade cutânea, perda de relacionamento com as
pessoas presentes, obscurecimento completo da memória;
depois, pouco a pouco, a memória aclarou-se de novo, o
relacionamento com os assistentes estabeleceu-se, enfim, tendo
a sensibilidade cutânea retornado, ele abriu os olhos e olhou
tranqüilamente a seu redor.

Suas primeiras palavras foram: "Por que não se vê nada
aqui? Fi-lo dar meia-volta abrindo as cortinas e perguntei-lhe se
sabia quem era. Refletiu alguns segundos. "Espere! Tudo o que
sei é que morri, mas por que estou aqui?" Disse-lhe então que
nos conhecíamos há cerca de dois anos, porque eu me
comunicava com ele graças à pessoa cujo corpo ele ocupava.

-"Então você estuda o magnetismo?

-Sim.

-Você é médico?

-Não.

-Que você é então? Sábio?

-Sou engenheiro.

-Ah, sim? Seus colegas tratam geralmente a ciência da alma

como tratam a arte das construções; eles têm medo de elevar-se
permanecendo terra-a-terra." Em seguida acrescentou sorrindo:
"E então, o que quer saber?"


Interrogo-o sobre o estado de sua memória atual. Ele
recorda-se de sua forma humana, de sua fisionomia, dos pontos
salientes de sua vida terrestre e sobretudo dos fatos passionais.
Enternece-se com a lembrança daqueles que amou e
especialmente de sua mãe ainda viva. Recorda-se com bastante
precisão das circunstancias de sua morte, das sensações que
experimentou nesse momento e de toda a sua existência no
plano terrestre. Não se recorda do que lhe aconteceu desde que
daí partiu, porém sente que há uma lacuna que sua memória não
pode preencher e que deve corresponder a seu estado atual, da
mesma forma como no despertar sabemos que estávamos
dormindo. Quando ele procura suas recordações, entrevê aquelas
que lhe são próprias e as que pertencem ao corpo astral no qual
se encontra agora como imagens refletidas num espelho às quais
se sobreporiam outras imagens formadas sobre um vapor úmido
recobrindo esse espelho, formando um todo confuso que se
dissipa quando ele deseja precisar.

Pergunto-lhe se quer levantar-se, conversar cora as pessoas
presentes; ele responde que não, parece fatigado e entristecido.
Proponho-lhe reconduzi-lo a sem estado normal, o que aceita.

Procuro adormecê-lo, mas, apesar de meu grande esforço,
ele não adormece, revira-se inquieto na poltrona, abre de novo
os olhos, permanece insensível. Pergunto-me se a experiência
durou tempo demais e se não deixei operar-se uma reunião
íntima demais entre os diferentes elementos dessa nova
personalidade. Ele percebe minha emoção, dá-me segurança,
diz-me que outrora não fora absolutamente um sujet e que, por
conseqüência, devo ter mais dificuldade para agir sobre o corpo
astral de Mireille, ocupado pelo seu espírito, do que sobre o
corpo astral unido ao espírito de Mireille, habituado há muito
tempo a minhas manobras. Redobro os esforços e, depois de
alguns minutos de ações enérgicas, vejo-o com um real alívio


cair em letargia. O resto da operação efetuou-se em seguida sem
obstáculo, apesar de mais lentamente do que de hábito.

Desprendido do corpo físico, que retomou sua sensibilidade,
e de novo em relação com todo mundo, Vincent está agora em
plena posse da memória tanto de sua vida atual como do estado
de ressurreição momentânea que acaba de sofrer.

Respondendo às minhas perguntas, explica-me que, se havia
parecido tão ignorante de tudo o que o cercava, era por preguiça
(defeito que tinha quando vivo); que ele teria podido encontrar
na memória de Mireille tudo o que se referia a mim, mas que,
não tendo o hábito de disto se servir, não sabia exatamente que
teclas era necessário acionar para fazer brotarem as recordações,
e que ele havia achado mais cômodo interrogar-me. Se eu o
tivesse deixado nesse corpo, do qual não podia sair sem minha
intervenção, teria sentido a necessidade de não se passar por
louco. A fim de evitar a ducha,(214) ele teria feito os esforços
necessários para dissimular sua verdadeira personalidade e
continuar a viver, aos olhos das pessoas não-iniciadas em nossas
operações, com a que eu lhe havia imposto, até o momento em
que o prazo normal estabelecido para a vida do corpo de
Mireille o tivesse desprendido. Eu lhe teria feito uma brincadeira
de mau-gosto forçando-o a passar pelas experiências de uma
nova vida e de uma nova morte terrestre; porém, em suma, esta
ressurreição teria sido para ele, do ponto de vista das
conseqüências, exatamente idêntica à que teria resultado de uma
nova encarnação por nascimento natural. Suas ações teriam
continuado a fazer-lhe adquirir méritos ou deméritos pela
evolução de seu espírito. Quanto ao espírito de Mireille, ele teria
provavelmente saído do cone após algum tempo, e teria
encontrado o nível ao qual correspondia sua densidade moral,
como se ela simplesmente tivesse morrido por acidente. "Você
acaba", acrescentou ele, "de encontrar a Árvore da Ciência da
qual falam as tradições religiosas. É um privilégio que foi, sem


dúvida, dado a muito poucos homens e que acarreta grandes
responsabilidades. Você o adquiriu servindo-se simplesmente de
sua razão, e Deus, que o permitiu, tem sem duvida seus
desígnios. Não esqueça, no entanto, de que não é suficiente
apenas não cometer o mal; é necessário ainda não facilitar aos
outros os meios para cometê-lo."

(214) Nota da tradutora: A ducha foi uma forma muito utilizada de
tratamento ministrado aos doentes mentais em estado de superexcitação.
Não nos admiremos, pois, absolutamente de que, qualquer
que seja a dúvida que eu conserve sobre a origem dessas
comunicações, eu me tenha terminantemente recusado a
transformar as sessões desse gênero em simples espetáculos, e
que eu não descreva os procedimentos exatos pelos quais
determinam a encarnação. Essas experiências são, além do mais,
das mais perigosas. Após a sessão de 6 de dezembro de 1895,
Mireille sentiu-se durante vários dias extremamente fraca,
anêmica, desencorajada.

Em 14 de dezembro, magnetizei-a novamente e evoquei
Vincent, que entrou, segundo o processo habitual, no corpo de
Mireille adormecida; porém, recusou deixar este corpo
novamente despertar, porque ele próprio tinha-se sentido pesado
após esta operação. Deu-me então, sobre esse peso e sobre a
fadiga de Mireille, as seguintes explicações:

"Os espíritos têm uma série de envoltórios cada vez menos
materiais dos quais se desfazem sucessivamente à medida que sc
elevam na escala de sua evolução. Não é senão para simplificar
as idéias que habitualmente são contados apenas dois: o corpo
carnal e o corpo astral, da mesma forma como em física contara-
se apenas sete cores no espectro, enquanto que há uma
quantidade bem maior. É igualmente por comodidade de estilo
que se comparam esses corpos a envoltórios. Na realidade, eles
não se encaixam uns nos outros como os tubos de uma luneta:
eles se interpenetram, o que podemos perceber raciocinando que


o fluido nervoso, matéria constitutiva do corpo astral, é obrigado
a banhar todas as partes do corpo físico para obter a
sensibilidade e a motricidade.
"Quando você adormece Mireille, seu espírito, como seu
corpo astral, primeiramente desprende-se do corpo carnal,
levando consigo apenas um envoltório sutil que não pode
abandonar enquanto se encontra na atmosfera terrestre e que é
lesado consigo ao cone.

Porém desse envoltório sutil (que poderíamos chamar de
terceiro)o espírito de Vincent abandonou uma parte, a mais
grosseira, na atmosfera da Terra quando morreu de sua morte
astral com relação à Terra, e partiu revestido apenas por um
quarto envoltório ainda menos material, de maneira que, quando
volta ao corpo astral de Mireille e, em seguida, a seu corpo
carnal, falta-lhe este terceiro corpo para formar um ser humano
completo nas condições de vida normal.(215) Enquanto o corpo
de Mireille está saturado de meus fluidos, o espírito de Vincent
serve-se destes para constituir momentaneamente o envoltório
que lhe falta. Porém, tão logo, por passes magnetizantes, retirei
do corpo de Mireille a quantidade de fluido que acumula para
produzir os estados mais profundos da hipnose, e tão logo
também a reconduzo a seu estado normal de densidade fluídica,
ele, Vincent, encontra-se privado do reservatório de onde podia
extrair fluidos sem inconveniente para formar seu terceiro corpo
e é obrigado, para conservá-lo, a retirar das diversas partes do
organismo o fluido do qual tem necessidade para esta finalidade.
Estabelece-se assim entre o espírito de Vincent e o corpo astral
de Mireille uma ligação bastante forte para que, quando o
espírito de Vincent for forçado a desprender-se rapidamente do
corpo desmagnetizado de Mireille, como aconteceu na sessão de
6 de dezembro, produza-se uma resistência notável assim como
observei. Além do mais, o espírito de Vincent, que condensou
por assim dizer sobre si os fluidos de Mireille, leva destes uma


pequena parte quando se desprende, o que enfraquece um e
torna pesado o outro.

(215) Resumindo o que já dissemos, vê-se que Vincent, quando
morreu da morte que conhecemos, abandonou seu corpo carnal cujos
elementos dissociaram-se e retornaram a terra. Ele viveu em seguida
durante alguns anos na atmosfera da Terra com um corpo fluídico que
abandonou em grande parte quando morreu da morte astral em relação à
Terra, e os elementos deste corpo astral dissociaram-se por sua vez e
expandiram no reservatório da vitalidade planetária. Atualmente o
espírito de Vincent, que deixou a Terra com a parte mais sutil de seu
corpo astral, é revestido por um novo corpo apropriado ao astro onde
mora, e se desprende momentaneamente deste corpo quando entra no
cone para viajar revestido apenas pelo quarto envoltório. -A. R.
4° Envoltório D. Corpo acompanhado o espírito
de Vicent após sua morte astral
com relação à terra.
3° Envoltório C. Corpo acompanhando com B o
espírito de Mireille no cone e
faltando em Vincent na
encarnação.
2° Envoltório B. Corpo astral.
1° Envoltório A. O corpo carnal

Semelhante inconveniente não mais se apresentaria se fosse
operado sobre dois sujets vivos, suscetíveis de se desprenderem
da mesma maneira que Mireille. Os espíritos, passando de um
corpo a outro, constituiriam dois novos seres humanos
completos e suscetíveis de viverem normalmente da vida física,
porém com modificações diferentes segundo a maneira através
da qual teria sido feita a troca.

Se os espíritos, apenas acompanhados do terceiro envoltório,
fossem substituídos um ao outro nos corpos carnais unidos aos
corpos astrais, haveria simplesmente mudança de personalidade


moral; se, ao contrário, os corpos astrais (segando envoltório)
acompanhassem os espíritos na substituição, a mudança
estender-se-ia mais além e, até mesmo com o tempo, estenderse-
ia até a forma dos corpos físicos.

Qualquer que seja a autenticidade da fonte de onde provêm
estas teorias, não se pode ignorar sua originalidade e, até certo
ponto, sua verossimilhança.(216)

(216) Nota da editora: Mais do que teoria, essas substituições são
absolutamente impossíveis pelo que se conhece da Doutrina Espírita.
Ao menos sob este ponto de vista, é interessante ainda expor
algumas das opiniões de Vincent.

"De uma maneira geral", diz ele, "vocês não conhecem
suficientemente a importância e o papel do corpo astral para a
explicação dos fenômenos que consideram como mais ou menos
sobrenaturais.

"O corpo astral não toma passivamente a forma do corpo
material; é, ao contrário, este último que é obrigado a modelar-
se em grande parte ao corpo astral. Os sentimentos emotivos, o
medo, a bondade etc., não são sentidos pelo corpo material. Não
é pois ele que pode exprimi-los. Por conseguinte, a fisionomia, a
expressão do corpo material, dependem exclusivamente das
emoções do corpo astral, que se modela sobre a alma.

"É necessário em seguida considerar que há tanta
diversidade entre os corpos astrais como entre os corpos
materiais. Certas pessoas gozam da faculdade de mudar, em
circunstâncias determinadas, a forma de seu corpo astral. Estas
pessoas podem apresentar o fenômeno da mudança de
personalidade, que se produz da seguinte maneira:

"Sob a influência da vontade do operador, o sujet. A projeta
à distância uma ação de seu corpo astral em direção ao indivíduo
B, que ele deve conhecer e cuja personalidade deve tomar. O
sujet A modela então seu corpo astral sobre o de B, fotografa de
alguma maneira o corpo astral de B com seu próprio corpo


astral. Resulta daí que ele toma assim, ao menos em uma parte
apreciável, a fisionomia e os modos de B. Além do mais, o que
vocês chamam memória, consistindo em imagens armazenadas
no corpo astral, o corpo astral A vê, ao menos em parte, as
imagens armazenadas por B, e principalmente as mais aparentes.
Esta visão opera-se mais ou menos por intermédio do operador,
que conhece o indivíduo B. Assim A encontra-se não somente
com a fisionomia e os modos de B, como também com uma
parte da memória deste.

"Se A não conhece B, nada pode produzir-se, uma vez que
A não sabe onde projetar a ação à distância de seu corpo astral.

"Se B é uma personagem ideal, Dom Quixote por exemplo,
A encontra em sua própria memória e na do operador o tipo
sobre o qual deverá modelar seu corpo astral; é preciso para isso
que ele tenha, ele próprio, uma noção do Dom Quixote. Ele dará
a seu corpo astral as formas que correspondem às qualidades
características de Don Quixote, tais como ele as imagina, e o
corpo astral assim transformado reagirá sobre o corpo físico de
A para fazê-lo executar os atos conforme a concepção que A se
faz de Dom Quixote, concepção completada pela que o operador
se faz do mesmo Dom Quixote. A mudança de personalidade
provém, era todos os casos e exclusivamente, da transformação
do corpo astral do sujet."

Tocado por esse fato de que, nas manifestações
medianíanicas, a força que age sobre os corpos inertes parece
dotada de certa inteligência, como os relâmpagos cuja marcha
caprichosa é difícil de explicar apenas com o auxílio das
circunstâncias físicas, perguntei a Vincent se a força elétrica não
era, assim como a célula, suscetível de uma evolução
ascendente.

Ele me respondeu que sobre a Terra as forças permaneciam
sempre brutas, porém evoluíam nos outros mundos. Começam
por serem mais facilmente permeáveis a uma inteligência


estranha e, nesse caso, obedecem mais ou menos à inteligência
que as impregna. Em seguida, tomam pouco a pouco uma
inteligência própria e tornam-se forças inteligentes. Enfim,
aumentando a proporção de inteligência, elas tornam-se
inteligências-força.

A hipótese de que o raio globular poderia ter rudimentos de
inteligência é pois falsa para a Terra, porém é verdadeira para o
mundo onde ele mora, onde a camada elétrica envolvente é feita
de uma eletricidade evoluída capaz de obedecer a uma
inteligência estranha. Constantemente submetida a duas forças
opostas que são, por um lado, atração do astro que ela circunda
(força centrípeta) e, por outro, a atração do mundo central (força
centrífuga ou expansiva), esta camada, como a que envolve a
Terra, encontra-se agitada por correntes violentas que produzem
contracorrentes, enrolamentos, destacamentos parciais da
substância que as compõem. Estas partes destacadas constituem,
sobre a Terra, raios globulares que possuem a forma de esfera,
porque têm de obedecer apenas às leis físicas do equilíbrio; mas
que tomam, quando são compostas de eletricidade evoluída, a
forma desejada pela inteligência que toma sua direção e as
transforma, por exemplo, em cones semelhantes àquele que lhe
serve de veículo.

Além do mais, quanto mais sutil é a substância, mais é
suscetível de obedecer diretamente à vontade. "Assim", diz ele,
"o seu fluido (do magnetizador) obedece, em seus movimentos
de projeção ou de retração, quase sem esforço muscular, à sua
ordem mental: apenas sua vontade é suficiente para dirigir o
Espírito de Mireille quando este encontra-se desligado do corpo
astral, já sendo então o envoltório sutil que o circunda
inteligente e capaz de agir ele próprio sobre o fluido,
condensando-o ou rejeitando-o de acordo com a necessidade
para realizar o desejo expresso por você."


Uma outra vez manifestei a Vincent minhas duvidas sobre a
realidade de sua existência fora da imaginação de Mireille,
fundamentando as revelações dos estáticos diferem
freqüentemente umas das outras sobre o mesmo assunto.

"Felizmente", respondeu-me ele, "suas duvidas não me
impedem de existir."

"Além do mais, é preciso distinguir cuidadosamente a
origem das revelações às quais você se refere. Se é um espírito
mais ou menos desprendido de seu corpo astral quem lhe conta o
que vê, ele pode tomar e freqüentemente toma por realidades a
objetivação de suas recordações e de seus próprios pensamentos.
É por isso que cada extático tem visões conforme suas crenças
religiosas.

"Quando a revelação vem de um espírito desencarnado, é
preciso conhecer este espírito antes de confiar nele. Comete-se o
erro de crer que há entre o mundo dos vivos e o dos mortos uma
diferença profunda, um hiato. Nada é mais falso: a vida
espiritual continua além da tumba sem mais transições, da
mesma forma que na vida carnal dentre os diferentes moradores
de uma casa reunidos num térreo mal-iluminado por algumas
janelas estreitas, alguns se separassem dos outros subindo para
um andar amplamente iluminado. Há pois, dentre os
desencarnados, gente de toda espécie, ignorantes, orgulhosos,
mentirosos, sábios, caridosos etc. Cabe a você distingui-los e
não se deixar enganar.

"Há já vários meses que estamos em comunicações, que
conversamos sempre sobre coisas sérias. Você viu que jamais
pôde encontrar algum erro no que eu lhe disse. Quando não sei,
confesso sem hesitação. Se eu fosse uma de suas relações
terrestres, você não hesitaria, espero, em chamar-me de seu
amigo e em dar-me sua confiança. Não seria a meu corpo que
esta confiança se endereçaria. Por que não tratar-me da mesma
forma? Porque não possuo um corpo especial que você possa


ver? Você não tem amigo; cuja personalidade não lhe causa
nenhuma dúvida, e que você não conhece no entanto senão por
correspondência?"

Insisti novamente com Vincent sobre a hipótese de ele ser
apenas um produto do espírito de Mireille, exaltado em suas
percepções pelo seu desprendimento do corpo e objetivando a
lembrança de uma pessoa que lhe havia sido cara. "Se", disse-
lhe eu, "você é realmente esta pessoa, deve saber coisas que
Mireille não sabe, o latim por exemplo. Que significam as
palavras arma virunque cano?" Vincent pensou alguns segundos
e respondeu: "Não me lembro; mas observe que estas palavras
pertencem a uma língua que não é a minha, e que as lembranças
que a isto se referem foram armazenadas unicamente em seu
corpo astral terrestre que não mais possuo."

Ele tem, vê-se, resposta para tudo.(217)

(217) Nota da editora: A parte final da resposta, no entanto, está
errada, segundo a Doutrina Espírita. Restaria saber apenas se Vincent a
deu por verdadeira ignorância ou por má-fé, nos termos, alias, das
ressalvas que anteriormente ele fizera quanto à questão da confiança.
Até o presente não dei, como apoio à realidade das visões de
Mireille, senão seu próprio testemunho. No entanto, tentei obter
outros, servindo-me de sujets trazidos no estado de hipnose em
que diziam perceber fenômenos análogos a estes dos quais tratei.

Tive assim duas sessões com dois controles diferentes.

Na primeira, a de 24 de julho de 1894, o controle era meu
jovem amigo Laurent, cujas impressões publiquei nas páginas
precedentes. Como espectadores havia monsenhor X..., doutor
em teologia e protonotário apostólico, e o Senhor de Y..,
engenheiro, aos quais pedi que redigissem, cada um
separadamente, um relatório. São esses relatórios que vou
reproduzir, urre após o outro, coto suas leves variantes.

Relatório do monsenhor X.


As primeiras séries de experiências consistem em adormecer
ao mesmo tempo dois sujets: Mireille pelos passes magnéticos
do Senhor de Rochas, e Laurent pela ação das correntes da
máquina Winhurst, acionada por um outro operador; e em
controlar os sujets um pelo outro.

Laurent passa pelas fases regulares que são a característica
de seu estado sonambúlico; Mireille queima de alguma maneira
as etapas. Chega-se, porém, com algumas tentativas. a conduzir
os dois sujets paralelamente, de tal forma que eles encontram-se
juntos no mesmo estado.

Laurent vê primeiro formar-se, a cerca de um metro à sua
direita, uma espécie de coluna luminosa mais ou menos de sua
altura, e de cor azul. Em seguida, uma coluna semelhante, mas
vermelha, a mesma distância à sua esquerda. Enfim as duas
colunas reúnem-se numa só, uma parte azul e outra vermelha.

Esse duplo, à medida que os estados tornam-se mais
profundos (Laurent foi levado até o décimo-segundo estado).
Desloca-se primeiro horizontalmente, distanciando-se do corpo,
depois se eleva um pouco, como se tomasse um impulso, e
finalmente é levado às regiões superiores da atmosfera.

Mireille exterioriza-se de maneira diferente. Os eflúvios
sensíveis dispõem-se à sua volta em camadas luminosas
paralelas à superfície de seu corpo, através das quais Laurent a
vê como através dos envoltórios concêntricos. Em seguida, essa
matéria condensa-se instantaneamente e o duplo forma-se de
uma só vez sem passar pelas duas formações parciais laterais
como com Laurent.

Esse duplo é uma coluna luminosa (218) que, mais tarde,
nas regiões superiores para onde é levado, transforma-se nunca
espécie de bola com apêndice caudal que o faz ser comparado a
um girino ou a um cometa.(219) Os desenhos com os quais os
dois sujets tentam representar a maneira por que vêem seu duplo


coincidem bastante para que se possa daí concluir uma
impressão única interpretada por dois observadores diferentes.

(218) Essa coluna luminosa lembra a que guiou os hebreus no
deserto.
(219) Encontro uma menção sobre formas semelhantes num relato de
Aksakov: "Entramos num cômodo obscuro e, após pouco tempo, vimos
produzirem-se corpos luminosos semelhantes a cometas, com cerca de
trinta centímetros de comprimento, alargados numa das pontas e
afinando em uma fina ponta na outra extremidade; estes corpos
luminosos adejavam cá e lá, seguindo oura trajetória
curvilínea."(Animismo et Spiritisme, pág.497 da tradução francesa.) -A.
R.
Cada um dos dois sujets viu a formação e os diferentes
estados do duplo do outro desde o momento em que se formou
até aquele em que é lançado ao espaço.

Aqui começaram as dificuldades. Mireille, que
habitualmente eleva-se de imediato às regiões luminosas,
queixou-se de encontrar-se retida num espaço omito menos
luminoso. Cessou de ver o duplo de Laurent. Angustiada por sua
solidão, deseja vê-lo e deseja também que Laurent possa ver seu
duplo para assim estar segura de que suas impressões são
mesmo reais e não um efeito da imaginação.

O Senhor de R. ordena então a Laurent que procure o duplo
de Mireille, o que ele faz primeiramente sem sucesso. Depois,
de repente, sem transição, sem vê-lo vindo ao longe, como seria
natural, ele exclama que vê o duplo de Mireille que, por sua vez,
vê Laurent e testemunha alegria muito viva.

Continua-se a aprofundar simultaneamente a hipnose dos
dois sujets: Mireille por meio de passes, Laurent por meio da
máquina.

É difícil manter os dois duplos na mesma altura: uma vez é
um, outra vez é outro que escapa. E Mireille parece bastante
apavorada quando perde de vista seu companheiro. Aquele que
se elevou muito alto é trazido de volta, seja através de passes


transversais (Mireille), seja mudando o sentido da corrente da
máquina (Laurent).

Pergunta-se a Laurent sob que forma ele se vê; responde que
seu duplo tornava-se cada vez menos perceptível à medida que
se elevava e que agora ele não vê mais, porém sente e tem a
percepção de existir num ponto determinado.

Pede-se aos dois sujets que justaponham seus duplos, é feito.

Mireille vê os dois duplos.

Laurent vê o de Mireille e percebe o seu justaposto.

Os dois duplos levados assim ao contato permanecem
inativos, "como duas estátuas", diz Laurent.

A sensação produzida em Laurent pelo contato do dublo de
Mireille foi comparada por ele à de uma ducha de água fria
caindo sobre o corpo.

Pede-se aos dois sujets que tentem fazer penetrar os dois
duplos um no outro; a operação é feita sem nenhuma dificuldade
e não traz nenhuma impressão particular, porém por prudência
ela não é prolongada. Previnem-se os dois sujets de que eles
serão despertados. Mireille recomenda a Laurent que vigie bem
a reentrada de seu duplo para saber se ele entra por partes, como

o de Laurent, ou todo ao mesmo tempo, como ele saiu.
Procede-se ao despertar pelos meios inversos àqueles de
serviram para produzir a hipnose.
Laurent vê retornar a seu corpo o duplo, que primeiramente
se desdobra em dois. Em seguida o fantasma vermelho volta, e
enfim o azul. Ele vê o duplo de Mireille descer novamente a seu
corpo, envolvê-lo, depois voltar de uma só vez.

Os dois sujets despertos perderam, como é a regra, toda
lembrança do que se passou; mas, pressionando-se suas frontes,
no ponto correspondente à memória sonambúlica, eles procuram
recordar os incidentes dessa peregrinação comum no espaço.

Esse trabalho de reconstituição é bastante penoso por causa
da grande quantidade de incidentes que se produziram.(220),


mas os espectadores observaram a simpatia nascida subitamente
entre Mireille e Laurent, que no início da sessão mal se
conheciam e experimentavam uma espécie de repulsão mútua,
tão freqüentemente constatada entre os sujets. Atribuímos essa
mudança ao fato de que seus corpos astrais tenham-se penetrado
por um instante.

(220) Não tendo esses incidentes em relação direta com o assunto
tratado neste artigo foram suprimidos nos dois relatórios. -A. R.
Relatório do Senhor de Y

A sessão começa às 3h30. Mireille e Laurent são
adormecidos simultaneamente de maneira a encontrarem-se
juntos nos mesmos graus de hipnose. Laurent vê aparecer a
metade direita de seu duplo; Mireille não vê nada.

Laurent vê a segunda parte de seu duplo; Mireille ainda não
vê nada.

Laurent vê o corpo de Mireille como que envolvido por uma
auréola luminosa. Instantes depois o Senhor de Rochas sente
uma espécie de vento frio e levanta-se para fechar uma porta que
ele crê aberta, quando Mireille lhe diz que é seu duplo que acaba
de sair de uma só vez e de colocar-se sobre as mãos do Senhor
de Rochas. Laurent confirma. A sensação de frio cessa para o
Senhor de Rochas, apesar de o duplo de Mireille continuar a
manter-se sobre suas mãos. Mireille, desligada de seu corpo, vê

o duplo de Laurent em azul. Laurent vê seu próprio duplo
elevar-se. Mireille o segue mal e diz que a diferença entre o
fluido magnético do qual está impregnada e o fluido elétrico do
qual Laurent está carregado influi de alguma forma na
dificuldade que experimenta seu duplo de aproximar-se do de
Laurent e de segui-lo.
Continuando a experiência, Laurent continua a ver o duplo
de Mireille; porém, cora o seu afastando-se cada vez mais, ele


cessa de vê-lo. É reconduzido então a uma fase anterior à da
hipnose, revertendo-se a corrente da máquina. Revê seu duplo,
ao qual está ligado, diz ele, por uma coluna de fluido. Vê o
duplo de Mireille mais luminoso do que o seu. Os dois duplos
mantem um ao lado do outro, no alto. Eles são reconduzidos
para perto do chão pela desmagnetização e se mantem sem ação
recíproca, "como duas estátuas", diz Laurent.

Em determinado momento, Mireille testemunha certo
sofrimento; penetra, diz ela, no duplo de Laurent. Estando os
dois duplos de novo separados, os sujets tentam de comum
acordo reaproximar-se.

A sensação percebida por Laurent é comparada por ele a
uma ducha de água fria.

Pára-se a experiência. Os dois sujets são progressivamente
despertos; conservam após o despertar uma sensação recíproca
sobre os lados dos duplos que estiveram em contato: esquerdo
para Laurent e direito para Mireille. Isto é, se Mireille é tocada
do lado direito, Laurent sente o toque em seu lado esquerdo e
reciprocamente. Eles se recordam, pelo método habitual, do que
se passou durante o sono e testemunham grande simpatia
recíproca.

Na segunda sessão, o controle foi a Senhora Z., mulher
bastante inteligente, com cerca de cinqüenta anos, que, após ter
assistido a algumas experiências em minha casa, pediu-me que a
magnetizasse para restituir-lhe, por sugestão, o sono do qual
estava privada há vários meses. Consegui bastante facilmente e
foi-me necessário pouco tempo para chegar a exteriorizar seu
corpo astral em condições diferentes das de Mireille, no sentido
em que ela via ao mesmo tempo seu corpo carnal e seu corpo
astral, enquanto de Mireille vê geralmente apenas seu corpo
carnal.

No dia 20 de julho de 1895, adormeço a Senhora Z.; levo-a
até o grau que convém e peço-lhe para observar bem o que se


passará. Em seguida, adormeço Mireille e provoco a encarnação

de Vincent segundo o processo habitual.

Eis o relato da sessão, redigido por um dos assistentes:

A Senhora Z. viu seu próprio corpo astral formar-se a cerca
de um metro à sua direita sob a forma de uma nuvem luminosa
azulada. Quando o Senhor de R. adormeceu Mireille, a Senhora

Z. viu desprender-se da cabeça desta como que uma bola de luz
que se fixou acima.
Mireille viu então o fantasma da Senhora Z. no local
indicado viu, além do mais, um rastro fluídico ligando esse
fantasma ao corpo carnal da Senhora Z. Esse rastro apresentava,
em direção ao meio de seu comprimento, uma parte muito mais
luminosa do que o próprio fantasma. Mireille diz que a luz é
devida ao espírito da Senhora Z., que deixou seu corpo carnalsem seguir, porém completamente o corpo astral. É por isso que

o espírito da Senhora Z., Colocado entre os dois, vê um e outro.
Mireille interrompe estas explicações para dizer que o cone
que transporta Vincent chegou. Ela o vê a um canto da sala que
ela indica e, em seguida, cai em letargia e reanima-se após
alguns instantes com a personalidade de Vincent.

A Senhora Z. que, sempre adormecida, segue atentamente o
que se passa e o conta espontaneamente, vê no local designado
um círculo luminoso cujas bordas parecem animadas por uma
espécie de estremecimento e que ela compara a uma brilhante
custódia sem pé. Deste círculo desce, em direção à bola de luz
que se encontra acima da cabeça de Mireille, um raio que os
liga.

No momento em que é feita a mudança de personalidade, a
bola de luz sobe ao longo do raio e entra nesse círculo.
Imediatamente após, uma chama sai do círculo, segue o raio em
sentido inverso e entra no corpo de Mireille.


Quando a encarnação termina, a Senhora Z. vê uma chama
subir no círculo e a bola luminosa desce novamente, pelo
mesmo caminho, sobre a cabeça de Mireille.

IV

Relendo as páginas precedentes, não posso impedir-me de
pensar que, se tivessem sido escritas por outra pessoa, eu estaria
extremamente inclinado a aí ver apenas uma mistura de
recordações, de auto-sugestões e de sugestões do operador.
Lembro-me dos casos de sonâmbulos, perseguindo com uma
lógica rigorosa, algumas vezes durante meses inteiros, uma série
de visões cuja falsidade foi, em seguida, totalmente
demonstrada.(221) Digo-me que Mireille possui imaginação
bastante viva e que ela bem pode ter cedido, mais ou menos
inconscientemente, ao desejo de mostrar-se em relação com um
ser superior que raramente perde ocasião de fazer-lhe
cumprimentos.

(221) Lês états superficiels de I' Hypnose, p 50 e Les états profonds
de l'hypnose, p. 56. A estabelecer relação igualmente com as inexatidões
constantes nas expectativas relativas às vidas sucessivas. -A. R.
E, no entanto, encarreguei-me de evitar todas as causas de
sugestão, obtive o testemunho concordante dos controles sobre
fenômenos que, não tendo sido a meu conhecimento jamais
descritos, não poderiam ter-se apresentado ao espírito se não
tivessem tido alguma realidade. Os termos diferentes com os
quais são formulados esses testemunhos tenderiam, além do
mais, a provar que eles são devidos não a uma transmissão de
idéias, mas à produção de fatos reais.

Certamente podemos ser induzidos a erro pelas entidades
cuja natureza não conhecemos. Essas revelações seriam talvez
também devidas a um impulso de nossa alma momentaneamente
desligada dos laços do corpo carnal que obscurece as percepções


inerentes à sua natureza imortal? É a hipótese que desenvolveu
um espírito dos mais distintos e ao mesmo tempo dos mais
positivos, o historiador Henri Martin, a propósito das visões de
Joana d'Arc e que reproduzi na pág 31.

É em alguma hipótese análoga a esta que estou tentado a
deter-me a propósito do caso que acabo de relatar. Por um lado,
com efeito, estou bastante impressionado pelas mudanças tão
nítidas e tão regulares de estados físicos correspondendo às
diversas fases do desprendimento, (222), mas, por outro lado,
não pensei então em assegurar-me se eu poderia reproduzir, por
simples sugestões, essas mudanças de estado cuja causa além do
mais não sei explicar. O que conheço da existência terrestre do
pretenso Vincent torna difícil compreender sua progressão tão
rápida: duas zonas de mundos! Enfim, o que pensar de frases
tais como essas: -"Ora, vamos! Entre homens nós podemos dizer
isso." Ou ainda falando sobre Mireille: -"Ela não é bonita?",
que lhe escapam às vezes no meio de conversas onde expõe,
com verdadeira eloqüência, doutrinas do mais puro
espiritualismo que, aliás, não me admirariam nem pela forma
nem pelo conteúdo, na boca de Mireille desperta e um pouco
superexcitada.(223)

(222) Cabe aqui também observar que Mireille, adormecida
magneticamente e passando pelas mesmas fases que os outros sujets dos
quais se tratou no capítulo da 2° parte, escapa no espaço como eles
escapam no tempo. -A. R.
(223) Na sessão de 24 de julho de 1894, o prelado que redigiu um
dos relatórios, desejando assegurar que Vicent não era um demônio,
pediu-lhe que recitasse o Pai Nosso o que ele fez com unção edificante. Em
seguida, monsenhor X discutindo com ele sobre o que se passava após a
morte. Mireille, que em estado de vigília é bastante católica, chama-o
respeitosamente de monsenhor e termina por exclamar em tom bastante
solto: "Ora vamos, senhor abade, eu o sei melhor que o senhor que fala
apenas por ouvir dizer; acabo de passar por isso." – A. R.

Capítulo III

O caso da senhorita Smith

Objetaram, a minhas experiências relativas à regressão de
memória nas vidas anteriores pelo magnetismo, que eu era o
único a haver observado esse fenômeno (224) Isto não é exato.
Já expusemos, no capítulo IV da terceira parte, o relato do
Senhor Fernandez Colavida, apresentado no Congresso Espírita
de Paris, na sessão de 25 de setembro de 1900. Na mesma
sessão, o Senhor Estevan Marata, presidente da União Espírita
da Catalunha, declara haver obtido fatos análogos pelos mesmos
processos (isto é, por sugestões sucessivas fazendo o sujet recuar
ao passado), experimentando sua própria esposa em estado de
sono magnético. A propósito de uma mensagem dada por um
espírito e tratando de uma das vidas passadas do sujet, ele pôde
despertar na consciência obscura deste último os traços de suas
existências anteriores.

(224) É possível que eu obtenha os fenômenos mais facilmente do que
outros magnetizadores. O Senhor Pierre Janet observou que há sujets
"que são tão sensíveis que não retomam o mesmo sonambulismo senão
sendo adormecidos pela mesma pessoa e da mesma maneira; senão eles
entram num estado sensitivo-sensorial diferente e não encontram as
recordações do primeiro sonambulismo." – Automatisme Psychologique,
p.113 – A. R.
Desde então, diz o Senhor Leon Denis, essas experiências
têm sido tentadas em muitos centros de estudo. Têm-se obtido
assim numerosas indicações a respeito das vidas sucessivas da
alma. Essas experiências multiplicar-se-ão provavelmente a cada
dia. Observemos, entretanto, que elas reclamam grande


prudência. Os erros e as fraudes são fáceis; perigos são de se
temer.(225)

(225) O problema do ser e do destino, pág. 261 da edição original
francesa.
Se esses fenômenos são conhecidos apenas há pouco tempo,
é porque não tinha havido observador que neles houvesse fixado
sua atenção. Da mesma forma para todas as invenções. O Senhor
Henrico Carreras (de Roma) escreveu-me, em 1904: "Peço-lhe
me diga se, nessas experiências, você influi com sua vontade
para dar uma orientação qualquer ao pensamento dos sujets, pois
jamais obtive a regressão da memória em meus sujets, exceto
uma vez, em que acreditei ter sido o fato puramente acidental."

Foi preciso que, com Laurent, a coisa se tenha produzido
espontaneamente para que a constatasse e fosse assim levado a
reconhecer a influência dos diversos passes e das sugestões
relativas à orientação em direção ao passado ou ao futuro que eu
dava ao espírito dos sujets em parte desligados dos laços do
corpo físico.

Há, além do mais, acontecimentos que permanecem no ar.
Em Voiron, no momento em que eu determinava com Joséphine,
por meio de passes magnéticos, o retorno ao que ela apresentava
como vidas precedentes, o mesmo fenômeno era observado em
Genebra pelo Senhor Flournoy com Hélène Smith, o qual se
produzia espontaneamente.

Foi durante o inverno de 1894-1895 que o Senhor Flournoy
manteve contato com a srta. Smith, então com trinta anos.(226)
Havia três anos ela principiou a dedicar-se ao espiritismo,
recebendo ditados tipológicos e tendo alucinações auditivas e
visões, no estado de vigília.(227)

(226) A Srta. Smith é uma bonita mulher de saúde perfeita e de viva
inteligência. Ocupou durante longo tempo, para satisfação de seus
patrões, o cargo de chefe de seção numa grande loja de Genebra. De
conduta perfeita e de grande distinção natural ela e apreciada por todos
os que com ela tiveram relacionamento. -A. R.

(227) Hoje essas visões tomaram lugar preponderante na
mediunidade e a Srta. Smith pinta a óleo, sem jamais haver aprendido
esta arte, diferentes cenas da vida do Cristo que se apresentam a seus
olhos. -A. R.
As revelações haviam sido, a maioria, "sobre
acontecimentos passados, mas cuja realidade era sempre
verificada recorrendo-se ora aos dicionários históricos, ora às
tradições das famílias interessadas". Outras revelações eram
sobre as vidas anteriores das pessoas presentes, que teriam sido,
em geral, personagens de destaque.

A partir do momento em que ela foi estudada pelo Senhor
Flournoy, suas faculdades modificaram-se. O hemi-
sonambulismo sem amnésia, no qual ela havia permanecido até
ali, transformou-se em sonambulismo total com amnésia
consecutiva e ela tornou-se uma médium de encarnações sob a
direção de um espírito que se dizia ter sido Cagliostro.

O Senhor Flournoy estudou as manifestações complexas da
mediunidade da srta. Smith num grosso volume, publicado em
1900, no Alcan, em Paris. Posso daí apenas extrair alguns
detalhes que se referem às vidas sucessivas.

A srta. Smith já teria vivido duas vezes sobre o nosso globo.
Há quinhentos anos era a filha de um xeque árabe chamado
Pirux e tornou-se, sob o nome de Simandini, a esposa preferida
de um príncipe hindu chamado Sivrouka Nayaka, que reinava no
Kayara e lá construiu, em 1401, a fortaleza de Tchandraguiri.
Foi queimada viva na fogueira destinada a consumir os restos de
seu esposo segundo o costume malabar. No século passado, ela
reapareceu como Maria Antonieta e está atualmente encarnada
para expiação de seus pecados e seu aperfeiçoamento na
humilde condição de funcionária de uma loja.

A srta. Smith nunca foi hipnotizada ou magnetizada. Com
sua aversão instintiva, que a maioria dos médiuns apresenta para
com tudo o que lhe aparece como experiência empreendida


consigo, ela sempre se recusou a deixar-se adormecer. Pode-se
atribuir essa aversão ao ciúme do guia da médium que, como os
magnetizadores vivos, não gosta que toquem em seus sujets.
Constatei um fato análogo com a Senhora Nathalie que,
musicista de bastante talento, crê ter por protetor Sebastian
Bach, e que jamais pude adormecer na sala onde se encontra o
piano sobre o qual ela passa parte de sua vida a tocar as obras de
seu mestre preferido, enquanto que, fora daí, e mesmo na rua, é
me suficiente um simples olhar para mergulhá-la no sono
magnético.

Todas as sessões, diz o Senhor Flournoy(228) apresentam
mais ou menos a mesma forma psicológica, o mesmo desenrolar
através de sua enorme diversidade de matizes. Ela senta-se à
mesa (229) com a idéia e a espera de que suas faculdades
mediúnicas vão entrar em atividade. Após um tempo variando
de alguns segundos a cerca de uma hora, em geral, e tanto mais
curto quanto o cômodo seja mal-iluminado e os assistentes mais
silenciosos, ela começa a ter visões precedidas e acompanhadas
de perturbações bastante variáveis da sensibilidade e da
motricidade. Em seguida, passa, pouco a pouco, ao transe
completo. Nesse estado acontece raramente, e somente durante
momentos de pouca duração, que ela fique inteiramente alheia
às pessoas presentes e como que fechada num sonho pessoal ou
mergulhada em letargia profunda (síncope hipnótica).
Habitualmente ela permanece em comunicação mais particular
com um dos assistentes, que se encontra então defronte a ela na
mesma relação que um hipnotizador defronte a seu sujet, e que
pode aproveitar-se desta relação eletiva para dar-lhe todas as
sugestões imediatas ou no prazo que queira.

(228) Das Índias ao planeta Marte, p. 56.
(229) Quando os espectadores fazem a cadeia colocando suas mãos
sobre uma mesa ao mesmo tempo em que o sujet, a corrente assim
produzida é suficiente para determinar o sono magnético mais ou menos
profundo nos sensitivos. -A. R.

Quando a sessão consiste apenas em visões despertadas,
duram geralmente pouco tempo, uma hora à uma hora e meia, e
termina sem hesitação por três pancadas enérgicas da mesa,

(230) após as quais a srta. Smith reencontra-se em seu estado
normal, que ela aliás parece quase não ter abandonado. Se há
sonambulismo completo, a sessão prolonga-se até o dobro do
tempo e até mais, e o retorno ao estado normal faz-se lentamente
através das fases de sono profundo separado por reincidências
de gestos e de atitudes sonambúlicas, momentos de catalepsia
etc. O despertar definitivo é sempre precedido de vários
despertares bastante curtos, seguidos de recaídas no sono.(231)
(230) É difícil atribuir essas pancadas ao inconsciente da Senhora
Smith, como o Senhor Flournoy o fez para os outros fenômenos
observados. -A. R.
(231) Reconhecem-se aí as alternativas de estado de sonambulismo e
de letargia indicados, pág 37. A Senhora Smith passa então por todas as
fases da magnetização produzida seja por um magnetizador invisível, seja
pelo conjunto dos espectadores que fazem com ela a cadeia sobre a mesa.
-A. R.
Cada um desses despertares preliminares, assim como o
definitivo, é acompanhado das mesmas modificações de
fisionomia características. Os olhos, fechados por muito tempo,
abrem-se bastante, o olhar idiota fixa o vazio ou passeia
lentamente sobre os objetos e os assistentes sem vê-los, as
pupilas dilatadas não reagem, o rosto é uma máscara impassível
e rígida desprovida de expressão. Hélène parece absolutamente
ausente. De repente, com um leve endireitar do busto e da
cabeça e de uma brusca respiração, (232) um lampejo de
consciência ilumina-lhe a fisionomia, a boca entreabre-se e,
graciosamente, as pálpebras animam-se e os olhos brilham, todo

o rosto brilha com um feliz sorriso e testemunha a evidência de
que ela acaba de reconhecer seu mundo e de reencontrar-se a si
mesma. Porém, com a mesma rapidez com que aparece, mal
esse lampejo de vida de um ou dois segundos apagam-se de

novo, a fisionomia retorna sua máscara inerte, os olhos voltam a
tornar-se esgazeados e fixos e não tardam a fechar-se
novamente, e a cabeça a recair sobre o encosto da poltrona. Esse
retorno do sono é em breve seguido de um novo despertar
instantâneo, e depois às vezes de mais outros até o despertar
definitivo, sempre marcado, após o sorriso do início, por esta
frase estereotipada: "Que horas são?" E por um movimento de
surpresa ao saber que é tão tarde e nenhuma recordação, aliás,
do que se passou durante o sonambulismo, mas somente
reminiscências bastante completas das visões semidespertas que

o precederam.
(232) -Esta profunda inspiração se produz com todos os bons
sensitivos no momento em que eles passam da letargia a uma fase de
sonambulismo. Há, além disso, uma propriedade fisiológica geral, porque,
quando acordo pela manhã. Só me sinto completamente acordado após
uma respiração semelhante.
(233) Todos os que assistiram às minhas experiências encontrarão
nesta descrição o relato fiel das mudanças de fisionomia produzidas pelos
passes sobre os sujet. -A. R.
Na Srta. Smith o retorno às vidas anteriores não se produz,
como na maioria dos sujets que estudei, por uma mudança de
personalidade brusca e bem nítida, ruas por visões que se
precisam pouco a pouco.

É assim para o que o Senhor Flournoy chama de ciclo
oriental: as primeiras visões remontam a outubro de 1894, onde
aparece, no meio de um jardim de aspecto hindu, uma mulher de
cabelos muito negros, celebrando uma cerimônia religiosa que
se reproduzirá mais tarde quando a srta. Smith terá tomado a
personalidade de Simandini. É apenas quatro ou cinco meses
mais tarde que o romance se desenvolve completamente,
começando pelas cenas mais próximas do tempo atual (a cena da
fogueira), para recuar em seguida no tempo com a adjunção de
personagens diversas, tal como o príncipe Sivrouka, reencarnado
hoje na pessoa do Senhor Flournoy. Encontra-se aqui um


fenômeno análogo ao que apresentou Marguerite (caso n° 12),
onde o sujet reencontra-se comigo, Carl du Prel e Leon Denis,
em existências anteriores.

Porém, contrariamente ao que contamos na segunda parte
deste livro, não há continuidade entre as sessões de
revivescência; são quadros separados que se produzem
espontaneamente e é apenas reunindo os resultados de um
grande número de sessões que se pôde reconstituir a trama do
romance de Simandini. Observemos que em muitas dessas
sessões havia passagem da simples visão à reencarnação, o que

o Senhor Flournoy explica pela invasão de uma idéia no cérebro
de alguma pessoa bastante sugestionável. A Srta. Smith
representa, além do mais, seu papel nessas diversas
circunstâncias com uma verossimilhança tão admirável quanto
nas cenas que observei com meus sujets.
A maneira como Simandini senta-se no chão, com as pernas
cruzadas ou meio estendidas, negligentemente apoiando o braço
ou a cabeça num Sivrouka, ora real (quando em seu transe
incompleto ela me toma por seu príncipe), ora imaginário (caso
em que lhe acontece manter-se se firmando com os cotovelos no
vazio em posições de equilíbrio inverossímeis, implicando
convulsões de palhaço); a religiosa e solene gravidade de suas
prostrações quando, após ter por longo tempo balançado o
defumador fictício, ela cruza as mãos estendidas, ajoelha-se e,
por três vezes, inclina-se com a fronte tocando o chão; a
suavidade de seus cantos em tom brando, melopéias lânguidas e
lamentosas que se desenvolvem com notas flauteadas,
prolongando-se com lento decrescendo e apagando-se às vezes
somente depois de quatorze segundos de um só fôlego; a
flexibilidade ágil de seus movimentos ondulantes é serpentina
quando ela se distrai com seu macaco imaginário, acaricia-o,
abraça-o, excita-o ou ralha com ele rindo, e o faz repetir seus
movimentos; toda essa mímica tão diversa e esse falar exótico


têm um tal cunho de originalidade, de facilidade e de
naturalidade que nos perguntamos com estupefação de onde
vem, nessa moça das margens do lago Léman, sem educação
artística, nem conhecimentos especiais do Oriente, uma
perfeição de representação cênica à qual a melhor atriz não
chegaria senão, sem duvida, à custa de estudos prolongados ou
de uma estada às margens do Ganges.

A descrição precedente não se aplica naturalmente senão às
boas sessões onde nada lhes perturba o desenvolvimento do
sonho hindu em toda a pureza. Porém freqüentemente o
sonambulismo não é tão profundo nem franco; vagas
recordações da vida real, a influencia do romance marciano, de
Marta Antonieta ou das visões relativas aos assistentes etc. vêm
interferir no ciclo oriental. Assiste-se então a cenas mistas e
confusas onde essas diversas cadeias de imagens heterogêneas
entrecruzam e paralisam-se mutuamente.

Nada semelhante se produz com minhas experiências por
meio de transe sonambúlico provocado por passes. As historias
contadas pelo sujet desenvolve-se de maneira perfeitamente
regular e invariável, porém para nenhuma delas se encontram
provas no romance hindu da srta. Smith. Essas provas são de
duas espécies: 1°, as palavras sânscritas que se crê serem
encontradas nas conversas da princesa Simandini em meio a
mímicas que parecem apropriadas a seu sentido presumido; 2°, a
menção da existência do príncipe Sivrouka e da fortaleza
Tchandraguiri à época indicada pela médium, numa história do
Oriente, pouco apreciada, da qual um exemplar, impresso em
1828, foi encontrado pelo Senhor Flournoy.

O sábio professor tentou explicar tudo isto por impressões
no inconsciente da srta. Smith, porém confessa lealmente (p.
336) que não conseguiu resolver o problema, como o fez para o
ciclo marciano, ao qual fez alusão e em que a srta. Smith


encontrou-se transportada a Marte e compôs a linguagem e a
escrita dos habitantes calcando-as sobre a sintaxe francesa.

A encarnação de Maria Antonieta sofreu uma evolução
análoga à de Simandini. Ela foi precedida em 1894 por visões
descritas por Hélène e acompanhada por ditados tipológicos
explicativos. Depois o transe tornou-se mais profundo e, em
1895, a srta. Smith começou a personificar a minha em
pantomimas mordas, cujo sentido seu guia Cagliostro precisava
por meio de sinais convencionais. Em seguida, a palavra
apareceu e foi apenas em 1897 que a esta se juntou à escrita,
que, contudo, não se assemelha em nada aos espécimes
conhecidos da de Maria Antonieta.

Aqui ainda a personificação desenvolve-se numa coleção de
cenas e de quadros variados desprovidos de qualquer trama
contínua e em que os acontecimentos históricos marcantes quase
não ocupam nenhum lugar. São, em geral, conversas
espirituosas e até de verossimilhança com a maioria das
personagens marcantes da época, especialmente com Cagliostro,
"seu caro feiticeiro", com Felipe d'Orléans (Egalité) e o velho
marquês de Mirabeau, tendo estes dois últimos reencarnados
como Eugène Demole e Aug, de Morzier, dois dos espectadores
habituais das sessões, assim como o príncipe Sivrouka
reencarnou como Senhor Flournoy.

É supérfluo fazer um relato mais circunstanciado desses
jantares e noitadas de Maria Antonieta. Muito divertidos para os
espectadores, perderiam bastante de sua malícia espirituosa ao
serem simplesmente narrados. Os detalhes são o que se pode
esperar de uma imaginação subliminar, viva, alerta cheia de
inspiração, abundantemente provida por conta da ilustre
soberana de noções ainda mais facilmente explicáveis que as do
ciclo hindu graças à atmosfera intelectual de nosso país.
Aparecem aí, aliás, numerosos anacronismos e Sua Majestade
caem às vezes nas peças que o marquês ou Felipe sentem um


malvado prazer em pregar-lhe. Ela os evita freqüentente quando
são muito grosseiros, e é com uma naturalidade da mais alta
comicidade que permanece primeiramente omissa e, em seguida,
informa-se curiosamente ou manifesta inquietude sobre a saúde
mental de seus interlocutores, quando estes introduzem e
mantêm as palavras telefone, bicicleta, paquetes ou o
vocabulário científico em sua conversação do século XVIII.
Porém, por outro lado, ela própria emprega sem pestejar termos
de uso mais arraigado, tais como descarrilar (no sentido
figurado), metros e centímetros etc. Certas palavras como carro
elétrico e fotografia originaram curiosos conflitos: Maria
Antonieta primeiro deixa passar o vocábulo e vê-se que ela o
compreendeu bem, porém com sua própria reflexão ou o sorriso
dos assistentes despertando-lhe o sentimento de
incompatibilidade, entenda-se e volta ao termo de há pouco,
fingindo ignorância e a mais espontânea admiração.

A srta. Smith, em suas encarnações, não perde nunca o
contato com os assistentes, apesar de não parecer nem vê-los
nem ouvi-los. Eis aí uma propriedade bastante conhecida dos
sujets sobe o sono magnético e, como na maioria deles, a música
tem o dom de fazê-la voltar bruscamente de seu sonho para de
novo impô-lo, conforme os sentimentos que ela exprime.(234)

(234) Estudei em especial este fenômeno com Lina (em meu livro
sobre les sentinent la musique et le geste) e com Caro (caso n° 15). O
Senhor Magnin o estudou com Madaleine -L'art e I'hspnose. -A. R.
Por exemplo, Maria Antonieta caminhando nunca se choca
com os outros assistentes. As observações e críticas desses
últimos não ficam perdidas, pois bastante freqüentemente sua
conversa trai sua influência após alguns minutos. Da mesma
forma se beliscara ou picam sua mão, se lhe fazem cócegas no
conduto auditivo, nos lábios, nas narinas e mesmo na córnea ela
parece anestesiada. No entanto, após alguns segundos sua
cabeça vira-se sem dar-se a perceber e, se persiste, ela entra


numa espécie de agitação acomodada a seu sonho, muda eleposição sob um pretexto qualquer etc. É evidente, em resumo
que as excitações às quais ela parece insensível no momento,
longe de permanecerem sem efeito, armazenam-se e produzem,
por sua soma, reações retardadas de vários minutos e
inteligentemente adaptadas à cena sonambúlica, mas de uma
intensidade exagerada que diminuí nesse período de latência. A
música age igualmente sobre ela e de maneira quase que
imediata, precipitando-se do sonho de Maria Antonieta a um
estado hipnótico vulgar em que ela torna atitudes passionais que
não apresentara nada de real, conforme o caráter variado das
canções que se sucedem ao piano. (Op. cit. p. 336).

Da rápida exposição que acabo de fazer, conclui-se que a
srta. Smith é dotada das mesmas faculdades fisiológicas que os
sujets que estudei e é provável que, se a submetessem ao mesmo
tratamento metódico pelos passes, obter-se-ia a mesma
continuidade nas manifestações de suas vidas anteriores. Por
conseguinte, pode-se concluir que a origem desse fenômeno é a
mesma para todos e que a ausência de realidade das personagens
revividas, que constatamos particularmente em Joséphine (caso
n° 2) com coincidências não-explicadas, aplica-se igualmente a
Simandini e a Maria Antonieta. Não obstante, encontrei em
Paris, no círculo Allan Kardec, uma senhora que estava
firmemente convencida, por todas as espécies de revelações, de
que havia sido a infortunada rainha da França, cujo clássico
físico esforçava-se por reproduzir.

CAPÍTULO IV

Excursão nos domínios do espiritismo


Contrariamente ao que muita gente pensa, jamais me ocupei
com o espiritismo. Assisti a algumas sessões para saber como as
coisas se passavam. Coloquei-me a par do que se escrevia a
respeito, que toca de tão perto o grande problema da
sobrevivência, porém reservei meu tempo e meus esforços a
estudos mais conformes à minha educação científica. Acreditei
que havia pessoas suficientes ocupando-se em obter
comunicações com os agentes invisíveis, o que não exige
nenhuma atitude particular, e que eu seria mais útil limitando
minhas pesquisas à parte física e ao exame das faculdades
anormais do organismo humano.

Fui, no entanto, à minha revelia, envolvido com
manifestações espíritas em que a teoria das comunicações com
os defuntos certamente estava equivocada. Se as relato aqui, é
unicamente a fim de fornecer novos documentos ao processo
que se desenrola diante da opinião pública, e não para condenar,
de maneira geral, a teoria espírita, que me parece apoiada em
bases sólidas e que é, em todos os casos, a melhor das hipóteses
de estudo formuladas.

Primeiro caso

Meu pai era um espiritualista convicto; e, apesar de católico
praticante, tinha predileção marcante pelas teorias espíritas.

Morreu aos setenta e cinco anos de idade ele uma embolia
que lhe deixava, entre os acessos, a plenitude de suas faculdades
intelectuais e a visão bem nítida de sua morte iminente. Pude
assistir a seus íntimos momentos, em que, tornando-me a mão e
recordando nossas conversas filosóficas, concluía com
serenidade: "amanhã ou depois de amanhã saberei mais do que


você a esse respeito. E não estou aborrecido em pensar que terei
em breve a solução do problema que tão freqüentemente me
preocupou."

No ano seguinte, encontrava-me por acaso em Paris, num
meio mundano com um médium escrevente que, dizia-se, era
notável pela nitidez de suas relações com os mortos. Pediram-
me para experimentá-lo. Solicitei-lhe então que invocasse a
alma de meu pai. O resultado não se fez esperar: a folha de papel
cobriu-se, após algumas tentativas, de uma longa seqüência de
palavras afetuosas como as que um pai endereça a seu filho.
Porém, quando pedi a meu suposto pai que assinasse com seu
nome de batismo, houve hesitação e em seguida assinou um
nome qualquer que não era o seu.

Segundo caso

Enquanto eu fazia minhas experiências com o Senhor de
Jodko, em 1895,(235) um dia falei sobre isso com o Senhor X.,
subdiretor de uma de nossas grandes companhias de estradas ele
ferro, que mantinha freqüentes sessões com Madame.Y, bastante
conhecida em Paris como médium profissional. Alguns dias
depois, o Senhor X. enviava-me as duas comunicações seguintes
obtidas por seu intermédio:

(235) Estas experiências tinham por finalidade exteriorizar o corpo
astral da Senhora Lambert por meio da eletricidade é fotografá-lo. -A. R.
30 de março de 1895

Cylia, espírito hindu, interessado pelos trabalhos do Senhor
de R., diz-nos que durante trinta anos estudou o espiritismo e
que avançaremos mais na Europa, não tendo de combater o
fanatismo pelo qual, no Oriente, tudo é sacrificado.


Vou à ilha do Ceilão, no Tibete, naqueles templos
misteriosos onde apenas os iniciados penetram e comparo
aqueles trabalhos aos seus. Porém você terá de lutar contra o
orgulho dos homens de ciência que nada podem sem nós e que
não querem se decidir a chamar pelos espíritos.

Você estava, na íntima sessão, em boas condições para obter
manifestações físicas; se não as teve, isto se deve à repulsão
fluídica dos dois médiuns.

Diga ao grande magnetizador que lhe daremos a fotografia
do espírito. Será necessário que ele proceda assim:

Deitar o médium num cômodo obscuro que dê para aquele
onde está colocada a objetiva: magnetizá-lo para que entre em
transe.

Servir-nos-emos de seu perispírito, que materializaremos
com nossos fluidos bastante fortemente para impressionar a
objetiva e fazê-la obter a fisionomia que tivemos sobre a terra.

O que ele obteve não era senão a reprodução de seu
médium, que havíamos tornado luminosa.

E então, diante destas provas, a ciência deverá inclinar-se. É
recomendável, quando se quer obter alguma coisa, fazer um
chamado enérgico aos espíritos de luz para que espantem os
espíritos do mal que vêm perturbar os fluidos.

Kariatrari foi faquir; ele é mais forte como ciência oculta do
que o espírito Vincent, porém menos avançado como ciência
aplicada.

Cylia

12 de abril de 1895

A médium vê um dos espíritos indianos aproximar-se de
mim para fazer-me escrever:


Estou aqui, eu, Cylia; sei que você disse ao Grande
magnetizador o que eu queria ensinar-lhe a respeito de suas
fotografias.

Ele não deve desgostar-se se não consegue tão rapidamente
como desejaria. Afirmo-lhe que obterá a fotografia do espírito
procedendo assim; porém é preciso que ele nos chame pelo
pensamento, nós, seus amigos do alto que estamos sempre
prontos a responder a seu chamado.

Que ele também chame Kariatrari, que é bastante poderoso
para muitas manifestações físicas.

Ora, durante aquele tempo obtive, com Nadar, os clichês que
me provavam a introdução extremamente provável, senão certa
em nossas experiências, de um truque que revelei nos Annales
des sciences psychiques, números de 1 a 16 de janeiro de 1908.

Terceiro caso

Em 1887, o Senhor Goupil, engenheiro, encontrava-se de
passagem em sua terra natal, em Poizay-le-Sec, pequeno vilarejo
de cento e cinqüenta habitantes, situado a quarenta quilômetros
de Poitiers, e teve a idéia de utilizar suas folgas estudando, por si
próprio, os fenômenos espíritas, alguns dos quais teve
recentemente ocasião de presenciar em casa de amigos era Paris.

Durante dois meses procurou em vão um médium. Enfim,
uma noite, desejando tentar com uma mulher cujo nervosismo
fazia esperar resultados, dirigiu-se a seu domicílio onde
encontrou um Jovem camponês, Joseph Roy, marceneiro, com a
idade de vinte anos, diante de quem ele havia falado sobre esse
assunto na véspera, e convidou-o a assistir à sua tentativa.

Oh! Senhor, disse-lhe Roy, temo que tudo isto sejam fraudes
é que o senhor não consiga nada!

No entanto, sentando-se a uma mesa com a mulher em
questão, o marido desta e o instrutor, Roy foi há pouco tempo


tomado de tremores, como um epilético, e a mesa não tardou a
balançar, começando a responder a algumas das perguntas do
Senhor Goupil, que parou rapidamente a tentativa porque os
assistentes começaram a aterrorizar-se; porém ele teve tempo de
constatar que o móvel tornava-se imóvel quando Roy era
afastado e que continuava a funcionar quando apenas ele era
deixado em contato.

Dois dias depois, o Senhor Goupil chamou Roy à sua casa e
durante cinco meses obteve com ele comunicações muito
curiosas que relatou, em parte, num artigo dos Annales des
sciences Psychiques (Ano de 1895, p. 274 e seg.).

Dentre essas comunicações, tomo a seguinte, que se
produziu numa série de sessões às quais assistiam apenas o
médium, sozinho à mesa, o Senhor Goupil, sua esposa e as duas
filhas.

Primeira sessão

(Eu) -Quem está aí?

-Raymond Dupuy, senhor de Montbrun.

-Onde você morava?

-No castelo de Rochechinard.

Consultamo-nos; tudo isso era-nos

-Em que ano morreu?

-Em 1740.

Esta data foi dada com dificuldade. Mutismo sobre o
departamento ou a província que encerra o castelo em questão.
Falei das descobertas do século e perguntei-lhe se conhecia o
telefone. Diante de sua resposta negativa, expliquei-lhe;
explicações que eu havia dado anteriormente ao médium que
sabia bem, pelo Petit Journal, que o telefone não era uma
quimera. A mesa ditou: -Você é um farsante. Mandei o espírito
aos diabos e ele respondeu:


-Leia no Ouvrier? lá você verá a história de minha esposa,
Fleur-de-Lis. É muito interessante.

-Leia no Ouvrier? Que isto quer dizer? Meus filhos
disseram que acreditavam ter visto outrora um jornal chamado
Ouvrier.

-Efetivamente, disse eu, trata-se mesmo de um jornal
clerical.

O médium declarou não conhecer esse jornal. Investiguei;
ninguém, em todo o serviço do correio que servia a comuna e os
arredores recebia o jornal Ouvrier.

Essa primeira sessão foi em outubro de 1887.

Oito dias depois se anunciou de novo nossa personagem
que, convidada a dizer-nos a finalidade de sua manifestação,
ditou: -Enganei-me no outro dia, dizendo-lhes a data de minha
morte.

-E você veio por causa disto? Então a diga.

Confundimo-nos um bom momento. Enfim compreendi que
se tratava de algarismos romanos.

-MDLXXV

-Como morreu?

-Morri prisioneiro do rei Henrique III. Fui executor contra
esse rei.

-Executor! É uma palavra antiga?

-Sim.

(Não é uma palavra do dialeto da localidade.)

-Isto quer dizer que você combateu contra ele?

-Sim.

Alguns dias depois vi na casa do instrutor um livro
intitulado O barão dos Adrets. Tendo-o aberto, a palavra
"Montbrun" chamou me a atenção e vi que tratava de combates
contra Henrique III. Pensei ter aí a chave do enigma. Roy tinha
sem dúvida lido aquele livro. Porém o instrutor afirmou-me que
aquele livro não havia saído de sua casa e que ele o havia trazido


de longe há pouco tempo. Levei o livro comigo à minha casa e o
lemos. Nada no texto sobre o nome Raymond Dupuy nem sobre
Rochechinart; porém, no final, encontrei uma nota histórica
sobre Charles Dupuy de Montbrun, que havia sido decapitado
em 1575 (algarismos habituais).

Levei-o ao médium, sustentando que ele teria lido aquele
livro ou outro semelhante. O médium disse-me que, supondo
que ele não se recordasse dos detalhes, certamente se recordaria
de ter lido alguma coisa análoga e que estava certo de não ter
nenhuma lembrança de leitura relativa àquela personagem.
Deixei-lhe o livro para que o lesse. Devolveu-me alguns dias
depois, declarando-me que era a primeira vez em que tomava
conhecimento daqueles fatos.

Eu já havia devolvido o livro ao instrutor há alguns dias e,
uma noite, ao jantar, eu pensava naquele Dupuy e disse à minha
família: "Não me recordo se Dupuy foi decapitado."

-Foi, papai -respondeu uma de minhas filhas.

-Não creio; fala-se que ele foi executado, mas não dizem
que gênero de suplício experimentou.

-Sim, papai, ele foi decapitado. (Minha filha tinha razão.)

Depois, a conversa versou sobre outro assunto. Uma hora
mais tarde, estive diante do médium, que trabalhava no campo,
e, tendo assistido à sua refeição, levei-o para uma sessão. Roy
não podia portanto saber que havíamos falado entre nós sobre
Dupuy de Montbrun, e havíamos completamente esquecido
desse pedaço da conversa quando, após uma hora de sessão,
anunciou-se Raymond Dupuy.

(Eu) -E então! Que há de novo?

-Asseguro-lhes que não fui decapitado.

-Veja só! -diz minha esposa-ele responde à sua pergunta
feita durante nosso jantar.

-De fato, é verdade! Mas, senhor de Montbrun, deve dizer
atesto-lhe, e não asseguro-lhes.


Asseguro-lhes era uma expressão do médium; o fenômeno
liga aqui, portanto, a linguagem do médium a um fato
desconhecido para ele porém conhecido e esquecido pelos
assistentes. Após esse incidente, Dupuy permaneceu calado.

Um mês depois, quarta sessão, onde se anunciou ainda o
pretenso Raymond Dupuy.

(Eu) -Ah! Encontramos sua história. Você realizou grandes
feitos de arruas; era apelidado de bravo?

-Sim.

-Contra quem combateu em combate singular?

-Maclou.

-Maclou! Oh, é uma farsa! É Maclou de Gardeuse d'Ours

-O nome que acabo de lhes ditar é o de uma personagem
que queria destruir meu castelo de Rochechinart.

-Mas duas vezes você nos fala desse castelo. Não se fala de
Rochechinart nem de Maclou no livro que lhe diz respeito. Você
Habitava o castelo de Montbrun, diocese de Gap, Drôme ou
Altos Alpes?

-Não.

-A histórias mente então?

-Sim.

-Henrique III o decapitou?

-Não.

-Que suplício ele lhe infligiu?

-Nenhum; morri nos braços de minha esposa que foi ao rei
pedir meu perdão e este foi-lhe concedido 2 horas após minha
morte.

-O quer dizer duas?

-Sim. Muito lamentei não ter obtido libertação mais cedo,
pois fiz minha esposa derramar muitas lágrimas não desejando
permanecer perto dela.

-Por libertação você quer dizer sua morte?

-Sim.


Os fatos do livro eram portanto contestados. Não
encontrávamos Rochechinart nem em nossos livros nem em
nossos mapas. Enfim descobri no dicionário dos Correios
(Drôme, trezentos e trinta e oito habitantes) o único
Rochechinart que há na França.

Mas eu quis terminar a investigação. Encontrando-me em
Paris, procurei Bottin e encontrei o endereço do Jornal Ouvrier:
Informei-me; um romance intitulado Fleuer-de-Lis havia
aparecido no jornal, de dezembro de 1885 a abril de 1886. Como

o haviam imprimido em volumes, comprei um exemplar e li-o
no trem. Encontrei a história de Fleur-de-Lis e de Raymond
Dupuy, irmão de Charles Dupuy, sobre o qual eu havia achado
notas históricas. Rochechinart e Maclou lá aparecem e, no final,
o epitáfio:
AQUI JAZ
NOBRE E PODEROSO FIDALGO
RAYMOND DU PUY -MONTBRUN
CAVALEIRO SENHOR DE LA VALETTE E OUTROS
LOCAIS
DE RETORNO A DEUS
NO XV DIA DO MÊS DE AGOSTO
DO ANO DE GRAÇA MDLXXV
ROGAI POR ELE.
Não havia portanto transcorrido senão quinze meses entre a
época da impressão do romance e aquelas sessões. Era, portanto,
impossível que o médium tivesse esquecido sua leitura. Fiz o
médium ler o livro e ele declarou que pela primeira vez tornava
conhecimento daquele romance.

Para completar a investigação, escrevi ao autor do romance
a respeito da personagem. O Senhor Oscar de Poli respondeu-
me, aliás de acordo com a hipótese que eu havia formulado, que
Raymond Dupuy é Fleur-de-Lis eram duas personagens
fictícias.


Em setembro de 1890, ou seja, três anos depois, eu morava
em Vitry-sur-Seine e tive ocasião de conhecer o Doutor Paul
Gibier, que me concedeu um encontro em Paris, onde se
encontrava de passagem.

À noite, reteve-me para o jantar para que eu conhecesse;
alguns de seus amigos, dentre os quais o coronel de Rochas.

Éramos nove, dentre os quais Émile Gaboriau. Ao final d:
refeição, penetramos no capítulo "espiritismo" e, parecendo-me
que o Senhor Gaboriau crê na possibilidade da manifestação dos
defuntos, disse-lhe: "Vou contar-lhes uma história de defunto!"

Comecei a narração do caso Raymond Dupuy. O Senhor de
Rochas interrompeu-me imediatamente e disse:

-Desculpe, mas ele não se chamava Raymond, porém
Charles. Sei algo sobre isso: é meu bisavô! Descendo
diretamente de Charles Dupuy-Montbrun.(236)

(236) Charles du Puy Montbrun nasceu por volta de 1530 no castelo
de Montbrun. perto do Buis (Drôme). Era o primogênito de Aimar du
Puy-Montbrun e de Catherine Parisot de la Valette, sobrinha do grão-
mestre de malta deste nome. Ele era neto de Falquet de Puy, senhor de
Montbrun, que teve de seu casamento com Louise d'Eurre-Mollans
dezesseis meninos e dezesseis merinas. Era filho do sobrinho de Raymond
du Puy, segundo grão-mestre da ordem de São João de Jerusalém.
Desposou, em 26 de junho de 1655, Justine Alleman, filha de François
Alleman, senhor de Champ, e de Justine de Tournon, tendo um só filho,
Jean, e três filhas. Teve dois irmãos: Pompée e Didier, que entraram, os
dois, na ordem de Malte.
Charles du Puy-Montbrun, criado no catolicismo, abraçou o
protestantismo em 1553 após sua irmã Jeanne, casada com Gaspard de
Theys, senhor de Clelles, e não tardou a tornar-se o chefe dos huguenotes
em Dauphine. Em 1574, tendo-lhe Henrique III intimado à reedição das
praças fortes das quais se havia apoderado, ele respondeu-lhe que "as
armas e o jogo tornam os homens iguais que "em tempo de guerra,
quando se tem a mão armada e se está em dificuldade, todo mundo é
companheiro". Em 1575, tendo recebido dois ferimentos graves num
combate, foi feito prisioneiro, conduzido a Grenoble, condenado pelo
Parlamento como culpado de lesa-majestade, condenado a ser decapitado,
que foi executado em 15 de agosto daquele mesmo ano, 1575. Seu perdão,


obtido graças à intercessão de sua esposa, chegou duas horas após sua
morte. Ele nunca havia habitado o castelo de Rochechinard. O decreto do
Parlamento de Grenoble foi cassado pelo edito de maio de 1586, o qual lhe
reabilitou a memória, e a terra de Montbrun foi erigida conto
marquesado em fevereiro de 1620 em favor se seu único filho Jean. -A. R.
Nota da editora: Foram mantidas as duas formas de grafia constantes do
original francês: Charles Dupuy-Montbrun e Charles du Puy-Montbrun.

Continuei a narração, cujo final provocou o riso de todos, o
Senhor de Rochas contou um fato semelhante que eu havia
esquecido.(237).

(237) Foi o caso do cavaleiro de Camargue, cujo relato se segue.
Achei espantoso aquele encontro com o coronel, que se
achava relacionado com meu caso; porém veremos isto mais
como forte coincidência.

Em novembro de 1890, parti para Socasse (Tunísia) a fim de
tratar de negócios de um amigo que mora em Mehdia. Lá
encontrei alguém chamado Issorel que me esperava e devia
servir-me de ajudante. Alugamos dois alojamentos numa casa
onde já estava instalado um jovem casal. Como Issorel
encontrava-se com a esposa, as duas mulheres passaram a
conhecer-se.

Peguei pensão em casa de Issorel e, alguns dias após minha
chegada, uma noite, entretive Issorel e sua esposa com o
espiritismo, do qual jamais haviam ouvido falar. Comecei por
contar-lhes o caso de Dupuy. Mal comecei, bateram à porta. Era
a mulher do andar de cima que chegava com um livro grosso na
mão e disse: "Pegue, senhora Issorel. A senhora perguntou-me
se eu tinha alguma coisa para ler. Eis tudo o que encontrei."
Dizendo isto, depôs sobre a mesa o livro, que não abrimos, e se
retirou.

Chegando ao ponto em que se tratava do livro encontrado na
casa do instrutor (D barão dos Adrets), eu dizia a Issorel que
dentro dele havia encontrado notas históricas sobre Charles
Dupuy-Montbrun, quando o livro que estava sobre a mesa


chamou-me particularmente a atenção pelo seu formato: parecia-
me já tê-lo visto. Abri-o. Era O barão dos Adrets! Talvez o
único exemplar encontrado na Tunísia!

Quarto caso

O caso que eu havia contado ao Senhor Goupil e que ele
havia esquecido é o seguinte:

Em 1890, era eu diretor da Revue du cercle militaire e tinha

o cuidado de ter sempre de reserva alguns artigos sem atualidade
que podiam ser tomados para completar, se preciso fosse, as
trinta e duas páginas da revista.
Um desses artigos, publicado em seguida separadamente,
era intitulado: "Gritos de guerra, divisas, cantos nacionais,
canções de soldados e músicas militares."

Eu conversava um dia com um de meus amigos da
província, o Senhor Ernest Lacoste, e fazia-o observar que
grande quantidade de divisas heráldicas era baseada em
trocadilho. Citei-lhe como exemplo a dos Castellane: Maï
d'Ounour que d'Ounours (Mais honra do que honras). "Poder-seia",
disse-me ele, "dar-lhe igualmente em provençal outra forma:
Jamaï baïsso toun couor haussa toun cor (Jamais sufoque seu
coração para elevar seu corpo)."

Achei, efetivamente, essa nova forma bastante feliz e
introduzi-a em minha coleção; porém, não desejando atribuí-la a
uma família existente que poderia ter uma outra, dei-a à família
de minha bisavó (Blanc de Camargue), que habitava o
Gapençais e estava extinta há mais de um século.

Dois anos depois, tive ocasião de entrar em contato com
amigos do Senhor Lefort, arquiteto em Sens, que me deram a
conhecer a aventura que o próprio Senhor Lefort contou do
seguinte modo, numa carta endereçada ao Senhor Goupil, datada
de 14 de abril de 1893:


...Por parte do coronel de Rochas, transmito-lhe as seguintes
informações. Você teve o caso de Raymond Dupuy; tivemos, em
sessões íntimas, em Sens, o caso do cavaleiro Blanc de
Camargue, caso que, antes de o conhecermos, dizia respeito ao
coronel de Rochas. Uma característica comum aproxima nossos
dois casos, a mistificação seguinte:

Tendo-lhe sido pedido ao cavaleiro Blanc que nos indicasse
pela mesa através de pancadas o objetivo de sua visita (eram 22
de agosto de 1890), ditou-nos: Jamai baisso toun couor per
haussa toun cor. Conversamos e interrogamos-nos sobre a
interpretação a dar a esta frase de uma língua estrangeira para
nós.

A 27 de agosto de 1890, outra sessão com os mesmos
assistentes. Interrogamos e copio meu registro.

-Poderia dizer-nos o nome do cavaleiro comunicação em
dialeto?

-Sim: Blanc de Camargue.

-Foi sua divisa que ele nos ditou?

-Sim.

Dia 3 de setembro de 1890. Mesma assistência, médiuns
seguros.

-Quem é o espírito que se manifesta?

-Blanc.

-O cavaleiro?

-Sim; encontrarão minha divisa num livro de de Rochas:
Cantos, divisas e gritos de guerra.

Um de nós, funcionário da administração das florestas.
pesquisou e, talvez quinze dias depois, obtinha-se esse livro
assaz raro em livraria. Encontramos a divisa em francês: Jamais
sufoque seu coração para elevar seu corpo.

Ora, eis onde a coisa complica-se: alguns meses mais tarde,
um de nossos antigos e sua esposa chegaram a Paris e dirigiram-
se a uma sessão de consulta do doutor Luys. Naquele mesmo dia


lá se encontrava o coronel de Rochas, a quem nossos amigos
contaram o caso do cavaleiro. O coronel então lhes informou
que os Blanc de Camargue eram seus ancestrais. que ele nunca
soube se tinham, sim ou não, uma divisa, e que a que se
encontrava em seu livro foi ele quem havia forjado!.

Muito mais tarde, no início de 1892, eu me encontrava em
Paris na livraria da rua de Trévise, quando conheci o coronel,
que me confirmou o que precede. Enfiar, bem recentemente
reencontrei-o de novo, inopinadamente. Foi então que me falou
das pesquisas feitas por você.

Nos casos de Charles Du Puy Montbrun e do cavaleiro
Blanc de Camargue não poderíamos atribuir as comunicações da
mesa as recordações registradas no inconsciente do médium.

Talvez fosse encontrada a explicação nos seguintes fatos:

Viu-se no segundo parágrafo do capítulo primeiro da
segunda parte deste livro que a vontade poderia modelar o corpo
astral de maneira a dar-lhe uma forma determinada.

Os hindus admitem que o mesmo efeito pode produzir-se
pela simples ação da idéia sobre a substância, que poderia ser
chamada de protoplasma psíquico e na qual vivemos.

O estatuário Allar e seus confrades swedenborguianos
afirmaram-me perceber as formas dos pensamentos.

Mireille, a quem perguntei um dia, durante seu sono
magnético, como explicava as comunicações à distância sem
intermediário conhecido, respondeu-me que via, em seu estado
habitual, como que nuvens formadas de uma substância que
possuía um início de vida intelectual. Essas nuvens eram
impressionadas pelos nossos pensamentos quando se
encontravam perto de nós, tomavam sua forma e obedeciam à
nossa vontade conduzindo-se à destinação.

Devo acrescentar que a rica imaginação de Mireille
fornecia-lhe imediatamente uma resposta a todas as minhas
perguntas.


Seria bom lembrar a este respeito à teoria oriental dos
egrégoras, de acordo com a qual é suficiente a concentração de
uma certa quantidade de pensamentos sobre uma personalidade
ainda não existente fisicamente para dar-lhe uma existência
efêmera com todas as qualidades que lhe são atribuídas,
existência cuja duração é proporcional à intensidade e à duração
dos pensamentos componentes; o que explicaria a cessação dos
oráculos assinalada por Plutarco quando as multidões deixaram
de vir consultá-los.

CAPÍTULO V

A evolução da alma

Quando, do alto de uma torre, os homens são vistos
parecidos com pontos pretos cruzando-se em todos os sentidos
sem motivo aparente, somos tentados a nos perguntar que
diferença há entre esses homens e as formigas que se agitam em
torno do formigueiro. Quem nos autoriza a pensar que esses
insetos, cujos movimentos assemelham-se tanto aos nossos, não
tenham como nós uma alma, unia civilização?

O espetáculo não seria o mesmo se, em vez dos europeus do
século XX, fosse vista uma horda de selvagens? Quem nos
revelaria diferenças entre seu estado cerebral e o nosso? Como
poderíamos reconhecer que as aspirações de uns não
ultrapassam a certeza da alimentação cotidiana e que as
concepções dos outros levam em conta os problemas mais
elevados da metafísica?


Por que então ser cavado um abismo entre o homem e os
animais, tão semelhantes a nós,(239) na visão de um observador
situado de maneira a ver o conjunto da criação, assim como
cavaram a religião católica, sob a influência de seus dogmas, e o
espírito filosófico moderno sob a de Descartes? Disso resultou
que raros santos, como Francisco de Assis, tenham pregado a
caridade para nossos irmãos inferiores e que, na confecção de
nossos códigos, uma lei protetora dos animais tenha sido
completamente esquecida.

(239) O estudo das funções do sistema nervoso, isto é, da alma, é o
objeto próprio da psicologia. A psicologia comparada, tratada por sábios
como Guillaume Wundt, já quebrou a antiga barreira que separava
outrora o instinto dos animais e a razão do homem. "A razão existe,
apesar de em graus diferentes, tanto nos mamíferos superiores-macacos,
cães, elefantes, cavalo quanto no homem. Não se concebe, aliás, de que
outra forma poderia ser, uma vez que o órgão da razão, o sistema nervoso
central, passa no embrião humano pelas mesmas fases que nos outros
mamíferos. Tendo certamente o homem e os mamíferos uma origem
comum, porque sua medula espinhal e seu cérebro seriam de outra
natureza?" J. Soury. Philosophie naturelle, p. 126.)
No estudo comparado do sistema nervoso dos diferentes animais, diz
Paul Bert. "a fisiologia constata uma gradação contínua sem nenhuma
dessas demarcações nítidas, dessas espécies de abismos que o método a
priori compraz-se em imaginar entre os seres que ela desdenha observar.
Freqüentemente falou-se do abismo intelectual que separa o homem do
animal; porém um abismo tão profundo não parece cavado entre o
macaco antropomorfo e a ameba difluente? Pode-se ir mais longe ainda e
encontrar até na necessidade de maior bem-estar, que faz as plantas
procurarem a luz, traços bastante obscuros dessa vontade e desse
sentimento ainda tão apagados na ameba." -A. R.

Dizem que os animais nascem, vivem e morrem como
plantas. Por que não nasceríamos, viveríamos, morreríamos
como eles limitando nosso papel à transmissão de nossa vida?
Ou por que animais e plantas não teriam, como nós, em certa
medida, uma vida moral? (240) Fenômenos de sensibilidade


revelam-se até nos corpos brutos e, em particular, rios
cristais.(241)

(240) "É impossível afirmar que as sensações do animal não sejam
representadas no mundo vegetal por uma espécie de consciência menos
distinta. Mude a capacidade de percepção e a prova mudará também. O
que para nós é uma ausência total de manifestação da consciência sê-lo-ia
também para um ser gozando nossas faculdades num grau infinitamente
superior? Para um ser assim dotado é-me permitido supor que não
apenas o mundo vegetal, mas ainda o mundo mineral, responderia a
estímulos convenientes e que estas respostas difeririam apenas em
intensidade das manifestações exageradas que, por sua grosseria,
impressionam nossas faculdades imperfeitas." Tyndall.
(241) "Sabe-se que há na fronteira entre os dois reinos todo um
grupo de seres litigiosos que não se pôde ainda anexar a nenhum dos dois.
As amebas vegetais, os plasmódios, estudados por de Bary, apresentam
confundidos traços do animal e do vegetal. São massas protoplasmática
que não se constituem nem de células nem de tecidos durante todo o seu
período de crescimento; caminham arrastando-se sobre restos de plantas
destroçadas, sobre as cascas das árvores, sobre a casca do carvalho;
emitem prolongamentos, espécies de braços." (Claude Bernard. Leçons
sur les phénonènes de la vie, p. 255)
"Como poderíamos compreender um antagonismo, uma oposição
entre as propriedades dos corpos vivos e as dos corpos brutos, vasto que
os elementos constituintes dessas duas ordens de corpos são os mesmos?
Todos os corpos vivos são exclusivamente formados de elementos
minerais, tomados do meio cósmico. Descartes, Leibniz, Lavoisier
ensinaram-nos que a matéria e suas leis não diferem nos corpos vivos e
nos corpos brutos; mostraram-nos que no mundo há uma só mecânica,
umas só físicas, uma só química, comum a todos os seres da natureza."
(Claude Bernard. La science expérimentale, pp. 178-182)

Há aí o indício de uma evolução na qual se poderia ver a
confirmação das opiniões filosóficas do antigo Oriente, que
explicava a formação e o fim do mundo pela respiração do
eterno: à medida que seu sopro afastava-se de si (expirar), ele
tornava-se cada vez mais material e inerte; em seguida,
espiritualizava-se cada vez mais voltando a si (inspirar).

Há, certamente, plantas que são felizes e outras
infelizes.(242) É preciso ver aqui, assim como para os outros


seres vivos, a simples conseqüência da ação das forças naturais
para manter a harmonia do universo, segundo leis que não
conhecemos? Imagino que Deus, em sua infinita grandeza, deva
olhar com os mesmos olhos o homem e os infinitamente
pequenos que povoam a Terra.

(242) Ver a esse respeito L'âme de la plante, de Arnold Boscowitz,
Paris, Ducrocq, 1867. Conhecem-se as reações motoras da erva-espim, da
papa-mosca, do sanfeno oscilante e da sensitiva sob a ação das sacudidelas
ou simplesmente da luz e do calor. Um físico de Boston relata que,
quando ele executa harmonias, suas sensitivas abrem-se e estendem-se,
aspirando a musica como aspiram a claridade do sol; porém, quando ele
dá uma nota discordante, as plantas tremem e fecham-se. Hoekel afirma
que uma multidão de jovens plantas rudimentares move-se por meio de
filamentos, de chicotes, de cílios vibráteis. Nadando, essas plantas
mostram tanta vivacidade, constância, vontade aparente, quanto às
formas de larva de vários animais. Claude Bernard mostrou, através de
suas experiências de anestesia sobre a série inteira dos seres vivos, que o
éter; o clorofórmio etc. agem sobre todos os tecidos vivos em se tratando
de animais ou de vegetais. Cada elemento anatômico é atingido
sucessivamente segundo seu grau de sensibilidade. O anestésico agiria
sobre esses minúsculos seres vivos, sobre essas espécies de infusórios,
sobre essa multidão enorme de organismos elementares associados que,
por sua união, constituem os organismos que vemos, por mais
complicados que sejam: "É, portanto", diz J. Soury.,"No protoplasma
amorfo que reside a vida, a vida não ainda definida, espécie de caos em
que todas as propriedades vitais encontram-se confundidas em nutrição,
reprodução, sensibilidade, movimento. E no protoplasma que residem,
indistintas e confusas, todas as propriedades cujos fenômenos, observados
nos seres superiores, não passam de expressões diversificadas,
amplificadas e de complexidade cada vez maior:" (Philosophie naturelle,
p. 59.)
Porém esse protoplasma não é simplesmente um instrumento cada
vez mais aperfeiçoado posto sucessivamente à disposição da alma,
centelha divina, em vias de evolução? -A. R.

Dizem também que temos aspirações que os animais não
têm; mas o que o prova? Não encontramos neles nossas
qualidades, nossos defeitos e, eu diria, quase toda a nossa
inteligência, pois vários dentre eles são mais inteligentes do que


muitos homens, a cuja alma vocês não hesitam em atribuir a
imortalidade?(243)

(243) Nota da editora: Sendo a inteligência dos animais apenas
rudimentar, como ensina O livro dos espíritos, não existe nenhuma mais
inteligente do que o homem. São sempre inferiores (questão n° 601 de O
livro dos espíritos). Talvez Albert de Rochas esteja se referindo a casos
patológicos em que a inteligência humana sofre sérias restrições pata se
manifestar.
Eles não falam e o homem fala; porém, além de que nada
prova que não há entre sua linguagem e a nossa outra coisa além
de uma questão de aperfeiçoamento, será esta uma diferença
assaz profunda para que um sobreviva, enquanto os outros
morrem por completo?(244)

(244) Certamente a linguagem articulada é um poderoso meio de
aperfeiçoamento para a inteligência; porém os surdos-mudos que não a
têm não são por isso menos inteligentes do que o resto dos homens. -A. R.
Uma das questões mais poderosas a favor da sobrevivência é
a desigualdade das aptidões dos homens. Ora, o mesmo ocorre
com os animais. Sem falar da desigualdade de inteligência entre
os indivíduos da mesma espécie, uns há que nascem calmos,
outros ferozes.

Quando refletimos [escreve atar naturalista] que em cem
cães, cavalos ou elefantes, não são todos os animais, porém
apenas um ou dois que se mostram maus, briguentos,
indomáveis; que em cem gatos, há bem poucos que
negligenciam ou matam seus filhotes, não podemos negar que
esta perversidade seja devida a uma tendência pessoal e
desconhecida aos outros indivíduos da mesma espécie.

Há, entre os animais como entre os homens, indivíduos que
têm a vida feliz e outros, a vida infeliz. Não se deve ver também
aí, tanto entre uns como entre outros, as conseqüências das vidas
anteriores, pois é um grave erro crer que os animais não
possuem consciência. Nossos pais não acreditavam nisso, e
existem numerosas compilações (particularmente as de Lavaudie


e de Berriat-Saint Prix) onde são citados os julgamentos feitos
contra aqueles que foram considerados culpados de algum
crime.(245)

(245) Berriat-Saint-Prix fez o levantamento de oitenta condenações à
morte ou excomunhões pronunciadas de 1120 a 1741 contra toda espécie
de animais desde o asno até o gafanhoto. O Doutor Foveau de Cournelles,
em seu interessante livro sobre as Facultes mentales des animaus, cita, na
página 301 e seguintes, numerosos exemplos que provam que os animais
têm noção do justo e do injusto, experimentam remorso e que se pode
reconhecer neles certos sentimentos de religiosidade. -A. R. Nota da
editora: Noções de justiça, injustiça e religiosidade são conceituais, que
somente o eu consciente do espírito elabora. Animais não possuem
consciência, que é atributo do espírito (questão n° 598 de O livro dos
espíritos, de Allan Kardec.)
Não seria apenas pelos homens que eles teriam sido
julgados, mas ter-se-iam julgado eles próprios entre si.

Um sábio alemão, Néander, conta que, na povoação de
Bangue, na Baviera, várias cegonhas viviam em paz entre si.
Um dia, no entanto, uma fêmea deixou-se seduzir por um jovem
macho na ausência de seu esposo. Este retornou
inesperadamente e, vendo-se traído, tê-la-ia feito comparecer
diante de um tribunal composto por todas as cegonhas do local,
justamente reunidas para sua viagem de outono, que fizeram
justiça despedaçando a culpada.

De acordo com o doutor Émile Laurent, vêem-se
freqüentemente na Escócia setentrional e nas ilhas de Féroê
tropas de gralhas levarem à morte algumas de suas
companheiras culpadas.

Verdadeiras ou falsas tais histórias, não se pode negar que
os animais tenham o sentimento do bem e do mal e não se
reúnam, como os apaches, para cometerem faltas.

Büchner, em sua Vie Psychique des Bëtes, fala das abelhas
ladras que, para evitarem trabalhar, atacam em massa colméias
aprovisionadas, praticam violência contra as sentinelas e os
habitantes, pilham a colméia e levam todas as provisões para sua


casa. Se essa exploração for bem-sucedida em várias tentativas,
elas tomam mais gosto à pilhagem e à violência do que ao
trabalho e terminam por constituir verdadeiras colônias de
salteadoras.

Todos os autores que estudaram os costumes das formigas
afirmam que certas espécies agem dessa mesma forma e
empreendem guerras para tentar arrebatar de outras as provisões
que estas com dificuldade acumularam.

Franklin escreveu que foram vistos mandris associarem-se
em centenas para melhor pilharem pomares de difícil acesso. O
mais astuto e mais velho, após haver estudado o terreno, avança
em primeiro lugar e deixa unia sentinela rio ponto mais
ameaçado. Em seguida, eles se dispõem em cadeia e transferem
um ao outro a presa que o último da cadeia depõe num
esconderijo comum. Quando a sentinela percebe algum perigo
dá o sinal e todos os mandris fogem.

Se o animal possui nossos vícios, possui também nossas
qualidades. Ele é ávido de louvações e de aprovações. Com que
entusiasmo o cão recebe nossas carícias e nossos elogios! Todo
mundo já observou o quanto os cavalos são sensíveis às
demonstrações de afeição, que ardor eles põem em suas
corridas, não se deixando ultrapassar por seus rivais. Napoleão
possuía um cavalo árabe que não permitia que ninguém o
montasse, exceto o palafreneiro que constantemente cuidava
dele. Quando era montado por esse homem, seus movimentos
eram lentos e comuns, porém desde que ouvia os tambores
tocarem nos campos, o que anunciava a presença do imperador,
ele se endireitava com orgulho, agitava a cabeça em todos os
sentidos, batia as patas no chão e, até o momento em que seu
ilustre cavaleiro descia dele, era o mais belo cavalo que se podia
ver. Cita-se o caso de uma macaca que, todas as vezes que lhe
davam um lenço, enroupava-se com ele e sentia um prazer
extraordinário em vê-lo arrastar atrás de si como a cauda de um


vestido de corte. Algumas espécies, como o gato e o elefante,
possuem o instinto do pudor e não se acasalam senão
solitariamente.

Sabe-se para que variedades de funções inteligentes
puderam-se adestrar os elefantes, tornados boas crianças, e os
cães, dos quais fizeram auxiliares da justiça. Todos esses
animais possuem o sentimento do dever cumprido e o
testemunham por seus gestos felizes.

Acrescentemos, enfim, que numerosas observações
conduzem-nos a supor que, tanto no animal como no homem, há
um corpo astral que sobrevive ao corpo físico e que pode ser
percebido pelos nossos sentidos; o que nos permite crer que há,
tanto para um quanto para o outro, uma lei de evolução.(246)

(246) Nota da editora: Não se trata de suposição. Há uma espécie de
princípio que sobrevive à morte (questão n° 597 de O livro dos espíritos).
Excelente, sobre o assunto, o estudo empreendido por Ernesto Bozzano e
publicado em português sob o título Os animais tem alma?
Um outro assunto de incerteza nessa questão, ainda tão
obscura, da alma dos bichos, extrai-se da comparação entre o
desenvolvimento da inteligência na criança e nos filhotes de
nossos animais domésticos, como o cão e o gato. Como é
possível que uma alma, toda formada por existências
precedentes, possa, em suas primeiras manifestações, apresentar
semelhanças tão impressionantes com o simples
desenvolvimento de uma força vital que evolui com o tempo?

Uma observação, reproduzida por Ribot, em seu livro
Maladies de la mémoire, às páginas 65 e 36, lança algum
esclarecimento sobre esse problema, mostrando de que maneira
uma alma, cuja existência é incontestável, reaprende a servir-se
de seu corpo. O recém-encarnado encontra-se mais ou menos na
situação dessa jovem mulher de vinte anos, observada pelo
professor Sharpey, que, após haver dormido durante dois meses,


retorna pouco a pouco a seu estado normal, não mais se
recordando de nada.

Retornando de seu torpor, ela parecia haver esquecido quase
tudo o que havia aprendido. Tudo lhe parecia novo; não
reconhecia uma pessoa sequer, mesmo seus parentes mais
próximos. Alegre, buliçosa, distraída, encantada com tudo o que
via ou ouvia, assemelhava-se a uma criança.

Em breve, tornou-se capaz de manter a atenção. Sua
memória, inteiramente perdida ao que se refere a seus
conhecimentos anteriores, era bastante viva, bastante sólida para
tudo o que havia visto e ouvido desde a sua doença. Recuperou
uma parte do que havia aprendido outrora com muita facilidadebastante grande em certos casos, mínima em outros. É notável
que, apesar de o processo seguido para reconstituir seus
conhecimentos ter parecido consistir menos em estudá-los
novamente do que em recordá-los com a ajuda de seus
próximos, no entanto, mesmo agora, ela não parece ter
consciência, no mais fraco grau, de tê-los possuído outrora.

Primeiro, era impossível travar com ela uma conversação.
Ao invés de responder minha pergunta repetia-a textualmente
em voz alta; e durante muito tempo, antes de responder uma
pergunta, ela a repetia inteira. Não tinha, originariamente, senão
reduzido número de palavras a seu dispor. Adquiriu rapidamente
muitas delas, porém cometia estranhos erros empregando-as. No
entanto, em geral, não confundia senão as palavras que, juntas,
tinham alguma relação. Assim para chá, ela dizia molho (e
empregou por bastante tempo esta palavra para os líquidos);
para branco ela dizia preto; para quente, frio; para minha perna,
meu braço; para meu olho, meu dente etc. Agora, de forma
habitual, usa as palavras corretamente apesar de algumas vezes
trocar suas terminações ou formar novas palavras.

Ela ainda não reconheceu ninguém, mesmo dentre seus mais
próximos parentes; quer dizer que não tem nenhuma lembrança


de já tê-los visto antes de sua doença. Designa-os por seus
nomes ou pelos que ela lhes deu, mas considera-os como novos
conhecidos e irão tem nenhuma idéia de seu parentesco consigo.
Desde a sua doença não viu senão uma dezena de pessoas, que
são para ela todos os que conhece.

Aprendeu novamente a ler, porém foi necessário começar
pelo alfabeto, pois ela não mais conhecia uma letra sequer.
Aprendeu, em seguida, a formar sílabas, palavras, e agora lê
sofrivelmente. O que a ajudou nessa reaquisição foi cantar a
letra de certas canções que lhe eram familiares e que lhe eram
apresentadas impressas, enquanto tocava piano.

Para aprender a escrever começou pelos estudos mais
elementares, porém faz progressos muito mais rápidos do que
uma pessoa que jamais tivesse estudado.

Pouco depois de ter saído de seu torpor, pôde cantar várias
de suas antigas canções e tocar piano com pouca ou nenhuma
ajuda. Quando canta, tem, em geral, necessidade de ser auxiliada
pelas duas ou três primeiras palavras de uma linha, e termina o
resto de memória, ao que parece. Ela pode tocar, de acordo com
uma partitura, várias melodias que jamais viu anteriormente.

Aprendeu sem dificuldade diversos jogos de cartas; sabe
tricotar e fazer trabalhos semelhantes. Porém, repito, é notável
que ela não pareça ter a mais leve recordação de haver possuído
tudo isto, apesar de ser evidente que foi enormemente ajudada
em seu trabalho de reaquisição por seus conhecimentos
anteriores dos quais ela não tem consciência. Quando lhe
perguntaram onde aprendeu a tocar uma canção olhando a
música sobre um livro, respondeu que não saberia dizer, e
admirou-se de que seu interlocutor não pudesse também dizê-lo.

Na verdade, de acordo com diversas observações que fez de
si mês por acaso, parece que ela possui várias idéias gerais de
natureza mais ou menos complexas que não teve tempo de
adquirir após sua cura.


Há ainda outras objeções à teoria da evolução da alma a
caminho de sua perfeição. Eis como as expõe Louis Elbé em seu
belo livro sobre La vie future devant sagesse antique et la
science moderne:

Se supusermos que a alma imperfeitamente purificada deve
retornar a Terra para aí prosseguir numa nova encarnação sua
evolução incessante, retomamos a doutrina formal do saber
antigo que, efetivamente, aplica-se melhor do que qualquer outra
à concepção de progresso indefinido do qual não podemos nos
separar. Não poderíamos ignorar, todavia, que essa teoria, por si
própria, não existe sem levantar dificuldades bem graves.

Ela não pode evidentemente apoiar-se sobre a observação
dos fatos, uma vez que todos nós perdermos a lembrança da
existência anterior. Porém irão se encontra aí ainda, além do
mais, a objeção mais decisiva, pois podemos admitir que a
consciência do ser moral é determinada pela natureza de
envoltórios semimateriais dos quais o ego encontra-se revestido,
e devemos concluir que ela sofre uma transformação completa
tomando um novo envoltório. Ela não retém, pois, do passado
senão as faculdades psíquicas mais ou menos desenvolvidas que
carrega no nascimento com as recordações obscuras guardadas
nas profundezas do subconsciente, cuja percepção não é
apresentada no estado normal.

Para apoiar de maneira segura a teoria da pluralidade das
existências materiais, seria necessário poder mostrar, nas
manifestações do subconsciente, o vestígio inegável de
recordações ou de conhecimentos que a consciência normal não
pôde adquirir durante a vida presente.

Essa demonstração não é ainda feita de maneira satisfatória,
apesar de que certas experiências mediúnicas e certas
observações de crianças-prodígio possam trazer apoio sério à
teoria. Todavia estimamos que ela se choca com uma objeção
mais grave ainda, considerando-se que a história da humanidade


não parece de maneira alguma verificar esta idéia de um
progresso moral ininterrupto que forme sua base fundamental.

Observamos perfeitamente que a humanidade realiza
progressos indubitáveis nos campos sensitivo e intelectual,
porém não vemos que seja da mesma forma no campo moral:
irão pensarmos, em suma, que nossos contemporâneos,
colocados em face de uma ação desonesta da qual tirariam
proveito, fossem mais capazes de resistir à tentação do que
teriam sido seus antepassados há vários séculos atrás, e, no
entanto, se fôssemos nós próprios esses antepassados de volta a
Terra, não deveríamos testemunhar uma moralidade mais alta do
que as suas, uma vez que, outrossim, encontra-se aí o verdadeiro
critério desse progresso que, na teoria, torna-se o objetivo único
e o fim último de todas essas existências

E, prosseguindo esta observação, talvez um pouco
pessimista demais, chegamos inclusive a nos perguntar se, para
muitos de nossos contemporâneos, a existência que levam na
Terra bem corresponde a um progresso moral indubitável, à
formação de um kerdar (247) ainda mais depurado, como na
concepção caldéia, e se, muito freqüentemente, ela não
representa antes uma parada marcante, ou senão mesmo um
recuo nessa caminhada para frente à qual eles são convidados.

(247) Nota da editora: A expressão 'kerdar' é um conceito do
zoroastrismo e já foi explicada na página 16.
Para escapar a essa dificuldade, podermos tentar sem dúvida
transportar aos mundos planetários o teatro desta evolução
infinita cuja idéia impõe-se a nós apesar dos desmentidos que a
observação dos fatos parece infligir-lhe na vida presente. Porém
ainda aí chocam-nos com as mesmas objeções que acabamos de
encontrar. Se essas humanidades longínquas não conhecem o
mal, se não precisam lutar contra as más inclinações de sua
natureza imperfeita, não vemos como podem adquirir algum
mérito,(248) e se, ao contrário, como é mais provável, as terras


do céu que elas habitam são vales de lágrimas da mesma forma
que as nossas, somos também levados a supor que o ser
inteligente não faz mais progresso do que aqui, que ele é
impotente para depurar sua natureza imaterial e os desejos
grosseiros que nele carrega. Aí tampouco podemos encontrar
uma solução absolutamente satisfatória... (p. 397).

(248) Os teólogos admitem como atributos de Deus: o poder, a
inteligência e o amor. As diversas vidas teriam por objetivo desenvolver
tanto um quanto outro de seus atributos que aproximam a criatura de seu
criador. Não é, portanto absurdo supor que certas existências ocorram no
mundo onde a moral não existe. -A. R.
É dever e honra da ciência abordar sempre com a mesma
resolução os problemas que a natureza lhe apresenta, de
reconhecer, em suma, que, se a cada instante mais se aproxima
da verdade por seu labor incessante, ela não a possui jamais em
toda a sua plenitude e é condenada a retificar continuamente a
imagem inconstante que pode se formar da verdade.

E, sob outro ponto de vista, é necessário reconhecer que essa
irregularidade decepcionante que perturba o estudo dos
fenômenos da vida superior não lhe é absolutamente particular,
porém pode encontrar-se inclusive na observação do mundo
material.

Crermos, sem dúvida, possuir o conhecimento das leis
fundamentais de física e de química, cuja aplicação
constatarmos a cada instante, e, no entanto, ocorre
freqüentemente que a natureza nos coloque em presença de uma
reação inesperada a qual em seguida somos perfeitamente
impotentes para reproduzir.

Admitirmos, e isso sem contestações possíveis, que este fato
deve-se certamente a que os dados recolhidos sejam mais
complexos do que supomos e que não podermos levar em
consideração àqueles que nos escapam. Não se pode esquecer,
no entanto, que a mesma resposta poderia aplicar-se aos
fenômenos mais estranhos da vida superior. (p. 309).


Capítulo VI

A religião do futuro(249)

I -Uma inteligência suprema rege os mundos. Essa
inteligência, a que chamamos Deus, é o eu consciente do
universo. E é no universo, para o universo e pelo universo que o
pensamento divino objetiva-se.

II -Todas as criações desenvolvem-se de acordo com uma
cadeia sempre ascendente, sem nenhuma solução de
continuidade perceptível na série ascensional. O reino mineral
passa insensivelmente ao reino vegetal, o reino vegetal ao reino
animal e este ao reino nominal, sem que se possa perceber
nitidamente a linha de demarcação.

Elas desenvolvem-se duplamente no material como no
espiritual. Essas duas formas de evolução são paralelas,
solidárias, não sendo a vida senão uma manifestação do espírito
que se traduz pelo movimento.

III -A alma elabora-se no seio dos organismos
rudimentares. Para tornar-se o que é na humanidade atual, foi
preciso que atravessasse todos os reinos da natureza. Força cega
e indistinta no mineral, individualizada na planta, polarizada na
sensibilidade e no instinto dos animais, ela tende sem cessar ao
mundo consciente nesta lenta elaboração e, em seguida, chega
enfim ao homem.


No animal ela encontra-se ainda no estado de esboço; no
homem adquire a consciência e não pode mais regredir. Porém,
em todos os graus, ela prepara e amolda seu envoltório material.

IV -A evolução da alma é infinita e cada existência é apenas
uma folha do livro eterno.

A cada grau de evolução que a alma tenha chegado, ela leva
consigo a coroação da síntese das forças inferiores da natureza e
possui em germe todas as faculdades superiores (poder,
inteligência, amor) que está destinada a desenvolver através das
vidas sucessivas.

V -A alma progride no estado corporal e no estado
espiritual. O estado corporal é-lhe necessário até que ela tenha
atingido um certo grau de perfeição; neste estado ela
desenvolve-se pelo trabalho ao qual está sujeita pelas suas
próprias necessidades e adquire conhecimentos práticos
especiais. Sendo uma só existência corporal insuficiente para
esses fins, ela retoma um corpo tão freqüentemente quanto lhe
seja necessário e, a cada vez, chega cora progressos obtidos em
suas existências anteriores e na vida espiritual.

VI -No intervalo das existências corporais, a alma vive na
vida espiritual. Esta vida não tem duração determinada. O estado
feliz ou infeliz da alma é inerente a seu grau de perfeição. A
alma sofre pelo mal que praticou, de maneira que, estando sua
atenção incessantemente voltada para as conseqüências do mal,
ela melhor compreenda seus inconvenientes e seja estimulada a
corrigir-se. Toma resoluções enérgicas e, chegada a época, desce
de novo em outro corpo a fim de melhorar-se pelo trabalho e o
estudo. Conserva sempre a intuição, o vago sentimento das
resoluções tornadas antes de nascer.


VII -Logo que a alma adquire em um mundo a soma de
progressos que comporta o estado desse mundo, ela o deixa para
encarnar em outro mais avançado onde adquira novos
conhecimentos, e assim por diante, até que, não lhe sendo mais
útil à encarnação no corpo material, viva exclusivamente na vida
espiritual. Aí ela ainda Progride em outro sentido e por outros
meios. Tendo chegado ao ponto culminante do progresso, goza
da suprema felicidade, é admitida nos conselhos do Todo-
poderoso, possui seu pensamento e toma lugar entre seus
missionários, seus ministros diretos para o governo dos mundos,
tendo sob suas ordens espíritos em diferentes graus de evolução.

VIII -A alma possui um corpo fluídico (perispírito) cuja
substância é extraída do fluido universal ou cósmico, que a
forma e a alimenta, como o ar forma e alimenta o corpo
material.

O perispírito é mais ou menos etéreo segundo os mundos e o
grau de depuração da alma. Nas almas inferiores e nos mundos
inferiores, sua natureza é mais grosseira e mais se aproxima da
matéria bruta.

O perispírito é o esboço sobre o qual a alma forma o corpo
físico; este é apenas um segundo envoltório, mais grosseiro,
mais resistente, apropriado às funções que deve preencher e do
qual o perispírito se livra na morte.

O perispírito é o intermediário entre a alma e o corpo. É o
órgão de transmissão de todas as sensações. Para as que vêm do
exterior, pode-se dizer que o corpo experimenta a impressão, o
perispírito a transmite e a alma, o ser sensível e inteligente, a
recebe. Quando o ato parte da iniciativa da alma, pode-se dizer
que a alma deseja, que o perispírito transmite e que o corpo
executa.

O perispírito se comunica com a alma por correntes
magnéticas; é pela força vital que ele está ligado ao corpo.


O perispírito não se encontra fechados nos limites do corpo
como em uma caixa. Por sua natureza fluídica, ele é expansível,
irradia-se por fora e forma ao redor do corpo uma espécie de
atmosfera que a força da vontade pode mais ou menos apagar;
daí que pessoas que não estão em contato corporalmente podem-
no estar por sua alma e se transmitirem, sem saber, suas
impressões, e algumas vezes até mesmo a intuição de seus
pensamentos (telepatia).(250)

(249) Este capítulo foi extraído do livro publicado pelo general Fixsob o título Étude Philosophique, Paris, 1899, p. 207. Ele expõe a teoria à
qual chegam atualmente às pesquisas experimentais dos espiritualistas
independentes. -A. R.
(250) Nota da editora: Bem se vê que o autor leu o livro dos espíritos.
Esses oito itens estão em perfeita consonância com a doutrina codificada
por Allan Kardec.
Conclusões

Mostramos, na primeira parte deste livro, que a hipótese das
vidas sucessivas havia sido adotada, em todos os tempos e em
todos os países, pela maioria dos sábios que se preocupavam
com nosso futuro após a morte.

Na segunda parte, relatamos certo número de experiências
em que, sob a influência dos passes magnéticos, sensitivos, cuja
alma encontrava-se mais ou menos desligada dos laços do corpo,
pareciam reviver vidas já vividas ou viver futuras. Esses
fenômenos apresentavam-se sob formas diversas segundo os
indivíduos. Em uns, as diversas transformações aparentam
realidade absoluta e repetem-se sempre idênticas e na mesma
ordem, há vários meses de intervalo; o sujet as vive de maneira
impressionante com os estados físicos e intelectuais que as
caracterizam. Em outros, elas variam um pouco e antes se


assemelhara a recordações nas quais se reconhece facilmente a
intervenção de leituras anteriores; estas são também
interessantes, porque nos impedem de depositar confiança cega
nas primeiras e nos colocam no caminho de uma explicação de
ordem puramente física. Uma constante reproduz-se, no entanto,
em todas essas manifestações: é a expiação nas vidas seguintes
das faltas cometidas nas vidas precedentes.

Na terceira parte, vê-se que os fenômenos que determinei
por processos magnéticos foram observados separadamente em
circunstâncias diversas. Foi assim que certas pessoas viram
desenrolar-se rapidamente toda a sua vida atual sob a influência
de um perigo de morte. Outras tiveram espontaneamente
recordações de existências anteriores. Outras, enfim, puderam
predizer de maneira segura alguns pontos de seu futuro, o que
suscita o problema perturbador da fatalidade.

Enfim, na quarta parte, mostrei que mudanças de
personalidade, apresentando a mesma aparência impressionante
de realidade que as descritas na segunda parte, observam-se em
certos casos de doença e eram obtidas muito facilmente por
simples sugestões verbais em condições tais que era impossível
atribuí-las a outra causa além da imaginação hiperestesiada dos
sujets.

Quais são pois as conclusões que podemos tirar dos fatos
que relatei?

Elas são de duas espécies: umas indubitáveis, outras
simplesmente problemáticas.

É indubitável que, por meio de processos magnéticos, pode-
se, em certos sujets dotados de sensibilidade suficiente, provocar
uma série de fases de letargia e de estados sonambúlicos, que se
sucedem regularmente como os dias e as noites, e durante os
quais a alma parece desligar-se cada vez mais dos laços do
corpo e lançar-se em regiões do espaço e do tempo geralmente
inacessíveis para ela no estado de vigília normal.


É indubitável que, por meio de certas operações magnéticas,
pode-se levar progressivamente a maioria dos sensitivos a
épocas anteriores à sua vida atual, com as particularidades
intelectuais e fisiológicas características dessas épocas, e isto até

o momento de seu nascimento. Não são recordações que
despertamos; são os estados sucessivos da personalidade que
evocamos. Estas evocações produzem-se sempre na mesma
ordem e através de uma sucessão de letargias e de estados
sonambúlicos. O fenômeno produz-se espontaneamente erra
alguns doentes, porém somente para certos períodos de sua
existência.
Pode-se explicá-lo supondo-se que as recordações registram-
se nas camadas sucessivas do cérebro, as reais antigas
encontrando-se localizadas nas mais profundas, e que, em
conseqüência de circunstâncias diversas, a atividade vital que
habitualmente se dirige às camadas externas retorna a tal ou tal
parte da massa cerebral, tornada inerte pelo tempo. Porém uma
explicação mais provável, porque apoiada no testemunho dos
videntes, é a de que o fenômeno é devido à concentração do
corpo fluídico que retoma as formas que possuiu sucessivamente
durante o desenvolvimento da vida do sujet.

É indubitável que, continuando essas operações magnéticas
aquém do nascimento e sem necessidade de se recorrer a
sugestões, faz-se o sujet passar por estados análogos,
correspondendo a encarnações precedentes e aos intervalos que
separam essas encarnações. O processo é o mesmo através das
sucessões de letargias e de estados sonambúlicos. Essas
revelações, quando podem ser controladas, geralmente não
respondem à realidade, porém é difícil compreender como as
mesmas práticas físicas, que determinam primeiramente
regressões de personalidade reais até a época do nascimento,
podem subitamente dar lugar a alucinações completamente
falsas.(251)


(251) Nota da editora; Há regressões provocadas pela hipnose cujos
relatos da suposta vida anterior foram profundamente estudados, com
inúmeras coincidências, dando-nos fortíssimo testemunho da realidade do
fenômeno. Dentre estes casos, destacamos o de Luciano dos Anjos, na
obra Eu sou Camille Desmoulins, de Hermínio C. Miranda.
É indubitável que, continuando os passes despertadores além
da idade atual do sujet, determinam-se fenômenos análogos aos
produzidos no passado, isto é, fases alternadas de letargia e de
estados sonambúlicos em que o sujet representa papéis
correspondendo à sua vida no futuro, seja em sua vida presente,
seja em suas vidas futuras. Não se controlou ainda a realidade
dessas previsões, algumas das quais são provavelmente devidas
unicamente aos projetos do sujet. Está, no entanto, provado que,
em circunstâncias bastante numerosas e ainda não-definidas, o
homem pôde seguramente prever o futuro.

É indubitável que, quando se produz pela magnetização um
certo estado do sujet, estado que é provavelmente o relaxamento
dos laços que aprisionam o corpo fluídico no corpo físico,
obtêm-se por simples sugestão os mesmos efeitos que pelos
passes longitudinais ou transversais.

Se agora procuramos explicar esses fenômenos,
encontramo-nos em presença de três hipóteses principais, fora
da aceitação literal dos relatos do sujets.

A primeira é a de que seu espírito, levado por uma
caminhada contínua, ora para o rejuvenescimento, ora para o
envelhecimento, segue seu caminho no tempo por uma espécie
de inércia; porém, ao invés de passar por estados fundamentados
em sensações realmente experimentadas, ele cria outras
baseadas erra idéias, que novas faculdades lhe permitem
perceber.

Mireille mostrava-me, assim, os efeitos de minhas
magnetizações sobre ela:

Quando estou desperta, minha alma encontra-se presa a meu
corpo e sou como uma pessoa que, trancada no térreo de uma


torre, não vê o mundo exterior senão através das cinco janelas
dos sentidos que têm, cada uma, vidraças de cores diferentes.
Quando você me magnetiza, livra-me pouco a pouco de minhas
cadeias, e minha alma, que aspira sempre a elevar-se, embrenha-
se na escada da torre, escada sem janela, e não vejo nada além
de você que me guia até o momento em que desemboco na
plataforma superior. Lá, minha visão estende-se em todas as
direções com um sentido único bastante aguçado, que me coloca
em relação com objetos que ele não podia perceber através das
vidraças da torre. Dentre esses objetos estão os pensamentos dos
outros homens, que circulam no espaço; infelizmente, não posso
distinguir imediatamente sua natureza e fico exposta a confundi-
los com substâncias mais materiais, como em nossos Alpes não
chegamos a distinguir das neves eternas as nuvens que as
coroam senão por suas mudanças de forma.

Além desses pensamentos ambientes, há toda a massa de
idéias armazenadas no inconsciente do sujet desde seu
nascimento. Com efeito, admite-se hoje que, para que nossa
memória habitual registre uma percepção, é preciso que esta
apresente intensidade e duração suficientes. É por isso, por
exemplo, que não nos recordamos habitualmente senão do que
ouvimos, vemos, cheiramos, degustamos ou tocamos; porém
não é menos verdadeiro que outras vibrações tenham atingido
nossos órgãos dos sentidos.(252). São estas vibrações que
deixam vestígios no inconsciente e que não percebemos senão
quando nossa sensibilidade é exaltada.

(252) "Há", diz Draper, "algumas experiências bastante simples que
servem para fazer-nos compreender o que podem ser os vestígios das
impressões ganglionárias. Se coloca uma obreia sobre um metal frio e
polido, por exemplo, sobre uma lâmina nova de barbear, e se, após haver
soprado sobre o metal, retira-se a obreia, nenhuma inspeção, por mais
minuciosa que seja, poder-nos-ia fazer descobrir o mínimo vestígio de
uma figura qualquer sobre o aço polido. Porém se sopra novamente sobre
o metal, a imagem espectral da obreia reaparecerá. e isto tão

freqüentemente quanto se queira recomeçar, mesmo vários meses após a
experiência. Uma sombra não é projetada numa parede sem deixar
vestígio durável... Sobre as paredes de nosso quarto, onde cremos que
ninguém tenha podido penetrar e crendo que nosso retiro esteja ao abrigo
de toda profanação indireta, há vestígios de todas as nossas ações, das
silhuetas de todas as nossas atitudes: todos os nossos movimentos lá se
encontram escritos." Les conflits de la science et de la relìgion, p. 95.

A segunda hipótese é baseada na intervenção dos espíritos
dos mortos ou outras entidades inteligentes e invisíveis que nos
rodeariam. Estas inteligências teriam por missão instruir-nos,
fazer-nos revelações, e elas o fariam inventando pequenas
histórias como as da moral em ação com personagens fictícias,
de maneira a não despertar causas de inimizade entre os vivos.

Na terceira hipótese, o sujet perceberia, sobretudo por meio
de seus sentidos exaltados, as idéias ambientes. Ora, a hipótese
das vidas sucessivas esta no ar, segundo a expressão popular,
porém as idéias de inferno e de purgatório o estão ainda mais no
mundo dos sujets que estudei; e, no entanto, nenhum deles, em
nenhum momento, a ela fez alusão. Poder-se-ia supor com
suficiente verossimilhança que os sujets tomaram as idéias de
vidas sucessivas de meu próprio cérebro, porém eu não pensava
absolutamente nisto quando observei pela primeira vez com
Josefina o fenômeno do qual levei bastante tempo para me
aperceber. A sugestão mental, não obstante, jamais existiu entre
mim e meus sensitivos, como provaram várias vezes às
divergências que se produziam entre minhas recordações mais
ou menos errôneas das sessões precedentes e suas afirmações
bastante nítidas.

Em todo caso, é extremamente provável que a maioria das
revelações dos pitiáticos, das sibilas, dos extáticos, dos profetas
e dos médiuns não tenha fundamentos mais sólidos do que as de
nossos sensitivos, e que não haja razão para dar-lhes mais
crédito.


Deve-se rejeitá-las completamente? Não creio e sou da
opinião de Kant, que escreveu: "No que me concerne, a
ignorância em que me encontro com respeito à maneira pela
qual o espírito humano entra neste mundo e pela qual dele sai
interdita-me negar a verdade dos diversos relatos que correm.
Por uma reserva que parecerá singular, permito-me pôr em
dúvida cada caso particular, mas crê-los verdadeiro em seu
conjunto."

Se o mérito procede em toda parte da luta, não é um mérito
intelectual lutar contra todas as causas de erro na pesquisa da
verdade, e não está nos desígnios de Deus dar-nos revelações
imperfeitas para permitir-nos alcançá-la?

Terminaremos pois este estudo pelo conselho de Platão:

É preciso tomar o melhor ensinamento humano, nele subir
como num barco e atravessar assim, não sem perigo, o rio da
vida; a menos que se possa executar a mesma travessia mais
seguramente sobre um navio mais sólido, isto é, sobre algum
ensinamento divino.

Felizes daqueles que sabem reconhecer seguramente o
ensinamento divino e nele conformar sua conduta!

FIM




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