terça-feira, 8 de setembro de 2015 By: Fred

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]ay Mclnerney

A HISTÓRIA DA MINHA VIDA

Tradução de JOSÉ VIEIRA DE LIMA

CÍRCULO DE LEITORES
Título original: STORY OF MY LIFE

Capa de: MARIA JO AO BASTOS

Licença editorial por cortesia

de Quetzal Editores

Impresso e encadernado por Printer Ponuguesa

no mês de Agosto de 1990

Número de edição: 2886

Depósito legal número 33 732/90

ISBN 972-42-0102-3

Para o Gary
A era de Cronos caracterizou-se de um modo geral como a época da anarquia, anterior à instituição da propriedade, à fundação das cidades, à elaboração das leis. E lícito concluir que foram os homens, e não os deuses, que primeiro se sentiram insatisfeitos com as bênçãos da anarquia.

Philip Velacott, introdução a The Oresteian Trilogy
1.

EM BUSCA DA CRIANÇA QUE HÁ EM NÓS

A sério, isto é uma merda.

Estou feita com o meu velho, que se encontra algures nas ilhas Virgens, onde, não sei. O cheque não estava na caixa do correio, o que significa que na segunda-feira não posso ir às aulas. Eu pago as propinas mensalmente porque o pai diz que querer ser actriz é um impulso muito pouco consistente e além disso eu não paro em sítio nenhum isto é o que diz um tipo que já se casou cinco vezes , de maneira que com o pagamento mensal ele não corre o risco de eu deixar o curso a meio com as propinas todas pagas. Entretanto deu um 450 SL descapotável à boneca com quem anda agora, a Tanya, que tem menos um ano do que eu sempre tiveste uma queda para as miúdas novas, hein, papá?, isto para não falar do apartamento que ele lhe pôs, que é para ela ter privacidade suficiente para se dedicar à escrita.

O que é espantoso porque ela nem ler sabe! A chatice toda é que ele acredita quando ela lhe diz que está a escrever um romance, mas quando eu quero passar oito horas por dia a fossar no Lee Strasberg ele diz, pois, mais uma das ideias malucas da Alison. A história da
minha vida. O meu velho tem cinquenta e dois anos e cabeça de doze. E além disso há o Skip Pendleton, que é mais uma razão para eu andar lixada.

De maneira que estou eu ao telefone aos gritos com a secretária do meu pai quando aparece uma chamada na minha outra linha. Eu digo, está, e há um tipo que diz, olá, eu sou o não-sei-quantos, sou amigo do Skip, e eu digo ah, sim? e ele diz, pensei que podíamos sair um dia destes.

E eu, mas o que é que você julga que eu sou, uma agência de engates?

O Skip Pendleton é o gajo que há uns tempos me pôs a cabeça à roda aí durante uns três minutos. Há umas três semanas que não me telefona, não faz mal, tudo bem, mas de repente até parece que eu não passo de um bilhete de baseball que ele tenta vender aos amigos! Não há pachorra. De maneira que eu digo a este tipo, mas quem é que lhe disse que eu queria sair consigo, eu nem o conheço! e ele diz, o Skip falou-me de si. Certo. E eu, e o que é que ele lhe disse? e o tipo, o Skip disse que você era uma brasa. E eu digo, bestial, não calcula a honra que sinto só porque o Skip Pendleton acha que eu sou uma brasa. É isso, filho, eu não passo de uma malagueta à espera de um burrito desconhecido. Quer dizer, francamente!

E o tipo diz, nós estávamos uma noite destas em casa do Skip eram umas cinco da manhã, completamente passados, e eu digo a certa altura isto é o tipo a falar , era bestial se tivéssemos aqui umas mulheres e o Skip então diz, eu posso telefonar à Alison, ela aparece aí num instante.

Ah ele disse isso?, digo eu. Até parece que estou a ouvi-lo, não é que isto me espante, mas mesmo assim nunca pensei que ele pudesse ser tão porco. De repente sinto-me que nem uma puta barata e o que me apetece é desatar aos gritos com este filho da mãe mas em

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vez disso digo, onde é que você está? Ele está na Avenida 89 West, parece, de maneira que eu dou-lhe uma morada na Avenida C, uma toca de ratos onde uma amiga minha viveu o ano passado até que aquilo foi assaltado pela décima sétima vez, e que fica o mais longe possível do Upper West Side desde que não se vá a nado, de maneira que eu digo-lhe que nos encontramos nessa morada dentro de uma hora e pelo menos fico com a satisfação de o imaginar a pagar vinte dólares ao taxista e a andar às voltas à porta do prédio e se calhar ainda apanha uma carga de porrada dos dealers da zona. Mas eu estou mesmo lixada é com o Skip Pendleton. O meu pai já não consegue surpreender-me. Tenho vinte anos e estou a ficar velha.

O Skip vai nos trinta e um e é um tipo tão esperto e tão educado perguntem-lhe que ele explica. Aos seus próprios olhos ele é uma verdadeira lenda. Esqueci-me de dizer que ele se encontra no auge da maturidade? Eu estou muito longe disso. Fartou-se de me dizer que não sei nada de nada. you dizer-lhes uma coisa que não sei não sei o que é que vi nele. Parecia-me mais velho e sofisticado e quanto a sexo foi bestial, por isso por que não? Conheci-o num bar, claro. Nunca o achei muito bonito, mas percebia-se que ele achava que era. Acreditava tanto que era bonito que não lhe custava nada vender a ideia aos outros. E muito raro ver alguém com tanta confiança em si mesmo. Um cabelo louro que até parece que o corta e arranja três vezes ao dia. Boas roupas, camisas feitas por medida na Jermyn Street, ele aliás não deixa de nos dizer, para o caso de não sabermos, que a Jermyn Street fica em Londres, Inglaterra (que por sua vez fica na Europa, que é do outro lado do oceano Atlântico ah, Skip, não me digas, é mesmo aí que fica ajermyn Street? Uau!). Ele andou só em boas escolas. E é rico, claro, tem a sua própria firma. Compra e venda

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de mercadorias. A história da vida dele, comércio de mercadorias.

De maneira que, no essencial, ele tem tudo a seu favor. Dava para uma silhueta do Dewar's, até me espanta que ainda não o tenham contactado. Mas quando o sol de manhã lhe bate na cara, não passa de um destroço que até mete medo.

Logo na primeira noite, no seu apartamento, debruçado sobre a moldura de prata enquanto snifa com uma j nota de 50 dólares enrolada e enfiada no nariz, não í fala de outra coisa senão da ex, ah, se ela voltasse, mudava por completo de estilo de vida deixava a coca, a borga todas as noites durante a noite toda, borrachos assim como eu. E eu a pensar, coitado, acaba de perder a sua mais-que-tudo, e eu cheia de pena, e então pergunto-lhe, quando é que isso foi, Skip?, e de repente ele responde, foi há dez anos! Viveu com essa miúda quatro anos em Harvard e depois de irem para Nova Iorque ela deixou-o. E eu viro-me para ele, oh, Skip, francamente, tem dó de mim. E tem dó de ti. Já passaram dez anos. Estamos em mil novecentos e oitenta e não sei quantos.

É mesmo esperto o tipo, não é? Os meus pais estiveram-se sempre nas tintas para saber se eu ia ou não à escola, andavam bem longe a perseguir amantes e garrafas, e a nós deixavam-nos com os carros e os cartões de crédito, e eu, educação, francamente acho que não tive. Culpa minha? Quer dizer, se lhes dissessem que tanto fazia irem à escola como não irem, o que é que vocês faziam? Mas esqueçamos a trignometria, por favor. Certo. Portanto eu não tenho a educação que tem o grande Skip Pendleton, mas deixem que lhes diga eu sei que quando se vai para a cama com alguém não é para se passar a noite toda a chorar pela ex, em especial se já passou uma década. E não é preciso ser licenciada em psicologia para perceber por-

que é que o Skip não consegue andar com mulheres da sua idade. Continua à procura da Diana, a bela Diana, Diana, a perfeita, que tinha vinte e um anos quando disse sayonara. E quer-nos a nós, que somos carne jovem, porque nós somos como a Diana dos bons velhos tempos. E odeia-nos porque nós não somos a Diana. E pensa que é capaz de se sentir melhor se nos foder a todas e se nos fizer sofrer o que ele sofreu, não há dúvida que é isso mesmo andamos todos aqui na terra a remoer os nossos sofrimentos, tentando passá-los para os outros para que enfim fiquemos quites. Uma corrente de dor.

O esperto do Skip fartou-se de me dizer que eu era uma parva. Isso era o que ele queria. O que é engraçado é que é de parvas que ele gosta. Não quer andar com ninguém que o tope, de maneira que engata raparigas como eu. Raparigas que ele acha que vão acreditar em tudo o que ele diz e que fodem com ele uma noite e que não ficam nada espantadas se ele não voltar a telefonar.

Se realmente és assim tão esperto, como é que não percebes estas coisas, Skip? Se realmente és assim tão maduro, o que é que andaste a fazer comigo?

Homens. Nunca conheci um único. São todos rapazes. Quem me dera não gostar tanto deles. Tive uns quantos sonhos com raparigas, mas é uma coisa um tanto ou quanto claro, um dia gostava de ir à Noruega. Eu e a minha companheira de quarto, ajeanme, dormimos na mesma cama e é bestial. Temos um quarto para as duas, de maneira que a sala fica livre para festas e para o que for preciso. Odeio estar sozinha, mas quando acordo na cama de um tipo qualquer com esporra seca nos lençóis e ele a ressonar que nem um porco, o que me apetece é pôr-me a milhas e ponho-me mesmo. Deslizo cama abaixo e gatinho pelo chão às apalpadelas à roupa, tentando separar os jeans

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dele dos meus, o meu soutien das cuecas dele o Skip, claro, usa tanga , sem fazer barulho, e num instante; saio e num instante estou em casa onde ajeannie está farta de aquecer a cama. Meto-me entre os lençóis e ela acorda e vira-se para mim, pormenores, Alison, comprimento e grossura.

Adoro ajeannie. Divirto-me à farta com ela. Ela é assistente editorial numa revista de moda mas o que ela realmente quer é casar. Pode ser que com ela resulte mas comigo não, não acredito no casamento. Os meus pais juntos já têm sete casamentos e sempre que ando com um tipo mais do que uma ou duas semanas dou comigo a olhar para o tecto sempre que you para a cama í com ele. \

Telefono à minha amiga Didi a ver se ela me pode emprestar o dinheiro. O pai da Didi é rico e dá-lhe imenso dinheiro, mas ela gasta-o todo em coca. Antigamente comprava roupa mas agora usa sempre a mesma durante quatro ou cinco dias seguidos, podem crer que fica um nojo. Às vezes temos de mandar gente do Ministério da Saúde ao apartamento dela para abrirem as janelas e queimarem os lençóis.

Telefono e responde-me o gravador, o que significa que ela não está em casa. Quando está em casa desliga o telefone e quando sai põe o gravador. Quer dizer, nunca se consegue falar com ela. Dorme desde o meio-dia até perto das nove da noite.

Se a Didi fizesse uma lista das coisas que prefere, acho que a coca vinha em primeiro e a luz do Sol nem aparecia.

Eu e os meus amigos passamos metade da nossa vida a deixar mensagens uns aos outros. Felizmente eu conheço o código de acesso às mensagens da Didi, de maneira que volto a ligar e oiço as mensagens que ela tem no gravador a ver se consigo descobrir onde é que

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ela poderá estar a esta hora. O.K., talvez eu não passe de uma bisbilhoteira.

A primeira mensagem é do Wick e pela voz dele posso dizer o que anda a fazer com a Didi, o que realmente me deixa espantada porque o Wick andou há tempos com ajeannie. Mas a Didi é a pessoa menos interessada em sexo que eu conheço por isso não tenho a certeza. Talvez o Wick esteja só a tentar a sua sorte. Uma mensagem da mãe dela telefona, querida, estou em Aspen. Depois o Emile, a dizer que quer os seus 350 dólares senão...

E é aí que eu digo para os meus botões mas eu sou maluca ou quê? Nunca na vida hei-de arrancar um cêntimo à Didi.

E se tentar, ela vai dizer-me para ir curtir com ela e eu estou a ver se me afasto disso. Estou quase para desligar quando recebo uma chamada na outra linha. É da escola a dizerem que não paguei a mensalidade e que não posso voltar às aulas enquanto não pagar. Mas porque é que vocês acham que eu tenho andado neste frenesim nas últimas vinte e quatro horas? É sábado à tarde. Ajeannie está aí não tarda e então é que não há nada a fazer.

Já estou a ficar completamente enrezinada. Dá para perceber que não faço um todo feliz. Representar foi a primeira coisa que realmente quis fazer. Não falando dos cavalos. Em miúda passava a maior parte do tempo a montar a cavalo. Andei por todo o país a mostrar os meus cavalos e a saltar obstáculos até que o Dangerous Dan esticou. Eu gostava mais do Dan do que qualquer outra coisa ao cimo da terra e depois da morte dele nunca mais quis saber de cavalos. No fim de contas é isso que acontece sempre que se gosta de alguma coisa. E assim, uma pessoa não consegue ver-se livre das merdas de que não gosta, eu tenho uma saia de balão já completamente podre que me tem acompanhado de

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apartamento em apartamento, há anos que anda jH

comigo, mas sempre que encontro algo de que real- ^1

mente gosto, uma das minhas irmãs ou das minhas ^1

amigas desaparece com ele no dia seguinte. ^1

O que acontece é que nós trocamos todos roupa, :H

não devo conhecer uma só pessoa que saia à rua sem fl

vestir uma coisa que roubou ou que lhe empresta- fl

ram, quer dizer se fosse só roupas tudo bem, aJH

chatice è que não é só roupa, mas essa é outra his-fl

tória. B

Bem, depois dos cavalos meti-me nas drogas. Mas

representar, não sei, adoro, pronto, adoro estar no '

palco e virar-me toda do avesso. Ser outra pessoa, B

sempre se varia. É como voltar a ser criança, é como

brincar a um jogo de meninos, é o faz-de-conta, B

rindo e chorando à toa, não me lembro de alguma B

vez me terem deixado pôr cá para fora as minhas

emoções, mas o melhor é não falar disso eu soul

do tipo emotivo. m

O meu professor de drama está sempre a dizer uma

coisa certíssima descobre a criança que há em ti, l

criança que é afinal aquela parte de nós mesmos que l

permaneceu inviolada, aquela parte de nós mesmos que l

não é vítima de limitações e censuras. Representar sig- i

nifica afinal sermos fiéis aos nossos próprios sentimen-1

tos, o que é bestial porque a vida real parece ser só feita i

de mentira e hipocrisia. l

O teatro foi a primeira coisa que me conseguiu fazer j

levantar de manhã. No primeiro ano que passei em j

Nova Iorque não fiz outra coisa senão andar com gajos '

e snifar coca. Passava a noite toda no Surf Club e no

7,,i,, Wantava-me às cinco da tarde com o nariz entu-

porque se não recebo não há razão nenhuma para me levantar cedo na segunda-feira e a Jeannie há-de vir para casa e alguém há-de telefonar e está-se mesmo a ver que a seguir fico três dias sem dormir, a cabeça em órbita, o nariz em transe. Telefono outra vez à secretária do meu pai, ela diz que continua à procura

dele.

Decido fazer o trabalho de casa antes que a Jeannie chegue o exercício de memória sensitiva. Não me perguntem porquê, já que não you poder ir às aulas. Mas é um exercício que me deixa mais calma. Sento-me na cadeira desdobrável e relaxo-me por completo, esvazio a cabeça da merda toda. Depois começo a imaginar uma laranja. Tento vê-la à minha frente. Pego nela. Uma laranja enorme das antigas, redondinha, com manchas ferruginosas, como as que se apanham da árvore na Florida (as laranjas imaculadas género Clearasil que compramos na Safeway estão cheias de cianeto ou uma merda dessas de maneira que está-se mesmo a ver o bem que fazem). Depois começo a descascá-la muito lentamente, cheirando os pequenos geisers de vapor quando aperto a pele, sentindo o sumo

picando-me junto ao sabugo das unhas no sítio onde

as mordi... Claro que nesse momento toca o telefone. É a voz

de um tipo qualquer, um Barry qualquer coisa, diz ele,

POSSO falar com a Alison Poole? E eu, já está a falar. Sou amigo do Skip, diz ele. k eu, olhe que se isto é uma brincadeira eu não estou

nada divertida.

^n> não é brincadeira nenhuma, diz ele. É que eu,
Ah, esta é de mais. Mas o que é que eu sou? O H^l Service1 da York Avenue? j"H

U^^^H

O Skip também lhe contou a doença que me pegH digo eu. Isto deve chegar para arrefecer num instiH o entusiasmo do Barry. De repente diz que tem ^H chamada na outra linha. Claro, Barry, claro. |H

Mas é verdade foi o presente de despedidJH Skip. Na última noite em que dormi com ele acojH cheia de dores e de comichão e depois apareceinH uma erupção esquisita até que acabei por ir à meoH que tratou logo de me pregar um valente sermão ac|H da sida blabla blabla blabla e depois disselB que a borbulhagem é uma doença sexualmente triB missível, que não me vai matar mas tenho de toiB estes antibióticos durante duas semanas, além de fll poder ir para a cama com ninguém entretanto. DJl eu para a médica, duas semanas?, mas quem achfl doutora que eu sou, a Virgem Maria?, e ela, como Jl médica conheço suficientemente bem os seus hábifl para saber que vai ser um grande sacrifício. Depois (m -me a conversa do costume, porque é que eu não B obrigo a usar camisas e eu a pensar, pela mesma raz" porque não fodo com a roupa vestida, carne com caia é o melhor que há. Contacto, contacto é o que qj quero, certo? Amor, amor, só em contacto directa

bom, a verdade é que eu nunca disse nada ao Ski não sei porquê, acho que não queria falar com ele, coflí esse filho da puta. l

E para aqui estou eu a fumar um cigarro, a folhed o meu Actor's Scene book, à procura de um monólogoj tenho de arranjar um para a próxima semana mas ainda não encontrei nada que me agrade, e então ponho-mí

1 Agência que fornece aos seus clientes, normalmente homenq de negócios, os serviços de jovens de ambos os sexos para efeito! de companhia csocial" por uma noite. (N. do T.) \

citar as outras secções, Monólogos para Homens, r^ para Duas Mulheres isso não, obrigada , Cenas para Um Homem e Uma Mulher. Esta deve ser

oior cena que existe.

* O telefone toca outra vez, é a Didi. Incrível! Ao " __ praticamente em pessoa. E à luz do dia!

VIVO 't _ i i r-1 * i_

Fui ao meu médico do nariz, diz ela. Ficou horrorizado. Disse-me que se não aguentasse passar sem snifar teria de começar a picar, que assim ao menos o caso passava para outro médico e ele não se chateava

mais.

O que é que se passa entre ti e o Wick?, pergunto eu.

Não sei, diz ela, fui a casa dele há umas semanas. Acordei na cama dele. Nem sequer tenho a certeza se fizemos alguma coisa. Mas ele está mesmo apanhado por mim. Entretanto o meu período está atrasado. Se calhar fizemos mesmo alguma coisa.

A Didi recebe outra chamada. Enquanto atende, dou comigo a pensar. As rodas vão girando rodas dentro de rodas. A Didi volta ao telefone e diz-me que era a mãe dela, que está com uma grande depressão, de maneira que ela volta depois a ligar-me. Digo-lhe, está bem, não faz mal. Ela já conseguiu ser uma grande ajuda.

Apanho o Skip no escritório. Não parece muito entusiasmado com a minha voz. Diz que está numa reunião, liga-me depois, pode ser?

Eu respondo que não, tem de ser agora.

O que é que há?, diz ele.

E eu, estou grávida.

Silêncio absoluto.

Antes que ele mo pergunte, digo-lhe que nas últimas seis semanas não dormi com mais ninguém. O que é a pura verdade, ou quase. Por aí já não tem saída. E bem feito.

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Tens a certeza?, diz ele. Dá a impressão que acil de engolir um quilo de areia. H

Toda a certeza, digo eu. |B

E ele, o que é que queres fazer? |fl

O que o Skip tem de bom é que, embora sejajM grande cabrão, também é um gentleman. Bern, dl bem é verdade que muitos dos cabrões que eu conrjM são verdadeiros gentlemen. Ou vice-versa. Umas call gaduras de boas famílias com um código de honra fl escolas privadas. B

Quando eu digo que preciso de dinheiro ele pergujM quanto. B

Mil, digo eu. Nem acredito como é que lhe con" gui pedir tanto, ainda há um minuto estava a peqB em quinhentos, mas a voz dele põe-me fora de mil

Pergunta se eu quero que ele vá comigo e eu dJB não, de maneira nenhuma. Então ele tenta o núml| de passar o cheque ao nome da clínica e eu digo-lhl Skip, não me venhas com merdas. Eu preciso de qii nhentos dólares em dinheiro para marcar a consula digo-lhe eu, e não quero estar à espera de seis dias útn que é o tempo que a merda do cheque leva a ser da contado. Percebido? Que bem que eu representa O meu prof, ficaria inchado se me visse. l

Duas horas depois chega um paquete com j dinheiro. Dinheiro mesmo. Dou-lhe uma gorjeta q dez dólares. l

\

No sábado à noite a Jeannie e a Didi vão sair. A Did aparece com aquela camisa de surfista horrorosa cor que andou toda a semana e o cabelo louro rastafarian1. Um nojo. Mas a verdade é que ela con

1 Cabelos compridos cheios de tranças, presos com contas, usai dos sobretudo pelos negros oriundos da Jamaica, conhecidos peh sua ligação à música reggae. (N. do T.)

incrivelmente bonita, mesmo depois de quatro V°Uasern pregar olho, e os homens ficam completa-
1 nte malucos a ver se a engatam. A mãe dela foi um ^ande modelo nos anos cinquenta, é sueca. A Didi godia perfeitamente ser a Miúda Revlon ou uma coisa Parecida, mas o problema seria acordá-la a horas para

as fotos.

A Icannie vestiu o meu sweater de caxemira, umas quantas jardas de pérolas, jeans e uns sapatos de salto alto do melhor.

Que tal estou?, diz ela, testando-se ao espelho.

Um espanto, digo eu. Aposto que não chegas ao fim de alguns cocktails sem seres violada.

Não se viola quem consente, diz a Jeannie, é o que nós dizemos todas.

Tentam convencer-me a ir com elas, mas eu tenho de preparar a minha cena para a aula de segunda-feira. Acham incrível. Dizem que esta minha mania não vai durar. E eu, a vida é minha. Estou a ver se faço qualquer coisa de construtivo com a minha vida, percebem? A Jeannie e a Didi acham que é de morrer a rir. E então põem-se a fazer o número do coro em que juntam as mãos como se estivessem a rezar e entoam o Amazing Grace, que é o que nós fazemos quando alguém começa a dar-nos sermões. Então, como ainda não estão satisfeitas com a figura de parvas que estão a fazer, põem-se a cantar, Alison, we know this world is killing you... etc., etc., que é assim como que a minha canção quando estou na merda.

E eu respondo:

They say you 're nothing but party girls

Just like a million more all over the world

Ficam como loucas. Nós as três adoramos o Costello.

Depois de elas saírem, pego na peça mas custa-me

a concentrar, a peça é a Mourning Becomes Electra, de

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maneira que ligo para a minha irmãzinha maú]H Claro que a linha está ocupada e eles não têm oH de maneira que ligo para a telefonista e peço urr^l mada urgente. Fico a ouvir a telefonista a intetfl per a ligação. Oiço a voz da Carol e então a telefiqjM diz, uma chamada urgente de Vanna White, Novfl que. A Carol diz logo, é a Alison, com aquenl sofrida e adulta que ela tem, apesar de ser trêsjH mais nova do que eu. >H

O que é que há de novo?, digo eu logo que ela " com a outra chamada. fl

O mesmo de sempre, diz ela. A mãe está bêaB O meu carro está na oficina. O Mickey está câfl depois de ter pago a fiança. Também está bêbeJM

Ouve, sabes onde é que está o pai?, digo eu "B diz, nas ilhas Virgens, pelo menos até há pouco esol talvez St. Croix, mas ela também não tem nenfl número. Então eu falo-lhe do problema com a eafl e depois, talvez porque me sinto um bocado chatcJB com aquela história toda, conto-lhe do Skip. Só < digo quinhentos dólares em vez de mil, e ela diz, olÉ acho que é muito bem feito para ele. O tipo é rnesi uma merda, digo eu, e a Carol diz, é mesmo, é ta qual o nosso pai. i

E eu, pois, tal e qual. l

A Jeannie regressa a casa no domingo de manhã, nove horas. Mete medo. Para variar estou a acordai não a deitar-me. Dou-lhe um Valium e meto-a cama. Dá uma sensação de virtude estar deste lado coisa sinto-me assim como um médico ou uma coí do género. !

A Jeannie cai na cama mais dura que um manequil e diz, tenho tanto medo, Alison. Ela também não fi um todo feliz.

Todos temos medo, digo eu.

Meia hora depois ressona que até parece uma serração-

Graças ao Skip, estou de volta à escola na segunda-feira, de manhã tenho aulas de dança e voz. Paguei a conta em dinheiro. Sinto-me porreira. A sério. À tarde tenho aula de drama. Começamos com o exercício de memória sensitiva. Sento-me e o professor diz-me que estou numa praia. Quer que eu veja a areia e a água e sinta o sol na minha pele nua. Que oiça o barulho das bolas de ténis. Tudo bem. Primeiro tenho de esvaziar a cabeça de toda a porcaria. Faz parte do processo. À minha volta os meus colegas fazem ruídos estranhos, espreguiçam-se, abrem a boca, preparam-se para os seus próprios exercícios. Embora estes exercícios devam ser totalmente espontâneos, há tipos que aposto que se põem a actuar de propósito para o professor ver, mesmo durante o aquecimento, riem ou choram de uma maneira dramática, tão do género, vejam só, sou tão espontâneo! Impostores não faltam nesta profissão. Quer dizer, não sei começo a ficar com a cabeça mole e então desato

sei

3 ~ ~- j

a rir histericamente e depois ponho-me a berrar que nem um bebé, mas perfeitamente descontrolada, caio da cadeira e agito-me no chão toda eléctrica... Enfim, pareço tal e qual uma bola de basquete... um apocalipse epiléptico, começo a soluçar, debato-me num frenesim de movimentos, tento arrancar com os dentes um bocado do linóleo do chão... eles estão habituados a emoções radicais, mas desta vez parece que excedi tudo. Acho que me deu forte e a enfermeira diz que estou exausta e que o melhor é eu ir para casa descansar...

A noite o meu velho telefona-me finalmente. Devo estar a sonhar, penso eu.

Estou lixada contigo, digo eu quando ele me pergunta como é que eu estou.

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Desculpa lá isso do dinheiro, querida, diz ele, só^l

asneiras. j^Ê

Ai isso não há dúvida, digo eu. IB

Filha, diz ele, é que eu estou num oito. JH

Parece que sim, digo eu. ;|H

Ela deixou-me, diz ele. ;fl

Não me venhas para cá chorar por causa dessa n|H

-sei-quantas, digo eu. Aí ele começa a chorar e eu dfll

por amor de Deus, pai, quando é que crescjB

Dou-lhe porrada que chegue e depois digo-lhe, dfl

culpa lá, tudo bem, até é bom para ele ver-se livre dal

há imensas mulheres que haviam de adorar um honwM

assim meigo como ele. Isto para não falar do sfl

dinheiro. A história da vida dele. Mas do dinheiro nfl

falo, claro. Ele está com cinquenta e dois anos e )$

um bocado tarde para lhe ensinar as coisas da vida. Pol

que tenho visto ninguém muda muito depois de uni

certa idade. Depois dos quatro anos, talvez. Seja corJ

for, conforto-o e acalmo-o e quase me esqueço de UB

pedir o dinheiro.

Ele promete que me manda o dinheiro das prop"

nas e da renda e uns extras. Não estou em mim. m

Devia odiar o meu pai, às vezes acho que odeji

mesmo. Há umas semanas apareceu nas notícias o casl

de uma rapariga que pediu ao namorado para matai

o pai dela. Meu Deus, são isto as famílias. Pelo mencl

com os amantes sempre se pode acabar. Aquela

romances antigos, e peças, que começam sempre coei

órfãos que no fim encontram os pais o que me apel

tecia dizer-lhes era, não procurem os vossos pais, estãá

muito melhor sem eles. A sério. Arranjem um cão qua

sempre compensa. É uma das minhas grandes ambi-l

coes ser órfã. com um fundo de maneio. E una

harém de homens às minhas ordens, tipos tão lindo i

e tão sem rosto como os homens que nos fodem nos

sonhos.

2.

CENAS PARA UM HOMEM E UMA MULHER

Cuidado, muito cuidado! Rebecca está de volta e podem crer que não é a de Sunnybrook Farm. Esta Rebecca é a maníaca da minha irmã. Veio de Palm Beach com a sua última conquista e instalou-se no Stanhope. Se eu fosse o gerente do hotel tratava já de esconder todos os valores e o resto atava-o bem atado e punha uma lona por cima. Da última vez que ela esteve em Nova Iorque acabaram por expulsá-la do Sherry Netherland e note-se que o Rod Stewart e a banda dele praticamente viviam nessa espelunca. Quer dizer, tenho a certeza de que esses tipos se portaram em condições, quer dizer, também não admira, com câmaras de TV apontadas às janelas e os malucos dos fãs... De maneira que dá para imaginarem o que é que a minha irmã é capaz de fazer a um quarto. A Becca é muito rápida a acabar com tudo carros, cartões de crédito, homens, drogas, cavalos, nomeadamente. Os homens e os cartões de crédito normalmente andam a par depois de dar a volta completa à cabeça de um tipo ela costuma pedir-lhe para usar um dos seus cartões de crédito, claro que ele fica cinco dias à espera do cartão e depois comunica ao banco que o cartão lhe

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foi roubado. Não sei, ela deve dar-lhes a volta à cabeçal

porque os gajos dizem sempre que sim, mesmo quandfl

ela faz qualquer coisa de horrível como ir para a camsB

com o melhor amigo deles. A melhor maneira de desjB

crever a Rebecca é dizer que ela é como o Demõni/j^

da Tasmania, aquele boneco dos desenhos do BugM

Bunny que anda de um lado para o outro no meio dfl

um tornado e destrói tudo à sua passagem. Ou entãfl

é como uma banda de heavy metal em digressão

mas embrulhada numa embalagem muito gira e quil

pesa apenas cinquenta quilos.

O que realmente me inquieta é a combinação dal

Becca com a Didi. Quando estas duas se juntam é assinai

como como é que se chamavam as duas coisas qua

nunca devíamos misturar na aula de química senão 3Ê

escola ia pelos ares? Estão a ver o que é, não estão? Nã<a

é óleo e água é outra coisa. Ah, a minha instrução"

Lacunas que nunca foram preenchidas. Estas pela

menos não foram. A história da minha vida. Seja comJ

for, conheço uns quantos dealers que vão abrir garra J

fas de Cristal e comprar Ferraris novos quando soubel

rem que a Becca está de volta estou a falar de tipofl

que compraram os seus primeiros Ferraris com lucrofl

saídos directamente dos capitais investidos da Didi l

mas para nós é praticamente como saber que um tufâffl

avança pelo Golfo na direcção da nossa casa de praiJ

novinha em folha e que por acaso nem está no seguro J

No preciso momento em que eu começava a instalar!

-me no meu curso. i

Mas o que interessa é que eu conheci um tipo e estoii

completamente apanhada, de maneira que a Rebecca

passa para segundo plano. O que realmente me espanta

é que foi a cabeça dele que me atraiu em primeira

lugar, e nem sequer me deu para pensar no resto, i

Estou eu no Nell's, chateada como é costume, eul

a Didi, a Jeannie, a Rebecca e a minha amiga Fran|

cesca, de quem ainda não falei ela é praticamente a minha melhor amiga, em miúdas íamos sempre juntas aos concursos de cavalos, ninguém a aguentava porque ela era, o pai é um grande produtor de fitas e a mãe é assim uma espécie de Rockefeller, de maneira que ela tinha o estábulo cheio dos melhores caçadores e saltadores da região, estava sempre a mandar bocas e a gritar com os juizes e com as outras miúdas mas desde o princípio que nos demos bestialmente bem, e agora ela trabalha para o William Morris, trabalha ou faz que trabalha porque eu nunca consegui apanhá-la lá. Bem, a Francesca tem um daqueles empregos incríveis que deixa toda a gente cheia de inveja porque é uma sorte arranjar um emprego assim, era o emprego que eu gostaria de ter se alguma vez viesse a fazer parte da classe trabalhadora. De maneira que ela trabalha para o William Morris, mas eu quando digo trabalha estou a ser filantrópica de mais. Quer dizer, ela apanhou esse emprego de assistente de um corretor com imensa influência e uma semana depois os médicos dizem que o patrão dela tem sida e como é de esperar toda a gente se mostra perfeitamente pesarosa e compreensiva quer dizer, pronto, é normal de maneira que a agência naturalmente mantém-no nos seus quadros apesar de ele estar no hospital metade do tempo e de três quartos dos seus clientes o terem trocado rapidamente pelo ICM e pelo Triad, de modo que o trabalho da Francesca consiste agora em aparecer de vez em quando e responder às cartas de condolências. Mas entretanto ganhou imenso nome e toda a gente a procura só por trabalhar para o William Morris, e também porque é filha de quem é. Portanto a Francesca é assim, é aquela tipa que conhece toda a gente. Em parte por causa da família, mas também porque conhecer pessoas ricas e famosas e a grande paixão da vida dela. Há muita gente que

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pensa que ela é uma snob ou que se farta de foder cofl estrelas de cinema porque não fala de outra coisa senB dos almoços com o Jack Nicholson e das bebidas qul tomou com o Sting, mas a verdade é que ela fala disB tudo duma maneira tão natural e tão convicta que nB dá para criticá-la, a sério que não. A Francesca é uaM verdadeira deslumbrada, o que não deixa de ser espafl toso dado o seu passado: todos os dias gente fama" a jantar lá em casa, quer dizer, era de prever que cm ficasse farta, mas a verdade é que ela é capaz de attfl vessar um salão inteiro para ir falar com um tipo quii fez figuração em The Young and the Restless e acabi por lhe dar os parabéns por ele ter uma carreira tão prol metcdora. Claro que às vezes é demais, é do género! Francesca, gostava de te apresentar o Adolf Hitler, i ela responde, uau!, achei a sua última guerra uni espanto! A grande ambição da sua vida é que o Midi e a Jerry a convidem para jantar lá em casa. Por issd trata de se dar com gente que os conhece e farta-se da fazer elogios em público acerca da música do Mick d das pernas da Jerry e a verdade é que até eu às vezes fico enjoada quando estou com ela. Mas no fundo eljl é porreiríssima, uma tipa capaz de fazer qualquer coisa por mim ou por qualquer um dos seus amigos. j

bom, então estamos nós as quatro sentadas naque-l lês sofás supostamente antigos que há no Nell's e eu tenho de ir à casa de banho não, não é nada do que! estão a pensar. Está o corredor cheio de gente dd maneira que enquanto espero que chegue a minha vez aparece-me um tipo a dizer, oiça lá, por acaso não fez! uma peça em Williamstown no Verão passado?

E eu, claro.

E ele, era A Gaivota, não era? Não era você?

E eu, quem me dera.

E um tipo com um ar bestialmente jovem quer dizer, tem aspecto de ter a minha idade, um ar de rapa-

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;to Um cabelo alourado a precisar de ser aparado, ténis brancos, jeans, camisa branca, um blazer velho

gasto que lhe cai como um roupão de banho. Tem olhos de caraíba, quentes e azuis-esverdeados.

Então eu viro-me para ele e digo, deixe-se de rodeios, o que você quer é meter conversa.

E ele diz, mas você é actriz, não é?

E eu, o que é que o leva a pensar isso?

Não sei, diz ele, talvez a maneira como você se mexe.

Isso é lingerie Maidenform, digo eu, porque é para lá que ele está a olhar.

Abençoado fabricante, diz ele. A ver se compro alguns desses artigos amanhã.

Gosto da maneira como ele ergue as sobrancelhas e os cantos dos lábios quando diz isto.

Então eu olho-lhe para a braguilha e digo, o melhor é você comprar mais umas Levi Strauss. Essas estão tão inchadas que até parece que vão rebentar.

Para dizer a verdade eu tinha esperança que desinchassem, diz ele.

E eu, esteja à sua vontade, não há nenhuma lei contra as práticas solitárias.

Ele não consegue dar uma réplica imediata. A maior parte dos homens não dão luta. Não faz mal, o tipo até que é giro.

Como ele não aguenta, eu continuo, mas como é que adivinhou que eu era actriz? Se calhar é o meu treino que já está a dar frutos, penso eu, eu sei que a minha voz está muito menos nasal do que era costume, pelo menos às vezes, o meu professor de voz diz que eu tenho de ir buscar a voz ao fundo do peito trabalhe a sua voz no peito que lá tem imenso espaço, diz ele, o meu professor é um velho libidinoso, mas é fixe. Além disso tenho trabalhado a minha postura. Quando nós éramos miúdas, a minha mãe tentava pôr-nos a andar pela casa com um livro em cima da cabeça, isto

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é uma coisa perfeitamente típica dela, e nós respofl díamos, está bem, mamã, claro, mamã, passa-me os Doritos e aumenta o som quando saíres na minJB casa os livros só serviam para isso de maneira quefl natural que eu fique impressionada com os tipos qm Até os lêem. Mas foi pena eu não ter seguido os cons" lhos da minha mãe acerca da postura, porque agofl pareço a corcunda da Rua Setenta e Oito e tenho < trabalhar muito se quiser seguir a carreira de actriz. Mfl voltando ao princípio, eu perguntei-lhe como é qul ele tinha adivinhado que eu era actriz.

Deve ser porque eu sou terrivelmente perspicaz, dJ ele. l

E eu, está à espera que eu acredite nisso? l

Ah, também ouvi um bocado da sua conversa coii as suas amigas, diz ele. I

Esteve a espiar, digo eu. Mas a verdade é que ati me sinto um bocado vaidosa. Normalmente quandl saio com a Didi é difícil chamar a atenção seja de quenl for. Além disso agrada-me que ele seja honesto, qul conte a verdade toda se há uma coisa que odeio sàa as coisas do costume. i

Ele diz que se chama Dean Chasen e eu em troei digo-lhe o meu nome. Quer dizer, isto é já um indu cio de qualquer coisa normalmente quando tenha dúvidas acerca de um tipo, não hesito e dou-lhe uni nome falso. Í

O Dean está à minha espera quando saio da casa da banho, de maneira que deixo-o convidar-me para uma bebida. A Francesca e a Didi põem-se a acenar e d apontar no fundo do bar mas eu ignoro-as, só tenha ouvidos para o Dean, acontece que ele sabe tudo mas) tudo sobre teatro, apesar de ser uma criatura de Wall Street, vende obrigações ou lá o que é. Começamos a falar de todas as peças que há para ver e ele pergunta-me como é que são as minhas aulas e depois entra-

mos numa discussão acerca do método1 versus outros tipos de preparação, ele quando veio para Nova Iorque estudou na Neighborhood Playhouse durante algum tempo sob a direcção de Meisner. Afinal ele tem trinta e dois anos mas parece muito mais novo. Diz que se quer reformar aos trinta e cinco e que depois se vai dedicar a escrever peças, talvez romances.

É engraçado mas já reparei que quando estou com tipos criativos como artistas e actores, normalmente eles não falam do seu trabalho, só falam das cotações da bolsa ou de qualquer coisa desse género, como se estivessem a tentar convencer-me de que compreendem o mundo real, mas quando estou com corretores e banqueiros eles não querem falar de outra coisa senão de arte e teatro e quase pedem desculpa por ganharem muito dinheiro.

Normalmente quando conheço um tipo, ao fim de uns três segundos já estou a pensar qual será o tamanho da sua picha. A Didi e a Jeannie seguem o método das mãos, não sei se sabem, mãos grandes, picha grande, mas eu estava tão entretida com a conversa e ouvia-o com tanta atenção que só ao fim de umas quantas horas é que me lembrei de lhe olhar para as mãos, umas mãos longas e delicadas, e depois de ter dormido com ele a primeira vez telefonei para a Didi logo de manhã e disse-lhe que dedos magros nem sempre significam o que ela pensa.

Desatámos a conversar como se nos conhecêssemos desde crianças. O Dean é um tipo a quem não escapa nada, tem uma maneira de ver o mundo que é realmente interessante por exemplo, no Nell's têm um disc-jockey que é realmente do melhor e ele estava a misturar umas cantigas velhas com outras novinhas em

Nome dado aos processos seguidos pelo Actor's Studio. (N do T.)

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folha e de repente o Dean diz, repara que LightnlR Striking Again é a única canção que de facto faz sobfH sair os coros. :H

E eu digo, eu gosto daquele verso. Não posso /wl agora, não posso parar podia ser a minha divisa, fl

A verdade é que o Dean repara em todas estas peqiB ninas coisas. Agrada-me isso. Em certos aspectos elfl praticamente como um miúdo de cinco anos. Quaofl eu lhe disse que ele parecia um miúdo, ele respond" mas, Alison, nós somos um país de miúdos. AgraoB -me a maneira como ele dá a volta às questões com am postas desse género. Quer dizer, eu estava a falar dcfl apenas, mas ele pegou na minha frase e fez uma obsel vação acerca do mundo em geral. M

bom, de repente dou comigo no apartamento defl continuamos na conversa. É como uma máquina de dim logos ou parecido. Falo-lhe dos meus antigos namon| dos e digo que fui para a cama com trinta e seis tipi e depois pergunto-lhe, e tu? '*

E ele responde, perfeitamente impassível, trinta § seis? Pois eu, nada. l

E eu, ah, não me venhas com essa. i

E ele, a sério, com tipos nunca fui para a cama Desato à gargalhada. l

Fala-me então da Patty, a miúda com quem acabl de romper ao fim de dois anos. Ainda gosta dela, dm ele, mas lá no fundo não gosta, ela quer casar e ir viva para os subúrbios e ele não está virado para isso. Dl maneira que romperam há cerca de um mês. Digo-lhl que ele não tem nada ar de suburbano e ele diz, a sério]

Às vezes dá-me a impressão de que estou dividida entre ser como o meu pai e ser uma espécie de anil mal, diz ele. O meu trabalho não me interpretei mal, eu gosto do meu trabalho é um trabalho quí exige imenso duma pessoa, mas é tão convencional qud para sentir que estou vivo tenho de ficar acordado todsj

noite c rebentar comigo. Daqui a uns anos, diz ele, deixo isto tudo e faço só o que quero.

Tudo bem, digo eu, quem é que te impede?

Tenho medo que seja eu a impedir-me a mim próprio. Tenho medo que entretanto fique gordo e conformista.

Daqui a três anos telefono-te para te lembrar, digo eu.

Nessa altura, diz ele, se os mercados continuarem como até aqui, hei-de ter um milhão e qualquer coisa. Sabes, aquela história do artista esfomeado, não me parece que seja inteiramente necessário um artista passar fome. Se conseguir pôr algum dinheiro de parte acho que fico com mais condições para me concentrar realmente na escrita e para escrever muito melhor do que se estivesse a trabalhar de paquete, diz ele.

Perfeitamente de acordo, digo eu, mas isso é o que eu digo, porque o que estou a pensar é completamente diferente, quer dizer, quantos grandes escritores trabalharam na Wall Street metade das suas vidas e depois de repente desataram a produzir obras-primas? Quer dizer, gosto imenso deste tipo, mas a minha cabecinha ainda funciona, O. K.?

bom, depois desatamos a falar de teatro e ele não pára um momento quieto, farta-se de tirar livros das estantes e lê-me passagens, ele tem para aí umas oito paredes cheias de livros, a sala de estar até parece uma biblioteca pública.

Finalmente, quando a passarada começa aos berros lá fora, ele vira-se para mim e diz, queres ficar? e eu, claro, porque não? Estamos nós para aqui com esta conversa tão interessante e eu a pensar, aqui está um tipo de quem realmente gosto e que respeito, talvez não devesse foder com ele. Não sei se me entendem, mas já há tanto tempo que não estava com um tipo que não é uma besta completa que até já me esqueci de como é que são as regras, só me lembro do presenti-

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nho do Skip. A médica disse-me duas semanas e ainq só passou cerca de uma semana desde que comecei! tomar comprimidos e ainda sinto um bocado de comi chão. E é estranho mas de repente apetece-me mesmí foder com ele precisamente agora que me lembro qu não posso, e por um momento ponho a hipótese d arriscar. Mas isso era uma grande maldade, de maneií que resolvo explicar-lhe a situação e ele reage lind^ mente. bom, vamos ter de esperar, diz ele. ',.

Falar é fácil, o pior é o resto. Ao princípio damd só beijos, o problema é quando ele começa a mexer-iri no peito. E em particular no meu mamilo esquerda Quem quiser pôr-me eléctrica é só carregar nesse botãd Ao fim de uma hora de mexidelas e beijos e esfrega fico completamente possessa. O Dean faz-me vir cofl a mão mas não é o mesmo, quero mais, não quefl parar. \

Coitado do Dean, está com uma tesão incrível. Al fim de umas horas parece que tem uma coisa esculpi^ em pedra aquecida ao fogo. Começo a pensar se náí seria melhor fazer qualquer coisa por ele mas acho quj sexo oral logo à primeira é chato, eu pelo menos fid lixada quando um tipo que mal conheço resolve fazei -me um minete. Nestas circunstâncias eu devia faz< qualquer coisa para aliviar o Dean, mas a chatice é qil eu quero mesmo que ele me meta. '

Por favor, digo eu. Por favor. Ele está em cima d mim, aos beijos e a foder-me em seco.

Alison, diz ele num gemido. Não pode ser.

Não aguento, digo eu.

Nem eu.

Maldito Skip Pendleton, digo eu.

Skip Pendleton?, diz ele, levantando a cabeça di meu ombro.

Conhece-lo?, digo eu.

E ele, ah, é um amigo meu.

Como o mundo é pequeno, digo eu.

Aí o Dean pergunta, foi ele o tipo que te pegou esta... doença?

Acho que sim.

Achas que sim?

Claro que ele tinha ficado um bocado lixado por causa desta história da doença. Afasta-se de mim apesar de dizer que está tudo bem, que não me conhecia na altura, entra pelos olhos dentro que está atacado da síndrome da competição masculina. Os homens só querem as mulheres que são desejadas pelos outros homens, só se interessam por nós se os seus amigos nos desejam. Mas esperam sempre que nós tenhamos resistido a todos os apelos antes de eles entrarem em cena. Acho que é porque conhece o Skip. A ideia dos outros trinta e cinco parece que não o chateia por aí além.

De repente, inesperadamente, pergunta-me, ouve lá, a sida não te preocupa?

E eu, claro que me preocupa, mas acho que a coisa tem sido empolada. Mas também não you para a cama com qualquer um.

Mas vais com o Skip. Esse filho da mãe é uma cultura de vírus ambulante.

E eu, não disseste que era teu amigo?

No dia seguinte, que por acaso é o mesmo dia, acordo à uma da tarde. Procuro lembrar-me se tenho aula, não sei em que dia estou. O Dean não está na cama. Cheira-me a café mas não oiço nada. Se calhar foi trabalhar, penso eu, mas depois oiço os passos dele na sala ao lado. Há um telefone ao pé da cama de maneira que ligo para a Francesca.

Conta-me tudo, diz ela. Pormenores. Tamanho, grossura, posição e duração.

E eu, ouve lá, tens o computador a postos?

A Francesca mete todos os seus amantes no computador com notas detalhadas sobre a actuação deles e

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ainda tem arquivos à pane para as aventuras sexi^fl das amigas. |H

Explico-lhe o problema. Já lhe falaram da miqH doença social, esta semana deve ser o tema de convdH favorito de toda a gente. 9

bom, diz ela, pelo menos fizeste-lhe um brocnH espero. H

E eu, não fiz, não. ;

Alison! Mas o que é que se passa contigo? Não g<fl tas dele? Um broche era o mínimo que podias faal depois de teres deixado o coitado entesado e lhe teaB dito que o melhor amigo dele te tinha pegado uni doença nojenta. Estás a perder qualidades, Alisofl A sério que estás.

Logo a seguir telefono para o meu apartamento pafl falar com a Jeannie. Responde a minha irmã. Parefl muito excitada. É o costume.

O que é que tu estás a fazer aí?, pergunto eu, e elfl depois do Nell's fomos a casa do Emile e comprámcjB três gramas e estamos a ver se acabamos com isttfl

E eu, ouve lá, mas já são duas da tarde, por amqB de Deus, a maior parte das pessoas normais já dormi" ram pelo menos uma vez hoje. B

Fodeste?, perguntou a Rebecca. B

Então aparece a Didi na linha. Põe-se a gritar, espena bem que sim porque deste com os pés nas tuas melhofl rés amigas. Depois, numa voz perfeitamente normal* se é que pode ter uma voz normal uma pessoa que pás* sou toda a noite a beber, a fumar e a snifar coca, dizl ouve lá, anda já para cá e ajuda-nos a acabar com estsí droga. l

Onde é que está a Jeannie?, pergunto eu, e a DidJ diz, ajeannie deixou-se adormecer por volta das cincol e foi trabalhar às nove. l

Estou preocupada com ajeannie porque ela é a única] de entre nós que tem emprego e se as coisas continuam!

assim ainda acaba por perdê-lo. É difícil uma pessoa concentrar-se em alguma coisa quando anda connosco.

Depois de tentar sem êxito apanhar o meu velho, que ainda não mandou o cheque, mas que filho da puta que ele me saiu, levanto-me e you para a sala ao lado, mas antes dou uma olhadela às roupas do Dean a ver se encontro alguma coisa para vestir, o que não admira porque eu sou uma rapariga incrivelmente modesta, contento-me com tudo. O Dean tem no roupeiro para aí umas vinte camisas, tiro uma azul-escura dos Brooks Brothers. Aprovo inteiramente. Pelos meus treze anos comecei a usar as Brooks Brothers do meu pai e agora o meu figurino habitual consiste numa dessas camisas enormes que aqueles homens de negócios muito velhos e muito gordos costumam usar medida quarenta e sete, com a fralda de fora, claro perneiras, soquetes brancos e ténis ou uns sapatos tipo mocassino.

A porta da casa de banho está aberta e ouve-se água a correr. Dou uma espreitadela assim como quem não quer a coisa. Estou um bocado preocupada, será que ele está bem-disposto? O Dean está a barbear-se, fica tão giro de cuecas axadrezadas, a gilete dele é daquelas antigas que já ninguém usa, igual à que o avô usava. A um canto do lavatório está um daqueles pincéis para fazer a barba todo cheio de espuma e é estranho, tenho como que uma sensação de déjà vu, lembro-me de uma vez, era eu muito miúda, levantei-me muito cedo, estava em casa dos meus avós em Palm Beach, e fui ver de onde vinha o som da água a correr, era na casa de banho e o avô estava a barbear-se tal e qual como ° Dean se barbeia neste momento. O meu avô deixou-me estar ali a vê-lo barbear-se e eu sentia-me mesmo impressionada, até parece que estava a assistir a uma cerimónia religiosa.

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bom, isto passou-se por assim dizer em tempos pjl

-históricos, antes de os meus pais se divorciarem.

bom dia, digo eu, e o Dean olha para mim e retfl

bui o bom dia. Sorri, embora entre pelos olhos defl

tro que não lhe apetece nada sorrir. Tenta engoli J

sorriso, que é para eu não me esquecer que está chfl

teado comigo.

Então como é que te sentes, pergunto eu, e ele raB

ponde, bem.

Baldaste-te ao trabalho, pergunto eu, e ele diz qil

telefonou a avisar que não podia ir trabalhar, que tinjfl

visitas. Diz isto como se quisesse que eu pensasse qdl

já tinha planeado há muito tempo não k trabalhar howl

como se o caso não tivesse nada a ver comigo ou com

o facto de ele ter estado acordado toda a noite.

Eu digo-lhe, então, não sabia que ainda havia quefl

usasse essas giletes. m

E ele diz, é porque eu sou um tipo antiquado. '

E eu, é porreiro, gosto disso. m

E ele, ah sim? estou espantado. B

Espantado porquê?, pergunto eu. B

Achava que tu eras uma rapariga pós-moderna, dfl

ele. J

Não percebo se isto é um cumprimento, a verdadl

é que não parece nada um cumprimento, mas pan

diminuir a tensão, eu digo-lhe, desculpa lá a noite pafl

sada. m

Desculpa porquê?, pergunta ele. i

E eu, foi chato para ti, tanta excitação para nadai

Paciência, também não é assim tão grave, diz elel

Meu Deus, como é possível os homens serem tã"

estúpidos quando se põem a fazer o papel de machos!

de duros. As vezes penso que devia haver uma espécia

de ritual secreto como a ckcuncisão, um ritual que con<|

siste em remover três quartos do cérebro a todos os rapa-f]

zes, a menos que eles tenham prometido que hão-de|

ir e falar como se tivessem sido lobotomizados, que

hão-de rosnar monossílabos como os homens das

avernas, que hão-de limitar as suas emoções ao mínimo

oossível. A chatice é que eles são o único sexo oposto

aue nós temos. E às vezes conseguem fazer-nos sentir

tão bem que até nos apetece gritar como a dona de casa

aue acabou de ganhar o primeiro prémio da "Roda da

Fortuna" e a verdade é que normalmente acabamos por

perdoar-lhes o facto de serem homens.

De maneira que o Dean acaba de barbear-se, seca a cara e vai para a cozinha, ignorando-me por completo. Eu you atrás dele. Belo eu. Ele senta-se à mesa e pega no Times.

Penso por um momento em fumar um cigarro, o primeiro cigarro do dia, mas depois tenho outra ideia.

Pobrezinho, ontem ficou muito frustrado, digo eu, chegando-me a ele por detrás e acariciando-lhe o pescoço. Começo então a cantar, / can't get no... I can't get no...

Ele resiste por um momento, mantendo os músculos tensos à medida que eu me you enroscando por ele abaixo, finge que está a ler, mas pouco a pouco vai-se deixando afundar na cadeira quando eu me ajoelho à frente dele e começo a massajá-lo no meio das pernas, ele deixa escapar um gemido incrível. Então começa a afagar-me o cabelo, põe a cabeça para trás, fecha os olhos. Quando lhe meto a mão na abertura das cuecas até parece que fica com a respiração presa na garganta.

Quando o meto na minha boca já está perfeitamente ofegante. E é só o princípio. Quer dizer, nunca encontrei muitos tipos daqueles que dizem não, obrigado, quenda, prefiro ir ver o jogo, quando a gente sugere um broche. Mas também nunca ouvi nada como o coro de sons que o Dean faz, sons de satisfação, e bem estranhos. Faz-me sentir na maior, como se eu fosse uma enfermeira ou talvez um anjo, fazendo a minha boa

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acção diária. Quer dizer, este tipo mostra mesmo

gosta e isso é uma coisa que realmente me insjjl

Que mais hei-de eu dizer? Sou uma actriz... '

l Deixem-me que lhes diga que de um modo gfl

no que respeita a broches tanto se me dá como se deu. Na realidade podia passar perfeitamente sem ejB Claro que os homens não deixam escapar uma opH tunidade e acho que ninguém pode censurá-los m isso. Quer dizer, se eles gozam o que nós goza quando um tipo de quem nós gostamos nos faz minete, sobretudo se está barbeado de fresco, et" não há razão para censurá-los. Deus sabe que prefejl perder o meu braço esquerdo a viver o resto da min" vida sem o prazer do minete. De maneira que eu ndj malmente imagino a coisa como uma espécie de ttdl não sei se estão a ver, uma troca do género eu-chufi -te-o-teu-se-tu-chupares-o-meu. Só há uma coisa qi realmente me põe fora de mim deviam escrever ta livro sobre etiqueta moderna que abordasse este tin de coisas , uma coisa que eu odeio, mas odoj mesmo, é quando um tipo me quer fazer um minei logo à primeira. Acho incrivelmente presunçoso e grd seiro. Foder é uma coisa. Mas meter a cara entre as pd nas de alguém, quer dizer, acho que isso é uma côa muito íntima. E sinto-me mesmo mal e lixada quand o candidato é um tipo cujo nome nem sequer percdj porque a música da discoteca estava muito alta. O qq eu acho é que vocês homens, antes de porem os vossq lábios nos meus, enfim, nos meus lábios, devisdj entretê-los, aos vossos lábios, com uma boa dose de cofl versa e de beijos. Certo, pessoal? Quer dizer, pode sà que algum de vocês esteja interessado em saber e assií o caso fica arrumado. '

E outra coisa de que não gosto, já que estamos coli a mão na massa, outra coisa de que eu não gosto

ando um tipo me está a fazer um minete, e eu estou
1 daqueles estados uau!, mesmo que Deus não QÚsta tudo bem, com isso posso eu bem, estou-me perfeitamente nas tintas , é como se flutuasse compleramente em transe numa espécie de líquido quente, auando de repente me dou conta de um movimento "ratório por cima de mim. Sabem como é, é um movimento muito conhecido, quando ele está com a língua na minha racha mais a sul e começa a dar a volta, a rodar com as ancas para norte e de repente apareceu-me um caralho a bater-me nos dentes. Não sei, é capaz de ser uma questão de troca de favores. Quer dizer, às vezes dá-me a impressão de que andamos todos a masturbar-nos uns aos outros. Seja qual for a modalidade, é tudo punheta. De qualquer modo, acho que devia haver mais pudor com estas coisas. A sério que acho.

Por acaso o meu último namorado mesmo namorado, o Alex aliás o único namorado a sério que eu tive, andámos juntos cinco anos , não tinha mesmo pudor nenhum.

Era do género de fazer negócios. Por exemplo, estava eu a examinar o último catálogo Saks acabado de chegar e apontava para um sweater ou uma coisa qualquer de que gostava e dizia, olha, este agrada-me, e ele dizia logo, eu ofereço-te, e eu, a sério?, e ele respondia erguendo as sobrancelhas e piscando-me o olho. E eu, ah. pois, estou a ver.

De maneira que eu fazia-me dura e obrigava-o a preencher o cupão de encomenda com o número do cartão de crédito dele e só depois de ele pôr o selo no envelope é que eu lhe fazia o broche. E às vezes armavame em difícil e obrigava-o a ir aos correios pôr o enve°pe. Ia todo entesado mas ia. Não sei, acho que assim ainda ficava mais excitado. Quanto mais dura eu me mostrava mais duro ele ficava.

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Mas houve uma vez que o Alex ficou lixado, l quando eu li na Vogue ou noutra revista qualquer < na esporra havia normalmente umas duzentas calorfl É que nessa altura eu andava a modos que anorén e não estava nada interessada em engolir umas mil cai rias extra. De maneira que fiquei um bocado relutará Porque, francamente, parece-me um bocado grosses e mesmo insultuoso não engolir. É assim como cofli dar o pessoal para jantar e depois meter toda a gefll na cozinha a comer com a empregada. bom, seja côa for, o Alex ficou fulo. Acho que até chegou a escrei uma carta ao editor da Vogue. Ou terá sido a Cosmm Não interessa. Ficou paranóico, não falava de out coisa senão das feministas lésbicas que estavam! apoderar-se de todos os mass-media. E quando quel a coisa punha-se a ganir e a contorcer-se que nem Ul cão de caça com o nariz metido na toca de raposas, pi que, como eu já disse, o broche nunca me entusiasma por aí além. \

Quando se ama alguém, O. K. Eu gostava do AM e realmente há qualquer coisa de especial quando se â seja o que for com alguém de quem gostamos, deve a melhor sensação que há no mundo, mesmo que sã alguma coisa que normalmente não fazemos. Ou ta vez especialmente se é alguma coisa que normalmen não fazemos. l

Eu disse "ama"? you já lavar a boca. O Dean pi acaso disse uma coisa importante a noite passada, estj vamos nós a falar de teatro, e a cena altura o Dean cif uma frase que era, os homens morrem e continuai a morrer e os vermes continuam a comê-los, mas níj há um único que morra por amor. E eu viro-me pai ele, ah, estou inteiramente de acordo. É de Shakd peare, é uma rapariga chamada Rosalind que diz esí frase. O Dean diz que eu lhe faço lembrar a Rosalind diz que ela é uma grande personagem. Pode ser qtí

jjn dia destes eu leia a peça para ver se tem um monólogo que eu possa fazer.

Pois... mas às vezes dou comigo a pensar que a história com o Alex talvez tivesse durado mais tempo se ele não me tivesse lixado a cabeça. Mas de repente digo para mim mesma ouve lá, és tontinha ou quê? Não há nenhuma que dure. Ainda não vi um único exemplo. Mesmo assim nós continuamos com esse ideal na cabeça, sabem como é, é como a visão de um lugar que nunca visitámos, mas que vimos em sonhos ou num filme de cujo nome já nem nos lembramos, um lugar que reconheceríamos imediatamente se o víssemos na vida real. É como uma pessoa chegar a casa toda partida depois de muitos quilómetros de estrada. Isto se a casa fosse mesmo a casa, e não a zona de calamidade que realmente é.

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3.

A MEMÓRIA SENSÍVEL

De maneira que aí pelas três da tarde despeço-me do Dean. Dou-lhe um beijo e pergunto, não te sabe a ti? Ele cora, não há dúvida, estes tipos mais velhos têm imensos macaquinhos no sótão. Fico doida. Quer dizer, uma pessoa está à espera que tipos que cresceram nos anos sessenta e que se fartaram de ir àqueles festivais de roca onde toda a gente fodia com toda a gente e metia ácido até dizer chega, quer dizer, uma pessoa está à espera que esses tipos sejam a desinibição em pessoa, mas a maior pane dos tipos de trinta e tais que eu conheço ficam chocados por tudo e por nada. Não sei, se calhar a culpa é minha. Serei assim tão desbragada? Os meus amigos são todos assim, de maneira que eu não devo ser propriamente uma ave rara. Mas acho que com um esforçozinho hei-de conseguir descontrair o Dean. Não há dúvida que pelo menos potencialidades ele tem.

bom, de qualquer modo o Dean continua com aquele sorriso muito arreganhado e muito agradecido com que ficou desde que se veio, o que é bom sinal, amda bem que ele está contente porque tenho de lhe Pedir dinheiro para o táxi. Tenho de ir ao meu apartamento mudar de roupa e buscar a peça e depois sigo

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para o centro de Strasberg tenho de lá estar de]H

uma hora. Odeio cravá-lo logo à primeira mas CM!

ternura e dá-me uma nota de vinte e eu dou-lhljH

beijo e sem nos darmos conta estamos outra vez ai

melada, ou me engano muito ou a escola vaijM

esperar, mas nesse momento lembro-me d<fl

pequeno problema, e depois o telefone toca de njB

que recuamos os dois ofegantes e ele diz, eu telffl

-te depois com uma voz imenso sexy, com all

quem acaba de ser chupado e esfregado e embjl

depois em molho picante e eu respondo, ail

se não telefonares. l

Não que eu não pense telefonar-lhe. Telefoql

se quiser, quando quiser. Odeio ficar à espera se|

que for, incluindo que o telefone toque. Porquê

rar? é o meu lema. Não entendo essas rapariga"

acham que o tipo é que tem de telefonar, como stm

as fêmeas fosse um desvio reprovável discar os nfl

ros de um telefone. Quem, eu telefonar? Nem

sarl A minha mãe sempre foi assim. Mesmo depofl

eu saber que ela andava a fornicar com o homefll

piscina, continuou a atirar-me com aquelas fórrnl

conhecidas sobre o que deve ser o comportamenti

uma senhora que ela aprendeu na Miss Porter ou nol

coisa do género fórmulas como uma senhora nm

telefona a um cavalheiro. Se calhar calça as Idj

quando bate uma punheta a alguém. l

A minha mãe. Telefonou ontem à noite pouco aio

de eu sair para jantar. Queria falar do namorai

O Cari parece que é sócio de uma companhia de coj

truções e ela está indecisa, não sabe se há-de cortar cí

ele, porque ele é um preguiçoso e um incapaz Í

é o que ela diz, a minha mãe fala como uma sent

rinha do tempo das plantações de algodão , o pi

blema é que ela está indecisa vai para cinco anos. Boi

pelo menos assim não pensa só no meu pai, semi

tretida Em tempos ela dedicava-se à caridade

tava aguarelas, umas paisagens lindíssimas, pelo

£P m miúda eu achava que eram, adorava vê-la

tae. n0 aipendre da nossa casa, isto era quando nós

Abamos aquela casa enorme em Long Island era eu

0 "da e os meus pais ainda estavam casados, adorava

os tons todos de azul na paleta, aqueles discos azuis

continham todas as variações possíveis do céu e do

mar Mas as pinturas dela foram ficando cada vez mais

quenas at£ chegarem ao tamanho de selos do correio, ela usava aqueles pincéis só com uma cerda, pintava montanhas transparentes do tamanho de uma borbulha. Até que parou por completo. Acho que o culpado foi o pai que se fartava de gozar com ela. Sempre que ela tentava fazer qualquer coisa era um gozo pegado. Pelo que sei, agora as actividades dela limitam-se a ver os programas religiosos da TV e a beber vinho todo o dia. Isto numa pessoa que em tempos idos só comprava malas de pele de crocodilo e que não punha duas vezes um vestido de cerimónia. Agora compra Gálio Chablis em garrafões. bom, ela nunca mais se calava com a história do Cari de maneira que a certa altura eu já estava tão enjoada que lhe disse que telefonava mais tarde. A minha opinião sobre o Cari, se querem que lhes diga, é que o melhor que podia acontecer à mãe era se um dos queridos sócios lá da pretensa companhia de construções o metesse num fatinho de cimento e o atirasse de mergulho para um mar qualquer.

Chegada à rua apanho um táxi conduzido por um nisso maluco. Quer contar-me a história da vida dele, a começar pelo facto de ser caucasiano.

Eu Russo Branco, diz ele. Branco!

th, olhe que já tinha dado por isso. Se querem que "lês diga, acho um bocadinho racista uma pessoa insistir lue é branca. Não sei, se calhar o que ele quer é que

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eu pense que a bebida se chama White RusaB

causa dele. De dez em dez segundos abre a jan^H

cuspir, é a cuspir que ele mostra o que pensa dojfl

nismo. Pelo menos dá-me essa impressão. EncojjH

toda para o lado direito do táxi que é para n|jB

nhar com o cuspo em cima. ÍB

Na América, diz ele, quem quiser come csuJB

pequeno-almoço todas as manhãs. (Aposto qu"8

novidade para as dactilógrafas americanas.) E acreal

na Rússia não é nada assim. (Baixa a janela -Jl

cuspidela!) fl

Depois de cuspir, pergunta, o que é que $

modelo? <

E eu, não, sou actriz.

Ah, sim, diz ele. Filmes. Eu sei. West Side IB

Esse é bom, digo eu. il

Se alguma vez for a Brighton Beach, procurai

mim, diz o Russo ao parar em frente do meu piA

E eu, isso fica nos Hamptons, ou quê? Nuncajl

falar. Depois pergunto-lhe se pode esperar por

e ele, claro.

Enquanto subo no elevador you a pensar, quetiB

dera que a Didi e a Rebecca já se tivesssem ido emnj

ou então pode ser que estejam a dormir, do rfll

menos. E um bocado duro uma pessoa começar uflll

de trabalho depois de um casal de vampiros ter torflj

i \ l

conta do seu apartamento. A porta começo a ol

aquelas vozes orientais, estranhíssimas, que vêm 141 dentro. Parece terapia de grupo para insectos giganj Ao entrar quase me engasgo com o fumo de tali e o cheiro a cocaína. Quando os meus olhos finalmfij se habituam ao escuro dou com as duas enfiadas! sofá, a Rebecca com o seu body stocking1 de a^

1 Peça do vestuário feminino muito justa semelhante a maillot com pernas. (N. do T.)

, e a Didi com as mesmas perneiras e a mesma Sui coro que anda vai para quinze dias. O maninha, pregaste-nos um susto do caraças, diz

a Rebecca.

Trouxeste cerveja?, pergunta a Didi. E cigarros?, pergunta a Rebecca. Nós precisamos de

cigarros.

Vocês precisam é de ajuda qualificada, digo eu.

E a Didi, trouxeste coca?

Ainda aqui há um grama ou quase, diz a Rebecca para a Didi.

E a Didi, bestial, tens a certeza?

Acho que sim, responde a minha irmã. Não sei. Se calhar é só sete oitavos de uma grama. Ou três quartos. Não sei.

Eh pá, isso é pouco, diz a Didi.

Hum, talvez sejam nove décimos, diz a Rebecca.

É o que se chama curtir as fracções. Acontece que a Becca era um espanto na escola, não que ela frequentasse, mas uma vez meteram-na numa escola o tempo bastante para lhe fazerem um teste de coeficiente de inteligência e depois disseram aos meus pais que ela era um génio. A Becca concluiu que um génio não precisa de ir à escola, nem de fazer fosse o que fosse que exigisse algum esforço.

Temos de telefonar ao Emile para ele arranjar mais, diz a Didi, num pânico súbito.

Adoro estas conversas de coca. São tão elevadas. Digam lá, acham que eu sou assim? Uma conversa destas basta para uma pessoa desistir das drogas para sempre.

O apartamento está uma verdadeira pocilga, montes de garrafas de cerveja e vinho por todo o lado, por ^a razão qualquer que desconheço metade do guardafoupa da Jeannie está espalhado pelo quarto, isto para

0 talar do cheiro a tabaco e a cocaína que impregna

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tudo. Cheira a Mexico City. Perfeitamente jJB vel. you para o meu quarto mudar de roupjjB

Conta lá como é que foi com o teu novo foil grita a Rebecca da sala. 9

Queremos pormenores, diz a Didi. Comprin" grossura. JÊ

Um minuto depois a Rebecca chama-me, Jl tens Valiuns? O convívio com os monstros da cofl este lado agradável: se não gostamos do tema < versa é só esperar um minuto que eles arranjão! outro. A chatice é que o tema no fundo nunca dt É um círculo vicioso. O tópico é sempre drog"

Quando you a sair oiço-as a telefonar para a'fl cutaria, pedem cerveja e cigarros, a Becca segura m cultador entre o ombro e a cara enquanto se dcB sobre o espelho. l

Eles vendem Valiuns?, diz a Becca e acrescenta J o telefone, está? Quem fala? -I

com quem é que estás a falar?, pergunta a Didu nesse preciso momento parece dar-se conta de qti me you embora. Fica perfeitamente indignada. Será aqui, diz ela. Tens de nos ajudar a acabar com a J Só sais quando acabarmos com isto. l

A Didi fica insuportavelmente mandona quando! passada. Quer que toda a gente fique tão passada Cl ela e além disso dirige todas as conversas. Normalml consegue porque é ela quem paga a coca, mas nJ só isso, parece que toda a gente tem medo delaj lá o que é, porque ela é uma espécie de prodígio, as| como um louco que impõe respeito. Só que eu h não you na conversa. i

Alison, grita ela. Anda cá. Não te podes ir embí

É então que me lembro de uma coisa que tenho mala, é uma espécie de cartão de negócios daqu comissão de estudos sobre a droga, a Jeannie deuuma noite por piada foi um colega de trabalho <

j u e não foi por piada que o fez. De maneira que

bro a mala, pego na carteira e começo a esqua-

eu. a.á ja há montes de papéis e papelinhos, bocados

<^n° j^danapo com números de telefone de uns quan-

oos até que encontro o cartão, que diz, SENTE-SE

SGUSTÍADO? À DERIVA? PRECISA DE AJUDA? LIGUE

PARA O 555-AJUDA.

Viro-me para a Didi e digo-lhe, olha tenho aqui um presente para ti. E dou-lhe o cartão.

E ela, Alison, minha puta, anda cá já, mas eu já estou de saída.

Eu depois you ver-te ao hospital, digo eu.

A Didi realmente dava um bom ditador de um país do Terceiro Mundo. Tem de ser ela a mandar em tudo, tem de ser sempre o centro das atenções. Se alguém está a falar de uma coisa que não lhe interessa, grita logo, que chatice! e num instante muda de tema, normalmente muda para um tema mais interessante, por exemplo ela própria. Seja como for, leva sempre a sua avante. Em parte porque é lindíssima. Mas também porque na maior parte dos acontecimentos sociais é ela quem normalmente tem mais coca, e ela usa-a como cenoura e moca. Senta-se no meio do chão com aquela mala branca enorme que ela tem e espera que o pessoal comece a babar-se enquanto ela vai debitando falas verdadeiramente primorosas ou muito simplesmente tagarelando sem parar como se não soubesse que toda a gente está a pensar no mesmo, só que ela sabe. Ela gosta de torturar as pessoas. bom, esta é a parte da cenoura. Se ela percebe que uma pessoa quer coca é certo e sabido que a há-de manter na expectativa. Mas ao fim da noite quando o nariz dos interessados já está a sangrar e toda a gente quer ir para casa dormir, a Didi Propõe números capazes de entupirem qualquer aspirador industrial. E quando o pessoal lhe diz, nem pen-

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sés, Didi, temos de ir andando, ela põe um ar flfl indignado e diz, ai viram-me as costas, é assiral agradecem toda a coca à borla que eu vos dei? l

A anedota típica sobre a Didi é que ela obrigj namorados a mudarem o canal da TV quando d a meio da função. J

Claro que me esqueci por completo do Russo, l está à minha espera no táxi há uns quinze minia Sinto imensa pena do homem, coitado, se calhar íaif -se de estar à espera lá na Rússia, naquelas bichas uj veis com toda aquela gente à espera da sua raçãdj mercearias rançosas, agora que me deu para pensar d até acho parecido com Nova Iorque, bom, de qualâ modo tenho de comprar tabaco, já que estamos a | de bens essenciais, de maneira que digo-lhe para esp| mais dois minutos e dou uma corrida até à charcuta

Um maço de Merits, peço eu ao velho peidorrc que está atrás do balcão. <

Dos fracos ou dos fortes?, pergunta ele, com um i risozinho malicioso. '

Dos fortes, digo eu. Sabe muito bem que gosto d fortes1.

O velho quase rebenta a rir. Está farto de me 01 esta piada, mas nunca se cansa.

A saída da loja apanho com um engarrafamc pedestre de criancinhas acabadas de sair da escola < há na rua. Um horror. Uns verdadeiros Gremh A meio do caminho quase sou atropelada por u criancinha com uma T-shirt que diz A REALIDADE É l

ILUSÃO PRODUZIDA PELA FALTA DE ÁLCOOL.

Não há dúvida, o planeamento familiar não esl actuar como devia.

1 No original, o trocadilho, obviamente com conotara sexuais, resulta mais: trata-se de escolher entre cigarros hard\ soft e a resposta de Alison é: tYou know I like it hard". (N. Jo \

n taxista é fixe. Está deliciado com a música que a ,-, passa neste momento, uma daquelas músicas ra -onais, bem mexida com balalaicas ao desafio ou K Q que é. Só quando uma pessoa se muda para Nova Iorque e começa a andar de táxi é que se apercebe da auantidade de tipos de música que há no mundo. E do eénero, do nosso apartamento até ao Trader Vic's ouvimos música cubana, do Trader's Vic ao Canal Bar apanhamos música do Zorba, o Grego, depois, do Canal Bar até ao Nell's temos ragas indianos e finalmente do Nell's ao apartamento do Emile dão-nos um show de heavy metal escandinavo. Ao fim de umas quantas viagens de táxi já sabemos de cor o hino da Colômbia.

Pergunto-lhe se posso fumar e ele responde, fumar à vontade. Acho que este táxi devia ser considerado monumento nacional ou uma coisa do género, deve ser o último táxi em Nova Iorque sem um aviso a dizer Não Fumar.

De maneira que enquanto nos encaminhamos para o centro o Russo vai-me contando a história da sua vida, versão resumida. Não consigo entender tudo o que ele diz, por causa da música e do sotaque que ele tem, mas o clímax da história é a primeira visita que ele fez a um supermercado americano depois de ter conseguido o visto de saída e de se ter escapulido da mãe pátria. Mãe pátria ou pai pátria? bom, mãe ou pai pouco interessa, pelo que ele me diz, ter a Rússia por mãe pátria confirma a teoria de que é melhor ser-se órfão. De maneira que quando chegou aos nossos queridos W of A foi logo a correr a um supermercado em Brooklyn e nem acreditava no que os seus olhos viam. Quando chegou ao balcão das carnes flipou por completo. Pôs-se a olhar para todos aqueles bifes embrulhados em embaagens de plástico e pergunta ao primo: Para quem ser esta toda carne? (isto é ele a falar). Ser para altos funcio"anos?, e o primo, Não, é para quem quiser.

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De maneira que nesse momento desatei a cfl acrescenta o motorista, porque achei aquilo tudoB maravilha, aquela carne toda naquelas belas erw gens e qualquer pessoa a podia comprar. ,9

Não sei, apetecia-me perguntar-lhe se nesse diafl alguma promoção, do género carne grátis para a$jl sãs, mas acho um bocado cínico da minha parte. 9 sinto-me um bocado culpabilizada e comovida, m dizer, começo a pensar, aqui estou eu, Alison, M pletamente estragada com tudo o que é mimo QJl gajo desata-me a chorar mal vê uma costeleta de pfl De maneira que quando ele me pede o número dol fone no fim da viagem eu quase lho dou, mas dei digo, tenho imensa pena mas não lho posso dar, táj namorado, bom de certo modo até é verdade. Tal seja. Espero bem que sim. Mas gosto deste tipo, éfl pático, por isso não faço com ele o que habitual! faço com outros, que é dar-lhes o número do Midi Escort Service. Digo só, fica para a próxima. l

l A minha primeira aula é dança, depois tenho i

O meu professor de voz põe-se a mandar vir coin porque não consigo concentrar-me. Continuo a a pelo nariz, o que é um dos meus grandes problea e ele pergunta-me, em que é que você está a penl Não lhe digo nada, mas estou a pensar no Da E de facto chateia-me um bocado isto quer diá( passei com ele uma noite e isso é bastante para eu n distraída toda a aula. Esta é uma das razões pelas q< eu não acredito nas relações. Que ganho eu em d distraída? Mas se calhar é só falta de dormir. Quafl estou cansada fico sempre sentimental. Por exerttj quando estou com uma ressaca a valer e se ligo o tít é certo e sabido que desato aos berros se oiço ui daquelas canções estúpidas que estão sempre a pai na rádio, mesmo que seja uma daquelas canções c

almente odeio. Ou então, estão a ver, depois de CU noite daquelas mesmo difíceis pego no Post e leio história sobre um herói qualquer que salvou um ^j,orro de morrer afogado e apetece-me logo escreverlhe urna carta a propor-lhe casamento ou a dizer-lhe adoraria ser a mãe dos seus filhos, enfim uma coisa dessas. Claro que não escrevo carta nenhuma, mas pensar nisso, penso.

A minha teoria é que o cérebro é uma espécie de HO tal como a água, passa também por uma série de estados. Quando uma pessoa trabalha e vai às aulas e se porta bem o cérebro encontra-se no estado sólido e toma as decisões certas. Mas quando passamos uma noite a encharcar-nos em álcool e substâncias controladas, ou por vezes quando estamos numa de sexo óptima, a nossa matéria cinzenta transforma-se em papa e a nossa capacidade de raciocínio fica igual a merda. É assim, mesmo no meio de um bom orgasmo uma pessoa fica completamente líquida e durante algum tempo não pensa senão no verdadeiro amor e no casamento e noutros, enfim, noutros mitos antigos.

Finalmente a aula de voz acaba e you para a aula de drama, que normalmente é a que me corre melhor. Esta semana o exercício de memória sensitiva é sabores fortes. Primeiro, o Rob, que é o nosso professor, faz-nos uma pequena palestra para nos estimular o exercício. Diz que temos de sentir realmente o sabor que escolhermos, deve ficar claro para qualquer pessoa que nos esteja a ver, digamos, em todo o restaurante, que "tamos a sentir esse sabor forte. Escolho as malaguetas- Sou doida por comida mexicana e gosto dela bem picante. Peço sempre que me tragam malaguetas a mais. As vezes penso que devo ter uma espécie de defiencia química que só pode ser compensada com a

"lida mexicana. Isto para não falar de margarttas.

Problema é que quando se começa a beber marga-

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ritas geladas nunca se sabe onde se vai acabar, nenj quem. í

De maneira que começo a pensar nas malagu< os outros põem-se a pensar naquilo que escolh enquanto o professor dá uma volta pela sala pai como nos saímos. Ao fim de dez minutos já estou teada até dizer chega. Dói-me a cara toda e os l olhos até parecem que começam a ganhar boloí estão feitos em água há um ror de tempo. O prol pergunta ao Bun, o tipo que está a meu lado, c é que ele está a saborear e ele diz, queijo gorgon Não estou a ver isso, diz o Rob. '.

E eu, ainda bem que não temos de aguentar o d E o Rob, Alison, se estivesses concentrada nc exercício não ouvirias sequer o meu comentário. O tem toda a razão. :

Até que ele percebe que estamos todos fartos do cicio sensitivo de maneira que diz, tentem meter < quer coisa de psicológico no exercício, o que é port só assim é que isto tem piada.

Por exemplo, diz ele, pensem em algo de bom tenham feito a alguém e que vos tenha deixado i feitos. E misturem isso com o sabor forte. O. K.,'< soai, toca a trabalhar e a usar o instrumento. ^ O instrumento é assim como todas as nossas ca dades teatrais e conhecimentos e talento tudo jil o nosso corpo também mas mais do que o corp< facto o instrumento não é bem uma coisa mas espécie de conceito. bom, ponho-me a pensar no<| durante um minuto e de repente quase me dá < coisa. Algo de bom que tenham feito a alguém... sí fone. \

Os meus colegas disseram-me mais tarde que adi de dois minutos já o professor me estava a obsení passado um bocado dizia aos outros que parassem < os seus exercícios e olhassem para mim. Não sei, <

me tinha metido no meu próprio mundo, repre^U r ando. E estou a fazer qualquer coisa de verdadeiro,

jCflk" _ /* i

aue desta vez não estou apenas a lazer de conta e Smbora não esteja a passar pela experiência verdadeira mas apenas a imaginar, sei que a minha reacção é absolutamente honesta, tal como as sensações que tenho e estou completamente metida na minha própria realidade, é como sonho, não sei se estão a ver, ou como montar a cavalo quando uma pessoa se sente como se ela e o cavalo fossem o mesmo animal, ou como levar o nosso melhor saltador para uma corrida difícil e não derrubar um único obstáculo.

Algo de bom que eu fiz a alguém... sabor forte. É isso, estava de facto a combinar essas duas sensações incríveis. E sabia que era o melhor que alguma vez tinha feito. Estava a transportar-me para um sítio onde nunca tinha estado. Quando finalmente desço à terra, está tudo a olhar para mim.

Lindo, diz o professor. Lindo. Muito, muito bom. Tens o instrumento perfeitamente afinado. Alison, qual era o teu tema sensitivo?

Malaguetas, digo eu.

E ele, e o tema psicológico?

Quer mesmo saber?, pergunto eu.

Sim, claro, diz ele.

bom, o que pensei foi que estava a fazer um broche ao meu namorado.

Desata tudo à gargalhada.

E eu a pensar, eu disse namorado? Porquê? Mas o que é que se passa comigo? Estou completamente aparada. Sei que há-de passar-me, de maneira que não

e preocupo muito com o caso e entretanto até me Serviu Pafa esta experiência incrível. Já há muito que

mpreendi que as coisas más as merdas todas que acontecem são um bom alimento para o nosso alho, quer dizer, o professor diz que quanto mais

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coisas más nos acontecerem mais a nossa arte bfl cia, e eu eh, se calhar sou um grande génio" a verdade é que esta foi a primeira vez que umsJB que me deu gozo me serviu para a minha artefl me desculpe a Arte com a grande. M

Quando a risada acaba, o professor diz, estavas "B sar num caso específico, ou no geral? m

Específico, digo eu. Muito específico. Aliás aM hoje de manhã. <

Desata tudo a rir outra vez.

bom, depois vamos para a representação. Aindafl que ele gostou do meu exercício porque não prefM nada para fazer. Felizmente há sempre uns fossõeã postos a pavonear-se. Não sei, acho que se tem dl um bocado masoquista para aguentar esta aula pen o Rob às vezes é brutal. A primeira é a Janet, a<n que costumava escrever o seu próprio material atei o Rob lhe pôs um ponto final nisso. Foi um had Ela levanta-se e diz que vai fazer a Blanche do Sreem

Responde o Rob, a amabilidade de estranhos fl Pensei que já tinha dito à turma que não queria guém a fazer esse monólogo outra vez. I

De maneira que a pobre da Janet para ali ficai frente da turma com ar de quem está a pensar, a Deus, mas porque é que ele me odeia?, e eu sinttM protegida e a salvo de qualquer perigo sentadinha minha cadeira que balança porque tem uma perna q pequena que as outras, e o que penso neste momq é, antes tu do que eu, Janet. i

O Rob suspira e diz à Janet para começar e 5 começa, blablabla, um horror, por favor, tragam-i a Vivien Leigh de volta.

Até que o Rob dá um grito, ela está no sótão, < que ele grita.

Não sei o que ele quer dizer com esta do "ela < no sótão", mas é o que ele se põe a gritar quando od

i n f r aualquer coisa. Um dia destes vai contarrealflienic M" T _ i j-

os a história, pelo menos e o que ele diz.

'"pé maneira que a Janet pára e pergunta, paro?

Por favor, diz o Rob, pára e desiste. Então começa

riticar impiedosamente a actuação da Janet e acaba

falar da vida sexual dela quer dizer, o Rob devia

ido para psicoterapeuta. Acabaste tudo com o teu

namorado, não foi?, grita ele.

A Janet guincha um sim e depois desata aos berros. O Rob mete sempre coisas íntimas nas suas críticas. Diz ele que os papéis que escolhemos e a forma como os fazemos revelam muito acerca de nós mesmos.

Eu sei que neste momento devia estar a prestar atenção ao que ele diz, mas não estou, estou a pensar no que o Dean estará a fazer, se estará por acaso a pensar em mim. Depois ponho-me a pensar, bom, se calhar o melhor é eu ir dar uma volta e fornicar com outro tipo qualquer, pode ser que assim recupere o sentido da realidade.

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4.

VERDADE OU DESAFIO

Depois da aula passo pelo salão de bronzeamento. Faço votos para que o Mark lá esteja porque estou sem cheta e usei a minha última senha há dias. Felizmente é o Mark que está ao balcão mas mal avanço com a minha proposta o tipo começa-me a dar música, que se o patrão o apanha a dar-me senhas grátis vai logo para o olho da rua e eu sou obrigada a lembrá-lo de que me deve alguns favores, de maneira que ele lá acaba por me dar a minha cama do costume mas tenho de esperar cinco minutos de maneira que resolvo dar uma apitadela à Francesca da cabina depois de o Mark me emprestar uma moeda.

Alison, diz ele, nunca pensaste arranjar emprego?

Não propriamente, digo eu. E tu?

Eu tenho emprego, diz ele.

E eu, mas tu chamas a isto emprego?

Se eu realmente desse alguma importância ao que
0 Mark pensa tinha-lhe respondido que já tive um emprego. Trabalhei como empregada de um restaurante, mas por pouco tempo, aí uns três segundos. Não
561 mas aquilo era horrível, aqueles executivos que penavam que o preço âofilet incluía apalparem-me o eu
6ratis e o gerente queria ir para a cama comigo, isto

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para não falar das outras empregadas que não mefl com bons olhos porque o restaurante era do pai da fl me. Lamento imenso mas eu não fui educada par" balhar. Quer dizer, pensem por exemplo num caseiro habituado toda a vida a comer salmão fui" e a dormir só nos sítios quentinhos quer dizer JB se pode atirar de repente com esse gato para o frio, < que ele não vai ser capaz de arranjar comida e de como um gato vadio. Eu devia era abrir uma cln para raparigas que já foram ricas. Debutantes Da| vorecidas Anónimas. m

A Francesca atende ao segundo toque. Contaí tudo, diz ela. Quero saber tudo acerca do Dean. M menores. Tamanho e grossura, o que é que fizew| Seguiste o meu conselho? M

A Francesca faz pergunta atrás de pergunta, ptim palmente porque odeia ter de se calar, é como se tiví medo de deixar os outros falarem como os miúdos m de repente ficam com medo de que alguém repare <B já são horas de ir para a cama. Não sei, se calhar m minha visão é um bocado negativa, talvez ela seja nal uma força da natureza, as cataratas do Niagara! uma coisa parecida. l

E eu, segui. i

E ela, ah, conta-me tudo. i

E eu, tudo não te you contar. Foi bom, foi porreil gosto dele. Estou mesmo apanhada. i

E ela, Alison, não posso crer, tu não me contas tuql Sou a tua melhor amiga, não me faças uma desfci dessas, pelo menos diz-me o tamanho. Grande?

E eu, grande.

E ela, ah, não me digas, deixa-me sentar que até estou a ficar tonta, há tanto tempo que não dou um que cinco centímetros para mim já deve ser grand dez centímetros deve ser assim como um taco de bask ball. Não está certo, enquanto tu andas na maior andj

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fazer vida de freira e ainda por cima pões-te com C Credos comigo. Ouve, conheces o Bobby Cayman? Anuele morenaço, com um ar muito macho, tem sem{F um ar de quem acaba de desmontar uma Harley Davidson. Estive com ele no Nell's depois de tu teres saído com o outro, achei-o uma brasa.

Esquece, digo eu. Esse tipo metia-se no cavalo.

Merda, mas porque é que eu só me sinto atraída pelos tipos de alto risco?

É verdade. A Francesca só gosta de tipos com ar de guitarristas de heavy metal ou malucos das motas, brasas de couro todos picados de agulhas e cheios de histórias sexuais dúbias; enfim, só gosta de tipos que, como é que o Dean lhes chamou?, ah, pois, culturas ambulantes de vírus sexualmente transmissíveis. A Francesca até podia ir para a cama com gajos se os gostos dela não fossem tão estreitos, tão limitados. Ela é mesmo miudinha a escolher mas quando escolhe, escolhe sempre mal. Quer dizer, uma mãe miudinha nunca escolheria os tipos que ela escolhe para o papel de genro. Às vezes penso que ela olha para um tipo e diz, que bom!, a minha mãe havia de ficar horrorizada com este machão!

Foi tão deprimente no Nell's, diz ela. Não havia uma única cara famosa. Depois ouvi dizer que o Mick e a Jerry davam um jantar nessa noite, ainda não foi desta que me convidaram. Estou mesmo lixada com a Caroline porque ela conhece-os bem e foi ao jantar e ainda nem me apresentou.

Já lhes disse que a grande ambição da Francesca é ser convidada pelo Mick e pela Jerry? Quer dizer, se alguma vez a convidarem, a vida deixa de ter significado para ela. bom, ela não pára de falar do jantar para que não foi convidada e enquanto ela fala dou comigo a pensar que talvez pudesse depilar as partes baixas,
0 problema é que não tenho dinheiro. E além disso

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faz-me doer, não me dá gozo nenhum. Não éJI chorar mas fico sempre com lágrimas nos olhos dl faço essa depilação. Mas a depilação debaixo dfl cos ainda é a pior de todas. Estes salões deviafflil cer Demerol de graça.

O Mark diz que a minha cama já está ptoiB maneira que digo à Francesca que tenho de ir -inqB telefono-lhe depois do bronzeamento. Depois tal para a Jeannie, mas é ela que paga a chamadjí

Conseguiste dormir?, pergunto eu. M

Quase nada, diz ela, e logo de seguida faz-meJ tar toda a história com o Dean. Finalmente pergB -lhe se já viu as mensagens que tínhamos em casl não viu, de maneira que eu ligo e oiço a voz da H cesca outra vez, mais um tipo que deve ser maluco" mado Mannie à procura da Rebecca, o tipo parece (B frado, não faz propriamente uma unidade estávdl sempre uns tipos malucos à procura da Rebecca.* nenhum Dean. l

Quando estivemos em Los Angeles no Verão paflfl eu e a Francesca costumávamos ouvir na rádio a<M história do índice de qualidade do ar. Quer dizcrij princípio nós andávamos à procura de trabalho, <m que nós andávamos a fazer em Los Angeles, ccfl Tínhamos uma casinha em Santa Mónica, na Seca Street, bestialmente central ah, mas do que é | eu estava a falar? Ah, pois, havia uma estação dera! que nós costumávamos ouvir, e entre a Madonna CÍ Beastie Boys o disc-jockey dizia o ar hoje está mes| um nojo, o melhor é não saírem de casa, saiam siSj for absolutamente necessário, enfim, uma coisa de género. Eu odeio a Madonna mas isso é outra his) ria. bom, de qualquer modo, quando regresso ao rfl apartamento lembro-me dessa história do índice qualidade do ar... só que neste caso, o conselho é oufl não fiquem em casa a menos que seja absolutameí

cario Um smog cerrado, hidrocarbonatos e cheiro neccss<u ^

vaco Quer dizer, o meu apartamento nunca e pro-

..ente o paraíso, mas desta vez é de mais. A Rebecca a Didi são mesmo um nojo, não há dúvida. Tenho , a|jrjr todas as janelas e ligo o ar condicionado para fazer corrente de ar. Nem quero pensar nos cinzeiros, estão supercheios. Se tivesse comprado acções dos tabacos Philip Morris ontem, se calhar seria uma menina

rica hoje.

Arranjo uma clareira na cama e deito-me a ler a minha peça aí durante meia hora mas quando dou por mim está o telefone a tocar, deixei-me dormir e começo a ouvir a minha mensagem a passar olá sou eu, a Alison, eu e ajeannie não estamos em casa, por isso deixem os dados que a gente telefona mais logo.

Levanto o auscultador a tempo, é o Dean.

Então que tal está a minha miúda pós-moderna?, pergunta ele.

Estou um bocado nas nuvens, digo eu.

É costume, diz ele. Mas o que é que estás a fazer?, pergunta.

Acho que estava a ter um sonho erótico, digo eu, porque me estou a lembrar do sonho.

E eu entrava?, pergunta ele, o que me faz pensar, para um tipo supostamente esperto o Dean pode ser perfeitamente previsível. Claro que podia mentir e dizer-lhe que ele entrava no sonho, só que não suporto desonestidades. Basicamente o meu código pessoal é este fazer aquilo que realmente nos apetece e dizer sempre a verdade. Não sei, a verdade é que aquela historia com o Skip, aquela história de eu estar grávida, anda-me a chatear. Há anos que eu não mentia, mas este era um caso de sobrevivência. E de vingança, que e o melhor amigo de qualquer rapariga.

De maneira que quando o Dean pergunta se entra n° roeu estúpido sonho, eu respondo, não tenho a cer-

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teza, porque de facto não tenho. Acho que |H

nenhum tipo em particular. Talvez conseguiss^H

brir se voltasse a dormir agora. Mas pcrcebe-s^B

tipo está um bocado chateado por não entrar noijfl

Francamente! Mas que bebé que este me saiB

maneira que eu conto-lhe o meu exercício qJB

sabes, tinha de pensar numa coisa boa que tiveajH

a alguém... ]

E contaste isso à turma? $m

Claro que contei, digo eu. Quer dizer, porquB

Não lhes disseste o meu nome, espero, diz jl

Claro que não, digo eu. E se dissesse tinha a]fl

importância? Eles não te conhecem, não conhtiB

Dean, o Famoso Vendedor de Obrigações. B

Mas o Dean não se cala, não acredito que lhes li

contado. Não diz outra coisa. Sabem, no fundai

que ele está todo vaidoso. fl

Finalmente pergunta-me se eu quero ir jantai"

respondo logo, claro, o mais possível, e ele pedi

se tenho alguma preferência, não sei, digo, talvez"

nhã mexicana, de repente fico com um apetite

por molho picante e margaritas. Adoro esta cofl

bem condimentada. Deve ser o meu sangue sulistãl

acaso já lhes disse que a minha mãe é da Georgia

qualquer modo o Dean diz que é uma ideia fúc<fl

conhece um sítio. *

Tens a certeza que para ti está bem?, perguntai

Quer dizer, de repente deu-me para pensar qul

calhar estraguei os planos dele, que talvez foil

melhores que os meus. Da última vez que saí cofldi

namorado a sério o tipo mandou-me buscar de lim

sine e depois comemos no Lê Bernardin e ele Sj

lixado porque eu pedi só uma salada, quer dizer o i

tinha tido aquele trabalho todo e além disso acho |

ele nos tinha imaginado a comer ostras e caracóis,!

dava-me uma ostra na boca, eu dava-lhe outra, e asj

,. te e depois andávamos na marmelada em cima V* ne assim como aquela cena do torn Jones com ^Albert Finney e a miúda dele, o problema é que eu

° h vá que iá tinha ^° ° meu memor'tmha P*555"*0 J horas ou quase a maquilhar-me, isto para não £?C do vestido de noite Alaia que pedi emprestado Didi mais os brincos de esmeraldas que eram da Jean-
* Está bem, eu sei que uma salada não é um prato muito sexy m*5 os resultados é que interessam, não é? E uma rapariga que é convidada para sair com alguma regularidade e que se empanturra com patê mais tournedós mais mousse acaba com certeza por matar a galinha dos ovos de ouro, não sei se estão a ver. bom, há fetichistas capazes de tudo, como aqueles que escrevem para a Penthouse a dizer que são malucos por gordas, mas francamente... quer dizer, o Alaia não faz aqueles vestidos muito sexy no tamanho quarenta e seis. Ene é precisamente o problema da Francesca. Ela gosta tanto de comer como eu de... como a Didi gosta de coca. Estamos a falar de vício. Pensando bem, é curioso que as duas sejam amigas. Quer dizer, a Didi não come há oito meses ao passo que a Francesca nunca pára. Estar num restaurante com estas duas é uma experiência realmente estranha. A Didi de três em três minutos vai a correr para a casa de banho, e a Francesca sempre aos gritos com a empregada para trazer mais pão e manteiga. Felizmente que não é muito frequente estar com as duas ao mesmo tempo porque a Didi nunca consegue estar em condições para aparecer seja onde for. Jx)m, mas eu estava a falar de planos para o jantar, não era? Pois, de repente fico a pensar se calhar o Dean Cstava com apetites mais românticos e eu estraguei tudo, mas ele diz, comida mexicana é fixe, não vistas °ada de especial, you buscar-te às oito e meia.

AJeannie chega a casa uns minutos depois. Atira-
* Para cima da cama e diz, meu Deus, quem me dera

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estar já casada para deixar de trabalhar e ficar m todo o dia na maior preguiça. m

A Jeannie está noiva daquele tipo, o Frank B que é professor de ténis em Hilton Head. Ela vjj todos os fins-de-semana, vai de avião, essa é ai pai razão por que ela trabalha essa e uns ql maus hábitos porque o dinheiro que os pais m só chega para a renda mais um ou dois vestidinj adereços por semana. Ia a dizer comida mas a vJ é que a Jeannie não come. O casamento está pÉ para este Outono. Não sei. O Frank até é ua decente eu sei, fui eu que o apresentei àjfli Por acaso isso até é um problema. É que eu andl ele antes da Jeannie. Quer dizer, andei com dl aí uns cinco minutos. Mas andei. bom, mas o J acho é que a Jeannie merecia melhor. O Frank ai um corpo decente, mas quanto à cabeça... Nãál estão a ver o género. Uma vez partiu o dedo ináj e esteve seis semanas sem ler. Sem ler as históll quadradinhos dos jornais de domingo, enteil Além disso a Jeannie está habituada a ter i dinheiro e o Frank nunca há-de ganhar muitfli menos não há-de ganhar o bastante para ser snoÊ acho que isto seja uma razão para as pessoas nãdj rem, mas se querem que lhes diga parece-me um l estúpido fazer de conta que estas coisas não pi

Às vezes não te apetece ter uma pessoa que tn ti?, pergunta a Jeannie. i

E eu, por acaso faz-me falta uma criada, se é isSJ queres dizer. t

Sabes muito bem o que eu quero dizer, diij

Acabava por me chatear, digo eu. Sempre o rol tipo à minha volta todo o tempo. l

Eu não, diz a Jeannie. Estou ansiosa por casar, j estou a ver sentada a ver as telenovelas e a comer i bons, a fazer o jantar, isso tudo. i.

\ c eu m35 desde °iuando é °"ue tu Co2mhas?

Isso pode aprender-se, diz ela.

Então aprende já, digo eu. com o salário do Frank Oáo vais poder ter criada.

Vai-te lixar, Alison, diz ela.

Ouve lá, digo eu, estou só a ser realista.

A sério que estou. Estou a tentar dizer-lhe como a vida realmente é. Querida, levanta-te e vai fazer o café.

De maneira que o Dean vem buscar-me, está com um ar bestial, descontraído e sexy, vestiu umas calças à tropa e uma camisola de algodão. Embora não vá sair, a Jeannie dá um retoque ao cabelo e aos olhos antes de ele aparecer. Quando ele chega, faz-lhe olhinhos, bem sei no que ela está a pensar. No fundo ela ainda está danada por eu ter andado com o Frank, e sente-se atraída que nem uma tonta por todos os tipos com quem eu ando, mas acho que ela não se apercebe disso. Dá-me a impressão que ela gostava de dormir com todos os meus namorados. Em parte, é como que uma fantasia de vingança, mas também é porque ela gosta de mim, porque me respeita e porque se identifica totalmente comigo, de maneira que é automático, gosta de todos os tipos que passam no meu processo de selecção. Faz-me lembrar a minha irmã Carol, que nunca gostava de usar as roupas que comprava e só queria usar as minhas. É capaz de ser um cumprimento. com a Jeannie a coisa é assim: se nós partilhamos camisolas e sapatos e vestidos porque é que não partilhamos os homens? Pelo menos é o que me parece que se passa na cabeça dela às vezes, quando ela começa a fazer-se *°f mcus namorados, embora ela talvez não tenha consClencia disso. É uma bela ideia, partilhar um amante ,°m ^guém que amamos. É bela, mas também é a"nasiado maluca.

Já ralei da Jeannie e do Alex, o meu antigo namo-

°- Algures na cabeça da Jeannie há uma duvidazi-

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nhã quanto ao casamento e à felicidade domésfM o Frank, uma nuvenzinha que anda para fil tuar imaginem um céu perfeitamente limJB ser uma boa imagem na cabeça da Jeannie dizer, eu gosto muito dela mas ela não me engal como eu estava a dizer, a Jeannie e o Alex mantjM relação de telefone, quer dizer, ele telefona-JI às vezes é ela que atende ou então eu não e$B casa, de maneira que pouco a pouco eles foraiHJB jando um namoro incrível, falam imenso de sol amuam, e nunca se viram um ao outro. Já Ihfl da Jeannie e dos meus namorados. Por outro lad| que fico um bocado irritada, mas por outro adil reiro, espero bem que a Jeannie venha a dorm" o Alex porque se dormir com ele vai ter problem" se habituar à ideia de uma vida inteira a dormll o Frank, que não é propriamente o Valentino nafl Acho que era bom para ela e de qualquer modi ideia do casamento é um bocado treta.

De maneira que vamos os dois a um sítio pdl mente frenético na Second Avenue cheio até nãol de gringos bem vestidos e melhor tratados, que a umas quantas margaritas já estão a ficar na" estado ridiculamente sentimental que vocês sal

Sítio popular, digo eu. l

E o Dean, são todos banqueiros, vêm cá para w melhoram a balança de pagamentos com o Me assim pode ser que o México vá pagando as dív É a única explicação que encontro para a populari da comida do Terceiro Mundo no Uper East S

A maior pane parecem-me uns insossos, digo falta-lhes tempero. Não que o Dean seja propriam um bárbaro peludo. Quer dizer, para ele andai soquetes deve ser o máximo de liberdade e conl com a Natureza. Mas tudo bem, eu gosto de tipos

nunca andaria com um tipo irresponsável, por-

°àra irresponsável já basto eu. A maior parte dos

<lue " ue eu conheço têm trabalhos de grande respon-

^vAoAe e quando não estão no escritório tratam de

cab"10* ! l T5 - J /~1 L

nerar o tempo perdido. E uma espécie de Clube pao Descanso do Guerreiro. Pelos vistos parece que

os atraio e não é pouco, a estes rapazes vestidos com f tos Paul Stuart, com salários de seis números e um fogo a esmorecer nos olhos.

O empregado conhece o Dean e traz-nos margaritas atrás de margaritas de maneira que começo a sentir-me toldada. Não, não precisamente toldada. Começo a sentir-me é com ponta. É a história da minha vida, certo? Quer dizer, que falta faz a tequillat Mas depois lembro-me do meu pequeno problema, que faz de mim uma unidade perfeitamente infeliz.

O Dean vira-se para mim, queres ir até casa? e eu, claro, o mais possível, mas basicamente estou fora do serviço. Ele diz, tudo bem, não é só em sexo que eu penso, e eu, bom, mas espero que o sexo ocupe boa percentagem dos teus pensamentos. Ele desata a rir.

De maneira que vamos para casa do Dean e mal chegamos está o telefone a tocar. Não sei porque digo casa quando é um apartamento. É como se viver em Nova Iorque nunca parecesse uma coisa normal, uma pessoa continua a pensar no mundo como um sítio onde as pessoas vivem em casas realmente casas e conduzem carros até ao número sete, décimo primeiro andar.

Uma tal Didi quer falar contigo, diz o Dean, passando-me o telefone.

A Didi acaba de comprar a ração do costume e quer aparecer. Francamente, não sei o que hei-de fazer. Uns smfes até que era bom, mas amanhã tenho aulas e além
1$so estou no apartamento do Dean, não me compete a mim decidir. De maneira que eu digo ao Dean, não queres que esta boneca maluca apareça cá em casa, pois

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não?, quer dizer, se ela vem é certo e sabido JH

toda a noite a menear o rabo pela casa e a

drogas proibidas pelo nariz acima.

E ele diz, que descrição incrível, pergunta-lhdB

tempo é que ela demora a cá chegar, e eujH

que não te importas?, e ele, porque havia

importar?, e eu a pensar, bom, pelo menos jM

mas por uma questão de segurança vejo qufl

são passam uns minutos das onze e dB

Dean, mas pômo-la na rua o máximo à uma.fl

De preferência antes. :

Perfeitamente de acordo, diz ele. tjl

E de súbito o Dean pergunta-me, espera aí, cjÊ

é a Didi Spence? bom, parece que o Dean cotJB

primo da Didi, o Phil. E está claro que ouvi"

histórias acerca dela. Acho que em Nova Iorque

a gente ouviu falar na Didi. '

Ouve lá, digo eu, espero que não te faças à IB

minha frente. m

E ele, Alison, eu só tenho olhos para ti. M

E eu, fazes muito bem, Dean. Olha que eu tâm

ontem e só me engana quem eu quero.

A Didi aparece pouco depois da meia-noitcfl Nesse momento eu já estou farta de roer as l só de pensar que you dar uns snifes. Era de pi O telefonema dela estragou tudo. Estamos ai Johnny Carson, e eu you fazendo uma massaget| nas costas do Dean. Hoje deve ser a noite das cãs. São inacreditáveis estas pretensas actrizes dl fartam de fazer dinheiro na videolândia. Quanddl starlets sem treino de palco aparecem ao vivo ncj grama do Johnny, vê-se logo que nem falar saberia séries para a televisão chegam a fazer quinhentos! só para uma daquelas estúpidas bonecas insuflávdj até andam e falam e dormem com o produtor dj

A'zet Gesundheit! Ou então alteram o guião para & j^ possam dizer blessyou\ e o ponto sopra-lhes ^frases todas palavra a palavra e depois na montagem ^rtam a cena no preciso momento em que ela começa C°tirar macacos do nariz. Tenho muita pena mas é no *alco que os verdadeiros actores vivem e morrem. No alço não se pode brincar. Estávamos a falar de verdade na publicidade durante uma aula e o meu professor disse que representar implica ser-se verdadeiro, finalmente percebo o que é que ele queria dizer, ficamos a saber o que é realmente representar quando vimos estes faz-de-conta de merda na televisão. Não digo que venha a rejeitar um dia um papel num filme ou mesmo numa série de TV. Mas há muitas bonequinhas tontas a fazer montes de massa. Não suporto mais ver o Johnny a fazer propaganda à última série da NBC, de maneira que mudamos para o Canal J para ver o "Midnight Blue", aquele programa por cabo que é todo pornográfico com câmaras portáteis e anúncios de serviços ao domicílio... quer dizer, o "Midnight Blue" é uma rajada de honestidade comparado com aquela horrível cosmética televisiva.

Finalmente toca a campainha a meio de uma entrevista em pêlo. A Didi avança ligeira pela casa dentro, traz a mesma roupa com que estava antes de ir para acama esta tarde. No entanto, entra pelos olhos dentro que o Dean a acha fixe.

Daqui a pouco começa-lhe a escorrer baba pelo queixo abaixo. As vezes dou comigo a pensar por que carga de água é que só hei-de ter amigas bonitas. Devo ser uma parva chapada.

Ufn espelho, diz a Didi mal entra.

Conheço o teu primo Phil, diz o Dean já babado.

A Didi ignora-o e vai até à varanda para fechar as

Cortinas da sala. O Dean tira uma moldura da parede,

a que tem um póster de uma peça chamada Zoo

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1 Story1, de histórias zoológicas percebo eu J

senta-se no chão em frente da mesa do café c um monte de coca.

Estou fula com a Whitney, diz ela, e desaí

tar uma história sobre uma amiga nossa quei

a espalhar boatos acerca dela. Não faço ideia

carga de água quereria a Whitney espalhar boaí

a Didi, mas já se sabe que a verdade é ui

sinuosa. O Dean está um bocado pasmado. Ests

acaba de entrar e já tomou conta do seu aparta

como se fosse um general ou coisa parecida.

um tempo sem fim a moer e a misturar a co"

momento o que me apetecia era dar-lhe cora

deeiro de latão na cabeça. O Dean enrola um

provavelmente só para ajudar, embora me paw

ele também está um bocadinho impaciente, j

nem sequer olha para a nota do Dean. Não se

mesmo uma grosseirona sem educação nenhun

é um bocado, como é que se diz, é um bocadoj

um pára-quedista que não deixa ninguém pegar J

pára-quedas. A Didi só liga ao ritual e ao equipai)

É o que ela faz na vida. Quando está pronta 6

feita, enrola a sua própria nota, dá uns quantod

monstruosos aquilo a que a Didi chama snifesi

soai chama gramas e depois tortura-nos dl

mais uns minutos segurando na nota e agita

enquanto continua a ladrar contra a Whitney, i

mente a criancinha mimada e mal-educada dei]

brincar com os seus brinquedos e pela primeira vo

à sua volta.

Esta é a tua casa?, pergunta ela ao Dean. O Dean levanta a cabeça do espelho e acena qu com a cabeça mas com tanta força que fico com J que parta o pescoço.

1 Peça de Edward Albee. (N. do T.)

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É mesmo tua ou alugada?, pergunta a Didi acenando um Merit, jogada- diz o Dean.

A campainha toca e a Didi diz, deve ser a Francesca.

ouve lá, Didi, que história é esta? e a Didi, calma,

j òntrai-te. O Dean vai abrir a porta e regressa com

Francesca e a Jeannie. Naturalmente ouvimos a voz i Francesca ainda antes de o Dean abrir a porta, de erteza que os vizinhos também ouvem. E sabem o mais eneraçado? A Jeannie vem vestida que nem uma tigreza, enfim, no melhor estilo do engate. Há umas horas estava pronta para ir para a cama, agora ei-la vestida com umas calças muito justas e um casaco de caxemira. Além disso está encharcada em perfume, deve ter gasto todo o Chanel que havia no mercado. A Didi e eu normalmente usamos perneiras e uma camisa por cima ou uma coisa desse género, mas a Jeannie e a Francesca nunca sairiam de casa sem uns mil dólares de atavios em cima. A Jeannie tem um ar de vespa raffinée e a Francesca está vestida como de costume, género puta cara mas em chique lantejoulas e bruto decote que por acaso lhe vai mesmo a matar. Quer dizer, quando se está no tamanho quarenta e se usa soutien trinta e oito, tudo é possível. A Francesca dá-me um abração enquanto conclui a história urgente que está a contar, e que tem haver com um cantor rock qualquer.

Toca a dar um snife, diz a Didi. Toda a gente snifa. Normas da casa.

Claro que a Didi não aguenta que outra pessoa ornine as atenções quando foi ela que trouxe a droga.

Para mais lixa-a que a Francesca não se drogue para "^a pessoa como a Didi, saúde, sanidade e moderado são uma espécie de afronta pessoal.

Jeannie não precisa que lho digam duas vezes, atlfa-se logo ao pó.

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A Francesca ignora a Didi e diz, estou tão r\jm

na Women's Wear saiu a pior foto que algumaJB

tiraram, foi na festa do Nan Kempner e eu esfl

gorda, a legenda diz, Francesca Green, tambéma

cida como o Camião Goodyear, vestindo umsM

de lona impermeável de L.L. Bean. Juro por Dá|

é isso mesmo o que eu pareço na fotografia. Tea

fazer dieta. Até estou assustada e olhem que t"

assusto facilmente. Não admira que não veja o p|

desde o internato. Não que haja muitos homcol

aí com quem valha a pena gastarmos o nosso suoJj

malmente são todos uns parvos. Excluindo o prcl

claro, Dean querido. Oh, ele é tão querido, ia|

(Chega-se ao Dean a abraça-o, depois dá-lhe um n

beijo. Esta miúda põe-me doida.) Mas não fazes <|

tipo, diz ela. És demasiado perfeitinho. Eu gostai

mal comportados, com um ar indecente. Gosta

heróis da guitarra, de rapazes criados na rua por M

Átila, o Huno é basicamente o homem dos J

sonhos. Ah, meu Deus, mas onde é que eu tea

cabeça, eu ainda não lhes disse que encontrei o D|

Lee Roth uma noite destas no Raoul's. Esse rapaz ffl

verdadeira brasa... J

Ouve lá, diz a Didi, quando é que paras coni

algaraviada e deixas os outros falar? Sempre davaj

variar um bocado. A Didi põe-se a moer furiosarn

mais uma dose depois de a Jeannie ter dado os \

mós quatro snifes. A Jeannie está sentada muito q

tinha no sofá com as pernas cruzadas e as mãos jil

sobre os joelhos, com um ar de finishing school1 (

aliás frequentou), é uma pose especial para o E

enquanto finge que está a ouvir a Francesca. As v

penso que a única coisa boa que a coca tem é que j

1 Escola privada onde as jovens de boas famílias aprendem < se hão-de comportar futuramente no seu meio social. (TV. d

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jeannie um efeito inteiramente oposto ao que mal, ela fecha-se na sua concha toda a noite, não k a boca, de maneira que todo o seu flirt é silencioso.
* pntretanto o Dean parece o galo na capoeira, os seus lhos não têm descanso, saltam a todo o momento de lado para o outro. Acho que está a gostar de ter Quatro raparigas no seu apartamento, ainda que não saiba como lidar com todo este estrogénio que anda no ar. Ao vê-lo aquiescendo e sorrindo para a Francesca e depois para a Didi, o que me apetece é pegar nele e arrastá-lo para o quarto. Está com uns olhos de piscina, apetece-me mergulhar neles. Já sabem o que aconteceu à Kristin?, pergunta a

Francesca.

Mas que chatice!, grita a Didi. Há uma nova regra, acrescenta. Ninguém fala de assuntos chatos.

E a Francesca, mas então de que é que vamos falar? Do teu vício?

Eu não tenho vício nenhum, diz a Didi. Eu metome em drogas porque gosto delas. Vícios são rotinas chatas.

Os nossos olhos quase saltam das órbitas quando a Didi se debruça uma vez mais sobre o espelho. Até o meu homem parece um bocado céptico e só conhece a Didi há uma hora.

Agrada-me ouvir isso, diz o Dean, senão teria certamente de pedir-te que deixasses imediatamente a núnha casa.

Eu sei, diz a Didi ao erguer a cabeça.

O quê?, pergunto eu.

Verdade ou Desafio, diz ela.

Ah, não, diz a Jeannie.

Não podemos submeter o Dean a esse jogo logo na Primeira noite, diz a Francesca.

Não é a primeira noite, diz a Didi, a Alison fez-lhe Um broche a noite passada.

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Obrigada por nos lembrares disso, QÍJB

Nossa Senhora. .11

O Dean está vermelho que nem um tiçâJB

ar de quem pergunta, não querem saber nufl

mim?, detestaria esconder-lhes fosse o qujjl

A Jeannie pergunta, tens algum irmão? j"

Ele abana a cabeça e depois diz, o que é mm

dade ou Desafio? "

Não sei, tenho as minhas dúvidas, quer d"J

de conhecê-lo e o jogo da Verdade ou Desafia

um bocadinho pesado de mais. Além disso qufl

a cama dentro de vinte minutos. Vejo as hofl

mais meia hora no máximo. >Jfl

A Didi explica as regras. Neste jogo ou se cstm

ou não se está, diz ela. Toda a gente tem dcm

princípio que só diz a verdade, porque de outfi

não presta. Quando chega a nossa vez dizcní|

dade ou Desafio. Se dizemos Verdade, temos!

ponder a qualquer pergunta que nos façam. M

mós Desafio, então temos de fazer qualquer cm

nos desafiem a fazer. l

Qualquer coisa?, diz o Dean, com a tacha tod|

ganhada. i

Dentro do que é razoável, responde a Didi J

dizer, nada de violências nem de contactos sexuanj

tudo o mais está bem. J

A Didi gosta deste jogo porque é uma exibido!

diz a Francesca. Está mortinha por se despir, i

Cala-te, diz a Didi. bom, para começar vamo|

dois snifes cada um. Depois começo eu. l

A Didi começa por mim, o que não admira.i

Alison, diz ela. Sentiste-te atraída fisicamente!

Dean quando o viste pela primeira vez? |

Para a Didi isto é uma maravilha. Preferia quí

não tivesse perguntado mas tenho de responder. Dd

olho para o Dean e digo, de início não, mas a I

BF hraco e diz, nada de explicações, nada de

^B \nOQ O Lna5 .

m6f* n aue eu quero e uma resposta simples, ou f <JesculP^.o 4

I & °u g a minha vez. Viro-me para a Jeannie e digo l ^A ou desafio e ela diz verdade, de maneira que l J* C sentes-te fisicamente atraída pelo Dean? Faço

l * pergunta em parte Porque quero leva'la a admil ^ue sim mas também porque o Dean vai ficar conttnte com a resposta dela.

A Teannie diz que sim. O Dean sorri. Agora é a vez , jcannie. Pergunta à Francesca se ela dormiu realmente com um matulão que trabalhava nos estábulos da feira de Harrisburg e a Francesca diz, por acaso até fomos para um motel e tudo mas o tipo comprou uma garrafa de tequilla e ficou tão bêbedo que adormeceu. A Jeannie fala de Harrisburg e isso faz-me pensar numa grande viagem que fizemos a Harrisburg para ver o Dangerous Dan, foi toda a família, por caso até fizemos a viagem numa station como as famílias normais. O pai tinha voltado a casa para tentar a reconciliação recomendada judicialmente e eu queria desesperadamente o cavalo, de maneira que de repente ele decidiu que íamos fazer daquela viagem uma expedição familiar. Eu, a Rebecca e a Carol íamos atrás, todo o tempo a brigar umas com as outras e a jogar às matrículas dos carros, e o pai e a mãe à frente cheios de mesuras um com o outro. É, a família americana é mesmo uma coisa estranha.

°om, depois da minha pausa para lembrar a station regresso ao jogo da Verdade ou Desafio, o qual, até aS°ra, tem sido perfeitamente inofensivo. A Didi já esta a ficar agitada, põe-se a moer mais coca. A Francesca diz então, Didi, verdade ou desafio, e quando a Uldi olha para ela a Cesca diz, e não digas desafio, P°rque não me apetece nada ver-te nua. Está bem, diz a Didi, verdade.

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E a Francesca pergunta-lhe se foi ela que '

com aquele boato sobre a sua pessoa, boanj

demasiado complicado e chato de explicar, am

diz que não, não foi ela, e a Francesca diz, aiol

e então a Didi olha para mim e eu, oh-oh,"

com ela. Alison, diz ela, numa escala de uo|

como é que classificas o Skip Pendleton aã

Às vezes a Didi é mesmo puta. Sabe perfeifl

como provocar conflitos, provavelmente é pata*

este jogo serve, abrir ainda mais feridas já abefll

eu sei que o Dean está muito sensível em reH

Skip Pendleton. Mas o que é que eu hei-dJ

Dava-lhe um oito, digo eu. Oito, oito e meÉ

O Dean estremece, mas atenção, quando UB

soa começa a mentir nunca mais pára e eu reel

terminantemente a mentir. Se achasse que o Skin

cia dez dizia-o sem problemas nenhuns, assin"

dia disser ao Dean que ele merece a nota dez l

o amo, ele sabe que estou a dizer a verdade.!

bom, agora é a minha vez e eu pergunto aol

verdade ou desafio?, e ele escolhe a verdstq

maneira que eu pergunto, ficaste chateado col

do Skip Pendleton? l

Ele pensa um bocado, de maneira que eu fid

a saber qual vai ser a resposta. Finalmente o Dei

ponde, sim, fiquei um bocado chateado. t|

De maneira que eu chego-me a ele e dou-lti

grande abraço e digo, 'tadinho do meu queria)

E ele diz, 'tadinho, 'tadinho não sou. 1

E a Didi grita, parem já com isso, nada de p|

cês, isso não faz parte do jogo. \

Então é a vez do Dean e de repente põe-se a j

à sua volta e é claro como água, como a mais purtj

de Evian, que ele está a radiografar o corpinho dsf

e a pensar se ela será realmente capaz de fazer \

strip. E eu a pensar, bom, parece-me que realfli

oíoopos*

;0 censurar, magoei-o com a história do Skip

"^ " "to que se lixe, não sei se estão a ver, de maneira ^^o-me para ele e digo, vá lá, Dean, pergunta à Didi o que queres perguntar.

F o Dean vira-se para ela, Didi, verdade ou desafio

Didi olha ã sua volta com um ar enjoadíssimo, como

e çstjela de cinema a quem pedem para assinar mais

autógrafo, porque normalmente nós jogamos a isto

com montes de tipos e eles fartam-se de desafiar a Didi

a despir-se. Claro que ela responde, O. K., desafio.

O Dean olha para mim e eu encolho os ombros e digo-lhe, vá lá, avança. E ele ergue as sobrancelhas e enruga a testa toda e pisca-me o olho, como se me estivesse a perguntar avanço mesmo? E eu a pensar, o que realmente me chateia é se ele quer ver a Didi nua e não lhe pede por caretice. Se há uma coisa que eu odeio é a desonestidade. Põe-me doida. Odeio mentirosos e hipócritas. E também não you muito à bola com caretas.

Despe-te, diz o Dean.

Ah, outra vez não, diz a Francesca. Acho que you vomitar.

É só isso?, pergunta a Didi. Ao menos podias ser um bocadinho mais imaginativo.

E o Dean responde, é só isso, o que é porreiro para "um, é porreiro que ele não se deixe manobrar por ela. Quer dizer, claro que estou um bocado chateada, mas também estou contente porque ele não se portou como
11111 careta.

De maneira que a Didi dá mais um snife e depois eyanta-se e pergunta, onde? e o Dean encolhe os ombros e diz, aí está bem. A Didi tira a camisa, claro ?Ue ek não usa soutien, e odeio dizê-lo mas a verdade

^e ela tem uns seios perfeitos e depois tira os jeans,

evidente que também não usa cuecas e eu ponho-

e a olhar para o Dean que está perfeitamente embas-

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bacado, o que não admira. Parece um bocado!

raçado, mas continua a olhar para ela. i

Já está, diz a Didi como se estivesse chatead

mas a verdade é que se ela não gostasse da ca

a teria feito. l

Por amor de Deus, tem dó, diz a Francesa

A Didi põe-se a abanar as ancas, faz umas n

como se fosse um modelo de passerelie, e dcpl

gunta, assim está bem? O Dean faz que sim J

sério, como se alguém lhe tivesse perguntado!

andando? no fim de uma visita ao museu. J

De maneira que a Didi veste-se, pelo menol

a consolação de que ela não volta a despir-se esta

Diz a Francesca, isto está giríssimo, meus qql

mas amanhã trabalho. J

Eu também, diz a Jeannie. Quase que já mi

esquecido dela. l

Olho para o meu relógio e são duas e nu

manhã, e eu também, digo eu, amanhã tenho!

tenho de dormir um bocado. l

Ninguém se vai embora, grita a Didi. Não a

Fanei-me de distribuir coca e agora deixam-ffli

nhã, precisamente agora que estou feita num oiti

é justo. Fiquem mais um bocado até me passar o|

desta coisa. l

De facto, pensando bem, também não com

dormir nada agora. Também eu estou feita nura

Há dez minutos que não paro de um lado para o i

a fumar cigarro atrás de cigarro e o meu coraçi^j

que nem uma rapariga gorda num trampolim,^

A Didi despeja mais coca. Mais dois snifes pafli

a gente e depois tomamos Valium, diz ela. ]

Eu não quero mais snifes, digo eu, só quí

Valium. !

Nem penses, diz ela. Dois snifes para toda a g

Incluindo a Francesca. Normas da casa. E mai

de Verdade ou Desafio. É a minha vez. Bem

mn'z a Francesca, a festa é tua e se quiseres fica para ' eanir sozinha, e nós desatamos todos a rir. ** . pjjj aspira uma quantidade monstruosa e depois o espelho. É a minha vez, todos calados. Voltase pata ° Dean. Ele escolhe a verdade. É uma pergunta om duas partes, diz ela. Numa escala de dez, como é que classificas o meu corpo e o corpo da Alison?

Mas que puta ela me saiu. Um dia destes mato-a.

O Dean está com um ar de quem deseja que a guerra nuclear rebente nos próximos trinta segundos.

Verdade, diz a Didi.

Posso escolher o desafio?, pergunta o Dean.

Ninguém te quer ver nu, diz a Didi.

Não me importava nada, diz Francesca, e ajeannie, enquanto tenta pôr as narinas a funcionar, concorda, eu também não.

Regras são regras, diz a Didi. Verdade.

O Dean passeia o seu olhar por nós todas e finalmente responde, dava nove e meio a ambas.

Tem dó, diz a Francesca.

Diplomacia é contra as regras, diz a Didi. E nesse momento que o telefone toca.

O Dean dá um salto para o auscultador. É uma Ajeita chamada Rebecca, diz ele, quer falar com a Alison ou com a Didi.

E eu, mas o que é que será?

Al*

Ahson, és tu? pergunta Rebecca. Ouve, tens de me ajudar. Preciso rapidamente de quinhentos dólares s^ão ainda me espetam uma faca.

82
5.

AO CUIDADO DO TECIDO SOCIAL

De maneira que estamos os dois na cama, finalmente sob o efeito do Valium, mas rangendo ainda os dentes porque só havia Valium 5 e a Didi só nos deu dois. Semitiritantes. Mas que noite! Começo a odiar-me mas a odiar-me mesmo porque sei perfeitamente que não you estar em forma para ir às aulas de manhã e o Dean tem de ir trabalhar daqui a umas horas, coitado, mas então penso, bom, era preciso salvar a vida da Rebecca, não era? Foi um caso especial. Não foi propriamente andar na borga toda a noite.

De repente o Dean pergunta, estás zangada comigo?

E eu, zangada porquê?

E ele, por eu ter desafiado a Didi a despir-se.

Não sei, digo eu. Devia estar? Queres ir para a cama com ela?

Não, diz ele, não quero.

Verdade, digo eu.

A sério, diz ele. Não quero. A Didi é demasiado

aluca. Não me estou a ver na cama com ela. Ela é Uma harpia disfarçada de anjo.

en$ão, foi isto mesmo que ele disse, não estou a 'ntrujar.

85
Mas gostaste do corpo dela, digo eu. m

É, diz ele, gostei. Dá para entender, nãolj

Não é por causa disso que eu estou zangão}

eu. Estou zangada por teres mentido. J

Mas quando é que eu menti?, pergunta ele. 9

na cama e olha para mim com aqueles olhos ea

de boneco. É mesmo querido. Quem me derail

esta maldita infecção já estou calma o sun

para dar uma cambalhota. l

Mentiste quando deste a mesma nota às duas, Jj

Não menti nada, diz ele, mas desvia o olhais

momento. m

Vá, vá, digo eu, és capaz de dizer honestametJ

achas o meu corpo tão bom como o dela? |

Claro, guincha ele. Francamente, Alison, tu ta

corpo incrível. i

Mas não tão incrível como o dela, digo eu. J

Melhor do que o dela, diz ele. j

Agora é que começo a ficar lixada. |

Que mal é que eu fiz?, pergunta ele.

Não estás a ser honesto, digo eu. Pensas umas

e dizes outra. >

Não necessariamente, diz ele. l

Sim necessariamente, digo eu. "|

Sei por experiência própria que é este o grand"

blema dos tipos mais velhos, quando chegam aos fl

começam a perder a espontaneidade, começam a <i

o que pensam que devem dizer em vez de dizeKj

que sentem, é assim um bocado como aquela do)j

em que as artérias endurecem. É como se estivei

sempre a dizer, pois, nós em rapazes fomos uns (

variados completos, mas depois alguns de nós tol

ram-se umas criaturas perfeitamente convenciofl

Comigo não há-de ser assim, é por isso que eu sei i

hei-de ser uma grande actriz, é que eu, eu não me st

rei da criança que há em mim.

n diz ele, naquele torn conhecido de homem elho imaginemos que um tipo acaba de conhecer "Amiúda de que realmente gosta. Isto é inteiramente tético. O. K.? Mas digamos que pouco tempo Anoís de ele a ter conhecido, portanto numa altura

* ' - J~ ~Xr\ n mnhnrf rrmit-n Kf"m alcniém lhe

de ele a ter conhecido, portanto numa altura

^ue ainda não a conhece muito bem, alguém lhe eunta, na presença dela, se ela é mais bonita ou ínenos bonita do que, por exemplo, a última namorada dele. Certo? Agora, repara. Não achas que ele era um grande porco se dissesse, em frente da nova namorada, que comparada com a antiga ela parecia a Lassie?

E eu, ah tu achas que eu pareço a Lassie?

Alison!, diz o Dean, isto é só um exemplo. Um exemplo deliberadamente extremo.

Quer dizer, a tua antiga é mais bonita que eu, é isso?, atiro eu.

E ele responde, eu estou só a dizer que mesmo que estivesse a mentir e não estava , a verdade nem sempre é uma virtude isenta de mácula.

Uma virtude quê?, pergunto eu.

Isenta de mácula, pura, diz ele.

Ah, digo eu, não admira que não tivesse percebido.

E ele, há alturas em que é melhor poupar os sentimentos das pessoas, em que é melhor manter o tecido social intacto.

E eu, o tecido social? Mas que raio é isso? É assim género dacron polyester?

Quer dizer, será que ele acredita numa merda destas? Será que acredita mesmo?

De facto é mais género seda, diz ele. É uma coisa delicada.

O que eu acho é que isso não existe, digo eu. Se queres que eu te diga, o que nós somos é todos umas compressas.

kssa observação é muito inteligente, Alison, diz ele, Acorrendo de novo ao torn compenetrado e adulto.

86

87
Ouve, diz ele, o que eu estou a dizer é gJ|

maneiras são necessárias. lffl

A verdade nua e crua nem sempre é o gJ8

mós de ouvir. A diplomacia é o que nos dista}

animais. M

Discordo completamente, digo eu. Cresda

de mentirosos e intrujões e acho que é indejl

uma pessoa não dizer a verdade. Eu queral

em ti, mas se achar que não respeitas a ij

então podes crer que me ponho a milhas. f"

um belo vocabulário mas eu insisto na honel

Devias dizer-me aquilo que realmente sem

achas que a Didi tem um corpo mais bonitql

meu, é isso que me deves dizer. Aguento pi

mente. J

E se eu quiser dormir com ela?, pergunta ol

Se quiseres dormir com ela dorme, não te H

por minha causa. i

Não estás a faiar a sério, diz ele. J

Estou a falar até muito a sério, digo eu. ClaJ

prefiro que não vás para a cama com ela. Mas se n

tece, vai. l

Há coisas que uma pessoa sente que nunca pol

prática, diz o Dean, e há coisas que uma pessoal

que nunca quererá dizer. Achas que eu devia da

com todas as mulheres que me atraem? Até onJ

a honestidade? |

Eu quando quero alguma coisa faço-a, digo

E digo sempre o que sinto. Se não fosse assim era

hipócrita.

Já alguma vez quiseste matar alguém, Alison ?<j ele. !

Montes de gente, respondo eu. >

Mas não mataste, pois não? Quer dizer, não pfl| pôr em prática todos os teus impulsos. ;

E eu, quem me dera ter posto alguns em práti

88

põe-se de barriga para baixo e eu nem sequer

O ^caVn;rar Ao fim de alguns minutos começo a nico resp" , . . .

s*0^' eje f0i bestial quando fomos ajudar a Rebecca, P01**0 ejj.a qUe eu encosto-me a ele e enrosco-me no *k "Inbro e depois beijo-lhe a orelha e finalmente ele

porq]

o Olí° maj p0r tê-lo chateado tanto, especialmente seD°r"e de foi bestial quando fomos ajudar a Rebecca, P0"* ira que eu encosto-me a ele e enrosco-me no mbro e depois beijo-lhe a orelha e finalmente ele

te oara mim e beija-me na boca e nestas coisas irtísi"^' t \ \ * '

do sc começa o problema e parar e num instante

"pete-se a cena da noite passada. Quer dizer, neste momento eu faço uma unidade verdadeiramente entesada, mas é neste momento que o telefone toca vá lá saber-se porquê, o Dean esqueceu-se de ligar o gravador, não sei, se calhar os amigos dele não telefonam adesoras. Eu cá por mim não atendia, mas ele atende e está claro que é a Rebecca. Vejo as horas, são cinco e um quarto da manhã.

O que é que estás a fazer?, pergunta a Rebecca.

Estou a beber chá com a Princesa Di, digo eu.

Nós estamos na maior farra aqui em casa da Didi, diz ela.

E eu, ai não me digas.

E ela, olha, queria perguntar-te uma coisa mas agora já não consigo lembrar-me do que era.

Enquanto a Rebecca fala, oiço a Didi gritar qualquer coisa.

Então diz-me lá o que é que estás a fazer, repete a Rebecca.

Finalmente consigo despachar a Rebecca e peço desculpa ao Dean. Ele diz, tudo bem, se calhar era melhor dormirmos um bocado. Mas que ideia tão excêntrica. Digo-lhe que o melhor é ele desligar o telefone. A Becca volta a telefonar dentro de cinco minutos quando se "nbrar do que queria perguntar-me. Provavelmente "Uer saber o nome de algum miúdo que vivia na casa ao lado há quinze anos ou uma coisa desse género. Ou Cntão telefona do posto da polícia ou do aeroporto ou

89
do apartamento de aJgum dealer que a Jl

como aconteceu da primeira vez que ela tcil

noite há cerca de três horas três horas <nB

três semanas. ill

Diz ela ao telefone, preciso de quinhrnM

rápido senão ainda me espetam com umaB

E eu, ha, estás a gozar ou quê? Vindo jm

surpreende mas mesmo assim parece um

mais. -M

Alison, diz ela, não estou a brincar. /

De maneira que eu tomo nota da morada!

o Dean, a Didi e eu metemo-nos num táxn

cesca dá-nos setenta dólares e a Jeannic jm

O Dean tira duzentos da máquina do bancofl

tira cem, que é todo o dinheiro que ela temJ|

metemo-nos outra vez no táxi e vamos acorda

amiga Whitney e levantamos mais dinheiro coral

dela. Parece como nos bons velhos tempos, qu*l|

távamos dinheiro para fazer uma visita ao EmiM|

a diferença de que agora eu estou mesmo assusflB

a Rebecca e dou comigo a pensar no tipo a esral

toda enquanto esperamos que o maldito coma

do Chase Manhattan espirre o dinheiro. No m

De maneira que voamos até Morningside Hd|

o Dean diz ao motorista quanto mais rápido rã

gorjeta e finalmente chegamos à rua de que SÊ

falou uma rua com aquelas casas com fachada ca

-tijolo todas velhas a cair e finalmente encontrai

número. O Dean diz que sobe sozinho e eu digeri

penses, eu também you, e a Didi diz que não qucl

sozinha na rua. O Dean é mesmo porreiro, quer q

ele nem conhece a Rebecca e ainda se arrisca a d

matem, sinto-me grata pela sua ajuda, mais tardd

-de mostrar-lhe até onde vai a minha gratidão,!

neste momento o que eu lhe digo é que a Bedj

minha irmã e por isso eu subo com ele. Depois d

HF* discussão com o motorista que natural-

MF|OS ° uer ficar ali à nossa espera num sítio daqueW*1**0*0 zona, diz ele, chovem balas das janelas. K 10. N jx_jjjC uma gorjeta monstra e pede-lhe para I O P680' QU cinco voltas ao quarteirão a ver se nós I jjrqu* entretanto. Convencido o homem, subimos. l *A rta da rua já está aberta, tem os gonzos rebenI j *\^ entrada do prédio está cheia de latas de cerI ' e frascos de remédios abertos. Enquanto subimos l fgfgAgs ouvem-se os frascos saltando e revoluteando "b os nossos pés, saltando e crepitando, quebrandox como pequenas promessas. Chegados ao patamar do terceiro andar batemos à porta. Ao fim de um bocado responde uma voz, sim, e eu, é a irmã da Rebecca. E o tipo, tens o dinheiro? e eu digo que sim e então a porta abre-se, tem corrente e atrás da corrente aparecem uns olhos escuros que se mexem tanto que mais parecem um catavento, e o tipo diz, quem são estes? para que é esta gente toda? De maneira que desatamos numa discussão que nunca mais acaba e ele diz que quer ver o dinheiro e eu digo que quero ver a Rebecca e finalmente ela aparece à porta e diz, por amor de Deus, Mannie, deixa-os entrar.

Então o tipo abre a porta e deixa-nos entrar. Segura na faca, como que a aponta a todos nós em geral, mas dá-me a impressão de que se chegássemos a vias de facto ele não saberia o que fazer com ela. Está com um ar encolhido e assustado. O tipo deve ter a minha idade, £ pequenino e escanzelado, tem assim o tamanho do ruice e o mesmo bigodinho ridículo, por acaso até que nem é feio.

P cita fora a faca por amor de Deus, diz a Rebecca.

s tr°uxeram o dinheiro. A Becca está a beber uma

^Ja, está vestida com um top vermelho Danskin,

ns dorts o mais descarados possível e Reeboks. Parece

e £stá pronta para uma aula de aeróbica, o cabelo

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91
Adoro dormir. Os meus sonhos são tão boim quando acordo a meio de um daqueles meai ponho-me outra vez a dormir para ver se com tar ao sonho. Às vezes resulta. Acho que a rruj das pessoas não aprecia devidamente os sonho" se lembram deles ou então põem-se a inten como se, não sei se estão a ver, como se os J tivessem valor se tivessem alguma aplicação na i Acho que devíamos tomar os sonhos unicanui que eles realmente são. Quer dizer, eu adotj de sexo mas se fosse a acreditar no curso de n que fiz na faculdade, então todos os soni| sonhos de sexo, o que é perfeitamente ridículo! crer, eu sei quando sonho com sexo, e eu dl última pessoa no mundo a subestimar o sã actualmente quem é que reprime os seu" sexuais? Ninguém que eu conheça. bom, talvei às vezes resista a atirar-se a um tipo no elcvadl passeio. Mas provavelmente damos-lhe o nosscl de telefone para essa noite. J

Mas o sexo não é a única coisa na vida ou noi a sério que não é já estou a ouvir algia minhas amigas, é incrível, a Alison a admitir <n não é tudo. Quer dizer, eu em tempos fui uai galdéria. Mas está bem, voltando agora aos sofj sonhos em que uma pessoa voa ou nada ou ocÉ sonhos sobre coisas que uma pessoa nem consej crever, e é isso o que há de extraordinário no" Odeio as pessoas que tentam meter tu"| esquema. Professores e psiquiatras. Os pais <j cesca queriam que ela fosse a um psiquiatra sflj ela podia não estar bem, no caso de eles l" lixado a vida, de maneira que assim eles podiaíj -se antecipadamente melhor, é que assim n3d| tiriam tão culpados, de maneira que ela vai ao j tra duas vezes por semana e quando está tão d

' ao aguenta mais começa a inventar coisas sobre ^ * fância ou sobre os seus sonhos e num instante
* ^uz o psiguiatra para uma horrível viagem pela terra Iffontasia. E do género, ah, eu tive um sonho em que "* Dai estava a fumar um charuto enorme e a acari°.B1C cntre as pernas, era incrível, o que é que acha me este sonho significa?

Quando a Jeannie regressa do trabalho e me acorda estou eu a sonhar que estamos outra vez no apartamento do Dean a jogar à Verdade ou Desafio. Além de nós cinco está também o meu professor de drama. Mas depois verifico que o apartamento do Dean é afinal um palco de teatro e que há imensa gente a vernos na plateia. Há um letreiro a dizer VERDADE ou DESAFIO feito com lâmpadas sempre a acender e a apagar por cima do palco e o meu professor tem um microfone, é ele quem orienta aquilo tudo, como um apresentador de um concurso da TV.

A Jeannie está mesmo de ventas e atira-se logo ao telefone para falar com o noivo, de modo que eu ponho-me a ver "A Roda da Fortuna" no quarto. Quando ela finalmente acaba de discutir literatura universal e desarmamento nuclear com o Frank, desliga e telefona para a charcutaria a pedir coca-cola dietética e um saco grande de batatas fritas para barbecue e um maço de Merit Ultra Lights. Meto a cabeça pela P°rta porque também quero um maço mas ela já des"8pu. A Jeannie então pega numa Cosmos e põe-se a folhear as páginas para a frente e para trás como se ossem cartas de um baralho que ela não quer deixar

twras. Acho que está fula comigo.

e maneira que eu volto para o quarto e telefono

can. Responde o gravador. Deixo uma mensagem

y J°vial do que aquilo que eu estou a sentir e depois

Para a Carol, a minha irmã mais nova, mas nin-

atende. E então, tão optimista que eu sou, ligo

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95
para o pai mas está claro que ninguém mH mesmo pateta sempre que ligo paralH sigo deixar de sentir uma esperançazinhwfl gre apanhá-lo, mas eu como que fantasidH liga um dia destes para dizer, és tu, AlisoJH querida filha eu gosto tanto de ti desculpJH se passou nos últimos quinze anos se ngJB anda lá perto não percebo o que é que nJH estou melhor e ando tão triste... >|H

A Jeannie pega no telefone da sala enqmB para o pai e diz, ah, desculpa, mesmo danajJB deixa cair o auscultador com toda a força"

bom, seja como for também não há ofl outro lado. Depois de eu desligar a JeannJM o Alex, o meu antigo namorado, não demfl tempo a perceber que é o Alex porque li de repetir o nome dele e ri-se bem alto p4Í| com quem ela está a falar, para eu sabin se está a divertir imenso com o meu antl|

Minutos depois de ter desligado a Jeannie 11 mente para o quarto e senta-se na cama, "m viciosamente as batatas fritas. Detesto vê-la gfl energia só para eu reparar que ela não fiui| feliz, de maneira que viro-me para ela, estádl comigo? Nesse momento lembro-me de qVÊ me fez exactamente a mesma pergunta há ceio)

Quem, eu?, diz ela, com um ar fíngidarnl rorizado. Zangada contigo? Por que carga de SÁ eu de estar zangada contigo? Só porque mel em público de querer ir para a cama com o tet rado?

Aposto que a Jeannie andou a ensaiar esti todo o dia.

Então não estás?, pergunto eu.

96

Por um lado não o acho irresistíH*>. oâ° C* e por outro lado ele é o teu namo.1 tfto otensa' r ,1 _ - arnioros.

tel, ^.0SÍ L' quem seja leal para com as amigas.

**>C u desculpa, digo eu, acho que me enganei.

Bua bem,,a ^r^ culpabilizaaa quando ela diz

f ílTom as amigas porque eu tenho sido terrivel-

fTojra com as amigas Pui4^ -

K dura com ela ultimamente, não sei o que e que ^assí comigo, eu adoro a Jeannie.

E a Jeannie responde, o quê? A infalível Alison? Enganou-se? Impossível. Meu Deus, como eu odeio o çjorge Michael, diz ela ao ver que está a dar o clip

dele na MTV.

Eu podia dizer-lhe, querida, não sabes para que serve o comando, mas em vez disso digo, não confio em homens cujos apelidos parecem nomes próprios.

E a Jeannie diz, eu não confio em homens, ponto

final.

bom, pelo menos não é só comigo que ela está zangada. Pergunto-lhe se há algum problema com o Frank e ela desata a falar, que o Frank lhe disse inesperadamente que não podia aparecer no fim-de-semana, que "a o que estava planeado em princípio, porque o outro professor de ténis tem a avó doente e por isso o Frank tem de ficar em Hilton Head todo o fim-de-semana. E eu, o quê, a avó doente? Tem dó, Jeannie. Ou terá adoj) cão que lhe comeu o trabalho de casa? E não " não pode aparecer como ainda por cima estará demasiado ocupado para lhe poder dar alguma atenção, ela °"se ia divertir nada se fosse ter com ele, blablabla "aJeannie não sabe se há-de acreditar nele, o que de .acto não admira. Ela acha que há algo de podre na ^ de Hilton Head.

calhC maneira clue eu tento ajudá-la. Ora, digo eu, se junar ele disse-te a verdade, ela devia confiar nele, é

casám C°m quem va^ casar e a confiança é a base do ento e de qualquer modo ela pode acordar cedo

97
no sábado e telefonar-lhe para ver se ele a algum caso por fora, para ver se ele está" em casa e se parece culpabilizado. Ou eoij realmente quiser fazer uma vistoria à cânon. simples, apanha um voo cedo e aparece avisar. I

Ela diz, mas essa ideia é bestial, já está a tente, decide que é assim que vai fazer, setíi presa para o querido. Dá-me um abraço e CHÍ Ela liga logo para a companhia de aviação "j reserva para o voo das oito. r.

E consegues acordar a tempo?, pergunto ( Posso não dormir, diz ela. Essa ideia é | Assim chego ao apartamento dele aí pelas dei dá imenso tempo. j

Ela está morrinha por apanhar o Frank em m É bom vê-la sorrir de novo, e que sorriso, é si e gengivas, género piranha. A Jeannie liga pafl viço de limousines e marca um carro para a M sábado de manhã. \

Alison, diz ela, tu és um génio. ,

Esta história de namorados faz-me lembrar í Ligo para ele: outra vez o gravador. Desta vê uma mensagem perfeitamente neutra pedindome telefone logo que chegue, num torn muit muito de senhora. Eu cá sou assim.

A Jeannie e eu falamos ainda um bocado s< bestas que são os homens e depois pomo-nos a( filme da TV completamente estúpido como ta filmes da TV. nem roncí j; "

filmes da TV W'nplCtamcnte "fipWo como ,

98 i

podia ligar para casa dela e desligar logo se ele respon-

dcsse--- De repente caio em mim, mas o que e que eu estou

fazer? Isto nem parece meu. Deve ser outra pessoa nsar por mim! Há três dias que o conheço e já estou

proceder como uma esposa ciumenta. Não posso crer. Quer dizer, eu gosto dos homens em geral, sou uma grande fã deles, mas não you fazer figura de parva com nenhum homem em particular. Depois do Alex não. Então qual é o meu problema? Se calhar you ter de desistir do velho Dean e já. Não me fazem falta nenhuma estes adornos emocionais na minha vida. Tenho o meu curso de actriz, tenho a minha sanidadezinha, já é bastante.

Então lembro-me de que ele disse que telefonava. bom, então é provável que ligue, certo? Isto faz-me lembrar aquela canção, se o telefone não tocar já sabes que sou eu. Tento concentrar-me no pretenso filme, o sacana do Richard Chamberlain, aquela barba dá-Ihe sempre um ar muito profundo, locais exóticos, nem sequer consigo entender o que é que se está a passar no filme, grande sacana, são quase onze horas. Começo a pensar que o Dean há-de ficar parecido com o Richard Chamberlain daqui a vinte anos...

Acalma-te, diz a Jeannie depois de acidentalmente eu ter espalhado o conteúdo do cinzeiro por cima dos cobertores. De maneira que eu digo-lhe porque é que estou tão nervosa e ela, não te enerves, ele se calhar teve um jantar de negócios, ou uma coisa desse género.

Às duas e meia a Jeannie parece que está a dormir e eu continuo a olhar para a televisão, acordadíssima sem a ajuda de estimulantes artificiais e sem esperança de arranjar um calmante artificial. Não posso de "Janeira nenhuma faltar às aulas amanhã. Levanto-me e YOU à casa de banho. Procuro no armário dos remé-

99
dios. Pois, só há Midol, Tylenol, um montei

das que não me servem para nada. Até que ti

uns Unisoms embrulhados numa receita antigaj

ton e tomo um. De regresso à cama, penso edl

nar. Mostro logo que estou zangada? Ou ligeml

magoada? Ou devo portar-me como deve scJB

sequer telefonar? Sim, é isso mesmo que eu dcdl

Seria chato se telefonasse. Mas também é chB

conseguir dormir. -'m

O telefone toca c eu quase que parto o nariz <

me para pegar no auscultador. A Jeannie resoj

resmunga, rosna e fica a roncar de novo. m

É a Rebecca. Ola, mana, diz ela. *

O que é?, digo eu. <M

Acabei de me lembrar do que queria pergudl

diz ela. <

E eu, onde é que estás? m

Estamos eu mais a Didi no apartamento de un

diz ela. m

Então o que é que querias perguntar, digo ij

E ela, ouve lá, lembras-te daquela canção ai

gente cantava na escola, estou a ver se me lemn

letra. 'm

Rebecca, digo eu, havia para aí umas quinhentfll

coes que a gente costumava cantar. l

É aquela da Miss Mary Mack, diz ela. "

Ah, está bem, digo eu. Miss Mary Mack MacÂm

all dressed in black black black with silver buttons^

tons buttons all down her back back back... I

É, é isso mesmo, diz ela. Como é o resto?

E eu, não me lembro do resto. *

Tens a certeza?, pergunta ela.

Não sei, digo eu, neste momento não me lera

Odeio admiti-lo mas de facto chateia-me não i

seguir lembrar-me do resto. j

Vê lá se te lembras, eu telefono-te mais tarde, dizi

100

nem penses, não telefones, amanhã tenho daSC Como é que está a Didi?

A Didi está louca, diz a Rebecca. Completamente louca varrida.

c eu, mas o que e que ha de novo?

O que há de novo é que ela tem um sério problema com a droga, responde a Rebecca.

O que é uma resposta curiosa vinda de quem vem. A Didi diz o mesmo da Rebecca. As pessoas que estão realmente fodidas adoram ter à mão outras que julgam estar um bocadinho pior.

Depois de desligar ligo para o Dean e apanho o gravador com aquele mensagem chata que ele lá

pôs.

Porra, agora estou mesmo lixada. O problema é que se eu mostro que estou chateada ele é muito capaz de ficar chateado também e pensar, mas que direito é que ela tem de reagir assim, afinal só a conheço há três dias. No fundo eu estou é zangada comigo mesma. Ele não tem nenhum dever para comigo, nós não temos uma relação. Ah, meu Deus, como eu odeio essa palavra, ela é a sentença de morte para o prazer. É assim como, bom, nós agora temos uma relação, por isso como devemos comportar-nos? É quase tão mau como o casamento. Mal começamos a dizer estas palavras arranjamos regras e definições e depois deixamos de saber onde param os nossos sentimentos, que acabam naturalmente por morrer. E assim como, quando a Time faz o relato de um acontecimento a gente sabe que esse acontecimento já passou, já não acontece mais.

Mas por que carga de água havemos de misturar o ^o com as emoções? Esquece. É só pele roçando contra Pel,e à noite.

E só contacto. Qual é a piada de uma pessoa ficar toda delicodoce depois de ter ido para a cama com um SaJo? Que se foda o Dean. Qual é a piada?

101
de safiras que a Jeannie me emprestou e que eu ta de estar sempre a segurar senão ele cai. Não sç intenções dele até que eram boas, mas chcg"; momento em que uma pessoa sabe que está m" numa chatice que nunca mais acaba, e então ni outra coisa a fazer senão ranger os dentes e agueq e eu sabia que esta ia ser uma dessas noites. De d quer modo eu estava noutra, não deixava de pensa Dean, mas achei que o Brad merecia que eu fizessq esforço. J

Depois vamos ao Four Seasons onde o Brad fas grande escarcéu porque quer uma mesa ao pó repuxo, e não pára de dizer o seu nome como se i um tipo famoso. J

O jantar dura aí umas três ou quatro décadas,! sei, o que o Brad basicamente me diz é que a ini tria do espectáculo dará o berro se lhe acontecer algl coisa a ele, Deus queira que não. Esta é como cg moral de todas as histórias. Este tipo olha-se ao <| lho e vê uma lenda. |

Além disso entro em pânico quando levo a nm lapela à procura do broche de safiras e não o cai tro, mas é incrível, está debaixo da mesa, o fechi alfinete não está bom, e eu, ufa!, esta coisa vale sã dez anos de renda, de maneira que resolvo passar o j da noite com o broche na mão e aperto-o com i a força sempre que tenho a impressão de que you mecer de aborrecimento. l

Finalmente ele paga a conta e quer ir ao Nell's! digo-lhe, mas é que eu amanhã tenho de me leva cedo o que não é necessariamente mentira pois é ni provável que tenha de acordar a Jeannie ainda madrugada para ela ir apanhar o avião, ela dormd nem uma pedra. l

O certo é que o Brad fica todo lixado. Só j bebida, diz ele. j

104

E eu, minha Nossa Senhora, já ouvi esta não sei onde, isto é o que eu penso mas não digo, limito-me a sorrir educadamente c a dizer, já são horas de eu ir para a cama.

É engraçado que ele escolhe precisamente este momento para me dizer que tem bilhetes para o concerto dos U2 amanhã no Meadowlands. E eu, está bem, mas agora tenho de ir para casa.

À porta do prédio limito-me a um obrigada por tudo, Brad. Quando ele percebe que não o you convidar a entrar, atira-me, acho que é um bocado de mau gosto depois de te ter levado ao teatro e a um jantar espectacular... que tu só...

Que eu só o quê?, digo eu depois de uma longa pausa. Ele detém-se quando se apercebe do que ia dizer. E eu, o que tu queres dizer é que é de mau gosto eu virar costas sem abrir as pernas, não é? Estavas à espera que o teu investimento desse lucro, não era?

Estás a pôr a questão de uma forma muito grosseira, diz ele.

Mas estou enganada?, pergunto eu.

A sério que não me importo que ele não seja o tipo que eu pensava que era nem que ele tenha mais cabelo nas costas das mãos do que na cabeça, nem que ele use um daqueles Rolex President enormes e possidónios até dizer chega. O problema é que neste mundo não há cama onde caibam eu mais o ego dele.

Gostaste de mim em L.A., diz ele.

Mas agora estou sóbria, digo eu.

De maneira que ele encosta-me à porta. Eu sei que me desejas, diz.

k eu, isto é que é uma merda.

"ê-se bem que me desejas.

tsta é muito boa, ah é tão típico tudo isto, as rapa'S35 pensam sempre que são menos atraentes do que

mente são e eles pensam sempre que são mais

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atraentes. Eu preferia não ter que o dizer, mas a vej dade é que este Bradley não passa de um sapo nojenq Se fosse realmente rico ou poderoso ou famoso taha conseguisse ter um ar minimamente decente. E mesa assim...

Vá lá, eu sei que tu queres, continua ele. 4 Sabes como?, digo eu. Estou doida por saber coqj é que tu sabes. s

Eu conheço as mulheres, diz ele. E eu, pois, conha -Ias tão bem como eu conheço a língua Swahili. ] continua a encostar-me à porta e depois cola-se to a mim e pespega-me com aquela boquinha pequeni horrorosa, com aqueles lábios muito fininhos, tem u boca que parece uma guilhotina de cortar papel < melhor é não falar da língua, aqui entramos no ca tulo dos répteis, faz-me lembrar um desenho que vi numa revista sobre as lampreias quando elas se cd aos salmões com aquelas ventosas que elas têm e dq chupam-lhes e sorvem-lhes as entranhas. Enquanto ele vai tentando abrir-me as pernas com o joelho, i posso crer no descaramento deste gajo, até tinha pi se não fosse o nojo que é, mas felizmente eu ail tenho o broche da Jeannie na mão. Então abro o b che e espeto-lhe o alfinete no rabo. Ele dá um g e recua de supetão como se estivesse a arder e enqua tenta perceber o que é que lhe aconteceu eu esgí ro-me porta dentro e desato a correr escada ac" Ligo para o Dean. Responde o gravador. \ Já sei como é que you ficar rica, you inventar u máquina capaz de destruir todos os gravadores de c madas de todos os telefones é só a gente carrí num botão e pum, a coisa explode.

Lembro-me vagamente de a Jeannie andar às vo de manhã cedo. Pouco depois do meio-dia telefo -me de Hilton Head.

106

Era de esperar, caçou o Frank na cama com uma boneca qualquer. Atirou-lhes com tudo o que pôde. Depois foi a correr atrás deles com uma raquete de ténis. Quando a nova queridinha do Frank se escapuliu toda nua para a entrada do prédio, a Jeannie pegou nas roupas dela e atirou-as para o depósito do lixo juntamente com as latas de cerveja e as cascas de melancia. Não sei se estão a ver, o que ela atirou para o lixo foi um lindíssimo conjunto Ralph Lauren... Ao pé da cama havia uma garrafa de champanhe com que o Frank tinha regado aquela noite romântica.

A Jeannie pegou na garrafa e deu-lhe uma boa mocada na cabeça. Quando ela se evaporou estava ele a sangrar que nem um cristo. Agora a Jeannie está no aeroporto a caminho de casa. Disse-me a que horas chegava e eu disse-lhe que ia esperá-la.

Antes de sair ligo para o Dean, está em casa. Explico-Ihe o que se passou com a Jeannie e digo-lhe que temos de cancelar o encontro. Ela vai precisar de mim esta noite, acrescento.

Compreendo perfeitamente, diz ele.

Ela está muito magoada com aquilo tudo, digo eu, também não admira, foi enganada e bem enganada. Sei que não é uma coisa racional, mas sinto-me com vontade de embirrar com o Dean, talvez porque ele é homem, talvez porque não estava em casa quando eu lhe telefonei ontem à noite.

Dá-lhe um abraço meu, diz ele.

E eu, um abraço? mas onde é que o queridinho quer chegar?

E ele, ah, é apenas um abraço amistoso c compreensivo. Depois de pensar um bocado acrescenta, mas se quiseres, pode ser um abraço de gelo.

Então diz-me lá o que é que fizeste a noite passada, digo eu.

107
E ele, sexo em grupo e drogas intravenosas, nada d especial. j

Especial o bastante para não estares em casa às duí e meia, penso eu, porque foi a essa hora que eu li liguei pela última vez antes de adormecer, mas pj variar decido calar-me. Neste momento a minha prij cipal preocupação chama-se Jeannie. Quero estar CQ| ela porque ela estará comigo quando o Dean e aqua que o há-de substituir e o tipo a seguir passarem à hl tória. Ou à pré-história. J

6.

DUAS MENTIRAS

bom, agora tenho de imaginar outra vez que estou numa praia, debaixo de um calor intenso, de um sol abrasador. St. Bart's ou talvez Southampton. O cheiro a salitre e a manteiga de cacau, tenho de sentir isso tudo mais a areia, a areia debaixo do meu corpo, todos os grãozinhos de areia. Imagino que uma grande actriz, uma actriz com A grande, seria capaz de se bronzear fazendo este exercício. Isto é, conseguiria transformar a praia da memória numa praia real. Aí não haveria mais dúvidas, era realmente uma grande actriz. Mas eu neste momento nem consigo suar. Sexta-feira à tarde, estou na aula, tento fazer o meu exercício de memóna sensitiva. Estou completamente desconcentrada. Só penso no Dean. Estou completamente apanhada.

Finalmente conseguimos a noite passada. Fomos ao cinema, depois jantámos. Não conseguia tirar as mãos de cima dele.

Não sei porquê estava com medo de que corresse mal Quer dizer, eu odeio estes lances superdramátic°s, normalmente fica-se mal depois. A paciência nunca rói o meu forte, quer dizer, eu tive o meu primeiro cartão de crédito aos doze anos e normalmente quando

109
não consigo uma coisa logo, esqueço, ponho-a de pai Mas isto, não sei...

Apetecia-me gatinhar para dentro dele e ficar lá d< tro. Apetecia-me desaparecer pela garganta dele abai Apetecia-me que ele entrasse todo por mim dent

A chatice é que esta história é má para o meu cut O meu instrumento está completamente desafinai Não paro de pensar no Dean, na língua dele a lamb -me toda, são vibrações que a escala de Richter c comporta. A chatice é que não consigo pensar no i escaldante e na estúpida da praia imaginária. Se o ex cicio consistisse em imaginar uma noite inteira de fo exorbitantemente boa, então sim, estava eu nas mini sete quintas.

Não sei se foi assim tão bom quer dizer, não ft mós nada de especial. Nada de câmaras vídeo, o< roupa à maneira, nem equipamento, enfim, nadfcí efeitos especiais. Nada disso. Limitámo-nos à boa v*J foda, do género das que a mamã costumava dar J

O Rob aproxima-se de mim e diz, não me estílj dar nada, Alison. Ele deu-me este exercício porque! última vez flipei logo à primeira. 1

E que tal se eu imaginasse qualquer coisa que meti sexo?, pergunto eu. 4

Ele solta um suspiro que nunca mais acaba e 4j um dia ainda hás-de ser uma grande vedeta pom

Um dia?, pergunto eu. l

Eu e o Alex costumávamos fazer vídeos das ncÉj camas. Era uma coisa perfeitamente indecente, 01 muito excitante. Não sei, deve haver pessoas <j acham isto um bocado esquisito. Se calhar é rnesflj com a sorte que eu tenho há-de aparecer alguéaj divulgar os filmes quando eu estiver para ganhsUJ Oscar. l

Responde-me o Rob, volta para a praia, Alison.J lá se consegues sair do quarto só por algumas hol

110

De maneira que eu faço como a Annette FunicelloJ. Começo com a memória do cheiro do Bain de Soleil N.° 4, depois lembro-me da sensação de um sol escaldante queimando-me o corpo, a minha pele está que parece fogo, ah, aquelas mãos espalhando o creme por todo o meu corpo...

Depois da aula telefono ao Dean.

Olá, matulão, digo eu.

Olá, beleza, diz ele. Hoje fiz um negócio bestial.

Isso deve ser efeito do amor, digo eu.

Acho que me inspiraste, diz ele. Fiz duzentos mil dólares antes do almoço.

E eu, metade é para mim?

Por acaso vai tudo para um cliente, diz ele.

E eu, diz ao teu cliente que eu mereço pelo menos uma comissão.

Eu dou-te uma grande comissão, diz ele.

E eu, de que tamanho?

Enfim, uma conversa completamente pateta. Pairamos feitos bebés ainda um bocado, depois eu digo-lhe que you bronzear-me e depois tomo um duche e visto-me e ele diz que me vai buscar por volta das nove.

Quando chego a casa a Jeannie diz, Alison, tenho de te dizer uma coisa.

E eu, se são más notícias prefiro não ouvir. Estou demasiado feliz.

Queres dar um snife?, pergunta ela. Está completamente drogada.

Não, obrigada, digo eu.

Coitada da Jeannie, esta história com o Frank deu cabo dela. Ele já telefonou mas ela não atende e quando sou eu a atender tenho de dizer que ela não está.

Vedeta de alguns filmes americanos dos anos 60, invariavelente protagonizados por adolescentes em férias na praia. (N. ao T.)

111
Então o que é?, pergunto eu. |

Temos uma ordem de despejo, diz ela. à

E eu, mas tu não disseste que pagavas a minha pai

este mês? J

Sim, diz ela, mas estamos a dever três meses, i

Tu não estás boa, Jeannie, digo eu, eu paguei

minha parte nos outros meses. l

O que é que vamos fazer?, diz ela. i

O que é que vamos fazer?! Jeannie, o que é <J

aconteceu ao dinheiro? |

A Jeannie desata a soluçar. Alison, diz ela, desculá

Por favor não me odeies. l

Reparem-me bem nisto. A Jeannie gastou!

dinheiro que eu lhe dei mais o que o pai lhe <$|

para pagar a renda dos últimos três meses. Clan

não admira, comprou uma saia Chanel que valia i

mil e oitocentos dólares, e além disso tem ido sea

pré em primeira classe para a Carolina do Sul, a

não deix£ de me lembrar que eu participei no col

sumo dos sete e picos gramas que ela comprou l

umas semanas mais uns salpicos e uns gramas qtj

ela comprou depois disso, pronto, necessidades m

manutenção. Ah, e mais um conjunto novo de tat|

de golfe que ela deu ao Frank quando ele ff

anos é o que se chama um grande investimentl

Os tacos e o Frank. i

Pede dinheiro ao teu pai, digo eu. j

Não posso, diz ela. Ele mata-me. E o Dean?, pá

gunta. J

Essa é boa, digo eu. Quer dizer, estás-me a vcrl

cravar cinco mil dólares a um tipo que conheço H

duas semanas. Não, filha, vê lá se arranjas out!

solução. 4

O que é que nós vamos fazer?, pergunta outra vá

a Jeannie enquanto se debruça sobre o espelho e snn

uma quantidade monstra.

112

bom, Jeannie, eu you sair, you dar uma volta com o Dean e depois da volta vamos dar outra volta, o problema é, e tu, o que é que tu vais fazer?

Quer dizer, a cena está preta, mas é que está preta mesmo.

O Dean tem bilhetes para uma peça bestial mas primeiro leva-me ao Petaluma para tomarmos uma bebida. O empregado é o Mike que é meu colega de turma, diz ele que a Didi apareceu a noite passada à hora de fecharem completamente desfeita.

Se calhar tinha acabado de acordar, digo eu. Ela só está bem depois da meia-noite.

Essa tua amiga é um problema, diz o Dean.

A peça é Fences, desde a Primavera que ando para a ir ver e não fiquei nada desapontada. E basicamente a história de um pai que dá cabo da vida do filho, quer dizer, disso entendo eu.

Tem uma cena incrível em que o filho do James Earl Jones lhe cospe na cara. O meu professor de drama disse-nos que durante os ensaios o tipo que faz de filho não conseguia cuspir na cara do James Earl Jones de maneira que o encenador começou a insultá-lo e depois cuspiu-lhe na cara dele e disse-lhe que o James Earl Jones não era nada de especial. Está bem. O que eu sei é que o tipo é tão bom que uma pessoa olha para ele e fica sem saber se aquele pai é Deus ou Diabo ou lá o que é, e quando o rapaz lhe cospe na cara fica-se à espera que lhe caia um raio em cima capaz de o fazer em cinzas. Depois da peça o Dean desata a falar da estrutura da peça e da evolução das personagens e eu desejosa que ele se cale, só consigo pensar naquela cena.

Depois da peça vamos ao Nell's. Ando a ver se me Mostro em público com o Dean, assim sempre dá um ar

113
mais oficial, não sei se estão a ver, é assim como oUj pessoal, cá estamos nós, pois. Está bem, já sei que sd exibicionista. Claro que também pode ser perigos! Imaginem por exemplo que uma noite destas encod tramos oito ou nove ou dez dos meus antigos apaixjjj nados, não vai ser fácil. l

A minha amiga Whitney está de porteira. A Whfl ney andou a estudar numa escola da Ivy League! tinha sempre notas bestiais, enfim era o máximo J certinha, passava o tempo a marrar, e depois foi p*| a Columbia Law School mas uma noite a Franccáj apresentou-a a um tipo da banda do Elvis Costellol ela evaporou-se, andou desaparecida umas dul semanas e agora trabalha de porteira e faz uns bisa tes como modelo. A Whitney tem dois gorilas J acompanhá-la, ela aponta para as pessoas e eles tini a corda para as pessoas passarem. Há uma bicha pfl aí de umas cinquenta pessoas. É um bocado dam passar à frente daquela gente toda, mas o que é qnj se há-de fazer? Pronto, está bem, não é nada chad até que é porreiro. É assim este nosso desgraçai mundo, certo? m

Está a abarrotar de gente lá dentro tendo em cod| que é só meia-noite mas mesmo assim conseguirfli mesa. Aparece logo um tipo, dá um grande abraço Dean e o Dean diz, Alison, apresento-te o Phil, priál da Didi. O Phil é um tipo enorme, género atlétiél Tem uma T-shirt preta, de maneira que dá para vi que ele tem um corpinho de gritos de jovem musd] lado, só que a cara parece dez anos mais velha qudi resto, à cara dava-lhe quarenta ou à volta disso. Tqj pés-de-galinha, rugas, uma pele que deve ter apanha*! muito vento não de carro mas em vidas de alta vera cidade. J

1 Escolas muito selectivas do Nordeste dos EUA. (N. fio
114

piz o Phil, ah, você é amiga da Didi, como é que ela está?, não a vejo há séculos.

Olho para o Dean e ele olha para mim, como quem, o que é que se há-de dizer, a verdade?

Pé maneira que eu atiro, para lhe dizer a verdade estou um bocado preocupada com ela.

Qual é o problema?, pergunta o Phil, ela anda à procura da sida nos sítios certos?

Sabem como é quando uma pessoa fica com pó a outra logo à primeira? Pois, não sei porquê mas é instantâneo, não you à bola com este tipo.

O problema é que ela anda a snifar de mais, digo eu. Todas as noites a noite toda. É um problema sério, acrescento.

Quem, a Didi?, diz ele, parece que não acredita. A Didizinha? Eu vi-a snifar umas coisas mas não a estou aver fanática. Tem a certeza? Não está a exagerar? Eu sei do assunto, ha, andei três meses na desintoxicação.

E eu, pois ainda bem para si. Pode crer que estou impressionada, não é todos os dias que se fala com um drogado de primeira.

O Dean decide meter-se na conversa, ele é tão mas tão diplomata, parece que não aguenta a tensão entre as pessoas, esse é um dos seus grandes problemas, bem se vê que não viveu num meio como o meu em que as pessoas andavam sempre aos gritos e a atirar artigos de cutelaria umas às outras. bom, seja como for, tenho de dizer que concordo com a Alison, diz ele. A Didi "tá mesmo em baixo.

bom, diz ele, tenho de ver isso.

Eh, favores não, por favor. Estou mesmo furiosa comigo por ter dito o que disse a este tipo, se ele não me tivesse lixado com a conversa dele eu nem ligava, 'fias agora sinto que traí a Didi, ou se não traí, quase.

O Phil levanta-se e vai-se embora, o que é bom porc!Ue ou me engano muito ou a nossa fricção ia dar fogo.

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Mas que besta, digo eu. O que é que ele fará na ^ para além de irritar as pessoas? .

É corretor, diz o Dean. Acalma-te, acrescenta, e || uma garrafa de champanhe à empregada que ternj corte de cabelo que parece uma tijela de sopa. Não| acredito que estes penteados da moda género artíj| chamem as atenções, mas talvez não chamem as aã coes que mais interessam. Quer dizer, tenho a impi são de que a maior parte dos homens não tem grãj gozo com modelos de montra. l

Bem, seja como for, de repente fico com uma l sensação de que se aproxima um tornado, como i pressão atmosférica baixasse radicalmente à volta nossa mesa, pronto, não me enganei, primeiro J uma voz familiar gritando "Alison Alison" a uns metros de distância e de repente cai-me a Francesa banco ao lado, Francesca, a sempre-deslumbradá lantejoulas verdes e um colar de pedras encarna Mesmo em cima das mamas traz um crochat que i

A LISTA DAS SOBREMESAS ACABA AQUI. J

Adoro a Francesca, ela deve ser a única pessoal eu conheço que consegue ter algum humor em l cão a si mesma. <j

Deus do céu, estou tão contente por vos ver, dia esta noite não há ninguém importante ou interesij por aqui, estava já a preparar-me para sair. Disse! -me que o Bono estava cá mas eu não o vi. J

Olá querido, diz ela para o Dean, mas tu l estás perfeitamente papável. Ai estou cá com i fome. Fomos a um restaurante tailandês, um h"j mas teve uma crítica óptima no Times, fui eu e oj Burton e montes de gente e não é que o restai!" não tinha pão. De maneira que eu viro-me pffl criado, e o pão nosso de cada dia? Por amor de Dl não me diga que não há pão neste restaurante, l é incrível? 1

116

Uma reacção um bocadinho etnocêntrica, diz o Dean.

Seu malandro, diz a Francesca, olhe que eu ponho.Ihe pimenta na língua. Aqui ela faz uma pausa para respirar e dar uma olhadela rápida ao bar. A Francesca é assim como aquelas figuras dos desenhos animados, juro que a cabeça dela consegue dar uma volta de trezentos e sessenta graus quando quer ver o que se passa à sua volta.

O Dean volta à carga, então Francesca, o que é que o Mick e a Jerry fazem esta noite? Ouvi dizer que davam uma festa de arromba.

Retiro tudo mas tudo o que disse de ti esta noite, diz ela. Seu sacana. Quando der uma festa não te convido.

A Francesca vira-se então para mim, o que é uma medida acertada, e diz, Alison, estás diferente hoje, ah, pois, de saia e sapatos de salto. Roubaram-te os ténis e as camisas?

É verdade, pus uma mini-saia preta de cabedal, um top de seda também preto e uns sapatos de salto decentes.

Assim até pareces uma mulher crescida, diz a Cesca. E que tu costumas vestir-te de uma maneira que, enfim, o Dean pode muito bem ser um sacaninha, mas merece melhor, a menos que seja realmente uma desgraça na cama.

O Dean é fodidamente fantástico na cama, digo eu.

Vá, diz dessas, deprime-me ainda mais, diz ela.

Champanhe?, propõe-lhe o Dean.

Nem pensar, diz a Francesca, eu não bebo, o álcool tem ziliões de calorias. Mas ziliões mesmo. bom, meni|J0s, até à vista. you para casa ver se arranco a maquihagem. Sempre é uma forma de perder três quilos apidamente e com alguma sorte é capaz de demorar
50 algumas horas.

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Dá um beijo ao Dean, depois outro a mim, e cq um grande paquete verde faz-se ao mar e desapai no horizonte enquanto nos atira um beijo. ^

A propósito de peso, diz o Dean, o teu número ( pode ser o 34. Atenção, ele diz-me isto com aquele i riso arreganhado extra-especial que ele põe depoi| broche. -j

O quê?, digo eu. $

E ele, o número do soutien. ,>

Mas como é que tu sabes o número que eu u digo eu. <

E ele, fui ver esta manhã antes de tu acordares. Q tamanho deve ser para aí 38, diz ele. j

E eu, não fazes ideia o que é uma pessoa andarf ruas de Nova Iorque sozinha com as suas mamas. é verdade, eu uso soutiens pequenos. Assim escqj os peitos. Não posso crer que tenhas andado a Of no meu soutien enquanto eu estava a dormir. Éfl depravado, digo eu. l

Estamos nós na maior beijoqueirice quandJ repente vejo pelo canto do olho alguém que sei taça da multidão e num instante oiço uma voz liar, eh, Dean, como é que isso vai? J

O Dean parece um bocado chateado, mas eua até gosto. Ainda bem que o Skip aparece nestei ciso momento. De maneira que viro-me para ele,J o Skip, mas que surpresa maravilhosa. Que honra, n dizer, uau!, é mesmo o grande Skip Pendjg] Quer dar-nos o prazer de se sentar à nossa dl

O Skip não está propriamente excitado por mffl acho que não se tinha apercebido de quem era a ram que estava com a língua metida na boca do Dean*l o Sr. Bem-Educado pega num banco e faz de cont" está tudo bem. O Dean está nervoso mas oferece cfl panhe ao Skip e este diz, porreiro!, com uma afil lidade que é só fingimento. Os homens estão tão4|

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fados a estes códigos de comportamento, são como músicos que só sabem três notas. Emocionalmente Oão passam de uns putos. Neste preciso momento estão a brincar aos amiguinhos enquanto mentalmente andam às voltas um do outro como cães de combate. O que o Skip está a pensar é, eu mijei aqui, este território é meu, como é que te atreves a niijar no mesmo sítio? O Dean está lixado porque o Skip mijou primeiro. E eu, mas qual é o meu papel no meio de tudo isto? Será que não passo de uma boca de incêndio?

Então, Alison, como é que isso vai?, pergunta o Skip.

Melhor do que nunca, digo eu, olhando para o Dean.

Vocês dão-me licença por um minuto?, diz o Dean. Levanta-se e vai para o andar de baixo. Não sei, se calhar quer armar-se em simpático e dar-nos uma oportunidade para resolvermos os nossos problemas sozinhos, ou então não lhe agrada muito esta situação e não sabe como enfrentá-la. Se calhar foi só fazer uma mija.

Andas com o Dean?, pergunta o Skip.

Ando, digo eu. Ele é bestial.

Ainda bem, diz o Skip. Fico contente.

Ai de certeza que ficas, penso eu, e então o Skip acena para alguém no outro canto do bar. Os olhos dele andam sempre a saltar de pessoa para pessoa, sempre à espera de encontrar algo melhor. É dez vezes pior do que a Cesca. A única maneira de uma pessoa o manter atento é falar dele.

Então o Dean deve ter-te contado a noitada que nós tivemos. Foi porreiro, diz ele.

E eu, feita idiota, pergunto, quando é que foi isso? 'Jevia ter dado um pontapé a mim mesma quando lhe Perguntei isto. Agora o Skip já me apanhou. Diga-me
0 que disser, já sabe que eu não sabia, já sabe que

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o Dean não me disse nada. Odeio proporcionar-^ a satisfação de me contar seja o que for acerca J Dean. i

Foi bestial, diz o Skip. Acho que foi na quinta-fq| Encontrei aqui o Dean por volta da uma. Estávanj bem aqui, mas tínhamos umas garrafas de champaij de maneira que resolvemos ir até ao Automatic Sl| com as duas miúdas com quem estávamos. Foi porref

Oiço com as duas miúdas e percebo que era aí q o Skip queria chegar mas não mordo o isco, não i dar essa satisfação ao Skip. De qualquer modo J acaba por contar. Foi na quinta-feira que eu pajj a noite toda a ligar para o Dean e a ouvir o gravtl dele. Acordei às dez e liguei outra vez o gravaj ainda estava ligado. Ele disse-me que tinha sido Í jantar de negócios. ,|

Conheces a Cassie Hane, não conheces?, pcrgta então o Skip. Uma miúda simpática. É modelo, l é propriamente um cérebro, mas tem imensa pm Mas o Dean não está muito virado para ela. E evidá que está muito mais interessado em ti. j

Olha lá, ó Skip, penso eu, não te importavas < atirar para um buraco de elevador aí de um déoj andar? Começo também a pensar se ele suspeitar! que foi intrujado com a história do aborto. Ou ta pense muito simplesmente, como três quartos l homens em todo o mundo, que qualquer rapariga J vai para a cama com ele devia ir para um convcfij viver da recordação depois de a coisa dar o berroj então devia atirar-se para uma fogueira, ou dedal sua vagina património histórico nacional e lacrar ai sagem secreta para toda a eternidade. J

O pessoal com quem eu vim está naquela mcsi à frente, diz ele. Tenho de ir ter com eles. G^ imenso de te ver, Alison. Dá uma apitadela ufflf destes. l

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Pisca-me o olho de uma maneira que até parece que está a falar a sério. Se calhar acha-me outra vez excitante, agora que o Dean anda comigo.

Isso foi mesmo na quinta-feira à noite?, pergunto eu.

bom, já perdi este combate, assim pelo menos fico com a informação de que preciso.

Deixa cá ver, diz o Skip. É, foi mesmo na quinta-feira, eu tinha a minha partida de ténis na sexta-feira c não fui porque estava de ressaca.

Mal o Skip desaparece senta-se outro tipo ao meu lado, é o Chuck Harnist, começa logo a fazer-se a mim. É perfeitamente idiota, eu dormi com ele uma noite de maneira que ele agora acha que eu tenho de o aturar. Não que ele seja feio, longe disso, até podia dobrar o torn Cruise, o problema é que quando abre a boca uma pessoa fica com pena de não ter um rolo de fita isoladora na mala. Desata-me a contar uma história estúpida de um projecto qualquer em que a Paramount estaria metida, como se isso alguma vez me pudesse interessar. O Chuck é argumentista, ou melhor, ele diz que é argumentista. É daquelas pessoas que estão sempre a falar de negócios, não sei se estão a ver, acabei de concluir um negócio e já estou metido noutro, enfim, é só negócios. Quando já conhecemos um bocadinho bem o Chuck apercebemo-nos de que estes negócios são assim como uma espécie de comboio em que ninguém tem um orgasmo, é só fricção lubrificada todo
0 tempo. Ele vende uma ideia a um produtor e este vcnde-a a um estúdio e depois a ideia muda e depois
0 estúdio muda e nada acontece a não ser um monte de cheques que entretanto foram passados. Tudo conVeKa de chacha. Apanhei cada seca com o Chuck que nem dá para contar. A chatice é que da última vez eu estava no apartamento dele quando as drogas acabaf*01 e eu sentia demasiada preguiça para ir para casa.

Mas

se o Chuck acha que eu you repetir o erro está

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muito enganado. Olha que não foi tão bom como pensas, querido. Francamente, já vi sardas maion De maneira que quando o Chuck despeja a sua lê galenga eu continuo a pensar no Dean, estou mesn furiosa com ele, mas de repente penso, merda, rn onde é que ele se meteu? Se calhar ficou lixado quaa o Skip apareceu e pirou-se do bar. Ou então viu-|i a falar com o Chuck. Ele é do tipo ciumento, qu<| uma coisa para que não tenho pachorra. Quer dia^ qual é o interesse? Perde-se montes de energias, jj que eu sinto quando estou num sido qualquer com | tipo e vejo uma miúda meter-se com ele, o que eu si| numa situação dessas é, bestial, se conseguires sair dad com ele, tudo bem, fica com ele, estou-me nas tin| Mas toma nota, querida, primeiro tens de consegj sair daqui com ele. |

De maneira que eu ponho-me a olhar à minha vi e a pensar que se calhar o melhor é eu livrar-me Chuck senão o Dean fica cheio de ciúmes, ma repente caio em mim e começo a pensar, mas o" é que se passa contigo, Alison? Porque é que cSK dar tanta importância ao que aquele mentiroso pé O tipo é um sacana! Ele que se contorça todo o uma cobra e faça as coisas sozinho. Até que é uflS vio para mim. <

Só que eu quero ver a cara com que ele vai quando eu o apanhar com as suas mentiras. Se elcj ser, que apanhe um táxi directo para o inferno -*i tou-me nas tintas, nada me obriga a ficar sozinhas noite, estou a ver para aí uns dezoito tipos capa" me levar a casa num instante. Só que eu quero? ele saiba que eu sei a merda que ele é.

Aquela vaca! Não passa de uma bonequinha tt Palavra que isto lixa-me, considero um insulto pd que me ponham na mesma categoria da Cassic. 1 rapariga inteligentíssima, é só um bocadinho O*

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articulada que o Sylvester Stallone. Isto é assim: se ele quer foder com outras mulheres, tudo bem, não me importo, palavra que não, mas pelo menos que perteçam à categoria das tão-maravilhosas-como-eu senão francamente não faz sentido. Está visto que o tipo não tem gosto. É isso realmente que me lixa. Se ele acha que aquela tonta vale o preço de um jantar, então não acredito que me aprecie devidamente.

Ah, ei-lo que regressa. Apresento-o ao Chuck e pergunto-lhe se quer ir andando e ele, claro, se tu quiseres. De maneira que dou ao Chuck um beijão que é para ele ver, até tremeu, detesta que eu faça estas coisas. Está bem, filho, não perdes pela demora. Ele não se importa de se ir embora cedo porque acha que vai haver festa. Isso, filho, vai sonhando. Querias... No táxi desata aos beijos a mim e eu deixo. Depois fala-me das pessoas com quem se cruzou no caminho para a casa de banho.

Chegamos ao apartamento e ele pergunta-me se bebo alguma coisa e eu digo que não e ele pisca-me o olho e pergunta, cama?, e eu, claro, estou nessa. Só que há camas e camas, não é? Por exemplo fizeste a cama, agora deita-te nela.

Quando eu saio da casa de banho já ele está entre lençóis com a roupa empilhada no chão. Ligo a TV e deito-me completamente vestida. Ele vê os últimos ttinutos do Letterman comigo mas apercebo-me de que está a ficar inquieto. Toca-me na coxa. Muito subtil. Quando eu começo a ver o que é que está a dar nos °utros canais, ele vira-se para mim e põe-se a beijarme o pescoço e a mordiscar-me a orelha, enquanto roça a picha contra a minha anca. Não há nada de mais ridículo que uma picha tesa sem rumo certo.

Deixo ficar num programa evangélico. Irmãos, irmãs,

Jesus ama-vos, blablablabla. Um dos namorados bem

Aportados da minha mãe levou-nos a uma coisa des-

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sãs quando eu tinha onze anos. Ele era paisagista J dia e garanhão à noite e aos domingos ia a estas rei niões revivalistas religiosas e carpia que nem uma ma"| lena por causa do Cristo enquanto um pregador coj um ar carnavalesco curava toda a gente, libertando < possessos dos demónios e atirando muletas pela janc^ enfim, muita merda andava a voar naquela casa. | só tinha onze anos e mesmo assim percebi qi aquilo era tudo uma grande falcatrua. O pregacjj era um amador, quer dizer, por favor, eu perce| do assunto, é preciso não esquecer que eu fui criai com mentirosos e trapaceiros de muito melhor qdj lidade que aquele charlatão. Cresci com verdadeirç artistas do embuste, a começar pelo meu pai. Í maiores mentirosos elegeram-me como vítima qj suas mentiras. A

Esta história de embustes faz-me lembrar uma coiíl Viro-me de repente para o Dean que está com uml um bocado choramingas no seu cantinho da cama, On lá, digo eu, quais são as três maiores mentiras If mundo? l

Isso é alguma brincadeira?, pergunta ele. Está vil que não lhe interessa. O que lhe interessa sei eu bei

Mas eu respondo, não, não é brincadeira nenhuroj É uma espécie de provérbio antigo, ou lá o que é. l deves saber, és um especialista na matéria. (Esta foi bffl metida.) Primeira, o cheque está na caixa do correi Segunda, prometo que não me venho na tua boa E a terceira, qual é? |

Não me lembro, diz ele. Dá-me a impressão de qpj não está a fazer esforço nenhum para se lembrar. Ta os olhos pasmados. Se o examinarmos atentarnca veremos o seu QI desceu num ápice. O sangue está-B a fugir do cérebro, em viagem para sul. Daqui a poi| nem do nome se lembra. Entretando vai metendàf mãozinha debaixo da minha camisa. l

124

Estou fula por ele não me ter respondido à pergunta da terceira mentira, mas entretanto mudo de canal para ver o O Caminho das Estrelas. Enquanto isso o Dean desaperta-me o soutien e avança com a mão.

Então conta lá como foi a noite de quinta-feira, digo eu.

A mão pára. Quinta-feira?, diz ele.

Quinta-feira, digo eu.

Foi aquela noite em que tive um jantar de negócios?, diz ele.

E eu, não sei. Foi? Tu é que deves saber.

Não tenho a certeza, diz ele.

E eu, se calhar o melhor é telefonarmos à Cassie Hane, ela deve lembrar-se.

Ele solta um grande suspiro.

Já te lembras agora?, pergunto eu.

Ele faz que sim com a cabeça mas muito lentamente e com um ar o mais dramático possível, como se carregasse com esse segredo terrível há séculos resistindo à chuva e à neve, às maiores calamidades e às torturas dos que lho queriam roubar, nem as canas de bambu espetadas nas unhas o fizeram falar e agora eis o segredo revelado e o que é que ele pode fazer?, de maneira que ele até se sente contente, como que aliviado de carga tão pesada. Começo a pensar que o Dean é que devia ser actor.

Porque é que me mentiste?, pergunto eu.

E ele, não sei. Não te queria magoar.

Assim é que magoaste, digo eu.

É que... eu tinha marcado este encontro antes de te conhecer, diz ele. Não queria que ela ficasse chateada.

Ah, mas tu és mesmo um tipo bestial, digo eu, não queres que ninguém fique magoado. És mesmo um santo, não és?

Desculpa, diz ele. Era melhor ter-te contado.

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Era melhor não teres mentido, digo eu. Já te di que se há coisa que eu não suporto é a mentira. I -me logo vontade de me pôr a milhas. Se queres ! com outras, sai. Se queres fornicar com elas, forni Mas não me mintas. Certo?

Certo, diz ele.

E faz favor usa camisa, digo eu. Não quero mói por causa da Cassie Hane.

Deixamo-nos ficar muito quietos a olhar para o ta Não há vista mais solitária em todo o mundo.

Fedeste com ela?, pergunto eu. Desta vez viropara ele e olho-o nos olhos.

Não, diz ele sem pestanejar.

Não acredito, digo eu.

É verdade, diz ele.

E eu, não fico zangada contigo. Acredita que n Só quero que me contes a verdade.

Acabei de te contar, diz ele.

Estás a mentir outra vez.

Não estou nada a mentir.

Porque é que não fodeste com ela?, pergunto i Ela não queria?

Eu é que não queria, diz ele. Não deixava de p sar em ti.

bom, então esta noite podes descansar, digo i As mentiras bloqueiam-me. ;

Desculpa, murmura ele.

E eu, desculpa o quê, o que fizeste ou a menti

Ambas as coisas, diz ele.

Calamo-nos e fazemos a costumeira cena manÍJj -depressiva, os dois deitados lado a lado, fazendo figf de tontinhos. Até que começamos ambos a mexer^ e a dar voltas e a afastar os lençóis. Em parte o 4 problema é que estou com um bocado de ponta, i chega-me aos mamilos mas eu ainda estou enrezini com a história da Cassie Hane. Finalmente eu esteí

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a mão e meto-lha entre as pernas e mexo-lhe no caralho que fica teso em três segundos, de modo que ponho-me em cima dele e meto-o dentro de mim. Odeio admiti-lo mas sabe-me bem.

Isto não é para ti, digo eu, é só para mim. Ainda estou zangada. Zangada e com ponta.

Ele não protesta. O Dean pode ser mentiroso mas não é estúpido.
7.

CONTACTO CONTACTO APENAS

É extraordinário, levanto-me antes do Dean, arrastome até à cozinha e dou com umas quantas laranjas no frigorífico e um espremedor eléctrico na bancada. Volto ao quarto, subo para a cama e sento-me em cima do peito do Dean. Bebo um grande gole de sumo de laranja, depois debruço-me sobre ele e deixo-lhe cair um pingo de sumo na cara. Começa a pestanejar, custaIhe a abrir os olhos. O rapaz está com um ar assustado. Dir-se-ia que lhe pesa qualquer coisa na consciência.

Fodeste com a Cassie Hane?, pergunto eu.

Está todo assarapantado. Dá voltas com a cabeça, "pois tenta sentar-se, mas eu tenho-o bem agarrado.

Quero a verdade, digo eu. Fodeste com a Cassie Hane?

Alison, suplica ele. Finalmente reconheceu-me, Pwece. Não sei se reconheceu a cara ou as mamas. Então?, digo eu. Slm, diz ele. Sim. Desvia o olhar.

brigada, digo eu e saio de cima dele. Obrigada por ct" dito finalmente a verdade.

°u para a casa de banho e tomo um duche. Este da tem todas as últimas novidades em champôs e

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amac"dores. Começo a achar que o cara de caralH um bocadinho género adolescente vaidoso. Uma l sai com um modelo, o tipo tinha mais make-up (J ne' do que eu. Uma coisa que só vista. Mas as d de banho da maior parte dos homens são de facto q coisa estranha. Mesmo quando são um nojo, uma É soa tem sempre a sensação de que aquilo é tudo imj soal é como se a casa de banho não fizesse parte casa. l

bom, ensaboo-me com um sabonete preto, nu" vi sabonete assim, e ainda por cima faz-me um aã na vagina, que aliás está a doer-me um bocado. 1Í °cni, não admira. Isto vai ter de mudar. Uma rj r'ga delicada como eu não pode aceitar estas coisas! P°r acaso cá voltar, é melhor ele ter o meu sabonl mais um frigorífico cheio das minhas bebidas preá das: Diet Coke, Amstel, Cristal. E flores. Achol o mentiroso do Dean vai ter de pagar por esta avel Buiria. Ah, não me perguntem porque é que eu aã E cá uma impressão que eu tenho. l

Quando acaba a água quente desligo o chuvea
1150 Mas as toalhas. Volto à cozinha e encontro o El

'' "i

já vestido e a fazer café. Está com o ar de um puto" Pai acaba de chegar do trabalho e se prepara pai" dar urna valente surra. 'l

Tem a mesa posta com toalhinhas individuais c ni

um prato de bagels1 no meio, pequenos frasco"

geleia inglesa que ele deve ter roubado nalgum hdj

0 Times e o Post. \

Fui à rua enquanto tomavas banho diz l

~- Olha só que ideia magnífica digo eu, com o máximo de ironia, um dardo certeiro dei casmo, enquanto dou uma espreitadela rapid*! Página seis. l

Biscoitos em forma de anel de origem judaica. (N. M^.

130

É

Mas, pelo menos, ele fica a saber quem é que está por cima e quem é que está por baixo.

Tenho de ir para as aulas digo eu. Agente depois vê-se.

Telefonas? diz ele.

Não digo nada, limito-me a encolher os ombros como quem não quer a coisa, não sei, talvez, se conseguir algum tempo livre no meio do turbilhão que é a minha vida social e se mo permitir a minha vida sexual que é tão intensa e tão, mas tão satisfatória, sei lá, pode ser que telefone, se tiver um telefone à mão e na TV não passar nada de bom.

com um actor é assim, se é mesmo bom consegue exprimir tudo isto com um encolher de ombros. Eu acho que consegui.

Eu ligo diz ele.

Se quiseres digo eu.

De maneira que nas aulas deixo toda a gente de boca aberta. Fico louca de contente com a minha actuação, faço uma cena de Crimes of the Heart com uma colega. Eu faço a personagem de Jessica Lange, a Meg. O Rob diz-me para trabalhar mais a respiração e quer que a gente repita na próxima semana, mas acha que eu estava dentro da personagem. Isto vindo do Rob é um grande elogio. Depois a Carol que é a modos que uma dona de casa suburbana ou coisa parecida levanta-se e começa a fazer um monólogo de Broadway Bound, o Monólogo em que a mãe fala da história da mesa da Sala de jantar da família. Ela põe-se a dizer aquilo num torn monocórdico e o Rob vai para o fundo da sala.

Ao fim de um bocado ouve-se o Rob a gritar, ela está no sótão.

A Carol pára a meio de uma frase, está com um ar de quem acaba de levar um bofetão. Queres que conUllue?, pergunta ela.

131
Não estás dentro do papel, diz o Rob. |

Como eu não sou tímida, pergunto-lhe, mas mi

é que está no sótão, Rob? l

Eu nunca lhes contei essa história?, perguntai

como se não soubesse a resposta, está farto de saber l

o sótão para nós é um grande mistério. De maneirai

enquanto a Carol para ali fica à frente da turma todas

lágrimas a formarem-se-lhe nos olhos, o Rob contai

finalmente a história do sótão. Foi uma actriz .1

l

tinha imenso talento, não sei se estão a ver l casou com um tipo muito rico e ele queria fazer i uma grande vedeta, de maneira que pagava parai ficar com os principais papéis, ou seja, pagava a i dução, pagava tudo se o director da companhia ai xasse ser a protagonista. bom, acontece que umi papéis que ele conseguiu para ela foi o de Anno O Diário de Anne Frank. O problema é que a ti era tão má actriz que na altura em que a Gew bate à porta paxá a levar o único espectador quei tava na plateia desata aos gritos está no sótão! l no sótão! j

J Depois das aulas you ao bronzeamento. A ver sei

com aquele bronze que põe os rapazes a arfar. Qi" chego a casa sinto-me bestial, you ver o que há na" do correio, a Vogue de Junho mais um postal dfl antigo apaixonado que agora está na Califórnia.! que eu vá para lá. "Lembras-te daquele banco em Kl side Park? Saudades, Trip". O Trip é porreiro. Nàfll há raparigas que recebem cartas de amor, eu m postais lascivos. J

No quarto ligo a televisão para ver o "Live at J| sempre fico a saber como vai o mundo. Há novlffl naquela história do navio que transporta lixo a*l barco carregadinho de merda química de Long I^j que tem percorrido todo o hemisfério ocidental ai

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cura de um sítio para descarregar o lixo e, surpresa das surpresas, ninguém quer aquela merda. Agora acho que o impediram de descarregar em New Orleans.

Vejo as mensagens que há uma muito preocupada do Dean a dizer que a sério que lamenta o que se passou, quer ver-me esta noite e telefona mais logo. Ligo para a Francesca mas em vez dela aparece-me um sinal muito esquisito, e depois uma voz feminina género computador que diz, lamentamos imenso mas o seu telefone encontra-se temporariamente inoperacional devido a não pagamento, mas que merda, outra vez!, mas que estupor que ajeannie me saiu. Não sei, isto está sempre a acontecer, é quase mês sim mês não, e de repente eis-me impedida de qualquer contacto com os meus amigos e com o serviço ao domicílio da charcutaria. Um verdadeiro drama. Da última vez que nos cortaram o telefone, fomos para um quarto do Plaza uns dias e dissemos que era o pai da Jeannie que pagava, enquanto esperávamos para poder levantar o cheque. O problema é que ele quando recebeu a conta telefonou imediatamente para o hotel a dizer para nos meterem uma bala de preferência à queima-roupa, ou pelo menos que não nos deixassem pôr tudo na conta da sua companhia. Chamadas telefónicas e serviço de quarto tudo junto, parece que o rombo foi forte. A Rebecca estava em Paris já não sei porquê, acho que por causa de um tipo qualquer, de maneira que uma YCZ estivemos a falar com ela quase uma tarde inteira, até fazíamos turnos, enquanto uma ficava a falar com a Becca a outra ia reabastecer-se ao Trader Vic's e aquefes homens de negócios gordíssimos que estavam no hotel de passagem por Nova Iorque a pensarem que n°s éramos putas...

bom, acabei de enunciar parte do problema, é que
0 pai da Jeannie ficou farto e agora o dinheiro já não Ptoga. Quer dizer, quem é que compreende estes saca-

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nas destes pais, durante uns tempos dão-nos tudo e <j repente alteram todas as regras. Afinal nós crescern<|j a pensar que somos umas princesas e de repente clá ficam muito espantados porque nós não gostamos d viver como camponesas. A mim aconteceu-me há uq tempos, o pai subitamente cortou-me a mesada quandi eu deixei a faculdade e vim para Nova Iorque, de qua] quer modo já há muito tempo que ele se andava a col tar, passava-me cheques sem cobertura e coisas dessí género, mas o pai da Jeannie assim sem mais ncfl menos começou a bater com o pé há uns meses, d maneira que o nosso estilo tem-se ressentido. O pril meiro ano que passámos em Nova Iorque foi o máxima havia sempre montes de tipos dispostos a pagarem-nfl as contas, e eu tinha acabado de vender o meu AÃ a pronto, vendi-o quando me vim embora da Vira nia, e além disso a Jeannie tinha todos os principal cartões de crédito. Concordo que abusámos um bocaa dos cartões. O cartão da Jeannie estava praticameal transparente de tantas vezes passar na máquina. A nosj ideia de exercício resumia-se ao manejamento do csá tãozinho dourado. Para a frente e para trás, para tn e para a frente. Até que o velho da Jeannie canceld os cartões todos e reduziu a mesada para mil e quinhe^ tos, afinal o que é que ele quer?, quer que ela comei a vender o corpo? |

Além do mais tenho estado a pensar em atormcfl tar o Dean um bocadinho mais, mas de repente fid um tanto ou quanto em pânico porque o telefone efl cortado e assim não posso ligar para ele. Quer dizei ele para mim pode telefonar, espero que possamos rec| ber chamadas. Só que ao fim de quinze minutos saí uma única chamada começo a pensar, mas que merd| se calhar os cabrões cortaram-nos tudo, nem charn^ das recebemos. Neste preciso momento o Dean é mu#! capaz de estar a tentar ligar. Então e se há uma emdj

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gência? Imaginem que me dá uma coisa no coração, como é que eu me arranjo?

O telefone toca finalmente e eu quase que o engulo. É a Rebecca. Parece seminormal, está no Stanhope com o Everett. Diz ela, tu vê-me lá uma coisa destas, o tipo disse-me que temos de mudar para um hotel mais barato, afinal não é tão rico como eu pensava, diz que tem gasto todas as suas poupanças nas últimas três semanas por minha causa. Eu até acho comovente, mas, bom, ele propôs-me casamento e diz que quer ter filhos meus, blabla blabla blabla.

Enfim, é a história da vida da Rebecca. Quanto a homens, é assim, pega-se num tipo que tem um medo enorme de compromissos, daqueles com quem só se consegue sair se marcarmos encontro com dois dias de antecedência, pomo-lo num quarto com a Rebecca, que deve ser a candidata menos apta para o matrimónio e para o papel de mãe em toda a costa leste, e garanto-Ihes que ao fim de cinco minutos está ele a dizer-lhe que quer ter filhos dela. De maneira que ela continua a falar feita uma máquina, e depois há o caso do Mannie...

E eu, aquele deolerzito que é parecido com o Prince?

E ela, pois, esse, imagina que não sai do hall do hotel, quer dizer é mesmo chato, o porteiro sempre a pô-lo na rua e ele espera por mim no passeio e pede-me para casar com ele, já deixou as drogas por minha causa consegues imaginar alguém a deixar as drogas por minha causa? E parece que até já deixou de vender que era a única coisa que me interessava nele e agora parece que se inscreveu num programa qualquer para aprender uma profissão e isto tudo para poder fazer de mim uma mulher respeitável, depois compra uma casinha em Queens ou num sítio desse género, com uma cerca de estacas toda branca. Quer dizer, não há pachorra. Eu disse-lhe que era mais realista ele

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dedicar-se à luta pelo fim das armas nucleares. PocUJ começar por aí e depois logo se via. Mas o que é quj se passará com os casamentos esta semana, só me apai recém tipos a propor-me casamento, tens o Post, tenhj de ver o meu horóscopo. Espera aí, é o serviço di quartos... )

Quando ela volta finalmente ao telefone, pergunto ouve lá, o que é que tu lhes fazes? ,'

O que é que eu faço a quem?, pergunta ela, a botíi cheia de qualquer coisa. J

Aos homens, digo eu. f;

Trato-os mal, diz ela. Por exemplo neste precis^ momento tenho o Everett aqui sentado ao meu lad< e farto de fazer beicinho... j

Ouve lá, digo eu, estou com falta de dinheiro, tef| algum que me emprestes? d

Não, palavra que não tenho, diz ela, e solta um assa bio quando ouve a quantia de que eu preciso. j

Sei muito bem que ela está a mentir, um dia abri|J mala dela à procura de cigarros e dei com cadernetas df três bancos suíços, mais duas de bancos das ilhas Caimii cada um com cinco ou seis mil dólares em nome deli Não sei onde é que ela arranja tanto dinheiro devcn ser os homens mas entretanto vai-o armazenando on sés bancos todos e depois anda sempre a carpir que J uma pobre coitada. j

Olha, e as pérolas da avó, diz ela. Podias vendê-ls*

E eu, isso não faço. l

Eu compro-as, diz ela. '!

Pensava que estavas falida. 4

Não é isso, eu arranjo-te alguém que tas compra, OÍ ela. Tenho um amigo que faz negócio com jóias, l

Que género de negócio, digo eu, roubos? |

As pérolas da avó são um problema, eu fiquei coffl elas porque era a preferida da avó e a Becca nunca fltij perdoou isso. Ficou furiosa. Desde que a avó morref

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que ela anda a engraxar o avô para ele a meter no testamento, mas continua com as pérolas atravessadas, no fundo ela quer as pérolas porque fui eu que fiquei com elas e a avó morreu antes de ela ter conseguido fazer qualquer coisa para a convencer a dar-lhe o colar.

A Jeannie chega entretanto e eu digo à Rebecca, tenho de desligar, e ela, pensa nas pérolas, está bem?, são três voltas de pérolas perfeitas de doze milímetros com um fecho de platina feito à mão. E eu, está bem, you pensar. Obrigadíssima pela ajuda.

Depois de desligar, digo à Jeannie que nos cortaram o telefone outra vez, responde ela, eu sei, devemos mil e trezentos dólares, e eu, merda, são muitas chamadas mesmo para nós, tu e o Frank andaram todo o mês a fazer amor ao telefone, e ela, não, andámos foi a discutir durante todo o mês. Os olhos dela de repente ficam húmidos e eu lembro-me de que o assunto é melindroso. Tenho de mostrar-me compreensiva agora que a Jeannie tem o coração num oito.

Mas porque é que isto tinha de me acontecer, porquê? Isso é que eu gostava de saber.

Alison, o que é que vamos fazer?, pergunta ela.

Tens de telefonar ao teu pai, digo eu.

E o teu avô?, pergunta ela. Ele tem montes de massa.

A Jeannie sabe perfeitamente que eu nunca seria capaz de pedir dinheiro ao avô. Um dos meus princípios é não o cravar, não sei, pronto, acho que ele é uma das poucas pessoas totalmente decentes da minha vida. A minha família é uma desgraça completa mas o avô sempre foi porreiro para mim e eu sinto que estragaria isso tudo se começasse a usá-lo como máquina de banco. Às vezes ele manda-me um cheque mas eu nunca lhe peço nada e provavelmente não lhe escrevo n"n o visito tanto quanto devia. Ao contrário da Rebecca, que pouco ligava ao avô em miúda, antes de ter feito uma entrada fulminante no campo económico,

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na qualidade de grande consumidora. É estranho coflj a nossa infância nos afectou às duas de forma tão dil rente eu tenho a maior dificuldade em mentir, f|i com náuseas, e para ela é quase impossível dizer a vfl dade. Aliás como o resto da família. Mas a minha ira mais nova, a Carol, é praticamente normal, não ns perguntem como é que ela conseguiu. Por enquanj ainda é. Eu as vezes tinha uma fantasia muito curioij em que a Carol era raptada por bosquímanos austtj lianos ou uma coisa parecida e era criada por eled depois ficava como nós. ,

bom, seja como for a Jeannie sabe que eu não vflj cravar o avô, isso nunca, mas pelos vistos sou obrigad a lembrar-lho. J

Podias fazer outro aborto, diz ela. Telefona ao Skij Não sei porquê mas esta sugestão cai-me no goto d maneira que desato a rir que nem uma perdida. Nw instante estamos as duas a rir histericamente. Eu qwtfj choro de tanto rir. j

f

Diz-lhe que os preços subiram, diz ela. Que agd

o preço é seis mil. *

Neste momento já estamos a rebolar-nos no chãlj

Adoro a Jeannie. jj

E eu, ouve lá, porque é que não fazes tu um abortt|

Mas a Jeannie diz que não dormiu com mais niá

guém a não ser o Frank e não quer falar com ele num|

mais e de qualquer modo o tipo quer ter filhos e ap"j

veitava para tentar convencê-la a casar-se com ele. J

E eu, o Dean agora sente-se bestialmente culpabiM

zado, se calhar era capaz de financiar um aborto ma|

uma viagem às Bermudas com tudo incluído. |

Conto à Jeannie o episódio da Cassie Hane e el^

malditos homens, e eu, podes crer. Mas ao fim de ufl

minuto começo a sentir-me um bocado culpabilizaci

por falar assim do Dean, embora saiba que ele é ufl

mentiroso e um nojo, enfim uma merda completa, i

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problema é que eu gosto dele. Minha Nossa Senhora, já pareço uma velha sentimentalona. Só me falta começar a emitir sons delicodoces e a dizer, ai que maravilha de bebé, sempre que apareça uma criancinha na TV. Mas não é para já, descansem.

O que é que fazes esta noite?, pergunta a Jeannie.

E eu, estava a pensar em autorizar o Dean a ser meu escravo sexual.

E ela, ele já te fez minete?

E eu, essa vai ser uma das minhas primeiras ordens.

Fazemos uma lista?, diz ela.

E eu, ouve lá, o que é que terá acontecido ao meu vibrador?

De repente o telefone toca e atiramo-nos as duas ao aparelho. A Jeannie chega primeiro mas eu tiro-lho e ela põe-se aos gritos ao meu ouvido.

Então que tal está a minha miúda pós-moderna?, pergunta o Dean. Às vezes chama-me pós-moderna. Adoro. Fico o mais feliz possível por ouvir a voz dele mas isso dura só dois segundos porque me lembro que foi essa mesma voz que me mentiu e as mentiras deixam-me pior que estragada. Mostro-me um bocado fria durante a conversa de maneira que ele resolve abordar assuntos importantes, ou seja, o Phil, o primo da Didi, tem andado a investigar a situação da Didi, não sei como, e já se apercebeu de que eu não estava a brincar quando lhe disse que a coisa estava preta. De maneira que já marcou uma consulta para ela com um especialista que se não é o melhor do mundo anda lá perto, mas precisa da nossa ajuda. Uma coisa que o Phil não consegue perceber é onde é que ela arranja o dinheiro, falou com os pais da Didi e eles não fazem a mínima ideia de onde é que vem o dinheiro para financiar o vício quer dizer, a Didi não trabalha e o Phil quer saber se ela está enterrada em dívidas ou Se anda a foder com algum dealer.

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Isso é fácil de saber, digo eu. A Didi fez um anfi cio para a Pepsi há cerca de um ano e continua a r"" ber dinheiros desse trabalho. Eu vi alguns cheques^ mala dela, duzentos, quatrocentos, recebe cheques p| aí umas duas vezes por semana e gasta-os enquafl o diabo esfrega um olho.

bom, um dos mistérios já está esclarecido, diij Dean. A outra coisa que o Phil quer saber é qud é que lhe vende a droga. Ela compra a muitos deak ou só a um?

Isso não lhe posso dizer, digo eu. ,i

E o Dean, ouve lá, queres ajudar a Didi ou ni O Phil não vai denunciar o tipo à polícia, nada did O que ele quer é falar com o tipo e dizer-lhe para o| vender mais droga à Didi. |

E eu, ouve lá, o Emile não é propriamente um as| tente social, não sei se sabes. Não o estou a ver a 4 ponder ao Phil, ah, não me diga, de facto a cocai faz-lhe muito mal, e ela por acaso até tem abusai ah, mas está bem, esteja descansado, eu não lhe vai mais. l

Alison, acredita que o Phil sabe como convencei!

Ainda estou com algumas dúvidas, quer dizer, II parece-me contrariar todas as regras da amizade Cl abuso de drogas, mas depois concluo que não cond ria nada regra nenhuma e se a Didi bater a botáíf sou parcialmente responsável, bom e seja como foi Emile é um nojo completo e um réptil dos mais as<Jf rosos, de maneira que digo ao Dean aquilo que o fl quer saber. Mas acrescento que não estou a ver con é que o Phil vai conseguir metê-la na reabilitação e m me esqueço de acentuar, ouve lá, que ninguém saw que fui eu que te disse isto, ha? Sei que é para o M da Didi, mas mesmo assim sinto-me como que a traSf e sei que ela vai sentir isso mesmo se alguma $ souber. *

140

Mas então o que é que fazes esta noite?, pergunta
0 Dean depois de termos tratado do problema da Didi.

E eu explico-lhe que ele me vai levar a um restaurante do mais caro e que receberá mais instruções logo que apareça no meu apartamento com duas dúzias de rosas vermelhas de pé alto que há-de comprar na minha florista preferida.

Alguns dias depois recebemos ainda chamadas mas ou eu me engano muito ou isto só dura mais um ou dois dias. O advogado do senhorio mandou-nos uma carta a dizer que temos de sair no fim-de-semana. Estou na maior depressão. Nem para o metro tenho dinheiro. Estou tão deprimida que nem consigo ir para as aulas hoje quer dizer, para ir às aulas teria de andar sessenta quarteirões e além disso não estou em condições de maneira que fico em casa a ver as telenovelas. Entretanto a Jeannie chega e posso garantir-lhes que está com um ar mesmo estranho, desata a andar de um lado para o outro como um pássaro acabado de cair numa armadilha, vai de encontro às paredes, põe-se a limpar coisas, começa a ralhar comigo por ter a roupa espalhada pela casa. Mas o que é que se passa agora?

Até que se decide a falar. Alison, recebi a minha metade do dinheiro.

Fixe, digo eu. O teu pai entrou com o dinheiro?

Ela acena que sim.

Só metade?, pergunto eu.

A minha metade, diz ela.

Não estou a gostar nada disto. A minha metade? Ouve lá, Jeannie, digo eu, para teu bem deixa-me lembrar-te que te paguei a minha parte de Março e Abril e que tu a gastaste. Portanto acaba-me com essa merda da minha metade. Se queres falar em termos de fracções então o melhor é dizeres os meus três quartos ou os meus sete oitavos.

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Isto para a Jeannie são altas matemáticas. A priá vez que ela ouviu falar em fracções foi quando "g çou a comprar oitavos e quartos ao Emile. m

Só consegui que o meu pai me desse metadej ela. E na condição de tu pagares o resto senão ti de arranjar outra pessoa para partilhar o apartam" Ele acha que tu és uma irresponsável. m

E eu, devo estar a sonhar. A Jeannie está maluáj sou eu que estou maluca? Ele acha que eu sou Ê ponsável?, digo eu. Eu? Não fui eu quem gasqj merda do dinheiro da renda, Jeannie. Porque "j ele me acha irresponsável? m

Foi a única maneira de eu arranjar o dinheiro, di|

Que maneira foi essa?, pergunto eu. Ah, deútfi adivinhar, disseste-lhe que eu gastei o dinheirq renda. l

Silêncio total. s|

Foi isso, não foi? Ah, mas que grande safada! tu me saíste, digo eu, não posso crer que tenhas l uma coisa dessas. Isso realmente é muito baixo.l

Foi a única maneira de lhe arrancar algum dinhq choraminga ela. Doutra maneira não me dava tím

Mas que mentirosa que tu me saíste, Jeannie, | eu. Estou completamente cercada de mentiroso)!

Quer dizer, sei perfeitamente que nos homen*| se pode confiar, e as mentiras são uma mentira n pleta, baseada na ideia totalmente ridícula de que â pessoas podem ser fiéis uma à outra, e portanto l quem é que nós podemos contar senão com os anMj É precisamente isto que eu penso, de maneira 4 quando os amigos começam a mentir-nos e a W jar-nos, minha Nossa Senhora, quando isso acoOÍ não é difícil uma pessoa transformar-se num cínico J feito.

Quer dizer, uma pessoa acaba por não poder à fiar em ninguém, e se há alguém que ainda não :

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lixou é só porque o preço da maldade e da traição ainda náo compensa.

Desculpa, diz a Jeannie.

Vai-te foder, digo eu. Não me digas nada.

A Jeannie desata a chorar. Oh, Alison, diz ela num

berreiro.

Tenta segurar-me na mão mas eu não deixo.

E vou-te dizer mais uma coisa, digo eu. Se eu alguma vez te lixasse olha que não desatava a berrar que nem uma pateta. Se alguma vez decidir tratar-te como tu me trataste, saberei perfeitamente por que o faço e não pensarei duas vezes e hei-de rir-me nessa tua estúpida cara. Essa é a diferença entre nós duas. E que tu és uma puta mas nem sequer nisso és boa. E se queres foder-me é melhor que o sejas. Porque quando calha a ser má, garanto-te que sou muito boa.

Ela que fique a remoer nisto. Eu não estou em mim. Nunca me vi tão furiosa.

Resolvo ir a pé até à casa do Dean que fica aí a uns dez quarteirões, tem de ser porque não tenho dinheiro para o táxi. Não tenho nada de nada. Trinta e cinco centimes, quatro cigarros e um gancho de cabelo. Isto faz-me lembrar aquela canção It's the end of the World as we know it.

Paro em frente de um telefone, e digo telefone e não cabina porque aquilo não é uma cabina, é uma daquelas coisas estranhas e estreitas ao ar livre que agora há em Nova Iorque e que têm um telefone lá dentro. bom, mas adiante, telefono à Francesca e responde a máquina é a história da minha vida, falar com máquinas e lá vão vinte e cinco centimes de maneira que fico só com dez. Então resolvo falar para o Alex, o meu antigo namorado, ele paga a chamada na Virgínia. O Alex responde e diz que está bem que ele paga a chamada, e eu> ai, devo estar a sonhar afinal nem tudo me co"e mal hoje! Incrível.

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Diz o Alex, então Alison, o que é que se piá

E eu, diz antes o que é que não se passa. Pasd tudo o que há de pior. Estou a pensar declarar-me É de calamidade, para ver se recebo fundos do goveíj

De maneira que conto tudo sobre o Dean c a Já me e ele mostra-se muito compreensivo, não sei, é Já dável ter alguém do nosso lado. Agora somos opta amigos, não sei o que é que teria feito sem o Ale" calhar atirava-me de uma janela. Quando nos daí com alguém metade da nossa vida e vamos para a cl com essa pessoa durante um quarto dela, quer <$q acaba-se por se ficar íntimo. Ele conhece-me mel do que qualquer outra pessoa. O mesmo posso dl de mim em relação a ele. O Alex é família. Per" tem à mãe ou à Rebecca. A mãe e a Rebecca poro -se com ele exactamente da mesma maneira, ou ai de repente apareciam na sala nuazinhas da cabeçal pés, e era do género, ah, desculpem, não sabia qtij Alex cá estava, mas que desagradável, deixem-iãj cobrir-me com esta toalhinha tão pequenina depoai o Alex ter apreciado o melhor possível o obji exposto. Começo a pensar nestas cenas a meio daí) versa quando de repente o Alex diz, Alison, ficavasÇJ teada se eu fizesse uma visita aí ao pessoal? '\

E eu, ah era bestial. Mas de repente percebo qu^ uma marosca qualquer e pergunto, ouve lá, o qi| que isso do pessoal quer dizer? <j

E ele responde, tu e a Jeannie. f

Mas tu nem conheces a Jeannie, digo eu. Quer dÍJ| vocês nunca se viram. ij

Mas temos falado ao telefone, diz ele.

O que tu queres é foder com a Jeannie, digo ^ É isso, não é? Se é, porque é que não dizes? ]

Ouve, se não te agrada, não se pensa mais nisso, í ele. Tu estás chateada de maneira que esquece, nul faria nada que te pudesse magoar.

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{si ao sei, a princípio é como se o meu estômago me saísse pela boca e ficasse preso por um fio a pouca distância do passeio. O Alex foi o meu primeiro amor. porra, ele foi o único amor da minha vida, ele ajudou_me a vencer uma série de coisas da minha infância, quer dizer, quando o conheci a minha atitude em relação ao sexo era comparável ao que os primeiros colonos deviam sentir em relação ao escalpe ou seja, antes a morte que tal sorte. O Alex ajudou-me a vencer tudo isso, o que é mais uma razão para que esta história me deixe completamente zonza, o quê? O Alex quer ir para a cama com a Jeannie? Quer dizer, se fosse outro tipo, tudo bem, em frente é que é o caminho. Mas depois começo a pensar, oh, porque não, o que é que me importa que ele vá para a cama com a Jeanme? Se ele quer, então que vá, eu não acredito em amores não correspondidos e além disso nós já acabámos há imenso tempo e nem sequer estivemos muito tempo juntos. Quer dizer, qual é o problema?, além do mais até vai ser bom para a Jeannie, apesar de estar furiosa com ela a verdade é que ela é a minha amiga mais antiga em todo o planeta e, coitada, há anos e anos que só vai para a cama com o Frank e para o caso de ela estar a pensar em fazer as pazes assim é capaz de ficar a perceber que um futuro seguro com o Frank é como passar duas semanas em Filadélfia excepto que demora mais tempo.

Então aparece, digo eu. Vai ser porreiro ver-te outra vez.

Eu telefono para a agência de viagens e amanhã falo com vocês. Entretanto porta-te bem que mal porto-me eu.

Está bem, eu you portar-me bem. Não you matar n'nguém, juro.

Acho que o porteiro do Dean gosta de mim, pisca"Qie o olho e deixa-me subir. O tipo veio de um daque-

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lês países comunistas que tem um nome que parç

nome de doença, como é que se chama o raio do pá

aquele onde havia vampiros, e o Dean farta-se de l

emprestar dinheiro porque o tipo tem montes de dl

das com aquela mafia coreana do jogo, acho que o qi

rem matar. Então bem-vindo ao mundo livre, lá

Alison, diz o Dean quando abre a porta, mas q

bela surpresa. Está com um ar um bocado chatead

se calhar tem alguém à espera na cama, não, tab

esteja só nervoso por causa do que se está a passar eoi

nós ou então é por causa da minha cara que nej

momento já deve estar muito parecida com a de ti

psicopata prestes a cometer um homicídio. bom, ri

eu entro e ele dá-me um beijo na cara. >

O que é que se passa?, digo eu.

Não sei, diz ele. O mercado está péssimo. >,

Perdeste dinheiro? ,5

Ele acena que sim. De maneira que para aqui esl

mós, dois seres seriamente deprimidos. <

O telefone começa a tocar. "

E tu, estás bem?, pergunta ele. j

Ah, eu estou óptima, digo eu, sarcástica o mais p<

sível. l

Qual é o problema?, diz ele.

Tudo são problemas, digo eu. Aquele estupor i

Jeannie... *

O gravador responde e depois do bip sou mimose*

com uma voz de lingerie de seda, Dean, sou eu, a Q

sie, recebi a tua mensagem. Tive um sonho óptimo <*j

tigo, estou doida para to contar. Esta noite fico em caí

Telefona, querido. Mas não deixes nenhuma mefll

gem indecente porque o Peter sabe o meu código 1

acesso. ,!

O Dean encolhe os ombros, com um ar desamf

rado, como quem o que é que eu posso fazer? ra

atiram-se a mim...

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Queres que te arranje qualquer coisa?, diz ele. Parece-me assustado.

Fico parada à porta tentando decidir o que é que hei-de fazer, se hei-de virar costas e ir-me embora. E de repente lembro-me de que a Cassie Hane anda realmente com o Peter Finnegan, o que é bestial porque me dá umas ideias geniais.

Alison, diz ele, estás bem? O que é que tens?

Fode-me, digo eu.

O quê? diz ele.

Vamos foder, digo eu. Vamos para o teu quarto foder, O. K.?

E assim fazemos. Deito-me na cama e ele começa a despir-me e a brincar comigo. Eu não brinco com ele mas ele não parece importar-se muito e ai dele que se importe , de maneira que num instante está dentro de mim e eu cerro os dentes e mordo-lhe e praticamente deixo as minhas iniciais gravadas nas costas dele. Tenho os olhos fechados, nem sequer olho para ele, e quando me venho é bom mas é pouco, muito pouco, e ele vem-se, dá um grito e cai para o lado. Dou-lhe cerca de três minutos, depois pego-lhe no caralho e começo aos puxões espero que ele tenha comido bastantes ovos, vai precisar deles, puxo-lhe o caralho como se estivesse preso a uma máquina de cigarros avariada e eu estivesse descompensada em nicotina, ele treme e chupa o ar entre os dentes, depois eu ponho-me em cima dele e nieto-o dentro de mim e cavalgo-o, este parvo nem sabe a sorte que tem, as amazonas têm uns músculos que ele nem imagina, ele não merece tanto, e ao fim de quase dez minutos eu venho-me mas não digo nada, não que isto não tem nada a ver com aquelas experiências lindíssimas partilhadas por dois seres de que falam os livros, não, isto é uma coisa completafente outra.

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Até que ele se vem. Alison, diz ele. Alison, AJj Alison.

E o meu nome. Foi o nome que os quadrados \ meus pais me puseram. Alison Poole. Hei-de fazer c que ele nunca o esqueça, disso pode estar certo.

Lá tentar eu tento, mas não me convenço. O c eu queria era ficar convencida de que isto chega. Ia contacto, contacto apenas, fricção apenas. Mas t chega. Deixa-me insatisfeita, não é assim que eu gos Não é isto que a gente quer, não é com isto que a gê sonha.

8.

CENAS PARA UM HOMEM E DUAS MULHERES

Não desliguem da criança que há em vós, diz o Rob no princípio da aula.

Depois do aquecimento há um tipo que faz uma cena do Hamlet, aquela em que o Hamlet está a tentar enfrentar o facto de a mãe se ter casado com o tipo que lhe matou o pai. O tipo a mim parece-me que vai muito bem, está mesmo a engrenar bem na personagem, dá-nos todas as suas emoções, e além disso tem um sotaque inglês óptimo, mas de repente o Rob desata aos gritos a meio da cena. Respira! Respira!, grita ele, tens a voz na garganta. Respira regularmente.

Finalmente o Rob pára com a cena, de maneira que o Jim, é Jim que ele se chama, está todo suado e corremIhe as lágrimas e começa a cambalear como se fosse desmaiar e o Rob diz, o que eu estou a ver nesse teatro todo, nessa respiração ofegante e resfolegante, nesses guinchos e nessas grasnadelas, o que eu estou a ver é que isso é tudo camuflagem, por isso o que é que tu queres esconder?

De maneira que o Jim está com um ar que até mete dó, tenta recuperar o fôlego e diz, acho que you desmaiar .

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Não vais nada desmaiar, isso também é camuflagem,! diz o Rob, põe-te direito e respira regularmente. Muitoj bem, agora diz-me lá o que é que se passa. SJ

O Jim abana a cabeça e encolhe os ombros, e o Rob,'f o que se passa são mecanismos de defesa. l

Finalmente o Jim pergunta ofegante, defesa contrai quê? ... J

Tu é que vais dizer, diz o Rob. l

O Jim diz e repete que não sabe e o Rob não o largij até que acaba por dizer, isto não tem nada a ver corw| o Hamlet e o pai, isto tem a ver é contigo e com o teu} pai. O que tu fizeste foi camuflar o que sentes peloj facto de o teu pai não ser suficientemente forte. Fofl isso ou não foi? l

O Jim desata a chorar e finalmente diz que talveZi seja isso. O Rob acha que as coisas que nós escolhwi mós dizem imenso acerca de nós mesmos. Talvez,! penso eu. O Jim parece ter ficado realmente afectada! com esta história, ou então continua a fazer teatro pofjl que é uma boa cena, não sei. m

Representar implica honestidade, diz o Rob depQjjl de o Jim acabar de chorar. Não tenham medo dos vosa sós sentimentos, acrescenta. JI

<fl

De maneira que aquela rapariga que é nova na turrnÉH levanta a mão e diz, às vezes quando tenho uma e^aqM cão bastante fone tenho medo que ela me domine cora* pletamente e que não consiga parar. m

Qualquer emoção natural tem um princípio e vuM fim, diz o Rob. Se nas aulas se sentirem envolvida! emocionalmente podem crer que as vossas emoçõoB seguirão um curso normal e saudável. Claro que se urOf| pessoa está profundamente perturbada, então é muiCM possível que não consiga parar e aí de facto estamfljB perante um problema. M

Talvez seja apenas imaginação minha, se calhar " paranóia minha, mas dá-me impressão que ele olbi|

para mim quando diz isto, se calhar está a pensar no meu ataque de há umas semanas atrás, quando eu desatei às convulsões e tive de ir à enfermaria. Pronto, está bem, eu nunca disse que era normal.

you dar-lhes um exemplo, diz o Rob, sentando-se em cima da secretária com as pernas dobradas ele fez ioga na índia antes de decidir tornar-se actor. Por vezes, diz ele, tenho a fantasia de que you desatar a ceifar gente na rua com uma faca de mato. Palavra. Isto não significa que eu vá transformar esta fantasia em realidade. Mas é uma coisa que eu sinto às vezes. Claro que nunca matarei alguém. Um adulto saudável consegue perceber a diferença entre a fantasia e a realidade.

Levanto a mão e pergunto, e como é que se percebe a diferença?

Ele olha para mim e diz, Alison, nunca pensaste em fazer uma terapia? Acho que te ia fazer bem.

Estou a falar a sério, digo eu.

Também eu, diz ele.

bom, depois desta aula o mais maravilhosa possível you para casa, onde tenho de enfrentar o facto de que o meu antigo namorado, o único amor da minha vida, está prestes a chegar para dormir com a minha companheira de apartamento. Este parece-me um caso em que fantasia e realidade se interpenetram muito agudamente.

A Jeannie chega a casa toda nervosa, toda excitada e num instante descubro que ela mandou um carro buscar o Alex. Não posso crer. Quer dizer, não me importa nada que ela durma com o meu ex, a sério que não, ttias o problema é que temos um défice aterrador cá em casa, somos assim género Bangladesh, e a Jeannie gasta o dinheiro a mandar limousines ao aeroporto. Eu só fiquei com algum dinheiro depois de ter feito um

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pequeno levantamento da carteira do Dean. AW externa, não sei se estão a ver. |

A Jeannic passa as duas horas seguintes a retocai olhos. Não me perguntem porquê, mas de reptí lembro-me de uma história que ouvi sobre duas cd gás de quarto que se odiavam uma delas por atf até era minha amiga e uma noite uma delas pôs f bocado de depilador Nair no rímel da outra, podl imaginar a graça que teve. $

bom, enquanto ajeannie trata dos olhos saio 1f à cabina telefónica mais próxima o meu telefonai rua. Primeiro experimento ligar para o Dean. NE Depois tento apanhar o meu pai. Tenho de arrai dinheiro e não é pouco. Telefono para o escritório o em Washington e a secretária diz que está bem, á pagam eles a chamada e diz-me para tentar a qtu na Virgínia, ele está lá a tratar de uns negócios cm quer com cavalos. Pode deixar uma mensagem n o caso de ele telefonar, diz ela. m

Está bem, digo eu, diga-lhe para ele ligar pra criança dele. l

Estou um bocado espantada por o meu pai estaÉ Virgínia porque raramente lá vai agora, a mãe vMJ e eles não se podem ver um ao outro. bom, de H também não posso censurá-los por isso. *

Depois de eles se separarem nós e a mãe deix8| a casa de Long Island e fomos viver para a quinta Virgínia, eu tinha então dez anos. Antes da rnudB foi o descalabro total. Mas o caso é complicado* que eles estão divorciados e a mãe continua a vWi e uma parte da quinta ou lá o que é pertence affl É uma casa grande, branca, com pilares, situada iM colina, com sete ou oito estábulos à volta. Quando! éramos miúdas era porreiro, aquela terra toda e o$^ los. A escola ficava a uns vinte e cinco quilómet"! nós perdíamos sempre o autocarro e a mãe nunca w

seguia estar em condições para nos levar à escola, dormia quase toda a manhã, completamente narcotizada na sua cama de dossel, era uma cama enorme, cor-de-rosa. Quando nós éramos miúdas subíamos para a cama dela e fazíamos de conta que era um navio que ia para Inglaterra, a avó era inglesa, e as cortinas de chiníze eram as nossas velas.

Ligo para o casarão da quinta, mas é uma chamada que eles pagam, e responde o Cliff. Pergunto se o pai está e ele diz que não. Não sabe onde é que ele está nem quando é que volta. A mãe e a Carol foram às compras. Digo-lhe para dizer ao meu pai que me telefone e desligo.

O Cliff é provavelmente a pessoa que eu mais detesto em todo o planeta. E o braço direito do meu pai, é o motorista dele e espanca as pessoas ou lá o que é. Ele tentou violar-me quando eu era pequena. Eu estava nos estábulos e o tipo encostou-me à parede, a minha salvação foi eu ter a almofaça na mão, tinha estado a limpar Eric, o Ruço, de maneira que dei-lhe com aquilo na cara. Eu devia era ter-lhe dado num sítio que eu cá sei mas estava tão assustada que nem me lembrei disso, as mãos dele em cima de mim apertando-me contra a parede, e depois de lhe ter dado com aquilo desatei a correr que parecia que nunca mais parava. Quando contei ao meu pai, ele fez de conta que não acreditava em mim. E acabou por me dizer que o Cliff não me queria fazer mal nenhum e que o melhor era eu calar-me com aquela história. Foi então que percebi que o Cliff tinha um certo poder sobre ele, que o pai não podia dar-se ao luxo de o despedir. Foi também nessa altura que percebi que o meu pai era uma besta completa.

Volto a ligar para o Dean e responde o gravador. A história da minha vida.

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s

Não me apetece nada ficar cá em casa a estragar j momentos doces que se avizinham, quando o Al"| a Jeannie se virem pela primeira vez, de maneira (ft pesco outra moeda na mala e telefono à Whitq) para irmos beber um copo. l

Depois volto ao apartamento e digo à Jeannie n me encontro com eles mais tarde para irmos jana mas a Whitney e eu estamos uma verdadeira dcsgnj e eu não paro de ligar para o Dean, claro que i responde sempre o gravador até que finalmente ijj digo para mim mesma, O. K., deixa lá que não p dês pela demora. |j

Na manhã seguinte ligo para o apartamento, esM com uma ressaca incrível, quero ter a certeza que dj já estão acordados, não me está a apetecer nada eatf em casa com eles às voltas na cama, e a Jeannie H ponde toda ela é risinhos, até parece que acabou j perder a virgindade, e ela diz, Alison, anda tomai pequeno-almoço, o que é uma ideia completamos zonza, quer dizer no nosso apartamento nunca se ta o pequeno-almoço. Mas só então é que me lembro J que o Alex adora esses números, aqueles peque" -almoços género superprodução, ovos e bacon e ton das, o material todo, de manhã era quase sempre ufl revolução na cozinha, fazia cinco ou seis ovos mexia só para ele, e eu ficava sentada muito quieta a chol por café e dizia-lhe, mas que porco que tu me saí* Alex, e ele respondia, para satisfazer a minha q"6*! tenho de comer muitos ovos. "f

Terá dito o mesmo à Jeannie? ij

Tenho de confessar que esta história me está a m turbar um bocadinho. Pronto, já confessei. O q"| engraçado é que antes do Alex eu não aguentava secS! a ideia de ter relações sexuais, a ideia de que algii| homem pudesse sequer tocar-me. v

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Ele vai abrir-me a porta e diz-me olá e dá-me um grande abraço e mesmo depois de tudo o que se passou é bom sentir o seu corpo e eu sei que lhe perdoei, pouco importa o que aconteceu, posso contar sempre com ele, e isso a Jeannie não pode sentir. Ele está com um aspecto óptimo, todo bronzeado, morenaço, fortalhaço. A Jeannie põe-se a espreitar do quarto.

Então?, digo eu quando o Alex finalmente me liberta.

Então o quê?, diz o Alex.

Sabes bem o quê, digo eu.

Diz a Jeannie, olha que eu não sou do tipo de dar beijos e contar tudo.

Está bem, digo eu, mas deixa-me só lembrar que estás a falar com a tua melhor amiga e colega de apartamento, a única a quem tu sempre contaste tudo sobre os teus pretensos beijos.

E se fôssemos comer?, diz a Jeannie.

Resolvemos ir dar um passeio, o Alex de facto nunca viu nada em Nova Iorque, de maneira que levamo-lo ao Bergdorf s e obrigamo-lo a comprar-nos perfumes. Depois vamos ao Trader Vic's e bebemos uns scorpions, contamos ao Alex aquele fim-de-semana especial no Plaza e o Alex conta à Jeannie quando nós estivemos no Fontainebleau em Miami e inundámos o nosso quarto. Começo a pensar nesse fim-de-semana em Miami e de repente tenho uma ideia óptima, inundar o quarto não foi sequer metade do que nós fizemos. E se fôssemos até à Rua 42, digo eu, e o Alex está totalmente de acordo. A Jeannie não está muito certa se quer mas procura não o mostrar, o que ela não quer e que a festa seja só minha e do Alex, enfim pretende fazer valer os seus direitos.

De maneira que vamos a pé até Times Square. "arnos nós Quinta Avenida abaixo e ao fim de um

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bocado o Alex pergunta, mas o que é que faz esse t soai todo que se vê para aí empilhado pelos cantos i passeios? Parece-me que de facto passámos por u quantidade de velhas dos sacos e de vagabundos, maneira que eu digo, não sei, há-os por todo o lai e a Jeannie diz, há um tipo que praticamente s debaixo do toldo à entrada do nosso prédio, o que ] acaso até é verdade, é aí que o tipo vive. A certa alt o Alex vê um enorme negro com um anoraque daqui do esqui e um cão de cego ao lado, o tipo está a vi der lápis à saída do Saks, de maneira que o Alex p e desata numa grande conversa, pergunta ao tipo onde é que ele é, enfim coisas desse género. A Jeani está embaraçada mas eu acho porreiro, é isto que gosto no Alex, é completamente chanfrado. Finalmo compra um lápis ao tipo e dá-lhe dois dólares.

O Alex faz um turista completo, quer dizer, a cc altura vê o Empire State Building ao fundo da Quii e diz, uau, vamos lá acima!, e fica espantado quafl a Jeannie diz que nós nunca lá fomos. De maneira <j prometemos-lhe que vamos daqui a bocado mas f meiro vamos a uma sex-shop na 42 perto de P Authority depois de evitarmos uma multidão de d /ers, chulos e turistas japoneses. Há cinco ou seis tij todos babados à volta das prateleiras com revis e ficam todos a modos que intimidados quando cl a Jeannie entramos. A Jeannie também está um boca intimidada, não consegue deixar de se sentir corra rapariguinha bem comportada de Princeton, New J sey. O Alex e eu desatamos a folhear revistas, most mós as fotografias um ao outro e lemos os títulos. T a Young Girls e digo, olha, you comprar esta p o meu pai.

E o Alex diz, ah, pois.

Está-se mesmo a ver que o Alex está a sentir-se tx comigo, há no nosso reencontro um reviver de coí

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demasiado importantes e demasiado profundas que a Jeannie não pode compreender, talvez por isso ela esteja a ficar com um ar um bocado enjoado.

Arrasto o Alex até ao balcão para irmos ver as bugigangas sexuais. O homem que está ao balcão começa a olhar para nós com um ar de quem tem medo que nós sejamos de Neptuno ou de outro planeta longínquo. Pedimos-lhe para nos explicar como é que aquelas coisas funcionam e para que servem. Entretanto os pervertidos que lá se encontravam vão-se escapulindo, não aguentam as nossas cenas.

Finalmente resolvemo-nos a comprar dois conjuntos de quatro vibradores, um para a Jeannie e outro para mim, traz uma embalagem com uma bateria e tem quatro modalidades, o Supermacho, o Carícias Francesas, o Delícias Traseiras e o Sempre Fiel. O Alex paga. É preciso é que as minhas meninas fiquem satisfeitas, diz ele.

Levamos o Alex ao Sardi's para bebermos um copo, é preciso que ele dê todas as voltas que um turista deve dar. Ele gostava de ver estrelas de cinema mas o homem do bar diz que ainda é um bocado cedo. As estrelas só aparecem à noite, diz ele e desata a rir como se tivesse dito uma coisa muito mas muito espirituosa. Não é feio, o tipo, tem para aí uns trinta anos, parece-se um bocado com o Christopher Reeve. Nem preciso de lhe perguntar se é actor, pela maneira como fala vê-se que tem andado em aulas de voz. Exagera o trabalho de peito. Mostramos-lhe os nossos brinquedos e ele oferece-nos uma bebida. Quando vamos a sair ele pede-me o número de telefone, de maneira que dou-lhe o número do Midnite Escort Service, memorizei-o para casos destes.

Depois apanhamos um táxi para o Empire State Building e pagamos os dois dólares e ficamos na entrada à espera do elevador com montes de famílias, mamãs

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e criancinhas. Quando entramos no elevador é um chciiá a leite que não se aguenta, a sério que cheira imensoi a leite, e um miudito ruivo agarra-se ao meu joelruji e enche-me as calças de pastilha elástica. O miúdo m muito sardento, parece que saiu de um anúncio <k| manteiga de amendoim. Outra criancinha começa aam berros. Não sei, fala-se tanto do instinto maternaU tenho a impressão que foi coisa que eu nunca sentijl mas também me parece que a minha mãe nunca soubmj o que isso era. Dá-me a sensação que o problema deltj foi a preguiça, dá imenso trabalho pôr o diafragmaJ

A subida deixa-me perfeitamente enjoada, o me" estômago parece que ficou nos primeiros pisos. Terudáf de mudar de elevador para irmos ao ponto mais altodjj O Alex pôs o braço à volta da Jeannie. Ela está a contaiJ -lhe coisas sobre o trabalho dela e ele tem um ar fasci"! nado. É realmente espantoso, as coisas em que nós fiím gimos estar interessados quando queremos dormir coagi alguém. Às vezes dá-me a impressão que as conversa" entre rapazes e raparigas não passam de preliminare"!

Para me distrair das valentes náuseas que estou a sca*| tir, viro-me para eles e pergunto, Alex, sabes quais sSOi as três grandes mentiras? twj

É curioso, ele responde-me com as duas mentiras qu*| eu já conheço, excepto que a segunda mentira dele M um bocadinho diferente da minha versão, diz ele, pH$| meto tirar antes de me vir, dá para imaginar a cara dM terror com que ficam as mamãs que vão connosco af| elevador. Mas o Alex também não se consegue lent?! brar da terceira. T|

Finalmente chegamos ao terraço mais alto, a multfci dão sai aos encontrões da cápsula das criancinhas. Esttwf mesmo tonta. A Jeannie e o Alex correm até à ccrdl para verem a paisagem, parece daquele arame d*| capoeira, é só arame à volta do terraço e um céu a21^] por cima. O arame de capoeira está lá para ninguéflP

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se atirar dali abaixo, suponho eu, faz-me lembrar uma coisa que vi num livro de fotografias da Life, uma fotografia de um carro estacionado na rua, o tejadilho do carro amassado pelo corpo de uma rapariga que se tinha atirado do Empire State Building. Tinha uma saia de godés comprida que se espalhava pelo tejadilho do carro como um lírio enorme, era mesmo o tipo de vestido que se leva a um baile ou a uma festa de amigos, ela estava de cara para baixo de maneira que a princípio uma pessoa não se apercebe necessariamente do que é que ela está ali a fazer, é como se ela estivesse ali a descansar ou a flutuar numa piscina, uma rapariga tão despreocupada, uma rapariga sem um único problema na vida...

Não olho para baixo, deixo-me ficar no meio do terraço e vomito.
9.

DIA DE CORRIDAS

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Felizmente que nunca fui para a cama com o torn Walker. Deve ser o único tipo nesta sala com quem não dormi.

Estamos em casa do torn que dá uma festa por ocasião das corridas de cavalos do Kentucky e dá impressão que o meu passado mais recente também resolveu vir à festa. Está cá a equipa toda. Quer dizer, a mim não me faz confusão, não sou eu quem está com problemas, os tipos é que estão todos um bocado esquisitos. Quer dizer, eu nunca disse que era virgem, pois não? Se disse, que alguém me acuse.

Entro com o Dean e quem vejo eu, o Chuck Harnist, ele tem ciúmes do Dean, começa a fazer aqueles números conhecidos, do género de dizer que redecorou o seu apartamento e depois diz, Alison, deves estar lembrada, o meu apartamento estava um horror, não estava? Lembras-te do tecto? E o Dean diz qualquer coisa como daqui a pouco ficas mas é com a cara redecorada o Dean é um tipo inteligente mas às vezes porta-se como um pateta completo. Mas ele agora anda com problemas porque o mercado das'acções está uma desgraça de maneira que ele está mesmo chateado.

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bom, o Chucky está com uma miúda que ele devei ter conhecido em Las Vegas, embora ela seja do Texas,! nela até os lábios parece que levaram bocados de sili-1 cone. Chama-se Tina, mas diz que os amigos a tratam! por Teeny1, e olha para o peito quando diz isso e'f desata a rir e a saracotear as mamas e isto diz-nos maisj sobre ela do que tudo o que nós alguma vez desejaria-J mós saber. J

E eu, ah sim? Os amigos do Chuck também lhe chá*! mam Teeny mas não é por brincadeira. I

E ela, a sério? Ah mas que coincidência! E o Chuckl fica cor de salmão e olha-me com uns olhos perfeita-JI mente fuzilantes. l

Adivinhem quem é que aparece a seguir. Pois, o Skipl Pendleton, precisamente o tipo que eu mais desejava ver neste momento, e o mais espantoso é que vem sozMl nho. Quer dizer, isto no Skip é notícia, já dá até paféi mexerico, alguns homens nunca pensariam sair de casai sem gravata, bom o Skip nunca pensaria em apareço! numa festa sem pelo menos uma bonequinha tonàil agarrada ao seu braço. E ele usa as meninas pela mesrng| razão por que os outros usam gravata para decomffl cão. Talvez haja aqui alguém que ele queira engatatll Não sei, as únicas mulheres livres que cá estão são-a Didi, a Jeannie e a Whitney que são todas minhas aftMi| gás e não deixariam que ele lhes tocasse nem com uOfl pau de três metros. bom, talvez com um pau de f8ji| metros... Lembro-me de ter lido não sei onde qu*I aquele bandido do John Dillinger tinha um que medlf! cerca de quarenta e cinco centímetros e que está crifl conserva no Smithsonian ou numa coisa dessas. BOBO*! a isto é que eu chamo o Washington Monument." 33

O Skip começa a olhar-me com uns ares de matasj dor, não há pachorra. E está com uns modos estranhof,|

Pequenina. (N. do T.)

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C0m o Dean, fala com ele como se ele fosse um puto, põe-se a dar-lhe lições sobre cavalos e corridas de cavalos e aficionados das corridas, isto realmente está a fazer-me espécie. O meu namorado de outras eras, o Alex, contou-me o que os tipos costumam dizer das raparigas conhece-as, fode-as, desembaraça-te delas, esquece.as. Se é isso que os tipos dizem, então porque é que estes tipos vulgarmente chamados homens não me esquecem? Quer dizer, por que carga de água é que acabam todos a fazer o papel de machos latinos completamente tarados, de sangue a ferver e memória fresca?

bom, eu e a Jeannie a modos que nos reconciliámos, mas eu ainda estou chateada com ela e se não arranjo dinheiro rapidamente estou feita. Mas a grande novidade da Jeannie é que ela está perdidamente apaixonada pelo Alex. Eu sabia que isso ia acontecer. Aparentemente fornicaram de todas as maneiras e feitios durante o fim-de-semana o Alex e a Jeannie e ela apercebeu-se finalmente do que é que tinha andado a perder. De maneira que ela está completamente apanhada, acha que agora é que é o grande romance, odeio ter de lho dizer mas um dia terá de ser, ela ainda não sabe que o Alex tem um grave problema ao nível da capacidade de concentração e não creio que a Jeannie consiga atraí-lo durante muito tempo. Entretanto continuamos com o nosso problema financeiro. A Francesca vai-me emprestar mil, ela é a maior, não há dúvida, mas ainda preciso de pelo menos mais mil. A Francesca foi à festa das corridas do Kentucky de uma celebridade qualquer mas ficou combinado encontrar-se connosco mais tarde.

A Didi está chata que não se aguenta, não pára de War com toda a gente sobre reabilitação. O primo dela la acabou por conseguir convencê-la. Para tal manteve-a Bordada durante dois dias, dando-lhe tanta coca que

163
com telefone, a maior dava perfeitamente para eu vtN

Pode ser que ele precise de alguém para partilhai

apartamento. Uma jovem loura e bela para lhe ara

der os telefonemas. Ou pelo menos jovem e louraJ

que bela, não sei, eu achava que era bela antes <É

Becca ter entrado. l

Não sei, ultimamente tenho tido a fantasia de J

me podia mudar para casa do Dean, não sei se eff

a ver, mas o problema é que não consigo ver-me a n

der a minha independência assim sem mais tia

menos, era praticamente como um casamento, boml

qualquer maneira ele também nunca mo propôs,!

A Becca chama-me à parte e diz, olha, falei com n

tipo que te compra as pérolas por três mil dõlan

E eu, não estão à venda. f;

Porque não?, diz ela. Nunca as puseste. |

E eu, a avó foi a única pessoa na família de qtj

gostei. A avó e o avô. a

Não sejas estúpida, Alison, diz ela, quer dizer, J

a tentar ajudar-te e tu com essas manias. i

E quem é que as compra?, pergunto eu. |

Um amigo, diz ela. l

Pergunto-lhe se ela tem coca e ela responde que n

bou há bocado com a que tinha mas que vai tea

arranjar mais. $

Está bem. *

Esta mentira da Becca faz-me lembrar uma histw

que um amigo meu me contou, esse meu amigo

músico, de maneira que houve uma certa altura f

que ele estava a trabalhar num álbum com o..., bof

digamos apenas com Aquele Famoso Músico Cego, Cf

bem? O meu amigo é um músico bestial, toca liflflj

mente guitarra. A cena passa-se ao fim de várias hol

de gravação, a noite já vai alta e já gravaram uma qu|!

tidade de músicas, e de meia em meia hora ou qu*

o AFMC mete-se a um caminho e põe-se a snifar f*

166

UJn frasquinho quer dizer, põe-se a um cantinho mas dentro do estúdio à frente de toda a gente. Como quem, pois, eu não vejo por isso os outros também não devem ver. E ao fim de umas quantas idas ao cantinho o meu amigo resolve falar, olha lá, diz ele, não me deixas dar um snife? Quer dizer, é compreensível, o meu amigo está cansado, já estão a trabalhar há uma quantidade de horas. De modo que o AFMC vira-se para ele, um snife de quê? E diz o meu amigo, um snife do que tu estás a snifar. E responde o AFMC, a snifar? Eu não snifo, eu não me drogo. E diz isto com o frasquinho na mão. Mas o tipo é cego de maneira que o meu amigo não pode apontar para o frasquinho e dizer, mas eu estou a ver esse frasquinho que tu tens na mão, quer dizer, era chato. bom, isto acontece mais duas ou três vezes e o AFMC responde sempre que não tem droga nenhuma. De maneira que o meu amigo acaba por levantar-se e dirige-se a ele e bate ao de leve com o indicador na colher no preciso momento em que o AFMC a está a chegar ao nariz e pergunta-lhe, ouve lá, se tu não tens drogas, então o que é isto? E o AFMC diz eh pá, tu tens razão, não há dúvida, de maneira que oferece-lhe um snife e o meu amigo pergunta-lhe depois, ouve lá, porque é que disseste que não tinhas? E responde o AFMC, o que é que eu te hei-de dizer? Esta merda faz-nos mentir.

Entretanto o Skip pergunta ao torn se ele tem um Trivial Pursuit e o torn responde que não e o Skip vira-se para ele, mas que chatice, e nesse momento a Whitney mete-se na conversa, adoro esse jogo, diz ela, e como eu sei que o Skip tem a mania de que é o maior a jogar o Trivial Pursuit, meto-me também na conversa, a Whitney é óptima nesse jogo, e o Skip responde que ele é o maior em Trivial Pursuit isto é mesmo resposta de machão quadrado , de maneira que a Whitfley diz, é preciso ver que ela chegou a frequentar Yale

167
ou uma coisa desse género, diz, está bem, Skip, \m dia destes havemos de ver isso, e ele responde, coita" dava cabo de ti. Mas que idiota mais chapado. Dei imaginar que nós ficamos impressionadas. -M

Chiu, todos calados, diz o torn. Vai começar. O tal leva isto mesmo a sério. Ou pelo menos finge que lew Não sei, tenho a impressão de que é só uma maneaj de uma pessoa afirmar um bocadinho da sua idenjl dade, não sei se estão a ver, é como andar sempre " suspensórios ou coleccionar obras de arte, coisas dedj género. Quer dizer, dá a impressão que as pessofj andam sempre a fazer qualquer coisa para impresàj nar os outros. bom, o que eu sei é que andam toa a fazer montes de apostas complicadíssimas e toda l gente leva isto muito a sério, até o Dean. J

O que é engraçado é que o Dean deve ter ouvia falar pela primeira vez nas corridas do Kentucky ontel quando eu o convidei para a festa. l

Eu não aposto, mas sei qual é o cavalo que qutí| que ganhe. É o Demons Begone. > l

De modo que temos dezassete cavalos de três at" de idade alinhados à partida em Churchill Downff por acaso há uns que são bem bonitos, todos eles cfláj um peso de cinquenta e sete quilos em cima, eu agfll quase que conseguia ter esse peso, mas nos meus te pôs de amazona tinha para aí uns quarenta e seis, pala cia um monte de ossos. E os nossos cavalos eram nm velhos e mais fortes, estes cavalos de três anos de idaJ têm todos pernas delicadas, peço a Deus que a corriw lhes corra bem, se há coisa que não suporto é ver Ufl cavalo aleijado. J

A outra coisa que eu não suporto é drogas. Os oM sós cavalos levavam tanta droga, tanto spide tanto cá mante tanta injecção que eu e os meus amigos ao fi deles não passamos de uns caretas. Era realmente uiflj coisa deprimente, mas nós éramos miúdos, não pefl*

168

bíamos nada daquilo. Mas sabíamos que havia qualquer coisa de estranho. Víamos o que eles faziam e aprendemos a viver com isso. Drogas para as dores e drogas para darem mais velocidade e drogas para quando a decadência começava e o seguro era muito elevado.

Esta droga parece que nunca mais começa, quer dizer, a corrida dura só três minutos e eles têm de tkar o máximo lucro possível com a publicidade e além disso é para dar tempo para toda a gente fazer apostas.

O Demons Begone parece que está pronto, tem um ar mesmo vivo, trota que é uma maravilha. O Skip insiste que sabe de fonte segura que o Alysheba tem sido posto de parte mas que é ele que vai ganhar. Confiem nas dicas do Skip, ele conhece o meio. Espero que o cavalo dele fique em último. O Dean é tão querido, calculem que escolheu um cavalo chamado Capote, só porque Capote é o nome de um escritor e ele gosta de escritores e quer vir a ser escritor. Mas que pateta. Há também um cavalo chamado Leo Catelli, mas o torn, o grande galerista, não aposta nele. O torn guia-se pelas estatísticas. O Dean é um romântico, ou seja um patarata, é o mesmo, mas eu adoro-o. Acho que dá para perceber que nos reconciliámos, e de que maneira. Eu só quero é estar com ele todo o tempo e falo dele e penso nele dia e noite a todas as horas.

Estou completamente apanhada outra vez.

Ao fim de novecentos anúncios os cavalos partem. O Demons Begone põe-se logo na dianteira, tudo bem. O Capote vai na pista de dentro e depois vem o Leo Castelli. De repente dá-me vontade de mijar, também não admira depois de ter visto tantos anúncios de cerejas. Esgueiro-me por entre a multidão e o torn diz '°go, Alison!, como se fosse um sacrilégio eu ir à casa de banho, e eu respondo, volto já. Entro numa casa "e banho enorme toda em mármore que mais parece

169
o túmulo dum daqueles imperadores antigos e dj

repente sinto-me completamente tonta e enjoada

ponho a cabeça entre os joelhos nus e deixo-me ficj

assim um bocado a ouvir os gritos e as conversas qu

vêm da sala, é estranho uma pessoa estar envolvid

numa cena qualquer e de repente sai dela e tudo parei

perfeitamente distante e idiota. De súbito ponho-m

a pensar, se eu saísse pela escada de incêndio ncsj

momento ao fim de quanto tempo é que eles darisu

pela minha ausência? E se depois de sair daqui eu sail

de Nova Iorque? É mesmo uma sensação esquisita, qui

dizer, estou tão envolvida em todo este alarido histl

rico que supostamente é a minha vida mas a verdaí

é que toda esta confusão é perfeitamente dispensa'?!

quer dizer, se me afastar dela uns quantos passos,!

que é que eu oiço? Apenas um zumbido idiota pá

duzido por um enxame de mosquitos. Mas è assim CÉÍ

toda a gente, não? Por exemplo, em Lexington, Kc

tucky, a corrida é considerada como o acontecimdl

mais importante de todo o mundo, mas no fundo qti

é a importância dela? Quer dizer, não passa de Uí

corrida de cavalos estúpida como todas as corridas l

cavalos, não é? Vista do planeta Júpiter, não passatJ

uma poia. 1

Não sei, dá-me a impressão de que estou cota

período. Quer dizer, metade do tempo siato-me "Í

pletamente enjoada, e a outra metade sinto-me a|

tida, isto deve ter a ver com o período. fl

Quando volto à sala está tudo aos saltos e os cavf

aproximam-se da meta. Mas o que é que acontece*!

Demons Begone?, pergunto ao Dean e o Dean l

ponde, abandonou a corrida, diz isto em estilo "í

gráfico, não quer perder o fim. !;

Abandonou?, digo eu.

De maneira que ganha o Alysheba, seguido peloJ

Twice. Não sei o que é que me chateia mais, se <

170

facto de o meu cavalo ter desistido ou o facto de o cavalo do Skip ter ganho. Não admira. Ele sabe sempre todas as dicas do meio. Estou feita num oito. Entre imagens do vencedor mostram o Demons Begone a ser levado para um camião-ambulância, coxeando, completamente desfeito, rebentado.

Está a sangrar do nariz, diz o treinador. Já ouvi isto em qualquer lado. Meu Deus. Sirvam-me mvÀsjulep.

Eu bem te disse, diz o Skip, aproximando-se de mim e pondo o braço à minha volta no seu jeito possessivo perfeitamente nojento. Devias ter confiado em mim.

E eu, vai-te foder.

Eu só quis ajudar, diz ele.

E eu, pois, está bem. Ajudavas-me mais se te atirasses já da merda daquela janela.

O Dean aparece nesse momento e diz, acho que fui muito estúpido em pensar que um cavalo chamado Capote conseguiria vencer. E acrescenta, neste caso o desporto imita a vida brilhante ao princípio, patético no fim.

E diz o Skip, ah, de facto foste muito estúpido.

E eu, não chames estúpido ao Dean!

E o Dean, eh lá! Acalma-te, Alison, o Skip estava só a picar-me. Põe-me o braço por cima dos ombros e diz, é uma espécie de briga verbal caracterizada pela ironia e pela hipérbole que se verifica frequentemente entre amigos.

E eu fico a pensar, amigos! O que tu te enganas, Dean, afinal não sabes quem são os teus amigos. Às vezes não sei o que é que vejo nele, francamente não sei.

Quem é que tem mais droga?, grita a Didi. Sou só eu que compro drogas ou quê? Sei muito bem que vocês todos se drogam, são todos uns filhos da mãe duns pobretanas. Ai a felicidade que eu you sentir quando deixar de me drogar e vocês todos continua-

171
rem viciados mas nessa altura já não me têm a m^l para os abastecer com merda grátis. As revistas d^^B que a cocaína não está na moda mas o que elas cn3Í rem dizer é que os merdas como vocês que andam semi pré na moda já não compram cocaína, estão seattBl à espera que eu apareça... Convidam-me para astiB sãs casas que é para gastarem as minhas drogas e cspttjif tarem as minhas partes baixas.

E eu, bom pelo menos em metade acenaste. W

Olá, Didi querida, diz o Dean. j|

E ela, o que é que tu queres, Shakespeare?

E o Dean diz, podias dar-me o nome do teu tea|| peuta, não há dúvida que o homem faz milagres, uí

E ela, ó minha besta, olha que Roma não se fez OwfE dia. .lib

E o Dean vira-se para mim e diz muito baixinho pÉE a Didi não ouvir, não se fez num dia mas foi arrasMK num dia.

E eu, o que é que queres dizer com isso?

Ele encolhe os ombros. Estava só a pensar naquqB jogador de basquete, o Len Bias, diz ele.

Ah, pois, o Len Bias, isso já foi há uns anos, o Cf|Bi fez uma overdose de coca e morreu. Foi uma daquéítt alturas em que parece que as pessoas despertam todBB e ficam muito compenetradas durante cinco rnmtmH e os políticos batem na mesa com os punhoziaMB muito gordinhos que eles têm e fazem de conta qiÊÍ querem acabar com o tráfico de droga, só que lQ(0 JB seguir o Sylvester Stallone arranja uma namorada °°!W e o Reagan aparece com uma borbulha maligna JV nariz que é para toda a gente se esquecer do jogawW de basquete que morreu. m

A Didi pergunta à Becca, tens alguma coisa? A BecçB abana a cabeça e a Didi diz, mentirosa, sei que tefliç Está bem, diz ela, não me dês nada. Eu também ntfe quero, amanhã deixo a droga e depois farto-me de ril|

172

je ti quando te vir toda a tremer feita num oito. g acrescenta, ah, olha, tenho um presente para ti, e dá à Becca o cartão que eu lhe tinha dado há umas semanas, aquele que tem o número de telefone do SOS

da coca. Desata tudo a rir à gargalhada. Só a Becca é que não

se ri.

O torn diz que há uma chamada para mim de maneira que eu you ao telefone, o telefone é uma escultura estranhíssima feita de cimento e plástico.

Alison, diz a Francesca, ofegante, não vais acreditar, adivinha com quem estou.

com o Len Bias, digo eu.

com quem?, pergunta ela.

Está bem, digo eu. com o Elvis Presley.

E ela, frio, frio. Estou que nem posso.

Está bem, desisto, digo eu, diz lá com quem é que estás.

com a Jerry, diz ela.

Mas é incrível, digo eu, mas é claro que estou a pensar, mas que grande seca. A equipa das tontas acaba de marcar um golo.

Estive a falar com ela, diz a Francesca.

E ela fala inglês?, pergunto eu.

E vai a Francesca, ela agora está na casa de banho mas quando sair you falar com ela.

E eu, ouve lá, mas porque é que não foste com ela para a casa de banho para ver se ela mijava como nós?

De maneira que a Francesca fica lixada e eu peço-Ihe imensas desculpas, explico-lhe que estou numa cena horrorosa, que o meu cavalo perdeu, que a Didi está maluca, que a Rebecca está mais explosiva que uma bomba e que eu já fodi com todos os tipos que estão na sala.

Ouve, sussurra ela, ajerry já saiu. Eu telefono-te mais tarde.

173
Enquanto eu estava a telefonar a Rebecca subiu pá cima da mesa do café, segura numa garrafa de J" Daniel's por cima da cabeça e diz, eh, pessoal, vara festejar. Parece uma versão desvairada da Estátua i Liberdade e ninguém lhe diz para descer da mesa, tipos estão todos a tentar ver o que é que há debai da saia dela... e é assim que as coisas estão nes momento e ainda só são cinco da tarde. Estou cá co; a impressão de que vamos ter uma noite longa m longa mesmo.

10.

VERDADE OU DESAFIO II

A realidade é já uma coisa longínqua quando muitas horas depois acabamos todos em casa do Dean. É como se nada nos pudesse afectar enquanto estivermos drogados. Sentamo-nos à volta da mesa do café, tenho uma sensação de déjà vu por causa de um sonho que tive em que a sala de estar do Dean era um palco e nós estávamos a representar Verdade ou Desafio para uma audiência.

Mal entramos, o preppie da Rebecca pergunta que horas são tem estado todo o tempo à espera que isto acabe e neste momento já deve estar a magicar que esta noite não terá descanso. Mas quanto a isso acho que a Rebecca já o deve ter adestrado o suficiente. O que eu sei é que quando ele pergunta as horas toda a gente começa a apupá-lo e a atirar-lhe com almofadas e cigarros.

Os suspeitos do costume: Didi, Francesca, Rebecca, Skip, Ev, o prep, e Dean. AJeannie foi dormir, acho que o Alex rebentou com ela no fim-de-semana passado, e tenho a impressão que perdemos o torn e a Whitney no Nell's. Quanto ao Chuck e à Teeny, livrámo-nos deles, dissemos que nos encontrávamos com eles numa merda de um restaurante qualquer onde eles

175
iam comer. Tenho a impressão de que isto já foi fl

Estou numa ruína completa. Enjoada da cabeça JB

A mesa do café está cheia de garrafas de cervej^S champanhe e há três ou quatro espelhos a passat"3| de mão em mão. E de súbito a Didi atira Verdade àm Desafio e isso é como um piparote que instantânea mente me faz regressar ao mundo real. Oh oh, mÍji que rica ideia. íl

O Dean diz, bestial, este filho da mãe deste sempjj -em-pé deve querer ver outra vez as mamas à Didfl E a Rebecca também está doida para jogar, ela é vaSm exibicionista de longa data. l

Olho de relance para o Skip e ele olha também pai" mim e devo dizer que não estou a gostar nada dos olhai dele. Seja quais forem as duas coisas que nunca M| devem misturar na aula de química, tenho a imptCH são de que não tarda muito vão aparecer misturada! na mesma proveta. M

De maneira que o que eu sei que acontece depeM é que o jogo começa e eu não faço um todo feliz, estotÉ a suar rios. J

Claro que tem de ser a Didi a começar e claro quÉ ela resolve logo arranjar problemas, de maneira quft| escolhe o Skip, que escolhe verdade e a Didi diz, duaÉ partes, como é que classificas a Alison na cama "$j segunda parte, ela alguma vez te fez um broche? ."/

O Skip adora. Quem não adora sou eu e o Dean* -; Finalmente o Skip responde, dava-lhe um nove. i

Então e a segunda parte?, diz a Didi, e vê-se bcffl1, que o Skip de repente já não se sente tão à-vontadc porque a verdade é que eu não lhe fiz broche nenhum e se eu não estivesse aqui o mentiroso mentia, mas como estou não pode mentir, de maneira que encolhe os ombros e diz que não.

176

Diz a Rebecca, não posso crer que a Alison seja um nove.

E a Francesca, especialmente se não lhe fez nenhum broche.

É a vez do Skip, grita a Didi.

Eu, eu, diz a Rebecca. Escolhe-me a mim.

Está bem, diz o Skip, e está claro que a Rebecca escolhe o desafio e está claro que o Skip diz, despe-te. De maneira que a Rebecca salta para a mesa e num instante as roupas caem-lhe para o chão, os tipos ficam todos arrelampados e no maior silêncio como se estivessem na igreja ou parecido enquanto a Becca abana o sim-senhor, tenho de admitir que a embalagem é vistosa, até parece que ela faz exercício nove horas por dia, se eu fosse homem dava-lhe já uma foda, é difícil saber se é ela ou a Didi quem tem um corpinho mais bem feito. bom o que eu sei é que a cena altura todos os presentes começam a agitar-se nervosos nas cadeiras e a Becca resolve vestir-se embora muito lentamente.

Agora é a vez da Becca e quando ela diz Dean ele escolhe a verdade, os homens escolhem quase sempre a verdade. E a Becca diz, estás com tesão? e o Dean responde que sim. Mas que grande surpresa, com o Dean basta dizer uma palavra como, sei lá, mamilo, e o tipo fica com uma tesão capaz de rebentar com a braguilha. A história da vida dele. Se calhar não lhe chegou quando era novo. Ele contou-me que dos treze aos dezasseis anos estava quase sempre com tesão e ficava uma pilha de nervos quando as aulas acabavam porque não se queria levantar e aparecer no pátio com uma erecção, de maneira que se punha a pensar em violência e lixo e merdas dessas ou então ficava sentado na sua carteira como um atrasado mental e fingia que estava a pôr em ordem os cadernos.

De maneira que o Dean escolhe o Skip, oh oh, esta vai ser bonita. A Alison ainda te excita?, pergunta ele.

177
Mais específico, diz a Didi. Essa pergunta é muito" vaga. _ l

Está bem, diz o Dean. Ias para a cama com ela outra l vez? l

si

Diz o Skip, se eu ia? com um ar o mais presumido l possível, sorri e finalmente diz, podes ter a certeza. \ Ficam ele e o Dean de olhos fixos um no outro por um > l minuto e eu fico feita, quer dizer, não me está a agra- J dar nada isto. V

De maneira que o Skip vira-se para mim escolho í a verdade, só sou exibicionista em privado e diz, j o Dean satisfaz-te mesmo sexualmente?

E eu, sim, satisfaz.

O Skip não insiste mais mas está com ar de quem acaba de marcar um ponto. l*

Mas que seca, diz a Didi. Ela está com uma vibra- "* cão de alta frequência, muito alta mesmo. E de repente | dou-me conta de uma coisa incrível: o Dean está com l um ar muito estranho, está sentado no chão com as per- É nas debaixo da mesa do café e a Rebecca está toda afun- l dada numa cadeira muito baixa mesmo ao lado dele f e eu vejo-a meter a mão por baixo da mesa e pela i expressão do Dean é evidente que ela lhe apalpou a l coisa. O Dean fica com um ar ligeiramente compro- j| metido quando levanta os olhos e dá comigo a olhai l para ele, ah, penso eu, isto não pode estar a acon- ** tecer, mas com a Becca, pronto, tudo é possível. Ela f olha-me mesmo nos olhos, depois levanta o braço e £ endireita-se na cadeira com um ar ridiculamente ino- * cente.

De maneira que eu digo à Rebecca, verdade ou desa- l fio, gostas da ideia de seduzir os meus namorados ou é só uma coisa que acontece às vezes?

E ela diz, só quando os acho atraentes.

Boa, diz a Didi. Tanto a pergunta como a resposta revelam uma forte ligação à realidade.

178

Entretanto dou comigo a pensar naquela cena em que estávamos todos metidos na banheira com a água bem quente em East Hampton, na casa do pai não sei de quem, um desgraçado qualquer com quem a Rebecca andava nessa semana, eu e o Alex, a Rebecca e o engate dela, isto foi para aí há dois anos quando eu e o Alex ainda estávamos juntos, por amor de Deus nós estávamos praticamente casados, a coisa já durava para aí há uns quatro anos. bom, mas então estávamos nós nessa cena onde nunca se sabe bem onde é que a água acaba e a gente começa, é tudo uma espécie de lama quente nós e a água, os quatro metidos na água quente bebendo Cristal e encharcados em Ouaaludes e entretanto começa-se a falar na brincadeira que já agora podíamos fazer uma orgia e de repente dou com uma mão à volta entre as minhas pernas, mas o que é que aquela mão andaria a pescar, quer dizer, tinha mesmo de ser a mãozinha do como-é-que-ele-se-chamava, pois, o Trent, e de repente o Alex põe um sorriso muito arreganhado e começa às voltas na água e estamos todos nestes preliminares subaquáticos e era porreiro, quer dizer, éramos todos amigos e isso é que contava, e o Alex também me mexia mas era só porque nós não parávamos quietos, era uma coisa casual. De maneira que feita parva decido sair da banheira e ir à casa de banho que ficava ao lado, não me perguntem porque é que não mijei na banheira, bom portanto nós estamos nessa cena de cabana e eu tenho de sair da água e ir à casa de banho ao lado. E tenho a impressão que levo ainda um bocado a encontrá-la ou então demoro a abrir a porta não sei, nesse momento já nós estávamos completamente desvairados. bom, o meu corpo mais parecia um colchão de água, mas lá acabei por abrir a porta e estou eu a lavar as mãos ou lá o que era quando de repente a porta se abre e é o Trent, que está com uma tesão incrível, uma coisa enorme mons-

179
truosa parece que lhe salta de entre as pernas, lembro- iB -me que desatei a rir, como quem, ouve lá, como é W que tu podes andar por aí com isso nesse estado sem W te sentires ridículo? Olha que há coisas que devem ficar i debaixo de água, e de repente o Trent agarra-me c l mete-me a língua pela boca abaixo e eu, eh, já não ' estamos no palco, a peça já acabou, e entretanto o Trent ,t tenta abrir-me as pernas com o joelho e eu já estou £ colada e apoiada no lavatório e de repente viro a cara ( e dou com o interruptor no momento certo, o interruptor era um homem nu de plástico e o botão era a picha dele, aquilo é que era bom-gosto, ha? a modos que o interruptor condizia com o resto. Então dou uma joelhada nos tomates dele e digo-lhe, vai-te foder, se não paras you dizer à Rebecca e ele responde agarrado aos tomates e a gemer ela está-se nas tintas, o que é que tu achas que ela está a fazer neste preciso * momento? E de repente desato a correr e you ver à \ banheira que está vazia, não está lá ninguém e dou mais uma corrida até à casa, subo a toda a pressa a ' escada seguindo umas pegadas húmidas que vão ficando cada vez menos nítidas até que desaparecem, estou completamente possessa, desato a abrir as portas dos quartos com toda a força, claro que nesta maldita casa t há para aí uns vinte quartos. Encontro-os no quarto ' da Rebecca, nem sequer se taparam com os lençóis, vejo j a cara da Rebecca debaixo dele a olhar para mim com um ar de quem estava à minha espera, a boca aberta e reluzente de molhada como um bicho horrível vindo das profundezas do oceano...

Há impulsos que uma pessoa deve reprimir, não é? Nunca pensei assim, fiz sempre o que achei que devia fazer, sempre me pareceu que fazer o contrário era ser hipócrita como disse ao Dean, mas não sei, aqui no meio desta sessão horrorosa da Verdade ou Desafio, depois de ver a minha irmã apalpar o caralho do meu

180

namorado, depois de recordar a cena com ela e com o Alex e de pensar nalgumas merdas que tenho feito recentemente, começo a dar-me conta que talvez uma pequena regressão dos impulsos não seja uma coisa tão má como eu pensava. Neste preciso momento era capaz de trocar as pérolas da avó por uma mentirazinha piedosa. Pelo caminho que este jogo leva, trocava tudo o que tenho por uma dose de amnésia.

De maneira que levanto-me e you à casa de banho enquanto na sala a Verdade ou Desafio continua a fazer furor. Isto ainda é pior que a merda da corrida. Ao fim de um minuto o Dean bate à porta e pergunta se estou bem.

Estou bem, sim, digo eu.

Mas a verdade é que me sinto uma merda. Estou um escombro completo, bêbeda e drogada e cheia de náuseas. Sento-me na sanita para aí uns dez minutos com a cabeça entre os joelhos, depois volto para a sala.

A Alison está de rastos, diz a Becca.

Uma ruína, diz a Didi.

Ela precisa de ajuda, diz a Becca. E dá-me um cartão todo sujo, tenho de me concentrar bem no cartão para conseguir ver alguma coisa. Letras maiúsculas, A-J-U-D-A. A Becca começa a cantar um refrão de "Help me, Rhonda" e a Didi acompanha-a, e depois diz, Ev-er-ett, diz a verdade... quantas raparigas?

À volta de vinte, diz o prep,

O número exacto, diz a Didi. Nada de à volta.

Talvez vinte e duas, diz ele. Neste momento Q prep já está com um ar absolutamente miserável. Tem razões para isso, não?

De maneira que ele vira-se para o Dean e pergunta, verdade ou desafio?

E o Dean diz, acho que é melhor não me arriscar a ficar nu. Escolhe a verdade.

181
Não é justo, diz a Becca. Queremos nudez masculina total e frontal.

O Everett pergunta ao Dean, sou eu que estou maluco ou vi mesmo a Rebecca apalpar-te o teu... o teu... coiso?

Não estás maluco nada, diz o Dean com aquele sorriso estúpido que ele tem.

Meu Deus, diz a Francesca, e eu que não vi nada.

A Rebecca vira-se para mim. Estava só a verificar a sinceridade dele quando respondeu que estava com tesão, explica.

Rebecca, a verificadora de material, diz a Francesca.

É a vez do Dean, diz o Everett.

E quando o Dean diz o meu nome, não me agrada nada o torn da voz dele. Olha-me com um ar que não é nada simpático. Verdade ou desafio?, pergunta.

Verdade, digo eu. Devia ter escolhido o desafio.

E ele pergunta, dormiste com o Skip recentemente?

Recentemente como?, digo eu.

Na semana passada, diz ele.

Acho que nunca me apeteceu tanto mentir na minha vida. Mas o Skip está cá e não me deixaria mentir.

A Didi, como lhe cheira a sangue, começa a dizer, verdade, verdade, verdade!

Os outros ficam todos quietos e calados.

Sim, digo eu.

Olho para o Dean, os olhos dele são de um belíssimo azul suave que às vezes parece um oceano tropical. Mas neste momento são de um azul gelado.

Se eu pudesse explicar-lhe. Gostava de lhe contar o que se passou, acho que o fazia entender. Não que me sinta orgulhosa do meu feito, longe disso.

Ora muito bem, ora muito bem, diz a Rebecca.

Batem à porta, o que é bestial, o que é preciso é que esta atmosfera se altere, um assassínio em massa seria uma mudança óptima, e o Dean diz, merda, prova-

182

velmente é o meu vizinho a protestar por causa do barulho. A voz sai-lhe um bocado trémula mas se calhar está contente porque sempre se pode distrair com os protestos do vizinho que são uma coisa normal, é evidente que está chateado e isso põe-me de rastos. Não me parece que ele estivesse à espera que eu dissesse que sim, ele não tinha mais do que suspeitas.

De maneira que o Dean levanta-se e vai até à porta e a Francesca põe-se a abanar a cabeça, como quem, odeio ver a minha amiga fodida desta maneira, de repente olha para a porta e dá um grito e o Skip diz, foda-se! e a Rebecca diz, oh por amor de Deus, Manme, deixa-me em paz.

Claro. É o tipo de cujas garras salvámos salvámos? a Rebecca, aquela história em Morningside Heights o mês passado ou não sei quando. Só que eu tenho a impressão de que foi o Mannie quem nós salvámos. O tipo está outra vez de faca. Não sei, até agora a faca sempre me pareceu a modos que inofensiva, uma espécie de objecto que ele usa para chamar a atenção, o fetiche lá dele. Quer dizer, há tipos que usam suspensórios, Mannie, o dealer, anda sempre de faca.

O Mannie está com um ar todo spidado, só que a Rebecca disse que ele tinha deixado a droga porque queria arranjar um emprego e fazer dela uma mulher honesta, era o que fazias.

E vem de fato e gravata, o que não deixa de ter qualquer coisa de estranho, vê-se mesmo que é roupa a que não está habituado, dá a impressão de que se vestiu todo a rigor para visitar a avó ou talvez para tentar impressionar o pessoal dos serviços de imigração.

O tipo a modos que avança aos ziguezagues pela sala, com as costas curvadas e a faca à frente dele, mais ou menos como os polícias fazem na televisão quando estão à espera que o tiroteio rebente.

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Acaba-me com essa cena, Mannie, diz a Becca. ff

E o Mannie responde, tu gostavas de mim. f'

Fodi contigo, diz ela. Há uma pequena diferença.

Mas o que é isto?, diz o Everett.

Arranjei um emprego, diz o Mannie. Tu ias viver comigo.

A ideia foi tua, não minha, diz ela.

Volta para mim, diz ele a soluçar. Caem-lhe as lágrimas pela cara abaixo. Baixa a faca, que tinha estado apontada na direcção da Didi, e os braços caem-lhe. Volta para mim, por favor, diz ele. É o que se chama uma cena patética.

Por amor de Deus, Mannie, foi só uma noite, diz a Becca.

Duas noites, diz ele. Nunca me you esquecer.

Está bem, uma ou duas tanto faz, diz ela.

É óbvio que ela não ficou com uma impressão inesquecível das ditas noites.

Tenho a impressão de que ele te dá um dez, diz a Didi, que continua a snifar, como que a dizer, todas as noites vejo cenas destas, é normal.

Espera aí, gostava de saber que história é esta, diz o Everett. Depois levanta-se e diz para o Mannie, você, não sei quem você é mas também não interessa, acho que o melhor era você desaparecer. E já. Diz isto e olha para a Rebecca a pedir apoio.

Cá por mim ele que faça o que quiser, diz ela enquanto observa a Didi a snifar.

Oiça lá, ó camarada, e se você me desse a faca?, diz o Everett, que é um tipo assim para o encorpado, deve ter para aí um metro e noventa, e musculado, não sei se estão a ver, o tipo deve ter jogado lacrosse em Dartmouth, ao passo que o Mannie tem para aí menos trinta centímetros de altura.

Não sei bem o que é que acontece a seguir só sei que o prep avança e o Mannie assusta-se, e num ins-

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tante o prep segura-lhe no braço e há sangue a escorrer por entre os seus dedos.

Meu Deus, diz a Francesca.

O Dean tem estado a observar a cena, quer dizer, já tinha visto o Mannie em acção uma vez de maneira que não se deve ter ralado muito, só que agora aproxima-se do Mannie e diz, ouve lá, Mannie, dá-me já essa faca. Tu conheces-me, eu não te faço mal, e nesse preciso momento o Everett atira, mas faço eu, este filho da puta feriu-me. E o Mannie está mesmo com o ar de um animal que acaba de cair numa armadilha, tenho pena deste desgraçado, a sério que tenho, no fundo ele está apenas confuso.

De maneira que o tipo encosta-se à janela, com a faca apontada ao Dean e ao prep, o braço agita-se tal e qual a cauda de um cão. Depois a modos que sobe para o peitoril da janela e o Dean diz, Mannie, acalma-te, OK? É melhor a gente falar disto tudo.

O Mannie a respirar parece um cavalo depois de uma corrida, ofegante até mais não, só diz, eu amo-te, Rebecca. Por favor. Por favor.

Meu Deus, o som da voz dele, o desespero, deve ser a coisa mais triste que eu já ouvi na minha vida.

A Rebecca debruça-se sobre o espelho e dá um snife.

Eu dou cabo de mim, grita o Mannie.

À vontade, diz a Rebecca.

Vá lá, Mannie, deixa-te disso, diz o Dean, com uma voz verdadeiramente apaziguadora, quer dizer, tenho um drama incrível à minha frente mas nem por isso deixo de pensar em mim, em mim e no Dean, o tipo é mesmo porreiro. Sinto-me mesmo orgulhosa dele, com a forma como ele enfrenta as coisas, é o contrário do Skip, ah, merda, se calhar dei cabo de tudo, e tudo isto passa pela minha cabeça a grande velocidade aí durante uns três segundos.

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Então o Everett faz outra tentativa para apanhar a faca.

O Mannie grita pela Rebecca e nesse momento, não sei, de repente o tipo desaparece, evapora-se, e o Dean corre para a janela e olha para a rua. Meu Deus, diz ele, meu Deus.

O Everett fica onde está no maior pasmo, sangrando e dizendo, ele feriu-me, depois o Skip vai também à janela e olha para a rua, não diz nada, corre da janela até à mesa do café e pega na mala da Didi e diz, depressa, temos de ver-nos livres desta droga antes que a polícia apareça e eu ainda não estou a perceber bem o que é que se passa, antes que a polícia apareça. A polícia?

Só ao fim de um minuto é que me dou conta que estamos num sexto andar e que o Mannie se atirou da janela.

11.

CAÇADORES E SALTADORES

De maneira que quando a Francesca telefona estou eu a dormir. Não faço outra coisa senão dormir, dá-me a impressão que nunca mais you conseguir acordar. Estava capaz de dormir para sempre. Mas estou meio a sonhar e oiço a voz da Francesca no gravador e ela já estava no sonho mas a voz não pára de dizer atende, atende e eu começo a pensar atende? mas atende o quê? Nesse momento acordo o suficiente para concluir que é o telefone.

O que é?, digo eu.

Alison, não posso acreditar, há duas semanas que te deixo mensagens no gravador, onde é que tens estado?, e eu, tenho estado a dormir.

com quem?, diz ela e eu não digo nada. com quem?, diz ela e eu não digo nada.

Ouve, diz ela, não vais acreditar, não ias acreditar nem que vivesses um bilião de anos. Sabes onde é que eu estive na quinta-feira à noite?

Eu não digo nada, fico ã espera, seguro na cabeça e esfrego os olhos e ela diz, Alison, fula de impaciência, e eu percebo que devo mostrar-me interessada no caso de maneira que pergunto-lhe onde.

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Em casa do Mick e da Jerry, diz ela. Não é incrível?*^

É incrível, digo eu, como quem diz, estou-me per- í feitamente nas tintas. Quer dizer, ainda bem que ela está contente mas neste momento estou com uma dor de cabeça incrível e cheia de náuseas e estou-me cagando para as vidas dos ricos e dos infames '. Estou muito mais preocupada com a luta pela sobrevivência, o que eu quero é saber se me you aguentar neste balanço ou se you para o clube dos dinossauros e dos dodós.

Sinto-me na merda.

Foi o máximo, diz a Francesca, adivinha quem ficou sentada ao meu lado.

Durante um bocado faço de conta que estou a ouvi-la mas depois digo-lhe que tenho de ir mijar e meter uma aspirina, ligo-lhe mais tarde, claro que ela fica a modos que lixada por o êxito social dela não me provocar meia dúzia de orgasmos, mas o problema é que neste momento estou-me perfeitamente borrifando, de maneira que se não gostas paciência, fica lixada à vontade.

Talvez por estar furiosa comigo a Francesca atira-me, vi o Dean no Elio's a noite passada.

Sei muito bem que ela não vai ficar por aqui. Ah sim?, digo eu.

Estava com a antiga namorada dele, a Patty, diz ela.

Não sei bem porquê mas a verdade é que isto não me surpreende. De facto, é como se não fosse novidade nenhuma.

Como eu não digo nada, a Francesca prossegue, o Dean é uma besta.

Não é besta nenhuma, mas não me apetece estar com conversas.

1 No original, rich and infamous, o que implica uma referência à expressão rich and famous que se perde em português. (N. do T.)

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De repente pergunto-lhe, Francesca, qual é a terceira grande mentira?

E ela, ha?

Qual é a terceira grande mentira?, repito. A primeira é que o cheque está na caixa do correio. A segunda, prometo que não me venho na tua boca. Qual é a terceira?

Mas ela também não sabe. Digo-lhe que ligo mais tarde.

Quase volto a adormecer mas em vez disso levanto-me e you aos tombos até à casa de banho, as paredes servem-me de apoio. Enfio três Tylenols extrafortes e depois olho para o espelho, tenho a cara toda inchada e manchada, o bronze foi-se, os meus olhos parecem chineses. Fico assim por um bocado agarrada ao lavatório, dá-me a impressão de que tenho vontade de vomitar, mas o vómito não vem.

O telefone está a tocar outra vez, esqueci-me de ligar o gravador. Não sei bem porquê atendo, é a Whitney. Alison, diz ela, não vais acreditar (mas porque é que esta gente está toda tão certa de que eu não you acreditar, neste momento podem crer que eu acredito em todas as merdas que me digam), sabes quem é que me apareceu ontem à noite à porta do bar? Imagina só, o Skip Pendleton de braço dado com uma lolita de treze anos. Lembras-te de ele ter dito que era o maior no Trivial Pursuit e que se jogasse comigo punha-me a ver navios? Pois, de maneira que vi o tipo e ele estava convencido de que eu o ia deixar entrar sem mais nem menos, mas eu virei-me para ele, ouve lá, Skip, em que ano é que os Beatles actuaram pela primeira vez em Hamburgo e como é que se chamava o bar onde eles tocaram? E ele, o quê? E eu então digo, Trivial Pursuit, Skipper, e ele diz, não sei, e eu digo, que pena, assim não podes entrar. O tipo ficou para mor-

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rer, quer dizer, não estava nada à espera que eu nãotfi o deixasse entrar... e não deixei mesmo. -;.

A Whitney fala e fala e fala e eu dou comigo a pensar, mas que idiota. Blabla blabla blabla. Meu Deus, pareço mesmo eu. Se me contassem esta história há umas semanas atrás eu até me rebolava pelo chão à gargalhada mas agora quase que nem a oiço.

Não foi mesmo bestial?, diz ela por fim.

E eu, foi.

Sabia que ias gostar, diz ela.

Essa história vai mudar a merda da minha vida, digo eu.

Ouve lá, pensei que te interessava, o tipo ficou lixado, diz ela. Não percebo porque é que me respondes com esses modos.

Eu peco-lhe desculpa, o problema é que estou desesperada com o meu período que nunca mais vem, ligo-lhe quando voltar a sentir-me humana, apesar de francamente, se não voltar a ver a Whitney, também não me ralo nada.

Não sei, dá-me a impressão de que não quero nada com nenhuma das pessoas que estiveram lá naquela noite. Não, eu não quero é nada com ninguém, ponto final.

Já passaram quase duas semanas. Desde então só falei duas vezes com o Dean, uma vez na manhã depois de ele ter ido ao hospital. Ele ligou-me para dizer que o Mannie estava estável mas crítico, sabe-se lá o que é que isso quer dizer, estável mas crítico. Uma semana depois telefonei-lhe eu. Foi horrível, horrível mesmo. Tentámos manter uma conversa trivial. Ele disse que tinha falado com o Phil e que a Didi nunca mais se drogara desde o acidente e entretanto tinha começado a ir a umas reuniões religiosas no Soho e dizia que nunca mais queria ver coca à sua frente. Isso já eu sabia, fartei-me de ouvir a Didi falar disso sempre que não

caía a dormir. Ela não pára de me telefonar e passa o tempo todo a pregar, deve ser por isso que eu tenho tanto sono. Ela não consegue falar doutra coisa, tão mal que ela estava e sente-se tão feliz agora que deixou a droga e Jesus é o caminho, Jesus é a salvação. Minha Nossa Senhora, que obnóxio que tudo isto me soa. Acho que gostava mais dela na versão drogada. Mas disse para o Dean, ah sim?, como se não soubesse nada, porque o que eu queria era continuar a conversa, não queria que ele desligasse e nós precisávamos de coisas que nos eram exteriores para continuarmos a falar. Bestial, disse eu. O Everett levou alguns pontos na mão, disse o Dean. E disse ainda que a polícia tinha dado o caso por encerrado.

Interrogaram-nos a todos e as nossas histórias condiziam todas. A princípio mostraram-se um bocado retorcidos, quando apareceram lá em casa, era evidente que estávamos todos drogadíssimos, mas nessa altura já não havia vestígios de droga no local. A coisa só acalmou quando o Mannie recuperou a consciência e disse que era tudo culpa dele. Tinha querido assustar a namorada mas escorregou no peitoril. Podia ter acontecido a qualquer um, não é? Entretanto nos infernos da cidade tinham-se passado uns quantos milhões de crimes de maneira que os chuis até ficaram contentes por se verem livres de nós. O caso deu só um parágrafo no Post e no News, sobre um zé-ninguém que caiu de uma janela no Upper East Side e que viveu para contar a história. Meu Deus, o Skip teve o dobro do espaço da última vez que deu uma festa.

A Rebecca pirou-se de Nova Iorque no dia seguinte. Queria pisgar-se do apartamento antes de os chuis aparecerem mas o Dean não a deixou. No dia seguinte desapareceu, eu sei disso porque o Everett telefonou para cá à procura dela. Disse-me que tinha apanhado cinco pontos no sítio em que o Mannie lhe deu com

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a faca. Umas noites atrás tinha recebido uma mensagem completamente louca da Rebecca, estava cm Lugano, na Suíça, num hotel incrível com vista para o lago, a beber champanhe e a comer chocolate radioactivo. Dizia que estava completamente apanhada, tinha conhecido um tipo que era o máximo. A história da vida dela.

A Jeannie está na Carolina do Sul de visita ao Frank. Reconciliaram-se depois de o Alex ter telefonado a dizer que não podia aparecer no fim-de-semana e que achava que no fim-de-semana seguinte também não podia. A Jeannie tem trabalhado até tarde e à hora do almoço controla padrões de porcelana e prata e eu tenho estado a dormir todo o tempo de maneira que quase não temos falado, não faço ideia do que vai naquela cabeça. Parece que you ter de arranjar depressa uma casa nova porque o velho dela acha que eu sou uma irresponsável e que as duas juntas fazemos uma perigosa combinação. Acho que não é por culpa da Jeannie. Ela diz que eu posso ficar enquanto não arranjar outro sítio, mas a Francesca disse-me que podia ir para casa dela e acho que uma mudança é capaz de me fazer tão bem como o descanso.

Há uns dias um amigo da Rebecca telefonou a dizer que negociava em joalharia e queria comprar as pérolas, de maneira que eu vou-lhas levar amanhã, acho que não tenho outra hipótese.

O meu pai diz que está falido. O que é uma peta de todo o tamanho mas o que é que eu hei-de fazer? Pode-se processar o pai por falta de assistência? Mandou-me um cheque de quinhentos dólares ah, mas que bom, papá, obrigadíssima, papá quase nem senti o cheiro deles. Devia dinheiro a toda a gente. A última coisa que o Dean me disse foi, precisas de dinheiro?, e eu, estúpida, disse que não precisava.

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Já sei, tenho de arranjar um trabalho, you ter de trabalhar como empregada de restaurante meu Deus, que deprimente vai ser, mas neste momento o que se passa é que eu não consigo sair da cama, há uma semana que não you às aulas. Amanhã you ao médico depois do encontro com o suposto negociante. Provavelmente sentia-me melhor se fosse às aulas, se afinasse o meu instrumento, mas sinto-me demasiado na merda para me dar ao incómodo de sair de casa, é um círculo vicioso. Círculo ou ciclo? O Dean costumava dizer-me estas coisas. Mais uns meses com ele e talvez eu começasse a sentir os benefícios da educação.

O Dean disse que tinha voltado a concentrar-se no trabalho, estava a recuperar a sua capacidade de organização, agora vai para a cama cedo, está a escrever um diário e a estudar ideias para peças. É evidente que estas observações me eram dirigidas no fundo o que ele queria era culpar-me pelas loucuras que fez. Houve uma grande quebra no mercado de acções há umas semanas e ele ficou positivamente aterrado, agora faz o papel de pecador arrependido. De repente ocorreu-Ihe que podiam pô-lo na rua antes de ele ter amealhado o seu primeiro milhão. Não que eu seja uma especialista em emprego mas dá-me a impressão que os empregos são como os amantes achamo-los estúpidos e chatos mas quando sentimos que nos vão dar com os pés, ah, não há melhor emprego nem melhor amante. Não sei, quando eu o conheci ele tinha acabado de romper com a sua namorada de longa data, estava todo lançado para entrar noutra e fazer o papel de irresponsável. Agora que já se coçou o bastante e que já está mais aliviado da comichão que sentia, agora quer portar-se de novo como um adulto, precisa de alguém a quem deitar as culpas por se ter comportado como uma criança. Às vezes, quando ficávamos acordados até tarde o Dean tinha um acesso de pânico,

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aquela culpabilidade incrível tipo classe média, do género, tenho de ser um cidadão produtivo apesar de na noite passada ter querido ser um boémio, não sei se estão a ver. Depois eu é que pagava as favas, de manhã é que eram elas. Quer dizer, não era eu que lhe dizia para fazer as noitadas, era ele que escolhia passar a noite a snifar e a esvaziar copos.

De maneira que agora acabaram-se as escapadelas com as raparigas mal comportadas, e a Patty, a madura e responsável Patty, entrou de novo em cena. Já chega de raparigas pós-modernas, o que ele agora quer é meninas das antigas. Acho que a Patty é bancária ou se não é anda lá perto. Estou mesmo a vê-la com os seus sapatinhos muito de senhora mais a sua pastinha, ou então a passar os fins-de-semana no campo toda vestida de Talbot, a fazer as palavras cruzadas, a bebericar descafeinado, a comprar antiguidades. Querido, passas-me o The New Yorkert Claro, fofa.

O Dean sabe quase todo o Shakespeare de cor e é capaz de negociar milhões de dólares por dia com o dinheiro dos outros, ou seja, é capaz de ser muito inteligente no que toca às coisas dos outros mas em relação a si mesmo não passa de um estranho. Às vezes o que me apetecia era pô-lo em frente de um espelho e dizer, Dean, apresento-te o Dean. Pô-lo sozinho consigo mesmo e traduzir tudo o que ele diz para a língua que toda a gente fala.

Assim é o Dean. A Francesca está enganada, ele não é besta nenhuma. É e não é. Eu lixei tudo. Ele não podia aguentar o que eu fiz e ninguém o pode censurar por isso.

Não sei, mas ele também fez o mesmo comigo, foi para a cama com a Cassie Hane. Acho que foi por isso que eu fiz o que fiz. Uns dias antes daquela mortífera sessão da Verdade ou Desafio eu perguntei-lhe se me levava a jantar fora e ele respondeu que não podia, que

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ia sair com uns amigos. O que realmente me lixou foi que ele não me deu explicação nenhuma. Como quem, you sair com uns amigos e pronto, não tens nada com isso. Quer dizer, podia ter dito quem eram esses amigos, tão importantes e tão íntimos que nem podiam suportar a minha companhia. Mas a verdade é que não disse. De maneira que eu respondi-lhe, então está bem, mas num torn furioso, até o Dean percebia com certeza que eu estava lixada, e desliguei logo. Depois fiquei à espera que ele me telefonasse e o filho da puta não telefonou. Fiquei furiosa. Tão furiosa que liguei para ele meia hora depois para lhe dizer como estava furiosa. Respondeu-me o gravador. Depois disso telefonei para o namorado da Cassie Hane, o Peter. Não disse quem era, perguntei só se a Cassie estava e ele disse que não, a Cassie tinha a sua casa, e eu disse, sabe como é que ela conseguiu entrar naquele anúncio da Barney's? É que o Dean Chasen é muito amigo do tipo que é proprietário dessa agência. E ele diz, quem é que está ao telefone?, e eu digo, uma amiga, odeio vê-la fazer pouco de si. Disse isto e desliguei logo. A seguir telefono para a Cassie e imito o sotaque sulista, não me custa nada porque nos concursos de cavalos havia imensas miúdas do Sul, e digo-lhe, está? Cassie?, olhe, querida, odeio ter de lhe dar más notícias mas acontece que a vi uma noite destas com o Dean Chasen e pensei que talvez lhe interessasse saber que ele me pegou uma infecçãozinha horrorosa. E ela, quem fala?, mas nesse momento eu desliguei.

De maneira que quando a Jeannie chegou a casa e me perguntou se eu queria partilhar um grama com ela, eu respondi logo, claro, vamos a isso. Quando o grama acabou fomos ao Surf Club e encontrámos a Didi, e também o Skip. O Skip começou a fazer-se a mim da maneira mais indecente possível, não me largava, era só olhinhos langorosos e sugestões sexuais.

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_
Não sei, eu já estava bem bebida, e a essa hora da noite até achamos graça ao Gorila Magilla e o Skip não é gorila nenhum, por acaso até é bem giro, e além disso comecei a lembrar-me que por acaso o tipo era bom que se fartava na cama. E além de tudo o mais, eu estava furiosa mas furiosa mesmo com o Dean. E no fundo a questão era essa, como se viu quando nos encontrámos os dois aos saltos na minha velha conhecida cama do Skip, de facto nós não estávamos a fodcr um com o outro, estávamos ambos a foder o Dean. Preferia não o ter feito mas agora já está. Ainda penso em telefonar ao Dean mas não telefono. Ligo a televisão e vejo por um bocado o "All My Children". Depois regresso ao sono.

you à médica e digo-lhe que me sinto na merda e cheia de enjoos e passo o tempo a dormir. Ela pergunta-me sobre o período e eu não consigo lembrar-me. Tenho tomado a pílula desde que comecei a sair com o Dean mas às vezes esqueço-me de tomar e o problema é que realmente não consigo lembrar-me quando é que acabei a embalagem. Não sei, durante uns tempos para aí uns meses usei o velho método da retirada, que é quase tão seguro como a roleta russa. Depois de ter sobrevivido ao método da retirada acho que não me ia acontecer nada tomando a pílula. A minha ginecologista sempre me disse que eu devia obrigar os tipos a usar camisas, mas o problema é que eu odeio camisas e eles também. Sexo seguro, não é? Sexo seguro é como verdade na publicidade, há uma contradição entre os dois termos.

Bem, de qualquer modo acho que esta médica está enganada mas lá acaba por me tirar sangue para uma análise e faz-me todos os exames possíveis e manda-me embora sem nenhuma receita com narcóticos, o que realmente me deprime, you ter de arranjar outro

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médico. Quer dizer, a cem dólares a consulta não está certo.

De maneira que encontro-me com o tipo das jóias no Jackson Hole. É um tipo pequenino, careca, anda aí pelos quarenta, parece o meu pai. Tem uma pele que é um nojo, os poros do nariz parecem os buracos da Segunda Avenida, cabia lá um táxi dentro. Enfim, não sei se estão a ver, um homem muito mas muito atraente. Nas mãozinhas traz um anel de diamantes que é do mais possidónio que se pode imaginar e, bem à vista, um Rolex gigante. Se fizesse uma lista das coisas que mais detesto, podem crer que os homens que usam jóias vinham em primeiro lugar.

Depois de nos sentarmos tiro o colar da mala o colar vem na caixinha de veludo azul e ele põe-no em cima da mesa e começa a olhar para mim em vez de olhar para as pérolas. O tipo então diz, a sua irmã Rebecca é uma rapariga adorável, admiro-a imenso.

E eu, ela tem imenso sucesso com todos os homens.

E ele, mas olhe que você é ainda mais bonita que ela.

E o primeiro a achar isso, se é que realmente o acha, digo eu.

Só para que ele não se esqueça da razão por que estamos ali, pego no estojo e abro-o. Ele pega no colar e põe-no à luz, mete uma coisa pequenina que parece um telescópio no olho e pisca o outro olho. Quer dizer, isto é tudo teatro, eu sei perfeitamente para quem é que ele vai comprar as pérolas, o estupor da minha irmã deve ter-se metido em montes de encrencas para que isto pudesse parecer autêntico aos meus olhos.

Quando a empregada aparece peço um burger deluxe porque há dois dias que não como e francamente estou cheia de fome e acho que you dizer ao tipo que me esqueci da carteira. Sinto-me mesmo tonta, por momentos quase desmaio, vejo tudo enevoado.

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jW^
Ao fim de um bocado o tipo diz, não é nada mau o artigo. Depois olha para mim e diz, sabia que as pérolas são um símbolo de pureza? e eu abano a cabeça, estou a devorar o meu burger.

Aposto que você é uma rapariga pura, diz ele.

E eu, acertou.

E ele, aposto que não sai com qualquer um.

Quando finalmente engulo o enorme bocado de bife que meti à boca, viro-me para ele e digo, de facto não fodo praticamente com ninguém. Mas no seu caso acho que abria uma excepção.

E o tipo fica perfeitamente siderado com a minha linguagem.

bom, então quanto é que me dá pelo colar?, digo eu e o tipo acaba por me oferecer dois mil e quinhentos dólares e eu aceito. O tipo traz o dinheiro era de prever, um tipo que anda com ouro em cima dele é natural que traga um monte de notas nos bolsos de maneira que eu recebo o dinheiro e digo-lhe para pagar o hambúrguer e saio para a rua, sinto-me tonta e acabo por vomitar no passeio.

E este tipo que acaba de me comprar os símbolos de pureza da minha avó sai do restaurante e vê-me a limpar a cara e pergunta, oiça, não quer ir até minha casa? sempre descansava um bocado.

Dou a maior parte do dinheiro à Jeannie porque apesar de o pai dela ter pago as rendas atrasadas eu ainda lhe devo o mês passado mais a conta do telefone e isso chega para dar cabo da minha herança. E está claro que ela decide imediatamente comprar um quarto de onça. E depois eu é que sou irresponsável, não é? bom, está bem, eu sou um bocado irresponsável e a verdade é que não contesto tanto quanto devia a ideia da Jeanme. Mas há séculos que eu não falo com ela e o que realmente me apetece é desanuviar, quer dizer, o que me apetece é que nós voltemos a estar numa boa como

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antigamente, e além disso sinto-me tão mal que pior já não me you sentir, de maneira que ou meto estimulantes ou então passo mais vinte horas na cama.

Passamos toda a noite no apartamento a falar. É bestial. Começamos por falar da Didi, é porreiro que ela tenha deixado as drogas porque ela realmente estava com um problema, estava mesmo a dar o berro.

A seguir começamos a falar de tipos, naturalmente a Jeannie põe-se a dizer que não sabe, que não tem a certeza quanto ao Frank, não sabe se realmente quer passar o resto da vida com um tipo que para começar é um bocado insosso e que ainda por cima a traiu com uma tonta. O Frank quer casar no Outono e agora a Jeannie está a perder a vontade. Digo-lhe que ela sabe perfeitamente o que é que eu sinto em relação ao casamento, quer dizer, provavelmente resulta para pessoas que esperam muito pouco ou nada da vida e que em auto-estima não passam de uns zeros, mas mostrem-me um casamento feliz que eu logo lhes mostro uma pateta e um hipócrita. Querida, tenho uma reunião esta noite, não esperes por mim. Está bem, querido, vê lá, não trabalhes demasiado.

Nem sequer menciono o facto de o Frank ter um dos caralhos mais pequenos que eu já vi. Cinco centímetros de aço quente.

De maneira que ao fim de um bocado começamos a falar dos nossos velhos tempos quando andávamos nas cavalarias, foi nessa altura que nós nos conhecemos, partilhámos quartos em metade dos Hiltons da América, passávamos o tempo a exibir os cavalos e a saltar obstáculos com eles enquanto toda a gente andava na escola e ia aos bailes, montando cavalos todo o ano para nos qualificarmos para as três grandes competições em Harrisburg, Washington e finalmente no Madison Square Garden, pedindo serviço de quarto e namoriscando com os empregados dos hotéis e com os rapazes

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das cavalariças e com os juizes, e agora tenho a sensação de que tudo isso está no fim, quer dizer já acabou há muito tempo, ou pelo menos há uns bons anos, mas de certo modo nós crescemos juntas na estrada e na sela e depois fomos viver para Nova Iorque as duas e agora eu you para casa da Francesca e não sei porquê tenho a impressão de que daqui a uns tempos you perder de vista a Jeannie. É verdade que ela me lixou mas esta separação, este fim deprime-me até dizer chega, porque aconteça o que acontecer a verdade é que já nada vai ser como dantes.

A Jeannie está toda excitada com uma coisa qualquer de que está a falar, não tenho estado com muita atenção, é qualquer coisa sobre cavalos, e de repente põe-se a chorar e a dizer, não foi justo, ah, foi uma grande injustiça, olha que ainda não me esqueci dessa história.

Já percebi o que é que se passa. Ela ainda está danada com o que aconteceu num concurso em Long Island, quando eu ganhei o prémio dos caçadores. bom, o que se passa é que uma exibição de caçadores é sempre uma coisa muito sujeita a influências, depende tudo dos juizes. com os saltadores se uma pessoa salta tudo bem, a luta é apenas contra o relógio. Os saltadores são mais magros e rápidos e se uma pessoa ganha, ganha mesmo, acabou-se. Os caçadores são enormes, fortes e lindíssimos, e em princípio são julgados consoante a forma em que se encontram. Em princípio.

De maneira que no concurso de Long Island a Jeanme foi primeiro que eu, o cavalo dela era o Patrick Henry, era um cavalo lindo e ela fez uma grande corrida, fez tudo bem, eu fiquei a vê-la da tribuna e depois fui eu com o meu cavalo, o Eric, o Ruço, O Eric estava com uma disposição que era uma desgraça, não sei porquê, mas quando comecei a saltar é que me apercebi de que ele estava coxo. Deitou abaixo dois obstáculos

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logo ao princípio e evitou outro mais para o fim. Eu fiz tudo o que pude para o aguentar, ele estava completamente coxo, de maneira que eu pensei, adiante é que é o caminho, vamos mas é acabar com isto.

De maneira que lá ganhámos o primeiro prémio.

Não me perguntem o que é que terá acontecido, mas é evidente que se passou qualquer coisa de estranho naquele júri. Talvez o meu pai tenha dado dinheiro a alguém, ou então gostaram do meu rabo, devem ter achado que ficava muito jeitoso com as calças de montar.

Foi uma grande injustiça, diz a Jeannie. Nunca me esqueci disso.

E eu, mas Jeannie, minha querida, o mundo é mesmo assim.

Porque com caçadores e saltadores é assim mesmo. com saltadores tudo bem, uma pessoa só tem de correr contra o relógio. Mas com os caçadores, não, depende tudo da opinião dos outros, é uma coisa que nem sempre é clara. É uma grande preparação para a vida, não é?

Vamos mas é enfrentar o problema, até que ponto é que há justiça neste mundo?

bom, finalmente a Jeannie pára de chorar pelo menos o suficiente para me dizer que sempre competiu comigo, apesar de gostar de mim sempre procurou superar-me em tudo e sempre achou que não conseguia, como se isto fosse alguma novidade para mim, de maneira que eu digo-lhe, está bem, qual é o problema e durante aí uns três minutos ficamos muito amigas, está tudo bem, e falamos das coisas mais parvas e triviais que nesse momento parecem muito importantes, até que ela diz, vou-te dar o melhor aniversário que já alguma vez tiveste e depois solta um ah, como se tivesse planeado uma grande surpresa e não quisesse descair-se.

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Imagino que os meus amigos hão-de fazer qualquer coisa, quer dizer, espero bem que façam. Daqui a dez dias faço vinte e um anos. Dá a impressão de que já estou neste planeta há muito mais tempo. Isto faz-me lembrar aquela mulher que anda de terra em terra e aparece nos Ramada Inns a dizer que é um homem com quarenta mil anos de idade, e cobra centenas de dólares a uma quantidade de espectadores que vão ouvi-la falar com aquela voz de barítono de falsete acerca da sabedoria dos tempos. Seja ela quem for, garanto que é uma impostora, o verdadeiro homem com quarenta mil anos de idade sou eu. E aqui estou eu para vos dizer, e grátis, que não é nada agradável.

12.

BOA NOITE MINHAS SENHORAS

Claro que com a sorte que tenho só podia estar grávida. Cá se fazem cá se pagam, desta vez tenho mesmo de ir à clínica. Não posso crer, é demais. E não tenho um tostão que se veja, devo dinheiro a todos os habitantes do hemisfério ocidental, o que eu sou é um país do Terceiro Mundo daqueles completamente desgraçados tesouro vazio, taxa de nascimentos explosiva. Deus do céu. Mas o que é verdadeiramente deprimente é que não sei de quem é, quer dizer, tanto pode ser do Skip como pode ser do Dean. Se isto tivesse acontecido há uns meses atrás, havia para aí uns vinte suspeitos, mas até dois é de mais. A Francesca e a Jeanme querem que eu telefone ao Dean, dizem que é o mínimo que eu devo fazer. Nem pensem. Preferia ter a criança a falar com o Dean, e não me passa pela cabeça ter a criança.

Telefono primeiro à Carol, minha irmã, e ela é óptima comigo, às vezes não sei o que faria se não tivesse a Carol do outro lado do fio, e ela diz que se eu não arranjar o dinheiro obriga o namorado a entrar com o que for preciso, o tipo é rico e se começar com evasivas ela ameaça-o com um embargo sexual.

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Onde é que anda o pai?, pergunto eu e ela diz que está em Cancun com uma boneca nova. Bestial. Sempre que preciso do velho o tipo está numa praia qualquer com uma gatinha de dezanove anos de idade. A história da vida dele.

A seguir ligo para o escritório do velho e a secretária começa a dizer que ele está na Europa numa viagem de negócios, acabei de lhe mandar o cheque para as propinas da escola.

E eu, mas é incrível, é extraordinário. Para variar há qualquer coisa que corre bem na minha vida. Devo estar a sonhar.

De maneira que marco uma consulta para a próxima semana e pago com o dinheiro das propinas. Ironia do destino, o mês passado paguei as propinas com o dinheiro que era para o meu aborto inventado, agora é ao contrário. E como se isto não bastasse, quem é que eu vejo umas noites depois?, precisamente o Skip Pendleton, com um modelo da Click género anoxérico, e é evidente que o tipo finge que não me vê.

Entretanto os peitos doem-me como o caraças e tenho a sensação de estar a inchar que nem um balão. Faço o possível por não pensar na coisa que tenho cá dentro, quer dizer, mesmo que seja uma pessoa em vez de um peixe o que eu queria dizer-lhe era, eh, acredita no que te digo, no fiindo eu you é fazer-te um favor, isto cá fora é uma merda, não te ias sentir nada bem.

Ando tão distraída que me esqueço por completo de que a consulta é no dia anterior ao meu aniversário. Quando me lembro, digo para mim mesma, ora, que se lixe, o que eu quero é acabar com isto. Dizem-me que you poder sair da clínica nessa tarde e não havendo complicações estou boa passado um dia ou dois. Respondo-lhes que um dia depois é o primeiro dia. do resto da minha vida.

Não me perguntem porquê, não quero que pensem que estou a ficar uma velha piegas, mas a verdade é que sem mais nem menos decido fazer uma visita ao Mannie que ainda está no hospital. Levaram-no para Lenox Hill, you até lá a pé. Mesmo em frente do hospital há dois tipos a fazerem uma corrida de cadeiras de rodas e as pessoas começam a aplaudi-los e a incitá-los, são dois velhos, devem ter para aí uns oitenta anos mas a corrida é mesmo a sério e o pessoal afasta-se para eles passarem. Até que aparecem uma enfermeira e um empregado, desatam aos gritos com os dois velhos e acabam com a corrida.

O Mannie parece uma versão de desenho animado de um acidentado, está todo engessado, parece uma múmia viva. Tem a cabeça toda ligada mas vê-se-lhe bem a cara e quando eu me aproximo o ripo abre muito os olhos, começa a sorrir feito um lunático, não sei se se lembra de mim ou se está numa de bebé que sorri para tudo.

De maneira que eu viro-me para ele, olá, sou a Alison, a irmã da Rebecca. De repente sinto-me mal, se calhar não devia falar da Rebecca.

O ripo continua a sorrir, a dentadura parece um farol de automóvel brilhando na noite, das duas uma, ou lhe deram umas drogas bestiais ou então está mesmo contente por me ver.

Lamento imenso o que aconteceu, digo eu.

Eu sei, não me digam nada, sei perfeitamente que não podia ter dito coisa mais apropriada.

Sento-me na cadeira ao lado da cama, enfim, sempre é uma maneira de fazer alguma coisa. Ele continua a sorrir e eu já estou a ficar maluca, é como se ele soubesse qualquer coisa que eu não sei, de maneira que acabo por dizer, a Rebecca manda-te cumprimentos, ela teve de se ir embora de repente por causa de uns assuntos importantes mas pediu-me para ver como

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é que estavas e que viesse dar-te uma palavrinha, enfim...

Claro que isto é uma mentira completa, não sei por que razão o digo, talvez seja para que ele se sinta melhor.

Passam mais alguns minutos de silêncio e sorriso arreganhado até que eu digo, foi mesmo um acidente, não foi? A cara do tipo está mesmo branca, branca e vermelha nos sítios onde se aleijou e levou pontos, faz lembrar uma pintura em que as cores estão todas erradas, uma pintura nada fiel à realidade.

A boca dele começa então a mexer-se e eu encosto-me a ele para poder ouvir o que ele quer dizer. Finalmente sai-lhe um murmúrio abafado, diz-lhe que eu

a amo.

E eu, mas ouve lá, tu estás maluco ou quê? Deves estar mesmo doido de todo. Odeio ter de ser eu a dizer-to, mas a verdade é que a Rebecca para puta só lhe faltam as asas, está-se nas tintas para ti, aliás está-se nas tintas para toda a gente excepto para si mesma, nem sequer perguntou como é que tu estavas. É assim que a Rebecca é.

O tipo de facto não está a olhar para mim, ele está é a olhar através de mim, é como se não me visse, e continua a sorrir, e eu digo, ouve lá, mas o que é que a Rebecca tem de especial? Quer dizer, estou doida por saber, é uma coisa que de facto me intriga.

Ele responde apenas, diz-lhe que eu a amo.

E eu digo, desculpa, Mannie, eu não estava a falar a sério, o que eu tenho é inveja. A Becca teve de ir para fora mas pediu-me para te visitar, para ver como é que tu estavas, essas coisas. Tenho a certeza de que um dia destes tens notícias dela. Não sei se ele me ouve ou deixa de ouvir. Deixo-o a sorrir no mesmo estilo arreganhado, fica a sorrir para as paredes com aquele sorriso de Menino de Deus, isto está para além de

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qualquer lógica, de qualquer normalidade. A questão é que o tipo tem um ar feliz e nós nem o ar temos.

A Francesca vai comigo à clínica. Perdeu quase dez quilos nas últimas duas semanas, está com um aspecto óptimo. Obrigo-a a prometer que não telefona ao Dean, aconteça o que acontecer. Sentamo-nos na sala de espera que tem imensas Mademoiselles e Ladies' Home Journal em cima da mesinha para o caso de nós querermos ficar a saber umas coisas sobre bronzeamentos ou como fazer um bolo de café imenso molhado, o seu maridinho quando o provar até tem um orgasmo, e nesse momento chamam-me e eu entro e dispo-me e visto o roupãozinho de papel, subo para a marquesa, finco os pés nos estribos, estão frios, é um frio bom.

Drogas, quero drogas, digo eu mal aparece a médica.

Disseram-me que lhe tinham dado Demerol, e eu digo-lhe que tenho uma tolerância monstra, esqueça a dosagem correcta para o meu peso e altura, mas a médica diz, a doentes externos só se pode dar anestesia local. E eu, dê-me uma expresso. Ela espeta-me uma agulha no útero e eu ponho-me a fazer o exercício da memória sensitiva, imagino o Dean sentado naquela cadeira que ele tem e onde lê e fala de Shakespeare e do mercado de acções e sei lá o que mais, estou a ver as expressões do seu rosto, o seu sorriso manhoso, ponho-o aqui mesmo ao meu lado a falar comigo. Nada de sexo é preciso não esquecer que me estão a aspirar as entranhas... a anestesia local não chega para abafar a dor e é-me difícil fazer o exercício, não consigo concentrar-me, a imagem vai-se esvaindo, a cara dele, as vozes vão-se esbatendo como naquelas cenas que às vezes acontecem naquelas séries de televisão muito más, a acção passa-se num ermo qualquer e o protagonista vai lentamente perdendo a consciência...

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Então tento lembrar-me daquela lengalenga que a gente costumava cantar na escola Miss Mary Maca Mack all dressed in black black black, mas o resto não vem...

Quando a coisa acaba dói-me que se farta. Dão-me outra injecção para fechar o útero, dói-me incrivelmente, e depois disso começam os espasmos.

A Francesca leva-me a casa de táxi e mete-me na cama e a Jeannie aparece com Valiuns 10 e eu caio numa espécie de morte cerebral durante aí umas dezasseis horas.

A Jeannie acorda-me um pouco depois do meio-dia, comprou-me duas dúzias de rosas de pé alto e traz-me o correio numa bandejazinha de pequeno-almoço, postais de aniversário dela e da Carol e da minha mãe e de montes de gente. Do meu pai, nada. Nem uma merda dum postal é capaz de mandar.

Há mensagens?, digo eu, e a Jeannie diz que a Francesca telefonou a perguntar como é que eu estava.

De maneira que deixo-me ficar na cama o dia inteiro, não me sinto propriamente no melhor da minha forma, mas também porque é que me hei-de estar a chatear?

A mãe telefona-me depois das cinco, ela é muito poupada em pequenas coisas e por isso espera pelas cinco horas porque antes as chamadas são mais caras, mas de repente é capaz de gastar cento e cinquenta dólares para aparar o pêlo do poodle.

Feliz aniversário, querida, diz ela. Agora já és uma mulher crescida.

Imenso obrigada, digo eu.

Recebeste o meu postal?, diz ela.

Recebi, obrigada, digo eu.

Então ela dispara. Começa a falar do namorado, não se preocupa, não liga nenhuma, não é sensível às necessidades dela, blabla blabla blabla. Fala género metralhadora, ainda não está bêbeda, mas ouvem-se os cubos

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de gelo a chocalharem do outro lado do fio. Quer dizer, eu compreendo-a, mas é um bocadinho deprimente, ao menos no dia do meu aniversário podíamos falar um bocado da minha pessoa.

No fim de contas eu é que sou a filha e ainda por cima hoje sou bebé, excepto no bilhete de identidade. Quer dizer, das duas eu é que em princípio precisaria de conselhos, isto faz-me pensar no seguinte, quer dizer, qual é a diferença entre uma pessoa ser ou não ser adulta, a diferença é que um adulto pode beber legalmente em todos os estados da união, a minha mãe por exemplo fala como se tivesse dezasseis anos...

Finalmente digo-lhe que tenho de me ir vestir para a minha festa e pergunto-lhe se ela sabe onde anda o pai. Ela não sabe mas tem a certeza de que ele me telefona.

Está bem.

Às sete a Jeannie diz que são horas de me vestir e ajuda-me a escolher a roupa, basicamente preto, saia de cabedal da Fiorucci e um top de seda Kamali, meias género rede de pesca e uns sapatos de salto chiquérrimos de Bennis & Edwards que eu pedi emprestados à Didi há uns meses atrás.

Violam-te mal saias à rua, diz a Jeannie ao analisar-me.

E eu, não se viola quem quer.

Ah, já pareces tu outra vez, diz a Jeannie.

Já estou bem, digo eu.

A Didi e a Francesca cotizaram-se e vêm buscar-me de limousine, de maneira que seguimos as quatro para o Sam's, está lá o bando todo à espera, uma mesa para dezasseis, os suspeitos do costume, oprep da Rebecca, o Everett, também cá está, não me perguntem porquê, o tipo está com um ar o mais desgraçado possível, a minha festa de aniversário vai fazê-lo lembrar-se da Rebecca pelo menos um bocadinho e assim ele vai poder

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sentir-se na merda por mais algum tempo. E também estão a Didi e a Whitney e o Mark do bronzeamento e uma quantidade de outros idiotas que são todos a modos que meus amigos, e quando eu entro levantam-se todos feliz aniversário, Alison! e eu ponho-me a olhar à volta, talvez o Dean tenha vindo, não veio nada, porque é que havia de vir?

É o que se chama uma jantarada, mas só para alguns, os outros passam o tempo a correr para a casa de banho, a Jeannie tem coca e o Mark também, e a Didi não pára de berrar connosco, desgraçados, viciados de merda, não há dúvida que a droga agora lhe mete nojo. É espantoso, ela não se apercebe de que a situação é no mínimo kónica. Desatamos todos a cantar um refrão do Amazing Grace e ela fica fula de todo.

Ao fim de um bocado começa tudo a ficar descontrolado. Q prep tenta bater no criado, não me perguntem porquê. O Everett faz um daqueles bêbedos briguemos e além disso tem o coração despedaçado. A certa altura diz que se quer casar comigo e eu respondo, obrigada, mas não acredito no casamento, e ele diz, respeito o teu ponto de vista, diz todas as palavras com o máximo de cuidado como se estivesse com medo que elas caíssem e se partissem. Depois diz que paga tudo e toda a gente acha que é uma óptima ideia, de repente levanta-se e começa a bater num copo de vinho com uma colher até que parte o copo, a seguir começa a bater na mesa até que consegue chamar a atenção de toda a gente e depois põe-se a olhar à sua volta como se não tivesse a a certeza de onde é que está até que subitamente se lembra. Põe-se a abanar a cabeça para tentar evitar um avião minúsculo que lhe passa mesmo a rasar. Depois diz com o ar mais sério deste mundo, hoje a Alison faz anos.

Fica tudo doido com a saída dele, desatam todos a bater palmas, em parte porque parece verdadeiramente

espantoso que ele ainda consiga falar ou lembrar-se de que está na minha festa de aniversário.

Hoje a Alison é uma mulher adulta, prossegue.

Esta frase é saudada com um coro de vaias e assobios. O prep apanha com um projéctil um pedaço de bolo de queijo na cara.

Estou a falar a sério, diz ele. Sinceramente. Eu adoro esta rapariga, não, esperem, ela já não é rapariga, agora é uma mulher.

Claro que a Didi e a Francesca nesse momento começam a cantar No Woman, No Cry de Bob Marley.

O Everett abana os braços a pedir silêncio, ainda tem a mão direita ligada, e depois diz, eu adoro a irmã dela, mas também a adoro a ela. Gostaria que a Alison e vocês todos se considerassem meus convidados porque vocês são todos amigos da Rebecca e eu amo a Rebecca e amo-vos a todos.

De maneira que desata tudo de novo a aplaudi-lo e a atirar-lhe com merdas e de repente tenho um pressentimento, um mau pressentimento. Era de esperar. Só quando o criado lhe traz a conta é que ele se lembra que deu todos os seus cartões de crédito à Rebecca.

Depois do jantar vamos ao Nell's e ao Zulu Lounge e depois acabamos no nosso apartamento, mas o nosso apartamento é demasiado pequeno para tanta gente e o prep diz que ainda está na suite do Stanhope, não tem dinheiro para pagar a conta por isso não sai. De maneira que vamos para a suite dele, daqui a bocado nasce o dia e a Jeannie faz uma colecta e vai num instante ao Emile...

A festa dura dois dias.

Algumas pessoas acabam por desaparecer, outras regressam na segunda noite, dois tipos dum grupo de rock australiano aparecem e deixam-se ficar, de facto só se vão embora ao fim de nove ou dez horas, e o

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Ernile aparece para o reabastecimento, com certeza que lhe telefonámos. A Francesca ora sai ora volta, quer salvar-me disto tudo, a certa altura diz que me leva a fazer compras no Bergdorf s com o cartão de crédito do pai dela mas eu e o Everett resistimos, sentados no chão que ainda está livre, não posso crer que haja alguém que se sinta como eu uau!, eu pensava que era a única pessoa no mundo que se sentia assim e ele fala-me da Rebecca e eu falo-lhe do Dean enquanto you fazendo buracos com os cigarros nos estofos das cadeiras Louis Cathouse. O nosso problema é que não conseguimos falar com a rapidez necessária à expressão dos magníficos pensamentos que nos passam pela cabeça. As grandes cabeças afundam-se1 todas da mesma maneira, não é? bom, a certa altura pergunto ao Everett se ele sabe quais são as três grandes mentiras. Digo-lhe as duas primeiras e ele põe-se a acenar com a cabeça como um guru ou parecido, com aquela calma absoluta que só os verdadeiramente passados ou malucos conseguem aparentar. Depois pergunto-lhe, então qual é a terceira?

Facílimo, diz ele. A terceira mentira é amo-te.

Uau!, claro, é isso mesmo!, penso eu.

Telefonamos para a charcutaria do Lex a pedir álcool e cigarros porque nos cortaram o serviço de quartos e ligo para o meu pai mas nunca o consigo apanhar e lembro-me vagamente de a gerência dizer que tínhamos de abandonar a suite mas nós fizemos-lhes frente e depois disso não sei, acho que a certa altura dei comigo na maior histeria, se calhar tentei atirar-me da janela, de repente parecia que era o que havia a fazer.

bom, o que eu sei é que a certa altura surge uma luz nas profundezas do meu delírio, uma luz, uma

1 No original, great minds sink alike, há um jogo de palavras entre sink e think sem equivalente em português. (N. do T.)

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chispa de sanidade que me diz eu não estou nada bem e então lembro-me daquela coisa na minha carteira, de maneira que a certa altura o bom do Everett vai à casa de banho verter toxinas e eu desato à procura na minha mala e depois na carteira até que descubro o cartão, que está metido atrás da parte dos trocos no meio de montes de bocados de guardanapo com os nomes e os números de telefone de todos os rapazes a quem nunca telefonei e rastejo até ao telefone e digo o número em voz alta e marco o número, os últimos quatro dígitos são A.J.U.D.A. novamente.

Acho que depois disto falei com o meu pai, mas não tenho a certeza, mas adiante, há um médico que mais lá para o fim aparece na suite mas não me lembro bem...

E agora estou num sítio qualquer no Minnesota encharcada em sedativos sonhando sonhos brancos com neve que não pára de cair, é no Norte, a neve faz a paisagem desaparecer, sonhando com linhas de caminho de ferro que nunca mais acabam, que desaparecem no horizonte como se fossem vias férreas a caminho das estrelas. Como quando eu montava a cavalo e andava anoréxica e fazia o possível para passar fome e não sonhava com outra coisa senão com comida. Há cavalos ao longe num pasto que se vê da minha janela. Tenho-os visto através das grades.

Mais para o fim da infindável festa que me atirou para aqui pus-me a contar ao prep a história do Dangerous Dan. Houve uma altura em que eu tive oito cavalos, mas o Dangerous Dan era o melhor. Andava por todo o país em concursos e exibições e quando vi o Dan pela primeira vez disse logo para mim que não havia no mundo melhor cavalo. O Dan era como um ser humano tão esperto e manhoso que seria capaz de dar um salto de seis metros para evitar o chicote do

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treinador para logo de seguida parar por completo ou ficar de pata no ar perante um obstáculo fácil, só para chatear. Tinha um físico perfeito, era como uma estátua de um cavalo sonhada por Miguel Angelo. O meu pai comprou-mo, custou uma fortuna. Nessa época o meu pai comprava-me tudo o que eu queria. Eu era a queridinha dele.

Adorava aquele cavalo. Só eu podia aproximar-me dele, ai daquele que tentasse chegar-se ao pé dele, o Dan era muito capaz de o matar, mas eu costumava dormir no estábulo, passava montes de tempo com ele. Quando ele apareceu envenenado fiquei em estado de choque. Durante uma semana estive sob a acção de tranquilizantes. Fizeram um inquérito para nada. A companhia de seguros pagou tudo o que havia a pagar, mas eu decidi abandonar os cavalos. Uns meses depois, certa noite, o meu pai veio falar comigo ao meu quarto. Tinha a cara molhada e cheirava a álcool. Lamento imenso o que aconteceu com o Dangerous Dan, disse-me ele. Diz que me perdoas. Murmurou qualquer coisa sobre negócios e depois caiu-me em cima a dormir e eu tive de ir chamar a minha mãe.

Ao fim de uma semana no choco deixam-me telefonar. Ligo para o meu pai. Como é que isso vai?, pergunta ele.

Não sei porquê, talvez isto seja só para impressionar, mas a verdade é que estou para aqui presa vai já para uma semana e ainda por cima com um monte de psiquiatras à minha volta. De maneira que resolvo fazer um bocado de graça com o meu pai e digo-lhe, pai, às vezes penso que era capaz de sair mais barato se me tivesses deixado ficar com aquele cavalo.

E ele responde, não sei do que é que estás a falar.

E eu, estou a falar do Dangerous Dan. Não te lembras do que me disseste naquela noite depois de ele ter morrido?

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E ele, eu não te disse nada.

Está bem, pronto, talvez eu tenha sonhado. Afinal até estava na cama e ele acordou-me. Da primeira vez não me pareceu. Mas agora, com os tranquilizantes que me estão a dar, sinto-me género sonâmbula e quase consigo acreditar que essa cena nunca aconteceu. Talvez eu tenha sonhado muitas coisas. Coisas que pensei que me aconteceram. Coisas que pensei que fiz. Coisas que me fizeram. Até que era porreiro. Que bom que era se noventa por cento da minha vida não tivesse passado de um sonho.

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